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N

este livro aparecem estu-


dos varios, de crítica filoso-
fica e literária. E como sem-
pre, a meridiana clareza de Durant
permeia todos os assuntos. Anato-
le France nos surge num trato in-
tegral; Flaubert, ainda e mais vivo
que em vida. Mas o que dá maior
valor ao livro, parece-nos. que é a
magnifica análise da obra de Spen-
gler o sinistro pensador que profe-
tizou o declínio e queda da Civi-
lização Ocidental. O drama que
começa desenrolar-se na Europa a
Ásia tornam o conhecimento e na
das ideias de Spengler sobremodo
oportuno. E Spengler é desse tipo
encouraçado que só por meio dum
torpedeamento à Will Durant e tor-
na acessível á nossa compreensão.

Igualmente primorosos são os estu-


dos sobre Powis, Bertrand Russell,
Keyserling Egotista, e “Cem melho-
res livros” para a formação duma
universidade pessoal. Basta este ul-
timo capitulo para justificar o lança-
mento desta obra de Will Durant,
William James Durant foi um na tradução de Monteiro Lobato.
filósofo, historiador e escritor estadu-
nidense, conhecido por sua autoria Este filósofo moderno escreveu
e coautoria, junto à sua esposa Ariel um Prefácio aos leitores Brasileiros
Durant, da coleção A História da Civi- sobre esta sua obra: OS GRAN-
lização. Dotado de um talentoso estilo DES PENSADORES, que se pode
de prosa e considerado um excelente considerar uma seleta dos maio-
contador de histórias, Durant ganhou
res escritores de todos os tempos
um grande número de leitores, em
grande parte por causa da natureza e
e interpretada por Durant, dando
da excelência da sua escrita, que, em a contribuição de cada um para a
contraste com a linguagem acadêmi- cultura e civilização humana.
ca, é animada, inteligente, carismática,
colorida, ornamentada, epigramática,
em suma,“humanizada”.
Copyright © desta edição 1939,
Companhia Editora Nacional Ltda. SumáriO
Título original: Great Men Of Literature
Prefácio para a tradução brasileira .......................................VIII
Todos os direitor reservados e protegidos pela lei 9.610, de 19/02/1998. Introdução .................................................................................XI
É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.

Aventuras em Sugestão
Coordenação Editorial: Janice Florido Primeira Parte
Editora de Arte: Ana Suely S. Dobón
Paginação: Nair Fernandes da Silva
Capa: Janice Florido
Tradução: Monteiro Lobato 1. Os dez “Maiores” Pensadores ..............................................17
Definições ........................................................................................21
Litania ..............................................................................................21
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Confucio ..............................................................................................21
Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Platão ...................................................................................................24
Aristóteles ............................................................................................26
Durant, William James Tomás de Aquino ...............................................................................28
Os grandes pensadores / William Durant; tradução Copernico ............................................................................................30
Monteiro Lobato. - série 1. vol. 3. - São Paulo:
Bacon ...................................................................................................32
Companhia Editora Nacional, 1939
Newton .................................................................................................33
Título Original: Great Man Of Literature Voltarie ................................................................................................35
IBSN: 85-351-0695-2 Kant ......................................................................................................37
Darwin ..................................................................................................39
1. Filosofia - Literatura norte-americana. Excusas ............................................................................................41
1. Título.
2. Os dez “Maiores” Poetas ......................................................43
Homero ................................................................................................43
“Davi” ...................................................................................................45
Índice para catálogo sistemático:
Euripedes .............................................................................................48
1. Filosofia: Literatura norte americana
Lucrecio ...............................................................................................52
Dante ....................................................................................................54
Todos os direitos reservados à Shakespeare .........................................................................................57
Companhia Editora Nacional Keats .....................................................................................................60
R. Gomes de Carvalho, 1306 Shelley ..................................................................................................62
São Paulo - SP, 04547-005 Whitman ..............................................................................................65
https://editoranacional.com.br/
3. Os cem melhores livros para uma educação ......................69
O caminho da libertação ...............................................................88
Aventuras na Filosofia França .................................................................................................197
Itália ....................................................................................................199
Segunda Parte
A europa aristocrata .........................................................................201
A europa Burguesa ...........................................................................203
A Rússia Sociética .............................................................................205
1. A filosofia de Spengler .........................................................97 Toda a Europa ..................................................................................208
O homem e o seu livro ..................................................................97 Keylerling sobre a vida e a morte ...............................................211
Interpretação da história ..............................................................102 Base lógica .........................................................................................211
Surto e queda da civilização ocidental .......................................110 A matriz metafísica ...........................................................................213
Desenvolvimento moral ...................................................................214
Primavera ...........................................................................................110 A válvula religiosa .............................................................................218
Verão ..................................................................................................114 O conflito político .............................................................................221
Outono ...............................................................................................117 A tragédia histórica ...........................................................................224
Degeneração .................................................................................120 Comentário ...................................................................................226
Fatores básicos da decadência .........................................................120
Arte .....................................................................................................125 3. Bertrand Russel: Casamento e Moral ................................231
Ciência ...............................................................................................126
O problema ...................................................................................231
Filosofia ..............................................................................................129
A proposta .....................................................................................234
Religião ..............................................................................................132
Política ................................................................................................134 Considerações ...............................................................................238
Comentário ...................................................................................140

2. A filosofia de Keyserling ....................................................151


Aventuras na Literatura
Terceira Parte
Retrato de um ego ........................................................................151
O travelogue dum filosofo ...........................................................162
Índia ...................................................................................................162 1. Em louvor a Flaubert ..........................................................247
China ..................................................................................................168
América ..............................................................................................173 O estilista ...........................................................................................247
O realista ............................................................................................251
Keylerling na america....................................................................175 O romancista .....................................................................................256
A arena americana ............................................................................175 O cínico .............................................................................................264
Indústria americana ..........................................................................179 A vítima .............................................................................................268
Nossa moral .......................................................................................183
2. Anatole France ....................................................................273
A mente americana ...........................................................................186
O futuro americano ..........................................................................189 O paradoxo .......................................................................................274
Juizo em suspenso .............................................................................190 O homem ..........................................................................................281
O conservador ...................................................................................285
Keylerling e a europa.....................................................................193 O epicurísta .......................................................................................291
Orgulho e preconceito ......................................................................193 O ceptico ...........................................................................................300
Inglaterra ............................................................................................195 O socialista ........................................................................................315
Prefácio para a tradução brasileira Sei que o espirito latino jamais cometerá o erro setentrional de
conceber a historia dum modo impessoal, como um movimento
de massas, preços, salarios e diagramas. E verdade que pequenas
causas produzem grandes efeitos, mas essas causas operam sobre-
tudo através dos grandes homens; e não ha razão para que a histo-
É -me agradavel saber que um novo livro meu vai ser dado
a um público sul-americano, embora o prazer que eu sinta
sofra do pesar de até agora não ter podido conhecer a Ame-
ria escrita não revele alguma coisa dos vincos da historia vivida.

rica do Sul. Bem informado estou das be- lezas naturais dos Os mais poderosos fatores da historia são as ideias. 1 Não ne-
paises que a compoem e sei que o pano- rama do Rio visto cessitamos fazer muito esforço para compreender que, hoje,
do mar, e viceversa, é uma das sete maravilhas do mundo mo- são as ideias invenções, religiões, filosofias, formas de pensa-
derno. Mas o que mais me fas- cina é o temperamento latino. mento falado ou escrito e formas de go- verno, ideais do indivi-
duo e da vida nacional vem os homens nas crises dos negocios
Tambem sou latino, um torturado da sensibilidade e um internacionais. As que mo- ideias de Nietzsche, por exemplo,
consumido pela imaginação, em luta para controlar o senti- influenciaram profun- damente Hitler e Mussolini; as ideias de
mento romantico pelo estudo do pensamento classico, com Karl Marx transformaram a vida da Russia; as de Spengler fa-
supressão do poeta que sou em proveito duma respeitavel e zem que cada estadista pondere sobre o futuro do seu povo e
bem domesticada prosa. Não me sinto em casa no norte, en- da sua civilização; as ideias de Flaubert influenciaram metade
tre habeis homens de negocio ou sutis diplomatas, ou fleug- da literatura da Europa e da America. Neste li- vro procurei in-
maticos hiperboreos; meu anseio é pelo sul da França, pela terpretar algumas destas concepções ba- sicas do nosso tempo
Italia, pela Espanha, pela America do Sul por paises com sol na literatura e na filosofia. Estou convencido de que as grandes
no sangue e que não se limitam a ganhar a vida, mas vivem. coisas do nosso seculo não sairão dos campos de batalha, sim
dos nossos cerebros e dos nossos corações.
E por isso invejo aos meus livros, e desejaria poder segui-los Will Durant
para alem do equador e viver algum tempo proximo ao Rio
ou São Paulo, aprendendo a lingua que aí se fala, estudando a Great Neck, New York, 6 de Maio de 1939.
literatura e (nas entrelinhas) observando as mulheres, que são,
afinal de contas, muito mais interessantes que os nossos livros.
Mas se o não posso fazer, muita honra sinto em que minhas
palavras o possam, e que por meio delas eu fale através de ma-
res e con- tinentes aos sul-americanos amigos dos genios, e que
se deleitam em conversar e refletir sobre os grandes homens.”

VIII IX
Introdução

D os muitos ideais que na mocidade dão á vida uma signi-


ficação e uma radiancia que faltam ás friorentas perspec-
tivas da idade madura, um pelo menos não se adormentou
em mim, permanecendo brilhante como no começo a intrepi-
da adoração dos herois. Numa idade que nivela tudo e nada
reverencia, ponho-me ao lado de Carlyle e acendo minhas
velas, como Pico de Mirandola diante da imagem de Platão,
no santuario dos grandes homens. Digo intrepida porque sei
como está fora de moda admitir na vida ou na historia genio
mais alto do que nós mesmos. O dogma democratico nivelou
não somente todos os eleitores como todos os lideres; delei-
tamo-nos em de monstrar que os genios vivos não passam de
mediocrida- des e que os genios mortos não passam de mi-
tos. A crer- mos em Wells, Cesar foi um pateta, e Napoleão,
um louco. Mas como é contrario ao bom tom louvar-nos a
nós pro- prios, chegamos ao mesmo fim por uma senda indi-
reta: rebaixando todos os grandes homens da terra. Em alguns
isso será, talvez, um nobre e impiedoso ascetismo que procu-
ra arrancar dos corações os ultimos vestigios da ado- ração,
de medo que os deuses voltem e de novo nos ater- rorizem.

De minha parte apego-me á religião dos herois e nela descubro


contentamento e estimulo mais duradou ros que os peculia-
res aos extases devotos da mocidade. Como parece natural
receber Rabindranath Tagore com o titulo que ha tanto tempo
lhe foi dado pelos seus con- terraneos 1 Gurudeva, Reverendo
Mestre! Porque se nos quedamos reverentes em face de queda
d’agua e to- pos de montanha, ou duma lua de outono refletida

XI
em mar calmo, por que não faremos o mesmo diante do maior dos seus homens e mulheres excepcionais, seus inventores,
dos milagres um homem ao mesmo tempo grande e bom? Mui- cientistas, homens de estado, poetas, artistas, musicos, filosofos
tos de nós somos apenas talentos, crianças ir requietas no jogo e santos, e de adições que eles trouxeram á tecnica e á sabe-
da vida, e quando o genio surge em nos- sa presença apenas po- doria, ás artes e aos costumes, tanto da França como da huma-
demos curvar-nos diante dele como dum ato de Deus, uma con- nidade. E o mesmo com todos os demais paises; a historia do
tinuação da genese. Tais ho- mens são o verdadeiro sangue da mundo é a historia dos grandes homens. Que somos nós senão
historia, da qual a poli- tica e a industria não passam da ossatura. tijolos e cimento que eles manejam para a melhoria das raças?

Parte em virtude do seco escolasticismo de que pas- samos Por esse motivo encaro a historia, não como o dolo- roso palco
a sofrer quando James Harvey Robinson nos inti- mou a hu- da politica e das carnificinas, mas da luta do homem guiado
manizar o conhecimento, é que surgiu o conceito da historia pelo genio contra a inercia da materia e o escorregadio segredo
como fluxo impessoal de figuras e “fatos”, no qual os genios do espirito; luta para compreender, para dominar e para refa-
representavam papeis de tal insignifi- cancia que o melhor era zer-nos a nós e ao mundo. Vejo homens de pé á beira do co-
ignora-los. Foi sobretudo Marx o implantador desta concep- nhecimento, sustendo um ar- chote pouco adiante de suas ca-
ção da historia; ele apaixona- ra-se por uma visão da vida hos- beças; homens esculpindo no marmore formas que enobrecem
til a todos os homens de exceção, sentia ciumes de todas as a especie; homens moldando povos em melhores instrumentos
superioridades e exaltava os humildes como os herdeiros da da grandeza; homens sonhando com vidas mais altas e vivendo-
terra. Por fim começou-se a escrever a historia como se ela -as. Temos aqui um processo de creação mais vivaz do que em
nunca fora vivida, como se nenhum drama jamais a sacudis- qualquer mito, uma religião mais real do que todos os credos.
se, nem igualmente comedias e tragedias de lutadores falhos.
As vívidas narrações de Gibbon e Taine cederam o passo Contemplar tais homens, insinuar-nos pelo estudo em seu convi-
a montes de cinzas eruditas, com todos os fatos estabeleci- vio, observa-los no labor e aquecer-nos á flama que os consome
isto é reconquistar alguma coisa do extase que a juventude nos
dos e documentados com a maior correção-mas mortos. Não, dava, quando no altar ou no confessionario sentiamos a presen-
a verdadeira historia do homem não está nos preços e salarios, ça de Deus. Nessa sonhadora juventude críamos que a vida era
nem em eleições e batalhas, nem no nivel de vida do homem um mal, e que só a morte nos poderia erguer ao paraiso. Erro.
comum: está nas duradouras con- tribuições dos genios para a Ainda em vida podemos penetrar no eden. Cada grande livro,
soma da civilização e da cul tura humana. A historia da França cada fina obra d’arte, cada biografia dum grande homem cons-
não é a historia do povo francês, o desenrolar da vidinha de titue um apelo e um abre-te-sezamo para os Campos Eliseos.
creaturas sem nome que lavraram o solo, fizeram sapatos e rou- Muito cedo apagamos a chama da nossa esperança e da nossa
pas, mas- catearam artigos (porque estas coisas sempre foram fe reverencia. Mudemos de idolos e reacendamos as velas.
itas em todos os tempos); a historia da França é o relato da ação
Will Durant

XII XIII
Nota do Autor
Reclamo do leitor indulgencia para a inclusão de vários en-
saios que nada têm com o título desta obra. E apresento meus
agradecimentos ao American Magazine, ao Plain Talk, ao Red
Book, Bo Forum e ao Thinker, nos quais alguns apareceram
em forma cruelmente abreviada. Os primeiros são populares
e pedagógicos; os leitores que não necessitarem disso poderão
começar pela terceira parte.

AVENTURAS EM SUGESTÃO
PRIMEIRA PARTE

XIV
1. Os Dez “Maiores”
Pensadores
Definições
Que é pensamento? Não ha definição possivel porque a pa-
lavra inclue tudo através do que pode ela ser de- finida. E’ o
fato mais imediato que conhecemos e o ultimo misterio do
nosso ser. Todas as outras coisas nos chegam como formas do
pensamento, e todas as realizações humanas nele encontram
a sua fonte e a sua meta. O surto do pensamento constitue a
grande virada do drama da evolução.

Como teve começo o milagre? Talvez quando o im- petuoso


derrame dos gelos polares se dirigiu para os tropicos, enrege-
lando o ar, destruindo a vegetação, elimi- nando inumeraveis
especies de animais inadaptaveis ao frio, e repelindo uns pou-
cos sobreviventes para a estreita faixa mais calmosa, onde du-
rante muitas gerações fica- ram apegados ao equador, á espera
de que a ira do Norte se derretesse. Foi provavelmente nesse
periodo critice, quando todos os velhos modos de vida se tor-
naram ina- dequados diante do gelo invasor, e as tradicionais
rea- ções contra o meio já de nada valiam diante da radical mo-
dificação do ambiente, que os animais já dotados de completo
aparelhamento instintivo foram eliminados por não poderem
adaptar-se ás novas condições, e que certo animal, ainda plasti-
co, porque ainda não cristalizado em formas rígidas, aprendeu

17
William Durant Primeira Parte Os Grandes Pensadores

a arte do fogo, da cozinha e do vestuário, resistiu a calamida- mais alta. As invenções determinam a historia -e as invenções
de e levantou-se a uma indiscutivel supremacia sobre todas as saem das idéias. Sem duvida que é o desejo, a inquietação e a
espécies. Esse animal, o homem. Foi presumívelmente numa insaciavel das nossas necessidades, o que nos força a pensar,
emergencia terrivel como essa que o humano raciocínar apa- mas, embora assim motivado ou inspirado, é o pensamento
receu. A mesma “incompletidão” e adaptabilidade de reações que descobre os caminhos. Não podemos pois admitir a velha
que vemos hoje na criança e que a faz tão inferior aos filhotes disputa entre os exalgadores dos herois, como Carlyle e Nietzs-
de todos os outros animais, mas é compensada pela possibili- che, que interpretam a historia em função dos grandes homens,
dade do aprender essa mesma plasticidade salvou o homem e es depreciadores dos herois, como Spencer e Marx, que atrás
os - mais elevados mamiferos; concomitantemente, poderosos de todos as acontecimentos só descobrem causas economicas.
orga- nismos, como o mamute e o mastodonte, que até en- Estamos seguros de que nenhuma pressão de og circunstancia
tão reinavam como supremos, sucumbíram diante da invasão economica teria sido bastante para fazer avançar a humanida-
glacial a ponto de existirem hoje apenas para os paleontolo- de, se as iluminantes faiscas do pensamento não houvessem in-
gos. Tiritaram e extinguiram-se, ao passo que o debil Homo terferido. Talvez Gabriel Tarde e William James tenham razão,
permaneceu. O pensamento e a força inventiva surgem no e toda a historia seja uma sucessão de inven- ções feitas pelos
mundo: a tonteira dos instintos colhidos de surpresa dá surto genios e adotadas pela massa, uma serie de iniciativas tomadas
ás timidas hipoteses, ás primeiras tentativas de ligar coisas, ás pelos lideres aventureiros e propagadas no povo pelas ondas
primeiras generalizações, ás primeiras ideias de similaridade e da imitação. Não ha duvida que no começo e no topo de cada
de regularidade de sequencia, á primeira adaptação de coisas epoca aparecem uns tantos genios heroicos, vozes e sumulas
aprendidas a situações tão novas que diante delas as reações do seu tempo, herdeiros e inter- pretes do passado, pioneiros
instintivas habituais já de nada valiam. Foi então que certos e guias do futuro. Se pudermos acertar em cada periodo da
instintos de ação envolveram em modos de pensamento e em civilização com os homens que lhes guiaram o pensamento,
instrumentos da inteligencia: o que havia sido simples espera teremos um panorama vivo da nossa historia. Mas quando nos
da presa tornou-se atenção; o medo e a fuga fizeram-se cautela defrontamos com a tarefa de selecionar esses personagens ma-
e deliberação; a pugnacidade e o assalto passaram a curiosida- ximos em redor dos quais a peça se desenvolve, uma duzia
de e analise; a manipulação virou experiencia. O animal erecto de dificuldades nos surgem á frente. Qual deverá ser o test da
fazia-se homem, escravo ainda de mil circunstancias, timida- grandeza? Quais, no rol dos genios humanos, os que devemos
mente valente ante os incontaveis perigos, mas já assinalado omitir e os que devemos nomear?
para tornar-se o senhor da terra. Desse obscuro periodo até o
presente, a historia da civilização tem sido uma aventura da ra- Temos aquí de ser implacaveis e dogmaticos; e embora nos
zão humana. Foi o pensamento que nos ergueu, passo a passo, doa, não podemos admitir em nossa lista nenhum tipo de ge-
penosamente e por tentativas, a um poder maior e a urna vida nio senão o que exerceu duradoura influencia sobre a vida da

18 19
William Durant Primeira Parte Os Grandes Pensadores

humanidade. O test supremo será este. Procura- remos verifi- Litania


car a originalidade e o escopo, a veracidade e a profundez, de
Confúcio
cada pensador, mas o que acima de tudo nos cumpre ter em
mente é a extensão e persistencia do influxo do genio sobre a Confucio e imediatamente começam nossas davidas. Por que
vida e as ideias dos homens. Uni- camente assim poderemos de incluir Confucio e omitir Buda e Cristo? Pelo fato de ser um
algum modo controlar os nossos preconceitos pessoais e con- filosofo moral antes que um pregador de fé religiosa; pelo fato
seguir imparcialidade de escolha. E, agora, como definirmos o de seu apelo à vida nobre ter base em motivos seculares e não
pensador? Certo que a palavra tem de abarcar filosofos e cien- em considerações sobre- naturais; pelo fato de, muito mais que
tistas; mas somente a estes? Deveremos incluir homens como Judas, assemelhar- se a Socrates.
Euripedes, La- crecio, Dante, Leonardo, Shakespeare, Gathe?
Não, curvar- nos-emos humildemente diante de tais nomes, Nascido numa era de confusão (552 A. C.), na qual o velho
mus, a despeito da profundidade do seu espirito, te los emos poder e a gloria da China se desintegravam na luta das facções,
como pensadores secundarios, precipuamente artistas E deve- Kung-fu-tse empreendeu restaurar a sanidade e a ordem da sua
mos incluir li deres de tão grande influencia social como Jesus terra. Como? Ouçamo-lo:
e Buda, Agostinho ou Lutero Não, os fundadores e renovadores
de religiões não cabem em nosso plano; não foi o pensamento Os grandes antigos, quando queriam revelar e propagar as
ou a razão, sim o sentimento apaixonado, a visão mistica, a irre- mais altas virtudes, punham seus estados em ordem. Antes
dutivel fé, que os fez movimentar o mundo. Deveremos aceitar de porem seus estados em ordem punham em ordem suas
em nosso conselho os grandes homens de ação cujos nomes familias. Antes de porem em ordem suas familias, punham
ressoam nos corredores da historia homens como Pericles, Ale- em ordem a ai proprios. Antes de porem em ordem a si pro-
xandre, Cesar, Carlos Magno, Cromwell, Napo- leão, Lincoln? prios, aperfeiçoavam suas almas. Antes de aperfeiçoarem
Não; se aplicarmos a palavra pensador a tais herois estaremos suas almas, procura- vam ser sinceros em seus pensamentos
a adultera-la na sua significação essencial, e falhariamos na de- e ampliavam no maximo os seus conhecimentos. Essa am-
finição do pensamento. Na nossa lista só cabem filosofos e sa- pliação dos conhecimentos decorre da investigação das coi-
bios. Procuraremos os nomes que pelo pensamento, antes que sas, on de vê-las como elas são. Quando as coisas sin as- sim
investigadas, o conhecimento se torna completo. Quando os
pela ação ou paixão, mais influen- ciaram o genero humano.
pensamentos são sinceros, a alma se torua perfeita. Quando
Procura-los-emos nos calmos re- mansos do mundo, longe do a alma se torna perfeita, o homem está em ordem. Quando
tumulto das multidões, nos ob scuros recantos onde grandes o homem está em ordem, sua familia tambem fica em or-
ideias lhes vem como tra- zidas “nos pés da pombinha”, e onde dem. Quando sua fa- milia está em ordem, o estado que ele
por um momento eles vislumbram, como numa transfiguração, dirige tambem pode cair na ordem. E quando os estados em
a face da verdade. ordem o mundo inteiro gosa de paz e felicidade.

20 21
William Durant

Els aqui umna să filosofia moral e politica enfeixada em poucas


linhas. Trata-se dum sistema altamente conservador, que exalta
as boas maneiras e a etiqueta, com menosprezo da democra-
cia; a despeito da sua enunciação da Regra de Ouro, Confu-
cio estava mais proximo do estoicismo do que do cristianis-
mo. Um discipulo tendo-lhe perguntado se devia pagar o mal
com o bem, ele respondeu: “Com que então recompensarás a
bondade? Pagarás o bem com o bem, e o mal com a justiça.”
Confucio não admitia que todos os homens fossem iguais; a
inteligencia não era um dom outor- gado a todos. Quando o
discipulo Mencio tocou no assunto, o mestre respondeu: “O
que diferencia o homem dos outros animais é muito pouco
-e a maior parte dos homens deita fora esse pouco. O maior
bem para um povo será afastar dos cargos publicos os ignoran-
tes e escolher para governa-los os homens de maior sabedoria.
Uma grande cidade, Chung-tu, tomou-o ao pé da letra e es-
colheu-o para magistrado. “Maravilhosa reforma, diz a lenda,
ocorreu na vida do povo... Cessaram os crimes... A deshones-
tidade e a corrupção recolheram as unhas. A lealdade e a boa
fé tornaram-se as caracteristicas dos homens; e o pudor e a
docilidade, as das mulheres.” Isto nos parece bom demais para
ser verdadeiro e provavelmente não durou - muito tempo. Mas
ainda durante sua vida os seguidores de Confucio compreende-
ram-lhe a grandeza e previram a dura- doura influencia que ele
iria ter no moldar a urbanidade e a placida sabedoria dos chine-
ses. “Seus discipulos enter- raram-no com grande pompa. Uma
multidão de seguidores construiram cabanas proximas à sua
tumba e lá se deixaram ficar, chorando, como pela morte dum
paí, durante tres días. E quando todos se retiraram, Tse-Kung,
“que o amava mais que todos”, permaneceu por mais tres anos Confucio
sozinho junto ao tumulo”.

22
Esta obra foi composta por corpo
em Barkerville, impressa em sulfi-
te 75 g/m², com capa cartão 200 g/
m². Para o curso de Design Edi-
torial da UFPE-CAA, em abril de
2023.

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