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Clássicos da teoria da tradução - VI. Antologia do Renascimento (séc. XVI).


(bilíngue) (edição revista e reformatada)

Book · May 2019

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1 author:

Mauri Furlan
Federal University of Santa Catarina
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Antologia do Renascimento

O pensamento renascentista concernente à tradução compartia uma


concepção comum expressada de forma consideravelmente similar entre si
pelos que refletiram a respeito, e suas reflexões não representam fatos isolados,
mas revelam conhecimento e continuidade do pensamento de seus
contemporâneos e de seus antecessores. O fato de que puderam diferenciar-se
conceitualmente dos períodos anteriores é uma grande prova do conhecimento
que tinham do pensamento antigo: a ruptura só é possível se houver unidade. O
fato de que puderam assemelhar-se conceitualmente dentro de um período
histórico delimitado não é em nada casualidade, mas a confirmação de uma
fantástica comunhão de ideias e ideais, em um momento em que a divulgação
das ideias pela prensa ainda engatinhava. É indubitável que tais reflexões
instituem princípios formadores de uma teoria nova e própria que, embora
considerada lato sensu, preenche os requisitos mínimos das atuais teorizações
stricto sensu. A novidade daquela teoria está na conjunção dos fatores básicos
antigos requeridos ao tradutor com a necessidade de posse do ouvido, de
habilidade poética; sua propriedade, na alta valoração da conservação dos
valores estéticos do original com a preservação do pensamento presente na obra
do autor. A tradução é então concebida como a (re)produção da oratio do
modelo. Estes valores da teoria da tradução renascentista foram viabilizados
pela mudança na concepção da linguagem, quando a linguagem se tornou
elocutio e interpretatio.

2
Antologia do Renascimento

Clássicos da Teoria da Tradução - VI

Antologia do Renascimento
(séc. XVI)

(bilíngue)
2ª ed. revista e modificada

Mauri Furlan (org.)


2016

3
Antologia do Renascimento

Ficha catalográfica

Clássicos da teoria da tradução - VI. Antologia do Renascimento


(séc. XVI). (bilíngue) / Mauri Furlan (org.). – Florianópolis :
UFSC, 2016. 2ª ed. revista e modificada
Inclui bibliografia

1. História da tradução. 2. Traduções. 3. Renascimento.


I. Furlan, Mauri.

ISBN 8588464098

Capa: Pieter Brueghel o Jovem (1564-1636), Paisagem de inverno,


1601 (detalhe)

4
Antologia do Renascimento

Expediente

Revisão final:
Mauri Furlan
Philippe Humblé

Tradutores:
Alemão: Mauri Furlan, Raquel Abi-Sâmara
Espanhol: Fábio Renato Corrêa, Mauri Furlan,
Pablo Cardellino Soto, Valeria Herzberg, Walter Carlos Costa
Francês: Cláudia Borges de Faveri, Dorothée de Bruchard,
Marc Goldstein, Marie-Hélène Catherine Torres,
Nícia Adan Bonatti, Philippe Humblé
Inglês: Paulo Henriques Britto
Italiano: Andréia Guerini, Anna Palma,
Mauri Furlan, Tommaso Raso
Latim: Mauri Furlan
Português: Mauri Furlan

Revisores:
Alemão: Werner Heidermann
Espanhol: Philippe Humblé
Francês: Marie-Hélène Catherine Torres
Grego: Fernando Coelho
Inglês: Mauri Furlan
Italiano: Tommaso Raso
Latim: Mauri Furlan
Português: Fernando Coelho, Luiz Henrique Queriquelli,
Mauri Furlan, Norma Andrade da Silva, Zilma Gesser Nunes

Apresentação dos autores:


Mauri Furlan
Tommaso Raso apresenta Alessandro Piccolomini

Projeto gráfico e editoração da 2ª edição:


Mauri Furlan

2006, 2016
5
Antologia do Renascimento

Índice

Prefácio 10

A Tradução Retórica do Renascimento, por Mauri Furlan 13

Leonardo Bruni 43
Sobre a tradução correta 45
De interpretatione recta (1420) 63
Tradução de Mauri Furlan

Alonso de Cartagena 78
Introdução in A retórica de Cícero 79
Introducción en La retórica de Cicerón (1427-31) 81
Tradução de Valéria Herzberg

Martin Luther 83
Carta aberta sobre a tradução 84
Sendbrief vom Dolmetschen (1530) 94
Tradução de Mauri Furlan

Juan Luis Vives 103


Versões ou traduções 104
Versiones seu interpretationes (1532) 109
Tradução de Mauri Furlan

Martin Luther 113


Comentários sobre os salmos e os motivos da tradução 114
Summarien über die Psalmen und Ursachen des Dolmetschens (1533) 126
Tradução de Raquel Abi-Sâmara

Juan Boscán 135


Dedicatória de sua tradução de O cortesão 136
Dedicatoria de su traducción de El cortesano (1534) 139
Tradução de Pablo Cardellino Soto

6
Antologia do Renascimento

Garcilaso de la Vega 142


Dedicatória da tradução de O cortesão 143
Dedicatoria de la traducción de El cortesano (1534) 146
Tradução de Pablo Cardellino Soto

Juan de Valdés 149


Diálogo da língua 150
Diálogo de la lengua (1535) 154
Tradução de Mauri Furlan

Étienne Dolet 158


Como traduzir bem de uma língua a outra 160
La manière de bien traduire d’une langue en autre (1540) 163
Tradução de Nícia Adan Bonatti & Marc Goldstein

João de Barros 166


Diálogo em louvor da nossa linguagem 167
Diálogo em lovvor da nóssa lingvágem (1540) 169
Atualização de Mauri Furlan

Sperone Speroni 171


Diálogo das línguas 174
Dialogo delle lingue (1542) 188
Tradução de Andréia Guerini & Anna Palma & Mauri Furlan

Lodovico Castelvetro 202


Carta sobre o traduzir 203
Lettera del traslatare (1543) 213
Tradução de Mauri Furlan & Tommaso Raso

Thomas Sebillet 221


Da tradução 223
De la version (1548) 225
Tradução de Philippe Humblé & Marie-Hélène Catherine Torres

Joachim Du Bellay 227


Defesa e ilustração da língua francesa 228
Déffense et illustration de la langue française (1549) 232
Tradução de Dorothée de Bruchard

7
Antologia do Renascimento

Jacques Peletier Du Mans 236


Das traduções 238
Des traductions (1555) 241
Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres & Philippe Humblé

Sebastiano Fausto da Longiano 244


Diálogo sobre o modo de traduzir de uma língua a outra 245
Dialogo del modo de lo tradurre d’una in altra lingua (1556) 266
Tradução de Mauri Furlan

Jacques Amyot 286


Aos leitores 287
Aux leucteurs (1559) 298
Tradução de Cláudia Borges de Faveri

Fray Luis de León 308


Prólogo ao Cântico dos cânticos 309
Prólogo a Cantar de los cantares (1561) 313
Tradução de Fábio Renato Corrêa

Alessandro Piccolomini 317


Aos leitores 319
A i lettori (1571) 328
Tradução de Tommaso Raso

George Chapman 337


Poema ao leitor & Prefácio ao leitor in A Ilíada de Homero 339
Poem to the reader & Preface to the reader in The Iliads of Homer
(1598) 342
Tradução de Paulo Henriques Britto

Miguel de Cervantes 345


O engenhoso fidalgo Don Quixote de la Mancha 346
El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha (1605; 1615) 350
Tradução de Walter Carlos Costa

8
Antologia do Renascimento

Em preparação

Clássicos da Teoria da Tradução - I


Antologia da Antiguidade (bilíngue)

Clássicos da Teoria da Tradução - II


Antologia da Primeira Idade Média (bilíngue)

Clássicos da Teoria da Tradução - III


Antologia da Alta Idade Média (bilíngue)

Clássicos da Teoria da Tradução - IV


Antologia da Idade Média Central (bilíngue)

Clássicos da Teoria da Tradução - V


Antologia da Baixa Idade Média (bilíngue)

9
Antologia do Renascimento

Prefácio à 1ª edição

Clássicos da Teoria da Tradução – Renascimento. Antologia bilingüe é


parte da série de antologias de textos teóricos sobre tradução, publicadas pelo
Núcleo de Pesquisas em Literatura e Tradução – NUPLITT, da Universidade
Federal de Santa Catarina. À diferença dos volumes anteriores, que
apresentam textos de uma mesma língua, este centra-se numa ótica temático-
temporal, a época do movimento renascentista europeu, com ênfase no século
XVI.
Há uma linha de pensamento contemporâneo, à qual pertencem
historiadores como E. H. Gombrich (1974) e Peter Burke (1998), que concebe
o Renascimento não como um “período” da história, mas como um
“movimento” que, tratando de reviver a Antiguidade, produziu uma série de
importantes mudanças no conjunto da cultura ocidental, num espaço temporal
que, grosso modo, se inicia com Petrarca e conclui com Descartes. Dentre as
prenunciadas mudanças, conta-se a revolução intelectual que assentou as
bases da ciência moderna como a conhecemos hoje (Rossi 1997). E neste
ponto encontramos os fundamentos da atual Ciência da Tradução. O
Renascimento é o berço esplêndido da tradutologia.
O relevo dado ao século XVI deve-se ao entendimento de que o
Renascimento naquele século já tinha podido difundir-se, semear-se e
florescer em várias outras regiões além da Itália, e também a que, no mesmo
século, enquanto fruto do Humanismo, a profusão de textos que refletem
sobre a atividade tradutória é muito mais ampla, sendo espacialmente mais
representativos. Os países em que surgem as reflexões mais significativas são
também os que mais traduzem. Segundo Gilbert Highet (1949), pode-se
ordená-los em grandes traços como segue: primeiro França; logo Espanha,
Inglaterra e Alemanha; em seguida Itália, e por último, o resto da Europa.
A presença do texto de Leonardo Bruni entre aqueles do século XVI se
justifica por sua grande importância: é seguramente um texto-marco entre a
Idade Média e o Renascimento, e é o texto fundador da reflexão tradutológica
moderna. Sua importância no pensamento tradutório renascentista se deixa
ver desde pouco depois de seu surgimento, como em Giannozzo Manetti, que
em seu Apologeticus (1456/59) transcreve-o em parte quase literalmente,
embora sem mencionar o autor. Um segundo texto do século XV, de Alonso
de Cartagena, aparece aqui para dialogar com o de Bruni. É famosa a querela
que houve entre os dois humanistas (Morrás 2002). E a presente antologia
termina com um texto que se encontra nos umbrais do século XVII, excertos
do clássico Dom Quixote, de Cervantes.

10
Antologia do Renascimento

A Europa, em especial países como Alemanha, Inglaterra, Espanha,


França e Itália, produziu já uma considerável quantidade de antologias de
textos sobre a tradução através da história, contudo, acredito que esta seja a
primeira antologia exclusivamente de textos renascentistas sobre tradução a
ser publicada no Ocidente. Apesar da sempre questionável presença ou
ausência de autores e textos em antologias, creio ainda que, ao referir-me ao
corpus escolhido e obtido, posso repetir as palavras de Lindeman: “All the
texts are by prominent authors whose words are representative of the best
thinking that the period was capable of producing” (1981: 207).
A ordenação dos textos poderia ter sido feita por agrupamentos relativos
aos países de origem (Espanha, Alemanha, França, Portugal, Itália, Inglaterra)
ou por línguas (espanhol, latim, alemão, francês, português, italiano, inglês),
mas considerando o caráter temático deste volume, pareceu-me mais
adequada sua disposição por ordem cronológica (de 1420 a 1615).
Sem elencar nomes, porque seriam muitos, expresso aqui profunda
gratidão a todos que colaboraram para a realização desta obra. Nosso longo
trabalho não almejou senão possibilitar ao leitor interessado e ao estudioso
acesso ao pensamento de alguns autores renascentistas de insigne grandeza.
E é no leitor e estudioso destes textos renascentistas que recai o
privilégio de sentir o prazer de beber na fonte, de visualizar o frescor de
muitas ideias e vaticinar o rumo e a repercussão futura de outras tantas. O
resgate destes pensamentos renascentistas e sua conseguinte revalidação
contribuem, ao fim e ao cabo, para um reconhecimento de nossa própria
modernidade e de nossas concepções da tradução.

Mauri Furlan
Florianópolis, 2006

11
Antologia do Renascimento

Burke, Peter. 1998. The European Renaissance. Centres and peripheries.


Trad. espanhol El Renacimiento europeo, por Magdalena Chocano
Mena. Barcelona: Editorial Crítica, 2000.
Gombrich, E. H. 1974. “The Renaissance – period or movement?” in
Background to English Renaissance. J. B. Trapp.
Highet, Gilbert. 1949. The classical tradition. Greek and Roman influences on
Western literature. Trad. espanhol La tradición clásica. Influencias
griegas y romanas en la literatura occidental, por A. Alatorre.
México: Fondo de Cultura Económica, 1996, 3ª reimpressão.
Lindeman, Yehudi. 1981. “Translation in the Renaissance: a context and a
map”, in Canadian review of comparative literature – special issue:
Translation in the Renaissance, VIII, 2, pp. 204-216.
Morrás, María. 2002. “El debate entre Leonardo Bruni y Alonso de
Cartagena: las razones de una polémica”, in Quaderns, Revista de
traducció, 7, pp. 33-57.
Rossi, Paolo. 1997. La nascita della scienza moderna in Europa. Trad.
espanhol El nacimiento de la ciencia moderna en Europa, por Maria
Pons. Barcelona: Editorial Crítica, 1998.

12
Antologia do Renascimento

A tradução retórica do Renascimento

A concepção hodierna de tradução literária como (re)produtora de


literatura na língua de chegada é tão antiga quanto história da formação da
literatura ocidental a partir dos Romanos. E nada mais simbólico para a
história de nossa literatura ocidental que o fato de a primeira obra literária
escrita em latim, por volta do ano 248 a.C., ter sido uma tradução do grego:
Odisséia de Homero por Lívio Andrônico. Mas se, por um lado, podemos
generalizar superficialmente uma concepção tradutológica e atribuí-la a mais
de 20 séculos de história, por outro, é bem sabido que uma tal continuidade só
se sustenta se fundamentada nas rupturas, divergências e diferenças acaecidas
no Ocidente em tão largo período de tempo. Aquela asserção necessita de um
elemento unificador que conserve determinados traços através do tempo, mas
que revele especificidades de cada época: uma teoria geral da linguagem.
Desde Antiguidade clássica romana até o Renascimento – espaço de
tempo que nos interessa aqui –, todo aquele que aspirava adquirir
competência profissional no uso da língua devia dedicar-se muito tempo ao
estudo e exercício sistematizado nas duas artes da língua, a gramática e a
retórica. – Artes eram atividades ou disciplinas ou ocupações em que o
conhecimento teórico estava acoplado às habilidades práticas, algo distinto
das scientiae que tratavam exclusivamente do conhecimento especulativo – .
Na gramática se estudavam os aspectos básicos que possibilitam a
comunicação. Em seguida, na retórica, se instruía para tornar a comunicação
efetiva.
O material de trabalho destas duas artes era a palavra, tratada,
geralmente, em duas fases separadas: na primeira as palavras eram
trabalhadas individualmente como unidades independentes, uerba singula, na
segunda, apareciam como grupos, uerba coniuncta. A palavra, considerada a
menor unidade da fala, era o ponto de partida para qualquer operação
lingüística. Assim, ao iniciar um trabalho, o ‘artesão’ deveria concentrar-se
nas palavras simples, uma operação conhecida como electio uerborum,
seleção das palavras, para posteriormente uni-las em um enunciado. Os
enunciados eram, pois, considerados uniões dos elementos básicos em
unidades maiores. A linguagem trabalhada desta forma se tornava o resultado
de uma operação mecânica, aditiva, que avançava do simples para o
composto, e o produto final era o enunciado significativo ou sentença, um
conjunto estritamente controlado de unidades, que possibilitava a transferência
de ideias de uma mente a outra. Acreditava-se que, na relação entre a ideia,
res, e seu signo exterior, uerbum, as palavras e as coisas eram dependentes
umas das outras se quisessem existir. As coisas teriam prioridade sobre as
13
Antologia do Renascimento

palavras, não apenas em dignidade mas principalmente em existência. Embora


as coisas fossem superiores às palavras em muitos aspectos, dependiam delas
para existirem fora da mente. Coisas e palavras são duas entidades separadas
que não coexistem necessariamente. Acreditava-se que havia mais coisas que
palavras, e por isso haveria um grande número de coisas ainda sem signo. A
dependência das coisas com relação às palavras não prejudicaria a existência
das coisas, mas as palavras não poderiam existir sem as coisas.
Para que a comunicação se efetivasse através do discurso, as palavras
isoladas deviam ser combinadas com habilidade por meio da gramática e da
retórica. Para Juan Luis Vives, humanista espanhol do século XVI, a
combinação das palavras é o resultado não de uma fusão mas de uma
justaposição, onde cada componente da estrutura conserva sua identidade; por
isso a estrutura pode ser desfeita, reagrupada e inclusive modificada, sem
prejudicar a ideia expressada na sentença. A con-structio da sentença é
também suscetível de de-con-structio. Vista a obra original como uma
structura, a tradução começa por um desmontar parte por parte para em
seguida reuni-las em um grupo estrangeiro. O tradutor é um artesão que
profissionalmente desmonta a estrutura original e a remonta em um terreno
distinto (Rener 1989).

O tradutor como gramático

Faziam parte do currículo da ars grammatica no sistema escolar as


habilidades de ‘construir’ e ‘desconstruir’. O ensino da gramática
compreendia duas partes. A primeira, a exegética ou interpretatio, objetivava
a compreensão do conteúdo da passagem ou frase de um texto determinado e
a demonstração do significado da declaração. O aluno, depois de reconhecer o
significado de cada palavra, devia captar como um todo o pensamento do
autor, expressado na frase, e interpretar ou expor seu conteúdo através de
paráfrases e circunlocuções. A segunda parte, a ‘horística’ – a gramática
propriamente dita, que define os tipos de palavras e os submete às regras que
cria – tentava demonstrar o sistema de regras que governavam os mecanismos
do discurso então analisado.
Da mesma forma que o aluno, assim atuava o tradutor. Começava por ler
o texto do original frase por frase, e submetia cada frase a uma análise
‘exegética’ e ‘horística’. Pelo primeiro, chegava ao significado correto e
pleno da declaração, enquanto que pelo segundo desvelava os mecanismos
pelos quais o autor expressara o significado.

14
Antologia do Renascimento

Para ‘reconstruir’ o texto na língua de chegada, o tradutor, enquanto


gramático, partia da electio uerborum: uma palavra, para poder ser usada na
comunicação, deveria cumprir alguns requisitos básicos. O primeiro e
principal entre eles, concernente à questão do significado, é a proprietas
uerbi, propriedade da palavra. O segundo, chamado puritas, pureza, deve
definir o alcance do significado das palavras. Uma palavra pura é a que tem
significado na comunidade particular onde é falada. O terceiro requisito, a
perspicuitas, clareza, delimita o alcance de um vocábulo a um grupo
específico dentro da comunidade, é a palavra que o receptor final realmente
conhece e entende.
Depois de selecionar as palavras na electio uerborum, e classificá-las
pela etymologia, ou seja, segundo sua função na oração com relação às oito
classes de palavras então definidas, elas estavam prontas para a syntaxis, isto
é, para a ‘construção’. Aí obedeciam a regras que determinavam sua posição
exata na oração e o tipo de agrupamento, que podia ser naturalis ou
artificialis.

O tradutor como retórico

A comunicação concebida e praticada simplesmente como um processo


mecânico por meio da gramática pode não alcançar seu fim porque o receptor
da mensagem é um ser humano com uma constituição psicológica peculiar em
que as palavras têm uma influência decisiva. Segundo as palavras empregadas
na mensagem, a recepção pode ser influenciada de maneira positiva ou
negativa. Este fenômeno torna imperativo prover a mensagem com os
dispositivos apropriados para provocar o efeito desejado. Esta é a função real
da retórica e seus dispositivos ornamentais.
Assim, cada uma das três artes do triuium tratava de um aspecto
específico no discurso, contribuindo para sua perfeição. A gramática tratava
da correção, e era definida como ars recte dicendi, a retórica tratava da
eficácia, ars bene dicendi, e a dialética tratava da verdade, ars uere dicendi.
A retórica clássica se estrutura em cinco partes:

15
Antologia do Renascimento

1. Inuentio
1.1.Exordium
1.2.Narratio
1.3.Argumentatio
1.4.Peroratio
2. Dispositio
2.1. Ordo naturalis
2.2. Ordo artificialis
3. Elocutio
3.1.Latinitas
3.2.Perspicuitas
3.3.Ornatus
3.4.Aptum
3.5.Vitia
4. Memoria
5. Pronuntiatio

A primeira parte de um tratado retórico era dedicada à inuentio, cujo


objetivo era encontrar o quê dizer. É a fase da concepção, em que é necessário
encontrar o tema e os argumentos adequados. Tudo já existe, é preciso
somente reencontrar. A segunda parte corresponde à dispositio, mas não se
trata de uma separação temporal. A dispositio é a ordem ou disposição das
ideias e pensamentos encontrados mediante a inuentio. Estes podem estar
ordenados naturalmente (exordium, narratio, argumentatio, peroratio) ou
artificialmente, quando não seguem a ordo naturalis. A elocutio, terceira
parte, é a passagem à linguagem das ideias encontradas na inuentio e
ordenadas na dispositio, ao mesmo tempo em que é a estilização do discurso.
Os preceitos da elocutio são os cinco acima elencados (latinitas, perspicuitas,
ornatus, aptum, uitia). A quarta e a quinta partes referem-se mais ao orador
que ao discurso, e nunca foram objeto de maiores discussões: a memoria
refere-se à memorização do discurso, e a pronuntiatio à apresentação oral do
discurso.
Pode-se estabelecer a posição que a tradução ocupava entre as atividades
literárias observando a concepção do processo criador na Antiguidade. Toda
criação literária se originava de três operações distintas: inuentio, dispositio e
elocutio. As duas primeiras tratavam das res, a última das uerba; mas a
dispositio também trabalhava de alguma forma com as uerba. O processo
começava com a inuentio, que consistia da reunião do material, res. Depois de
reunido, devia ser organizado numa ordem lógica, a dispositio. Por fim, o
material ordenado era colocado nas palavras durante a elocutio. Havia dois
tipos de elocutio: a constructio era controlada pela gramática e objetivava a
correção da frase; a compositio era controlada pela retórica e objetivava a
correção do estilo.

16
Antologia do Renascimento

Uma vez que a tradução trabalha sobre um texto definido e não necessita
nem pode tratar dos aspectos retóricos próprios da inuentio e da dispositio, a
parte da retórica que lhe cabe cuidar é a elocutio. A elocutio se refere
essencialmente à materialização das ideias e ao estilo, à escolha dos termos e
sua compositio.
Os preceitos da elocutio dizem respeito a dois grupos: os relativos às
palavras isoladas, uerba singula, e os que afetam as palavras agrupadas em
função sintática, uerba coniuncta. Por isso, também na retórica, a electio
uerborum é a operação fundamental da seleção do material estrutural para a
construção futura. Contudo, aqui, a seleção se dá dentro dos limites impostos
pela gramática, ou seja, a retórica somente pode selecionar entre aquelas
palavras já aprovadas por sua propriedade, pureza e clareza. Ao trabalhar a
elocutio, o tradutor cuidava da latinitas, a forma de expressar-se com correção
idiomática; da perspicuitas, a clareza, a compreensibilidade intelectual; do
ornatus – a mais importante das partes da elocutio –, que atentava para a
uarietas, para as figurae uerborum e figurae elocutionis, enfim, para a
compositio com seus elementos ordo, iunctura, numerus, cujos preceitos e
características são muitos e detalhistas – atualmente podemos estudá-los nos
bons manuais de retórica clássica, como o de Heinrich Lausberg –. O tradutor
cuidava ainda das outras partes da elocutio conhecidas como aptum, que
buscava a harmonia de todas as partes, e dos uitia, aquilo que deveria ser
evitado.
Importa-nos aqui, não tanto entrar nas especificidades da elocutio, mas
reconhecê-la enquanto uma das partes estruturais da retórica clássica, pois que
vai atuar como sistema operador do código que definirá a teoria da linguagem
no Renascimento.
A tradução é uma prática da linguagem, e toda prática da linguagem
implica uma ideologia da linguagem (Meschonnic 1973:28), uma concepção
da linguagem. Toda concepção da linguagem, por sua vez, está vinculada
intimamente a uma cosmovisão, pelo que a transformação de uma implica a
transformação da outra. Na história do pensamento ocidental desde suas
origens até o Renascimento, contam-se tradicionalmente – embora não sem
problemas – três grandes mudanças na forma de ver e entender o mundo,
conhecidas como períodos Clássico, Medievo e Renascentista. A concepção da
linguagem própria de cada período se expressa mediante códigos, e o
conhecimento destes códigos permite tratá-la enquanto teoria, e como tal
analisar a construção das práticas lingüísticas. Para esses três períodos, dá-se
por assentado que o código da teoria da linguagem é o gramático-retórico;
porém, o sistema que operou como cânone em cada momento determinado foi

17
Antologia do Renascimento

distinto e condicionou a forma de conceber a linguagem e, conseqüentemente,


de praticar a tradução.
Desde a época clássica, a tradução se desenvolveu em dois territórios:
como atividade literária, sujeita às regras da linguagem, e como uma operação
interpretativa. A palavra latina interpretatio, equivalente da grega hermeneia,
foi um termo técnico para tradução. É interessante observar que o termo
hermeneia, que significava inicialmente expressão, linguagem, produção de
um discurso, relação entre linguagem e pensamento, significação, elocutio,
muda paulatinamente de sentido ao misturar-se com outras acepções do termo
latino interpretatio: da relação entre um texto dado e seus leitores, estendeu-
se às funções intermediárias de explicação e tradução, um ir entre, mediar
entre duas línguas (Copeland 1991).

O sistema operador na Antiguidade clássica romana: inuentio-elocutio

Horácio, em sua Ars poetica, manifesta o pensamento de seu tempo,


afirmando que é mais fácil e mais aconselhável recriar do que criar: a
originalidade não tem valor em si; o que foi publicado pertence ao domínio
público; importa mais a perfeição, a habilidade, a técnica com que um tema é
tratado do que ser o primeiro a apresentá-lo; a marca pessoal do autor se
revela em seu estilo. Dentro da cosmovisão da Antiguidade clássica, com
valores distintos dos nossos de autoria e originalidade, num universo com
outros parâmetros de reflexão, criação e escritura, deparamo-nos com um
sistema operador do código que caracteriza sua teoria da linguagem do tipo
inuentio- elocutio.
A tradução entre os romanos estava vinculada à teoria e prática da
imitação de modelos literários, mas, diferentemente de outras formas de
imitação retórico-literária, a teoria da tradução se apresentava como um
padrão de transferência, de substituição e deslocamento da fonte. O objetivo
da tradução é reinventar a fonte: a tradução surge de um reconhecimento da
diferença; a reverência romana pela cultura grega era apenas um corolário do
desejo de deslocar aquela cultura e eliminar seu domínio hegemônico através
da contestação (Copeland 1991: 30). A tarefa da tradução é concebida como a
produção de uma réplica através da diferença, do deslocamento, da
substituição e da apropriação cultural ou canônica.
Cícero, ao refletir sucintamente sobre a tradução, em seu famosíssimo
opúsculo De optimo genere oratorum (Sobre o melhor gênero de oradores),
leva-nos a inferir que traduzir é suplantar o original, é reinventar a fonte
grega, apropriar-se dela e latinizá-la. Para este orador romano, reconstituir o
texto verbal e estilisticamente representa um ato de resignificação: todos os
18
Antologia do Renascimento

elementos do texto, forma e estilo, dependem da interpretação, são adaptados


ad nostram consuetudinem, ao nosso costume, transplantados, naturalizados,
transferidos ao sistema do latim corrente.

O sistema operador na Idade Média: inuentio

Entre os fatores presentes na mudança de cosmovisão e de concepção da


linguagem e tradução característicos do Medievo, contam-se a progressiva
perda da língua grega, o fim do Império Romano e o avanço do cristianismo,
o que impulsiona a necessidade real de traduções. A tradução se torna cada
vez mais utilitária, e os escritos sagrados requerem sempre maior literalidade.
Por outro lado, desenvolve-se uma concepção de tradução como enarratio,
onde o comentário praticamente substitui o texto original, como um recurso
na tarefa de assimilar e explicar a Antiguidade. E porque o texto não era
considerado como algo imutável e definitivo, mas como objeto de
interpretação contínua e mutável segundo o julgamento e as condições de
compreensão de cada geração de expositores, valorizava-se a possibilidade de
enriquecê-lo, corrigi-lo e variá-lo.
A enarratio era em sua origem uma das partes da gramática, responsável
pela seleção dos autores a serem lidos e o posterior exercício de interpretação,
glosa e imitação. Esta forma de tradução produtora de comentários, glosas e
paráfrases, fundamenta-se na sobrevaloração da inuentio sobre as outras
partes da retórica, com menosprezo da elocutio.
O fenômeno da inuentio começa a manifestar-se a partir do século III,
com a revalorização dos tratados retóricos latinos e a produção de
compêndios, em que a teoria inventiva tinha primazia. Nesses manuais, a
tradução é abordada junto com a elocutio, que é equiparada a copia uerborum,
riqueza do vocabulário, e a ornatus, ornamentação. Logo, a tradução perde
sua capacidade inventiva e se torna um meio quantitativo de enriquecer o
vocabulário e um mecanismo de estilo, que, por sua vez, perde a aplicação
produtiva de significação. De forma que, separada a elocutio da questão do
significado, a aplicação produtiva, hermenêutica, é reservada à inuentio. A
dissociação entre a inuentio e as outras partes da retórica produz uma
gramaticalização destas, e a tradução assume uma função gramatical restrita
(Copeland 1991: 39-42): a da enarratio. A enarratio se caracteriza sobretudo
pelo uso da paráfrase, e é através da paráfrase que o texto se torna
comentário.
À necessidade de explicar a Antiguidade nas ‘traduções enarrativas’,
soma-se a noção de escravidão das palavras às coisas: uma vez que se
considerava que o objetivo principal da tarefa do tradutor era reproduzir o
19
Antologia do Renascimento

conteúdo do original, res, o tradutor não se sentia obrigado a dar atenção a


todas as palavras, a menos que contribuíssem para a transferência do
conteúdo. Como resultado deste compromisso básico do tradutor, cada
tradução era considerada como o repositório fiel do conteúdo do original. Isso
justificava o costume generalizado de traduzir não do texto original mas de
outra tradução. As palavras existem para servir às coisas, e existem algumas
coisas que necessitam de mais palavras para serem expressadas com
propriedade. Consideravam-nas então necessárias para uma exata reprodução
do pensamento do original, e a verbosidade era um sinal positivo de que as
ideias do autor tinham sido transpostas com fidelidade (Rener 1989: 21-22).

O sistema operador no Renascimento: elocutio

Com o surgimento das universidades, nos séculos XII e XIII, reconhece-


se que as sete artes liberais (gramática, retórica e dialética compunham o
triuium; aritmética, música, geometria e astronomia, o quadriuium) já não
representam todo o saber existente e buscam-se novos esquemas de
classificações. Afastadas da lógica ou dialética, a gramática e a retórica
passam a participar, a partir do século XIV, do esquema humanista dos studia
humanitatis (gramática, retórica, poesia, história e filosofia moral). Fatores
sócio-políticos e culturais fomentam, no Renascimento, a retomada e grande
imersão na teoria retórica, elevando-a a diretriz de toda a linguagem em suas
múltiplas formas e matizes. Para Hidalgo-Serna, o renascer que a retórica
experimenta com os humanistas italianos deve-se à nova força eloqüente que
eles atribuem à palavra e à indiscutível supremacia da ‘linguagem comum’
frente à linguagem abstrata da metafísica (1998: XVII). Pela importância
adquirida, a retórica se torna o maior denominador comum dos humanistas,
apesar de suas características díspares, relacionando-se a dois pontos de união
entre eles: o grande interesse pelos textos clássicos e a convicção de que o
conhecimento deve servir a fins práticos. Em meio aos descobrimentos
geográficos e científicos, à violência e incertezas de seu tempo, a retórica se
revela uma alternativa ao uso da força, de persuasão em vez de coerção, de
deliberação em lugar da autocracia (Conley 1990: 110). Kristeller inclusive
assinala a necessidade de compreender o humanismo renascentista como uma
fase característica do que se poderia chamar a tradição retórica da cultura
ocidental (1993: 41).
A eloqüência proclamada pelos renascentistas, defensores de uma nova
estética, vai se centrar sobre a elocutio da retórica clássica. A nova estética
literária do Renascimento, também chamada neoclassicismo, significou uma
revolução no gosto literário do Medievo tardio, caracterizando-se pela
substituição do estilo empolado da prosa medieval tardia, com sua sintaxe
20
Antologia do Renascimento

frouxa, períodos inconstantes, e ornamentos imitados, pelos padrões clássicos


da boa dicção: “correção, clareza, ordem, variedade, elegância” (Griffiths et
al. 1987: 4).

Teoria elocutiva da tradução no Renascimento

A teoria da linguagem comum à Europa renascentista é a teoria da


retórica clássica, cujo sistema operador é a elocutio, a parte da retórica que
veste as ideias com a linguagem e cuida de seu embelezamento, da técnica de
seu uso. A retórica renascentista, a teoria da linguagem renascentista, o gosto
literário renascentita, tudo diz respeito à retórica elocutiva. Este é um dado
fundamental e ponto de partida se quisermos entender o pensamento gerado e
expresso no Renascimento.
São muitos, além de complexos e controvertidos os fatores que
possibilitaram o Renascimento. No que tange ao desenvolvimento da teoria da
tradução neste período, uma das hipóteses aventadas por vários estudiosos é
de que, com o fim do Império Romano do Oriente, em 1453, e a invasão de
Constantinopla pelos turcos, muitos eruditos, filósofos e retores bizantinos
fugiram de sua terra buscando refúgio na Itália. Com sua chegada, renasce na
Itália o ensino da língua e da filologia gregas, junto com a difusão de muitos
manuscritos levados pelos bizantinos. O amadurecimento de uma nova
concepção de traduzir teria sido pois favorecido pelo retorno aos clássicos
gregos, porque a tradução de um texto grego, muito mais que a de um latino,
ajudaria a perceber a distância com relação ao texto que se traduzia e daria
maior relevo às questões filológicas. A nova estética literária emergente
aliada ao método filológico aportado pelos bizantinos leva os humanistas
italianos a querer recuperar os textos antigos em sua própria essência,
libertando-os do peso das interpretações e interpolações seculares a que
haviam sido submetidos. A recuperação do texto original isento de
interpretações requer uma tradução também livre de interpolações de qualquer
tipo. Acréscimos, omissões e mudanças na tradução, tão característicos da
prática medieval, tornam-se no Renascimento procedimentos restritos a
questões pontuais da tradução. A palavra representa o pensamento: traduzir as
palavras é traduzir o pensamento. Um dos maiores teóricos italianos da
tradução no séc. XVI, Sebastiano Fausto da Longiano, pergunta: “A tradução
que representa as palavras não representa necessariamente também os
pensamentos?” (§ 56). Traduzir é não trair o pensamento do original, mas
além disso é também uma questão de estilo: ater-se ao modelo, mas
principalmente tornar inteligível e agradável aquilo que se traduz.

21
Antologia do Renascimento

As fontes do discurso renascentista que se fazia sobre a prática da


tradução se constituem, em grande parte, em prólogos, prefácios, introduções,
leis, ensaios, comentários, críticas, dedicatórias e cartas a traduções. Desde a
primeira leitura destes textos, o leitor hodierno pode perceber posições
teóricas insuspeitadas por sua modernidade e vigência atuais, pode reconhecer
em outras colocações a base de distintas linhas da ciência da tradução
contemporânea, e pode vislumbrar entre aquelas reflexões um forte traço de
união. Contudo, a marcada historicidade desses discursos, tão chamativa em
sua estilização como em sua forma de racionalização, os torna muito
diferentes do padrão atual com seus característicos traços acadêmicos a que
estamos acostumados. Mas muito mais que deleitar com suas diferenças
ideológicas, aquelas reflexões brindam ao leitor interessado conhecimentos
sócio-culturais de como o Ocidente se posicionou em determinado momento
histórico frente a problemas lingüísticos e políticos quando houve necessidade
de interação entre poéticas e culturas.
O universo da tradução no Renascimento é muito amplo. Os pensadores
de então nos legaram as bases de nossa teoria contemporânea, e suas
reflexões, que revelam a grandeza da teoria da tradução na época em que as
línguas vernaculares se constituíam como identidades nacionais, são um vasto
campo para muitos estudos. Para sistematizar estas reflexões, elaboramos um
esquema, entre tantos outros possíveis, e o chamamos de teoria elocutiva da
tradução no Renascimento:

I. Requisitos básicos
1. Domínio da língua de partida
2. Domínio da língua de chegada
3. Conhecimento da matéria
4. Uso do ouvido ou habilidade poética
II. Elocutio
III. Principais problemas da tradução
1. Língua do original e língua da tradução
2. Conteúdo e forma, sentido e palavra, espírito e letra
3. Reconhecimento dos valores (estéticos) do original e busca de uma forma
análoga na tradução
IV. O leitor
1. Uso da língua comum
2. Sonoridade do texto produzido
V. Tipologia de textos e de tradução

22
Antologia do Renascimento

I. Grande parte das reflexões renascentistas sobre a tradução apresentam


uma concepção hermenêutica do traduzir, que supõe uma interpretação
correta do sentido do texto a ser traduzido. Uma interpretação correta e uma
posterior tradução correta dependem de alguns fatores, que foram
apresentados unanimemente pelos teóricos renascentistas da tradução: o
domínio da língua de partida, o domínio da língua de chegada, o
conhecimento da matéria e o uso do ouvido ou habilidade poética. O domínio
da língua de partida não deve ser entendido como apenas um conhecimento
lingüístico da língua do texto original, mas um conhecimento filológico, da
cultura, da história e de toda sua literatura; o domínio da língua de chegada,
por sua vez, significa um profundo conhecimento lingüístico, gramatical e
vocabular da língua na qual se traduz, bem como de sua literatura, sociedade,
cultura e história. Mas tudo isso é vão, nos diz Fausto da Longiano, sem o
conhecimento da matéria a ser traduzida: “Não se pode chamar de tradução
aquela de quem traduz o que não entende, mesmo que possua conhecimento
total e perfeito das línguas. Muitos, sendo apenas linguistas tentaram traduzir
a matéria mas cometeram inúmeros erros” (§ 36). Para traduzir é necessário
possuir grande capacidade de compreensão das línguas e das ciências. A
tradução correta, contudo, deve ainda incluir o quarto ponto, a grande
novidade aportada pelos renascentistas: o uso do ouvido ou habilidade
poética. Possuir e usar o ouvido é o requisito que diz respeito à compreensão
e reprodução artística do original. Mediante o conhecimento das línguas e da
matéria, associado ao bom ouvido, o tradutor se encontra em condições de
captar a arte do original inclusive em seus matizes rítmicos e harmônicos para
devolvê-los na tradução. Este quarto requisito, possuir ouvido, é uma das
principais contribuições da nova concepção renascentista de tradução porque
se une estreitamente à questão da elocutio. Roger Bacon, no séc. XIII, teria
sido o primeiro a apresentar como requisitos fundamentais o domínio de
ambas línguas e da matéria envolvidas na tradução. Mas só a partir do século
XV, com Leonardo Bruni, começa-se a exigir arte na tradução.
II. Com o ascenso da elocutio como teoria da linguagem, ela passa de ser
um dos elementos do discurso na teoria retórica clássica a constituir-se numa
teoria estética literária. Há que se entender elocutio, neste contexto, não como
um simples conjunto de regras de ornamentação do discurso, mas como uma
operação que abarca o discurso como um todo, corpo e substância,
estendendo-se à literatura como um todo, na qual se situa a tradução, ou seja,
como textualização, no sentido lingüístico de produção de enunciados orais
ou escritos, mas textualização artística. A elocutio renascentista na teoria da
tradução se propõe produzir arte textual na língua de chegada, mas sempre a
partir da recuperação de toda a arte do modelo, perseguindo uma forma até
então impraticada de fidelidade ao pensamento e à expressão. E entre os
23
Antologia do Renascimento

principais postulados desta nova prática de tradução está a da reprodução da


oratio do autor original. A oratio, ou seja, o discurso, a linguagem, o estilo, a
expressão, é o que caracteriza a linguagem de um autor e de uma obra, seu
espírito, suas sutilezas. Ao considerar as propriedades de cada língua e sua
não-correspondência com outras línguas, reproduzir a oratio do modelo na
língua de chegada vai equivaler a produzir uma oratio nesta língua, e por
tanto, produzir uma tradução artística, que cuida tanto dos valores estéticos
como dos língüísticos.
III. Além dos quatro requisitos e da elocutio, podemor elencar três
importantes problemas discutidos pelos renascentistas: 1. a língua do original
e a da tradução; 2. conteúdo e forma; 3. reprodução artística do original. As
diferenças e as singularidades de cada língua são, desde a época dos romanos,
chamadas de proprietates. O respeito às propriedades de cada língua foi um
ponto central reclamado pelos renascentistas, para o que, o tradutor deve ter o
máximo cuidado de não interferir violentamente no gênio da língua de
chegada, nem perder completamente os valores produzidos e próprios da
língua de partida. O respeito às propriedades lingüísticas está intimamente
ligado à necessidade de conjugar, na tradução, o conteúdo com a estética
textual, salvaguardando o melhor possível os valores do original: evitando a
transposição das formas lingüísticas, mas mantendo a função semântica,
recriando o estilo, cuidando do ritmo. A exigência de produção de uma
tradução mais artística eleva o estatuto da tradução ao nível de gênero
literário, e por conseguinte, a transforma numa tarefa difícil e especializada.
IV. Outro ponto de destaque e também constituidor da teoria
renascentista de tradução é a preocupação com o leitor. Dois princípios são
concebidos em nome do leitor: o cuidado com o uso da língua comum e o
cuidado com a sonoridade do texto produzido. A defesa do uso da língua
comum objetiva proteger as propriedades da língua de chegada; a função
principal da sonoridade é criar estética sonora e auxiliar na memorização.
V. Por fim, na nossa seleção dos principais elementos da teoria
renascentista da tradução, podemos incluir mais um ponto, referente à
tipologia de textos e tradução, ou seja, qual seria o melhor modo de traduzir
diferentes tipos e gêneros de textos. Há textos que enfatizam mais no
conteúdo, como os religiosos, técnicos e filosóficos; outros, que conjugam
conteúdo e forma, como os literários. Porém em todos, há que se observar o
assunto, as propriedades das línguas e o estilo do autor.
Podemos expressar, mediante algumas citações de textos presentes nesta
antologia, o núcleo da concepção da tradução renascentista, e argumentar,
através da convergência de pensamento dos autores, em favor da defesa de
uma teoria geral da tradução para o período:
24
Antologia do Renascimento

Juan Luis Vives:


In quibus interpretationibus res et verba appenduntur, tropi et figurae, et reliqua
orationis ornamenta conservari debent, quoad eius fieri possit, eadem; sin id minus queas
commode, similia vi et decore, videlicet qualia in posteriori lingua congruunt. Haeque
eandem vel vim referunt vel gratiam, quam illa altera in lingua priore. […] Oratio vel
sequenda alterius, si in eo vertatur interpretationis vis aliqua, […] sin aliter, te ipsum
sequitor, et naturam tuam.
Naquelas traduções em que as coisas e as palavras são sopesadas, os tropos e as
figuras e os demais ornamentos da oração devem ser conservados, enquanto seja possível,
os mesmos; mas se o podes com menos propriedade, que se assemelhem em força e beleza,
obviamente tais que se harmonizem na língua segunda e devolvam ou a mesma força ou a
mesma graça que os outros na língua primeira. […] O estilo, ou segue-se o do outro, se
com isso se passa à tradução algo de sua força […] ou, em caso contrário, segue-te a ti
mesmo e a tua intuição.

George Chapman:
… it is the part of every knowing and judiciall interpreter, not to follow the number
and order of words, but the materiall things themselves, and sentences to weigh diligently,
and to clothe and adorn them with words, and such a style and form of oration, as are
most apt for the language into which they are converted.
… todo intérprete conhecedor e judicioso sabe mui bem que não cabe seguir o
número e a ordem das palavras, e sim as cousas materiais em si, e pesar com cuidado as
sentenças, e vesti-las e adorná-las com palavras, e com o estilo e a forma de oratória os
mais adequados para a língua para a qual se faz a conversão.

Sebastiano Fausto da Longiano:


Quelli che vogliono tradurre d’una in altra lingua necessariamente hanno ad
isprimere le sentenze, servare l’ordine de le cose, e con le medesime forme e figure, o
conformationi, o lumi, od ornamenti, o degnitadi, o schemi che vi piaccia dire […]
Deggono apresso isplicare le sentenze con parole accommodate e oltra ciò servare la
vertù, la forza e l’valore de le parole di quella lingua da la quale si traporta.
Aqueles que querem traduzir de uma língua a outra devem necessariamente expressar
os pensamentos, conservar a ordem das coisas, e com as mesmas formas e figuras. […]
Devem, depois, expor os pensamentos com palavras adequadas e, além disso, conservar a
virtude, a força e o valor das palavras daquela língua da qual se traslada.

Étienne Dolet:
En traduisant il ne se faut pas asservir jusques à là que l’on rende mot pour mot.
[…] s’il a les qualités dessusdites (lesquelles il est besoin d’être en un bon traducteur),
sans avoir égard à l’ordre des mots il s’arrêtera aux sentences, et fera en sorte que
l’intention de l’auteur sera exprimée, gardant curieusement la propriété de l’une et l’autre
langue.
25
Antologia do Renascimento

Ao traduzir, ele não deve assujeitar-se ao ponto de traduzir palavra por palavra. […]
se tiver as qualidades acima mencionadas (as necessárias a um bom tradutor), deter-se-á
nas sentenças sem considerar a ordem das palavras, e fará de tal forma que a intenção do
autor será expressa, conservando cuidadosamente a propriedade de cada língua.

Martinho Lutero:
Ich hab mich des beflissen im Dolmetschen, daß ich rein und klar Deutsch geben
möchte. […] Doch habe ich wiederum nicht allzu frei die Buchstaben lassen fahren.
Ao traduzir, esforcei-me em escrever um alemão puro e claro. […] Por outro lado,
não abandonei completamente a letra.

As reflexões destes e outros autores reproduzem, pois, o clássico


pensamento de Cícero:
Nec conuerti ut interpres, sed ut orator, sententiis isdem et earum formis tamquam
figuris, uerbis ad nostram consuetudinem aptis. In quibus non uerbum pro uerbo necesse
habui reddere, sed genus omne uerborum uimque seruaui (Cicero V, 14).
Não traduzi como intérprete, mas como orador, com os mesmos pensamentos e suas
formas bem como com suas figuras, com palavras adequadas ao nosso costume. Para tanto
não tive necessidade de traduzir palavra por palavra, mas mantive o caráter das palavras e
sua força.

Por isso também a asserção primeira de que a concepção hodierna de


tradução literária como (re)produtora de literatura na língua de chegada é tão
antiga quanto a história da formação da literatura ocidental a partir dos
Romanos.
A partir das fontes primárias que refletiram nos séculos XV e XVI sobre
a ars tradutória é possível reconhecer as características da tradução
renascentista e compor uma teoria da tradução no Renascimento. Para isto e
disto impõem-se algumas afirmações peremptórias. É inegável que o
Renascimento europeu, embora concebido como um movimento e não um
período (Burke 1987), se constituiu com uma cosmovisão própria e,
principalmente, comum, com uma concepção da linguagem igualmente
comum, plasmada na gramática e na retórica clássicas, cujo traço
diferenciador com respeito aos períodos anteriores é a ênfase dada à elocutio,
algo que se reflete na produção literária e, por extensão, na tradução. É
irrefutável que o pensamento renascentista concernente à tradução compartia
uma concepção comum expressada de forma consideravelmente similar entre
si pelos que refletiram a respeito – muitos destes autores estão presentes nesta
antologia –, e que suas reflexões não representam fatos isolados, mas revelam
conhecimento e continuidade do pensamento de seus contemporâneos e de
26
Antologia do Renascimento

seus antecessores. O fato de que puderam diferenciar-se conceitualmente dos


períodos anteriores é uma grande prova do conhecimento que tinham do
pensamento antigo: a ruptura só é possível se houver unidade. O fato de que
puderam assemelhar-se conceitualmente dentro de um período histórico
delimitado não é em nada casualidade, mas a confirmação de uma fantástica
comunhão de ideias e ideais, em um momento em que a divulgação das ideias
pela prensa ainda engatinhava. É indubitável que tais reflexões instituem
princípios formadores de uma teoria nova e própria que, embora considerada
lato sensu, preenche os requisitos mínimos das atuais teorizações stricto
sensu. A novidade daquela teoria está na conjunção dos fatores básicos
antigos requeridos ao tradutor com a necessidade de posse do ouvido, de
habilidade poética; sua propriedade, na alta valoração da conservação dos
valores estéticos do original com a preservação do pensamento presente na
obra do autor. A tradução é então concebida como a (re)produção da oratio do
modelo. Estes valores da teoria da tradução renascentista foram viabilizados
pela mudança na concepção da linguagem, quando a linguagem se tornou
elocutio e interpretatio.

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
Prof. dr., Universidade Federal de Santa Catarina

27
Antologia do Renascimento

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42
Antologia do Renascimento

Leonardo Bruni Aretino


(1374-1444)

LEONARDO BRUNI ARETINO, escritor, político, filólogo, filósofo,


historiador, professor de retórica, tradutor, é considerado o mais talentoso e
versátil dentre os jovens que pertenciam ao círculo de Coluccio Salutati
(1331-1406), por volta do ano de 1400, e, sendo um dos primeiros seguidores
de Petrarca (1303-1374) a possuir um verdadeiro conhecimento da língua
grega, ajudou a direcionar o movimento humanista para o interesse do
helenismo, o que teve importantes conseqüências na evolução do pensamento
europeu. O texto De interpretatione recta, datado entre os anos de 1420 a
1426, foi anexado a sua tradução da Ethica Nicomachea (1414/18), de
Aristóteles (384-322), como conseqüência dos problemas suscitados por sua
tradução em confronto com uma antiga tradução existente. Este famoso texto
é considerado o primeiro tratado moderno em apresentar de forma
independente reflexões sobre a tarefa de traduzir, em especial sobre a
tradução literária. Folena (1991) situa o tratado de Bruni, “il piú meditato e
penetrante di tutto l’umanesimo europeo”, no ponto de inflexão entre a
história medieval e moderna da tradução e de sua teorização. Com ele se
inicia a história dos manuais de tradução. Não em vão, em seu ensaio se
documenta por primeira vez a palavra traduco. O pensamento de Bruni é a
concreção de um desenvolvimento na concepção do modo de traduzir que
começara ao menos um século antes e que de alguma maneira tem sua origem
ainda entre os romanos. É possível reconhecer no texto bruniano as opiniões
de Cícero (106-43) sobre tradução, ou certos aspectos da estética horaciana,
ou mesmo a retomada de alguns pensamentos de São Jerônimo (ca. 348-420),
além de insistir nos três requisitos para uma boa tradução expostos
anteriormente por Roger Bacon (ca. 1220-1292): o conhecimento da língua de
partida, da língua de chegada e da matéria envolvidas na tradução. Porém,
mais do que um simples retomar de alguma concepção antiga, as ideias de
Bruni a respeito da tradução – pode-se de certa forma generalizar – são as
ideias que o Humanismo vai desenvolvendo e exercitando neste campo. Além
dos elementos lingüísticos, o tratado bruniano insiste sobre os aspectos
retóricos de uma tradução. E é aqui onde se encontra certamente o maior valor
da teorização bruniana e a base da fundação da moderna tradução literária. Há
no tratado uma exigência da reprodução da arte literária para a correta
tradução, o que é possível via o uso dos recursos que oferecem a retórica e a
oratória, além do conhecimento lingüístico e filológico de ambas as línguas.

43
Antologia do Renascimento

MAURI FURLAN (maurizius@gmail.com), professor de Latim e Teoria da


Tradução no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC,
graduou-se em Jornalismo pela FACHA/RJ e em Letras-Alemão pela UFSC.
Em seu mestrado em Literatura (UFSC) abordou questões teóricas da tradução
da Ars poetica, de Horácio, e, no doutorado em Filologia Clássica pela
Universitat de Barcelona, Espanha, apresentou uma sistematização para as
reflexões sobre a tradução produzidas no Renascimento.

44
Antologia do Renascimento

Da tradução correta

Tendo vertido da língua grega à latina os livros de Aristóteles escritos a


Nicômaco, acrescentei um prefácio, no qual refutei discorrendo por
numerosos erros do antigo tradutor. Alguns, segundo tenho ouvido, criticam
estas minhas refutações como demasiado impiedosas. Dizem, pois, que, ainda
que haja erros, ele, contudo, divulgou de boa fé o quanto entendeu, e por isso
não merece repreensão, mas louvor; que os críticos moderados não têm o
costume de expor deste modo nem mesmo os erros evidentes, mas antes que
censurar com palavras, refutam com fatos.
Admito, pois, ter sido um tanto veemente ao repreendê-lo, mas aconteceu
que, por uma indignação da alma, como eu vira os livros em grego plenos de
elegância, de suavidade, e de um inestimável ornato, por certo me condoía
comigo próprio e me angustiava ao ver os mesmos livros em latim
emporcalhados e desfigurados por tamanha escória de tradução. Assim como
se eu me deleitasse com uma certa pintura finíssima e belíssima, como as de
Protógenes, Apeles ou Aglaofonte,1 indignar-me-ia e não poderia suportar que
a desfigurassem, e me insurgiria com palavras e atos contra o desfigurador, do
mesmo modo me atormentava na alma e me comovia veementemente ao ver
serem emporcalhados estes livros de Aristóteles, que são mais belos e
elegantes que qualquer pintura. Se a alguém parecemos um tanto veementes,
saiba que nos perturbou esta causa, a qual por certo é de tal monta que, ainda
que tivéssemos extrapolado o limite, contudo, deveria ser-nos concedida
vênia não imerecidamente.
Mas não extrapolamos o limite, a nosso ver, e, embora indignados,
conservamos a moderação e a humanidade. Reflita, pois, assim: Acaso eu
disse algo contra os costumes dele? Acaso, contra sua vida? Acaso o censurei
por pérfido, ímprobo, libidinoso? Nada disto, por certo. O que, portanto,
censurei nele? Apenas sua imperícia nas letras. Por Deus, que repreensão é
esta, afinal? Acaso não pode alguém ser um bom homem, e contudo não
conhecer profundamente as letras ou não possuir aquela grande perícia que
reclamo para isto? Eu não disse que ele era um mau homem, mas um mau
tradutor. O que igualmente talvez eu dissesse de Platão, se quisesse ser
timoneiro de um navio e não tivesse perícia para timoneá-lo. Eu não
depreciaria nada de sua filosofia, mas apenas criticaria que fosse um
timoneiro imperito e inepto.

1
Protógenes, Apeles e Aglaofonte, célebres pintores gregos, sendo Apeles (séc. IV a.C.) o mais conhecido
por ter retratado Filipe II e Alexandre Magno. Nenhuma de suas pinturas chegou até nós.
45
Antologia do Renascimento

E para que tudo isso possa ser mais amplamente entendido, explanar-te-
ei em primeiro lugar o que eu penso sobre o método de traduzir. Em seguida,
mostrarei as repreensões merecidamente feitas por mim. Em terceiro lugar,
mostrarei que, ao repreender os erros dele, observei o costume de homens
doutíssimos.

I.

Afirmo, pois, que toda a natureza da tradução consiste em que o que


tenha sido escrito em uma língua seja traduzido corretamente a uma outra.
Ninguém, porém, que não possua muito e grande domínio de ambas as línguas
pode fazê-la corretamente. E, em verdade, nem isso basta. Muitos, pois, são
idôneos para entender, e, contudo, não o são para explicar; assim como
muitos avaliam corretamente a pintura, eles mesmos não sabendo pintar, e
muitos entendem de arte musical, eles mesmos sendo ineptos para o canto.
Grande e difícil empresa é, por isso, a tradução correta. Primeiramente
deve-se ter conhecimento daquela língua da qual se traduz, e não pouco nem
ordinário, mas grande, exercitado, apurado e muito, e adquirido com uma
leitura contínua dos filósofos e oradores e poetas e todos os demais escritores.
Ninguém, pois, que não tenha lido, penetrado, revolvido por todos os lados e
compreendido todos eles, pode entender a força e os significados das
palavras, especialmente quando Aristóteles mesmo e Platão foram, como eu
diria, os maiores mestres das letras e usaram de um elegantíssimo modo de
escrever de antigos poetas e oradores e historiadores cheio de ditos e
sentenças, onde aparecem frequentemente tropos e figuras de linguagem, que
significam uma coisa literalmente, outra segundo o costume preestabelecido.
Estas coisas estão em nosso meio: gero tibi morem [faço o que desejas],
desiderati milites [soldados mortos], boni consule [aprova; tem por bem],
operae pretium fuerit [terá valido a pena], negotium facesso [crio problema] e
milhares deste tipo. O que seja gerere [gerar, fazer] e mos [uso, costume] sabe
até mesmo o leitor inculto; o que, porém, significa o todo, é outra coisa.
Desiderati miles centum, se te aténs às palavras, é uma coisa [cem soldados
desejados], se ao uso, “pereceram”. O mesmo acontece às outras que
colocamos acima, quando as palavras significam uma coisa, outra, a sentença
das palavras. Deprecor hoc [afasto isso por meio de rogos] quer dizer
negação. Um leitor inculto e inexperiente, porém, entenderá exatamente como
se se desejasse aquilo que se rejeita, e se tiver que traduzir me dirá o contrário
do que contem a obra da qual traduz.

46
Antologia do Renascimento

Iuuentus e iuuenta são duas palavras, das quais uma significa “multidão”,
a outra, “idade”. “Si mihi foret illa iuuenta”2 [Se eu tivesse aquela juventude],
disse Virgílio; e em outra passagem: “primaeuo flore iuuentus exercebat
equos”3 [na primeva flor a juventude se exercitava nos cavalos]; e Tito Lívio:
“armata iuuentute excursionem in agrum Romanum fecit”4 [com a juventude
armada fez uma incursão em território romano]. – Deest [falta] e abest [está
ausente]: um implica reprovação, o outro, elogio; dizemos deesse [faltar] às
coisas que são boas, como a voz de um orador, o gesto de um ator; abesse
[estar ausente], porém, aos defeitos, como a imperícia de um médico, a
prevaricação de um advogado. Poena [pena, castigo] e malum [desgraça, mal]
parecem afins; são, contudo, em muito diferentes. Pois dare poenas [sofrer
um castigo] significa subire [suportar] e perpeti [sofrer pacientemente];
porém, dare malum [maltratar, dar um castigo] significa alteri inferre [infligi-
lo a alguém]. Por outro lado, o que pode parecer mais distinto do que recipio
[receber] e promitto [prometer]? São, contudo, por vezes, a mesma coisa.
Quando, pois, dizemos: “recipio tibi hoc” [guardo isto para ti], o que estamos
dizendo é “prometo isto para ti”. Eu poderia mencionar quase inúmeros outros
deste tipo, com os quais facilmente se equivoca quem não for altamente
instruído. Quem, portanto, não considerar atentamente isto, tomará uma coisa
por outra.
Às vezes expressamos pensamentos inteiros com muito poucas palavras,
como “actoris Aurunci spolium”5 [o espólio do ator Auruncio], que
ironicamente o poeta disse sobre o espelho daquele, e em outra passagem,
“utinam ne in nemore Pelio”6 [que nunca no bosque peliano], que indica a
origem e a causa primeva de um mal. Essas coisas são muitíssimo frequentes
entre os gregos. Pois tanto Platão insere-as em muitas passagens, quanto
Aristóteles serve-se delas copiosamente, como “duo simul euntes”7 [dois que
caminham juntos], que, tomando de Homero, o transfere à força e ao vigor da
amizade; e o dito por Aquiles em discurso aos embaixadores sobre o
“surreptitio repulso”8 [o sem-pátria excluído], que reproduziu nos livros da
Política; e o dito sabiamente pelos troianos mais velhos sobre “Helenae

2
Virgílio, Eneida, V, 397-398: “si mihi quae quondam fuerat quaque improbus iste / exsultat fidens, si
nunc foret illa iuuentas”.
3
Virgílio, Eneida, VII, 162-163: “ante urbem pueri et primaeuo flore iuuentus / exercentur equis
domitantque in puluere currus”.
4
Tito Lívio, História de Roma, III, 8,7: “Fabius praeerat urbi; is armata iuuentute dispositisque praesidiis
tuta omnia ac tranquilla fecit.”
5
Juvenal, Sátiras, II, 100, a partir de Virgílio, Eneida, XII, 94.
6
Início do prólogo da Medéia de Ênio, citado pelo autor da Rhetorica ad Herennium, II, 22, 34.
7
Aristóteles, Ética a Nicômaco, VIII, 1, a partir de Homero, Ilíada, X, 224.
8
Aristóteles, Política, III, 1278a, 9. Homero, Ilíada, IX, 648.
47
Antologia do Renascimento

pulchritudine et gratia”9 [a beleza e a graça de Helena], que transfere à


natureza do desejo.
Este é um amplo campo para discorrer. Pois tanto a língua grega é
muitíssimo rica, e inumeráveis são os usos deste tipo em Aristóteles e Platão
tomados de Homero, Hesíodo, Píndaro, Eurípedes e outros poetas e escritores
antigos; quanto, além disso, são tantas as figuras inseridas que, a não ser
quem for versado em muitas e variadas leituras de todo tipo de escritores,
facilmente se engana e entende mal o que se há de traduzir.
Seja, portanto, a primeira preocupação do tradutor conhecer com suma
perícia a língua da qual traduz, algo que nunca conseguirá sem uma leitura
multíplice, variada e cuidadosa de todo gênero de escritores.
Em seguida, possua de tal forma a língua para a qual quer traduzir que,
de certo modo, a domine e a tenha toda em seu poder; que quando uma
palavra tiver de ser transferida por outra palavra, não a mendigue ou a tome
emprestada ou a mantenha em grego por ignorância da língua latina; que
conheça acuradamente a força e a natureza das palavras, e não diga modicus
(pouco) em vez de paruus (pequeno), nem iuuentus (jovem) em vez de
iuuenta (juvenil), nem urbs (cidade) em vez de ciuitas (cidadania). E ademais,
distinga entre diligere (apreciar) e amare (amar), entre eligere (escolher) e
expetere (cobiçar), entre cupere (desejar) e optare (pedir), entre persuadere
(persuadir) e perorare (advogar), entre recipere (receber) e promittere
(prometer), entre expostulare (reclamar) e conqueri (queixar-se), e entre
inúmeras outras deste modo o que as diferencia. De forma alguma desconheça
o modo de dizer e as figuras de dicção que os melhores escritores usam; aos
quais imite também ele mesmo escrevendo, e evite sobretudo a novidade
inepta e bárbara tanto das palavras quanto da oração.
Todas estas coisas que dissemos acima são necessárias. E, além disso,
que possua ouvido e uma capacidade de avaliar com rigor, para que ele
mesmo não destrua e nem deturpe o que foi dito harmoniosa e ritmicamente.
Como, pois, há igualmente em um bom escritor, e sobretudo nos livros de
Platão e Aristóteles, tanto o ensinamento das coisas como a ornamentação da
escrita, somente será um tradutor excelente, o que conservar ambas as
coisas.
Em suma, os defeitos de um tradutor são: se entende mal ou reproduz
mal o que deve ser traduzido, ou se, o que foi dito apropriada e
harmonicamente pelo autor primeiro, traduz de modo a torná-lo inapropriado,
desarmônico e destruído. Em verdade, todo aquele que não esteja instruído na
matéria e nas letras, a fim de poder evitar todos esses defeitos, se chegar a

9
Aristóteles, Ética a Nicômaco, II, 9, 1109b10. Homero, Ilíada, 3, 156-160.
48
Antologia do Renascimento

traduzir, deve ser repreendido e rejeitado com razão, seja porque induz os
homens a vários erros apresentando uma coisa por outra, seja porque diminui
a majestade do autor primeiro fazendo-o parecer ridículo e absurdo. Dizer,
contudo, que não merece repreensão mas louvor aquele que divulgou o que
podia, é de forma alguma correto nestas artes que exigem perícia. Nem
mesmo um poeta, se faz maus versos, merece louvor, embora tentasse fazê-los
bons, mas o repreendemos e o censuramos porque terá empreendido o que não
sabe. E criticaremos o escultor que tiver deformado uma escultura, embora o
tenha feito não por dolo, mas por ignorância. Como, pois, os que pintam um
quadro a imitação de outro quadro tomam dele a figura, a postura, o
movimento e a forma do corpo inteiro, e não refletem sobre o que eles
mesmos fariam, mas sobre o que um outro fez, assim nas traduções, o bom
tradutor, contudo, se converterá no autor primeiro do escrito com toda sua
mente, espírito e vontade, e de certo modo o transformará, e refletirá sobre
como expressar a figura, a posição, o movimento e a cor da oração e todos os
traços. Disto resulta um certo efeito admirável.
Com efeito, uma vez que quase todos os escritores têm um certo estilo
seu e próprio, como Cícero a magnificência e a abundância, Salústio a secura
e a brevidade, Tito Lívio uma sublimidade algo áspera, o bom tradutor,
contudo, se conformará assim a cada um a ser traduzido, de modo a seguir o
estilo de cada um. Por isso, se traduzir Cícero, não poderá agir de modo a não
tomar seus longos períodos ricos e redundantes com similar variedade e
abundância até a última frase, e ora acelerá-los, ora restringi-los. Se verter
Salústio, terá por obrigação sopesar quase que cada palavra individual e
perseguir sua propriedade e máxima exatidão e, por conta disso, restringir-se
de certo modo e anular-se. Se traduzir Tito Lívio, não poderá agir de modo a
não imitar seu estilo. O tradutor é, pois, arrastado com igual força para o
modo de dizer daquele do qual traduz, e não poderá de outra forma preservar
adequadamente o sentido se não penetrar e se retorcer através das orações e
períodos daquele com a propriedade das palavras e a imitação do discurso.
Este é um excelente método de traduzir: preservar ao máximo o estilo
primeiro do texto, de modo a não apartar dos sentidos as palavras, nem às
próprias palavras o brilho e o adorno.
Mas, uma vez que toda tradução correta é difícil por causa dos muitos e
vários requisitos que, como acima dissemos, são exigidos, é, contudo,
dificílimo transladar corretamente aquilo que foi escrito ritmicamente e
ornadamente pelo escritor primeiro. Frente a um texto obviamente rítmico, é
necessário avançar através dos membros, incisos e períodos da oração, e
prestar muitíssima atenção de maneira a que o conjunto resulte adequado e
esmerado.

49
Antologia do Renascimento

Também em outros ornatos a serem conservados deverá ser empregada


suma diligência. Se o tradutor, contudo, não preservar todas estas coisas, a
majestade primeira da obra se perde e se pulveriza completamente. Não
podem, porém, ser preservadas sem um grande labor e um grande
conhecimento da literatura. As qualidades da obra, por assim dizer, devem,
pois, ser compreendidas desse modo pelo tradutor, e ser igualmente
reproduzidas na língua para a qual traduz. Uma vez que são dois os tipos de
ornamentos – um, pelo qual se dá brilho às palavras, outro, aos pensamentos –
, ambos, por certo, causam dificuldade ao tradutor, maior, contudo, a do
brilho das palavras que a dos pensamentos; porque, muitas vezes os
ornamentos deste tipo consistem em estruturas rítmicas, como quando os
termos são restituídos por seus semelhantes, ou por seus contrários ou opostos
entre si, que os gregos chamam antitheta. Com efeito, as palavras latinas têm
frequentemente ou mais ou menos sílabas do que as gregas, e nem o som ecoa
facilmente de igual modo aos ouvidos. Também os dardos que, por vezes, o
orador lança, ferem por certo fortemente se são atirados de forma rítmica, pois
os débeis e os defeituosos ou os que caem ineptamente transpassam menos.
Por isso, todas essas coisas devem ser conhecidas com toda a diligência pelo
tradutor e reproduzidas à perfeição com as estruturas rítmicas preservadas.
Que direi dos ornamentos dos pensamentos, que ilustram em muito a
obra e a tornam admirável? E tanto estes quanto os anteriores são
frequentemente utilizados pelos melhores escritores. Ou poderá o tradutor
ignorá-los ou preteri-los ou traduzi-los sem torpeza não preservando sua
majestade?
A fim de que possam ser melhor entendidas todas essas questões sobre as
quais falei, aprouve-me adscrever alguns exemplos, para que fique claro que
ornamentos deste tipo são empregados não somente por oradores, mas
também por filósofos, e que toda a majestade da obra perece se não são
traduzidos com toda sua forma preservada.
O filósofo Platão, no livro intitulado Fedro [237c-238c], expõe certa
passagem de modo completamente ornado e rítmico. Transcrevo aqui palavras
dele que serão retomadas um pouco mais à frente:

Garoto, há um único princípio para os que desejam deliberar convenientemente:


compreender de que trata a questão, ou inevitavelmente equivocar-se de todo. Muitos, na
verdade, se enganam nisso, porque desconhecem a natureza do tema. Assim, como se
soubessem, não a explicitam no início de uma discussão, e ao avançar – o que é adequado
–, resulta que não dizem coisas congruentes nem a si mesmos nem aos outros. Por isso,
não suceda a ti ou a mim isso que condenamos nos outros. Mas, como tu e eu levantamos
uma discussão sobre se se deve buscar amizade mais no amante ou no não-amante, depois

50
Antologia do Renascimento

de ter tomado uma definição em comum acordo sobre o próprio amor, o que é e que força
tem, atentando e reportando-nos a ela, consideremos: causa-nos benefício ou detrimento?
Com efeito, que o amor seja uma espécie de desejo, é evidente. Que, contudo,
também os que não amam desejam, sabemos. Por outro lado, porém, convém compreender
em que diferenciamos o amante do não-amante, porque também em cada um de nós há
duas ideias dominantes e condutoras, que seguimos onde quer que nos guiem: uma é o
desejo de prazeres inato em nós, a outra, uma ideia adquirida, que busca ansiosamente o
melhor. Por vezes, estas ideias em nós concordam, por vezes estão em desunião e
discórdia; e ora predomina uma, ora a outra.
Com a ideia conduzindo-se para o melhor por intermédio da razão e com o
predomínio de sua força surge a temperança; com o desejo, porém, sem a razão
arrastando-nos para os prazeres e dominando-nos, chama-se paixão. A paixão, no entanto,
sendo multiforme e de muitas aspectos, possui muitos nomes. E dessas formas, a que se
sobressai sobremodo em alguém confere-lhe um nome com designação própria, mas a
ninguém se lho atribui para sua honra ou dignidade. Em relação aos alimentos, porém, o
desejo que se sobrepõe à razão e a outros desejos é chamado de glutoneria, e o que a
possui recebe a designação por este mesmo nome. Por outro lado, o que exerce a tirania
em relação à embriaguez, e é visto guiando aquele que o possui, que nome terá? É claro de
que modo convém chamar a outros desejos irmãos e os nomes destes desejos irmãos,
sempre que um predomine sobre os demais. O motivo pelo qual dissemos as coisas acima
é já algo evidente. O dito, porém, será mais evidente que o não dito. O desejo que, sem a
razão, vence a ideia que tende à retidão, e impele ao prazer da beleza, predomina e guia
reforçado pelos desejos irmãos, que lhe são submissos em relação à beleza do corpo,
chama-se, pelo próprio excesso, porque se faz sem medida (absque more), amor.

Toda essa passagem foi tratada por Platão de forma insigne e brilhante.
Encontram-se, pois, tanto refinamentos das palavras, por assim dizer, como
um admirável esplendor dos pensamentos. E, ademais, toda a obra foi feita
com vistas ao ritmo. Pois “in seditione esse animum” [a alma está em luta], e
“circa ebrietates tyrannidem exercere” [exercer a tirania em relação à
embriaguez] e outras figuras traduzidas deste modo iluminam o discurso
como se espécies de estrelas nele interpostas. E “innata nobis voluptatum
cupiditas” [o desejo de prazeres inato em nós], “acquisita uero opinio,
affectatrix optimi” [uma ideia adquirida, que busca ansiosamente o melhor]
são ditas mediante determinadas antíteses; uma vez que, de certo modo, são
termos opostos innatum e acquisitum [‘inato’ e ‘adquirido’], cupiditasque
uoluptatum [‘desejo de prazeres’], opinio ad recta contendens [‘ideia que
tende à retidão’]. Além disso, diz: “huius germanae germanarumque
cupiditatum nomina” [os nomes dos desejos irmãos deste irmão], “superatrix
rationis aliarumque cupiditatum cupiditas” [o desejo que vence a razão e os
outros desejos], “utrum amanti potius uel non amanti sit in amicitiam
eundum?” [deve-se buscar amizade mais no amante ou no não-amante?],
todas estas palavras concatenadas engenhosamente entre si, como se num
chão de mosaico vermiculado, possuem um encanto extraordinário. Ademais,
51
Antologia do Renascimento

também diz: “cuius gratia diximus, fere iam patet; dictum tamen, quam non
dictum, magis patebit” [o motivo pelo qual dissemos as coisas acima, é já
algo evidente. O dito, porém, será mais evidente que o não dito]: são dois
membros de orações emitidos em intervalos iguais, que os gregos chamam
kola. Depois disso, o período se apresenta pleno e perfeito: “quae enim sine
ratione cupiditas superat opinionem ad recta tendentem rapitque ad
uoluptatem formae et a germanis, quae sub illa sunt circa corporis formam,
cupiditatibus roborata peruincit et ducit, ab ipsa insolentia, quod absque more
fiat, amor uocatur” [o desejo que, sem a razão, vence a ideia que tende à
retidão, e impele ao prazer da beleza, predomina e guia reforçado pelos
desejos irmãos, que lhe são submissos em relação à beleza do corpo, chama-
se, pelo próprio excesso, porque se faz sem medida (absque more), amor].
Vedes, em todas essas sentenças, o esplendor dos pensamentos, os
refinamentos das palavras e o ritmo da composição. Se, porém, o tradutor não
preserva tudo isso, não se pode negar que comete uma detestável infâmia.
No mesmo livro [Fedro 257a-c], a seguir acrescentou muito elegante e
claramente umas palavras, dizendo:

A ti, ó dileto amor, cantamos essa palinódia, de um modo quase poético, o quanto
pudemos na forma mais bela e excelente, segundo nossa capacidade. Por isso, concede o
perdão pelos ditos anteriormente, e por causa deles assiste-me benevolamente. Pois, se algo
indigno à tua divindade foi dito por Fedro e por mim, que possas, acusando Lisias, o pai
desta disputa, fazê-lo desistir dos discursos deste gênero, e, assim, volta-o à filosofia, como
seu irmão Polemarco se voltou. Estas mesmas coisas também eu rogo a Deus, ó Sócrates.
Na verdade, já admiro muito teu discurso. Quanto supera ao anterior! A ponto de eu
começar a temer que Lisias venha a me parecer pobre e fraco se continuar a contrapor a
este teu um outro seu.

Toda essa passagem em grego é muito insigne e rítmica e agradável.


Nós, porém, não sabemos se, ao passar ao latim, conservamos a majestade e a
elegância do autor primeiro. Esforçamo-nos, por certo, em conservá-la.
E Aristóteles? Acaso não busca também ele, do mesmo modo, os
ornamentos do falar? Maravilhosamente, com certeza, e muito
abundantemente, a ponto de eu mesmo ser obrigado com frequência a admirar
que, em meio às mais sutis discussões, estivesse presente em um filósofo
tanto cuidado com estas coisas. Referirei, pois, uma ou outra passagem a
título de exemplo.
Aristóteles, no décimo livro da Ética a Nicômaco [1178b], ao tratar da
felicidade do homem contemplativo, fala assim:

52
Antologia do Renascimento

Que a felicidade perfeita seja, pois, uma certa atividade contemplativa será ainda
evidente a partir da nossa suposição de que os deuses são ao máximo felizes e bem-
aventurados. Mas quais ações atribuímos-lhes devem-nas realizar? Acaso as justas? Mas
seria ridículo se fossem mostrados ocupados com contratos e com depósitos de restituição e
coisas desse gênero. Ou, porém, as corajosas, enfrentando os medos e expondo-se aos
perigos por uma causa nobre? Mas que perigos e que medos podem existir para os deuses?
Acaso as generosas? Mas a quem as dariam? E ao mesmo tempo seria absurdo dizer que
eles têm dinheiro ou algo assim. Acaso as comedidas? Mas o que é, afinal, este elogio para
os que não possuem maus desejos? Assim, ao que percorre por tudo ficará evidente que há
nas ações a serem realizadas algo pequeno e indigno para a divindade dos deuses.
Entretanto, todos consideram que eles vivem, e que, por isso, dedicam-se a alguma
atividade. Pois não se há de dizer que eles dormem como Endimião.10 Se, porém, a um
vivente não se lhe atribui ser ativo em algo e, ainda mais, produzir algo, o que lhe resta
afinal além da contemplação? Logo, a atividade de um deus, a qual excede em bem-
aventurança, seria algo contemplativa. Por isso, também entre os homens, a atividade que
for mais próxima àquela será sempre a mais feliz!

Na verdade, nem Demóstenes nem Cícero, que se sobressaíram como


artesãos das palavras e do falar, teriam exposto melhor esse ornamento
oratório do que foi exposto por Aristóteles. Do mesmo modo, no segundo
livro da Ética a Nicômaco [1103a-b], diz:

Não por termos muitas vezes ouvido ou muitas vezes visto, adquirimos os sentidos,
mas pelo contrário, possuindo-os usamo-los, e os possuímos não os usando. Mas as
virtudes, adquirimo-las primeiramente obrando, como acontece também entre as outras
artes. Pois, aquilo que é necessário fazer depois que tivermos aprendido, aprendemos
fazendo-o, como os construtores ao construir, e os citaristas ao tocar a cítara; assim,
agindo com justiça se fazem os justos, com moderação, os moderados, e com bravura, os
bravos.

No mesmo livro [1105a-b] ainda, falando sobre o mesmo assunto, diz:

Além disso, o caso não é de forma alguma similar entre as artes e as virtudes. Pois as
coisas que procedem da arte têm em si mesmas motivo de louvor, por isso basta que
existam assim. Mas as que derivam da virtude, não é suficiente que elas mesmas sejam
feitas com moderação e justiça, como de certo modo possuem em si, mas que um agente as
tenha feito assim: em primeiro lugar sabendo o que faz, em segundo, escolhendo, e
escolhendo por causa delas mesmas, em terceiro, agindo com segurança e com
discernimento imperturbável. Para possuir as outras artes, contudo, não se requer nada
disso senão conhecimento. Mas entre as virtudes, o conhecimento mesmo é insuficiente ou

10
Endimião, em versões distintas na mitologia grega, por solicitação da Lua, teria sido agraciado por Júpiter
com o sono eterno, preservando, contudo, sua juventude. Ou, por ter desrespeitado Juno, teria sido castigado
por Júpiter com o sono perpétuo.
53
Antologia do Renascimento

nada. De modo que, importa muito, ou melhor, tudo, o exercitar, uma vez que elas provêm
da ação frequente dos justos e moderados. Uma ação é, então, chamada de justa e de
moderada quando é tal qual um justo e moderado a realizou. Porém justo e moderado não
é quem realiza, mas quem realiza assim como os justos e os moderados realizam. Diz-se,
portanto, com razão, que alguém, ao fazer coisas justas, se torna justo, e, coisas
moderadas, moderado, porém, ao não fazer nada, ninguém parece preocupar-se com ser
bom. Mas a maioria não faz assim. Na verdade, voltando-se para as palavras e os debates,
pensam que filosofam e que, deste modo, se tornam homens bons: imitando os doentes que
ouvem atentamente as palavras dos médicos, mas que nada fazem daquilo que lhes foi
prescrito. Assim como não estarão bem os corpos daqueles que assim se tratam, do mesmo
modo, as almas daqueles que assim filosofam.

Vedes nestas palavras elegância, variedade e riqueza com ornamentos


ora de palavras ora também de sentenças.
Na verdade, é em muito mais frequente nos livros da Política. Porque a
matéria é civil e apta à eloquência, quase nenhuma passagem é tratada por ele
sem ornamento retórico e cor, de modo que às vezes também busca deleite
oratório em suas palavras. Tal é aquela passagem no sétimo livro da Política
[1323a-b]:

Vemos, ele diz, que os homens não adquirem e conservam as virtudes mediante os
bens externos, mas os bens externos mediante as virtudes, e a própria vida feliz –
encontre-se ela seja na alegria, seja na virtude, seja em ambas as duas – está mais para os
adornados ao máximo com caráter e inteligência, e que, contudo, possuem modestos bens
externos, do que para os que possuem mais bens externos do que seja necessário, mas
carecem de caráter e inteligência.

E em outra passagem [VI, 1322a] sobre a magistratura, que se encarrega


da custódia dos réus, assim diz:

Acontece, pois, que homens certamente bons evitam ao máximo essa magistratura,
porém, de forma alguma é seguro confiá-la aos perversos, quando eles mesmos precisam
mais de custódia e cárcere do que podem vigiar os outros.

Os livros de Platão e Aristóteles estão cheios de ornamentos e belezas


deste tipo, e examiná-los detalhadamente requereria demasiado tempo. O
leitor, por certo, se for versado na matéria, facilmente os reconhecerá. Com
estes exemplos, no entanto, fica bastante evidente que ninguém pode
preservar a majestade do autor primeiro, se não conservar o ornato e o ritmo
dele. Por outro lado, uma tradução dispersa e deselegante destrói
54
Antologia do Renascimento

consequentemente todo mérito e graça do autor primeiro. Por isso, deve-se


considerar um crime de certo modo inexpiável que um homem não totalmente
douto e de bom gosto ponha-se a traduzir.

II.

Uma vez que apresentamos o que ao tradutor convém possuir e


mostramos que as críticas a estes trabalhadores surgem, com razão, de sua
própria obra, se não a tiverem feito corretamente, vejamos agora, por fim,
certa passagem daquela translação. A partir dela, poderemos entender todo o
modo de sua tradução, e julgar se merece crítica ou elogio.
Aristóteles, no quarto livro da Política (pois foi o mesmo tradutor de
ambas as obras, e não importa que sejam tomados exemplos de uma ou de
outra)11, Aristóteles, portanto, no quarto livro da Política [1297a], expõe:

Os homens poderosos e importantes da cidade costumam, por vezes, simular e


encobrir dolosamente algumas coisas para excluir a maioria do povo do governo das coisas
públicas. São, por certo, em número de cinco as ocasiões nas quais usam desta simulação:
assembléias, magistraturas, tribunais, armamentos, exercícios físicos. Instituiu-se grave
punição contra os ricos, caso não participem das assembléias, caso não exerçam uma
magistratura, caso não intervenham nos julgamentos, caso não possuam armas, caso não se
exercitem para as atividades bélicas. Mediante uma punição desta natureza, impelem os
ricos a realizar suas práticas; mas, contra os pobres, não instituem nenhuma punição nessas
áreas, como que considerando a indigência deles. Alega-se, pois, ser esta a causa, mas na
verdade fazem isso para que eles, com tal impunidade permitida, se apartem do governo
das coisas públicas. Com efeito, se realmente isento o castigo, não cuidará de se exercitar
para os usos bélicos, nem quererá possuir armas, uma vez que se lhe permita por lei privar-
se delas, nem exercerá o pobre uma magistratura se o considerar prejudicial, uma vez que
esteja em seu arbítrio exercê-la ou não exercê-la. Também evitará frequentemente o fardo
de julgar, se não for obrigado, e gastará o tempo de melhor grado com suas coisas do que
com deliberações públicas. E assim acontece que os homens mais débeis são, na verdade,
excluídos gradativamente e secretamente da gestão pública sob o pretexto e a desculpa do
abrandamento dos castigos; com os ricos e opulentos, porém, permanecem a administração
e as armas e a perícia de lutar. A partir disso se tornam mais poderosos e, de certo modo,
dominam aos mais débeis.

11
Bruni possivelmente se equivoca, pois uma das hipóteses contemporâneas de maior peso sobre as
traduções de Aristóteles aponta o nome de Roberto Grosseteste (1168-1253) como tradutor ao latim da Ética
a Nicômaco (a tradução mais criticada por Bruni), e o de Guilherme de Moerbeke (1215-1286) como o
tradutor da Política, em 1260. Mas tal equívoco também pode ser explicado pelo fato de que a tradução
realizada por Roberto Grosseteste foi revisada por Guilherme de Moerbeke.
55
Antologia do Renascimento

Esse é o pensamento de Aristóteles, que eu quis explicar mais


amplamente, para que se entendesse de forma mais clara sua reflexão. Agora,
porém, observa de que modo este tradutor verteu ao latim palavras daquele
escritas em grego com distinção e elegância; disso se depreenderá, pois, com
toda a evidência, o modo e a forma da tradução que ele, em geral, se serviu
ao traduzir. Escreve, pois, nosso tradutor deste modo:

Adhuc autem, quaecumque prolocutionis gratia in politiis sapienter loquuntur ad


populum, sunt quinque numero: circa congregationes, circa principatus, circa praetoria,
circa armationem, circa exercitia.
[Até agora, porém, o que falam, nos governos, sabiamente ao povo por motivo de
uma prolocução, são cinco coisas: sobre as congregações, sobre o principado, sobre as
pretorias, sobre o armamento, sobre os exercícios.]

Deus imortal, quem entenderá isso? Quem chamará isso de tradução e


não de delírio e barbárie? Que venham, por favor, os defensores deste tradutor
e defendam, se puderem, esses erros ou deixem de se enfurecer comigo, se o
repreendi.
Primeiramente, pois, o que significa “prolocutionis gratia sapienter
loquuntur ad populum” [falam sabiamente ao povo por motivo de uma
prolocução], o que é, por favor, “falar por motivo de uma prolocução”? Se
realmente os homens falam sabiamente ao povo por motivo de uma
prolocução, deve ser algo certamente grandioso uma prolocução. Ensina-me,
pois, o que é afinal. Pois eu nunca ouvi esta palavra até então, nem a li nem
entendo o que significa. Se esta palavra está em uso em remotos países
bárbaros, ensina-me o que significa entre os bárbaros “falar por motivo de
uma prolocução”. Pois eu, sendo latino, não entendo esta tua barbaridade. Se
prolocutio é o mesmo que prologus ou prooemium, não consegue equivaler-
se; pois os homens não falam ao povo por motivo de um proêmio ou de um
prólogo, mas um proêmio e um prólogo são empregados em razão de um
discurso. Mas se talvez queres dizer que prolocutionis gratia [por motivo de
uma prolocução] é o mesmo que gratia deceptionis et simulationis [por
motivo de engano e dissimulação], que diabos, afinal, é este teu discurso tão
duro e inusitado, que chamas simulatio de prolocutio e interpretas dolose
confingere [fingir enganosamente] como sapienter loqui [falar sabiamente]?
Tudo isso é por demais absurdo! E ainda, quando diz sapienter loquuntur
[falam sabiamente], não há um loquuntur em grego, mas este verbo o tradutor
o adjungiu por conta própria. Enfim, quando diz sapienter, compreende mal.
Sophisma não significa, pois, sapientia [sabedoria], mas deceptio e cauilatio
[engano e cavilação]. Consequentemente, parte acrescenta por sua própria
56
Antologia do Renascimento

conta, parte compreende mal do grego, parte reproduz mal em latim, como ao
dizer prolocutionis gratia quando deveria ser dito sub praetextu aliquo et
simulatione [sob algum pretexto e dissimulação]. Oculta-se, pois, uma causa e
finge-se enganosamente, quando trata-se de uma coisa e simula-se outra.
Obra-se, pois, na verdade, de modo a que os mais fracos sejam excluídos do
governo da coisa pública; simula-se, porém, fazerem-se, em nome dos
benefícios deles, aquelas coisas por causa das quais são excluídos.
Totalmente absurdo é o que apresenta depois: circa congregationem
[sobre a congregação]. Pois a palavra grega significa contio [assembléia], não
congregatio [congregação]. Elas diferem muito entre si. Congregatio
[congregação] é também de animais; de onde dizemos grex [grei]. Contio,
porém, é propriamente uma multidão de pessoas convocadas para deliberar
sobre uma questão pública; e isso significa em grego. Por isso não traduziu
corretamente quando transpôs uma coisa pela outra, nem conservou a índole
da palavra grega. Mas esse é um pecado venial.
Por outro lado, não é digno de nenhuma desculpa aquilo que apresenta
como circa praetoria [sobre as pretorias]. Ao que chamou praetoria devia
dizer iudicia [julgamentos]. Pois dizemos iudicium furti [julgamento por
furto] e não praetorium furti [pretoria por furto], e res iudicata [questão
julgada], não praetoriata [pretoriada], e probationes in iudicio factas [provas
aduzidas em julgamento], e iudicium de dolo malo [julgamento por dolo
mau]. Enfim, em grego dicastes, iudex [juiz] em latim; dicasterion, em grego,
em latim iudicium [julgamento]. Isto é palavra por palavra. Este, na verdade,
delira e ignora o que até as crianças sabem.
Circa principatus [sobre os principados] diz ele. Este é outro absurdo,
pois devia dizer magistratus [cargo público]. Principatus é próprio do
imperador ou do rei; e nunca diríamos que pretores, cônsules, tribunos da
plebe, edis curuis e administradores de provisões de víveres e outros do
gênero principatum habere [têm um principado], mas que magistratum gerere
[exercem cargo público]. É, pois, um magistratus um poder concedido pelo
povo ou pelo governante a um único homem ou a vários; um principatus é um
tipo de supereminência, à qual todos os demais poderes obedecem. Assim,
dizemos que Otaviano, Cláudio, Vespasiano foram principes; ninguém,
porém, chamaria de princeps a Sêneca, que foi cônsul nos tempos de Nero,
pois, então, Nero era o princeps, não Sêneca; nem o consulado de Sêneca era
um principatus, mas um magistratus; tampouco se diria magistratus ao
imperium [poder supremo] de Nero, mas principatus. Isso é mais claro do que
a luz. E nenhum dos latinos letrados chamou assim de principatus aos ofícios
e poderes concedidos aos cidadãos. Dizemos também princeps
metaforicamente, como princeps senatus [príncipe do senado], isto é, o

57
Antologia do Renascimento

primeiro homem no senado; princeps iuuentutis [príncipe da juventude],


quem entre os jovens é considerado o primeiro em fama e honra. Esse é o uso
linguístico latino. O nosso tradutor talvez não fosse indouto em outras coisas,
mas foi profundamente ignaro das letras.
Por fim, apresenta circa armationem, circa exercitia [sobre o
armamento, sobre os exercícios]. Essas são duas puerilidades: armatio,
porque não a temos muito em uso; exercitia, porém, indicam todos as
operações em geral, sem qualquer distinção. Aristóteles, no entanto, o
apresenta de modo a designar os exercícios físicos nos usos bélicos.
Retomando depois o que havia anteriormente enumerado, acrescenta as
seguintes palavras:

Sobre a congregação: a todos é permitido participar da congregação; aos ricos,


porém, é imposto um dano, se não participarem da congregação, ou a eles sozinhos ou de
um modo mais amplo. Sobre o principado: aos que possuem honorabilidade não é
permitido abjurar, aos pobres, porém, é permitido. Sobre as pretorias: aos ricos, por certo,
há dano, se não intervêm, aos pobres, porém, há licença, ou, a uns grande dano, a outros,
pequeno. Do mesmo modo, tanto sobre o possuir armas como sobre o exercitar-se as leis
ditam: aos pobres, por certo, é permitido não possuí-las, aos ricos, porém, que não as
possuem, é danoso. E se não se exercitam, àqueles por certo nenhum dano, aos ricos,
porém, é danoso, a fim de que estes participem por causa do dano, e aqueles não
participem por não o temerem. Por isso, estas, na verdade, são sofísticas questões
oligárquicas da legislação.

Oh elegância de Aristóteles! que com tanto empenho escreveu sobre a


arte retórica, que com tanto esplendor e tanto ornato cumulou seus livros.
São-lhe atribuídas em latim estas coisas tão balbuciantes, tão absurdas, tão
inexpressivas, de modo a que se diga prolocutiones, honorabilitates, propter
non discuti, propter non scribi, oligarchica sophistica legislationis
[prolocuções, honorabilidades, por não intervirem, por não escreverem,
sofísticas questões oligárquicas da legislação] e, como esses, outros portentos
verbais, que dificilmente seriam toleráveis entre as crianças que aprendem as
primeiras letras?
Mas deixemos os lamentos e vejamos, ademais, entre aquela ineptidão,
os erros de expressão. Porque disse: “damnum imponi diuitibus, si non
intersint congregationi”, [aos ricos, porém, é imposto um dano, se não
participarem da congregação] quando deveria ser dito poena [castigo] e não
damnum [dano]. Embora uma condenação [damnatio] implique um castigo,
uma coisa é, contudo, damnum, outra poena. Pois dano causam tanto os
ladrões quanto as aves e os quadrúpedes, porém a pena é imposta pela lei, se

58
Antologia do Renascimento

alguém atua contrariamente ao que ela determina. Tampouco deveria ser dito
congregatio [congregação], mas contio [assembléia].
No tocante ao que apresenta depois, “habentibus honorabilitatem non
licere abiurare principatus” [aos que possuem honorabilidade não é permitido
abjurar o principado], há três termos – honorabilitas, principatus e abiurare –
cada um dos quais colocado equivocadamente. Sobre principatus foi
mostrado acima mediante argumentos muito evidentes que não deveria ser
dito principatus, mas magistratus. Vejamos, porém, agora sobre honorabilitas
e abiurare. Pergunto, portanto, o que quer dizer “honorabilitatem non licere
abiurare”? Se são pessoas honoráveis, como cavaleiros ou nobres, não podem
abjurar, contudo, mercadores e pessoas do povo podem, ainda que sejam mais
ricos que os cavaleiros e os nobres? Ou como se consideram estas coisas?
Mas se a lei considera a honra, não a riqueza, também os nobres, se forem
pobres, são compelidos a exercer cargos públicos, porém os plebeus, ainda
que sejam riquíssimos, poderão renunciar. Pois embora sejam ricos, não têm
honorabilidade. Ou diremos que o pobre tem efetivamente honorabilidade, se
for bom, mas o rico não tem, se for ímprobo? Contudo, consta que o homem
bom é honorável, embora seja pobre, porém, o mau é vituperável, embora seja
rico. Não se pode, contudo, negar que quem é honorável tem honorabilidade.
E se isso é assim, por que diz ele “habentibus honorabilitatem non licere,
egenis autem licere” [aos que têm honorabilidade não é permitido, porém aos
pobres é permitido], como se honorabiles [honoráveis] e egeni [pobres]
fossem contrários?
Que responderá a isso nosso tradutor? Nada, certamente, que seja
correto, pois, uma vez cometida uma incoerência seguem-se outras mais. Pois
nosso tradutor, por desconhecimento da língua disse honorabilitas quando
deveria dizer census [censo]. É, pois, o censo o valor do patrimônio, que ele,
com um vocábulo estúpido, inadequado e inusitado, chamou de
honorabilidade. A partir desta palavra, que inconvenientemente derivou de
honor, resultarão, por assim dizer, mil incoerências. Pois devia ser dito
census, não honorabilitas; este é o nome conveniente e propriamente
correspondente em grego; honorabilitas, porém, é inconveniente e totalmente
inoportuno. Pois quase todas as cidades dos gregos eram governadas segundo
o censo. Também em Roma, o censo foi instituído pelo rei Sérvio Túlio.
Dividiu a cidade não conforme as regiões, mas conforme o censo, criando
uma só classe daqueles cidadãos que tinham um censo acima de cem mil
asses, outra classe dos que tinham um censo de 100 mil a 75 mil asses, uma
terceira dos que tinham um censo de 75 mil a 50 mil asses, e assim em escala
descendente até chegar a 5 mil asses. Abaixo deste número deixou sem censo,
como se fossem fracos e desvalidos. A partir do censo, pois, estabeleceu os
encargos que deveriam ser aportados na paz e na guerra. Contudo, porque os
59
Antologia do Renascimento

patrimônios diminuem ou aumentam, estabeleceu que se recenseasse de cinco


em cinco anos. Chamaram a este quinquênio de lustrum [lustro]; e os
magistrados que presidissem ao censo foram chamados censores. Entre os
gregos, contudo, os censores são chamados timetai, e o censo, timema. Mas
aquele bom tradutor não havia lido isso. Na verdade, devaneou honorabilitas
no lugar de census, criando por si mesmo uma nova palavra que ninguém
antes empregara.
E quando disse “licere abiurare magistratum” [é permitido abjurar o
cargo público], duvido que a palavra abiurare esteja empregada corretamente;
pois uma preposição adjungida ao verbo iuro parece significar “falso
juramento”, como periurare [jurar em falso], deierare [comprometer-se com
juramento falso], abiurare [negar com juramento falso]. Salústio escreve
sobre Semprônia que ela creditum abiurauerat12 [abjurara uma dívida]; que
ela soubera de crimes. Abiurare creditum significa livrar-se de uma dívida
contraída sob falso juramento. Por isso, abiurare magistratum seria renegar
um cargo público sob falso juramento, o que não condiz com a sentença em
questão.
Aquilo que apresenta equivocadamente sobre praetoria (“diuitibus esse
damnum, si non discutiant, egenis uero licentiam” [aos ricos há dano, se não
intervêm, aos pobres, porém, há licença]), mostramos suficientemente acima:
deve se dizer iudicia [julgamentos] e não praetoria [pretorias], poena
[castigo] e não damnum [dano]. Nos quais o erro é tão torpe que, de tanta
ignorância e rudeza, deveria envergonhar até as crianças que aprendem as
primeiras letras. Em seguida, quando diz “si no discutiant” [se não intervêm]
é do máximo desconhecimento. Pois também os juízes pouco diligentes por
vezes não intervêm nas questões que julgam. Ao pobre, porém, não se lhe
permite que seja juiz e não intervenha, mas pode se escusar pelo ônus do
julgar.
Seguem-se, então, outras barbaridades até à preclara conclusão, quando
diz “haec quidem igitur sunt oligarchica sophistica legislationis” [por isso
essas são, pois, sofísticas questões oligárquicas da legislação]. Enquanto as
leio, por um lado lamento, por outro rio. Lamento que a elegância daqueles
livros foi transformada em tamanha barbaridade; rio, contudo, porque as
palavras daquela conclusão parecem-me como certos medicamentos. Pois
dizer “oligarchica sophistica legislationis” é como se alguém dissesse
“aromatica stypica primae decoctionis” [adstringentes aromáticos de primeira
decocção]. Oh, que ingenuidade a minha pedir que membros, incisos e
períodos, e estilos, e ornamentos de palavras e de pensamentos fossem

12
Salústio, A Conjuração de Catilina, XXV, 4: “Sed ea saepe antehac fidem prodiderat, creditum
abiurauerat, caedis conscia fuerat, luxuria atque inopia praeceps abierat.”
60
Antologia do Renascimento

conservados por homens desta natureza, que não só não percebem estas
coisas, como nem sequer parecem possuir as primeiras letras, tamanhas são a
ignorância e a rudeza de expressão.
Que dizer das palavras deixadas em grego, que são muitíssimas, a ponto
de sua tradução parecer algo semigrega? No entanto, nada foi dito em grego
que não possa ser dito em latim. Concederei, contudo, licença para umas
poucas palavras demasiadamente estranhas e obscuras, se não puderem ser
adequadamente traduzidas ao latim. Sem dúvida, é da máxima ignorância
deixar em grego vocábulos para os quais temos excelentes correspondentes.
Por que, pois, me deixas em grego politeia, quando podes e deves dizer a
palavra latina res publica? Por que tu me repetes em mil passagens
oligarchia, democratia, aristocratia, e feres os ouvidos dos leitores com
nomes dos mais desaconselhados e desconhecidos, quando temos em latim
vocábulos muitíssimo excelentes e usados para todos eles? Pois nossos latinos
disseram paucorum potentia [poder de poucos], e popularis status [estado
popular], e optimorum gubernatio [governo dos nobres]. Por isso, é melhor
falar deste modo em latim ou deixar aquelas palavras em grego como estão?
Epieikeia é parte da justiça que nossos jurisconsultos denominam ex
bono et aequo [do bom e equânime]. Diz um jurisconsulto: “A lei escrita é
assim, porém deve ser entendida de acordo com o bom e o equânime, por um
lado segundo o rigor da lei, por outro segundo a equanimidade”. E em outro
lugar diz: “A lei é a arte do bom e do equânime”. Por que tu, pois, me deixas
em grego epieikeia, palavra para mim desconhecida, quando podes dizer ex
bono et aequo, como dizem nossos jurisconsultos? Isso não é traduzir, mas
confundir, nem lançar luz às coisas, mas trevas.
Que dizer da suavidade e da harmonia do discurso, nas quais Aristóteles
parece certamente haver se empenhado muito em grego? Nisso o tradutor é
tão dispersivo e desleixado que é lastimável considerar tamanha confusão.
Cansa-me relatar outras questões. E a tradução dele está cheia de tais e ainda
de maiores absurdos e delírios, pelos quais todo entendimento e clareza
daqueles livros são transformados miseravelmente, e tais livros tornam-se de
suaves ásperos, de formosos deformes, de elegantes intrincados, de sonoros
ábsonos, e em vez de graça e apuro assumem uma rusticidade deplorável, a tal
ponto que, se alguma sensibilidade há no outro mundo com respeito às nossas
coisas, Aristóteles se indigne e se condoa de que livros seus sejam assim
maltratados por homens inábeis, e negue serem seus os que estes traduziram,
e suporte com muitíssimo pesar que se escreva seu nome sobre eles. Isso,
pois, eu então lhe critiquei, e ainda agora critico.

61
Antologia do Renascimento

III.

Que, porém, minhas críticas não são estranhas ao costume dos homens
mais instruídos, comprovam-no tanto Jerônimo quanto Cícero. Se as críticas
deles se leem em situações similares, as minhas parecerão ser tanto mais
clementes quanto os nossos ouvidos tornaram-se já, de certa forma,
insensíveis às corrupções deste tipo por causa da ignorância do século. A eles,
contudo, pareceriam como que monstruosidades e manifestações inauditas.13

Tradução:

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com

13
Em todos os manuscritos conservados, o texto é interrompido aqui. A julgar pelo que Bruni propunha no
prefácio, a obra ficou incompleta em sua terceira e última parte.
62
Antologia do Renascimento

De interpretatione recta (1420)

Cum Aristotelis libros ad Nicomachum scriptos e Graeca lingua in


Latinum uertissem, praefationem apposui, in qua per multos errores
interpretis antiqui disserendo redargui. Has redargutiones meas nonnulli, ut
audio, carpunt quasi nimium inclementes. Aiunt enim: etsi errores inerant,
tamen illum, quantum intellexit, bona fide in medium protulisse, nec pro eo
reprehensionem mereri, sed laudem. Consueuisse moderatos disputatores
etiam manifesta errata non usque adeo aperire, sed factis potius redarguere
quam uerbis insectari.
Ego autem fateor me paulo uehementiorem in reprehendendo fuisse, sed
accidit indignatione animi, quod, cum uiderem eos libros in Graeco plenos
elegantiae, plenos suauitatis, plenos inaestimabilis cuiusdam decoris, dolebam
profecto mecum ipse atque angebar tanta traductionis faece coinquinatos ac
deturpatos eosdem libros in Latino uidere. Vt enim, si pictura quadam
ornatissima et amoenissima delectarer, ceu Protogenis aut Apellis aut
Aglaophontis, deturpari illam grauiter ferrem ac pati non possem et in
deturpatorem ipsum uoce manuque insurgerem, ita hos Aristotelis libros, qui
omni pictura nitidiores ornatioresque sunt, coinquinari cernens cruciabar
animo ac uehementius commouebar. Si cui ergo uehementiores uisi sumus,
hanc nos causam nouerit permouisse, quae profecto talis est, ut, etsi modum
transgressi fuissemus, tamen uenia foret nobis haud immerito concedenda.
Sed non sumus transgressi modum iudicio nostro, sed quamuis
indignantes modestiam tamen humanitatemque seruauimus. Sic enim cogita!
An ego quicquam in mores illius dixi? An in uitam? An ut perfidum, ut
improbum, ut libidinosum illum reprehendi? Nihil profecto horum. Quid
igitur in illo reprehendi? Imperitiam solummodo litterarum. Haec autem, per
deum immortalem, quae tandem uituperatio est? An non potest quis esse uir
bonus, litteras tamen aut nescire penitus aut non magnam illam, quam in isto
requiro, peritiam habere? Ego hunc non malum hominem, sed malum
interpretem esse dixi. Quod idem fortasse de Platone dicerem, si gubernator
nauis esse uellet, gubernandi uero peritiam non haberet. Nihil enim de
philosophia ei detraherem, sed id solummodo carperem, quod imperitus et
ineptus gubernator esset.
Atque ut tota res ista latius intelligatur, explanabo tibi primo, quid de hac
interpretandi ratione sentio. Deinde merito reprehensiones a me factas
docebo. Tertio me in reprehendendo illius errata doctissimorum hominum
morem obseruasse ostendam.

63
Antologia do Renascimento

I.

Dico igitur omnem interpretationis uim in eo consistere, ut, quod in


altera lingua scriptum sit, id in alteram recte traducatur. Recte autem id facere
nemo potest, qui non multam ac magnam habeat utriusque linguae peritiam.
Nec id quidem satis. Multi enim ad intelligendum idonei, ad explicandum
tamen non idonei sunt. Quemadmodum de pictura multi recte iudicant, qui
ipsi pingere non ualent, et musicam artem multi intelligunt, qui ipsi sunt ad
canendum inepti.
Magna res igitur ac difficilis est interpretatio recta. Primum enim notitia
habenda est illius linguae, de qua transfers, nec ea parua neque uulgaris, sed
magna et trita et accurata et multa ac diuturna philosophorum et oratorum et
poetarum et ceterorum scriptorum omnium lectione quaesita. Nemo enim, qui
hos omnes non legerit, euoluerit, uersarit undique atque tenuerit, uim
significataque uerborum intelligere potest, praesertim cum Aristoteles ipse et
Plato summi, ut ita dixerim, magistri litterarum fuerint ac usi sint
elegantissimo scribendi genere ueterum poetarum et oratorum et historicorum
dictis sententiisque referto, et incidant frequenter tropi figuraeque loquendi,
quae aliud ex uerbis, aliud ex consuetudine praeiudicata significent.
Qualia sunt apud nos: gero tibi morem et desiderati milites et boni
consule et operae pretium fuerit et negotium facesso et milia huiuscemodi.
Quid enim sit gerere et quid mos, etiam rudis lector intelligit; quod uero
totum significat, aliud est. Desiderati milites centum, si uerba attendas, aliud,
si consuetudinem, perierunt. Idem est de ceteris, quae supra posuimus, cum
aliud uerba, aliud sententia uerborum significet. Deprecor hoc negationem
dicit. Rudis autem lector et inexercitatus perinde capiet, quasi illud uelit, quod
deprecatur, etsi interpretandum sit: contrarium mihi dicet, quam littera habeat,
de qua transfert.
Iuuentus et iuuenta duo sunt, quorum alterum multitudinem, alterum
aetatem significat. “Si mihi foret illa iuuenta”, inquit Virgilius; et alibi:
“primaeuo flore iuuentus exercebat equos”; et Liuius: “armata iuuentute
excursionem in agrum Romanum fecit.”– Deest et abest: Alterum
uituperationem, alterum laudem importat. Deesse namque dicimus, quae bona
sunt, ut oratori uocem, histrioni gestum; abesse autem uitia, ut medico
imperitiam, causidico praeuaricationem. Poena et malum affinia uidentur;
sunt autem longe diuersa. Nam dare poenas: subire est ac perpeti; dare autem
malum est: alteri inferre. Contra uero: Quid alienius uideri potest quam
recipio et promitto. Sunt tamen interdum eadem. Cum enim dicimus recipio
64
Antologia do Renascimento

tibi hoc, nihil aliud significamus quam promitto. Possem innumerabilia paene
huius generis commemorare, in quibus, qui non plane doctus sit, perfacile
aberret. Qui ergo ista non intuitus fuerit, aliud pro alio capiet.
Saepe etiam ex uno aut altero uerbo totas sententias significamus; ut
“actoris Aurunci spolium”, quod ridicule de speculo poeta dixit; et illud
“utinam ne in nemore Pelio”, quod originem causamque mali primaeuam
ostendit. Haec apud Graecos frequentissima sunt. Nam et Plato multis in locis
talia interserit –, et Aristoteles crebro his utitur. Vt: “duo simul euntes”, quod
ab Homero sumptum ad uim ac robur amicitiae transfert. Et “de surreptitio
repulso”, quod ab Achille in oratione ad legatos dictum in Politicorum libris
expressit. Et “de Helenae pulchritudine et gratia”, quod a senioribus
Troianorum sapienter dictum transfert ad naturam uoluptatis.
Latus est hic ad dicendum campus. Nam et Graeca lingua diffusissima
est, ac innumerabilia sunt huiusmodi apud Aristotelem et Platonem de
Homero, de Hesiodo, de Pindaro, de Euripide ac de ceteris ueteribus poetis
scriptoribusque assumpta, et alioquin crebrae interseruntur figurae, ut, nisi
quis in multa ac uaria lectione omnis generis scriptorum uersatus fuerit,
perfacile decipiatur ac male capiat, quod est transferendum.
Sit igitur prima interpretis cura linguam illam, de qua sumit, peritissime
scire, quod sine multiplici et uaria ac accurata lectione omnis generis
scriptorum numquam assequetur.
Deinde linguam eam, ad quam traducere uult, sic teneat, ut quodammodo
in ea dominetur et in sua totam habeat potestate; ut, cum uerbum uerbo
reddendum fuerit, non mendicet illud aut mutuo sumat aut in Graeco relinquat
ob ignorantiam Latini sermonis; uim ac naturam uerborum subtiliter norit, ne
modicum pro paruo, ne iuuentutem pro iuuenta, ne fortitudinem pro robore,
ne bellum pro proelio, ne urbem pro ciuitate dicat. Praeterea inter diligere et
amare, inter eligere et expetere, inter cupere et optare, inter persuadere et
perorare, inter recipere et promittere, inter expostulare et conqueri et
huiusmodi paene infinita quid intersit, discernat. Consuetudinis uero
figurarumque loquendi, quibus optimi scriptores utuntur, nequaquam sit
ignarus; quos imitetur et ipse scribens, fugiatque et uerborum et orationis
nouitatem, praesertim ineptam et barbaram.
Haec omnia, quae supra diximus, necessaria sunt. Et insuper ut habeat
auris seuerumque iudicium, ne illa, quae rotunde ac numerose dicta sunt,
dissipet ipse quidem atque perturbet. Cum enim in optimo quoque scriptore et
praesertim in Platonis Aristotelisque libris et doctrina rerum sit et scribendi
ornatus, ille demum probatus erit interpres, qui utrumque seruabit.

65
Antologia do Renascimento

Denique interpretis uitia sunt: si aut male capit, quod transferendum est,
aut male reddit aut si id, quod apte concinneque dictum sit a primo auctore,
ipse ita <conuertit>, ut ineptum et inconcinnum et dissipatum efficiatur.
Quicumque uero non ita structus est disciplina et litteris, ut haec uitia effugere
cuncta possit, is, si interpretari aggreditur, merito carpendus et improbandus
est, uel quia homines in uarios errores impellit aliud pro alio afferens, uel quia
maiestatem primi auctoris imminuit ridiculum absurdumque uideri faciens.
Dicere autem: non uituperationem, sed laudem mereri eum, qui, quod habuit,
in medium protulit, nequaquam rectum est in his artibus, quae peritiam
flagitant. Neque enim poeta, si malos facit uersus, laudem meretur, etsi bonos
facere conatus est, sed eum reprehendemus atque carpemus, quod ea facere
aggressus fuerit, quae nesciat. Et statuarium uituperabimus, qui statuam
deformarit, quamuis non per dolum, sed per ignorantiam id fecerit. Vt enim ii,
qui ad exemplum picturae picturam aliam pingunt, figuram et statum et
ingressum et totius corporis formam inde assumunt nec, quid ipsi facerent,
sed, quid alter ille fecerit, meditantur: sic in traductionibus interpres quidem
optimus sese in primum scribendi auctorem tota mente et animo et uoluntate
conuertet et quodammodo transformabit eiusque orationis figuram, statum,
ingressum coloremque et liniamenta cuncta exprimere meditabitur. Ex quo
mirabilis quidam resultat effectus.
Nam cum singulis fere scriptoribus sua quaedam ac propria sit dicendi
figura, ut Ciceroni amplitudo et copia, Sallustio exilitas et breuitas, Liuio
granditas quaedam subaspera: bonus quidem interpres in singulis traducendis
ita se conformabit, ut singulorum figuram assequatur. Itaque, siue de Cicerone
traducet, facere non poterit, quin comprehensiones illius magnas quidem et
uberes et redundantes simili uarietate et copia ad supremum usque ambitum
deducat ac modo properet, modo se colligat. Siue de Sallustio transferet,
necesse habebit de singulis paene uerbis iudicium facere proprietatemque et
religionem plurimam sequi atque ob hoc restringi quodammodo atque concidi.
Siue de Liuio traducet, facere non poterit, quin illius dicendi figuram imitetur.
Rapitur enim interpres ui ipsa in genus dicendi illius, de quo transfert, nec
aliter seruare sensum commode poterit, nisi sese insinuet ac inflectat per illius
comprehensiones et ambitus cum uerborum proprietate orationisque effigie.
Haec est enim optima interpretandi ratio, si figura primae orationis quam
optime conseruetur, ut neque sensibus uerba neque uerbis ipsis nitor
ornatusque deficiat.
Sed cum sit difficilis omnis interpretatio recta propter multa et uaria,
quae in ea (ut supra diximus) requiruntur, difficillimum tamen est illa recte
transferre, quae a primo auctore scripta sunt numerose atque ornate. In
oratione quippe numerosa necesse est per cola et commata et periodos

66
Antologia do Renascimento

incedere ac, ut apte quadrateque finiat comprehensio, diligentissime


obseruare.
In exornationibus quoque ceteris conseruandis summa diligentia erit
adhibenda. Haec enim omnia nisi seruet interpres, prima orationis maiestas
omnino deperit et fatiscit. Seruari autem sine magno labore magnaque peritia
litterarum non possunt. Intelligendae sunt enim ab interprete huiuscemodi, ut
ita dixerim, orationis uirtutes ac in ea lingua, ad quam traducit, pariter
representandae. Cumque duo sint exornationum genera – unum, quo uerba,
alterum, quo sententiae colorantur –, utrumque certe difficultatem traductori
affert, maiorem tamen uerborum quam sententiarum colores, propterea quod
saepe huiusmodi exornationes numeris constant, ut cum paria paribus
redduntur aut contraria contrariis uel opposita inter se, quae Graeci “antitheta”
uocant. Frequenter enim uerba Latina uel plus uel minus syllabarum habent
quam Graeca, neque par sonus auribus faciliter correspondet. Iacula quoque,
quae interdum iacit orator, ita demum fortiter feriunt, si numeris
contorquentur. Nam fluxa et decurtata uel inepte cadentia minus confodiunt.
Haec igitur omnia diligentissime cognoscenda sunt ab interprete et seruatis ad
ungem numeris effingenda.
Quid dicam de sententiarum exornationibus, quae orationem illustrant
plurimum et admirabilem reddunt? Et tam hae quam superiores frequenter ab
optimis scriptoribus adhibentur. An poterit interpres eas sine flagitio uel
ignorare uel praeterire uel non seruata illarum maiestate transferre?
De quibus omnibus, quo melius ea, quae dixi, intelligantur, exempla
quaedam adscribere libuit, ut conspicuum sit non ab orationibus modo, uerum
etiam a philosophis huiusmodi exornationes frequentari et maiestatem
orationis totam perire, nisi seruata earum figura transferantur.
Plato philosophus in eo libro, qui dicitur Phaedrus, ornate sane ac
numerose locum quemdam pertractat. Verba illius hic adscripsi paulo altius
repetita. Sunt autem haec:

O puer, unicum bene consulere uolentibus principium est: intelligere, de quo sit
consilium, uel omnino aberrare necesse. Plerosque uero id fallit, quia nesciunt rei
substantiam. Tamquam igitur scientes non declarant in principio disceptationis,
procedentes uero, quod par est, consequitur, ut nec sibi ipsis neque aliis consentanea
loquantur. Tibi igitur et mihi non id accidat, quod in aliis damnamus. Sed cum tibi atque
mihi disceptatio sit, utrum amanti potius uel non amanti sit in amicitiam eundum, de
amore ipso, quale quid sit et quam habeat uim, diffinitione ex consensu posita, ad hoc
respicientes referentesque considerationem faciamus, emolumentumne an detrimentum
afferat?
Quod igitur cupiditas quaedam sit amor, manifestum est. Quod uero etiam qui non
amant cupiunt, scimus. Rursus autem, quo amantem a non amante discernamus, intelligere
67
Antologia do Renascimento

oportet, quia in uno quoque nostrum duae sunt ideae dominantes atque ducentes, quas
sequimur, quacumque ducunt: Una innata nobis uoluptatum cupiditas, altera acquisita
opinio, affectatrix optimi. Hae autem in nobis quandoque consentiunt, quandoque in
seditione atque discordia sunt; et modo haec, modo altera peruincit.
Opinione igitur ad id, quod sit optimum, ratione ducente ac suo robore peruincente
temperantia exsistit; cupiditate uero absque ratione ad uoluptates trahente nobisque
imperante libido uocatur. Libido autem, cum multiforme sit multarumque partium, multas
utique appellationes habet. Et harum formarum quae maxime in aliquo exsuperat, sua
illum nuncupatione nominatum reddit nec ulli ad decus uel ad dignitatem acquiritur. Circa
cibus enim superatrix rationis et aliarum cupiditatum cupiditas ingluuies appellatur et eum,
qui hanc habet, hac ipsa appellatione nuncupatum reddit. Rursus quae circa ebrietates
tyrannidem exercet ac eum, quem possidet, hac ducens patet, quod habebit cognomen? Et
alias harum germanas et germanarum cupiditatum nomina, semper quae maxime
dominatur, quemadmodum appellare deceat, manifestum est. Cuius autem gratia superiora
diximus, fere iam patet. Dictum tamen, quam non dictum, magis patebit. Quae enim sine
ratione cupiditas superat opinionem ad recta tendentem rapitque ad uoluptatem formae et a
germanis, quae sub illa sunt circa corporis formam, cupiditatibus roborata peruincit et
ducit, ab ipsa insolentia, quod absque more fiat, amor uocatur.

Totus hic locus insigniter admodum luculenterque tractatus est a Platone.


Insunt enim et uerborum, ut ita dixerim, deliciae et sententiarum mirabilis
splendor. Et est alioquin tota ad numerum facta oratio. Nam et “in seditione
esse animum” et “circa ebrietates tyrannidem exercere” as cetera huiusmodi
translata uerba quasi stellae quaedam interpositae orationem illuminant. Et
“innata nobis voluptatum cupiditas”, “acquisita uero opinio, affectatrix
optimi” per antitheta quaedam dicuntur; opposita siquidem quodammodo sunt
innatum et acquisitum, cupiditasque uoluptatum et opinio ad recta
contendens. Iam uero quod inquit “huius germanae germanarumque
cupiditatum nomina” et “superatrix rationis aliarumque cupiditatum
cupiditas” et “utrum amanti potius uel non amanti sit in amicitiam eundum?”,
haec omnia uerba inter se festiue coniuncta tamquam in pauimento ac
emblemate uermiculato summam habent uenustatem. Illud praeterea quod
inquit “cuius gratia diximus, fere iam patet; dictum tamen, quam non dictum,
magis patebit”, membra sunt duo paribus interualis emissa, quae Graeci cola
appellant. Post haec ambitus subicitur plenus et perfectus: “quae enim sine
ratione cupiditas superat opinionem ad recta tendentem rapitque ad
uoluptatem formae et a germanis, quae sub illa sunt circa corporis formam,
cupiditatibus roborata peruincit et ducit, ab ipsa insolentia, quod absque more
fiat, amor uocatur”. Videtis in his omnibus sententiarum splendorum ac
uerborum delicias et orationis numerositatem; quae quidem omnia nisi seruet
interpres, negari non potest quin detestabile flagitium ab eo commitatur.
In eodem libro rotunde admodum et significanter per continuationem
uerba posuit, inquiens:
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Antologia do Renascimento

Hanc tibi, o dilecte amor, nostra pro facultate, quam pulcherrime optimeque
ualuimus, poetico quasi more palinodiam cecinimus. Quare et antedictorum ueniam
praesta, et horum gratia mihi propitius assiste. Tum, si quid indignum tuo numine a
Phaedro et me dictum sit, Lysiam huius disputationis patrem accusans, ab huiusmodi
sermonibus desistere facias, et ad philosophiam quemadmodum frater eius Polemarchus
uersus est, ita illum conuerte. Haec ipsa et ego deum oro, o Socrates. Tuum uero
sermonem iam pridem admiror. Quam ualde superiori antecellit; ut iam uereri incipiam, ne
Lysias mihi exilis exanguisque uideatur si pergat ad hunc tuum alium suum conferre.

Totus hic locus in Graeco ualde insignis et numerosus est et amoenus.


Nos autem in Latinum transferentes an seruauerimus maiestatem
elegantiamque primi auctoris nescimus. Conati certe sumus illam seruare.
Quid Aristoteles? An et ipse ornamenta dicendi eodem modo
consectatur? Mirifice profecto atque creberrime, ut ego ipse interdum
admirari cogar tantam eius rei curam in medio subtilissimarum disputationum
philosopho adfuisse. Referam uero unum aut alterum locum exempli gratia.
Aristoteles in decimo Ethicorum libro, cum de felicitate contemplatiui
hominis loquerentur, sic inquit:

Esse uero perfectam felicitatem contemplatiuam quandam operationem uel ex eo


patebit, quod deos maxime existimamus felices ac beatos esse. At quas res illis tribuimus
agendas? Vtrum iustas? At erit ridiculum si in contractibus ac reddentis depositis et
huiusmodi rebus occupati dicantur. Sed an fortes in sustinendis terroribus et periculis
subeundis honesti causa? At quaenam pericula et qui terrores esse diis possunt? An
liberales? At cui dabunt? Et simul absurdum est dicere illis esse nummos uel aliquid tale.
An modestas? At quid tandem ista laus est non habentibus prauas cupiditates? Ita per
omnia discurrenti apparebit in rebus agendis paruum quiddam esse et indignum numine
deorum. Atqui uiuere illos cuncti existimant. Et operari ergo. Nam dormire eos dicendum
non est, quemadmodum Endymionem. Viuenti autem si nec agere quicquam tribuatur et
multo magis nec facere, quid restat tandem praeter contemplationem? Quare operatio dei
beatitudine praecellens contemplatiua quaedam esset. Et in hominibus ergo illa, quae huic
cognatissima est, erit utique felicissima!

Ne Demosthenes quidem aut Cicero, qui uerborum dicendique artifices


existunt, melius hanc exornationem explicassent, quam est ab Aristotele
explicata. Idem in secundo Ethicorum inquit:

Non enim ex eo, quia saepe audiuimus aut saepe uidimus, sensum accepimus, sed
contra habentes usi sumus, non utentes habuimus. At uirtutes acquirimus operando prius,
quemadmodum et in aliis artibus. Quae enim oportet postquam didicerimus facere, ea
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Antologia do Renascimento

faciendo addiscimus, ceu fabricando fabri et citharam pulsando citharedi; sic iusta agendo
iusti et modesta modesti et fortia fortes efficiuntur.

In eodem quoque libro de hoc ipso loquens sic inquit:

Praeterea nequaquam simile est in artibus et uirtutibus. Nam quae ab arte procedunt
laudem in se habent, quare sufficit illa ita exsistere. Sed quae a uirtute proficiscuntur, non
satis est si ipsa iuste, quodammodo se habent et modeste agantur, sed si agens ita egerit:
primo si sciens, secundo si eligens et eligens propter ipsa, tertio si certo et immobili
iudicio agat. Ad ceteras uero artes habendas nihil horum requiritur praeter quam scientia.
At in uirtutibus scire ipsum parum est aut nihil. Vti uero atque exercere plurimum imo
totum ualet, utpote quae ex frequenti actione iustorum modestorumque proueniant. Res
enim tunc iusta et modesta dicitur quando talis est qualem iustus et modestus ageret. Iustus
autem et modestus est non qui hoc agit, sed qui sic agit ut iusti et modesti agunt. Bene ergo
dicitur quod quis iusta agendo iustus fit et modesta modestus, non agendo autem nullus ut
bonus sit ne curare quidem uidetur. Sed plerique non ita faciunt, uerum ad uerba
disputationemque conuersi putant se philosophari atque ita uiros bonos fieri: aegrotos
imitati, qui uerba medicorum audiunt quidem diligenter, faciunt autem nihil ex his quae
sibi praecepta sunt. Vt ergo illorum corporibus non bene erit qui ita curantur, sic ne
illorum animis qui ita philosophantur.

Videtis in his uerbis elegantiam, uarietatem et copiam cum


exornationibus tum uerborum tum etiam sententiarum.
In libris uero Politicorum multo crebrior est. Quod enim materia est
ciuilis et eloquentiae capax, nullus fere locus ab eo tractatur sine rhetorico
pigmento atque colore, ut interdum etiam festiuitatem in uerbis oratoriam
persequatur. Quale est illud in septimo Politicorum libro:

Videmus, inquit, homines acquirere et tueri non uirtutes externis bonis, sed externa
uirtutibus, ipsaque beata uita - siue et gaudio posita est, siue in uirtute, siue in ambobus -
magis existit moribus et intellectu in excessum ornatis, mediocria uero externa
possidentibus, quam his qui externorum plura possident quam opus sit, moribus uero
intelligentiaque deficiant.

Et alio loco de magistratu, qui custodiae reorum praesit, sic inquit:

Contingit uero, ut boni quidem uiri maxime hunc magistratum deuitent, prauis autem
nequaquam tutum sit illum committere, cum ipsi potius indigeant custodia et carcere,
quam alios debeant custodire.

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Antologia do Renascimento

Pleni sunt Platonis Aristotelisque libri exornationum huiusmodi ac


uenustatum, quas longum nimis foret per singula consectari. Lector certe, si
modo eruditus disciplina sit, faciliter ea deprehendet. His uero exemplis
abunde patet neminem posse primi auctoris maiestatem seruare, nisi ornatum
illius numerositatemque conseruet. Dissipata namque et inconcinna traductio
omnem protinus laudem et gratiam primi auctoris exterminat. Ex quo scelus
quodammodo inexpiabile censendum est hominem non plane doctum et
elegantem ad transferendum accedere.

II.

Quoniam illa, quae habere oportet interpretem, ostendimus ac


reprehensiones artificum ex opere ipso, si non recte fecerint, merito nasci
docuimus, uideamus nunc tandem unum aliquem locum illius interpretationis.
Ex eo namque totum genus translationis eius poterimus intelligere et, utrum
reprehensionem aut laudem mereatur, iudicare.
Aristoteles in libro Politicorum quarto (utriusque enim operis idem fuit
traductor, nec refert, ex illo uel ex hoc exempla sumantur), Aristoteles ergo in
libro Politicorum quarto docet:

Solere potentes et magnos in ciuitate homines simulare interdum quaedam ac dolose


praetexere ad multitudinem populi excludendam a rerum publicarum gubernatione. Esse
uero illa, in quius ista simulatione utuntur, quinque numero: contiones, magistratus,
iudicia, armaturam, exercitationem. Poena enim magna constituta aduersus diuites, nisi
contioni intersint, nisi magistratus gerant, nisi in iudicio cognoscant, nisi arma possideant,
nisi ad bellicos usus exerceantur; per huiusmodi poenam ad ista facienda diuites
compellunt; at pauperibus nullam in his rebus poenam constituunt, quase parcentes eorum
tenuitati. Haec enim praetexitur causa; sed re uera hoc agunt, quo illi impunitate permissa
a gubernatione rei publicae se disiungant. Poena siquidem remota, nec exercere se ad
bellicos usus multitudo curabit nec arma possidere uolet, cum liceat per legem impune illis
carere, nec magistratum geret pauper, si id putabit damnosum, cum sit in eius arbitrio
gerere uel non gerere. Onus quoque iudicandi saepe uitabit, si nequeat compelli, ac tempus
rebus suis libentius impendet quam publicis consiliis. Atque ita fit, ut tenuiores quidem
homines sub praetextu ac uelamento remissionis poenarum sensim ac latenter a re publica
excludantur, apud diuites autem et opulentos remaneant administratio et arma et peritia
proeliandi. Ex quibus potentiores facti quodammodo tenuioribus dominentur.

Haec est Aristotelis sententia, quam prolixius explicare uolui, quo clarius
intelligeretur illius mens. Nunc autem eius uerba praeclare et eleganter in
Graeco scripta quemadmodum hic interpres in Latinum conuerterit,
animaduerte! Ex hoc enim modus et forma traductionis, qua ubique usus in
71
Antologia do Renascimento

transferendo est, manifestissime deprehendetur. Inquit enim interpres noster


hoc modo:

Adhuc autem, quaecumque prolocutionis gratia in politiis sapienter loquuntur ad


populum, sunt quinque numero: circa congregationes, circa principatus, circa praetoria,
circa armationem, circa exercitia.

Deus immortalis, quis haec intelliget? quis hanc interpretationem ac non


potius delirationem ac barbariem uocitabit? Veniant quaeso defensores huius
interpretis et istos, si possunt, defendant errores uel desinant mihi irasci, si
illum reprehendi.
Primum enim, quod inquit “prolocutionis gratia sapienter loquuntur ad
populum”: quis est quaeso “prolocutionis gratia loqui”? Si enim loquuntur
homines ad populum sapienter gratia prolocutionis, magnum profecto aliquid
debet esse prolocutio. Doce me ergo, quid tandem sit! Nam ego id uerbum
numquam audiui hactenus neque legi nec, quid importet, intelligo. Si in
extrema barbarie id uerbum in usu est, doce me, quid apud barbaros significet
“prolocutionis gratia loqui”? Nam ego Latinus istam barbariem tuam non
intelligo. Si prolocutio est ut “prologus” et “prooemium”, congruere non
potest. Non enim loquuntur homines ad populum gratia prooemii uel prologi,
sed prooemium et prologus adhibetur gratia locutionis. Quodsi forsan dicere
uis: “prolocutionis gratia” idest gratia “deceptionis” et “simulationis”,
quodnam tandem malum est haec tan dura inusitataque locutio tua! ut
“simulationem” appelles “prolocutionem” et “dolose confingere” interpreteris
“sapienter loqui”. Haec enim omnia sunt absurdissima. Atqui quod inquit
“sapienter loquuntur”, in Graeco non est “loquuntur”, sed id uerbum ex se
ipso interpres adiunxit. Deinde quod inquit “sapienter”, male capit.
“Sophisma” enim non “sapientiam”, sed “deceptionem et cauillationem”
significat. Itaque partim adiungit ipse de suo, partim male capit ex Graeco,
partim male reddit in Latino, cum “prolocutionis gratia” dixerit, quod
dicendum fuit “sub praetextu aliquo et simulatione”. Praetexitur enim causa et
dolose confingitur, cum aliud agitur, aliud simulatur. Agitur enim re uera, ut
tenuiores excludantur a rei publicae gubernatione; simulatur uero pro eorum
commodis illa fieri, propter quae excluduntur.
Quod autem postea subicit “circa congregationem”, absurdissimum est.
Verbum enim Graecum “contionem” significat, non “congregationem”.
Differunt autem plurimum inter se. Nam congregatio est etiam bestiarum;
unde “gregem” dicimus. “Contio” autem proprie est multitudo populi ad
decernendum de re publica conuocata; et ita uerbum in Graeco significat.

72
Antologia do Renascimento

Itaque non recte transtulit, cum aliud pro alio posuerit nec uim seruauerit
Graeci uerbi. – Sed hoc ueniale peccatum est.
Ast illud nequaquam uenia dignum, quod subicit circa “praetoria.” Quod
enim “praetoria” inquit, “iudicia” debuit dicere. “Iudicium enim furti”
dicimus, non “praetorium furti”, et “res iudicata”, non “praetoriata” et
“probationes in iudicio factas” et “iudicium de dolo malo.” Denique “dicastis”
Graece, Latine “iudex”; “dicastirion” Graece, Latine “iudicium”: Hoc est
uerbum e uerbo. Iste uero delirat et ea nescit, quae pueri etiam sciunt.
Circa “principatus” inquit: Haec est alia absurditas. Debuit enim
“magistratus” dicere. Nam principatus est imperatoris uel regis; praetores uero
et consules et tribunos plebis et aediles curules et praefectos annonae et alios
huiusmodi numquam diceremus “principatum habere”, “magistratum gerere”.
Est enim magistratus potestas uni uel pluribus hominibus a populo uel a
principe commissa, principatus autem est maior quaedam supereminentia, cui
ceterae omnes potestates parent. Sic Octauianum et Claudium et Uespasianum
principes fuisse dicimus, Senecam uero, qui consul fuit temporibus Neronis,
nemo principem appellasset. Erat enim tunc Nero “princeps”, non Seneca;
neque consulatus Senecae “principatus” erat, sed “magistratus”; neque
imperium Neronis “magistratus” diceretur, sed “principatus”. Haec sunt luce
clariora. Nec quisquam Latinorum, qui litteras nouerit, huiusmodi officia et
potestates ciuibus commissa “principatus” uocauit. Dicimus etiam
“principem” per translationem: ut “princeps senatus”, idest primarius homo in
senatu “princeps iuuentutis”, qui inter adolescentes fama et honore primarius
habetur. Haec est consuetudo Latini sermonis. Hic autem interpres noster in
aliis forsan non indoctus erat; litterarum certe penitus fuit ignarus.
Deinde subicit “circa armationem”, “circa exercitia”. Haec etiam duo
puerilia sunt: “Armationem” enim non satis usitate dicimus; “exercitia” uero
cuncta penitus opera sine ulla distinctione important. Aristoteles autem hoc ita
ponit, ut exercitationes corporum ad bellicos usus designet.
Post haec resumens, quae prius enumerauerat, in hunc modum uerba
subicit:

Circa congregationem quidem: licere omnibus congregationi interesse, damnum


autem imponi diuitibus, si non intersint congregationi, uel solis uel multo maius; circa
principatus autem: habentibus quidem honorabilitatem non licere abiurare, egenis autem
licere; circa praetoria uero: diuitibus quidem esse damnum, his autem paruum. Eodem
modo et de possidendo arma et de exercitari leges ferunt: Egenis quidem licet non
possidere, diuitibus autem damnosum non possidentibus. Et si non exerceantur, his quidem
nullum damnum, diuitibus autem damnosum, ut hi quidem propter damnum participent, hi
autem propter non timere non participent. Haec quidem igitur sunt oligarchica sophistica
legislationis.
73
Antologia do Renascimento

O Aristotelis elegantiam! qui tanto studio de arte rhetorica scripsit, qui


tanto splendore tantoque ornatu libros suos refersit. Istane tam balbutientia,
tam absurda, tam muta in Latino illi redduntur, ut “prolocutiones”, ut
“honorabilitates”, ut “propter non discuti” et “propter non scribi”, ut
“oligarchica sophistica legislationis” et huiusmodi portenta uerborum
dicantur, quae uix in pueris primas discentibus litteras tolerabilia forent?
Sed missas faciamus querelas et in illa ineptitudine loquendi errores
insuper uideamus. Quo inquit “damnum imponi diuitibus, si non intersint
congregationi”, non “damnum”, sed “poena” dicendum fuit. Licet enim
damnatio poenam importet, tamen aliud est “damnum”, aliud “poena”. Nam
damnum et fures afferunt et aues et quadrupedes, poena uero a lege imponitur,
si contra quis faciat, quam iussit. Nec etiam “congregationi” dicendum fuit,
sed “contioni”.
Quod uero postea subicit “habentibus honorabilitatem non licere abiurare
principatus”: tria hic sunt – “honorabilitas” et “principatus” et “abiurare” –,
quorum singula uitiose sunt posita. De “principatu” ostensum est supra
euidentissimis probationibus: non “principatus”, sed “magistratus” esse
dicendum. Nunc autem de “honorabilitate” et “abiuratione” uideamus. Quaero
igitur, quid uelit dicere “honorabilitatem habentibus non licere abiurare”?
Vtrum, si sint personae honorabiles ceu equites et nobiles, abiurare non
possunt, mercatores autem et populares possunt, licet ditiores sint equitibus et
nobilibus? Vel quomodo se haec habent? Nam si ad honorem lex respicit, non
ad diuitias, nobiles etiam, si sint egeni, magistratus gerere compellentur,
ignobiles uero, quamuis sint ditissimi, renuntiare poterunt. Nam licet diuites
sint, non habent honorabilitatem. Vel dicemus: pauperem quidem habere
honorabilitatem, si bonus sit, diuitem autem, si sit improbus, non habere?
Atqui honorabilem esse constat bonum uirum, quamuis sit pauper,
uituperabilem autem malum, quamuis sit diues. Qui uero honorabilis est, eum
honorabilitatem habere negari non potest. Quod si haec ita sunt, cur inquit
“habentibus honorabilitatem non licere, egenis autem licere”, quasi contrarii
sint honorabiles et egeni?
Quid ad haec respondebit interpres noster? Nihil profecto, quod rectum
sit. Nam dato uno incoueniente plura sequuntur. Interpres enim noster propter
ignorantiam linguae “honorabilitatem” dixit, quod “censum” dicere debebat.
Est autem census ualor patrimonii, quem iste stulto et imperito et inusitato
uocabulo “honorabilitatem” nuncupauit. Ex hoc autem uerbo, quod
inconuenienter ab “honore” traxit, mille, ut ita dixerim, inconuenientia
sequerentur. Sed non “honorabilitas” dicendum fuit, sed “census”; hoc est
enim conueniens nomen et Graeco proprie correspondens, “honorabilitas”
74
Antologia do Renascimento

autem inconueniens ac penitus alienum. Ciuitates enim Graecorum ferme


omnes censu moderabantur. Romae quoque census fuit a Seruio Tullio rege
constitutus. Diuisit enim ciuitatem non secundum regiones, sed secundum
censum, faciens unum corpus eorum ciuium, qui habebant censum supra
centum milia aeris, aliud corpus habentium censum a centum milibus ad
septuaginta quinque, tertium eorum, qui habebant censum a septuaginta
quinque milibus ad quinquaginta; et ita descendens usque ad quinque milia
peruenit. Infra eum numerum sine censu reliquit, quasi tenues et impotentes.
Ex censu autem, quae domi et militiae subeunda forent onera, constituit. Quia
uero patrimonia uel minuuntur uel augentur, de quinquennio in quinquennium
recenseri constituit. Id quinquennium “lustrum” appellarunt; magistratus uero,
qui censui praeessent “censores” dicti sunt. Apud Graecos uero censores
dicuntur “timitae” et census “timima” uocatur. Sed bonus ille interpres ista
non legerat. Verum pro censu “honorabilitatem” somniauit, nouum faciens
uerbum a se ipso, quod nemo ante posuerat.
Quod autem inquit “licere abiurare magistratum”: dubito, ne uerbum
“abiurare” non recte sit positum; praepositio enim ad uerbum “iuro” addita
“falsum iuramentum” significare uidetur, ut periurare, deierare, abiurare.
Sallustius de Sempronia creditum “abiurauerat”; caedis conscia fuerat.
“Abiurare creditum” est: falso iuramento se a pecunia credita defendere.
Itaque “abiurare magistratum” esset: falso iuramento magistratum negare,
quod non cadit in praesenti sententia.
Illud autem, quod subdit circa praetoria, “diuitibus esse damnum, si non
discutiant, egenis uero licentiam”, satis ostendimus supra: non “praetoria”,
sed “iudicia”, neque “damnum”, sed “poenam” esse dicendum. In quibus adeo
turpis est error, ut pueros etiam, qui primas discunt litteras, pudere deberet
tantae ignorantiae ac ruditatis. Deinde, quod inquit “si non discutiant”,
imperitissimum est. Nam et iudices parum diligentes interdum non
“discutiunt” ea, de quibus “iudicant”. Hoc autem pauperi non permittitur, ut
“iudex” sit et non “discutiat”, sed excusare se potest ab onore “iudicandi”.
Sequitur deinde cetera barbaries usque ad praeclaram illam
conclusionem, cum inquit “haec quidem igitur sunt oligarchica sophistica
legislationis”. Quae dum lego, partim ingemisco, partim rideo. Ingemisco
enim elegantiam illorum librorum in tantam barbariem fuisse conuersam;
rideo uero, quod uerba illius conclusionis tamquam medicinalia quaedam mihi
uidentur. Perinde est enim dicere “oligarchica sophistica legislationis”, ac si
quis dicat “aromatica styptica primae decoctionis”. O me simplicem! qui cola
et commata et periodos et dicendi figuras ac uerborum sententiarumque
ornamenta seruari postulem ab huiusmodi hominibus, qui, nedum ista non

75
Antologia do Renascimento

sentiunt, sed ne primas quidem litteras tenere uideantur; tanta sunt ignorantia
ruditateque loquendi.
Quid de uerbis in Graeco relictis dicam, quae tam multa sunt, ut
semigraeca quaedam eius interpretatio uideatur? Atqui nihil Graece dictum
est, quod Latine dici non possit! Et tamen dabo ueniam in quibusdam paucis
admodum peregrinis er reconditis, si nequeant commode in Latinum traduci.
Enim uero, quorum optima habemus uocabula, ea in Graeco relinquere
ignorantissimum est. Quid enim tu mihi “politiam” relinquis in Graeco, cum
possis et debeas Latino uerbo “rem publicam” dicere? Cur tu mihi
“oligarchiam” et “democratiam” et “aristocratiam” mille locis inculcas et
aures legentium insuasissimis ignotissimisque nominibus offendis, cum
illorum omnium optima et usitatissima uocabula in Latino habeamus? Latini
enim nostri “paucorum potentiam” et “popularem statum” et “optimorum
gubernationem” dixerunt. Vtrum igitur hoc modo Latine praestat dicere, an
uerba illa, ut iacent, in Graeco relinquere?
“Epiichia” est iustitiae pars, quam nostri iurisconsulti “ex bono et aequo”
appellant. “Ius scriptum sic habet – inquit iurisconsultus –, debet tamen ex
bono et aequo sic intelligi, et aliud ex rigore iuris, aliud ex aequitate.” Et alibi
inquit: “Ius est ars boni et aequi.” Cur tu ergo mihi “epiichiam” relinquis in
Graeco, uerbum mihi ignotum, cum possis dicere “ex bono et aequo”, ut
dicunt iurisconsulti nostri? Hoc non est interpretari, sed confundere, nec
lucem rebus, sed caliginem adhibere.
Quid dicam de suauitate ac rotunditate orationis, qua quidem in re
plurimum laborasse Aristoteles in Graeco uidetur. Hic autem interpres ita
dissipatus delumbatusque est, ut miserandum uideatur, tantam confusionem
intueri. Taedet me plura referre. Est enim plena interpretatio eius talium ac
maiorum absurditatum et delirationum, per quas omnis intellectus et claritas
illorum librorum miserabiliter transformatur fiuntque ii libri ex suauibus
asperi, ex formosis deformes, ex elegantibus intricati, ex sonoris absoni et pro
palaestra et oleo lacrimabilem suscipiunt rusticitatem: ut, si quis apud inferos
sensus sit rerum nostrarum, indignetur et doleat Aristoteles libros suos ab
imperitis hominibus ita lacerari, ac suos esse neget, quos isti transtulerunt, ac
suum illis nomen inscribi molestissime ferat. Haec igitur ego tunc reprehendi
et nunc etiam reprehendo.

76
Antologia do Renascimento

III.

Quod autem non alienae sint reprehensiones meae a consuetudine


doctissimorum hominum, et Hieronymus et M. Cicero probant; quorum
reprehensiones si in similibus legantur, uidebuntur meae tanto clementiores
esse, quanto aures nostrae ad huiusmodi corruptiones propter saeculi
ignorantiam quodammodo iam occalluerunt. Illis uero tamquam monstra et
inaudita prodigia uiderentur.

Fonte: Hans Baron (Hg.). Leonardo Bruni Aretino, Humanistisch-


Philosophische Schriften, Leipzig-Berlin, B. G. Teubner, 1928.14

14
O texto latino aqui utilizado foi estabelecido por Hans Baron, 1928, mas com alterações na divisão de
parágrafos, realizadas pelo tradutor.
77
Antologia do Renascimento

Alonso de Cartagena
(1384-1456)

ALONSO DE CARTAGENA é considerado o introdutor e impulsor dos


estudos humanísticos na Espanha, apesar de suas várias características
medievais. Nos prólogos a suas traduções mostra possuir uma concepção
instrumental, didática da tradução, e uma preocupação pela transmissão
precisa e clara do conteúdo do texto original, advogando por uma tradução ad
sensum. Embora rechaçando o literalismo, recomenda o emprego de
latinismos, tecnicismos, empréstimos e neologismos nas traduções, mas
relegando a um segundo plano o uso da retórica, que pode impedir a
fidelidade ao conteúdo. Nisso difere dos humanistas, que insistiam nos
valores estéticos e estilísticos de uma tradução, e é famosa sua querela com
Leonardo Bruni. Cartagena traduziu, por volta de 1425, a Retórica vieja (De
inuentione) de Cícero a pedido do rei Dom Duarte de Portugal.

VALERIA HERZBERG (herzberg@terra.com.br) é tradutora, psicóloga


social, analista institucional. Enquanto tradutora, seu extenso currículo
abrange trabalhos científicos na área de psicanálise, subjetividade feminina,
psicologia social e institucional; textos teatrais; área de turismo e materiais
institucionais para organismos governamentais; área de publicidade; trabalhos
técnicos e informativos para organismos com ação social.

78
Antologia do Renascimento

Introdução in A Retórica de Cícero

Muitos foram os que falaram da retórica nos tempos antigos, tanto gregos
como latinos. Mas, ainda que da eloqüência de muitos deles hoje perdure a
fama e de alguns, suas famosas orações – assim como entre os gregos de
Demóstenes e de Ésquines e entre os latinos de Salústio – e de outros, mais
livros compostos da mesma arte liberal que chamam de retórica, eu não sei os
que aparecem neste tempo daqueles muito antigos se não de dois autores: um
grego, outro latino.
O grego foi Aristóteles, que falou nisso profundamente, porque aquele
filósofo entendeu que não acabava totalmente a obra moral, se depois das
Éticas e Políticas não desse doutrinas do que pertence à eloqüência, e compôs
um livro que se chama Retórica, no qual escreveu muitas e nobres conclusões
que pertencem a esta arte, das quais, assim por teólogos como por juristas, são
muitas em diversos lugares utilizadas, cada uma a seu propósito.
O outro foi latino e este é Marco Tulio Cícero, quem escreveu muitos
livros e tratados de diversas matérias, escritos com muito eloqüente estilo. E
entre eles compôs alguns que pertencem à doutrina desta arte; mas, ainda que
em todos guardou ele bem as regras da eloqüência, não falou em todos dela:
que uma coisa é falar segundo a arte e outra é falar da arte. E ele em todos
guardou a arte, porém não em todos, mas em alguns falou da arte. Estes, se
são muitos ou quantos são, não sei, mas os que comumente aparecem são os
seguintes: o livro da Retórica velha [De inuentione] e outro da Retórica nova
[Ad Herennium] e um livro que dizem do Orador [De oratore] e outro do
Orador menor [Orator] e um breve tratado que se chama Do melhor gênero
de oradores [De optimo genere oratorum] e outro que se intitula Tópicos
[Topica]; os quais, ainda que por diversas maneiras, todos tendem a dar
doutrinas da eloqüência. E destes, porque o da Retórica velha é primeiro e
ainda porque fala mais extensamente, foi por vós escolhido para que fosse
posto em nossa linguagem, e assim se fez por vosso mandato.
Na translação do qual não duvido que achareis algumas palavras
mudadas da sua própria significação e algumas agregadas, o que fiz cuidando
que cumpria assim: porque não é, este, livro de Santa Escritura em que é um
erro agregar ou minguar, mas é composição magistral feita para nossa
doutrina. Portanto, guardada quanto guardar se pode a intenção, ainda que a
propriedade das palavras se mude, não me parece coisa inconveniente;
porque, como cada língua tem sua maneira de falar, se o interpretador segue
em tudo a letra, necessário é que a escritura se torne obscura e perca grande
parte da doçura. Portanto, nas doutrinas que não têm o valor pela autoridade
79
Antologia do Renascimento

de quem as disse nem têm senso moral nem místico, mas somente nelas se
cata o que a simples letra significa, não me parece danoso retornar a intenção
da escritura no modo de falar que convém à língua em que se passa. A tal
maneira de transladar aprova aquele singular transladador, santo Jerônimo,
numa solene epístola que se chama Do melhor modo de traduzir [De optimo
genere interpretandi], que enviou a Pamáquio, entre outras coisas dizendo-lhe
assim:

Eu não somente o digo, mas também com livre voz o confesso, que na interpretação
dos livros gregos não procuro exprimir uma palavra por outra mas sigo o sentido e efeito,
salvo nas Santas Escrituras, porque ali a ordem das palavras traz mistério [V,2].

E esta maneira segui aqui, porque mais sem trabalho o possa entender
quem o quiser ler; e para ainda mais esclarecer, uma vez que em latim está
tudo junto e não tem outra partição salvo a dos livros – a saber, entre o
primeiro e o segundo – eu parti cada livro em diversos títulos e os títulos em
capítulos, segundo me pareceu que a diversidade da matéria pedia. E onde o
vocábulo latino pode passar totalmente em outro de romance, fi-lo; onde não
pode de boa maneira por outro mudar, porque às vezes uma palavra latina
requer muitas para ser bem declarada e se em cada lugar por ela todas aquelas
se houvessem de pôr fariam confusa a obra, em tal caso ao primeiro passo em
que a tal palavra ocorreu se encontrará declarada. E, ainda que depois se tenha
de repetir, não se repete a declaração, mas quem nela duvidar retorne ao
primeiro lugar onde se nomeou, o qual está nas margens assinalado, e verá
sua significação.
Mas, ainda que tudo isto se faça, as composições que são de ciência ou
de arte liberal, para bem se entender, ainda pedem estudo, porque não consiste
a dificuldade da ciência tão somente na obscuridade da linguagem, que se
assim fosse, os bons gramáticos entenderiam quaisquer matérias que em latim
fossem escritas: e vemos o contrário, que muitos, bem fundados na arte da
gramática, entendem muito pouco nos livros de teologia e de direito e de
outras ciências e artes, ainda que sejam escritas em latim, se não houvessem
doutores delas que os ensinassem. Portanto, ainda que esta Retórica seja
transposta em clara linguagem, quem entendê-la quiser, cumpre que com
atenção a leia.

Tradução:

Valeria Herzberg
herzberg@terra.com.br
80
Antologia do Renascimento

Introducción in La Retórica de Cicerón (1427-31)

Muchos fueron los que de la retórica en los tiempos antiguos hablaron,


así griegos como latinos. Pero, aunque de la elocuencia de asaz de ellos hoy
dura la fama e de algunos sus famosas oraciones – así como entre los griegos
de Demóstenes y de Esquines y entre los latinos de Salustio – y de otros más
libros compuestos de la arte liberal misma que llaman retórica, yo no sé que
de aquellos muy antiguos en este tiempo parezcan, si no de dos actores: el uno
griego, el otro latino.
El griego fue Aristóteles, que habló en ello profundamente: ca non
entendió aquel filósofo que del todo acababa la obra moral, si después de las
Éticas y Políticas no diese doctrinas de lo que a la elocuencia pertenece, y
compuso un libro que se llama de la Retórica, en que escribió muchas y
nobles conclusiones pertenecientes a este arte, de las cuales, así por teólogos
como por juristas, son muchas en diversos lugares allegadas, cada una a su
propósito.
El otro fue latino y éste es Marco Tulio Cicerón, el cual escribió muchos
libros y tratados de diversas materias, escritos so muy elocuente estilo. Y
entre ellos compuso algunos pertenecientes a la doctrina de este arte; aunque
en todos guardó él bien las reglas de la elocuencia, pero no habló en todos de
ella: ca una cosa es hablar según el arte y otra es hablar del arte. Y él en todos
guardó el arte; pero no en todos mas en algunos habló del arte. Estos si son
muchos o cuántos son, no lo sé, mas los que comúnmente parecen son los
siguientes: el libro de la Retórica vieja y otro de la Retórica nueva y un libro
que dicen del Orador y otro del Orador menor y un breve tratado que se
llama De la muy buena manera de los oradores y otro que se intitula la
Tópica; los cuales, aunque por diversas maneras, todos tienden a dar doctrinas
de la elocuencia. Y de estos, porque el de la Retórica vieja es primero y aun
porque habla más largo, fue por vos escogido para que se pusiese en nuestro
lenguaje, e hízose así por vuestro mandado.
En la traslación del cual no dudo que hallaredes algunas palabras
mudadas de su propia significación y algunas añadidas, lo cual hice cuidando
que cumplía así: ca no es, éste, libro de Santa Escritura en que es error añadir
o menguar, mas es composición magistral hecha para nuestra doctrina. Por
ende, guardada cuanto guardar se puede la intención, aunque la propiedad de
las palabras se mude, no me parece cosa inconveniente; ca, como cada lengua
tenga su manera de hablar, si el interpretador siguel del todo la letra,
necesario es que la escritura sea oscura y pierda gran parte del dulzor. Por
ende, en las doctrinas que no tienen el valor por la autoridad de quien las dijo
81
Antologia do Renascimento

ni han seso moral ni místico, mas solamente en ellas se cata lo que la simple
letra significa, no me parece dañoso retornar la intención de la escritura en el
modo de hablar que a la lengua en que se pasa conviene. La cual manera de
trasladar aprueba aquel singular trasladador, santo Jerónimo, en una solemne
epístola que se sobrescribe De la muy buena manera del declarar, que envió a
Pamaquio, entre otras cosas diciéndolo así:

Yo no solamente lo digo, mas aun con libre voz lo confieso, que en la interpretación
de los libros griegos no curo de exprimir una palabra por otra mas sigo el seso y efecto,
salvo en las Santas Escrituras, porque allí el orden de las palabras trae misterio.

Y esta manera seguí aquí, porque más sin trabajo lo pueda entender
quien leer lo quisiere; y aun por lo más aclarar, como quiera que en latín está
todo junto y no tiene otra partición salvo la de los libros – es a saber entre el
primero y el segundo – pero yo partí cada libro en diversos títulos y los títulos
en capítulos según me pareció que la diversidad de la materia pedía. Y donde
el vocablo latino del todo se pudo en otro de romance pasar, hícelo; donde no
se pudo buenamente por otro cambiar, porque a las veces una palabra latina
requiere muchas para se bien declarar y si en cada lugar por ella todas
aquellas se hubiesen de poner harían confusa la obra, en el tal caso al primer
paso en que tal palabra ocurrió se hallará declarada. Y, aunque después de
haya de repetir, no se repite la declaración, mas quien en ella dudare retorne
al primer lugar donde se nombró, el cual está en los márgenes señalado, y
verá su significación.
Pero, aunque esto todo se haga, las composiciones que son de ciencia o
de arte liberal, para bien se entender, todavía piden estudio, porque no
consiste la dificultad de la ciencia tan sólo en la oscuridad del lenguaje; ca si
así fuese, los buenos gramáticos entenderían cualesquiera materias que en
latín fuesen escritas: y vemos el contrario, ca muchos bien fundados en el arte
de la gramática entienden muy poco en los libros de teología y de derecho y
de otras ciencias y artes, aunque son escritas en latín, si no hubieron doctores
de ellas que los enseñasen. Por ende, aunque esta Retórica sea traspuesta en
llano lenguaje, quien entenderla quisiere cumple que con atención la lea.

Fonte: A. de Cartagena. La Rethorica de M. Tullio Cicerón.


Ed. de Rosalba Mascagna. Nápoles: Liguori, 1969.

82
Antologia do Renascimento

Martin Luther (Martinho Lutero)


(1483-1546)

MARTIN LUTHER, mais conhecido como Martinho Lutero em português, o


grande Reformador religioso e o escritor alemão mais prolífico do século
XVI, com sua tradução da Bíblia para o alemão, produziu uma obra
considerada fundadora da língua alemã literária e nacional. Sendbrief vom
Dolmetschen foi escrito em 1530, oito anos depois de ter sido publicada a
tradução de seu Novo Testamento, e constitui uma resposta às críticas e
acusações de seus adversários de ter alterado ou falsificado as Sagradas
Escrituras, e às dúvidas dos amigos com relação ao processo de tradução do
NT. Lutero advoga por uma tradução retórica (proprietas, perspicuitas,
consuetudo…) e de estilo popular, não com fins puramente estéticos, mas
sobretudo comunicativos – a compreensibilidade do texto e o leitor –,
salvaguardando sempre a mensagem divina. Concedendo grande importância
ao meio cultural de seus destinatários, o Reformador traduzia adaptando o
texto à mentalidade e ao espírito dos homens de seu tempo a fim de dar a
compreender as realidades históricas, culturais e sociais relatadas na Bíblia e
próprias de uma sociedade distanciada no tempo e no espaço. As diretrizes
básicas de sua ‘teoria’ da tradução são a hermenêutico-teológica
(interpretação dos textos bíblicos apoiada na teologia e nos instrumentais
oferecidos pela filologia) e a lingüístico-retórica (domínio das línguas
envolvidas e (re)produção de um texto literário na tradução). Na prática,
observa-se o predomínio de uma tradução que privilegia o texto na língua de
chegada, mas que também admite estrangeirismos se a formulação do original
expressa melhor o conteúdo da mensagem. Ainda que sua prática e seus
comentários enfatizem a tradução ad sensum, Lutero não afirma que esta seja
melhor que a ad verbum, simplesmente declara ter-se servido das duas.

MAURI FURLAN (maurizius@gmail.com), professor de Latim e Teoria da


Tradução no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC,
graduou-se em Jornalismo pela FACHA/RJ e em Letras-Alemão pela UFSC.
Em seu mestrado em Literatura (UFSC) abordou questões teóricas da tradução
da Ars poetica, de Horácio, e, no doutorado em Filologia Clássica pela
Universitat de Barcelona, Espanha, apresentou uma sistematização para as
reflexões sobre a tradução produzidas no Renascimento.

83
Antologia do Renascimento

Carta aberta sobre a tradução

Ao honorável e distinto N., meu estimado senhor e amigo.


Graça e paz em Cristo, honorável, distinto, caro senhor e amigo! Recebi
sua carta com as duas questões ou perguntas, sobre as quais solicita minha
posição: primeiramente, por que eu, no terceiro capítulo da Epístola aos
Romanos, versículo 28, traduzi as palavras de Paulo, Arbitramur hominem
iustificari ex fide absque operibus, como “Sustentamos que o homem é
justificado somente pela fé, sem as obras da lei”; e além disso, nela também
observa que os papistas se enfurecem extremamente porque no texto de Paulo
não consta a palavra sola (somente) e não se poderia tolerar um tal acréscimo
de minha parte à Palavra de Deus etc. Depois, se também os santos mortos
intercedem por nós, porque lemos que até os anjos intercedem por nós etc. À
primeira pergunta, se desejarem, podem responder aos papistas de minha
parte o seguinte:
Em primeiro lugar, se eu, doutor Lutero, tivesse podido enganar-me de
que todos os papistas juntos fossem tão hábeis a ponto de saberem traduzir
bem e corretamente um único capítulo da Escritura, então teria sido muito
humilde e lhes teria solicitado ajuda e assitência para a tradução em alemão
do Novo Testamento. Mas como eu sabia e ainda posso ver que nenhum deles
sabe realmente como se deve traduzir ou falar em alemão, poupei-me a mim e
a eles um tal esforço. No entanto, percebe-se bem que eles aprendem a falar e
a escrever em alemão a partir de minha tradução e de meu alemão, e roubam-
me em muito minha língua, que até então pouco conheciam; porém não me
agradecem por isso mas preferem utilizá-la contra mim. Contudo, é com
prazer que lhes proporciono isso, pois me agrada estar ensinando a falar a
meus discípulos ingratos, que ademais são meus inimigos.
Por outro lado, podem dizer que eu traduzi o Novo Testamento como
melhor pude e o mais consciencioso possível; e não obriguei ninguém a lê-lo,
mas dei liberdade, apenas prestando um serviço àqueles que não podem fazê-
lo melhor. A ninguém está proibido apresentar uma tradução melhor. Quem
não quiser lê-lo que o deixe estar. Não peço nem louvo a ninguém por isso. É
meu Testamento e minha tradução, e deve ser e permanecer meu. Se nalguma
parte dele eu errei (coisa que não sei, pois não quis traduzir conscientemente
errado uma letra sequer por deliberação), não vou por causa disso tolerar os
papistas como juízes, pois eles ainda têm orelhas muito longas e seu zurro é
muito fraco para julgar minha tradução. Eu sei muito bem, e eles sabem muito
menos que o animal do moleiro, quanta arte, aplicação, razão e entendimento
compete ao bom tradutor, pois que nunca tentaram.
84
Antologia do Renascimento

Diz-se: “Quem constrói junto ao caminho tem muitos mestres”. O


mesmo acontece comigo. Os que nem sabiam falar corretamente, quanto mais
traduzir, tornaram-se sobretudo meus mestres, e devo ser discípulo de todos
eles. Mas se eu tivesse que lhes perguntar como se deveria traduzir as duas
primeiras palavras do primeiro capítulo do Evangelho de Mateus, “liber
generationis”, nenhum deles teria sabido dar um cacarejo sequer, e agora
julgam, os bons companheiros, a obra inteira. O mesmo aconteceu a São
Jerônimo. Porque ele traduziu a Bíblia, todo mundo foi seu mestre, e ele era o
único que não sabia nada, e julgavam a obra do bom homem aqueles que não
teriam sido dignos de limpar-lhe os sapatos. Por isso é necessária muita
paciência àquele que quiser fazer algo bom para o público, pois o mundo quer
ser especialista e tem sempre que enfrear o cavalo pelo rabo, ensinar tudo sem
nada saber. É sua maneira de ser, da qual não conseguem abdicar.
Contudo, gostaria sinceramente de ver um papista que se sobressaísse e
traduzisse por exemplo uma das Epístolas de São Paulo ou de um profeta,
desde que para isso não se servisse do alemão e da tradução de Lutero; então
veríamos um alemão ou uma tradução elegante, bela, admirável! Pois já
vimos o embusteiro de Dresden,15 que se apropriou de meu Novo Testamento
(não quero mais mencionar seu nome em meus livros; ademais, ele também
tem agora seus juízes e é bem conhecido). Ele confessa que meu alemão é
suave e bom; percebeu que não podia fazer melhor e quis destroçá-lo. Assim,
tomou meu Novo Testamento, quase palavra por palavra, da forma como eu o
compus, retirou meu prefácio, comentários e meu nome, depois acrescentou
seu nome, prefácio e comentários, e desta forma vendeu meu Novo
Testamento com seu nome. Ah, queridos filhos, quanta dor me causou quando
seu príncipe, num prefácio horroroso, condenou e proibiu ler o Novo
Testamento de Lutero, e além disso recomendou a leitura do Novo
Testamento do embusteiro, que na verdade é o mesmo que Lutero compôs.
E para que ninguém aqui pense que estou mentindo, coloque ambos os
Testamentos diante de si, o de Lutero e o do embusteiro, compare-os entre si,
e verá quem é o tradutor de ambos. Pois o que ele remendou e alterou em uns
poucos trechos, ainda que nem tudo me agrade, bem o posso tolerar, e não me
incomoda particularmente, enquanto diz respeito ao texto. Por isso eu nunca
quis escrever algo em contra, mas tive que rir da grande sabedoria com que se
caluniou, condenou e proibiu tão horrendamente meu Novo Testamento
quando foi publicado sob meu nome, mas tiveram que lê-lo quando foi
publicado sob outro nome. No entanto, que virtude é essa de difamar e
desonrar o livro de alguém, depois roubá-lo e publicá-lo sob nome próprio,
buscando assim honras e renome através do caluniado trabalho alheio, deixo

15
Jerônimo Emser (1478-1527).
85
Antologia do Renascimento

aos seus juízes classificar. Entrementes, para mim é o bastante e estou


contente que meu trabalho (como também se gloria São Paulo)16 seja também
fomentado por meus inimigos, e o livro de Lutero sem o nome de Lutero seja
lido sob o nome de seus inimigos. Como poderia eu vingar-me melhor?
Voltando novamente à questão. Se o seu papista quer incomodar-se
bastante com a palavra sola-somente, diga-lhe logo: o doutor Martinho Lutero
quer assim e diz que papista e asno é a mesma coisa. “Sic uolo, sic iubeo, sit
pro ratione uoluntas”17 [“assim quero, assim ordeno, tome-se a vontade por
razão”]. Pois não queremos ser alunos nem discípulos dos papistas, mas seus
mestres e juízes. Queremos por uma vez também gabar-nos e vangloriar-nos
com essas cabeças de asno. E como São Paulo se gloria contrapondo-se aos
santos insensatos,18 assim também eu quero gloriar-me contrapondo-me a
esses meus asnos. Eles são doutores? Eu também. Eles são eruditos? Eu
também. Eles são pregadores? Eu também. Eles são teólogos? Eu também.
Eles são argumentadores? Eu também. Eles são filósofos? Eu também. Eles
são dialéticos? Eu também. Eles são preletores? Eu também. Eles escrevem
livros? Eu também.
E quero continuar gloriando-me: Eu sei interpretar os salmos e os
profetas; eles não sabem. Eu sei traduzir; eles não sabem. Eu sei rezar; eles
não sabem. E para falar de coisas menores: eu entendo sua própria dialética e
filosofia melhor do que todos eles juntos. E além disso sei deveras que
nenhum deles entende seu Aristóteles. E se há alguém entre todos eles que
entenda corretamente um prefácio ou um capítulo de Aristóteles, deixarei que
me açoitem. Não estou agora exagerando, pois fui educado e adestrado desde
a juventude em toda sua arte, e sei muito bem quão profunda e vasta ela é. Da
mesma forma eles sabem muito bem que eu sei e posso tudo o que eles
podem. Não obstante, essa gente insana se comporta comigo como se eu fosse
um hóspede em sua arte, que tivesse chegado apenas hoje pela manhã e nunca
tivesse visto nem ouvido o que eles estão aprendendo ou podem fazer; assim
tão maravilhosamente ostentam sua arte e me ensinam o que eu há vinte anos
gastei em solas de sapato; de forma que eu também, em resposta a todos seus
berros e gritos, tenho que cantar com aquela rameira: “Faz sete anos que eu
sei que os pregos das ferraduras são de ferro”.
Valha isto como resposta à sua primeira pergunta; e rogo-lhes que a tais
asnos e seus berros inúteis por causa da palavra sola não respondam nada
mais nem diferente disso: Lutero quer mantê-la assim e diz que é doutor
acima de todos os doutores do papado inteiro; por isso deve permanecer aí.

16
Filipenses, 1, 12 ss.
17
Juvenal, Sátiras, VI, 223.
18
II Conríntios, 2, 21 ss.
86
Antologia do Renascimento

Doravante quero apenas desprezá-los e tê-los desprezado, enquanto são


pessoas – queria dizer asnos – desta classe. Pois entre eles há uns patetas
descarados que nunca aprenderam nem sua própria arte, a dos sofistas, como
o doutor Schmidt e o doutor Rotzlöffel19 e seus semelhantes, e colocam-se
contra mim nesta questão, que está acima não apenas da sofistaria, mas
também, como diz São Paulo,20 acima da sabedoria e da razão de todo mundo.
Realmente, um asno não precisa cantar muito: é logo reconhecido pelas
orelhas.
A vocês, porém, e aos nossos quero mostrar por que eu quis usar a
palavra sola, embora em Romanos 3, 28 não tenha utilizado sola, mas solum
ou tantum. Com quanta exatidão vêem meu texto, os asnos! Contudo, utilizei
em outro lugar sola fide, e quero manter ambas, solum e sola. Ao traduzir,
esforcei-me em escrever um alemão puro e claro. E aconteceu-nos muitas
vezes passarmos catorze dias, três, quatro semanas, buscando e perguntando-
nos por uma única palavra, e, contudo, às vezes não a encontramos. Em Jó
trabalhamos o mestre Philipp, Aurogallus e eu, e, às vezes, em quatro dias
conseguíamos aprontar apenas três linhas. Meu caro, agora está traduzido e
pronto. Qualquer um pode ler e entendê-lo. Doravante pode um leitor
percorrer com os olhos três, quatro páginas sem tropeçar uma vez sequer, mas
não percebe quantos paus e pedras havia ali onde agora caminha como que
sobre uma tábua aplainada, onde tivemos que suar e nos angustiar até tirarmos
os paus e as pedras do caminho para que se pudesse prosseguir tão bem. É
fácil arar quando o campo está limpo! Mas arrancar a floresta e os tocos e
preparar o terreno, isso ninguém quer fazer. Não se deve esperar do mundo
qualquer gratidão. Nem o próprio Deus recebe gratidão por causa do sol, do
céu e da terra, nem pela morte de seu próprio filho. Que o mundo seja e
continue sendo em nome do diabo, porque não quer outra coisa.
Do mesmo modo, eu sabia muito bem que em Romanos 3 não havia a
palavra solum no texto latino ou grego, e não precisavam me ensinar isso os
papistas. É verdade, estas quatro letras s-o-l-a, que as cabeças de asno
admiram como as vacas a uma nova porteira, não estão no texto. Eles não
vêem que isso corresponde perfeitamente ao sentido do texto, e, quando se
quer traduzir com clareza e consistência em alemão, deve estar presente,
porque eu quis falar em alemão, não em latim nem em grego, quando me
propus falar em alemão ao traduzir. Isso, porém, é propriedade de nossa
língua alemã, que, quando usada para tratar de duas coisas, das quais uma é
afirmada e outra negada, necessita da palavra solum-allein, acompanhando a
palavra nicht ou kein. Assim, por exemplo, quando se diz: “Der Baur bringt
19
Referências a grandes adversários de Lutero, respectivamente Johann Faber (1478-1541) e Johann
Cochläus (1479-1552).
20
I Coríntios, 1, 20.
87
Antologia do Renascimento

allein Korn, und kein Geld” [“O camponês traz somente grãos e nenhum
dinheiro”]. “Nein, ich hab wahrlich jetzt nicht Geld, sondern allein Korn”
[“Não, realmente agora não tenho dinheiro, mas apenas grãos”]. “Ich habe
allein gegessen und noch nicht getrunken” [“Eu somente comi e ainda não
bebi”]. “Hast du allein geschrieben und nicht durchgelesen?” [“Apenas
escreveste e não leste?”]. E inúmeras formas semelhantes no uso diário.
Se tanto a língua latina como a grega não procedem desta forma em
todos estes idiomatismos, a alemã procede assim, e é de sua propriedade usar
a palavra allein a fim de que a palavra nicht ou kein resulte mais plena e clara.
Pois, embora eu também possa dizer: “Der Baur bringt Korn und kein Geld”,
assim dita, a expressão kein Geld não soa tão plena e clara como quando eu
digo: “Der Baur bringt allein Korn und kein Geld” [“O camponês traz
somente grãos e nenhum dinheiro”]: aqui a palavra allein ajuda a palavra kein
a produzir uma fala plena, alemã, clara. Pois não se tem que perguntar às
letras na língua latina como se deve falar alemão, como fazem os asnos, mas
sim há que se perguntar à mãe em casa, às crianças na rua, ao homem comum
no mercado, e olhá-los na boca para ver como falam e depois traduzir; aí
então eles vão entender e perceber que se está falando em alemão com eles.
Assim, quando Cristo fala: “Ex abundantia cordis os loquitur” 21, se eu
fosse seguir esses asnos, eles me apresentariam a letra e traduziriam assim:
Aus dem Überfluss des Herzens redet der Mund [“Da abundância do coração
fala a boca”]. Diga-me: isso é falar alemão? Que alemão entenderia uma coisa
dessas? Que coisa é “abundância do coração”? Nenhum alemão poderia dizer
isso, a não ser que quisesse dizer que alguém tem um coração demasiado
grande ou tem coração demais; embora isto também não seja correto. Pois,
“abundância do coração” não é alemão, assim como não é alemão
“abundância da casa”, “abundância da estufa”, “abundância do banco”, porém
assim fala a mãe em casa e o homem comum: Wes das Herz voll ist, des gehet
der Mund über [“A boca fala daquilo de que o coração está cheio”22]. Isto é
falar um bom alemão, pelo que eu me esforcei, e infelizmente nem sempre
consegui ou o encontrei. Pois as letras latinas dificultam muito a formulação
para se falar em bom alemão.
Do mesmo modo, quando Judas o traidor diz em Mateus 26, 8: “Vt quid
perditio haec?” [“A troco de que esse desperdício?”23] E em Marcos 14, 4:
“Vt quid perditio ista unguenti facta est?” [“A troco de que esse desperdício
do perfume?”24]. Se eu fosse seguir os asnos e os literalistas, eu deveria
traduzir assim: Warum ist diese Verlierung der Salben geschehen? [“Por que
21
Mateus 12, 34.
22
Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Ed. Paulinas.
23
Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Ed. Paulinas.
24
Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Ed. Paulinas.
88
Antologia do Renascimento

aconteceu esta perdição de bálsamo?”] Mas que alemão é este? Que alemão
fala desta forma: “Aconteceu a perdição do bálsamo?” E se ele entendesse
corretamente, isso acreditaria ele, o bálsamo estaria perdido e teria que ser
novamente buscado; embora isto também ainda soe obscuro e incerto. E se
isto é um bom alemão, por que eles não se apresentam e nos fazem um novo,
distinto e belo Testamento em alemão e deixam de lado o Testamento de
Lutero? Acredito mesmo que eles deveriam revelar sua arte. Mas o homem
alemão fala assim (“Vt quid” etc.): Was soll doch solcher Unrat, ou, Was soll
doch solcher Schade? Nein, es ist schade um die Salbe [“Que bobagem é
essa?”, ou, “Pra que isso?”, “Não, que pena pelo bálsamo!”]; isto é um bom
alemão, e assim se entende que Madalena se portou inapropriadamente e
esbanjou derramando o bálsamo; era a opinião de Judas, que imaginava fazer
um uso melhor.
Igualmente quando o anjo saúda Maria e fala: Gegrüßet seist du, Maria
voll Gnaden, der Herr mit dir [“Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é
contigo”25]. Pois bem, até agora isto foi simplesmente traduzido segundo as
letras latinas. Mas diga-me se algo assim também é um bom alemão. Onde é
que um homem alemão fala desta forma: Du bist voll Gnaden [“estás cheia de
graça”]? Que alemão entende o que significa voll Gnaden [“cheia de graça”]?
Ele deve pensar num barril cheio de cerveja, ou num saco cheio de dinheiro;
por isso eu traduzi: Du Holdselige [“agraciada”], com o que um alemão pode
imaginar muito melhor o que o anjo quer dizer com sua saudação. Mas aqui
os papistas se enfurecem comigo porque eu teria pervertido a saudação
angelical, muito embora eu com isso ainda não tenha encontrado o melhor
alemão. Se eu tivesse aqui tomado o melhor alemão e traduzido a saudação:
Gott grüße dich, du liebe Maria [“Deus te saúda, querida Maria”] (pois isto
tudo o anjo quer dizer, e assim ele teria falado, se tivesse querido saudá-la em
alemão), creio que eles mesmos se enforcariam por excesso de zelo para com
a querida Maria, porque eu teria aniquilado a saudação.
Mas que me importa se eles vociferam ou se enfurecem? Não pretendo
impedir que eles traduzam o que quiserem em alemão; mas pretendo também
eu traduzir em alemão, não como eles querem, mas como eu quero. Quem não
gostar, que me deixe em paz e guarde sua maestria para si, pois não quero vê-
la nem ouvi-la; eles não precisam responder à minha tradução nem prestar
contas dela. Você está ouvindo bem: eu quero dizer: du holdselige Maria, du
liebe Maria [“agraciada Maria, querida Maria”], deixe-os dizerem: Du voll
Gnaden Maria [“Maria cheia de graça”]. Quem sabe alemão, sabe bem quão
delicada palavra é esta que vai ao coração: querida Maria, querido Deus,
querido imperador, querido príncipe, querido homem, querida criança. Eu não

25
Lucas, 1, 28.
89
Antologia do Renascimento

sei se se pode expressar a palavra liebe [“querido, amado”], de tanta


cordialidade e plenitude, também em latim ou em outras línguas, de forma
que igualmente penetre e ressoe no coração através de todos os sentidos,
como o faz em nossa língua.
Pois eu considero que São Lucas, enquanto um mestre nas línguas
hebraica e grega, quis fazer a palavra hebraica, na forma como o anjo a
utilizou, corresponder à grega κεχαριτωµένη e torná-la clara. Imagino que o
anjo Gabriel falou com Maria como fala com Daniel, chamando-o hamudoth e
isch hamudoth,26 uir desideriorum, ou seja, “querido Daniel”. Pois esta é a
maneira de Gabriel falar, como vemos em Daniel. Se eu fosse traduzir em
alemão a palavra do anjo conforme a arte dos asnos, segundo a letra, eu teria
que dizer: Daniel, du Mann der Begierungen [“Daniel, homem dos apetites”]
ou Daniel, du Mann der Lüste [“Daniel, homem dos desejos”]. Oh, que belo
alemão! Um alemão entende bem que Mann, Lüste, ou Begierungen são
palavras alemãs, embora não sejam palavras totalmente próprias alemãs,
melhor estariam se no singular Lust e Begier. Mas quando são unidas deste
modo: Du Mann der Begierungen, nenhum alemão sabe o que se disse, e
acredita que Daniel talvez esteja cheio de desejos maus. Esta seria uma
delicada tradução! Por isso aqui eu tenho que abandonar as letras e investigar
como o homem alemão expressa isso que o homem hebraico denomina Isch
hamudoth: então eu reconheço que o homem alemão fala assim: “querido
Daniel”, “querida Maria”, ou “agraciada jovem”, “graciosa donzela”, “doce
mulher” e semelhantes. Pois quem quiser traduzir deve possuir um grande
acervo de palavras, a fim de que possa ter à mão a melhor quando uma delas
não soar bem em nenhum lugar.
Mas para que falar tanto e tanto tempo sobre tradução? Se eu fosse
assinalar as causas e as reflexões sobre todas minhas palavras, provavelmente
teria que escrever durante todo um ano. Que arte e trabalho é a tradução
experimentei muito bem! Por isso não vou tolerar como juiz ou crítico
nenhum asno papista ou mulo, que nunca tentaram nada. Quem não quer
minha tradução que a deixe estar. O diabo agradece aquele que não gosta dela
ou a aperfeiçoa sem minha vontade e conhecimento. Se deve ser aperfeiçoada,
quero fazê-lo eu mesmo. Se eu mesmo não o faço, deixem-me em paz com
minha tradução, e que cada um faça o que quiser para si mesmo e passe bem!
Posso afirmar com a consciência tranqüila que dediquei a ela minha mais
alta fidelidade e diligência, e nunca tive falsas intenções, pois não aceitei,
nem procurei, nem ganhei qualquer centavo por isso. Da mesma forma, não
busquei nela minha honra, sabe-o Deus, meu Senhor, porém a fiz por serviço
aos amados cristãos e para honra daquele que está sentado no alto, e que em
26
Daniel, 9,23 e 10, 11;19.
90
Antologia do Renascimento

todas as horas tanto bem me faz, que mesmo se eu tivesse traduzido mil vezes
tanto e tão diligentemente, não mereceria contudo viver por uma hora ou ter
um olho são: tudo deve-se à sua graça e misericórdia, também o que eu sou e
tenho, sim, deve-se a seu precioso sangue e amargo suor; por isso, tudo, pela
vontade de Deus, deve servi-lo para sua honra, com alegria e de coração. Se
os embusteiros e os papistas me difamam, me louvam os cristãos piedosos
junto a Cristo, seu Senhor, e eu também estaria ricamente recompensado se
fosse apenas um único cristão a me considerar um trabalhador leal. Não me
preocupam os asnos papistas, que não são dignos de avaliar meu trabalho, e
eu lamentaria do fundo do coração se eles me absolvessem. Sua calúnia é
minha maior fama e honra. Contudo, quero ser um doutor, e até um doutor
exemplar, e eles não hão de tomar-me este nome até o dia do juízo final, disso
tenho certeza.
Por outro lado, não abandonei completamente a letra, mas observei-a
com grande cuidado junto a meus ajudantes, de maneira que, quando
necessário, mantive-a e dela não me afastei tão livremente; como em João 6,
27, onde Cristo fala: Diesen hat Gott der Vater versiegelt [“A este, Deus Pai o
selou”]. Certamente teria sido um alemão melhor: Diesen hat Gott der Vater
gezeichnet, ou, diesen meinet Gott der Vater [“A este, Deus Pai o marcou”,
ou, “A este, referiu-se Deus Pai”]. Mas preferi corromper a língua alemã a
negligenciar a palavra. Ah, a tradução não é em absoluto uma arte para
qualquer um, como acreditam os santos insensatos!; a ela pertence um
coração reto, piedoso, fiel, diligente, temente, cristão, erudito, experiente,
treinado. Por isso penso que nenhum falso cristão ou espírito sectário sabe
traduzir fielmente, como se depreende da tradução dos Profetas, em Worms,27
em que certamente se aplicou grande diligência e observou-se muito meu
alemão. Mas havia judeus presentes, que não mostraram muita benevolência
para com Cristo; no demais houve suficiente arte e cuidado.
Isto é o que havia para ser dito quanto à tradução e à propriedade das
línguas. Eu, porém, não confiei somente na propriedade das línguas e a
observei ao acrescentar solum, “somente”, em Romanos 3, 28, mas também o
texto e o pensamento de São Paulo o exigem e o reclamam com força; pois ele
trata ali mesmo do elemento principal da doutrina cristã, ou seja, que nós
somos salvos pela fé em Cristo, sem qualquer obra da lei; e exclui todas as
obras tão claramente que chega a dizer que as obras da lei (que obviamente é
a lei e a Palavra de Deus) não colaboram para a salvação; e dá como exemplo
Abraão, que foi salvo tão isento das obras que, inclusive a maior delas, que
então fora um novo mandamento de Deus acima de todas as outras leis e
27
Em 1527, em Worms, foi publicada a tradução conjunta de Ludwig Hätzer (ca. 1500-1529) e Hans Denck
(ca. 1495-1527), a partir do texto hebraico, de todos os Profetas. Em quatro anos teve 12 edições, mas foi
suplantada definitivamente pela tradução de Lutero dos Profetas, em 1532.
91
Antologia do Renascimento

obras, a saber, a circuncisão, não lhe ajudou para a salvação, mas foi salvo
pela fé, sem a circuncisão e sem qualquer obra, como ele fala no capítulo 4:28
“Se Abraão foi salvo pelas obras, ele pode se vangloriar, mas não diante de
Deus”. Pois bem, onde se exclui tão completamente todas as obras – e esse
deve ser o sentido de que somente a fé salva – e quer-se falar claramente e
diretamente de uma tal exclusão das obras, tem-se que afirmar: Somente a fé e
não as obras nos salvam. Isso é exigido pela própria questão além da
propriedade da língua.
Sim, eles dizem que soa escandaloso e com isso as pessoas aprendem que
não precisam fazer boas obras. Mas meu caro, o que se lhes pode responder?
Muito mais escandaloso é o fato de que o próprio São Paulo não diga somente
a fé, mas descarregue ainda mais duramente encerrando a questão: sem as
obras da lei, e em Gálatas 2, 16: não pelas obras da lei, e semelhantes em
outras passagens. A expressão somente a fé ainda admitiria um comentário,
mas a expressão sem as obras da lei é tão dura, escandalosa e abominável, que
não pode ser amenizada com nenhum comentário. Muito mais poderiam as
pessoas aprender com isso a não fazerem boas obras, pois elas ouvem das
próprias obras pregar com palavras tão duras e fortes: Nenhuma obra, sem
obras, não pelas obras. Se não é escandaloso que se pregue: Sem obras,
nenhuma obra, não pelas obras, por que seria escandaloso então pregar
somente a fé?
É algo ainda mais escandaloso que São Paulo rejeite não apenas obras
simples e comuns, mas também as da própria lei. Com isso alguém bem
poderia irritar-se ainda mais e dizer que a lei é condenada e maldita diante de
Deus e se deveria fazer só o mal, como se dizia em Romanos 3, 8: “Façamos o
mal para que se torne o bem”, como começou a fazer também um espírito
sectário em nossa época. Por causa de um tal escândalo se deveria então
renegar a palavra de São Paulo ou não falar francamente e livremente da fé?
Meu caro, precisamente São Paulo e nós desejamos tais escândalos e é esta a
única razão por que pregamos tão fortemente contra as obras e insistimos
somente na fé, a fim de que as pessoas se escandalizem, tropecem e caiam
para poderem aprender e saber que não se santificam através de suas boas
obras, mas somente pela morte e ressurreição de Cristo. Se elas não podem se
santificar pelas boas obras da lei, muito menos poderão se santificar pelas más
obras e sem a lei. Disso não se pode concluir que se as boas obras não
ajudam, as más obras ajudam, assim como não se pode concluir que se o sol
não pode ajudar o cego a ver, então a noite e a escuridão hão de ajudá-lo a
ver.

28
Romanos, 4, 2.
92
Antologia do Renascimento

Tradução:

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com

93
Antologia do Renascimento

Sendbrief vom Dolmetschen (1530)

Dem ehrbaren und umsichtigen N., meinem geneigten Herrn und


Freunde
Gnad und Friede in Christo. Ehrbarer, umsichtiger, lieber Herr und
Freund! Ich habe eure Schrift empfangen mit den zwo Quästionen oder
Fragen, darin ihr meines Berichts begehrt: Erstlich warum ich "An die
Römer" im dritten Kapitel (28) die Worte Sankt Pauli: "Arbitramur hominem
iustificari ex fide absque operibus" also verdeutscht habe: "Wir halten, daß
der Mensch gerecht werde ohn des Gesetzes Werke, allein durch den
Glauben" – und daneben anzeigt, wie die Papisten sich über die Maßen
ereifern, weil im Text Pauli nicht stehet das Wort "sola" (allein) und man
dürfe solchen Zusatz bei Gottes Worten von mir nicht dulden usw.; zum
zweiten: Ob auch die verstorbenen Heiligen für uns bitten, weil wir lesen, daß
sogar die Engel für uns bitten usw. Auf die erste Frage, wo es euch gelüstet,
mögt ihr euern Papisten von meinetwegen antworten also:
Zum ersten. Wenn ich, D. Luther, mich hätte können des versehen, daß
alle Papisten zusammen so kundig wären, daß sie ein Kapitel in der Schrift
könnten recht und gut verdeutschen, so wäre ich wahrlich so demütig
gewesen und hätte sie um Hilf und Beistand gebeten, das Neue Testament zu
verdeutschen. Aber dieweil ich gewußt und noch vor Augen sehe, daß ihrer
keiner recht weiß, wie man dolmetschen oder deutsch reden soll, hab ich sie
und mich solcher Mühe überhoben. Man merkt es aber gut, daß sie aus
meinem Dolmetschen und Deutsch lernen deutsch reden und schreiben und
stehlen mir so meine Sprache, davon sie zuvor wenig gewußt; danken mir
aber nicht dafür, sondern brauchen sie viel lieber wider mich. Aber ich gönn
es ihnen gern, denn es tut mir dennoch wohl, daß ich meine undankbaren
Jünger, dazu meine Feinde, reden gelehrt habe.
Zum andern könnt ihr sagen, daß ich das Neue Testament verdeutscht
habe nach meinem besten Vermögen und aufs gewissenhafteste; habe damit
niemand gezwungen, daß er's lese, sondern es frei gelassen und allein zu
Dienst getan denen, die es nicht besser machen können. Es ist niemand
verboten, ein bessers zu machen. Wer's nicht lesen will, der lass es liegen; ich
bitte und lobe niemand drum. Es ist mein Testament und meine Dolmetschung
und soll mein bleiben und sein. Hab ich drinnen irgendwann geirrt (was mir
doch nicht bewußt, auch wollt' ich gewiss nicht mutwilliglich einen
Buchstaben falsch verdolmetschen) – darüber will ich die Papisten als Richter
nicht dulden, denn sie haben noch immer zu lange Ohren dazu und ihr "lka,
Ika" ist zu schwach, um über mein Verdolmetschen zu urteilen. Ich weiß
94
Antologia do Renascimento

wohl, und sie wissen's weniger denn des Müllners Tier, was für Kunst, Fleiß,
Vernunft, Verstand zum guten Dolmetschen gehöret, denn sie haben's nicht
versucht.
Es heißt: "Wer am Wege bauet, der hat viele Meister." Also gehet mir's
auch. Diejenigen, die noch nie haben recht reden können, geschweige denn
dolmetschen, die sind allzumal meine Meister, und ich muss ihrer aller Jünger
sein. Und wenn ich sie hätte sollen fragen, wie man die ersten zwei Worte
Matthäi 1 (1): "Liber Generationis" sollte verdeutschen, so hätte ihrer keiner
gewußt Gack dazu zu sagen – und richten nun über das ganze Werk, die
feinen Gesellen. Also ging es Sankt Hieronymo auch; da er die Biblia
dolmetscht, da war alle Welt sein Meister, er allein war es, der nichts konnte,
und es urteilten über das Werk des guten Mannes diejenigen, so ihm nicht
genug gewesen wären, daß sie ihm die Schuhe hätten sollen wischen. Darum
gehöret große Geduld dazu, wenn jemand etwas öffentlich Gutes tun will;
denn die Welt will Meister Klüglin bleiben und muss immer das Ross vom
Schwanz her aufzäumen, alles meistern und selbst nichts können. Das ist ihre
Art, davon sie nicht lassen kann.
Ich wollt' dennoch den Papisten freundlich ansehen, der sich herfür tät
und etwa eine Epistel Sankt Pauli oder einen Propheten verdeutschet. Sofern
daß er des Luthers Deutsch und Dolmetschen nicht dazu gebraucht, da wird
man sehen ein fein, schön, löblich Deutsch oder Dolmetschen! Denn wir
haben ja gesehen den Sudler zu Dresden, der mein Neues Testament
gemeistert hat (ich will seinen Namen in meinen Büchern nicht mehr nennen;
zudem hat er auch nun seinen Richter und ist sonst wohl bekannt); der
bekennt, daß mein Deutsch süße und gut sei, und sah wohl, daß er's nicht
besser machen könnte und wollt' es doch zuschanden machen, fuhr zu und
nahm vor sich mein Neu Testament, fast von Wort zu Wort, wie ich's gemacht
hab, und tat meine Vorrede, Gloss und Namen davon, schrieb seinen Namen,
Vorrede und Gloss dazu, verkauft so mein Neu Testament unter seinem
Namen. Ach, lieben Kinder, wie geschah mir da so wehe, da sein Landsfürst
mit einer greulichen Vorrede verdammte und verbot, des Luthers Neu
Testament zu lesen, doch daneben gebot, des Sudelers Neu Testament zu
lesen, welchs doch eben dasselbig ist, das der Luther gemacht hat.
Und daß nicht jemand hier denke, ich lüge, so nimm beide Testamente
vor dich, des Luthers und des Sudelers, halt sie gegeneinander, so wirst du
sehen, wer in allen beiden der Dolmetscher sei. Denn was er an wenig Orten
geflickt und geändert hat – wiewohl mir's nicht alles gefället, so kann ich's
doch gern dulden und schadet mir nicht besonders, soweit es den Text betrifft;
darum ich auch nie dawider hab wollen schreiben, sondern hab der großen
Weisheit müssen lachen, daß man mein Neu Testament so greulich gelästert,

95
Antologia do Renascimento

verdammt, verboten hat, als es unter meinem Namen ist ausgegangen, aber es
doch müssen lesen, als es unter eines andern Namen ist ausgangen. Wiewohl,
was das für eine Tugend sei, einem andern sein Buch lästern und schinden,
darnach daßelbig stehlen und unter eigenem Namen dennoch aus lassen
gehen, und so durch fremde verlästerte Arbeit eigen Lob und Namen suchen –
das lass ich seinen Richter finden. Mir ist indes genug und bin froh, daß
meine Arbeit (wie Sankt Paulus auch rühmet) muss auch durch meine Feinde
gefördert und des Luthers Buch ohn Luthers Namen unter seiner Feinde
Namen gelesen werden. Wie könnt' ich mich besser rächen?
Und daß ich wieder zur Sache komme: Wenn euer Papist sich viel
Beschwer machen will mit dem Wort "sola-allein", so sagt ihm flugs also:
Doktor Martinus Luther will's so haben, und spricht: Papist und Esel sei ein
Ding. Sic volo, sic iubeo, sit pro ratione voluntas. Denn wir wollen nicht der
Papisten Schüler noch Jünger, sondern ihre Meister und Richter sein. Wollen
auch einmal stolzieren und prahlen mit den Eselsköpfen; und wie Paulus
wider seine tollen Heiligen sich rühmet, so will ich mich auch wider diese
meine Esel rühmen. Sie sind Doktores? Ich auch! Sie sind gelehrt? Ich auch!
Sie sind Prediger? Ich auch! Sie sind Theologen? Ich auch! Sie sind
Disputatoren? Ich auch! Sie sind Philosophen? Ich auch! Sie sind Dialektiker?
Ich auch! Sie sind Legenten? Ich auch! Sie schreiben Bücher? Ich auch!
Und will weiter rühmen: Ich kann Psalmen und Propheten auslegen; das
können sie nicht. Ich kann dolmetschen; das können sie nicht. Ich kann beten,
das können sie nicht. Und um von geringeren Dingen zu reden: Ich verstehe
ihre eigene Dialektika und Philosophia besser denn sie selbst allesamt. Und
weiß überdies fürwahr, daß ihrer keiner ihren Aristoteles verstehet. Und ist
einer unter ihnen allen, der ein Proömium oder Kapitel im Aristoteles recht
verstehet, so will ich mich lassen prellen. Ich rede jetzt nicht zu viel, denn ich
bin durch ihre Kunst alle erzogen und erfahren von Jugend auf, weiß sehr
wohl, wie tief und weit sie ist. Ebenso wissen sie auch recht gut, daß ich alles
weiß und kann, was sie können. Dennoch handeln die heillosen Leute gegen
mich, als wäre ich ein Gast in ihrer Kunst, der überhaupt erst heute morgen
kommen wäre und noch nie weder gesehen noch gehört hätte, was sie lernen
oder können; so gar herrlich prangen sie herein mit ihrer Kunst und lehren
mich, was ich vor zwanzig Jahren an den Schuhen zerrissen habe; so daß ich
auch mit jener Metze auf all ihr Plärren und Schreien singen muss: Ich hab's
vor sieben Jahren gewußt, daß Hufnägel Eisen sind.
Das sei auf eure erste Frage geantwortet; und bitte euch, wollet solchen
Eseln ja nichts andres noch, mehr antworten auf ihr unnützes Geplärre vom
Wort "sola" denn so viel: Luther will's so haben und spricht, er sei ein Doktor
über alle Doktor im ganzen Papsttum; da soll's bei bleiben. Ich will sie hinfort

96
Antologia do Renascimento

nur verachten und verachtet haben, so lange sie solche Leute, ich wollt' sagen,
Esel sind. Denn es sind solche unverschämte Tröpfe unter ihnen, die auch ihre
eigene, der Sophisten Kunst nie gelernt haben, wie Doktor Schmidt und
Doktor Rotzlöffel und seinesgleichen; und stellen sich gleichwohl wider mich
in dieser Sache, die nicht allein über die Sophisterei, sondern auch, wie Sankt
Paulus sagt, über aller Welt Weisheit und Vernunft ist. Wahrlich: ein Esel
braucht nicht viel zu singen: Man kennt ihn auch schon gut an den Ohren.
Euch aber und den Unsern will ich anzeigen, warum ich das Wort "sola"
hab wollen brauchen, wiewohl Römer 3 (28) nicht "sola", sondern "solum"
oder "tantum" von mir gebraucht ist. So genau sehen die Esel meinen Text an.
Jedoch habe ich anderswo "sola fide" gebraucht und will auch beides, "solum"
und "sola", haben. Ich hab mich des beflissen im Dolmetschen, daß ich rein
und klar Deutsch geben möchte. Und ist uns sehr oft begegnet, daß wir
vierzehn Tage, drei, vier Wochen haben ein einziges Wort gesucht und
gefragt, haben's dennoch zuweilen nicht gefunden. Im Hiob arbeiteten wir
also, Magister Philips, Aurogallus und ich, daß wir in vier Tagen zuweilen
kaum drei Zeilen konnten fertigen. Lieber – nun es verdeutscht und bereit ist,
kann's ein jeder lesen und meistern. Es läuft jetzt einer mit den Augen durch
drei, vier Blätter und stößt nicht einmal an, wird aber nicht gewahr, welche
Wacken und Klötze da gelegen sind, wo er jetzt drüber hingehet wie über ein
gehobelt Brett, wo wir haben müssen schwitzen und uns ängsten, ehe denn
wir solche Wacken und Klötze aus dem Wege räumeten, auf daß man könnte
so fein dahergehen. Es ist gut pflügen, wenn der Acker gereinigt ist. Aber den
Wald und die Stubben ausroden und den Acker zurichten, da will niemand
heran. Es ist bei der Welt kein Dank zu verdienen, kann doch Gott selbst mit
der Sonnen, ja, mit Himmel und Erden noch mit seines eigen Sohns Tod
keinen Dank verdienen, sie sei und bleibt Welt – in des Teufels Namen, weil
sie ja nicht anders will.
Ebenso habe ich hier, Römer 3, sehr wohl gewußt, daß im lateinischen
und griechischen Text das Wort "solum" nicht stehet und hätten mich solches
die Papisten nicht brauchen lehren. Wahr ist's: Diese vier Buchstaben s-o-l-a
stehen nicht drinnen, welche Buchstaben die Eselsköpf ansehen wie die Kühe
ein neu Tor, sehen aber nicht, daß es gleichwohl dem Sinn des Textes
entspricht, und wenn man's will klar und gewaltiglich verdeutschen, so
gehöret es hinein, denn ich habe deutsch, nicht lateinisch noch griechisch
reden wollen, als ich deutsch zu reden beim Dolmetschen mir vorgenommen
hatte. Das ist aber die Art unsrer deutschen Sprache, wenn sie von zwei
Dingen redet, deren man eines bejaht und das ander verneinet, so braucht man
des Worts solum "allein" neben dem Wort "nicht" oder "kein". So wenn man
sagt: "Der Baur bringt allein Korn und kein Geld." Nein, ich hab wahrlich
jetzt nicht Geld, sondern allein Korn. Ich hab allein gegessen und noch nicht
97
Antologia do Renascimento

getrunken. Hast du allein geschrieben und nicht durchgelesen? Und


dergleichen unzählige Weisen in täglichem Brauch.
Ob's gleich die lateinische oder griechische Sprache in diesen
Redeweisen allen nicht tut, so tut's doch die deutsche und ist’s ihre Art, daß
sie das Wort "allein" hinzusetzt, auf daß das Wort "nicht" oder "kein" um so
völliger und deutlicher sei. Denn wiewohl ich auch sagen kann: "Der Baur
bringt Korn und kein Geld", so klingt doch das Wort "kein Geld" nicht so
völlig und deutlich, als wenn ich sage: "Der Bauer bringt allein Korn und kein
Geld"; und hilft hier das Wort "allein" dem Wort "kein" dazu, daß es eine
völlige, deutsche, klare Rede wird, denn man muss nicht die Buchstaben in
der lateinischen Sprache fragen, wie man soll Deutsch reden, wie diese Esel
tun, sondern man muss die Mutter im Hause, die Kinder auf der Gassen, den
gemeinen Mann auf dem Markt drum fragen und denselbigen auf das Maul
sehen, wie sie reden, und darnach dolmetschen; da verstehen sie es denn und
merken, daß man deutsch mit ihnen redet.
So wenn Christus spricht: "Ex abundantia cordis os loquitur." Wenn ich
den Eseln soll folgen, sie werden mir die Buchstaben vorlegen und so
dolmetschen: Aus dem Überfluss des Herzens redet der Mund. Sage mir, ist
das deutsch geredet? Welcher Deutsche verstehet solches? Was ist Überfluss
des Herzen für ein Ding? Das kann kein Deutscher sagen, es sein denn, er
wollte sagen, es bedeute, daß einer ein allzu groß Herz habe oder zuviel Herz
habe; wiewohl das auch noch nicht recht ist, denn Überfluss des Herzens ist
kein Deutsch, so wenig als das Deutsch ist: Überfluss des Hauses, Überfluss
des Kachelofens, Überfluss der Bank, sondern so redet die Mutter im Haus
und der gemeine Mann: Wes das Herz voll ist, des gehet der Mund über. Das
heißt gutes Deutsch geredet, des ich mich beflissen und leider nicht allwege
erreicht noch getroffen habe, denn die lateinischen Buchstaben hindern über
die Maßen sehr, gutes Deutsch zu reden.
Ebenso, wenn der Verräter Judas sagt, Matthäi 26 (8): Ut quid perditio
haec? und Marci 14 (4): Ut quid perditio ista unguenti facta est? Folge ich den
Eseln und Buchstabilisten, so muss ich's so verdeutschen: Warum ist diese
Verlierung der Salben geschehen? Was ist aber das für Deutsch? Welcher
Deutsche redet so: Verlierung der Salben ist geschehen? Und wenn er's recht
verstehet, so denkt er, die Salbe sei verloren und müsse sie wohl wieder
suchen, wiewohl das auch noch dunkel und ungewiss lautet. Wenn nun das
gutes Deutsch ist, warum treten sie nicht herfür und machen uns solch ein
fein, hübsch, neu, deutsch Testament und lassen des Luthers Testament
liegen? Ich meine eben, sie sollten ihre Kunst an den Tag bringen. Aber der
deutsche Mann redet so (Ut quid etc.): Was soll doch solcher Unrat, oder:
Was soll doch solcher Schade? Nein, es ist schade um die Salbe – das ist

98
Antologia do Renascimento

gutes Deutsch, daraus man verstehet, daß Magdalene mit der verschütteten
Salbe sei unzweckmäßig umgegangen und habe verschwendet; das war Judas'
Meinung, denn er gedachte, einen besseren Zweck damit zu erfüllen.
Item, da der Engel Mariam grüßet und spricht: Gegrüßet seist du, Maria
voll Gnaden, der Herr mit dir. Nun wohl, so ist's bisher einfach dem
lateinischen Buchstaben nach verdeutschet. Sage mir aber, ob solchs auch
gutes Deutsch sei? Wo redet der deutsch Mann so: Du bist voll Gnaden? Und
welcher Deutscher verstehet, was da heißt: voll Gnaden? Er muss denken an
ein Fass voll Bier oder Beutel voll Geldes; darum hab ich's verdeutscht: Du
Holdselige, worunter ein Deutscher sich sehr viel eher vorstellen kann, was
der Engel meinet mit seinem Gruß. Aber hier wollen die Papisten toll werden
über mich, daß ich den engelischen Gruß verderbet habe, wiewohl ich
dennoch damit nicht das beste Deutsch habe troffen. Und würde ich hier das
beste Deutsch genommen haben und den Gruß so verdeutscht: Gott grüße
dich, du liebe Maria (denn soviel will der Engel sagen, und so würde er
geredet haben, wann er hätte wollen sie deutsch grüßen), ich glaube, sie
würden sich wohl selbst erhängt haben vor übergroßem Eifer um die liebe
Maria, daß ich den Gruß so zunichte gemacht hätte.
Aber was frage ich danach, ob Sie toben oder rasen, ich will nicht
wehren, daß sie verdeutschen, was sie wollen; ich will aber auch
verdeutschen, nicht wie sie wollen, sondern wie ich will. Wer es nicht haben
will, der lass mir's stehen und behalte seine Meisterschaft bei sich, denn ich
will sie weder sehen, noch hören, sie brauchen für mein Dolmetschen weder
Antwort geben noch Rechenschaft tun. Das hörest du wohl: Ich will sagen:
"du holdselige Maria, du liebe Maria", und lass sie sagen: "du voll Gnaden
Maria". Wer Deutsch kann, der weiß, welch ein zu Herzen gehendes, fein
Wort das ist: die liebe Maria, der liebe Gott, der liebe Kaiser, der liebe Fürst,
der liebe Mann, das liebe Kind. Und ich weiß nicht, ob man das Wort "liebe"
auch so herzlich und genugsam in lateinischer oder anderen Sprachen
ausdrücken kann, das ebenso dringe und klinge ins Herz, durch alle Sinne,
wie es tut in unser Sprache.
Denn ich halte dafür, Sankt Lukas als ein Meister in hebräischer und
griechischer Sprache, habe das hebräisch Wort, so der Engel gebraucht,
wollen mit dem griechischen "kecharitomeni" treffen und deutlich machen.
Und denk mir, der Engel Gabriel habe mit Maria geredet, wie er mit Daniel
redet und nennet ihn "hamudoth" und "isch hamudoth", vir desideriorum, das
ist: "du lieber Daniel". Denn das ist Gabrielis Weise zu reden, wie wir im
Daniel sehen. Wenn ich nun den Buchstaben nach, aus der Esel Kunst sollt
des Engels Wort verdeutschen, müsste ich so sagen: Daniel, du Mann der
Begierungen, oder Daniel, du Mann der Lüste. Oh, das wäre schön Deutsch!

99
Antologia do Renascimento

Ein Deutscher höret wohl, daß "Mann", "Lüste" oder "Begierungen" deutsche
Wort sind, wiewohl es nicht eitel reine deutsche Wort sind, sondern "Lust"
und "Begier" wären wohl besser. Aber wenn sie so zusammengefasset
werden: Der Mann der Begierungen, so weiß kein Deutscher, was gesagt ist,
denkt, daß Daniel vielleicht voll böser Lust stecke. Das hieße denn fein
gedolmetscht. Darum muss ich hier die Buchstaben fahren lassen und
forschen, wie der deutsche Mann das ausdrückt, was der hebräische Mann
"Isch hamudoth" nennt. So finde ich, daß der deutsche Mann so spricht: Du
lieber Daniel, du liebe Maria oder: du holdselige Maid, du niedliche Jungfrau,
du zartes Weib und dergleichen. Denn wer dolmetschen will, muss großen
Vorrat von Worten haben, damit er die recht zur Hand haben kann, wenn eins
nirgendwo klingen will.
Und was soll ich viel und lange reden von Dolmetschen? Sollt’ ich aller
meiner Wort Ursachen und Gedanken anzeigen, ich müßte wohl ein Jahr dran
zu schreiben haben. Was Dolmetschen für Kunst und Arbeit sei, das hab ich
wohl erfahren, darum will ich keinen Papstesel noch Maulesel, die nichts
versucht haben, hierin als Richter oder Tadeler dulden. Wer mein
Dolmetschen nicht will, der lass es anstehen. Der Teufel danke dem, der es
nicht mag oder ohn meinen Willen und Wissen meistert. Soll's gemeistert
werden, so will ich's selber tun. Wo ich's selber nicht tu, da lasse man mir
mein Dolmetschen mit Frieden und mache ein jeglicher, was er will, für sich
selbst und lebe wohl!
Das kann ich mit gutem Gewissen bezeugen, daß ich meine höchste
Treue und Fleiß drinnen erzeigt und nie kein falsche Gedanken gehabt habe –
denn ich habe keinen Heller dafür genommen noch gesucht, noch damit
gewonnen. Ebenso hab ich meine Ehre drinnen nicht gesucht, das weiß Gott,
mein Herr, sondern hab's zu Dienst getan den lieben Christen und zu Ehren
einem, der droben sitzet, der mir alle Stunde soviel Gutes tut, daß, wenn ich
tausendmal soviel und fleißig gedolmetscht, ich dennoch nicht eine Stunde
verdienet hätte zu leben oder ein gesund Auge zu haben: Es ist alles seiner
Gnaden und Barmherzigkeit, was ich bin und habe, ja, es ist seines teuren
Bluts und sauren Schweißes, darum soll's auch, wenn Gott will, alles ihm zu
Ehren dienen, mit Freuden und von Herzen. Lästern mich die Sudeler und
Papstesel, wohlan, so loben mich die frommen Christen, samt ihrem Herrn
Christo, und bin allzu reichlich belohnet, wenn mich nur ein einziger Christ
für einen treuen Arbeiter hält. Ich frag nach Papsteseln nichts, sie sind nicht
wert, daß sie meine Arbeit sollen prüfen, und sollt’ mir von Herzens Grund
leid sein, wenn sie mich losbeten. Ihr Lästern ist mein höchster Ruhm und
Ehre. Ich will dennoch ein Doktor, ja auch ein ausbündiger Doktor sein, und
sie sollen mir den Namen nicht nehmen bis an den Jüngsten Tag, das weiß ich
fürwahr.
100
Antologia do Renascimento

Doch hab ich wiederum nicht allzu frei die Buchstaben lassen fahren,
sondern mit großer Sorgfalt samt meinen Gehilfen darauf gesehen, so daß, wo
es etwa drauf ankam, da hab ich's nach den Buchstaben behalten und bin nicht
so frei davon abgewichen; wie Johannes 6 (27), wo Christus spricht: "Diesen
hat Gott der Vater versiegelt." Da wäre wohl besser Deutsch gewesen: Diesen
hat Gott der Vater gezeichnet, oder, diesen meinet Gott der Vater. Aber ich
habe eher wollen der deutschen Sprache Abbruch tun, denn von dem Wort
weichen. Ach, es ist Dolmetschen keineswegs eines jeglichen Kunst, wie die
tollen Heiligen meinen; es gehöret dazu ein recht fromm, treu, fleißig,
furchtsam, christlich gelehret, erfahren, geübet Herz. Darum halt ich dafür,
daß kein falscher Christ noch Rottengeist treulich dolmetschen könne; wie das
deutlich wird in den Propheten, zu Worms verdeutschet, darin doch wahrlich
großer Fleiß angewendet und meinem Deutschen sehr gefolgt ist. Aber es sind
Juden dabei gewesen, die Christo nicht große Huld erzeigt haben – an sich
wäre Kunst und Fleiß genug da.
Das sei vom Dolmetschen und der Art der Sprachen gesagt. Aber nun
hab ich nicht allein der Sprachen Art vertrauet und bin ihr gefolget, daß ich
Römer 3 (28) "solum" (allein) hab hinzugesetzt, sondern der Text und die
Meinung Sankt Pauli fordern und erzwingen's mit Gewalt; denn er behandelt
ja daselbst das Hauptstück christlicher Lehre, nämlich, daß wir durch den
Glauben an Christum, ohn alle Werke des Gesetzes gerecht werden; und
schneidet alle Werke so rein ab, daß er auch spricht: des Gesetzes (das doch
Gottes Gesetz und Wort ist) Werk nicht helfen zur Gerechtigkeit; und setzt
zum Exempel Abraham, daß derselbige sei so ganz ohne Werk gerecht
geworden, daß auch das höchste Werk, das dazumal neu geboten ward von
Gott vor und über allen andern Gesetzen und Werken, nämlich die
Beschneidung, ihm nicht geholfen habe zur Gerechtigkeit, sondern sei ohn die
Beschneidung und ohn alle Werk gerecht worden, durch den Glauben, wie er
spricht Kap. 4 (2): "Ist Abraham durch Werke gerecht worden, so kann er sich
rühmen, aber nicht vor Gott." Wo man aber alle Werke so völlig abschneidet
– und das muß ja der Sinn dessen sein, daß allein der Glaube gerecht mache,
und wer deutlich und dürr von solchem Abschneiden der Werke reden will,
der muß sagen: Allein der Glaube und nicht die Werke machen uns gerecht.
Das erzwinget die Sache selbst, neben der Sprache Art.
Ja, sprechen sie: Es klingt ärgerlich und die Leute lernen daraus
verstehen, daß sie keine guten Werke zu tun brauchten. Lieber, was soll man
sagen? Ist's nicht viel ärgerlicher, daß Sankt Paulus selbst nicht sagt: "allein
der Glaube", sondern schüttet's wohl gröber heraus und stößet dem Faß den
Boden aus und spricht: "ohn des Gesetzes Werk", und Galat. 2 (16): "nicht
durch die Werk des Gesetzes" und desgleichen mehr an anderen Orten; denn
das Wort "allein der Glaube" könnte noch eine Gloß finden, aber das Wort
101
Antologia do Renascimento

"ohn Werk des Gesetzes" ist so grob, ärgerlich, schändlich, daß man mit
keiner Glossen helfen kann. Wie viel mehr könnten hieraus die Leute lernen,
keine gute Werk tun, da sie hören mit so dürren, starken Worten von den
Werken selbst predigen: "kein Werk, ohn Werk, nicht durch Werk". Ist nu das
nicht ärgerlich, daß man "ohn Werk, kein Werk, nicht durch Werk" predigt,
was sollt's denn ärgerlich sein, so man dies "allein der Glaube" predigt?
Und was noch ärgerlicher ist: Sankt Paulus verwirft nicht schlichte,
gewöhnliche Werke, sondern des Gesetzes selbst. Daraus könnte wohl jemand
sich noch mehr ärgern und sagen, das Gesetz sei verdammt und verflucht vor
Gott und man solle eitel Böses tun, wie die täten Römer 3 (8): "Laßt uns
Böses tun, auf daß es gut werde", wie auch ein Rottengeist in unsrer Zeit
anfing. Sollt' man um solcher Ärgernis willen Sankt Paulus' Wort verleugnen
oder nicht frisch und frei vom Glauben reden? Lieber, gerade Sankt Paulus
und wir wollen solch Ärgernis haben und lehren um keiner ander Ursachen
willen so stark wider die Werk und treiben allein auf den Glauben, daß die
Leute sollen sich ärgern, stoßen und fallen, damit sie können lernen und
wissen, daß sie durch ihr gute Werk nicht fromm werden, sondern, allein
durch Christus' Tod und Auferstehen. Können sie nun durch gute Werk des
Gesetzes nicht fromm werden, wie viel weniger werden sie fromm werden
durch böse Werk und ohn Gesetz! Darum kann man nicht folgern: Gute Werk
helfen nicht – darum helfen böse Werk, gleichwie nicht gut gefolgert werden
kann: Die Sonne kann dem Blinden nicht helfen, daß er sehe, darum muß ihm
die Nacht und Finsternis helfen, daß er sehe.

Fonte: Martin Luther. Gesammelte Werke. Kurt Aland (Org.). Berlin,


Directmedia, 2002. Digitale Bibliothek Band 63.

102
Antologia do Renascimento

Juan Luis Vives


(1492/3-1540)

JUAN LUIS VIVES é o maior humanista espanhol, comparado em


importância a Erasmo de Rotterdam (1469-1536) e a Guillaume Budé (1467-
1540) – o grande triunvirato do humanismo nórdico. Versiones seu
interpretationes constitui o último capítulo da obra De ratione dicendi,
publicada em Louvain no ano de 1533. Este tratado retórico é considerado
como o epílogo de sua original teoria da linguagem, de seu humanismo
filosófico e de sua reflexão sobre o mundo humano. Embora a reflexão sobre
a tradução apareça em um tratado de retórica, o humanista não a trata como
um exercício de composição, mas enquanto uma forma de interpretação e
reprodução textual. Vives concebe a tradução primeiramente como um ato de
compreensão do sentido. À interpretação do original em todo seu conjunto,
segue a escrita que, privilegiando a língua de chegada, deve produzir um texto
retórico-literário, e que pode, segundo o tipo de texto, realizar-se como uma
tradução que observa essencialmente o sentido, ou tanto o sentido como a
expressão. Há, contudo, um caso que relega o cuidado em relação à língua de
chegada a um segundo plano por exigências do conteúdo dos textos. Embora
todos os tipos de tradução sejam aceitáveis uma vez que respeitem condições
determinadas, a melhor é a que conserva, ademais do sentido, a graça do
estilo original. Um dos pontos centrais da concepção vivesiana é sua doutrina
sobre a oratio (discurso, oração, estilo, elocução) na tradução: a oratio é o
discurso próprio de cada homem, que o caracteriza e singulariza. Reproduzir a
oratio original é produzir uma oratio na tradução, ou seja, a oratio é o grande
campo de atuação do tradutor em que a tradução se faz literatura. Do que se
infere, a natureza da atividade tradutória possui um estatuto da ordem da
literatura, o que vale dizer, traduzir é uma atividade da ordem da escritura e
no mesmo nível da literatura.

MAURI FURLAN (maurizius@gmail.com), professor de Latim e Teoria da


Tradução no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC,
graduou-se em Jornalismo pela FACHA/RJ e em Letras-Alemão pela UFSC.
Em seu mestrado em Literatura (UFSC) abordou questões teóricas da tradução
da Ars poetica, de Horácio, e, no doutorado em Filologia Clássica pela
Universitat de Barcelona, Espanha, apresentou uma sistematização para as
reflexões sobre a tradução produzidas no Renascimento.

103
Antologia do Renascimento

Versões ou traduções

Versão é a passagem das palavras de uma língua a outra com seu sentido
conservado. Em algumas delas se observa apenas o sentido; em outras, apenas
a expressão e a forma, como se alguém tentasse passar a outras línguas os
discursos de Demóstenes ou de Cícero, ou a poesia de Homero ou de Virgílio
observando inteiramente sua aparência e o colorido do dizer. Experimentar
isso seria próprio de um homem que compreende muito pouco quanta
diversidade há nas línguas. Não há, pois, nenhuma língua tão rica e variada,
que possa corresponder em tudo, em figuras e conformações, mesmo à mais
simples. “Nem todas as coisas se prestam a que as traduzamos do grego”,
disse Quintiliano, “nem mesmo a eles, todas as vezes que quiseram designar
com suas palavras as nossas” [Institutio oratoria, II, 14, I]. Há um terceiro
gênero, em que tanto as coisas como as palavras são ponderadas, bem
entendido, em que as palavras, ou sozinhas ou unidas ou no conjunto da
oração, conferem força e graça aos sentidos. Naquelas em que se tem
interesse apenas nos sentidos, elas são livres para serem traduzidas, e tem-se
uma escusa ao que omite coisas que não afetam o sentido ou ao que inclui
coisas que auxiliem o sentido. Nem as figuras e esquemas de uma língua dada
devem ser expressos em outra, muito menos coisas que são do idiomatismo.
Nem vejo até que ponto convenha admitir solecismos ou barbarismos a fim de
repetir os sentidos com outras tantas palavras, coisa que fizeram alguns com
Aristóteles e com as Sagradas Escrituras.
Será permitido reproduzir duas palavras com uma, e uma com duas, e em
qualquer número, quando se tiver dominado a língua, e, ainda, tanto incluir
algo como tirar. Exemplos disto será fácil tomar de Cícero em seu livro Da
universalidade [De uniuersitate], e de Teorodo Gaza,29 excelente tradutor:
este, pois, no primeiro volume de Dos animais [De animalibus], de
Aristóteles, traduz λύσσωµα por aequamentum e discrimen; depois
στρυφνός por austerum e acerbum, uma única palavra em duas; e neste
mesmo livro, Δοκεῖ δὲ καὶ ὁ σπόγγος ἔχειν τινὰ αἴσθησιν· σηµεῖον δ' ὅτι
χαλεπώτερον ἀποσπᾶται, ἂν µὴ γένηται λαθραίως ἡ κίνησις, ὥς φασιν...
acrescenta de si mesmo Vt ferunt auulsores; e também aquilo de τὰ
καλούµενα ὁλοθούρια traduz assim: Et quae tota simplici mitioreque testa
operta, uertibula appellantur, et calli, aut tubera; além disso, aquilo que
concorda com a língua latina o expressa dessa forma, embora em grego se
considere de um modo um pouco diferente, como Ὠτὸς δὲ µέρος τὸ µὲν
ἀνώνυµον, τὸ δὲ λοβός, que traduz por Auris pars exterior, cui est nomen
29
Teodoro Gaza (1398-1475), abade de São João de Piro, na Itália, tradutor de Aristóteles, Teofrasto e
Alexandre de Afrodísias ao latim.
104
Antologia do Renascimento

auriculae, parte constat superiore pinna, inferiore fibra. No livro primeiro de


Da tranqüilidade da vida [De tranquillitate uitae]30, Sêneca chama
tranquillitas a εὐθυµίαν. “Na verdade”, diz ele, “não é necessário imitar ou
passar as palavras à forma deles; há que se designar a coisa de que se trata
com algum nome que deve ter a força da denominação grega, não a
aparência” [II, 3]. Se bem que não admitirei que qualquer tradutor arrogue-se
tanto a si se não tiver antes por certo e assegurado não se equivocar, e que, na
arte de que trata, tenha posto conveniente cuidado.
As traduções não só são úteis mas também, e sobretudo, necessárias em
todas as disciplinas e artes, e quase em cada um dos momentos de toda a vida,
se forem fiéis. Tornam-se falsas, com efeito, ou por ignorância das línguas ou
da matéria de que se trata. As palavras são finitas, as coisas infinitas, por isso,
na semelhança das palavras, que se chama sinonímia, muitos são enredados.
Na verdade, sobre aquilo de que se trata se enganam os tradutores ignorantes
e enganam aqueles que se fiam neles, e também nas palavras e na expressão
peculiares a uma arte ou autor. Que vejas pois alguns que, ao traduzirem
Aristóteles ou Galeno,31 pouco afortunadamente cuidaram de sua tarefa e
muito pouco da dignidade da obra, porque não eram versados em filosofia e
medicina.
Naquelas traduções em que as coisas e as palavras são sopesadas, os
tropos e as figuras e os demais ornamentos da oração devem ser conservados,
enquanto seja possível, os mesmos; mas se o podes com menos propriedade,
que se assemelhem em força e beleza, obviamente tais que se harmonizem na
língua segunda e devolvam ou a mesma força ou a mesma graça que os outros
na língua primeira. Neste sentido pecou-se ao traduzir Aristóteles, entre
outras obras, sobretudo nos Elencos sofísticos [De sophisticis elenchis], como
demonstramos em outro lugar. Seria muito útil às línguas, se tradutores
destros ousassem algumas vezes dar sua cidadania a uma figura estrangeira ou
a um tropo, com tanto que não diferisse muito em seus usos e costumes. Às
vezes também à imitação da língua primeira e quase mãe, criar e formar
apropriadamente algumas palavras para enriquecer a língua segunda e quase
filha, coisa que fez Gaza, homem grego e benemérito dos latinos. Mas não se
pense que isto está permitido a qualquer um; nesse aspecto é mais sensato ser
moderado e meticuloso do que ousado e profuso.

30
Esta obra faz parte dos ‘diálogos’ de Sêneca e é mais conhecida pelo título original de De tranquillitate
animi (Da tranqüilidade do espírito), ao lado de De breuitate uitae (Da brevidade da vida), de onde
provavelmente surgiu a variante De tranquillitate uitae.
31
Galeno (ca.129-ca.200), filósofo grego e médico em Roma durante o reinado de Marco Aurélio, deixou
grande quantidade de escritos sobre medicina. Suas obras sobre filosofia, gramática e literatura, porém, não
chegaram até nós.
105
Antologia do Renascimento

Há algumas versões de sentidos, nas quais devem ser consideradas com a


maior exatidão também as palavras, inclusive contá-las, se for possível, como
em passagens dificílimas e obscuras à compreensão, como as apresenta muitas
Aristóteles, que devem ser deixadas ao julgamento do leitor, e também nos
negócios públicos ou privados de grande importância, e nos mistérios da fé,
que estão contidos nos livros sagrados. Em todos esses não deve interpor sua
opinião aquele que traduz.
Os nomes próprios de homens ou de lugares devem passar de uma língua
a outra não transformados à força do significado. Com efeito, não traduzirás
Aristóteles como Melhor Fim, ou Platão como Largo, ou Israel como
Suplantador. Assim os nomes bárbaros os gregos e romanos deixaram em sua
origem e natureza, somente os flexionaram na forma de sua língua. E por isso,
com razão, como de muitos outros, Luciano escarnece também daquele
historiador que transformou nomes romanos em gregos, como de Saturninus
fez Κρόνιον e outras coisas do gênero. Deles apenas é permitido, como dizia,
tirar ou acrescentar uma letra ou sílaba, para que se reproduza apropriado e
congruente à língua, como quando os latinos dizem em grego Catulus
Κάτλοζ, Fabius Valens Φάβιος Οὐάλης, Quintus Κοϊντοζ, Thyberim
Θύµβρον, Tullium Τύλλιον, Caligulam Καλιγόλαν, Λεύκιον Lucium. Por isso,
a meu ver fazem mal os que nos transcrevem os nomes romanos a partir da
escritura grega, como quando querem que se aspire Rhoma, porque os gregos
aspiram os que começam com ρ.
Existem alguns nomes já há muito tempo aceitos nas línguas de um
modo distinto, e se os deverá empregar segundo o costume. Carthago chama
o romano, o grego Καρχηδόνα, Agrigentum Ἀκράγας. Os nomes próprios que
passaram a uma língua por meio de outra são tomados desta, não da primeira,
assim como os nomes bárbaros daqueles povos do oriente e do sul chegaram
aos romanos conforme designados pelos gregos, os do norte porém e os do
ocidente, aos gregos através dos romanos. Logo, tanto os romanos expressam
à maneira grega o que os gregos ensinaram, quanto os gregos à romana o que
deles aprenderam, ambos com as palavras um pouco flexionadas ao seu modo
de pronunciar, o que também em nossas línguas vulgares pode-se perceber: os
hispanos e os ítalos, com efeito, porque tomaram conhecimento dos germanos
através dos galos, citam regiões e cidades germânicas, não como os próprios
germanos, mas como os galos. Portanto, os que forçam a língua latina a
expressar os nomes hebraicos segundo a norma dos hebreus, me parecem
violentar a natureza das coisas. Não aceita uma língua nobre tão absurdas
torsões de palato, de língua, de toda a boca, mas as que tomou do grego,
conserva na forma grega. Não é fácil, na natureza, passar aos extremos, mas
ao vicinal e semelhante. Ademais, as Igrejas Latinas receberam as Sagradas
Escrituras dos gregos, e prevaleceu o uso dos nomes da versão da
106
Antologia do Renascimento

Septuaginta, e este é congruente e conforme à língua grega e à latina, que


nasceu da grega. Além disso, os próprios hebreus pronunciam os nomes das
nações não como elas o fazem, mas com um costume próprio e o mais
diferente dos outros, o que é evidente ao que lê o que escrevem sobre os reis
dos persas, dos medos, dos egípcios, ou sobre as regiões e lugares do mundo.
O estilo, ou segue-se o do outro, se com isso se passa à tradução algo de
sua força – como se alguém traduzisse O asno de ouro [Metamorphoses], de
Apuleio, imitando aquela expressão admiravelmente divertida, e
apropriadíssima para provocar o riso – ou, em caso contrário, segue-te a ti
mesmo e a tua melhor intuição, que é um guia, uma vez formada de um modo
correto. Se podes, compete também com teu original e devolve um estilo
melhor do que tenhas recebido, isto é, mais apropriado e conveniente ao
assunto e aos ouvintes, melhor, enfim, porque mais adequado e mais útil; não
como fazem alguns que, induzidos por uma vaidade cega, sobrecarregam
assim com afetação e ornamentos excessivos um estilo direto, claro e nobre,
que de fácil e agradável o traduzem pesado e afetado. E quanto àqueles que
conspurcam a elegância e o esplendor do estilo primeiro com palavras e
figuras obscuras, arrastadas, vulgares, com uma pretensão desmedida de
ostentar eloqüência, sem nenhum juízo sobre o que e de que seja a natureza e
a força do estilo? Acreditam, com efeito, que a expressão será mais poderosa
sobretudo se tiverem amontoado palavras raras ou elegantes ou obsoletas.
Quanto mais exatamente tiveres conservado a graça do estilo e mais perto
tiveres estado da tradução literal, tanto melhor e mais notável será a versão,
expressando por certo mais verazmente seu original, como é o livro de Cícero,
Da universalidade, parte do Timeo platônico, que tenho proposto aos
estudiosos como o melhor modelo para o traduzir.
A poesia é traduzida muito mais livremente do que a prosa, pela
necessidade da métrica; nela é permitido acrescentar, tirar, transformar, e
ainda mais livremente quando o essencial do pensamento permanece inteiro,
precisamente o que queremos. Cícero, no livro segundo Da glória [De
gloria]32, para dar um exemplo entre muitos, traduz assim o verso da Ilíada de
Homero [VII, 90]: ὅν ποτ' ἀριστεύοντα κατέκτανε φαίδιµος Ἕκτωρ: Qui
quondam Hectoreo perculsus concidit ense33 (“que caiu outrora, golpeado
pela espada de Heitor”). Omitiu ἀριστεύοντα e φαίδιµος porque essas
palavras não interessavam ao seu assunto.
Os tipos de discursos que se referem a questões de persuasão são quase
infinitos, quer consideres a matéria, quer os propósitos dos falantes, pois se
distinguem por estes dois aspectos. Expô-los porém um a um seria de um

32
Atualmente, uma obra perdida.
33
Apud Aulo Gélio, Noctes Atticae, XV, 6, 3.
107
Antologia do Renascimento

trabalho imenso; foram compreendidos por nós em fórmulas gerais, que são
poucas e ensinam esta arte de um modo mais seguro e veraz, contanto que se
empregue atenção diligente e exercício, sem o que na verdade nenhuma regra
bastaria.
Era isto o que tinha a dizer sobre a doutrina da linguagem, em preceitos
universais, para que possam ser guardados mais facilmente e com melhor
segurança, e ser adaptados a qualquer uso, tendo sido omitido aquilo que
julguei não dizer respeito a tal fim. Caberá a vós não desviar este bem tão
grande, concedido por Deus ao gênero humano, para um uso imprudente,
como a maledicência e a violência, nem converter em perdição o que fora
disposto para sua salvação. Que importa pois que ataques alguém com a
espada ou com a palavra, senão que é mais grave ferir com a língua,
instrumento que a natureza ofereceu para que o aproveitasses. Os animais,
que consideramos mudos, têm a seu modo um certo tipo rudimentário e
imperfeito de linguagem, que serve aos seus instintos; a nossa, porém, serve à
mente. Por isso não possui uma verdadeira linguagem senão aquele que
possui também uma mente. Pelo que, nos revestimos com a índole e os
hábitos dos brutos, e nos transformamos completamente em brutos quando
transferimos nossa linguagem da submissão à razão ao serviço dos instintos.

Tradução:

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com

108
Antologia do Renascimento

Versiones seu interpretationes (1532)

Versio est a lingua in linguam uerborum traductio, sensu seruato. Harum


in quibusdam solus spectatur sensus, in aliis sola phrasis et dictio, ut si quis
tentaret Demosthenis, aut M. Tullii orationes, aut Homeri uel Maronis carmen
in alias linguas transferre, facie illa et colore dicendi prorsum obseruato; quod
experiri hominis esset parum intelligentis, quanta sit in linguis diuersitas.
Nulla est enim adeo copiosa lingua et uaria, quae possit per omnia respondere
figuris, et conformationibus etiam infantissimae. Non omnia nos ducentes ex
Graeco sequuntur, ait M. Fabius, sicut nec illos quidem, quoties suis utique
uerbis signare nostra uoluerunt. Tertium genus est, ubi et res et uerba
ponderantur, scilicet ubi uires et gratiam sensis adferunt uerba, eaque uel
singula uel coniuncta, uel ipsa uniuersa oratione. In quibus sola habetur
sensorum ratio, ea sunt interpretando libera, et habetur uenia quaedam uel
omittenti, quae ad sensum non faciunt, uel addenti, quae sensum adiuuent.
Nec sunt figurae et schemata linguae unius in alteram exprimenda, multo
minus quae sunt ex idiomate. Nec uideo quorsum pertineat, soloecismum aut
barbarismum admittere, ut totidem uerbis sensa repraesentes, quod fecerunt
quidam in Aristotele, et in sacris litteris.
Licebit duo uerba uno reddere, et unum duobus; et in quocumque
numero, ut nactus eris linguam, quin et aliquid addere, et detrahere. Exempla
horum promptum erit sumere ex Cicerone in libello De uniuersitate, et
Theodoro Gaza optimo interprete: is enim in primo uolumine Aristoteles De
animalibus λύσσωµα aequamentum, et discrimen, tum στρυφνός, austerum et
acerbum, unam uocem duabus; et in eodem libro, Δοκεῖ δὲ καὶ ὁ σπόγγος
ἔχειν τινὰ αἴσθησιν· σηµεῖον δ' ὅτι χαλεπώτερον ἀποσπᾶται, ἂν µὴ γένηται
λαθραίως ἡ κίνησις, ὥς φασιν..., addit de suo, Vt ferunt auulsores; Tum et
illud, τὰ καλούµενα ὁλοθούρια, sic transfert: Et quae tota simplici mitioreque
testa operta, uertibula appellantur, et calli, aut tubera; ad haec, quae Latinae
congruunt, ita exprimit, etiamsi Graece paulo habeatur aliter, ut Ὠτὸς δὲ
µέρος τὸ µὲν ἀνώνυµον, τὸ δὲ λοβός, uertit, Auris pars exterior, cui est nomen
auriculae, parte constat superiore pinna, inferiore fibra. Seneca libro De
tranquillitate uitae primo, εὐθυµίαν tranquillitatem uocat: Neque enim, inquit,
imitari ac transferre uerba ad illorum formam necesse est, res ipsa de qua
agitur, aliquo signanda nomine est, quod appellationis Graecae uim debet
habere, non faciem. Quamuis non facile patiar quemlibet interpretem tantum
sibi sumere, nisi certum prius atque exploratum habeat non falli se, quique in
arte, de qua tractat, iustam operam posuerit.

109
Antologia do Renascimento

Interpretationes sunt non tantum conducibiles, sed etiam in primis


necessariae, cum disciplinis omnibus, atque artibus, tum uniuersae uitae
singulis prope momentis, fideles sint modo. Fiunt uero falsae uel linguarum
ignorantia, uel materiae, qua de agitur. Verba enim finita sunt, res infinitae;
itaque similitudine uerborum, quae dicitur synonymia, capiuntur multi. Verum
de quibus agitur, interpretes ignari falluntur, et fallunt eos qui ipsis fidunt,
tum in uocibus et dictione, uel arti illi, uel auctori peculiaribus. Ita uideas
quosdam in Aristotele uertendo, aut Galeno, parum feliciter negotium
administrasse, parumque ex dignitate operis, quod in philosophia et medicina
non essent, quantum erat opus, uersati. In quibus interpretationibus res et
uerba appenduntur, tropi et figurae, et reliqua orationis ornamenta conseruari
debent, quoad eius fieri possit, eadem; sin id minus queas commode, similia
ui et decore, uidelicet qualia in posteriori lingua congruunt. Haeque eandem
uel uim referunt uel gratiam, quam illa altera in lingua priore; in quo
peccatum est transferendo Aristotele cum alias, tum in Elenchis, sicuti alibi
demonstrauimus. Vtilissimum esset linguis, si dexteri interpretes auderent
nonnumquam peregrinam figuram, uel tropum donare sua ciuitate, modo ne
ab illius moribus et consuetudine multum dissideret. Quandoque etiam ad
imitationem prioris linguae, et quasi matris fingere ac formare apte uerba
aliqua, ut posteriorem linguam, ac quasi filiam locupletarent, quod fecit Gaza
Graecus homo, de Latinis bene meritus. Hoc uero non quiuis putet licere sibi,
et consultius est hac in parte esse parcum ac meticulosum, quam audacem,
profusumque.
Sunt uersiones quaedam sensorum, in quibus exactissime sunt
consideranda etiam uerba, ut ea interim, fieri si possit, adnumeres, uelut in
locis difficillimis, et ad intelligendum perobscuris; cuius sunt generis
Aristotelica complura, quae relinquenda sunt lectoris iudicio; tum in negotiis
publicis aut priuatis magni momenti, in mysteriis pietatis, quae libris sacris
continentur, in quis omnibus non debet iudicium suum interponere, qui uertit.
Propria uel hominum uel locorum nomina, integra debent transire a lingua in
linguam, non ad uim significationis mutata; neque enim Aristotelem uerteris
finem optimum, uel Platonem latum, uel Israelem supplantatorem. Sic
Barbara nomina Graeci ac Romani reliquerunt in sua origine ac natura,
tantummodo flexerunt ad formam suae linguae; ideoque merito, ut alios
multos, ita et historicum illum deridet Lucianus, qui nomina Romana mutarit
in Graeca, ut ex Saturnino fecit Κρόνιον, et alia eiusmodi. Licet tantum ex
eis, ut dicebam, litteram aut syllabam elidere uel addere, quo aptum linguae
reddatur et congruens, uelut quod Latini dicunt Catulus, Graece Κάτλοζ,
Fabius Valens Φάβιος Οὐάλης, Quintus Κοϊντοζ, Thyberim Θύµβρον, Tullium
Τύλλιον, Caligulam Καλιγόλαν, Λεύκιον Lucium. Itaque inepte meo iudicio

110
Antologia do Renascimento

faciunt, qui nomina Romana ex scriptura Graeca ducunt ad nos, ut cum


Rhomam uolunt aspirari, quia Graeci aspirant quae incipiunt in ρ.
Sunt quaedam nomina iam olim in linguis recepta uario modo, utendum
erit ea consuetudine: Carthaginem uocat Romanus, Graecus Καρχηδόνα,
Agrigentum Ἀκράγας. Quae propria nomina ad linguam aliquam transierunt
per mediam, ex hac sumuntur, non ex prima, ut barbara gentium illarum
orientis et meridiei ad Romanos peruenere, Graecis monstrantibus,
septentrionis autem atque occidentis, ad Graecos per Romanos. Ergo et
Romani more Graeco efferunt, quae Graeci docuerunt, et Graeci Romano,
quae ab illis acceperunt, paulum utrique inflexis uocibus ad suam
pronuntiandi rationem, quod et in linguis nostris uulgaribus est intelligere:
Hispani enim et Itali, quia per Gallos de Germanis cognouere, Germanicas
regiones atque urbes non ut Germani ipsi, sed ut Galli proferunt. Qui ergo
Latinum sermonem cogunt Hebraica nomina ad Hebraeorum consuetudinem
efferre, uidentur mihi uim facere naturae rerum. Non recipit sermo generosus
tam absurdas tortiones palati, linguae, oris totius, et quae a Graecis sumpsit,
Graeca retinet forma. Non est ab extremis facilis transitus in natura, sed a
uicinis, et consimilibus. Sacras porro litteras Ecclesiae Latinae a Graecis fere
acceperunt, et usus nominum inualuit ex uersione Septuaginta, isque est
congruens et conformis Graecae linguae, quaeque ex Graeca orta est, Latinae.
Quid quod Hebraei ipsi nationum nomina, non ut illae eloquuntur, sed proprio
quodam more, ac suo, alienissimo a ceteris, quod perspicuum est legenti ea,
quae de Persarum, et Medorum, et Aegyptiorum regibus scribunt, uel de orbis
regionibus et locis.
Oratio uel sequenda alterius, si in eo uertatur interpretationis uis aliqua,
ut si quis Apuleii Asinum transferret ad exprimendam dictionem illam mire
iocularem, et risui mouendo aptissimam; sin aliter, te ipsum sequitor, et
naturam tuam optimam cuique ducem, modo recte institutam. Si potes,
contende etiam cum tuo exemplari, et meliorem quam acceperas orationem
reddito, hoc est, aptiorem et commodiorem rei atque auditoribus, nam hoc
demum melius, quod appositius et conducibilius; non ut quidam praua animi
uanitate inducti faciunt, qui rectam et nitidam atque honestam dictionem ita
calamistris, omnique cultu onerant, ut ex facili et grata grauem ac molestam
reddant. Quid illi, qui elegantiam atque splendorem prioris orationis foedant
uerbis, figurisque obscuris, tractis, humilibus, immodica affectatione
ostentandae facundiae, sine ullo iudicio, quae sit cuiusque orationis natura et
uis; putant enim hoc fore dictionem praestantiorem, si maxime rara, aut
exquisita, aut antiquaria uocabula inferserint.

111
Antologia do Renascimento

Quo et gratiam orationis seruaris exactius, et propius fueris interpretatus


ad uerbum, hoc uersio erit potior ac praestabilior, nempe exemplar suum
uerius exprimens, qualis est libellus Ciceronis De uniuersitate, pars Timaei
Platonici, quem studiosis proposuerim optimum ad uertendum exemplar.
Carmen omnino liberius est interpretatu, quam oratio pedestris, propter
necessitatem numeri; addi in eo, et detrahi, et mutari permittitur, atque hoc
liberius, cum sententiae summa, et quam nos potissimum quaerimus, manet
integra. Cicero in libro De gloria secundo, ut exemplum unum adferam pro
plurimis, Homeri interpretatur uersum ex Iliade ὅν ποτ' ἀριστεύοντα
κατέκτανε φαίδιµος Ἕκτωρ: Qui quondam Hectoreo perculsus concidit ense;
omisit ἀριστεύοντα et φαίδιµος, quod hae uoces ad rem suam nihil attinerent.
Orationum genera quae ad persuasionis quaestiones pertinent, prope sunt
infinita, siue materiam spectes, siue proposita dicentium, nam his duobus
discernuntur; ea uero sigillatim persequi operis immensi foret; generalibus
sunt a nobis comprehensa formulis, quae paucae sunt, et certius ueriusque
artem docent, accedat modo attentio diligens, et exercitatio, sine qua nullae
omnino praeceptiones sufficerent. Haec habui, quae de ratione sermonis
dicerem praeceptis uniuersalibus, ut facilius ac meliore fide tum teneri
possint, tum in quemuis usum accommodari, praetermissis iis quae ad
institutum hoc non sum arbitratus pertinere. Vestrum erit hoc tantum bonum,
humano generi Dei munere concessum, non detorquere ad prauos usus, uelut
ad maledicentiam et rabiem, neque in perniciem hominum conuertere, quod
ad salutem eorum fuerat comparatum. Quid enim refert, impetas quempiam
ferro, an lingua? nisi quod hoc est grauius sermone laedere, quo instrumenti
natura magis ferebat, ut eo prodesses. Bestiae, quas mutas nominamus, suo
illo ritu genus quoddam habent sermonis inconditum atque imperfectum, qui
affectibus earum seruit, noster autem, menti; idcirco nec uerum habent
sermonem, nisi quae etiam mentem. Quapropter induimus nos profecto
brutorum ingenium ac mores, et plane transimus in bruta, cum sermonem
nostrum a rationis obsequio ad seruitium transferimus affectuum.

Fonte: Juan Luis Vives. “Versiones seu interpretationes” in


De ratione dicendi, libri tres. Granada: Universidad de Granada,
1993. Edição crítica estabelecida por José Manuel Rodríguez Peregrina.

112
Antologia do Renascimento

Martin Luther (Martinho Lutero)


(1483-1546)

MARTIN LUTHER. Depois de Sendbrief vom Dolmetschen – o texto mais


importante de Lutero sobre sua concepção de tradução – é publicado
Summarien über die Psalmen und Ursachen des Dolmetschens (1533), em que
abundam exemplos de sua prática tradutória. Em seus escritos
‘tradutológicos’, trata exclusivamente da tradução de textos sagrados; na
prática, traduziu também fábulas de Esopo (ca. 620-560). Apesar disso. Suas
concepção pode estender-se a todo tipo de textos dada a universalidade e
valor de suas reflexões. Estas, no entanto, apresentam não apenas sua
concepção de tradução, mas também alguns pontos centrais de sua teologia,
ou melhor, os princípios diretores de sua tradução são oferecidos pela
teologia. Tanto sua concepção lingüística como a tradutológica subordinam-se
à sua concepção religiosa, ou, dito de outra maneira, a tradução da Bíblia só
tem sentido dentro de uma perspectiva teológica (recordemos que os três
princípios básicos da Reforma protestante são: 1) a Bíblia como única regra,
2) só a fé salva, e 3) a universalidade do sacerdócio, que faz com que cada
homem possa e deva ler a Bíblia e interpretá-la). Lutero considerava
indispensável o conhecimento das línguas e literaturas da Antiguidade para a
prática de uma verdadeira teologia e para o manejo da língua alemã: a
interpretação da Bíblia, suas concepções lingüístico-filosóficas e teológicas se
fundamentam nos progressos filológicos do Humanismo, e, por sua vez, a
teologia, a hermenêutica bíblica e a compreensibilidade lingüística ou
comunicação se tornam critérios para a escritura e tradução. E nisto
precisamente consistem a inovação e importância da ‘teoria’ da tradução de
Lutero, ou seja, na sua característica humanista: no uso da filologia e no
trabalho sobre os originais (diretriz hermenêutico-teológica), e na produção de
um texto literário na língua de chegada (diretriz lingüístico-retórica).

RAQUEL ABI-SÂMARA (raqsamara@gmail.com) é tradutora de literatura


alemã e professora de poesia moderna. Traduziu, entre outros livros, Hausto-
Cristal, do poeta Paul Celan, Quem sou eu, quem és tu?, do filósofo Hans-
Georg Gadamer (Eduerj, 2005), Kadish por uma criança não nascida, de Imre
Kértesz (Imago, 2002). Doutora em Literatura Comparada pela UERJ,
especializada em Germanística pela Albert-Ludwigs Universität Freiburg,
Alemanha, mestre em Literatura Brasileira pela UERJ, bacharel em
Comunicação Social pela FACHA/RJ.

113
Antologia do Renascimento

Comentários sobre os Salmos e os motivos da tradução34

A todos os cristãos piedosos


Graça e paz em Cristo. Perto da Páscoa deste ano de 1531, revisamos e
melhoramos novamente, e pela última vez, nosso saltério alemão. De agora
em diante o deixaremos como está. Não nos interessa se o saltério agradará
aos mestres “sabichões”. Mas é possível que alguns contemporâneos, e
também outros que venham depois de nós, pessoas de bom e piedoso coração,
igualmente conhecedoras da língua, mas destreinadas em tradução, possam se
incomodar e reagir, pois em muitas passagens nos desviamos livremente da
letra e, por vezes, seguimos uma outra maneira de compreender, diferente
daquela ensinada pelos rabinos e gramáticos judeus. Por isso queremos expor
aqui os motivos de nossa tradução, explicando-os com alguns exemplos, a fim
de que entendam que assim agimos não por incompreensão da língua nem por
desconhecimento das glosas rabínicas, mas por escolha deliberada e
consciente.
Traduzimos, por exemplo, o versículo 10 do salmo 5835 do seguinte
modo: “Antes que vossos espinhos amadureçam no espinheiro, uma ira vai
arrancá-los ainda verdes” etc. Sabemos bem que os rabinos judeus lêem e
interpretam de outra forma. A palavra sir é por eles entendida como panela, e
a palavra “ira”, como fogo.36 Assim, o sentido seria: “Antes que vossas
34
Das três edições de que dispusemos para a reprodução deste texto de Lutero, tanto em Gesammelte Werke de
Digitale Bibliothek, 2002, como em Die Werke Martin Luthers da Evangelische Verlagsanstalt, 1951, ele teve
inexplicadamente as mesmas cinco páginas suprimidas, se tomamos por base o texto original de 1533, como foi
reproduzido em alemão gótico em Weimar, 1912. Para a presente edição deste texto quisemos restabelecer sua
integralidade conforme o de Weimar. Bruno Fuchs, teólogo alemão, e Raquel Abi-Sâmara, doutora em literatura
comparada e tradutora, transcreveram do alemão gótico ao alfabeto latino as páginas faltantes e atualizaram a
ortografia. Esta inclusão entre o texto das duas outras edições mencionadas está devidamente assinalada. (N. do
E.)
35
Diferentemente do original em algumas passagens, as citações dos salmos e versículos tiveram sua
numeração revista em concordância com Die Bibel nach der Übersetzung Martin Luthers mit Bildern von
Paul Gauguin. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1999. Revidierte Fassung, durchgesehene Ausgabe in
neuer Rechtschreibung. (N. do E.)
36
Para melhor compreensão das observações lingüísticas de Lutero, cotejamos os versículos por ele citados
em alemão com os originais em hebraico, o que foi possível graças à leitura da hebraísta Rivka Elyoglu, a
quem igualmente agradecemos aqui. Portanto, as informações referentes ao idioma hebraico e aos versículos
dos salmos, inseridas nas notas desta tradução, são contribuições da hebraísta e de sua consulta à Bíblia
Interpretada, de M.D. Kasuto e A.S. Hartum (Tel’Aviv, Yavneh, 1969). Lutero refere-se aqui à palavra sir,
interpretada pelos rabinos judeus como “panela”. De fato, tanto os rabinos quanto Kasuto a interpretam
como “panela”, que seria, no caso, sirá. Mas, a palavra sir pode significar também “espinheiro”. O
posicionamento da palavra no verso dificulta seu entendimento: ela vem seguida da palavra atad, que
também significa espinheiro. A colocação de dois termos sinônimos, seguidos um do outro, recurso
recorrente na Bíblia, não deixa de reforçar o sentido do que é apresentado, ou seja, da planta “espinheiro”.
Vale registrar que sir designa uma planta espinhosa da família das rosáceas (Poterium), bastante comum na
região montanhosa de Israel; e atad significa planta espinhosa selvagem (Lycium) da família Solanium, que
cresce em regiões de Israel, especialmente próximo do litoral e no deserto de Neguév. Lutero fala também
114
Antologia do Renascimento

panelas notem os espinhos debaixo de si, a ira (o fogo) já os terá consumido, e


a carne ainda estará crua dentro das panelas”. Em outras palavras: “Quando os
infiéis vociferam, eles são iguais aos espinhos colocados debaixo da panela
para possibilitar o cozimento da carne (isto é, para corromper os piedosos), no
entanto eles se consomem em si mesmos, antes que a carne fique cozida. Essa
interpretação nos parece boa, e corresponde à nossa, mas nós a exprimimos da
seguinte forma: “Antes que os espinhos amadureçam ou sejam notados no
espinheiro, surge a ira, isto é, um machado ou uma foice, e arremete contra
eles, ainda verdes e moles”. São assim os infiéis com sua fúria: espinhos
novos no galho, que crescem e ameaçam picar. Mas antes disso vem um
camponês com seu machado, antes que eles se tornem duros e maduros,
capazes de picar. O camponês os derruba, como uma tempestade. Pois Deus
certamente permite a fúria aos infiéis, mas eles não podem realizar suas
ameaças nem levar a termo sua raiva. Deus ordena que pereçam antes de as
consumarem, como aconteceu com Saul, Absalão, Faraó e com todos os
tiranos.
O salmo 68, versículo 31, traduzimos assim: “Aqueles que têm gosto por
dinheiro”. Certamente sabemos que os rabinos dão outro sentido à palavra
Ratze,37 por causa do ponto Dagges.38 Embora sejamos quase da mesma
opinião, a saber: que o salmo pede a Deus que repreenda e detenha o animal
encafurnado no junco, que tem prazer no dinheiro, ou seja, aquele que, por
causa do dinheiro, se apressa e faz tudo contra a Palavra de Deus.39 O próprio
salmo diz o que seria semelhante fera: o rebanho ou a tropa de touros entre os
novilhos. Trata-se dos bandos refestelados e ricos dos grandes comerciantes,
que pastam no campo, como os bois, em um bom pasto ou capim crescido, e
têm muitos adeptos, como os bois têm muitas vacas e bezerros pastando ao
seu lado. Tiranos dessa estirpe (o salmo refere-se especialmente aos
sacerdotes do povo judeu) lutam e correm apenas por causa do dinheiro,
contra a Palavra de Deus, pois eles temem que onde a Palavra de Deus venha
a florescer, tenha de acabar seu luxo e riqueza. É isso que queremos dizer ao
traduzirmos: “Aqueles que têm gosto por dinheiro”. Os rabinos traduziram
assim: “Aquele que anda com os espezinhadores por causa do dinheiro”, o
que significa: tal animal corre junto com os tiranos que espezinham os

da palavra “ira”, entendida como “fogo” pelos rabinos, mas não a transcreve em hebraico, que seria kharón.
Segundo Kasuto, “ira” é comparável, no verso, à “tempestade”, ou seja, antes que o fogo do espinheiro
comece a aquecer a comida que está na panela, vem uma tempestade e apaga o fogo. Trata-se, segundo
Kasuto, de um versículo muito complicado.
37
Termo hebraico que significa “barra”, subentendendo-se barra de ouro ou de prata.
38
Acento usado para, entre outras funções, duplicar uma letra do alfabeto hebraico.
39
Na interpretação de Kasuto: “que Deus derrame sua ira sobre os inimigos (de Israel) ou a tropa de
poderosos”, sendo que esses “inimigos” podem se referir a: 1) hipopótamo (símbolo do Egito); 2) porco
selvagem (símbolo de outro povo, os domitas); 3) lenda muito difundida entre os povos de Canaã, que
falava de animais e ricos que ajudavam o Deus da morte.
115
Antologia do Renascimento

piedosos por causa do dinheiro. Esse pequeno trecho “aqueles que têm gosto
por dinheiro”, que nos exigiu empenho especial e grande discussão, foi
omitido por meus senhores editores na última edição do saltério. Isso mostra
seu insuficiente esforço na impressão.
Havíamos traduzido literalmente o salmo 63, versículo 6, assim: “Sacie
minha alma também de banha e gordura para que, com lábios satisfeitos,
minha boca cante louvores”40. No entanto, resolvemos deixar as palavras
hebraicas de lado, porque nenhum alemão entende isso (no hebraico, as
palavras “banha” e “gordura” evocam alegria: um animal bem alimentado e
gordo fica contente, por outro lado, um animal contente fica gordo; um animal
triste perde peso, torna-se magro, e um animal magro é triste). Em alemão
claro, traduzimos assim: “seria a alegria e o júbilo do meu coração se eu
pudesse cantar teus louvores com a boca plena de alegria”. Pois isso é o que
Davi quis dizer, ele que teve de ficar fora da cidade e fugir de Saul,
impossibilitado portanto de participar da liturgia e de escutar a jubilosa
Palavra de Deus, que consola os corações aflitos.
Para o salmo 65, versículo 9, que inicialmente traduzimos como “tornas
alegres os que de casa cedo ou tarde saem”, propomos aqui uma versão mais
clara: “pela manhã ou noite, tornas alegre tudo que se move”. Em outras
palavras: graças à tua dádiva, todas as criaturas, homens e animais, levantam
cedo, em boa paz, e saem felizes à procura de alimento ou de trabalho. E
então cantam os pássaros, mugem e balem os rebanhos, cantarolam os servos
e as criadas em direção ao campo. À noite, igualmente, todos voltam para
casa ou para o estábulo, cantando e mugindo.41 Em suma, o salmo louva a
Deus pela paz e pelo bom tempo, pois todos são felizes e cantam onde há paz
e prosperidade, e exuberantes são os montes e os vales. Isso é uma dádiva e
grande bênção de Deus, fonte de tanta felicidade, pois, durante os tempos de
guerra e outros tempos ruins, ninguém pode conceder nem desfrutar tanta
alegria.
Ninguém deve admirar-se de que aqui e em passagens semelhantes
tenhamos nos afastado dos gramáticos e rabinos, uma vez que adotamos a
seguinte regra: onde as palavras o permitiram e possibilitaram melhor
compreensão, precisamente nesses pontos não nos submetemos à gramática
elaborada pelos rabinos porque resultaria em interpretação diferente ou menos
satisfatória. Como ensinam os mestres-escolas: não é o sentido que deve
servir e seguir as palavras, são as palavras que devem estar a serviço do

40
Conforme a leitura de Rivka, diretamente do hebraico: “Tutano e gordura fartarão minha alma, meus
lábios ficarão alegres e minha boca glorificará”. Em hebraico, khélev significa tutano, e déshen, gordura,
adubo ou terra fértil, uma alusão à riqueza.
41
Na interpretação de Kasuto, os termos “manhã” e “noite” evocam os habitantes de todos os lugares da
Terra: do Leste, de onde se sai de manhã, e do Oeste, de onde se sai à noite.
116
Antologia do Renascimento

sentido. Sabemos também,42 como ensina São Paulo em 2Co 3,14, que o
rosto de Moisés está velado para os judeus; em razão disso os judeus
raramente acertam o sentido da Escritura, especialmente nos profetas. Como
nesse versículo em que eles interpretam “os que de casa cedo ou tarde saem”
como o sol que nasce de manhã e as estrelas que surgem com o anoitecer.
Embora a interpretação seja boa, não nos satisfez.
E, retomando o salmo 68: nele ousamos muito, privilegiando com
freqüência o sentido e deixando a literalidade das palavras de lado. Em razão
disso, muitos sabichões decerto nos repreenderão, e possivelmente alguns
piedosos ficarão escandalizados. Mas, de que adianta se ater às palavras com
tanto rigor e sem necessidade, se o sentido afinal não será compreendido?
Quem quiser falar alemão não deve usar as palavras conforme o modo
hebraico, mas convém atentar para que, uma vez compreendido o que disse o
hebreu, busque o sentido de seu discurso e prefira se interrogar nos seguintes
termos: como um alemão falaria neste caso? Se ele encontrou palavras
adequadas em alemão, deve deixar de lado as palavras hebraicas e reproduzir
livremente o sentido, no melhor alemão possível.
Do mesmo modo, no versículo 14 do salmo 68, poderíamos ter traduzido
rigidamente conforme o hebraico: “Assim como deitareis entre as divisas, são
as asas da pomba cobertas de prata, e suas penas, de ouro reluzente etc”43.
Mas que alemão entende isso? Já que o versículo anterior fala de reis que
conduzem guerras e em seguida entregam o espólio das guerras às donas de
casa, esse é o sentido do verso: que reis assim possuem um exército distinto,
belo e bem equipado, que de longe se assemelha a uma pomba cujas penas
reluzem em branco e vermelho (como se fossem de prata e ouro). Esses reis
são os apóstolos que vez e outra foram enviados ao mundo, ao campo de
batalha, de uma maneira magnificamente reluzente, através de múltiplos e
preciosos dons e milagres do Espírito Santo, para guerrearem contra o diabo.
E, desse modo, libertaram da influência do diabo muitas pessoas, que são
oferecidas à dona da casa – a Igreja – como espólio de guerra, para governar e
ensinar.

42
Aqui começa a inclusão do texto restabelecido segundo a edição de Weimar.
43
O que se traduziu, no verso, como “divisas” (em alemão, “Marken”) refere-se à palavra hebraica stafái,
que, segundo Rivka, significa o “cercado” onde fica o rebanho de carneiros. Kasuto fornece duas
interpretações para o versículo: 1) os que repousam são aqueles que se recusam a participar na guerra, não
somente as mulheres como também os homens usufruirão dos saques da guerra, dos objetos caros – como
jóia em forma de asas de pombas enfeitadas com prata e ouro; 2) o verso pode se referir à vitória após a
guerra. A pomba simboliza Israel: depois da vitória, os filhos de Israel se sentarão sossegados e em
segurança, e as asas da pomba serão enfeitadas com o resultado dos saques de ouro e de prata contra o
inimigo.
117
Antologia do Renascimento

E depois, no versículo 16, poderíamos ter traduzido como os rabinos: “A


montanha de Deus é como uma montanha de Basã ou uma montanha de
banha”44 (conforme nossa versão anterior para o alemão). Mas fica bem
melhor e mais claro se dissermos “uma montanha fértil”, pois na cristandade,
isto é, na montanha de Deus, sempre acontecem boas coisas, e as árvores são
frutíferas, isto é, os cristãos realizam grandes obras e milagres, pois a Palavra
de Deus nunca é estéril, e uma boa árvore produz frutos bons. Pois, em
alemão, denominamos uma terra muito fértil como uma terra gorda, um barril
de banha, mas não no sentido de que ela seja besuntada com banha ou de que
dela esteja escorrendo gordura.
O que segue, portanto, “uma montanha formada por colinas, uma
montanha gorda”, traduzimos agora por “uma grande montanha”, pois o
sentido é: uma montanha é dita grande por ser composta de numerosos
morros, ao lado e acima uns dos outros, até o monte mais alto. Assim é
concebida também a Igreja, porque cada cristão ou pequenos grupos de
cristãos estão sempre ligados entre si, e um grupo ou um único cristão é mais
dotado e realiza mais obras do que outro, pois, conforme Paulo, em 1Co 12,
[4ss.], deve necessariamente haver distinção entre obras, dons e funções na
Igreja. E, em 1Co 15, [41] diz Paulo: “Há diferença de brilho entre uma
estrela e outra”. Deixaremos de lado, no entanto, a discussão dos rabinos
sobre a palavra gabnunim, que uns dizem se tratar de “corcundas nas costas”,
outros, de “cílios sobre os olhos”. Não quisemos traduzir palavras como esta
para o alemão.
A palavra gabnunim aparece também no versículo 17 [do salmo 68], que
poderíamos traduzir do seguinte modo para o alemão: “Por que saltitais,
montanhas com formato de corcova ou de pestana?” Mas quem poderia dizer
que isso é alemão? O salmo fala do mundo, da violência, da sabedoria, da
santidade, especialmente dos judeus, e repreende a estes por recusarem a
montanha de Deus e por insistirem que são grandes, poderosos, numerosos,
que querem defender seu poder, sua santidade e sua sabedoria contra a
montanha de Deus, uma vez que Deus não mora com eles, conforme pensam,
mas habita naquela montanha que eles por orgulho desprezam e blasfemam,
denominando-a montanha do diabo e dos heréticos etc.

44
Conforme Bruno Fuchs, Basã é uma região muito fértil na Galiléia, onde estão os melhores pastos e,
conseqüentemente, o gado mais gordo. Na Bíblia, a expressão “vacas de Basã” é proverbial: vacas
alimentadas em Basã não deixam de indicar fartura, fertilidade, riqueza. Sobre as “vacas de Basã”, conferir
também Amós 4, 1. Segundo Rivka, o versículo 16 do salmo 68, em hebraico, seria: “Montanha de Deus,
montanha de Basã, montanha cheia de elevações, montanha de Basã”, sendo gagnunim a palavra hebraica
que indica “cheia de elevações”; gagnunim pode significar também “corcunda”.
118
Antologia do Renascimento

Por outro lado, traduzimos certas passagens estritamente conforme as


palavras, embora pudéssemos ter dito de uma maneira diferente e mais clara.
É que nas próprias palavras estava encerrado algo mais, como aqui, no verso
19 [do mesmo salmo 68]: “Subiste às alturas e aprisionaste a prisão”45. Em
bom alemão poderia ser assim: “tu redimiste os prisioneiros”. Essa
formulação, no entanto, é fraca demais, e não transmite o sentido rico e
refinado que está no hebraico, quando diz: “tu aprisionaste a prisão” –
significando não apenas que Cristo redimira os presos mas também
aprisionara a própria prisão, acabando com ela, de modo que ela não pode e
não deve nunca mais nos prender novamente, o que equivale, por assim dizer,
a uma redenção eterna. É isso que Paulo quer dizer ao afirmar: “pela lei morri
para a lei” [Gl 2,19]. E também: “Cristo condenou o pecado pelo pecado”
[Rm 8,3]. E ainda: “a morte foi morta por Cristo”. Estas são as prisões que
Cristo aprisionou e aboliu, e então, segundo a doutrina tão rica, maravilhosa e
consoladora professada em toda parte por São Paulo, a morte não pode mais
nos prender, o pecado não pode mais nos declarar culpados, a lei não pode
mais punir nossa consciência. Por isso, para honra dessa doutrina e para
consolo de nossa consciência, devemos manter essas palavras e nos acostumar
a elas, ou seja, devemos dar lugar à língua hebraica nos trechos em que
exprime melhor o sentido do que nossa língua alemã é capaz de fazer.
Deixamos, portanto, os versículos 5 e 6 do salmo 91 como no hebraico:
“Para que não tenhas de te assustar diante dos horrores da noite, diante das
flechas que voam de dia, diante da peste que se esgueira na escuridão, diante
da pestilência que corrompe em pleno dia etc”. Essas quatro pragas ou
sinistros que um justo pode sofrer por causa de Deus, por terem sido
mencionados com palavras obscuras e imprecisas, cada um vai interpretá-las a
seu modo. Por isso deixamos livre espaço de interpretação, para que cada um
compreenda conforme os dons e as medidas de seu espírito. De outro modo,
poderíamos certamente tê-los traduzido em maior conformidade com o
alemão, para que nossa maneira de compreender pudesse se tornar conhecida.
Pois o primeiro mal que o justo deve sofrer é o temor da noite, que
consiste em ameaças, ódio, inveja e prejuízos, pois a Palavra de Deus sempre
suscita perigo e hostilidade. E é essa hostilidade que é chamada, no salmo, de
“temor da noite”. O outro mal são as flechas que voam de dia, são claramente
os insultos, as contradições, as blasfêmias, as difamações, as maldições e as
condenações, como fazem agora as bulas papais, os editos imperiais, as

45
A tradução do hebraico, conforme Rivka: “Subiste às alturas e cativaste o cativeiro”. Na interpretação de
Kasuto, o salmo refere-se à Moisés, que subiu ao Monte Sinai e trouxe as tábuas de leis para os homens,
sendo que o verbo “cativar” significa, no caso, pegar (no caso, Moisés teria pegado as tábuas de lei). Outra
possível explicação para o versículo, segundo Kasuto : quem subiu às alturas foi Deus; ele retornou às
alturas, à sua moradia.
119
Antologia do Renascimento

proibições dos príncipes e senhores, a pregação e livros dos sofistas, além dos
escritos de espíritos sectários. O terceiro mal é a peste ou a febre que avança
insidiosamente na escuridão, significando as perfídias, a astúcia, os ataques,
as práticas, as alianças nas quais os adversários se aconselham entre si,
reunindo-se em seus quartos e cantos (que ninguém deve conhecer nem
compreender), sobre como podem reprimir a Palavra de Deus e eliminar os
justos. O quarto mal é a epidemia ou pestilência que corrompe em pleno dia,
isto é, a perseguição pública, pois eles enforcam, afogam, sufocam, queimam,
perseguem, roubam etc., a fim de que a Palavra seja destruída em público e
tudo seja transformado em ruínas.
Esta é a minha compreensão dessa passagem, embora eu saiba que São
Bernardo46 tenha uma outra opinião, que considero boa, apesar de me parecer
cheirar muito a monastério e de ser limitada demais para os cristãos ou para a
igreja cristã, que são tentados mais em razão da palavra e da fé do que em
razão da vida ou das obras. Outros podem interpretar diferentemente, e não
queremos contestar sua opinião. Nossa compreensão também é boa, embora
possa não ser a melhor, pois vemos e experimentamos diariamente que a
Palavra de Deus é atacada dessas quatro maneiras. Por isso o Espírito Santo
consola nossa fé, para que ela não se amedronte diante dessas pragas, mesmo
que as tenha de sofrer.
Igualmente, no salmo 91, versículo 9, trocamos o pronome “mea” por
“tua’, e de “minha” fizemos “tua”, pois o verso é obscuro quando diz: “pois o
SENHOR é minha confiança”. Em todo o salmo ocorre a palavra “tua” e fala
para um outro ou de um outro, como também diz no mesmo versículo: “o
altíssimo é teu refúgio”. Como um alemão comum pode certamente não
perceber a mudança repentina das pessoas no discurso, quisemos deixar isso
bem claro e distinto, porque não estamos habituados a falar assim em alemão,
como é usual no hebraico. Muitas vezes acontece de alguém falar “tu” e “ele”,
em hebraico, embora fale com a mesma pessoa, como os hebreus bem sabem.
Fizemos essa troca em outras passagens, o que talvez não vá agradar aos
sabichões, que não se perguntam sobre como um alemão deve entender o
texto, mas se atêm rigidamente às palavras, de forma que ninguém os possa
entender. Isso não nos incomoda. Não tiramos nada do sentido e tornamos as
palavras compreensíveis.
E também no salmo 92 [versículo 15]: “Ainda que se tornem velhos,
continuarão a florir, serão férteis e cheios de seiva”. Decerto sabemos que,
literalmente, soaria assim: “Eles ainda irão florir com cabelos brancos, serão
gordos e verdes”. Mas o que quer dizer isso? O salmo compara os justos com

46
São Bernardo de Claraval (1091-1153), monge cisterciense, fundador da abadia de Claraval, na França,
doutor da Igreja, grande teólogo místico, foi citado freqüentemente por Lutero. (N. do E.)
120
Antologia do Renascimento

árvores, como se fossem palmeiras ou cedros. No entanto, as árvores não têm


cabelos brancos, e também não são gordas (o que um alemão associaria logo à
banha e pensaria numa barriga volumosa). Mas o profeta quer dizer que os
justos são semelhantes a essas árvores que também florescem, que são
frutíferas e continuam verdes, mesmo que envelheçam; e que devem
permanecer assim eternamente, pois a Palavra de Deus, que eles ensinam,
continua eterna: salmo 1 [versículo 3]: “E suas folhas nunca murcham”. Pois,
quanto mais o tempo passa, mais elas crescem, tanto na palavra quanto na
vida. Mas todas as outras árvores, ao envelhecerem, acabam se tornando
raquíticas, especialmente os espíritos sectários que Deus não plantou. Como
diz Cristo [Mt 15,13]: “Todas as plantas que não foram plantadas por meu pai
celeste têm de ser arrancadas”.
Do mesmo modo, no salmo 118, versículo 27, sabíamos muito bem que
os rabinos judeus costumam ler assim: “Amarrai o cordeiro pascal com cordas
nos chifres do altar”47. Em alemão, no entanto, dizemos assim: “Enfeitai a
festa com ramos”. Os judeus interpretam arbitrariamente a palavra Hag (que
na realidade significa festa ou feriado) como cordeiro pascal. Mesmo que a
palavra Hag tivesse, em outras passagens, esse sentido por eles proposto, não
poderiam provar isso aqui. E onde está escrito que os judeus deviam levar o
cordeiro pascal com cordas para o altar, e que deviam assá-lo e comê-lo em
suas casas junto com os empregados, como o fazem ainda, embora não
tenham altar?
O sentido dado ao texto pelos judeus é equivocado, e sabemos que esse
salmo fala de Cristo e de seu reino. O versículo, cujas palavras exprimem
idiomaticamente o sentido “Amarrai a festa com ramos”, foi por nós traduzido
de forma clara: “Enfeitai a festa com ramos (que é a festa da tenda espiritual
ou do tabernáculo, cujo modelo era a tenda dos judeus) até os chifres do
altar”. Ao falar de altar, o versículo alude a uma tenda espiritual, já que nela
deveria estar um altar. Nas cabanas dos judeus não precisava haver um altar,
mas somente em Jerusalém. E é esta a interpretação, de que no tempo de
Cristo todas as festas sejam festas diárias, em que se pregue alegremente a fé
e se ofereçam sacrifícios de agradecimento a Deus. “Enfeitar a festa com
ramos até o altar” quer dizer: estar feliz na palavra e na fé e, desta maneira,
louvar e glorificar a Deus em Cristo, que é o nosso altar.

47
Bruno Fuchs explica que a mesa de sacrifícios do único templo dos judeus em Jerusalém era arrematada,
em suas extremidades, com chifres de carneiro apontados para o alto. Em hebraico, carnôt hamisbeakh
significa o altar em que se fazem os sacrifícios (zévakh). O versículo, observa Rivka, não se refere
especificamente a um cordeiro mas a um animal indeterminado (em hebraico, behemá). Lutero, por sua vez,
traduz o versículo da seguinte forma: “Bindet das Osterlam [ou seja, cordeiro pascal] mit Seilen bis an die
Hörner des Altars”.
121
Antologia do Renascimento

No versículo 12 [do mesmo salmo 118], que traduzimos assim: “Eles


fumegam como um fogo de espinhos”, os rabinos dizem: “Eles se apagam ou
são abafados como um fogo de espinhos”. E o sentido deve ser o seguinte: os
perseguidores infiéis são como os espinhos colocados debaixo de uma panela,
onde faíscam e queimam de modo ameaçador. Mas antes que a carne na
panela fique cozida, os espinhos já se consumiram e se apagaram, deixando
decerto a carne crua. Assim perecem os perseguidores, antes de destruírem os
justos. Assim os rabinos, em todos os lugares que podem, puxam a Escritura
para suas panelas e sacrifícios, como aqueles que constroem sua santidade
quase sempre sobre essas obras e sacrifícios.
No entanto, como a seqüência do texto (assim como os dois versículos
anteriores) diz: “Em nome do SENHOR quero destruí-los”, palavras que
indicam como devem perecer os infiéis, mantivemos o sentido em nosso texto
para exprimir, com isso, a grande raiva dos adversários contra os justos, da
mesma forma como, no mesmo verso, são comparados a abelhas raivosas;
portanto, também aqui são comparados àquelas abelhas que disparam e
somem quando o mato ou a floresta está em chamas. A gramática hebraica
permite essa mesma leitura, quando não apresenta uma pontuação infundada.
Mas se os espinhos estão queimados e apagados, como se explica o fato de
que devam ser destruídos em nome do SENHOR? Deve-se bater as cinzas?
Ou deve-se acabar com os descrentes que já foram reduzidos a nada?48
Será que devemos justificar todas as palavras? Nós, realmente, não
poupamos esforço nem empenho. Se alguém conseguir fazê-lo melhor, não
será certamente invejado. Mas suponho que se para isso não usar o nosso
saltério, vai acabar traduzindo os salmos para o alemão de uma maneira que
não soará nem muito alemão e nem hebraico. Notarás isso ao comparar nosso
saltério com o dele e encontrarás sua arte própria, ou seja, as palavras
roubadas da nossa tradução. É um homem vergonhoso e repugnante, esse
mestre-sabichão. Se acaso encontra uma palavrinha que deixamos passar
despercebida (pois quem pode ser tão arrogante a ponto de se comportar como
se fosse o próprio Cristo ou o Espírito Santo, sem nunca falhar em palavra
alguma?), aí ele se apresenta como Mestre e “Luz do Mundo”, embora
sabendo que traduzimos corretamente para o alemão todo o saltério, e que ele
próprio não conseguiria traduzir para o alemão um único versículo de todo
saltério. São difamadores e caluniadores, é isso que eles são.
E por que acontece de sermos os únicos tão minuciosamente examinados,
se no antigo saltério inclusive São Jerônimo e vários outros falharam
desmedidamente, e muito mais do que nós, tanto no grego como no latim?
Ou, se eles podem ser tão tolerantes e benevolentes onde encontram tantos
48
Aqui termina a inclusão do texto restabelecido segundo a edição de Weimar.
122
Antologia do Renascimento

erros, por que são aqui tão venenosos e inclementes, onde podem encontrar
tanta coisa boa que não encontraram em nenhum outro lugar? Mas trata-se da
pesarosa arrogância e da grande inveja do mestre-sabichão. Por reconhecer
que não consegue fazer nada de bom, quer conquistar honra e ser mestre
difamando e desonrando o bom trabalho alheio. Mas o tempo dirá. E o que
Deus planta, permanecerá.
Assim, sem dúvida, eles exercitarão sua arte também no fato de que
observamos as regras, de que ora mantivemos rigidamente as palavras, ora
reproduzimos unicamente o sentido. Este será o primeiro ponto que irão
contestar e discutir: como não usamos essa regra no tempo certo nem
corretamente, embora eles anteriormente nem soubessem que existisse uma
regra como essa. Mas esse é o seu jeito: escutam alguma coisa e logo dizem
que a sabem melhor que qualquer um. Mas se fossem mesmo tão elevada e
profundamente eruditos e quisessem provar sua arte, eu gostaria que
tomassem uma única palavra, extremamente comum, como chen,49 e dela me
dessem uma boa tradução para o alemão. Pago cinqüenta moedas de ouro
àquele que me traduza essa palavra acertada e seguramente para toda a
Escritura. E deixai todos os mestres e sabichões reunirem toda sua arte para
que descubram que traduzir por si é uma outra arte e um trabalho bem
diferente do que criticar e depreciar a tradução feita por um outro. Quem não
aceita a nossa maneira de traduzir, que a deixe, pois. Nós a oferecemos aos
nossos e aos que a aceitam de bom grado.
Isto seja suficiente a respeito da questão de traduzir. Queremos propor
agora o saltério e os comentários como meio de participação às pessoas
simples e menos instruídas que nós do que cada salmo pretende e é capaz de
dizer.
Deve-se observar que o saltério todo trata de cinco temas; por isso o
dividimos em cinco partes. Primeiro: alguns salmos profetizam, por exemplo,
sobre Cristo e a Igreja ou sobre os santos, o que lhes acontecerá etc. A este
grupo pertencem todos os salmos que contêm promessas para os piedosos e
ameaças para os infiéis. O segundo grupo consiste em salmos didáticos, que
nos ensinam o que devemos fazer e deixar de fazer conforme a lei de Deus. E
a ele pertencem os salmos que condenam doutrinas humanas e louvam a
Palavra de Deus. O terceiro grupo reúne salmos consolatórios, que fortificam
e consolam os santos tristes e sofredores, e, por outro lado, agridem e
amedrontam os tiranos. A este pertencem todos os salmos que consolam,
advertem, estimulam a paciência e escarnecem dos tiranos. O quarto grupo
contém salmos invocatórios, em que se evoca Deus, e O invoca nas situações
de penúria. São todos os salmos que lamentam, exprimem luto e, por outro
49
Em hebraico pode significar ‘graça’, ‘favor’, ‘beleza’. (N. do E.)
123
Antologia do Renascimento

lado, atacam os inimigos. No quinto grupo estão os salmos de agradecimento,


nos quais se louva e glorifica a Deus por toda sorte de benefícios e auxílios. A
esse grupo pertencem todos os salmos que louvam a Deus em suas obras;
esses são os mais nobres e por sua causa foi criado o saltério; por isso, em
hebraico, também se chama Sepher Tehilim, que significa “livro de louvor” ou
“livro de agradecimento”.
Mas deve-se considerar que os salmos não podem ser divididos nesses
grupos de modo tão fácil e preciso, pois às vezes em um salmo de
determinado grupo podem-se encontrar dois, três ou até todos os cinco, e um
mesmo salmo pode pertencer a todos os cinco grupos, de forma que se
encontrem todos os elementos, profecia, ensinamento, consolo, invocação e
agradecimento, um ao lado do outro. Mas a intenção [da divisão em grupos] é
saber que o saltério trata com estes cinco grupos. Isto serve para que o saltério
seja mais facilmente compreendido e aceito e, além disso, para que possa ser
melhor aprendido e assimilado.

Tradução:

Raquel Abi-Sâmara
raqsamara@gmail.com

124
Antologia do Renascimento

Summarien über die Psalmen und Ursachen des Dolmetschens


(1533)50

Allen frommen Christen


Gnade und Friede in Christus. Wir haben um diese Ostern des Jahres
1531 unseren deutschen Psalter wiederum überprüft und zum letztenmal
gebessert. Dabei gedenken wir es hinfort bleiben zu lassen. Wie nun
derselbige Psalter den Besserwissern gefallen werde, da liegt uns nichts dran.
Aber weil vielleicht etliche zu unserer Zeit, und noch mehr, so nach uns
kommen werden, gute, fromme Herzen, die auch der Sprache kundig und
doch des Dolmetschens ungeübt sind, sich (daran) stoßen und ärgern
möchten, daß wir so frei an vielen Orten von den Buchstaben abgegangen,
zuweilen auch anderm Verständnis gefolget sind, als der Juden Rabbiner und
Grammatiker lehren, wollen wir hiermit (dafür die) Ursachen anzeigen, und
(sie) mit etlichen Beispiele erklären, auf daß sie sehen, wie wir nicht aus
Unverstand der Sprache, noch aus Unkenntnis der Anmerkungen der
Rabbinen, sondern wissentlich und williglich so zu übersetzen uns
vorgenommen haben.
Z.B. im 58. Psalm haben wir den 10. Vers so übersetzt: “Ehe eure
Dornen reif werden am Dornstrauch, wird sie ein Zorn so frisch wegreißen”
usw. Wir wissen wohl, daß die jüdischen Rabbinen anders lesen und deuten.
Sie machen aus dem (hebr.) Wort “sir”: Töpfe, und aus dem Wort “Zorn”:
Feuer, und das soll die Bedeutung haben: Ehe denn eure Töpfe der Dornen
gewahr werden, und das Fleisch drinnen noch roh ist, so wird sie der Zorn
(das Feuer) verbrannt haben; das heißt: wenn die Gottlosen toben, sind sie
gleich wie Dornen, die man unter Töpfe legt, und welche das Fleisch gar
machen sollen (das ist, die Frommen verderben), dennoch verbrennen sie in
sich selbst, ehe solches Fleisch gar wird. Diese Meinung lassen wir gut sein,
und ist auch die unsere, haben sie aber so wiedergegeben: Ehe die Dornen reif
werden, oder am Dornstrauch zu beachten sind, so kommt der Zorn, das ist,
ein Beil oder Axt, und hauet drein, solange sie noch so grün und frisch sind.
So sind die Gottlosen mit ihrem Toben wie junge Dornen am Strauche; die
wachsen daher und drohen zu stechen. Aber es kommt ein Bauer mit einem

50
In den uns vorliegenden Ausgaben (“Gesammelte Werke” der Digitalen Bibliothek aus dem Jahr 2002 und
“Die Werke Martin Luthers” der Evangelischen Verlagsanstalt aus dem Jahr 1951) fehlen unerklärterweise
dieselben fünf Seiten, wenn wir den Originaltext aus dem Jahr 1533 als Ausgangspunkt nehmen, wie er 1912 in
Weimar erschienen ist. Für die hier vorliegende Ausgabe war uns an der Vollständigkeit des Textes gelegen.
Die Übersetzerin und Literaturwissenschaftlerin Raquel Abi-Sâmara und der Theologe Bruno Fuchs haben die
notwendigen Transkriptionen mit den orthografischen Angleichungen vorgenommen. Beginn und Ende des so
repoduzierten Textes sind ausdrücklich markiert.
125
Antologia do Renascimento

Beil drein, ehe sie hart und reif werden zu stechen, und wirft sie nieder wie
ein Wetter. Denn Gott läßt die Gottlosen wohl toben, aber sie können ihr
Drohen und Toben nicht ausführen; er schickts so, daß sie untergehen müssen,
ehe sie es ausrichten, wie (es) Saul, Absalom, Pharao und allen Tyrannen
gegangen ist.
Psalm 68 Vers 31 haben wir so übersetzt: “Die da Lust zu Geld haben”;
wissen wohl, daß die Rabbinen hier das Wort “raze” (um des Punkts Dagesch
willen) anders deuten, obwohl wir in der Meinung fast eins sind, nämlich: daß
der Psalm bittet, Gott wolle schelten und wehren dem Tier im Rohr, das da
Lust zu Geld hat, das heißt, das um des Geldes willen alles läuft und tut wider
Gottes Wort. Was aber solches Tier sei, sagt er selbst: Die Rotte oder der
Haufe der Ochsen unter den Kälbern; das heißt, es sind die feisten, reichen
Rotten der großen Hansen, die sich im Lande weiden wie die Ochsen in guter
Weide oder großem Grase, und haben viel Anhang, wie die Ochsen viel Kühe
und Kälber neben sich haben, und die sich auch mit weiden. Solche Tyrannen
(und insbesondere meinet er die Priester im jüdischen Volk) fechten und
laufen nur um Geldes willen wider Gottes Wort, denn sie besorgen: wo Gottes
Wort aufgehen sollte, müßte ihre Pracht und Reichtum zu Boden gehen. Das
meinen wir, wenn wir so übersetzen: “Die da Lust zu Geld haben”; die
Rabbinen so: “Das da läuft mit den Zertretern um Geldes willen”; das heißt:
solch Tier läuft mit den Tyrannen, welche die Frommen zertreten um des
Geldes willen.
Psalm 63 Vers 6, da wir vorher den Worten nach so übersetzt haben:
“Laß meine Seele voll werden, wie mit Schmalz und Fett, daß mein Mund mit
fröhlichen Lippen rühme”, haben wir die hebräischen Worte fahren lassen,
weil das kein Deutscher versteht, (“Schmalz” und “Fett”, womit sie “Freude”
meinen: gleichwie ein gesundes, fettes Tier fröhlich, und umgekehrt ein
fröhliches Tier fett wird, ein trauriges Tier abnimmt und mager wird, und ein
mageres Tier traurig ist), und haben so ein klares Deutsch gegeben: “Das
wäre meines Herzens Freude und Wonne, wenn ich dich mit fröhlichem
Munde loben sollte.” Denn das ist doch Davids Meinung, da er außerhalb der
Stadt bleiben und vor Saul fliehen mußte, daß er nicht bei dem Gottesdienst
sein konnte, noch das fröhliche Gotteswort hören, welches alle betrübten
Herzen tröstet etc.
Psalm 65 Vers 9, da wir zuvor übersetzt haben: “Du machst fröhlich, die
ausgehen, beide früh und spät” haben wir so klar verständlich gemacht: “Du
machst fröhlich, was da webet (d.h. sich bewegt), gegen Morgen und gegen
Abend”. Das heißt: Es ist deine Gabe, daß alle Tiere, sowohl Menschen und
Vieh morgens früh in gutem Frieden aufstehen, und ein jeglicher fröhlich
dahingehet nach seiner Nahrung und zu seiner Arbeit. Da singen die Vögel,

126
Antologia do Renascimento

da blökt das Vieh, Knecht und Magd gehen zu Felde mit einem Liedlein;
desgleichen kommt zum Abend alles wieder heim mit Singen und Blöken. In
summa: der Psalm lobet Gott um Friede und guter Zeit willen. Denn wo
Friede und gute Zeit ist, da singt alles und ist fröhlich, und stehen Berg und
Tal üppig. Das ist ein großer Segen und Gabe Gottes, der solche Freude gibt.
Denn zur Kriegszeit und anderer böser Zeit kann niemand solche Freude
geben noch haben.
Daß wir nun hierin und (bei) dergleichen Stellen zuweilen von den
Grammatikern und Rabbinen abweichen, soll sich niemand wundern. Denn
wir haben die Regel gehalten: Wo es die Worte erlaubt haben und ein besseres
Verständnis ergeben, da haben wir uns nicht durch die von den Rabbinen
gemachte Grammatik zur schlechteren oder anderen Bedeutung zwingen
lassen. Wie denn alle Schulmeister lehren: daß nicht der Sinn den Worten,
sondern die Worte dem Sinn dienen und folgen sollen. So51 wissen wir auch,
und St. Paulus, 2. Kor. 4. lehrt uns, das Angesicht Moses den Juden verdeckt
ist, und das sie die Meinung der Schrift besonders in den Propheten wenig
und selten treffen, gleich wie an diesem Ort, deuten sie “die fröhlichen
Ausgeher früh und spät” die Sonne, so des Morgens und die Sternen, so des
Abends aufgehen, diese Auffassung, obwohl sie gut sein mag, hat uns doch an
unserer Stelle nicht gefallen.
Abermal Psalm 68 haben wir viel gewagt und oft den Sinn gegeben und
die Wort fahren lassen, darum uns freilich viele Klüglinge tadeln und
vielleicht auch etliche Fromme sich daran stoßen werden, was nützt es aber,
die Worte unnötig so steif und streng halten, dass man deshalb doch nichts
verstehen kann? Wer Deutsch reden will, der muss nicht auf hebräische Art
das Wort gebrauchen, sondern muss darauf achten, wenn er die Hebräer
versteht, dass er den Sinn fasse und lieber so denkt: wie reden die Deutschen
in solchen Fall? Wenn er nun die deutsche Wörter hat, die hierzu dienen, so
lasse er die hebräischen Wörter fahren und spreche frei den Sinn heraus in
besten Deutsch, das er kann.
Also hier [Psalm 68] im Vers 14 hätten wir auch wohl streng dem
Hebräischen nach so dolmetschen können: So wie Ihr zwischen den Marken
liegen werdet, so sind die Flügel der Tauben mit Silber überzogen und ihre
Fittiche mit gleißenden Gold etc. Welcher Deutscher versteht aber das? Da
aber der Vers davor von Königen spricht, die Kriege führen und der
Hausfrauen die Kriegsbeute geben, so ist der Sinn dieses Verses, dass solche
Könige ein feines, schönes, wohl gerüstetes Heer zu Felde haben, welche von
Ferne anzusehen ist wie eine Taube, der die Federn weiß und rot (als wären
sie silbern und golden) gleissen. Diese Könige sind die Aposteln, die hin und
51
An dieser Stelle beginnt der auf der Grundlage der Weimarer Ausgabe rekonstruierte Text.
127
Antologia do Renascimento

wider in der Welt durch manchfältige schöne Gaben und Wundertaten des
heiligen Geistes herrlich glänzend wider den Teufel zu Felde gezogen sind
und viele Leute dem Teufel abgewonnen haben, welche sie der Hausmutter,
der Kirche, als eine Kriegsbeute geben zu regieren und lehren.
Und danach [Psalm 68] im 16. Vers hätten wir auch wohl mit den
Rabinen so dolmetschen können: “Der Berg Gottes ist wie ein Berg Basan
oder ein FettBerg” (wie wir es vorhin auch gedeutscht haben). Aber es ist ja
besser und klarer gesagt “Ein fruchtbarer Berg”, das ist, in den Christenheit,
welche der Berg Gottes ist, geschieht immer viel Gutes, und die Bäume sind
fruchtbar, das heisst, die Christen tun große Werke und Wunder, denn Gottes
Wort geht nicht leer aus, und ein guter Baum bringt gute Früchte, denn wir im
Deutschen nennen wir auch ein ganz fruchtbares Land ein fettes Land und
eine Schmalz-Grube, nicht das mit Schmalz geschmieret oder von Fett triefe.
Ebenso das folgende: “Ein gehügelt Berg, ein fetter Berg” haben wir jetzt
gedeutscht “Ein großer Berg”, da doch der Sinn ist: ein Berg ist groß und wird
groß genannt, weil er aus vielen Hügeln aneinander und immer einer über
dem andern, zusammengesetzt ist bis auf den höchsten Hügel, so ist die
Kirche zusammengesetzt, da immer ein einzelner Christ und kleine christliche
Gruppen am andern hängen, und eine Gruppe oder ein Einzelner höher
begabt und mehr tut als der andere, wie Paulus sagt 1. Kor. 12, dass es
Unterschiede in Werken, Gaben und Ämtern geben müsse in der Kirche, und
1. Kor. 15[, 41]: “Ein Stern hat immer ein andere Klarheit als der andere”.
Das aber die Rabinen hier zanken über dem Wort “Gabnunim”, da einige
daraus “Höcker auf einem Rücken” machen, andere “die Wimpern über den
Augen” lassen wir geschehen, wir haben es nicht mögen noch wollen solche
Worte ins Deutsche zu übertragen.
Ebenso möchten wir im 16. Vers daselbige Wort “Gabnunim” so
deutschen: “Was hüpft ihre höckerige oder wimperne Berge?” Wer mag aber
dieses Deutsch geredet heissen? Aber weil der Psalm redet von der Welt,
Gewalt, Weisheit, Heiligkeit, besonders der Juden, so straft er sie, dass sie
sich gegen diesen Berg Gottes legen, und darauf trotzen , dass sie groß,
mächtig und viel sind, und wollen ihre Gewalt, Heiligkeit und Weisheit
verteidigen gegen den Berg Gottes, so doch Gott nicht bei ihnen, wie sie
meinen, sondern auf diesem Berg wohnt, welchen sie aus Stolz verachten und
schelten in des Teufels Berg und eitel Ketzer Berge etc.
Wiederum haben wir zu weilen auch stracks den Worten nach
gedolmetscht, ob wir es wohl hätten anders und deutlicher können geben.
Darum, dass an den selben Worten etwas gelegen ist, als hier [Psalm 68] im
19. Vers: “Du bist in die höhe Gefahren und hast das Gefängnis gefangen”.
Hier wäre es wohl gut Deutsch gewest: “Du hast die Gefangenen erlöst”, aber
128
Antologia do Renascimento

es ist zu schwach und gibt nicht den feinen reichen Sinn, welcher in dem
Hebräichen ist, da es sagt: “Du hast das Gefängnis gefangen”, welches nicht
allein zu verstehen gibt, das Christus die Gefangene erledigt hat, sondern auch
das Gefängnis also weggefuhrt und gefangen, dass es uns nimmer mehr
widerum fangen kann noch soll, und ist so viel wie eine ewige Erlösung.
Gleichermaßen will Paulus sagen, wenn er spricht: “Ich bin durchs Gesetz
dem Gesetze gestorben.” Item: “Christus hat die Sünde durch Sünde
verdammt. Item: “Der Tod ist durch Christum getötet”. Das sind die
Gefängnis, die Christus gefangen und weggetan hat, das uns der Tod nicht
mehr halten, die Sünde nicht mehr für schuldig erklären, das Gesetz nicht
mehr das Gewissen strafen kann, wie Sanct Paulus solche reiche, herrliche,
tröstliche Lehre allenthalben verkündet, darum müssen wir zu Ehren solcher
Lehre und zum Trost unsers Gewissens solche Wort behalten, gewöhnen und
also der Hebräischen Sprache Raum gelassen, wo sie es besser macht, als
unser Deutsche tun kann.
Also haben wir Psalm 91 den 5. und 6. Vers auf Hebräisch stehen lassen,
also: “Das du nicht erschrecken müsstest von dem Graben des Nachts, vor den
Pfeilen, die des Tages fliegen, vor der Pestilenz, die im Finstern schleicht, vor
der Seuche, die am Mittag verderbt etc.” Diese vier Plagen oder Unglücke,
die ein Gerechter leiden muss um Gottes willen, weil sie dunkel und mit
verdeckten Worten geredet sind, möchte sie einer wohl anders deuten als ein
anderer, darum haben wir einem Jeglichen wollen Raum lassen nach seines
Geistes Gaben und Masse, die selbigen zu verstehen, sonst hätten wir sie wohl
also verdeutscht, damit unsers Art des Verstehens hätte erkannt werden
mögen.
Nämlich das erste Übel, das der Gerechte leiden muss, ist Furcht des
Nachts, das ist, drohung, hassen, neiden, schaden, denn Gottes Wort erweckt
allezeit Gefahr und Feindschaft, solche Feindschaft heißt er hier Furcht der
Nacht. Das andere Übel sind Pfeile, die bei Tage fliegen, das sind
offensichtlich lästern, widersprechen, schelten, schmähen, verfluchen,
verdammen, wie jetzt päpstliche Bullen, kaiserliche Edicte, Verbot der
Fürsten und Herren, die predigt der Sophisten und Bücher und der rotten
Geister Schrift tun. Das Dritte ist Pestilenz oder Fieber, die so im Finstern
schleicht, das sind, die Heimtücke, List, Anschläge, Praktiken, Bündnis, in
denen die Widersacher untereinander sich beraten und vereinigen in ihren
Kammern und Winckeln (die niemand kennen noch verstehen soll), wie sie
das Wort Gottes unterdrücken und die Gerechten ausrotten wollen. Das vierte
ist die Seuche oder Pestilenz, die im Mittage verderbt, das ist die offentliche
Verfolgung, da sie mit der Tat erhängen, ertränken, erwürgen, verbrennen,
verjagen, berauben etc, damit sie das Wort offentlich zerstören und alles zu
Grund richten wollen.
129
Antologia do Renascimento

Dies ist mein Auffassung an dieser Stelle, weiß aber wohl, das Sanct
Bernhard eine andere hat, die ich gut sein lasse, obwohl sie, allzu viel, mich
dünkt, nach Mönchtum schmeckt, und zu geringe ist für Christen oder
Christliche Kirche, welche mehr ums Wort und Glaubens willen angefochten
werden als um des Lebens oder Werkes willen, andere mögen auch anders
deuten, die wollen wir an ihrer Auffassung nicht irre machen, unsere
Auffassung ist ja auch gut, wo sie nicht der beste sein soll, denn wir sehen ja
und erfahren es täglich, dass das Wort Gottes mit solchen vier Stücken
angegriffen wird, darum tröstet der Heilige Geist unsern Glauben, dass er sich
davon nicht fürchten solle, ob er es gleich erleiden müsse.
Item, im selbigen Psalm [91], haben wir im 9. Vers, das Pronomen
“Mea” in “Tua” verwandelt, und aus “Meine” gemacht “Deine”, weil, dass
der Vers dunkel ist, so man sagt “Denn der HERR ist meine Zuversicht,
obwohl er doch durch den ganzen Psalm führt das Wort “Deine” und redet zu
einem andern oder von einem andern, wie auch im selbigen Vers “Der Höhste
ist deine Zuflucht, und der gemein Deutsch man die plötzliche Veränderung
der Personen im Reden nicht wohl merken kann, darum haben wir es klar und
deutlich machen wollen, weil man solcher Weise zu reden im Deutschen nicht
so gewöhnt ist wie im Hebräischen, da oftmals geschieht, dass einer jetzt
spricht “Du” und “Der”, obwohl er doch mit einerlei Person redet, wie das die
Hebräer wohl wissen, solches haben wir noch etliche Male getan, obwohl dies
den Besserwissern vielleicht nicht gefallen wird, der nicht danach fragt, wie
ein Deutscher den Text verstehen müsse, sondern die Worte steif und genau
behält, das ihn niemand verstehen kann, das ficht uns nicht an, wir haben dem
Sinn nichts genommen, und die Worte deutlich gemacht.
Item, Psalm 92[,15]: “Obwohl sie alt werden, werden sie dennoch
blühen, fruchtbar und frisch sein”, wir wissen wohl, dass dies von Wort zu
Wort so lautet: “Sie werden noch blühen im grauen Haar, fett und grün sein”,
was besagt das? Der Psalm hatte die Gerechten mit den Bäumen vergleicht,
als wären sie Palmbäume und Zedern, diese haben kein graues Haar, sind
auch nicht fett (welches ein Deutscher versteht vom Schmaltz, und denkt an
einen feisten Bauch), aber der Prophet will sagen, die Gerechten sind solche
Bäume, die auch blühen, fruchtbar und frisch sind, obwohl sie alt werden, und
müssen ewiglich bleiben, denn Gottes Wort bleibt ewig, welches sie lehren,
Psalm 1[,3]: “Seine Blätter verwelken nicht”, denn sie nehmen je länger je
mehr zu, in beidem im Wort und Leben, aber alle andern Bäume nehmen
zuletzt ab, wenn sie alt werden, besonders die rottengeister, die Gott nicht
gepflanzt hat, wie Christus spricht: “Alle Pflanzen, die mein himmlicher
Vater nicht gepflanzt hat, müssen ausgerottet werden”.

130
Antologia do Renascimento

Item Psalm 118 im 27. Vers wußten wir ganz gut, dass die Jüdischen
Rabini so lesen: “Bindet das Osterlamm mit Seilen an die Hörner des Altars”.
Das sagen wir auf Deutsch so: “Schmückt das Fest mit Maien. Sie machen
aus dem Wort “Hag” (welches eigentlich Fest oder Feiertag bedeutet) ein
Osterlamm, aus eigener Willkür. Obwohl es anders wo so gefunden wurde,
wie sie vorgeben, so mögen sie doch hier nicht solches beweisen. Und wo
steht es geschrieben, dass die Juden das Osterlamm mit Stricken zum Altar
führen sollten, welches ein Jeglicher daheim in seinem Hause braten und mit
seinem Gesinde essen müsste, wie sie noch tun, obwohl sie keinen Altar
haben?
Weil denn solches ein Jüdischer irriger Sinn ist im Text, und wir wissen,
dass dieser Psalm von Christo und seinem Reich spricht, und die Worte dieses
Verses, aus Art der Sprachen diesen Sinn geben: “Bindet das Fest mit Maien,
haben wir es deutlich so gemacht: “Schmückt das Fest mit Maien (welches ist
die geistliche Laubrust oder Laubhüttenfest, welches Vorbild war der Juden
Laubrust) bis an die Hörner des Altars, mit dem Altar zeigt er an, dass es eine
geistliche Laubrust sein sollte, da ein Altar dabei sein müsste. Bei der Juden
Laubrust musste kein Altar sein, sondern nur in Jerusalem. Und ist die
Auffassung, dass zur Zeit Christi, alle Fest ein tägliches Fest sein sollen, darin
man fröhlich im Glauben predige, und damit Gott Dankopfer darbringt. Das
heisst es “bis an den Altar das Fest mit Maien schmücken, fröhlich sein im
Wort und Glauben und so Gott loben und preisen in Christo, welcher unser
Altar ist.
Item im zwölften Vers, da wir also deutschen: “Sie dämpfen wie ein
Feuer in Dornen”, machen es die Rabini also: “Sie verlöschen oder werden
gedämpft wie Feuer in Dornen”. Und soll der Sinn sein: Die Gottlosen
Verfolger sind gleich wie die Dornen unter einem Topf angelegt und
bedrohlich blitzen und brennen. Aber ehe das Fleisch im Topf gar wird, haben
die Dornen sich ausgebrannt und verlöschen und lassen das Fleisch wohl roh
bleiben. So gehen die Verfolger unter, ehe sie die Gerechten vernichten. So
ziehen die Rabini allenthalben, wo sie können, die Schrift auf ihre Töpfe und
Opfer, wie jenigen die auf solche Opfer und Werke ihre Heiligkeit am meisten
bauen.
Aber weil im Text folgt “Im Namen des HERRN will ich sie zerhauen”
(wie die selben Wort in den zwei Verse davor auch stehen), durch welche
Wort angezeigt wird, wie die Gottlosen untergehen sollen, halten wir den
Sinn, den unser Text gibt, dass damit ausgedruckt werde, der grosse Zorn der
Widersacher gegen die Gerechten, gleich wie er sie auch den zornigen Bienen
im selbigen Vers vergleicht. Also auch hier diejenigen vergleicht, die rennen
und löschen, wenn eine Hecke oder ein Wald brennt. Diesen Sinn gibt auch

131
Antologia do Renascimento

die hebräische Grammatik, wo sie ihre Punkte nicht ohne Ursache hinan
flickten. Aber wenn die Dornen verbrannt und verlöschen sind, wie reimt
sichs darauf, dass man sie im Namen des HERRN zur hauen wolle? Soll man
in die Asche hauen, oder soll man die Gottlosen, die nicht mehr sind, erst
recht noch umbringen?.52
Was ists Not, über alle Worte solche Rechenschaft zu geben? Wir haben
fürwahr keinen Fleiß noch Mühe gespart. Wers besser machen kann, dem ists
wohl gegönnet. Aber ich nehme an: wenn er unsern Psalter dazu nicht
gebraucht, werde er den Psalter so verdeutschen, daß weder viel Deutsch noch
Hebräisch darinnen bleibt. Das wirst du daran merken, wenn du unsern Psalter
mit dem seinen vergleichen und seine eigene Kunst, d.h. die bei uns
gestohlenen Worte, finden wirst. Es ist ein schändlicher, widerwärtiger Mann,
Meister Klügling. Wenn er ein Wörtlein finden kann, das wir versehen hätten,
(denn wer will so vermessen sein, daß er, gleich als wäre er Christus und der
heilige Geist selbst, bei keinem Wort wollte gefehlet haben?) da ist er Meister
und “Licht der Welt”, obwohl er weiß, daß wir den ganzen Psalter sonst
richtig verdeutscht haben, und er (selbst) nicht einen Vers im ganzen Psalter
recht verdeutschen könnte. Es sind Lästerer und Verleumder, das bleiben sie.
Und wie gehets doch zu, daß man uns allein so genau untersucht, so doch
der alte Psalter, auch Hieronymus und viele andere über die Maßen viel mehr
gefehlet haben als wir, sowohl im Griechischen und Lateinischen? Oder,
können sie dort so geduldig und gütig sein, wo sie viele Fehler finden, warum
sind sie denn hier so giftig und unbarmherzig, wo sie doch viel Gutes finden,
welches sie sonst nirgends gefunden haben? Aber es ist die leidige Hoffart
und der große Neid Meister Klüglings. Weil derselbe siehet, daß er nichts
Gutes machen kann, will er doch damit Ehre erjagen und Meister sein, daß er
fremde gute Arbeit lästern und schänden kann. Aber die Zeit wirds bringen.
Und was Gott pflanzt, wird bleiben.
So werden sie ihre Kunst ohne Zweifel auch an dem versuchen, da wir
die Regel gerühmet haben, daß wir zuweilen die Worte genau beibehalten,
zuweilen (aber) allein den Sinn wiedergegeben haben. Hier werden sie zu
allererst klügeln und hadern, wie wir
solcher Regel nicht recht noch zur rechten Zeit gebraucht haben, obwohl sie
vorher von solcher Regel nie etwas gewußt haben, sondern, wie es ihre Art
ist: was sie hören, das können sie flugs besser als jedermann.
Ich wollte aber, wenn sie ja so hoch und tief gelehrt wären und ihre
Kunst beweisen wollten, sie nähmen das einzige und doch ganz allgemeine
Wort “ken” für sich, und gäben mir eine gute deutsche Übersetzung dafür.

52
An dieser Stelle endet der auf der Grundlage der Weimarer Ausgabe rekonstruierte Text.
132
Antologia do Renascimento

Fünfzig Gulden will ich dem zahlen, der mir solch ein Wort in der Schrift
durch und durch treffend und sicher verdeutscht. Und laßt alle Meister und
Klüglinge alle ihre Kunst zusammentun, auf daß sie doch sehen, wie selbst
Übersetzen eine sehr viel andere Kunst und Arbeit ist als eines andern
Übersetzung tadeln und schulmeistern. Wer unser Dolmetschen nicht haben
will, der lasse es; wir dienen damit den Unsern, und die es gerne haben.
Das sei genug vom Dolmetschen. Wir wollen nun den Psalter und die
Summarien vornehmen, um den Einfältigen und denjenigen, welche weniger
können als wir, anzuzeigen, was ein jeglicher Psalm will und vermag. Es ist
darauf zu achten, daß der ganze Psalter fünferlei behandelt, darum wir ihn in
fünf Teile teilen:
Erstlich: etliche Psalmen weissagen, z.B. von Christus und der Kirche
oder den Heiligen, wie es ihnen gehen soll usw., und hier herein gehören alle
Psalmen, da Verheißungen für die Frommen und Drohungen über die
Gottlosen drinnen sind.
Zum zweiten sind etliche Lehrpsalmen, die uns lehren, was wir tun und
lassen sollen nach dem Gesetz Gottes. Und hierher gehören alle Psalmen, die
Menschenlehre verdammen und Gottes Wort preisen.
Zum dritten sind etliche Trostpsalmen, welche die betrübten und
leidenden Heiligen stärken und trösten, (und) umgekehrt die Tyrannen
schelten und schrecken. Und hier gehören her alle Psalmen, die da trösten,
vermahnen, zur Geduld reizen und die Tyrannen schelten.
Zum vierten sind etliche Betpsalmen, darinnen man Gott anruft und (zu
ihm) betet in allerlei Not. Und hier gehören her alle Psalmen, die da klagen
und trauern und über die Feinde schreien.
Zum fünften sind etliche Dankpsalmen, darinnen man Gott lobt und
preiset für allerlei Wohltat und Hilfe. Dahin gehören alle Psalmen, die Gott
loben in seinen Werken; und dies sind die vornehmsten, und um derselben
willen ist der Psalter gemacht, weshalb er auch im Hebräischen “Sepher
Tehillim” heißt, das ist ein “Lobbuch” oder “Dankbuch”.
Doch soll man wissen, daß die Psalmen nicht so glatt und genau mit allen
Versen in solche Teile geteilt werden können. Denn zuweilen werden in
einem Psalm dieser Stücke zwei, drei oder wohl alle fünf gefunden, und
gehöret ein Psalm in alle fünf Teile, daß man sowohl Weissagung, Lehre,
Trost, Gebet und Dank nebeneinander hat. Sondern das ist die Absicht, daß
man wisse, wie der Psalter solche fünf Stücke treibet. Das dienet dazu, daß
man den Psalter desto leichter verstehe, und sich drein schicken, ihn auch
desto besser lernen und behalten kann.

133
Antologia do Renascimento

Fontes: Martin Luther. Gesammelte Werke, Kurt Aland (ed.).


Digitale Bibliothek Band 63. Berlin, Directmedia, 2002;
Martin Luther. Die Schriftauslegung. Die Werke Martin Luthers in neuer
Auswahl für die Gegenwart, Kurt Aland (ed.) Band 5.
Berlin, Evangelische Verlagsanstalt, 1951;
D. Martin Luthers Werke. Kritische Ausgabe, Band 38.
Weimar, Hermann Böhlaus Nachfolger, 1912.
Transcrição ao alfabeto latino e atualização ortográfica por Bruno Fuchs e
Raquel Abi-Sâmara.

134
Antologia do Renascimento

Juan Boscán
(1493-1542)

JUAN BOSCÁN, poeta catalão, traduziu Il cortegiano, de Castiglione (1478-


1529), por recomendação de seu amigo Garcilaso de la Vega (1503-1536), e o
publicou em Barcelona, em 1534, apenas seis anos depois do surgimento de
seu original na Itália. Esta tradução de Boscán inaugura na Espanha uma nova
forma de traduzir, em cujos fundamentos já não se notam unicamente
características medievais como a tradução entre línguas de diferente prestígio
e hierarquia, ou por questões religiosas, embates ideológicos, caráter
divulgativo, etc, mas entre línguas equiparáveis, por consciência e vontade
literárias. Boscán não defende apenas a fidelidade criativa do tradutor através
da tradução ad sensum, mas a opção por uma tradução em pé de igualdade
com o original. Considera-se que Boscán, defensor da língua vernácula, cria,
à diferença do período anterior, uma prosa que não quer mais ser latina, mas
caminhar independentemente e próxima da linguagem falada. Em sua
tradução, além do propósito de inteligibilidade, preocupa-se também com os
aspectos sociais e estéticos. Boscán evita, portanto, latinismos e italianismos,
adaptando termos e expressões originais ao uso dos espanhóis,
castelhanizando-os; suaviza a carga erudita do texto de Castiglione, reduz os
cultismos, os superlativos, as formas esdrúxulas, os verbos em final de frase,
os hipérbatos, etc.; busca incorporar o texto original no ambiente e no sistema
de valores da Espanha contemporânea. A perda muitas vezes de importantes
matizes e a restrição ao elevado tom cultural e filosófico do original é
compensada por um texto de grande valor literário, adaptado à cultura e
pensamento do séc. XVI espanhol.

PABLO CARDELLINO (pablocardellino@gmail.com) é professor de


Espanhol como língua estrangeira em cursos livres desde 1995 e tradutor
freelancer para empresas desde 1998. Graduado em Letras-Espanhol, é mestre
e doutor pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da UFSC .

135
Antologia do Renascimento

Dedicatória de sua tradução de O cortesão

Não há muitos dias, Garcilaso de la Vega enviou-me (como Vossa Mercê


sabe) este livro chamado O cortesão, composto em língua italiana pelo conde
Baltasar Castiglione. Seu título e a autoridade de quem enviava levaram-me a
lê-lo com diligência. Logo vi nele tantas coisas tão boas que não pude deixar
de reconhecer grande engenho em quem o fez. Ademais de parecerem-me
boas a ideia, a técnica e a doutrina, a matéria de que trata pareceu-me não
apenas proveitosa e de muito gosto, como também necessária por ser sobre
algo que sempre vivenciamos. Tudo isto despertou-me a vontade de que os
homens de nossa nação conhecessem tão bom livro e não deixassem de
entendê-lo por falta de entender a língua, e por isso quis logo traduzi-lo.
Porém, assim como estas coisas me levavam a fazê-lo, outras muitas me
determinavam que não o fizesse, e a principal delas era a opinião que sempre
tive de que é vaidade tola, e de homens de poucas letras, andar romanceando
livros, algo que vale pouco mesmo se bem feito, menos ainda quando se faz
tão mal ao ponto de que não há coisa mais distante do que se traduz do que o
traduzido. Assim aconteceu com alguém que, encontrando Valério Máximo
em vernáculo e revirando-o folha por folha para diante e para trás por um
longo tempo sem deter-se em nada, ao ser perguntado por outro sobre o que
fazia respondeu que procurava Valério Máximo. Vendo isto, e lembrando-me
do mal que tenho apontado nestes romanceadores (embora traduzir este livro
não seja propriamente romanceá-lo, e sim passá-lo de uma língua vulgar para
outra quiçá tão boa quanto) meus braços não se moviam para esta tradução.
Por outra parte me parecia um acanhamento prejudicial não saber usar da
liberdade neste caso, e por estas considerações e escrúpulos deixar de fazer
tão boa obra a muitos, como é pôr-lhes este livro de maneira que o entendam.
Estando eu nestas dúvidas, foi Vossa Mercê quem me deu determinação
mandando-me que o traduzisse, e assim, todos os inconvenientes cessaram e
só cuidei de servir-vos; e estou tão confiante em alcançar tão bom fim, que
esta mera confiança já basta para me fazer acertar com isso. Ainda mais que,
sendo este livro dado a vós, é vosso, e assim olhareis de aprová-lo e defendê-
lo se for bom, ou colocá-lo onde não apareça se for ruim. Sei que, desde que
eu não tenha malogrado ao traduzi-lo, o livro é tal que não tem necessidade de
nada senão de um engenho como o de Vossa Mercê para entendê-lo e apreciá-
lo. E assim, tenho pensado muitas vezes que este Cortesão é, tanto quanto o
primeiro, afortunado, porque na Itália teve por senhora a marquesa de
Pescara, que tem fama de ser a mais avisada mulher que há em todas aquelas
terras, e quase que foi em suas mãos que nasceu e ela o tomou sob sua guarda
e o criou e o fez homem para que pudesse andar pelo mundo ganhando honra;
136
Antologia do Renascimento

e agora na Espanha virá a ser de Vossa Mercê, que tem (por falar
moderadamente) as mesmas qualidades dela; e poderá Vossa Mercê conceder-
lhe tanta honra que quem sabe lhe baste para não querer mais, nem cuidar de
outra coisa senão de sossegar-se e descansar de seus trabalhos em vossas
mãos.
Eu não terei como fim, na tradução deste livro, ser tão rígido que me
force a vertê-lo palavra por palavra; antes, se alguma coisa nele eu achar que
em sua língua pareça boa e na nossa má, não deixarei de mudá-la ou calá-la.
Mesmo com tudo isto tenho medo que, sendo os termos destas línguas, a
italiana e a espanhola, e os costumes entre ambas nações tão diferentes,
permaneça ainda algo que não fique bem em nossa língua romance. Mas o
tema do livro é tal, e seu processo tão bom, que quem o ler será muito
melindroso se entre tantas e tão boas coisas não perdoar algumas pequenas,
compensando umas com outras. O assunto de que trata, logo no começo da
obra ver-se-á, é tornar um cortesão perfeito, e tal como Vossa Mercê saberia
fazer se quisesse. E porque para um perfeito cortesão se requer uma perfeita
dama, faz-se também nesse livro uma dama tal que pode ser até que a
conheçais e saibais seu nome se a observardes bem.
Para tudo isto foi necessário lançar mão de muitas coisas de diversas
faculdades, todas de grande engenho e algumas delas muito profundas e
graves. Por isso não me espantaria se existissem talvez alguns desses que
consideram as coisas levianamente e não tomam delas senão sua aparência,
aos quais pareça mal eu encaminhar à Vossa Mercê um livro que, embora seu
fim principal seja tratar do que é necessário para a perfeição de um cortesão,
aborde matérias intrincadas e mais profundamente discutidas nas ciências do
que o convenha a uma mulher e moça e tão dama. A isto respondo que quem
fez o livro entendeu-o melhor do que eles, e de tal maneira mesclou as coisas
da ciência com as da galantaria que umas se aproveitam e se valem das outras,
e estão dispostas tão propriamente e tão no seu lugar, e os termos que há
nelas, mesmo se alguns por serem de filosofia se tornam pesados, são tão
necessários onde estão, e foram assentados com tão bom artifício, e tão
desculpados pelos mesmos que ali os usam, e ditos tão burlescamente onde é
mister, que a todo gênero de pessoas, tanto a mulheres quanto a homens,
convêm e parecerão bem, exceto aos nécios. E mesmo que nada disto fosse
assim, vosso entendimento e juízo é tal que vós não haveríeis de vos fechar
nas limitações ordinárias de outras mulheres, posto que todo aspecto do saber
vos convém totalmente. E, enfim, já que sobre isto não há mais o que debater,
quero aproveitar um argumento quase semelhante ao de um filósofo, que um
dia, discutindo com muitos que argumentavam com grandes razões que não
havia movimento nas coisas, a resposta que lhes deu em conclusão foi
levantar-se de onde estava sentado e passear, e ali ninguém pode negar o
137
Antologia do Renascimento

movimento. Do mesmo modo, para esses eu quero também finalizar pedindo


que Vossa Mercê se mova um pouco, e vejam esses como entendeis e
apreciais as coisas, por elevadas que sejam, e então verão se vos convêm ou
não. Enfim, Vossa Mercê há de ser aqui o juiz de tudo; vós vereis o livro e o
cortesão e o que eu fiz por ele ao colocá-lo em vossas mãos. Se vos parecer
que tenha me saído disto com honra, agradecei-me a vontade e a obra, e se
não, pelo menos a vontade, pois foi a de servir-vos, que não se esqueça.

Tradução:

Pablo Cardellino Soto


pablocardellino@gmail.com

138
Antologia do Renascimento

Dedicatoria de su traducción de El cortesano (1534)

No ha muchos días que me envió Garcilasso de la Vega (como Vuestra


merced sabe) este libro llamado El cortesano, compuesto en lengua italiana
por el conde Baltasar Castellón. Su título y la autoridad de quien me le
enviaba, me movieron a leelle con diligencia. Vi luego en él tantas cosas tan
buenas, que no pude dexar de conocer gran ingenio en quien le hizo. Demás
de parecerme la invinción buena y el artificio y la dotrina, parecióme la
materia de que trata no solamente provechosa y de mucho gusto, pero
necesaria por ser de cosa que traemos siempre entre las manos. Todo este me
puso gana que los hombres de nuestra nación participasen de tan buen libro y
que no dexasen de entendelle por falta de entender la lengua, y por eso
quisiera traducille luego. Mas como estas cosas me movían a hacello, así otras
muchas me detenían que no lo hiciese, y la más principal era una opinión que
siempre tuve de parecerme vanidad baxa y de hombres de pocas letras andar
romanzando libros; que aun para hacerse bien, vale poco, cuánto más
haciéndose tan mal, que ya no hay cosa más lexos de lo que se traduce que lo
que es traducido. Y así tocó muy bien uno, que hallando a Valerio Maximo en
romance y andando revolviéndole un gran rato de hoja en hoja sin parar en
nada, preguntado por otro qué hacía, respondió que buscaba a Valerio
Maximo. Viendo yo esto, y acordándome del mal que he dicho muchas veces
de estos romancistas (aunque traducir este libro no es propriamente
romanzalle, sino mudalle de una lengua vulgar en otra quizá tan buena), no se
me levantaban los brazos a esta traducción. Por otra parte me parecía un
encogimiento ruin no saber yo usar de libertad en esto caso, y dexar por estas
consideraciones o escrúpulos de hacer tan buena obra a muchos, como es
ponelles este libro de manera que le entiendan.
Andando yo en estas dudas, Vuestra merced ha sido la que me ha hecho
determinar, mandándome que le traduxese; y así, todos los inconvinientes han
cesado y sólo he tenido ojo a serviros; y estoy tan confiado con tener tan buen
fin, que esta sola confianza basta para hacerme acertar esto. Cuanto más que
este libro dándose a vos es vuestro, y así vos miraréis por él en aproballe y
defendelle si fuere bueno, o en ponelle en parte donde no parezca, siendo
malo. Yo sé que si yo no le he estragado en el traducille, el libro es tal que de
ninguna otra cosa tiene necesidad sino de un ingenio como el de Vuestra
merced que sea para entendelle y gustalle. Y así he pensado muchas veces que
este Cortesano ya cuanto a lo primero es dichoso, porque en Italia alcanzó por
señora a la Marquesa de Pescara que tiene fama de la más avisada mujer que
hay en todas aquellas tierras, y casi en sus manos nació y ella le tomó a su
cargo y le crió y le hizo hombre para que pudiese andar por el mundo ganando
139
Antologia do Renascimento

honra; y ahora en España habrá alcanzado a ser de Vuestra merced, que (por
hablar templadamente) tenéis las mismas cualidades della; y a él podréisle
hacer tanta honra que quizá le baste para no querer más, ni curar de otra cosa
ya sino de sosegarse y descansar de sus trabajos en vuestras manos.
Yo no terné fin en la traducción de este libro a ser tan estrecho que me
apriete a sacalle palabra por palabra, antes, si alguna cosa en él se ofreciere,
que en su lengua parezca bien y en la nuestra mal, no dexaré de mudarla o de
callarla. Y aun con todo esto he miedo que según los términos de estas
lenguas italiana y española y las costumbres de entrambas naciones son
diferentes, no haya de quedar todavía algo que parezca menos bien en nuestro
romance. Pero el sujeto del libro es tal, y su proceso tan bueno, que quien le
leyere será muy delicado si entre tantas y tan buenas cosas no perdonare
algunas pequeñas, compensando las unas con las otras. La materia de que
trata, luego en el principio de la obra se verá, es hacer un cortesano perfeto, y
tal como Vuestra merced le sabría hacer si quisiese. Y porque para un perfeto
cortesano se requiere una perfeta dama, hácese también este libro una dama
tal que aun podrá ser que la conozcáis y le sepáis el nombre si la miráis
mucho.
Para todo esto ha sido necesario tocar muchas cosas en diversas
facultades, todas de gran ingenio y algunas de ellas muy hondas y graves. Por
eso no me maravillaría hallarse quizá algunos de los que consideran las cosas
livianamente y no toman de ellas sino el aire que le da en los ojos, que les
parezca mal enderezar yo a Vuestra merced un libro, que aunque su fin
principal sea tratar de lo que es necesario para la perfición de un cortesano,
todavía toque materias entricadas y más trabadas en honduras de ciencia de lo
que pertenezca a una mujer y moza y tan dama. A esto respondo que el que
hizo el libro entendió esto mejor que ellos, y de tal manera mezcló las cosas
de ciencia con las de gala que las unas se aprovechan y se valen con las otras,
y están puestas tan a propósito y tan en su lugar, y los términos que hay en
ellas, si algunos por ser de filosofía se aciertan a ser pesados, son tan
necesarios allín donde están, y asentados con tan buen artificio, y tan
desculpados por los mismos que allí los usan, y dichos tan chocarreramente
donde es menester, que a todo género de personas, así a mujeres como a
hombres, convienen y han de parecer bien, sino a necios. Y aunque todo esto
no fuese, vuestro entendimiento y juicio es tal que vos no os habéis de
encerrar en las estrechezas ordinarias de otras mujeres, sino que toda cosa de
saber os ha de convenir totalmente. Y en fin, porque ya sobre esto no haya
nada más que debatir, quiero aprovecharme de un argumento casi semejante
al de un filósofo, que disputando un día con él muchos, y haciéndole grandes
razones para proballe que no había movimiento en las cosas, la respuesta que
les dio para concluilles fue levantarse de donde estaba sentado y pasearse, y
140
Antologia do Renascimento

allí nadie pudo negar el movimiento. Y así a estos, quiero yo también


concluilles con que Vuestra merced se mueva un poco, y os vean cómo
entendéis y gustáis las cosas, por altas que sean, y entonces verán si os son
convenibles o no. En fin, Vuestra merced ha de ser aquí el juez de todo; vos
veréis el libro y el cortesano y lo que yo he hecho por él en habelle puesto en
vuestras manos. Si os pareciere que he salido de esto con mi honra,
agradecéme la voluntad y la obra, y si no, a lo menos la voluntad, pues ha
sido de serviros, no se pierda.

Fonte: Baltasar Castiglione. El cortesano. Trad. de Juan Boscán.


Madri: Espasa-Calpe, 1984.

141
Antologia do Renascimento

Garcilaso de la Vega
(1503-1536)

GARCILASO DE LA VEGA, poeta toledano, em uma de suas estadias na


Itália, conheceu o livro de Castiglione (1478-1529) e o enviou a seu amigo
Juan Boscán (1493-1542) para que o traduzisse e publicasse. Garcilaso, que
aparentemente aconselhara o tradutor nos últimos retoques da obra, participa
no prólogo da edição espanhola – onde são apresentadas duas Dedicatorias à
mecenas Jerónima Palova de Almogávar –, e elogia os critérios adotados por
Boscán na tradução, bem como seu texto final. El cortesano é, em sua verão
castelhana, resultado de um projeto estético e literário, no qual trabalharam os
dois poetas. Garcilaso considera a tradução bastante fiel, não à letra mas ao
sentido, e que, enquanto literatura, ela beneficiaria a língua castelhana. E a
crítica literária de distintas épocas reconheceu nesta tradução de Boscán, de
estilo natural e não artificioso, um dos livros mais belamente escritos antes de
Cervantes (1547-1616), bem como as bases artísticas para o desenvolvimento
da prosa em língua castelhana. A concepção de tradução de Garcilaso de la
Vega está em sintonia com a de seu amigo Juan Boscán, de quem diz
conhecer a opinião, e considera “tan dificultosa cosa traducir bien un libro
como hacelle de nuevo”: traducir, para Boscán, é trasladar entre línguas
equiparáveis, como o espanhol e o italiano, diferentemente da prática de
romancear (ou vulgarizar), que implica verter para uma língua romance ou
vernácula a partir de uma língua clássica, como o latim, o grego ou o
hebraico, tarefa recriminada pelos dois poetas, que viam nesta prática, se má
executada, perigos para o bom desenvolvimento literário da língua vernácula.

PABLO CARDELLINO (pablocardellino@gmail.com) é professor de


Espanhol como língua estrangeira em cursos livres desde 1995 e tradutor
freelancer para empresas desde 1998. Graduado em Letras-Espanhol, é mestre
e doutor pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da UFSC .

142
Antologia do Renascimento

Dedicatória da tradução de O cortesão

Se não houvesse sabido antes de agora até onde chega o juízo de Vossa
Mercê, bastaria para eu entendê-lo, ver que vos parecia bem este livro. Mas
estáveis tão alta em minha consideração que, parecendo-me bom este livro até
aqui por muitas causas, a principal pela qual agora me parece é porque o
haveis aprovado, de tal maneira que podemos dizer que o fizestes, pois por
vossa causa o temos hoje em uma língua em que o entendemos. Porque não só
não me ocorreu que fosse Boscán que acabaria por traduzi-lo, como nunca
nem me atrevi a sugerir-lhe tal coisa, já que sempre o via aborrecendo-se com
aqueles que romanceiam livros, muito embora ele não chame isto de
romancear, e nem eu; mas que fosse: creio que ainda assim não se recusaria a
fazê-lo se Vossa Mercê ordenasse. Eu estou mui satisfeito comigo mesmo,
pois antes que o livro chegasse às vossas mãos, eu já tinha reparado em seu
grande valor; porque, caso agora, depois de saber que vos parece bom,
começasse a conhecê-lo, acreditaria que estava me deixando levar pela vossa
opinião. Mas já não se poderá suspeitar disso, e sim ter como coisa segura que
é um livro que merece andar em vossas mãos para que logo ganhe fama de
onde andou e possa então correr mundo sem perigo. Porque uma das coisas de
que maior necessidade há, onde quer que haja homens e damas ilustres, é de
se fazer não somente todas as coisas que em seu modo de viver aumentam o
valor das pessoas, como também de evitar todas as que possam rebaixá-lo.
Um e outro aspectos são tratados de modo tão sábio e cortesão no livro, que
não parece possível pedir mais nada senão ver tudo realizado em algum
homem, e ia acrescentar também em alguma dama, não fosse perceber que
estáveis no mundo para exigir-me contas de minhas palavras fúteis. Além
disso, pode-se considerar neste livro que, como as coisas mui acertadas
sempre vão além do que prometem, foi tal o modo como o conde Castiglione
escreveu o que devia fazer um cortesão distinto, que mesmo os desavisados de
seu dever encontram quase tudo aí.
Nisto pode-se perceber o que perderíamos em não tê-lo, e também penso
que é muito importante o benefício que traz à língua castelhana escrever nela
coisas que mereçam ser lidas; porque eu não sei que desventura tem sido
sempre a nossa, que quase nada se escreveu em nossa língua exceto aquilo
que poderia muito bem ser dispensado, embora isto seria difícil de provar com
os que se ocupam com aqueles livros que matam homens.
E Vossa Mercê soube muito bem escolher a pessoa pela qual faríeis este
bem a todos nós, e sendo a meu ver algo tão dificultoso traduzir bem um livro
quanto voltar a escrevê-lo, Boscán saiu-se nisto tão bem, que cada vez que me
ponho a ler este livro seu ou (melhor dizendo) vosso, não me parece ter sido
143
Antologia do Renascimento

escrito em outra língua. E se às vezes me lembro daquele que eu vi e li, logo o


pensamento volta para o que tenho em mãos. Conservou uma coisa na língua
castelhana que mui poucos conseguiram, que foi fugir da afetação sem cair na
aspereza, e com grande riqueza de estilo usou de termos mui cortesãos e mui
aprazíveis aos bons ouvidos, sem serem novos e, aparentemente, não
desusados pelas pessoas. Foi, além disto, um tradutor muito fiel, pois não se
prendeu ao rigor da letra, como alguns, mas à verdade das sentenças, e por
diferentes caminhos pôs nesta língua toda a força e o ornato da outra,
deixando tudo no mesmo estado em que encontrou, e de tal modo que a pouco
custo poderiam os defensores deste livro responder aos que quiserem censurar
alguma coisa nele. Não falo dos homens de ouvidos tão sensíveis e delicados
que, dentre mil coisas boas que haverá neste livro, se ofenderão por uma ou
duas não tão boas quanto as outras, já que a esses não posso acreditar senão
que aquelas duas coisas lhes agradam e o resto lhes ofende, e poderia prová-lo
com muitas coisas que eles aprovam fora estas.
Mas não é de se perder tempo com estes, senão enviá-los a quem lhes
fala e lhes responde em seu íntimo, e voltar-me para aqueles que com alguma
aparente razão poderiam eventualmente pedir satisfação de alguma coisa que
lhes ofendesse. Acontece que quando se aborda todos os modos que pode
haver de dizer donaires e coisas apropriadas para fazer rir e falar agudamente,
há alguns que são dados como exemplo, que parecem não chegar até ao nível
e que nem merecem ser tidos como bons por um homem que tão
eficientemente tratou das outras partes; e daqui poderiam eles inferir alguma
suspeita de que o autor não tivesse tão bom juízo nem tanta fineza como nos
parece. O que se pode responder a isto é que a intenção do autor foi mostrar
diversos modos de falar com graça e de dizer donaires, e para que
percebêssemos melhor a diferença e adequação de cada um deles nos deu
exemplos de todos, e apresentando tantas formas de falar não podia haver
tantas coisas bem ditas em cada uma delas sem que alguma das que dava
como exemplo não fosse algo inferior às outras. E creio que um autor tão
inteligente e esclarecido como este as viu desse modo, sem enganar-se
absolutamente com elas. Assim, nisto fica claro que ele está isento de culpa:
somente eu carregarei uma, que é ter-me espraiado mais do que era
necessário. Porém, irritam-me as sem-razões e fazem-me que as produza com
uma carta tão longa a quem não tem culpa de nada. Confesso que causou-me
tanta inveja ver Vossa Mercê receber sozinha os louvores que se devem por
este livro, que quis meter-me por aí entre as suas linhas ou como fosse. E
porque tive medo que alguém quisesse por-se a traduzir este livro, ou melhor
dizendo, a estragá-lo, acertei com Boscán que mandasse imprimi-lo sem
demora para antecipar-se à agilidade que os que escrevem mal alguma coisa
costumam ter em publicá-la. E ainda que esta tradução me desforrasse de
144
Antologia do Renascimento

qualquer outra que houvesse, sou tão inimigo da discórdia que mesmo esta,
tão confiável, me chatearia. E por isso quase o forcei a fazê-la a toda
velocidade, e ele me fez estar presente ao derradeiro lustre, mais como
homem ouvido em suas razões que como ajudante em alguma emenda.
Suplico a Vossa Mercê que, já que este livro está sob vosso amparo, não se
incomode com esta pouca parte que tomo nele, pois em troca disto vo-lo
entrego escrito com melhor letra, onde se leia vosso nome e vossas obras.

Tradução:

Pablo Cardellino Soto


pablocardellino@gmail.com

145
Antologia do Renascimento

Dedicatoria de la traducción de El cortesano (1534)

Si no hubiera sabido antes de agora dónde llega el juicio de Vuestra


merced, bastárame para entenderlo ver que os parecía bien este libro. Mas ya
estábades tan adelante en mi opinión, que pareciéndome este libro bien hasta
aquí por muchas causas, la principal por donde agora me lo parece es porque
le habés aprobado, de tal manera que podemos decir que le habés hecho, pues
por vuestra causa le alcanzamos a tener en lengua que le entendemos. Porque
no solamente no pensé acabar con Boscán que le traduxese, mas nunca me osé
poner en decírselo, según le vía siempre aborrecerse con los que romanzan
libros, aunque él a esto no lo llama romanzar, ni yo tampoco; mas aunque lo
fuera, creo que no se excusara de ello mandándolo Vuestra merced. Estoy
muy satisfecho de mí, porque antes que el libro viniese a vuestras manos, ya
yo le tenía en tanto como entonces debía; porque si ahora después que os
parece bien empezara a conocelle, creyera que me llevaba el juicio de vuestra
opinión. Pero ya no hay que sospechar en esto, sino tener por cierto que es
libro que merece andar en vuestras manos para que luego se le parezca donde
anduvo, y pueda después andar por el mundo sin peligro. Porque una de las
cosas de que mayor necesidad hay, doquiera que hay hombres y damas
principales, es de hacer, no solamente todas las que en aquella su manera de
vivir acrecientan el punto y el valor de las personas, mas aun de guardarse de
todas las que pueden abaxalle. Lo uno y lo otro se trata en este libro tan sabia
y tan cortesanamente que no me parece que hay qué desear en él sino vello
cumplido todo en algún hombre, y también iba a decir en alguna dama, si no
me acordara que estábades en el mundo para pedirme cuenta de las palabras
ociosas. Demás de todo esto, puédese considerar en este libro, que como las
cosas muy acertadas siempre se estienden a más de lo que prometen, de tal
manera escribió el Conde Castellón lo que debía hacer un singular cortesano,
que casi no dexó estado a quien no avisase de su oficio.
En esto se puede ver lo que perdiéramos en no tenelle; y también tengo
por muy principal el beneficio que se hace a la lengua castellana en poner en
ella cosas que merezcan ser leídas; porque yo no sé qué desventura ha sido
siempre la nuestra, que apenas ha nadie escrito en nuestra lengua sino lo que
se pudiera muy bien escusar, aunque esto sería malo de probar con los que
traen entre las manos estos libros que matan hombres.
Y supo Vuestra merced muy bien escoger persona por cuyo medio
hiciésedes este bien a todos, que siendo a mi parecer tan dificultosa cosa
traducir bien un libro como hacelle de nuevo, dióse Buscán en esto tan buena
maña, que cada vez que me pongo a leer este su libro o (por mejor decir)
vuestro, no me parece que le hay escrito en otra lengua. Y si alguna vez se me
146
Antologia do Renascimento

acuerda del que he visto y leído, luego el pensamiento se me vuelve al que


tengo entre las manos. Guardó una cosa en la lengua castellana que muy
pocos la han alcanzado, que fue huir de la afetación sin dar consigo en
ninguna sequedad, y con gran limpieza de estilo usó de términos muy
cortesanos y muy admitidos de los buenos oídos, y no nuevos ni al parecer
desusados de la gente. Fue, demás desto, muy fiel tradutor, porque no se ató
al rigor de la letra, como hacen algunos, sino a la verdad de las sentencias, y
por diferentes caminos puso en esta lengua toda la fuerza y el ornamento de la
otra, y así lo dexó todo tan en su punto como lo halló, y hallólo tal que con
poco trabajo podrían los defensores de este libro responder a los que quisiesen
tachar alguna cosa de él. No hablo en los hombres de tan tiernos y delicados
oídos que entre mil cosas buenas que terná este libro les ofenderá una o dos
que no serán tan buenas como las otras, que destos tales no puedo creer sino
que aquellas dos les agradan y las otras les ofenden, y podríalo probar con
muchas cosas que ellos fuera desto aprueban.
Mas no es de perder tiempo con éstos, sino remitillos a quien les habla y
les responde dentro en ellos mismos, y volverme a los que con alguna
apariencia de razón podrían en un lugar desear satisfación de algo que les
ofendiese, y es que allí donde se trata de todas las maneras que puede haber
de decir donaires y cosas bien dichas a propósito de hacer reír y de hablar
delgadamente, hay algunas puestas por enxemplo, que parece que no llegan al
punto de las otras, ni merecen ser tenidas por muy buenas de un hombre que
tan avisadamente trató las otras partes; y de aquí podrían inferir una sospecha
de no tan buen juicio ni tanta fineza del autor como le damos. Lo que a esto se
puede responder es que la intinción del autor fue poner diversas maneras de
hablar graciosamente y de decir donaires, y porque mejor pudiésemos conocer
la diferencia y el linaje de cada una de aquellas maneras, púsonos enxemplo
de todas, y discurriendo por tantas suertes de hablar, no podía haber tantas
cosas bien dichas en casa una déstas, que alguna de las que daba por
enxemplo no fuesen algo más baxas que otras. Y por tales creo yo que las
tuvo sin engañarse punto en ellas, un autor tan discreto y tan avisado como
éste. Así que ya en esto se ve que él está fuera de culpa: yo sólo habré de
quedar con una, que es haberme alargado más de lo que era menester. Mas
enójanme las sinrazones y hácenme que las haga con una carta tan larga a
quien no me tiene culpa. Confieso a Vuestra merced que hube tanta envidia de
veros merecer sola las gracias que se deben por este libro, que me quise meter
allá entre los renglones o como pudiese. Y porque hube miedo que alguno se
quisiese meter en traducir este libro, o por mejor decir, dañalle, trabajé con
Boscán que sin esperar otra cosa hiciese luego imprimille por atajar la
presteza que los que escriben mal alguna cosa suelen tener en publicalla. Y
aunque esta traducción me diera venganza de cualquier otra que huviera, soy
147
Antologia do Renascimento

tan enemigo de cisma, que aun ésta tan sin peligro me enojara. Y por esto casi
por fuerza le hice que a todo correr le pasase, y él me hizo estar presente a la
postrera lima, más como a hombre acogido a razón que como ayudador de
ninguna enmienda. Suplico a Vuestra merced que, pues este libro está debaxo
de vuestro amparo, que no pierda nada por esta poca de parte que yo dél
tomo, pues en pago desto, os le doy escrito de mejor letra, donde se lea
vuestro nombre y vuestras obras.

Fonte: Baltasar Castiglione, El cortesano. Trad. de Juan Boscán.


Madri, Espasa-Calpe, 1984.

148
Antologia do Renascimento

Juan de Valdés
(1509-1541)

JUAN DE VALDÉS, humanista e tradutor bíblico espanhol, é equiparado,


enquanto filólogo, a Antonio de Nebrija (1441-1522) por ter sido o primeiro a
ocupar-se das origens da língua castelhana e a tentar fixar-lhe os cânones da
etimologia e o uso, regrar a ortografia e aperfeiçoar a construção lingüística.
Diálogo de la lengua (1535/6), composto em Nápoles durante seu exílio por
causa da Inquisição, pertence ao grupo de estudos em forma de gramáticas,
ortografias, vocabulários ou dicionários, cujo tema em voga na Europa do
século XVI era o de elogios e defesas das novas línguas vernaculares, o que
vale dizer que este opúsculo de Valdés é um reflexo de que a língua
castelhana havia então se convertido em idioma nacional. Para o autor de
Diálogo de la lengua, as traduções podiam ser um perigo para as línguas
vernáculas uma vez que a falta de modelos ou autoridades induzia os
tradutores a uma literalidade quase ilegível, ao ponto de que os que podiam
ler no original não se serviam de traduções castelhanas. E em consonância
com o espírito da época, Valdés defende uma tradução retórico-literária,
cuidadosa com a língua de chegada. No Diálogo de la lengua quatro
personagens (Márcio, Valdés, Coriolano e Torres) vão abordando assuntos
como o aprendizado da língua castelhana, a comparação com outras línguas, a
relação das línguas vulgares com o latim, usos falados e escritos do
castelhano, as dificuldades de tradução, etc. Observe-se ainda neste excerto de
Diálogo de la lengua que, embora Valdés diga não ter lido O cortesão, na
tradução castelhana de Juan Boscán (1493-1542), apresenta argumentos sobre
a tradução muito semelhantes, ponderativos e mesmo tópicos, aos utilizados
por Garcilaso de la Vega (1503-1536) na Dedicatória incluída no prólogo da
tradução feita por seu amigo Boscán.

MAURI FURLAN (maurizius@gmail.com), professor de Latim e Teoria da


Tradução no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC,
graduou-se em Jornalismo pela FACHA/RJ e em Letras-Alemão pela UFSC.
Em seu mestrado em Literatura (UFSC) abordou questões teóricas da tradução
da Ars poetica, de Horácio, e, no doutorado em Filologia Clássica pela
Universitat de Barcelona, Espanha, apresentou uma sistematização para as
reflexões sobre a tradução produzidas no Renascimento.

149
Antologia do Renascimento

Diálogo da língua (excerto)

Márcio – Valdés – Coriolano – Torres –

[…]

MÁRCIO – Admito que tendes razão; mas se traduzistes para vossa


língua romance alguma coisa latina ou italiana, estou certo de que
encontrastes também muitos outros vocábulos, além dos que apresentastes,
que vos deixaram em apuros ao querer expressar completamente em
castelhano o que significam em latim ou italiano.
VALDÉS – E também porque cada língua tem seus vocábulos próprios e
seus modos próprios de dizer, há tanta dificuldade no traduzir bem de uma
língua a outra; algo que eu não atribuo a uma falta da língua em que se traduz,
mas à abundância daquela de que se traduz; e assim algumas coisas que se
dizem bem numa língua, não podem ser ditas igualmente bem em outra; e
mesmo na outra há outras que se dizem melhor que em nenhuma outra.
CORIOLANO – Isso está muito bem dito, e é assim na verdade.
VALDÉS – Por isso é grande a temeridade dos que se põem a traduzir de
uma língua a outra sem serem muito competentes numa e noutra.
MÁRCIO – Deste modo poucas coisas seriam traduzidas.
VALDÉS – Assim haveria mais pessoas que dominariam as línguas
necessárias, como são a latina, a grega e a hebraica, nas quais escreveu-se
tudo quanto de bom há que pertença tanto à religião como à ciência.
MÁRCIO – Ora, vamos, abreviemos este assunto e voltemos ao nosso,
outorgando-vos primeiro estar bem dito tudo quanto propusestes até aqui.
VALDÉS – Muito obrigado. […] Quanto à prosa, digo que li pouco
aqueles que traduziram para o romance castelhano porque, como entendo
latim e italiano, não me preocupo de ler em romance. Desse pouco que li me
parece ter visto dois livrinhos que me agradam tanto no estilo, que considero
castelhano puro, como no expressar muito gentilmente e por vocábulos
castelhanos muito próprios o que encontravam escrito em latim. Um destes é
de Boécio, Consolação [Consolatio philosophiae], e porque há duas
traduções, atentai que a que eu elogio é uma que tem o metro em metro e a
prosa em prosa, e está dedicado ao Conde de Ureña.
MÁRCIO – Como se chama o autor?

150
Antologia do Renascimento

VALDÉS – Não me lembro, de verdade; mas sei dizer-vos que a meu ver
era homem de vivo engenho e claro juízo.
TORRES – Dizei-me, por favor, ainda que seja fora de propósito, porque
há muitos dias que o desejo saber: que diferença fazeis entre engenho e juízo?
VALDÉS – O engenho acha o que dizer, e o juízo escolhe o melhor do
que o engenho acha e coloca-o no lugar que deve estar; de forma que das duas
partes do orador, que são a invenção e a disposição (que quer dizer
ordenação), a primeira pode ser atribuída ao engenho, a segunda ao juízo.
TORRES – Acreditais que possa haver alguém que tenha bom engenho e
falta de juízo, ou que tenha bom juízo e falta de engenho?
VALDÉS – Há inúmeros desses; e também dentre os que conheceis e
encontrais todos os dias poderia apontar alguns.
TORRES – Qual tendes por maior falta num homem, a de engenho ou a
de juízo?
VALDÉS – Se eu tivesse de escolher, preferiria mais bom juízo com
mediano engenho do que bom engenho com razoável juízo.
TORRES – Por quê?
VALDÉS – Porque homens de grandes engenhos são os que se perdem
em heresias e falsas opiniões, por falta de juízo. Não há semelhante jóia no
homem como o bom juízo.
MÁRCIO – Deixai isto, voltai a vossos livros e dizei qual é a outra
tradução do latim ao romance que vos agrada.
VALDÉS – O Enchiridion [Enchiridion militis Christiani – Manual do
cavaleiro cristão] de Erasmo traduzido ao romance por Arcidiano del Alcor,
que no meu parecer pode competir com o latino quanto ao estilo.
MÁRCIO – Se o estilo castelhano não é melhor em castelhano que o
latino em latim, pouco fez o que o traduziu.
VALDÉS – Não é possível que vós admitais que alguém que não seja
italiano tenha bom estilo em latim.
MÁRCIO – Não lestes algum outro livro traduzido que vos agrade?
VALDÉS – Se li, não me lembro.
MÁRCIO – Pois ouvi dizer que Il Peregrino [de Jacopo Caviceo] e Il
Cortegiano [de Baltasar Castiglione] estão muito bem traduzidos.
VALDÉS – Não os li, e acreditai-me que tenho mais dificuldade em
valorizar uma obra traduzida de qualquer outra língua que seja ao castelhano
do que à outra língua.
151
Antologia do Renascimento

MÁRCIO – Por quê?


VALDÉS – Porque, sendo que a maior parte da graça e elegância da
língua castelhana consiste em falar por metáforas, prendendo-se o que traduz
a não colocar mais do que acha escrito na língua de que traduz, possui
muitíssima dificuldade em dar ao castelhano a graça e o brilho que lhe daria
se escrevesse de sua cabeça. Porque se alguém traduz de Terêncio aquele Idne
estis auctores mihi? [Adelphoe, 939] não querendo afastar-se da letra terá que
dizer “Disto sois autores para mim?”, e assim não se entenderá o que o poeta
quis dizer; mas se escrevendo de sua cabeça quiser dizer aquele mesmo
pensamento dirá: “Isto aconselhais a mim?” e é o mesmo que sentiu o poeta,
embora se diga com outras palavras. E da mesma forma, se outro quiser
colocar em língua romance aquele O factum bene, beasti me [Andria, 105-
106], de Terêncio, diz “Oh como está bem feito! Tornaste-me bem
aventurado”, e não falará o castelhano próprio, nem expressará tão bem o que
o poeta quis dizer, como quando, não se preocupando com observar a palavra
mas o sentido, diz: “Que maravilha, deste-me a vida”.
MÁRCIO – Digo que isso me parece algo bastante considerado e muito
verdadeiro.
VALDÉS – Alegra-me que vos agrade.
TORRES – Pois eu me admiro muito de que digais que dos livros
traduzidos vos agradem somente esses dois, havendo tamanha multidão deles
muito bons, como são alguns devotos, as Epístolas e os Evangelhos do ano, os
Cartuxos, as Epístolas de Santa Catarina de Sena, São João de Clímaco, as
Vidas dos Padres, que São Jerônimo escreveu, e outros muitíssimos e
boníssimos; e profanos, como Tito Lívio, César, Valério Máximo, Quinto
Cúrcio, e outros desta qualidade.
VALDÉS – Por ventura eu não elogio nenhum desses porque não os li;
disso não vos deveis admirar, e fareis melhor deixando-me dizê-lo. Entre os
que escreveram de suas cabeças, comumente se tem por melhor estilo aquele
de quem escreveu os quatro livros de Amadís de Gaula: e penso que com
razão, embora em muitas partes apresente-se demasiadamente afetado, e em
outras muito descuidado; algumas vezes eleva o estilo ao céu, e outras o
rebaixa ao chão; mas alfim, assim aos quatro livros de Amadís, como aos de
Palmerín e Primaleón, que por algum respeito ganharam crédito comigo, terei
e julgarei sempre melhores que outros como Esplandián, Florisando,
Lisuarte, Cavallero de la Cruz, e ainda outros não menos mentirosos que
esses, Guarino Mezquino, La linda Melosina, Reinaldos de Montalván com a
Trapisonda, e Oliveros, chamado de Castilla, os quais além de serem
mentirosíssimos, são tão mal escritos, tanto por contar as mentiras muito sem-

152
Antologia do Renascimento

vergonhas, como por ter o estilo desbaratado, que não há estômago que
agüente lê-los.53
MÁRCIO – Vós os lestes?
VALDÉS – Claro que os li.
MÁRCIO – Todos?
VALDÉS – Todos.
MÁRCIO – Como é possível?
VALDÉS – Dez anos, os melhores de minha vida, que gastei em palácios
e cortes, não me dediquei a exercício mais virtuoso que a leitura destas
mentiras, nas quais sentia tanto prazer que me comia as mãos por causa delas.
Vede que coisa é ter o gosto estragado, tanto que se eu tomava nas mãos um
livro em latim, dos que foram traduzidos em romance e que são de
historiadores verdadeiros, ou ao menos são tidos como tais, não conseguia
terminar de lê-los.

[…]

Tradução:

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com

53
Este gênero literário em prosa, composto por “livros de cavalaria”, teve muito sucesso e popularidade na
Espanha e em Portugal no século XVI. Os quatro livros de Amadís de Gaula junto com Palmerín e
Primaleón – os preferidos por Valdés – estão entre os mais representativos deste gênero, os quais foram
seguidos por uma grande série, e constituirão a matéria da paródia de Cervantes: Don Quijote.
153
Antologia do Renascimento

Diálogo de la lengua (1535/6) (excerto)

Marcio – Valdés – Coriolano – Torres –

[…]

MARCIO – Confiesso que tenéis razón; pero, si avéis romançado alguna


cosa latina o italiana, bien creo avréis también hallado otros muchos vocablos,
aliende de los que avéis dicho, que os an puesto en aprieto, quiriendo esprimir
enteramente en castellano lo que sinifican en latín o italiano.
VALDÉS – Y aun porque cada lengua tiene sus vocablos propios, y sus
propias maneras de dezir, ay tanta dificultad en el traduzir bien de una lengua
en otra; lo qual yo no atribuigo a falta de la lengua en que se traduze, sino a la
abundancia de aquella de que se traduze; y assí unas cosas se dizen en una
lengua bien, que en otra no se pueden dezir assí bien; y en la mesma otra ay
otras que se digan mejor que en otra ninguna.
CORIOLANO – Esso sta muy bien dicho, y es assí en la verdad.
VALDÉS – Por esto es grande la temeridad de los que se ponen a
traduzir de una lengua en otra sin ser muy diestros en la una y en la otra.
MARCIO – Desta manera pocas cosas se traduzirían.
VALDÉS – Assí avría más personas que supiessen las lenguas
necessarias, como son la latina, la griega y la hebrea, en las quales sta escrito
todo quanto bueno ay que pertenezca assí a religión como a ciencia.
MARCIO – Hora sus, atajemos esta materia y tornemos a la nuestra,
otorgandôs primero estar bien dicho todo quanto avéis hasta aquí propuesto.
VALDÉS – Muchas gracias. […] Quanto a la prosa, digo que de los que
an romançado he leído poco, porque, como entiendo el latín y el italiano, no
curo de ir al romance. Desso poco que he leído me parece aver visto dos
librillos que me contentan assí en el estilo, el qual tengo por puro castellano,
como en el esprimir muy gentilmente y por muy propios vocablos castellanos
lo que hallavan escrito en latín. El uno déstos es Boecio de consolación, y
porque ay dos traduziones, parad mientes que la que yo os alabo es una que
tiene el metro en metro y la prosa en prosa, y sta dirigido al Conde de Ureña.
MARCIO – ¿Cómo se llama el autor?
VALDÉS – No me acuerdo, por mi fe; pero séos dezir que a mi ver era
hombre de bivo ingenio y claro juizio.

154
Antologia do Renascimento

TORRES – Dezidme, por vuestra fe, aunque sea fuera de propósito,


porque ha muchos días que lo desseo saber: ¿qué diferencia hazéis entre
ingenio y juizio?
VALDÉS – El ingenio halla qué dezir, y el juicio escoge lo mejor de lo
que el ingenio halla, y pónelo en el lugar que ha de star; de manera que de las
dos partes del orador, que son invención y disposición (que quiere dezir
ordenación), la primera se puede atribuir al ingenio, y la segunda al juizio.
TORRES – ¿Creéis que pueda aver alguno que tenga buen ingenio y sea
falto de juizio, o tenga buen juizio y sea falto de ingenio?
VALDÉS – Infinitos ay déssos; y aun de los que vos conocéis y platicáis
cada día os podría señalar algunos.
TORRES – ¿Quál tenéis por mayor falta en un hombre, la del ingenio o
la del juizio?
VALDÉS – Si yo uviesse de scoger, más querría con mediano ingenio
buen juizio, que con razonable juizio buen ingenio.
TORRES – ¿Por qué?
VALDÉS – Porque hombres de grandes ingenios son los que se pierden
en heregías y falsas opiniones, por falta de juizio. No ay tal joya en el hombre
como el buen juizio.
MARCIO – Dexáos desso, tornad a vuestros libros y dezid quál es el otro
romançado de latín que os contenta.
VALDÉS – El Enquiridión de Erasmo que romançó el Arcidiano del
Alcor, que a mi parecer puede competir con el latino quanto al estilo.
MARCIO – Si el estilo castellano no es mejor para castellano que el
latino para latino, poco hizo el que lo romançó.
VALDÉS – No es possible que vosotros concedáis que uno que no sea
italiano tenga buen estilo en latín.
MARCIO – ¿No avéis leído algún otro libro romançado que os contente?
VALDÉS – Si lo he leído, no me acuerdo.
MARCIO – Pues he oído dezir que el del Pelegrino y el del Cortesano
stan muy bien romançados.
VALDÉS – No los he leído, y creedme que tengo por mayor dificultad
dar buen lustre a una obra traduzida de otra qualquier lengua que sea en la
castellana, que en otra lengua ninguna.
MARCIO – ¿Por qué?

155
Antologia do Renascimento

VALDÉS – Porque, siendo assí que la mayor parte de la gracia y


gentileza de la lengua castellana consiste en hablar por metáforas, atándose el
que traduze a no poner más de lo que halla scrito en la lengua de que traduze,
tiene grandíssima dificultad en dar al castellano la gracia y lustre que
escriviendo de su cabeça le daría. Porque si uno traduze aquello de Terencio
idne estis auctores mihi? no quiriendo apartarse de la letra avrá de dezir
«¿Desto me sois autores?», y assí no se entenderá lo que el poeta quiso dezir;
pero si escriviendo de su cabeça querrá decir aquella mesma sentencia dirá:
«¿Esto me aconsejáis a mí?» y es lo mesmo que sintió el poeta, aunque se
dize por otra palabras. Y de la mesma manera, si otro querrá poner en
romance aquello mesmo de Terencio O factum bene, beasti me, dize «¡O
cómo sta hecho bien! asme hecho bien aventurado», no hablará el propio
castellano, ni esprimirá tan bien lo que el poeta quiso dezir como si, no
curando de mirar a la palabra, sino al sentido, dize: «Sta lo mejor del mundo,
asme dado la vida.»
MARCIO – Digo que me parece éssa una cosa muy bien considerada y
muy verdadera.
VALDÉS – Plázeme que os contente.
TORRES – Pues yo me maravillo mucho de vos que digáis que de los
libros romançados os contentan solamente essos dos, aviendo tanta
muchedumbre dellos muy buenos, como son: devotos, las Epístolas y
Evangelios del año, los Cartuxanos, las Epístolas de santa Catalina de Sena,
san Juan de Clímaco, las Vidas de los Padres que compuso san Gerónimo, y
otros muy muchos y muy buenos; y profanos, como Tito Livio, César, Valerio
Máximo, Quinto Curcio, y otros desta calidad.
VALDÉS – Por ventura yo no alabo ninguno déssos porque no los he
leído; por eso no os devéis maravillar, y haréis mejor en dexarme dezir. Entre
los que an escrito cosas de sus cabeças comúnmente se tiene por mejor estilo
el del que scrivió los quatro libros de Amadís de Gaula; y pienso que tienen
razón, bien que en muchas partes va demasiadamente afetado, y en otras muy
descuidado; unas vezes alça el estilo al cielo, y otras lo abaxa al suelo; pero al
fin, assí a los quatro libros de Amadís, como a los de Palmerín y Primaleón,
que por cierto respeto an ganado crédito conmigo, terné y juzgaré siempre por
mejores que essotros Esplandián, Florisando, Lisuarte, Cavallero de la Cruz,
y que a los otros no menos mentirosos que éstos, Guarino Mezquino, La linda
Melosina, Reinaldos de Montalván, con la Trapisonda, y Oliveros que es
intitulado de Castilla, los quales, demás de ser mentirosíssimos, son tan mal
compuestos, assí por dezir las mentiras muy desvergonçadas, como por tener
el estilo desbaratado, que no ay buen estómago que los pueda leer.
MARCIO – ¿Avéislos vos leído?
156
Antologia do Renascimento

VALDÉS – Sí que los he leído.


MARCIO – ¿Todos?
VALDÉS – Todos.
MARCIO – ¿Cómo es possible?
VALDÉS – Diez años, los mejores de mi vida, que gasté en palacios y
cortes, no me empleé en exercicio más virtuoso que en leer estas mentiras, en
las quales tomava tanto sabor que me comía las manos tras ellas. Y mirad qué
cosa es tener el gusto estragado, que si tomava en la mano un libro de los
romançados en latín que son de historiadores verdaderos, o a lo menos que
son tenidos por tales, no podía acabar conmigo de leerlos.

[…]

Fonte: Biblioteca Digital de Gramáticas Españolas


[http://gramaticas.iespana.es]. A presente edição está baseada na elaborada
por José F. Montesino, publicada por Espasa-Calpe em 1928.

157
Antologia do Renascimento

Étienne Dolet
(1509-1546)

ÉTIENNE DOLET, escritor, tradutor, poeta, é considerado epônimo e


patriarca da tradução francesa. Por causa de suas traduções, foi estrangulado e
queimado junto a seus livros, convertendo-se em um dos mártires do
Renascimento. Deixou inconcluso o projeto de um grande trabalho sobre a
língua francesa, o Orateur françoys, uma obra que, pretendia seu autor,
serviria para unificar a língua popular, e estimularia os escritores a utilizarem
a língua francesa em lugar do latim, servindo como uma propedêutica que
ensinasse a escrever bem, traduzir bem e falar bem. Nele, a tradução recebe o
status de co-formadora da cultura nacional ao oferecer na língua romance as
obras gregas e latinas tornadas literatura francesa em bom francês. Em 1540,
publicou apenas três das nove partes previstas, sendo uma delas La maniere
de bien tradvire d’vne langve en avltre. Este texto é o único programa formal
da teoria da tradução no Renascimento francês. Na estruturação e composição
de seu pentálogo, Dolet foi extremamente objetivo, sucinto e didático. Seus
preceitos partem do objeto a traduzir e seus requisitos (conhecimento do
autor, obra, tema e línguas), passam pelos meios a empregar e o tipo de
tradução mais recomendável (tradução ad sententiam e língua comum) e
chegam ao produto final com seus valores retórico-literários (harmonia do
discurso). Para Dolet, a tradução não pode ser literal, mas livre, criativa e
profunda. Não se trata apenas de traduzir o sentido de partida, ou de
reconstruí-lo de qualquer maneira, mas de harmonizar o conjunto para que
cada parte ocupe o lugar que lhe corresponda, de recriar o texto de partida
com correção e eloqüência.

MARC GOLDSTEIN (marc.goldstein@noos.fr) é Diretor de Projetos de


Informática do Banque de France. Assíduo freqüentador do Collège
International de Philosophie (Paris) e dos cafés-philo, criou uma página sobre
a Grécia Antiga (http://mapage.noos.fr/marcpage/philo1.htm) e um site de
filosofia, Le Philomane (http://mapage.noos.fr/mp2/philodido/). Apaixonado
pela língua francesa, elaborou em 1999 o BOF — Bréviaire d´Ortographe
Française (http://mapage.noos.fr/mp2/index.htm).

NÍCIA ADAN BONATTI (niciabonatti@uol.com.br) é professora nas


Faculdades Metropolitanasde Campinas (METROCAMP) e tradutora pública
e intérprete comercial do Estado de São Paulo. Graduada em Comunicações
Sociais pela PUC de Campinas e em Francês pela Université de Toulouse,
França, fez mestrado em Lingüística Aplicada (“A Brief History of Time, de
158
Antologia do Renascimento

Stephen Hawking: uma breve história da construção de sentidos em algumas


comunidades interpretativas”) e doutorado em Lingüística (“Entre o amor da
língua e o desejo: a tarefa sem fim do tradutor”), ambos sobre tradução, no
Instituto de Estudos da Linguagem (IEL/UNICAMP). É tradutora de várias
obras, dentre elas de J. Derrida, J. Baudrillard, J. Poulain, G. Genette, A.
Vanier e M. Plon.

159
Antologia do Renascimento

Como traduzir bem de uma língua a outra

Traduzir bem de uma língua a outra requer principalmente cinco coisas:


Em primeiro lugar, é preciso que o tradutor compreenda perfeitamente o
sentido e a matéria do autor de quem traduz, pois através dessa intelecção
jamais será obscuro em sua tradução, e se o autor a quem traduz não for
escabroso, poderá torná-lo fácil e inteiramente inteligível. Darei um exemplo
familiar disso. No primeiro livro das Questões Tusculanas [Tusculanae
disputationes I, 9] de Cícero, há a seguinte passagem latina: Animum autem
animam etiam fere nostri declarant nominari. Nam et agere animam, et
efflare dicimus: et animosos, et bene animatos: et ex animi sententia. Ipse
autem animus ab anima dictus est.54
Ao traduzir esta obra de Cícero, escrevi : “Quanto à diferença (eu disse)
das palavras, animus e anima, não é preciso nos determos, pois os modos de
dizer latinos que delas são deduzidos nos dão a entender que significam quase
a mesma coisa. E é certo que animus é dito de anima, e que anima é o órgão
de animus, como se você quisesse dizer serem a virtude e os instrumentos
vitais a origem do espírito e ser este um efeito da mesma virtude vital”. Diga-
me (você que entende latim), seria possível traduzir bem essa passagem sem
uma grande compreensão do sentido de Cícero? Ora, saiba pois que é
desejável e necessário a qualquer tradutor compreender perfeitamente o
sentido do autor que ele verte de uma língua a outra. E sem isso ele não pode
traduzir com segurança e fidelidade.
A segunda coisa requerida em tradução é que o tradutor tenha perfeito
conhecimento da língua do autor que ele traduz, e seja da mesma forma
excelente na língua em que se põe a traduzir. Assim não violará e nem
diminuirá a majestade de cada uma das línguas. Você acredita que se um
homem não dominar a língua latina e a francesa, poderá traduzir bem em
francês alguma oração de Cícero? Compreenda que cada língua tem suas
propriedades, expressões idiomáticas, locuções, sutilezas e veemências que
lhe são particulares. Se o tradutor as ignora, lesa o autor a quem traduz e
também a língua na qual o verte, pois não representa e não exprime a
dignidade e a riqueza dessas línguas que maneja.

54
A citação de Dolet do texto ciceroniano apresenta algumas variantes com relação às edições atuais de Cícero,
contudo, sem impedir a compreensão do conteúdo: animum autem alii animam, ut fere nostri, declarat nomen;
nam et agere animam et efflare dicimus et animosos et bene animatos et ex animi sententia; ipse autem animus
ab anima dictus est (The Loeb Classical Library, ed. por E. H. Warmington, Londres-Cambridge, Heinemann-
Harvard University, 1971). Dolet cita precisamente uma passagem de Cícero de difícil tradução retórico-literária
que dê conta do jogo de palavras latinas animus-anima e as expressões delas derivadas. E sua tradução é uma
verdadeira ‘interpretação’, um comentário que se baseia no sentido, ad sententiam. (N. do E.)
160
Antologia do Renascimento

O terceiro ponto é que, ao traduzir, ele não deve assujeitar-se ao ponto de


traduzir palavra por palavra. E se alguém o faz, isso lhe advém da pobreza e
da carência de espírito. Pois se tiver as qualidades acima mencionadas (as
necessárias a um bom tradutor), deter-se-á nas sentenças sem considerar a
ordem das palavras, e fará de tal forma que a intenção do autor será expressa,
conservando cuidadosamente a propriedade de cada língua. E, assim, é uma
grande superstição (diria mesmo imbecilidade ou ignorância) começar a
tradução pelo início do período; mas se, alterando a ordem das palavras, você
expressar a intenção daquele a quem traduz, ninguém poderá recriminá-lo.
Não quero calar aqui sobre a insanidade de alguns tradutores que, ao invés de
usufruírem da liberdade, se submetem à servidão. Isto quer dizer que são tão
estúpidos que se esforçam em restituir linha por linha, ou verso por verso.
Através desse erro, freqüentemente deturpam o sentido do autor que traduzem
e não exprimem a graça e a perfeição das duas línguas. Você se absterá
diligentemente desse vício, que não demonstra senão a ignorância do tradutor.
A quarta regra que quero dar aqui deve ser mais observada em línguas
não sistematizadas que em outras. Chamo de línguas ainda não sistematizadas
e reconhecidas aquelas como a francesa, a italiana, a espanhola, a da
Alemanha, a da Inglaterra, e outras vulgares. Se acontecer pois de você
traduzir algum livro latino para alguma delas (mesmo para a francesa), evite
usurpar palavras muito próximas do latim e pouco usadas no passado, e
contente-se com o comum, sem inovar nesciamente — e por curiosidade
repreensível — com certas expressões. Se alguns o fazem, não os siga nisso,
pois sua arrogância nada vale e não é tolerável entre eruditos. Não entenda,
com isso, que afirmo que o tradutor deva se abster totalmente de palavras que
estão fora do uso comum, pois sabemos bem que a língua grega ou a latina
são muito mais ricas em expressões que a francesa, o que nos obriga
freqüentemente a empregar palavras pouco usadas. Mas isso só se deve fazer
em caso de extrema necessidade. Por outro lado, bem sei que alguns poderiam
dizer que a maior parte das expressões da língua francesa é derivada da latina,
e que se nossos predecessores tiveram a autoridade de colocá-las em uso, os
modernos e os pósteros podem fazer o mesmo. Tudo isso pode ser debatido
entre tagarelas, mas o melhor a fazer é seguir a linguagem comum. Em meu
Orador francês tratarei desse ponto mais amplamente e com maior
argumentação.
Chegamos à quinta regra que um bom tradutor deve observar. Essa é de
tão grande valor que, sem ela, qualquer composição torna-se pesada e
desagradável. Mas em que consiste? Em nada além da observância da
harmonia do discurso, isto é, de um enlace e união das palavras com tal
suavidade que não somente a alma se satisfaça, mas também os ouvidos se
encantem e não se cansem jamais de uma tal harmonia de linguagem. Trato
161
Antologia do Renascimento

dela mais profusamente em meu Orador, portanto não me estenderei aqui em


observações. E uma vez mais advertirei o tradutor para que atente a isso, pois
sem a observância da harmonia não se pode ser excelente em nenhuma
composição, e sem ela as sentenças não podem ser graves e ter o peso
requerido e legítimo. Ou você pensa que basta possuir o termo próprio e
elegante sem haver uma boa junção entre as palavras? Digo-lhe que é como se
houvesse uma porção de diversas pedras preciosas mal ordenadas, as quais
não podem reluzir devido a uma colocação inadequada. Ou o mesmo que
vários instrumentos musicais mal tocados pelos musicistas, ignorantes da arte
e pouco versados nos tons e nos compassos da partitura. Em suma, é pouco o
esplendor das palavras se sua ordem e disposição não for a que lhes
corresponde. Nisso foi outrora estimado acima de todos o orador grego
Isócrates, e do mesmo modo Demóstenes. Entre os latinos, Marco Túlio
Cícero foi um grande observador da harmonia. Mas não pense que isso deve
ser mais observado pelos oradores que pelos historiógrafos. Mesmo que assim
fosse, você não encontrará César e Salústio menos harmoniosos que Cícero.
Conclui-se, pois, a esse respeito que, sem grande observância da harmonia um
autor não é nada, mas munido dela não pode deixar de destacar-se em
eloqüência, se do mesmo modo possuir propriedade na expressão,
profundidade nas sentenças, e sutileza na argumentação. Estes são os
requisitos de um orador perfeito e verdadeiramente coroado de toda glória de
eloqüência.

Tradução:

Nícia Adan Bonatti


niciabonatti@uol.com.br

Marc Goldstein
marc.goldstein@noos.fr

162
Antologia do Renascimento

La manière de bien traduire d’une langue en autre (1540)

La manière de bien traduire d’une langue en autre requiert


principalement cinq choses.
En premier lieu, il faut que le traducteur entende parfaitement le sens et
matière de l’auteur qu’il traduit, car par cette intelligence il ne sera jamais
obscur en sa traduction, et si l’auteur lequel il traduit est aucunement
scabreux, il le pourra rendre facile et du tout intelligible. Et de ce je te vais
bailler exemple familièrement. Dedans le premier livre des Questions
Tusculanes de Cicéron, il y a un tel passage latin: Animum autem animam
etiam fere nostri declarant nominari. Nam et agere animam, et efflare
dicimus: et animosos, et bene animatos: et ex animi sententia. Ipse autem
animus ab anima dictus est.
Traduisant cette oeuvre de Cicéron, j’ai parlé comme il s’ensuit: “Quant
à la différence (dis-je) de ces dictions, animus et anima, il ne s’y faut point
arrêter, car les façons de parler latines qui sont déduites de ces deux mots,
nous donnent à entendre qu’ils signifient presque une même chose. Et est
certain que animus est dit de anima, et que anima est l’organe de animus:
comme si tu voulais dire la vertu et instruments vitaux être origine de l’esprit,
et icelui esprit être un effet de la dite vertu vitale”. Dis-moi (toi qui entends
latin), était-il possible de bien traduire ce passage sans une grande intelligence
du sens de Cicéron? Or sache donc qu’il est besoin et nécessaire à tout
traducteur d’entendre parfaitement le sens de l’auteur qu’il tourne d’une
langue en autre. Et sans cela il ne peut traduire sûrement et fidèlement.
La seconde chose qui est requise en traduction, c’est que le traducteur ait
parfaite connaissance de la langue de l’auteur qu’il traduit, et soit
pareillement excellent en la langue en laquelle il se met à traduire. Par ainsi il
ne violera et n’amoindrira la majesté de l’une et l’autre langue. Cuides-tu que
si un homme n’est parfait en la langue latine et française, il puisse bien
traduire en français quelque oraison de Cicéron? Entends que chacune langue
a ses propriétés, translations en diction, locutions, subtilités et véhémences à
elle particulières. Lesquelles si le traducteur ignore, il fait tort à l’auteur qu’il
traduit, et aussi à la langue en laquelle il le tourne: car il ne représente et
n’exprime la dignité et richesse de ces deux langues desquelles il prend le
maniement.
Les tiers point est qu’en traduisant il ne se faut pas asservir jusque là que
l’on rende mot pour mot. Et si aucun le fait, cela lui procède de pauvreté et
défaut d’esprit. Car s’il a les qualités dessusdites (lesquelles il est besoin
d’être en un bon traducteur), sans avoir égard à l’ordre des mots il s’arrêtera
163
Antologia do Renascimento

aux sentences, et fera en sorte que l’intention de l’auteur sera exprimée,


gardant curieusement la propriété de l’une et l’autre langue. Et par ainsi c’est
superstition trop grande (dirai-je bêterie ou ignorance?) de commencer la
traduction au commencement de la clausule: mais si l’ordre des mots perverti
tu exprimes l’intention de celui que tu traduis, aucun ne t’en peut reprendre.
Je ne veux taire ici la folie d’aucuns traducteurs, lesquels au lieu de liberté se
soumettent à servitude. C’est à savoir, qu’ils sont si sots qu’ils s’efforcent de
rendre ligne pour ligne, ou vers pour vers. Par laquelle erreur ils dépravent
souvent le sens de l’auteur qu’ils traduisent, et n’expriment la grâce et
perfection de l’une et l’autre langue. Tu te garderas diligemment de ce vice,
qui ne démontre autre chose que l’ignorance du traducteur.
La quatrième règle que je veux bailler en cet endroit est plus à observer
en langues non réduites en art qu’en autres. J’appelle langues non réduites
encore en art certain et reçu, comme est la française, l’italienne, l’espagnole,
celle d’Allemagne, d’Angleterre, et autres vulgaires. S’il advient donc que tu
traduises quelque livre latin en icelles (mêmement en la française), il te faut
garder d’usurper mots trop approchants du latin et peu usités par le passé,
mais contente-toi du commun, sans innover aucunes dictions follement et par
curiosité répréhensible. Ce que si aucuns font, ne les ensuis en cela, car leur
arrogance ne vaut rien et n’est tolérable entre les gens savants. Pour cela
n’entends pas que je dise que le traducteur s’abstienne totalement de mots qui
sont hors de l’usage commun, car on sait bien que la langue grecque ou latine
est trop plus riche en dictions que la française. Qui nous contraint souvent
d’user de mots peu fréquentés. Mais cela se doit faire à l’extrême nécessité. Je
sais bien en outre qu’aucuns pourraient dire que la plupart des dictions de la
langue française est dérivée de la latine, et que si nos prédécesseurs ont eu
l’autorité de les mettre en usage, les modernes et postérieurs en peuvent
autant faire. Tout cela se peut débattre entre babillards, mais le meilleur est de
suivre le commun langage. En mon Orateur français je traiterai ce point plus
amplement, et avec plus grande démonstration.
Venons maintenant à la cinquième règle que doit observer un bon
traducteur. Laquelle est de si grande vertu, que sans elle toute composition est
lourde et malplaisante. Mais qu’est-ce qu’elle contient? Rien autre chose que
l’observation des nombres oratoires: c’est à savoir, une liaison et
assemblement des dictions avec telle douceur, que non seulement l’âme s’en
contente, mais aussi les oreilles en sont toutes râvies, et ne se fâchent jamais
d’une telle harmonie de langage. D’iceux nombres oratoires je parle plus
copieusement en mon Orateur, par quoi n’en ferai ici plus long discours. Et
derechef avertirai le traducteur d’y prendre garde, car sans l’observation des
nombres on ne peut être émerveillable en quelque composition que ce soit, et
sans iceux les sentences ne peuvent être graves et avoir leur poids requis et
164
Antologia do Renascimento

légitime. Car, penses-tu que ce soit assez d’avoir la diction propre et élégante,
sans une bonne copulation des mots? Je t’avise que c’est autant que d’un
monceau de diverses pierres précieuses mal ordonnées, lesquelles ne peuvent
avoir leur lustre à cause d’une collocation impertinente. Ou c’est autant que
de divers instruments musicaux mal conduits par les joueurs, ignorants de
l’art et peu connaissants les tons et mesures de la musique. En somme, c’est
peu de la splendeur des mots si l’ordre et collocation d’iceux n’est telle qu’il
appartient. En cela sur tous fut jadis estimé Isocrate, orateur grec, et
pareillement Démosthène. Entre les latins, Marc Tulle Cicéron a été grand
observateur des nombres. Mais ne pense pas que cela se doive plus observer
par les orateurs que par les historiographes. Et qu’ainsi soit, tu ne trouveras
César et Salluste moins nombreux que Cicéron. Conclusion quant à ce propos:
sans grande observation des nombres un auteur n’est rien, et avec iceux il ne
peut faillir à avoir bruit en éloquence, si pareillement il est propre en diction
et grave en sentences, et en argument subtil. Qui sont les points d’un orateur
parfait, et vraiment comblé de toute gloire d’éloquence.

Fonte: Estienne Dolet. La maniere de bien tradvire d’vne langve en avltre.


D’aduantage: De la punctuation de la langue Francoyse. Plus: Des accents
d’ycelle. Lyon: chez Dolet même, 1540.

165
Antologia do Renascimento

João de Barros
(1496-1570)

JOÃO DE BARROS, historiador, linguista, latinista, pedagogo, moralista,


buscando uma descrição gramatical do português e sua dignificação como
língua autônoma, publicou em 1540 a segunda Gramática da língua
portuguesa, que inclui também o Diálogo em louvor da nossa linguagem. Este
autor português é considerado o maior dos gramáticos e ‘proto-linguistas’ do
Renascimento português graças à riqueza de suas reflexões sobre o fenômeno
lingüístico como meio especial de comunicação humana. Por seus textos em
defesa da língua vernácula, João de Barros é atualmente incluído entre os
nomes que, no século XVI, na origem do nacionalismo, preconizaram o uso
das línguas vulgares ao latim, e trabalharam para a sistematização das novas
línguas européias, como Sperone Speroni (1500-1588), Juan de Valdés (1509-
1541), Joachim du Bellay (1522-1560). Motivos de louvor da nossa
linguagem portuguesa eram, então, segundo Barros, a riqueza vocabular; a
gravidade e a majestade; a sonoridade agradável; a capacidade de abstração; a
possibilidade de enriquecimento do vocabulário por meio de adoções e
adaptações, entre outros. Embora propagando que a filiação latina da língua
portuguesa e a conformidade desta com aquela constituem outros motivos de
louvor da nossa língua, não deixa de reconhecer a individualidade do
português em relação à língua-mãe, graças à sua versatilidade e capacidade de
expressão. O Diálogo também objetiva uma afirmação da individualidade da
língua portuguesa em relação à castelhana, aceitando, contudo, e integrando
neologismos provenientes de outras línguas. No Diálogo em louvor da nossa
linguagem, João de Barros palestra com um de seus dez filhos, e revela, no
excerto aqui reproduzido, uma concepção de tradução que enriquece a língua
de chegada, a respeita e pode torná-la literatura (aprazível ao ouvido).

MAURI FURLAN (maurizius@gmail.com), professor de Latim e Teoria da


Tradução no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC,
graduou-se em Jornalismo pela FACHA/RJ e em Letras-Alemão pela UFSC.
Em seu mestrado em Literatura (UFSC) abordou questões teóricas da tradução
da Ars poetica, de Horácio, e, no doutorado em Filologia Clássica pela
Universitat de Barcelona, Espanha, apresentou uma sistematização para as
reflexões sobre a tradução produzidas no Renascimento.

166
Antologia do Renascimento

Diálogo em louvor da nossa língua (excerto)

Pai – Filho

[…]

Filho: A língua portuguesa, quando esmorecer por falta de verbo ou


nome que compreenda sucintamente alguma coisa, poderá formar algum
vocábulo aprazível ao ouvido, sem precisar falar por rodeios, como fazem
alguns?
Pai: Sim, porque a licença que Horácio, em sua Arte poética, dá aos
latinos para comporem vocábulos novos, conquanto saiam da fonte grega,
essa poderemos tomar, se os derivarmos da latina.
Filho: Logo, por essa maneira, nos faremos copiosos de vocábulos e,
aceitos usualmente, tornar-se-ão tão próprios como são os latinos que ora
temos – que se tomaram por esse modo.
Pai: Eu não falo naqueles vocábulos latinos de que a Espanha tomou
posse antigamente; mas, agora, em nossos tempos, com a ajuda da impressão,
deu-se tanto a gente castelhana e italiana e francesa às trasladações latinas,
usurpando vocábulos, que os fez mais elegantes ora do que foram há
cinqüenta anos. Este exercício, se nós o usássemos, já teríamos conquistada a
língua latina, como temos a África e a Ásia, à conquista das quais nos demos
mais que às trasladações latinas. E o sinal desta verdade é que não somente
temos vitória nestas regiões, mas ainda lhes tomamos muitos vocábulos: como
podemos ver em todos os que começam em "al" e em "xa", e os que acabam
em "z", os quais são mouriscos. E, agora, da conquista da Ásia, tomamos
"chatinar" por "mercadejar", "veniaga" por "mercadoria", "lascarim" por
"soldado”, "zumbaia" por "mesura" e "cortesia", e outros vocábulos que são já
tão naturais na boca dos homens que naquelas partes andaram, como seu
próprio português. Assim que, podemos usar de alguns termos latinos que o
ouvido bem receba, porque ele julga a linguagem e a música, e é censor de
ambas. E, consentindo-os um dia, ficarão perpetuamente.
Filho: Poderão todos os que sabem latim tomar esta licença para derivar
vocábulos dele a nós?
Pai: Não são todos licenciados para isso. E os que o forem, o serão em
alguns vocábulos que a natureza da nossa linguagem aceite. Porque – a meu
juízo – tão mau parece um vocábulo latino que nos foi mal derivado como
algumas palavras que achamos em escrituras antigas, as quais o tempo deixou

167
Antologia do Renascimento

esquecer. A mim, muito me contentam os termos que se conformam com o


latim, embora sejam antigos: cá destes devemo-nos muito prezar, quando
acharmos não serem tão corruptos que sua menção lhes faça perder a
autoridade. E não somente dos que achamos nas escrituras antigas, mas de
muitos que se usam entre o Douro e o Minho, conservadores da semente
portuguesa, os quais alguns indoutos desprezam, por não saberem a raiz de
onde provêm.

Atualização:

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com

168
Antologia do Renascimento

Diálogo em lovvor da nóssa lingvágem (1540) (excerto)

Pái – Filho

[…]

F(ilho) - A língua portuguesa, onde desfaleçer com vérbo ou nome que


comprenda em bréve alg~ua cousa, poderá formár algum vérbo aprazível à
orelha, sem falár per rodeo, como essoutros fázem?
P(ái) - Si, porque a liçença que Horáçio, em a sua Árte Poética, (Horatius
in Arte Poetica) dá aos latinos pera compoerem vocábulos nóvos, contanto
que saiam da fonte grega, éssa poderemos tomár, se ôs derivármos da latina.
F(ilho) - Lógo, per essa maneira nos faremos copiósos de vocábulos e,
reçebidos em uso, ficar-nos-ám tam próprios como sam os latinos que óra
temos, que se tomáram per esse módo.
P(ái) - Eu nam fálo em latinos, de que Espanha tem tomádo pósse
antiguamente. Mas agóra, em nósso tempos, com ajuda da empressám, deu-se
tanto a gente castelhana e italiana e françesa às treladações latinas, usurpando
vocábulos, que ôs fez máis elegantes do que foram óra [h]á çincoenta anos.
Este exerçíçio, se ô nós usáramos, já tivéramos conquistáda a língua latina,
como temos África e Ásia, à conquista das quáes nos máis demos que às
treladações latinas. E o sinál désta verdáde, é que, nam sòmente temos vitória
déstas pártes, mas ainda tomámos muitos vocábulos, como podemos ver em
todolos que coméçam em ál e em xá, e os que acábam em z, os quáes sam
mouriscos. E agóra, da conquista de Ásia, tomámos chatinar por mercadejar;
beniága por mercadoria; lascarim por hómem de guérra; çumbáia por mesura
e cortesia, e outros vocábulos que sam já tam naturáes na boca dos hómens
que naquélas pártes andáram, como o seu próprio português. Assi, que
podemos usár d`alguns termos latinos que a orelha bem reçeba, porque éla
julga a linguágem e música, e é çensor d'ambas; e, como ôs consintir um dia,
ficarám perpètuamente.
F(ilho) - Poderám todos ôs que sábem latim tomár ésta liçença pera
dirivár vocábulos dele a nós?
P(ái) - Nam sam todos para isso liçençiádos, e ôs que ô forem, será em
alguns vocábulos que a natureza da nóssa linguágem aceite, porque - a meu
juizo - tam mál paréçe um vocábulo latino mál derivádo a nós, como alg~uas
palávras que achamos per escrituras antigas, as quáes o tempo leixou
esqueçer. A mi, muito me contentam os termos que se confórmam com o

169
Antologia do Renascimento

latim, dádo que sejam antigos, cá destes nos devemos muito prezár, quando
nam achármos serem tam correctos, que este labéo lhe[s] fáça perder sua
autoridáde. Nam sòmente ôs que achamos per escrituras antigas, mas muitos
que se usam Antre Douro e Minho, conservador da semente portuguesa, os
quáes alguns indoutos desprézam, por nam saberem a raiz donde náçem.

Fonte: João de Barros. Gramática da língua portuguesa.


Cartinha, gramática, diálogo em louvor da nossa linguagem e diálogo da
viviosa vergonha. Ed. M.L.C. Buescu. Lisboa, Fac. de Letras da Univ. de
Lisboa, 1971.

170
Antologia do Renascimento

Sperone Speroni
(1500-1588)

SPERONE SPERONI (1500-1588), artista, médico, filósofo, literato,


publicou em 1542, em Veneza, uma série de Dialoghi (Dell'invenzione,
Dell'amore, Della discordia, Della vita attiva e contemplativa, Della retorica,
etc.), dentre os quais encontra-se o célebre Delle lingue. No Diálogo das
línguas, Sperone retoma e desenvolve algumas proposições de Bembo, de sua
Prose della vulgar lingua (1525), mas acentua alguns elementos distintos aos
de Bembo. A questão central diz respeito ao embate entre os defensores das
línguas clássicas e os das vulgares, relativo às suas finalidades, naturezas,
propriedades, etc. É este texto que se transformará em fonte das polêmicas
dos poetas da Pléiade em defesa do vernáculo francês, inspirando o Defénse
et illustration de la langue française, de Du Bellay. O Diálogo das línguas
reconstrói uma discussão provavelmente acontecida muitos anos antes entre
Pietro Bembo (1470-1547) – um dos maiores expoentes italianos defensores
da língua e literatura em vernáculo –, Lazzaro Bonamico (1478-1552) –
professor de grego e latim, é, no Diálogo, representante da tese humanista
sobre a pureza das línguas antigas com relação ao vulgar –, e dois
personagens anônimos, qualificados com os nomes de Cortesão e Estudante.
A certa altura do Diálogo, a discussão chega a um ponto em que permanece
sem apreciação, quando intervém o Estudante, que, mediante um recurso
usado para ampliar a cena dialógica no sentido diacrônico, conduz a uma
conversação acontecida anteriormente entre Pietro Pomponazzi (Peretto)
(1462-1525) – representante do aristotelismo heterodoxo – e Giano Lascaris
(1445-1534) – defensor da perspectiva humanística da complementariedade e
indissociabilidade entre as coisas (res) e as palavras (verba). Sperone pertence
a um grupo de humanistas italianos que, ao mesmo tempo em que defendem a
língua e a literatura vernáculas, opõem-se à tradução das línguas clássicas ao
vulgar. Na Base dessa dicotomia está a tentativa de recuperar os estudos
humanísticos da degeneração formalista. Para Sperone, defender o vulgar não
significa abrir mão da retórica entendida como a disciplina que,
platonicamente, tem que induzir à verdade e não somente à beleza,
recuperando para ela uma insubstituível função formativa. Para entender
melhor o quadro histórico do diálogo é útil lembrar que o veneziano Bembo,
aplicando o princípio humanístico da imitação ao vulgar, define a língua
literária ideal para a Itália na base da imitação do Decameron de Boccaccio
para a prosa e do Canzoniere de Petrarca para a poesia, ou seja a língua
escrita para a literatura por dois florentinos de dois séculos antes. Essa é a
posição historicamente vencedora no debate, graças ao potencial normativo
171
Antologia do Renascimento

(todo mundo podia alcançar esse ideal simplesmente estudando dois livros) e
à aliança com o maior editor da época, Aldo Manunzio. As duas posições
alternativas mais importantes são a teoria cortesã, forte em área lombarda (ou
seja, na época, setentrional), defendida, entre outros pelo vicentino Trissino e
pelo mantuano Castiglione (que escreveu o Cortegiano), e a teoria
florentinista. A primeira defende que o italiano deveria se conformar aos usos
lingüísticos dos intelectuais das várias cortes (ou seja os cortesãos), com uma
clara marca social e sem uma escolha geográfica; a segunda defende a língua
realmente usada em Florença na época, considerando como morta a língua
proposta pelo Bembo. Dita dicotomia é, pois, explicada, grosso modo, pelo
perigo que, ao assimilar elementos estrangeiros, as traduções representavam
para a formação de uma língua vulgar que se queria fosse moderna e derivada
da tradição da língua popular. Daí que, na primeira fase do humanismo
italiano, não foi a tradução, mas a imitação que se tornou a favorita.

ANDRÉIA GUERINI (andreia.guerini@gmail.com) é professora de literatura


do curso de italiano do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras
da UFSC, atuando igualmente nas Pós-graduções em Literatura e Estudos da
Tradução, onde ensina teoria, crítica, teoria literária e história da tradução.
Doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina com a
tese A poética de Leopardi: gênero e tradução no Zibaldone de Pensieri. É
editora-chefe da revista Cadernos de Tradução e tem publicado regularmente
artigos sobre tradução e literatura italiana.

ANNA PALMA (floripalma@yahoo.it) é doutoranda em Teoria Literária no


Programa de Pós-graduação em Literatura da UFSC e vem pesquisando sobre
as traduções brasileiras na Itália, com especial enfoque para as traduções de
Machado de Assis em italiano. Atualmente, tem se dedicado a organizar e
traduzir uma antologia dos contos de Machado de Assis para o italiano.

MAURI FURLAN (maurizius@gmail.com), professor de Latim e Teoria da


Tradução no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC,
graduou-se em Jornalismo pela FACHA/RJ e em Letras-Alemão pela UFSC.
Em seu mestrado em Literatura (UFSC) abordou questões teóricas da tradução
da Ars poetica, de Horácio, e, no doutorado em Filologia Clássica pela
Universitat de Barcelona, Espanha, apresentou uma sistematização para as
reflexões sobre a tradução produzidas no Renascimento.

TOMMASO RASO (tommaso.raso@gmail.com) é professor de Lingüística


Aplicada na UFMG. Lecionou Lingüística Italiana na Universidade de Veneza
de 1996 a 2005, na UCLA, onde obteve o título de Candidate of Philosophy, e
em Nápoles, onde doutorou-se em Filologia Moderna. Foi professor visitante
172
Antologia do Renascimento

e/ou convidado na Espanha, no Brasil e na Venezuela, além de várias


universidades italianas. As principais áreas em que publicou são a história
lingüística do Renascimento e da Idade Média (em particular a edição crítica
de um texto bilíngüe latim-abrucês do século XV e ensaios sobre as técnicas
de tradução medieval), a história lingüística da região italiana dos Abruzzi e,
nos últimos anos, a presença italiana no Brasil, a erosão lingüística e a escrita
profissional (tema sobre o qual publicou um manual pela editora Zanichelli de
Bologna e vários artigos). Seu último livro, publicado em Roma, é La
scrittura burocratica.

173
Antologia do Renascimento

Diálogo das línguas (excerto)

Interlocutores –
Bembo – Lázaro – Cortesão – Estudante – Lascari – Peretto

CORTESÃO: Parece-me, monsenhor, que temeis falar mal da língua


latina, como se ela fosse a língua do vosso Santo de Pádua, à qual conforma-
se tanto que, como aquela foi de alguém já vivo, cuja santidade é a razão pela
qual agora, colocada em um tabernáculo de cristal, é adorada pelas pessoas,
assim esta digna relíquia de Roma, império do mundo, deteriorado e
corrompido há muito tempo, embora hoje se cale fria e seca como nunca, é
contudo idolatrada por algumas poucas pessoas supersticiosas, que não
consideram cristão aquele que não a adora como a um deus. Adorai-a, pois,
segundo o vosso juízo, contato que não a faleis; e querendo utilizá-la, assim
morta como está, seja-vos lícito poder fazê-lo; mas falai entre vós doutos as
vossas palavras latinas mortas, e deixai-nos falar em paz a nós ignorantes as
nossas vernáculas vivas, com a língua que Deus nos deu.
BEMBO: Devíeis, para compará-la adequadamente à língua de algum
santo, acrescentar quão dignos e preciosos tabernáculos são-lhe os discursos
de Cícero e os versos de Virgílio, por isso a ela, como a algo bendito,
reverenciamos e nos ajoelhamos. Mas certamente nem uma nem outra
merecia ser considerada morta, pois que proporcionam ainda agora a nossos
corpos e almas uma salvação, a outra vigor. Com tudo isso, louvo sumamente
a nossa língua vulgar, isto é, a toscana, de maneira que ninguém entenda
vulgar da Itália toda. Falo da toscana, não da moderna que hoje o povo usa,
mas a antiga, a qual tão suavemente falaram Petrarca e Boccaccio, porque a
língua de Dante é influenciada muito e freqüentemente mais pelo lombardo
que pelo toscano, e onde é toscana, é mais toscana do interior que da cidade.
Por isso é dela que eu falo, ela que louvo, ela que vos persuado a aprender.
Embora não tenha alcançado sua perfeição completa, já chegou tão perto que
falta pouco para isso acontecer. E quando tal suceder, não duvido nada que,
como acontece na grega e na latina, produzirá a virtude de fazer alguém viver
brilhantemente mesmo depois de sua morte. E então sim veremos
construírem-lhe não só tabernáculos, mas também muitos templos e altares, a
cuja visitação concorrerão, de todas as partes do mundo, brigadas de espíritos
peregrinos, que lhe farão votos e por ela serão concedidos.
CORTESÃO: Então, se eu quiser escrever bem em vernáculo, convém
que eu volte a nascer toscano?

174
Antologia do Renascimento

BEMBO: Nascer não, mas estudar toscano. Porque é melhor nascer


casualmente lombardo que florentino, pois que o costume de falar toscano
hoje é tão contrário às regras da boa fala toscana, que é mais nocivo que
proveitoso para alguém ter nascido naquela província.
CORTESÃO: Então, uma mesma pessoa não pode ser toscana por
natureza e por arte?
BEMBO: Com certeza, difícil, uma vez que o uso, que por duração de
tempo quase se transforma em natureza, é completamente diferente da arte.
Por isso, como quem é judeu ou herege raras vezes se torna um bom cristão, e
acredita mais em Cristo quem em nada acreditava quando foi batizado, assim
qualquer um não nascido toscano pode aprender melhor a boa língua toscana
que aquele que, desde criança, sempre falou desregradamente toscano.
CORTESÃO: Eu, que nem nasci nem nunca estudei toscano, mal posso
responder às vossas palavras. Contudo, parece-me convergir mais com vosso
Boccaccio o falar florentino moderno que o bergamasco. Pelo que, a um
homem nascido em Milão poderia muito bem ser que, sem nunca ter falado à
maneira lombarda, aprendesse melhor as regras da boa língua toscana, o que
não faria o florentino por nascimento. Mas que se nasça e fale lombardo hoje,
e amanhã de manhã se fale e escreva regularmente toscano melhor e mais
facilmente que o próprio toscano, não me entra na cabeça. Se assim fosse nos
tempos antigos, para falar bem grego e latim, melhor teria sido nascer
espanhol do que romano, e macedônio do que ateniense.
BEMBO: Isto não, porque as línguas grega e latina no seu tempo eram
igualmente puras em cada pessoa, e não contaminadas pelas barbáries das
outras línguas, e falava-se tão bem entre o povo nas praças, como discutia-se
entre os doutos em suas escolas. Assim, lê-se sobre Teofrasto, um dos lumes
da eloqüência grega, que, encontrando-se em Atenas, foi considerado
estrangeiro por uma pobre mulher de condado, quando o escutou.
CORTESÃO: Eu pessoalmente não sei como isso é possível, mas digo-
vos que, devendo estudar para saber alguma língua, prefiro antes aprender a
latina e a grega do que a vulgar, a qual fico contente de tê-la trazido comigo
do berço e das fraldas, sem buscá-la de outro modo, seja na prosa, seja nos
versos dos autores toscanos.
BEMBO: Assim sendo, escrevereis e falareis de maneira natural, e não
racionalmente; pois que a Itália não possui nenhuma outra língua bem regrada
a não ser esta de que falo.
CORTESÃO: Pelo menos direi aquilo que tiver no coração, e o esforço
que eu dispensaria em adquirir palavrinhas disto e daquilo, investi-lo-ei em
encontrar e dispor as concepções da minha alma, da qual procede a vida da
175
Antologia do Renascimento

escrita. Pois considero ruim que, para expressarmos nossas concepções,


utilizemos a língua toscana ou a latina, que aprendemos e exercitamos não
discutindo entre nós os nossos assuntos mas lendo a outros. Algo que nos
nossos dias pode-se ver claramente em um jovem paduano de nobilíssimo
engenho, o qual, embora às vezes, com muito esforço que despenda,
componha alguma coisa à maneira de Petrarca e seja elogiado pelas pessoas,
seus sonetos e seus poemas contudo não são comparáveis às suas comédias, as
quais, em sua língua materna, parecem sair naturalmente de sua boca e sem
ajuda de qualquer técnica. Não digo porém que se deva escrever em paduano
ou em bergamasco, mas quero muito que, de todas as línguas da Itália,
possamos acolher palavras e algum modo de dizer, usando-os como nos
agrade, de tal modo que o nome não discorde do verbo, nem o adjetivo do
substantivo. Esta regra de falar pode-se aprender em três dias, não entre
gramáticos nas escolas mas nas cortes com os cavalheiros, não estudando mas
brincando e rindo sem cansaço, e com deleite dos discípulos e dos
preceptores.
BEMBO: Bom seria, se esta forma de estudo bastasse para alguém fazer
algo digno de louvor e de admiração. Mas seria algo fácil demais tornar-se
eterno pela fama, e o número dos bons e louvados escritores, em pouco
tempo, ficaria muito maior do que é. Convém, meu caro cavalheiro, em
querendo estar nas mãos e na boca das pessoas do mundo, permanecer
sentado muito tempo em seu quarto, e àquele que, morto em si mesmo, deseja
viver na memória dos homens, suar e gelar muitas vezes mais, e enquanto
outros comem e dormem à vontade, passar fome e velar.
CORTESÃO: Com tudo isso, ainda assim não seria algo fácil conquistar
a glória, pois que é necessário mais do que saber falar. Que dizeis, senhor
Lázaro? Por mim, fico feliz, contentando-se o monsenhor, de que vossa
sentença ponha fim às nossas contendas.
LÁZARO: Isso não farei, porque gostaria que os defensores da língua
vernácula discordassem sempre entre si, a fim de que tais dissensões civis
mais facilmente a levassem à ruína, como acontece com os reinos divididos.
CORTESÃO: Então, ajudai-me contra a opinião do monsenhor, movido
não somente pelo amor à verdade, a qual deveis amar e reverenciar acima de
tudo, mas também pelo ódio que tendes por esta língua vernácula, porque
vencendo-o, vencereis o melhor defensor da língua vulgar, que tenha, hoje em
dia, a sua dignidade; pois que, do seu julgamento, o mundo toma os
argumentos para aprendê-la e utilizá-la.
LÁZARO: Combatei pois entre vós dois, a fim de que, com aquelas
mesmas armas com que obrais contra a latina e a grega, seja a vossa língua
vulgar ferida e se extinga.
176
Antologia do Renascimento

CORTESÃO: Monsenhor, nem a vós seria glorioso vencer-me, débil


combatente e já cansado da batalha travada antes com o senhor Lázaro, nem a
mim causaria vergonha ser ajudado por outro em contra de vossa autoridade e
doutrina, por ambas quais sou tão fortemente combatido que não reconheço
qual a maior. Porque, não querendo o senhor Lázaro conjurar comigo para
defender-me, peço-vos, senhor estudante, que com tão longo silêncio e tão
atentamente nos escutastes, que, possuindo alguma arma com a qual possais
ajudar-me, ficai contente de poder sacá-la por mim; pois que não sendo esta
luta mortal, podeis nela entrar sem medo, tomando parte no lado que mais vos
agrade, ainda que devêsseis antes agregar-se à minha, onde sois requerido e
onde é glorioso ser vencido por tão digno adversário.
ESTUDANTE: Cavalheiro, até agora não falei porque não sabia o que
dizer, não sendo minha profissão o estudo das línguas; mas escutei com
prazer, desejoso e esperançoso de aprender. Então, tendo que combater em
defesa de alguma sentença vossa, e não podendo ajudar-vos, aconselho-vos
que combatais sem mim. Porque é melhor para vós combater só, que
acompanhado por uma pessoa que, sem experiência com as armas, cedendo
no começo da batalha, vos possa dar razão para temer e vos fazer fugir.
CORTESÃO: Com tudo isso, se me podeis ajudar – pois acredito que
não possa ser de outro modo, tendo sido tão atento ao nosso litígio –, ajudai-
me, que vos estou pedindo. A menos que desdenheis tal querela como algo vil
e de tão pouco valor que não vos digneis entrar em campo conosco.
ESTUDANTE: Como não me dignarei falar de matéria, de que Bembo
agora e antes Peretto, meu preceptor, junto com o senhor Lascari, com não
menor sabedoria que elegância, arrazoou sobre? Dignar-me-ia demais, se
soubesse, mas sei tão pouco de todas as coisas e nada das línguas; de forma
que da língua grega conheço apenas as letras e da latina aprendi tão somente o
suficiente para entender os livros de filosofia de Aristóteles, os quais, pelo
que ouvi dizer pelo senhor Lázaro, não são latinos mas bárbaros. Da vulgar
não falo, que de tais linguagens nunca soube, nem nunca curei de saber, salvo
o meu paduano, do qual, depois do leite da ama, foi-me o povo o mestre.
CORTESÃO: No entanto haverá de convir-vos falar, ainda que apenas
daquilo que aprendestes de Peretto e de Lascari, os quais tão sabiamente,
como dizeis, falaram sobre esta matéria.
ESTUDANTE: Poucas coisas, das infinitas que a tal matéria pertencem,
pode aprender em um dia quem não as escuta para aprender, pensando que
não necessita aprendê-las.
BEMBO: Contai ao menos o pouco que vos ficou na memória, que me
será caro ouvi-lo.
177
Antologia do Renascimento

LÁZARO: Com prazer nesse caso ouvirei expor a opinião do meu mestre
Peretto, o qual, embora não soubesse nenhuma outra língua além da
mantuana, contudo como homem de bom senso e acostumado a equivocar-se
raras vezes, pode ter dito alguma coisa com Lascari, que me agradará ouvi-la.
Peço-vos pois que, se de nada vos lembrais, não vos seja molesto relatar-me
alguma coisa da sua argumentação passada.
ESTUDANTE: Assim seja feito, pois que vos agrada; que prefiro antes
ser considerado ignorante, dizendo algo que não conheço, que descortês,
refutando aqueles pedidos que para mim devem ser mandamentos. Mas seja
isso feito sob a condição de que, como não me é uma honra relatar-vos as
doutas argumentações dos outros, assim calar alguma palavra, que desde
então me tenha fugido da memória, não me seja imputado como vergonha.
CORTESÃO: Subscrevo qualquer condição, contanto que faleis.
ESTUDANTE: A última vez que o senhor Lascari veio da França para a
Itália, estando em Bolonha, onde gostava de morar, e visitando-o Peretto,
como costumava fazer, num dia entre outros, tendo se demorado com ele, o
senhor Lascari lhe perguntou:
LASCARI: Vossa excelência, meu caro mestre Piero, que ledes este ano?
PERETTO: Meu senhor, leio os quatro livros dos Meteoros de
Aristóteles.
LASCARI: Por certo uma boa leitura é a vossa, mas e quanto aos
expositores?
PERETTO: Dos latinos não tenho muitos, mas um amigo meu me cedeu
um de Alexandre.55
LASCARI: Boa escolha fizestes, porque Alexandre é Aristóteles depois
de Aristóteles. Mas eu não sabia que conhecíeis a língua grega.
PERETTO: Eu o tenho em latim, não em grego.
LASCARI: Pouco desfrutais então.
PERETTO: Por quê?
LASCARI: Porque eu creio que Alexandre de Afrodísias, em grego, é
muito diferente de si mesmo uma vez que tenha sido traduzido ao latim, como
é um vivo de um morto.
PERETTO: Isto poderia ser que fosse verdade, mas eu não fazia
distinção, antes pensava que tanto me serviria a leitura latina como a

55
Alexandre de Afrodísias (séc. II d.C.), o mais importante dos primeiros comentadores de Aristóteles.
Conservaram-se alguns de seus comentários, em grego. (N. do E.)
178
Antologia do Renascimento

vernácula, se na vernácula se encontrasse Alexandre, como aos gregos a


grega, e com esta esperança comecei a estudá-lo.
LASCARI: Verdade é que é melhor tê-lo em latim do que não tê-lo
absolutamente. Mas por certo vossa erudição seria duplamente maior e melhor
do que é, se Aristóteles e Alexandre fossem lidos por vós na língua em que
um escreveu e o outro expôs.
PERETTO: Por que razão?
LASCARI: Porque mais facilmente e com maior elegância de palavras
seus conceitos são expressos por ele em sua língua que na de outros.
PERETTO: Diríeis talvez a verdade se eu fosse grego assim como
Aristóteles o foi de nascimento. Mas que um homem lombardo estude grego
para se tornar filósofo mais facilmente, parece-me algo não razoável, aliás
não conveniente, não diminuindo em nada mas duplicando-se o trabalho do
aprender. Por isso que melhor e mais rapidamente aprende o estudante lógica
somente ou somente filosofia do que dedicando-se à gramática, especialmente
à grega.
LASCARI: Por esta mesma razão não deveríeis aprender nem latim nem
grego, mas somente o vernáculo mantuano, e com ele filosofar.
PERETTO: Quisesse Deus, a serviço de quem virá depois de mim, que a
todos os livros de todas as ciências, sejam gregos, latinos ou hebraicos,
alguma douta e piedosa pessoa se dispusesse a traduzi-los ao vernáculo.
Talvez os bons filosofantes seriam em número muito maior do que o são em
nossos dias, e sua excelência seria mais rara.
LASCARI: Ou eu não vos entendo ou falais com ironia.
PERETTO: Antes falo para dizer a verdade, e como um homem amante
da honra dos Italianos; pois se a injúria dos nossos tempos, tanto passados
como presentes, quiser privar-me desta graça, guarde-me Deus de ser tão
cheio ou corroído pela inveja a ponto de desejar privar disso a quem nascer
depois de mim.
LASCARI: Com prazer escutar-vos-ei, se tiverdes vontade de provar-me
esta nova afirmação, que não a entendo, nem a julgo inteligível.
PERETTO: Dizei-me primeiramente, por que é que os homens deste
tempo geralmente são em todas as ciências menos doutos e de menor apreço
como não foram os antigos? Algo que é contra a natureza, considerando que
muito melhor e mais facilmente pode-se acrescentar alguma coisa à doutrina
encontrada que encontrá-la por si mesmo.
LASCARI: Que mais pode-se dizer, se não que vamos de mal a pior?

179
Antologia do Renascimento

PERETTO: É verdade, mas as razões são muitas, entre as quais há uma


que ouso dizer a principal: que nós modernos vivemos muito tempo em vão,
desperdiçando a melhor parte de nossos anos, algo que não acontecia aos
antigos. E para discernir minha fala, apresento a firme convicção de que o
estudo da língua grega e latina é a razão da ignorância, porque se o tempo que
com elas perdemos fosse gasto aprendendo filosofia, por ventura a idade
moderna geraria aqueles Platões e Aristóteles que a antiga produzia. Mas
somos mais vazios que as canas, quase arrependidos de termos deixado o
berço e tornado-nos homens; voltando novamente a ser crianças, não fazemos
outra coisa durante dez a vinte anos de vida que aprender a falar um o latim,
outro o grego e alguém – como queira Deus –, o toscano. Acabados aqueles
anos, e com eles acabados aquele vigor e aquela prontidão, que a juventude
naturalmente costuma dar ao intelecto, procuramos então tornar-nos filósofos,
quando já não estamos aptos à especulação das coisas. Por isso, seguindo o
julgamento alheio, não vem a ser outra coisa esta filosofia moderna que o
retrato daquela antiga. Porém assim como o retrato que, embora feito por um
pintor muito habilidoso, não pode ser em tudo similar à ideia, assim nós,
ainda que, talvez, quanto à grandeza de espírito, não sejamos inferiores aos
antigos, somos tanto menores em doutrina quanto longo foi o tempo em que
estivemos desviados atrás das histórias das palavras. Finalmente imitamos no
filosofar aqueles que nosso trabalho deve superar acrescentando alguma coisa.
LASCARI: Então, se o estudo das duas línguas prejudica tanto como
dizeis, o que se deve fazer? Abandoná-lo?
PERETTO: Agora, não, que não se poderia, pois que as artes e as
ciências dos homens estão, no presente, nas mãos dos latinos e dos gregos;
mas devemos fazê-lo para o futuro, que cada coisa possa falar em todo o
mundo todas as línguas.
LASCARI: Como, mestre Piero, o que estais dizendo? Então teríeis
coragem de filosofar em vernáculo? E sem ter conhecimento da língua grega e
latina?
PERETTO: Sim, monsenhor, desde que se traduzissem em italiano os
autores gregos e latinos.
LASCARI: Transladar Aristóteles da língua grega à lombarda seria como
transplantar uma laranjeira ou uma oliveira de uma horta bem cultivada para
um bosque espinhoso. Além do que as coisas de filosofia são peso para outras
costas que aquelas desta língua vernácula.
PERETTO: Tenho por certo que as línguas de todos os países, tanto a
árabe e a indiana como a romana e a ateniense, possuem um mesmo valor e
foram formadas por mortais com uma intenção e para uma finalidade. E eu
180
Antologia do Renascimento

não gostaria de que falásseis delas como de algo produzido pela natureza,
uma vez que são feitas e regradas pelo artifício das pessoas por beneplácito
delas, e não plantadas nem semeadas; usamo-las, pois, como testemunhos de
nosso espírito, representando entre nós as concepções do intelecto. Por isso,
ainda que todas as coisas criadas pela natureza e as ciências delas sejam uma
mesma nos quatro cantos do mundo, porque homens diferentes têm anseios
diferentes, escrevem e falam diferentemente. Esta diferença e confusão dos
anseios mortais é dignamente chamada torre de Babel. Portanto as línguas não
nascem por si mesmas, como as árvores ou as ervas, algumas débeis e frágeis
na sua espécie, outras saudáveis e robustas e melhor aptas a carregar o peso
de nossas concepções humanas; mas toda sua virtude vem ao mundo por
vontade dos mortais. Por isso, assim como, sem mudar de cultura ou de nação,
o francês e o inglês, e não somente o grego e o latim, podem dar-se a
filosofar, assim acredito que a língua nativa pode comunicar a sua doutrina a
outros. Portanto, traduzindo-se aos nossos dias a filosofia, semeada por nosso
Aristóteles nos bons campos de Atenas, da língua grega à vulgar, não seria
jogá-la entre pedras, em meio a bosques, onde se faria estéril, mas tornar-se-ia
de distante próxima, e de forasteira, que é, cidadã de todas as províncias.
Talvez, da mesma forma como algum mercador traz, para nossa utilidade,
especiarias e outras coisas orientais da Índia para a Itália, onde por ventura
são melhor conhecidas e tratadas do que são lá por eles, que além-mar as
semearam e colheram, semelhantemente, as especulações de nosso Aristóteles
se nos tornariam mais familiares do que agora são, e ser-nos-iam mais
facilmente compreendidas, se algum douto homem as traduzisse do grego ao
vulgar.
LASCARI: Línguas diferentes estão aptas a representar concepções
diferentes, umas as concepções dos doutos, outras as dos ignaros. A grega
realmente condiz tanto com as ciências que a própria natureza e não a
intenção humana parece que a criou para representar os significados daquelas.
E se não me quiserdes crer, crede ao menos em Platão, quando fala sobre ela
em seu Crátilo, com que pode-se dizer que, assim como a luz está para as
cores, está para as disciplinas a língua grega: sem sua luz, nada poderia ver
nosso entendimento humano, que dormiria numa eterna noite de ignorância.
PERETTO: Prefiro antes acreditar em Aristóteles e na verdade de que
nenhuma língua do mundo, seja qual for, pode ter por si só o privilégio de
significar as concepções da nossa alma, mas que tudo consiste no arbítrio das
pessoas. De forma que quem quiser falar de filosofia com palavras mantuanas
ou milanesas não poderá ser refutado com mais razão de que lhe seja refutado
o direito de filosofar e entender a causa das coisas. Verdade é que, pelo fato
de o mundo não ter o costume de falar de filosofia se não em grego ou em
latim, logo acreditamos que não se possa fazê-lo de outra maneira; e por isso
181
Antologia do Renascimento

acontece que nosso tempo fala e escreve em vulgar somente de coisas vis e
banais. Mas assim como, por reverência, tocamos os corpos e as relíquias de
santos, não com as mãos, mas com alguma varinha, também colocamo-nos a
significar os sagrados mistérios da divina filosofia mais com as letras das
línguas de outros que com a viva voz desta nossa moderna, cujo erro,
conhecido por muitos, ninguém ousa reprovar. Mas tempos virão, talvez
dentro de poucos anos, em que alguma boa pessoa não menos ousada que
engenhosa assumirá esta empreitada e, para favorecer ao povo, não curando
do ódio nem da inveja dos literatos, passará de outras línguas à nossa as jóias
e os frutos das ciências, as quais agora não degustamos nem conhecemos
perfeitamente.
LASCARI: Na verdade, nem de fama nem de glória cuidará quem quiser
tomar a empresa de levar a filosofia da língua de Atenas à lombarda, porque
tal trabalho a ele trará aborrecimento e repreensão.
PERETTO: Aborrecimento, sim, pela novidade da coisa, mas não
repreensão, como acreditais, porque por um que fale mal dela por primeiro,
milhares e milhares de outros pouco depois louvarão e bendirão o seu esforço,
acontecendo-lhe assim como aconteceu a Jesus Cristo, que, escolhendo
morrer para a salvação dos homens, foi primeiramente escarnecido,
condenado e crucificado por alguns hipócritas, e agora é finalmente
reverenciado e adorado por quem o reconhece como Deus e nosso Salvador.
LASCARI: Tanto falastes deste vosso bom homem que de pequeno
mercador o tornastes um messias, o qual, queira Deus que se pareça àquele
que os Judeus ainda esperam, a fim de que uma heresia tão vil não desgaste
nunca a filosofia de Aristóteles durante algum tempo. Mas se tendes, com
efeito, tão estranha opinião, por que não vos tornais em nosso tempo o
redentor desta língua vulgar?
PERETTO: Porque tarde conheci a verdade e no tempo em que a força
do intelecto não é igual à do querer.
LASCARI: Que Deus assim me ajude, como creio que estais zombando;
salvo se, como fazem os maliciosos, não condenais comigo aquilo que não
podeis obter.
PERETTO: Monsenhor, as razões antes aduzidas por mim não são de
pouco peso que as deva apresentar-vos com gracejos, e o conhecimento das
línguas não é algo tão difícil que um homem de memória abaixo da média e
sem engenho nenhum não as possa aprender, considerando que Cícero e
Demóstenes costumavam falar eloqüentemente não apenas aos atenienses e
romanos sábios, mas também aos insensatos, e eram entendidos por eles.
Certamente despendemos miseravelmente anos e qüinqüênios em aprender
182
Antologia do Renascimento

aquelas duas línguas, não pela grandeza do objeto mas somente porque nos
dirigimos ao estudo das palavras contra a inclinação natural de nosso espírito
humano, o qual, desejoso de deter-se no conhecimento das coisas a fim de
aperfeiçoar-se, não se contenta de ser reconduzido a outro lugar, onde,
adornando a língua com palavrinhas e futilidades, permaneça a nossa mente
vã. Da contrariedade, pois, que todavia existe entre a natureza da alma e o
costume de nosso estudo depende a dificuldade do conhecimento das línguas,
digna verdadeiramente não de inveja mas de ódio, não de trabalho mas de
fastio, e finalmente digna de ser repreendida mas não aprendida pelas pessoas,
assim como algo que não é alimento mas sonho e sombra do verdadeiro
alimento do espírito.
LASCARI: Enquanto faláveis assim, eu imaginava estar vendo a
filosofia de Aristóteles escrita em língua lombarda, e ouvir falar dela entre
todo tipo de gente plebéia, carregadores, campesinos, barqueiros e outras
pessoas tais, com certos sons e certos acentos, os mais repulsivos e os mais
estranhos que já ouvi em minha vida. Neste meio detinha-se defronte a mim a
mãe filosofia, vestida muito pobremente de romanholo, chorando e
lamentando-se de Aristóteles que, desprezando a sua excelência, a tinha
levado àquele estado, e ameaçava de não querer mais permanecer na terra já
que tão bela honra lhe prestavam por suas obras. Ele, desculpando-se com ela,
negava tê-la jamais ofendido, tendo-a sempre amado e louvado, e não menos
que honrosamente ter escrito ou falado sobre ela enquanto esteve vivo, ele
que tinha nascido e morrido grego, não bresciano nem bergamasco, e mentiria
quem dissesse o contrário. Gostaria que tivésseis estado presente à esta visão.
PERETTO: E eu, se tivesse estado ali, teria dito que a filosofia não
deveria sofrer, porque todos os homens, em todos os lugares, com todas as
línguas exaltavam o seu valor. E isto se dá antes para sua glória que para sua
vergonha, que se ela não se indigna de habitar nos espíritos lombardos,
tampouco deve indignar-se de ser tratada pela língua deles. Que a Índia, a
Sitia e o Egito, onde ela habitava com prazer, produziram pessoas e palavras
mais estranhas e bárbaras do que são agora as mantovanas e as bolonhesas.
Que o estudo da língua grega e latina quase a expulsou do nosso mundo,
enquanto que o homem, não cuidando de saber o que se diz, acostuma-se a
aprender a falar futilmente e, deixando o espírito dormir, desperta e usa sua
língua. Que a natureza, em todos os tempos, em todas as províncias e em
todos os hábitos, é sempre uma mesma coisa, e assim como realiza com
prazer suas artes por todo o mundo, assim na terra como no céu, e estando
atenta à produção das criaturas racionais, não se esquece das irracionais, e,
com igual habilidade, gera a nós e aos animais selvagens, também é digna de
ser conhecida e louvada igualmente por homens ricos e pobres, por nobres e
plebeus, em todas as línguas, seja a grega, a latina, a judaica ou a lombarda.
183
Antologia do Renascimento

Que os pássaros, os peixes e os outros animais terrestres de todas as espécies,


ora com um som, ora com outro, sem distinção de palavras, manifestam seus
afetos. Muito melhor, pois, devemos fazê-lo nós, homens, cada um com sua
língua, sem recorrer à de outros. Que as escrituras e as linguagens foram
inventadas não para para a salvação dela, a qual – porque é divina – não
necessita de nossa ajuda, mas somente para nossa utilidade e comodidade, a
fim de que ausentes, presentes, vivos e mortos, manifestando uns aos outros
os segredos do coração, mais facilmente alcancemos a nossa própria
felicidade, que está depositada no entendimento das doutrinas, e não no som
das palavras, e que, por conseguinte, nós, mortais, devemos usar a língua e a
escrita que aprendemos com mais facilidade. E que assim como teria sido
melhor – se tivesse sido possível – haver uma só linguagem, que fosse
naturalmente usada pelos homens, também agora seria melhor que o homem
escrevesse e refletisse sobre a maneira que menos se afasta da natureza. E esta
maneira de refletir aprendemo-la quando recém-nascidos, no tempo em que
não estamos aptos a aprender outra coisa. E igualmente teria dito a meu
mestre Aristóteles, cuja elegância de sua oração pouco me preocuparia se seus
livros tivessem sido escritos sem razão. Que a natureza o adotou como filho,
não por ter nascido em Atenas, mas por ter bem elevadamente entendido,
falado e escrito sobre ela. Que a verdade encontrada por ele, a disposição e a
ordem das coisas, a gravidade e a brevidade do falar lhe são próprias e não de
outro, e não se podem mudar com a mudança de língua. Que apenas o seu
nome, se estivesse desacompanhado da razão, seria, a meu ver, de muito
pouca autoridade. Que se ele, depois de ter sido traduzido ao lombardo,
quisesse ser Aristóteles, dependeria apenas dele. Que nós, mortais destes
tempos, temos como tão preciosos seus livros traduzidos em outra língua,
assim como os tiveram os gregos enquanto os estudavam em grego. E que
tentamos entendê-los com toda indústria para nos tornarmos uma dia não
atenienses, mas filósofos. E com esta resposta teria me despedido dele.
LASCARI: Dizei, pois, e desejai o que quiserdes, mas espero que em
vossos dias não vejais Aristóteles vulgarizado.
PERETTO: Por isso me condôo da mísera condição destes tempos
modernos, nos quais se estuda não para ser mas para parecer sábio, porque lá
onde só há um único caminho da razão, em qualquer língua que seja, que nos
pode conduzir ao conhecimento da verdade, uma vez deixado de lado esse
caminho, metemo-nos na estrada, que de fato nos distancia do nosso objetivo
tanto quanto a outros parece que nos aproxima; porque acreditamos saber
bastante alguma coisa quando, sem conhecer sua natureza, podemos dizer de
que forma a nomeava Cícero, Plínio, Lucrécio e Virgílio entre os escritores
latinos, e entre os gregos Platão, Aristóteles, Demóstenes e Ésquines, e a
partir das simples palavrinhas deles os homens destes tempos fundamentam
184
Antologia do Renascimento

suas artes e ciências, de tal forma que, ao dizerem língua grega e latina
parecem dizer língua divina, e que sozinha a língua vulgar seja uma língua
inumana, privada em tudo do discurso do intelecto. Talvez apenas pela razão
de que esta aprendêmo-la desde crianças e sem esforço, enquanto que às
outras convertemo-nos com muito cuidado, como a línguas que julgamos
adequarem-se mais às doutrinas do que as palavras da eucaristia e do batismo
a seus dois sacramentos. E esta opinião tola está tão arraigada nas almas dos
mortais que muitos acreditam que, para tornarem-se filósofos, basta saber
escrever e ler em grego e nada mais, como se o espírito de Aristóteles, qual
duende num cristal, estivesse encerrado no alfabeto grego, e com ele fosse
obrigado a entrar no intelecto deles para torná-los profetas. Com relação a
isso, já vi muitos, em meus dias, tão arrogantes que, absolutamente privados
de qualquer ciência, confiando unicamente no conhecimento da língua,
tiveram a ousadia de apropriar-se de seus livros explicado-os publicamente, a
exemplo de outros livros de humanidade. Assim que, para eles, traduzir ao
vulgar as doutrinas da Grécia parecia trabalho perdido, tanto pela indignidade
da língua como pela limitação dos termos, dentro dos quais está encerrada a
Itália com a sua língua, estimando vã a empresa do escrever e do falar de
forma que não o entendam os estudiosos do mundo todo. Mas aquilo que não
vi, espero possa ver – seja quando for – quem nascer depois de mim, e num
tempo em que as pessoas, certamente mais sábias, porém menos ambiciosas
que as atuais, dignar-se-ão de serem louvadas em sua pátria, sem se
preocuparem de que a Alemanha ou outro país estrangeiro tenha seus nomes
reverenciados. Pois, se as formas das palavras, pelas quais os futuros filósofos
pensarão e escreverão sobre as ciências, forem comum à plebe, o intelecto e o
sentimento deles serão próprios dos amantes e estudiosos das doutrinas que
têm seu lugar não nas línguas, mas nas almas dos mortais.
ESTUDANTE: O senhor Lascari já se preparava para a resposta quando
chegou uma brigada de cavalheiros que vinham visitá-lo, tendo sido pois
interrompido por eles o razoamento que havia começado; pelo que, despedido
um o outro com a promessa de tornar outra vez, Peretto e eu partimos.
CORTESÃO: Tão bem me defendestes com as armas do mestre Peretto
que, apropriar-me das vossas, seria algo desnecessário. Por isso, ainda que
fosse vossa profissão falar sobre esta matéria, contento-me que vos caleis. E
pelo auxílio a mim prestado, em parte pela autoridade de tão digno filósofo,
em parte pelas razões anteditas, rendo-vos infinitas graças, e prometo-vos
que, para fugir ao fastio do aprender a falar com as línguas dos mortos,
seguindo o conselho do mestre Peretto, assim como nasci quero viver romano,
falar romano e escrever romano. E a vós, senhor Lázaro, como a uma pessoa
de outra opinião, vaticino que em vão tentais restabelecer vossa língua latina
de seu longo exílio na Itália e, depois de sua total ruína, soerguê-la do chão.
185
Antologia do Renascimento

Porque, se quando ela começava a cair não houve um homem que a pudesse
sustentar, e qualquer um que se opusesse à sua ruína foi, como Polidamante,56
oprimido pelo peso, agora que ela jaz completamente, vencida tanto pela
ruína como pelo tempo, que atleta ou gigante poderia vangloriar-se de elevá-
la? Não me parece, olhando vossos escritos, que queríeis prová-la,
considerando que o vosso escrever latino não é mais que um andar recolhendo
num autor e noutro ora um nome, ora um verbo, ora um advérbio de sua
língua; e se, fazendo-o, esperais – quase como um novo Esculápio57 –, ao
juntar esses fragmentos, poder fazê-la ressuscitar, equivocai-vos, não vos
apercebendo que no cair de tão soberbo edifício uma parte tornou-se pó e
outra rompeu-se em vários pedaços, e que querer unificá-los seria algo
impossível; além do que, muitas são as outras partes que, permanecendo sob
os escombros ou roubadas pelo tempo, não são achadas por ninguém. De
forma que, se refizerdes a fábrica, será menor e menos firme do que antes era,
e conseguindo restitui-la à sua primeira grandeza, nunca será verdade que lhe
teríeis dado a forma que antigamente lhe deram aqueles primeiros bons
arquitetos, quando a fabricaram nova. Porque onde costumava estar a sala,
fareis os quartos, equivocar-vos-eis quanto ao lugar das portas, alterareis a
posição das janelas, uma alta, outra baixa; ressurgirão suas muralhas, todas
firmes e inteiras, no lugar de onde inicialmente o palácio recebia a claridade,
e em outro lugar adentro entrará, com a luz do sol, alguma rajada de vento
infesto, que deixará malsão o aposento. Por fim será um milagre,
sobrepassando a providência humana, poder refazê-la igual ou similar àquela
antiga, uma vez que faltou a ideia, de onde o mundo tomou o modelo para
edificá-la. Pelo que vos aconselho a deixar a empresa de querer tornar-vos
singular entre outros homens, trabalhando em vão, sem proveito para vós e
para outros.
LÁZARO: Perdoai-me, cavalheiro, não considerastes bastante as
palavras de meu mestre Peretto, que não somente não se recusava, como vós
fazeis, a aprender grego e latim; antes lamentava-se de ser forçado a fazê-lo,
almejando um tempo em que, sem o auxílio daquelas línguas, o povo possa
estudar e aperfeiçoar-se em todas as ciências. Uma opinião que eu não louvo,
nem desprezo, porque aquilo não posso, isto não quero. Somente digo que ela
não foi bem entendida por vós, e, portanto, vossa deliberação não procederá
nem da autoridade nem dos arrazoados feitos, mas do vosso desejo, o qual
56
Polidamante, famoso atleta da Tessália e o homem de maior estatura já visto nos tempos heróicos.
Extremamente confiante de sua força após inúmeras demonstrações, pereceu quando, um dia, descansando
numa gruta, a rocha começou a romper-se, e ele, não querendo fugir do local, acreditando que poderia
sustentar as pedras com suas mãos, foi soterrado. (N. do E.)
57
Esculápio, forma latina do nome grego Asclépios. Filho de Apolo e Coronis, aprendeu com o centauro
Quêiron a arte da medicina. Desenvolveu-se tanto nesta arte que passou a ressuscitar os mortos. Atendendo
a súplicas de Ártemis, ele ressuscitou Hipólitos, favorito da deusa. Zeus, encolerizado com sua interferência,
matou Asclépios com um raio. (N. do E.)
186
Antologia do Renascimento

podeis seguir quanto vos agrade, que o mesmo farei eu do meu. Porque se a
viagem que eu tenho é mais longa e cansativa que a vossa, não será por
ventura tão vazia, e, ao final de minha jornada, conduzir-me-á são, ainda que
cansado, a uma boa hospedaria.
BEMBO: O senhor Lázaro diz a verdade, e acrescento que Peretto
naquela hora, assim me parece, discutiu sobre as línguas, respeitando a
filosofia e outras ciências similares. Porque, considerando que sua opinião
seja verdadeira, e tão bem pudesse filosofar o campesino como o cavalheiro, o
lombardo como o romano, não é em todas as línguas, porém, que se pode
poetizar e discursar, já que entre elas uma é mais ou é menos dotada dos
ornamentos da prosa e do verso que a outra. Isto discutimos antes, sem fazer
menção das doutrinas, e como então assim vos disse, digo-vos novamente
que, se alguma vez tiverdes vontade de compor ou poemas ou novelas à vossa
maneira, ou seja, em uma língua diferente da toscana, e sem imitar Petrarca
ou Boccaccio, talvez chegueis a ser um bom cortesão, mas jamais poeta ou
orador. Pelo que se falará de vós e sereis conhecido pelo mundo afora
enquanto viverdes, mas não mais, uma vez que a vossa língua romana tem a
virtude de tornar-vos antes gracioso que honorável.

Tradução:

Andréia Guerini
andreia.guerini@gmail.com

Anna Palma
floripalma@yahoo.it

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com

Tommaso Raso
tommaso.raso@gmail.com

187
Antologia do Renascimento

Dialogo delle lingue (1542)(excerto)

Interlocutori –
Bembo – Lazaro – Cortegiano – Scolare – Lascari – Peretto

CORTEGIANO. Parmi, Monsignor, che così temiate di dir male della


lingua latina, come se ella fosse la lingua del vostro Santo da Padova; alla
quale è di tanto conforme che, come quella fu di persona già viva, la cui
santità è cagione che ora, posta in un tabernacolo di cristallo, sia dalle genti
adorata, così questa degna reliquia del capo del mondo Roma, guasto e
corrotto già molto tempo, quantunque oggimai fredda e secca si taccia,
nondimeno fatta idolo d’alcune poche e superstiziose persone, colui da loro
non è cristiano tenuto, che non l’adora per dio. Ma adoratela a vostro senno,
solo che non parliate con esso lei; e volendo tenerla in bocca, così morta come
è, siavi lecito di poterlo fare; ma parlate tra voi dotti le vostre morte latine
parole, e a noi idioti le nostre vive volgari, con la lingua che Dio ci diede,
lasciate in pace parlare.
BEMBO. Dovevate, per agguagliarla compitamente alla lingua di
qualche santo, soggiungere qualmente l’orazioni di Cicerone e i versi di
Virgilio le sono degni e preziosissimi tabernacoli; onde lei come cosa beata
riveriamo e inchiniamo. Ma per certo né l’una né l’altra non meritava che la
teneste per morta, operando tutt’ora ne’ corpi nostri e nell’anime quella
salute, questa virtute. Con tutto ciò lodo sommamente la nostra lingua
volgare, cioè toscana; accioché non sia alcuno che intenda della volgare di
tutta Italia: toscana dico, non la moderna che usa il vulgo oggidì, ma l’antica,
onde sì dolcemente parlorno il Petrarca e il Boccaccio; ché la lingua di Dante
sente bene e spesso più del lombardo che del toscano; e ove è toscano, è più
tosto toscano di contado che di città. Dunque di quella parlo, quella lodo,
quella vi persuado apparare; quantunque ella non sia giunta alla sua vera
perfezzione, ella nondimeno le è già venuta sì presso che poco tempo vi è a
volgere: ove poi che arrivata sarà, non dubito punto che, quale è nella greca e
nella latina, tale fia in lei virtù di far vivere altrui mirabilmente dopo la morte.
E allora sì le vedremo noi fare di molti, non tabernacoli, ma tempii e altari,
alla cui visitazione concorrerà da tutte le parti del mondo brigata di spiriti
pellegrini, che le faranno lor voti e saranno esauditi da lei.
CORTEGIANO. Dunque, se io vorrò bene scrivere volgarmente,
converrami tornare a nascer toscano?

188
Antologia do Renascimento

BEMBO. Nascer no, ma studiar toscano; ché egli è meglio per aventura
nascer lombardo che fiorentino, peroché l’uso del parlar tosco oggidì è tanto
contrario alle regole della buona toscana, che più noce altrui l’esser natio di
quella provincia, che non gli giova.
CORTEGIANO. Dunque, una persona medesma non può esser tosca per
natura e per arte?
BEMBO. Difficilmente per certo; essendo l’usanza, che per lunghezza di
tempo è quasi convertita in natura, diversa in tutto dall’arte. Onde, come chi è
giudeo o eretico, rade volte diviene buon cristiano, e più crede in Cristo chi
nulla credeva quando fu battezzato; così qualunche non è nato toscano può
meglio imparare la buona lingua toscana, che colui non fa, il quale da
fanciullo in su sempremai parlò perversamente toscano.
CORTEGIANO. Io, che mai non nacqui né studiai toscano, male posso
rispondere alle vostre parole; nondimeno a me pare che più si convenga col
vostro Boccaccio il parlar fiorentino moderno, che non fa il bergamasco.
Onde egli potrebbe esser molto bene che uomo nato in Melano, senza aver
mai parlato alla maniera lombarda, meglio apprendesse le regole della buona
lingua toscana, che non farebbe il fiorentino per patria; ma che egli nasca e
parle lombardo oggidì e diman da mattina parle e scriva regolatamente
toscano meglio e più facilmente del toscano medesimo, non mi può entrare
nel capo; altramente al tempo antico, per bene parlare greco e latino, sarebbe
stato meglio nascere spagnolo che romano, e macedone che ateniese.
BEMBO. Questo no, perché la lingua greca e latina a lor tempo erano
egualmente in ogni persona pure e non contaminate dalla barbarie dell’altre
lingue, e così bene si parlava dal popolo per le piazze come tra’ dotti nelle lor
scole si ragionava. Onde egli si legge di Teofrasto, che fu l’un de’ lumi della
greca eloquenzia, essendo in Atene, alle parole essere stato giudicato
forestiere da una povera feminetta di contado.
CORTEGIANO. Io per me non so come si stia questa cosa; ma sì vi dico
che, dovendo studiare in apprendere alcuna lingua, più tosto voglio imparar la
latina e la greca che la volgar; la quale mi con tento d’aver portato con esso
meco dalla cuna e dalle fasce, senza cercarla altramente, quando tra le prose,
quando tra’ versi degli auttori toscani.
BEMBO. Così facendo, voi scriverete e parlarete a caso, non per ragione;
peroché niuna altra lingua ben regolata ha l’Italia, se non quell’una di cui vi
parlo.
CORTEGIANO. Almeno dirò quello che io averò in core; e lo studio che
io porrei in infilzar parolette di questo e di quello, sì lo porrò in trovare e
disporre i concetti dell’animo mio, onde si deriva la vita della scrittura; ché
189
Antologia do Renascimento

male giudico potersi usare da noi altri a significare i nostri concetti quella
lingua, tosca o latina che ella si sia, la quale impariamo e essercitiamo non
ragionando tra noi i nostri accidenti, ma leggendo gli altrui. Questo a’ dì
nostri chiaramente si vede in un giovane padovano di nobilissimo ingegno, il
quale, benché talora con molto studio che egli vi mette, alcuna cosa
componga alla maniera del Petrarca e sia lodato dalle persone, nondimeno
non sono da pareggiare i sonetti e le canzon di lui alle sue comedie, le quali
nella sua lingua natia naturalmente e da niuna arte aiutate par che e’ gli
eschino della bocca. Non dico però che uomo scriva né padovano né
bergamasco, ma voglio bene che di tutte le lingue d’Italia possiamo accogliere
parole e alcun modo di dire, quello usando come a noi piace, sì fattamente che
‘l nome non si discordi dal verbo, né l’adiettivo dal sostantivo: la qual regola
di parlare si può imparare in tre giorni, non tra’ grammatici nelle scole ma
nelle corti co’ gentiluomini, non istudiando ma giuocando e ridendo senza
alcuna fatica, e con diletto de’ discepoli e de’ precettori.
BEMBO. Bene starebbe, se questa guisa di studio bastasse altrui a far
cosa degna di laude e di meraviglia; ma egli sarebbe troppo leggera cosa il
farsi eterno per fama, e il numero de’ buoni e lodati scrittori in piccol tempo
diventerebbe molto maggiore, che egli non è. Bisogna, gentiluomo mio caro,
volendo andar per le mani e per le bocche delle persone del mondo, lungo
tempo sedersi nella sua camera; e chi, morto in sé stesso, disia di viver nella
memoria degli uomini, sudare e agghiacciar più volte, e quando altri mangia e
dorme a suo agio, patir fame e vegghiare.
CORTEGIANO. Con tutto ciò non sarebbe facil cosa il divenir glorioso,
ove altro bisogna che saper favellare. Che ne dite voi, messer Lazaro? Io per
me son contento, contentandosi Monsignore, che la vostra sentenza ponga
fine alle nostre liti.
LAZARO. Cotesto non farò io, ché io vorrei che i difensori di questa
lingua volgare fossero discordi tra loro, acciò che quella, a guisa di regno
partito, più agevolmente rovinassero le dissensioni civili.
CORTEGIANO. Dunque, aiutatemi contra all’oppenion di Monsignore,
mosso non solamente dall’amor della verità, la quale dovete amare e riverire
sopra ogni cosa, ma dall’odio che voi portate a questa lingua volgare, ché,
vincendolo, vincerete il miglior difensore della lingua volgare, che abbia
oggidì la sua dignità; dal giudicio del quale prende il mondo argumento
d’impararla e usarla.
LAZARO. Combattete pur tra voi due, acciò che con quelle armi
medesme, che voi oprate contra la latina e la greca, la vostra lingua volgare si
ferisca e si estingua.

190
Antologia do Renascimento

CORTEGIANO. Monsignore, né a voi sarebbe gloria vincer me, debole


combattitore e già stanco nella battaglia dianzi avuta con messer Lazaro, né a
me fia vergogna l’essere aiutato d’altrui incontra all’auttorità e dottrina
vostra, le quali ambedue insieme mi danno guerra sì fattamente ch’io non
conosco qual più. Per che, non volendo messer Lazaro congiurar con esso
meco a difendermi, prego voi, signore Scolare, che con sì lungo silenzio e sì
attentamente ci avete ascoltati, che, avendo alcuna arme con la quale voi mi
possiate aiutare, siate contento di trarla fuori per me; ché, poi che questa
pugna non è mortale, potete entrarvi senza paura, aecostandovi a quella parte
che più vi piace, benché più tosto vi dovete accostare alla mia, ove sete
richiesto e ove è gloria l’esser vinto da così degno avversario.
SCOLARE. Gentiluomo, io non parlai fin ora, peroché io non sapea che
mi dire, non essendo mia professione lo studio delle lingue; ma volentieri
ascoltai bramando e sperando pur d’imparare. Dunque, avendo a combattere
in difesa d’alcuna vostra sentenza, non vi possendo aiutare, io vi consiglio che
senza me combattiate; ché egl’ è meglio per voi il combatter solo, che da
persona accompagnato, la quale come inesperta dell’armi, cedendo in sul
principio della battaglia, vi dia cagione di temere e farvi dare al fuggire.
CORTEGIANO. Con tutto ciò, se mi potete aiutare, che appena credo
che sia altramente, sendo stato sì attento al nostro contrasto, aiutatemi, ché io
ve ne prego; salvo se non sprezzate tal quistione come vil cosa e di sì poco
valore che non degniate di entrare in campo con esso noi.
SCOLARE. Come non degnarei di parlar di materia, di che il Bembo al
presente e altra volta il Peretto, mio precettore, insieme con messer Lascari
con non minor sapienzia che eleganzia ne ragionò? Troppo mi degnarei, se io
sapessi, ma d’ogni cosa io so poco e delle lingue niente; come quello che
della greca conosco appena le lettere e della lingua latina tanto solamente
imparai quanto bastasse per farmi intendere i libri di filosofia d’Aristotele; li
quali, per quello che io n’oda dire da messer Lazaro, non sono latini ma
barbari; della volgare non parlo, ché di sì fatti linguaggi mai non seppi, né
mai curai di sapere, salvo il mio padovano, del quale, dopo il latte della
nutrice, mi fu il vulgo maestro.
CORTEGIANO. Pur a voi converrà di parlar, se non altro quello almeno
che n’apparaste dal Peretto e dal Lascari, li quali così saviamente (come voi
dite) parlarono intorno a questa materia.
SCOLARE. Poche cose, delle infinite che a tal materia partengono, pò
imparare in un giorno chi non le ascolta per imparare, pensando che non
bisogni impararle.

191
Antologia do Renascimento

BEMBO. Ditene almeno quel poco che vi rimase nella memoria, ché a
me fie caro l’intenderlo.
LAZARO. Volentieri in tal caso udirò recitare l’oppenione del mio
maestro Peretto; il quale, avvegna che niuna lingua sapesse dalla mantovana
infuori, nondimeno come uomo giudizioso e uso rade volte a ingannarsi, ne
può aver detto alcuna cosa col Lascari, che l’ascoltarla mi piacerà. Pregovi
adunque che, se niente ve ne ricorda, alcuna cosa del suo passato
ragionamento non vi sia grave di riferirne.
SCOLARE. Così si faccia, poi che vi piace; ché anzi voglio esser tenuto
ignorante, cosa dicendo non conosciuta da me, che discortese, rifiutando que’
prieghi che deono essermi commandamenti. Ma ciò si faccia con patto che,
come a me non è onore il riferirvi gli altrui dotti ragionamentí, così il tacerne
alcuna parola, la quale d’allora in qua mi sia uscita della memoria, non mi sia
scritto a vergogna.
CORTEGIANO. Ad ogni patto mi sottoscrivo, pur che diciate.
SCOLARE. L’ultima volta che messer Lascari venne di Francia in Italia,
stando in Bologna, ove volentieri abitava, e visitandolo il Peretto, come era
uso di fare, un dì tra gli altri, poi che alquanto fu dimorato con esso lui, lo
dimandò messer Lascari.
LASCARI. Vostra eccellenza, maestro Piero mio caro, che legge
quest’anno?
PERETTO. Signor mio, io leggo i quattro libri della Meteora
d’Aristotile.
LASCARI. Per certo bella lettura è la vostra; ma come fate d’espositori?
PERETTO. De’ latini non troppo bene, ma alcun mio amico m’ha servito
d’uno Alessandro.
LASCARI. Buona elezzione faceste, peroché Alessandro è Aristotile
dopo Aristotile. Ma io non credeva che voi sapeste lettere grece.
PERETTO. Io l’ho latino, non greco.
LASCARI. Poco frutto dovete prenderne.
PERETTO. Perché?
LASCARI. Perché io giudico Alessandro Afrodiseo greco, come è tanto
diverso da sé medesmo, poi che latino è ridotto, quanto vivo da morto.
PERETTO. Questo potrebbe esser che vero fosse; ma io non vi faceva
differenzia, anzi pensava che tanto mi dovesse giovare la lezzione latina e

192
Antologia do Renascimento

volgare (se volgare si ritrovasse Alessandro) quanto a’ Greci la greca, e con


questa speranza incominciai a studiarlo.
LASCARI. Vero è che egl’è meglio che voi l’abbiate latino, che non
l’abbiate del tutto. Ma per certo la vostra dottrina sarebbe il doppio e
maggiore e migliore, che ella non è, se Aristotile e Alessandro fosse letto da
voi in quella lingua nella quale l’uno scrisse e l’altro l’espose.
PERETTO. Per qual cagione?
LASCARI. Percioché più facilmente e con maggiore eleganzia di parole
sono espressi da lui i suoi concetti nella sua lingua che nell’altrui.
PERETTO. Vero forse direste se io fossi greco, sì come nacque
Aristotile; ma che omo lombardo studie greco per dover farsi più facilmente
filosofo, mi par cosa non ragionevole, anzi disconvenevole, non iscemandosi
punto ma raddoppiandosi la fatica dell’imparare; percioché meglio e più tosto
può studiar lo scolare loica sola o solamente filosofia, che non farebbe dando
opera alla grammatica, spezialmente alla greca.
LASCARI. Per questa istessa ragione non dovevate imparar né latino né
greco, ma solamente il volgare mantovano, e con quello filosofare.
PERETTO. Dio volesse, in servigio di chi verrà dopo me, che tutti i libri
di ogni scienzia, quanti ne sono greci e latini e ebrei, alcuna dotta e pietosa
persona si desse a fare volgari: forse i buoni filosofanti sarebbero in numero
assai più spessi che a’ dì nostri non sono, e la loro eccellenzia diventarebbe
più rara.
LASCARI. O non v’intendo o voi parlate con ironia.
PERETTO. Anzi parlo per dire il vero, e come uomo tenero dell’onor
degl’Italiani; ché se l’ingiuria de’ nostri tempi, così presenti come passati,
volle privarmi di questa grazia, Dio mi guardi che io sia sì pieno né così arso
d’invidia che io disideri di privarne chi nascerà dopo me.
LASCARI. Volentieri v’ascolterò, se vi dà il cor di provarmi questa
nuova conclusione, ché io non la intendo, né la giudico intelligibile.
PERETTO. Ditemi prima: onde è che gli uomini di questa età
generalmente in ogni scienza son men dotti e di minor prezzo che già non
furon gli antichi? Il che è contra il dovere, conciosia cosa che molto meglio e
più facilmente si possa aggiugnere alcuna cosa alla dottrina trovata che
trovarla da sé medesimo.
LASCARI. Che si può dire altro, se non che andiamo di male in peggio?

193
Antologia do Renascimento

PERETTO. Questo è vero, ma le cagioni son molte, tra le quali una ve


n’ha, e oso dire la principale: che noi altri moderni viviamo indarno gran
tempo, consumando la miglior parte de’ nostri anni, la qual cosa non avveniva
agli antichi. E per distinguere il mio parlare, porto ferma oppenione che lo
studio della lingua greca e latina sia cagione dell’ignoranzia, ché se ‘l tempo,
che intorno ad esse perdiamo, si spendesse da noi imparando filosofia, per
avventura l’età moderna generarebbe quei Platoni e quegli Aristotili, che
produceva l’antica. Ma noi vani più che le canne, pentiti quasi d’aver lasciato
la cuna e esser uomini divenuti, tornati un’altra volta fanciulli, altro non
facciamo diece e venti anni di questa vita che imparare a parlare chi latino,
chi greco e alcuno (come Dio vuole) toscano; li quali anni finiti, e finito con
esso loro quel vigore e quella prontezza, la quale naturalmente suol recare
all’intelletto la gioventù, allora procuriamo di farci filosofi, quando non siamo
atti alla speculazione delle cose. Onde, seguendo l’altrui giudicio, altra cosa
non viene ad essere questa moderna filosofia che ritratto di quell’antica; però
così come il ritratto, quantunque fatto d’artificiosissimo dipintore, non può
essere del tutto simile alla idea, così noi, benché forse per altezza d’ingegno
non siamo punto inferiori agli antichi, nondimeno in dottrina tanto siamo
minori quanto lungo tempo stati sviati dietro alle favole delle parole, coloro
finalmente imitiamo filosofando, alli quali alcuna cosa aggiugnendo dee
avanzare la nostra industria.
LASCARI. Dunque, se lo studio delle due lingue nuoce altrui sì
malamente come voi dite, che si dee fare? Lasciarlo?
PERETTO. Ora no, che non si potrebbe; percioché l’arti e le scienzie
degl’uomini sono al presente nelle mani de’ latini e de’ greci; ma sì fare
debbiamo per l’avenire, che d’ogni cosa per tutto ‘l mondo possa parlare ogni
lingua.
LASCARI. Come, maestro Piero, che è ciò che voi dite? Dunque
darebbevi il core di filosofare volgarmente? e senza aver cognizione della
lingua greca e latina?
PERETTO. Monsignor sì, pur che gli auttori greci e latini si riducessero
italiani.
LASCARI. Tanto sarebbe trasferir Aristotile di lingua greca in lombarda,
quanto traspiantare un narancio o una oliva da un ben colto orticello in un
bosco di pruni; oltra che le cose di filosofia sono peso d’altre spalle che da
quelle di questa lingua volgare.
PERETTO. Io ho per fermo che le lingue d’ogni paese, così l’arabica e
l’indiana come la romana e l’ateniese, siano d’un medesmo valore e da’
mortali ad un fine con un giudicio formate; che io non vorrei che voi ne
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Antologia do Renascimento

parlaste come di cosa dalla natura prodotta, essendo fatte e regolate dallo
artificio delle persone a bene placito loro, non piantate né seminate: le quali
usiamo sì come testimoni del nostro animo, significando tra noi i concetti
dell’intelletto. Onde tutto che le cose dalla natura criate e le scienzie di quelle
siano in tutte quattro le parti del mondo una cosa medesma, nondimeno,
perciò che diversi uomini sono di diverso volere, però scrivono e parlano
diversamente; la quale diversità e confusione delle voglie mortali degnamente
è nominata torre di Babel. Dunque, non nascono le lingue per sé medesme, a
guisa di alberi o d’erbe, quale debole e inferma nella sua specie, quale sana e
robusta e atta meglio a portar la soma di nostri umani concetti; ma ogni loro
vertù nasce al mondo dal voler de’ mortali. Per la qual cosa, così come senza
mutarsi di costume o di nazione il francioso e l’inglese, non pur il greco e il
romano si può dare a filosofare; così credo che la sua lingua natia possa altrui
compitamente comunicare la sua dottrina. Dunque, traducendosi a’ nostri
giorni la filosofia, seminata dal nostro Aristotile ne’ buoni campi d’Atene, di
lingua greca in volgare, ciò sarebbe non gittarla tra’ sassi, in mezo a’ boschi,
ove sterile divenisse, ma farebbesi di lontana propinqua e di forestiera, che
ella è, cittadina d’ogni provincia; forse in quel modo che le speziarie e l’altre
cose orientali a nostro utile porta alcun mercatante d’India in Italia, ove
meglio per avventura son conosciute e trattate che da coloro non sono, che
oltra il mare le seminorno e ricolsero. Similmente le speculazioni del nostro
Aristotile ci diverrebbono più famigliari che non sono ora, e più facilmente
sarebbero intese da noi, se di greco in volgare alcun dotto omo le riducesse.
LASCARI. Diverse lingue sono atte a significare diversi concetti, alcune
i concetti d’i dotti, alcune altre degl’indotti. La greca veramente tanto si
conviene con le dottrine che a dover quelle significare natura istessa, non
umano provedimento, pare che l’abbia formata; e se creder non mi volete,
credete almeno a Platone, mentre ne parla nel suo Cratillo. Onde ei si può dir
di tal lingua che, quale è il lume a’ colori, tale ella sia alle discipline: senza il
cui lume nulla vedrebbe il nostro umano intelletto, ma in continua notte
d’ignoranzia si dormirebbe.
PERETTO. Più tosto vo’ credere ad Aristotile e alla verità, che lingua
alcuna del mondo (sia qual si voglia) non possa aver da sé stessa privilegio di
significare i concetti del nostro animo, ma tutto consista nello arbitrio delle
persone. Onde chi vorrà parlar di filosofia con parole mantovane o milanesi,
non gli può esser disdetto a ragione, più che disdetto gli sia il filosofare e
l’intender la cagion delle cose. Vero è che, perché il mondo non ha in costume
di parlar di filosofia se non greco o latino, già crediamo che far non possa
altramente; e quindi viene che solamente di cose vili e volgari volgarmente
parla e scrive la nostra età. Ma come i corpi e le reliquie di santi, non con le
mani, ma con alcuna verghetta per riverenza tocchiamo; così i sacri misteri
195
Antologia do Renascimento

della divina filosofia più tosto con le lettere dell’altrui lingue che con la viva
voce di questa nostra moderna ci moviamo a significare: il quale errore,
conosciuto da molti, niuno ardisce di ripigliarlo. Ma tempo forse, pochi anni
appresso, verrà che alcuna buona persona non meno ardita che ingeniosa
porrà mano a così fatta mercatantia; e per giovare alla gente, non curando
dell’odio né della invidia de’ litterati, condurrà d’altrui lingua alla nostra le
gioie e i frutti delle scienzie: le quali ora perfettamente non gustiamo né
conosciamo.
LASCARI. Veramente né di fama né di gloria si curerà chi vorrà prender
la impresa di portar la filosofia dalla lingua d’Atene nella lombarda, ché tal
fatica noia e biasimo gli recarà.
PERETTO. Noia confesso, per la novità della cosa, ma non biasimo,
come credete; ché per uno che da prima ne dica male, poco da poi mille e
mille altri loderanno e benediranno il suo studio; quello avvenendogli che
avvenne di Gesù Cristo, il quale, togliendo di morir per la salute degli uomini,
schernito primieramente, biasimato e crucifisso d’alcuni ippocriti, ora alla
fine da chi ‘l conosce come Iddio e Salvator nostro si riverisce e adora.
LASCARI. Tanto diceste di questo vostro buon uomo che di piccolo
mercatante l’avete fatto messia; il quale Dio voglia che sia simile a quello che
ancora aspettano li Giudei, acciò che eresia così vile mai non guasti per alcun
tempo la filosofia d’Aristotile. Ma se voi siete in effetto di così strano parere,
ché non vi fate a’ dì nostri il redentore di questa lingua volgare?
PERETTO. Perché tardi conobbi la verità, e a tempo quando la forza
dell’intelletto non è eguale al volere.
LASCARI. Così Dio m’aiuti come io credo motteggiate; salvo se, come
fanno i maliziosi, quello meco non biasimate che non potete ottenere.
PERETTO. Monsignor, le ragioni dianzi addotte da me non sono lievi,
che io debba dirle per ischerzare; e non è cosa così difficile la cognizion delle
lingue che uomo di meno che di mediocre memoria e senza ingegno veruno
non le possa imparare, quando non pur a’ dotti, ma a’ forsennati Ateniesi e
Romani solea parlare eloquentemente Cicerone e Demostene, e era inteso da
loro. Certo anni e lustri miseramente poniamo in apprender quelle due lingue,
non per grandezza d’oggetto ma solamente perché allo studio delle parole
contra la naturale inclinazione del nostro umano intelletto ci rivolgiamo; il
quale, disideroso di fermarsi nella cognizione delle cose onde si diventa
perfetto, non contenta d’essere altrove piegato, ove, ornando la lingua di
parolette e di ciance, resti vana la nostra mente. Dunque, dal contrasto che è
tuttavia tra la natura dell’anima e tra ‘l costume del nostro studio dipende la
difficultà della cognizion delle lingue, degna veramente non d’invidia ma
196
Antologia do Renascimento

d’odio, non di fatica ma di fastidio, e degna finalmente di dovere essere non


appresa ma ripresa dalle persone, sì come cosa la quale non è cibo ma sogno e
ombra del vero cibo dell’intelletto.
LASCARI. Mentre voi parlavate così, io imaginava di vedere scritta la
filosofia d’Aristotile in lingua lombarda, e udirne parlare tra loro ogni vile
maniera di gente, facchini, contadini, barcaroli e altre tali persone con certi
suoni e con certi accenti, i più noiosi e i più strani che mai udissi alla vita mia.
In questo mezo mi si parava dinanzi essa madre filosofia, vestita assai
poveramente di romagnolo, piangendo e lamentandosi d’Aristotile che
disprezzando la sua eccellenza l’avesse a tale condotta e minacciando di non
volere star più in terra, sì bello onore ne le era fatto dalle sue opere; il quale,
iscusandosi con esso lei, negava d’averla offesa giamai, sempremai averla
amata e lodata, né meno che orrevolmente averne scritto o parlato mentre egli
visse, lui esser nato e morto greco, non bresciano né bergamasco, e mentire
chi dir volesse altramente; alla qual visione disiderava che voi vi foste
presente.
PERETTO. E io, se stato vi fossi, arei detto non doversi la filosofia
dolere, perché ogni uomo, per ogni luogo, con ogni lingua il suo valore
essaltasse; questo farsi anzi a gloria che a vergogna di lei, la quale, se non si
sdegna d’albergare negl’intelletti lombardi, non si dee anche sdegnare d’esser
trattata dalla lor lingua. L’India, la Scitia e l’Egitto, ove abitava sì volentieri,
produsse genti e parole molto più strane e più barbare che non sono ora le
mantovane e le bolognesi; lei lo studio della lingua greca e latina aver quasi
del nostro mondo cacciata, mentre l’uomo, non curando di saper che si dica,
vanamente suole imparare a parlare e, lasciando l’intelletto dormire, sveglia e
opra la lingua. Natura in ogni età, in ogni provincia e in ogni abito esser
sempremai una cosa medesima, la quale, così come volentieri fa sue arti per
tutto ‘l mondo, non meno in terra che in cielo, e per esser intenta alla
produzzione delle creature razionali, non si scorda delle irrazionali, ma con
eguale artificio genera noi e i bruti animali, così da ricchi parimente e poveri
uomini, da nobili e vili persone con ogni lingua, greca, latina, ebrea e
lombarda, degna d’essere e conosciuta e lodata. Gli augelli, i pesci e l’altre
bestie terrene d’ogni maniera, ora con un suono, ora con altro, senza
distinzione di parole, i loro affetti significare; molto meglio dover ciò fare noi
uomini, ciascuno con la sua lingua, senza ricorrere all’altrui. Le scritture e i
linguaggi essere stati trovati non a salute di lei, la quale (come divina che ella
è) non ha mestieri del nostro aiuto, ma solamente a utilità e commodità nostra,
accioché absenti, presenti, vivi e rnorti, manifestando l’un l’altro i secreti del
core, più facilmente conseguiamo la nostra propria felicità, la quale è posta
nell’intelletto delle dottrine, non nel suono delle parole; e per conseguente
quella lingua e quella scrittura doversi usare da’ mortali, la quale con più agio
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Antologia do Renascimento

apprendemo; e come meglio sarebbe stato (se fosse stato possibile) l’avere un
sol linguaggio, il quale naturalmente fosse usato dagli uomini, così ora esser
meglio che l’uomo scriva e ragioni nella maniera che men si scosta dalla
natura; la qual maniera di ragionare appena nati impariamo e a tempo quando
altra cosa non semo atti ad apprendere. E altrotanto arei detto al mio maestro
Aristotile, della cui eleganzia d’orazione poco mi curarei, quando senza
ragione fossero da lui scritti i suoi libri; natura aver lui adottato per figliuolo,
non per esser nato in Atene ma per aver bene in alto inteso, bene parlato e
bene scritto di lei; la verità trovata da lui, la disposizione e l’ordine delle cose,
la gravità e brevità del parlare esser sua propria e non d’altri, né quella potersi
mutare per mutamento di voce; il nome solo di lui discompagnato dalla
ragione (quanto a me) essere di assai piccola auttorità; a lui stare, se (essendo
lombardo ridotto) esser volesse Aristotile; noi mortali di questa età, così aver
cari i suoi libri trammutati nell’altrui lingua, come gli ebbero i Greci, mentre
greci li studiavano. Li quai libri con ogni industria procuriamo d’intendere per
divenire una volta non ateniesi ma filosofi. E con questa risposta mi sarei
partito da lui.
LASCARI. Dite pure e disiderate ciò che volete; ma io spero che a’ dì
vostri non vedrete Aristotile fatto volgare.
PERETTO. Perciò mi doglio della misera condizione di questi tempi
moderni, ne’ quali si studia non ad esser ma a parer savio: che ove sola una
via di ragione in qualunche linguaggio può condurne alla cognizione della
verità, quella da canto lasciata, ci mettiamo per strada, la quale in effetto tanto
ci dilunga dal nostro fine quanto altrui pare che vi ci meni vicini; che assai
credemo d’alcuna cosa sapere, quando, senza cognoscere la natura di lei,
possiamo dire in che modo la nominava Cicerone, Plinio, Lucrezio e Virgilio
tra’ latini scrittori, e tra’ greci Platone, Aristotile, Demostene e Eschine; delle
cui semplici parolette fanno gl’uomini di questa età le loro arti e scienzie in
guisa che dir lingua greca e latina par dire lingua divina, e che sola la lingua
volgare sia una lingua inumana, priva al tutto del discorso dell’intelletto; forse
non per altra ragione, salvo perché questa una da fanciulli e senza studio
impariamo, ove a quell’altre con molta cura ci convertiamo come a lingue, le
quali giudichiamo più convenirsi con le dottrine, che non fanno le parole
dell’eucaristia e del battesmo con ambidue tai sacramenti: la quale sciocca
oppenione è sì fissa negli animi d’i mortali che molti si fanno a credere che a
dover farsi filosofi basti loro sapere scrivere e leggere greco senza più, non
altramente che se lo spirito d’Aristotile, a guisa di folletto in cristallo, stesse
rinchiuso nell’alfabeto di Grecia, e con lui insieme fosse costretto d’entrar
loro nell’intelletto a fargli profeti; onde molti n’ho già veduti a’ miei giorni sì
arroganti che, privi in tutto d’ogni scienza, confidandosi solamente nella
cognizion della lingua, hanno avuto ardimento di por mano a’ suoi libri, quelli
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Antologia do Renascimento

a guisa degli altri libri d’umanità publicamente esponendo. Dunque, a costoro


il far volgari le dottrine di Grecia parrebbe opra perduta, sì per la indegnità
della lingua come per l’angustia d’i termini dentro a’ quali col suo linguaggio
è rinchiusa l’Italia, vana istimando la impresa dello scrivere e del parlare in
maniera che non l’intendano gli studiosi di tutto ‘l mondo. Ma quello che non
è stato veduto da me, spero dover vedere (quando che sia) chi nascerà dopo
me, e a tempo che le persone certo più dotte, ma meno ambiziose delle
presenti, degneranno d’esser lodate nella lor patria, senza curarsi che la
Magna o altro strano paese riverisca i lor nomi; ché se la forma delle parole,
onde i futuri filosofi ragioneranno e scriveranno delle scienzie, sarà comune
alla plebe, l’intelletto e il sentimento di quelle sarà proprio degli amatori e
studiosi delle dottrine, le quali hanno ricetto non nelle lingue ma negli animi
d’i mortali.
SCOLARE. Già s’apparecchiava messer Lascari alla risposta, quando
sopravenne brigata di gentiluomini che venivano a visitarlo, da’ quali fu
interrotto l’incominciato ragionamento; per che, salutati l’un l’altro con
promessa di tornare altra volta, il Peretto e io con lui ci partiamo.
CORTEGIANO. Così bene mi difendeste con l’armi del maestro Peretto
che il por mano alle vostre sarebbe cosa superflua; per la qual cosa, avvegna
che il parlare intorno a questa materia fosse vostra professione, nondimeno io
mi contento che vi tacciate. Ma del soccorso prestatomi, parte da l’auttorità di
così degno filosofo, parte da le ragioni antedette, io ve ne rendo infinite
grazie; e vi prometto, che per fuggire il fastidio dello imparare a parlare con le
lingue de’ morti, seguitando il consiglio del maestro Peretto, come son nato
così voglio vivere romano, parlare romano e scrivere romano. E a voi, messer
Lazaro, come a persona d’altro parere, predico che indarno tentate di ridurre
dal suo lungo esilio in Italia la vostra lingua latina e, dopo la totale ruina di
lei, sollevarla da terra; ché, se quando ella cominciava a cadere, non fu uomo
che sostenere ve la potesse e chiunque alla rovina s’oppose a guisa di
Polidamante fu oppresso dal peso, ora che ella giace del tutto, rotta parimente
dal precipizio e dal tempo, qual atleta o qual gigante potrà vantarsi di
rilevarla? Né a me pare, se ai vostri scritti riguardo, che ne vogliate far
pruova, considerando che ‘l vostro scrivere latino non è altro che uno andar
ricogliendo per questo auttore e per quello ora un nome, ora un verbo, ora un
adverbio della sua lingua; il che facendo, se voi sperate (quasi nuovo
Esculapio) che il porre insieme cotai fragmenti possa farla risuscitare, voi
v’ingannate, non vi accorgendo che nel cadere di sì superbo edificio una parte
divenne polvere e un’altra dee esser rotta in più pezzi; li quali volere in uno
ridurre, sarebbe cosa impossibile, senza che molte sono l’altre parti le quali,
rimase in fondo del mucchio o involate dal tempo non son trovate da alcuno.
Onde minore e men ferma rifarete la fabrica, che ella non era da prima, e
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Antologia do Renascimento

venendovi fatto di ridur lei alla sua prima grandezza, mai non fia vero che voi
le diate la forma che anticamente le dierono que’ primi buoni architetti,
quando nova la fabricarono; anzi ove soleva esser la sala, farete le camere,
confonderete le porte, e delle finestre di lei questa alta, quell’altra bassa
riformarete; ivi sode tutte e intere risurgeranno le sue muraglie, onde
primieramente s’illuminava il palazzo, e altronde dentro di lei con la luce del
sole alcun fiato di tristo vento entrerà che farà inferma la stanza. Finalmente
sarà miracolo, più che umano provedimento, il rifarla mai più eguale o simile
a quell’antica, essendo mancata l’idea, onde il mondo tolse l’essempio di
edificarla. Per che io vi conforto a lasciar l’impresa di voler farvi singulare da
gl’altri uomini affaticandovi vanamente senza pro vostro e d’altrui.
LAZARO. Perdonatemi, gentiluomo, voi non poneste ben mente alle
parole del mio maestro Peretto, il quale non solamente non ricusava, come voi
fate, d’imparar greco e latino; anzi si lamentava d’essere a farlo sforzato,
disiderando una età, nella quale senza l’aiuto di quelle lingue potesse il
popolo studiare e farsi perfetto in ogni scienzia. La quale oppenione io non
laudo, né vitupero, perché quello non posso, questo non voglio; dico
solamente non essere stata bene intesa da voi, onde la diliberazione vostra non
avrà origine né dall’autorità né dalle ragioni, ma dal vostro appetito, lo quale
seguite quanto v’aggrada, che altrettanto io farò del mio; ché se ‘l viaggio che
io tengo è più lungo e più faticoso del vostro, per avventura non fia sì vano, e
al fine della mia giornata a buono albergo sano, quantunque stanco, mi
condurrà.
BEMBO. Messer Lazaro dice il vero e v’aggiungo che ‘l Peretto in
quell’ora (come a me pare) disputò delle lingue, avendo rispetto alla filosofia
e altre simili scienzie. Per che, posto che vera sia la sua oppenione, e così
bene potesse filosofare il contadino come il gentiluomo e il Lombardo come il
Romano, non è però che in ogni lingua egualmente si possa poetare e orare;
conciosiacosa che fra loro l’una sia più e meno dotata degli ornamenti della
prosa e del verso che l’altra non è. La qual cosa fu tra noi disputata da prima,
senza far parola delle dottrine, e come allora vi dissi così vi dico di nuovo
che, se voglia vi verrà mai di comporre o canzoni o novelle al modo vostro,
cioè in lingua che sia diversa dalla toscana e senza imitare il Petrarca o il
Boccaccio, per aventura voi sarete buon cortigiano, ma poeta o oratore non
mai. Onde tanto di voi si ragionerà e sarete conosciuto dal mondo quanto la
vita vi durerà, e non più, conciosia che la vostra lingua romana abbia vertù in
farvi più tosto grazioso che glorioso.

200
Antologia do Renascimento

Fonte: Sperone Speroni. “Dialogo delle lingue”, in


Trattatisti del Cinquecento, Tomo I, a cura di Mario Pozzi.
Milano-Napoli, Ricciardi, 1978.

201
Antologia do Renascimento

Lodovico Castelvetro
(1505-1571)

LODOVICO CASTELVETRO, professor de direito, tradutor, filólogo, crítico


literário e editor, é atualmente conhecido sobretudo por sua tradução e
comentários da Poetica d’Aristotele vulgarizzata et sposta, publicada em
1570. Ainda em 1543, Castelvetro enviou uma carta a Gaspare Calori, que lhe
havia solicitado uma opinião sobre algumas traduções das Epistolae de Cícero
(106-43). A Lettera del traslatare, que teve o destino de permanecer
praticamente esquecida até a metade do século XX, é um pequeno tratado
sobre o problema da tradução, no qual seu autor, reexaminando a tradição,
chega a expressar com uma clareza admirável certos aspectos do problema de
traduzir. Uma das partes mais importantes e interessantes da carta é
apresentada nas primeiras páginas com a distinção entre composição e
tradução: compor equivaleria a vestir com palavras uma concepção nossa,
antes nua e nunca vestida; traduzir, por sua vez, seria mudar as vestes de uma
concepção alheia. De forma que a tradução resultaria ser mais difícil que a
composição. Não se encontra aqui, contudo, a originalidade deste italiano de
Modena, pois a metáfora utilizada está na base de toda a retórica clássica.
Castelvetro vai além, revelando uma consciência filológica sensível aos
valores e complexidades das palavras, e importantes reflexões como a da
relação significante-significado. Para o pensador italiano, alguns conceitos
não apenas ‘nascem’ com as palavras, mas também ‘crescem’ com elas de
forma a não poderem separar-se delas, ou seja, os conceitos não se formam de
igual maneira em todas as línguas e culturas, tornando quase impossível uma
correspondência exata dos significados. Do que, poder-se-ia inferir, resulta o
fim da ilusão na perfeita traduzibilidade, tanto das palavras como dos
significados, de uma cultura a outra.

MAURI FURLAN (maurizius@gmail.com), professor de Latim e Teoria da


Tradução no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC,
graduou-se em Jornalismo pela FACHA/RJ e em Letras-Alemão pela UFSC.
Em seu mestrado em Literatura (UFSC) abordou questões teóricas da tradução
da Ars poetica, de Horácio, e, no doutorado em Filologia Clássica pela
Universitat de Barcelona, Espanha, apresentou uma sistematização para as
reflexões sobre a tradução produzidas no Renascimento.

202
Antologia do Renascimento

Carta sobre o traduzir

Há uma grande diferença, parece-me, entre o vestir com palavras um


conceito nosso, nu, e o revestir um alheio, já vestido. Pelo que, além de a
roupa de nosso conceito, nu, não poder ser jamais criticada seja por
demasiado longa, seja por demasiado curta, ele permanece em nossa mente
invisível ao outro. O que não sucede ao já vestido, que se encontra contido
dentro de certos termos, limitados e aparentes, e medidas, pelos quais revela
claramente ao observador o defeito ou o supérfluo da nova vestimenta; quem
não vê, pois, como costuma causar maior trabalho tanto em despir o já vestido
quanto em revesti-lo? Considerando que, nas línguas, alguns conceitos
nasceram e cresceram tão juntos com as palavras que não podem passar a
outra língua, ou mesmo a outras palavras da mesma língua, e que, como pode
parecer-nos algo estranho ver uma pessoa que, tendo andado longamente de
hábito, digamos de cardeal, se transvista repentinamente de soldado, assim
ofende-nos o vestir um conceito de algum autor com outras palavras ou com
outra língua ou ainda com a mesma. Ademais, nossa natureza, adversa à
fadiga e amiga do conforto, com prazer concorda em seguir, ao menos em
algo, a forma das vestimentas propostas, e recusa-se a buscar com afã alguma
completamente nova e distinta. Estas dificuldades terminam ao vestirmos
nosso conceito, nu, pois ou nos vem à mente sem palavras, nu, ou vestido com
aquelas, sem as quais nós não podemos expô-lo na língua que queremos usar.
Portanto menos devíeis admirar-vos, se aquele valiosíssimo homem, segundo
o que escrevestes das epístolas de Cícero em vulgar, não vos satisfaz
completamente, e cheira um pouco a latino. Alguém, pois, de renome e
notável, segundo creio dentre os ciceronianos, aconselha os que querem
trasladar à língua latina algum autor grego, que, antes de meterem-se a
semelhante empresa, leiam aquela parte dos escritos de Cícero, que trata de
semelhante matéria, a fim de refrescarem a memória das coisas latinas.
Depois, abandonadas as palavras gregas, que se retome o conceito nú,
sozinho, de forma que mais e mais facilmente possa vestir-se com as latinas.
Estes conselhos, assim como não condeno, tampouco louvo muito, porque não
me parece algo conveniente, de que tenha necessidade aquele que se põe a
trasladar, que lhe seja refrescada a memória daquela língua na qual traslada,
da qual deve ser mestre, e não discípulo. Mas deixar-se-á à parte as palavras
gregas, como corresponderá às propriedades, às metáforas, aos ritmos, às
figuras, e a tantas outras virtudes das palavras, coisas que, a meu ver, causam
mais mal à translação do que os próprios conceitos, e não podem ser omitidos
sem censura; do contrário, acontecer-nos-á alguma vez de vestirmos com
palavras graves e metafóricas, e com certos ritmos e figuras aquele conceito
203
Antologia do Renascimento

que na sua língua estava vestido com leveza e com palavras próprias, e com
distintos ritmos e figuras. O que não conviria igualmente se trajássemos com
roupas pretas e de viúva a uma jovem que andasse vestida com carmim e
verde. Mas porque parece que ele havia trazido esta sua arte de assim
aconselhar daquele livro de Cícero intitulado De optimo genere oratorum [Do
melhor gênero de oradores], e do capítulo nono do livro de Aulo Gélio,
agrada-me dissertar um pouco acerca da intenção de um e de outro. Se vos
pareço distanciar-me do modo por mim costumeiro de escrever observado em
outro tempo, não vos admireis, que a necessidade do lugar em que me
encontro obriga-me a fazê-lo se eu quiser escrever esta carta, porque estou no
campo, onde não tenho abundância de notícias, como tinha quando estava na
cidade. Cícero, pois, naquele seu livro não fala da maneira do interpretar,
antes confessa abertamente não ser intérprete, e acena não obscuramente que
o ofício do intérprete está muito distante daquele que ele seguiu ao trasladar
aqueles dois nobres raciocínios, de Ésquines e de Demóstenes, aos quais
bastou somente trasladá-los para mostrar aos homens latinos qual era a
maneira de falar ateniense. Por isso, parece-me que o nobre espírito M.
Romolo Amaseo,58 já em assembléia pública, sem motivo, derramou muitas
lágrimas ao chorar a perda daquelas traslações, porque com elas, segundo ele,
perdemos a verdadeira ideia do trasladar, que mesmo que se encontrassem,
não se encontraria hoje em dia aquilo que entre muitos se questiona, ou seja,
qual o caminho Cícero julgava se devesse pisar ao traduzir. Da mesma forma,
Aulo Gélio fala do modo do interpretar, contudo nem quando falava, as suas
razões mereciam ser ouvidas. Reflete pois ele sobre quando um autor transpõe
em um livro seu uma passagem de um outro autor de uma outra língua, e o
transpõe como orador59 e não como intérprete, porque não há necessidade de
que se trasladem todas as palavras no modo em que foram ditas. Mas
considerando que ele falasse sobre quando o transpõe como intérprete e não
como orador, atentemos para o que significam seus enunciados. “Não faz
muito,” diz ele, que, “lendo à mesa uma e outra obra bucólica de Virgílio e de
Teócrito,60 observamos que Virgílio omitiu aquilo que em grego é de
maravilhosa graça, mas que nem se devia nem se podia trasladar; no entanto,
aquilo que repôs no lugar do que omitiu não é diferente, mas antes mais
deleitável” [Aulo Gélio, Noites Áticas, IX, 9, 4]. Aqui colocarei em prosa, em
nossa língua, os versos teocritanos, pois que ainda não estou seguro de que
aprendestes a língua grega:
58
Romolo Amaseo (1489-1552), erudito humanista, professor, tradutor, em dois discursos intitulados De
latinae linguae usu retinendo, defendeu a superioridade do latim sobre o vernáculo.
59
Preferimos retomar a nomenclatura apresentada por Cícero em De optimo genere oratorum, cujo tema e
obra são discutidos aqui por Castelvetro, em que o autor latino opõe interpres a orator.
60
Teócrito (séc. III a.C.), natural de Siracusa, escreveu geralmente no dialeto dórico. Seus poemas pastorais
constituem a parte mais característica de sua obra, e por causa deles é considerado o pai desse gênero de
poesia. As Bucólicas de Virgílio são em grande parte imitação e tradução de poesia de Teócrito.
204
Antologia do Renascimento

Clearista lança maçãs ao cabreiro,


Que se coloca à frente as cabras, e docemente o elogia.

Mas Virgílio disse:

Malo me Galatea petit lasciva puella,


Et fugit ad salices, et se cupit ante videri.
[Bucólicas, III, 64-65]

Galatéa garrida um pero atira-me;


Corre aos salgueiros, quiz ser antes vista.61

Ah, diga ele o que é que nestes versos de Teócrito não se deveria nem
poderia trasladar, quando tivesse agradado ao poeta! Talvez isso: O cabreiro,
que se coloca à frente as cabras! Mas ele não disse quase nos primeiros
versos bucólicos – En, ipse capellas protinus aeger ago? [Bucólicas, I, 12-13]
[Mesmo eu as cabras aqui pastoro triste]. E a este conceito vestiu de outra
forma: Non me pascente, capellae, florentem cytisum et salices carpetis
amaras [Bucólicas, I, 77-78] [Não mais, estando eu a pastorar-vos, minhas
cabras, pastareis o florente codesso e os salgueiros amaros]. E noutra,
Haedorumque gregem viridi compellere hibisco! [Bucólicas, II, 30] [Impelir o
rebanho dos cabritos ao verde hibisco]. E ainda uma outra, Aut custos gregis
[Bucólicas, X, 36] [Ou guarda de rebanho]. Ou é talvez a outra, e docemente
o elogia? Mas, contudo, ao meu ver, traduziu-a, e muito felizmente nos
mesmos versos, dizendo lasciva puella, que eu, em nossa língua traduziria por
bela e elogiadora garota, ainda que o poeta tenha expressado o mesmo
conceito em outro lugar: At mihi sese offert ultro, meus ignis, Amyntas
[Bucólicas, III, 66] [E a mim se oferece de bom grado Amyntas, fogo meu].
Não deixou, pois, nem porque não se devesse, nem porque não se pudesse, de
trasladar tudo aquilo de Teócrito, mas porque com seu intelecto divino viu
quanto melhorava aquela ideia de lançar maçã para seu amante, com o
acréscimo de esconder-se a lançadora, depois de ter-se estudadamente
deixado ver. O que é do mesmo modo um elogiar, mas mais especial, e
comumente usado pelos enamorados pastoris. “Depois”, acrescenta ele,
“observamos ainda que, cautamente, em outro lugar, mantivera aquilo que no
verso grego é agradabilíssimo” [Aulo Gélio, Noites Áticas, IX, 9, 7]:

61
Tradução de Odorico Mendes (1858), in Virgílio, Bucólicas. Edição bilingüe. Tradução e comentário de
Raimundo Carvalho. Em apêndice, tradução de Odorico Mendes. Belo Horizonte, Crisálida, 2005.
205
Antologia do Renascimento

Oh Titiro, docemente amado por mim, pasce as cabras,


E leva-as à fonte, Titiro,
E cuida que o macho africano Cnaco não te dê com os chifres.

Por tanto, de que forma teria ele podido dizer docemente amado por
mim, palavras que, assim, ajude-me o deus Hércules, não são trasladáveis,
mas plenas de uma certa doçura nata. Com que, deixou isto e trasladou com
beleza o restante dizendo:

Tityre, dum redeo, brevis est via, pasce capellas,


Et potum pastas age, Tityre, et inter agendum
Occursare capro, cornu ferit ille, caveto.
[Bucólicas, IX, 23-25]

Pasta as cabrinhas, Tytiro, eu não tardo;


Abebera-as depois, e ao conduzi-las
Evita o bode que de corno fere.62

Oh pobre e infeliz língua latina, porque és tão carente de virtude não há


como vestir um conceito tão comum e vulgar como é este docemente amado
por mim. Mas seja o que diga este perjúrio de Aulo Gélio, não sei se o cantor
dos poemas bucólicos vestiu algum outro conceito mais vezes e com outras
formas que este, dizendo: Tua cura, palumbes; tua cura Lycoris [Bucólicas, I,
57; X, 22] [as pombas, tua paixão; Lycoris, teu amor]. E quando: Delicias
domini [Bucólicas, II, 2] [Encanto de seu amo], Cum te ad delicias ferres
Amaryllida nostras? [Bucólicas, IX, 22] [Quando te dirigias à Amaryllis,
nossa alegria?], e agora: Meus ignis, Amyntas. [Bucólicas, III, 66] [Amyntas,
fogo meu]. E ainda: Phyllida amo ante alias [Bucólicas, III, 78] [Amo Phyllis
às outras]. E uma vez: Nec Phoebo gratior ulla est [Bucólicas, VI, 11] [Nem
a Phebo agrada alguma mais]. E adiante: Nymphae noster amor [Bucólicas,
VII, 21] [Ninfas, nosso amor]. E mais: Thymo mihi dulcior Hyblae
[Bucólicas, VII, 37] [Para mim mais doce que o orégano de Hibla]. E outra:
Alcidae gratissima; Et erat tum dignus amari [Bucólicas, VII, 61; V, 89]
[Para Alcides o mais agradável; E era então digno de ser amado]. E então?
Perdoaremos a Aulo Gélio esta injúria, que ele com tanta evidência fez à
língua latina e ao nosso Poeta, pois que, quase desculpando-se do erro que
devia cometer, afirma que estava à mesa quando ponderava sobre estas coisas.
E diremos que Teócrito introduz um pastor para fazer uma ‘matinata’63 e dizer

62
Trad. de Odorico Mendes, op. cit.
63
‘Matinata’ é aqui um neologismo (nos moldes de ‘serenata’) para expressar o sentido do vocábulo italiano
mattinata, como um canto (enquanto composição poética destinada a ser cantada), que, na tradição popular,
era dirigido, pela manhã, à namorada, sob sua janela.
206
Antologia do Renascimento

a Titiro que vigie as cabras, o qual, como enamorado, o elogia chamando-o de


muito amado por ele, assim como nas comédias os filhos de família
enamorados elogiam os escravos; isto Virgílio deixou de lado, não porque
fosse difícil de expressar, mas porque teria sido condenável neste lugar, uma
vez que ao introduzir o pai de família que ia à cidade por necessidades, não
necessitava elogiar o escravo Titiro, mas lembrá-lo que voltaria logo. Mas que
coisa mais oportuna poder-se-ia desejar para este conceito do que isto:
Occursare capro [Bucólicas, IX, 25] [provocar o bode], considerada a
natureza das pessoas robustas, que se divertem sempre em atiçar os animais,
cujo atiçamento eu entendo por occursare, e a natureza do bode, que não
costuma cornear, a não ser a quem se lhe vai de encontro em atitude de
enfrentamento. No que Teócrito perde muito por Virgílio, que o vence não
apenas nisto mas também nesta ainda: Et potum pastas [Bucólicas, IX, 24] [E,
alimentadas, algo de beber]. Pelo que, não quer que as leve a beber antes que
tenham pastado, como convém fazê-lo. Acredito pois, pelas razões
supramencionadas, que seja algo mais difícil trasladar que compor, e
diferencio entre a maneira de trasladar como intérprete daquela de trasladar
como orador, e também não concordo com aqueles que, uma vez deixadas as
palavras, servem ao sentido somente, e menos com aqueles outros que, tendo
deixado uma parte do sentido, colocam outra em seu lugar, e penso que pouco
sobriamente tenha sido apreciado por Aulo Gélio o valor de Virgílio. Porque
este Poeta é como diz Teócrito ἐµὶν τὸ καλὸν πεφιληµένε, ou seja, “não posso
suportar todo o meu enorme prazer”, acontece que esta passagem não
necessita disso, pois que já tomei sua defesa, e outro assunto por hora não me
aparecerá antes que seja assim cruelmente traspassado pelas estocadas de
Valério Probo,64 de resto uma pessoa douta, e de aguda percepção no julgar e
examinar os escritos alheios, conforme escreve o supramencionado Aulo
Gélio, no supramencionado capítulo, ter ouvido contar por um discípulo do
supramencionado Valério. Este afirmava que Virgílio não traduzira nada de
Homero de forma menos louvável do fizera com aqueles versos de
Nausicaa,65 que em Homero são belíssimos.

64
Marco Valério Probo (séc. I. d.C.), filólogo e gramático latino, famoso por sua crítica textual, recuperou
vários textos de autores romanos em suas versões originais a partir de manuscritos emendados, anotados, ou
comentados.
65
Nausicaa, personagem da Odisséia (canto VI), filha de Alcínoos, rei dos feácios, acolhe o náufrago
Ulisses e o conduz à casa paterna.
207
Antologia do Renascimento

Como Diana vai pela montanha


comprazendo-se no flechar
Ou no amplo Taigeto66 ou no Erimanto67
Vaga entre cabritos e cervos velozes.
Junto a ela as Ninfas silvestres, filhas de Júpiter,
porque mamou da cabra festejam entorno.
E Latona consigo mesma alegra-se no peito.
Mas ela destaca-se de todas pela cabeça e pela testa.
E entre as outras distingue-se claramente sem dificuldade, apesar de serem todas belas.
Mas entre as serviçais mostrava-se admirável a esquiva donzela.

As quais, desta forma, foram transpostas por Virgílio para a língua latina:

Qualis in Eurotae ripis aut per iuga Cynthi


Exercet Diana choros, quam mille secutae
Hinc atque hinc glomerantur Oreades; illa pharetram
Fert umero gradiensque deas supereminet omnis;
Latonae tacitum pertemptant gaudia pectus:
Talis erat Dido, talem se laeta ferebat
Per medios instans operi regnisque futuris.
[Eneida, I, 498-504]

Qual nas ribas do Eurotas ou do Cinto


Pelos serros Diana exerce os coros
E, de infindas Oreadas seguida,
Carcaz ao ombro, em garbo as sobreleva;
Rega-se em gozo tácito Latona:
Tal era Dido, airosa e prazenteira,
Do seu reino a grandeza apressurando.68

Mas antes de narrarmos isto, de manifestar-se o adversário virgiliano, ou


de responder-lhe algo, parece-nos necessário dever dizer algumas coisas
acerca do projeto do Poeta latino, de onde resultará em parte a falsidade das
acusações. Os astros mais luminosos do mundo são o sol e a lua, que pelos
poetas foram nomeados e representados por Apolo e Diana. Eles nunca estão
sem a companhia de inumeráveis estrelas, mas por seu brilho excessivo
ofuscam a luz delas. Convenientemente, pois, quando se quer demonstrar
beleza e grandeza singular de um homem sobre outros que o acompanham,
toma-se a comparação de Apolo, assim como fez Virgílio no livro IV da
Eneida, realçando assim a beleza de Enéias.

66
Taigeto, filha de Júpiter e Táigete, deu nome à montanha da Lacônia.
67
Erimanto, montanha na Arcádia.
68
Virgílio. A Eneida. Biblioteca Clássica, vol. XLII. São Paulo, Atena Editora, 1958, 3ª ed. Trad. de Manuel
Odorico Mendes.
208
Antologia do Renascimento

Ipse ante alios pulcherrimus omnis


Infert se socium Aeneas atque agmina iungit.
Qualis ubi hibernam Lyciam Xanthique fluenta
Deserit ac Delum maternam invisit Apollo
Instauratque choros, mixtique altaria circum
Cretesque Dryopesque fremunt pictique Agathyrsi;
Ipse iugis Cynthi graditur mollique fluentem
Fronde premit crinem fingens atque implicat auro,
Tela sonant umeris: haud illo segnior ibat
Aeneas, tantum egregio decus enitet ore.
[Eneida, IV, 141-150]

Galhardo mais que todos,


Sócio Enéias se agrega, e a sua escolta.
Febo, quando abandona a Lícia hiberna
E o caudal Xanto; e, ao visitar a Delos
Materna, instaura os coros, pelas aras
Misto Cressos e Dríopes fremindo
E Agatirsos pintados; por cabeços
Do Cinto airoso pisa, e o crino undante
Atilando, enredado em mole folha
De ouro enastra; o carcaz aos ombros tine:
Não menos senhoril Enéias ia;
Tanto garbo transluz no egrégio rosto!69

Igualmente, quando se quer mostrar a beleza de uma mulher honesta, ou


sua superioridade sobre suas companhias, é conveniente que se tome o
protótipo de Diana, assim como fez Virgílio no livro I com os versos
supracitados, louvando a forma real de Dido. Mas se se perguntasse por que
preferiu colocar dita comparação de Diana no primeiro livro antes que no
quarto, responder-se-ia que naquele momento mais semelhante era Dido a
Diana, seja pela honestidade de viúva, que, plenamente observada iguala-se à
virgindade – o que é especialidade própria de Diana –; seja porque Enéias no
IV é comparado a Apolo, e a lua não aparece quando brilha o sol. Agora
solicitam os poetas a Diana, que freqüente habitualmente as selvas e os
montes, e que persiga não somente as caças; mas também celebre algumas
danças religiosas, porque assim eu entendo aquele Exercet Diana choros
[Eneida, I, 499] [Diana guia os coros], os quais são igualmente celebrados
por Apolo, como diz Virgílio claramente nestes versos

69
Trad. de Odorico Mendes, op. cit.
209
Antologia do Renascimento

Instauratque choros, mixtique altaria circum


Cretesque Dryopesque fremunt pictique Agathyrsi.
[Eneida, IV, 145-146]

Instaura os coros, pelas aras mistos


Cressos e Dríopes fremindo e Agatirsos pintados.70

Por isso, com grande semelhança foi formada esta comparação, que,
embora Dido estivesse na cidade, estava também no bosque.

Lucus in urbe fuit media, laetissimus umbrae


[Eneida, I, 441] e
Hoc primum in locu nova res oblata timorem Leniit
[Eneida, I, 450-451]

No meio da cidade havia um bosque riquíssimo de sombra;


e
Neste bosque algo novo que se apresentou abrandou por primeira vez seu temor.

E fez construir um templo a Juno, algo que não é diferente da dança


religiosa. Em seguida, Virgílio confere à Diana a aljava, bem como a Apolo,
não por peso supérfluo, embora não perseguisse então a caça, mas para
demonstração de sua real majestade, e quase por insígnia de seu poder, a fim
de que se conformasse à Dido, que não apenas se chama pulcherrima
[pulquérrima], mas também regina [rainha]. Por isso se lê no poema

Num pudet auratas Phoebum portare sagittas?


Clamne solet pharetram ferre Diana suam?
[Carmina Priapea, 9]

Acaso envergonha-se Febo de carregar flechas douradas?


Costuma Diana transportar furtivamente sua aljava?

Ditas estas coisas, vejamos agora de que forma se engenha Probo em


diminuir o louvor de Virgílio nesta comparação. Primeiramente ele fala com
razão. A virgem Nausicaa, jogando com suas damas de companhia em lugares
solitários, dá uma de Diana, que nos jogos dos montes caça entre as deusas
silvestres. Mas Virgílio vai contra o que convinha. Por isso que, andando
Dido pela cidade rodeada de nobres bem trajados, e com passo grave, e
solicitando que a obra, assim mesmo ele diz, e os futuros reinos se
progedissem, não tem nada a ver com os arcos e as caças de Diana. Em
seguida, descreve Homero a dedicação e o prazer que Diana sentia na caça
70
Trad. de Odorico Mendes, op. cit.
210
Antologia do Renascimento

com habilidade e beleza. Mas Virgílio, não tendo dito sequer uma palavra
sobre o caçar da deusa, somente a faz carregar nas costas a aljava, quase como
um peso e um fardo. Ó como é coisa leviana massacrar o que é dos outros
com palavras e falsidades? Mas ao contrário, diga-me ele que conformidade
tem Nausicaa, que nas fontes de um rio lava as roupas e, lavadas, estende-as
ao sol, e joga bola enquanto se secam, coisas todas vis ou infantis, sem
dignidade ou grandeza alguma, que assim é a coisa, se bem me lembro,
porque não tenho aqui Homero, que conformidade, digo, tem com a caçadora
Diana. Em torno a ela, assim como à senhora delas, mostram-se as Ninfas
alegres, festivas e diligentes. Talvez pudesse ela igualar-se bastante
convenientemente a Proserpina71 ou a Europa,72 mas de nenhuma forma a
Diana. Depois, muitíssimo admirou-se Probo de Virgílio, que quis trasladar
aquilo de Homero E consigo mesma alegra-se no peito. O que é, segundo ele,
uma alegria natural, íntima e presente no fundo do coração e da alma, fora
mostrada como uma alegria preguiçosa, efêmera e insulsa, que chega quase a
nadar e flutuar no peito, dizendo Tacitum pertemptant gaudia pectus [Eneida,
I, 502][A alegria penetra no peito calado]. Deixando isto na discreta balança
do julgamento dos outros para considerar se aquelas palavras de Homero têm
aquele peso grave da alegria, que ele com palavras assim afetuosas afirma ou
não, digo que não consigo reconhecer, por sutil que seja minha análise das
preditas palavras virgilianas, nem preguiça, nem efemeridade, nem insipidez
de alegria alguma, mas sim agudeza, pungência, inquietamento e pruridos de
inefável doçura, porque ao meu ver as preditas palavras na nossa língua não
soam de outro modo que aquele que Boccaccio chamou deleitar. Finalmente,
diz Probo que parece que Virgílio omitiu toda a flor da passagem de Homero,
pois mudou ligeiramente este verso:

E entre as outras dificuldades claramente se distingue,


mas são, contudo, todas belas.

Porque nenhum louvor à beleza nem maior nem mais completo se


poderia dizer que este, que uma ultrapassasse em beleza todas as outras belas,
e entre todas sem dificuldade claramente se distinguisse. Este verso pois
reconhece Probo pela excelência da passagem, e isso é verdadeiro. Mas quão
pouco cuidadoso foi Homero, que, introduzindo a mãe Latona regozijando-se
pelo bem da filha Diana, a faz excitar-se de alegria pelo talo do louvor, e não

71
Proserpina é a versão romana do mito de Perséfones. Na adaptação de Ovídio (Metamorfoses, 5, 359-
480), Proserpina, filha de Ceres e Júpiter, é raptada por Plutão, depois que este foi flechado por Cupido, e
tornada sua esposa e rainha dos Infernos.
72
Europa, filha de Agenor, rei da Fenícia, e de Telefassa, possuía extraordinária beleza e brancura (o
significado de seu nome). Enamorado de Europa, Júpiter transformou-se em doce e carinhoso touro branco
para poder aproximar-se dela, e quando a teve em seu lombo, lançou-se ao mar e atingiu a nado a ilha de
Creta. Europa e Júpiter tiveram três filhos.
211
Antologia do Renascimento

pela flor, isto é, ela se alegra que tenha companhia consigo, mas não que
ultrapasse em beleza as belas – o que é muito reputado nas mulheres como a
primeira consideração de louvor, e especialmente das mães pelas filhas.
Nisto se vê quanto mais sagaz foi Virgílio, que depois de ter dito:
Gradiensque deas supereminet omnis, acrescenta Latonae tacitum
pertemptant gaudia pectus [Eneida, I, 501-502] [E, caminhando, excede em
altura todas as deusas, A alegria penetra no peito calado de Latona]. Nem
pode alongar-se ampliando a beleza de Diana em comparação com as belezas
das Ninfas, porque não se podia aumentar a beleza de Dido com a comparação
das belezas dos nobres. Mas que sei eu? A inocência do Poeta não tinha
necessidade de tantas palavras para defender-se das acusações injustas.
Porque Virgílio, quanto à perspicácia, é entre os poetas, sem tirar sequer o
próprio Homero, como é o sol entre os planetas. Pelas coisas sobrescritas, sem
que vos pese ler novamente minhas traduções das epístolas de Cícero ou de
outro autor, podereis rapidamente compreender qual é o meu parecer acerca
disso. E se conservardes ainda este desejo pelas minhas traduções, haveis de
dizer-me, que então tentarei fazer o quanto me escreverdes. E se eu tivesse
tido aqui as epístolas, talvez esta carta não vos chegasse sozinha.
Eu não conheço nenhum livro antigo que trate especialmente da arte da
edificação na nossa língua. Mas muitos vocábulos se poderiam tomar de
Pietro Crescenzi,73 de Guido Giudice,74 e de Giovanni Villani75 por aqueles
que para isso os lessem. O que seria obra de poucos dias a quem estivesse
desocupado. Passai bem!

Nella Staggia, 7 de maio de 1543.

Tradução:

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com

73
Pietro Crescenzi (1230-1321), natural de Bolonha, autor de trabalhos sobre agricultura, animais e plantas
em geral (De agricultura omnibusque plantarum et animalium generibus; Ruralia commoda). Ruralia
commoda é considerado o melhor tratado medieval sobre agricultura (ca. 1306). Seus livros foram impressos
muitas vezes até o início do séc. XVII.
74
Guido Giudice (ca.1210-1287), natural de Messina, refez o Roman de Troie, de Benoît de Sainte-More
(composto originalmente em francês na metade do séc. XII) em prosa latina, Historia destructionis Troiae.
Esta ‘tradução’ ao latim teve várias ‘vulgarizações’ (tradução para as línguas neolatinas) no séc. XIV.
75
Giovanni Villani (ca. 1275-1348), escritor florentino das famosas Nuova cronica, é o maior cronista
italiano de seu tempo.
212
Antologia do Renascimento

Lettera del traslatare (1543)

Gran diferenza ha, secondo il parer mio, tra il vestire di parole un


concetto nostro e nudo ed il rivestirne uno d’altrui e già stato vestito.
Perciocché, oltre che la vesta, del concetto nostro e nudo non possa mai esser
riprovata, o per troppo lunga o per troppo corta, rimanendosi egli nella mente
nostra altrui invisibile. Il che non aviene del già stato vestito, che ristretto
dentro da certi e limitati et apparenti termini e misure per le quali dimostra
chiaramente a’ riguardanti il defetto o il superfluo della nuova gonna, chi non
vede quanta maggiore fatica si conviene durare, et in ispogliando il già
vestito, e da capo in rivestendolo? Conciosia cosa che nelle lingue sono alcuni
concetti nati e cresciuti così insieme con le parole, che in altra lingua non
possono trapassare o pure in altre parole della medesima lingua, e così come
ci pare cosa strana a vedere una persona che sia andata lungamente in abito,
pogniamo da cardinale, travestirsi subitamente da soldado, così ci offende il
vestire un concetto d’alcun autore d’altre parole, o d’altra lingua o pure della
medesima. Oltre a ciò la natura nostra, schifa di fatica et amica dell’aggio,
volentier s’accorda a seguire almeno in alcuna parte la forma delle vestimenta
proposte e rifugge da cercarne con affano una in tutto nuova e diversa; le
quali difficultà cessano nel vestire il concetto nostro e nudo, perciocché o
senza parole nudo ci viene nella mente o vestito con quelle, senza le quali noi
non il mandiamo fuori nella lingua che vogliamo usare. Là onde men vi
dovete maravigliare, se quel valentissimo uomo, secondo che scrivete delle
pistole di Cicerone, in volgare non vi sodisfa a pieno et olisce alquanto del
latino. Alcuno adunque di gran nome et effetto, secondo il giudicio mio, tra’
ciceroniani consiglia coloro che vogliano traportare in lingua latina alcuno
autore greco che, prima che si mettano a simile impresa, leggano quella parte
degli scritti di Cicerone che tratti la simigliante materia, acciocché abbiano
fresca la memoria delle cose latine. Apresso che, lasciate da parte le parole
greche, si recchino a mente il concetto nudo solo, acciocché più e più
agevolmente si possa vestire delle latine. I quali consigli, così come non
biasimo, così non lodo molto, ché cosa convenevole non mi pare che colui che
si mette a traslatare abbia bisogno che gli sia rinfrescata la memoria di quella
lingua nella quali egli traslata, di cui dee essere maestro e non discepolo. Ma
se lascierà da parte stare le parole greche, come risponderà egli alle proprietà,
alle traslationi, a’ numeri, alle figure et a tante altre virtù delle parole, le quali
cose rendono al mio giudizio più malagevole la traslatione che non fanno i
concetti medesimi, né però senza biasimo si possono tralasciare, se no ci
averrà alcuna volta che vestiremo di parole gravi e traslate e di certi numeri e
figure quello concetto che nella sua lingua era vestito di leggere e di proprie e
213
Antologia do Renascimento

di diversi numeri e figure. Il che disconverrà, non altrimenti che se


mettessimo indosso ad una giovinetta che andasse vestita di sanguigno e di
verde, panni neri e vedovili. Ma perchè pare che egli abbia tratta questa sua
arte di così consigliare da quel libro di Cicerone, che egli intitulò De optimo
genere oratorum, e dal capo nono libro d'Aulo Gellio, e me piace di favellare
alquanto intorno alla ’ntentione dell’uno e dell’altro. Se io vi paro uscire dal
modo usato dello scrivere da me per adietro osservato, non vi maravigliate,
ché la necessità del luogo dove sono, se io vo’ riempire la lettera, mi costrigne
ciò a fare, ché sono in villa, là dove non ho copia di novelle come aveva
quando era nella città. Cicerone adunque in quel suo libro non parla della
maniera dello ’nterpretare, anzi tutto apertamente confessa egli di non essere
interprete et accenna non oscuramente che l’ufficio dello ’nterprete è molto
lontano da quello che egli seguitò in traslatare que’ due nobili ragionamenti
d’Eschine e di Demostene, a cui bastò solamente, traslatandogli, di mostrare
agli uomini latini quale fosse la maniera del ben dire atenese. Per la qual cosa
a me pare che il gentile spirito M. Romolo Amasei già in publico parlamento
senza cagione spargesse molte lagrime in piangere la perdita di quelle
traslationi, perché con esso loro, secondo lui, abbiamo perduta la vera idea del
traslatare, ché, tutto che si trovassero, non si troverebbe però quello di che
oggidì tra molti si quistiona, cioè quale strada giudicasse Cicerone che fosse
da calpestare traslatando. Medesimamente Aulo Gellio ne parla del modo
dello ’nterpretare, né, quando pur ne parlasse, le sue ragioni meriterebbono
d’esser ricevute. Ragiona adunque egli quando un autore trapone in suo libro
un luogo d’un altro autore d’un altra lingua e lo trapone come autore, e non
come interprete, che non è di necessità che si traslatino le parole tutte per
quello modo che sono state dette. Ma posto che egli parlasse ancora quando lo
trapone come interprete e non come autore, veggiamo quello che vagliano i
suoi detti. Non ha guari, dice egli, che, leggendosi a tavola l’una e l’altra
opera bucolica di Virgilio e di Teocrito, ci accorgemmo che Virgilio tralasciò
quello che in greco è di maravigliosa piacevolezza ma traslatare né si dové, né
poté, ma non dimeno quello che ripose in vece di ciò che avea tralasciato non
è diverso, anzi è più dilettevole. Qui porrò nella lingua nostra in prosa i versi
teocritani, poiché non sono ancora fatto certo che abbiate toccato la lingua
greca.

Clearista gitta delle mele al capraio,


Che si caccia avanti le capre, e dolcemente lo losinga.

Ma Virgilio disse
Malo me Galatea petit lasciva puella,
Et fugit ad salices, et se cupit ante videri.
[Bucolica, III, 64-65]

214
Antologia do Renascimento

Deh dica egli quale è quella cosa in questi versi di Teocrito che né si dovessi,
nè potesse traslatare, quando fosse piacciuto al poeta! E forse quella: Il
capraio, che si caccia avanti le capre! Ma non disse egli quasi ne’ primi versi
bucolici – En, ipse capellas protinus aeger ago? [Bucolica, I, 12-13]. Il qual
concetto in altra guisa vestì dicendo: Non me pascente, capellae, florentem
cytisum et salices carpetis amaras [Bucolica, I, 77-78]. Et in altra:
Haedorumque gregem viridi compellere hibisco! [Bucolica, II, 30]. Et ancora
in un'altra: Aut custos gregis [Bucolica, X, 36]. O è forse quell’altra: e
dolcemente lo lusinga? Ma al mio parere pure la traslatò, e molto
aventurosamente, ne’ versi medesimi, dicendo: lasciva puella, che io nella
nostra lingua reccherei se non per vezzosa e lusinghevole fanciulla.
Ancoraché il poeta abbia il medesimo concetto detto altrove: At mihi sese
offert ultro, meus ignis, Amyntas [Bucolica, III, 66]. Non restò dunque né
perché non si dovesse, né perché non si potesse, di traslatare tutto quello di
Teocrito, ma perché col suo divino intelletto vide quanto si migliorava quel
concetto di gittare mele al suo amante con la giunta di nascondersi la
gittatrice, poiché si fosse lasciata studiosamente vedere. Il che è altresì un
lusingare, ma più speciale, et usitato dalle pastorelle innamorate. Appresso
(soggiungne egli) ci accorgemmo ancora che cautamente in un altro luogo
aveva lasciato quello che nel verso greco è dolcissimo:

O Titiro, vagamente amato da me, pasci le capre,


E menale al fonte Titiro,
E guarda che quel maschio Africano Cnacone non ti dia delle corna.

Per ciò che in qual modo avrebbe egli potuto dire: Vagamente amato da me, le
quali parole, così m’aiuti il dio Ercole, non sono traslatevoli, ma ripiene d’una
certa dolcezza natia. Dunque lasciò questo e traslatò con vaghezza il
rimanente dicendo:

Tityre, dum redeo, brevis est via, pasce capellas,


Et potum pastas age, Tityre, et inter agendum
Occursare capro, cornu ferit ille, caveto.
[Bucolica, IX, 23-25]

O poverella e misera lingua latina, poiché se’ tanto strema di facultà non
hai modo da vestire un concetto tanto commune e volgare com’è questo:
Vagamente amato da me. Del qual però, che che si dica questo spergiuro di
Aulo Gellio, non so se ’l cantor de’ bucolici carmi ne vestisse alcuno altro più
volte et in più guise dicendo ora:

215
Antologia do Renascimento

Tua cura, palumbes; tua cura Lycoris [Bucolica, I, 57; X, 22]. E quando:
Delicias domini [Bucolica, II, 2], Cum te ad delicias ferres Amaryllida
nostras? [Bucolica, IX, 22], e tal ora: Meus ignis, Amyntas. [Bucolica, III,
66]. E tal fiata: Phyllida amo ante alias [Bucolica, III, 78]. Et alcuna volta:
Nec Phoebo gratior ulla est. [Bucolica, VI, 11]. E di più: Nymphae noster
amor [Bucolica, VII, 21]. Et ancora. Thymo mihi dulcior Hyblae [Bucolica,
VII, 37]. Et altre a ciò: Alcidae gratissima. Et erat tum dignus amari.
[Bucolica, VII, 61; V, 89]. Ma che? Ad Aulo Gellio perdoneremo questa
ingiuria che egli così notabile ha fatta alla lingua latina et al nostro poeta,
poiché, quasi scusandosi dell’errore che doveva commettere, afferma che egli
era a tavola quando considerava queste cose. E diremo che Teocrito introduce
un pastore andare a fare una mattinata e dire a Titiro che guardi le capre, il
quale, siccome innamorato, lo lusinga chiamandol molto da lui amato,
siccome ancore i figliuoli di famiglia innamorati appresso i comici lusingano i
servi; la qual cosa lasciò Virgilio non perché fosse malagevole a dirsi, ma
perché sarebbe nel suo luogo stata biasimevole, ché, introducendo il padre
della famiglia andare a città per sue bisogne, non bisognava che lusingasse il
servo Titiro, ma che gli ricordassi che egli tornerebbe tosto. Ma che si
potrebbe desiderare cosa più acconcia a questo concetto di questo Occursare
capro [Bucolica, IX, 25], considerata la natura delle persone grosse, che si
dilettano sempre di attizzare le bestie, il quale attizzamento io intendo per
occursare, e la natura del becco, che non suole cozzare se non con chi gli si fa
incontro in atto d’urtante. Nella qual cosa di troppo perde Teocrito da
Virgilio. Il quale non pure in questo lo vince, ma in quella ancora: Et potum
pastas [Bucolica, IX, 24]. Percioché non vuole che le meni ad abbeverare
prima che non sieno pasciute, siccome si conviene fare. Reputo adunque per
le ragioni sopradette che più difficil cosa sia il traslatare che il comporre, e fo
differenza dalla maniera del traslatare come interprete a quella del traslatare
come autore, né m’accordo con coloro, che, lasciate le parole, attendono al
senso solo, e men con quelli altri, che, lasciata una parte del senso, un altra ve
ripongono in suo luogo, e giudico che poco sobriamente sia stato stimato da
Aulo Gellio il valore di Virgilio. Il qual poeta, perché è come dice Teocrito
ἐµὶν τὸ καλὸν πεφιληµένε, cioè tutto il mio sommo diletto non posso patire,
avegna che questo luogo non richiegga ciò di necessità, poiché già ho presa la
sua diffesa, et altro soggetto al presente non mi si parrà inanzi, che sia così
fieramente trafitto dalle punture di Valerio Probo, per altro persona scientiata
e d’aguto avedimento nel giudicare et esaminare gli altrui scritti, secondo che
scrive nel predetto capo il predetto Aulo Gellio avere udito raccontare a’
discepoli del predetto Valerio. Il quale affermava Virgilio niuna cosa
d’Omero avere traslatata men laudevolmente che si facesse que’ versi di
Nausicaa, li quali appresso Omero sono vaghissimi.

216
Antologia do Renascimento

Come Diana va per la montagna compiacendosi nel saettare


O nell’ampio Taigeto o nell’Erimanto
Vaga de’ capriuoli et de’ leggeri cervi.
A cui le boscareccie Ninfe, figliuole di Giove che poppò la capra, festeggiano intorno.
E Latona seco stessa si gode in seno.
Ma ella le soperchia tutte con la testa e con la fronte.
E tra l’altre senza difficultà chiaramente si discerne, sono però tutte belle.
Ma così tra le servigiali appariva riguardevole la schifa pulcella.

Li quali in questa guisa furono traportati da Virgilio nella lingua latina:

Qualis in Eurotae ripis aut per iuga Cynthi


Exercet Diana choros, quam mille secutae
Hinc atque hinc glomerantur Oreades; illa pharetram
Fert umero gradiensque deas supereminet omnis;
Latonae tacitum pertemptant gaudia pectus:
Talis erat Dido, talem se laeta ferebat
Per medios instans operi regnisque futuris.
[Aeneis, I, 498-504]

Ma prima che narriamo quello che dica l’aversario Virgiliano o che cosa
alcuna gli rispondiamo, ci par di necessità di dover dire alcune cose intorno al
consiglio del poeta latino, onde apparirà la vanità in parte delle false accuse. I
più lucenti pianeti del mondo sono il sole e la luna, che per Apollo e per
Diana sono nominati e figurati da’ poeti. Questi non sono mai senza
compagnia d’innumerabili stelle, ma per lo soperchio suo lume oscurano la
loro luce. Convenevolmente, dunque, quando si vuole dimostrare singolare
bellezza o maestà d’uomo sopra gli uomini che l’accompagnano, si prende la
comperazione d’Apollo, siccome fece Virgilio nel 4º libro dell’Eneide
inalzando la bellezza d’Enea così:

Ipse ante alios pulcherrimus omnis


Infert se socium Aeneas atque agmina iungit.
Qualis ubi hibernam Lyciam Xanthique fluenta
Deserit ac Delum maternam invisit Apollo
Instauratque choros, mixtique altaria circum
Cretesque Dryopesque fremunt pictique Agathyrsi;
Ipse iugis Cynthi graditur mollique fluentem
Fronde premit crinem fingens atque implicat auro,
Tela sonant umeris: haud illo segnior ibat
Aeneas, tantum egregio decus enitet ore.
[Aeneis, IV, 141-150]

Parimente, quando si vuole mostrare la bellezza di donna onesta o


maggioranza sopra la sua compagnia, è convenevole che si prenda la
similitudine di Diana, siccome fece nel libro primo Virgilio co’ versi
217
Antologia do Renascimento

sopraposti, commendando la reale forma di Didone. Ma se si domandasse


perché più tosto ponesse la detta comparatione di Diana nel primo libro che
nel 4º, si responderebbe che più simile era di Didone a Diana allora, sì per
l’onestà vedovile, la quale guardata intieramente, che s’agguaglia alla
virginità; ché è propria specialità di Diana. Sì perchè Enea nel 4º è paragonato
con Apollo, ma luna non appare dove luce sole. Ora attribuiscono i poeti a
Diana che usi nelle selve e ne’ monti, e che eserciti non solamente le caccie
ma ancora celebri certe tresche religiose, ché così intendo io quello Exercet
Diana choros [Aeneis, I, 499], le quali similmente sono celebrate da Apollo,
come chiaramente dice Virgilio in questi versi:

Instauratque choros, mixtique altaria circum


Cretesque Dryopesque fremunt pictique Agathyrsi.
[Aeneis, IV, 145-146].

Per la qual cosa, con gran similitudine è stata formata questa


comparatione, ché, tutto che Didone fosse nella città, era però nel bosco:

Lucus in urbe fuit media, laetissimus umbrae


[Aeneis, I, 441] e
Hoc primum in locu nova res oblata timorem
Leniit
[Aeneis, I, 450-451]

E faceva edificare un tempio a Giunone, che non è cosa diversa dalla


tresca religiosa. Appresso assegna Virgilio a Diana la faretra, siccome ancora
ad Apollo, non per superflua salma, ancora che allora non esercitasse la
caccia, ma per la dimostrazione della reale sua maestà e quasi per insegna
della sua potenzia, acciocché si confacesse con Didone, che non solamente si
chiama pulcherrima, ma ancora regina. Onde si legge nel poema:

Num pudet auratas Phoebum portare sagittas?


Clamne solet pharetram ferre Diana suam?
[Carmina Priapea, 9]

Or dette queste cose, veggiamo in qual maniera s’ingegni Probo di


diminuire la lode di Virgilio in questa comparatione. Primieramente dice egli
a gran ragione. Nausicaa Vergine, giocando con le sue damigelle ne’ luoghi
solitari, si mette a petto a Diana, che ne’ gioghi de’ monti tra le boschereccie
dee caccia. Ma Virgilio fa contra quello che si conveniva. Percioché, andando
Didone per mezzo la città intorniata da baroni in abito e passo grave, e
sollecitando che l’opera, siccome egli dice, et i futuri reami s’avanzassero,
non ha de far nulla con le seste e le caccie di Diana. Appresso, scrive Omero
218
Antologia do Renascimento

lo studio et il diletto che della caccia prendeva Diana a sufficienza e


vagamente. Ma Virgilio, non avendo fatto pure un motto del cacciar della
Dea, solamente le fa portare in ispalla la faretra, quasi come un peso et una
salma. O come è leggier cosa stratiare con parole e con falsità altrui? Ma
all’incontro dicami egli che convenevolezza ha Nausicaa, la quale con le sue
fonti ad un fiume lava i panni, e lavati gli spiega al sole e giuoca, mentre si
seccano, alla palla, cose tutte o vili o fanciullesche, senza dignità o grandezza
alcuna, che così, se ben mi ricorda, ché quì non ho Omero, sta la cosa, che
convenevolezza dico ha con la cacciatrice Diana. Intorno alla quale, siccome
a loro donna, si mostrano le ninfe e liete e festanti e preste. Forse che ella a
Proserpina o ad Europa si poteva assai acconciamente agguagliare, ma a
Diana in niuna guisa. Poscia oltremodo si maravigliò Probo di Virgilio, che,
volendo traslatare quello d’Omero: E seco stessa si gode in seno; il che è
secondo lui una allegrezza naturale et interna et occupante la profonda parte
del cuore e dell’anima, abbia mostrata una allegrezza pigra e leggera e
milenza, e che quasi nuoti al sommo e stia a galla nel petto, dicendo: Tacitum
pertemptant gaudia pectus [Aeneis, I, 502]. A cui lasciando nella discreta
bilanzia del giudicio altrui a considerare como quelle parole d’Omero abbiano
quel grave pondo d’allegrezza che egli con così affettuose parole afferma, o
no, dico che non so conoscere, per sottilmente guatare che mi faccia, nelle
predette parole virgiliane né pigritia, né leggerezza, né milensaggine
d’allegrezza alcuna, ma sì agutezza e puntura e traffiggitura e pizzicore
d’ineffabile dolziore, ché al mio giudizio le predette parole nella nostra lingua
altro non suonano che quello che il Boccaccio disse Diletticare. Ultimamente
dice Probo che par che Virgilio tralasciasse tutto il fiore del luogo d’Omero,
poiché leggermente toccò questo verso:

E tra l’altre difficultà chiaramente si discerne, ma sono però tutte belle.

Ché niuna né maggiore né più compiuta lode di bellezza si poteva dire di


questa, che una trapassasse di bellezza tutte l’altre belle, e fra tutte senza
difficultà chiaramente si discernesse. Questo verso dunque riconosce Probo
per o fiore del luogo, e così ha di vero. Ma o quanto poco aveduto è stato
Omero, che, introducendo Latona madre a rallegrarsi per lo bene della
figliuola Diana, la fa riscaldarsi d’allegrezza del gambo della lode, e non del
fiore, cioè si gode ella che abbia gran compagnia con seco, ma non già che
trapassi di bellezza le belle. Il che non dimeno è nelle donne riputato il primo
pregio di lode, e specialmente dalle madri nelle figliuole. Nella qual cosa si
vide quanto più fosse accorto Virgilio, che, poiché ebbe detto: Gradiensque
deas supereminet omnis, soggiunse Latonae tacitum pertemptant gaudia
pectus [Aeneis, I, 501-502]. Né poté distendersi in accrescer la bellezza di
Diana per comparatione delle bellezze delle ninfe, perché la bellezza di
219
Antologia do Renascimento

Didone non si poteva aumentare per comparazione delle bellezze de’ baroni.
Ma che so io? La innocenzia del poeta non avea bisogno di tante parole per
diffendersi delle ’ngiuste accuse. Percioché Virgilio, quanto è agli
avedimenti, è tra poeti, né esso Omero ne traggo, il quale è il sole tra’ pianeti.
Per le cose soprascritte, senza che vi gravi di nuovo a leggere mie traslazioni
o delle pistole di Cicerone o d’altro autore, potrete agevolmente comprendere
quale sia il mio parere intorno a ciò. Ma se pure vi durerà questo appetito di
mie traslationi, mi farete di nuovo motto, che tenterò di far quanto mi
scriverete. E se qui avessi avuto le pistole, forse che questa lettera non ne
veniva senza.
Io non so niuno libro antico che particolarmente tratti l’arte dell’edificare
nella lingua nostra. Ma molti vocaboli si potrebbono corre e da Pietro
Crescenzi e da Guido Giudice e da Gio. Villani per chi per questo gli
leggesse. Il che a chi fosse scioperato sarebbe opera di pochi dì. State sano.

Nella Staggia. Il dì 7 di maggio 1543.

Fonte:76 Lodovico Castelvetro. “Lettera scritta a M. Guasparro Calori del


traslatare”, in Calogerà, Pe. Angelo, Raccolta d’opuscoli scientifique e
filologici. Tomo XXXVII, transcritos diretamente do original. Veneza, 1747.

76
Critérios de transcrição interpretativa: 1. a pontuação, as maiúsculas, os acentos e os apóstrofes foram
adequados ao uso moderno; 2. mantém-se a divisão das palavras do original; 3. são eliminadas as h
etimológicas e paretimológicas não conservadas no uso moderno, assim como o ph é transcrito com f e o m
antes de som labiodental com n; 4. o titulus é indicado com et antes de vogal e com e antes de consoante; 5.
mantém-se a grafia ti antes de vogal. Transcrito por Tommaso Raso.
220
Antologia do Renascimento

Thomas Sébillet
(1512-1589)

THOMAS SÉBILLET, advogado, helenista e teórico da poesia francesa,


publica em 1548 sua Art poétique françoys, na qual aborda problemas da
técnica e da inspiração poética, defende o rompimento com os gêneros
literários medievais e o retorno àqueles da Antiguidade grega e latina, mas
apontando como modelos os modernos, Clément Marot (1497-1544), Melin
de Saint-Gelais (1487-1558), Antoine Héroët (1492-1568), Maurice Scève
(1500-1562), pelo que será rebatido pelo grupo da Plêiade, que se posiciona
contra a poesia ‘artificial’ e as traduções. O capítulo XIV da Art poétique
françoys, intitulado De la version, é dedicado à tradução. Sébillet concebe a
tradução como um gênero literário, como um ramo da retórica, como imitação
e meio de trabalhar o estilo. Por ela, a língua vernácula pode enriquecer-se e
aperfeiçoar-se. Defende a tradução pelo sentido e o respeito ao gênio da
língua de chegada. Um conceito importante na reflexão de Sébillet é o de
tradução da enargie (do grego, ἐναργείᾳ) do discurso do autor, enquanto um
atributo do discurso, do estilo, da uirtus do original, com uma referência
latente ao momento que antecede o texto, mas também enquanto ação, sua
capacidade de ser expressa, ou seja, uma qualidade do arranjo verbal
explícito, visual, no texto fonte, que pode ser reconstituído no texto traduzido.
Sébillet também revela nas entrelinhas a antiga compreensão equivocada dos
versos de Horácio (65-8), de que seria melhor ao tradutor evitar de ater-se às
palavras do original (ad sententiam), qual fidus interpres.

PHILIPPE HUMBLÉ (philippe.humble@gmail.com) é doutor em Tradução


pela UFSC e professor adjunto de Língua e Literatura Espanhola na
Universidade Federal de Santa Catarina no Brasil. Sua área de pesquisa é a
lexicografia. É autor de Dictionaries and Language Learners (Frankfurt-am-
Main, 2001) e de um Dicionário de Uso Português-Espanhol (2006). É ainda
tradutor de Schopenhauer, Ronsard, além de textos técnicos.

MARIE-HÉLÈNE CATHERINE TORRES (marie.helene.torrres@gmail.com)


é professora de Literatura Francesa no Departamento de Língua e Literatura
Estrangeiras da UFSC, professora de Teoria e História da Tradução e
coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução.
Doutorou-se pela Katholieke Universiteit Leuven, na Bélgica, com a tese
Variations sur l´étranger dans les lettres: cent ans de traductions françaises
des lettres brésiliennes. É membro da diretoria da ABRAPT e da comissão
editorial da revista Cadernos de Tradução. É também líder do grupo de
221
Antologia do Renascimento

pesquisa História da Tradução e participa enquanto pesquisadora dos grupos


de Literatura Traduzida (NUPLITT/UFSC) e Mapeamentos nos Estudos da
Tradução (NUPLITT-NET/UFSC-UFMG).

222
Antologia do Renascimento

Da tradução

Ainda que eu não tenha especificado até agora todos os diferentes tipos
de poemas, expliquei a maioria e seu uso mais importante e freqüente. Tenho
certeza de que acharás outros além desses e não duvido que o tempo seja
poderoso o suficiente para descobrir novos todos os dias. Mas tu também
entendes, leitor, que assim como é fácil acrescentar algo às coisas achadas,
também será fácil inovares tu mesmo, ou imitares o que foi inovado por
outros, por meio do conhecimento desses mesmos.
Por isso ficarei contente, e pediria que tu também o ficasses, pelo que
falei, ainda que pouco, e mais ainda porque já adverti que, de poemas que são
chamados de grandes obras, como o são, de Homero, a Ilíada, de Virgílio, a
Eneida, de Ovídio, as Metamorfoses, acharás pouco ou nada, começado ou
terminado pelos poetas do nosso tempo. Se quiseres um exemplo desse tipo de
obra, terás que recorrer ao Roman de la rose, que é uma das obras maiores
que podemos ler hoje na nossa poesia francesa. Se preferires e for o caso de
produzires uma obra, forma-te no espelho de Homero e Virgílio, essa seria
minha opinião se me pedisses conselho. E podes crer que essa penúria de
obras grandes e heróicas se deve ou à falta de assunto ou ao fato que todos os
poetas famosos e cultos preferem, traduzindo, seguir os rastros consagrados
ao longo dos tempos e por bons espíritos, mais do que, empreendendo uma
obra original, abrir caminho para os ladrões da honra devida a todo labor
virtuoso.
Por isso eu te afirmo que a versão ou tradução é hoje o poema mais
freqüente e mais bem aceito pelos estimados poetas e pelos doutos leitores,
porque todos acham que é uma grande realização e de muito valor dourar e
enriquecer por meio da nossa língua a pura e argêntea invenção dos poetas. E
realmente, merecem grande louvor a obra e aquele que conseguiu de maneira
precisa e fiel expressar em sua língua o que outro escreveu melhor na dele,
depois de tê-lo bem concebido em seu espírito. E a este é devida a mesma
glória que àquele que, pelo seu labor e longo esforço, extrai das entranhas da
terra um tesouro escondido para torná-lo disponível para o uso de todos os
homens.
Glorioso é portanto o labor de tanta gente honrada que todos os dias a
isso se dedica. Honrável também será o teu quando vieres a empreendê-lo.
Mas toma cuidado uma e outra vez para que tenhas um perfeito conhecimento
tanto do idioma do autor que te propões a verter, quanto daquele ao qual
decidiste traduzir, porque a falta de um dos dois ou dos dois juntos farão com
que a tradução se torne tão deselegante quanto o disparate daquele que, para
223
Antologia do Renascimento

agradar às damas tenta dançar sendo capenga de uma perna ou coxeando de


ambas. Assim receberás por recompensa de todo o teu labor o mesmo salário
que ele, muita gargalhada e muita chacota. Para fugir a este perigo, não te
atenhas supersticiosamente às palavras do teu autor, mas somente às que
forem necessárias para conservar a ideia, respeita a frase e as propriedades da
tua língua antes que a expressão da estrangeira. Não sendo, pois, possível
representar com seu próprio rosto a dignidade do autor e a energia77 do seu
discurso tão diligentemente expressa, será a tua obra que deverá mostrá-las,
da maneira como um espelho as representaria. Mas como a tradução não é
nada mais do que uma imitação, como poderias melhor te iniciar do que
imitando? Imita então Marot, em sua Metamorfoses, em seu Museu78
[L’histoire de Leander et Hero], em seus Salmos; Salel, em sua Ilíada;
Héroët, em seu Androgyne de Platon; Desmasures, em sua Eneida; Peletier,
em sua Odisséia e Geórgica. Imita ao máximo espíritos divinos que, seguindo
os rastros de outros, tornam o caminho mais agradável a seguir, e são
seguidos eles também.

Tradução:

Philippe Humblé
philippe.humble@gmail.com

Marie-Hélène Catherine Torres


marie.helene.torrres@gmail.com

77
Com a palavra (no original) enargie, uma forma rara no Renascimento francês, Sébillet preserva um vínculo
fônico com o termo grego ἐνάργεια (enargeia, claridade, visão clara, evidência), junto com toda a uirtus do
original. Enargie é, pois, um atributo do discurso, do estilo, com referência latente ao momento que antecede o
texto, mas também enquanto ação, sua capacidade de ser expressa. Enargie é, pois, uma qualidade do arranjo
verbal explícito no texto fonte, que pode ser reconstituído no texto traduzido (cf. Norton 1984). (N. do E.)
78
Museu (Musaios) (séc. V-VI), autor do poema Hero e Leandro, que serviu de base para L’histoire de Leander
et Hero, de Marot. (N. do E.)
224
Antologia do Renascimento

De la version (1548)

Si je ne t’ai jusqu’ici spécifié toutes les différentes sortes de poèmes, si


t’en ai-je déclaré la plupart, et du premier et plus fréquent usage. Je sais bien
que tu en trouveras encore quelques uns autres que ceux-ci; et n’ignore pas
que le temps soit assez puissant pour en découvrir tous les jours de nouveaux.
Mais tu entends bien aussi, Lecteur, que comme il est aisé d’ajouter aux
choses trouvées, ainsi te sera il facile, ou d'en innover de toi mêmes, ou imiter
les innovés par autres, au moyen de la connaissance de ceux-ci.
Pour ce serai-je content, et te supplierai aussi de l’être, du peu que je t’en
ai déclaré; mais que je t’aie encore brièvement avisé, que des poèmes que
tombent sous l’appellation de grand œuvre, comme sont, en Homère, l’Iliade;
en Virgile, l’Énéide; en Ovide, la Métamorphose, tu trouveras peu ou point
entrepris ou mis a fin par les poètes de notre temps. Pource si tu désires
exemple, te faudra recourir au Roman de la Rose, que est une des plus
grandes œuvres que nous lisons aujourd’hui en notre poésie française. Si tu
n’aimes mieux, s’il t’advient d’en entreprendre, te former au miroir d’Homère
et Virgile, comme je serais bien d’avis, si tu m’en demandais conseil. Et crois
que cette pénurie d’œuvres grandes et héroïques part de faute de matière ou
de ce que chacun des poètes famés et savants aime mieux en traduisant suivre
la trace approuvée de tant d’âges et de bons esprits, qu’en entreprenant œuvre
de son invention, ouvrir chemin aux voleurs de l’honneur dû à tout labeur
vertueux.
Pourtant t’avertis-je que la version ou traduction est aujourd’hui le
poème plus fréquent et mieux reçu des estimés poètes et des doctes lecteurs, à
cause que chacun d’eux estime grande œuvre et de grand prix, rendre la pure
et argentine invention des poètes dorée et enrichie de notre langue. Et
vraiment celui et son œuvre méritent grande louange, qui a pu proprement et
naïvement exprimer en son langage, ce qu’un autre avait mieux écrit au sien,
après l’avoir bien conçu en son esprit. Et lui est due la même gloire
qu’emporte celui qui par son labeur et longue peine tire des entrailles de la
terre trésor caché, pour le faire commun à l’usage de tous les hommes.
Glorieux donc est le labeur de tant de gens de bien qui tous les jours s’y
emploient; honorable aussi sera le tien quand t’adviendra de l’entreprendre.
Mais garde et regarde que tu ais autant parfaite connaissance de l’idiome de
l’auteur que tu entreprendras tourner, comme de celui auquel tu délibéreras le
traduire, car l’un des deux défauts ou tous les deux ensemble, rendraient ta
version égale en mauvaise grâce à la sottie de celui que pour plaire aux dames
entreprend le bal, et est boiteux d’une jambe, ou cloche de toutes les deux.
225
Antologia do Renascimento

Ainsi recevras tu pour récompense de ton labeur tout tel salaire comme lui,
grand ris, et pleine moquerie. Pour fuir de ce danger ne jure tant
superstitieusement aux mots de ton auteur que ceux délaissés pour retenir la
sentence, tu ne serves de plus près à la phrase et propriété de ta langue, qu’à
la diction de l’étrangère. La dignité toutefois de l’auteur, et l’énergie de son
oraison tant curieusement exprimée, que puisqu’il n’est possible de
représenter son même visage, autant en montre ton œuvre, qu’en
représenterait le miroir. Mais puisque la version n’est rien qu’une imitation,
t’y puis je mieux introduire qu’avec imitation? Imite donc Marot en sa
Métamorphose, en son Musée, en ses Psaumes; Salel, en son Iliade; Héroët,
en son Androgyne; Désmasures, en son Énéide; Peletier, en son Odyssée et
Géorgique. Imite tant de divins esprits, qui suivant la trace d’autrui, font le
chemin plus doux à suivre, et sont eux-mêmes suivis.

Fonte: Thomas Sébillet. Art poétique françoys. Édition critique avec une
introduction et des notes par Félix Gaiffe. Paris, Societé Nouvelle de
Librairie et d’Édition, 1910.
Le chapitre XIV, De la version, fut transcrit et l’orthographe actualisé par
Philippe Humblé.

226
Antologia do Renascimento

Joachim du Bellay
(1522-1560)

JOACHIM DU BELLAY, poeta francês, fundador, junto com Pierre de


Ronsard (1524-1585), da Plêiade (grupo de sete poetas, cujo objetivo era a
defesa da substituição do latim pelo francês na literatura francesa, e o
enriquecimento da língua vernácula através da imitação do melhor da
literatura antiga grega e latina). Redige o famoso manifesto de cunho político-
lingüístico e cultural da Plêiade Défense et illustration de la langue française
(1549), no qual instiga os escritores a comporem em francês, e a preferirem
criar em francês a traduzir obras estrangeiras, pois que a tradução constituiria
um perigo não apenas para a língua como também para a literatura. Du Bellay
concebe a tradução como limitação, e à semelhança de tantos outros autores,
como Sébillet (1512-1589), malinterpreta Horácio (65-8) como preceptista da
tradução, cujo ensinamento seria o de não afastar-se em absoluto dos limites
do autor (ad uerbum). Défense et illustration de la langue française, embora
sendo em parte uma tradução do Dialogo delle lingue (1542), de Sperone
Speroni (1500-1588), é também uma resposta, ao mesmo tempo um
complemento e uma refutação do tratado de Thomas Sébillet, Art poétique
(1548), que se mantinha ligado à tradição dos grandes retóricos –
considerando a tradução um gênero literário e um meio de aperfeiçoar a
língua romance – e à prática poética da escola de Marot (1497-1544).

DOROTHÉE DE BRUCHARD (www.escritoriodolivro.org.br) é tradutora,


editora, coordenadora do Escritório do Livro. Graduou-se em
Letras/Português-Francês pela UFSC e pós-graduou-se com mestrado em
Literatura Comparada (Reescrevendo o mito: Morte d'Arthur, de Alfred Lord
Tennyson e Mensagem, de Fernando Pessoa) pela University of Nottingham,
Inglaterra. Trabalha com tradução literária e versão (ensaios, teses, roteiros)
do/para o francês, e também com editoração e criação de projetos gráficos.
Fundadora e dirigente da extinta Editora Paraula, publicou, de 1993 a 1998,
26 obras clássicas bilíngües. Dentre os muitos autores que traduziu, contam-se
Baudelaire, Rousseau, Schwob, Cendrars, Mandel, Swift, Poe, Mallarmé,
Proust.

227
Antologia do Renascimento

Defesa e ilustração da língua francesa (excertos)

CAPÍTULO V
DE QUE AS TRADUÇÕES NÃO BASTAM PARA TRAZER PERFEIÇÃO
À LÍNGUA FRANCESA

Entretanto, o tão louvável labor de traduzir não me parece ser o meio


único e suficiente de alçar a nossa língua vulgar à condição de igual e modelo
das outras mais famosas. É o que tenciono provar, tão claramente que não
haverá (assim quero crer) quem me contradiga, a menos que seja um
manifesto caluniador da verdade. Em primeiro lugar, é consenso entre todos
os melhores autores de retórica, que são cinco as partes do bem dizer: a
invenção, a elocução, a disposição, a memória e a pronúncia. Ora,
considerando-se que as duas últimas pouco se aprendem pelo benefício das
línguas, sendo antes concedidas a cada pessoa segundo a fortuna de sua
própria natureza, ampliadas e mantidas pelo exercício aplicado e contínua
diligência; considerando-se também que a disposição se encontra antes na
discrição e no juízo correto do orador do que em determinadas regras e
preceitos; tendo em vista que os acontecimentos do tempo, a circunstância dos
lugares, a condição das pessoas e a diversidade das ocasiões são inumeráveis,
irei contentar-me em falar das duas primeiras, ou seja, da invenção e da
elocução. É então ofício do orador falar, de tudo quanto for proposto, copiosa
e elegantemente. Ora, a faculdade de falar desse modo sobre todas as coisas
só pode ser adquirida por meio de uma perfeita compreensão das ciências, as
quais foram de início tratadas pelos gregos e, posteriormente, pelos romanos,
seus imitadores. Essas duas línguas devem necessariamente, portanto, ser
entendidas por quem queira adquirir essa abundância e riqueza de invenção,
peça primeira e principal do equipamento de trabalho do orador. E, nesse
sentido, os fiéis tradutores podem servir e auxiliar muitíssimo aqueles que não
possuem o meio único de se dedicarem às línguas estrangeiras. Já quanto à
elocução, que é decerto a parte mais difícil e sem a qual todo o resto fica
como inútil e feito um gládio ainda guardado na bainha, a elocução (digo)
pela qual se julga um orador mais competente, e um modo de falar, melhor
que outro, da qual é chamada a própria eloqüência, e cuja virtude reside nas
palavras apropriadas, usitadas e não alienadas do uso comum da fala, nas
metáforas, alegorias, comparações, similitudes, vigor e tantas outras figuras e
ornamentos, sem as quais qualquer discurso e poema fica despido, falho e
débil: nunca poderei acreditar que se possa aprender essas coisas todas com os
tradutores, já que é impossível reproduzi-las com encanto igual ao empregado
228
Antologia do Renascimento

pelo autor. Mesmo porque, cada língua tem um não-sei-quê que lhe é próprio
e se vocês se esforçarem por expressar o original em outra língua, observando
essa lei do traduzir que é não se afastar dos limites do autor, sua expressão
será forçada, fria e inadequada. E para comprová-lo, leiam um Demóstenes e
um Homero latinos, um Cícero e um Virgílio franceses, a ver se irão
provocar-lhes as mesma afeições, a ver se irão, como a um Proteu,
transformá-los de várias maneiras, como vocês sentem que ocorre quando
lêem esses autores nas suas línguas. Terão a impressão de passar da ardente
montanha do Etna para o frio cimo do Cáucaso. E o que estou dizendo das
línguas latina e grega deve ser reciprocamente dito de todas as línguas
vulgares, dentre as quais citarei tão somente um Petrarca, do qual ouso apenas
dizer que, tivessem Homero e Virgílio, redivivos, empreendido a sua
tradução, não conseguiriam reproduzi-lo com o mesmo encanto e
simplicidade do seu toscano vulgar. Alguns contemporâneos nossos, no
entanto, fizeram-no falar francês. São essas, em suma, as razões que me
levaram a pensar que o ofício e o zelo dos tradutores, aliás muitíssimo úteis
para instruir os ignorantes das línguas estrangeiras no conhecimento das
coisas, não bastam para dar à nossa a perfeição e, como fazem os pintores
com seus quadros, a última demão que desejamos. E se os motivos que citei
não parecerem suficientemente fortes, apresento, como meus garantes e
defensores, os antigos autores romanos, poetas principalmente, e oradores, os
quais (muito embora tenha Cícero traduzido alguns livros de Xenofonte e de
Arato, e Horácio ofereça os preceitos para bem traduzir) dedicaram-se a essa
parte antes para seu estudo e proveito particular do que para publicar em prol
do engrandecimento de sua língua, de sua própria glória ou da comodidade de
outrem. Quem já viu em forma de tradução alguma obra daqueles tempos, de
Cícero e Virgílio, quero dizer, e do bem-aventurado século de Augusto, não
poderá desmentir o que digo.

CAPÍTULO VI
DOS MAUS TRADUTORES, E DE NÃO TRADUZIR OS POETAS

Mas o que dizer de alguns, de fato mais dignos de serem chamados de


traidores do que tradutores, visto que traem aqueles que empreendem revelar,
despojando-os de sua glória e, no mesmo ato, seduzem os leitores ignorantes
mostrando-lhes branco por preto? Que, para conquistarem o nome de sábios,
traduzem a crédito línguas de que nunca escutaram os primeiros rudimentos
sequer, como a hebraica e a grega; e que, para ainda melhor valorizar a si
próprios resolvem traduzir os poetas, gênero de autores para os quais, se eu
soubesse ou quisesse traduzir, me voltaria decerto bem pouco, por causa dessa
229
Antologia do Renascimento

invenção divina que eles possuem mais do que os outros, dessa grandeza de
estilo, magnificência de palavras, gravidade de sentenças, audácia e variedade
de figuras, e mil outras luzes de poesia, esse vigor, em suma, e não sei que
outro espírito presente nos seus escritos, que os latinos chamariam genius.
Todas essas coisas podem ser tão bem expressas pela tradução como um
pintor pode representar, junto com o corpo, a alma de quem ele retrata do
natural. O que estou dizendo não se aplica àqueles que, por ordem dos
príncipes e grandes senhores, traduzem os mais famosos poetas gregos e
latinos, pois a obediência devida a tais personagens não deixa nenhuma
escapatória. Mas tenho mesmo a intenção de falar àqueles que, por iniciativa
própria (como se diz), dispõem-se a fazer essas coisas e assim as realizam. Ó
Apolo! Ó Musas! Profanar desse modo as santas relíquias da Antiguidade!
Mas não direi mais nada. Quem quiser realizar alguma obra de valor na sua
língua vulgar deixe então esse labor de traduzir, principalmente os poetas,
para aqueles que, de algo laborioso e pouco vantajoso, ouso mesmo dizer
inútil, ou até pernicioso para o crescimento de sua língua, obtêm
legitimamente mais modéstia do que glória.

CAPÍTULO VII
DE COMO OS ROMANOS ENRIQUECERAM A SUA LÍNGUA

Se os romanos (dirão alguns) não se dedicaram a esse labor da tradução,


por que meios então conseguiram enriquecer assim a sua língua, chegando até
quase a igualá-la à grega? Imitando os melhores autores gregos,
transformando-se neles, devorando-os e, depois de bem digeri-los,
convertendo-os em sangue e alimento; escolhendo, cada qual segundo sua
natureza e o argumento que preferisse, o melhor autor, observando
diligentemente todas as suas mais raras e deliciosas virtudes e, como já disse,
inserindo-as e aplicando-as feito enxertos na sua língua. Desse modo (digo),
os romanos edificaram todos os belos escritos que louvamos e admiramos
tanto, ora igualando-os àqueles, ora preferindo-os a eles. E do que estou
dizendo são uma boa prova Cícero e Virgílio, que de bom grado e em
homenagem sempre nomeio em língua latina: um deles devotou-se
integralmente à imitação dos gregos, reproduziu e expressou tão vividamente
a riqueza de Platão, a veemência de Demóstenes e a alegre suavidade de
Isócrates, que Mólon de Rodes certa vez, ao ouvi-lo declamar, exclamou que
ele estava trazendo a eloqüência grega para Roma. O outro imitou tão bem
Homero, Hesíodo e Teócrito, que disseram depois a seu respeito que, dos três,
ele sobrepujou um, igualou o outro e chegou tão perto do terceiro que, se o
acerto dos argumentos tratados fosse igual, a palma seria incerta. Pergunto
230
Antologia do Renascimento

então a vocês, que só se ocupam de translação: se esses tão célebres autores


tivessem inventado de traduzir, será que teriam alçado a sua língua à
excelência e altura em que a vemos hoje? Pois não pensem que, por mais zelo
e indústria que empreguem nesse sentido, vocês possam fazer tanto por nossa
língua que ela, ainda rastejante pelo chão, possa erguer a cabeça e se alçar
sobre os pés.

Tradução:

Dorothée de Bruchard
www.escritoriodolivro.org.br

231
Antologia do Renascimento

Défense et illustration de la langue française (1549)(excertos)

CHAPITRE V
QUE LES TRADUCTIONS NE SONT SUFFISANTES POUR DONNER
PERFECTION À LA LANGUE FRANÇAISE

Toutefois ce tant louable labeur de traduire ne me semble moyen unique


et suffisant pour élever notre vulgaire à l'égal et parangon des autres plus
fameuses langues. Ce que je prétends prouver si clairement, que nul n'y
voudra (ce crois-je) contredire, s'il n'est manifeste calomniateur de la vérité.
Et premier, c'est une chose accordée entre tous les meilleurs auteurs de
rhétorique, qu'il y a cinq parties de bien dire: l'invention, l'élocution, la
disposition, la mémoire et la prononciation. Or pour autant que ces deux
dernières ne s'apprennent tant par le bénéfice des langues, comme elles sont
données à chacun selon la félicité de sa nature, augmentées et entretenues par
studieux exercice et continuelle diligence: pour autant aussi que la disposition
gît plus en la discrétion et bon jugement de l'orateur qu'en certaines règles et
préceptes, vu que les événements du temps, la circonstance des lieux, la
condition des personnes et la diversité des occasions sont innumérables, je me
contenterai de parler des deux premières, à savoir de l'invention et de
l'élocution. L'office donc de l'orateur est, de chaque chose proposée,
élégamment et copieusement parler. Or cette faculté de parler ainsi de toutes
choses ne se peut acquérir que par l'intelligence parfaite des sciences,
lesquelles ont été premièrement traitées par les Grecs, et puis par les Romains
imitateurs d'iceux. Il faut donc nécessairement que ces deux langues soient
entendues de celui qui veut acquérir cette copie et richesse d'invention,
première et principale pièce du harnais de l'orateur. Et quant à ce point, les
fidèles traducteurs peuvent grandement servir et soulager ceux qui n'ont le
moyen unique de vaquer aux langues étrangères. Mais quant à l'élocution,
partie certes la plus difficile, et sans laquelle toutes autres choses restent
comme inutiles et semblables à un glaive encore couvert de sa gaine,
l'élocution (dis-je) par laquelle principalement un orateur est jugé plus
excellent, et un genre de dire meilleur que l'autre: comme celle dont est
appelée la même éloquence, et dont la vertu gît aux mots propres, usités, et
non aliénés du commun usage de parler, aux métaphores, allégories,
comparaisons, similitudes, énergie, et tant d'autres figures et ornements, sans
lesquels toute oraison et poème sont nus, manqués et débiles; - je ne croirai
jamais qu'on puisse bien apprendre tout cela des traducteurs, parce qu'il est
impossible de le rendre avec la même grâce dont l'auteur en a usé : d'autant
232
Antologia do Renascimento

que chaque langue a je ne sais quoi propre seulement à elle, dont si vous
efforcez exprimer le naïf dans une autre langue, observant la loi de traduire,
qui est n'espacer point hors des limites de l'auteur, votre diction sera
contrainte, froide et de mauvaise grâce. Et qu'ainsi soit, qu'on me lise un
Démosthène et Homère latins, un Cicéron et Virgile français, pour voir s'ils
vous engendreront telles affections, voire ainsi qu'un Protée vous
transformeront en diverses sortes, comme vous sentez, lisant ces auteurs en
leurs langues. Il vous semblera passer de l'ardente montagne d'AEtné sur le
froid sommet du Caucase. Et ce que je dis des langues latine et grecque se
doit réciproquement dire de tous les vulgaires, dont j'alléguerai seulement un
Pétrarque, duquel j'ose bien dire que, si Homère et Virgile renaissant avaient
entrepris de le traduire, ils ne le pourraient rendre avec la même grâce et
naïveté qu'il est en son vulgaire toscan. Toutefois quelques-uns de notre
temps ont entrepris de le faire parler français. Voilà en bref les raisons qui
m'ont fait penser que l'office et diligence des traducteurs autrement fort utiles
pour instruire les ignorants des langues étrangères en la connaissance des
choses, n'est suffisante pour donner à la nôtre cette perfection et, comme font
les peintres à leurs tableaux, cette dernière main, que nous désirons. Et si les
raisons que j'ai alléguées ne semblent assez fortes, je produirai, pour mes
garants et défenseurs, les anciens auteurs romains, poètes principalement, et
orateurs, lesquels (combien que Cicéron ait traduit quelques livres de
Xénophon et d'Arate, et qu'Horace baille les préceptes de bien traduire) ont
vaqué à cette partie plus pour leur étude, et profit particulier, que pour le
publier à l'amplification de leur langue, à leur gloire et commodité d'autrui. Si
aucuns ont vu quelques oeuvres de ce temps-là, sous titre de traduction,
j'entends de Cicéron, de Virgile, et de ce bienheureux siècle d'Auguste, ils ne
pourront démentir ce que je dis.

CHAPITRE VI
DES MAUVAIS TRADUCTEURS, ET DE NE TRADUIRE LES POÈTES

Mais que dirai-je d'aucuns, vraiment mieux dignes d'être appelés


traditeurs, que traducteurs? vu qu'ils trahissent ceux qu'ils entreprennent
exposer, les frustrant de leur gloire, et par même moyen séduisent les lecteurs
ignorants, leur montrant le blanc pour le noir: qui, pour acquérir le nom de
savants, traduisent à crédit les langues, dont jamais ils n'ont entendu les
premiers éléments, comme l'hébraïque et la grecque: et encore pour mieux se
faire valoir, se prennent aux poètes, genre d'auteurs certes auquel si je savais,
ou voulais traduire, je m'adresserais aussi peu, à cause de cette divinité
d'invention, qu'ils ont plus que les autres, de cette grandeur de style,
233
Antologia do Renascimento

magnificence de mots, gravité de sentences, audace et variété de figures, et


mille autres lumières de poésie: bref cette énergie, et ne sais quel esprit, qui
est en leurs écrits, que les Latins appelleraient . Toutes lesquelles choses se
peuvent autant exprimer en traduisant, comme un peintre peut représenter
l'âme avec le corps de celui qu'il entreprend tirer après le naturel. Ce que je
dis ne s'adresse pas à ceux qui, par le commandement des princes et grands
seigneurs, traduisent les plus fameux poètes grecs et latins: parce que
l'obéissance qu'on doit à tels personnages ne reçoit aucune excuse en cet
endroit: mais bien j'entends parler à ceux qui, de gaîté de coeur (comme on
dit), entreprennent telles choses légèrement et s'en acquittent de même. O
Apollon! ô Muses! profaner ainsi les sacrées reliques de l'antiquité! Mais je
n'en dirai autre chose. Celui donc qui voudra faire oeuvre digne de prix en son
vulgaire, laisse ce labeur de traduire, principalement les poètes, à ceux qui de
chose laborieuse et peu profitable, j'ose dire encore inutile, voire pernicieuse à
l'accroissement de leur langue, emportent à bon droit plus de modestie que de
gloire.

CHAPITRE VII
COMMENT LES ROMAINS ONT ENRICHI LEUR LANGUE

Si les Romains (dira quelqu'un) n'ont vaqué à ce labeur de traduction, par


quels moyens donc ont-ils pu ainsi enrichir leur langue, voire jusques à
l'égaler quasi à la grecque? Imitant les meilleurs auteurs grecs, se
transformant en eux, les dévorant; et, après les avoir bien digérés, les
convertissant en sang et nourriture: se proposant, chacun selon son naturel et
l'argument qu'il voulait élire, le meilleur auteur, dont ils observaient
diligemment toutes les plus rares et exquises vertus, et icelles comme greffes,
ainsi que j'ai dit devant, entaient et appliquaient à leur langue. Cela fait (dis-
je), les Romains ont bâti tous ces beaux écrits que nous louons et admirons si
fort: égalant ores quelqu'un d'iceux, ores le préférant aux Grecs. Et de ce que
je dis font bonne preuve Cicéron et Virgile, que volontiers et par honneur je
nomme toujours en la langue latine, desquels comme l'un se fut entièrement
adonné à l'imitation des Grecs, contrefit et exprima si au vif la copie de
Platon, la véhémence de Démosthène et la joyeuse douceur d'Isocrate, que
Molon Rhodian l'oyant quelquefois déclamer, s'écria qu'il emportait
l'éloquence grecque à Rome. L'autre imita si bien Homère, Hesiode et
Théocrite, que depuis on a dit de lui, que de ces trois il a surmonté l'un, égalé
l'autre, et approché si près de l'autre, que si la félicité des arguments qu'ils ont
traités eût été pareille, la palme serait bien douteuse. Je vous demande donc
vous autres, qui ne vous employez qu'aux translations, si ces tant fameux
234
Antologia do Renascimento

auteurs se fussent amusés à traduire, eussent-ils élevé leur langue à


l'excellence et hauteur où nous la voyons maintenant? Ne pensez donc,
quelque diligence et industrie que vous puissiez mettre en cet endroit, faire
tant que notre langue, encore rampante à terre, puisse hausser la tête et
s'élever sur pieds.

Fonte: Joachim Du Bellay. La défense et illustration


de la langue française. Paris: Nelson, 1936.

235
Antologia do Renascimento

Jacques Peletier du Mans


(1517-1582)

JACQUES PELETIER DU MANS, poeta francês, gramático, matemático,


médico, com sua paixão pela Antiguidade clássica influenciou o grupo da
Plêiade, do qual tomou parte, apoiando o programa de reforma da poesia
francesa sobre o molde dos clássicos gregos e latinos, mas diverge do grupo
ao preconizar a tradução e os tradutores de obras poéticas. Em 1555 publicou
sua Art poétique, em que defende o uso da língua francesa, e dedica-se em
todo um capítulo à reflexão sobre a tradução, concebendo-a como a arte da
imitação, cuja realização requer que o tradutor possua e domine todos os
componentes expressivos das duas línguas, semânticos, sintáticos e
estilísticos. Condenando a tradução palavra-por-palavra por falta de ‘graça’,
Peletier advoga a favor da re-produção da expressão, do estilo do texto
primeiro, não, porém, de uma tradução ‘livre’, porque traduzir não é
‘inventar’ mas ‘substituir’. Também Peletier via na tradução um meio de
enriquecimento da língua vernácula, “pois o tradutor poderá tornar francesa
uma bela locução latina ou grega e trazer para seu país, com o peso dos
pensamentos, a majestade das cláusulas e elegâncias da língua estrangeira”.
Filólogo e tradutor de Horácio (65-8), Peletier é possivelmente o primeiro
autor a apontar um equívoco – que persiste até nossa atualidade – na
interpretação de um pensamento de Horácio: o de que o poeta latino, nos
versos 133-134 de sua Ars poetica, estaria dirigindo-se a tradutores e
aconselhando-os seja à tradução ad sensum, seja à ad uerbum, conforme a
intenção de quem o usa, quando, na verdade, Horácio admoestava os
escritores a buscarem originalidade, não naquilo que dizem, mas na maneira
de dizê-lo, que nisso se diferenciariam dos tradutores – apenas objeto de
comparação de Horácio –, que se servem das mesmas palavras de sua fonte,
qual fidus interpres.

MARIE-HÉLÈNE CATHERINE TORRES (marie.helene.torrres@gmail.com)


é professora de Literatura Francesa no Departamento de Língua e Literatura
Estrangeiras da UFSC, professora de Teoria e História da Tradução e
coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução.
Doutorou-se pela Katholieke Universiteit Leuven, na Bélgica, com a tese
Variations sur l´étranger dans les lettres: cent ans de traductions françaises
des lettres brésiliennes. É membro da diretoria da ABRAPT e da comissão
editorial da revista Cadernos de Tradução. É também líder do grupo de
pesquisa História da Tradução e participa enquanto pesquisadora dos grupos

236
Antologia do Renascimento

de Literatura Traduzida (NUPLITT/UFSC) e Mapeamentos nos Estudos da


Tradução (NUPLITT-NET/UFSC-UFMG).

PHILIPPE HUMBLÉ (philippe.humble@gmail.com) é doutor em Tradução


pela UFSC e professor adjunto de Língua e Literatura Espanhola na
Universidade Federal de Santa Catarina no Brasil. Sua área de pesquisa é a
lexicografia. É autor de Dictionaries and Language Learners (Frankfurt-am-
Main, 2001) e de um Dicionário de Uso Português-Espanhol (2006). É ainda
tradutor de Schopenhauer, Ronsard, além de textos técnicos.

237
Antologia do Renascimento

Das traduções

A mais verdadeira forma de imitação é a de traduzir, pois imitar não é


senão querer fazer o que faz um outro. É o que faz o tradutor, que se avassala
não somente à invenção de outrem, mas também à disposição e ainda à
elocução o quanto pode e quanto lhe permite a natureza da língua neolatina,
porque a eficácia de um escrito consiste muitas vezes na propriedade das
palavras e das locuções, a qual, se for omitida, elimina a graça e defrauda o
sentido do autor. No entanto, traduzir é uma tarefa de mais trabalho que de
elogio. Pois, se você verte bem e fielmente, se você só é estimado por ter
retraçado o primeiro retrato, a maior honra continua sendo do original, mas se
você reproduz mal, a desaprovação recairá apenas sobre você. Mesmo que o
seu patrão tenha se expressado mal, é ainda você que terá reputação de
homem de mau julgamento por não ter escolhido um bom exemplo. Em suma,
um tradutor nunca leva o nome de autor. Será uma razão suficiente para
desencorajar os tradutores? Absolutamente, e menos ainda frustrá-los dos
elogios merecidos, porque é, em parte, graças a eles que a França começou a
conhecer coisas boas. E ainda têm uma vantagem: se traduzem bem e coisas
boas, o nome do seu autor fará o deles viver. Não é, seguramente, pouca coisa
ter seu nome escrito em bons lugares. E muitas vezes aqueles que são
inventores vivem fatalmente menos que os tradutores, pois uma boa tradução
vale muito mais que uma má invenção. Mais ainda, as traduções, quando bem
feitas, podem enriquecer muito uma língua; pois o tradutor poderá tornar
francesa uma bela locução latina ou grega e trazer para seu país, com o peso
dos pensamentos, a majestade das cláusulas e elegâncias da língua
estrangeira: dois pontos muito favoráveis porque aproximam concepções
gerais. Mas, concernente às particularidades, o tradutor, na minha opinião,
deve ser um pouco receoso com as palavras novas, pois são reconhecíveis e
suspeitas. Um tradutor, que ainda não mostrou algo de próprio, não tem este
favor dos leitores em relação a palavras novas, ainda que seja obrigado a fazê-
lo. Por isso, o ofício de traduzir é pouco estimado. É verdade que quando seu
autor é excelente (pois o homem prudente se resguarda de traduzir a outros),
lhe será permitido o uso de palavras novas desde que tenha certeza de que não
existem outras. Isto lhe valerá elogios. Pois o uso excessivo de perífrases, isto
é, de circunlocuções, ao trasladar, é um desprazer muito grande, é tirar o
mérito do labor engenhoso do autor. As traduções têm um lugar na nossa
arte,79 já que se fazem com arte. Ou seja, elas são tão artísticas que sua lei é
entendida por poucos. E não me deixo surpreender com aqueles que,

79
Vale lembrar que a noção de ‘arte’ neste contexto do Renascimento refere-se à ‘técnica’, atrelando-se
intimamente à concepção latina de ‘ars’, e grega de ‘téchne’. (N. do E.)
238
Antologia do Renascimento

repreendendo a tradução palavra por palavra, se apoiam na autoridade de


Horácio, quando diz Nec uerbum uerbo curabis reddere, fidus interpres
[“Nem fiel tradutor tratarás de repor palavra por palavra”] [Ars poetica, 133-
134]. Horácio diz o contrário do que eles intencionaram comprovar, tratando
não das traduções (pois ele não deu nenhum preceito sobre tradução como de
algo que pouco estimava) mas sim da questão poética. Ele diz que quando
escolhermos alguma matéria pública num autor, nós a tornaremos nossa se,
entre outras coisas, não nos detivermos a restituir a passagem palavra por
palavra, como o faria um fiel tradutor, ao qual já me referi a propósito da
passagem da questão da poesia. Quis expressamente citar este verso de
Horácio porque nossos gramáticos o interpretaram de outra forma da que ele
usou, e porque sempre estudei para esclarecer as relações entre os poetas,
lendo-os por divertimento. Descobri, entre outras coisas, esta passagem de
Virgílio, na terceira égloga, et longum “formose, uale, uale”, inquit, “Iolla”
[“E por longo tempo seguiu dizendo ‘adeus, adeus, belo Iola’”] [Bucolica, III,
79], onde os comentaristas dizem que o quarto pé do verso é um dátilo, e
escandem o uale, inquit, Iola como se fossem espondeus e erram ao escandir
este uale, inquit, Iola. A sutileza do poeta é que ele fez longa a primeira sílaba
de uale, imitando o falar da jovem Fílis. Pois Menalcas diz: ‘Fílis chorou na
minha partida, e deu-me um longo adeus, “adeus”, disse ela’. Pois os que
querem mostrar sua afeição chorando falam sem dúvida longo. Por isso o
poeta colocou duas vezes uale: um breve, que é a verdadeira pronúncia, e o
outro longo, o da jovem chorando. Expliquei isto en passant tanto porque as
coisas artísticas nunca são fora de propósito, em se tratando de arte, como
para mostrar sempre as sutilezas do meu Virgílio, sabendo que estes gentis
comentaristas, em tantos anos, não conhecem uma centésima parte: sua
ignorância se revela manifestamente quando fazem breve a última sílaba de
uale, corrompendo assim a lei da marcação, que seriam duas licenças
extraordinárias, por nada e sem propósito. Isto comprova o que já disse em
outro momento, ou seja, que as sílabas breves latinas e gregas devem ser
pronunciadas breves, e as longas, longas. Dito isto, as traduções de palavra
por palavra não têm graça, não por estarem contra a lei da tradução, mas
simplesmente pelo fato de que duas línguas nunca são uniformes em suas
frases. As concepções são comuns ao entendimento de todos os homens, mas
as palavras e as maneiras de falar são particulares a cada nação. E não me
venham citar Cícero, que não louva o tradutor consciencioso. Pois eu também
não o faço e não entendo de outra forma senão que o tradutor deve conservar
a propriedade e a ingenuidade da língua na qual traduz. Porém, já disse em
quê as duas línguas se representarão: o tradutor não deve perder as locuções
nem a particularidade das palavras do autor, nas quais muitas vezes consistem
seu espírito e sutileza. E quem puder traduzir Virgílio inteiro em versos
franceses, frase por frase e palavra por palavra, merecerá elogios
239
Antologia do Renascimento

inestimáveis. Pois como um tradutor poderia cumprir melhor o seu dever


senão aproximando-se sempre mais do autor ao qual está sujeito? Além do
que, pensem em que grandeza haveria ao ver uma segunda língua responder a
toda a elegância da primeira e ainda conservar a sua própria. Mas, como eu
disse, isto é impossível.

Tradução:

Marie-Hélène Catherine Torres


marie.helene.torrres@gmail.com

Philippe Humblé
philippe.humble@gmail.com

240
Antologia do Renascimento

Des Traductions (1555)

La plus vraie espèce d’imitation, c’est de traduire car imiter n’est autre
chose que vouloir faire ce que fait un autre; ainsi que fait le traducteur, qui
s’asservit non seulement à l’invention d’autrui, mais aussi à la disposition et
encore à l’élocution tant qu’il peut, et tant que lui permet le naturel de la
langue translatine parce que l’efficace d’un écrit, bien souvent consiste en la
propriété des mots et locutions, laquelle omise, ôte la grâce, et défraude le
sens de l’auteur. Pourtant, traduire est une besogne de plus grand travail que
de louange. Car si vous rendez bien et fidèlement, si vous n’êtes estimé sinon
avoir retracé le premier portrait et le plus de l’honneur en demeure à
l’original; si vous exprimez mal , le blâme en chet tout sur vous. Que si votre
patron avait mal dit, encore êtes-vous réputé homme de mauvais jugement,
pour n’avoir pas choisi bon exemple. En somme, un traducteur n’a jamais le
nom d’auteur. Mais pour cela, vais-je décourager les traducteurs? nenni, et
moins encore les frustrer de leur louange due: pour être, en partie, cause que
la France a commencé à goûter les bonnes choses. Et même il leur demeure
un avantage, que s’il traduisait bien et choses bonnes: le nom de leur auteur
fera vivre le leur. Et certes, ce n’est pas peu de chose, que d’avoir son nom
écrit en bon lieu. Et bien souvent ceux qui sont inventeurs se mettent au
hasard de vivre moins que les traducteurs, d’autant qu’une bonne traduction
vaut trop mieux qu’une mauvaise invention. Davantage, les traductions,
quand elles sont bien faites, peuvent beaucoup enrichir une langue. Car le
traducteur pourra faire française une belle locution latine ou grecque et
apporter en sa cité avec le poids des sentences, la majesté des clauses et
élégances de la langue étrangère: deux points bien favorables, parce qu’ils
approchent des conceptions générales. Mais en cas des particularités, le
traducteur, à mon avis, doit être un peu craintif: comme des nouveaux mots,
lesquels sont si connaissables et suspects. Un traducteur, s’il n’a fait voir
ailleurs quelque chose du sien, n’a pas cette faveur des lecteurs en cas de
mots, combien que soit celui qui plus en a à faire . Et pour cela est moins
estimé l’office de traduire. Vrai est que quand son auteur sera excellent (car
l’homme prudent se garde bien d’en traduire d’autres) il lui sera permis d’user
de mots tous neufs, pourvu qu’il soit certain qu’il n’y en ait point d’autres, et
lui sera, une louange. Car d’user si souvent de périphrase, c’est-à-dire de
circonlocution, en translatant, c’est un déplaisir trop grand, c’est ôter le mérite
du labeur ingénieux de l’auteur. Les traductions ont donc place en notre Art,
puisqu’elles se font par art. Voire et sont réellement artificielles, que la loi en
est entendue de peu de gens. Et ne me peut assez ébahir de ceux , qui pour
blâmer la traduction de mot à mot, se veulent aider de l’autorité d’Horace,
241
Antologia do Renascimento

quand il dit, Nec uerbum uerbo curabis reddere, fidus interpres. Là où certes
Horace parle tout au contraire de leur intention qui étant sur le propos, non
pas des traductions (car il n’en a point donné de préceptes, comme de chose
qu’il prisait peu) mais du sujet poétique, dit que quand nous aurons élu
quelque matière publique en un auteur, nous la ferons notre prince, si entre
autres, nous ne nous arrêtons à rendre le passage mot pour mot, ainsi que
ferait un fidèle traducteur dont j’avais déjà touché un mot sur le passage du
sujet de poésie. Et s’il a expressément voulu déclarer ce lieu d’Horace: le
voyant par nos grammairiens autrement induit qu’il ne l’a pris ainsi que me
suis toujours étudié à éclaircir les liens des poètes, en les lisant par recréation
de mes plus proses études. Comme entre autres, j’ai découvert ce passage de
Virgile en la troisième églogue où il y a, et longum, formose, uale, uale,
inquit, Iola, où les commentateurs disent que le quatrième pied du vers est un
dactyle, et scandent, le uale, inquit Iola, comme se soit un spondée, et faille
scander, le uale, inquit, Iola. La subtilité du poète, est qu’il a fait la première
de uale longue, imitant le parler de la garce Philide. Car Menalcas dit: Philide
a pleuré à mon département, et si m’a dit un long adieu, adieu dit-elle. Car
ceux qui veulent montrer leur affection, en pleurant volontiers parlent long.
Pour ce le poète a mis deux fois uale: l’un bref, qui est la vraie prononciation,
et l’autre long, qui est celui de la garce pleurant. J’ai expliqué ce lieu en
passant, tant parce que les choses artificielles ne sont jamais hors propos en
traitant l’Art, que pour montrer toujours les subtilités de mon Virgile me
sachant que ces gentils commentateurs, déjà par tant d’années n’en savent pas
connaître la centième partie, desquels l’ignorance se découvre manifestement,
en ce qu’ils font la dernière de uale brève et avec cela corrompent la loi de
signaliser, qui seraient deux licences extraordinaires pour néant, et sans
propos. Et l’est encore fait pour montrer être vrai ce que j’ai dit ailleurs, que
les syllabes brèves latines et grecques se doivent prononcer brèves et les
longues, longues. Suivant notre propos, les traductions de mot à mot n’ont pas
grâce, non qu’ils soient contre la loi de traduction mais seulement pour raison
que deux langues ne sont jamais uniformes en phrases. Les conceptions sont
communes aux entendements de tous hommes mais les mots et manières de
parler sont particuliers aux nations. Et qu’on ne me vienne point alléguer
Cicéron lequel ne loue pas le traducteur consciencieux. Car aussi ne fais-je.
Et je ne l’entends point autrement, sinon que le translateur doive garder la
propriété et le naïf de la langue en laquelle il translate. Mais certes j’ai dit,
qu’en ce que les deux langues symboliseront, il ne doit rien perdre des
locutions, ni même de la privauté des mots de l’auteur, duquel l’esprit et la
subtilité souvent consiste en cela. Et qui pourrait traduire tout Virgile en vers
français, phrase pour phrase, et mot pour mot, ce serait une louange
inestimable. Car un traducteur, comment saurait-il mieux faire son devoir,
sinon en approchant toujours le plus près qu’il serait possible de l’auteur
242
Antologia do Renascimento

auquel il est sujet? Puis, pensez quelle grandeur ce serait de voir une seconde
langue répondre à toute l’élégance de la première et encore avoir la sienne
propre. Mais comme j’ai dit , il ne se peut faire.

Fonte : Jacques Peletier du Mans. L’art poétique, departi en deux livres.


Lyon: Tournes et Gazean, 1555.
Le chapitre Des traductions fut transcrit et l’orthographe actualisé par Marie-
Hélène Catherine Torres.

243
Antologia do Renascimento

Sebastiano Fausto da Longiano


(ca. 1500 – ca. 1560)

SEBASTIANO FAUSTO DA LONGIANO, homem da corte, literato erudito,


tratadista, ensaísta, editor, tradutor, foi um autor de certa fama e prestígio em
seu tempo, mas é atualmente pouco mencionado na história da literatura
italiana e na história da tradução. No entanto, seu Dialogo del modo de lo
tradurre d’una in altra lingua, publicado em Veneza, em 1556, é o primeiro
tratado independente escrito em italiano sobre a tradução e é o mais completo
e detalhado tratado renascentista sobre tradução, antes do surgimento de
Interpretatio Linguarum (1559) de Lawrence Humphrey (1527-1590). O texto
de Longiano é um texto-chave para a história da teoria da tradução no
Renascimento, e se insere no conjunto de reflexões que contribuem para a
constituição de uma história da teoria da tradução no período, como tradução
retórica. Nele também se refletem os principais posicionamentos mantidos nas
disputas sobre a tradução por volta da metade do Cinquecento. Fausto da
Longiano apresenta sua concepção da correta tradução e a chama ut interpres
– a partir do famoso opúsculo de Cícero (106-43) De optimo genere oratorum
(Sobre o melhor gênero de oradores) –, que não é senão a tradução que tenta
reproduzir, além do sentido, o estilo do original em todos os casos em que o
permita a língua de chegada, conservando-se o mais próximo possível daquele
também quanto ao número das palavras, respeitando, contudo, a proprietas de
cada uma das línguas. Fausto quer que a tradução reflita o modo de expressão
característico do autor traduzido, explorando as possibilidades da língua de
chegada até o limite extremo da compreensibilidade. O tratado faustino se
apresenta sob a forma de diálogo, revelado já em seu título, entre dois
interlocutores, Inquieto, que busca esclarecimentos sobre a natureza da
tradução, vai ao encontro de Oculto, que não esconde falar em nome de
Fausto.

MAURI FURLAN (maurizius@gmail.com), professor de Latim e Teoria da


Tradução no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC,
graduou-se em Jornalismo pela FACHA/RJ e em Letras-Alemão pela UFSC.
Em seu mestrado em Literatura (UFSC) abordou questões teóricas da tradução
da Ars poetica, de Horácio, e, no doutorado em Filologia Clássica pela
Universitat de Barcelona, Espanha, apresentou uma sistematização para as
reflexões sobre a tradução produzidas no Renascimento.

244
Antologia do Renascimento

Diálogo sobre o modo de traduzir de uma língua a outra


(excertos)

Interlocutores –

Inquieto – Oculto –

INQUIETO – Alguns dizem que a tradução é causa de muitos males e


danos, que ela torna os homens ociosos, pois que não se preocupam em
aprender a língua em que foi escrita alguma matéria pelos primeiros autores.
OCULTO – Eu não condeno, antes atribuo a grande mérito de engenho
possuir mais línguas para conhecimento das ciências; mas, em se tratando do
interesse comum e da saúde pública, se não se traduzem os livros que lhes
dizem respeito, seria um dano e um mal incalculável, porque a maioria dos
homens não pode dedicar-se às línguas.

[…]

INQUIETO - Dizem que a tradução é perigosa e que os tradutores


muitas vezes tomam alhos por bugalhos, pelo que são causas de muitos
incorrerem com eles nos mesmos erros.
OCULTO – Este é um outro ponto.
INQUIETO – Se se prestasse atenção a determinada ciência na língua em
que foi primeiramente escrita, entender-se-ia melhor as coisas e não se
permaneceria enganado, o que pode ser verificado se confrontardes a
diferença nas traduções dos mesmos livros, se observardes os comentários dos
erros de um em contra de outro.
OCULTO – Pode ser que algum indouto e inepto, ou por ignorância das
línguas ou da matéria, cometa erros. E então? Não se pode chamar de
tradução aquela daquele que traduz o que não entende, ainda que tivesse
completo e perfeito conhecimento das línguas. Muitos, sendo apenas
gramáticos, tentaram traduzir a matéria e por isso incorreram em inúmeros
erros: estes não se chamam conversores mas subversores.
INQUIETO – Entendo; mas estou falando das traduções daqueles que
possuem grande capacidade de entender as línguas e as ciências.
245
Antologia do Renascimento

OCULTO – A isto responderei que não é por culpa das palavras, mas das
coisas, que são dificílimas de serem entendidas; e não apenas se descobre esta
dificuldade de entendimento pela via da tradução, mas na própria língua, onde
vemos grandíssimas discussões entre os expositores gregos sobre a doutrina
do grego Aristóteles; e quando falo de um em particular entendo todos os
outros por similitude. Isto é o suficiente ao ter dito não o quanto se podia, mas
de preferência o quanto se devia, porque qualquer mínimo sinal podia bastar.
Agora passemos ao modo de traduzir.
INQUIETO – Esta parte é muito difícil, por aquilo que entendi esta
manhã.
OCULTO – Alguns, ao falarem do modo, contentam-se com uma única e
simples distinção: que ou se traduz palavra por palavra, ou, deixando as
palavras, se traduz o sentido.
INQUIETO – Esta foi a querela daqueles valorosos homens.
OCULTO – Quase todos geralmente consentem nisso, e eu não
contradigo nem aprovo totalmente.
INQUIETO – Preferis então ater-vos ao terceiro modo, entre estes dois?
OCULTO – Muito menos a este, porque não sei o que queriam dizer uns
ou outros que tinham ou elogiavam esta opinião, mas apresentar-vos-ei entre
outros o meu pensamento, não como novo em si, se ele já não parecesse novo
a quem acredita saber mais que os outros em todas as outras coisas, ainda que
ignorasse somente esta, embora importante para a presente matéria.
INQUIETO – Talvez fingiram não sabê-la, ou para não mostrá-la aos
outros ou para que não estivesse assim ao arbítrio de qualquer um, uma vez
conhecido o valor da coisa, julgar e separar o joio do trigo.
OCULTO – Isto seria inveja e maldade. Mas desconfio de ignorância em
alguns, porque vi muitas coisas vertidas por eles de uma língua a outra, e de
forma bastante feliz na minha opinião, mas, dando o nome de tradução ao que
estava completamente longe de ser tradução, mostraram não saber o que é
tradução e não conhecer suas características. Encontrareis muitos que caíram
neste erro.
INQUIETO – Mencionai um deles, peço-vos.
OCULTO –Como chegamos ao particular, sabei o que admoesta aquele
filósofo seríssimo, mestre no entender e no falar.
INQUIETO – Continuai, pois.

246
Antologia do Renascimento

OCULTO – Descobrireis agora como, para querer discorrer sobre


tradução, não basta apenas aludir àquela simples distinção supracitada; é pois
necessário começar um tal discurso como se costuma fazer em todos os
raciocínios: pela definição; assim recomendam os filósofos, os retores gregos
e latinos e todos os escritores das ciências e das artes. A definição elimina
qualquer ambiguidade e desvela as coisas ocultas; e sem ela se prosseguiria ao
infinito, e não haveria acordo nem conclusão. Mas para alcançar o pleno
conhecimento da tradução, antes de defini-la, é conveniente primeiro saber a
diferença entre metáfrase, paráfrase, compêndio, explanação e tradução.
INQUIETO – Passemos à metáfrase.
OCULTO – A metáfrase pode existir na própria língua e em língua
estrangeira. Também a encontrareis entre os gregos. Hoje em dia é usada por
muitos, mas sob o nome de tradução. Eis sua virtude: uma vez que ela
indique, de algum modo, o sentido ou a sombra do sentido, perto ou distante,
sem deter-se no rigor das palavras, vagueando como melhor lhe agrade, terá
cumprido sua tarefa. Não está obrigada à pureza do sentido nem das palavras;
e por isso, se quiser, amplia, reduz, confunde, transpõe, perturba, ensombrece
de tal maneira que o autor principal não reconheceria o seu como seu, de
forma que não poderia discernir de um vaso de prata ou de outro metal, que
fora roubado, destruído e transformado em outra figura completamente
diferente daquela, uma mínima parte do que fora seu verdadeiro padrão;
contudo eu não a condeno, mas não me satisfaço com o juízo daqueles que
atribuem a isto o nome de tradução.
INQUIETO – Passemos à paráfrase.
OCULTO – A paráfrase pode ser feita na própria língua e na estrangeira:
na própria, como Temístio80 em algumas obras de Aristóteles; na estrangeira,
como inúmeros latinos sobre o mesmo autor, e em todas as outras línguas e
ciências; e é dificílima, não podendo dominá-la qualquer um.
INQUIETO – De maneira que é permitida.
OCULTO – Foi e sempre o será. Sua qualidade consiste em esclarecer os
sentidos que são ou ambíguos ou obscuros com uma estrutura maior de
palavras, se for necessário, como acontece na explicação da presente matéria.
Mas deve estar ligada e comparar-se com o autor sobre os sentidos. Muitos
quiseram arrogar-se o nome de parafrastas, mas equivocaram-se por não saber
qual era seu dever. Outros, escrevendo meras paráfrases, chamaram-nas
traduções, o que mostra como não sabem o que é paráfrase e muito menos
tradução. Ouvi um sábio raciocínio de Quintiliano sobre isso: E eu não quero

80
Temístio (séc. IV d.C.), retórico da Paflagônia, viveu em Constantinopla e em Roma, foi um comentador
neoplatônico e parafrasta de obras de Aristóteles.
247
Antologia do Renascimento

que a paráfrase se reduza apenas à tradução, mas que em torno aos mesmos
sentidos haja luta e emulação [Institutio oratoria, X, 5, 5]. Em outro lugar:
Então pode voltar mais audacioso à paráfrase, em que é permitido tanto
abreviar como adornar, uma vez conservado o sentido. Porque esta tarefa é
difícil também aos oradores perfeitos. [Institutio oratoria, I, 9, 2-3].
INQUIETO – Passemos ao compêndio.
OCULTO – O compêndio pode ser feito na própria língua e na
estrangeira, e sempre foi permitido. Este deve encerrar o sentido
compreendido em muitas páginas numa pequeníssima estrutura de palavras;
os gregos o chamam epítome. Não se pode dizer na verdade que um tal
breviário não ofereça bastante à nossa memória e não reduza muito trabalho,
contudo costuma produzir às vezes grande dano. Ora, por negligência de
nossos antepassados perderam-se as obras de Tito Lívio, e disto resultou o
epítome atribuído a Lúcio Floro.81
INQUIETO – Como atribuído, não é seu?
OCULTO – Alguns acreditam que seja de Tito Lívio, feito por ele para
seu memorial.
INQUIETO – Então ele mesmo seria causa do mau uso.
OCULTO – Pelo epítome de Justino82 fomos defraudados das Histórias
Filípicas de Trogo Pompeu. Poder-se-ia mostrar muitos outros danos
resultantes dos compêndios, mas sobre isso já se disse bastante. Esta não é
uma tarefa para todos e não é qualquer escritor que consegue realiza-la bem.
INQUIETO – Passemos à explanação.
OCULTO – A explanação igualmente pode ser feita tanto na própria
língua como na estrangeira. Com outros nomes, chama-se também
interpretação, exposição, comentário, narração, explicação. Trabalha-se para
esclarecer os sentidos, revelar os segredos da arte, resolver as contradições,
elucidar as ambiguidades, ater-se, nos conflitos de opiniões, à mais
verossímil, publicar as histórias e as fábulas escondidas, mostrar a
significância e o valor das palavras, assinalar a razão, reencontrar sua fonte de
origem, observar as elocuções.
INQUIETO – Como eu gostaria de ouvir falar sobre estas locuções.
OCULTO – Esta não é a hora, nem o lugar.
81
Floro (Lúcio Floro ou Júlio Floro ou Públio Floro, não há consenso quanto ao nome do autor), era
africano, esteve em Roma na época de Domiciano, viveu em seguida na Espanha e voltou à Roma na época
de Trajano. A Epítome (Epitomae de Tito Livio bellorum omnium annorum DCC libri II) é uma história
abreviada de Roma desde Rômulo até Augusto, baseada em Tito Lívio, mas também noutras fontes.
82
Justino (séc. II ou III d.C.) escreveu em latim uma epítome da história universal de Trogo Pompeu
(Historiae Philippicae), e a epítome foi tudo o que nos chegou dos 44 livros escritos por Pompeu.
248
Antologia do Renascimento

INQUIETO – Passemos à tradução.


OCULTO – A tradução não pode ser feita senão em língua distinta
daquela que se traduz.
INQUIETO – Chegamos finalmente à tradução, mas acredito que foi
sumamente necessário mostrar a diferença que há entre esta e as outras
sobreditas.
OCULTO – Esta, com outros nomes, pode ser chamada interpretação,
versão, transposição, translação e similares. Mas observa que os latinos
antigos e de melhor estirpe chamaram-na mais freqüentemente interpretação,
e ao tradutor, intérprete.
INQUIETO – Quais são estes autores latinos de tão boa estirpe e aos
quais tanto atribuís?
OCULTO – Cícero e Horácio; e disse isso porque também eu quero
valer-me destes termos interpretação e intérprete. Dizem alguns que são duas
as vias da tradução: uma deve representar o sentido, a outra as palavras; esta
última, dizem que é pueril.
INQUIETO – Assim dizem.
OCULTO – Esta divisão, quanto à matéria, não é absolutamente
verdadeira, e expressa desta forma, não é sem problemas.
INQUIETO – Em quê falha?
OCULTO – A tradução que representa as palavras, não representa
necessariamente também os pensamentos?
INQUIETO Sem dúvida alguma que os representa.
OCULTO – Não disse assim Cícero naquele seu opúsculo De optimo
genere oratorum [Sobre o Melhor Gênero de Oradores], onde escreve:
Traduzi, pois, dos dois mais eloqüentes dentre os áticos, Ésquines e
Demóstenes, seus mais célebres discursos, contrários entre si [V, 14]?
INQUIETO – Ali aparece bem que Cícero os traduziu, mas estes dois
discursos estão perdidos; alguns poderiam fingir não saber o modo que ele
utilizava para traduzir.
OCULTO – Verdade é que não podem ser lidos hoje em dia, ou por
negligência dos homens, ou por maldade dos tempos. Mas o próprio Cícero,
como sabeis, menciona o modo utilizado para traduzir. Ouvi agora: Não os
traduzi como intérprete, mas como orador.

249
Antologia do Renascimento

INQUIETO – Fazei de conta que eu não saiba de nada, nem que eu tenha
lido coisa alguma: que diferença mostra Cícero entre o traduzir como
intérprete daquele como orador?
OCULTO – Antes do que vos explicarei pelo próprio Cícero naquela
passagem citada, quero que atenteis para duas coisas: a primeira é que a
tradução palavra por palavra não é uma coisa nova nem pueril.
INQUIETO – Creio que já o entendi quando falastes das traduções dos
escritos hebraicos, árabes, gregos e latinos, como isso não é uma coisa nova
nem pueril.
OCULTO – Não quero servir-me daquilo que disse acima, porque foi
dito para provar a utilidade e a necessidade da tradução. Os ciceronianos
levantaram-se prontamente para dizer que é necessário aprofundar mais,
porque não é lícito falar da Sacrossanta Escritura senão com todo o respeito a
ela devido. Se se discorrer sobre as ciências, dirão que os conhecimentos
assim impõem e que não é lícito ser vago, porque seria um querer ostentar e
não provar o intento. Se eu quiser alegar com a autoridade de Dante, de
Petrarca, de Boccaccio e de outros, os quais tomaram tantos tópicos dos
melhores latinos e os deram às musas italianas, dir-me-ão que me refiro a
autores menores, de pouca ou nenhuma importância. Dentre os latinos, não
tentaram ouvir a outros senão a Cícero, e pelo mesmo Cícero eu quero prová-
lo.
INQUIETO – Podeis prová-lo com Cícero?
OCULTO – Posso. Ouvi: na primeira parte de De finibus bonorum et
malorum [Dos Fins do Bem e do Mal] diz: Por isso é mais difícil satisfazer
àqueles que dizem menosprezar os escritos latinos. O que primeiramente me
causa estranhamento neles é por quê a língua pátria não os agrada para os
temas sérios, quando os mesmos lêem, não contra a vontade, peças em latim
traduzidas literalmente dos gregos [I, 4]. O mesmo reafirma em De optimo
genere oratorum, respondendo aos futuros repreensores de sua tradução dos
dois discursos gregos: Os mesmos aceitam a “Andria” e os “Synephebi” e
não menos [lêem Terêncio e Cecílio que Menandro, ou] a “Adrômaca” ou a
“Antíopa” ou os “Epígonos Latinos”; [e contudo lêem Ênio e Pacúvio e Ácio
antes que a Eurípides e Sófocles]83. Por que então o desprezo deles pelos
discursos traduzidos do grego, e não pelos versos? [VI, 18].

83
Os dois primeiros títulos referem-se às comédias de Terêncio (Andria) e Cecílio (Synephebi), tomadas
ambas de Menandro; os três seguintes são de tragédias de Ênio, Pacúvio e Ácio, respectivamente, que
seguem a Sófocles e Eurípides. Recordar duas informações culturais subjacentes aqui: 1) a adaptação de
obras gregas era habitual no teatro latino; 2) a sociedade culta romana era bilíngüe.
250
Antologia do Renascimento

INQUIETO – Aqui fica claro que Terêncio, Cecílio, Ênio, Pacúvio e


Ácio traduziram palavra-por-palavra; por certo é um testemunho seríssimo,
mas não diz que ele próprio o tenha feito.
OCULTO – Falta que eu vos mostre como ele tinha acenado querer fazê-
lo com autores filósofos. Mais adiante no mesmo livro diz: Contudo, se do
mesmo modo eu traduzisse Platão ou Aristóteles, como nossos poetas
traduziram certas peças, (isto é, palavra-por-palavra; continua:) malamente,
creio, teria o mérito de meus cidadãos ao traduzir aqueles engenhos divinos
para o conhecimento deles. Até agora não fiz isto, contudo não julgo que me
seja proibido fazê-lo. Na verdade, traduzirei algumas passagens, se for
conveniente, e principalmente daqueles que agora mencionei, quando for o
caso de que isto possa ser feito adequadamente [De finibus bonorum et
malorum, I, 7].
INQUIETO – Até aqui não afirma tê-lo feito, embora mostre que teria
possibilidade de fazê-lo, quando lhe parecesse o momento.
OCULTO – Que o tenha feito, aparece claramente no livro De
universitate [Da Universalidade], traduzido do Timeo de Platão: estamos com
os dois nas mãos, podemos verificar.
INQUIETO – Não faltam os que negam que seja de Cícero este livro De
Universitate.
OCULTO – Estes são os que professam serem ciceronianos e têm pouca
familiaridade com ele. Mas escutai Cícero na terceira Tusculana dirigindo-se
a Epicuro: Acaso não são estas tuas palavras? Naquele livro que, por certo,
contém toda tua doutrina (vou desempenhar agora a função de intérprete
para que não pensem que invento) [Tusculanae disputationes [Discussões
Tusculanas], III, XVIII, 41]. Considerai estas palavras: função de intérprete.
INQUIETO – Sim, considero que fala da tarefa do tradutor.
OCULTO – E começa a traduzir os pensamentos de Epicuro: Certamente
não…, Muitas vezes busquei…, e mais adiante, voltando-se a Epicuro, diz:
Estas coisas devem ser atribuídas a Epicuro, ou então aquelas que acabo de
traduzir literalmente devem ser retiradas do livro [Tusculanae disputationes,
III, XIX, 44].
INQUIETO – Isto comprova; mas era necessário fazer assim.
OCULTO – Cícero para Ático: Assim, traduzi esta passagem com o
mesmo número de palavras que Dicáiarcos [Epistulae ad Atticum, VI, 2].
INQUIETO – Isso basta.

251
Antologia do Renascimento

OCULTO – Ninguém é tão mediocremente versado nos livros de Cícero,


principalmente nos de filosofía, que não tenha podido observar as passagens
traduzidas e tirar delas o modo utilizado por ele quando se mostra na tarefa do
tradutor, e conseqüentemente ser observado por nós, se queremos traduzir.
Inúmeras outras passagens de Homero, de Platão, de Aristóteles, de Áratos,
de Sófocles esforçou-se por vertê-las palavra por palavra quando teria podido
fazê-lo comodamente. Tudo isso seja dito para mostrar-vos que não é uma
coisa nova a tradução de palavra por palavra, pois que se manteve durante
tantos séculos, nem pueril, uma vez que se observa o contrário pelo
testemunho de autores tão sérios.
INQUIETO – Dissestes querer mostrar pelo próprio Cícero as regras para
traduzir de uma e outra forma. Mostrai-me agora o que ele traduziu.
OCULTO – Eu o disse e assevero. Mas não percebestes que eu falava
daqueles dois modos para demonstrar-vos que em Cícero há teoria e prática.
Ora, ao cumprimento da promessa! No mesmo lugar de De optimo genere
oratorum: Não traduzi como intérprete, mas como orador; vede aqui a
diferença que há em traduzir alguma coisa de uma língua a outra: que se pode
traduzir como intérprete e como orador. Notai que, traduzindo os discursos de
Ésquines e de Demóstenes, diz ter traduzido como orador; porque em não
traduzindo discursos talvez não tivesse dito que o fizera como orador.
INQUIETO – Eu não entendo bem isto, que me parece que oculta algo
por trás.
OCULTO – Vós o entendereis no processo da discussão.
INQUIETO – Vamos à diferença.
OCULTO – Não traduzi como intérprete, mas como orador, com os
mesmos pensamentos e suas formas bem como com suas figuras, com
palavras adequadas ao nosso costume; atentai bem para aquilo que foi dito e
para aquilo que segue: Para tanto não tive necessidade de traduzir palavra
por palavra, mas mantive o caráter das palavras e sua força. Não considerei,
pois, ser mister enumerá-las ao leitor, mas como que sopesá-las [De optimo
genere oratorum, V, 14].
INQUIETO –Parecem-me todas palavras de mistério e de profundíssimo
sentido.
OCULTO – Vede quanto é diferente o traduzir como orador do traduzir
como intérprete. Como orador se mantém nos mesmos pensamentos, usa as
mesmas formas e figuras com as palavras adequadas seguindo seu tradicional
costume, conservando o caráter e a força de todas as palavras. Onde o
intérprete, por sua vez, há de necessariamente verter não apenas palavra por
palavra, mas deve enumerar as palavras. Observai que Cícero não disse querer
252
Antologia do Renascimento

traduzir simplesmente os sentidos, mas disse querer, além de traduzir os


sentidos, usar as mesmas formas e figuras com as palavras apropriadas e
conservar o valor das palavras. Esta passagem de Cícero, como bem dissestes,
é de mistério profundo e elevado; e pela experiência que eu tenho das
traduções segundo o sentido, como dizem, na verdade ou não foi visto, ou
negligenciado, ou não entendido por estes que querem ser tomados como
únicos ciceronianos.
INQUIETO – Talvez pela grande familiaridade que têm com Cícero,
indo contra os seus preceitos, fazem-no porque se sentem seguros, ou por
aventura se se consideram superiores a ele.
OCULTO – Seja como for: tomai as traduções segundo o sentido, como
dizem, e não encontrareis até hoje ninguém que tenha respeitado os preceitos
de Cícero. Falei com muitos desses tradutores e, citando-lhes esta passagem
de Cícero, alguns me responderam não tê-la visto, outros não a consideraram,
alguns não se preocuparam com ela, e outros não a entenderam. Eu ri comigo
mesmo de todos quantos que, não entendendo o que são aquelas formas e
figuras, disseram coisas tão extravagantes que eu me ruborizava por eles.
INQUIETO – A dizer a verdade, antes eu pensava entender esta
passagem muito bem, mas depois que ma propusestes tão difícil, creio não
mais entendê-la.
OCULTO – Que é difícil sabem-no todos os doutos, e quem a entendesse
entenderia também a imitação e os preceitos da imitação, algo até agora
tratado por muitos e entendido por poucos.
INQUIETO – Em tão poucas palavras diz tantas coisas?
OCULTO – Em tão poucas palavras ocultam-se grandes coisas.
INQUIETO – Não é menor meu desejo de entender da imitação que da
tradução.
OCULTO – Agora não é a hora nem o lugar para tratar da imitação.
INQUIETO – Aclarai, por favor, estas formas e estas figuras.
OCULTO – Antes de fazê-lo, refletiremos sobre a dificuldade que há no
encadeamento das palavras. Todos os textos comumente lêem et earum formis
tanquam figuris [e com suas formas bem como com suas figuras]. Alguns
muito doutos queriam emendar o texto e dizer: et earum tam formis quam
figuris [e tanto com suas formas quanto com suas figuras]; outros não
transpunham a palavra, mas a dividiam e distinguiam: et earum formis tam
quam figuris [e com suas formas tanto quanto com suas figuras], parecendo-
lhes que incomodamente se poderia entender esta passagem pelo termo
tanquam. Eram guiados por esta razão: as formas e as figuras aqui
253
Antologia do Renascimento

compreendidas por Cícero ou são coisas distintas, ou de uma mesma natureza;


se são distintas, o termo tanquam implica similitude, se são uma mesma coisa,
deveria tê-lo demonstrado mais claramente. Se as formas e as figuras neste
lugar não tivessem um significado distinto, resultaria num sentido rústico e
confuso que não levaria a inferir nada; e entendendo as figuras e formas por
duas coisas dissímeis, este termo tanquam produz uma construção dura e
priva-se de seu ofício.
INQUIETO – Também a mim parece-me assim.
OCULTO – Porém não é assim, mas deve-se examinar muito bem antes
de corrigir uma lição de um texto recebido e aprovado por todos. Entre os
autores antigos e bons lê-se o termo tanquam significando o mesmo que ut,
uti; velut, veluti; sicut, sicuti e quemadmodum.
INQUIETO – Quais são estes autores?
OCULTO – Plauto no Persa diz: S. – Tu és amigo dele? D. – Tanto
como [tanquam] todos os deuses que habitam o céu [v. 581]. Da mesma
forma em Trinummus [As Três Moedas]: C. – Vê agora como conheces o
homem. S. – Tal como [tanquam] a mim [v. 913].
INQUIETO – Eles poderiam dizer que Plauto era demasiado antigo.
OCULTO – Terêncio em Phormio: Davo, conheces Chremes, o irmão
maior de nosso velho? D. – Como não? G. – Mesmo? E seu filho Fedria? D.
– Assim como [tanquam] a ti [v. 63ss.]. Igualmente em Eunuchus: Assim
como [tanquam] as doutrinas dos filósofos contêm as palavras deles [v.
264ss.].
INQUIETO – Vamos às formas e às figuras.
OCULTO – Não falaremos da forma dos filósofos, que está em todas as
coisas; e igualmente não das formas e figuras que pertencem à geometria e à
aritmética; tampouco gastaremos palavras e tempo em mostrar de quantos
modos se usurpam e se transferem estes dois termos entre os autores latinos,
porque não é de nenhum proveito para aquilo que pretendemos dizer. O autor
de Retórica a Herênio, seja quem for, diz: São, portanto, três os gêneros, que
nós chamamos figuras, às quais todo discurso não vicioso se consagra: a uma
dizemos sublime, à outra, média, à terceira, simples [Rhetorica ad
Herennium, IV, VIII, 11]. Em Do Orador (ao irmão Quinto), disse Cícero:
Expressar uma certa forma e figura da oratória [De oratore ad Quintum
fratrem, II, XXIII, 98]; e em O Orador (a Bruto): a melhor forma e figura da
oratória; e no mesmo livro: Resta agora a própria forma e o que é chamado
caráter. No mesmo lugar: Em todas as coisas é dificílimo expor a forma, ou
como dizem os gregos, o χαρακτὴρ [caráter] do perfeito [Orator, I, 2;
XXXIX, 134; XI, 36]. Um autor grego, segundo alguns Demétrio de
254
Antologia do Renascimento

Fáleron,84 diz: Εισι δε τέσσαρες οι απλοί χαρακτήρες, ισχνός, µεγαλοπρεπής ,


γλαφυρός, δεινός [São quatro portanto os caracteres: simples,
grandiloqüente, polido, sublime] [De elocutione, 36]. Com isso vedes como,
nas passagens citadas, gênero, forma, figura, aspecto e caráter é a mesma
coisa entre os latinos; mas caráter é um termo grego. Alguns acreditam que
Cícero tinha entendido estas formas e figuras quando disse: Traduzi como
orador, com os mesmos pensamentos e com suas formas bem como com suas
figuras.
INQUIETO Vós, o que dizeis?
OCULTO – Outros debatem quanto a Cícero aqui ter querido referir-se
não a estas mas a outras formas e figuras.
INQUIETO – Quais?
OCULTO – Cícero, em De claris oratoribus [Dos Oradores Preclaros],
disse: Os adornos das palavras e dos pensamentos, que os gregos chamam de
σχήµατα [‘aspectos, formas, figuras’], pelos quais, como as coisas insignes do
estilo oratório, todo discurso se distingue; e no mesmo livro: As formas dos
pensamentos e do discurso, que são chamadas σχήµατα; e ainda ali: Os
ornamentos e conformações dos pensamentos [Brutus, LXXIX, 275; XVII,
69; XXXVII, 140]. Nos Tópicos: Os ornamentos das palavras e dos
pensamentos, que são chamados σχήµατα [Topica, VIII, 34]. Em O Orador:
Os adornos, que os gregos chamam σχήµατα, algo como outros gestos do
discurso [Orator, XXV, 83]. Vede aqui como Cícero sob vários termos
entende uma mesma coisa. O grego diz schemata; Cícero, formas,
ornamentos, adornos, conformações. O autor da Retórica a Herênio chama a
estas figuras ornatos e dignidades85 [Rhetorica ad Herennium, IV, XIII, 18].
Quintiliano diz ora figuras, ora conformações: Como foi dito no livro anterior
sobre os tropos, continua pertinente para as figuras, que os gregos chamam
schemata; mais abaixo: Figura é, como o próprio nome indica, uma certa
conformação da oração, distante do comum, e que se apresenta sobretudo na
arte. Mais adiante o confirma, quando trata das figuras de pensamento:
Portanto terá agradado a quem mais amplamente abarcar as conformações
das palavras e dos pensamentos. Mais adiante, onde fala das figuras das
palavras, diz: Na verdade, as figuras das palavras [Institutio oratoria, IX,
1,1; IX, 1,4; IX, 2,1; IX, 3,1]. Antes de Quintiliano, Áquila Romano chamou
figuras: Mas algumas das figuras (como dissemos acima) são de pensamento,
que se chamam διανοίας σχήµατα, outras, de elocução, que são chamadas

84
Demétrio de Fáleron (ca. 354-ca.283 a.C.), literato e político ateniense, autor de muitas obras políticas e
oratórias, também escreveu sobre Homero e publicou fábulas de Esopo.
85
O autor de Retórica a Herênio distingue entre uma uerborum exornatio (= ornato elocutivo) e uma
sententiarum exornatio (= ornato conceitual), que, reunidas, recebem o nome de dignitas.
255
Antologia do Renascimento

λέξεως σχήµατα [Áquila Romano, De figuris sententiarum et elocutionis [Das


Figuras de Pensamento e de Elocução]], e sempre as chama figuras em toda
sua obra. Públio Rutílio Romano86 escreveu um livro intitulado De figuris
sententiarum et elocutionis, mas em toda sua obra usa apenas o termo grego
‘schema’. Esta palavra grega σχῆµα é plena e de amplo significado, e Rutílio
não quis se servir de nenhum termo latino. Cícero e Quintiliano, muito
freqüentemente, como ouviste, interpõem o termo grego.
INQUIETO – Todos eles transformam e transfiguram estas formas e
figuras como mais lhes agrada. Vós que dizeis disto?
OCULTO – Outros consideram estas formas e figuras dos pensamentos
de outro modo.
INQUIETO – Como?
OCULTO – Dizem que as coisas da natureza são, em todas as partes, as
mesmas; e mesmas, quando realmente o são, chamam-se os pensamentos das
coisas. Entre todos os homens, uma mesma forma é a do homem, a do leão, a
do elefante, sem nunca variar as definições com as quais as mesmas formas se
explicam, e disso resulta que aqueles pensamentos, os quais nascem nas almas
pela opinião, possuem enorme variedade. Mas sejam como forem,
permaneceriam encerrados no peito e completamente desconhecidos dos
outros, se Deus não nos tivesse dado os instrumentos da voz e da respiração e
concedido, por assim dizer, certas figuras dos nossos pensamentos. Ninguém
viu jamais os pensamentos dos outros, mas sim as imagens deles escritas ou
pronunciadas; aquelas pelos olhos e estas pelos ouvidos referem-se à alma.
Aos pensamentos Aristóteles chamou παθήµατα τῆς ψυχῆς [afecções da
alma]; às formas dos pensamentos nomeou σύµβολα [símbolos]; às figuras
ὁµοιώµατα [semelhanças] [De interpretatione, I]. No mesmo modo como se
movem os sentidos pela natureza dos objetos, assim a razão se dispõe pelos
pensamentos segundo a natureza das coisas representadas; mas se captadas
pela sensibilidade chamam-se figuras, se pertencem à razão, formas. As
figuras são, segundo os gregos, ἀπεικονίσµατα καὶ ἀποµάξεις rerum
[representações e impressões das coisas], as quais os pintores nos mostram;
as formas serão σύµβολα. Porém, não todas as formas são figuras, mas todas
as figuras podem chamar-se formas. Com o que, ao tratar-se da oração, se dirá
mais distintamente formas que figuras. Estas são várias e diversas entre todas
as pessoas. E como não são os mesmos os costumes, instituições e hábitos de
todas as nações, acontece, assim, que, entre elas, é diferente o valor e a
composição das palavras.

86
O nome correto deste gramático e retórico do séc. I d.C. é Públio Rutílio Lupo, e as obras mencionadas de
Áquila Romano (séc. III d.C.) e Públio Rutílio Lupo levam o mesmo título De figuris sententiarum et
elocutionis.
256
Antologia do Renascimento

INQUIETO – Vós, o que dizeis?


OCULTO – Outros fazem um julgamento distinto e referem as formas às
palavras e à composição, as figuras aos ornamentos.
INQUIETO – Vós, o que dizeis?
OCULTO – Discorrendo sobre esta passagem com o senhor Giovanni
Battista Arigone, secretário da magnífica comunidade de Udine, jovem de
muita erudição e agradabilíssimo engenho e admirável bom senso, tomamos o
opúsculo nas mãos, e, por ser pequeno, percorremo-lo todo. Cícero se
expressa no epílogo deste brevíssimo tratado e mostra abertamente o que ele
entende por aquelas formas e figuras.
INQUIETO – O que me estais dizendo?
OCULTO – Ouvi o epílogo de Cícero: Se, como espero, eu tiver assim
reproduzido os discursos dos dois servindo-me de todos seus valores, isto é,
com seus pensamentos e suas figuras e na ordem das coisas, respeitando suas
palavras até o ponto em que elas não se distanciem de nosso uso (as quais, se
não foram todas traduzidas das gregas, esforçamo-nos contudo para que
sejam do mesmo caráter), haverá um modelo, ao qual possam adequar-se os
discursos daqueles que querem falar de modo ático [De optimo genere
oratorum, VII, 23]. Retomemos aquilo que ele disse acima: Traduzi, pois, dos
dois mais eloqüentes dentre os áticos, Ésquines e Demóstenes, seus mais
célebres discursos. Não traduzi como intérprete, mas como orador, com os
mesmos pensamentos e suas formas bem como com suas figuras, com
palavras adequadas ao nosso costume. Para tanto não tive necessidade de
traduzir palavra por palavra, mas mantive o caráter de todas as palavras e
sua força. Não considerei, pois, ser mister enumerá-las ao leitor, mas como
que sopesá-las. Ouvistes; comecemos a comparar as passagens. Acima disse:
Não traduzi como intérprete, mas como orador, com os mesmos pensamentos
e suas formas bem como com suas figuras; no epílogo diz: Se, como espero,
eu tiver assim reproduzido os discursos dos dois servindo-me de todos seus
valores, isto é, com seus pensamentos e suas figuras e na ordem das coisas.
Acima expôs: com palavras adequadas ao nosso costume, no epílogo expõe:
respeitando suas palavras até o ponto em que elas não se distanciem de nosso
uso. Acima escreveu: Para tanto não tive necessidade de traduzir palavra por
palavra, no epílogo escreve: as quais se não foram todas traduzidas das
gregas. Acima colocou: mas mantive o caráter de todas as palavras e sua
força; no epílogo coloca: esforçamo-nos contudo para que sejam do mesmo
caráter. Uma coisa corresponde a outra muito bem! Percebei que, onde acima
se leu com suas formas, no epílogo se lê na ordem das coisas: por forma, pois,
Cícero entende a ordem das coisas.

257
Antologia do Renascimento

INQUIETO – Gostaria que o dissesses mais claro.


OCULTO – Claríssimo é que pela ordem das coisas entende a disposição
dos pensamentos. No mesmo livro diz: De dois modos é, pois, a disposição,
um das palavras, outro dos pensamentos.
INQUIETO – Vamos à disposição das palavras.
OCULTO – Cícero: Mas há também uma certa disposição das palavras
que produz dois efeitos, ritmo e leveza [De optimo genere oratorum, II, 5].
INQUIETO – Vamos àquela dos pensamentos.
OCULTO – E os pensamentos têm sua organização, uma ordem
apropriada à demonstração do assunto [De optimo genere oratorum, II, 5].
INQUIETO – Como se entende aquela passagem: com palavras
adequadas ao nosso costume. Para tanto mantive o caráter de todas as
palavras e sua força; ou: respeitando suas palavras até o ponto em que elas
não se distanciem de nosso uso?
OCULTO – Isto será melhor entendido com um exemplo que com um
arrazoado. Tomaremos o início do discurso de Demóstenes contra Ésquines
Περὶ στεφάνου: Πρῶτον µέν, ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι, τοῖς θεοῖς εὔχοµαι πᾶσι καὶ
πάσαις [Demóstenes, Da coroa, I]. Primum quidem, o uiri Athenienses, deos
precor omnes [Primeiramente, pois, varões atenienses, rogo a todos os
deuses]. Aqui estão todas as palavras gregas representadas pelas latinas. As
diferenças entre estas duas línguas nestas palavras são três. A primeira é o
verbo εὔχοµαι, que quer dizer precor [rogar]; constrói-se com dativo; o verbo
latino precor constrói-se ora com acusativo: precor deos, ora com ablativo
com preposição: precor a diis. A outra diferença: a palavra θεὸς compreende
o masculino e o feminino; o latino diz deus (deus) e dea (deusa), e por isso ao
traduzi-lo dirá deos precor deasque (peço aos deuses e às deusas). Nestas
duas palavras o latino parte do grego e mantém seu próprio costume, porém
não abandona nem a força e o valor, nem se aparta do gênero da palavra. A
última: πάσι και πασσις; o latino tem três nomes que podem produzir
equivalência: omnis, cunctus, universus [todo]. Se quisermos usar a
construção ablativa do verbo precor, só poderemos dizer com apenas uma
palavra: ou omnibus ou cunctis ou universis, quando em grego há duas. Mas
se usarmos a construção acusativa, poderemos responder com duas das
palavras: cunctus e universus, porque a palavra omnis não pode fazê-lo, e dir-
se-á deos deasque cunctos cunctasque, ou universos universasque [todos os
deuses e todas as deusas]. Más perderá muito da graça, além do que não será
o mesmo significado da palavra grega, pelo que Cícero, traduzindo esta
passagem em dois discursos seus, disse em A Favor de Murena: Quae
precatus sum a diis immortalibus, iudices [Roguei, juízes, aos deuses
258
Antologia do Renascimento

imortais] [Pro Murena, I, 1], e no outro, A Quirites, depois de seu retorno,


disse: Quod precatus a Iove optimo maximo caeterisque diis immortalibus
sum, Quirites [Porque, Quirites, roguei a Júpiter, o Melhor e o Maior, e a
outros deuses imortais] [Post reditum ad Quirites, I, 1]. Nestas duas
passagens omite a palavra universale e acrescenta à palavra diis, por adjunto,
immortalibus.
INQUIETO – O que quer dizer isto: mas como que sopesá-las?
OCULTO – Este sopesar traz consigo muitas considerações, mas, para ir
direto ao fato, Cícero entende que as palavras devem ser significantes,
sonoras, graves, plenas e rítmicas como aquelas que se traduzem; e quando
não se possa fazê-lo convenientemente, devemo-nos esforçar para que elas
sejam o mais aproximadas; e se não podem ter os mesmos ritmos, que não
seja muito dessemelhante a composição, nem seja díspar o modo nos
intervalos. O que se poderá fazer facilmente pela aposição, posposição,
transposição, comutação e alteração das palavras segundo a língua. Voltando
àquilo que dissemos acima, os ornamentos, exornações, dignidades, adornos,
conformações, formas, figuras, como mais vos agrade chamar, ou são dos
pensamentos, ou das palavras, como ouvistes; atentai bem agora, que estamos
para concluir.
INQUIETO – Estou atento.
OCULTO – Todo discurso já feito ou para fazer-se, por qualquer um, em
qualquer parte, oral ou escrito, não consta de mais do que duas partes: das
coisas e das palavras. Ainda que a coisa por si mesma seja claríssima e baste
com apenas acená-la, também para estes senhores ciceronianos tradutores,
quero citar-vos duas passagens de Cícero. A primeira é de De optimo genere
oratorum: Porque a eloqüência consta de palavras e pensamentos [II, 4], a
outra, De Oratore: Pois todo discurso consta de assunto e palavras [III, V,
19]. Nestas duas passagens, observa-se claramente que ele toma os dois
termos eloquentia [eloqüência] e oratio [discurso] por uma mesma coisa, e os
outros dois, re [assunto] e sententiis [pensamentos], não diferem entre si em
significado. De Oratore reconhece a razão pela qual o discurso tem estas duas
partes: Nem as palavras podem ter fundamento, se subtraires o assunto, nem
as coisas esclarecimento, se retirares as palavras [III, V, 19]. No discurso
feito A favor de Cecina pode-se perceber claramente qual destas duas é a mais
nobre e precede a outra em dignidade: Quanto ao testemunho, o direito não
depende totalmente das palavras, antes as palavras servem à compreensão e
às deliberações dos homens; mais abaixo: Se a vontade pudesse ser
compreendida tacitamente por nós, não usaríamos em absoluto as palavras:
porque não pode, as palavras foram inventadas, não para obstaculizar mas
para descobrir a vontade [Pro Caecina, XVIII, 52-53], e mais esparsamente
259
Antologia do Renascimento

trata ali desta matéria. Mesmo se as coisas não tivessem esclarecimento sem
as palavras, nem estas, se retiradas as coisas, tivessem firmeza e sustento,
ainda assim as palavras deveriam servir às coisas. Primeiro existem os
conceitos, depois se encarregam as palavras de vesti-los. Portanto, as coisas,
ou se preferirdes chamar sentenças, sentidos, sensos, matérias, conceitos, vêm
em primeira consideração, porque mais nobres. Os que querem traduzir de
uma língua a outra devem necessariamente expressar os pensamentos,
conservar a ordem das coisas, e com as mesmas formas e figuras, ou
conformações, ou aspectos, ou ornamentos, ou dignidades, ou esquemas,
como vos agrade chamar. Entendestes?
INQUIETO – Entendi sim, e muito bem.
OCULTO – Devem depois expor os pensamentos com palavras
adequadas, e além disso conservar a virtude, a força e o valor das palavras da
língua da qual se traslada. Atentai para a realização das traduções, como
dizem, segundo o sentido, e vereis se são conformes às regras e preceitos que
ensina Cícero.
INQUIETO – Falta chegar à tradução que transpõe palavra por palavra.
OCULTO – Lembrai-vos das palavras de Cícero em De optimo genere
oratorum: Não traduzi como intérprete, não tive a necessidade de transpor
palavra por palavra, e mais abaixo igualmente: Não considerei, pois, ser
mister enumerar as palavras ao leitor.
INQUIETO – Nesta passagem é claríssimo que é necessário ao tradutor
traduzir palavra por palavra, e não lhe bastou dizer isso, ao que acrescentou,
para uma compreensão mais clara, dever-se contar as palavras.
OCULTO – Não se deve absolutamente entender assim esta passagem
porque traria muitos inconvenientes. Mas acrescento a isso que, quando
oportunamente possa ser feito, há de se conservar a ordem das palavras, sem
transpô-las.
INQUIETO – Por que não falou Cícero desta ordem?
OCULTO – Porque viu a dificuldade, e raras vezes a possibilidade, dado
que cada língua tem seus modos, suas belezas e seus esplendores, os quais
não correspondem às outras.
INQUIETO – Cícero, segundo eu, fala categoricamente, sem ter respeito
por coisa alguma, e vós dizeis que traria não poucos inconvenientes entender
simplesmente as palavras de Cícero.
OCULTO – Se Cícero tivesse entendido assim, teria tirado das línguas a
propriedade, a conveniência e os conseguintes. O grego dirá καλὸς οἶνος (bom
vinho), o latino traduzirá bonus vinum [em vez de bonum vinum], e se disser
260
Antologia do Renascimento

οἶνος ὃς (vinho que), o latino: vinum qui [em vez de vinum quod]. O grego
dirá µέλαν αἷµα (negro sangue), dirá o latino nigrum sanguis [em vez de
niger sanguis], e se dissesse αἷµα ὃ (sangue que), diria sanguis quod [em vez
de sanguis qui]. Dirá o grego: Τρία δὲ γένη περιόδων ἐστίν [Demetrius, De
elocutione], dirá o latino: Tria quidem genera periodorum est [em vez de …
sunt; É, na verdade, três os gêneros de períodos]. E esta discordância do
nominativo com o verbo em número é muito elegante entre eles e
freqüentíssima. Dirá o grego ἀκούω τοῦ λέγοντος, dirá o latino audio dicentis
[ouço do dizer, em vez de audio dicentes, ouço os que falam]. Dirá o grego
βοηθῷ τοῖς φίλοις, dirá o latino iuvo amicis [ajudo aos amigos, em vez de
iuvo amicos, ajudo os amigos]. Dirá o grego ὀλιγωρέω σοῦ, dirá o latino
parvifacio tui [pouco estimo de ti, em vez de parvifacio te, estimo-te pouco].
Dirá o grego εὔχοµαι τῷ θεῷ, dirá o latino precor deo [em vez de precor
deum, peço a deus]. Poderia mostrar milhões destes exemplos. Vede os vícios
na gramática sobre os nomes e os verbos. Porque os gregos não têm ablativo e
em seu lugar usam o genitivo, ao traduzir naquele modo o latino sempre
colocaria o genitivo pelo ablativo. Credes agora que Cícero tenha querido
entender tão simplesmente?
INQUIETO – Acho que não.
OCULTO – Aconteceria um outro absurdo com a transposição das
palavras. Diz o grego: ἄξων καλεῖται του κόσµου; se traduziria axis vocatur
mundi [eixo é chamado do mundo], quando se deveria dizer axis mundi
vocatur [é chamado eixo do mundo]; esta se entende, a outra produz dureza de
sentido. A língua grega possui muita beleza na posição de suas conjunções. Se
alguém tirasse os incisos e os membros daquelas partículas, eliminaria toda
sua beleza e toda a graça traduzindo palavra por palavra, e, contando de uma
em uma aquelas palavras postas somente para preencher os vazios, produziria
torpeza e perturbaria de tal maneira os sentidos que não se entenderiam.
Temos o exemplo diante dos olhos destas traduções comuns de palavra por
palavra de autores gregos feitos latinos.
INQUIETO – Dizem muitos que estas traduções são úteis.
OCULTO – Eu não as condeno de todo, mas a utilidade se dará mais
pelo conhecimento da língua grega que das coisas. Em alguns livros
espanhóis lerás muitas vezes, com poucos intervalos entre as orações, después
de besarle las manos, que quer dizer depois de beijar-lhe as mãos. Na língua
espanhola é muito elegante e belo; traduzir em italiano aquela repetição
enfraquece e perde todo o belo que mantém no falar nativo.
INQUIETO – Como se deve entender o verso de Horácio na Arte
Poética: Nem fiel tradutor tratarás de repor palavra por palavra [vv.133-
134]? Eu vejo aí algo difícil para entender e já ouvi dois eruditos discutir
261
Antologia do Renascimento

sobre este verso. Um dizia que Horácio falava da tradução do sentido, o outro,
das palavras, e quase passaram das palavras aos fatos, tanto se encolerizaram.
OCULTO – A verdade se perde através das altercações, mas deve-se
refletir tranqüilamente e fazer tudo para chegar ao conhecimento da coisa.
Existem duas opiniões a respeito do sentido do verso horaciano. Uma, que o
poeta falaria da imitação, a outra, da tradução. Se falasse da imitação, sem
nenhuma dúvida, a tradução seria a das palavras. Ali, admoesta o tradutor a
não verter palavra por palavra, dizendo: Nem tratarás de repor palavra por
palavra; aqui faz um ponto e acrescenta a razão: Fidus interpres, que quer
dizer fiel tradutor. Mas deve-se subentender o verbo esses ou eris, ou outra
forma semelhante, isto é: como se fosses ou serás/serias fiel tradutor, e não
imitador; e esta opinião é dos antigos expositores.
INQUIETO – À outra opinião.
OCULTO – A outra opinião sobre este verso é que falaria da tradução e
não da imitação.
INQUIETO – Da tradução dos sentidos, penso eu.
OCULTO – É antes uma grande discussão se Horácio trataria da
tradução (falarei segundo o mau uso comum) do sentido ou das palavras.
INQUIETO – Esta é uma grande divergência e contudo parecem claras
as palavras.
OCULTO – Os que defendem a primeira, entendem o verso deste modo:
Não tratarás de repor fielmente palavra por palavra, tradutor. Ou seja, tu,
que queres ser um tradutor fiel, não te preocuparás de traduzir palavra por
palavra, mas observarás apenas os sentidos.
INQUIETO – Parece que queria dizer isso mesmo.
OCULTO – Os que tomam a discussão pelo outro lado, entendem
diferentemente: Não te preocuparás de traduzir palavra por palavra, para
fugir aos inconvenientes, ou à falsa latinidade, ou ao absurdo, ou à ineptidão,
ou à confusão sobre os sentidos, como eu disse agora; porque se assim
fizeres, serás contudo um fiel tradutor.
INQUIETO – Este sentido assim apresentado poderia também convir, e
procede das mesmas palavras, e ninguém o distorce segundo sua vontade.
OCULTO – Os desta opinião aludem a uma passagem de Horácio
também na Poetica, quando traduziu o primeiro verso da Odisséia. Homero
diz: Ἄνδρα µοι ἔννεπε, Μοῦσα. Na tradução segundo a ordem, as palavras
dizem: Virum mihi dic, Musa (Do homem me conta, Musa). Horácio, em seu

262
Antologia do Renascimento

verso, usou as mesmas palavras, mas as transpôs: Dic mihi, Musa, uirum
(Conta-me, Musa, do homem) [v.141].
INQUIETO – Este exemplo é perfeito.
OCULTO – Com outros poucos exemplos concluiremos. Mas aos que
não se convencem pela razão num caso tão manifesto e claro, mil exemplos
não poderão bastar-lhes. E pois que estamos impregnados deste espírito
cristão, começaremos pelos livros sagrados do Antigo Testamento. Moisés
disse na língua hebraica: Berescith barà aeloim et assciamaim ve et arez. O
caldeu traduziu: Becadmin berà adonai scemagia erez. Porque a palavra
hebraica aeloim é número plural, a fim de que algum desapercebido não
ficasse achando haver mais de um Deus, disse, pois o caldeu adonai, que
significava Deus uno, e era número singular. O latino, segundo o hebraico,
traduziria: In principio creauit Dii coelos et terram [No princípio criou os
Deuses os céus e a terra]. Os setenta e dois tradutores gregos traduziram: ἐν
ἀρχῇ ἐποίησεν ὁ θεὸς τὸν οὐρανὸν καὶ τὴν γῆν [Septuaginta, Genesis, I, 1]. O
latino, segundo estes, dirá: In principio fecit Deus coelum et terram [No
principio fez Deus o céu e a terra]. O hebraico e o caldeu disseram criou, os
gregos, fez. O hebraico e o caldeu disseram céus, os gregos, céu: embora
aparente certa diferença, não é diferente o pensamento. Mas eu não disse isso
para refletir sobre os sentidos, apenas para mostrar que os tradutores fiéis
conservam a ordem e o número das palavras segundo a colocação encontrada,
se o podem fazer. O italiano, segundo o hebraico, dirá: No princípio criou os
Deuses os céus e a terra; segundo o caldeu: No princípio criou Deus os céus e
a terra; segundo os gregos, dirá: No princípio fez Deus o céu e a terra.
Passemos para Aristóteles: Πάντες ἄνθρωποι τή φύσει εἰδέναι ὀρέγονται87
[Metafísica, 980 a 22]. O latino, conservando a ordem e o número das
palavras do Filósofo, dirá: Omnes homines natura scire desiderant. O italiano
dirá: Todos os homens, por natureza, desejam saber. E quem não sabe que se
poderia dizer de muitos modos, mas que não seria tradução? Vejamos Plauto,
numa passagem traduzida de Aristófanes, o qual guardava um sentido
implícito: Καὶ ταῦτα µὲν δὴ ταῦτα· [Aristófanes, Pluto, v. 8]; Plauto: et haec
quidem haec [e isto é isto]. Eis as palavras transferidas e o sentido igualmente
recôndito. Quantas outras passagens foram traduzidas por Terêncio, por
Virgílio, por Plínio e por outros antes e depois deles?
INQUIETO – Confrontei muitas passagens de alguns autores, e vejo que
é como dizeis. Mas sobre Terêncio, porque não temos nada de Menandro, não
se podem mostrar os paralelos, nem dos outros comediógrafos e
tragediógrafos latinos, por não existirem muitos cômicos e trágicos gregos.

87
A oração de Aristóteles é: Πάντες ἄνθρωποι τοῦ εἰδέναι ὀρέγονται φύσει [Todos os homens, por natureza,
desejam saber], in Metafísica, 980 a 22.
263
Antologia do Renascimento

OCULTO – Donato, no prólogo a Andria, diz: É evidente que aquelas


coisas que foram expostas em detalhes com o mesmo sentido e com as
mesmas palavras não foram traduzidas de Perinthia para Andria
deliberadamente, mas casualmente. Névio, Plauto e Ênio fizeram o mesmo
[13; 18]. Em outro lugar: [Terêncio] traduziu Hecyra [A Sogra] e Phormio de
Apolodoro, e quatro fragmentos de Menandro [Vita Terentii, 10]. E se Donato
vos parece de pouca autoridade, conferi Terêncio mesmo no prólogo a Adelfos
[Os Irmãos] falando de sua própria pessoa: apropriou-se [o poeta] desta
referida passagem para seu Adelfos, e traduziu expressamente palavra por
palavra [Adelphoe, v. 10ss.]. Quereis ainda mais clareza? Lede Estobeu88
[Antologia], que reuniu tantas autoridades, de Menandro e de outros escritores
gregos. Não vos seja pesado ouvir Plínio, quando reflexiona sobre o trigo:
Durante o reinado de Alexandre Magno, quando a Grécia era a mais insigne
e a mais poderosa em todo o orbe terrestre, o poeta Sófocles, antes de sua
morte, com quase 145 anos, elogiou o trigo itálico sobre todas as coisas na
peça “Triptolemos” com a sentença traduzida literalmente: “E de cândido
trigo semear a fortunada Itália” [Naturalis historia, XVIII, XII, 65].
Passando a nossos italianos, Boccaccio fez o mesmo ao traduzir muitas
passagens, e entre tantas, mostrarei uma. Cícero: Malo uirum qui pecunia
egeat, quam pecuniam quae uiro [Prefiro um homem que carece de riqueza à
riqueza que carece de um homem] [De officiis, II, §71]. Boccaccio: Voglio
avanti huomo che habbia bisogno di ricchezza, che ricchezza che habbia
bisogno d’huomo [Prefiro antes um homem que tenha necessidade de riqueza,
que riqueza que tenha necessidade de um homem] [Decameron, V, 9].
Boccaccio, para passar a força do termo egeat, repetiu-o duas vezes, o que em
latim não foi necessário. Eu poderia apresentar inúmeras passagens dele, e de
Brunetto, de Dante, de Petrarca e de outros, mas seria um querer encher
páginas sem proveito. Conclusivamente afirmo-vos que o verdadeiro modo de
traduzir é este, ou seja, de permanecer nas palavras o quanto for possível, e
expressar o sentido. Aprovou-o a opinião de inúmeros escritores de todos os
séculos passados e do presente. E quem julga diferentemente, por uma
valoração comum, engana-se muitíssimo. Os livros sagrados, que contêm
nossa salvação, Aristóteles, Hipócrates e todos os outros livros necessários à
informação do espírito ou à saúde do corpo têm sido traduzidos segundo a
ordem e o número das palavras.
INQUIETO – Também eu comungo facilmente contigo este pensamento,
e é mais fácil agora, por tudo quanto ouvi ser dito por muitos.

88
João de Estobeu (Ἰωάννης ὁ Στοβαῖος, Joannes Stobaeus), compilou em quatro livros, por volta de 500 d.C.,
uma antologia de textos de escritores gregos. A obra, preservada, contém fragmentos valiosos e únicos.
264
Antologia do Renascimento

OCULTO – Pelo contrário, este modo de traduzir é muito mais difícil do


que alguns imaginam porque pressupõe três grandes conhecimentos: um do
sentido, outro, da língua na qual se traduz, e o terceiro, da língua da qual se
traduz. Geralmente, todos aqueles que têm pouca informação sobre as três
coisas acima apontadas refugiam-se nesta que chamam de sentido;
interpretam a seu modo vagando ora por um lado ora por outro, e agindo desta
forma alguns chegaram a ser reputados menos doutos e menos bons pelos
melhores e mais entendidos. Muitos, desejando aprofundar em seu sentido,
equivocaram-se. Petrarca, querendo interpretar aquela passagem de Suetônio
na Vita di Vespasiano: Erat statura quadrata (era de estatura bem
proporcionada) [Divus Vespasianus, XX], disse que conheceu Vespasiano
pelas costas quadradas; não bastasse isso, acrescentou: como um homem que
se agacha, descrevendo-o em atitude de um homem que faz uma necessidade
natural comum [Triumphus fame, I, v. 94ss.]. E isto diminuiu-lhe a reputação
de conhecedor da língua latina. Confundiu aqui várias coisas. Primeiro, não
sabia o que significava aquela statura quadrata. Columela, escritor de
Agricultura, diz que o boi e a galinha devem ser de statura quadrata [De re
rustica, VI, 1, 3; VIII, 2, 8]. Aquele acréscimo como um homem que se
agacha fundamenta-se, porque se diz que Vespasiano tinha faciem cacantis
(uma aparência de cagão), contudo, se tivesse dito Vespasiano era de
estatura quadrada teria realizado a tarefa do tradutor, e não se equivocaria.
Quantos desacertos procedem de tais traduções? E ao condenarem esta outra,
que chamam de palavras, não sei o que mais revelam: se ignorância ou
desfaçatez.
INQUIETO – Não refletistes sobre a dificuldade de traduzir algumas
palavras.
OCULTO – Até agora discorremos sobre a tradução em geral; este
quesito é da tradução em particular. Não deixarei de dizer como alguns se
arrogam o direito de querer ilustrar as traduções: acreditam desvelar
claramente o obscuro, ou o difícil, ou o conceito ambíguo do autor que
traduzem, falam bem, mas, se entendessem por ilustrar melhorar bastante, não
perceberiam que não seria tradução, mas ilustração, a qual não está obrigada a
nenhuma lei do sentido ou das palavras; e desta ilustração fala Cícero
suficientemente nas Tusculanas.

Tradução:

Mauri Furlan
maurizius@gmail.com

265
Antologia do Renascimento

Dialogo del modo de lo tradurre d’una in altra lingua


(1556)(excertos)

Interlocutori –

Inquieto, Occulto

INQUIETO – Alcuni dicono che la tradottione è causa de molti mali e


danni, che ella fa gli uomini ociosi, onde non si curano d’apparare quella
lingua, in cui è stata scritta da’ primi autori alcuna facoltà.
OCCULTO – Io non biasmo, anzi attribuisco a somma lode d’ingegno il
possedere più lingue per cognitione de le scienze; ma, dove si tratta de lo
interesse commune e de la publica salute, non traducendosi i libri che ciò
mostrano, seria danno e male infinito, perché non può la generalità dare opera
a le lingue.

[…]

INQUIETO – Dicono che la tradottione è pericolosa e che ’ tradottori


pigliano spesso de’ granci, onde sono cagione che molti incorrano con loro ne
gli errori.
OCCULTO – Questo è un altro passo.
INQUIETO – Onde s’uno desse opera a quella scienza ne la lingua, in
cui fu prima scritta, meglio intenderebbe le cose e non ne rimaria ingannato, e
che sia vero specchiatevi ne la diversità de le tradottioni de’ medesimi libri,
mirate l’osservationi de gli errori de l’uno contra l’altro.
OCCULTO – Può essere che qualque indotto e inetto o per ignoranza de
le lingue o de la facoltà commetta errori. Ma che? Non si può dire tradottione
quella di colui che traduce ciò che meno intende, ancorché cognitione havesse
intiera e perfetta de le lingue. Molti, sendo puri grammatici, hano tentato di
tradurre le facoltà e però sono incorsi in infiniti errori: questi non si chiamano
convertitori, mas sovertitori.
INQUIETO – V’intendo; io dico de le tradottioni di coloro che sono in
maggiore stima d’intendere le lingue e le scienze.

266
Antologia do Renascimento

OCCULTO – A questo risponderei non essere per colpa de le parole, ma


de le cose, che sono difficilissime ad essere intese; e non pur non si scuopre
questa malagevolezza d’intendere per via de la tradottione, ma ne la lingua
istessa, onde veggiamo grandissime contese tra gli spositori greci ne la
dottrina d’Aristotele greco; e quando parlo d’un particolare intendo de tutti gli
altri per similitudine. Tanto basti haver detto non quanto si poteva, ma di
vantaggio quanto si devea, perché ogni menomo cenno poteva supplire. Hor
passiamo al modo del tradurre.
INQUIETO – Questa parte è molto difficile, per quello che stamane
intesi.
OCCULTO – Alcuni parlando del modo si sono contentati passare con
una sola distintione, e semplice: che o si traduce parola per parola, o lasciando
le parole si traducono i sensi.
INQUIETO – Questa fu la disputa di questi valent’huomini.
OCCULTO – Quasi communemente tutti ci consentono, né io lo
contradico, né assolutamente l’approvo.
INQUIETO – Voi v’appigliate a quel modo terzo dunque, in mezzo a
questi dui?
OCCULTO – Tanto meno questo, perché io non so che cosa voglia dir
costui, o costoro, che habbiano o lodino questa opinione, ma io v’arrecherò in
mezzo il parer mio, non come nuovo in sé, se già nuovo non apparesse a chi
stima di saperne più de gli altri in tutte le altre cose e ignorasse sola questa
cotanto importante ne la presente materia.
INQUIETO – Forse hanno finto di non saperla, o per non mostrarla ad
altri, o perché non fusse poi in arbitrio d’ognuno, conosciuta la vertù de la
cosa, far giudicio e scegliere il lolio dal formento.
OCCULTO – Questa sarebbe invidia e malignità. Ma dubito in alcuni de
l’ignoranza, perché molte cose ho io vedute recate da certi d’una in altra
lingua, e assai felicemente al parer mio, ma dandole nome di tradottione,
sendo tutta da la tradottione lontana, hanno mostrato di non sapere che cosa
tradottione sia, non conoscendo la vertù sua; e molti ne troverete caduti in
questo medesimo errore.
INQUIETO – Nominate un di costoro, vi prego.
OCCULTO – Come si viene al particolare, sapete che cosa comanda quel
gravissimo filosofo, maestro de lo intendere e del parlare.
INQUIETO – Seguite dunque.

267
Antologia do Renascimento

OCCULTO – Hora vi si scoprirà come non basta a volere parlare de la


tradottione passare col piede asciutto con quella semplice distintione detta di
sopra; è dunque necessario a questo discorso dare principio, come si suol dare
in tutti i ragionamenti, da la definitione: così comandano i filosofi, i rhetori
greci e latini e tutti gli scrittori de le scienze e de l’arti. Questa lieva ogni
ambiguo e fa palesi le cose occolte; e senza questa si procederebbe a lo
infinito, né seguirebbe accordo, né conchiusione. Ma per venire a l’intiera
conoscenza de la tradottione, nanti che si definisca, conviensi prima sapere
che differenza sia tra metafrasi, parafrasi, compendio, ispianatione e
tradottione.
INQUIETO – A la metafrasi.
OCCULTO – Metafrasi può essere in una medesima e in istrana lingua.
Apresso ’ greci ne troverete. Hoggidì è da molti usata, ma sotto nome di
tradottione. Sua vertù è: purch’ella in qualche modo riferisca il senso od
ombra di senso, presso o lontano, senza stare nel rigore de le parole, vagando
come le piace il meglio, ha fatto l’ufficio suo. Non è obligata a la purità del
senso, né de le parole; e però, se voglia le viene, amplifica, sminuisce,
confonde, traspone, disturba, adombra di maniera tale che l’autore principale
non riconoscerebbe il suo per suo, in quel modo che non potrebbe discernere
d’un vaso d’argento o d’altro metallo, toltogli per furto e distrutto e riformato
in altra figura tutta da quella diversa, menoma particella che suo fusse il vero
padrone; pure io non la biasimo, ma io non m’appago del giudicio di coloro
che si vagliano in questo del nome di tradottione.
INQUIETO – A la parafrasi.
OCCULTO – La parafrasi puossi fare ne la medesima lingua e ne
l’altrui: ne la medesima, come Themistio in alcune opre d’Aristotele; ne
l’altrui, come infiniti latini nel medesimo autore, e in tutte l’altre lingue e
scienze; ed è difficilissima, né puolla ogniuno asseguire.
INQUIETO – Dunque è conceduta.
OCCULTO – È stata e sarà sempre. La vertù sua consiste in far chiari i
sensi ch’hanno o de l’ambiguo o de l’oscuro con più largo giro di parole, se
necessario fia, come a la dichiaratione de la presente materia s’aviene. Ma
sempre dee andare catenato e ne i sensi contendere con l’autore. Molti hanno
voluto arrogarsi il nome del parafraste, né sapendo quale fusse l’ufficio suo
hanno errato. Altri scrivendo mere parafrasi le hanno titolato tradottioni, il
che ha dato a vedere come non sanno che cosa sia parafrasi e meno
tradottione. Udite quel che intorno a ciò dottamente ragiona Quintiliano:
Neque ego paraphrasim esse interpretationem tantum volo, sed circa eosdem
sensus certamen atque aemulationem [Institutio oratoria, X, 5, 5]. Altrove:
268
Antologia do Renascimento

Tum paraphrasi audacius vertere, qua et breviare quaedam et exornare salvo


tantum sensu permittitur. Quod opus etiam consummatis oratoribus difficile
[Institutio oratoria, I, 9, 2-3].
INQUIETO – Al compendio.
OCCULTO – Il compendio fassi ne la medesima favella e ne l’aliena, e
fu sempre conceduto. Deve questo in strettissimo giro di parole conchiudere il
senso compreso in molte carte; gli greci lo chiamano epitome. Non si può dire
veramente che tale breviario a la memoria nostra non conferisca assai e molta
fatica non ne scemi, pure suole apportare tal’hora non picciolo danno. Hor
ecco, per trascuraggine de gli antichi nostri si sono perdute l’opere de Livio, e
di ciò n’è stato cagione lo epitome ascritto a Lucio Floro.
INQUIETO – Come ascritto, non è egli suo?
OCCULTO – Alcuni istimano che sia di Livio, fatto da lui per suo
memoriale.
INQUIETO – Dunque esso medesimo seria causa del mal uso.
OCCULTO – Per lo epitome di Giustino siamo difraudati de l’Historie di
Trogo Pompeo. Molti altri danni che sieguono da’ compendii si potrebbono
mostrare. Ma tanto ne sia detto a bastanza. Questa non è opra da ogniuno e
non così felicemente succede a qualunque scrittore.
INQUIETO – A la ispianatione.
OCCULTO – La ispianatione parimente far si puote e ne la propria
favella e ne l’altrui. Per altro nome si chiama ancora interpretatione,
ispositione, commentario, narratione, isplicatione. Travagliasi in dichiarare i
sensi, manifestare i secreti de l’arte, risolvere le contrarietadi, chiarire gli
ambigui, nel conflitto de l’openione appigliarsi a la più verisimile, publicare
l’historie e le favole occulte, mostrare la significanza e vertù de le parole,
assegnare la ragione, ritrovare il fonte d’onde escono, osservare l’elocutioni.
INQUIETO – Come caro mi serebbe udir favellare di queste locutioni.
OCCULTO – Questo non è suo tempo, né luoco.
INQUIETO – A la tradottione.
OCCULTO – La tradiottione non si può fare se non è in lingua diversa
da quella che si traduce.
INQUIETO – Siamo pure a la fine pervenuti a la tradottione, però stimo
essere stato sommamente necessario mostrare la differenza che tra questa sia
e l’altre dette di sopra.

269
Antologia do Renascimento

OCCULTO – Questa per altro nome puossi chiamare interpretatione,


conversione, traportatione, traslatione e simili. Ma avertite che gli antichi
latini e di miglior nome l’hanno per uso più frequente detta interpretatione e
lo tradottore chiamato interprete.
INQUIETO – Qua’ sono questi autori latini de così buon nome e a cui
tanto attribuite?
OCCULTO – Cicerone e Horatio; e ciò dissi perché anch’io mi vorrò
valere di queste voci interpretatione e interprete. Dicono alcuni che sono due
le vie di tradurre: l’una ha da rappresentare i sensi, l’altra le parole; questa
ultima dicono essere puerile.
INQUIETO – Così dicono.
OCCULTO – Questa divisione, quanto a la cosa, assolutamente non è
vera, e sotto questa forma di parole non è senza menda.
INQUIETO – In che manca?
OCCULTO – La tradottione che rappresenta le parole, non rappresenta
necessariamente le sentenze anchora?
INQUIETO – Rappresenta senz’alcun dubbio.
OCCULTO – Non disse così Cicerone in quel suo libretto De optimo
oratorum genere, ove dice: Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes inter se contrarias, Aeschinis
Demosthenisque [V, 14]?
INQUIETO – Quivi appare bene Cicerone haverle tradotte, ma queste
due orationi non si trovano; potriano fingere alcuni di non sapere che modo
egli tenesse in tradurre.
OCCULTO – Vero è che non si leggono hoggidì, o per trascuragine de
gli huomini, o per malignità de’ tempi. Ma Cicerone istesso, come sapete,
dice che modo egli tenesse in tradurre. Hor ascoltate: Nec converti ut
interpres, sed ut orator.
INQUIETO – Fate conto ch’io non sappia nulla, né ch’io habbia letto
alcuna cosa: che differenza mostra Cicerone tra lo tradurre come interprete, e
come oratore?
OCCULTO – Nanti che io venga a questo che vi dichiarerò poi per
Cicerone medesimo in quel luogo citato, voglio che avertiate a due cose: l’una
è che lo tradurre di parola in parola non è cosa nuova né puerile.
INQUIETO – Già lo posso haver compresso quando parlaste de le
tradottioni de le scritture hebree, arabiche, greche e latine, come non è cosa
nuova né puerile.
270
Antologia do Renascimento

OCCULTO – Non voglio valermi di questo che dissi di sopra, perché fu


detto per provare l’utilità e la necessità. Li ciceroniani subito levariansi a dire
che bisogna discendere più al basso, perché non è lecito parlare se non con
ogni debita riverenza de la Sacrosanta Scrittura. Se si discorrerà sopra le
scienze, diranno che le facoltà portano così e che non è lecito stare su l’aere,
perché è un volere ostentare, e non provare l’intento. S’io vorrò allegare
l’autorità di Dante, di Petrarca, di Boccaccio e d’altri, li quali hanno tanti
luochi da’ migliori latini tolti e donati a le muse italiane, mi diranno che io
vengo a troppo bassi autori di poco o di niun momento. Apo ’ latini non sono
intenti ad ascoltare altri che Cicerone, e io per Cicerone voglio provarlo.
INQUIETO – Lo potete provare per Cicerone?
OCCULTO – Posso; udite: nel primo De finibus bonorum et malorum
dice: Iis igitur est difficilius satis facere, qui se Latina scripta dicunt
contemnere. in quibus hoc primum est in quo admirer, cur in gravissimis
rebus non delectet eos sermo patrius, cum idem fabellas Latinas ad verbum e
Graecis expressas non inviti legant [I, 4]. Il medesimo conferma De optimo
genere oratorum, rispondendo a gli riprensori futuri de la tradottione sua de le
due orationi greche: Idem Andriam et Synephebos nec minus [Terentium et
Caecilium quam Menandrum legunt, nec] Andromacham aut Antiopam aut
Epigonos Latinos recipiunt; [sed tamen Ennium et Pacuvium et Accium potius
quam Euripidem et Sophoclem legunt]. Quod igitur est eorum in orationibus e
Greco conversis fastidium, nullum cum sit in versibus? [VI, 18].
INQUIETO – Qui mostra bene che Terentio, Cecilio, Ennio, Pacuvio e
Accio traducessero di parola in parola; per certo è gravissima testimonianza,
ma non dice ch’egli l’habbia fatto.
OCCULTO – Resta ch’io vi mostri com’egli l’habbia accennato di
volerlo fare d’autori filosofi. Più sotto nel medesimo libro dice: Quanquam, si
plane sic verterem Platonem aut Aristotelem, ut verterunt nostri poetae
fabulas, (cioè di parola in parola; siegue:) male, credo, mererer de meis
civibus, si ad eorum cognitionem divina illa ingenia transferrem. Sed id
neque feci adhuc nec mihi tamen ne faciam interdictum puto. Locos quidem
quosdam, si videbitur, transferam, et maxime ab his quos nominavi, cum
inciderit ut id apte fieri possit [De finibus bonorum et malorum, I, 7].
INQUIETO – Fin qui non afferma haverlo fatto, ma mostra che sia in
arbitrio suo di farlo, quando gli parrà.
OCCULTO – Che lo habbia fatto manifestamente appare nel libro De
universitate, tradotto dal Timeo di Platone: l’uno e l’altro s’ha ne le mani,
puossi osservare.

271
Antologia do Renascimento

INQUIETO – Non mancano chi neghino questo libro De universitate


essere di Cicerone.
OCCULTO – Quelli sono che fanno professione d’essere ciceroniani e
hanno seco poco dimestichezza. Ma sentite Cicerone in la terza Tusculana
voltatosi ad Epicuro: Sunt haec tua verba necne? In eo quidem libro qui
continet omnem disciplinam tuam (fungar enim iam interpretis munere, ne
quis me putet fingere) [Tusculanae disputationes, III, XVIII, 41]. Considerate
quelle parole: munere interpretis.
INQUIETO – Sì, ho considerato che parla de lo ufficio de lo interprete.
OCCULTO – E comincia a tradurre le sentenze d’Epicuro: Nec equidem
etc., Saepe quaesivi etc., e più a basso, ad Epicuro volgendosi, dice: Haec
Epicuro confitenda sunt aut ea quae modo expressa ad verbum dixi tollenda
de libro [Tusculanae disputationes, III, XIX, 44].
INQUIETO – Questo prova; ma era necessario di così fare.
OCCULTO – Cicerone ad Attico: Itaque istum ego locum totidem verbis
a Dicaearcho transtuli [Epistulae ad Atticum, VI, 2].
INQUIETO – Questo basta.
OCCULTO – Niuno è sì mediocremente versato ne’ libri principalmente
de la filosofia di Cicerone che non habbia possuto osservare i luochi tradotti e
da quelli trarre il modo tenuto da lui quando sta ne lo ufficio de lo interprete,
e da essere in conseguenza osservato da noi, se tradurre vorremo. Infiniti altri
luochi d’Homero, di Platone, d’Aristotele, d’Arato, di Sofocle si è forzato di
rendere parola a parola quando commodamente l’habbia possuto fare. Tutto
sia detto per mostrarvi che non è cosa nuova tradurre di parola in parola, poi
che tanti secoli sono che s’è servato, né puerile, già che il contrario si vede,
per il testimonio di sì gravi autori.
INQUIETO – Voi diceste di volere mostrare per Cicerone istesso le
regole del tradurre ne l’uno e ne l’altro modo. Hora mi rimettete a le cose che
egli ha tradotte.
OCCULTO – Lo dissi, e serverollo. Ma non havete avertito che io parlai
a que’ duo modi per dimostrarvi che da Cicerone havete la teorica e la
prattica. Horsù a l’osservanza de la promessa! Nel medesimo luogo De
optimo genere oratorum: Nec converti ut interpres, sed ut orator; qui
scorgete la differenza che è in tradurre alcuna cosa d’una in altra lingua: che
si può tradurre como interprete, e come oratore. Notate che, traducendo
l’orationi d’Eschine e di Demosthene, dice haver tradotto quale oratore;
perché non traducendo orationi forse non havrebbe detto che ciò fatto havesse
come oratore.
272
Antologia do Renascimento

INQUIETO – Questo non intendo io bene, che mi par certo non so che
nascostovi sotto.
OCCULTO – Voi lo intenderete ne lo processo del parlare.
INQUIETO – A la differenza.
OCCULTO – Nec converti ut interpres, sed ut orator, iisdem sententiis
et earum formis tanquam figuris, verbis ad nostram consuetudinem aptis;
avertite bene a quel che è detto, e a quel che siegue: In quibus non verbum pro
verbo necesse habui reddere, sed genus omnium verborum vimque servavi.
Non ea enim me adnumerare lectori putati oportere, sed tanquam appendere.
INQUIETO – Paionmi tutte parole di misterio e di profondissimo
sentimento.
OCCULTO – Lo tradurre come oratore vedete quanto è differente da lo
tradurre come interprete. Come oratore sta ne le sentenze istesse, usa le
medesime forme e figure con le parole atte seguendo suo solito costume,
servando ’l genere e la forza di tutte le parole. Onde lo interprete
necessariamente ha non pur da rendere parola a parola, ma deve annoverare le
parole. Mirate che non disse Cicerone di voler tradurre semplicemente i sensi,
ma disse di voler, oltra lo tradurre i sentimenti, usar le medesime forme e
figure con le parole accommodate e servare la vertù de le parole. Questo
luoco di Cicerone come ben dite è di misterio profondo e alto; e per
l’isperienza che io ne ho da le tradottioni segondo i sensi, come dicono, o
vero non è stato veduto, o negletto, o non inteso da questi che vogliono essere
creduti soli ciceroniani.
INQUIETO – Forse per la gran dimestichezza che hanno con Cicerone,
facendo contra i suoi precetti, lo fanno a sigurtà, o per aventura si tengono da
più di lui.
OCCULTO – Sia comunque si voglia: pigliate le tradottioni segondo i
sensi, com’essi dicono, e non ritroverete fin qui alcuno che habbia servato i
precetti di Cicerone. Ho parlato con molti di questi tradottori e allegando loro
questo passo di Cicerone, chi m’ha risposto non l’haver veduto, chi non
haverlo considerato, chi non lo haver curato e chi non l’havere inteso. Di
quanti ho io tra me stesso riso che, non intendendo che sieno quelle forme e
figure, hanno detto cose tanto istravaganti, che io arrossiva da parte loro.
INQUIETO – A dire il vero, pensava prima d’intendere questo luoco
assai bene, ma poi che me lo proponete cotanto difficile, non lo creggio
intendere più.

273
Antologia do Renascimento

OCCULTO – S’egli è difficile sannolo tutti i dotti, e chi l’intendesse


intenderebbe anchora l’imitatione e i precetti de la imitatione, cosa insino a
qui trattata da molti, intesa da pochi.
INQUIETO – In così poche parole dice tante cose?
OCCULTO – In così picciolo giro di parole sono gran cose risposte.
INQUIETO – Non è minore il desiderio mio intendere de la imitatione
che de la tradottione.
OCCULTO – Hora non è tempo né luoco di trattare de la imitatione.
INQUIETO – Dichiarate di gratia queste forme e queste figure.
OCCULTO – Nanti che a questo io venga, ragionaremo de la difficultà
che è ne la giacitura de le parole. Tutti i testi communemente leggono et
earum formis tanquam figuris. Alcuni gran dotti volevano racconciare il testo
e dire: et earum tam formis quam figuris; altri non trasponevano la parola, ma
la dividevano e distinguevano: et earum formis tam quam figuris, parendo
loro che malagevolmente si potesse intendere questo passo per la voce
tanquam. Moveansi per tal ragione: le forme e le figure qui da Cicerone
comprese o sono cose diverse, od una istessa natura; se sono diverse la voce
tanquam importa similitudine, se sono una cosa istessa, devea dimostrarlo più
chiaramente. Se le forme e figure in questo luoco non havessero vario
significato, risulterebbe un sentimento roggio e inetto che nulla verebbe ad
inferire; e intendendo le figure e forme per due cose dissimili, questa voce
tanquam fa dura costruttione e si dispoglia de l’ufficio suo.
INQUIETO – Ancora a me par così.
OCCULTO – E non è però così, ma deesi molto bene issaminare nanti
che si corregga una lettione d’un testo da tutti ricevuto e approvato. Apo gli
antichi autori e buoni si legge la voce tanquam ne la significanza de le voci
ut, uti; velut, veluti; sicut, sicuti e quemadmodum.
INQUIETO – Qua’ sono questi autori?
OCCULTO – Plauto ne la Persa dice: Esne tu huic amicus? D. Tanquam
dii omnes, qui coelum colunt [v. 581]. Il medesimo nel Trinummo: Vide ut
hominem noveris, S. Tanquam me [v. 913].
INQUIETO – Costoro potrebbono dire che Plauto fusse troppo antico.
OCCULTO – Terentio nel Formione: Senis nostri, Dave, fratrem
Chremem / Nostine? D. Quidni? G. Quid? Eius natum Phaedriam? / D.
Tanquam te [Phormio, v. 63ss.]. Il medesimo ne lo Eunuco: Tanquam
philosophorum habent disciplinae ex ipsis vocabula [Eunuchus, v. 263ss.].
INQUIETO – A le forme, a le figure.
274
Antologia do Renascimento

OCCULTO – Tralasceremo di parlare de la forma de’ filosofi, la quale è


in tutte le cose; parimente è de le forme e figure a la geometria e a l’aritmetica
pertenenti; né spenderemo parole e tempo in mostrare a quanti modi
s’usurpano e si trasferiscono queste due voci da gli autori latini, perché non è
di giovamento alcuno a quello che intendiamo di dire. L’autore ad Herennio,
sia chi si voglia, dice: Sunt igitur tria genera, quae genera nos figuras
appellamus, in quibus omnis oratio non vitiosa consumitur: unam gravem,
alteram mediocrem, tertiam extenuatam vocamus [Rhetorica ad Herennium,
IV, VIII, 11]. A Quinto fratello de l’oratore Ciceron disse: exprimere
quandam formam figuramque dicendi [De oratore ad Quintum fratrem,
II,XXIII,98]; e ne l’Oratore a Bruto: optima species et figura dicendi; e nel
medesimo libro: Sed iam ipsa forma restat et character ille qui dicitur. Nel
medesimo luoco: In omni re difficillimum est formam, quod χαρακτὴρ Graece
dicitur, exponere optimi [Orator, I, 2; XXXIX, 134; XI, 36]. Un autore greco
da alcuni creduto Demetrio Falereo dice: Εισι δε τέσσαρες οι απλοί
χαρακτήρες, ισχνός, µεγαλοπρεπής , γλαφυρός, δεινός [De elocutione, 36].
Qui havete come in li citati luochi una istessa cosa apo ’ latini è genere,
forma, figura, specie e carattere; ma lo carattere è voce greca. Alcuni
s’avisano Cicerone havere intese di queste forme e figure quando disse:
Converti ut orator, iisdem sententiis et earum formis tanquam figuris.
INQUIETO – Voi che ne dite?
OCCULTO – Altri non di queste, ma d’altre forme e figure contendono
qui Cicerone haver voluto intendere.
INQUIETO – Di quali?
OCCULTO – Cicerone De i chiari oratori disse: Verborum et
sententiarum illa lumina, quae Graeci vocant σχήµατα, quibus tanquam
insignibus in ornatu distinguitur omnis oratio; e nel medesimo libro:
Sententiarum orationisque formae, quae appellantur σχήµατα; e ivi ancora:
sententiarum ornamenta et conformationes [Brutus, LXXIX, 275; XVII, 69;
XXXVII, 140]. Ne la Topica: Ornamenta verborum sententiarumque, quae
appellantur σχήµατα [Topica, VIII, 34]. Ne l’Oratore: Lumina, quae Graeci
quasi aliquos gestus orationis σχήµατα appellant [Orator, XXV, 83]. Vedete
qui come Cicerone sotto più voci intende una cosa istessa. Lo greco dice
schemata; Cicerone forme, ornamenti, lumi, conformationi. Lo autore de la
Retorica ad Herennio chiama questi schemi essornationi e degnitadi
[Rhetorica ad Herennium, IV, XIII, 18]. Quintiliano disse hora figure, hora
conformationi: Cum sit proximo libro de tropis dictum, sequitur pertinens ad
figuras, quae schemata Graece vocantur; più sotto: Figura est, sicut nomine
ipso patet, conformatio quaedam orationis remota a communi et primum se
offerente ratione. Più oltra lo conferma, dove tratta de le figure de le sentenze:
275
Antologia do Renascimento

Ergo cui latius complecti conformationes verborum ac sententiarum


placuerit. Più oltra, dove parla de le figure de le parole, dice: Verborum vero
figurae [Institutio oratoria, IX, 1, 1; IX, 1, 4; IX, 2, 1; IX, 3, 1]. Nanti
Quintiliano Aquila Romano chiamò figure: Sed figurarum (ut supra diximus)
aliae sunt sententiarum, quae διανοίας σχήµατα appellant, aliae elocutionis,
quae λέξεως σχήµατα vocantur [Aquila Romano, Schemata lexeos], e sempre
chiama in tutta l’operetta sua figure. Publio Rutilio Romano fece un libretto
titolato De figuris sententiarum et elocutionis, ma in tutta l’opera sua non usa
mai se non la voce greca schema. Questa parola greca σχῆµα ’ greci è pregna
ed è di largo significato, però Rutilio servir non si vuolse giamai d’alcuna
voce latina. Cicerone e Quintiliano quasi per lo più, com’havete udito,
v’interpongono la voce greca.
INQUIETO – Tutti costoro trasformano e trasfigurano queste forme e
figure come più gli piace. Voi che ne dite?
OCCULTO – Altri considerano queste forme e figure de le sentenze ad
un altro modo.
INQUIETO – Hor come?
OCCULTO – Dicono che le cose de la natura apresso tutti sono le
medesime; e medesime, quando vero sono, chiamansi le sentenze de le cose.
Apresso tutti gli huomini una istessa forma è de l’huomo, del leone, de lo
elefante, ne variano giamai le definitioni con cui le medesime forme si
spiegano. Onde quelle sentenze, le quali ne gli animi nascono da l’openione,
hanno grandissima varietà. Ma sieno queste o quelle, rimarrebbono dentro a’
petti rinchiuse e del tutto a gli altri incognite, se Dio non ci havesse dato gli
istromenti de la voce e lo fiato e conceduto come a dire certe figure de’ nostri
pensieri. Niunde vide giamai l’altrui sentenze, ma sì bene l’imagini loro in
iscritto o prononciate; quelle per gli occhi e queste per l’orecchie si
riferiscono a l’animo. Le sentenze Aristotele nomò παθήµατα τῆς ψυχῆς; le
forme de le sentenze disse σύµβολα; le figure ὁµοιώµατα [De interpretatione,
I]. In quel modo che si muovono i sensi per la natura de gli oggetti, così gli
animi si dispongono per le sentenze segondo la natura de le cose
rappresentate; ma se caggiono sotto ’l sentimento chiamansi figure, se
pertengono a l’animo forme. Le figure sono segondo ’ greci ἀπεικονίσµατα
καὶ ἀποµάξεις rerum, quali ci dimostrano i pittori; le forme seranno σύµβολα.
Non però tutte le forme sono figure, ma tutte le figure si ponno chiamar
forme. Dirassi dunque più distintamente ne l’oratione forme che figure.
Queste sono varie e diverse apresso tutte le genti. E come non sono i
medesimi costumi, istituti e habiti di tutte le nationi, così de le parole aviene
che apo tutti è diversa la vertù e la compositione.
INQUIETO – Voi che dite?
276
Antologia do Renascimento

OCCULTO – Altri fanno diverso giudicio e riferiscono le forme a le


parole e a la compositione, le figure a gli ornamenti.
INQUIETO – Voi che dite?
OCCULTO – Discorrendo sopra questo passo con messer Giovanni
Battista Arigone, secretario de la magnifica communità d’Udine, giovane di
molta lettione e di gentilissimo ingegno e di meraviglioso giudicio,
pigliammo il libretto in mano, e per essere picciolo tutto lo percorremmo.
Cicerone dichiara se stesso ne lo epilogo di questo brevissimo trattato e
mostra apertamente che cosa egli intenda per quelle forme e figure.
INQUIETO – Che mi dite?
OCCULTO – Ascoltate lo epilogo di Cicerone: Quorum ego orationes si,
ut spero, ita expressero virtutibus utens illorum omnibus, id est sententiis et
earum figuris et rerum ordine, verba persequens eatenus ut ea non
abhorreant a more nostro (quae si e Graecis omnia conversa non erunt,
tamen ut generis eiusdem sint, elaboravimus), erit regula, ad quam eorum
dirigantur orationes, qui Attice volunt dicere [De optimo genere oratorum,
VII, 23]. Riponiamo quello che disse di sopra: Converti ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes, Aeschinis Demosthenisque. Nec
converti ut interpres, sed ut orator, sententiis iisdem et earum formis tanquam
figuris, verbis ad nostram consuetudinem aptis. In quibus non verbum pro
verbo necesse habui reddere, sed genus omnium verborum vimque servavi.
Non enim ea me annumerare lectori putavi oportere, sed tanquam appendere.
Voi havete udito; cominciamo a parangonare i luochi. Di sopra disse: Nec
converti ut interpres, sed ut orator, sententiis iisdem et earum formis tanquam
figuris; ne lo epilogo dice: Quorum orationes si, ut spero, ita expressero
virtutibus utens illorum omnibus, id est sententiis et earum figuris et rerum
ordine. Di sopra pose: verbis ad nostram consuetudinem aptis, ne lo epilogo
pone: verba persequens eatenus ut ea non abhorreant a more nostro. Di sopra
scrisse: In quibus non verbum pro verbo necesse habui reddere, ne lo epilogo
scrive: quae si e Graecis omnia conversa non erunt. Di sopra messe: sed
genus omnium verborum vimque servavi, ne lo epilogo mette: tamen ut
generis eiusdem sint, elaboravimus. Come bene ogni cosa corrisponde! Notate
che, ove si lesse di sopra formis, ne lo epilogo leggesi rerum ordine: per le
forme dunque Cicerone intende l’ordine de le cose.
INQUIETO – Vorrei che lo dicesse più chiaro.
OCCULTO – Chiarissimo è che per l’ordine de le cose intende la
dispositione de le sentenze. Nel medesimo libro dice: Duplex enim est
dispositio, una verborum, altera sententiarum.
INQUIETO – A la dispositione de le parole.
277
Antologia do Renascimento

OCCULTO – Cicerone: Sed et verborum est structura quaedam duas res


efficiens, numerum et lenitatem [De optimo genere oratorum, II, 5].
INQUIETO – A quella de le sentenze.
OCCULTO – Et sententiae suam compositionem habent, ad probandam
rem accomodatum ordinem [De optimo genere oratorum, II, 5].
INQUIETO – Come s’intende quel luoco: verbis ad nostram
consuetudinem aptis. In quibus genus omnium verborum vimque servavi;
overo: verba persequens eatenus ut non abhorreant a more nostro?
OCCULTO – Questo si darà meglio ad intendere con l’essempio che con
le ragioni. Pigliaremo il principio de l’oratione di Demostene contra Eschino
Περὶ στεφάνου: Πρῶτον µέν, ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι, τοῖς θεοῖς εὔχοµαι πᾶσι καὶ
πάσαις [Demostenes, Per la corona, I]. Primum quidem, o viri Athenienses,
deos precor omnes. Qui sono tutte le parole greche rappresentate da le latine.
Le differenze tra queste due lingue in queste parole sono tre. La prima è il
verbo εὔχοµαι, che vuol dir precor; si costrue col dativo; il verbo latino
precor si costrue hora col acusativo: precor deos, hora con l’ablativo con la
prepositione: precor a diis. L’altra differenza: la voce θεὸς comprende il
maschile e ’l feminile; il latino dice deus e dea, però ne lo tradurre dirassi
deos precor deasque. In queste due voci il latino parte dal greco e siegue suo
costume, né però lascia la forza e la vertù, né parte dal genere de la parola.
L’ultima:πάσι και πασσις; il latino ha tre nomi che ponno dare incontro:
omnis, cunctus, universus. Se vogliamo usare la costruttione ablativa del
verbo precor, non possiamo dire se non con una voce sola: omnibus, cunctis,
universis, onde lo greco n’ha due. Ma se useremo la costruttione acusativa,
potremo rispondere con due de le voci: cunctus e universus, ché la voce omnis
non lo può fare, e dirassi deos deasque cunctos cunctasque, overo universos
universasque. Ma perderà molto de la gratia, oltra che non serà il medesimo
significato de la voce greca, onde Cicerone, traportando questo luoco in due
sue orationi, in una A favore di Murena disse: Quae precatus sum a diis
immortalibus, iudices [Pro Murena, I, 1], e ne l’altra A’ Quiriti dopo il suo
ritorno disse: Quod precatus a Iove optimo maximo caeterisque diis
immortalibus sum, Quirites [Post reditum ad Quirites, I, 1]. In questi dui
luochi pretermesse la voce universale e diede a la voce diis per aggiunto
immortalibus.
INQUIETO – Che vuol dire quello: sed tanquam appendere?
OCCULTO – Questo appendere porta seco molta consideratione ma, per
tosto venire al fatto, Cicerone intende che le parole sieno significanti, sonore,
gravi, piene e numerose come quelle che si convertono; e quando ciò fare
acconciamente non si possa, deggiamoci affaticare ch’elle sieno più
278
Antologia do Renascimento

prossimane; e se non potranno essere gli stessi numeri, non habbia molta
dissimiglianza la compositione, né sia dispare il modo ne gli intervalli. Il che
agevolmente potrà farsi con l’apporre, posporre, trasporre e commutare e
alterare le parole segondo la lingua. Ritornando a quello che di sopra
dicemmo, gli ornamenti, essortationi, dignitadi, lumi, conformationi, forme,
figure, come più dir vi piaccia, o sono de le sentenze, o de le parole,
com’havete udito; attendete hora bene, che siamo al conchiudere.
INQUIETO – Attendo.
OCCULTO – Ogni parlare che s’è fatto e farassi da qualunque si sia in
tutto l’universo in voce od in iscritto, non costa più che di due parti: di cose e
di parole. Ancorché la cosa per se medesima sia chiarissima e basti solamente
accenarla, nondimeno per questi signori cicerioniani tradottori voglio citarvi
dui luochi di Cicerone. Lo primo è De optimo genere oratorum: Quoniam
eloquentia constat ex verbis et sententiis [II, 4], l’altro De oratore: Nam cum
omnis ex re atque verbis constet oratio [III, V, 19]. In questi dui luochi
manifesto si scorge ch’egli piglia le due voci eloquentia e oratio per una cosa
istessa e l’altre due, re e sententiis, non differiscono l’una da l’altra in
significato. De oratore assegna la ragione perché l’oratione habbia queste due
parti: Neque verba sedem habere possunt, si rem subtraxeris, neque res
lumen, si verba summoveris. Ne la oratione fatta a favore di Cecinna ne dà
chiaramente a divedere qual di queste due sia la più nobile e preceda a l’altra
in degnità: Quod testimonio sit non ex verbis totum pendere ius, sed verba
servire hominum consiliis et auctoritatibus; più sotto: Si voluntas tacitis nobis
intelligi posset, verbis omnino non uteremur: quia non potest, verba reperta
sunt, non quae impedirent sed quae iudicarent voluntatem [Pro Caecina,
XVIII, 52-53], e più diffusamente tratta ivi questa materia. Tutto che le cose
lume non havessero senza le parole, né queste, rimosse le cose, fermezza e
stabilimento, nulladimeno le parole hanno a servire a le cose. Prima sono i
concetti, poi si richieggono le parole da vestirgli. Dunque le cose, o volete dir
sentenze, sensi, sentimenti, materie, concetti, vengono prima in
consideratione, quali più nobili. Quelli che vogliono tradurre d’una in altra
lingua necessariamente hanno ad isprimere le sentenze, servare l’ordine de le
cose, e con le medesime forme e figure, o conformationi, o lumi, od
ornamenti, o degnitadi, o schemi che vi piaccia dire; havete voi inteso?
INQUIETO – Sì ho, e molto bene.
OCCULTO – Deggono apresso isplicare le sentenze con parole
accommodate e oltra ciò servare la vertù, la forza e ’l valore de le parole di
quella lingua da la quale si traporta. Avertite ne lo avenire a le tradottioni,
como dicono, segondo i sensi e ve ne chiarirete, se sieno diritte a le regole e a
gli precetti che ne mostra Cicerone.
279
Antologia do Renascimento

INQUIETO – Resta venire a la tradottione di rendere parola a parola.


OCCULTO – Ricordatevi de le parole di Cicerone De optimo genere
oratorum: Nec converti ut interpres, non verbum pro verbo necesse habui
reddere, e più sotto alquanto: Non enim verba me adnumerare lectori putavi
oportere.
INQUIETO – Questo luogo è chiarissimo che è necessario a lo interprete
rendere parola a parola, e non gli bastò dir questo, ché soggiunse, per più
chiara intelligenza, deversi annoverare le parole.
OCCULTO – Non si deve intendere così assolutamente questo luoco,
perché ne seguirebbono molti inconvenienti. Ma io aggiungo di più che,
quando acconciamente far si possa, hassi da servare l’ordine de le parole,
senza trasporle.
INQUIETO – Perché non ha parlato Cicerone di questo ordine?
OCCULTO – Percioché vide la difficultà, e rade volte la possibilità, ché
ogni lingua ha li soi modi, le sue vaghezze, i soi splendori, li quali non
corrispondono a l’altre.
INQUIETO – Cicerone, segondo me, parla assolutamente, senza havere
ad alcuna cosa rispetto, e voi dite che ne seguirebbono inconvenienti non
pochi intendere semplicemente le parole di Cicerone.
OCCULTO – Se questo havesse inteso Cicerone, havrebbe tolto a le
lingue la proprietà, la convenienza e i conseguenti. Il greco dirà καλὸς οἶνος,
il latino tradurrà bonus vinum, e se dirà οἶνος ὃς, il latino: vinum qui. Lo greco
dirà µέλαν αἷµα, dirà il latino nigrum sanguis, e se dicesse αἷµα ὃ, diria
sanguis quod. Dirà il greco: Τρία δὲ γένη περιόδων ἐστίν, dirà il latino: Tria
quidem genera periodorum est. E questa discordanza del nominativo col
verbo in numero ha molta gratia apresso loro ed è frequentissima. Dirà il
greco ἀκούω τοῦ λέγοντος, dirà il latino audio dicentis. Dirà il greco βοηθῷ
τοῖς φίλοις, dirà il latino iuvo amicis. Dirà il greco ὀλιγωρέω σοῦ, dirà il
latino parvifacio tui. Dirà il greco εὔχοµαι τῷ θεῷ, dirà il latino precor deo.
Ne potrei mostrare i millioni di questi essempi. Vedete i vitii in grammatica
de’ nomi e de’ verbi. Perché i greci non hanno ablativo e in sua vece usano il
genitivo, onde traducendo in quel modo sempre porrebbe il latino il genitivo
per lo ablativo. Credete dunque voi che Cicerone habbia voluto intendere così
semplicemente?
INQUIETO – Non lo penso.
OCCULTO – Seguirebbe un’altra assordità per la traspositione de le
parole. Dice il greco: ἄξων καλεῖται του κόσµου; tradurebbesi axis vocatur
mundi, onde si devrebbe dire axis mundi vocatur; questa s’intende, l’altra
280
Antologia do Renascimento

genera durezza di senso. Ha la lingua greca molta vaghezza ne la positura de


le sue congiuntioni. Chi spogliasse gl’incisi e i membri di quelle particelle,
torrebe loro ogni bellezza e tutta la gratia traducendo di parola in parola, e
annoverando d’una in una queste voci poste solamente per riempire i vacui
generarebbe goffezza e perturbaria di maniera i sensi che non
s’intenderebbono. Habbiamo l’essempio nanti a gli occhi di queste communi
tradottioni d’autori greci di parola in parola fatti latini.
INQUIETO – Dicono pur molti che sono utili queste tradottioni.
OCCULTO – Io non le biasimo del tutto, ma la utilità fia più per
cognitione de la lingua greca che de le cose. In alcuni libri spagnuoli voi
leggerete in poco intervallo di parole più volte despues de besalle las manos,
che vuol dire dopo di basciarle le mani. Ne lo spagnuolo idioma è molto
gratioso e vago; tradurre in italiano quella ripetitione languisce e perde tutto ’l
bello che ritiene in lo natio parlare.
INQUIETO – Come si deve intendere il verso d’Horatio ne la Poetica:
Nec verbum verbo curabis reddere fidus / Interpres? [vv. 133-134]. Io ci
veggo non so che di malagevole ad intendere e già sentii sopra questo verso
contendere dui grammatici. Uno diceva che Horatio parlava de la tradottione
de’ sensi, l’altro de le parole, e vennero quasi da le parole a’ fatti, cotanto
oltre si lasciaro traportare a la colera.
OCCULTO – La verità per le altercationi si disperde, però devesi
dolcemente ragionare e far tutto per venire in conoscenza de la cosa. Sono due
openione circa ’l sentimento del verso horatiano. Una, che il poeta parli de la
imitatione, l’altra de la tradottione. Se parlasse de la imitatione, senz’alcun
dubbio la tradottione serebbe de le parole. Quivi ammonisce lo imitatore che
non renda parola a parola, dicendo: Nec verbum verbo curabis reddere; qui fa
punto e soggiunge la ragione: Fidus interpres, che vuol dire fedele interprete.
Ma deveglisi intendere il verbo esses, o di eris, od altra voce simile, cioè: tu
serai o seressi fedele interprete, e non imitatore; e questa openione è de gli
antichi ispositori.
INQUIETO – A l’alttra openione.
OCCULTO – L’altra openione sopra questo verso è che parli de la
tradottione e non de la imitatione.
INQUIETO – De la tradottione de’ sensi penso io.
OCCULTO – Anzi è disputa grande se Horatio tratti de la tradottione
(parlerò segondo il commune abuso) de’ sensi o de le parole.
INQUIETO – Grande contrarietade è questa e pur nondimeno paiono
chiare le parole.
281
Antologia do Renascimento

OCCULTO – Quelli che tengono l’una, intendono il verso a questo


modo: Nec verbum verbo curabis reddere fidus / Interpres. Tu, che vuoi
essere fedele interprete, non ti curerai di rendere parola a parola, mas
risguarderai solamente a i sensi.
INQUIETO – Par che voglia dir così.
OCCULTO – Quelli che per l’altra pigliano la contesa, l’intendono
altrimente: Non ti curerai di rendere parola a parola, per fuggire gli
inconvenienti o di latinità falsa, o d’assurdità, o d’inettezza, o di confusione
circa i sensi, com’io dissi pur hora; perché avenga che tu così facci, serai
nondimeno fedele interprete.
INQUIETO – Questo sentimento par che puossi quadrare ancora, e
procede da le medesime parole, e niuno le storce a’ soi dissegni.
OCCULTO – Quelli di questa openione allegano un luoco d’Horatio pur
ne la Poetica, quando tradusse lo primo verso de l’Odissea. Homero dice:
Ἄνδρα µοι ἔννεπε, Μοῦσα. Tradurre per ordine le parole dicono: Virum mihi
dic, Musa. Horatio in un suo verso disse le medesime parole, ma le traspose:
Dic mihi, Musa, virum [v. 141].
INQUIETO – Questo essempio è a penello.
OCCULTO – Con alcuni pochi essempi conchiuderemo. Ma chi in caso
sì manifesto e chiaro non s’achetano de la ragione, mille essempi non
potranno bastar loro. E poi che siamo impressi di questo carattere christiano,
daremo principio da li sacri libri del Testamento vecchio. Mosè disse in lingua
hebrea: Berescith barà aeloim et assciamaim ve et arez. Il caldeo tradusse:
Becadmin berà adonai scemagia erez. Perché la voce hebrea aeloim è numero
del più, a fine che qualcuno ingannato non rimanesse credendo essere più
d’un Dio, però disse il caldeo adonai, che significava Dio uno, ed era numero
del meno. Il latino segondo l’hebreo tradurrebbe: In principio creavit Dii
coelos et terram, segondo il caldeo: In principio creavit Deus coelos et
terram. Li settantadui interpreti greci tradussero: ἐν ἀρχῇ ἐποίησεν ὁ θεὸς τὸν
οὐρανὸν καὶ τὴν γῆν [Septuaginta, Genesis, I, 1]. Il latino segondo questi
dirà: In principio fecit Deus coelum et terram. L’hebreo e ’l caldeo dissero
creavit, li greci fecit. L’hebreo e ’l cladeo dissero coelos, li greci coelum: se
ben pare qualche diversità, non è diversa la sentenza. Ma io non ho detto
questo per ragionare de li sensi, solo per mostrare che li tradottori fedeli
servano l’ordine e ’l numero segondo la giacitura trovata de le parole, se far lo
ponno. Lo italiano segondo lo hebreo dirà: Nel principio creò li Dii li cieli e
la terra, segondo il caldeo: In principio creò Dio li cieli e la terra; segondo li
greci dirà: In principio fece Dio il cielo e la terra. Passiamo ad Aristotele:
Πάντες ἄνθρωποι τή φύσει εἰδέναι ὀρέγονται [Metafísica, 980 a 22]. Il latino,
282
Antologia do Renascimento

servando l’ordine e ’l numero de le parole del Filosofo dirà: Omnes homines


natura scire desiderant. Lo italiano dirà: Tutti gli huomini per natura sapere
disiderano. E chi non sa che in molti modi si potrebbe dire, ma non seria
tradottione? Trovo Plauto haver tradotto un luoco d’Aristofane il quale
haveva dentro un sentimento ritenuto ne la mente: : Καὶ ταῦτα µὲν δὴ ταῦτα·;
Plauto: et haec quidem haec [Aristofane, Pluto, v. 8]. Eccovi le parole
trasferite, e ’l senso parimente recondito. Quanti altri luochi vi sono trasferiti
da Terentio, da Virgilio, da Plinio e da altri inanzi e dopo loro?
INQUIETO – N’ho io affrontato molti luochi d’alcuni autori, e trovo
essere come voi dite. Ma di Terentio, perché non habbiamo Menandro, non si
ponno mostrare i paralleli, né de gli altri comici e tragici latini per non
v’essere molti comici e tragici greci.
OCCULTO – Donato nel prologo de l’Andria dice: Apparet non de
industria, sed casu esse translata ea quae ex Perinthia in Andriam eodem
sensu iisdemque verbis perscripta fuerunt. Naevius, Plautus, Ennius idem
fecerunt [13; 18]. Altrove: Hecyram et Phormiomem ab Apollodoro transtulit,
reliquas quattuor a Menandro [Vita Terentii, 10]. E se Donato vi paresse di
poca autorità, vedete il medesimo Terentio ne gli Adelfi nel prologo, in
persona di se stesso: Eum hic locum sumpsit sibi / In Adelphos, verbum de
verbo expressum extulit [Adelphoe, v. 10ss.]. Volete havere maggior
chiarezza? Leggete Stobeo, il quale ha posto insieme tante autorità di
Menandro e d’altri scrittori greci [Antologia]. Non vi sia grave ascoltare
Plinio, dove ragiona del formento: Hae fuere sententiae Alexandro Magno
regnante, cum clarissima fuerit Graecia atque in toto terrarum orbe
potentissima, ita tamen ut ante mortem eius annis fere 145 Sophocles poeta in
fabula Triptolemo frumentum Italicum ante cuncta laudaverit ad verbum
translata sententia: “Et fortunatam Italiam frumento serere candido”
[Naturalis historia, XVIII, XII, 65]. Discendendo a gli nostri italiani, il
Boccaccio traslatando molti luochi ha fatto il medesimo, e tra i tanti un ne
dirò. Cicerone: Malo virum qui pecunia egeat, quam pecuniam quae viro [De
officiis, II, 2]. Boccaccio: Voglio avanti huomo che habbia bisogno di
ricchezza, che ricchezza che habbia bisogno d’huomo [Decameron, V, 9].
Riplicò due volte il Boccaccio, per levare la durezza de la voce, egeat, ché nel
latino ella non era necessaria. Ne potrei di costui, di Brunetto, di Dante, di
Petrarca e d’altri addurre infiniti passi, ma sarebbe un volere empire il foglio
senza pro. Conchiudentemente vi dico che il vero modo di tradurre è questo,
cioè di stare ne le parole se esser può e isprimere il senso. Hallo approvato
l’openione d’infiniti scrittori de tutti i passati secoli e de’ presenti. E chi
altrimenti giudica, per commune stima di gran lunga s’inganna. I sacri libri,
ne li quali si contiene la salute nostra, Aristotele, Hippocrate e tutti gli altri

283
Antologia do Renascimento

libri necesarii a la informatione de l’animo od a la salvezza del corpo sono


stati tradotti segondo l’ordine e numero de le parole.
INQUIETO – Anch’io facilmente concorro con voi in questa sentenza,
ed è più facile ancora, per quanto ho da molti udito dire.
OCCULTO – Anzi è molto più difficile questo modo di tradurre, ch’altri
non s’avisa, perché presuppone tre gran cognitioni: una del senso, l’altra de la
lingua ne la quale si traduce, la terza de la lingua da la quale si traduce.
Generalmente tutti coloro li quali poca notitia hanno de le tre sopra notate
cose rifugono a questa, che chiamano de’ sensi; interpretano a modo loro
vagando hor qua hor là, e tale modo tenendo alcuni sono stati riputati men
dotti e men buoni da’ migliori e da’ più intendenti. Anzi molti, volendo
abondare in suo senso, sonosi gabbati. Il Petrarca, volendo interpretare quel
luoco di Svetonio ne la Vita di Vespasiano: Erat statura quadrata [Divus
Vespasianus, XX], disse haver conosciuto Vespasiano a le spalle quadre; né
questo bastogli, ché soggiunse: a guisa d’huomo che ponta, discrivendolo in
atto d’huomo che facci il naturale commun bisogno [Triumphus fame, I, v.
94ss.]. E questa cosa lo fece riputare minor conoscitore de la lingua latina.
Confuse qui più cose insieme. Prima non seppe che cosa importasse quella
statura quadrata. Columella, scrittore de l’Agricoltura, dice che il bove e la
gallina deggono essere di statura quadrata [De re rustica, VI, 1, 3; VIII, 2,
8]. Quella giunta a guisa d’huom che ponta ripose, perché si dice che
Vespasiano haveva faciem cacantis, onde s’havesse detto Vespasiano era di
statura quadrata facea l’ufficio de lo interprete, e non s’ingannava. Quanti
disordini sieguono da cotali tradottioni? E nel biasimare questa altra, che
dicono di parole, non so quale mostrino maggiore: od ignoranza, o
sfacciatagine.
INQUIETO – Voi non havete ragionato de la malagevolezza di tradurre
alcune voci.
OCCULTO – Fin hora s’è discorso de la tradottione in universale; questo
quesito è de la tradottione in particolare. Non lascierò di dire com’alcuni
s’arrogano di volere illustrare le tradottioni: s’intendono di chiaramente aprire
o l’oscuro, o ’l difficile, o l’ambiguo concetto de l’autore che traducono,
parlano bene, ma se intendessero per illustrare di molto migliorare, non
s’accorgerebbono che non seria tradottione, ma illustratione, la quale non è
obligata ad alcuna legge di senso, o di parole; e di questa illustratione se ne
parla ne le Tusculane a bastanza per Cicerone.

284
Antologia do Renascimento

Fonte: Dialogo del Fausto da Longiano del modo de lo tradurre d’una in altra
lingua secondo le regole mostrate da Cicerone. Testo critico annotato a cura
di Bodo Guthmüller, in Quaderni Veneti, 12. Ravenna, Longo Editore, 1991.
Excertos: 23-24; 35-156

285
Antologia do Renascimento

Jacques Amyot
(1513-1593)

JACQUES AMYOT, bispo de Auxerre, o “príncipe dos tradutores”, dentre os


primeiros humanistas a traduzir autores gregos diretamente do grego, foi um
dos criadores da prosa clássica francesa, a partir de sua tradução de Vidas
Paralelas (1559) de Plutarco (46-120). E por sua contribuição ao
enriquecimento da língua francesa, adquiriu uma notoriedade duradoura. Em
seu Projet d’éloquence royale (1574) e em suas traduções, revela a
preocupação de ser o mais claro possível, para isso evitando neologismos
bárbaros, indicando as relações lógicas entre as frases e os parágrafos,
adotando um estilo simples e natural, confiando no ouvido para garantir a
harmonia da frase. Dirigindo-se Aos leitores de sua tradução de Plutarco,
Amyot apresenta sua concepção de tradução e insiste na questão do estilo
(adombrer la forme du style et maniere de parler [do autor do original]),
servindo-se do verbo adombrer, cujo radical latino (adumbrare) refere-se às
técnicas de luz e sombra com que o pintor representa a realidade. Aplicado à
tradução, descreve características da mudança semântica e estilística que atua
nas impressões do leitor e o levam a imaginar que ele foi reconduzido à
presença ‘ao vivo’ do texto original. Para Amyot, a ilusão do deslocamento
reside no poder do tradutor de transformação lingüística. Oscilando entre a
glosa explicativa e as observações até ao embelezamento eufônico e rítmico,
estes acréscimos, ou interpolações inseridas depois de palavras
presumivelmente desconhecidas de seu público leitor, podem tornar o texto
fonte aparentemente menos remoto.

CLÁUDIA BORGES DE FAVERI (cbfaveri@gmail.com) é professora de


língua e literatura francesas no Departamento de Línguas e Literaturas
Estrangeiras e de tradução na Pós-Graduação em Estudos da Tradução da
Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em Ciências da Linguagem
pela Universidade de Nice Sophia Antipolis (França), desenvolve atualmente
pesquisa sobre a literatura de língua francesa traduzida no Brasil nos últimos
trinta anos. Suas últimas publicações versam sobre obras teóricas da área da
tradução.

286
Antologia do Renascimento

Aos leitores (excertos)

AO MUITO PODEROSO E MUITO CRISTÃO REI DA FRANÇA, HENRY


II
JACQUES AMYOT, ABADE DE BELLOZANE, SEU MUITO HUMILDE E
MUITO OBEDIENTE SERVIDOR

Aqueles que de pai para filho nasceram e se habituaram sob um justo,


legítimo e hereditário principado, como o seu, Senhor, devem, segundo meu
julgamento, estando a serviço de seu príncipe, a devoção que os sábios
antigos atribuíam ao amor ao país onde se nasceu. Pois eles diziam que em
primeiro lugar vinham os deuses, em segundo o país, e em terceiro os pais,
sem fazer menção de rei nem de príncipe, visto que eram pessoas que viviam
sob outra forma de governo que não um reino, e que para incitar os homens a
defender o público, sob o qual a vida, a honra e o bem de cada indivíduo estão
compreendidos, e para beneficiar a comunidade daqueles com os quais se tem
coincidência de natividade, de língua, de leis, de costumes e de domicílio,
ensinavam que não somente a razão de todo direito humano, mas também a
religião de direito divino e o dever de consciência obrigavam toda pessoa a
servir tanto quanto pudesse ao bem público de seu país, além da satisfação do
sentimento que a natureza imprime em nossos corações e a conformidade de
humores que se encontra de ordinário em nossos corpos, com o céu e o ar
onde primeiramente respiramos, que parece uma obrigação natural.
Mas como nem todas as nações nem todos os homens em particular se
adequam a serem regidos por um mesmo tipo de governo, porque é mais
cômodo a alguns servir do que comandar, e que segundo o julgamento do
príncipe dos filósofos, a mais perfeita das três espécies de governo da coisa
pública e a mais em conformidade com Deus e a natureza é aquela da realeza,
aqueles que por escolha ou nascimento a ela estão submetidos devem bem
afetuosamente aplicar todas as suas forças, de corpo e intelecto, para prestar,
cada um no seu lugar e segundo sua ocupação, serviço a seu soberano, visto
que, servindo a um, eles beneficiam a todos, e que somente nele jaz a
felicidade e o infortúnio de seus súditos; dele depende o repouso e o trabalho,
o bem-estar ou a miséria de todos aqueles que vivem sob sua autoridade;
somente ele representa a coisa pública, visto que sua vontade é lei, sua
palavra, decreto, e sua vida, disciplina exemplar de bem e mal fazer.

287
Antologia do Renascimento

Assim, parece-me que a este respeito Artabano,89 um dos capitães do rei


Xerxes, respondeu sabiamente a Temístocle,90 quando ele se retirou fugitivo
da Grécia para a corte da Pérsia: “As leis e costumes dos homens, disse ele,
são diferentes, Temístocle, e há coisas tidas como honestas em um país que
não o são em um outro; mas é em todo lugar honesto para todos, manter e
guardar aquelas de seu país. Pois quanto a vós, gregos, dizeis que não tendes
nada mais caro nem em tão alta conta quanto a liberdade e a igualdade; mas
nós, persas, estimamos que a mais bela e mais santa lei que temos é aquela
que nos ordena honrar, servir e reverenciar nosso rei, nem mais nem menos
que a imagem de Deus vivo, que rege e governa todo esse mundo.”
É de fato um título augusto e venerável este, e o mais magnífico e mais
digno que poderia ser dado a um monarca soberano, contanto que ele queira
disso lembrar-se, e que tenha sempre temor a Deus, e que a razão lhe soe
continuamente aos ouvidos. Algo que antigamente se observava como
costume na corte da Pérsia: um dos nobres de quarto tinha a tarefa de estar
presente todas as manhãs ao despertar o rei e dizer-lhe: “Levanta-te, Senhor,
para cuidar de todos os assuntos, dos quais o grande Mesoromasdes (pois
assim nomeavam eles Deus) quer que tu te ocupes.”
Este discurso de razão natural, Senhor, ainda quando o mandamento das
santas Escrituras – onde a autoridade dos príncipes é tão autenticamente
fundada –, não esteja presente, obriga suficientemente todos os seus súditos a
desejar prestar-lhe serviço; e de minha parte, procurando fazê-lo, na
instituição de Monsenhores de Orleans e de Angouleme, seus afortunados
filhos, que Deus abençoe, para empregar o tempo livre que me restava a fazer
ainda alguma outra coisa que lhe fosse agradável, após ter cumprido o dever
do cargo – ao qual lhe aprouve designar-me –, de ensinar-lhes as letras, pus-
me a rever o que há muito tempo havia traduzido do grego ao francês das
Vidas de Plutarco, e a continuar a traduzir o que restava, tanto que,
finalmente, tendo conduzido a obra total a seu fim, tomei a coragem de
apresentar-lha impressa, e de publicá-la sob a salvaguarda de seu ilustre
nome, em público, pelas mãos de seus homens. Não que eu tivesse a opinião
que pudesse sair de mim, pessoa tão baixa e tão pequena em toda qualidade,
coisa que merecesse ser posta diante dos olhos de sua Majestade, mas, sim,
tendo certa confiança que a obra em si é tão recomendável e tão excelente que
ela poderá fazer perdoar o defeito que ali se encontrar por minha culpa, pois
confesso me ter esforçado para restituir fielmente o que o autor quis dizer, e

89
Artabano, chefe da guarda do rei Xerxes, da Pérsia, assassinou seu rei em 465 e governou durante sete
meses. (N. do E.)
90
Temístocle (séc. V a.C.), estadista e comandante militar ateniense, lutou na segunda Guerra Persa e
também obteve a vitória de Salamina; fortificou o Peiraieus e Atenas, mas por questões políticas foi
proscrito de Atenas e refugiou-se em outros reinos. (N. do E.)
288
Antologia do Renascimento

não ornar ou polir a linguagem, visto que ele mesmo preferiu escrever
doutamente e gravemente em sua língua, e não suavemente nem facilmente.
Mas em compensação há tanto prazer, instrução e benefício na substância
do livro que, em qualquer estilo que ele seja apresentado, contanto que seja
compreensível, não pode deixar de ser bem recebido por toda pessoa de bom
julgamento, pois que é em suma um resumo de tudo o que de mais memorável
e de mais digno foi feito ou dito pelos maiores reis, mais excelentes capitães e
mais sábios homens das duas mais nobres, mais virtuosas e mais poderosas
nações que jamais existiram no mundo.
E de resto eu espero, Senhor, que, com sua graça e generosidade real, a
qual se mostra tanto ao receber alegremente e prazerosamente os pequenos
presentes, como ao dar francamente e generosamente os grandes, quando a
boa vontade dos que oferecem escusa à incapacidade de fazer melhor,
achareis agradável o humilde sentimento que eu tive fazendo este trabalho de
recomendar à posteridade a memória de vosso glorioso reino, de servir ao
bem público de seus súditos, e de enriquecer nossa língua francesa, conforme
a fraca intensidade de minha inteligência e literatura; pois estou certo de que
daqui a longos anos, quando os viventes encontrarem tantos belos e bons
livros traduzidos das línguas grega e latina à francesa durante seu feliz reino e
sob a inscrição de seu mui ilustre nome, louvar-lhe-ão por ter gloriosamente
coroado e terminado a obra que este grande rei François, seu falecido pai,
tinha felizmente fundado e começado a fazer renascer e florescer neste nobre
reino as boas letras, das quais nossa língua todos os dias cada vez mais recebe
tal ornamento e enriquecimento, que nem a italiana nem a espanhola nem
qualquer outra hoje em uso na Europa poderá vangloriar-se de ultrapassá-la
nem em número, nem em qualidade dos instrumentos de sabedoria, que são os
livros; e, conseqüentemente, seus súditos disso recolherão o fruto, e sem
trabalhar para aprender as nobres e antigas línguas, que demandam muito
tempo e muita pena para aprender, porque elas são mortas, e que é preciso
tirá-las dos monumentos dos livros nos quais estão enterradas, eles terão em
sua língua materna, em sua casa, por assim dizer, o que há de mais belo e de
melhor na latina e na grega.
Por causa desse benefício eles serão ainda mais obrigados a pedir a Deus,
como eu faço com toda humildade e reverência, pela boa prosperidade,
aumento da honra, e continuação de longa vida em boa saúde de vós, Senhor,
e de tudo quanto pertence a sua sagrada real majestade. Em sua casa real de
Fontenebell’eau, no mês de fevereiro, M. D. LVIIII.

289
Antologia do Renascimento

AOS LEITORES

I. A leitura de livros que trazem somente um vão e ocioso deleite aos que
lêem é de maneira justa reprovada pelos homens sábios e de sério julgamento,
e aquela que beneficia tão simplesmente, sem fazer com que se ame o
benefício que ela traz e sem amenizar a pena que se experimenta ao recolhê-
lo, por alguma promessa de prazer, parece por demais austera ao gosto de
muitos intelectos delicados, que por este defeito não podem nela se deter por
muito tempo. Mas aquela que apraz e beneficia, que deleita e instrui ao
mesmo tempo, tem tudo o que se poderia desejar para ser universalmente
apreciada, aceita e estimada de toda maneira pelas pessoas, seguindo o
conhecido dito do poeta Horácio:

Quem o prazer à utilidade une


em seus escritos, ganha em tudo o que reúne;

e faz melhor estes dois efeitos, um pelo amor do outro reciprocamente,


beneficiando mais, visto que deleita, e deleitando mais, porque beneficia. Este
elogio a meu ver é devido propriamente, ou principalmente, mais que a
nenhuma outra, à leitura de histórias, como aquela em que há mais prazer
honesto unido à utilidade e que é mais eficaz para agradar e beneficiar ao
mesmo tempo, satisfazer e ensinar, do que qualquer outro tipo de escrito ou
qualquer invenção humana. Por esta razão parece conveniente admitir que os
homens são tanto ou mais agradecidos aos bons espíritos, que mereceram o
nome de historiadores por seus sábios escritos, do que são a qualquer outra
modalidade das letras, tendo em vista que a história é uma narração ordenada
de coisas notáveis, ditas, feitas ou acontecidas no passado, para conservar-
lhes a memória para a perpetuidade e servir de instrução para a posteridade.
II. E assim como a memória é o tesouro do entendimento do homem, sem
a qual as ações das outras duas partes ficariam imperfeitas e quase inúteis,
também se pode dizer que a história é na verdade o tesouro da vida humana,
que preserva da morte do esquecimento os fatos e ditos memoráveis dos
homens e as aventuras maravilhosas e casos estranhos que produz a longa
seqüência do tempo. Por isso o sábio Platão pretende que ela tenha se
chamado história91 porque ela pára o fluxo de nossa memória, que de outra

91
Platão, Crátilo, 437.b.1 : ἔπειτα ἡ “ἱστορία” αὐτό που σηµαίνει ὅτι <ἵστησι> τὸν <ῥοῦν>. καὶ τὸ “πιστὸν”
<ἱστὰν> παντάπασι σηµαίνει. ἔπειτα δὲ ἡ “µνήµη” παντί που µηνύει ὅτι <µονή> ἐστιν ἐν τῇ ψυχῇ ἀλλ' οὐ
φορά.
[b] Depois a “narração” (historía), de certo modo, significa que ela fixa o fluxo (hístēsi tòn rhoûn). O
“crível” (pistón) significa exatamente o cravar (histàn). Depois a “memória” (mnḗmē) indica a todos que, de
290
Antologia do Renascimento

maneira teria muito pouca duração e continuidade. E podemos a partir disso


reconhecer quanto nós lhe somos devedores, se imaginássemos somente em
que horror de trevas e em que abismo de ignorância bestial e pestilenta nós
nos teríamos afogado, se a memória de tudo o quanto se fez ou que aconteceu
antes que tivéssemos nascido, fosse inteiramente abolida e extinta.
III. Eu quero portanto deixar de lado a excelência e a dignidade da coisa
em si, visto que não somente ela é mais antiga do que qualquer outra espécie
de escrita que tenha existido no mundo, mas também ela teve curso entre os
homens antes mesmo do uso das letras, pois então os viventes deixavam a
seus sucessores a memória das coisas passadas em canções que eles faziam
aprender de cor de mão em mão a seus filhos, assim como pudemos ver em
nossa época, por exemplo, os bárbaros habitantes das terras novas ocidentais
que, sem preservação de nenhuma escrita, tinham o conhecimento das coisas
acontecidas oitocentos anos antes. Eu deixo aparentemente para deduzir que é
a guarda mais segura e o monumento mais durável que os homens possam
deixar de seus feitos neste mundo, para consagrar seu nome à imortalidade,
pois não há nem estátuas, nem troféus de mármore, nem arcos de triunfo, nem
colunas, nem sepulturas magníficas, que possam bater a perenidade de uma
história eloqüente realizada com as qualidades que ela deve ter.
IV. Também pouco quero deter-me para avaliar que ela tem um não sei
que de venerável, visto que faz profissão de dizer sempre a verdade e que seu
assunto próprio é tratar todas as mais elevadas e maiores coisas que se façam
neste mundo, pelo que me parece que a grande utilidade, que é, como diz
Horácio, quase mãe da justiça e da eqüidade, a recomenda tanto que não há
necessidade de procurar-lhe alhures autoridade nem ornamento de dignidade.
Pois é uma regra e instrução certa que por exemplos do passado nos ensina a
julgar o presente e a prever o futuro a fim de que saibamos o que devemos
seguir ou desejar e o que devemos fugir e evitar. É uma pintura que nos
coloca frente aos olhos, nem mais nem menos do que em um quadro, as coisas
dignas de memória que antigamente fizeram os poderosos povos, os reis e os
príncipes magnânimos, os sábios governantes e valentes capitães e pessoas
marcadas por alguma qualidade notável, representando-nos os costumes das
nações estrangeiras, as leis e costumes antigos, os desígnios de homens
particulares, seus conselhos e empreitadas, os meios que utilizaram para
vencer e seus excessos, quando eles chegaram ao mais alto ou então quando
foram jogados no mais baixo grau da sorte, de tal modo que não poderia

algum modo, há uma permanência (monḗ) na alma, mas não o movimento. Platão. Crátilo. Estudo e
tradução, por Luciano Ferreira de Souza. São Paulo: USP, 2010
“Em seguida, o «relato» [“ἱστορία”] que significa, de certa maneira, a fixação do fluxo. E o «seguro»
significa, de todas as maneiras, o fixar. Depois, «memória» indica para qualquer pessoa que há uma
suspensão na alma, e não mobilidade. ”
Platão. Obras Completas de Platão - Diálogos Polêmicos (volume 2) [com notas]. Centaur Editions, 2013
291
Antologia do Renascimento

ocorrer o inesperado nem na paz nem na guerra, no público nem no privado, e


quem terá lido diligentemente, bem entendido e fielmente guardado as
histórias, ali encontra luz para se iluminar e conselho para se resolver a tomar
partido, ou a dar opinião a um outro sobre uma passagem em tudo duvidosa e
perigosa, para eleger o mais expediente e julgar mais ou menos o ponto ao
qual deverá chegar um caso bem complicado, aviso para se moderar na
prosperidade, e reconforto para se recuperar e apoiar na adversidade. E o faz
com mais graça, eficácia e destreza que o fazem os livros de filosofia moral,
visto que os exemplos são mais aptos a emocionar e ensinar do que os
argumentos e provas de razões ou seus preceitos imperiosos, porque aqueles
são particulares, acompanhados de todas as suas circunstâncias, quando as
razões e demonstrações são gerais e tendem mais a provar ou a fazer
compreender, e os exemplos a agir e a executar, porque eles não mostram
somente como se deve fazer, mas também imprimem a paixão de querer fazê-
lo, tanto por uma inclinação natural que todos os homens devem imitar,
quanto pela beleza da virtude que tem tal força, tanto que em todo lugar que
seja vista ela se faz desejar e amar. Também ela o faz com muito mais peso e
mais gravidade que o fazem as invenções e composições poéticas, visto que se
serve sempre somente da nua verdade, enquanto que a poesia normalmente
enriquece as coisas que louva, além de seu mérito, pois seu objetivo principal
é deleitar; e ainda mais honestamente e mais suavemente que o fazem as leis e
decretos civis, visto que é mais honesto instruir e ensinar do que punir e
corrigir.
V. E no entanto a história tem também sua maneira de punir os maus pela
nota de infâmia perpétua, com a qual ela marca sua memória, que é um bom
meio de retirar dos vícios aqueles que de outra maneira teriam uma má e
covarde vontade, como também é um muito vivo e pungente aguilhão para os
homens de gentil coração e natureza generosa por incitá-los a realizar todas as
altas e grandes coisas pelo elogio e a glória imortal, com os quais ela
remunera os que fazem o bem. Pois os livros estão cheios de exemplos de
homens de coragem e de inteligência elevada que, pelo desejo de perpetuar a
memória de seu nome, pelo seguro e certo testemunho das histórias,
abandonaram voluntariamente suas vidas em prol da coisa pública,
despenderam todos os seus bens, suportaram trabalhos infinitos com o espírito
e o corpo para defender os oprimidos, construir edifícios públicos, estabelecer
leis e governos políticos, inventar artes e ciências necessárias à manutenção e
ao ornamento da vida humana: grandes benefícios cuja graça é devida à fiel
recomendação das histórias.

[...]

292
Antologia do Renascimento

XIX. Assim, pode-se verdadeiramente concluir que a história é a mestra


dos príncipes, com a qual eles podem aprender sem pena, despendendo seu
tempo e com singular prazer, a melhor parte do que é pedido a seu ofício.
XX. Ora, é verdade que, segundo a diversidade da matéria que ela trata
ou a ordem e maneira de escrever que ela utiliza, dá-se-lhe nomes diferentes;
mas há, entre outras, duas principais espécies: uma, que expõe ao longo dos
fatos e aventuras dos homens, e é chamada pelo nome comum de história;
outra, que declara sua natureza, seus ditos, seus costumes, que se chama
propriamente de vida. E mesmo que seus assuntos sejam bastante próximos,
uma olha mais para as coisas, a outra, para as pessoas; uma é mais pública, a
outra, mais doméstica; uma concerne mais ao que é exterior ao homem, a
outra, ao que procede do interior; uma, os acontecimentos, e a outra, os
conselhos, entre os quais há muito freqüentemente grande diferença,
conforme o que o persa Siramnes respondeu àqueles que se admiravam com o
fato de que suas opiniões eram tão sábias e seus efeitos tão pouco felizes: “ É
porque, disse ele, as opiniões estão totalmente à minha disposição, e os
efeitos, àquela da sorte e do rei.”
XXI. Mas entre todos aqueles que se puseram algumas vezes a redigir
por escrito as vidas dos ilustres homens, a palma de excelência no julgamento
dos mais perspicazes é meritoriamente atribuída a Plutarco, filósofo grego,
nativo da ilha de Queronéia, na província da Beócia, homem nobre,
consumado em todo raro saber, assim como suas obras não deixam duvidar a
quem as tenha inteiramente lido. E tendo toda sua vida até na sua velhice
dirigido negócios públicos, como ele mesmo testemunha em vários lugares,
mesmo no tratado que fez sobre se o homem velho deve intervir no governo
da coisa pública, e que antigamente teve esta sorte e honra de ser preceptor de
Trajano,92 assim como se sustenta comumente, e que é expressamente escrito
em uma missiva, que se lê antes da tradução latina de sua Política,93 a qual
para dizer a verdade me é um pouco suspeita, porque eu não a encontrei entre
suas obras gregas, ademais que ela fala como se o livro fosse dedicado a
Trajano, o que é manifestamente desdito no começo do livro, e por algumas
outras razões ainda; no entanto, porque ela me pareceu sabiamente e
gravemente escrita, e ser digna dele, eu a inseri neste lugar:

92
Talvez Trajano tenha feito parte dos ouvintes de Plutarco, que deu em Roma lições públicas de filosofia.
Como eles eram quase da mesma idade, Plutarco não pode ter sido o preceptor de sua infância.
93
Esta carta podia estar no começo de dois livros de Política que não existem mais; mas Lamprias faz
menção deles no catálogo das obras de Plutarco.
293
Antologia do Renascimento

XXII. “Plutarco a Trajano, Salve. Eu bem sei que a moderação de tua


natureza não ambicionava o império, que por honestidade de vida tu sempre te
esforçaste para merecê-lo, por esta razão dele tu és estimado ainda mais digno
quanto mais se te encontra afastado do vício da ambição. Por isso agora eu me
alegro com tua virtude e com minha sorte, caso tu queiras justamente
administrar o que devidamente mereceste. Pois, de outra maneira, eu estou
certo de que tu estás exposto a grandes perigos, e eu, às línguas dos
maledicentes, visto que Roma não pode suportar um imperador covarde, e que
a voz comum do povo sempre foi acostumada a jogar os erros dos discípulos
sobre seus mestres, como Sêneca foi dilacerado pelas línguas dos
maledicentes por causa dos pecados de Nero, a temeridade dos jovens
discípulos de Quintiliano foi imputada a ele mesmo, e critica-se Sócrates por
ter sido muito suave com seu pupilo. Mas quanto a ti, farás bem todas as
coisas, contanto que não te afastes de ti mesmo, e se te organizas
primeiramente e submetes todas as outras coisas à virtude, não haverá nada
que não aconteça segundo teu desejo. Eu te descrevi os meios necessários
para bem administrar uma coisa pública e mostrei o quanto os costumes têm
nisso poder. Se queres a isso obtemperar, tu tens Plutarco por diretor e guia de
tua vida, senão, eu protesto por esta missiva, pois não faz parte da doutrina de
Plutarco que tu promovas o dano e a ruína do império.”
XXIII. Esta epístola testemunha longamente que ele foi preceptor de
Trajano, ao que parece relacionar-se também o que Suidas94 escreveu,
dizendo: “Plutarco, nativo da cidade de Queronéia, na Boécia, foi do tempo
do imperador Trajano e ainda depois. Mas Trajano lhe deu a honra da
dignidade consular, e quis que os oficiais e magistrados que estavam em toda
a província da Esclavônia não fizessem coisa alguma sem sua autorização.”
Eis o que escreve Suidas, e bem me parece que Trajano, tão sábio imperador,
não lhe teria feito esta grande honra se não se sentisse ligado a ele por um
dever considerável. Mas o que mais ainda me obriga a nisso crer é que se vê
em vários feitos e ditos de Trajano a mesma retidão, bondade e justiça
originariamente gravada, cujo molde e forma é, por assim dizer, impressa nas
obras de Plutarco, de maneira que se percebe notoriamente que um soube bem
fazer o que o outro sabiamente lhe ensinou. Pois Dion95 escreve que entre
outras honras que o senado de Roma outorgou a Trajano, ele lhe deu o título
de Optimus Imperator, ou seja muito bom imperador. E Eutrópio96 escreve
94
Suidas, gramático e lexicógrafo, compilou por volta do final do século X uma espécie de enciclopédia
contendo muitos verbetes valiosos sobre a literatura e a história gregas, baseado em obras anteriores. (N. do
E.)
95
Dion Cassio (ca. 150-235), natural da Bitínia, tornou-se cônsul em Roma e governador da África e da
Dalmácia; autor de uma História Romana, escrita em grego, em oitenta livros, dos quais conservaram-se
vinte e seis. (N. do E.)
96
Eutrópio (séc. IV d.C.), historiador, a pedido do imperador Valente (364-378) escreveu em latim um
extrato da história romana, Breuiarium ab Vrbe condita, em dez livros. (N. do E.)
294
Antologia do Renascimento

que, até em seu tempo, quando um novo imperador era recebido no senado
entre os gritos de felizes auspícios e os votos que lhe desejavam, gritavam-
lhe: “Que tu possas ser mais feliz do que Augusto e melhor do que Trajano.”
XXIV. Sendo assim, é bem possível que Plutarco lhe tenha dedicado a
antologia de seus Apotegmas. Mas estando retirado em sua casa após ter
longamente vivido em Roma, ele se põe a escrever esta obra excelente, Vidas,
que ele chamou de Paralelas, como quem dissesse acoplamento ou
combinação, porque ele reúne um grego com um romano, colocando suas
vidas uma diante da outra, comparando-os conjuntamente, segundo tenham
entre eles conformidade de natureza, de costumes e de aventuras, examinando
o que um teve de melhor ou pior, de maior ou menor que o outro, o todo, com
muitos belos e graves discursos tirados dos mais profundos e mais escondidos
segredos da filosofia moral e natural, tantas sábias advertências e frutuosas
instruções, tão afetuosa recomendação da virtude e condenação do vício,
tantas belas alegações de outros autores, tantas apropriadas comparações e
tantas superiores invenções que o livro deve se chamar preferencialmente um
tesouro de toda rara e singular literatura ao invés de dar-lhe outro nome.
Também se diz que Theodoro Gaza,97 personagem grego de erudição singular,
e digno da antiga Grécia, sendo alguma vezes indagado por seus amigos
próximos, que o viam tão aficionado aos estudos que chegava a esquecer
qualquer outra coisa, sobre qual autor ele escolheria entre todos se fosse
obrigado a manter apenas um, respondeu que elegeria Plutarco, pois, tudo
considerado, não há nenhum outro que seja ao mesmo tempo tão aproveitável
e tão aprazível de ler que ele.
XXV. Aquele a quem ele dedicou sua obra, Socius Senecion, era um
senador romano, como testemunha Dion, que escreveu que os três
personagens que Trajano amava e honrava mais, eram Sosius, Palma e Celsus,
a ponto de lhes erigir estátuas a todos os três. É verdade que ele tinha escrito
muitas outras vidas que a injúria do tempo nos roubou, como ele mesmo faz
menção, entre outras, àquelas de Cipião o Africano e de Metellus o Númide.
E eu li uma pequena epístola de um filho seu, onde não há nome, transcrita de
um velho exemplar da livraria de S. Marco em Veneza, na qual ele escreve a
um amigo seu a lista de todos os livros que seu pai compôs, onde, entre as
duplas de vidas, ele coloca aquelas de Cipião e de Epaminondas, e, no final,
aquelas de Augusto César, de Tibério, de Calígula, de Cláudio, de Nero, de
Galba, de Vitélio e de Oto. Mas tendo-me feito toda diligência possível de
procurá-las nas principais livrarias de Veneza e de Roma, não pude
reencontrá-las, e disso tirei vários tipos de lições e várias correções,
conferindo os velhos livros escritos à mão com aqueles que são impressos,
97
Teodoro Gaza (1398-1475), abade de São João de Piro, na Itália, tradutor de Aristóteles, Teofrasto e
Alexandre de Afrodísias ao latim. (N. do E.)
295
Antologia do Renascimento

que me serviram para a compreensão de várias passagens difíceis, e várias


também eu restituí por conjectura, com o julgamento e a ajuda de alguns dos
mais sábios homens dessa época nas letras humanas.
XXVI. No entanto ainda restaram algumas passagens, embora poucas,
nas quais, porque há no original omissão de algumas linhas, por decisão
minha, eu preferi testemunhar a defectibilidade pela marca de uma estrela, do
que temerariamente adivinhar ou nada fazer. Mas de resto, se abusei em
alguns lugares, como é bem fácil no caso de autor tão difícil e obra tão longa,
mesmo para pessoa com tão pouca presunção como eu, pedirei aos leitores
aceitarem para meu desencargo a desculpa que me dá o poeta Horácio quando
ele diz:

Em obra longa não é de admirar,


Se algumas vezes a compreensão cochilar.

Ainda visto que tantas pessoas de bem e de saber, tendo antes disso tomado-a
nas mãos para traduzi-la, não se encontrou ainda ninguém, além de mim, que
a tenha inteiramente concluído em qualquer língua, ao menos que eu tenha
sabido ou visto, e que aqueles que se puseram a traduzi-la, mesmo em latim,
testemunharam evidentemente a dificuldade que há, assim como poderão
facilmente reconhecer aqueles que se darão a pena de conferir nossas
traduções.
XXVII. Mas se, talvez, não se ache a linguagem desta tradução tão
fluente como acharam de algumas outras minhas que estão entre as mãos dos
homens, eu peço aos leitores que queiram considerar que o ofício de um
probo tradutor não jaz somente em restituir fielmente a sentença de seu autor,
mas também em representar e em adotar a forma do estilo e maneira de falar
deste, se ele não quer cometer o erro que faria o pintor que tendo se
encarregado para retratar um homem ao vivo, o pintasse longo, onde ele fosse
curto, e gordo, onde ele fosse fino, ainda que o fizesse ingenuamente bem
parecido de rosto. Pois ainda posso bem assegurar, por mais difícil ou rude
que seja a linguagem, que minha tradução será muito mais fácil aos franceses
que o original grego, mesmo àqueles que são os mais exercitados na língua
grega, por uma maneira de escrever mais aguda, mais douta e sucinta do que
clara, polida ou fácil, que é própria a Plutarco. De fato, se não me saí tão
felizmente quanto poderíeis ter pensado ou desejado, Senhores leitores, ainda
tenho eu esperança que desculpeis a boa vontade deste que, aspirando fazê-lo,
trouxe-vos benefício. E se este meu labor for tão feliz a ponto de contentar-
vos, de Deus seja o louvor, que me deu a graça de concluí-lo.

296
Antologia do Renascimento

Tradução:

Cláudia Borges de Faveri


cbfaveri@gmail.com

297
Antologia do Renascimento

Aux leucteurs (excertos) (1559)

AU TRÈS PUISSANT ET TRÈS CHRESTIEN ROY DE FRANCE HENRY


II E DE CE NOM
JACQUES AMYOT ABBÉ DE BELLOZANE SON TRES HUMBLE ET
TRÈS OBEÏSSANT SERVITEUR S.

Ceux qui de pere en fils sont nez ou habituez soubs une juste, legitime et
hereditaire principauté, comme la vostre, Sire, doyvent, à mon jugement, au
service de leur prince, la devotion que les sages anciens attribuoyent à la
charité du païs où lon a pris naissance. Car ilz disoyent que le premier degré
en estoit deu aux dieux, le second au païs, et le troisieme aux parens, sans
faire mention de roy ne de prince, pour autant que c'estoyent gens qui
vivoyent soubs autre forme de gouvemement, que de royaume, et qui pour
inciter les hommes à defendre le public, soubs lequel la vie, l'honneur et le
bien de chasque particulier sont compris, et à tascher de profiter à la
communauté de ceux avec lesquels on a convenance de nativité, de langue, de
loix, de moeurs et de demeurance, enseignoyent que non seulement la raison
de tout droict humain, mais aussi la religion de droict divin, et le devoir de
conscience obligeoyent toute personne de servir à son entier pouvoir au bien
public de son païs, outre la douceur d'affection que nature imprime en noz
coeurs, et la conformité d'humeurs qui se treuve ordinairement en noz corps,
avec le ciel et l'air où nous avons premierement respiré, qui semble une
obligation naturelle.
Mais comme ainsi soit que toutes nations, non plus que tous hommes
particuliers, ne sont pas propres à estre regies d'une mesme sorte de
gouvernement, pource qu'il est plus expedient à aucunes de servir, que de
commander, et qu'au jugement du prince des philosophes, la plus parfaitte des
trois especes du gouvernement de la chose publique, et la plus selon Dieu et
nature, est celle de la royauté, ceux qui par election ou par nativité y sont
soubmis, doyvent bien affectueusement esvertuer toutes leurs forces, et de
corps et d'entendement, pour faire chacun en son endroit et selon sa vacation,
service à leur souverain : attendu que servans à un, ilz profitent à tous, et
qu'en luy seul gist l'heur et malheur de ses subjects : de luy depend le repos ou
travail, l'aise ou misere de tous ceux qui vivent soubs son empire : luy seul
represente la chose publique, veu que sa volonté est loy, sa parole arrest, et sa
vie discipline exemplaire de bien ou de mal faire.

298
Antologia do Renascimento

Si me semble à ce propos qu'Artabanus, l'un des capitaines du roy


Xerxes, respondit sagement à Themistocles, losqu'il se retira fuitif de la Grece
en la court de Perse : «Les loix et coustumes des hommes, dit il, sont
differentes, Themistocles, et y a des choses tenues pour honnestes en un païs,
qui ne le sont pas en un autre : mais bien est il par tout honneste à un chacun,
de maintenir et garder celles de son païs. Car quant à vous autres Grecs, on dit
que vous n'avez rien si cher ny en si grande recommandation, que la líberté et
l'egalíté : mais nous Persiens estimons que la plus belle et la plus saincte
ordonnance que nous ayons, soit celle qui nous commande d'honorer, servir et
reverer nostre roy, ne plus ne moins que l'image de Dieu vivant, qui regit et
gouverne tout ce monde.»
C'est bien un tiltre auguste et venerable que celuy la, et le plus
magnifique et le plus digne, qui sçauroit estre donné à un monarque
souverain, prouveu qu'il s'en vueille souvenir, et qu'il ait tousjours la crainte
de Dieu, et la raison, qui luy sonne continuellement aux oreilles. Ce qui jadis
s'observoit par coustume en la court de Perse : là où l'un des gentilzhommes
de la chambre avoit la charge de se trouver tous les matins au réveil du roy, et
luy dire : «Leve toy, Sire, pour prouveoir aux affaires, dont le grand
Mesoromasdes (car ainsi appelloyent ilz Dieu) veut que tu ayes le soing.»
Ce discours de raison naturelle, Sire, quand encore le commandement
des Escriptures sainctes; oú l'authorité des princes est si authentiquement
fondée, n'y seroit point, oblige assez tous voz subjects à desirer de vous faire
service: et de ma part, ayant cherché de vous en faire, en l'institution de
Messeigneurs d'Orleans et d'Angoulesme, voz très heureusement nez enfans,
que Dieu benie, pour employer le temps, qui me demeuroit vuide, à faire
ancore quelque autre chose qui vous fust agreable, après avoir vacqué au
devoir de l'office, auquel il vous a pleu me commettre, de leur enseigner les
lettres, je me suis mis à reveoir ce que de long temps j'avoye traduit de grec
en françois des Vies de Plutarque, et à continuer de traduire ce qui m'en
restoit : tant que finablement, ayant conduit l'oeuvre totale à chef, j'ay pris la
hardiesse de la vous presenter imprimée, et la faire sortir soubs la sauve-garde
de vostre très illustre nom, en public, ès mains de voz hommes : non que
j’eusse opinion qu'il peust issir de moy, personne si basse et si petite en toute
qualité, chose qui meritast d'estre mise devant les yeux de vostre Majesté :
mais bien ayant certaine confiance, que l'oeuvre de soy est si recommandable
et si excellente, qu'elle pourra faire excuser le defaut qui s'y trouvera de ma
part, pource que je confesse avoir plus estudié à rendre fidelement ce que
l'autheur a voulu dire, que non pas à orner ou polir le langage, ainsi que luy
mesme a mieuls aimé escrire doctement et gravement en sa langue, que non
pas doucement ny facilement.

299
Antologia do Renascimento

Mais en recompense il y a tant de plaisir, d'instruction et de profit en la


substance du livre, qu'en quelque style qu'il soit mis, prouveu qu'il s'entende,
il ne peut faillir à estre bien receu de toute personne de bon jugement, pource
que c'est en somme un recueil abbregé de tout ce qui a esté de plus
memorable et de plus digne faict ou dict par les plus grands roys, plus
excellens capitaines et plus sages hommes des deux plus nobles, plus
vertueuses et plus puissantes nations qui jamais furent au monde.
Et au reste j'espere, Sire, que de vostre grace et liberalité royale, laquelle
se monstre aussi bien à recevoir guayement et joyeusement les petits presens,
comme à donner franchement et liberalement les grands, quand la bonne
volonté des offrans excuse l'impuissance de mieuls faire, vous aurez pour
agreable l'humble affection que j'ay eue en ce faisant, de recommander à la
posterité la memoire de vostre glorieux regne, de servir au bien public de voz
subjects, et d'enrichir nostre langue françoise, selon la foible portée de mon
peu de sens et de litterature : pource que je m'asseure que d'icy à longues
années, quand les survivans trouveront tant de beaux et bons livres translatez
des langues grecque et latine en la françoise, durant vostre heureux regne, et
soubs l'inscription de vostre très illustre nom, lon vous donnera la louange
d'avoir glorieusement couronné et achevé l'oeuvre, que ce grand roy François
vostre feu pere avoit heureusement fondé et commencé de faire renaistre et
florir en ce noble royaume les bonnes lettres, dont nostre langue va tous les
jours de plus en plus recevant tel ornement et enrichissement, que ny
l'italienne ny l'hespagnole ny autre que soit aujourdhuy en usage par l'Europe,
ne se pourra vanter de la surmonter en nombre, ny en bonté des outilz de
sapience, qui sont les livres: et consequemment voz subjects en recueilleront
ce fruict, que sans se travailler pour apprendre les nobles anciennes langues,
qui coustent beaucoup de temps et de peine à apprendre, à cause qu'elles sont
mortes, et qu'il les faut tirer hors des monumens des livres, ou elles sont
ensevelies, ilz auront en leur matemelle, et chez eux, par maniere de dire, ce
qu'il y a de plus beau et de meilleur en la latine et en la grecque.
A raison duquel benefice ilz seront de tant plus obligez à prier Dieu,
comme je fay en toute humilité et toute reverence, pour la bonne prosperité,
accroissement d'honneur, et continuation de longue vie en bonne santé de
vous, Sire, et de tout ce qui appartient à vostre sacrée royale Majesté. En
vostre royale maison de Fonteinebell'eau, au mois de febvrier, M. D. LVIIII.

300
Antologia do Renascimento

AUX LECTEURS

I. La lecture des livres qui apportent seulement une vaine et oiseuse


delectation aux lisans, est à bon droict reprouvée des hommes sages et de
grave jugement, et celle qui profite aussi simplement, sans faire aimer le
profit qu'elle apporte, et addoucir la peine que lon prend à le recueillir, par
quelque allechement de plaisir, semble un peu trop austere au goust de
plusieurs delicats entendemens, qui pour ce defaut ne s'y peuvent arrester
longuement. Mais celle qui plaist et profite, qui delecte et instruit ensemble, a
tout ce que lon sçauroit desirer, pour estre universellement aimée, receue et
estimée de toute maniere de gens, suyvant le commun dire du poëte Horace :

Qui le plaisir à l'utilité joinct


En ses escripts, le gaigne de tout poinct;

et fait mieuls ces deux effects, l'un pour l'amour de l'autre reciproquement, en
profitant plus d'autant qu'elle delecte, et delectant davantage d'autant qu'elle
profite. Ceste louange à mon advis est deuë proprement, ou principalement
plus qu'à nulle autre, à la lecture des histoires, comme à celle ou il y a plus
d'honeste plaisir conjoinct avec utilité, et qui a plus d'efficace pour ensemble
plaire et profiter, resjouïr et enseigner, que nulle autre sorte d'escripture ne
d'invention humaine. A raison de quoy il sembleroit aussi convenable
d'advouër que les hommes sont autant ou plus obligez aux bons esprits, qui
ont merité le nom d'historiens par leurs sages escripts, qu'ilz ne sont à nulle
autre maniere de lettres : pourautant. que l'histoire est une narration ordonnée
des choses notables, dictes, faictes, ou advenues par le passé, pour en
conserver la souvenance à perpetuité, et en servir d'instruction à la posterité.
II. Et tout ainsi comme la memoire est le tresor de l' entendement de
l'homme, sans laquelle les actions des autres deux parties demeureroyent
imperfaictes et presque inutiles : aussi se peut il dire, que l'histoire est à la
verité le tresor de la vie humaine, qui preserve de la mort d'oubliance les
faicts et dicts memorables des hommes, et les adventures merveilleuses, et cas
estranges, que produit la longue suite du temps. C'est pourquoy le sage Platon
veut, qu' elle ait esté appellée histoire, pource qu'elle arreste le flux de nostre
memoire, qui autrement auroit trop peu de durée et de tenue : et peut on à cela
recognoistre combien nous luy sommes obligez, si nous imaginons seulement
en quelle horreur de tenebres, et quelle fondriere d'ignorance bestiale et
pestilente nous serions abysmez, si la souvenance de tout ce qui s'est faict, ou
qui est advenu avant que nous fussions nez, estoit entierement abolie et
esteincte.
301
Antologia do Renascimento

III. Je veux donques laisser à part l’excellence et la dignité de la chose en


soy, veu que non seulement elle est plus ancienne que toute autre espece
d'escripture qui onques ait esté au monde, mais aussi qu'elle a eu cours entre
les hommes, avant que l'usage des lettres mesmes y fust, pource que lors les
vivans laissoyent à leurs successeurs la memoire des choses passées, en
chansons qu'ilz faisoyent apprendre par cueur de main à main à leurs enfans,
ainsi que lon a peu veoir de nostre temps par l'exemple des barbares habitans
ès terres neufves Occidentales, qui sans conserve d'aucunes lettres avoyent la
cognoissance des choses advenues bien huit cens ans auparavant. Je laisse
semblablement à deduire, que c'est la plus seure garde et le plus durable
monument que les hommes puissent laisser de leurs faicts en ce monde, pour
consacrer leur nom à immortalité : car il n'y a ny statues, ny trophées de
marbre, ny arcs de triomphe, ny coulomnes, ny sepultures magnifiques, qui
puissent combattre la durée d'une histoire eloquente, accomplie des qualitez
qu'elle doit avoir.
IV. Aussi peu me veux-je arrester à peser, que elle a je ne sçay quoy de
venerable, en ce qu'elle fait professíon de dire tousjours verité, et en ce que
son propre subject est de traitter de toutes les plus hautes et plus grandes
choses qui se facent en ce monde, pource qu'il me semble que l'utilité grande,
qui est, comme dit Horace, presque la mere de justice et d'equité, la
recommande tant, qu'il n'est ja besoing de luy chercher d'ailleurs authorité ny
ornement de dignité. Car c'est une regle et instruction certaine, qui par
exemples du passé nous enseigne à juger du present, et à prevoir l'advenir, à
fin que nous sçachions ce que naus devons suyvre ou appeter, et qu'il nous
faut fuir et eviter. C'est une peincture qui nous met devant les yeux, ne plus ne
moins qu'en un tableau, les choses dignes de memoire, qu'anciennement ont
faictes les puissans peuples, les roys, et princes magnanimes, les sages
gouverneurs, et vaillans capitaines et personnes marquées de quelque notable
qualité, nous representant les moeurs des nations estrangeres, les loix et
coustumes anciennes, les desseings des hommes particuliers, leurs conseils et
entreprises, les moyens qu'ilz ont tenus pour parvenir et leurs deportemens,
quand ilz, sont parvenus aux plus hauts, ou bien qu'ilz ont esté dejettez au
plus bas degrez de la fortune : tellement qu'il ne sçauroit naistre accident en
paix ny en guerre, en public ny en privé, que qui aura leu diligemment, bien
entendu et fidelement retenu les histoires, n'y treuve lumiere pour s'esclarcir,
et conseil pour se resoudre à prendre party, ou à donner advis à un autre en
tout douteux et dangereux passage, pour elire le plus expedient, et juger à peu
près le poinct auquel devra tomber un affaire bien emmeslé : advertissement,
pour soy moderer en prosperité : et reconfort, pour se revenir et soustenir en
adversité. Et si le fait avec plus de grace, d'efficace et de dexterité, que ne
font les livres de philosophie morale, d'autant que les exemples sont plus
302
Antologia do Renascimento

aptes à esmouvoir et enseigner, que ne sont les argumens et les preuves de


raisons, ny leurs imperieux preceptes, à cause qu'ilz sont particuliers,
accompagnez de toutes leurs circonstances, là ou les raisons et demonstrations
sont generales, et tendent plus à fin de prouver, ou de donner à entendre et les
exemples à mettre en oeuvre et à executer: pource qu'ilz ne monstrent pas
seulement comme il faut faire, mais aussi impriment affection de le vouloir
faire, tant pour une inclination naturelle, que tous hommes ont à imiter, que
pour la beauté de la vertu qui a telle force, que par tout ou elle se voit, elle se
fait desirer et aimer. Aussi le fait elle avec plus de pois et plus de gravité, que
ne font les inventions et compositions poëtiques, d'autant qu'elle ne se sert
jamais que de la nue verité : et la poësie ordinairement enrichit les choses
qu'elle louë, par dessus le merite, à cause que son but principal est de delecter
: et encore plus honestement et plus doucement, que ne font les loix et
ordonnances civiles, d'autant qu'il est plus honeste instruire et enseigner, que
non pas punir et corriger.
V. Et toutefois l'histoire a bien aussi sa maniere de chastier les meschans
par la note d'infamie perpetuelle, dont elle marque leur memoire, qui est un
grand moyen de retirer des vices ceux qui autrement auroyent mauvaise et
lasche volonté : comme aussi est-ce un bien vif et poignant aguillon aux
hommes de gentil cueur et de nature genereuse, pour les inciter à entreprendre
toutes hautes et grandes choses, que la louange et la gloire immortelle, dont
elle remunere les bien-faisans. Car les livres sont pleins d'exemples d'hommes
de courage et d'entendement eslevé, qui pour le desir de perpetuer la memoire
de leur nom, par le seur et certain tesmoignage des histoires, ont
volontairement abandonné leurs vies au service de la chose publique,
despendu tons leurs biens, supporté travaux infinis et d'esprit et de corps, pour
defendre les oppressez, bastir edifices publiques, establir loix et
gouvernemens politiques, inventer arts et sciences necessaires à
l'entretenement et ornement de la vie humaine : de tons lesquelz grands
benefices la grace est deue à la fidele recommandation des histoires.

[...]

XIX. Ainsi peut on veritablement conclurre, que l'histoire est la


maistresse des princes, de laquelle ilz peuvent apprendre sans peine, en
passant leur temps et avec singulier plaisir, la meilleure partie de ce qui est
requis à leur office.
XX. Or est il, que selon la diversité de la matiere qu'elle traitte, ou de
l'ordre et maniere d'escrire dont elle use, on luy donne noms differens : mais il
303
Antologia do Renascimento

y en a entre autres deux principales especes : l'une qui expose au long les
faicts et adventures des hommes, et s'appelle du nom commun d'histoire :
l'autre qui declare leur nature, leurs dicts et leurs moeurs, qui proprement se
nomme vie. Et combien que leurs subjects soyent fort conjoincts, si est ce que
l'une regarde plus les choses, l'autre les personnes : l'une est plus publique,
l’autre plus domestique: l'une concerne plus ce qui est au dehors de l'homme,
l'autre ce qui procede du dedans : l'une les evenemens, et l'autre les consei1s :
entre lesquelz il y a bien souvent grande difference, suyvant ce que Siramnes
Persien respondit à ceux qui s'esbahissoyent dont venoit que ses devis
estoyent si sages, et ses effects si peu heureux : «C'est paur autant, dit il, que
les devis sont en ma pleine disposition, et les effects en celle de fortune et du
roy.»
XXI. Mais entre tons ceux qui se meslerent onques de rediger par escript les
vies des illustres hommes, la palme d'excellence, au jugement des plus clair-
voyans, est meritoirement adjugée à Plutarque philosophe Grec, natif de la
ville de Chaeronée, en la province de la Boeoce, homme noble, consommé en
tout rare sçavoir, ainsi comme ses oeuvres ne laissent douter à qui les a
entierement leuës. Et ayant toute sa vie jusques en sa vieillesse manié affaires
publiques, comme luy mesme tesmoigne en plusieurs lieux, mesmement au
traitté qu'il a fait, Si l'homme vieil se doit entremettre du gouvernement de la
chose publique: et qui jadis eut cest heur et honneur, que d'estre precepteur de
l'empereur Trajan,98 ainsi que lon tient communement, et qu'il est
expressement porté par une missive, qui se lit au devant de la traduction latine
de ses Politiques,99 laquelle à dire la verité m'est un petit suspecte, pource que
je ne l'ai point trouvée entre ses oeuvres grecques, joinct qu'elle parle comme
si le livre estoit dedié à Trajan, ce qui est manifestement dedict par le
commencement du livre, et pour quelques autres raisons : encore toutefois,
pource qu'elle m'a semblé sagement et gravement escripte, et estre digne de
luy, je l'ay inserée en ce lieu:
XXII. «Plutarque à Trajan, Salut. Je sçavoye bien que la moderation de
ta nature n'estoit point convoiteuse de l'empire, combien que par honesteté de
vie tu te sois tousjours efforcé de le meriter, à raison dequoy tu en es de tant
plus estimé digne, que plus on te treuve esloigné du vice d'ambition. C'est
pourquoy maintenant je m'esjouy avec ta vertu et avec ma fortune, si tant est
que tu vueilles justement administrer, ce que tu as deuëment merité. Car
autrement je suis asseuré, que tu t'es exposé à de grands dangers, et moy aux

98
Peut-être Trajan a-t-il été du nombre des auditeurs de Plutarque, qui a fait à Rome des leçons publiques de
philosophie. Comme ils étaient presque du même âge, Plutarque n'a pas pu être le précepteur de son
enfance.
99
Cette lettre pouvait être à la tête de deux livres de Politique qui n'existent plus; mais Lamprias en fait
mention dans le catalogue des ouvres de Plutarque.
304
Antologia do Renascimento

langues des mesdisans, pourautant que Rome ne peut endurer un lasche


empereur, et que la commune voix du peuple a tousjours accoustumé de
rejetter les fautes des disciples sur leurs maistres, comme Seneque est
deschiré par les langues das mesdisans, pour les pechez de son Neron, la
temerité des jeunes disciples de Quintilian est imputée à luy mesme, et blasme
lon Socrates d'avoir esté trop doux à son pupille. Mais quant à toy, tu feras
bien toutes choses, prouveu que tu ne te departes point d'avec toy mesme, et si
tu te composes le premier, et disposes toutes autres choses à la vertu, il n'y
aura rien qui ne succede selon ton desir. Je t'ay descript les moyens qu'il faut
tenir pour bien administrer une chose publique, et ay monstré combien les
moeurs y ont de pouvoir. Si tu y veux obtemperer, tu as Plutarque pour
directeur et guide de ta vie : sinon, je proteste par ceste missive, que ce n'est
point de la doctrine de Plutarque, que tu vas au dommage et à la ruine de
l'empire.»
XXIII. Ceste epistre tesmoigne disertement, qu'il a esté precepteur de
Trajan : à quoy il semble que s'y rapporte aussi ce que Suïdas en escript,
disant : «Plutarque natif de la ville de Chaeronée en la Boeoce, fut du temps
de l'empereur Trajan, et encore devant. Mais Trajan luy donna l'honneur de la
dignité consulaire : et voulut que les officiers et magistrats qui seroyent en
toute la province de l'Esclavonnie ne feissent chose aucune sans son
authorité.» Voilà ce qu'en escript Suïdas, et me semble bien que Trajan si sage
empereur ne luy eust pas fait ce grand honneur s'il ne se fust senty tenu à luy
de quelque obligation notable : mais ce qui plus encore me semont à le croire,
c'est que lon voit en plusieurs faicts et dicts de Trajan la mesme droitture,
bonté et justice naïfvement emprainte, dont le moule et la forme est, par
maniere de dire, engravée ès oeuvres morales de Plutarque, de sorte que lon
remarque notoirement que l'un a bien sceu faire ce que l'autre luy a sagement
enseigné. Car Dion escript, qu'entre autres honneurs que le senat de Rome
decerna à Trajan, il luy donna le tiltre d'Optimus Imperator, c'est à dire très
bon empereur. Et Eutropius met, que jusques à son temps, quand un nouveau
empereur venoit à estre receu au senat, entre les cris d'heureux presage, et les
souhaits qu'on luy faisoit, on luy crioit : «Que puisses tu estre plus heureux
qu'Auguste, et meilleur que Trajan.»
XXIV. Comment que ce soit, il est bien certain que Plutarque luy dedia
le recueil de ses Apophthegmes. Mais estant retiré en sa maison, après avoir
longuement vescu à Rome, il se meit à escrire ceste ouvre excellente des Vies,
qu'il appella Parallelon, comme qui diroit d'accouplement ou assortissement
pource qu'il accouple un Grec avec un Romain, mettant leurs vies l'une devant
l'autre, et les conferant ensemble, selon qu'ilz se sont trouvez avoir entre eux
conformité de nature, de moeurs et d'adventures, en examinant ce que l'un a
eu de meilleur ou de pire, de plus grand ou de plus petit, que l'autre : le tout
305
Antologia do Renascimento

avec tant de beaux et graves discours par tout, tirez des plus profonds et plus
cachez secrets de la philosophie morale et naturelle, tant de sages
advertissements: et de fructueuses instructions, si affectueuse
recommandation de la vertu et detestation du vice, tant de belles allegations
d'autres autheurs, tant de propres comparaisons, et tant de hautes inventions,
que le livre se doit plustost nommer un tresor de toute rare et exquise
litterature, que de luy donner autre nom. Aussi dit on, que Theodorus Gaza
personnage Grec d'erudition singuliere, et digne de l'ancienne Grece, estant
quelquefois enquis par ses familiers amis, qui le voyoyent si fort affectionné à
l'estude, qu'il en oublioit toute autre chose, quel autheur il choisiroit entre
tous, s'il estoit reduit à ce poinct de n'en pouvoir retenir qu'un tout seul, il
respondit qu'il eliroit Plutarque, pource que tout compris, il n'y en a pas un
qui soit si profitable et si delectable ensembIe à lire, que luy.
XXV. Celuy auquel il dedie son oeuvre, Socius Senecion, estoit un
senateur Romain ainsi que tesmoigne Dion, qui escript que les trois
personnages que Trajan aimoit et honoroit le plus, estoyent Sosius, Palma et
Celsus, jusques à leur faire à tous trois eriger des statues. Il est vray qu'il avoit
escript beaucoup d'autres vies, que l'injure du temps nous a enviées, comme
notamment luy mesme fait mention de celles de Scipion l'Africain et de
Metellus le Numidique : et j’ai leu une petite epistre d'un sien filz, ou li n'y a
point de nom, transcripte d'un vieil exemplaire de la librairie de S. Marc à
Venise, par laquelle il escript à un sien amy la liste de tous les livres que son
pere a composez : là où entre les coupples des vies il met celles de Scipion et
d'Epaminondas, et au bout celles d'Augustus Caesar, de Tiberius, de Caligula,
de Claudius, de Neron, de Galba, de Vitellius et d'Othon. Mais ayant fait toute
diligence à moy possible de les chercher ès principales librairies de Venize et
de Rome, je ne les ay peu recouvrer, seulement en ay je tiré plusieurs
diversitez de leçons, et plusieurs corrections, en conferant les vieux livres
escripts à la main, avec ceux qui sont imprimez, qui m'ont grandement servy à
l'intelligence de plusieurs difficiles passages : et plusieurs y en a aussi que j'ay
restituez par conjecture, avec le jugement et l'aide de quelques uns des plus
sçavans hommes de cest aage en lettres humaines.
XXVI. Toutefois encore est il demeuré quelques lieux, mais peu, ès
quelz, pource qu'il y en a l'original omission de quelques lignes, à mon advis,
j'ay mieux aimé tesmoigner la defectuosité par la marque d'une estoile, que de
temerairement deviner, ou y rien adjouxter. Mais au reste si je me suis en
quelques endroits abusé, comme il est bien aisé en autheur si obscur et
ouvrage si long, mesmement à personne de si peu de suffisance comme moy,
je prieray les lisans de vouloir pour ma descharge accepter l'excuse que me
donne le poëte Horace, quand il dit:

306
Antologia do Renascimento

En oeuvre longue il n'est pas de merveille,


Si quelquefois l'entendememt sommeille.

Attendu mesmement que tant de gens de bien et de sçavoir, y ayans par cy


devant mis la main pour le traduire, il ne s'en est encore trouvé pas un, que
moy seul, qui l'ait entierement achevé en quelque langue que ce soit, au moins
que j'aye sceu ne veu : et que ceux qui se sont meslez d'en traduire,
mesmement en Latin, ont evidemment tesmoigné la difficulté qu'il y a, ainsi
que pourront facilement cognoistre ceulx qui voudront prendre la peine de
conferer noz traductions.
XXVII. Mais si, peut estre, lon ne trouve le langage de ceste translation
si coulant, comme lon a fait de quelques autres miennes, qui de pieça sont
entre les mains des hommes, je prie les lecteurs de vouloir considerer, que
l'office d'un propre traducteur ne gist pas seulement à rendre fidelement la
sentence de son autheur, mais aussi à representer aucunement et à adombrer la
forme du style et maniere de parler d'iceluy, s'il ne veut commettre l'erreur
que feroit le peintre, qui ayant pris à pourtraire un homme au vif, le peindroit
long, là ou il seroit court, et gros, là où il seroit gresle, encore qu'il le feist
naïfvement bien resembler de visage. Car encore puis je bien asseurer,
quelque dur ou rude que soit le langage, que ma traduction sera beaucoup plus
aisée aux François, que l'original grec à ceulx mesmes qui sont les plus
exercitez en la langue grecque, pour une façon d' escrire plus aiguë, plus docte
et pressée, que claire, polie ou aisée, qui est propre à Plutarque. Au fort, si je
ne m'en suis acquitté si heureusement que vous eussiez pensé et desiré,
Seigneurs lisans, encore ay je esperance que vous excuserez le bon vouloir de
celuy, qui en y aspirant, a tasché de vous profiter. Et si ce mien labeur sera si
heureux que de vous contenter, à Dieu en soit la louange, qui m'a donné la
grace de le parachever.

[...]

Fonte: Plutarque. Les vies des hommes illustres de Plutarque.


Traduites du grec par Amyot. Introduction par Emile Faguet.
Tome 1. Col. Edition Lutetia. Paris: Nelson éditeurs.

307
Antologia do Renascimento

Frei Luis de León


(1527-1591)

FREI LUIS DE LEÓN, humanista, poeta e tradutor espanhol, foi monge da


ordem de Santo Agostinho. Durante quatro anos permaneceu preso nos
calabouços do Santo Ofício em Valladolid acusado de preferir o texto
hebraico da Bíblia ao latino da Vulgata e por ter traduzido, em 1561, o Cantar
de los Cantares em língua vulgar, prática proibida então pelo Concílio de
Trento. No prólogo à sua tradução do Cantar expõe as dificuldades de
interpretação do texto servindo-se de um arsenal de argumentos lingüísticos e
literários: a diferença dos sistemas lingüísticos e dos significados, a distância
geográfico-cultural e cronológica, os códigos associativos próprios de cada
língua, etc. Frei Luis de León defende a tradução literal para os textos
sagrados, mas admitindo pequenos acréscimos e mudanças com o objetivo de
evitar a obscuridade do sentido, que ele concebe como uma pluralidade de
significados simultâneos, porque um texto dirá diferentes coisas a diferentes
leitores.

FÁBIO R. CORRÊA (fabio@pramnos.net) é mestre em Teoria da Literatura,


pela UFSC, com a dissertação Indefinição em Definição: Um Olhar sobre a
Relação de Ernani Rosas com a Tradição Literária. No campo da tradução,
prepara atualmente uma tradução do livro Peyote Hunt: The Sacred Jorney of
the Huichol Indians, da antropóloga Barbara Myerhoff.

308
Antologia do Renascimento

Prólogo ao Cântico dos cânticos

Nada é mais próprio a Deus que o amor, nem ao amor há algo mais
natural do que retornar ao que ama, nas condições e engenho do que é amado.
De um e outro temos clara experiência. Certo é que Deus ama, e qualquer um
que não esteja muito cego pode reconhecer em si mesmo os benefícios
assinalados que recebe continuamente de sua mão: o ser, a vida e seu
governo, e o amparo de sua graça, que em nenhum lugar e tempo nos
desampara. Que Deus se compraza mais nisto que em outra coisa, e que lhe
seja próprio o amor entre todas as suas virtudes, vê-se em suas obras, que
todas se ordenam a este único fim, que é repartir e distribuir seus grandes
bens entre as criaturas, fazendo com que a semelhança a Ele resplandeça em
todas elas, e a medida d’Ele seja a medida de cada uma delas para que todas O
usufruam, o que, como dissemos, é obra própria e natural do amor.
Como marca disto, percebe-se este benefício e amor de Deus no homem,
a quem, no princípio, criou à sua imagem e semelhança, como a outro Deus, e
depois se fez Deus, à figura e proveitos seus, tornando-se finalmente homem
por natureza, e muito antes por trato e conversação, como se vê claramente
em todo o discurso e processo das Sagradas Letras; nas quais, por esta causa,
é algo maravilhoso o cuidado que dispõe o Espírito Santo, e tudo isto a fim de
que não sintamos sua falta, e que por agradecimento, por devoção ou por
vergonha, façamos o que nos manda, que é aquilo em que consiste a nossa
maior felicidade e bom encaminhamento. De semelhantes argumentos e
exemplos estão cheias as histórias sagradas, os sermões e orações proféticas, e
os versos e canções do salmista, bem como os conselhos da Sabedoria e,
finalmente, toda a vida e doutrina de Jesus Cristo, luz e verdade, e todo o
nosso bem e esperança.
Pois entre as outras obras e tratados divinos, uma é a canção suavíssima
que Salomão, profeta e rei, compôs, na qual, sob uma écloga pastoril, mais
que em nenhuma outra Escritura, mostra-se Deus ferido de nossos amores,
com todas aquelas paixões e sentimentos que este afeto pode e costuma fazer
nos mais brandos e mais ternos corações humanos: roga e chora e pede por
zelos; vai-se como um desesperado e volta logo, e variando entre esperança e
temor, alegria e tristeza, ora canta de contente, ora torna públicas as suas
queixas, tomando aos montes e suas árvores, aos animais e às fontes por
testemunhas das grandes penas de que padece. Aqui se vêem pintados
vivamente as paixões amorosas dos demais amantes, os desejos ardentes, os
cuidados perpétuos, as aflições enormes que a ausência e o receio lhes
causam, juntamente com os ciúmes e suspeitas que entre eles se movem. Aqui
se ouve o som dos suspiros ardentes, mensageiros do coração, das queixas
309
Antologia do Renascimento

amorosas e pensamentos agradáveis, que umas vezes vão vestidos de


esperanças, outras de temor, outras de tristeza ou alegria. E, em suma, todos
aqueles sentimentos que os amantes apaixonados costumam provar, aqui se
vêem, e tanto mais agudos e delicados quanto mais vivo e acendrado for o
amor divino que o mundano, e ditos com tal primor de palavras, galanteios
brandos e beleza de raras comparações como jamais se escreveu nem ouviu.
Por esta causa é dificultosa a leitura deste livro a todos, e perigosa aos
mancebos e aos que ainda não estão muito adiantados e muito firmes na
virtude; pois em nenhuma Escritura se exprimiu a paixão do amor com mais
força e sentido do que nesta. E assim, entre os hebreus, não têm licença para
ler este livro e alguns outros da lei os que forem menores de quarenta anos.
Sobre o perigo não há necessidade de tratarmos; a virtude e o valor de Vossa
Mercê nos deixam bastante seguros. A dificuldade, que é muita, trabalharei
para eliminá-la na medida de minhas forças, que são bem pequenas.
Algo sabido e confessado por todos é que nestes Cânticos, como na
pessoa de Salomão e de sua esposa, a filha do rei do Egito, com elogios
amorosos explica o Espírito Santo a Encarnação de Cristo e o amor intenso
que sempre teve à sua Igreja, junto a outros mistérios de grande segredo e
grande peso. Neste sentido, que é espiritual, não tenho que tocar, porque dele
existem grandes livros escritos por pessoas santíssimas e muito doutas, ricas
do mesmo Espírito que falou neste livro, que entenderam grande parte de seu
segredo, e como o entenderam o puseram em suas escrituras, que estão cheias
de espírito e de dádivas. Assim, desta parte, não há o que dizer, ou porque já
está dito, ou porque é trabalho prolixo e extenso.
Empenhar-me-ei somente em elucidar a superfície da letra, de modo
simples, como se neste livro não houvesse outro maior segredo do que
mostram aquelas palavras nuas e, ao que parece, ditas e respondidas entre
Salomão e sua esposa, o que será somente declarar o seu som, e aquilo em que
está a força da comparação e da cadência; que, ainda que seja trabalho de
menor quilate que o primeiro, não carece, por isso, de grandes dificuldades,
como logo veremos.
Porque se há de entender que este livro, em sua origem primeira, foi
oferecido em metro, e é todo uma écloga pastoril, na qual, com palavras e
linguagem de pastores, falam Salomão e sua esposa, e algumas vezes seus
companheiros, como se todos fossem gente de aldeia. O que torna dificultoso
seu entendimento primeiramente é aquilo que costuma criar dificuldade em
todos os escritos nos quais se explicam algumas grandes paixões ou afetos,
mormente do amor, que, ao que parece, nestes, fica a razão perturbada e
desconcertada; embora, em verdade, uma vez entendido o fio da paixão que
os move, respondem maravilhosamente aos afetos que explicam, os quais

310
Antologia do Renascimento

nascem uns dos outros por concerto natural. E a causa de a razão parecer
assim perturbada é que, no espírito, possuído de alguma veemente afeição,
não chega a língua ao coração, nem se pode dizer como se sente e, mesmo o
que pode, não o diz todo, mas em partes e confusamente, ora o princípio de
uma ideia, ora o fim sem o princípio; que, assim como o que ama sente muito
o que diz, assim lhe parece que apenas por apontá-lo já está entendido pelos
outros; e a paixão com sua força e com incrível presteza arrebata-lhe a língua
e o coração, de um afeto em outro; daí que seus pensamentos são cortados e
cheios de obscuridade. Parecem também desconcertados entre si porque
respondem ao movimento que provoca a paixão no espírito do que os diz, e
quem não a sente ou vê, julga-os mal; como julgaria por coisa de desvario e
de mal siso os meneios dos que dançam aquele que, vendo-os de longe, não
ouvisse nem entendesse a música que seguem; o que há de muito se advertir
neste livro e em todos os semelhantes.
O segundo ponto que produz obscuridade é ser a língua hebraica, na qual
se escreveu, por sua propriedade e condição, língua de poucas palavras e
pensamentos curtos, e estes cheios de diversidade de sentidos; e ajunta-se a
isso ser o estilo e o juízo das coisas, naqueles tempos e entre aquela gente, tão
diferente do que se pratica agora; donde podem vir a nos parecer novas e
estranhas, ou fora de todo bom primor, as comparações de que se faz uso
neste livro, quando o esposo ou a esposa querem mais é louvar a beleza e a
galhardia das feições do outro, como quando compara o pescoço a uma torre,
ou os dentes a um rebanho de ovelhas, e assim outras coisas semelhantes.
Como cada língua e cada gente tem, na verdade, suas propriedades do falar,
em que o costume usado e herdado faz com que seja primor e gentileza o que
em outras línguas e a outras gentes pareceria demasiado tosco, é, desse modo,
de se crer que tudo isso que agora, por sua novidade e por ser alheio ao nosso
uso, tanto nos ofende e desagrada, fora todo o bom falar e toda a cortesia
naquele tempo entre aquela gente. Que claro está que Salomão não era
somente muito sábio, mas também rei e filho de rei, e conquanto não
alcançasse por letramento e doutrina, só pela criação e pelo trato de sua corte
e casa falaria melhor e mais cortesmente sua língua que qualquer outro.
O que faço aqui são duas coisas: uma é verter em nossa língua palavra
por palavra o texto deste livro, a outra é explicar com brevidade, não cada
palavra por si, mas as passagens em que aparece alguma obscuridade na letra,
a fim de que seu sentido fique claro quanto à superfície e aparência,
colocando no princípio o capítulo inteiro e depois seus esclarecimentos.
Acerca do primeiro, procurei conformar-me o quanto pude com o original
hebraico, cotejando juntamente todas as traduções gregas e latinas que
existem dele, e são muitas, e pretendi que correspondesse essa interpretação
ao original, não só em palavras e em sentenças, mas também no seu aspecto e
311
Antologia do Renascimento

arranjo, imitando suas figuras e maneiras de falar o quanto é possível em


nossa língua, que, em verdade, corresponde à hebraica em muitas coisas.
Donde poderá ser que alguns não se contentem tanto, e lhes pareça que
em algumas partes a razão fique curta e dita de modo desconcertado e
antiquado, e que não há prosseguimento à linha do que é dito, o que se
poderia facilmente fazer com a mudança de umas poucas palavras e a adição
de algumas outras; coisa que não fiz pelo que já disse, e porque entendo ser
diferente o ofício do que traduz, mormente Escrituras de tanto peso, do
daquele que as explica e aclara. O que traduz há de ser fiel e cabal e, se for
possível, contar as palavras para dar outras tantas, não mais nem menos, da
mesma qualidade e condição e variedade de significações que as originais que
estão e possuem os originais, sem limitá-las ao seu próprio sentido e parecer,
para que os que lerem a tradução possam entender toda a variedade de sentido
a que dá ocasião o original, se o lessem, e fiquem livres para escolher entre
eles o que lhes parecer melhor. Porque o estender-se dizendo, e o aclarar
copiosamente o pensamento que se entende, e o guardar a sentença que mais
agrada, jogar com as palavras acrescentando e eliminando à nossa vontade,
isso fique ao que aclara, cujo ofício é este; e nós fazemos uso dele nos
esclarecimentos postos depois de cada capítulo. É bem verdade que,
transladando o texto, não pudemos seguir tão pontualmente o original; e a
qualidade da sentença e propriedade de nossa língua nos forçou a acrescentar
uma ou outra palavrinha, sem a qual resultaria obscuríssimo o sentido;
contudo, estas são poucas, e vão elas encerradas entre colchetes desta maneira
[ ].
Vossa Mercê perceba em tudo isto minha vontade, que o demais a mim
não satisfaz muito, nem cuido que satisfaça a outros. Basta-me ter cumprido
com o que se me ordenou, que é o que em todas as coisas mais pretendo e
desejo.

Tradução:

Fábio Renato Corrêa


fabio@pramnos.net

312
Antologia do Renascimento

Prólogo a Cantar de los cantares (1561)

Ninguna cosa es más propia a Dios que el amor, ni al amor hay cosa más
natural que volver al que ama en las condiciones e ingenio del que es amado.
De lo uno y de lo otro tenemos clara experiencia. Cierto es que Dios ama, y
cada uno que no esté muy ciego lo puede conocer en sí por los señalados
beneficios que de su mano continuamente recibe: el ser, la vida, el gobierno
de ella y el amparo de su favor, que en ningún tiempo ni lugar nos desampara.
Que Dios se precie más de esto que de otra cosa, y que le sea propio el amor
entre todas sus virtudes, vese en sus obras, que todas se ordenan a solo este
fin, que es hacer repartimiento y poner en posesión de sus grandes bienes a las
criaturas, haciendo que su semejanza de Él resplandezca en todas, y
midiéndose a sí a la medida de cada una de ellas para ser gozado de ellas, que,
como dijimos, es obra propia y natural del amor.
Señaladamente se descubre este beneficio y amor de Dios en el hombre,
al cual crió en el principio a su imagen y semejanza, como a otro Dios, y a la
postre se hizo Dios a la figura y usanza suya, volviéndose hombre
últimamente por naturaleza, y mucho antes por trato y conversación, como se
ve claramente en todo discurso y proceso de las Sagradas Letras; en las
cuales, por esta causa, es cosa maravillosa el cuidado que pone el Espíritu
Santo y todo esto a fin de que no nos extrañemos de él, y que por
agradecimiento, por afición o por vergüenza, hagamos lo que nos manda, que
es aquello en que consiste nuestra mayor felicidad y buena andanza. De
semejantes argumentos y muestras están llenas las historias sagradas, los
sermones y oraciones proféticas y los versos y canciones del salmista, y
asímismo los consejos de la sabiduría y, finalmente, toda la vida y doctrina de
Jesucristo luz y verdad, y todo el bien y esperanza nuestra.
Pues entre las otras obras y tratados divinos, una es la canción suavísima
que Salomón, profeta y rey, compuso, en la cual, debajo de una égloga
pastoril, más que en ninguna otra Escritura, se muestra Dios herido de
nuestros amores con todas aquellas pasiones y sentimientos que este afecto
suele y puede hacer en los corazones humanos más blandos y más tiernos:
ruega y llora y pide celos; vase como desesperado y vuelve luego, y variando
entre esperanza y temor, alegría y tristeza, ya canta de contento, ya publica
sus quejas, haciendo testigos a los montes y árboles de ellos, a los animales y
a las fuentes, de la pena grande que padece. Aquí se ven pintados al vivo los
amorosos fuegos de los demás amantes, los encendidos deseos, los perpetuos
cuidados, las recias congojas que el ausencia y el temor en ellos causan,
juntamente con los celos y sospechas que entre ellos se mueven. Aquí se oye
el sonido de los ardientes suspiros, mensajeros del corazón, y de las amorosas
313
Antologia do Renascimento

quejas y dulces razonamientos, que unas veces van vestidos de esperanza,


otras de temor, otras de tristeza o alegría. Y, en breve, todos aquellos
sentimientos que los apasionados amantes probar suelen, aquí se ven tanto
más agudos y delicados, cuanto más vivo y acendrado es el divino amor que
el mundano, y dichos con el mayor primor de palabras, blandura de
requiebros, extrañeza de bellas comparaciones que jamás se escribió ni oyó. A
cuya causa la lección de este libro es dificultosa a todos y peligrosa a los
mancebos y a los que aún no están muy adelantados y muy firmes en la
virtud; porque en ninguna Escritura se exprimió la pasión del amor con más
fuerza y sentido que en ésta. Y así, acerca de los hebreos, no tienen licencia
para leer este libro y otros algunos de la ley a los que fueren menores de
cuarenta años. Del peligro no hay que tratar; la virtud y valor de Vmd. nos
hace bien seguros. La dificultad, que es mucha, trabajaré yo de quitar cuanto
alcanzaren mis fuerzas, que son bien pequeñas.
Cosa sabida y confesada por todos es que en estos Cantares, como en
persona de Salomón y de su esposa, la hija del rey de Egipto, debajo de
amorosos requiebros, explica el Espíritu Santo la Encarnación de Cristo y el
entrañable amor que siempre tuvo a su Iglesia, con otros misterios de gran
secreto y de gran peso. En este sentido que es espiritual no tengo que tocar,
que de él hay escritos grandes libros por personas santísimas y muy doctas
que, ricos del mismo Espíritu que habló en este libro, entendieron gran parte
de su secreto, y como lo entendieron lo pusieron en sus escrituras, que están
llenas de espíritu y de regalo. Así que en esta parte no hay que decir, o porque
está ya dicho, o porque es negocio prolijo y de grande espacio.
Solamente trabajaré en declarar la corteza de la letra, así llanamente,
como si en este libro no hubiera otro mayor secreto del que muestran aquellas
palabras desnudas y, al parecer, dichas y respondidas entre Salomón y su
Esposa, que será solamente declarar el sonido de ellas, y aquello en que está
la fuerza de la comparación y del requiebro; que, aunque es trabajo de menos
quilates que el primero, no por eso carece de grandes dificultades, como luego
veremos.
Porque se ha de entender que este libro en su primer origen se ofreció en
metro, y es todo él una égloga pastoril, donde con palabras y lenguaje de
pastores, hablan Salomón y su Esposa, y algunas veces sus compañeros, como
si todos fuesen gente de aldea. Hace dificultoso su entendimiento,
primeramente, lo que suele poner dificultad en todos los escritos adonde se
explican algunas grandes pasiones o afectos, mayormente del amor, que, al
parecer, van las razones cortadas y desconcertadas; aunque, a la verdad,
entendido una vez el hilo de la pasión que mueve, responden
maravillosamente a los afectos que explican, los cuales nacen unos de otros

314
Antologia do Renascimento

por natural concierto. Y la causa de parecer así cortadas, es que en el ánimo,


enseñoreado de alguna vehemente aficción, no alcanza la lengua al corazón,
ni se puede decir tanto como se siente y aun eso que se puede no lo dice todo,
sino a partes y cortadamente, una vez el principio de la razón y otras el fin sin
el principio; que así como el que ama siente mucho lo que dice, así le parece
que, en apuntándolo, está por los demás entendido; y la pasión con su fuerza y
con increíble presteza le arrebata la lengua y el corazón de un afecto en otro;
y de aquí son sus razones cortadas y llenas de oscuridad. Parecen también
desconcertadas entre sí porque responden al movimiento que hace la pasión
en el ánimo del que las dice, la cual quien no la siente o ve, juzga mal de
ellas; como juzgaría por cosa de desvarío y de mal seso los meneos de los que
bailan el que viéndolos de lejos no oyese ni entendiese el son a quien siguen;
lo cual es mucho de advertir en este libro y en todos los semejantes.
Lo segundo que pone oscuridad es ser la lengua hebrea en que se
escribió, de su propiedad y condición, lengua de pocas palabras y de cortas
razones, y ésas llenas de diversidad de sentidos; y juntamente con esto por ser
el estilo y juicio de las cosas en aquel tiempo y en aquella gente tan diferente
de lo que se platica ahora; de donde nace parecernos nuevas, y extrañas, y
fuera de todo buen primor las comparaciones de que usa este libro, cuando el
Esposo o la Esposa quieren más loar la belleza y gentileza de las facciones del
otro, como cuando compara el cuello a una torre, y los dientes a un rebaño de
ovejas, y así otras semejantes. Como a la verdad cada lengua y cada gente
tenga sus propiedades de hablar, adonde la costumbre usada y recebida hace
que sea primor y gentileza, lo que en otra lengua y a otras gentes parecería
muy tosco, y así es de creer que todo esto que ahora, por su novedad y por ser
ajeno de nuestro uso, tanto nos ofende y desagrada, era todo el buen hablar y
toda la cortesanía de aquel tiempo entre aquella gente. Que claro es que
Salomón no era solamente muy sabio, sino rey e hijo de rey, y que cuando no
lo alcanzara por letras y por doctrina, por la crianza sola y por el trato de su
corte y casa supiera hablar su lengua mejor y más cortesanamente que otro
ninguno.
Lo que yo hago en esto son dos cosas: la una es volver en nuestra lengua
palabra por palabra el texto de esto libro, en la segunda, declaro con brevedad
no cada palabra por sí, sino los pasos donde se ofrece alguna oscuridad en la
letra, a fin que quede claro su sentido así en la corteza y sobrehaz, poniendo al
principio el capítulo todo entero, y después de él su declaración. Acerca de lo
primero procuré conformarme cunto pude con el original hebreo, cotejando
juntamente todas las traducciones griegas y latinas que de él hay, que son
muchas, y pretendí que respondiese esta interpretación con el original, no sólo
en las sentencias y palabras, sino aun en el concierto y aire de ellas, imitando
sus figuras y maneras de hablar cuanto es posible a nuestra lengua, que, a la
315
Antologia do Renascimento

verdad, responde con la hebrea en muchas cosas. De donde podrá ser que
algunos no se contenten tanto, y les parezca que en algunas partes la razón
queda corta y dicha muy a la vizcaína y muy a lo viejo, y que no hace corra el
hilo del decir, pudiéndolo hacer facilmente con mudar algunas palabras y
añadir algunas otras; lo cual yo no hice por lo que he dicho, y porque entiendo
ser diferente el oficio del que traslada, mayormente Escrituras de tanto peso,
del que las explica y declara. El que traslada ha de ser fiel y cabal y, si fuere
posible, contar las palabras para dar otras tantas, y no más ni menos, de la
misma cualidad y condición y variedad de significaciones que las originales
que son y tienen los originales, sin limitarlas a su propio sentido y parecer,
para que los que leyeren la traslación puedan entender toda la variedad de
sentidos a que da ocasión el original, si se leyese, y queden libres para
escoger de ellos el que mejor les pareciere. Que el extenderse diciendo, y el
declarar copiosamente la razón que se entiende, y el guardar la sentencia que
más agrada, jugar con las palabras añadiendo y quitando a nuestra voluntad,
eso quédese para el que declara, cuyo propio oficio es; y nosotros usamos de
él después de puesto cada un capítulo en la declaración que se sigue. Bien es
verdad que, trasladando el texto, no pudimos tan puntualmente ir con el
original; y la cualidad de la sentencia y propiedad de nuestra lengua nos forzó
a que añadiésemos alguna palabrilla, que sin ella quedara oscurísimo el
sentido; pero éstas son pocas; y las que son van encerradas entre dos rayas de
esta manera [ ].
Vmd. reciba en todo esto mi voluntad, que lo demás a mí no me satisface
mucho, ni curo que satisfaga a otros. Bástame haber cumplido con lo que se
me mandó, que es lo que en todas las cosas más pretendo y deseo.

Fonte: Fray Luis de León. Cantar de los cantares de Salomón.


Ed. De José Manuel Blecua. Madri, Gredos, 1994.

316
Antologia do Renascimento

Alessandro Piccolomini
(1508-1579)

ALESSANDRO PICCOLOMINI, representante de uma das mais nobres


famílias senenses, que teve inclusive dois papas (Pio II e Pio III) entre a
metade do século XV e o começo do XVI, foi autor de obras de gêneros
variados: rimas, comédias (entre as quais L’Alessandro, L’Ortensio e L’amor
costante) e diálogos (entre os quais La Raffaella, dialogo de la bella creanza
de le donne), ligados à atividade na Accademia degli Intronati de Sena, além
de um interessante tratado pedagógico, importante também por razões
lingüísticas, Della Institution morale, que teve várias edições até o século
XIX e, pouco depois da publicação, três traduções em francês e uma em
espanhol. Mas a atividade mais intensa foi dedicada às traduções e à
divulgação de obras filosóficas antigas, segundo uma visão provavelmente
influenciada pela Accademia degli Infiammati de Pádua, na qual Piccolomini
pôde freqüentar literatos ilustres como Sperone Speroni (1500-1588) e
Benedetto Varchi (1503-1565), atentos às questões lingüísticas e à difusão da
cultura. Ligada também à posição dos Infiammati é a ideia de que a habilidade
como filósofo não depende do conhecimento das línguas. Na produção
cultural de Piccolomini é muito presente o conflito, típico da época, entre
platonismo e aristotelismo, que ele tenta conciliar seguindo um caminho
original. Entre os tratados e as vulgarizações de Piccolomini merecem ser
citadas La sfera, Le stelle fisse, La Filosofia naturale, L’instrumento della
filosofia, as traduções das Metamorfoses de Ovídio (43 a.C.-17 d.C.) e de
parte da Eneida de Virgílio (70-19), e os comentários da Poética e da
Retórica de Aristóteles (384-322). Quanto às posições expressas na tradução e
comentário da Poética, Piccolomini se mostra mais fiel ao autor grego e em
contraste com aquelas de Castelvetro (1505-1571). As posições de
Piccolomini foram preferidas por Torquato Tasso (1544-1595) e, segundo
alguns, pelos teóricos do século XVIII. Contrariamente a Castelvetro, que
defende que, segundo Aristóteles, o objetivo mais importante da arte é
delectare, Piccolomini atribui a Aristóteles a posição oposta: objetivo final da
poesia é prodesse, ser de ensino e de utilidade. Por isso a tradução de
Piccolomini foi preferida em clima contra-reformístico.

TOMMASO RASO (tommaso.raso@gmail.com) é professor de Lingüística


Aplicada na UFMG. Lecionou Lingüística Italiana na Universidade de Veneza
de 1996 a 2005, na UCLA, onde obteve o título de Candidate of Philosophy, e
em Nápoles, onde doutorou-se em Filologia Moderna. Foi professor visitante
e/ou convidado na Espanha, no Brasil e na Venezuela, além de várias
317
Antologia do Renascimento

universidades italianas. As principais áreas em que publicou são a história


lingüística do Renascimento e da Idade Média (em particular a edição crítica
de um texto bilíngüe latim-abrucês do século XV e ensaios sobre as técnicas
de tradução medieval), a história lingüística da região italiana dos Abruzzi e,
nos últimos anos, a presença italiana no Brasil, a erosão lingüística e a escrita
profissional (tema sobre o qual publicou um manual pela editora Zanichelli de
Bologna e vários artigos). Seu último livro, publicado em Roma, é La
scrittura burocratica.

318
Antologia do Renascimento

Aos leitores

Alessandro Piccolomini aos leitores.


Talvez não seja pouco apropriado (discretos e benignos leitores) o fato
de que, tendo eu traduzido a Poética de Aristóteles na nossa língua e tendo-a
comentado bastante com anotações, argumente um pouco sobre as duas
empresas tentando ser o mais breve possível. Eu sempre fui da opinião que,
para quem seja por inteligência e doutrina bem instruído em alguma arte ou
ciência e queira escrever ou tratar dela, seja coisa menos difícil e mais segura
andar correndo pelos campos dela, livre de qualquer obrigação que não seja
aquela que a própria ciência traz consigo, em vez de querer se obrigar àquilo
que algum escritor, mesmo que muito famoso, tenha dito antes. Porque, se
bem possa parecer na primeira impressão que esteja mais seguro quem
(escrevendo) tenha alguém que o escolte, pois ao andar não tem outra razão
para se ter guias que para proceder mais seguro e não errar o caminho, como
se vê pelos cegos que se fazem guiar, ainda assim, se nós considerarmos mais
a fundo, acharemos que, já que o desejo de um guia supõe ignorância e
defeito em quem é guiado, uma vez eliminado o defeito, andaremos com
muito mais liberdade e a viagem será melhor conduzida ao final, como
demonstra o fato de que quem não tem defeito de cegueira anda mais seguro e
mais decidido do que o cego com seu guia. Portanto assim como o homem vê
muito melhor a estrada onde tem costume de andar com os seus próprios
olhos do que quando, quase abandonando-se, deixa-se escoltar pelos olhos
alheios, assim igualmente quem for treinado em alguma arte ou ciência a
enxergará e andará nela graças à luz do seu próprio intelecto muito melhor do
que se colocando os pés somente nas pegadas de quem for escolhido como
guia. E, além disso, não se pode dizer que careça de guia quem percorre os
campos familiares de algum conhecimento, tendo sempre diante dos olhos da
própria mente aquele mesmo conhecimento que o escolta e que não o deixa
desviar-se dos bons caminhos. Por isso, tanto pode ser estimado mais fácil
tratar por si próprio alguma ciência por quem tem o hábito de fazê-lo do que
se obrigar a seguir completamente um outro escritor que tenha tratado antes o
assunto, quanto esta atitude é fechada dentro de fronteiras menos amplas e
mais limitadas do que aquela. Mas já que em cada época foram raríssimos
aqueles que conseguiram correr pelo campo de qualquer arte ou ciência
somente com a luz de seu intelecto, sem se obrigar às pegadas alheias, por
isso não ha de se considerar dignos de repreensão aqueles que, não se
considerando capazes de fazer isso, escolham algum guia que os escolte,
desde que façam a escolha de maneira que não tomem por guia alguém que,
colocando-os em muitas dificuldades, os faça a final precipitar-se consigo. E
319
Antologia do Renascimento

por isso eu que sempre me considerei, e ainda mais agora me considero, entre
aqueles que precisam prestar atenção para não adentrar (escrevendo) os
limites das ciências sem que alguém os guie, preocupei-me pelo menos de
escolher tais escoltas que me protegessem, se não de todos os imprevistos, o
que acho não ser possível para um homem mortal, pelo menos dos maiores
precipícios. E esses foram Ptolomeu100 na astrologia e o próprio Aristóteles na
filosofia natural e na moral e também na dialética e na retórica e na poética,
ao qual até hoje não se sabe de alguém que nessas disciplinas lhe tenha
ultrapassado. E porque (escrevendo) é possível achar várias maneiras de
respeitar e seguir um autor, como traduzindo, comentando ou expondo,
anotando, parafraseando e resumindo, eu, mesmo tendo variado esses modos
nos meus escritos, pois tratei diferentes matérias ora com puros comentários,
ora com anotações, ora com epítomes, ou seja resumos, e muitas vezes com
paráfrases, como vós mesmos podeis ter visto, mesmo assim eu nunca fui
muito amigo da tradução em coisa que pertencesse a alguma arte ou ciência,
pois, depois que na minha primeira juventude traduzi o Econômico de
Xenofonte101 e Alexandre de Afrodísia102 sobre os Meteorológicos103 de
Aristóteles, nunca traduzi outra coisa, a não ser dois anos atrás, ou pouco
mais, a Retórica de Aristóteles, pelas razões que podereis vós mesmos
claramente ter conhecido aqui e ainda na paráfrase que eu fiz dela, através das
Epístolas que com tais obras eu vos enderecei. E várias razões me levaram a
evitar a empresa de traduzir. Uma foi a dificuldade maior, na minha opinião,
entre todas as que já disse. Porque, escrevendo, não é preciso estar preso e
amarrado em nenhum tipo de obrigação para seguir um autor, senão em não se
afastar das opiniões dele; mas quem traduz se empenha e se obriga a manter e
a salvar não somente as opiniões como as palavras também. Além disso,
quem anota ou comenta ou parafraseia ou escreve resumindo, mesmo
fazendo-o em outra língua, precisa possuir exatamente a língua do escritor
que está seguindo; porém, quanto à língua na qual escreve, não é necessário
possui-la tão detalhadamente ao vivo – como é necessário para o tradutor –, já
que, para não se afastar da opinião do autor, é suficiente alongar e diminuir e
100
Cláudio Tolomeu foi um dos mais importantes astrônomos e geógrafos gregos. Foi ativo no II século
depois de Cristo e a sua teoria geocêntrica, baseada em Aristóteles, dominou até a publicação da obra de
Copérnico em 1543 e também depois, até o heliocentrismo ser aceito na cultura oficial.
101
Xenofonte, (nascido em Atenas, por volta do ano 430, morto depois do 355 a.C.) foi historiador, a
principal fonte da vida de Sócrates (junto com Platão) e autor de obras de conteúdo diferente, entres as quais
o Económicon, um tratado sobre a administração da casa e da propriedade.
102
Alexandre de Afrodísia viveu entre o II e o III século depois de Cristo e foi um dos maiores
comentadores de Aristóteles. A sua importância durou até o Renascimento, e, nessa fase, esteve ligada
especialmente ao debate entre platonismo e aristotelismo e à interpretação da concepção aristotélica sobre o
intelecto.
103
Os Metereológicos de Aristóteles tratam os fenômenos naturais que acontecem abaixo das esferas
celestes e do éter, entre a lua e a terra; calor e frio são as forças determinantes para explicar esses processos.
No quarto livro (de atribuição dúbia) o tratamento é importante por chegar quase às questões da química
moderna.
320
Antologia do Renascimento

fechar os períodos como se sabe fazê-lo, qualquer que seja a maneira. Mas
traduzindo isso não é suficiente: ao contrário, é necessário sermos tão
detalhadamente instruídos e dominarmos tanto a língua na qual traduzimos
que, assim como tendo nas mãos uma certa quantidade de cera podemos,
manuseando-a com os dedos, transformá-la ora em quadrada ora em redonda
ora em uma figura piramidal e em qualquer outra que nos agrada, da mesma
forma saibamos manusear e tratar tão bem a língua que, não conseguindo
expressar com essa forma ou com aquela exatamente período por período
tanto o sentido quanto as palavras que precisamos traduzir, vamos mudando e
experimentando tantas formas e maneiras de dizer, ora com gerúndios ora
com subordinadas104 ora compactando mais os períodos ora estendendo-os ora
de um modo ora de outro, até achar a maneira que possa funcionar
confortavelmente e ter o efeito que desejamos; e isso (como já disse) não
pode ser feito sem uma familiaridade muito íntima com a língua na qual se
traduz. A essas causas soma-se o perigo de maior repreensão cada vez que o
nosso sentido for desigual ou apenas diferente daquele do autor. Se acontece
que, ou comentando ou parafraseando ou de alguma outra maneira de escrever
que não seja tradução, erramos e não correspondemos ao pensamento do
autor, pois com essas maneiras falamos por nós, colocamo-nos assim somente
a nós em perigo de sermos repreendidos, por um defeito que seria nosso e não
de outros, seja por ignorância ou por inconfiabilidade, enquanto que
traduzindo, uma vez que vestimos as roupas do autor e falamos por ele e com
suas palavras, colocamos em perigo de repreensão não tanto a nós mesmos
quanto ao próprio autor cada vez que dizemos algo que ele não diz, e, por
conseqüência, adquirimos a fama de falsários, a pior que um homem pode
ganhar. Além disso, para me afastar da tradução juntou-se o fato de ver, entre
aqueles que se propuseram essa empresa de trazer as matérias científicas e
doutrinais de uma língua para uma outra, não somente os que eram pouco
expertos em tais matérias ou pouco senhores e possessores de uma das duas
línguas ou de ambas perderam o tempo em que deviam ter feito um trabalho
digno de ser lido (o que não surpreende), mas também que, dentre aqueles que
foram julgados possessores dessas capacidades e bem instruídos naquelas
línguas, raríssimos foram os que conseguiram com sucesso essas empresas. E
porque, entre as leis mais difíceis às quais a tradução é obrigada (como
diremos pouco abaixo), a principal é a que obriga não só a manter igual, com
grande fidelidade, o sentido do autor, mas também a salvar quanto for
possível as suas palavras e a locução e as ligações e os modos do sentido, de
maneira que, se for possível, não se deveria estender, ordenar e fechar os
períodos e os componentes deles de modo diferente de como o próprio autor
os estendeu, os ordenou e os fechou, nem colocar um número maior ou menor

104
Membri pendenti.
321
Antologia do Renascimento

de palavras daquele que o autor usou. Mas como a diversidade das línguas,
entre as quais se acha enorme diversidade tanto de ordem, de estrutura, de
figuras e modos de expressar quanto dos sons das palavras e de abundância ou
falta delas nos significados, muitas vezes não tolera o respeito de quanto foi
dito, disso vem que esses lugares pedem muitíssimo juízo e arte na tradução,
para que, acrescentando ou diminuindo as palavras, colocando às vezes duas
ou mais em lugar de uma, e outros uma no lugar de várias, ou alterando a
textura, dividindo os períodos ou os membros deles, ou unindo os divididos,
ou com qualquer outra mudança ou nova textura e ordem, segundo que a
personalidade das línguas e portanto a necessidade nos obriga, não se
confundam as locuções ou não se corrompam os sentidos ou se obscureçam os
significados ao ponto de que se dê aos leitores ou algo pouco fiel e diferente
do que se promete com o nome de tradução ou algo mais obscuro e confuso e
portanto inútil e sem fruto algum. Por isso, entre tantas dificuldades, não é
surpreendente que, entre os tradutores que até hoje traduziram do grego para o
latim e do latim para o nosso vulgar obras pertencentes a assuntos científicos
que eles realmente conheçam, foram raríssimos aqueles que alcançaram o
objetivo que, traduzindo, implicitamente prometeram. Enquanto alguns deles,
prestando mais atenção ao sentido só do que às palavras, das quais às vezes se
preocupam pouco demais, e muitas vezes ainda tentando acomodar o próprio
sentido à opinião deles e forçando-o com acréscimo de palavras e às vezes de
orações e até de períodos inteiros, sem que a personalidade das línguas os
obrigue a fazer isso, acabam se comportando mais como expositores ou
parafraseadores que como tradutores e mostrando mais a personalidade deles
que a do autor. Já alguns outros, sem procurar, como deveriam fazer,
principalmente o sentido e a intenção, buscam transpor palavra por palavra e
cada mínima partícula, tantas delas quantas acham, e assim, fazendo atenção
de respeitar com precisão o número delas, como se tivessem feito um cálculo,
acabam produzindo uma espécie de locução confusa, sem sal e, o que é pior,
em grande parte não compreensível, como quem, não sabendo que as várias
línguas têm diferenças nas estruturas, nas figuras e nas maneiras de expressar,
e diferentes correspondências entre as palavras e os significados, teimam em
não aceitar nenhuma mudança, e portanto acontece que ou se produzem vários
barbarismos formando novas palavras para aqueles significados que não têm
palavras, ou se cai no abismo do equívoco aplicando-se palavras de um
significado para um outro, ou enfim, querendo forçar as estruturas e as
expressões tirando-as da língua nas quais são apropriadas para colocá-las
naquela que não as possuem, se torne a linguagem obscura, complicada e
muitas vezes falsa, e, o que (como já falei) é pior, sem um sentido.

322
Antologia do Renascimento

Essas e outras que não vou falar são, portanto, as razões pelas quais fui
afinal convencido a evitar produzir traduções. Mas por que dessa vez eu
resolvi, contra a minha tendência e contra o que eu tinha decidido, fazer essa
tradução da Poética de Aristóteles que agora vos ofereço, trazida da língua
grega, na qual nasceu, para essa nossa (benignos leitores), em poucas palavras
vos contarei. Eu, faz já muitos anos, desejava escrever algo na nossa língua
sobre esse livro que nos ficou da Poética de Aristóteles, por ter-me sempre
parecido que fosse útil gastar estudo e trabalho sobre ele. Mas, vendo toda
hora, um depois do outro, aparecerem homens doutos que, com ajuizados
comentários, iluminavam um alguns lugares difíceis, outro outros daquele
livro, e especialmente Maggi105 e Vettori,106 que com sua doutrina e
inteligência trouxeram muitas passagens (para dizer a verdade) quase da
morte para a vida, com ajuizada correção de textos e com explicações de
sentidos, andava eu adiando e retardando a empresa planejada, confiante que,
já que estavam aparecendo outros homens doutos para ajudar a clarear este
livro, ele viesse a receber rapidamente melhoras, sem nenhum trabalho de
minha parte, em todos os trechos e os lugares, que (como disse) tinha
recebido em boa parte. Mas, vendo que aquela aparição e descoberta cotidiana
de novos expositores estava já há alguns anos parada, ou sentindo-me agredir
já com força pela velhice, resolvi realizar o desenho que eu tinha concebido,
pelo menos naquelas partes em que me parecia que os outros até então não
tinham dado a clareza e a compreensão adequadas. Portanto, mudei o desenho
anterior somente nisso, que enquanto no começo eu tinha pensado em
comentar a poética através de exposição, sem deixar nenhum lugar intocado,
resolvi depois comentar através de anotações. E por isso, porque os citados
expositores, um em um ponto e outro em outro, e especialmente em muitos
pontos o Vettori e o Maggi falaram quase o que eu acho que se deveria dizer,
julguei que pareceria exagerado e talvez arrogante o trabalho que eu realizaria
naquilo em que eu mais ou menos concordasse com eles, como qualquer um
pode em seguida ver. Assim, eu fui anotando todo esse livro, de maneira mais
sucinta e às vezes até sem comento algum aqueles trechos ou lugares que
considerei que os outros tivessem falando adequadamente, e, ao contrário,
demorei-me mais em outros ou falei algo onde antes não havia sido nada dito
pelos outros (e isso aconteceu em muitos lugares) ou me separei com

105
Vincenzo Maggi, humanista, nasceu em Brescia no começo do século XVI e morreu em Ferrara por volta
de 1564. Estudou em Pádua e ensinou em Pádua e Ferrara. Continuou a exegese da Poética de Aristóteles
começada por Bartolomeo Lombardi, e em 1550 publicou In Aristotelis librum De Poetica communes
Explanationes, onde, em polêmica com o Robortello, forneceu o primeiro comentário conforme à Contra-
reforma.
106
Pietro Vettori (Florença 1499 – 1585), filólogo e erudito, editou e comentou muitos textos antigos e foi
importante intérprete de Aristóteles. Foi amigo de Maquiavel e participou da vida política na fase
republicana. Em 1538 foi nomeado professor de grego e latim na universidade, e nessa época, entre muitas
outras obras, publicou um amplo comentário da Retórica e da Poética de Aristóteles.
323
Antologia do Renascimento

oposição das opiniões deles, e também isso aconteceu freqüentemente, e


fazendo isso segui a divisão em partes que o Maggi fez do texto, parecendo-
me que, embora algumas poucas vezes essa divisão não seja coerente com os
assuntos que vêm depois, mesmo assim na maior parte dos casos essa foi a
divisão melhor entre todos os comentadores. Ora, já que com muita
freqüência me acontecia, anotando, que eu me servisse das palavras do texto e
que as usasse com vários objetivos, e já que me parecia que, fazendo as
anotações na nossa língua teria sido muito mais confortável utilizar também
as palavras do texto na nossa língua, e não em grego, e também que isso teria
sido mais claro para vós, leitores, achei que fosse não somente útil mas quase
necessário dispor do livro nessa língua, e com esse objetivo o traduzi e o
transpus com a mesma divisão de partes, e para me convencer dessa
necessidade contribuiu ver que até hoje um livro tão nobre ainda não tivesse
uma versão em latim ou no nosso vulgar que correspondesse completamente à
grega segundo as leis da tradução, pois, entre os que o traduziram, alguns não
foram muito fiéis, ou aumentando ou expondo ou acrescentando algo próprio,
e outros ao contrário, enquanto quiseram manter as mesmas palavras uma por
uma e a mesma ordem e as mesmas conexões, criaram afinal uma elocução
confusa, feia e em muitíssimos lugares, segundo a minha opinião,
incompreensível. Nisso, se eu na minha tradução fiz melhor ou pior, deixo a
decisão ao vosso julgamento. Mas o que sei com certeza é que não
economizei trabalho em tentar respeitar as leis que achei necessário que quem
traduz respeite. E já que eu cheguei a esse assunto, não quero omitir
manifestar rapidamente o que eu consegui sobre elas em vários bons autores.
Parece pois que eles concordam nisso, que nos escritos de outros não é
possível reconhecer outra coisa que o sentido, ou, se quisermos dizer, a
intenção, e a locução, é necessário que quem leva e traduz de uma língua para
outra ponha os olhos em salvar essas duas coisas. E quanto às intenções e aos
conceitos, pois em todas as línguas podem se achar e salvar exatamente os
mesmos, e porque neles consiste a substância dos escritos, uma vez que se
acham as palavras certas para as intenções, e não o contrário, é necessário que
a preservação deles seja sempre clara, incorrupta, inteira e jamais alterada,
porque se fosse alterada, mesmo que pouco, se escreveriam coisas próprias e
não dos outros, e, o que é pior, se incorreria no vício de falsário, como eu
falei em cima, colocando na boca dos outros coisas diferentes daquelas que
eles falam. Quanto à locução, que consiste seja nas palavras seja na estrutura
seja na ligação delas, já que as várias línguas trazem consigo diferentes
propriedades em muitas de suas partes, tanto nas estruturas, ligando as
palavras cada uma de uma maneira, quanto também nos sentidos das palavras,
pois não todas as línguas têm palavras apropriadas para os mesmos
significados, disso segue que, para expressar e manter bem as intenções, o
tradutor seja forçado às vezes a não conservar totalmente uma mesma locução
324
Antologia do Renascimento

na língua para a qual traduz, nem no número e na ordem das palavras nem na
ligação delas, como elas estão na língua da qual se traduz. Mas é necessário
bem cuidadosamente perceber e saber quando as características das línguas
nos obrigam a fazer isso e quando não têm necessidade nenhuma disso,
porque, assim como a necessidade não somente desculpa a mudança na
tradução mas até pede isso, da mesma forma, ao contrário, fazê-lo quando é
possível evitar não somente não é escusável mas é repreensível, sendo coisa
conveniente que, todas as vezes em que for possível, o tradutor não se
distancie nem das intenções nem das próprias palavras nem da estrutura delas.
Portanto quem, podendo evitar, abandona a integridade da locução, ou
aumentando ou mudando as palavras ou unindo-as de maneira diferente,
mesmo que preserve o sentido e a intenção, estará fazendo mais uma
exposição ou uma paráfrase do que uma tradução. Por isso o tradutor precisa
estar certo de mudar a locução apenas o quanto as várias propriedades das
línguas o obrigam. E isso em duas ocasiões pode ocorrer: uma quando não
podemos encontrar na língua na qual traduzimos as palavras que
correspondam aos significados das palavras da língua da qual traduzimos, não
só uma palavra por uma palavra mas também duas ou mais para o sentido de
uma; ou também quando, na hora de tecer ou ordenar e unir as palavras, não
podemos encontrar uma ordem e uma textura que possa mostrar e revelar bem
a intenção; e nesse caso para não tornar inútil a tradução, como seria se a
intenção ficasse escondida, é necessário acrescentarmos alguma palavra, ou
uma ou mais, que ajudem e iluminem a inteligência da intenção. E isso
somente quando for possível ter certeza da intenção verdadeira do escritor, ou
graças às palavras que precedem ou àquelas que seguem; digo isso porque, em
caso de dúvida, um acréscimo correria o risco de ser considerado exposição e
não tradução. Nesse caso portanto, e não em outros, devem-se aceitar tais
acréscimos, e eles devem ser sinalizados com signos, como aqueles que os
editores chamam rampini,107 para que fique claro que se trata de acréscimos e
não das palavras do escritor. No outro caso, traduzindo, pode ser necessário
fazer alguma mudança nas locuções ou nas palavras ou na ordem e textura
delas; quando isso acontece na textura, se na expressão de alguma intenção a
propriedade da língua na qual se traduz não permite em algum período a
mesma ordem e a mesma composição e ligação que se acha na língua da qual
se traduz, mesmo assim ela permite, sem acrescentar nem período nem
membro nenhum, mostrar em uma língua a mesma legítima intenção que é
expressada na outra, ou com a união ou com a separação dos períodos,
criando mais períodos a partir de um ou um só a partir de vários, mudando
gerúndios e particípios, infinitivos ou subjuntivos, ou com qualquer outra
alteração de figura ou de ordem, desde que não se acrescente nenhum novo

107
Rampini são ganchos e, por extensão, signos usados na época na técnica tipográfica.
325
Antologia do Renascimento

significado. Quanto às palavras, vem aqui o caso citado em cima, quando,


mesmo que um igual significado se expresse nas duas línguas com uma
palavra única e apropriada, uma dessas línguas pode expressá-lo e significá-
lo, se não com uma, pelo menos com duas ou mais palavras. E, nesse caso, ou
expressaremos com uma palavra o que tivermos achado expresso com mais
palavras agrupadas, o que acontece muito raramente traduzindo do grego para
o nosso vulgar, ou, ao contrário, expressaremos com mais palavras agrupadas
o que fora expresso com uma só, o que ocorre freqüentemente na tradução do
grego para o vulgar. E, fazendo assim, não acontecerá de fecharmos com o
citado rampino as palavras que se colocam a mais e que se unem para
significar uma só, porque elas não trazem significados novos mas estão no
lugar de uma só e no significado de uma só, e portanto não podem ser
consideradas acréscimos ou inovações do tradutor, como eu facilmente
poderia exemplificar, bem como de todos os outros casos supracitados, se eu
não temesse assim de sair dos limites das epístolas e adentrar aqueles de um
tratado ou de um livro. E essa atenção me impede também de indicar outros
preceitos e regras sobre o modo de traduzir, e me induz talvez a fazê-lo em
alguma outra ocasião em algum outro lugar.
Agora, para voltar ao nosso propósito, tendo eu terminado a tradução
dessa Poética de Aristóteles, respeitando o máximo que pude as regras citadas
e outras semelhantes, assim como pouco antes tinha concluído as minhas
Anotações sobre ela, como sabem muitos amigos meus que já as tinham visto,
resolvi enviar a vossas mãos (discretíssimos leitores) o primeiro e o segundo
trabalho juntos, esperando (se não me engano) não ter trabalhado inutilmente.
Agora só me resta rogar-vos ainda essa vez o que já vos roguei outras vezes,
e, pelo que chegou aos meus ouvidos, não inutilmente; ou seja, que nesses
presentes que vos faço, percebais não arrogância ou ambição de minha parte,
da qual a forma e o modelo da minha vida passada pode mostrar quanto eu
sempre fiquei distante, mas antes uma apaixonada disposição de ânimo para
ser benefício aos outros, ou pelo menos para querer sê-lo. E como eu não
considero jamais que entre vós haja pessoa que seja maligna, confio que vós
como recompensa dessa minha carinhosa vontade sejais sempre meus
defensores contra quem só se diverte em desaprovar e malignar. Deus nosso
Senhor vos conceda constantemente toda a felicidade.

326
Antologia do Renascimento

Tradução:108

Tommaso Raso
tommaso.raso@gmail.com

108
Advertência: sententia, sentimento, locution e ligature foram traduzidos sempre respectivamente como
sentido, intenção, locução e ligações; membri pendenti foi traduzido como subordinadas. Como significado
se traduziram vários termos menos usados no texto, mas pertencentes à mesma área semântica de sententia e
sentimento.
327
Antologia do Renascimento

A i lettori (1571)

Alessandro Piccolomini a i lettori.


Non sarà forse fuor di proposito (discreti e benigni lettori) che, avendo io
tradotto in nostra lingua la Poetica d’Aristotele e commentatola alquanto per
modo d’annotationi, dell’una e dell’altra impresa insieme io più brevemente
ch’io posso ragioni alquanto. Io sono stato sempre di parere che a coloro i
quali, trovandosi e per ingegno e per dottrina bene instrutti in qualch’arte o
scientia, si voglion porre a scrivere o a trattar d’essa, sia cosa men difficile e
più sicura l’andar per li campi di quella in ogni parte discorrendo liberi da
ogni altro obligo che da quello ch’ella stessa ne porti seco, che per il contrario
voler in ciò obligarsi ancor a quello che qualche scrittore quanto si voglia
famoso n’avesse trattato innanzi. Perché se ben può parere nel primo aspetto
che più sicura cosa sia l’avere (scrivendo) chi ne faccia la scorta innanzi, non
per altro solendosi prender in caminar le guide che per andar sicuro e per non
errar la strada, come si vede nel guidar che si fanno i ciechi, nientedimanco,
se più adentro si considera la cosa, troveremo che, per supporre il voler guida
ignorantia e difetto nel guidato, tolto via tal difetto, molto più francamente si
caminerà e meglio a fine si condurrà il viaggio, come si vede che chi non ha
difetto di cecità più sicuro e più franco camina che non fa il cieco con la sua
guida. Onde sì come molto meglio l’uomo la strada per cui sia abituato di
caminare vede coi proprii occhii stessi, che non fa quando abbandonando
quasi se stesso si lascia tutto alla scorta degli occhii altrui, così parimente chi
sarà abituato in qualch’arte o scientia molto meglio la scorgerà e caminerà per
essa con la luce stessa del proprio intelletto suo, che non farà con voler porre i
piedi solamente nelle pedate di colui che tolto si sarà per guida. Oltraché non
si può dir che manchi di guida colui che per li domestichi campi di qualche
facultà discorri, avendo egli sempre dinanzi a gli occhii della mente sua quella
facultà stessa che gli fa scorta e dalle buone strade deviar non lo lascia. Tanto
adunque si può stimar più facil cosa il trattar da se stesso qualche scientia a
chi n’abbia l’abito, che l’obligarsi a seguir totalmente altro scrittore che
n’abbia trattato prima, quanto che dentro a men ampi et a più angusti confini è
racchiuso questo che non è quello. Ma perché rarissimi in ogni età sono stati
quegli c’abbian potuto con la sola luce dell’intelletto proprio, senz’obligarsi
all’altrui pedate, scorrere per il campo di qual si voglia arte o scientia, da qui
è che degni di riprensione non s’hanno da stimar coloro che, non conoscendo
se stessi tali che ciò possin fare, s’eleggono qualche guida che faccia loro
scorta, pur che facciano109 l’elettione in modo che non prendin per guida

109
facciano no texto é provável erro de impressão, já que na edição de 1572 aparece faccia.
328
Antologia do Renascimento

alcuno che in molte difficultà ponendogli finalmente seco precipitar gli faccia.
Perlaqualcosa io che nel numero di quegli mi son conosciuto sempre, et or più
che mai mi conosco, li quali han da guardarsi di non entrare (scrivendo)
dentro a i confini delle scientie senza qualcuno che gli guidi, mi sono sforzato
almeno di eleggermi scorte tali che, se non da tutti gli intoppi, il che credo io
ch’ad uom mortale non sia possibile, almen dai maggiori precipitii, sicuro
m’avesser fatto. Et questi sono stati nell’astrologia Tolommeo, e nella
filosofia naturale e nella morale e nella dialettica parimente e nella retorica e
nella poetica Aristotele stesso, a cui non si sa fin oggi ch’alcuno in tai facultà
abbia posto mai piedi innanzi. Et perché varii modi si truovano in uso
d’osservare e di seguire (scrivendo) un autore, com’a dire traducendo,
commentando o vero sponendo, annotando, parafrizando e compendiando, io,
se ben son andato per cotai modi variando negli scritti miei, mentre che ora
con puri commenti, or con annotationi, or con epitomi e compendii, e molto
spesso con parafrasi ho trattato diverse materie, come voi stessi potete aver
veduto, nondimeno non son io mai stato in cose appartenenti a qualch’arte o
scientia molto amico di tradurre, non avendo, doppo che nella mia prima
giovinezza tradussi l’Economica di Senofonte et Alessandro Afrodiseo sopra
la Meteura d’Aristotele, tradotto altra cosa mai, salvo che due anni sono, o
poco più, la Retorica d’Aristotele, per le ragioni che e quivi et ancor nella
parafrase che io le ho fatto sopra potete dall’Epistola che con tali opere vi ho
indrizzato chiaramente aver voi medesimi conosciuto. Et a schivar questa
impresa delle traduttioni più cagioni mi hanno indotto. L’una è stata la
difficultà che in così fatta operatione maggior si truova, secondo ‘l giuditio
mio, che in alcuna dell’altre dette. Conciosiacosaché in tutti gli altri modi
d’obligarsi, scrivendo, a seguir uno autore da altro obligo non sia stretto e
ligato l’uomo che dal non allontanarsi dall’opinion di quello, dove che chi
traduce s’astrigne e s’obliga al mantenimento et al salvamento non solo delle
opinioni altrui ma delle parole ancora. Di poi, a coloro che annotano o
commentano o parafrizano o compendiando scrivono, se ben facendo questo
in altra lingua, fa loro di bisogno di possedere essattamente la lingua dello
scrittore che seguono; tuttavia, quanto alla lingua nella quale scrivono, non è
necessario di possederla così minutamente al vivo com’è necessario al
traduttore, posciaché, per non allontanarsi dall’opinion di colui che noi
seguitiamo, basta che ciò faciamo in quel modo di distendere e di raccogliere
e chiuder i periodi che noi sappiamo, qual si voglia che cotal modo sia. Ma
nel tradurre non basta questo: anzi ci fa di mestieri d’esser così minutamente
instrutti nella lingua nella qual traduciamo e d’esserne così padroni che, nella
guisa che tenendo alquanta di cera in mano potiamo con le dita
maneggiandola trasmutarla or in quadrata or in rotonda et or in piramidal
figura et in qual si voglia altra che più ci aggrada, così parimente sappiamo
così ben maneggiare e trattare la detta lingua che, non ci riuscendo di potere o
329
Antologia do Renascimento

con questa forma di dire o con quella esprimer a punto periodo per periodo e
la sententia e le parole che s’han da tradurre, andiamo or con gerundii or con
membri pendenti or con raccoglier meglio i periodi or con disciorgli et or in
un modo et or in un altro tante forme e modi di locution cangiando et
esperimentando che alcuna ne troviamo che possa commodamente quadrare a
far l’effetto che desideriamo; il che (com’ho detto) senz’una domestichissima
familiarità della lingua in cui si traduce non si può fare. A queste cause
s’aggiugne il pericolo di maggior riprensione ogni volta che dall’autor sia
diversa o punto differente la sententia nostra. Imperoché se, o commentando o
parafrizando o altro modo tenendo di scrivere che non sia traduttione, ci
accasca d’errare in non convenir con la mente dell’autore, perché in tai modi
seguiamo sempre di parlar in persona nostra, veniamo di porre noi soli in
pericolo di riprension di difetto che sia più tosto nostro che d’altri o
d’ignorantia o di poca fede ch’egli si sia, dove che, vestendoci noi nel tradurre
la persona dell’autore et in persona di lui e con le parole sue parlando,
veniamo per questo in ogni errore che facciamo in dir quello ch’egli non dice
a porre non tanto noi quanto l’autore stesso in pericolo d’esser ripreso e per
conseguente a noi stessi rechiamo addosso difetto di falsarii che più
vituperoso difetto non so che possa venir all’uomo. Oltra di questo, a
distogliermi dal tradurre si è aggiunto il vedere che, tra coloro che si son posti
a questa impresa di portar d’una lingua ad una altra materie scientifiche e
dottrinali, non solamente quegli che, o poco periti di tai materie o poco
padroni e possessori dell’una o dell’altra delle due lingue o veramente
d’ammendue, han più tosto in ciò perduto il tempo che gli abbian fatto opra
degna d’esser letta (il che110 di questi tali veramente non è maraviglia), ma di
quegli ancora li quali, e periti di quelle facultà e ben instrutti di quelle lingue
sono stati giudicati communemente, rarissimi nondimeno sono stati a i quali
sian111 riuscite così fatte imprese felicemente. Percioché fra più difficili leggi
alle quali è obligata la traduttione (come diremo poco di sotto) una molto
principale è quella che obliga non solo a conservar con gran fedeltà
sincerissima la sententia dell’autore, ma ancor a salvar quanto più si possa le
parole sue e la locutione e le ligature e’ modi di quella, dimanieraché, se
possibil fusse, non bisognerebbe altrimenti distendere, ordinare e chiudere li
periodi e le membra d’essi che dall’autore distesi, ordinati e chiusi sono, né
maggiore o minor numero di parole porvi di quelle che vi si truovano poste.
Ma perché la diversità delle lingue, fra le quali non men d’ordine, di struttura,
di figure e modi di dire che di suono di parole e d’abbondantia o di mancanza
d’esse nei lor significati grandissima diversità si truova, non comporta in assai
spessi luoghi l’osservantia detta, di qui è che così fatti luoghi grandissimo
110
Ilche, com univerbação, no original está em contradição com os critérios seguidos em outros pontos e
com a forma da edição de 1572.
111
Siam no texto é provável erro de impressão; em 1572 aparece sian.
330
Antologia do Renascimento

giuditio et artifitio ricercano nella traduttione, accioché o nell’aggiugnere o


nel diminuir parole, ponendone alle volte due o più in luogo d’una et alle
volte una in luogo di più, o ver nell’alterar la testura, con divider i periodi o i
membri d’essi o con unir i divisi o con qual si voglia altra maniera
d’alteratione o di nuovo intessimento et ordine, secondo che la sola proprietà
delle lingue e conseguentemente la sola necessità ne sforza, non si vada o
confondendo le locutioni o corrompendo le sententie o oscurando li sensi in
modo che o cosa poco fedelmente si ponga in mano a i lettori che sia altra e
diversa da quello che col nome di traduttione si promette loro o la si ponga in
man loro in modo che fatta più oscura o più confusa divenga loro inutile e
vana e senza frutto alcuno. Là onde, tra tante difficultà, non è maraviglia che,
fra i traduttori che o di greca lingua in latina e di latina in nostra volgare si
son posti fin oggi a tradur cose a facultà scientifiche appartenenti di cui essi
veramente dotti e periti siano, rarissimi nondimeno siano stati che a quel
segno, che tacitamente con l’impresa del tradurre promettono, arrivati siano.
Peroché alcuni di loro, mentre che gli occhii tengon più presto alla sola
sententia che alle parole, delle quali alcuna volta poca cura prendono, e spesse
volte ancora la stessa sententia alla propria lor opinione cercan d’accomodare
e quasi tirar a forza con aggiungnervi spesso parole loro e tal volta membri e
periodi anche intieri senza che la propria conditione delle lingue a ciò gli
sforzi, vengono in far questo a mostrarsi più tosto spositori o parafrizatori che
traduttori et a discoprir più tosto la persona propria che quella dell’autore.
Alcuni altri per il contrario poi, senza procurare come far doverebbero
principalmente la sententia et il sentimento, vanno di parola in parola e di
minima particella in particella cercando di recarne a punto tante quante ve ne
truovano e, guardandosi come se le avesser prese a conto di non defraudar in
restituirle nel numero, vengono a produrre una sorte di locutione confusa,
insipida e, quel ch’è peggio, per la maggior parte inintelligibile, come quelli
che, non conoscendo la diversità delle strutture, delle figure e dei modi di dire
che portan seco le varie lingue, e le diverse rispondentie c’hanno spesso le
parole dell’una con quelle dell’altra nei lor significati, stanno ostinati in non
voler punto acconsentire a mutation alcuna e per conseguente è forza che, o
parole nuove formandosi a quei significati che per anco non han parole si
faccian nascere in molti luoghi barbarismi, o che parole d’un significato ad un
altro applicandosi si cada nel precipitio dell’equivocatione, o che finalmente,
volendosi far forza alle strutture et a i modi di dire con torgli dalla lingua a
cui son proprii e dargli a quelle che non gli ha per suoi, si renda la locutione
oscura, intrigata e spesse volte falsa, e, quello che (com’ho detto) è peggio,
difficile a trarne il senso.

331
Antologia do Renascimento

Queste, adunque, et altre ancora ch’io taccio son le cagioni dalle quali mi
son lasciato facilmente dissuadere dal por mane voluntieri alle traduttioni. Ma
per qual cagione io abbia a questa volta, contra la detta mia inclination
d’animo e risolutione antica, fatto questa traduttione della Poetica
d’Aristotele ch’io vi dono al presente, portata dalla lingua greca nella qual
nacque a questa nostra natia (benigni lettori), vi dirò brevemente. Io, già molti
anni sono, ho avuto desiderio di scrivere qualche cosa in lingua nostra sopra
questo libro che ci è restato della Poetica d’Aristotele, per essermi sempre
paruto tale che fusse stato bene speso ogni studio et ogni fatica che ci si fusse
fatta sopra. Ma, vedendo io discoprir tuttavia uomini dotti l’un doppo l’altro
che con lor giuditiosi commenti gran lume chi ad alcuni difficili passi di quel
libro e chi ad alcuni altri davano, e spezialmente il Maggio e il Vittorio, che
con la dottrina e con l’ingegno loro molti luoghi, e con giuditiosa corretion di
testi e con acute dilucidationi di sensi, hanno (per dir il vero) recato quasi da
morte a vita, stava io differendo e prolungando la disegnata impresa con la
credentia ch’io aveva che, seguendo come cominciato aveano di discoprirsi
altri uomini dotti in aiuto della chiarezza di questo libro, avesse egli
finalmente tosto, senza mia fatica alcuna, da ricever quella perfettione per
tutti i passi e luoghi suoi ch’in buona parte d’essi (com’ho detto) ricevuto
aveva. Ma, vedendo essersi per alquanti anni già ferma quella aparita e
scoperta ch’ogni dì faceva di nuovi spositori, o sentendomi in tanto assalir
ormai assai gagliardamente dagli anni della vecchiezza, mi risolvei di dar
effetto al già conceputo mio disegno, per quelle parti almeno di questo libro
alle quali non mi pareva che dagli altri fusse stata fin ora data quella chiarezza
e quella fedel intelligentia che si converrebbe. Onde in questa cosa sola ho io
alterato il disegno di prima, che dove ch’io aveva da principio fatto pensiero
di far commento in questa poetica per via di spositione, senza lasciar luogo
ch’io non toccassi, mi son poi risoluto di farlo per via d’annotationi.
Percioché, avendo li detti spositori chi in un luogo e chi in un altro e
spetialmente in molti luoghi il Vittorio e ‘l Maggio detto quasi quello stesso
ch’io mi stimo che si dovesse dire, ho giudicato che soverchia e forse
arrogante sarebbe paruta la fatica ch’io avessi presa in di quelle cose nelle
quali io poco più o manco convenissi con essi loro, potendole ciascuno
appresso di lor vedere. Son io dunque andato in trascorrer con annotationi
tutto ‘l detto libro, quei passi e luoghi più succintamente trapassando e alcuni
totalmente non toccando nei quali ho stimato che gli altri abbian
commodamente detto e per il contrario più lungamente mi son distesso in
quelli dove, o cosa non tocca dagli altri ho detto (e questo è avvenuto in molti
luoghi), o dall’altrui opinioni con oppormi loro mi son partito, e questo
parimente è avvenuto spesso, et in far ciò ho seguito la divisione c’ha fatto del
testo in particelle il Maggio, parendomi che, se ben alcune poche volte tal
divisione non quadri bene alla continuatione delle materie, nondimeno per il
332
Antologia do Renascimento

più sia stato questo partimento il più comportabile ch’alcun degli altri
c’abbian fatto i commentatori. Or, perché molto frequentemente m’occorriva,
annotando, servirmi delle parole del testo e d’usarle in varii propositi, e
parendomi che annotando io in lingua nostra molto più commodo mi venisse
il servirmi parimente di quelle nella nostra lingua che nella greca, e
medesimamente maggior chiarezza dovesse venirne a voi lettori, stimai non
solo esser ben fatto ma essermi anche quasi necessario d’aver quel libro in
questa lingua, e per questo, traducendolo, le lo portai con la medesima
division del testo in particelle, et a persuadermi a questo qualche momento
aggiunse ancor il vedere che fin oggi non fusse ancora stato dato così nobil
libro alla lingua latina o alla nostra volgare in maniera che, secondo le leggi
del tradurre, alla greca totalmente rispondesse, posciaché, di coloro che l’han
tradotto, alcuni, o allargando o sponendo o del proprio loro aggiugnendo,
fedelissimi non son stati, et altri per il contrario, mentre che le stesse parole
ad una ad una e lo stesso ordine e lo stesso connettimento hanno
puntualmente mantener voluto, han fabricato finalmente una locution confusa,
scabrosa et in moltissimi luoghi lasciata, al mio giuditio, inintelligibile. In
che, se meglio o peggio abbia in questa mia traduttione fatto io, lascio al
vostro giuditio l’arbitrio di determinarlo. Questo112 so io bene, ch’io non ho
risparmiato fatica alcuna in cercar d’osservar quelle leggi ch’io abbia pensato
che sian necessarie ad osservarsi da coloro che traducono. Delle quali, poi
ch’io sono in questo proposito, non voglio mancar di manifestar brevemente
in qualche parte quello ch’io n’abbia raccolto da diversi buoni autori. Pare
adunque che convenghino in questo, che non consentendosi altro negli altrui
scritti, se non la sententia, o vogliam dire sentimento, et la locutione, fa di
mestieri ch’alla salvezza di queste due cose tenghino l’occhio coloro che da
una lingua all’altra gli portano et gli traducono. Et quanto a i sentimenti et
concetti, perché in tutte le lingue i medesimi intieramente trovare et salvar si
possono et in essi consiste la sostantia degli scritti, essendo trovate le parole
per li sentimenti et non questi per quelle, fa di bisogno che la salvezza loro si
conservi sempre schietta, incorrotta, inviolata et non punto alterata mai,
conciosiaché, se punto s’alterasse, si verrebbe a scriver cose proprie et non
d’altri, e quel ch’è peggio si verrebbe a incorrer nel vitio di falsario,
com’accennai di sopra facendo dir agli altri quel che non dicono. Quanto alla
locution poi, la qual consiste et nelle parole et nella struttura et legatura
d’esse, perché le diverse lingue portan seco in molte parti loro diverse
proprietà, così nelle strutture, altrimenti legando i periodi et le parole l’una
che non fa l’altra, com’ancora nei significati delle parole, non avendo tutte le
lingue per le medesime significationi parole appropriate, ne segue che, per

112
questo com inicial minúscula; isso deveria permitir de considerá-lo como continuação do período
anterior. Mas o sentido e a lição da edição de 1572 me induzem a considerar o ponto como final de período.
333
Antologia do Renascimento

esprimere et mantener bene li sentimenti, sia forzato alle volte il traduttore a


non conservar puntualmente nella lingua in cui traduce quella medesima
locutione, né quanto al numero et all’ordin delle parole né quanto alla legatura
d’esse, che nella lingua giace donde si traduce. Ma bisogna ben
diligentemente avvertire et conoscer quando la proprietà delle lingue ne sforzi
a farlo et quando a ciò non rechi forza alcuna, posciaché, sì come la necessità
non solo scusa il variar traducendo la locutione ma ancor lo ricerca, così per il
contrario non solo non è scusabile ma è riprensibile il farlo quando si può far
di manco, essendo cosa convenevole che, ogni volta che far si possa, non si
parti il traduttore non solo dai sentimenti ma né dalle stesse parole né dalla
stessa loro struttura ancora. Percioché, chi potendo far di meno lascia
l’integrità della locutione o moltiplicando o variando parole o altrimenti
legandole, quantunque egli conservi la sententia e ‘l sentimento, nondimeno
più tosto spositione o parafrase si potrà dire ch’ei faccia che pura traduttione.
Debbe dunque il traduttor tant’oltre a punto assicurarsi in variar la locutione
quanto le varie proprietà delle lingue in necessità l’adducono. Et questo in due
casi può occorrere: l’uno è quando noi non potiamo nella lingua in cui
traduciamo trovar parole che a quelle della lingua da cui si traduce rispondino
nei significati, non solo una ad una ma né due o più al significato d’una; o
ver, quando non potiamo, nel tessere, ordinare et legar le parole insieme,
trovar un ordine et una testura tale che possa ben mostrare et scoprir il
sentimento; nel qual caso, per non far la traduttione inutile, come si farebbe se
il sentimento non apparisse, è forza che qualche parola o una o più di nostro
vi aggiugniamo che aiuto et lume rechi all’intelligentia del sentimento. Et
questo solamente quando, o dalle cose che precedono o da quelle che
seguono, si può tener per certo che quel sia veramente il sentimento dello
scrittore; questo dico perché, quando di ciò si potesse star in dubio, non
sarebbe quella nostra aggiunta senza pericolo d’esser tenuta più tosto
spositione che traduttione. Nel detto caso adunque, et non altrimenti, si deon
conceder così fatte aggiunte; et accioché si possin per aggiunte conoscere et
distinguer dalle stesse parole dello scrittore, si debbon con qualche nota
segnare, com’a dir con quelle che gli stampatori domandan rampini. Nell’altro
caso poi può occorrer la necessità di far nelle locutione qualche variation,
traducendo, et rispetto alle parole et rispetto all’ordine et alla testura d’esse;
quando quanto alla testura, se ben nell’espression di qualche sentimento la
proprietà della lingua in cui si traduce non comporta in qualche periodo quel
medesimo ordine et quella medesima compositione et legatura che nella
lingua si truova donde si traduce, comporta ella nondimeno che,
senz’aggiugnervi o periodo o membro alcuno, si possa, o con unione o con
rottura dei periodi, facendone o d’uno più o di più uno, con transmutation di
gerundii et di participii o ver di verbi et modi infinitivi o soggiuntivi o con
altra qual si voglia alteratione et cambiamento di figura o d’ordine, pur che
334
Antologia do Renascimento

cosa di nuovo significata non vi si aggiunga, si viene ad aprire in una lingua


quello stesso legittimo sentimento che nell’altra si contiene. Quanto poi alle
parole, allora avviene il detto di sopra caso, quando, se ben uno stesso
significato non ha nell’una o nell’altra lingua una sola parola appropriata, può
nondimeno l’una d’esse lingue esprimerlo et significarlo, se non con una,
almen con due o con più parole. Et in tal caso o con una parola esprimeremo
quello che troveremo espresso con più parole copulate insieme, il che nel
tradurre di greco in nostro volgare molto di rado accasca, overo per il
contrario con più parole copulate esprimeremo l’espresso con una sola, il che
nella detta traduttione di greco in volgare assai sovente occorre. Et ciò
facendosi, non accade di chiuder col segno del già detto rampino le parole che
più d’una si pongono et si copulano in luogo d’una, posciaché, non recando
elle nuovi significati ma stando in luogo d’una et per il significato d’una, non
si posson domandar aggiunte o di proprio suo recate dal traduttore, come
agevolmente potrei di ciò addurre et formar essempi, sì com’ancora di tutti gli
altri casi di sopra detti, s’io non temessi d’uscir troppo fuor dei confini
dell’epistole et di trapassar dentro a quei dei trattati et dei libri stessi. Il qual
rispetto mi ritien parimente dall’assegnatione d’altri precetti et regole
appartenenti al modo del tradurre et fa ch’io mi riserbi a farlo forse con
qualche occasione in qualche altro luogo.
Or, per tornar a proposito, avendo io, con osservar più che io ho potuto le
già dette di sopra et altre somiglianti regole, dato termine alla traduttione di
questa Poetica d’Aristotele, sì come poco innanzi avevo dato fine alle mie
Annotationi in essa, com’a molti miei amici è manifesto, che avevan prima
veduto il tutto, mi son risoluto di mandar fuora nelle vostre mani
(discretissimi Lettori) l’una et l’altra fatica insieme, sperando di non essermi
in tutto (s’io non m’inganno) affatigato indarno. Restami ora che di quello di
che io v’ho pregato altre volte, et per quello ch’all’orecchia mi è venuto non
indarno, vi preghi ancora questa volta; cioè che in questi doni ch’io vi fo
conosciate non arrogantia o ambition in me, dalla quale quanto io sia stato
sempre lontano la forma e ‘l modello della passata mia vita ne può far fede,
ma più tosto una sviscerata prontezza d’animo ch’io tengo di far beneficio
altrui o almeno di volerlo fare. Et perché tra voi non connumero io già mai
persona che maligna sia, confido che voi in ricompensa di questa mia
affettuosa volontà mi difenderete sempre da chi solo si diletti di biasmare et di
malignare. Dio nostro Signore vi doni continuamente ogni felicità.

335
Antologia do Renascimento

Fonte:113 Alessandro Piccolomini. Il libro della Poetica d’Aristotele.


Tradotto di Greca lingua in volgare, da M. Alessandro Piccolomini;
con una sua epistola ai Lettori del modo del tradurre. Siena, 1571.

113
Critérios de transcrição interpretativa: 1. as intervenções diferentes daquelas indicadas aqui são
sinalizadas nas notas; 2. a divisão e a numeração dos parágrafos progride de acordo com os períodos
terminantes em ponto e seguidos por maiúscula no original; 3. a pontuação, as maiúsculas, os acentos e os
apostrofes são adequadas ao uso moderno; 4. mantém-se a divisão das palavras do original; 5. são
eliminadas as h etimológicas e paretimológicas não conservadas no uso moderno; 6. o titulus é indicado com
et antes de vogal e com e antes de consoante; 6. transcreve-se com ss o signo β; 7. transcreve-se com v o u
com valor de consoante, e com u o v com valor de vogal; 8. transcreve-se o j com i; 8. são explicitadas todas
as abreviaturas, exceto m por messere; 9. mantém-se a grafia ti antes de vogal.
A transcrição crítica foi feita por Tommaso Raso.
336
Antologia do Renascimento

George Chapman
(ca.1559-1634)

GEORGE CHAPMAN, escritor de poesias, comédias e dramas, erudito


clássico e tradutor de Hesíodo (séc. VIII-VII), Juvenal (ca. 55-138), Petrarca
(1303-1374), entre outros; imortalizou-se como tradutor de Homero (séc.
VIII?), cujas traslações representaram por muito tempo a versão inglesa
estândar do poeta grego, sendo também a Ilíada chapmaniana a primeira
tradução completa em verso realizada em qualquer língua moderna. O poema
To the reader foi publicado em 1598 e reeditado junto a The preface to the
reader em 1611. O pensamento tradutológico de Chapman é o do “bom juízo”
(judgment), ou seja, o tradutor, para produzir uma tradução correta, não deve
ser literal, no sentido de realizar uma mera transposição de elementos formais,
nem tão livre que não mais se reconheça no texto traduzido seu autor
primeiro. Os princípios fundamentais de seu pensamento são uma paráfrase
daqueles ciceronianos em De optimo genere oratorum (Sobre o melhor
gênero de oradores). Opondo-se à tradução literal (word for word), Chapman
advoga por uma prática tradutória que recobre o espírito da obra original, com
todos seus valores formais e de conteúdo, estilísticos e expressivos. A
tradução literária é um procedimento lingüístico essencialmente elocutivo. A
poeticidade de uma obra é indissociável da língua na qual é gerada, e a
literalidade mata tanto o sentido como a forma, mesmo com todo o emprego
de esforços e engenho dos melhores tradutores. Somente o “bom juízo”
(judgment), a sensatez (judicial), a criatividade do tradutor podem produzir
uma poeticidade correspondente ao original. É fundamental que a tradução
seja direta – a partir do texto original – e que a obra primeira se reflita na
tradução, tanto o sentido como a forma, respeitando a proprietas de cada
língua e criando na língua da tradução um texto literário que lhe seja
adequado.

PAULO HENRIQUES BRITTO (phbritto@hotmail.com) nasceu no Rio de


Janeiro em 1951. É tradutor e professor de tradução e criação literária na
PUC-Rio. Organizou e traduziu antologias poéticas de Wallace Stevens
(Companhia das Letras, 1987) e Elizabeth Bishop (Companhia das Letras,
2001), além de traduzir Cartas de aniversário de Ted Hughes (Record, 1999)
e Beppo de Byron (1989; edição revista, 2003). Entre suas traduções de prosa
mais recentes destacam-se O som e a fúria de William Faulkner (Cosac &
Naify, 2004) e O complô contra a América de Philip Roth (Companhia das
Letras, 2005). Publicou quatro livros de poesia - Liturgia da matéria
337
Antologia do Renascimento

(Civilização Brasileira, 1982), Mínima lírica (Duas Cidades, 1989), Trovar


claro (Companhia das Letras, 1997) e Macau (Companhia das Letras, 2003,
Prêmio Portugal Telecom de 2004) - e um de contos - Paraísos artificiais
(Companhia das Letras, 2004).

338
Antologia do Renascimento

Poema ao leitor & Prefácio ao leitor (excertos)

[...]
É fácil cumular de louvamentos
Homens de outrora, em saber superiores,
Mas se Virtude dispensa ornamentos,
Omitirei adicionais louvores;
Que Homero seja amado é o que desejo,
E motivos não faltam para amá-lo,
O que ao traduzi-lo tive ensejo
De provar. Mas não busco demonstrá-lo
Recorrendo ao juízo dos leitores,
Pois costume muitas vezes levou
Os mais doutos a cometer errores
Em versões; muita tinta se gastou
Vertendo verbo por verbo, um ofício
Inútil, como semear na areia,
Cruzar camelo com peixe, difícil
Como impor nossa fala a boca alheia.
Grego e inglês têm tanta discrepância
Na fala qual na escrita; igualmente
Em cada língua sentido e elegância
Provêm de sua natura diferente;
Assim, discernimento é mister
Para fazer das duas, cousa igual
Em sentido e elocução, e entender
O espírito que há no original,
Sua gramática e etimologia.
Porém há muito sábio que confesse:
Versejar em inglês não saberia
Porque o inglês (sua língua) carece
Do nobre e alto, é uma fala rude;
Mas em latim ou grego, os mananciais
Da Poesia, é rara sua virtude,
Embora delas saiba pouco mais
Que nada, enquanto a sua é que domina;
Tais tradutores não logram captar
Da outra língua a alma cristalina,
E assim tudo o que fazem é arrancar

339
Antologia do Renascimento

Palavra após palavra, e tão factício


É seu produto, que se perde o gosto
De seu falar nativo no artifício,
E se distorce do autor o rosto;
E no entanto me inspira igual horror
Quem se arroga mor grau de liberdade
Do que permite o sentido do autor;
E se julgais que por necessidade
Tortuosas perífrases perpetro,
Lede Valla e Hessus, que em verso e prosa
O trazem ao latim; olhai o metro
Do toscano de Messines; e a glosa
Que Salel redigiu em bom francês;
Agem assim porque têm de fazê-lo;
E minha tradução, então vereis,
Menos abusa, e com mui mais zelo
Se apega a quem mesmo os comentadores
Mais doutos muita vez ousam trair.
[...]

[...] E muito menos peso dou às detrações de alguns parvos ignorantes, os


quais, conhecendo de mim apenas o que convém a seus propósitos bestiais, e
tendo eu (até onde sei) jamais tido o infortúnio de ser por eles visto, pelas
minhas costas cochicham vitupérios sobre a minha tradução, acusando-a de
partir do francês, quando tanto no francês quanto em qualquer outro idioma
que não o seu próprio nosso Poeta, embora dotado de todos os talentos, tão
pobre e insatisfatório parece, que ninguém logra compreender o motivo de
tamanha eminência e admiração. E assim (bastando que qualquer criatura
razoável examine meus pobres comentário e versão) poder-se-á determinar o
quanto eu as evito, e se tomo por norma ou não o texto original. Quem o fizer
facilmente há de perceber que compreendo as compreensões de todos os
outros intérpretes e comentadores nos lugares de maior profundidade,
importância e sublimidade. E se na exposição e ilustração de tais recuo do
sentido que outros dele arrancam à força, que meu melhor detrator julgue a
margem que me dá a palavra grega. Quanto à arraia-miúda, que se espetem
nos anzóis de seu próprio rancor estulto, pois que contam tanto quanto latidos
de cãezinhos, peidos mais que latidos, vis demais para merecer sequer pensar
no sagrado Homero, ou pisar com pés profanos a léguas de distância de seus
portais. Se aqui ou ali tiver eu falhado, que minha atuação no todo me redima;
pois que a pressão de necessidades outras me apressou. Pois tal como protesto
na minha conclusão, o mesmo faço neste umbral: menos de quinze semanas
foi o tempo de que dispus para verter os últimos doze livros em sua íntegra, a
340
Antologia do Renascimento

partir do nada. [...] E a quem me criticar por ter abusado das perífrases e
circunlóquios em alguns lugares, que leia Laurêncio Valla, e Oebanus Hessus,
os quais ora abreviam o texto de tal modo a reduzi-lo a um mero resumo de
Homero, ora incidem no erro oposto, parafraseando dez vezes mais do que eu.
[...] E um único exemplo julgo necessário citar aqui, a fim de mostrar a meus
detratores que não têm eles razão de vilipendiar meus circunlóquios
ocasionais, quando os intérpretes de Homero cuja sapiência é por eles mais
louvada de modo geral o consideram passível de conversão. Porém até que
ponto dele me afasto, e com que autoridade, que julgue meu leitor imparcial e
judicioso. Sempre tendo em mente o quanto é pedante e absurda a pretensão
de traduzir qualquer autor (e, com mor razão ainda, Homero) palavra por
palavra, quando (segundo Horácio e os outros maiores legisladores do ofício
de tradutor) todo intérprete conhecedor e judicioso sabe mui bem que não
cabe seguir o número e a ordem das palavras, e sim as cousas materiais em si,
e pesar com cuidado as sentenças, e vesti-las e adorná-las com palavras, e
com o estilo e a forma de oratória os mais adequados para a língua para a qual
se faz a conversão. Se não o falseei em nenhum lugar (como todos seus outros
intérpretes fizeram em muitos, e na maioria dos mais importantes), se não
deixei para trás nada de seu julgamento, elegância, sublimidade, intenção e
engenho, se em alguns lugares (em particular na minha primeira edição, feita
já há tanto tempo, e seguindo o uso comum) parafraseio em demasia ou
mesmo erro, será justo afogar neste mísero defeito (se assim o quiserem) todo
o restante de meus trabalhos?

Tradução:

Paulo Henriques Britto


phbritto@hotmail.com

341
Antologia do Renascimento

Poem to the reader & Preface to the reader (1598) (extratos)

[…]
Volumes of like praise I could heap on this,
Of men more ancient and more learn’d than these,
But since true vertue enough lovely is
With her own beauties, all the suffrages
Of others I omit, and would more fain
That Homer for himself should be belov’d,
Who every sort of love-worth did contain.
Which how I have in my conversion prov’d
I must confess I hardly dare refer
To reading judgements, since, so generally,
Custom hath made even th’ablest agents err
In these translations; all so much apply
Their pains and cunnings word for word to render
Their patient authors, when they may as well
Make fish with fowl, camels with whales, engender,
Or their tongues’ speech in other mouths compell.
For, even as different a production
Ask Greek and English, since as they in sounds
And letters shun one form and unison;
So have their sense and elegancy bounds
In their distinguisht natures, and require
Only a judgement to make both consent
In sense and elocution; and aspire,
As well to reach the spirit that was spent
In his example, as with art to pierce
His grammar, and etymology of words.
But as great clerks can write no English verse,
Because (alas, great clerks!) English affords,
Say they, no height nor copy; a rude tongue,
Since tis their native; but in Greek or Latin
Their writs are rare, for thence true Poesy sprong;
Though them (truth know) they have but skill to chat in,
Compar’d with that they might say in their own;
Since thither th’ other’s full soul cannot make
The ample transmigration to be shown
In nature-loving Poesy; so the brake

342
Antologia do Renascimento

That those translators stick in, that affect


Their word-for-word traductions (where they lose
The free grace of their naturall dialect,
And shame their authors with a forced glose)
I laugh to see; and yet as much abhor
More license from the words than may express
Their full compression, and make clear the author;
Form whose truth, if you think my feet digress
Because I use needfull periphrases,
Read Valla, Hessus, that in Latin prose,
And verse, convert him; read the Messines
That into Tuscan turns him; and the glose
Grave Salel makes in French, as he translates;
Which, for th’ aforesaid reasons, all must do;
And see that my conversion much abates
The license they take, and more shows him too,
Whose right not all those great learn’d men have done,
In some main parts, that were his commentars.
[…]

[…] And much less I weigh the frontless detractions of some stupid
ignorants, that, no more knowing me than their own beastly ends, and I ever
(to my knowledge) blest from their sight, whisper behind me vilifyings of my
translation, out of the French affirming them, when both in French, and all
other languages but his own, our with-all-skill-enriched Poet is so poor and
unpleasing, that no man can discern from whence flowed his so generally
given eminence and admiration. And therefore (by any reasonable creature’s
conference on my slight comment and conversion) it will easily appear how I
shun them, and whether the original be my rule or not. In which he shall
easily see, I understand the understandings of all other interpreters and
commenters in places of his most depth, importance, and rapture. In whose
exposition and illustration, if I abhor from the sense that others wrest and
wrack out of him, let my best detractor examine how the Greek word warrants
me. For my other fresh fry let them fry in their foolish galls, nothing so much
weighed as the barkings of puppies, or foisting-hounds, too vile to think of
our sacred Homer, or set their profane feet within their lives’ length of his
thresholds. If I fail in something, let my full performance in other some
restore me; haste spurring me on with other necessities. For as at my
conclusion I protest, so here at my entrance, less than fifteen weeks was the
time in which all the last twelve books were entirely new translated. […] If
any tax me for too much periphrasis or circumlocution in some places, let
them read Laurentius Valla, and Eobanus Hessus, who either use such
343
Antologia do Renascimento

shortness as cometh nothing home to Homer, or, where they shun that fault,
are ten parts more paraphrastical than I. […] And this one example I thought
necessary to insert here, to show my detractors that they have no reason to
vilify my circumlocution sometimes, when their most appoved Grecians,
Homer’s interpreters, generally hold him fit to be converted. Yet how much I
differ, and with what authority, let my impartiall and judiciall reader judge.
Always conceiving how pedanticall and absurd an affectation it is in the
interpretation of any author (much more of Homer) to turn him word for
word, when (according to Horace and other best lawgivers to translators) it is
the part of every knowing and judiciall interpreter, not to follow the number
and order of words, but the materiall things themselves, and sentences to
weigh diligently, and to clothe and adorn them with words, and such a style
and form of oration, as are most apt for the language into which they are
converted. If I have not turned him in any place falsely (as all other his
interpreters have in many, and most of his chief places), if I have not left
behind me any of his sentence, elegancy, height, intention, and invention, if in
some few places (especially in my first edition, being done so long since, and
following the common tract) I be something paraphrasticall and faulty, is it
justice in that poor fault (if they will needs have it so) so drown all the rest of
my labour?

Fonte: Israel Gollanez (ed.), The Iliads of Homer according to the greek,
London, Ballantyne, Hanson and Co., 1901.

344
Antologia do Renascimento

Miguel de Cervantes Saavedra


(1547-1616)

MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA, o escritor espanhol por


excelência, publica sua obra-prima em dois momentos, a Primeira Parte em
1605 e a Segunda Parte em 1615. Na grande complexidade do sistema
narrativo de Don Quijote de la Mancha, devida aos vários jogos de vozes que
Cervantes desenvolve ao longo da história, deparamo-nos com uma autoria
polifônica: a do autor real e exterior ao relato, Cervantes, e outros fictícios,
um autor anônimo, manifestado nos capítulos I-VIII da primeira parte da
novela, o historiador árabe Cide Hamete Benengeli, possível primeiro autor
do Quijote, e o mouro, seu primeiro tradutor, responsáveis pela maior parte da
novela, além dos acadêmicos de Argamasilla, autores de vários poemas. É
esta ficcionalidade do Quijote como segunda versão e a série de referências à
tradução que interessam aos estudos sobre a concepção de tradução de
Cervantes. Das entrelinhas dos vários comentários cervantinos sobre tradução,
podem-se inferir muitos dados relativos à realidade material e ao produto da
prática da tradução na Espanha do período. Mas dentre todas as referências, a
mais famosa é a metáfora dos tapetes, na qual a tradução é comparada à visão
de tapetes flamencos ao revés. A figura utilizada por Cervantes, segundo
investigadores, não seria do autor do Quijote, mas procederia de Temístocles
(525-460) (in Plutarco (46-120), Vidas paralelas, “Temístocles”, §29). No
entanto, Cervantes lhe confere distintas possibilidades de interpretação.
Considerando que o próprio Don Quijote é uma tradução castelhana feita por
um mouro a partir do árabe, estaríamos, segundo o Quijote, vendo suas
aventuras ao revés, cheias de fios que as obscurecem. Através desta metáfora,
Cervantes adverte para o complexo processo da tradução, no qual intervêm
muitos fatores, para o trabalho material da escritura subjacente à composição
do texto traduzido. E resume seu ideal de tradução na última frase do
parágrafo: “felizmente ponen en duda cuál es la tradución o cuál el original”.

WALTER CARLOS COSTA (walter.costa@gmail.com) é professor de


literatura espanhola e hispano-americana do Curso de Espanhol do
Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da UFSC e atua nas pós-
graduações de Literatura e em Estudos da Tradução, onde ensina teoria
literária e teoria, crítica e história da tradução. Doutor em Inglês pela
University of Birmingham, Inglaterra, com tese sobre as traduções de Jorge
Luis Borges publicadas nos Estados Unidos e no Reino Unido, tem publicado
regularmente artigos sobre literatura e tradução. Traduziu romance, poesia e
ensaio do holandês, inglês, francês e espanhol. É pesquisador do CNPq.
345
Antologia do Renascimento

Dom Quixote (excertos)

I, 6

Abriu-se outro livro e viram que tinha por título El caballero de la cruz [O
cavaleiro da cruz].
- Por ter um nome tão santo, se poderia perdoar a ignorância deste livro; mas
também se costuma dizer “atrás da cruz está o diabo”. Ao fogo, pois.
Pegando outro livro, disse o barbeiro:
- Este é o Espejo de caballerías [Espelho de cavalarias].
- Conheço Vossa Mercê, disse o padre, nele está o Sr. Reinaldos de
Montalbán com seus amigos e companheiros, mais ladrões que Caco, e os
Doze Pares com o verdadeiro historiador Turpin; e, em verdade, estou para
condená-los apenas a desterro perpétuo, até porque participam da invenção do
famoso Matteo Boiardo, de onde também teceu seu pano o poeta cristão
Ludovico Ariosto, pelo qual, se o encontro aqui, falando em outra língua que
não a sua, não terei a mínima consideração; mas se falar em seu idioma, o
colocarei sobre minha cabeça.
- Pois tenho ele em italiano, disse o barbeiro, só que não entendo.
- Nem seria bom que entendesse, respondeu o padre; e aqui perdoaríamos o
senhor capitão, se não tivesse trazido o livro para a Espanha e não o tivesse
tornado castelhano, pois tirou muito de seu valor natural, e a mesma coisa
farão todos aqueles que os livros de versos quiserem verter em outra língua, já
que por mais cuidado que tenham e por mais habilidade que mostrem, jamais
chegarão ao ponto que eles têm em seu primeiro nascimento.

I, 9

Estando eu um dia na Alcaná de Toledo, chegou um rapaz vendendo uns


cartapácios e papéis velhos a um mercador de seda; e como gosto de ler até os
papéis jogados na rua, levado por esta minha natural inclinação, tomei um dos
muitos cartapácios que o rapaz vendia e vi que estava em letras que percebi
serem arábicas. E como, embora eu visse que eram arábicas, não conseguia
ler, estive atento para ver se aparecia ali algum mourisco aljamiado que
conseguisse ler; e não foi muito trabalhoso encontrar tal intérprete pois
mesmo que procurasse por uma língua mais antiga e melhor, encontraria.
346
Antologia do Renascimento

Finalmente, a sorte me deparou um que, depois de eu ter comunicado meu


desejo e posto o livro em suas mãos, abriu o livro ao meio, e lendo um pouco
começou a rir.
Perguntei de que ria e ele me respondeu que era de uma coisa anotada na
margem. Pedi que me dissesse o que era e ele, sem deixar de rir, disse:
- Como eu disse, aqui na margem está escrito o seguinte: “essa Dulcinea del
Toboso, tantas vezes nessa história referida, dizem que teve melhor mão para
salgar porcos que qualquer outra mulher em toda La Mancha”.
Quando ouvi “Dulcinea del Toboso”, fiquei atônito e perplexo, porque logo
imaginei que aqueles cartapácios continham a história de Dom Quixote. Com
essa imaginação, apressei-o para que lesse o começo e, vertendo de improviso
do árabe ao castelhano, disse que dizia: História de Dom Quixote de la
Mancha, escrita por Cide Hamete Benengeli, historiador árabe. Muita
discrição foi precisa para dissimular o contentamento quando chegou aos
meus ouvidos o título do livro, e, sem que o mercador de sedas desconfiasse,
comprei do rapaz todos os papéis e cartapácios por meio real; já que se ele
fosse esperto e soubesse que eu queria comprar, bem poderia ter pedido e
levado mais de seis reais na venda. Afastei-me logo dali com o mourisco pelo
claustro da igreja matriz, e instei para que ele vertesse em língua castelhana
todos os cartapácios que tratassem de Dom Quixote, sem tirar nem pôr nada,
oferecendo-lhe o pagamento que ele quisesse. Contentou-se com duas arrobas
de passas e duas fanegas de trigo, e prometeu traduzi-los bem e fielmente e
com brevidade. Mas eu, para facilitar mais o trabalho e para não largar o feliz
achado, levei-o à minha casa, onde em pouco mais de um mês e meio traduziu
tudo, exatamente do modo que aqui se refere.

II, 62

Sucedeu, pois, que indo por uma rua, Dom Quixote ergueu os olhos e viu
escrito sobre uma porta, em letras garrafais: “Imprimem-se livros”, com o que
ficou muito contente porque até aquele momento não vira nenhuma gráfica e
desejava conhecer como era. Entrou no local com todo o séquito, e viu que
em uma parte imprimiam, em outra corrigiam, nesta compunham, naquela
revisavam; viu, enfim, todo o aparato que se mostra nas grandes gráficas.
Aproximava-se Dom Quixote de uma caixa de tipos e perguntava o que se
fazia ali; os mestres de ofício explicavam; ele se admirava e prosseguia.
Assim, aproximou-se de um deles e lhe perguntou o que fazia. O mestre de
ofício disse:

347
Antologia do Renascimento

- Senhor, este cavalheiro que aqui está – e mostrou-lhe um homem de boa


estatura e aparência e de alguma gravidade – traduziu um livro toscano para a
nossa língua castelhana e o estou compondo para dá-lo à estampa.
- Qual é o título do livro?, perguntou Dom Quixote.
- Senhor, o livro, em toscano, se chama Le bagatelle, respondeu o autor.
- E a que corresponde le bagatelle em nosso castelhano?, perguntou Dom
Quixote.
- Le bagatelle, disse o autor, é como se disséssemos em castelhano “los
juguetes” [“os brinquedos”]; e embora este livro tenha um nome humilde,
contém e encerra em si coisas muito boas e substanciais.
- Eu, disse Dom Quixote, alguma coisa sei de toscano e me orgulho de poder
declamar umas estrofes de Ariosto. Mas diga-me Vossa Mercê, meu senhor, e
não digo isto por querer examinar o engenho de Vossa Mercê, mas apenas por
curiosidade: encontrou em sua escrita alguma vez a palavra pignata?
- Encontrei, sim, muitas vezes, respondeu o autor.
- E como a traduz Vossa Mercê em castelhano?, perguntou Dom Quixote.
- Como haveria de traduzir, retrucou o autor, senão dizendo “olla” [panela]?
- Meu Jesus!, exclamou Dom Quixote, como está adiantado Vossa Mercê no
idioma toscano! Farei uma boa aposta que onde se diz no toscano piace, diz
Vossa Mercê em castelhano “place” [apraz], e onde está più diz “más” [mais]
e o su declara com “arriba” [em cima] e o giù com “abajo” [embaixo].
- Sim, declaro, certamente, disse o autor, porque essas são as
correspondências apropriadas.
- Ousarei jurar, disse Dom Quixote, que não é Vossa Mercê conhecido no
mundo, inimigo sempre de premiar os floridos engenhos e os louváveis
trabalhos. Quantas habilidades existem perdidas por aí! Quantos engenhos
desconsiderados! Quantas virtudes menosprezadas! Mas, apesar de tudo,
parece-me que traduzir de uma a outra língua, desde que não seja das rainhas
das línguas, a grega e a latina, é como olhar os tapetes flamengos pelo avesso:
embora se enxerguem as figuras, estas estão cheias de fios que as obscurecem
e não podem ser vistas com a nitidez e a textura do lado direito; e traduzir de
línguas fáceis não demanda engenho nem elocução, como não demanda
engenho trasladar ou copiar um documento de outro documento. E com isso
não quero inferir que não seja louvável o ofício de traduzir, porque de coisas
piores poderia se ocupar o homem e que lhe trouxessem menos proveito. Fora
desta lista estão dois famosos tradutores: o doutor Cristóbal de Figueroa, com

348
Antologia do Renascimento

seu Pastor Fido, e Don Juan de Jáuregui, com sua Aminta, onde, com
felicidade, nos faz duvidar sobre qual é a tradução e qual o original.

Tradução:

Walter Carlos Costa


walter.costa@gmail.com

349
Antologia do Renascimento

Don Quijote (1605; 1615)(excertos)

I, 6

Abrióse otro libro, y vieron que tenía por título El caballero de la Cruz. Por
nombre tan santo como este libro tiene, se podía perdonar su ignorancia; mas
también se suele decir tras la cruz está el diablo: vaya al fuego. Tomando el
barbero otro libro, dijo: Este es Espejo de Caballerías. Ya conozco a su
merced, dijo el cura: ahí anda el señor Reinaldos del Montalban con sus
amigos y compañeros, más ladrones que Caco, y los doce Pares con el
verdadero historiador Turpin; y en verdad que estoy por condenarlos no más
que a destierro perpetuo, siquiera porque tienen parte de la invención del
famoso Mato Boyardo, de donde también tejió su tela el cristiano poeta
Ludovico Ariosto, al cual, si aquí le hallo, ya que habla en otra lengua que la
suya, no le guardaré respeto alguno; pero si habla en su idioma, le pondré
sobre mi cabeza. Pues yo le tengo en italiano, dijo el barbero, mas no le
entiendo. Ni aun fuera bien que vos le entendiérais, respondió el cura; y aquí
le perdonáramos al señor capitán, que no le hubiera traído a España, y hecho
castellano; que le quitó mucho de su natural valor, y lo mismo harán todos
aquellos que los libros de verso quisieren volver en otra lengua, que por
mucho cuidado que pongan y habilidad que muestren, jamás llegarán al punto
que ellos tienen en su primer nacimiento.

I, 9

Estando yo un día en el Alcaná de Toledo, llegó un muchacho a vender unos


cartapacios y papeles viejos a un sedero; y como soy aficionado a leer, aunque
sean los papeles rotos de las calles, llevado de esta mi natural inclinación
tomé un cartapacio de los que el muchacho vendía; vile con caracteres que
conocí ser arábigos, y puesto que, aunque los conocía, no los sabía leer,
anduve mirando si parecía por allí algún morisco aljamiado que los leyese; y
no fue muy dificultoso hallar intérprete semejante, pues aunque le buscara de
otra mejor y más antigua lengua le hallara. En fin, la suerte me deparó uno,
que diciéndole mi deseo, y poniéndole el libro en las manos le abrió por
medio, y leyendo un poco en él se comenzó a reír: preguntéle que de qué se
reía, y respondióme que de una cosa que tenía aquel libro escrita en la margen
por anotación. Díjele que me la dijese, y él sin dejar la risa dijo: está, como he
dicho, aquí en el margen escrito esto: esta Dulcinea del Toboso, tantas veces,
350
Antologia do Renascimento

en esta historia referida, dicen que tuvo la mejor mano para salar puercos que
otra mujer de toda la Mancha. Cuando yo oí decir Dulcinea del Toboso, quedé
atónito y suspenso, porque luego se me representó que aquellos cartapacios
conteían la historia de Don Quijote. con esta imaginación le di priesa que
leyese el principio; y haciéndolo así, volviendo de improviso el arábigo en
castellano, dijo que decía: Historia de Don Quijote de la Mancha, escrita por
Cide Hamete Benengeli, historiador arábigo.
Mucha discreción fue menester para disimular el contento que recibí cuando
llegó a mis oídos el título del libro; y salteándosele al sedero, compré al
muchacho todos los papeles y cartapacios por medio real, que si él tuviera
discreción, y supiera que yo los deseaba, bien se pudiera prometer y llevar
más de seis reales de la compra. Apartéme luego con el morisco por el
claustro de la iglesia mayor, y roguéle me volviese aquellos cartapacios, todos
los que trataban de Don Quijote, en lengua castellana, sin quitarles ni
añadirles nada, ofreciéndole la paga que él quisiese. Contentóse con dos
arrobas de pasas y dos fanegas de trigo, y prometió de traducirlos bien y
fielmente, y con mucha brevedad, pero yo, por facilitar más el negocio y por
no dejar de la mano tan buen hallazgo, le traje a mi casa, donde en poco más
de mes y medio la tradujo toda del mismo modo que aquí se refiere.

II,62

Sucedió, pues, que, yendo por una calle, alzó los ojos don Quijote, y vio
escrito sobre una puerta, con letras muy grandes: Aquí se imprimen libros; de
lo que se contentó mucho, porque hasta entonces no había visto emprenta
alguna, y deseaba saber cómo fuese. Entró dentro, con todo su
acompañamiento, y vio tirar en una parte, corregir en otra, componer en ésta,
enmendar en aquélla, y, finalmente, toda aquella máquina que en las
emprentas grandes se muestra. Llegábase don Quijote a un cajón y preguntaba
qué era aquéllo que allí se hacía; dábanle cuenta los oficiales, admirábase y
pasaba adelante. Llegó en otras a uno, y preguntóle qué era lo que hacía. El
oficial le respondió:
–Señor, este caballero que aquí está –y enseñóle a un hombre de muy buen
talle y parecer y de alguna gravedad– ha traducido un libro toscano en nuestra
lengua castellana, y estoyle yo componiendo, para darle a la estampa.
–¿Qué título tiene el libro? –preguntó don Quijote.
–A lo que el autor respondió:
–Señor, el libro, en toscano, se llama Le bagatele.
351
Antologia do Renascimento

–Y ¿qué responde le bagatele en nuestro castellano? –preguntó don Quijote.


–Le bagatele –dijo el autor– es como si en castellano dijésemos los jug[u]etes;
y, aunque este libro es en el nombre humilde, contiene y encierra en sí cosas
muy buenas y sustanciales.
–Yo –dijo don Quijote– sé algún tanto de el toscano, y me precio de cantar
algunas estancias del Ariosto. Pero dígame vuesa merced, señor mío, y no
digo esto porque quiero examinar el ingenio de vuestra merced, sino por
curiosidad no más: ¿ha hallado en su escritura alguna vez nombrar piñata?
–Sí, muchas veces –respondió el autor.
–Y ¿cómo la traduce vuestra merced en castellano? –preguntó don Quijote.
–¿Cómo la había de traducir –replicó el autor–, sino diciendo olla?
–¡Cuerpo de tal –dijo don Quijote–, y qué adelante está vuesa merced en el
toscano idioma! Yo apostaré una buena apuesta que adonde diga en el toscano
piache, dice vuesa merced en el castellano place; y adonde diga più, dice más,
y el su declara con arriba, y el giù con abajo.
–Sí declaro, por cierto –dijo el autor–, porque ésas son sus propias
correspondencias.
–Osaré yo jurar –dijo don Quijote– que no es vuesa merced conocido en el
mundo, enemigo siempre de premiar los floridos ingenios ni los loables
trabajos. ¡Qué de habilidades hay perdidas por ahí! ¡Qué de ingenios
arrinconados! ¡Qué de virtudes menospreciadas! Pero, con todo esto, me
parece que el traducir de una lengua en otra, como no sea de las reinas de las
lenguas, griega y latina, es como quien mira los tapices flamencos por el
revés, que, aunque se veen las figuras, son llenas de hilos que las escurecen, y
no se veen con la lisura y tez de la haz; y el traducir de lenguas fáciles, ni
arguye ingenio ni elocución, como no le arguye el que traslada ni el que copia
un papel de otro papel. Y no por esto quiero inferir que no sea loable este
ejercicio del traducir; porque en otras cosas peores se podría ocupar el
hombre, y que menos provecho le trujesen. Fuera desta cuenta van los dos
famosos traductores: el uno, el doctor Cristóbal de Figueroa, en su Pastor
Fido, y el otro, don Juan de Jáurigui, en su Aminta, donde felizmente ponen
en duda cuál es la tradución o cuál el original.

Fonte: Miguel de Cervantes. Don Quijote de La Mancha. Ed. revisada,


introdução e notas de Martín de Riquer. Barcelona, Planeta, 1997.

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