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TAUNAY E A CONSTRUÇÃO DA
MEMÓRIA BANDEIRANTE
por
Departamento de História
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
1 . INTRODUÇÃO................................................................................ 1
6 . FONTES.......................................................................................... 155
6.1 Obras de Affonso d'E. Taunay..................................................... 156
6.2 Correspondência entre Capistrano de Abreu e Affonso d'E.
Taunay....................................................................................... 167
6.3 Documentos Publicados por Affonso d'E. Taunay Relacionados
ao Bandeirismo.......................................................................... 168
6.4 Obras Editadas ou Reeditadas por Affonso d'E. Taunay.............. 168
6.5 Crônicas, Correspondências e Narrativas Diversas...................... 170
7 . BIBLIOGRAFIA............................................................................. 172
7.1 Obras de Referência e Instrumentos de Trabalho......................... 173
x
7.2 Artigos e Partes de Monografias.................................................. 175
7.3 Livros....................................................................................... 181
7.3.1 De Caráter Teórico, Metodológico e Historiográfico.......... 181
7.3.2 De Caráter Geral................................................................ 191
7.3.3 De Caráter Específico........................................................ 197
xi
ILUSTRAÇÕES
1. INTRODUÇÃO
2
No campo do conhecimento histórico, os estudos
acerca da expansão vicentina, também chamada de
bandeirantismo ou bandeirismo, tiveram grande proeminência
nas primeiras décadas deste século. Muitos nomes podem ser
arrolados para representar esse conjunto: Basílio de Magalhães,
Alfredo Ellis Júnior, Alcântara Machado, Carvalho Franco, entre
outros. Um autor, porém, se destaca pelo resultado do seu
trabalho: Affonso d'E. Taunay.
1NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de
Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XIX.
4
foi, termina por mitificar lugares, eventos e personagens. Por
exemplo, o rio Tietê foi o lugar, o veículo por excelência da
penetração no interior; as expedições desbravadoras do sertão
(bandeiras) são o exemplo da batalha da construção territorial;
os protagonistas destes eventos (os bandeirantes) são os heróis
que contra tudo lutam antecipando as glórias da nação. Ao invés
de reconstruir o autor reconstituiu, fugindo à problematização e
priorizando o exercício regulado da memória.
3ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho
de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. MATOS, O. N. de.
Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio Bibliográfico. São Paulo
: USP, 1977.
4CORDEIRO, J. P. L. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-213. RODRIGUES, E. R. M. Iguatemi visto por
Taunay: ensaio de uma revisão crítica (1769-1778). São Paulo : Dissertação de Mestrado apresentada ao
Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1978.
6
Maria Abud 5 . O primeiro, num artigo de cunho historiográfico,
posiciona Taunay no mesmo patamar de Varnhagen e Capistrano
de Abreu além de considerá-lo um representante do chamado
revisionismo histórico; o segundo, numa tese de doutorado,
busca "reconstruir a História da história das bandeiras e os
mecanismos e relações que transformaram o bandeirante num
símbolo paulista" 6 . Embora muito avançando frente ao cenário
anterior meramente laudatório, especialmente Abud, a
problematização do tema das Bandeiras com o tema da memória
numa investigação historiográfica permaneceu inédita.
8Ibid., p. 221.
2 . AFFONSO D'E. TAUNAY E O
CONHECIMENTO HISTÓRICO
9ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho
de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. p. 20-21.
10Às Margens do Ipiranga (1890-1990): Exposição do Centenário do Edifício do Museu Paulista da USP.
São Paulo : Museu da Universidade de São Paulo, 1990. p. 11. Ele dirigia a instituição desde 1916.
11CORDEIRO, J. P. L. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-199.
11
Odilon Nogueira de Matos informa que o primeiro
trabalho de vulto de Taunay foi o Léxico de Termos Técnicos e
Científicos, publicado em 1909 12 . Os estudos lexicográficos
ocuparam tempo, laudas, a erudição de Taunay e, especialmente,
a paciência do ilustre amigo historiador. Capistrano de Abreu
não tolerava a polêmica em torno da Língua que Taunay
mantinha com o dicionarista português Cândido de Figueiredo: 13
Affonso amigo,
Voltou você ao vômito! Que pena! Nem compreendo
como insista em gastar tanto e tão precioso tempo a
discutir com o homem do chinó.
Infeliz mania!
Basta! Já V. lembrou os casos do florianista, da
sirema, do guaxupé, do aeroplano e quejandas
asnices. Para que mais?
Tantaene animis!
Convença-se de que matou e enterrou o sujeito e,
assim, recuperando a saúde mental, cuide de
assuntos sérios. 14
12MATOS, O. N. de. Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio
Bibliográfico. São Paulo : USP, 1977. p. 26.
13Além do Léxico inicial o autor ainda publicaria Léxico de lacunas (1914), Reparos ao dicionário de
Cândido de Figueiredo (1926), A terminologia zoológica e científica em geral e a deficiência dos grandes
dicionários portugueses (1927), Insuficiência e deficiência dos grandes dicionários portugueses (1928) e
Inópia científica e vocabular dos grandes dicionários portugueses (1932). Os livros têm como origem os
reparos feitos na imprensa em 1923 a terceira edição do Dicionário da língua portuguesa de Cândido de
Figueiredo.
14RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1.
p.349.
12
Geográfico de São Paulo e no Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, como afirma:
15Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. LXXIV, parte II, 1912. p. 618. É
lícito concluir que o nome Taunay, mais do que qualquer preceito estatutário, foi determinante na sua
aprovação.
16TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos (1554-1601): Ensaio de Reconstituição Social. Tours :
E. Arrault & Cia., 1920. p. 141.
17Pensamos, juntamente com Michael Pollak, que a memória coletiva, fenômeno construído socialmente,
“é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em
que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de
13
Estes paulistas restringem-se à elite política e
econômica, a intelectuais e escritores interessados pela história
de sua região. De acordo com Maria Isaura Pereira de Queiroz,
eles eram uma:
uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.” POLLAK, M. Memória e Identidade Social.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. p. 204.
18QUEIROZ, M. I. P. de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n.
13, 1992. p. 85.
19O problema da origem e do significado dos termos “bandeira” e “bandeirante” é tratado no início do
terceiro capítulo. Por hora sublinhamos algo aparentemente óbvio: “bandeirismo” provém de “bandeira” e
“bandeirantismo” de “bandeirante”. Portanto, Taunay atribuirá preferencialmente, mas não
exclusivamente, ao tema da expansão vicentina nos séculos XVI, XVII e XVIII (primeira metade) a
denominação de bandeirantismo por remarcar a atuação do bandeirante.
14
amparado numa tradição que ele mesmo reinventa, a memória
bandeirante através da produção historiográfica. Ele recria
porque a imagem do bandeirante, na forma como fora
estruturada por Pedro Taques e Frei Gaspar da Madre de Deus,
no século XVIII, ficou adormecida, posta de lado 20 . Segundo
Katia Maria Abud:
20A partir de Katia Abud, Queiroz sintetiza a estruturação de Taques e Gaspar: “Pela primeira vez foi
traçada a imagem do sertanista desbravador, indômito, cheio de iniciativas, conquistador e rebelde. Tais
ingredientes (...) indicam a formação de uma imagem lendária.” QUEIROZ, M.I.P. de. Op. cit., p. 80.
21ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o
bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 110.
22LOVE, J. L. A Locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro : Paz e
Terra, 1982. p. 63.
15
olhos da elite paulista contemporânea 23 . Convém lembrar que
Taunay se ocupou do tema da expansão do café em obra de
quinze volumes e com financiamento oficial 24 .
23Ibid., p. 24.
24TAUNAY, A. d'E. História do Café no Brasil. Rio de Janeiro : Dep. Nacional do Café, 1939-1943. 15 v.
25BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico. 1971, p. 42. Apud. LOVE,
Joseph L. Op. cit., p. 44.
26HOLLOWAY, T. H. Migration and Mobility..., p. 186. Apud. LOVE, J. L. Op. cit., p. 27.
27LOVE, J. L., Op. cit. p. 36.
28A chamada Revolução Constitucionalista de 1932 é o marco fundamental desta transposição da
construção simbólica do bandeirante, nascida e adstrita a um pequeno grupo, para a grande população.
Queiroz afirma que “a camada hegemônica local lançou mão de todos os instrumentos para conseguir
uma adesão a mais ampla possível que assegurasse participação a mais completa”. QUEIROZ, M. I. P.
de. Op. cit. p. 85. Os instrumentos principais achavam-se nos meios de comunicação: “Através de
manifestos, panfletos, comícios, jornais e rádio eram expedidas as mensagens que conclamavam todos a
pegar em armas na defesa de São Paulo e do Brasil. O papel de destaque coube, no entanto, à “grande
imprensa” paulista (que veiculou a ideologia dominante), que nesse momento bem cumpriu sua missão de
“formadora das consciências”.” CAPELATO, M. H. O Movimento de 1932: a causa paulista. São Paulo :
Brasiliense, 198-. p. 32.
16
Para esta elite, ser paulista no final do século XIX e primeiras
décadas do século XX, é encontrar nos “paulistas primevos” do
século XVI e no bandeirante do século XVII a imagem original e
a predestinação que justifica o sucesso e um lugar privilegiado
no presente 29 .
29“Todo processo de heroificação implica, em outras palavras, uma certa adequação entre a
personalidade do salvador virtual e as necessidades de uma sociedade em um dado momento de sua
história. O mito, tende, assim, a definir-se em relação à função maior que se acha episodicamente
atribuída ao herói, como uma resposta a uma certa forma de expectativa, a um certo tipo de exigência.”
GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. p. 82.
30ABUD, K. M. Op. cit., p. 132.
31“Ellis Jr., Alcântara Machado e Taunay pertenciam ao mesmo grupo da elite dominante paulista durante
a república, e embora o último tenha sido o único a não ter uma carreira política era casado na família
Sousa Queiroz e concunhado de Washington Luís, por sinal, outro historiador dos fatos bandeiristas.” In:
ABUD, K. M. Op. cit., p. 132.
17
Alfredo Ellis Júnior. Embora pertença ao grupo, Taunay, como
já vimos, formou-se no Rio de Janeiro e em Engenharia 32 .
32Washington Luís Pereira de Souza (1870-1957) bacharelou-se em 1891, José de Alcântara Machado
de Oliveira (1875-1941) em 1894 e Alfredo Ellis Júnior (1895-1974), aluno de Taunay no ginásio, em
1917. Dos nomes referidos o único que não se formou na Faculdade de Direito de São Paulo foi
Washington Luís, nascido em Macaé, Estado do Rio de Janeiro. Cf. 70 Anos da Academia Paulista de
Letras. São Paulo : Academia Paulista de Letras, 1979. A Faculdade de Direito de São Paulo, fundada em
1827, tinha o nome de Academia de Direito. Se nos primórdios a Academia desempenhou um papel ativo
no debate das idéias, progressivamente foi curvando-se a um espírito burocrático-bacharelesco
cristalizado a partir de 1890: “O diploma de advogado veio a ser um passaporte necessário para uma
posição numa sociedade urbana então formada e institucionalizada.” MORSE, R. M. Formação Histórica
de São Paulo. São Paulo : Difel, 1970. p.212.
18
2.2 A tradição como repetição: uma estratégia
33ORTEGA Y GASSET, J. História como Sistema. In: História como Sistema : Mirabeau ou o Político.
Brasília : UnB, 1982. p. 48.
34“Dos cronistas da Idade Média aos historiadores contemporâneos da história “total”, afirma Pierre Nora,
toda a tradição histórica se desenvolveu como o exercício regulado da memória e seu aprofundamento
espontâneo, a Reconstituição de um passado sem lacunas e sem falha.” NORA, P. Entre Mémoire et
Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de Mémoire I: La République. Paris :
Gallimard, 1984. p. XX.
19
Segundo Hobsbawm, o termo tradição inventada
possui um sentido amplo, mas nunca indefinido. O termo inclui
tanto as tradições realmente inventadas, construídas e
formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de
maneira mais fácil de localizar num determinado tempo - às
vezes coisas de poucos anos apenas - e se estabeleceram com
enorme rapidez.
36TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924. t.
1, p. 15-16.
37HOBSBAWM, E., RANGER, T. (Org.). A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1984. p.
9.
38“Para a história, sob sua forma clássica, expende Foucault, o descontínuo era ao mesmo tempo o dado
e o impensável: o que se oferecia sob a forma dos acontecimentos, das instituições, das idéias ou das
práticas dispersas; e o que devia ser, pelo discurso do historiador, contornado, reduzido, apagado, para
que aparecesse a continuidade dos encadeamentos. A descontinuidade era o estigma da dispersão que o
historiador tinha por tarefa suprimir da história.” FOUCAULT, M. Sobre a Arqueologia das Ciências. In:
FOUCAULT, M., LIMA, L. C., MENDONÇA, A. S. et al. Estruturalismo e Teoria da Linguagem.
Petrópolis : Vozes, 1972. p. 13-14.
21
no fundo é tudo o mesmo, a mesma intenção inicial: uma
vontade de memória. De início poderíamos pensar, com ampla
razão, que Taunay se repete por desejar escrever muito, por
pretender aumentar desmesuradamente a quantidade de fatos
narrados conferindo a todos e ao tema em geral grandeza,
autoridade e nobreza. Não que isto seja inválido. Mas vale
destacar que a repetição de um tema, de um argumento, de uma
conclusão, ocorridos dentro de um mesmo livro, em livros
correlatos ou em momentos aparentemente insignificantes,
conforma uma idéia geral que ganha estatuto de verdade, que
cumpre a sua função simbólica de forma explícita, mas,
especialmente, de forma implícita.
39TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 19--. p. 16.
22
O objetivo declarado é reconstruir os “aspectos da
vida primeva paulistana” 40 . O livro é a ampliação de estudos que
surgiram primeiramente em 1917 no Correio Paulistano. Vamos
aos tópicos: a vida nos anos iniciais é rudimentar (p. IX), a vila
é “miseravelmente dotada de coisas da civilização” (p. 4), está
sob a iminente agressão por parte dos índios (p. 11), possui ar
de abandonada (p. 12)... Na página 24 repete: “Lugar rude,
desprovido de elementos civilizadores”. A vila era pobre (p.
27), havia penúria de recursos (p. 38), a terra era muito pobre
(p. 46), para interromper as citações que fluiriam em profusão,
as duas últimas, do final do livro: o comércio era rudimentar (p.
145), a rudeza da vida (p. 187).
43Precisando o significado de subliminar: “... Diz-se de um estímulo que não é suficientemente intenso
para que o indivíduo tome consciência dele, mas que, quando repetido, atua no sentido de alcançar um
efeito desejado...” FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 14. reimp. Rio de
Janeiro : Nova Fronteira, 19--. p. 1330.
44TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos..., p. IX.
45Ibid., p. 186-187. O grifo é nosso.
25
Está explicada a repetição da pobreza, da rudeza da
vida. Não foram elas causadoras de malefícios seja à raça, seja
ao destino da nação que já se vislumbrava. Muito pelo contrário,
foram o fator de alargamento do território, razão máxima,
justificativa superior do movimento bandeirante.
46“O termo historismo foi possivelmente utilizado pela primeira vez em 1881, no estudo de Karl Werner
sobre Vico, significando o conjunto de posições que, no século XVIII, valorizavam o conhecimento
histórico, em contraposição ao racionalismo ahistórico.” WEHLING, A. De Varnhagen a Capistrano:
Historismo e Cientificismo na Construção do Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro : Tese para
Professor Titular de Metodologia da História no Departamento de História - IFCS da Universidade Federal
26
considerá-lo(s) em bloco, o que certamente dificulta a
compreensão de um processo intelectual cuja elaboração
estendeu-se por mais de um século”, procurando considerar as
diversas fases ou etapas 47 . Após examinar as diferentes
classificações de Meinecke, Pistone, Mandelbaum e Iggers,
Wheling estabelece a classificação por nós seguida. Essa
classificação demonstra a sua validade ao estabelecer distinções
dentro do longo processo do historicismo, promovendo a
discussão do tema a um plano melhor delimitado.
do Rio de Janeiro, 1992. v.1, p. 30. Uma abordagem semelhante, sob o nome de reflexão erudita e
genética, encontra-se em: TOPOLSKY, J. Metodología de la Historia. Madrid : Cátedra, 1985. p. 86-105.
47Ibid., p. 51-57.
27
predominantemente filosófica, descartamos de antemão, sem
maiores considerações, sua filiação a esta fase do historicismo.
48Ibid., p. 56.
49Ibid., p. 61.
29
superioridade incomparável, como instrumento de
cultura intelectual... 50
50TAUNAY, A. d'E. Os Princípios Gerais da Moderna Crítica Histórica. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVI, 1914. p. 344.
51WEHLING, A. Op. cit., p. 101.
52Ibid., p. 97. Johann Gottfried Herder (1744-1803) nasceu na Alemanha - à época Prússia Oriental. Entre
seus ensaios e livros sobre história, teologia, literatura e lingüística encontra-se Idéias para a Filosofia da
História da Humanidade (Ideen zur Philosophie der Geschischte des Menschheit). Cf. GARDNER, P.
(Org.). Teorias da História. Lisboa : Calouste Gulbenkian, 1984. p. 41-42. MEINECKE, F. Op. cit., p. 303-
378.
30
contra o orgulho racionalista do Iluminismo que secundarizava
as épocas e os povos. Mesmo adotando a idéia de humanidade,
procurou relativizar e valorizar as diferentes culturas no tempo.
Para Herder, a condição fundamental de todo o conhecimento
histórico era penetrar na alma dos grupos históricos para sentir
juntamente com eles, enfim para compreendê-los 53 . Se Ranke,
assim como Herder, entendia que todas as gerações da
humanidade tinham iguais direitos perante Deus, o primeiro, no
entanto, acreditava que há uma realidade cultural atomizada,
irrepetível e relativa, mas não subjetiva 54 .
56Segundo Cassirer: “Los románticos aman el pasado por el pasado. Para ellos, el pasado no es tan sólo
un hecho, sino uno de los ideales más elevados. Esta idealización y espiritualización del pasado es una
de las características más distintivas del pensamiento romántico. Todo deviene comprensible, justificable
y legítimo en cuanto podemos referirlo a su origen.” CASSIRER, E. El Mito del Estado. México : Fondo de
Cultura Económica, 1988. p. 214.
32
58
documentos mais veneráveis” . É forçoso notar que o exercício
da crítica reconhecido por Taunay não deve afrontar a soberania
do documento. Por isso, apesar de mencionar várias modalidades
de crítica, e até uma de interpretação, na verdade elas não
significam coisas diferentes, são variações de um mesmo
princípio.
60Ao indagar sobre o que é “provar” em história Roger Chartier conclui: “A questão sugeriu durante muito
tempo uma resposta de tipo filológico, ligando a verdade da escrita histórica ao correto exercício da crítica
documental ou ao devido manejo das técnicas de análise dos materiais históricos.” Taunay procurou
estabelecer essa ligação na sua narrativa, por isso mesmo considerada, por ele e seus contemporâneos,
histórica e científica uma vez que era um relato verdadeiro. CHARTIER, R. A História Cultural: entre
práticas e representações. Lisboa : Difel; Rio de Janeiro : Bertrand, 1990. p. 85.
61Ibid., p. 326.
62Ibid., p. 338.
63Ibid., p. 338.
34
desígnio cabal do “Destino”. O bandeirismo, a ação das
bandeiras e dos bandeirantes na expansão territorial partida da
capitania de São Vicente, é um grande fato, um grande tema, é o
“episódio culminante dos anais brasileiros, pois a ele deve o
país dois terços do seu território atual”. 64
69RODRIGUES, J. H. Vida e História. In: Vida e História. Rio de Janeiro : Civ. Brasileira, 1966. p. 3-23.
70Ibid., p. 16.
38
XIX e início deste, através do esforço coletivo de eruditos e
historiadores como, por exemplo, além de Capistrano e
Washington Luís, Orville Derby (geógrafo e geólogo), Teodoro
Sampaio (geógrafo) e Basílio de Magalhães (historiador) 71 .
76Ibid., p. 141.
77RODRIGUES, J. H. Vida e ..., p. 12.
41
da obra, o que o próprio José Honório reconhece. Ora, o ímpeto
revisionista não foi só inicial?
80Apud. SANTOS, A. C. M. dos. Memória, história, nação: propondo questões. Revista Tempo Brasileiro,
Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 6. Reforçando a oposição entre memória e história, ainda Lucien Febvre:
“O homem não se lembra do passado. Reconstrói-o sempre. O homem isolado, essa abstração. O homem
em grupo, essa realidade. Ele não conserva o passado na memória, como os gelos do norte conservam
frigorificados os mamutes milenários. Parte do presente - e é sempre através dele que conhece, que
interpreta o passado.” FEBVRE, L. Combates pela História. 3. ed. Lisboa : Editorial Presença, 1989. p.25.
81Para Halbwachs, associar os termos memória e história é um grande equívoco “... porque geralmente a
história começa somente no ponto onde acaba a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a
memória social.” HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. p. 80. Esse corte não
foi estabelecido por Taunay.
82NORA, P. Entre Mémoire et..., p. XIX.
43
Revelar por inteiro, eis o império da continuidade, da
continuidade histórica.
83Ibid., p. XIX.
44
detectar e marcar os lugares visitados e não as trilhas; mas com
que intuito? De evocar os feitos 85 , de fixar (lembrar) os nomes
dos chefes, de registrar as datas. Esta é a preocupação
predominante na obra de Taunay sobre as bandeiras, edificar
historiograficamente a sua memória.
84TAUNAY, A. d'E. Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas: Séculos XVI-XVII-XVIII. Desenhada
por Gregorio Colas e José Domingues dos Santos Filho. [1926]. Citação escrita no mapa.
85O verbo evocar (do latim evocare) além de significar trazer à lembrança, guarda ainda hoje o sentido
original de caráter sagrado e religioso. Nos primeiros anos da cidade de Roma, de acordo com Raymond
Bloch, a evocatio era um rito “em que o general romano convidava as divindades tutelares da cidade
cercada a deixarem as suas habitações para se fixarem em Roma, onde tempos mais dignos delas lhes
seriam restituídos (...) A evocatio consistia essencialmente numa fórmula mágica pronunciada pelo
comandante das forças na ocasião do assalto a uma cidade sitiada.” BLOCH, R. Origens de Roma.
Lisboa : Verbo, 1971. p.126-128. Não exitamos ao afirmar que Taunay, quando pretende evocar os feitos
passados, deseja que eles retornem do profundo esquecimento para viverem no presente a glória do
reconhecimento eterno. No “posto” de historiador Taunay cumpre a antiga função do comandante romano.
45
municipalidade, sobre a guerra civil entre Pires e Camargos e
sobre o papel do bandeirante que atua não só no sertão com
aquele “... notável dom de que Fernão Dias Pais deve ter sido
dotado para se impor aos índios...” 86 , mas também na urbe: “Iria
a luta entrar em nova fase, quiçá a mais violenta da guerra civil.
Na que se encerrara não estivera Fernão Dias Pais tão em
destaque quanto na que se ia encetar onde lhe caberia um papel
absolutamente capital” 87 .
86TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Pais. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4, 1931.
p.110.
87Ibid., p. 88.
88Nossa reflexão sobre o mito privilegia a sua expressão simbólica destacada por Cassirer: “... hablando
en general, las respuestas humanas pertenecen a un tipo enteramente distinto. Lo que las distingue de las
reacciones animales es su carácter simbólico. En la aparición y el crecimiento de la cultura humana, este
fundamental cambio de sentido puede seguirse paso a paso. El hombre ha descubierto un nuevo modo de
expresión: la expresión simbólica. Este es el común denominador de todas sus actividades culturales: del
mito y la poesía, del lenguaje, del arte, la religión y la ciencia.” CASSIRER, E. El Mito del ..., p. 58.
89TAUNAY, A. d'E. A Vida em Santo André da Borda do Campo. In: Na Era das Bandeiras. São Paulo :
Melhoramentos, 1922. p. 9.
46
iconografia das bandeiras e dos bandeirantes, quando não
encontrava os seus vestígios, determinava a criação das
imagens: memória pressupõe imagem.
90Ibid., p. 17.
91Taunay inspirou-se no palácio dos Aquemênidas em Persépolis, que possuía em ânforas as águas do
Nilo, do Danúbio, do Indo..., para instalar os recipientes com as águas dos rios históricos brasileiros:
“Assim, senhores! Quando à gratidão brasileira se impuser, como saldamento imperioso de uma dívida
enorme, a necessidade da ereção de um monumento destinado a rememorar os feitos daqueles que
alargaram o Brasil pela América do Sul a dentro - e no dia em que um monumento nacional como este se
vai erigir aos homens da nossa Independência se erguer a estes filhos de S. Paulo, portadores das quinas
ao coração do continente e doadores ao Brasil, de milhões de quilômetros quadrados de territórios
admiráveis, fiquemos certos de que a tal monumento não pode faltar o lugar para a ânfora d'água do rio
das bandeiras paulistas (o Tietê)!” TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 100-101.
47
92Sobre Pedro Taques, afirma Alice Piffer Canabrava: “Ele recolheu a mística bandeirante conservada na
tradição oral. Profundamente paulista, Pedro Taques foi um intérprete do sentimento tradicionalista de seu
meio.” CANABRAVA, A. P. Bandeiras. In: MORAES, R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual Bibliográfico
de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica Editora Souza, 1949. p. 495.
93Halbwachs, M. A Memória Coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. p. 25.
56
ao submeter o passado e a tradição estabelecida aos rigores da
História convertia os três em memória.
94Wehling indicou a influência de Capistrano de Abreu sobre Taunay Cf. WEHLING, A. De Varnhagen a
Capistrano: Historismo e Cientificismo na Construção do Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro : Tese
para Professor Titular de Metodologia da História no Departamento de História - IFCS da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 1992, v. 2, p. 392.
57
incentivos do seu grande mestre e dileto amigo,
Capistrano de Abreu 95 .
95Apud. ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11
de julho de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. p. 23.
96TAUNAY, A. d'E. J. Capistrano de Abreu: In Memorian. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3,
primeira parte, 1927. p. XIII-XVIII.
97Ibid., p. XVII.
58
O período coberto pela correspondência de
Capistrano publicada por José Honório Rodrigues estende-se de
1904 a 1927. Capistrano acompanhou os passos de Taunay na
escrita histórica desde os primeiros capítulos do romance do seu
discípulo. Recomendava muito cuidado com os diálogos, para
que os personagens de época não falassem como os
contemporâneos do autor, além de muita leitura 98 .
Afonso amigo,
100ABREU, J. C. de. Capítulos de História Colonial: 1500-1800. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :
EDUSP, 1988. p. 141. Ao filão aberto por Capistrano e seguido por Taunay, entre outros, incorporou-se
também, mais tarde, Sérgio Buarque de Holanda: “Vencida porém a escabrosidade da Serra do Mar,
sobretudo na região de Piratininga, a paisagem colonial já toma colorido diferente. Não existe aqui a
coesão externa, o equilíbrio aparente, embora muitas vezes fictício, dos núcleos formados no litoral
nordestino, nas terras do massapê gordo, onde a riqueza agrária pode exprimir-se na sólida habitação do
senhor de engenho. A sociedade constituída no planalto da capitania de Martim Afonso mantém-se, por
longo tempo ainda, numa situação de instabilidade ou imaturidade, que deixa margem ao maior intercurso
dos adventícios com a população nativa. Sua vocação estaria no caminho, que convida ao movimento;
não na grande propriedade rural que forma indivíduos sedentários.” Apud. OLIVEIRA JUNIOR, P. C. de.
Bandeirantes, Índios e União Ibérica: propondo uma outra abordagem. Revista da Universidade Veiga de
Almeida, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 1993. p. 7.
60
Quando as críticas se apurarem, reconhecerão que
seu pai foi o primeiro dentre nós que descreveu
sertões de experiência e autópsia, não de chic: antes
dele só houvera estrangeiros. 101
103TAUNAY, A. d'E. Historia Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. ideal; H. L. Canton, 1924. t.
1, p. 7.
62
entre ambos recua a 1889, quando pela primeira vez ele foi seu
aluno, desde 1880, segundo Wehling, Capistrano já havia
transitado da sua fase cientificista para a subseqüente, cuja
característica é o primado do documento 105 . Abandonava,
Capistrano, o historicismo cientificista baseado em Comte,
Buckle e Spencer, entre outros, sem uma rígida vinculação a
qualquer doutrina. Assim sendo, o Capistrano que ministrou
aulas e tornou-se amigo de Taunay não mais tinha como
pressupostos teóricos a crença na unidade do real, na existência
de leis deterministas, na diretividade do processo (a evolução),
na possibilidade de encontrar leis e regularidades para os
fenômenos sociais, na sua cognoscibilidade crescente e na
definição de atitudes epistemológicas semelhantes para as
diversas ciências, envolvendo conceitos abrangentes 106 .
108Ibid., p. 388.
109Ibid., p. 430.
64
Ao amigo ilustre,
110TAUNAY, A. d'E. S. Paulo no Século XVI: História da Villa Piratiningana. Tours : E. Arrault & Cia.,
1921. p. V.
111TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 1. O grifo é nosso.
112“Honrando a publicação a presente obra, com o amparo do governo de S. Paulo, vieram os srs. drs.
Washington Luís e Alarico Silveira, trazer-lhe um testemunho que se de um lado nos provoca o maior
desvanecimento, de outro, nos traz a apreensão do que não corresponderá a incumbência à expectativa
de seus ilustres patronos.” Seria forçoso interpretar a palavra incumbência no sentido de encomenda, não
há como comprovar, mas consideramos que indiscutivelmente havia uma comunhão de interesses
mediados pelo amor à história e ao passado paulista . Dessa forma, não era preciso existir uma
encomenda explícita; havia quem se dispusesse a fazê-la - a História Geral - e quem se dispusesse a
financiá-la. TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 16. Capistrano de Abreu deixa vazar, em carta, a
projeção de Taunay junto ao governo paulista: “Bem poderia você estimular os seus amigos do Governo a
impulsionar tão útil série (de documentos).” RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 280.
66
Enfim, a influência de W. Luís enfeixa também uma
consistente contribuição de natureza histórica. Além de
pesquisar e publicar documentos, além de financiar oficialmente
a publicação de obras históricas, escreveu, ele mesmo, textos
significativos - são significativos e consistentes não só porque
amparados em farta pesquisa empírica como correspondem às
expectativas coevas. As dúvidas que circundaram o nome de
Antônio Raposo Tavares, “magno sertanista”, durante anos e
atribuídas, por Taunay, em grande parte aos desvios da tradição
oral e ao desaparecimento de uma biografia do bandeirante feita
por Pedro Taques para compor a Nobiliarquia, essas dúvidas,
foram definitivamente resolvidas por W. Luís em 1905, com a
publicação na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo do artigo Antônio Raposo 113 . Nas palavras de Taunay:
113LUÍS, W. Antônio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX,
1905. p. 485-533. O artigo compõe-se do texto propriamente dito e da íntegra de dezessete documentos
comprobatórios.
114TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 3, p. 279.
67
cultuado personagem João Ramalho encerrou-se quando veio a
lume, por intermédio de W. Luís, o seu testamento 115 .
115LUÍS, W. O Testamento de João Ramalho. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,
São Paulo, v. IX, 1905. p. 563-569. Assim como Taunay, Alcântara Machado rendeu agradecimentos a W.
Luís: “Depois de ter divulgado, quando prefeito do município, as atas e papéis da edilidade paulistana,
pondo ao alcance de todos nós os materiais para a reconstrução da vida administrativa da cidade colonial,
materiais aproveitados imediatamente em trabalhos judiciosos pelo sr. Afonso de Taunay, promoveu
depois, na presidência do Estado, a reprodução dos inventários antigos, salvando-os assim do
esquecimento injusto e da destruição inevitável a que estavam condenados.” In: MACHADO, A. Vida e
Morte do Bandeirante. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. p. 29-30.
116RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 336.
117TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques. In: LEME, P. T. de A. P. História da Capitania de São Vicente. São
Paulo : Melhoramentos, [1928]. p. 5-53.
68
118TAUNAY, A. d'E. Prefácio: Pedro Taques de Almeida Paes Leme. In: LEME, P. T. de A. P.
Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. v.
1, p. 35-36. O grifo é nosso.
69
Os defeitos do linhagista também foram observados,
entretanto de forma esporádica. Em um desses raros momentos,
ao comentar as incoerências do terceiro casamento de Taques,
Taunay revela-se crítico como poucas vezes se pode notar:
119TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo: estudo de uma personalidade e de uma época. Anais do
Museu Paulista, São Paulo, 1922, t. 1, p. 253-264. Este estudo foi premiado pela Academia Brasileira de
Letras no concurso de erudição realizado em 1923.
120Ibid., p. 143-144.
121Ibid., p. 144.
70
genealógica” 122 . Nos estudos levados a cabo com os jesuítas,
Pedro Taques revelava-se detentor de admirável memória fato
que o distinguia positivamente entre os demais 123 . Deve-se notar
que o próprio Taunay possuía tal dom natural, muitas vezes após
ler os documentos e fazer as devidas anotações, no ato de
compor o texto, não os retomava confiando na memória 124 .
Taunay ao reparar essa qualidade especial no linhagista não
deixava de se identificar com ele. Um sinal mais forte dessa
identificação nos é dado quando Taunay expressa as supostas
expectativas de Pedro Taques às vésperas de sua viagem a
Lisboa em 1755, ano do terremoto. O ponto de exclamação
indica a emoção de Taques transbordando para o narrador:
122Ibid., p. 15.
123Ibid., p. 21.
124“Ao redigir os seus trabalhos, dispensava fichários. Possuía anotações em uma pasta que vez ou
outra consultava. Servia-se, antes, da sua invejável memória prodigiosa”. ELLIS, M., HORCH, R. E. Op.
cit., p. 37.
125TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo..., p. 57-58. É-nos impossível evitar a lembrança de uma
passagem basilar: “O documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador, ele
próprio parcialmente influenciado por sua época e seu meio; o documento é produzido consciente ou
inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma imagem desse passado, quanto
para dizer “a verdade”.” LE GOFF, J. A História Nova. In: LE GOFF, J. (Dir.). A História Nova. São Paulo :
Martins Fontes, 1990. p. 54.
71
Os documentos históricos, tão valorizados por um e
outro, capazes de provocar as mais espetaculares emoções,
foram reunidos em coleção particular à custa dos cargos
públicos de Pedro Taques. Taunay da mesma forma constituiu
coleções, desta feita no Museu Paulista. Um e outro realizaram
obras vastas - a Nobiliarquia e a História Geral das Bandeiras
Paulistas - também recorrendo às influências, vantagens e
remunerações oriundas do exercício de funções públicas 126 . Para
além do valor atribuído aos documentos, unem Taques e Taunay,
sempre através da ótica deste, o mais elevado dos sentimentos
humanos: o amor.
126“É nossa convicção - à falta de documentos - que pôde Pedro Taques tanto fazer avultar a sua
Nobiliarquia graças à particularidade de haver sido tesoureiro da Bula e contar, em todas as vilas da
capitania, subordinados.” Ibid., p. 102. Além de ter sido tesoureiro-mor da Bula da Cruzada (1758) Pedro
Taques também foi investido no cargo de guarda-mor das Minas da Comarca de São Paulo (1763).
127Ibid., p. 247.
128Portaria para o Sargento-Mor Pedro Taques declarar tudo o que há a respeito das Aldeias desta
Capitania. Apud. TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo... p. 165.
72
1772. O mesmo ano conheceu outra obra de Taques produzida
sob encomenda, a História da Capitania de São Vicente, agora
por conta de um particular interessado na defesa de direitos de
herança. Antes, em 1768, havia publicado a Notícia Histórica da
Expulsão dos Jesuítas do Colégio de São Paulo que não era
resultado de encomenda mas estava marcado pelo contexto
específico da administração pombalina, fazendo com que o autor
manifestasse uma desconfortável posição anti-jesuíta 129 .
129Ibid., p. 102.
130O texto foi publicado pela primeira vez na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a partir
de 1869 e compreendeu os tomos XXXII-XXXV. TAUNAY, A. d'E. O Historiador dos Bandeirantes: Pedro
Taques e a sua Obra. In: LEME, P. T. de A. P. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo
Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980, v. 1, p. 43.
73
nossa história sertanista, para os observadores
superficiais; mas para os estudiosos e os sinceros
muito mais que isto: porque representa a fixação dos
caracteres das gerações longínquas que passaram
anônimas, e traduz um pouco da alma que aos
dilatadores do Brasil animava. E tudo isto sem a sua
intervenção se perdera 131
133Ibid., p. 9.
134Ibid., p. 20.
75
formando uma tríade (Pedro Taques, Frei Gaspar e Taunay) em
defesa da verdade absoluta produzida pelo conhecimento
histórico e desqualificando, por conseguinte, Rocha Pitta:
140Ibid., p. 50.
141Ao abordarmos o tema da aclamação de Amador Bueno seguimos as considerações de Nilo Garcia.
GARCIA, N. Aclamação de Amador Bueno: a influência espanhola em São Paulo. Rio de Janeiro : Tese
de Livre-Docência em História do Brasil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1956. p. 57.
79
Quando da Restauração, os espanhóis estabelecidos
na imediações de São Paulo vislumbraram a ameaça aos seus
interesses comerciais e políticos no retorno de um monarca
português ao trono em Lisboa. Antes de proclamarem D. João IV
rei (o que só ocorreu a 3 de abril de 1641), aclamaram um
paulista descendente de espanhol, proprietário de terras,
administrador de índios e ocupante de cargos públicos: um
homem escolhido a dedo. Amador Bueno, surpreendido, recusa a
oferta e refugia-se entre os beneditinos. Tudo isso julga-se ter
irrompido no dia 1º de abril de 1641 142 .
142“São quase unânimes os historiadores contemporâneos em admitir que o episódio Bueno se tenha
verificado a 1º de abril de 1641, isto é, dois dias antes do ato legal.” Ibid., p. 65.
80
comparável aos lucros da lavoura canavieira) 144 , de outro os
jesuítas que disputavam o mesmo butim. No meio, o fim da
dominação filipina alterando o contexto político no qual
flexibilizavam-se as relações comerciais naquela parte da
América luso-castelhana. Por fim voltaram os jesuítas a São
Paulo como próceres da Restauração e, em seguida, foi
eliminada à força, na Câmara, a influência espanhola que havia
tentado a sublevação.
146TAUNAY, A. d'E. Sobre El Rei Nosso Senhor: aspectos da vida setecentista brasileira, sobretudo em
S. Paulo. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922. t. 1, primeira parte, p. 401-402.
147TAUNAY, A. d'E. Notas à biografia de Frei Gaspar da Madre de Deus: I. In: MADRE DE DEUS, Fr. G.
da. Memórias para a Historia ..., p. 76.
148Ibid., p. 77. O grifo é nosso.
82
Salvar os dois tradicionais cronistas de São Paulo
não foi difícil. Os “agressores” julgavam por inexistente uma
Patente de Arthur de Sá e Menezes em favor de Manuel Bueno
da Fonseca que traz no bojo do seu texto a referência à
Aclamação. Eles haviam procurado o texto citado por Frei
Gaspar e Pedro Taques no arquivo errado, não o encontrando
julgaram tudo uma fantasia. Quis Taunay refutar as injúrias de
forma cabal. Reproduziu, na íntegra, a Patente e ainda fez o
cotejo da passagem citada em Gaspar com o original. “Mais
favorável não pôde ser o confronto; inequivocamente demonstra
a escrupulosa fidelidade de Frei Gaspar. 149 ”
149Ibid., p. 82.
83
Salvou a vida do perigo em que se viu pelo corpo
desta horrorosa sedição, recolhendo-se ao sagrado
mosteiro de S. Bento, acompanhado dos leais
portugueses europeus e paulistas até ficar em
sossego o inquieto ânimo dos castelhanos que tinham
fomentado o tumulto. Nesta ação deu inteiramente
créditos de si a incontrastável lealdade deste vassalo
paulista. Não ocultou o segredo do tempo na oficina
do olvido esta briosa resolução de Amador Bueno,
porque reinando o Sr. Rei D. João V, de saudosa
memória, se dignou a sua real grandeza mandar
lançar o hábito de Cristo a Manuel Bueno da
Fonseca (...) sem preceder as provanças pela mesa
de consciência e ordens; porque logo que lhe fez esta
mercê o houve por habilitado, e na carta que lhe
mandou passar, como governador e perpétuo
administrador do mestrado da cavalaria e ordem de
Cristo, se contém esta expressão: - por ser neto do
meu mui honrado e leal vassalo Amador Bueno. 150
154TAUNAY, A. d'E. Amador Bueno e outros ensaios. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1943, t. 11,
primeira parte, p. 47.
155GARCIA, N. Op. cit. p. 72.
156Ibid., p. 74.
86
Geográfico de São Paulo, por ocasião dos trezentos anos da
Aclamação (1º de abril de 1941), uma placa que diz o seguinte:
158Ibid., p. 56.
159MORAES, R. B. de. Prefácio. In: SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à Província de São Paulo.
Tradução, prefácio e notas por Rubens Borba de Moraes. São Paulo : Martins; EDUSP, 1972. p. XXV-
XXVI. O juízo de Taunay é o seguinte: “livro de encantadora leitura como quanto em geral escreveu o
ilustre naturalista e viajante. Começa por primoroso Quadro abreviado da Província de S. Paulo que pela
primeira vez realizou um apanhado sintético, valioso, embora de pequenas dimensões e deficiente, da
história de S. Paulo. Era porém quanto no tempo se podia fazer.” TAUNAY, A. d'E. Non Ducor, Duco:
notícias da S. Paulo (1565-1820). São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924
88
reproduzindo, por conseguinte, os temas originais por eles
eleitos e estabelecidos 160 .
Não é a toa que detectamos, ao abrirmos o primeiro
volume da História Geral das Bandeiras Paulistas, uma
epígrafe onde Saint-Hilaire é invocado por Taunay. Preside o
volume e toda a obra a expressão definitiva demarcadora de uma
raça não humana. Eis, na íntegra, o parágrafo que revela alvo
para onde se dirigiu o vigor intelectual de Taunay:
160De acordo com katia Abud: “Nem as narrações dos ataques às reduções jesuíticas, quando lembrou
que aos paulistas era indiferente o uso da força ou da perfídia; que tinham “devastado e depredado”,
conseguiram dar imparcialidade às narrativas de Saint-Hilaire - há nelas, sempre, um tom de admiração e
respeito aos habitantes de São Paulo, que lhe passaram provavelmente os escritos de Frei Gaspar e
Pedro Taques.” ABUD, K. M. Op. cit., p. 104.
161Apud. TAUNAY, A. d'E. Historia Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton,
1924. t. 1, p. 3. O grifo é nosso. Na edição de Saint-Hilaire acima citada podemos encontrar a referida
passagem nas páginas 14 e 15.
89
Frei Gaspar em favor da glória dos paulistas. Taunay ampliou o
alcance da expressão equiparando o orgulho bandeirante à
essência do patriotismo brasileiro: a história do Brasil passava
necessariamente por São Paulo, no passado e no presente. Se
Varnhagen publicara uma História Geral do Brasil, em cinco
volumes, Taunay também faria uma História Geral, em onze, só
que das Bandeiras Paulistas: “lia-se” o Brasil por São Paulo.
162YERUSHALMI, Y. H. Zakhor: História Judaica e Memória Judaica. Rio de Janeiro : Imago, 1992. p. 11.
163A palavra tem por significado anais, registros públicos de fatos ou obras memoráveis. FERREIRA, A.
B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 19--. p. 614.
Apresentamos um pequeno exemplo do uso que Taunay faz da palavra: “No mesmo dia (14/11/1925) se
inaugurou no recinto das sessões da Câmara uma placa de bronze aludindo igualmente aos feitos
gloriosos dos filhos de Parnaíba (“cidade bandeirante”) no conjunto das ações do bandeirantismo nos
séculos XVII e XVIII em que tanto sobressaem nos nossos fastos nacionais os nomes desses sertanistas
extraordinários que foram os dois Domingos Jorge Velho, tio e sobrinho, os dois Anhangueras, pai e filho;
Fernando Dias Falcão e tantos mais.” TAUNAY, A. d'E. O Tricentenário de Parnaíba (1625-1925). Anais
do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, 1927. p. 321-430. p. 370.
164Este é o comentário de Boxer sobre a História Geral: “Difuso e divagante, mas trabalho básico no
assunto, devido às copiosas citações retiradas de documentos originais.” BOXER, C. R. A Idade de Ouro
do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo : Companhia Editora Nacional,
1963. p. 373. Já Pedro Calmon afirma: “Deve-se-lhe a minuciosa restauração dos movimentos sertanistas
(11 volumes da História das Bandeiras Paulistas), mal conhecidos, ou nublados na indecisão das
tradições recolhidas por Pedro Taques e Frei Gaspar” CALMON, P. História do Brasil. Rio de Janeiro : J.
Olympio, 1981. v. 7. p. 2401. Na sua tese de doutorado, recentemente publicada no Brasil, John Monteiro
qualifica a História Geral das Bandeiras Paulistas de “caótica” - apesar de considerá-la “útil”. MONTEIRO,
J. M. Negros da Terra. São Paulo : Companhia das Letras, 1994. p. 235.
92
glorificação dos ancestrais e com o objetivo de dar estatuto
científico a uma tradição inventada: noutras palavras, com a
edificação da memória bandeirante.
165TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos, 1961. t. 2, p. 310.
166Sobre a origem e a duplicidade da grafia de mamaluco/mameluco, esclarece Taunay: “Vicentistas
foram chamados, por vezes, mas esta denominação se aplicou sobretudo aos habitantes da costa.
Quanto ao gentílico paulista embora não possamos afirmar quando surgiu pela primeira vez, cremos que
antes do último quartel do século XVII não foi empregado nem era corrente, mesmo entre os lusos-
brasileiros. Mamaluco cuja corruptela é mameluco, significa em tupi o mestiço, di-lo Theodoro Sampaio. O
vocábulo mamã-ruca decompõe-se, no dizer do erudito glotólogo brasileiro, em “mamã”, misturar, dobrar,
abraçar e “ruca” ou “yruuca” que quer dizer tirar. O apelido histórico se traduz, pois: o tirado da mistura ou
da procedência mista. Não é mister grande esforço para se explicar como de “mama ruca” se fez
“mamaluco” segundo o escreveram os primeiros historiadores e, depois, mameluco como em geral se
adotou.” TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton,
1924. t. 1, p. 128-129.
94
materialmente e nessa constatação esgota o seu sentido) a
adjetivo (identifica alguém ou alguma coisa por meio de
características que lhe são peculiares), conclui Maria Isaura
Pereira de Queiroz:
167QUEIROZ, M. I. P. de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n.
13, 1992. p. 80.
168Ibid., p. 80. Uma repercussão ampliada dessa mensagem encontra-se em Euclides da Cunha: “Da
absorção das primeiras tribos surgiram os cruzados das conquistas sertanejas, os mamalucos audazes. O
paulista - e a significação histórica deste nome abrange os filhos do Rio de Janeiro, Minas, S. Paulo e
regiões do sul - erigiu-se como um tipo autônomo, aventuroso, rebelde, libérrimo, com a feição perfeita de
um dominador da terra, emancipando-se, insurreto, da tutela longínqua, e afastando-se do mar e dos
galeões da metrópole, investindo com os sertões desconhecidos, delineando a epopéia inédita das
95
tempo o substantivo carregado do significado do adjetivo e não
se conforma com o fracasso da busca 169 .
“Bandeiras”.” CUNHA, E. da. Os Sertões. Rio de Janeiro : Edições de Ouro, 19--. p. 74. O livro veio a lume
pela primeira vez em 1902.
169Num Léxico que publicou em 1914 Taunay faz referência a um verbo “curioso”: “BANDEIRIAR. v. i.
Organizar bandeiras, tomar parte em bandeiras. (Ap. Cunha Mattos, Chorogr. de Goyaz)”. TAUNAY, A.
d'E. Léxico de Lacunas: subsídios para os dicionários da língua portugueza. Tours : E. Arrault, 1914. p.
36.
170TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 132.
171O argumento do historiador é o seguinte: “Quando os portugueses descobriram o Brasil, e nele se
estabeleceram, acharam os indígenas, proporcionalmente, em tão diminuto número e profundo
aviltamento, que nas suas recém-fundadas colônias podiam desenvolver e estender-se quase sem
importar-se dos autóctones. Estes exerceram sobre os colonos uma influência negativa tão-somente
96
grande corpo militar, de grupos prospectores de minas, de
grupos escravizadores de índios ou de fatos de grande
prestígio 172 . Toda essa dispersão serviu mais para difundir e
confundir do que esclarecer. Outra duplicidade surgiria:
bandeirismo / bandeirantismo. Em Varnhagen, a palavra
bandeira toma lugar no capítulo destinado ao conjunto das
relações dos colonos com os índios:
Além das relações com os índios do distrito em que
se fixavam, empreendiam os colonos, tanto por mar
como terra dentro, algumas de tráfico e resgate com
outros índios mais distantes. A essas relações
deveram os mesmos colonos o conhecimento, que
pronto adquiriram, não só de toda a costa que
percorriam em caravelões, em barcaças e até em
jangadas, como dos próprios sertões, que
devassavam em pequenas troças, chamadas
bandeiras; pois não havia cabilda, assaz numerosa,
que se atrevesse a atacar quarenta homens juntos,
bem armados e de sobreaviso. 173
porquanto só os forçaram a acautelar-se contra as suas invasões hostis, e por isso criaram uma
instituição singular de defesa, o Sistema das milícias.” MARTIUS, K. F. P. von. Como se deve escrever a
história do Brasil. In: O estado de direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte : Itatiaia; São
Paulo : EDUSP, 1982. p. 95. O grifo é nosso.
172Um exame profundo e extenso pode ser encontrado em: ROMÁN BLANCO, R. Las “Bandeiras”:
instituciones bélicas americanas. Brasília : UnB, 1966. p. 428. Em função do estilo escolhido pelo autor
para expor o tema, aquiescemos unicamente com as conclusões emitidas quanto às origens, significados
e definições da palavra bandeira.
173VARNHAGEN, F. A. de. História Geral do Brasil. São Paulo : Melhoramentos, 1948. t. 1, p. 260.
174O livro O Ouro e a Paulistânia de Alfredo Ellis Júnior é exemplo, apesar do descontentamento de
Taunay não se referir ao seu dileto colega.
97
se nos assemelha indeterminável à luz do critério
reinante na era das bandeiras. 175
ríspido, a 13 de dezembro de 1696, que a fazenda real nada lhe devia fornecer. Empreitara ele,
exclusivamente, à sua custa, a terminação da campanha palmarense.” TAUNAY, A. d'E. História Geral...,
t. 7, p. 140.
180“Ao contrário do que se deu na América Espanhola, cujos conquistadores foram patrocinados
diretamente pelos monarcas, senão financeiramente, ao menos pela concessão de direitos legais, no
Brasil, grande parte do movimento expansionista do século XVII se fez à revelia das ordens da metrópole
ou quando muito, apenas com o seu consentimento tácito.” CANABRAVA, A. P. Bandeiras. In: MORAES,
R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica
Editora Souza, 1949. p. 493.
181HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1988.
182Ibid., p. 68.
99
no próprio Taunay, em Ellis Júnior e Cassiano Ricardo 183 , que
abusam do emprego dos termos.
183A idealização da bandeira em Cassiano Ricardo deve ser vista à luz do Estado Novo: “As
considerações sobre a obra de Cassiano Ricardo (Pequeno Ensaio de Bandeirologia e Marcha para
Oeste) se alongam justamente para que fique clara a construção harmoniosa da bandeira como prenúncio
do que o Estado Novo consagra naquele instante. Ricardo mitifica no passado o que lhe tornaria
dificultoso acentuar no presente. A solidariedade social, o espírito cooperativo, dinamismo da ação
individual direcionada socialmente, a mestiçagem intensa e a não existência de preconceitos (...) A
sociedade bandeirante do planalto é projetada acima dos conflitos de classe e pensada como modelo
para o presente.” LENHARO, A. Sacralização da Política. Campinas : Papirus; UNICAMP, 1986. p. 63.
184ROMÁN BLANCO, R. Op. cit. p. 434-435.
100
A sensibilidade de um literato permitiu que se alcançasse a
diversidade dos móveis da bandeira sem o risco do esquema.
Numa feliz passagem, Cassiano Ricardo consegue mostrar que
são os próprios mitos, de origem econômica, os responsáveis
primordiais pelo arroubo daqueles homens de então. Vida
material e ideal de vida juntos na expansão:
186TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos (1554-1601): Ensaio de Reconstituição Social. Tours :
E. Arrault & Cia., 1920. p. 13.
187Ibid., p. 8.
102
da vila, combate aos índios mais próximos e gênese de uma
estirpe, a era do seiscentos foi a da grande conquista territorial
ao passo que a do setecentos representou a descoberta e desfrute
do ouro e das pedras. Periodizando em eras Taunay produz no
leitor a sensação de estar assistindo o desenrolar natural e
vitorioso de uma civilização ao longo das suas mais variadas
fases. Produz, ainda, uma correlação com os períodos do
Renascimento italiano: trecento, quattrocento e cinquecento.
Taunay inscrevia a coletividade paulista-bandeirante no quadro
das civilizações de grande relevância universal. O primeiro
capítulo da História das Bandeiras, a resumida, traz dois itens
em destaque:
190Esta citação vem de outro trabalho, cujo título também é sugestivo, onde informa como mandou
esculpir o rosto de Fernão Dias Pais. TAUNAY, A. d'E. Os Despojos de Fernão Dias Pais: A Efígie do
Governador das Esmeraldas. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, 1927. p. 271-282. p. 281.
105
Finalizando, há um título muito especial,
denunciador das suas mais profundas motivações e que ao
mesmo tempo estabelece uma densa ligação com o público
paulista. O título? Nas palavras de Taunay, “a magnífica divisa
da cidade de S. Paulo”, Non Ducor, Duco (Não sou conduzido,
conduzo). A origem da legenda do brasão da capital paulista?
Deixemo-lo responder:
191Ibid., p. 281.
192TAUNAY, A. d'E. Non Ducor, Duco: notícias da S. Paulo (1565-1820). São Paulo : Typ. Ideal; H. L.
Canton, 1924.
106
descobertos e o século das Monções emerge. A trajetória
paulistana se desdobra e, conseqüentemente, interpreta-se as
expedições fluviais como integrante do mesmo impulso
incontrolável. O século XVIII é o das Monções mas também é
aquele correspondente ao “ciclo do ouro”. Entretanto, se aqui
(final do século XVIII) termina a expansão vicentina, o destino
dos paulistas permanecerá conhecendo glórias para além destes
três séculos iniciais. O século XIX é para Taunay o século do
café e para ele escreveu quinze volumes. E o século XX? É o
século dos seus leitores, é o século de um São Paulo (cidade e
Estado) que não cessa de expandir-se sob os auspícios da
industrialização. Sobre este último Taunay não escreveu, na
verdade, para ele escreveu. Respondeu com tradição e memória
aos que pediam uma explicação para tão retumbante sucesso,
expresso na posição que São Paulo ocupava na federação.
194Ibid., p. 83-84.
109
mundial também. Mas a questão é tão importante que ele sentiu
a necessidade de ser mais direto, transcrevendo até mesmo uma
fala imaginária vinda do passado. Continua a narrativa:
E agora, na terra americana, proseguia, incansável,
tenazmente, insaciável, a epopéia lusa, renovada
pelos homens nascidos no planalto de piratininga,
de um cruzamento que elevava a mentalidade
vermelha e reforçava a agilidade branca.
Afuroador da floresta brasileira, sentiria o escrivão
da bandeira a percepção confusa de que era um dos
continuadores dos seus antepassados de Aljubarrota,
das lides do rei de Boa Memória e do Condestável
Santo, que prosseguiam nas jornadas de África e do
Oceano, de Ásia e de América.
Repelia-se o castelhano e dilatava-se esse Brasil que
as bulas e os tratados queriam mutilado.
E era a sua gente, a gente de S. Paulo, a gente já
nascida no Brasil, que promovia agora a obra do
alargamento da terra de Santa Cruz.
- Nós outros, que aqui estamos, perdidos no deserto,
diria de si para si, padecemos talvez mais do que os
vassalos da conquista da África e do Oriente! 195
195Ibid., p. 85.
110
E assim, de repente, irrompendo-lhe na alma, pela
voz do Épico, o clamor da glória da sua raça, levou-
o a irresistível associação das idéias e das situações
a escrever, no dorso do inventário mísero e obscuro
soldado da bandeira, caído na selva em pról da obra
da dilatação do Brasil, uma das estrofes narradoras
do episódio máximo do Poema. 196
197Apud. VARNHAGEN, F. A. de. Op. cit., p. 408. A rigor, desde o Regimento de Tomé de Sousa
(17/12/1548) encontramos a proibição da escravização do índio que, caso se efetivasse, seria punida com
a pena de morte. Ibid., p. 274.
112
fazendo assim protestava de toda a perda que a terra
viesse a haver por suas mercês. 198
198ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Atas da Câmara da Villa de S. Paulo. São Paulo, 1915. v. 2,
p. 112-113.
199TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 80. Antes, Varnhagen, já comentava o problema: “É por isso
que a legislação especial acerca dos índios do Brasil, dada por sua ordem cronológica, apresenta uma
série de contradições, que melhor chegaram a manifestar-se, por vias de fato, nas sublevações que
teremos de historiar pelo tempo adiante.” VARNHAGEN, F. A. de. Op. cit., p. 393.
200TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 235.
201Cf. MALHEIRO, P. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social. Petrópolis : Vozes; Brasília
: INL, 1976. v. 1, p. 183.
113
feito. Os paulistas difamados no Ocidente, os jesuítas
“defensores dos índios” desterrados pelos “vilões”, enfim, o
conflito repercutindo de forma definitiva. Katia Abud assim
sintetiza a questão:
Ou, diretamente:
206Ibid., p. 65.
207Ibid., p. 71. No romance, o maior chefe dos pitiguares, Batuireté, não mais comanda sua nação. Velho,
retirou-se para a serra deixando Jatobá com o tacape. Poti, filho de Jatobá, vai com o amigo Martim e
Iracema ao encontro do avô. Assim se dá a cena narrada por José de Alencar: “Batuireté estava sentado
sobre uma das lapas da cascata; o sol ardente caía sobre sua cabeça, nua de cabelos e cheia de rugas
como o jenipapo. Assim dorme o jaburu na borda do lago. — Poti é chegado à cabana do grande
Maranguab, pai de Jatobá, e trouxe seu irmão branco para ver o maior guerreiro das nações. O velho
soabriu as pesadas pálpebras, e passou do neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois o peito arquejou e
os lábios murmuraram: -– Tupã quis que estes olhos vissem antes de se apagarem, o gavião branco junto
da narceja.” Em nota, José de Alencar informa que Batuireté, ao associar o neto à narceja e Martim ao
gavião branco, profetiza a destruição dos índios pelos conquistadores brancos. Há de se destacar, além
da profunda e sincera amizade que unia Martim e Poti, que Iracema está no local, que ela é esposa do
português e trará no ventre o símbolo maior da aliança aludida por Taunay, o primeiro brasileiro: o mestiço
Moacir. O São Paulo de Taunay reproduz a idealização romântica do Ceará de Alencar. Logo após
proferir o vaticínio Batuireté morre. ALENCAR, J. de. Iracema. São Paulo : Ática, 1992. p. 58-60.
208Ibid., p. 56. Por “filhos do Brasil” é justo depreender o fruto da mestiçagem do índio com o português e
com o espanhol.
117
Encontrava-se a famosa cruza euro-americana
reforçadora da capacidade mental do vermelho e da
musculatura do branco. Criavam-se os primeiros
destes mateiros incomparáveis cujas proezas Saint-
Hilaire comparou à dos titãs. 209
suporte material da palavra cantada, a função psicológica que sustenta a técnica de formular; é também, e
sobretudo, a potência religiosa que confere ao verbo poético seu estatuto de palavra mágico-religiosa.
Com efeito, a palavra cantada, pronunciada por um poeta dotado de um dom de vidência, é uma palavra
eficaz; ela institui, por virtude própria, um mundo simbólico-religioso que é o próprio real.” DETIENNE, M.
Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 19--. p. 17. Apesar da
distância e das distinções, as palavras bandeira e bandeirante, assim como as delas derivadas possuem
essa capacidade, fornecida pela historiografia, de remeter o interlocutor a uma determinada realidade
simbólica.
213TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 180. No final do primeiro capítulo destacamos a associação
entre João Ramalho e Rômulo.
119
romântico-erudito, de acordo com o que estabelecemos no
primeiro capítulo, é justo aprofundarmos a sua perspectiva
romântica 214 . Dessa maneira, o que objetivamos agora é indicar
os elementos de extração romântica que desempenham um denso
papel na tarefa de construção da memória bandeirante.
217Motivo condutor é a melhor tradução para a palavra alemã leitmotiv. Intimamente ligada aos aspectos
românticos da obra operística de Wilhelm Richard Wagner (1813-1883), a associação do termo com os
temas não é nossa: “O sertão... De espaço a espaço, com a teimosia de um estribilho obsidente, com a
insistência tirânica de um leitmotiv, a palavra aparece e reaparece nos inventários paulistanos dos dois
primeiros séculos, a denunciar que para o sertão está voltada constantemente a alma coletiva, como a
agulha imantada para o pólo magnético.” MACHADO, A. Op. cit., p. 231.
218Ibid., p. 52.
122
Segundo, ao explorar essas repetições por intermédio
da expressão motivo condutor, o autor explicita a constituição
de um tema fundamental para a inteligibilidade do Brasil
colonial. De fato, antecipamos páginas atrás, que o tema fora
sugerido a Taunay por Capistrano, contudo, o seu próprio pai já
escrevera a respeito. O mais famoso de seus livros, Inocência,
apresenta ao leitor logo no capítulo inicial (após duas epígrafes,
uma de Goethe e outra de Rousseau) o cenário dos
acontecimentos: a natureza; e o seu protagonista: o sertanejo 219 .
Nesse momento, Capistrano e o Visconde se unem ao sugerirem
uma temática, em outras palavras e por fim, a história e o
romantismo permitem que a memória seja construída.
219Antonio Candido destacou a fina sensibilidade, a esmerada cultura do Visconde nas artes plásticas e
na música. Exprimindo-se acerca do mesmo capítulo: “Predominava nele, todavia, a sensibilidade
musical. Compôs com facilidade e elegância, escreveu com acerto sobre assuntos de música; e mesmo
nas descrições do sertão percebemos que também o ouvido elaborava as impressões da paisagem. No
primeiro capítulo de Inocência (“O Sertão e o Sertanejo”), a paisagem e a vida daqueles ermos são
apresentados a partir de alguns temas fundamentais, compostos em seguida num ritmo que se diria
musical. Daí o tom de ouverture dessa página, aliás admirável na sua inspiração telúrica, uma das
melhores da literatura romântica, onde se performam certos movimentos d'“A Terra” e d'“Homem”, n'Os
Sertões, de Euclides da Cunha”. CANDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos.
Belo Horizonte : Itatiaia, 1993. v. 2, p.275-276. Essa educação refinada, sensível, musical, emigrada da
França e perpetuada nos descendentes brasileiros, sem dúvida alguma foi transmitida ao filho historiador.
Um panorama histórico-cultural dos primeiros membros da família no Brasil é encontrado em: TAUNAY,
A. d'E. A Missão Artística de 1816. Brasília : UnB, 1983.
123
sim aos acontecimentos dramáticos. Às vezes seu
conteúdo emocional corresponde aos significados;
outras vezes, funcionam mais por associação. Na
Tetralogia, por exemplo, a análise das partituras
revela motivos correspondentes à espada, ao ouro do
Reno, ao farfalhar da folhagem, à nostalgia, enfim,
muitas dezenas de motivos que são variados,
combinados, antecipando a entrada de personagens,
traduzindo sentimentos ocultos, preparando cenas,
etc. Há uma forte doze de racionalismo na
elaboração desse sistema. 220
222Nesse momento pensamos no sentido mais completo da palavra mito: “ao mesmo tempo ficção,
sistema de explicação e mensagem mobilizadora”. GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo
: Companhia das Letras, 1987. p. 98.
223TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 31.
125
nação: ao passo que a Bahia e as dependências do
norte eram uma fazenda de Portugal na América. 224
230Ibid., p. 94-95. O grifo é nosso. Taunay informa ainda, que o “único documento iconográfico até hoje
descoberto sobre a indumentária dos bandeirantes apresentando visos de autenticidade” é a litogravura
de Debret por nós aqui reproduzida. TAUNAY, A. d'E. Iconografia Paulista Vetustíssima. Anais do Museu
Paulista, São Paulo, 1949. t. 13, p. 45.
231TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1931. t.
4, p. 111. O grifo é nosso.
130
condutor, afinal ele possui correntes, quedas d'água, leito e
movimento; liga a “civilização” à “selva ignota e misteriosa
cheia de espanto e terror” 233 e institui, até mesmo, uma única
duração entre o passado e o presente:
237NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de
Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XVIII.
238Cf. GIRARDET, R. Op. cit. p. 9-24.
239TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 9, p. 203-204.
133
impossibilidade de exaltar todos da mesma maneira, diante da
contingência de descobrir documentos diferentes na quantidade
e na qualidade para cada um deles e por causa do resultado das
suas ações, o historiador estabeleceu uma hierarquia dentro do
panteão bandeirante para constituir o tema do mito.
240TAUNAY, A. d'E. Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. São Paulo : Imprensa Oficial do Estado,
1937. p. 57.
134
Outros bandeirantes encontram-se representados na
“escadaria monumental” do Museu, ali reunidos mediante
sugestivo critério:
241Ibid. p. 60. As estátuas foram executadas por Amadeu Zani, Nicolau Rollo e H. van Emelen.
135
encabeçado ao nordeste invadido pelos holandeses; e o “périplo
portentoso” pela América do Sul 243 .
245Relación de los agravios que hicieron los portugueses de San Pablo saqueando las aldeas que los
religiosos de la Compañía de Jesús tenían en la misión de Guairá y campos del Iguazú. Santos 10 de
octubre de 1629. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922, t. 1, segunda parte, p. 248.
246Ibid., p. 263.
247TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 5.
137
Mas ele é o organizador, o responsável pelo fato que
vai tornar para sempre portugueses os territórios
dos nossos atuais estados do Paraná e de S.
Catarina e encetar uma era de rechaço dos
espanhóis do Rio Grande do Sul e da parte
meridional de Mato Grosso. 248
248Ibid., p. 5.
249Ibid., p. 95.
250TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 15.
138
Completada a obra de expulsão dos espanhóis do
Guairá, com a queda de Vila Rica e a evacuação de
Cidade Real prosseguem os paulistas no seu plano
de agressão sistematizada e tão lógico que parece
obedecer ao desenvolvimento de uma ação
estratégica maduramente pensada e determinada em
todos os seus pormenores. 251
251TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 193. Jaime Cortesão, como já sublinhamos, também imagina
a expansão vicentina decorrente de um plano, português, é claro. “Para enaltecer seu esforço e bravura,
alguns historiadores brasileiros chamam a Raposo Tavares - homeríada. Seja-nos lícito fazer um reparo.
Dos heróis de Homero decorreram os horrores no Mediterrâneo, mar interior cuja maior extensão não
ultrapassa quatro mil e quinhentos quilômetros; e cujos perigos não excediam o canto das sereias e o
agitado mar entre Cila e Caríbedes, no doméstico estreito de Messina. Se temos de comparar aqueles
bandeirantes a grandes navegantes há que recorrer então aos descobridores, que afrontam os cabos das
Tormentas, que dividem os Oceanos. Como Vasco da Gama no Índico, ou Fernão de Magalhães no
Pacífico, Raposo Tavares mediu a sua grandeza pelos dois maiores padrões da Natureza no seu gênero:
os Andes e o Amazonas. Por mais a despropósito que se tenha usado e abusado das palavras,
acreditamos que a Raposo Tavares e aos seus companheiros cabe, sim, por justo título e direito, o
qualificativo mais épico, mais nobre, mais humano e mais brasileiro de Lusíadas.” CORTESÃO, J. A Maior
Bandeira do Maior Bandeirante. Revista de História, São Paulo, n. 45, 1961. p. 27. Disputa-se aqui a
mitologia mais adequada.
252Ibid., p. 69. O grifo é nosso.
139
Se para a expedição ao Guairá a documentação é
farta, em função dos arquivos espanhóis, o mesmo não se dá
para o “socorro” e para o “périplo”. O que temos são modestas
referências ao nome de Tavares associadas aos locais por onde
teria passado ou às expedições por ele comandadas, até mesmo o
confronto para a confirmação é difícil, quanto mais porque
diversos Antônio Raposo existiram. No entanto, como a sua
busca objetiva dissipar a neblina para em seguida mitificar,
apenas simples registros são suficientes.
253LUÍS, W. Antônio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX,
1905. p. 492.
140
surgem nas Atas da Câmara de S. Paulo, inclusive o nome de
Tavares ao lado de outros. Este é o ponto, Tavares reuniu os
homens mas não só ele, muitos mais assim fizeram porque
demandavam o perdão do “crime das entradas do sertão” e não
porque lutariam pela reintegração do território à metrópole e
muito menos ainda porque ele futuramente formaria uma grande
nação. Todavia, estas últimas conclusões são postas de lado,
esquecidas; releva-se a participação mitigando-se a motivação e
a derrota final frente aos holandeses.
254Ibid., p. 524.
255Ibid., p. 494.
256TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 70.
257Carvalho Franco afirma categoricamente que: “Não existe desse modo referência oficial de que
Antônio Raposo Tavares tivesse tomado parte no terço do mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra, como
assevera Pedro Taques, e, conseqüentemente, figurando na célebre retirada desse cabo de guerra.”
141
provável que Tavares tenha participado da aclamação porque,
como lembra Washington Luís, “parece que Azevedo Marques
(em quem Taunay se baseia) se equivocou quanto a esse fato e a
essa data”. 258
FRANCO, F. de A. C. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo. São Paulo : Companhia Editora Nacional,
1940. p. 81. Se confrontarmos esta citação com a de Ellis Júnior na nota número 79 perceberemos que o
último também seguiu Taques.
258LUÍS, W. Op. cit. p. 494-495.
259O autor refere-se, principalmente, à narrativa de Bernardo Pereira de Berredo: “Entrou a nova
sucessão de 1651, e no princípio dela chegaram à fortaleza de Santo Antônio do Curupá cinqüenta e
nove homens da capitania de São Paulo, com mais algum gentio, governado tudo pelo Mestre-de-Campo
Antônio Raposo (...) Perdeu-se esta tropa nos sertões de São Paulo; e não atinando com o rumo para se
recolher à capitania, vagou alguns meses por diferentes alturas, até que chegando ao grande reino do
142
Peru, não só se viu acometida de muitos índios de cavalos, mas de bastante número de castelhanos,
assistidos também de alguns missionários da Província de Quito”. BERREDO, B. P. de. Anais Históricos
do Estado do Maranhão, em que se dá notícia do seu descobrimento, e tudo mais que nele tem sucedido
desde o ano em que foi descoberto até o de 1718. Rio de Janeiro : Tipo Editor, 198-. p. 235.
260LUÍS, W. Op. cit. p. 496-497.
261ELLIS JÚNIOR, Op. cit., p. 215.
143
Tavares pela Amazônia 262 . Vieira condena evidentemente a ação
desses homens, mas, como menciona uma “jornada do
descobrimento de Quito”, explana o encontro de castelhanos e
recolhe notícias dos percalços sofridos, Taunay considera o
relato “documento de capital importância” 263 . O último dos
novos documentos foi divulgado por Paulo Prado, origina-se do
Conselho Ultramarino (1674) e diz respeito ao conflito entre os
Pires e os Camargos. A certa altura registra:
267BILAC, O. O Caçador de Esmeraldas: episódio da epopéia sertanista no XVIIIo século. In: Poesias.
Belo Horizonte : Itatiaia, 1985. p. 170.
146
submeter outros seres humanos, Fernão Dias partia numa
“jornada pesquisadora de minerais”.
268TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 64. A “diferença” é destacada por Mafalda Zemella: “As
bandeiras apresadoras, de caráter belicoso, descendo o íncola para o litoral, destruindo as tribos mais
rebeldes, deixaram o sertão aberto e limpo para as pacíficas bandeiras pesquisadoras de metal.”
ZEMELLA, M. P. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo : HUCITEC;
EDUSP, 1990. p. 35. O grifo é nosso.
147
acontecer. Subscrevendo um contemporâneo, Taunay vê o
prenúncio de algo significativo:
269TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4,
1931. p. 109-110. O grifo é nosso.
270TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 78.
271Ibid., p. 69.
272Ibid., p. 71.
148
No percurso o bandeirante enfrentou sérias
dificuldades: a falta de armas e provisões, a morte de parentes e
companheiros, as “asperezas do sertão”, a doença do seu próprio
corpo, as deserções e a traição tentada pelo filho bastardo.
Seguindo Pedro Taques, o historiador expõe minuciosamente
todos esses desafios capazes de constituir um líder sem igual,
pois só um verdadeiro herói poderia superá-los:
273Ibid., p. 104.
274Ibid., p. 106.
275Ibid., p. 107.
149
(1681). Ato contínuo, Taunay imagina como Fernão Dias
receberia um aviso de Dom Rodrigo de Castel Blanco
felicitando-o pelo achado, mas recomendando a análise das
pedras antes de noticiarem ao rei:
277Invertemos uma passagem de Nora ao dizer que “a história desaloja, ela torna sempre prosaico”.
NORA, P. Op. cit., p. XIX.
278MAGALHÃES, B. de. A Expansão Geográfica do Brasil Colonial. Rio de Janeiro : Epasa, 1944. p. 133-
135.
279ZEMELLA, M. P. Op. cit., p. 38.
151
De fato, se o papel desempenhado por estas
“fazendolas” foi tão determinante não temos como julgar. O que
sem dúvida alguma podemos afirmar é a sua sobrevalorização,
aqui ocorre uma mudança significativa na constituição do mito
do bandeirante. Ele deixa de ser um desbravador ou escravizador
e veste a indumentária do povoador e civilizador. No primeiro
“ciclo” ocorreu a luta pela conquista do território, despovoou-
se, e Antônio Raposo Tavares foi escolhido como símbolo;
agora, no segundo “ciclo”, assiste-se ao movimento
complementar daquele plano imaginado por Taunay, repovoa-se
a terra, e Fernão Dias é o seu símbolo máximo.
* 1909
* 1910
* 1911
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* 1930
* 1931
* 1932
164
Inópia científica e vocabular dos grandes dicionários
portugueses. São Paulo, Revista do Museu Paulista, t. 17.
* 1933
* 1936
* 1937
* 1939
* 1941
165
Ensaios da História Paulistana. Anais do Museu Paulista, São
Paulo, t. 10, primeira parte, p. 1-223.
* 1943
* 1945
* 1946
* 1948
166
História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de
avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 9,
676 p.
* 1949
* 1950
* 1953
* 1954
7 . BIBLIOGRAFIA
173
7.1 Obras de Referência e Instrumentos de Trabalho
7.3 Livros