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AFFONSO D’E.

TAUNAY E A CONSTRUÇÃO DA
MEMÓRIA BANDEIRANTE

por

PAULO CAVALCANTE DE OLIVEIRA JUNIOR

Departamento de História

Dissertação de Mestrado em Historiografia apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Orientador: Professor Doutor Afonso Carlos Marques dos Santos.

Rio de Janeiro, 2º semestre de 1994


ii

Affonso d’Escragnolle Taunay


iii
iv

Aos meus pais,


Neide e Paulo
v

AGRADECIMENTOS

O fim de toda jornada é sempre um momento


peculiar: diante dele alcançamos a consciência de que há muito
a percorrer. Esse sentimento de finitude impõe a tarefa de
agradecer àqueles que contribuíram no cumprimento desta etapa.

Ao longo do curso, da pesquisa e da redação do texto


final tive a felicidade de contar com o apoio e a confiança do
Prof. Dr. Afonso Carlos Marques dos Santos, orientador desta
dissertação. Os seus seminários, as questões por ele propostas e
o convívio sempre estimulante e bem-humorado facilitaram
bastante o meu caminho. O Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da UFRJ, além de intermediar o financiamento do CNPq,
propiciou o encontro com historiadores dos quais obtive
consideração e inspiração. Assim ocorreu, com o Prof. Dr. Arno
Wheling e com a Profª. Drª. Maria Eurydice de Barros Ribeiro.

O registro de um outro grupo de profissionais muito


me apraz porquanto são originários, assim como eu, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Presença decisiva,
constante e insubstituível é Maria Helena do Prado Reis. Por
suas mãos iniciei a carreira do magistério superior e em virtude
de sua insistência implacável e afetuosa hoje posso redigir este
agradecimento. Ainda no campo dos mestres sem-par, recebi de
Nilo Garcia uma acolhida fora do comum no interior do seu lar-
biblioteca. Cercado pelos seus numerosos e especializados
livros, pude ouvi-lo discorrer lucidamente acerca dos temas
relativos ao Brasil colonial. Das suas lições permanece, sem
vi
dúvida, o que houver de relevante neste trabalho. Em Marcos
Guimarães Sanches encontrei um amigo de todas as horas e
fonte de vivo estímulo intelectual por seu apego à polêmica
historiográfica. Por fim, tive em Miguel Arcanjo de Souza um
interlocutor e colega de curso igualmente dedicado ao estudo do
século XVII.

No dia a dia da pesquisa contei com o inestimável


auxílio de Rogério Cunha de Castro. Sua dedicação superou os
limites da relação professor-aluno, revelando competência, real
vocação e sincera amizade. O cotidiano guarda mais
proximidade com a família e dela recebi um apoio muito maior
do que o possível. Um exemplo é o meu primo Ricardo Luiz
Barreiros Motta que editorou eletronicamente o volume.

Para além de qualquer hierarquia, reservo estas


últimas linhas para Vera Lúcia Bogéa Borges. Professora e
historiadora, sua presença essencial é responsável pelo incentivo
afetivo e profissional, enfim, pela conclusão da jornada.
vii

RESUMO

O historiador Affonso d’Escragnolle Taunay, na sua


produção acerca da expansão vicentina, inventa
historiograficamente a tradição bandeirante, isto é, constrói a
memória bandeirante. O autor acredita numa verdade histórica
absoluta e sujeita à constante rememoração. Na constituição do
tema ele vale-se, em particular, das contribuições específicas de
Capistrano de Abreu, Washington Luís, Pedro Taques de
Almeida Paes Leme, Frei Gaspar da Madre de Deus e Auguste
de Saint-Hilaire. A história das Bandeiras de sua autoria é um
veículo de memória porque nela as palavras, os títulos, os temas
e a interpretação portam uma dimensão simbólica que ultrapassa
a configuração científica da realidade histórica.
viii

ABSTRACT

The historian Affonso d’Escragnolle Taunay, in his


production of the “Vicentina” expansion, historiographically
invents the “bandeirante” (explorer) tradition, that’s to say, he
builds up the memory of this exploring group. The author
believes in a absolute historic truth, liable to constant
remembrance. In order to build up the theme, he especially
makes use of specific contribution given by Capistrano de
Abreu, Washington Luís, Pedro Taques de Almeida Paes Leme,
Frei Gaspar da Madre de Deus and Auguste de Saint-Hilaire.
The history of the “Bandeiras” of his authorship is a “lieu de
mémoire” (a vehicle of memory) in that the words, titles,
themes and interpretation to be found in it bear a symbolic
dimension, surpassing the scientific configuration of the
historic reality.
ix

SUMÁRIO

1 . INTRODUÇÃO................................................................................ 1

2 . AFFONSO D'E. TAUNAY E O CONHECIMENTO HISTÓRICO.. 9


2.1 Taunay e sua época..................................................................... 10
2.2 A tradição como repetição: uma estratégia.................................. 18
2.3 A história como ciência............................................................... 25
2.4 José Honório e o revisionismo histórico...................................... 36

3 . O PRESENTE E O PASSADO NA CONSTRUÇÃO DA


MEMÓRIA...................................................................................... 54
3.1 A contribuição do presente.......................................................... 56
3.1.1 Capistrano de Abreu........................................................... 56
3.1.2 Washington Luís................................................................ 63
3.2 A contribuição do passado.......................................................... 67
3.2.1 Pedro Taques..................................................................... 67
3.2.2 Frei Gaspar........................................................................ 73
3.2.3 Taques e Gaspar por Taunay.............................................. 78
3.2.4 Auguste de Saint-Hilaire.................................................... 87

4 . A HISTÓRIA DAS BANDEIRAS COMO VEÍCULO DE


MEMÓRIA...................................................................................... 90
4.1 A memória nas palavras e nos títulos........................................... 92
4.2 A luta pela memória.................................................................... 105
4.3 Os temas estruturadores da memória........................................... 117
4.4 A mitificação do bandeirante....................................................... 131
4.4.1 Antônio Raposo Tavares.................................................... 134
4.4.2 Fernão Dias Pais................................................................ 145

5 . CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 152

6 . FONTES.......................................................................................... 155
6.1 Obras de Affonso d'E. Taunay..................................................... 156
6.2 Correspondência entre Capistrano de Abreu e Affonso d'E.
Taunay....................................................................................... 167
6.3 Documentos Publicados por Affonso d'E. Taunay Relacionados
ao Bandeirismo.......................................................................... 168
6.4 Obras Editadas ou Reeditadas por Affonso d'E. Taunay.............. 168
6.5 Crônicas, Correspondências e Narrativas Diversas...................... 170

7 . BIBLIOGRAFIA............................................................................. 172
7.1 Obras de Referência e Instrumentos de Trabalho......................... 173
x
7.2 Artigos e Partes de Monografias.................................................. 175
7.3 Livros....................................................................................... 181
7.3.1 De Caráter Teórico, Metodológico e Historiográfico.......... 181
7.3.2 De Caráter Geral................................................................ 191
7.3.3 De Caráter Específico........................................................ 197
xi

ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Estátua de Antônio Raposo Tavares, de Luiz Brizzolara........ 47

Figura 2 - Estátua de Fernão Dias Pais, de Luiz Brizzolara.................... 48

Figura 3 - Hall e escadaria do Museu Paulista....................................... 49

Figura 4 - A Partida da Monção, óleo de Almeida Júnior....................... 50

Figura 5 - A Fundação de São Paulo, óleo de Oscar Pereira da Silva..... 51

Figura 6 - Desembarque de Pedro Álvares Cabral, óleo de Oscar


Pereira da Silva..................................................................... 52

Figura 7 - Fundação de São Vicente, óleo de Benedito Calixto............. 53

Figura 8 - Milicianos índios de Mogi das Cruzes combatendo


Botocudos, de Jean Baptiste Debret...................................... 128
xii

O homem não vive somente a sua vida


individual; consciente ou inconscientemente
participa também da vida da sua época e dos
seus contemporâneos.

Thomas Mann. A Montanha Mágica.


1

1. INTRODUÇÃO
2
No campo do conhecimento histórico, os estudos
acerca da expansão vicentina, também chamada de
bandeirantismo ou bandeirismo, tiveram grande proeminência
nas primeiras décadas deste século. Muitos nomes podem ser
arrolados para representar esse conjunto: Basílio de Magalhães,
Alfredo Ellis Júnior, Alcântara Machado, Carvalho Franco, entre
outros. Um autor, porém, se destaca pelo resultado do seu
trabalho: Affonso d'E. Taunay.

Se tomarmos como critério de comparação a


quantidade de livros ou artigos escritos, a situação dos demais
seria humilhante, mesmo hoje é difícil citar algum historiador
brasileiro que tenha publicado mais do que ele. Contudo, sendo
a nossa abordagem também qualitativa, percebemos de imediato
que o autor muito publicou porque muito repetiu. Caso nos
detivéssemos nessa constatação, não teríamos como
problematizar a obra historiográfica de alguém que mais parece
um plagiário de si próprio.

Realmente, o que detectamos na obra de Taunay é a


retomada da tradição bandeirante numa dimensão histórica.
Munido do método e da crença absoluta na cientificidade da
história, ele recolheu a tradição já estabelecida e, juntamente
com os novos documentos descobertos, deu nova vida ao
"nobre" passado paulista.

Taunay bradou contra o esquecimento da temática


bandeirante, verificado até sua época, e reivindicou para esta um
lugar de destaque entre os fatos memoráveis tanto da história de
São Paulo como do Brasil e do mundo. A expansão bandeirante
3
constituía um "capítulo original dos fastos brasileiros", o autor
afirmava a "singularidade deste movimento no conjunto da
História Universal".

Ele exultou aqueles que no passado se debruçaram


sobre a questão (Pedro Taques e Frei Gaspar, por exemplo),
reeditando suas obras e acrescentando-lhes estudos específicos.
A habilidade com que abordou, fundamentou, sistematizou,
publicou, enfim, inventou historiograficamente a tradição
bandeirante conduz Taunay a um plano destacado dentre os
demais historiadores envolvidos na mesma empresa.

Em suma, a competência revelada na construção do


tema das Bandeiras por Taunay foi, certamente, de memória e
não de história. No dizer de Pierre Nora, a história "é a
reconstrução sempre problemática e incompleta do que não é
mais" 1 , longe de expressar uma consciência deste tipo, o
historiador sempre desejou reter, evocar, exaltar ou
simplesmente reconstituir o passado histórico. Os objetos por
ele tomados foram sacralizados, atualizados por uma
temporalidade nunca rompida, destinaram-se a lembrar com
afeto e magia uma experiência coletiva idealizada, enfim, foram
mitificados para que pudessem melhor traduzir a sua
simbologia.

Por ter como preocupação primordial a extração da


verdade histórica do documento verdadeiro - fator que o vincula
à história-ciência - por desejar a recuperação integral do que

1NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de
Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XIX.
4
foi, termina por mitificar lugares, eventos e personagens. Por
exemplo, o rio Tietê foi o lugar, o veículo por excelência da
penetração no interior; as expedições desbravadoras do sertão
(bandeiras) são o exemplo da batalha da construção territorial;
os protagonistas destes eventos (os bandeirantes) são os heróis
que contra tudo lutam antecipando as glórias da nação. Ao invés
de reconstruir o autor reconstituiu, fugindo à problematização e
priorizando o exercício regulado da memória.

Nossa abordagem é historiográfica por ser este o


procedimento indicado para efetivar a definitiva separação entre
história e memória. Por isso estamos em condição de afirmar
que os trabalhos de Taunay relativos à história das Bandeiras
objetivam construir a memória bandeirante. Hoje, ainda segundo
Nora, podemos falar tanto em memória porque ela não existe
mais. O que sobrevive de forma residual são os lugares de
memória e neles encontramos ainda um sentimento da
continuidade rompida pela aceleração da história. Somos
capazes de interrogar a produção historiográfica de Taunay uma
vez que não nos sentimos mais atingidos por ela. Portanto, nossa
perspectiva realiza o cruzamento de dois movimentos: "de um
lado um movimento puramente historiográfico, o momento de
um retorno reflexivo da história sobre ela mesma, de outro lado
um movimento propriamente histórico, o fim de uma tradição de
memória" 2 .

São obras de referência sobre Taunay os trabalhos de


Odilon Nogueira de Matos e o de Myriam Ellis, em co-autoria

2NORA, P. Op. cit., p. XXIII.


5
com Rosemarie Erika Horch 3 . Estes estudos foram motivados
pelo centenário do nascimento do historiador, revestindo-se de
um caráter nitidamente comemorativo. Se, por um lado, estes
livros ocupam um espaço necessário, por outro, não trazem - e
mesmo não pretendem trazer - qualquer problema adicional,
qualquer perspectiva nova ou abordagem diferenciada. Seus
objetivos são apenas decantar Taunay como "homem e mestre"
ou como "historiador de São Paulo e do Brasil".

Há, ainda, dois trabalhos que tratam da relação do


historiador com partes de sua obra. José Pedro Leite Cordeiro
publicou na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro um pequeno texto intitulado Afonso de Taunay e a
História das Bandeiras, nele, a admiração e o registro do vulto
da empresa superam o aspecto crítico. De diversa origem é o
estudo de Eduardo Rubião Martins Rodrigues. Originalmente,
uma dissertação de mestrado tem como objetivo realizar uma
revisão crítica dos trabalhos de Taunay sobre o Iguatemi
colonial (Mato Grosso do Sul) 4 .

Registra-se, assim, uma insuficiência de trabalhos


sobre Taunay e sua obra entre aqueles que procuram tomá-lo nos
quadros de uma problemática específica. Mas dois autores
constituem importante exceção: José Honório Rodrigues e Katia

3ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho
de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. MATOS, O. N. de.
Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio Bibliográfico. São Paulo
: USP, 1977.
4CORDEIRO, J. P. L. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-213. RODRIGUES, E. R. M. Iguatemi visto por
Taunay: ensaio de uma revisão crítica (1769-1778). São Paulo : Dissertação de Mestrado apresentada ao
Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1978.
6
Maria Abud 5 . O primeiro, num artigo de cunho historiográfico,
posiciona Taunay no mesmo patamar de Varnhagen e Capistrano
de Abreu além de considerá-lo um representante do chamado
revisionismo histórico; o segundo, numa tese de doutorado,
busca "reconstruir a História da história das bandeiras e os
mecanismos e relações que transformaram o bandeirante num
símbolo paulista" 6 . Embora muito avançando frente ao cenário
anterior meramente laudatório, especialmente Abud, a
problematização do tema das Bandeiras com o tema da memória
numa investigação historiográfica permaneceu inédita.

Para desenvolvermos de forma factível essa extração


da memória é necessário articularmos algumas oposições:
passado e presente, lembrança e esquecimento, mito e realidade.
Aplicamos estas oposições principalmente nos textos específicos
sobre o bandeirismo (História Geral das Bandeiras Paulistas,
História das Bandeiras Paulistas, Na Era das Bandeiras, etc.),
naqueles destinados a elogiar as contribuições de Pedro Taques
de Almeida Paes Leme e Frei Gaspar da Madre de Deus e no
Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. Numa conferência
onde faz um balanço da situação do conhecimento histórico no
seu tempo e publicada com o título Os Princípios Gerais da
Moderna Crítica Histórica, encontramos explicitamente a sua

5ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o


bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay e o Revisionismo
Histórico. In: História e Historiadores. Rio de Janeiro : Fulgor, 1965. p. 135-147. RODRIGUES, J. H.
Afonso d'E. Taunay e a História do Brasil. In: História Combatente. Rio de Janeiro : Nova Fronteira,
1982. p. 233-254. Temos notícia que Maria José Elias desenvolve tese de doutoramento problematizando
a atuação de Taunay frente ao Museu Paulista. Cf. NOVAIS, F. A. O Monumento da Independência: da
Monarquia à República. In: Às Margens do Ipiranga (1890-1990): Exposição do Centenário do
Edifício do Museu Paulista da USP. São Paulo : Museu da Universidade de São Paulo, 1990. p. 14.
7
concepção de história e, na Correspondência de Capistrano de
Abreu, podemos dimensionar a influência deste sobre Taunay.

De acordo com Jacques Le Goff, a história torna-se


científica quando faz a crítica dos documentos que chama
"fontes". Ainda mais, devem ser estudadas as condições de
produção do documento uma vez que nenhum documento é
inocente, todo documento é um monumento que deve ser
desestruturado, desmontado:

O poder sobre a memória futura, o poder de perpetuação deve


ser reconhecido e desmontado pelo historiador. 7

O desmonte deste poder envolve, finalmente, não só


a discussão de sua falsidade ou credibilidade, como também a
sua desmistificação, uma transformação de "sua função de
mentira em confissão de verdade" 8 . Na obra de Taunay, relativa
às Bandeiras, tomando-a como documento/monumento condutor
de uma memória, a bandeirante, e objetivando demonstrar como
ela foi historiograficamente construída, dissertamos ao longo de
três capítulos.

O primeiro capítulo estabelece uma ligação entre a


concepção histórica de Taunay e o seu comprometimento
visceral com a lembrança dos "fastos paulistas". Ainda neste
capítulo, discutimos a sua caracterização como "revisionista
histórico" proposta por José Honório Rodrigues.

6ABUD, K. M. Op. cit., p. 12


7LE GOFF, J. História. In: Enciclopédia Einaudi: Memória-História. [Lisboa] : Imprensa Nacional; Casa
da Moeda, 1984. v. 1. p. 210.
8

O segundo capítulo identifica os dois conjuntos de


influências responsáveis pela tendência manifestada nos escritos
de Taunay para a evocação, para a restauração no presente do
que foi o passado, são eles: o primeiro, Capistrano de Abreu e
Washington Luís, o segundo, Pedro Taques, Frei Gaspar e
Auguste de Saint-Hilaire.

O capítulo final discute porque a história das


bandeiras é um veículo de memória, procurando demonstrar, em
especial, como Taunay estruturou a narrativa e como mitificou
os personagens históricos.

8Ibid., p. 221.
2 . AFFONSO D'E. TAUNAY E O
CONHECIMENTO HISTÓRICO

A História se faz com os documentos


e só com os documentos.

Taunay. Os Princípios da Moderna Crítica Histórica.


10
2.1 Taunay e sua época

Nascido em Santa Catarina a 11 de julho de 1876,


Affonso d'Escragnolle Taunay formou-se engenheiro civil na
Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1900), foi preparador de
Química da Escola Politécnica de São Paulo e, a partir de 1911,
professor catedrático de Física Experimental na mesma
instituição 9 . A sua ligação profissional com as chamadas
ciências exatas, que o levara a São Paulo, findou em 1923
quando foi definitivamente efetivado no cargo de diretor do
Museu Paulista por Washington Luís Pereira de Souza, então
presidente do Estado de São Paulo 10 .

A atividade de diretor marcou profundamente a sua


vida. Mesmo após aposentado compulsoriamente, aos setenta
anos, lá permaneceu beneficiado por um gratificante decreto que
lhe concedeu o direito de freqüentá-lo, com prerrogativas, e
desenvolver normalmente suas pesquisas 11 . A opção pelo
também chamado Museu do Ipiranga foi testada quando
enfrentou o desafio de escolher entre continuar professor de
História da Civilização Brasileira da recém criada Universidade
de São Paulo e o cargo de direção. Não hesitou. Continuou no
Museu.

9ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho
de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. p. 20-21.
10Às Margens do Ipiranga (1890-1990): Exposição do Centenário do Edifício do Museu Paulista da USP.
São Paulo : Museu da Universidade de São Paulo, 1990. p. 11. Ele dirigia a instituição desde 1916.
11CORDEIRO, J. P. L. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-199.
11
Odilon Nogueira de Matos informa que o primeiro
trabalho de vulto de Taunay foi o Léxico de Termos Técnicos e
Científicos, publicado em 1909 12 . Os estudos lexicográficos
ocuparam tempo, laudas, a erudição de Taunay e, especialmente,
a paciência do ilustre amigo historiador. Capistrano de Abreu
não tolerava a polêmica em torno da Língua que Taunay
mantinha com o dicionarista português Cândido de Figueiredo: 13

Affonso amigo,
Voltou você ao vômito! Que pena! Nem compreendo
como insista em gastar tanto e tão precioso tempo a
discutir com o homem do chinó.
Infeliz mania!
Basta! Já V. lembrou os casos do florianista, da
sirema, do guaxupé, do aeroplano e quejandas
asnices. Para que mais?
Tantaene animis!
Convença-se de que matou e enterrou o sujeito e,
assim, recuperando a saúde mental, cuide de
assuntos sérios. 14

Em 1910, com o livro Crônica do Tempo dos


Felipes, Taunay aproxima-se da História através de um romance
cujo cenário é o litoral nordestino ao tempo da União Ibérica e
da invasão holandesa. Em decorrência do espaço cada vez maior
que vinha adquirindo no meio intelectual da época, o ano
subseqüente, contemplou o seu ingresso no Instituto Histórico e

12MATOS, O. N. de. Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio
Bibliográfico. São Paulo : USP, 1977. p. 26.
13Além do Léxico inicial o autor ainda publicaria Léxico de lacunas (1914), Reparos ao dicionário de
Cândido de Figueiredo (1926), A terminologia zoológica e científica em geral e a deficiência dos grandes
dicionários portugueses (1927), Insuficiência e deficiência dos grandes dicionários portugueses (1928) e
Inópia científica e vocabular dos grandes dicionários portugueses (1932). Os livros têm como origem os
reparos feitos na imprensa em 1923 a terceira edição do Dicionário da língua portuguesa de Cândido de
Figueiredo.
14RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1.
p.349.
12
Geográfico de São Paulo e no Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, como afirma:

A Comissão de Admissão de Sócios, examinando a


proposta que indica para Sócio correspondente do
Instituto Histórico (IHGB) o Dr. Affonso
d'Escragnolle Taunay, é de parecer que a mesma
deve ser aprovada, visto preencher o proposto as
condições estabelecidas pelos Estatutos, além de ser
portador dum nome tão caro ao Instituto.
Sala das Sessões, 25 de agosto de 1911. 15

Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo... Por


detrás do percurso geográfico diverso esconde-se a imensa
dispersão intelectual de Taunay. A origem francesa, a vivência e
presença histórica da família Taunay (que remonta à missão
artística de 1816); o peso da influência literária e o apreço pelo
regime imperial do pai, o Visconde; o contexto da época em que
se instala na cidade de São Paulo, onde é tomado pelo clima
“das mais virentes e futurosas civilizações contemporâneas” 16 ;
todos esses são elementos que combinados sustentam as opções
pelos temas, a possibilidade do método, a ausência de reflexão
teórica acerca do conhecimento histórico, a erudição, por fim, a
vontade interior de responder - através da história - à demanda
dos paulistas por uma identidade social presente, que deveria ser
ancorada no passado histórico e projetada no futuro
resplandescente 17 .

15Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. LXXIV, parte II, 1912. p. 618. É
lícito concluir que o nome Taunay, mais do que qualquer preceito estatutário, foi determinante na sua
aprovação.
16TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos (1554-1601): Ensaio de Reconstituição Social. Tours :
E. Arrault & Cia., 1920. p. 141.
17Pensamos, juntamente com Michael Pollak, que a memória coletiva, fenômeno construído socialmente,
“é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em
que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de
13
Estes paulistas restringem-se à elite política e
econômica, a intelectuais e escritores interessados pela história
de sua região. De acordo com Maria Isaura Pereira de Queiroz,
eles eram uma:

pequena minoria letrada em meio a população cada


vez mais avultada no estado; tanto mais que mesmo
nas camadas superiores, era modesta a quantidade
dos que tomavam conhecimento do que era publicado
pelo pequeníssimo grupo dos homens de letras. 18

O tema privilegiado para tentar produzir o efeito de


identificação coletiva e funcionar como instrumento de coesão
social, foi o das Bandeiras. O bandeirismo - ou bandeirantismo 19
- retrocede à expedição de Martim Afonso de Sousa, à fundação
de São Paulo, fincando, lá, o marco inicial da trajetória dos
paulistas. O tema adquire um sentido mais grandiloqüente
quando o paulista, travestido de bandeirante, combate os índios
que tentam impedir o estabelecimento da cidade, avança sertão
adentro em busca de metais e mão-de-obra, terminando por
ampliar “irremediavelmente” o território do Brasil, confirmado
pelo Tratado de Madri, de 1750.

Tomamos os trabalhos de Taunay relativos à história


das Bandeiras objetivando demonstrar como o autor constrói,

uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.” POLLAK, M. Memória e Identidade Social.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. p. 204.
18QUEIROZ, M. I. P. de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n.
13, 1992. p. 85.
19O problema da origem e do significado dos termos “bandeira” e “bandeirante” é tratado no início do
terceiro capítulo. Por hora sublinhamos algo aparentemente óbvio: “bandeirismo” provém de “bandeira” e
“bandeirantismo” de “bandeirante”. Portanto, Taunay atribuirá preferencialmente, mas não
exclusivamente, ao tema da expansão vicentina nos séculos XVI, XVII e XVIII (primeira metade) a
denominação de bandeirantismo por remarcar a atuação do bandeirante.
14
amparado numa tradição que ele mesmo reinventa, a memória
bandeirante através da produção historiográfica. Ele recria
porque a imagem do bandeirante, na forma como fora
estruturada por Pedro Taques e Frei Gaspar da Madre de Deus,
no século XVIII, ficou adormecida, posta de lado 20 . Segundo
Katia Maria Abud:

O bandeirante - nobre ou mameluco - mas sempre


grandioso, jazia à espera que o contexto histórico
novamente o chamasse, em defesa de valores,
trazidos no bojo daquele contexto. 21

Esse “contexto” principiara com a expansão da


economia cafeeira no estado de São Paulo no último quartel do
século XIX, a mais dinâmica de todo o Brasil como considera
Joseph Love 22 . Assim, em 1920 mais de dois sétimos do valor
total da produção agrícola e industrial nacional procedem de São
Paulo. Dezenove anos depois o estado é três vezes maior do que
o segundo colocado, o Rio Grande do Sul. A preponderância dos
setores exportador e manufatureiro permitiu ao estado esta
liderança inquestionável. Café e industrialização imbricam-se no
processo de ascensão, primazia e manutenção do estado de São
Paulo na vanguarda da federação. A confortável imagem da
locomotiva, simbolizando São Paulo e puxando os seus vagões,
os demais estados brasileiros, tem as suas razões de ser aos

20A partir de Katia Abud, Queiroz sintetiza a estruturação de Taques e Gaspar: “Pela primeira vez foi
traçada a imagem do sertanista desbravador, indômito, cheio de iniciativas, conquistador e rebelde. Tais
ingredientes (...) indicam a formação de uma imagem lendária.” QUEIROZ, M.I.P. de. Op. cit., p. 80.
21ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o
bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 110.
22LOVE, J. L. A Locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro : Paz e
Terra, 1982. p. 63.
15
olhos da elite paulista contemporânea 23 . Convém lembrar que
Taunay se ocupou do tema da expansão do café em obra de
quinze volumes e com financiamento oficial 24 .

Se o estado como um todo cresce e amplifica


progressivamente a sua influência sobre o país, a cidade, ao
mesmo tempo, avança em termos populacionais. A taxa de
crescimento populacional da capital entre os censos de 1872 e
1890 é de 107%, para o intervalo 1890/1900 de 269% e para o
período 1900/1920 de 141% 25 . Esses dados refletem o forte
fluxo imigratório que entre 1882 e 1930 conduz mais de dois
milhões de pessoas a São Paulo; principalmente italianos (cerca
de 46% do total), além de portugueses e espanhóis 26 . A presença
desta nova força de trabalho revela-se importante não só no
mundo rural como também no universo urbano 27 .

O impacto do desenvolvimento econômico e urbano


do estado e da cidade gera na elite política um orgulho regional
que rapidamente assume contornos de identificação coletiva 28 .

23Ibid., p. 24.
24TAUNAY, A. d'E. História do Café no Brasil. Rio de Janeiro : Dep. Nacional do Café, 1939-1943. 15 v.
25BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico. 1971, p. 42. Apud. LOVE,
Joseph L. Op. cit., p. 44.
26HOLLOWAY, T. H. Migration and Mobility..., p. 186. Apud. LOVE, J. L. Op. cit., p. 27.
27LOVE, J. L., Op. cit. p. 36.
28A chamada Revolução Constitucionalista de 1932 é o marco fundamental desta transposição da
construção simbólica do bandeirante, nascida e adstrita a um pequeno grupo, para a grande população.
Queiroz afirma que “a camada hegemônica local lançou mão de todos os instrumentos para conseguir
uma adesão a mais ampla possível que assegurasse participação a mais completa”. QUEIROZ, M. I. P.
de. Op. cit. p. 85. Os instrumentos principais achavam-se nos meios de comunicação: “Através de
manifestos, panfletos, comícios, jornais e rádio eram expedidas as mensagens que conclamavam todos a
pegar em armas na defesa de São Paulo e do Brasil. O papel de destaque coube, no entanto, à “grande
imprensa” paulista (que veiculou a ideologia dominante), que nesse momento bem cumpriu sua missão de
“formadora das consciências”.” CAPELATO, M. H. O Movimento de 1932: a causa paulista. São Paulo :
Brasiliense, 198-. p. 32.
16
Para esta elite, ser paulista no final do século XIX e primeiras
décadas do século XX, é encontrar nos “paulistas primevos” do
século XVI e no bandeirante do século XVII a imagem original e
a predestinação que justifica o sucesso e um lugar privilegiado
no presente 29 .

Dessa forma, conclui Katia Abud:

Foi nesse momento, entre 1890 e 1930, que a figura


do bandeirante foi resgatada como símbolo, pois ao
mesmo tempo em que denunciava as qualidades de
arrojo, progresso e riqueza que São Paulo possuía,
representava o processo de integração territorial
que dera sentido à unidade nacional. Como símbolo,
o bandeirante representava, de um lado a lealdade
ao estado e de outro a lealdade à nação, e permitia
também com a significação que os estudos históricos
do período lhe deram, que uma parcela da
população, a dos imigrantes, se integrassem,
emocionalmente a São Paulo, na medida em que uma
das vertentes dos estudos sobre o bandeirismo deu
ênfase à miscigenação. 30

Os intelectuais pertencentes à elite política e


econômica de São Paulo 31 e formados em sua maioria pela
Faculdade de Direito se incumbiram desta tarefa. Foi o caso de
Washington Luís, José de Alcântara Machado de Oliveira e

29“Todo processo de heroificação implica, em outras palavras, uma certa adequação entre a
personalidade do salvador virtual e as necessidades de uma sociedade em um dado momento de sua
história. O mito, tende, assim, a definir-se em relação à função maior que se acha episodicamente
atribuída ao herói, como uma resposta a uma certa forma de expectativa, a um certo tipo de exigência.”
GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. p. 82.
30ABUD, K. M. Op. cit., p. 132.
31“Ellis Jr., Alcântara Machado e Taunay pertenciam ao mesmo grupo da elite dominante paulista durante
a república, e embora o último tenha sido o único a não ter uma carreira política era casado na família
Sousa Queiroz e concunhado de Washington Luís, por sinal, outro historiador dos fatos bandeiristas.” In:
ABUD, K. M. Op. cit., p. 132.
17
Alfredo Ellis Júnior. Embora pertença ao grupo, Taunay, como
já vimos, formou-se no Rio de Janeiro e em Engenharia 32 .

Taunay dedicou-se exclusivamente à tarefa de


construir a memória bandeirante sem o desvio da carreira
política. Além do mais, só escapando desta é que poderia
ultrapassar anos a fio conjunturas absolutamente desfavoráveis,
dirigindo ininterruptamente o Museu Paulista de 1916 até sua
aposentadoria. Não seria demais lembrar que Taunay fora
nomeado diretor pelo mesmo Washington Luís deposto em 1930.

32Washington Luís Pereira de Souza (1870-1957) bacharelou-se em 1891, José de Alcântara Machado
de Oliveira (1875-1941) em 1894 e Alfredo Ellis Júnior (1895-1974), aluno de Taunay no ginásio, em
1917. Dos nomes referidos o único que não se formou na Faculdade de Direito de São Paulo foi
Washington Luís, nascido em Macaé, Estado do Rio de Janeiro. Cf. 70 Anos da Academia Paulista de
Letras. São Paulo : Academia Paulista de Letras, 1979. A Faculdade de Direito de São Paulo, fundada em
1827, tinha o nome de Academia de Direito. Se nos primórdios a Academia desempenhou um papel ativo
no debate das idéias, progressivamente foi curvando-se a um espírito burocrático-bacharelesco
cristalizado a partir de 1890: “O diploma de advogado veio a ser um passaporte necessário para uma
posição numa sociedade urbana então formada e institucionalizada.” MORSE, R. M. Formação Histórica
de São Paulo. São Paulo : Difel, 1970. p.212.
18
2.2 A tradição como repetição: uma estratégia

O pensador espanhol José Ortega y Gasset, ao tecer


considerações sobre as possibilidades de ser do homem, afirma
que “o homem inventa um programa de vida, uma figura estática
de ser, que responde satisfatoriamente às dificuldades
equacionadas pelas circunstâncias” 33 . Ao transportarmos essa
concepção do plano prioritário do indivíduo para o plano social
- quando o homem dialoga com a coletividade correspondente -
podemos conceber que ele, o homem em sociedade, inventa uma
imagem estática da própria coletividade onde está inserido e que
esta imagem possui existência definida, concreta, faz parte da
realidade com a qual ele lida cotidianamente.

Taunay recolhe no passado a tradição (a imagem)


bandeirante, como havia sido estabelecida no século XVIII,
inventando-a agora do ponto de vista historiográfico, de acordo
com os pressupostos e métodos da história desenvolvidos ao
longo do século XIX, construindo, portanto, a memória e não a
história bandeirante. O que Taunay realiza não é apenas tradição
porque também é história, não é puramente história porque
louva a tradição, é, na verdade, memória 34 .

33ORTEGA Y GASSET, J. História como Sistema. In: História como Sistema : Mirabeau ou o Político.
Brasília : UnB, 1982. p. 48.
34“Dos cronistas da Idade Média aos historiadores contemporâneos da história “total”, afirma Pierre Nora,
toda a tradição histórica se desenvolveu como o exercício regulado da memória e seu aprofundamento
espontâneo, a Reconstituição de um passado sem lacunas e sem falha.” NORA, P. Entre Mémoire et
Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de Mémoire I: La République. Paris :
Gallimard, 1984. p. XX.
19
Segundo Hobsbawm, o termo tradição inventada
possui um sentido amplo, mas nunca indefinido. O termo inclui
tanto as tradições realmente inventadas, construídas e
formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de
maneira mais fácil de localizar num determinado tempo - às
vezes coisas de poucos anos apenas - e se estabeleceram com
enorme rapidez.

A atuação de Taunay, à frente do Museu Paulista,


indica o lado institucionalizador do saber (da tradição
inventada) por ele historiograficamente construído. Responsável
pela edição dos Anais do Museu Paulista, neste periódico
publica fartamente sua obra, além de documentos históricos
mandados copiar no Arquivo das Índias, em Sevilha. Aliás, de
início, copiados por conta própria de Taunay em 1914, só
depois, em 1917, custeados oficialmente. A leitura de Pablo
Pastells, Historia de la Compañía de Jesús en la Provincia del
Paraguay, em 1912 , revelou a importância da documentação de
origem espanhola. Instruiu também a feitura de telas e
esculturas que perpetuassem a imagem de um passado
confortável e jubiloso:

Celebrando este grande episódio de nosso passado


militar fizemos o mestre pintor Henrique Bernadelli
executar belo painel para a galeria do Museu
Paulista... 35

A oito destes conquistadores pudemos, no peristilo


do Museu Paulista, conferir a glória do mármore e
do bronze. E pouco depois, ainda nos cabia associar
ao nosso esforço mais um monumento bandeirante, o
de Quitaúna, a Antônio Raposo Tavares, determinado
35TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos, 1961. t. 1, p. 96.
20
por dois reverenciadores da epopéia das bandeiras
do vulto de Calógeras e Simonsen. 36

Hobsbawm define tradição inventada como “um


conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou
abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou
simbólica, visam inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente; uma continuidade em relação ao passado.
Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade
com um passado histórico apropriado.” 37

A forte ligação do passado histórico com o presente,


a continuidade 38 instaurada pelo discurso historiográfico de
Taunay conduz o leitor a ir e vir no tempo, estabelecendo um
elo imediato com o passado, presentificando-o simbolicamente:

Na terra de S. Paulo, o metamorfismo da arrancada


sertanista é hoje a criação desta lavoura cafeeira,
razão primordial de ser do nosso mercado cambial e
de nossa exteriorização financeira nacional. 39

A repetição em Taunay não era aleatória, tinha uma


forma, uma regra. Ele repete e combina, a aparência é nova, mas

36TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924. t.
1, p. 15-16.
37HOBSBAWM, E., RANGER, T. (Org.). A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1984. p.
9.
38“Para a história, sob sua forma clássica, expende Foucault, o descontínuo era ao mesmo tempo o dado
e o impensável: o que se oferecia sob a forma dos acontecimentos, das instituições, das idéias ou das
práticas dispersas; e o que devia ser, pelo discurso do historiador, contornado, reduzido, apagado, para
que aparecesse a continuidade dos encadeamentos. A descontinuidade era o estigma da dispersão que o
historiador tinha por tarefa suprimir da história.” FOUCAULT, M. Sobre a Arqueologia das Ciências. In:
FOUCAULT, M., LIMA, L. C., MENDONÇA, A. S. et al. Estruturalismo e Teoria da Linguagem.
Petrópolis : Vozes, 1972. p. 13-14.
21
no fundo é tudo o mesmo, a mesma intenção inicial: uma
vontade de memória. De início poderíamos pensar, com ampla
razão, que Taunay se repete por desejar escrever muito, por
pretender aumentar desmesuradamente a quantidade de fatos
narrados conferindo a todos e ao tema em geral grandeza,
autoridade e nobreza. Não que isto seja inválido. Mas vale
destacar que a repetição de um tema, de um argumento, de uma
conclusão, ocorridos dentro de um mesmo livro, em livros
correlatos ou em momentos aparentemente insignificantes,
conforma uma idéia geral que ganha estatuto de verdade, que
cumpre a sua função simbólica de forma explícita, mas,
especialmente, de forma implícita.

Todas as suas abordagens apresentam algum tipo de


repetição. Tomemos como exemplo o livro S. Paulo nos
Primeiros Anos e nele o tema da pobreza do planalto no século
XVI.

O livro é construído basicamente a partir das Atas da


Câmara da Vila de São Paulo e do Registro Geral, documentos
publicados sob os auspícios de Washington Luís, como não se
cansa de informar. Aliás, o texto é dedicado ao então prefeito da
cidade de São Paulo, numa clara demonstração de amizade e
débito intelectual que só é superada pela forma com a qual
Taunay se refere a Capistrano: os dois personagens
contemporâneos de influência mais poderosa sobre ele. As
características desta influência desenvolveremos adiante.

39TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 19--. p. 16.
22
O objetivo declarado é reconstruir os “aspectos da
vida primeva paulistana” 40 . O livro é a ampliação de estudos que
surgiram primeiramente em 1917 no Correio Paulistano. Vamos
aos tópicos: a vida nos anos iniciais é rudimentar (p. IX), a vila
é “miseravelmente dotada de coisas da civilização” (p. 4), está
sob a iminente agressão por parte dos índios (p. 11), possui ar
de abandonada (p. 12)... Na página 24 repete: “Lugar rude,
desprovido de elementos civilizadores”. A vila era pobre (p.
27), havia penúria de recursos (p. 38), a terra era muito pobre
(p. 46), para interromper as citações que fluiriam em profusão,
as duas últimas, do final do livro: o comércio era rudimentar (p.
145), a rudeza da vida (p. 187).

Não resta a menor dúvida de que a vida cotidiana no


planalto de Piratininga era dura e a carestia imperava. Nossa
intenção não é afirmar o contrário. O que objetivamos é
compreender por que Taunay usa da repetição tantas vezes ao
longo deste livro, e de todos os outros onde tratou o tema da
cidade ou das Bandeiras (por exemplo, a História Geral das
Bandeiras Paulistas - tomos 1 e 2; a História das Bandeiras
Paulistas - tomo 1; Non ducor, duco; etc.).

Para entendermos o papel que a repetição cumpre no


texto, necessitamos considerar que Taunay vê a vila de São
Paulo como um lugar especial: é o centro de irradiação da
conquista do Brasil pelos brasileiros, posto avançado da
civilização no interior do nosso país 41 . A sua idéia de
civilização remonta ao século XVIII. Conforme aponta Paul

40TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos..., p. VIII.


41Ibid., p. VIII.
23
Hazard, o termo civilização, em francês, provinha da
jurisprudência; alargado o seu uso, passa a estabelecer a
diferença entre um estado selvagem e um estado submetido às
leis. Isto posto:

(a civilização) colocava-se no ponto mais alto de


uma hierarquia: no mais baixo encontrava-se a
selvageria; depois a barbárie; em seguida, a
civilidade, a delicadeza; logo, “um sensato
policiamento”; e, finalmente, a civilização: “o
triunfo do desabrochar da razão, não apenas no
domínio constitucional, político e administrativo,
mas ainda no domínio moral, religioso e
intelectual. 42

Sendo um local civilizado, seguindo a aplicação


anacrônica do termo, necessita de aparelhos urbanos e condições
mínimas para que o homem civilizado possa sobreviver e
dominar os não civilizados e a natureza agressora. Entretanto, os
recursos não existem para suprir satisfatoriamente todas as
necessidades. Como ele cobra do passado a lógica que desfruta
no presente, como ele olha no tempo e quer ver um passado de
glórias e luminoso, só lhe resta desculpar os “primevos
habitantes” por não conseguirem impor a ordem que ele julga
ideal e, simultaneamente, valorizá-los por conseguirem, apesar
dos incontáveis obstáculos, construir um grande povoado.

42HAZARD, P. O Pensamento Europeu no Século XVIII: de Montesquieu a Lessing. Lisboa : Editorial


Presença, 1983. p. 345-346. Acreditamos que esta passagem indica tanto a época onde ele foi buscar o
significado de civilização como o autor - Voltaire: “Com o século XVIII abriu-se nova era: principiou-se a
estudar a história dos hábitos dos homens e não mais unicamente a dos acontecimentos. Já antes de
1800 surge, pela primeira vez, a expressão: história da civilização.” TAUNAY, A. d’E. Os Princípios da
Moderna Crítica Histórica. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVI,
1914. p. 342. Para uma interpretação de Voltaire à luz da história: Cf. MEINECKE, F. El historicismo y su
génesis. México, Fondo de Cultura Económica, 1982. p. 98-99. CASSIRER, E. A Filosofia do Iluminismo.
Campinas : UNICAMP, 1992. p. 290-298.
24
A repetição impõe subliminarmente 43 ao leitor a
compreensão da época por intermédio de uma noção precária de
historicidade; precária porque não baseada na ruptura, mas sim
na continuidade; porque não baseada na diferença dos tempos,
mas sim na sua semelhança; enfim, porque não baseada na
multiplicidade temporal, mas sim numa única duração que se
prolonga das origens até o presente. Este último argumento,
aproximando-se do tempo mítico, abre caminho para a
mitificação que será analisada no terceiro capítulo. Seguem duas
citações:

Pitoresca a contraposição da sua vida quinhentista,


tão rudimentar, e da existência da capital opulenta
hodierna, cheia de convicção da magnitude do
porvir que se lhe antolha, e orgulhosa da progressão
geométrica de sua grandeza. 44

É que o punhado de descobridores piratininganos,


urgidos no seu tosco arraial, pela aspereza da
existência do planalto, ilhado do comércio mundial
pela Serra Marítima, buscavam no interior do
continente elementos que lhes pudessem amenizar a
existência pobre do montanhês. E assim se
convertera essa rudeza de vida no fator do
alargamento brasileiro por terras de onde recuava o
castelhano, espoliado dos direitos que lhe
conferiram bulas e tratados, graças à insopitável e
infatigável arrancada dos homens vestidos de couro,
saídos das cabeceiras do Tietê, e ávidos gerifaltes
do soneto herediano. 45

43Precisando o significado de subliminar: “... Diz-se de um estímulo que não é suficientemente intenso
para que o indivíduo tome consciência dele, mas que, quando repetido, atua no sentido de alcançar um
efeito desejado...” FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 14. reimp. Rio de
Janeiro : Nova Fronteira, 19--. p. 1330.
44TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos..., p. IX.
45Ibid., p. 186-187. O grifo é nosso.
25
Está explicada a repetição da pobreza, da rudeza da
vida. Não foram elas causadoras de malefícios seja à raça, seja
ao destino da nação que já se vislumbrava. Muito pelo contrário,
foram o fator de alargamento do território, razão máxima,
justificativa superior do movimento bandeirante.

2.3 A história como ciência

Salientamos acima que Taunay realiza uma vontade


de memória. A sua intenção é retirar do esquecimento uma
tradição que julga digna de ser lembrada no presente e
preservada para o futuro por intermédio da história. Este ponto é
central para a nossa análise e pressupõe a apreciação da sua
concepção a respeito do conhecimento histórico e da realidade
histórica.

Na verdade ele reproduz um conjunto de idéias,


práticas, concepções e visões gerais sobre a história que nos
conduzem a enquadrá-lo como historicista, mais
especificamente, historicista romântico-erudito, ou
simplesmente historista - conforme exposto por Arno
Wehling 46 . Indicando que “uma das principais dificuldades para
a interpretação do historismo/historicismo consiste em

46“O termo historismo foi possivelmente utilizado pela primeira vez em 1881, no estudo de Karl Werner
sobre Vico, significando o conjunto de posições que, no século XVIII, valorizavam o conhecimento
histórico, em contraposição ao racionalismo ahistórico.” WEHLING, A. De Varnhagen a Capistrano:
Historismo e Cientificismo na Construção do Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro : Tese para
Professor Titular de Metodologia da História no Departamento de História - IFCS da Universidade Federal
26
considerá-lo(s) em bloco, o que certamente dificulta a
compreensão de um processo intelectual cuja elaboração
estendeu-se por mais de um século”, procurando considerar as
diversas fases ou etapas 47 . Após examinar as diferentes
classificações de Meinecke, Pistone, Mandelbaum e Iggers,
Wheling estabelece a classificação por nós seguida. Essa
classificação demonstra a sua validade ao estabelecer distinções
dentro do longo processo do historicismo, promovendo a
discussão do tema a um plano melhor delimitado.

O primeiro momento é o do historicismo filosófico e


corresponde a produção dos filósofos do século XVII até Kant e
Hegel, cujas características são o anti-racionalismo e,
sobretudo, o anti-mecanicismo, ou seja, a busca de explicações
particulares a épocas e momentos históricos. O caráter
relativista encontrado em boa parte dos filósofos da história do
século XVIII não significou necessariamente adesão ao
irracionalismo ou ao romantismo, pois admitiam o padrão
newtoniano de interpretação do real. Acolhiam a idéia de um
universo regido por leis, procurando apenas detectar as
regularidades peculiares ao desenvolvimento histórico. Wehling
considera os ideólogos do progresso o exemplo mais conhecido
e menos sofisticado.

A obra de Taunay, tomada como um todo, não


apresenta qualquer texto onde seja desenvolvida uma
argumentação de cunho filosófico. Por ser uma etapa

do Rio de Janeiro, 1992. v.1, p. 30. Uma abordagem semelhante, sob o nome de reflexão erudita e
genética, encontra-se em: TOPOLSKY, J. Metodología de la Historia. Madrid : Cátedra, 1985. p. 86-105.
47Ibid., p. 51-57.
27
predominantemente filosófica, descartamos de antemão, sem
maiores considerações, sua filiação a esta fase do historicismo.

A última fase é a do historicismo cientificista,


correspondendo à produção da esmagadora maioria dos
cientistas sociais entre 1850 e a primeira guerra mundial.
Abrange os campos da história, antropologia, direito,
sociologia, economia, ciência política e psicologia. Tem como
características nas vertentes mais notórias (evolucionismo,
positivismo, grande parte do marxismo) a predominância da
explicação histórica sobre a sistêmica, a diacronia sobre a
sincronia, pela busca de leis que traduzissem as regularidades
do processo histórico, e de todo o real, freqüentemente pela
macro-teleologia dos sistemas sociais com graus menor ou maior
de determinalidade.

Não encontramos nos escritos de Taunay a


preocupação com a identificação de regularidades, o
estabelecimento de leis ou a definição de determinismos no
processo histórico. Esta preocupação crucial ao período
cientificista, pela sua ausência, afasta-o desta etapa.

A fase intermediária, na qual enquadramos a obra


historiográfica de Taunay sobre o tema das Bandeiras, embora
não corresponda cronologicamente ao seu período de vida
(1876-1958), acreditamos ser por ela sobejamente atingido.
Transcreveremos, na íntegra, a definição de Wehling sobre a
fase puramente historista do historicismo.
28
Historicismo romântico/erudito - compreendendo a
produção de historiadores, juristas, literatos e
outros intelectuais contemporâneos do romantismo e
do nacionalismo imediatamente posterior à
Revolução Francesa, até cerca de 1850. Corresponde
ao apogeu do anti-racionalismo, recusando-se os
autores em geral a admitir a existência de leis
históricas, gerais ou relativas a cada povo, cultura
ou época. Seria, a rigor, a única fase puramente
“historista”, se por esta expressão entendermos o
relativismo anti-racionalista e a crença numa
realidade histórica orgânica e inconsciente. Isso não
significa admitir uma produção não científica: se
esta fase foi a do apogeu do romantismo literário,
inclusive do romance histórico à Walter Scott, foi
também a da construção definitiva da crítica
histórica com a obra de Ranke e seus seguidores,
além do estabelecimento dos primeiros pilares
metodológicos em outras ciências do homem, como a
etnologia, a sociologia ou o direito. 48

A obra historiográfica de Taunay pode ser


classificada como historista por conta da extrema convicção que
ele possuía do poder, da capacidade explicativa, da
superioridade do saber científico da história. Compartilhava
assim de uma visão do mundo (Weltanschauung), a partir da
perspectiva científica da história. Visão que conduzia, inclusive,
à historicização dos demais saberes científicos 49 . Portanto,
afirma Taunay:

constitui a história indispensável elemento para a


compreensão das ciências políticas e as sociais
ainda em via de formação. Eis porque a lingüística,
o direito, a economia política, a ciência das
religiões tomaram, nos tempos contemporâneos
(1911), a forma de ciências históricas. E ainda:
reside o principal mérito da história na sua

48Ibid., p. 56.
49Ibid., p. 61.
29
superioridade incomparável, como instrumento de
cultura intelectual... 50

A subordinação geral dos demais campos do


conhecimento à história não é suficiente para a determinação de
um historista. Urge tecer considerações de cunho epistemológico
e metodológico.

A epistemologia historista tem o seguinte postulado,


de acordo com Wehling: admite o universo social a conhecer
como uma nebulosa, cujo conhecimento global e perfeito
somente cabia a Deus (Ranke), já que existe uma realidade
histórica que é irredutível à explicação fisicalista-naturalista;
fica, em conseqüência, reduzida à cognição filosófica ou
científica à reconstituição empírica e lógica das ações dos
agentes sociais 51 . O processo de explanação da realidade social
assim apreendida não se dá através das leis, mas sim pela
compreensão - à maneira de Herder. 52

Considerado por Ernst Cassirer o Copérnico da


história, Herder procurou lançar sobre o homem um tipo de
investigação tal que pudesse captá-lo como um ser que sente e a
própria dinâmica desse sentir - ao invés de reter apenas as suas
ações e obras. Essa perspectiva buscou o mundo interior do
homem, objetivava alcançar a alma humana. Ademais, reagiu

50TAUNAY, A. d'E. Os Princípios Gerais da Moderna Crítica Histórica. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVI, 1914. p. 344.
51WEHLING, A. Op. cit., p. 101.
52Ibid., p. 97. Johann Gottfried Herder (1744-1803) nasceu na Alemanha - à época Prússia Oriental. Entre
seus ensaios e livros sobre história, teologia, literatura e lingüística encontra-se Idéias para a Filosofia da
História da Humanidade (Ideen zur Philosophie der Geschischte des Menschheit). Cf. GARDNER, P.
(Org.). Teorias da História. Lisboa : Calouste Gulbenkian, 1984. p. 41-42. MEINECKE, F. Op. cit., p. 303-
378.
30
contra o orgulho racionalista do Iluminismo que secundarizava
as épocas e os povos. Mesmo adotando a idéia de humanidade,
procurou relativizar e valorizar as diferentes culturas no tempo.
Para Herder, a condição fundamental de todo o conhecimento
histórico era penetrar na alma dos grupos históricos para sentir
juntamente com eles, enfim para compreendê-los 53 . Se Ranke,
assim como Herder, entendia que todas as gerações da
humanidade tinham iguais direitos perante Deus, o primeiro, no
entanto, acreditava que há uma realidade cultural atomizada,
irrepetível e relativa, mas não subjetiva 54 .

Taunay concebia a realidade histórica como algo


concreto, o passado existe, está organicamente constituído, e
cabe ao historiador alcançá-lo da forma mais completa e direta
possível. Como historiador e homem religioso, acredita na
Origem e no Destino, possui a convicção de que o conhecimento
humano do passado está repleto de lacunas, nunca será total. O
sexto capítulo da segunda parte do tomo terceiro da História
Geral das Bandeiras Paulistas tem no início do título: “Lacunas
da história do bandeirismo agora preenchidas em parte”; logo
abaixo, Taunay explica que a história do bandeirismo está
“cheia de enormes lacunas de difícil suprimento” e que agora
“muitas delas se têm reduzido graças às pesquisas arquivais e às
descobertas daí provenientes” 55 . O conhecimento histórico é
parcial porque muito se perdeu, porque o homem possui
limitações próprias a sua condição mortal e porque o “real”

53CASSIRER, E. El Problema del Conocimiento en la Filosofía y en la Ciencia Modernas: de la muerte de


Hegel a nuestros días (1832-1932). México : Fondo de Cultura Económica, v. IV, 1986. p. 265-274.
54WEHLING, A. Op. cit., p. 64.
55TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo: Typ. Ideal; H. L. Canton, 1927. t.
3, p.174.
31
conhecimento, o “verdadeiro”, deve desenrolar o fio da história
desde “os tempos primevos” até o fim (o presente).

O resultado metodológico para reencontrar uma


realidade distante, quase perdida, que se deseja glorificar - por
amor ao passado 56 e à história - é o fetiche do documento. Ele é
o único meio de atingir da forma menos indireta possível o
passado, é a fonte imorredoura da verdade, é o lugar onde o
historiador objetiva o seu conhecimento e limita a sua atuação
ao permitir que o documento “fale”:

A história se faz, com os documentos, os atos cujos


vestígios materiais desapareceram estão para ela
perdidos e quando muito podem concentrar-se no
domínio das reminiscências coletivas. Onde
desaparecem os documentos chegam os extremados a
avançar cessa a história.
Deve o historiador moderno começar por investigar
e recolher documentos, cultivar intensamente essa
ciência que os alemães batizaram Heurística. 57

O trabalho do historiador não “cessa” segundo


Taunay, com a busca, com a caçada de documentos,
principalmente os inéditos. Após a reunião de um grande
material, deve o historiador proceder à sua crítica. Esta pode ser
de inspeção, de origem, de interpretação ou das fontes. Lembra
o autor, que o excesso de crítica deve ser cuidadosamente
evitado para “não cair no extremo oposto na hipercrítica que
tudo acha suspeito e nega os caracteres da autenticidade aos

56Segundo Cassirer: “Los románticos aman el pasado por el pasado. Para ellos, el pasado no es tan sólo
un hecho, sino uno de los ideales más elevados. Esta idealización y espiritualización del pasado es una
de las características más distintivas del pensamiento romántico. Todo deviene comprensible, justificable
y legítimo en cuanto podemos referirlo a su origen.” CASSIRER, E. El Mito del Estado. México : Fondo de
Cultura Económica, 1988. p. 214.
32
58
documentos mais veneráveis” . É forçoso notar que o exercício
da crítica reconhecido por Taunay não deve afrontar a soberania
do documento. Por isso, apesar de mencionar várias modalidades
de crítica, e até uma de interpretação, na verdade elas não
significam coisas diferentes, são variações de um mesmo
princípio.

O objetivo do historiador, seguindo Taunay, é


recuperar o passado, resgatá-lo na sua integridade uma vez que
ele existe antes mesmo da ação do historiador. Para realizar tal
empresa é necessário o documento, único meio de acessar o
passado no tempo; como há o compromisso com a exatidão das
informações obtidas deste documento todo um aparato crítico é
utilizado para detectar se o documento foi adulterado, se é
autêntico, se há divergência interna, se é oficial... Para Taunay
em nenhum momento o documento é tomado para promover a
problematização, o que ele procura é, através da interpretação
das fontes, compreendê-las ao estilo de Herder:

Quem, ao percorrer um texto, não se restringe a sua


estrita compreensão, acaba lendo-o através das suas
próprias impressões. Critério seguro é então resistir
ao primeiro movimento e procurar apenas
compreender bem o documento. 59

Percorrido esse caminho o historiador, ao anular suas


impressões, ao conter a sua subjetividade, adquire a
tranqüilidade suficiente para proclamar a verdade sobre o

57TAUNAY, A. d'E. Os Princípios..., p. 326.


58Ibid., p. 329.
59Ibid., p. 331.
33
passado 60 , a real e definitiva tarefa da história, a apologia do
passado histórico: “O melhor modo de fazer a apologética é
ainda dizer a verdade, toda a verdade, nada mais do que a
verdade” 61 .

A significação máxima do documento vem também


do seguinte aspecto: os fatos históricos são fornecidos pelos
documentos. Taunay julga que o historiador deve ocupar-se de
determinados fatos históricos, “não deve a História limitar-se a
estudar fatos simultâneos tomados isoladamente”. O
compromisso da história vincula-se ao exame dos estágios da
sociedade em diversos momentos e da constatação das
diferenças existentes entre eles...

Para isto se torna indispensável à indagação dos


grandes fatos salientes porque explicam a formação
dos estados e o começo das evoluções. Será possível
estudar a civilização francesa, sem falar em César e
na invasão dos bárbaros? 62

Os grandes fatos, eis então os que merecem a


atenção do historiador, “o importante é que tenham tido ação
decisiva” 63 . Taunay entende, por ação, todo tipo de movimento
que agita um grupo, uma coletividade ou o Estado. Estes devem
ser investigados a partir das suas origens até o fim último,

60Ao indagar sobre o que é “provar” em história Roger Chartier conclui: “A questão sugeriu durante muito
tempo uma resposta de tipo filológico, ligando a verdade da escrita histórica ao correto exercício da crítica
documental ou ao devido manejo das técnicas de análise dos materiais históricos.” Taunay procurou
estabelecer essa ligação na sua narrativa, por isso mesmo considerada, por ele e seus contemporâneos,
histórica e científica uma vez que era um relato verdadeiro. CHARTIER, R. A História Cultural: entre
práticas e representações. Lisboa : Difel; Rio de Janeiro : Bertrand, 1990. p. 85.
61Ibid., p. 326.
62Ibid., p. 338.
63Ibid., p. 338.
34
desígnio cabal do “Destino”. O bandeirismo, a ação das
bandeiras e dos bandeirantes na expansão territorial partida da
capitania de São Vicente, é um grande fato, um grande tema, é o
“episódio culminante dos anais brasileiros, pois a ele deve o
país dois terços do seu território atual”. 64

Escapava a Taunay a concepção de que um fato


histórico só existe quando inserido no processo de construção
do conhecimento histórico conduzido pelo historiador. Portanto,
para ele, o trabalho de crítica das fontes e de determinação dos
dados prescinde da construção científica, própria do
conhecimento histórico 65 .

O nosso interesse não é cobrar de Taunay o que


talvez ele não tenha se colocado, desejamos ressaltar que não há
nele senão uma conjugação de idéias e concepções sobre o
conhecimento histórico que objetivam perpetrar a sua meta
primordial: celebrar as tradições paulistas através do
conhecimento científico da história. Nesse duplo movimento, ao
pretender ajustar as suas pretensões de apologia das tradições
com a verdade científica haurida por intermédio da história,
termina por construir historiograficamente a memória
bandeirante.

O prestígio que a história vai adquirindo ao longo do


século XIX no Ocidente explica o motivo da escolha deste saber
como meio primordial de veiculação e legitimação da memória
bandeirante. Segundo Wehling:

64TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 7.


65Cf. MARAVALL, J. A. Teoria del Saber Histórico. Madrid : Revista de Occidente, 1967. p. 97-103.
35

Da correta interpretação do passado parecia fluir a


segurança cognitiva em relação a um processo que
ainda se encontrava em curso e que podia, portanto,
em diferentes graus, conforme o determinismo do
autor, sofrer interferências e correções. 66

Garantida a interpretação segura do passado e


construída a memória bandeirante, se, de um lado, ela
funcionava como elemento de coesão social, de outro, atuava na
demarcação interna da coletividade paulista. O próprio impulso
econômico centrado no café que projetou São Paulo na
federação também promoveu a vinda de imigrantes cujos filhos e
netos (paulistas), especialmente na década de 1920, podiam até
enriquecer e reivindicar cargos de prestígio mas não dispunham
de uma tradição centenária, ou melhor, “quatrocentona”:

O bandeirante enquanto símbolo era criado repleto


de um conceito discriminatório; separava, no
interior do estado, uma coletividade antiga de outra
coletividade de origem recente, valorizando
altamente a primeira em detrimento da segunda. Os
historiadores do séc. XX se mostravam, pois, muito
próximos dos seus antecessores, Pedro Taques e Frei
Gaspar da Madre de Deus: como estes, seu intento
era traçar uma linha clara de separação entre
“paulistas de 400 anos” e forasteiros. 67

Mas a discriminação não prosperou. Tão logo se


tornou necessária a união interna, em todos os planos, para levar
a cabo o movimento de 1932, o termo bandeirante rapidamente
revelou a sua qualidade de símbolo e incorporou a massa antes
alijada da sua representação. A cristalização final da memória

66WEHLING, A. Op. cit., p. 30.


67QUEIROZ, M. I. P. de. Op. cit., p. 84.
36
bandeirante no discurso historiográfico não restringia-se mais
ao seu traço original elitista.

2.4 José Honório e o revisionismo histórico

Para, finalmente, caracterizarmos Taunay como


artífice da memória bandeirante, resta-nos, neste momento,
discutir o emblema que a Taunay apõe José Honório Rodrigues.
Este atribui-lhe o mérito de ter sido um revisionista histórico
assim como o fora Varnhagen.

Destaca, José Honório, a escolha de Taunay,


promovida em 27 de dezembro de 1944 pela American
Historical Association, para membro honorário desta
Associação. Ressalta, ainda, que o historiador das bandeiras
desfruta da companhia de Johann Huizinga e George Macaulay
Trevelyan, entre outros, nesta eleição. À consagração
estrangeira alcançara, afinal, o “maior trabalhador da
historiografia brasileira”. Assim, demonstra José Honório, a
importância de Taunay e a repercussão da sua obra.

Contudo, o que se deve entender por “revisionismo”?

Rever a realidade histórica deve ser a primeira tarefa


da chamada “história combatente” 68 . O revisionismo se opõe à
ortodoxia, à falsa idealização do passado, aos mitos, à

68RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay e o Revisionismo Histórico. In: História e Historiadores. Rio de


Janeiro : Fulgor, 1965. p. 135-147.
37
oligarquia, à mumificação dos estadistas, enfim, à atividade
destituída de idéias dos cronistas, memorialistas e historiadores
descritivos que apenas estabelecem fatos. O revisionismo é um
movimento independente, uma construção criativa, alia teoria e
prática, não despreza as ideologias, enfrenta a injustiça social,
interpreta e reinterpreta o passado na sua significação presente,
realça a contribuição popular, procura partir para uma finalidade
mais alta, a iluminação da existência e a conexão do presente e
do passado. Por fim: “as descobertas históricas que o
revisionismo sempre estimula vêm menos das pesquisas factuais
trazidas pelos novos documentos que das questões novas que
sabemos levantar” 69 .

Assim sendo, o revisionismo histórico é tanto


ideológico como factual. Revelar os adeptos do revisionismo
torna-se muito importante na medida em que poucos no Brasil o
seguiram.

Quando se debruça sobre a obra de Taunay referente


às bandeiras, José Honório constata que Capistrano de Abreu foi
o teórico e Taunay o executor 70 . Foi Capistrano de Abreu quem
postulou, em primeiro lugar, uma história da conquista do
interior ao invés da análise exclusiva da conquista do litoral.
Taunay apenas segue a sugestão do mestre de quem tantas lições
tomou. É bastante incentivado e auxiliado também pelos
documentos descobertos e pelas pesquisas levadas a cabo por
Washington Luís. Toda uma massa documental emerge dos
arquivos que se organizam em São Paulo, no final do século

69RODRIGUES, J. H. Vida e História. In: Vida e História. Rio de Janeiro : Civ. Brasileira, 1966. p. 3-23.
70Ibid., p. 16.
38
XIX e início deste, através do esforço coletivo de eruditos e
historiadores como, por exemplo, além de Capistrano e
Washington Luís, Orville Derby (geógrafo e geólogo), Teodoro
Sampaio (geógrafo) e Basílio de Magalhães (historiador) 71 .

Já temos alguns elementos que associados,


configuram o caráter de revisionista histórico destinado a
Taunay por José Honório. A originalidade do tema da
interiorização devido à escassez de trabalhos produzidos até
então. O preenchimento da lacuna pouco explorada por
Varnhagen acerca do século XVII. O tamanho da empresa, pelo
volume das fontes, pelo período abarcado e pela necessidade de
um grande número de pesquisadores nela envolvidos. Isso tudo
reunido dá o tom de revisão factual ou contribuição factual,
sempre conjugado com o revisionismo temático sugerido por
Capistrano de Abreu. José Honório deixa bem clara essa
separação quando diz que Taunay e Rodolfo Garcia seguiram
mais a corrente do puro revisionismo factual 72 , composto, em
Taunay, por um factualismo apaixonado e um factualismo
ideológico.

José Honório afirma que Taunay tinha um sentido


realista, empírico (factualismo apaixonado), preferindo sempre a
estrutura e não a conjuntura (factualismo ideológico), o real e
não a aparência, as camadas profundas e não as superestruturas,
os movimentos coletivos e não as minorias governamentais, ou

71RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 136.


72RODRIGUES, J. H. Afonso d'E. Taunay e a História do Brasil. In: História Combatente. Rio de Janeiro
: Nova Fronteira, 1982. p. 241.
39
seja, as bases econômicas e sociais para a compreensão da
história nacional como produto do processo real 73 .

Do que vai dito até o presente, conclui-se que


Taunay foi um homem dedicado ao trabalho. Ele não esperou as
necessárias monografias específicas para construir a obra que
julgava sistemática; principiou a História Geral das Bandeiras
Paulistas a partir dos seus próprios estudos preliminares sobre
São Paulo nos séculos XVI e XVII. Ao longo de sua vida
produziu um montante de textos que ultrapassa mil e
quatrocentos títulos 74 . Dessa forma, finaliza José Honório:

Em resumo: Taunay foi bem o representante do


revisionismo histórico, cujo fim principal consiste
em rever os grandes quadros históricos já
construídos, corrigindo, acertando, acrescentando,
atualizando. Apenas, sua contribuição, mais que a
de Rodolfo Garcia, se caracteriza não pela emenda,
mas pela ampliação. O capítulo de Varnhagen sobre
as bandeiras era pífio; Garcia tentou atualizá-lo;
Taunay construiu um mundo novo. O ímpeto inicial,
porém, foi revisionista. 75

Este é o ponto: “O ímpeto inicial ... foi revisionista”.


Portanto, a partir de um determinado momento ele deixou de ser
revisionista. Qual foi a tendência da sua obra cessado o ímpeto
inicial? O próprio José Honório fornece a resposta:

Taunay, como um grande historiador, reconstruiu


todo um mundo espiritual que começa nele de
maneira indissolúvel. A vida bandeirante que
reconstruiu torna-se imediatamente uma força

73RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 139.


74ELLIS, M., HORCH, R. E. Op. cit., p. 182.
75RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 143.
40
presente e formadora do futuro. Como representante
de sua geração, ele reconstruiu todo esse mundo,
sob o impulso da necessidade presente, para que
pudéssemos recordar sempre de novo o nosso
próprio passado, não esquecê-lo e não perder a
substância da nossa própria vida histórica,
ameaçada pelo abandono ou esquecimento do grande
movimento bandeirante. 76

Consideramos que a denominação “revisionismo


histórico” é muito difusa e de restrita aplicação ao produto do
trabalho historiográfico de Taunay. Se, por um lado, José
Honório afirma que o revisionismo se opõe ao simples
estabelecimento dos fatos, como indicamos acima, como admitir,
de outro lado, a existência de um “revisionismo factual”?
Curiosa é a dupla vinculação do revisionismo: ideológico e
factual. Depreendemos que o revisionismo não deve prescindir
nem de uma, nem de outra vinculação; mas não é exatamente o
contrário que ocorre quando ele aceita o revisionismo puramente
factual? Ou, ainda mais grave, quando a acepção “ideológico” é
usada como sinônimo de “teórico” ou “temático”. Uma luz
esclarecedora surge quando ligamos essa preocupação do
revisionismo com a sua noção de história combatente,
renovadora, problematizadora, que luta no campo oposto de uma
“sub-historiografia entrincheirada em algumas cátedras
universitárias” 77 .

A aplicação dessa tentativa de conceito, que é a


expressão “revisionismo histórico”, na obra de Taunay relativa
ao tema das Bandeiras nos causa ainda mais desconforto.
Primeiro porque impreciso, segundo porque limita a dimensão

76Ibid., p. 141.
77RODRIGUES, J. H. Vida e ..., p. 12.
41
da obra, o que o próprio José Honório reconhece. Ora, o ímpeto
revisionista não foi só inicial?

Muito bem, então Taunay é um revisionista, mas


onde está a sua preocupação teórica? Não é o próprio José
Honório que reconhece que o tema das Bandeiras e o período foi
lembrado a Taunay por Capistrano? Não foi também Capistrano
quem tentou dissuadi-lo de escrever uma história dos capitães-
gerais de São Paulo? É exatamente José Honório quem recorda:
“Pensara, em 1904, escrever uma história dos capitães-generais
de São Paulo, mas desistira, naturalmente em face da viva
condenação de Capistrano” 78 .

Como articular a noção de revisionismo com o juízo


que faz Taunay da história, esteio de uma verdade incontestável
sempre que extraída do documento verdadeiro?

Hoje (1911), e cada vez mais, é a sombra a grande


inimiga do historiador. O melhor modo de fazer a
apologética é ainda dizer a verdade, toda a verdade,
nada mais do que a verdade.
A história se faz, com os documentos, os atos cujos
vestígios materiais desapareceram estão para ela
perdidos e quando muito podem concentrar-se no
domínio das reminiscências coletivas.
Onde desaparecem os documentos chegam os
extremados a avançar cessa a história. 79

Muito pelo contrário. A concepção de história de


Taunay e, principalmente, a sua produção historiográfica, nos
remete para uma outra noção, completamente distinta da

78RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 140.


79TAUNAY, A. d'E. Os Princípios..., p. 326.
42
postulada por José Honório, nos conduz para o conceito de
memória.

Se organizar o passado em função do presente é a


função da história, no dizer de Lucien Febvre 80 e seguido por
José Honório, a nós se impõe uma tarefa: como o passado foi
organizado por Taunay em função do presente? No percurso
dessa análise encontraremos os pontos de contato e necessário
afastamento da relação memória-história 81 .

A referência que fizemos de Taunay nos fornece o


ponto de partida. Nela, de início, surge a oposição platônica
luz/sombra, a história aparece como discurso apologético (que
justifica, defende ou louva) em prol da verdade, toda a verdade,
nada mais do que a verdade.

Uma definição sucinta de memória denota: “A


memória é um absoluto e a história só conhece o relativo” 82 .
Não é exatamente a verdade absolutizada que Taunay propõe
como missão da história desvelar? A luz da ciência não
iluminaria todo o passado e o revelaria por inteiro ao presente?

80Apud. SANTOS, A. C. M. dos. Memória, história, nação: propondo questões. Revista Tempo Brasileiro,
Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 6. Reforçando a oposição entre memória e história, ainda Lucien Febvre:
“O homem não se lembra do passado. Reconstrói-o sempre. O homem isolado, essa abstração. O homem
em grupo, essa realidade. Ele não conserva o passado na memória, como os gelos do norte conservam
frigorificados os mamutes milenários. Parte do presente - e é sempre através dele que conhece, que
interpreta o passado.” FEBVRE, L. Combates pela História. 3. ed. Lisboa : Editorial Presença, 1989. p.25.
81Para Halbwachs, associar os termos memória e história é um grande equívoco “... porque geralmente a
história começa somente no ponto onde acaba a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a
memória social.” HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. p. 80. Esse corte não
foi estabelecido por Taunay.
82NORA, P. Entre Mémoire et..., p. XIX.
43
Revelar por inteiro, eis o império da continuidade, da
continuidade histórica.

Essa luz, no exato instante em que revela por inteiro,


lembra, também por inteiro; retira do esquecimento aquele
passado que não merece o ostracismo. Se a memória é a vida,
aberta à dialética da lembrança e da amnésia 83 , a memória
historiograficamente construída é o local onde se pode
cristalizar, solidificar a lembrança recuperada e restaurada,
enfim, livrá-la do desterro.

Por isso a memória reconstitui e não reconstrói, por


isso a memória evoca, ela quer que o passado venha para o
presente na sua dimensão absolutizada e não problematizada.
Vamos a Taunay, anos mais tarde (1926):

Havendo, na grande maioria dos casos, a maior


imprecisão de dados, para a fixação dos pontos
visitados pelas bandeiras, viu-se o autor forçado a
limitar-se a indicar as zonas onde operaram as
expedições sertanistas, pretendendo, sobretudo,
evocar-lhes os feitos como lhes mencionar o nome
dos chefes e as datas das jornadas. 84

Taunay pretendia reconstituir todos os trajetos, ou


pelo menos os mais importantes, das bandeiras. Era impossível,
como ele mesmo constatou. Os bandeirantes não deixaram
relatos das expedições e, além do mais, a nomenclatura dos
acidentes geográficos, dos pontos de referência, dos caminhos,
havia sido tragada pelo tempo. O que restou a Taunay foi

83Ibid., p. XIX.
44
detectar e marcar os lugares visitados e não as trilhas; mas com
que intuito? De evocar os feitos 85 , de fixar (lembrar) os nomes
dos chefes, de registrar as datas. Esta é a preocupação
predominante na obra de Taunay sobre as bandeiras, edificar
historiograficamente a sua memória.

A construção da memória bandeirante envolveu


Taunay em várias áreas de atuação. Antes de escrever sua
História Geral, empreendeu estudos sobre quem ele via como as
principais fontes do bandeirismo: Pedro Taques de Almeida Paes
Leme (1915) e Frei Gaspar da Madre de Deus (1916). Publicou
estudos sobre São Paulo no século XVI e XVII: Na Era das
Bandeiras (1919), S. Paulo nos Primeiros Annos (1920), S.
Paulo no século XVI (1921), Piratininga (1923) e, no ano de
publicação do primeiro tomo da História Geral, Non Ducor,
Duco (1924). Recuperou e reinventou a tradição bandeirante
com a retomada de Pedro Taques e Frei Gaspar.

O tema das Bandeiras imbrica-se com o da cidade


convergindo, ambos, para a construção da memória bandeirante.
No estudo intitulado A Grande Vida de Fernão Dias Pais
(1931), no capítulo X, Taunay faz grande digressão sobre a

84TAUNAY, A. d'E. Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas: Séculos XVI-XVII-XVIII. Desenhada
por Gregorio Colas e José Domingues dos Santos Filho. [1926]. Citação escrita no mapa.
85O verbo evocar (do latim evocare) além de significar trazer à lembrança, guarda ainda hoje o sentido
original de caráter sagrado e religioso. Nos primeiros anos da cidade de Roma, de acordo com Raymond
Bloch, a evocatio era um rito “em que o general romano convidava as divindades tutelares da cidade
cercada a deixarem as suas habitações para se fixarem em Roma, onde tempos mais dignos delas lhes
seriam restituídos (...) A evocatio consistia essencialmente numa fórmula mágica pronunciada pelo
comandante das forças na ocasião do assalto a uma cidade sitiada.” BLOCH, R. Origens de Roma.
Lisboa : Verbo, 1971. p.126-128. Não exitamos ao afirmar que Taunay, quando pretende evocar os feitos
passados, deseja que eles retornem do profundo esquecimento para viverem no presente a glória do
reconhecimento eterno. No “posto” de historiador Taunay cumpre a antiga função do comandante romano.
45
municipalidade, sobre a guerra civil entre Pires e Camargos e
sobre o papel do bandeirante que atua não só no sertão com
aquele “... notável dom de que Fernão Dias Pais deve ter sido
dotado para se impor aos índios...” 86 , mas também na urbe: “Iria
a luta entrar em nova fase, quiçá a mais violenta da guerra civil.
Na que se encerrara não estivera Fernão Dias Pais tão em
destaque quanto na que se ia encetar onde lhe caberia um papel
absolutamente capital” 87 .

A deliberada benevolência de Taunay em relação aos


bandeirantes transforma-os em entidades mitificadas 88 . Como o
seu objetivo é reconstituir a trajetória condutora da formação
dos paulistas, desde a origem idealizada até o valoroso presente,
termina por mitificar os personagens que inauguraram a
ocupação do planalto, também mitificado: “A “borda do campo”
era a borda do sertão ignoto e do mistério profundo, o primeiro
marco da conquista do Brasil” 89 ; e, mais a frente: “Precisava
João Ramalho fazer como Rômulo” 90 .

Poderíamos reproduzir ao infinito as citações que


demonstram que a empresa de Taunay foi de memória e não de
história. Taunay buscou, como indicamos anteriormente, a

86TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Pais. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4, 1931.
p.110.
87Ibid., p. 88.
88Nossa reflexão sobre o mito privilegia a sua expressão simbólica destacada por Cassirer: “... hablando
en general, las respuestas humanas pertenecen a un tipo enteramente distinto. Lo que las distingue de las
reacciones animales es su carácter simbólico. En la aparición y el crecimiento de la cultura humana, este
fundamental cambio de sentido puede seguirse paso a paso. El hombre ha descubierto un nuevo modo de
expresión: la expresión simbólica. Este es el común denominador de todas sus actividades culturales: del
mito y la poesía, del lenguaje, del arte, la religión y la ciencia.” CASSIRER, E. El Mito del ..., p. 58.
89TAUNAY, A. d'E. A Vida em Santo André da Borda do Campo. In: Na Era das Bandeiras. São Paulo :
Melhoramentos, 1922. p. 9.
46
iconografia das bandeiras e dos bandeirantes, quando não
encontrava os seus vestígios, determinava a criação das
imagens: memória pressupõe imagem.

Façamos a experiência! Adentremos no peristilo do


Museu Paulista, lá estão as pinturas imaginadas dos primeiros
povoadores, as estátuas de Antônio Raposo Tavares e Fernão
Dias Pais (figuras 1 e 2); na escadaria (figura 3), em ambos os
lados, os vasos contendo as águas dos grandes rios do Brasil,
especialmente aqueles ligados às Monções 91 . Não podemos
esquecer de mencionar, aliás, esquecer jamais pois é um lugar
de memória, as grandes telas: A Partida da Monção de Almeida
Júnior (figura 4), a Fundação de São Paulo e o Desembarque de
Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro de Oscar Pereira da
Silva (figuras 5 e 6), e a Fundação de São Vicente de Benedito
Calixto (figura 7).

Realmente, Taunay “reconstruiu todo um mundo


espiritual que começa nele de maneira indissolúvel”, como quer
José Honório, e por isso mesmo ele é muito mais do que um
revisionista histórico, ele é um construtor de memória.

90Ibid., p. 17.
91Taunay inspirou-se no palácio dos Aquemênidas em Persépolis, que possuía em ânforas as águas do
Nilo, do Danúbio, do Indo..., para instalar os recipientes com as águas dos rios históricos brasileiros:
“Assim, senhores! Quando à gratidão brasileira se impuser, como saldamento imperioso de uma dívida
enorme, a necessidade da ereção de um monumento destinado a rememorar os feitos daqueles que
alargaram o Brasil pela América do Sul a dentro - e no dia em que um monumento nacional como este se
vai erigir aos homens da nossa Independência se erguer a estes filhos de S. Paulo, portadores das quinas
ao coração do continente e doadores ao Brasil, de milhões de quilômetros quadrados de territórios
admiráveis, fiquemos certos de que a tal monumento não pode faltar o lugar para a ânfora d'água do rio
das bandeiras paulistas (o Tietê)!” TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 100-101.
47

Figura 1 - Estátua de Antônio Raposo Tavares, de Luiz Brizzolara.


48

Figura 2 - Estátua de Fernão Dias Pais, de Luiz Brizzolara


49

Figura 3 - Hall e escadaria do Museu Paulista


50

Figura 4 - A Partida da Monção, óleo de Almeida Júnior


51

Figura 5 - A Fundação de São Paulo, óleo de Oscar Pereira da Silva


52

Figura 6 - Desembarque de Pedro Álvares Cabral, óleo de Oscar Pereira da Silva


53

Figura 7 - Fundação de São Vicente, óleo de Benedito Calixto


3 . O PRESENTE E O PASSADO NA
CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA

O presente não se detém. Não poderíamos


imaginar um presente puro; não teria valor. O
presente tem sempre uma partícula de passado,
uma partícula de futuro. E parece que isso é
necessário ao tempo.

Jorge Luis Borges. O Tempo.


55
A expansão vicentina, conforme exposta na obra de
Taunay, constituiu-se em tema pela interseção de dois conjuntos
de contribuições: um, contemporâneo (Capistrano de Abreu e
Washington Luís), o outro, localizado no passado (Pedro Taques
de Almeida Paes Leme, Frei Gaspar da Madre de Deus e
Auguste de Saint-Hilaire). No primeiro grupo de autores, em
relação a Capistrano de Abreu, dele recebeu a indicação do
tema, lições sobre o trabalho do historiador e sobre a
importância do conhecimento histórico cientificamente
estruturado; de W. Luís ele não só apreendeu a estima pelas
tradições como deixou-se tragar pelo projeto de valorização do
passado paulista. No segundo grupo, ele encontrou a nobilitação
inicial do bandeirante, e como não divergia, invocou
explicitamente esses autores, através de longas e freqüentes
citações, para sustentar em grande parte as suas intenções e
interpretações.

Portanto, Taunay uniu o ofício do historiador


(Capistrano) e a vontade de celebrar as tradições paulistas (W.
Luís) com as lembranças do glorioso passado de São Paulo
registradas por determinados autores (Taques, Gaspar, Saint-
Hilaire), amparadas documentalmente ou na tradição oral 92 .
Procedendo assim, no dizer de Halbwachs, Taunay confere ao
seu texto uma sensação de solidez e exatidão como se a
experiência relatada fosse recomeçada não somente por ele no
presente, mas também por vários grupos no passado 93 . Em suma,

92Sobre Pedro Taques, afirma Alice Piffer Canabrava: “Ele recolheu a mística bandeirante conservada na
tradição oral. Profundamente paulista, Pedro Taques foi um intérprete do sentimento tradicionalista de seu
meio.” CANABRAVA, A. P. Bandeiras. In: MORAES, R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual Bibliográfico
de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica Editora Souza, 1949. p. 495.
93Halbwachs, M. A Memória Coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. p. 25.
56
ao submeter o passado e a tradição estabelecida aos rigores da
História convertia os três em memória.

3.1 A contribuição do presente

3.1.1 Capistrano de Abreu

Duas são as influências determinantes do resultado


da obra historiográfica de Taunay - e correspondem ao duplo
movimento acima enunciado: Washington Luís e Capistrano de
Abreu 94 . Do primeiro, não só apreendeu a estima pelas tradições
como assimilou o projeto de valorização do passado paulista. Do
segundo, recebeu lições sobre o trabalho do historiador e a
importância do conhecimento histórico cientificamente
estruturado.

A influência inicial e sempre homenageada por


Taunay foi de Capistrano. O filho de Taunay, Augusto
d'Escragnolle Taunay, relata:

estudara engenharia pela necessidade de possuir um


diploma superior e dos cursos superiores existentes
no país era este o que menos lhe desagradara. E,
durante os anos em que se ocupou do ensino da física
e da química já se vinha empenhando nas pesquisas
históricas, matéria para a qual sempre tivera
grandes pendores, possivelmente devido aos

94Wehling indicou a influência de Capistrano de Abreu sobre Taunay Cf. WEHLING, A. De Varnhagen a
Capistrano: Historismo e Cientificismo na Construção do Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro : Tese
para Professor Titular de Metodologia da História no Departamento de História - IFCS da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 1992, v. 2, p. 392.
57
incentivos do seu grande mestre e dileto amigo,
Capistrano de Abreu 95 .

Pensamos ser correta a conjectura de que a real


vocação de Taunay era a história sendo a engenharia apenas um
pequeno retardo no percurso imposto pela época. De qualquer
forma, fosse Taunay formado em direito ou engenharia,
Capistrano serviu como elo de ligação com a história. Durante
quase quarenta anos (desde os doze anos de idade) Taunay
recebeu lições de história do Brasil do “Mestre prezado e
amigo”, de quem humildemente se considerava discípulo 96 .
Desejando que o filho tivesse os melhores professores a sua mãe
contratou, no ano de 1889, Capistrano de Abreu como
“explicador” particular. Realmente é de se invejar a sorte!

A influência de Capistrano foi duradoura e


perpetuou-se até a morte do último (1927):

A Capistrano devi assinalados serviços e os mais


leais conselhos. Deu-me indicações preciosíssimas
sobre muitos e muitos assuntos. Indicou-me
opulentas fontes com aquela prodigiosa liberalidade
e ausência total de inveja que formavam o fundo do
seu íntimo, ao oferecer aos amigos, aos consulentes
em geral, a poderosa valia de seu formidável cabedal
de conhecimentos. E como se interessava pelo
andamento dos trabalhos daqueles a quem estimava!
Como desejava que se aperfeiçoassem! 97 .

95Apud. ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11
de julho de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. p. 23.
96TAUNAY, A. d'E. J. Capistrano de Abreu: In Memorian. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3,
primeira parte, 1927. p. XIII-XVIII.
97Ibid., p. XVII.
58
O período coberto pela correspondência de
Capistrano publicada por José Honório Rodrigues estende-se de
1904 a 1927. Capistrano acompanhou os passos de Taunay na
escrita histórica desde os primeiros capítulos do romance do seu
discípulo. Recomendava muito cuidado com os diálogos, para
que os personagens de época não falassem como os
contemporâneos do autor, além de muita leitura 98 .

As cartas de Capistrano de Abreu confirmam o


quanto ele lutou para evitar desvios temáticos e proporcionar a
Taunay uma trajetória que julgava segura. Diz Capistrano por
volta de 1904:

Afonso amigo,

A sua ídéia de escrever uma história dos capitães-


generais de S. Paulo é simplesmente infeliz. Que
lembrança desastrada a de preferir um período
desinteressante, quando a grande época dos
paulistas é o século XVII! Deixe este encargo ao...
ou ao... Isto lhes vai calhar. Que encham as páginas
da Revista com tão desenxabido assunto.
Reserve você para si o melhor naco, deixe os miúdos
para quem deles gostar. 99

A tese de concurso à cadeira de História do Brasil do


Colégio Pedro II (1883) já revelava um Capistrano preocupado
com o Brasil interior, há nela um capítulo dedicado ao sertão. O
“Mestre” de Taunay vislumbrava toda uma história do Brasil
alternativa ao enfoque exclusivo do litoral. Nos Capítulos de

98RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1,


p. 274.
99Ibid., p. 276.
59
História Colonial, o maior de todos os “capítulos”, o do sertão,
é assim iniciado:
A invasão flamenga constitui mero episódio da
ocupação da costa. Deixa-a na sombra a todos os
respeitos o povoamento do sertão, iniciado em
épocas diversas, de pontos apartados, até formar-se
uma corrente interior, mais volumosa e mais
fertilizante que o tênue fio litorâneo. 100

O tema do sertão, da conquista do interior, foi


portanto sugerido por Capistrano. Devemos indicar que o sertão
foi objeto de livros de Alfredo d'Escragnolle Taunay revelando
assim uma predisposição temática desde o lar, se levarmos em
conta a elevada consideração que Affonso, o filho, nutria pelo
pai. A admiração expressou-se através da publicação e tradução
dos textos do autor de Inocência, das quais Taunay se
encarregou sem descanso. Capistrano manifesta a primazia do
Visconde:

100ABREU, J. C. de. Capítulos de História Colonial: 1500-1800. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :
EDUSP, 1988. p. 141. Ao filão aberto por Capistrano e seguido por Taunay, entre outros, incorporou-se
também, mais tarde, Sérgio Buarque de Holanda: “Vencida porém a escabrosidade da Serra do Mar,
sobretudo na região de Piratininga, a paisagem colonial já toma colorido diferente. Não existe aqui a
coesão externa, o equilíbrio aparente, embora muitas vezes fictício, dos núcleos formados no litoral
nordestino, nas terras do massapê gordo, onde a riqueza agrária pode exprimir-se na sólida habitação do
senhor de engenho. A sociedade constituída no planalto da capitania de Martim Afonso mantém-se, por
longo tempo ainda, numa situação de instabilidade ou imaturidade, que deixa margem ao maior intercurso
dos adventícios com a população nativa. Sua vocação estaria no caminho, que convida ao movimento;
não na grande propriedade rural que forma indivíduos sedentários.” Apud. OLIVEIRA JUNIOR, P. C. de.
Bandeirantes, Índios e União Ibérica: propondo uma outra abordagem. Revista da Universidade Veiga de
Almeida, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 1993. p. 7.
60
Quando as críticas se apurarem, reconhecerão que
seu pai foi o primeiro dentre nós que descreveu
sertões de experiência e autópsia, não de chic: antes
dele só houvera estrangeiros. 101

Capistrano não só influiu no tema, gestão exitosa,


como procurou interferir no estilo de Taunay, onde fracassou:
“Se V. for capaz de sacrifício, aconselharia um: deite fora a
retórica, reduza o volume ao rigorosamente significativo” 102 .
Nesse ponto Capistrano não teve sucesso porque a Taunay
interessava construir um grande tema: o tema das Bandeiras. A
sua intenção não era problematizar a conquista e o povoamento
do interior do Brasil, ele vislumbrava construir uma matéria que
fosse digna aos olhos da História, cujo personagem principal, o
bandeirante, agia segundo os mais elevados sentimentos.
Escrevendo muito, redigindo incontáveis laudas, publicando
vários tomos, Taunay procurava, com o volume, conferir
autoridade quantitativa ao bandeirantismo. Enfim, queria provar
ao grupo, à coletividade paulista e brasileira que aquele
momento histórico não deveria ser esquecido:

Repetindo-se uns aos outros, cronistas coloniais e


historiadores do Brasil nação, prestaram,
geralmente, imensa atenção às lutas e à repulsa dos
estrangeiros, às questões administrativas,
freqüentemente tediosas, infindáveis, deixando na
mais inexplicável e imerecida obscuridade os feitos
das bandeiras. Para eles a história do Brasil é a
história da costa, quase somente. 103

101RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 330. O livro de Alfredo d'Escragnolle Taunay ao qual


Capistrano faz referência é Visões do Sertão editado por Taunay após a morte do Visconde. No capítulo
subseqüente posicionamos a influência do pai.
102RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 302.
61
As críticas a Taunay abrangem a letra “ilegível”,
solicitam que não faça citações literárias, que abandone as
paráfrases, que evite substituir vocábulos em língua portuguesa
por similares estrangeiros, por exemplo hinterland no lugar de
sertão. Esse último aspecto é revelador. Capistrano percebe que
Taunay ao valer-se de palavras em língua estrangeira procura
enobrecer o seu tema:

Li os dois artigos sobre Taques, que devolvo. Por


que rush e placer? Será tão indigente a língua que
para coisas brasileiras precisa de palavras
peregrinas? 104

Os dois historiadores trocavam informações sobre


documentos, discutiam sobre o método de expor a matéria
histórica, comentavam a bibliografia. Capistrano gostava de
brincar com a excessiva religiosidade católica de Taunay,
propunha questões dentro do bandeirismo para ele resolver (por
exemplo a origem do sentido histórico que tinha a palavra
“bandeira” naquela época - década de 20), criticava os textos
enviados por Taunay (considerou que o primeiro volume da
História Geral continha muitas páginas relativas aos espanhóis),
incentivava-o a identificar os bandeirantes (o caso de Domingos
Jorge Velho) e sugeria publicações de livros dado o
conhecimento e intimidade de Taunay com os irmãos Weiszflog
- a atual editora Melhoramentos.

A presença de Capistrano e sua influência sobre


Taunay obedece também às regras do contexto. Se o contato

103TAUNAY, A. d'E. Historia Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. ideal; H. L. Canton, 1924. t.
1, p. 7.
62
entre ambos recua a 1889, quando pela primeira vez ele foi seu
aluno, desde 1880, segundo Wehling, Capistrano já havia
transitado da sua fase cientificista para a subseqüente, cuja
característica é o primado do documento 105 . Abandonava,
Capistrano, o historicismo cientificista baseado em Comte,
Buckle e Spencer, entre outros, sem uma rígida vinculação a
qualquer doutrina. Assim sendo, o Capistrano que ministrou
aulas e tornou-se amigo de Taunay não mais tinha como
pressupostos teóricos a crença na unidade do real, na existência
de leis deterministas, na diretividade do processo (a evolução),
na possibilidade de encontrar leis e regularidades para os
fenômenos sociais, na sua cognoscibilidade crescente e na
definição de atitudes epistemológicas semelhantes para as
diversas ciências, envolvendo conceitos abrangentes 106 .

Agora, especialmente após a tese de concurso ao


Colégio Pedro II, que foi “o coroamento da conversão de
Capistrano de Abreu ao documento”, “é a verdade que emana
das fontes que comanda a investigação e as conclusões” 107 .
Completa, Wehling:

Em 1883, Capistrano de Abreu aparece como um


historiador acabado: é um cientista que domina o
seu método, a sua problemática e os seus temas. Não
é mais o aplicador das leis positivistas, do
evolucionismo spenceriano, do determinismo
climático. Utiliza-se deste intrumental como
hipóteses de trabalho, que tanto podem ser
confirmadas como desmentidas pela análise
documental; não se vê mais na obra de Capistrano
104RODRIGUES, J. H.(Org.). Correspondência..., p. 289.
105WEHLING, A. Op. cit., v. 2, p. 385.
106Ibid., p. 360-361.
107Ibid., p. 387.
63
um “tour de force” para encaixar os fatos na teoria
pré-elaborada como fez em 1874, a propósito do
teatro brasileiro. 108

É esse historiador acabado, cuja obra não ficou


irremediavelmente datada (como a de Sílvio Romero) pois
superou o cientificismo 109 , que conviveu e influenciou Taunay.
A ascendência intelectual de Capistrano manifestou-se em pelo
menos cinco aspectos: na importância do documento, no método,
no tema, no período e na indiferença à política. A apreensão
feita por Taunay dos ensinamentos de Capistrano se o afastou
dos ares cientificistas do final do século XIX, no entanto deixou
uma preocupação com o objeto e com o documento histórico,
firmemente convertida em culto documental, único meio de
alcançar àquela realidade que não cessa de escapar, ou melhor,
que tende ao esquecimento.

3.1.2 Washington Luís

A outra influência marcante na obra historiográfica


de Taunay sobre o bandeirismo é Washington Luís Pereira de
Souza. Em todos os momentos nos quais Taunay fez referência à
figura de W. Luís a palavra tradição estava envolvida. No
entanto, o significado atribuído à tradição ligava-se intimamente
à história, na sua dimensão documental. Assim sendo, o antigo
prefeito, presidente do estado de São Paulo e da República, era
louvado pela sua ação de estímulo aos estudos do passado
paulista e pela publicação dos documentos considerados
essenciais a essas pesquisas.

108Ibid., p. 388.
109Ibid., p. 430.
64

No início do livro S. Paulo no Século XVI (1921 é a


data da publicação; 1919 é a data do texto citado abaixo),
Taunay, no espaço dedicado ao prefácio e que costumeiramente
levava o título “Duas Palavras” - título sugestivo uma vez que
ele decididamente não possuía o tão desejado espírito de síntese
- comenta as fontes das quais se serviu:

Aos elementos hauridos das fontes únicas de outrora,


os depoimentos jesuíticos, ajuntamos o copiosíssimo
manancial de informes inéditos, proveniente das Atas
e do Registro Geral da Câmara de São Paulo,
traduzidos e postos à disposição dos estudiosos,
graças sobretudo à ação esclarecida de Washington
Luís, tão profundo sabedor quanto zelador cioso das
tradições da grande cidade de que foi governador. 110

Vale a pena notar dois aspectos que são recorrentes


no discurso historiográfico de Taunay. O primeiro é o destaque
que ele nunca deixa de fazer quando se utiliza de acervo
documental inédito; a respeito especificamente das Atas e do
Registro Geral, fará uma ressalva que talvez só Azevedo
Marques tenha compulsado essa documentação. Mais do que
destacar, Taunay, sempre deu preferência exagerada aos
“inéditos”, como se a história - e era assim, com certeza que ele
pensava - só pudesse ser realizada com objetividade e
originalidade se descobrisse novos materiais. O segundo ponto
relaciona-se à palavra zelador. W. Luís não é apenas sabedor
mas também zelador do conhecimento do passado, das
tradições. Essa função de zelar pelo passado, tão admirada, foi
absorvida por Taunay e assumida como uma das funções da
65
história. Tradição e história, a primeira corrigida pela segunda,
concorrem para a exaltação do passado paulista. Abaixo, a
dedicatória do primeiro volume da História Geral das Bandeiras
Paulistas:

Ao amigo ilustre,

Dr. Washington Luís Pereira de Souza, a quem


imenso devem a tradição bandeirante, e os estudos
sobre o Brasil primevo, homenagem muito grata. 111

Com essa dedicatória Taunay agradece não só o


apoio pessoal, a confiança, o estímulo e a amizade, como o
apoio oficial. Boa parte da sua obra sobre o bandeirismo,
inclusive a História Geral, foi financiada por cofres públicos 112 .
As funções executivas exercidas por W. Luís - prefeito de São
Paulo no período 1913-1920, em seguida, presidente do estado
de São Paulo e, finalmente, presidente da república entre 1926-
1930 - facilitaram a destinação das verbas que custearam a
construção de uma “história” bandeirante.

110TAUNAY, A. d'E. S. Paulo no Século XVI: História da Villa Piratiningana. Tours : E. Arrault & Cia.,
1921. p. V.
111TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 1. O grifo é nosso.
112“Honrando a publicação a presente obra, com o amparo do governo de S. Paulo, vieram os srs. drs.
Washington Luís e Alarico Silveira, trazer-lhe um testemunho que se de um lado nos provoca o maior
desvanecimento, de outro, nos traz a apreensão do que não corresponderá a incumbência à expectativa
de seus ilustres patronos.” Seria forçoso interpretar a palavra incumbência no sentido de encomenda, não
há como comprovar, mas consideramos que indiscutivelmente havia uma comunhão de interesses
mediados pelo amor à história e ao passado paulista . Dessa forma, não era preciso existir uma
encomenda explícita; havia quem se dispusesse a fazê-la - a História Geral - e quem se dispusesse a
financiá-la. TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 16. Capistrano de Abreu deixa vazar, em carta, a
projeção de Taunay junto ao governo paulista: “Bem poderia você estimular os seus amigos do Governo a
impulsionar tão útil série (de documentos).” RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 280.
66
Enfim, a influência de W. Luís enfeixa também uma
consistente contribuição de natureza histórica. Além de
pesquisar e publicar documentos, além de financiar oficialmente
a publicação de obras históricas, escreveu, ele mesmo, textos
significativos - são significativos e consistentes não só porque
amparados em farta pesquisa empírica como correspondem às
expectativas coevas. As dúvidas que circundaram o nome de
Antônio Raposo Tavares, “magno sertanista”, durante anos e
atribuídas, por Taunay, em grande parte aos desvios da tradição
oral e ao desaparecimento de uma biografia do bandeirante feita
por Pedro Taques para compor a Nobiliarquia, essas dúvidas,
foram definitivamente resolvidas por W. Luís em 1905, com a
publicação na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo do artigo Antônio Raposo 113 . Nas palavras de Taunay:

Cabe a Washington Luís como se sabe, a glória da


reivindicação histórica que veio dar ao homeríada
(Antônio Raposo Tavares) as suas características
exatas. 114

Completam a contribuição de W. Luís o texto


Contribuição para a História da Capitania de São Paulo:
Governo de Rodrigo César de Meneses e o livro Na Capitania
de São Vicente; no campo dos documentos o incremento para a
divulgação das séries Inventários e Testamentos e Documentos
Interessantes para a História e Costumes de S. Paulo. Um
último dado a ser destacado; a polêmica desconcertante sobre o

113LUÍS, W. Antônio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX,
1905. p. 485-533. O artigo compõe-se do texto propriamente dito e da íntegra de dezessete documentos
comprobatórios.
114TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 3, p. 279.
67
cultuado personagem João Ramalho encerrou-se quando veio a
lume, por intermédio de W. Luís, o seu testamento 115 .

A medida da ascendência intelectual e oficial


exercida por W. Luís em Taunay e nos demais eruditos e
historiadores da época pode ser obtida através de uma frase de
Capistrano de Abreu. Angustiado pela premência do tempo em
cumprir uma “tarefa” sugerida por W. Luís - a edição dos
escritos de Anchieta - escreve a Taunay: “Haverá tempo? Não
sei quando termina o mandato do Washington. 116 ”

3.2 A contribuição do passado

3.2.1 Pedro Taques

Pedro Taques nasceu em São Paulo no ano de 1714.


Era o sexto filho do capitão Bartolomeu Paes de Abreu e tinha
uma ascendência ilustre que incluía Fernão Dias Pais e Brás
Cubas. Ainda segundo Taunay, estudou no Colégio Jesuítico de
São Paulo sabendo o francês 117 . Estes diminutos dados
biográficos não dão conta do intenso sentimento que Taunay
dedicava a Pedro Taques:

115LUÍS, W. O Testamento de João Ramalho. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,
São Paulo, v. IX, 1905. p. 563-569. Assim como Taunay, Alcântara Machado rendeu agradecimentos a W.
Luís: “Depois de ter divulgado, quando prefeito do município, as atas e papéis da edilidade paulistana,
pondo ao alcance de todos nós os materiais para a reconstrução da vida administrativa da cidade colonial,
materiais aproveitados imediatamente em trabalhos judiciosos pelo sr. Afonso de Taunay, promoveu
depois, na presidência do Estado, a reprodução dos inventários antigos, salvando-os assim do
esquecimento injusto e da destruição inevitável a que estavam condenados.” In: MACHADO, A. Vida e
Morte do Bandeirante. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. p. 29-30.
116RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 336.
117TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques. In: LEME, P. T. de A. P. História da Capitania de São Vicente. São
Paulo : Melhoramentos, [1928]. p. 5-53.
68

Imenso devem o Estado de S. Paulo e o Brasil a


Pedro Taques e esta dívida, mais que secular, tão
longe ainda de se saldar, precisa concretizar-se num
monumento nacional.
Espera firmemente o Instituto Histórico e Geográfico
de S. Paulo que, em futuro não remoto, celebre a
cidade de São Paulo a glória do filho ilustre num
padrão que a todos lembre a memória imperecível
daquele a quem tanto cabe o epíteto, formoso entre
todos, de - Historiador dos Bandeirantes.
A esta homenagem, por certo, há de todo o país
concorrer, porque historiador dos bandeirantes
significa: historiador da conquista do Brasil pelos
brasileiros.
E celebrando a glória de Pedro Taques, aclamará ao
mesmo tempo a Nação, de Norte a Sul, a dos
paulistas, construtores do áspero Brasil Meridional e
Central. 118

A dívida, os elogios e as homenagens advêm das


qualidades sem-par que Taunay observara na sua conduta e nos
seus escritos. Pedro Taques era “homem orgulhoso de sua
nobreza e opulência”, esteve “alheio aos preconceitos semi-
muçulmanos sobre a mulher que dominavam as velhas
sociedades lusitanas”, foi “o mais fiel dos vassalos do Rei de
Portugal”, dispunha de “rara inteligência e erudição”, possuía
uma “convicta religiosidade”; no seu texto principal, a
Nobiliarquia, procurou “ser imparcial ou pelo menos passar por
sê-lo” e evitou qualquer referência pesada “aos inimigos
encarniçados que contou” 119 .

118TAUNAY, A. d'E. Prefácio: Pedro Taques de Almeida Paes Leme. In: LEME, P. T. de A. P.
Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. v.
1, p. 35-36. O grifo é nosso.
69
Os defeitos do linhagista também foram observados,
entretanto de forma esporádica. Em um desses raros momentos,
ao comentar as incoerências do terceiro casamento de Taques,
Taunay revela-se crítico como poucas vezes se pode notar:

Como iria um aristocrata, apaixonado de ferrenhos


preconceitos de casta, oriundo de nobre estirpe
altamente colocada e prestigiada em toda a
capitania, incansável e retumbante arauto da seleção
nobiliárquica, aquele que chegara a escrever que a
geração de certa pessoa nobre morrera, porque seu
progenitor desposara uma mulata, - como iria o
linhagista, apregoador dos “estímulos do sangue”,
aliar-se a alguém de modesta origem, pertencente a
uma família sem tradições, fortuna nem posição,
embora branca e cristã velha e - o que mais grave
era - em cujo seio, recentemente ainda, graves
irregularidades haviam ocorrido? 120

O tom de crítica veemente, contrário aos desígnios


de quem pretende louvar a vida e obra de alguém decorre,
certamente, da indignação de Taunay para com o episódio:
Taques o decepciona. Se na vida íntima, a cada passo, “trai o
linhagista um profundo pendor pelos problemas do eterno
feminismo” 121 , na obra preenche as expectativas - de Taunay, é
claro.

Na Nobiliarquia o linhagista materializou, segundo


conclui Taunay, a influência recebida de seu padrinho o frei
Luiz dos Anjos, “apaixonado da nobiliarquia e da ciência

119TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo: estudo de uma personalidade e de uma época. Anais do
Museu Paulista, São Paulo, 1922, t. 1, p. 253-264. Este estudo foi premiado pela Academia Brasileira de
Letras no concurso de erudição realizado em 1923.
120Ibid., p. 143-144.
121Ibid., p. 144.
70
genealógica” 122 . Nos estudos levados a cabo com os jesuítas,
Pedro Taques revelava-se detentor de admirável memória fato
que o distinguia positivamente entre os demais 123 . Deve-se notar
que o próprio Taunay possuía tal dom natural, muitas vezes após
ler os documentos e fazer as devidas anotações, no ato de
compor o texto, não os retomava confiando na memória 124 .
Taunay ao reparar essa qualidade especial no linhagista não
deixava de se identificar com ele. Um sinal mais forte dessa
identificação nos é dado quando Taunay expressa as supostas
expectativas de Pedro Taques às vésperas de sua viagem a
Lisboa em 1755, ano do terremoto. O ponto de exclamação
indica a emoção de Taques transbordando para o narrador:

Excelente essa ocasião para visitar a capital da


monarquia e viajar, amparado pela proteção de altas
personalidades que lhe facultariam a entrada no
recesso dos arquivos! Anteviu a plena satisfação
desta paixão dominante, o contato com os
documentos, fonte de sensações deliciosas, para a
insaciável curiosidade dos rebuscadores, de
impressões fortíssimas, como poucas haverá, tão
agradáveis e capazes de provocar os arrepios das
grandes comoções e as alegrias intensas dos achados
preciosos e inesperados. 125

122Ibid., p. 15.
123Ibid., p. 21.
124“Ao redigir os seus trabalhos, dispensava fichários. Possuía anotações em uma pasta que vez ou
outra consultava. Servia-se, antes, da sua invejável memória prodigiosa”. ELLIS, M., HORCH, R. E. Op.
cit., p. 37.
125TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo..., p. 57-58. É-nos impossível evitar a lembrança de uma
passagem basilar: “O documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador, ele
próprio parcialmente influenciado por sua época e seu meio; o documento é produzido consciente ou
inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma imagem desse passado, quanto
para dizer “a verdade”.” LE GOFF, J. A História Nova. In: LE GOFF, J. (Dir.). A História Nova. São Paulo :
Martins Fontes, 1990. p. 54.
71
Os documentos históricos, tão valorizados por um e
outro, capazes de provocar as mais espetaculares emoções,
foram reunidos em coleção particular à custa dos cargos
públicos de Pedro Taques. Taunay da mesma forma constituiu
coleções, desta feita no Museu Paulista. Um e outro realizaram
obras vastas - a Nobiliarquia e a História Geral das Bandeiras
Paulistas - também recorrendo às influências, vantagens e
remunerações oriundas do exercício de funções públicas 126 . Para
além do valor atribuído aos documentos, unem Taques e Taunay,
sempre através da ótica deste, o mais elevado dos sentimentos
humanos: o amor.

Do amor consagrado aos documentos dá-nos Pedro


Taques numerosas provas, quando lastima a
dispersão dos velhos arquivos vicentinos, e
sobretudo a catástrofe provocada por um incêndio do
cartório da Câmara de S. Vicente, “monumento para
a posteridade”. 127

Foi no exercício do cargo de guarda-mor das Minas


de São Paulo que Pedro Taques recebeu do capitão-geral D. Luiz
Antônio de Sousa a tarefa de escrever “tudo que souber a
respeito do estado das Aldeias desta Capitania, as ordens Reais
que tem havido a respeito das suas terras e governo, enfim tudo
aquilo que alcançar o seu conhecimento e julgar preciso se
conserve nesta secretaria para todo o tempo constar” 128 : assim
veio a lume a Informação sobre as Minas de São Paulo em

126“É nossa convicção - à falta de documentos - que pôde Pedro Taques tanto fazer avultar a sua
Nobiliarquia graças à particularidade de haver sido tesoureiro da Bula e contar, em todas as vilas da
capitania, subordinados.” Ibid., p. 102. Além de ter sido tesoureiro-mor da Bula da Cruzada (1758) Pedro
Taques também foi investido no cargo de guarda-mor das Minas da Comarca de São Paulo (1763).
127Ibid., p. 247.
128Portaria para o Sargento-Mor Pedro Taques declarar tudo o que há a respeito das Aldeias desta
Capitania. Apud. TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo... p. 165.
72
1772. O mesmo ano conheceu outra obra de Taques produzida
sob encomenda, a História da Capitania de São Vicente, agora
por conta de um particular interessado na defesa de direitos de
herança. Antes, em 1768, havia publicado a Notícia Histórica da
Expulsão dos Jesuítas do Colégio de São Paulo que não era
resultado de encomenda mas estava marcado pelo contexto
específico da administração pombalina, fazendo com que o autor
manifestasse uma desconfortável posição anti-jesuíta 129 .

De fato, a grande obra de Pedro Taques é a


Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica 130 . Consumiu o
autor desde os dezesseis anos, envolveu duas viagens a Portugal,
o concurso de auxiliares por vários cartórios (civis e
eclesiásticos) da Capitania, a luta do autor contra as
conseqüências da malária (especialmente várias paralisias) e,
sobretudo, a perda de vários originais quando do terremoto em
Lisboa por ocasião da primeira viagem. Sem dúvida emerge
significativa a produção de Pedro Taques, mas sua relevância
torna-se absoluta por atender aos desígnios de Taunay no
esforço de documentar, provar, fixar e definir os personagens e
feitos de um passado reputado como esplendoroso em
realizações:

São o pendor para a documentação humana, as


tendências à individuação, que para nós sobrelevam
o valor dessa Nobiliarquia Paulistana - obra de
paciência quiçá apenas documentação valiosa de

129Ibid., p. 102.
130O texto foi publicado pela primeira vez na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a partir
de 1869 e compreendeu os tomos XXXII-XXXV. TAUNAY, A. d'E. O Historiador dos Bandeirantes: Pedro
Taques e a sua Obra. In: LEME, P. T. de A. P. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo
Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980, v. 1, p. 43.
73
nossa história sertanista, para os observadores
superficiais; mas para os estudiosos e os sinceros
muito mais que isto: porque representa a fixação dos
caracteres das gerações longínquas que passaram
anônimas, e traduz um pouco da alma que aos
dilatadores do Brasil animava. E tudo isto sem a sua
intervenção se perdera 131

3.2.2 Frei Gaspar

Gaspar Teixeira de Azevedo (9/2/1715), conhecido


por Frei Gaspar da Madre de Deus, constituiu juntamente com
Pedro Taques, um referencial seguro e precioso para Taunay.
Tanto foi assim, que o historiador soube protegê-los dos
“injustificáveis” ataques dos críticos. Cândido Mendes de
Almeida foi um daqueles a repelir, em Pedro Taques, a chamada
mania nobiliárquica. Na defesa do “historiador vicentino”
Taunay expende:

Dentre o primeiro núcleo de fundadores de S.


Vicente, gente havia muito bem aparentada em
Portugal, - e isto incontestável é - pretendam o que
quiserem as alegações de certa corrente da moderna
crítica da nossa História que, obstinadamente, se
recusa a aceitar as informações iniciais de Pedro
Taques, inquinando-as de suspeitas ou lendárias,
nascidas da mania nobiliárquica e do prurido da
vaidade exagerada, freqüente entre os genealogistas
e os paulistas em geral, acrescenta-se com certa
malícia. 132

131TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo..., p. 252.


132TAUNAY, A. d'E. Biografia de Frei Gaspar da Madre de Deus. In: MADRE DE DEUS, Fr. G. da.
Memórias para a Historia da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos
anos em que se descobriu o Brasil. São Paulo : Weiszflog Irmãos, 1920. p. 9.
74
Quanto a Frei Gaspar a acusação repousava no
testamento de João Ramalho, compulsado pelo beneditino mas
desaparecido até que W. Luís o redescobrisse.

Acusou-o (Cândido Mendes), formalmente, de haver


forjado o famoso testamento de João Ramalho e, no
entanto, pôde Washington Luís, há alguns anos,
trazer a lume irrefragável depoimento comprobatório
da veracidade e da boa fé do historiador. 133

A trajetória de Frei Gaspar foi menos tormentosa do


que a de seu primo Pedro Taques. Aquele abrigou-se entre os
beneditinos em 1731 aos dezesseis anos, sua família possuía
grandes propriedades e não enfrentou qualquer abalo repentino
como a acusação de desfalque contra Taques. O único “violento
abalo” familiar, segundo Taunay, teria sido a morte prematura
do pai, Domingos Teixeira de Azevedo. No noviciado da Bahia
Frei Gaspar estudou Filosofia, História e Teologia, participou da
Academia Brasileira dos Esquecidos (1724), logo desfeita, e
conviveu com Rocha Pitta. A este convívio Taunay atribui a
consolidação da vocação do beneditino para a História,
indagando...

No seu remanso freqüentou-o frei Gaspar: quanto


não devia ao jovem monge aproveitar o contato com
o admirado e invejado mestre supremo da História
nacional, o primeiro a quem se atribuíra o título de
historiador, quando no país não houvera até então
senão cronistas? 134

Muito significativo nos comentários de Taunay


acerca deste episódio é o envolvimento de Pedro Taques,

133Ibid., p. 9.
134Ibid., p. 20.
75
formando uma tríade (Pedro Taques, Frei Gaspar e Taunay) em
defesa da verdade absoluta produzida pelo conhecimento
histórico e desqualificando, por conseguinte, Rocha Pitta:

Viriam o decorrer dos anos e sobretudo os estudos


em comum com Pedro Taques, fazer com que muito se
lhe diminuísse esta veneração dos dias da mocidade.
“Fantasioso e crédulo”, incidiu a sua “desenfreada
pena” em “muitos e péssimos erros” como o afastar-
se da alma da História, que é a verdade”, di-lo
Pedro Taques, em termos duros quanto possível, para
com quem entendia ser o bonzo da História
brasileira na época setecentista. 135

A veneração de Frei Gaspar por Rocha Pitta, segundo


Taunay, foi mediada pela intervenção providencial de Pedro
Taques. Este no passado, assim como o próprio Taunay no
presente, comungava da única crença relevante à atividade do
historiador, a paixão pela verdade, pois esta é a própria essência
da História.

Deste momento podemos extrair três conclusões.


Primeiro, que a ação de Pedro Taques em prol da verdade o
coloca numa posição ligeiramente superior a Frei Gaspar no
juízo de Taunay; segundo, Frei Gaspar atende de pronto aos
reclamos propiciados pelos estudos em comum com o primo e
amigo íntimo, revelando uma propensão interna para o caminho
correto valiosa para Taunay; terceiro, esse enredo institui uma
ligação sólida e indissolúvel entre os três protagonistas, todos
amam a verdade, autorizando Taunay a evocá-los quando
necessários. Por conhecê-los a fundo (afinal escreveu-lhes as
biografias), por confiar no resultado dos seus estudos, por
76
louvar como eles a “Verdade” 136 , e porque os três possuem como
tema central a construção de uma imagem positiva do habitante
de São Paulo - bandeirante por excelência - 137 , por tudo isso
pôde Taunay qualificá-los como “as fontes do bandeirismo”:

Não há quem ignore que as primeiras obras da


história puramente paulista datam do século XVIII. O
que para trás desta centúria existe não passa de
minúsculos fragmentos, geralmente desvaliosos, não
existindo uma única destas contribuições a que se
possa dar o título de livro (...) Em suma, a história
dos paulistas no século XVIII resume-se até agora
naquilo que redigiram Pedro Taques e seu primo
Frei Gaspar da Madre de Deus. 138

Potencializa-se a unidade de intenções e concepções


de Taques e Gaspar, veiculadas por Taunay, porquanto trocavam
idéias, documentos e as páginas de suas obras enquanto as
escreviam: “Permutavam os dois historiadores tudo quanto

135Ibid., p. 20. O grifo é nosso.


136Katia Abud observa que na obra de Pedro Taques e Frei Gaspar aparece uma ligação consistente
com a tradição de pesquisa histórica surgida na França do século XVII: “Tal tradição vinha do final do
século anterior, com a obra de D. Mabillon De Re Diplomatica que iniciou a “ciência do documento
valorizando o documento escrito como prova da História, trabalho que foi continuado pelos beneditinos da
Congregação de Saint-Maur e que trouxe “condições seguras para o conhecimento histórico”.” ABUD, K.
M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o
bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 74. Taunay possuía a mesma convicção no tocante
ao documento como prova da História.
137“A imagem do bandeirante construída por Pedro Taques e Frei Gaspar fixou-se e dela se utilizaram a
grande maioria dos historiadores e cronistas que a eles se seguiram, ao tratar da Capitania de São Paulo
(...) Essa mesma imagem, que durante o século XIX se esvaneceria voltaria com maior vigor e retomaria a
sua função de símbolo da camada dirigente de São Paulo, nas primeiras décadas do nosso século.”
ABUD, K. M. Op. cit., p. 98-99.
138TAUNAY, A. d'E. Manuel Eufrásio de Azevedo Marques e seus preciosos “apontamentos”. In:
MARQUES, M. E. de A. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e noticiosos
da Província de São Paulo. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. v. 1. p. 9-11.
77
tinham” 139 . Da intensa correspondência por eles produzida
restou apenas duas cartas, levando Taunay a lamentar:

é fácil aquilatar-se a importância da perda, que sua


destruição à História de S. Paulo acarretou. 140

Se, de um lado, a Nobiliarquia de Pedro Taques


constituiu-se num rico manancial de informações e fontes para
Taunay, de outro, as Memórias para a História da Capitania de
S. Vicente hoje chamada de São Paulo de Frei Gaspar elencou e
conjugou os temas originais da trajetória dos paulistas.

Julgamos serem temas originais exatamente porque


buscam reconstituir o processo histórico desde os primórdios até
onde for possível. Dessa forma, o primeiro item do livro de Frei
Gaspar versa sobre a capitania de São Vicente - é interessante
que o item “Descoberta do Brasil” sucede o referente à
“Expansão dos Paulistas”; na seqüência encontramos capítulos
ligados a Martim Afonso de Souza, à fundação de São Vicente, a
João Ramalho e Tibiriçá, à fundação da cidade de São Paulo e,
para não nos estendermos além do necessário, à aclamação de
Amador Bueno. Todas as menções são centrais dentro do
propósito de reconstituir o passado paulista louvando-o e
exaltando-o. Todos eles podem ser encontrados dispersos ao
longo dos títulos da Nobiliarquia de Pedro Taques. Todos foram
incorporados à obra de Taunay, às vezes com pequenos reparos
motivados pelo manuseio de novos documentos (como os
espanhóis), sem alterar-lhes o princípio de seleção. Assim,
mantém-se Taunay dentro dos quadros tradicionais propostos e

139TAUNAY, A. d'E. Biografia de Frei Gaspar..., p. 50.


78
executados no século XVIII, avançando aqui e ali ou
simplesmente atualizando-os dentro do que ele chamaria “a
moderna crítica histórica”.

3.2.3 Taques e Gaspar por Taunay

Um episódio associado à narrativa do tema da


aclamação de Amador Bueno da Ribeira pode ser utilizado como
exemplo, inclusive porque através dele são enleados Frei Gaspar
e Pedro Taques.

O contexto histórico do final da União Ibérica


(1580-1640) e da Restauração Portuguesa registra diversos
acontecimentos conexos, entre eles, a expulsão dos jesuítas de
São Paulo, a aclamação de Amador Bueno e as lutas de grupos
rivais 141 . O traço de união destes episódios é simbolizado pelo
fim da dominação espanhola na metrópole que repercutiu no
cotidiano americano meridional onde o trânsito espanhol-
português/português-espanhol era comum e intenso, embora
proibido. A província do Paraguai e as capitanias da Repartição
do Sul da América portuguesa, portanto a região da bacia do rio
da Prata, ligavam-se preferencialmente através da vila de São
Paulo. Tal intercâmbio significou, na referida vila, uma forte
presença espanhola entre os homens de posse e os políticos de
então - os camaristas.

140Ibid., p. 50.
141Ao abordarmos o tema da aclamação de Amador Bueno seguimos as considerações de Nilo Garcia.
GARCIA, N. Aclamação de Amador Bueno: a influência espanhola em São Paulo. Rio de Janeiro : Tese
de Livre-Docência em História do Brasil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1956. p. 57.
79
Quando da Restauração, os espanhóis estabelecidos
na imediações de São Paulo vislumbraram a ameaça aos seus
interesses comerciais e políticos no retorno de um monarca
português ao trono em Lisboa. Antes de proclamarem D. João IV
rei (o que só ocorreu a 3 de abril de 1641), aclamaram um
paulista descendente de espanhol, proprietário de terras,
administrador de índios e ocupante de cargos públicos: um
homem escolhido a dedo. Amador Bueno, surpreendido, recusa a
oferta e refugia-se entre os beneditinos. Tudo isso julga-se ter
irrompido no dia 1º de abril de 1641 142 .

A trama estava secundada pela ávida ação dos


jesuítas na defesa da liberdade dos índios. Os primeiros foram
expulsos de São Paulo após a vitoriosa missão dos padres
Antônio Ruiz de Montoya e Francisco Dias Tanho na Europa.
Montoya obteve de Felipe IV uma lei régia (31/3/ 1640)
determinando a restituição dos indígenas apresados pelos
bandeirantes principalmente entre 1628-1638; Tanho conseguiu
do papa Urbano VIII o Breve (22/4/1639) confirmando todas as
proibições anteriores quanto à escravização do íncola. Tão logo
publicou-se o Breve em São Paulo (maio ou junho de 1640) deu-
se o início das agitações no sentido da expulsão dos jesuítas
concretizada no dia 13 de julho de 1640 143 .

De um lado os paulistas de posses (portugueses ou


não), defendendo os seus meios de sobrevivência e de acúmulo
de relativa riqueza (visto que a região não produzia nada

142“São quase unânimes os historiadores contemporâneos em admitir que o episódio Bueno se tenha
verificado a 1º de abril de 1641, isto é, dois dias antes do ato legal.” Ibid., p. 65.
80
comparável aos lucros da lavoura canavieira) 144 , de outro os
jesuítas que disputavam o mesmo butim. No meio, o fim da
dominação filipina alterando o contexto político no qual
flexibilizavam-se as relações comerciais naquela parte da
América luso-castelhana. Por fim voltaram os jesuítas a São
Paulo como próceres da Restauração e, em seguida, foi
eliminada à força, na Câmara, a influência espanhola que havia
tentado a sublevação.

O próprio Taunay, como indicou Nilo Garcia 145 ,


chegou a admitir algo parecido com esta interpretação
abandonando-a logo depois:

E para nós, os fatos da aclamação de Amador Bueno


da Ribeira nada mais são do que a conseqüência da
politicagem paulistana, a tentativa de um dos
partidos para tomar o poder, entronizando um dos
seus mais prestigiosos membros, ensaio mal
sucedido, graças à sensatez ou à indecisão do chefe
aclamado.
E mais ainda; às duas parcialidades assistem
característicos etnográficos salientíssimos,
provocadores do acirramento do conflito. No fundo
batiam-se portugueses e espanhóis, como na
península, Buenos e Camargos representavam o
atavismo castelhano fixado em São Paulo, vultuoso
143LEITE, Serafim, S.I. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro : INL, 1945. v. 6. p.
251-257.
144Após analisar a coleção Inventários e Testamentos, como fizera José de Alcântara Machado, conclui
Zélia Cardoso de Mello: “ não caracteriza a sociedade paulista, nos dois primeiros séculos de sua
existência, a fortuna. Antes, o que se vê é o retrato da pobreza, que começa a diminuir quando se inicia a
atividade mineira. Nos primórdios da ocupação e povoamento predominam os bens para autoconsumo,
economia não monetizada, presença de escambo; maior circulação monetária se percebe a partir dos
últimos anos do século XVII. Até o meio deste século, os imóveis representavam pouco na riqueza,
situação modificada posteriormente. Os emprestadores tinham papel importante na economia e registram-
se nos inventários “negros e mulatos da terra”.” MELLO, Z. M. C. de. Metamorfoses da Riqueza: São
Paulo, 1845-1895. São Paulo : HUCITEC, 1990. p. 42.
145GARCIA, N. Op. cit. p. 59.
81
importante; Pires e Lemes o contingente trazido
pelos lusos para a formação da república paulistana.
Aí está certamente a causa primordial deste
degladiamento feroz. 146

Examinado o tema da Aclamação segundo a melhor


historiografia, resta-nos expor, à luz do que foi dito, o episódio
envolvendo Taunay, Taques e Frei Gaspar.

Versa o caso sobre a resposta de Taunay às


acusações promovidas por Cândido Mendes de Almeida e
Moreira de Azevedo de que o relato de Frei Gaspar acerca da
Aclamação baseou-se em documentos inexistentes. O último dos
“agressores”, como Taunay os chama, ampliou as críticas a
Pedro Taques intitulando o conjunto das narrativas de “Lenda de
Amador Bueno” 147 .

Terrível a inculpação... Não poderia ela ficar sem


resposta à custa do total descrédito para aqueles tão notáveis
repositórios da tradição paulista. Indignado, Taunay verbera:

De um fato tão simples, tão verossímil e possível de


se ter passado como esse da aclamação de Amador,
quis fazer monstruosa deturpação da Verdade
Histórica, com V grande e H maiúsculo, obra da
vaidade incomensurável, da descabelada
imaginativa, do bairrismo superexaltado dos dois
cronistas. 148

146TAUNAY, A. d'E. Sobre El Rei Nosso Senhor: aspectos da vida setecentista brasileira, sobretudo em
S. Paulo. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922. t. 1, primeira parte, p. 401-402.
147TAUNAY, A. d'E. Notas à biografia de Frei Gaspar da Madre de Deus: I. In: MADRE DE DEUS, Fr. G.
da. Memórias para a Historia ..., p. 76.
148Ibid., p. 77. O grifo é nosso.
82
Salvar os dois tradicionais cronistas de São Paulo
não foi difícil. Os “agressores” julgavam por inexistente uma
Patente de Arthur de Sá e Menezes em favor de Manuel Bueno
da Fonseca que traz no bojo do seu texto a referência à
Aclamação. Eles haviam procurado o texto citado por Frei
Gaspar e Pedro Taques no arquivo errado, não o encontrando
julgaram tudo uma fantasia. Quis Taunay refutar as injúrias de
forma cabal. Reproduziu, na íntegra, a Patente e ainda fez o
cotejo da passagem citada em Gaspar com o original. “Mais
favorável não pôde ser o confronto; inequivocamente demonstra
a escrupulosa fidelidade de Frei Gaspar. 149 ”

Dois aspectos depreendemos do episódio. O primeiro


prende-se à preocupação de Taunay em preservar os cronistas de
acusações quanto ao procedimento rigoroso das suas pesquisas.
Para servir-se de ambos era necessário ter absoluta segurança
nas suas informações; o próprio Taunay não toleraria desleixos,
tal o seu comprometimento com aquela História.

O segundo diz respeito ao próprio tema da


Aclamação e, nesse momento, interligamos a questão com a
mudança de juízo de Taunay sobre o tema indicada acima.
Encerrando o relato dos acontecimentos que envolveram a
aclamação, Pedro Taques arremata:
Porém Amador Bueno, sem temer o perigo nem
deixar prender-se da indiscreta lisonja, com que lhe
ofereciam o título de rei para o governo dos povos
da capitania de S. Paulo, sua pátria, soube
desprezar, e ao mesmo tempo repreender a insolente
aclamação, desembainhando a espada e gritando a
vozes: - Real, real por D. João IV, rei de Portugal. -

149Ibid., p. 82.
83
Salvou a vida do perigo em que se viu pelo corpo
desta horrorosa sedição, recolhendo-se ao sagrado
mosteiro de S. Bento, acompanhado dos leais
portugueses europeus e paulistas até ficar em
sossego o inquieto ânimo dos castelhanos que tinham
fomentado o tumulto. Nesta ação deu inteiramente
créditos de si a incontrastável lealdade deste vassalo
paulista. Não ocultou o segredo do tempo na oficina
do olvido esta briosa resolução de Amador Bueno,
porque reinando o Sr. Rei D. João V, de saudosa
memória, se dignou a sua real grandeza mandar
lançar o hábito de Cristo a Manuel Bueno da
Fonseca (...) sem preceder as provanças pela mesa
de consciência e ordens; porque logo que lhe fez esta
mercê o houve por habilitado, e na carta que lhe
mandou passar, como governador e perpétuo
administrador do mestrado da cavalaria e ordem de
Cristo, se contém esta expressão: - por ser neto do
meu mui honrado e leal vassalo Amador Bueno. 150

De forma semelhante conclui Frei Gaspar:

Pela tradição constante entre todos os antigos, e


alguns modernos desta Capitania sabem-se as mais
circunstâncias principais do mencionado sucesso; o
qual eu refiro com gosto não pela honra de contar
entre os meus terceiros avós ao dito Amador Bueno,
mas sim para propor ao mundo um exemplo da mais
heróica fidelidade; e porque os paulistas,
conservando na memória estas, e outras gloriosas
ações dos seus Maiores, continuem a mostrar em
todo o tempo aquele mesmo amor, e inalterável
fidelidade, que sempre os caracterizou para com os
seus Augustos Soberanos. A glória de ter por
progenitor a Amador Bueno de Ribeira pertence a
muitas nobres famílias existentes nas Capitanias de
S. Paulo, Goiás, Gerais, Cuiabá e Rio de Janeiro 151 .

150LEME, P. T. de A. P. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizonte : Itatiaia; São


Paulo : EDUSP, 1980. v. 1, p. 77-78.
151MADRE DE DEUS, Fr. G. da. Memórias para a Historia..., p. 245. O grifo é nosso.
84
Os dois autores expressam o cuidado em exaltar a
atitude de Amador Bueno. Taques destaca a sua lealdade ao o
rei, na condição de “vassalo paulista”, não se importando com o
desafio enfrentado. Gaspar, de pronto, clama pela tradição,
vangloria-se do sucesso do ocorrido e de tê-lo entre seus
ascendentes, reforça a lealdade agora com tonalidades heróicas
mas sempre paulistas, além de explicitamente desejar que tudo
se preserve na memória. Podemos constatar que desde o século
XVIII o tema se presta a todo tipo de louvação, por conseguinte,
nada mais natural, que Taunay brandisse fogo contra os
detratores daqueles preciosos apologistas do passado paulista.

Considera Katia Abud, que ao longo do século XVIII


os antigos senhores rurais paulistas perdem progressivamente a
importância local com o desenvolvimento da atividade
mineradora. Já na segunda metade do século eles, os antigos
organizadores de expedições ao sertão, constituem a minoria na
Câmara, nas altas patentes das companhias militares e nos
cargos da administração metropolitana 152 . Sendo assim:

Os dois autores (Taques e Gaspar) fizeram das suas


obras porta-vozes das reivindicações das famílias
antigas, no sentido de garantirem o seu lugar
naquela sociedade ainda estamental. Por esse motivo
é tão transparente neles o orgulho de casta, a
afirmação da tradição, a procura das provas de
ascendência ilustre para a classe dominante,
ameaçada pelo grupo de recém-chegados, que
assumia a sua mentalidade. 153

152ABUD, K. M. Op. cit. p. 66.


153Ibid., p. 86.
85
O esforço intelectual produzido por Taques e Gaspar,
estribado no contexto da substituição de segmentos dominantes
enfraquecidos, corresponde, paralelamente, ao esforço de
Taunay e outros historiadores paulistas no começo do século
XX. Em virtude disso se deu o abandono da referida posição de
Taunay a respeito da Aclamação, lá está dito que tudo não
passou de pura conseqüência da politicagem paulistana. Não há
como exaltar um passado com um juízo desses que muito pouco
tem do próprio Taunay e mais parece um rasgo de lucidez, bem
ao estilo de Capistrano.

Operou Taunay uma mudança no rumo da


interpretação do tema, passando a considerar a “importância
notável do episódio de Amador Bueno como primeira
demonstração da existência do espírito de independência
americana” 154 . Realmente a rota alterou-se em trezentos e
sessenta graus, nem Pedro Taques nem Frei Gaspar chegam, no
afã da apologia, a sugerir qualquer espírito nativista ao
episódio 155 . Até porque, de fato, nativismo não há e a Aclamação
“não passara de uma explosão de ressentimentos e choque de
interesses entre lusos e espanhóis” 156 .

A única justificativa para forçar a interpretação dos


fatos é, segundo o nosso ponto de vista, o empreendimento de
construção da memória bandeirante. Cônscio dos seus atos,
Taunay inaugurou no edifício sede do Instituto Histórico e

154TAUNAY, A. d'E. Amador Bueno e outros ensaios. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1943, t. 11,
primeira parte, p. 47.
155GARCIA, N. Op. cit. p. 72.
156Ibid., p. 74.
86
Geográfico de São Paulo, por ocasião dos trezentos anos da
Aclamação (1º de abril de 1941), uma placa que diz o seguinte:

Recorda este preito singelo


A oblação grata
do Instituto Histórico
E Geográfico de São Paulo
À memória de Amador Bueno
Que ao recusar
Uma coroa real
Aos paulistas assegurou
A continuidade lusitana
De sua missão histórica de
Impertérritos dilatadores
Da Pátria Brasileira
1641-1941. 157

Mais importante do que uma placa é para a memória


a imagem, e esta foi fixada através da tela a óleo de Oscar
Pereira da Silva Aclamação de Amador Bueno da Ribeira
exposta no Palácio Bandeirantes, sede do Governo do Estado de
São Paulo.

Avançando para além de qualquer interpretação


lúcida e possível e afastando-se por completo dos limites
impostos quer pela tradição quer pela documentação, Taunay,
velado por seus propósitos, asseverou:

Foi o episódio de Amador Bueno a mais antiga


demonstração do insopitável pendor americano em
prol da constituição dos estados independentes no
Novo Mundo. Impediu o filho do Sevilhano um
movimento perigoso para a conservação da unidade
brasileira, e manteve os paulistas na continuidade
lusitana da expansão bandeirante, formadora de uma

157TAUNAY, A. d'E. Amador Bueno..., p. 56.


87
pátria grandiosa. 158

3.2.4 Auguste de Saint-Hilaire

No mesmo esteio que Taques e Gaspar, sobreleva-se


a presença do viajante francês Auguste de Saint-Hilaire para a
tradição paulista. Ele juntou ao relato de uma de suas viagens
um resumo da história de São Paulo coerente e engrandecedor.
Nas palavras de Rubens Borba de Moraes:

Eu creio não exagerar muito afirmando que o resumo


da história de São Paulo, feito por Saint-Hilaire,
ainda é dos melhores que possuímos (...) O resumo
de Saint-Hilaire foi escrito há quase um século e,
hoje ainda, não podemos deixar de admirar como ele
soube salientar o essencial, explicar e comentar o
fato importante, abandonando a minúcia sem
conseqüência. 159

O texto de Saint-Hilaire é significativo porque bem


executado, ele foi o ponto de partida obrigatório em todas as
vezes que se procurou relatar algo acerca do passado paulista.
Por isso Moraes sublinha que no texto encontra-se o essencial e
não a minúcia. Ademais Saint-Hilaire leu e incorporou à
narrativa os trabalhos de Pedro Taques e Frei Gaspar,

158Ibid., p. 56.
159MORAES, R. B. de. Prefácio. In: SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à Província de São Paulo.
Tradução, prefácio e notas por Rubens Borba de Moraes. São Paulo : Martins; EDUSP, 1972. p. XXV-
XXVI. O juízo de Taunay é o seguinte: “livro de encantadora leitura como quanto em geral escreveu o
ilustre naturalista e viajante. Começa por primoroso Quadro abreviado da Província de S. Paulo que pela
primeira vez realizou um apanhado sintético, valioso, embora de pequenas dimensões e deficiente, da
história de S. Paulo. Era porém quanto no tempo se podia fazer.” TAUNAY, A. d'E. Non Ducor, Duco:
notícias da S. Paulo (1565-1820). São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924
88
reproduzindo, por conseguinte, os temas originais por eles
eleitos e estabelecidos 160 .
Não é a toa que detectamos, ao abrirmos o primeiro
volume da História Geral das Bandeiras Paulistas, uma
epígrafe onde Saint-Hilaire é invocado por Taunay. Preside o
volume e toda a obra a expressão definitiva demarcadora de uma
raça não humana. Eis, na íntegra, o parágrafo que revela alvo
para onde se dirigiu o vigor intelectual de Taunay:

Tempo houve em que no interior do Brasil não se


avistava uma única choupana, o menor vestígio de
cultura, em que as feras disputavam entre si a posse
da terra. Foi então que os paulistas o percorreram
em todos os sentidos. Várias vezes penetraram no
Paraguai, descobriram o Piauí, as minas de Sabará e
Paracatú, internaram-se nas vastas solidões de
Cuiabá e de Goiás, percorreram o Rio Grande do
Sul; no norte do Brasil, chegaram ao Maranhão e ao
Amazonas, e tendo galgado a cordilheira peruana,
atacaram os espanhóis no âmago de seus domínios.
Quando, por experiência própria, se sabe quanta
fadiga e privações e perigos, ainda hoje, esperam o
viajor que se aventura nestas regiões longínquas e
depois se conhecem os pormenores das jornadas
intermináveis de antigos paulistas, fica-se como
estupefato e levado a crer que estes homens
pertenciam a uma RAÇA DE GIGANTES. 161

Numa única expressão, Saint-Hilaire materializou os


diversos tipos de sentimentos manifestados por Pedro Taques e

160De acordo com katia Abud: “Nem as narrações dos ataques às reduções jesuíticas, quando lembrou
que aos paulistas era indiferente o uso da força ou da perfídia; que tinham “devastado e depredado”,
conseguiram dar imparcialidade às narrativas de Saint-Hilaire - há nelas, sempre, um tom de admiração e
respeito aos habitantes de São Paulo, que lhe passaram provavelmente os escritos de Frei Gaspar e
Pedro Taques.” ABUD, K. M. Op. cit., p. 104.
161Apud. TAUNAY, A. d'E. Historia Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton,
1924. t. 1, p. 3. O grifo é nosso. Na edição de Saint-Hilaire acima citada podemos encontrar a referida
passagem nas páginas 14 e 15.
89
Frei Gaspar em favor da glória dos paulistas. Taunay ampliou o
alcance da expressão equiparando o orgulho bandeirante à
essência do patriotismo brasileiro: a história do Brasil passava
necessariamente por São Paulo, no passado e no presente. Se
Varnhagen publicara uma História Geral do Brasil, em cinco
volumes, Taunay também faria uma História Geral, em onze, só
que das Bandeiras Paulistas: “lia-se” o Brasil por São Paulo.

Os temas originais estabelecidos por Taques e


Gaspar, revalorizados por Saint-Hilaire e refundidos pelo
Taunay formado por Capistrano e W. Luís, coincidiam com os
temas significativos para a história do Brasil. Todos eram
verdadeiros, mas, na narrativa dos apologistas de São Paulo,
passaram a ser portadores de uma segunda “verdade” que
idealizava os primeiros tempos da “civilização paulista”, cujos
personagens eram nobres e suas ações modelares portavam a
consciência do desdobramento futuro. A produção
historiográfica de Taunay sobre o tema das Bandeiras carrega
consigo este sentido, por isso é uma produção de memória, da
memória bandeirante.
4 - A HISTÓRIA DAS BANDEIRAS
COMO VEÍCULO DE MEMÓRIA

Mitos à frente; santos atrás, e lá se vai a bandeira.

Cassiano Ricardo. Pequeno Ensaio de Bandeirologia.


91
O conjunto da obra historiográfica de Taunay acerca
da expansão vicentina constitui um veículo de memória. A
expressão foi cunhada pelo historiador Yosef Hayim Yerushalmi
e é correlata à lugar de memória. Ao decidirmos utilizá-la
tivemos em mente priorizar o lado condutor, veiculador da
memória transmitida pela historiografia 162 . Ao longo da sua
História Geral Taunay narra pormenorizadamente os “fastos” 163
bandeirantes. Mas não só nesta alentada seqüência de volumes
podemos encontrar o cortejo da memória bandeirante através da
sua pena. Tão ou mais importante são os livros e artigos
conexos por nós citados e relacionados entre as fontes deste
trabalho, neles identificamos o sentido mais amplo e o objetivo
da empresa. Na História Geral emerge uma exposição que se
pretende sistemática, mas é, na verdade, segundo alguns autores,
repetitiva e difusa, de leitura exaustiva, de restrito acesso e uma
única edição absolutamente esgotada 164 . No conjunto dos seus
textos e das suas ações públicas, deparamo-nos com o sentido de

162YERUSHALMI, Y. H. Zakhor: História Judaica e Memória Judaica. Rio de Janeiro : Imago, 1992. p. 11.
163A palavra tem por significado anais, registros públicos de fatos ou obras memoráveis. FERREIRA, A.
B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 19--. p. 614.
Apresentamos um pequeno exemplo do uso que Taunay faz da palavra: “No mesmo dia (14/11/1925) se
inaugurou no recinto das sessões da Câmara uma placa de bronze aludindo igualmente aos feitos
gloriosos dos filhos de Parnaíba (“cidade bandeirante”) no conjunto das ações do bandeirantismo nos
séculos XVII e XVIII em que tanto sobressaem nos nossos fastos nacionais os nomes desses sertanistas
extraordinários que foram os dois Domingos Jorge Velho, tio e sobrinho, os dois Anhangueras, pai e filho;
Fernando Dias Falcão e tantos mais.” TAUNAY, A. d'E. O Tricentenário de Parnaíba (1625-1925). Anais
do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, 1927. p. 321-430. p. 370.
164Este é o comentário de Boxer sobre a História Geral: “Difuso e divagante, mas trabalho básico no
assunto, devido às copiosas citações retiradas de documentos originais.” BOXER, C. R. A Idade de Ouro
do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo : Companhia Editora Nacional,
1963. p. 373. Já Pedro Calmon afirma: “Deve-se-lhe a minuciosa restauração dos movimentos sertanistas
(11 volumes da História das Bandeiras Paulistas), mal conhecidos, ou nublados na indecisão das
tradições recolhidas por Pedro Taques e Frei Gaspar” CALMON, P. História do Brasil. Rio de Janeiro : J.
Olympio, 1981. v. 7. p. 2401. Na sua tese de doutorado, recentemente publicada no Brasil, John Monteiro
qualifica a História Geral das Bandeiras Paulistas de “caótica” - apesar de considerá-la “útil”. MONTEIRO,
J. M. Negros da Terra. São Paulo : Companhia das Letras, 1994. p. 235.
92
glorificação dos ancestrais e com o objetivo de dar estatuto
científico a uma tradição inventada: noutras palavras, com a
edificação da memória bandeirante.

Neste capítulo final temos como objetivo explicitar


os recursos e os mecanismos utilizados por Taunay para
construir essa memória na sua produção historiográfica. Em
conseqüência, discorreremos acerca do significado e do uso das
palavras bandeira, bandeirante, paulista, bandeirismo e
bandeirantismo. Faremos uma análise dos títulos bastantes
sugestivos das suas obras, da luta historiográfica que empreende
contra os detratores dos bandeirantes e da função dos três temas
essenciais no seu texto.

4.1 A memória nas palavras e nos títulos

É fato sabido que as palavras bandeira, bandeirante e


paulista não foram contemporâneas do chamado ciclo de
apresamento que se estendeu do final do século XVI ao final do
XVII. O próprio Taunay, intrigado, afirma:

Curioso é que as palavras paulista, bandeirante e


bandeira sejam relativamente recentes em nossa
documentação nacional.
Para os hispano-americanos e os espanhóis, a
designação dos paulistas sempre foi portugueses de
San Pablo. O mais antigo emprego do gentílico de
que temos notícia ocorre numa ordem do visconde de
Barbacena a 27 de julho de 1671. Daí em diante
generalizou-se rapidamente.
A palavra bandeira vemô-la empregada pela
primeira vez num documento do Conselho
Ultramarino, datado de 1676 e pelo padre
93
Altamirano em 1679 a falar em “banderas de
certonistas”, meio século antes do que pensa
Alcântara Machado.
Mas bandeirante parece ter-se tornado corrente
mais tarde. Os espanhóis diziam “certones” como
em 1682 Juan Ortiz de Zárate.
O mais antigo emprego do substantivo que se nos
deparou, data de 1740, quando D. Luís de
Mascarenhas, Conde d'Alva, se referiu aos
“bandeirantes” de uma “bandeyra” despachada
contra os índios Pinarés. 165

Simultaneamente à constatação da inexistência de


tão expressivos termos à época de Antônio Raposo Tavares,
Taunay revela-se decepcionado. Por quê? Porque não acha
registro no tempo de quem sempre louvara: o bandeirante
paulista por excelência e membro de um organismo homogêneo
e consciente da sua responsabilidade perante a nação. A nação
não existia, os paulistas eram portugueses ou mamalucos 166 e a
bandeira não possuía qualquer intenção diferente de apresar
índios e encontrar o eldorado. Em suma, alargar o território para
um futuro Brasil independente estava fora de cogitação.

Ao demonstrar, em recente artigo, a evolução das


referidas palavras de substantivo (designa algo que existe

165TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos, 1961. t. 2, p. 310.
166Sobre a origem e a duplicidade da grafia de mamaluco/mameluco, esclarece Taunay: “Vicentistas
foram chamados, por vezes, mas esta denominação se aplicou sobretudo aos habitantes da costa.
Quanto ao gentílico paulista embora não possamos afirmar quando surgiu pela primeira vez, cremos que
antes do último quartel do século XVII não foi empregado nem era corrente, mesmo entre os lusos-
brasileiros. Mamaluco cuja corruptela é mameluco, significa em tupi o mestiço, di-lo Theodoro Sampaio. O
vocábulo mamã-ruca decompõe-se, no dizer do erudito glotólogo brasileiro, em “mamã”, misturar, dobrar,
abraçar e “ruca” ou “yruuca” que quer dizer tirar. O apelido histórico se traduz, pois: o tirado da mistura ou
da procedência mista. Não é mister grande esforço para se explicar como de “mama ruca” se fez
“mamaluco” segundo o escreveram os primeiros historiadores e, depois, mameluco como em geral se
adotou.” TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton,
1924. t. 1, p. 128-129.
94
materialmente e nessa constatação esgota o seu sentido) a
adjetivo (identifica alguém ou alguma coisa por meio de
características que lhe são peculiares), conclui Maria Isaura
Pereira de Queiroz:

O adjetivo “bandeirante” se originou do


substantivo, que lhe foi anterior. Sinônimo de
paulista, liga esta designação ao substantivo, isto é,
ao fato histórico das bandeiras. Nesta ligação se
vislumbra toda uma evocação de um passado que se
associa a determinados indivíduos, um significado
histórico; se paulista tem uma base geográfica,
bandeirante tem como base uma tradição; e quem
diz tradição não diz somente outros tempos, mas
também crenças, pensamentos, sentimentos,
aspirações que perpassam as gerações como legados
permanentes, estabelecendo entre elas como que uma
comunhão espiritual. O adjetivo “bandeirante” se
encontra, pois, pleno de um sentido simbólico. 167

Embora a autora afirme que o termo bandeirante não


aparece como substantivo ou como adjetivo antes do final do
século XIX - o que entra em franca contradição com Taunay e
nesse aspecto não temos porque dele duvidar - corroboramos a
associação entre os adjetivos paulista e bandeirante, unidos por
uma simbólica poderosa e “veiculando uma mensagem
específica” 168 , essa mensagem veiculada é a memória
bandeirante. É por isso que se diz “curioso”, ele procurou no

167QUEIROZ, M. I. P. de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n.
13, 1992. p. 80.
168Ibid., p. 80. Uma repercussão ampliada dessa mensagem encontra-se em Euclides da Cunha: “Da
absorção das primeiras tribos surgiram os cruzados das conquistas sertanejas, os mamalucos audazes. O
paulista - e a significação histórica deste nome abrange os filhos do Rio de Janeiro, Minas, S. Paulo e
regiões do sul - erigiu-se como um tipo autônomo, aventuroso, rebelde, libérrimo, com a feição perfeita de
um dominador da terra, emancipando-se, insurreto, da tutela longínqua, e afastando-se do mar e dos
galeões da metrópole, investindo com os sertões desconhecidos, delineando a epopéia inédita das
95
tempo o substantivo carregado do significado do adjetivo e não
se conforma com o fracasso da busca 169 .

Se para paulista e bandeirante damos por definida a


questão, resta apreciar a conhecida expressão “entradas e
bandeiras”. Bandeira, com já foi dito, só aparece bem no final
do século XVII como sinônimo de expedição, tropa em entrada
pelo sertão. Da mesma forma que os espanhóis tinham um nome
específico para o bandeirante - maloquero - possuíam um para a
bandeira - maloca 170 . A partir do século XVIII, segundo
Alcântara Machado, a palavra bandeira vai adquirindo
significados adicionais atribuídos por eruditos e historiadores.

Quase todos chegaram até nós e uma breve relação se


impõe. O termo derivaria do fato de algumas expedições
desfraldarem estandartes; dos sertanistas estarem reunidos em
bandos; do costume tupiniquim de levantar uma bandeira em
sinal de guerra; do fato de levantar “bandera” o promotor da
expedição para o engajamento dos membros; do julgamento de
Martius que afirma ser o sistema de milícias ou “bandera” uma
instituição singular de defesa criada pelos portugueses no
Brasil 171 ; da designação de um veículo de devastação, de um

“Bandeiras”.” CUNHA, E. da. Os Sertões. Rio de Janeiro : Edições de Ouro, 19--. p. 74. O livro veio a lume
pela primeira vez em 1902.
169Num Léxico que publicou em 1914 Taunay faz referência a um verbo “curioso”: “BANDEIRIAR. v. i.
Organizar bandeiras, tomar parte em bandeiras. (Ap. Cunha Mattos, Chorogr. de Goyaz)”. TAUNAY, A.
d'E. Léxico de Lacunas: subsídios para os dicionários da língua portugueza. Tours : E. Arrault, 1914. p.
36.
170TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 132.
171O argumento do historiador é o seguinte: “Quando os portugueses descobriram o Brasil, e nele se
estabeleceram, acharam os indígenas, proporcionalmente, em tão diminuto número e profundo
aviltamento, que nas suas recém-fundadas colônias podiam desenvolver e estender-se quase sem
importar-se dos autóctones. Estes exerceram sobre os colonos uma influência negativa tão-somente
96
grande corpo militar, de grupos prospectores de minas, de
grupos escravizadores de índios ou de fatos de grande
prestígio 172 . Toda essa dispersão serviu mais para difundir e
confundir do que esclarecer. Outra duplicidade surgiria:
bandeirismo / bandeirantismo. Em Varnhagen, a palavra
bandeira toma lugar no capítulo destinado ao conjunto das
relações dos colonos com os índios:
Além das relações com os índios do distrito em que
se fixavam, empreendiam os colonos, tanto por mar
como terra dentro, algumas de tráfico e resgate com
outros índios mais distantes. A essas relações
deveram os mesmos colonos o conhecimento, que
pronto adquiriram, não só de toda a costa que
percorriam em caravelões, em barcaças e até em
jangadas, como dos próprios sertões, que
devassavam em pequenas troças, chamadas
bandeiras; pois não havia cabilda, assaz numerosa,
que se atrevesse a atacar quarenta homens juntos,
bem armados e de sobreaviso. 173

A apreciação deste tópico complexo, fruto, em


grande parte, da pesquisa anacrônica e da explicação
esquemática 174 irritou Taunay:
Muito papel já se tem gasto e muita sutileza
empregado para estabelecer distinção entre entrada
e bandeira. Visa semelhante nuga determinar o que

porquanto só os forçaram a acautelar-se contra as suas invasões hostis, e por isso criaram uma
instituição singular de defesa, o Sistema das milícias.” MARTIUS, K. F. P. von. Como se deve escrever a
história do Brasil. In: O estado de direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte : Itatiaia; São
Paulo : EDUSP, 1982. p. 95. O grifo é nosso.
172Um exame profundo e extenso pode ser encontrado em: ROMÁN BLANCO, R. Las “Bandeiras”:
instituciones bélicas americanas. Brasília : UnB, 1966. p. 428. Em função do estilo escolhido pelo autor
para expor o tema, aquiescemos unicamente com as conclusões emitidas quanto às origens, significados
e definições da palavra bandeira.
173VARNHAGEN, F. A. de. História Geral do Brasil. São Paulo : Melhoramentos, 1948. t. 1, p. 260.
174O livro O Ouro e a Paulistânia de Alfredo Ellis Júnior é exemplo, apesar do descontentamento de
Taunay não se referir ao seu dileto colega.
97
se nos assemelha indeterminável à luz do critério
reinante na era das bandeiras. 175

Ele se insurge contra uma discriminação impossível


para a época: quando a entrada passa a bandeira ou vice-versa?
Com entrada se deseja considerar o grupamento de sertanistas
organizado por autoridades metropolitanas na colônia, ao passo
que com bandeira a penetração unicamente financiada e
comandada por particulares. Embora não refute totalmente a
distinção, mesmo revelando desconforto com ela, o autor
lucidamente expende:
Mas a fronteira entre um e outro tipo freqüentemente
se nos afigura tudo quanto há de mais indefinido. 176

Divergindo de Jaime Cortesão 177 e Raimundo


Faoro 178 , para citar dois renomados pesquisadores que
consideram a dita distinção, filiamo-nos àqueles como Taunay 179

175TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras..., t. 2, p. 310.


176Ibid., p. 310.
177Mesmo ressaltando o seu caráter maleável e adaptável às circunstâncias do novo continente e
mesmo admitindo a origem militar e européia das companhias chamadas bandeiras, no que concordamos
inteiramente, o autor não deixa de sobrevalorizar a influência oficial portuguesa: “A companhia, como
acaba de ver-se, com os seus mesmos capitães e estrutura oficial, torna-se de mero organismo de defesa
do território, bandeira livre de assalto e exploração do sertão.” CORTESÃO, J. Raposo Tavares e a
Formação Territorial do Brasil. Rio de Janeiro : MEC, 1958. Muitos anos antes o autor distinguia bandeira
de jornada: “E assim como no sul do Brasil as bandeiras devassavam os mistérios do sertão e reduziram
pouco a pouco a hostilidade das tribos sertanejas, assim no Norte e na capitania de Pernambuco se
organizaram espontaneamente as jornadas, bandeiras do norte, cujo objetivo, visava mais especialmente
a expulsão dos franceses, a redução dos potiguares, seus aliados, e o povoamento do litoral depois de
conquistado.” CORTESÃO, J. Domínio Ultramarino. In: PERES, Damião, CERDEIRA, Eleutério (Dir.).
História de Portugal. Barcelos : Portucalense Editora, 1933. v. V, p. 315-462, p. 412.
178“As bandeiras, salvo as raras empresas não autorizadas de aventureiros, eram recrutadas e
organizadas pelo governo, sobretudo nos cinqüenta anos que precederam à descoberta das minas.”
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. Porto Alegre : Globo,
1984. v. 1. p. 161.
179É recorrente, no texto de Taunay, afirmações reforçadoras da autonomia dos bandeirantes frente aos
governos da metrópole e da colônia do tipo: “Continuavam as operações terminais da guerra dos
Palmares. Domingos Jorge Velho reclamava socorros bélicos e D. João de Lencastro lhe respondia,
98
, Alice Piffer Canabrava 180 e Sérgio Buarque de Holanda 181 ,
entre outros, que vêem a expansão vicentina acionada pela
própria dinâmica colonial: tanto o caráter como o fomento das
bandeiras foi particular. Segundo o último dos citados:

A expansão dos pioneers paulistas não tinha suas


raízes do outro lado do oceano, podia dispensar o
estímulo da metrópole e fazia-se freqüentemente
contra a vontade e os interesses imediatos desta. 182

Aqui já se trata da ampliação do termo bandeira para


bandeirismo: o movimento, a ação coletiva de uma região, com
fins e métodos próprios, partido preferencialmente do planalto
de Piratininga, com a organização de bandeira. O trânsito de
bandeira a bandeirismo - movimento expansionista sistemático
de uma coletividade na forma de bandeiras - implicou a
elaboração do termo bandeirantismo. Este último sintetiza no
bandeirante a essência virtuosa da sua comunidade, o
movimento social centra-se agora na pessoa do sertanista, por
isso tornado herói e mitificado. Nem Holanda nem Canabrava
contribuem para esse desdobramento, pensamos, por exemplo,

ríspido, a 13 de dezembro de 1696, que a fazenda real nada lhe devia fornecer. Empreitara ele,
exclusivamente, à sua custa, a terminação da campanha palmarense.” TAUNAY, A. d'E. História Geral...,
t. 7, p. 140.
180“Ao contrário do que se deu na América Espanhola, cujos conquistadores foram patrocinados
diretamente pelos monarcas, senão financeiramente, ao menos pela concessão de direitos legais, no
Brasil, grande parte do movimento expansionista do século XVII se fez à revelia das ordens da metrópole
ou quando muito, apenas com o seu consentimento tácito.” CANABRAVA, A. P. Bandeiras. In: MORAES,
R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica
Editora Souza, 1949. p. 493.
181HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1988.
182Ibid., p. 68.
99
no próprio Taunay, em Ellis Júnior e Cassiano Ricardo 183 , que
abusam do emprego dos termos.

A palavra bandeira, submetida que foi ao seu


integrante singular, o bandeirante, teve o seu significado preciso
estabelecido por Román Blanco, solucionando assim a longa
disputa com a “entrada”:
la “bandeira” tal y como es enseñada, en el Brasil,
tal y como los historiadores modernos nos la pintan,
no existió nunca. Ni ella buscó minas, ni tampoco
cazó indios, por la simple razón de que ella nada de
eso podía hacer. Ella es, tan solo y exclusivamente,
la organización táctico-militar, que las “entradas”,
(éstas si cautivaban indios), llevaban y que había
sido introducida en los Ejércitos regulares
españoles, en 1507 y en los portugueses, en 1508. De
ellos, y en fechas diferentes, pasó a las respectivas
colonias. El “Regimento dos Capitães Mores” fue el
cuerpo legal encargado de introducirla, primero en
Portugal y después, en África, en la India e por fin
en el Brasil. Destinado dicho Regimiento a
militarizar y organizar obligatoriamente a todos los
particulares, en “bandeiras” o compañías y en
escuadras, nada pudo impedir, que ellos emplearan
esta misma organización táctica para realizar sus
“entradas”. 184

A precisão cortante do autor supracitado nos restitui


o sentido específico da bandeira, mas também exclui o sentido
imaginoso que impregnou a palavra bandeirante dela derivada.

183A idealização da bandeira em Cassiano Ricardo deve ser vista à luz do Estado Novo: “As
considerações sobre a obra de Cassiano Ricardo (Pequeno Ensaio de Bandeirologia e Marcha para
Oeste) se alongam justamente para que fique clara a construção harmoniosa da bandeira como prenúncio
do que o Estado Novo consagra naquele instante. Ricardo mitifica no passado o que lhe tornaria
dificultoso acentuar no presente. A solidariedade social, o espírito cooperativo, dinamismo da ação
individual direcionada socialmente, a mestiçagem intensa e a não existência de preconceitos (...) A
sociedade bandeirante do planalto é projetada acima dos conflitos de classe e pensada como modelo
para o presente.” LENHARO, A. Sacralização da Política. Campinas : Papirus; UNICAMP, 1986. p. 63.
184ROMÁN BLANCO, R. Op. cit. p. 434-435.
100
A sensibilidade de um literato permitiu que se alcançasse a
diversidade dos móveis da bandeira sem o risco do esquema.
Numa feliz passagem, Cassiano Ricardo consegue mostrar que
são os próprios mitos, de origem econômica, os responsáveis
primordiais pelo arroubo daqueles homens de então. Vida
material e ideal de vida juntos na expansão:

A força motriz, e mágica, porém, que arrasta os


homens sertão a dentro, é a dos mitos de origem
econômica: a itaberaboçu resplandescente, o sol da
terra, a montanha dourada, a serra das pedras
verdes...
Os mitos conduzem, instigam a marcha; os santos a
acompanham. 'Peço ao anjo São Gabriel e ao santo
do meu nome e ao anjo de minha guarda me queiram
acompanhar'.
Mitos à frente; santos atrás, e lá se vai a bandeira.
Não é só a pobreza que faz o homem do planalto
emigrar; é o mito do ouro.
É também o fascínio do desconhecido. 185

De fato, cremos ser mais adequado e menos


comprometedor do ponto de vista simbólico, nomear a ação
desbravadora (para muitos também civilizadora), apresadora e
prospectora de metais, partida do planalto piratiningano ao
longo do período colonial até o final do século XVIII como
expansão vicentina. A expressão tem o mérito de manter-se
equidistante de todos os inconvenientes observados,
principalmente porque refere-se ao acontecimento histórico
despida do seu invólucro simbólico. Se, do contrário,
decidirmos preservar a mística do movimento num nome que o

185RICARDO, C. Pequeno Ensaio de Bandeirologia. Rio de Janeiro : Ministério da Educação e Cultura,


1956. p. 16-17. O grifo é nosso. Há de se lamentar que essa passagem esteja situada num elenco de
“causas” do bandeirismo elaborado pelo autor.
101
defina, apelidá-lo apenas por tema das Bandeiras é preferível a
bandeirismo ou bandeirantismo.

Além das palavras escolhidas para denominar a ação


dos bandeirantes, os títulos dos livros e artigos escritos por
Taunay denotam o esforço por uma memória.

O local que gerou os personagens principais do


movimento mereceu ser estudado a fundo, ao longo das suas
eras. O século XVI fora o dos “anos primevos” onde aquela
sociedade expansionista gestava os seus próceres. Nesse sentido
aparecem S. Paulo nos Primeiros Anos (1554- 1601): Ensaio de
Reconstituição Social e S. Paulo no Século XVI: História da
Vila Piratiningana. O primeiro revela também a já observada
preocupação em reconstituir a trajetória de tão importantes
cidadãos 186 .Tanto os habitantes como a própria vila eram
especiais, não fosse assim para que uma história da vila? Mas
não se tratava de um lugar qualquer, tratava-se da “acrópole
piratiningana” 187 .

Para o século de maior atuação dos bandeirantes uma


História Seiscentista da Vila de S. Paulo foi escrita, assim como
para o século do ouro uma História da Vila de São Paulo no
Século XVIII e uma História da Cidade de São Paulo no Século
XVIII. A síntese desses trabalhos é a História da Cidade de São
Paulo, publicada para as comemorações do IV Centenário da
cidade. Se a era do quinhentos foi de desbravamento, instalação

186TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos (1554-1601): Ensaio de Reconstituição Social. Tours :
E. Arrault & Cia., 1920. p. 13.
187Ibid., p. 8.
102
da vila, combate aos índios mais próximos e gênese de uma
estirpe, a era do seiscentos foi a da grande conquista territorial
ao passo que a do setecentos representou a descoberta e desfrute
do ouro e das pedras. Periodizando em eras Taunay produz no
leitor a sensação de estar assistindo o desenrolar natural e
vitorioso de uma civilização ao longo das suas mais variadas
fases. Produz, ainda, uma correlação com os períodos do
Renascimento italiano: trecento, quattrocento e cinquecento.
Taunay inscrevia a coletividade paulista-bandeirante no quadro
das civilizações de grande relevância universal. O primeiro
capítulo da História das Bandeiras, a resumida, traz dois itens
em destaque:

A expansão bandeirante, capítulo original dos fastos


brasileiros / Singularidade deste movimento no
conjunto da História Universal. 188

De maneira a corroborar nosso argumento o título


que segue não poderia ser mais claro: Na Era das Bandeiras. Ao
equiparar os feitos bandeirantes com as maiores realizações da
humanidade e singularizá-los chegando a afirmar que a “última
fase do bandeirantismo (as Monções), esta sim, não encontra
similar em qualquer outro episódio de tal natureza, nos fastos de
qualquer nação do Globo”; ao julgar São Paulo semelhante à
acrópole ateniense, por essas associações Taunay provoca na
consciência dos seus leitores uma imagem amplificada daquela
história. Numa palavra, constrói memória.

A memória bandeirante é construída para uma


sociedade que espelha no presente o vigor testado com sucesso
103
no passado. Os escritos A Grande Vida de Fernão Dias Pais e
Um Grande Bandeirante: Bartolomeu Pais de Abreu procuram,
através da biografia contextualizada, identificar esse vigor
passado/presente. Grandes homens também foram os que
pesquisaram e revelaram os primeiros dados de outrora, por isso
escreveu Pedro Taques e seu Tempo: Estudo de uma
Personalidade e de uma Época. Nem mesmo quando tentou o
gênero do romance abandonou a preocupação com o contexto, o
livro Leonor de Ávila teve, na primeira edição, o título Crônica
do Tempo dos Felipes.

Buscas às tradições não faltaram. Em Heráldica


Municipal Paulista e Heurística Paulista Brasileira de novo os
títulos são emblemáticos. No segundo, há uma clara indignação
com aqueles que dispensam o cotejo dos documentos, com o
estado dos arquivos e dos “papéis nacionais” e com aquela
“legião de repetidores de coisas já impressas”. O historiador,
para Taunay, deveria cumprir um roteiro bem definido:
pesquisar documentos originais e/ou inéditos com o objetivo de
valorizar 189 as tradições já conhecidas ou resgatar as perdidas no
tempo.

Buscas às imagens também foram intensas, já o


dissemos no primeiro capítulo. Com o título Iconografia
Paulista Vetustíssima percebemos a importância que tinha para
Taunay as imagens. Infrutífera demanda! “É, aliás, a nossa

188TAUNAY, A. d' E. História das Bandeiras..., t. 1. p. 13.


189É muito expressivo que o primeiro significado do verbete valor do Aurélio faça menção aos
bandeirantes. “VALOR (...) 1. Qualidade de quem tem força; audácia, coragem, valentia, vigor: Grande o
valor dos bandeirantes que desbravaram nossas terras.” FERREIRA, A. B. de H. Op. cit. p. 1439. Temos
aqui, com certeza, a repercussão da memória construída.
104
iconografia brasileira pobríssima até a Independência, ou antes
até a invenção da fotografia” 190 . Como não achasse o que
procurava, como imprescindível se afirmasse a presença de
imagens, eis a solução por ele dada:

Assim, quando pedi a Brizzolara que para o Museu


Paulista fizesse as duas estátuas dos grandes
bandeirantes (Antônio Raposo Tavares e Fernão
Dias Pais) e ele solicitou os seus retratos, tratei,
para Antônio Raposo Tavares, de arranjar
fotografias de indivíduos tipicamente brasileiros, e
dentra eles escolhi, com o artista, duas ou três que
foram as utilizadas. 191

Mais direto impossível. Se imagens não encontra...


Imagens manda elaborar... Memória termina por construir...

Os últimos títulos escolhidos nos dão caracteres


complementares dos intentos de Taunay. Na História Antiga da
Abadia de S. Paulo (1598-1772) o autor extravasa o carinho
destinado aos beneditinos, a importância deles na nobre
trajetória dos paulistas e a sua intensa devoção pelo credo
católico. Na Zoologia Fantástica do Brasil, cuja capa estampa
um homem ferindo de morte uma sereia monstruosa, assistimos à
sua incontrolável erudição agora em outro campo da ciência.
Mas sobretudo, o impacto descomunal que a natureza dos
trópicos causara primeiro em seu pai, o Visconde, e depois nele
mesmo. Essa natureza indomável é determinante, como
mostraremos adiante, para a louvação dos bandeirantes.

190Esta citação vem de outro trabalho, cujo título também é sugestivo, onde informa como mandou
esculpir o rosto de Fernão Dias Pais. TAUNAY, A. d'E. Os Despojos de Fernão Dias Pais: A Efígie do
Governador das Esmeraldas. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, 1927. p. 271-282. p. 281.
105
Finalizando, há um título muito especial,
denunciador das suas mais profundas motivações e que ao
mesmo tempo estabelece uma densa ligação com o público
paulista. O título? Nas palavras de Taunay, “a magnífica divisa
da cidade de S. Paulo”, Non Ducor, Duco (Não sou conduzido,
conduzo). A origem da legenda do brasão da capital paulista?
Deixemo-lo responder:

Inspiradamente adotada por Washington Luís, para


a grande capital que então governava, sintetiza, na
verdade do seu laconismo lapidar, a exatidão de
vários séculos de ação histórica, no conjunto da
formação nacional brasileira. 192

4.2 A luta pela memória

Os “vários séculos de ação histórica” dos paulistas


na “formação nacional brasileira foram contemplados na obra
historiográfica de Taunay. Do seu conjunto podemos inferir
certo plano, certa orientação geral. No primeiro momento
Taunay se insere entre os estudiosos e eruditos de São Paulo que
buscam a origem invulgar da população do planalto, objetivam
definir o caráter do paulista. Nesse sentido, depara-se com o
bandeirante e ato contínuo envolve-se no estudo das Bandeiras,
tanto mais porque fora sugerido por Capistrano. Os séculos XVI
e XVII já estão assim apreciados: anos primevos e ciclo de
“apresamento”. Mas a pesquisa continua, novos documentos são

191Ibid., p. 281.
192TAUNAY, A. d'E. Non Ducor, Duco: notícias da S. Paulo (1565-1820). São Paulo : Typ. Ideal; H. L.
Canton, 1924.
106
descobertos e o século das Monções emerge. A trajetória
paulistana se desdobra e, conseqüentemente, interpreta-se as
expedições fluviais como integrante do mesmo impulso
incontrolável. O século XVIII é o das Monções mas também é
aquele correspondente ao “ciclo do ouro”. Entretanto, se aqui
(final do século XVIII) termina a expansão vicentina, o destino
dos paulistas permanecerá conhecendo glórias para além destes
três séculos iniciais. O século XIX é para Taunay o século do
café e para ele escreveu quinze volumes. E o século XX? É o
século dos seus leitores, é o século de um São Paulo (cidade e
Estado) que não cessa de expandir-se sob os auspícios da
industrialização. Sobre este último Taunay não escreveu, na
verdade, para ele escreveu. Respondeu com tradição e memória
aos que pediam uma explicação para tão retumbante sucesso,
expresso na posição que São Paulo ocupava na federação.

Esta impulsão coletiva (o bandeirantismo)


perduraria quadri-secularmente impelindo os
paulistas à perquisição do ouro e ao grande rush da
plantação do café que prossegue intenso. 193

Esta continuidade idealizada (XVI, conquista do


solo; XVII, bandeiras e alargamento territorial; XVIII, monções,
ouro e povoamento; XIX, café; XX, indústria) revela, na sua
obra historiográfica referente à expansão vicentina, um projeto e
uma construção de memória e não de história.

Já mencionamos, através de uma citação, como era


invulgar e universal o tema das Bandeiras para Taunay. De tal
forma esta afirmação é verdadeira que o autor sente-se a vontade

193TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 90.


107
para equiparar o movimento expansionista por terra “americano”
à expansão ultramarina portuguesa. Um problema fulcral se
apresenta: se o obstáculo maior às navegações era o oceano, o
mar ignoto, qual seria o obstáculo das bandeiras? Resposta: o
sertão.

O sertão é a máxima que representa a natureza bruta


(o índio incluído), o grande desafio da bandeira e do
bandeirante, o alvo a vencer e superar, atingindo assim a glória
imorredoura das grandes civilizações e dos grandes heróis. A
jornada na América é a continuação da jornada marítima
portuguesa no Oriente, por isso universal como esta, por isso
merece ser preservada para a posteridade.

Encontramos uma descrição modelar do sertão, que é


a síntese da rude relação do homem com a natureza, que é
também um ente vivificado porque é “forte e virgem” e porque
se recusa a desvendar seus segredos repelindo os sertanistas, a
partir dos comentários feitos por Taunay sobre os apontamentos
de um bandeirante que cumpria a função de escrivão no curso de
uma jornada. Eis a narrativa:

E aquela demonstração civilizada (os apontamentos)


no meio de tão bruta natureza, insensivelmente, lhe
evocou talvez os duros transes que eles e os seus iam
vencendo, através da floresta americana, à busca
dos encontros com o gentio cativável e descível; das
refregas com topiães, temiminós, gualachos, pés
largos e abiucus; a cata das pintas ricas de ouro e
das pedras; dos súbitos e possíveis assaltos dos
monstros e abantesmas do sertão, homens e animais.
Matuiús de pés para trás e corredores agílimos;
coruqueans antropófagos, de quinze pés de altura;
guaiasis, anões minúsculos, formigantes,
108
inumeráveis, feroscíssimos; giboiussús, serpentes,
imensas e terríveis, cujas carnes putrefatas, fétidas,
durante as intérminas e penosíssimas digestões, se
refaziam constantemente; hahis colossais,
empoleirados nas árvores, vivendo do ar mas
matando, por simples ferocidade, os homens que lhes
passavam ao alcance dos infindáveis braços.
E em tropel lhe deviam ter acudido à mente os
sacrifícios indizíveis daqueles longos meses de
privações, desde a partida de S. Paulo; os víveres,
maus, péssimos, escassos, freqüentemente faltando,
por completo; os dias de fome em que nem sequer
havia meio de obter os guaribás, os “paus de
digestão”; a perda dos rumos, os alarmes noturnos,
o extravio nos pantanais, o assalto de milhões de
insetos sanguidentos, as refregas com o gentio, as
chuvas diluviais e intérminas, o ataque das
moléstias misteriosas e dizimadoras, a luta contra
todos estes recursos de morte com que a terra, forte
e virgem, obstinadamente recusava desvendar os
seus segredos e repelia os devassadores.
Quanta miséria e quanta coragem! E quanto não se
lhe inflaria o peito num sentimento de orgulho
imenso ao refletir que ele e os companheiros serviam
o nome luso com a constância do espírito dos
capitães das jornadas de África e das jornadas da
Índia! Dos vassalos da conquista do Oriente! 194

O bandeirante, o homem no passado aqui descrito


por Taunay, já evocava o próprio presente, já sentia o impacto
de uma memória futura nos seus atos, já equiparava os seus
feitos memoráveis aos dos lusitanos. A narrativa interliga o
presente e o passado no sentido da eternidade, da eternização da
coletividade bandeirante.

A idealização do sertão está patente, é possível


respirar na atmosfera da época. A vontade de elevar as
realizações “paulistas” (uma verdadeira epopéia) ao plano

194Ibid., p. 83-84.
109
mundial também. Mas a questão é tão importante que ele sentiu
a necessidade de ser mais direto, transcrevendo até mesmo uma
fala imaginária vinda do passado. Continua a narrativa:
E agora, na terra americana, proseguia, incansável,
tenazmente, insaciável, a epopéia lusa, renovada
pelos homens nascidos no planalto de piratininga,
de um cruzamento que elevava a mentalidade
vermelha e reforçava a agilidade branca.
Afuroador da floresta brasileira, sentiria o escrivão
da bandeira a percepção confusa de que era um dos
continuadores dos seus antepassados de Aljubarrota,
das lides do rei de Boa Memória e do Condestável
Santo, que prosseguiam nas jornadas de África e do
Oceano, de Ásia e de América.
Repelia-se o castelhano e dilatava-se esse Brasil que
as bulas e os tratados queriam mutilado.
E era a sua gente, a gente de S. Paulo, a gente já
nascida no Brasil, que promovia agora a obra do
alargamento da terra de Santa Cruz.
- Nós outros, que aqui estamos, perdidos no deserto,
diria de si para si, padecemos talvez mais do que os
vassalos da conquista da África e do Oriente! 195

Uma pergunta resta após estas duas emblemáticas


citações: o que teria motivado Taunay a extravasar os seus mais
recônditos sentimentos de maneira tão intensa, ferindo inclusive
os rigores da “moderna crítica histórica”? Tudo isso foi devido
ao inventário de Pêro Araújo (1616) no qual aparece, no verso
da última folha, algumas estrofes manuscritas dos Lusíadas...

195Ibid., p. 85.
110
E assim, de repente, irrompendo-lhe na alma, pela
voz do Épico, o clamor da glória da sua raça, levou-
o a irresistível associação das idéias e das situações
a escrever, no dorso do inventário mísero e obscuro
soldado da bandeira, caído na selva em pról da obra
da dilatação do Brasil, uma das estrofes narradoras
do episódio máximo do Poema. 196

Bastou que se encontrasse um leve e frágil traço de


união para que a expansão vicentina se tornasse um
desdobramento tão notável, ou mais, quanto à expansão
marítima portuguesa.

Um obstáculo se elevava contra este objetivo: a tão


conhecida lenda negra. Desde o início das atividades
apresadoras na bacia do rio Paraná os jesuítas promoveram
intensa campanha de denúncia. Ela não se limitou às autoridades
coloniais, quando perceberam que estas não solucionavam a
questão, muito pelo contrário, sancionavam-na, foram
diretamente para a Europa expor de viva voz as atrocidades
cometidas contra determinações metropolitanas e Papais. As leis
descumpridas remontavam a D. Sebastião, que, a 20 de março de
1570 ordenou em carta régia:

Defendo e mando que daqui em diante se não use nas


ditas partes do Brasil dos modos que se até ora usou
em fazer cativos os ditos gentios, nem se possam
cativar por modo nem maneira alguma, salvo
aqueles que forem tomados em guerra justa que os
Portugueses fizerem aos ditos gentios, com
196Ibid., p. 85. Alcântara Machado também repercutiu esse “achado”: “Ninguém há que não aprenda o
simbolismo dessa obra maravilhosa do acaso, que é um fragmento da epopéia dos Gamas e dos
Albuquerques a servir de fecho ao inventário do bandeirante obscuro. Dir-se-ia que o gênio de Camões
aparece à beira da sepultura em que descansa o herói desconhecido, para associar a mesma glória as
caravelas arrogantes, vencedoras do Oceano, e as canoas humildes dos sertanistas.” MACHADO, A. Vida
e Morte do Bandeirante. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. p. 105.
111
autoridade e licença minha, ou do meu Governador
das ditas partes, ou aqueles que costumam saltear os
Portugueses, ou a outros gentios para os comerem;
assim como são os que se chamam Aimorés e outros
semelhantes. 197

A legislação possuía brechas. Os colonos poderiam


invocar, a qualquer tempo, a guerra justa e o combate aos
antropófagos para justificar a escravidão do nativo. Entretanto,
as Atas da Câmara da Vila de S.Paulo demonstram que o
assunto também era tratado com clareza e objetividade: os
habitantes da Vila caminhavam na direção do sertão porque lá
estava o seu “remédio”, ou seja, o índio - enquanto metais ou
pedras preciosas não eram descobertos.

Aos vinte e quatro dias do mês de novembro de mil


seiscentos e dois anos nesta vila da casa da câmara
dela estando aí os oficiais dela José de Camargo e
Francisco da Gama vereadores e Francisco Velho
juiz e João de Santana procurador do conselho para
fazerem câmara nela requereu o procurador do
conselho aos ditos oficiais que esta terra se
despovoava de peças e que todas fugiam para o
sertão de que este povo e capitania recebia muita
perda e não era nenhum serviço de deus e de sua
majestade despovoar-se a terra e que não as iam
buscar por não haver licença que lhe requeria da
parte de sua majestade e em nome deste povo o
fizesse a saber ao capitão para que pusesse nisso
cobro e que outrossim eram idos dez mais ou menos
pelo rio abaixo em busca dalgumas peças e que lhe
poderia suceder matarem-nos que suas mercês
ordenassem alguma gente que fosse buscá-los ou
gente que fosse buscar as peças que fugiam e não no

197Apud. VARNHAGEN, F. A. de. Op. cit., p. 408. A rigor, desde o Regimento de Tomé de Sousa
(17/12/1548) encontramos a proibição da escravização do índio que, caso se efetivasse, seria punida com
a pena de morte. Ibid., p. 274.
112
fazendo assim protestava de toda a perda que a terra
viesse a haver por suas mercês. 198

A penetração no interior realizava-se em favor,


contra ou apesar da legislação. Taunay assim conclui:

A toda a legislação portuguesa relativa à liberdade


dos índios inspirava a mais refalsada hipocrisia. 199

Sabedores disso, Antônio Ruiz de Montoya e


Francisco Dias Tanho rumaram para a Europa e lá propagam os
horrores da escravização dos índios. Valendo-se do relato do
jesuíta para destacar certa qualidade dos paulistas, Taunay
indica a “injustiça”:

De quanto eram os paulistas prodigiosos


caminheiros temos nos documentos abundantes
provas:
“Andan a pie y descalzos como por las calles desta
Corte (Madrid). I caminam por aquellas tierras y
valles, sin ningun estorbo, trescienteas y
quatrocientas leguas, com regalo” deles referia o
ilustre Montoya a Filipe IV, em 1643, aliás, a dizer
horrores dos filhos de Piratininga. 200

Os jesuítas foram atendidos 201 , conforme enunciamos


no capítulo anterior, e logo em seguida sofreram as
conseqüências ao chegarem com as novas na colônia. Estava

198ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Atas da Câmara da Villa de S. Paulo. São Paulo, 1915. v. 2,
p. 112-113.
199TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 80. Antes, Varnhagen, já comentava o problema: “É por isso
que a legislação especial acerca dos índios do Brasil, dada por sua ordem cronológica, apresenta uma
série de contradições, que melhor chegaram a manifestar-se, por vias de fato, nas sublevações que
teremos de historiar pelo tempo adiante.” VARNHAGEN, F. A. de. Op. cit., p. 393.
200TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 235.
201Cf. MALHEIRO, P. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social. Petrópolis : Vozes; Brasília
: INL, 1976. v. 1, p. 183.
113
feito. Os paulistas difamados no Ocidente, os jesuítas
“defensores dos índios” desterrados pelos “vilões”, enfim, o
conflito repercutindo de forma definitiva. Katia Abud assim
sintetiza a questão:

Os religiosos organizadores das reduções jesuíticas


do Paraguai traçaram com fortes pinceladas a
imagem negativa, a “Legenda Negra” do
bandeirantismo. Montoya, Jarque e, posteriormente
Charlevoix, Vaissete são nomes sempre lembrados,
quando a imagem bandeirista se torna escura, pelos
crimes que teria praticado. O horror que àqueles
significou o ataque dos bandeirantes às suas
organizações missionárias provocou o aparecimento
de uma literatura indignada, que criou uma visão do
bandeirante, ainda hoje retomada em algumas obras
de divulgação. 202

Os primeiros a enfrentarem a indigesta lenda negra


foram frei Gaspar e Pedro Taques, no século XVIII. O primeiro
diretamente, discutindo e refutando acusações improcedentes; o
segundo, elaborando uma linhagem de “nobres homens”.
Seguindo o que já afirmáramos antes, Taunay dá continuidade a
esse processo de reabilitação na historiografia, entretanto, o faz
de forma peculiar.

Em nenhum momento Taunay desmente ou oculta o


massacre imposto à população indígena. Em determinadas
passagens chega mesmo a surpreender com a dureza dos termos.
Quando combate o juízo de Handelmann, citado por Tasso
Fragoso, sobre os atos dos bandeirantes, detectamos a sua
estratégia:
114

E a recordar palavras de Handelmann, o ilustre


historiador alemão que com tanta consciência e
elevação de vistas cuidou do Brasil, transcreve o
mesmo autor: “Para estas caçadas de índios, não há
nenhuma desculpa. Constituem uma das manchas
mais negras da história do Brasil”.
Não há quem assim possa deixar de pensar, à luz das
idéias modernas. O bandeirismo é uma série de
violências inspiradas nos sentimentos mais cruéis.
Qual dos povos brancos porém pode irrogar-se a
glória de não haver, até agora, nos anos que correm
da era de 1923, lançado mão da prepotência da
superioridade sobre as raças inferiores para as
forçar a padecer os maiores horrores? 203

Omitir ou desmentir o acontecido seria um pecado


capital para Taunay, tanto do ponto de vista da História por ele
entendida como da sua fervorosa fé católica 204 . O que ele
empreende é um esquecimento programado. Primeiro compara o
massacre perpetrado pelos paulistas com todos os massacres
possíveis promovidos pela “civilização” européia, atenuando,
mitigando o efeito inicial. Depois, simplesmente não menciona
mais os fatos depreciadores, negativos. Em suma, Antônio
Raposo Tavares é louvado como o conquistador dos territórios
além Tordesilhas e não como um escravizador sem escrúpulos.
Esse jogo habilmente conduzido e disfarçado por sua imensa
erudição é um instrumento de memória. Ao final da leitura dos
livros e artigos permanece na consciência do público o lado

202ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista:


o bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 3.
203TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 61. O grifo é nosso.
204No prefácio do terceiro tomo da sua História Geral ele explicita a devoção ao comentar o áspero
trabalho do qual se incumbiu: “É longa e trabalhosa a empresa a que nos abalançamos. Pouco vencemos
em relação ao que nos caberá realizar se o Todo Poderoso para tanto nos conceder vida e forças.”
TAUNAY, A. d'E. História Geral..., 1927. t. 3, p. IX.
115
“bom” dos devastadores do sertão, ou seja, o da luta pela
formação do território nacional. Dessa maneira, combate
Taunay:

E se Handelmann chama ao bandeirismo “mancha


negra da história brasileira” que se reflita um
pouco acerca do regime de delícias da colonização
germânica quinhentista em Venezuela e dos
processos daquele S. Vicente de Paulo que se
chamava Ambrósio Alfinger.
Lembrem-se os franceses que o seu Governo, depois
de haver decretado a abolição da escravidão, com a
Convenção, restabeleceu-a com Napoleão e os
ingleses que, em meados do século XVIII, seu
governo ameaçou a Espanha de guerra porque o
Governo castelhano não queria renovar o contrato
do tráfico africano com uma companhia britânica. 205

E assim conclui a luta pela reabilitação:

Se assim se fazia com homens nascidos na Europa


ocidental (refere-se à venda de soldados alemães à
Holanda em 1792) na região mais civilizada do
Universo, em fins do século XVIII, que não se
passaria na América selvática e semi-deserta, entre
brancos e míseros broncos silvícolas?
Assim a esta questão de extermínio dos tipos
inferiores da humanidade não há nação européia que
possa atirar a outra qualquer pecha que seja. 206

Os conceitos de Taunay em relação aos índios,


tomadas as últimas citações, podem nos levar a uma falsa ilação.
Qual seria? Uma vez considerado o indígena inferior
necessariamente a mestiçagem auferiria características
degenerativas. Mas esse não é o julgamento de Taunay; a
mestiçagem é altamente positiva. Um momento romântico e

205TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 62.


116
erudito oferece-nos a confirmação através da preocupação
simbólica declarada:

A raça dos rapineiros brancos movia a seu talante


as chusmas inferiores de pele cobreada. Realizava-
se nas terras de S. Paulo a aliança do gavião e da
narceja, a que tão simbólica e poeticamente aludia o
ancião Batuireté ao neto Poti, nas páginas da linda
Iracema. 207

Ou, diretamente:

Seria necessário o amálgama de suas qualidades (os


portugueses) às dos filhos do Brasil para que se
encetasse a verdadeira obra do bandeirismo. 208

A verdadeira expansão é mestiça e, assim sendo,


dependia do cruzamento euro-americano. Esse amálgama
produziu um resultado estupendo superior às duas matrizes
originais, pois reuniu as melhores virtudes de ambas:

206Ibid., p. 65.
207Ibid., p. 71. No romance, o maior chefe dos pitiguares, Batuireté, não mais comanda sua nação. Velho,
retirou-se para a serra deixando Jatobá com o tacape. Poti, filho de Jatobá, vai com o amigo Martim e
Iracema ao encontro do avô. Assim se dá a cena narrada por José de Alencar: “Batuireté estava sentado
sobre uma das lapas da cascata; o sol ardente caía sobre sua cabeça, nua de cabelos e cheia de rugas
como o jenipapo. Assim dorme o jaburu na borda do lago. — Poti é chegado à cabana do grande
Maranguab, pai de Jatobá, e trouxe seu irmão branco para ver o maior guerreiro das nações. O velho
soabriu as pesadas pálpebras, e passou do neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois o peito arquejou e
os lábios murmuraram: -– Tupã quis que estes olhos vissem antes de se apagarem, o gavião branco junto
da narceja.” Em nota, José de Alencar informa que Batuireté, ao associar o neto à narceja e Martim ao
gavião branco, profetiza a destruição dos índios pelos conquistadores brancos. Há de se destacar, além
da profunda e sincera amizade que unia Martim e Poti, que Iracema está no local, que ela é esposa do
português e trará no ventre o símbolo maior da aliança aludida por Taunay, o primeiro brasileiro: o mestiço
Moacir. O São Paulo de Taunay reproduz a idealização romântica do Ceará de Alencar. Logo após
proferir o vaticínio Batuireté morre. ALENCAR, J. de. Iracema. São Paulo : Ática, 1992. p. 58-60.
208Ibid., p. 56. Por “filhos do Brasil” é justo depreender o fruto da mestiçagem do índio com o português e
com o espanhol.
117
Encontrava-se a famosa cruza euro-americana
reforçadora da capacidade mental do vermelho e da
musculatura do branco. Criavam-se os primeiros
destes mateiros incomparáveis cujas proezas Saint-
Hilaire comparou à dos titãs. 209

4.3 Os temas estruturadores da memória

Os bandeirantes por vezes eram chamados de


rapineiros ou mateiros mas freqüentemente eram exaltados como
deuses. Por isso a mitologia cumpriu um papel importante nessa
construção historiográfica. A ligação promovida por Taunay
entre a história e a memória, no entanto, já tinha longa estrada
percorrida.

Filha de Urano e Gaia, Mnemósine, a personificação


da memória, é uma deusa titã 210 . Ademais, filhas de Zeus e
Mnemósine são as Musas, entre elas Clio, que responde pela
história 211 . Lá na Grécia antiga, cujo legado nunca é excessivo
remarcar, nascia a história da memória 212 .

209TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 15-16.


210GRIMAL, P. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand, 1992. p.
316.
211HESÍODO. Teogonia: origens dos deuses. São Paulo : Roswitha Kempf Editores, 1986. p. 130.
212Evidentemente há diferenças entre a acepção grega antiga do termo memória e o seu uso
contemporâneo. Marcel Detienne informa que: “As pesquisas de J.-P. Vernant permitem afirmar que a
memória divinizada dos gregos não responde, de modo algum, aos mesmos fins que a nossa; ela não
visa, em absoluto, reconstruir o passado segundo uma perspectiva temporal (Taunay). A memória
sacralizada é, em primeiro lugar, um privilégio de alguns grupos de homens organizados em confrarias:
assim sendo, ela se diferencia radicalmente do poder de se recordar que possuem os outros indivíduos.
Nesses meios de poetas inspirados, a Memória é uma onisciência de caráter advinhatório; define-se como
um saber mântico, pela fórmula: “o que é, o que será, o que foi”. Através de sua memória, o poeta tem
acesso direto, mediante uma visão pessoal, dos acontecimentos que evoca; tem o privilégio de entrar em
contato com o outro mundo. Sua memória permite-lhe “decifrar o invisível”. A memória não é somente o
118
Com grande pendor para a mitologia e para tudo o
que é clássico, Taunay, sempre que pôde, buscou enquadrar a
trajetória dos paulistas nestes quadros. Em titãs transformaram-
se os bandeirantes na historiografia como titã fora a memória na
sua gênese. Mas heróis também poderiam ser e comparáveis a
Hércules seus feitos foram:

Mamaluco de prodigiosa energia, hercúleo e


intrépido, era sobremodo propenso a deixar-se
arrebatar pela cólera. 213

A mitologia sugere um conjunto, um sistema, uma


ordenação, uma hierarquia, um sentido, enfim, faz parte ou
institui uma tradição. Outrossim, ela confere importância
civilizatória, principalmente a greco-romana, e coloca os
eventos narrados fora do tempo, distantes da realidade,
configurando uma temporalidade cíclica e contínua ao promover
a união entre o passado, o presente e o futuro. Para realizar esta
tarefa de instituir uma tradição, que por ser empreendida
especialmente nas suas obras históricas ganha o nome memória,
Taunay idealiza e mitifica historiograficamente.

Uma vez que a produção historiográfica de Taunay


relativa às Bandeiras expressa características do historicismo

suporte material da palavra cantada, a função psicológica que sustenta a técnica de formular; é também, e
sobretudo, a potência religiosa que confere ao verbo poético seu estatuto de palavra mágico-religiosa.
Com efeito, a palavra cantada, pronunciada por um poeta dotado de um dom de vidência, é uma palavra
eficaz; ela institui, por virtude própria, um mundo simbólico-religioso que é o próprio real.” DETIENNE, M.
Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 19--. p. 17. Apesar da
distância e das distinções, as palavras bandeira e bandeirante, assim como as delas derivadas possuem
essa capacidade, fornecida pela historiografia, de remeter o interlocutor a uma determinada realidade
simbólica.
213TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 180. No final do primeiro capítulo destacamos a associação
entre João Ramalho e Rômulo.
119
romântico-erudito, de acordo com o que estabelecemos no
primeiro capítulo, é justo aprofundarmos a sua perspectiva
romântica 214 . Dessa maneira, o que objetivamos agora é indicar
os elementos de extração romântica que desempenham um denso
papel na tarefa de construção da memória bandeirante.

Ao longo destas páginas, destacamos o amor que


Taunay mantinha pelo passado, amor nostálgico, ideal,
conduzindo-o à sua revivificação integral 215 , por nós chamada
de presentificação; apontamos o processo de mitificação de
determinados personagens e, agora, a valorização da natureza
também mitificada 216 .

Resta-nos aprofundar a questão. Sem dúvida, no


discurso historiográfico de Taunay não há unidade de ação. As
descrições, os acontecimentos e os argumentos são dispostos
aleatoriamente, por isso Boxer o acusou de difuso. Entretanto,
há um fim a ser cumprido: louvar a tradição. Como efetivá-lo

214Afrânio Coutinho enumera os seguintes aspectos que caracterizam o espírito romântico:


individualismo e subjetivismo, ilogismo, senso do mistério, escapismo, reformismo, sonho, fé, culto da
natureza, retorno ao passado, pitoresco e exagero. COUTINHO, A. O Movimento Romântico. In: A
Literatura no Brasil. Rio de Janeiro : Editorial Sul Americana, 1956. v. 1, t. 2, p. 568-569. A obra
historiográfica de Taunay evidentemente não expressa o individualismo, o subjetivismo ou o ilogismo.
Quanto à questão indianista, nosso autor desvia a idealização na direção do mestiço: o paulista.
215Esta revivificação se assemelha muito, na intenção e não na execução, com a “apreensão total do
passado” em Michelet. Cf. BOURDÉ, G., MARTIN, H. Les Écoles Historiques. Paris : Seuil, 1990. p. 159-
180. LIMA, L. C. De que são feitos os tijolos da história? In: O Controle do Imaginário: Razão e
Imaginação nos Tempos Modernos. Rio de Janeiro : Forense, 1989. p. 176-177. Ou, também
guardadas as devidas proporções, com a história vivificada que Goethe experimentara ao ler Herder. Cf.
CASSIRER, E. El Problema del Conocimiento en la Filosofía y en la Ciencia Modernas: de la muerte de
Hegel a nuestros días (1832-1932). México : Fondo de Cultura Económica, 1986. v. IV. p. 267.
216Apesar de ter assistido à fermentação modernista da década de 1920 que, de maneira geral, tratou
com ironia o Romantismo, Taunay a ela manteve-se alheio. Cf. CAMPOS, P. M. Esboço da Historiografia
Brasileira nos Séculos XIX e XX. In: GLÉNISSON, J. Iniciação aos Estudos Históricos. São Paulo :
Difel, 1979. p. 286.
120
num discurso historiográfico? A sua resposta é simples: através
do documento. Seguindo a lógica interna do documento o seu
texto se confunde com o próprio passado, é difícil saber quando
é o historiador e quando é o documento, principalmente quando
aspas são abertas e assim permanecem até o início de uma nova
citação.

O documento não só comanda a lógica interna do


discurso como a seleção dos assuntos. Na maior parte das vezes
os capítulos são distribuídos pelo tipo de documento trabalhado.
Parece que a medida em que vai descobrindo novos documentos
ele vai abrindo novos capítulos que têm como único elo de
ligação o seu objetivo primordial. Capítulos começam e
terminam sem um sentido específico. Por isso a repetição
intensa, desnecessária e pouco objetiva, por isso a quantidade
imensa de capítulos, por isso, afinal, o tamanho descomunal dos
seus trabalhos.

Contudo, há algo mais. Se Taunay apenas se


limitasse a este tipo peculiar de discurso histórico ele não
atingiria o seu intento. Assim, a obra por inteiro, além de
orientar-se pelos documentos, possui três temas estruturantes.
São eles: o tema da cidade, o tema do sertão e o bandeirante.

O primeiro é o lugar da civilização, o segundo o


lugar da natureza e o terceiro o lugar do mito. Ao longo de toda
a obra acerca das Bandeiras esses temas surgem conduzindo as
descrições, os acontecimentos e os argumentos numa única
direção: a construção da memória. A obra é difusa apenas na
121
aparência, o seu significado estava cuidadosamente camuflado
pelo discurso da cientificidade da História.

Chamamos os temas referidos de estruturantes por


representarem o cimento, a ligadura, o entrelaçamento dos fatos
narrados. Sem a atuação destes temas o entendimento do texto
não se daria e a meta não seria atingida. Todavia poderíamos
considerá-los, ao invés de estruturantes, condutores: temas
condutores ou, simplesmente, motivos condutores 217 .

A última formulação nos parece bastante adequada.


Primeiro ela se origina da leitura das Atas da Câmara da Vila de
S. Paulo por conta da intensa recorrência do termo sertão. Tudo
era o sertão, a tudo ele remediava, todos a ele se dirigiam, de
corpo e alma. Notada a sua importância, Alcântara Machado
poeticamente adota a expressão para melhor explorar o
significado daquelas repetições:

Porque o sertão é bem o centro solar do mundo


colonial. Gravitam-lhe em torno, escravizados à sua
influência e vivendo de sua luz e de seu calor, todos
os interesses e aspirações. Sem ele não se concebe a
vida: por os moradores não poderem viver sem o
sertão, proclamam-no os oficiais da Câmara numa
vereação de mil e seiscentos e quarenta anos. 218

217Motivo condutor é a melhor tradução para a palavra alemã leitmotiv. Intimamente ligada aos aspectos
românticos da obra operística de Wilhelm Richard Wagner (1813-1883), a associação do termo com os
temas não é nossa: “O sertão... De espaço a espaço, com a teimosia de um estribilho obsidente, com a
insistência tirânica de um leitmotiv, a palavra aparece e reaparece nos inventários paulistanos dos dois
primeiros séculos, a denunciar que para o sertão está voltada constantemente a alma coletiva, como a
agulha imantada para o pólo magnético.” MACHADO, A. Op. cit., p. 231.
218Ibid., p. 52.
122
Segundo, ao explorar essas repetições por intermédio
da expressão motivo condutor, o autor explicita a constituição
de um tema fundamental para a inteligibilidade do Brasil
colonial. De fato, antecipamos páginas atrás, que o tema fora
sugerido a Taunay por Capistrano, contudo, o seu próprio pai já
escrevera a respeito. O mais famoso de seus livros, Inocência,
apresenta ao leitor logo no capítulo inicial (após duas epígrafes,
uma de Goethe e outra de Rousseau) o cenário dos
acontecimentos: a natureza; e o seu protagonista: o sertanejo 219 .
Nesse momento, Capistrano e o Visconde se unem ao sugerirem
uma temática, em outras palavras e por fim, a história e o
romantismo permitem que a memória seja construída.

Em virtude destes argumentos preferimos tomar a


palavra leitmotiv para dar a real dimensão da construção
historiográfica de Taunay sobre as Bandeiras, quanto mais não
tivesse ela uma ligação tão íntima com o romantismo - certo que
na música:
Denominam-se assim (leitmotiv) motivos musicais
característicos de personagens, de situações
dramáticas, de sentimentos e de objetos. Suas
transformações não obedecem a leis musicais mas

219Antonio Candido destacou a fina sensibilidade, a esmerada cultura do Visconde nas artes plásticas e
na música. Exprimindo-se acerca do mesmo capítulo: “Predominava nele, todavia, a sensibilidade
musical. Compôs com facilidade e elegância, escreveu com acerto sobre assuntos de música; e mesmo
nas descrições do sertão percebemos que também o ouvido elaborava as impressões da paisagem. No
primeiro capítulo de Inocência (“O Sertão e o Sertanejo”), a paisagem e a vida daqueles ermos são
apresentados a partir de alguns temas fundamentais, compostos em seguida num ritmo que se diria
musical. Daí o tom de ouverture dessa página, aliás admirável na sua inspiração telúrica, uma das
melhores da literatura romântica, onde se performam certos movimentos d'“A Terra” e d'“Homem”, n'Os
Sertões, de Euclides da Cunha”. CANDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos.
Belo Horizonte : Itatiaia, 1993. v. 2, p.275-276. Essa educação refinada, sensível, musical, emigrada da
França e perpetuada nos descendentes brasileiros, sem dúvida alguma foi transmitida ao filho historiador.
Um panorama histórico-cultural dos primeiros membros da família no Brasil é encontrado em: TAUNAY,
A. d'E. A Missão Artística de 1816. Brasília : UnB, 1983.
123
sim aos acontecimentos dramáticos. Às vezes seu
conteúdo emocional corresponde aos significados;
outras vezes, funcionam mais por associação. Na
Tetralogia, por exemplo, a análise das partituras
revela motivos correspondentes à espada, ao ouro do
Reno, ao farfalhar da folhagem, à nostalgia, enfim,
muitas dezenas de motivos que são variados,
combinados, antecipando a entrada de personagens,
traduzindo sentimentos ocultos, preparando cenas,
etc. Há uma forte doze de racionalismo na
elaboração desse sistema. 220

Duas passagens tornam especial a definição acima


reproduzida. Uma, ao afirmar que a técnica do leitmotiv não
obedece senão aos acontecimentos; a outra, ao concluir que há
intenção, “racionalidade”, na elaboração do sistema. Por isso a
tetralogia O Anel do Nibelungo é citada. Composta por um
“prólogo” (O Ouro do Reno) e três “jornadas” (A Walkíria,
Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses) e escrita (música e
libretos) num grande intervalo de tempo (1848-1853) o sucesso
da narrativa da lenda dos nibelungos deve-se, em grande parte, à
habilidosa concatenação de seus elementos no sentido da obra
de arte universal (Gesamtkunstwerk) 221 .

220KIEFER, B. O Romantismo na Música. In: GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo : Perspectiva,


1985. p. 228-229.
221HAUSER, A. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo : Mestre Jou, 1982. t. 2. p. 982. Uma
afirmação conclusiva sobre a obra de Wagner: “Sua arte é, pela música, o cume e a consumação do
Romantismo que nunca conseguira realizar-se completamente em palavras. O Romantismo estava
destinado a terminar em música; e Wagner, o músico, estava destinado a consumar o Romantismo.”
CARPEAUX, O. M. A Literatura Alemã. São Paulo : Nova Alexandria, 1994. p. 179. O leitmotiv mais
conhecido e executado é a cavalgada das Walkírias, no entanto, o mais importante para o conjunto da
obra é o tema da redenção pelo amor que aparece pela primeira vez no terceiro ato da Walkíria e
retorna ao final do Crepúsculo dos Deuses, coroando a Tetralogia. Enfim, não podemos deixar de notar
que o herói Siegfried morre traiçoeiramente durante o êxtase em que recobrava a memória perdida ao
ingerir uma poção do esquecimento, oferecida por aqueles que cobiçavam o seu anel de ouro. Aqui
observamos o esquecimento atrelado à morte enquanto a lembrança representa uma possibilidade de
sobrevida.
124
Por analogia, a Alemanha buscava no mito nórdico
dos nibelungos a origem do povo e a emoção que conduziria à
formação do Estado-Nação 222 , São Paulo, pelo Brasil, construía
os mitos que formaram o Estado e a Nação, ainda na colônia,
para que pudesse desfrutar de uma tradição. O historiador
combinou os acontecimentos deliberadamente, articulou os
temas, repetindo-os à exaustão, sempre concluindo com a
mitificação do bandeirante. A memória bandeirante é
materialização historiográfica desse impulso e Taunay o seu
maior realizador.

Do tema da cidade já tratamos no primeiro capítulo,


voltar a ele seria desnecessário. Acrescentaríamos, somente, que
os habitantes da vila de São Paulo já experimentavam o
sentimento nacional brasileiro e esta, como um microcosmo, era
a própria nação em versão rudimentar. Assim Taunay se
expressa:

É o sentimento confuso do brasileirismo que


desperta no fundo destes homens rudíssimos. 223

E, citando Oliveira Martins para assumir


inteiramente a conclusão deste:

Sem exagerar demasiado o valor desta expressão,


pode dizer-se que, pelos fins do século XVI, a região
de S. Paulo apresentava os rudimentos de uma

222Nesse momento pensamos no sentido mais completo da palavra mito: “ao mesmo tempo ficção,
sistema de explicação e mensagem mobilizadora”. GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo
: Companhia das Letras, 1987. p. 98.
223TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 31.
125
nação: ao passo que a Bahia e as dependências do
norte eram uma fazenda de Portugal na América. 224

O tema do sertão já abordamos neste capítulo, resta-


nos complementar a análise. Este termo fartamente utilizado na
documentação de época possui, com certeza, uma definição
estrita. Serafim Leite, baseando-se nos padres jesuítas, assim
postula:

O sertão, como entendiam os primeiros padres, era


qualquer lugar distante da costa não ainda povoado
pelos portugueses. Noção concreta, ligada ao
povoamento não ao solo, e que portanto mudava
sucessivamente de balizas a caminho do Oeste, e
ainda hoje se denominam sertões vastas zonas
subdesenvolvidas do interior do Brasil. Para efeito
da conversão do gentio, aplicava-se aos arredores
da Bahia em 1550; e, a meia dúzia de léguas da
cidade do Salvador, já era “sertão”; de igual modo,
ao fundar a aldeia de piratininga, a carta de 1553,
em que Nóbrega dá notícia do fato, data-a “deste
sertão adentro”, donde continuou viagem para
sertão mais distante. 225

O contraste desta definição com a descrição de


Taunay por nós reproduzida anteriormente é significativo. Por
esta não há como nos sensibilizar, emocionar ou encantar. Aqui
o sertão não é o lugar das batalhas, das vitórias, das ações
intrépidas, da luta pelo “território brasileiro”, é simplesmente
onde se dá a catequese, pois aí o índio se refugiou.

No seu discurso historiográfico o sertão reproduz


para o paulista o que o mar ignoto representou para o navegador

224OLIVEIRA MARTINS, G. Apud. TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 31.


225LEITE, S., S. I. Breve História da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1760). Braga : Apostolado da
Imprensa, 1993. p. 93.
126
português. É o desconhecido, o reduto do mistério, o desafio, o
cenário das aventuras, o local das riquezas disseminadas, ele
personifica uma realidade, uma entidade (o autor grafa, na maior
parte das vezes, a palavra com “s” maiúsculo), é o obstáculo a
ser superado na demanda da glória eterna, transformando aquele
que o desbrava, desvenda, ataca e conquista num herói.

O sertão, mesmo quando não contempla as façanhas


do bandeirante, enobrece-se, transforma-se no cemitério dos
heróis desconhecidos. Simboliza o lugar onde o esquecimento
sobrepuja a lembrança:

E muitos foram sempre esperados e jamais


reaparecidos. Tem-se como que a impressão de que
muitas viúvas e muitos órfãos viveriam com os olhos
fixos à fímbria das serras e à barra dos horizontes
como essas viúvas e esses órfãos de marujos e
pescadores que a cada passo esperam ver surgir da
extrema linha, divisora das águas e dos céus, os
barcos em que partiram os arrimos de sua vida dura
e pobre.
Irresistível impulso arrasta aquela população toda,
tão intenso, que até às crianças contagia. 226

Mais ainda, o sertão aflora no paulista uma vocação


intrínseca, intima-o a embrenhar-se no seu seio, é o “caminho
que convida ao movimento”. Reunindo conclusões de diversos
autores, subscreve Taunay:

O ilhamento dos primeiros povoadores do planalto


piratiningano, isolado do Universo pela enorme
muralha da Paranapiacaba, quando para Oeste a
derrama das terras e o curso dos rios lhes apontava
terras infindáveis e acessíveis levou-os à vida

226TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 89-90.


127
aventurosa dos bosques que para eles tinham todos
os perigos e o fascínio do incógnito, expende
Joaquim da Silveira Santos.
A vocação destes pioneiros, segundo a feliz
observação de Sérgio Buarque de Holanda, estaria
no caminho que convidava ao movimento e não na
sedentarização da grande propriedade rural.
E observa Nelson Werneck Sodré que a geografia
local de Piratininga era tácito convite: “O Tietê
corria para os sertões”. Secunda-o Cassiano
Ricardo em exata e sintética fórmula: “o planalto
empurrou o paulista para o interior”. Foi o seu rio
Tietê, “que fez sertanista e bandeirante”. 227

A frase final citada de Cassiano Ricardo é definitiva:


o bandeirante constituiu-se a partir do sertão. Ele para lá é
levado desde a infância em função de um incitamento coletivo
duradouro 228 :

É a primeira jornada como que a prova de


habilitação do pequeno pagem medieval aspirante e
escudeiro. O prosseguimento por essa via penosa
constitui os assentamentos habilitadores da
promoção.
É ela que vai armar os membros futuros da ordem
dos cavaleiros do Sertão. 229

O bandeirante como cavaleiro medieval! A passagem


completa a idealização do passado colonial, o bandeirante
dispunha inclusive de armadura, o gibão de armas (figura 8):

227TAUNAY, A. d'E. Relatos Monçoeiros. São Paulo : Martins, 1953. p. 14.


228“Esta impulsão coletiva perduraria quadri-secularmente impelindo os paulistas à perquisição do ouro e
ao grande rush da plantação do café que prossegue intenso.” TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 90.
229Ibid., p. 91. O grifo é nosso.
128

Figura 8 - Milicianos índios de Mogi das Cruzes combatendo Botocudos, de Jean


Baptiste Debret.
129
Dessa famosa armadura americana que os paulistas
fizeram perlustrar por milhares de quilômetros dos
trilhos florestais do continente nenhum exemplar
subsiste das antigas eras do bandeirantismo.
Nenhuma dessas peças escapou à destruição para
figurar em lugar do mais extraordinário destaque no
conjunto das coleções dos nossos museus
230
históricos.

Revela-se, portanto, mais um elemento de extração


romântica no retorno ao medievo. Como o Brasil não
experimentou tal período da história européia, nada mais lógico
do que encontrá-lo na fase colonial:

Muitos devem ter sido na nossa idade medieval os


levantes de índios ocasionadores de mortes dos
brancos. 231

Por fim, dignificando a luta que eclodiu entre os


Pires e os Camargos no século XVII, lê-se:

Curiosa esta feição paulistana, esta luta pelas armas


de dois partidos que transplantaram ao Brasil
costumes de antanho, hábitos da Itália medieval,
como foram as lutas encarniçadas dos Capuletos e
Montechi, de Verona, imortalizadas pelo idílio
shakespeareano de Romeu e Julieta. 232

Parte integrante do sertão, que o auxilia a constituí-


lo em tema, o rio Tietê erigi-se como entidade máxima, divina e
atemporal. A imagem do rio fortalece o efeito de motivo

230Ibid., p. 94-95. O grifo é nosso. Taunay informa ainda, que o “único documento iconográfico até hoje
descoberto sobre a indumentária dos bandeirantes apresentando visos de autenticidade” é a litogravura
de Debret por nós aqui reproduzida. TAUNAY, A. d'E. Iconografia Paulista Vetustíssima. Anais do Museu
Paulista, São Paulo, 1949. t. 13, p. 45.
231TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1931. t.
4, p. 111. O grifo é nosso.
130
condutor, afinal ele possui correntes, quedas d'água, leito e
movimento; liga a “civilização” à “selva ignota e misteriosa
cheia de espanto e terror” 233 e institui, até mesmo, uma única
duração entre o passado e o presente:

Serviçal obrigado das entradas e das bandeiras, com


a lança do seu alveo, outrora enristada para Oeste,
contra o domínio do castelhano, continua a
divindade fluvial a servir à grandeza de S. Paulo,
nesta nova arrancada que o café veio provocar
dando-lhe inconfundível proeminência entre as
forças brasileiras do progresso e da civilização.
O característico secular da tradição paulista é o da
continuidade dos esforços. 234

A importância do Tietê para a expansão vicentina foi


relativizada por Sérgio Buarque de Holanda. Posicionando-se
numa perspectiva exclusivamente histórica, logo, exumada da
memória, ele conclui que os numerosos caminhos terrestres
trilhados pelos índios e adotados pelos bandeirantes
desempenharam um papel muito mais significativo do que os
rios. O valor destes estava “menos em servirem das vias de
comunicação do que de meios de orientação”. 235

A sacralização do Tietê integrada à do sertão


obedece à motivação perene pela memória, importando, na
realidade, o conteúdo simbólico atribuído à natureza. Assim
sendo, retomando o papel das ânforas no Museu Paulista,
discursa Taunay:

232TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 3, p. 338. O grifo é nosso.


233TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 19--. p. 84.
234TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 97.
235HOLANDA, S. B. de. Índios e Mamelucos na Expansão Paulista. Anais do Museu Paulista, São Paulo,
t. XIII, 1949. p. 193.
131
Ao padrão nacional evocador da glória das
bandeiras virá trazer a presença da ânfora de água
do Tietê a nota do mais poderoso e poético
simbolismo. 236

4.4 A mitificação do bandeirante

Se o tema da cidade representa o marco original da


trajetória dos paulistas e o tema do sertão expõe o pano de
fundo das suas ações, o tema do bandeirante é a linha de
chegada, o ponto final e culminante da narrativa de Taunay.
Toda a obra relativa às bandeiras expressa a mitificação do
bandeirante ao passo que o conjunto articulado dos temas que a
estruturam edificam a memória através da historiografia.

Por isso a história das bandeiras é um veículo de


memória, ela porta uma mensagem “integrada, ditatorial e
inconsciente dela mesma, organizadora e toda poderosa,
espontaneamente atualizadora, uma memória sem passado que
reconduz eternamente a herança, remetendo o antigamente dos
ancestrais ao tempo indiferenciado dos heróis, das origens e do
mito” 237 .

No Taunay da expansão vicentina, os ancestrais são


João Ramalho e Tibiriçá; o lugar original, em ordem
decrescente, é a colônia, a capitania de São Vicente e São Paulo;
os heróis são, especialmente, Antônio Raposo Tavares e Fernão

236TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 101.


132
Dias Pais; e o mito, o próprio bandeirante indistinto,
ambivalente 238 , indiferenciado no tempo para acomodar-se
simbolicamente tanto à tradição passada quanto ao cotidiano
contemporâneo dos seus leitores.

No curso de uma longa digressão genealógica, o


próprio Taunay se insere na tradição como descendente dos
“ilustres” ancestrais:

Deste casal proviria Maria de Assunção Moraes (...)


mulher do sargento mor português Lourenço Corrêa
Sardinha (...) Da terceira filha do casal Escolástica
Maria de Jesus Ribeiro (...) mulher do sargento mor
português José Leite Ribeiro (...) é terneto o autor
desta História Geral das Bandeiras Paulistas que
assim se encontra na linhagem dos primeiros
povoadores do Brasil como décimo terceiro neto de
João Ramalho e de Antônio Rodrigues e décimo
quarto de Tibiriçá e Pequerobí. 239

Filho da Europa e da América o historiador


experimenta no corpo e na alma a trajetória mestiça do Brasil,
buscando as suas origens como forma de valorizá-la. Realizada
em São Paulo, a busca histórica efetiva-se como apologia
historiográfica de uma coletividade específica, a paulista.

Todos os homens partidos de São Paulo que se


embrenharam no sertão em busca do ouro, das pedras preciosas
ou do escravo vermelho foram qualificados por Taunay,
genericamente, de sertanistas ou bandeirantes. Na

237NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de
Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XVIII.
238Cf. GIRARDET, R. Op. cit. p. 9-24.
239TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 9, p. 203-204.
133
impossibilidade de exaltar todos da mesma maneira, diante da
contingência de descobrir documentos diferentes na quantidade
e na qualidade para cada um deles e por causa do resultado das
suas ações, o historiador estabeleceu uma hierarquia dentro do
panteão bandeirante para constituir o tema do mito.

As duas figuras mais altas receberam a glória de


pontificarem, como estátuas da autoria de Luiz Brizzolara, o
hall de entrada do Museu Paulista. Ademais, tanto Antônio
Raposo Tavares como Fernão Dias Pais simbolizam para Taunay
os dois grandes “ciclos” do bandeirantismo: o primeiro
representa o ciclo da caça ao índio e devassa do sertão e o
segundo, o ciclo do ouro e das pedras preciosas. Segue a
descrição dos objetos cuidadosamente posicionados no peristilo,
na pena do idealizador:
Está Antônio Raposo Tavares magnificamente
caracterizado num gesto de devassador de terras,
com o braço alçado ao nível dos olhos, como quem
explora o horizonte. Fernão Dias, não menos
expressivamente, examina um mineral.
Em quatro grandes painéis, da autoria de J. Wasth
Rodrigues, e em lugares marcados pela arquitetura
do peristilo, vêem-se os retratos de Dom João III,
Martim Afonso de Souza, João Ramalho e Tibiriçá.
Relembram os vultos essenciais do quinhentismo
paulista: o Rei povoador e seu grande delegado
americano na colonização inicial, os patriarcas
europeu e americano dos mais velhos troncos
vicentinos. Nos dois últimos painéis figura
simbolicamente o mesmo e pequenino mamaluco, ao
lado de seu pai luso e do seu avô brasílico. 240

240TAUNAY, A. d'E. Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. São Paulo : Imprensa Oficial do Estado,
1937. p. 57.
134
Outros bandeirantes encontram-se representados na
“escadaria monumental” do Museu, ali reunidos mediante
sugestivo critério:

Sobre os pedestais, figuram, pois, seis bandeirantes


célebres, como a montar guarda ao fundador da
nacionalidade brasileira (D. Pedro I).
Aproveitando o fato de que são seis estas estátuas,
cada uma delas simboliza uma das unidades da
Federação que se destacaram do território de São
Paulo.
Assim, rememoram as seguintes figuras capitais e
simbólicas do bandeirantismo: Manoel da Borba
Gato (Minas Gerais); Pascoal Moreira Cabral Leme
(Mato Grosso); Bartolomeu Bueno da Silva, o
Anhanguera (Goiás); Manuel Preto (Paraná);
Francisco Dias Velho (Santa Catarina); e Francisco
de Brito Peixoto (Rio Grande do Sul). 241

4.4.1 Antônio Raposo Tavares

Se há um primeiro lugar nesta epopéia,


Cabe a Antônio Raposo esse lugar,
Que entre os vultos da heróica Paulicéia
Se destaca, brilhante e singular:
Bem merece, de fato, uma odisséia
Esse glorioso lutador sem par,
Que, espalmando em S. Paulo as asas grandes,
Vai pousar no pináculo dos Andes! 242

A base histórica utilizada para erigir a mitificação


acerca de Antônio Raposo Tavares envolve a invasão e
destruição das missões jesuíticas do Guairá em 1628, com o
óbvio apresamento dos guarani; o “socorro paulista” por ele

241Ibid. p. 60. As estátuas foram executadas por Amadeu Zani, Nicolau Rollo e H. van Emelen.
135
encabeçado ao nordeste invadido pelos holandeses; e o “périplo
portentoso” pela América do Sul 243 .

O seu discurso historiográfico posiciona o “magno


sertanista” como representante da coletividade paulista (tema da
cidade) no processo de expansão para o oeste ocupado pelo
espanhol:

Esta arrancada poderosa em que toma parte a


população inteira de S. Paulo, tendo à sua testa os
representantes do poder municipal, enceta-se em
agosto de 1629, e é sobretudo determinada pela
ação de um homem que encerrava em si um
prodigioso estuar de energias: Antônio Raposo
Tavares. 244

O bandeirante reúne em si os anseios da


coletividade, as energias propulsoras, a inspiração da ação, a
organização da jornada, mas, para ser herói, necessita ocupar o
posto de líder. Contudo, sabemos por intermédio da
documentação jesuítica coeva, conhecida e publicada por
Taunay, que o líder da expedição foi Manuel Preto, este sim, e
não Tavares, desfrutava do posto de mestre de campo:

242CEPELLOS, B. Os Bandeirantes. Rio de Janeiro : Garnier, 1911. p. 29.


243Alfredo Ellis Júnior, o companheiro mais incisivo de Taunay na mitificação do bandeirante, após
afirmar ser Tavares “o rei do bandeirismo” e enaltecer Washington Luís, sintetiza: “Raposo Tavares, o
destruidor do Guairá, conquistador do Itatim, avassalador do Tape, como chefe dos paulistas
companheiros de Luiz Barbalho, na celebérrima retirada, e o autor do maior ciclo de devassamento de
terras americanas, dominando os Andes do Perú e da Nova Granada, e navegando as águas plácidas do
“Rio Mar”.” ELLIS JÚNIOR, A. O Bandeirismo Paulista e o Recuo do Meridiano. São Paulo : Companhia
Editora Nacional, 1934. p. 212.
244TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 5.
136
Por mestre de Campo de todas estas Companhias foi
Manuel Preto autor de todas estas malocas, como em
seu lugar se dirá. 245

Manuel Preto grande fomentador, Autor e Cabeça de


todas estas entradas, e malocas, que durante toda
sua vida tem feito, levando outros muitos
Portugueses, e tupis em sua companhia para trazer
índios a força de armas, e agora ultimamente tem
dito, que quer morrer nelas. 246

Não importa, num ato magnânimo Tavares cede o


lugar, desde sempre seu, ao companheiro mais idoso. Quanta
consideração!

É ele o inspirador do movimento, muito embora a


sua mocidade. A sua recente aclimação entre os
paulistas leva-o a deixar a chefia da grande entrada
a um sertanista idoso coberto do maior prestígio, o
velho Manuel Preto. 247

Sem qualquer sombra de dúvida estamos diante de


uma suposição, não há documentos que nos informem sobre este
gesto tão digno... A única explicação possível é que Taunay
força a interpretação da juventude de um e da velhice do outro
para sanar algo incompreensível para ele: por que o seu herói
não assumiu por inteiro a responsabilidade da missão? Mas,
enfim, Tavares com sua “formidável personalidade” e pela
relevância dos seus resultados, pode ser incluído entre “os
nossos maiores”:

245Relación de los agravios que hicieron los portugueses de San Pablo saqueando las aldeas que los
religiosos de la Compañía de Jesús tenían en la misión de Guairá y campos del Iguazú. Santos 10 de
octubre de 1629. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922, t. 1, segunda parte, p. 248.
246Ibid., p. 263.
247TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 5.
137
Mas ele é o organizador, o responsável pelo fato que
vai tornar para sempre portugueses os territórios
dos nossos atuais estados do Paraná e de S.
Catarina e encetar uma era de rechaço dos
espanhóis do Rio Grande do Sul e da parte
meridional de Mato Grosso. 248

Da sua ação resultam, portanto, a vitória sobre o


espanhol, a aquisição da mão-de-obra necessária à sobrevivência
da colônia e a conquista do território:

Foi a empresa cruel, crudelíssima mesmo, ninguém o


pôde negar. Teve porém as mais notáveis
conseqüências para o futuro do Brasil.
Não fora a ação de Antônio Raposo Tavares e a
fronteira do Brasil seria hoje o Paranapanema com
o Paraguai ou a Argentina pouco importa. E Mato
Grosso também não nos pertenceria, hispanisado
pelas reduções dos Itatins. 249

Este derradeiro resultado é o determinante na


mitificação de Tavares, dele advém o simbolismo do “périplo” e
do “socorro”, afinal o objetivo da História Geral não foi outro
senão “reverenciar a obra destes construtores épicos do Brasil
central e meridional” 250 , por isso Tavares é o maior de todos,
porque lutou intensamente contra o jesuíta e o espanhol, porque
percorreu como ninguém a extensão de uma terra desde sempre
brasileira e porque combateu o invasor holandês.

Tamanha é a sua convicção que ele considera a


expansão vicentina fruto de um plano lógico dos paulistas:

248Ibid., p. 5.
249Ibid., p. 95.
250TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 15.
138
Completada a obra de expulsão dos espanhóis do
Guairá, com a queda de Vila Rica e a evacuação de
Cidade Real prosseguem os paulistas no seu plano
de agressão sistematizada e tão lógico que parece
obedecer ao desenvolvimento de uma ação
estratégica maduramente pensada e determinada em
todos os seus pormenores. 251

Vencido o grande inimigo, o espanhol e o jesuíta;


vencido o grande desafio natural, o sertão e o índio; e
confirmada a supremacia da civilização, através da “edilidade
paulistana”; configura-se o ápice da narrativa na revelação do
mito:

Chegamos com a nossa narrativa a um ponto


culminante da história do bandeirantismo.
É aqui que se desenha a formidável personalidade de
um sertanista cujo nome já por vezes tem figurado
em nossas páginas: Antônio Raposo Tavares,
verdadeiro homeríada pelo vulto das prodigiosas
ações.
Fato curioso! É uma entidade de inconfundível
destaque e no entanto, até 1905, viveu a sua
memória envolta em profunda nebulosidade! 252

251TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 193. Jaime Cortesão, como já sublinhamos, também imagina
a expansão vicentina decorrente de um plano, português, é claro. “Para enaltecer seu esforço e bravura,
alguns historiadores brasileiros chamam a Raposo Tavares - homeríada. Seja-nos lícito fazer um reparo.
Dos heróis de Homero decorreram os horrores no Mediterrâneo, mar interior cuja maior extensão não
ultrapassa quatro mil e quinhentos quilômetros; e cujos perigos não excediam o canto das sereias e o
agitado mar entre Cila e Caríbedes, no doméstico estreito de Messina. Se temos de comparar aqueles
bandeirantes a grandes navegantes há que recorrer então aos descobridores, que afrontam os cabos das
Tormentas, que dividem os Oceanos. Como Vasco da Gama no Índico, ou Fernão de Magalhães no
Pacífico, Raposo Tavares mediu a sua grandeza pelos dois maiores padrões da Natureza no seu gênero:
os Andes e o Amazonas. Por mais a despropósito que se tenha usado e abusado das palavras,
acreditamos que a Raposo Tavares e aos seus companheiros cabe, sim, por justo título e direito, o
qualificativo mais épico, mais nobre, mais humano e mais brasileiro de Lusíadas.” CORTESÃO, J. A Maior
Bandeira do Maior Bandeirante. Revista de História, São Paulo, n. 45, 1961. p. 27. Disputa-se aqui a
mitologia mais adequada.
252Ibid., p. 69. O grifo é nosso.
139
Se para a expedição ao Guairá a documentação é
farta, em função dos arquivos espanhóis, o mesmo não se dá
para o “socorro” e para o “périplo”. O que temos são modestas
referências ao nome de Tavares associadas aos locais por onde
teria passado ou às expedições por ele comandadas, até mesmo o
confronto para a confirmação é difícil, quanto mais porque
diversos Antônio Raposo existiram. No entanto, como a sua
busca objetiva dissipar a neblina para em seguida mitificar,
apenas simples registros são suficientes.

A autoridade no assunto, Washington Luís, em artigo


destinado a solucionar todas as controvérsias envolvendo
Tavares, a certa altura, sobre o “socorro”, expende: “Vamos,
pois, narrar a história desse socorro, conforme pudermos” 253 . E
realmente só assim poderia se expressar.

Encarregado pelo rei de Espanha da recuperação de


Pernambuco, Dom Fernando de Mascarenhas, o Conde da Torre,
determinou que o capitão-mor e governador do Rio de Janeiro,
Salvador Correia de Sá e Benevides reunisse toda a gente capaz
de atuar numa guerra e que

para efeito da dita leva possa perdoar todos os


crimes que lhe parecer dos moradores do sertão da
capitania de S. Vicente e S. Paulo e quaisquer outros
principalmente no crime das entradas do sertão. 254

Ora, disto todos sabemos e damos fé. Prepostos de


Salvador de Sá ficaram incumbidos da tarefa e as comprovações

253LUÍS, W. Antônio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX,
1905. p. 492.
140
surgem nas Atas da Câmara de S. Paulo, inclusive o nome de
Tavares ao lado de outros. Este é o ponto, Tavares reuniu os
homens mas não só ele, muitos mais assim fizeram porque
demandavam o perdão do “crime das entradas do sertão” e não
porque lutariam pela reintegração do território à metrópole e
muito menos ainda porque ele futuramente formaria uma grande
nação. Todavia, estas últimas conclusões são postas de lado,
esquecidas; releva-se a participação mitigando-se a motivação e
a derrota final frente aos holandeses.

Como a sustentação documental é fraca, a saída para


enaltecer o bandeirante eleito veio, sem surpresa, daquele que
255
no século XVIII perseguiu o mesmo objetivo: Pedro Taques .
E, como Washington Luís, assim procedeu Taunay ao incorporar
a tradição à historiografia:

Em 1639-40 Antônio Raposo leva ao norte um


socorro de tropas paulistas, para a recuperação de
Pernambuco, então em poder dos holandeses; e, em
1641, é em S. Paulo, um dos promotores da
aclamação de D. João IV. 256

O “socorro” não era socorro, as tropas não


constituíram um “exército paulista”, mas integraram-se às
demais, a recuperação não se deu (em outras palavras, o
paciente “socorrido” morreu), Antônio Raposo Tavares não foi o
único chefe a conduzir os sertanistas 257 e, por fim, é pouco

254Ibid., p. 524.
255Ibid., p. 494.
256TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 70.
257Carvalho Franco afirma categoricamente que: “Não existe desse modo referência oficial de que
Antônio Raposo Tavares tivesse tomado parte no terço do mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra, como
assevera Pedro Taques, e, conseqüentemente, figurando na célebre retirada desse cabo de guerra.”
141
provável que Tavares tenha participado da aclamação porque,
como lembra Washington Luís, “parece que Azevedo Marques
(em quem Taunay se baseia) se equivocou quanto a esse fato e a
essa data”. 258

No que tange ao episódio do “périplo”, como já


dissemos, a situação não é diferente. Após ter empreendido a
destruição das missões no Guairá e no Itatim, Antônio Raposo
Tavares ausenta-se de São Paulo por quatro anos - a hipótese de
Ellis Júnior é o intervalo 1648-1652. Se, ausentou-se porque
perdeu o rumo na perseguição dos índios em fuga ou porque
partiu em busca de metais e pedras preciosas, consideramos
irrelevante para o nosso intento. Inclusive se cruzou ou não os
Andes passando por Quito, mais uma vez a querela documental é
secundária. Não resta a menor dúvida que os desafios
enfrentados pelos bandeirantes em geral foram imensos, agora
julgar que eles foram vencidos em nome de um glorioso destino
brasileiro é muito diferente. O que importa é a interpretação
promovida por Taunay da documentação específica.

Já em 1905 Washington Luís impunha restrições aos


exageros de alguns, entre eles Saint-Hilaire e Azevedo Marques,
e lembrava ser preciso contextualizar as referências ao “grande
reino do Peru” nos documentos referentes ao “périplo” 259 :

FRANCO, F. de A. C. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo. São Paulo : Companhia Editora Nacional,
1940. p. 81. Se confrontarmos esta citação com a de Ellis Júnior na nota número 79 perceberemos que o
último também seguiu Taques.
258LUÍS, W. Op. cit. p. 494-495.
259O autor refere-se, principalmente, à narrativa de Bernardo Pereira de Berredo: “Entrou a nova
sucessão de 1651, e no princípio dela chegaram à fortaleza de Santo Antônio do Curupá cinqüenta e
nove homens da capitania de São Paulo, com mais algum gentio, governado tudo pelo Mestre-de-Campo
Antônio Raposo (...) Perdeu-se esta tropa nos sertões de São Paulo; e não atinando com o rumo para se
recolher à capitania, vagou alguns meses por diferentes alturas, até que chegando ao grande reino do
142

O reino do Peru, divisão administrativa dessas


índias, na América, compreendia território em que
se acham os Estados de Mato Grosso, Amazonas,
parte dos do Pará e de Goiás. A província de Quito,
subdivisão do Peru, corria no alto Amazonas.
Navegar o alto Paraguai, o Madeira, entrar a essas
partes era, de acordo com a linha de marcação
(Tordesilhas), penetrar em territórios do grande
reino do Peru, das índias Espanholas. 260

Em suma, para W. Luís, Tavares cruzou a região


peruana e passou por “Quito” sem vencer os Andes. Taunay
sanciona as conclusões do seu incentivador oficial
transcrevendo, como de hábito, quase na íntegra, o artigo citado
sem contradizê-lo. Entretanto, passados cerca de trinta anos, ele
dispõe de novos documentos “comprovadores” e do apoio dos
seus contemporâneos.

Na documentação impressa do Registro Geral da


Câmara de S. Paulo, Ellis Júnior encontra um registro de
patente afirmando que Tavares fez uma viagem de
descobrimento de minas que durou quatro anos 261 . Entre as
cartas do padre Antônio Vieira publicadas por João Lúcio de
Azevedo há uma em que, do Maranhão, informa ao Provincial da
“grande perseguição que padecem os índios pela cobiça dos
portugueses em os cativarem” e, em especial, do descaminho de

Peru, não só se viu acometida de muitos índios de cavalos, mas de bastante número de castelhanos,
assistidos também de alguns missionários da Província de Quito”. BERREDO, B. P. de. Anais Históricos
do Estado do Maranhão, em que se dá notícia do seu descobrimento, e tudo mais que nele tem sucedido
desde o ano em que foi descoberto até o de 1718. Rio de Janeiro : Tipo Editor, 198-. p. 235.
260LUÍS, W. Op. cit. p. 496-497.
261ELLIS JÚNIOR, Op. cit., p. 215.
143
Tavares pela Amazônia 262 . Vieira condena evidentemente a ação
desses homens, mas, como menciona uma “jornada do
descobrimento de Quito”, explana o encontro de castelhanos e
recolhe notícias dos percalços sofridos, Taunay considera o
relato “documento de capital importância” 263 . O último dos
novos documentos foi divulgado por Paulo Prado, origina-se do
Conselho Ultramarino (1674) e diz respeito ao conflito entre os
Pires e os Camargos. A certa altura registra:

Desta vila (São Paulo) saiu o Mestre de Campo


Antônio Raposo, em descobrimento dos sertões,
empenhando-se de tal modo, que vindo a parar em
Quito daí pelo rio das Amazonas, veio sair ao
Maranhão, em cuja viagem passaram grandes
trabalhos, e gastaram mais de três anos. 264

Através deste material, que confirma a “veracidade


do périplo raposiano”, Taunay pôde revalidar a mística
bandeirante na direção de Tavares. Nele sintetizou a obra
“descomunal” de construção do território nacional com fortes
cores:
Não era Antônio Raposo Tavares homem para viver
na obscuridade...
Desapareceu exausto, prematuramente, pela
prodigiosa consumpção de forças exigida pela sua
tarefa descomunal. Deixava porém a mais veemente
das instigações a que o imitasse a gente de sua
grei...
E assim, sob o impulso dos temíveis homens vestidos
de couro, seus êmulos e sucessores e cujo lema é: o
Brasil sempre a Oeste!, recuam espavoridos os leões
de Castela, recua o meridiano tordesilhano e

262AZEVEDO, J. L. de (Org.). Cartas do Padre António Vieira. Coimbra : Imprensa da Universidade,


1925. t. 1, p. 408.
263TAUNAY, A. d’E. História Geral..., t. 3, p. 301.
264Ibid., p. 303.
144
milhões de quilômetros quadrados se adquirem para
o nosso patrimônio nacional.
Os exemplos de Antônio Raposo Tavares sobremodo
frutificam. Cada vez mais audazes precipitam-se as
bandeiras paulistas para o âmago do Continente. 265

Os documentos trabalhados por Taunay não


permitem interpretar que os bandeirantes e seus herdeiros
tinham como lema absoluto a expansão do território. Na
realidade eles objetivavam descobrir riquezas e escravizar o
índio, por isso enfrentavam os espanhóis (donos da prata
peruana), combatiam os jesuítas (aglutinadores da mão-de-obra
vermelha) e desprezavam solenemente o meridiano demarcador
nunca demarcado. Mais ainda, se julgarmos que Tavares
“devassou” a extensão máxima possível mesmo assim ele apenas
a percorreu, errou a terra sem um plano pré-concebido, não
tomou posse e não assegurou a sua ocupação perene. O próprio
Taunay, paradoxalmente, reconhece:

O ciclo da devassa das terras e da preia pouco de si


deixou na obra da definitiva configuração brasileira
pelo balizamento de fronteiras por intermédio da
implantação de postos avançados permanentes. Era
de esperar que assim fosse, pois a natureza das suas
operações implicava a prática do nomadismo.
Realmente de todo o século XVII que subsiste em
matéria de sedimentação povoadora do
bandeirantismo? Talvez nem meia dúzia de atalaias
do sertão. 266

Da narrativa da destruição dos redutos jesuíticos, do


“socorro” a Pernambuco e do “imenso périplo” resultou, de fato,
menos a conquista e ocupação do território do que a construção

265Ibid., p. 303. As reticências são do próprio Taunay.


266TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras..., t. 2, p. 317.
145
de um poderoso “exemplo”. Este, vigora no passado e frutifica
no presente, o mito do bandeirante integra uma memória erigida
para nobilitar as realizações de uma coletividade que não mais
avança sobre o continente, mas que se impõe política e
economicamente aos demais estados da federação. Eis o porquê
da contradição: o Taunay historiador, discípulo de Capistrano,
vez por outra emerge diante do seu duplo, o construtor de
memória.

4.4.2 Fernão Dias Pais

Morre! tu viverás nas estradas que abriste!


Teu nome rolará no largo choro triste
Da água do Guaicuí... Morre, Conquistador!
Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares
Subires, e, nutrindo numa árvore, cantares
Numa ramada verde entre um ninho e uma flor! 267

A base histórica utilizada para erigir a mitificação


acerca de Fernão Dias Pais prende-se, essencialmente à chamada
expedição esmeraldina (1674). Em função do grande volume
documental disponível, comparativamente ao que se tem sobre
Tavares, a exposição recobriu-se de detalhes e permitiu que
Taunay escrevesse um livro inteiro a respeito do símbolo do
segundo “ciclo” da expansão vicentina. Os seus esforços para
justificar a escravização do índio - “imperativo econômico”,
“crime foi do tempo!” - ou esquecê-la, foram facilitados pelo
brilho da perspectiva da descoberta de metais e pedras
preciosas: se Tavares claramente saía de São Paulo para

267BILAC, O. O Caçador de Esmeraldas: episódio da epopéia sertanista no XVIIIo século. In: Poesias.
Belo Horizonte : Itatiaia, 1985. p. 170.
146
submeter outros seres humanos, Fernão Dias partia numa
“jornada pesquisadora de minerais”.

Taunay faz de Fernão Dias um bandeirante afeito à


imagem do pesquisador e não do escravizador, quanto mais que
à época de sua grande “bandeira esmeraldina” o sertanista
encontrava-se nobremente “aposentado”:

Passaram-se os anos. Continuou Fernão Dias Pais


em S. Paulo em sua grande fazenda do Capão em
Pinheiros, na sua vida de grande landlord, quiçá
nostálgico do sertão. 268

Todavia, quando necessitava escravizar, fazia-o com


métodos “civilizados”:
Vários anos permaneceu Fernão Dias nas regiões do
sul, refere Pedro Taques, antes de trazer para S.
Paulo os dóceis rebanhos de escravos vermelhos, a
quem conseguira impor a sujeição por meio de
processos de cordura e persuasão, a acreditarmos
no que nos refere o seu biógrafo. Processos estes
bem diversos dos meios geralmente empregados
pelos sertanistas em relação aos homens inferiores
da selva. Embora exagerados pela tradição oral ou a
benevolência do linhagista, revelam, em todo caso,
na alma do futuro governador das esmeraldas,
sentimentos humanitários que não eram os comuns
do seu tempo.” 269

Fazendeiro de grandes posses, “opulento”, na casa


dos sessenta anos, a sua jornada impressionava antes mesmo de

268TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 64. A “diferença” é destacada por Mafalda Zemella: “As
bandeiras apresadoras, de caráter belicoso, descendo o íncola para o litoral, destruindo as tribos mais
rebeldes, deixaram o sertão aberto e limpo para as pacíficas bandeiras pesquisadoras de metal.”
ZEMELLA, M. P. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo : HUCITEC;
EDUSP, 1990. p. 35. O grifo é nosso.
147
acontecer. Subscrevendo um contemporâneo, Taunay vê o
prenúncio de algo significativo:

Em princípios de agosto de 1672, a 8, escreve Ellis


(...):
“Já se faziam sentir em São Paulo os pródromos da
grandiosa expedição de Fernão Dias a mais
memorável da época”. 270

O prenúncio concretiza-se e a nostalgia finda quando


o bandeirante aceita o desafio proposto pelas autoridades. Em
carta enviada a Fernão Dias (20 de outubro de 1671), o
governador geral Visconde de Barbacena incita-o “a que
realizasse uma grande jornada de penetração nos sertões centrais
a busca de esmeraldas e prata” 271 . Uma segunda correspondência
foi remetida pelo governador (19 de fevereiro de 1672) na
expectativa de já estar o bandeirante a caminho ou de volta.
Indignado, Taunay reage contra a pressa do burocrata colonial:
“Quanto açodamento! e quanta ignorância!” 272

Afinal, quem é o governador para cobrar algo de um


herói? Caberia ao sertanista a organização e o custeio da
expedição recebendo em troca o ressarcimento, títulos e mercês
caso obtivesse sucesso. Escolhido dentre muitos outros homens
do sertão, tratado com respeito e consideração pelos
governantes, partiu fielmente Fernão Dias.

269TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4,
1931. p. 109-110. O grifo é nosso.
270TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 78.
271Ibid., p. 69.
272Ibid., p. 71.
148
No percurso o bandeirante enfrentou sérias
dificuldades: a falta de armas e provisões, a morte de parentes e
companheiros, as “asperezas do sertão”, a doença do seu próprio
corpo, as deserções e a traição tentada pelo filho bastardo.
Seguindo Pedro Taques, o historiador expõe minuciosamente
todos esses desafios capazes de constituir um líder sem igual,
pois só um verdadeiro herói poderia superá-los:

Exausto de recursos, vendo o desânimo absoluto em


torno de si, era pelo prestígio da disciplina terrível
e a constância inquebrantável ante a diversidade,
que o grande sertanista mantinha a sua bandeira na
sujeição. 273

Desgastado no sertão e sem nada descobrir, o


bandeirante determina à esposa que tudo vendesse para que o
montante arrecadado fosse investido na jornada, uma vez que
das autoridades régias nada esperava 274 . Isolado, mas
determinado e leal, como poderia sua expedição obter resultado
negativo? Mas assim sucedeu:

Eram turmalinas, por assim dizer, desvaliosas, e não


as cobiçadas esmeraldas o que o grande sertanista
descobrira; a ignorância induziu-o pelo aspecto das
pedras a um engano providencial que lhe encheu os
últimos dias de glória e esperanças. 275

O bandeirante nada descobriu e não retornou,


simplesmente morreu ignorante no sertão. Entretanto o
historiador não se dá por rogado, ele mesmo não digere o
fracasso e precisa expandir a sua emoção pelo herói morto

273Ibid., p. 104.
274Ibid., p. 106.
275Ibid., p. 107.
149
(1681). Ato contínuo, Taunay imagina como Fernão Dias
receberia um aviso de Dom Rodrigo de Castel Blanco
felicitando-o pelo achado, mas recomendando a análise das
pedras antes de noticiarem ao rei:

Como acolheria Fernão Dias Pais a proposta da


demora de seu comunicado oficial da descoberta?
Suspeitoso, com certeza, muito embora viessem os
acontecimentos posteriores demonstrar que a
prudência recomendada por D. Rodrigo era
essencial. As famosas pedras verdes que julgava
esmeraldas não passavam de modestas turmalinas.
Mas a carta de D. Rodrigo já lhe não chegaria às
mãos...
Tinha Fernão Dias Pais atingido a meta dos seus
esforços! Estavam, a seu ver, descobertas as lavras
“férteis” de esmeraldas onde a terra restituiria ao
cêntuplo os esforços imensos feitos para o seu
desbravamento!
Imagine-se a enorme alegria que deve ter invadido a
alma do ousado septuagenário, que via coroada de
tanta felicidade a sua magna empresa. E avalie-se o
entusiasmo dos últimos companheiros que o seguiam
através do impérvio sertão! Tivera razão o grande
bandeirante!
Havia pedrarias, havia esmeraldas no bojo daquelas
penedias alcantiladas, ele as pressentira e afinal
viera a descobri-las!
Agora o que se precisava fazer era levar o fato ao
conhecimento dos altos funcionários da colônia.
Determinara Deus ao Descobridor o termo da sua
carreira. 276

Apresentamos, de novo, um momento em que Taunay


elucubra. Inconformado por não poder narrar fidedignamente o
sucesso que ele próprio havia programado para o “caçador de
esmeraldas”, emocionado com a circunstância do chamamento
de Deus - só Ele poderia convocar o Herói -, e necessitando

276TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida..., p. 165-166.


150
contornar a derrota do bandeirante perante o leitor, sua única
saída é inventar uma cena na qual o herói abandona vitorioso o
campo de batalha. Todos os recursos são válidos para não
macular o mito, uma vez chegado o ponto culminante da
narrativa ele tinha que dar-se plenamente, a qualquer preço.
Vemos, uma vez mais, a memória desalojar a história. 277

Com efeito, se não descobriu nem ouro nem


esmeraldas, a expedição de Fernão Dias clareou o horizonte das
minas, sendo esta a sua única característica vitoriosa. Primeiro,
porque conduzia três outros bandeirantes que desfrutariam, em
breve e com sucesso, dos conhecimentos adquiridos na viagem
(Matias Cardoso de Almeida, Manuel de Borba Gato e Garcia
Rodrigues Pais - filho de Fernão); segundo, porque ao longo dos
seus sete anos de duração foram disseminados vários pequenos
roçados que povoaram o interior; e, por fim, estes roçados
permitiram o deslocamento inicial da população, alimentando-a,
quando da efetiva descoberta. Este balanço positivo,
compartilhado por Taunay e por Basílio de Magalhães 278 , mais
tarde foi endossado por Mafalda Zemella:

O ano de 1674 é o momento culminante da bandeira


pesquisadora. Foi quando entrou para o sertão a
bandeira de Fernão Dias Pais, bandeira essa que
abriu largamente as portas da região aurífera,
facilitando o caminho para as minas, pontilhando-o
de roças. 279

277Invertemos uma passagem de Nora ao dizer que “a história desaloja, ela torna sempre prosaico”.
NORA, P. Op. cit., p. XIX.
278MAGALHÃES, B. de. A Expansão Geográfica do Brasil Colonial. Rio de Janeiro : Epasa, 1944. p. 133-
135.
279ZEMELLA, M. P. Op. cit., p. 38.
151
De fato, se o papel desempenhado por estas
“fazendolas” foi tão determinante não temos como julgar. O que
sem dúvida alguma podemos afirmar é a sua sobrevalorização,
aqui ocorre uma mudança significativa na constituição do mito
do bandeirante. Ele deixa de ser um desbravador ou escravizador
e veste a indumentária do povoador e civilizador. No primeiro
“ciclo” ocorreu a luta pela conquista do território, despovoou-
se, e Antônio Raposo Tavares foi escolhido como símbolo;
agora, no segundo “ciclo”, assiste-se ao movimento
complementar daquele plano imaginado por Taunay, repovoa-se
a terra, e Fernão Dias é o seu símbolo máximo.

Da destruição à construção, de desbravador a


civilizador, o bandeirante mitificado adapta-se aos mais
diferentes contextos, no passado ou no presente. Consciente
dessa poderosa simbologia, Taunay tudo fez para fortalecê-la e
legitimá-la na historiografia, terminando por construir a
memória bandeirante.
5 . CONSIDERAÇÕES FINAIS
153
Affonso d'E. Taunay reuniu ao longo da vida, em sua
obra, um conjunto de experiências passadas e contemporâneas
que desejava perpetuar no futuro. Ele pretendeu concretizar essa
meta por intermédio de um saber científico: a história. Filho de
uma família originária da França, com o pai nobilitado pelo
Império, casado numa importante família de São Paulo, diretor
de museu anos seguidos até a aposentadoria; disso resulta um
historiador que produz a partir de um universo elitista e oficial.
Entretanto, se seu discurso historiográfico expressa em parte
essa ligação, ele não é um ideólogo das classes dirigentes. No
limite, a sua obra fornece os meios - símbolos, por exemplo -
disponíveis a todo o tipo de manipulação. É o passado que mais
o interessa, lá está a vida idealizada; o presente é significativo
na medida em que o desperta para determinados temas e que
constitui-se na possibilidade de transmiti-los.

Em nossa análise do seu trabalho historiográfico


obtivemos as seguintes conclusões básicas:

— A vinculação ao historicismo romântico-erudito


permitiu-lhe acreditar numa realidade histórica dada, existente
antes mesmo da intervenção do historiador. Isto posto, bastava
ao pesquisador do passado debruçar-se intensamente sobre os
documentos e fazê-los “falar”. Quando assim procedia, aquela
realidade se apresentava viva, total, pulsante, presentificada.
Esta é a base da construção historiográfica da memória
bandeirante: a crença numa verdade histórica absoluta capaz de
ser celebrada eternamente.
154
— A construção do tema das Bandeiras por Taunay
dependeu também da interseção de contribuições de Capistrano
de Abreu e Washington Luís - contemporâneos - e de Pedro
Taques, Frei Gaspar e Auguste de Saint-Hilaire. De Capistrano
obteve o saber histórico, dos demais retomou a tradição
construída no século XVIII, e, com todos nele reunidos, edificou
a memória bandeirante.

— A produção historiográfica de Taunay relativa à


expansão vicentina é um veículo (lugar) de memória porque as
palavras, os títulos, os temas e a interpretação são estruturados e
articulados para conduzirem uma mensagem simbólica que
extrapola a configuração científica da realidade histórica.

Assim construiu, o engenheiro Taunay, o edifício


historiográfico da memória bandeirante.
6 . FONTES
156
6.1 Obras de Affonso d'Escragnolle Taunay

* 1909

Léxico de Termos Técnicos e Científicos, São Paulo : Separata


do Anuário da Escola Politécnica de São Paulo, 154 p.

* 1910

Crônica do Tempo dos Felipes. Tours : Arrault, 368 p.

* 1911

A Missão Artística de 1816. Revista do Instituto Histórico e


Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 74. p. 3-202. ([3.
ed.], Brasília : UnB, 1983. 332 p. il.)

Extrato das Viagens de François Pyrard, de Laval, relativo à


estada deste navegante no Brasil, em 1610. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo,
v. XIII, p. 341-357.

* 1913

Discurso de Posse pelo Dr. Affonso d'Escragnolle Taunay.


Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,
São Paulo, v. XVII, p. 89-91. (2. ed., São Paulo, 1943).
157
Discurso Proferido pelo Orador Oficial Dr. Affonso
d'Escragnolle Taunay na Sessão Aniversaria a 1º de
novembro de 1912. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVII, p. 449-465.
(2. ed., São Paulo, 1943).

* 1914

Os Princípios Gerais da Moderna Crítica Histórica. Revista do


Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo,
v.XVI, p. 323-344.

Discurso Proferido pelo Orador Oficial Dr. Affonso


d'Escragnolle Taunay na Sessão Magna de 1º de novembro
de 1913. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, São Paulo, v. XVIII, p. 549-568. (2. ed., São Paulo,
1942).

Léxico de Lacunas: subsídios para os dicionários da língua


portugueza. Tours : E. Arrault, 1914. 223 p. (Separata do
tomo XVI da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo).

* 1915

Pedro Taques. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de


São Paulo, São Paulo, v. XIX, p. 235-261. (Também no
livro de Pedro Taques: História da Capitania de São
Vicente. São Paulo : Melhoramentos, [1928]. 176 p. p. 3-
53).
158
* 1916

Frei Gaspar da Madre de Deus. Revista do Instituto Histórico e


Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 77, 2ª parte, 1916.
p. 419-495. (Também na: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XX, 1918. p. 127-
173; reproduzido, com alterações, na terceira edição do
livro de Frei Gaspar: Memórias para a História da Capitania
de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos
anos em que se descobriu o Brasil. 3. ed. São Paulo :
Weiszflog Irmãos, 1920. 383 p. p. 9-75).

* 1918

Inéditos de Frei Gaspar da Madre de Deus e Documentos sobre


o Historiador. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo, São Paulo, v. XX, p. 187-248.

Inéditos de Pedro Taques e Documentos Inéditos Referentes ao


Autor da “Nobiliarquia”. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XX, p. 745-790.

A Lenda de Amador Bueno; O Livro Terceiro das “Memórias


para a Capitania de São Vicente”. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XX, p.
175-186. (Também na terceira edição do livro de Frei
Gaspar: Memórias para a História da Capitania de S.
Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos anos em
que se descobriu o Brasil. 3. ed. São Paulo : Weiszflog
Irmãos, 1920. 383 p. p. 76-89).
159
* 1919

Na Era das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e


Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 84, p. 383-531. (2.
ed. [rev. aum.] São Paulo : Melhoramentos, 1922. 195 p.
il.)

* 1920

A Glória das Monções. São Paulo : Casa Editora O Livro, 42 p.


(Reeditado no livro: Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo :
Melhoramentos, [1926]. 106 p. il. p. 83-101).

S. Paulo nos Primeiros Anos (1554-1601): Ensaio de


Reconstituição Social. Tours : E. Arrault & Cia., 216 p.

* 1921

S. Paulo no Século XVI: História da Vila Piratiningana. Tours :


E. Arrault & Cia., 292 p.

* 1922

Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas: Séculos XVI-


XVII-XVIII. 2 p. il.

Pedro Taques e seu tempo: estudo de uma personalidade e de


uma época. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 1, p. 1-
286.
160
Sobre El Rei Nosso Senhor: aspectos da vida setecentista
brasileira, sobretudo em S. Paulo. Anais do Museu Paulista,
São Paulo, t. 1, primeira parte, p. 290-416.

Um Grande Bandeirante: Bartolomeu Paes de Abreu (1674-


1738). Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 1, primeira
parte, p. 417-528.

* 1923

Piratininga: Aspectos Sociais de S. Paulo Seiscentista. São


Paulo : Tip. Ideal; Heitor L. Canton, 173 p.

* 1924

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L.
Canton, t. 1, 370 p.

Non Ducor, Duco: Notícias de S. Paulo, 1565-1820. São Paulo :


Typ. Ideal; H. L. Canton, 186 p.

* 1925

André João Antonil (Padre João Antonio Andreoni, S. J.). Anais


do Museu Paulista, São Paulo, t. 2, primeira parte, p.63-
114.
161
Frei Gaspar da Madre de Deus (1715-1800). Anais do Museu
Paulista, São Paulo, t. 2, primeira parte, p. 115-199.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; Heitor L.
Canton, t. 2, 379 p.

* 1926

História Seiscentista da Vila de S. Paulo (1600-1653). São


Paulo : Typ. Ideal; Heitor L. Canton, 281 p. il. t. 1.

Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 106 p. il.

Reparos ao novo dicionário de Cândido de Figueiredo. Tours :


Arrault, 111 p.

* 1927

Antigos Aspectos Paulistas. Anais do Museu Paulista, São


Paulo, t. 3, primeira parte, p. 319-371.

O Caminho entre S. Paulo e o Rio de Janeiro na Era Colonial.


Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, primeira parte,
p.195-243.

Os Despojos de Fernão Dias Paes: A Efígie do Governador das


Esmeraldas. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3,
primeira parte, p. 271-282.
162
Instrução Setecentista. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t.3,
primeira parte, p. 283-293.

J. Capistrano de Abreu: In Memorian. Anais do Museu Paulista,


São Paulo, t. 3, primeira parte, p. XIII-XVIII.

História Antiga da Abadia de S. Paulo (1598-1772). São Paulo :


Typ. Ideal; H. L. Canton, 267 p. il.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L.
Canton, t. 3, 366 p.

História Seiscentista da Vila de S. Paulo (1653-1660). São


Paulo : Typ. Ideal, t. 2, 287 p. il.

A terminologia zoológica e científica em geral e a deficiência


dos grandes dicionários portugueses. São Paulo, Revista do
Museu Paulista, t. 15, segunda parte, p. 275-384.

* 1928

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 4, 401 p.

História Seiscentista da Vila de S. Paulo. São Paulo : Typ.


Ideal; Heitor L. Canton, t. 3, 306 p.
163
A insuficiência e deficiência dos grandes dicionários
portugueses. Tours : Arrault, 159 p.

* 1929

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 5, 366 p.

História Seiscentista da Vila de S. Paulo: escrita à vista da


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, e
estrangeiros. São Paulo: Typ. Ideal; Heitor L. Canton, t. 4,
385 p.

* 1930

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 6, 372 p.

* 1931

A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista,


São Paulo, t. 4, p. 1-200.

Terra Bandeirante. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4,


p.325-425.

* 1932
164
Inópia científica e vocabular dos grandes dicionários
portugueses. São Paulo, Revista do Museu Paulista, t. 17.

* 1933

Visitantes do Brasil Colonial (séculos XVI-XVIII). São Paulo:


Companhia Editora Nacional, 241 p. (2. ed. 1938.).

* 1936

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L.
Canton, t. 7, 377 p.

* 1937

Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. São Paulo :


Imprensa Oficial do Estado, 122 p. il.

* 1939

Posse do Dr. Afonso de Escragnolle Taunay na Presidência


Honorária do Instituto: Discurso do Dr. Afonso de Taunay.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,
São Paulo, v. XXXVII, p. 9-14.

* 1941
165
Ensaios da História Paulistana. Anais do Museu Paulista, São
Paulo, t. 10, primeira parte, p. 1-223.

Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil. Anais do


Museu Paulista, São Paulo, t. 10, terceira parte, p. 1-311.

* 1943

Amador Bueno e outros ensaios. Anais do Museu Paulista, São


Paulo, t. 11, primeira parte, p. 1-217.

* 1945

Comemoração do Cinqüentenário da Solene Instituição do


Museu Paulista no Palácio do Ipiranga. Anais do Museu
Paulista, São Paulo, t. 12, quarta parte, p. 1-51.

* 1946

O Bandeirismo e os Primeiros Caminhos do Brasil. In:


TAUNAY, A. d' E., CORRÊA FILHO, V., ELLIS JUNIOR,
A. et al. Curso de Bandeirologia. São Paulo : Dep. Estadual
de Informações, 1946. 146 p. il. p. 5-28.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 8,
545+32 p.

* 1948
166
História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de
avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 9,
676 p.

* 1949

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 10,
262+396 p.

Iconografia Paulista Vetustíssima. Anais do Museu Paulista,


São Paulo, t. 13, p. 29-45.

José Ferraz de Almeida Júnior. Anais do Museu Paulista, São


Paulo, t. 13, p. 151-168.

Jubileu do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1894-


1944): Discurso do Sr. Afonso de E. Taunay. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo,
v.XLIV, segunda parte, p. 147-162.

* 1950

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de


avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,
espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 11,
313+219 p.
167
* 1951

História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos,


365 p. il. (2. ed. São Paulo, 1961. 3 v.).

* 1953

João Ramalho e Santo André da Borda do Campo. São Paulo :


Revista dos Tribunais, 322 p. il.

Relatos Monçoeiros: Introdução, Coletânea e Notas de Afonso


de E. Taunay. São Paulo, Martins, 273 p. il.

Relatos Sertanistas: Coletânea, Introdução e Notas de Afonso


de E. Taunay. São Paulo, Martins, 234 p. il. (ed. Belo
Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1981.).

* 1954

História da Cidade de São Paulo. São Paulo : Melhoramentos,


272 p. il.

6.2 Correspondência entre Capistrano de Abreu e Affonso d'E.


Taunay

* RODRIGUES, José Honório (Org.). Correspondência de


Capistrano de Abreu. Prefácio por José Honório Rodrigues.
Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1. 446 p. il.
168
6.3 Documentos Publicados por Affonso d'E. Taunay
Relacionados ao Bandeirismo

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentação Brasileira


Seiscentista: Documentação Paulista de Procedência
Baiana. São Paulo, t. 3, p. 233-318.

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentos Bandeirantes do


Arquivo Geral das Índias de Sevilha. São Paulo, 1931. t. 5,
parte segunda, p. 5-320.

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentos Paulistas do


Arquivo Geral das Índias de Sevilha. São Paulo, 1923. t. 1,
segunda parte, p. 139-442.

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentos sobre o


Bandeirantismo do Arquivo Geral das Índias em Sevilha.
São Paulo, 1925. t. 2, segunda parte, p. 5-334.

6.4 Obras Editadas ou Reeditadas por Affonso d'E. Taunay

* ANTONIL, André João (João Antonio Andreoni, S.J.). Cultura


e Opulência do Brasil. Com um estudo bio-bibliográfico por
Affonso d'E. Taunay. [5. ed.]. São Paulo : Melhoramentos,
1923. 280p. il.

* LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. História da Capitania


de São Vicente. Com um escorço biográfico do autor por
169
Affonso d'E. Taunay. São Paulo : Melhoramentos, [1928].
176 p.

* ____. Informação sobre as Minas de São Paulo : A Expulsão


dos Jesuítas do Colégio de São Paulo. Com um estudo sobre
a obra do autor por Affonso d'E. Taunay. São Paulo :
Melhoramentos, [1929]. 215 p.

* ____. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica.


Biografia do autor e estudo crítico de sua obra por Affonso
d'E. Taunay. 5. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :
EDUSP, 1980. 3 v. (1. ed. Rio de Janeiro : Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. XXXII-
XXXV, 1869-).

* MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a História


da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e
Notícias dos anos em que se descobriu o Brasil. Com um
estudo biográfico do autor e notas por Affonso d'E. Taunay.
3. ed. São Paulo : Weiszflog Irmãos, 1920. 383 p. (1. ed.
Lisboa : Academia Real de Ciências, 1797).

* MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos


históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e
noticiosos da Província de São Paulo. Prefácio por Affonso
d'E. Taunay. 5. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :
EDUSP, 1980. 2 v. (1. ed. Rio de Janeiro : Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, 1879).
170
6.5 Crônicas, Correspondências e Narrativas Diversas

* ANCHIETA, José de. Cartas: informações, fragmentos


históricos e sermões. Edição fac-similar da 1. ed. Belo
Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1988. 258 p.

* AZPILCUETA NAVARRO, et al. Cartas Avulsas. Edição fac-


similar da 1. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :
EDUSP, 1988. 529 p.

* BERREDO, B. P. de. Anais Históricos do Estado do


Maranhão, em que se dá notícia do seu descobrimento, e
tudo mais que nele tem sucedido desde o ano em que foi
descoberto até o de 1718. 4. ed. Rio de Janeiro : Tipo
Editor, 198-. 390 p. il.

* CABEZA DE VACA, Alvar Núñes. Naufrágios. Edição,


Introdução e Notas de Trinidad Barreta. Madrid : Alianza,
1985. 181 p. il.

* LEITE, SERAFIM, S.I. Cartas dos Primeiros Jesuítas do


Brasil. São Paulo : Comissão do IV Centenário da Cidade
de São Paulo, 1954. 3 v. il.

* ____. Novas Cartas Jesuíticas: de Nóbrega a Vieira. São


Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940. 344 p.

* NÓBREGA, Manoel da. Cartas do Brasil. Edição fac-similar


da 1. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP,
1988. 258 p.
171
* SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à Província de São
Paulo. Tradução, prefácio e notas por Rubens Borba de
Moraes. São Paulo : Martins; EDUSP, 1972. 357 p. il.

* SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil: 1500-1627.


Revisão de Capistrano de Abreu, Rodolfo Garcia e Frei
Venâncio Wílleke, OFM. 7. ed. Belo Horizonte : Itatiaia;
São Paulo : EDUSP, 1982. 437 p.

* SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em


1587. Edição acrescida de alguns comentários por Francisco
Adolfo de Varnhagen. 5. ed. São Paulo : Companhia Editora
Nacional; Brasília : INL, 1987. 389 p.

* VASCONCELOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus.


Introdução de Serafim Leite. 3. ed. Petrópolis : Vozes;
Brasília : INL, 1977. 2 v.

* VIEIRA, António. Cartas do Padre António Vieira.


Coordenadas e anotadas por J. Lúcio d'Azevedo. Coimbra :
Imprensa da Universidade, 1925-1928. 3 v.
172

7 . BIBLIOGRAFIA
173
7.1 Obras de Referência e Instrumentos de Trabalho

— BURGUIÈRE, André (Org.). Dicionário das Ciências


Históricas. Tradução por Henrique de Araújo Mesquita. Rio
de Janeiro : Imago, 1993. 773 p. Tradução de: Dictionnaire
des Sciences Historiques.

— ELLIS, Myriam, HORCH, Rosemarie Erika. Affonso


d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11
de julho de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo :
Conselho Estadual de Cultura, 1977. 208 p.

— FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário


da Língua Portuguesa. 14. reimp. Rio de Janeiro : Nova
Fronteira, 19--.

— FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de


Bandeirantes e Sertanistas do Brasil: séculos XVI-XVII-
XVIII. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1989.
443 p.

— GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana.


Tradução por Victor Jabouille. Lisboa: Difel; Rio de
Janeiro: Bertrand, 1992. 554 p. il.

— LE GOFF, J., CHARTIER, R., REVEL, J. (Dir.). A Nova


História. Tradução por Maria Helena Arinto e Rosa Esteves.
Coimbra : Almedina, 1990. 590 p. il. Tradução de: La
Nouvelle Histoire.
174
— MATOS, Odilon Nogueira de. Afonso de Taunay Historiador
de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio
Bibliográfico. São Paulo : USP, 1977. 267 p. il.

— MORAES, R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual


Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro :
Gráfica Editora Souza, 1949. 895 p.

— SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua


Portuguesa. Edição fac-similar da 2. ed. Direcção de
Laudelino Freire. Rio de Janeiro : Litho-Typographia
Fluminense, 1922. 2 v.

— SILVA, M. C. da, BRAYNER, S. Normas Técnicas de


Editoração: teses, monografias, artigos e papers. 2. ed. Rio
de Janeiro : Editora da UFRJ, 1993. 75 p.

— VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das


Palavras, Termos e Frases. Edição crítica baseada nos
manuscritos e originais de Viterbo por Mário Fiúza. Porto :
Liv. Civilização, 1966. 2 v.

— 70 Anos da Academia Paulista de Letras. São Paulo :


Academia Paulista de Letras, 1979. 248 p. il.

7.2 Artigos e Partes de Monografias

— BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia


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um problema nacional? Separata da Revista de História,
São Paulo, n. 118, 1985. p. 3-12.

— ____. Da casa senhorial à vila operária: patrimônio cultural e


memória coletiva. Revista Tempo Brasileiro, Rio de
Janeiro, n. 87, 1986. p. 127-139.

— ____. Memória, história, nação: propondo questões. Revista


Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 5-13.

— SILVA, José Luiz Werneck da. Repensando os museus


históricos como casas da memória: a proposta do Museu da
República, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro (1983-
1986). Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 87,
1986. p. 122-126.

— VESENTINI, Carlos Alberto. A instauração da temporalidade


e a (re)fundação na história: 1937 e 1930. Revista Tempo
Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 104-121.

— WEHLING, Arno. Capistrano de Abreu: a fase cientificista.


Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
v.311, 1976. p. 43-91.

— ____. Capistrano de Abreu e Silvio Romero: Um Paralelo


Cientificista. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 370, 1991. p. 265-274.
181
— ____. Em torno de Ranke: a questão da objetividade
histórica. Revista de História, São Paulo, n. 93, 1973. p.
177-200.

— ____. Fundamentos e virtualidades da epistemologia da


história: algumas questões. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. p. 147-169.

— ____. Historicismo e Concepção de História nas Origens do


I.H.G.B. In: Origens do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro: idéias filosóficas e sociais e estruturas de
poder no Segundo Reinado. Rio de Janeiro : Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, 1989. p. 43-58.

7.3 Livros

7.3.1 De Caráter Teórico, Metodológico e Historiográfico

— ABUD, Katia Maria. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas


Tradições (a construção de um símbolo paulista: o
bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao
Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas - USP, 1985. 242 p. il.

— ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Tradução por


Mauro W. Barbosa de Almeida. 2. ed. São Paulo :
Perspectiva, 1979. 348 p. Tradução de: Between Past and
Future.
182
— ARIÈS, Philippe. O Tempo da História. Tradução por
Roberto Leal Ferreira. Rio de Janeiro : Francisco Alves,
1989. 265 p. Tradução de: Le temps de l'histoire.

— BLOCH, Marc. Introdução à História. Tradução por Maria


Manuel Miguel e Rui Grácio. 2. ed. [S.l.] : Publicações
Europa-América, 1974. 179 p. Tradução de: Apologie pour
l'histoire ou Métier d'historien.

— BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. 2.


ed. São Paulo : T. A. Queiroz; EDUSP, 1987. 402 p. il.

— BOURDÉ, Guy, MARTIN, Hervé. Les Écoles Historiques.


Paris : Seuil, 1990. 413 p.

— BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. Tradução por


J. Guinsburg e Tereza Cristina Silveira da Motta. São Paulo
: Perspectiva, 1978. 294p. Tradução de: Écrits sur
l'Histoire.

— BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia: A


Escola dos Annales (1929-1989). Tradução por Nilo Odália.
2. ed. São Paulo : UNESP, 1992. 154 p. Tradução de: The
French Historical Revolution: The Annales School 1929-
1989.

— CASSIRER, Ernst. Antropologia Filosófica: ensaio sobre o


homem. Tradução por Vicente Felix de Queiroz. 2. ed. São
Paulo : Mestre Jou, 1977. 378 p. Tradução de: An Essay on
Man.
183

— ____. Esencia y Efecto del Concepto de Símbolo. Tradução


por Carlos Gerhard. 1. reimp. México : Fondo de Cultura
Económica, 1989. 215 p. il. Tradução de: Wesen und
Wirkung des Symbolbegriffs.

— ____. A Filosofia do Iluminismo. Tradução por Álvaro


Cabral. Campinas : UNICAMP, 1992. 472 p. Tradução de:
Die Philosophie der Aufklãrung.

— ____. Linguagem, Mito e Religião. Tradução por Rui


Reininho. Porto : Rés-Editora, 19--. 120 p. Tradução de:
Sprache und Mythos.

— ____. El Mito del Estado. Tradução por Eduardo Nicol. 6.


reimp. México : Fondo de Cultura Económica, 1988. 360 p.
Tradução de: The Myth of the State.

— ____. El Problema del Conocimiento en la Filosofía y en la


Ciencia Modernas: de la muerte de Hegel a nuestros días
(1832-1932). Tradução por Wenceslao Roces. 4. reimp.
México : Fondo de Cultura Económica, v. IV, 1986. 396 p.
Tradução de: Das Erkennínisproblem in der Philosophie
und Wissenschaft der neueren Zeit, IV.

— CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Tradução por


Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro : Forense, 1982.
345 p. Tradução de: L'écriture de l'histoire.
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— CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e
representações. Tradução por Maria Manuela Galhardo.
Lisboa : Difel; Rio de Janeiro : Bertrand, 1990. 244 p.

— COLLINGWOOD, R. G. A Idéia de História. Tradução por


Alberto Freire. 6. ed. Lisboa : Editorial Presença, 1986.
401p. Tradução de: The Idea of History.

— CROCE, Benedetto. Teoría e Historia de la Historiografía.


Tradução por Eduardo J. Prieto. Buenos Aires : Editorial
Escuela, 1965. 300 p. Tradução de: Teoria e Storia della
Storiografia.

— O Direito à Memória: Patrimônio Histórico e Cidadania. São


Paulo : Departamento do Patrimônio Histórico, 1992. 235p.

— DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à


Nova História. Tradução por Dulce da Silva Ramos.
Campinas : UNICAMP; São Paulo : Ensaio, 1992. 267 p. il.
Tradução de: L'Histoire en Miettes: Des "Annales" a la
"Nouvelle Histoire".

— FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Tradução por


Leonor Martinho Simões e Gisela Moniz. 3. ed. Lisboa :
Editorial Presença, 1989. 262 p. Tradução de: Combats
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— FICO, Carlos, POLITO, Ronald. A História no Brasil (1980-


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— FUETER, Eduard. Historia de la Historiografía Moderna.


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Neueren Historiographie.

— GARDINER, Patrick. [Org.]. Teorias da História. 3. ed.


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— ____. História: Novos Objetos. Tradução por Terezinha


Marinho. 3. ed. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1988.
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— ____. História: Novos Problemas. Tradução por Theo


Santiago. 3. ed. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1988.
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Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo
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— ____. A Miséria do Historicismo. Tradução por Octany S. da


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— ____. A Sociedade Aberta e Seus Inimigos. Tradução por


Milton Amado. 3. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :
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7.3.2 De Caráter Geral

— ABREU, João Capistrano de. Caminhos Antigos e


Povoamento do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro : Sociedade
Capistrano de Abreu; Briguiet, 1960. 311 p.

— ____. Capítulos de História Colonial: 1500-1800. Edição


revista, anotada e prefaciada por José Honório Rodrigues.
7.ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1988.
295p.

— ____. Ensaios e Estudos (Crítica e História): 2ª série. 2. ed.


Rio de Janeiro : Civilização Brasileira; Brasília : INL,
1976. 249 p.

— ALENCAR, José de. Iracema. 26. ed. São Paulo : Ática,


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Lisboa : Verbo, 1971. 208 p. il. Tradução de: The Origins
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crescimento de uma sociedade colonial. Tradução por Nair
de Lacerda. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1963.
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1695/1750 - Growing Pains of a Colonial Society.

— BRUNO, Ernani Silva. História e Tradições da Cidade de São


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— CALMON, Pedro. História do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro :


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momentos decisivos. 7. ed. Belo Horizonte : Itatiaia, 1993.
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Arcaica. Tradução por Andréa Daher. Rio de Janeiro : Jorge
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