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Mauri Furlan
Federal University of Santa Catarina
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2
Antologia do Renascimento
Antologia do Renascimento
(séc. XVI)
(bilíngue)
2ª ed. revista e modificada
3
Antologia do Renascimento
Ficha catalográfica
ISBN 8588464098
4
Antologia do Renascimento
Expediente
Revisão final:
Mauri Furlan
Philippe Humblé
Tradutores:
Alemão: Mauri Furlan, Raquel Abi-Sâmara
Espanhol: Fábio Renato Corrêa, Mauri Furlan,
Pablo Cardellino Soto, Valeria Herzberg, Walter Carlos Costa
Francês: Cláudia Borges de Faveri, Dorothée de Bruchard,
Marc Goldstein, Marie-Hélène Catherine Torres,
Nícia Adan Bonatti, Philippe Humblé
Inglês: Paulo Henriques Britto
Italiano: Andréia Guerini, Anna Palma,
Mauri Furlan, Tommaso Raso
Latim: Mauri Furlan
Português: Mauri Furlan
Revisores:
Alemão: Werner Heidermann
Espanhol: Philippe Humblé
Francês: Marie-Hélène Catherine Torres
Grego: Fernando Coelho
Inglês: Mauri Furlan
Italiano: Tommaso Raso
Latim: Mauri Furlan
Português: Fernando Coelho, Luiz Henrique Queriquelli,
Mauri Furlan, Norma Andrade da Silva, Zilma Gesser Nunes
2006, 2016
5
Antologia do Renascimento
Índice
Prefácio 10
Leonardo Bruni 43
Sobre a tradução correta 45
De interpretatione recta (1420) 63
Tradução de Mauri Furlan
Alonso de Cartagena 78
Introdução in A retórica de Cícero 79
Introducción en La retórica de Cicerón (1427-31) 81
Tradução de Valéria Herzberg
Martin Luther 83
Carta aberta sobre a tradução 84
Sendbrief vom Dolmetschen (1530) 94
Tradução de Mauri Furlan
6
Antologia do Renascimento
7
Antologia do Renascimento
8
Antologia do Renascimento
Em preparação
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Antologia do Renascimento
Prefácio à 1ª edição
10
Antologia do Renascimento
Mauri Furlan
Florianópolis, 2006
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
1. Inuentio
1.1.Exordium
1.2.Narratio
1.3.Argumentatio
1.4.Peroratio
2. Dispositio
2.1. Ordo naturalis
2.2. Ordo artificialis
3. Elocutio
3.1.Latinitas
3.2.Perspicuitas
3.3.Ornatus
3.4.Aptum
3.5.Vitia
4. Memoria
5. Pronuntiatio
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Antologia do Renascimento
Uma vez que a tradução trabalha sobre um texto definido e não necessita
nem pode tratar dos aspectos retóricos próprios da inuentio e da dispositio, a
parte da retórica que lhe cabe cuidar é a elocutio. A elocutio se refere
essencialmente à materialização das ideias e ao estilo, à escolha dos termos e
sua compositio.
Os preceitos da elocutio dizem respeito a dois grupos: os relativos às
palavras isoladas, uerba singula, e os que afetam as palavras agrupadas em
função sintática, uerba coniuncta. Por isso, também na retórica, a electio
uerborum é a operação fundamental da seleção do material estrutural para a
construção futura. Contudo, aqui, a seleção se dá dentro dos limites impostos
pela gramática, ou seja, a retórica somente pode selecionar entre aquelas
palavras já aprovadas por sua propriedade, pureza e clareza. Ao trabalhar a
elocutio, o tradutor cuidava da latinitas, a forma de expressar-se com correção
idiomática; da perspicuitas, a clareza, a compreensibilidade intelectual; do
ornatus – a mais importante das partes da elocutio –, que atentava para a
uarietas, para as figurae uerborum e figurae elocutionis, enfim, para a
compositio com seus elementos ordo, iunctura, numerus, cujos preceitos e
características são muitos e detalhistas – atualmente podemos estudá-los nos
bons manuais de retórica clássica, como o de Heinrich Lausberg –. O tradutor
cuidava ainda das outras partes da elocutio conhecidas como aptum, que
buscava a harmonia de todas as partes, e dos uitia, aquilo que deveria ser
evitado.
Importa-nos aqui, não tanto entrar nas especificidades da elocutio, mas
reconhecê-la enquanto uma das partes estruturais da retórica clássica, pois que
vai atuar como sistema operador do código que definirá a teoria da linguagem
no Renascimento.
A tradução é uma prática da linguagem, e toda prática da linguagem
implica uma ideologia da linguagem (Meschonnic 1973:28), uma concepção
da linguagem. Toda concepção da linguagem, por sua vez, está vinculada
intimamente a uma cosmovisão, pelo que a transformação de uma implica a
transformação da outra. Na história do pensamento ocidental desde suas
origens até o Renascimento, contam-se tradicionalmente – embora não sem
problemas – três grandes mudanças na forma de ver e entender o mundo,
conhecidas como períodos Clássico, Medievo e Renascentista. A concepção da
linguagem própria de cada período se expressa mediante códigos, e o
conhecimento destes códigos permite tratá-la enquanto teoria, e como tal
analisar a construção das práticas lingüísticas. Para esses três períodos, dá-se
por assentado que o código da teoria da linguagem é o gramático-retórico;
porém, o sistema que operou como cânone em cada momento determinado foi
17
Antologia do Renascimento
21
Antologia do Renascimento
I. Requisitos básicos
1. Domínio da língua de partida
2. Domínio da língua de chegada
3. Conhecimento da matéria
4. Uso do ouvido ou habilidade poética
II. Elocutio
III. Principais problemas da tradução
1. Língua do original e língua da tradução
2. Conteúdo e forma, sentido e palavra, espírito e letra
3. Reconhecimento dos valores (estéticos) do original e busca de uma forma
análoga na tradução
IV. O leitor
1. Uso da língua comum
2. Sonoridade do texto produzido
V. Tipologia de textos e de tradução
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Antologia do Renascimento
George Chapman:
… it is the part of every knowing and judiciall interpreter, not to follow the number
and order of words, but the materiall things themselves, and sentences to weigh diligently,
and to clothe and adorn them with words, and such a style and form of oration, as are
most apt for the language into which they are converted.
… todo intérprete conhecedor e judicioso sabe mui bem que não cabe seguir o
número e a ordem das palavras, e sim as cousas materiais em si, e pesar com cuidado as
sentenças, e vesti-las e adorná-las com palavras, e com o estilo e a forma de oratória os
mais adequados para a língua para a qual se faz a conversão.
Étienne Dolet:
En traduisant il ne se faut pas asservir jusques à là que l’on rende mot pour mot.
[…] s’il a les qualités dessusdites (lesquelles il est besoin d’être en un bon traducteur),
sans avoir égard à l’ordre des mots il s’arrêtera aux sentences, et fera en sorte que
l’intention de l’auteur sera exprimée, gardant curieusement la propriété de l’une et l’autre
langue.
25
Antologia do Renascimento
Ao traduzir, ele não deve assujeitar-se ao ponto de traduzir palavra por palavra. […]
se tiver as qualidades acima mencionadas (as necessárias a um bom tradutor), deter-se-á
nas sentenças sem considerar a ordem das palavras, e fará de tal forma que a intenção do
autor será expressa, conservando cuidadosamente a propriedade de cada língua.
Martinho Lutero:
Ich hab mich des beflissen im Dolmetschen, daß ich rein und klar Deutsch geben
möchte. […] Doch habe ich wiederum nicht allzu frei die Buchstaben lassen fahren.
Ao traduzir, esforcei-me em escrever um alemão puro e claro. […] Por outro lado,
não abandonei completamente a letra.
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
Prof. dr., Universidade Federal de Santa Catarina
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Antologia do Renascimento
Bibliografia citada
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Antologia do Renascimento
Bibliografia de estudo
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Antologia do Renascimento
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Bodo Guthmüller (ed.), Latein und Nationalsprachen in der
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Hale, John R., 1993, La Europa del Renacimiento – 1480-1520, Madri, Siglo
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Barcelona, Crítica. Trad. de Jordi Ainaud.
Heers, Jacques, 2000, La invención de la Edad Media, Barcelona, Crítica.
Trad. de Mariona Vilalta.
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Alejandro Rodríguez de la Peña.
Inácio, Inês C. & Luca, Tania Regina de, 1988, O pensamento medieval, São
Paulo, Ática.
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Da tradução correta
1
Protógenes, Apeles e Aglaofonte, célebres pintores gregos, sendo Apeles (séc. IV a.C.) o mais conhecido
por ter retratado Filipe II e Alexandre Magno. Nenhuma de suas pinturas chegou até nós.
45
Antologia do Renascimento
E para que tudo isso possa ser mais amplamente entendido, explanar-te-
ei em primeiro lugar o que eu penso sobre o método de traduzir. Em seguida,
mostrarei as repreensões merecidamente feitas por mim. Em terceiro lugar,
mostrarei que, ao repreender os erros dele, observei o costume de homens
doutíssimos.
I.
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Antologia do Renascimento
Iuuentus e iuuenta são duas palavras, das quais uma significa “multidão”,
a outra, “idade”. “Si mihi foret illa iuuenta”2 [Se eu tivesse aquela juventude],
disse Virgílio; e em outra passagem: “primaeuo flore iuuentus exercebat
equos”3 [na primeva flor a juventude se exercitava nos cavalos]; e Tito Lívio:
“armata iuuentute excursionem in agrum Romanum fecit”4 [com a juventude
armada fez uma incursão em território romano]. – Deest [falta] e abest [está
ausente]: um implica reprovação, o outro, elogio; dizemos deesse [faltar] às
coisas que são boas, como a voz de um orador, o gesto de um ator; abesse
[estar ausente], porém, aos defeitos, como a imperícia de um médico, a
prevaricação de um advogado. Poena [pena, castigo] e malum [desgraça, mal]
parecem afins; são, contudo, em muito diferentes. Pois dare poenas [sofrer
um castigo] significa subire [suportar] e perpeti [sofrer pacientemente];
porém, dare malum [maltratar, dar um castigo] significa alteri inferre [infligi-
lo a alguém]. Por outro lado, o que pode parecer mais distinto do que recipio
[receber] e promitto [prometer]? São, contudo, por vezes, a mesma coisa.
Quando, pois, dizemos: “recipio tibi hoc” [guardo isto para ti], o que estamos
dizendo é “prometo isto para ti”. Eu poderia mencionar quase inúmeros outros
deste tipo, com os quais facilmente se equivoca quem não for altamente
instruído. Quem, portanto, não considerar atentamente isto, tomará uma coisa
por outra.
Às vezes expressamos pensamentos inteiros com muito poucas palavras,
como “actoris Aurunci spolium”5 [o espólio do ator Auruncio], que
ironicamente o poeta disse sobre o espelho daquele, e em outra passagem,
“utinam ne in nemore Pelio”6 [que nunca no bosque peliano], que indica a
origem e a causa primeva de um mal. Essas coisas são muitíssimo frequentes
entre os gregos. Pois tanto Platão insere-as em muitas passagens, quanto
Aristóteles serve-se delas copiosamente, como “duo simul euntes”7 [dois que
caminham juntos], que, tomando de Homero, o transfere à força e ao vigor da
amizade; e o dito por Aquiles em discurso aos embaixadores sobre o
“surreptitio repulso”8 [o sem-pátria excluído], que reproduziu nos livros da
Política; e o dito sabiamente pelos troianos mais velhos sobre “Helenae
2
Virgílio, Eneida, V, 397-398: “si mihi quae quondam fuerat quaque improbus iste / exsultat fidens, si
nunc foret illa iuuentas”.
3
Virgílio, Eneida, VII, 162-163: “ante urbem pueri et primaeuo flore iuuentus / exercentur equis
domitantque in puluere currus”.
4
Tito Lívio, História de Roma, III, 8,7: “Fabius praeerat urbi; is armata iuuentute dispositisque praesidiis
tuta omnia ac tranquilla fecit.”
5
Juvenal, Sátiras, II, 100, a partir de Virgílio, Eneida, XII, 94.
6
Início do prólogo da Medéia de Ênio, citado pelo autor da Rhetorica ad Herennium, II, 22, 34.
7
Aristóteles, Ética a Nicômaco, VIII, 1, a partir de Homero, Ilíada, X, 224.
8
Aristóteles, Política, III, 1278a, 9. Homero, Ilíada, IX, 648.
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Antologia do Renascimento
9
Aristóteles, Ética a Nicômaco, II, 9, 1109b10. Homero, Ilíada, 3, 156-160.
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traduzir, deve ser repreendido e rejeitado com razão, seja porque induz os
homens a vários erros apresentando uma coisa por outra, seja porque diminui
a majestade do autor primeiro fazendo-o parecer ridículo e absurdo. Dizer,
contudo, que não merece repreensão mas louvor aquele que divulgou o que
podia, é de forma alguma correto nestas artes que exigem perícia. Nem
mesmo um poeta, se faz maus versos, merece louvor, embora tentasse fazê-los
bons, mas o repreendemos e o censuramos porque terá empreendido o que não
sabe. E criticaremos o escultor que tiver deformado uma escultura, embora o
tenha feito não por dolo, mas por ignorância. Como, pois, os que pintam um
quadro a imitação de outro quadro tomam dele a figura, a postura, o
movimento e a forma do corpo inteiro, e não refletem sobre o que eles
mesmos fariam, mas sobre o que um outro fez, assim nas traduções, o bom
tradutor, contudo, se converterá no autor primeiro do escrito com toda sua
mente, espírito e vontade, e de certo modo o transformará, e refletirá sobre
como expressar a figura, a posição, o movimento e a cor da oração e todos os
traços. Disto resulta um certo efeito admirável.
Com efeito, uma vez que quase todos os escritores têm um certo estilo
seu e próprio, como Cícero a magnificência e a abundância, Salústio a secura
e a brevidade, Tito Lívio uma sublimidade algo áspera, o bom tradutor,
contudo, se conformará assim a cada um a ser traduzido, de modo a seguir o
estilo de cada um. Por isso, se traduzir Cícero, não poderá agir de modo a não
tomar seus longos períodos ricos e redundantes com similar variedade e
abundância até a última frase, e ora acelerá-los, ora restringi-los. Se verter
Salústio, terá por obrigação sopesar quase que cada palavra individual e
perseguir sua propriedade e máxima exatidão e, por conta disso, restringir-se
de certo modo e anular-se. Se traduzir Tito Lívio, não poderá agir de modo a
não imitar seu estilo. O tradutor é, pois, arrastado com igual força para o
modo de dizer daquele do qual traduz, e não poderá de outra forma preservar
adequadamente o sentido se não penetrar e se retorcer através das orações e
períodos daquele com a propriedade das palavras e a imitação do discurso.
Este é um excelente método de traduzir: preservar ao máximo o estilo
primeiro do texto, de modo a não apartar dos sentidos as palavras, nem às
próprias palavras o brilho e o adorno.
Mas, uma vez que toda tradução correta é difícil por causa dos muitos e
vários requisitos que, como acima dissemos, são exigidos, é, contudo,
dificílimo transladar corretamente aquilo que foi escrito ritmicamente e
ornadamente pelo escritor primeiro. Frente a um texto obviamente rítmico, é
necessário avançar através dos membros, incisos e períodos da oração, e
prestar muitíssima atenção de maneira a que o conjunto resulte adequado e
esmerado.
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
de ter tomado uma definição em comum acordo sobre o próprio amor, o que é e que força
tem, atentando e reportando-nos a ela, consideremos: causa-nos benefício ou detrimento?
Com efeito, que o amor seja uma espécie de desejo, é evidente. Que, contudo,
também os que não amam desejam, sabemos. Por outro lado, porém, convém compreender
em que diferenciamos o amante do não-amante, porque também em cada um de nós há
duas ideias dominantes e condutoras, que seguimos onde quer que nos guiem: uma é o
desejo de prazeres inato em nós, a outra, uma ideia adquirida, que busca ansiosamente o
melhor. Por vezes, estas ideias em nós concordam, por vezes estão em desunião e
discórdia; e ora predomina uma, ora a outra.
Com a ideia conduzindo-se para o melhor por intermédio da razão e com o
predomínio de sua força surge a temperança; com o desejo, porém, sem a razão
arrastando-nos para os prazeres e dominando-nos, chama-se paixão. A paixão, no entanto,
sendo multiforme e de muitas aspectos, possui muitos nomes. E dessas formas, a que se
sobressai sobremodo em alguém confere-lhe um nome com designação própria, mas a
ninguém se lho atribui para sua honra ou dignidade. Em relação aos alimentos, porém, o
desejo que se sobrepõe à razão e a outros desejos é chamado de glutoneria, e o que a
possui recebe a designação por este mesmo nome. Por outro lado, o que exerce a tirania
em relação à embriaguez, e é visto guiando aquele que o possui, que nome terá? É claro de
que modo convém chamar a outros desejos irmãos e os nomes destes desejos irmãos,
sempre que um predomine sobre os demais. O motivo pelo qual dissemos as coisas acima
é já algo evidente. O dito, porém, será mais evidente que o não dito. O desejo que, sem a
razão, vence a ideia que tende à retidão, e impele ao prazer da beleza, predomina e guia
reforçado pelos desejos irmãos, que lhe são submissos em relação à beleza do corpo,
chama-se, pelo próprio excesso, porque se faz sem medida (absque more), amor.
Toda essa passagem foi tratada por Platão de forma insigne e brilhante.
Encontram-se, pois, tanto refinamentos das palavras, por assim dizer, como
um admirável esplendor dos pensamentos. E, ademais, toda a obra foi feita
com vistas ao ritmo. Pois “in seditione esse animum” [a alma está em luta], e
“circa ebrietates tyrannidem exercere” [exercer a tirania em relação à
embriaguez] e outras figuras traduzidas deste modo iluminam o discurso
como se espécies de estrelas nele interpostas. E “innata nobis voluptatum
cupiditas” [o desejo de prazeres inato em nós], “acquisita uero opinio,
affectatrix optimi” [uma ideia adquirida, que busca ansiosamente o melhor]
são ditas mediante determinadas antíteses; uma vez que, de certo modo, são
termos opostos innatum e acquisitum [‘inato’ e ‘adquirido’], cupiditasque
uoluptatum [‘desejo de prazeres’], opinio ad recta contendens [‘ideia que
tende à retidão’]. Além disso, diz: “huius germanae germanarumque
cupiditatum nomina” [os nomes dos desejos irmãos deste irmão], “superatrix
rationis aliarumque cupiditatum cupiditas” [o desejo que vence a razão e os
outros desejos], “utrum amanti potius uel non amanti sit in amicitiam
eundum?” [deve-se buscar amizade mais no amante ou no não-amante?],
todas estas palavras concatenadas engenhosamente entre si, como se num
chão de mosaico vermiculado, possuem um encanto extraordinário. Ademais,
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Antologia do Renascimento
também diz: “cuius gratia diximus, fere iam patet; dictum tamen, quam non
dictum, magis patebit” [o motivo pelo qual dissemos as coisas acima, é já
algo evidente. O dito, porém, será mais evidente que o não dito]: são dois
membros de orações emitidos em intervalos iguais, que os gregos chamam
kola. Depois disso, o período se apresenta pleno e perfeito: “quae enim sine
ratione cupiditas superat opinionem ad recta tendentem rapitque ad
uoluptatem formae et a germanis, quae sub illa sunt circa corporis formam,
cupiditatibus roborata peruincit et ducit, ab ipsa insolentia, quod absque more
fiat, amor uocatur” [o desejo que, sem a razão, vence a ideia que tende à
retidão, e impele ao prazer da beleza, predomina e guia reforçado pelos
desejos irmãos, que lhe são submissos em relação à beleza do corpo, chama-
se, pelo próprio excesso, porque se faz sem medida (absque more), amor].
Vedes, em todas essas sentenças, o esplendor dos pensamentos, os
refinamentos das palavras e o ritmo da composição. Se, porém, o tradutor não
preserva tudo isso, não se pode negar que comete uma detestável infâmia.
No mesmo livro [Fedro 257a-c], a seguir acrescentou muito elegante e
claramente umas palavras, dizendo:
A ti, ó dileto amor, cantamos essa palinódia, de um modo quase poético, o quanto
pudemos na forma mais bela e excelente, segundo nossa capacidade. Por isso, concede o
perdão pelos ditos anteriormente, e por causa deles assiste-me benevolamente. Pois, se algo
indigno à tua divindade foi dito por Fedro e por mim, que possas, acusando Lisias, o pai
desta disputa, fazê-lo desistir dos discursos deste gênero, e, assim, volta-o à filosofia, como
seu irmão Polemarco se voltou. Estas mesmas coisas também eu rogo a Deus, ó Sócrates.
Na verdade, já admiro muito teu discurso. Quanto supera ao anterior! A ponto de eu
começar a temer que Lisias venha a me parecer pobre e fraco se continuar a contrapor a
este teu um outro seu.
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Antologia do Renascimento
Que a felicidade perfeita seja, pois, uma certa atividade contemplativa será ainda
evidente a partir da nossa suposição de que os deuses são ao máximo felizes e bem-
aventurados. Mas quais ações atribuímos-lhes devem-nas realizar? Acaso as justas? Mas
seria ridículo se fossem mostrados ocupados com contratos e com depósitos de restituição e
coisas desse gênero. Ou, porém, as corajosas, enfrentando os medos e expondo-se aos
perigos por uma causa nobre? Mas que perigos e que medos podem existir para os deuses?
Acaso as generosas? Mas a quem as dariam? E ao mesmo tempo seria absurdo dizer que
eles têm dinheiro ou algo assim. Acaso as comedidas? Mas o que é, afinal, este elogio para
os que não possuem maus desejos? Assim, ao que percorre por tudo ficará evidente que há
nas ações a serem realizadas algo pequeno e indigno para a divindade dos deuses.
Entretanto, todos consideram que eles vivem, e que, por isso, dedicam-se a alguma
atividade. Pois não se há de dizer que eles dormem como Endimião.10 Se, porém, a um
vivente não se lhe atribui ser ativo em algo e, ainda mais, produzir algo, o que lhe resta
afinal além da contemplação? Logo, a atividade de um deus, a qual excede em bem-
aventurança, seria algo contemplativa. Por isso, também entre os homens, a atividade que
for mais próxima àquela será sempre a mais feliz!
Não por termos muitas vezes ouvido ou muitas vezes visto, adquirimos os sentidos,
mas pelo contrário, possuindo-os usamo-los, e os possuímos não os usando. Mas as
virtudes, adquirimo-las primeiramente obrando, como acontece também entre as outras
artes. Pois, aquilo que é necessário fazer depois que tivermos aprendido, aprendemos
fazendo-o, como os construtores ao construir, e os citaristas ao tocar a cítara; assim,
agindo com justiça se fazem os justos, com moderação, os moderados, e com bravura, os
bravos.
Além disso, o caso não é de forma alguma similar entre as artes e as virtudes. Pois as
coisas que procedem da arte têm em si mesmas motivo de louvor, por isso basta que
existam assim. Mas as que derivam da virtude, não é suficiente que elas mesmas sejam
feitas com moderação e justiça, como de certo modo possuem em si, mas que um agente as
tenha feito assim: em primeiro lugar sabendo o que faz, em segundo, escolhendo, e
escolhendo por causa delas mesmas, em terceiro, agindo com segurança e com
discernimento imperturbável. Para possuir as outras artes, contudo, não se requer nada
disso senão conhecimento. Mas entre as virtudes, o conhecimento mesmo é insuficiente ou
10
Endimião, em versões distintas na mitologia grega, por solicitação da Lua, teria sido agraciado por Júpiter
com o sono eterno, preservando, contudo, sua juventude. Ou, por ter desrespeitado Juno, teria sido castigado
por Júpiter com o sono perpétuo.
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Antologia do Renascimento
nada. De modo que, importa muito, ou melhor, tudo, o exercitar, uma vez que elas provêm
da ação frequente dos justos e moderados. Uma ação é, então, chamada de justa e de
moderada quando é tal qual um justo e moderado a realizou. Porém justo e moderado não
é quem realiza, mas quem realiza assim como os justos e os moderados realizam. Diz-se,
portanto, com razão, que alguém, ao fazer coisas justas, se torna justo, e, coisas
moderadas, moderado, porém, ao não fazer nada, ninguém parece preocupar-se com ser
bom. Mas a maioria não faz assim. Na verdade, voltando-se para as palavras e os debates,
pensam que filosofam e que, deste modo, se tornam homens bons: imitando os doentes que
ouvem atentamente as palavras dos médicos, mas que nada fazem daquilo que lhes foi
prescrito. Assim como não estarão bem os corpos daqueles que assim se tratam, do mesmo
modo, as almas daqueles que assim filosofam.
Vemos, ele diz, que os homens não adquirem e conservam as virtudes mediante os
bens externos, mas os bens externos mediante as virtudes, e a própria vida feliz –
encontre-se ela seja na alegria, seja na virtude, seja em ambas as duas – está mais para os
adornados ao máximo com caráter e inteligência, e que, contudo, possuem modestos bens
externos, do que para os que possuem mais bens externos do que seja necessário, mas
carecem de caráter e inteligência.
Acontece, pois, que homens certamente bons evitam ao máximo essa magistratura,
porém, de forma alguma é seguro confiá-la aos perversos, quando eles mesmos precisam
mais de custódia e cárcere do que podem vigiar os outros.
II.
11
Bruni possivelmente se equivoca, pois uma das hipóteses contemporâneas de maior peso sobre as
traduções de Aristóteles aponta o nome de Roberto Grosseteste (1168-1253) como tradutor ao latim da Ética
a Nicômaco (a tradução mais criticada por Bruni), e o de Guilherme de Moerbeke (1215-1286) como o
tradutor da Política, em 1260. Mas tal equívoco também pode ser explicado pelo fato de que a tradução
realizada por Roberto Grosseteste foi revisada por Guilherme de Moerbeke.
55
Antologia do Renascimento
conta, parte compreende mal do grego, parte reproduz mal em latim, como ao
dizer prolocutionis gratia quando deveria ser dito sub praetextu aliquo et
simulatione [sob algum pretexto e dissimulação]. Oculta-se, pois, uma causa e
finge-se enganosamente, quando trata-se de uma coisa e simula-se outra.
Obra-se, pois, na verdade, de modo a que os mais fracos sejam excluídos do
governo da coisa pública; simula-se, porém, fazerem-se, em nome dos
benefícios deles, aquelas coisas por causa das quais são excluídos.
Totalmente absurdo é o que apresenta depois: circa congregationem
[sobre a congregação]. Pois a palavra grega significa contio [assembléia], não
congregatio [congregação]. Elas diferem muito entre si. Congregatio
[congregação] é também de animais; de onde dizemos grex [grei]. Contio,
porém, é propriamente uma multidão de pessoas convocadas para deliberar
sobre uma questão pública; e isso significa em grego. Por isso não traduziu
corretamente quando transpôs uma coisa pela outra, nem conservou a índole
da palavra grega. Mas esse é um pecado venial.
Por outro lado, não é digno de nenhuma desculpa aquilo que apresenta
como circa praetoria [sobre as pretorias]. Ao que chamou praetoria devia
dizer iudicia [julgamentos]. Pois dizemos iudicium furti [julgamento por
furto] e não praetorium furti [pretoria por furto], e res iudicata [questão
julgada], não praetoriata [pretoriada], e probationes in iudicio factas [provas
aduzidas em julgamento], e iudicium de dolo malo [julgamento por dolo
mau]. Enfim, em grego dicastes, iudex [juiz] em latim; dicasterion, em grego,
em latim iudicium [julgamento]. Isto é palavra por palavra. Este, na verdade,
delira e ignora o que até as crianças sabem.
Circa principatus [sobre os principados] diz ele. Este é outro absurdo,
pois devia dizer magistratus [cargo público]. Principatus é próprio do
imperador ou do rei; e nunca diríamos que pretores, cônsules, tribunos da
plebe, edis curuis e administradores de provisões de víveres e outros do
gênero principatum habere [têm um principado], mas que magistratum gerere
[exercem cargo público]. É, pois, um magistratus um poder concedido pelo
povo ou pelo governante a um único homem ou a vários; um principatus é um
tipo de supereminência, à qual todos os demais poderes obedecem. Assim,
dizemos que Otaviano, Cláudio, Vespasiano foram principes; ninguém,
porém, chamaria de princeps a Sêneca, que foi cônsul nos tempos de Nero,
pois, então, Nero era o princeps, não Sêneca; nem o consulado de Sêneca era
um principatus, mas um magistratus; tampouco se diria magistratus ao
imperium [poder supremo] de Nero, mas principatus. Isso é mais claro do que
a luz. E nenhum dos latinos letrados chamou assim de principatus aos ofícios
e poderes concedidos aos cidadãos. Dizemos também princeps
metaforicamente, como princeps senatus [príncipe do senado], isto é, o
57
Antologia do Renascimento
58
Antologia do Renascimento
alguém atua contrariamente ao que ela determina. Tampouco deveria ser dito
congregatio [congregação], mas contio [assembléia].
No tocante ao que apresenta depois, “habentibus honorabilitatem non
licere abiurare principatus” [aos que possuem honorabilidade não é permitido
abjurar o principado], há três termos – honorabilitas, principatus e abiurare –
cada um dos quais colocado equivocadamente. Sobre principatus foi
mostrado acima mediante argumentos muito evidentes que não deveria ser
dito principatus, mas magistratus. Vejamos, porém, agora sobre honorabilitas
e abiurare. Pergunto, portanto, o que quer dizer “honorabilitatem non licere
abiurare”? Se são pessoas honoráveis, como cavaleiros ou nobres, não podem
abjurar, contudo, mercadores e pessoas do povo podem, ainda que sejam mais
ricos que os cavaleiros e os nobres? Ou como se consideram estas coisas?
Mas se a lei considera a honra, não a riqueza, também os nobres, se forem
pobres, são compelidos a exercer cargos públicos, porém os plebeus, ainda
que sejam riquíssimos, poderão renunciar. Pois embora sejam ricos, não têm
honorabilidade. Ou diremos que o pobre tem efetivamente honorabilidade, se
for bom, mas o rico não tem, se for ímprobo? Contudo, consta que o homem
bom é honorável, embora seja pobre, porém, o mau é vituperável, embora seja
rico. Não se pode, contudo, negar que quem é honorável tem honorabilidade.
E se isso é assim, por que diz ele “habentibus honorabilitatem non licere,
egenis autem licere” [aos que têm honorabilidade não é permitido, porém aos
pobres é permitido], como se honorabiles [honoráveis] e egeni [pobres]
fossem contrários?
Que responderá a isso nosso tradutor? Nada, certamente, que seja
correto, pois, uma vez cometida uma incoerência seguem-se outras mais. Pois
nosso tradutor, por desconhecimento da língua disse honorabilitas quando
deveria dizer census [censo]. É, pois, o censo o valor do patrimônio, que ele,
com um vocábulo estúpido, inadequado e inusitado, chamou de
honorabilidade. A partir desta palavra, que inconvenientemente derivou de
honor, resultarão, por assim dizer, mil incoerências. Pois devia ser dito
census, não honorabilitas; este é o nome conveniente e propriamente
correspondente em grego; honorabilitas, porém, é inconveniente e totalmente
inoportuno. Pois quase todas as cidades dos gregos eram governadas segundo
o censo. Também em Roma, o censo foi instituído pelo rei Sérvio Túlio.
Dividiu a cidade não conforme as regiões, mas conforme o censo, criando
uma só classe daqueles cidadãos que tinham um censo acima de cem mil
asses, outra classe dos que tinham um censo de 100 mil a 75 mil asses, uma
terceira dos que tinham um censo de 75 mil a 50 mil asses, e assim em escala
descendente até chegar a 5 mil asses. Abaixo deste número deixou sem censo,
como se fossem fracos e desvalidos. A partir do censo, pois, estabeleceu os
encargos que deveriam ser aportados na paz e na guerra. Contudo, porque os
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Antologia do Renascimento
12
Salústio, A Conjuração de Catilina, XXV, 4: “Sed ea saepe antehac fidem prodiderat, creditum
abiurauerat, caedis conscia fuerat, luxuria atque inopia praeceps abierat.”
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Antologia do Renascimento
conservados por homens desta natureza, que não só não percebem estas
coisas, como nem sequer parecem possuir as primeiras letras, tamanhas são a
ignorância e a rudeza de expressão.
Que dizer das palavras deixadas em grego, que são muitíssimas, a ponto
de sua tradução parecer algo semigrega? No entanto, nada foi dito em grego
que não possa ser dito em latim. Concederei, contudo, licença para umas
poucas palavras demasiadamente estranhas e obscuras, se não puderem ser
adequadamente traduzidas ao latim. Sem dúvida, é da máxima ignorância
deixar em grego vocábulos para os quais temos excelentes correspondentes.
Por que, pois, me deixas em grego politeia, quando podes e deves dizer a
palavra latina res publica? Por que tu me repetes em mil passagens
oligarchia, democratia, aristocratia, e feres os ouvidos dos leitores com
nomes dos mais desaconselhados e desconhecidos, quando temos em latim
vocábulos muitíssimo excelentes e usados para todos eles? Pois nossos latinos
disseram paucorum potentia [poder de poucos], e popularis status [estado
popular], e optimorum gubernatio [governo dos nobres]. Por isso, é melhor
falar deste modo em latim ou deixar aquelas palavras em grego como estão?
Epieikeia é parte da justiça que nossos jurisconsultos denominam ex
bono et aequo [do bom e equânime]. Diz um jurisconsulto: “A lei escrita é
assim, porém deve ser entendida de acordo com o bom e o equânime, por um
lado segundo o rigor da lei, por outro segundo a equanimidade”. E em outro
lugar diz: “A lei é a arte do bom e do equânime”. Por que tu, pois, me deixas
em grego epieikeia, palavra para mim desconhecida, quando podes dizer ex
bono et aequo, como dizem nossos jurisconsultos? Isso não é traduzir, mas
confundir, nem lançar luz às coisas, mas trevas.
Que dizer da suavidade e da harmonia do discurso, nas quais Aristóteles
parece certamente haver se empenhado muito em grego? Nisso o tradutor é
tão dispersivo e desleixado que é lastimável considerar tamanha confusão.
Cansa-me relatar outras questões. E a tradução dele está cheia de tais e ainda
de maiores absurdos e delírios, pelos quais todo entendimento e clareza
daqueles livros são transformados miseravelmente, e tais livros tornam-se de
suaves ásperos, de formosos deformes, de elegantes intrincados, de sonoros
ábsonos, e em vez de graça e apuro assumem uma rusticidade deplorável, a tal
ponto que, se alguma sensibilidade há no outro mundo com respeito às nossas
coisas, Aristóteles se indigne e se condoa de que livros seus sejam assim
maltratados por homens inábeis, e negue serem seus os que estes traduziram,
e suporte com muitíssimo pesar que se escreva seu nome sobre eles. Isso,
pois, eu então lhe critiquei, e ainda agora critico.
61
Antologia do Renascimento
III.
Que, porém, minhas críticas não são estranhas ao costume dos homens
mais instruídos, comprovam-no tanto Jerônimo quanto Cícero. Se as críticas
deles se leem em situações similares, as minhas parecerão ser tanto mais
clementes quanto os nossos ouvidos tornaram-se já, de certa forma,
insensíveis às corrupções deste tipo por causa da ignorância do século. A eles,
contudo, pareceriam como que monstruosidades e manifestações inauditas.13
Tradução:
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
13
Em todos os manuscritos conservados, o texto é interrompido aqui. A julgar pelo que Bruni propunha no
prefácio, a obra ficou incompleta em sua terceira e última parte.
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Antologia do Renascimento
63
Antologia do Renascimento
I.
tibi hoc, nihil aliud significamus quam promitto. Possem innumerabilia paene
huius generis commemorare, in quibus, qui non plane doctus sit, perfacile
aberret. Qui ergo ista non intuitus fuerit, aliud pro alio capiet.
Saepe etiam ex uno aut altero uerbo totas sententias significamus; ut
“actoris Aurunci spolium”, quod ridicule de speculo poeta dixit; et illud
“utinam ne in nemore Pelio”, quod originem causamque mali primaeuam
ostendit. Haec apud Graecos frequentissima sunt. Nam et Plato multis in locis
talia interserit –, et Aristoteles crebro his utitur. Vt: “duo simul euntes”, quod
ab Homero sumptum ad uim ac robur amicitiae transfert. Et “de surreptitio
repulso”, quod ab Achille in oratione ad legatos dictum in Politicorum libris
expressit. Et “de Helenae pulchritudine et gratia”, quod a senioribus
Troianorum sapienter dictum transfert ad naturam uoluptatis.
Latus est hic ad dicendum campus. Nam et Graeca lingua diffusissima
est, ac innumerabilia sunt huiusmodi apud Aristotelem et Platonem de
Homero, de Hesiodo, de Pindaro, de Euripide ac de ceteris ueteribus poetis
scriptoribusque assumpta, et alioquin crebrae interseruntur figurae, ut, nisi
quis in multa ac uaria lectione omnis generis scriptorum uersatus fuerit,
perfacile decipiatur ac male capiat, quod est transferendum.
Sit igitur prima interpretis cura linguam illam, de qua sumit, peritissime
scire, quod sine multiplici et uaria ac accurata lectione omnis generis
scriptorum numquam assequetur.
Deinde linguam eam, ad quam traducere uult, sic teneat, ut quodammodo
in ea dominetur et in sua totam habeat potestate; ut, cum uerbum uerbo
reddendum fuerit, non mendicet illud aut mutuo sumat aut in Graeco relinquat
ob ignorantiam Latini sermonis; uim ac naturam uerborum subtiliter norit, ne
modicum pro paruo, ne iuuentutem pro iuuenta, ne fortitudinem pro robore,
ne bellum pro proelio, ne urbem pro ciuitate dicat. Praeterea inter diligere et
amare, inter eligere et expetere, inter cupere et optare, inter persuadere et
perorare, inter recipere et promittere, inter expostulare et conqueri et
huiusmodi paene infinita quid intersit, discernat. Consuetudinis uero
figurarumque loquendi, quibus optimi scriptores utuntur, nequaquam sit
ignarus; quos imitetur et ipse scribens, fugiatque et uerborum et orationis
nouitatem, praesertim ineptam et barbaram.
Haec omnia, quae supra diximus, necessaria sunt. Et insuper ut habeat
auris seuerumque iudicium, ne illa, quae rotunde ac numerose dicta sunt,
dissipet ipse quidem atque perturbet. Cum enim in optimo quoque scriptore et
praesertim in Platonis Aristotelisque libris et doctrina rerum sit et scribendi
ornatus, ille demum probatus erit interpres, qui utrumque seruabit.
65
Antologia do Renascimento
Denique interpretis uitia sunt: si aut male capit, quod transferendum est,
aut male reddit aut si id, quod apte concinneque dictum sit a primo auctore,
ipse ita <conuertit>, ut ineptum et inconcinnum et dissipatum efficiatur.
Quicumque uero non ita structus est disciplina et litteris, ut haec uitia effugere
cuncta possit, is, si interpretari aggreditur, merito carpendus et improbandus
est, uel quia homines in uarios errores impellit aliud pro alio afferens, uel quia
maiestatem primi auctoris imminuit ridiculum absurdumque uideri faciens.
Dicere autem: non uituperationem, sed laudem mereri eum, qui, quod habuit,
in medium protulit, nequaquam rectum est in his artibus, quae peritiam
flagitant. Neque enim poeta, si malos facit uersus, laudem meretur, etsi bonos
facere conatus est, sed eum reprehendemus atque carpemus, quod ea facere
aggressus fuerit, quae nesciat. Et statuarium uituperabimus, qui statuam
deformarit, quamuis non per dolum, sed per ignorantiam id fecerit. Vt enim ii,
qui ad exemplum picturae picturam aliam pingunt, figuram et statum et
ingressum et totius corporis formam inde assumunt nec, quid ipsi facerent,
sed, quid alter ille fecerit, meditantur: sic in traductionibus interpres quidem
optimus sese in primum scribendi auctorem tota mente et animo et uoluntate
conuertet et quodammodo transformabit eiusque orationis figuram, statum,
ingressum coloremque et liniamenta cuncta exprimere meditabitur. Ex quo
mirabilis quidam resultat effectus.
Nam cum singulis fere scriptoribus sua quaedam ac propria sit dicendi
figura, ut Ciceroni amplitudo et copia, Sallustio exilitas et breuitas, Liuio
granditas quaedam subaspera: bonus quidem interpres in singulis traducendis
ita se conformabit, ut singulorum figuram assequatur. Itaque, siue de Cicerone
traducet, facere non poterit, quin comprehensiones illius magnas quidem et
uberes et redundantes simili uarietate et copia ad supremum usque ambitum
deducat ac modo properet, modo se colligat. Siue de Sallustio transferet,
necesse habebit de singulis paene uerbis iudicium facere proprietatemque et
religionem plurimam sequi atque ob hoc restringi quodammodo atque concidi.
Siue de Liuio traducet, facere non poterit, quin illius dicendi figuram imitetur.
Rapitur enim interpres ui ipsa in genus dicendi illius, de quo transfert, nec
aliter seruare sensum commode poterit, nisi sese insinuet ac inflectat per illius
comprehensiones et ambitus cum uerborum proprietate orationisque effigie.
Haec est enim optima interpretandi ratio, si figura primae orationis quam
optime conseruetur, ut neque sensibus uerba neque uerbis ipsis nitor
ornatusque deficiat.
Sed cum sit difficilis omnis interpretatio recta propter multa et uaria,
quae in ea (ut supra diximus) requiruntur, difficillimum tamen est illa recte
transferre, quae a primo auctore scripta sunt numerose atque ornate. In
oratione quippe numerosa necesse est per cola et commata et periodos
66
Antologia do Renascimento
O puer, unicum bene consulere uolentibus principium est: intelligere, de quo sit
consilium, uel omnino aberrare necesse. Plerosque uero id fallit, quia nesciunt rei
substantiam. Tamquam igitur scientes non declarant in principio disceptationis,
procedentes uero, quod par est, consequitur, ut nec sibi ipsis neque aliis consentanea
loquantur. Tibi igitur et mihi non id accidat, quod in aliis damnamus. Sed cum tibi atque
mihi disceptatio sit, utrum amanti potius uel non amanti sit in amicitiam eundum, de
amore ipso, quale quid sit et quam habeat uim, diffinitione ex consensu posita, ad hoc
respicientes referentesque considerationem faciamus, emolumentumne an detrimentum
afferat?
Quod igitur cupiditas quaedam sit amor, manifestum est. Quod uero etiam qui non
amant cupiunt, scimus. Rursus autem, quo amantem a non amante discernamus, intelligere
67
Antologia do Renascimento
oportet, quia in uno quoque nostrum duae sunt ideae dominantes atque ducentes, quas
sequimur, quacumque ducunt: Una innata nobis uoluptatum cupiditas, altera acquisita
opinio, affectatrix optimi. Hae autem in nobis quandoque consentiunt, quandoque in
seditione atque discordia sunt; et modo haec, modo altera peruincit.
Opinione igitur ad id, quod sit optimum, ratione ducente ac suo robore peruincente
temperantia exsistit; cupiditate uero absque ratione ad uoluptates trahente nobisque
imperante libido uocatur. Libido autem, cum multiforme sit multarumque partium, multas
utique appellationes habet. Et harum formarum quae maxime in aliquo exsuperat, sua
illum nuncupatione nominatum reddit nec ulli ad decus uel ad dignitatem acquiritur. Circa
cibus enim superatrix rationis et aliarum cupiditatum cupiditas ingluuies appellatur et eum,
qui hanc habet, hac ipsa appellatione nuncupatum reddit. Rursus quae circa ebrietates
tyrannidem exercet ac eum, quem possidet, hac ducens patet, quod habebit cognomen? Et
alias harum germanas et germanarum cupiditatum nomina, semper quae maxime
dominatur, quemadmodum appellare deceat, manifestum est. Cuius autem gratia superiora
diximus, fere iam patet. Dictum tamen, quam non dictum, magis patebit. Quae enim sine
ratione cupiditas superat opinionem ad recta tendentem rapitque ad uoluptatem formae et a
germanis, quae sub illa sunt circa corporis formam, cupiditatibus roborata peruincit et
ducit, ab ipsa insolentia, quod absque more fiat, amor uocatur.
Hanc tibi, o dilecte amor, nostra pro facultate, quam pulcherrime optimeque
ualuimus, poetico quasi more palinodiam cecinimus. Quare et antedictorum ueniam
praesta, et horum gratia mihi propitius assiste. Tum, si quid indignum tuo numine a
Phaedro et me dictum sit, Lysiam huius disputationis patrem accusans, ab huiusmodi
sermonibus desistere facias, et ad philosophiam quemadmodum frater eius Polemarchus
uersus est, ita illum conuerte. Haec ipsa et ego deum oro, o Socrates. Tuum uero
sermonem iam pridem admiror. Quam ualde superiori antecellit; ut iam uereri incipiam, ne
Lysias mihi exilis exanguisque uideatur si pergat ad hunc tuum alium suum conferre.
Non enim ex eo, quia saepe audiuimus aut saepe uidimus, sensum accepimus, sed
contra habentes usi sumus, non utentes habuimus. At uirtutes acquirimus operando prius,
quemadmodum et in aliis artibus. Quae enim oportet postquam didicerimus facere, ea
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Antologia do Renascimento
faciendo addiscimus, ceu fabricando fabri et citharam pulsando citharedi; sic iusta agendo
iusti et modesta modesti et fortia fortes efficiuntur.
Praeterea nequaquam simile est in artibus et uirtutibus. Nam quae ab arte procedunt
laudem in se habent, quare sufficit illa ita exsistere. Sed quae a uirtute proficiscuntur, non
satis est si ipsa iuste, quodammodo se habent et modeste agantur, sed si agens ita egerit:
primo si sciens, secundo si eligens et eligens propter ipsa, tertio si certo et immobili
iudicio agat. Ad ceteras uero artes habendas nihil horum requiritur praeter quam scientia.
At in uirtutibus scire ipsum parum est aut nihil. Vti uero atque exercere plurimum imo
totum ualet, utpote quae ex frequenti actione iustorum modestorumque proueniant. Res
enim tunc iusta et modesta dicitur quando talis est qualem iustus et modestus ageret. Iustus
autem et modestus est non qui hoc agit, sed qui sic agit ut iusti et modesti agunt. Bene ergo
dicitur quod quis iusta agendo iustus fit et modesta modestus, non agendo autem nullus ut
bonus sit ne curare quidem uidetur. Sed plerique non ita faciunt, uerum ad uerba
disputationemque conuersi putant se philosophari atque ita uiros bonos fieri: aegrotos
imitati, qui uerba medicorum audiunt quidem diligenter, faciunt autem nihil ex his quae
sibi praecepta sunt. Vt ergo illorum corporibus non bene erit qui ita curantur, sic ne
illorum animis qui ita philosophantur.
Videmus, inquit, homines acquirere et tueri non uirtutes externis bonis, sed externa
uirtutibus, ipsaque beata uita - siue et gaudio posita est, siue in uirtute, siue in ambobus -
magis existit moribus et intellectu in excessum ornatis, mediocria uero externa
possidentibus, quam his qui externorum plura possident quam opus sit, moribus uero
intelligentiaque deficiant.
Contingit uero, ut boni quidem uiri maxime hunc magistratum deuitent, prauis autem
nequaquam tutum sit illum committere, cum ipsi potius indigeant custodia et carcere,
quam alios debeant custodire.
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Antologia do Renascimento
II.
Haec est Aristotelis sententia, quam prolixius explicare uolui, quo clarius
intelligeretur illius mens. Nunc autem eius uerba praeclare et eleganter in
Graeco scripta quemadmodum hic interpres in Latinum conuerterit,
animaduerte! Ex hoc enim modus et forma traductionis, qua ubique usus in
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
Itaque non recte transtulit, cum aliud pro alio posuerit nec uim seruauerit
Graeci uerbi. – Sed hoc ueniale peccatum est.
Ast illud nequaquam uenia dignum, quod subicit circa “praetoria.” Quod
enim “praetoria” inquit, “iudicia” debuit dicere. “Iudicium enim furti”
dicimus, non “praetorium furti”, et “res iudicata”, non “praetoriata” et
“probationes in iudicio factas” et “iudicium de dolo malo.” Denique “dicastis”
Graece, Latine “iudex”; “dicastirion” Graece, Latine “iudicium”: Hoc est
uerbum e uerbo. Iste uero delirat et ea nescit, quae pueri etiam sciunt.
Circa “principatus” inquit: Haec est alia absurditas. Debuit enim
“magistratus” dicere. Nam principatus est imperatoris uel regis; praetores uero
et consules et tribunos plebis et aediles curules et praefectos annonae et alios
huiusmodi numquam diceremus “principatum habere”, “magistratum gerere”.
Est enim magistratus potestas uni uel pluribus hominibus a populo uel a
principe commissa, principatus autem est maior quaedam supereminentia, cui
ceterae omnes potestates parent. Sic Octauianum et Claudium et Uespasianum
principes fuisse dicimus, Senecam uero, qui consul fuit temporibus Neronis,
nemo principem appellasset. Erat enim tunc Nero “princeps”, non Seneca;
neque consulatus Senecae “principatus” erat, sed “magistratus”; neque
imperium Neronis “magistratus” diceretur, sed “principatus”. Haec sunt luce
clariora. Nec quisquam Latinorum, qui litteras nouerit, huiusmodi officia et
potestates ciuibus commissa “principatus” uocauit. Dicimus etiam
“principem” per translationem: ut “princeps senatus”, idest primarius homo in
senatu “princeps iuuentutis”, qui inter adolescentes fama et honore primarius
habetur. Haec est consuetudo Latini sermonis. Hic autem interpres noster in
aliis forsan non indoctus erat; litterarum certe penitus fuit ignarus.
Deinde subicit “circa armationem”, “circa exercitia”. Haec etiam duo
puerilia sunt: “Armationem” enim non satis usitate dicimus; “exercitia” uero
cuncta penitus opera sine ulla distinctione important. Aristoteles autem hoc ita
ponit, ut exercitationes corporum ad bellicos usus designet.
Post haec resumens, quae prius enumerauerat, in hunc modum uerba
subicit:
75
Antologia do Renascimento
sentiunt, sed ne primas quidem litteras tenere uideantur; tanta sunt ignorantia
ruditateque loquendi.
Quid de uerbis in Graeco relictis dicam, quae tam multa sunt, ut
semigraeca quaedam eius interpretatio uideatur? Atqui nihil Graece dictum
est, quod Latine dici non possit! Et tamen dabo ueniam in quibusdam paucis
admodum peregrinis er reconditis, si nequeant commode in Latinum traduci.
Enim uero, quorum optima habemus uocabula, ea in Graeco relinquere
ignorantissimum est. Quid enim tu mihi “politiam” relinquis in Graeco, cum
possis et debeas Latino uerbo “rem publicam” dicere? Cur tu mihi
“oligarchiam” et “democratiam” et “aristocratiam” mille locis inculcas et
aures legentium insuasissimis ignotissimisque nominibus offendis, cum
illorum omnium optima et usitatissima uocabula in Latino habeamus? Latini
enim nostri “paucorum potentiam” et “popularem statum” et “optimorum
gubernationem” dixerunt. Vtrum igitur hoc modo Latine praestat dicere, an
uerba illa, ut iacent, in Graeco relinquere?
“Epiichia” est iustitiae pars, quam nostri iurisconsulti “ex bono et aequo”
appellant. “Ius scriptum sic habet – inquit iurisconsultus –, debet tamen ex
bono et aequo sic intelligi, et aliud ex rigore iuris, aliud ex aequitate.” Et alibi
inquit: “Ius est ars boni et aequi.” Cur tu ergo mihi “epiichiam” relinquis in
Graeco, uerbum mihi ignotum, cum possis dicere “ex bono et aequo”, ut
dicunt iurisconsulti nostri? Hoc non est interpretari, sed confundere, nec
lucem rebus, sed caliginem adhibere.
Quid dicam de suauitate ac rotunditate orationis, qua quidem in re
plurimum laborasse Aristoteles in Graeco uidetur. Hic autem interpres ita
dissipatus delumbatusque est, ut miserandum uideatur, tantam confusionem
intueri. Taedet me plura referre. Est enim plena interpretatio eius talium ac
maiorum absurditatum et delirationum, per quas omnis intellectus et claritas
illorum librorum miserabiliter transformatur fiuntque ii libri ex suauibus
asperi, ex formosis deformes, ex elegantibus intricati, ex sonoris absoni et pro
palaestra et oleo lacrimabilem suscipiunt rusticitatem: ut, si quis apud inferos
sensus sit rerum nostrarum, indignetur et doleat Aristoteles libros suos ab
imperitis hominibus ita lacerari, ac suos esse neget, quos isti transtulerunt, ac
suum illis nomen inscribi molestissime ferat. Haec igitur ego tunc reprehendi
et nunc etiam reprehendo.
76
Antologia do Renascimento
III.
14
O texto latino aqui utilizado foi estabelecido por Hans Baron, 1928, mas com alterações na divisão de
parágrafos, realizadas pelo tradutor.
77
Antologia do Renascimento
Alonso de Cartagena
(1384-1456)
78
Antologia do Renascimento
Muitos foram os que falaram da retórica nos tempos antigos, tanto gregos
como latinos. Mas, ainda que da eloqüência de muitos deles hoje perdure a
fama e de alguns, suas famosas orações – assim como entre os gregos de
Demóstenes e de Ésquines e entre os latinos de Salústio – e de outros, mais
livros compostos da mesma arte liberal que chamam de retórica, eu não sei os
que aparecem neste tempo daqueles muito antigos se não de dois autores: um
grego, outro latino.
O grego foi Aristóteles, que falou nisso profundamente, porque aquele
filósofo entendeu que não acabava totalmente a obra moral, se depois das
Éticas e Políticas não desse doutrinas do que pertence à eloqüência, e compôs
um livro que se chama Retórica, no qual escreveu muitas e nobres conclusões
que pertencem a esta arte, das quais, assim por teólogos como por juristas, são
muitas em diversos lugares utilizadas, cada uma a seu propósito.
O outro foi latino e este é Marco Tulio Cícero, quem escreveu muitos
livros e tratados de diversas matérias, escritos com muito eloqüente estilo. E
entre eles compôs alguns que pertencem à doutrina desta arte; mas, ainda que
em todos guardou ele bem as regras da eloqüência, não falou em todos dela:
que uma coisa é falar segundo a arte e outra é falar da arte. E ele em todos
guardou a arte, porém não em todos, mas em alguns falou da arte. Estes, se
são muitos ou quantos são, não sei, mas os que comumente aparecem são os
seguintes: o livro da Retórica velha [De inuentione] e outro da Retórica nova
[Ad Herennium] e um livro que dizem do Orador [De oratore] e outro do
Orador menor [Orator] e um breve tratado que se chama Do melhor gênero
de oradores [De optimo genere oratorum] e outro que se intitula Tópicos
[Topica]; os quais, ainda que por diversas maneiras, todos tendem a dar
doutrinas da eloqüência. E destes, porque o da Retórica velha é primeiro e
ainda porque fala mais extensamente, foi por vós escolhido para que fosse
posto em nossa linguagem, e assim se fez por vosso mandato.
Na translação do qual não duvido que achareis algumas palavras
mudadas da sua própria significação e algumas agregadas, o que fiz cuidando
que cumpria assim: porque não é, este, livro de Santa Escritura em que é um
erro agregar ou minguar, mas é composição magistral feita para nossa
doutrina. Portanto, guardada quanto guardar se pode a intenção, ainda que a
propriedade das palavras se mude, não me parece coisa inconveniente;
porque, como cada língua tem sua maneira de falar, se o interpretador segue
em tudo a letra, necessário é que a escritura se torne obscura e perca grande
parte da doçura. Portanto, nas doutrinas que não têm o valor pela autoridade
79
Antologia do Renascimento
de quem as disse nem têm senso moral nem místico, mas somente nelas se
cata o que a simples letra significa, não me parece danoso retornar a intenção
da escritura no modo de falar que convém à língua em que se passa. A tal
maneira de transladar aprova aquele singular transladador, santo Jerônimo,
numa solene epístola que se chama Do melhor modo de traduzir [De optimo
genere interpretandi], que enviou a Pamáquio, entre outras coisas dizendo-lhe
assim:
Eu não somente o digo, mas também com livre voz o confesso, que na interpretação
dos livros gregos não procuro exprimir uma palavra por outra mas sigo o sentido e efeito,
salvo nas Santas Escrituras, porque ali a ordem das palavras traz mistério [V,2].
E esta maneira segui aqui, porque mais sem trabalho o possa entender
quem o quiser ler; e para ainda mais esclarecer, uma vez que em latim está
tudo junto e não tem outra partição salvo a dos livros – a saber, entre o
primeiro e o segundo – eu parti cada livro em diversos títulos e os títulos em
capítulos, segundo me pareceu que a diversidade da matéria pedia. E onde o
vocábulo latino pode passar totalmente em outro de romance, fi-lo; onde não
pode de boa maneira por outro mudar, porque às vezes uma palavra latina
requer muitas para ser bem declarada e se em cada lugar por ela todas aquelas
se houvessem de pôr fariam confusa a obra, em tal caso ao primeiro passo em
que a tal palavra ocorreu se encontrará declarada. E, ainda que depois se tenha
de repetir, não se repete a declaração, mas quem nela duvidar retorne ao
primeiro lugar onde se nomeou, o qual está nas margens assinalado, e verá
sua significação.
Mas, ainda que tudo isto se faça, as composições que são de ciência ou
de arte liberal, para bem se entender, ainda pedem estudo, porque não consiste
a dificuldade da ciência tão somente na obscuridade da linguagem, que se
assim fosse, os bons gramáticos entenderiam quaisquer matérias que em latim
fossem escritas: e vemos o contrário, que muitos, bem fundados na arte da
gramática, entendem muito pouco nos livros de teologia e de direito e de
outras ciências e artes, ainda que sejam escritas em latim, se não houvessem
doutores delas que os ensinassem. Portanto, ainda que esta Retórica seja
transposta em clara linguagem, quem entendê-la quiser, cumpre que com
atenção a leia.
Tradução:
Valeria Herzberg
herzberg@terra.com.br
80
Antologia do Renascimento
ni han seso moral ni místico, mas solamente en ellas se cata lo que la simple
letra significa, no me parece dañoso retornar la intención de la escritura en el
modo de hablar que a la lengua en que se pasa conviene. La cual manera de
trasladar aprueba aquel singular trasladador, santo Jerónimo, en una solemne
epístola que se sobrescribe De la muy buena manera del declarar, que envió a
Pamaquio, entre otras cosas diciéndolo así:
Yo no solamente lo digo, mas aun con libre voz lo confieso, que en la interpretación
de los libros griegos no curo de exprimir una palabra por otra mas sigo el seso y efecto,
salvo en las Santas Escrituras, porque allí el orden de las palabras trae misterio.
Y esta manera seguí aquí, porque más sin trabajo lo pueda entender
quien leer lo quisiere; y aun por lo más aclarar, como quiera que en latín está
todo junto y no tiene otra partición salvo la de los libros – es a saber entre el
primero y el segundo – pero yo partí cada libro en diversos títulos y los títulos
en capítulos según me pareció que la diversidad de la materia pedía. Y donde
el vocablo latino del todo se pudo en otro de romance pasar, hícelo; donde no
se pudo buenamente por otro cambiar, porque a las veces una palabra latina
requiere muchas para se bien declarar y si en cada lugar por ella todas
aquellas se hubiesen de poner harían confusa la obra, en el tal caso al primer
paso en que tal palabra ocurrió se hallará declarada. Y, aunque después de
haya de repetir, no se repite la declaración, mas quien en ella dudare retorne
al primer lugar donde se nombró, el cual está en los márgenes señalado, y
verá su significación.
Pero, aunque esto todo se haga, las composiciones que son de ciencia o
de arte liberal, para bien se entender, todavía piden estudio, porque no
consiste la dificultad de la ciencia tan sólo en la oscuridad del lenguaje; ca si
así fuese, los buenos gramáticos entenderían cualesquiera materias que en
latín fuesen escritas: y vemos el contrario, ca muchos bien fundados en el arte
de la gramática entienden muy poco en los libros de teología y de derecho y
de otras ciencias y artes, aunque son escritas en latín, si no hubieron doctores
de ellas que los enseñasen. Por ende, aunque esta Retórica sea traspuesta en
llano lenguaje, quien entenderla quisiere cumple que con atención la lea.
82
Antologia do Renascimento
83
Antologia do Renascimento
15
Jerônimo Emser (1478-1527).
85
Antologia do Renascimento
16
Filipenses, 1, 12 ss.
17
Juvenal, Sátiras, VI, 223.
18
II Conríntios, 2, 21 ss.
86
Antologia do Renascimento
allein Korn, und kein Geld” [“O camponês traz somente grãos e nenhum
dinheiro”]. “Nein, ich hab wahrlich jetzt nicht Geld, sondern allein Korn”
[“Não, realmente agora não tenho dinheiro, mas apenas grãos”]. “Ich habe
allein gegessen und noch nicht getrunken” [“Eu somente comi e ainda não
bebi”]. “Hast du allein geschrieben und nicht durchgelesen?” [“Apenas
escreveste e não leste?”]. E inúmeras formas semelhantes no uso diário.
Se tanto a língua latina como a grega não procedem desta forma em
todos estes idiomatismos, a alemã procede assim, e é de sua propriedade usar
a palavra allein a fim de que a palavra nicht ou kein resulte mais plena e clara.
Pois, embora eu também possa dizer: “Der Baur bringt Korn und kein Geld”,
assim dita, a expressão kein Geld não soa tão plena e clara como quando eu
digo: “Der Baur bringt allein Korn und kein Geld” [“O camponês traz
somente grãos e nenhum dinheiro”]: aqui a palavra allein ajuda a palavra kein
a produzir uma fala plena, alemã, clara. Pois não se tem que perguntar às
letras na língua latina como se deve falar alemão, como fazem os asnos, mas
sim há que se perguntar à mãe em casa, às crianças na rua, ao homem comum
no mercado, e olhá-los na boca para ver como falam e depois traduzir; aí
então eles vão entender e perceber que se está falando em alemão com eles.
Assim, quando Cristo fala: “Ex abundantia cordis os loquitur” 21, se eu
fosse seguir esses asnos, eles me apresentariam a letra e traduziriam assim:
Aus dem Überfluss des Herzens redet der Mund [“Da abundância do coração
fala a boca”]. Diga-me: isso é falar alemão? Que alemão entenderia uma coisa
dessas? Que coisa é “abundância do coração”? Nenhum alemão poderia dizer
isso, a não ser que quisesse dizer que alguém tem um coração demasiado
grande ou tem coração demais; embora isto também não seja correto. Pois,
“abundância do coração” não é alemão, assim como não é alemão
“abundância da casa”, “abundância da estufa”, “abundância do banco”, porém
assim fala a mãe em casa e o homem comum: Wes das Herz voll ist, des gehet
der Mund über [“A boca fala daquilo de que o coração está cheio”22]. Isto é
falar um bom alemão, pelo que eu me esforcei, e infelizmente nem sempre
consegui ou o encontrei. Pois as letras latinas dificultam muito a formulação
para se falar em bom alemão.
Do mesmo modo, quando Judas o traidor diz em Mateus 26, 8: “Vt quid
perditio haec?” [“A troco de que esse desperdício?”23] E em Marcos 14, 4:
“Vt quid perditio ista unguenti facta est?” [“A troco de que esse desperdício
do perfume?”24]. Se eu fosse seguir os asnos e os literalistas, eu deveria
traduzir assim: Warum ist diese Verlierung der Salben geschehen? [“Por que
21
Mateus 12, 34.
22
Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Ed. Paulinas.
23
Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Ed. Paulinas.
24
Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Ed. Paulinas.
88
Antologia do Renascimento
aconteceu esta perdição de bálsamo?”] Mas que alemão é este? Que alemão
fala desta forma: “Aconteceu a perdição do bálsamo?” E se ele entendesse
corretamente, isso acreditaria ele, o bálsamo estaria perdido e teria que ser
novamente buscado; embora isto também ainda soe obscuro e incerto. E se
isto é um bom alemão, por que eles não se apresentam e nos fazem um novo,
distinto e belo Testamento em alemão e deixam de lado o Testamento de
Lutero? Acredito mesmo que eles deveriam revelar sua arte. Mas o homem
alemão fala assim (“Vt quid” etc.): Was soll doch solcher Unrat, ou, Was soll
doch solcher Schade? Nein, es ist schade um die Salbe [“Que bobagem é
essa?”, ou, “Pra que isso?”, “Não, que pena pelo bálsamo!”]; isto é um bom
alemão, e assim se entende que Madalena se portou inapropriadamente e
esbanjou derramando o bálsamo; era a opinião de Judas, que imaginava fazer
um uso melhor.
Igualmente quando o anjo saúda Maria e fala: Gegrüßet seist du, Maria
voll Gnaden, der Herr mit dir [“Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é
contigo”25]. Pois bem, até agora isto foi simplesmente traduzido segundo as
letras latinas. Mas diga-me se algo assim também é um bom alemão. Onde é
que um homem alemão fala desta forma: Du bist voll Gnaden [“estás cheia de
graça”]? Que alemão entende o que significa voll Gnaden [“cheia de graça”]?
Ele deve pensar num barril cheio de cerveja, ou num saco cheio de dinheiro;
por isso eu traduzi: Du Holdselige [“agraciada”], com o que um alemão pode
imaginar muito melhor o que o anjo quer dizer com sua saudação. Mas aqui
os papistas se enfurecem comigo porque eu teria pervertido a saudação
angelical, muito embora eu com isso ainda não tenha encontrado o melhor
alemão. Se eu tivesse aqui tomado o melhor alemão e traduzido a saudação:
Gott grüße dich, du liebe Maria [“Deus te saúda, querida Maria”] (pois isto
tudo o anjo quer dizer, e assim ele teria falado, se tivesse querido saudá-la em
alemão), creio que eles mesmos se enforcariam por excesso de zelo para com
a querida Maria, porque eu teria aniquilado a saudação.
Mas que me importa se eles vociferam ou se enfurecem? Não pretendo
impedir que eles traduzam o que quiserem em alemão; mas pretendo também
eu traduzir em alemão, não como eles querem, mas como eu quero. Quem não
gostar, que me deixe em paz e guarde sua maestria para si, pois não quero vê-
la nem ouvi-la; eles não precisam responder à minha tradução nem prestar
contas dela. Você está ouvindo bem: eu quero dizer: du holdselige Maria, du
liebe Maria [“agraciada Maria, querida Maria”], deixe-os dizerem: Du voll
Gnaden Maria [“Maria cheia de graça”]. Quem sabe alemão, sabe bem quão
delicada palavra é esta que vai ao coração: querida Maria, querido Deus,
querido imperador, querido príncipe, querido homem, querida criança. Eu não
25
Lucas, 1, 28.
89
Antologia do Renascimento
todas as horas tanto bem me faz, que mesmo se eu tivesse traduzido mil vezes
tanto e tão diligentemente, não mereceria contudo viver por uma hora ou ter
um olho são: tudo deve-se à sua graça e misericórdia, também o que eu sou e
tenho, sim, deve-se a seu precioso sangue e amargo suor; por isso, tudo, pela
vontade de Deus, deve servi-lo para sua honra, com alegria e de coração. Se
os embusteiros e os papistas me difamam, me louvam os cristãos piedosos
junto a Cristo, seu Senhor, e eu também estaria ricamente recompensado se
fosse apenas um único cristão a me considerar um trabalhador leal. Não me
preocupam os asnos papistas, que não são dignos de avaliar meu trabalho, e
eu lamentaria do fundo do coração se eles me absolvessem. Sua calúnia é
minha maior fama e honra. Contudo, quero ser um doutor, e até um doutor
exemplar, e eles não hão de tomar-me este nome até o dia do juízo final, disso
tenho certeza.
Por outro lado, não abandonei completamente a letra, mas observei-a
com grande cuidado junto a meus ajudantes, de maneira que, quando
necessário, mantive-a e dela não me afastei tão livremente; como em João 6,
27, onde Cristo fala: Diesen hat Gott der Vater versiegelt [“A este, Deus Pai o
selou”]. Certamente teria sido um alemão melhor: Diesen hat Gott der Vater
gezeichnet, ou, diesen meinet Gott der Vater [“A este, Deus Pai o marcou”,
ou, “A este, referiu-se Deus Pai”]. Mas preferi corromper a língua alemã a
negligenciar a palavra. Ah, a tradução não é em absoluto uma arte para
qualquer um, como acreditam os santos insensatos!; a ela pertence um
coração reto, piedoso, fiel, diligente, temente, cristão, erudito, experiente,
treinado. Por isso penso que nenhum falso cristão ou espírito sectário sabe
traduzir fielmente, como se depreende da tradução dos Profetas, em Worms,27
em que certamente se aplicou grande diligência e observou-se muito meu
alemão. Mas havia judeus presentes, que não mostraram muita benevolência
para com Cristo; no demais houve suficiente arte e cuidado.
Isto é o que havia para ser dito quanto à tradução e à propriedade das
línguas. Eu, porém, não confiei somente na propriedade das línguas e a
observei ao acrescentar solum, “somente”, em Romanos 3, 28, mas também o
texto e o pensamento de São Paulo o exigem e o reclamam com força; pois ele
trata ali mesmo do elemento principal da doutrina cristã, ou seja, que nós
somos salvos pela fé em Cristo, sem qualquer obra da lei; e exclui todas as
obras tão claramente que chega a dizer que as obras da lei (que obviamente é
a lei e a Palavra de Deus) não colaboram para a salvação; e dá como exemplo
Abraão, que foi salvo tão isento das obras que, inclusive a maior delas, que
então fora um novo mandamento de Deus acima de todas as outras leis e
27
Em 1527, em Worms, foi publicada a tradução conjunta de Ludwig Hätzer (ca. 1500-1529) e Hans Denck
(ca. 1495-1527), a partir do texto hebraico, de todos os Profetas. Em quatro anos teve 12 edições, mas foi
suplantada definitivamente pela tradução de Lutero dos Profetas, em 1532.
91
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obras, a saber, a circuncisão, não lhe ajudou para a salvação, mas foi salvo
pela fé, sem a circuncisão e sem qualquer obra, como ele fala no capítulo 4:28
“Se Abraão foi salvo pelas obras, ele pode se vangloriar, mas não diante de
Deus”. Pois bem, onde se exclui tão completamente todas as obras – e esse
deve ser o sentido de que somente a fé salva – e quer-se falar claramente e
diretamente de uma tal exclusão das obras, tem-se que afirmar: Somente a fé e
não as obras nos salvam. Isso é exigido pela própria questão além da
propriedade da língua.
Sim, eles dizem que soa escandaloso e com isso as pessoas aprendem que
não precisam fazer boas obras. Mas meu caro, o que se lhes pode responder?
Muito mais escandaloso é o fato de que o próprio São Paulo não diga somente
a fé, mas descarregue ainda mais duramente encerrando a questão: sem as
obras da lei, e em Gálatas 2, 16: não pelas obras da lei, e semelhantes em
outras passagens. A expressão somente a fé ainda admitiria um comentário,
mas a expressão sem as obras da lei é tão dura, escandalosa e abominável, que
não pode ser amenizada com nenhum comentário. Muito mais poderiam as
pessoas aprender com isso a não fazerem boas obras, pois elas ouvem das
próprias obras pregar com palavras tão duras e fortes: Nenhuma obra, sem
obras, não pelas obras. Se não é escandaloso que se pregue: Sem obras,
nenhuma obra, não pelas obras, por que seria escandaloso então pregar
somente a fé?
É algo ainda mais escandaloso que São Paulo rejeite não apenas obras
simples e comuns, mas também as da própria lei. Com isso alguém bem
poderia irritar-se ainda mais e dizer que a lei é condenada e maldita diante de
Deus e se deveria fazer só o mal, como se dizia em Romanos 3, 8: “Façamos o
mal para que se torne o bem”, como começou a fazer também um espírito
sectário em nossa época. Por causa de um tal escândalo se deveria então
renegar a palavra de São Paulo ou não falar francamente e livremente da fé?
Meu caro, precisamente São Paulo e nós desejamos tais escândalos e é esta a
única razão por que pregamos tão fortemente contra as obras e insistimos
somente na fé, a fim de que as pessoas se escandalizem, tropecem e caiam
para poderem aprender e saber que não se santificam através de suas boas
obras, mas somente pela morte e ressurreição de Cristo. Se elas não podem se
santificar pelas boas obras da lei, muito menos poderão se santificar pelas más
obras e sem a lei. Disso não se pode concluir que se as boas obras não
ajudam, as más obras ajudam, assim como não se pode concluir que se o sol
não pode ajudar o cego a ver, então a noite e a escuridão hão de ajudá-lo a
ver.
28
Romanos, 4, 2.
92
Antologia do Renascimento
Tradução:
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
93
Antologia do Renascimento
wohl, und sie wissen's weniger denn des Müllners Tier, was für Kunst, Fleiß,
Vernunft, Verstand zum guten Dolmetschen gehöret, denn sie haben's nicht
versucht.
Es heißt: "Wer am Wege bauet, der hat viele Meister." Also gehet mir's
auch. Diejenigen, die noch nie haben recht reden können, geschweige denn
dolmetschen, die sind allzumal meine Meister, und ich muss ihrer aller Jünger
sein. Und wenn ich sie hätte sollen fragen, wie man die ersten zwei Worte
Matthäi 1 (1): "Liber Generationis" sollte verdeutschen, so hätte ihrer keiner
gewußt Gack dazu zu sagen – und richten nun über das ganze Werk, die
feinen Gesellen. Also ging es Sankt Hieronymo auch; da er die Biblia
dolmetscht, da war alle Welt sein Meister, er allein war es, der nichts konnte,
und es urteilten über das Werk des guten Mannes diejenigen, so ihm nicht
genug gewesen wären, daß sie ihm die Schuhe hätten sollen wischen. Darum
gehöret große Geduld dazu, wenn jemand etwas öffentlich Gutes tun will;
denn die Welt will Meister Klüglin bleiben und muss immer das Ross vom
Schwanz her aufzäumen, alles meistern und selbst nichts können. Das ist ihre
Art, davon sie nicht lassen kann.
Ich wollt' dennoch den Papisten freundlich ansehen, der sich herfür tät
und etwa eine Epistel Sankt Pauli oder einen Propheten verdeutschet. Sofern
daß er des Luthers Deutsch und Dolmetschen nicht dazu gebraucht, da wird
man sehen ein fein, schön, löblich Deutsch oder Dolmetschen! Denn wir
haben ja gesehen den Sudler zu Dresden, der mein Neues Testament
gemeistert hat (ich will seinen Namen in meinen Büchern nicht mehr nennen;
zudem hat er auch nun seinen Richter und ist sonst wohl bekannt); der
bekennt, daß mein Deutsch süße und gut sei, und sah wohl, daß er's nicht
besser machen könnte und wollt' es doch zuschanden machen, fuhr zu und
nahm vor sich mein Neu Testament, fast von Wort zu Wort, wie ich's gemacht
hab, und tat meine Vorrede, Gloss und Namen davon, schrieb seinen Namen,
Vorrede und Gloss dazu, verkauft so mein Neu Testament unter seinem
Namen. Ach, lieben Kinder, wie geschah mir da so wehe, da sein Landsfürst
mit einer greulichen Vorrede verdammte und verbot, des Luthers Neu
Testament zu lesen, doch daneben gebot, des Sudelers Neu Testament zu
lesen, welchs doch eben dasselbig ist, das der Luther gemacht hat.
Und daß nicht jemand hier denke, ich lüge, so nimm beide Testamente
vor dich, des Luthers und des Sudelers, halt sie gegeneinander, so wirst du
sehen, wer in allen beiden der Dolmetscher sei. Denn was er an wenig Orten
geflickt und geändert hat – wiewohl mir's nicht alles gefället, so kann ich's
doch gern dulden und schadet mir nicht besonders, soweit es den Text betrifft;
darum ich auch nie dawider hab wollen schreiben, sondern hab der großen
Weisheit müssen lachen, daß man mein Neu Testament so greulich gelästert,
95
Antologia do Renascimento
verdammt, verboten hat, als es unter meinem Namen ist ausgegangen, aber es
doch müssen lesen, als es unter eines andern Namen ist ausgangen. Wiewohl,
was das für eine Tugend sei, einem andern sein Buch lästern und schinden,
darnach daßelbig stehlen und unter eigenem Namen dennoch aus lassen
gehen, und so durch fremde verlästerte Arbeit eigen Lob und Namen suchen –
das lass ich seinen Richter finden. Mir ist indes genug und bin froh, daß
meine Arbeit (wie Sankt Paulus auch rühmet) muss auch durch meine Feinde
gefördert und des Luthers Buch ohn Luthers Namen unter seiner Feinde
Namen gelesen werden. Wie könnt' ich mich besser rächen?
Und daß ich wieder zur Sache komme: Wenn euer Papist sich viel
Beschwer machen will mit dem Wort "sola-allein", so sagt ihm flugs also:
Doktor Martinus Luther will's so haben, und spricht: Papist und Esel sei ein
Ding. Sic volo, sic iubeo, sit pro ratione voluntas. Denn wir wollen nicht der
Papisten Schüler noch Jünger, sondern ihre Meister und Richter sein. Wollen
auch einmal stolzieren und prahlen mit den Eselsköpfen; und wie Paulus
wider seine tollen Heiligen sich rühmet, so will ich mich auch wider diese
meine Esel rühmen. Sie sind Doktores? Ich auch! Sie sind gelehrt? Ich auch!
Sie sind Prediger? Ich auch! Sie sind Theologen? Ich auch! Sie sind
Disputatoren? Ich auch! Sie sind Philosophen? Ich auch! Sie sind Dialektiker?
Ich auch! Sie sind Legenten? Ich auch! Sie schreiben Bücher? Ich auch!
Und will weiter rühmen: Ich kann Psalmen und Propheten auslegen; das
können sie nicht. Ich kann dolmetschen; das können sie nicht. Ich kann beten,
das können sie nicht. Und um von geringeren Dingen zu reden: Ich verstehe
ihre eigene Dialektika und Philosophia besser denn sie selbst allesamt. Und
weiß überdies fürwahr, daß ihrer keiner ihren Aristoteles verstehet. Und ist
einer unter ihnen allen, der ein Proömium oder Kapitel im Aristoteles recht
verstehet, so will ich mich lassen prellen. Ich rede jetzt nicht zu viel, denn ich
bin durch ihre Kunst alle erzogen und erfahren von Jugend auf, weiß sehr
wohl, wie tief und weit sie ist. Ebenso wissen sie auch recht gut, daß ich alles
weiß und kann, was sie können. Dennoch handeln die heillosen Leute gegen
mich, als wäre ich ein Gast in ihrer Kunst, der überhaupt erst heute morgen
kommen wäre und noch nie weder gesehen noch gehört hätte, was sie lernen
oder können; so gar herrlich prangen sie herein mit ihrer Kunst und lehren
mich, was ich vor zwanzig Jahren an den Schuhen zerrissen habe; so daß ich
auch mit jener Metze auf all ihr Plärren und Schreien singen muss: Ich hab's
vor sieben Jahren gewußt, daß Hufnägel Eisen sind.
Das sei auf eure erste Frage geantwortet; und bitte euch, wollet solchen
Eseln ja nichts andres noch, mehr antworten auf ihr unnützes Geplärre vom
Wort "sola" denn so viel: Luther will's so haben und spricht, er sei ein Doktor
über alle Doktor im ganzen Papsttum; da soll's bei bleiben. Ich will sie hinfort
96
Antologia do Renascimento
nur verachten und verachtet haben, so lange sie solche Leute, ich wollt' sagen,
Esel sind. Denn es sind solche unverschämte Tröpfe unter ihnen, die auch ihre
eigene, der Sophisten Kunst nie gelernt haben, wie Doktor Schmidt und
Doktor Rotzlöffel und seinesgleichen; und stellen sich gleichwohl wider mich
in dieser Sache, die nicht allein über die Sophisterei, sondern auch, wie Sankt
Paulus sagt, über aller Welt Weisheit und Vernunft ist. Wahrlich: ein Esel
braucht nicht viel zu singen: Man kennt ihn auch schon gut an den Ohren.
Euch aber und den Unsern will ich anzeigen, warum ich das Wort "sola"
hab wollen brauchen, wiewohl Römer 3 (28) nicht "sola", sondern "solum"
oder "tantum" von mir gebraucht ist. So genau sehen die Esel meinen Text an.
Jedoch habe ich anderswo "sola fide" gebraucht und will auch beides, "solum"
und "sola", haben. Ich hab mich des beflissen im Dolmetschen, daß ich rein
und klar Deutsch geben möchte. Und ist uns sehr oft begegnet, daß wir
vierzehn Tage, drei, vier Wochen haben ein einziges Wort gesucht und
gefragt, haben's dennoch zuweilen nicht gefunden. Im Hiob arbeiteten wir
also, Magister Philips, Aurogallus und ich, daß wir in vier Tagen zuweilen
kaum drei Zeilen konnten fertigen. Lieber – nun es verdeutscht und bereit ist,
kann's ein jeder lesen und meistern. Es läuft jetzt einer mit den Augen durch
drei, vier Blätter und stößt nicht einmal an, wird aber nicht gewahr, welche
Wacken und Klötze da gelegen sind, wo er jetzt drüber hingehet wie über ein
gehobelt Brett, wo wir haben müssen schwitzen und uns ängsten, ehe denn
wir solche Wacken und Klötze aus dem Wege räumeten, auf daß man könnte
so fein dahergehen. Es ist gut pflügen, wenn der Acker gereinigt ist. Aber den
Wald und die Stubben ausroden und den Acker zurichten, da will niemand
heran. Es ist bei der Welt kein Dank zu verdienen, kann doch Gott selbst mit
der Sonnen, ja, mit Himmel und Erden noch mit seines eigen Sohns Tod
keinen Dank verdienen, sie sei und bleibt Welt – in des Teufels Namen, weil
sie ja nicht anders will.
Ebenso habe ich hier, Römer 3, sehr wohl gewußt, daß im lateinischen
und griechischen Text das Wort "solum" nicht stehet und hätten mich solches
die Papisten nicht brauchen lehren. Wahr ist's: Diese vier Buchstaben s-o-l-a
stehen nicht drinnen, welche Buchstaben die Eselsköpf ansehen wie die Kühe
ein neu Tor, sehen aber nicht, daß es gleichwohl dem Sinn des Textes
entspricht, und wenn man's will klar und gewaltiglich verdeutschen, so
gehöret es hinein, denn ich habe deutsch, nicht lateinisch noch griechisch
reden wollen, als ich deutsch zu reden beim Dolmetschen mir vorgenommen
hatte. Das ist aber die Art unsrer deutschen Sprache, wenn sie von zwei
Dingen redet, deren man eines bejaht und das ander verneinet, so braucht man
des Worts solum "allein" neben dem Wort "nicht" oder "kein". So wenn man
sagt: "Der Baur bringt allein Korn und kein Geld." Nein, ich hab wahrlich
jetzt nicht Geld, sondern allein Korn. Ich hab allein gegessen und noch nicht
97
Antologia do Renascimento
98
Antologia do Renascimento
gutes Deutsch, daraus man verstehet, daß Magdalene mit der verschütteten
Salbe sei unzweckmäßig umgegangen und habe verschwendet; das war Judas'
Meinung, denn er gedachte, einen besseren Zweck damit zu erfüllen.
Item, da der Engel Mariam grüßet und spricht: Gegrüßet seist du, Maria
voll Gnaden, der Herr mit dir. Nun wohl, so ist's bisher einfach dem
lateinischen Buchstaben nach verdeutschet. Sage mir aber, ob solchs auch
gutes Deutsch sei? Wo redet der deutsch Mann so: Du bist voll Gnaden? Und
welcher Deutscher verstehet, was da heißt: voll Gnaden? Er muss denken an
ein Fass voll Bier oder Beutel voll Geldes; darum hab ich's verdeutscht: Du
Holdselige, worunter ein Deutscher sich sehr viel eher vorstellen kann, was
der Engel meinet mit seinem Gruß. Aber hier wollen die Papisten toll werden
über mich, daß ich den engelischen Gruß verderbet habe, wiewohl ich
dennoch damit nicht das beste Deutsch habe troffen. Und würde ich hier das
beste Deutsch genommen haben und den Gruß so verdeutscht: Gott grüße
dich, du liebe Maria (denn soviel will der Engel sagen, und so würde er
geredet haben, wann er hätte wollen sie deutsch grüßen), ich glaube, sie
würden sich wohl selbst erhängt haben vor übergroßem Eifer um die liebe
Maria, daß ich den Gruß so zunichte gemacht hätte.
Aber was frage ich danach, ob Sie toben oder rasen, ich will nicht
wehren, daß sie verdeutschen, was sie wollen; ich will aber auch
verdeutschen, nicht wie sie wollen, sondern wie ich will. Wer es nicht haben
will, der lass mir's stehen und behalte seine Meisterschaft bei sich, denn ich
will sie weder sehen, noch hören, sie brauchen für mein Dolmetschen weder
Antwort geben noch Rechenschaft tun. Das hörest du wohl: Ich will sagen:
"du holdselige Maria, du liebe Maria", und lass sie sagen: "du voll Gnaden
Maria". Wer Deutsch kann, der weiß, welch ein zu Herzen gehendes, fein
Wort das ist: die liebe Maria, der liebe Gott, der liebe Kaiser, der liebe Fürst,
der liebe Mann, das liebe Kind. Und ich weiß nicht, ob man das Wort "liebe"
auch so herzlich und genugsam in lateinischer oder anderen Sprachen
ausdrücken kann, das ebenso dringe und klinge ins Herz, durch alle Sinne,
wie es tut in unser Sprache.
Denn ich halte dafür, Sankt Lukas als ein Meister in hebräischer und
griechischer Sprache, habe das hebräisch Wort, so der Engel gebraucht,
wollen mit dem griechischen "kecharitomeni" treffen und deutlich machen.
Und denk mir, der Engel Gabriel habe mit Maria geredet, wie er mit Daniel
redet und nennet ihn "hamudoth" und "isch hamudoth", vir desideriorum, das
ist: "du lieber Daniel". Denn das ist Gabrielis Weise zu reden, wie wir im
Daniel sehen. Wenn ich nun den Buchstaben nach, aus der Esel Kunst sollt
des Engels Wort verdeutschen, müsste ich so sagen: Daniel, du Mann der
Begierungen, oder Daniel, du Mann der Lüste. Oh, das wäre schön Deutsch!
99
Antologia do Renascimento
Ein Deutscher höret wohl, daß "Mann", "Lüste" oder "Begierungen" deutsche
Wort sind, wiewohl es nicht eitel reine deutsche Wort sind, sondern "Lust"
und "Begier" wären wohl besser. Aber wenn sie so zusammengefasset
werden: Der Mann der Begierungen, so weiß kein Deutscher, was gesagt ist,
denkt, daß Daniel vielleicht voll böser Lust stecke. Das hieße denn fein
gedolmetscht. Darum muss ich hier die Buchstaben fahren lassen und
forschen, wie der deutsche Mann das ausdrückt, was der hebräische Mann
"Isch hamudoth" nennt. So finde ich, daß der deutsche Mann so spricht: Du
lieber Daniel, du liebe Maria oder: du holdselige Maid, du niedliche Jungfrau,
du zartes Weib und dergleichen. Denn wer dolmetschen will, muss großen
Vorrat von Worten haben, damit er die recht zur Hand haben kann, wenn eins
nirgendwo klingen will.
Und was soll ich viel und lange reden von Dolmetschen? Sollt’ ich aller
meiner Wort Ursachen und Gedanken anzeigen, ich müßte wohl ein Jahr dran
zu schreiben haben. Was Dolmetschen für Kunst und Arbeit sei, das hab ich
wohl erfahren, darum will ich keinen Papstesel noch Maulesel, die nichts
versucht haben, hierin als Richter oder Tadeler dulden. Wer mein
Dolmetschen nicht will, der lass es anstehen. Der Teufel danke dem, der es
nicht mag oder ohn meinen Willen und Wissen meistert. Soll's gemeistert
werden, so will ich's selber tun. Wo ich's selber nicht tu, da lasse man mir
mein Dolmetschen mit Frieden und mache ein jeglicher, was er will, für sich
selbst und lebe wohl!
Das kann ich mit gutem Gewissen bezeugen, daß ich meine höchste
Treue und Fleiß drinnen erzeigt und nie kein falsche Gedanken gehabt habe –
denn ich habe keinen Heller dafür genommen noch gesucht, noch damit
gewonnen. Ebenso hab ich meine Ehre drinnen nicht gesucht, das weiß Gott,
mein Herr, sondern hab's zu Dienst getan den lieben Christen und zu Ehren
einem, der droben sitzet, der mir alle Stunde soviel Gutes tut, daß, wenn ich
tausendmal soviel und fleißig gedolmetscht, ich dennoch nicht eine Stunde
verdienet hätte zu leben oder ein gesund Auge zu haben: Es ist alles seiner
Gnaden und Barmherzigkeit, was ich bin und habe, ja, es ist seines teuren
Bluts und sauren Schweißes, darum soll's auch, wenn Gott will, alles ihm zu
Ehren dienen, mit Freuden und von Herzen. Lästern mich die Sudeler und
Papstesel, wohlan, so loben mich die frommen Christen, samt ihrem Herrn
Christo, und bin allzu reichlich belohnet, wenn mich nur ein einziger Christ
für einen treuen Arbeiter hält. Ich frag nach Papsteseln nichts, sie sind nicht
wert, daß sie meine Arbeit sollen prüfen, und sollt’ mir von Herzens Grund
leid sein, wenn sie mich losbeten. Ihr Lästern ist mein höchster Ruhm und
Ehre. Ich will dennoch ein Doktor, ja auch ein ausbündiger Doktor sein, und
sie sollen mir den Namen nicht nehmen bis an den Jüngsten Tag, das weiß ich
fürwahr.
100
Antologia do Renascimento
Doch hab ich wiederum nicht allzu frei die Buchstaben lassen fahren,
sondern mit großer Sorgfalt samt meinen Gehilfen darauf gesehen, so daß, wo
es etwa drauf ankam, da hab ich's nach den Buchstaben behalten und bin nicht
so frei davon abgewichen; wie Johannes 6 (27), wo Christus spricht: "Diesen
hat Gott der Vater versiegelt." Da wäre wohl besser Deutsch gewesen: Diesen
hat Gott der Vater gezeichnet, oder, diesen meinet Gott der Vater. Aber ich
habe eher wollen der deutschen Sprache Abbruch tun, denn von dem Wort
weichen. Ach, es ist Dolmetschen keineswegs eines jeglichen Kunst, wie die
tollen Heiligen meinen; es gehöret dazu ein recht fromm, treu, fleißig,
furchtsam, christlich gelehret, erfahren, geübet Herz. Darum halt ich dafür,
daß kein falscher Christ noch Rottengeist treulich dolmetschen könne; wie das
deutlich wird in den Propheten, zu Worms verdeutschet, darin doch wahrlich
großer Fleiß angewendet und meinem Deutschen sehr gefolgt ist. Aber es sind
Juden dabei gewesen, die Christo nicht große Huld erzeigt haben – an sich
wäre Kunst und Fleiß genug da.
Das sei vom Dolmetschen und der Art der Sprachen gesagt. Aber nun
hab ich nicht allein der Sprachen Art vertrauet und bin ihr gefolget, daß ich
Römer 3 (28) "solum" (allein) hab hinzugesetzt, sondern der Text und die
Meinung Sankt Pauli fordern und erzwingen's mit Gewalt; denn er behandelt
ja daselbst das Hauptstück christlicher Lehre, nämlich, daß wir durch den
Glauben an Christum, ohn alle Werke des Gesetzes gerecht werden; und
schneidet alle Werke so rein ab, daß er auch spricht: des Gesetzes (das doch
Gottes Gesetz und Wort ist) Werk nicht helfen zur Gerechtigkeit; und setzt
zum Exempel Abraham, daß derselbige sei so ganz ohne Werk gerecht
geworden, daß auch das höchste Werk, das dazumal neu geboten ward von
Gott vor und über allen andern Gesetzen und Werken, nämlich die
Beschneidung, ihm nicht geholfen habe zur Gerechtigkeit, sondern sei ohn die
Beschneidung und ohn alle Werk gerecht worden, durch den Glauben, wie er
spricht Kap. 4 (2): "Ist Abraham durch Werke gerecht worden, so kann er sich
rühmen, aber nicht vor Gott." Wo man aber alle Werke so völlig abschneidet
– und das muß ja der Sinn dessen sein, daß allein der Glaube gerecht mache,
und wer deutlich und dürr von solchem Abschneiden der Werke reden will,
der muß sagen: Allein der Glaube und nicht die Werke machen uns gerecht.
Das erzwinget die Sache selbst, neben der Sprache Art.
Ja, sprechen sie: Es klingt ärgerlich und die Leute lernen daraus
verstehen, daß sie keine guten Werke zu tun brauchten. Lieber, was soll man
sagen? Ist's nicht viel ärgerlicher, daß Sankt Paulus selbst nicht sagt: "allein
der Glaube", sondern schüttet's wohl gröber heraus und stößet dem Faß den
Boden aus und spricht: "ohn des Gesetzes Werk", und Galat. 2 (16): "nicht
durch die Werk des Gesetzes" und desgleichen mehr an anderen Orten; denn
das Wort "allein der Glaube" könnte noch eine Gloß finden, aber das Wort
101
Antologia do Renascimento
"ohn Werk des Gesetzes" ist so grob, ärgerlich, schändlich, daß man mit
keiner Glossen helfen kann. Wie viel mehr könnten hieraus die Leute lernen,
keine gute Werk tun, da sie hören mit so dürren, starken Worten von den
Werken selbst predigen: "kein Werk, ohn Werk, nicht durch Werk". Ist nu das
nicht ärgerlich, daß man "ohn Werk, kein Werk, nicht durch Werk" predigt,
was sollt's denn ärgerlich sein, so man dies "allein der Glaube" predigt?
Und was noch ärgerlicher ist: Sankt Paulus verwirft nicht schlichte,
gewöhnliche Werke, sondern des Gesetzes selbst. Daraus könnte wohl jemand
sich noch mehr ärgern und sagen, das Gesetz sei verdammt und verflucht vor
Gott und man solle eitel Böses tun, wie die täten Römer 3 (8): "Laßt uns
Böses tun, auf daß es gut werde", wie auch ein Rottengeist in unsrer Zeit
anfing. Sollt' man um solcher Ärgernis willen Sankt Paulus' Wort verleugnen
oder nicht frisch und frei vom Glauben reden? Lieber, gerade Sankt Paulus
und wir wollen solch Ärgernis haben und lehren um keiner ander Ursachen
willen so stark wider die Werk und treiben allein auf den Glauben, daß die
Leute sollen sich ärgern, stoßen und fallen, damit sie können lernen und
wissen, daß sie durch ihr gute Werk nicht fromm werden, sondern, allein
durch Christus' Tod und Auferstehen. Können sie nun durch gute Werk des
Gesetzes nicht fromm werden, wie viel weniger werden sie fromm werden
durch böse Werk und ohn Gesetz! Darum kann man nicht folgern: Gute Werk
helfen nicht – darum helfen böse Werk, gleichwie nicht gut gefolgert werden
kann: Die Sonne kann dem Blinden nicht helfen, daß er sehe, darum muß ihm
die Nacht und Finsternis helfen, daß er sehe.
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Versões ou traduções
Versão é a passagem das palavras de uma língua a outra com seu sentido
conservado. Em algumas delas se observa apenas o sentido; em outras, apenas
a expressão e a forma, como se alguém tentasse passar a outras línguas os
discursos de Demóstenes ou de Cícero, ou a poesia de Homero ou de Virgílio
observando inteiramente sua aparência e o colorido do dizer. Experimentar
isso seria próprio de um homem que compreende muito pouco quanta
diversidade há nas línguas. Não há, pois, nenhuma língua tão rica e variada,
que possa corresponder em tudo, em figuras e conformações, mesmo à mais
simples. “Nem todas as coisas se prestam a que as traduzamos do grego”,
disse Quintiliano, “nem mesmo a eles, todas as vezes que quiseram designar
com suas palavras as nossas” [Institutio oratoria, II, 14, I]. Há um terceiro
gênero, em que tanto as coisas como as palavras são ponderadas, bem
entendido, em que as palavras, ou sozinhas ou unidas ou no conjunto da
oração, conferem força e graça aos sentidos. Naquelas em que se tem
interesse apenas nos sentidos, elas são livres para serem traduzidas, e tem-se
uma escusa ao que omite coisas que não afetam o sentido ou ao que inclui
coisas que auxiliem o sentido. Nem as figuras e esquemas de uma língua dada
devem ser expressos em outra, muito menos coisas que são do idiomatismo.
Nem vejo até que ponto convenha admitir solecismos ou barbarismos a fim de
repetir os sentidos com outras tantas palavras, coisa que fizeram alguns com
Aristóteles e com as Sagradas Escrituras.
Será permitido reproduzir duas palavras com uma, e uma com duas, e em
qualquer número, quando se tiver dominado a língua, e, ainda, tanto incluir
algo como tirar. Exemplos disto será fácil tomar de Cícero em seu livro Da
universalidade [De uniuersitate], e de Teorodo Gaza,29 excelente tradutor:
este, pois, no primeiro volume de Dos animais [De animalibus], de
Aristóteles, traduz λύσσωµα por aequamentum e discrimen; depois
στρυφνός por austerum e acerbum, uma única palavra em duas; e neste
mesmo livro, Δοκεῖ δὲ καὶ ὁ σπόγγος ἔχειν τινὰ αἴσθησιν· σηµεῖον δ' ὅτι
χαλεπώτερον ἀποσπᾶται, ἂν µὴ γένηται λαθραίως ἡ κίνησις, ὥς φασιν...
acrescenta de si mesmo Vt ferunt auulsores; e também aquilo de τὰ
καλούµενα ὁλοθούρια traduz assim: Et quae tota simplici mitioreque testa
operta, uertibula appellantur, et calli, aut tubera; além disso, aquilo que
concorda com a língua latina o expressa dessa forma, embora em grego se
considere de um modo um pouco diferente, como Ὠτὸς δὲ µέρος τὸ µὲν
ἀνώνυµον, τὸ δὲ λοβός, que traduz por Auris pars exterior, cui est nomen
29
Teodoro Gaza (1398-1475), abade de São João de Piro, na Itália, tradutor de Aristóteles, Teofrasto e
Alexandre de Afrodísias ao latim.
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30
Esta obra faz parte dos ‘diálogos’ de Sêneca e é mais conhecida pelo título original de De tranquillitate
animi (Da tranqüilidade do espírito), ao lado de De breuitate uitae (Da brevidade da vida), de onde
provavelmente surgiu a variante De tranquillitate uitae.
31
Galeno (ca.129-ca.200), filósofo grego e médico em Roma durante o reinado de Marco Aurélio, deixou
grande quantidade de escritos sobre medicina. Suas obras sobre filosofia, gramática e literatura, porém, não
chegaram até nós.
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32
Atualmente, uma obra perdida.
33
Apud Aulo Gélio, Noctes Atticae, XV, 6, 3.
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trabalho imenso; foram compreendidos por nós em fórmulas gerais, que são
poucas e ensinam esta arte de um modo mais seguro e veraz, contanto que se
empregue atenção diligente e exercício, sem o que na verdade nenhuma regra
bastaria.
Era isto o que tinha a dizer sobre a doutrina da linguagem, em preceitos
universais, para que possam ser guardados mais facilmente e com melhor
segurança, e ser adaptados a qualquer uso, tendo sido omitido aquilo que
julguei não dizer respeito a tal fim. Caberá a vós não desviar este bem tão
grande, concedido por Deus ao gênero humano, para um uso imprudente,
como a maledicência e a violência, nem converter em perdição o que fora
disposto para sua salvação. Que importa pois que ataques alguém com a
espada ou com a palavra, senão que é mais grave ferir com a língua,
instrumento que a natureza ofereceu para que o aproveitasses. Os animais,
que consideramos mudos, têm a seu modo um certo tipo rudimentário e
imperfeito de linguagem, que serve aos seus instintos; a nossa, porém, serve à
mente. Por isso não possui uma verdadeira linguagem senão aquele que
possui também uma mente. Pelo que, nos revestimos com a índole e os
hábitos dos brutos, e nos transformamos completamente em brutos quando
transferimos nossa linguagem da submissão à razão ao serviço dos instintos.
Tradução:
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
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da palavra “ira”, entendida como “fogo” pelos rabinos, mas não a transcreve em hebraico, que seria kharón.
Segundo Kasuto, “ira” é comparável, no verso, à “tempestade”, ou seja, antes que o fogo do espinheiro
comece a aquecer a comida que está na panela, vem uma tempestade e apaga o fogo. Trata-se, segundo
Kasuto, de um versículo muito complicado.
37
Termo hebraico que significa “barra”, subentendendo-se barra de ouro ou de prata.
38
Acento usado para, entre outras funções, duplicar uma letra do alfabeto hebraico.
39
Na interpretação de Kasuto: “que Deus derrame sua ira sobre os inimigos (de Israel) ou a tropa de
poderosos”, sendo que esses “inimigos” podem se referir a: 1) hipopótamo (símbolo do Egito); 2) porco
selvagem (símbolo de outro povo, os domitas); 3) lenda muito difundida entre os povos de Canaã, que
falava de animais e ricos que ajudavam o Deus da morte.
115
Antologia do Renascimento
piedosos por causa do dinheiro. Esse pequeno trecho “aqueles que têm gosto
por dinheiro”, que nos exigiu empenho especial e grande discussão, foi
omitido por meus senhores editores na última edição do saltério. Isso mostra
seu insuficiente esforço na impressão.
Havíamos traduzido literalmente o salmo 63, versículo 6, assim: “Sacie
minha alma também de banha e gordura para que, com lábios satisfeitos,
minha boca cante louvores”40. No entanto, resolvemos deixar as palavras
hebraicas de lado, porque nenhum alemão entende isso (no hebraico, as
palavras “banha” e “gordura” evocam alegria: um animal bem alimentado e
gordo fica contente, por outro lado, um animal contente fica gordo; um animal
triste perde peso, torna-se magro, e um animal magro é triste). Em alemão
claro, traduzimos assim: “seria a alegria e o júbilo do meu coração se eu
pudesse cantar teus louvores com a boca plena de alegria”. Pois isso é o que
Davi quis dizer, ele que teve de ficar fora da cidade e fugir de Saul,
impossibilitado portanto de participar da liturgia e de escutar a jubilosa
Palavra de Deus, que consola os corações aflitos.
Para o salmo 65, versículo 9, que inicialmente traduzimos como “tornas
alegres os que de casa cedo ou tarde saem”, propomos aqui uma versão mais
clara: “pela manhã ou noite, tornas alegre tudo que se move”. Em outras
palavras: graças à tua dádiva, todas as criaturas, homens e animais, levantam
cedo, em boa paz, e saem felizes à procura de alimento ou de trabalho. E
então cantam os pássaros, mugem e balem os rebanhos, cantarolam os servos
e as criadas em direção ao campo. À noite, igualmente, todos voltam para
casa ou para o estábulo, cantando e mugindo.41 Em suma, o salmo louva a
Deus pela paz e pelo bom tempo, pois todos são felizes e cantam onde há paz
e prosperidade, e exuberantes são os montes e os vales. Isso é uma dádiva e
grande bênção de Deus, fonte de tanta felicidade, pois, durante os tempos de
guerra e outros tempos ruins, ninguém pode conceder nem desfrutar tanta
alegria.
Ninguém deve admirar-se de que aqui e em passagens semelhantes
tenhamos nos afastado dos gramáticos e rabinos, uma vez que adotamos a
seguinte regra: onde as palavras o permitiram e possibilitaram melhor
compreensão, precisamente nesses pontos não nos submetemos à gramática
elaborada pelos rabinos porque resultaria em interpretação diferente ou menos
satisfatória. Como ensinam os mestres-escolas: não é o sentido que deve
servir e seguir as palavras, são as palavras que devem estar a serviço do
40
Conforme a leitura de Rivka, diretamente do hebraico: “Tutano e gordura fartarão minha alma, meus
lábios ficarão alegres e minha boca glorificará”. Em hebraico, khélev significa tutano, e déshen, gordura,
adubo ou terra fértil, uma alusão à riqueza.
41
Na interpretação de Kasuto, os termos “manhã” e “noite” evocam os habitantes de todos os lugares da
Terra: do Leste, de onde se sai de manhã, e do Oeste, de onde se sai à noite.
116
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sentido. Sabemos também,42 como ensina São Paulo em 2Co 3,14, que o
rosto de Moisés está velado para os judeus; em razão disso os judeus
raramente acertam o sentido da Escritura, especialmente nos profetas. Como
nesse versículo em que eles interpretam “os que de casa cedo ou tarde saem”
como o sol que nasce de manhã e as estrelas que surgem com o anoitecer.
Embora a interpretação seja boa, não nos satisfez.
E, retomando o salmo 68: nele ousamos muito, privilegiando com
freqüência o sentido e deixando a literalidade das palavras de lado. Em razão
disso, muitos sabichões decerto nos repreenderão, e possivelmente alguns
piedosos ficarão escandalizados. Mas, de que adianta se ater às palavras com
tanto rigor e sem necessidade, se o sentido afinal não será compreendido?
Quem quiser falar alemão não deve usar as palavras conforme o modo
hebraico, mas convém atentar para que, uma vez compreendido o que disse o
hebreu, busque o sentido de seu discurso e prefira se interrogar nos seguintes
termos: como um alemão falaria neste caso? Se ele encontrou palavras
adequadas em alemão, deve deixar de lado as palavras hebraicas e reproduzir
livremente o sentido, no melhor alemão possível.
Do mesmo modo, no versículo 14 do salmo 68, poderíamos ter traduzido
rigidamente conforme o hebraico: “Assim como deitareis entre as divisas, são
as asas da pomba cobertas de prata, e suas penas, de ouro reluzente etc”43.
Mas que alemão entende isso? Já que o versículo anterior fala de reis que
conduzem guerras e em seguida entregam o espólio das guerras às donas de
casa, esse é o sentido do verso: que reis assim possuem um exército distinto,
belo e bem equipado, que de longe se assemelha a uma pomba cujas penas
reluzem em branco e vermelho (como se fossem de prata e ouro). Esses reis
são os apóstolos que vez e outra foram enviados ao mundo, ao campo de
batalha, de uma maneira magnificamente reluzente, através de múltiplos e
preciosos dons e milagres do Espírito Santo, para guerrearem contra o diabo.
E, desse modo, libertaram da influência do diabo muitas pessoas, que são
oferecidas à dona da casa – a Igreja – como espólio de guerra, para governar e
ensinar.
42
Aqui começa a inclusão do texto restabelecido segundo a edição de Weimar.
43
O que se traduziu, no verso, como “divisas” (em alemão, “Marken”) refere-se à palavra hebraica stafái,
que, segundo Rivka, significa o “cercado” onde fica o rebanho de carneiros. Kasuto fornece duas
interpretações para o versículo: 1) os que repousam são aqueles que se recusam a participar na guerra, não
somente as mulheres como também os homens usufruirão dos saques da guerra, dos objetos caros – como
jóia em forma de asas de pombas enfeitadas com prata e ouro; 2) o verso pode se referir à vitória após a
guerra. A pomba simboliza Israel: depois da vitória, os filhos de Israel se sentarão sossegados e em
segurança, e as asas da pomba serão enfeitadas com o resultado dos saques de ouro e de prata contra o
inimigo.
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44
Conforme Bruno Fuchs, Basã é uma região muito fértil na Galiléia, onde estão os melhores pastos e,
conseqüentemente, o gado mais gordo. Na Bíblia, a expressão “vacas de Basã” é proverbial: vacas
alimentadas em Basã não deixam de indicar fartura, fertilidade, riqueza. Sobre as “vacas de Basã”, conferir
também Amós 4, 1. Segundo Rivka, o versículo 16 do salmo 68, em hebraico, seria: “Montanha de Deus,
montanha de Basã, montanha cheia de elevações, montanha de Basã”, sendo gagnunim a palavra hebraica
que indica “cheia de elevações”; gagnunim pode significar também “corcunda”.
118
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45
A tradução do hebraico, conforme Rivka: “Subiste às alturas e cativaste o cativeiro”. Na interpretação de
Kasuto, o salmo refere-se à Moisés, que subiu ao Monte Sinai e trouxe as tábuas de leis para os homens,
sendo que o verbo “cativar” significa, no caso, pegar (no caso, Moisés teria pegado as tábuas de lei). Outra
possível explicação para o versículo, segundo Kasuto : quem subiu às alturas foi Deus; ele retornou às
alturas, à sua moradia.
119
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proibições dos príncipes e senhores, a pregação e livros dos sofistas, além dos
escritos de espíritos sectários. O terceiro mal é a peste ou a febre que avança
insidiosamente na escuridão, significando as perfídias, a astúcia, os ataques,
as práticas, as alianças nas quais os adversários se aconselham entre si,
reunindo-se em seus quartos e cantos (que ninguém deve conhecer nem
compreender), sobre como podem reprimir a Palavra de Deus e eliminar os
justos. O quarto mal é a epidemia ou pestilência que corrompe em pleno dia,
isto é, a perseguição pública, pois eles enforcam, afogam, sufocam, queimam,
perseguem, roubam etc., a fim de que a Palavra seja destruída em público e
tudo seja transformado em ruínas.
Esta é a minha compreensão dessa passagem, embora eu saiba que São
Bernardo46 tenha uma outra opinião, que considero boa, apesar de me parecer
cheirar muito a monastério e de ser limitada demais para os cristãos ou para a
igreja cristã, que são tentados mais em razão da palavra e da fé do que em
razão da vida ou das obras. Outros podem interpretar diferentemente, e não
queremos contestar sua opinião. Nossa compreensão também é boa, embora
possa não ser a melhor, pois vemos e experimentamos diariamente que a
Palavra de Deus é atacada dessas quatro maneiras. Por isso o Espírito Santo
consola nossa fé, para que ela não se amedronte diante dessas pragas, mesmo
que as tenha de sofrer.
Igualmente, no salmo 91, versículo 9, trocamos o pronome “mea” por
“tua’, e de “minha” fizemos “tua”, pois o verso é obscuro quando diz: “pois o
SENHOR é minha confiança”. Em todo o salmo ocorre a palavra “tua” e fala
para um outro ou de um outro, como também diz no mesmo versículo: “o
altíssimo é teu refúgio”. Como um alemão comum pode certamente não
perceber a mudança repentina das pessoas no discurso, quisemos deixar isso
bem claro e distinto, porque não estamos habituados a falar assim em alemão,
como é usual no hebraico. Muitas vezes acontece de alguém falar “tu” e “ele”,
em hebraico, embora fale com a mesma pessoa, como os hebreus bem sabem.
Fizemos essa troca em outras passagens, o que talvez não vá agradar aos
sabichões, que não se perguntam sobre como um alemão deve entender o
texto, mas se atêm rigidamente às palavras, de forma que ninguém os possa
entender. Isso não nos incomoda. Não tiramos nada do sentido e tornamos as
palavras compreensíveis.
E também no salmo 92 [versículo 15]: “Ainda que se tornem velhos,
continuarão a florir, serão férteis e cheios de seiva”. Decerto sabemos que,
literalmente, soaria assim: “Eles ainda irão florir com cabelos brancos, serão
gordos e verdes”. Mas o que quer dizer isso? O salmo compara os justos com
46
São Bernardo de Claraval (1091-1153), monge cisterciense, fundador da abadia de Claraval, na França,
doutor da Igreja, grande teólogo místico, foi citado freqüentemente por Lutero. (N. do E.)
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47
Bruno Fuchs explica que a mesa de sacrifícios do único templo dos judeus em Jerusalém era arrematada,
em suas extremidades, com chifres de carneiro apontados para o alto. Em hebraico, carnôt hamisbeakh
significa o altar em que se fazem os sacrifícios (zévakh). O versículo, observa Rivka, não se refere
especificamente a um cordeiro mas a um animal indeterminado (em hebraico, behemá). Lutero, por sua vez,
traduz o versículo da seguinte forma: “Bindet das Osterlam [ou seja, cordeiro pascal] mit Seilen bis an die
Hörner des Altars”.
121
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erros, por que são aqui tão venenosos e inclementes, onde podem encontrar
tanta coisa boa que não encontraram em nenhum outro lugar? Mas trata-se da
pesarosa arrogância e da grande inveja do mestre-sabichão. Por reconhecer
que não consegue fazer nada de bom, quer conquistar honra e ser mestre
difamando e desonrando o bom trabalho alheio. Mas o tempo dirá. E o que
Deus planta, permanecerá.
Assim, sem dúvida, eles exercitarão sua arte também no fato de que
observamos as regras, de que ora mantivemos rigidamente as palavras, ora
reproduzimos unicamente o sentido. Este será o primeiro ponto que irão
contestar e discutir: como não usamos essa regra no tempo certo nem
corretamente, embora eles anteriormente nem soubessem que existisse uma
regra como essa. Mas esse é o seu jeito: escutam alguma coisa e logo dizem
que a sabem melhor que qualquer um. Mas se fossem mesmo tão elevada e
profundamente eruditos e quisessem provar sua arte, eu gostaria que
tomassem uma única palavra, extremamente comum, como chen,49 e dela me
dessem uma boa tradução para o alemão. Pago cinqüenta moedas de ouro
àquele que me traduza essa palavra acertada e seguramente para toda a
Escritura. E deixai todos os mestres e sabichões reunirem toda sua arte para
que descubram que traduzir por si é uma outra arte e um trabalho bem
diferente do que criticar e depreciar a tradução feita por um outro. Quem não
aceita a nossa maneira de traduzir, que a deixe, pois. Nós a oferecemos aos
nossos e aos que a aceitam de bom grado.
Isto seja suficiente a respeito da questão de traduzir. Queremos propor
agora o saltério e os comentários como meio de participação às pessoas
simples e menos instruídas que nós do que cada salmo pretende e é capaz de
dizer.
Deve-se observar que o saltério todo trata de cinco temas; por isso o
dividimos em cinco partes. Primeiro: alguns salmos profetizam, por exemplo,
sobre Cristo e a Igreja ou sobre os santos, o que lhes acontecerá etc. A este
grupo pertencem todos os salmos que contêm promessas para os piedosos e
ameaças para os infiéis. O segundo grupo consiste em salmos didáticos, que
nos ensinam o que devemos fazer e deixar de fazer conforme a lei de Deus. E
a ele pertencem os salmos que condenam doutrinas humanas e louvam a
Palavra de Deus. O terceiro grupo reúne salmos consolatórios, que fortificam
e consolam os santos tristes e sofredores, e, por outro lado, agridem e
amedrontam os tiranos. A este pertencem todos os salmos que consolam,
advertem, estimulam a paciência e escarnecem dos tiranos. O quarto grupo
contém salmos invocatórios, em que se evoca Deus, e O invoca nas situações
de penúria. São todos os salmos que lamentam, exprimem luto e, por outro
49
Em hebraico pode significar ‘graça’, ‘favor’, ‘beleza’. (N. do E.)
123
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Tradução:
Raquel Abi-Sâmara
raqsamara@gmail.com
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50
In den uns vorliegenden Ausgaben (“Gesammelte Werke” der Digitalen Bibliothek aus dem Jahr 2002 und
“Die Werke Martin Luthers” der Evangelischen Verlagsanstalt aus dem Jahr 1951) fehlen unerklärterweise
dieselben fünf Seiten, wenn wir den Originaltext aus dem Jahr 1533 als Ausgangspunkt nehmen, wie er 1912 in
Weimar erschienen ist. Für die hier vorliegende Ausgabe war uns an der Vollständigkeit des Textes gelegen.
Die Übersetzerin und Literaturwissenschaftlerin Raquel Abi-Sâmara und der Theologe Bruno Fuchs haben die
notwendigen Transkriptionen mit den orthografischen Angleichungen vorgenommen. Beginn und Ende des so
repoduzierten Textes sind ausdrücklich markiert.
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Beil drein, ehe sie hart und reif werden zu stechen, und wirft sie nieder wie
ein Wetter. Denn Gott läßt die Gottlosen wohl toben, aber sie können ihr
Drohen und Toben nicht ausführen; er schickts so, daß sie untergehen müssen,
ehe sie es ausrichten, wie (es) Saul, Absalom, Pharao und allen Tyrannen
gegangen ist.
Psalm 68 Vers 31 haben wir so übersetzt: “Die da Lust zu Geld haben”;
wissen wohl, daß die Rabbinen hier das Wort “raze” (um des Punkts Dagesch
willen) anders deuten, obwohl wir in der Meinung fast eins sind, nämlich: daß
der Psalm bittet, Gott wolle schelten und wehren dem Tier im Rohr, das da
Lust zu Geld hat, das heißt, das um des Geldes willen alles läuft und tut wider
Gottes Wort. Was aber solches Tier sei, sagt er selbst: Die Rotte oder der
Haufe der Ochsen unter den Kälbern; das heißt, es sind die feisten, reichen
Rotten der großen Hansen, die sich im Lande weiden wie die Ochsen in guter
Weide oder großem Grase, und haben viel Anhang, wie die Ochsen viel Kühe
und Kälber neben sich haben, und die sich auch mit weiden. Solche Tyrannen
(und insbesondere meinet er die Priester im jüdischen Volk) fechten und
laufen nur um Geldes willen wider Gottes Wort, denn sie besorgen: wo Gottes
Wort aufgehen sollte, müßte ihre Pracht und Reichtum zu Boden gehen. Das
meinen wir, wenn wir so übersetzen: “Die da Lust zu Geld haben”; die
Rabbinen so: “Das da läuft mit den Zertretern um Geldes willen”; das heißt:
solch Tier läuft mit den Tyrannen, welche die Frommen zertreten um des
Geldes willen.
Psalm 63 Vers 6, da wir vorher den Worten nach so übersetzt haben:
“Laß meine Seele voll werden, wie mit Schmalz und Fett, daß mein Mund mit
fröhlichen Lippen rühme”, haben wir die hebräischen Worte fahren lassen,
weil das kein Deutscher versteht, (“Schmalz” und “Fett”, womit sie “Freude”
meinen: gleichwie ein gesundes, fettes Tier fröhlich, und umgekehrt ein
fröhliches Tier fett wird, ein trauriges Tier abnimmt und mager wird, und ein
mageres Tier traurig ist), und haben so ein klares Deutsch gegeben: “Das
wäre meines Herzens Freude und Wonne, wenn ich dich mit fröhlichem
Munde loben sollte.” Denn das ist doch Davids Meinung, da er außerhalb der
Stadt bleiben und vor Saul fliehen mußte, daß er nicht bei dem Gottesdienst
sein konnte, noch das fröhliche Gotteswort hören, welches alle betrübten
Herzen tröstet etc.
Psalm 65 Vers 9, da wir zuvor übersetzt haben: “Du machst fröhlich, die
ausgehen, beide früh und spät” haben wir so klar verständlich gemacht: “Du
machst fröhlich, was da webet (d.h. sich bewegt), gegen Morgen und gegen
Abend”. Das heißt: Es ist deine Gabe, daß alle Tiere, sowohl Menschen und
Vieh morgens früh in gutem Frieden aufstehen, und ein jeglicher fröhlich
dahingehet nach seiner Nahrung und zu seiner Arbeit. Da singen die Vögel,
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Antologia do Renascimento
da blökt das Vieh, Knecht und Magd gehen zu Felde mit einem Liedlein;
desgleichen kommt zum Abend alles wieder heim mit Singen und Blöken. In
summa: der Psalm lobet Gott um Friede und guter Zeit willen. Denn wo
Friede und gute Zeit ist, da singt alles und ist fröhlich, und stehen Berg und
Tal üppig. Das ist ein großer Segen und Gabe Gottes, der solche Freude gibt.
Denn zur Kriegszeit und anderer böser Zeit kann niemand solche Freude
geben noch haben.
Daß wir nun hierin und (bei) dergleichen Stellen zuweilen von den
Grammatikern und Rabbinen abweichen, soll sich niemand wundern. Denn
wir haben die Regel gehalten: Wo es die Worte erlaubt haben und ein besseres
Verständnis ergeben, da haben wir uns nicht durch die von den Rabbinen
gemachte Grammatik zur schlechteren oder anderen Bedeutung zwingen
lassen. Wie denn alle Schulmeister lehren: daß nicht der Sinn den Worten,
sondern die Worte dem Sinn dienen und folgen sollen. So51 wissen wir auch,
und St. Paulus, 2. Kor. 4. lehrt uns, das Angesicht Moses den Juden verdeckt
ist, und das sie die Meinung der Schrift besonders in den Propheten wenig
und selten treffen, gleich wie an diesem Ort, deuten sie “die fröhlichen
Ausgeher früh und spät” die Sonne, so des Morgens und die Sternen, so des
Abends aufgehen, diese Auffassung, obwohl sie gut sein mag, hat uns doch an
unserer Stelle nicht gefallen.
Abermal Psalm 68 haben wir viel gewagt und oft den Sinn gegeben und
die Wort fahren lassen, darum uns freilich viele Klüglinge tadeln und
vielleicht auch etliche Fromme sich daran stoßen werden, was nützt es aber,
die Worte unnötig so steif und streng halten, dass man deshalb doch nichts
verstehen kann? Wer Deutsch reden will, der muss nicht auf hebräische Art
das Wort gebrauchen, sondern muss darauf achten, wenn er die Hebräer
versteht, dass er den Sinn fasse und lieber so denkt: wie reden die Deutschen
in solchen Fall? Wenn er nun die deutsche Wörter hat, die hierzu dienen, so
lasse er die hebräischen Wörter fahren und spreche frei den Sinn heraus in
besten Deutsch, das er kann.
Also hier [Psalm 68] im Vers 14 hätten wir auch wohl streng dem
Hebräischen nach so dolmetschen können: So wie Ihr zwischen den Marken
liegen werdet, so sind die Flügel der Tauben mit Silber überzogen und ihre
Fittiche mit gleißenden Gold etc. Welcher Deutscher versteht aber das? Da
aber der Vers davor von Königen spricht, die Kriege führen und der
Hausfrauen die Kriegsbeute geben, so ist der Sinn dieses Verses, dass solche
Könige ein feines, schönes, wohl gerüstetes Heer zu Felde haben, welche von
Ferne anzusehen ist wie eine Taube, der die Federn weiß und rot (als wären
sie silbern und golden) gleissen. Diese Könige sind die Aposteln, die hin und
51
An dieser Stelle beginnt der auf der Grundlage der Weimarer Ausgabe rekonstruierte Text.
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Antologia do Renascimento
wider in der Welt durch manchfältige schöne Gaben und Wundertaten des
heiligen Geistes herrlich glänzend wider den Teufel zu Felde gezogen sind
und viele Leute dem Teufel abgewonnen haben, welche sie der Hausmutter,
der Kirche, als eine Kriegsbeute geben zu regieren und lehren.
Und danach [Psalm 68] im 16. Vers hätten wir auch wohl mit den
Rabinen so dolmetschen können: “Der Berg Gottes ist wie ein Berg Basan
oder ein FettBerg” (wie wir es vorhin auch gedeutscht haben). Aber es ist ja
besser und klarer gesagt “Ein fruchtbarer Berg”, das ist, in den Christenheit,
welche der Berg Gottes ist, geschieht immer viel Gutes, und die Bäume sind
fruchtbar, das heisst, die Christen tun große Werke und Wunder, denn Gottes
Wort geht nicht leer aus, und ein guter Baum bringt gute Früchte, denn wir im
Deutschen nennen wir auch ein ganz fruchtbares Land ein fettes Land und
eine Schmalz-Grube, nicht das mit Schmalz geschmieret oder von Fett triefe.
Ebenso das folgende: “Ein gehügelt Berg, ein fetter Berg” haben wir jetzt
gedeutscht “Ein großer Berg”, da doch der Sinn ist: ein Berg ist groß und wird
groß genannt, weil er aus vielen Hügeln aneinander und immer einer über
dem andern, zusammengesetzt ist bis auf den höchsten Hügel, so ist die
Kirche zusammengesetzt, da immer ein einzelner Christ und kleine christliche
Gruppen am andern hängen, und eine Gruppe oder ein Einzelner höher
begabt und mehr tut als der andere, wie Paulus sagt 1. Kor. 12, dass es
Unterschiede in Werken, Gaben und Ämtern geben müsse in der Kirche, und
1. Kor. 15[, 41]: “Ein Stern hat immer ein andere Klarheit als der andere”.
Das aber die Rabinen hier zanken über dem Wort “Gabnunim”, da einige
daraus “Höcker auf einem Rücken” machen, andere “die Wimpern über den
Augen” lassen wir geschehen, wir haben es nicht mögen noch wollen solche
Worte ins Deutsche zu übertragen.
Ebenso möchten wir im 16. Vers daselbige Wort “Gabnunim” so
deutschen: “Was hüpft ihre höckerige oder wimperne Berge?” Wer mag aber
dieses Deutsch geredet heissen? Aber weil der Psalm redet von der Welt,
Gewalt, Weisheit, Heiligkeit, besonders der Juden, so straft er sie, dass sie
sich gegen diesen Berg Gottes legen, und darauf trotzen , dass sie groß,
mächtig und viel sind, und wollen ihre Gewalt, Heiligkeit und Weisheit
verteidigen gegen den Berg Gottes, so doch Gott nicht bei ihnen, wie sie
meinen, sondern auf diesem Berg wohnt, welchen sie aus Stolz verachten und
schelten in des Teufels Berg und eitel Ketzer Berge etc.
Wiederum haben wir zu weilen auch stracks den Worten nach
gedolmetscht, ob wir es wohl hätten anders und deutlicher können geben.
Darum, dass an den selben Worten etwas gelegen ist, als hier [Psalm 68] im
19. Vers: “Du bist in die höhe Gefahren und hast das Gefängnis gefangen”.
Hier wäre es wohl gut Deutsch gewest: “Du hast die Gefangenen erlöst”, aber
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Antologia do Renascimento
es ist zu schwach und gibt nicht den feinen reichen Sinn, welcher in dem
Hebräichen ist, da es sagt: “Du hast das Gefängnis gefangen”, welches nicht
allein zu verstehen gibt, das Christus die Gefangene erledigt hat, sondern auch
das Gefängnis also weggefuhrt und gefangen, dass es uns nimmer mehr
widerum fangen kann noch soll, und ist so viel wie eine ewige Erlösung.
Gleichermaßen will Paulus sagen, wenn er spricht: “Ich bin durchs Gesetz
dem Gesetze gestorben.” Item: “Christus hat die Sünde durch Sünde
verdammt. Item: “Der Tod ist durch Christum getötet”. Das sind die
Gefängnis, die Christus gefangen und weggetan hat, das uns der Tod nicht
mehr halten, die Sünde nicht mehr für schuldig erklären, das Gesetz nicht
mehr das Gewissen strafen kann, wie Sanct Paulus solche reiche, herrliche,
tröstliche Lehre allenthalben verkündet, darum müssen wir zu Ehren solcher
Lehre und zum Trost unsers Gewissens solche Wort behalten, gewöhnen und
also der Hebräischen Sprache Raum gelassen, wo sie es besser macht, als
unser Deutsche tun kann.
Also haben wir Psalm 91 den 5. und 6. Vers auf Hebräisch stehen lassen,
also: “Das du nicht erschrecken müsstest von dem Graben des Nachts, vor den
Pfeilen, die des Tages fliegen, vor der Pestilenz, die im Finstern schleicht, vor
der Seuche, die am Mittag verderbt etc.” Diese vier Plagen oder Unglücke,
die ein Gerechter leiden muss um Gottes willen, weil sie dunkel und mit
verdeckten Worten geredet sind, möchte sie einer wohl anders deuten als ein
anderer, darum haben wir einem Jeglichen wollen Raum lassen nach seines
Geistes Gaben und Masse, die selbigen zu verstehen, sonst hätten wir sie wohl
also verdeutscht, damit unsers Art des Verstehens hätte erkannt werden
mögen.
Nämlich das erste Übel, das der Gerechte leiden muss, ist Furcht des
Nachts, das ist, drohung, hassen, neiden, schaden, denn Gottes Wort erweckt
allezeit Gefahr und Feindschaft, solche Feindschaft heißt er hier Furcht der
Nacht. Das andere Übel sind Pfeile, die bei Tage fliegen, das sind
offensichtlich lästern, widersprechen, schelten, schmähen, verfluchen,
verdammen, wie jetzt päpstliche Bullen, kaiserliche Edicte, Verbot der
Fürsten und Herren, die predigt der Sophisten und Bücher und der rotten
Geister Schrift tun. Das Dritte ist Pestilenz oder Fieber, die so im Finstern
schleicht, das sind, die Heimtücke, List, Anschläge, Praktiken, Bündnis, in
denen die Widersacher untereinander sich beraten und vereinigen in ihren
Kammern und Winckeln (die niemand kennen noch verstehen soll), wie sie
das Wort Gottes unterdrücken und die Gerechten ausrotten wollen. Das vierte
ist die Seuche oder Pestilenz, die im Mittage verderbt, das ist die offentliche
Verfolgung, da sie mit der Tat erhängen, ertränken, erwürgen, verbrennen,
verjagen, berauben etc, damit sie das Wort offentlich zerstören und alles zu
Grund richten wollen.
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Antologia do Renascimento
Dies ist mein Auffassung an dieser Stelle, weiß aber wohl, das Sanct
Bernhard eine andere hat, die ich gut sein lasse, obwohl sie, allzu viel, mich
dünkt, nach Mönchtum schmeckt, und zu geringe ist für Christen oder
Christliche Kirche, welche mehr ums Wort und Glaubens willen angefochten
werden als um des Lebens oder Werkes willen, andere mögen auch anders
deuten, die wollen wir an ihrer Auffassung nicht irre machen, unsere
Auffassung ist ja auch gut, wo sie nicht der beste sein soll, denn wir sehen ja
und erfahren es täglich, dass das Wort Gottes mit solchen vier Stücken
angegriffen wird, darum tröstet der Heilige Geist unsern Glauben, dass er sich
davon nicht fürchten solle, ob er es gleich erleiden müsse.
Item, im selbigen Psalm [91], haben wir im 9. Vers, das Pronomen
“Mea” in “Tua” verwandelt, und aus “Meine” gemacht “Deine”, weil, dass
der Vers dunkel ist, so man sagt “Denn der HERR ist meine Zuversicht,
obwohl er doch durch den ganzen Psalm führt das Wort “Deine” und redet zu
einem andern oder von einem andern, wie auch im selbigen Vers “Der Höhste
ist deine Zuflucht, und der gemein Deutsch man die plötzliche Veränderung
der Personen im Reden nicht wohl merken kann, darum haben wir es klar und
deutlich machen wollen, weil man solcher Weise zu reden im Deutschen nicht
so gewöhnt ist wie im Hebräischen, da oftmals geschieht, dass einer jetzt
spricht “Du” und “Der”, obwohl er doch mit einerlei Person redet, wie das die
Hebräer wohl wissen, solches haben wir noch etliche Male getan, obwohl dies
den Besserwissern vielleicht nicht gefallen wird, der nicht danach fragt, wie
ein Deutscher den Text verstehen müsse, sondern die Worte steif und genau
behält, das ihn niemand verstehen kann, das ficht uns nicht an, wir haben dem
Sinn nichts genommen, und die Worte deutlich gemacht.
Item, Psalm 92[,15]: “Obwohl sie alt werden, werden sie dennoch
blühen, fruchtbar und frisch sein”, wir wissen wohl, dass dies von Wort zu
Wort so lautet: “Sie werden noch blühen im grauen Haar, fett und grün sein”,
was besagt das? Der Psalm hatte die Gerechten mit den Bäumen vergleicht,
als wären sie Palmbäume und Zedern, diese haben kein graues Haar, sind
auch nicht fett (welches ein Deutscher versteht vom Schmaltz, und denkt an
einen feisten Bauch), aber der Prophet will sagen, die Gerechten sind solche
Bäume, die auch blühen, fruchtbar und frisch sind, obwohl sie alt werden, und
müssen ewiglich bleiben, denn Gottes Wort bleibt ewig, welches sie lehren,
Psalm 1[,3]: “Seine Blätter verwelken nicht”, denn sie nehmen je länger je
mehr zu, in beidem im Wort und Leben, aber alle andern Bäume nehmen
zuletzt ab, wenn sie alt werden, besonders die rottengeister, die Gott nicht
gepflanzt hat, wie Christus spricht: “Alle Pflanzen, die mein himmlicher
Vater nicht gepflanzt hat, müssen ausgerottet werden”.
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Antologia do Renascimento
Item Psalm 118 im 27. Vers wußten wir ganz gut, dass die Jüdischen
Rabini so lesen: “Bindet das Osterlamm mit Seilen an die Hörner des Altars”.
Das sagen wir auf Deutsch so: “Schmückt das Fest mit Maien. Sie machen
aus dem Wort “Hag” (welches eigentlich Fest oder Feiertag bedeutet) ein
Osterlamm, aus eigener Willkür. Obwohl es anders wo so gefunden wurde,
wie sie vorgeben, so mögen sie doch hier nicht solches beweisen. Und wo
steht es geschrieben, dass die Juden das Osterlamm mit Stricken zum Altar
führen sollten, welches ein Jeglicher daheim in seinem Hause braten und mit
seinem Gesinde essen müsste, wie sie noch tun, obwohl sie keinen Altar
haben?
Weil denn solches ein Jüdischer irriger Sinn ist im Text, und wir wissen,
dass dieser Psalm von Christo und seinem Reich spricht, und die Worte dieses
Verses, aus Art der Sprachen diesen Sinn geben: “Bindet das Fest mit Maien,
haben wir es deutlich so gemacht: “Schmückt das Fest mit Maien (welches ist
die geistliche Laubrust oder Laubhüttenfest, welches Vorbild war der Juden
Laubrust) bis an die Hörner des Altars, mit dem Altar zeigt er an, dass es eine
geistliche Laubrust sein sollte, da ein Altar dabei sein müsste. Bei der Juden
Laubrust musste kein Altar sein, sondern nur in Jerusalem. Und ist die
Auffassung, dass zur Zeit Christi, alle Fest ein tägliches Fest sein sollen, darin
man fröhlich im Glauben predige, und damit Gott Dankopfer darbringt. Das
heisst es “bis an den Altar das Fest mit Maien schmücken, fröhlich sein im
Wort und Glauben und so Gott loben und preisen in Christo, welcher unser
Altar ist.
Item im zwölften Vers, da wir also deutschen: “Sie dämpfen wie ein
Feuer in Dornen”, machen es die Rabini also: “Sie verlöschen oder werden
gedämpft wie Feuer in Dornen”. Und soll der Sinn sein: Die Gottlosen
Verfolger sind gleich wie die Dornen unter einem Topf angelegt und
bedrohlich blitzen und brennen. Aber ehe das Fleisch im Topf gar wird, haben
die Dornen sich ausgebrannt und verlöschen und lassen das Fleisch wohl roh
bleiben. So gehen die Verfolger unter, ehe sie die Gerechten vernichten. So
ziehen die Rabini allenthalben, wo sie können, die Schrift auf ihre Töpfe und
Opfer, wie jenigen die auf solche Opfer und Werke ihre Heiligkeit am meisten
bauen.
Aber weil im Text folgt “Im Namen des HERRN will ich sie zerhauen”
(wie die selben Wort in den zwei Verse davor auch stehen), durch welche
Wort angezeigt wird, wie die Gottlosen untergehen sollen, halten wir den
Sinn, den unser Text gibt, dass damit ausgedruckt werde, der grosse Zorn der
Widersacher gegen die Gerechten, gleich wie er sie auch den zornigen Bienen
im selbigen Vers vergleicht. Also auch hier diejenigen vergleicht, die rennen
und löschen, wenn eine Hecke oder ein Wald brennt. Diesen Sinn gibt auch
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Antologia do Renascimento
die hebräische Grammatik, wo sie ihre Punkte nicht ohne Ursache hinan
flickten. Aber wenn die Dornen verbrannt und verlöschen sind, wie reimt
sichs darauf, dass man sie im Namen des HERRN zur hauen wolle? Soll man
in die Asche hauen, oder soll man die Gottlosen, die nicht mehr sind, erst
recht noch umbringen?.52
Was ists Not, über alle Worte solche Rechenschaft zu geben? Wir haben
fürwahr keinen Fleiß noch Mühe gespart. Wers besser machen kann, dem ists
wohl gegönnet. Aber ich nehme an: wenn er unsern Psalter dazu nicht
gebraucht, werde er den Psalter so verdeutschen, daß weder viel Deutsch noch
Hebräisch darinnen bleibt. Das wirst du daran merken, wenn du unsern Psalter
mit dem seinen vergleichen und seine eigene Kunst, d.h. die bei uns
gestohlenen Worte, finden wirst. Es ist ein schändlicher, widerwärtiger Mann,
Meister Klügling. Wenn er ein Wörtlein finden kann, das wir versehen hätten,
(denn wer will so vermessen sein, daß er, gleich als wäre er Christus und der
heilige Geist selbst, bei keinem Wort wollte gefehlet haben?) da ist er Meister
und “Licht der Welt”, obwohl er weiß, daß wir den ganzen Psalter sonst
richtig verdeutscht haben, und er (selbst) nicht einen Vers im ganzen Psalter
recht verdeutschen könnte. Es sind Lästerer und Verleumder, das bleiben sie.
Und wie gehets doch zu, daß man uns allein so genau untersucht, so doch
der alte Psalter, auch Hieronymus und viele andere über die Maßen viel mehr
gefehlet haben als wir, sowohl im Griechischen und Lateinischen? Oder,
können sie dort so geduldig und gütig sein, wo sie viele Fehler finden, warum
sind sie denn hier so giftig und unbarmherzig, wo sie doch viel Gutes finden,
welches sie sonst nirgends gefunden haben? Aber es ist die leidige Hoffart
und der große Neid Meister Klüglings. Weil derselbe siehet, daß er nichts
Gutes machen kann, will er doch damit Ehre erjagen und Meister sein, daß er
fremde gute Arbeit lästern und schänden kann. Aber die Zeit wirds bringen.
Und was Gott pflanzt, wird bleiben.
So werden sie ihre Kunst ohne Zweifel auch an dem versuchen, da wir
die Regel gerühmet haben, daß wir zuweilen die Worte genau beibehalten,
zuweilen (aber) allein den Sinn wiedergegeben haben. Hier werden sie zu
allererst klügeln und hadern, wie wir
solcher Regel nicht recht noch zur rechten Zeit gebraucht haben, obwohl sie
vorher von solcher Regel nie etwas gewußt haben, sondern, wie es ihre Art
ist: was sie hören, das können sie flugs besser als jedermann.
Ich wollte aber, wenn sie ja so hoch und tief gelehrt wären und ihre
Kunst beweisen wollten, sie nähmen das einzige und doch ganz allgemeine
Wort “ken” für sich, und gäben mir eine gute deutsche Übersetzung dafür.
52
An dieser Stelle endet der auf der Grundlage der Weimarer Ausgabe rekonstruierte Text.
132
Antologia do Renascimento
Fünfzig Gulden will ich dem zahlen, der mir solch ein Wort in der Schrift
durch und durch treffend und sicher verdeutscht. Und laßt alle Meister und
Klüglinge alle ihre Kunst zusammentun, auf daß sie doch sehen, wie selbst
Übersetzen eine sehr viel andere Kunst und Arbeit ist als eines andern
Übersetzung tadeln und schulmeistern. Wer unser Dolmetschen nicht haben
will, der lasse es; wir dienen damit den Unsern, und die es gerne haben.
Das sei genug vom Dolmetschen. Wir wollen nun den Psalter und die
Summarien vornehmen, um den Einfältigen und denjenigen, welche weniger
können als wir, anzuzeigen, was ein jeglicher Psalm will und vermag. Es ist
darauf zu achten, daß der ganze Psalter fünferlei behandelt, darum wir ihn in
fünf Teile teilen:
Erstlich: etliche Psalmen weissagen, z.B. von Christus und der Kirche
oder den Heiligen, wie es ihnen gehen soll usw., und hier herein gehören alle
Psalmen, da Verheißungen für die Frommen und Drohungen über die
Gottlosen drinnen sind.
Zum zweiten sind etliche Lehrpsalmen, die uns lehren, was wir tun und
lassen sollen nach dem Gesetz Gottes. Und hierher gehören alle Psalmen, die
Menschenlehre verdammen und Gottes Wort preisen.
Zum dritten sind etliche Trostpsalmen, welche die betrübten und
leidenden Heiligen stärken und trösten, (und) umgekehrt die Tyrannen
schelten und schrecken. Und hier gehören her alle Psalmen, die da trösten,
vermahnen, zur Geduld reizen und die Tyrannen schelten.
Zum vierten sind etliche Betpsalmen, darinnen man Gott anruft und (zu
ihm) betet in allerlei Not. Und hier gehören her alle Psalmen, die da klagen
und trauern und über die Feinde schreien.
Zum fünften sind etliche Dankpsalmen, darinnen man Gott lobt und
preiset für allerlei Wohltat und Hilfe. Dahin gehören alle Psalmen, die Gott
loben in seinen Werken; und dies sind die vornehmsten, und um derselben
willen ist der Psalter gemacht, weshalb er auch im Hebräischen “Sepher
Tehillim” heißt, das ist ein “Lobbuch” oder “Dankbuch”.
Doch soll man wissen, daß die Psalmen nicht so glatt und genau mit allen
Versen in solche Teile geteilt werden können. Denn zuweilen werden in
einem Psalm dieser Stücke zwei, drei oder wohl alle fünf gefunden, und
gehöret ein Psalm in alle fünf Teile, daß man sowohl Weissagung, Lehre,
Trost, Gebet und Dank nebeneinander hat. Sondern das ist die Absicht, daß
man wisse, wie der Psalter solche fünf Stücke treibet. Das dienet dazu, daß
man den Psalter desto leichter verstehe, und sich drein schicken, ihn auch
desto besser lernen und behalten kann.
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
Juan Boscán
(1493-1542)
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Antologia do Renascimento
e agora na Espanha virá a ser de Vossa Mercê, que tem (por falar
moderadamente) as mesmas qualidades dela; e poderá Vossa Mercê conceder-
lhe tanta honra que quem sabe lhe baste para não querer mais, nem cuidar de
outra coisa senão de sossegar-se e descansar de seus trabalhos em vossas
mãos.
Eu não terei como fim, na tradução deste livro, ser tão rígido que me
force a vertê-lo palavra por palavra; antes, se alguma coisa nele eu achar que
em sua língua pareça boa e na nossa má, não deixarei de mudá-la ou calá-la.
Mesmo com tudo isto tenho medo que, sendo os termos destas línguas, a
italiana e a espanhola, e os costumes entre ambas nações tão diferentes,
permaneça ainda algo que não fique bem em nossa língua romance. Mas o
tema do livro é tal, e seu processo tão bom, que quem o ler será muito
melindroso se entre tantas e tão boas coisas não perdoar algumas pequenas,
compensando umas com outras. O assunto de que trata, logo no começo da
obra ver-se-á, é tornar um cortesão perfeito, e tal como Vossa Mercê saberia
fazer se quisesse. E porque para um perfeito cortesão se requer uma perfeita
dama, faz-se também nesse livro uma dama tal que pode ser até que a
conheçais e saibais seu nome se a observardes bem.
Para tudo isto foi necessário lançar mão de muitas coisas de diversas
faculdades, todas de grande engenho e algumas delas muito profundas e
graves. Por isso não me espantaria se existissem talvez alguns desses que
consideram as coisas levianamente e não tomam delas senão sua aparência,
aos quais pareça mal eu encaminhar à Vossa Mercê um livro que, embora seu
fim principal seja tratar do que é necessário para a perfeição de um cortesão,
aborde matérias intrincadas e mais profundamente discutidas nas ciências do
que o convenha a uma mulher e moça e tão dama. A isto respondo que quem
fez o livro entendeu-o melhor do que eles, e de tal maneira mesclou as coisas
da ciência com as da galantaria que umas se aproveitam e se valem das outras,
e estão dispostas tão propriamente e tão no seu lugar, e os termos que há
nelas, mesmo se alguns por serem de filosofia se tornam pesados, são tão
necessários onde estão, e foram assentados com tão bom artifício, e tão
desculpados pelos mesmos que ali os usam, e ditos tão burlescamente onde é
mister, que a todo gênero de pessoas, tanto a mulheres quanto a homens,
convêm e parecerão bem, exceto aos nécios. E mesmo que nada disto fosse
assim, vosso entendimento e juízo é tal que vós não haveríeis de vos fechar
nas limitações ordinárias de outras mulheres, posto que todo aspecto do saber
vos convém totalmente. E, enfim, já que sobre isto não há mais o que debater,
quero aproveitar um argumento quase semelhante ao de um filósofo, que um
dia, discutindo com muitos que argumentavam com grandes razões que não
havia movimento nas coisas, a resposta que lhes deu em conclusão foi
levantar-se de onde estava sentado e passear, e ali ninguém pode negar o
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Antologia do Renascimento
Tradução:
138
Antologia do Renascimento
honra; y ahora en España habrá alcanzado a ser de Vuestra merced, que (por
hablar templadamente) tenéis las mismas cualidades della; y a él podréisle
hacer tanta honra que quizá le baste para no querer más, ni curar de otra cosa
ya sino de sosegarse y descansar de sus trabajos en vuestras manos.
Yo no terné fin en la traducción de este libro a ser tan estrecho que me
apriete a sacalle palabra por palabra, antes, si alguna cosa en él se ofreciere,
que en su lengua parezca bien y en la nuestra mal, no dexaré de mudarla o de
callarla. Y aun con todo esto he miedo que según los términos de estas
lenguas italiana y española y las costumbres de entrambas naciones son
diferentes, no haya de quedar todavía algo que parezca menos bien en nuestro
romance. Pero el sujeto del libro es tal, y su proceso tan bueno, que quien le
leyere será muy delicado si entre tantas y tan buenas cosas no perdonare
algunas pequeñas, compensando las unas con las otras. La materia de que
trata, luego en el principio de la obra se verá, es hacer un cortesano perfeto, y
tal como Vuestra merced le sabría hacer si quisiese. Y porque para un perfeto
cortesano se requiere una perfeta dama, hácese también este libro una dama
tal que aun podrá ser que la conozcáis y le sepáis el nombre si la miráis
mucho.
Para todo esto ha sido necesario tocar muchas cosas en diversas
facultades, todas de gran ingenio y algunas de ellas muy hondas y graves. Por
eso no me maravillaría hallarse quizá algunos de los que consideran las cosas
livianamente y no toman de ellas sino el aire que le da en los ojos, que les
parezca mal enderezar yo a Vuestra merced un libro, que aunque su fin
principal sea tratar de lo que es necesario para la perfición de un cortesano,
todavía toque materias entricadas y más trabadas en honduras de ciencia de lo
que pertenezca a una mujer y moza y tan dama. A esto respondo que el que
hizo el libro entendió esto mejor que ellos, y de tal manera mezcló las cosas
de ciencia con las de gala que las unas se aprovechan y se valen con las otras,
y están puestas tan a propósito y tan en su lugar, y los términos que hay en
ellas, si algunos por ser de filosofía se aciertan a ser pesados, son tan
necesarios allín donde están, y asentados con tan buen artificio, y tan
desculpados por los mismos que allí los usan, y dichos tan chocarreramente
donde es menester, que a todo género de personas, así a mujeres como a
hombres, convienen y han de parecer bien, sino a necios. Y aunque todo esto
no fuese, vuestro entendimiento y juicio es tal que vos no os habéis de
encerrar en las estrechezas ordinarias de otras mujeres, sino que toda cosa de
saber os ha de convenir totalmente. Y en fin, porque ya sobre esto no haya
nada más que debatir, quiero aprovecharme de un argumento casi semejante
al de un filósofo, que disputando un día con él muchos, y haciéndole grandes
razones para proballe que no había movimiento en las cosas, la respuesta que
les dio para concluilles fue levantarse de donde estaba sentado y pasearse, y
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
Garcilaso de la Vega
(1503-1536)
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Se não houvesse sabido antes de agora até onde chega o juízo de Vossa
Mercê, bastaria para eu entendê-lo, ver que vos parecia bem este livro. Mas
estáveis tão alta em minha consideração que, parecendo-me bom este livro até
aqui por muitas causas, a principal pela qual agora me parece é porque o
haveis aprovado, de tal maneira que podemos dizer que o fizestes, pois por
vossa causa o temos hoje em uma língua em que o entendemos. Porque não só
não me ocorreu que fosse Boscán que acabaria por traduzi-lo, como nunca
nem me atrevi a sugerir-lhe tal coisa, já que sempre o via aborrecendo-se com
aqueles que romanceiam livros, muito embora ele não chame isto de
romancear, e nem eu; mas que fosse: creio que ainda assim não se recusaria a
fazê-lo se Vossa Mercê ordenasse. Eu estou mui satisfeito comigo mesmo,
pois antes que o livro chegasse às vossas mãos, eu já tinha reparado em seu
grande valor; porque, caso agora, depois de saber que vos parece bom,
começasse a conhecê-lo, acreditaria que estava me deixando levar pela vossa
opinião. Mas já não se poderá suspeitar disso, e sim ter como coisa segura que
é um livro que merece andar em vossas mãos para que logo ganhe fama de
onde andou e possa então correr mundo sem perigo. Porque uma das coisas de
que maior necessidade há, onde quer que haja homens e damas ilustres, é de
se fazer não somente todas as coisas que em seu modo de viver aumentam o
valor das pessoas, como também de evitar todas as que possam rebaixá-lo.
Um e outro aspectos são tratados de modo tão sábio e cortesão no livro, que
não parece possível pedir mais nada senão ver tudo realizado em algum
homem, e ia acrescentar também em alguma dama, não fosse perceber que
estáveis no mundo para exigir-me contas de minhas palavras fúteis. Além
disso, pode-se considerar neste livro que, como as coisas mui acertadas
sempre vão além do que prometem, foi tal o modo como o conde Castiglione
escreveu o que devia fazer um cortesão distinto, que mesmo os desavisados de
seu dever encontram quase tudo aí.
Nisto pode-se perceber o que perderíamos em não tê-lo, e também penso
que é muito importante o benefício que traz à língua castelhana escrever nela
coisas que mereçam ser lidas; porque eu não sei que desventura tem sido
sempre a nossa, que quase nada se escreveu em nossa língua exceto aquilo
que poderia muito bem ser dispensado, embora isto seria difícil de provar com
os que se ocupam com aqueles livros que matam homens.
E Vossa Mercê soube muito bem escolher a pessoa pela qual faríeis este
bem a todos nós, e sendo a meu ver algo tão dificultoso traduzir bem um livro
quanto voltar a escrevê-lo, Boscán saiu-se nisto tão bem, que cada vez que me
ponho a ler este livro seu ou (melhor dizendo) vosso, não me parece ter sido
143
Antologia do Renascimento
qualquer outra que houvesse, sou tão inimigo da discórdia que mesmo esta,
tão confiável, me chatearia. E por isso quase o forcei a fazê-la a toda
velocidade, e ele me fez estar presente ao derradeiro lustre, mais como
homem ouvido em suas razões que como ajudante em alguma emenda.
Suplico a Vossa Mercê que, já que este livro está sob vosso amparo, não se
incomode com esta pouca parte que tomo nele, pois em troca disto vo-lo
entrego escrito com melhor letra, onde se leia vosso nome e vossas obras.
Tradução:
145
Antologia do Renascimento
tan enemigo de cisma, que aun ésta tan sin peligro me enojara. Y por esto casi
por fuerza le hice que a todo correr le pasase, y él me hizo estar presente a la
postrera lima, más como a hombre acogido a razón que como ayudador de
ninguna enmienda. Suplico a Vuestra merced que, pues este libro está debaxo
de vuestro amparo, que no pierda nada por esta poca de parte que yo dél
tomo, pues en pago desto, os le doy escrito de mejor letra, donde se lea
vuestro nombre y vuestras obras.
148
Antologia do Renascimento
Juan de Valdés
(1509-1541)
149
Antologia do Renascimento
[…]
150
Antologia do Renascimento
VALDÉS – Não me lembro, de verdade; mas sei dizer-vos que a meu ver
era homem de vivo engenho e claro juízo.
TORRES – Dizei-me, por favor, ainda que seja fora de propósito, porque
há muitos dias que o desejo saber: que diferença fazeis entre engenho e juízo?
VALDÉS – O engenho acha o que dizer, e o juízo escolhe o melhor do
que o engenho acha e coloca-o no lugar que deve estar; de forma que das duas
partes do orador, que são a invenção e a disposição (que quer dizer
ordenação), a primeira pode ser atribuída ao engenho, a segunda ao juízo.
TORRES – Acreditais que possa haver alguém que tenha bom engenho e
falta de juízo, ou que tenha bom juízo e falta de engenho?
VALDÉS – Há inúmeros desses; e também dentre os que conheceis e
encontrais todos os dias poderia apontar alguns.
TORRES – Qual tendes por maior falta num homem, a de engenho ou a
de juízo?
VALDÉS – Se eu tivesse de escolher, preferiria mais bom juízo com
mediano engenho do que bom engenho com razoável juízo.
TORRES – Por quê?
VALDÉS – Porque homens de grandes engenhos são os que se perdem
em heresias e falsas opiniões, por falta de juízo. Não há semelhante jóia no
homem como o bom juízo.
MÁRCIO – Deixai isto, voltai a vossos livros e dizei qual é a outra
tradução do latim ao romance que vos agrada.
VALDÉS – O Enchiridion [Enchiridion militis Christiani – Manual do
cavaleiro cristão] de Erasmo traduzido ao romance por Arcidiano del Alcor,
que no meu parecer pode competir com o latino quanto ao estilo.
MÁRCIO – Se o estilo castelhano não é melhor em castelhano que o
latino em latim, pouco fez o que o traduziu.
VALDÉS – Não é possível que vós admitais que alguém que não seja
italiano tenha bom estilo em latim.
MÁRCIO – Não lestes algum outro livro traduzido que vos agrade?
VALDÉS – Se li, não me lembro.
MÁRCIO – Pois ouvi dizer que Il Peregrino [de Jacopo Caviceo] e Il
Cortegiano [de Baltasar Castiglione] estão muito bem traduzidos.
VALDÉS – Não os li, e acreditai-me que tenho mais dificuldade em
valorizar uma obra traduzida de qualquer outra língua que seja ao castelhano
do que à outra língua.
151
Antologia do Renascimento
152
Antologia do Renascimento
vergonhas, como por ter o estilo desbaratado, que não há estômago que
agüente lê-los.53
MÁRCIO – Vós os lestes?
VALDÉS – Claro que os li.
MÁRCIO – Todos?
VALDÉS – Todos.
MÁRCIO – Como é possível?
VALDÉS – Dez anos, os melhores de minha vida, que gastei em palácios
e cortes, não me dediquei a exercício mais virtuoso que a leitura destas
mentiras, nas quais sentia tanto prazer que me comia as mãos por causa delas.
Vede que coisa é ter o gosto estragado, tanto que se eu tomava nas mãos um
livro em latim, dos que foram traduzidos em romance e que são de
historiadores verdadeiros, ou ao menos são tidos como tais, não conseguia
terminar de lê-los.
[…]
Tradução:
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
53
Este gênero literário em prosa, composto por “livros de cavalaria”, teve muito sucesso e popularidade na
Espanha e em Portugal no século XVI. Os quatro livros de Amadís de Gaula junto com Palmerín e
Primaleón – os preferidos por Valdés – estão entre os mais representativos deste gênero, os quais foram
seguidos por uma grande série, e constituirão a matéria da paródia de Cervantes: Don Quijote.
153
Antologia do Renascimento
[…]
154
Antologia do Renascimento
155
Antologia do Renascimento
[…]
157
Antologia do Renascimento
Étienne Dolet
(1509-1546)
159
Antologia do Renascimento
54
A citação de Dolet do texto ciceroniano apresenta algumas variantes com relação às edições atuais de Cícero,
contudo, sem impedir a compreensão do conteúdo: animum autem alii animam, ut fere nostri, declarat nomen;
nam et agere animam et efflare dicimus et animosos et bene animatos et ex animi sententia; ipse autem animus
ab anima dictus est (The Loeb Classical Library, ed. por E. H. Warmington, Londres-Cambridge, Heinemann-
Harvard University, 1971). Dolet cita precisamente uma passagem de Cícero de difícil tradução retórico-literária
que dê conta do jogo de palavras latinas animus-anima e as expressões delas derivadas. E sua tradução é uma
verdadeira ‘interpretação’, um comentário que se baseia no sentido, ad sententiam. (N. do E.)
160
Antologia do Renascimento
Tradução:
Marc Goldstein
marc.goldstein@noos.fr
162
Antologia do Renascimento
légitime. Car, penses-tu que ce soit assez d’avoir la diction propre et élégante,
sans une bonne copulation des mots? Je t’avise que c’est autant que d’un
monceau de diverses pierres précieuses mal ordonnées, lesquelles ne peuvent
avoir leur lustre à cause d’une collocation impertinente. Ou c’est autant que
de divers instruments musicaux mal conduits par les joueurs, ignorants de
l’art et peu connaissants les tons et mesures de la musique. En somme, c’est
peu de la splendeur des mots si l’ordre et collocation d’iceux n’est telle qu’il
appartient. En cela sur tous fut jadis estimé Isocrate, orateur grec, et
pareillement Démosthène. Entre les latins, Marc Tulle Cicéron a été grand
observateur des nombres. Mais ne pense pas que cela se doive plus observer
par les orateurs que par les historiographes. Et qu’ainsi soit, tu ne trouveras
César et Salluste moins nombreux que Cicéron. Conclusion quant à ce propos:
sans grande observation des nombres un auteur n’est rien, et avec iceux il ne
peut faillir à avoir bruit en éloquence, si pareillement il est propre en diction
et grave en sentences, et en argument subtil. Qui sont les points d’un orateur
parfait, et vraiment comblé de toute gloire d’éloquence.
165
Antologia do Renascimento
João de Barros
(1496-1570)
166
Antologia do Renascimento
Pai – Filho
[…]
167
Antologia do Renascimento
Atualização:
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
168
Antologia do Renascimento
Pái – Filho
[…]
169
Antologia do Renascimento
latim, dádo que sejam antigos, cá destes nos devemos muito prezár, quando
nam achármos serem tam correctos, que este labéo lhe[s] fáça perder sua
autoridáde. Nam sòmente ôs que achamos per escrituras antigas, mas muitos
que se usam Antre Douro e Minho, conservador da semente portuguesa, os
quáes alguns indoutos desprézam, por nam saberem a raiz donde náçem.
170
Antologia do Renascimento
Sperone Speroni
(1500-1588)
(todo mundo podia alcançar esse ideal simplesmente estudando dois livros) e
à aliança com o maior editor da época, Aldo Manunzio. As duas posições
alternativas mais importantes são a teoria cortesã, forte em área lombarda (ou
seja, na época, setentrional), defendida, entre outros pelo vicentino Trissino e
pelo mantuano Castiglione (que escreveu o Cortegiano), e a teoria
florentinista. A primeira defende que o italiano deveria se conformar aos usos
lingüísticos dos intelectuais das várias cortes (ou seja os cortesãos), com uma
clara marca social e sem uma escolha geográfica; a segunda defende a língua
realmente usada em Florença na época, considerando como morta a língua
proposta pelo Bembo. Dita dicotomia é, pois, explicada, grosso modo, pelo
perigo que, ao assimilar elementos estrangeiros, as traduções representavam
para a formação de uma língua vulgar que se queria fosse moderna e derivada
da tradição da língua popular. Daí que, na primeira fase do humanismo
italiano, não foi a tradução, mas a imitação que se tornou a favorita.
173
Antologia do Renascimento
Interlocutores –
Bembo – Lázaro – Cortesão – Estudante – Lascari – Peretto
174
Antologia do Renascimento
LÁZARO: Com prazer nesse caso ouvirei expor a opinião do meu mestre
Peretto, o qual, embora não soubesse nenhuma outra língua além da
mantuana, contudo como homem de bom senso e acostumado a equivocar-se
raras vezes, pode ter dito alguma coisa com Lascari, que me agradará ouvi-la.
Peço-vos pois que, se de nada vos lembrais, não vos seja molesto relatar-me
alguma coisa da sua argumentação passada.
ESTUDANTE: Assim seja feito, pois que vos agrada; que prefiro antes
ser considerado ignorante, dizendo algo que não conheço, que descortês,
refutando aqueles pedidos que para mim devem ser mandamentos. Mas seja
isso feito sob a condição de que, como não me é uma honra relatar-vos as
doutas argumentações dos outros, assim calar alguma palavra, que desde
então me tenha fugido da memória, não me seja imputado como vergonha.
CORTESÃO: Subscrevo qualquer condição, contanto que faleis.
ESTUDANTE: A última vez que o senhor Lascari veio da França para a
Itália, estando em Bolonha, onde gostava de morar, e visitando-o Peretto,
como costumava fazer, num dia entre outros, tendo se demorado com ele, o
senhor Lascari lhe perguntou:
LASCARI: Vossa excelência, meu caro mestre Piero, que ledes este ano?
PERETTO: Meu senhor, leio os quatro livros dos Meteoros de
Aristóteles.
LASCARI: Por certo uma boa leitura é a vossa, mas e quanto aos
expositores?
PERETTO: Dos latinos não tenho muitos, mas um amigo meu me cedeu
um de Alexandre.55
LASCARI: Boa escolha fizestes, porque Alexandre é Aristóteles depois
de Aristóteles. Mas eu não sabia que conhecíeis a língua grega.
PERETTO: Eu o tenho em latim, não em grego.
LASCARI: Pouco desfrutais então.
PERETTO: Por quê?
LASCARI: Porque eu creio que Alexandre de Afrodísias, em grego, é
muito diferente de si mesmo uma vez que tenha sido traduzido ao latim, como
é um vivo de um morto.
PERETTO: Isto poderia ser que fosse verdade, mas eu não fazia
distinção, antes pensava que tanto me serviria a leitura latina como a
55
Alexandre de Afrodísias (séc. II d.C.), o mais importante dos primeiros comentadores de Aristóteles.
Conservaram-se alguns de seus comentários, em grego. (N. do E.)
178
Antologia do Renascimento
179
Antologia do Renascimento
não gostaria de que falásseis delas como de algo produzido pela natureza,
uma vez que são feitas e regradas pelo artifício das pessoas por beneplácito
delas, e não plantadas nem semeadas; usamo-las, pois, como testemunhos de
nosso espírito, representando entre nós as concepções do intelecto. Por isso,
ainda que todas as coisas criadas pela natureza e as ciências delas sejam uma
mesma nos quatro cantos do mundo, porque homens diferentes têm anseios
diferentes, escrevem e falam diferentemente. Esta diferença e confusão dos
anseios mortais é dignamente chamada torre de Babel. Portanto as línguas não
nascem por si mesmas, como as árvores ou as ervas, algumas débeis e frágeis
na sua espécie, outras saudáveis e robustas e melhor aptas a carregar o peso
de nossas concepções humanas; mas toda sua virtude vem ao mundo por
vontade dos mortais. Por isso, assim como, sem mudar de cultura ou de nação,
o francês e o inglês, e não somente o grego e o latim, podem dar-se a
filosofar, assim acredito que a língua nativa pode comunicar a sua doutrina a
outros. Portanto, traduzindo-se aos nossos dias a filosofia, semeada por nosso
Aristóteles nos bons campos de Atenas, da língua grega à vulgar, não seria
jogá-la entre pedras, em meio a bosques, onde se faria estéril, mas tornar-se-ia
de distante próxima, e de forasteira, que é, cidadã de todas as províncias.
Talvez, da mesma forma como algum mercador traz, para nossa utilidade,
especiarias e outras coisas orientais da Índia para a Itália, onde por ventura
são melhor conhecidas e tratadas do que são lá por eles, que além-mar as
semearam e colheram, semelhantemente, as especulações de nosso Aristóteles
se nos tornariam mais familiares do que agora são, e ser-nos-iam mais
facilmente compreendidas, se algum douto homem as traduzisse do grego ao
vulgar.
LASCARI: Línguas diferentes estão aptas a representar concepções
diferentes, umas as concepções dos doutos, outras as dos ignaros. A grega
realmente condiz tanto com as ciências que a própria natureza e não a
intenção humana parece que a criou para representar os significados daquelas.
E se não me quiserdes crer, crede ao menos em Platão, quando fala sobre ela
em seu Crátilo, com que pode-se dizer que, assim como a luz está para as
cores, está para as disciplinas a língua grega: sem sua luz, nada poderia ver
nosso entendimento humano, que dormiria numa eterna noite de ignorância.
PERETTO: Prefiro antes acreditar em Aristóteles e na verdade de que
nenhuma língua do mundo, seja qual for, pode ter por si só o privilégio de
significar as concepções da nossa alma, mas que tudo consiste no arbítrio das
pessoas. De forma que quem quiser falar de filosofia com palavras mantuanas
ou milanesas não poderá ser refutado com mais razão de que lhe seja refutado
o direito de filosofar e entender a causa das coisas. Verdade é que, pelo fato
de o mundo não ter o costume de falar de filosofia se não em grego ou em
latim, logo acreditamos que não se possa fazê-lo de outra maneira; e por isso
181
Antologia do Renascimento
acontece que nosso tempo fala e escreve em vulgar somente de coisas vis e
banais. Mas assim como, por reverência, tocamos os corpos e as relíquias de
santos, não com as mãos, mas com alguma varinha, também colocamo-nos a
significar os sagrados mistérios da divina filosofia mais com as letras das
línguas de outros que com a viva voz desta nossa moderna, cujo erro,
conhecido por muitos, ninguém ousa reprovar. Mas tempos virão, talvez
dentro de poucos anos, em que alguma boa pessoa não menos ousada que
engenhosa assumirá esta empreitada e, para favorecer ao povo, não curando
do ódio nem da inveja dos literatos, passará de outras línguas à nossa as jóias
e os frutos das ciências, as quais agora não degustamos nem conhecemos
perfeitamente.
LASCARI: Na verdade, nem de fama nem de glória cuidará quem quiser
tomar a empresa de levar a filosofia da língua de Atenas à lombarda, porque
tal trabalho a ele trará aborrecimento e repreensão.
PERETTO: Aborrecimento, sim, pela novidade da coisa, mas não
repreensão, como acreditais, porque por um que fale mal dela por primeiro,
milhares e milhares de outros pouco depois louvarão e bendirão o seu esforço,
acontecendo-lhe assim como aconteceu a Jesus Cristo, que, escolhendo
morrer para a salvação dos homens, foi primeiramente escarnecido,
condenado e crucificado por alguns hipócritas, e agora é finalmente
reverenciado e adorado por quem o reconhece como Deus e nosso Salvador.
LASCARI: Tanto falastes deste vosso bom homem que de pequeno
mercador o tornastes um messias, o qual, queira Deus que se pareça àquele
que os Judeus ainda esperam, a fim de que uma heresia tão vil não desgaste
nunca a filosofia de Aristóteles durante algum tempo. Mas se tendes, com
efeito, tão estranha opinião, por que não vos tornais em nosso tempo o
redentor desta língua vulgar?
PERETTO: Porque tarde conheci a verdade e no tempo em que a força
do intelecto não é igual à do querer.
LASCARI: Que Deus assim me ajude, como creio que estais zombando;
salvo se, como fazem os maliciosos, não condenais comigo aquilo que não
podeis obter.
PERETTO: Monsenhor, as razões antes aduzidas por mim não são de
pouco peso que as deva apresentar-vos com gracejos, e o conhecimento das
línguas não é algo tão difícil que um homem de memória abaixo da média e
sem engenho nenhum não as possa aprender, considerando que Cícero e
Demóstenes costumavam falar eloqüentemente não apenas aos atenienses e
romanos sábios, mas também aos insensatos, e eram entendidos por eles.
Certamente despendemos miseravelmente anos e qüinqüênios em aprender
182
Antologia do Renascimento
aquelas duas línguas, não pela grandeza do objeto mas somente porque nos
dirigimos ao estudo das palavras contra a inclinação natural de nosso espírito
humano, o qual, desejoso de deter-se no conhecimento das coisas a fim de
aperfeiçoar-se, não se contenta de ser reconduzido a outro lugar, onde,
adornando a língua com palavrinhas e futilidades, permaneça a nossa mente
vã. Da contrariedade, pois, que todavia existe entre a natureza da alma e o
costume de nosso estudo depende a dificuldade do conhecimento das línguas,
digna verdadeiramente não de inveja mas de ódio, não de trabalho mas de
fastio, e finalmente digna de ser repreendida mas não aprendida pelas pessoas,
assim como algo que não é alimento mas sonho e sombra do verdadeiro
alimento do espírito.
LASCARI: Enquanto faláveis assim, eu imaginava estar vendo a
filosofia de Aristóteles escrita em língua lombarda, e ouvir falar dela entre
todo tipo de gente plebéia, carregadores, campesinos, barqueiros e outras
pessoas tais, com certos sons e certos acentos, os mais repulsivos e os mais
estranhos que já ouvi em minha vida. Neste meio detinha-se defronte a mim a
mãe filosofia, vestida muito pobremente de romanholo, chorando e
lamentando-se de Aristóteles que, desprezando a sua excelência, a tinha
levado àquele estado, e ameaçava de não querer mais permanecer na terra já
que tão bela honra lhe prestavam por suas obras. Ele, desculpando-se com ela,
negava tê-la jamais ofendido, tendo-a sempre amado e louvado, e não menos
que honrosamente ter escrito ou falado sobre ela enquanto esteve vivo, ele
que tinha nascido e morrido grego, não bresciano nem bergamasco, e mentiria
quem dissesse o contrário. Gostaria que tivésseis estado presente à esta visão.
PERETTO: E eu, se tivesse estado ali, teria dito que a filosofia não
deveria sofrer, porque todos os homens, em todos os lugares, com todas as
línguas exaltavam o seu valor. E isto se dá antes para sua glória que para sua
vergonha, que se ela não se indigna de habitar nos espíritos lombardos,
tampouco deve indignar-se de ser tratada pela língua deles. Que a Índia, a
Sitia e o Egito, onde ela habitava com prazer, produziram pessoas e palavras
mais estranhas e bárbaras do que são agora as mantovanas e as bolonhesas.
Que o estudo da língua grega e latina quase a expulsou do nosso mundo,
enquanto que o homem, não cuidando de saber o que se diz, acostuma-se a
aprender a falar futilmente e, deixando o espírito dormir, desperta e usa sua
língua. Que a natureza, em todos os tempos, em todas as províncias e em
todos os hábitos, é sempre uma mesma coisa, e assim como realiza com
prazer suas artes por todo o mundo, assim na terra como no céu, e estando
atenta à produção das criaturas racionais, não se esquece das irracionais, e,
com igual habilidade, gera a nós e aos animais selvagens, também é digna de
ser conhecida e louvada igualmente por homens ricos e pobres, por nobres e
plebeus, em todas as línguas, seja a grega, a latina, a judaica ou a lombarda.
183
Antologia do Renascimento
suas artes e ciências, de tal forma que, ao dizerem língua grega e latina
parecem dizer língua divina, e que sozinha a língua vulgar seja uma língua
inumana, privada em tudo do discurso do intelecto. Talvez apenas pela razão
de que esta aprendêmo-la desde crianças e sem esforço, enquanto que às
outras convertemo-nos com muito cuidado, como a línguas que julgamos
adequarem-se mais às doutrinas do que as palavras da eucaristia e do batismo
a seus dois sacramentos. E esta opinião tola está tão arraigada nas almas dos
mortais que muitos acreditam que, para tornarem-se filósofos, basta saber
escrever e ler em grego e nada mais, como se o espírito de Aristóteles, qual
duende num cristal, estivesse encerrado no alfabeto grego, e com ele fosse
obrigado a entrar no intelecto deles para torná-los profetas. Com relação a
isso, já vi muitos, em meus dias, tão arrogantes que, absolutamente privados
de qualquer ciência, confiando unicamente no conhecimento da língua,
tiveram a ousadia de apropriar-se de seus livros explicado-os publicamente, a
exemplo de outros livros de humanidade. Assim que, para eles, traduzir ao
vulgar as doutrinas da Grécia parecia trabalho perdido, tanto pela indignidade
da língua como pela limitação dos termos, dentro dos quais está encerrada a
Itália com a sua língua, estimando vã a empresa do escrever e do falar de
forma que não o entendam os estudiosos do mundo todo. Mas aquilo que não
vi, espero possa ver – seja quando for – quem nascer depois de mim, e num
tempo em que as pessoas, certamente mais sábias, porém menos ambiciosas
que as atuais, dignar-se-ão de serem louvadas em sua pátria, sem se
preocuparem de que a Alemanha ou outro país estrangeiro tenha seus nomes
reverenciados. Pois, se as formas das palavras, pelas quais os futuros filósofos
pensarão e escreverão sobre as ciências, forem comum à plebe, o intelecto e o
sentimento deles serão próprios dos amantes e estudiosos das doutrinas que
têm seu lugar não nas línguas, mas nas almas dos mortais.
ESTUDANTE: O senhor Lascari já se preparava para a resposta quando
chegou uma brigada de cavalheiros que vinham visitá-lo, tendo sido pois
interrompido por eles o razoamento que havia começado; pelo que, despedido
um o outro com a promessa de tornar outra vez, Peretto e eu partimos.
CORTESÃO: Tão bem me defendestes com as armas do mestre Peretto
que, apropriar-me das vossas, seria algo desnecessário. Por isso, ainda que
fosse vossa profissão falar sobre esta matéria, contento-me que vos caleis. E
pelo auxílio a mim prestado, em parte pela autoridade de tão digno filósofo,
em parte pelas razões anteditas, rendo-vos infinitas graças, e prometo-vos
que, para fugir ao fastio do aprender a falar com as línguas dos mortos,
seguindo o conselho do mestre Peretto, assim como nasci quero viver romano,
falar romano e escrever romano. E a vós, senhor Lázaro, como a uma pessoa
de outra opinião, vaticino que em vão tentais restabelecer vossa língua latina
de seu longo exílio na Itália e, depois de sua total ruína, soerguê-la do chão.
185
Antologia do Renascimento
Porque, se quando ela começava a cair não houve um homem que a pudesse
sustentar, e qualquer um que se opusesse à sua ruína foi, como Polidamante,56
oprimido pelo peso, agora que ela jaz completamente, vencida tanto pela
ruína como pelo tempo, que atleta ou gigante poderia vangloriar-se de elevá-
la? Não me parece, olhando vossos escritos, que queríeis prová-la,
considerando que o vosso escrever latino não é mais que um andar recolhendo
num autor e noutro ora um nome, ora um verbo, ora um advérbio de sua
língua; e se, fazendo-o, esperais – quase como um novo Esculápio57 –, ao
juntar esses fragmentos, poder fazê-la ressuscitar, equivocai-vos, não vos
apercebendo que no cair de tão soberbo edifício uma parte tornou-se pó e
outra rompeu-se em vários pedaços, e que querer unificá-los seria algo
impossível; além do que, muitas são as outras partes que, permanecendo sob
os escombros ou roubadas pelo tempo, não são achadas por ninguém. De
forma que, se refizerdes a fábrica, será menor e menos firme do que antes era,
e conseguindo restitui-la à sua primeira grandeza, nunca será verdade que lhe
teríeis dado a forma que antigamente lhe deram aqueles primeiros bons
arquitetos, quando a fabricaram nova. Porque onde costumava estar a sala,
fareis os quartos, equivocar-vos-eis quanto ao lugar das portas, alterareis a
posição das janelas, uma alta, outra baixa; ressurgirão suas muralhas, todas
firmes e inteiras, no lugar de onde inicialmente o palácio recebia a claridade,
e em outro lugar adentro entrará, com a luz do sol, alguma rajada de vento
infesto, que deixará malsão o aposento. Por fim será um milagre,
sobrepassando a providência humana, poder refazê-la igual ou similar àquela
antiga, uma vez que faltou a ideia, de onde o mundo tomou o modelo para
edificá-la. Pelo que vos aconselho a deixar a empresa de querer tornar-vos
singular entre outros homens, trabalhando em vão, sem proveito para vós e
para outros.
LÁZARO: Perdoai-me, cavalheiro, não considerastes bastante as
palavras de meu mestre Peretto, que não somente não se recusava, como vós
fazeis, a aprender grego e latim; antes lamentava-se de ser forçado a fazê-lo,
almejando um tempo em que, sem o auxílio daquelas línguas, o povo possa
estudar e aperfeiçoar-se em todas as ciências. Uma opinião que eu não louvo,
nem desprezo, porque aquilo não posso, isto não quero. Somente digo que ela
não foi bem entendida por vós, e, portanto, vossa deliberação não procederá
nem da autoridade nem dos arrazoados feitos, mas do vosso desejo, o qual
56
Polidamante, famoso atleta da Tessália e o homem de maior estatura já visto nos tempos heróicos.
Extremamente confiante de sua força após inúmeras demonstrações, pereceu quando, um dia, descansando
numa gruta, a rocha começou a romper-se, e ele, não querendo fugir do local, acreditando que poderia
sustentar as pedras com suas mãos, foi soterrado. (N. do E.)
57
Esculápio, forma latina do nome grego Asclépios. Filho de Apolo e Coronis, aprendeu com o centauro
Quêiron a arte da medicina. Desenvolveu-se tanto nesta arte que passou a ressuscitar os mortos. Atendendo
a súplicas de Ártemis, ele ressuscitou Hipólitos, favorito da deusa. Zeus, encolerizado com sua interferência,
matou Asclépios com um raio. (N. do E.)
186
Antologia do Renascimento
podeis seguir quanto vos agrade, que o mesmo farei eu do meu. Porque se a
viagem que eu tenho é mais longa e cansativa que a vossa, não será por
ventura tão vazia, e, ao final de minha jornada, conduzir-me-á são, ainda que
cansado, a uma boa hospedaria.
BEMBO: O senhor Lázaro diz a verdade, e acrescento que Peretto
naquela hora, assim me parece, discutiu sobre as línguas, respeitando a
filosofia e outras ciências similares. Porque, considerando que sua opinião
seja verdadeira, e tão bem pudesse filosofar o campesino como o cavalheiro, o
lombardo como o romano, não é em todas as línguas, porém, que se pode
poetizar e discursar, já que entre elas uma é mais ou é menos dotada dos
ornamentos da prosa e do verso que a outra. Isto discutimos antes, sem fazer
menção das doutrinas, e como então assim vos disse, digo-vos novamente
que, se alguma vez tiverdes vontade de compor ou poemas ou novelas à vossa
maneira, ou seja, em uma língua diferente da toscana, e sem imitar Petrarca
ou Boccaccio, talvez chegueis a ser um bom cortesão, mas jamais poeta ou
orador. Pelo que se falará de vós e sereis conhecido pelo mundo afora
enquanto viverdes, mas não mais, uma vez que a vossa língua romana tem a
virtude de tornar-vos antes gracioso que honorável.
Tradução:
Andréia Guerini
andreia.guerini@gmail.com
Anna Palma
floripalma@yahoo.it
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
Tommaso Raso
tommaso.raso@gmail.com
187
Antologia do Renascimento
Interlocutori –
Bembo – Lazaro – Cortegiano – Scolare – Lascari – Peretto
188
Antologia do Renascimento
BEMBO. Nascer no, ma studiar toscano; ché egli è meglio per aventura
nascer lombardo che fiorentino, peroché l’uso del parlar tosco oggidì è tanto
contrario alle regole della buona toscana, che più noce altrui l’esser natio di
quella provincia, che non gli giova.
CORTEGIANO. Dunque, una persona medesma non può esser tosca per
natura e per arte?
BEMBO. Difficilmente per certo; essendo l’usanza, che per lunghezza di
tempo è quasi convertita in natura, diversa in tutto dall’arte. Onde, come chi è
giudeo o eretico, rade volte diviene buon cristiano, e più crede in Cristo chi
nulla credeva quando fu battezzato; così qualunche non è nato toscano può
meglio imparare la buona lingua toscana, che colui non fa, il quale da
fanciullo in su sempremai parlò perversamente toscano.
CORTEGIANO. Io, che mai non nacqui né studiai toscano, male posso
rispondere alle vostre parole; nondimeno a me pare che più si convenga col
vostro Boccaccio il parlar fiorentino moderno, che non fa il bergamasco.
Onde egli potrebbe esser molto bene che uomo nato in Melano, senza aver
mai parlato alla maniera lombarda, meglio apprendesse le regole della buona
lingua toscana, che non farebbe il fiorentino per patria; ma che egli nasca e
parle lombardo oggidì e diman da mattina parle e scriva regolatamente
toscano meglio e più facilmente del toscano medesimo, non mi può entrare
nel capo; altramente al tempo antico, per bene parlare greco e latino, sarebbe
stato meglio nascere spagnolo che romano, e macedone che ateniese.
BEMBO. Questo no, perché la lingua greca e latina a lor tempo erano
egualmente in ogni persona pure e non contaminate dalla barbarie dell’altre
lingue, e così bene si parlava dal popolo per le piazze come tra’ dotti nelle lor
scole si ragionava. Onde egli si legge di Teofrasto, che fu l’un de’ lumi della
greca eloquenzia, essendo in Atene, alle parole essere stato giudicato
forestiere da una povera feminetta di contado.
CORTEGIANO. Io per me non so come si stia questa cosa; ma sì vi dico
che, dovendo studiare in apprendere alcuna lingua, più tosto voglio imparar la
latina e la greca che la volgar; la quale mi con tento d’aver portato con esso
meco dalla cuna e dalle fasce, senza cercarla altramente, quando tra le prose,
quando tra’ versi degli auttori toscani.
BEMBO. Così facendo, voi scriverete e parlarete a caso, non per ragione;
peroché niuna altra lingua ben regolata ha l’Italia, se non quell’una di cui vi
parlo.
CORTEGIANO. Almeno dirò quello che io averò in core; e lo studio che
io porrei in infilzar parolette di questo e di quello, sì lo porrò in trovare e
disporre i concetti dell’animo mio, onde si deriva la vita della scrittura; ché
189
Antologia do Renascimento
male giudico potersi usare da noi altri a significare i nostri concetti quella
lingua, tosca o latina che ella si sia, la quale impariamo e essercitiamo non
ragionando tra noi i nostri accidenti, ma leggendo gli altrui. Questo a’ dì
nostri chiaramente si vede in un giovane padovano di nobilissimo ingegno, il
quale, benché talora con molto studio che egli vi mette, alcuna cosa
componga alla maniera del Petrarca e sia lodato dalle persone, nondimeno
non sono da pareggiare i sonetti e le canzon di lui alle sue comedie, le quali
nella sua lingua natia naturalmente e da niuna arte aiutate par che e’ gli
eschino della bocca. Non dico però che uomo scriva né padovano né
bergamasco, ma voglio bene che di tutte le lingue d’Italia possiamo accogliere
parole e alcun modo di dire, quello usando come a noi piace, sì fattamente che
‘l nome non si discordi dal verbo, né l’adiettivo dal sostantivo: la qual regola
di parlare si può imparare in tre giorni, non tra’ grammatici nelle scole ma
nelle corti co’ gentiluomini, non istudiando ma giuocando e ridendo senza
alcuna fatica, e con diletto de’ discepoli e de’ precettori.
BEMBO. Bene starebbe, se questa guisa di studio bastasse altrui a far
cosa degna di laude e di meraviglia; ma egli sarebbe troppo leggera cosa il
farsi eterno per fama, e il numero de’ buoni e lodati scrittori in piccol tempo
diventerebbe molto maggiore, che egli non è. Bisogna, gentiluomo mio caro,
volendo andar per le mani e per le bocche delle persone del mondo, lungo
tempo sedersi nella sua camera; e chi, morto in sé stesso, disia di viver nella
memoria degli uomini, sudare e agghiacciar più volte, e quando altri mangia e
dorme a suo agio, patir fame e vegghiare.
CORTEGIANO. Con tutto ciò non sarebbe facil cosa il divenir glorioso,
ove altro bisogna che saper favellare. Che ne dite voi, messer Lazaro? Io per
me son contento, contentandosi Monsignore, che la vostra sentenza ponga
fine alle nostre liti.
LAZARO. Cotesto non farò io, ché io vorrei che i difensori di questa
lingua volgare fossero discordi tra loro, acciò che quella, a guisa di regno
partito, più agevolmente rovinassero le dissensioni civili.
CORTEGIANO. Dunque, aiutatemi contra all’oppenion di Monsignore,
mosso non solamente dall’amor della verità, la quale dovete amare e riverire
sopra ogni cosa, ma dall’odio che voi portate a questa lingua volgare, ché,
vincendolo, vincerete il miglior difensore della lingua volgare, che abbia
oggidì la sua dignità; dal giudicio del quale prende il mondo argumento
d’impararla e usarla.
LAZARO. Combattete pur tra voi due, acciò che con quelle armi
medesme, che voi oprate contra la latina e la greca, la vostra lingua volgare si
ferisca e si estingua.
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BEMBO. Ditene almeno quel poco che vi rimase nella memoria, ché a
me fie caro l’intenderlo.
LAZARO. Volentieri in tal caso udirò recitare l’oppenione del mio
maestro Peretto; il quale, avvegna che niuna lingua sapesse dalla mantovana
infuori, nondimeno come uomo giudizioso e uso rade volte a ingannarsi, ne
può aver detto alcuna cosa col Lascari, che l’ascoltarla mi piacerà. Pregovi
adunque che, se niente ve ne ricorda, alcuna cosa del suo passato
ragionamento non vi sia grave di riferirne.
SCOLARE. Così si faccia, poi che vi piace; ché anzi voglio esser tenuto
ignorante, cosa dicendo non conosciuta da me, che discortese, rifiutando que’
prieghi che deono essermi commandamenti. Ma ciò si faccia con patto che,
come a me non è onore il riferirvi gli altrui dotti ragionamentí, così il tacerne
alcuna parola, la quale d’allora in qua mi sia uscita della memoria, non mi sia
scritto a vergogna.
CORTEGIANO. Ad ogni patto mi sottoscrivo, pur che diciate.
SCOLARE. L’ultima volta che messer Lascari venne di Francia in Italia,
stando in Bologna, ove volentieri abitava, e visitandolo il Peretto, come era
uso di fare, un dì tra gli altri, poi che alquanto fu dimorato con esso lui, lo
dimandò messer Lascari.
LASCARI. Vostra eccellenza, maestro Piero mio caro, che legge
quest’anno?
PERETTO. Signor mio, io leggo i quattro libri della Meteora
d’Aristotile.
LASCARI. Per certo bella lettura è la vostra; ma come fate d’espositori?
PERETTO. De’ latini non troppo bene, ma alcun mio amico m’ha servito
d’uno Alessandro.
LASCARI. Buona elezzione faceste, peroché Alessandro è Aristotile
dopo Aristotile. Ma io non credeva che voi sapeste lettere grece.
PERETTO. Io l’ho latino, non greco.
LASCARI. Poco frutto dovete prenderne.
PERETTO. Perché?
LASCARI. Perché io giudico Alessandro Afrodiseo greco, come è tanto
diverso da sé medesmo, poi che latino è ridotto, quanto vivo da morto.
PERETTO. Questo potrebbe esser che vero fosse; ma io non vi faceva
differenzia, anzi pensava che tanto mi dovesse giovare la lezzione latina e
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
parlaste come di cosa dalla natura prodotta, essendo fatte e regolate dallo
artificio delle persone a bene placito loro, non piantate né seminate: le quali
usiamo sì come testimoni del nostro animo, significando tra noi i concetti
dell’intelletto. Onde tutto che le cose dalla natura criate e le scienzie di quelle
siano in tutte quattro le parti del mondo una cosa medesma, nondimeno,
perciò che diversi uomini sono di diverso volere, però scrivono e parlano
diversamente; la quale diversità e confusione delle voglie mortali degnamente
è nominata torre di Babel. Dunque, non nascono le lingue per sé medesme, a
guisa di alberi o d’erbe, quale debole e inferma nella sua specie, quale sana e
robusta e atta meglio a portar la soma di nostri umani concetti; ma ogni loro
vertù nasce al mondo dal voler de’ mortali. Per la qual cosa, così come senza
mutarsi di costume o di nazione il francioso e l’inglese, non pur il greco e il
romano si può dare a filosofare; così credo che la sua lingua natia possa altrui
compitamente comunicare la sua dottrina. Dunque, traducendosi a’ nostri
giorni la filosofia, seminata dal nostro Aristotile ne’ buoni campi d’Atene, di
lingua greca in volgare, ciò sarebbe non gittarla tra’ sassi, in mezo a’ boschi,
ove sterile divenisse, ma farebbesi di lontana propinqua e di forestiera, che
ella è, cittadina d’ogni provincia; forse in quel modo che le speziarie e l’altre
cose orientali a nostro utile porta alcun mercatante d’India in Italia, ove
meglio per avventura son conosciute e trattate che da coloro non sono, che
oltra il mare le seminorno e ricolsero. Similmente le speculazioni del nostro
Aristotile ci diverrebbono più famigliari che non sono ora, e più facilmente
sarebbero intese da noi, se di greco in volgare alcun dotto omo le riducesse.
LASCARI. Diverse lingue sono atte a significare diversi concetti, alcune
i concetti d’i dotti, alcune altre degl’indotti. La greca veramente tanto si
conviene con le dottrine che a dover quelle significare natura istessa, non
umano provedimento, pare che l’abbia formata; e se creder non mi volete,
credete almeno a Platone, mentre ne parla nel suo Cratillo. Onde ei si può dir
di tal lingua che, quale è il lume a’ colori, tale ella sia alle discipline: senza il
cui lume nulla vedrebbe il nostro umano intelletto, ma in continua notte
d’ignoranzia si dormirebbe.
PERETTO. Più tosto vo’ credere ad Aristotile e alla verità, che lingua
alcuna del mondo (sia qual si voglia) non possa aver da sé stessa privilegio di
significare i concetti del nostro animo, ma tutto consista nello arbitrio delle
persone. Onde chi vorrà parlar di filosofia con parole mantovane o milanesi,
non gli può esser disdetto a ragione, più che disdetto gli sia il filosofare e
l’intender la cagion delle cose. Vero è che, perché il mondo non ha in costume
di parlar di filosofia se non greco o latino, già crediamo che far non possa
altramente; e quindi viene che solamente di cose vili e volgari volgarmente
parla e scrive la nostra età. Ma come i corpi e le reliquie di santi, non con le
mani, ma con alcuna verghetta per riverenza tocchiamo; così i sacri misteri
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Antologia do Renascimento
della divina filosofia più tosto con le lettere dell’altrui lingue che con la viva
voce di questa nostra moderna ci moviamo a significare: il quale errore,
conosciuto da molti, niuno ardisce di ripigliarlo. Ma tempo forse, pochi anni
appresso, verrà che alcuna buona persona non meno ardita che ingeniosa
porrà mano a così fatta mercatantia; e per giovare alla gente, non curando
dell’odio né della invidia de’ litterati, condurrà d’altrui lingua alla nostra le
gioie e i frutti delle scienzie: le quali ora perfettamente non gustiamo né
conosciamo.
LASCARI. Veramente né di fama né di gloria si curerà chi vorrà prender
la impresa di portar la filosofia dalla lingua d’Atene nella lombarda, ché tal
fatica noia e biasimo gli recarà.
PERETTO. Noia confesso, per la novità della cosa, ma non biasimo,
come credete; ché per uno che da prima ne dica male, poco da poi mille e
mille altri loderanno e benediranno il suo studio; quello avvenendogli che
avvenne di Gesù Cristo, il quale, togliendo di morir per la salute degli uomini,
schernito primieramente, biasimato e crucifisso d’alcuni ippocriti, ora alla
fine da chi ‘l conosce come Iddio e Salvator nostro si riverisce e adora.
LASCARI. Tanto diceste di questo vostro buon uomo che di piccolo
mercatante l’avete fatto messia; il quale Dio voglia che sia simile a quello che
ancora aspettano li Giudei, acciò che eresia così vile mai non guasti per alcun
tempo la filosofia d’Aristotile. Ma se voi siete in effetto di così strano parere,
ché non vi fate a’ dì nostri il redentore di questa lingua volgare?
PERETTO. Perché tardi conobbi la verità, e a tempo quando la forza
dell’intelletto non è eguale al volere.
LASCARI. Così Dio m’aiuti come io credo motteggiate; salvo se, come
fanno i maliziosi, quello meco non biasimate che non potete ottenere.
PERETTO. Monsignor, le ragioni dianzi addotte da me non sono lievi,
che io debba dirle per ischerzare; e non è cosa così difficile la cognizion delle
lingue che uomo di meno che di mediocre memoria e senza ingegno veruno
non le possa imparare, quando non pur a’ dotti, ma a’ forsennati Ateniesi e
Romani solea parlare eloquentemente Cicerone e Demostene, e era inteso da
loro. Certo anni e lustri miseramente poniamo in apprender quelle due lingue,
non per grandezza d’oggetto ma solamente perché allo studio delle parole
contra la naturale inclinazione del nostro umano intelletto ci rivolgiamo; il
quale, disideroso di fermarsi nella cognizione delle cose onde si diventa
perfetto, non contenta d’essere altrove piegato, ove, ornando la lingua di
parolette e di ciance, resti vana la nostra mente. Dunque, dal contrasto che è
tuttavia tra la natura dell’anima e tra ‘l costume del nostro studio dipende la
difficultà della cognizion delle lingue, degna veramente non d’invidia ma
196
Antologia do Renascimento
apprendemo; e come meglio sarebbe stato (se fosse stato possibile) l’avere un
sol linguaggio, il quale naturalmente fosse usato dagli uomini, così ora esser
meglio che l’uomo scriva e ragioni nella maniera che men si scosta dalla
natura; la qual maniera di ragionare appena nati impariamo e a tempo quando
altra cosa non semo atti ad apprendere. E altrotanto arei detto al mio maestro
Aristotile, della cui eleganzia d’orazione poco mi curarei, quando senza
ragione fossero da lui scritti i suoi libri; natura aver lui adottato per figliuolo,
non per esser nato in Atene ma per aver bene in alto inteso, bene parlato e
bene scritto di lei; la verità trovata da lui, la disposizione e l’ordine delle cose,
la gravità e brevità del parlare esser sua propria e non d’altri, né quella potersi
mutare per mutamento di voce; il nome solo di lui discompagnato dalla
ragione (quanto a me) essere di assai piccola auttorità; a lui stare, se (essendo
lombardo ridotto) esser volesse Aristotile; noi mortali di questa età, così aver
cari i suoi libri trammutati nell’altrui lingua, come gli ebbero i Greci, mentre
greci li studiavano. Li quai libri con ogni industria procuriamo d’intendere per
divenire una volta non ateniesi ma filosofi. E con questa risposta mi sarei
partito da lui.
LASCARI. Dite pure e disiderate ciò che volete; ma io spero che a’ dì
vostri non vedrete Aristotile fatto volgare.
PERETTO. Perciò mi doglio della misera condizione di questi tempi
moderni, ne’ quali si studia non ad esser ma a parer savio: che ove sola una
via di ragione in qualunche linguaggio può condurne alla cognizione della
verità, quella da canto lasciata, ci mettiamo per strada, la quale in effetto tanto
ci dilunga dal nostro fine quanto altrui pare che vi ci meni vicini; che assai
credemo d’alcuna cosa sapere, quando, senza cognoscere la natura di lei,
possiamo dire in che modo la nominava Cicerone, Plinio, Lucrezio e Virgilio
tra’ latini scrittori, e tra’ greci Platone, Aristotile, Demostene e Eschine; delle
cui semplici parolette fanno gl’uomini di questa età le loro arti e scienzie in
guisa che dir lingua greca e latina par dire lingua divina, e che sola la lingua
volgare sia una lingua inumana, priva al tutto del discorso dell’intelletto; forse
non per altra ragione, salvo perché questa una da fanciulli e senza studio
impariamo, ove a quell’altre con molta cura ci convertiamo come a lingue, le
quali giudichiamo più convenirsi con le dottrine, che non fanno le parole
dell’eucaristia e del battesmo con ambidue tai sacramenti: la quale sciocca
oppenione è sì fissa negli animi d’i mortali che molti si fanno a credere che a
dover farsi filosofi basti loro sapere scrivere e leggere greco senza più, non
altramente che se lo spirito d’Aristotile, a guisa di folletto in cristallo, stesse
rinchiuso nell’alfabeto di Grecia, e con lui insieme fosse costretto d’entrar
loro nell’intelletto a fargli profeti; onde molti n’ho già veduti a’ miei giorni sì
arroganti che, privi in tutto d’ogni scienza, confidandosi solamente nella
cognizion della lingua, hanno avuto ardimento di por mano a’ suoi libri, quelli
198
Antologia do Renascimento
venendovi fatto di ridur lei alla sua prima grandezza, mai non fia vero che voi
le diate la forma che anticamente le dierono que’ primi buoni architetti,
quando nova la fabricarono; anzi ove soleva esser la sala, farete le camere,
confonderete le porte, e delle finestre di lei questa alta, quell’altra bassa
riformarete; ivi sode tutte e intere risurgeranno le sue muraglie, onde
primieramente s’illuminava il palazzo, e altronde dentro di lei con la luce del
sole alcun fiato di tristo vento entrerà che farà inferma la stanza. Finalmente
sarà miracolo, più che umano provedimento, il rifarla mai più eguale o simile
a quell’antica, essendo mancata l’idea, onde il mondo tolse l’essempio di
edificarla. Per che io vi conforto a lasciar l’impresa di voler farvi singulare da
gl’altri uomini affaticandovi vanamente senza pro vostro e d’altrui.
LAZARO. Perdonatemi, gentiluomo, voi non poneste ben mente alle
parole del mio maestro Peretto, il quale non solamente non ricusava, come voi
fate, d’imparar greco e latino; anzi si lamentava d’essere a farlo sforzato,
disiderando una età, nella quale senza l’aiuto di quelle lingue potesse il
popolo studiare e farsi perfetto in ogni scienzia. La quale oppenione io non
laudo, né vitupero, perché quello non posso, questo non voglio; dico
solamente non essere stata bene intesa da voi, onde la diliberazione vostra non
avrà origine né dall’autorità né dalle ragioni, ma dal vostro appetito, lo quale
seguite quanto v’aggrada, che altrettanto io farò del mio; ché se ‘l viaggio che
io tengo è più lungo e più faticoso del vostro, per avventura non fia sì vano, e
al fine della mia giornata a buono albergo sano, quantunque stanco, mi
condurrà.
BEMBO. Messer Lazaro dice il vero e v’aggiungo che ‘l Peretto in
quell’ora (come a me pare) disputò delle lingue, avendo rispetto alla filosofia
e altre simili scienzie. Per che, posto che vera sia la sua oppenione, e così
bene potesse filosofare il contadino come il gentiluomo e il Lombardo come il
Romano, non è però che in ogni lingua egualmente si possa poetare e orare;
conciosiacosa che fra loro l’una sia più e meno dotata degli ornamenti della
prosa e del verso che l’altra non è. La qual cosa fu tra noi disputata da prima,
senza far parola delle dottrine, e come allora vi dissi così vi dico di nuovo
che, se voglia vi verrà mai di comporre o canzoni o novelle al modo vostro,
cioè in lingua che sia diversa dalla toscana e senza imitare il Petrarca o il
Boccaccio, per aventura voi sarete buon cortigiano, ma poeta o oratore non
mai. Onde tanto di voi si ragionerà e sarete conosciuto dal mondo quanto la
vita vi durerà, e non più, conciosia che la vostra lingua romana abbia vertù in
farvi più tosto grazioso che glorioso.
200
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Antologia do Renascimento
Lodovico Castelvetro
(1505-1571)
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Antologia do Renascimento
que na sua língua estava vestido com leveza e com palavras próprias, e com
distintos ritmos e figuras. O que não conviria igualmente se trajássemos com
roupas pretas e de viúva a uma jovem que andasse vestida com carmim e
verde. Mas porque parece que ele havia trazido esta sua arte de assim
aconselhar daquele livro de Cícero intitulado De optimo genere oratorum [Do
melhor gênero de oradores], e do capítulo nono do livro de Aulo Gélio,
agrada-me dissertar um pouco acerca da intenção de um e de outro. Se vos
pareço distanciar-me do modo por mim costumeiro de escrever observado em
outro tempo, não vos admireis, que a necessidade do lugar em que me
encontro obriga-me a fazê-lo se eu quiser escrever esta carta, porque estou no
campo, onde não tenho abundância de notícias, como tinha quando estava na
cidade. Cícero, pois, naquele seu livro não fala da maneira do interpretar,
antes confessa abertamente não ser intérprete, e acena não obscuramente que
o ofício do intérprete está muito distante daquele que ele seguiu ao trasladar
aqueles dois nobres raciocínios, de Ésquines e de Demóstenes, aos quais
bastou somente trasladá-los para mostrar aos homens latinos qual era a
maneira de falar ateniense. Por isso, parece-me que o nobre espírito M.
Romolo Amaseo,58 já em assembléia pública, sem motivo, derramou muitas
lágrimas ao chorar a perda daquelas traslações, porque com elas, segundo ele,
perdemos a verdadeira ideia do trasladar, que mesmo que se encontrassem,
não se encontraria hoje em dia aquilo que entre muitos se questiona, ou seja,
qual o caminho Cícero julgava se devesse pisar ao traduzir. Da mesma forma,
Aulo Gélio fala do modo do interpretar, contudo nem quando falava, as suas
razões mereciam ser ouvidas. Reflete pois ele sobre quando um autor transpõe
em um livro seu uma passagem de um outro autor de uma outra língua, e o
transpõe como orador59 e não como intérprete, porque não há necessidade de
que se trasladem todas as palavras no modo em que foram ditas. Mas
considerando que ele falasse sobre quando o transpõe como intérprete e não
como orador, atentemos para o que significam seus enunciados. “Não faz
muito,” diz ele, que, “lendo à mesa uma e outra obra bucólica de Virgílio e de
Teócrito,60 observamos que Virgílio omitiu aquilo que em grego é de
maravilhosa graça, mas que nem se devia nem se podia trasladar; no entanto,
aquilo que repôs no lugar do que omitiu não é diferente, mas antes mais
deleitável” [Aulo Gélio, Noites Áticas, IX, 9, 4]. Aqui colocarei em prosa, em
nossa língua, os versos teocritanos, pois que ainda não estou seguro de que
aprendestes a língua grega:
58
Romolo Amaseo (1489-1552), erudito humanista, professor, tradutor, em dois discursos intitulados De
latinae linguae usu retinendo, defendeu a superioridade do latim sobre o vernáculo.
59
Preferimos retomar a nomenclatura apresentada por Cícero em De optimo genere oratorum, cujo tema e
obra são discutidos aqui por Castelvetro, em que o autor latino opõe interpres a orator.
60
Teócrito (séc. III a.C.), natural de Siracusa, escreveu geralmente no dialeto dórico. Seus poemas pastorais
constituem a parte mais característica de sua obra, e por causa deles é considerado o pai desse gênero de
poesia. As Bucólicas de Virgílio são em grande parte imitação e tradução de poesia de Teócrito.
204
Antologia do Renascimento
Ah, diga ele o que é que nestes versos de Teócrito não se deveria nem
poderia trasladar, quando tivesse agradado ao poeta! Talvez isso: O cabreiro,
que se coloca à frente as cabras! Mas ele não disse quase nos primeiros
versos bucólicos – En, ipse capellas protinus aeger ago? [Bucólicas, I, 12-13]
[Mesmo eu as cabras aqui pastoro triste]. E a este conceito vestiu de outra
forma: Non me pascente, capellae, florentem cytisum et salices carpetis
amaras [Bucólicas, I, 77-78] [Não mais, estando eu a pastorar-vos, minhas
cabras, pastareis o florente codesso e os salgueiros amaros]. E noutra,
Haedorumque gregem viridi compellere hibisco! [Bucólicas, II, 30] [Impelir o
rebanho dos cabritos ao verde hibisco]. E ainda uma outra, Aut custos gregis
[Bucólicas, X, 36] [Ou guarda de rebanho]. Ou é talvez a outra, e docemente
o elogia? Mas, contudo, ao meu ver, traduziu-a, e muito felizmente nos
mesmos versos, dizendo lasciva puella, que eu, em nossa língua traduziria por
bela e elogiadora garota, ainda que o poeta tenha expressado o mesmo
conceito em outro lugar: At mihi sese offert ultro, meus ignis, Amyntas
[Bucólicas, III, 66] [E a mim se oferece de bom grado Amyntas, fogo meu].
Não deixou, pois, nem porque não se devesse, nem porque não se pudesse, de
trasladar tudo aquilo de Teócrito, mas porque com seu intelecto divino viu
quanto melhorava aquela ideia de lançar maçã para seu amante, com o
acréscimo de esconder-se a lançadora, depois de ter-se estudadamente
deixado ver. O que é do mesmo modo um elogiar, mas mais especial, e
comumente usado pelos enamorados pastoris. “Depois”, acrescenta ele,
“observamos ainda que, cautamente, em outro lugar, mantivera aquilo que no
verso grego é agradabilíssimo” [Aulo Gélio, Noites Áticas, IX, 9, 7]:
61
Tradução de Odorico Mendes (1858), in Virgílio, Bucólicas. Edição bilingüe. Tradução e comentário de
Raimundo Carvalho. Em apêndice, tradução de Odorico Mendes. Belo Horizonte, Crisálida, 2005.
205
Antologia do Renascimento
Por tanto, de que forma teria ele podido dizer docemente amado por
mim, palavras que, assim, ajude-me o deus Hércules, não são trasladáveis,
mas plenas de uma certa doçura nata. Com que, deixou isto e trasladou com
beleza o restante dizendo:
62
Trad. de Odorico Mendes, op. cit.
63
‘Matinata’ é aqui um neologismo (nos moldes de ‘serenata’) para expressar o sentido do vocábulo italiano
mattinata, como um canto (enquanto composição poética destinada a ser cantada), que, na tradição popular,
era dirigido, pela manhã, à namorada, sob sua janela.
206
Antologia do Renascimento
64
Marco Valério Probo (séc. I. d.C.), filólogo e gramático latino, famoso por sua crítica textual, recuperou
vários textos de autores romanos em suas versões originais a partir de manuscritos emendados, anotados, ou
comentados.
65
Nausicaa, personagem da Odisséia (canto VI), filha de Alcínoos, rei dos feácios, acolhe o náufrago
Ulisses e o conduz à casa paterna.
207
Antologia do Renascimento
As quais, desta forma, foram transpostas por Virgílio para a língua latina:
66
Taigeto, filha de Júpiter e Táigete, deu nome à montanha da Lacônia.
67
Erimanto, montanha na Arcádia.
68
Virgílio. A Eneida. Biblioteca Clássica, vol. XLII. São Paulo, Atena Editora, 1958, 3ª ed. Trad. de Manuel
Odorico Mendes.
208
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69
Trad. de Odorico Mendes, op. cit.
209
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Por isso, com grande semelhança foi formada esta comparação, que,
embora Dido estivesse na cidade, estava também no bosque.
com habilidade e beleza. Mas Virgílio, não tendo dito sequer uma palavra
sobre o caçar da deusa, somente a faz carregar nas costas a aljava, quase como
um peso e um fardo. Ó como é coisa leviana massacrar o que é dos outros
com palavras e falsidades? Mas ao contrário, diga-me ele que conformidade
tem Nausicaa, que nas fontes de um rio lava as roupas e, lavadas, estende-as
ao sol, e joga bola enquanto se secam, coisas todas vis ou infantis, sem
dignidade ou grandeza alguma, que assim é a coisa, se bem me lembro,
porque não tenho aqui Homero, que conformidade, digo, tem com a caçadora
Diana. Em torno a ela, assim como à senhora delas, mostram-se as Ninfas
alegres, festivas e diligentes. Talvez pudesse ela igualar-se bastante
convenientemente a Proserpina71 ou a Europa,72 mas de nenhuma forma a
Diana. Depois, muitíssimo admirou-se Probo de Virgílio, que quis trasladar
aquilo de Homero E consigo mesma alegra-se no peito. O que é, segundo ele,
uma alegria natural, íntima e presente no fundo do coração e da alma, fora
mostrada como uma alegria preguiçosa, efêmera e insulsa, que chega quase a
nadar e flutuar no peito, dizendo Tacitum pertemptant gaudia pectus [Eneida,
I, 502][A alegria penetra no peito calado]. Deixando isto na discreta balança
do julgamento dos outros para considerar se aquelas palavras de Homero têm
aquele peso grave da alegria, que ele com palavras assim afetuosas afirma ou
não, digo que não consigo reconhecer, por sutil que seja minha análise das
preditas palavras virgilianas, nem preguiça, nem efemeridade, nem insipidez
de alegria alguma, mas sim agudeza, pungência, inquietamento e pruridos de
inefável doçura, porque ao meu ver as preditas palavras na nossa língua não
soam de outro modo que aquele que Boccaccio chamou deleitar. Finalmente,
diz Probo que parece que Virgílio omitiu toda a flor da passagem de Homero,
pois mudou ligeiramente este verso:
71
Proserpina é a versão romana do mito de Perséfones. Na adaptação de Ovídio (Metamorfoses, 5, 359-
480), Proserpina, filha de Ceres e Júpiter, é raptada por Plutão, depois que este foi flechado por Cupido, e
tornada sua esposa e rainha dos Infernos.
72
Europa, filha de Agenor, rei da Fenícia, e de Telefassa, possuía extraordinária beleza e brancura (o
significado de seu nome). Enamorado de Europa, Júpiter transformou-se em doce e carinhoso touro branco
para poder aproximar-se dela, e quando a teve em seu lombo, lançou-se ao mar e atingiu a nado a ilha de
Creta. Europa e Júpiter tiveram três filhos.
211
Antologia do Renascimento
pela flor, isto é, ela se alegra que tenha companhia consigo, mas não que
ultrapasse em beleza as belas – o que é muito reputado nas mulheres como a
primeira consideração de louvor, e especialmente das mães pelas filhas.
Nisto se vê quanto mais sagaz foi Virgílio, que depois de ter dito:
Gradiensque deas supereminet omnis, acrescenta Latonae tacitum
pertemptant gaudia pectus [Eneida, I, 501-502] [E, caminhando, excede em
altura todas as deusas, A alegria penetra no peito calado de Latona]. Nem
pode alongar-se ampliando a beleza de Diana em comparação com as belezas
das Ninfas, porque não se podia aumentar a beleza de Dido com a comparação
das belezas dos nobres. Mas que sei eu? A inocência do Poeta não tinha
necessidade de tantas palavras para defender-se das acusações injustas.
Porque Virgílio, quanto à perspicácia, é entre os poetas, sem tirar sequer o
próprio Homero, como é o sol entre os planetas. Pelas coisas sobrescritas, sem
que vos pese ler novamente minhas traduções das epístolas de Cícero ou de
outro autor, podereis rapidamente compreender qual é o meu parecer acerca
disso. E se conservardes ainda este desejo pelas minhas traduções, haveis de
dizer-me, que então tentarei fazer o quanto me escreverdes. E se eu tivesse
tido aqui as epístolas, talvez esta carta não vos chegasse sozinha.
Eu não conheço nenhum livro antigo que trate especialmente da arte da
edificação na nossa língua. Mas muitos vocábulos se poderiam tomar de
Pietro Crescenzi,73 de Guido Giudice,74 e de Giovanni Villani75 por aqueles
que para isso os lessem. O que seria obra de poucos dias a quem estivesse
desocupado. Passai bem!
Tradução:
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
73
Pietro Crescenzi (1230-1321), natural de Bolonha, autor de trabalhos sobre agricultura, animais e plantas
em geral (De agricultura omnibusque plantarum et animalium generibus; Ruralia commoda). Ruralia
commoda é considerado o melhor tratado medieval sobre agricultura (ca. 1306). Seus livros foram impressos
muitas vezes até o início do séc. XVII.
74
Guido Giudice (ca.1210-1287), natural de Messina, refez o Roman de Troie, de Benoît de Sainte-More
(composto originalmente em francês na metade do séc. XII) em prosa latina, Historia destructionis Troiae.
Esta ‘tradução’ ao latim teve várias ‘vulgarizações’ (tradução para as línguas neolatinas) no séc. XIV.
75
Giovanni Villani (ca. 1275-1348), escritor florentino das famosas Nuova cronica, é o maior cronista
italiano de seu tempo.
212
Antologia do Renascimento
Ma Virgilio disse
Malo me Galatea petit lasciva puella,
Et fugit ad salices, et se cupit ante videri.
[Bucolica, III, 64-65]
214
Antologia do Renascimento
Deh dica egli quale è quella cosa in questi versi di Teocrito che né si dovessi,
nè potesse traslatare, quando fosse piacciuto al poeta! E forse quella: Il
capraio, che si caccia avanti le capre! Ma non disse egli quasi ne’ primi versi
bucolici – En, ipse capellas protinus aeger ago? [Bucolica, I, 12-13]. Il qual
concetto in altra guisa vestì dicendo: Non me pascente, capellae, florentem
cytisum et salices carpetis amaras [Bucolica, I, 77-78]. Et in altra:
Haedorumque gregem viridi compellere hibisco! [Bucolica, II, 30]. Et ancora
in un'altra: Aut custos gregis [Bucolica, X, 36]. O è forse quell’altra: e
dolcemente lo lusinga? Ma al mio parere pure la traslatò, e molto
aventurosamente, ne’ versi medesimi, dicendo: lasciva puella, che io nella
nostra lingua reccherei se non per vezzosa e lusinghevole fanciulla.
Ancoraché il poeta abbia il medesimo concetto detto altrove: At mihi sese
offert ultro, meus ignis, Amyntas [Bucolica, III, 66]. Non restò dunque né
perché non si dovesse, né perché non si potesse, di traslatare tutto quello di
Teocrito, ma perché col suo divino intelletto vide quanto si migliorava quel
concetto di gittare mele al suo amante con la giunta di nascondersi la
gittatrice, poiché si fosse lasciata studiosamente vedere. Il che è altresì un
lusingare, ma più speciale, et usitato dalle pastorelle innamorate. Appresso
(soggiungne egli) ci accorgemmo ancora che cautamente in un altro luogo
aveva lasciato quello che nel verso greco è dolcissimo:
Per ciò che in qual modo avrebbe egli potuto dire: Vagamente amato da me, le
quali parole, così m’aiuti il dio Ercole, non sono traslatevoli, ma ripiene d’una
certa dolcezza natia. Dunque lasciò questo e traslatò con vaghezza il
rimanente dicendo:
O poverella e misera lingua latina, poiché se’ tanto strema di facultà non
hai modo da vestire un concetto tanto commune e volgare com’è questo:
Vagamente amato da me. Del qual però, che che si dica questo spergiuro di
Aulo Gellio, non so se ’l cantor de’ bucolici carmi ne vestisse alcuno altro più
volte et in più guise dicendo ora:
215
Antologia do Renascimento
Tua cura, palumbes; tua cura Lycoris [Bucolica, I, 57; X, 22]. E quando:
Delicias domini [Bucolica, II, 2], Cum te ad delicias ferres Amaryllida
nostras? [Bucolica, IX, 22], e tal ora: Meus ignis, Amyntas. [Bucolica, III,
66]. E tal fiata: Phyllida amo ante alias [Bucolica, III, 78]. Et alcuna volta:
Nec Phoebo gratior ulla est. [Bucolica, VI, 11]. E di più: Nymphae noster
amor [Bucolica, VII, 21]. Et ancora. Thymo mihi dulcior Hyblae [Bucolica,
VII, 37]. Et altre a ciò: Alcidae gratissima. Et erat tum dignus amari.
[Bucolica, VII, 61; V, 89]. Ma che? Ad Aulo Gellio perdoneremo questa
ingiuria che egli così notabile ha fatta alla lingua latina et al nostro poeta,
poiché, quasi scusandosi dell’errore che doveva commettere, afferma che egli
era a tavola quando considerava queste cose. E diremo che Teocrito introduce
un pastore andare a fare una mattinata e dire a Titiro che guardi le capre, il
quale, siccome innamorato, lo lusinga chiamandol molto da lui amato,
siccome ancore i figliuoli di famiglia innamorati appresso i comici lusingano i
servi; la qual cosa lasciò Virgilio non perché fosse malagevole a dirsi, ma
perché sarebbe nel suo luogo stata biasimevole, ché, introducendo il padre
della famiglia andare a città per sue bisogne, non bisognava che lusingasse il
servo Titiro, ma che gli ricordassi che egli tornerebbe tosto. Ma che si
potrebbe desiderare cosa più acconcia a questo concetto di questo Occursare
capro [Bucolica, IX, 25], considerata la natura delle persone grosse, che si
dilettano sempre di attizzare le bestie, il quale attizzamento io intendo per
occursare, e la natura del becco, che non suole cozzare se non con chi gli si fa
incontro in atto d’urtante. Nella qual cosa di troppo perde Teocrito da
Virgilio. Il quale non pure in questo lo vince, ma in quella ancora: Et potum
pastas [Bucolica, IX, 24]. Percioché non vuole che le meni ad abbeverare
prima che non sieno pasciute, siccome si conviene fare. Reputo adunque per
le ragioni sopradette che più difficil cosa sia il traslatare che il comporre, e fo
differenza dalla maniera del traslatare come interprete a quella del traslatare
come autore, né m’accordo con coloro, che, lasciate le parole, attendono al
senso solo, e men con quelli altri, che, lasciata una parte del senso, un altra ve
ripongono in suo luogo, e giudico che poco sobriamente sia stato stimato da
Aulo Gellio il valore di Virgilio. Il qual poeta, perché è come dice Teocrito
ἐµὶν τὸ καλὸν πεφιληµένε, cioè tutto il mio sommo diletto non posso patire,
avegna che questo luogo non richiegga ciò di necessità, poiché già ho presa la
sua diffesa, et altro soggetto al presente non mi si parrà inanzi, che sia così
fieramente trafitto dalle punture di Valerio Probo, per altro persona scientiata
e d’aguto avedimento nel giudicare et esaminare gli altrui scritti, secondo che
scrive nel predetto capo il predetto Aulo Gellio avere udito raccontare a’
discepoli del predetto Valerio. Il quale affermava Virgilio niuna cosa
d’Omero avere traslatata men laudevolmente che si facesse que’ versi di
Nausicaa, li quali appresso Omero sono vaghissimi.
216
Antologia do Renascimento
Ma prima che narriamo quello che dica l’aversario Virgiliano o che cosa
alcuna gli rispondiamo, ci par di necessità di dover dire alcune cose intorno al
consiglio del poeta latino, onde apparirà la vanità in parte delle false accuse. I
più lucenti pianeti del mondo sono il sole e la luna, che per Apollo e per
Diana sono nominati e figurati da’ poeti. Questi non sono mai senza
compagnia d’innumerabili stelle, ma per lo soperchio suo lume oscurano la
loro luce. Convenevolmente, dunque, quando si vuole dimostrare singolare
bellezza o maestà d’uomo sopra gli uomini che l’accompagnano, si prende la
comperazione d’Apollo, siccome fece Virgilio nel 4º libro dell’Eneide
inalzando la bellezza d’Enea così:
Didone non si poteva aumentare per comparazione delle bellezze de’ baroni.
Ma che so io? La innocenzia del poeta non avea bisogno di tante parole per
diffendersi delle ’ngiuste accuse. Percioché Virgilio, quanto è agli
avedimenti, è tra poeti, né esso Omero ne traggo, il quale è il sole tra’ pianeti.
Per le cose soprascritte, senza che vi gravi di nuovo a leggere mie traslazioni
o delle pistole di Cicerone o d’altro autore, potrete agevolmente comprendere
quale sia il mio parere intorno a ciò. Ma se pure vi durerà questo appetito di
mie traslationi, mi farete di nuovo motto, che tenterò di far quanto mi
scriverete. E se qui avessi avuto le pistole, forse che questa lettera non ne
veniva senza.
Io non so niuno libro antico che particolarmente tratti l’arte dell’edificare
nella lingua nostra. Ma molti vocaboli si potrebbono corre e da Pietro
Crescenzi e da Guido Giudice e da Gio. Villani per chi per questo gli
leggesse. Il che a chi fosse scioperato sarebbe opera di pochi dì. State sano.
76
Critérios de transcrição interpretativa: 1. a pontuação, as maiúsculas, os acentos e os apóstrofes foram
adequados ao uso moderno; 2. mantém-se a divisão das palavras do original; 3. são eliminadas as h
etimológicas e paretimológicas não conservadas no uso moderno, assim como o ph é transcrito com f e o m
antes de som labiodental com n; 4. o titulus é indicado com et antes de vogal e com e antes de consoante; 5.
mantém-se a grafia ti antes de vogal. Transcrito por Tommaso Raso.
220
Antologia do Renascimento
Thomas Sébillet
(1512-1589)
222
Antologia do Renascimento
Da tradução
Ainda que eu não tenha especificado até agora todos os diferentes tipos
de poemas, expliquei a maioria e seu uso mais importante e freqüente. Tenho
certeza de que acharás outros além desses e não duvido que o tempo seja
poderoso o suficiente para descobrir novos todos os dias. Mas tu também
entendes, leitor, que assim como é fácil acrescentar algo às coisas achadas,
também será fácil inovares tu mesmo, ou imitares o que foi inovado por
outros, por meio do conhecimento desses mesmos.
Por isso ficarei contente, e pediria que tu também o ficasses, pelo que
falei, ainda que pouco, e mais ainda porque já adverti que, de poemas que são
chamados de grandes obras, como o são, de Homero, a Ilíada, de Virgílio, a
Eneida, de Ovídio, as Metamorfoses, acharás pouco ou nada, começado ou
terminado pelos poetas do nosso tempo. Se quiseres um exemplo desse tipo de
obra, terás que recorrer ao Roman de la rose, que é uma das obras maiores
que podemos ler hoje na nossa poesia francesa. Se preferires e for o caso de
produzires uma obra, forma-te no espelho de Homero e Virgílio, essa seria
minha opinião se me pedisses conselho. E podes crer que essa penúria de
obras grandes e heróicas se deve ou à falta de assunto ou ao fato que todos os
poetas famosos e cultos preferem, traduzindo, seguir os rastros consagrados
ao longo dos tempos e por bons espíritos, mais do que, empreendendo uma
obra original, abrir caminho para os ladrões da honra devida a todo labor
virtuoso.
Por isso eu te afirmo que a versão ou tradução é hoje o poema mais
freqüente e mais bem aceito pelos estimados poetas e pelos doutos leitores,
porque todos acham que é uma grande realização e de muito valor dourar e
enriquecer por meio da nossa língua a pura e argêntea invenção dos poetas. E
realmente, merecem grande louvor a obra e aquele que conseguiu de maneira
precisa e fiel expressar em sua língua o que outro escreveu melhor na dele,
depois de tê-lo bem concebido em seu espírito. E a este é devida a mesma
glória que àquele que, pelo seu labor e longo esforço, extrai das entranhas da
terra um tesouro escondido para torná-lo disponível para o uso de todos os
homens.
Glorioso é portanto o labor de tanta gente honrada que todos os dias a
isso se dedica. Honrável também será o teu quando vieres a empreendê-lo.
Mas toma cuidado uma e outra vez para que tenhas um perfeito conhecimento
tanto do idioma do autor que te propões a verter, quanto daquele ao qual
decidiste traduzir, porque a falta de um dos dois ou dos dois juntos farão com
que a tradução se torne tão deselegante quanto o disparate daquele que, para
223
Antologia do Renascimento
Tradução:
Philippe Humblé
philippe.humble@gmail.com
77
Com a palavra (no original) enargie, uma forma rara no Renascimento francês, Sébillet preserva um vínculo
fônico com o termo grego ἐνάργεια (enargeia, claridade, visão clara, evidência), junto com toda a uirtus do
original. Enargie é, pois, um atributo do discurso, do estilo, com referência latente ao momento que antecede o
texto, mas também enquanto ação, sua capacidade de ser expressa. Enargie é, pois, uma qualidade do arranjo
verbal explícito no texto fonte, que pode ser reconstituído no texto traduzido (cf. Norton 1984). (N. do E.)
78
Museu (Musaios) (séc. V-VI), autor do poema Hero e Leandro, que serviu de base para L’histoire de Leander
et Hero, de Marot. (N. do E.)
224
Antologia do Renascimento
De la version (1548)
Ainsi recevras tu pour récompense de ton labeur tout tel salaire comme lui,
grand ris, et pleine moquerie. Pour fuir de ce danger ne jure tant
superstitieusement aux mots de ton auteur que ceux délaissés pour retenir la
sentence, tu ne serves de plus près à la phrase et propriété de ta langue, qu’à
la diction de l’étrangère. La dignité toutefois de l’auteur, et l’énergie de son
oraison tant curieusement exprimée, que puisqu’il n’est possible de
représenter son même visage, autant en montre ton œuvre, qu’en
représenterait le miroir. Mais puisque la version n’est rien qu’une imitation,
t’y puis je mieux introduire qu’avec imitation? Imite donc Marot en sa
Métamorphose, en son Musée, en ses Psaumes; Salel, en son Iliade; Héroët,
en son Androgyne; Désmasures, en son Énéide; Peletier, en son Odyssée et
Géorgique. Imite tant de divins esprits, qui suivant la trace d’autrui, font le
chemin plus doux à suivre, et sont eux-mêmes suivis.
Fonte: Thomas Sébillet. Art poétique françoys. Édition critique avec une
introduction et des notes par Félix Gaiffe. Paris, Societé Nouvelle de
Librairie et d’Édition, 1910.
Le chapitre XIV, De la version, fut transcrit et l’orthographe actualisé par
Philippe Humblé.
226
Antologia do Renascimento
Joachim du Bellay
(1522-1560)
227
Antologia do Renascimento
CAPÍTULO V
DE QUE AS TRADUÇÕES NÃO BASTAM PARA TRAZER PERFEIÇÃO
À LÍNGUA FRANCESA
pelo autor. Mesmo porque, cada língua tem um não-sei-quê que lhe é próprio
e se vocês se esforçarem por expressar o original em outra língua, observando
essa lei do traduzir que é não se afastar dos limites do autor, sua expressão
será forçada, fria e inadequada. E para comprová-lo, leiam um Demóstenes e
um Homero latinos, um Cícero e um Virgílio franceses, a ver se irão
provocar-lhes as mesma afeições, a ver se irão, como a um Proteu,
transformá-los de várias maneiras, como vocês sentem que ocorre quando
lêem esses autores nas suas línguas. Terão a impressão de passar da ardente
montanha do Etna para o frio cimo do Cáucaso. E o que estou dizendo das
línguas latina e grega deve ser reciprocamente dito de todas as línguas
vulgares, dentre as quais citarei tão somente um Petrarca, do qual ouso apenas
dizer que, tivessem Homero e Virgílio, redivivos, empreendido a sua
tradução, não conseguiriam reproduzi-lo com o mesmo encanto e
simplicidade do seu toscano vulgar. Alguns contemporâneos nossos, no
entanto, fizeram-no falar francês. São essas, em suma, as razões que me
levaram a pensar que o ofício e o zelo dos tradutores, aliás muitíssimo úteis
para instruir os ignorantes das línguas estrangeiras no conhecimento das
coisas, não bastam para dar à nossa a perfeição e, como fazem os pintores
com seus quadros, a última demão que desejamos. E se os motivos que citei
não parecerem suficientemente fortes, apresento, como meus garantes e
defensores, os antigos autores romanos, poetas principalmente, e oradores, os
quais (muito embora tenha Cícero traduzido alguns livros de Xenofonte e de
Arato, e Horácio ofereça os preceitos para bem traduzir) dedicaram-se a essa
parte antes para seu estudo e proveito particular do que para publicar em prol
do engrandecimento de sua língua, de sua própria glória ou da comodidade de
outrem. Quem já viu em forma de tradução alguma obra daqueles tempos, de
Cícero e Virgílio, quero dizer, e do bem-aventurado século de Augusto, não
poderá desmentir o que digo.
CAPÍTULO VI
DOS MAUS TRADUTORES, E DE NÃO TRADUZIR OS POETAS
invenção divina que eles possuem mais do que os outros, dessa grandeza de
estilo, magnificência de palavras, gravidade de sentenças, audácia e variedade
de figuras, e mil outras luzes de poesia, esse vigor, em suma, e não sei que
outro espírito presente nos seus escritos, que os latinos chamariam genius.
Todas essas coisas podem ser tão bem expressas pela tradução como um
pintor pode representar, junto com o corpo, a alma de quem ele retrata do
natural. O que estou dizendo não se aplica àqueles que, por ordem dos
príncipes e grandes senhores, traduzem os mais famosos poetas gregos e
latinos, pois a obediência devida a tais personagens não deixa nenhuma
escapatória. Mas tenho mesmo a intenção de falar àqueles que, por iniciativa
própria (como se diz), dispõem-se a fazer essas coisas e assim as realizam. Ó
Apolo! Ó Musas! Profanar desse modo as santas relíquias da Antiguidade!
Mas não direi mais nada. Quem quiser realizar alguma obra de valor na sua
língua vulgar deixe então esse labor de traduzir, principalmente os poetas,
para aqueles que, de algo laborioso e pouco vantajoso, ouso mesmo dizer
inútil, ou até pernicioso para o crescimento de sua língua, obtêm
legitimamente mais modéstia do que glória.
CAPÍTULO VII
DE COMO OS ROMANOS ENRIQUECERAM A SUA LÍNGUA
Tradução:
Dorothée de Bruchard
www.escritoriodolivro.org.br
231
Antologia do Renascimento
CHAPITRE V
QUE LES TRADUCTIONS NE SONT SUFFISANTES POUR DONNER
PERFECTION À LA LANGUE FRANÇAISE
que chaque langue a je ne sais quoi propre seulement à elle, dont si vous
efforcez exprimer le naïf dans une autre langue, observant la loi de traduire,
qui est n'espacer point hors des limites de l'auteur, votre diction sera
contrainte, froide et de mauvaise grâce. Et qu'ainsi soit, qu'on me lise un
Démosthène et Homère latins, un Cicéron et Virgile français, pour voir s'ils
vous engendreront telles affections, voire ainsi qu'un Protée vous
transformeront en diverses sortes, comme vous sentez, lisant ces auteurs en
leurs langues. Il vous semblera passer de l'ardente montagne d'AEtné sur le
froid sommet du Caucase. Et ce que je dis des langues latine et grecque se
doit réciproquement dire de tous les vulgaires, dont j'alléguerai seulement un
Pétrarque, duquel j'ose bien dire que, si Homère et Virgile renaissant avaient
entrepris de le traduire, ils ne le pourraient rendre avec la même grâce et
naïveté qu'il est en son vulgaire toscan. Toutefois quelques-uns de notre
temps ont entrepris de le faire parler français. Voilà en bref les raisons qui
m'ont fait penser que l'office et diligence des traducteurs autrement fort utiles
pour instruire les ignorants des langues étrangères en la connaissance des
choses, n'est suffisante pour donner à la nôtre cette perfection et, comme font
les peintres à leurs tableaux, cette dernière main, que nous désirons. Et si les
raisons que j'ai alléguées ne semblent assez fortes, je produirai, pour mes
garants et défenseurs, les anciens auteurs romains, poètes principalement, et
orateurs, lesquels (combien que Cicéron ait traduit quelques livres de
Xénophon et d'Arate, et qu'Horace baille les préceptes de bien traduire) ont
vaqué à cette partie plus pour leur étude, et profit particulier, que pour le
publier à l'amplification de leur langue, à leur gloire et commodité d'autrui. Si
aucuns ont vu quelques oeuvres de ce temps-là, sous titre de traduction,
j'entends de Cicéron, de Virgile, et de ce bienheureux siècle d'Auguste, ils ne
pourront démentir ce que je dis.
CHAPITRE VI
DES MAUVAIS TRADUCTEURS, ET DE NE TRADUIRE LES POÈTES
CHAPITRE VII
COMMENT LES ROMAINS ONT ENRICHI LEUR LANGUE
235
Antologia do Renascimento
236
Antologia do Renascimento
237
Antologia do Renascimento
Das traduções
79
Vale lembrar que a noção de ‘arte’ neste contexto do Renascimento refere-se à ‘técnica’, atrelando-se
intimamente à concepção latina de ‘ars’, e grega de ‘téchne’. (N. do E.)
238
Antologia do Renascimento
Tradução:
Philippe Humblé
philippe.humble@gmail.com
240
Antologia do Renascimento
La plus vraie espèce d’imitation, c’est de traduire car imiter n’est autre
chose que vouloir faire ce que fait un autre; ainsi que fait le traducteur, qui
s’asservit non seulement à l’invention d’autrui, mais aussi à la disposition et
encore à l’élocution tant qu’il peut, et tant que lui permet le naturel de la
langue translatine parce que l’efficace d’un écrit, bien souvent consiste en la
propriété des mots et locutions, laquelle omise, ôte la grâce, et défraude le
sens de l’auteur. Pourtant, traduire est une besogne de plus grand travail que
de louange. Car si vous rendez bien et fidèlement, si vous n’êtes estimé sinon
avoir retracé le premier portrait et le plus de l’honneur en demeure à
l’original; si vous exprimez mal , le blâme en chet tout sur vous. Que si votre
patron avait mal dit, encore êtes-vous réputé homme de mauvais jugement,
pour n’avoir pas choisi bon exemple. En somme, un traducteur n’a jamais le
nom d’auteur. Mais pour cela, vais-je décourager les traducteurs? nenni, et
moins encore les frustrer de leur louange due: pour être, en partie, cause que
la France a commencé à goûter les bonnes choses. Et même il leur demeure
un avantage, que s’il traduisait bien et choses bonnes: le nom de leur auteur
fera vivre le leur. Et certes, ce n’est pas peu de chose, que d’avoir son nom
écrit en bon lieu. Et bien souvent ceux qui sont inventeurs se mettent au
hasard de vivre moins que les traducteurs, d’autant qu’une bonne traduction
vaut trop mieux qu’une mauvaise invention. Davantage, les traductions,
quand elles sont bien faites, peuvent beaucoup enrichir une langue. Car le
traducteur pourra faire française une belle locution latine ou grecque et
apporter en sa cité avec le poids des sentences, la majesté des clauses et
élégances de la langue étrangère: deux points bien favorables, parce qu’ils
approchent des conceptions générales. Mais en cas des particularités, le
traducteur, à mon avis, doit être un peu craintif: comme des nouveaux mots,
lesquels sont si connaissables et suspects. Un traducteur, s’il n’a fait voir
ailleurs quelque chose du sien, n’a pas cette faveur des lecteurs en cas de
mots, combien que soit celui qui plus en a à faire . Et pour cela est moins
estimé l’office de traduire. Vrai est que quand son auteur sera excellent (car
l’homme prudent se garde bien d’en traduire d’autres) il lui sera permis d’user
de mots tous neufs, pourvu qu’il soit certain qu’il n’y en ait point d’autres, et
lui sera, une louange. Car d’user si souvent de périphrase, c’est-à-dire de
circonlocution, en translatant, c’est un déplaisir trop grand, c’est ôter le mérite
du labeur ingénieux de l’auteur. Les traductions ont donc place en notre Art,
puisqu’elles se font par art. Voire et sont réellement artificielles, que la loi en
est entendue de peu de gens. Et ne me peut assez ébahir de ceux , qui pour
blâmer la traduction de mot à mot, se veulent aider de l’autorité d’Horace,
241
Antologia do Renascimento
quand il dit, Nec uerbum uerbo curabis reddere, fidus interpres. Là où certes
Horace parle tout au contraire de leur intention qui étant sur le propos, non
pas des traductions (car il n’en a point donné de préceptes, comme de chose
qu’il prisait peu) mais du sujet poétique, dit que quand nous aurons élu
quelque matière publique en un auteur, nous la ferons notre prince, si entre
autres, nous ne nous arrêtons à rendre le passage mot pour mot, ainsi que
ferait un fidèle traducteur dont j’avais déjà touché un mot sur le passage du
sujet de poésie. Et s’il a expressément voulu déclarer ce lieu d’Horace: le
voyant par nos grammairiens autrement induit qu’il ne l’a pris ainsi que me
suis toujours étudié à éclaircir les liens des poètes, en les lisant par recréation
de mes plus proses études. Comme entre autres, j’ai découvert ce passage de
Virgile en la troisième églogue où il y a, et longum, formose, uale, uale,
inquit, Iola, où les commentateurs disent que le quatrième pied du vers est un
dactyle, et scandent, le uale, inquit Iola, comme se soit un spondée, et faille
scander, le uale, inquit, Iola. La subtilité du poète, est qu’il a fait la première
de uale longue, imitant le parler de la garce Philide. Car Menalcas dit: Philide
a pleuré à mon département, et si m’a dit un long adieu, adieu dit-elle. Car
ceux qui veulent montrer leur affection, en pleurant volontiers parlent long.
Pour ce le poète a mis deux fois uale: l’un bref, qui est la vraie prononciation,
et l’autre long, qui est celui de la garce pleurant. J’ai expliqué ce lieu en
passant, tant parce que les choses artificielles ne sont jamais hors propos en
traitant l’Art, que pour montrer toujours les subtilités de mon Virgile me
sachant que ces gentils commentateurs, déjà par tant d’années n’en savent pas
connaître la centième partie, desquels l’ignorance se découvre manifestement,
en ce qu’ils font la dernière de uale brève et avec cela corrompent la loi de
signaliser, qui seraient deux licences extraordinaires pour néant, et sans
propos. Et l’est encore fait pour montrer être vrai ce que j’ai dit ailleurs, que
les syllabes brèves latines et grecques se doivent prononcer brèves et les
longues, longues. Suivant notre propos, les traductions de mot à mot n’ont pas
grâce, non qu’ils soient contre la loi de traduction mais seulement pour raison
que deux langues ne sont jamais uniformes en phrases. Les conceptions sont
communes aux entendements de tous hommes mais les mots et manières de
parler sont particuliers aux nations. Et qu’on ne me vienne point alléguer
Cicéron lequel ne loue pas le traducteur consciencieux. Car aussi ne fais-je.
Et je ne l’entends point autrement, sinon que le translateur doive garder la
propriété et le naïf de la langue en laquelle il translate. Mais certes j’ai dit,
qu’en ce que les deux langues symboliseront, il ne doit rien perdre des
locutions, ni même de la privauté des mots de l’auteur, duquel l’esprit et la
subtilité souvent consiste en cela. Et qui pourrait traduire tout Virgile en vers
français, phrase pour phrase, et mot pour mot, ce serait une louange
inestimable. Car un traducteur, comment saurait-il mieux faire son devoir,
sinon en approchant toujours le plus près qu’il serait possible de l’auteur
242
Antologia do Renascimento
auquel il est sujet? Puis, pensez quelle grandeur ce serait de voir une seconde
langue répondre à toute l’élégance de la première et encore avoir la sienne
propre. Mais comme j’ai dit , il ne se peut faire.
243
Antologia do Renascimento
244
Antologia do Renascimento
Interlocutores –
Inquieto – Oculto –
[…]
OCULTO – A isto responderei que não é por culpa das palavras, mas das
coisas, que são dificílimas de serem entendidas; e não apenas se descobre esta
dificuldade de entendimento pela via da tradução, mas na própria língua, onde
vemos grandíssimas discussões entre os expositores gregos sobre a doutrina
do grego Aristóteles; e quando falo de um em particular entendo todos os
outros por similitude. Isto é o suficiente ao ter dito não o quanto se podia, mas
de preferência o quanto se devia, porque qualquer mínimo sinal podia bastar.
Agora passemos ao modo de traduzir.
INQUIETO – Esta parte é muito difícil, por aquilo que entendi esta
manhã.
OCULTO – Alguns, ao falarem do modo, contentam-se com uma única e
simples distinção: que ou se traduz palavra por palavra, ou, deixando as
palavras, se traduz o sentido.
INQUIETO – Esta foi a querela daqueles valorosos homens.
OCULTO – Quase todos geralmente consentem nisso, e eu não
contradigo nem aprovo totalmente.
INQUIETO – Preferis então ater-vos ao terceiro modo, entre estes dois?
OCULTO – Muito menos a este, porque não sei o que queriam dizer uns
ou outros que tinham ou elogiavam esta opinião, mas apresentar-vos-ei entre
outros o meu pensamento, não como novo em si, se ele já não parecesse novo
a quem acredita saber mais que os outros em todas as outras coisas, ainda que
ignorasse somente esta, embora importante para a presente matéria.
INQUIETO – Talvez fingiram não sabê-la, ou para não mostrá-la aos
outros ou para que não estivesse assim ao arbítrio de qualquer um, uma vez
conhecido o valor da coisa, julgar e separar o joio do trigo.
OCULTO – Isto seria inveja e maldade. Mas desconfio de ignorância em
alguns, porque vi muitas coisas vertidas por eles de uma língua a outra, e de
forma bastante feliz na minha opinião, mas, dando o nome de tradução ao que
estava completamente longe de ser tradução, mostraram não saber o que é
tradução e não conhecer suas características. Encontrareis muitos que caíram
neste erro.
INQUIETO – Mencionai um deles, peço-vos.
OCULTO –Como chegamos ao particular, sabei o que admoesta aquele
filósofo seríssimo, mestre no entender e no falar.
INQUIETO – Continuai, pois.
246
Antologia do Renascimento
80
Temístio (séc. IV d.C.), retórico da Paflagônia, viveu em Constantinopla e em Roma, foi um comentador
neoplatônico e parafrasta de obras de Aristóteles.
247
Antologia do Renascimento
que a paráfrase se reduza apenas à tradução, mas que em torno aos mesmos
sentidos haja luta e emulação [Institutio oratoria, X, 5, 5]. Em outro lugar:
Então pode voltar mais audacioso à paráfrase, em que é permitido tanto
abreviar como adornar, uma vez conservado o sentido. Porque esta tarefa é
difícil também aos oradores perfeitos. [Institutio oratoria, I, 9, 2-3].
INQUIETO – Passemos ao compêndio.
OCULTO – O compêndio pode ser feito na própria língua e na
estrangeira, e sempre foi permitido. Este deve encerrar o sentido
compreendido em muitas páginas numa pequeníssima estrutura de palavras;
os gregos o chamam epítome. Não se pode dizer na verdade que um tal
breviário não ofereça bastante à nossa memória e não reduza muito trabalho,
contudo costuma produzir às vezes grande dano. Ora, por negligência de
nossos antepassados perderam-se as obras de Tito Lívio, e disto resultou o
epítome atribuído a Lúcio Floro.81
INQUIETO – Como atribuído, não é seu?
OCULTO – Alguns acreditam que seja de Tito Lívio, feito por ele para
seu memorial.
INQUIETO – Então ele mesmo seria causa do mau uso.
OCULTO – Pelo epítome de Justino82 fomos defraudados das Histórias
Filípicas de Trogo Pompeu. Poder-se-ia mostrar muitos outros danos
resultantes dos compêndios, mas sobre isso já se disse bastante. Esta não é
uma tarefa para todos e não é qualquer escritor que consegue realiza-la bem.
INQUIETO – Passemos à explanação.
OCULTO – A explanação igualmente pode ser feita tanto na própria
língua como na estrangeira. Com outros nomes, chama-se também
interpretação, exposição, comentário, narração, explicação. Trabalha-se para
esclarecer os sentidos, revelar os segredos da arte, resolver as contradições,
elucidar as ambiguidades, ater-se, nos conflitos de opiniões, à mais
verossímil, publicar as histórias e as fábulas escondidas, mostrar a
significância e o valor das palavras, assinalar a razão, reencontrar sua fonte de
origem, observar as elocuções.
INQUIETO – Como eu gostaria de ouvir falar sobre estas locuções.
OCULTO – Esta não é a hora, nem o lugar.
81
Floro (Lúcio Floro ou Júlio Floro ou Públio Floro, não há consenso quanto ao nome do autor), era
africano, esteve em Roma na época de Domiciano, viveu em seguida na Espanha e voltou à Roma na época
de Trajano. A Epítome (Epitomae de Tito Livio bellorum omnium annorum DCC libri II) é uma história
abreviada de Roma desde Rômulo até Augusto, baseada em Tito Lívio, mas também noutras fontes.
82
Justino (séc. II ou III d.C.) escreveu em latim uma epítome da história universal de Trogo Pompeu
(Historiae Philippicae), e a epítome foi tudo o que nos chegou dos 44 livros escritos por Pompeu.
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Antologia do Renascimento
249
Antologia do Renascimento
INQUIETO – Fazei de conta que eu não saiba de nada, nem que eu tenha
lido coisa alguma: que diferença mostra Cícero entre o traduzir como
intérprete daquele como orador?
OCULTO – Antes do que vos explicarei pelo próprio Cícero naquela
passagem citada, quero que atenteis para duas coisas: a primeira é que a
tradução palavra por palavra não é uma coisa nova nem pueril.
INQUIETO – Creio que já o entendi quando falastes das traduções dos
escritos hebraicos, árabes, gregos e latinos, como isso não é uma coisa nova
nem pueril.
OCULTO – Não quero servir-me daquilo que disse acima, porque foi
dito para provar a utilidade e a necessidade da tradução. Os ciceronianos
levantaram-se prontamente para dizer que é necessário aprofundar mais,
porque não é lícito falar da Sacrossanta Escritura senão com todo o respeito a
ela devido. Se se discorrer sobre as ciências, dirão que os conhecimentos
assim impõem e que não é lícito ser vago, porque seria um querer ostentar e
não provar o intento. Se eu quiser alegar com a autoridade de Dante, de
Petrarca, de Boccaccio e de outros, os quais tomaram tantos tópicos dos
melhores latinos e os deram às musas italianas, dir-me-ão que me refiro a
autores menores, de pouca ou nenhuma importância. Dentre os latinos, não
tentaram ouvir a outros senão a Cícero, e pelo mesmo Cícero eu quero prová-
lo.
INQUIETO – Podeis prová-lo com Cícero?
OCULTO – Posso. Ouvi: na primeira parte de De finibus bonorum et
malorum [Dos Fins do Bem e do Mal] diz: Por isso é mais difícil satisfazer
àqueles que dizem menosprezar os escritos latinos. O que primeiramente me
causa estranhamento neles é por quê a língua pátria não os agrada para os
temas sérios, quando os mesmos lêem, não contra a vontade, peças em latim
traduzidas literalmente dos gregos [I, 4]. O mesmo reafirma em De optimo
genere oratorum, respondendo aos futuros repreensores de sua tradução dos
dois discursos gregos: Os mesmos aceitam a “Andria” e os “Synephebi” e
não menos [lêem Terêncio e Cecílio que Menandro, ou] a “Adrômaca” ou a
“Antíopa” ou os “Epígonos Latinos”; [e contudo lêem Ênio e Pacúvio e Ácio
antes que a Eurípides e Sófocles]83. Por que então o desprezo deles pelos
discursos traduzidos do grego, e não pelos versos? [VI, 18].
83
Os dois primeiros títulos referem-se às comédias de Terêncio (Andria) e Cecílio (Synephebi), tomadas
ambas de Menandro; os três seguintes são de tragédias de Ênio, Pacúvio e Ácio, respectivamente, que
seguem a Sófocles e Eurípides. Recordar duas informações culturais subjacentes aqui: 1) a adaptação de
obras gregas era habitual no teatro latino; 2) a sociedade culta romana era bilíngüe.
250
Antologia do Renascimento
251
Antologia do Renascimento
84
Demétrio de Fáleron (ca. 354-ca.283 a.C.), literato e político ateniense, autor de muitas obras políticas e
oratórias, também escreveu sobre Homero e publicou fábulas de Esopo.
85
O autor de Retórica a Herênio distingue entre uma uerborum exornatio (= ornato elocutivo) e uma
sententiarum exornatio (= ornato conceitual), que, reunidas, recebem o nome de dignitas.
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Antologia do Renascimento
86
O nome correto deste gramático e retórico do séc. I d.C. é Públio Rutílio Lupo, e as obras mencionadas de
Áquila Romano (séc. III d.C.) e Públio Rutílio Lupo levam o mesmo título De figuris sententiarum et
elocutionis.
256
Antologia do Renascimento
257
Antologia do Renascimento
trata ali desta matéria. Mesmo se as coisas não tivessem esclarecimento sem
as palavras, nem estas, se retiradas as coisas, tivessem firmeza e sustento,
ainda assim as palavras deveriam servir às coisas. Primeiro existem os
conceitos, depois se encarregam as palavras de vesti-los. Portanto, as coisas,
ou se preferirdes chamar sentenças, sentidos, sensos, matérias, conceitos, vêm
em primeira consideração, porque mais nobres. Os que querem traduzir de
uma língua a outra devem necessariamente expressar os pensamentos,
conservar a ordem das coisas, e com as mesmas formas e figuras, ou
conformações, ou aspectos, ou ornamentos, ou dignidades, ou esquemas,
como vos agrade chamar. Entendestes?
INQUIETO – Entendi sim, e muito bem.
OCULTO – Devem depois expor os pensamentos com palavras
adequadas, e além disso conservar a virtude, a força e o valor das palavras da
língua da qual se traslada. Atentai para a realização das traduções, como
dizem, segundo o sentido, e vereis se são conformes às regras e preceitos que
ensina Cícero.
INQUIETO – Falta chegar à tradução que transpõe palavra por palavra.
OCULTO – Lembrai-vos das palavras de Cícero em De optimo genere
oratorum: Não traduzi como intérprete, não tive a necessidade de transpor
palavra por palavra, e mais abaixo igualmente: Não considerei, pois, ser
mister enumerar as palavras ao leitor.
INQUIETO – Nesta passagem é claríssimo que é necessário ao tradutor
traduzir palavra por palavra, e não lhe bastou dizer isso, ao que acrescentou,
para uma compreensão mais clara, dever-se contar as palavras.
OCULTO – Não se deve absolutamente entender assim esta passagem
porque traria muitos inconvenientes. Mas acrescento a isso que, quando
oportunamente possa ser feito, há de se conservar a ordem das palavras, sem
transpô-las.
INQUIETO – Por que não falou Cícero desta ordem?
OCULTO – Porque viu a dificuldade, e raras vezes a possibilidade, dado
que cada língua tem seus modos, suas belezas e seus esplendores, os quais
não correspondem às outras.
INQUIETO – Cícero, segundo eu, fala categoricamente, sem ter respeito
por coisa alguma, e vós dizeis que traria não poucos inconvenientes entender
simplesmente as palavras de Cícero.
OCULTO – Se Cícero tivesse entendido assim, teria tirado das línguas a
propriedade, a conveniência e os conseguintes. O grego dirá καλὸς οἶνος (bom
vinho), o latino traduzirá bonus vinum [em vez de bonum vinum], e se disser
260
Antologia do Renascimento
οἶνος ὃς (vinho que), o latino: vinum qui [em vez de vinum quod]. O grego
dirá µέλαν αἷµα (negro sangue), dirá o latino nigrum sanguis [em vez de
niger sanguis], e se dissesse αἷµα ὃ (sangue que), diria sanguis quod [em vez
de sanguis qui]. Dirá o grego: Τρία δὲ γένη περιόδων ἐστίν [Demetrius, De
elocutione], dirá o latino: Tria quidem genera periodorum est [em vez de …
sunt; É, na verdade, três os gêneros de períodos]. E esta discordância do
nominativo com o verbo em número é muito elegante entre eles e
freqüentíssima. Dirá o grego ἀκούω τοῦ λέγοντος, dirá o latino audio dicentis
[ouço do dizer, em vez de audio dicentes, ouço os que falam]. Dirá o grego
βοηθῷ τοῖς φίλοις, dirá o latino iuvo amicis [ajudo aos amigos, em vez de
iuvo amicos, ajudo os amigos]. Dirá o grego ὀλιγωρέω σοῦ, dirá o latino
parvifacio tui [pouco estimo de ti, em vez de parvifacio te, estimo-te pouco].
Dirá o grego εὔχοµαι τῷ θεῷ, dirá o latino precor deo [em vez de precor
deum, peço a deus]. Poderia mostrar milhões destes exemplos. Vede os vícios
na gramática sobre os nomes e os verbos. Porque os gregos não têm ablativo e
em seu lugar usam o genitivo, ao traduzir naquele modo o latino sempre
colocaria o genitivo pelo ablativo. Credes agora que Cícero tenha querido
entender tão simplesmente?
INQUIETO – Acho que não.
OCULTO – Aconteceria um outro absurdo com a transposição das
palavras. Diz o grego: ἄξων καλεῖται του κόσµου; se traduziria axis vocatur
mundi [eixo é chamado do mundo], quando se deveria dizer axis mundi
vocatur [é chamado eixo do mundo]; esta se entende, a outra produz dureza de
sentido. A língua grega possui muita beleza na posição de suas conjunções. Se
alguém tirasse os incisos e os membros daquelas partículas, eliminaria toda
sua beleza e toda a graça traduzindo palavra por palavra, e, contando de uma
em uma aquelas palavras postas somente para preencher os vazios, produziria
torpeza e perturbaria de tal maneira os sentidos que não se entenderiam.
Temos o exemplo diante dos olhos destas traduções comuns de palavra por
palavra de autores gregos feitos latinos.
INQUIETO – Dizem muitos que estas traduções são úteis.
OCULTO – Eu não as condeno de todo, mas a utilidade se dará mais
pelo conhecimento da língua grega que das coisas. Em alguns livros
espanhóis lerás muitas vezes, com poucos intervalos entre as orações, después
de besarle las manos, que quer dizer depois de beijar-lhe as mãos. Na língua
espanhola é muito elegante e belo; traduzir em italiano aquela repetição
enfraquece e perde todo o belo que mantém no falar nativo.
INQUIETO – Como se deve entender o verso de Horácio na Arte
Poética: Nem fiel tradutor tratarás de repor palavra por palavra [vv.133-
134]? Eu vejo aí algo difícil para entender e já ouvi dois eruditos discutir
261
Antologia do Renascimento
sobre este verso. Um dizia que Horácio falava da tradução do sentido, o outro,
das palavras, e quase passaram das palavras aos fatos, tanto se encolerizaram.
OCULTO – A verdade se perde através das altercações, mas deve-se
refletir tranqüilamente e fazer tudo para chegar ao conhecimento da coisa.
Existem duas opiniões a respeito do sentido do verso horaciano. Uma, que o
poeta falaria da imitação, a outra, da tradução. Se falasse da imitação, sem
nenhuma dúvida, a tradução seria a das palavras. Ali, admoesta o tradutor a
não verter palavra por palavra, dizendo: Nem tratarás de repor palavra por
palavra; aqui faz um ponto e acrescenta a razão: Fidus interpres, que quer
dizer fiel tradutor. Mas deve-se subentender o verbo esses ou eris, ou outra
forma semelhante, isto é: como se fosses ou serás/serias fiel tradutor, e não
imitador; e esta opinião é dos antigos expositores.
INQUIETO – À outra opinião.
OCULTO – A outra opinião sobre este verso é que falaria da tradução e
não da imitação.
INQUIETO – Da tradução dos sentidos, penso eu.
OCULTO – É antes uma grande discussão se Horácio trataria da
tradução (falarei segundo o mau uso comum) do sentido ou das palavras.
INQUIETO – Esta é uma grande divergência e contudo parecem claras
as palavras.
OCULTO – Os que defendem a primeira, entendem o verso deste modo:
Não tratarás de repor fielmente palavra por palavra, tradutor. Ou seja, tu,
que queres ser um tradutor fiel, não te preocuparás de traduzir palavra por
palavra, mas observarás apenas os sentidos.
INQUIETO – Parece que queria dizer isso mesmo.
OCULTO – Os que tomam a discussão pelo outro lado, entendem
diferentemente: Não te preocuparás de traduzir palavra por palavra, para
fugir aos inconvenientes, ou à falsa latinidade, ou ao absurdo, ou à ineptidão,
ou à confusão sobre os sentidos, como eu disse agora; porque se assim
fizeres, serás contudo um fiel tradutor.
INQUIETO – Este sentido assim apresentado poderia também convir, e
procede das mesmas palavras, e ninguém o distorce segundo sua vontade.
OCULTO – Os desta opinião aludem a uma passagem de Horácio
também na Poetica, quando traduziu o primeiro verso da Odisséia. Homero
diz: Ἄνδρα µοι ἔννεπε, Μοῦσα. Na tradução segundo a ordem, as palavras
dizem: Virum mihi dic, Musa (Do homem me conta, Musa). Horácio, em seu
262
Antologia do Renascimento
verso, usou as mesmas palavras, mas as transpôs: Dic mihi, Musa, uirum
(Conta-me, Musa, do homem) [v.141].
INQUIETO – Este exemplo é perfeito.
OCULTO – Com outros poucos exemplos concluiremos. Mas aos que
não se convencem pela razão num caso tão manifesto e claro, mil exemplos
não poderão bastar-lhes. E pois que estamos impregnados deste espírito
cristão, começaremos pelos livros sagrados do Antigo Testamento. Moisés
disse na língua hebraica: Berescith barà aeloim et assciamaim ve et arez. O
caldeu traduziu: Becadmin berà adonai scemagia erez. Porque a palavra
hebraica aeloim é número plural, a fim de que algum desapercebido não
ficasse achando haver mais de um Deus, disse, pois o caldeu adonai, que
significava Deus uno, e era número singular. O latino, segundo o hebraico,
traduziria: In principio creauit Dii coelos et terram [No princípio criou os
Deuses os céus e a terra]. Os setenta e dois tradutores gregos traduziram: ἐν
ἀρχῇ ἐποίησεν ὁ θεὸς τὸν οὐρανὸν καὶ τὴν γῆν [Septuaginta, Genesis, I, 1]. O
latino, segundo estes, dirá: In principio fecit Deus coelum et terram [No
principio fez Deus o céu e a terra]. O hebraico e o caldeu disseram criou, os
gregos, fez. O hebraico e o caldeu disseram céus, os gregos, céu: embora
aparente certa diferença, não é diferente o pensamento. Mas eu não disse isso
para refletir sobre os sentidos, apenas para mostrar que os tradutores fiéis
conservam a ordem e o número das palavras segundo a colocação encontrada,
se o podem fazer. O italiano, segundo o hebraico, dirá: No princípio criou os
Deuses os céus e a terra; segundo o caldeu: No princípio criou Deus os céus e
a terra; segundo os gregos, dirá: No princípio fez Deus o céu e a terra.
Passemos para Aristóteles: Πάντες ἄνθρωποι τή φύσει εἰδέναι ὀρέγονται87
[Metafísica, 980 a 22]. O latino, conservando a ordem e o número das
palavras do Filósofo, dirá: Omnes homines natura scire desiderant. O italiano
dirá: Todos os homens, por natureza, desejam saber. E quem não sabe que se
poderia dizer de muitos modos, mas que não seria tradução? Vejamos Plauto,
numa passagem traduzida de Aristófanes, o qual guardava um sentido
implícito: Καὶ ταῦτα µὲν δὴ ταῦτα· [Aristófanes, Pluto, v. 8]; Plauto: et haec
quidem haec [e isto é isto]. Eis as palavras transferidas e o sentido igualmente
recôndito. Quantas outras passagens foram traduzidas por Terêncio, por
Virgílio, por Plínio e por outros antes e depois deles?
INQUIETO – Confrontei muitas passagens de alguns autores, e vejo que
é como dizeis. Mas sobre Terêncio, porque não temos nada de Menandro, não
se podem mostrar os paralelos, nem dos outros comediógrafos e
tragediógrafos latinos, por não existirem muitos cômicos e trágicos gregos.
87
A oração de Aristóteles é: Πάντες ἄνθρωποι τοῦ εἰδέναι ὀρέγονται φύσει [Todos os homens, por natureza,
desejam saber], in Metafísica, 980 a 22.
263
Antologia do Renascimento
88
João de Estobeu (Ἰωάννης ὁ Στοβαῖος, Joannes Stobaeus), compilou em quatro livros, por volta de 500 d.C.,
uma antologia de textos de escritores gregos. A obra, preservada, contém fragmentos valiosos e únicos.
264
Antologia do Renascimento
Tradução:
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
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Antologia do Renascimento
Interlocutori –
Inquieto, Occulto
[…]
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
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Antologia do Renascimento
INQUIETO – Questo non intendo io bene, che mi par certo non so che
nascostovi sotto.
OCCULTO – Voi lo intenderete ne lo processo del parlare.
INQUIETO – A la differenza.
OCCULTO – Nec converti ut interpres, sed ut orator, iisdem sententiis
et earum formis tanquam figuris, verbis ad nostram consuetudinem aptis;
avertite bene a quel che è detto, e a quel che siegue: In quibus non verbum pro
verbo necesse habui reddere, sed genus omnium verborum vimque servavi.
Non ea enim me adnumerare lectori putati oportere, sed tanquam appendere.
INQUIETO – Paionmi tutte parole di misterio e di profondissimo
sentimento.
OCCULTO – Lo tradurre come oratore vedete quanto è differente da lo
tradurre come interprete. Come oratore sta ne le sentenze istesse, usa le
medesime forme e figure con le parole atte seguendo suo solito costume,
servando ’l genere e la forza di tutte le parole. Onde lo interprete
necessariamente ha non pur da rendere parola a parola, ma deve annoverare le
parole. Mirate che non disse Cicerone di voler tradurre semplicemente i sensi,
ma disse di voler, oltra lo tradurre i sentimenti, usar le medesime forme e
figure con le parole accommodate e servare la vertù de le parole. Questo
luoco di Cicerone come ben dite è di misterio profondo e alto; e per
l’isperienza che io ne ho da le tradottioni segondo i sensi, come dicono, o
vero non è stato veduto, o negletto, o non inteso da questi che vogliono essere
creduti soli ciceroniani.
INQUIETO – Forse per la gran dimestichezza che hanno con Cicerone,
facendo contra i suoi precetti, lo fanno a sigurtà, o per aventura si tengono da
più di lui.
OCCULTO – Sia comunque si voglia: pigliate le tradottioni segondo i
sensi, com’essi dicono, e non ritroverete fin qui alcuno che habbia servato i
precetti di Cicerone. Ho parlato con molti di questi tradottori e allegando loro
questo passo di Cicerone, chi m’ha risposto non l’haver veduto, chi non
haverlo considerato, chi non lo haver curato e chi non l’havere inteso. Di
quanti ho io tra me stesso riso che, non intendendo che sieno quelle forme e
figure, hanno detto cose tanto istravaganti, che io arrossiva da parte loro.
INQUIETO – A dire il vero, pensava prima d’intendere questo luoco
assai bene, ma poi che me lo proponete cotanto difficile, non lo creggio
intendere più.
273
Antologia do Renascimento
prossimane; e se non potranno essere gli stessi numeri, non habbia molta
dissimiglianza la compositione, né sia dispare il modo ne gli intervalli. Il che
agevolmente potrà farsi con l’apporre, posporre, trasporre e commutare e
alterare le parole segondo la lingua. Ritornando a quello che di sopra
dicemmo, gli ornamenti, essortationi, dignitadi, lumi, conformationi, forme,
figure, come più dir vi piaccia, o sono de le sentenze, o de le parole,
com’havete udito; attendete hora bene, che siamo al conchiudere.
INQUIETO – Attendo.
OCCULTO – Ogni parlare che s’è fatto e farassi da qualunque si sia in
tutto l’universo in voce od in iscritto, non costa più che di due parti: di cose e
di parole. Ancorché la cosa per se medesima sia chiarissima e basti solamente
accenarla, nondimeno per questi signori cicerioniani tradottori voglio citarvi
dui luochi di Cicerone. Lo primo è De optimo genere oratorum: Quoniam
eloquentia constat ex verbis et sententiis [II, 4], l’altro De oratore: Nam cum
omnis ex re atque verbis constet oratio [III, V, 19]. In questi dui luochi
manifesto si scorge ch’egli piglia le due voci eloquentia e oratio per una cosa
istessa e l’altre due, re e sententiis, non differiscono l’una da l’altra in
significato. De oratore assegna la ragione perché l’oratione habbia queste due
parti: Neque verba sedem habere possunt, si rem subtraxeris, neque res
lumen, si verba summoveris. Ne la oratione fatta a favore di Cecinna ne dà
chiaramente a divedere qual di queste due sia la più nobile e preceda a l’altra
in degnità: Quod testimonio sit non ex verbis totum pendere ius, sed verba
servire hominum consiliis et auctoritatibus; più sotto: Si voluntas tacitis nobis
intelligi posset, verbis omnino non uteremur: quia non potest, verba reperta
sunt, non quae impedirent sed quae iudicarent voluntatem [Pro Caecina,
XVIII, 52-53], e più diffusamente tratta ivi questa materia. Tutto che le cose
lume non havessero senza le parole, né queste, rimosse le cose, fermezza e
stabilimento, nulladimeno le parole hanno a servire a le cose. Prima sono i
concetti, poi si richieggono le parole da vestirgli. Dunque le cose, o volete dir
sentenze, sensi, sentimenti, materie, concetti, vengono prima in
consideratione, quali più nobili. Quelli che vogliono tradurre d’una in altra
lingua necessariamente hanno ad isprimere le sentenze, servare l’ordine de le
cose, e con le medesime forme e figure, o conformationi, o lumi, od
ornamenti, o degnitadi, o schemi che vi piaccia dire; havete voi inteso?
INQUIETO – Sì ho, e molto bene.
OCCULTO – Deggono apresso isplicare le sentenze con parole
accommodate e oltra ciò servare la vertù, la forza e ’l valore de le parole di
quella lingua da la quale si traporta. Avertite ne lo avenire a le tradottioni,
como dicono, segondo i sensi e ve ne chiarirete, se sieno diritte a le regole e a
gli precetti che ne mostra Cicerone.
279
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Fonte: Dialogo del Fausto da Longiano del modo de lo tradurre d’una in altra
lingua secondo le regole mostrate da Cicerone. Testo critico annotato a cura
di Bodo Guthmüller, in Quaderni Veneti, 12. Ravenna, Longo Editore, 1991.
Excertos: 23-24; 35-156
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Antologia do Renascimento
Jacques Amyot
(1513-1593)
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89
Artabano, chefe da guarda do rei Xerxes, da Pérsia, assassinou seu rei em 465 e governou durante sete
meses. (N. do E.)
90
Temístocle (séc. V a.C.), estadista e comandante militar ateniense, lutou na segunda Guerra Persa e
também obteve a vitória de Salamina; fortificou o Peiraieus e Atenas, mas por questões políticas foi
proscrito de Atenas e refugiou-se em outros reinos. (N. do E.)
288
Antologia do Renascimento
não ornar ou polir a linguagem, visto que ele mesmo preferiu escrever
doutamente e gravemente em sua língua, e não suavemente nem facilmente.
Mas em compensação há tanto prazer, instrução e benefício na substância
do livro que, em qualquer estilo que ele seja apresentado, contanto que seja
compreensível, não pode deixar de ser bem recebido por toda pessoa de bom
julgamento, pois que é em suma um resumo de tudo o que de mais memorável
e de mais digno foi feito ou dito pelos maiores reis, mais excelentes capitães e
mais sábios homens das duas mais nobres, mais virtuosas e mais poderosas
nações que jamais existiram no mundo.
E de resto eu espero, Senhor, que, com sua graça e generosidade real, a
qual se mostra tanto ao receber alegremente e prazerosamente os pequenos
presentes, como ao dar francamente e generosamente os grandes, quando a
boa vontade dos que oferecem escusa à incapacidade de fazer melhor,
achareis agradável o humilde sentimento que eu tive fazendo este trabalho de
recomendar à posteridade a memória de vosso glorioso reino, de servir ao
bem público de seus súditos, e de enriquecer nossa língua francesa, conforme
a fraca intensidade de minha inteligência e literatura; pois estou certo de que
daqui a longos anos, quando os viventes encontrarem tantos belos e bons
livros traduzidos das línguas grega e latina à francesa durante seu feliz reino e
sob a inscrição de seu mui ilustre nome, louvar-lhe-ão por ter gloriosamente
coroado e terminado a obra que este grande rei François, seu falecido pai,
tinha felizmente fundado e começado a fazer renascer e florescer neste nobre
reino as boas letras, das quais nossa língua todos os dias cada vez mais recebe
tal ornamento e enriquecimento, que nem a italiana nem a espanhola nem
qualquer outra hoje em uso na Europa poderá vangloriar-se de ultrapassá-la
nem em número, nem em qualidade dos instrumentos de sabedoria, que são os
livros; e, conseqüentemente, seus súditos disso recolherão o fruto, e sem
trabalhar para aprender as nobres e antigas línguas, que demandam muito
tempo e muita pena para aprender, porque elas são mortas, e que é preciso
tirá-las dos monumentos dos livros nos quais estão enterradas, eles terão em
sua língua materna, em sua casa, por assim dizer, o que há de mais belo e de
melhor na latina e na grega.
Por causa desse benefício eles serão ainda mais obrigados a pedir a Deus,
como eu faço com toda humildade e reverência, pela boa prosperidade,
aumento da honra, e continuação de longa vida em boa saúde de vós, Senhor,
e de tudo quanto pertence a sua sagrada real majestade. Em sua casa real de
Fontenebell’eau, no mês de fevereiro, M. D. LVIIII.
289
Antologia do Renascimento
AOS LEITORES
I. A leitura de livros que trazem somente um vão e ocioso deleite aos que
lêem é de maneira justa reprovada pelos homens sábios e de sério julgamento,
e aquela que beneficia tão simplesmente, sem fazer com que se ame o
benefício que ela traz e sem amenizar a pena que se experimenta ao recolhê-
lo, por alguma promessa de prazer, parece por demais austera ao gosto de
muitos intelectos delicados, que por este defeito não podem nela se deter por
muito tempo. Mas aquela que apraz e beneficia, que deleita e instrui ao
mesmo tempo, tem tudo o que se poderia desejar para ser universalmente
apreciada, aceita e estimada de toda maneira pelas pessoas, seguindo o
conhecido dito do poeta Horácio:
91
Platão, Crátilo, 437.b.1 : ἔπειτα ἡ “ἱστορία” αὐτό που σηµαίνει ὅτι <ἵστησι> τὸν <ῥοῦν>. καὶ τὸ “πιστὸν”
<ἱστὰν> παντάπασι σηµαίνει. ἔπειτα δὲ ἡ “µνήµη” παντί που µηνύει ὅτι <µονή> ἐστιν ἐν τῇ ψυχῇ ἀλλ' οὐ
φορά.
[b] Depois a “narração” (historía), de certo modo, significa que ela fixa o fluxo (hístēsi tòn rhoûn). O
“crível” (pistón) significa exatamente o cravar (histàn). Depois a “memória” (mnḗmē) indica a todos que, de
290
Antologia do Renascimento
algum modo, há uma permanência (monḗ) na alma, mas não o movimento. Platão. Crátilo. Estudo e
tradução, por Luciano Ferreira de Souza. São Paulo: USP, 2010
“Em seguida, o «relato» [“ἱστορία”] que significa, de certa maneira, a fixação do fluxo. E o «seguro»
significa, de todas as maneiras, o fixar. Depois, «memória» indica para qualquer pessoa que há uma
suspensão na alma, e não mobilidade. ”
Platão. Obras Completas de Platão - Diálogos Polêmicos (volume 2) [com notas]. Centaur Editions, 2013
291
Antologia do Renascimento
[...]
292
Antologia do Renascimento
92
Talvez Trajano tenha feito parte dos ouvintes de Plutarco, que deu em Roma lições públicas de filosofia.
Como eles eram quase da mesma idade, Plutarco não pode ter sido o preceptor de sua infância.
93
Esta carta podia estar no começo de dois livros de Política que não existem mais; mas Lamprias faz
menção deles no catálogo das obras de Plutarco.
293
Antologia do Renascimento
que, até em seu tempo, quando um novo imperador era recebido no senado
entre os gritos de felizes auspícios e os votos que lhe desejavam, gritavam-
lhe: “Que tu possas ser mais feliz do que Augusto e melhor do que Trajano.”
XXIV. Sendo assim, é bem possível que Plutarco lhe tenha dedicado a
antologia de seus Apotegmas. Mas estando retirado em sua casa após ter
longamente vivido em Roma, ele se põe a escrever esta obra excelente, Vidas,
que ele chamou de Paralelas, como quem dissesse acoplamento ou
combinação, porque ele reúne um grego com um romano, colocando suas
vidas uma diante da outra, comparando-os conjuntamente, segundo tenham
entre eles conformidade de natureza, de costumes e de aventuras, examinando
o que um teve de melhor ou pior, de maior ou menor que o outro, o todo, com
muitos belos e graves discursos tirados dos mais profundos e mais escondidos
segredos da filosofia moral e natural, tantas sábias advertências e frutuosas
instruções, tão afetuosa recomendação da virtude e condenação do vício,
tantas belas alegações de outros autores, tantas apropriadas comparações e
tantas superiores invenções que o livro deve se chamar preferencialmente um
tesouro de toda rara e singular literatura ao invés de dar-lhe outro nome.
Também se diz que Theodoro Gaza,97 personagem grego de erudição singular,
e digno da antiga Grécia, sendo alguma vezes indagado por seus amigos
próximos, que o viam tão aficionado aos estudos que chegava a esquecer
qualquer outra coisa, sobre qual autor ele escolheria entre todos se fosse
obrigado a manter apenas um, respondeu que elegeria Plutarco, pois, tudo
considerado, não há nenhum outro que seja ao mesmo tempo tão aproveitável
e tão aprazível de ler que ele.
XXV. Aquele a quem ele dedicou sua obra, Socius Senecion, era um
senador romano, como testemunha Dion, que escreveu que os três
personagens que Trajano amava e honrava mais, eram Sosius, Palma e Celsus,
a ponto de lhes erigir estátuas a todos os três. É verdade que ele tinha escrito
muitas outras vidas que a injúria do tempo nos roubou, como ele mesmo faz
menção, entre outras, àquelas de Cipião o Africano e de Metellus o Númide.
E eu li uma pequena epístola de um filho seu, onde não há nome, transcrita de
um velho exemplar da livraria de S. Marco em Veneza, na qual ele escreve a
um amigo seu a lista de todos os livros que seu pai compôs, onde, entre as
duplas de vidas, ele coloca aquelas de Cipião e de Epaminondas, e, no final,
aquelas de Augusto César, de Tibério, de Calígula, de Cláudio, de Nero, de
Galba, de Vitélio e de Oto. Mas tendo-me feito toda diligência possível de
procurá-las nas principais livrarias de Veneza e de Roma, não pude
reencontrá-las, e disso tirei vários tipos de lições e várias correções,
conferindo os velhos livros escritos à mão com aqueles que são impressos,
97
Teodoro Gaza (1398-1475), abade de São João de Piro, na Itália, tradutor de Aristóteles, Teofrasto e
Alexandre de Afrodísias ao latim. (N. do E.)
295
Antologia do Renascimento
Ainda visto que tantas pessoas de bem e de saber, tendo antes disso tomado-a
nas mãos para traduzi-la, não se encontrou ainda ninguém, além de mim, que
a tenha inteiramente concluído em qualquer língua, ao menos que eu tenha
sabido ou visto, e que aqueles que se puseram a traduzi-la, mesmo em latim,
testemunharam evidentemente a dificuldade que há, assim como poderão
facilmente reconhecer aqueles que se darão a pena de conferir nossas
traduções.
XXVII. Mas se, talvez, não se ache a linguagem desta tradução tão
fluente como acharam de algumas outras minhas que estão entre as mãos dos
homens, eu peço aos leitores que queiram considerar que o ofício de um
probo tradutor não jaz somente em restituir fielmente a sentença de seu autor,
mas também em representar e em adotar a forma do estilo e maneira de falar
deste, se ele não quer cometer o erro que faria o pintor que tendo se
encarregado para retratar um homem ao vivo, o pintasse longo, onde ele fosse
curto, e gordo, onde ele fosse fino, ainda que o fizesse ingenuamente bem
parecido de rosto. Pois ainda posso bem assegurar, por mais difícil ou rude
que seja a linguagem, que minha tradução será muito mais fácil aos franceses
que o original grego, mesmo àqueles que são os mais exercitados na língua
grega, por uma maneira de escrever mais aguda, mais douta e sucinta do que
clara, polida ou fácil, que é própria a Plutarco. De fato, se não me saí tão
felizmente quanto poderíeis ter pensado ou desejado, Senhores leitores, ainda
tenho eu esperança que desculpeis a boa vontade deste que, aspirando fazê-lo,
trouxe-vos benefício. E se este meu labor for tão feliz a ponto de contentar-
vos, de Deus seja o louvor, que me deu a graça de concluí-lo.
296
Antologia do Renascimento
Tradução:
297
Antologia do Renascimento
Ceux qui de pere en fils sont nez ou habituez soubs une juste, legitime et
hereditaire principauté, comme la vostre, Sire, doyvent, à mon jugement, au
service de leur prince, la devotion que les sages anciens attribuoyent à la
charité du païs où lon a pris naissance. Car ilz disoyent que le premier degré
en estoit deu aux dieux, le second au païs, et le troisieme aux parens, sans
faire mention de roy ne de prince, pour autant que c'estoyent gens qui
vivoyent soubs autre forme de gouvemement, que de royaume, et qui pour
inciter les hommes à defendre le public, soubs lequel la vie, l'honneur et le
bien de chasque particulier sont compris, et à tascher de profiter à la
communauté de ceux avec lesquels on a convenance de nativité, de langue, de
loix, de moeurs et de demeurance, enseignoyent que non seulement la raison
de tout droict humain, mais aussi la religion de droict divin, et le devoir de
conscience obligeoyent toute personne de servir à son entier pouvoir au bien
public de son païs, outre la douceur d'affection que nature imprime en noz
coeurs, et la conformité d'humeurs qui se treuve ordinairement en noz corps,
avec le ciel et l'air où nous avons premierement respiré, qui semble une
obligation naturelle.
Mais comme ainsi soit que toutes nations, non plus que tous hommes
particuliers, ne sont pas propres à estre regies d'une mesme sorte de
gouvernement, pource qu'il est plus expedient à aucunes de servir, que de
commander, et qu'au jugement du prince des philosophes, la plus parfaitte des
trois especes du gouvernement de la chose publique, et la plus selon Dieu et
nature, est celle de la royauté, ceux qui par election ou par nativité y sont
soubmis, doyvent bien affectueusement esvertuer toutes leurs forces, et de
corps et d'entendement, pour faire chacun en son endroit et selon sa vacation,
service à leur souverain : attendu que servans à un, ilz profitent à tous, et
qu'en luy seul gist l'heur et malheur de ses subjects : de luy depend le repos ou
travail, l'aise ou misere de tous ceux qui vivent soubs son empire : luy seul
represente la chose publique, veu que sa volonté est loy, sa parole arrest, et sa
vie discipline exemplaire de bien ou de mal faire.
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299
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300
Antologia do Renascimento
AUX LECTEURS
et fait mieuls ces deux effects, l'un pour l'amour de l'autre reciproquement, en
profitant plus d'autant qu'elle delecte, et delectant davantage d'autant qu'elle
profite. Ceste louange à mon advis est deuë proprement, ou principalement
plus qu'à nulle autre, à la lecture des histoires, comme à celle ou il y a plus
d'honeste plaisir conjoinct avec utilité, et qui a plus d'efficace pour ensemble
plaire et profiter, resjouïr et enseigner, que nulle autre sorte d'escripture ne
d'invention humaine. A raison de quoy il sembleroit aussi convenable
d'advouër que les hommes sont autant ou plus obligez aux bons esprits, qui
ont merité le nom d'historiens par leurs sages escripts, qu'ilz ne sont à nulle
autre maniere de lettres : pourautant. que l'histoire est une narration ordonnée
des choses notables, dictes, faictes, ou advenues par le passé, pour en
conserver la souvenance à perpetuité, et en servir d'instruction à la posterité.
II. Et tout ainsi comme la memoire est le tresor de l' entendement de
l'homme, sans laquelle les actions des autres deux parties demeureroyent
imperfaictes et presque inutiles : aussi se peut il dire, que l'histoire est à la
verité le tresor de la vie humaine, qui preserve de la mort d'oubliance les
faicts et dicts memorables des hommes, et les adventures merveilleuses, et cas
estranges, que produit la longue suite du temps. C'est pourquoy le sage Platon
veut, qu' elle ait esté appellée histoire, pource qu'elle arreste le flux de nostre
memoire, qui autrement auroit trop peu de durée et de tenue : et peut on à cela
recognoistre combien nous luy sommes obligez, si nous imaginons seulement
en quelle horreur de tenebres, et quelle fondriere d'ignorance bestiale et
pestilente nous serions abysmez, si la souvenance de tout ce qui s'est faict, ou
qui est advenu avant que nous fussions nez, estoit entierement abolie et
esteincte.
301
Antologia do Renascimento
[...]
y en a entre autres deux principales especes : l'une qui expose au long les
faicts et adventures des hommes, et s'appelle du nom commun d'histoire :
l'autre qui declare leur nature, leurs dicts et leurs moeurs, qui proprement se
nomme vie. Et combien que leurs subjects soyent fort conjoincts, si est ce que
l'une regarde plus les choses, l'autre les personnes : l'une est plus publique,
l’autre plus domestique: l'une concerne plus ce qui est au dehors de l'homme,
l'autre ce qui procede du dedans : l'une les evenemens, et l'autre les consei1s :
entre lesquelz il y a bien souvent grande difference, suyvant ce que Siramnes
Persien respondit à ceux qui s'esbahissoyent dont venoit que ses devis
estoyent si sages, et ses effects si peu heureux : «C'est paur autant, dit il, que
les devis sont en ma pleine disposition, et les effects en celle de fortune et du
roy.»
XXI. Mais entre tons ceux qui se meslerent onques de rediger par escript les
vies des illustres hommes, la palme d'excellence, au jugement des plus clair-
voyans, est meritoirement adjugée à Plutarque philosophe Grec, natif de la
ville de Chaeronée, en la province de la Boeoce, homme noble, consommé en
tout rare sçavoir, ainsi comme ses oeuvres ne laissent douter à qui les a
entierement leuës. Et ayant toute sa vie jusques en sa vieillesse manié affaires
publiques, comme luy mesme tesmoigne en plusieurs lieux, mesmement au
traitté qu'il a fait, Si l'homme vieil se doit entremettre du gouvernement de la
chose publique: et qui jadis eut cest heur et honneur, que d'estre precepteur de
l'empereur Trajan,98 ainsi que lon tient communement, et qu'il est
expressement porté par une missive, qui se lit au devant de la traduction latine
de ses Politiques,99 laquelle à dire la verité m'est un petit suspecte, pource que
je ne l'ai point trouvée entre ses oeuvres grecques, joinct qu'elle parle comme
si le livre estoit dedié à Trajan, ce qui est manifestement dedict par le
commencement du livre, et pour quelques autres raisons : encore toutefois,
pource qu'elle m'a semblé sagement et gravement escripte, et estre digne de
luy, je l'ay inserée en ce lieu:
XXII. «Plutarque à Trajan, Salut. Je sçavoye bien que la moderation de
ta nature n'estoit point convoiteuse de l'empire, combien que par honesteté de
vie tu te sois tousjours efforcé de le meriter, à raison dequoy tu en es de tant
plus estimé digne, que plus on te treuve esloigné du vice d'ambition. C'est
pourquoy maintenant je m'esjouy avec ta vertu et avec ma fortune, si tant est
que tu vueilles justement administrer, ce que tu as deuëment merité. Car
autrement je suis asseuré, que tu t'es exposé à de grands dangers, et moy aux
98
Peut-être Trajan a-t-il été du nombre des auditeurs de Plutarque, qui a fait à Rome des leçons publiques de
philosophie. Comme ils étaient presque du même âge, Plutarque n'a pas pu être le précepteur de son
enfance.
99
Cette lettre pouvait être à la tête de deux livres de Politique qui n'existent plus; mais Lamprias en fait
mention dans le catalogue des ouvres de Plutarque.
304
Antologia do Renascimento
avec tant de beaux et graves discours par tout, tirez des plus profonds et plus
cachez secrets de la philosophie morale et naturelle, tant de sages
advertissements: et de fructueuses instructions, si affectueuse
recommandation de la vertu et detestation du vice, tant de belles allegations
d'autres autheurs, tant de propres comparaisons, et tant de hautes inventions,
que le livre se doit plustost nommer un tresor de toute rare et exquise
litterature, que de luy donner autre nom. Aussi dit on, que Theodorus Gaza
personnage Grec d'erudition singuliere, et digne de l'ancienne Grece, estant
quelquefois enquis par ses familiers amis, qui le voyoyent si fort affectionné à
l'estude, qu'il en oublioit toute autre chose, quel autheur il choisiroit entre
tous, s'il estoit reduit à ce poinct de n'en pouvoir retenir qu'un tout seul, il
respondit qu'il eliroit Plutarque, pource que tout compris, il n'y en a pas un
qui soit si profitable et si delectable ensembIe à lire, que luy.
XXV. Celuy auquel il dedie son oeuvre, Socius Senecion, estoit un
senateur Romain ainsi que tesmoigne Dion, qui escript que les trois
personnages que Trajan aimoit et honoroit le plus, estoyent Sosius, Palma et
Celsus, jusques à leur faire à tous trois eriger des statues. Il est vray qu'il avoit
escript beaucoup d'autres vies, que l'injure du temps nous a enviées, comme
notamment luy mesme fait mention de celles de Scipion l'Africain et de
Metellus le Numidique : et j’ai leu une petite epistre d'un sien filz, ou li n'y a
point de nom, transcripte d'un vieil exemplaire de la librairie de S. Marc à
Venise, par laquelle il escript à un sien amy la liste de tous les livres que son
pere a composez : là où entre les coupples des vies il met celles de Scipion et
d'Epaminondas, et au bout celles d'Augustus Caesar, de Tiberius, de Caligula,
de Claudius, de Neron, de Galba, de Vitellius et d'Othon. Mais ayant fait toute
diligence à moy possible de les chercher ès principales librairies de Venize et
de Rome, je ne les ay peu recouvrer, seulement en ay je tiré plusieurs
diversitez de leçons, et plusieurs corrections, en conferant les vieux livres
escripts à la main, avec ceux qui sont imprimez, qui m'ont grandement servy à
l'intelligence de plusieurs difficiles passages : et plusieurs y en a aussi que j'ay
restituez par conjecture, avec le jugement et l'aide de quelques uns des plus
sçavans hommes de cest aage en lettres humaines.
XXVI. Toutefois encore est il demeuré quelques lieux, mais peu, ès
quelz, pource qu'il y en a l'original omission de quelques lignes, à mon advis,
j'ay mieux aimé tesmoigner la defectuosité par la marque d'une estoile, que de
temerairement deviner, ou y rien adjouxter. Mais au reste si je me suis en
quelques endroits abusé, comme il est bien aisé en autheur si obscur et
ouvrage si long, mesmement à personne de si peu de suffisance comme moy,
je prieray les lisans de vouloir pour ma descharge accepter l'excuse que me
donne le poëte Horace, quand il dit:
306
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[...]
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Nada é mais próprio a Deus que o amor, nem ao amor há algo mais
natural do que retornar ao que ama, nas condições e engenho do que é amado.
De um e outro temos clara experiência. Certo é que Deus ama, e qualquer um
que não esteja muito cego pode reconhecer em si mesmo os benefícios
assinalados que recebe continuamente de sua mão: o ser, a vida e seu
governo, e o amparo de sua graça, que em nenhum lugar e tempo nos
desampara. Que Deus se compraza mais nisto que em outra coisa, e que lhe
seja próprio o amor entre todas as suas virtudes, vê-se em suas obras, que
todas se ordenam a este único fim, que é repartir e distribuir seus grandes
bens entre as criaturas, fazendo com que a semelhança a Ele resplandeça em
todas elas, e a medida d’Ele seja a medida de cada uma delas para que todas O
usufruam, o que, como dissemos, é obra própria e natural do amor.
Como marca disto, percebe-se este benefício e amor de Deus no homem,
a quem, no princípio, criou à sua imagem e semelhança, como a outro Deus, e
depois se fez Deus, à figura e proveitos seus, tornando-se finalmente homem
por natureza, e muito antes por trato e conversação, como se vê claramente
em todo o discurso e processo das Sagradas Letras; nas quais, por esta causa,
é algo maravilhoso o cuidado que dispõe o Espírito Santo, e tudo isto a fim de
que não sintamos sua falta, e que por agradecimento, por devoção ou por
vergonha, façamos o que nos manda, que é aquilo em que consiste a nossa
maior felicidade e bom encaminhamento. De semelhantes argumentos e
exemplos estão cheias as histórias sagradas, os sermões e orações proféticas, e
os versos e canções do salmista, bem como os conselhos da Sabedoria e,
finalmente, toda a vida e doutrina de Jesus Cristo, luz e verdade, e todo o
nosso bem e esperança.
Pois entre as outras obras e tratados divinos, uma é a canção suavíssima
que Salomão, profeta e rei, compôs, na qual, sob uma écloga pastoril, mais
que em nenhuma outra Escritura, mostra-se Deus ferido de nossos amores,
com todas aquelas paixões e sentimentos que este afeto pode e costuma fazer
nos mais brandos e mais ternos corações humanos: roga e chora e pede por
zelos; vai-se como um desesperado e volta logo, e variando entre esperança e
temor, alegria e tristeza, ora canta de contente, ora torna públicas as suas
queixas, tomando aos montes e suas árvores, aos animais e às fontes por
testemunhas das grandes penas de que padece. Aqui se vêem pintados
vivamente as paixões amorosas dos demais amantes, os desejos ardentes, os
cuidados perpétuos, as aflições enormes que a ausência e o receio lhes
causam, juntamente com os ciúmes e suspeitas que entre eles se movem. Aqui
se ouve o som dos suspiros ardentes, mensageiros do coração, das queixas
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nascem uns dos outros por concerto natural. E a causa de a razão parecer
assim perturbada é que, no espírito, possuído de alguma veemente afeição,
não chega a língua ao coração, nem se pode dizer como se sente e, mesmo o
que pode, não o diz todo, mas em partes e confusamente, ora o princípio de
uma ideia, ora o fim sem o princípio; que, assim como o que ama sente muito
o que diz, assim lhe parece que apenas por apontá-lo já está entendido pelos
outros; e a paixão com sua força e com incrível presteza arrebata-lhe a língua
e o coração, de um afeto em outro; daí que seus pensamentos são cortados e
cheios de obscuridade. Parecem também desconcertados entre si porque
respondem ao movimento que provoca a paixão no espírito do que os diz, e
quem não a sente ou vê, julga-os mal; como julgaria por coisa de desvario e
de mal siso os meneios dos que dançam aquele que, vendo-os de longe, não
ouvisse nem entendesse a música que seguem; o que há de muito se advertir
neste livro e em todos os semelhantes.
O segundo ponto que produz obscuridade é ser a língua hebraica, na qual
se escreveu, por sua propriedade e condição, língua de poucas palavras e
pensamentos curtos, e estes cheios de diversidade de sentidos; e ajunta-se a
isso ser o estilo e o juízo das coisas, naqueles tempos e entre aquela gente, tão
diferente do que se pratica agora; donde podem vir a nos parecer novas e
estranhas, ou fora de todo bom primor, as comparações de que se faz uso
neste livro, quando o esposo ou a esposa querem mais é louvar a beleza e a
galhardia das feições do outro, como quando compara o pescoço a uma torre,
ou os dentes a um rebanho de ovelhas, e assim outras coisas semelhantes.
Como cada língua e cada gente tem, na verdade, suas propriedades do falar,
em que o costume usado e herdado faz com que seja primor e gentileza o que
em outras línguas e a outras gentes pareceria demasiado tosco, é, desse modo,
de se crer que tudo isso que agora, por sua novidade e por ser alheio ao nosso
uso, tanto nos ofende e desagrada, fora todo o bom falar e toda a cortesia
naquele tempo entre aquela gente. Que claro está que Salomão não era
somente muito sábio, mas também rei e filho de rei, e conquanto não
alcançasse por letramento e doutrina, só pela criação e pelo trato de sua corte
e casa falaria melhor e mais cortesmente sua língua que qualquer outro.
O que faço aqui são duas coisas: uma é verter em nossa língua palavra
por palavra o texto deste livro, a outra é explicar com brevidade, não cada
palavra por si, mas as passagens em que aparece alguma obscuridade na letra,
a fim de que seu sentido fique claro quanto à superfície e aparência,
colocando no princípio o capítulo inteiro e depois seus esclarecimentos.
Acerca do primeiro, procurei conformar-me o quanto pude com o original
hebraico, cotejando juntamente todas as traduções gregas e latinas que
existem dele, e são muitas, e pretendi que correspondesse essa interpretação
ao original, não só em palavras e em sentenças, mas também no seu aspecto e
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Tradução:
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Ninguna cosa es más propia a Dios que el amor, ni al amor hay cosa más
natural que volver al que ama en las condiciones e ingenio del que es amado.
De lo uno y de lo otro tenemos clara experiencia. Cierto es que Dios ama, y
cada uno que no esté muy ciego lo puede conocer en sí por los señalados
beneficios que de su mano continuamente recibe: el ser, la vida, el gobierno
de ella y el amparo de su favor, que en ningún tiempo ni lugar nos desampara.
Que Dios se precie más de esto que de otra cosa, y que le sea propio el amor
entre todas sus virtudes, vese en sus obras, que todas se ordenan a solo este
fin, que es hacer repartimiento y poner en posesión de sus grandes bienes a las
criaturas, haciendo que su semejanza de Él resplandezca en todas, y
midiéndose a sí a la medida de cada una de ellas para ser gozado de ellas, que,
como dijimos, es obra propia y natural del amor.
Señaladamente se descubre este beneficio y amor de Dios en el hombre,
al cual crió en el principio a su imagen y semejanza, como a otro Dios, y a la
postre se hizo Dios a la figura y usanza suya, volviéndose hombre
últimamente por naturaleza, y mucho antes por trato y conversación, como se
ve claramente en todo discurso y proceso de las Sagradas Letras; en las
cuales, por esta causa, es cosa maravillosa el cuidado que pone el Espíritu
Santo y todo esto a fin de que no nos extrañemos de él, y que por
agradecimiento, por afición o por vergüenza, hagamos lo que nos manda, que
es aquello en que consiste nuestra mayor felicidad y buena andanza. De
semejantes argumentos y muestras están llenas las historias sagradas, los
sermones y oraciones proféticas y los versos y canciones del salmista, y
asímismo los consejos de la sabiduría y, finalmente, toda la vida y doctrina de
Jesucristo luz y verdad, y todo el bien y esperanza nuestra.
Pues entre las otras obras y tratados divinos, una es la canción suavísima
que Salomón, profeta y rey, compuso, en la cual, debajo de una égloga
pastoril, más que en ninguna otra Escritura, se muestra Dios herido de
nuestros amores con todas aquellas pasiones y sentimientos que este afecto
suele y puede hacer en los corazones humanos más blandos y más tiernos:
ruega y llora y pide celos; vase como desesperado y vuelve luego, y variando
entre esperanza y temor, alegría y tristeza, ya canta de contento, ya publica
sus quejas, haciendo testigos a los montes y árboles de ellos, a los animales y
a las fuentes, de la pena grande que padece. Aquí se ven pintados al vivo los
amorosos fuegos de los demás amantes, los encendidos deseos, los perpetuos
cuidados, las recias congojas que el ausencia y el temor en ellos causan,
juntamente con los celos y sospechas que entre ellos se mueven. Aquí se oye
el sonido de los ardientes suspiros, mensajeros del corazón, y de las amorosas
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Antologia do Renascimento
verdad, responde con la hebrea en muchas cosas. De donde podrá ser que
algunos no se contenten tanto, y les parezca que en algunas partes la razón
queda corta y dicha muy a la vizcaína y muy a lo viejo, y que no hace corra el
hilo del decir, pudiéndolo hacer facilmente con mudar algunas palabras y
añadir algunas otras; lo cual yo no hice por lo que he dicho, y porque entiendo
ser diferente el oficio del que traslada, mayormente Escrituras de tanto peso,
del que las explica y declara. El que traslada ha de ser fiel y cabal y, si fuere
posible, contar las palabras para dar otras tantas, y no más ni menos, de la
misma cualidad y condición y variedad de significaciones que las originales
que son y tienen los originales, sin limitarlas a su propio sentido y parecer,
para que los que leyeren la traslación puedan entender toda la variedad de
sentidos a que da ocasión el original, si se leyese, y queden libres para
escoger de ellos el que mejor les pareciere. Que el extenderse diciendo, y el
declarar copiosamente la razón que se entiende, y el guardar la sentencia que
más agrada, jugar con las palabras añadiendo y quitando a nuestra voluntad,
eso quédese para el que declara, cuyo propio oficio es; y nosotros usamos de
él después de puesto cada un capítulo en la declaración que se sigue. Bien es
verdad que, trasladando el texto, no pudimos tan puntualmente ir con el
original; y la cualidad de la sentencia y propiedad de nuestra lengua nos forzó
a que añadiésemos alguna palabrilla, que sin ella quedara oscurísimo el
sentido; pero éstas son pocas; y las que son van encerradas entre dos rayas de
esta manera [ ].
Vmd. reciba en todo esto mi voluntad, que lo demás a mí no me satisface
mucho, ni curo que satisfaga a otros. Bástame haber cumplido con lo que se
me mandó, que es lo que en todas las cosas más pretendo y deseo.
316
Antologia do Renascimento
Alessandro Piccolomini
(1508-1579)
318
Antologia do Renascimento
Aos leitores
por isso eu que sempre me considerei, e ainda mais agora me considero, entre
aqueles que precisam prestar atenção para não adentrar (escrevendo) os
limites das ciências sem que alguém os guie, preocupei-me pelo menos de
escolher tais escoltas que me protegessem, se não de todos os imprevistos, o
que acho não ser possível para um homem mortal, pelo menos dos maiores
precipícios. E esses foram Ptolomeu100 na astrologia e o próprio Aristóteles na
filosofia natural e na moral e também na dialética e na retórica e na poética,
ao qual até hoje não se sabe de alguém que nessas disciplinas lhe tenha
ultrapassado. E porque (escrevendo) é possível achar várias maneiras de
respeitar e seguir um autor, como traduzindo, comentando ou expondo,
anotando, parafraseando e resumindo, eu, mesmo tendo variado esses modos
nos meus escritos, pois tratei diferentes matérias ora com puros comentários,
ora com anotações, ora com epítomes, ou seja resumos, e muitas vezes com
paráfrases, como vós mesmos podeis ter visto, mesmo assim eu nunca fui
muito amigo da tradução em coisa que pertencesse a alguma arte ou ciência,
pois, depois que na minha primeira juventude traduzi o Econômico de
Xenofonte101 e Alexandre de Afrodísia102 sobre os Meteorológicos103 de
Aristóteles, nunca traduzi outra coisa, a não ser dois anos atrás, ou pouco
mais, a Retórica de Aristóteles, pelas razões que podereis vós mesmos
claramente ter conhecido aqui e ainda na paráfrase que eu fiz dela, através das
Epístolas que com tais obras eu vos enderecei. E várias razões me levaram a
evitar a empresa de traduzir. Uma foi a dificuldade maior, na minha opinião,
entre todas as que já disse. Porque, escrevendo, não é preciso estar preso e
amarrado em nenhum tipo de obrigação para seguir um autor, senão em não se
afastar das opiniões dele; mas quem traduz se empenha e se obriga a manter e
a salvar não somente as opiniões como as palavras também. Além disso,
quem anota ou comenta ou parafraseia ou escreve resumindo, mesmo
fazendo-o em outra língua, precisa possuir exatamente a língua do escritor
que está seguindo; porém, quanto à língua na qual escreve, não é necessário
possui-la tão detalhadamente ao vivo – como é necessário para o tradutor –, já
que, para não se afastar da opinião do autor, é suficiente alongar e diminuir e
100
Cláudio Tolomeu foi um dos mais importantes astrônomos e geógrafos gregos. Foi ativo no II século
depois de Cristo e a sua teoria geocêntrica, baseada em Aristóteles, dominou até a publicação da obra de
Copérnico em 1543 e também depois, até o heliocentrismo ser aceito na cultura oficial.
101
Xenofonte, (nascido em Atenas, por volta do ano 430, morto depois do 355 a.C.) foi historiador, a
principal fonte da vida de Sócrates (junto com Platão) e autor de obras de conteúdo diferente, entres as quais
o Económicon, um tratado sobre a administração da casa e da propriedade.
102
Alexandre de Afrodísia viveu entre o II e o III século depois de Cristo e foi um dos maiores
comentadores de Aristóteles. A sua importância durou até o Renascimento, e, nessa fase, esteve ligada
especialmente ao debate entre platonismo e aristotelismo e à interpretação da concepção aristotélica sobre o
intelecto.
103
Os Metereológicos de Aristóteles tratam os fenômenos naturais que acontecem abaixo das esferas
celestes e do éter, entre a lua e a terra; calor e frio são as forças determinantes para explicar esses processos.
No quarto livro (de atribuição dúbia) o tratamento é importante por chegar quase às questões da química
moderna.
320
Antologia do Renascimento
fechar os períodos como se sabe fazê-lo, qualquer que seja a maneira. Mas
traduzindo isso não é suficiente: ao contrário, é necessário sermos tão
detalhadamente instruídos e dominarmos tanto a língua na qual traduzimos
que, assim como tendo nas mãos uma certa quantidade de cera podemos,
manuseando-a com os dedos, transformá-la ora em quadrada ora em redonda
ora em uma figura piramidal e em qualquer outra que nos agrada, da mesma
forma saibamos manusear e tratar tão bem a língua que, não conseguindo
expressar com essa forma ou com aquela exatamente período por período
tanto o sentido quanto as palavras que precisamos traduzir, vamos mudando e
experimentando tantas formas e maneiras de dizer, ora com gerúndios ora
com subordinadas104 ora compactando mais os períodos ora estendendo-os ora
de um modo ora de outro, até achar a maneira que possa funcionar
confortavelmente e ter o efeito que desejamos; e isso (como já disse) não
pode ser feito sem uma familiaridade muito íntima com a língua na qual se
traduz. A essas causas soma-se o perigo de maior repreensão cada vez que o
nosso sentido for desigual ou apenas diferente daquele do autor. Se acontece
que, ou comentando ou parafraseando ou de alguma outra maneira de escrever
que não seja tradução, erramos e não correspondemos ao pensamento do
autor, pois com essas maneiras falamos por nós, colocamo-nos assim somente
a nós em perigo de sermos repreendidos, por um defeito que seria nosso e não
de outros, seja por ignorância ou por inconfiabilidade, enquanto que
traduzindo, uma vez que vestimos as roupas do autor e falamos por ele e com
suas palavras, colocamos em perigo de repreensão não tanto a nós mesmos
quanto ao próprio autor cada vez que dizemos algo que ele não diz, e, por
conseqüência, adquirimos a fama de falsários, a pior que um homem pode
ganhar. Além disso, para me afastar da tradução juntou-se o fato de ver, entre
aqueles que se propuseram essa empresa de trazer as matérias científicas e
doutrinais de uma língua para uma outra, não somente os que eram pouco
expertos em tais matérias ou pouco senhores e possessores de uma das duas
línguas ou de ambas perderam o tempo em que deviam ter feito um trabalho
digno de ser lido (o que não surpreende), mas também que, dentre aqueles que
foram julgados possessores dessas capacidades e bem instruídos naquelas
línguas, raríssimos foram os que conseguiram com sucesso essas empresas. E
porque, entre as leis mais difíceis às quais a tradução é obrigada (como
diremos pouco abaixo), a principal é a que obriga não só a manter igual, com
grande fidelidade, o sentido do autor, mas também a salvar quanto for
possível as suas palavras e a locução e as ligações e os modos do sentido, de
maneira que, se for possível, não se deveria estender, ordenar e fechar os
períodos e os componentes deles de modo diferente de como o próprio autor
os estendeu, os ordenou e os fechou, nem colocar um número maior ou menor
104
Membri pendenti.
321
Antologia do Renascimento
de palavras daquele que o autor usou. Mas como a diversidade das línguas,
entre as quais se acha enorme diversidade tanto de ordem, de estrutura, de
figuras e modos de expressar quanto dos sons das palavras e de abundância ou
falta delas nos significados, muitas vezes não tolera o respeito de quanto foi
dito, disso vem que esses lugares pedem muitíssimo juízo e arte na tradução,
para que, acrescentando ou diminuindo as palavras, colocando às vezes duas
ou mais em lugar de uma, e outros uma no lugar de várias, ou alterando a
textura, dividindo os períodos ou os membros deles, ou unindo os divididos,
ou com qualquer outra mudança ou nova textura e ordem, segundo que a
personalidade das línguas e portanto a necessidade nos obriga, não se
confundam as locuções ou não se corrompam os sentidos ou se obscureçam os
significados ao ponto de que se dê aos leitores ou algo pouco fiel e diferente
do que se promete com o nome de tradução ou algo mais obscuro e confuso e
portanto inútil e sem fruto algum. Por isso, entre tantas dificuldades, não é
surpreendente que, entre os tradutores que até hoje traduziram do grego para o
latim e do latim para o nosso vulgar obras pertencentes a assuntos científicos
que eles realmente conheçam, foram raríssimos aqueles que alcançaram o
objetivo que, traduzindo, implicitamente prometeram. Enquanto alguns deles,
prestando mais atenção ao sentido só do que às palavras, das quais às vezes se
preocupam pouco demais, e muitas vezes ainda tentando acomodar o próprio
sentido à opinião deles e forçando-o com acréscimo de palavras e às vezes de
orações e até de períodos inteiros, sem que a personalidade das línguas os
obrigue a fazer isso, acabam se comportando mais como expositores ou
parafraseadores que como tradutores e mostrando mais a personalidade deles
que a do autor. Já alguns outros, sem procurar, como deveriam fazer,
principalmente o sentido e a intenção, buscam transpor palavra por palavra e
cada mínima partícula, tantas delas quantas acham, e assim, fazendo atenção
de respeitar com precisão o número delas, como se tivessem feito um cálculo,
acabam produzindo uma espécie de locução confusa, sem sal e, o que é pior,
em grande parte não compreensível, como quem, não sabendo que as várias
línguas têm diferenças nas estruturas, nas figuras e nas maneiras de expressar,
e diferentes correspondências entre as palavras e os significados, teimam em
não aceitar nenhuma mudança, e portanto acontece que ou se produzem vários
barbarismos formando novas palavras para aqueles significados que não têm
palavras, ou se cai no abismo do equívoco aplicando-se palavras de um
significado para um outro, ou enfim, querendo forçar as estruturas e as
expressões tirando-as da língua nas quais são apropriadas para colocá-las
naquela que não as possuem, se torne a linguagem obscura, complicada e
muitas vezes falsa, e, o que (como já falei) é pior, sem um sentido.
322
Antologia do Renascimento
Essas e outras que não vou falar são, portanto, as razões pelas quais fui
afinal convencido a evitar produzir traduções. Mas por que dessa vez eu
resolvi, contra a minha tendência e contra o que eu tinha decidido, fazer essa
tradução da Poética de Aristóteles que agora vos ofereço, trazida da língua
grega, na qual nasceu, para essa nossa (benignos leitores), em poucas palavras
vos contarei. Eu, faz já muitos anos, desejava escrever algo na nossa língua
sobre esse livro que nos ficou da Poética de Aristóteles, por ter-me sempre
parecido que fosse útil gastar estudo e trabalho sobre ele. Mas, vendo toda
hora, um depois do outro, aparecerem homens doutos que, com ajuizados
comentários, iluminavam um alguns lugares difíceis, outro outros daquele
livro, e especialmente Maggi105 e Vettori,106 que com sua doutrina e
inteligência trouxeram muitas passagens (para dizer a verdade) quase da
morte para a vida, com ajuizada correção de textos e com explicações de
sentidos, andava eu adiando e retardando a empresa planejada, confiante que,
já que estavam aparecendo outros homens doutos para ajudar a clarear este
livro, ele viesse a receber rapidamente melhoras, sem nenhum trabalho de
minha parte, em todos os trechos e os lugares, que (como disse) tinha
recebido em boa parte. Mas, vendo que aquela aparição e descoberta cotidiana
de novos expositores estava já há alguns anos parada, ou sentindo-me agredir
já com força pela velhice, resolvi realizar o desenho que eu tinha concebido,
pelo menos naquelas partes em que me parecia que os outros até então não
tinham dado a clareza e a compreensão adequadas. Portanto, mudei o desenho
anterior somente nisso, que enquanto no começo eu tinha pensado em
comentar a poética através de exposição, sem deixar nenhum lugar intocado,
resolvi depois comentar através de anotações. E por isso, porque os citados
expositores, um em um ponto e outro em outro, e especialmente em muitos
pontos o Vettori e o Maggi falaram quase o que eu acho que se deveria dizer,
julguei que pareceria exagerado e talvez arrogante o trabalho que eu realizaria
naquilo em que eu mais ou menos concordasse com eles, como qualquer um
pode em seguida ver. Assim, eu fui anotando todo esse livro, de maneira mais
sucinta e às vezes até sem comento algum aqueles trechos ou lugares que
considerei que os outros tivessem falando adequadamente, e, ao contrário,
demorei-me mais em outros ou falei algo onde antes não havia sido nada dito
pelos outros (e isso aconteceu em muitos lugares) ou me separei com
105
Vincenzo Maggi, humanista, nasceu em Brescia no começo do século XVI e morreu em Ferrara por volta
de 1564. Estudou em Pádua e ensinou em Pádua e Ferrara. Continuou a exegese da Poética de Aristóteles
começada por Bartolomeo Lombardi, e em 1550 publicou In Aristotelis librum De Poetica communes
Explanationes, onde, em polêmica com o Robortello, forneceu o primeiro comentário conforme à Contra-
reforma.
106
Pietro Vettori (Florença 1499 – 1585), filólogo e erudito, editou e comentou muitos textos antigos e foi
importante intérprete de Aristóteles. Foi amigo de Maquiavel e participou da vida política na fase
republicana. Em 1538 foi nomeado professor de grego e latim na universidade, e nessa época, entre muitas
outras obras, publicou um amplo comentário da Retórica e da Poética de Aristóteles.
323
Antologia do Renascimento
na língua para a qual traduz, nem no número e na ordem das palavras nem na
ligação delas, como elas estão na língua da qual se traduz. Mas é necessário
bem cuidadosamente perceber e saber quando as características das línguas
nos obrigam a fazer isso e quando não têm necessidade nenhuma disso,
porque, assim como a necessidade não somente desculpa a mudança na
tradução mas até pede isso, da mesma forma, ao contrário, fazê-lo quando é
possível evitar não somente não é escusável mas é repreensível, sendo coisa
conveniente que, todas as vezes em que for possível, o tradutor não se
distancie nem das intenções nem das próprias palavras nem da estrutura delas.
Portanto quem, podendo evitar, abandona a integridade da locução, ou
aumentando ou mudando as palavras ou unindo-as de maneira diferente,
mesmo que preserve o sentido e a intenção, estará fazendo mais uma
exposição ou uma paráfrase do que uma tradução. Por isso o tradutor precisa
estar certo de mudar a locução apenas o quanto as várias propriedades das
línguas o obrigam. E isso em duas ocasiões pode ocorrer: uma quando não
podemos encontrar na língua na qual traduzimos as palavras que
correspondam aos significados das palavras da língua da qual traduzimos, não
só uma palavra por uma palavra mas também duas ou mais para o sentido de
uma; ou também quando, na hora de tecer ou ordenar e unir as palavras, não
podemos encontrar uma ordem e uma textura que possa mostrar e revelar bem
a intenção; e nesse caso para não tornar inútil a tradução, como seria se a
intenção ficasse escondida, é necessário acrescentarmos alguma palavra, ou
uma ou mais, que ajudem e iluminem a inteligência da intenção. E isso
somente quando for possível ter certeza da intenção verdadeira do escritor, ou
graças às palavras que precedem ou àquelas que seguem; digo isso porque, em
caso de dúvida, um acréscimo correria o risco de ser considerado exposição e
não tradução. Nesse caso portanto, e não em outros, devem-se aceitar tais
acréscimos, e eles devem ser sinalizados com signos, como aqueles que os
editores chamam rampini,107 para que fique claro que se trata de acréscimos e
não das palavras do escritor. No outro caso, traduzindo, pode ser necessário
fazer alguma mudança nas locuções ou nas palavras ou na ordem e textura
delas; quando isso acontece na textura, se na expressão de alguma intenção a
propriedade da língua na qual se traduz não permite em algum período a
mesma ordem e a mesma composição e ligação que se acha na língua da qual
se traduz, mesmo assim ela permite, sem acrescentar nem período nem
membro nenhum, mostrar em uma língua a mesma legítima intenção que é
expressada na outra, ou com a união ou com a separação dos períodos,
criando mais períodos a partir de um ou um só a partir de vários, mudando
gerúndios e particípios, infinitivos ou subjuntivos, ou com qualquer outra
alteração de figura ou de ordem, desde que não se acrescente nenhum novo
107
Rampini são ganchos e, por extensão, signos usados na época na técnica tipográfica.
325
Antologia do Renascimento
326
Antologia do Renascimento
Tradução:108
Tommaso Raso
tommaso.raso@gmail.com
108
Advertência: sententia, sentimento, locution e ligature foram traduzidos sempre respectivamente como
sentido, intenção, locução e ligações; membri pendenti foi traduzido como subordinadas. Como significado
se traduziram vários termos menos usados no texto, mas pertencentes à mesma área semântica de sententia e
sentimento.
327
Antologia do Renascimento
A i lettori (1571)
109
facciano no texto é provável erro de impressão, já que na edição de 1572 aparece faccia.
328
Antologia do Renascimento
alcuno che in molte difficultà ponendogli finalmente seco precipitar gli faccia.
Perlaqualcosa io che nel numero di quegli mi son conosciuto sempre, et or più
che mai mi conosco, li quali han da guardarsi di non entrare (scrivendo)
dentro a i confini delle scientie senza qualcuno che gli guidi, mi sono sforzato
almeno di eleggermi scorte tali che, se non da tutti gli intoppi, il che credo io
ch’ad uom mortale non sia possibile, almen dai maggiori precipitii, sicuro
m’avesser fatto. Et questi sono stati nell’astrologia Tolommeo, e nella
filosofia naturale e nella morale e nella dialettica parimente e nella retorica e
nella poetica Aristotele stesso, a cui non si sa fin oggi ch’alcuno in tai facultà
abbia posto mai piedi innanzi. Et perché varii modi si truovano in uso
d’osservare e di seguire (scrivendo) un autore, com’a dire traducendo,
commentando o vero sponendo, annotando, parafrizando e compendiando, io,
se ben son andato per cotai modi variando negli scritti miei, mentre che ora
con puri commenti, or con annotationi, or con epitomi e compendii, e molto
spesso con parafrasi ho trattato diverse materie, come voi stessi potete aver
veduto, nondimeno non son io mai stato in cose appartenenti a qualch’arte o
scientia molto amico di tradurre, non avendo, doppo che nella mia prima
giovinezza tradussi l’Economica di Senofonte et Alessandro Afrodiseo sopra
la Meteura d’Aristotele, tradotto altra cosa mai, salvo che due anni sono, o
poco più, la Retorica d’Aristotele, per le ragioni che e quivi et ancor nella
parafrase che io le ho fatto sopra potete dall’Epistola che con tali opere vi ho
indrizzato chiaramente aver voi medesimi conosciuto. Et a schivar questa
impresa delle traduttioni più cagioni mi hanno indotto. L’una è stata la
difficultà che in così fatta operatione maggior si truova, secondo ‘l giuditio
mio, che in alcuna dell’altre dette. Conciosiacosaché in tutti gli altri modi
d’obligarsi, scrivendo, a seguir uno autore da altro obligo non sia stretto e
ligato l’uomo che dal non allontanarsi dall’opinion di quello, dove che chi
traduce s’astrigne e s’obliga al mantenimento et al salvamento non solo delle
opinioni altrui ma delle parole ancora. Di poi, a coloro che annotano o
commentano o parafrizano o compendiando scrivono, se ben facendo questo
in altra lingua, fa loro di bisogno di possedere essattamente la lingua dello
scrittore che seguono; tuttavia, quanto alla lingua nella quale scrivono, non è
necessario di possederla così minutamente al vivo com’è necessario al
traduttore, posciaché, per non allontanarsi dall’opinion di colui che noi
seguitiamo, basta che ciò faciamo in quel modo di distendere e di raccogliere
e chiuder i periodi che noi sappiamo, qual si voglia che cotal modo sia. Ma
nel tradurre non basta questo: anzi ci fa di mestieri d’esser così minutamente
instrutti nella lingua nella qual traduciamo e d’esserne così padroni che, nella
guisa che tenendo alquanta di cera in mano potiamo con le dita
maneggiandola trasmutarla or in quadrata or in rotonda et or in piramidal
figura et in qual si voglia altra che più ci aggrada, così parimente sappiamo
così ben maneggiare e trattare la detta lingua che, non ci riuscendo di potere o
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Antologia do Renascimento
con questa forma di dire o con quella esprimer a punto periodo per periodo e
la sententia e le parole che s’han da tradurre, andiamo or con gerundii or con
membri pendenti or con raccoglier meglio i periodi or con disciorgli et or in
un modo et or in un altro tante forme e modi di locution cangiando et
esperimentando che alcuna ne troviamo che possa commodamente quadrare a
far l’effetto che desideriamo; il che (com’ho detto) senz’una domestichissima
familiarità della lingua in cui si traduce non si può fare. A queste cause
s’aggiugne il pericolo di maggior riprensione ogni volta che dall’autor sia
diversa o punto differente la sententia nostra. Imperoché se, o commentando o
parafrizando o altro modo tenendo di scrivere che non sia traduttione, ci
accasca d’errare in non convenir con la mente dell’autore, perché in tai modi
seguiamo sempre di parlar in persona nostra, veniamo di porre noi soli in
pericolo di riprension di difetto che sia più tosto nostro che d’altri o
d’ignorantia o di poca fede ch’egli si sia, dove che, vestendoci noi nel tradurre
la persona dell’autore et in persona di lui e con le parole sue parlando,
veniamo per questo in ogni errore che facciamo in dir quello ch’egli non dice
a porre non tanto noi quanto l’autore stesso in pericolo d’esser ripreso e per
conseguente a noi stessi rechiamo addosso difetto di falsarii che più
vituperoso difetto non so che possa venir all’uomo. Oltra di questo, a
distogliermi dal tradurre si è aggiunto il vedere che, tra coloro che si son posti
a questa impresa di portar d’una lingua ad una altra materie scientifiche e
dottrinali, non solamente quegli che, o poco periti di tai materie o poco
padroni e possessori dell’una o dell’altra delle due lingue o veramente
d’ammendue, han più tosto in ciò perduto il tempo che gli abbian fatto opra
degna d’esser letta (il che110 di questi tali veramente non è maraviglia), ma di
quegli ancora li quali, e periti di quelle facultà e ben instrutti di quelle lingue
sono stati giudicati communemente, rarissimi nondimeno sono stati a i quali
sian111 riuscite così fatte imprese felicemente. Percioché fra più difficili leggi
alle quali è obligata la traduttione (come diremo poco di sotto) una molto
principale è quella che obliga non solo a conservar con gran fedeltà
sincerissima la sententia dell’autore, ma ancor a salvar quanto più si possa le
parole sue e la locutione e le ligature e’ modi di quella, dimanieraché, se
possibil fusse, non bisognerebbe altrimenti distendere, ordinare e chiudere li
periodi e le membra d’essi che dall’autore distesi, ordinati e chiusi sono, né
maggiore o minor numero di parole porvi di quelle che vi si truovano poste.
Ma perché la diversità delle lingue, fra le quali non men d’ordine, di struttura,
di figure e modi di dire che di suono di parole e d’abbondantia o di mancanza
d’esse nei lor significati grandissima diversità si truova, non comporta in assai
spessi luoghi l’osservantia detta, di qui è che così fatti luoghi grandissimo
110
Ilche, com univerbação, no original está em contradição com os critérios seguidos em outros pontos e
com a forma da edição de 1572.
111
Siam no texto é provável erro de impressão; em 1572 aparece sian.
330
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331
Antologia do Renascimento
Queste, adunque, et altre ancora ch’io taccio son le cagioni dalle quali mi
son lasciato facilmente dissuadere dal por mane voluntieri alle traduttioni. Ma
per qual cagione io abbia a questa volta, contra la detta mia inclination
d’animo e risolutione antica, fatto questa traduttione della Poetica
d’Aristotele ch’io vi dono al presente, portata dalla lingua greca nella qual
nacque a questa nostra natia (benigni lettori), vi dirò brevemente. Io, già molti
anni sono, ho avuto desiderio di scrivere qualche cosa in lingua nostra sopra
questo libro che ci è restato della Poetica d’Aristotele, per essermi sempre
paruto tale che fusse stato bene speso ogni studio et ogni fatica che ci si fusse
fatta sopra. Ma, vedendo io discoprir tuttavia uomini dotti l’un doppo l’altro
che con lor giuditiosi commenti gran lume chi ad alcuni difficili passi di quel
libro e chi ad alcuni altri davano, e spezialmente il Maggio e il Vittorio, che
con la dottrina e con l’ingegno loro molti luoghi, e con giuditiosa corretion di
testi e con acute dilucidationi di sensi, hanno (per dir il vero) recato quasi da
morte a vita, stava io differendo e prolungando la disegnata impresa con la
credentia ch’io aveva che, seguendo come cominciato aveano di discoprirsi
altri uomini dotti in aiuto della chiarezza di questo libro, avesse egli
finalmente tosto, senza mia fatica alcuna, da ricever quella perfettione per
tutti i passi e luoghi suoi ch’in buona parte d’essi (com’ho detto) ricevuto
aveva. Ma, vedendo essersi per alquanti anni già ferma quella aparita e
scoperta ch’ogni dì faceva di nuovi spositori, o sentendomi in tanto assalir
ormai assai gagliardamente dagli anni della vecchiezza, mi risolvei di dar
effetto al già conceputo mio disegno, per quelle parti almeno di questo libro
alle quali non mi pareva che dagli altri fusse stata fin ora data quella chiarezza
e quella fedel intelligentia che si converrebbe. Onde in questa cosa sola ho io
alterato il disegno di prima, che dove ch’io aveva da principio fatto pensiero
di far commento in questa poetica per via di spositione, senza lasciar luogo
ch’io non toccassi, mi son poi risoluto di farlo per via d’annotationi.
Percioché, avendo li detti spositori chi in un luogo e chi in un altro e
spetialmente in molti luoghi il Vittorio e ‘l Maggio detto quasi quello stesso
ch’io mi stimo che si dovesse dire, ho giudicato che soverchia e forse
arrogante sarebbe paruta la fatica ch’io avessi presa in di quelle cose nelle
quali io poco più o manco convenissi con essi loro, potendole ciascuno
appresso di lor vedere. Son io dunque andato in trascorrer con annotationi
tutto ‘l detto libro, quei passi e luoghi più succintamente trapassando e alcuni
totalmente non toccando nei quali ho stimato che gli altri abbian
commodamente detto e per il contrario più lungamente mi son distesso in
quelli dove, o cosa non tocca dagli altri ho detto (e questo è avvenuto in molti
luoghi), o dall’altrui opinioni con oppormi loro mi son partito, e questo
parimente è avvenuto spesso, et in far ciò ho seguito la divisione c’ha fatto del
testo in particelle il Maggio, parendomi che, se ben alcune poche volte tal
divisione non quadri bene alla continuatione delle materie, nondimeno per il
332
Antologia do Renascimento
più sia stato questo partimento il più comportabile ch’alcun degli altri
c’abbian fatto i commentatori. Or, perché molto frequentemente m’occorriva,
annotando, servirmi delle parole del testo e d’usarle in varii propositi, e
parendomi che annotando io in lingua nostra molto più commodo mi venisse
il servirmi parimente di quelle nella nostra lingua che nella greca, e
medesimamente maggior chiarezza dovesse venirne a voi lettori, stimai non
solo esser ben fatto ma essermi anche quasi necessario d’aver quel libro in
questa lingua, e per questo, traducendolo, le lo portai con la medesima
division del testo in particelle, et a persuadermi a questo qualche momento
aggiunse ancor il vedere che fin oggi non fusse ancora stato dato così nobil
libro alla lingua latina o alla nostra volgare in maniera che, secondo le leggi
del tradurre, alla greca totalmente rispondesse, posciaché, di coloro che l’han
tradotto, alcuni, o allargando o sponendo o del proprio loro aggiugnendo,
fedelissimi non son stati, et altri per il contrario, mentre che le stesse parole
ad una ad una e lo stesso ordine e lo stesso connettimento hanno
puntualmente mantener voluto, han fabricato finalmente una locution confusa,
scabrosa et in moltissimi luoghi lasciata, al mio giuditio, inintelligibile. In
che, se meglio o peggio abbia in questa mia traduttione fatto io, lascio al
vostro giuditio l’arbitrio di determinarlo. Questo112 so io bene, ch’io non ho
risparmiato fatica alcuna in cercar d’osservar quelle leggi ch’io abbia pensato
che sian necessarie ad osservarsi da coloro che traducono. Delle quali, poi
ch’io sono in questo proposito, non voglio mancar di manifestar brevemente
in qualche parte quello ch’io n’abbia raccolto da diversi buoni autori. Pare
adunque che convenghino in questo, che non consentendosi altro negli altrui
scritti, se non la sententia, o vogliam dire sentimento, et la locutione, fa di
mestieri ch’alla salvezza di queste due cose tenghino l’occhio coloro che da
una lingua all’altra gli portano et gli traducono. Et quanto a i sentimenti et
concetti, perché in tutte le lingue i medesimi intieramente trovare et salvar si
possono et in essi consiste la sostantia degli scritti, essendo trovate le parole
per li sentimenti et non questi per quelle, fa di bisogno che la salvezza loro si
conservi sempre schietta, incorrotta, inviolata et non punto alterata mai,
conciosiaché, se punto s’alterasse, si verrebbe a scriver cose proprie et non
d’altri, e quel ch’è peggio si verrebbe a incorrer nel vitio di falsario,
com’accennai di sopra facendo dir agli altri quel che non dicono. Quanto alla
locution poi, la qual consiste et nelle parole et nella struttura et legatura
d’esse, perché le diverse lingue portan seco in molte parti loro diverse
proprietà, così nelle strutture, altrimenti legando i periodi et le parole l’una
che non fa l’altra, com’ancora nei significati delle parole, non avendo tutte le
lingue per le medesime significationi parole appropriate, ne segue che, per
112
questo com inicial minúscula; isso deveria permitir de considerá-lo como continuação do período
anterior. Mas o sentido e a lição da edição de 1572 me induzem a considerar o ponto como final de período.
333
Antologia do Renascimento
335
Antologia do Renascimento
113
Critérios de transcrição interpretativa: 1. as intervenções diferentes daquelas indicadas aqui são
sinalizadas nas notas; 2. a divisão e a numeração dos parágrafos progride de acordo com os períodos
terminantes em ponto e seguidos por maiúscula no original; 3. a pontuação, as maiúsculas, os acentos e os
apostrofes são adequadas ao uso moderno; 4. mantém-se a divisão das palavras do original; 5. são
eliminadas as h etimológicas e paretimológicas não conservadas no uso moderno; 6. o titulus é indicado com
et antes de vogal e com e antes de consoante; 6. transcreve-se com ss o signo β; 7. transcreve-se com v o u
com valor de consoante, e com u o v com valor de vogal; 8. transcreve-se o j com i; 8. são explicitadas todas
as abreviaturas, exceto m por messere; 9. mantém-se a grafia ti antes de vogal.
A transcrição crítica foi feita por Tommaso Raso.
336
Antologia do Renascimento
George Chapman
(ca.1559-1634)
338
Antologia do Renascimento
[...]
É fácil cumular de louvamentos
Homens de outrora, em saber superiores,
Mas se Virtude dispensa ornamentos,
Omitirei adicionais louvores;
Que Homero seja amado é o que desejo,
E motivos não faltam para amá-lo,
O que ao traduzi-lo tive ensejo
De provar. Mas não busco demonstrá-lo
Recorrendo ao juízo dos leitores,
Pois costume muitas vezes levou
Os mais doutos a cometer errores
Em versões; muita tinta se gastou
Vertendo verbo por verbo, um ofício
Inútil, como semear na areia,
Cruzar camelo com peixe, difícil
Como impor nossa fala a boca alheia.
Grego e inglês têm tanta discrepância
Na fala qual na escrita; igualmente
Em cada língua sentido e elegância
Provêm de sua natura diferente;
Assim, discernimento é mister
Para fazer das duas, cousa igual
Em sentido e elocução, e entender
O espírito que há no original,
Sua gramática e etimologia.
Porém há muito sábio que confesse:
Versejar em inglês não saberia
Porque o inglês (sua língua) carece
Do nobre e alto, é uma fala rude;
Mas em latim ou grego, os mananciais
Da Poesia, é rara sua virtude,
Embora delas saiba pouco mais
Que nada, enquanto a sua é que domina;
Tais tradutores não logram captar
Da outra língua a alma cristalina,
E assim tudo o que fazem é arrancar
339
Antologia do Renascimento
partir do nada. [...] E a quem me criticar por ter abusado das perífrases e
circunlóquios em alguns lugares, que leia Laurêncio Valla, e Oebanus Hessus,
os quais ora abreviam o texto de tal modo a reduzi-lo a um mero resumo de
Homero, ora incidem no erro oposto, parafraseando dez vezes mais do que eu.
[...] E um único exemplo julgo necessário citar aqui, a fim de mostrar a meus
detratores que não têm eles razão de vilipendiar meus circunlóquios
ocasionais, quando os intérpretes de Homero cuja sapiência é por eles mais
louvada de modo geral o consideram passível de conversão. Porém até que
ponto dele me afasto, e com que autoridade, que julgue meu leitor imparcial e
judicioso. Sempre tendo em mente o quanto é pedante e absurda a pretensão
de traduzir qualquer autor (e, com mor razão ainda, Homero) palavra por
palavra, quando (segundo Horácio e os outros maiores legisladores do ofício
de tradutor) todo intérprete conhecedor e judicioso sabe mui bem que não
cabe seguir o número e a ordem das palavras, e sim as cousas materiais em si,
e pesar com cuidado as sentenças, e vesti-las e adorná-las com palavras, e
com o estilo e a forma de oratória os mais adequados para a língua para a qual
se faz a conversão. Se não o falseei em nenhum lugar (como todos seus outros
intérpretes fizeram em muitos, e na maioria dos mais importantes), se não
deixei para trás nada de seu julgamento, elegância, sublimidade, intenção e
engenho, se em alguns lugares (em particular na minha primeira edição, feita
já há tanto tempo, e seguindo o uso comum) parafraseio em demasia ou
mesmo erro, será justo afogar neste mísero defeito (se assim o quiserem) todo
o restante de meus trabalhos?
Tradução:
341
Antologia do Renascimento
[…]
Volumes of like praise I could heap on this,
Of men more ancient and more learn’d than these,
But since true vertue enough lovely is
With her own beauties, all the suffrages
Of others I omit, and would more fain
That Homer for himself should be belov’d,
Who every sort of love-worth did contain.
Which how I have in my conversion prov’d
I must confess I hardly dare refer
To reading judgements, since, so generally,
Custom hath made even th’ablest agents err
In these translations; all so much apply
Their pains and cunnings word for word to render
Their patient authors, when they may as well
Make fish with fowl, camels with whales, engender,
Or their tongues’ speech in other mouths compell.
For, even as different a production
Ask Greek and English, since as they in sounds
And letters shun one form and unison;
So have their sense and elegancy bounds
In their distinguisht natures, and require
Only a judgement to make both consent
In sense and elocution; and aspire,
As well to reach the spirit that was spent
In his example, as with art to pierce
His grammar, and etymology of words.
But as great clerks can write no English verse,
Because (alas, great clerks!) English affords,
Say they, no height nor copy; a rude tongue,
Since tis their native; but in Greek or Latin
Their writs are rare, for thence true Poesy sprong;
Though them (truth know) they have but skill to chat in,
Compar’d with that they might say in their own;
Since thither th’ other’s full soul cannot make
The ample transmigration to be shown
In nature-loving Poesy; so the brake
342
Antologia do Renascimento
[…] And much less I weigh the frontless detractions of some stupid
ignorants, that, no more knowing me than their own beastly ends, and I ever
(to my knowledge) blest from their sight, whisper behind me vilifyings of my
translation, out of the French affirming them, when both in French, and all
other languages but his own, our with-all-skill-enriched Poet is so poor and
unpleasing, that no man can discern from whence flowed his so generally
given eminence and admiration. And therefore (by any reasonable creature’s
conference on my slight comment and conversion) it will easily appear how I
shun them, and whether the original be my rule or not. In which he shall
easily see, I understand the understandings of all other interpreters and
commenters in places of his most depth, importance, and rapture. In whose
exposition and illustration, if I abhor from the sense that others wrest and
wrack out of him, let my best detractor examine how the Greek word warrants
me. For my other fresh fry let them fry in their foolish galls, nothing so much
weighed as the barkings of puppies, or foisting-hounds, too vile to think of
our sacred Homer, or set their profane feet within their lives’ length of his
thresholds. If I fail in something, let my full performance in other some
restore me; haste spurring me on with other necessities. For as at my
conclusion I protest, so here at my entrance, less than fifteen weeks was the
time in which all the last twelve books were entirely new translated. […] If
any tax me for too much periphrasis or circumlocution in some places, let
them read Laurentius Valla, and Eobanus Hessus, who either use such
343
Antologia do Renascimento
shortness as cometh nothing home to Homer, or, where they shun that fault,
are ten parts more paraphrastical than I. […] And this one example I thought
necessary to insert here, to show my detractors that they have no reason to
vilify my circumlocution sometimes, when their most appoved Grecians,
Homer’s interpreters, generally hold him fit to be converted. Yet how much I
differ, and with what authority, let my impartiall and judiciall reader judge.
Always conceiving how pedanticall and absurd an affectation it is in the
interpretation of any author (much more of Homer) to turn him word for
word, when (according to Horace and other best lawgivers to translators) it is
the part of every knowing and judiciall interpreter, not to follow the number
and order of words, but the materiall things themselves, and sentences to
weigh diligently, and to clothe and adorn them with words, and such a style
and form of oration, as are most apt for the language into which they are
converted. If I have not turned him in any place falsely (as all other his
interpreters have in many, and most of his chief places), if I have not left
behind me any of his sentence, elegancy, height, intention, and invention, if in
some few places (especially in my first edition, being done so long since, and
following the common tract) I be something paraphrasticall and faulty, is it
justice in that poor fault (if they will needs have it so) so drown all the rest of
my labour?
Fonte: Israel Gollanez (ed.), The Iliads of Homer according to the greek,
London, Ballantyne, Hanson and Co., 1901.
344
Antologia do Renascimento
I, 6
Abriu-se outro livro e viram que tinha por título El caballero de la cruz [O
cavaleiro da cruz].
- Por ter um nome tão santo, se poderia perdoar a ignorância deste livro; mas
também se costuma dizer “atrás da cruz está o diabo”. Ao fogo, pois.
Pegando outro livro, disse o barbeiro:
- Este é o Espejo de caballerías [Espelho de cavalarias].
- Conheço Vossa Mercê, disse o padre, nele está o Sr. Reinaldos de
Montalbán com seus amigos e companheiros, mais ladrões que Caco, e os
Doze Pares com o verdadeiro historiador Turpin; e, em verdade, estou para
condená-los apenas a desterro perpétuo, até porque participam da invenção do
famoso Matteo Boiardo, de onde também teceu seu pano o poeta cristão
Ludovico Ariosto, pelo qual, se o encontro aqui, falando em outra língua que
não a sua, não terei a mínima consideração; mas se falar em seu idioma, o
colocarei sobre minha cabeça.
- Pois tenho ele em italiano, disse o barbeiro, só que não entendo.
- Nem seria bom que entendesse, respondeu o padre; e aqui perdoaríamos o
senhor capitão, se não tivesse trazido o livro para a Espanha e não o tivesse
tornado castelhano, pois tirou muito de seu valor natural, e a mesma coisa
farão todos aqueles que os livros de versos quiserem verter em outra língua, já
que por mais cuidado que tenham e por mais habilidade que mostrem, jamais
chegarão ao ponto que eles têm em seu primeiro nascimento.
I, 9
II, 62
Sucedeu, pois, que indo por uma rua, Dom Quixote ergueu os olhos e viu
escrito sobre uma porta, em letras garrafais: “Imprimem-se livros”, com o que
ficou muito contente porque até aquele momento não vira nenhuma gráfica e
desejava conhecer como era. Entrou no local com todo o séquito, e viu que
em uma parte imprimiam, em outra corrigiam, nesta compunham, naquela
revisavam; viu, enfim, todo o aparato que se mostra nas grandes gráficas.
Aproximava-se Dom Quixote de uma caixa de tipos e perguntava o que se
fazia ali; os mestres de ofício explicavam; ele se admirava e prosseguia.
Assim, aproximou-se de um deles e lhe perguntou o que fazia. O mestre de
ofício disse:
347
Antologia do Renascimento
348
Antologia do Renascimento
seu Pastor Fido, e Don Juan de Jáuregui, com sua Aminta, onde, com
felicidade, nos faz duvidar sobre qual é a tradução e qual o original.
Tradução:
349
Antologia do Renascimento
I, 6
Abrióse otro libro, y vieron que tenía por título El caballero de la Cruz. Por
nombre tan santo como este libro tiene, se podía perdonar su ignorancia; mas
también se suele decir tras la cruz está el diablo: vaya al fuego. Tomando el
barbero otro libro, dijo: Este es Espejo de Caballerías. Ya conozco a su
merced, dijo el cura: ahí anda el señor Reinaldos del Montalban con sus
amigos y compañeros, más ladrones que Caco, y los doce Pares con el
verdadero historiador Turpin; y en verdad que estoy por condenarlos no más
que a destierro perpetuo, siquiera porque tienen parte de la invención del
famoso Mato Boyardo, de donde también tejió su tela el cristiano poeta
Ludovico Ariosto, al cual, si aquí le hallo, ya que habla en otra lengua que la
suya, no le guardaré respeto alguno; pero si habla en su idioma, le pondré
sobre mi cabeza. Pues yo le tengo en italiano, dijo el barbero, mas no le
entiendo. Ni aun fuera bien que vos le entendiérais, respondió el cura; y aquí
le perdonáramos al señor capitán, que no le hubiera traído a España, y hecho
castellano; que le quitó mucho de su natural valor, y lo mismo harán todos
aquellos que los libros de verso quisieren volver en otra lengua, que por
mucho cuidado que pongan y habilidad que muestren, jamás llegarán al punto
que ellos tienen en su primer nacimiento.
I, 9
en esta historia referida, dicen que tuvo la mejor mano para salar puercos que
otra mujer de toda la Mancha. Cuando yo oí decir Dulcinea del Toboso, quedé
atónito y suspenso, porque luego se me representó que aquellos cartapacios
conteían la historia de Don Quijote. con esta imaginación le di priesa que
leyese el principio; y haciéndolo así, volviendo de improviso el arábigo en
castellano, dijo que decía: Historia de Don Quijote de la Mancha, escrita por
Cide Hamete Benengeli, historiador arábigo.
Mucha discreción fue menester para disimular el contento que recibí cuando
llegó a mis oídos el título del libro; y salteándosele al sedero, compré al
muchacho todos los papeles y cartapacios por medio real, que si él tuviera
discreción, y supiera que yo los deseaba, bien se pudiera prometer y llevar
más de seis reales de la compra. Apartéme luego con el morisco por el
claustro de la iglesia mayor, y roguéle me volviese aquellos cartapacios, todos
los que trataban de Don Quijote, en lengua castellana, sin quitarles ni
añadirles nada, ofreciéndole la paga que él quisiese. Contentóse con dos
arrobas de pasas y dos fanegas de trigo, y prometió de traducirlos bien y
fielmente, y con mucha brevedad, pero yo, por facilitar más el negocio y por
no dejar de la mano tan buen hallazgo, le traje a mi casa, donde en poco más
de mes y medio la tradujo toda del mismo modo que aquí se refiere.
II,62
Sucedió, pues, que, yendo por una calle, alzó los ojos don Quijote, y vio
escrito sobre una puerta, con letras muy grandes: Aquí se imprimen libros; de
lo que se contentó mucho, porque hasta entonces no había visto emprenta
alguna, y deseaba saber cómo fuese. Entró dentro, con todo su
acompañamiento, y vio tirar en una parte, corregir en otra, componer en ésta,
enmendar en aquélla, y, finalmente, toda aquella máquina que en las
emprentas grandes se muestra. Llegábase don Quijote a un cajón y preguntaba
qué era aquéllo que allí se hacía; dábanle cuenta los oficiales, admirábase y
pasaba adelante. Llegó en otras a uno, y preguntóle qué era lo que hacía. El
oficial le respondió:
–Señor, este caballero que aquí está –y enseñóle a un hombre de muy buen
talle y parecer y de alguna gravedad– ha traducido un libro toscano en nuestra
lengua castellana, y estoyle yo componiendo, para darle a la estampa.
–¿Qué título tiene el libro? –preguntó don Quijote.
–A lo que el autor respondió:
–Señor, el libro, en toscano, se llama Le bagatele.
351
Antologia do Renascimento
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