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NO BRASIL-COLÔNIA
São Paulo
1997
Prestes, Maria Elice de Brzezinski
A investigação da natureza no Brasil-Colônia / Maria Elice de Brzezinski
Prestes. -- São Paulo, 1997.
193 p.
Ao Bruno e ao Ron,
companheiros que fazem de minha vida
uma bela e feliz viagem!
ii
AGRADECIMENTOS
Agradeço à FAPESP pela bolsa de mestrado de 24 meses e ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM), cujo compromisso com a investigação
interdisciplinar possibilitou o desenvolvimento desta dissertação.
Agradeço à minha orientadora, Profª. Drª. Myriam Krasilchik pela confiança depositada
em meu trabalho e ao Prof. Dr. Thomas Lewinsohn, cuja reflexão histórico-social sobre a
atividade científica ajudou-me a encontrar questões aqui investigadas.
Agradeço ainda ao Prof. Dr. Roberto de Andrade Martins e à Profª. Drª. Ana Maria
Alfonso-Goldfarb, cuja dedicação, competência e seriedade com que desenvolvem a pesquisa
em História da Ciência serviram-me de estímulo para ingressar na área. Devo-lhes a motivação
e as oportunidades de participar em atividades de pesquisa, ensino e divulgação da área no
Brasil e no exterior.
Um agradecimento muito especial aos grandes companheiros de jornada na História da
Ciência, cúmplices de todos os momentos, Profª. Drª. Luzia Aurelia Castañeda, grande amiga e
incentivadora além de interlocutora deste e de todos os estudos que tenho feito na História da
Biologia; Prof. Walmir Cardoso, pelo contagiante bom humor e arrojo com que conduz a vida;
Prof. Wilson Jesus, pelo imenso carinho dedicado ao fortalecimento que necessitei na etapa
final. Aos três eu devo a recondução ao caminho sempre que ele se tornou difícil.
Aos colegas do PROCAM/USP, Claudia Vieitas, mulher de grandes feitos, e Itamar de
Lima Cavalcante, homem de luta. Aos colegas do CESIMA/PUC-SP, especialmente à Mariza
Russo e Ubiraci pela amizade e diálogo constantes nos Seminários de História da Biologia. À
Profª. Drª. Márcia H. M. Ferraz pela dedicação em revisar e reparar informações sobre a
reforma da Universidade de Coimbra além da ótima conversa sobre Vandelli e Portugal do final
do século XVIII. Não posso deixar de agradecer também à colega Profª. Paula Laudelina da
Silva, cujo apoio na hora certa revelou uma amizade genuína.
À Dora e ao Ariel, por terem me ajudado a fazer da dissertação uma dissertação.
Às minhas amigas Rosane, Tereza, Luciana, Lucia e Daisy, pela afeição, ternura e
lealdade que tive o privilégio de contar ao longo de todos esses anos.
À minha tia Tereza, que acendeu em mim a paixão pela leitura, pela cultura e pelas
artes.
Aos meus pais, a quem devo todas as oportunidades e conquistas, agradeço pelo
exemplo de dignidade e pelo carinho e vigor que me ensinaram a ter pela vida.
iii
SUMÁRIO
Dedicatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . i
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ii
Sumário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iii
Lista de figuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii
“Abstract” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii
Notas sobre a ortografia e as traduções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ix
Epígrafe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . x
1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1 As várias “histórias ecológicas” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.2 Plano da dissertação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
6 Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
LISTA DE FIGURAS
As imagens foram “scanneadas” a partir das obras abaixo citadas e incluídas na bilbiografia.
FIGURA VII: As classes das plantas no sistema sexual de Linneo e terminologia de Botânica.
Obra: Domingos Vandelli, Diccionario de termos technicos de Historia Natural..., 1788. Autoria: Domingos
Vandelli; gravura. Fonte: Belluzo, v. II, 1994, p. 19
FIGURAS XV, XVI, XVII, XVIII: s./título (máquinas para fiar, descaroçar e ensacar o algodão)
Obra: Manuel Arruda da Câmara, Obras reunidas. Autoria: Pe. João Ribeiro Montenegro (?); gravura.
Fonte: Câmara, 1982, s./p.
RESUMO
ABSTRACT
After having presented a panoramic and general view of the first reports on the
nature of the Colonial-Brazil produced in the 16th century, a more systematic study of
the Portuguese works of the end of the 18th century was made. The motivation for
dealing with these two periods was given by the need of delineating the existence of
two different ways of knowledge production, “incommensurable” with one another, thus
opposing the “classical” historiography of biology in Brazil, which tends to deal with the
former as “pre-scientific” knowledge. It is a way of tackling the Renaissance world in its
own specificity whose modification, in Portugal, practically ocurred only in the last three
decades of the 18th century, with the introduction of the modern science through the
statutory reform of the University of Coimbra. Under the supervision of Domingos
Vandelli, the first “professional naturalists”, many of them luso-brazilians, were then
trained for the exploration of the natural resources of the colonies, as alternatives
sources for the economic and political development of the Portuguese Crown. It was
chosen, for a more detailed study, the work of Manuel Arruda da Câmara, from
Pernambuco, since its scientific contents are in conformity with the great development
achieved by the contemporaneous European Natural History, because it comprises
some among the first efforts for the conservation of species in Brazil, and for illustrating
proposals, that aimed at the dissemination and development of the sciences, with the
mercantilist political conceptions, which were ruled by strictly exploratory interests, and
that determined the maintenance of the discoveries in secrecy, restraining, and
eventually, leading to failure this great project that could have given birth to the first
generation of naturalists qualified to proceed with the institutionalization of the sciences
in Brazil.
ix
1 INTRODUÇÃO
1
Como se trata de área emergente no Brasil, inclui-se em apêndice a esta dissertação, umas notas sumárias
sobre a História da Ciência. Trata-se de uma apresentação genérica, destinada a uma divulgação introdutória
12
bibliotecas públicas na colônia e era proibida a existência de gráficas” (Dean, 1996, p. 136).
15
4
Em palestra no PROCAM/USP em 28/08/1996.
17
5
A floresta brasileira acaba de ganhar uma publicação de sua história. A ferro e fogo. A história e a
devastação da Mata Atlântica brasileira, de 1996, é o grande presente que nos deixou o professor Warren
Dean. Conta-se ali das relações predadoras que a sociedade brasileira manteve com o seu “berço
esplêndido”, desde os índios, missionários, colonos e comerciantes do Brasil-Colônia, até as sociedades
agrícolas e industriais do século XX. A primeira, de outras histórias que, se espera, venham a proliferar entre
nós (Dean, 1996).
Entre as revistas científicas especializadas, pode-se citar a Environmental History Review e a Forest and
Conservation History, ambas dedicadas especialmente às questões da América do Norte. Mais recentemente,
em 1995, a Environment and History apareceu como uma “revista interdisciplinar que busca aproximar
acadêmicos das ciências humanas e biológicas, com a intenção deliberada de construir perspectivas de longo
prazo e bem fundadas para os problemas ambientais dos dias de hoje” (Grove, 1995, p.1).
18
6
Na Inglaterra, pode-se tomar o ano de 1949, em que o governo estabeleceu o “Nature Conservancy” e nos
EUA, o ano de 1969, em que o Congresso aprovou o “National Environmental Policy Act”. Também devem ser
consideradas as primeiras revistas especializadas para a Ecologia Aplicada: o Journal fo Applied Ecology,
publicado na Inglaterra em 1964 e o Environmental Management, publicado nos EUA em 1976. (Egerton,
1985, p. 104).
7
Uma análise crítica das conseqüências da transferência pura e simples do modelo de conservação
americano para os países de terceiro mundo, e em especial o Brasil, foi feita por Diegues, 1996.
8
A localização da origem da Ecologia é tema controverso tanto entre os próprios biólogos, quanto entre os
19
historiadores da Biologia. Uma boa panorâmica da controvérsia, muito apropriadamente relacionada à própria
definição de “Ecologia” e de seus propósitos é encontrada no capítulo Antecedents of Ecology, de McIntosh,
1985.
9
Entre os antecedentes da Ecologia, pode-se citar, a “dupla laicização do pensamento de Lineu que, no
tumultuoso contexto da revolução industrial, abre caminho à ecologia científica, primeiro na Europa, e, depois,
no Novo Mundo: Alexandre de Humboldt com a biogegrafia, alargou o espaço à dimensão do planeta inteiro;
Charles Darwin introduziu-lhe sobretudo uma concepção dinâmica e evolutiva do tempo. Mas, entre os seus
antecedentes, não podemos também esquecer a importância das leis de conservação da energia e da
matéria, nem as descobertas revolucionárias da geologia e da química, nem tão-pouco as aplicações desta
última ao domínio agrícola” (Deléage, 1991, p. 13).
10
Utilizando as claras palavras de Francisco Falcão, toma-se aqui a busca de precursores como algo que
“envereda facilmente pelos caminhos da teleologia (...) que conduz a explicar uma época não por aquilo que
ela é, mas em função daquilo que virá depois dela” (Falcon, 1996, p. 21).
11
“O termo ‘protoecologista’ foi cunhado por Voorhees (1983) para descrever aqueles que tinham um
discernimento ecológico antes de que a ciência formal da Ecologia tenha sido formulada” (McIntosh, 1985, p.
15).
12
“A história de uma idéia ou de um conjunto de idéias é muito diferente da história de uma ciência. Uma vez
que as idéias fazem parte do domínio público, elas podem ser empregadas por qualquer um que considere o
seu uso conveniente. Por isso, idéias podem surgir em todo e qualquer lugar. A história de uma ciência, por
20
outro lado, é necessariamente a história de uma forma de organização social. A prática científica é organizada
em torno de estruturas institucionais e tradições de treinamento, pedagogia, qualificação, avaliação e
publicação (...) A história da ciência ecológica e a história do pensamento ecológico ou ambiental são, sem
dúvida, conectadas mas para investigar a primeira não é necessário investigar a segunda e vice-versa”
(Nicolson, 1988, p. 186).
13
A título de contribuição para o acesso de textos primários importantes para a História da Biologia no Brasil,
segue-se ao corpo da Dissertação um outro apêndice em que foi transcrita um pequeno trecho de uma obra
de Domingos Vandelli cujo acesso é dificultado por tratar-se de edição do século XIX e guardada em sessão
de obras raras (IEB/USP e FD/USP).
21
14
A incomensurabilidade é um conceito apontado por Thomas Kuhn para caracterizar duas ciências
separadas entre si por uma revolução (Kuhn, 1989).
23
15
Vale mencionar que escapam dos objetivos deste trabalho as contribuições ao conhecimento da natureza
que tenham sido elaboradas fora do que constituiu-se como esfera do “científico” e que vêm sendo
abordadas, por exemplo, entre as “etnociências”. Ou seja, não será contemplada qualquer contribuição
proveniente seja de populações indígenas anteriores à chegada dos europeus, seja de populações
tradicionais de nossos dias, cujos saberes e práticas sobre a natureza apenas anonimamente comparecem
nos textos científicos. A restrição da pesquisa aos relatos escritos e chancelados de “científicos” ou
“pré-científicos” não implica em considerar os saberes tradicionais como não científicos.
16
Anchieta não teria contribuído com o seu relato até o ano de 1799, quando finalmente sua obra foi publicada
integralmente em italiano (Oliveira Pinto, 1956?, p.97).
24
17
Embora pareça movido pela boa intenção de destacar aí a importância dessas obras, não se pode deixar de
apontar que a escolha de Oliveira Pinto foi infeliz, pois os dados dos cronistas são muito genéricos e pouco
quantificáveis. Tomem-se alguns exemplos: de André Thevet (1557): "existem numerosos coelhos", "vê-se na
América muita quantidade de certo animal de nome tapir", "possui a América inúmeros tatus". Ou Acuña
(1641): dos porcos montêzes, "de que estão povoadas quase todas as Índias". Ou Jean de Léry (1578): "há
também nessa terra do Brasil grande número de pequenos macacos pretos a que os selvagens chamam cay".
Ou Ivo d'Evreux (1615): "Achei-me muitas vezes nas matas, onde eles [os macacos] habitam e dir-vos-ei, sem
precisar o número, que vi grande quantidade d'eles". Ou Hans Staden (1557): "Há também muitos tigres
naquela terra". Surpreendentemente, veremos um tratamento semelhante em Alexandre Rodrigues Ferreira.
25
Para a nossa sorte, João de Laet, não "livrou das impurezas" a obra de
Marcgrave, das "superstições, crendices, erros" que a tornam próxima da "zoologia dos
Cronistas" em que se encontram "misturadas observações de agudo senso crítico e
lendas que se formam ao sabor da fantasia” (Mello-Leitão, 1941, p.251). Isto é o que
constitui, segundo as perspectivas historiográficas mais atuais, o traço mais revelador da
obra, o aspecto que mais permite reconstituir o modo de produção de saberes no
período.
Como revisitar, então, isso que é o nosso patrimônio, muitas vezes esquecido, de
textos sobre a fauna e flora do Brasil? Um texto de um cronista do século XVI, deverá ele
ser lido como perfumaria da história? Será ele um mero objeto de curiosidade histórica,
cuja cientificidade perdeu-se quando outros saberes o superaram? Que interesse ele
pode despertar se nada mais de relevante sobre o mundo natural nos tem a dizer, se até
mesmo alguma informação pontual que possua não pode ser tomada com grande
confiabilidade?
Do mesmo modo, que diferença faria, noutro instante, revisitarmos um naturalista
treinado, empenhado numa tarefa já então considerada “científica”, como os que aqui
trabalharam no final do século XVIII? Encontraríamos, é certo, menos “delírios”. Menos
mistura de empírico com simbólico. Mais objetividade. Estaríamos mais confortáveis
diante de um padrão já familiar de escritura científica. Mas não nos sentíriamos
igualmente incomodados pelas ingenuidades, pelas teorias extravagantes, pelo desleixo
diante de alguns temas tão importantes ou, ao contrário, pelo trato exagerado sobre
aspectos irrelevantes?
Nenhuma diferença significativa faríamos, entre uns e outros. Todos seriam
“passado”. Todos seriam ultrapassados. Perfumaria, quinquilharia, saberes mortos.
A História da Biologia tem mostrado, contudo, coisa bem diferente dessa. Tem
mostrado que no século XVI não havia uma confusão entre empiria e fantasia, pois o
mundo não era classificado segundo a existência de seres concretos e abstratos; não se
tratava de impressões esparsas e assistemáticas, pois não havia sido inventado o
levantamento de dados através da observação rigorosamente metódica da natureza; não
se tratava de uma persistência cega na crença de uma certa teoria, pois não havia
26
perguntas sem resposta em número suficiente para que se buscasse uma teoria
alternativa.
Temos que revisitar nosso patrimônio. Para não esquecê-lo? Sim. Mas
principalmente para o vermos em sua própria diferença. É isto que a História da Ciência
tem feito. Tem nos fornecido novos óculos para olharmos sobre o passado da ciência. De
posse desses modelos mais recentes, feitos de materiais mais resistentes e mais leves,
podemos, batendo a poeira, ampliar as letras e perceber melhor o sub-texto desses
velhos livros de nossas bibliotecas.
Para essa releitura, encontrou-se a necessidade de rever a periodização desses
historiadores, especialmente no que diz respeito aos critérios utilizados para a separação
entre as obras do século XVI e as dos séculos XVII e XVIII. Optou-se aqui pela adoção
de uma distribuição distinta da investigação biológica em geral, do mundo renascentista
até o início do século XIX, observando-se o modo como os saberes foram sendo
constituídos. Seguiu-se a periodização em três grandes estágios, conforme sugestão de
Michel Foucault em As palavras e as coisas. O primeiro estágio configurou-se entre os
sábios Renascentistas; o segundo, denominado pelo filósofo francês, de período clássico,
emergiu à época da chamada revolução científica do século XVII e conheceu o apogeu
na História Natural do século XVIII; o terceiro, teve sua inauguração na virada do século
XVIII para o XIX, quando configurou-se a Biologia do modo como é praticada até o século
XX18. Acredita-se que isto possibilitará uma interpretação distinta quanto ao papel dessas
primeiras contribuições escritas sobre o mundo natural de nosso país.
18
Sem pretender esgotar o tema, pode-se lembrar que entre os historiadores “clássicos” da Biologia
costuma-se deixar o conhecimento dos séculos XV e XVI numa linha de continuidade e poucos avanços em
relação ao conhecimento medieval (como a História Enciclopédica de Taton que trata o Renascimento como
um período de avanços meramente técnicos ou a de Bodenhheimer onde apresenta-se uma história
absolutamente constinuísta); também não é unânime a passagem da História Natural para a Biologia no início
do século XIX. Como não era intenção debater entre essas diversas abordagens, serão apresentados apenas
os argumentos que corroboram a adoção de uma periodização em três grandes fases distintas.
27
O impacto que a natureza tropical causou nos primeiros europeus que aqui
chegaram, nas épocas das viagens de navegação, não foi pequeno. Desavisados da
abundância e da orgia germinativa de nossa fauna e flora, os europeus
surpreenderam-se, e muito, com a quantidade e com a variedade de novas formas e
tamanhos de animais e vegetais.
Os animais desta terra americana são diferentes dos conhecidos na Europa do
século XVI, já, pelo tamanho. Não há por aqui animais muito grandes. Salvo esse a que
os indígenas denominam tapirussu — e cuja lembrança ao tamanho e porte de uma vaca
faz com que os portugueses o tratem por esse nome ou por tapir. Vaca, animal manso,
pelo menos se deixada em paz, não ataca. Uma segunda particularidade da fauna
americana já se faz notar aí, pois a robustez desta vaca ou tapir não está acompanhada
do temperamento das feras conhecidas do europeu. Ao contrário, trata-se de animal dócil
cuja única resistência, quando perseguido, “é a fuga para qualquer lado onde possa
esconder-se” (Thevet, 1944, p. 300).
Os seres vivos são diferentes, ainda, na forma. O que impressiona sobretudo é a
quantidade de novas formas. A variedade das formas vivas, especialmente dos vegetais,
já havia invadido o relato de Cristóvão Colombo. É bem conhecida a destituição das
observações geográficas e náuticas, necessárias aos objetivos econômicos e políticos de
sua expedição, dando lugar à menção incessante às plantas, à sua profusão de formas,
ao modo como preenchem todo o terreno e todos os espaços19. Colombo não cessava de
encantar-se com o esplendor da vegetação fresca e sempre verde. O encantamento
persistirá para os europeus por longo período. A profusão de seres absolutamente novos,
verdadeiramente ocultos, até então, nas terras deste Novo Mundo, não cessará de
despertar a sua curiosidade, desde há muito adormecida por uma imagem de natureza
composta por um conjunto restrito de formas bastante familiares.
Desde a Antigüidade, o número de espécies conhecidas não mudara
significativamente. Aristóteles descrevera algo entre 550 e 590 animais diferentes,
enquanto Teofrasto e Dioscórides, um número semelhante de vegetais e, por 1500 anos,
19
O relato colombiano surpreende porque, como lembra Guillermo Giucci, é “no contexto da
insaciabilidade, não mais do viajante curioso, mas do comerciante e do conquistador europeu
sustentados por incipientes Estados nacionais em ascensão, que chegamos ao Novo Mundo”
(Giucci, 1992, p. 101). Ver também o capítulo II de La naturaleza de las Indias Nuevas em que o
autor Antonello Gerbi explora a atração da fauna e flora sobre Colombo, que “chegam a distraí-lo
por um instante da busca do ouro” (Gerbi, 1992, p. 25).
28
essas foram as principais fontes de conhecimento sobre os seres vivos. Com as viagens
de navegação e a expansão renascentista dos estudos sobre a natureza houve um salto
espetacular no número de espécies conhecidas na Europa ocidental.
Como conseqüência desse encontro com a exuberância da natureza americana
impôs-se a produção de relatos que a apresentassem ao resto do mundo. A tarefa não
era pouca. Era preciso começar procurando pelos nomes com os quais os indígenas
tratavam os animais e vegetais e conhecer a sua origem etimológica. Era preciso
averiguar a utilidade dos seres, distinguir os comestíveis dos venenosos. Era preciso, em
suma, proceder à uma descrição que garantisse aos que não atravessaram o Atlântico
algum conhecimento desta natureza americana.
E o que significa uma descrição dos seres vivos para o homem renascentista? Em
primeiro lugar, é preciso lembrar, houve ali uma introdução de novos seres vivos nos
herbários de plantas e enciclopédias de animais herdados dos antigos. Tratou-se,
mesmo, de uma inserção e não de uma re-interpretação da natureza ou de uma
empreitada para reescrever os antigos compêndios de seres. A novidade, mesmo que
estupenda ou imprevista, não gerou re-elaboração, não causou um abalo no
conhecimento que já se dispunha da natureza. Tratou-se tão somente de acrescentar o
fenômeno novo no conjunto do conhecido, pois a natureza era vista, antes de mais nada,
como um poder fecundo, perpetuamente criador. Num mundo em eterna criação há
sempre lugar para o aparecimento de novas formas20.
Em decorrência disso, um segundo aspecto da descrição renascentista é o de que
cada novo animal ou vegetal observado era comparado às formas já conhecidas do
europeu. As peculiaridades e diferenças seriam assinaladas através da demarcação das
semelhanças. Comparar significa aí que “o exótico torna-se familiar”, que “é o mundo de
casa que se anexa pacificamente aos descobrimentos ultramarinos” (Gerbi, 1992, p. 18).
Não havia discussão quanto à novidade dos seres. Eles eram outros e eram estranhos.
“O animal de que falo, escreve André Thevet do bicho-preguiça, é, em poucas palavras,
tão disforme quanto seria possível crer ou imaginar” (Thevet, 1944, p. 307). A estranheza
permite a introdução da “prática e valiosa distinção categórica de animais como os
nossos e animais distintos dos nossos” (Gerbi, 1992, p. 17). A distinção, introduzida
20
A tese de que a descoberta do Novo Mundo, mesmo que implicando algumas refutações a antigas
verdades, não causou uma ruptura ou uma descontinuidade com o passado é sustentada por discussões de
diversos matizes, como em Sergio B. Holanda, especialmente no cap. II de Visão do Paraíso, que trata da
“trasladação para o Atlântico” de concepções medievais como a do paraíso terreal; T. Todorov em La
conquête de l’Amérique ... trata do olhar que procura ver o que já sabe; G. Giucci, no cap. 5 de Viajantes do
maravilhoso..., discute especialmente a incorporação da América na temática cristã.
29
desde o exótico Oriente de Marco Polo, predispõe à vastidão da empreitada que está
para ser cumprida.
Mas tanto a adição de conhecimentos quanto a comparação através do uso da
categoria das similitudes não implicam em que o saber renascentista constitua-se,
inteiramente, do mesmo modo que os saberes anteriores. Há, concomitantemente,
transformações profundas. A definição desses novos traços e dos modos como foram
interelacionados com a herança da Antigüidade e do Medievo é que têm autorizado
novas interpretações sobre a identidade desse momento fecundo da história ocidental. O
Renascimento não é mais visto em sua relação com o conhecimento clássico, seja pela
perspectiva de vê-lo como um renascer, seja pela de vê-lo como um reformar-se. O
Renascimento é visto hoje em sua positividade, em sua identidade própria. Vejamos um
pouco isso no que diz respeito aos primeiros relatos sobre a natureza do Novo Mundo.
Uma das maiores mudanças que se opera nesse momento diz respeito
justamente ao objetivo com que os seres são observados. Mesmo que o encontro de um
mundo natural extremamente diversificado e abundante estimule a produção de
inventários mais completos, não é a listagem exaustiva de seus representantes o que
norteia o trabalho dos sábios.
“Outros muitos bichos ha nestas partes pela terra dentro que será impossivel
poderem se conhecer nem escrever tanta multidão, porque assi como a terra
he grandissima, assi são muitas as qualidades e feições das creaturas que
Deos nella criou”.
“... ha outras [cobras] muitas na terra, doutras castas diversas, que aqui nam
refiro por escusar prolixidade”.
“... Outros muitos animaes e bichos venenosos ha nesta Provincia, de que
nam trato, os quaes são tantos em tanta abundancia, que seria historia mui
comprida nomea-los aqui todos, e tratar particularmente da natureza de cada
hum, havendo, como digo, infinidade delles nestas partes, aonde pela
disposição da terra, e dos climas que a senhoreão, nam pode deixar de os
haver”.
(Gandavo, 1980, p. 62; 109;109-10).
impõe-se a todos a integração numa unidade harmônica, pois a natureza terrena está
inserida no cosmos. Já que “tudo ha na mesma terra” é necessário que se “comprehenda
mais que a differença e a variedade das creaturas que ha dumas terras pera outras”
(Gandavo, 1980, p. 60). É preciso conhecer o seu lugar natural.
As enciclopédias de animais do Renascimento não se pretendem amplas nem
completas. Os relatos da natureza do Novo Mundo são pouco extensos porque o
interesse está centrado não numa enumeração completa, mas na procura de significados
ocultos. O que desvela o pleno sentido de um ser é o complexo das relações que ele
apresenta com todos os demais seres do mundo. As relações entre o macrocosmo,
representado pela esfera dos astros celestes, e o microcosmo, representado pelo homem
como um ser particular, definem ou dizem o que há de importante a se conhecer sobre os
seres. O modo como essas acepções comparecem no relato daquele que investiga os
segredos ocultos da natureza é o da assimilação da diferença à semelhança.
“O tapirussú ... do tamanho mais ou menos de uma vaca, mas sem chifres ...
e pé inteiriço com forma de casco de asno. Pode-se dizer que, participando
de um e outro animal, é semivaca e semi-asno. Difere entretanto de ambos
pela cauda, que é muito curta ..., pelos dentes que são cortantes e aguçados
(Léry, 1980, p. 135).
21
O “utilitarismo” é uma “doutrina moral e política da busca da felicidade máxima para o maior número de
pessoas. Sendo sua origem mais remota (...) Epicuro (c. 341-270a.C.), esta doutrina foi desenvolvida por T.
Hobbes (1588-1679), D. Hume (1711-1776), Helvétius (1715-1771), J. Priestley (1733-1804) e outros
autores,embora sua forma mais elaborada ocorreu com J. Bentham (1748-1832). Para Bentham representava
uma ética naturalista e científica, que convertia os juízos subjetivos em objetivos, e os qualitativos em
quantitativos, por meio de um cálculo de prazeres e dores, pelo qual o bem e o mal podiam ser medidos
através da tendência das ações para a produção de felicidade” (Diccionario de Historia de la Ciencia, 1986, p.
580).
32
No elenco de seres vivos das obras dos sábios quinhentistas, assim como nas
Histórias Naturais da Antigüidade, exceção feita à Aristóteles, e nos bestiários medievais,
está incluso todo ser mítico cujo reconhecimento pode atribuir-se unicamente a
referências feitas por outrem. As tradições orais, o testemunho de um “especialista”,
como um pescador ou um lavrador, o lendário popular, são fontes fidedignas de
conhecimento ao lado dos textos dos antigos filósofos (como mostra a procura acirrada
no século XV por novos textos clássicos e novas traduções) e das Sagradas Escrituras22.
“... ouvi contar aos velhos das aldeias que, nas matas, são às vezes
assaltados e encontram dificuldades em se defender a flechadas contra uma
espécie de jacarés mostruosos que, ao pressentir gente, deixam os caniçais
aquáticos, onde fazem o seu covil. A esse respeito, além do que Plínio e
outros referem dos crocodilos do Nilo, no Egito, diz o autor da ‘História Geral
das Índias’ que matou crocodilos perto da cidade de Panamá, com mais de
cem pés de comprimento, o que é coisa quase incrível” (Léry, 1980, p. 135).
“... e tudo se pode crer, por dificil que pareça: porque os segredos da natureza
nam foram revelados todos ao homem, pera que com razam possa negar, e
ter por impossivel as cousas que nam vio nem de que nunca teve noticia”
(Gandavo, 1980, p. 120).
22
As enciclopédias medievais obtém sucesso ainda “durante os cinqüenta anos que seguem o aparecimento
da imprensa” (Febvre & Martin, 1991, p. 370). Mas ganham maior relevo entre os humanistas, as publicações
incessantes, desde o século XV, dos mestres da Antigüidade clássica grega e latina como Aristóteles,
Teofrasto, Plínio, Galeno, Hipócrates, Euclides e Ptolomeu. Estes textos do domínio científico são colocados à
disposição de todos aqueles que sabem ler, através de “novas edições e novas traduções que vinham
substituir as dos séculos XII e XIII”, embaraçadas às glosas e comentários da escolástica (Febvre & Martin,
1991, p. 390). O desprezo pelos autores medievais opera “uma verdadeira conspiração do silêncio, enquanto
34
natureza:
citam sem cessar os clássicos, a fim de ostentar a própria erudição” (Febvre & Martin, 1991, p. 390).
35
Uma natureza assim criada para o homem não oferece limites à exploração, pois
a “autoridade humana sobre o mundo animal era (...) virtualmente ilimitada” (Thomas,
1989, p. 26). Nada mais verdadeiro nestas terras de abundância infinita. Não
encontramos na descrição da natureza americana, nos primeiros tempos da colonização
européia, uma preocupação com a natureza tomada em si mesma. Estes primeiros
descritores de nossas riquezas naturais traziam consigo o antropocentrismo definidor das
relações homem-natureza que perdurou por todo o Renascimento. Veremos adiante
como as investigações da História Natural, produzindo um conhecimento crescente de
seres que não mantém qualquer relação com os homens, que não lhes trazem mal ou
bem algum, irão deixar de sustentar esse utilitarismo antropocêntrico.
Há, é certo, ações “conservacionistas” em curso no XVI: há atos como o de 1534,
em que a Coroa decreta que todas as árvores de pau-brasil eram de propriedade real
(Dean, 1996 p. 68); como o de 1605, em que cria a função de Guardas Florestais e
institui a penalidade de morte para quem praticasse a extração ilegal do pau-brasil (Dean,
1996, p. 64). Mas, nos dois casos, trata-se de uma iniciativa para manter o monopólio
comercial. Não é a natureza que está ameaçada mas a sua prestação de benefícios ao
homem. Warren Dean cita muitíssimos exemplos disso em sua monumental História da
Mata Atlântica. Nem a Coroa, nem os colonos, nem os jesuítas, nem mesmo os índios
tupis escapam de uma mesma visão exploradora da natureza: queimam-na à mais leve
suspeita de malária (Dean, 1996, p.69), exploram suas espécies até a extinção, como a
arara, (Dean, 1996, p. 65), transformam-na na morada do diabo, conforme a pregação
jesuítica (Dean, 1996, p. 76).
Os relatos não trazem apenas a dimensão do maravilhoso. “A América aparece,
no relato de Hans Staden, não só desmitificada em relação ao modelo do maravilhoso
que a recobria e deformava, como reconhecida em sua singularidade e em sua diferença
radical com o referente europeu” (Giucci, 1992, p. 215). O canibalismo “colocava de modo
quase automático as noções de selvageria, primitivismo, bestialismo e barbárie ... já era
suficiente para legitimar a projeção de uma série de vícios incuráveis sobre o índio
americano ... A exposição de uma realidade americana pobre e inclemente com o viajante
europeu esclarecia a natureza deformadora do relato do maravilhoso. E o acúmulo de
informações provenientes do Novo Mundo ameaçava paulatinamente a hegemonia do
arquétipo associador de remoto e maravilhas” (Giucci, 1992, p. 231-2). Há enlevo e
desapontamento. A imagem não deve ser deturpada.
36
23
“Não faltava aos portugueses, práticos e de inclinações empiristas, um grau de curiosidade quanto aos
domínios naturais que haviam conquistado, mas parecem ter concentrado quase toda essa atenção em suas
colônias asiáticas, talvez porque aceitassem com mais prontidão informações de sábios indianos e chineses
vestidos de seda que de pajés tupis botanicamente experientes, mas nus e iletrados” (Dean, 1996, p. 100).
Deve-se mencionar que uma opinião oposta é defendida fervorosamente ao longo de todo o artigo citado de
Carlos França. Segundo a opinião desse próprio “naturalista luso”, o seu artigo é rico o “bastante para
demonstrar que os portugueses, logo no seculo XVI, deram á sua colonisação uma feição scientifica muito
accentuada” pois, entre outras coisas, “trataram de divulgar, por escripto, o que de famoso havia na terra
admiràvel que descobriram” (França, 1926, p. 128).
24
Trata-se de uma suposição; ainda há pouco estudo sistemático disto.
25
O Prof Warren Dean insinua este tipo de visão, ao afirmar, à pág. 72, que o “interesse limitado” pela
vegetação e vida animal aparecia claramente nos primeiros relatos do Brasil-Colônia. Ao afirmar que “suas
listas não eram nem extensas nem detalhadas. Como conquistadores, ficaram em grande parte imunes
àquela curiosidade relativa ao mundo natural que, na época, despertava na Europa”, antecipou a prática da
História Natural européia em quase dois séculos. Como vimos aqui, não foi no XVI, mas apenas timidamente
no XVII e enfaticamente no XVIII que a investigação do mundo natural adotou a prática de inventariar ampla e
exaustivamente os seres vivos. Talvez também isso nos faça ver o irrealismo dos textos dos primeiros
37
renascentistas que olharam para a natureza tropical, do mesmo modo que outros ou eles
próprios olhavam para a natureza em seus países europeus de origem. E o que estava
definindo o modo como a natureza era então investigada, e, portanto, o que estava
definindo o alcance obtido por essa investigação, era essa mistura muito particular de
magia e empiria que guiava o olhar no período.
Outra coisa se fará nos séculos XVII e XVIII26.
cronistas com menos assombro que o Prof. Dean expressa à p. 59 de seu A Ferro e Fogo.
26
“Apenas na metade do segundo século de colonização no Brasil foi que as florestas brasileiras, totalmente
exóticas e imponentes, tornaram-se um hobby menor dos jesuítas, agora em condições de considerá-las
isoladas de seus temíveis, mas em grande parte exteminados, habitantes humanos. Os desenhos de frei
Cristóvão de Lisboa, residente no Maranhão no final dos anos de 1620, e que retratavam peixes, pássaros e
plantas, são os mais antigos que sobreviveram. Simão de Vasconcelos, que morou na Bahia, em sua crônica
escrita em 1663, objetivou mostrar que o Brasil não era inferior aos outros três quartos do mundo, uma idéia
que havia rancorosamente grassado entre os europeus depois de seu entusiasmo inicial por aquilo que
haviam fantasiado como um paraíso terrestre” (Dean, 1996, p. 100). “A descrição da floresta feita por
Vasconcelos, no entanto, ocupa apenas umas poucas páginas de seus massudo livro, cujo objetivo principal
era descrever a ‘missão heróica’ de sua ordem de arrancar o Brasil do poder do inferno ... Esses pedacinhos
de apreciação da natureza, de fato, são muito repetitivos e se encontram esprimidos entre longas e
minuciosas narrrativas das idas e vindas de missionários ... Esses esboços e relatos eram esforços amadores
que não contradizem a suposição de que as autoridades portuguesas, pelos menos em dois séculos e meio,
não se preocuparam muito com a impressionante biota da esplêndida colônia que havia caído em suas mãos.
Em contraste, a breve ocupação holandesa das capitanias do Nordetes, de 1626 a 1649, resultou na
publicação de brilhantes tratados de história natural, compilações de plantas e animais e um tesouro vívido e
precioso de desenhos botânicos e zoológicos que ainda possuem valor inestimável para biólogos atuais”
(Dean, 1996, p. 101)
38
HISTÓRIA NATURAL
27
Como se pode depreender da menção de trabalhos que se estendem num longo período, desde Galileu a
Newton, adota-se aqui a noção de que a Revolução Científica como um fenômeno resultante de várias e
graduais modificações cujo efeito cumulativo produz, num período longo, um quadro “revolucionariamente”
distinto das épocas anteriores. Há discussão sobre longas revoluções em Debus, 1991 e em Martins, 1994.
28
O termo “História Natural” foi usado pela primeira vez em inglês em livro de John Maplet, A verde floresta,
de 1576 (Rossi, 1985, p. 53). O The Oxford Dictionary acusa os usos mais remotos do termo em 1567 e em
1585: “T. Washington tr. Nicholay’s Voy. II. x. 43b, Plinie, in his naturall history writeth [etc]”.
Ressalte-se que o termo “História” não tem aí o significado do da disciplina que investiga o passado, mas
significa “conhecimento” , “estudo”, enquanto “natureza” deve ser tomado no sentido aristotélico “daquela
parte do mundo físico que é formada e funciona sem o artifício do homem” (Hankins, 1985, p. 113). O Oxford
39
“Sou grato à Deus por ter sido Seu desejo fazer-me nascer nesta época em
Dictionary define “história natural” como o trabalho que lida com as propriedades dos objetos naturais, plantas
ou animais (Oxford Dictionary, 1989, v. X, p. 244-45). Ver nota 3 sobre as divisões e denominações das
ciências durante o Iluminismo.
29
“Essa imagem das ciências naturais seguindo as pegadas de sua contraparte física deriva das
interpretações mais antigas sobre a Revolução Científica, que implicam em que a busca por descrições
minuciosas iniciadas na Renascença foi meramente produto de novos instrumentos como os microscópios.
Não teria ocorrido nenhuma transformação conceitual equivalente àquela que ocorrera na Astronomia e na
Física. Agora está claro que há limitações maiores para a validação dessa interpretação. A busca por uma
Biologia mecanicista só trouxe avanços limitados nos séculos XVII e XVIII, mas os naturalistas que
pretendiam descrever e classificar o mundo de acordo com novos princípios certamente tomavam-se a si
mesmos como engajados numa atividade revolucionária” (Bowler, 1992, p. 86).
30
Lembre-se que “Física” referia-se à ciência de todos os efeitos produzidos pela Natureza, incluindo-se tanto
os fenômenos vivos como os não vivos. “Medicina e Fisiologia, assim como os estudo do calor e do
magnetismo, eram parte da Física. No século XVII o médico e o físico eram a mesma pessoa. Além disso,
muito do que hoje denominamos Física era chamado de ‘Matemáticas’ no século XVIII (...) Astronomia, Ótica,
Estática, Hidráulica (...) Geografia, Horologia (concernente a relógios), Navegação, Agrimensura e
Fortificação”. E o que “chamamos hoje de ‘ciência’ era mais comumente chamado de ‘Filosofia Natural’” e que
não deve ser confundido com “História Natural” , termo amplo que durante o Iluminismo compreendia os
estudos da ‘Zoologia’, ‘Botânica’, ‘Geologia’ e ‘Meteorologia’, termos, de resto, já familiares no período. A
Filosofia Natural estava associada intimamente à Filosofia, Metafísica, Ética e Teologia, e dizia respeito à
faculdade da razão; a História Natural dizia respeito à faculdade da memória (Hankins, 1985, p. 11).
31
John Ray ilustrará aqui o naturalista do século XVII. Na medida em que a sua escolha foi um tanto
arbitrária, pois não foi por uma comparação sistemática à obra de seus contemporâneos, nem por um vínculo
direto com os naturalistas Arruda da Câmara ou Alexandre Rodrigues Ferreira, a não ser pela temática
estudada (principalmente a Botânica), cumpre destacar algumas razões que justificam destacá-lo no período:
John Ray foi um dos naturalistas mais ativos dos primeiros tempos da Royal Society; foi dos pioneiros na
observação e descrição minuciosa da flora britânica e seu trabalho é significativo dentro da história da
taxonomia; a obra que traz suas idéias acerca do papel da ciência na demonstração da existência e do poder
de Deus foi objeto de diversas publicações que se difundiram século XVIII à dentro, repercutindo em torno do
“argumento do desígneo” que será tematizado adiante.
Como não se trata, contudo, de mencioná-lo a título de exemplo de uma dada prática científica, não foi feito
um estudo de seus originais. Contou-se com a preciosa biografia de Charles E. Raven cujo estudo sobre John
Ray persiste, até hoje, como fonte de consulta altamente recomendada e universalmente utilizada: “The
definitive study is the biography by Charles E. Raven, John Ray, Naturalist, 2nd ed. (1950,
reissued 1986)” (Ray, 1997).
Só encontramos em microfilmes nos Landmarks do CLE/UNICAMP a obra de Willughby, Francis. The
ornithology of F.W. of Middletown in the County of Warwick Esq.; In three books. Wherein all the birds hitherto
known ... are accurately described. Trad. e ed. John Ray. London, J.Martyn, 1678.
40
32
Aí residiu, provavelmente, a maior fonte da intolerância da Igreja frente à Galileu. Mais do que as hipóteses
que ele levantou foi a sua nova concepção de verdade, independente das Sagradas Escrituras, que abalou o
clero. Galileu apontava para a verdade que podia ser vista na natureza por todo aquele que soubesse decifrar
41
1690:
Percebe-se então que o momento de John Ray ainda é marcado pela transição,
pela coexistência de tendências fortes e distintas entre si. É certo que havia, inclusive
“alguns dentre seus melhores amigos, aqueles que de tão entusiasmados com a
novidade e o valor da ciência, pregavam o repúdio a todo o conhecimento anterior”
(Raven, 1950, p. 23). Mas em Ray, ainda que seu trabalho tenha inaugurado uma nova
era para os estudos botânicos, seu respeito à Aristóteles, sua insistência em evitarem-se
julgamentos apressados sobre a contribuição dos antigos, sua posição religiosa, sua
concordância, mesmo que discreta, com a perseguição às “artes demoníacas”, sua
permanência no uso do latim, ilustram uma posição moderada ainda significativa no
período e que irá desvanecer apenas no século XVIII. É pelo equilíbrio entre a grande
habilidade botânica e a imunidade frente aos destemperos da novidade que o irá elogiar
o naturalista Gilbert White (1720-1793) em carta a Barrington de 1º de agosto de 1771:
O que foi a sua contribuição à botânica? Ray foi dos primeiros a fornecer um
conceito biológico para “espécie”, mais próximo ao sentido moderno; foi “soberbo na
descrição, no relato conciso das características das plantas, aves, peixes e insetos... tinha
o ideal de habilitar o leitor de identificar com precisão cada espécie que ele descrevia”
(Raven, 1950, p. 32). Ray, foi o primeiro a utilizar caracteres estritamente morfológicos33.
33
Giles Denis aponta uma retomada “em detalhes” das Cartas Filosóficas de Ray pelos escritores da
43
É esta a página virada para o século XVIII, quando os sistemas de classificação dos seres
vivos seguirão desenvolvendo-se segundo as semelhanças morfológicas, rompendo
definitivamente com o velho interesse pela importância médica e simbólica das plantas e
animais. Importava conhecer não apenas as espécies úteis mas o conjunto mais amplo
possível da natureza. Em conjunto com John Willughby, em 1662, decide investir numa
descrição sistemática de todo o mundo orgânico, ou seja, planeja elencar exaustivamente
a série completa de seres. O naturalista inglês John Ray eleva estrondosamente o
número de “espécies” conhecidas para 18.655, no seu Historia Plantarum (1686-1704) —
desde Aristóteles e Teofrasto 15 séculos passaram-se sem que houvesse mudado o
número de espécies conhecidas: até a época da criação da primeira cadeira de botânica,
numa escola médica em Pádua, no ano de 1533, havia, ainda, entre 500 e 600 espécies
de plantas descritas, conforme a versão latina, de 1483, do Das Plantas (iv a. C.), de
Teofrasto, ou a de 1478, do Matéria Médica (I d.C.) de Dioscórides. O quadro começa a
mudar no século seguinte: em 1623, o Pinax, herbário de Caspar Bauhin, elencava 6.000
espécies, cinco décadas antes do trabalho de Ray. Os números também saltam
significativamente para os animais: Lineu elencará 4.236 tipos em 1758; em 1859,
Agassiz e Bronn contarão 522.400 animais.
Ray publica o primeiro catálogo local de plantas de um distrito efetuado na
Inglaterra, em 1660, o Catalogus plantarum circa Cantabrigiam nascentium, contendo 626
espécies em ordem alfabética, sinonimias, descrição de sua estrutura e de novas
espécies. Essa obra marca o início de uma atenção, que se desenvolverá em finais do
século XVIII, não apenas ao inventário mais amplo e completo, mas à coleta e
observação direta das plantas em seu ambiente natural, conforme discute no prefácio
supra citado à flora britânica:
“(...) para esse fim têm devotado toda energia não apenas os indivíduos
particularmente mas os príncepes e magnatas, ansiosos por encontrar novas
flores para seus jardins e recantos e por enviar coletores de plantas às Índias
distantes: eles viajaram através de montanhas e vales, florestas e campinas,
explorando cada canto da terra e trazendo à luz e à nossa vista tudo o que
está escondido. Certamente podemos esperar por coisas esplêndidas
daqueles que possuem tão abundantes oportunidades de procurar, cultivar e
descrever plantas, quando lembramos quão freqüentemente a falta de
Enciclopédia. O verbete “quantidade de plantas” afirma ser necessário discernir entre as qualidades
essenciais e “específicas” que caracterizam as plantas; “M. Ray observa que a principal diferença entre as
supostas espécies está na forma e sabor do fruto, porém deve-se atribuí-la também a características distintas
do terreno e dos métodos de enxerto”. A partir dessa noção os botânicos do final do XVIII irão elaborar um
programa agrícola baseado na intervenção humana sobre o modo de se cultivarem as plantas.
44
O naturalista John Ray surge numa época movida por um “amor autêntico às
coisas vivas, animais, pássaros, insetos e plantas ... gostava de ver seu crescimento,
assistir o desenvolvimento das sementes e transformação da pulpa na crisálida; e nunca
perdeu seu sentido de continuidade e totalidade do processo. Ele orgulhava-se de vê-las
vivas e em seus locais naturais” (Raven, 1950, p. 7). Afasta-se o quanto pode do
gabinete e percorre as trilhas dos campos e matas, e lastima muito, quando em idade
mais avançada, torna-se impedido das viagens que o levavam a observar as plantas em
seu próprio ambiente34.
34
Os aspectos até aqui tratados resumem algumas das razões apontadas para o desenvolvimento da História
Natural no século XVII: ênfase crescente no empirismo; uso de um método que realize uma enumeração
completa dos seres; uso da História Natural como o melhor meio de se conhecer a Deus (“argumento do
desígneo” que será retomado adiante). É possível destacarem-se outros aspectos conforme os autores
consultados. Não cabe aqui esgotar todos os elementos, nem todos os autores que discutem o período, mas
deve-se ressaltar, contudo, que entre as explicações para a Revolução Científica em geral e para a História
Natural em particular há ainda aspectos sociais e ideológicos que ultrapassam o plano de desenvolvimento
dos processos unicamente intelectuais.
35
As ambigüidades contidas nos termos Ilustração, Iluminismo e século das Luzes é bem explorada por
Francisco Falcon, 1991, cap. 2.
36
Nos Elementos de Filosofia, D’Alembert exprime a força de difusão do espírito metodológico da Nova
Ciência: “Essa fermentação intelectual, agindo em todos os sentidos por sua própria natureza, propagou-se
com uma espécie de violência a tudo o que lhe era oferecido, como um rio caudaloso que rompeu seus
diques. Assim, desde os princípios das ciências profanas aos fundamentos da Revelação, desde a metafísica
até as questões de gosto, desde a música à moral, das disputas dos teólogos aos problemas econômicos,
desde os direitos naturais até os direitos positivos, em suma, desde as questões que nos interessam de perto
até as que só indiretamente nos afetam, tudo foi discutido, analisado ou, pelo menos, agitado” (apud Cassirer,
1992, p. 77).
45
p. 48). Uma transformação que não se limitaria a algumas obras publicadas, a algum
acontecimento particular, a algum movimento intelectual datado, mas que se exprimiria
em vivências prolongadas, em “um processo que estava apenas começando — o
processo de esclarecimento do homem” (Falcon, 1991, p. 19). Em finais do século XVIII,
os filósofos naturais eram cientes de testemunharem uma Revolução nas ciências, mas
uma Revolução ainda em curso37.
Esse período das “Luzes” é principalmente o momento em que natureza e
entendimento humano ganham autonomia, ou em que o homem sai de sua menoridade,
para lembrar-se da famosa definição de Emmanuel Kant, de 1784. De uma vez por todas
foi rompido o vínculo com o sobrenatural, restando apenas a correspondência
indissolúvel e direta, sem mediações, entre a natureza e o homem que se põe a
conhecê-la através de seu próprio entendimento. Ao mesmo tempo em que os filósofos
do século XVIII percorriam uma longa trilha pela busca da fundamentação do
conhecimento, os dois séculos de investigação norteada por novos métodos científicos
mostravam que:
“(...) a filosofia popular da ciência (...) não é afetada por qualquer escrúpulo ou
dúvida crítica e está firmemente decidida a não prescindir de nenhuma de
suas ambições epistemológicas. Impelida pelo desejo de conhecer o que o
mundo contém em seu núcleo secreto, acredita ter ao alcance de sua mão a
solução de seus enigmas. (...) Que se descarte essa questão de
‘transcendência’ e a natureza deixa instantaneamente de ser um mistério.
Não é a sua essência que é misteriosa ou incognoscível, foi o espírito
humano que lançou sobre ela esse véu de palavras, de conceitos arbitrários,
de preconceitos fantásticos e a essência apresentar-se-á tal como é: como
um todo organizado, que se justifica a si mesmo, que se sustenta e se explica
inteiramente por si mesmo” (Cassirer, 1992, p.98-9).
O grande projeto do século XVIII foi o de impor uma ordem racional à multitude de
formas da natureza. Se desde o início do século XVII, a “conquista científica e técnica de
toda a realidade, a partir da explicação mecânica e matemática do Universo e da
invenção das máquinas, graças às experiências físicas e químicas” (Chauí, 1995, p. 47)
37
Se houvera uma revolução com Galileu e Kepler, ela se mostra ebulindo ainda em Newton. O que criou-se
com os dois primeiros foi a noção “de uma lei natural em toda a sua amplitude e profundidade, com toda a
sua importância metodológica, mas só tinham podido realizar a demonstração da aplicação concreta dessa
concepção para fenômenos naturais isolados (...) faltava ainda a prova de que essa legalidade rigorosa, a
qual se revelava válida nas partes, era transferível para o todo, de que o universo como tal era acessível aos
conceitos rigorosos do conhecimento matemático (...) Essa prova foi fornecida na obra de Newton (...) Era,
enfim, o triunfo do saber humano: a descoberta de um poder de conhecer que se igualava ao poder criador da
natureza. Foi assim que o século XVIII, em seu conjunto, compreendeu e apreciou a obra de Newton”
(Cassirer, 1992, p. 73).
46
38
Uso o termo por sua abrangência e pronto reconhecimento atual, embora deva reconheçer o anacronismo.
Foi apenas no início do século XIX que De Candolle (Théorie élémentaire, 1813) nomeou a velha prática
sistemática com o termo “Taxonomia”, definindo-o como “a teoria da classificação, ou seja, o conjunto de
princípios dogmáticos que devem reger tal trabalho” (Callot, 1951, p. 156).
47
em si, mas à redução metodológica que ele representa. Diderot expressa o espírito do
naturalista francês Buffon, adversário veemente do grande sistemata sueco Lineu. Os
motivos da crítica de Buffon passam pela mesma inconformidade com o uso das
Matemáticas regendo a formação de um método único para as ciências naturais. Para
Buffon, a sua aplicação à História Natural teria gerado uma repartição da natureza em
gêneros e classes, que não passariam de categorias mentais: “Na natureza só existem
indivíduos”, insiste Buffon! As classificações só podem servir à nomenclatura, jamais à
um sistema de natureza que expresse a sua realidade. “Uma vez que a natureza procede
por diferenças imperceptíveis de uma espécie a outra, de um gênero a outro, de tal modo
que entre eles encontramos uma série de estados intermediários que têm o ar de
pertencer metade a um gênero, metade a outro, nada de melhor nos resta fazer do que
aceitar a delicadeza, a sutileza dessas transições, tornar o nosso pensamento
suficientemente ágil para representar o movimento e as nuanças naturais” (Cassirer,
1992, p. 115).
Assim, não é apenas a Taxonomia, mesmo que junto à Fisiologia, que responde
pelo grande desenvolvimento da História Natural do século XVIII. A descrição dos seres
deixa de ser tratada unicamente como um meio necessário às classificações e torna-se o
viés pelo qual reconstitui-se uma visão da integração dos seres na natureza. As
descrições serão deslocadas para o domínio da territorialidade ocupada pelos seres
vivos. O século XVIII verá nascer, através do uso de algumas noções bastante arcaicas,
a História Geográfica de plantas, de que trataremos logo à seguir.
Finalmente, ainda não foi apenas o desenvolvimento da Fisiologia, da Taxonomia
e da História Geográfica de Plantas que marcou a História Natural do século XVIII.
Também derivando de um método centrado noutro foco que não a Matemática, o mesmo
Buffon delineia para a História Natural uma forma fundamental de conhecimento
“histórico”. A sua intenção descritiva desatrela-se da herança medieval de busca por
semelhanças e diferenças entre os seres para buscar a sua arqueologia, os seus “antigos
monumentos”, o seu passado. Costuma-se dizer desse momento, que a Terra ganhou a
sua história. A procura pelas forças que modelaram o planeta estabeleceram, pela
primeira vez no estudo da natureza, uma dimensão de temporalidade. A idade da Terra
estipulada na Bíblia foi substituída por diversas propostas de cálculos baseados em
causas naturais, em evidências fornecidas pelas investigações geológicas 39 . Embora
39
Os termos “Geologia” e “geólogo” são usados pela primeira vez por Horace-Bénédict de Saussure
(1740-1799), autor de Voyages dans les Alpes (1779-96), segundo Hankins, 1985, p. 153. Gabriel Gohau
49
menciona o aparecimento do termo, um ano antes de Saussure, em 1778, em Lettres physiques et morales
sur les montagnes, de Jean-André Deluc (1727-1817). Sobre a nova prática científica diz Gabriel Gohau: “No
final do século XVIII (...) um novo termo, geologia, descrevia um empreendimento comum a todos os que se
interessavam pelo passado da terra” (Gohau, 1990, p. 2).
40
Michel Foucault, por exemplo, afirma que o “fixista” Cuvier contribuiu mais para a teoria evolucionista, que o
“transformista” Lamarck, por ter estabelecido a descontinuidade radical entre os seres vivos que seria a
condição de possibilidade de um evolucionismo compor, realmente, a sua história (Foucault, 1981).
50
controle sobre o impacto causado pelas novas descobertas41. Apenas no século XIX o
sistema se renovaria fazendo nascer essa Biologia que chegou ao século XX42.
Aos propósitos deste trabalho, importa priorizar, a partir desse quadro amplo e
genérico, o relato daqueles estudos da natureza que se conformavam a um campo de
abrangência ao qual, hoje, pode-se propor a denominação de “ciências ambientais”43.
Lembre-se que a História Natural não fazia ainda a separação disciplinar, oitocentista,
entre o mundo vivo e o não vivo, embora já se comecem a demarcar esses domínios de
investigação no período, e já se utilizassem as denominações de botânico e zoólogo. Se
as conquistas alcançadas pela Biologia tornaram-se aparentes no século XIX, foi no
século XVIII que a investigação dos seres vivos experimentou um desenvolvimento sem
precedentes.
Dadas as quatro grandes áreas desenvolvidas na História Natural do século XVIII,
Fisiologia, Taxonomia, Geologia e História Geográfica, concentraremo-nos no que se
encontra implicado na obra do naturalista Manuel Arruda da Câmara. Na esfera do
conhecimento científico, nos dirigiremos mais especialmente para a História Geográfica
de Plantas, essa busca da ordem espacial, do lugar próprio de cada ser na natureza, a
partir do que poderemos tangenciar o que se convencionou denominar “relação
homem-natureza”. Importará investigarmos o que diz respeito à mudança de atitude do
homem em geral e do pesquisador em particular perante a própria natureza. Importará,
41
Ao tratar dessa tensão Peter Bowler aponta uma superação da discrepância entre duas interpretações
correntes do período: a visão derivada da análise de Michel Foucault, de que a História Natural brilharia
absoluta sob os refletores do século XVIII e a visão balizada pelas investigações geológicas que apontam o
aparecimento da dimensão temporal como evento mais significativo do período. Além disso, foram
investigadas as dimensões sociais, políticas e ideológicas caudatárias do conceito de universo em
transformação (ver Bowler, 1992, p. 102-104).
42
O termo “Biologia” foi cunhado simultaneamente por Lamarck e Treviranius em 1802 para “diferentes
formas e fenômenos da vida, das condições e leis sob as quais eles ocorrem e as causas que os determinam.
A ciência que concerne a estes objetos nós vamos designar de biologia ou de ciência da vida” (Treviranius,
apud Coleman, 1977, p. 2). Há explicações divergentes para essa tranformação. Enquanto Michel Foucault
atribui o surgimento da Biologia ao momento em que o vivo passa a ser destacado do não vivo, em meados
do século XVIII, T.L. Hankins argumenta que isso permitiria pensarmos nos mecaniscistas do XVII e XVIII
como precursores das idéias gerativas da biologia moderna. Para Hankins, a criação da Biologia “só ocorreu
depois de uma forte reação contrária à filosofia mecanicista que havia separado o estudo dos seres vivos da
natureza inanimada e explicado a ‘vida’ por princípios que não se aplicariam ao inanimado” (Hankins, 1985, p.
117). Em Gabriel Gohau, “A Geologia não foi a única ciência a emergir como um campo distinto nessa época.
O termo biologia foi usado pela primeira vez por volta de 1800, quando foi reconhecido que a divisão da
história natural em três reinos devia ser substituída por uma divisão em o mundo orgânico e o inorgânico.
Esse também foi um período decisivo para a química, graças a Antoine-Laurent Lavoisier (...)” (Gohau, 1990,
p. 2). Ver também: Farber, 1982; Caron, 1988.
43
Não se trata do significado pretendido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP,
em que se procuram contemplar e interelacionar domínios das Humanidades e das Ciências Exatas e
Biológicas no estudo do meio ambiente. Trata-se mais de um recorte artificial e a posteriori sobre os domínios
da investigação da natureza praticada no passado que nos permite elencar as temáticas relevantes à
abordagem histórica dos aspectos físicos e orgânicos do ambiente, ao modo do título criado por Peter Bowler
ao seu livro The fontana history of the Environmental Sciences.
51
44
“Duas afirmações mostram a diferença dos modernos em relação aos antigos: a afirmação do filósofo
inlgês Francis Bacon, para quem ‘saber é poder’, e a afirmação de Descartes, para quem a ‘ciência deve
tornar-nos senhores da Natureza’. A ciência moderna nasce vinculada à idéia de intervir na Natureza, de
conhecê-la para apropriar-se dela, para controlá-la e dominá-la. A ciência não é apenas contemplação da
verdade, mas é sobretudo o exercício do poderio humano sobre a Natureza. Numa sociedade em que o
capitalismo está surgindo e, para acumular o capital, deve ampliar a capacidade do trabalho humano para
52
modificar e explorar a Natureza, a nova ciência será inseparável da técnica” (Chauí, 1995, p. 255).
53
45
A verdadeira autoria da obra sobre as plantas é tema controverso entre os comentadores de Aristóteles. A
edição das Obras Completas organizada por W. D. Ross a insere no corpus aristotelicum pois, apesar de não
partilhar da mesma forma de outros trabalhos, o seu conteúdo é bastante coerente com o restante da
investigação biológica de Aristóteles e com a botânica de seu discípulo Teofrasto.
46
É preciso que se destaque que o termo “solo” é usado por Aristóteles como um conceito bastante distinto do
atual. Nele não há referência à composição nem ao fornecimento de nutrientes ao vegetal. Aristóteles
diferencia solo de “rocha”.
47
Aristóteles acreditava mesmo ser impossível a vida em geral nos ambientes “tórridos”, devido a uma
temperatura e secura excessivamente elevadas.
48
Noutra passagem, temperatura e umidade estão novamente relacionadas ao solo: “O crescimento de uma
planta requer solo, água e ar” (Aristóteles, De plantis, 826 a 29).
49
Aristóteles viveu em muitas cidades distintas. De sua Macedônia natal, viveu em Estagira e Pela; Da
Grécia, viveu em Atenas, em Mitilene, na ilha de Lesbos, em Atarneus e Assos, na Mísia e em Cálcis, na
Eubéia.
50
Curioso notar que Aristóteles afirma serem as montanhas altas apropriadas para as plantas medicinais, mas
que seus frutos “serão mais difíceis de serem assimilados e conterão menor capacidade nutritiva” (Aristóteles,
De plantis, 826 b 4).
54
Quanto à exposição aos raios solares, Aristóteles afirma que as que crescem em
“lugares sem sol não terão força para a produção de folhas e frutos” (Aristóteles, De
plantis, 826 b 8-9), pois é o sol que permite que as plantas (e os animais, diferentemente
das rochas) percam umidade (ou seja, que permite a concocção).
Assim, a idéia de que plantas apresentam similaridades conforme o local em que
se encontram, aparece várias vezes no texto de Aristóteles. As suas “regiões
biogeográficas” aparecem demarcadas pelas plantas típicas que possuem.
“... nos desertos espécies separadas de plantas não ocorrerão, mas espécies
similares umas às outras” (Aristóteles, De plantis, 825 a 39)52.
“Geralmente tais plantas não diferem entre si quanto à forma devido à
presença constante da água e sua consistência densa e do calor do sol”
(Aristóteles, De plantis, 826 b 18-19).
51
Concocção é, para Aristóteles, um processo que ocorre em animais, vegetais, rochas e metais, em que
estão presentes o calor e a umidade. No caso das plantas e animais, trata-se de um processo de maturação
com liberação de umidade (transpiração) (Aristóteles, De Plantis, 822 a 25 - 822 b 25).
52
O conceito de “espécie” atual não corresponde ao uso do termo em Aristóteles, onde deve-se entender
55
corrupção e à imperfeição. Neste mundo dito “sub-lunar”, os seres estão sujeitos à morte;
mas devido a seus movimentos imitarem a perfeição do movimento circular “supra-lunar”,
eles são renovados pelos ciclos de geração. Assim, os seres individuais morrem, mas as
espécies são eternas53.
O movimento natural dos seres parte deles mesmos e compartilha da mesma
eternidade que o movimento das esferas estelares. Possui uma ordem que determina que
cada coisa possua uma natureza e um grau de perfeição que lhes são próprios. A
investigação consiste em procurar pelas causas (material, formal, motora e final) e o
modo em que estão combinadas em cada ser.
No caso das plantas, “o material próprio e a posição adequada à sua natureza”
definem as duas condições que precisam estar presentes para o seu desenvolvimento
(Aristóteles, De plantis, 824 b 38-39). Todos os seres são formados pela combinação de
quatro elementos geradores, terra, água, ar e fogo. Os corpos diferenciam-se uns dos
outros justamente por possuírem diferentes combinações dos elementos, e como cada
elemento, por sua própria natureza, possui um “lugar natural”, assim também o ser
possuirá o seu “lugar natural” de acordo com o elemento que preponderar em sua
composição. Os elementos, e os seres, ordenam-se naturalmente a partir do centro do
mundo, de modo que este é ocupado pela terra, seguida pela água, depois pelo ar e,
finalmente, pelo fogo54. Toda vez que um ser estiver, por qualquer razão, fora de seu
“lugar natural”, tenderá a regressar a ele pelo poder derivado dos seus elementos
constitutivos55.
Assim, por exemplo, o ser no qual prepondera o ar, tende a subir e a ocupar os
lugares mais altos, como é o caso das aves, dos cometas ou da umidade que escapa dos
espaços presentes entre as partes que formam o corpo de um vegetal ou animal. Os
seres que possuem mais do elemento terra, tendem a descer e a ocupar os lugares
baixos, sejam eles minhocas, pedras ou as “águas densas que encontram um nível mais
baixo do que a água que não é densa; pois o denso é da natureza da terra, o raro da
natureza do ar; portanto, a água doce fica numa elevação mais alta do que qualquer
outra água” (Aristóteles, De plantis, 824 a 28-33).
Essa noção de “lugar natural” persistiu por muitos séculos no pensamento
ocidental56. No que diz respeito à sua aplicação na distribuição dos seres vivos, começou
a ser revista no século XVII e transformou-se no século XVIII, quando a distribuição
geográfica dos seres passou a ser problematizada e estudada metodicamente. Já havia
se avolumado o número de espécies trazidas das novas e diversas regiões atingidas
pelas viagens de exploração e conquistas do Renascimento. As coleções enriquecidas de
animais e plantas trazidas da Ásia, da África, das Américas, impunham novas questões,
antes insuspeitas, acerca da distribuição dos seres. Era preciso explicar tanto as
diferenças quanto as semelhanças encontradas em locais tão distantes entre si quanto o
são o velho do novo mundo.
o seu lugar próprio ou peculiar” na Física, 209 a 31-b 2 (Ross, 1987, p.93).
56
Para o domínio dos corpos naturais, esta explicação procura dar conta daquilo que receberá um tratamento
distinto pela ciência moderna. Em Descartes, gravitas é o termo usado para explicar a queda dos “graves” e
tem um sentido distinto daquele estabelecido por Newton sob o termo “gravidade”. Assim, o célebre cientista
britânico não “descobriu” a lei da gravidade e nem foi o primeiro a se preocupar com o fenômeno, mas
interpretou-o de um modo novo. A noção de “lugar natural” foi, portanto, sendo gradativamente substituída por
outras, mas não o foi no domínio dos seres vivos.
57
mecanicismo, mas o argumento do desígneo que ele contribuiu muito em divulgar, foi
difundido no século XVIII através de uma metáfora mecanicista. Costumava-se comparar
a natureza a um relógio. A ordenação das partes de um relógio só poderia ser atribuída à
mente de um relojoeiro que, tomando-o em sua unidade e obediência a um determinado
fim, governa a distribuição harmônica de suas peças. Da mesma forma, Deus teria criado
cada uma das formas naturais e previsto para cada uma o seu lugar próprio para que
pudessem cumprir a finalidade porque foram criadas: o benefício do Homem. O
argumento do desígneo divino sustenta, pois, a noção de que a natureza é um todo
organizado harmonicamente.
Assim é que a velha noção de “lugar natural” foi dando lugar à de “equilíbrio da
natureza”. O equilíbrio da natureza passa a ser uma “lei natural”, um princípio regulador
que garantiria o lugar próprio dos seres e as relações que possuem entre si. Note-se que,
diferentemente da concepção atual, o equilíbrio natural não era entendido como algo que
se atinge através das relações, mas, ao contrário, porque existe a priori um “equilíbrio da
natureza” é que as espécies podem relacionar-se umas com as outras. Ele era entendido
como condição e não como efeito das relações. Os seres existem segundo uma ordem
natural que não é construída pela natureza mas pela mente do Criador.
57
O Natural Theology, de William Paley, persiste influenciando naturalistas do século XIX, como o jovem
Charles Darwin. Foi a sua teoria de evolução, contudo, que contribuiu para a dissolução das concepções da
teologia natural. Darwin passou a explicar os estados da natureza como resultado da herança e variação ao
acaso.
59
58
Na verdade, embora buscasse decifrar a ordem divina, natural, da Criação, por razões práticas, o sistema
proposto por Lineu era artificial. Gradualmente a escolha artificial dos caracteres que deveriam reger os
agrupamentos foi-se tornando mais natural na medida em que novas espécies iam sendo incorporadas
através do reconhecimento de semelhanças gerais que levavam, muitas vezes, à formação de grupos novos.
59
“No início do século XVIII, Richard Bradley (1688-1732) havia notado como cada espécie de inseto tende a
alimentar-se de uma planta particular. Ele advertia os fazendeiros a não matarem pássaros em seus canteiros
de nabos, porque eles alimentavam-se dos insetos que danificavam a colheita. Como muitos de seus
contemporâneos, Bradley percebeu que todas as espécies de animais e plantas são dependentes umas das
outras numa rede complexa do que hoje podemos chamar de relações ecológicas” (Bowler, 1992, p. 169).
Sobre Richard Bradley ver importante estudo de Frank N. Egerton, 1969.
60
60
Aos propósitos deste trabalho, não buscou-se Lineu em seus textos originais, exceto pelos pequenos
trechos encontrados em inglês e/ou francês em obras gerais sobre o século XVIII. Um estudo mais detalhado
sobre o naturalista sueco deveria ser efetuado pela leitura de suas obras em latim ou das traduções
disponíveis em microfilmes dos Landmarks of Science, encontrados na Biblioteca do Centro de Lógica e
Epistemologia da UNICAMP:
- Lineu. A dissertation on the sex of plants. (1786). Printed for the author and sold by George Nicol.
- Lineu. A general system of Nature, through the three grand Kingdons of animals, vegetables, and mineral;
systematically divided into their several classes, orders, genera, species, and peculiarities. 7v. Londres,
1802-1806.
61
Daí a necessidade de se defender e argumentar a favor da transplantação de espécies, em Arruda e outros
herdeiros dessa concepção.
61
62
As idéias de Lineu estão no De telluris habitalis incremento de 1744. As de Buffon, esboçadas no Histoire
naturelle, a partir de 1749, encontra-se em sua versão final no Des époques de la nature, de 1778. Conforme
62
63
A. Gerbi distingue a zoologia geográfica da geografia zoológica. “Buffon funda, salvo melhor parecer dos
especialistas, a zoologia geográfica”; a geografia zoológica, “recebeu forma científica apenas na segunda
metade do século XIX” e é muitíssimo anterior a Buffon (Aristóteles e outros) (Gerbi, 1975, p. 16). Gerbi atribui
à Marco Polo a importante “distinção categórica de animais como os nossos e animais distintos dos nossos”
(Gerbi, 1975, p. 17).
64
formam uma unidade definida pelo ambiente” (Bowler, 1992, p. 176) e que esse padrão
uniforme de distribuição tinha por base especialmente a temperatura, com algumas
exceções. Afastaram-se de Lineu por terem que reconhecer, em 1789, que tal padrão
exigiria a existência de criações múltiplas para as espécies.
O último exemplo é o estudo de Ramond de Carbonnières da flora dos Pirineus,
de 1787. Preocupado em trabalhar com fatores físicos quantificáveis, notou o papel do
clima e das elevações na vida das plantas, vinculando as diferenças de temperatura não
apenas à altitude mas também à latitude. Influenciado pela regra lineana de que lugares
semelhantes produzem espécies semelhantes, desprezou, ou não percebeu, as
semelhanças entre as plantas de lugares distintos. De qualquer forma, as floras de
Carbonnières, dos Forster e de Pallas, tanto quanto outras do período, trouxeram um
mundo novo de dados e parâmetros, um vasto material que, apesar de servir à
constituição da futura Biogeografia, teve de aguardar o surgimento de um novo tipo de
interpretação.
direcionamento climático.
No entanto, isto não foi suficiente para explicar a semelhança da flora em regiões
de distâncias transcontinentais, como a América do Sul. Manteve-se fiel, nesse caso, à
máxima lineana (situações semelhantes produzem plantas semelhantes): “E por que a
natureza não poderia produzir, em latitudes e longitudes diferentes, espécies muito
semelhantes entre si?” (Wildenow, apud Larson, 1986, p. 468). Dessa forma, Wildenow,
como os Forster, não estava desprendido do enfoque central promovido pela Taxonomia.
O seu trabalho possui uma descrição mais detalhada da vegetação mas ainda como um
aspecto secundário. Semelhantemente, em 1803, G. R. Treviranus mantém no seu
Biologie, uma interpretação ahistórica, tratando de “processos” sob a perspectiva estrita
dos agentes físicos, das localidades e habitações.
Em todos esses casos, contudo, manteve-se uma tradição “florística”, preocupada
com a identificação das plantas que crescem numa área, fazendo generalizações sobre o
caráter florístico da região como um todo. O nível de análise era, ainda, essencialmente
sobre as espécies individuais. O rompimento com a florística ocorreu apenas com
Alexander von Humboldt, em quem a vegetação tornou-se um objeto autônomo de
investigação, definida como estudo de um “fenômeno coletivo, produzido pelas várias
espécies agrupadas [em que] uma vegetação se caracteriza pelas diferentes formas de
crescimento das plantas constitutivas e de suas abundâncias relativas” (Nicolson, 1987,
p.168)64
Com Humboldt, tem-se a grande obra dedicada à discussão sistemática e objetiva
dessas questões, no famoso Essai sur la géographie des plantes, de 1805. Aprendeu
com Wildenow o valor da paleontologia para a geografia das plantas e desenvolveu a
abordagem histórica junto aos inúmeros fatos da experiência recolhidos de suas
expedições e coordenação de trabalhos sobre as plantas coletadas em várias partes do
mundo. Além disso, utilizou-se de medições de altitude, temperatura e pressão do ar, de
modo a poder determinar os fatores físicos com uma precisão maior que seus
predecessores, já atentos às diferenças de altitude e temperatura. Também analisou as
comunidades de plantas horizontalmente distribuídas, expandindo o padrão de estudo,
até então corriqueiro, de observar a distribuição em montanhas, podendo perceber
contrastes mais fortes entre as zonas temperadas e os trópicos. A Biogeografia surge
com Humboldt porque ele “preocupou-se centralmente com a vegetação, suas
64
A distinção entre as duas tradições ou formas de geografia de plantas durante o século XIX, da “florística” e
da “morfológica” ou da “vegetação”, foi retomada por Malcom Nicolson a partir do The history of biology, de
68
“por um lado o contacto, cada vez mais íntimo, dos portugueses com o
mundo por eles mesmos desvendado, com a África, a Ásia, o Brasil,
surpreendentes repositórios de produtos naturais, plantas, animais e minerais
muitos deles nunca antes observados; por outro lado o entusiasmo, o
alvoroço, a euforia com que muitos cientistas estrangeiros se entregaram,
nesse século, à recolha, observação, descrição e catalogação de tudo quanto
a Natureza lhes deparava e que, por contactos fortuitos connosco, nos foram
envolvendo no mesmo gosto de observar, estudar e coleccionar,
independentemente de comerciar” (Carvalho, 1987, p. 9-10) 65.
65
Rómulo de Carvalho cita entre os naturalistas estrangeiros que estiveram em Portugal o “médico alemão
Gabriel Grisley que veio para Portugal no tempo de D. João IV” tendo publicado “em língua portuguesa,
Desengano para a Medicina” e, “em 1661, e em língua latina, um livro intitulado Viridarium Lusitanicum, ou
seja, o Jardim da Lusitânia, obra reeditada no século XVIII, por ordem da Academia das Ciências de Lisboa,
70
em 1789” indicada por Domingos Vandelli, por constituir-se na primeira flora portuguesa. Também estiveram
em Portugal: o famoso naturalista francês Tournefort, “talvez ainda no final do século XVII ou nos primeiros
anos do século XVIII”; Antoine de Jussieu e outros “desse apelido” que empenharam-se em herborizações da
flora portuguesa ao longo do século XVIII; o médico francês Jean Vigier que, residente em Lisboa por mais de
trinta anos, escreveu Tesouro Apolíneo, Galénico, Químico, Cirúrgico etc e “Histoire des Plantes de l’Europe,
editada pela primeira vez em Lião, em 1670 (...) e traduzida para o português, pelo próprio Vigier, e publicada
em 1718” com o título História das Plantas da Europa e das mais usadas que vêm da Ásia, da África e da
América, onde vê-se figuras, seus nomes, em que tempo florescem e o lugar onde nascem. Com um breve
discurso das suas qualidades e virtudes específicas, em dois volumes totalizando 866 páginas de texto; o
naturalista (francês ou suiço ?) Merveilleux, que empreendeu expedição científica pelas “provínicas
portuguesas e redigindo diversas memórias sobre História Natural que entregou a D. João V (...) A obra
intitula-se Memoires instructifs pour un voyageur dans les divers Etats de l’europe. Contenant des Anedoctes
curieuses très propres à éclaircir l’Histoire du Tems, avec des Remarques sur le Commerce et l’Histoire
Naturelle, publicada em Amsterdam em 1738 e traduzida e publicada em português pela Biblioteca Nacional
de Lisboa em 1983 (Carvalho, 1987, p. 12-20).
71
ensino nas então chamadas escolas menores, de tradição escolástica, até então
dominado pelos padres da Companhia de Jesus. A reforma do ensino universitário não
se pôs na mesma “condição de urgência (...) visto a Compainha de Jesus não se ter
apoderado das cátedras coimbrãs”, embora alguns jesuítas tenham ali lecionado
(Carvalho, 1987, p. 40).
A reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra ocorreu em 1772 e
juntamente com a formação da Academia das Ciências de Lisboa em 1779 "marca o
advento no país das Ciências Físicas e Naturais" (Fontes, 1966, p.10), abrindo-se
Portugal para as ciências modernas. Os jovens talentosos nascidos no Brasil, que não
contavam com instituição de ensino superior além dos seminários dos jesuítas, tiveram aí
a oportunidade de integrarem-se ao grande desenvolvimento que se verificava na História
Natural européia do período66.
Os novos Estatutos da Universidade de Coimbra reformaram as Faculdades de
Leis, de Teologia e de Medicina ao mesmo tempo em que criaram as Faculdades de
Matemática e de Filosofia Natural. A Faculdade de Filosofia Natural, contava com os
cursos de Filosofia Racional e Moral (Lógica, Ética e Metafísica) no primeiro ano; de
História Natural (Zoologia, Botânica e Mineralogia), acompanhada da disciplina de
Geometria na Faculdade de Matemática, no segundo ano; de Física Experimental no
terceiro e de Química Teórica e Prática no quarto ano67. Os doutores formados eram
denominados de “naturalistas”68. Segundo os estatutos, a Faculdade de Filosofia Natural
deveria gozar da mesma importância que as demais. Isso pode ser medido pelo fato de
os quatro anos do Curso Filosófica terem-se tornado pré-requisito aos estudantes
interessados em doutorarem-se em Medicina, bem como aos estudantes destinados à
Faculdade de Teologia 69 . Os alunos poderiam ser atraídos para o Curso Filosófico
66
As matrículas de brasileiros nas Universidades de Coimbra, assim como na Universidade de Montpellier
nesse período são apontadas em Rodrigues, 1949; Moraes, 1949; Araújo; Pedrosa, 1959; Herson, 1996. A
secularização foi outra marca do governo ilustrado, em que persiste “a preocupação com a sobrevicência da
aristocracia: seus filhos são estimulados a estudar em colégios e faculdades, reformadas ou recém-criadas,
especialmente voltadas para os estudos modernos mais diretamente aplicáveis aos problemas da
administração do Estado” (Falcon, 1986, p. 26).
67
Segundo os novos estatutos, “Os estudantes poderiam matricular-se no curso a partir da idade de catorze
anos já feitos, deveriam entender e saber escrever ‘correcta e desembaraçadamente a Língua Latina’ e
possuírem o necessário conhecimento da Língua Grega para que a compreendessem quando escrita. As
aulas de História Natural, no 2º ano, eram diárias, da parte da tarde, e tinham a duração de hora e meia”
(Carvalho, 1987, p. 40).
68
Em 1765, já teriam sido introduzidas, no Colégio de Nobres de Lisboa, as disciplinas de Física Experimental
e de História Natural (Braga, apud Ferraz, 1995a, p. 23).
69
Conforme Ferraz, 1995b, p. 182. Bom para a valorização da Filosofia Natural mas nem tanto para o bom
andamento dos cursos, pois, em “1777 o número de estudantes era muito abaixo do que gostariam seus
dirigentes, em todas as faculdades reformadas da Universidade de Coimbra”. O caso era especialmente grave
na Faculdade de Medicina “pois a diminuição drástica do número de alunos deveria trazer, no parecer do
72
reitor, graves conseqüências para a Universidade e para o povo. A razão da diminuição estaria, segundo
‘muitos Medicos’, na necessidade de os estudantes permanecerem na Universidade por oito anos, sendo três
de preparatório no Curso Filosófico e mais cinco no estudo da Medicina”. Nas outras Faculdades a
preocupação era menor porque se o número de estudantes das Faculdades de Leis e de Teologia, que
também fora estendido, com a obrigatoriedade da Filosofia Natural, para nove anos de escolaridade
(Carvalho, 1987, p. 43), era pequeno em comparação com o período anterior à reforma, era ainda “suficiente
para as necessidades do Reino” (Ferraz, 1995a, p. 53). O interesse pela Filosofia Natural diminuiu entre os
“brasileiros”, no início do século seguinte, em favor dos estudos de Direito” (Ferraz, 1995b, p. 181).
70
Consideravam-se alunos “obrigados” os que iriam destinar-se a outras Faculdades e alunos “ordinários” os
que pretendiam tornar-se naturalistas.
71
“... criado por legislação de 1761. Este Colégio, que só começou a funcionar em 1766” não atingiu os
objetivos pretendidos e em 1772 foi limitado ao ensino das Humanidades. Vandelli teria passado “pouco mais
de um ano” ali, entre 1764 e 1765, sem “ter tido a oportunidade de leccionar, no Colégio, as disciplinas de sua
especialidade” (Carvalho, 1987, p. 48).
73
72
Diferentemente da transcrição da Introdução ao Diccionario de Termos Technicos de Historia Natural e de
A Memoria sobre a Utilidade dos jardins Botanicos apresentada no apêndice 2, nas passagens das cartas de
Lineu ora citadas foram seguidas, ainda que parcial e “amadoramente”, as Normas Técnicas de Transcrição
Paleográfica apresentadas pelo Prof. R. Román Blanco, especialmente no que se refere à substituição do S
largo pelo s normal (Regra 6); uso do s para o f com valor de s (Regra 14); uso de c em lugar de ε. Por falta de
competência suficiente ao discernimento do que sugere a Regra 5, referente ao uso do i em lugar do i longo,
manteve-se fidelidade ao original (Blanco, 1987, p. 19).
73
Reproduzem-se, à seguir, trechos das cartas que corroboram a opinião mencionada, conforme parcos
conhecimentos pessoais do latim. Arriscando receber a opinião de que esta menção só deveria ser feita
acompanhada de devida tradução, optou-se, ainda assim, pela transcrição dos trechos retirados daquela obra
rara, em estado de pouca conservação no IEB/USP, para que futuramente se possa dela fazer uso mais
digno.
Carta I, 3/fev./1759: “Prodiit Systematis Naturae editionis decimae tomus primus de animalibus; sudat tomus
secundus de plantis; tomus tertius continuabit de lapidibus” (Linné, 1788, p. 74).
Carta VI, 12/fev./1763: “... quo Systema Naturae editionis decimae emiseram, dedi 200 nova insecta in altera
editione Faunae ...” (Linné, 1788, p. 79).
Carta XV, 15/jul/1767: “... Systematis editionis 12. tomus primus e prelo prodit; ex eo videbis, quod fideliter,
quæ a te accepi, allegavi. Alter tomus de plantis ad ½ impressus est, in e jus Didynamia dedi characterem,
2 descriptionem novae plantae Vandelliae; (...) Avidissime jam ícire opto quomodo tu valeas, & tua Flora,
omnes curiosi, qui ad me scripsere, avide expectant scire quod (ferat/serat?) Lusitania tua. (....) In tomo
secundo circiter 50 Genera plantarum, quæ antea non habui, adjeci, interque memorabile est Dracaena
74
“O saber pois somente o nome das plantas naõ he ser Botanico, o verdadeiro
Botanico deve saber álem disto a parte mais difficultoza, e interessante, que
he conhecer as suas propriedades, usos medicinais; saber a sua vegetaçaõ,
modo de multiplicar as mais uteis, os terrenos mais convenientes para isso, e
o modo de os fertilizar” (Vandelli, 1788, p. III).
“A Sciencia da Agricultura consiste principalmente no conhecimento dos
natureza, seriam fundamentais para facilitar a exploração e melhorar os cultivos (Ferraz, 1995b, p 189-90).
76
O mercantilismo é entendido aqui conforme o ponto de vista de Francisco Falcon, como “o conjunto de
idéias e práticas econômicas que caracterizam a história econômica européia e, principalmente, a política
econômica dos Estados modernos europeus durante o período situado entre os século XV/XVI e XVIII”
(Falcon, 1996, p. 11), caracterizado pela transição do feudalismo ao capitalismo. É considerado tardio por ser
recuperado pelo Absolutismo Ilustrado “nas ‘Europas periféricas’, isto é, na península ibérica, na Itália, na
Alemanha e na Rússia, no momento mesmo em que o mercantilismo é submetido à críticas cada vez mais
agudas” (Falcon, 1996, p. 64).
A fisiocracia surgiu na França, na segunda metade do século XVIII, sob a liderança de François de Quesnay e
Mercier de la Rivière. Ainda segundo Francisco Falcon, é uma doutrina econômica que dá ênfase ao
incremento da agricultura através de empréstimos e racionalização do sistema fiscal. Os fisiocratas, “partindo
de uma filosofia utilitarista a respeito das relações sociais, produziram uma teoria política por eles mesmos
denominada de despotismo legal. A base fundamental da ordem natural é a propriedade, e a atividade
governamental deve procurar ‘o maior aumento possível da produção e da população e assegurar a maior
felicidade possível para o maior número de pessoas’. É dever do Estado, através do ‘déspota legal’, garantir
os direitos de propriedade, segurança e livre concorrência” (Falcon, 1986, p. 18).
77
O citado Marquês de Mirabeau é fisiocrata autor de Os Economistas, Amsterdan e Paris, Lacombe, 1769 e
Filosofia Rural, 1763 (Denis, 1994, p. 686).
76
78
O manuscrito Vandelli, lente da universidade e inspetor do jardim botânico, assuntos relatiovs do jardim
está na Coleção Negócios de Portugal, caixa 463, Arquivo Nacional.
79
A Memória sobre a Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra existe em pelo menos duas
versões, diferentes em alguns pontos: uma está em papéis diversos, maço 519, sem data, no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo e a outra encadernada entre Memórias inéditas, manuscrito VII, na Biblioteca da
Ajuda (Ferraz, 1995a, p. 64).
80
“A escolha de ‘filosóficas’ para qualificar as referidas viagens tem sua razão de ser no motivo que levou a
denominar Faculdade de Filosofia ao departamento universitário criado pela Reforma Pombalina, onde se
estudava (...) a História Natural. O seu estudo constituía uma atitude filosófica, a de observar e intrpretar a
Natureza nos seus diversos domínios” (Carvalho, 1987, p. 81).
77
(...) Que esta viagem há-de contribuir muito para o aumento da agricultura, e
perfeição das artes não se pode negar, pois só desta sorte se pode conhecer
o que o nosso país tem, e o de que é capaz. Ora se são úteis as viagens
feitas nos reinos estranhos, como totos os dias observamos, e se nós
mesmos temos mandado a eles alguns filósofos nossos, quanto não será
mais interessante uma viagem feita no nosso país, se é que queremos que se
diga que nos propomos saber o que há na casa alheia, ignorando o que há na
nossa” (Vandelli, 1987, p. 35).
Nesse documento, Vandelli deixa transparecer a relação que faz entre os “estudos
mineralógicos, botânicos e também químicos”, pois discrimina que um viajante naturalista
deveria ater-se a:
81
Essa Memória encontra-se na Coleção de história e memórias das Academias de Ciências de Lisboa,
manuscrito do acervo da Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.
78
82
Vários textos do final do século XVIII dedicaram-se a “descrever quais deveriam ser as atividades a serem
desenvolvidas” pelos naturalistas: Breves Instrucçõens aos correspondentes da Academia das Sciencias de
Lisboa sobre as remessas dos produtos e notícias pertencentes a historia da Natureza para formar hum
Museo Nacional, 1781; as Instruções passadas ao naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira sobre o roteiro da
viagem entre o Pará e Mato-Grosso pelos Rios Amazonas e Madeira..., manuscrito no Arquivo do Instituto de
Estudos Brasileiros, São Paulo, Coleção Lamego, cod. 101, A8; as instruções traçadas pelo próprio Alexandre
Rodrigues Ferreira para sua viagem, publicadas pela Revista da Sociedade Brasileira de Geografia, 1946, 53,
pp. 46-52; ou ainda, a Expedição da conduta e da utilid.e de hum Naturalista peregrino no Brazil, de
Jean-François Ravin, 1774, manuscrito no Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros, Coleção lamego, cod.
16.28, A8” (Ferraz, 1995a, p. 135).
83
Isto contrasta com a informação de que, para Angola, teria sido enviado “o naturalista italiano Angelo
Donatti e o riscador João Antonio” (Carvalho, 1987, p. 87).
84
Para Moçambique, Manuel Galvão da Silva teria sido acompanhado por “António Gomes, riscador, e João
da Costa ‘para recolher plantas, sementes, e fazer herbário’” (Carvalho, 1987, p. 87).
85
De João da Silva Feijó (1765-1815) pudemos levantar as seguintes obras:
1) Feijó, João da Silva. Prefação preliminar ao ensaio filosófico e político da Capitania do Ceará para servir à
sua história geral... naturalista encarregado das investigações filosóficas da mesma capitania. 1808. 9fl.
Autografado, Manuscritos 1,1, 6. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Trata-se de material cuja leitura é
muito difícil. 2) Feijó, João da Silva. Preambulo ao Ensaio filosofico, e politico sobre a capitania do Ceará
para servir á sua Historia natural, pelo Sargento Mór, e Naturalista João da Silva Feijó, Encarregado das
Investigações Filosóficas da mesma capitania. Rio de Janeiro, Imprensa Régia, 1810. 3) Feijó, João da
Silva. Memória econômica sobre a raça de gado lanígero da capitania do Ceará...Rio de Janeiro, Imprensa
Régia, 1811. 53p. Encontrado na seção de obras raras da Biblioteca Nacional. 4) Feijó, João da Silva.
Memória sobre mineraes de ferro do Cangaty do Xorro na Capitania do Ceará ... 24 de out. 1814. Cópia, 12p.
79
Manuscrito. Biblioteca Nacional. 5) Feijó, João da Silva. Flora ciarense, 1818. Cop. Cod. enc. de 92 fls.
Manuscrito e microfilme. Biblioteca Nacional. 6) Feijó, João da Silva. Relatório e catálogo: província do
Ceará. 1875. Fortalea, Typ. Imparcial de Francisco Perdigão, 1875. 97p. Anexo: Memória Inédita ao
naturalista Feijó, sobre a mineira de ferro de Cangaty, p. 93-95. Manuscrito. Biblioteca Nacional. 7) Feijó,
João da Silva. Compendio de lições elementares de história natural descriptiva dos dois reinos, zoológico,
phitológico organizado segundo o sistema de Linneo por João da Silva Feijó. 2 v. s.d. Manuscrito. Biblioteca
Nacional. Contém uma classificação dos animais. É um compêndio de zoologia, com lições muito
organizadas. 8) Feijó, João da Silva. Memória sobre a Capitania do Seará. O Patriota, n.2, março-abril
1814, p. 21.
Em Marcia Ferraz, 1995a, p. 152, são citadas ainda as seguintes obras:
9) Memória sobre a Fábrica de anil da ilha de Santo Antão, Memórias Económicas da Academia real das
Sciências de Lisboa tomo I, pp 293-303. 10) Memória sobre a urzela de Cabo Verde, Memórias Económicas
da Academia real das Sciências de Lisboa tomo 5, pp. 109-116. 11) Ensaio Económico sobre as Ilhas de
Cabo Verde em 1797, Memórias Económicas da Academia real das Sciências de Lisboa tomo 5, pp. 131-147.
12) Memória sobre a última irrupção da Ilha do Fogo. O Patriota, 1814, 2ª subscrição, 5(novembro), pp. 23-32.
13) Memória sobre o anil das ilhas de Cabo Verde. Museu Paulista, São Paulo, Arquivo José Bonifácio, D283.
86
Talvez, o fato de ter estudado sua obra zoológica, tenha influenciado este autor. De qualquer forma,
Carvalho não afirmou ser A.R.F. "apenas" um zoólogo. De qualquer forma, condiz com: "Alexandre Rodrigues
80
menos econômico, seria melhor citá-lo como "geógrafo, sociólogo, etnólogo, antropólogo,
economista e agronômo" (Fontes, 1966, p.7) ou como "geógrafo, etnógrafo, naturalista"
— incluindo-se aí a "Antropologia, Mineralogia, Zoologia, Botânica, Espeleologia e
sobretudo, talvez, Agronomia" (Silva, 1947, p. 9)87.
Seguiu a Portugal em 1770, matriculando-se na Universidade de Coimbra, aos
quatorze anos de idade. Dois anos mais tarde, assistiu a Reforma da Universidade e em
1774 transferiu-se para a Faculdade de Filosofia, obtendo ali a sua titulação, em 1778.
Nesse período, de 1777 a 1778, foi “demonstrador de História Natural na Universidade”
nas aulas de Domingos Vandelli (Garcia, 1922, p. 875). Ao doutorar-se foi indicado por
seu professor para chefiar uma expedição filosófica que deveria inventariar os recursos
naturais que pudessem servir aos interesses mercantis da Coroa portuguesa em seus
domínios americanos. Seria o início de um grande trabalho de pesquisa da fauna, flora e
minerais do Brasil, através de uma vasta expedição empreendida sob o seu encargo.
Partindo imediatamente para Lisboa, Alexandre Rodrigues Ferreira esperou, contudo, 5
anos para o início da expedição. Nesse intervalo, Alexandre Rodrigues Ferreira esteve
envolvido em diversas atividades como:
De 1783 a 1792, Alexandre Rodrigues Ferreira finalmente partiu para essa que foi
a maior expedição de cunho científico empreendida pela Coroa Portuguesa em solo
brasileiro, pelas então Capitanias do Grão Pará, São José do Rio Negro (Amazonas) e
Mato Grosso (Cuiabá). Alexandre Rodrigues Ferreira chefiou a expedição na qualidade
de naturalista viajante, sendo o
Ferreira foi sobretudo um zoólogo. A fauna o seduzia mais que qualquer dos outros reinos da natureza" (Mello
-Leitão, 1941, p. 257).
87
Há ainda a denominação de "médico" baiano (Neiva, 1929, p. 5), devido a ter-se inscrito na Faculdade
Médica da Universidade de Coimbra em 1770. Embora tenha se transferido para o curso de Filosofia,
deixando inconcluso o de Medicina, não deixou de contribuir à temática médica, escrevendo a monografia
Enfermidades endêmicas da Capitania de Mato Grosso (Fonseca, 1958, p.8).
81
88
As cartas estão listadas no item 106, “Documentos relativos à Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues
Ferreira, desde o ano de 1784 até o de 1795”. In: Biblioteca Nacional, 1952.
89
Segundo identificação feita por Luiz Carlos Souto, os 14 animais do primeiro grupo correspondem a 12
espécies (Ferreira, 1972, p. 56-7):
90
Publicado nos Arquivos do Museu Nacional, vol. XII: 169-174, 1903.
91
São muitos os autores citados ao longo das descrições: Lineu, Buffon, Charlcvois, Uchoa, Anson, Pison,
Marcgrave, Edward Tison, Ray, Aldrouand, Brisson, Plinio, La Condamine, Barrere, Malpighio, para não citar
toda a extensa bibliografia indicada e discutida pelo próprio autor entre as páginas 107 e 123 da referida
memória.
84
inventário com uma tabela de classificação dos “mamais” em que “seguindo a distribuição
de Lineu quanto às classes, porém, com o devido respeito a tão grande mestre, nem
todas as classes eu sigo as ordens” (Ferreira, 1972, p. 128).
Nessa memória, contudo, as descrições são bastante breves e nem sempre
equivalentes em todos os itens mencionados. Esses itens consistem em: origem do
nome; tamanho do animal; usos que dele se faz (de dentes, pele, presas, carne);
instruções sobre o preparo da carne para a alimentação; os lugares em que se
encontram. Para alguns animais faz um levantamento das citações em obras anteriores.
À execeção desse aspecto, a falta de sistematização dos dados, contudo, não torna
essas descrições muito dessemelhantes às dos séculos anteriores feitas por Lery,
Thevet, Gandavo, Marcgrave, embora Rodrigues Ferreira corrija freqüentemente
informações errôneas lá contidas. Desmente, por exemplo, a crença muito repetida
naqueles autores de que o bicho preguiça, visto sempre dormindo, não alimentava-se de
nada: “Possuindo exemplares vivos em casa, ofereci-lhes várias folhas diferentes para
sua alimentação e verifiquei que apenas as de embauba eram comidas” (Ferreira, 1972,
p. 49).
92
Uma avaliação cuidadosa das descrições morfológicas de Alexandre Rodrigues Ferreira estão em Carvalho,
1965.
85
do cuidado com as crias, da voz, de inimigos naturais, dos modos de defesa e ataque, de
sua locomoção. Uma citação recorrente é a da domesticabilidade do animal. Entre os
macacos, por exemplo, são descritos os casos de docilidade e meiguice que tornam o
animal facilmente familiarizado aos homens. Há casos particulares curiosos, como o do
macaco prego (Cebus apella):
“... meigos e dóceis, se bem que com alguma extravagância no seu afeto,
pois a algumas pessoas, sem motivo real e manifesto, mostram uma
extremada inclinação, e, a outras, um implacável rancor”. (Alexandre
Rodrigues Ferreira, 1972, p. 144)
93
Publicada na sua versão original, por Alípio de Miranda Ribeiro, nos Arquivos do Museu Nacional, vol. XII:
155-158, 1903 (Carvalho, 1972, nota à p. 13).
94
Conforme comentário de José Cândido de Carvalho, se tivesse sido publicada, teria sido a primeira
descrição do peixe pirarucu, antecedendo as que foram feitas por Cuvier e Agassiz em 1829 (Carvalho, 1972,
p. 16).
86
Também é preciso salientar que quando o autor indica o tamanho dos animais,
quase sempre “palmos” e às vezes “pés” ou “varas” não o faz, sempre, por medidas
absolutas95. Há muitos casos em que é bastante impreciso, apenas comparando com as
dimensões de outro animal ou usando expressões ainda mais vagas, como “grande” ou
“pequeno”. Outro dado quantitativo, a abundância, também recebe o mesmo tratamento
inexato, pois as expressões usadas pelo autor não permitem qualquer definição
conclusiva: “são raros”, “onde há em maior abundância”, “onde não vi tantos quanto em”.
Nos casos em que compara dois sítios, a informação adquire valor comparativo: “há
maior número delas no Rio Amazonas do que nos outros que desaguam nele”96.
De volta à Portugal “exerce a função de vicediretor do Museu da Ajuda, sob a
direção de Domingos Vandelli, onde esperava organizar o material que havia enviado do
Brasil, a fim de escrever seus trabalhos” (Ferraz, 1995b, p. 187). “Alexandre Rodrigues
Ferreira e João da Silva Feijó, foram escolhidos por Domingos Vandelli para repartir a
cátedra de História Natural e Demonstrações Químicas do Museu de História Natural,
Jardim Botânico e Laboratório Químico em Ajuda, fato que aparentemente nunca
ocorreu” (Ferraz, 1995b, p. 188). Igualmente sem resultado teria sido esta outra petição
de Vandelli, em seu Relação da origem e estado presente do Real Jardim Botânico...:
95
Um palmo equivale a 8 polegadas ou 22 cm; uma vara representa 5 palmos, ou seja, 1,10m.
96
Das 65 espécies descritas neste Inventário, de apenas 4 Rodrigues Ferreira menciona a sua abundância.
Os macacos boca-preta (Saimiri sciureus ustus) “São infinitos pelas margens dos rios Amazonas, Negro,
Solimões e Madeira” (Ferreira, 1972, p. 149). As cutias pretas, (Dasyprocta fuliginosa) “são abundantes no rio
Negro” (Ferreira, 1972, p. 179). Os porcos (Tayassu) “são inumeráveis em todas as províncias quentes da
América Meridional” (Ferreira, 1972, p. 186). O peixe-boi (Trichechus inunguis) tem a sua densidade
populacional comparada entre várias regiões: “... na baía do Marapatá ... não chegam a ser tantos nem tão
grandes como da Vila de Curupá para cima ... Nos lagos da Vila de Faro é prodigiosa a sua quantidade.
Também há bastante nos da Vila de Sylves, sobre o rio Amazonas, e, com a mesma abundância, nos rios
Branco e Uaracá ... Mais raros são os peixes-boi de manteiga” (Ferreira, 1972, p. 197).
87
97
A apropriação por Vandelli também é lembrada por W. Dean: ”Vandelli se apropriou de amostras das
magníficas coleções amazonenses de seu pupilo Alexandre Rodrigues Ferreira, excitando a curiosidade de
seus correspondentes mas omitindo sua procedência” (Dean, 1996, p. 136).
98
Assim é que, dos cerca de “96 exemplares de mamíferos levados por Junot a Paris, alguns aparecem
descritos em Étienne Geoffroy Saint-Hilaire (1812), Desmarest & Blainville (1817), Isidore Geoffroy (1844) etc”.
(Carvalho, 1965, p. 8). A estes naturalistas somam-se “Achille de Valenciennes, Louis Vieillot, Georges Cuvier
e Alexandre Humboldt; botânicos Aimé Bompland (...) de Candolle, Naudin, Cogniaux e outros” (Cunha, 1991,
p. 32).
O documento de Duc d’Abrantes, datado de 3 de junho de 1808, autoriza Mr. Geoffroy a receber do Diretor do
Museu, Sr. Vandelli, “65 espèces et 76 individus de mammifères, 238 espèces et 384 individus des oiseaux,
25 espèces et 32 individus de reptiles et 89 espèces et 100 individus de poissons” (Carvalho, 1972, p. 6).
99
Ao menos de uma de suas obras se diz ter produzido algum efeito nos sucessores. Trata-se da
Observações gerais e particulares sobre a classe dos mamíferos..., pela qual afirma-se que “sua coleção
serviu de base à descrição de inúmeras formas, sôbre diversas das quais há incerteza, quando não êrros e
omissões” (Carvalho, 1965, p. 8).
100
1876-79 - Alfredo Vale Cabral faz o primeiro inventário das obras de Alexandre Rodrigues Ferreira
existentes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, publicando-o nos Anais da Biblioteca, volumes 1,2 e 3.
Há levantamentos parciais não publicados anteriores, como o “Catálogo de obras existentes no Museu de
Lisboa” (Biblioteca Nacional, 1952, p. 109).
1885-8 - Diário da Viagem Philosophica pela Capitania de São José do Rio Negro (de 1785). Rev. Trimensal
do Inst. Geogr. Brasil., 48, 49, 50, 51.
1885 - Diário da Viagem Philosophica pela Capitania de São José do Rio Negro com a informação do estado
presente. RJ, Lammert.
1888 - Lista dos animais que fazem objeto das caçadas e das pescarias dos índios. Publicado por Emilio
Goeldi na Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 51.
1895 - Lista dos animais que fazem objeto das caçadas e das pescarias dos índios, reaparece no Ensaio
sobre o Dr. Alexandre R. Ferreira, de E. Goeldi.
1903 - Memória sobre o peixe Pirarucu, Memória sobre a Juararetê, Memória sobre o peixe-boi. Publicados
por Alípio de Miranda Ribeiro nos Arquivos do Museu Nacional, vol XII.
1934 - Observações Geraes e Particulares sobre a Classe dos Mammaes, observados nos trez Rios, das
89
Jardins Botânicos, representa um novo tipo de atividade, muito identificada com os ideais
do iluminismo, que é o da reunião de indivíduos aglutinados por um interesse comum. As
então chamadas “academias particulares de eruditos” surgiram em vários países da
Europa e promoviam suas reuniões em residências ou em cafés. A estas iniciativas
particulares, seguiu-se a formação de (ou a sua transformação em) academias oficiais,
patrocinadas pelos governos ou universidades. A Itália fez surgir a mais famosa, a
Accademia del Cimento, criada em 1657, cujos membros realizavam experiências em
História Natural e Física 102 . Na Inglaterra de 1660, um grupo de eruditos passa a
reunir-se no Gresham College, contando em pouco tempo com a aprovação do rei Carlos
II para a fundação oficial, dois anos depois, da famosa Royal Society de Londres, que se
mantém em atividade até hoje. Na França, a Académie des Sciences, tornada oficial em
1666 pelo governo de Luís XIV, já reunia, desde antes, homens como Descartes, Pascal,
Mersenne, Gassendi. Na Alemanha, a primeira academia foi fundada em Rostock, em
1620, e a oficial, a Academia de Ciências de Berlim, apareceu em 1700 (Ronan, 1987, p.
57; 108-10).
No entanto, D. E. Allen lembra que é na Inglaterra, provavelmente, onde primeiro
formaram-se os grupos, especial ou particularmente, dedicados à História Natural, como
o Temple Coffee House Botanic Club, em 1698. De Londres, também era a Sociedade
dos Apotecários, surgida provavelmente em 1620, e em atividade até 1834. Estas
associações promoviam "herborizações" ou excursões ao campo, com a finalidade de
identificar, nomear, coletar e indicar as utilidades das plantas locais. Além disso, a
Sociedade dos Apotecários "toma a si a manutenção do jardim botânico — mais tarde, o
famoso Physic Garden at Chelsea, estabelecido em 1673" (Allen, 1994, p. 5)103. Assim,
os jardins botânicos surgiram inicialmente como uma extensão das atividades de
especialistas reunidos nas academias e tiveram o seu perfil renovado através do
desenvolvimento da História Natural.
Em Portugal as academias particulares apareceram um pouco mais tardiamente
destinando-se à discussão dos mais variados assuntos104. A Academia Real das Ciências
102
Segundo Ronan, 1987, p. 57: em Nápoles: Academia Altomare meados do séc. XVI; Accademia Fiorentina,
de 1540, em que seus membros designavam de “Accademia degli Umidi” (Gerbi, 1996, p. 26); Academia dei
Segreti, fundada antes de 1580. Em Florença: Academia do Lincei.
103
Para D. E. Allen, a famosa Royal Society, fundada em 1660, diferentemente da Sociedade dos Apotecários
e do Botanic Club, contribuiu apenas indiretamente à História Natural. O seu papel maior foi o de reunir os
maiores botânicos do período, impulsionando-os a um convívio intelectual entre especialistas (p. 8).
104
Academia dos Generosos, 1647; Academia Instantanea, final do século; Academia dos Singulares, 1663;
Academia dos Solitários, 1664; Academia das Conf. Discretas e Eruditas, 1696; Academia dos Anônimos e
Academia dos Aplicados, ambas do início do século XVIII; Academia dos Laureados, 1721.
91
105
No reinado de D. Maria I “Portugal se abriu mais largamente aos influxos da ilustração européia. A
Academia Real das Ciências foi por excelência o centro de assimilação dessas novas correntes e de sua
adequação à realidade portuguesa. Direta ou indiretamente inspirado ou estimulado pela Academia, é todo
um vasto movimento intelectual que se processa; o pressuposto cientificista e pragmático percorre todo o
esforço para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas” (Novais,
1979, p. 225).
106
As primeiras academias foram: Academia Brazilica dos Esquecidos, Bahia, 1724; Academia dos Felizes,
Rio de Janeiro, 1736; Academia dos Selectos, Rio de Janeiro, 1752; Academia Brazilica dos Academicos
Renascidos, Bahia, 1759; Sociedade Litteraria, Rio de Janeiro, 1786. Para lista de academias no Brasil e
Portugal, ver: Ribeiro, 1871, v. 1, p. 165 e Mello-Leitão, 1937, p. 92-7. Para a lista das academias brasileiras e
sobre o seu fechamento e perseguição de seus membros, ver: Azevedo, 1885, p. 265-74.
Além destas, é digna de menção a existência de lojas maçônicas no Brasil, como a dos Cavaleiros da Luz,
fundada em 1797 na Bahia, cuja introdução em Pernambuco — segundo Moreira de Azevedo, em 1801 — é
atribuída a Arruda da Câmara, embora isto não seja confirmado (Mello, 1982, p. 57; Fausto, 1994, p. 131 e p.
562).
107
Fazendeiro do Brasil, melhorado na Economia Rural dos Generos já cultivados, e de outros que se tem
escrito a este assunto, coligido de memorias estrangeiras. 10 vol. 1798-1806.
92
108
A Flora fluminensis foi ainda publicada por Ladislau Neto no tomo V dos Archivos do Museu Nacional, em
1881. As pranchas foram incomendadas a um impressor de Paris, em 1825, a mando de D Pedro I, mas cujo
sucessor não pagou a conta: o impressor vendeu as estampas (Neiva, 1929). A firma francesa recebera o
contrato para uma tiragem de 3.000 exemplares das 1640 estampas que deveriam compor as pranchas; foi
vendida como papel velho, em grande parte para fabricação de cartuchos de guerra (Hohene, Kuhlmann e
Handro, p.239, apud Ferri, 1956, p. 159). Teve 554 chapas pertencentes à Flora do Rio de Janeiro recolhidas
por G. Saint-Hilaire, em 29/08/1808 (Neiva, 1929, p. 22). “Parece que 500 exemplares teriam chegado ao
Brasil para apodrecerem em um prédio do governo imperial” (Ferraz, 1995a, p. 158).
109
Ainda digna de menção é mudança de intenções acerca do destino do Jardim Gariela em Caiena, quando
da invasão portuguesa na Guiana. A sua total destruição inicialmente planejada foi substituída pelo desejo de
conservar suas especiarias e de estendê-las aos jardins do Brasil. Conforme Almeida, 1975, p. 405-6.
93
“Quase toda a totalidade da edição veio para o Brasil para ser vendida por
preço baixo pelos governadores das capitanias ou mesmo dada grátis aos
lavradores com o intuito de melhorar a agricultura. Mas ficaram, por falta de
interêsse, encalhadas nas secretarias do govêrno e os bichos acabaram
devorando tudo. Mais tarde, já depois da Independência, o que sobrou foi
vendido como papel velho para fogueteiros” (Moraes, 1969, p. 395).
110
“Sabemos hoje, com segurança, que em relação ao Brasil, desde os idos de 1500, o Governo português
agia sempre com cautela, ao pôr em prática a política do sigilo, nada informando, quase sempre camuflando e
muitas vezes confundindo as suas declarações para que os olheiros das nações vizinhas nada soubessem. A
viagem científica de Alexandre Ferreira, ao que nos parece, foi organizada em Portugal sob esse véu de
mutismo, de modo que apenas as autoridades amazônicas estavam cientes da importância e finalidade de tal
empreendimento. Essa seria também uma das razões pelas quais o naturalista luso-brasileiro encontrou toda
espécie de dificuldades em Lisboa, após o seu regresso a Portugal em 1793, para publicar os resultados de
seus estudos na Amazônia. O certo é que não havia na época, intuito algum de divulgar os resultados de
estudos científicos fundamentais de um mundo desconhecido aos europeus, ávidos de informações e
novidades. Com olhares cúpidos, os governos ingleses, franceses e espanhóis principalmente, tentavam
enviar visitantes travestidos de cientistas a serviço do governo dessas nações...” (Cunha, 1991, p. 16).
95
111
A data de nascimento de Manuel Arruda da Câmara era atribuída, não sem dúvidas, ao ano de 1752.
Conforme documento de matrícula da Universidade de Coimbra datado de 26/10/1786, contava nessa época
com vinte anos. Tem-se aí o único registro oficial conhecido do ano de seu nascimento: 1766. Esta matrícula
foi encontrada e está reproduzida em livro de Bella Herson, 1996, p. 261 e 272.
112
Ao comentar a publicação das obras reunidas de Manuel Arruda da Câmara, o editor, Leonardo Dantas
Silva, também ressalta que a biografia de Gonsalves de Mello faz ressurgir a “figura do cientista Manuel
Arruda da Câmara: um homem dedicado ao estudo das ciências naturais e à valorização de sua pátria. Um
inventor de máquinas e implementos agrícolas, um analista de métodos de cultivo, um pesquisador pioneiro
da flora, fauna e recursos naturais de toda uma imensa região que vai do Rio São Francisco aos sertões do
Piauí” (Câmara, 1982, p. 9).
96
em 1791113. Como “não é lembrado como médico” (Mello, 1982, p. 38), no retorno ao
Brasil, à província de Pernambuco, parece ter se dedicado mais exclusivamente a
estudos de cunho naturalista, durante os seus restantes 20 anos de vida.
Como outros membros da elite rural brasileira de então, formados segundo as
idéias fisiocratas de Domingos Vandelli, Arruda estava interessado no desenvolvimento
da agricultura na Colônia. Suas pesquisas e memórias escritas tinham, quase sempre, o
objetivo mais geral de contribuir à tal Arte além de serem orientadas pelo pensamento
ilustrado: "... por meio de repetidas experiências, poderia achar regras, quando não
exatas todas, ao menos aproximadas, que servissem de guia e constituissem arte, o
que até aqui tem sido rota cega", como se lê na Memória sobre a cultura dos algodoeiros,
escrita provavelmente em 1797 e publicada em 1799 (Câmara, 1982, p.113)114. Apesar
da humildade das palavras, elas denotam claramente a consciência sobre a emergência
de um conhecimento novo:
“nas ciências físicas nada se deve concluir senão dos fatos, coibindo os vôos
da imaginação, que tende sempre a lisonjear a vontade” (Câmara, 1982, p.
166).
O seu rigor científico aparece junto à crítica dos que não o possuem, neste outro
113
Herson (1996) elenca algumas indicações, embora não como evidências definitivas, de que o ingresso no
sacerdócio deveu-se à proteção da família, pois, ao que parece, tratava-se de cristãos-novos, perseguidos
pela Inquisição. Daí também se explicaria o abandono da vida reliogiosa quando de sua saída de Portugal.
114
A indicação das páginas para todas as obras de Arruda da Câmara referem-se à publicação das obras
impressas e coligidas por José Antonio Gonsalves de Mello, de 1982.
115
Arruda da Câmara vez por outra faz a “crítica a certos naturalistas que se contentavam com publicar
observações sumárias de viagem" (Mello, 1982, p. 26).
97
"A experiência é a única linguagem que o povo entende ... todos estes
obstáculos se aplainarão pelo trabalho daquele que, no mesmo lugar onde
produz o gênero, sobre que quer instruir, fizer repetidas experiências a
respeito das influências do clima mais vantajosas, das diversas qualidades e
mistura das terras mais próprias, dos meios mais fáceis de plantar, colher,
beneficiar a colheita, diminuindo a mão-de-obra e aumentando por
conseqüência o lucro.
Estas vantagens são tão interessantes que têm obrigado a homens de um
merecimento assinalado a viverem nos campos, a fim de observarem de mais
perto a natureza e escreverem com acerto as instruções aos seus
semelhantes ... à proporção que se aumentam os conhecimentos da Física e
da Química, a cujo lado anda sempre a Agricultura, acham os modernos que
adicionar, abolir e mudar.
Daqui se pode inferir quão infinito será o número de imperfeições e de
erros introduzidos na cultura dos gêneros do Brasil e mais Domínios, sendo
todos novos a respeito dos da Europa, e não tendo tido, como os desta,
homens sábios que tratassem do seu melhoramento" (Câmara, 1982, p.112).
Não se tratava apenas de ir à natureza, mas de bem definir o que deve ser
investigado. Embora seus textos impressos não reflitam uma preocupação dirigida ao
estudo de fauna e flora locais, não se pode deixar de notá-la. O seu envolvimento com a
história geográfica da fauna e da flora comparece, seja nos desenhos que restaram,
especialmente os de insetos, seja nas anotações dos hábitos e localidades das plantas
úteis sobre as quais dissertou seguindo a tradição florística lineana, seja em
comprometimentos como este, na mesma carta à Frei Veloso117:
“(...) Creia V... que na distância destas 30 ou 40 léguas ao redor de mim tenho
um trabalho assaz grande, a querê-lo executar da maneira que V... me
insinua, que é o que deve ser” (Câmara, 1982, p. 105).
116
A referência de Arruda da Câmara a Piso repete a opinião de Lineu na VIII carta à Vandelli, citada no
capítulo 3, como se pode relembrar aqui: “(...) Marcgrave com o seu Pisão; mas num tempo em que não
estava acesa nenhuma luz de Historia Natural”
117
A elaboração de floras locais é almejada mas ainda não realizada. Em 1788, o próprio Vandelli ainda
lastima não haver “até agora huma Flora de Portugal (a unica obra de Botanica, que temos de Portugal, he o
Viridarium Lusitanicum do Grysley), e do Brasil” razão pela qual “ajuntamos a este Diccionario hum ensayo
dellas, com os nomes Portuguezes, virtudes medicinaes, e uso da Tinturaria” (Vandelli, 1788, p. V-VI).
99
das experiências químicas, várias vezes citadas por ele como fundamentais para o
entendimento da natureza do vegetal e conforme a sua marca profunda entre os
agrônomos do período. Por outro, traz para junto de si o lema naturalista maior do
período que era o de abandonar o gabinete para conhecer as plantas, e os animais, em
seu ambiente natural, conforme os trabalhos derivados dos botânicos.
Arruda da Câmara ilustra bem, ao menos no nível das intenções e oportunidades,
o naturalista profissional almejado pela reforma iluminista da Universidade de Coimbra:
por terem sido publicadas, algumas de suas memórias estiveram, ao menos
teoricamente, disponíveis para a divulgação entre os agricultores; além disso, ocupou
oficialmente o cargo de naturalista viajante a serviço da Coroa, a partir de 1797, quando
“houve Sua Majestade por bem fazer mercê ao sobredito Manuel Arruda da Câmara de
uma pensão de 400$ por ano e de 200$ de ajuda de custo, e tanto uma como outra
Vossa Senhoria lhe pagará por Ordem da mesma Senhora” (Mello, 1982, p. 31); desde
1795 cumpria tarefas solicitadas por Reais Avisos, tais como a procura “dos nossos
Linhos, isto é, sobre a possibilidade de se fabricar o papel” (Arruda, apud Mello, 1982, p.
35), por carta do governador e capitão general de Pernambuco, D. Tomás José de Melo,
solicitando "'os produtos Naturais e Artificiais dos índios dessas Capitanias' para serem
incorporados ao Real Museu e Jardim Botânico de Lisboa" conforme Reais Avisos que
recebera em 12/09/1795, 22/08 e 13/09/1796. Acrescenta D. Tomás que “'Vossa Mercê ...
se encarregue do descobrimento e preparo dos sobreditos produtos, assim artificiais
como naturais, de plantas, sementes e do mais que se compreende nas instruções', de
22/08/96” (Mello, 1982, p. 30-1).
Como já foi destacado anteriormente, nem sempre as intenções das reformas
ilustradas foram efetivadas. Na verdade, o próprio Arruda da Câmara é, ao mesmo
tempo, exemplo do abandono às grandes iniciativas sonhadas em Coimbra e de seu
desvanecimento em meio aos atropelos e mudanças da política econômica destinada ao
desenvolvimento da Colônia americana. Boa parte de sua obra desapareceu sem ser
publicada e do que se publicou pouco se conhece de sua real divulgação entre os
agricultores118.
118
Reproduzimos sumariamente a lista do espólio científico e literário desaparecido de Arruda da Câmara
segundo duas listas constantes no capítulo IV da Introdução às Obras Reunidas, de Gonsalves de Mello:
De 3 de abril de 1811, uma ordem do governador Caetano Pinto mencionava: 1) Flora de Pernambuco, com
estampas e desenhos; 2) Tratado de Agricultura; 3) tradução da obra de Lavoisier; 4) tratado sobre Lógica;
5) Insetologia ou coleção de desenhos de insetos.
De 5 de junho de 1811, um ofício de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao mesmo Governador para que se
encontrem os manuscritos do falecido Arruda da Câmara, conforme “Relação dos Manuscritos de Manuel
Arruda da Câmara, Doutor em Medicina pela Universidade de Montpelier e Naturalista da Capitania de
100
Pernambuco, apresentada ao Ilmo. e Exmo. Sr. Conde de Linhares, Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra e Grã Cruz da Ordem da Torre e Espada, em 16 de maio de 1811”,
anexada ao ofício sem assinatura ou autoria conhecida. As obras inéditas de Arruda da Câmara ali constantes
são: 1) “Centúrias dos novos gêneros e espécies das plantas pernambucanas” (que corresponde à Flora
Pernambucana citada na primeira lista); 2) “Nova insetologia”, da qual pode ter restado o “grande número de
desenhos desses animais que se inclui no conjunto de desenhos que se guarda na Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro”; 3) “Tradução do compêndio de Química de Lavoisier, que teria sido feita através de consulta ao
próprio autor na época em que viveu na França; 4) “Tratado sobre a Destilação”; 5) “Compêndio de Lógica”,
talvez tradução da Lógica de Condillac; 6) “Tradução das obras” de Condillac; 7) Uma tradução do poema do
Padre José Rodrigues de Melo, que não teria sido feita mas influída por Arruda da Câmara, por “conter
cousas úteis à agricultura”; 8) Compêndio de Agricultura Brasiliense; 9) “‘Cartas sobre produtos naturais e
úteis manufaturas’, seriam os relatórios e escritos com que atendia a pedidos de Ministros e Governadores,
‘dando conta dos objetos de que foi encarregado’, além da correspondência pessoal”; 10) “Obras poéticas”
(Mello, 1982, p. 47-55).
101
119
"cuidados no sentido de defender espécimes vegetais ameaçados de extinção por práticas predatórias de
exploração" (Mello, 1982, p. 12).
102
120
Um mapeamento e uma classificação dos diferentes autores envolvidos com o ideal do desenvolvimento
agrícola em contraposição ao ensumo das manufaturas e do comércio é oferecido em Denis, 1994.
121
Arruda usa indiscriminadamente os termos "Jardim" e "Horto", de modo que aqui também os
consideraremos como sinônimos.
103
estranhos":
122
A mandioca, Manihot esculenta constituia a base da alimentação entre os índios brasileiros. J. A. G. de
Mello, já indicara o erro, não mencionando, contudo, o tabaco. Segundo Hill, Nicotiana tabacum é indígena
das Antilhas, América Central e do Sul. Segundo Joly, é da América do Sul ocidental. C. França lembra que
Damião de Goes já mencionara a sua introdução em Portugal e discute a sua introdução na França e na
Espanha, além de atestar a sua existência "desde 1500 nas mãos dos íncolas do Brasil" (França, 1926, p. 82).
Hoehne, por outro lado, argumenta: "sendo fato que a maioria dos representantes do gênero Nicotiana, ... é
nativa e originária das regiões da América do Norte, Central e Sul, é insofismável que a sua origem e centro
de irradiação seja a América. Acredita-se, no entanto, hoje, na impossibilidade da Nicotiana tabacum L. ser do
nosso continente ... por se crer ser ela uma forma híbrida e não se querer admitir como possível que os
naturais deste continente pudessem obter uma destas formas" (Hoehne, 1937, p. 29).
Com relação aos locais de origem, Arruda não mencionou o arquipélago Indo-Malásio para a jaqueira. Com
exceção da mandioca, que era citada desde os primeiros cronistas do século XVI, os equívocos de Arruda
refletem o conhecimento da época. Ele não era um leigo no assunto, uma vez que a segunda parte da
Dissertação sobre os Jardins traz as espécies agrupadas segundo a sua origem.
123
Trata-se de trecho em que prepondera uma argumentação científica, onde disserta com algum detalhe
sobre os modos pelos quais as plantas obtém nutrientes, lançando mão de conhecimentos da química
contemporânea. Em 1675, o jurista e diplomata Duarte Ribeiro de Macedo, que já apregoara as idéias de
desenvolver a cultura de especiarias no Brasil, para tornarem-se fonte de riqueza para Portugal, precisava
provar "que o Brasil produziria abundantemente todos aqueles ricos frutos, de modo que o autor tentava a
demonstração recorrendo à razão e à experiência. Em seu entender, 'todos os princípios da Filosofia natural'
mostravam que tudo o que a Natureza produzia nas terras situadas entre a linha equatorial e o trópico de
Câncer produziria nas que corriam da mesma linha ao trópico de Capricórnio. Portanto, as plantas da Índia
deviam dar-se no Brasil" (Almeida, 1975, p. 360).
104
" ... e cumpre muito à Nação que se isto faça com a maior presteza e energia,
tanto para cômodo e abastança de todo o Estado, como para aumento do
comércio e maior freqüência de seus portos; o que também não pode deixar
de favorecer a população, de que tanto e tanto necessita" (Câmara, 1982, p.
202).
124
Opinião semelhante encontra-se em Gilles Denis: “Os especialistas agrônomos têm a ambição de dar sua
contribuição aos projetos dos economistas” (Denis, 1994, p. 658).
125
Segundo nota de J. A. G. de Mello, em Aviso Régio de 19/11/1798, a Coroa já encaminhara ao governador
do Pernambuco solicitação para que se tomassem as providências para instituição de um horto botânico, que
não foi cumprida. Em abril de 1810, o nome de Arruda é sugerido para "organizar e dirigir o Horto Botânico de
Pernambuco" (Mello, 1982, p. 70).
126
Essa é intenção clara do autor em Aviso aos lavradores, Memória sobre as plantas de que se pode fazer a
barrilha entre nós, Memória sobre a cultura dos algodoeiros, Dissertação sobre as plantas do Brasil que
podem dar linhos.
105
"... não tem por objeto só o agradável e o aumento da Botânica, mas o seu
principal fim é o útil, para que a sua manutenção não seja tão onerosa ao
Estado, devem os Inspetores promover, o mais que puderem, a cultura
daquelas plantas que derem mais lucro" (Câmara, 1982, p. 203-4).
O detalhamento das funções do Jardim mostra que ele não deveria restringir-se a
ser receptor e mantenedor de mudas destinadas à agricultura, mas, uma instituição com
um desempenho científico a mais. As atividades que deveria manter estavam
perfeitamente inseridas na área de atuação da História Natural da época. Ao naturalista
127
O modelo é o mesmo dos Jardins Europeus.
106
cabia uma investigação da natureza que consistia em inventariar os seres vivos. Arruda
conhecia bem as excursões ao campo para levantar dados sobre os vegetais, sobre o
local que se desenvolvem, sobre os terrenos e terras próprias a cada tipo, sobre a coleta
de espécimes, mudas e sementes, sobre a necessidade de investigarem-se as
propriedades e usos medicinais ou alimentícios e de nomear e classificar as espécies.
Todas essas são atividades enquadradas nas funções listadas por Arruda.
Assim, a questão levantada sobre as intenções meramente utilitário-econômicas,
por um lado, e as pesquisa botânica “pura”, por outro, deve ser respondida em Arruda da
Câmara conforme uma noção muito específica de “utilidade”. Algo “útil” não precisa,
necessariamente, ter uma aplicação prática, embora possa por ela ser guiada. Para o
botânico naturalista a utilidade do conhecimento sobre uma planta poderia ser medida
pelo que fornecesse de subsídios sobre o seu crescimento, florescimento, frutificação,
nutrição, descartando-se as velhas doutrinas das causas eficientes ou finais.
Arruda teve a formação da Química de Lavoisier e tinha ciência de sua
contribuição para o desenvolvimento da Arte da Agricultura. Por outro lado, passou, ainda
que sem diplomar-se, pelos cursos idealizados por Domingos Vandelli, professor de
Química e História Natural em Coimbra. A sua obra apresenta os traços dessa dupla
formação. A jovem Química aproxima-se da investigação botânica do agronômo. Sobre a
planta cultivada convergem as noções de “mistura-química” e “mistura-econômica” que
regem a interligação entre Economia, Política, Química e Botânica 128 . Some-se aí a
crítica constante e explícita aos botânicos dedicados exclusivamente à montagem dos
herbários e catálogos de sistemática, atarefados com a nomenclatura, essa “Arte de
repetir, com outras palavras, aquilo que outros já disseram”, conforme proclama a
enciclopédia do Abade Tessier, de 1787. Procura-se uma nova Botânica, comprometida
com a questão agronômica ou agricultural mais ampla, mas sem perder de vista seu
projeto de conhecer a verdadeira natureza dos vegetais. As diferenças entre os tipos de
plantas, entendidas como derivadas das peculiaridades dos climas e terrenos em que
crescem, passam a balisar as classificações. Aproximam-se os botânicos do interesse
pelo cultivo e transplantação de espécies.
Interessado no trabalho de campo como os botânicos, Arruda está mais voltado
para a planta cultivada como os agrônomos. Preocupa-se em mostrar que não cabe ao
botânico distanciar-se do interesse pelas plantas úteis, ao mesmo tempo em que não
128
“(...) para os diferentes agronômicos, a planta é uma produção, uma transformação que se insere num
processo ao mesmo tempo sócio-econômico e físico-químico” (Denis, 1994, p. 661).
107
pode relegar ao jardineiro a tarefa de cuidar de seu cultivo, como se pode notar no
Discurso sobre a instituição de jardins. Acredita também no poder da Química em explicar
a nutrição e desenvolvimento dos vegetais.
É ampla a semelhança com o especialista agrônomo Duhamel de Monceau, cujo
Tratado sobre o cultivo das terras alcançou grande penetração entre os agrônomos do
período além de ser explicitada por Arruda da Câmara no Aviso aos lavradores: “(...) a
atenção não somente de vários agricultores curiosos, mas ainda muitos Filósofos, como
Duhamel, Vallemont Galois (Curiosités de la Nature & de l'Art sur la vegetation), l’abbé
Rousseau e outros, que fizeram repetidas experiências”129.
Sem explorar mais profundamente a questão econômico-política que rege a
discussão no contexto francês, é possível traçar algumas influências decisivas desse
contexto em Arruda da Câmara, especialmente no que diz respeito aos temas abordados
em suas memórias. Assim, são encontradas as semelhanças entre Arruda e a corrente
de escritos derivada da obra de Duhamel tanto na amplidão da abordagem, quanto na
crítica aos botânicos de gabinete, na intenção claramente pedagógica dos escritos, na
abordagem do estudo das plantas segundo a inserção em climas e terrenos diferentes.
As considerações de ordem administrativa, bastante detalhadas por Arruda, no
Discurso sobre a Instituição de Jardins, justificam-se pela própria amplitude das
atividades a que se dedica o agrônomo francês do período, que não se restringe aos
aspectos científicos e técnicos da agricultura, “mas também políticos, econômicos,
sociais, jurídicos, e até mesmo médicos e lúdicos (...) Assim, Pierre de Crescens (...)
dividiu seu Livro dos Benefícios Rurais em capítulos cujos temas eram a liberdade de
escolher o local segundo sua boa qualidade para instalar uma granja, o ar, os ventos, a
água, as instalações, os poços e as fontes, as cisternas, os materiais das casas, os
empregados (...) Obras como [essa servem exatamente à] administração de uma granja
ou de uma região” (Denis, 1994, p. 655). Paralelamente, há obras em que se oferece
maior magnitude à abordagem botânica. Este é o caso de nosso Manuel Arruda da
129
Além destes, encontram-se outros autores citados nestas obras impressas de Arruda da Câmara: Memória
de Mr. Quatremere lida na Academia das Ciências de Paris In: Memória sobre a cultura dos algodoeiros, p.
123. Também, van Helmont, nota 8, p. 160.Também Lineu, notas 2, 3, p. 159. Também “duas dissertações
que li na coleção da Academia” p. 119. Também Lineu, Gen. plant., nota 7, p. 160. Deve-se destacar ainda o
Frei Veloso, a quem conheceu em 1792 e com quem deve ter trocado muitas correspondências, embora só
tenha restado uma carta, de fev. de 1794, na qual declara “não me enfado nunca de ler e reler a sua carta, em
que ajunta a bela exposição a sábios documentos, que devem servir de guia ao Naturalista Viajante; eu nunca
os perderei de vista e desejo já ter inteiro descanso para os cumprir à risca" (Câmara, 1982, p. 104). Deve-se
mencionar ainda o Filósofo Condillac, cuja presumida tradução da obra não lhe deve ter passado incólume.
O biógrafo Gonsalves de Mello menciona ainda: Influências mais claras e declaradas do botânico Félix de
Avelar Brotero, de Lavoisier, do químico João Antonio Chaptal e do botânico Antonio Gouan (Mello, 1982, p.
21).
108
Câmara.
Finalmente, a influência de Duhamel de Monceau, aparece por esse ideal de
promover o desenvolvimento agrícola, cujos textos procuravam traçar “o caminho a ser
seguido” pelos cultivadores, segundo os preceitos da Arte. Arruda da Câmara, não por
acaso, escreve o seu Aviso aos lavradores130. Ainda quanto aos conteúdos, veremos o
enorme esforço empreendido por Arruda no estudo da adequação entre terrenos e
plantas de modo a otimizar o seu cultivo.
Os escritos de Arruda mostram a sua inserção nas idéias fisiocráticas da segunda
metade do século XVIII, através de seu forte comprometimento com toda a questão da
aclimatação de vegetais exóticos. Essa mentalidade francesa do período tão voltada à
questão da Agricultura está presente no trabalho de Arruda tanto quanto no de Domingos
Vandeli. Este foi o mentor da introdução das ciências naturais em Portugal e responsável
pelo incentivo às pesquisas patrocinadas pela Coroa e a serem realizadas por seus
pupilos naturalistas, como Manuel Arruda da Câmara.
Na sua Memória sobre a utilidade dos jardins botânicos, Vandelli é bastante direto
na referência que faz ao papel dos jardins botânicos:
130
A necessidade de usar os conhecimentos das ciências para a melhoria das artes agrícolas é tão presente
em Arruda quanto em Vallemont (1705): “Mas não é suficiente que os Doutores alcancem novos
conhecimentos sobre o cultivo e a administração dos campos; é preciso que esses conhecimentos
importantes difundam-se entre os camponeses, a quem esse tipo de trabalho se destina (...) Ao publicar este
trabalho de Física, eu desejo passar dos entendidos para o povo tudo aquilo que é útil que foi descoberto faz
algum tempo, tanto na Agricultura como na Jardinagem, para que todas as pessoas possam disso tirar
proveito” (Vallemont, apud Denis, 1994, p. 665). Esse trecho é do prefácio de Vallemont de Curiosidades da
natureza e da arte sobre a vegetação, ou a agricultura e a jardinagem na sua perfeição, obra da qual Arruda
da Câmara retira uma receita para o preparo de um “adubo” para as sementes, anunciando de início: “Como,
porém, as experiências dos e os resultados que obtiveram os ditos Filósofos e curiosos não se acham na
língua Portuguesa, tomei o trabalho de dá-los a conhecer aos meus compatriotas, a fim de evitar-lhes o
engano que se lhes prepara, e ser-lhes de alguma utilidade” (Câmara, 1982, p. 87).
Os mesmos objetivos estão claramente expressos em Monceau, 1761: “O Cultivador, agindo mais por hábito
que por decisões deliberadas, guiava seu arado sem que ninguém lhe traçasse o caminho a ser seguido. (...)
alguns intendentes unem-se para congregar pessoas zelosas e instruídas que se propõem a fazer algumas
experiências, e estimular os Cultivadores de suas províncias a imitar seus procedimentos no cultivo das
terras” (Monceau, apud Denis, 1994, p. 665-6).
109
Deve-se lembrar que Arruda não está sugerindo nada de novo. A História Natural
já ultrapassara a marginalidade ou obscuridade de uma ciência emergente. Estava
fortalecida nos meios científicos e até mesmo fora deles, devido à popularidade
alcançada no período pelas coleções de espécies exóticas. Também os Jardins não eram
novidade.
Deve-se lembrar, sobretudo, que eles sempre existiram. Desde os egípcios,
babilônios e helênicos; entre os chineses e japoneses ou árabes. Existiram também na
Idade Média, como fonte de plantas medicinais ou alimentícias. É verdade, contudo, que
o Jardim que se institui na Europa ocidental a partir do século XVI é diferente. Ele
pretende uma destinação nova, correspondente à emergência da ciência botânica. Neste
momento, eles surgem nas Universidades da Itália, França, Suiça, Holanda, para prover
materiais aos estudos botânicos que estivessem diretamente voltados à aplicação na
Medicina.
V. Heywood atesta que os jardins medicinais foram construídos antes na Itália, no
século XVI: primeiro em Piza (1543), seguido por Padua (1545), Florença (1545) e
Bolonha (1547). Só então, surgiram em Zurique (1560), Leiden (1577), Leipzig (1579),
Paris (1597), Montpellier (1598), Oxford (1621), Paris (Jardin des Plantes, 1626), Uppsala
(1655), Edimburgo (1670), Londres (Physic Garden of Chelsea, 1673), Berlim (1679) e
Amsterdam (1682)131.
A sua "criação" nesse período ilustra bem o estágio de profissionalização da
História Natural. Inicialmente criado para abrigar as plantas cujo uso terapêutico era
conhecido tradicionalmente, desde a famosa obra Materia medica, de Dioscórides, aos
poucos foi aglutinando coleções maiores, através de espécies provenientes das novas
áreas conquistadas pelos europeus no mundo e cuja utilidade apontada alhures
precisava ser investigada132.
Em Portugal só havia o Jardim na Ajuda, ao lado do Palácio Real, quando os
estatutos que reformaram a Universidade de Coimbra, em 1772, "consagram a
impossibilidade de um ensino superior sobre as plantas, se este não existir apoiado por
131
Ver V. H. Heywood, 1983. Ver também D. E. Allen, 1994.
132
A obra de Dioscórides (ca. 60 d.C.) constava de uma "soma de conhecimentos botânicos, farmacológicos
e químicos; ao referir-se aos remédios descreve com exatidão ao redor de 600 plantas, o que dá a sua obra o
valor de Tratado de Botânica descritiva mais importante da Antigüidade ... até o Renascimento, todos aqueles
que se ocuparam das propriedades das ervas, o citam constantemente como a máxima e indiscutível
110
135
"O discurso [de Pombal] prima pela imposição declarada de uma tônica de retenção, pois considera essas
despesas tão exorbitantes quanto inúteis. Na verdade, discorda não só do orçamento envolvido, como da falta
de proveito decorrente dos desmandos taxonómicos" (Janeira, 1990?, p. 78) A reforma da Universidade de
Coimbra contrapõe a antiga "transmissão de saber, que retirava dos efeitos de retórica argumentos para
convencer" às práticas exigidas pela ciência moderna emergente, cujas despesas "terão de estar ao serviço
de um rigor metodológico e nunca do fausto desejado pelos príncipes" (Janeira, 1990?, p. 79).
136
Segundo W. Dean, a estratégia de Souza Coutinho para “lidar com o perigo francês foi acelerar a
absorção do conhecimento científico estrangeiro, que ele via não só como um meio de galvanizar as colônias
atrasadas, mas também de garantir sua lealdade, empregando bacharéis universitários em projetos que em
termos de concepção e execução abrangiam todo o império português” (Dean, 1996, p. 138).
112
137
Não foi encontrada uma menção em defesa de Lineu na obra de Arruda da Câmara aqui examinada,
embora esta questão só tenha sido levantada posteriormente à leitura completa e sistematizada em
fichamentos de suas memórias e dissertações. Tudo o que se pôde reencontrar, nesse modo a posteriori,
foram as dezenas de citações que corroboram a idéia de que o método lineano estava amplamente
encampado por Arruda da Câmara:
138
Segundo A. L. Janeira, “nos dois casos há contestação político-social de antigos regimes e interesses
econômicos divergentes”.
139
J. A. G. de Mello, em nota à página 69, menciona que o Aviso Régio de 19 de dezembro de 1798, dirigido
ao governador de Pernambuco, já determinava o estabelecimento de um horto botânico naquela capitania,
“com a menor despesa possível, semelhante ao que no Pará fora criado pelo respectivo governador, no qual
fossem cultivadas todas as plantas assim indígenas como exóticas e, em especial, as que produzissem
madeiras de construção, para depois se semearem nas matas reais”. O aviso não se cumpriu.
140
Trata-se, em Belém do Pará, do Horto Público de São José, cuja data de fundação varia conforme o autor
aqui mencionado: 1796 (Dean, 1992, p.8; Almeida, 1975, p. 403); 1797 (Mello-Leitão, 1937, p. 112); 1798
(conforme Mello, 1954, p. 42). O de Caiena é o Jardim Gabriela, incluído por Arruda devido à ocupação da
Guiana Francesa pelas tropas luso-brasileiras, de 1809 a 1817.
141
À título de documentação, lembre-se aqui da iniciativa de Maurício de Nassau, relatada em 1647, como
"primeiro ensaio de um jardim botânico, no qual se reuniram com interesse científico e também ornamental,
uma grande variedade de árvores nativas e exóticas" (Mello, 1954, p. 35). Checar Palácio de Vrijburg.
113
142
Horto para Aclimação de Plantas Exóticas de São Paulo, 1811.
143
Pode-se atribuir à Ilustração essa dupla caracterização do conhecimento: por um lado, a Razão e a
114
com Caiena e Cabo da Boa Esperança e Portugal com as ilhas do Atlântico, Goa e o
Brasil. Os jardins botânicos emergem nessas colônias não tanto para a pesquisa
taxonômica, ou para o impulso da Botânica, mas como "novos e poderosos instrumentos
de intercâmbio de espécies tropicais" com vistas ao desenvolvimento da agricultura e do
comércio ultramarino (Dean, 1992, p. 7).
Espécies variadas de animais e vegetais foram introduzidas no Brasil desde os
primórdios da colonização. No início, o interesse era pela introdução de alimentos mais
familiares ao paladar dos conquistadores, ou de plantas cujo uso medicinal era
corriqueiro 144 . Assim, foram cedo introduzidas no Brasil espécies já aclimatadas em
Portugal ou nas possessões portuguesas das ilhas da Madeira e Cabo Verde, como a
cana de açúcar, a uva, o figo, a romã, a laranja, a lima, os coqueiros, o arroz branco, o
inhame. Diretamente da Ásia vieram a mangueira, a jaqueira e a bananeira, enquanto da
América veio o milho, rapidamente transformado em base da alimentação dos habitantes
do Brasil.
No entanto, a Coroa Portuguesa logo decidiu-se por manter o monopólio dos
mercadores dos produtos oriundos das colônias asiáticas, proibindo a introdução de
plantas economicamente significativas no Brasil. Ao longo do século XVI e até meados do
século XVII, uma série de impedimentos visava privilegiar o comércio dos produtos da
Índia, proibindo-se a importação de especiarias, cujo cultivo abundante no Brasil faria cair
o seu preço145. Chegou-se mesmo a decretar a extirpação de todas as espécies aqui
introduzidas — para o que atesta documentação relativa a pelo menos uma espécie, o
gengibre146.
A política da Coroa Portuguesa estava sintonizada com os preceitos mercantilistas
baseados na crença de que os ganhos de um Estado seriam expressos por seus
estoques de metais preciosos. Para isto, era necessária uma "política de proteção dos
Experiência; por outro, a sua aplicação, que evidencia o utilitarismo do século XVIII.
144
A maior fonte documental acerca das espécies nativas é encontrada nos relatos dos séculos XVI e XVII,
como no de José de Anchieta (1585), especialmente nos que enfatizavam a história natural do país, como
Pêro Magalhães Gandavo (1570), Fernão Cardim (1584), Jean de Leri, Gabriel Soares de Souza (circa 1587),
Hans Staden, André Thevet, Ambrósio Fernandes Brandão (1618).
Sobre introdução de espécies exóticas no Brasil ver: W. George, 1980; C.França, 1926; J. R. de S. Fontes,
1856.
145
A pimenta foi proibida em 1506, cfr. Almeida, 1975, p. 343.
146
O relato é do Pe. Antonio Vieira, de 1675: "... Há muitos anos que sei se dá no Brasil a pimenta, e quási
todas as outras drogas da Índia ...: e El-rei D. Manuel, por conservar a conquista do Oriente, mandou arrancar
todas as plantas indiáticas, com lei capital que ninguém as cultivasse, e assim se executou, ficando somente o
gengibre que, como é raiz, dizem no Brasil, se meteu pela terra dentro: mas ainda se conserva a proibição, e
se toma por perdido". Cartas do Padre Antonio Vieira, publ. por J. Lúcio de Azavedo, t. III, Coimbra, 1928, p.
147, apud Almeida, 1975, p. 342. Também Guilherme Piso o atesta na obra, conhecida por Vieira, História
Natural e Médica da Índia Ocidental. Cfr. J.R. do Amaral Lapa, O Brasil e as drogas do Oriente, p. 8-9 e L. F.
115
147
Ainda digna de menção é mudança de intenções acerca do destino do Jardim Gabriela em Caiena,
quando da invasão portuguesa na Guiana. A sua total destruição inicialmente planejada foi substituída pelo
desejo de conservar suas especiarias e de estendê-las aos jardins do Brasil. Cfr L. F. de Almeida, 1975, p.
405-6.
148
Embora crítico “da política colonial e da concepção botânica anteriores” e ousado em “exaltar sua terra
natal em detrimento da metrópole abandonada”, Manuel Arruda da Câmara soube ser prudente o bastante
para transformar “sua chacota em exaltação: ‘se o estéril Portugal pôde florescer aos pés de um bom rei,
como poderia o Brasil deixar de florir’”? (Dean, 1996, p. 141-2).
149
No entanto, ao examinar os muitos cargos ocupados e os benefícios usufruídos pelos naturalistas do
período, M. O. da S. Dias defende a idéia de que, formadores da consciência nacional, estes homens não
pensavam o Brasil isolado de Portugal. De qualquer forma, é no trabalho destes brasileiros, formados
segundo os ideais da Ilustração nas universidades européias, seja em Coimbra, Montpellier, Edimburo, Paris
ou Estrasburgo, que, segundo a autora, devemos buscar as origens da formação de uma consciência
nacional, engendrada a partir da preocupação em aplicar os conhecimentos científicos novos à realidade
brasileira. Assim, embora promovessem e incentivassem reformas inspiradas no andamento de países mais
adiantados, como Inglaterra e Estados Unidos, estes naturalistas "não pensavam em independência e
separação" (Dias, 1969, p. 146), mas "queriam começar reformando Portugal". Estiveram "imbuídos de idéias
reformadoras [não políticas ou sociais, mas técnicas], mas sempre antes no intuito de orientar a Coroa e não
de romper com ela" (Dias, 1969, p. 149).
118
A localização própria indica a gênese, a origem que não pode ser descartada.
Qualquer transplantação deve ser efetuada com base no conhecimento do "país próprio"
de cada planta, sob pena de não se ver o seu desenvolvimento alhures. Para os trópicos
americanos, plantas da Ásia tropical podem ser trazidas. Mas para a Europa, nem mesmo
sob cultura atenciosa irá desenvolver-se (Câmara, 1982, p.123).
"O país próprio do algodoeiro é debaixo dos Trópicos, ou nas partes mais
vizinhas. A Ásia foi onde primeiro se fez uso desta planta: tanto lá como na
América cresce esta planta naturalmente, sem a mínima cultura: logo, ela é
natural destes dois países. Inúteis serão sempre os projetos de alguns
europeus de naturalizarem esta planta no seu país [...] pela diferença dos
climas degenera pouco a pouco, passando do estado de árvore elevada ao de
erva rasteira, e de frutífera a infrutífera [...] esta degeneração tem lugar tanto
na Ásia como na América, caminhando do meio dia ao Setentrião [...]
Enquanto a mim, posso afirmar que o de Maranhão já degenera muito a
respeito do de Paranambuc" (Câmara, 1982, p. 123-4).
Ao afirmar essa dupla origem do algodoeiro, indica a sua opção frente à polêmica
a respeito do centro de dispersão original das espécies: Arruda da Câmara mostra-se
partidário da concepção segundo a qual não houve um único centro de criação, mas
vários, como Buffon defendera. Mas é seguindo a prática lineana do período que Arruda
da Câmara justapõe as informações de caráter taxonômico às de caráter geográfico. Não
basta afirmar o lugar próprio das plantas. É preciso indicá-lo e descrevê-lo. É preciso
119
150
J. Larson, 1986, p. 461-8.
151
Arruda da Câmara não inverte o sentido para o hemisfério Sul, ao dizer que “Enquanto a mim, até posso
afirmar que o de Maranhão já degenera muito a respeito do de Paranambuc” (Câmara, 1982, p. 124).
120
clima, o terreno, como fator que determina a distribuição dos vegetais. A explicação de
Arruda da Câmara também acrescenta um critério a mais ao binômio clima/dispersão
utilizado por Lineu, semelhantemente a P. S. Pallas: a terra apropriada:
"... porque vemos que tal terra nutre e cria excelentemente uma planta, e
que mata e enfraquece outra: o velame [...] não podem vegetar bem na terra
de vargem, próprias para cana-de-açúcar [...] Há plantas habitadoras de
praias, ou marítimas [...] outras são próprias de água doce [...] outras, de
terras areentas [...] de terras argilosas [...] de terras calcáreas [...] outras,
finalmente, das terras marnosas" (Câmara, 1982, p. 124).
areísco.
Um aspecto correlato à qualidade dos terrenos está na necessidade de
demonstrar-se a viabilidade das culturas, ou seja, de comprovar a fertilidade dos terrenos
brasileiros, tarefa à qual Arruda da Câmara não se abstém152. Como já foi mencionado
anteriormente, essa demonstração tinha que ser feita com bases científicas, pois parece
haver, ainda, no tempo de Arruda da Câmara, uma descrença na fertilidade dos terrenos
tropicais. Esta noção opõe-se à exaltação da grande variedade e abundância da
vegetação dos trópicos, fonte de encantamento europeu desde os primeiros que aqui
chegaram. Afinal, como uma natureza tão pródiga poderia sucumbir à força do braço
humano, nas culturas supervisionadas, atendidas? Natureza fértil por si só, mas pouco
afeita à cultura.
Talvez, a antiga noção aristotélica de que os trópicos seriam quentes demais para
abrigar a vida, esteja por trás desta concepção. A evidência empírica oferecida pela
diversidade biológica conhecida depois das viagens ultramarinas aos trópicos ainda não
teria sido suficientemente fortalecida por um corpo teórico que apagasse de vez a noção
aristotélica ou que a impedisse de reaparecer numa argumentação de ordem prática: a de
que as terras tropicais não seriam próprias à Agricultura. Naturalmente, essa idéia foi
alimentada pela dificuldade de adaptação das culturas tradicionais européias no novo
continente. Daí a razão de encontrarmos em Arruda um novo elemento para analisar a
questão. No Discurso, ele indica a noção de que a falta de produtividade depende da
extensão dos terrenos.
Trata-se de uma noção que merece uma investigação mais detalhada em outra
oportunidade153. Pode-se notar que o nosso autor parece acreditar que a explicação virá
152
Conforme L. F. de Almeida, 1975, p. 360.
153
Por ora, é possível indicar que se trata de uma questão científica ainda não resolvida, ainda em aberto e
não de uma influência ideológica paradoxal como quer indicar o Prof. W. Dean com as palavras: “Até o
patriota Manuel Arruda da Câmara se mostra influenciado pela tese lamentável da inferioridade da natureza
colonial, quando presumia que nem a mandioca nem o amendoim podiam ser nativos do Brasil. Entre os
visitantes europeus, contudo, havia alguns cuja curiosidade e simpatia sobrepujavam o preconceito” (Dean,
1996, p. 146).
122
através do estudo sobre os modos de nutrição dos vegetais. Munido dos novos
conhecimentos da química, Arruda soma ao ar e à água, a luz, como terceiro alimento
dos vegetais. Cita Becker para sustentar a "necessidade absoluta" da luz, já aceita,
embora não demonstrada, para a "vitalidade" tanto dos vegetais quanto dos animais: a
luz entra na estrutura dos entes organizados, como parte essencial deles". Tomadas
essas "partes nutrientes" como substâncias, a quantidade em que se encontra disponível
determina o desenvolvimento: quanto mais, melhor. Esta disponibilidade varia para a luz
e para a água, em maior quantidade nas vizinhanças do Equador. Está, pois,
argumentando em favor da fertilidade maior das terras brasileiras154.
Quanto ao ar, a afirmação de que "sempre igual em todos os pontos da superfície
da terra, e em todas as alturas da atmosfera as proporções dos seus componentes se
acham sempre no mesmo estado" (Câmara, 1982, p. 201) explica a razão pela qual o
autor não distingue entre as altitudes. Daí aquela sua classificação tão artificial dos
terrenos.
Além das condições ligadas ao clima, Arruda explora a diversidade das "terras",
cada tipo capaz de "nutrir algum vegetal". Basta que o agricultor "saiba acomodar aos
diversos tipos de terreno" o vegetal que lhe é adequado. Assim, qualquer terreno, "por
mais sáfio que pareça", servirá ao cultivo, conforme o Discurso:
"É, pois, manifesto que sendo o continente do Brasil [...] tão extenso e tão
variado em climas e terras, é suscetível, não só de nele se cultivarem as
plantas da Europa, África e Ásia; mas de aí se naturalizarem as de umas em
outras províncias" (Câmara, 1982, p. 202).
154
“Ao lado da ‘Memória sobre o algodoeiro”, Câmara apresenta o capítulo: ‘da terra própria ou do mais
conveniente para a cultura dos algodoeiros’. Ali conclui que nem toda terra é boa para qualquer planta. A
explicação disso, segundo ele, só pode ser dada por um químico, que estuda as análises e as sínteses, pois
‘é certo que as únicas substâncias que intervém na nutrição da planta são a água e o ar’. Assim, propõe uma
explicação sobre a função da água e do ar como nutrientes dos vegetais, presentes em ‘quantas substâncias
produza o reino vegetal, partes corantes, féculas, aminas, carbono, açúcar, ácidos vegetais, sais neutros; e eu
penso que até os mesmos metais e o enxofre, que se encontram nas plantas, não devem ser senão
compostos de alguns desses princípios (que compõem a água e o ar); pelo que acho possível, não apenas a
transmutação mas também o fabrico de metais’. Câmara parece concordar com os conselhos de Vandelli em
relação à necessidade de analisar as terras; neste respeito, chama a atenção seus esforços para elucidar em
1797 a ‘economia vegetal’. Este intento, indica sua aceitação da nova química, apesar de sua crença na
transmutação dos metais” (Ferraz, 1995b, p. 188-9).
123
5.7 Conservação
"... Por todos estes usos, e principalmente pelo do calafeto das embarcações,
bem se vê quanto é preciosa a conservação e ainda o aumento da cultura das
plantas que produzem a resina: elas na verdade se acham em abundância
nas matas [...] e ainda que a sua madeira tenha pouca ou nenhuma serventia
[...] e por essa causa haja razão de se supor pouca diminuição e dano nas
árvores, contudo não acontece assim pela ignorância dos povos, que, sem
atenderem à preciosidade da sua resina, as derribam sem piedade nos matos
e nos muitos roçados que fazem nas matas virgens [...] Daqui se vê a
necessidade de proibir-se as derribadas de matas virgens, nas que são
abundosas de almêcegas, como também a de vedar-se o soltarem fogos, o
que se não poderá conseguir sem fulminar alguma cominação de penas
contra os agressores; além disto, é visível quanto será útil a cultura destas
plantas nos lugares mais próprios" (Câmara, 1982, p. 230).
"... Razão tem o Ministério de empregar o seu cuidado na conservação dos
imensos carnaubais, porque estas árvores são úteis por muitos lados"
(Câmara, 1982, p. 231).
"Os rústicos, ou por não ponderarem que cortando estas árvores podem vir
a faltar, ou por se fiarem na grande quantidade delas, as derribam sem conta;
é, portanto, necessário proibir-se as derrubadas, principalmente para fazerem
currais e cercados [...] Para tirar as folhas e os frutos não é necessário cortar
as árvores, como eles praticam, basta arrimar uma escada ao tronco para o
fazerem com muita facilidade, sem dano da planta" (Câmara, 1982, p. 232)155.
155
Usadas para alimentar o gado, para forros de casas, que duram de 15 a 20 anos e para se extrair a cera
da superfície das folhas novas.
125
"... este vegetal é tão vagaroso em crescer que apenas em 50 anos adquire a
altura de 10 ou 12 pés, sem ainda frutificar; e esta é uma razão que deve
persuadir mais a proibição dos cortes sem necessidade, pois em poucos
minutos se malogra o trabalho que a natureza teve em muitos séculos e se
priva da utilidade que pode dar para o futuro uma árvore destas" (Câmara,
1982, p. 232).
156
Nas Observações gerais e particulares sobre a classe dos mamíferos, de 1790, ao inventariar os
mamíferos, depois de uma comparação ao sistema de Lineu (p. 128-130), classificando-os nas ordens dos
quadrúpedes (p. 131-194); dos alados (p. 194-195) e dos pinados (p. 195-202), Alexandre Rodrigues Ferreira
retoma mais simplificadamente (sem dados numéricos) a preocupação econômica em relação à diminuição de
exemplares do peixe-boi repetindo este trecho quase literalmente: “Apesar de tantas utilidades que se tiram
deste animal, sua pesca até agora não tem tido nenhum policiamento. Um peixe-boi para chegar ao seu
devido crescimento deve gastar anos, mas sempre se arpoam quantos apareçam. Não se distingue o tempo
em que as fêmeas estão prenhes, porque, prenhes ou não, elas são arpoadas. Elas não parem mais de um
filho por ano, e o filho tirado do ventre da mãe assim morta de nada serve. Não se distingue o tempo de
criação, pois é até felicidade para o arpoador surpreender o filho para arpoar a mãe. Não se distinguem
também as idades, porque pequenos ou grandes todos são arpoados. Por isso nehuma admiração deve
causar a sua raridade em alguns lagos, onde, não há muitos anos, eram abundantes.” (Alexandre Rodrigues
128
distintivo que permita a identificação, acrescido de dados relativos aos modos de coleta e
usos de que delas se fazem 157 . Importa salientar que, nesta memória, Alexandre
Rodrigues Ferreira não menciona qualquer inquietação em relação à diminuição dos
estoques naturais e conseqüente necessidade de proteção à coleta predatória que se
pode perceber do relato.
Como na memória anterior, a Memória sobre a Jurararetê - As tartarugas que
foram preparadas e remetidas nos Caixões nº 1 até 7 da primeira remessa (6 páginas, de
3 de fevereiro de 1786158), repete boa parte das informações sobre a origem do nome,
distribuição e abundância relativa; uso da carne, dos ovos e da manteiga; preparo da
manteiga; tamanho, época, locais e modos de coleta:
“Dizem os práticos que onze ninhadas dão um pote de manteiga. Uma canoa
provida de gente hábil, em ano que não corra mal, faz cerca de mil potes e
nas grandes safras, dobram essa quantia” (Ferreira, 1972, p. 39).
Obs.: Em nenhuma das listas aqui apresentadas houve a preocupação de atualizar a identificação e o nome
científico das espécies pois isto escaparia aos objetivos presentes. Importa tão somente oferecer uma
amostra das possibilidades de identificação das espécies a partir dos dados fornecidos por Alexandre
Rodrigues Ferreira.
129
“Este anfíbio, escreve Rodrigues Ferreira, tão útil ao Estado ainda não
mereceu cuidados ou providências que são requeridas para evitar os abusos
que se praticam contra ele. Uma tartaruga para chegar ao seu devido
crescimento gasta alguns anos. Anualmente são inúmeras as que se
desperdiçam ao arbítrio absoluto dos índios; todas as ninhadas são
descobertas, pisadas a eito e a maior parte das tartaruguinhas são comidas
sem necessidade, o que em conjunto vem influir para sua raridade no
decorrer do tempo” (Ferreira, 1972, p. 41).
158
Publicado nos Arquivos do Museu Nacional, vol. XII: 181-86, 1903.
130
6 CONCLUSÕES
pressuposta genialidade. Apenas desse modo poderiam ser reveladas as questões reais
a que submetia suas investigações e os meios disponíveis para resolvê-las.
A necessidade de colocar o autor em seu próprio tempo levou a que o estudo da
obra impressa de Manuel Arruda da Câmara fosse precedido de uma visão mais ampla
da História Natural moderna. Era necessário reconstituir-se o cenário que antecedeu e
engendrou o fazer científico dessa personagem. Mas, como um viajante que nem sempre
consegue frear o desejo de avançar um pouco mais rumo ao desconhecido, a fim de pôr
um fim ao roteiro inicialmente planejado, esta investigação do passado cedeu, por vezes,
à tentação de retroceder ainda um pouco mais, a fim de abarcar as origens. Perdeu-se aí
em profundidade. Mas, se ainda muito restou por ser analisado na obra de Manuel Arruda
da Câmara, alargou-se mais, acredita-se, a trilha de acesso para outras investidas até
ela. Afinal, dessa expansão do olhar dirigido à sua obra é que emergiu o seu papel
autêntico, assim como a de outros contemporâneos seus, alguns deles aqui
mencionados: constituíram-se como produtos genuínos de seu tempo, atrelados e
decorrentes de suas próprias condições históricas.
Manuel Arruda da Câmara, bem como a maior parte de seus colegas naturalistas,
não gerou escola, não influenciou outros pesquisadores, não teve, como pretendia, o
resultado de seus estudos, mesmo que impressos, disponível à consulta e ao uso por
agricultores ou botânicos. Ainda hoje o seu nome é conhecido apenas nos círculos
restritos dos historiadores do Brasil colonial, e muito provavelmente apenas entre aqueles
mais preocupados com a história de nossa ciência; alguns poucos cientistas, naturalistas,
biólogos, ecólogos, interessados no passado de sua disciplina e particularmente os
taxonomistas, por obrigação de ofício, também podem já ter-se dedicado a conhecer
autores como Arruda da Câmara. Assim sendo, pouco teremos a avaliar de sua influência
no desenvolvimento das ciências brasileiras.
Mas conhecê-lo significa conhecer a investigação da natureza em finais do século
XVIII, pois Arruda da Câmara é um bom indicativo do estágio em que se encontrava a
História Natural. Também é uma boa ilustração da relação entre a ciência produzida em
Portugal e outros pontos da Europa. Ilustra, especialmente, os interesses exploratórios
regendo toda a disposição da Coroa portuguesa pelo desenvolvimento da História Natural
em seus domínios. Serve como baliza entre intenções e resultados alcançados pelo
grande projeto iluminista português de abertura às ciências modernas 159 . À época, o
159
Já foi dito que os “... naturalistas ‘brasileiros’ realizaram viagens, fizeram descrições e puderam ver alguns
de seus trabalhos publicados. Mas a par dessas atividades foram, muitas vezes, secretários dos governos nas
132
colônias ou exerceram atividades de cunho mais administrativo que propriamente científico (...) Parece-nos
que toda paixão dos ‘brasileiros’ por conhecer sua terra esvaneceu-se ou perdeu-se — como a produção de
muitos dos naturalistas seus contemporâneos — sucumbindo no esforço de suplantar os equívocos e debelar
as dificuldades que acompanhavam as tentativas de realização de trabalhos fundados nas ciências modernas”
133
contemporâneos, Arruda da Câmara não foi imune nem alheio aos problemas ambientais
que já se constituíam em seu tempo. Isto não implica, no entanto, em afirmar que ele,
assim como outros, constituiu-se num “precursor” da ciência ecológica, pois como aponta
McIntosh, colocar a origem da ecologia noutro tempo implica em demonstrar que aquele
é contínuo a este. Também deve-se levar em conta que nenhum investigador do XVIII se
via como um tipo particular de naturalista para quem se exigisse a utilização de um termo
próprio como acontecerá no momento em que a palavra “ecologia” for cunhada, em 1867,
tornando-se de uso comum algum tempo depois. “Não foi antes do século XX que a
ecologia tornou-se estabelecida como uma ciência no sentido de ter suas próprias
posições acadêmicas, jornais e sociedades profissionais” (Nicolson, 1988, p. 184).
Esta perspectiva é reforçada ainda por considerações que se podem atribuir à
metodologia de pesquisa em História da Ciência, conforme nos lembra Hankins. Um
primeiro aspecto seria o de que afirmar a existência de uma Ecologia no século XVIII
exige a pressuposição de que lá existiria um campo de investigação delimitado que lidava
com os mesmos fenômenos que a ecologia moderna. Isso não é verdade. Entre as
preocupações dos naturalistas do século XVIII eram contempladas apenas algumas das
questões posteriormente repassadas à Ecologia quando foram organizadas e agrupadas
de um modo novo. Um segundo aspecto seria o de que, embora se possam encontrar os
mesmos termos da Ecologia atual sendo usados pelos naturalistas do XVIII, deve-se
ressaltar a mudança de seus significados. “Conservar” não quer dizer o mesmo nos dois
períodos pois as implicações e motivações que levam à conservação são radicalmente
distintas. Desde que a Ecologia do século XX desenvolveu-se em torno do conceito de
ecossistema, termos como “conservação”, “preservação” e “extinção” conduzem
imediatamente às implicações e efeitos sobre os demais indivíduos da população e sobre
as demais espécies da comunidade, noção não encontrada nem em esboço no
naturalista Manuel Arruda da Câmara.
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139
160
Já se gastou muito tempo e energia discutindo o uso do singular ou do plural tanto para a História da
Ciência quanto para a Ciência Ambiental. Tomando apenas um dos aspectos desse debate, e resumindo-o
grosseiramente, pode-se dizer que as duas posições oscilam entre uma concepção que toma a ciência como
uma atividade intelectual particular, cuja meta sempre seria a elaboração de métodos universais que a
tornariam distinta das outras formas de conhecimento obtidas pelas sociedades; a outra visão é a de que a
ciência não almejaria métodos universais, pois cada campo poderia ser explorado por diferentes abordagens
e o fato de um dado objeto oferecer-se à análise mais rigorosa ou mais “objetiva” que outro, não torna o
primeiro menos científico que o segundo. Na primeira posição, a ciência seria um empreendimento único e
tudo o que fosse pré-científico ou pseudo-científico deveria ser excluído de seu campo de análise; na
segunda, cada época e cada cultura teria critérios próprios definindo uma ciência entre muitas, e essas
diferentes formas de conhecimento sofreriam valorações cambiantes conforme o seu grau de operação sobre
a natureza. Embora comungue da segunda visão, de que apenas o uso do termo plural pode manter
respeitadas as diferenças entre os diversos saberes que as sociedades produzem nas diferentes épocas,
capitulo diante do uso mais cômodo, e, infelizmente, já disseminado, do singular.
161
A história da ciência é alma gêmea da ciência moderna: surgiu com ela. Segundo Goldfarb, antes da nova
configuração de ciência derivada do positivismo de Auguste Comte, na primeira metade do século XIX, a
história da ciência confundia-se com a própria ciência.
151
ser uma atividade de interesse exclusivo dos cientistas e passa a ser tomada como uma
atividade à qual dedica-se também o profissional das Humanidades, especialmente
historiadores, filósofos e sociológos. Nesse momento, ela também inicia um estágio
crescente de independência: deixa de ocupar aquele lugar periférico para tornar-se a
atividade central de um pesquisador. Os historiadores da ciência passaram a conquistar,
nas instituições interessadas, em seus cômodos, nas prateleiras de suas bibliotecas e
nas grades curriculares de seus cursos, um espaço próprio, um orçamento próprio, um
programa de ensino e de pesquisa próprios.
Em vários países, como os EUA, a Inglaterra, a Alemanha, a Bélgica ou a
Espanha, já são muitas as Universidades e outras instituições de pesquisa que contratam
historiadores da ciência. Existem hoje “dezenas de periódicos internacionais e centenas
de publicações, congressos, grupos e departamentos próprios em quase todo o mundo”
(Alfonso-Goldfarb, 1994, p. 88)162.
No Brasil, porém, o processo de institucionalização deste programa de pesquisa
vem acontecendo mais lentamente. A UNICAMP mantém desde 1977, o Centro de
Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), idealizado, conforme publicado na
contra-capa de seus Cadernos de História e Filosofia da Ciência, para “a organização de
seminários, encontros e conferências, a coordenação de trabalhos de pesquisa, a
promoção de publicações especializadas, a criação de condições para o funcionamento
de cursos de Pós-Graduação de natureza interdisciplinar e a manutenção de acervo
bibliográfico e arquivo de documentação que proporcionam susídios a pesquisadores e
estudantes”. Foi constituído no CLE, em 1989, o Curso de Especialização em História da
Ciência e Epistemologia, formando, no entanto, apenas 9 especialistas em sua primeira e
única turma. Além desses especialistas, a UNICAMP já titulou, isoladamente, mestres e
doutores em História da Ciência.
Outra iniciativa está ocorrendo na PUC de São Paulo, com a inauguração, neste
ano de 1977, em nível de Mestrado, do Programa de Estudos Pós-Graduados em História
da Ciência, fruto dos trabalhos desenvolvidos pelo Centro Simão Mathias de Estudos em
História da Ciência (CESIMA), criado em 1994. A Universidade Federal de Minas Gerais
acaba de lançar o primeiro concurso para contratação de um historiador da ciência no
162
Não cabe listar aqui as inúmeras sociedades científicas destinadas à História da Ciência pelo mundo, nem
as inúmeras publicações que tratam diretamente do tema ou são abertas a ele. No entanto, vale mencionar,
devido à sua importância e grande número de associados, a International Union of History and Philosophy of
Science, que já está realizando o seu vigésimo Congresso Internacional neste ano de 1997. Para a história da
Biologia em particular, também há muitas sociedades científicas e publicações internacionais. Pode-se citar a
International Society for the History, Philosophy, and Social Studies of Biology, criada em 1982 e o Journal of
152
163
Estou referindo-me diretamente ao tema abordado nos debates de 1996 e 1997 dos Seminários de
Historiografia que vêm sendo realizados no Centro Simão Mathias de Estudos de História da Ciência
154
guiado por tal perspectiva. Num período em que a História da Ciência era feita
principalmente por cientistas, todo o fazer da História da Ciência foi impregnado da
mesma perspectiva. Isto pode ser acompanhado em um dos primeiros periódicos
dedicados diretamente à História da Ciência, a revista Isis, fundada em 1912 pelo
matemático belga George Sarton. O papel de Sarton para a emergência da área em
nosso século foi muito grande. Além da revista, ele “organizou encontros internacionais e
manteve uma vasta correspondência, o que lhe permitiu estabelecer uma rede
internacional de pessoas com interesses similares” (Debus, 1988, p.3).
Sarton, como muitos de sua época (e talvez ainda muitos da atualidade), pensava
o seu trabalho a partir daquela visão de ciência como um “conhecimento positivo
sistematizado”. A conseqüência desse tratamento já foi mencionada: de uma ciência
“verdadeira” deve surgir uma História da Ciência igualmente “verdadeira”, que conte uma
versão “definitiva” dos fatos e apenas dos fatos “científicos”. Os objetos de estudo são
selecionados conforme o estatuto moderno de cientificidade: se a magia, a alquimia, a
cabala, foram banidas da “ciência”, a História da Ciência não pode, igualmente, ocupar-se
delas. Os conhecimentos que mostraram-se insuficientes ou equivocados e acabaram
sendo substituídos por saberes “certos” não precisam nem devem ser retomados, pois
expressam uma espécie de “má ciência”. Os erros dos cientistas do passado bem
poderiam ser varridos das prateleiras das bibliotecas.
A noção de que podemos escolher do passado apenas os seus bons frutos
autorizou ações ainda mais atrevidas que banir um livro de uma prateleira. Os próprios
textos originais poderiam ser suprimidos de seus “erros”. Trata-se aí de uma prática que
foi muito comum nas edições de obras antigas. Editar uma obra já significou, limpá-la dos
erros e conhecimentos ultrapassados, purificando seu conteúdo e deixando-o
“atualizado”. Vimos um exemplo disso, no item 2.1 do capítulo 2, quando se reclamou de
um editor não ter “escoimado” da obra do naturalista Marcgrave, que esteve no nordeste
brasileiro com Mauricio de Nassau, as alusões a coisas fantásticas e “cheias de
despropósito”.
A seleção de conhecimentos positivos, aceitos, válidos, cumpria, também, e
cumpre ainda hoje, a finalidade prática de elaboração de manuais de ensino. Ao
estudante que deve apreender o grande volume de conhecimentos disponibilizados pela
ciência moderna, não há tempo ou serventia para o aprendizado de conhecimentos
obsoletos. Naturalmente, trata-se aí de pensar o ensino como uma atividade de
deposição de conteúdos prontos sobre a mente do estudante, que está desprovida deles.
156
Na medida em que esse tipo de percepção sobre o ensino cedeu ou vem cedendo lugar a
formas de aprendizagem ativa, o argumento perde grande parte de sua legitimidade.
Essas considerações ajudam a ilustrar as razões de se ter produzido, por tanto
tempo, uma História da Ciência voltada quase exclusivamente a listar descobertas e
teorias científicas acompanhadas das respectivas datas e autores responsáveis.
Tratava-se, de fato, de elencar cientistas e, especialmente, de conhecer suas biografias,
características e tendências pessoais, predileções ou até mesmo manias, gostos e
costumes, pois tudo isso serviria para montar o quadro particular do cientista responsável
por um certo “grande” passo dado pela ciência. Coleções de anedotas sobre a vida
desses homens, “ilustres e geniais”, constituíam-se em fonte privilegiada para o
historiador da ciência. Impunha-se atribuir o mérito devido aos indivíduos e transformá-los
em modelos que inspirariam novos talentos.
Um grave problema, presente nos manuais de História da Ciência da primeira
metade de nosso século, derivado igualmente da perspectiva linear e progressista que se
tinha sobre a ciência, privilegiando o “gênio” de um cientista em particular, é o de terem
sido elaborados a partir de fontes secundárias. Lia-se pouco dos originais. Eles não eram
mesmo disponíveis. Afinal, publicavam-se conhecimentos positivos e não os “erros” do
passado. A conseqüência mais negativa disto era a produção de manuais cada vez mais
distanciados do conhecimento próprio ao autor. Os danos foram muitos. Os historiadores
da Biologia conhecem bem a dificuldade em desatrelar hoje os nomes de Lamarck e
Darwin da contraposição simplista que lhes foi forjada e que jamais existiu 164 . Este
problema vem sendo minimizado na medida em que a literatura secundária recente está
165
mais comprometida com os originais.
Assim, na perspectiva atual, todos os dados mencionados anteriormente não
constituem, isoladamente, uma história significativa de qualquer ciência. Também não
nos interessamos mais em transmitir aos nossos alunos de ciências modelos de
cientistas. Deixaremos apontados sucintamente, mais adiante, alguns dos atrativos de se
trabalhar a História da Ciência, conforme uma perspectiva atual no ensino de ciências.
164
Ver Bizzo, 1987; Castañeda, 1992; Martins, 1993; Desmond & Moore, 1995.
165
Que isto sirva de justificativa para o aproveitamento abusivo que fiz dela em vários trechos desta
dissertação...
157
Também da década de 1930, provém outro tema que até recentemente, senão até
hoje, gerou polêmicas furiosas entre historiadores, filósofos, sociólogos e historiadores da
ciência. Foi ali o início do que se convencionou denominar visão “externalista” da ciência.
Argumentava-se que o aparecimento de uma determinada teoria científica não era
decorrente apenas de sua “logicidade interna”, mas de uma variedade de outros fatores
provenientes de teorias de outras áreas científicas, bem como, e principalmente, de fora
da própria ciência. A proposta externalista disseminou-se rapidamente, especialmente
entre historiadores e sociólogos além dos próprios filósofos, comumente alijados da
possibilidade de fazer História da Ciência devido ao alto grau de especialização requerido
quando se tratava de restringir-se aos aspectos unicamente “científicos”. O externalismo
autorizava a reflexão sobre o fazer científico mesmo que sem domínio ou vivência da
própria ciência.
A década de 1950 recolheu os frutos dessa tendência. Joseph Needham publica o
resultado de seus vinte anos de pesquisa em Science and Civilization in China, obra
dedicada a conhecer o que se constituía como ciência numa outra civilização. Entender e
mesmo nomear de “científico” o conhecimento produzido na China implicava em procurar
pelo contexto socio-cultural que regia o seu desenvolvimento. Walter Pagel publica
Paracelsus, em 1958, depois de já ter escrito sobre Van Helmont, em 1930, como uma
crítica influente à História da Ciência alicerçada na idéia de progresso e constituída
apenas de cientistas “vitoriosos”:
166
Conforme Veyne, 1971.
162
Biologia.
No caso de Aristóteles ainda, a importância de conhecermos mais profundamente
as suas investigações biológicas é ressaltada pelo fato de que, por muitos séculos, são
suas as questões relevantes, os métodos, as descrições e interpretações que
alimentaram e guiaram os investigadores da natureza. Não podemos entender
devidamente o modo como constituiu-se a História Natural e a Biologia posteriores, se
não nos concentrarmos em perceber os debates surdos que ali se travavam com o velho
e bom Aristóteles.
167
Conforme Martins, 1990.
164
168
Conforme Mayr, 1982, p.20.
169
Ver Brush, 1987 e 1989; Matthews, 1989; Martins, 1990; Krasilchik, 1990; Bizzo, 1991; Pumprey, 1991;
BSCS, 1992. Wortmann, 1996.
170
Conforme Martins, 1990.
165
171
Conforme Krasilchik, 1990.
172
Conforme Martins, 1990.
166
173
Infelizmente, não se trata de uma transcrição paleográfica profissional. Não foi realizada qualquer
alteração ou atualização no sentido de uma edição crítica, cuidando-se que o texto fosse copiado e
diagramado o mais próximo possível do original, mantendo-se a ortografia, os sinais gráficos e a paginação,
tanto do prefácio ao Diccionario quanto da Memoria sobre a Utilidade dos Jardins Botânicos.
168
DICCIONARIO
DOS
TERMOS TECHNICOS
DE
HISTORIA NATURAL
EXTRAHIDOS
Das Obras de Linnéo, com a ƒua explicaçaõ,
e eƒtampas abertas em cobre, para facilitar
a intelligencia dos mesmos.
E
A MEMORIA SOBRE A UTILIDADE
DOS JARDINS BOTANICOS
QUE OFFERECE
A RAYNHA
D. MARIA I.
NOSSA SENHORA
DOMINGOS VANDELLI
Director do Real Jardim Botanico, e
Lente das Cadeiras de Chymica, e de
Hiƒtoria Natural na Univerƒidade
de Coimbra. &c.
CO IMBRA:
Na Real Officina da Univerƒidade.
M.DCC.LXXXVIII.
Com licença da Real Meƒa da Cõmiƒƒaõ Geral
Sobre o Exame, e Cenƒura dos Livros,
Foi taixado eƒte livro em Papel a dous mil e duzentos reis.
Vende-ƒe na loja de Antonio Barneoud á Sé velha.
169
B.L.
II
e o avultado numero de Muƒeos.
No ƒeculo paƒƒado, e no principio do
preƒente haviaõ muitos Muƒeos de Meda-
lhas, dos quaes agora ha poucos, e prefe-
rem-ƒe os de Hiƒtoria Natural(a)
O conhecimento das producçoens na-
turaes, ou a Hiƒtoria Natural em toda a ƒua
extenƒaõ abrange o Univerƒo; por iƒƒo ƒe
dividio em varios generos de ƒciencias, as
quaes muitas vezes ƒe confundem. A Anato-
mia, Medicina, Economia, e muitas Artes
ƒaõ ramos deƒta vaƒta ƒciencia, que ƒe divi-
de em Zoologia, Botanica, e Mineralogia.
O eƒtudo da Zoologia naõ conƒiƒte em
hum ƒimplex conhecimento dos nomes de
cada animal; mas he neceƒsario ƒaber quan-
to for poƒƒivel a ƒua anatomia, ƒeu modo de
viver, e multiplicar, os ƒeus alimentos, as
utilidades, que delles ƒe pódem tirar; e ƒaber
(a)
A impoƒƒibilidade de ƒe poderem ver todas as producçoens da Natureza eƒpalhadas em
paízes taõ remotos, ƒupre o Muƒeo, no qual como em hum Amphitheatro apparece em huma
viƒta de olhos, o que o noƒƒo Globo contém. V. Memoria ƒobre a utilidade, e uƒo dos Muƒeos
de Hiƒtoria Natural. D. V.
171
III
aumentar, e curar, e ƒuƒtentar os que
ƒaõ neceƒƒarios na economia; procurar des-
cubrir os uƒos daquelles que ainda naõ co-
nhecemos immediatamente, ou extinguil-
los ƒe ƒaõ nocivos, ou defender-ƒe delles.
O ƒaber pois ƒomente o nome das plan-
tas naõ he ƒer Botanico, o verdadeiro Bo-
tanico deve ƒaber álem diƒto a parte mais
difficultoza, e intereƒƒante, que he conhe-
cer as ƒuas propriedades, uƒos economicos,
e medicinais; ƒaber a ƒua vegetaçaõ, modo
de multiplicar as mais uteis, os terrenos mais
convenientes para iƒƒo, e o modo de os fer-
tilizar (a)
Os Naturaliƒtas antigos conheciaõ as
minas de Ferro; mas a falta de obƒervar
a propriedade de huma, que he o Magne-
te, a qual moƒtra o Norte, he quem privou
os antigos por tantos ƒeculos do commercio
com as Naçoens mais diƒtantes, e de ƒaber
a grandeza, e figura da Terra.
(a)
Memoria ƒobre a utilidade dos Jardins Botanicos, a reƒpeito da Agricultura, e principalmente
da cultivaçaõ de charnecas pelo D.D.V. Lisboa, 1770.
172
IV
Os modernos pois com a mencionada
obƒervaçaõ atreveraõ-ƒe a entrar no alto
mar, chegaraõ aons fins mais diƒtantes da
Affrica, reconheceraõ as praias orientaes
da Aƒia, dirigindo-ƒe ao Poente deƒcobri-
raõ a America.
Naõ conƒiƒte pois o eƒtudo da Hiƒtoria
Natural, na ƒimples nomenclatura; mas nas
obƒervaçoens, e nas experiencias para co-
nhecer as relaçoens, a ordem da Natureza,
ƒua economia, policia, e formaçaõ da Ter-
ra, e Rovoluçoens, que ƒoffreo, e em fim
as utilidades, que ƒe pódem tirar das produ-
cçoens naturaes além das conhecidas.
Pelo que ƒendo eƒte eƒtudo taõ util, e
neceƒƒario (a) , e digno de que muitas peƒ-
ƒoas ƒe appliquem a elle, e conƒiƒtindo hu-
ma das ƒuas maiores difficuldades na intel-
ligencia dos termos, de que os Naturaliƒ-
tas, e principalmente o Cel. Linnéo fazem
uƒo; por iƒƒo me determinei com a maior
(a)
Dominici Vandelli. Diƒƒert. de ƒtudio Hiƒtoriae Naturalis neceƒƒario in Medicina, Oeconomia,
Artibus, & commercio. Oliƒip. 1768.
173
V
clareza poƒsivel, a traduzilos na noƒƒa lin-
gua. Esta traducçaõ incumbí ao Dr. Fran-
cisco Jozé Simões da Serra Demonƒtra-
dor de Hiƒtoria Natural, mas a sua mor-
te impidio a acaballa.
Eƒta obra divide-ƒe em Terminologia I.
dos Mammaes. 2. das Aves. 3. dos Peixes
4. dos Amphibios. 5. dos Inƒectos. 6. dos
Vermes. 7. da Botanica. 8. e da Mineralogia.
As obras de Fabricio, Gouvaõ, e Reuff
ƒerviraõ para os Inƒeεtos, Peixes, e pela
Botanica.
Para facilitar pois o achar-se prompta-
mente a explicaõ (sic) de cada termo, haverá
no fim dous Indices geraes, que reduƒiraõ to-
da eƒta obra a hum verdadeiro Dicicionario;
accreƒcendo a iƒto todas as figuras neceƒ-
ƒarias para mais facilitar a intelligencia dos
termos, E por que os generos das Gramas ƒaõ
difficultoƒos, ƒe accreƒcentou duas taboas
com os riscos de todas as frutificaçoens dos
ditos generos.
E naõ tendo até agora huma Flora de Portu-
174
VI
gal (a), e do Brasil, ajuntamos a
eƒte Diccionario hum ensayo dellas, com
os nomes Portuguezes, virtudes medicina-
es, e uƒo da Tinturaria.
(a)
A unica obra de Botanica, que temos de Portugal, he o Viridarium Luƒitanicum do Gryƒley,
da qual obra aƒƒim me eƒcreveo o Cel. Linnéo ,, Poƒtquam tota europa calcata eƒt
Botanicorum pedibus, reƒtat etiamnum ƒola Luƒitania, quae India Europaea dicenda, &
feliciƒƒima Terra. Habemus tantum Gryƒley Viridarium Luƒitanicum, miƒerrimum opus, cujus
Plantas Oedipus ƒit, qui intelligat. Alit iƒta Terra quamplurimas rariƒƒimas plantas, uti constat
ex numeroƒis iƒtis Tournefortii Lusitanicis in Institutuionibus R. Herbariae nominatis, ƒed nullibi
descriptis, aut delineatis, adeoque etiamnum novis, quam nemo, nisi alter Oedipus intelligat. ,,
Lin. epiƒt. I O. an. 1765
175
293
MEMORIA
SOBRE A UTILIDADE
DOS
J ARDINS BOT ANICOS
A RESPEITO
DA AGRICULTURA,
E PRINCIPALMENTE
DA
CULTIVAÇÃO DAS CHARNECAS
(a)
Os authores, que eƒcreveraõ da politica como Plataõ Xe-
nofonte, Ariƒtoteles, fizeraõ da Agricultura huma parte eƒƒen-
cial della. Os Heróes de Roma applicavaõ-ƒe á cultura da terra;
e eƒta como diz Plinio ƒe gloriava de ƒer cultivada por maõs
viεtorioƒas, e triunfantes. Gaudente terra vomere laureato. Varraõ
cita cincoenta authores gregos, que eƒcreveraõ ƒobre eƒte aƒƒump-
to. εataõ, Columella, Varraõ, fizeraõ ver com as ƒuas inveƒtigações
a grande extençaõ, e utilidade deƒta ƒciencia. De alguns paizes
ƒe pode dizer o que Columella eƒcreveo no tempo de Tiberio:
;; Vejo em Roma Academias de Filoƒofos, Oradores, Geometras, e
e Muƒƒicos; vejo homens que eƒtudaõ as artes, que tem por
objeto o paladar, e o ornato dos cabellos, e ao mesmo tempo
contemplo deƒprezada a Agricultura.
176
294
O primeiro conhecimento adquire-ƒe com o eƒtu-
do da Botanica, o ƒecundo com experiencias, e re- flexões
fiƒicas, o terceiro, e quarto com hum Jardim Botanico, no
qual he neceƒƒario cultivar os vegeta-
es de todos os climas, e terrenos.
Hum Botanico ignora inteiramente quaes fejaõ
os terrenos eƒtereis (ƒe exceptuarmos hum cham
cheio de ocra, enxofre, ou ƒal) por cuja cauƒa pò-
de eƒcolher entre treze mil, e mais plantas,
que ƒe conhecem, as que ƒaõ uteis á economia, e
proprias á qualidade do terreno (a); pois que he cer-
to, que exiƒtem plantas proporcionadas a todos os
differentes terrenos: por exemplo para as terras,
que os Francezes chamaõ franche, que ƒaõ os or-
dinarios terrenos cultivados; para os lugares cheios
de barro, greda, e areia; para os campos aridos,
aquoƒos, e arenoƒos maritimos.
Duas ƒaõ as opinioens a reƒpeito da fertilidade
da terra. A primeira, he que a terra ƒerve ƒómente
de matriz aos vegetaes, e de nada mais: a ƒegunda, que os
vegetaes tomaõ o maior nutrimento da terra.
O que he porem inconteƒtavel, he que o maior nu-
trimento das plantas depende da agua, e principal-
mente da chuva, a qual com as particulas differen-
tes que traz da atomosphera, e dos ƒaes, e olios
depoƒitados na terra concorre muito para a vegetaçaõ.
Alem do que contribue o calor, a luz, e materia eletrica.
Se eu me quizeƒƒe dilatar ƒobre eƒte aƒƒumpto,
que tem ƒido tratado por muitos authores de Agricul-
(a)
Sendo na Agricultura hum principio certo eƒcolher os ve-
getaes para aquelles terrenos, que lhes ƒaõ proprios.
177
295
tura, ƒeria muito diffuƒo; baƒta que ƒe ƒaiba, que
huma terra, a qual naõ dá paƒƒagem ás aguas, como
o barro, nem admitte a influencia do ar, he eƒteril
para algumas plantas, e fecunda para outras; e que
hum terreno arenoƒo, o qual naõ retem as aguas,
nem os ƒaes neceƒƒarios, he infecundo para mui-
tas plantas, e fecundiƒƒimo para outras.
Quaõ grande ƒeja a utilidade de hum Jardim Bo-
tanico (alem do goƒto de ver juntas as plantas de
todas as partes do mundo, e do proveito que dellas
recebem, a Medicina, as Artes, o Commercio &c.
(a)
para a Agricultura, ƒó o ignora aquelle, que naõ
ƒabe quantas plantas de regioens remotas por meio
dos Jardins ƒaõ hoje commuas, e ordinarias na Eu-
296
ropa, e cujo numero ƒe vai cada dia aumentando,
de que he prova evidente França, Suecia, e Ale-
manha.
Por quanto, com o conhecimento Botanico adqui-
rido nos mais celebres Jardins, tem os Inglezes, e
Francezes examinado, e reconhecido a maior parte
das plantas que naƒcem nas ƒuas conquiƒtas da Ame-
rica, e tem tirado immenƒa utilidade, e cada vez
podéraõ tirar maior lucro.
Muito me dilataria eu ƒe quezeƒƒe referir todas;
algumas das quaes (a)* saõ da America meridional.
Que vaƒto campo ƒe me offerecia agora para huma di-
latada digreƒƒaõ, mas nem o tempo, nem a minha oc-
cupaçaõ; nem o aƒƒumpto o permite.
Nos Jardins Botanicos como ƒe cultivaõ as diffe-
rentes plantas de todos os climas, e terrenos, conhe-
cem-ƒe, e eƒcolhem-ƒe as mais proprias, e adequa-
das ao Paiz.
Quantas plantas ƒaõ hoje commuas, ordinarias,
que trazem a ƒua origem das regioens mais diƒtan-
tes? O trigo, ainda que ƒe naõ he planta da Europa.
O Milho painço (b) he da India. A Aveia (c) he da
(a)
Piper amalago. Piper aduncum. Piper verticillatum. Bromelia
Pinguin. Caƒƒia occidentalis. Guajacum officinale da Jamaica. Cinua
arundinaceae. Collinƒonia canadenƒis do Canadá. Laurus Bezoin. Po-
rifera Da Virginia. Rhus vernix. Acer ƒacharinum. da Penƒilvania.
Amyris clemifera da Carolina. Laurus Cinnamomum da Martinica.
Spigelia anthelmia da Cajenna, e do Braƒil. Laurus ƒaƒƒafras da Virginia,
e do Braƒil. Euphorbia ipecacuanha da Virginia, do Canada, do Braƒil.
Smilax ƒalƒaaparrilla da Virginia, e do Braƒil. Morus tinεtoria da Ja-
maica, e do Braƒil. &c.
*
Na errata que se segue ao texto, a referência à ilha de Martinica na nota
(a) é substituída porIlha de S. Tomé, das Molucas.
(b)
Panicum miliaceum.
Avena ƒativa.
(c)
179
297
(d) Oryza ƒativa. (e) Vicia ƒaba. (f) Morus alba. (g) Solanum
Lycoperƒicum. (h) Solanum melongena. (i) Capƒicum annuum. (k) Ci-
trus medica. (l) Citrus limon. (m) Citrus aurantium. (n) Arum co-
locaƒia. (o) Carthamus tinεtorius. (p) Agave Americana.
180
298
299
(a)
Deve-ƒe advertir, que naõ queimando as raizes pouca uti-
lidade ƒe póde tirar.
Argilla communis, coeruleƒcens. Linn.
(b)
(c)
O alkali volatil acha-ƒe na analiza das terras ferteis.
A noƒƒa athmosfera eƒtá cheia delle. Todas as materias, que con-
tem eƒte ƒal contribuem a fertilidade; por eƒta cauƒa os eƒtru-
mes fertilizaõ as terras. Eƒte ƒal ƒe acha na maior parte dos vegetaes
apoprecidos, mas principalmente em o Reino animal.
182
300
terreno. Entre as plantas ƒucculentas algumas ƒaõ aqui
ordinarias, como a Figueira do Inferno (a), a Herva
baboƒa (b), Alcaparra (c ), o Telefio (d), a Figueira
brava (e) que ƒe conƒerva muitos annos em lugares onde a raiz naõ he
regada por huma gotta de agua.
Os Suecos cultivaõ as arêas moveis, e dellas ti-
raõ baƒtante proveito. Que grande utilidade ƒe pode-
rá logo tirar deƒtas, que ƒaõ mui ƒuperiores, e aptas
para muitas plantas? O Trigo Sarraceno (f) dá-ƒe
muito bem nos lugares arenoƒos.
Que proveito ƒe tiraria ƒe ƒe reduziƒƒem a paƒtos eƒtes
lugares incultos? Ha muitas plantas proprias para eƒ-
tes terrenos, como Bromus ƒecalinus, Poa rigida,
Melica ciliata, Aira caryophyllata, Aira flexuoƒa.
Aira caneƒcens, Agroƒtis ƒtolonifera, Holcus lanatus, Phleum
arenarium, Lupinus luteus.&c. e com eƒtes
paƒtos ƒe multiplicariaõ os rebanhos, e os gados.
E tambem ƒe poderiaõ ƒemear Pinheiros, que em
poucos annos dariaõ muito lucro. A Amoreira branca
nasce bem em ƒemelhante terreno, e nelle dá as folhas
mais Seccas, e poriƒƒo mais uteis para o suƒtento dos
bichos da ƒeda; e plantando os ramos das raizes ve-
lhas das Amoreiras dentro em quatro annos daõ folhas
grandes.
Em algumas partes ƒeria util a cultura do lirio
dos tintureiros (g), da Ruiva (h), e do Paƒtel (i)
para as cores.
Nos lugares arenoƒos maritimos ƒeria muito util a
301
cultura da flor de Cryƒtal, ou ƒoda(a) , que ƒerve
para fazer o vidro, e o ƒabaõ, como tambem a de
outras plantas proveitoƒas (b).
As plantas, que nos lugares ƒeccos, e onde ha
greda ƒe daõ bem ƒaõ muitas (c ) , algumas das quaes
ƒerviraõ para paƒtos (d). As plantas proprias para
lugares humidos (e) aquoƒos, e de alagoas (f) tam-
bem dariaõ alguma utilidade.
E por ora baƒta; porque para ƒe tratar a fundo
qualquer deƒtes objeεtos ƒeria neceƒƒario mais tempo.
Se correƒponder a aceitaçaõ do Publico aos meus
ƒinceros dezejos, occupar-me-hei em fazer experien-
cias ƒobre as plantas que ƒe cultivaõ, e ƒe cutivaraõ
neƒte Real Jardim Botanico a fim de conhecer as ma-
is exacεtas obƒervações ƒobre os lugares incultos: in-
dicarei os meios proporcionados conforme as ƒitua-
çoens, e producçoens, tratando fundamentalmente
de todos eƒtes objeεtos.