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ISBN – 978-989-8814-20-3
Esta publicação foi financiada por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação
para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projecto «UID/ELT/00077/2013»
João Carlos Carvalho
(coordenação)
A Peregrinação de Fernão
Mendes Pinto e a Perenidade
da Literatura de Viagens
CLEPUL
Lisboa
2015
Índice
3
4 João Carlos Carvalho
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A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e a Perenidade da
Literatura de Viagens 5
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Exm.a Sr.a Directora da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
(em representação do Sr. Reitor da Universidade do Algarve),
Exm.o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Faro,
Exm.a Sr.a Directora Regional da Cultura,
Exm.a Sr.a Presidente da Associação 8 Séculos da Língua Portuguesa.
Exms. Srs. Convidados: Directora Regional do Serviço de Estran-
geiros e Fronteiras; Presidente da Associação do Comércio e Serviços
da Região do Algarve; Cônsul Honorário do Canadá; Representante da
Câmara Municipal de Loulé,
Exmos. Srs. Docentes e Discentes da Universidade do Algarve,
Caros e caras conferencistas e participantes,
embora ele seja muito mais longo como, aliás, era muito comum naque-
les tempos. Trata-se de uma obra fundamental da cultura e da literatura
portuguesas e europeias, por todas as singularidades de que se reveste
e que deixarei aos especialistas as respectivas análises e interpretações.
Sob o signo da Peregrinação, este Colóquio estende ainda a sua abor-
dagem a um género – o da Literatura de Viagens – cuja universalidade
se demonstra na transtemporalidade e transespacialidade dos exemplos
possíveis. Para além disso, decidiu a organização abrir ainda as inter-
venções ao tema da Viagem na Literatura e noutras formas de expressão
artística, enriquecendo assim as temáticas deste evento científico.
Permitam-me, antes de terminar, uma palavra de agradecimento a to-
dos quantos tornaram possível este momento, começando pelos membros
da Comissão Organizadora (em especial, à Mestre Ana Catarina Ramos, à
Doutora Sandra Boto, ao Dr. Jorge Carrega e à Doutora Sara Fernandez,
infatigáveis em todo o trabalho organizativo interno, ao Dr. Luís Pinheiro
do CLEPUL e à Dra Isa Mestre do CIAC, insubstituíveis na relação com
o exterior) e ainda aos membros da Comissão Científica, constituída por
especialistas de diversas Universidades. Estendo este agradecimento à
Reitoria da minha Universidade, à minha Faculdade e à sua Direcção, aos
seus funcionários (muito em particular, à D.a Isabel Afonso), aos docentes
e estudantes por todo o apoio prestado ao longo destes meses de prepa-
ração. Das instituições exteriores sublinho toda a colaboração prestada
pela Associação 8 Séculos da Língua Portuguesa, pela Região de Turismo
e pela Câmara Municipal de Faro. Finalmente, à empresa OMVS Segu-
ros, esta última repetente no patrocínio a eventos desta natureza, bem
como ao Hotel Santa Maria, o meu agradecimento pelos diversos tipos
de apoio e colaboração efectivados.
Espero muito sinceramente que todos os participantes, no fim
destes dois dias, possam sentir que valeu a pena a vinda até Faro, ao
Campus de Gambelas da Universidade do Algarve por ter sido um evento
científico produtivo e multiplicador de boas ideias e de bons projectos de
investigação futuros. Bem vindos e votos de bom trabalho em torno da
Viagem e da Escrita!
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Ao solicitarem este pequeno apontamento, começo por felicitar os res-
ponsáveis da Universidade do Algarve por terem desencadeado este opor-
tuno Colóquio sobre a magnífica obra literária de Fernão Mendes Pinto,
Peregrinação. Parabéns! É o único comentário credível que posso fazer
perante um leque tão variado e tão valioso de personalidades de relevo na
análise da questão literária. De facto, Fernão Mendes Pinto agiganta-se
no momento em que se reduz a si próprio, quase ridículo, para dar lugar a
uma viagem geográfica, afetiva e de memórias que nos estimulam a refletir
sobre os sonhos das nossas peregrinações pessoais. Também nos ajuda à
observação atenta do fantástico do ser humano. Permito-me referir José
Tolentino de Mendonça quando lemos o desafio da contemplação de algo
que é um mistério: «vida é o imenso laboratório para a atenção, a sensi-
bilidade e o espanto que nos permitem reconhecer, em cada instante, uma
fantástica presença: os passos do próprio Deus».
Ao avivarmos a memória, sublinho o paradoxo do tempo presente que
vive tão rapidamente e deixa escapar a própria beleza da vida no seu
sonho de fantásticos e na elaboração do pensamento da história por meio
das estórias. Fernão Mendes Pinto não deixou de fazer memória para
as gerações seguintes. Utilizando a fantasia, transmite uma literatura
sibilina de sabor empolgante. Na nossa Europa, tão cética, tão fria, até a
sua memória histórica, por vezes, é subvertida. O cristianismo, que poderia
ser a alma e o rosto deste mosaico de nações, está permanentemente a ser
preterido por nada. . . Quando um povo rejeita ou regateia o seu próprio
rosto, terá dificuldades em dialogar com outros povos ou culturas.
Nada como fazer peregrinações à Peregrinação da memória tão rica
contida neste Continente. E Jesus Cristo é a base desta memória. Dá
unidade na diversidade das nações que compõem as nossas culturas. O
10 Cónego César Chantre
Capelão da UAlg
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Uma viagem por 4 Séculos da
Peregrinação1
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Uma viagem por 4 Séculos da Peregrinação 13
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14 Alexandra Rodrigues Gonçalves
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Referências bibliográficas
Miguel Real
Escritor, Professor, Ensaísta
João David Pinto Correia, num brilhante texto que opera a conver-
gência de diversas leituras de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto,
apresenta esta obra como uma «tessitura textual muito complexa», uma
sorte de «confluência de várias espécies de discursos que se cruzam e se
fundem numa vasta ordenação» dominada pelas categorias de «discurso
narrativo» e discurso «autobiográfico»1 .
Neste sentido, e tendo em conta a dominância daqueles dois tipos de
discurso, evidenciar-se-ia no texto de Fernão Mendes Pinto uma espécie
de síntese de múltiplas categorias discursivas, do cruzamento e fusão das
quais nasce justamente o texto literário: o discurso histórico ou historio-
gráfico, o descritivo, o oratório, o dramático, o poético, de timbre lírico, o
litúrgico e o epistolar2 .
Assim, enquanto texto autobiográfico e narrativo e devido ao seu tema
principal (a vida do autor-narrador nas longínquas paragens do Extremo
1
João David Pinto Correia, Autobiografia e Aventura na Literatura de Viagens. A
Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, Lisboa, Seara Nova / Editorial Comunicação,
1979, p. 51.
2
Idem, ibidem, pp. 53-54.
18 Miguel Real
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Interpretações de Peregrinação: João David Pinto Correia,
António José Saraiva e Rebecca Catz 19
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20 Miguel Real
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Interpretações de Peregrinação: João David Pinto Correia,
António José Saraiva e Rebecca Catz 21
8 de Outubro de 2014
16
Idem, ibidem, p. 1033.
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Fernão Mendes Pinto: «pobre de mim»,
«fora de mim», «ainda este sou». . .
uma fatia significativa das figuras históricas que surgia mais bem posicio-
nada em tal votação pertencia aos séculos XVI e XVII, demonstrando-se,
desse modo, o peso dos Descobrimentos e do período imperial português
no imaginário colectivo lusitano. Não tenho a certeza que a figura de
Fernão Mendes Pinto e a sua obra Peregrinaçam continuem vivos no
imaginário colectivo português pelo menos entre as novas gerações, uma
vez que a sua actual ausência dos programas escolares do ensino pré-
-universitário decerto contribuirá para o progressivo apagamento quer da
figura autoral quer da obra, cuja interdependência indirecta resulta da na-
tureza autobiográfica desta narrativa em que as fronteiras entre a história
e a ficção são não raro mal definidas. A singularidade desta autobiogra-
fia romanceada, genologicamente compósita, escrita na primeira pessoa
do anti-herói indivíduo, fica desde logo patente no próprio facto de o seu
autor ter ficado para a história da cultura e da literatura portuguesas
com a publicação da sua Peregrinaçam. Não é que na história cultural
e literária das nações não haja outros autores que devam a perpetuação
do seu nome a uma única obra, mas não é muito comum. Mas este reco-
nhecimento da excepcionalidade da obra é algo que começa muito cedo,
logo após a sua primeira publicação, não só entre os leitores nacionais
mas também entre os leitores das muitas traduções feitas para as prin-
cipais línguas europeias (o espanhol, o francês, o inglês, o holandês e o
alemão). Acompanhando a sua rápida difusão, também desde cedo surge
o problema da recepção / leitura desta obra, isto é, a questão da credi-
bilidade histórica versus a da verosimilhança narrativa. De facto, a obra
parece ter interessado os seus leitores quer como narrativa de aventura
e ensinamento moral, quer como fonte de informação considerada útil so-
bretudo para os novos impérios marítimos e comerciais europeus. Esta
duplicidade (história – ficção) é, sem dúvida, algo de intrínseco à natu-
reza complexa desta narrativa, que joga com eventos factuais trabalhados
pela memória e pela imaginação. Separar com clareza o factual do ima-
ginado não só não nos parece tarefa fácil como se nos afigura ingrata e
inútil. A Peregrinaçam, desde o momento em que foi publicada, sempre
esteve sujeita a esta variabilidade hermenêutica, variando entre o valor
documental e o valor monumental. Mas a variabilidade hermenêutica não
se ficou apenas por este aspecto referido. No século XX-XXI, a dicotomia
entre as leituras anti-épicas, de sátira anti-cruzada, de obra pícara ou
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Fernão Mendes Pinto: «pobre de mim», «fora de mim»,
«ainda este sou». . . 25
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26 João Carlos Firmino Andrade de Carvalho
interpretar como algo, afinal, tão tipicamente português ou, então, como
uma marca de anti-heroísmo de feição pícara. Note-se que «de feição
pícara» não significa uma narrativa confundível com o género pícaro (o da
picaresca espanhola) – interpretação que me parece abusiva. Contudo,
este «pobre de mim» tem uma conotação bem mais própria da mundivi-
dência cristã-católica do português do século XVI que se vê a si mesmo
como dependente da vontade do destino ou da providência divina, apesar
da humanista crença na vontade e capacidade do indivíduo. A verdade é
que a religião é, no século XVI, para todo o europeu, para toda a cristan-
dade, a marca de identidade mais funda que os caracteriza. Ora, e aqui
chegamos ao meu ponto, creio que se tem desvalorizado o peso da espiri-
tualidade e especificamente da religiosidade na obra de Fernão Mendes
Pinto. Não que a queira agora hipervalorizar, mas tão só insistir que, para
além do sentido aventureiro e mundano, o sentido espiritual e religioso da
peregrinação do eu errante / sujeito deambulante pelo Oriente é também
incontornável no processo de significação e na construção do significado
da obra em apreço. Não se trata, claro está, de uma peregrinação a luga-
res santos (como nas narrativas medievais de peregrinação), mas trata-se
de uma peregrinação a lugares infectos do mundo não cristão, habitado
pelos incréus, em busca do sentido da vida e do lugar de Deus na vida
dos homens. E isto não esquecendo que é perspectivado por alguém cuja
cultura religiosa é a de um português cristão-católico do século XVI.
Eu diria, para sintetizar este ponto, que é precisamente na tensão
entre a materialidade e a espiritualidade / religiosidade que se encontra
uma das linhas de sentido mais importante da obra. O que leva Fernão
Mendes Pinto a sair do seu país? O mesmo que à grande maioria dos
portugueses de então: o de procurar melhor fortuna no promissor Oriente.
E, de preferência, não no Oriente controlado pela Coroa e pela Igreja por-
tuguesas – a Índia – mas o Oriente mais extremo, o dos transfrontiermen,
dos aventureiros e negociantes pouco escrupulosos, onde é possível enri-
quecer em pouco tempo (ou seja, para além de Malaca). Contudo, as coi-
sas não surgem assim de forma tão rectilínea para Fernão Mendes Pinto.
As voltas do destino ou da providência tornam-se mais emaranhadas e
o desejado enriquecimento rápido transforma-se em vinte e tal anos de
altos e baixos na vida deste aventureiro-peregrino. A narrativa conta com
dois momentos bem conhecidos dos leitores: o momento até ao suposto
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Fernão Mendes Pinto: «pobre de mim», «fora de mim»,
«ainda este sou». . . 27
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28 João Carlos Firmino Andrade de Carvalho
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Fernão Mendes Pinto: «pobre de mim», «fora de mim»,
«ainda este sou». . . 29
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Bibliografia
José Ruy
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Jean Baudoin:
tradutor-fantasma de Fernão Mendes Pinto
Patrícia Couto
Centro de Estudos Comparatistas
Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa
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Jean Baudoin: tradutor-fantasma de Fernão Mendes Pinto 35
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36 Patrícia Couto
3
Archives Nat. Minutier Central, xxxi, 109, 1626, 17 juillet.
4
Segundo a definição de Nord, uma tradução documental funciona como um metatexto
centrado no texto fonte que reproduz de forma literal (Nord, 1997: 52-53).
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Jean Baudoin: tradutor-fantasma de Fernão Mendes Pinto 37
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38 Patrícia Couto
De quele façon i’ay passé De que passey em minha Cuenta el Autor su nas-
ma ieunesse dans le mocidade neste Reyno cimiento, mocedad, y su-
Royaume de Portugal, ate que me embarquey cessos en el Reyno de
iusques au iour de mon para a India (P. I). eeio Portugal, hasta embarcar
embarquement pour aller kjhhu eeio kjhhu eeio se para la India (H.O. I).
aux Indes (V.A. I). kjhhu eeio kjhhu eeio kjhhu
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Jean Baudoin: tradutor-fantasma de Fernão Mendes Pinto 39
língua vernácula a uma língua de cultura como era o latim. Uma das
formas para alcançar esse objectivo era através da actividade tradutória,
por isso não é de estranhar que muitos dos primeiros académicos tenham
sido tradutores. Além de tradutor, editor e organizador, Baudoin foi autor
de dezassete obras de ficção. Plazenet desmonta o mito de que ele terá
morrido na miséria. Pelo contrário, com os anos ganhou renome (Plazenet,
1998: 7-8). O facto de muitas das suas obras terem sido publicadas por
Pierre Rocolet, especialista em livros de luxo confirma o seu prestígio. Em
1644 foi nomeado historiador oficial pelo Trésor de l’Epargne (Plazenet,
1998: 40).
Ainda jovem terá viajado por Espanha, Itália e Alemanha. No início
da segunda década do século XVII, Baudoin encontra-se ao serviço da
Rainha Margarida de Valois e por desejo dela começa a traduzir obras
do castelhano. Depois da morte da sua protectora, é enviado para a In-
glaterra pela Rainha-mãe Maria de Médici com o objectivo de traduzir
a Arcadia de Sir Philip Sidney. Permanece na Inglaterra dois anos e
regressa em 1624. Nos anos de 1624 e 1625, a sua tradução é publicada
em três volumes por Theodore du Bray, em Paris. Praticamente em simul-
tâneo, é dada à luz uma outra tradução da mesma obra, igualmente em
três volumes, da autoria de Geneviève Chappelain e publicada por Robert
Fouët6 . O que se segue é uma verdadeira batalha literária com insultos,
acusações de plágio, um manuscrito roubado e traduções a contrarrelógio.
O escândalo termina num processo em que Baudoin é condenado a pagar
a elevada soma de 1200 libras7 . Numa carta de 1625 ao seu amigo Jean
de Lannel, Baudoin mostra-se amargurado, queixando-se das críticas le-
vianas e do desprezo a que o tradutor se tem que sujeitar (Plazenet, 1998:
36-37).
6
O facto de tanto Theodore du Bray como Robert Fouët terem obtido o privilégio real
que garantia a exclusividade da publicação da obra ainda adensa mais os contornos deste
caso.
7
Albert W. Osborn critica os dois tradutores pelas omissões, sobretudo no caso de
Chappelain, e pelos erros crassos e por falta de atenção. No entanto, é provável que
Chappelain tenha copiado Baudoin e não o contrário. Por sua vez, Baudoin ter-se-á
servido duma tradução parcial de Tourval (Osborn, 1974 (1932): 92-122).
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40 Patrícia Couto
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Jean Baudoin: tradutor-fantasma de Fernão Mendes Pinto 41
na obra8 . Assim, a tipologia serve para legitimar uma obra que é consi-
derada ficcional e parece ser a resposta aos que criticavam Les voyages
advantureux por ser inverosímil. A atitude reflecte as reticências da época
em relação à ficção vista como uma fraude. Como divertimento era uma
perda de tempo já que impedia o leitor de cumprir as suas obrigações.
Era ainda visto como algo corruptivo, quando a partir de finais do século
XVI, os romances geralmente possuíam uma trama amorosa em que uma
certa imoralidade e rebeldia eram apresentadas de forma sedutora (Pla-
zenet, 2002/2003: 398-399). Todavia, Baudoin traduziu obras ficcionais
e é ele próprio autor de vários romances. Mas o desconforto em relação à
ficção revela-se até nas suas obras originais, onde frequentemente cria a
ilusão de se tratar de um texto não da sua autoria ao apresentar-se como
o tradutor ou editor.
Todavia, a razão fundamental do «Advertissement» encontra-se nas
primeiras linhas onde o tradutor responde aos que criticaram a tradução
e justifica as escolhas feitas enquanto pede para não julgar com severi-
dade os erros e não culpar o tradutor que tudo fez por apresentar uma
obra perfeita e que não poupou esforços, estudos e diligências. Explica
que esta foi uma tarefa que demorou sete ou oito anos durante os quais
pesquisou livros sobre a história das Índias Orientais para melhor ex-
primir os pensamentos do autor. O tradutor vê-se confrontado com uma
realidade nunca antes vista, radicalmente diferente do mundo ao qual
pertence. A dificuldade foi a de encontrar palavras que pudessem re-
presentar novas realidades mas que ainda não possuíam uma existência
textual. O desabafo é característico de Baudoin, que revela ser muito
sensível às críticas do público que considera injustas. Em praticamente
todas as suas traduções queixa-se das vicissitudes da vida de tradutor
e da ignorância do público em relação ao seu trabalho (Plazenet, 1998:
37). Curioso é a menção de ter demorado sete a oito anos na preparação.
Nesse caso, Baudoin terá começado a interessar-se pela obra por volta
de 1620, justamente o ano em que foi publicada a tradução castelhana
e na altura do contrato já estaria ocupado com a tradução do texto de
Herrera Maldonado.
8
Na tradução espanhola a «Apologia» é assinada por Herrera Maldonado, a «Deffence
apologétique» e o «Advertissement» não trazem assinatura.
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42 Patrícia Couto
A noção que Baudoin tinha acerca da tradução era muito diferente das
normas actualmente em vigor. Ele dedicou-se a dois tipos de tradução,
uma feita a partir de traduções existentes, como explica na introdução
da tradução de Tácito (1619): «En cette traduction de Tacite, que j’ay
esbauchée après un homme qui entendoit mieux que moy, je me suis
content de luy faire parler nostre langue le plus clairement qu’il m’a esté
possible» (Plazenet, 1998: 50)9 .
A atitude de Baudoin é transparente, só não menciona o nome do
predecessor que louva por desconhece-lo, o que pretende é actualizar a
linguagem e torná-la clara. Seu contemporâneo Charles Sorel sugere que
estas traduções, encomendadas por livreiros, foram feitas por necessidade,
já que Baudoin não possuía uma fortuna pessoal.
Todavia, Baudoin dedicou-se também à tradução de obras que ainda
não tinham sido traduzidas antes para o francês (Plazenet, 1998: 50-52).
Na já referida carta a Jean de Lannel, Baudoin define o que considera
a sua tarefa: «je tâcheray de monstrer combien est ridicule l’opinion de
plusieurs, qui croyent que traduire, & et faire de son invention soient deux
choses incompatibles» (Plazenet, 1998: 37).
Para Baudoin a fronteira entre tradução e criação literária era ténue.
Na sua opinião, a «invention» complementa a tradução. No prólogo da sua
tradução de Defence des droits de Daniel Priézac (1639) menciona que
recusa ser «esclave de ses [Priézac] mots». Cita São Jerónimo que é fiel ao
sentido do autor em vez de se sujeitar às palavras. E mais adiante explica:
«lors qu’en s’attachant servilement à la Phrase estrangere, on ne s’avise
pas qu’on la fait Barbare, quand on pense la naturaliser Françoise». Para
Baudoin um bom tradutor não é mais escravo das palavras mas interpreta-
-as segundo o pensamento do autor (Plazenet, 1998: 57-60). Assim, a
linguagem é secundária, é preciso ser fiel ao conteúdo.
Numa época de transição para um novo paradigma de tradução, Bau-
doin procura o termo para distinguir o seu modo de traduzir da tradição
literalista do século anterior10 . Ora refere-se a sua tradução como «in-
9
Actualmente sabe-se que foi Claude Fauchet o tradutor de Tácito (1552) que preferiu
manter anonimato. No frontispício figura o nome: Pyrame de Candolle.
10
Ao reescrever traduções existentes, talvez Baudoin quisesse adapta-las às novas
normas tradutórias.
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Jean Baudoin: tradutor-fantasma de Fernão Mendes Pinto 43
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44 Patrícia Couto
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Jean Baudoin: tradutor-fantasma de Fernão Mendes Pinto 45
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Fontes citadas
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Matias da Maia, um jesuíta português na
China do século XVII e a construção de
entrelaços culturais e religiosos na
vastidão do império
Investigador da FLUC1
O estado da arte
Marco Aurélio
«Quem viu o presente viu todas as coisas: as que aconteceram
no insondável passado e as que irão acontecer no porvir»
(apud Borges, 2012: 90).
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Matias da Maia, um jesuíta português na China do século XVII e a
construção de entrelaços culturais e religiosos na vastidão do império 51
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52 Adriano Milho Cordeiro
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Matias da Maia, um jesuíta português na China do século XVII e a
construção de entrelaços culturais e religiosos na vastidão do império 53
Não chegaram até nós copiosos dados acerca da vida e obra do Padre
Jesuíta Matias da Maia, antes pelo contrário. As escassas informações a
respeito desta ilustre personagem resumem-se praticamente ao que nos
legou Machado que declara: «P. Mathias da Maya, natural da Villa de
Atalaya do Patriarchado de Lisboa, e Titulo de Condado. Foraõ seus Pays
Simaõ da Maya, e Martha Rodrigues. Entrou em o Noviciado de Lisboa
da Companhia de Jesus a 20 de Março de 1629» (Machado, 1966: 454).
Acresce Machado sobre M. da Maia: “Foy Procurador geral da Provincia
do Japaõ, e Missionario em os Reinos de Tunquim, e Cochichina. Publicou
em nome Relaçaõ da Conversaõ da Rainha, e Principe da China á nossa
Santa Fé com a de outras pessoas da Casa Real, que se bautisaraõ no
anno de 1647. Lisboa 1650. 4. Sem nome do Impressor” (Machado, 1966:
454).
Esta é a única referência bibliográfica impressa em livro, colhida até
ao momento, em Portugal, sobre a vida e obra do Padre Jesuíta Matias
da Maia, natural de Atalaia, hoje freguesia do concelho de Vila Nova da
Barquinha.
Não encontrámos quaisquer outras referências a Matias da Maia, quer
na Biblioteca da Ajuda, onde existe um importante acervo de documen-
tos relativos à Missão dos Jesuítas na China e no Oriente, quer noutros
arquivos. Nada se achou nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, na
Biblioteca Pública de Évora, Arquivos da Casa de Bragança em Vila Vi-
çosa, na Bibiloteca Geral da Universidade de Coimbra, no Arquivo Distri-
tal de Santarém ou no notável acervo da Biblioteca Municipal Brancamp
Freire em terras escalabitanas. Na Biblioteca Nacional apenas consta o
documento H.G. 1840//3 V., intitulado RELAÇÃO DA CONVERSÃO a
nossa Sancta Fè da Rainha, &Principe da China, & de outras pessoas
da casa Real, que se baptizarão o anno de 1648. Todavia não se exclui a
hipótese de que em Roma surjam novos e relevantes dados sobre o Padre
Jesuíta Matias da Maia e a sua obra, ou, de que mesmo em Portugal
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54 Adriano Milho Cordeiro
5
No mundo da WEB no documento intitulado Os Jesuítas em Macau, na parte alusiva
ao ANNEX refere-se que M. da Maia faleceu em 1667 no Mar da China. Em http://www.
library.gov.mo/macreturn/DATA/PP280/NOTES.HTM, no documento em linha, intitulado
«Os jesuítas em Macau – ANNEX : Primeiro Período (1552-1762), [folha 2] no número
53 está escrito: «Nomes: Pe. Matias da Maia; Terra natal: Atalaia; Ano de apostolado:
1656-1667; Lugar do falecimento: naufragou; Sítio da sepultura: No Mar da China». No
mesmo documento da WEB encontramos ainda as seguintes referências ao P. Matias da
Maia: «O visitador da província do Japão e da vice-província da China era o Pe. Manuel
de Azevedo (1644-50), o qual faleceu em Macau a 26 de Janeiro ou a 3 de Fevereiro de
1650. O vice-provincial da China era o Padre Álvaro Semedo, que o foi duas vezes (1645-
-50; e 1654-57). Semedo nasceu em Nisa, embarcou para o Oriente em 1608, entrando
na China em 1613. Em 1636, foi a Roma como procurador; em Julho de 1645, aportou
de novo a Macau, falecendo em Cantão a 18 de Julho de 1658. Compôs 2 vocabulários,
chinês-português e português-chinês; mas o seu livro mais conhecido é o Império da
China, impresso primeiro em espanhol por Faria e Sousa, e depois em várias línguas. O
provincial do Japão era o Padre Matias da Maia, natural de Atalaia, o qual embarcou
para a Índia em 1640. Foi vice-reitor do Colégio da Madre de Deus em Macau, desde
Setembro de 1651 até 16 de Março de 1653; a seguir, foi missionar em Kwantung e em
Hainan. Reitor do Colégio de Macau e provincial do Japão em 19 de Agosto de 1658,
conservando o primeiro cargo mês e meio e o segundo até 26 de Janeiro de 1661, data em
que foi nomeado superior e vice-provincial da Missão da China, de que tomou posse ano
e meio depois, deixando esse cargo em 1666. No ano seguinte, embarcou com o Padre
António Lopes ‘na nau de Timor cõ Jeronymo dÁbreu capitão da dita nao, e depois de
partirẽ de Macau aos 11 de Janeiro deste ano de 667, aos 15 do mesmo no quarto dálva
se acharão junto da terra da Cochinchina defronte de Faifo onde fizerão naufragio; os
mais morrerão nelle, incluindo o Padre Maia, varão apostolico que era tido por santo».
O Pe. Lopes escapou e regressou a Macau (Ccf. Ta-Ssi-Yang-Kuo, Lisboa, 1900, p. 695).
Em 1670, ao abrirem-se as vias de sucessão, saiu nomeado em 1.o lugar para visitador
das missões da China e Japão o Pe. Maia, o que não teve efeito, por ter já falecido.
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construção de entrelaços culturais e religiosos na vastidão do império 55
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construção de entrelaços culturais e religiosos na vastidão do império 57
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58 Adriano Milho Cordeiro
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Matias da Maia, um jesuíta português na China do século XVII e a
construção de entrelaços culturais e religiosos na vastidão do império 59
11
No ano da restauração da soberania de Portugal, Abahai na Ásia Extrema toma
todos os territórios que subsistiam a nordeste da Grande Muralha, batendo amplas forças
chinesas. Entrementes, em 1643, a saúde de Abahai definhou e este acabou por morrer.
Foi sucedido por um filho com seis anos, somente. Ficaram como regentes Jirgalang e
Dorgon.
12
Cf. Matias da Maia, no Capítulo I da Relação: «Forão com tudo nestes nove annos
mais chegados tantas as miserias, que por seus peccados, & injustiças o perseguirão,
principalmente fomes, & guerras, que além de o pór em lastimoso estado, acabárão de
todo a casa Real, que nelle se tinha conservado com summa paz, & prosperidade, por
espaço de duzentos & oitenta anos em desasete Reys; ficando hoje grãde parte desta
Monarchia em as mãos, & governo dos Tartaros Orientaés».
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60 Adriano Milho Cordeiro
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Matias da Maia, um jesuíta português na China do século XVII e a
construção de entrelaços culturais e religiosos na vastidão do império 61
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62 Adriano Milho Cordeiro
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Matias da Maia, um jesuíta português na China do século XVII e a
construção de entrelaços culturais e religiosos na vastidão do império 63
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Referências Bibliográficas
Cimélio
H.G. 1840//3 V. – Biblioteca Nacional
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66 Adriano Milho Cordeiro
http://www.safp.gov.mo/safppt/download/WCM_004377, consultado em
30/03/2013.
http://www.library.gov.mo/macreturn/DATA/PP280/PP280163.htm, con-
sultado em 30/03/2013.
http://www.realgabinete.com.br/revistaconvergencia/pdf/1137.pdf, con-
sultado em 30/03/2013.
http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&
link_id=20&Itemid=2, consultado em 30/03/2013.
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O narrador cronista na trilogia alemã de
Louis-Ferdinand Céline
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O narrador cronista na trilogia alemã de Louis-Ferdinand Céline 69
como a grande vítima da história. Cabe explicitar que a trilogia será tra-
tada neste artigo como um todo, sem a devida atenção às particularidades
de cada romance por razões meramente metodológicas. Enquanto em D’un
château l’autre, esse narrador se dispõe, após um acesso de paludismo,
a contar o cotidiano do alto escalão do governo de Vichy refugiado no
castelo de Sigmaringen, no sul da Alemanha, em Nord retraça o caminho
de fuga da França até Baden-Baden, no sudoeste da Alemanha, a ida
para Berlin, a estada em Zornhof e as tentativas de partida para a Dina-
marca, enfatizando o difícil cotidiano dos tempos de guerra, enquanto, em
Rigodon, destaca os riscos corridos ao cruzar a Alemanha de sul a norte
nos mais precários trens sob os bombardeis aliados.
Os romances da trilogia formam um conjunto indissociável por sua
inter-relação interna explícita, como por exemplo em Rigodon, o narrador
retoma a ação interrompida no fim de Nord, quando do recebimento da
autorização para viajar a Rostock, o que possibilitaria a passagem para
a Dinamarca: «Nous voici!. . . hommage au lecteur!. . . révérence!. . . nous
nous retrouvons à l’endroit même. . . Harras vient de partir. . . maintenant
c’est agir ou jamais!. . . nous possédons l’essentiel, le permis signé, tam-
ponné Reichsbevoll. . . et l’idée, la même, le Danemark. . . » (CÉLINE,
2011b: 733). Em uma das cenas finais de Nord, Céline descreve a assi-
natura e carimbo da autorização:
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70 Daniel Teixeira da Costa Araujo
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O narrador cronista na trilogia alemã de Louis-Ferdinand Céline 71
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72 Daniel Teixeira da Costa Araujo
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O narrador cronista na trilogia alemã de Louis-Ferdinand Céline 73
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74 Daniel Teixeira da Costa Araujo
e poder não merecidos, daí, por exemplo, sua implicância com Sartre. A
crônica de Céline visa desconstruir a narrativa oficial da Liberação lem-
brando com insistência que sua glória foi construída sobre o esquecimento
da derrota de 1940, como se pode ver em Nord:
Dans les très vieilles chroniques on appelle les guerres autre-
ment : voyages des peuples. . . terme encore parfaitement exact,
ainsi prenons juin 40 le peuple et les armées françaises ne fi-
rent qu’un voyage de Berg-op-Zoom aux Pyrénées. . . les derrières
bien en cacas, peuple et armées. . . aux Pyrénées se rejoignirent,
tous!. . . Fritz et François !. . . ne se battirent, burent, firent sisite,
s’endormirent. . . voyage terminé ! (CÉLINE, 2011b: 311).
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Referências bibliográgicas
Sandra Boto
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A propósito do romance tradicional «Nau Catrineta»:
peregrinações no tempo e no espaço 79
Não é para admirar que seja tão geralmente sabida e querida esta
xácara. O que admira é que não seja mais comum entre nós o
romance marítimo. Um país de navegantes, um povo que viveu mais
do mar do que da terra; que as suas grandes glórias as foi buscar
ao largo oceano; que por não caber em seus estreitos limites de
Europa, devassou pelo universo, – não pode deixar de ter produzido
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80 Sandra Boto
E continua, adiante:
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A propósito do romance tradicional «Nau Catrineta»:
peregrinações no tempo e no espaço 81
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82 Sandra Boto
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A propósito do romance tradicional «Nau Catrineta»:
peregrinações no tempo e no espaço 83
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86 Sandra Boto
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A propósito do romance tradicional «Nau Catrineta»:
peregrinações no tempo e no espaço 87
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88 Sandra Boto
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A propósito do romance tradicional «Nau Catrineta»:
peregrinações no tempo e no espaço 89
Numa versão inlgesa lê-se algo muito semelhante, o que faz supor
que este consiste num elemento ancestral comum que entretanto perdeu
18
Gostaria de poder reforçar estas afirmações com exemplos textuais de versões in-
glesas que as confirmam (e que são muitas), o que por motivos de espaço não me posso
permitir. Atentemos, a título ilustrativo, nos poemas publicados por Gilchrist, apud Lima,
1954: 168 e 169 e por Kinsley, 1989: 678-679.
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90 Sandra Boto
19
É importante esclarecer que, em Portugal continental, a resposta do gajeiro difere
substancialmente desta madeirense que citámos, condicionada que se encontra ao discurso
vulgata. “Já vejo terras de Espanha, areias de Portugal” (Garrett, 1851: 91) é, com ínfima
variação, a resposta-padrão do gajeiro ao capitão da nau Catrineta.
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Bibliografia
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O Turista acidental:
o cinema como lugar da memória
Mirian Tavares
Introdução
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O Turista acidental: o cinema como lugar da memória 95
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96 Mirian Tavares
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O Turista acidental: o cinema como lugar da memória 97
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98 Mirian Tavares
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O Turista acidental: o cinema como lugar da memória 99
Eu estou tão cansado, mas não para dizer que estou indo
embora
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100 Mirian Tavares
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Referências Bibliográficas
Introdução
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O Itinerário Espiritual do Herói (Metamorfoses, de Apuleio, e
Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto) 105
1. O Asinus Aureus
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106 António Manuel de Andrade Moniz
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O Itinerário Espiritual do Herói (Metamorfoses, de Apuleio, e
Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto) 107
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108 António Manuel de Andrade Moniz
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O Itinerário Espiritual do Herói (Metamorfoses, de Apuleio, e
Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto) 109
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110 António Manuel de Andrade Moniz
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O Itinerário Espiritual do Herói (Metamorfoses, de Apuleio, e
Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto) 111
Quando às vezes ponho diante dos olhos os muitos & grades tra-
balhos & infortunios q por mim passarão, começados no principio
da minha primeira idade, & continuados pella mayor parte, & mi-
lhor tẽpo da minha vida, acho q com muita razão me posso queixar
da vẽtura que parece q tomou por particular tenção & empresa sua
perseguirme, & maltratarme, como se isso lhe ouuera de ser materia
de grande nome, & de grande gloria, porque vejo que não contente
de me por na minha patria [. . . ] em tal estado q nella viui sempre
em miserias, & em pobreza, & não sem alguns sobresaltos & perigos
da vida me quis tambẽ leuar às partes da India, onde em lugar do
remedio q eu hia buscar a ellas, me foram crecendo com a idade
os trabalhos, & os perigos. Mas por outra parte quãdo vejo que do
meyo de todos estes perigos & trabalhos me quis Deos tirar sempre
em saluo, & porme em seguro, acho que não tenho tanta razão de
me queixar por todos os males passados, quãta de lhe dar graças
por este só bẽ presente, pois me quis conseruar a vida, para q eu
podesse fazer esta rude & tosca escritura, que por erança deixo a
meus filhos (porq só para eles he minha tenção escreuella) paraque
eles vejão nella estes meus trabalhos, & perigos de vida q passei no
discurso de vinte & hu ãnos em q fuy treze vezes catiuo, & dezassete
vendido, [. . . ] & daqui por hua parte tomem os homẽs motiuo de se
não desanimarem cos trabalhos da vida (Ib., cap. I, 13).
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112 António Manuel de Andrade Moniz
então se verà quão incertas saõ as cousas da China” – PINTO, F.M., Ib.,
cap. LXVI, 188), numa convergência com o taoísmo, a filosofia socrática
e a teoria quântica, do distanciamento dos bens mundanos e dos mal
adquiridos (“serem sempre meyo & caminho de desauenturas” – Ib., cap.
CXCII, 596), da expressividade semântica e espiritual do silêncio interior
(“o mais acertado será o silencio metido na alma que Deos em nòs pos” –
Ib., cap. CXXI, 352) e da visão fragmentária e ilusória do universo, como
se representa no escudo de armas de um nobre chinês:
Este monstro dezião que era figura do mundo que os Chins pintão ás
auessas, 6 porque todas as cousas saõ mentirosas, para desenganar
a os que fazem caso delle lhes diz tudo o que há em mym he assim,
como se dissesse, feito ás auessas, cos peis para cima & com a
cabeça para baixo (Ib., cap. LXXXIII, 233).
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O Itinerário Espiritual do Herói (Metamorfoses, de Apuleio, e
Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto) 113
Conclusão
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Referências bibliográficas
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Le thème du voyage dans Astérix:
altérité et «parodie des identités»1
***
Astérix fêtera, dans quelques jours, ses 55 ans2 . La date officielle, retenue
pour figurer sur son “ acte de naissance ”, ce fut, en effet, le 29 octobre
1959. Traduite en près d’une centaine de langues et dialectes et vendue
à plus de trois cent cinquante millions d’albums dans le monde entier, ja-
mais une bande dessinée n’avait conquis autant de lecteurs. Cette réussite
éditoriale a été définitivement reconnue en 2011 lorsque l’ensemble des
Aventures d’Astérix le Gaulois est entré dans le Guiness des Records
Mondiaux. À cette réussite de la BD, il nous faut encore ajouter une mul-
titude d’expressions qui puisent leur inspiration dans l’univers merveilleux
mis en place par Albert Uderzo et René Goscinny: les dessins-animés (qui
ont fait le bonheur de tant d’enfants, avant l’arrivée des playstations), les
films (à valeur très inégale, certes), mais également le Parc Astérix, inau-
guré en 1989. Par ailleurs, le premier satellite artificiel français, envoyé
dans l’espace, en 1965, s’appelait, curieusement, Astérix, comme si une
nation entière souhaitait exorciser la crainte ancestrale des Gaulois, que
le ciel ne lui tombe sur la tête !
Pour cimenter le succès de cette œuvre, à travers laquelle le genre
de la BD a définitivement acquis ses lettres de noblesse, se déploie une
immense bibliographie critique, d’une incontestable richesse, ponctuée
par des études qui témoignent d’une véritable interdisciplinarité et mon-
trent les variations d’un thème qui traverse la littérature, l’anthropologie,
l’historiographie, les beaux-arts et, bien évidemment, la bande dessi-
née. Cette attention de la part des universitaires se traduit par des mé-
moires de Maîtrise, des thèses de Doctorat, des articles, des ouvrages,
des colloques internationaux qui réunissent des universitaires d’horizons
très divers, exégètes de la littérature, historiens, traducteurs, traductolo-
gues. . . Exemple : en juin 1980, le colloque sur “ Nos ancêtres les Gau-
lois ”, organisé par le Centre de recherches reìvolutionnaires et romanti-
ques de la Faculté des Lettres et Sciences Humaines, de l’Universiteì de
Clermont-Ferrand3 et, plus récemment, en octobre 2009, celui organisé
2
Cette communication a été proférée le 10 octobre 2014.
3
Cf. “ Nos ancêtres les Gaulois ”. Actes du Colloque International de Clermont-
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Le thème du voyage dans Astérix: altérité et «parodie
des identités» 119
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120 Otília Pires Martins
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Le thème du voyage dans Astérix: altérité et «parodie
des identités» 121
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122 Otília Pires Martins
11
Thierry Rogel, recension de l’ouvrage de Nicolas Rouvière, Astérix ou la parodie des
identités”, Lectures, Reviews (mis en ligne le 14 février 2008, consulté le 28 août 2014).
URL: http://lectures.revues.org/535.
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Le thème du voyage dans Astérix: altérité et «parodie
des identités» 123
12
À ce propos, consulter : Pageaux, Daniel-Henri, “De l’image culturelle au mythe
politique”, in Nos ancêtres les Gaulois, Actes du Colloque International de Clermont-
Ferrand, recueillis et présentés par Paul Viallaneix et Jean Ehrard. Association des
publications de la Faculté des Lettres et Sciences Humaines de Clermont-Ferrand,
Fasc. 13, pp. 437-444; Bizarro, Luís Miguel, Astérix e o mito do herói resisten-
te. Entre realidade e ficção, mémoire de Master, soutenu le 12 décembre 2008, à
l’université d’Aveiro ; Damien Boone, “Astérix nazi? Michel Serres se trompe lour-
dement”, 21.09.2011 : http://blogs.lesinrocks.com/cestvousquiledites/2011/09/21/asterix-
nazi-michel-serres-se-trompe-lourdement/.
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124 Otília Pires Martins
Les aventures d’Astérix, c’est aussi et surtout les voyages qui représentent,
d’une certaine façon, la capacité de la France et des Français à aller à
l’encontre de l’Autre pour aider, connaître, découvrir, échanger etc. Astérix
et Obélix sont deux véritables globe-trotteurs! Sur les trente-cinq albums
parus à ce jour, très peu se déroulent seulement à l’intérieur du village!
Près de deux tiers des albums (Le Bouclier Arverne et Astérix aux Jeux
Olympiques ; Astérix et le chaudron ; Astérix chez les Belges ; Astérix en
Hispanie, La Zizanie ; Astérix chez les Helvètes ; Le Domaine des dieux
etc.) exploitent le thème du voyage ou de la rencontre avec l’étranger et
sont construits à partir du contact entre les deux héros et d’autres peuples.
Peuples voisins, ennemis des Romains, eux aussi: les Goths, les Belges,
les Bretons, les Helvètes, les Ibères, les Corses, parfois des peuples plus
lointains : les Grecs, les Égyptiens. . .
On découvre d’abord les voyages en Gaule (le Tour de Gaule, en Corse
etc.), puis, les voyages à l’étranger (Germanie, Belgique, Bretagne, His-
panie, Grèce, Rome, Helvétie, Danemark – pays scandinave des normands
– mais aussi l’Egypte et même l’Inde, le Nouveau Monde et l’Atlantide).
Chaque voyage nourrit deux idées fondamentales: il s’agit, en premier
lieu, d’aider les autres peuples, généralement contre les Romains, mais
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Le thème du voyage dans Astérix: altérité et «parodie
des identités» 125
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126 Otília Pires Martins
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Le thème du voyage dans Astérix: altérité et «parodie
des identités» 127
14
Renaud Voisin, “ Astérix et Obélix, la potion magique du soft power français ”,
13 novembre 2013. https://ladiplomatiedinfluence.wordpress.com/2013/11/13/asterix-et-
obelix-la-potion-magique-du-soft-power-francais/.
15
Nicolas Rouvière, Astérix ou la parodie des identités, Paris, Champs/Flammarion,
2008. Note en quatrième de couverture.
16
Pech, Thierry, “ Astérix : le même ou l’autre ? ”, recension de l’ouvrage de Nicolas
Rouvière, Astérix ou la parodie des identités. http://www.laviedesidees.fr/Asterix-
le-meme-ou-l-autre.html.
17
Id. Ibid.
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1. Bibliographie
2. Webgraphie
BOONE, Damien. “ Astérix nazi? Michel Serres se trompe lourde-
ment ”, 21.09.2011 : http://blogs.lesinrocks.com/cestvousquiledites/2011/
09/21/asterix-nazi-michel-serres-se-trompe-lourdement/
BRUNO, Pierre. “ Astérix, devant nous, le sauveur de la France? ”, Le
français aujourd’hui 1/ 2002 (no 136), p.104-109 : www.cairn.info/revue-
le-francais-aujourd-hui-2002-1-page-104.htm. DOI : 10.3917/lfa.136.010
4
PECH, Thierry. “ Astérix: le même ou l’autre? ” (recension de
l’ouvrage de Nicolas Rouvière, Astérix ou la parodie des identités, Champs
/ Flammarion (25.01.2008). [http://www.laviedesidees.fr/Asterix-le-meme-
ou-l-autre.html
ROGEL, Thierry. “ Nicolas Rouvière, Astérix ou la parodie des iden-
tités ”, Lectures, Reviews, mis en ligne le 14 février 2008, consulté le 28
août 2014. URL: http://lectures.revues.org/535
VOISIN, Renaud. “ Astérix et Obélix, la potion magique du soft power
français ”, 13 novembre 2013. https://ladiplomatiedinfluence.wordpress.co
m/2013/11/13/asterix-et-obelix-la-potion-magique-du-soft-power-franca
is/
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Francisco Xavier na Peregrinaçam:
o percurso de um santo segundo Fernão Mendes
Pinto
como bem observou Ricardo Ventura, “(. . . ) dois momentos fulcrais desse
processo de convivência entre a jurisdição civil e a jurisdição eclesiástica”.
(Ventura, 2004: 505)
É sabido que o processo evangelizador do Oriente e, em particular,
o da Índia, tomou um rumo bem diverso, alguns anos depois, assim que
foi decidida e concretizada a destruição dos pagodes e aldeias da ilha de
Goa, cujas rendas passaram a financiar o esforço de conversão dos gentios;
a chegada dos primeiros elementos da Companhia de Jesus à Índia, os
padres Francisco Xavier e Cosme de Torres e o irmão João Fernandes,
no ano de 1542, seria determinante para a concretização dessa alteração
– começava, conforme considera Ricardo Ventura, ““uma evangelização
sistemática” (Ventura, 2004: 506) a cargo de franciscanos, dominicanos e
agora de jesuítas que, em 1549, criaram a Província Jesuítica da Índia.
Não foi por acaso que os padres da Companhia de Jesus partiram para
a zona fulcral do império português; Francisco Rodrigues aponta a razão
para umas cartas que Diogo de Gouveia, o Velho, mestre português e
reitor da Universidade de Paris, professor dos fundadores da Companhia,
enviou ao Padre Simão Rodrigues e ao rei D. João III, impulsionado por
uma missiva que lhe escrevera Jerónimo Osório, futuro bispo de Silves, em
que este lhe dava conta de que um grande número malabares se tinham
convertido à fé cristã:
[Diogo de Gouveia] remeteu ao Padre Simão Rodrigues a carta de
Jerónimo Osório e escreveu a lhes propôr e oferecer a emprêsa da
conversão das almas na Índia, para onde navegavam cada ano as ar-
madas do rei de Portugal. Pouco tempo decorrido escreveu também
a D. João III a dar-lhe conhecimento de Inácio e seus companheiros,
da sua virtude, zêlo e trabalhos apostólicos, e a exortá-lo a tratar
com toda a pressa de os obter para missionários das suas conquistas
orientais (Rodrigues, 1931: 218-219).
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Francisco Xavier na Peregrinaçam: o percurso de um santo
segundo Fernão Mendes Pinto 133
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134 Fernando Alberto Torres Moreira / António Teixeira
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Francisco Xavier na Peregrinaçam: o percurso de um santo
segundo Fernão Mendes Pinto 135
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136 Fernando Alberto Torres Moreira / António Teixeira
Não matão, nem comem cousa que criam. Algüas vezes come pes-
cado, hay arroz e trigo, ainda que pouco: hay muytas eruas de que
se mantem, e algüas frutas, ainda que poucas, viue esta gente de-
esta terra muy saã a marauilha, e hay muytos velhos: bem se vé em
os Iapões como nossa natureza com pouco se sostem (Xavier, 1570:
f. XXXjX).
Parece, assim, ser correto concluir-se que a carta remetida pelo padre
Francisco Xavier de Cangoxima, Japão é, pelo seu conteúdo, um bom
exemplo de como se processava a missionação jesuíta, toda ela prenhe
de um pragmatismo evidente.
É deste missionário, que João Paulo Oliveira e Costa apelida de
agente do império português (Costa, 2005: 17), que Fernão Mendes Pinto
apresenta, na Peregrinação, e em primeira mão, uma caraterização muito
própria, exaltando-lhe as façanhas antigas1 e elevando outras a que as-
sistiu numa perspetiva notória com vista a um processo de santificação.
Perfilhando uma opinião do americano Thomas R. Hart, Amadeu Torres
define a base ideológica da Peregrinação segundo o binómio Fé e Império
sendo, por isso, tal como Os Lusíadas, uma obra de exaltação nacional na
sua essência (Torres, 1998:335). Mendes Pinto ainda carrega consigo o
espírito de cruzada alimentado por um espírito de missão bem presente no
apoio dado ao Padre Francisco Xavier (300 cruzados) para a construção
de uma igreja em Yamacuchi, no Japão; deste facto o autor nos dá conta
em carta enviada do colégio de Malaca, a 5 de dezembro de 1554, aos
padres e irmãos da Companhia em Portugal.
Mendes Pinto enfatiza a amizade com o padre mestre Francisco Xavier
de forma repetida, quer referindo a correspondência trocada entre ambos
(Pinto, 1984: 309), quer sublinhando o conhecimento que dessa relação
havia pelos padres e irmãos da Companhia:
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segundo Fernão Mendes Pinto 137
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138 Fernando Alberto Torres Moreira / António Teixeira
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segundo Fernão Mendes Pinto 139
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140 Fernando Alberto Torres Moreira / António Teixeira
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Francisco Xavier na Peregrinaçam: o percurso de um santo
segundo Fernão Mendes Pinto 141
dia santo judeu e do dia do Senhor dos cristãos! Fernão Mendes Pinto
remata, com chave de ouro, o seu contributo para o processo de santi-
ficação do Francisco Xavier, uma intenção que os milagres post-mortem
atribuídos ao padre mestre jesuíta reforçariam.
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Referêcias bibliográficas
COSTA, João Paulo Oliveira e (2005). “D. João III e São Francisco
Xavier”. In: Revista Oriente, no 13. Lisboa: Fundação Oriente.
DAURIGNAC, J. M. S. (1989). S. Francisco Xavier. Braga: Livraria
Apostolado da Imprensa.
LUCENA, João de (1989). História da Vida do Padre Francisco Xavier.
Lisboa: Publicações ALFA.
MOREIRA, Fernando (2013). “Francisco Xavier e a Evangelização do
Japão”. In: Revista Lusorama, no 95-96. Frankfurt am Main: DEE.
PINTO, Fernão Mendes (1984). Peregrinação. Lisboa: Sá da Costa.
RODRIGUES, Francisco (1931). História da Companhia de Jesus na
Assistência de Portugal. Porto: Apostolado da Imprensa.
THOMAZ, Luís Filipe (1993). “Descobrimentos e Evangelização: da
Cruzada à união pacífica”. In: Actas do Congresso Internacional de His-
tória da Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas. Braga.
TORRES, Amadeu (1998). “Fernão Mendes Pinto, no pós-centenário
da sua morte: o texto e a hermenêutica”. In: Ao Reencontro de Clio e de
Polímnia. Braga: UCP/FacFil, pp. 321-335.
XAVIER, Francisco (1570). Cartas do Japão. (F. XXv - XLIIIv). RES.
233P.
VENTURA, Ricardo (2004). “Estratégia de Conversão no tempo de D.
Gaspar de Leão, primeiro arcebispo de Goa – Reconstituição histórica de
uma controvérsia”. In: A Companhia de Jesus na Península Ibérica nos
séculos XVI e XVII - Espiritualidade e Cultura. Porto: FLUP.
Literatura da viagem em tonalidade modernista
Universidade Aberta
CLEPUL
translação, como se fosse a ideia própria para seduzir alguém que eu não
fosse. Toda a vasta visibilidade do mundo me percorre, num movimento
de tédio colorido, a imaginação acordada” (id.: 215).
De certo modo, a questão assim conceituada, com reflexões apenas
aparentemente contraditórias, abre caminho para a equacionação da pro-
blemática da viagem na vivência modernista e pelo discurso modernista.
E, como se pode confirmar, as palavras deste outro eu pessoano, que en-
controu na intranquilidade o sentido que sustenta poeticamente a noção
de sonho, estabelecem uma posição muito nítida, no que ela compreende
de valorização da subjetividade, ao atribuir justamente à subjetividade de
cada indivíduo uma dominância acentuada. Aliás, em múltiplos fragmentos
que fazem parte do Livro do Desassossego, Bernardo Soares manifesta um
profundo desencanto pelo facto de os homens se terem reduzido a pouco
mais do que animais, em consequência do desinteresse que de forma cres-
cente manifestam em relação à “actividade superior da alma” (id.: 486).
Num texto de provavelmente 1915, por exemplo, intitulado (ainda que
com algumas reservas por parte de Bernardo Soares) O Sensacionista,
este outro eu pessoano – em termos bastante elucidativos, pela nota de
pessimismo que ostentam – refere-se precisamente ao “crepúsculo das dis-
ciplinas” em que então a Humanidade vivIA, sublinhado pouco depois que
pertence “a uma geração [. . . ] que perdeu todo o respeito pelo passado e
toda a crença ou esperança no futuro” (id.: 103).
Este sentimento encontra-se, como se sabe, profusamente representa-
dos em múltiplos textos de Soares. No entanto, o que se trata aqui essen-
cialmente é evidenciar, relativamente a Bernardo Soares (mas também aos
principais modernistas e, de certo modo, a quase todos os heterónimos de
Pessoa), uma condição particular do sujeito perante o mundo do real, con-
dição essa tanto mais relevante, quanto maior for a persistência do sujeito
na elaboração de dominantes temáticas que se vão constituindo a partir
do momento em que ganha densidade estética a relação de conflito com
a realidade. De facto, torna-se necessário reconhecer o posicionamento
crítico desse sujeito em relação a uma época “esvaziada” de subjetividade
e de respeito por cada indivíduo (onde o que fundamentalmente conta
são os valores materialistas, o que conduz aquele sujeito a incidir nestes
valores a sua atenção, realçando a especificidade negativa que, segundo
ele, os caracteriza). Não é por acaso que, num outro texto do Livro do De-
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Literatura da viagem em tonalidade modernista 145
Que me pode dar a China que a minha alma me não tenha já dado?
[. . . ] Compreendo que viaje quem é incapaz de sentir. Por isso são
tão pobres sempre como livros de experiência os livros de viagens,
valendo somente pela imaginação de quem os escreve. E se quem os
escreve tem imaginação, tanto nos pode encantar com a descrição
minuciosa, fotográfica a estandartes, de paisagens que imaginou,
como com a descrição, forçosamente menos minuciosa, das paisa-
gens que supôs ver. Somos todos míopes, excepto para dentro. Só
o sonho vê com (o) olhar (id.: 297-298).
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148 Dionísio Vila Maior
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150 Dionísio Vila Maior
abril de 1916, manterá uma intensa correspondência com Pessoa (que tes-
temunha os acontecimentos que envolveram a preparação e a publicação
dos dois primeiros números da revista Orpheu).
De facto, as cartas enviadas a Fernando Pessoa não podem passar
despercebidas, quando se reflete sobre a viagem interior no discurso mo-
dernista; elas constituem não só um dos mais importantes testemunhos
acerca quer do nascimento da revista Orpheu, quer do meio social e lite-
rário parisiense, como ainda (facto normalmente relacionado com o texto
epistolográfico) um vigoroso testemunho da evolução estética de Sá-Car-
neiro, das suas crises interiores, das suas incertezas, dúvidas. Nessas
cartas, Sá-Carneiro não só pede constantemente a Pessoa a opinião deste
sobre os seus poemas, contos, novelas, de problemas, inclusivamente, do
foro existencial e psicológico, mas também analisa criticamente algumas
produções de Pessoa e dos seus heterónimos. Ora, é precisamente numa
carta datada de 14 de Maio de 1913, enviada a Fernando Pessoa, que
Mário de Sá-Carneiro se pronuncia sobre uma questão que se relacio-
nará com uma das problemáticas mais importantes da sua obra: a que diz
respeito à sua viagem em busca do “Ideal” e à frustração resultante de
não ter conseguido atingir esse mesmo “Ideal”. Confessa Sá-Carneiro ao
amigo, concordando com este:
Gosto muito da sua ideia, que define bem o meu eu. Muitas vezes
sinto que para atingir uma coisa que anseio (isto em todos os cam-
pos) falta-me só um pequeno esforço. Entanto não o faço. E sinto
bem a agonia de ser-quase. Mais valia não ser nada. É a perda,
vendo-se a vitória; a morte, prestes a encontrar a vida, já ao longe
avistando-a (Sá-Carneiro, M., 1992: 139).
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Literatura da viagem em tonalidade modernista 151
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152 Dionísio Vila Maior
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Literatura da viagem em tonalidade modernista 153
Eu vivo horas que nunca ninguém viveu, horas feitas por mim, sen-
timentos criados por mim, voluptuosidades só minhas – e viajo em
países longínquos, em nações misteriosas que existem para mim,
não porque as descobrisse, mas porque as edifiquei. Porque eu
edifico tudo (id.: 150).
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154 Dionísio Vila Maior
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156 Dionísio Vila Maior
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Literatura da viagem em tonalidade modernista 157
[. . . ]
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim? (Pessoa, F., 1990: 57)
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158 Dionísio Vila Maior
O que uma breve análise destes versos permite sublinhar são dois as-
petos: antes de mais, o reconhecimento, já em 1909 (no poema Em busca
da beleza, a que o primeiro grupo de versos pertence), da inutilidade do
querer alcançar a “Perfeição”, quedando-se o próprio facto de se pensar
nela longe da condição humana; em segundo lugar, a verificação de que,
ainda que se alheie das preocupações diárias (“agonias / Da vida”, escre-
vera antes), essa atitude não oferecerá ao sujeito o lenitivo procurado, de
novo se ressumando uma conceção derrotista (sublinhada pela conjunção
adversativa “Mas”).
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Literatura da viagem em tonalidade modernista 159
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Bibliografia
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162 Dionísio Vila Maior
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A História Trágico-Marítima:
suas características no âmbito da História do Livro
Kioko Koiso
Tomo I
1. Galeão grande São João (naufragou em 1552)
2. Nau São Bento (1554)
3. Nau Conceição (1555)
4. Naus Águia (1560) e Graça (1559)
164 Kioko Koiso
Tomo II
7. Nau Santo António
8. Nau Santiago (1585)
9. Nau São Tomé (1589)
10. Nau Santo Alberto (1593)
11. Nau São Francisco (1597)
12. Galeão Santiago (1602) e nau Chagas (1594)
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A História Trágico-Marítima: suas características no âmbito
da História do Livro 165
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166 Kioko Koiso
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A História Trágico-Marítima: suas características no âmbito
da História do Livro 167
(ANÓNIMO), existem a 1.a edição, a 2.a edição, a 3.a edição, a 3.a edição
emendada, a 4.a edição, a 5.a edição e uma contrafacção4 , ou seja, o texto
da História Trágico-Marítima corresponderá, pelo menos, à nona versão
sujeita a centenas de alterações sofridas em cada publicação. Neste
contexto, as edições do século XX poderão considerar-se a décima versão
com ainda mais intervenções.
No cenário da morte, depois de ter sido despida pelos autóctones, D.
Leonor, mulher do capitão Manuel de Sousa de Sepúlveda, fez uma cova
na areia para se meter até morrer. Todavia, a passagem de “fazendo hua
coua na area onde Se meteo atee a cinta” não se encontra no manuscrito,
pois foi acrescentada na 1.a edição. Como temos analisado noutras oca-
siões, depois da dramatização deste episódio e de outras modificações, o
naufrágio de Sepúlveda sofreu centenas de alterações nas restantes edi-
ções. (KOISO, 2004: I, 142-158; IDEM, 2009: I, 73-111, 307-437 e II,
765-1043).
Além dos episódios, alguns dados como números, datas, direcção do
vento, nomes, entre outros também divergem de uma edição para outra.
Referimos apenas a vicissitude da modificação do nome do mestre Cris-
tóvão Fernandes, chamado o Curto, que conhecemos no “naufrágio de
Sepúlveda”, como um exemplo significativo:
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da História do Livro 169
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A História Trágico-Marítima: suas características no âmbito
da História do Livro 171
“[p. 6r] Com outras ordẽs que me derão em hum regimento aSsinado
pello ViSorey, que eu não poSSo em que queira deixar de guardar
puntual-
[p. 6v] mente. O qual regimento antre outras muitas, couSas que
não Seruem para eSte lugar, continha em Suma o Seguinte. Que a
derrota foSSe á ilha de Sancta Elena, como Sua mageStade mandaua,
as Ilhas dos Açores: Ambas Capitainas da / carreira da India. E da cauSa, & deSaStres,
por- / que em vinte annos Se perderão trinta & / oito náos della: com outras / couSas
curioSas. . . . . b) DAS BATALHAS / DO GALEAOM SANCTIAGO / com OlandeSes. E
da nâo Chagas que ardeo antre as / Ilhas, com VngleSes [sic]. Das cauSas porque em 20
annos / Se perderão 38. nâos da India. De como a cõquiSta, & / nauegação do Oriẽte
não pertẽce a nação algua Senão / á PortugueSes, & lhe foi dada por noSSo Senhor IESV
/ CHRISTO. Dos Sitios das Ilhas da Sancta Elena, / & de Fernão de Loronha. E do que
nellas á.
7
Agradecemos ao Dr. John O’Neil da The Hispanic Society of America por ter apoiado
a nossa pesquisa em 2009 e por ter consultado o exemplar para confirmar a nossa dúvida
para o presente trabalho.
8
Em relação à edição (b), o exemplar da Biblioteca da Ajuda era o único que se conhe-
cia. Contudo, verificámos outro exemplar na Herzog August Bibliothek, em Wolfenbüttel.
9
Agradecemos à Dr.a Marguerite Ragnow da The James Ford Bell Library por ter
apoiado a nossa pesquisa em 2009 e por ter consultado o exemplar para confirmar a
nossa dúvida para o presente trabalho.
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172 Kioko Koiso
São apenas expressões que destacam o assunto, pelo que não nos pa-
rece que tenham podido provocar algum problema em relação à Inquisição.
As razões de estas palavras serem apagadas ainda ficam por esclarecer.
Acrescentamos que, nas duas contrafacções (c) e (d) na classificação de
Boxer (BOXER, 1957: 71), as palavras borradas não aparecem, sendo
suprimidas10 .
Conclusão
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A História Trágico-Marítima: suas características no âmbito
da História do Livro 173
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Bibliografia
Fontes Manuscritas
ANÓNIMO, “Perdimento do gualeão São João que vinha da Imdia pera
Portuguall Manoell de Sousa de Sepulluada por capitão”, Miscelânea
Histórica, vol. II, fls. 418v-433 (BA Cod. 50-V-22).
Fontes Impressas
AMARAL, Melchior Estácio do Amaral (1604a), Tratado das Batalhas,
e Svcessos do Galeão Sanctiago com os OlandeSes na Ilha de Sancta
Elena. E da Náo Chagas com os VngleSes [sic] antre as Ilhas dos Açores:
Ambas Capitainas da carreira da India. E da cauSa, & deSaStres, por que
em vinte annos Se perderão trinta & oito náos della: com outras / couSas
curioSas, Lisboa, por António Álvares. (editio princeps)
IDEM (1604b), Das Batalhas do Galeaom Sanctiago com OlandeSes.
E da nâo Chagas que ardeo antre as Ilhas, com VngleSes. Das cauSas
porque em 20. annos Se perderão 38. nâos da India. De como a cóquiSta,
& nauegação do Oriẽte não pertẽce a nação algua Senão á PortugueSes,
& lhe foi dada por noSSo Senhor Iesv Christo. Dos Sitios das Ilhas da
Sancta Elena, & de Fernão de Loronha. E do que nellas á, Lisboa,
António Álvares. (editio princeps)
IDEM (1604c), Tratado das Batalhas, e Sucessos do Galeam Santiago
com os Olandezes na Ilha de Santa Elena, e da Nao Chagas com os
Inglezes entre as Ilhas dos Açores: ambas Capitanias da carreyra da
India, & da cauSa, & deSaStres, porque em vinte annos Se perdêraõ trinta,
& oyto Naos della, Lisboa, na Oficina de António Álvares. (Contrafacção)
A História Trágico-Marítima: suas características no âmbito
da História do Livro 175
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A História Trágico-Marítima: suas características no âmbito
da História do Livro 177
Estudos
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co-Marítima”, Revista da Faculdade de Letras, n.o 3, série I, Lisboa, Uni-
versidade de Lisboa, pp. 48-99.
IDEM (1979), “An Introduction to the História Trágico-Marítima
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Pisa, Giardini Editori e Stampatori, pp. 99-112.
KOISO, Kioko (2004), Mar, Medo e Morte: aspectos psicológicos
dos náufragos na História Trágico-Marítima, na documentação inédita e
noutras fontes, 2 vols., Cascais, Patrimonia.
IDEM (2009), História Trágica do Mar: navegações portuguesas nos
séculos XVI, XVII e XVIII, Tese de doutoramento apresentada à Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa.
LANCIANI, Giulia (1997), Sucessos e Naufrágios das Naus Portu-
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MACHADO, Diogo Barbosa (1741), Biblioteca Lusitana, histórica, crí-
tica e cronológica, na qual se compreende a notícia dos autores portu-
gueses e das obras que compuseram desde o tempo da promulgação da
Lei da Graça até ao tempo presente, 4 tomos, Lisboa Occidental, Officina
de Antonio Isidoro da Fonseca, tomo I.
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e Contrafacções em Portugal no Século XVIII, Tese de mestrado em Lite-
ratura e Cultura Portuguesas – Época Moderna – apresentada à Univer-
sidade Nova de Lisboa.
IDEM (2012), Livros Clandestinos e Contrafacções em Portugal no
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178 Kioko Koiso
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Carlos Ríos e sua Fábrica de Realidade
Flávia Walter1
Alexandra Filomena Espindola2
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Carlos Ríos e sua Fábrica de Realidade 181
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182 Flávia Walter e Alexandra Filomena Espindola
forma mais dinâmica e, portanto, com uma escrita numa linguagem menos
rebuscada e mais informativa, numa estrutura mais pontual e fragmen-
tada, com mensagens breves que instiguem o leitor a situar-se num tempo
e espaço atual como se ele estivesse na cena, no momento da ação, as-
sistindo a essa narração. As narrativas de Carlos Ríos encaixam-se nessa
tendência, pois são histórias curtas, escritas em fragmentos, com uma voz
narrativa que descentraliza o leitor e o coloca como protagonista da trama,
pois este é levado a uma rede de informações muito além do texto, assim
como a pensar em algumas problemáticas contemporâneas que o ajudam
a construir uma realidade imediata e que são produzidas por essa “fábrica
de realidade” que perpassa por um caminho de vai desde a referência a
outras literaturas, programas da TV, matérias jornalísticas até às artes
plásticas.
Uma das problemáticas bastante discutidas na contemporaneidade é
a relação com o animal. O animal se faz presente nas narrativas e pode
ser pensado a partir das discussões de morte e vida da biopolítica, assim
como uma associação às questões políticas argentinas tanto da época da
ditadura argentina com a referência a El Matadero de Esteban Echeverría
(2006), assim como às questões políticas meritocráticas atuais. O animal
morto também faz parte de uma referência autobiográfica do escritor, pois
seu pai era açougueiro e essas palavras que são relacionadas com corte
de carne, descrição da matança animal fazem parte das histórias escritas
por Ríos. Outro ponto destacado nas narrativas é a presença da família e
as problemáticas referentes à origem, identidade e língua presentes nas
narrativas analisadas.
As narrativas Manigua e Cuaderno de Pripyat de Carlos Ríos podem
ser lidas como relatos de viagem, já que são histórias de viagens mas não
viagens “reais”, mas algo estranho, insólito pela forma como as descrições
são feitas utilizando elementos reais e virtuais, construindo uma imagina-
ção pública das regiões da África e da Ucrânia que é criada a partir de
uma experiência turística indireta de Ríos através do tempo zero, termo
cunhado por Josefina Ludmer (2010) para descrever o tempo tecnológico,
o tempo da transmissão instantânea, o tempo da internet. É interessante
sabermos que Manigua é considerado um relato de viagem, pois conta a
história de Apolon que obedeceu a ordem do seu pai viajando distante
em busca de uma vaca, que seria sacrificada no nascimento do seu irmão
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Carlos Ríos e sua Fábrica de Realidade 183
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184 Flávia Walter e Alexandra Filomena Espindola
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Carlos Ríos e sua Fábrica de Realidade 185
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186 Flávia Walter e Alexandra Filomena Espindola
do não pertencimento, pois não pode mais ser classificada num gênero
específico e, portanto, passa a apresentar traços de diferentes gêneros,
não pertencendo mais a um único.
O relato de viagem atual não exerce mais aquelas funções ressaltadas
por Süssekind (2006): aprendizado, conhecimento, mapeamento, reprodu-
ção do real, descoberta de novas e diferentes culturas. Percebemos hoje
que isso tudo já é dado, já é colocado, já é encontrado na web a tempo real
e também discutido nas suas não “verdades”. O relato de viagem de Ríos
é construído numa estrutura não habitual, que provoca em nós, leitores,
um estímulo a conhecer seu procedimento e a experienciá-lo através de
sua constituição a partir de recortes de um mundo realficcional, como se
fôssemos verdadeiros catadores ao léu.
Assim, acreditamos que Ríos inventou uma outra forma para fazer re-
latos de viagens contemporâneos e, consequentemente, uma maneira di-
ferente de escrever diários de viagens. Podemos afirmar que Ríos não
escreveu diários propriamente ditos, mas conseguiu, de uma forma pecu-
liar, organizar os restos das anotações diárias do seu “caderno”, fazendo
collages de todas essas suas “experiências” e montando a partir delas
seus textos com esses restos do “real”.
Com esse seu procedimento diferenciado, poderíamos até ousar em
criar um novo conceito para os relatos de viagens contemporâneos, ou
seja, tentar encontrar uma nova maneira de caracterizar o que, talvez,
não haja caracterização. Para tanto, acreditamos que formular um con-
ceito seja necessário para estimular outras pesquisas sobre esses relatos
contemporâneos. Dessa forma, atrevemo-nos a chamar tais histórias de
viagens de relatos de navegação virtual, já que, assim como Ríos, navegam
em outros meios. Nessa perspectiva, tanto a palavra navegação quanto
virtual marca esse nosso tempo de comunicação e interação tecnológica,
digital. Enquanto virtual nos remete diretamente ao mundo da internet, a
palavra navegação, além de também participar desse mundo como expres-
são (navegar na internet), carrega uma tradição histórico-etimológica, já
que os “primeiros” exploradores foram os navegadores.
Ao final, podemos entender que o que segura o leitor nessas histórias
é mais o procedimento narrativo de Ríos do que os próprios enredos.
Dessa forma, o que foi narrado ganhou destaque pelo modo de como
foi narrado, porque os narradores, mesmo que confusos, deram potência
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Carlos Ríos e sua Fábrica de Realidade 187
à narrativa, uma vez que quebraram o jogo das certezas. Essa quebra
das certezas, essa mistura de realidade e ficção, essa manigua narrativa
criaram o universo de um relato de viagem contemporâneo criado a partir
da imaginação pública, das imagens vistas pelo escritor Carlos Ríos. Esta
fábrica situa-se dentro do seu mundo, do seu espaço, num tempo zero, num
tempo tecnológico no qual não há mais a necessidade de um deslocamento,
de uma viagem, de um convívio com o outro, de uma integração ou de uma
vivência. Bastou um clique, um olhar, um criar.
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Referências
Do autor:
RÍOS, Carlos. Manigua. Buenos Aires: Entropia, 2009.
RÍOS, Carlos. A la sombra de Chaki Chan. Maldonado, Uruguai:
Trópico Sur, 2011.
RÍOS, Carlos. Cuaderno de Pripyat. Buenos Aires: Entropia, 2012.
RÍOS, Carlos. El artista sanitario. Córdoba: Postales Japoneses,
2012.
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A relevância de Peregrinação no contexto da
apresentação do Budismo aos Europeus
Humboldt-Universität zu Berlin
Kultur-, Sozial- und Bildungswissenschaftliche Fakultät
CAP. III.
Como de Diu me embarquei para o estreito de Meca, e do que
passei nesta viagem.
Partidas ambas estas fustas desta fortaleza de Diu, e navegando
juntas em uma conserva com tempo assaz forte, na despedida do
inverno, com grandes chuveiros, e contra monção, houvemos vistas
das ilhas de Curia, Muria e Abedalcuria, nas quais estivemos de
todo perdidos, sem nenhuma esperança de vida; e tornando-nos,
por não haver outro remédio, na volta do sudoeste, prouve a nosso
Senhor que ferramos a ponta da ilha Çacotorà, uma légua abaixo
donde esteve a nossa fortaleza que dom Francisco d’Almeida, pri-
meiro Vice-rei da Índia fez, quando no ano de 1507 foi deste reino,
e ali fizemos nossa aguada, e houvemos algum refresco, que por
nosso resgate comprámos aos Cristãos da terra que descendem da-
queles que antigamente o Apostolo São Tomé converteu nas partes
da Índia, e Choromandel. (Pinto, 1614, p. 279)
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do Budismo aos Europeus 193
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194 Bruno Miguel Gouveia Antunes
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do Budismo aos Europeus 195
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do Budismo aos Europeus 197
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198 Bruno Miguel Gouveia Antunes
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A relevância de Peregrinação no contexto da apresentação
do Budismo aos Europeus 199
Dirtoey, disse o bonzo, & verâs quanto mais sabemos das cousas
passadas que tu das presentes. Has de saber, pois não o sabes, que
o mundo nunca teve principio nem os homens que nelle nasceraõ,
poderão ter fim, mais que somente acabarem estes corpos em que
andamos, no derradeyro bocejo, para nelles a natureza nos passar
de novo a outros milhores, como se ve claro quando tornamos a
nascer de nossas mays ora em machos, ora em femeas, segundo
a conjunção da lua em que nos parem, & despois que somos cà
nacidos no mundo, fazemos por vários sucessos, estas mudanças,
a que a morte nos té sojeitos por parte da natureza fraca de que
somos compostos, & quem té boa memoria, sempre lhe fica lembrãdo
o que fez & passou nos espaços da vida primeyra. (Pinto, 1614, p.
279)
10
Cf. Losso, 2008: 6: «Bonzo vem do japonês “bózu”, e a letra -o- foi nasalada no
aportuguesamento com o decorrer do tempo, processo esse que se deu ao longo do século
XVI. Esse é justamente o período em que viveu Fernão Mendes Pinto (1509-1583). A
palavra significa em primeiro lugar “monge budista, esp. das ordens religiosas budistas
do Japão e da China” (Houaiss, 2001) e em segundo “pessoa medíocre, ignorante, que se
dá ares de superioridade”».
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200 Bruno Miguel Gouveia Antunes
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A relevância de Peregrinação no contexto da apresentação
do Budismo aos Europeus 201
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202 Bruno Miguel Gouveia Antunes
3. Conclusão
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A relevância de Peregrinação no contexto da apresentação
do Budismo aos Europeus 203
13
Cf. Deleuze & Guattari, 1980.
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Referências bibliográficas
of the East in China and Central Asia. Sankt Augustin: Institut Monu-
menta Serica/Steyler Verlag, pp. 425-444.
HOUAISS, A. (2001), Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio
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HUAIYU, Chen (2006), «The connection between Jingjiao and Buddhist
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the East in China and Central Asia. Sankt Augustin: Institut Monumenta
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LOSSO, Eduardo (2008), «Nariz metafísico em ‘O segredo do Bonzo’»,
in, Machado de Assis: novas perspectivas sobre a obra e o autor, no
centenário de sua morte. Rio de Janeiro: Editora da UERJ.
MULLER, H. C. A. (1944), Voorloopers en navolgers van Marco Polo:
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pt/82)
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Expressão Portuguesa da Universidade de Lisboa (org.), Condicionantes
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RIBEIRO, Aquilino (2008), Peregrinação de Fernão Mendes Pinto.
Lisboa: Edições Sá da Costa.
ROTT, Philipp G. (2006), «Christian Crosses from Central Asia» in
MALEK, Roman (ed.), Jingjiao. The Church of the East in China and
Central Asia. Sankt Augustin: Institut Monumenta Serica/Steyler Verlag,
pp. 395-401.
KLEIN, Wassilios & ROTT, Philipp G. (2006), «Einige problematische
Funde von der Seidenstraße: Novopokrovka IV und V, Issyk-Kul‘-Gebiet,
Chotan».
SÉRGIO, António (1938), «Prefácio» in PINTO, Fernão Mendes, Pe-
regrinação. Episódio da busca do corsário Coja Acem. Lisboa: Seara
Nova.
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206 Bruno Miguel Gouveia Antunes
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Quand un voyage en Orient en cache un autre
Régine Atzenhoffer
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Quand un voyage en Orient en cache un autre 209
Je sais par expérience que dans le monde entier les hôtels Plaza
Ritz et Palace se ressemblent tous: leurs salles de bain ont les
mêmes dimensions, le “ Martini Dry ” glacé servi dans leurs bars a
partout le même goût, et les prix aussi, à Singapour et à Barcelone
ou sur le paquebot, sont sensiblement les mêmes [. . . ] Je connais
des gens qui, ayant décidé de faire le tour du monde, ont pris leur
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210 Régine Atzenhoffer
On ne trouvera pas non plus, dans ses écrits, l’aventure pour l’aventure
ou pour l’exploit sportif, ni la recherche de l’exotisme ou la satisfaction
d’une curiosité : elle ne voyage pas pour découvrir de nouvelles vertus
et d’autres mœurs déclare-t-elle dans La Vallée heureuse. Ses raisons à
elle, il faut donc les chercher ailleurs. Dans ses récits, elle déconstruit
le mythe exotique et s’oppose au touriste. A l’inverse de ce dernier, elle
semble voyager parfois contre sa volonté comme si, dès l’origine, les dés
étaient lancés. En effet, elle se croit maudite, condamnée au voyage et
insiste sur les sacrifices que lui impose cette vie voyageuse hors normes.
Plus encore qu’un voyage d’opposition, c’est un voyage d’inversion qui
se dessine dans les textes d’Annemarie Schwarzenbach qui présente les
raisons de son départ comme un détournement de l’origine. Dominée
par une force irrésistible, une force intérieure, une addiction au voyage,
dans l’impossibilité de rester là où le sort l’a appelée à vivre, elle voit sa
vie marquée par la « malédiction de la fuite ». Rester, c’est s’intégrer,
acquiescer à un ordre et s’en déclarer partie prenante. Or, au-delà de
sa situation familiale, c’est toute une génération, celle de la jeunesse
d’après la Grande Guerre, qu’Annemarie Schwarzenbach voit, sinon mue
par une pulsion de fuite, du moins victime – ou bénéficiaire, c’est selon –
d’un déracinement historique. S’est produite une fracture qui sépare cette
jeunesse de la génération de ses parents et qui la prive de tout ancrage,
à la fois dans le temps et dans l’espace. C’est ce qui ressort clairement
de son article, Position de la jeunesse, publié le 20.04.1930 par la Neue
Zürcher Zeitung :
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Quand un voyage en Orient en cache un autre 211
de nos liens avec la tradition. Nous sentons que nous sommes des
apatrides.
Fuir donc à cause des fractures secrètes, partir puisqu’on ne peut plus
être de quelque part. Dans une Europe devenue infréquentable, le voyage
en Orient devient celui de la dernière chance, « un exotisme par néces-
sité » (Michel, 2001 : 84). Elle dit quitter un Occident décevant et la
liste de ses doléances est aussi longue que celle de ses attentes. Au-
delà des espérances concrètes et rationnelles, le fantasme d’un retour à
l’initial et à une certaine virginité de l’être du monde l’accompagne. Son
voyage repose donc à la fois sur un besoin d’opposition et de transgres-
sion, sur une mise à l’épreuve physique des limites de l’identité et sur la
forte conviction d’un salut possible en Orient. Pour trouver ce qui fait le
sens de sa vie, ce n’est pas vers l’Occident qu’elle se tourne, car, certaine-
ment à bout de course, il fait fausse route. L’Occident, ce sont désormais
les mégapoles, les machines, une sorte de déshumanisation, des rapports
sociaux aliénés, quelque chose qui s’apparente à la Métropolis de Fritz
Lang. Et ce qu’il y a d’autre en Europe, une certaine idée de l’homme et
de l’art, ce n’est qu’à distance de l’Europe qu’elle le perçoit le mieux ou,
au moment du retour, cet instant fugitif où s’effectue la reconnaissance.
Pour comprendre l’aventure humaine, il faut chercher ailleurs, car voyager
en Occident, c’est demeurer au sein de sa propre culture. Pour attein-
dre une compréhension plus totale de ce qui se passe en ce monde, il
faut que les familiarités tombent, il faut « perdre ses défenses ». Seules
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212 Régine Atzenhoffer
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Quand un voyage en Orient en cache un autre 213
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214 Régine Atzenhoffer
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218 Régine Atzenhoffer
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Quand un voyage en Orient en cache un autre 219
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Bibliographie
1
Referimo-nos aqui ao conceito de Linda Hutcheon, em A Poetics of Postmodernism:
History, Theory, Fiction, New York / London, Routledge, 1991, p. 5: “by this [“historio-
graphic metafiction”] I mean those well-known and popular novels which are intensely self-
-reflexive and yet paradoxically also lay claim to historical events and personages [. . . with]
theoretical self-awareness of history and fiction as human constructs [. . . ] rethinking of the
forms and contents of the past”. Ou ainda, ibidem, p. 16: “History is not made obsolete:
it is however being rethought – as a human construct” (sublinhado nosso).
222 José Paulo Cruz Pereira
1. Os espaços do inverso. . .
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Mia Couto: viagem e metaficção, em O outro Pé da Sereia. . . 223
em que sujeito falante – como portador da morte. Com efeito, como nos
diria Lacan, no Le seminaire, livre III – Les psychoses:
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224 José Paulo Cruz Pereira
Eis a nossa sina: esquecer para ter passado, mentir para ter futuro.
[. . . ] Não há pior cegueira que a de não ver o tempo. E nós já não
temos lembrança senão daquilo que os outros nos fazem recordar.
Quem hoje passei a nossa memória pela mão são exatamente aque-
les que, ontem, nos conduziram à cegueira. [. . . ] Não é fácil sair da
pobreza. Mais difícil, porém, é a pobreza sair de nós (Couto, 2006:
95; 271; 331)
Assim como a morte não a pinta senão quem morre, nem pode ser
pintada senão vendo quem está morrendo, assim o trago que pas-
sam os que navegam de Portugal para a Índia, não o pode contar
senão quem o passa, nem o pode entender senão quem o vê passar.
(ibidem: 179; sublinhados meus)
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Mia Couto: viagem e metaficção, em O outro Pé da Sereia. . . 225
“em Vila Longe, a morte não é exatamente um facto” (ibidem: 90; subli-
nhado nosso). Ou, ainda, no que mais tarde responderá a seu hóspede,
o historiador afro-americano Benjamin Southman, quando este lhe per-
gunta se, “os das fotografias” da “parede dos ausentes”, por acaso “não
estão mortos”: “– A gente nunca sabe quando está morta.” (ibidem: 170).
Versão de que se aproximaria, de resto, a de Zeca Matambira, o ex-boxeur
tornado funcionário dos correios de Vila Longe. Pois para ele: “o passado
é coisa mal morta, o melhor é não mexer nele. . . ” (ibidem: 151; subli-
nhado nosso). O mesmo confidenciaria ele a Mwadia Malunga: “vou-lhe
dizer um segredo: esta gente aqui, em Vila Longe, é que está morta. Nós
somos almas depenadas. / – Penadas, corrigiu Mwadia, sem convicção”
(ibidem: 148). E o próprio Arcanjo nos diria, a propósito da alfaiataria e
dos habitantes de Vila Longe: “Tudo isto devia ser sepultado, todos nós”
(ibidem: 145). Este sentido outro da morte faz-se também presente na
acepção de viagem – cuja noção percorre, de forma igualmente transversal,
todo o livro:
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Mia Couto: viagem e metaficção, em O outro Pé da Sereia. . . 227
É pois esse triplo achado que nos há-de encaminhar para a segunda
narrativa maior que, em O Outro Pé da Sereia, se desdobra: a dos “ma-
nuscritos” – a do “diário de bordo” do Padre Manuel Antunes, escrivão a
bordo da nau Nossa Senhora da Ajuda, onde segue, também, em janeiro
de 1560, o Provincial dos Jesuítas da Índia portuguesa, Dom Gonçalo da
Silveira, cujas ossadas Lázaro Vivo acaba de identificar, a partir do que
se diz de boca em boca. O regresso de Mwadia a Vila Longe – “E é você
quem vai levá-la [. . . ]”, diz-lhe o marido (ibidem: 48). . . – é o fantasmático
regresso da “História” à presença de quem a ouça e leia. É em sua velha
casa materna – onde diversas viagens se cruzam, a um só tempo – que “o
tempo” se nos tornará então visível. . .
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Mia Couto: viagem e metaficção, em O outro Pé da Sereia. . . 231
amarrada aos próprios pés, tão fora do seu mundo, tão longe da
sua gente. [. . . ] Vão-me acusar dos mais terríveis crimes. Mas
o que eu fiz foi apenas libertar a deusa, afeiçoar o corpo dela à
sua forma original. O meu pecado, aquele que me fará morrer, foi
retirar o pé que desfigurava a Kianda. Só tive tempo de corrigir
uma dessas anormais extremidades. Só peço que alguém mais com
a mesma coragem que me animou, decida decapitar o outro pé da
sereia. (ibidem: 242; sublinhados nossos)
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232 José Paulo Cruz Pereira
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Mia Couto: viagem e metaficção, em O outro Pé da Sereia. . . 233
– Era isso que mais que, agora, eu mais queria ser: um espírito do
rio. Ser água na água, ficar longe do mundo mantendo-se no seu
centro. E ter poderes que nasciam de nenhum confronto, coroada
pela simples aceitação de um mando sem voz. Era isso tudo o que
ela queria. (ibidem)
Ao som dessa mbira triste – outrora tocada por Nimi Nsundi, nos po-
rões da nau Nossa Senhora da Ajuda, em vésperas da sua morte. . . (ibidem:
236-237) – seria o pressuposto da “humanidade de tudo” – no tempo e
no espaço – que no-lo permitiria escutar.
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234 José Paulo Cruz Pereira
2. A travessia da escrita. . .
Aquilo que se vê no céu nem sempre são astros. Aprendera com o pai
a distinguir os verdadeiros dos falsos corpos celestes. Esses outros,
os enganosos astros, são barcos em que viajam os que não souberam
morrer. [. . . ] Ela sabia de suas certezas: o seu nome, Mwadia,
queria dizer “canoa” em sinhungwé. Homenagem aos barquinhos
que povoam os rios e os sonhos. (ibidem: 25; sublinhados nossos)
Escrever seria já, portanto, não saber morrer: viajar, acordar fora do
corpo, longe do último lugar em que tivemos casa. . . Escutar, em suma,
os espíritos da terra. . . E seria de uma tal travessia que se trataria já,
com efeito, naquela sua furtiva “viagem” pela velha documentação colo-
nial, a instâncias de seu tio Casuarino. Apostado em se aproveitar do
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Mia Couto: viagem e metaficção, em O outro Pé da Sereia. . . 235
Save África Fund, das verbas da ONG americana que Benjamin South-
man representava, Casuarino mobiliza a população de Vila Longe: “en-
cenariam em Vila Longe a África com que o estrangeiro sempre sonhara”
(ibidem: 175). Dispor-se-iam, assim, quer a falar das memórias do tempo
da escravatura colonial, quer a satisfazer as esperanças de genealógica
auto-certificação do próprio Benjamin Southman. . . Ora, todo o problema
resultaria do flagrante desfasamento, verificado entre as expetativas do
historiador – a sua visão idealizada do passado – e o desengano a que o
induziriam os depoimentos dos habitantes de Vila Longe:
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236 José Paulo Cruz Pereira
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Mia Couto: viagem e metaficção, em O outro Pé da Sereia. . . 237
Isso seria, antes de mais, porque, tal como também nos diria Rancière:
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Bibliografia
Universidade do Algarve
CLEPUL
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As Viagens de Fialho 241
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242 João Minhoto Marques
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As Viagens de Fialho 243
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244 João Minhoto Marques
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As Viagens de Fialho 245
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246 João Minhoto Marques
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248 João Minhoto Marques
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As Viagens de Fialho 249
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250 João Minhoto Marques
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Referências Bibliográficas
EPÍGRAFES
Dize-lhe que mudo a terra e o trajo e o costume, pois não é
pera pastor quem naceu pera viver triste; que me vou peregrino
por terras estranhas até que algua ache tão piedosa que em seu
centro me recolha ou mude a minha sorte.
Je dis des fictions, pour les distinguer des histoires véritables. J’a-
joute d’aventures amoureuses, parce que l’amour doit être le prin-
cipal sujet du Roman. Il faut qu’elles soient écrites en prose, pour
être conformes à l’usage de ce siècle. Il faut qu’elles soient écrites
avec art et sous de certaines règles ; autrement ce sera un amas
confus, sans ordre et sans beauté. La fin principale des Romans, ou
du moins celle qui le doit être, et que se doivent proposer ceux qui
les composent, est l’instruction des lecteurs, à qui il faut toujours
faire voir la vertu couronnée et le vice châtié. Mais comme l’esprit
de l’homme est naturellement ennemi des enseignements, et que
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Exílios, refúgios e desenganos dos pastores peregrinos 255
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256 Artur Henrique Ribeiro Gonçalves
2
Vd. Teodoro Prodomo, Rodante e Dosicles; Nicetas Eugenianos, Drósila e Caricleia;
Constantino Manasses, Aristando e Caliteia.
3
Vd. Eugénio Makrembolitas (Eumathios), Hismine e Hismínia / Amores homónimos.
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258 Artur Henrique Ribeiro Gonçalves
forças irracionais da natureza, concebida mais uma vez como uma arcádia
idílica e edénica. As emoções, o destino e a fortuna atravessam toda a
trama. Silvano ama Diana que ama Silvano mas casa com Délio por im-
posição dos pais. Pelo meio surgem muitos outros casos semelhantes a
lembrar-nos que a imperfeição do mundo real dos cortesãos não é muito
diferente da imperfeição do mundo imaginado dos poetas. Os atores em
cena falam de encontros/desencontros afetivos, cantam, bailam e recitam,
enquanto seguem os percursos de água fresca que os rebanhos reclamam
ou descansam à sombra das frondosas árvores dos bosques que compõem
o cenário bucólico. Predomina uma ruralidade primitiva que pouca ou
nenhuma importância dá às cidades dos homens erigidas nas idades de
bronze e ferro, aquelas que substituíram as idades de ouro e prata dos
paraísos pastoris na terra (Avalle-Arce, 1974: 69-100; Benoit-Dusausoy
& Fontaine, 2007: 246-247; López Estrada, 1974: 373-386; Menéndez
Pelayo, 2008: I, 679-721 et passim; Rallo: 1991: 11-99).
A lusitanização completa do género surge tardiamente pela pena de
Francisco Rodrigues Lobo, numa trilogia pastoril publicada no início da
centúria de seiscentos, quando já se procedia à passagem das estéticas
literárias do Maneirismo para as do Barroco: A primavera (1601), O
pastor peregrino (1608) e O desenganado (1614). O fio condutor da
intriga é confiado a Lereno, incansável caminhante pelos trilhos ditados
pela fortuna e errâncias impostos pelo destino em busca do amor ideal
e do conhecimento necessário que o transforme no paladino do amante
exemplar. A extensão da obra, repartida por três volumes autónomos
e medida em cerca de oitocentas páginas de texto impresso, exige uma
leitura individual de cada um deles, conducente a uma apreensão global
da coerência da sua estrutura interna (Belchior, 1985: 109-239; Ribeiro,
2001: 377-380; Jorge, 1999: 201-277; Pires & Carvalho, 2001: 13-25;
Simões, 1987: 139-154).
No ano em que se comemora o quarto centenário da publicação pós-
tuma da Peregrinação (1614) de Fernão Mendes Pinto, é de toda a justiça
associar a efeméride aos quatrocentos anos de vida da pastoral novelesca
completa de Francisco Rodrigues Lobo. O primeiro, por ter partilhado com
os vindouros o testemunho pessoal das suas andanças por terras e mares
do Oriente, onde a gesta épica lusitana então se andava a construir; o
segundo, por ter sabido imaginar um conjunto de muitas e diversas ex-
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260 Artur Henrique Ribeiro Gonçalves
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262 Artur Henrique Ribeiro Gonçalves
4
Vd.: Miguel de Cervantes, La Galatea (1585); Lope de Vega, La Arcadia (1598);
Honoré d’Urfé, L’Astrée (1607).
5
Vd.: (A) Redigidas em português – Fernão Álvares do Oriente, A Lusitânia trans-
formada (1607); Manuel Quintano de Vasconcelos, A paciência constante (1622); Elói de
Sotomaior, Ribeiras do Mondego (1623); João Nunes Freire, Os Campos Elísios (1626).
(B) Redigida em castelhano – Miguel Botelho de Carvalho, Prosas y versos del pastor de
Clenarda (1622); Manuel Fernandes Raia, Esperança engañada (1624 e 1629).
6
Vd.: (A) Espanhola – Jacinto de Espinel Adorno, El premio de la constancia y
pastores de Sierra Bermeja (1620); Gonzalo de Saavedra, Los pastores del Betis (1633);
(B) Inglesa: Sir Philip Sidney, Old Arcadia, (1680); (C) Suíça alemã: Salomon Geßner,
Dáfnis (1754); (D) Francesa – Charles Sorel, Le berger extravagant (1627); Jean-Pierre
Claris de Florian, Galatée (1783) & Estelle (1789).
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Bibliografia
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Pelo País dos Romances com o Padre Bougeant
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Pelo País dos Romances com o Padre Bougeant 267
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268 Ana Alexandra Seabra de Carvalho
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Pelo País dos Romances com o Padre Bougeant 269
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270 Ana Alexandra Seabra de Carvalho
partir de uma matéria que em si mesma não vale quase nada, eles
fazem uma espessa obra. Estas obras, como se vê, não podem ser
muito sólidas; mas não deixam de entreter os espíritos ociosos. As
mulheres, sobretudo, e as crianças adoram ver flutuar no ar estas
pequenas bolhas inchadas. Mas é verdade que não passa de um
brilho momentâneo, de que já ninguém se lembra no dia seguinte
(Bougeant, 2007: 74)3 .
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272 Ana Alexandra Seabra de Carvalho
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Pelo País dos Romances com o Padre Bougeant 273
que mais não eram do que membros do seu círculo de familiares e amigos,
o herói-narrador conta-lhes o seu sonho bizarro, e todos concordam que
ele o deve passar à escrita e publicar para deleite e instrução do público.
Desta forma, Bougeant conclui a viagem empreendida pelos clichés do
romanesco em voga nas primeiras décadas de setecentos para enfatizar a
condenação do País dos Romances, que, paradoxalmente, tão bem conhece
e, com bastantes probabilidades, aprecia às escondidas.
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Bibliografia
Clara Anunciação
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Peregrinação de Fernão Mendes Pinto no sistema de
ensino português 277
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278 Clara Anunciação
De facto, Peregrinação foi uma das obras que nunca conseguiu reunir
consenso, fazendo breves aparições em programas que foram descontinua-
dos rapidamente, num mudo debate entre especialistas do ensino acerca
da sua importância e figuração no cânone literário português. E embora a
obra continue sem se fazer representar no Programa e Metas Curriculares
de Português do Ensino Secundário, que entrará em vigor no ano letivo
2015/2016, a verdade é que cabe aos professores de Português a última
palavra, dentro da sala de aula, podendo a obra ser dada a conhecer aos
alunos em estreita correlação com a visão mítica do império que Portugal
representava no século XVI, veiculada pela obra Os Lusíadas, e com a
visão histórica que o relato de História Trágico-Marítima permite a res-
peito dessa época marcante dos Descobrimentos. O que a obra de Fernão
Mendes Pinto poderá acrescentar a estas visões é, nada mais, nada me-
nos, um duplo olhar satírico, no qual por um lado o autor dá a conhecer
as aventuras de que é protagonista no Oriente, e, por outro lado, os acon-
tecimentos, usos e mentalidades das diversas civilizações observadas por
ele (Saraiva, 1995: 100).
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Peregrinação de Fernão Mendes Pinto no sistema de
ensino português 279
5
Bernardo Gomes de Brito (1972). História Trágico-Marítima. Lisboa: Editorial
Verbo, p. 131 (sublinhado nosso).
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280 Clara Anunciação
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Peregrinação de Fernão Mendes Pinto no sistema de
ensino português 281
7
Bernardo Gomes de Brito (1972). História Trágico-Marítima. Lisboa: Editorial
Verbo, p. 135 (sublinhado nosso).
8
Bernardo Gomes de Brito (1972). História Trágico-Marítima. Lisboa: Editorial
Verbo, pp. 150-151 (sublinhado nosso).
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282 Clara Anunciação
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Peregrinação de Fernão Mendes Pinto no sistema de
ensino português 283
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284 Clara Anunciação
No que diz respeito à obra de Fernão Mendes Pinto, tudo foi diferente
e é bem possível que a falta de uniformidade de uma obra tão heterogénea
e pluridimensional não só caracterize a grandiosidade e singularidade de
uma obra como a Peregrinação, como tenha ditado esta a uma vida de
errância por entre os meandros do sistema de ensino português, não se
fixando no cânone escolar.
Por outro lado, ainda que a História Trágico-Marítima possa marcar
presença nesse cânone literário por ser uma obra representativa do género
literatura de viagens, o seu discurso simples e simbólico de um relato de
10
J. D. Pinto-Correia (1999). “A construção do colectivo na Peregrinação: percursos
e significados”. In M. A. Seixo & C. Zurbach(org.). O discurso literário da Peregrinação.
Lisboa: Ed. Cosmos, pp. 182-183.
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Peregrinação de Fernão Mendes Pinto no sistema de
ensino português 285
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Referências bibliográficas
Documentos institucionais
BUESCU, H., MAIA, L., SILVA, M. G. & ROCHA, M. R. (2014). Pro-
grama e Metas Curriculares de Português – Ensino Secundário. MEC.
BUESCU, H., MAIA, L., SILVA, M. G. & ROCHA, M. R. (2014). Ba-
lanço da consulta pública – Programa e Metas Curriculares de Português.
MEC.
Português A e B – Programas 10.o , 11.o e 12.o anos (1997). ME:
Departamento do E.S..
Português – Programa para o ano lectivo de 1974-1975. Ministério
da Educação e Cultura: Secretaria de Estado da Orientação Pedagógica.
Programa de Português (10o – 12.o anos) (1991). ME.
SEIXAS, J., PASCOAL, J., COELHO, M., CAMPOS, M., GROSSO, M.
& LOUREIRO, M. (2001). Programa de Português, 10.o , 11.o e 12.o anos
– Cursos Científico-Humanísticos e Cursos Tecnológicos. ME: DES.
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Por Este Rio Acima ou a Peregrinação revisitada
Resumo: O álbum Por Este Rio Acima, de Fausto Bordalo Dias, editado em
1982, mais do que uma homenagem ao texto de Fernão Mendes Pinto, apresenta-
se como uma revisitação e uma reinterpretação da Peregrinação.
Fausto Bordalo Dias apela ao valor da tradição popular portuguesa, recor-
rendo aos ritmos nacionais misturando-os com cadências de influência oriental e
africana, o que resulta numa originalidade que consagrou o trabalho do músico.
Fausto recorre ao texto da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto como
inspiração linguística e temática. Num espírito de revisitação e reinterpretação
e respeitando o fio narrativo do texto literário, o músico expressa o tom disfórico
das aventuras de Fernão Mendes Pinto.
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Por Este Rio Acima ou a Peregrinação revisitada 291
faixa “O barco vai de saída”, o corridinho na faixa “A voar por cima das
águas” e do fado castiço de Lisboa na faixa “Olha o fado” – alia-se ao
uso de instrumentos que recriam sonoridades orientais. Como exemplo
temos o solo de viola acústica na faixa “Porque não me vês”, que pretende
recriar o som da cítara indiana e imprime um ritmo quase hipnótico. Esta
fusão de sonoridades leva a um produto final pleno de originalidade e que
pretende evidenciar a miscelânea cultural que caracterizava a época de
Fernão Mendes Pinto. É de salientar a presença de músicos como Pedro
Caldeira Cabral, um dos melhores intérpretes de guitarra portuguesa da
actualidade, e de Júlio Pereira, que se dedica ao estudo de instrumentos
de corda de cariz mais tradicional.
Como autor das letras deste álbum, Fausto recorre ao texto da Pere-
grinação de Fernão Mendes Pinto como inspiração linguística e temática.
Saliente-se que Por este rio acima tem como subtítulo As viagens de Fer-
não Mendes Pinto, o que denuncia claramente a influência do texto de
1614 na obra musical. Num espírito de revisitação e reinterpretação do
texto literário, o músico expressa o tom disfórico das aventuras do autor
da Peregrinação. As temáticas da vida marítima e dos perigos do mar,
da guerra e da religião misturam-se com as múltiplas facetas da natureza
humana, seja através da expressão do medo, da saudade, da resignação
ou da confissão desiludida do erro vivencial. Através do uso de expressões
retiradas directamente do texto da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto,
Fausto procura recriar um ambiente total para que não haja demasiado
estranhamento por parte do ouvinte/leitor, o que indicia o propósito final
do músico de não se afastar da obra literária que o inspirou. A existência
no encarte do álbum de um “Diário de Viagem”, constituído por pequenos
textos cujas frases são retiradas de capítulos avulsos da Peregrinação e
que servem de inspiração e guia a algumas faixas é também uma das mar-
cas que denuncia o recurso constante ao texto literário de Fernão Mendes
Pinto.
Apesar de considerar o álbum como um todo na questão da revisitação
do texto literário, quero destacar duas faixas que são, para mim, importan-
tes quando se quer caracterizar a figura de Fernão Mendes Pinto segundo
a obra musical de Fausto. A faixa “Olha o fado”, com o ritmo gingão do
fado castiço lisboeta, procura a caracterização do navegador aventureiro,
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292 Sara Vitorino Fernandez
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Por Este Rio Acima ou a Peregrinação revisitada 293
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294 Sara Vitorino Fernandez
...............
Quando às vezes ponho diante dos olhos
As guerras
assaltos e gritas
o sangue a jorrar
a alagar
os turcos
senhora bendita
lançados ao mar
a afundar” (DIAS, 1984)
“Dispara o roqueiro
Amordaça o escravo
És cruzado és um bravo
Espia como mercador
Assalta como ladrão
Olha o rombo na quilha
Empunha o machado
Olha a tua quadrilha
Aguenta safado
............
Pelas pernas abaixo
Vai o pobre de mim
De Quedá a Samatra
De Malaca a Pequim
Fugindo a sete pés
Quando estoira o convés
Perde-se o ouro o provento
A prata fina a saúde
Mas glória santa me ajude
a dar graças a Deus
misericórdia infinita
pois eu não me lamento
se ao fim de tantos tormentos
escapei deles com vida
o Senhor seja louvado
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Por Este Rio Acima ou a Peregrinação revisitada 295
santos apostolados
viva eu entre os mortais
pois não mereci mais
por meus grandes pecados.” (DIAS, 1984)
Para finalizar lembro que Por Este Rio Acima se apresenta como um
álbum de temática e narrativa coesas, fazendo quase recordar a tendência
das óperas-rock dos anos 60 e 70 do século XX. O alinhamento das
faixas respeita o fio narrativo do texto da Peregrinação, tornando possível
um projecto de encenação em palco apenas usando as faixas, sem serem
necessários diálogos intermédios.
Acredito que através de um extraordinário exercício musical de revi-
sitação e reinterpretação, Fausto conseguiu dar a conhecer um dos mais
polémicos e importantes textos da Literatura Portuguesa.
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Bibliografia
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A sede de conhecer
Uma revisão da herança literária das viagens no
Diário de Miguel Torga
Lenka Kroupová
DESCOBERTA
Miguel Torga
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A sede de conhecer — Uma revisão da herança literária das
viagens no Diário de Miguel Torga 301
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302 Lenka Kroupová
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A sede de conhecer — Uma revisão da herança literária das
viagens no Diário de Miguel Torga 303
Resulta claro que a figura de Fernão Mendes Pinto é vista neste tre-
cho por Torga com marcado interesse. Mendes Pinto é descrito como
um observador ágil, inteligente e sensível e narrador duma obra “aciden-
tada”, lida com “incredulidade”, não obstante perfeitamente humana que
testemunha importantes encontros de culturas. Torga considera esta obra
como um valioso documento sobre o preço do progresso, fresco à maneira
duma reportagem atual e intemporalmente introspetiva. É esta linha in-
trospetiva que o leva a apodar Mendes Pinto do “Proust aventureiro”. Ao
mesmo tempo é de ressaltar que Torga, leitor apaixonado, lamenta que
atualmente esta literatura encontra poucos leitores.
Os descobridores dos séculos XV e XVI são figuras de frequente refe-
rência também nas suas entradas e das entradas diarísticas, pois nota-se
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304 Lenka Kroupová
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A sede de conhecer — Uma revisão da herança literária das
viagens no Diário de Miguel Torga 305
Fernão Mendes Pinto, que, com uma acuidade nunca superada, des-
vendou para os olhos incrédulos dos contemporâneos os mistérios
do Oriente brumoso. (. . . )
Não podéis, infelizmente, ter entre vós nem a sombra desses grandes
correspondentes que vos precederam no tempo. Mas apresento-os
modestamente, como seu discípulo aplicado. Corri também, desde a
meninice, as sete partidas. Presenciei, alanceado, cenas cruentas de
guerra, contemplei, atónito e envergonhado, os destroços de civiliza-
ções criminosamente destruídas, ouvi vociferações de energúmenos
a anunciar a multidões fanatizadas o aniquilamento de colectivida-
des inteiras, comunguei com naturais doutras raças e culturas no
mesmo sonho dum futuro próximo de harmonia humana. E dei, com
engenho que pude e algum risco, um testemunho empenhado mas
descomprometido dessas andanças.
Nenhum acontecimento significativo sucedido ao longo de quase um
século me deixou indiferente e sem um comentário alertador. Fui
uma espécie de homem da telegrafia no barco acosado pelas ondas
da realidade coetânea a lançar SOSs da aflição. (. . . )” (ibid., p.
1743)
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306 Lenka Kroupová
Tanto como Mendes Pinto oferece na sua obra prima um rico desenho
etnográfico, antropológico e sociológico dos lugares visitados, às vezes
hiperbolizados ou satirizados, as entradas realizadas durante as viagens
de Torga ultrapassam as meras descrições do lugares e a voz do narrador
comenta os diferentes ritos religiosos, costumes e tradições dos lugares
visitados, por vezes com um notável distanciamento.
“Senhora da Pena, Mouçós, 13 de Setembro de 1981 – O povo em
festa. Meio Trás-os-Montes a dar largas à vitalidade da alma e
do corpo numa romaria onde a fé e a força se desmedem, uma de
joelhos a suplicar e agradecer, e a outra erecta, a emborcar copos
de vinho e sopesar andores monumentais que deslizam seguros por
cordas e lembram veleiros a navegar num mar de gente. O que
eu daria para, ao menos por alguns momentos, ser capaz de tanta
devoção, tanto brio, tanta alegria, tanto desbordamento! Para me
não sentir envergonhado de, em vez de participar pletoricamente
neste paroxismo gregário de comunhão, delírio e abandono, andar
aqui a registá-lo como um intruso no segredo da retina.” (ibid., p.
1450)
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A sede de conhecer — Uma revisão da herança literária das
viagens no Diário de Miguel Torga 307
III. Para concluir, resta dizer que o roteiro diarístico de Miguel Torga
difere daqueles escritos na época dos Descobrimentos, principalmente,
como observa Mateus Fidalgo, “pelos métodos de escrita, abordagem e
apreensão da realidade, mas não deixa, contudo, de receber influências
do género claramente visto de Quinhentos, quando “descobre” as regiões
de Portugal e além das fronteiras”. É através da deslocação física, em
primeiro lugar e resumir as impressões no papel, pela notável paixão
por viajar e a grande sede de conhecer, ora gente, ora modos de viver,
e em caso de Torga, de evocar frequentemente o passado glorioso dos
heróis aventureiros e literários das Descobertas portuguesas. A literatura
dos Descobrimentos é um ponto de referência frequente nas entradas
diarísticas de Torga e numa delas, proclama-se ser um “discípulos” deles.
Como observa Álvaro Saraiva, os ecos da literatura dos Descobrimen-
tos e mais sobretudo de Mendes Pinto já por si constituem uma aventura
apaixonante que certamente ainda tem muito por revelar. Saraiva segue:
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308 Lenka Kroupová
por fazer o estudo sistemático dos autores lidos por Fernão Mendes
Pinto, ou dos que dele beneficiaram, alguns com nomes tão sonantes
como os de Jonathan Swift e Guimarães Rosa”. (2010: 135)
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Bibliografia
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Agustina Bessa-Luís:
narrativa de viagens e diálogos da lusofonia
Universidade do Minho
Pressupostos da viagem
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Agustina Bessa-Luís: narrativa de viagens e diálogos da lusofonia 313
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314 Maria do Carmo Cardoso Mendes
Nós e os Outros
3
De facto, as narrativas de viagens revelam “fenómenos de alteridade na formação
complexa e frequentemente contraditória da imagem do Outro, o estrangeiro, terreno fértil
de estudos da chamada imagologia. Textos que revelam, no próprio confronto com o espaço
estrangeiro (. . . ), um princípio fundador: não há alteridade sem uma qualquer forma de
identidade que propicie, simultaneamente, a distância e a aproximação. Ou antes: a
aproximação baseada na própria distância” (Machado, 2011: 83).
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316 Maria do Carmo Cardoso Mendes
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318 Maria do Carmo Cardoso Mendes
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Agustina Bessa-Luís: narrativa de viagens e diálogos da lusofonia 319
esta viagem, ao lado dos Portugueses Pero Vaz de Caminha, padre Antó-
nio Vieira e Ferreira de Castro. Parece haver um cuidado de Agustina na
seleção de escritores portugueses diretamente vinculados ao Brasil (é o
caso de Ferreira de Castro) ou na criação de nexos de proximidade entre
escritores brasileiros e portugueses. É assim que, no Recife, recorda o
poeta Manuel Bandeira e o “tom pessoano nos versos que parecem vento
empurrando folhas” (Idem, 23); “Quando fui ao Recife pela primeira vez,
fui à feira de que fala Vitorino Nemésio e, ao pensar nisso, ocorre-me
Clarice Lispector”’ (Idem, 65).
Este aspeto representa um primeiro vínculo entre os dois países. Mas
ao longo do texto Agustina encontra outros motivos de aproximação: a
descoberta do Outro torna-se então uma redescoberta da própria identi-
dade.
Espaços, realidades e comportamentos são com frequência vistos pela
sua proximidade. Comparar significa superar imagens empobrecedoras e
estereotipadas, reduzidas a lugares-comuns:
Quanto mais as regiões se distinguem em costumes e tradições, mais
a curiosidade dos povos é por eles acentuada e a criação é libertada
da tirania do modelo único. (. . . ) o sentido da comparação, essencial
como pilar da civilização, somos nós, os portugueses, quem melhor
o exerce (Idem, 21).
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320 Maria do Carmo Cardoso Mendes
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Referências bibliográficas
Ana Fernandes
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Alexandra David-Néel: l’écriture d’un voyage personnel 325
Quand ils sont assez chanceux pour être invités à entrer dans une
maison, les ardjopas authentiques ne refusent jamais cette bonne
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326 Ana Fernandes
Ce fut la première fois que je logeais chez des indigènes dans mon
déguisement de pauvresse. [. . . ] J’y allais maintenant expérimenter
par moi-même nombre de choses que j’avais jusque-là observées à
distance. Je m’assoirais à même le plancher raboteux de la cui-
sine sur lequel la soupe graisseuse, le thé beurré et les crachats
d’une nombreuse famille étaient libéralement répandus chaque jour.
D’excellentes femmes, remplies de bonnes intentions, me tendraient
les déchets d’un morceau de viande coupé sur un plan de leur robe
ayant, depuis des années servi de torchon de cuisine et de mouchoir
de poche. Il me faudrait manger à la manière des pauvres hères,
trempant mes doigts non lavés dans la soupe et dans le thé, pour
y mélanger la tsampa et me plier enfin à nombre de choses dont la
seule pensée me soulevait le cœur. (DAVID-NÉEL, 1927: 106-107)
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Alexandra David-Néel: l’écriture d’un voyage personnel 327
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328 Ana Fernandes
Le vieux paysan avait quitté son village avec une bande d’amis pour
faire, en pèlerinage, le tour du Kha-Karpo. Une maladie qui ne
s’expliquait pas l’avait privé de ses forces, il ne pouvait plus se
traîner. Ses compagnons avaient ralenti le pas pendant quelques
jours, ils s’étaient même arrêtés une journée entière. Et puis ils
avaient continué leur route. Telle est la coutume thibétaine même
au désert, où, s’il ne se rétablit pas promptement, le retardataire,
ayant épuisé ses provisions, meurt de faim. . . (DAVID-NÉEL, 1927:
68)
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Alexandra David-Néel: l’écriture d’un voyage personnel 329
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330 Ana Fernandes
2. L’écriture du voyage
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Alexandra David-Néel: l’écriture d’un voyage personnel 331
donc, ici, qu’un résumé des épisodes qui m’ont paru les plus pro-
pres à intéresser les lecteurs et à leur donner une idée des régions
auxquelles je me suis mêlée de façon intime en tant que chemineau
thibétain.
Cette randonnée vers Lhassa sous le déguisement d’une pèlerine
mendiante n’est, du reste, elle-même, qu’un épisode de longs voya-
ges qui m’ont retenue en Orient pendant quatorze années successi-
ves. (DAVID-NÉEL, 1927: 5)
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332 Ana Fernandes
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Alexandra David-Néel: l’écriture d’un voyage personnel 333
Encore une fois, elle fait preuve de son vif intérêt pour cette culture
en même temps qu’une connaissance linguistique, phonétique et étymolo-
gique des mots tibétains. Le pronom personnel je sert le rapport anthro-
pologique et le récit autobiographique dans la mesure où le personnage
principal raconte le récit d’une aventure personnelle et décrit un pays et
un peuple différents du sien. La particularité du récit de cette voyageuse
vient du fait qu’elle maintient un équilibre entre le récit de ses exploits
et la description qu’elle fait de l’Autre et de l’Ailleurs.
Le rapport se fonde sur de nombreux carnets de route et des lettres
qu’elle envoyait fréquemment à son mari Philippe Néel, étant son écri-
ture postérieure au voyage proprement dit. Son style épistolaire, parfois
journalistique, enregistre d’une façon détaillée et dans un style simple les
différentes étapes du voyage. Jo`‘elle Désirée-Marchand met en relief la
particularité du style et du contenu des écrits de notre auteure :
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334 Ana Fernandes
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Alexandra David-Néel: l’écriture d’un voyage personnel 335
Sans trouver les mots qui puissent décrire le mieux le paysage, Ale-
xandra David-Néel définit le sublime2 , concept anticlassique attaché à
l’élévation de la beauté.
Excepté ces descriptions plus ou moins poétiques, le Voyage d’une pa-
risienne à Lhassa reste un texte narratif dans lequel l’auteure se limite à
transmettre ce qu’elle a appris et vécu au Tibet.
En tant que voyageuse et écrivain, Alexandra David-Néel raconte
l’histoire de son voyage au Tibet pour renseigner ses lecteurs des as-
pects insolites de l’Ailleurs. Son écriture mélange récit autobiographique
et anthropologique. Elle a choisi de vivre une expérience de voyage pro-
che d’un pays et de ses habitants, dans des conditions extrêmes, très
périlleuses et trop difficiles.
Au style généralement peu littéraire, le rapport d’Alexandra David-
-Néel est un texte narratif où les différentes étapes du voyage surgissent
progressivement et révèlent une voyageuse et une femme qui se laisse
2
Le sublime est en soi une notion problématique. Le beau et le sublime vont géné-
ralement de pair. Tel que nous pouvons lire dans Le dictionnaire du Littéraire (ARON,
SAINT-JACQUES, & VIALA, 2002 : 573), «Diderot et Rousseau ont souligné ce qui donne
une ouverture sur le sublime peut être une harmonie de données très simples, un retour
aux éléments de la conscience. Reste que – Kant l’a montré – le sublime est un senti-
ment éprouvé par qui voit, lit ou entend une œuvre. Ainsi la catégorie du sublime peut
être un moteur de la création (éprouver ce sentiment et vouloir l’exprimer, le transmettre,
le susciter chez autrui) mais reste, en dernière analyse, un enjeu de la réception des
œuvres.»
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336 Ana Fernandes
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Références bibliographiques
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A Tradução da Peregrinaçam de Fernão Mendes Pinto
em Espanha, França, Inglaterra e Alemanha no século XVII 341
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342 Sandra Pina Gonçalves
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A Tradução da Peregrinaçam de Fernão Mendes Pinto
em Espanha, França, Inglaterra e Alemanha no século XVII 343
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344 Sandra Pina Gonçalves
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A Tradução da Peregrinaçam de Fernão Mendes Pinto
em Espanha, França, Inglaterra e Alemanha no século XVII 345
Para além destes, outros processos foram adotados nas várias ver-
sões, de entre os quais saliento a adaptação, a modulação, a tradução
interlinear e a tradução interlingual, no âmbito de questões linguísticas,
culturais, editoriais e factuais.
Quanto às razões das opções tradutológicas características de cada
texto, no caso espanhol, terão resultado, em grande medida, da neces-
sidade de clarificar determinados factos e informar o seu público-leitor,
intenção corroborada nas notas laterais e nos apartes parentéticos. Este
tradutor preocupou-se, de forma incansável, com a veracidade do relato,
com a natureza da Peregrinaçam e com o estilo de Fernão Mendes Pinto.
Na tradução francesa, é percetível uma intenção de «melhorar» o texto,
a escrita, a forma de dizer as coisas, indo ao encontro do gosto e da exi-
gência do seu público-leitor. Este tradutor revelou-se menos preocupado
com determinados pormenores ou certas informações demasiado roteirísti-
cas ou quantificadoras, tendo optado por proceder a alterações estilísticas
que adaptam o texto às regras e à estrutura da língua francesa da época.
Relativamente às traduções inglesa e alemã, a intenção de assegurar
a boa receção fez-se sentir de forma notória. As compressões e supressões
de passagens em que se percebe um elogio aos membros do clero católico
estarão em ambos os casos intimamente relacionadas com os contextos
religiosos de chegada, enfim com a censura dos seus rituais com o intuito
de agradar às autoridades protestantes.
Tendo em conta as constatações apresentadas e face aos paralelismos
estabelecidos entre a Peregrinaçam e as traduções em estudo, considero
que os tradutores Bernardo Figueira e Herrera Maldonado foram aqueles
que procuraram traduzir mais fielmente e de forma completa esta obra,
revitalizando-a notoriamente. Henry Cogan, não descurando o facto de a
sua tradução não ser completa, dado que a sua preocupação com a re-
ceção do texto o tenha levado a suprimir a passagem relativa à missão
de Francisco Xavier, foi um tradutor que procurou também ser fiel a uma
parte substancial da mensagem de partida. Os tradutores alemães foram
os que mais se afastaram, avaliando o recurso mais frequente às compres-
sões textuais, e a adoção da supressão de todas as referências ao padre
Francisco Xavier, procedimentos patentes na sua tradução-adaptação in-
completa, ainda que a intenção de agradar e satisfazer o gosto de seu
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346 Sandra Pina Gonçalves
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Bibliografia
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Um olhar estrangeiro: as impressões de Francis de Castelnau
em sua viagem pelo Brasil 351
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352 Flávia Lúcia Espíndola Silva
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Um olhar estrangeiro: as impressões de Francis de Castelnau
em sua viagem pelo Brasil 353
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354 Flávia Lúcia Espíndola Silva
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Um olhar estrangeiro: as impressões de Francis de Castelnau
em sua viagem pelo Brasil 355
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356 Flávia Lúcia Espíndola Silva
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Bibliografia
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Cartografar a Literatura: contributos da abordagem geocrítica
para a perenidade da Literatura de Viagens 361
3
Termo cunhado por Bertrand Westphal (WESTPHAL, 2000 e 2007).
4
Termo conhecido desde a década de 70 e ilustrado sobretudo por Kenneth White.
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362 Sara Cerqueira Pascoal
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para a perenidade da Literatura de Viagens 363
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364 Sara Cerqueira Pascoal
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para a perenidade da Literatura de Viagens 365
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366 Sara Cerqueira Pascoal
“(. . . ) parece à primeira vista que não ligam muito bem estas duas
expressões – Geografia e Literatura –, e até algumas vezes elas se
têm enlaçado quando se quer diminuir a obra de muitos cultores
da ciência geográfica. Acusam-se frequentemente os geógrafos de
literatos, querendo talvez significar que eles desprezam todo o con-
tacto com a realidade, vivendo no domínio da pura fantasia. Fala-se
de “Literatura geográfica” quase sempre com intuitos de maldizer;
e, deturpando muito embora a expressão, também se terá falado de
“Geografia literária” mais ou menos no mesmo sentido.” (GIRÃO,
1952: 105).
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para a perenidade da Literatura de Viagens 367
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368 Sara Cerqueira Pascoal
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Cartografar a Literatura: contributos da abordagem geocrítica
para a perenidade da Literatura de Viagens 369
2003, mas publicado pela primeira vez em 1998, é uma obra estruturada
em duas partes. Por um lado, Moretti interessa-se pela representação dos
espaços na Literatura, o que faz sobrelevar a metodologia da Geografia
literária e, em segundo lugar, pelo estudo da Literatura nos espaços, pelos
lugares de difusão e receção dos textos romanescos do séc. XIX, que é
no fundo a metodologia de uma Geografia da Literatura. A ideia de Mo-
retti de constituir mapas ou cartas com base nos romances tem inspirado
muitos outros investigadores, como é o caso de um dos trabalhos mais
ambiciosos que está em curso, o de constituir um Atlas do Romance Eu-
ropeu. Este projeto do Instituto Cartográfico da Universidade de Zurique,
coordenado por Barbara Piatti, recorre às mais modernas ferramentas de
Cartografia Assistida por Computador, para tentar reconstituir um Atlas
literário da Europa11 . Barbara Piatti é uma das mais recentes investi-
gadoras desta área, contando já diversas publicações em língua alemã,
entre as quais destacamos Die Geographie der Literatur. Schauplätze,
Handlungsräume, Raumphantasien (PIATTI, 2008).
No entanto, a ideia de construir atlas literário já não é nova. Em
1973, Jeremiah Benjamin Post editou An Atlas of Fantasy que reúne mais
de cem mapas que cartografam terras imaginárias, descritas nas mais em-
blemáticas obras da Literatura mundial (POST, 1973). Em 1880, Alberto
Manguel e Gianni Guadalupi publicaram O Dictionary of Imaginary Pla-
ces, que foi posteriormente reeditado em 1987 e 1999, obra definida pelos
autores como um Baedecker de terras ficcionais, cuja tradução para por-
tuguês foi editada em 2003 (MANGUEL e GUADALUPI, 2003). O livro
conta com ilustrações de Graham Greenfield e Eric Beddows, e os mapas
e plantas são de James Cook.
Na Université Sorbonne III, e com o patrocínio do CNRS, Michel Col-
12
lot e Julien Knebusch, dirigem o programa de pesquisas “Vers une Géo-
11
O projeto “A Literary Atlas of Europe”, que se propõe cartografar e analisar, através
de ferramentas electrónicas, a Geografia da Ficção, pode ser consultado em inglês em
http://www.Literaturatlas.eu/en/project/. Este projeto é coordenado pela Universidade de
Zurique com a colaboração de investigadores da Universidade de Göttingen, na Alemanha
e da Universidade de Praga, República Checa.
12
Michel Collot forneceu-nos em 2011, um estado da arte da Geografia Literária, na
sessão introdutória do programa de estudos “Vers une géographie littéraire”, disponível
em vídeo em: http://archive.org/details/Geographielitteraire1.collot.etatdeslieux.
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370 Sara Cerqueira Pascoal
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Cartografar a Literatura: contributos da abordagem geocrítica
para a perenidade da Literatura de Viagens 371
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Bibliografia
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Cartografar a Literatura: contributos da abordagem geocrítica
para a perenidade da Literatura de Viagens 379
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380 Sara Cerqueira Pascoal
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A viagem imaginária do humanista Luis Vives
(Somnium Vivis, 1520)1
Universidade do Algarve
CLEPUL
Resumo: Os sonhos (somnia) são parte de uma extensa tradição literária cul-
tivada desde a remota Antiguidade e que se estende até à contemporaneidade.
Nesta apresentação pretendemos revisitar um conjunto de sonhos detendo-nos,
em particular, no sonho, ou viagem imaginária, do valenciano Juan Luis Vives.
Texto fundamental deste representante maior do Humanismo, o Somnium Vivis,
radica na fonte ciceroniana, reflecte as preocupações do seu autor relativamente
à educação e exercerá influência indiscutível no corpus da sátira humanista pos-
terior.
recuar até Énio (séc. III a.C.)2 – e que tem como epígono o Sonho de
Cipião (Somnium Scipionis) com que Cícero conclui o seu famoso diálogo
De Republica (séc. I a.C.). Este género de textos ficionais permeou a
Idade Média, estendeu-se pelo Humanismo e interessou autores de épo-
cas posteriores.
Passarei em breve revista um conjunto de sonhos, sobretudo huma-
nísticos, cujo modelo não é marcadamente ciceroniano, bem como alguns
textos inspirados directamente pelo Sonho de Cipião3 , para me deter no
Somnium do humanista valenciano Juan Luis Vives; texto que é um pre-
fácio à sua edição e comentário (ou Vigilia) sobre o texto de Cícero – i.e.
obra publicada com o título Somnium et Vigilia in Somnium Scipionis,
muito elogiada por Thomas More e, sobretudo, por Erasmo, mestre do
Valenciano em Lovaina e de quem este se tornou amigo.
Podemos afirmar, de forma genérica, que determinados “Sonhos” de
autores humanistas sustentam na base um interesse filológico, outros re-
flectem preocupações científicas específicas da época em que foram escri-
tos.
De entre os primeiros, é possível destacar os dois “Sonhos” com que
Petrus Nannius (1496-1557), professor de latim no Colégio Trilingue de
Lovaina, inicia os seus cursos sobre os poetas latinos Virgílio e Lucrécio,
em 15454 . Outro exemplo, bem mais famoso, é o Somnium da autoria
do filólogo e humanista flamengo Justo Lípsio, cuja edição princeps de
1581, foi impressa na tipografia plantina em Antuérpia. Lípsio, imitando
a Apocolocintose de Séneca, introduz o leitor numa reunião do Senado
onde autores, como “Salústio” e “Ovídio”, entre outros de épocas variadas,
discutem o problema dos editores e filólogos excessivamente zelosos que
corrompem os textos clássicos com emendas e alterações que considera
infelizes e desnecessárias.
De entre os testemunhos de cariz mais científico, podemos referir Sa-
turnalitiae cenae variatae somnio somnium sive peregrinatione coelesti do
2
Cfr. o célebre sonho de Énio, com o poeta grego Homero, no canto I, fragmentos 2 a
8 dos Anais.
3
Da vasta bibliografia sobre este texto do Arpinate, sua importância e influência cfr.
Pereira, 2010.
4
Respectivamente sobre Virgílio e sobre Lucrécio: Somnium sive Paralipomena Virgili:
res inferae a poeta relictae e Somnium alterum, in liber II Lucreti praefatio.
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A viagem imaginária do humanista Luis Vives
(Somnium Vivis, 1520) 389
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390 Alexandra de Brito Mariano
6
O estudioso jesuíta André Schott (Andreas Schottus), na sua Hispaniae Bibliotheca
(Frankfurt, 1608) considera-o uma das três figuras cimeiras da res publica litterarum, em
conjunto com Budé e Erasmo.
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A viagem imaginária do humanista Luis Vives
(Somnium Vivis, 1520) 391
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392 Alexandra de Brito Mariano
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(Somnium Vivis, 1520) 393
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394 Alexandra de Brito Mariano
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A viagem imaginária do humanista Luis Vives
(Somnium Vivis, 1520) 395
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396 Alexandra de Brito Mariano
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A viagem imaginária do humanista Luis Vives
(Somnium Vivis, 1520) 397
11
quo libello, perfectus et absolutus in re publica princeps instituitur atque formatur.
Nullumque est in tota philosophia praestabilius opus atque divinius. (Pref. Epist. 5) –
“a obra em que o príncipe é ensinado e formado em perfeição completa nos assuntos do
Estado; pois não existe obra mais distinta ou divina em todo o corpus filosófico”. Cfr.
também Vives, 1946: 604, 630.
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Referências bibliográficas
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Peregrinação:
o ideário humanista de Fernão Mendes Pinto
Considerações prévias
exegese, podemos aduzir que esta memória de papel não é mais do que o
ideário onde o autor coloca as suas experiências e saberes humanistas1 .
Resta dizer que se encontram diluídos no corpo deste trabalho os tópi-
cos orientadores utilizados na sua redação, a saber: dados biográficos de
FMP; a Peregrinação nas Histórias da Literatura Portuguesa; contributos
para uma análise crítica da Peregrinação e sua alocação periodológica.
Por fim, reserva-se um espaço para as considerações finais, onde serão
apresentadas ponderações de natureza retrospetiva e prospetiva, apra-
zando as vicissitudes que ensombraram a Peregrinação. Importa salientar
que, dada a amplitude temática que abrange, este trabalho carece de
lavra de maior aprofundamento.
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Peregrinação: o ideário humanista de Fernão Mendes Pinto 403
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404 Elisama Soraia Sousa de Oliveira
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Peregrinação: o ideário humanista de Fernão Mendes Pinto 405
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406 Elisama Soraia Sousa de Oliveira
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Peregrinação: o ideário humanista de Fernão Mendes Pinto 407
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408 Elisama Soraia Sousa de Oliveira
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Peregrinação: o ideário humanista de Fernão Mendes Pinto 409
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410 Elisama Soraia Sousa de Oliveira
9
Exemplos: “dá claramente a entender que deve haver entre eles muita cobiça e pouca
justiça” (Rei Tártaro referindo-se aos Portugueses).
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Peregrinação: o ideário humanista de Fernão Mendes Pinto 411
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412 Elisama Soraia Sousa de Oliveira
Considerações finais
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Peregrinação: o ideário humanista de Fernão Mendes Pinto 413
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Bibliografia
Bibliografia Passiva
BARRETO, Luís Filipe (1986). “Introdução à Peregrinação de Fernão
Mendes Pinto”. In: DOMINGUES, Francisco e BARRETO, Luís Filipe
(org.). A Abertura do Mundo (Estudos da História dos Descobrimentos
Europeus – em Homenagem a Luís de Albuquerque), vol. I. Lisboa: Edi-
torial Presença.
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CATZ, Rebeca (1981). Fernão Mendes Pinto: Sátira e Anti-Cruzada
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pp. 1053-1062.
Documentos eletrónicos
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quotidiano?”. In: Colóquio de Letras, n.o 74, pp. 23-28, <http://coloquio.g
ulbenkian.pt>, consultado em 04-01-2014.
SARAIVA, Arnaldo (s/d). “A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto
Revisitada”. In: Cultura, Espaço & Memória, n.o 1, pp. 129-142, <http://le
r.letras.up.pt>, consultado em 01-02-2014.
Bibliografia ativa
PINTO, Fernão Mendes (1983). Peregrinação. Fernão Mendes Pinto.
Transcr. de Adolfo Casais Monteiro. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa
da Moeda.
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A China e o Japão na Peregrinação de Fernão
Mendes Pinto: entre utopia realizada e utopia
realizável
Stéphanie De Jésus
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entre utopia realizada e utopia realizável 419
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420 Stéphanie De Jésus
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“(. . . ) porém antes que estes se aceitem nestas casas, faz a justiça
sobre isso grandes exames, e se se vem a saber qual foi o pai ou
a mãe do enjeitado, os castigam gravemente e os degredam para
certos lugares que eles têm por mais estéreis e doentios.”9
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entre utopia realizada e utopia realizável 427
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428 Stéphanie De Jésus
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Bibliografia
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A Tra[d]ição do Cronista Viajante: uma Viagem por Outros
Mares Semânticos 433
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434 Thaís do Socorro Pereira Pompeu
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Mares Semânticos 435
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438 Thaís do Socorro Pereira Pompeu
Assim existe a denúncia por parte do autor que confessa ao seu leitor
que ele copiou, e quem servia de base e matriz de sua escritura. O texto
haroldiano é semelhante a uma colcha de retalhos de discursos de outras
obras e autores. É uma viagem pela literatura portuguesa e brasileira.
Sobre a técnica empregada por Haroldo na composição do romance é
de suma importância o comentário de Jackson (1990: 11-19):
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440 Thaís do Socorro Pereira Pompeu
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Mares Semânticos 441
A última caravela. . .
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442 Thaís do Socorro Pereira Pompeu
literatura dos viajantes, ou como matriz, molde e norte para obras poste-
riores. Nessa obra, cara à literatura universal, Haroldo Maranhão bebe
em muitos pontos para a construção de seu romance O Tetraneto Del-
-Rei, no que tange o estilo, a história e as peripécias de persongens tão
interessantes e apaixonantes.
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Referências
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Miguel Torga e Agustina: viagens, memória e espírito do lugar 447
não podem durar muito tempo e que, na sua própria função de aprendiza-
gem, de descoberta do Outro, só ganham sentido no regresso, quando on
rend compte, ou seja, quando o acto da escrita, na sequência do acto de
leitura que acompanha a viagem ou a precedera, lhe dá corpo. Trata-se
do diálogo em Paris com um amigo, numa Europa à beira da Segunda
Guerra Mundial:
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448 Álvaro Manuel Machado
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450 Álvaro Manuel Machado
primeira viagem de barco, a de ida, ainda com treze anos, leituras essas
obviamente mais simples, de autores mais populares, como as de Júlio
Verne, Perez Escrich e Zevaco. Leituras que já então o levam a procurar
a “vraie vie”, como dizia Proust, no “silêncio dos livros”, sem, no entanto,
deixar de a experimentar, de a confrontar com a realidade dos factos:
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452 Álvaro Manuel Machado
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454 Álvaro Manuel Machado
O meu pai foi para o Rio tinha doze anos. Nesse tempo era a cidade
de Machado de Assis, os homens usavam fatos de seda crua e fre-
quentavam os casinos. Meu pai viveu com aparato e grandeza, tinha
punhos de oiro, ratinhos de oiro pousados num brilhante. Também
tinha um alfinete de gravata que era um homenzinho aleijado e a
corcunda dele era outro brilhante. Era um homem valente, com ar
17
Álvaro Manuel Machado, Agustina Bessa-Luís – A Vida e a Obra, Lisboa, Arcádia,
1979, p. 52.
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Miguel Torga e Agustina: viagens, memória e espírito do lugar 455
de boa pessoa. Ninguém diria como ele era destemido e sem medo
de nada neste mundo. Mas acreditava no candomblé, não falava
muito nisso.18
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456 Álvaro Manuel Machado
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458 Álvaro Manuel Machado
Conclusão
29
Id., pp. 79-81.
30
Sartre, Les mots, Paris, Gallimard, col. Folio, 1975, p. 47.
31
George Steiner, George Steiner em The New Yorker, Lisboa, Gradiva, 2010, p. 310.
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A Escrita e as «Oralidades» na Peregrinaçam de
Fernão Mendes Pinto
(breves notas de leitura)
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462 João David Pinto Correia
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Mendes Pinto (breves notas de leitura) 465
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466 João David Pinto Correia
“Ao outro dia à tarde os sete que ficámos vivos fomos postos em
leilão em uma praça, onde todo o povo da cidade estava junto, e
o primeiro que o porteiro tomou pela mão para fazer seu ofício, foi
o pobre de mim. E começando a dar o primeiro pregão, ao caciz
moulana, que já era chegado com mais outros dez ou doze seus infe-
riores, também cacizes da maldita seita, requereo ao Heredim Sofo,
capitão da cidade, que nos mandasse de esmola à casa de Meca,
para onde ele estava de caminho, para que em nome daquele povo,
fizesse aquela romaria, porque não era razão, nem tão pouco honra
do mesmo capitão, mandar visitar o corpo do Profeta Noby, com as
mãos vazias e sem levar cousa em que o rajá Dato, moulana maior
da cidade de Medina, pudesse pôr os olhos (. . . ) A que o Capitão
respondeo que não tinha poder naquela pressa para dispensar nela
tão largo como lhe ele pedia, mas que falasse ele ao Soleymão
Dragut seu genro, porque ele o faria de muito boa vontade. // O
Caciz lhe replicou dizendo que as cousas de Deos e das esmolas
pedidas em seu nome, não haviam de ser joeiradas por tantas mãos
como ele dizia, senão somente pelas daqueles a quem se pedissem.
E que pois ele só era capitão daquela cidade e daquele povo que
ali estava junto, que a ele só pertencia condecender em peditório
tão justo e tão santo e tão agradável ao Profeta Noby Mafamede,
pois Ele só fora o que dera a vitória daquela pressa a seu genro, e
não o esforço dos seus soldados como ele dizia. // O que ouvindo
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Mendes Pinto (breves notas de leitura) 467
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468 João David Pinto Correia
“E, repreendendo eles (bonzos) o povo por isto, lhe disseram que
não dissessem aquilo que era grande pecado, nem houvessem medo,
porque eles lhes prometiam de pedirem todos ao Quiai Tiguarém,
deus da noite, que mandasse à terra que não fizesse mais do que
tinha feito, porque lhe não davam esmolas. . . ” (cap. XCVI).
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Mendes Pinto (breves notas de leitura) 469
directa transcrita como fala, opta-se quase sempre por uma personagem
(ou por muito poucas) que se impõe(m) num capítulo inteiro, senão obri-
gatoriamente pelo seu estatuto social, muitas vezes pela sua pertinência
enquanto elemento estrutural narrativo.
Podemos encontrar o processo, mesmo em capítulos com agentes prin-
cipais, como, por exemplo, António de Faria, que se define como aquele
“que faz”, mais do que aquele “que diz” ou “que fala”, ou ainda como Fran-
cisco Xavier, cujas falas se evidenciam em relação às outras personagens,
portuguesas ou não portuguesas.
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470 João David Pinto Correia
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Mendes Pinto (breves notas de leitura) 471
“Não cuides de mim, inda que me vejas minino, que sou tão parvo
que possa cuidar de ti que roubando-me meu pai me hajas a mim
de tratar como filho. E se és esse que dizes, eu te peço muito,
muito, muito, por amor do teu Deus, que me deixes botar a nado a
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472 João David Pinto Correia
essa triste terra onde fica quem me gerou, porque esse é o meu pai
verdadeiro, com o qual quero antes morrer ali naquele mato, onde
o vejo estar-me chorando, que viver entre gente tão má como vós
outros sois”
“– Não entendo isso que dizes, nem sei que cousa é essa que me
cometes. Declara-mo primeiro, e então te responderei a propósito.”
Perante a explicação do interlocutor, o menino “pondo os olhos
no céo, com as mãos alevantadas disse chorando: – Bendito seja,
Senhor, a tua paciência, que sofre haver na terra gente que fale
tão bem de Ti, e use tão pouco da tua lei, como estes miseráveis e
cegos, que cuidam que furtar e pregar te pode satisfazer como os
príncipes tiranos que reinam na terra.”
Quanto à “carta da Noiva” (cap. XLVII), ela pode ser tida por um dos
momentos mais emocionantes da componente lírica na narrativa trans-
posta para “carta”. a lamentar a não presença do “noivo”, que havia de
vir esperá-la num barco para a cerimónia do casamento. A noiva que
chega mais cedo ao lugar combinado envia, então, uma carta ao futuro
marido que julgava encontrar-se no junco onde estava António de Faria e
os seus companheiros. Assim que a lanteá onde vinha o tio da noiva chega
com a dita carta, os portugueses matam-no de modo bárbaro e a todos
quantos o acompanham. A “carta” dirigida ao noivo chegou ao junco; ela
tornou-se até hoje memorável, não só pelo seu real valor testemunhal, mas
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Mendes Pinto (breves notas de leitura) 473
igualmente pela sua execução estrutural e estilística, servida por uma ori-
ginal torrente de sentimento, bem forte, de fio lírico de texto epistolar com
base oralizante, marcadamente confessional e poético pela sensibilidade
de forte e imagética expressão. É de relembrá-la nesta parte, porquanto
se torna evidente que, como acontece com este género epistolar, é tam-
bém muitas vezes uma pertinente maneira de recolher (meio aqui talvez
utilizado para fixar de modo sofisticado), uma comunicação que pela sua
originalidade na construção discursiva consegue a cabal proposta de um
texto que exemplifica o que se pode designar a vertente poética exótico-
-oriental. E ela reza assim:
“Se a fraca e mulheril natureza me dera licença para daqui onde
fico ir ver a tua face, sem com isso pôr nódoa no meu honesto viver,
crê que assi voaria meu corpo a ir beijar esses teus péis, como o
esfaimado açor no primeiro ímpeto de sua soltura. Mas já, senhor
meu, que eu de casa de meu pai atéqui te vim buscar, vem tu daí
donde estás a esta embarcação onde eu já não estou, porque só em
te ver me posso eu ver, mas com me não veres na escuridão desta
noite, não sei se na brancura da manhã me poderás enxergar entre
os vivos. Meu tio Licorpinau te dirá o que meu coração em si cala,
assi porque já não tenho boca para falar, como porque a minha alma
me não sofre estar tão órfã de tua vista quanto a tua estéril condição
o consente. Pelo qual te peço que venhas ou me dês licença que vá,
e não me negues este amor que te mereço pelo que sempre te tive,
por que Deos por sua justiça, em castigo de tal ingratidão, te não
tire o muito que herdaste de teus antigos parentes neste princípio de
minha mocidade, em que agora por matrimónio me hás-de senhorear
até à morte. A qual ele, como Deos e Senhor, por quem é afaste
de ti por tantos milhares de anos quantas voltas o sol e a lua têm
dadas ao mundo desde o princípio do teu nascimento.”
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474 João David Pinto Correia
rosto, assentado igual de mim como cada um dos meus amados. . . ”); a
carta muito extensa remetida pelas mulheres à rainha, mãe do rei léquio
(“Pérola santa congelada da ostra maior do mais fundo das águas, estrela
esmaltada de raios de fogo, madeixa de cabelos dourados. . . ” (cap. CXLI);
e ainda a carta, que, assinada por cem mulheres, é dirigida pela filha do
mandarim Comandau (ilha de Banchá) à rainha, mãe do mandarim Co-
manilau, da ilha de Banchá (cap. CXLII); outra carta, de muito interesse
porque consiste numa mensagem ardilosa, é a que consta do cap. CCVII,
endereçada pelo rei de Jantana ao capitão da embarcação onde seguia
Francisco Xavier: “Esforçado senhor capitão estando eu na crescença da
lua em Andraguiré, com esta armada prestes para a mandar sobre el-rei
de Patane. . . ”, prometendo ir auxiliar os portugueses.
Podemos encontrar recursos idênticos noutros capítulos, com registos
mais curtos, mas bem sugestivos: as intervenções do Xemindó ou, ainda
ao longo das muitas páginas dedicadas (caps. CL a CXC) ao Rei do
Bramá, a cujo serviço Mendes Pinto diz ter estado por terras de Sião e
da Birmânia.
Nos capítulos dedicados a Francisco Xavier, vamos surpreender tam-
bém discursos relativamente longos, mas de natureza diferente (mais dou-
trinários e apologéticos), com a intervenção por falas e diálogo do próprio
Santo, mas igualmente com mais participação dos seus companheiros pe-
las terras de Malaca e do Japão (sobretudo na corte do rei de Bungo,
como também na companhia do Padre Belchior, na sua peregrinação pelo
reino de Bungo e pelos mares da China, até ao regresso a Goa).
Estamos em crer que estas agora referidas, como as que também se
encontram, e paralelamente ao que fica dito no Tópico 4, nalguns capítulos
respeitantes a António de Faria, devem ser apontadas no tópico seguinte
(Tópico 6), porque exemplificam uma oralidade directa mais próxima do
diálogo propriamente dito, ou, melhor, com o que pensamos ser a autêntica
realização sequencial da vertente dramática de um texto.
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Mendes Pinto (breves notas de leitura) 475
tado (resumo ou paráfrase do que foi dito), numa espécie de ligação entre
essas seleccionadas intervenções, quase sempre da responsabilidade de
uma só personagem que se privilegia, tal como se exemplificou com a
intervenção da Princesa, mãe do Preste João, e com as sequências apon-
tadas para a “discussão” de António de Faria e o ermitão, ou as falas do
Menino, encontram-se, no entanto, em partes muito significativas da nar-
rativa, e assinalamos sobretudo as que noutros capítulos são consagrados
ao mesmo António de Faria e que correspondem aos vários contactos que
essa personagem mantém com agentes importantes do ponto de vista so-
cial e político ou mesmo com portugueses, entre os quais se encontra o
Narrador-Personagem.
Encontram-se também nas partes em que surgem contactos do Rei
do Bramá, também com o próprio Narrador-Personagem. Ou ainda, de
forma mais frequente e de estilo admirável, nos apelos de Missionário,
ao longo dos capítulos dedicados a Francisco Xavier, nos incitamentos à
prossecução da luta contra os Infiéis (cap. CCIII), na interacção com a
tripulação das embarcações (por exemplo, com a constante preocupação
de acalmar os ânimos dos Portugueses nos momentos de aflição durante
a tempestade, como no cap. CCXIV), ou também, com maior presença, na
estrutura e na séria argumentação durante as discussões de Xavier com
os bonzos (caps. CCXI a CCXIII).
De citar outros passos da obra, que poderão ser mais aprofundados,
em maior ou menor escala, como entre os protagonistas portugueses, ou
entre estes e personagens representantes do Outro (sequências respei-
tantes ao Xemindó). São falas de notícias, narrações e descrições de
lugares e gentes que os naturais transmitem à curiosidade dos Portugue-
ses ou ainda referentes aos contactos do Narrador-Personagem e seus
companheiros com as populações locais, ou nas pacíficas trocas de pala-
vras com representantes principais, adversários ou aliados, entre os quais
com o Rei do Bungo ou as cenas de amena conversa ou de afronta, como
acontece com o Xemindó.
Antes de concluir, há que referir um aspecto que se relaciona com o
principal assunto desta comunicação. Pode reconhecer-se como mesmo
indispensável o seu estudo aprofundado. E esse aspecto é a importân-
cia concedida na Peregrinaçam ao registo de palavras e expressões das
línguas orientais com que os Portugueses vão contactando: algumas são
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476 João David Pinto Correia
apenas transcritas (Lah, hilah, hilah, lah Muhamed roçol halah, no cap.
LIX) ou citadas e, logo, traduzidas para português (Xe outrinfau nicor
pintau “que quer dizer “Bafo do Criador de todas as cousas”,
no cap. LVIII; ou Suqui hamidau nivanquao lapapoa dagatur, e sua tra-
dução “não nos mates sem razão, que te demandará Deos nosso sangue,
porque somos pobres”, no cap. LXIX); “Ó Otinão cor Valirate, prechau
com panó das forças da terra, o bafo do alto Deus” (cap. CXXX); “A que
todo o povo com espantosa grita, respondia: ‘Xaputey danacó fanaragy
paleu’, que quer dizer “Confessamos, Senhor, nossos erros diante de ti”
(cap. CCXXII). e outras.
Essas citações registadas a partir das práticas orais indígenas procu-
ram mostrar, por estratégias “adequadas” a serem estudadas por especia-
listas de línguas orientais, que havia a preocupação de arquivar e dar a
conhecer a oralidade das línguas com que os Portugueses contactavam,
demonstrando a sua importância, não já tão-somente da verdade da in-
teracção em línguas bem diferentes, como também conferir autenticidade
de que elas eram utilizadas, para o que tinham sido fundamentais os con-
tributos dos “línguas”, que eram os tradutores. Não são, com certeza, só
processo de maior certificação da veracidade histórica, mas ainda o re-
curso ao que se revelava diferente, como igualmente ao registo do exótico
(ou, como queria Le Gentil, o pré-exótico).
Conclusão
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Mendes Pinto (breves notas de leitura) 477
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Viagens e peregrinações da língua portuguesa
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482 Manuel Célio Conceição
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484 Manuel Célio Conceição
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Viagens e peregrinações da língua portuguesa 485
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486 Manuel Célio Conceição
9
Exemplos: a 22/11/2013 o Expresso diário publicou um notícia com o título “A era
do petróleo em português”; a 5/3/2014 o Público noticiou “Petróleo posiciona a língua
portuguesa na geopolítica mundial”.
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Referências
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João Carlos Firmino Andrade de Carvalho (nascido em Lisboa, em 1962)
é Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do
Algarve. É Investigador integrado no CLEPUL e Colaborador do CIAC. É Dou-
torado em Literatura Portuguesa Clássica pela Universidade do Algarve (2000),
Mestre em Literatura Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa (1990) e Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas por esta última
Universidade (1985). Foi Professor de Literatura Portuguesa para Estrangeiros
no ILCP da FLUL, no ano de 1986, e Professor da Escola Superior de Educação
de Beja, entre 1987 e 1993, onde dirigiu a Unidade de Ciências da Comunicação.
Foi Bolseiro do PRODEP, entre 1997 e 2000. Foi Director do Departamento
de Letras Clássicas e Modernas da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
da Universidade do Algarve, entre 2000 e 2003. Foi Investigador do CELL da
UAlg, onde dirigiu uma Linha de Investigação. Tem participado em diversos júris
de Doutoramento e de Mestrado quer como presidente, quer como orientador,
quer ainda como arguente. Tem publicado vários livros: Ciência e Alteridade na
Literatura de Viagens. Estudo de Processos Retóricos e Hermenêuticos, 2003;
Aventuras d’Escrita(s). Estudos de Poética e Retórica, 2004 (em co-autoria);
Retóricas, 2005 (em cocoordenação); O Fio da Memória – Ensaios, 2005; Ou-
tras Retóricas, 2006 (em cocoordenação); Viagem Maravilhosa do Príncipe Fan-
-Férédin no País dos Romances (. . . ), 2007 (tradução, em co-autoria); Ensaios
& Outros Escritos, 2008 (em co-autoria); Viajantes, Escritores e Poetas: Retra-
tos do Algarve, 2009 (em cocoordenação); A República — Figuras, Escritas e
Perspectivas, 2011 (coordenação); Artes e Ciências em Diálogo, E-Book, 2013
(coordenação). Tem ainda numerosas publicações dispersas por diversas Revistas
e Atas de Colóquios nacionais e internacionais.
Esta publicação foi financiada por Fundos Nacionais através da FCT
– Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projecto
«UID/ELT/00077/2013»
A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e a Perenidade da Literatura de
Viagens constituiu a temática geral do Colóquio Internacional realizado na
Universidade do Algarve (Campus de Gambelas – Faro), nos dias 9 e 10 de
Outubro de 2014, e organizado por esta Universidade em parceria com o
Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (CLEPUL), o Centro de
Investigação em Artes e Comunicação (CIAC), a partir do desafio lançado pela
Associação 8 Séculos da Língua Portuguesa, cujas comemorações integraram
este evento. Assinalando os 4 séculos da publicação da Peregrinaçam de
Fernam Mendez Pinto, a temática incluiu não apenas as abordagens da obra
do autor quinhentista português, mas alargou-se mesmo à abordagem do
vasto e heteróclito corpus da chamada Literatura de Viagens de diferentes
épocas e geografias, bem como ao tema da Viagem na Literatura. O volume
que agora se apresenta ao Leitor reúne as versões escritas das comunicações
apresentadas por docentes e investigadores de diversas Universidades,
nacionais e estrangeiras, que se quiseram associar a um evento amplamente
participado, e que agora sob a forma de livro se oferece a um público
interessado nestas matérias.