Você está na página 1de 248

Africana Studia

Revista Internacional de Estudos Africanos


International Journal of African Studies

Centro de Estudos Africanos


Universidade do Porto
AFRICANA STUDIA
Revista Internacional de Estudos Africanos/ International Jounal of African Studies

Entidade proprietária: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto


FLUP – Via Panorâmica s/n – 4150-564 Porto
Director: Maciel Morais Santos (ceaup@letras.up.pt)
Sede da Redação: FLUP – Via Panorâmica s/n – 4150-564 Porto
N.° de registo: 124732
Depósito legal: 138153/99
ISSN: 0874-2375
Tiragem: 100 exemplares
Periodicidade: Semestral
NIF da entidade proprietária: 504045466
Design capa: Sersilito
Execução gráfica: Sersilito-Empresa Gráfica, Lda.
Edição: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto
Edição gráfica: Marco Alvarez
Revisão gráfica e de textos: Henriqueta Antunes
Conselho científico/Advisory Board: Adriano Vasco Rodrigues (CEAUP), Alexander
Keese (U. Berna/CEAUP), Ana Maria Brito (FLUP), Augusto Nascimento (IICT), Collete
Dubois (U. Aix-en-Provence), Eduardo Costa Dias (CEA-ISCTE), Eduardo Medeiros
(U. Évora), Isabel Leiria (FLUL), Joana Pereira Leite (CESA-ISEG), João Garcia (FLUP),
João Pedro Marques (IICT), José Carlos Venâncio (U. Beira Interior), Malyn Newitt (King’s
College), Manuel Rodrigues de Areia (U. Coimbra), Michel Cahen (IEP – U. Bordéus IV),
Paul Nugent (CEA- Edimburgo), Philip Havik (IHMT), Suzanne Daveau (U. Lisboa)
Conselho editorial/Editorial Board: Fátima Rodrigues, Flora Oliveira, Jorge Ribeiro,
Maciel Santos
Venda online: http://www.africanos.eu/ceaup/loja.php
Advertência: Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo desta publicação (na
versão em papel ou eletrónica) sem autorização prévia por escrito do CEAUP.
Africana Studia é uma revista publicada com arbitragem científica.
Africana Studia é uma revista da rede África-Europe Group for Interdidisciplinary Studies
(AEGIS).
Capa: Recinto do Eleu. Jau, Lubango, Angola.
Foto: Jorge Guimarães, 2015.
Africana Studia REVISTA INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS
INTERNATIONAL JOURNAL OF AFRICAN STUDIES

N.º 24 – 1.º semestre – 2015

Índice
Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Arqueologia e paisagem

Pré-História, Etnoarqueologia e Património


Middle Pleistocene Lithic Industry and Hominin Behavior at Laetoli . . . . . . . . 13
Audax ZP Mabulla
Review of the Stone Age Archaeology in Southwestern Angola . . . . . . . . . . . . . 33
Daniela de Matos
Rock Art research in Namibia: a Synopsis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Alma Mekondjo Nankela
Rethinking the presentation at Olduvai Gorge site museum within Integrated
Landscape Management (ILM) framework . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Everlyne E. Mbwambo, Luiz Oosterbeek
Le couteau de jet en milieu Gabri . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Noudjiko Hamdji Milman
Património e Arqueologia Angolana como potenciais aliados de uma ativi-
dade turística nacional residual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Ziva Domingos, Bumba de Castro
Prospeção no Sul de Angola: o caso dos recintos murados da Huíla . . . . . . . . . 83
André Serdoura e Jorge Guimarães
O contexto cultural dos marcos de terrenos nas aldeias Ambundu/Angola . . . 91
Éva Sebestyén
À procura da ‘autenticidade indígena’. Tradição, tradução e transformação nas
recolhas etnomusicais do Museu do Dundo em Angola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
Cristina Sá Valentim
Historiografia da Arqueologia
Arqueologia portuguesa em solo africano durante o Estado Novo: (alguns)
atores, espaços e projetos – o caso de Moçambique . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Ana Cristina Martins
Percursos de Miguel Ramos (1932-1991) na arqueologia: síntese e perspetivas . 145
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins
Redescobrindo estações arqueológicas à guarda do IICT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
Inês Pinto e Ana Godinho Coelho

Entrevista

Moustapha Sall – Les équipes de recherche ont permis de montrer que ces
pierres, tas de déchets, lieux mystiques, cimetières hantés (dans la perception
populaire) sont de véritables bibliothèques au-delà des actuelles représentations
idéologiques. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Entrevista conduzida por Luiz Oosterbek

África em debate

Poderes e identidades

Alda do Espírito Santo, a distinção social, a militância política e a tristeza . . . 177


Augusto Nascimento

Migration, sécurité et la base militaire des Etats-Unis – La République de


Djibouti au centre de la lutte contre le terrorisme international dans la corne
de l’Afrique et de l’Arabie du Sud . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
Mohamed Abdillahi Bahdon

Notas de leitura

Gloires et Misères. Impériales? Nationales? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223


René Pélissier

Resumos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235

Legendas das ilustrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243


Editorial

Todas as grandes temáticas relacionadas com a origem e evolução da Humanidade, até


ao presente, encontram em África um amplo e crucial território de pesquisa. A arqueolo-
gia, mercê da tardia ocorrência de documentação escrita no continente, mas também do
silenciamento de muitas realidades endógenas durante a maior parte do período para que
dispomos de fontes escritas, permanece como a principal fonte de recursos documentais
para a compreensão das dinâmicas humanas no Continente. Temas fulcrais da história
geral de África e da nossa espécie dependem essencialmente da investigação arqueológica,
como as origens da espécie, as diversas migrações para fora de África no Pleistocénico,
a arte rupestre, as modificações ambientais no Quaternário, as dinâmicas interculturais
anteriores e posteriores ao contacto com os europeus, as origens da metalurgia, a diáspora
moderna associado à escravatura, etc.
A investigação em arqueologia situa-se no cruzamento das ciências humanas com as
ciências da terra e da vida, com a proteção dos vestígios materiais carregados de valores
simbólicos que testemunham as diferentes culturas e com a socialização do conhecimento
assim produzido, designadamente no domínio da museologia e da comunicação científica
e social.
Estudar a arqueologia africana na sociedade atual não é apenas prosseguir o esforço de
muitos investigadores no período colonial, mas também beneficiar do cruzamento de pers-
pectivas culturais e teóricas, constituindo equipas transdisciplinares e intercontinentais,
em que os investigadores africanos assumiram de forma plena a condução da investigação.
Os trabalhos do Congresso Pan-Africano de Arqueologia (PanAf), associados aos da União
Internacional das Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas (UISPP), ao longo de décadas
têm sistematizado essa nova era da investigação.
Esta dinâmica actual da investigação arqueológica africana é fundamental como ins-
trumento para a refundação das ciências humanas (no âmbito dos esforços do Conselho
Internacional de Filosofia e Ciências Humanas e da UNESCO) e para o entendimento das
dinâmicas atuais de ligação entre as realidades globais e locais (foco do proposto Ano
Internacional do Entendimento Global).
A arqueologia africana continuará, certamente, um campo de pesquisa aberto durante os
próximos anos. O crescente número de investigadores, bem como o crescente interesse que
os estados Africanos, num ambiente de crescimento expectável mais favorável, estão a ter
pelo seu património cultural e natural, justificam a criação de novas redes de pesquisa. Em
Janeiro de 2013, o CEAUP organizou, no Porto, um primeiro Seminário sobre Arqueologia
de Angola (publicado na revista Africana Studia). Tendo este atingido os seus objetivos,
nomeadamente pela comparação de experiências, assuntos e metodologias, concluiu-se
haver necessidade de um estudo mais alargado e comparativo.
Entre os dias 3 e 5 de Junho de 2015, o Instituto Terra e Memória (ITM), o Centro de Estudos
Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) e a Direção Nacional dos Museus de Angola
(DINAM), com a UISPP e o Centro de Geociências da Universidade de Coimbra, organiza-
ram um Seminário Internacional de Arqueologia Africana Sub-Sahariana.
O encontro visou:
– divulgar os resultados de investigação arqueológica produzidos durante os últimos anos
no continente Africano;

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 5
Luiz Oosterbeek

– consolidar projetos de investigação estruturantes nos domínios de Arqueologia e do


Património;
– reforçar o intercâmbio entre equipas que trabalham em diferentes países africanos, em
estreita colaboração com centros de investigação internacionais.
Tendo como tema central “África: Arqueologia e paisagem”, o Seminário reuniu 35 comuni-
cações em torno de cinco secções: Problemáticas da Pré-história da Angola e da África Aus-
tral; Problemáticas da Pré-história da África Oriental; Problemáticas da arte rupestre; Pro-
blemáticas da Etnoarqueologia; O impacto das minas na paisagem africana; Problemáticas
arqueológicas da época moderna pré-colonial; Problemáticas da História da Arqueologia
e das Ciências Sociais em África; Problemáticas do património arqueológico. O presente
número da Africana Studia integra algumas das contribuições essencialmente centradas
na África Austral, bem como sobre a história da investigação arqueológica em África. Elas
reforçam a retoma deste campo de pesquisas e assinalam um percurso de aprofundamento
da colaboração dos centros de pesquisa no Porto e em Mação com a União Internacional
das Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas.
Julgámos igualmente importante divulgar as conclusões aprovadas no final do seminário,
que seguem transcritas na versão inglesa.

CONCLUSIONS OF THE INTERNATIONAL SEMINAR AFRICA: ARCHAEOLOGY AND


LANDSCAPE, MAÇÃO, PORTUGAL

• The International Seminar on African Archaeology, having gathered researchers from


Angola, Burkina Faso, Mozambique, Namibia, Senegal, Tanzania, Tchad, Portugal, Spain,
France, Hungary, Brazil, Ecuador and Japan, stress the importance of reinforcing transna-
tional research on major topics such as
– the earliest human occupations in the Atlantic façade of the continent
– the migrations associated to the spread of farming and metallurgy
– the role of African techniques and artifacts in the shaping of cultures in southern
America
- the contextualization of rock art clusters and the industrial archaeological heritage,
mainly from former African mining territories.

• The Seminar also expresses the need to undertake research in countries with less
archaeological awareness, such as Guinea-Bissau or Equatorial Guinea. To this aim, the
collaboration with the scientific commissions of the International Union of Prehistoric
and Protohistoric Sciences (UISPP) focused on the origins of humans and on sub-Saha-
ran archaeology should also aim to engage younger colleagues in international research
and advanced studies in quaternary and prehistoric themes.

• The participants have particularly addressed the opportunities and risks concerning
archaeological heritage within major development projects and public works. In this
sense, the Seminar appreciates that several African organizations have recognized the
interest of hosting either as collaborators or observers different archaeological networks,
as is the case of the Economic Community of West African States and its relation with
the Association Ouest-Africaine d’Archéologie. Indeed, the study, preservation and the
spread of knowledge related to archaeological remains is a relevant contributor towards
lasting cultural but also economic resilience. In this sense, the participants agreed on

6 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
EDITORIAL

the importance of the growing Southern knowledge and its growing contribution to the
field of archeology. The challenges of African societies when dealing with our common
archaeological inheritance have also to be understood as a means to understand that
humans in the past, as today, required a global understanding of the various needs, cons-
traints and interests in stake, at each moment. This is a primary need today, as stressed
by the project of the International Year of Global Understanding, an initiative of the
International Geographic Union endorsed by the Science Councils associated to Unesco:
the International Council of Philosophy and Human Sciences (CIPSH), the International
Social Sciences Council (ISSC) and the International Council of Sciences (ICSU).

• African archaeology, focusing dynamics in the cradle of humankind, in relation to tech-


nology, settlement patterns and other material remains of past adaptation, creativity
and imagination, also offers major contributions to the aims and scope of the World
Conference of the Humanities, organized by CIPSH, Unesco and Liège Together. The
participants stress the need that such conference, announced for Liège in August 2017,
be also prepared in Africa, through a regional conference. In this sense, the participants
urge African scholars, universities, international communities, governments, local
communities and the private sector, to take the opportunity of integrating the efforts of
UISPP, of other networks such as Kandandu (on environment and sustainability amidst
mining contexts), of the International Year of Global Understanding and of the World
Conference of the Humanities, to build a comprehensive approach to the issues listed
above.

Approved: 5th June, 2015


Luiz Oosterbeek*

* IPT, ITM, CGEO, UISPP

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 7
Arqueologia e paisagem

1
2
Pré-História, Etnoarqueologia e Património
3
Middle Pleistocene Lithic Industry
and Hominin Behavior at Laetoli
Audax ZP Mabulla*

p. 13-32

Introduction and objectives


This study defines the lithic industry and determines hominin technology, behaviours,
activities and cognition as reflected by the stone artifacts collected from the upper Ngaloba
Beds at Laetoli, northern Tanzania (Figure 001). The lithic assemblage was collected between
1998 and 2003 under the University of Dar es Salaam-Associated Colleges of Midwest
(UDSM-ACM) field projects. A large portion of the assemblage (87 %) was collected on the
surface but in geologic context of upper Ngaloba Beds at the southern end of Locality 2
(Figure 2). A few of them were found in situ and a large portion exhibit sediment matrix of
upper Ngaloba Beds. A small percentage (13 %) of the assemblage was excavated from three
units dug into the upper Ngaloba Beds at Locality 2 near the finding spot of Early Homo
sapiens (E Hs) cranium (LH18). The lithic assemblage is significant because it documents
a portion of the Middle Pleistocene lithic sequence that is poorly understood in Africa and
therefore, constitutes a useful addition of information to the African archaeological record
and knowledge. The sediments from which the lithic assemblage occurs are reliably dated
to 200 kya and have also yielded a cranium of EHs. Accordingly, the lithic assemblage has
potential to offer insights about hominin behaviours, activities and cognition during this
time span.
A cursory description by Harris and Harris (1981) suggested that the lithic assemblage from
the upper Ngaloba Beds is of Middle Stone Age (MSA) antiquity and affinity. Nonetheless,
there has been no formal analysis of the materials. Nothing is said about its technology,
typology, raw material utilizations, behaviours, activities and cognition of the tool makers
(Day et al., 1980; Harris and Harris, 1981; Magori and Day, 1983). Therefore, this study
analyzes and classifies the collected lithic assemblage and then compares it with other
eastern Africa lithic assemblages of same time period to determine its position within the
MSA continuum. The other goal is to interpret the types of hominin behaviours, activities
and cognition in accordance to the lithic assemblage and raw material utilizations and
thus, contribute to the current debate about hominin behaviours during this period. Sites
from this time period are rare, especially ones that have associated hominin species and
chronometrically well dated. This study shows that the lithic assemblage of upper Ngaloba
Beds is an Early Middle Stone Age (EMSA). This is an MSA lithic industry lying within
the Middle Pleistocene after ca. 300 kya and before ca. 130 kya (McBrearty and Tryon,
2005). The associated hominin remain is an Early Homo sapiens skull and the behaviours,
activities and cognition of tool makers reflect capacities for “modern” behaviours.

* National Museums of Tanzania.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 13
Audax ZP Mabulla

Background to study area


Laetoli is a Plio-Pleistocene site located about 36 km south of Olduvai Gorge in northern
Tanzania (Figure 001). The site covers an area about 100 km2 and may be viewed as
contiguous with Olduvai Side Gorge. Since 1930s, the site has been a focus of much
research on early hominin evolution and palaeoecology. More than 24 fossiliferous and
artifactual deposit exposures (known as Localities) of volcanic origin spanning from 4 mya
to 200 kya occur at the site (Hay, 1987; Drake and Curtis, 1987; Manega, 1993). Research
by M. D. Leakey and colleagues has produced over twenty isolated teeth and fragments of
cranial and post-cranial remains of fossil hominin including Australopithecus afarensis,
Paranthropus aethiopicus, possibly Homo erectus and Early Homo sapiens (EHs) or Homo
heidelbergensis
(Day et al., 1980; Harrison, 2011; Leakey, et. al., 1976; Leakey, 1987; Leakey and Hay, 1979;
Leakey and Harris, 1987; Magori and Day, 1983). Other significant discoveries at Laetoli
include trails of hominin footprints generally attributed to Australopithecus afarensis made
by three individuals, animal and avian tracks and rain-drop imprints dated to 3.66 mya,
well preserved in volcanic ash within the upper and lower Laetolil Beds (Leakey and Hay,
1979; Leakey and Harris, 1987; Manega, 1993; Deino, 2011).
Laetoli’s stratigraphic sequence, particularly the Olpiro Beds has yielded stone artifacts of
Oldowan affinity (Harris and Harris, 1981; Ndessokia, 1990). The uppermost stratigraphic
unit of Laetoli sequence is the Ngaloba Beds that on the basis of geologic composition is
divided into a lower and an upper unit. The lower unit largely consists of conglomerate,
sandstone, and claystone and is loosely dated to between 1.2 mya and 200 kya (Manega,
1993). It contains artifacts that have not yet been fully studied, but are considered to belong
to the Acheulian industry (Hay, 1987; Harris and Harris, 1981; Leakey, 1987). Acheulian
hand axes erode from this unit (personal observations). The upper unit is generally 2 to 3 m
thick, and is composed of gray to brownishgray clays and clay-tuffs, and 20 to 50 cm thick
very-coarse sandstone consisting of well-rounded pisolitic-looking clasts (Manega, 1993;
Hay, 1987). The upper unit is represented by numerous widely scattered erosional remnants
on the sides and in the bottoms of valleys. A distinctive brown to reddish-brown calcrete
underlies the upper unit and it is overlain by a 1-2 m thickness of black cotton soil (Hay,
1987; Manega, 1993).
The age of the upper Ngaloba Beds is estimated to about 120 ± 3.0 kya, based on stratigraphic
correlation with the lower unit of Ndutu Beds at Olduvai (Hay, 1987). A uranium-thorium
dating by J. L. Bischoff of a giraffe vertebrae from the LH 18 horizon yielded dates of 129 ±
4.0 kya and 108 ± 30 kya (Hay, 1987). Manega (1993) obtained eight samples of ostrich egg
shells from in situ in the coarse pisolithic sandstone, about 0.25 to 0.5 m above the LH 18
level. A calibrated amino acid age of >200 kya is obtained for LH 18 using 40Ar/39Ar and
AMS C-14 of the recovered five samples of the ostrich eggshells (Manega, 1993). Recent
dating by Deino (2011) supports the age of >200 kya for the upper Ngaloba Beds.

Research methods and field results


The upper Ngaloba unit contains lithic materials that are the subject of this study. The
398 stone artifacts analyzed in this study were collected from the southern end of Locality
2 where there are clear exposures of upper Ngaloba Beds (Figure 002, Plate 001). Here,
the upper unit is about 3 m thickness of claystone and sandstone and overlain by a 2 m
thickness of black cotton soil (Hay, 1987; Manega, 1993; personal observations; Figure 003).

14 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

This stratigraphic section is of particular interest because this is where E Hs (LH 18), stone
artifacts and animal fossils were recovered (Day et al., 1980, Figure 003).
Each year from 1998 to 2003 we undertook surface collections from an area of about 2,052
m² (Plate 001). The pedestal for the finding spot of LH 18 served as our surface collection
datum point. The position of each found and collected stone artifact was marked by a
Germin hand held GPS receiver and its distance measured from the LH 18 datum point (LH
18 DP). Therefore, about 87 % of the studied stone artifacts were collected in this way. The
majority of these were found in situ and few on the surface of a sandstone horizon near the
middle of upper Ngaloba Beds section. This sandstone horizon is also the source of EHs
(LH 18) skull, animal and reptilian fossils and the two pieces of ochre pigment we found
(Figure 003). Therefore, these lithic materials bear hominin behavioural integrity as they
were found in situ and some eroding within the upper Ngaloba Beds. The lower Ngaloba
unit is not exposed at this area (Hay, 1987) and the youngest deposit overlying the upper
Ngaloba Beds is the black cotton soil horizon and it contains neither artifacts nor fossils.
A small percentage (13 %) of the lithic assemblage was recovered from excavation. Three 4
m² excavation units were established in the upper Ngaloba unit where artifacts, hominin
and animal remains occur in situ or erode from. Since all the exposed deposits at this
area belong to upper Ngaloba Beds the excavations proceeded stratigraphically. All the
excavated soil was sieved through a 5 mm wire mesh and artifacts and fossil bones were
bagged separately. Excavation Unit 1 (EU1) was established about 15 meters southwest
of LH 18 (Plate 001). The unit was excavated to about 1.9 meters below unit datum point
(BUDP). Ten stone artifacts, 20 fossilized bone fragments and three tortoise carapacea
fragments were recovered from 0.4-0.55 m BUDP. Also recovered were seven ostrich egg
and 23 landsnail shell fragments. Excavation Unit 2 (EU2) was placed about 40 meters
southeast of LH 18 (Plate 001). This was excavated to 80 cm BUDP and no stone artifact was
recovered. However, the unit yielded about two animal bone fragments and one ostrich
eggshell fragment. Excavation Unit 3 (EU3) was established about 10 meters east of LH 18
and on a higher ground where Ngaloba Beds may not have been eroded away. This unit was
excavated to 2 m BUDP. About 43 stone artifacts, 12 animal fossil bone fragments, and two
ostrich eggshell fragments were recovered from about 1.5 m BUDP (Figure 004).
Artifacts were carefully cleaned using toothbrushes and water prior to the analysis. All
lithic data were analyzed using a step-by-step lithic analysis form designed by the author,
which scores specific attributes of the artifacts. In conjunction to this, artifacts were
classified according to Mehlman’s (1989) typology that categorizes each artifact based on
type and further separating them based on dimensions. Mehlman’s (1989) typology is used
because it is relatively comprehensive and extensively used in eastern Africa in general
and northern and central Tanzania in particular (Mabulla, 1996; Bushozi, 2003; Kessy,
2005; Dominguez-Rodrigo et. al., 2007; Diez-Martin et. al., 2009). Data were transcribed
onto Fortran coding forms and entered into a computer. Microsoft Excel was then used
to tabulate and compare the data, producing charts and descriptive statistics such as
frequencies, means, and standard deviations. Neither edge-wear analyses nor scraper angle
measurements were performed due to lack of proper instruments.

Lithic analysis results


The upper Ngaloba Beds lithic assemblage consists of 146 retouched pieces, 47 cores,
203 pieces of débitage and two (2) non-flaked stones. The two non-flaked stones are
hammerstones. Basic data are presented in Tables 001, 002, 003 and 004. Clearly, analysis
of the assemblage permits a general characterization of the stone industry.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 15
Audax ZP Mabulla

Retouched Pieces
There are 146 retouched pieces comprising 36.70 % of the lithic assemblage. These are
composed of scrapers, points, burins, becs, bifacially modified pieces, composite tools and
heavy-duty tools (Table 001).

Scrapers
Scrapers are defined as possessing one or more sides that have a unifacial retouch angle
between 35° and 90° (Mehlman 1989). This tool category comprises 102 pieces forming
70.00 % of retouched pieces and 25.63 % of total lithic assemblage. Scraper fragments are,
however, excluded from further analysis. The average dimensions of scrapers are presented
in Table 5. About 40 % of scrapers were made on very large blanks, 50.0-97.0 mm in length.
Such scrapers can also be considered to belong to the heavy-duty tool category (Mehlman
1989). About 57 % were made on blanks 26.0-49.00 mm. The remaining 3 % were made on
blanks less than 26.0 mm in length. Elliptic (40.25 %) forms were the most selected blanks
for making scrapers followed by irregular end struck (28.60 %). The majority of scraper`s
dorsal surfaces are flaked and no-cortical (85 %) indicating that blanks without cortex
were more selected for scraper manufacturing. The dorsal scraper patterns are variable
with one direction-convergent and one direction-irregular forming 21.0 % each. These are
followed by one direction-parallel (18.5 %), radial (15.0 %), multi-directional (7.4 %), and
two directions-opposed (2.5 %). The dorsal scar patterns of the remaining scrapers could
not be determined.
A wide variety of scraper types are present in the upper Ngaloba assemblage (Table 001,
Figures 005a and b). The dominant scraper type is the concave scraper. However, concavity,
sundry side, denticulate, and convex side scrapers are also well represented. Analysis of
scraper edge type indicates no preference for a particular edge type as both combination,
concave, convex and sundry (rectilinear or irregular) edges are well represented (Figure
006). Important attributes recorded for scrapers are the type, position, distribution,
morphology and extent (invasiveness) of retouches. The retouch was done utilizing
unifacial (87 %) and part-bifacial (13 %) techniques. About 77.14 % of the retouched edges
were continuous, covering the entire intended scraper edge while 22.86 % were continuous
but partially covering the intended scraper edge. The retouches were positioned on the
distal (30.00 %), mesial-distal (25.71 %), proximal (24.29 %) and mesial-proximal (20.00 %)
sections of scraper blanks. About 97.14 % of the retouch is scaled and 2.86 % is stepped.
The extent (invasiveness) of retouch was categorized based on measurements into marginal
(0-5 mm), semi-invasive (5-10mm), invasive (10-15mm), and covering (entire face). Of these,
semi-invasive makes up 46.43 %, marginal retouch 37.50 %, invasive 16.07 %, and covering
is absent from the assemblage.
Other important aspects of the scraper are the type and size of striking platforms and
blank terminations. Platform size was categorized based on measurements into broad
(>10mm breadth) and thin (<5mm thick), broad and thick (>5mm thick), restricted (<10mm
breadth) and thin, restricted and thick, and indeterminate. Analysis shows that 81 % of
scrapers were made on blanks with broad and thick striking platforms. There are no signs
of thinning either the bulbs or striking platforms, suggesting that scrapers were possibly
not intended for hafting. The majority of the scrapers have plain (52.00 %) and facetted
(40.51 %) striking platforms. Although blanks with feather terminations (80.00 %) were
mostly selected for making scrapers, hinge (7.8 %), step (7.8 %) and overshoot (6.4 %)
terminations are also represented.

16 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

Points
A total of 17 points are present in the assemblage forming 11.64 % of retouched pieces
and 4.27 % of total lithic assemblage (Table 001, Figure 007). Unifacial, alternate edge
and bifacial points are all present (Figure 008). Many of them were made from triangular
flakes, a few from Levallois flakes and one from side struck flake (side struck point, Figure
007). The average dimensions of points are presented in Table 005 indicating that they are
relatively small and thin. About 94 % of points’ dorsal surfaces are flaked and non-cortical
suggesting selection of blanks without cortex for making points. One-direction convergent
(47.00 %) and radial (27.00 %) dorsal scar patterns dominate the point assemblage
indicating preference of peripheral core reduction strategy for producing flake blanks for
points. Triangular (47.00 %) and elliptic (33.00 %) were the most selected blank forms for
making points. Facetted and plain platforms are equally represented (Figure 009). There
are no signs of standardization in points’ butt or base shape as straight (38.46 %), rounded
(30.77 %) and pointed (23.10 %) butts are well represented. About 35.30 % of points
have thinned butts/bases or bulbs. This was accomplished through either thinning the
point’s platiform thicknesses, narrowing the platform length or thinning the bulbs. Such
technological innovations suggest knowledge of hafting technology or behavior. Butts or
bulbs may have been thinned and/or narrowed to facilitate hafting of points into wooden
shafts. In terms of bit (tip or distal end) shapes, pointed bits/tips predominate, forming
70.60 % of all points (Figure 010). The point’s mean length and breadth are 39.75 and
28.45 respectively. The points mean length is 39.75 and is smaller than the mean length
of 46.2 for experimental throwing spear tips (Shea, 2006). The mean breath is 28.45 and
is significantly larger than the mean breath of 22.9 for experimental throwing spear tips
(Shea, 2006). The point’s sizes and the occurrences of points with pointed bits/ tips and
thinned and/or narrowed butts, indicate that points were produced to be used as inserts for
thrusting spears About 80.00 % of points have feather termination indicating controlled
force and knowledge for the production of points’ flake blanks. About 6.70 % of points have
overshoot termination and the rest could not be determined.

Heavy duty tools


Of the nine (9) heavy-duty tools found, six (6) are core/large scrapers, one (1) is a biface,
one (1) pick and one (1) is a core-axe (Table 001, Figure 011). Basically, core/large scrapers
are either chunks or large flakes (≥50 mm) with steep unifacial retouches (Mehlman,
1989). The core-axes are bifacially flaked to create one good chopping side and a rather
thick butt end. The retouches on these heavy-duty tools are continuous, covering the
entire intended edges. This suggests initial intensions on the toolmakers to produce such
tools. Overall, the tools in this category are heavy, but the core-axe is heavier, weighing
about a kilogram. Core-scrapers and core-axes are important to recognize because of their
common association with larger and older toolkits. Nonetheless, they are rare within the
analyzed lithic assemblage.

Other tools
Also present in the toolkit are 13 becs, two (2) burins, one (1) bifacially modified piece and
two (2) composite tools (Table 001, Figure 005a). Becs are robust points formed by steep
retouch and are common throughout the MSA. Unlike scrapers and points, the majority
of becs (92 %) were made from blanks with cortex dorsal surfaces suggesting that primary

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 17
Audax ZP Mabulla

and secondary blanks were selected for making becs. The average dimensions of becs
are presented in Table 005. Facetted (54 %) and plain (38 %) striking platforms are well
represented with the majority (92 %) being broad and thick platforms. There is no sign for
thinning of either platforms or bulbs to suggest hafting of becs.
The average dimensions of burins are presented in Table 005. Each of the burins has one
burin spall removed perpendicular to the ventral surfaces. The bifacially modified piece is
elliptic in form with bifacial retouches, lenticular in cross-section and lack cortex. The two
composite tools have average length of 42.10mm (std. 4.16), average breadth 31.0mm (std.
3.40) and average thickness of 14.0mm (st.d. 1.65). They exhibit no cortex.

Cores
Cores are the templates on which flakes and debitage are detached. Depending on the
nature of raw material, cores may reveal the lithic reduction strategies that were employed.
The analyzed lithic assemblage comprises of 47 cores forming 11.87 % of total assemblage
(Table 2). Core support is essentially a nodule, although one case is observed where the
support could have been a large flake. Core classification is carried out by the interaction of
four types of attributes: core shape, number of platforms, scar directionality or polarity and
faciality (Mehlman, 1989; Dominguez-Rodrigo, et. al., 2007). Through combination of these
criteria, three major core categories are observable: peripheral, platform, and amorphous.
The peripheral group consists of flakes removed on both faces from a well-defined peri-
phery or “equator” (Mehlman, 1989). This group is composed of radial, disc, Levallois and
part-peripheral core types forming 68.18 % of the core assemblage (Table 002, Figure 012).
Levallois and disc cores exhibit signs that define the production of predetermined flakes.
The platform group consists of chunky, sub-rectangular, sub-cuboid and tabular cores with
striking platform angles approaching 90° (Mehlman, 1989). This group comprises pyrami-
dal/prismatic single platform, divers single platform, opposed double platform, adjacent
double platform, multiple platform and platform/peripheral cores, forming 29.79 % of the
typed cores (Table 002, Figure 012). A core on flake forming 2.13% of the cores represents
the amorphous group.
The cores vary greatly in size and weight. The smallest core weighs 4.8 gm and the
heaviest weighs 746.75 gm. The average weight is 104.93 grams (std. 133.54); the high
standard deviation maybe due to the wide variance in the cores of this assemblage. The
average dimensions of cores are presented in Table 005. By examining core circumference
utilization, percentage of cortext present, number of core negative scars, and the degree of
core abandonment, one can estimate the intensity of lithic raw material utilization. About
52.3 % of cores show no signs of cortical areas on both surfaces while the remaining retains
small amounts of cortex. The majority of cores (80 %) display a high level of continuous
spalling around their circumferences. The level of core abandonment was classified into
three stages: stage I (cores minimally flaked), stage II (cores considerably flaked and
hominins could have chipped off a few more flakes) and stage III (cores could not be flaked
any further, Mabulla 1996). About 11 % of cores were abandoned in stage I (too early),
50 % were abandoned in stage II (prematurely), and 39 % were abandoned in stage III
(exhausted). Flake negative scars on cores (93.5 %) predominate over blade negative scars
(6.5 %). The average length of negative scars on cores is 35.70 mm (std. 12.56) and average
breadth is 23.52 (std. 7.30). These values are clearly lower than the mean measurements
observed in whole flakes, suggesting that the core sample retrieved represents later stages
of the reduction sequence.

18 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

Debitage
This category is composed of core fragments, angular fragments, flakes, blades (only one
blade) and other points forming 51.13 % of the lithic assemblage (Table 003; Figure 013).
Nonetheless, core fragments, angular fragments and flake fragments are excluded from
further analysis and discussion.
Whole flakes (n=98), trimmed/utilized flakes (n=52) and Levallois flakes (n=2) comprise
75.0 % of total debitage and 38.30 % of lithic assemblage. The average dimensions of flakes
are presented in Table 005. Sixty-two percent of flakes are considered small blanks (<50mm
long). About 75 % of whole flakes have dorsal surfaces that lack cortex, 24 % retain small
amounts while 1 % is totally covered by cortex. This indicates that the majority of initial
core reduction processes were taking place away from the site. The dorsal scar patterns
are variable with one direction-convergent (20.62 %), one direction-parallel (18.6 %),
one direction-irregular (16.5 %), multi-directional (16.5 %) and radial (8.2 %) patterns
forming the majority. This variability suggests that there is a lack of standardization in
the flake reduction strategy. The majority of flakes have plain (53.6 %) and facetted (34 %)
platforms. The occurrence of flakes with convergent and radial scar patterns and facetted
platforms suggest the use of core preparation techniques, including radial, disc and
Levallois technology. Broad and thick platforms dominate, forming 82.5 % of whole flakes.
The bulbs are well represented by normal (38.5 %), prominent (28.1 %), absent (16.7 %),
scarred (11.5 %) and crushed (4.2 %). These characteristics exhibit the use of hard-hammer
reduction techniques.
The average dimensions of trimmed/utilized flakes are presented in Table 005. About
75 % of utilized flakes are on small blanks (<50mm long). About 74 % have dorsal surfaces
that lack cortex and dorsal scar patterns are variable with one direction-irregular (26 %)
and multi-directional (18 %) scars forming the majority. Plain (55 %) and facetted (35 %)
platforms dominate as well as large and thick platform (82 %) size. Feather termination
(82 %) dominates although hinge (6 %), step (4 %) and overshoot (8 %) terminations are
also present. This shows that upper Ngaloba hominins had excellent manipulation skills;
they knew the exact amount of force needed to chip off a flake from a core and did not
make mistakes very often (Andrefsky, 2005; Odell, 2003).
Table 005 presents the average dimensions of Levallois flakes and utilized Levallois points.
The majority (82 %) lack cortex and have convergent dorsal scar patterns (82 %). Facetted
(68 %) and plain (32 %) platforms are the only represented striking platforms most of
which are broad and thick (89 %). Prominent (50 %) and scarred (21 %) bulbs form the
majority suggesting hard hammer percussion. About 75 % exhibit a feather termination
suggesting good skills and control of lithic reduction techniques by prehistoric knappers.

Lithic raw materials


The raw materials selected by hominins for use can yield behavioral and cognitive
information regarding hominin’s choices, transport and ranging patterns as well as
technological and typological aspects (Blumenberg, 1983; Kuhn, 1995). The hominins of
upper Ngaloba Beds utilized a wide range of lithic raw materials. These were grouped
into: non-vesicular basalt, vesicular basalt, quartz, quartzite, chert, phonolite, calcrete and
silicified mudstone lithic raw materials. As shown in Figure 014, vesicular basalt predominate
(33.00 %) followed by non-vesicular basalt (28.00 %), quartzite (17.00 %), quartz (14.00 %),
chert (4.00 %), phonolite (2.00 %), calcrete (1.00 %) and silicified mudstone (1.00 %).
Vesicular basalt is a dense and hard coarse-grained material characterized by olivine and

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 19
Audax ZP Mabulla

pyroxene rich red to black lavas and is less optimal for tool production compared to other
materials used (Adelsberger et. al., 2011). The source for this lithic raw material is the Ogol
lavas that outcrop within the Laetoli site. Non-vesicular basalt is a coarse to fine grained
material characterized by large, platy crystals of plagioclase feldspar with rare to absent
pyroxene (Adelsberger et. al., 2011). The source for this lithic raw material is Mt. Makarut
about 20 km east of Laetoli. Nonetheless, non-vesicular basalt cobbles may have been
washed downstream to Laetoli during the upper Ngaloba Beds and therefore, may have
been obtained locally (Adelsberger et. al., 2011). Also locally available is calcrete that occur
as nodules in the upper Laetolil Beds. Not locally available are quartz, quartzite, chert and
phonolite lithic raw materials. The upper Ngaloba quartzes are white and massive similar
to those found in the Eyasi Basin about 20 km southeast. In the Eyasi Basin, quartz exists
as veins throughout the Precambrian gneiss (Mabulla, 1996). Quartzite is characterized by
coarse to fine-grained texture and breaks more smoothly. Coarse-grained quartzite may
have been obtained from metamorphic hills around the Olduvai Gorge basin and about
35 km north of Laetoli. The fine-grained quartzites are dark red in color (jasper) similar
to those recovered from the Loiyangalani River Late Middle Stone Age (LMSA) site in
the Moru Kopjes area, Serengeti National Park (personal observations). This is about 120
km northwest of Laetoli. Phonolites are typically dark green in color and fine-grained in
texture. These may have been obtained from Mt. Engelosin located about 48 km north of
Laetoli area (Hay, 1976).
Analysis of lithic raw materials vs. artifact types shows interesting patterns about raw
material choices and utilization. About 41 % of scrapers were made from non-vesicular
basalt, 29 % from quartzite, 16 % from vesicular basalt, 6.25 % from quartz and chert
respectively and 1.25 % from phonolite. The preferred raw materials for making points were
quartzite (47 %) followed by quartz and non-vesicular basalt (20 % each) and vesicular
basalt (13 %). The two burins were respectively made from quartz and quartzite raw
materials while becs were made from non-vesicular basalt (92 %) and vesicular basalt (8 %).
The heavy-duty tools are almost equally made from quartz (33.33 %), non-vesicular basalt
(22.22 %), vesicular basalt (22.22 %), and quartzite (22.22 %). The cores are on non-vesicular
basalt (28.3 %), vesicular basalt (30.4 %), quartz (19.6 %), quartzite (15.2 %), chert (4.3 %)
and phonolite (2.2 %). The two hammerstones are on quartz and quartzite respectively.
Lithic raw material analysis shows that lithic qualities and durability may have played
important roles in selecting a particular material for making a particular tool. This is
especially supported by the analysis of scraper’s lithic raw materials. Also, analysis shows
that the intended functions of the tool may have played an important role in selecting a
particular raw material for making a particular tool. This observation is supported by the
analysis of points whereby hard quartz and quartzite raw materials were more selected for
making points.

Lithic assemblage assessment and classification


Classification and interpretation of this lithic assemblage is based on tool types, lithic
production techniques, and lithic raw material utilization and procurement strategies.
The analyzed upper Ngaloba artifact assemblage consists predominantly of stone artifacts,
most of which the edges are basically unabraded or sharp (62 %), but some have moderate
(36 %) to heavily abraded/rolled (2 %) edges and surfaces. All classes of lithic artifacts are
represented – shaped tools, cores, non-flaked stones, and débitage that range from large
flakes and angular fragments to Levallois points and flakes. Among the shaped tools,
scrapers dominate and are represented by various types. Also present are points, burins,

20 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

and becs. Composite tools, heavy-duty tools and bifacially modified pieces are also present
but rare. Various core types are represented including both peripherally and platform
struck cores. Some of the shaped tools, cores and débitage exhibit clear evidence of
prepared core technology (radial, Levallois, etc.). There is an overall lack of standardization
within the various tool types, seen by wide size distribution and various flaking patterns
(dorsal scars). Tools were predominantly created on non-cortical end-struck blanks and
retouched mainly utilizing unifacial techniques. However, bifacial retouch is present in
some of the points and heavier tool types. The extent (invasiveness) of retouch is limited
suggesting that hominins minimally reworked their tools.
Since some lithic raw materials are locally available and others within short distances,
minimal reworking of tools suggests that hominins would rather create a new tool than
continue manipulating a pre-existing one. This indicates an efficient strategy of lithic raw
material economies, suggesting cognitive competence as a possible reason for the observed
results. Fresh tools are more desirable or useful than extensively utilized tools that may
present some functional disadvantages (Kuhn, 1995). Broad and thick plain, and facetted
platforms with normal and prominent bulbs dominate, indicating the use of hard hammer.
Intense utilization of cores suggests that hominins learned how to manipulate cores to
their fullest potential and exhaustively use them. These results suggest that hominins
continued to manipulate a pre-existing core, rather than creating a new one, representing
a curative tool making technology.
Typologically, the lithic assemblage contains a mix of both light and heavy-duty toolkits.
The light-duty tools predominate and include scrapers, points, becs, and burins. These
implements are common in Late MSA (LMSA, ca. 130 kya, see Mabulla, 1996; Mehlman,
1989; McBreaty and Tryon, 2005; Tryon and McBreaty, 2002) tool assemblages. The
heavy-duty tools include core/large scrapers, bifaces and core-axes. These implements
are characteristic of late Acheulian/MSA transitional industries that in eastern Africa are
variously known as the “Sangoan” or “Njarasan” industries (Mehlman, 1989; Foley and
Lahr, 1997; Klein, 1999; McBrearty and Brooks, 2000). Nonetheless, these heavy-duty tools
are rare within the upper Ngaloba lithic assemblage and toolkit.
Both peripheral and platform core reduction techniques using hard hammers were
employed to produce both small (≤50mm long; 62 %) and large flake blanks (≥50mm long;
38 %). Peripheral core reduction technique dominates, forming 63.8 %. Cores resulting from
this reduction technique include radial (44.68 %), Levallois (44.26 %) and disc (14.90 %)
cores. Such cores are considered as byproducts of core preparation reduction technique
(Andrefsky, 2005; Kuhn, 1995; Odell, 2003). Also, the occurrence of Levallois flakes and
points and blanks with radial and convergent dorsal scar patterns and facetted platforms
indicate knowledge of core preparation technique.
Therefore, technological, typological and metrical analysis and observations indicate
that the upper Ngaloba Beds lithic assemblage is neither “typical” MSA nor Acheulian
assemblage . Overall, it is a light-duty toolkit (93.84 %) mixed with a very small percentage
of heavy-duty tools (6.16 %). The light-duty tools include scrapers, points, becs and burins.
Scrapers dominate forming about 70.82 % of the retouched pieces. These include circular,
combination, concave, convergent, convex, denticulate, nosed and sundry scrapers (Figure
006). Points, which are the hallmark of African LMSA assemblages (McBrearty, 2007)
are well represented forming 11.04 % of retouched pieces (Table 001; Figures 007). These
points are unifacially, bifacially and alternate edge retouched (Figure 008). Also present
are Levallois and trimmed/utilized Levallois points, forming 13.30 % of débitage. Becs form
8.97 % of retouched pieces. Though present, burins are rare. The heavy-duty tools include
core/large scrapers, biface/picks and core-axes. These are rare, forming only 6.16 % of

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 21
Audax ZP Mabulla

retouched pieces. Cores resulting from peripheral or core preparation technique dominates.
In terms of flake blank size, the assemblage is dominated by small blanks (62 %) mixed
with large flake blanks (38 %). Most of them are end-struck blanks.
Chronologically, (about 200 kya), the upper Ngaloba Beds lithic assemblage is situated
between the end of late Acheulian (ca. 400 kya) and the beginning of “typical” or Late MSA
(LMSA, ca. 130 kya). In eastern Africa, the lithic assemblages belonging to this time period
are variously classified as the “Sangoan” or “Njarasan” industry (Cole, 1967; Clark, 2001;
Mehlman, 1989; McBrearty, 1988, 1991). Such industries are considered to be “intermediate”
or “transitional” between the Acheulian and LMSA. These industries are loosely defined to
encompass lithic assemblages that combine heavy-duty and light-duty implements dated
between 400 and 150 kya (Clark, 1988). The main threads that hold this loosely defined
industry together are the higher proportions of heavy-duty tools (e.g., core-axes, core/
large scrapers, picks, and bifaces) to light-duty tools (Cole, 1967; Clark, 2001; McBrearty,
1988, 1991; Mehlman, 1989). Contrary, the upper Ngaloba Beds lithic assemblage has higher
representation of light-duty tools and a very low representation of heavy-duty tools.
In consideration of all data and interpretations of tool assemblages spanning the late
Acheulian to LMSA, I place the upper Ngaloba Beds lithic assemblage to an Early Middle
Stone Age (EMSA) Ngaloban industry. This EMSA Ngaloban industry contains few heavy-
-duty tools (6.16 %) such as core/large scrapers, biface/picks and core-axes but largely is
dominated by light-duty tools (93.84 %) such as different types of scrapers, retouched and
Levallois points, becs, and burins. Also the EMSA Ngaloban industry is dominated by small
flake blanks and only one blade was observed. The closest approximation to the EMSA
Ngaloban industry is the EMSA Kapthurin Formation industry, Kenya, dated to about 285
kya (Deino and McBrearty, 2002; McBrearty and Tryon, 2005).

Hominin Behavioural Implications


Fauna remains that reveal evidence for subsistence and predation behaviours were not
analyzed due to their fragmentary nature. Two pieces of red ochre covered by matrix
of upper Ngaloba deposits were recovered from the surface, but in situ and in direct
association with EMSA Ngaloban artifacts (Figure 015). Ochre does not occur naturally
in the Laetoli area. The closest ochre source that is exploited by Maasai is the Ndorosi
quarry site in Makhoromba area near Mt. Oldean (Saimon Kateyo, Godfrey Ole Moita and
Magreth Kaisoi, pers. comm., July 2012). This modern quarry site is located about 60 km
east of Laetoli. Another source ochre that was exploited by the Maasai while leaving in the
now Serengeti National Park is in the Moru Kopjes area, about 120 km (Pers. Observations,
2010). Although the ochre pieces lack any evidence of hominin utilization or modification,
their presence indicates that they were transported to the Laetoli area during the upper
Ngaloba Beds. Clearly, this suggests use of red pigments by E Hs during EMSA Ngaloban
industry and therefore, evidence for symbolic behaviour. Such ochre pigments have also
been found within the EMSA Kapthurin Formation industry predating 285 kya (Deino and
McBrearty, 2002; McBrearty and Brooks, 2000; McBrearty and Tryon, 2005) and at Twin
River, Zambia (Barham, 1998).
The makers of EMSA Ngaloban industry utilized a range of lithic raw materials, including
vesicular basalt (34 %), non-vesicular basalt (28 %), quartzite (17.5 %), quartz (14 %), chert
(3.5 %), phonolite (1.8 %), calcrete (1.8 %) and gneiss (0.3 %). Vesicular basalt and calcrete
are locally available within the Laetoli area, forming a total of 35.8 % of utilized lithic raw
material types. Non-vesicular basalt, quartzite, quartz, green phonolite, chert and gneiss
are non-local and form 64.2 % of the assemblage. These materials occur about 20 to 120 km

22 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

away from Laetoli area indicating that hominins had ranging patterns of up to about 120
km (eg; the dark red fine-grained quartzite or jasper from Moru Kopjes, Serengeti), though
most of the time may have stayed within a 20-60 km radius and had a thorough cognition
of their landscape and its resources including lithic raw materials (see also McBrearty and
Brooks, 2000).
The choice for lithic raw material size, shape and quality reflect the intelligence of the maker
because it influences the final product, that is, the specific tool type (Blumenberg, 1983).
Therefore, the makers of EMSA Ngaloba industry had high cognitive abilities as indicated
by the use of high quality lithic materials such as non-vesicular basalt, quartzite, chert
and green phonolite that form about 51 % of the assemblage. Moreover, hominin cognitive
abilities and skills are indicated by the preferences of particular lithic raw materials for
manufacturing particular tools as discussed earlier.
Quartz’s crystalline structure contains internal fractures making it more faulty and difficult
material to work with. Therefore, its occurrences within EMSA Ngaloban industry suggest
hominin skills to manipulate such a hard material that is also largely characterized by
internal flaws. When combined together, quartz and quartzite form 31.5 % of the utilized
lithic raw materials. The use of these materials by EMSA Ngaloban hominins highlights
a trend towards an almost exclusive use of such materials during LMSA as evidenced at
the nearby site of Mumba rock shelter in the Eyasi Basin (LMSA “Sanzako” and “Kisele”
industries, see Mehlman, 1989).
The occurrences of retouched and Levallois points suggests that hafting technology was
already in place at Laetoli during EMSA Ngaloban industry, about 200 kya. Some of the
points’ butts were deliberately thinned, signalling the presence of complex projectile
weaponry system during EMSA (Brooks et al., 2005). Therefore, the EMSA Ngaloban
industry indicates that its makers were behaviourally “modern”. The only hominin remains
within the upper Ngaloba Beds is an adult cranium of E Hs (LH 18). This was found in
direct association with stone artifacts and fossilized animal bones (Day et al., 1980). The
artifacts presented in this study were collected from the same locality and stratigraphic
horizon with the E Hs (LH 18) cranium.

Conclusion
Middle Pleistocene hominin technology, behaviours, activities and cognition are poorly
understood in Africa because sites from this time period are rare, especially ones that
have associated artifacts and hominin species and chronometrically well dated. This study
presents the lithic assemblage from middle Pleistocene upper Ngaloba Beds at Laetoli,
northern Tanzania. The upper Ngaloba Beds, dated to about 200 kya have also yielded
a cranium of E Hs (LH18), in direct association with stone artifacts. The study reveals
that the stone artifacts of the upper Ngaloba Beds represent a predominantly light-duty
toolkit (93.84 %, scrapers, becs, burins and points) mixed with a lower percentage (6.16 %)
of heavy-duty toolkit (core/large scrapers and core axes). This combination of light-duty
and heavy-duty toolkits is best described as Early Middle Stone Age (EMSA) Ngaloban
industry. The associated hominin behaviours, activities and cognition reflect that E Hs
at Laetoli had “modern” behaviours including range expansion, use of pigments, efficient
strategy of lithic raw material economies and knowledge of projectile weaponry system and
hafting technology.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 23
Audax ZP Mabulla

Acknowledgements
I would like to express my sincere gratitudes to a number of people, without whom this
study could not have been produced. Particular mention should be made to ACM directors
Russell Tuttle, Jon Wagner, Karl Wirth, Robin and John Greenler and Sue Swanson. Also,
am thankful to ACM students who worked on this project, including Katherine Adelsberg,
Katty Jucket, Jeff Stivers, Mathew Biwer and D. C. Bowman.
I am most thankful to Felix Ndunguru, Said Kilindo, Simon Kateyo, Dr. Charles Saanane
and Prof. Charles Musiba for their contribution in the field and to Dr. Emmanuel Kessy for
his useful comments on the text. However, any errors that may remain, are my own.

Bibliographic references
Adelsberger, K. A., K. R. Wirth, A. Z. P. Mabulla, and D. C. Bowman (2011), Geochemical and
mineralogic characterization of Middle Stone Age tools of Laetoli, Tanzania, and comparisons
with possible source materials. In Harrison T. (ed.) Paleontology and Geology of Laetoli,
Tanzania: Human Evolution in Context. Volume 1: Geology, Geochronology, Paleoecology and
Paleoenvironment. Springer, The Netherlands, pp. 143-165.
Andrefsky, W. Jr. (2005), Lithics: Macroscopic Approaches to Analysis. Cambridge University Press,
Cambridge.
Barham, L. S. (1998), Possible Early Pigment Use in South-central Africa. Current Anthropology 39,
pp. 703-710.
Blumenberg, B. (1983), The Evolution of the Advanced Hominid Brain. Current Anthropology, 24 (5):
589-623.
Brooks, A. S., J. E. Yellen, L. Nevell and G. Hartman (2005), Projectile technologies of the African
MSA: implications for modern human origins. In Hovers, E. and S. Kuhn (eds.) Transitions before
the Transition: Evolution and Stability in the Middle Paleolithic and Middle Stone Age. New York
(NY): Springer, pp. 257–77.
Bushozi, P. G. M. (2003), Middle Stone Age occurrences and Hominid behavioural patterns in West Lake
Natron Region, Northern Tanzania. MA Thesis, University of Dar es Salaam.
Clarka, J. D. (1988), The Middle Stone Age of East Africa and the Beginning of Regional Identity.
Journal of World Prehistory, 2 (3): 235-305.
Clark, J. D. (2001), Kalambo Falls prehistoric site III. The earlier cultures: Middle and Earlier Stone Age.
Cambridge: Cambridge University Press.
Cole, S. (1967), The Later Acheulian and Sangoan of Southern Uganda. In Bishop, W. and J. D. Clark,
(eds.), Background to Evolution in Africa. Chicago University of Chicago Press, pp. 481-529.
Day, M. H., M. D. Leakey, and C. Magori (1980), A new hominid fossil skull (LH 18) from the Ngaloba
Beds, Laetoli, northern Tanzania. Nature 284: 55-56.
Deino, A. L. (2011), 40Ar/39 Ar Dating of Laetoli, Tanzania. In Harrison T. (ed.) Paleontology and
Geology of Laetoli, Tanzania: Human Evolution in Context. Volume 1: Geology, Geochronology,
Paleoecology and Paleoenvironment. Springer, The Netherlands, pp. 77-97.
Deino A. and S. McBrearty (2002), 40Ar/39Ar chronology for the Kapthurin Formation, Baringo,
Kenya. Journal of Human Evolution 42: 185–210.
Diez-Martín F., M. Domínguez-Rodrigo, P. Sánchez, A. Z. P. Mabulla, A. Tarrino, R. Barba, M. E.
Prendegast and L. de Luque (2009), The Middle to Later Stone Age technological transition in
East Africa: New data from Mumba Rockshelter Bed V (Tanzania) and their implications for the
origin of modern human behavior. Journal of African Archaeology, 7 (2): 147-173.
Dominguez-Rodrigo M., Diez-Martin F., Mabulla A., Luque L., Alcala L., Tarrino A., Antonio Lopez-
Saez J., Barba R. and Bushozi P. (2007), The Archaeology of the Middle Pleistocene Deposits of
Lake Eyasi, Tanzania. Journal of African Archaeology, 5(1): 47-78.

24 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

Drake, R., and Curtis, G. H. (1987), K-Ar Geochronology of the Laetoli fossil localities. In M. D. Leakey
and J. M. Harris (eds.), Laetoli: A Pliocene Site in Northern Tanzania. Oxford: Clarendon Press, pp.
48-52.
Foley, R. A. and Lahr, M. M. (1997), Mode 3 technologies and the evolution of modern humans.
Cambridge Archaeological Journal 7: 3-36.
Harris, J. W. K., and Harris, G. H. (1981), A Note on the Archaeology of Laetoli. Nyame Akuma, 18:
18-21. Harrison, T. (2011), Hominins from the Upper Laetolil and Upper Ndolanya Beds, Laetoli.
In T. Harrison (ed.), Paleontology and geology of Laetoli: Human Evolution in Context, Vol. 2, Fossil
Hominins and the Associated Fauna. Dordrecht: Springer, pp. 141–188.
Hay, R. L. (1976), Geology of the Olduvai Gorge: A Study of Sedimentation in a Semiarid Basin.
Berkeley: University of California Press.
______ (1987), Geology of the Laetoli area. In Leakey, M. D., and Harris, J. M. (eds.), Laetoli: A Pliocene
Site in Northern Tanzania. Oxford: Clarendon Press, pp. 23-47.
Kessy, E. T. (2005), The Relationship between LSA and Iron Age cultures of central Tanzania.
Unpublished Ph.D. dissertation, Simon Frasier University, Vancouver. Klein, R. G. (1999), The Human
Carrier. Chicago: University of Chicago Press.
Kuhn, S. L. (1995), Mousterian Lithic Technology: An Ecological Perspective. New Jersey: Princeton.
Leakey, M. D., Hay, R. L., Curtis, G. H., Drake, R. E., Jackes, M. K., and White, T. D. (1976), Fossil
hominids from the Laetolil Beds. Nature, 262 (5568): 460-466.
Leakey, M. D. (1987), Introduction. In M. D. Leakey and J. M. Harris (eds.), Laetoli: A Pliocene site in
northern Tanzania. Oxford: Clarendon, pp. 1–22.
Leakey, M. D. and Hay, R. L. (1979), Pliocene footprints in the Laetolil Beds at Laetoli, northern
Tanzania. Nature, 278 (5702): 317-323.
Leakey, M. D. and Harris, J.M. (1987), Laetoli: A Pliocene Site in Northern Tanzania. Oxford: Clarendon
Press.
Mabulla, A. Z. P. (1996), Middle and Later Stone Land-use and Lithic Technology in the Eyasi Basin,
Tanzania. Unpublished Ph.D. dissertation, University of Florida, Gainesville.
Magori, C., and M. H. Day (1983), Laaetoli Hominid 18: An Early Homo sapiens Skull. Journal of Human
Evolution, 12: 747-753.
Manega, P. C. (1993), Geochronology, geochemistry and isotopic study of the Plio-Pleistocene hominid
sites and the Ngorongoro Volcanic Highland in northern Tanzania. Unpublished Ph.D. dissertation,
University of Colorado, Boulder.
Musiba, C. M., A. Z. P. Mabulla, M. Selvaggio, and C. C. Magori (2008), Pliocene Animal Trackways
at Laetoli: Research and Conservation Potential. Ichnos: An International Journal for Plant and
Animal Traces, vol 15 (3): 166-178.
McBreaty, S. (1988), The Sangoan-Lupemban and Middle Stone Age sequence at the Muguruki site,
western Kenya. World Archaeology, 19: 388-420.
______ (1991), Recent research in western Kenya and its implications for the status of the Sangoan
industry. In Clark, J. D. (ed.) Cultural Beginnings: Approaches to Understanding Early Hominid
Lifeways in the African Savanna, pp. 159–176. Bonn: Römisch-Germanisches Zentralmuseum,
Forschunginstitut für Vor- und Frühgeschichte, Monographien 19.
McBrearty, S., and A. S. Brooks (2000), The revolution that wasn’t: a new interpretation of the origin
of modern human behaviour. Journal of Human Evolution 39 (5): 453-568.
McBrearty, S. and C. Tryon (2005), From Acheulian to Middle Stone Age in the Kapthurin Formation,
Kenya. In Hovers, E. and S. Kuhn (eds.) Transitions before the Transition: Evolution and Stability in
the Middle Paleolithic and Middle Stone Age. New York (NY): Springer, pp. 257–77.
McBrearty, S. (2007), Down With the Revolution. In Mellars, P., Boyle, K., Bar-Yosef, O. and C. Stringer
(eds.) Rethinking the Human Revolution. Cambridge: McDonald Institute for Archaeological
Research, pp. 133-151.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 25
Audax ZP Mabulla

Mehlman, J. M. (1987), Later Quarternary Archaeology Sequences in northern Tanzania. Unpublished


Ph.D. dissertation, University of Illinois, Urbana-Champaign.
Ndessokia, P. N. S. (1990), The Mammalian Fauna and Archaeology of the Ndolanya and Olpiro Beds,
Laetli, Tanzania. Unpublished Ph.D. dissertation, University of California, Berkeley.
Odell, G. H. (2003), Lithic Analysis. Springer, USA.
Tryon, C. and S. MacBreaty (2002), Tephrostratigraphy and the Acheulian to Middle Stone Age
transition in the Kapthurin Formation, Kenya. Journal of Human Evolution, 42, pp. 211–235.

LIST OF TABLES
Table 001 – Upper Ngaloba Typed Retouched Pieces

Artefact Type % Retou- % Total


Type # fx
SCRAPERS -ched Pieces assemblage
2 scraper, convex end 6 4.11
4 scraper, convex end and side 2 1.37
5 scraper, circular 2 1.37
6 scraper, nosed end 4 2.74
7 scraper, convex side 7 4.80
8 scraper, convex double side 3 2.05
9 scraper, nosed side 1 0.68
10 scraper, sundry end 5 3.42
12 scraper, sundry end and side 2 1.37
13 scraper, sundry side 8 5.48
14 scraper, sundry double side 1 0.68
15 scraper, concave 11 7.53
16 scraper, concavity 8 5.48
18 scraper, sundry combination 2 1.37
19 scraper, convex end + concave combination 1 0.68
20 scraper, convex side + concave combination 2 1.37
22 scraper, convergent 1 0.68
23 scraper, fragment 17 11.64
106 scraper, denticulate 7 4.80
108 scraper, concave side and sundry end 2 1.37
110 scraper, concave side and sundry side 5 3.42
111 scraper, nosed end + bec 2 1.37
112 Scraper, convex end + sundry side + 2 1.37
concavity
113 Scraper, concave double side and sundry end 1 0.68
Total scrapers 102 70.00 25.63
POINTS
35 Point, unifacial 13 8.90
36 Point, alternate edge 2 1.37
37 Point, bifacial 2 1.37

26 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

Total points 17 11.64 4.27


BURINS
39 Burin, angle 2 1.37
Total burins 2 1.37 0.50
BIFACIALLY MODIFIED PIECES
43 Bifacially modified piece 1 0.68
Total bifacially modified pieces 1 0.68 0.25
BECS
44 Bec 13 8.90
Total becs 13 8.90 3.27
COMPOSITE TOOLS
48 Scraper + other composite tool 2 1.37
Total composite tools 2 1.37 0.50
HEAVY-DUTY TOOLS
50 Core/large scraper 6 4.12
51 Biface/pick 2 1.37
116 Core-axe 1 0.68
Total heavy-duty tools 9 6.16 2.26
Total retouched pieces 146 100.00 36.68

Table 002 – Upper Ngaloba Typed Cores

Artefact Type % Total


Type # fx % Cores
CORES assemblage
57 core, part-peripheral 2 4.26
58 core, radial/biconic 21 44.68
59 core, disc 7 14.90
60 core, levallois 2 4.26
61 core, pyramidal/prismatic single platform 1 2.13
62 core, divers single platform 3 6.38
64 core, opposed double platform 3 6.38
66 core, adjacent double platform 2 4.26
68 core, multiple platform 2 4.26
69 core, platform/peripheral 3 6.38
114 core, on flake 1 2.13
Total Cores 47 100.00 11.81

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 27
Audax ZP Mabulla

Table 003 – Upper Ngaloba Typed débitage

Artefact Type % Total


Type # fx % Débitage
CORE FRAGMENTS assemblage
77 core, fragment 2 0.99
Total core fragments 2 0.99 0.50
ANGULAR FRAGMENTS
78 angular fragment 10 4.93
79 angular fragment, trimmed/utilized 1 0.49
Total angular fragments 11 5.42 2.76
FLAKES
84 flake, whole 98 48.30
85 flake, trimmed/utilized 52 25.62
86 flake, talon fragment 9 4.43
92 flake, levallois 2 0.99
115 flake, longitudinally split 1 0.49
Total flakes 162 79.80 40.70
BLADES
88 Blade, whole 1 0.49
Total blades 1 0.49 0.25
OTHER POINTS
107 point, levallois 24 11.82
109 point, trimmed/utilized levallois 3 1.48
Total other points 27 13.30 6.80
Total débitage 203 100.00 51.00

Table 004 – Upper Ngaloba Typed Non-flaked Stones

Artefact Type % Total


Type # fx %
NON-FLAKED STONE assemblage
94 hammerstone 2 100.00
Total non-flaked stone 2 100.00 0.50
Total lithic assemblage 398 100.00 100.00

Table 005 – Average dimensions of retouched pieces, cores and debitage

Length Breadth Thickness


Artifact Type Std. Std. Std.
(mm) (mm) (mm)
Scrapers 48.00 15.00 42.00 14.00 14.00 7.00
Points 39.75 15.45 28.45 8.21 13.40 3.70
Becs 42.56 12.30 35.00 14.00 12.50 3.00
Burins 35.50 3.50 23.70 8.00 9.20 0.30
Cores 50.57 14.66 43.33 14.64 25.74 11.49
Flakes 47.00 11.45 39.34 12.68 13.03 4.1
Trimmed/utilized flakes 42.50 11.00 38.2 10.00 14.7 10.65
Levallois and utilized levallois points 57.50 9.80 44.17 8.33 14.12 2.10

28 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

LIST OF FIGURES

Figure 004 – Excavation Unit 3 northern wall


profile.
Figure oo1 – Regional map showing study area of
Laetoli (Adopted from Adelsberger et al., 2011).

Figure 002 – Map of Laetoli’s sediment exposures


or localities showing study site at LH 18, southern
end of Locality 2
(Adapted from Musiba et al., 2008).

Figure 005a – Shaped tools: a, j=convex side


+concave combination scrapers; b, c, d, g, p=becs;
Figure 003 – A generalized stratigraphic section e=sundry end +side scraper; f, k, s=convex end
of upper Ngaloba Beds at LH18, southern end of +side scrapers; h, r=angle burins; i=denticulate
Locality 2. scraper; l=convex side and sundry scraper; m,
n=convex side scrapers; p=dihedral burin. Raw
materials: a, f=quartz; b, c, d, i, k, m, p, r=quartzite;
e, h, j, s=chert; g, l, n, q=non-vesicular basalt.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 29
Audax ZP Mabulla

Plate 001
Upper Ngaloba
sediments at
southern end
of Locality 2
showing LH18
pedestal (man
standing on it)
and Excavation
Units 1 to 3
(EU1-EU3).

a b d
c e

g
f h i

k l m
j

Figure 005b – Shaped tools: a=concave double side


scraper + bec; b=nosed end scraper; c=convex side
+ concave side scraper. Raw Material: a=quartzite,
b=non-vesicular basalt; c=chert.

n
o
p
q

Figure 007 – Points: a-k= unifacial; l, n, o=bifacial;


m= side struck; p-q=alternate edge. Raw Material:
a-g =quartz; h-l=quartzite; m-o= chert; p=silicified
mudstone; q=non-vesicular basalt.

30 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIDDLE PLEISTOCENE LITHIC INDUSTRY AND HOMININ BEHAVIOR AT LAETOLI

Circular
3%
Sundry
Combina/on
19%
Nosed 20%
6%

Concave
22%
Convex
21%

Den/culate
8% Convergent
1%
Figure 006
Frequency of scraper edge type.
Figure 6: Frequency of scraper edge type

6% 6%

23% Pointed
Rounded
65%
Broken
Oblique

Figure 010
Point bit shapes.

12%
Figure 10: Point bit shapes
23%
Unifacial
12%
65% Bifacial
23% Alternate Edge
Unifacial
65% Bifacial
Alternate Edge

Figure 8: Point retouch types


Figure 008
Point retouch types.

Figure 8: Point retouch types

18%
41%

Plain
18%
41% Face;ed
41%
Crushed
Plain
Face;ed
41%
Crushed Figure 009
Point platform types.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 31
Figure 9: Point platform types
Audax ZP Mabulla

d
b c
a

e f g h

l
j k

e i
d
Figure 13: Debitage: a=blade; b-h= Levallois flakes; i-l= Levallois points.
Figure 013 – Debitage: a=blade; b-h= Levallois
Figure 011 – Heavy-duty tools: a=core-axe, b= flakes; i-l= Levallois points.
biface, c=large scraper/knife, d=core-scraper,
e=pick. Raw material: a, c, d, and e=vesicular
1%
basalt; b=andasite. 4% 2% 1%
Vesicular Basalt

14% 33% Non-vesicular basalt


Quartzite
17% Quartz
Chert
28%
Phonolite
Calcrete
c Slicified Mudstone
a b
Figure 014 – Assemblage lithic raw materials.

d e f

g
h i

Figure 012 – Cores: a-c: discoid; d=levallois;


e=opposed double platform; f=divers single
platform; g-i=radial. Raw material: a, e, f=quartz;
b, g, h=vesicular basalt; c=non-vesicular basalt;
d=chert. Figure 015 – Pieces of red ochre pigment.

32 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Review of the Stone Age Archaeology
in Southwestern Angola
Daniela de Matos*

p. 33-38

The role of Archaeology in the Portuguese colonial agenda


Portugal was not estranged from other European nations scrambling for Africa during the
last half of the XIX century, in which the reaffirmation of the imperial sovereignty and its
national history of overseas expansion had become of intrinsic value in face of external
threaths from the English crown (Martins, 2008). In April 1883, the Cartography Commis-
sion (Commissão de Cartographia), was created to follow the project for recognition and
scientific occupation of Southern Africa (1877-79) of the Permanent Central Commission
of Geography (1876), further absorbed by the Geographical Society of Lisbon (1880). The
Geographic Missions aimed to establish an “effective occupation” as a way to legitimate an
African territory, the “3rd Overseas Empire” (Lobato, 2010), a project that crossed political
regimes, from the Monarchy to the Dictatorship of the ‘New State’ (1936-1974), even gui-
ding these political and institutional recasts (AA.VV., 1983). In 1936 with establishment of
the New State the Commission was transformed in National Board for Geographical Mis-
sions and Colonial Research. This was briefly after renamed as Overseas Research Board
(1951), after a renovation in the ideological agenda of the dictatorial government and the
constitutional revision that changed the term “colony” to “overseas province”, following
the premise of a pluricontinental Nation (Martins, 2010a). This meant that academic ins-
titutions and research departments should hold offices at the capital of each province and
develop active research for the empire’s welfare. A cost-effective exploitation of the African
resources dictated in the plan of Scientific Occupation of Portuguese Overseas (1945) focu-
sed the research scope on soil, animals and plant species. At the same time this occupation
demanded a better understanding on the cultural and ethnic diversity of local communi-
ties. In spite of the number of reports and memoires on the ethnographic collections very
few assemblages were actually studied at the time due to a general lack of interest of the
government for archaeological heritage, not very taken upon identity issues and territorial
borders like other African countries (Martins, 2010a).
Even though archaeological research was not a priority in the agenda of the Portuguese
scientific missions in Africa, the persistence of some political and intellectual persona-
lities succeeded in introducing Physical Anthropology in the colonial program, some-
times unconscious or informally, assuming itself as archaeology for the construction of
national identity and imperial cohesion. The fieldwork conducted in a series of Anthro-
pology Missions included survey and excavation of prehistoric sites and rock art in the
interest of anthropological and ethnographic characterization of the local populations.

* Grupo “Quaternário e Pré-História”, Instituto Terra e Memória/Centro de Geociências da Universidade de Coimbra.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 33
Daniela de Matos

The first specific mission on this theme was in Mozambique and the aim of the mission was
to identify ethnic groups, record customs and traditions and collect biological data and
material cultural, most especially archaeological artefacts that could illustrate geographi-
cal origins and common ancestry. Moreover the Missions, not only in Mozambique but also
in Angola, intended to draw the Portuguese archaeological research closer to the develop-
ment of the discipline of the ‘Stone Age’ in neighbouring countries such as the once-called
South African Union and South Rhodesia, with new academic institutions, museums and
archaeological findings (Martins, 2010b). The growing interest on the issue of the emer-
gence of humankind lead to the 1st Pan African Conference of Prehistory and Archaeology
at Nairobi in 1947 where delegates from 26 countries, including Portugal, discussed new
discoveries in palaeontology, quaternary geology and climate change, as well as the cul-
tural sequence of the Stone of Africa, but also strengthened a network of international
cooperation for the preservation of archaeological heritage.

Fieldwork in Southwest Angola


The geological survey of the country pushed by the growing demand on the land’s mining
resources (Carvalho, 1929) provided the first discoveries in the early 1920’s (Borges & Mouta
1926). Fernando Mouta as headchief of the geological survey team in Angola was the first to
publish a paper on the prehistory of Malange after the enlargement of the railway to east.
Even though his primary activity was in the geological survey Mouta pioneered in the fields
of prehistoric archaeology and ethnography of Angola having published a photographic
album and the first map with the lithic findings known or published in Angola (Mouta,
1934a e 1934b). He also participated in the international debates as delegate of the Geology
and Mine Services of Angola. The archaeological potential of Angola and the need for more
research was stated in the 4th article of the meeting’s final resolutions by the president,
Abbé Henri Breuil (Mouta, 1948; Leakey, 1952). Soon after the conference both Leakey and
Breuil visited Angola. The international recommendations strongly influenced the efforts
in discovering more paleontological remains and motivated cooperation between the Por-
tuguese in Angola and their international peers.
The geological features of the Southwestern region were thoroughly recorded by the survey
team of the Geological Mission of Angola for the publication of the geological map (Mouta,
1954). During that work in Lubango, around 1940, the team came across a collection of
three endocrania from fossil primates that led them to the cavities of Leba to find more
paleontological remains, adding a series of new Stone Age sites along the limestones.
These first findings were presented by Fernando Mouta at the First Pan-African Congress
on Prehistory in 1947, organized by Louis Leakey in Nairobi. In the southwest Mouta
found new deposits of fossil fauna in the rifts and sent them to Camille Arambourg at the
Museum of Natural History of Paris who correlated those remains with the baboon species
of Dinopithecus ingens broom found in Schurserberg (South Africa) in association with
bones of Australopithecus (Dart, 1950; Mouta, 1953 e 1955; Arambourg & Mouta, 1955).
In 1950 José Camarate França was assigned to take over the fieldwork in the region of Huíla,
under the Anthropobiological Mission of Angola headed by António de Almeida. Cama-
rate França had a bachelor in High Colonial Studies and a large experience in prehistoric
archaeology at the Geological Services of Portugal (Teixeira, 1965). During the 1950’s he was
responsible for most of the Stone Age research in Angola, with survey and excavation of
sites of paleontological and archaeological interest from north to south (Almeida & Cama-
rate França, 1964 e 1965; Camarate França, 1952; 1953a; 1953b; 1960; 1964a; 1964b; 1964c e
1964d). Also granted by the National Board of Colonial Research In 1960 he completed his

34 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
REVIEW OF THE STONE AGE ARCHAEOLOGY IN SOUTHWESTERN ANGOLA

degree in Geological Sciences at the University of Lisbon about the Jurassic massifs in Por-
tugal. He was still working with António de Almeida because all of the artifacts from the
anthropological mission in Southwestern Angola were brought to Portugal to be studied at
the offices of the Board. However the early passing of Camarate França in 1963 left most of
his work to be finished. After his death some notes were published in is memory, the most
important one about the excavation of the Middle Stone Age deposits of a cave in Leba
around 1951 (Camarate França, 1964a). A first map of the prehistoric sites found during
the Anthropobiological Mission of Angola was also published by A. Almeida and H. Breuil
(1964) with an inventory of more than two hundred Stone Age sites discovered during the
campaigns.
Leba Cave is located in the middle of the northwestern cliff of the Humpata highlands, in
the left margin of the river Leba. Due to tectonic movements these greyish-blue dolomi-
tes in horizontal and sub-horizontal bedplates that form the plateau present a variety of
subterranean morphologies allowing underground water flow (Vale & Gonçalves, 1968; do
Amaral, 1973), which revealed preservation of Pleistocene deposits (Mouta, 1953; Camarate
França, 1964a). One of the test-pits inside the cave showed a sequence of archaeological
horizons embracing Early, Middle and Late Stone Age lithic artifacts and faunal remains
that were studied and published only decades after (Gautier, 1994; Matos, 2013).
In 1965 another geologist took over the prehistory section of the Board. Miguel Ramos was
mentored by André Leroi-Gourhan at the University of Paris and was directed by António
de Almeida (Rodrigues, 1992). His research project called “Paleolithic of Southwestern
Angola” was created by the “Mission of Archaeological Studies of Southwestern Angola”
(MEASA) and had been requested by the Scientific Research Institute of Angola between
1966 and 1967 (Ramos, 1967). This mission aimed for a rigorous mapping of the stone sites
already discovered on previous missions but also surveying of other areas. New archaeo-
logical sites with Early and Middle Stone Age occupations were found and excavated:
Campangombe-Santo António (355-11), Santo António – Caconge (355-10), Campangombe
Velho (355-7). The fieldwork was interrupted and more than a hundred thousand artifacts
were brought to Portugal to be studied by Ramos for his doctorate. He died in 1991 having
published very little data from his research on the prehistory of southwestern Angola
(Ramos, 1970; 1974; 1980; 1982 e 1984).

The collections of the Portuguese Scientific Missions


Until 2015 the Tropical Research Institute (IICT) held the important legacy of the Board
which remains today the most important archive on the Stone Age of the country, now
under the management of the University of Lisbon. The Archaeology collection is divided
in four sub-collections formed by ethnographic pieces and archaeological artifacts from
the anthropological missions in Angola, Mozambique, Guinea and Timor. These materials
represent all of the work managed by Antonio de Almeida since 1948 as coordinator of the
campaigns and director of the Center of Anthropobiology Studies of the National Board for
Colonial Studies (JIU), and the work of Miguel Ramos until 1992. Over the past few years,
this collection has undergone systematic intervention, including cataloguing, conservation
and electronic processing.
The Angola Collection gathers lithics, pottery and ethnographic materials brought from
the survey campaigns of the Anthropobiological Mission in Angola from 1948 to 1955,
including materials from the excavations of José Camarate França between 1950 and 1951
at Serra da Leba. Also in the archive the assemblages from the sites of Santo António and
Campangombe Velho excavated by Miguel Ramos during the Mission of Archaeological

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 35
Daniela de Matos

Studies of Southwestern Angola


(MEASA) between 1966 and 1967
and other work by the board in
1970 and 1972 by the Pedology
Mission of Angola and Mozam-
bique (M.P.A.M.) (Coelho et al.,
2014). This sums in a total of 170
174 artefacts from 341 sites from
all Angola, from which 284 loca-
tions are archaeological sites with
Early and Middle Stone Age mate-
rials in the southwest region.
Figura 001 – Prehistoric sites of Southwest Angola.
Final remarks
Current investigation poses the origins of humankind in the Middle to Late Stone Age
sequences of the eastern coast of Southern Africa (Lombard, 2012) because until today the
most abundant information comes from the eastern corridor from Ethiopia to Tanzania
and then South Africa, with Mozambique representing a huge gap on the record about the
Middle and Late Pleistocene. It seems that such stall in Paleolithic research resulted of
the combination of various factors, mostly political and institutional such as a notorious
disinvestment of the Portuguese New State policy in the overseas province, the colonial
war, and after the independence, the civil war and a dictatorship fobia that persisted
long after. The study of collections from territories such Angola are of most importance
to understand human evolution because these regions are very close to other territories
that not only retrieved many of the oldest archaeological and paleoanthropological data on
early hominines, but also from where have been recurrent gatherings of the oldest data for
anatomically modern humans fossils and the oldest modern human behavior repertoire.
An increment of a state of the art research within a 21st century democratic spirit will allow
to integrate the data from the prehistoric record of the Portuguese-speaking countries and
relevance for the understanding of human evolution and also highlight the role of the Por-
tuguese Scientific Missions on such research.

Bibliographic references
Almeida, António de & José Camarate França (1964), Notícia sobre o paleolítico do território de
Cabinda (Angola). In Memórias da Junta de Investigações do Ultramar: Estudos sobre Pré-história
do Ultramar Português. Separata do n.º 50 (2.ª série), pp. 101-112. Junta de Investigações do Ultra-
mar, Lisboa.
______ (1965), Le magosien du sud de l’Angola. In Memórias da Junta de Investigações do Ultramar:
Estudos sobre Pré-história do Ultramar Português. Separata do n.º 16 (2.ª série), pp. 107-124. Junta
de Investigações do Ultramar, Lisboa.
do Amaral, I. (1973), Nota sobre o «karst» ou carso do planalto da Humpata (Huíla), no Sudoeste de
Angola. Garcia de Orta, Série Geografia 1(2): 29-36.
Arambourg, Camille & Fernando Mouta (1955), Les Grottes et Fentes à Ossements du Sud de l’Angola.
Proceedings of the 2nd Panafrican Congress of Prehistory, pp. 301-204. Alger.
Breuil, Henri & A. Almeida (1964a), Introdução à Pré-História de Angola. In Memórias da Junta de
Investigações do Ultramar: Estudos sobre Pré-história do Ultramar Português. Separata do n.º 50
(2.ª série), pp. 159-163. Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.

36 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
REVIEW OF THE STONE AGE ARCHAEOLOGY IN SOUTHWESTERN ANGOLA

______ (1964b), Das Gravuras e das Pinturas Rupestres do Deserto de Moçâmedes (Angola). In Memó-
rias da Junta de Investigações do Ultramar: Estudos sobre Pré-história do Ultramar Português.
Separata do n.º 50 (2.ª série), pp. 165-175. Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.
Breuil, Henri & J. Janmart (1950), Les Limones et Graviers de l’Angola du Nord-Est et leur contenu
archéologique. Museu do Dundo: Subsídios para a História, Arqueologia e Etnografia dos Povos da
Lunda. Diamang, Lisboa.
Camarate França, José (1952), Notas e comunicações sobre uma jazida de fácies mesolítica do sul de
Angola. In Estudos Coloniais: Revista da Escola Superior Colonial. Separata do vol. 3, pp. 303-310.
Escola Superior Colonial, Lisboa.
______ (1953a), As gravuras do Tchitundo-hulo (Deserto de Moçâmedes). Mensário Administrativo.
Separata. Serviços Administrativos, Luanda.
______ (1953b), Breve nota sobre uma jazida pré-histórica descoberta nos arredores de Luanda. In
Boletim do Instituto de Angola. Separata do n.º 1 (Julho-Agosto-Setembro). Instituto de Angola,
Luanda.
______ (1960), Primeira nota sobre a Jazida Magosiense de Vila Serpa Pinto (Angola). In Memórias da
Junta de Investigações do Ultramar: Estudos sobre Pré-história do Ultramar Português. Separata do
n.º 16 (2.ª série), pp. 59-68. Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.
______ (1964a), Nota preliminar sobre uma gruta pré-histórica do planalto da Humpata. In Memórias
da Junta de Investigações do Ultramar: Estudos sobre Pré-história do Ultramar Português. Separata
do n.º 16 (2.ª série), pp. 59-67. Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.
______ (1964b), Contribuição para o estudo da Pré-História da região de S. Salvador do Congo (Angola).
In Memórias da Junta de Investigações do Ultramar: Estudos sobre Pré-história do Ultramar Portu-
guês. Separata do n.º 16 (2.ª série), pp. 69-79. Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.
______ (1964c), Nota sobre uma jazida quaternária do Bom-Jesus (Angola). In Memórias da Junta de
Investigações do Ultramar: Estudos sobre Pré-história do Ultramar Português. Separata do n.º 16
(2.ª série), pp. 37-47. Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.
______ (1964d), Quatro exemplares, de fácies neolítica, do Norte de Angola. In Memórias da Junta de
Investigações do Ultramar: Estudos sobre Pré-história do Ultramar Português. Separata do n.º 16
(2.ª série), pp. 49-57. Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.
Carvalho, A.F. (1929), A investigação científica das colónias. Boletim da Agência Geral das Colónias 43,
Lisboa.
Coelho, Ana, Pinto, I., Casanova, C. (2014), A Coleção Arqueológica do IICT no Novo Milénio. Antrope
1: 6-22.
Coelho, Ana & Mota, Paula Fonseca (2010), Capangombe – Santo António (355-11): Uma estação lítica
do Sudoeste de Angola. In Viagens e Missões Científicas nos Trópicos 1883-2010 (eds. A. C. Martins
e T. Albino), pp. 106-109. Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa.
Dart, Raymond (1950), A Note on the Limestone Caves of Leba, Near Humpata, Angola. South African
Archaeological Bulletin 5: 149-151.
Gautier, Achilles (1995), Restes Animaux Holocènes et du Paléolithique Moyen (MSA) de la Grotte de
Leba sur le Plateau de Humpata (Angola). Archaeofauna 4: 131-141. Leakey L. S. B.
______ (1952), Proceedings of the First Pan-African Congress on Prehistory, 1947, Nairobi. New York:
Philosophical Library
Lobato, Manuel (2010), A Commissão de Cartographia e a produção portuguesa da monarquia consti
tucional à I República (1883-1936). In Viagens e Missões Científicas nos Trópicos 1883-2010 (eds. A.
C. Martins e T. Albino), pp. 13-18. Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa.
Lombard, Marlize (2012), Thinking through the Middle Stone Age of Sub-Saharan Africa. Quaternary
International 270: 140-55.
Martins, Ana Cristina (2008), O lugar da Arqueologia nas Missões Científicas ultramarinas portugue-
sas de novecentos. In Actas do X Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Sociedades
desiguais e paradigmas em confronto, Vol. I – Lusofonia e (neo)colonialismo: Culturas e valores,

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 37
Daniela de Matos

identidades linguísticas e estudos pós-coloniais (ed. Manuel Carlos Silva), pp. 606-613. Centro de
Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho, Braga.
______ (2010a), (Re)Conhecer para ocupar. Ocupar para (re)conhecer. A colonização científica do além-
-mar. In Viagens e Missões Científicas nos Trópicos 1883-2010 (eds. A. C. Martins e T. Albino), pp.
26-34. Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa.
______ (2010b), A Arqueologia nas Missões Científicas: ad initium. In Viagens e Missões Científicas nos
Trópicos 1883-2010 (eds. A. C. Martins e T. Albino), pp. 99-105. Instituto de Investigação Científica
Tropical, Lisboa.
Matos, Daniela de (2013), Tecnologia Lítica da Middle Stone Age da Gruta da Leba (Huíla, Angola).
Dissertação de Mestrado, Universidade do Algarve, Faro.
Mouta, Fernando (1934), Contribuição para o estudo da pré-história angolense: Distrito de Malange.
Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, Separata do tomo XIX. Direcção Geral de
Minas e Serviços Geológicos, Lisboa.
______ (1948a), Relatório sobre os trabalhos e colecção existentes no Museu dos Serviços e que se referem
à Pré-História da Colónia de Angola. Serviços de Geologia e Minas da Colónia de Angola, Luanda.
______ (1948b), Relatório da visita do arqueólogo abade de Breuil a Luanda e seus arredores. Serviços de
Geologia e Minas da Colónia de Angola, Luanda.
______ (1952), Sur le paléolothique du district de Malange (Angola). Les grottes e pentes a ossements
du sud de l’Angola. In Actes du 2ème Congrès de Préhistoire Africaine, Alger, 1952 (Balout, L. ed.),
pp. 273-275. Direction de l’Intérieur et des Beaux-Arts – Service des Antiquités, Paris.
______ (1953), Possibilidade de existência de pré-hominídeos no sul de Angola (Leba, Humpata). Anais
do Instituto de Medicina Tropical (Número dedicado ao 1.º Congresso de Nacional de Medicina
Tropical), Vol. X, n.º 4, Fasc. II, pp. 2905-2911.
_______ (1955), Contribution du continent africain à la préhistoire humaine: les vestiges fossiles. Bole-
tim da Sociedade de Estudos de Moçambique, Separata do n.º 101, pp. 33-47. Sociedade de Estudos
de Moçambique: Lourenço Marques.
Ramos, Miguel da Fonseca (1966-67), Relatório sucinto de uma missão de estudo no sudoeste de Angola:
de 18 de Setembro 1966 a 17 de Março de 1967. Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa.
______ (1970), Algumas descobertas recentes no Sudoeste de Angola: nota prévia. In Actas das I Jorna-
das Arqueológicas (Lisboa), Boletim do Instituto de Investigação Científica de Angola Vol. IX (1),
pp. 95-106. Instituto de Investigação Científica Angola, Luanda.
______ (1974), Acerca da tipologia das achas no acheulense de Angola: o caso de Capangombe, Santo
António. In In memoriam António Jorge Dias (ed. Ernesto Veiga De Oliveira) vol. 3, pp. 313-324.
Instituto de Alta Cultura, Lisboa.
______ (1978), Editorial. Leba: Estudos de Pré-História e Arqueologia 1: 1-2.
______ (1980), Le gisement acheuleen de Capangombe, St. Antonio (Angola). Comunicação apresentada
ao IX Congresso da União Internacional das Ciências Pré e Proto-históricas (Nice, 1976).
______ (1981), As escavações de Capangombe e o problema da M.S.A. no S.W. de Angola. Leba 4: 29-35
______ (1982), Le paléolithique du sud-ouest de l’Angola: vue d’ensemble. Leba 5: 43-52.
______ (1984), L’évolution des industries lithiques en Angola a partir de la fin du Paléolithique infé-
rieur. L’anthropologie 88(3): 403-411.
Rodrigues, M. C. (1991), In Memoriam. O Arqueólogo Português IV série (8/10): 9-16.
Vale, F. & F. Graça Gonçalves (1968), Notícia explicativa da folha n.º 355 (Humpata-Cainde). Mapas à
escala 1:100,000. Serviços de Geologia e Minas, Luanda.

38 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Rock Art research in Namibia:
a Synopsis
Alma Mekondjo Nankela*

p. 39-55

Introduction
The term ‘rock art’ used in this paper refers prehistoric art in form of paintings as well
as in various physical landscapes. However, their placement in the physical, geological
and cultural contexts ranges from rock pavements, boulders, caves, rock shelters, in form
of mobilier art as well as the interior of stone structures. Markings in form of pecking,
polishing, scratching and abrading of rock surfaces is termed “petroglyphs/engravings” and
are produced when a rock surface is chiseled with a sharp object of stone or hammer and
punch or combination by grinding, or polishing, possibly with the aid of an abrasive and
scratching to depict a desired figure, motif or symbol (the deductive process) while those
that are painted using a brush, sticks, feathers or fingers are termed “pictographs” and are
produced through the application of coloured substance i.e. ‘ochre’ to the rock surfaces to
depict a figure, symbol or motif (additive process). Africa has by far the greatest collection
of prehistoric rock art sites in the world estimated at over two hundreds thousands with
diverse styles and affinities with principal regions of Sahara and its adjacent areas as well
as Southern Africa (Wilcox, 1963). Southern Africa current database hold an excess of more
than two million individual images and many still not formally recorded (Deacon, 2002).
Although there are no reliable records to indicate the relative quantity of the paintings
over engravings in Southern Africa, paintings sites are undoubtedly dominants over the
engravings with various themes representing different rock art traditions of Southern
Africa. Namibia boasts one of the renowned prehistoric rock art collection in Southern
Africa with its principal sites of highest concentrations found in the Dâureb/ Brandberg
Mountains that harbors about 1,000 rock art sites containing nearly 50,000 rock paintings
and few engravings (Lenssen-Erz, 2007; Gwasira, 2011) most of which have been published
in (Pager, 1989-2006); followed by those found in the Erongo Mountains and its adjacent
areas accounts closely to 5300 images found at more than 80 rock art sites (Breuil, 1960;
Hollmann et al, 2007; Nankela, 2015) as well as the UNESCO World heritage Site of Twyfel-
fontein and its adjacent areas with more than 5,100 figures (Viereck et al., 1957; Scherz, 1975;
Gwasira, 2010; Kinahan, 2010; Ouzman, 2010). While the lowest number of recorded sites are
found in the Spitzkoppe Mountain central Namibia (Kinahan, 1990) and southern Namibia
respectively (Wendt, 1976). Hence the country’s current heritage database holds an excess
of approximately 62,000 individual images of both paintings and engravings found at more
1200 sites countrywide. However, many rock art sites in both private and public land largely
remain known but unrecorded while others have been discovered but still unrecorded.

* PhD Student: Erasmus Mundus Quaternary & Prehisto ry-UTAD, ITM Mação, Geosciences Centre of Coimbra
University/Museum National d’Histoire Naturelle, Archaeologist at the National Heritage Council of Namibia.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 39
Alma Mekondjo Nankela

However, it is necessary to explain the difference between the known but unrecorded
sites and those discovered but still unrecorded. The known site refers to the sites noted
in reports about their existence with some photos or GPS coordinates either by the resear-
chers in various disciplines whose main interests was not rock art sites but other archaeo-
logical interests such as excavations or faunal and flora studies at rock shelters. In most
cases, the level of the knowledge of the art is extremely limited to detailed description of
the figures and their current state of conservations. While the discovered but unrecorded
sites refer to the large amount of rock art sites that have been discovered through chance
finds by persons i.e. landowners and other local informants who provided leads resulting
in new discoveries. In most cases the exact geographical location of these sites is not know
but the areas where they are found are know. These sites are not reported at the National
heritage Council or any government office representative in the region but are found mos-
tly on different Internet websites or through word of mouth from many livestock herders
in Namibia.

Distribution, content and tradition


The distribution of the country’s art is largely driven by the geology. Paintings are generally
confined virtually invariably to the granitic landscapes but wherever there are suitable rock
surfaces, one would expect to find rock art in Namibia. The country’s engravings occurs out
in the open and are usually, bit not exclusively associated with sandstones, volcanic basalts,
schist outcrops and pavements while paintings are commonly found in granitic landscapes
where rock shelters in outcrops of granites rock formations and open granitic boulders. In
Namibia, it is not uncommon to find both rock paintings and engravings coexisting at the
same site as observed at Twyfelfontein world heritage site, but its extremely rare to find
both paintings and engravings confined on the same rock surfaces as observed by (Gwasira,
2011) in the Dome Gorge of the Daureb/Brandberg Mountain. Moreover, recent discovery
of the engraving site within Omandumba East Farm on volcanic basalt exist within few
distances from the granitic outcrops where a large number rock paintings sites have been
recorded. One almost would expect that after
many years of almost microscopic inspections
of the country by surveyors, prospectors, hun-
ters and researchers from various disciplines
that many rock art sites would undoubtedly be
discovered. Of the largest number of recorded
rock art sites in Namibia less than ten rock art
sites are the rock engraving sites with majority
being found in Kunene, Erongo, Karas as well as
in Hardap regions respectively. The rock pain-
tings found generally in different geological and
cultural settings. The central Plateau and the
Namib Desert areas of present day Erongo and
Kunene regions holds the highest accumulation
of the prehistoric rock art sites while the lowest
concentration has been recorded in Khomas
highland and southern Namibia (Map 001).
Namibia, like many other Southern African
Map 001 – Shows a general distribution and
concentration of rock art sites in Namibia, countries exhibit a high level of variability in
after Kinahan, 2010. rock art traditions across the country but the

40 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ROCK ART RESEARCH IN NAMIBIA: A SYNOPSIS

relationship between variability and geographic, cultural, and other forms of diversity has
resulted in different rock art traditions in the region with distinctive styles and content
that resulted in the cosmology and belief system of the Stone Age Hunter Gatherers and
herders as well as Iron Age agriculturalists. Despite slight regional variations in surfaces,
themes, techniques and styles, there are broad similarities in both contents, placement
of the art in the landscapes as well as a persistence occurrences of illustrations of and
metaphors in belief systems (shamanism and the altered state of consciousness or trance
experience) particularly in the art of the hunter-gatherers (Lewis-Williams & Dowson,
1989) as an indicative of widespread human contacts, shared beliefs systems and temporal
continuity with that of Southern African hunter gatherers, herders and agriculturalists
belief system over the period in which rock art were produced. Nearly all the known rock
art sites in Namibia occur predominantly in rock shelters and the open air. The record indi-
cates a relatively high number of paintings over engravings with anthropomorphic figures
being the most dominant depiction of rock painting figures in the Namibian rock art with
very limited representation of complete human figures as observed at Grosse Domschlucht
Farm near Omaruru (Ouzman, 2002) in the engravings with the exception of human foot-
prints. However, women don’t seem to occur very often as opposed to opposite sex and they
are in most cases being engaged in gatherings and social activities like processions dances
(clapping their hands) to possibly shamans to go into trances, gathering of wild berries
and occasionally engaged in coital activities with male counterparts. Male counterparts
are often depicted in hunting scenes carrying hunting bags (quiver bag), bow and arrows
and shamanistic activities. In hunter-gatherer art human figures are usually depicted in
various postures such as sitting, walking, bending from the waists with many human figu-
res showing various dramatic and elaborated hairstyles that are sometimes seen so often in
many paintings sites in Namibia. Therianthropic figures are also commonly found both in
paintings and engravings in Namibia i.e. the lion man at the Twyfelfontein world heritage
site (Scherz, 1975; Gwasira, 2010; Kinahan, 2010; Ouzman, 2010) as well as Apollo 11 art
mobilier from the Apollo 11 cave (Wendt, 1976). Differences in the content of the art can be
seen in the posture and dress of the people who are illustrated.
Animals are the second most common figures in Namibian rock art. Most popular among
the animals of the Namibian Rock Art are antelopes. Nearly, all the prominent depicted
animals figures in rock paintings and engravings in the Namibian rock art are antelopes
with larger antelopes such as Springbok (Antidorcas marsupials), Oryx/gemsbok (Oryx
Gazelle) Kudu (tragelaphus stepsiceros) and Eland (taurotr) being dominant while smaller
antelopes for example Duiker (cephalophinae) and Klipspringer (oreotragus) being least
presented. Following the antelopes in quantity are Giraffes, Zebra, Elephant, Felines, Kudu,
Eland and Rhino and other animal species such as snakes, monkeys and bees. A high
percentage of animal spoors are mostly dominant in engravings as oppose to paintings
as observed at most engraving sites of the Twyfelfontein, Austertz/Austerigt Omandumba
East Farm, Omboru East Farm and Grosse Domschlucht Farm.
As noted above, there are variation in the frequency of certain animals depicted in the
rock paintings and engravings of the region. These variations reflects not only the local
fauna in their natural inhabitants and distribution but also an indication of the animals
that the rock art authors and their societies regarded as significant on their economic,
social, religious belief system and ritual practices especially the prominent depiction of the
antelopes species in Namibia as well as the powerful animals and felines like elephants,
giraffe and rhinos. Most of the zoomorphic figures in the Namibian rock art are represented
either in groups or single with apparent regards to their natural habits although there is
highly varied manner in which animals are depicted in engravings and paintings. Other

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 41
Alma Mekondjo Nankela

highly represented figures are the schematic designs depictions of entopic phenomena
with concentric circles, dots, wavy and straight lines, grinds, nested u-shaped and cupule
are widespread and occurs in all for m of rock art but almost exclusively common in
engravings of both rock art traditions in Namibia. In rock paintings and engravings, they
are nevertheless detected in hunter-gatherers traditions and integrated into the fine line
paintings and engravings. It is often emphasizes that in both traditions that the existence
of these entopic designs accentuated their connections with altered state of consciousness
and, therefore, the link between the art and trance experiences. Very few records of
phytomorphic figures has also been recorded in the Namibian rock art as seen in the
Brandberg mountains and Omandumba West Farms where quiver trees ‘Aloe dichotoma’
or ‘Choje’ in San language; a species of aloe indigenous to Southern Africa. It was regarded
significant especially in hunter-gatherers tradition for the production of strings, quiver
container and carve their arrow from the soft, pulpy branches of this tree.
The most dominant pigments used in the Namibian rock paintings are the red ochre,
followed by brown paintings and some exclusively in yellow, black or manganese oxide
and white. All painted figures are painted in monochrome, biochrome or polychrome. In
some cases, the white, black and yellow colors were used to exclusively complete a painted
figure while others are painted only in monochrome of those colors-this is more common
in paintings of the Upper Brandberg Mountain. The ethnographic records indicates that
the pigments was mixed with varieties of binders such as blood, egg, fat and plant juices
but the exact recipe are not known (Lewis-William, 1983; in Deacon, 2012). The techniques
applied in the majority of the paintings in Namibian rock art can be summarized as
follow. Fine-line paintings are almost exclusively the work of the hunter-gatherers, in red,
brown, yellow ocher, white, black charcoal or
manganese oxide, done with a brush of other
fine instrument, using techniques such as:
outline of the figures with a single line (rare and
very few are found in the Brandberg Mountain
and Erongo Mountain. Monochrome figures
with colour blocked (commonly found in many
paintings in Namibia); outline in one colour with
figure infilled with another slightly different
colors, biochrome in which two blocks of colour
Figure 001 – Shows varieties rock painting
figures in varieties of painted colors are used in the same figure and Polychrome in
from the Snake rock shelter in the Upper which three or more colors are used in the same
Brandberg Mountain. figure is widespread in Namibia (Fig. 001) below.

Interpretation and chronology


The application of ethnographical analogies (Lee, 1979; Barnard, 1992; Molin, 2006; Nankela,
2010) in the Namibian rock art where no direct cultural relationship occurs between the
informant (contemporary tribal groups located near rock art sites or whose ancestors
are thought to have authored the rock art in Namibia) and the original authors has
received mixed receptions in Namibia. The problem resulted in fact that there is no
active indigenous group neither producing rock art nor showing any interest in local rock
art like the aboriginal in Australia. However, although such problems exists in rock art
generally as observed in many countries, rock art legacy continue to widen our general
knowledge and understanding of the reason why the art was created, their social, political,
religious economic and ritual as well as symbolic contexts in which it was produced.

42 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ROCK ART RESEARCH IN NAMIBIA: A SYNOPSIS

The Namibian rock art has been interpreted in relation two different schools of thoughts;
firstly is the interpretation theory backed by a hand full of ethnographic and ethnohistorical
as well as historical accounts of pre-colonial society of the people whose ancestors are
thought to author the rock art. It is based on the same general explanatory approach used
in other parts of southern Africa (Lewis-Williams, 1982; Lewis-Williams and Dowson, 1989;
Coulson, 2007; Southy, 1999; Kinahan, 1999; 2001a; 2004 e 2011) suggesting that the rock art
symbolic meaning goes beyond than of aesthetic elaborations. That it belongs to a regional
cognitive tradition in which the metaphorical potency of certain animals was exploited
for the purposes of ritual healings (Kinahan, 2004). By inferring from the ethnographical
records (Lee, 1979 and Barnard, 1992) suggests that certain rituals such as of healing among
southern African hunter-gatherer communities becomes even greatly intensified when
resources are scarcer especially in the dry lands of the Namib where events of irregular
rainfall patterns and eventually draught strains not only the hunter-gatherer subsistence
life but has a significant ecological consequences. The secondly approach is the empirical
tradition or realisms or naturalistic ideas whose focus is based on the natural contexts
and habitants of the rock art sites (Lenssen-Erz, 1997; 2004; 2007 e 2008). The empirical
approach advocates our understanding where rock art artists choose to engage in symbolic
behavior considering the social context in which these activities took place also referred
to as archaeological landscapes-where both political, cosmological, or phenomenological
associations provides more information regarding the creation of rock art. It furthermore
looks at how rock art sites are placed in their environments in relations to the elements
of landscapes such as economic resources, geographical features, settlement patterns
rather than approaching rock art as decoration of a passive surface, greater appreciation
of how an artist may interpret and engage with the surface to be painted or engraved
may assist in the interpretation of rock art. It further demonstrates that rock art sites are
deliberately positioned in different locations that are frequently associated with a range of
symbolic meanings and phenomenological associations that may be played upon in rock
art production for various reasons i.e. vantage locations to indicates tribal supremacy or
from to signal particular social groups or near noteworthy landscape features to which
cosmological meanings have become attached.
The chronology of the Namibian rock art like any where else in southern Africa remains
largely tentative and relative (e.g. Breunig, 1991: 118f) especially when the art is classified
on the basis of stylistic typologies, sequences of superimpositioning and techniques.
Establishing the chronology becomes even more a daunting task when the art (paintings)
do not contain organic materials for direct dating through scientific methods such as the
radiocarbon. Furthermore, the rock engravings for instance are not found within any
cultural stratigraphy hence the art will continued to be dated in association with the other
archaeolgical assemblages – a practical example is that of Apollo 11 art mobilier (dated 25
000 BP) from southern Namibia (Africa’s oldest paintings) that was dated in association
with the Middle Stone Agec occupation from the Apollo 11 (Wendt, 1976). However,
establishing the chronology of the art in relation to association to archaeological remains
has its short comings as it does not necessarily demonstrate the actual age of the art rather,
the period from which the art was abandoned (Gwasira, 2011). For instance, Apollo 11 which
initially dated 25 000 BP was later upon further scientific analysis, the art was thought
even to be older as 28 000 – 30 000 years (Vogelsang et al., 2010 in Gwasira, 2011). Many
years of rock art research in Namibia especially in the central Namibia have researchers
attributing the rock art tradition to one main broad archaeological period of the Late Stone
Age chronology of Hunter Gathers tradition in Southern Africa between 4000-2000 years
(Conrad et al., 1988; Kinahan, 1990; Breunig, 2003; Lennsen-Erz, 2007, 2010; Richter et al.,

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 43
Alma Mekondjo Nankela

2008; Ouzman, 2007; Gwasira, 2011; Pleaurdeau, 2012) where intense rock art activities have
been observed, the Khoekhoen Tradition from 2 000 years ago (Ouzman, 2007; Kina-han,
2010; Lennsen-Erz, 2007 e 2010; Gwasira, 2011) which saw the introduction of domesticated
livestock such as cattle (Kinahan, 1990) as well as finger paintings painting abstracts
(Lenssen-Erz & Vogelsang, 2005). However, although the traditional stylistic classification
have provided relative dates for the rock art in Namibia, further methodologies i.e. content
and patina must be used to establish a conclusive chronological sequence, against the
background of changing palaeoenvironmental hunter gatherer and herders populations
have existed for a long period in Namibia.

Rock art studies in Namibia: An overview


Rock art research in Namibia is relatively limited (see Richter & Vogelsang, 2008; Kinahan,
2011; Gwasira, 1998) and has developed from the determinations of amateur researchers
into a large body of scientific discipline (Gwasira, 2012). However, paintings were more
preferred than engravings, consequently remaining moderately less investigated compare
to paintings (Dawson, 1992 as cited in Gwasira, 2012).
However, it was not until a late 19th century when
traveller W. C. Palgrave firstly reported the rock
paintings in the Brandberg Mountain in 1879
(Gwasira, 1998; Dierks, 2000; Wallace and Kina-
han, 2011). Following the discovery of the “White
Lady of Brandberg” (Fig. 002) by the Topographer
Reinhard Maack in the early 20th century, rock
art research in Namibia became a more deliberate
pursuit especially after the German officer
Jochmann brought it into an international arena
Figure 002 – Shows the infamous ‘White through a popular published journal. Thereafter
Lady Painting” of the Brandberg at Maack’s a number of researchers such as the well know
shelter, Tsisab Ravine. French Prehistorian Abbe Henri Breuil with a
collaboration of Mary E. Boyle, Dr. E.R Scherz
and R. G Strey (Breuil, 1959) began programs of exploration of the Brandberg Mountain
through documentation (tracing directly from the rock surfaces) with considerable focus in
the rock art of Tsisab Ravine of Brandberg Mountain between 1947 and again in 1948. His
work were later published in his 1959 paperback titled “Tsisab Ravine and other Brandberg
sites” published by the Calouste Gulbenkian Foundation through Trianon Press However,
both Maack and Breuil’s interpretation of the Brandberg art particularly that of the “White
Lady Freeze’ was not without controversy as they declared art as non-African in its origin
but rather the work of advanced Mediterranean people of Phoenician origin-ancestors of
European settler community.
His theory was eventually disapproved first in 1970s by the Australian born graphic
designer Harald Pager who was commissioned to documents the rock art of Brandberg
as well as in the second half of the 20th century, where many archaeologists ultimately
dismissed most theories on Mediterranean influences on the prehistory of Southern
Africa although the authorship of the art generally provided avenues for new research
enquiries among many rock art researchers. The first half of the twentieth century, rock
art documentation in Namibia became more formalized, recording the stylistic diversity
of sites beyond the Dâureb/Brandberg Mountain. Breuil and his team extended their
exploration and documented the rock art sites in the Anibib, Omandumba Farms and

44 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ROCK ART RESEARCH IN NAMIBIA: A SYNOPSIS

Other Erongo Sites in the 1950s, which were published in his second paperback of 1960.
Here, about 40 rock painting sites containing approximately 3000 figures were recorded.
Their research however tended to focus on describing the most elaborate and aesthetically
attractive aspects of rock imageries and directs interpretation of what rock art imagery
might represents. I am now revisiting his earliest research for my 2014-2016 Ph.D project.
In the same area, researchers such as Viereck, MacCalman, Berkeley and Sydow conducted
archaeological expeditions in the Erongo Mountains firstly in 1962 and later in1989 with B.
Sandelowsky and recorded some of the rock art sites at the following rock shelters stripper
giraffe, cymot, bedding place, phillip shelter, Ameib X29, red Indian shelter that were later
published in a preliminary report of (Viereck, 1964 and later in a supplementary report of
1989). The worth of discovery made during this period led to the development of systematic,
comprehensive surveys and formal documentation of the rock art sites in Namibia.
Reinhard Maack who initially discovered the “White Lady” in the Brandberg reported the
presence of rock engravings in the Twyfelfontein area in 1921, which was then systematically
recorded by Dr. E. R. Scherz between 1930-1970s when he completed his extensive survey
at Twyfelfontein. Here, his records consisted of
15 small rock art sites that hosts about 2500 rock
engravings on the sandstone slabs (Fig. 003). His
survey methodology that involved the use of the
GPS to locate rock art sites, the establishment of
the site names and numbers as well as recording
of the site content gave birth to the empirical tra-
ditions of the rock art research in Namibia. Due
to the largest concentration of the prehistoric
rock engravings of Twyfelfontein in Namibia at
a time, the sites received its recognition in 1952 Figure 003 – Shows the varieties of artwork
of the Twyfelfontein world heritage site.
as National Monument site and then in 2007 as
a UNESCO world heritage site as a highest con-
centration of rock engravings in Southern Africa.
Scherz’s work at Twyfelfontein was published in
1975 in his book “Felsbilder Südwest-Afrika. Teil
11: Die Gravierungen im Nordwesten Südwest,
Cologne: Böhlau Verlag”. Rock art of Namibia was
rarely incorporated into a wider archaeological
studied. Scherz continued with the survey and
documentation of rock sites in Kunene region in
areas such as Kamanjab Situated on top of Peet Figure 004 – One of the prominent animal
Alberts Koppie farm when he documented about figure depictions of a large giraffe measuring
1,200 to 1,500 engravings comprising mostly 330 cm in the Peet Alberts Koppie farm, in
animals, but also abstracts like circular forms Oujto-Kunene Region.
and a star (Fig. 004). The Historical Monuments
Commission declared the site as National Monument on 01.05.1967 for South West Africa
(HMC) and the site published in his report titled, “Felsbilder in Südwest-Afrika. Teil III:
Die Gravierungen in Südwest-Afrika ohne den Nordwesten des Landes”, Koeln/Wien 1975.
The coming of the 1960s oversees Scherz work in the Brandberg Mountain incorporated
in the Cologne rock art research program “Felsbilder im Südwest Africa” funded by the
Deschutes Forschungsgemeinschaft (DFG), which at a time was also funding the rock
art research in South Africa by the Fock’s family and the archaeological excavations of
Namibian rock art and non-rock art sites by W.E. Wendt (Richter & Vogelsang, 2008: 37).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 45
Alma Mekondjo Nankela

It was during this time between 1968-1970 that


Wendt began his work in Namibia to investi-
gate the relationship between rock art and the
archeological deposits (Wendt, 1972). Among the
excavated 26 archaeological sites concentrated
mainly of South of Namibia, Wendt discovered
Africa’s oldest painting of Apollo 11 slab `”Freeze”
(Fig. 005) found in the Middle Stone Age sedi-
ments from the shelter of Apollo 11shelter in
Huns Mountain, southwest of Namibia that was
then published in 1974 and 1976.
Figure 005 – Shows Africa’s oldest rock Wendt later continued his work in the central
painting of Apollo 11 slab (Therianthrope)
found in the Middle Stone Age sediments
Namib and excavated rock shelters in the Erongo
from the Apollo 11shelter in Huns Mountain, Mountains such as the Fackeltrager, Etemba 2, 14,
southwest of Namibia. L1a and l2 as well as the later at Ghost Cave in the
Klein Spitzkoppe (Wadley, 1979). However, the
absence of the organic remains from the excavated rock art shelters made it difficult to date
the rock art figure in relation to the excavated archaeological materials. Similar problem
was experienced by Jacobson in 1974 who carried out archaeological investigations of the
Lower Numas Gorge cave and Tsisab shelters i.e. Ostrich, tiara, Girl’s School shelters in the
Brandberg Mountain (Jacobson, 1976b). Meanwhile, Scherz work was temporarily abando-
ned due to the high “demanding logistic requirement of the Brandberg Mountain” (Richter
at al., 2008) as well as due to old age and his work was later published in Scherz: 1970,
1975, 1986) when his research work was then continued by researcher Harold pager in 1977
who intensely, painstakingly and impressively documented over 43 000 individual rock art
figures of 879 from the rock art sites of the upper Brandberg Mountain in Amis, Hungorob,
Southern Gorges, Umuab and Karoab Naib Gorge (A) and the Northwest, Naib (B), Circus
and Dom Gorges of one of the most challenging mountain in Namibia within a period of
7 years until his sudden death in 1985 (Lenssen-Erz, 1997: 4). Ernst-Rudolf Scherz further
recorded the lower parts of Brandberg Mountain in areas of the Grosse Domschlucht. Des-
pite this, Scherz visited the Dome Gorge and made some selective recording of the rock
art which consists of at least 4 components: rock paintings; rock engravings; the gong rock
and Khoekhoen rock engravings which were published in MacCalman H.R”Grosse Doms-
chluncht Brandberg. Furthermore, where engravings and paintings were found on the same
panel, Scherz only recorded some and disregarded the engravings perhaps due to different
research interest. A new discovery of Prehistoric rock art in South West Africa in 1965 and
later documented Sven Ouzman (2002) and later
by Dr. Tilman Lenssen-Erz of the Heinrich-Barth
Intitut in Cologne and cooperation with Good-
man Gwasira who at a time was working for the
National Museum of Namibia (Fig. 006) and were
later studied and published by Goodman Gwasira
in 2011.
Following Pager’s passing, his work was continued
by Dr. Tilman Lennsen-Erz, an esteemed German
rock art archaeologists from the University of
Figure 006 – The artwork of the Grosse Cologne whose work significantly increased
Domschlucht. Retrieved from SARADA the number of known rock art sites within the
Archive. Photo courtesy, Sven Ouzman. Brandberg Mountain. Lenssen-Erz did not only

46 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ROCK ART RESEARCH IN NAMIBIA: A SYNOPSIS

systematically carry out further recording of rock art, but by publishing the Pager volumes
(Pager, 1989, 1993, 1995-2006) and in Lenssen-Erz published work (Lenssen-Erz, 1992, 1994,
1996, 19972, 2000, 2001, 2004, 2005, 2007c, 2008, 2009, 2012). It was during this period
that new generation of researcher such as Lennsen Erz began to question the art in relation
to their natural terrains. Here, the interpretation draws on a well-established tradition of
ecological and landscape archaeology which centred around the context, the physical confi-
guration and the whole totality of its environment where rock art sites are found.
The late 20th century of rock art research in Namibia became more advanced and accom-
plished by supporting evidences emanating from an inclusion of broader archaeological
investigations into the rock art sites studies. For instance, the archaeological investiga-
tion of the Brandberg Mountain by Dr. Peter Breunig between 1984 and 1987 established
a chrono-logical framework of the prehistoric habitants of the Brandberg Mountain and
linked the rock art with its cultural and ecological contents (Breunig, 2003 in Richter at al.,
2008). Furthermore, the archaeological excavations in the Hungorob Ravine of the Bran-
dberg mountain by renowned Namibian archaeologist Dr. John Kinahan (Kinahan, 1989)
who conducted test excavated a rock shelter in order to establish a chronological framework
of the sites occupation revealed a series of sites occupants, from the hunter gatherers set-
tlements who most probably authored the rock art figures until the late millennia to that
of the archaeological remains culminating in the adoptions of the nomadic pastoralism
emergence in the last millennia supported by the archaeological remains of the excavation.
Furthermore, a similar investigation of the Spitzkoppe Mountain (Kinahan, 1990, 2003 a &
b) which resulted in an test excavations at one of 37 rock art sites indicated a pattern of not
only the hunter gatherers occupations but also
revealed a series of subsistence occupants of the
Spitzkoppe of pastoral settlements who intro-
duced new subsistence technology (e.g. herds of
livestock and pottery as well as possible authored
some images of cattle 9 (Fig. 007) observed at the
site the author was very prudently in this stance
though. There is need to revisit the known
work by specifying the chronology of the figure
through the study of superimpositions.
During this period, a variety of surveying and
recording methodological techniques i.e. photo-
graphy in rock art were used as studies gradually
became increasingly formalized and more syste-
Figure 007 – Shows a partially exfoliated
matic. Kinahan interpreted the rock art figures figure depicting what appear to be cattle
symbolically and broadly relating to ritual acti- at one of excavated rock shelter in the
vities associated with the hunter-gatherers tra- Spitzkoppe Mountain.
dition. He draws the Ethnographic parallels with
that of South Africa tribal groups whose ancestors are thought to have authored the rock
art in most part of Southern Africa. A number of researchers in the region (Lewis-Williams,
1982; Lewis-Williams and Dowson, 1989; Coulson, 2007; Southy, 1999) interpreted rock art
with varying depths of appreciation for the appropriate use of the ethnographic analogies.
Other rock art research in Namibia of the late 20th century oversees record of new rock
engraving site (Fig. 008) recorded by (Dowson T. A., 1998) and his team from the University
of Southampton who engaged in a five year rock art project in Namibia funded by the Bri-
tish Academy and the University of Southampton to investigate the context in which rock
paintings and engravings were produced in the Ugab River Valley, of the central Namib

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 47
Alma Mekondjo Nankela

Desert. Their research focused more generally


to archaeological enquiries of the Namib regar-
ding the current debates on the introduction of
pastoralism, and interactions between hunter-
gatherers and pastoralists, refer to rock art in
general terms specifically the data and analyses
on the role the production of symbolic imagery
had in shaping the prehistory of the region as it
is assumed that both paintings and engravings
Figure 008 – Shows different animal spoors were made by hunter-gatherer peoples.
engraved on a rock surface in the Okon-
The 21st century into the rock art research in
guami Farm of Outjo district, Namibia.
Namibia oversees a growing number of academic
research revisiting the previously recorded or documented sites in Namibia to investigate
the rock art in relation to various larger archaeological and anthropological settings
offering new methodological approaches to the studies of prehistoric figures and sites i.e.
embracing of the contextual approach that includes systematic surveys and records of the
rock art sites that incorporate geographic and cultural landscapes, spatial analysis, con-
textualization and ecology of the Namib Desert settlements patterns research that reflects
current directions in the field (Lenssen Erz, 2000, 2001, 2004, 2005, 2007c, 2008, 2009,
2012; Gwasira, 2011; Kinahan, 2001a, 2004; Breunig, 2003,) of the upper Brandberg shows
that the same general explanatory approach used in other parts of southern Africa. Ethno-
graphic enquiries of rock art and identity formations at Twyfelfontein world heritage sites
by (Molin, 2006; Nankela, 2011) challenged the established theory on the ethnic relations
between the rock art sites and those living in near the rock art sites as well as general
visitors of Namibia’s first UNESCO world heritage site. Hollmann and Steyn 2003 revisited
the work of Abbe Breuil 1957 and Scherz 1986 in Erongo Mountains particularly in Oman-
dumba East, Anibib, Etemba, and Ekuta farms whose research interest has been strongly
reliant of the ethnographical associations of the rock paintings of Erongo built around
the shamanistic practices, hunting magic theories and contexts of rock art of the hunter
gatherers as well as the current management and conservation of the art. Similar research
study was conducted in 2011 by a master student researcher from the Goethe-Universität in
Frankfurt Verena Börner who carried out an archaeological research and documentation of
some rock art sites in the Omandumba east and
West farms in order to compile a master’s thesis
about them. Here, the researcher documented
approximately 44 sites (Fig. 009) of which about
3 sites do not contain the art but undefined
archaeological artifacts made of stone, most
likely unspecific Late Stone Age inventories.
The sites were schematically documented using
GPS-measuring methods; photographic and des-
criptive means following a fieldwork system of
the documentation of Rock Art developed by Dr.
Figure 009 – A fully painted giraffe at
‘Torchbearer’ shelter in Omandumba West Tilman Lenssen-Erz of the University of Cologne.
Farm, after author. This system is based on collecting data used for
an empirical analysis of the rock art and the rock
art sites. The thesis further tested and evaluates the applicability of the shamanistic theory
on the basis of selected rock paintings from the Erongo-Mountains, Namibia (Börner, 2013).

48 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ROCK ART RESEARCH IN NAMIBIA: A SYNOPSIS

Conservation and management issues of rock art sites in Namibia


The late 19th into the early 20th centuries, rock art in southern Africa was regarded as
aesthetic object worth collecting. This approach led researchers to believe that effective
conservation of rock art could be best achieved by the removal of panels of rock art from
sites to museums for safekeeping (Rudner, 1989; Loubser, 1994; Deacon, 1994, 2007; Henry,
2007). Hence, in Namibia, with the 1950s rock art conservation was enforced by legislation
that made it illegal to destroy, alter, remove from original site or export rock art without a
permit. From the 1950s, declaring certain sites as national monuments such as the Bran-
dberg, Twyfelfontein and the Spitzkoppe sites, enforced the site’s protection. Years later,
rock art researchers in Namibia have become progressively apprehensive about the state
and the rate at which both paintings and engravings are deteriorating triggered by various
factors with obvious natural activities i.e. rock weathering, biological agents, animal action,
normal geological activity and anthropogenic activities such as artificial factors like lack
of public awareness, uncontrolled tourism, acts of vandalism or inadequate conservation
strategies that attempt to ‘preserve’ the site coupled by the absence of community involve-
ments and neglects of the sites by the legal custodians of the rock art sites in the overall
conservation and management of the sites despite the existence of the protective legis-
lation – the National Heritage Act No 27 of 2004 During this period, various assessment
and documentations systems were developed to record and document motifs, their context
& their characteristics within that context as well as their state of conservations. Many
rock art sites have been recoded thanks to the 20th and 21st century devoted researchers.
These documentations to date serves as a complex methodological model and a practical
theoretical structure for the assessment of the rock art sites in Namibia and has over the
years amended to fit the currents trends in rock art conservation and management issues.
It incorporates not only graphics recording of the motifs but also description of the rock
art figures (standardized field note form for the rock) and also complements its descrip-
tion with information about other conditions relative to the alterations to the paintings or
engravings with the overall objectives of concurrently evaluate and monitor the conditions,
alteration and the agents responsible for deteriorations. Although several rock art sites in
Namibia were declared as national heritage sites to safeguard them from possible vanda-
lisms and destruction, other damage continue to persists, exhibiting the infectiveness and
weakness of legislation alone to address such problems as keenly witnessed at some of rock
art sites in Erongo region i.e. the Spitzkoppe Conservation Area as well as some sites in the
private farms of Erongo Mountains.
Furthermore, the conservation of rock art sites as heritage sites in Namibia has shifted from
focusing essentially on the material fabric of the site to approaches that includes a broader
meaning that make the sites important. This wider perception of the art has enabled the
inclusion of tangible and intangible aspects of cultural heritage to the site therefore sou-
ghing new tools to look after these heritage sites. The management planning was one of the
answers, and has become an essential methodology that involves the development of the
effective and practical management and conservation plans calling for more effective and
sustainable use of such heritage resources.
The 21st century saw some of the Namibian rock art sites ultimately nominated into the
UNESCO world heritage sites – the Twyfelfontein and in the UNESCO Tentative List –
The Brandberg Mountain for their outstanding cultural and natural landscapes. However,
converting such sites into international heritage means maintaining the sites and requires
adequate practices to guarantee environmentally sound management of the site and at the
same time ensures that local communities benefit from the site’s existence. Although tou-

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 49
Alma Mekondjo Nankela

rism offers advantages such as the promotion of cultural values of rock art sites, generate
income through visitor’s entrance fees and donations funds for restoration and protection
efforts as well as supporting of local handicrafts and others stakeholders such as tour ope-
rators and lodges chains, the downside of such development is as managing such rapid
tourism growth as it’s a time-consuming process demanding clear policies, on-going dia-
logue with stakeholders, and constant monitoring of a heritage site. In Namibia, tourism
activities require environmental impact assessments (EIAs) and Heritage Impact Assess-
ment. Since it contributes to protection and restoration efforts, the right balance between
economic gain and undesirable impacts can be elusive. In the case of world heritage site,
like Twyfelfontein; National Heritage Council of Namibia is fully aware that they are under
an international obligation to maintain and restore the site’s original values. This respon-
sibility poses difficult questions regarding the degree of change that should be permitted
to accommodate tourism growth without stretching scarce resources and push heritage
institutions away from protection efforts. Another problem is ensuring that a portion of
tourism revenue remains in the community as a means of fostering local protection, con-
servation and restoration efforts.

Some of the challenges of studying rock art in Namibia


As Chippindale and Nash say in their introduction (1999) “Each class of archeological
material has its own character, and with each character come the special strengths and
weaknesses of that personality”. Rock art unquestionably has its own personality. The
examples of difficulties with rock art research in Namibia described in this section are
generic problems within the scope of rock art research worldwide, and it would be artificial
to discuss them with reference only to Namibia only.
Firstly, it’s the credibility of ethnographic analogies in the meaning of the rock art. Rock
Art researchers have over the years tried in numerous occasions to deal with the problems
of using ethnographic analogy, but there is no consensus of how it would be achieved
scientifically. In Namibia for instance, rock art interpretations is often linked to the
ethnographic records harvested from neighboring regions. The country offering another
partial record of such emic interpretation in Southern Africa rock art is South Africa,
as demonstrated by the works of (Lewis-Williams, 1980, 1981, 1982, 1983, 1990; Lewis-
Williams and Dowson, 1989) which has afforded a general explanatory approach to some
rock art traditions in Namibia. While reconciling the indigenous and scientific knowledge
is absolutely impeccable and equally challenging in the quest for meaning and functions
of rock art. We can enthusiastically accept that there are some parallels, that indeed all
symbolic arts are ultimately related to some cultural groups, although we find it hard to
define and prove that whole scientifically, and we remain profoundly uncertain about the
nature of the relationship between rock art and the present day ethnic groups. Further-
more, much of the ethnographic materials collected among the Hunter-Gatherers groups
where not collected under ideal conditions, for instance, often communication between the
informant and the recorder is always by means of translation through the use of the third
party or an interpreter. What they often obtain is quite literally an interpretation, and not
fact. We then construe this interpretation in a way that makes sense in own linguistic and
cognitive framework. Moreover, it is well known today that extant traditional cultures do
not permit outsider’s access to all aspects of their metaphysical world leaving researchers
knowledge presented on them intentionally limited in several directions due to various
cultural reasons. Other records that have been harvested from regions where there is
little or no rock art, while some of the well-known rock art sites are from areas where

50 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ROCK ART RESEARCH IN NAMIBIA: A SYNOPSIS

little or no ethnography was recorded before the disappearance of i.e. hunter-gatherers. It


has therefore been difficult for the non-rock art-producing audience outside the author’s
cultures and world to accurately interpret the art or even understand their true meanings,
their cosmologies and the motivation behind their creation. Because of these limitations,
inadequate understanding of these limitations, our interpretation will remain obscured.
Secondary, is the nature of this archaeological material itself. Considering decades and cen-
turies of rock art research in the world, there is still no clear-cut and secure dating techni-
que for rock art in the world. We often speak of specific rock art traditions and relate them
to other archaeological entities. For instance, there is no credible dating available for any
single motif of hunter-gatherer or herders rock art in Namibia. We hear a lot about ‘Hunter
Gatherers and Herders art’ etc., but the simple fact is that these age attributions are on the
basis of stylistic typology hence cannot scientifically proven. They are unproven because
not a single rock art motif has been conclusively shown to be, say, hunter gatherers, and
there exists simply a degree of consensus that a certain perceived stylistic latitude within
an art corpus refers to a particular technological niche in archaeological time. This does
not constitute evidence; it is an opinion. Perceived styles are not real styles as (Conkey and
Hastorf, 1991) stressed, they are merely what we would like to lump together for the sake of
creating order in disorder, in accordance with our conditioned way of experiencing reality.
Styles perceived by archaeologists, be they of rock art or stone artifacts, are nothing more
than styles perceived by archaeologists. They may well be valid, I am not denying that pos-
sibility; but to prove this in a scientific realm would be extremely difficult would require a
great deal more work than we are likely to invest in the near future.
Thirdly, the 20st century in the Namibian rock art research had also witnesses a drama-
tic interest in the interpretations of the rock art in Namibia with particular observation
of researches conducted in Southern Africa. In South Africa for instance, rock arts are
attributed sorely to one tradition, the ancestors of the so-called “Bushmen” are apparently
responsible for all rock art except some finger paintings and a very few engravings (see
Coulson & Campbell, 2001: 80; also P. Mitchell, 2002). However, such assumption was a 19th
century oversight, in its origin, founded on a basis of ethnographic association of the art
with San people by travelers who saw the art and registered that San people living around,
not knowing at time that that there are other communities in Southern Africa particularly
the Khoe Herders and Iron Age Bantu-speaking people have also authored rock art. In
Namibia for instance, some research conducted at Twyfelfontein also advocate similar
views, that the art is sorely attributed to one ethnic group, the “San”, such conclusion is
drawn on the basis of inadequate evidence and without seeking deeper a comprehension of
the rock art traditions. The rock engravings of the Twyfelfontein suggest that besides the
San, the Khoekhoen herders also painted and engraved (see Gwasira, 2010; Ouzman, 2007).
Therefore, instead of using cultural labels such as San art or the derogative “Bushmen” art,
it may be safe to refer to Namibian rock art as hunter-gatherer and herder’s art since this
economic lifestyle manifests both cultural groups (Gwasira, 2010).
Fourthly, like many countries in the world including Southern Africa, the archaeology dis-
cipline or heritage sector in general does not enjoy a high priority in the national agenda,
and rock art, when mentioned, often forms part of a larger report about archaeological
excavations in a particular region. Thus, most reports tend to treat rock art in a fairly
descriptive manner, often laced with fleeting interpretations that are more speculative
than objective. Rock art being one of the widespread richest cultural resources in Namibia
remains undocumented and to some extend unknown due to various factors. One being
that the extremely very limited human capacity or specialists in the field of rock art and
archaeology in general in the country, two, being that most of the rock art sites are located

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 51
Alma Mekondjo Nankela

in private land as oppose to state land, they remain undocumented and unregistered in the
country’s heritage database. For this reason, they remain unprotected and often vandalized.
Three, despite earliest research on rock art in Namibia mostly by foreign researchers, the
heritage sector still relatively still in its infancy stage, the sector is largely state funded
and receives one of the lowest national budge often unable to fund many management
and conservations projects. Although Namibia has existing policies and frameworks
of rock art research in Namibia, the problem lies within the effective implementations
of these programs. Four is the infectiveness of the legislature responsible for the overall
conservation and protection of the cultural resources. Despite years of rock art research
in Namibia and existing protective laws, are either ignored or unknown hence many rock
art sites are often under constant threat with persistent anthropic actions such as illegal
mining activities, fire, vandalism, damage, cultural theft. Five, almost all rock art sites in
Namibia are in remote areas, Namibia being a desert country means documentation is very
difficult, in challenging mountains, in scotching sun of more than 40C heat.
Fifthly, this factor is related to the academic landscape of the post-colonial present – many
rock art reports written in the country are either not published or are journals, but are
written in foreign languages (other than English with very limited circulation and which
limits further dissemination. Much of these sources are often unutilized academically
while some are inaccessible making things even more difficult for the present day rock art
researchers to revisit such work.

New approaches, trends and future research perspectives


In recent decades, landscape archaeology has taken center stage in the rock art research
(e.g. Tilley, 1994; Ashmore & Knapp, 1999; Ucko & Layton, 1999 and Chippindale & Nash,
2004) as it has proved to be a valuable approach in understanding ways in which prehis-
toric people experienced their landscapes. Although pragmatic and evidently valuable,
it is a subjective approach to the past. In Southern Africa for instance, it is sometimes
controversial and regarded as Eurocentric predominantly when ethnographical contexts
are not engaged. Smith & Blundell, 2004: 259 have considered the subject of landscape
in relation to southern African rock art and have conclude that, without an ethnographic
context, researchers’ conclusions would be “embarrassingly far off the mark”. However, be
it that might be, in reality, it is difficult for the non-rock art-producing audience outside
the author’s cultures and world to accurately interpret the art or even understand their
true meanings, their cosmologies and the motivation behind their creation. Furthermore,
most of the ethnographical records that have been harvested from the region i.e. the 19th to
21st century ethnographical research on indigenous hunter-gatherers rock art in southern
Africa established by Lewis-Williams (Lewis-Williams, 1980, 1981, 1982, 1983, 1990; Lewis-
Williams and Dowson, 1989) came from areas where there is little or no rock art, while
some of the well-known rock art sites are from areas where little or no ethnography was
recorded before the disappearance of especially the hunter-gatherers. Therefore, I believe
that all spheres of rock art must be investigated and studied scientifically. Of course none
of this sounds as easy as deciding what we might think a figure depicts. But science was
not meant to be easy nor will it tell us what prehistoric art meant, although it would be
nice to know the meaning of the art. But if science cannot provide it we can either find out
what else science can do for us, and we can do it properly or we can abandon the long and
grueling path of science and take the shortcut to ‘meaning’, creating and projecting our
own preferred interpretation of the art.

52 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ROCK ART RESEARCH IN NAMIBIA: A SYNOPSIS

The future perceptive on the rock art research in Namibia requires researchers to investigate
beyond rock art style; chronology and distribution and deliberate more on the integrated
approach that incorporates the evidence of (archaeology, paleoenvironment ethnography,
tophonomy, geology, GIS and so on) in the overall rock art research in order to understand
the complexities and fluid of human origin that have been present in Namibia and generally
in southern Africa emphasizing its scientific bearings to global contextual Archaeology.

Acknowledgement
In conclusion, I ought to point out that numerous great names in Namibian rock art
research – namely Ernst-Rudolf Scherz, Harald Pager, John Kinahan, Lenssen-Erz and
Goodman Gwasira. The research developments mentioned above would have never been
possible without their outstanding contribution toward the Namibian rock art research and
the heritage sector in general. They have generously dedicated their life to the Namibian
rock art industry and continued to do so in distinctive ways, and to whom I pay tribute.

Bibliographic references
Breuil, Abbe (1957), Philipp Cave. The rock Paintings of Southern Africa 2. London, 1957.
______ (1960), Anibib & Omandumba and Other Erongo Sites: The Rock Paintings of Southern Africa:
Volume Four, Calouste Gulbenkian Foundation.
Breunig, Peter (1986), Archaeological Research in the Upper Brandberg. Nyame Akuma 27: 26-27.
______ (2003), Der Brandberg. Untersuchungen zur Besiedlungsgeschichte eines Hochgebirges in
Namibia. Africa Praehistorica 17. Köln.
Butzer, K. W., Fock, G., J., Scott, L., Stuckenrath, R. (1979), Dating and Context of Rock Engravings in
Southern Africa. Science. 203 (4386), 1201-1214.
Conkey, M. W. and C. A. Hastorf (eds.) (1991), The uses of style in archaeology. Cambridge University
Press, Cambridge.
Conrad, J., Breunig, P., Gonska, H., Marinetti, G. (1998), The feasibility of dating rock paintings from
Brandberg, Namibia with 14 C. Journal of Archaeological Science 15: 463-466.
Chippindale, C. and Nash, G. (eds.) (2004), The Figured Landscapes of Rock – Art. Cambridge:
Cambridge University Press.
Culson, D. & Campbell, A. (2001), African rock art. New York: Abrams.
Deacon, Janette (2002), Southern African Rock Art Sites. Retrieved from www.icomos.org.
Dowson T. A. (1998), “Rock art of the central Namib Desert”. Newsletter of the prehistoric society, 30:
6-7.
Hollmann, Jeremy and Steyn Willem (2003), A report on the rock paintings in the Erongo Mountain,
Erongo Region: Karibib, Omaruru District, Namibia.
Gwasira, Goodman (1998), (Jun) “Rock Art in Namibia: Its Past, Present and Future” in Pictogram, Vol.
10(1): 54-56, South African Rock Art Research Association, Okahandja, Namibia.
______ (2000), Twyfelfontein Preliminary Report for UNESCO, June 2000.
______ (2000), (Jan) Rock Art Site Management in Namibia, with Particular Focus on Twyfelfontein” in
Pictogram, Vol. 11(2): 16-22, South African Rock Art Research Association Okahandja, Namibia.
______ (2003), (May), “Community Involvement in Rock Art Site Management in Namibia” in Rock Art
Research, Vol. 20(1): 34-36, Australian Rock Art Research Association , Melbourne, Australia.
______ (2011), A rare combination of engravings and paintings in the Dome gorge, Daureb/Brandberg,
Cologne: CASC.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 53
Alma Mekondjo Nankela

______ (2012), The archaeology of the Dome Gorge in the Daureb/ Brandberg, Namibia: Themes, con-
tent and Context, Journal for Studies in Humanities and Social Sciences Volume 1, Number 1,
March 2012 – ISSN 2026-7215.
Jacobson, L. (1976b), Mid-Holocene to recent cultural change in the Brandberg. Paper read at the 9th
U.I.S.P.P Congress, Nice.
Kinahan, J. (1989), Pastoral nomads of the Central Namib Desert. Ph.D thesis, University of Witwater-
srand.
______ (1990), Four thousand years at the Spitzkoppe: change in settlement and landuse on the edge of
the Namib Desert. Cimbebasia, 12: 1-4.
______ (2011), From the Beginning: The archaeological evidence. In: Wallace M (with Kinahan J), edi-
tor. pp. 15–44. New York: Columbia University Press.
______ (2003), A Proposal for the Development of Community-Based Tourism at Three Archaeological
Sites in North-Western Namibia. Quaternary Research Services Report 48. Commissioned by
Deloitte and Touche, London.
______ (2005), The late Holocene human ecology of the Namib Desert. In Smith, M. and Hesse, P. eds
23.º S Archaeology and Environmental History of the Southern Deserts. Canberra.
______ (2006), Twyfelfontein /Ui-//aes World Heritage Site Nomination Dossier Namibia. Lee, R B.
(1984), The Dobe !Kung.New York: Holt, Rinehart & Winston.
Lenssen-Erz, Tilman (1997), “Metaphors of Intactness of Environments of Rock Art Paintings of
Namibia” in P. Faulstich (ed.), Rock-art as visual ecology: 43-54 Tucson, AZ: American.
______ (2004), “Landscape Setting of rock-painting sites in the Brandberg (Namibia): Infrastructure,
Gestaltung, use and meaning”, Cambridge University Press: Cambridge.
______ (2007), The atlas of cultural and environmental change in arid African: Africa prehistorica 21,
Cologne.
______ (2008), “Space and discourse as constitutes of past identities-the case of Namibian rock art”,
Left Coast Press: Walnut Creek, CA.
Lewis-Williams J. D. (2010), The imagistic web of San myth, art and landscape, Southern African
Humanities 22: 1–18.
______ (1981), Believing and seeing. London: Academic Press Lewis-Williams, J D 1983 The rock art of
Southern Africa.Cambridge: Cambridge University Press.
______ (1990), Discovering Southern African rock art.Cape Town: David Philip.
Lewis-Williams, J. D., & Dowson, T A (1989), Images of power: Understanding Bushman rock art.
Johannesburg: Southern Book Publishers.
Nankela, Alma (2012), The Landscape Setting of the Rock Arts Sites in Kunene Region, Namibia (ed.
Luiz Oosterbeek and George Nash), in landscape within rock art, Tomar: Centro de Pré-Historia
do Instituto Politécnico (CEIPHAR).
Pager, Harald (1998), The rock paintings of the Upper Brandberg, part IV – Umuab and Karoab
Gorges. Heinrich-Barth-Institut, Köln.
______ (2000), The rock paintings of the Upper Brandberg, part V – Naib Gorge (A) and the Northwest.
Heinrich-Barth-Institut, Köln.
______ (2006), The rock paintings of the Upper Brandberg, part VI – Naib (B), Circus and Dom Gorges.
Heinrich-Barth-Institut, Köln.
______ (2006), The rock paintings of the Upper Brandberg Part V1 Tome 1: Naib (B) and Dome Gorges,
Heinrich-Bath-Institut. Koln.
Pleurdeau D., Imalwa E., Detroit F., Lesur J., Veldman A., et al., (2012), «Of Sheep and Men»: Earliest
Direct Evidence of Caprine Domestication in Southern Africa at Leopard Cave (Erongo, Namibia).
PLoS ONE 7(7): e40340. Doi: 10.1371/journal.
Sandelowsky B and Viereck, A. (1969), Supplementary Report on the Archaeological Expedition of
1962 to Erongo Mountain of South West Africa. Cimbebasia B 1: 1-43.

54 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ROCK ART RESEARCH IN NAMIBIA: A SYNOPSIS

Taçon, P. S. C., and Ouzman, S. (2004), Worlds within Stone: The Inner and Outer Rock – Art Lan-
dscape of Northern Australia and Southern Africa. In The Figured Landscapes of Rock – Art. C.
Chippindale and George Nash, eds. pp. 39-68. Cambridge: Cambridge University Press.
Wadley, L. (1979), Big Elephant Shelter and its role in the Holocene prehistory of South West Africa.
Scherz, Ernst-Rudolf (1975), “Rock Art in South-West Africa. Volume II: The engravings in north--
western South-West Africa”, Cologne: Böhlau Verlag.
Wendt, W. E. (1974), “Art Mobilier’’ from the Apollo 11 cave, South West Africa: Africa’s oldest dated
works of art. South African Archaeological Bulletin 31: 5-11.
______ (1976), “Art Mobilier’’ from the Apollo 11 cave, South West Africa: Africa’s oldest dated works of
art. South African Archaeological Bulletin 31: 5-11.
Ouzman, S. (1998), Towards a mindscape of landscape, in Chippindale & Taqon (ed.): 30-41, the
archaeology of rock art: Cambridge, Cambridge University Press.
______ (2002), Site Report: Grosse Domschlucht 1 2114 AB6, Brandberg-Daures, Erongo Region, Oma-
ruru District, Namibia (25 April, 2002). Unpublished.
Viereck, A. and Rudner, J. (1957), “Twyfelfontein: A Centre of Prehistoric Art in South West Africa”.
Vogelsang, R., Richter, J., Jacobs, Z., Eichhorn, B., Veerle, L., Roberts, R. G. (2010), New Excavations of
Middle Stone Age deposits at Apollo 11 rock shelter, Namibia: stratigraphy, archaeology, chrono-
logy and past e.n\1\ronments. Journal of African Archaeology. 8 (2), 285-218.
Willcox, A. Fl. (1963), The rock art of Southern Africa. New York: Nelson.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 55
4
Rethinking the presentation at
Olduvai Gorge site museum within
Integrated Landscape Management
(ILM) framework
Everlyne E. Mbwambo* e Luiz Oosterbeek**

p. 57-64

Abstract
Despite the relevance of the Olduvai complex and of the remarkable research undertaken
for decades, the picture that one gets from the current site museum display is that of the
incomplete and fragmented representation of Olduvai Gorge cultural landscape. Noticea-
ble, there are aspects and themes of presentation and interpretation at the site museum
which have remained largely unchanged despite the ever changing and dynamic cultural
landscape and knowledge resulting from research. This paper raises issues of comprehen-
sive integrated presentation of all themes represented in the territory framed in the
broader perspective of heritage management within integrated landscape management
framework. The paper opined that 21 st century museums (OG site museum) need to take
into consideration the presentation of all territorial themes that incorporate tangible and
intangible heritage visible or not on the cultural landscape. In the end the paper recom-
mends rethinking presentation by modelling integrated preservation and presentation
strategies that ensure the message of the past and present are interpreted and presented
effectively to the indigenous communities as well as the visitors for sustainable heritage
management.

Introduction
The incomprehensive presentation and interpretation of the past, inadequate knowledge
construction and dissemination to the public and outdated structural facilities have remai-
ned a key dimension of dissatisfaction at Olduvai Gorge site museum. Reasons for such
negative occurrence is mainly attributed to heritage management and have been fully
examined by researchers elsewhere (Kusimba and Kusimba, 2003; Mabulla, 2000, and
Kimambo, 2014). It is very unfortunate that despite the good will and efforts geared at
improving the situation, drastic changes need to be undertaken. In Tanzania, Department
of Antiquities (DoA) is charged with custodianship and development of site museums of
Olduvai gorge and Kaole (found in Kaole ruins) among others which represent specific

* Instituto Terra e Memória


** Instituto Politécnico de Tomar, Instituto Terra e Memória, Centro de Geociências da Universidade de Coimbra.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 57
Everlyne E. Mbwambo e Luiz Oosterbeek

themes of paleontological, archaeological, historic, ethnographic and political collections


(Kayombo, 2005; Msemwa, 2005; Masao, 2010).
It is imperative to know that museums that carry specific themes such as Olduvai Gorge
pose a network of challenges that need to be differently addressed and constantly revised
given their unique mission and public expectations. Suffice it to say that Olduvai Gorge’s
breakthrough in these notorious challenges of poor and fragmented presentation of the
site, lack of interest of general public in site museum and inadequate consideration and
integration of stakeholders’ interests (often conflictive); is yet to be realized with the
adoption of integrated landscape management. The main objective is therefore to bridge
the gap between heritage and heritage users which will enhance knowledge construction
and dissemination, quality experience and heritage longevity. The paper strongly believes
by adopting and adapting this framework, a more clearer complete and comprehensive
storyline of Olduvai Gorge cultural landscape and true sustainability of heritage manage-
ment born out of improved stakeholders’ partnership and integration (knowledge sociali-
zation) will be realized.
The Rio+20 conference in 2012, amidst a bitter feeling of failure when thinking back on the
aims and expectation of 1992, stressed the relevance of human behaviour in the framework
of sustainability. This awareness increases the interest of societies on the understanding of
different strategies, across different territories and across time. This explains the growing
interest in Human evolution and, specifically, on Olduvai Gorge.
Understanding humans as a link involving society (human organisations), environment
(human context) and economics (human behaviour) enables to understand humanities as
a set of expertise for integrated landscape management for sustainable development. A
new role for the Humanities is, then, to build critical conceptual capacities, promoting new
integrated landscape management plans that value these issues, but also to give coherence
to the tripod of sustainability, to bridge the gap with other sciences to rephrase the dicho-
tomy between economics and culture and to promote the didactics of dilemmas and of
convergence within diversity.
The specific relevance of archaeology in such a programme for humanities is twofold. On
one hand its expertise in assessing adaptation mechanisms, economyenvironment balan-
ces, techniques and technology. On the other hand it offers an interdisciplinary approach
that goes beyond humanities, involving social and natural sciences when addressing those
topics. In fact, archaeology provides in depth understanding of the relation between
resources and needs, between techniques and energy, or between knowledge and territory.
This is how it looks into the past, e.g. when discussing the emergence of space dominance
by early hunters, the role space and time notions in the conquest of symmetry, or when
assessing transitions into farming relating resources, climate and human social dynamics.
Archaeological research offers to contemporary society, hence, an integrated insight into
past landscapes and their human dynamics, contributing to disseminate awareness of
adaptation mechanisms and of the need to value all levels of information. It is this insight
that calls for a specific type of reasoning that proves to be useful in contemporary society
and, we believe, it is in this line that heritage management can be useful for fostering a
dynamic of cultural integrated landscape management.

Materials and methods


In this section the paper explores the nature of heritage found at Olduvai Gorge, existing
infrastructure for research and museology and the appropriate methodology pursued.
The undisputed relevance of Olduvai Gorge greatly lies on her unique tangible and

58 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
RETHINKING THE PRESENTATION AT OLDUVAI GORGE SITE MUSEUM WITHIN INTEGRATED LANDSCAPE …

intangible heritage. Its remarkable paleontological and archaeological richness had long
been underscored by Dr(s) Leakeys whose unparalleled legacy at Olduvai forever lives.
Their dedicated scientific work at Olduvai was responsible for the great discoveries of
three hominin remains of Paranthropus/Australopithecus boisei, Homo habilis (handy
man) and Homo erectus/ergaster (Leakey, 1959; Leakey et allia., 1964; Leakey, 1971; M.
D. Leakey, 1976; Clarke, 2012; Dominguez-Rodrigo et allia., 2013). Archaeological heritage
inform of “living floors” and stone artefacts of Oldowan and Archeulian industries were
carefully studied and properly treated through the enduring work of MD Leakey who also
pioneered conservation through field (site) musea vision (M. D. Leakey, 1971; M.D Leakey
& Roe, 1994; Willoughby, 1997; Tobias, 1997). It is of no wonder that in 2010 Olduvai Gorge
under Ngorongoro Conservation Area assumed a privileged sit at UNESCO World Heri-
tage list as a World Heritage Cultural Heritage Landscape (UNESCO Report, WHC 10/34.
COM/20). In stressing the importance of Olduvai at national level, Mabulla (2000) opined
that, “this famous World paleontological and archaeological site provides the country
with comprehensive documentation of hominin biological and cultural evolution patterns
spanning 2 million years ago”. Today, the living seminomadic Maasai community who
calls Olduvai home has further beautifies the landscape with their remarkable intangible
heritage of their resilient traditional systems. These include but not limited to the fasci-
nating traditional cultural dances, songs, legends, bead working, traditional medicine to
mention but a few. The need therefore to integrate traditional system that are heritage
friendly become unescapable and paramount to promote cultural identity and minimize
community alienation. Existing infrastructure for research is a mosaic of old structures/
buildings constructed by the Leakey’s in the 1950’s and newly erected modern buildings.
The Oldest camp with permanent infrastructures is that of the Leakey camp (Fig. 001,
002) which is now being used for research purposes by the longrunning project The Oldu-
vai Paleoanthropology Project (OLAPP) initiated in 1989, The Olduvai Geochronology
Archaeology Project (OGAP), Olduvai Vertebrate Paleontology Project (OVP) and Con-
servation of Olduvai Project (COP). The Aguirre-Mturi Research station at Olduvai Gorge
was built is cooperation of The Olduvai Paleoanthropological and Paleoecological Project
(TOPPP) and Cives Mundi. This research station is being used by the Spanish-Tanzanian
team and their students for field schools and research purposes at large (Fig. 003).

Figure 001 Figure 002 Figure 003


Leakey’s camp structures. New site laboratory. Aguirre-Mturi station.

The current museum’s facilities at Olduvai include the information center built by the
Leakey’s in 1970 and opened to the public in 1972 (Paresso, personal communication) and
was later expanded through the construction of adjacent hall by the Getty Conservation
Institute in 1966 (Kimambo, 2014). The museum complex includes orientation room, Oldu-
vai and Laetoli room (Fig. 004), two lecture venues (banda in Swahili) (Fig. 005) and newly
constructed washroom facilities (Fig. 006).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 59
Everlyne E. Mbwambo e Luiz Oosterbeek

Figure 004 Figure 005 Figure 006


Museum entrance. Lecture venue. Washroom facility.

Methodology pursued for data collection


This paper uses some field work data that I collected for my master’s thesis on the current
trends and management of Olduvai Gorge cultural landscape in Aug-Sept 2014. Specific set
of data that will be used in this discussion comes from the 46 recorded questionnaires that
were distributed to the local community members and tour guides and 24 interviews made
on tourists and scientific researchers. Questionnaires were designed to address specific
segments of the research target. First set of questionnaires were to be administered to the
Maasai leaders, researchers, Ngorongoro Conservation Area Authority officials and Anti-
quities’ department officials at Olduvai. This type of questionnaire included information
on first: basic demographic data, second: sociocultural data including; family structure,
medical care, housing, closing and symbols, religion, leisure and third information with
regards to heritage. These questionnaires were printed in both English and Swahili and
included multiple choice questions where the respondent was asked to choose from the
various options one which best reflected their opinions and the open spaced questionnai-
res were intended to offer much freedom of expression and opinions from the respondent.
Interviews were conducted in three languages Swahili, English and Ma (Maasai language).
The latter I was assisted in translation and interpretation by a fellow masters student on
Heritage management from the University of Dar es Salaam who is also a proudly Maasai.
Personal interviews were both recorded using voice recorder and where necessary notes
were jotted down. Telephone interviewing (Kothari, 2004) became necessary given the
time constraint that I faced and the need to keep up with new updated information from
key interviewees. This method provided an opportune and proved effective in gathering
wider yet vital information and knowledge beyond the limits of the questions I had set.

Results
Herein are the statistics presented in table, graphs and quoted statements reflecting
various stakeholders’ responses with regards to their perceptions on the relevance of the
site museum at Olduvai Gorge (Table 001). Recorded questionnaires (46 in number) were
Table 001

NO Stakeholders segment Total in number Total in percentage


1 Local Maasai 36 51.4%
2 Tourists 19 27.1%
3 Tour guides 10 14.2%
4 Scientific Researchers 5 7.1%
Total 70 99.8%

60 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
RETHINKING THE PRESENTATION AT OLDUVAI GORGE SITE MUSEUM WITHIN INTEGRATED LANDSCAPE …

distributed to local community members


and tour guides and 24 personal inter-
views were administered to tourists and
scientific researchers. These figures make
a total of 70 people.
The graph below represents stakeholders’
responses indicating specific presentation
challenges at Olduvai site museum (Fig.
007). Results indicate that the majority of Figure 007 – Stakeholders responses indicating
the stakeholders (38.6 %) registered their specific presentation challenges at Olduvai site
sentiments with regards to public access museums.
which included partial engagement resul-
ting from a strong sense of alienation mostly raised by the community members. Commu-
nication challenges ranked the second where 22 respondents (31.4%) raised concerns on
the inadequate and outdated information, limited languages used and lack of interactive
communication devices such as touch panels, brochures, recorded sounds to mention but
a few. The other 21.4 % (15) mentioned few collections of the museum displays, inadequate
exhibitions and poor information presentation to be a major source of dissatisfaction. On
the other hand the last group pointed to the poor infrastructure in terms of inaccessibi-
lity of site (poor roads), lack of refreshment facilities/services and the small size museum.
When a local Maasai community member was asked why he visited the museum and the
relevance of the museum this is what he had to say, “I visit the museum to see what these
visitors (wageni in Swahili) go to do in the museum. It has been there for more than 50 years
yet there are no improvement on social facilities and our lives in general”. On the other
hand the interviewed researcher’ experience from Perugia University (Italy) was different
as witnessed in his words, “It is a great pity that the museum is very small, outdated with
few collection”. The tourist from Canada put it this way, “It is a site museum with organized
material but very small. It requires expansion, more informative communication aids such
as big screens, brochures and use of many languages also scientific updated information”.
The last but not least were the remarks of the tour director of Abercombie and Kent Ltd
who stressed that emphasis need to be put on community development especially of Maa-
sai community whom he thinks they have been left behind in National priorities.

Discussion and conclusion


Judging from the ongoing discussion and results presented the need to bridging the gap
between heritage presentation to the community and strengthening stakeholders’ part-
nership and integration stands out. According to Webber (2001) integrated presentation
ensues that all the message of the past encoded in the heritage are interpreted and presen-
ted effectively to the indigenous communities which I strongly believe to be a remedy to
community alienation and a catalyst to promoting cultural identity.
Such a premise is rooted from the realization of the expansion of the concept of cultural
heritage to encompass now all past evidences, material or intangible, that may be assigned
value by segments of contemporary societies, allowed for all human groups to be entitled
to have their specific heritages recognised. This demonstrates the need of heritage to
take cognizance of different stakeholders’ interests which are often conflictive given their
diversity in nature. In this context cultural heritage management of Olduvai Gorge in a
broader sense and heritage presentation in particular needs to be framed within integrated
landscape management as part of global territorial management.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 61
Everlyne E. Mbwambo e Luiz Oosterbeek

Figure 008 – Proposed integrated landscape management model for Olduvai Gorge.

Enfolding integrated landscape management and operation. Scheunemann and Ooster-


beek (2012) extrapolate Integrated Landscape Management as a stakeholderoriented and
participatory process that attempts to influence the direction of a transition towards a
more sustainable regional development and improvement on the quality of life. It has a
prerequisite a longterm vision, then, experiments in niches to prepare bigger interventions
and to build new coalitions between actors. Chief amongst the rationale behind integrated
management is the realization of a system of resources of often of nonrenewable nature
that make up the territory. Secondly is the need to protect and secure an even access to
different human groups implying articulation of different and often contradictory pers-
pectives, interests and agendas (Oosterbeek, 2012). In this sense human groups are part of
the territory but with different perceived perceptions on the territory and these differen-
ces in perceptions are referred to as “landscapes”. By taking into consideration all factors
and the presence of different actors (stakeholders) relevant to the territory, it provides a
breakthrough for a systemicholistic understanding for the informed governance of Cul-
tural heritage management. Of great importance to this subject are the four pillars upon
which this model is grounded namely formations, territorial matrix, dialogue forums and
most important communication. This modus operandi provides room for the flow of infor-
mation, ideas and views from various stakeholders resulting into the rapprochement of
presentation strategies at Olduvai Gorge. The proposed integrated landscape management
model and its anticipated resultant benefits for improved presentation at OG are summa-
rized in the Fig. 008 below.
In the process of stakeholder involvement training and education to the general population
and literally to every community member is essential. This process may be executed in
phases given magnitude of the process itself and resources available. The main aim is to
create heritage awareness to a wider community without exception since cultural heritage

62 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
RETHINKING THE PRESENTATION AT OLDUVAI GORGE SITE MUSEUM WITHIN INTEGRATED LANDSCAPE …

is a collective memory of humankind (Oosterbeek et allia., 2010). Another core element for
ILM is territorial governance which is linked to the concept of territorial competitiveness
to ensure coordination between different stakeholders (Scheunemann and Oosterbeek,
2012). This is where the proposal to incorporate all territorial themes at Olduvai comes
in. Such may include though not limited to themes featuring in historical (the mate-
riality of Maasai history) or formal organization of the traditional cultural systems in a
living museum to create a sense of belongingness. Furthermore in an attempt to foster
coordination between stakeholders’ temporal scientific exhibitions for the public may be
mounted to complement OG information centre but also to generate knowledge combined
with entertainment (edutainment). The logic behind dialogue forums which are based on
interactive experience and consultation aims at harnessing as much knowledge as possible
from different stakeholders, talk of merging scientific knowledge with traditional know-
ledge for instance. The process of knowledge socialization is key to informed management
plan which is a product of consolidation of knowledge within a spirit of partnership and
multidisciplinarity. In the end communication the cumulative knowledge arised from the
effective and appropiate dialogue need to be communicative efficiently and effectively to
the wider public in every possible way.
In concluding, heritage management has the obligation to understand the nature of diverse
stakeholders involved, their diverse interests and make a provision for a constant review
and changesmoving away from a traditional monolith heritage management. Such unders-
tanding is guided by a plausible reasoning that stakeholders change and so is the context.
This does not downplay the previous proposed heritage assessment or even that which is
currently applied at OG; but simply means assessment of the conditions of heritage and
stakeholders now have changed hence calling for a new paradigm shift in cultural heritage
management for true sustainability a model we call integrated landscape management.

Bibliographic References
Ashley, G. M. (2010), A spring and wooded habitat at FLK Zinj and their relevance to the origins of
human behavior. Quaternary Research 74: 304-314.
Ashley, G. M. et al. (2010), Sedimentary geology and human origins: a fresh look at Olduvai Gorge,
Tanzania. Journal of Sedimentary Research 80: 703-709.
Blumenschine, R. J. et al. (2003), Late Pliocene Homo and hominid land use from Western Olduvai
Gorge, Tanzania. Science 299: 1217-1221.
______ (2008), Effects of distance from stone source on landscapescale variation in Oldowan artefact
assemblages in the paleo-Olduvai Basin, Tanzania. Journal of Archaeological Science 35(1): 76-86.
Coast, E. (2002), Maasai socio-economic conditions: cross-border comparison (online). London: LSE
Research Online. Available at: http/eprints.ise.ac.uk/archive/00000265.
Clarke, R. J. (2012), A Homo habilis maxilla and other newly-discovered hominid fossils from Olduvai
Gorge. Journal of Human Evolution 63: 418-428.
Diamond, J. (2005), Collapse: How societies choose to fail or succeed. Nova York: Viking/Penguin
Group.
Domingues-Rodrigo, M. et al. (2014), The evolution of hominin behaviour during the Oldowan-
-Acheulian transition: recent evidence from Olduvai Gorge and Peninj. Quaternary Interna-tional,
322-323: 1-6.
Leakey, L. S. B. (1928), The Oldoway Skull. Nature 121: 499-500.
Mabulla, A. Z. P. (2000), Strategy for Cultural Heritage Management (CHM) in Africa, A Case Study
from Tanzania. African Archaeological Review 17 (4): 211-233.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 63
Everlyne E. Mbwambo e Luiz Oosterbeek

Masao, F. T. (2010), Museology and Museum studies. A hand book of the theory and practice of
museum, Dar es Salaam, Dar es Salaam University Press-
McBean, G. A. (2007), Role of prediction in sustainable development and disaster management. In:
Brauch, H. G. et al. (eds.) Globalisation and environmental challenges: Reconceptualising security
in the 21st century. Berlim: Hexagon Series on Human and Environmental Security and Peace 3:
929-938.
Mturi, A. A. (2005), State of Rescue Archaeology in Tanzania. In Mapunda, B. B. B. and Msemwa, P.
(eds.) Salvaging Tanzania’s Cultural Heritage. Dar es Salaam: Dar es Salaam University Press.
Musiba, C. M. et al. (2014), The Management of Cultural World Heritage Sites and Development in
Africa: History, Nomination Processes and Representation on the World Heritage List. In Maku-
vaza, S. (ed.) Springer Briefs in Archaeological Heritage Management 2192-5313: 97-98.
Oosterbeek, L. (2012), Looking at a global disruption in three steps, plus one to overcome it. In: Terri-
tori della Cultura, n.º 8, pp. 14-21.
Oosterbeek, L., Santander, B. and Quagliuolo, M. (2010), Quality Heritage Management. Ceiphar,
Arkeos series vol. 26: Tomar.
Scheunemann, I., Oosterbeek, L. (eds.), McBean, (2012), A New Paradigm of Sustainability: Theory
and Praxis of Integrated Landscape Management. (tradução da versão em inglês Sybelle Margery
Marie e Jongh Doria Martins), Rio de Janeiro: IBIO.

64 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Le couteau de jet en milieu Gabri
Noudjiko Hamdji Milman*

p. 65-69

Le patrimoine culturel peut être appréhendé comme l’ensemble des biens matériels ou
immatériels ayant une importance artistique et/ou historique certaine, et assure la trans-
mission des valeurs culturelles d’une génération à une autre.
Le couteau de jet constitue une référence de valeur, de conservation, de dignité et un
signe de pouvoir chez les peuples méridionaux du Tchad (la Tandjilé, le Logone Occiden-
tal, Logone Oriental et le Moyen Chari). Cette arme traditionnelle fabriquée à base du fer
reflète l’image de ce peuple. Pour le commun des mortels, le couteau de jet est considéré
comme une arme de défense et de chasse cachant certaines valeurs.
Dans la société traditionnelle des peuples Gabri, le couteau de jet est la principale arme
qui jusqu’à nos jours reste inséparable des hommes Gabri. Il est utilisé pour la guerre, la
chasse, mais a aussi une valeur symbolique dans la résolution des conflits, mariages, véné-
rations des dieux, cérémonies funèbres etc. Ces valeurs sont protégées et transmises de
génération en génération. Malgré ses rôles, ses valeurs, la place qu’occupe le couteau de
jet, cet instrument patrimonial se trouve menacé par certaines décisions administratives
et la modernité. Le modernisme et ces interdits banalisent le port du couteau de jet par les
jeunes Gabri, ce qui se traduit par l’usage d’autres armes comme la machette industrielle,
les fusils artisanaux, le couteau etc.
Ce patrimoine (couteau de jet) est fragile et sévèrement menacé de disparition. Face aux
menaces de nature compromettante, il serait question d’engager des actions telles que:
étudier les possibilités de conservation, de restauration et de protection, pour transmettre
cette valeur à la génération future.

I. Présentation de la zone d’étude et du peuple Gabri


Le canton Kimré est situé au sud du Tchad
entre 09° 18’08 et 9°33’00 Nord; 16°9’00 et 16°
55’ 32 Est, situé au nord de la sous-préfecture
de Dono Manga dans le département de
la Tandjilé Est. Il est séparé de la capitale
(N’Djamena) à 500 Km. Il est limité par cinq
cantons: le canton Goulaye au Sud, le can-
ton Ndam au Nord Est, le canton Soumraye
au Nord, le canton Tchêdoum à l’Ouest et
le canton Darbé au Nord-Ouest. Dans son
ensemble, le canton compte vingt et sept (27)
Fig. 001 – Localisation de la zone d’étude.
villages, deux (2) ferriques (Ferrique de

* CEAUP.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 65
Noudjiko Hamdji Milman

Kimré et de Marou) et une population de 25949 habitants composée à 98 % d’ethnie Gabri


de Kimré dont sa culture fait l’objet notre étude.

II. Description du couteau de jet


Le couteau de jet appelé en langue Gabri «Guessa» est un instrument ou un outil artisanal
fabriqué par les forgerons et plus utilisé par les ethnies de la zone méridionale et particu-
-lièrement les Gabri. Sa fabrication diffère d’une ethnie à l’autre
et se fait selon les principes coutumiers de chaque ethnie. Chez
les Gabri l’obtention du couteaux de jet se fait sur commande du
demandeur auprès du forgeron de son choix. Cette commande
s’accompagne dans la plupart de cas par la remise du morceau de
fer du demandeur au forgeron qui le modèlera selon la marque
sollicitée par le demandeur.
La dignité de l’homme Gabri se voit à travers sa capacité à dispo-
ser un nombre important de couteaux de jet, à bien les entretenir
et son habileté à atteindre la proie. Pendant le moment de non
Fig. 002 – «Mbam» usage, il est préférable dans cette communauté que le couteau de
(pochette) (Ph. Hamdji). jet soit remis dans sa pochette appelée «Mbam».

III. Techniques de fabrication du couteau de jet


A l’instar des autres objets issus des activités de la forge, la fabrication du couteau de jet
obéit à une procédure:
– Dans un premier temps, on procède au choix du fer, son découpage, son dimensionne-
ment et ceci par l’apprenti forgeron. Si le fer est plat et large, on le divise en une dimension
convenable à la forme du couteau de jet, au cas contraire, on procède à son aplatissement.
– Deuxième phase: Cette phase consiste exclusivement à la mise au foyer du fer choisi et
du chauffage. Une fois le fer chauffé, malléable, la troisième phase commence.
– Troisième phase: celle-ci correspond au façonnage ou modelage. Elle est la phase impor-
tante dans le processus de la fabrication du «couteau de jet» et est assuré par le forgeron
lui-même. L’opération (chauffage-modelage) se répète jusqu’à la phase de l’obtention d’un
couteau de jet parfait. Le forgeron le plonge dans l’eau pour le rendre rigide
– Quatrième phase: chez l’homme Gabri, le couteau de jet qui atteint une proie ou une
cible sans laisser un sérieux dommage est soit échangé ou mis hors usage. Pour cette
raison, à chaque fin de la fabrication du couteau de jet, il doit être aiguisé pour être tran-
chant. Cette tâche est assurée parfois par l’apprenti forgeron ou parfois par une personne
spécialisée en la matière.

IV. Types de couteaux de jet


Comme les armes modernes, les couteaux de jet utilisés en milieu Gabri sont de différentes
marques. On distingue en général quatre(4) types de couteaux de jet à savoir:
1) «GuessaMông-Rông»: c’est le type de couteaux de jet à deux crosses. Il assure les mêmes
fonctions que les autres mais à cause de difficultés à la fabrication et de la valeur que l’on
lui accorde, il coûte plus cher que les autres. Le constat fait dire qu’il serait plus utilisé
par des personnes âgées que les autres types.
2) «Guessa Bôrô»: c’est le type de couteau de jet à une seule crosse mais le bout finale de la
partie tranchante est courbé par derrière. Ce type de couteau n’a pas une exception que
l’on peut signaler.

66 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
LE COUTEAU DE JET EN MILIEU GABRI

Fig. 003 Fig. 004 Fig. 005 Fig. 006


Guessa Mông-Rông trousse de couteau de jet Guessa Bôrô trousse de couteau de jet
(Ph. Hamdji). Mông-Rông (Ph. Hamdji). (Ph. Hamdji). Bôrô (Ph. Hamdji).

3) «Guessa sun-nume»: c’est le couteau de jet le plus ordinaire, il est caractérisé par une
crosse ne présentant aucun signe particulier. C’est ce type de couteau de jet qui est plus
utilisé par les jeunes. Souvent, les parents en signe de confirmation de l’âge de responsa-
bilité de leurs enfants leur octroient ce type de couteau.
4 «Guessa Sêwrê»: il ressemble plus au type précédent mais se démarque par l’arc que
porte le bout de sa crosse. Il est aussi plus utilisé par les jeunes.

Fig. 7 Fig. 8 Fig. 9 Fig. 10


Guessa sun-nume trousse de couteau de jet Guessa Sêwrê trousse de couteau de jet
(Ph. Hamdji) sun-nume (Ph. Hamdji) (Ph. Hamdji) Sêwrê (Ph. Hamdji)

V. Différentes valeurs du couteau de jet chez les Gabri


1. Valeurs symboliques
a) Test de virginité
Le choix du partenaire chez le Gabri obéissait aux principes coutumiers. Tous ceux qui
fréquentaient la fille manifestaient leur volonté en apportant de petits cadeaux à la belle

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 67
Noudjiko Hamdji Milman

famille. Surtout, les parents du garçon favori pouvaient apporter aux parents de la jeune fille
la demande de main constituée d’un (1) couteau de jet, d’un (1) poulet et d’un (1) cabri pour
les rites. Ce geste signifiait la fermeture de la porte de la proposée aux candidats malheureux
et aux nouveaux candidats. Il s’en suit le test de fidélité et de virginité de la future épouse,
car la culture Gabri refuse tout acte d’infidélité. Le couteau de jet et le poulet envoyés par les
parents du gendre au père de la fille seront utilisés pour tester la pureté de la future épouse.
En présence de deux représentants du garçon dans la famille de la jeune fille, celle-ci sorti-
rait de sa case, tenant le poulet dans sa main droite et faisant des imprécations en passant
le poulet entre ses jambes à quatre reprises avant de le remettre à son cousin paternel qui
l’égorgerait avec ce couteau de jet envoyé et le lâcher se débattre jusqu’à mourir. Si celui-
-ci meurt couché sur son aile droite, cela confirme la virginité de la future épouse, au cas
contraire, on supposerait que ce même couteau de jet l’a égorgée et les fiançailles seraient
rompues ou, si tel n’est pas le cas, elle perdrait toutes les confiances de son époux.
b) Gibé kourô
Après la dot, les conjoints pouvaient alors se fréquenter mais cela ne confirme pas encore
l’accord de la fille. Il va falloir que celle-ci symbolise son accord en ramenant les couteaux de
jet de son fiancé à ses parents, cela confirme aussi que ce dernier l’a divergé. Au coucher du
soleil, deux de ces cousins se rendront chez le beau-frère pour recevoir des cadeaux «engré»
ne concernant pas le couteau de jet. Cette phase annonçait la préparation du mariage.
c) Cérémonie funèbre (Tanrè parade)
Chez les Gabri, un homme ne doit pas venir aux funérailles sans couteau de jet, il est fort
probable que cette cérémonie se solde par de combats meurtriers, cela s’explique aussi par
la prise de position selon les groupes familiaux. Même si le pire est souvent évité, le couteau
de jet sert de parades qui démontrent le combat, on appelle «Tangrê»
d) Inhumation avec le couteau de jet
L’inhumation chez les hommes Gabri se fait toujours avec le couteau de jet déposé à côté du
défunt, cela explique que même dans la tombe l’homme Gabri reste un combattant.
e) Signe de responsabilité chez les adolescents
Dans la société Gabri, quand l’enfant de sexe masculin est né, le père reconnait avoir un
défenseur. A l’âge de cinq (5 à 6 ans), il commence à recevoir l’éducation paternelle qui
le prépare à la maturité d’homme et à la bravoure. A l’âge de 15 ans et plus, pour lui con-
firmer sa maturité et sa responsabilité d’homme, le père génital lui remet un ou deux
couteaux de jet.
f) L’utilisation du couteau de jet lors des vénérations (Tibé kamrê)
Les Gabri vénèrent les dieux en cas d’une malédiction sur la famille, ceci pour demander
la clémence et le pardon de dieu: on appelle «tebé kamrê». Comme on se présente devant
Dieu avec des offrandes et sacrifices, pour se présenter devant les dieux, il est obligé que
ces derniers soient muni de cadeau composé d’un coq, couteau de jet et ou parfois de cabri,
sans cela, personne n’obtiendrait la clémence de ces dieux.

2. Couteau de jet comme arme de guerre


Si les armes modernes sont plus utilisées par d’autres ethnies dans les conflits internes, les
Gabri avaient et ont jusqu’à maintenant le couteau de jet comme arme de guerre. C’est avec

68 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
LE COUTEAU DE JET EN MILIEU GABRI

cette arme qu’ils ont résisté à Rabah, défendaient leur territoire et se défendaient contre les
animaux féroces.

VI. Impact des lois Tchadiennes sur l’usage du couteau de jet


Sous prétexte de garantir la sécurité territoriale et du peuple tchadien, le gouvernement a
promulgué des lois interdisant le port d’armes blanches (couteau, couteau de jet, machet-
tes…). Ces décisions appliquées de manière impartiale ne favorisent pas la pérennisation de
ce patrimoine. Souvent des fouilles sont organisées pour ramasser les armes blanches. Le
couteau de jet est à priori plus mal vu que d’autres armes. Ces décisions entrainent de plus
en plus la rareté de couteau de jet chez les Gabri de milieu urbain et la perte de sa valeur
culturelle chez les jeunes.

VII. Justification du patrimoine et sa mise en valeur pour l’identification du


peuple Gabri
La motivation du choix porté sur cet instrument traditionnel relève d’une importance
capitale pour la valorisation et la conservation du patrimoine culturel du peuple Gabri.
Connu pour ses valeurs, le couteau de jet est le compagnon ultime de tous les hommes
Gabri mais aujourd’hui il est menacé de disparition par l’entremise des croyances et pra-
tiques modernes.
Aux côtés de ces deux facteurs, les régulations politiques et administratives au Tchad et
le brassage des cultures jouent un rôle très destructeur quant à la sauvegarde de cet outil
défenseur.

Fig. 011 Fig. 012


Blason de l’ANT. Logo des sociétés de gardiennage (Ph. Hamdji).

Parlant de mémoire collective des tchadiens, cet instrument traditionnel a une valeur
transcendantale car au lendemain des indépendances il est utilisé comme symbole sur les
insignes de l’Armée Nationale Tchadienne (ANT), ce qui explique inévitablement sa valeur
guerrière. Nous avons aussi quelques sociétés de gardiennage qui l’utilisent dans leurs
logos comme arme de défense et de sécurité.
Suite à ses valeurs, ces considérations des actions concrètes doivent être engagées en vue
de sauvegarder, de valoriser ce patrimoine cher en voie de disparition. Pour la conservation
de cet outil patrimonial, il est recommandé aux autorités en charge de la sécurité du patri-
moine culturel de veiller sur sa pérennisation.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 69
5
Património e Arqueologia Angolana
como potenciais aliados de uma
atividade turística nacional residual
Ziva Domingos* e Bumba de Castro**

p. 71-82

Introdução
Considerando o desempenho da arqueologia no estudo das práticas sociais do passado e
da reconstituição da história das comunidades, decidimos fazer uma abordagem sobre a
contribuição desta no melhor entendimento das sociedades africanas, cuja historiogra-
fia tem sido muitas vezes deturpada ou, simplesmente, ignorada e no desenvolvimento
socioeconómico de Angola, através do turismo cultural. Enquanto berço da humanidade, o
continente africano constitui-se numa fonte singular para o desenvolvimento da arqueolo-
gia. Contudo, em sentido contrário, África necessita de encontros permanentes com o seu
passado devido à existência de trajectórias descontínuas e vazios temporais que precisam
ser esclarecidos com a ajuda de ciências como a arqueologia.
Angola, sendo um dos países africanos que mais foi afectado com o comércio de escravos
transatlântico, devido à sua localização geográfica, viu igualmente a sua história interrom-
pida de forma brusca. As pesquisas e descobertas arqueológicas que têm sido realizadas
em diferentes partes do país, consubstanciadas em estações de arte rupestres em quanti-
dade e diversidade assinaláveis e em artefactos arqueológicos que remontam do mesolítico
e paleolítico antigo, permitem introduzir elementos no seu passado e conquistar novas
abrangências para redefinir a origem e o percurso da sua historiografia. Por esta razão,
temos assistido a iniciativas diversas das autoridades angolanas no sentido de valorizar e
conservar o seu património cultural, sendo a candidatura da cidade de M’Banza Kongo a
património mundial a situação mais evidente.
Por outro lado, os esforços empreendidos para a salvaguarda e valorização do patrimó-
nio cultural e a sua vertente arqueológica têm no turismo um importante aliado, que
deverá contribuir igualmente para a educação patrimonial dos cidadãos e dos visitantes,
assim como para a melhor interpretação e leitura do passado. Não obstante a situação
residual do turismo angolano no contexto da África Austral, os objectivos traçados para
o sector até 2020 obrigam à concepção de produtos turísticos diferenciados que tragam
valor às comunidades. O arqueoturismo é, naturalmente, um desses produtos, visto que,
ao necessitar de testemunhos, tais como os artefactos arqueológicos existentes para a
formatação de roteiros e configuração de produtos competitivos no mercado de consumo,
tenderá a valorizar e a divulgar cada vez mais o país.

* Doutorado em Antropologia, Etnografia e Pré-História. Director Nacional de Museus de Angola. Professor da


Universidade Agostinho (Angola).
** Doutorando em Turismo, Lazer e Cultura pela Universidade de Coimbra.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 71
Ziva Domingos, Bumba de Castro

Nessa perspetiva, trazemos, num primeiro momento, como reflexão neste artigo a contri-
buição da arqueologia enquanto ciência reveladora das verdades do passado e, consequen-
temente, enriquecedora do património cultural. De igual modo, procurámos apresentar de
forma resumida a situação da arqueologia africana e as principais descobertas arqueoló-
gicas que vão acontecendo em Angola nos últimos anos e, finalmente, na última parte do
artigo, fizemos uma curta abordagem sobre o arqueoturismo, enquanto produto turístico e
potencial para a conservação, divulgação e valorização económica do património cultural.

1. A Arqueologia: ciência reveladora das “verdades” do passado e enriquece-


dora do património
Ao fazermos uma análise dos trabalhos dos diferentes autores, constatamos que a arqueo-
logia transmite conhecimentos e saberes convertíveis em património e suscetíveis de aju-
dar a romper paradigmas perpetuados no tempo, contribuindo de forma significativa na
redefinição de “verdades” antes estabelecidas e no preenchimento de trajectórias descon-
tínuas do tempo e do espaço. Por vezes semelhante à solução de um puzzle, é uma ciência
que permite dar sentido ao presente por um lado, mas por outro lado, acaba por apresentar
constantes e permanentes desafios para percursos posteriores.
Enquanto ciência social, a arqueologia toma como objeto de investigação a cultura material
produzida pelos indivíduos num espaço e período de tempo determinados, no sentido de
revelar a complexa estrutura das relações sociais e possibilitar a compreensão das transfor-
mações pelas quais passam as sociedades ao longo do tempo (Carvalho, 2010). Ao estudar
os processos sociais através dos restos materiais, a arqueologia apresenta-se como um
veículo privilegiado de transmissão de conhecimentos que possibilita a análise social das
sociedades desaparecidas ou das pré-históricas (Leira et alia, 2014).
Na visão de Jorge (1990), a arqueologia completa a história que é feita através dos docu-
mentos escritos, nomeadamente onde estes costumam ser mais omissos, ou transmitidos
oralmente, sobretudo, no que concerne à história local, cujos feitos não foram dignos de
figurar nos anais que o passado legou. Essa situação é particularmente interessante no
contexto africano, onde as fontes orais são veículos determinantes para a compreensão
da sua historiografia. Conforme sugere Lane (2011), o desenvolvimento da arqueologia, ao
interligar o passado com as tradições orais e históricas, é visto como um importante cami-
nho para desconstruir o discurso colonial de que o continente africano não tinha história
antes da chegada dos europeus. O autor vai mais além ao defender que é uma ciência que
se afigura como um dos meios mais efetivos de pesquisa do passado não escrito, tendo por
isso o potencial de desafiar o discurso colonial de que faz parte, podendo mesmo funcionar
como uma prática anticolonial.
Um dos períodos mais marcantes da história da humanidade, pela desumanidade e indi-
gência produzida, é sem dúvida o do comércio de escravos transatlântico, intensificado nos
séculos XVI, XVII e XVIII da nossa era. Parte esmagadora dos testemunhos existentes nos
nossos dias sobre esta prática humana ultrajante foi apresentada ao longo desses séculos, e
igualmente nos séculos XIX e XX, pelos diferentes actores e autores do poder dominante,
numa perspetiva eurocêntrica. A análise deste fenómeno, ao socorrer-se da arqueologia,
estudando os costumes e os sistemas sociais estabelecidos pelos escravos deportados,
sobretudo nas Américas, tem permitido apreender saberes através de práticas culturais
tangíveis e imateriais de resistência e sobrevivência, cujos sinais são observáveis hoje, na
dança e na música, na gastronomia e nos artefactos, na língua e na forma de culto. Mani-
festações culturais que se “cosmopolizam” cada vez mais com a actividade turística.

72 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PATRIMÓNIO E ARQUEOLOGIA ANGOLANA COMO POTENCIAIS ALIADOS DE UMA ACTIVIDADE TURÍSTICA …

Neste sentido, tendo como fonte principal a cultura material, a arqueologia constitui uma
via de acesso à história e à cultura dos grupos escravos, que serve simultaneamente de alter-
nativa e complemento dos estudos escritos (Symanski et alia, 2012). Na visão destes autores,
os vestígios materializados das práticas quotidianas dos escravos, muitas vezes mantidas
ocultas pelos segmentos dominantes, apresentam um enorme potencial no fornecimento
de informação sobre os padrões de vida material, economia, dinâmica social, cosmologias,
religiosidade, construção e reconstrução de identidades. Além disso, considera-se que os
artefactos produzidos pelos escravos podem ter um papel ativo na reconfiguração das iden-
tidades desses grupos, pois que permitem a reprodução de estilos que, em muitos casos, se
associam facilmente aos estilos típicos das sociedades de origem.
Como a finalidade da arqueologia é perceber a intenção com que, no passado, alguém con-
cebeu determinado material, assumindo um mínimo de elementos de continuidade para
que o fio de inteligibilidade se estabeleça entre esse passado e nós, podemos afirmar que
da leitura do material encontrado se recuperam intenções e se identifica a dinâmica das
ações individuais e colectivas que está para além da estática do material (Jorge, 1990). Por-
tanto, trata-se de ideias materializadas, no espaço, em estruturas e objetos, levando a que
as diferentes gerações acumulassem ensinamentos de culturas construtivas, manuseando
os recursos naturais para erguer edifícios que contribuíram para elevar a qualidade de vida
das sociedades actuais (Guerrero et alia., 2012).
Os edifícios históricos aportam também elementos materiais importantes para a arqueolo-
gia e para um melhor entendimento do passado. Conforme atesta Zoreda (2009), o edifício
histórico permite conhecer e, sobretudo, comunicar de modo mais afetivo que qualquer
outro documento com as culturas que dão forma ao passado, pelo que a leitura de um
imóvel informa a sociedade sobre as suas formas de vida, organização familiar, formas de
relação social, ideologia de diversas culturas que o tenham habitado. O bem cultural tem
um valor social como documento que nos vincula ao nosso passado, simbólica, física, emo-
tiva e intelectualmente, permitindo-nos reflectir sobre nós mesmos e projetar no futuro a
nossa visão de sociedade.
Para Carvalho (2010), a arqueologia permite compreender formas de organização do corpus
social, práticas económicas e culturais, significados atribuídos aos artefactos ao longo dos
processos sociais. Desempenha, por isso, uma importante função social nos projetos de res-
tauração de prédios e edificações históricas, bem como na revitalização das cidades, vilas e
povoados, identificando e divulgando aspectos da memória étnica e cultural dos povos que
ali se estabeleceram e que contribuíram para a configuração de um espaço singular.
Em suma, a arqueologia, pela sua capacidade de contribuição imparcial e de reorgani-
zação dos discursos sobre o passado, assim como pela contribuição na redistribuição do
protagonismo e restituição dos atores legítimos de construção da história, constitui-se,
naturalmente, num valioso instrumento de reforço da identidade das coletividades e de
exercitação da alteridade. O conhecimento, o respeito e a consideração pelos feitos alheios
que, em última análise, nos dá a percepção da contribuição na edificação da paisagem cul-
tural da humanidade, representam um estímulo significativo para a compreensão mútua,
convivência na diferença e para a paz entre os povos. Portanto, concluímos expressando a
nossa total concordância com o enunciado abaixo:
“(…) the archaeological heritage and the knowledge produced through its study may
be the key component in the process of socio-cultural and economic development for
communities, representing also the starting point for intercultural and inter-religious
peaceful relationships” (Carbone et alia, 2013, p. 286).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 73
Ziva Domingos, Bumba de Castro

2. A situação africana e as principais descobertas arqueológicas em Angola


Uma vez analisado o substrato da episteme arqueológica que nos levou a compreender
melhor o seu lado emancipador, convém, pensamos nós, observá-la numa perspetiva de
produção objetiva de resultados, sobretudo no contexto africano, envolvido ainda numa
multiplicidade de constrangimentos criados no período colonial e que, paradoxalmente,
foram agravadas no período pós-colonização, tanto pelas estratégias de continuação da
subjugação política e económica arquitetadas pelas classes dominantes como pela imaturi-
dade, oportunismo e défice de valores culturais dos líderes africanos.
Como afirma Lane (2011), a produção do conhecimento arqueológico africano não pode
ser encarado apenas como mera descrição do passado, mas como uma direcção sobre os
problemas e desafios das comunidades e governos africanos actuais. A relevância do diag-
nóstico sobre a arqueologia [em cada uma das nações do continente] deve assentar numa
tomada de consciência sobre o significado do passado onde ela, como vimos anteriormente,
se apresenta como o meio de o definir cientificamente (Morais, 1984), isto é, de o apresen-
tar com verdade, com discurso sustentável e coerente e, acima de tudo, com a perceção da
sua contribuição para a contínua construção da humanidade.
Lane (2011) sustenta que a arqueologia da África Subsariana e a sua manifestação pública
através dos museus emergiu de um contexto de regras europeias, e este legado do colonia-
lismo continua a ganhar forma nas práticas arqueológicas que atravessam o continente.
As regras coloniais continuam a definir os aspectos da arqueologia moderna, desde a sua
interpretação ao peso que é dado aos diferentes eventos, processos, possibilidades de pes-
quisas, etc., que frequentemente se apresentam em conflito com as necessidades da história
africana.
Sendo o berço da humanidade e, consequentemente, o espaço onde se encontram os traços
mais antigos de ocupação e produções humanas (Domingos, 2012), o continente africano
representa a principal fonte de pesquisa para o encontro do homem com o seu passado
mais recôndito, na busca de mais subsídios que possam sustentar a origem da sua exis-
tência, o mecanismo da sua trajetória de sobrevivência e as vicissitudes do seu percurso
pela procura de habitats seguros. Pois bem, posto isto, impõe-se que sejam colocadas as
seguintes questões: será que este legado histórico do continente é apreendido na sua ver-
dadeira dimensão pelos africanos? Ou, conforme se interroga Lane (2011), o africano tem
consciência da importância do encontro com a sua história? Serão os apoios governamen-
tais significativos para a investigação em sítios arqueológicos com vista a redescobrir o
passado que o sistema colonial ocultou? De que forma o turismo tem ajudado a valorizar o
património arqueológico no continente?
As interrogações expostas, longe de dirigirem o curso da nossa abordagem, pretendem
chamar à reflexão para estudos posteriores que visem impulsionar pesquisas arqueológicas
em África com o protagonismo de africanos e africanistas, com vista a assegurar a contí-
nua revitalização dos territórios do continente e reforço da sua autoestima. Como temos
vindo a frisar, a atividade turística, pelas suas particularidades intrínsecas de busca da
diferenciação, do exótico e do inédito, deverá ser uma aliada privilegiada da preservação,
valorização e divulgação do património arqueológico africano, orientando os mercados
para produtos alternativos aos exaustivos produtos da fauna selvagem, evidenciadas nos
parques e reservas naturais da África oriental e austral que, no entanto, carecem de sinais
visíveis de territorialização das mais-valias no local.
Angola, cuja história actual repousa praticamente nos factos identificados no segundo
milénio da nossa era, tem alargado de forma significativa a sua historicidade e redimen-
sionados vestígios arqueológicos no seu espaço geográfico, com trabalhos sistemáticos

74 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PATRIMÓNIO E ARQUEOLOGIA ANGOLANA COMO POTENCIAIS ALIADOS DE UMA ACTIVIDADE TURÍSTICA …

de investigadores nacionais e estrangeiros. Citemos por exemplo o caso do antropólogo


e etnólogo francês, Manuel Gutierrez, professor e investigador na Universidade de Paris
1, Panthéon Sorbonne. Gutierrez (2009) sustenta no seu trabalho sobre a arte rupestre em
Angola que os vestígios arqueológicos na província do Namibe são numerosos, de natureza
e idade diversa. Para além das estações de arte rupestre, conhecem-se numerosos locais
com material lítico que se estendem do paleolítico antigo até aos períodos recentes.
Gutierrez defende também, socorrendo -se do trabalho de outros autores e de pesquisas no
terreno, que estão catalogados mais de 40 locais de arte rupestre em Angola, distribuídos
do rio Zaire, ao norte, até ao rio Cunene, ao sul, e da fronteira Este até ao Oceano Atlântico,
havendo no entanto, ao longo do território, limites de prospeção arqueológica que tornam
parcial o conhecimento actual destes vestígios (Gutierrez, 2009). Por sua vez, Campos
(2013) argumenta que, apesar de difícil detecção, se conhecem alguns achados de artefactos
líticos no sudoeste de Angola, desde jazidas mais a norte da província do Namibe, grutas da
Leba na zona da Huíla e para além do Cunene, materiais que se distinguem desde as eras
mais recuadas (olduvaiense1) até à LSA 2 (mesolítico regional) e à passagem para a Idade do
Ferro africana (chegada dos bantus e, posteriormente, dos europeus).
Por outro lado, pesquisas arqueológicas na
Baía-Farta (Benguela) fazem referência à
existência de peças líticas na região, desco-
bertas desde os anos 1950 a partir da publi-
cação de geólogos do serviço de minas de
Angola. O conjunto das escavações arqueoló-
gicas descobertas até hoje é conhecido como
o complexo arqueológico do Dungo, do nome
do rio temporário que passa entre as duas
falésias do local. A existência de restos ósseos
em qualidades importantes – uma baleia
encalhada objecto de rapinagem nos bordos
do paleolago – e a presença de fauna marinha Figura 001 – Foto do sítio arqueológico do
no mesmo nível dos restos ósseos permitiu Dungo IV (Manuel Gutierrez, 2014).
efectuar uma datação à volta dos 350 000
anos. Isto significa tão-somente que nesta região de Angola já havia ocupação humana
neste período, visto que junto ao esqueleto de baleia foi encontrado material lítico, sobre-
tudo em quartzo, atestando a presença de humanos (Gutierrez, 2015).
Na sequência do estudo etno-arqueológico desenvolvido no concheiro deste local (Benfica I
– Cabo Lombo) foram analisados materiais recolhidos, como carvão e ferro, que estarão a
ser datados para se ter a percepção da cronologia do concheiro (Domingos, 2015).
Com os relatos apresentados estamos, obviamente, diante de elementos materiais que
remetem à génese das ocupações humanas no território angolano actual para um par de
milhões de anos atrás, tornando cada vez mais enriquecedor o património arqueológico
angolano. Assim, conforme defende Jorge (1990), pelo facto de ser uma forma própria de
fazer história e de perspetivar a realidade humana, a arqueologia [particularmente a de
Angola] deve tomar uma posição importante e de destaque no jogo político dos saberes, no
âmbito das ciências sociais.

1 É o termo usado em arqueologia para se referir às primeiras indústrias líticas dos hominídeos durante o período Paleolí-
tico Inferior em África (período mais antigo da pré-história do homem). A denominação faz referência ao sítio arqueoló-
gico mais importante de tais indústrias: a Garganta de Olduvai, na Tanzânia (http://pt.wikipedia.org/wiki/).
2 Later Stone Age: Idade da Pedra Tardia. Época em que as ferramentas de pedra eram elaboradas com mais complexidade.
Os arqueólogos estimam que terá iniciado há 50.000 anos.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 75
Ziva Domingos, Bumba de Castro

Todavia, o grande problema das realidades africanas tem sido a falta de aplicabilidade da
legislação criada para regular as atividades dos diferentes setores na gestão do património
cultural, limitando dessa forma a efetividade dos objetivos preconizados. Imalwa (2012),
citando Said (1999), considera quatro situações que estão na origem da ineficácia da legisla-
-ção produzida sobre o património cultural nos países da África austral:
i) Excessiva centralização do sistema herdado do regime colonial;
ii) Fraca coordenação entre as diferentes instituições ligadas ao património cultural;
iii) Não envolvimento da comunidade local;
iv) Ausência de planeamento estratégico no campo do património cultural.
A gestão dos sítios arqueológicos, sua norma-
-lização, produção e implementação de instru-
mentos legais é um desafio que se apresenta
aos africanos, com vista a um maior aprovei-
tamento dos recursos. Arazi (2011) considera
que a real ameaça dos recursos arqueológicos
do continente africano está no corrente boom
das infraestruturas, tendo em conta o estágio
actual de precariedade socioeconómica e a
urgência dos países se desenvolverem. Pen-
Figura 002 – Foto do Aeroporto internacional samos que Angola se enquadra perfeitamente
de Luanda (Google, 2015). neste alerta, porquanto tem experimentado
um crescimento assinalável no sector da
construção civil, com investimentos a nível de
barragens hidroelétricas, aeroportos, portos,
caminhos-de-ferro, telecomunicações, etc.
Porém, a nosso ver, tem-se observado uma
preocupação crescente de conservação e valo-
rização do património cultural do país pelo
Executivo angolano, através do Ministério da
Cultura. A lei 14/05 de 07 de Outubro do patri-
Figura 003 – Foto da Barragem de Laúca mónio cultural angolano, Diário da República
(Google, 2015). n.º 120/05, I série, reserva o número 1 e 2 do ar-
tigo 36.º à proteção de reservas arqueológicas:
1. Em qualquer lugar onde se presuma a existência de monumentos, conjuntos ou sítios
arqueológicos pode ser estabelecida com caráter preventivo e temporário, pelo Ministé-
rio de Tutela uma reserva arqueológica de proteção, de forma a garantir-se a execução de
trabalhos de emergência, com vista a determinar o seu interesse.
2. Com a finalidade de se proteger a eventual riqueza arqueológica do subsolo das áreas
urbanas, o Ministério de tutela deve promover a publicação de legislação cautelar espe-
cífica que contemple as diversas situações.
Na mesma senda desta sensibilidade das autoridades angolanas, a política cultural ango-
lana faz uma menção clara sobre a importância da preservação e valorização do património
arqueológico, conforme sublinha Domingos (2013, p. 262):
“A política cultural de Angola aprovada em janeiro de 2011 pelo Executivo, reconhece
que o património cultural e natural (incluindo o património arqueológico) representam
um dos pilares de desenvolvimento sociocultural e económico de Angola. Por conse-
guinte, este património merece ser preservado e valorizado a todo o custo.

76 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PATRIMÓNIO E ARQUEOLOGIA ANGOLANA COMO POTENCIAIS ALIADOS DE UMA ACTIVIDADE TURÍSTICA …

Uma das melhores formas de preservar e valorizar este rico património é classifica-lo,
não somente como património cultural e natural nacional, mas também como patri-
mónio da humanidade, de acordo com o seu valor universal excepcional, a fim de ser
partilhado pelos povos do mundo inteiro”.

Foi nesta perspetiva que o Instituto do Património Cultural elaborou e apresentou o projeto
de candidatura da cidade histórica de M’banza Kongo, antiga capital do reino do Kongo,
a Património Mundial da Unesco, estando neste momento a ser objeto de avaliação neste
organismo das Nações Unidas. É pretensão de Angola inscrever também, num futuro
próximo, a paisagem cultural do Corredor do Kwanza3 e a estação de arte rupestre de
Tchitundu-Hulu da província do Namibe, referenciada anteriormente.
Não se trata de uma patrimonialização despótica e tirana como a dos centros antigos de
diversas cidades ocidentais, conforme se insurgiu Corrêa (2009), ao questionar o investi-
mento sistemático no passado e no património, numa época de aceleradas transformações
socioeconómicas, impelindo, na sua apreciação, as comunidades a processos forçados de
enquadramento patrimonial das suas memórias e de mercantilização do seu passado.
Pensamos que todas as descobertas arqueológicas conseguidas no território angolano
representam uma riqueza cultural importante para o país que, na visão de Costa (2012),
fornece uma possibilidade ao homem [angolano] de pensar à margem dos imperativos esta-
belecidos, de conferir ao mundo uma lógica e uma finalidade imanentes, de construir um
modelo de mundo e de vida satisfatória, concreta e harmoniosa, no quadro do qual possa
resolver as suas finalidades terrenas de realização de felicidade e de perfeição secularizada.
Portanto, Angola deve encarar esse processo de conhecimento arqueológico como uma luta
constante pelo alcance de abrangências mais poderosas, buscando um nível de abstracção
maior, totalidades mais amplas, um meta-discurso totalizante (Jorge, 1990), onde a ativi-
dade turística tem, naturalmente, o seu espaço.

3. A rqueoturismo: um potencial para a conservação, divulgação e valoriza-


ção económica do património cultural
Se, por um lado, as deslocações por motivações culturais ou religiosas contribuíram bas-
tante para desenvolver o turismo actual, “we verified that there was an ancestral aliance
between cultural heritage and tourism, based on the traditional motivation of travel: know-
ledge and self-knowledge […]” (Carbone et alia, 2013, p. 287), por outro, revelar o passado útil
considerando o modelo epistemológico indígena implicado num conjunto de conhecimen-
tos contextualizados, em contraste com os saberes generalizados do Ocidente (Lane, 2011),
representa um atractivo potencial para captar segmentos de mercado diferenciados, que
vêem nas viagens uma forma agradável de aprendizagem.
A ideia das relações de autenticidade que subjaz à operacionalização do turismo ligado ao
património cultural encaixa perfeitamente, como diria Encarnação (1995), com a maneira
como a arqueologia compreende a cultura material, estando alinhada com o fundamento
da natureza humana, que é o conhecimento das suas raízes, a sua perspectiva perante os
outros, a dinâmica do seu existir. Nesta perspetiva, o arqueoturismo singulariza-se, espe-
cialmente, ao ajudar a oferecer uma experiência mais completa e satisfatória ao visitante,

3 É um percurso navegável de 258 km do rio Kwanza e zonas adjacentes, que se estende do Dondo à foz do rio, a sul de Luanda.
Ao longo do corredor existe um vasto conjunto de riquezas patrimoniais, naturais e culturais, e foi sempre uma zona de activo
comércio no tempo colonial e pré-colonial. Por esta razão, foi a principal via de comunicação utilizada pelo regime colonial
português para comercializar escravos e ocupar os territórios do interior de Angola.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 77
Ziva Domingos, Bumba de Castro

ao tratar de aspectos sobre as origens do território de visita, assim como em se diferenciar e


posicionar melhor no mercado turístico, contribuindo para o desenvolvimento local (Leira
et alia, 2014).
Para Domingos (2012) cada sítio arqueológico possui informações essenciais que permitem
completar os conhecimentos sobre a história e as culturas antigas. Algumas dessas fontes
são únicas e o seu desaparecimento representaria uma perda inestimável para nas nossas
sociedades. Esses sítios merecem uma melhor proteção, conservação, valorização e gestão.
Por outro lado, Carvalho (2010) afirma que as áreas patrimoniais que abrigam importantes
sítios históricos se traduzem em locais de apreciação e vivência de importantes traços da
cultura, tanto para os membros de uma comunidade em geral quanto para os visitantes,
além de estimularem acções de preservação dos bens culturais.
Por muito tempo, o turismo foi alvo de críticas por se disseminar pelo mundo de forma
não planeada e irresponsável, causando destruição nos lugares em que foi sendo implan-
tado (Alfonso, 2012). Com o rasto visível de vulnerabilidade social e desterritorialização de
comunidades4 por força de investimentos turísticos economicistas, a comunidade inter-
nacional foi ganhando consciência da necessidade de adoptar práticas sustentáveis para a
atividade. A declaração de Florença da Unesco sobre a preservação da terra é, a este pro-
pósito, elucidativa. Observa-se neste organismo das Nações Unidas uma clara preocupação
de salvaguardar o território das comunidades, incentivar o envolvimento e a participação
ativa da população local em todas as questões que afectam as suas territorialidades, com o
intuito de melhorar as suas condições de vida, mediante a partilha de oportunidades e de
objetivos.
Tanto o património cultural em geral, como o património arqueológico em particular, têm
um potencial suficiente para poder atrair um maior fluxo de visitantes, através de uma
correcta gestão e planificação dos recursos, tendo sempre em conta a capacidade de carga
dos mesmos, a fim de evitar a deterioração dos recursos devido a um número excessivo de
visitantes (Leira et alia, 2014). Ao promover a divulgação do património, sua identificação,
valorização e reconhecimento, a actividade turística ajuda a consciencializar os autóctones
e os visitantes para a necessidade de sua preservação (Alfonso, 2012). Nesse diapasão, o
autor realça o facto de o turismo necessitar de testemunhos da cultura para a formatação
de roteiros e produtos, isso é, para a configuração de um produto competitivo no mercado
de consumo, subordinado a um vínculo estreito entre o património cultural, turismo e
arqueologia.
Considerando que o arqueoturismo (ou turismo arqueológico) é a vivência dos turistas em
áreas de importância arqueológica com significado espiritual e simbólico para a comuni-
dade local (Carvalho, 2010), pensamos que Angola se apresenta numa posição satisfatória
para desenvolver práticas turísticas associadas à observação ou a actividades de escavação
parciais, tendo em conta o património arqueológico apresentado neste texto. O enunciado
seguinte sobre o complexo arqueológico e rupestre do Ebo, província do Kwanza-Sul, é
sintomático do potencial arqueoturístico do país: “ [...] à magnificente beleza do meio
natural o ser humano adicionou singelas obras que se diluem na paisagem, complemen-
tando e tornando ainda mais especial essa paisagem” (Oosterbeek et alia, 2012, p. 94). Na
opinião de Oosterbeek (2012), a importância do complexo arqueológico do Ebo advém da
sua localização, da sua diversidade, da sua quantidade e da sua conservação. Essa combi-
nação de características permite efetivamente aproximações sucessivas às paleo-paisagens,

4 Vide o artigo de Fernandes, João Luís (2013), Turismo, precariedade territorial e dinâmicas de desterritorialização, in Cravi-
dão, Fernanda e Santos, Norberto, (orgs.), Turismo e cultura, destinos e competitividade, Coimbra: Imprensa da Universidade
de Coimbra. Ou ainda Krippendorf, Jost (2009), Sociologia do turismo. Para uma nova compreensão do lazer e das viagens,
3.ª ed., São Paulo: Aleph.

78 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PATRIMÓNIO E ARQUEOLOGIA ANGOLANA COMO POTENCIAIS ALIADOS DE UMA ACTIVIDADE TURÍSTICA …

e permitirá no futuro a construção de um


programa de gestão integrada do território,
contribuindo com o património cultural para
uma melhoria da vida das populações que aí
residem.
Para um país com uma atividade turística
residual, com oferta pouco consolidada e com
bastante elasticidade para gerir a sobrecarga
dos destinos, o seu potencial arqueoturístico
acaba por estar reforçado, na medida em que
tem oportunidade para estruturar e dimen-
-sionar a actividade de forma sustentável, Figura 004 – Foto do Sítio de Arte rupestre de
con-forme declara Carvalho (2010, p. 59): Ndalambiri-Ebo (Ziva Domingos, 2014).

“Museus, centros culturais e demais locais de salvaguarda e exposição do património


cultural podem ampliar o seu potencial de atractividade ao intensificarem o seu inte-
resse pelos objectos e artefactos resultantes da investigação arqueológica. Exposições
museológicas diversificadas que ressaltam a plurietnicidade e as diferentes representa-
ções da cultura local tendem a ampliar o papel do turismo e da arqueologia na preser-
vação do património, ao mesmo tempo que reforçam o direito à memória e a cidadania
cultural”

A agenda 2011-2020 para o desenvolvimento do turismo de Angola perspectiva o desenvol-


-vimento de acções para alcançar, num horizonte de 10 anos, uma cifra anual de 4,6 milhões
de turistas, mais de 1 milhão de postos de trabalho e uma receita anual de 4700 milhões de
dólares americanos, representando 3,21 % do PIB nacional. Dados atuais dão conta de um
total de 650 000 entradas de visitantes, 173 478 postos de trabalho gerados pela atividade e
uma participação no PIB abaixo de 1 % (Minhotur5, 2014).6

Entradas de visitantes em Angola


2002 2007 2010 2013 2020 6
91 000 195 000 425 000 650 000 4 600 000
Figura 005 – Quadro da evolução da entrada de visitantes em Angola após o fim do conflito armado.

Figura 006 – Foto do Delta do Okavango Figura 007 – Foto do Rio Kwanza-Dondo
(Francisco, Amaro, 2013). (Castro, Bumba, 2013).

5 Ministério da Hotelaria e Turismo de Angola.


6 Objectivo definido na agenda 2011 – 2020.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 79
Ziva Domingos, Bumba de Castro

O movimento turístico apresentado assenta


0% fundamentalmente nas viagens por motivos
Profissionais
profissionais. Movido pela necessidade de
20%
Férias
diversificação de produtos turísticos consen-
Trânsito tâneos com a sua grandeza e diversidade, o
Executivo angolano, através do Ministério da
Hotelaria e Turismo, tem elaborado um plano
estratégico de desenvolvimento do turismo
80%
nacional assente em três tipologias estratégi-
cas: Cultura, Natureza e Sol e Mar (Minhotur,
2013). No caso do turismo cultural, onde se
Figura 008 – Gráfico de Motivações de viagens
destaca o produto turístico “Rota de Escra-
em Angola (Minhotur, 2014).
vos”, que poderia ser mais evidenciado pelas
pesquisas arqueológicas, há toda uma neces-
sidade de considerar outras valências culturais do país e potenciar um alinhamento com o
Ministério da Cultura, perspetivando a inscrição dos bens culturais a Património Mundial
da Unesco, mas também estreitar a articulação com o Ministério do Ambiente para a ges-
tão do turismo Natureza, tendo em conta o potencial da geo e da biodiversidade do país.
Portanto, o país tem todas as condições materiais para desenvolver de forma saudável o
arqueoturismo. Um maior envolvimento da população universitária do país em atividades
desta natureza resultaria benéfica para a educação e para a interpretação patrimonial dos
sítios arqueológicos, ao mesmo tempo que impulsionaria a emergência de um mercado
interno virado para um turismo mais erudito, susceptível de contribuir para o enriqueci-
mento da história do país, sua apreensão, o consumo pelos seus cidadãos e a diversificação
da economia angolana, neste momento particular em que se regista a queda do preço do
petróleo7 no mercado internacional.

Conclusão
Os saberes e conhecimentos proporcionados pela arqueologia constituem um importante
instrumento de reforço da identidade das coletividades e de construção saudável da alte-
ridade. Para além de ajudar a desmistificar discursos enviesados e carregados de juízos de
valores, a arqueologia é uma ciência que permite dar sentido ao estado das coisas actuais
e apresentar constantes desafios para o futuro. O conhecimento, o respeito e a considera-
ção pelos feitos alheios que, em última análise, nos dá a perceção da contribuição de cada
região na edificação da paisagem cultural da humanidade, representam um estímulo sig-
nificativo para compreensão mútua, convivência na diferença e para a paz entre os povos.
O continente africano, devido à herança do passado recente, tem experimentado dificul-
dades na gestão do seu património cultural, nomeadamente o património arqueológico,
guiando-se ainda de forma excessiva pelos ditames alheios para com os contextos que lhe
são próprios e constituem a sua razão de existência. Enquanto continente que testemunha
as ocupações humanas mais antigas na terra, África representa um potencial enorme para
o desenvolvimento da arqueologia, uma ciência que tem permitido resgatar a sua história e
ajudado a construir um discurso proporcional ao seu contributo na edificação das socieda-
des modernas e nos progressivos estágios civilizacionais.

7 O petróleo constituiu a principal fonte de receitas para a economia angolana com mais de 50 % no Orçamento Geral do
Estado.

80 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PATRIMÓNIO E ARQUEOLOGIA ANGOLANA COMO POTENCIAIS ALIADOS DE UMA ACTIVIDADE TURÍSTICA …

As conquistas arqueológicas alcançadas, um pouco por todo o mundo, são muitas vezes
difundidas e conhecidas, em detalhe, pela atividade turística. Neste sentido, um planea-
mento equilibrado desta atividade assente na valorização e divulgação dos sítios arqueo-
lógicos deve representar uma importante ajuda para a sua gestão e conservação, além de
proporcionar às comunidades ganhos económicos e sociais. Assim, o arqueoturismo deverá
ser um produto a potenciar no continente e particularmente em Angola, onde as inúmeras
estações de artes rupestres, os achados arqueológicos diversos relacionados com material
lítico e a sua condição, no passado, de importante fornecedor de escravos para as Améri-
cas, proporcionam ao país ingredientes suficientes para estabelecer uma simbiose profícua
entre o turismo e a arqueologia.

Referências bibliográficas
Alfonso, Louise (2012), Arqueologia e turismo. Sustentabilidade e inclusão social, Tese de doutoramento,
São Paulo: Universidade de São Paulo.
Arazi, Noemie (2011), Safeguarding archaeological cultural resources in Africa – Policies, Methods
and Issues of (Non) Compliance, Africa Archaeology Review, n.º 28, pp. 27-38. Disponível em:
http://link.springer.com/article/10.10072Fs10437-011-9090-8#/page-1,acesso em: 27/04/2015.
Campos, Nelson (2013), Das potencialidades arqueológicas da bacia do Curoca/Deserto do Namibe para
um estudo diacrónico desde a pré-história africana ao período colonial – algumas notas. Africana
Studia, n.º 20, pp. 31-53.
Carbone, Fabio; Oosterbeek, Luiz e Costa, Carlos (2013), Paideia approach for heritage management.
The tourist enhancement of archaeological heritage on behalf of local communities,
Pasos, n.º 2, pp. 285-295. Disponível em: http://www.pasoonline.org/Publicados/11213/ PS013_02.pdf,
acesso em: 27/04/2015.
Carvalho, Karoliny (2010), Turismo cultural e arqueologia nos espaços urbanos: caminhos para a
preservação do património cultural, Turismo & Sociedade, n.º 1, pp. 51-67. Disponível em: http://
ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/turismo/article/viewFile/17341/11405, acesso em: 27/04/2015.
Corrêa, Alexandre (2009), O saber patrimonial e a arqueologia de Michel Foucault: princípios metodoló-
gicos de uma análise crítica e política dos conceitos, Pasos, n.º 1, pp. 115-125. Disponí-vel em: http://
www.redalyc.org/pdf/881/88111633009.pdf, acesso em: 24/04/2015.
Costa, Manuel (2012), Arqueologia moderna da modernidade, Kriterion, n.º 125, pp. 119 -148. Dispo-
nível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S0100-512X2012000100007&l
ng=en&nrm=iso&tlng=pt, acesso em: 27/04/2015.
Domingos, Sónia (2015), O sítio arqueológico do Benfica I, Cabo Lombo: Estudo etno-arqueológico,
in Actas do III encontro internacional de história de Angola, Luanda: Arquivo Nacional de Angola.
Domingos, Ziva (2012), A arte rupestre do Sudoeste de África: desafios e perspectivas, in Oosterbeek,
Luiz; Martins, Cristina e Domingos, Ziva, (orgs.), Ebo e arte rupestre do sudoeste de África, Tomar:
Arkeos.
______ (2013), Preservação e valorização do património arqueológico no contexto nacional e mundial:
Caso do sítio de M’banza Kongo (Candidato a Património da Humanidade), Tecnologia e Ambiente,
n.º 1, pp. 262-275.
Encarnação, Jorge (1995), Arqueologia: investigação e património, Casa de Sarmento,n.º 105, pp. 45-57.
Fernandes, João Luís (2013), Turismo, precariedade territorial e dinâmicas de desterritorialização,
in Cravidão, Fernanda e Santos, Norberto, (orgs.), Turismo e cultura, destinos e competitividade,
Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
Guerrero, Luis; Correia, Mariana e Guillaud, Hubert (2012), Conservación del patrimonio construído
con tierra en iberoamerica, Apuntes, n.º 2, pp. 210-225.
Gutierrez, Manuel (2009), Arte rupestre em Angola. Província do Namibe, Saint-Maur-des-Fossés:
Serpia.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 81
Ziva Domingos, Bumba de Castro

______ (2015), A história comprida de Angola a partir das fontes arqueológicas, in Actas do III encon-
tro internacional de história de Angola, Luanda: Arquivo Nacional de Angola.
Imalwa, Emma (2012), Developments of archaeological heritage management in Southern Africa: a
look at heritage legislation during the colonial and post-colonial periods, in Oosterbeek, Luiz;
Martins, Cristina e Domingos, Ziva, (orgs.), Ebo e arte rupestre do sudoeste de África, Tomar:
Arkeos.
Jorge, Vítor (1990), Arqueologia e história: algumas reflexões prévias, Revista da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, pp. 367-372.

Krippendorf, Jost (2009), Sociologia do turismo. Para uma nova compreensão do lazer e das viagens, 3.ª
ed, São Paulo: Aleph.
Lane, Paul (2011), Possibilities for a postcolonial archaeological in sub-Saharan Africa: indigenous andu
usable pasts, Revista World Arachaeology, n.º 1, páp. 7-25. Disponível em: http://dx.doi. org/10.108
0/00438243.2011.544886, acesso em: 24/04/2015.
Ministério da Hotelaria e Turismo (2013), Plano Director do Turismo de Angola. Luanda: PM Media.
______ (2014), Boletim estatístico do mercado hoteleiro e turístico de Angola do ano 2013, Luanda:
Edições de Angola.
Morais, João (1984), Mozambican archaeology: past and present, the African archaeological review, n.º
2, pp. 113-128.
Oosterbeek, Luiz (2012), Ebo: arte rupestre e antropização de um território, in Oosterbeek, Luiz; Mar-
tins, Cristina e Domingos, Ziva (orgs.), Ebo e arte rupestre do sudoeste de África, Tomar: Arkeos.
Oosterbeek, Luiz e Martins, Cristina (2012), Ebo (Kwanza-Sul, Angola)-Arte Rupestre, Arqueologia,
Património e Desenvolvimento-Campanha 2012, in Oosterbeek, Luiz; Martins, Cristina e Domin-
gos, Ziva, (orgs.), Ebo e arte rupestre do sudoeste de África, Tomar: Arkeos.
Symanski, Luís e Gomes, Flávio (2012), Arqueologia da escravidão em fazendas jesuítas. Primeiras notí-
cias de pesquisa, História, Ciências e Saúde, pp. 309-317.
Unesco (2012), Florence declaration on landscape, Florença: Unesco.
Zoreda, Luis (2009), Edificio Histórico e Arqueología: un compromiso entre exigencias, responsabilidad
e formación, Arqueología de la arquitectura, pp. 11-19. Disponível em: http://digital.csic. es/bits-
tream/10261/20792/1/96.pdf; acesso em: 27/04/2015.

82 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Prospeção no Sul de Angola: o caso
dos recintos murados da Huíla
André Serdoura* e Jorge Guimarães*

p. 83-89

A região da Huíla foi já identificada, no século passado, como possuidora de um rico


passado Histórico e Arqueológico. Na província foram realizados estudos arqueológicos
que visaram apurar as origens dos povos locais e dos vestígios deixados pelos mesmos.
Numa recente prospeção foi-nos possível visitar um caso extraordinário desses vestígios, o
Recinto-Monumento do Eleu, no Jau.

A prospeção: um projeto para relançar a arqueologia na Huíla e Angola


Esta primeira abordagem ao campo deu-se na primeira quinzena de Setembro, 2015. Do
projeto faziam parte duas abordagens similares, mas em áreas distintas. A primeira focou-
-se na Província do Kunene, que foi alvo de uma prospeção arqueológica não -sistemática
(devido a uma pesada logística e agenda apertada). Alvo deste estudo foram os vestígios de
várias épocas e contextos. Tratou-se de uma espécie de amostragem, uma avaliação sumá-
-ria do potencial arqueológico, que já sabíamos ser grande.
Já a segunda abordagem foi integrada numa
formação técnico-teórica de Arqueologia de
Campo e da Paisagem. Esta ação de formação
decorreu no Instituto Superior de Ciências da
Educação da Huila (ISCED) e contou com a
presença de formadores e alunos de variadas
áreas (para além da História e Arqueolo-
gia). Esta formação contou então com três
dias, sendo o último dia prático, tendo-se
efectuado uma saída ao campo para visitar
alguns monumentos em pedra da região. Por
motivos logísticos só nos foi possível visitar
um desses grandes monumentos, na Comuna
do Jau: o recinto do Eleu.
Aquando da chegada ao morro onde se
encontra a estrutura, foi feita uma rápida
Figura 001 – Provincias da Huíla e Kunene. avaliação arqueológica demonstrativa para os
Fonte: Google Earth. participantes da formação, ao que se seguiu a
prospecção própriamente dita. Antes de pas-
sarmos aos resultados desta visita sumária, apresentamos brevemente aquilo que se sabe
para já destes recintos murados.

* CEAUP.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 83
André Serdoura, Jorge Guimarães

Os Recintos: o que se sabe


Sobre este tipo de recintos foi escrito pouca
coisa. De facto, fora os livros mais gerais de
pré-história, a bibliografia específica sobre
este tema é bastante reduzida, tratando-se
de obras realizadas até aos anos 70 do século
XX, carecendo portanto de revisão.
Esta lista bibliográfica foi abordada pela
Arqueóloga Soraia Santos num recente artigo
intitulado Recintos Amuralhados da Província
da Huíla, portanto não nos iremos debruçar
demasiado sobre este problema de fontes.
Basta dizer que para se começar o estudo
deste tipo de estruturas temos quatro obras,
Figura 002 – Excerto de carta militar, indicando uma dos autores António Almeida e Cama-
o recinto I da Huíla em relação à povoação com rate França e data de 1960, outra publicada
o mesmo nome. Fonte: Jorge, 1978, p. 32. pelo prof. Adriano Vasco Rodrigues em 1968,
de seguida em 1975 surge-nos uma separata
do Boletim da Câmara de Sá da Bandeira, dos autores Manuel Ribeiro, José Moreira, João
Moreira e Fernando Loureiro e por fim surgem-nos dois artigos de Vítor Oliveira Jorge, um
publicado em 1976 e o outro em 1978.
Façamos então uma introdução aos recintos amuralhados do Sul de Angola.
Uma das primeiras descrições que pudemos consultar foi a do professor Vasco Rodrigues.
No seu texto vemos aplicado o termo Recintos Fortificados ou Fortalezas. Estes espaços
apresentam a característica de possuirem uma ou mais cinturas de muralhas. O termo
muralha aqui talvez se aplique melhor do que muro devido às suas dimensões, que se afigu-
ram relativamente grandes. Estas cinturas «envolvem normalmente o núcleo do povoamento,
ou aparecem nos lugares de mais fácil acesso […] Os muros são feitos de pedras sobrepostas
e não atingem, em geral, mais de dois metros de altura»1 Importa salientar que a probabi-
lidade de estes muros não terem maior altura deve-se ao facto de, muito possivelmente,
terem sido saqueados (para reutilização de pedra) ou por terem sofrido processos de des-
truição natural. Afirmamos isto, pois em alguns pontos foram descritos e registados troços
de estrutura com uma altura superior à de um homem de estatura média, nos quais se
rasgam frestas profundas (deixando antever uma grande espessura entre as faces do muro).
Pode ocorrer, como no Kungo, que o terreno permita que se utilizem apenas estruturas
destas onde o afloramento rochoso não rasga a superficie, sendo o restante cosiderado por
Vasco Rodrigues como fortificação natural.2
Vitor Oliveira Jorge fornece-nos uma mais detalhada descrição destes recintos. Primeiro
convém referenciar o facto de a contabilização deste tipo de sítios ter por base o trabalho
de Machado Cruz, que, como diz o próprio professor Vitor Oliveira Jorge, não o considerou
um trabalho exaustivo, apesar de fornecer descrição de 17 locais amuralhados.3
Ao ler a descrição sobre a maior parte dos recintos, deparamo-nos com algumas seme-
lhanças arquitetónicas. Primeiro salientam as dimensões e formatos que as cinturas fazem
no terreno. O formato, ou planta dos mesmos, é pouco variável assumindo todos um
aspeto sub-circular, ocupando sempre o topo de um pequeno cerro ou elevação rochosa.

1 Rodrigues, 1960, p. 171.


2 Idem, p. 171.
3 Jorge, 1978, p. 11.

84 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PROSPEÇÃO NO SUL DE ANGOLA: O CASO DOS RECINTOS MURADOS DA HUÍLA

Das medidas podemos dizer que os diâme-


-tros (medidos do interior) rondam os 30
metros nos mais pequenos e os 650 metros no
caso de recintos como o designado por Huíla
I. A maior parte possui uma espessura consi-
derável, sendo o valor mais reduzido de 1,5 m,
como é o exemplo do recinto do Munhere.
Noutros casos encontramos espessuras até
aos 3.70 m (na base), como ocorre em Ococa-
punda. 4
Além dos espessos muros concêntricos são-
-nos dadas descrições variadas de outros
vestígios que existem no interior das fortifi-
cações. Por exemplo, nos mais bem estudados
foram detectados fundos de cabana, ou seja,
pisos associados a ocupação habitacional.
No caso do recinto da Huíla I são-nos refe-
renciados moinhos manuais, «normalmente
abertos na rocha» e eventuais abrigos na
rocha.5 Segundo croquis fornecidos na obra
de Adriano Vasco Rodrigues, o recinto do Jau
possuiria, além dos ditos fundos de cabana, Figura 003 – Mancha estilizada de dispersão de
monumentos amuralhados. Espraia-se desde o
uma fonte que estaria abrangida pela cerca e
Kunene até um pouco a Norte da Quibala.
aquilo a que o mesmo autor chama de covas Fonte: Rodrigues, 1960, anexos.
de lobo, fossas no topo de uma secção de
cerca nas quais «se escondiam alguns homens armados de arco e flecha, que disparavam,
levantando-se de surpresa, quando os inimigos pretendiam entrar por aquela muralha, apa-
rentemente derrubada».6 Não são os únicos elementos que reportam a uma tentativa de
controlo e defesa. De facto foi possível atestar a existência de aberturas no pano de mura-
lha, aos quais Vasco Rodrigues chama de vigias ou postigos7 e Vitor Oliveira Jorge chama
de seteiras. Noutros casos são referidas espécie de ameias ou merlões.8

Origens Especuladas
As dúvidas que mais recorrentemente nos surgem são obviamente sobre a cronologia e
objetivo das estruturas. São sugeridas algumas hipóteses, porém com poucos fundamentos
históricos. O primeiro problema que se nos afigura é que a maior parte do que se sabe
provém de memória oral, que nem sempre bate certo de história para história. O restante é
recolhido de descrições vagas de Europeus que testemunharam estas estruturas em época
de uso. Seja como for, além de serem poucas as descrições, a documentação que possa apa-
recer irá ser sempre de um ponto de vista europeu, podendo conter informação incorreta
ou muito incompleta.
Para Vitor Oliveira Jorge os recintos espelham quase uma espécie de Proto-História na
Huíla9. Embora este Arqueólogo afirme que «O hábito dos povos africanos se refugiarem,
4 Idem, pp. 11-13.
5 Idem, p. 17.
6 Rodrigues, 1960, p. 171.
7 Idem, p.171.
8 Jorge, 1978, pp. 18-21.
9 Jorge, 1978, p. 8.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 85
André Serdoura, Jorge Guimarães

perante um ataque, no alto de inacessíveis «pedras», é bastante remoto […]»10 , igualmente


conclui que este hábito se alongou até épocas recentes. Temos que ter em atenção que «a
pré-história e a proto-história das populações africanas negras veio em muitos casos quase
até aos nossos dias».11 A mesma prática nos surge em descrições de combates entre Britâni-
cos e Pedis, na década de 70 do século XIX.12
Assumindo então que estas estruturas refletem épocas de conflito, podemos especular
que talvez possam estar ligadas às invasões dos Jagas, que entraram em choque com os
povos locais (Nhanecas e Hereros)13 . Isto colocaria os recintos com uma cronologia que
remonta até possivelmente ao século XVI. Porém, desde esta altura que se registam épocas
conflituosas, não só entre povos africanos, como entre Europeus e Africanos, após a che-
gada dos Portugueses. Uma hipótese a admitir pode ser a de os recintos surgirem como
influência europeia. É uma sugestão avançada pela maioria dos autores que refere estas
estruturas. Vasco Rodrigues esclarece «Segundo opiniões locais, as fortificações que estamos
referindo datam de época recente, sendo algumas levantadas durante a Guerra dos Bailun-
dos Candimbas contra os Quibalas, por alturas dos finais da Primeira Guerra Mundial. […]
Outros, porém, datariam dos séculos XVII e XVIII, motivadas pelas invasões dos Jagas e pela
penetração Portuguesa, intensificada no século XVII com a criação de fortalezas e presídios
na bacia dos rios Cuanza e Lucala […] Em toda essa região [Huíla] foram levantadas forta-
lezas e presídios pelos Portugueses nos séculos XVII, XVIII e XIX, o que provoca uma certa
confusão quanto ao problema das possíveis influências europeias na multiplicação do sistema
defensivo banto».14 Para isto, este autor fornece mesmo referência a um documento de João
A. Cavazzi que refere que «os Africanos de Angola, em pleno séc. XVII, estavam construindo
fortalezas semelhantes às dos Portugueses».15
Não deixa de ser curioso que em meados de 1840, na descrição de uma viagem à Huíla, o
Soba da mesma terra tenha comunicado a um oficial Português que tinha alguns proble-
mas com o Sobado vizinho, e que o Soba do Jau enviava guerrilhas para assolar a sua terra
e estes «roubavam quanto gado podião, matando sem rezerva de sexo, e idade toda a gente
que encontravão […] Este Sova [da Huíla] me fez sentir o desejo vehemente de que se achava
possuido em de novo de avassalar á coroa Portugueza, cedendo a mesma huma extensão de
terreno […] com a condição de que os Portuguezes ali levantem fortificações para os deffender
de seus inimigos».16 Assumimos que pelo menos as gentes da Huíla, em 1840 não teriam
fortificações nas quais procurarem refúgio. Seria por não existirem naquela zona, ou por já
serem antigas e estarem em mau estado? Esta ausência de elementos defensivos nas des-
crições do século XIX não pode comprovar a ausência das mesmas estruturas, mas deve ser
um dado a ter em conta.

Abordagem arqueológica
Devemos então considerar uma abordagem de cariz científico a aplicar aos denominados
recintos.
A primeira resultou da referida prospeção sumária do morro onde assenta a muralha e sítio
do Eleu.

10 Jorge, 1976, p. 123.


11 Idem, 1976, p. 125.
12 Castle, 2003, p. 50.
13 Jorge, 1978, pp. 8-9.
14 Rodrigues, 1960, p. 174.
15 Idem, p. 172.
16 Felner, 1940, p. 64.

86 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PROSPEÇÃO NO SUL DE ANGOLA: O CASO DOS RECINTOS MURADOS DA HUÍLA

O primeiro passo, e mais importante neste


fase, é reavaliar o estado de conservação
dos monumentos, retomar uma campanha
lógica de prospeção, de modo a detectar
novos elementos associados aos recintos ou
novos recintos em si. Tal como Vítor Oli-
veira sugere, podem existir bastantes mais
monumentos deste género. A prospeção irá
igualmente permitir descrever o terreno de
forma mais precisa e ajudar a um mapea-
mento arqueológico renovado. Foi este o
objetivo da nossa visita, que resultou numa Figura 004 – Primeira avaliação – troço do pano
avaliação do estado da muralha, que segundo de muralha do Jau. É possível ver que existem
alguns problemas de conservação da estrutura.
nos contam, por vezes sofre saque de pedras Não é de estranhar o saque de pedras para
para reaproveitamento local. Igualmente, reutilização. Igualmente a vegetação em torno
percorremos secções da encosta, que provou e no centro do monumento tornou-se bastante
possuir bastante material lítico espalhado densa. Foto: André Serdoura.
pela superfície. Uma prospeção sistemática,
com registo de dispersão de material, pode resultar em grandes quantidades de informação
pertinente (Figura 005, imagem 2: lítico (núcleo) no morro do Jau).
Não se pode igualmente descurar a análise documental de gabinete, recorrendo ao maior
número possível de referências, criando uma base teórica que ajude a compreender os
povos que habitaram a região ao longo do tempo Histórico, e possivelmente saber se as
mesmas estruturas já existiam na altura em que surgem os primeiros escritos sobre a zona.

Figura 005 – Dois exemplares de artefactos líticos encontrados à superfície. Neste caso um possível machado
e um núcleo, o que pode evidenciar a presença de zonas de talhe (oficinas). Foto: André Serdoura.

Um excelente exercício para complementar a prospeção é o de recorrer à fotografia satélite


para localizar e registar novos locais (inserido no estudo de Arqueologia da paisagem).
Numa fase experimental, foi-nos possível detectar 4 estruturas amuralhadas na Huíla e
identificar as mesmas. Através da abordagem paisagística, foi possível perceber que, por
exemplo, o recinto do Eleu se encontra no topo de um esporão, e que a cerca de 1 km deste,
para Este, existe outro, igualmente com marcas no cume, de possíveis estruturas que domi-
nam completamente o caminho que passa entre as duas elevações. Faria todo o sentido que
estes fossem aqui colocados como forma de controlo de paisagem e de travessias de uma
terra para a outra. Deste mesmo local é possível avistar outras elevações que se pensam
possuírem igualmente recintos.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 87
André Serdoura, Jorge Guimarães

Figura 006 – Morro onde se encontra pelo menos


o recinto do Jau (confirmado, à esquerda); o morro
ao lado apresenta possibilidades de conter outro
monumento semelhante. Fonte: Google Earth.

Figura 009 – Troço de muralha. Veja-se o esteio


fincado, permitindo o sustento dos blocos mais
pequenos. Foto André Serdoura.

Ainda no tema visual, deve-se fazer um


apontamento sobre as ditas vigias ou seteiras.
Figura 007 – Recinto Huíla I. Note-se que parece De facto, parece mais apropriado o termo
haver um erro de registo entre a imagem satélite
e o esboço que é apresentado no trabalho de Vitor
vigia pela seguinte razão: não existe, a nosso
Oliveira Jorge, o Norte está invertido, porém o ver, espaço visual nem físico para manusear
recinto parece ser o mesmo. A mancha mais clara eficazmente um arco de flecha. De facto, os
no canto superior direito está descrita no esboço rasgos na muralha são bastante estreitos e
como afloramento rochoso onde existem vestígios profundos (cerca de 30 cm de largo por 150 de
de moinhos. Imagem satélite: Google Earth;
Esboço: Jorge, 1978, anexos.
profundidade).
Seria mais provável que pudessem ser utili-
zados para controlo de paisagem, ou mesmo
para o disparo de armas de fogo. Para o dis-
paro com arco seria muito mais fácil do topo
de um parapeito (cimo da muralha, como
sugerido por Vasco Rodrigues). Podemos
fazer a sugestão de um exercício de arqueo-
logia experimental de forma a entendermos
os usos mais prováveis destes elementos
arqui-tetónicos, nunca esquecendo que não
passam de suposições.
Em termos de implantação de campo, urge
neste contexto perceber como ocorria a ocu-
pação no interior e a relação do monumento/
povoação com o exterior. Para o mesmo
Figura 008 – Vigia na muralha (Eleu). A escala importa implantar sondagens no interior
tem 80 cm. Foto: André Serdoura. (depois de devidamente prospectado) e esca-

88 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PROSPEÇÃO NO SUL DE ANGOLA: O CASO DOS RECINTOS MURADOS DA HUÍLA

var junto das muralhas para perceber as suas fundações e tentar extrair algum material que
possa criar uma baliza cronológica.
Adverte-se, tal como faz Vítor Oliveira Jorge, que estes recintos não se agrupam todos na
mesma tipologia, sendo o Eleu considerado como um recinto de grandes dimensões, em
comparação com recintos como o de Ococapunda (no Jau, igualmente) e que alguns podem
ser relativamente recentes, assim como outros podem pertencer a um passado mais remoto
que inspirou futuras construções. Sem um devido estudo histórico e arqueológico nada
ainda se pode afirmar.

Referências bibliográficas
Almeida, António de; França (1960), Camarate, Recintos Muralhados de Angola, Memória – Junta de
Investigação do Ultramar, 2.ª Série, n.º 16.
Bicho, Nuno Ferreira (2008), Manual de Arqueologia Pré-Histórica, Ed. 70, Lisboa.
Castle, Ian (2003), British Infantryman in South Africa – 1877-81, Osprey Publishing, Oxford.
Felner, Alfredo de Albuquerque (1940), Angola: Apontamentos sôbre a colonização dos Planaltos e
Litoral do Sul de Angola, Vol. II e III, Agência Geral das Colónias, Lisboa.
Jorge, Vítor Oliveira (1978), Alguns elementos para o Estudo dos Recintos Muralhados do Planalto da
Humpata (região da Huíla, Sudoeste de Angola), Revista Guimarães, Barcelos.
______ (1976), Breve introdução à Arqueologia de Angola, Revista Guimarães, Barcelos, 1976; M’Bokolo,
Elikia (2003), África Negra: História e Civilizações, tomo I e II, Vulgata ed. Lisboa.
Renfrew, Colin; Bahn, Paul (2004), Archaeology – Theories, Methods and Practice, Thames & Hudson.
Rodrigues, Adriano Vasco (1960), Construções Bantas de Pedra, em Angola, Boletim do Instituto de
Investigação Científica de Angola, Luanda.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 89
6
O contexto cultural dos marcos de
terrenos nas aldeias ambundu/Angola
Éva Sebestyén*

p. 91-106

Antecedentes
Como professora convidada de Antropologia na Universidade Agostinho Neto realizei um
trabalho de campo relativo à relação entre o poder linhageiro ambundu, terra e paren-
tesco nas Províncias de Bengo e de Kwanza Norte nos anos 1986-89. Nas entrevistas apa-
recia muitas vezes a questão da demarcação de terreno e o controle dos marcos naturais.
Ora alguns marcos eram tanto objetos da natureza (árvores de grande porte, penhascos,
riachos, rios, montanhas) como obras de artesanato (pedaços de ferro, utensílios feitos
de argila). Estes marcos serviram como argumento importante no conflito de terrenos
entre os vizinhos e foram registados por escrito por escribas ambundu numa declaração
que o soba fazia sobre as terras linhageiras da sua povoação. A relevância da delimitação
e demarcação de terreno das aldeias encontra-se em parte na forma como as sociedades
ambundu utilizaram os marcos nas suas respetivas aldeias e no convívio com os seus
vizinhos. O papel atual dos marcos naturais encontra-se vivamente presente no projeto
nacional da demarcação de terrenos das comunidades rurais ligado à aplicação da Lei de
Terra. Uma visão longue durée poderá contribuir para a aplicação desta Lei tendo em mira
o regime de uso costumeiro e a gestão dos terrenos rurais.

Apresentação das coleções Ambundu


O corpus das coleções oriundas de Samba Cajú, de N’Dalatando e dos Dembos forma um
conjunto de 234 escritos produzidos entre os séculos XVIII e XX e a maioria persiste em
forma de cópia feita no século XX. Exceto aqueles que estão em N’Dalatando, são guarda-
dos por um grupo de autoridades tradicionais (o soba, seus conselheiros e representantes
das linhagens principais). Enquanto nos Dembos estes textos ainda são considerados
como papéis sacros e guardados junto com outros símbolos de poder do dembado, já em
Samba Cajú são vistas como herança do passado sem fazerem parte das insígnias.
As coleções dos escritos dos sobas, intitulados por eles como “cartórios”, pretendiam
expressar as suas próprias razões de ser, ou seja, formam um conjunto de papéis que pre-
servam dados de interesse para o sobado e a sua população. Existe uma certa diferença na
preservação dos documentos. Enquanto nos Dembos cada dembado tem um só cartório,
em Samba Cajú faz-se distinção entre o “cartório do trono”, que são os papéis do sobado,
e o “cartório do muiji”, que são os papéis da linhagem principal, ou seja a dos primeiros
conquistadores da terra do sobado, e os dois cartórios são separadamente guardados,
sendo que em tempo de guerra muitos textos de linhagem foram queimados e os restantes
acabaram por ser inseridos no cartório do sobado. Noutros casos todos os papéis foram
* CEAUP.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 91
Éva Sebestyén

entregues ao administrador de Samba Cajú, como é o caso do documento da aldeia Zamba


de 1762, que nunca mais voltou ao sobado. Assim, aqueles cartórios que sobreviveram aos
tempos difíceis são hoje uma miscelânea de textos oriundos dos cartórios do estado e
da linhagem principal. São documentos escritos com base nas declarações dos chefes de
aldeia, nos quais se registam dados e factos importantes relacionados com a legitimação
do poder, esclarecimentos, processos e soluções para os casos litigiosos, etc. Essa memória
encapsulada pelo registo escrito conserva a estrutura e as fórmulas da comunicação oral,
ao mesmo tempo que também adapta a organização e as fórmulas dos modelos da admi-
nistração portuguesa. Este corpus reflete a visão do africano, nomeadamente ambundu,
sobre o seu microcosmos. Os sobas apresentam as suas declarações na sua língua materna
(kimbundu), e um escriba local traduz os textos e regista-os por escrito em português.
Como esses documentos apresentam as necessidades dos sobados ambundu num dado
momento histórico entre os séculos XVIII e XX, contribuem para preencher a lacuna na
historiografia angolana sobre a vida quotidiana dos ambundu no tempo colonial.

Fundo histórico da coletânea


Para se poder entender melhor o teor dos textos, é necessário fornecer um esboço de dados
marcantes do contexto histórico, nomeadamente o papel do Presídio de Ambaca. O fio con-
dutor que se encontra nos textos é a relação dos sobados com o mundo português, repre-
sentada pela administração colonial da Capitania do Presídio de Ambaca, que mais tarde
se tornou Concelho e finalmente Circunscrição. O papel militar regional de Ambaca como
uma concentração de soldados para combater a revolta ou resistência dos sobas manteve-
-se até ao fim na sua existência.1 Não é por acaso que no texto dos sobados se encontra
uma frase quase estereotípica: “somos vassalos da Majestade não quer a sujação2 (sic!) de
serviço de empacaceiro, quilamba e quimbar”, ou seja: não querem ter posto militar na
guerra preta e participar nas guerras contra os sobas rebeldes. Em consequência disto e por
razões de arrecadação violenta do tributo, criou-se uma zona de fronteira entre o domínio
português e o reino africano de Ginga, onde se refugiaram os sobas revoltados juntamente
com as suas aldeias inteiras.

Temática dos textos


Os assuntos principais concentram-se em torno da posse da terra, o direito consuetudiná-
rio e a apresentação da linhagem fundadora. A terra do sobado é demarcada e protegida
como património do estado pela vigilância dos limites e, se for necessário, por lutas ou vias
diplomáticas, que são os processos jurídicos desenvolvidos nas administrações coloniais.
Nas declarações dos terrenos dos sobados está presente a sua demarcação com limites
naturais e sinais de marcos3 africanos, como panelas de posse, pedras de grande tamanho,
árvores de porte alto. O tema da terra dos sobados desdobra-se também na sua defesa e
legitimação. Ao mesmo tempo a terra está ligada a ações simbólicas pelas quais os sobas
tratam de se prevenir contra os períodos desfavoráveis ou calamidades da natureza. Eles

1 Poucos anos antes da sua extinção e transferência para Camambatela, Ambaca mandou apoio militar para a guerra dos
Dembos. “Vieram 10 moveis de Ambaca sob o commando de 1 sargento indígena e escoltada por 4 soldados.” in Arquivo
Histórico Militar, 2.ª Divisão, 2.ª Secção, Angola, cx. 13, doc. 96, fl. 14r, 18 de Maio de 1908.
2 Sujação é usado no sentido de sujeição.
3 Os marcos africanos mais frequentes são as árvores de grande porte e com efeitos curativos que são plantadas pelos
demarcantes. Outro hábito é a panela: usam-na para comer e, depois de os demarcantes acabarem a refeição, põem-na
debaixo da terra ou no leito do rio. Ainda existem marcos naturais com pedras grandes e, tanto nelas com nas árvores,
costuma-se pôr um sinal de cruz. Nos limites entre as parcelas de terra da mesma aldeia usam-se marcos iguais e até
invenções pessoais como um pedaço de ferro. Não há demarcação entre irmãos. Informação dada pelos sobas de Samba
Cajú no mês de Dezembro de 1988.

92 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
O CONTEXTO CULTURAL DOS MARCOS DE TERRENOS NAS ALDEIAS AMBUNDU/ANGOLA

recorrem ao apoio dos seus antepassados e entidades da água pelos rituais anuais apresen-
tados nas margens dos rios fronteiriços da aldeia para conseguirem boa colheita através
da oferta às sereias, quiximbi donos dos rios, protetores da terra. Outro rito ligado à terra
realiza-se na altura do funeral, o entambi4, quando os parentes do falecido recorrem ao
apoio dos antepassados para reconfirmar a posse do terreno. Estes atos simbólicos con-
tribuem para entender o significado cultural dos marcos, a sua proteção ou mesmo a sua
defesa e, se for necessário, pela força.
Continuando a apresentação do contexto em que ocorrem os marcos da terra, é necessário
tratar em linhas gerais dos motivos que faziam os sobas produzirem os seus textos durante
vários séculos. Existe uma distinção marcante entre os cartórios de Dembos e de Samba
Cajú. Os dos Dembos concentram-se exclusivamente na genealogia e vida quotidiana da
linhagem principal e nunca mencionam a questão da terra, muito menos a demarcação e
eventual conflito dos limites. Assim, os textos históricos das aldeias dos Dembos não apre-
sentam marcos de terra de nenhum género, nem são mencionados. E também não têm por
alvo legitimar o poder da linhagem conquistadora. Eles têm o seu cartório para guardar a sua
história para as futuras gerações. Este facto provavelmente tem que ver com a distância do
Presídio de Ambaca e com a situação independente dos Dembos que, sendo um dos últimos
redutos do tempo colonial, podia manter o seu poder linhageiro até à ocupação militar nas
primeiras décadas do século XX. No caso dos cartórios das aldeias de Samba Cajú, estando
elas sob o domínio do Presídio de Ambaca durante séculos, a produção dos seus textos tem
outro objetivo, nomeadamente a legitimação e a proteção da terra linhageira. Na criação
dos cartórios os escribas ambundu apropriaram-se do modelo europeu de testamento de
última vontade, que lhes ofereceu um meio de registo bem estruturado para apontar as
declarações dos sobas. O escriba preservava a parte introdutória do testamento, mas na
parte da última vontade mudou-se o conteúdo em benefício do soba. A sua declaração é
um relato da genealogia da linhagem principal do sobado, da migração dos fundadores,
da demarcação do terreno da aldeia, com menções aos marcos naturais (rios, montanhas e
árvores de alto porte), além dos marcos postos pelos vizinhos, como no caso da panela de
barro (lussunga) posta no leito dos rios. Cada testamento representa um episódio da vida
da aldeia, e a sua ênfase varia entre temas fixos, tais como a apresentação dos antepassados
por via materna, referências aos limites da terra e aos respetivos vizinhos, à compra e à
venda de parcelas de terra, à pureza da linhagem do soba quanto a antepassados escravos
ou executores de serviços mal considerados pela comunidade (como a colaboração com os
portugueses na ocupação e na exploração do território africano: quilamba, empacaceiro,
quimbar, auxiliares dos portugueses na ocupação de Angola). Curiosamente, nem sequer
uma única vez há referência à presença ou à interferência dos europeus neste quotidiano, a
não ser alguns casos esporádicos de transações comerciais com o chefe administrativo. Os
temas variáveis dos relatos são representados pelos eventos causados, em parte, tanto pelos
membros da família do soba como pelos seus serviçais, mas também se referem a conflitos
com os vizinhos. O outro tema é o dos escravos: o roubo de escravos domésticos (quisico)5

4 Apesar de o ritual do funeral juntamente com todas as manifestações religiosas do ambundu ter sido sistematicamente
perseguido no século XVIII pelo governador geral. muito empenhado na reforma da administração de Angola, a sua
prática continuava no século XX. “Extingui todos os abuzos públicos de Entambes, e outras superstiçoens, q´a ignorância
dos brancos havia aproveitado de grossaria dos negros; queimei lhes todos os Ídolos públicos, e fiz que ao menos todo
o exterior fosse christão; não deiche V.Ex.ª levantar cabeça outra vez aos tais Entambes, cazas de uso, e outras destas
parvoíces, porq´ sobre a ofensa da Religião, trazem mil prejuízos ao socego publico, á segurança das cazas, e á honra
das Famílias.” In Biblioteca Nacional de Lisboa, Reservados, códice 8744, fl. 70r. Instrução ao meu Sucessor (Religião e
Custumes) de Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, governador geral de Angola.
5 “sobas tem em seus senhorios pouoacois de negros e negras filhos e netos que sam seus catiuos por ascendência e descen-
dência a que chamão Quizicos.” In Arquivo Histórico Militar, 2.ª Divisão, Ultramar Português, 2.ª Secção, Angola, cx. 1,
doc. 1, Bento Banho Cardoso ao Rei de Portugal, de 1616, f l9r.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 93
Éva Sebestyén

(banana, mandioca), e pelo adultério cometido pelos tios maternos de um homem livre,
cuja recompensa é a hipoteca dos parentes.6 Quanto à mudança temática dos textos em
relação à posse da terra, no séc. XVIII o tema central era a demarcação de terrenos com
marcos naturais e ainda sem casos de conflito com os vizinhos. As fricções sobre os limites
entre aldeias vizinhas e a venda de parcelas começaram na segunda parte de século XIX
e continuaram no século XX. Enquanto os conflitos da terra muitas vezes terminaram no
tribunal da administração portuguesa de Ambaca, a venda de parcelas continuava a ser
registrada por escriba ambundu e foi tratada como assunto interno de cada sobado.
A maioria dos escritos dos cartórios tinha sido e continuou a ser utilizada nos processos
jurídicos para provar os direitos de posse históricos aos terrenos do sobado; os cartórios
tinham um papel legitimador.

Orientação espacial
Os textos feitos nos séculos XVIII e XIX referem um espaço mais alargado, nomeadamente
o lugar prestigioso de origem na Ilha de Luanda e a rota de migração até ao estabelecimento
da aldeia na Província de Kwanza Norte. Nos primeiros tempos a orientação espacial maior
dividia-se entre o Presídio de Ambaca, (a futura administração municipal de Ambaca) e
“as terras de Ginga”, um espaço vago, sem definição espacial, onde se encontrava a corte
da Rainha Ginga e seus descendentes, numa área localizada na Província atual de Malanje.
O ponto de partida da rota migratória dos fundadores dos sobados principais de Samba
Cajú foi a Ilha de Luanda; foi de lá que saíram juntamente com Quiluanje Quia Samba (a
denominação clássica dos reis de Ginga). Com este relato migratório e com a menção em
documentos posteriores de cartórios que “são filhos” da Rainha Ginga, pode-se supor um
parentesco dos sobas com a Rainha Ginga ou um laço de ligação histórica ao reino. No caso
dos cartórios dos Dembos, também está mencionado o laço histórico dos dembados com o
reino Ginga. No caso da aldeia Kakulo Kangola, tem algo especial a referir em homenagem
a Ginga. Sendo filho da Ginga, o dembo Joao Wela, ainda no tempo colonial, mandou fazer
um carimbo em Luanda para o seu dembado com a inscrição “Rei da Ginga”. A orienta-
ção espacial dos textos dos cartórios a partir do século XIX diminuía significativamente e
concentrava-se nos terrenos da aldeia propriamente dita.

Marcos naturais das aldeias ambundu em Samba Cajú


Devido às confrontações militares no tempo do meu trabalho de campo realizado entre
1986 e 1989, não me foi possível visitar os marcos naturais de terra nas aldeias e obter
as fontes primárias in loco. Assim este trabalho debruça-se sobre um grupo de marcos

6 A hipoteca dos parentes é tão presente na sociedade ambundu (ver nos textos de Cachinda de 1762, 1774, 1852 e 1871)
que Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, governador geral de Angola, passou um bando em 1771 para proibir este
acto. Na carta que acompanha o bando resume os seus motivos. “Illm.º e Exm.º Senhor. Vexando-se os Negros deste
Reyno pelo estranho modo de Hipotecar a ridículas dividas os seus Filhos , e Parentes, que em grande parte vinhão a
ser cativos sempre, ou a ser embarcados, como tais para o Brasil: passei o Bando de que remeto a V.Ex.ª a copia, para
que me faça a honra de fazer presente a S. Magestade. Deos guarde a V. Ex.ª m.s an.s São Paulo d´Assumpção a 2 de
Janeiro de 1771. Illm.º e Exm.º Snor´ Martinho de Mello e Castro. D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho” No bando
propriamente dito pormenoriza o crime e a pena aplicada. “Ainda que o respeito e a obediência aos Pays e Parentes mais
velhos tenhão nascido com nosco, e fação como o fundamento de todas as nossas obrigaçoens, e ainda que este respeito,
e esta obediência fossem em outros tempos de huma extença jurisdição, não forão já mais sem lemites, e sem sujeição às
regras da Justiça, que o mesmo Direito Natural prescreveo athé aos Povos mais barbáros”. “Ordeno, que nenhum Preto,
nenhum Pay ou May, Tio ou parente, debaxo da pena de quinhentos Assoites, e de dois Annos de Galés, padiçaoossão
oferecer, dar, ou hypotecar algum Filho, ou parente Amiga, ou qualquer outra Pessoa livre, e outro sexo, em caução de
dívida em cuja pena incorrerá o Preto, ou Mulato, que o aceitar, e sendo branco o que tal negociação admitir, será logo
prezo, e condenado a trabalhar sinco annos nas obras publicas com Braga: os capitaens mores que sentenciarem as tais
hypotecas, ou as admitirem, serão desde logo suspensos e depostos dos seus empregos.” in AHU, Angola, 1.ª Secção, cx.
55, doc. 2 , fl.1r-1v. , 2 de Janeiro de 1771.

94 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
O CONTEXTO CULTURAL DOS MARCOS DE TERRENOS NAS ALDEIAS AMBUNDU/ANGOLA

naturais, nomeadamente as árvores que, segundo a minha hipótese, além de servirem de


marcos nos limites de aldeias, também devem ter algumas propriedades especiais para
serem selecionadas entre as outras. Para ter dados sobre o seu uso económico, primeiro
era necessário identificar a árvore com base no seu nome kimbundu nos textos dos sobas.
Este processo preliminar de identificação científica requer a identificação dos nomes
vernáculos com os seus nomes científicos. Tendo o nome da espécie, é possível procurar
dados sobre a sua utilidade económica nas publicações e em bases de dados. Mas o tra-
balho de identificação propriamente dito realizar-se-á no próprio terreno com a recolha
de amostras e entrevistas sobre o seu uso e terminando na identificação em Herbário. O
trabalho piloto de obter o nome científico da árvore com base no seu nome vernáculo foi
feito em conjunto com o Dr. Luis Catarino, investigador do Centro de Ecologia, Evolução
e Alterações Ambientais, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A nossa cola-
boração realizou-se em duas etapas. Partindo dos nomes kimbundu das árvores-marcos,
tentei encontrar os nomes científicos das árvores nas publicações sobre plantas angolanas
(Welwitsch, Ficalho, Mendonça, Carisso, Gossweiler, Bossard, Barbosa, Figueiredo, Costa).
Em seguida, com base nas suas pesquisas, o Dr. Catarino estabeleceu para cada árvore o
nome científico atualmente aceite utilizando como referência o site The Plant List (www.
theplantlist.org). Neste processo preliminar, surpreendentemente foi possível identificar
quase todas as árvores, (uma – hui - não foi localizada nas publicações); para outras duas
árvores encontraram-se nomes vernáculos bem próximos (para a árvore mua há duas ver-
sões possíveis – muanze ou mualala –, ambos de Kwanza Norte, e para a árvore punguxi,
encontrou-se pukixi, também de Kwanza Norte). Também ajudou a encontrar os nomes
científicos o facto de no registo dos nomes vernáculos não haver grandes alterações entre
as versões feitas pelos escribas ambundu e os coletores do séc. XIX e XX. Esta investigação
levantou várias questões para as futuras pesquisas. Uma questão é a ausência de dados
sobre flora angolana na literatura internacional porque não estão incluídos nas grandes
bases de dados sobre plantas africanas (prota, tropicos, kew, jstor). Outra questão diz res-
peito aos nomes vernáculos. O mesmo nome vernáculo pode denotar árvores de grande
ou médio porte e até arbustos. O mesmo nome vernáculo pode ser utilizado entre grupos
étnicos diferentes. Pode existir um nome vernáculo diferente para a árvore, para o seu
fruto e até para o produto feito duma parte da árvore. Na literatura científica os nomes
vernáculos da mesma árvore podem ser apresentados numa listagem sem mencionar o seu
respetivo grupo étnico e idioma. Nas publicações, a ocorrência da árvore pode ser indicada
a nível de Província, município, mas quase nunca pelo lugar exato onde aconteceu a sua
colheita. A herança colonial da divisão administrativa de Angola muitas vezes não segue a
divisão etnocultural dos grupos étnicos angolanos e não se fala dos subgrupos que têm um
dialeto regional da língua vernácula. Até tratando-se de nomes vernáculos de Kimbundu,
pode haver diferenças entre a denominação vernácula da mesma árvore em duas províncias
vizinhas como Kwanza Norte e Malanje. Mesmo em Samba Cajú, que geograficamente se
situa na Província de Kwanza Norte, o nome vernáculo das árvores mostrava mais seme-
lhança com a denominação usada na Província vizinha de Malanje. Por ex. a árvore Bauhi-
nia thonningii é chamada mulolo em Malanje e muxakanga em Kwanza Norte. Apesar de
Samba Cajú se encontrar em Kwanza Norte, nos textos dos sobas usa-se mulolo, a versão
de Malanje. Este nome provavelmente tem que ver com a ligação histórica entre as aldeias
de Samba Cajú e “as terras de Ginga” em Malanje. Mas talvez os biólogos possam dar uma
resposta mais concreta para a variação no uso dos nomes das mesmas árvores.
Para complementar esta fase piloto foi continuada a pesquisa para obter conhecimento
sobre as propriedades das árvores-marco em relação ao uso económico, sobretudo medi-
cinal. Fiz consultas exaustivas em bases de dados internacionais, publicações e na base

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 95
Éva Sebestyén

de dados do Herbário LISC da Universidade de Lisboa. Foquei-me num das questões mais
prementes tanto para África como para o mundo inteiro, nomeadamente a resistência de
todos os medicamentos correntes contra a malária e a pesquisa dos efeitos antimaláricos
em plantas medicinais no mundo inteiro.
Há que mencionar o facto de os famosos medicamentos usados para combater a malária
também serem produtos de plantas medicinais como o caso de quinina produzida a partir
da Cinchona, ou a artemisina.
Os resultados da pesquisa-piloto trouxeram dados impressionantes. A maioria das árvores
de marco em Samba Cajú fazia parte daquele grupo de árvores que já foram utilizados para
combater febre ou mesmo malária na medicina tradicional africana. Estas árvores foram
examinadas in vitro nos laboratórios de centros de pesquisa e de Universidades africanas e
ocidentais e provaram ter efeito antimalárico contra o mais perigoso causador da malária,
o Plasmodium falciparum. Espera-se que as futuras pesquisas in vitro encontrem as árvores
mais adequadas para o combate da malária. Aqui precisa-se de chamar a atenção para a
interpretação indígena da malária, muitas vezes misturada com febre; assim as plantas
febrífugas poderão levar a encontrar plantas para combater a malária. Juntamente com um
grande número de outras plantas africanas, necessitam da continuação do exame in vitro
para encontrar a solução do combate à malária resistente a produtos igualmente feitos de
plantas como a quinina da árvore Cinchona e artemisina produzida a partir da Artemisia
annua. Esta pesquisa também ficou enriquecida com o conhecimento da aplicação das
plantas pelo médico tradicional. A medicina tradicional usa um conjunto de plantas para
tratar cada doença e cada parte da mesma planta (raíz, casca, fruto, flor) pode ser utilizada
para combater distintas doenças, sendo que a dosagem de certas plantas em pequena quan-
tidade cura e aumentando-a pode tornar-se fatal para o paciente.
Com base no levantamento piloto sobre árvores-marcos direi que os cartórios históricos
dos sobas poderão abrir novos caminhos na investigação arqueológica. Entre outros,
árvores-marco seculares com uso económico poderiam indicar aldeias já desaparecidas,
a extensão dos terrenos da comunidade e o uso cultural dos marcos naturais. Com esta
abordagem antropológica de uma pesquisa inicial, espero contribuir com novos elementos
para as pesquisas e debates correntes arqueológicos que visam interpretar o significado
económico e simbólico da cultura material e a sua relação com o meio ambiente.

Referências bibliográficas
African Union, (2013), Delimitation and Demarcation of Boundaries in Africa General Issues and Case
Studies, Addis Ababa.
Assis Júnior, António de, (1945), Dicionário Kimbundu-Português. Argente, Santos & Co., Luanda.
Barbosa, L. A. G., (2009) Carta fitogeográfica de Angola. Instituto de Investigação Científica Tropical,
Lisboa.
Bossard, E., (1996), Le Medecine Traditionelle au Centre et a L’Ouest de L’Angola Instituto de Investiga-
ção Científica Tropical, Lisboa.
Cadornega, António de Oliveira de, (1972), História Geral das Guerras Angolanas. Eds. José Matias
Delgado e Manuel Alves da Cunha, 3 vols. Agência Geral das Colônias, Lisboa.
Chinsembu, Kazhila C. (2015), Plants as antimalarial agents in Sub-Saharan Africa. Acta Tropica 152:
32–48.
Costa, E., (dez. 2012), Conhecimento tradicional e recursos terapêuticos naturais do Bengo. Resultados
do rastreio etnobotânico. Cadernos CISA n.º 3.
Costa, E. & Pedro, M. (2013), Plantas Medicinais de Angola, Centro de Botanica da Universidade de
Agostinho Neto, Luanda.

96 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
O CONTEXTO CULTURAL DOS MARCOS DE TERRENOS NAS ALDEIAS AMBUNDU/ANGOLA

Cunnison, Ian, (1957), “History and Genealogies in a Conquest State.” American Anthropologist 53(1):
20-31.
Exell, A. V. & Mendonça, F. A., Conspectus Floraee Angolensis, Junta de Investigações do Ultramar, vol.
II, 1956; vol. IV, 1970).
Ficalho, Conde de, (1947), Plantas úteis da África portuguesa, rev. edn. Agência Geral das Colónias,
Lisboa.
Figueirero, E & Smith, G. F., (2012), Comon Names of Angolan Plants, Inhlaba Books. Fowler, D. G.,
(2006), Traditional Fever remedies: a list of Zambian plants . © D.G.Fowler.
Gossweiler, J., (1953), Nomes Indígenas de Plantas de Angola. Imprensa Nacional de Angola, Luanda.
Hiern, W. P., (1896-1901), Catalogue of the African plants collected by Dr Friedrich Welwitsch in 1853-
-1861. British Museum (Natural History), London.
Kellog, Susan e Restall, Matthew, (1998), Dead Giveaways: Indigenous testaments of Colonial Mesoame-
rica and the Andes. The University of Utah Press, Salt Lake City.
Lentz, C., Land, (2013), Mobility, and Belonging in West Africa: Natives and Strangers, Bloomington,
IN, USA: Indiana University Press.
Matta, J.D. Cordeiro da, (1893), Ensaio de Diccionario Kimbúndu-Portuguez. Casa Editora Antonio
Maria Pereira, Lisboa.
Mendonça, A., (1945), Colectânea de escritos doutrinários, florísticos e fitogeográficos de Frederico
Welwitsch concernentes principalmente à Flora de Angola. Agência Geral das Colónias, Lisboa.
Oliveira Chaves, (1860), “Districto de Ambaca”, Annaes do Conselho Ultramarino. Parte não Off. Serie
II. Outubro, pp. 134-135.
Sebestyén, Éva, (1992), “Land and Power through Ambundu Chief Documents”, Comunicação apre-
sentada no Encontro Annual da Canadian Association of African Studies, Montreal, 13-16 de Maio.
————— (1994), “Legitimacy and Kinship in Ambundu Historical Sources, Angola”, Comunicação
apresentada no Encontro Annual da African Studies Association (EUA), Toronto, 3-6 de Novembro.
Shaw, A. H. K., (1947), The Vegetation of Angola, Journal of Ecology, Vol. 35, No. 1/2 (Dec.,): 23-48.
Tavares, Ana Paula e Santos, Catarina Madeira, (2002), Africae Monumenta, vol. I. A Apropriação da
Escrita pelos Africanos, Arquivo Caculo Cahenda, Instituto de Investigação Científica Tropical,
Lisboa.
Turner, Victor, (1957), Schism and Continuity in an African Society. Manchester University Press, Man-
chester.

Bases de dados (Internet)


www.actd.iict.pt
http://plants.jstor.org
http://www.prota4u.info
http://www.theplantlist.org
http://www.sanbi.org/
http://specimens.kew.org/herbarium
http://tropical.theferns.info
www.worldagroforestry.org

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 97
Éva Sebestyén

Tabela das árvores marcos nos textos dos sobas na Província de Kwanza Norte

Nome kimbundu das árvores-marcos


1. Nas publicações científicas Nome científico das árvores-marcos
2. Nos textos dos sobas

1.Ndai Gardenia ternifolia


2.Danhi, mundai, mudanhi subsp. jovis-tonantis (Welw.) Verdc.
(Rubiaceae)
1.Diboto Diplorhynchus condylocarpon
2.Diboto (Müll.Arg.) Pichon (Apocynaceae)
1.Dikaxi (liana) Combretum cinereopetalum
2.Dicachi Engl & Diels
1.Dilagala (erva) Hyparrhenia diplandra
2.Dilangala (Hack.) Stapf. (Poaceae)
1.Gambo Pericopsis angolensis
2.Gambo, njigambo (Baker) Meeuwen (Leguminosae)
1.Gihia Parinari capensis
2.Gihia Harv. (Chrysobalanaceae)
1.Njila-sonde Pterocarpus angolensis DC.
2. Gila
1.Kabolebole Mussaenda arcuata Poir. (Rubiaceae)
2.Cabole
1.Kituenze Albizia gummifera
2.Quituenze, quetuenze (J.F.Gmel.) C.A.Sm. (Leguminosae)
1.Luhia Parinari curatellifolia
2.Luhia, luha, lunha Planch. ex Benth. (Chrysobalanaceae
1.Muanze Albizia adianthifolia (Schumach.) W.F.Wight
2.Mua (Leguminosae)
1.Mualala Diospyros abyssinica
2.Mua (Hiern) F.White (Ebenaceae)
1.Mube, Mubeba Combretum psidioides
2.Mube Welw. (Combretaceae).
1.Mucumbi Lannea antiscorbutica
2.Mucumbi (Hiern) Engl. (Anacardiaceae)
1.Mucuso Ficus mucuso
2.Mucuso Welw. ex Ficalho (Moraceae)
1.Mufongo Anisophyllea boehmii
2.Lufongo Engl. (Anisophylleaceae)
1.Mujima Sclerocroton cornutus (Pax)
2.Mujima Kruijt & Roebers (Euphorbiaceae)
1.Mulolo Bauhinia thonningii Schum
2.Mulolo (Leguminosae)
1.Mulungu Erythrina abyssinica Lam. Ex DC.
2.Mulungo (Leguminosae)

98 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
O CONTEXTO CULTURAL DOS MARCOS DE TERRENOS NAS ALDEIAS AMBUNDU/ANGOLA

1.Musonge Acacia sieberiana DC.


2.mussongue (Leguminosae)
1.Muzaza, mussassa Cussonia angolensis
2.Muzaza (Seem.) Hiern. (Araliaceae)
Ou
Tricalysia coriacea
1.Punguixe Combretum molle R.Br. ex G.Don (Combretaceae)
2.Dikaxi ou
Combretum celastroides subsp. laxiflorum
(Welw. ex M. A. Lawson) Exell
(= C laxiflorum) (Combretaceae)
1.Rikaxi Combretum molle
2.Dikaxi R.Br. ex G. Don
1.Soxi, musoso Entada abyssinica
2.Mesoxi, musoxi A. Rich. (Leguminosae)

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 99
100
Anexos
Quadro 001 – Demarcação de terra

N.º de
Nome da aldeia Data Marco de limites Demarcantes Vizinhos
doc.
Bango a Caputo 12 12-03-1850 soba João Pombo, de Cambanda soba Bango a Caputo
João Gonga, soba Bango a soba Cachinda, Ngolome a Quiluanje,
18 24-01-1766
Pacaça, Quitala
soba Cachinda, Ngolome a Quiluanje,
19 24-01-1766 João Gonga, soba Bango a Pacaça
Quitala
soba Cachinda, Ngolome a Quiluanje,
Bango a Pacaça 21 24-01-1766 João Gonga, soba Bango a Pacaça
Quitala
soba Cachinda, Ngolome a Quiluanje,
22 24-01-1766 João Gonga, soba Bango a Pacaça
Quitala
soba Cachinda, Ngolome a Quiluanje,
27 26-02-1883 António Mateus da Silva
Quitala
Bendo 29 11-04-1028 !!! Cahinha Nhangue, Cateco Caqitexi
árvore Mussonguei
41 25-02-1829 Gaspar Jonimo, soba Cachinda soba Camuhoto, Quitala, Hubia
uagançe, pedra grande
árvore cabole, danhi,
Cachinda dicaxi, luhia, mulungo,
43 31-12-1843
mua, mube, mulolo, pucuxi,
quitenze, to dia hui
62 19-03-1897 Clemente Tomas, soba Cachinda soba Calanga, Zamba
Cahenda 130 04-01-1733 árvore njingambo Francisco Lopes, soba Cahenda soba Luamba, Condo, Camuhoto, Zundo
sobas Luamba, Quimbangui, Dinga,
135 06-06-1909 panela de lucunga Paulo Ambolo Quitala, Catende, Candumba, Ngolome a
Queta, Queta Cangombe
Camuhoto sobas Luamba, Quimbangui, Dinga,
136 06-06-1909 panela de lucunga Paulo Ambolo Quitala, Catende, Candumba, Ngolome a
Queta, Queta Cangombe
137 25-09-1923 palmeiras, bananeiras Salles Domingos
Éva Sebestyén

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
N.º de
Nome da aldeia Data Marco de limites Demarcantes Vizinhos
doc.
soba Luamba, Condo, Ngolome a Queta,
138 27-10-1689 Cula Nhanho, soba Candumba Zundo, Caca, Mutomba, Cateco Caquitexi,
Nhangue, Bulo a tumba
soba Luamba, Condo, Ngolome a Queta,
139 27-10-1689 Cula Nhanho, soba Candumba Zundo, Caca, Mutomba, Cateco Caquitexi,
Nhangue, Bulo a tumba
soba Luamba, Condo, Ngolome a Queta,
140 27-10-1689 Cula Nhanho, soba Candumba Zundo, Caca, Mutomba, Cateco Caquitexi,
Nhangue, Bulo a tumba
Zundo, Caca, Mutomba, Cateco Caquitexi,
141 14-08-1796 Cula Nhanho, soba Candumba Nhangue, Ngolome a Queta, Queta
Cangombe, Bulo a tumba
Candumbano Zundo, Caca, Mutomba, Cateco Caquitexi,
142 14-08-1796 Cula Nhanho, soba Candumba Nhangue, Ngolome a Queta, Queta
Cangombe, Bulo a tumba
Zundo, Caca, Mutomba, Cateco Caquitexi,
149 15-07-1921 Quidulo Nhangue, Ngolome a Queta, Queta
Cangombe, Bulo a tumba
150 15-07-1921 Quidulo
151 22-10-1921 árvore dilagala, luhia Cabobo
152 22-10-1921 árvore dilagala Cabobo Dala Gonga
153 22-10-1921 árvore dilagala Cabobo Dala Gonga, Mutomba
154 23-10-1924 Cabobo Dala Gonga, Mutomba
155 23-10-1924 Pedro Manuel, soba Candumba Dala Gonga, Mutomba, Mulaza, Calanda
O CONTEXTO CULTURAL DOS MARCOS DE TERRENOS NAS ALDEIAS AMBUNDU/ANGOLA

156 23-10-1924 Pedro Manuel, soba Candumba Dala Gonga, Mutomba, Mulaza, Calanda

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
soba Hubia, Cachinda, Camuhoto, Golome,
Ginla, Samba Gombe, Quipapa, Luamba
159 31-12-1869 Cazombo
Lualunga, Cabumba Cagoma, Queta
Cazombo Cagonbe
sobas Luamba, Ngolome a Queta, Capele,
163 30-07-1988 Cazombo
Hola a Muinza, Quipapa

101
102
N.º de
Nome da aldeia Data Marco de limites Demarcantes Vizinhos
doc.
Nguimbi a mbanda, Caculo Cahenda,
uma pedra com sinal de
164 12.02.1821 Caputo Cahenda, Ngolome a Queta, Quidulo, Holoa
Hui a Caputo cruz
a muinza
165 12-02-1821 Caputo Cacazombo dembo Quipete
Dala Bumba, Gonga a Golome, Cabanga
167 31-12-1717 2 árvores sem nome soba Luamba, Antonio a Luamba
Cagingi
sobas Ndala Quisaquila, Hubia, Ngolome a
168 04-08-1796 panela de posse Francisco Manoel, soba Luamba
Queta
sobas Ndala Quisaquila, Hubia, Ngolome a
169 04-08-1796 panela de posse Francisco Manoel, soba Luamba
Queta
Luamba sobas Ndala Quisaquila, Hubia, Ngolome a
170 04-08-1796 panela de posse Francisco Manoel, soba Luamba
Queta
171 10-10-1796 Francisco Manoel, soba Luamba sobas Camuhoto, Cachinda, Tuto, Zundo
172 10-10-1796 Francisco Manoel, soba Luamba sobas Camuhoto, Cachinda, Tuto, Zundo
173 10-10-1796 Francisco Manoel, soba Luamba sobas Camuhoto, Cachinda, Tuto, Zundo
174 08-06-1797 panela de lusunga Domingos Francisco Dala Quisaquina, Hubia, Ngolome a Queta
175 08-06-1797 panela de lusunga Domingos Francisco Dala Quisaquina, Hubia, Ngolome a Queta
176 08-06-1797 panela de lusunga Domingos Francisco Dala Quisaquina, Hubia, Ngolome a Queta
soba Luamba, Dondo, Hui. Cabanji, Dala
Ndambi a Lucala 187 13-01-1921 soba Ndambi a Lucala
Cabala
árvore ndai, árvore gila, sobas Luamba, Camuhoto, Queta Can-
188 31-12-1770 soba Ngolome a Queta
árvore lufongo gombe, Candumba
árvore ndai, árvore giha, sobas Luamba, Camuhoto, Queta Can-
Ngolome a Queta 189 31-12-1770 soba Ngolome a Queta
árvore lufongo gombe, Candumba
Camuhoto, Dala gonga, Mutomba, Ngondo
190 31-12-1770 árvore luhia soba Ngolome a Queta
Luamba

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Éva Sebestyén
N.º de
Nome da aldeia Data Marco de limites Demarcantes Vizinhos
doc.
António Domingos, soba
196 12-08-1917
Ngolome a Quiluanje
António Domingos, soba
197 12-08-1917
Ngolome a Quiluanje
António Domingos, soba
198 12-08-1917
Ngolome a Ngolome a Quiluanje
Quiluanje árvores mucuso, luhia, Tomás António, soba Ngolome a
199 25-11-1925
ricachi, mujima, gambo Quiluanje
árvores gihia, luhia, Tomás António, soba Ngolome a
200 18-06-1928
messoxi e pedra grande Quiluanje
árvores gihia, luhia, Tomás António, soba Ngolome a
201 18-06-1928
messoxi e pedra grande Quiluanje
sobas Cavungi Caquisuto, Mucoto Hua
03-08-1400
206 soba Quitala quitumbo, Mucundo, Ndomba, Nahanhi
!!!
Samba
sobas Zundo, Tuto, Candange Candala,
Quitala 207 18-01-1839 soba Quitala Quiandongo Mutomba, Bomba, Dambi Angola, luaxi
Luandala, Hubia
árvore gambo, árvore Mutomba, Dala a Gonga, Camuhoto, Tuto,
208 29-01-1839 soba Quitala Casseno
mussongue, 3 parameiras Dambi a ngola, Domba
217 26-05-1931 árvore luhia, pedra grande Francisco Mateus, soba Quitala
sobas Luamba, Quimbangui, Cachinda,
Tuto 219 25-8-1792 árvore mussongue Angasse Lourenço Manuel, soba Tuto Hubia, Quitala Casseno, Camuhoto, Zundo,
Ngolome a Queta
O CONTEXTO CULTURAL DOS MARCOS DE TERRENOS NAS ALDEIAS AMBUNDU/ANGOLA

sobas Candumba, Ndala Angonga, Luamba


Zundo 225 21-01-1671 árvore luhia, diboto Cainha Cambamba, soba Zundo

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
do Quiamvo, Camuhoto, Dala Quitoco

103
Quadro 002 – Venda de terrenos

104
N.º de
Nome de aldeia Data Marco de limites Vendedor Comprador Preço de venda
doc
Manoel Morais 1 cabeça de gado no valor de 2 peças de fazenda, 2
48 10-07-1843 Mateus Sebastião
Pinheiro porcas, 1 peça de fazenda para mortalha
Clemente Manoel Miguel Salvador da
48 21-07-1879 13 peças de fazenda
da Costa Silva
Clemente Manoel Domingos António
49 27-12-1879 5 peças de fazenda, 4 beirames e 8 peças de fazenda
da Costa Pereira
63 03-08-1898 luhia com dois marcos Clemente Manoel João Parado Francisco 96 mil reis
85 10-07-1843 Mateus Sebastião João Jose Dias 10 peças de fazenda em valor de 2 beirames
85 04-10-1911 Manoel João Boa Maria João Joze 1 vaca, 2 peças de fazenda
Cachinda
94 02-05-1918 Francisco António João Rapozo 30:000 reis
98 06-05-1920 Francisco António Bento Florentinho 804:000 reis, 1 garrote, 9:000 reis, 3 peças de fazenda
99 14-09-1920 Francisco António Mateus João Cahenda 150:000 reis em valor de 5 sacos de café
100 14-09-1920 Francisco António Mateus João Cahenda 150:000 reis em valor de 5 sacos de café
107 14-09-1920 José Mateus Mateus João Cahenda 150:000 reis em valor de 5 sacos de café
Cabole, mufoxi,
muroro, muzaza, Domingos Bernardo
108 31-12-1950 José Mateus 245:000 angolares, 2 vaca, 1 garrote, 1 peça de algodão
luhia, gambo, do Zamba
mucumbi, luhia
Camuhoto 137 25-09-1923 Salles Domingos Duarte Cafumana 270:000 reis
196 08-12-1917 António Domingos Manuel Domingos 37:500 reis fortes
197 08-12-1917 António Domingos Manuel Domingos 37, 50 reis fortes
198 08-12-1917 António Domingos Manuel Domingos 37, 50 reis fortes
Ngolome a 1 garrote, 2 porcos capados, 1 mãe de ovelha, 1 mãe
mucuso,luhia, ricachi,
Quiluanje Mateus Antonio da de cabra, 1 cobertor de algodão, 1 peça de 8 jardas
199 25-11-1925 mucumbi, mujima, Tomás António
Silva de fazenda, 107,500 escudo, 1 fato de cetim de 150,00
gambo
escudos
200 18-06-1928 gihia, luhia, messoxi Tomás António Quihomali do Conbo 1 garrotão de ovelha, 1 vaca, 4 jardas de fazenda
201 18-06-1928 gihia, luhia, messoxi Tomás António Quihomali do Conbo 1 garrotão de ovelha, 1 vaca, 4 jardas de fazenda
pau luhia, pedra Francisco António da 2 vacas, 2 peça de fazenda de 8 jardas, 2 porcos
Quitala 226 26-05-1931 Francisco Mateus

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Éva Sebestyén

grande Costa Dala capados, 1 cabra, 42:000 reis


O CONTEXTO CULTURAL DOS MARCOS DE TERRENOS NAS ALDEIAS AMBUNDU/ANGOLA

Plantas de Samba Cajú I

Arcuata (Kabolebole), Comestível. Terminalia sericea (Mube?), Medicinal.

Mussaenda. Gardenia ternifolia (Ndai), Madeira, cabo de


enxadas e outros objectos.

Combretum sp. (Dikaxi) Medicinal. Erythrina suberifera/ E. abyssinica (Mulungu),


Medicinal.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 105
Éva Sebestyén

Parinari curatellifolia (Luhia ), Alimentar.

Anisophyllea boehmi (mufongo), Alimentar.

Annona sp. ( Malolo) Alimentar.

Manihot esculenta (Mukamba=Mandióca)


Alimentar.

106 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À procura da ‘autenticidade indígena’.
Tradição, tradução e transformação
nas recolhas etnomusicais do Museu
do Dundo em Angola 1
Cristina Sá Valentim* 1

p. 107-125

[…] a «autenticidade» – tal como a «tradição», a «memória» ou a «identidade» — não é um


substantivo, mas um verbo que se conjuga diferentemente em diferentes condições históricas
e em função de diferentes posições sócio-políticas. Não há objectos nem práticas, não há
espaços nem tempos «autênticos»; há coisas que são «autenticadas» por sujeitos concretos
em contextos históricos definidos (João Vasconcelos, 2001: 429).

1. Introdução
Ao longo de quase duas décadas, desde 1950 até finais de 1960, o Museu do Dundo orga-
niza várias campanhas de recolha de ‘Folclore Musical Indígena’ no leste e nordeste ango-
lanos, em aldeias dos distritos da Lunda, do Moxiku e próximo de Kwandu Kuvangu. (Fig.
001) Da designada Missão de Recolha de Folclore Musical resultou documentação escrita
e visual, como também um arquivo sonoro composto por coleções musicais registadas em
disco de acetato de 78 rpm e, a partir de 1953, diretamente gravadas em fita magnética
(bobine).2 Em 1949, o então conservador do Museu, José Redinha, comenta que:
Útil seria também um trabalho de decidido aspecto folclórico, no sentido amplo do
termo. Desejamos assim significar a música indígena e os seus cantos, surpreendidos
naturalmente, na sua feição cândida e rústica, se possível ocasional, a céu aberto,
tendo por caixa de ressonância o fundo da floresta ou o âmbito das palhoças. […]
A África perde a espontaneidade, enleia-se em inibições que lhe destroem o espírito
natural. É esta uma realidade indiscutível e permanente, cuja inobservância acarreta
risco de diversa ordem (UC, Ramd 1949: 33).

1 Este artigo começou a ser formulado num ensaio com que conclui o seminário “Pós-colonialismos, Identidades e
Cidadania Cultural” ministrado pelo Prof. Doutor António Sousa Ribeiro no ano letivo de 2011/2012 no âmbito do meu
doutoramento. Agradeço a orientação do Professor e os comentários de todos os presentes nesse seminário. Também
incluo contribuições oriundas da participação em conferências nacionais e internacionais. O presente texto será parte
integrante de um capítulo da tese de doutoramento em curso. Agradeço todas as aprendizagens como também a orien-
tação científica da Prof.ª Doutora Catarina Martins (CES-FLUC) e do Prof. Doutor Ricardo Roque (ICS-IUL).
* Doutoranda no CES e bolseira da FCT (Ref. SFRH/BD/85530/2012).
2 Da ação colonial da Diamang resultou um vasto espólio que está em depósito na Universidade de Coimbra. Parte desses
materiais podem ser consultados no site www.diamangdigital.net que resultou do projeto Diamang Digital desenvolvido
na Universidade de Coimbra e coordenado por Nuno Porto, onde colaborei na digitalização e inventariação e, atual-
mente, na gestão do backoffice.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 107
Cristina Sá Valentim

As posições de José Redinha perante a “músi-


ca indígena e os seus cantos”, tecidas em resul-
tado das suas observações in loco durante
as várias campanhas de recolha de peças
para o Museu, revelam várias motivações.
Nesse processo de atribuição de valor surgem
desejos românticos e interesses científicos
articulados com desígnios coloniais, preten-
dendo-se ao mesmo tempo estudar e resgatar
expressões de “feição cândida e rústica” e
com isso levar a bom porto o projeto colonial.
Para isso, e a par de outras atividades cultu-
rais e científicas levadas a cabo pelo Museu
na Lunda, tanto as manifestações culturais
expressivas angolanas (dança, música, canto)
como os conhecimentos a elas associados (os
‘usos e costumes’: rituais, cultos, cerimónias,
performances, indumentária, penteados, ofí-
Fig. 001 – “Mapa A: Mapa da exploração
cios, alimentação, etc) foram concebidas/os
etno-musicológica na Lunda, Alto Zambeze, como ‘Folclore Indígena’.
Alto e Baixo Cuando”. Escala 1:4000000. Essa postura obedecia à mesma racionalidade
(Janmart et al, 1961: 16). que presidira à formação do Folclore nas
metrópoles europeias, emergente na Alema-
nha oitocentista, e onde se procurava expressões de matriz rural por oposição ao urbano,
culto e erudito, destacando-se a procura pelo antigo, genuíno, popular e autêntico (cf.
Bendix, 1992: 106). Similarmente procurava-se resgatar um ser humano natural, integral,
emocional, puro e também ‘autêntico’, como uma alternativa ao sujeito alienado criado pela
industrialização da sociedade moderna e ao indivíduo espartilhado pela razão iluminista
(Klein, 2014: 1362). Esses processos participaram, com outros, como forma de contenção das
massas populares dentro de comunidades imaginadas como homogéneas e culturalmente
delimitadas numa Nação em redor da ideia de Povo, Língua e Tradição, uma representação
útil na afirmação dos nacionalismos europeus e na manutenção de regimes ditatoriais. No
contexto das colónias do fim do séc. XIX, o conceito ocidental de folclore foi transposto
igualmente como ferramenta de diferenciação de grupos de pessoas e, da mesma forma, os
conhecimentos de matriz rural, popular e ‘autêntica’ foram naturalmente concebidos como
folclore. No entanto, esse processo articulou ideais de ‘autenticidade’, ‘tradição’ e ‘pureza’
com ideias de ‘primitivismo’, de ‘exotismo’, de ‘tribalismo’ e de exploração económica e de
recursos humanos (Ranger, 2002; Porto, 2009; Naithani, 2010).
Nas colónias, as “ausências” e as “inexistências” epistemológicas e ontológicas produzidas
pelo pensamento ocidental moderno derivaram duma época de expansão dos Impérios
onde se excluíram e discriminaram, e eliminaram, conhecimentos e pessoas com base em
premissas que combinaram lógicas monoculturais etnocêntricas de saber, de tempo, de
classificação social, de escala e de produtividade (Santos, 2002: 241-248). Isto é: a exclusi-
vidade do saber científico ocidental e a ‘alta cultura’ versus os outros saberes que signifi-
cam incultura, atraso ou folclore; a conceção linear do tempo, onde os ideais de progresso
tecnológico e económico significariam uma evolução social e histórica; a naturalização
da diferença e das hierarquias sociais (da superioridade e da subalternidade) através da
produção de classificações sociais baseadas em categorias de raça, de classe e de género;
a hegemonia do que é universal e global versus o particular e o local vistos como isolados

108 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

e estáticos, em detrimento da diversidade das práticas sociais; definição dos critérios de


produtividade com base em lógicas capitalistas de forma a legitimar a desapropriação e a
exploração de terras e de recursos humanos (idem). Perante esse pensamento dicotómico,
os angolanos foram os ‘africanos’, os ‘indígenas’, os ‘trabalhadores’ ou ‘contratados’ [numa
palavra: os ‘pretos’] que teriam a Cultura – sinónimo de tradição, do que é local, delimi-
tado e atrasado, não contemporâneo (Folclore: usos e costumes ‘autênticos’) – mas que iria
desaparecer em contacto com o Ocidente, que levaria a Civilização, o Progresso, a Ciência
(Linnekin, 1991). Nesse processo as expressões culturais dos nativos angolanos também
poderiam ser apropriadas e usadas em benefício da empreitada colonial. Sendo o tempo
um fator de exclusão e inclusão que pode distanciar uns e aproximar outros (Fabian, 2006),
a ‘autenticidade indígena’ constrói-se em noções de “temporalidade, totalidade e continui-
dade” (Clifford, 1988: 215) onde a cultura é vista como “um corpo coerente que vive e morre”
(idem: 235). E acrescenta Linda Tuhiwai Smith,
No seio de tal visão de autenticidade reside uma crença de que as culturas indígenas
não podem mudar, não podem recriar-se e continuar indígenas. Também não podem
ser complicadas, internamente diversas ou contraditórias. Apenas o Ocidente tem esse
privilégio (Smith, 1999: 74).

Nesse sentido, o discurso da ‘autenticidade’ – essencialista, situado e reificador – articula-


-se com questões de poder e categorias de raça, e produz-se enquanto um regime de repre-
sentação (Hall, 1997), e funcionou como uma das várias “tecnologias culturais” que, a par
das “tecnologias materiais”, serviu um projeto cultural de controlo político (Dirks, 1992: 3).
A esse processo estão subjacentes práticas assentes em colonialidade: disjunções culturais e
ontológicas assentes num etnocentrismo epistemológico que separa, hierarquiza e silencia
outras estórias que não correspondam aos seus ‘sistemas de verdade’, e que justificaram e
naturalizaram, a par da exploração económica de recursos naturais e humanos e da con-
versão religiosa, a alteridade como margem (cf. Mudimbe, 1988: 15). Mas se a ‘autenticidade’
é “uma construção cultural do mundo moderno ocidental” (Handler, 1986: 2) é possível
desmontar a sua montagem e fazer emergir as fragilidades dessa construção.
A representação das culturas musicais angolanas em ‘Folclore Musical Indígena’ fez-se em
articulação com questões de poder e em experiências de reconfiguração que aconteceram
em relações de intersubjetividade. Ou seja, a produção de conhecimento sobre o Outro foi
feita através de processos de tradução cultural: “de recitação, e por isso de relocalização
cultural e histórica, e portanto uma paródia, uma traição de qualquer intenção ‘original’
ou ‘autêntica’” (Chambers, 2001: 49). Com efeito, a eficácia política da autoridade colonial
na Lunda passou, em grande parte, pelo atualizar constante de representações apriorísticas
sobre a diferença assente em práticas situadas e engajadas no mundo e, por isso, nunca
produzindo significados miméticos e transparentes, fiéis a um ‘original’ (cf. Bhabha, 1990,
210-211). Ao mesmo tempo, e porque o exercício da tradução cultural resulta de um con-
junto de perspectivas, de uma relação intersubjetiva onde confluem vários agentes (huma-
nos e não humanos) (Wolf, 2008), o processo de conversão das culturas nativas em Folclore
na Lunda foi o espelho disso mesmo. A Missão teve de ir respondendo adequadamente a
um conjunto de contrariedades causadas quer por adversidades geográficas e ecológicas,
quer por dificuldades do foro representacional, ontológico e epistemológico em retratar um
conhecimento musical nativo de acordo com o imaginário ocidental. Como é referido na
secção das ‘Notas Explicativas’ dos dois estudos musicológicos3 das canções Cokwe recolhi-

3 Estas duas publicações do Museu do Dundo foram produzidas pelo geólogo Jan Janmart, pelo escritor José Osório de
Oliveira e pelo maestro Hermínio do Nascimento. Foram oferecidos aos mais prestigiados institutos culturais e Uni-
versidades da Europa, América do Sul, EUA, Portugal e África do Sul, em conjunto com as respetivas fitas magnéticas.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 109
Cristina Sá Valentim

das na quinta e sexta campanhas no Lovwa e no Kamisombo, respetivamente [atual região


da Lunda Norte], e publicados em 1961 e 1967:
[...] organizou o nosso Museu uma Missão ou brigada de recolha de folclore, provida
de aparelhagem especializada, e de todo o material, de transporte e acampamento,
necessário à efectivação de longos percursos, os quais foram feitos, muitas vezes, atra-
vés de grandes dificuldades, criadas pelo estado do solo, as chuvas tropicais,
a travessia por terrenos arenosos ou alagadiços e outros obstáculos , pois a
intenção principal foi a de visitar, não tanto os aglomerados populacionais do interior
mais conhecidos e acessíveis por estrada, mas sobretudo aqueles núcleos que, pelo
seu isolamento, se afiguravam susceptíveis de oferecer ainda um folclore puro de
influências estranhas (Janmart et al., 1961: 20; 1967: 22-23). [negrito meu]

A procura pela ‘autenticidade indígena’ supostamente resgatável em culturas rurais, iso-


ladas e reveladoras de um “folclore puro de influências estranhas” representou o agente
colonizador como uma figura detentora de conhecimento tecnológico, nomeadamente de
“aparelhagem especializada” e fez dele alguém heroico, vencedor de “grandes dificuldades”.
Mas essa mesma procura também o representou como alguém vulnerável, exposto aos
desafios colocados. Este artigo versa precisamente sobre a dificuldade da construção colo-
nial da ‘autenticidade indígena’, ou seja, sobre os desafios que a prática da tradução cultural
colocou às formações discursivas do regime colonial.

2. Os trabalhos da missão de recolha de folclore musical


2.1. O contexto
Após a descoberta de diamantes na bacia do rio Kasai em 1912, na fronteira com o então
Congo Belga, os interesses portugueses no nordeste angolano intensificam-se. E é a partir
de 1926, com a conquista das terras aos Cokwe e restantes comunidades, que o colonialismo
moderno português se instala definitivamente na Lunda sob um contexto de ocupação
militar e de resistência (cf. Porto, 2009: 8), tendo como infraestrutura basilar a Diamang,
previamente fundada em 1917 com Sede em Lisboa e delegação administrativa no então
recém-criado centro urbano designado Dundo. A Companhia de Diamantes de Angola
estrutura-se no nordeste do Distrito da Lunda em vários serviços de ação de exploração
mineira e agrícola, mas também científica e assistencial dirigida às populações que dis-
tingue entre empregados (‘europeus’, comunidade branca) e trabalhadores (‘africanos’,
comunidade negra). Visando garantir uma boa rentabilidade do trabalho nas minas, a
assistência ao indígena torna-se necessária, o que passa também por diversas apropriações
do seu modo de vida (cf. Porto, 2009: 153). Com efeito surge em 1936 o Museu do Dundo,
um museu de índole etnográfica.
A par da Missão de Recolha de Folclore Musical, o Museu realiza campanhas de recolha
de objetos, peças arqueológicas, espécimes biológicos e amostras geológicas para estudo e
exibição, e organiza a partir de 1944 Festas Folclóricas com os Grupos Folclóricos Indígenas
Privativos do Museu. Essas festas acontecem no Terreiro de Folclore da Aldeia Nativa do
Museu com vista a receber visitas institucionais e, quando fora desse espaço, para repre-
sentação institucional do Museu. Todas essas vertentes da atividade museológica materia-
lizavam um tipo de colonialismo que a Companhia designa de ‘científico’ e que legitimou
o colonialismo português na Lunda a partir das atividades culturais e científicas do Museu
(Porto, 2009). Essa ocupação científica, vista aqui a partir desta Missão, dirige-se a um
O texto revela um discurso sobre a música cokwe assente em representações etnocêntricas, romantizadas e racializadas
da diferença que visaram um inequívoco exercício de propaganda política (Valentim, 2012).

110 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

público-alvo muito específico: os trabalhadores, ou seja, os negros submetidos ao Estatuto


do Indigenato que os converteu em indígenas a partir de 1926, sendo-lhes negado o usufruto
dos direitos de cidadania portuguesa. 4 Essas populações faziam parte integrante da mão-
-de-obra recrutada em regime de coerção para trabalho compulsivo, ora diretamente para
o governo colonial ora para empresas privadas, tal como a Diamang, onde trabalhavam na
construção de infraestruturas (estradas, pontes, corte e transporte de lenha), nas minas ou
nos campos agrícolas. E enquanto estratégia de ocupação colonial foi necessário construir
os angolanos nativos como indígenas e mantê-los sob o esforço civilizador através não só
da disciplina do trabalho forçado mas também sob o olhar panóptico da ‘tradição’, isto é,
dos seus próprios valores culturais mais conservadores. Já em 1946 José Redinha é claro em
alertar para o perigo da vida nativa ‘destribalizada’, e tanto em 1949 (como se viu na secção
anterior) como em 1950 avança a sua posição face ao Folclore:
A destribalização é o cancro que corrói simultaneamente a coesão da tribu e a disciplina
europeia; o soba e os notáveis das tribus são os elementos primordiais que poderão
retardar e regular esse desagregamento. Nestas condições, prestigiá-los e autorizá-los
aos olhos do seu povo é a primeira necessidade do colonizador consciente. […] Erram,
os que alteram os costumes, e consequentemente a ordem, com infundadas teorias de
progresso. (UC. RAMD, 1946: 34)
Nunca é demasiado frisar que o desenvolvimento do folclore e outros aspectos tra-
dicionais, artísticos ou interessantes, tem apreciável importância como elementos
normalizadores dos costumes indígenas, sustendo-lhes a tendência moderna dos bailes
de tipo “dancing”, e outras diversões perniciosas ao equilíbrio e disciplina social. (UC.
RAMD, 1950: 15)

A “retórica da autenticidade” (Ribeiro, 2005: 84) conjuga assim mito, desejo e estratégia
transformando-se, consequentemente, em autoridade e em violência simbólica (cf. Griffi-
ths, 1996: 71), pondo em prática um saber/poder no sentido foucaultiano. Como diz Edward
Said, e lendo aqui o Orientalismo na forma de Africanismo, num regime colonial quem tem
o poder sobre quem lhe está subalterno tem a legitimidade para emitir e formular “juízos
de valor sobre ele, autorizando visões dele, descrevendo-o, ensinando-o, colonizando-o
[…]” (2004: 3).

2.2. As dificuldades na recolha da ‘autenticidade’


A Missão vem na continuidade dos trabalhos efetuados em 1949 durante quatro meses, de
agosto a dezembro, pelo professor e etnomusicólogo Artur Santos, convidado pelo Eng.º
Ernesto de Vilhena, diretor delegado da Companhia, para iniciar uma recolha e estudo de
‘folclore indígena’ (UC, RAMD, 1948 e 1949).5 Conhecida entre os nativos pelo “Serviço das
Cantigas”, por comparação aos outros serviços da empresa (Oliveira, 1954: 72), a designada
2.ª Missão de Recolha de Folclore Musical é liderada pelo empregado Manuel Pinho da
Silva6. A equipa incluía, para além de indígenas que eram motoristas, intérpretes, carre-
4 Estas duas publicações do Museu do Dundo foram produzidas pelo geólogo Jan Janmart, pelo escritor José Osório de
Oliveira e pelo maestro Hermínio do Nascimento. Foram oferecidos aos mais prestigiados institutos culturais e Uni-
versidades da Europa, América do Sul, EUA, Portugal e África do Sul, em conjunto com as respetivas fitas magnéticas.
O texto revela um discurso sobre a música cokwe assente em representações etnocêntricas, romantizadas e racializadas
da diferença que visaram um inequívoco exercício de propaganda política (Valentim, 2012).
5 O Professor Artur Santos tinha desenvolvido desde 1936 várias recolhas e estudos na metrópole sobre ‘música tradicional
portuguesa’ ou ‘folclore musical’ (Cruz, 2001: 54-90). Apesar da estadia de Artur Santos inaugurar a Missão, as gravações
que fez em 100 discos virgens com canções do Alto Zambeze e Lunda, e de onde se apuraram cerca de pouco mais de
meia centena, acabaram por se danificar.
6 Manuel Pinho da Silva, conhecido entre os nativos por “o Branco do Serviço das Cantigas” (Oliveira, 1954: 72) era empre-
gado da Diamang em funções na Secção de Trabalho Indígena do Serviço de Mão-de-obra, e na Emissora do Dundo
(ou Rádio Diamang). Por conhecer mais de perto as populações nativas, já tinha colaborado na 1ª Missão em conjunto

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 111
Cristina Sá Valentim

gadores e cozinheiros, Padres, Sobas (Chefes


Tradicionais) e Chefes de Posto Administra-
tivo que auxiliavam no acesso às populações.
Também integravam os empregados Carlos
de Paiva e Monteiro Pequito com funções
de auxiliares em tarefas de radiomontagem,
reparação de equipamentos, e Bettencourt
Faria como desenhador dos instrumentos
musicais que iam recolhendo para levar para
o Museu. A partir de 1954, passou a integrar
a equipa a esposa de Pinho Silva, Maria José
Gouveia Reis.
Cada campanha era realizada preferencial-
mente na época do cacimbo7, mas cujos
Fig. 002 – Fotografia n.º 12001, 1951-1952. Terceira
trabalhos poderiam durar entre meses a
campanha, nordeste da Lunda. “A missão vai anos, implicando se necessário várias fases de
a todos os lugares onde a sua acção resulte coleta dentro da mesma campanha. A Missão
proveitosa” (UC 3R MRFM V.III, 1952: 719). tinha como base de trabalhos o Dundu, de
onde partia com destino a aldeias no mato,
e aonde regressava no final de cada campanha. E era com o diretor dos Serviços Cultu-
rais em Lisboa, Júlio de Vilhena, que Pinho Silva ia trocando correspondência, a partir do
Dundu ou do local onde a Missão se encontrava, para receber a aprovação do Itinerário da
viagem (com os trajetos e nomes dos Sobados), para dar informações sobre o decorrer dos
trabalhos, enviar os relatórios e discos resultantes de cada campanha. Mas para, funda-
mentalmente, receber orientações, sugestões e pedidos de esclarecimentos sobre termos
vernáculos, práticas rituais, letras e estórias de canções ou comportamentos da Missão,
fruto do designado Trabalhos de Gabinete na Sede.
As dificuldades sentidas pela Missão come-
çaram a sentir-se por fatores ecológicos e
geográficos. Para além de terem de preparar
os caminhos para os poderem transitar (Fig.
002), as avarias nos equipamentos e viaturas
eram frequentes. (Fig. 003) Por razões de
calor excessivo, as gravações eram feitas ao
ar livre, junto do acampamento montado pela
Missão e, “para maior silêncio e melhor pro-
pagação de som, foram feitas, na sua maioria,
durante a noite, apesar do frio intenso” (UC,
1R MRFM, 1950: 213). Porém, não foi apenas
a força, agência e imprevisibilidade da Natu-
reza o grande constrangimento da Missão.
Assente num “pensamento abissal”, isto é,
em lógicas monoculturais e excludentes que
Fig. 003 – Fotografia n.º 15015, 1954. Quinta
campanha, Lovwa. “Soba Satambué, outro desenharam linhas divisórias abissais entre
colaborador da Missão na região do Lóvua” o ‘Civilizado’ e o ‘Primitivo’, o ‘Branco’ e o
(Janmart et al., 1961: 36). ‘Preto’, colocando no outro lado da linha

com o empregado Carlos de Paiva, acabando por ser escolhido pelo Diretor Delegado da empresa, o Comandante Ernesto
de Vilhena, para chefiar os trabalhos da ‘2.ª Missão’, onde também continuou a participar Carlos de Paiva até 1952.
7 É a estação seca em Angola, entre abril e setembro.

112 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

outras formas de conhecimentos e de existências (Santos, 2007: 3-4), a Missão encontrou


“outros obstáculos” (Janmart et al., 1961: 20). Ao longo das secções seguintes vão analisar-se
os comportamentos que emergiram do encontro colonial, isto é, as surpresas, os conflitos
e as negociações e que vêm responder às “dinâmicas de fraqueza e vulnerabilidade” de um
projeto colonial idealizado como hegemónico (Roque, 2005: 65).

2.2.1 As tradições

Fechada em ilusões e, por isso, aberta a desilusões, a Missão inaugura as suas campanhas
no dia 23 de Junho do ano de 1950, partindo do Dundu pelas 17 horas com destino às aldeias
do Alto Zambeze, na província do Moxiku (UC, 1R MRFM, 1950: 1).
Logo nessa primeira campanha, de onde regressam a 23 de agosto e assim encurtam o
plano inicial por razões de avarias técnicas nas viaturas, no gerador e na máquina de gra-
var8, a Missão depara-se com um facto que lhe vai exigindo uma constante habilidade de
resposta: a ‘tradição’, imaginada como facilmente resgatável, imutável, cristalizada e pura,
era coisa que não existia. Pinho Silva desabafa que,
Toda a parcela do território percorrida é muito pobre de instrumental; e não exagera-
mos se dissermos que, mesmo sob o ponto de vista vocal tivemos, em certas regiões, de
acordar o indígena de certo letargo em que o folclore se vai como que diluindo
ou desvanecendo. [...] Instrumentos em construção, nenhum! Se o pai é um mestre
em qualquer género de música, o filho não o toma a sério e não quer saber da sua
arte. O instrumento é posto de parte, apodrece e acaba por desaparecer. Nisto, tam-
bém as missões protestantes têm uma influência muitíssimo considerável. [...] Para
podermos gravar alguns trechos da colecção obtida tivemos de ir buscar instrumentos
a muito grandes distâncias, com certa dificuldade. Quási todos os instrumentos
são velhos, esburacados e gastos. Tivemos de mandar reparar alguns se os quisemos
utilizar (UC, 1R MRFM, 1950: 18). [negrito meu]

Nestas palavras está presente um indígena


simultaneamente tradicional, indolente e
artista, vulnerável a influências vindas de
agentes da ‘modernidade’, nomeadamente
das Missões Protestantes cuja atuação vinha
sendo alvo de desconfiança e temor por parte
da administração colonial portuguesa. Por
um lado, por serem entidades estrangeiras
ao território e, por outro, ágeis em transmitir
valores de emancipação e de formação de
uma consciência política anticolonial o que
implicaria um afastamento dos valores mais Fig. 004 – Fotografia n.º 15045, 1954. Quinta
tradicionais. Mas ainda assim seria possível campanha, Lovwa. “«Ngoma» (tambores)
resgatar as ‘tradições indígenas’ uma vez dos géneros usados pelos quiocos do Lóvua:
que, préconcebidas como inatas, naturais «micupela», «mucundo», «cassúmbi», e
«txinguvo».” [de trás para a frente, da esquerda
e intuitivas, poderiam estar somente ador-
para a direita: 1 ngoma wa kasumbi, 1 ngoma wa
mecidas, esquecidas e, assim, despertas e mukhundvu, 1 cikhuvu e 2 ngoma wa mukupela ou
resgatáveis (Klein, 2014: 1352). Perante esses mukwanzo (ou mukwazo)]
receios, ansiedades e esperanças em relação (Janmart et al., 1961: 47).

8 UC, Pasta 84J.5a: carta enviada por Pinho Silva de Cavungo para o Dundo ao Diretor Geral Rolando Sucena de Sousa em
14/08/1950.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 113
Cristina Sá Valentim

à ‘colheita’ ou ‘recolha’ de essências (daí esses


conceitos em voga tanto na etnografia das
metrópoles europeias como nas colónias), a
Missão foi engendrando um conjunto de pro-
cedimentos que implicaram uma colaboração
inevitavelmente mais estreita tanto com a
administração colonial, os Chefes de Posto,
como com as autoridades tradicionais (os
Sobas) e os indígenas.
A Missão contava com a colaboração dos
Chefes dos Postos Administrativos, dos
Sobas e, se necessário, dos administradores e
funcionários da Circunscrição respetiva para
auxiliarem no “reconhecimento de manchas
folclóricas e localização de bons solistas”9.
Fig. 005 – Fotografia n.º 12841, 1953. Quarta Entretanto era solicitado aos Sobas que trou-
campanha, nordeste da Lunda. “Txissaje, plural
issaje” [recolha junto dos Lunda Muatianvwa]
xessem as populações dos seus Sobados para
(UC, 4R MRFM, 1953: 127). junto dos acampamentos montados pela Mis-
são. (Fig. 004) Essas pessoas, acompanhadas
de instrumentos musicais em uso nas suas aldeias, permaneciam durante dias ou semanas
para as audições, sendo retribuídas em alimentos, dinheiro, roupa, lenços, tecidos (panos),
colares, pulseiras, brincos, máquinas de barbear, pífaros, lanternas e tabaco.10 Os melhores
tocadores e solistas teriam de acompanhar a Missão durante todo o percurso da respetiva
campanha para garantirem que seria viável e possível efetuarem gravações de canções
‘autênticas’ ao longo do Itinerário (UC, 5R MRFM, 1954: 48). A Missão também tinha a seu
cargo a classificação dos instrumentos musicais, assim como pelo seu desenho, registo da
escala e afinação. Esses objetos seguiam para o Museu para futuros estudos musicológicos
e, a partir de 1958, para serem expostos na Sala de Folclore.
Pinho Silva ia recebendo indicações de Júlio de Vilhena para privilegiarem as canções de
“batuque” das grandes festas nativas, assim como os designados “cantares no trabalho”, uma
vez que seriam essas performances musicais as mais valorizadas à época pelos folcloristas
e estudiosos da música negra.11 Nesse sentido, não foi difícil classificar como tradicional os
‘tambores’, em concreto o cikhuvu (ou na linguagem colonial txinguvo), junto dos Lunda e
dos Cokwe, e os vários géneros de ngoma que surgem transversais a todas as etnias (Fig.
005), por oposição a outros que proliferavam na época, como os yisanji (ou na linguagem
colonial quissanjes, ou pianos de mão) cuja classificação étnica foi difícil por serem alvo de
inovações constantes.12 (Fig. 006) Como diz Pinho Silva,
[…] quissanjes, instrumentos pessoais muito apreciados pelos rapazes novos, que os
descaracterizam, fabricando-os a seu gosto, pelo que não podem ser atribuídos a qual-
quer tipo folclórico, já por estarem em desacordo com a tradição, já pelos materiais
aplicados, com notória influência europeia. [...] (UC, 5R MRFM, 1954: 48).

9 UC, NMFL, Vol. I, 1950-59: NR28, 26/10/1953, f. 1.


10 UC, 2R MRFM 1950: 8; Pasta 84J.5b: carta n.º 99-Cont/55 de 17/02/55.
11 UC, NMFL, Vol. I, 1950-59: NE 10, 08/02/1952, p. 1.
12 O cikhuvu é um grande tambor trapezoidal classificado como idiofone, e é feito a partir de um único bloco de madeira,
com uma fenda longitudinal na parte superior tocado com duas varas (mixipho, plural de muxipho) revestidas a borracha
(ulongo) (Redinha, 1988: 128), constituindo um meio importante de comunicação entre aldeias (idem: 31). O ngoma é o
nome genérico dado a um tambor cilíndrico, um membranofone, revestido com pele de animais no topo (ou também
na base) feito com madeira e principalmente tocado manualmente (Redinha, 1988: 164-167). O cisanji é um lamelofone
constituído por palhetas/lamelas metálicas, podendo ter uma cabaça truncada como caixa-de-ressonância, e é tocado
com os polegares (Redinha, 1988: 129).

114 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

Ao mesmo tempo, a maioria das letras dessas


canções não foi registada, e apenas a estória
da canção, pelo facto de tratar-se de uma
letra “monótona, limitar-se quase só ao título
e prejudicar o conjunto” ou “sem interesse”
(UC, 6R MRFM, 1955: 347 e 440). Quanto às
‘canções de trabalho’, Pinho Silva esclarece
que, no seio da vida nativa, são cantados
com vários ritmos e em diferentes contextos
e que por isso não podem ser restringidos
nessa categoria. Dizem respeito a canções
usualmente presentes nas grandes festas e
que são depois adaptados à capela (só com Fig. 006 – Fotografia n.º 15596, 1955. Sexta
voz) durante as atividades laborais ou em campanha, Kamisombo. “Pesquisas de folclore
em Camissombo” (UC, 4R MRFM, 1955: 350).
viagens (UC, 4R MRFM, 1953: 682). Mas para
reproduzir o cenário ‘autêntico’ e ‘verdadeiro’
que estaria no imaginário ocidental sobre esses cânticos (e que os ensaios poderiam estra-
gar), Pinho Silva informa: “Para as gravações resultarem com toda a verdade, colocámos
uma centena e, nalguns casos, mais, de contratados em frente do microfone, deixando-os
cantar à vontade, apenas com indicação, por gestos, do começo e fim de cada disco” (UC,
4R MRFM, 1953: 682).
Ainda entre os Cokwe, e dentro dos vários ritmos que originam vários tipos de danças, a
Missão deteve-se em grande parte na recolha de canções das ‘grandes festas de batuque’
onde o ritmo da ciyanda era o grande protagonista, recolhendo em grande número canções
que classificou como “cantiga festiva, bailada, de txianda” (UC, 3-6R MRFM).13 E se tradi-
cionalmente no ritmo ciyanda, para além de outros pequenos instrumentos musicais que
as pessoas penduram no corpo, a bateria é composta por cinco tipos de ngoma14 e que o
cikhuvu pode ou não integrar (Guerra-Marques, 2006: 150), nas coleções musicais do Museu
do Dundo ele passou a fazer parte fundamental de todas as canções de ciyanda. Movida
assim por um imaginário do que seria a estética e a cultura popular africanas, em redor
de noções de anonimato e de uso coletivo vigentes na conceção romântica ocidental de
‘tradição’ (cf. Bendix, 1992: 112), a Missão reinventa o que pode,
Para conseguirmos um txinguvo capaz andámos perto de 200 quilómetros; para que
bons solistas de txissanje pudessem tocar, foi, também, preciso procurar instrumentos
a grandes distâncias. Com a caça de alguns antílopes resolveu-se o problema ingente da
substituição das peles, ressequidas, roídas ou podres, de tambores que foi indispensável
utilizar para as gravações. (UC, 6R MRFM, 1955: 4)

2.2.2. As populações nativas

Reportando-me a James Clifford, o que preocupou o olhar etnográfico até a meados do séc.
XX foi a suposta ameaça da dissolução da ‘pureza primitiva’ (cf. 1988: 232). Esta postura
13 A wino wa ciyanda [dança ciyanda] também faz parte dos rituais de iniciação masculina (ou mukanda) integrando as wino
wa tundanji [danças dos iniciados] que os rapazes aprenderam e apresentam no dia da saída do retiro para celebrarem a
sua inserção na vida adulta (Guerra-Marques, 2012: 145), como das performances dos dançarinos que usam máscaras que
dançam, os akixi kuhangana [que movem ritmicamente as ancas] originando as danças Wino wa Pwo, Wino wa Katoyo e
Wino wa Ngulu (Bastin, 1992: 33, 36-39).
14 Da bateria do ritmo da ciyanda fazem parte o ngoma wa xina, ngoma wa mukhundvu, ngoma wa kasasulwilo, ngoma
wa kasumbi e o ngoma wa mukupela ou conhecido como ngoma wa mukwanzo (ou mukwazo), dependendo da região
(Guerra-Marques, 2006: 134 e 149).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 115
Cristina Sá Valentim

implica uma perspetiva primordialista, tanto da cultura como da etnicidade, segundo a


qual as populações alvo de estudo estariam integradas em grupos isolados entre si, em
culturas discretas, homogéneas e imutáveis, cristalizadas, facilmente coletáveis e exibíveis
com traços culturais distintos. Enquadrado nesse discurso, e dando seguimento à metodo-
logia empregue por Artur Santos tanto na metrópole como em Angola, a Missão esforçava-
-se em compartimentar cada instrumento, canção e cada pessoa num grupo étnico. Pinho
Silva, na segunda campanha pelo sul do Moxiku, informa que:
É já hoje impossível fazer a separação, por tribos, do folclore dos habitantes das cir-
cunscrições dos Bundas e Luchazes, os povos encontram-se todos misturados, tanto
nas diversas áreas como nas próprias aldeias; […] (UC, 2 R MRFM, 1950: 33).

Ciente das dificuldades, Pinho Silva precisou da ajuda das populações. Nomeadamente, da
ajuda dos Sobas e dos ‘mais-velhos’ que na qualidade de depositários dos saberes antigos
foram envolvidos como agentes ativos na procura da ‘autenticidade indígena’, aliás, um
método que Artur Santos tivera praticado nas recolhas no Dundu à semelhança do que
vinha fazendo na metrópole.15 Como informa Pinho Silva, no Alto Zambeze, as populações
iam ajudando à identificação étnica tanto de membros das suas aldeias como de instru-
mentos musicais: “garantiram-nos que esta marimba é genuinamente Lunda. Encontramo-
-la em muito bom estado de conservação” (UC, 1R MRFM, 1950: 41).
Ainda no Moxiku, durante a primeira e a segunda campanhas, Pinho Silva constata uma
realidade igualmente caracterizada pelo entrosamento entre várias culturas oriundas da
circulação de pessoas entre Angola, o Congo Belga e a Rodésia do Norte, o que se repercutia
na ‘pureza’ do ‘folclore’:
A influência de discos gravados no Congo Belga onde cantares gentílicos com rumbas e
congas adaptadas são, quási sempre, acompanhadas a viola europeia, falseia completa-
mente o folclore da colónia vizinha e, infiltrando-se, deturpa e estraga o nosso folclore
raiano (UC, 1R MRFM, 1950: 17).
No extremo sul do posto de Ninda encontramos grupos de quiocos, mal conhecendo já
a sua língua e adoptando costumes de outras tribos; eles ou os seus maiores ali intro-
duziram o seu folclore, que o tempo foi deturpando. Quási todos os habitantes daquelas
paragens cantam, indistintamente, trechos quiocos, bundas, luzchazes, cacangalas,
etc., encontrando-se lá, também, o calucuta e outras danças essencialmente quimbun-
das, levadas por “calcinhas”16 que andam por toda a parte em negócios e passeios. A
convivência, nas minas da Rodésia, dos povos de aquém e de além fronteira – a que nos
referimos no capítulo “emigração para a Rodésia” – é, sem dúvida, um dos factores que
mais vem contribuindo para tal cosmopolitanismo, que cada vez mais se acentua [...]
(UC, 2R MRFM, 1950: 33).

Passados dois anos, em 1952, no nordeste da Lunda, a razão do descontentamento ultra-


passa a penetração de influências estrangeiras no território nacional para se transformar
num exercício político pela exclusividade no resgate da ‘autenticidade’, em termos de rigor
científico e profissionalismo, por relação a atividades similares efetuadas noutras colónias
europeias. Isso porque, tal como outros estados coloniais na África Subsariana, também o

15 UC, Pasta 84J.5: carta particular de Artur Santos a Júlio de Vilhena, 09/07/1949.
16 Designação colonial usada para designar os indígenas que exibiam hábitos culturais europeus, podendo ter alguns deles
já o estatuto de assimilados, que veio subjacente no Estatuto do Indigenato de 1926. Os indígenas teriam acesso à cida-
dania portuguesa se, maiores de idade, tivessem comprovado ter autonomia financeira, escolaridade obrigatória (ensino
primário) e não seguissem a sua cultura, tanto pela língua como por práticas religiosas, formas de vestir, de pensar e de
agir (Cruz, 2005: 172). Para tal era exigido que exibissem hábitos europeus, incluindo o falar a língua portuguesa, e que
os poderia constituir em assimilados ou “indígenas civilizados” (Porto, 2009: 520), no fundo ainda não detentores da
categoria de ‘cidadão’. No plano intersubjetivo, eram frequentemente discriminados pela designação desprestigiante de
‘calcinhas’, entendidos como uma mera e má imitação dos cidadãos europeus, civilizados.

116 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

então Congo Belga e a então Rodésia do Norte realizavam campanhas de recolha de can-
ções junto das populações sob seu domínio. Nas palavras de Pinho Silva,
Temos escutado com todo o interesse e a maior atenção as emissões de folclore negro
realizadas pelos postos do Congo Belga e Rodésia; e chegamos à conclusão de que a
recolha ali feita em nada se pode comparar com a nossa. Procuramos saber como era
feito ali o trabalho; e disseram-nos que, aos domingos, juntam pretos que cantam o que
querem e consequentemente aquilo de que mais gostam e que mais fácil se torna. Os
grupos são compostos só por gente nova e os seus cantares não passam, na maioria
das vezes, de mera brincadeira. Também temos procurado ouvir os discos que do Congo
Belga são trazidos para a Lunda; neles notamos o mesmo e ainda arranjos de rumbas
e foxes com letra traduzida para línguas africanas e música arranjada. Deve por ali
andar mão de europeu pouco escrupuloso e certamente interessado em fins mercantis
(UC, 3R MRFM, 1952: 3).

2.2.3 As gravações, o registo escrito e a revisão das canções

As culturas expressivas de feição popular, tanto europeias como africanas, assentam na


transmissão de conhecimentos pela oralidade. E em particular as canções das comunidades
Bantu derivam de oratura (contos, provérbios, mitos) como também tanto de situações
vividas no quotidiano como dos contextos em que são performatizadas (Redinha, 1988;
Bastin, 1992; Guerra-Marques, 2006 e 2012). Nesse sentido, a interpretação da ou do solista
e dos tocadores estará dependente dos elementos que estão presentes no momento, e da
situação que justificou o canto e ou a dança. Por isso, a tarefa das gravações e o registo das
letras não se mostraram tarefas fáceis.
Logo na primeira campanha Pinho Silva constata que as canções não possuíam título,
necessário para o trabalho de inventariação e sistematização, assim como seguiam sem-
pre o fluir da improvisação, o que não permitia manter uma canção constante durante os
ensaios ou fixar, pela escrita, a letra. Pinho Silva desabafa:
O preto nunca canta da mesma maneira. Tentamos recolher a letra antes da gravação
mas tivemos de desistir, porque não cantavam o mesmo texto que nos tinham forne-
cido. É preciso fazer o ajuste da letra escrita com a gravada; mas tal trabalho só poderá
ser realizado com uma colecção de discos definitivos que possam ser tocados as vezes
necessárias para se fazer a correcção. (UC, 1R MRFM 1950: 212)

Com efeito, foi necessário um ajuste no método da recolha: primeiro a gravação e só depois
a recolha da letra coincidente com a gravação. No esforço de um desejável ambiente de dis-
ciplina, o carácter dinâmico e ativo das culturas nativas e as dinâmicas intersubjetivas que
emergiram durante as interações dos encontros, foram experienciadas pela Missão como
adversidades mas que conseguiram ser ultrapassadas. Mas dada a realidade que encontrou,
Pinho Silva não acredita que o Folclore se mantenha vivo por muito mais tempo. Como é
dito sobre a campanha do Lovwa em 1954,
O serviço no Lóvua foi difícil, pois o folclore, embora curioso e rico, estava esquecido
e deturpado, com más interpretações. Quase todos os trechos seleccionados tiveram
longos períodos de ensaio, com a nossa presença apenas para que as mulheres não
passassem o tempo somente a conversar. Nenhum dos trechos deixou de ser gravado
e apagado muitas vezes, até que ficasse em boas condições. Além doutros, estes factos
confirmam a nossa opinião de que, dentro de poucos anos, o folclore musical nativo
desaparecerá, mormente na zona de explorações da Companhia. Os resultados finais
desta campanha foram magníficos, tendo-se conseguido uma radiosa e rara coleção
(UC, NMFL, Vol. I: NR 42, 28/08/1955, p. 1) [sublinhados a azul no original]).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 117
Cristina Sá Valentim

A recolha das letras das canções era, diria,


a cereja no topo do bolo, porque permitia a
fixação de conhecimentos que fluíam pelo
corpo do contexto, o quer vinha perturbando
os trabalhos da Missão. (Fig. 007) Esta fase
visava também confirmar a ‘autenticidade’
e veracidade das letras e das estórias, a sua
tradução para português e a seleção final das
canções. E sendo a recolha escrita uma tarefa
inicialmente partilhada entre Pinho Silva e
Fig. 007 – Fotografia n.º 20814, 1957. Trabalhos restantes empregados, a partir de 1954 a par-
de revisão das recolhas da terceira campanha, no ticipação de Maria José Gouveia Reis, que se
Dundu. "Reuniões para estudo de folclore iniciou na Missão para substituir a ausência
de povos do Congo Belga"
de um empregado, começou a ser essencial
(UC Rect 3R MRFM V. I, 1957: 73).
na recolha porque, como mulher, poderia
aceder a temáticas sobre assuntos mais sensí-
veis referentes, por exemplo, a rituais de iniciação feminina. Nos trabalhos de tradução das
letras e da verificação da história nativa, também os padres eram fundamentais uma vez
que conheciam muito bem “os usos, costumes, língua e história” das populações (UC, 1R
MRFM, 1950: 211). Mais tarde, podendo levar meses ou anos e prováveis regressos ao campo,
procedia-se à ‘revisão das letras’ que significava retificar todos os conteúdos das canções
(estórias e letras). Esta fase pressupunha um elevado rigor no referente à ‘autenticidade’ de
tudo o que se recolheu em campo. E caso fosse necessário resolver dúvidas persistentes,
poderia ser necessário “reuniões de indígenas no escritório da Missão” no Dundu17, onde
Pinho Silva e restantes colaboradores se encontravam à volta de uma mesa com padres,
Sobas e indígenas. (Fig. 008) A revisão era feita também num processo contínuo e meti-
culoso designado de Verificação na Sede inserida nos Trabalhos de Gabinete da Missão a
cargo de Júlio de Vilhena.
Em síntese, a realidade inexistente teve de ser reinventada, exigindo a seleção e siste-
matização dos conhecimentos nativos através do ato de descrever, classificar, ordenar e
inventariar. Optou-se por coletar o mais ‘tradicional’, de preferência o pré-colonial, o que
provocou o afastamento de formas culturais menos tribalizadas e mais ocidentalizadas,
negando qualquer tipo de contemporaneidade (no sentido de copresença e de moderni-
dade) às populações angolanas. Nesse sentido, e seguindo indicações de Júlio de Vilhena,
Pinho Silva ia dando um uso estratégico à câmara fotográfica. No ponto quinto da nota
enviada em correspondência à Missão, Júlio de Vilhena recomenda a Pinho Silva que,
5.º - Convém evidentemente, continuar a fotografar cenas ligadas à dificuldade dos
caminhos, durante as viagens, e os acampamentos de ocasião, quando ofereçam
especial interesse; executantes com seus instrumentos […] e instrumentos isolados (de
preferência seguros por um nativo, ou pousados num banco indígena ou no solo, mas
nunca sobre mesas de tipo europeu) (UC, NMFL,Vol I: NE 21, 14/12/1953, p. 2).

Isto é, se nos exercícios de propaganda política a Diamang usou a imagem – a fotogra-


fia e o filme – como agente fundamental de diferenciação, distinguindo o colonizado do
colonizador, isto é, o ‘civilizador’ do ‘selvagem’, o Progresso do Primitivo, a Ciência das
crenças, justificando lógicas de ação colonial e de subalternidade (Porto, 1999 e 2005;

17 Tal aconteceu nos trabalhos de revisão de canções gravadas na terceira campanha e que por ter abrangido aldeias muito
próximas da fronteira com o Congo Belga, isso trouxe dificuldades no registo da ‘autenticidade’ das estórias das canções
oriundas da colónia vizinha (UC, NMFL, Vol. I, 1950-59: NR 60, 10/08/1957).

118 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

Porto e Valentim, 2015), a atividade de recolha da Missão não foi exceção. Em particular, a
capacidade da fotografia de não só documentar a realidade, ajudando à recolha e estudo,
mas também em criar um facto e, assim, um real com “estatuto de verdade” (Porto, 1999:
17). Assim, as fotografias captadas na Missão não são aleatórias: teriam de revelar, na ace-
ção da revelação manuseada em estúdio, a perseverança, a coragem e a bravura do colo-
nizador português, em oposição à ‘pureza indígena’ angolana, ao que ainda é ‘selvagem’.
Dessa forma, a experiência das vulnerabilidades e fragilidades coloniais foi interpretada
e propositadamente representada como um ato de heroísmo, sacrifício e glória (cf. Roque,
2004: 67). Como refere Pinho Silva aquando da terceira campanha de recolha, de 1951 a
1952, nas aldeias do Moxiku,
Não foi tarefa fácil agrupar representações de tribos, desenterrar, ressuscitar e ensaiar
– ou melhor, fazer ensaiar – todos os trechos de interesse, limpá-los de aderências que
os tornassem defeituosos e depois recolhê-los. Foi de certo modo assustador o dédalo
em que nos encontramos metidos; mas conseguimos encontrar um lugar para cada
coisa e colocar cada coisa no seu lugar. E ao terminarmos o nosso trabalho, fazendo o
balanço do que se fez e de como se fez, sentimos a satisfação absoluta de quem acabou
bem o seu dia (UC, 3R MRFM, 1952: 2).

A satisfação do dever cumprido, tão cara à Companhia, resultou em 21 coleções musicais


e que assumem o nome dos respetivos grupos étnicos18: Baluba, Baquete, Bângala, Bena
Lulua, Bena Mai, Bena Ngoje, Bena Nsapo, Cacangala, Cacongo, Caiauma, Caleutchaje,
Caluio, Camache, Cambunda, Conhengo, Luena, Luena Cassabe, Lunda, Lunda Muatiân-
vua, Lunda Ndembo e Quioco (UC, 1-7R MRFM, 1950-1963).

2.2.4. As canções

Vai tornando-se claro que todo este processo obedeceu a um processo de reinvenção das
tradições (mais do que a sua invenção) onde valores e convenções comportamentais são
reinterpretados, reorganizados, reavivados e preservados para fins específicos (cf. Ranger,
2002: 16). Como refere Pinho Silva aquando da quinta campanha, na região do Lovwa,
Por não interessar, rejeitámos o folclore musical de quarenta e sete povoações,
incluindo a sede do sobado de Canzunda, além do de numerosos grupos – solistas
e coros – pertencentes às zonas abrangidas pela recolha. A selecção foi feita com a
máxima exigência e rigor absoluto. Esta etapa de trabalhos, morosa e exaustiva, foi
a mais difícil até agora realizada; porém, o seu resultado – duzentas gravações – foi
magnífico sob todos os aspectos (UC, 5R MRFM, 1954: 3).

De modo amplo, os temas das canções referem-se a diversas situações da história e do


quotidiano vivido: relações familiares e conjugais, relações sociais e históricas, lendas e
mitos de origem, escravatura, incesto, trabalho, amor, ciúme, solidão, autoridades tradi-
cionais e coloniais, campanhas militares de ocupação e resistências, morte, fome, feitiço,
doença, cura, paternidade, maternidade, amizade e infância, entre outras. Nesse sentido,
e no esforço em recuperar um passado nativo ainda resguardado da presença colonial, a
Missão deparou-se com outro tipo de adversidade: o facto de algum do Folclore Musical
Indígena ir para além do universo místico e idealizado onde foi colocado e, ao invés, refletir
uma realidade colonial vivida e criticamente comentada pelas populações nativas. Essa
situação torna-se evidente se pensarmos que essas músicas recolhidas e colecionadas, tanto
na Lunda como noutros contextos coloniais africanos, consistiam num produto específico

18 Manteve-se a ortografia colonial que consta nos relatórios da Missão, não sendo corrigida de acordo com a atual ortogra-
fia das línguas nacionais angolanas. Quioco é o nome colonial para Cokwe.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 119
Cristina Sá Valentim

que espelha, por um lado, as consequências da imposição da industrialização, de outros


valores e aspirações, e de lógicas de produção capitalistas e, por outro lado, e ao mesmo
tempo, as várias respostas que as populações iam tecendo face a essa nova realidade (cf.
Bender, 1991: 172-173). Essa questão foi ficando cada vez mais clara, não só pelas inovações
introduzidas a instrumentos musicais, pelo desinteresse das novas gerações em cantarem
e tocarem o ‘folclore tradicional nativo’ ou pelo dançar de novas danças (UC, 2R MRFM,
1950: 33), mas também pela ausência crescente de homens nas aldeias. Essa realidade pro-
duziu transformações, tanto nas manifestações culturais, rituais e culturais das populações
angolanas como na recolha da ‘autenticidade indígena’ imune à realidade colonial. É a essa
nova realidade que Pinho Silva se reporta quando responde a Júlio de Vilhena a respeito
de algumas dúvidas que este lhe envia por carta sobre pormenores etnográficos de can-
ções gravadas na região de Ninda, Distrito do Moxiku.19 Atendendo na canção Lutchaz do
disco 259, faixa 1, é questionado se é uma canção bailada/festiva, uma vez que surge com
a indicação de coro feminino e masculino. Pinho Silva explica que se refere a um ritual,
tendo sido classificada como cantiga de ‘Mungongue’, e onde originalmente apenas homens
podem participar, estando absolutamente interdito a mulheres. Porém, teve de integrar
mulheres no coro, e sugere que talvez fosse melhor então omitir se o coro é masculino,
feminino ou misto para, no fundo, ir de encontro à ‘autenticidade’ esperada:
259/I – É uma cantiga de mungongue20, portanto ritual e só para ser cantada por
homens; porém, foi por nós ouvida em batuques, com coro misto, como a registá-
mos. Outras cantigas de mungongue foram, também, registadas com igual qualidade
de coro, por não haver homens suficientes, nas aldeias, para o constituírem. Nestas
circunstâncias, parece-nos melhor indicar apenas coro, sem descriminar se é misto
ou não. (2) Trata-se de região onde os homens andam fora das aldeias, em negócios e
outros trabalhos, grande parte dos quais nas minas da Rodésia, como dissemos a fls.
433 do segundo relatório. (UC, NMFL, Vol. I: NR 28, 26/10/1953, fl. 2-3)

No então distrito da Lunda, como no Moxiku, a ausência desses homens era motivada quer
pela ação mineira da Diamang, que recrutava sob coerção e em massa para os trabalhos
forçados nas minas localizadas mais a norte e nordeste do distrito, ou pela emigração e
fuga de homens para as minas da Rodésia ou para o Congo Belga. No caso da Diamang, o
contrato de trabalho poderia ser juridicamente até 18 meses mas os trabalhadores pode-
riam ficar até 24 meses ou mais, fazendo vários contratos por vontade própria ou por
coerção (Cleveland, 2008: 52, 230-231). Os homens casados também podiam levar consigo
as suas esposas e filhos que integravam os trabalhos na agricultura, refeitórios das minas
e tarefas domésticas nos aldeamentos mineiros. No fim do contrato, regressavam às suas
aldeias e podiam ter de voltar mais tarde para mais um novo período de contrato após um
período de descanso, ou nunca ir mais, dependendo das necessidades de mão-de-obra da
Companhia. Havia também os que nunca mais regressavam às aldeias, ora porque ficavam
a residir na região das minas, ora porque fugiam, ora porque morriam.
Estas canções solicitadas pela Missão refletiam essa realidade e, ao mesmo tempo, res-
pondiam a um pedido externo que não mais enaltecia as relações de poder extremamente
desiguais que se viviam na altura, o que propiciava da parte das populações angolanas
uma oportunidade para exporem queixas e para expressarem a sua voz sobre o processo
colonial. No entanto, a Missão fez um esforço em contornar as versões mais duras sobre o

19 UC, NMFL, Vol. I, 1950-59: NE 17, anexo, 16/11/1953, f. 1.


20 Mungonge, também praticado entre os Cokwe, é o ritual de iniciação dos homens adultos. Está envolto em secretismo e
nele só podem participar homens que têm de por à prova a sua maturidade e qualidades de resistência a adversidades. As
canções de mungonge integram esses rituais secretos e também rituais fúnebres onde só participam homens que dançam
e cantam “durante 4 ou 5 dias, em frente da casa onde está o morto” (Janmart et al., 1967: 31).

120 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

colonialismo português, selecionado as que não apresentassem críticas fortes e explícitas à


Diamang ou mascarando, quando possível, as estórias que registava em relatório. Foi o caso
de uma canção cuja letra deixa a pairar a dúvida em Júlio de Vilhena que, nos seus Traba-
lhos de Gabinete em 1952, não encontra a estória de uma canção, uma vez que a mesma,
estranhamente, não foi registada em relatório como seria suposto. A letra da canção com
o título “Tunalenguele/Estávamos bem” surge, revista mais tarde em 1957, com a seguinte
letra21:

Uó ngunalenguele . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Uó eu estava bem


Mama iámi é . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Minha mãe é,
Uó ngunalenguele . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Uó eu estava bem
Mama iámi, . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Minha mãe,
Mussono mutumona lamba . . . . . . . . . . . . . . . Hoje estamos a sofrer,
[esta estrofe repete quatro vezes entre a solista e o coro]
(UC, RE 3R MRFM Vol. I, 1957: 505)

Esta canção é Cokwe e oriunda da região de Saurimo, na atual Lunda Sul, muito provavel-
mente levada por trabalhadores contratados. Foi registada no Sobado de Satxombo, Chin-
gufo, no nordeste da Lunda, durante a terceira campanha, entre março de 1951 e junho de
1952 (UC, 3R, 1952). É cantada pelo solista Sacaluia e com coro misto (homens e mulheres).
Foi catalogada como QUI-20, inserida na Coleção do Povo Quioco, gravada no disco 367,
faixa 2, e classificada como cantiga do “muquiche Txihongo” [Mukixi22 Cihongo] (UC 3R
MRFM, 1952: 289). Como é indicado, insere-se nas performances do mascarado Cihongo
que, dentro dos akixi a kuhangana [máscaras que dançam], atua em celebrações rituais23 ,
festas ou em exibições em aldeias por onde vai passando, divertindo as populações que,
em seu redor, cantam em coro e batem palmas e, se houver possibilidade, tocam tambores
(idem). Pinho Silva indica que já a tinham ouvido no Terreiro Folclórico do Museu durante
a “Festa da Aldeia Folclórica do Dundo, já depois de recolhida pela Missão”, como tam-
bém noutras aldeias Cokwe (UC 3R MRFM, 1952: 289). Mas nada é dito sobre a estória que
originou a canção. Assim, à pergunta de Júlio de Vilhena “367/II - a que alude a letra da
canção?”24 Pinho Silva responde:
367/2 – Dizem que se refere à mucanda e ao mungongue; os rapazes estavam bem na
aldeia, mas ao chegar a época de tais práticas sofrem muitíssimo. Também dizem que
o muquiche, em tempos, se dirigia às aldeias para dançar, encontrando, no regresso,
boa comida e atenções dos pais e outros parentes, agora, que todos morreram, o seu
regresso é motivo de desolação. Tudo isto, porém, encobre o verdadeiro motivo da
canção, que é: antes de chegarem os brancos nós vivíamos bem, ao passo que agora
só temos sofrimento, trabalho, imposto, etc. Nos nossos relatórios evitamos sempre
esclarecer estes casos, preferindo aceitar as versões menos duras apresentadas pelos
indígenas (UC, NMFL, Vol. I: NR 34, Anexo, 17/03/1954, f. 2).

21 A letra em ucokwe, depois de revista, não altera significativamente, mas a tradução para português tem mais qualidade,
e é por isso que opto por essa versão em vez da letra registada em relatório em 1952. Mas o sentido traduzido manteve-se
inalterado. A letra vernácula não foi corrigida para a atual ortografia Cokwe.
22 Os Akixi (plural de Mukixi) são bailarinos profissionais, apenas homens, que envergam um traje e uma máscara simbó-
lica que em ucokwe tem o nome de mukixi. Estas máscaras podem ter várias funções, podendo ser máscaras sagradas,
de rituais ou dança (recreativas, comemorativas ou cénicas), evocando o poder dos ancestrais e/ou seres sobrenaturais,
também designados de akixi (Bastin 2010: 35; Guerra-Marques, 2012: 132 e 144).
23 O Mukixi Cihongo pode também performatizar as wino wa ihongo que fazem parte do conjunto das wino wa tundanji
[danças dos iniciados] que são as danças aprendidas pelos rapazes durante o ritual de iniciação (a mukanda) e que os
mesmos apresentam à comunidade no dia em que regressam à sua aldeia, celebrando a sua inserção na vida adulta
(Guerra-Marques, 2012: 145).
24 UC, NMFL, Vol. I, 1950-59: NE 22, 16/02/1954, Anexo, f. 1.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 121
Cristina Sá Valentim

Na ausência de qualquer outro comentário vindo de Lisboa a respeito dessa omissão de


conteúdo, Pinho Silva acaba por inserir a estória da canção nos registos de Rectificação
e Estudo efetuados sobre esse relatório em 1957: “O solista diz que, antes de os brancos
chegarem, os quiocos estavam bem e gozavam a vida, viviam regalados; mas agora, com
os contratos, lenha, arranjo de estradas, imposto, etc, estão a ver o sofrimento (a sofrer)”
(UC, RE 3R MRFM Vol. I, 1957: 507). Não obstante esse procedimento criativo de censura e
de seleção, a crítica veiculada por esta canção e por tantas outras, feita de forma explícita
ou implícita (Valentim, 2015), acabou por integrar o arquivo colonial e por fazer parte do
espaço institucionalizado do Folclore Indígena do Museu, onde eram organizadas festas
nativas para representar o trabalho civilizador português.

4. Considerações finais
A procura pela ‘autenticidade indígena’ não foi fácil. A Missão deparou com o caracter
dinâmico e ativo das culturas angolanas e com o seu engajamento criativo no processo
colonial. Isso resultou num esforço continuado em resituar o Outro no Mesmo, e que se
expressou pela constante manipulação das culturas nativas ‘à luz’ das lógicas epistemo-
lógicas e identitárias ocidentais, como também em negociações com esse Outro e em
ajustes nos procedimentos da recolha que tiveram de ser feitos perante a realidade que
ia sendo experienciada. Porém, essas experiências de vulnerabilidade foram interpretadas
e transformadas em narrativas de “contravulnerabilidade” (Roque, 2004: 67): anotadas e
recordadas como atos de heroísmo, de rigor, de glorificação e de profissionalismo contra o
inóspito, a desordem, a deturpação, a crítica, o improviso.
A reconstrução enviesada do Outro mostra que existe um espaço de ressignificação entre as
culturas. Quer dizer, toda a tradução cultural implica transformação, quer dos significados
‘originais’ da cultura a entender, quer dos sistemas representacionais de quem a interpreta.
Isto remete para a própria natureza porosa, situada, polissémica e mediada das culturas
(ocidentais ou não ocidentais). Da mesma forma, ambos os agentes da relação colonial não
são polos opostos e antes atores que surgem implicados entre si. Os empregados da Missão
e as populações nativas encontraram-se em “zonas de contacto” no sentido de serem espa-
ços de transculturação onde se recriam significados de acordo com interesses e posições
em relações assimétricas de poder (Pratt, 1991: 36). Por isso mesmo, a recolha de Folclore
Musical Indígena mostrou-se um exercício performativo e criativo situado, diria, num “ter-
ceiro espaço” que Homi Bhabha define como um espaço de hibridação, “[...] diferente, algo
novo e irreconhecível, um espaço de conflito, mediação, negociação e resignificação” (1990:
211). Os significados que se produzem neste espaço resultam da constante tensão entre
forças desiguais de poder, e situam-se na fronteira entre diferentes quadros de referência
onde as culturas em contacto recusam “qualquer princípio de síntese ou de assimilação que
possa representar uma forma de canibalização, potenciando toda a escala das interacções”
(Ribeiro, 2005: 84). Nesse encontro colonial feito de intersubjetividade e de ambiguidades
nos sentidos produzidos, iam sendo construídas as identidades do colonizador e do colo-
nizado, e iam sendo negociados comportamentos que resultavam dessas transformações
mútuas. Nesse sentido, a tradução cultural revela-se uma tarefa de participação plural, de
negociação constante e de transformação.
Como a pesquisa arquivística mostrou, apesar de a produção de conhecimento sobre as
culturas nativas ter sido guiada por lógicas assimilacionistas e ter resultado em vinte e
uma coleções de ‘Folclore Musical Indígena’, o processo evidenciou a impossibilidade da
reificação cultural, mostrando vários mecanismos complexos de resistência – quer da parte
da Missão, quer da parte das populações angolanas – e com isso a vulnerabilidade do dis-

122 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

curso colonial e a voz dos sujeitos que foram concebidos como objeto e as suas culturas
expressivas como Folclore, até hoje. A ‘autenticidade’ não se mostrou, claramente, um dado
empírico.

5. Referências bibliográficas
Bastin, Marie-Louise (1992), “Musical Instruments, Songs and Dances of the Chokwe (Dundo Region,
Lunda district, Angola)”, African Music, V. 7, 2, pp. 23-44.
______ (2010) [1961], Arte Decorativa Cokwe. Vol. 1. Coimbra: MAUC e Museu do Dundo.
Bender, Wolgang (1991), Sweet Mother. Modern African Music. Chicago: University of Chicago Press.
Bendix, Regina (1992), “Diverging paths in the scientific search for authenticity”, Journal of Folklore
Research, 29(2), Maio-Agosto, pp. 103-132.
Bhabha, Homi (1990), “The third space. Interview with Homi Bhabha” in Jonathan Rutherford (ed),
Identity, comunity, culture, difference. Londres: Lawrence & Wishart, pp. 207-221.
Chambers, Iain (2001) [1996], “Signs of silence, lines of listening“, in Iain Chambers, Lidia Curti (ed.),
The Post-Colonial Question. Common Skies, Divided Horizons. Londres e Nova Iorque: Routledge,
pp. 47-62.
Cleveland, Todd (2008), Rock Solid: African laborers on the diamond mines of the Companhia de Dia-
mantes de Angola (Diamang), 1917-1975. Tese de Doutoramento. University of Minnesota, Pro-
-Quest, LLC.
Clifford, James (1988), “On collecting art and culture”, in The Predicament of Culture: twentieth-
-century ethnography, literature, and art. Cambridge: Harvard University Press, pp. 215-251.
Cruz, Cristina (2001), Artur Santos e a Etnomusicologia em Portugal (1936-1969). Dissertação de mes-
trado em Ciências Musicais, ramo de Etnomusicologia. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa.
Cruz, Elizabeth (2005), O Estatuto do Indigenato – Angola. A Legalização da Discriminação na Coloni-
zação Portuguesa. Luanda: Edições Chá de Caxinde.
Dirks, Nicholas B. (1992), “Introduction: Colonialism and Culture”, in Nicholas B. Dirks (ed.), Colonia-
lism and Culture. EUA: The University of Michigan Press, pp. 1-25.
Fabian, Johannes (2006), “The other revisited. Critical afterthoughts”, Anthropological Theory, 6 (2),
pp. 139-152.
Griffiths, Gareth (1996), “The myth of authenticity. Representation, discourse and social practice”,
in Chris Tiffin e Alan Lawson (ed.), Describing Empire. Post-Colonialism and textuality. Londres:
Routledge, pp. 70-85.
Guerra-Marques, Ana Clara (2006), Sobre os Akixi a Kuhangana entre os Tucokwe de Angola: a perfor-
mance coreográfica das máscaras de dança Mwana Phwo e Cihongo. Dissertação de mestrado em
Performance Artística – Dança. Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de
Lisboa.
______ (2012), “Entre a arte e educação: manifestações culturais na sociedade tradicional Cokwe”, in
Ana Clara Guerra-Marques (coord.), Memória viva da cultura da região leste de Angola. Catálogo da
exposição permanente do Museu Regional do Dundo. Luanda: Ministério da Cultura, pp. 129-155.
Handler, Richard (1986), “Authenticity”, Anthropology Today, 2(1), pp. 2-4.
Janmart et alia (1961), Folclore Musical de Angola. Volume I, Povo Quioco (Área do Lóvua). Lisboa:
Publicações Culturais da Companhia de Diamantes de Angola.
______ (1967), Folclore Musical de Angola. Volume II, Povo Quioco (Área do Camissombo). Lisboa:
Publicações Culturais da Companhia de Diamantes de Angola.
Klein, Melanie (2014), “Creating the Authentic? Art teaching in South Africa as transcultural pheno-
menon”, Culture Unbound, Vol 6, pp. 1347-1365.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 123
Cristina Sá Valentim

Linnekin, Jocelyn (1991), “Cultural Invention and the Dilemma of Authenticity”, American Anthropo-
logist, 93, pp. 446-449.
Mudimbe, Valentin Yves (1988), “Discourse of power and Knowledge of otherness”, in The Invention
of Africa. Gnosis, philosophy and the order of knowledge. USA: Indiana University Press, pp. 1-23.
Oliveira, José Osório de (1954), “Contribuição do Museu do Dundo para o conhecimento da música
africana (Comunicação ao Congresso Internacional de Folclore, de São Paulo”, in Uma acção cultu-
ral em África. Lisboa: Oficina Gráfica Lda, pp. 69-74.
Porto, Nuno (1999), Angola a Preto e Branco. Fotografia e Ciência no Museu do Dundo, 1940-1970.
Coimbra: MAUC.
______ (2004), “Under the gaze of the ancestors – photographs and performance in colonial Angola”,
in Elizabeth Edwards and Janice Hart (orgs.), Photographs, Objects, Histories. London, New York:
Routledge.
______ (2009), Modos de objectificação da dominação colonial: o caso do Museu do Dundo, 1940-1970.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, FCT.
Porto, Nuno, Valentim, Cristina Sá (2015), “’A Terra Rica’ Colonialidade e propaganda no cinema
colonial português em Angola” in Bester, G. M., Costa, H. A. e Hilário, G. M. A. (eds.), Ensaios de
Direito e de Sociologia a Partir do Brasil e de Portugal: Movimentos, Direitos e Instituições. Curi-
tiba: Instituto da Memória Editora, Centro de Estudos da Contemporaneidade, pp. 498-526.
Pratt, Mary Louise (1991), “Arts of the Contact Zone”, Profession, pp. 33-40.
Ranger, Terence (2002) [1983], “El invento de la tradición en la África colonial”, in Eric Hobsbawm,
Terence Ranger (eds.), La Invención de la Tradición. Barcelona: Editorial Crítica, pp. 219-272.
Ribeiro, António Sousa (2005), “A Tradução como Metáfora da Contemporaneidade. Pós-Colonialismo,
Fronteiras e Identidades”, in Ana Gabriela Macedo, Maria Eduarda Keating (orgs), Colóquio de
Outono, Estudos de Tradução – estudos pós-coloniais. Braga: Universidade do Minho, pp. 77-87.
Roque, Ricardo (2004), “O fio da navalha: vulnerabilidade imperial na ocupação do Moxico, Angola” in
Clara Carvalho e João Pina Cabral (org.). A Persistência da História. Passado e contemporaneidade
em África. Lisboa: ICS, pp. 61-89.
Said, Edward W. (2004) [1997], Orientalismo. Representações ocidentais do Oriente. Lisboa: Edições
Cotovia, Lda.
Santos, Boaventura de Sousa (2002), “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emer-
gências”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, Outubro, pp. 237-280.
______ (2007), “Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes”,
Revista Crítica de Ciências Sociais, 78, Outubro, pp. 3-46.
Smith, Linda Tuhiwai (1999), “Colonizing Knowledges”, in Decolonizing Mythologies. Londres, Nova
Iorque: Zed Books Ltd, pp. 58-77.
Hall, Stuart (1997), “The Work of Representation”, in Stuart Hall (ed.), Representations: Cultural Repre-
sentations and Signifying Practices. Londres: Sage Publications, The Open University, Milton
Keynes, pp. 13-74.
Valentim, Cristina Sá (2012), “Um som que silencia. Ciência e colonialidade nos estudos musicológicos
da música cokwe da Lunda, 1961 e 1967”, Realis. Revista de Estudos AntiUtilitaristas e PósColoniais,
2, 2, pp. 132-151.
______ (2015), “Músicas com experiências lá dentro. A ‘Missão de Recolha de Folclore Musical’ da Dia-
mang, Angola / [Songs with experiences inside. The ‘Folk Music Collecting Mission’ of Diamang,
Angola]”, Kult, Journal for Nordic postcolonial studies. Beyond the Empires, 12, pp. 67-95.
Vasconcelos, João (2001), “Estéticas e políticas do folclore”, Análise Social, XXXVI (158-159), pp. 399-
433.
Wolf, Michaela (2008), “Translation – Transculturation. Measuring the perspectives of transcultural
political action”, Transversal - eipcp multilingual webjournal, pp. 1-9. Disponível em <http://eipcp.
net/transversal/0608/wolf/en/print> consultado em Dezembro de 2011.

124 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
À PROCURA DA ‘AUTENTICIDADE INDÍGENA’. TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO …

Fontes não publicadas


Espólio da Diamang na Universidade de Coimbra (UC) – Arquivo Documental dos
Serviços Culturais da Diamang:
NMFL, Notas da Missão de Folclore da Lunda, Vol. I, 1950-1959. (disponível em www.diamangdigital.
net)
Pasta 84J.5, Museu do Dundo, Investigações científicas. Recolha e estudo do folclore musical, 1.º Missão:
Dr. Artur Álvaro dos Santos, Maio a Dezembro de 1949. 10-03-49 a 23-06-54.
Pasta 84J.5a, Museu do Dundo, Investigações científicas. Recolha e estudo do folclore musical, 2.ª Mis-
são: Pinho Silva e Carlos Paiva, 1.º e 2.º períodos de trabalhos - Maio de 1950 a Julho de 1952 .1950-1952
Pasta 84J.5b, Museu do Dundo, Investigações Científicas, Recolha e estudo do folclore musical, 2.ª Mis-
são, Pinho Silva, 4.º período de trabalhos, Março de 1953 a Junho de 1956.
RAMD, Relatório Anual do Museu do Dundo: anos 1946, 1948-1950 (disponível em www.diamangdigi-
tal.net).
RE 3R MRFM, Rectificação e Estudo do 3.º Relatório da Missão de Recolha de Folclore Musical: Vol I,
1957
1-7R MRFM, 1.º - 7.º Relatórios da Missão de Recolha de Folclore Musical: anos 1950-1963 (disponível
até 1954 em www.diamangdigital.net).

Arquivo fotográfico dos serviços culturais:


Fotografias da Missão de Recolha de Folclore Musical: (consultável até 1954 em www.diamangdigital.
net)
Fig. 002. Fotografia n.º 9399, caixa 1.º Relatório, 1950.
Fig. 003. Fotografia n.º 12001, caixa 3.º Relatório III, 1951-1952.
Fig. 004. Fotografia n.º 15015, caixa 5.º Relatório, 1954.
Fig. 005. Fotografia n.º 15045, caixa 5.º Relatório, 1954.
Fig. 006. Fotografia n.º 12841, caixa 4.º Relatório, 1953.
Fig. 007. Fotografia n.º 15596, caixa 6.º Relatório, 1955.
Fig. 008. Fotografia n.º 20814, Rect 3R V.I., 1957.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 125
7
Historiografia da Arqueologia
8
Arqueologia portuguesa em solo
africano durante o Estado Novo:
(alguns) atores, espaços e projetos
– o caso de Moçambique
Ana Cristina Martins*

p. 129-143

Portugal não está a fazer nada de digno e de válido no campo da arqueologia africana. A
Arqueologia requer técnicas que são complexas e caras […].
Nós não preparamos pessoal, não dispomos de dinheiro e persistimos num erro capital […]
que é fazer arqueologia de África num prédio urbano em Lisboa com espécies que vêm encai-
xotadas no vapor de carreira (IICT/SSEA: 255 [António de Almeida], 2; 128, 25-04-60)

Palavras prévias
Afirmada há cerca de 30 anos nos estudos académicos internacionais, a história da
arqueologia tem aberto o seu leque de temas e assuntos, procurando, em simultâneo,
modelos interdisciplinares de abordagem. Disso tem beneficiado, por exemplo, a história
da arqueologia em antigas colónias, sobretudo europeias, como atestam títulos publica-
dos ultimamente (Cravioto, 2005 e 2007). Estudos que, de acordo com a análise integrada
exigida pela investigação histórica, mormente da ciência, têm trazido a lume, mais do
que nomes de quem, individualmente ou coletivamente, se embrenhou em longínquas
geografias em demanda do pretérito mais remoto da Humanidade, toda uma série de
redes locais de produção, transmissão e receção de conhecimento, nas quais se inscreviam
personalidades e instituições de referência nas metrópoles. Graças a estas análises, tem-se
desmistificado, gradativamente, a preconceção relativa a esses territórios como territórios
periféricos, incluindo no domínio científico. Mais do que isso, as investigações conduzidas
neste âmbito analisam, com profundidade e abrangência, a interacção existente entre
essas redes, os discursos arqueológicos (escritos e imagéticos) e a política colonial, assim
como as suas consequências, quantas vezes traduzidas em narrativas pós-coloniais.
Recente, ainda, na historiografia, quando comparada a exemplos coevos, a história da
arqueologia em Portugal começou, há escassos anos, a inserir o temário colonial. Novi-
dade que tem possibilitado descerrar arquivos, identificar individualidades, instituições
e projetos, ao mesmo tempo que cruzar fontes, entender a diversidades de atuantes no

* Bolseira de pós-doutoramento FCT (SFRH/BPD/105375/2014), tendo como unidade de acolhimento o Instituto


de História Contemporânea da Universidade Nova e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa,
através do seu Grupo de Investigação Ciência, Estudos de História, Filosofia e Cultura Científica (CEFCHCi da
Universidade de Évora).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 129
Ana Cristina Martins

terreno, apreender a interação entre dinâmicas locais, metropolitanas e regionais, avaliar


o papel destas forças na afirmação e desenvolvimento da arqueologia no antigo Ultramar,
assim como a receção desta junto da comunidade científica portuguesa, em particular, e
da população, em geral (Martins, 2010a). Um exercício que tem exigido múltiplos olhares
cruzados sobre diferentes contextos, nomeadamente acerca da prevalência, em momen-
tos e períodos concretos, de teorias e métodos na arqueologia subsaariana (Robertshaw:
2006: 5).

Antecedentes
Mesmo que residual e diluído por entre outras áreas do conhecimento, o passado mais
remoto dos territórios administrados por Portugal na África subsaariana suscitou sempre
algum interesse junto de quem acompanhava as principais tendências de investigação
europeias nesta matéria. Tal ocorria, pelo menos, desde finais de Oitocentos (Martins,
2012). A maior curiosidade era, no entanto, suscitada por registos etnográficos de dife-
rentes aspectos quotidianos plasmados, muitas vezes, em materialidades colecionadas e
musealizadas no mundo ocidental, enquanto inspiravam estetas, literatos e artistas visi-
tando certames internacionais.
Embora com menor intensidade e recorrência, Portugal não foi indiferente a este movi-
mento. Movimento científico e cultural, mas também político, económico e religioso, que
alteraria o modo de a Europa se olhar e de olhar o ‘Outro’, o ‘Outro’ transatlântico e, em
concreto, o subsaariano. Não teve, contudo, e por razões que não cabe aqui explanar, a
dimensão e o impacte verificáveis noutros países, designadamente em França e na Ingla-
terra, mergulhadas em pleno Scramble for Africa (1881-1914). Pelo menos, até à Conferência
de Berlim (1884-85), em cuja sequência Portugal gerou o Mapa Cor-de-Rosa.
Neste entretanto, a aparente inércia da política central portuguesa pela defesa dos interes-
ses nacionais nos territórios de além-mar motivou a criação da Sociedade de Geografia de
Lisboa (SGL) (1975), à qual se seguiu a Comissão Central Permanente de Geografia (1876)
reestruturada em 1883, já como Comissão de Cartografia 1, poucos anos transcorridos sobre
o centenário camoniano, a receção triunfal de exploradores africanos, a delineação da
expedição científica à Serra da Estrela e a realização da 9.ª sessão do Congresso Inter-
nacional de Antropologia e Arqueologia Pré-histórica (Lisboa, 1880). Eventos que, junta-
mente ao posterior Ultimatum (1890), fortaleceram a exaltação nacionalista fundamental
à recuperação de diversas dimensões do país envolto, de há décadas a essa parte, em
inúmeros e gravosos problemas internos e externos, entre os quais sobressaía a política
colonial ou, antes, a quase ausência de política colonial. Situação tanto mais inquietante,
quando as ambições lançadas por outras capitais europeias sobre territórios portugueses
em África exigiam uma presença local mais efetiva e eficaz, explorando racionalmente as
suas múltiplas riquezas.
Mas, para tal, havia que conhecer, profundamente, as suas especificidades. Cumprir este
desiderato significava, porém, organizar missões científicas dotadas dos meios humanos e
materiais necessários à recolha sistemática de dados vertidos em relatórios detalhados, ao
mesmo tempo que se inscreviam numa crescente rede de produção, transmissão e receção
de conhecimento, e concorriam para uma administração colonial que se desejava profi-

1 «… foi criada, junto do Ministério da Marinha e Ultramar, uma comissão permanente para organizar explorações cientí-
ficas, coligir documentos e exemplares, promover trabalhos e publicações referentes à Antropologia, Geografia, Etnologia
e Arqueologia das nossas possessões de Além-Mar, a-fim-de estudar os mais importantes problemas antropológicos,
climatológicos, etnológicos, aclimalógicos e demográficos dessas províncias ultramarinas, para assim cooperar no seu
progressivo conhecimento e desenvolvimento» (Correia, 1934: 7. Nosso Negrito).

130 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ARQUEOLOGIA PORTUGUESA EM SOLO AFRICANO DURANTE O ESTADO NOVO: (ALGUNS) ATORES, ESPAÇOS …

ciente (Martins, 2010b). Tarefa que, pela sua complexidade, devia competir ao governo
central do país, acompanhando, de perto, soluções encontradas por outras governações,
em colaboração estreita com o mundo industrial e comercial, e com suporte logístico
militar (Martins, 2012). Instava, sem dúvida, obter uma noção mais sólida e profunda des-
sas longínquas geografias e geologias, alargando a noção de geografia a todas as ciências
humanas e naturais (Lobato, 1983: 72), enquanto arqueólogos e antropólogos começavam a
olhar para a África subsaariana como se de um museu franqueado da pré-história humana
se tratasse.
Portugal, por seu turno, principiava campanhas militares em solo angolano, acompa-
nhando reconhecimentos políticos e expedições científicas. Não obstante, afirmar-se-ia,
ainda em finais dos anos 20, que em Angola como nas outras colónias, a investigação
scientifica portuguesa não se afirmou como devia (Carrisso, 1928: 19. Nosso negrito).
Embora a essencialidade, para o país, desta estratégia justificasse a sua incorporação na
agenda republicana, foi ao Estado Novo (1926/1933-1974) que coube institucionalizá-la na
figura da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais/do Ultramar (JMGIC/
JMGIU) (1936-1951/1952-1973), remodelada de acordo com premências contextuais, pres-
sões internacionais e o progresso científico-tecnológico, enquanto se acentuava o discurso
interno do portuguesismo, mesmo que nem sempre por todos consciencializado (Medina,
2006). Também por isso, os estudos etnográficos foram intensificados, a eles se juntando
os etnológicos, os antropológicos e os arqueológicos, numa procura incessante pela ori-
ginalidade nacional e resgate da materialidade de uma cultura pretendida comum ao
território administrativo. Materialidade nem sempre entendível na sua simbólica e funcio-
nalidade. Razão bastante para se recorrer a comparações etnográficas de usos e costumes
extra-europeus, entre os quais subsaarianos, por se presumir terem cristalizado ou pouco
evoluído e diferenciado: Os índios brasileiros encontravam-se, pois, como os Guanches e os
Hotentotes, num estado cultural correspondente à idade da pedra polida (Correia, 1943: 257).
O movimento conduzido neste sentido não se revestiu, porém, entre nós da dimensão
observada noutros recessos europeus, embora perdurasse anacronicamente, a julgar pelo
seguinte excerto dos anos 60, sobre o Museu Etnológico Português Dr. J. Leite de Vascon-
celos: estabelecer uma comparação das sociedades mortas (restos fósseis) com as sociedades
vivas (povos selvagens), poderá o visitante interessado, observando os objectos expostos
nos mostradores, fazer uma ideia do viver das populações mais antigas que habitaram o
território que hoje é Portugal ou que por aqui passaram. (Machado, 1965: 230). Aquela par-
ticularidade explicar-se-ia com o facto de o país não carecer desta área do conhecimento
para justificar a sua existência histórica e respetivas fronteiras políticas.
Havia, no entanto, que permanecer atento ao muito produzido também neste domínio
científico, de modo a contrariar, tanto quanto possível, a ideia de Portugal como perife-
ria académica, de igual modo nesta matéria. Por isso, os seus protagonistas internos se
esforçaram por presenciar eventos internacionais onde a ciência, a tecnologia, as artes e
as letras desvendassem temas e assuntos desta temática concreta que rompia, aos poucos,
compartimentações do saber e se revelava transversal a muitos deles. Melhor se entende
assim o empenho acrescido de alguns em ingressar nas principais redes de produção,
transmissão e receção de conhecimento finissecular, fendendo mutismos, solitudes e ano-
nimatos.
Neste entretanto, diferentes países europeus demonstravam as suas ambições e poderes
ultramarinos em exposições universais e coloniais, exibindo quadros vivos de represen-
tantes (naturvölker) extra-europeus para reprodução de algumas das suas ações quotidia-
nas. Enquanto isso, determinados círculos académicos portugueses aderiam a tendências
científicas fortemente reprovadas a posteriori, como se infere da criação da Sociedade

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 131
Ana Cristina Martins

Portuguesa de Estudos Eugénicos (1937) (Coimbra, 1937)2 (Torgal, 2009, 2: 356), conquanto
despojadas das práticas suscitadoras de maior polémica moral (Castanheira, 2010).

Dinâmicas metropolitanas
Em 1934, o Porto acolhia a 1.ª Exposição Colonial Portuguesa (1.ª ECP). Nos quatro anos
precedentes, publicara-se o Acto Colonial (1930), a Carta Orgânica do Império Colonial
Português e a Reforma Administrativa Ultramarina, ambas em 1933. Documentos que,
em conjunto, consolidavam a ideia de um país indivisível abraçando o além-mar na sua
agenda nacionalista. Nesta sequência, a exposição no Porto alicerçava a política colonial
portuguesa, sobretudo no seio de uma população ainda pouco ciente da relevância das
possessões extra-europeias para o devir do país, designadamente no xadrez político
internacional. Não que as iniciativas neste sentido fossem inexistentes ou omissas. Ao
contrário, pois as vozes desdobravam-se nesse sentido, embora de modo ainda circuns-
crito. Disto é exemplo a SGL, ao declarar imperativo realizar um encontro nacional para
discussão de assuntos coloniais,
Considerando que a resolução do problema colonial, nos seus mais diversos aspectos,
constitue, em grande parte, a garantia do nosso desenvolvimento económico e do
nosso futuro político; // […] // Considerando quanto importa ao bom nome portuguez
e á elevação moral e política da pátria que não só acompanhemos as outras nações
colonizadoras em tudo quanto n’ellas observarmos de progressivo, mas que tentemos
ainda excedel-as, com o nosso espirito de larga e naturalmente aberto ás grandes cor-
rentes do pensamento (SGL, 1900: 2)

Entre as inúmeras atividades organizadas no âmbito desta exposição, sobressaiu o 1.º


Congresso Nacional de Antropologia Colonial. Da iniciativa da Sociedade Portuguesa de
Antropologia e Etnologia (Porto, 1918), onde se acolhiam estudos votados à arqueologia e à
pré-história ultramarinas, o encontro foi presidido por António Augusto Esteves Mendes
Correia (1888-1960), com vista, sobretudo, a enfatizar as possibilidades aplicativas deste
campo de investigação à administração colonial portuguesa, contribuindo, também assim,
para a missão civilizadora nacional das populações autóctones:
É, portanto, absolutamente necessário que procuremos – se não for antes de tudo,
pelo menos ao mesmo tempo em que andarmos esquadrinhando filões de metais pre-
ciosos ou verrumando as camadas geológicas, à cata de poços ou minas petrolíferas,
– indagar a que raças pertencem os seres humanos que vivem nas nossas possessões
ultramarinas, inquirindo sobre a sua capacidade para o trabalho e para a civili-
zação, e sobre a sua laboriosidade, tanto na sua modalidade geral, como no tocante às
respetivas especializações profissionais. // […] // Nada disto se acha feito em conjunto,
salvo raros estudos dispersos por iniciativa de um ou outro antropologista isolado,
trabalhando de motu proprio e sem outro incentivo que não seja a satisfação dum
dever cumprido em homenagem à Ciência (Correia, 1934: 11. Nosso negrito).

Havia, contudo, muito a cumprir neste capítulo. Na verdade, parecia encontrar-se tudo
por fazer, como enunciado pelo médico e militar Aires Kopke (1866-1947), Director da
Escola de Medicina Tropical (1902), no discurso inaugural da 1.ª ECP,
em geral, falta mesmo à nossa investigação científica colonial o concurso valioso que
lhe poderia ser dado, como noutros países, por pessoas não especializadas no assunto,
funcionários, militares, professores, médicos, engenheiros, missionários, industriais,

2 Portaria 7 948, de 14 de Dezembro de 1934, publicada no Diário do Governo, I S, n.º 293, pp. 2115-2117.

132 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ARQUEOLOGIA PORTUGUESA EM SOLO AFRICANO DURANTE O ESTADO NOVO: (ALGUNS) ATORES, ESPAÇOS …

agricultores, comerciantes. Em regra, entre nós, essas pessoas ou não se interessam por
nada fora da sua profissão ou não têm sequer a cultura geral necessária para compreen-
-derem o interesse científico de certos factos e os arquivarem devidamente, dentro das
possibilidades que se lhes oferecem. […] A culpa é do regime português do ensino.
// As nossas Universidades e escolas vivem geralmente num mundo abstracto em que
parecem ignoradas as colónias (1.ª Exposição Nacional, 1934: 25-26. Nosso negrito).

Comentário assaz esclarecedor do muito a cumprir entre nós neste capítulo. Por isso, sob
o manto da antropologia, a arqueologia assomou, conquanto subsidiariamente, alicer-
çando conclusões essencialistas e estaticistas sobre o passado, o presente e o futuro das
gentes locais investigadas. Populações que acabaram por centralizar narrativas visuais da
própria exposição, através da exibição pública de negros da Guiné, depois de, no âmbito
das sessões portuenses do 15.º Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia
Pré-histórica (1930), Joaquim Alberto Pires de Lima (1877-1951), Constâncio Mascarenhas
(1898-1978), Alfredo Ataíde (1890-1960) e Mendes Correia terem apresentando resultados
do estudo craniológico de indígenas da Guiné enviados aos Institutos de Anatomia3 e de
Antropologia da Universidade do Porto, por médicos ali residentes (Correia, 1943: 364).
A relevância dos assuntos debatidos no 1.º CNAC justificou a impressão, neste mesmo ano
de 1934, do livro de atas incluindo textos resultantes de comunicações apresentadas à
3.ª Secção, de estudos pré-históricos e arqueológicos, em reconhecimento do muito que
esclareceriam em termos de observações antropológicas. Entre eles constava As ruínas de
Zimbábuè e a arqueologia de Moçambique, de Mendes Correia, e Arqueologia de Angola, de
Rui de Serpa Pinto (1907-1933) e Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior (1901-1990), a par
de outros assinados por arqueólogos sul-africanos. Presença estrangeira que, se por um
lado, justificaria a agenda antropológica colonial de Mendes Correia, demonstrava, por
outro, a comunhão de temas pré-históricos e arqueológicos subsaarianos, e sublinhava o
atraso de Portugal neste contexto científico, quando confrontado ao registado na União
Sul-Africana.
O impacte da 1.ª ECP e do 1.º CNAC (e, mais tarde, da Exposição do Mundo Português,
em 1940) junto da comunidade científica e cultural do país foi suficiente para fundamen-
tar a realização, logo no ano seguinte, de uma exposição temática sobre etnologia sul-
-africana, intitulada Ruínas Pré-Portuguesas da África do Sul, nas instalações do Instituto
de Antropologia da Universidade do Porto (1923). Momento que terá sido decisivo para o
agendamento da investigação antropológica e pré-histórica no quadro da política cientí-
fica nacional pensada para os territórios ultramarinos. Resolução tanto mais premente
quando, cotejando com o muito realizado além-fronteiras, a África Oriental portuguesa
continuava a ser desconhecida na quase totalidade das suas riquezas, inclusive históricas
e patrimoniais. Situação que em nada abonava a favor da metrópole, particularmente
aos olhos da comunidade científica internacional, pois, Além da conveniência que há em
apresentar normas de caráter progressivo, uma outra razão torna muito oportunas quais-
-quer sugestões de caráter científico, que tendam a esclarecer e a auxiliar a política colonial.
(Correia, 1934: 4). Ademais, os tempos eram, então, exigentes,
Cabe[ndo], portanto, à Ciência, com as suas luzes, coadjuvar aqueles que no campo
das realizações se esforçam em traduzir em factos de utilidade coletiva os ditames
consagrados pela observação dos fenómenos da Natureza e pela experimentação
laboratorial. // Eis a missão dos antropologistas que se dedicam ao estudo das
populações vivendo nas nossas colónias (Correia: 4-5. Nosso negrito)

3 Os estudos anatómicos encontravam-se, à época, em franca expansão na medicina portuguesa, fundando-se a Sociedade
Anatómica Portuguesa (1932), precedida da Sociedade Anatómica Luso-Hispano-Americana (1930).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 133
Ana Cristina Martins

À luz da documentação compulsada até ao momento, terá sido esta a razão pela qual a
investigação antropológica e, dentro desta, a pré-histórica e a arqueológica, principiaram,
não por Angola, como seria, talvez, expectável, mas por Moçambique. Até porque, oca-
sional e intermitentemente, aquele território já merecera atenções de quem se dedicava
a estes assuntos, somados ao do exercício etnográfico e colecionista. Mas, mais do que a
proximidade geográfica, a comunhão ecossistémica terá motivado o início destes estudos
precisamente por Moçambique. Decisão à qual não terá estranhado a importância geo-
política do território e a existência de algumas estruturas públicas que auxiliariam na
condução de trabalhos no terreno. Ademais, pouco ou nada se sabia da pré-história desta
– designada à época –, Província ultramarina, num incómodo contraste com o conheci-
mento já reunido para a vizinha União Sul-Africana, mercê de um trabalho sistemático
do qual resultava uma série de achados paleoantropológicos e de artefactos líticos, a rela-
cionar, tipológica e cronologicamente, com exemplares recolhidos em regiões limítrofes,
norte-africanas e até europeias (Correia: 18-19). Não surpreende, por conseguinte, que,
em 1936, no 10.º ano da ‘Revolução Nacional’ (França, 2010), o recentemente remodelado
Ministério das Colónias instituísse a JMGIC/JMGIU, numa aliança inequívoca (mas nem
sempre linear) entre política colonial e científica.
Este novo enquadramento permitiu a formação de uma primeira missão antropológica,
dessa feita a Moçambique (1936-1956), orientada, perante a impossibilidade e mercê da
indicação de Mendes Correia, por Santos Júnior, nomeado, para o efeito, pelo Ministro
das Colónias, Francisco José Vieira Machado (1898-1972), sob patrocínio do Instituto para
a Alta Cultura (1936-1952), do Ministério da Educação Nacional (1936-1974). Nada que
estranhasse no panorama europeu coevo, antes reproduzindo e adaptando procedimen-
tos transfronteiriços. Tratava-se, pois, de uma iniciativa associada a tantas outras vozes
nacionais que divisavam no estudo antropológico das comunidades autóctones uma prio-
ridade da administração colonial. Isto mesmo testemunhou Mendes Correia em múltiplas
intervenções públicas, especialmente em encontros internacionais de medicina tropical
(Correia, 1934: 9): A própria organização do trabalho está já a formar-se, baseando-se nos
processos antropométricos para os fins do selecionamento das aptidões individuais, o que
contribuirá para a boa harmonia entre o capital e o trabalho (Correia, 1934: 13).
Foi, assim, que coube a Santos Júnior a tarefa de realizar estudos antropológicos e arqueo-
lógicos no âmbito da Missão Geográfica do mesmo território (1932-1973) (Portugal, 1936:
870). Santos Júnior que detinha clara noção do muito a fazer neste capítulo, pelo muito
pouco que se fizera até então:
O estudo da arqueologia pré-historica das nossas colónias teve […] algumas peque-
nas notas […]. Se atentarmos na grande extensão das nossas colónias, pode dizer-se
que isto é pouco, como bem pouco é aquilo que hoje vai sendo feito, que, sendo
alguma coisa mais, é ainda muito pouco em relação áquilo que podia e devia
ser feito (Santos Júnior, 1934: 5. Nosso negrito)

Estavam, pois, criadas as condições basilares à autonomização desta área do conheci-


mento, como há muito pretendia Mendes Correia. Mesmo que lateral ao projeto colonial
português, a antropologia centralizava, de alguma maneira, a atuação da JMGIC, segura-
mente pelo interesse de Mendes Correia nesta matéria e pela influência que detinha nos
círculos correspondentes. Moçambique tornava-se, pois, o primeiro território a merecer
uma missão desta natureza no quadro da JMGIC, em coordenação com demais lançadas,
então, a esta Província ultramarina.
Santos Júnior teve, então, oportunidade de, no terreno, deslocar-se à União Sul-Africana e
à Rodésia do Sul, visitando museus, sítios arqueológicos e paletontológicos, e institutos de
investigação da especialidade, onde, a par da análise de materiais, travou conhecimento

134 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ARQUEOLOGIA PORTUGUESA EM SOLO AFRICANO DURANTE O ESTADO NOVO: (ALGUNS) ATORES, ESPAÇOS …

com individualidades importantes na sua inserção em redes regionais e transregionais de


produção, transmissão e receção de conhecimento, influindo no prosseguimento e visi-
bilidade dos seus trabalhos ulteriores, decorrentes, na maioria, dos milhares de objetos
coletados e das dezenas de sítios identificados. Disso foi exemplo a proximidade estabele-
cida com Clarence van Riet Lowe (1894-1956), Director do Archaeological Survey da União
Sul-Africana, e Raymond Dart (1893-1988), anatomista australiano e Director do Depar-
tamento de Anatomia da Universidade de Witwatersrand do mesmo país, a quem Santos
Júnior dedicou os seus textos publicados em Moçambique: Documentário Trimestral (San-
tos Júnior, 1937 e 1938). Disso nos dá, de igual modo, conta a sua participação activa em
múltiplos encontros científicos de impacte transfronteiriço. Foram os casos do XIII Con-
gresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências (Lisboa, 1950) (Santos Júnior, 1950) e
do II Congresso Pan-Africano de Pré-História (CPAPH) (Argel, 1952) (Santos Júnior, 1955).
Com efeito, procurava-se aproximar a investigação arqueológica portuguesa à produzida
em territórios circunvizinhos, sobretudo quanto ao estudo da idade da pedra, uma vez
que, À extraordinária riqueza da União da África do Sul e da Rodésia em documentos paleo-
-antropológicos e em estações da idade da pedra, corresponde a uma singular pobreza dos
mesmos documentos e estações no que diz respeito à nossa Colónia de Moçambique. (Santos
Júnior, 1937: 95). Mais do que isso, havia que instigar a colaboração internacional cientí-
fica, tanto na metrópole, como no ultramar. Até porque as diferentes sabedorias, aplicadas
e utilitárias, n’arrêtent pas leurs problèmes dans les frontières politiques (Mendes Correia,
1950: XLIII), tornando a ciência, universellement, la base du gouvernement, du développe-
ment et de l’avenir du monde et, spécialement, des colonies (Mendes Correia, 1950: XLIII).
Entretanto, a experiência colhida em Moçambique instou a repensar a estratégia definida
de início para as missões antropológicas. Principalmente, pela inexistência transdiscipli-
nar, fundamental ao conhecimento mais próximo das realidades observadas, estreitando a
colaboração entre arqueólogos e geólogos. Desde logo, para estudar a Pré-História moçam-
bicana (Santos Júnior, 1950: 651), conquanto essa aproximação devesse incluir outras
especialidades. A começar pela filologia, de modo a diversificar os estudos reforçados com
maiores recursos materiais e prazos de execução. Havia, no entanto, que demonstrar aos
poderes políticos que a rentabilização dos territórios ultramarinos seria mais enérgica,
rápida e sólida, se existisse uma noção mais profunda e abrangente do modus vivendi e
faciendi das populações autóctones. Em especial, no respeitante aos valores indígenas, das
suas artes primitivas, das suas línguas, costumes e tradições, de tudo que possa registrar
uma existência, uma personalidade que o tempo fatalmente destruirá (Boletim Cultural da
Guiné Portuguesa, n.º 5, 1946: 268). Com efeito,
As colónias não são depósitos de riqueza, que lá se vão buscar, oprimindo os indíge-
nas, mas entidades novas, criações da humanidade, partes válidas do Estado, a que,
pelo progresso científico, moral, económico e político, se deve facilitar o acesso aos
mais altos destinos como se faz a qualquer outra parte do território nacional (SGL,
1946: 21. Nosso negrito)

Foi neste enquadramento, consolidado na reestruturação recente da JMGIC, sob o signo


do Plano de Ocupação Científica do Ultramar Português (1941), inscrito no quinquénio de
1942-1947, concebido quando a Europa mergulhava na sua segunda Grande Guerra, que
Mendes Correia considerou relevante montar nova missão antropológica a outra Província
ultramarina. Procurou, no entanto, conciliá-la à nova orientação atribuída à investiga-
ção científica na dimensão espacial – considerada, à época –, portuguesa: a melhoria das
condições de vida das comunidades locais. Assim surgiu Uma jornada científica na Guiné
portuguesa (Correia, 1947).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 135
Ana Cristina Martins

Enquanto isto, parecia que Angola desinteressava a Lisboa. Nada mais ilusório, como se
verificaria em breve. Reconhecia-se, porém, existir uma instituição com maior capacidade
para apoiar estudos similares no terreno, a Diamang – Companhia de Diamantes de Angola
(1917), à qual se devia, entre outros aspetos, a criação do Museu do Dundo (1936) – rede-
nominado Etnológico (1942) –, e a edição da coleção com o mesmo nome (1946), com a
qual colaboraram vários autores portugueses e estrangeiros, muitos dos quais de renome
internacional.
Mas, Lisboa não podia permanecer indiferente ao muito concretizado cientificamente por
outras metrópoles nas suas respetivas possessões ultramarinas. Disso também dependia
o lugar de Portugal no xadrez político internacional, sobretudo face a crescentes pressões
internacionais colocadas sobre o seu regime governamental e, acima de tudo, política colo-
nial. Reconhecendo o imperativo de acelerar, aprofundar e dilatar as pesquisas científicas nas
colónias, os decisores políticos revigoravam a reorientação dos trabalhos segundo bússolas
utilitárias, sem desmerecer o estudo puramente cultural (e especulativ[o]), permitindo com-
preender melhor o conteúdo parcelar de legislação publicada à época (Conde et alia, 2015):
Os estudos de antropologia física também têm o seu interesse, pois sobre eles se
procuram estabelecer as características somáticas e as possibilidades psico-físicas
os diferentes povos e tribos coloniais. A antropologia económica, social, legal, etc.,
poderá auxiliar grandemente a administração das populações indígenas. A etnografia
também surgirá como auxiliar útil destes estudos, como fonte preciosa de informa-
ções. // A arqueologia figuraria, assim, em posição secundária. Isto não quer dizer
que o seu interesse especulativo seja menor do que qualquer dos outros domínios de
estudo (Agência Geral das Colónias, 1945: 25. Nossos negritos).

Por isto, Mendes Correia evidenciava quão obsoleto se encontrava Portugal neste âmbito,
hiperbolizando uma causa central do agente científico português nessas regiões: a sua
prioridade relativamente a outros. Havia, pois, que afastar libelos contra o seu hipotético
desprendimento e – o que era pior –, improficiência. Além disso, permitia-lhe fortalecer a
nuclearidade das ciências humanas e sociais neste processo, contrariamente ao assumido
por instâncias supernas. Aspecto tanto mais relevante, quando, nos primeiros anos da
década de 30, antropólogos da Europa central, como Carl Schneider (1891-1946), Hugo
Adolf Bernatzik (1897-1953) e Bernhard Struck (1888-1971) tinham realizado estudos
antropológicos e etnográficos na Guiné, principalmente junto dos Bijagós, publicando
parte significativa dos mesmos (Correia, 1943: 365).
Retomadas pela JMGIC apenas em 1945, as missões antropológicas desvendavam a atenção
lateral do governo pelo assunto, ao não lhes entrever um retorno mais imediato. Mor-
mente quanto à arqueologia, exercida doravante por empenho individual de quem inte-
grava as campanhas. Apesar da tónica principal ser colocada no registo antropométrico
das populações ultramarinas, as autoridades permitiam a realização de estudos arqueoló-
gicos. A isso instava a autoridade de Mendes Correia inteirado da sua premência, perante
o impulso que obtinham noutros agendamentos coloniais – especialmente inglês e francês
–, focados em compreender a origem e o percurso dos povos. Deste modo se afastavam
diatribes lançadas contra a inação portuguesa nesta esfera científica, ao mesmo tempo que
os nomes directamente envolvidos nele alicerçavam alianças científicas internacionais.

Dinâmicas locais e regionais


Mas, e localmente? Que ocorria neste âmbito nas próprias Províncias ultramarinas? Con-
trariamente ao que se poderia presumir em resultado de uma leitura menos atenta, muito
se produzia localmente. Sobretudo por parte de quem acompanhava, por diferentes meios,

136 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ARQUEOLOGIA PORTUGUESA EM SOLO AFRICANO DURANTE O ESTADO NOVO: (ALGUNS) ATORES, ESPAÇOS …

trabalhos realizados em instituições pertencentes a territórios limítrofes e noutras situa-


das na ocidentalidade europeia e norte-americana.
Tomando como exemplo, várias destas iniciativas, criaram sociedades de estudo, incenti-
varam a investigação, organizaram visitas de estudo, promoveram conferências, convida-
ram especialistas estrangeiros, lançaram pontes de comunicação com entidades científicas
transfronteiriças e editaram periódicos. Uma convicção legitimada pela presença amiúde
de investigadores prestigiados provenientes da União Sul-Africana, a exemplo de C. van
Riet Lowe, em entrevista concedida à revista mensal de vulgarização de conhecimentos
Rádio Moçambique, no seu número 74, de 1941, ao sublinhar que Os contactos culturais
com outras partes de África não atraem tanto as atenções como as relações políticas
mas são, sob certos aspectos, mais valiosos. Aplanam o caminho para um entendimento
internacional, pela simples razão de que não são maculados por interêsses egoístas (Nos-
sos negritos). A sua autoridade nesta matéria justificou, entretanto, a tradução, para
português, de alguns dos seus escritos, uma vez mais para validar uma agenda científico-
-cultural acalentada pela Sociedade de Estudos da Colónia de Moçambique (SECM) (1930-
1975), onde se afirmava estar a colónia de Moçambique,
também destinada a desempenhar papel importante no esclarecimento do período
proto-histórico da África Meridional. […]. Esperemos, pois, que seja possível
preencher a lacuna deixada pelo infeliz acidente que obrigou Santos Júnior a regressar
à Metrópole, e que possa haver estímulo para aqueles que, à sua própria custa, e
em horas roubadas ao descanso, se dedicam na Colónia a estas investigações […].
// Olho confiante para um futuro em que êste ainda mal explorado território há-de
surpreender o resto da África pela sua importância arqueológica (Barradas,
1943: 5. Nossos negritos).

Aos poucos, os membros da SECM contribuíram, mesmo que inconscientemente, para a


composição de uma rede local e regional de produção, divulgação e apreensão de conhe-
cimento, autónoma da intervenção de quem aportava de Lisboa, mesmo que no âmbito de
missões da JMGIC e com o beneplácito de Mendes Correia.
Para Angola, criou-se a Missão Antropobiológica (1950-1955), à qual se deveu a descoberta
de estações arqueológicas, o estudo de pinturas rupestres e de recintos amuralhados (Ins-
tituto Superior de Estudos Ultramarinos, 1956: 2) e trabalhos sobre os então denominados
bosquímanos. Estas investigações prosseguiram no Centro de Estudos de Etnologia do
Ultramar (1954), antecessor do Centro de Estudos de Antropobiologia (1962), ambos dirigi-
dos pelo antropólogo e professor universitário António de Almeida (1900-1984), contando
com a colaboração, entre outros, do geólogo e pré-historiador José Camarate França (1923-
1963). Mas, os estudos mais sistemáticos eram conduzidos desde os anos 30 por colabora-
dores do Museu do Dundo, cuja secção de geologia e pré-história era supervisionada pelo
geólogo belga Jean Janmart (?-1955), devendo-se-lhe as primeiras incursões internacionais
com o objectivo de criar uma rede de debate subordinada às questões da arqueologia afri-
cana, traduzida em importantes colaborações de Louis Leakey (1903-1972) (Leakey, 1949),
Henri Breüil (1877-1961) (Breuil, Janmart, 1950) e John Desmond Clark (1916-2002) (Clark,
1963, 1966 e 1968).
Quando à Província da Guiné, ela detinha, já nos anos 40, de mecanismos organizados de
investigação e divulgação científica sobre o seu território e as suas gentes, colaborando
com entidades internacionais de menção nos saberes contemplados, com destaque para a
costa ocidental africana, ao mesmo tempo que procurava dar corpo ao ‘Museu da Guiné

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 137
Ana Cristina Martins

Portuguesa’4 . Sendo tempo de a Guiné ser mais alguma coisa do que um campo fértil de
produtos materiais (Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, n.º 1, 1946: 7), e urgindo pro-
mover a sua elevação cultural, a Guiné transmudou-se, de algum modo, em protótipo de
programação científica a reeditar noutros recantos colonizados, dobrando a insistência
no estreitar de ligações com demais comunidades científicas. Enquanto isso, criticava-se,
com alguma severidade, a investigação científica ultramarina em Portugal, manifestada,
sobretudo, através de missões temporárias aos territórios ( Boletim Cultural da Guiné Por-
-tuguesa, n.º 32, 1953: 643-644). Era o que procurava fazer o Centro de Estudos da Guiné
Portuguesa (1945):
as nossas relações culturais têm-se intensificado sobretudo com os territórios vizi-
nhos, no meio dos quais já hoje não somos mancha escura como outrora... É claro
que apesar de nunca termos merecido a devida consideração dos organismos
metropolitanos encarregados deste domínio das ciências coloniais – pois até
hoje ainda não foi enviada nenhuma das colaborações prometidas – nem por
isso deixaremos de tentar estabelecer contactos como eles, sempre agradáveis e sem
dúvida úteis em ensinamentos (Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. n.º 10, 1948:
526. Nosso negrito).

Sem negarem as vantagens oferecidas por algumas destas missões, sobretudo quando
movimentavam recursos e meios científicos e técnicos de que as províncias ultramarinas
não dispunham, apelaram sempre para que, a par delas, se fomentasse o desenvolvimento
de instituições locais de investigação (Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, n.º 10, 1948:
526).
Mas, antes de Angola e da Guiné, foi Moçambique a antecipar-se neste capítulo, consti-
tuindo a SECM com Boletim periódico (1931-1974) e destinada a contribuir para o desen-
volvimento cultural e económico do território, promovendo, para tal, estudos científicos
e a colaboração com entidades neles interessadas. Pouco depois, a arqueologia principiava
a ocupar espaço nas suas atividades, designadamente por mão do engenheiro-agrónomo
Lereno Antunes Barradas (1890-1974), com a descoberta, em 1936, de uma estação paleolí-
tica na região de Magude, (Barradas: 1942).
Deu-se, então, início a um período de intensa actividade arqueológica no território, em
especial a sul do Save e no – então –, distrito de Lourenço Marques (actual Maputo), com
o apoio da Repartição Técnica de Indústria e Geologia, e em colaboração com o Archaeo-
logical Survey da União Sul-Africana. Actividade reforçada com a Comissão dos Monu-
mentos e Relíquias Históricas de Moçambique (1943) – mimetizada de organismo análogo
existente no território vizinho5 –, em cujo decreto de criação se afirmava que, a par de se
investigar, classificar, restaurar e conservar os nossos monumentos e relíquias, se divulgue
o seu conhecimento arqueológico-histórico, e bem assim que se promova a sua propaganda
cultural e turística6. Daqui resultaram diversas acções desenvolvidas também em parceria
com a SECM. Entre elas, conferências de especialistas procedentes da União Sul-Africana,
como as proferidas por H. Breüil e Riet van Lowe, a convite daquela Comissão, em Agosto
de 1944, nas quais se enfatizou a premência de intensificar a investigação pré e proto-
-histórica nas colónias africanas de Portugal, e realizar congressos para reunir dados
disseminados sobre a arqueologia de Moçambique (Barradas, 1948).

4 Além dos exemplos coetâneos existentes noutras capitais de colónias europeias não portuguesas, o testemunho – ainda
que privado –, do Museu do Dundo (1936), em Angola, e a existência do Museu de Geologia ‘Freire de Andrade’ (1940), em
Lourenço Marques, Moçambique, não terão sido estranhos ao impulso conferido a este assunto localmente.
5 Comissão de Conservação dos Monumentos Nacionais, Relíquias e Antiguidades da União da África do Sul.
6 Diploma Legislativo n.º 825 de 20 de Fevereiro (Nosso itálico).

138 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ARQUEOLOGIA PORTUGUESA EM SOLO AFRICANO DURANTE O ESTADO NOVO: (ALGUNS) ATORES, ESPAÇOS …

Sem dúvida, não se podia continuar a ignorar a riqueza científica do território, sob pena
de a política científica colonial portuguesa continuar a ser criticada negativamente pela
comunidade internacional.
Enquanto isto, organizava-se, sob os auspícios do casal Louis e Mary Leakey (1913-1972),
e a presidência de H. Breüil, o I CPAPH (Nairobi, 1947), reunindo, pela primeira vez, pré-
-historiadores, paleontólogos e geólogos. A ausência da participação metropolitana foi
colmatada com a presença provincial ultramarina. Foi assim que, entrelaçando geologia,
climatologia e arqueologia, L. Barradas e Manuel Bettencourt Dias constituíram a dele-
gação de Moçambique, comunicando sobre o Quaternário (Barradas, 1952a), 1952b). E o
reconhecimento do trabalho de L. Barradas valeu-lhe a recomendação de C. van Riet Lowe
para presidir, no ano seguinte, à Secção de Arqueologia do Congresso da Associação Afri-
cana para o Avanço das Ciências, realizado em Lourenço Marques.

Considerações finais
Os trabalhos conduzidos pela metrópole, circunscritos a campanhas episódicas e de curta
duração, nas quais a arqueologia era tributária de estudos orientados para a implementa-
ção de uma política indígena, revelaram-se insuficientes para conhecer e divulgar a riqueza
dos territórios ultramarinos. Nomeadamente, no que respeitava à sua pré-história, a exigir
uma permanência e uma sistematização de investigação a assumir localmente. Foi o que
ocorreu, mercê do interesse, empenho e tenacidade de agentes provinciais que, em con-
junto, em muito contribuíram para a produção, transmissão e receção de conhecimento
arqueológico. Mormente, regional.
Não configurando uma prioridade na agenda colonial portuguesa, apesar dos esforços, por
vezes árduos, das missões enviadas da metrópole, crentes nos seus objectivos patrióticos,
a arqueologia foi sendo assumida ao sabor de ações individuais apoiadas por organismos
públicos e privados, de âmbito local e regional (Martins, 2010). Disso nos dá conta o exem-
plar movimento associativo provincial, de carácter (mais ou menos) erudito, que soube
incentivar a investigação em diversos domínios e levar o nome das respectivas colónias a
encontros científicos da maior relevância para o conhecimento, não apenas regional, como
mundial.
Entre outros resultados desta persistência, destaca-se a II Conferência Internacional dos
Africanistas Ocidentais, realizada em Bissau, de 8 a 14 de Fevereiro de 1947, ou seja, entre
campanhas da Missão Antropológica e Etnológica da Guiné (1946-1947) e – sintomatica-
mente –, no mês seguinte ao I CPAPH. Coincidência que podia resultar apenas do sentido
de oportunidade, aproveitando a permanência de investigadores de fora do continente
africano que assim podiam participar também neste encontro, contribuindo para dis-
cussões comuns. Mas, esta coincidência podia decorrer, de igual modo (ou sobretudo) da
necessidade de contrapor uma investigação conduzida, essencialmente, pela escola anglo-
-saxónica, a outra, de raiz francófona.
Em todo o caso, não terá sido o único evento deste ano de 1947 a registar, conquanto
indiretamente, o ascendente da reunião de Nairobi. Entre 8 e 13 de Setembro, decorreu,
em Lourenço Marques, o primeiro congresso da SECM. Assim se expressava quão urgente
se tornara atualizar a investigação, também no domínio arqueológico, sobre o qual foram
apresentadas comunicações na sessão conjunta das seções de geologia e geografia, história
e sociologia, economia e estatística, numa abordagem pretendida transversal. Mais do
que isso, havia que reunir todos os dados existentes sobre a arqueologia de Moçambique,
numa tarefa a cumprir por comissão criada especialmente para o efeito, em colaboração
estreita com a Secção Técnica de Indústria e Geologia, da colónia.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 139
Ana Cristina Martins

Emergia, assim, e uma vez mais, a noção de que um trabalho desta natureza, envergadura
e responsabilidade devia ser, parcialmente que fosse, acometido à acção estatal, em razão
dos recursos exigidos pela sua execução. Realização que instava, mais do que nunca. Pelo
menos, a julgar pelo muito então produzido noutras colónias, nomeadamente inglesas e
francesas. Por isso, Mendes Correia, sempre atento à (quase inexistente) gestão da inves-
tigação arqueológica nas possessões ultramarinas portuguesas, entendia indigno para
o país que os dois encontros internacionais de 1947 avocassem a indispensabilidade de
enviar especialistas estrangeiros a Angola, a fim de recolherem elementos essenciais à
execução do grande atlas da pré-história de África, perdendo-se, assim, uma prioridade
que, no seu entender, devia caber a Portugal (Correia, 1948).
O interesse colhido por estrangeiros em visita a Moçambique e participantes em reuniões
científicas com intervenções desta Província ultramarina portuguesa, assim como as acti-
vidades conduzidas pelo CECP, fundamentaram o acolhimento, em Lourenço Marques,
do 46.º Congresso da Associação Sul-Africana para o Progresso das Ciências (CASAPC)
(1948), um dos fóruns mais importantes de divulgação científica na região. Assim se pres-
tigiava a acção da SECM, os esforços colocados pela Colónia no desenvolvimento cientí-
fico, a relevância de estudos efectuados e a comunhão de temas, que não se compadeciam
com fronteiras políticas. Mas do que tudo, havia que expandir a proficiente cooperação
regional entre Moçambique e a União Sul-Africana, como relembrado na esteira da 50.ª
sessão do CASAPC (Cidade do Cabo, 1952) (Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambi-
-que, 1953: 47-50):
O estudo dos territórios portugueses em África tem sido feito sem nenhuma ou
fraca colaboração das actuais nações colonialistas. […]. // Há alguns anos que
mantemos intercâmbio com cientistas da União da África do Sul e temos veri-
ficado o entusiasmo, a simpatia e o interesse com que a nossa actividade é recebida.
[…]. E, por isso, estamos convictos que não será difícil organizar-se um serviço
que estreite as relações Científicas, não ficando estas limitadas ùnicamente a
alguns casos particulares, mais ou menos esporádicos. // Assim, seria excelente esta-
belecer na Sociedade de Estudos da Província de Moçambique, um gabinete
de intercâmbio que teria por fim facilitar as relações profissionais entre cientistas
portugueses e cientistas da União, pelo menos na fase inicial de intercâmbio (Ferreira
e Ferreira, 1953: 47-50. Nossos negritos).

Convicção mantida em 1958 e 1968, na 56.ª e 66.ª edições do CASAPC, de novo em Lou-
renço Marques. Sobretudo na primeira, com o discurso presidencial de Arthur Edward H.
Bleksley (1908-1984), intitulado A ciência e a sociedade.
A afirmação e o desenvolvimento da arqueologia nestes longínquos, da metrópole, terri-
tórios, não se conformavam a missões episódicas nas quais era suplementar. Asseverar a
ciência arqueológica no terreno impunha a constituição de um organismo permanente
que lhe fosse devotado no terreno. Na sua ausência, e até à formação dos Institutos de
Investigação Científica de Angola e de Moçambique (1955), foram individualidades com
diferentes formações académicas, especialmente geológica, a calcorrear os territórios,
analisando estratigrafias rasgadas por grandes obras públicas e recolhendo artefactos des-
tinados a coleções privadas e a museus públicos concebidos especialmente para o efeito.
Havia, pois, um longo caminho a percorrer, sobretudo perante a indiferença da metrópole
por assuntos arqueológicos das suas distantes paragens subsaarianas, a julgar pelo débil
eco obtido com as comunicações deste temário apresentadas ao I Congresso Nacional de
Arqueologia (Lisboa, 1958), e não obstante as inúmeras publicações resultantes de traba-
-lhos realizados no âmbito de missões antropológicas e antropobiológicas e dos reiterados
clamores de Mendes Correia.

140 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ARQUEOLOGIA PORTUGUESA EM SOLO AFRICANO DURANTE O ESTADO NOVO: (ALGUNS) ATORES, ESPAÇOS …

Muito havia, sem dúvida, por cumprir. Desde logo, o reforço de estudos no terreno e no
laboratório, assim como a execução de cartas arqueológicas e de inventários de sítios e de
materiais encontrados. Depois, a publicação de monografias. Por fim, mas em simultâ-
neo, a promoção da salvaguarda dos sítios e coleções arqueológicos e respetivo interesse
turístico.
Mas, alheia se revelava também Lisboa da arqueologia praticada no seu território euro-
peu. Um desinteresse (aparentemente) generalizado da política científica portuguesa, que
também o foi própria comunidade científica portuguesa, mesmo quando Miguel Ramos
(1932-1991) coordenou a primeira missão arqueológica da JMGIU, ao Sudoeste de Angola
(1966-1967), em colaboração com entidades e organismos locais.
Ultrapassar-se-á, contudo, esta indiferença ao recuperar-se de protagonistas, espaços,
agendas e projetos na área, inserindo-os em diferentes dinâmicas históricas e científicas
de fôlego regional, nacional e internacional, e avaliando de que modo o débil investimento
na arqueologia metropolitana determinou o desenvolvimento desta ciência nos seus terri-
tórios ultramarinos, e a reacção sequente das sociedades eruditas locais face a esta situação
peculiar do panorama científico ocidental.

Agradecimentos
Patrícia Conde, pelo apoio na consulta de material de arquivo. Este texto resulta do projeto
de Pós-Doutoramento “Arqueologia em transição num Portugal em transformação: atores,
instituições e projetos (1958-1977)”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecno-
logia (FCT) (SFRH/BDP/105375/2014), tendo como unidade de acolhimento o IHC-NOVA-
-CEHFCi-U.Évora. Decorre, de igual modo, do projeto FCT, PTDC/IVC-HFC/5017/2012,
“PROMEMICI – Protagonists and memoirs of the ‘scientific missions’. Archaeology and
Portuguese colonial agenda”, acolhido pelo extinto Instituto de Investigação Científica
Tropical.

Referências bibliográficas
A History of African archaeology (1990), Robertshaw, Peter (ed.), London: James Currey Publishers,
p. 378.
Agência Geral das Colónias (1945), Ocupação científica do Ultramar português, Lisboa: Agência Geral
das Colónias, p. 253.
Barradas, L. (1942), Uma estação paleolítica em Magude, Boletim da Sociedade de Estudos de
Moçambique, 45, Lourenço Marques: Sociedade de Estudos de Moçambique, pp. 83-101.
______ (1948), Panorama da Pré-História de Moçambique, Boletim da Sociedade de Estudos da Colónia
de Moçambique, N.os 57-58, pp. 1-20.
______ (1952a), A Chronology of the Quaternary in Southern Mozambique, 1 st PanAfrican
Congress Proceedings [Online], [Accessed December 29, 2014], Available at URL: http://new.
panafprehistory.org/en/.
______ (1952b), Quaternary Formations in Southern Mozambique, 1 st PanAfrican Congress
Proceedings [Online], [Accessed December 29, 2014], Available at URL: http://new.panafprehis-
tory.org/en/.
______ (1956), Moçambique na Pré-História da África Meridional, Arqueologia e História, V. VII,
pp. 125-145.
Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Bissau: Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 28 vols. (1946-
1973).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 141
Ana Cristina Martins

Breuil, H., Janmart, J. (1950), Les limons et graviers de l’Angola du Nord-Est est leur contenu
archéologique, Publicações Culturais da Companhia de Diamantes de Angola, 5, Lisboa:
Companhia de Diamantes de Angola, p. 56.
Carrisso, Luiz Wittnich (1928), O problema colonial perante a Nação, Coimbra: Imprensa da
Universidade.
Castanheira, João Pedro (2010), Um cientista português no coração da Alemanha nazi, Lisboa:
Tenacitas.
Clark, J. D. (1963), Prehistoric cultures of northeast Angola and their significance in tropical Africa,
Publicações Culturais da Companhia de Diamantes de Angola, 62, Lisboa: Companhia de
Diamantes de Angola. 2 volumes.
______ (1966), The distribution of Prehistoric culture in Angola, Publicações Culturais da Companhia
de Diamantes de Angola, 73, Lisboa: Companhia de Diamantes de Angola, p. 102.
______ (1968), Further Palaeo-Anthropological studies in northern Lunda, Publicações Culturais da
Companhia de Diamantes de Angola, 78, Lisboa: Companhia de Diamantes de Angola, p. 205 .
Conde, P.; Senna-Martinez, J. C. e Martins, A. C. (2015), Archaeological connections: tracking and
tracing international relations throughout Portuguese colonialism, Diaz-Andreu, M. E Fernandez,
V. (orgs.), British Archaeological Reports (no prelo).
Correia, A. A. E. M. (1934), Valor psico-social comparado das raças coloniais”, Trabalhos do 1.º
Congresso Nacional de Antropologia Colonial (Porto, Setembro de 1934), Porto: 1.ª Exposição Colonial
Portuguesa, pp. 385-393.
______ (1943), Raças do Império, Porto: Portucalense Editora.
______ (1947), Uma jornada científica na Guiné portuguesa, Lisboa: Agência Geral das Colónias, p. 193.
______ (1950), La recherche scientifique dans l’outremer portugais, Conferência Internacional dos
Africanistas Ocidentais (2.ª Conferência, Bissau, 1947), V, 1, Lisboa: Ministério das Colónias/ Junta de
Investigações Coloniais, pp. XXXI-XLVI.
Ferreira, M. C. & Ferreira, G. da V. (1953), Da necessidade do intercâmbio científico com a União da
África do Sul, Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, pp. 47-50.
França, J.-A. (2010), O ano x – Lisboa 1936, Lisboa: Editorial Presença.
Gozalbes Cravioto, Enrique (2005), Los pioneros de la arqueología española en Marruecos (1880-1921),
Cabrera, V. & Ayarzagüena, M. (orgs.), El nacimiento de la Prehistoria y de la Arqueología científica,
Madrid, 2005, pp. 110-117.
______ (2007), Algunos avatares de la arqueología colonial en el norte de Marruecos (1939-1942),
Boletín de la Asociación Española de Orientalistas, pp. 77-96.
Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1956), Missão Antropobiológica de Angola: campanha de
1955, Bibliografia do Professor Doutor António de Almeida, Separata de Estudos Ultramarinos, 6,
Lisboa: Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, p. 7.
Leakey, L. S. B. (1949), Tentative study of the pleistocene climatic changes and stone-age culture
sequence in North-Eastern Angola, Publicações Culturais da Companhia de Diamantes de
Angola, 4, Lisboa: Companhia de Diamantes de Angola, p. 82.
Lobato, Alexandre (1983), Memória Histórica, Da Commissão de Cartographia ao Instituto de
Investigação Científica Tropical (1983): 100 Anos de História, Lisboa: Instituto de Investigação
Científica Tropical, pp. 1-179; 475-481.
Machado, J. L. Saavedra (1965), Subsídios para a história do museu etnológico do Dr. Leite de
Vasconcelos, Lisboa: Ministério da Educação Nacional.
Martins, A. C. (2010a), A Arqueologia nas missões científicas: ad initium, Martins, A. C. E Albino, T.
(orgs.), Viagens e missões científicas nos trópicos: 1883-2010, Lisboa: Instituto de Investigação
Científica Tropical, pp. 99-105.

142 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ARQUEOLOGIA PORTUGUESA EM SOLO AFRICANO DURANTE O ESTADO NOVO: (ALGUNS) ATORES, ESPAÇOS …

______ (2010b), (Re)Conhecer para ocupar. Ocupar para (re)conhecer. A colonização científica do
além-mar, Martins, A. C. E Albino, T. (orgs.), Viagens e missões científicas nos trópicos: 1883-2010,
Lisboa: IICT, pp. 26-33.
______ (2012), Política Colonial, Produção Científica, Construção da Identidade Portuguesa e o
Contributo de Henrique de Carvalho (1843-1909), Memórias de um explorador. A Coleção Henrique
de Carvalho da Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa: SGL, pp. 193-206.
Medina, João (2006), Portuguesismo(s), Lisboa: Centro de História da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa.
Portugal (1936), Decreto-Lei n.º 26 842. Diário do Governo, I série, 175, 28 Julho 1936, Lisboa, p. 870.
Santos Júnior, J. R. dos (1937), Contribuição para o estudo da Idade da Pedra em Moçambique. A
estação lítica da Marissa (Tete), Moçambique: Documentário Trimestra, 12, Lourenço Marques:
Imprensa Nacional, pp. 93-103.
______ (1938), Relatório da Missão Antropológica à África do Sul e a Moçambique. 1.ª campanha de
trabalhos – 1936, Porto: Imprensa Portuguesa, p. 53.
______ (1950), Carta da Pré-História de Moçambique. Separata das Actas do XIII Congresso Luso-
Espanhol para o Progresso das Ciências, 4.ª secção. V. [s.n., s.l.], pp. 647-656.
______ (1955), Les peintures rupestres du Mozambique, 2nd PanAfrican Congress Proceedings
[Online]. [Accessed December 29, 2014], Available at URL: http://new.panafprehistory.org/ en/.
Sociedade de Geografia de Lisboa (1900), Parecer e proposta para um Congresso Colonial Nacional,
Lisboa: SGL.
______ (1946), Congresso comemorativo do quinto centenário do descobrimento da Guiné, 2 vols.,
Lisboa: SGL.
Torgal, Luís R. (2009), Estados Novos. Estado Novo, 2 vol., Coimbra: Imprensa da Universidade de
Coimbra.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 143
9
Percursos de Miguel Ramos
(1932-1991) na arqueologia:
síntese e perspetivas
Ana Godinho Coelho*, Inês Pinto* e Ana Cristina Martins**

p. 145-160

«Creio ser da maior conveniência e oportunidade pensar-se na preparação do pessoal cien-


tífico e na ampliação da Secção de Pré-história, em moldes que permitam responder con-
venientemente às exigências, cada vez maiores, dos diversos problemas arqueológicos das
nossas Províncias Ultramarinas.» (Arquivo, IICT, 1970)

Início: 1960-1969
Miguel António Pires da Fonseca Ramos terminou em 1961 a licenciatura em Ciências
Geológicas, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e fez estágio
curricular nos Serviços Geológicos de Portugal, cujo relatório final, “Contribuição para
o estudo geológico da região de Ponte de Sor”, foi classificado com 18 valores e publicado
pouco depois (Ramos, 1966).
Por sugestão do Professor Carlos Teixeira (1910-1982), diretor do Centro de Estudos de
Geologia da FCUL, começou a aprofundar os seus conhecimentos na área da geologia do
quaternário e da pré-história recorrendo, para isso, às coleções dos Serviços Geológicos
de Portugal e à secção de pré-história do Centro de Estudos de Antropobiologia (CEA) da
Junta de Investigações do Ultramar (JIU). Foi aqui que contatou, pela primeira vez, com
o geólogo José Camarate França (1923-1963), que foi membro da equipa da Missão Antro-
pobiológica de Angola (MAA) e que incidiu a sua investigação no Paleolítico de Angola
(França, 1952 e 1964).
Depois de uma breve passagem pelo ensino liceal, enquanto docente da Escola Industrial
Marquês de Pombal (1961-1962) e do Liceu D. João de Castro (1962-1963), do estágio no
Centro de Estudos de Geologia Pura e Aplicada (1962-1963) e da realização de alguns tra-
balhos sobre a pré-história da zona de Reguengos de Monsaraz (Ramos, 1968), M. Ramos
foi admitido no CEA da JIU. Enquanto investigador estagiário, foi coordenado pelo Profes-
sor António de Almeida (1900-1984), chefe de várias missões científicas ao Ultramar por-
tuguês e diretor do CEA. Em 1963, seguiu para Paris com uma bolsa da Fundação Calouste
Gulbenkian (FCG), onde se especializou, com distinção, em arqueologia pré-histórica na
* Fundação para a Ciência e a Tecnologia/Instituto de Investigação Científica Tropical – Universidade de Lisboa.
Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal). Duas bolsas de investigação atri-
buídas, com as referências: SFRH/BGCT/52440/2014 e SFRH/BGCT/52441/2014.
** Fundação para a Ciência e a Tecnologia/Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Texto produzido no âmbito da Bolsa de Investigação SFRH/
BDP/105375/2014, atribuída pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal), com o apoio financeiro do
Fundo Social Europeu.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 145
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins

Figura 001 - Apontamentos de M. Ramos Figura 002 – Provas do primeiro artigo de


tirados nas aulas da sua licenciatura em Ciências M. Ramos a ser publicado, Indústrias líticas da
Geológicas, 1959. Arquivo IICT. região de Ponte de Sor, 1966. Arquivo IICT.

Figura 003 a, b – Apontamentos de M. Ramos da disciplina “Geologia do Quaternário”, a cargo da


Professora Meirelle Ters. Faculdade de Letras e Ciências Humanas, Universidade de Paris, 1964.
Arquivo IICT.

146 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PERCURSOS DE MIGUEL RAMOS (1932-1991) NA ARQUEOLOGIA: SÍNTESE E PERSPETIVAS

Universidade de Paris (Sorbonne), apresen-


tando o relatório final “La religion prehisto-
ric – definition des méthodes de recherche
au Paleolitique”.
Na cidade das Luzes, aperfeiçoou conheci-
mentos em paleontologia humana, geologia
do quaternário, arqueologia e pré-história
africanas e recolheu elementos científicos
para a elaboração de um atlas da pré-história
de África. Foi ainda aluno titular da Escola
de Altos Estudos de Paris (3èmecycle) onde,
no ano seguinte, se inscreveu no doutora-
mento. Em 1965, participou em escavações
de materiais pré-históricos no campo escola
de Pincevent da Universidade de Paris, aí se
familiarizando com as mais modernas meto-
dologias de trabalho.
Aquando da sua permanência em Paris, M.
Ramos fez vários estágios complementares
Figura 004 – Apontamentos de M. Ramos da à sua formação, com especial destaque para
disciplina “Introdução ao estudo da metodologia o laboratório de pré-história (tipologias e
em Pré-história”, a cargo da Professora Laming-
Emperaire. Faculdade de Letras e Ciências
técnicas de indústrias líticas), Museu do
Humanas, Universidade de Paris, 1964. Homem, Centro de Documentação de Pré-
Arquivo IICT. -história e de Geologia e Paleontologia do
Quaternário e Laboratório de Morfologia do
Instituto de Geografia de Paris, Laboratório
de Paleontologia da Sorbonne, Departa-
mento de Pré-história do Museu Real da
África Central de Tervuren e Museu Nacio-
nal de Copenhaga.
Em 1966, e já depois de iniciados os seus
trabalhos no CEA, M. Ramos regressou a
Paris para formalizar a sua inscrição no dou-
toramento em antropologia pré-histórica, na
Sorbonne, sob a direção do Professor André
Leroi-Gourhan (1911-1986).
Figura 005 – Pormenor do campo escola de Entretanto, por despacho ministerial datado
Pincevent, onde M. Ramos participou em de 5 de agosto de 1966, foi deferida a pri-
escavações (segundo Leroi-Gourhan meira Missão de Estudos Arqueológicos no
e Brézillon, 1972). Sudoeste (SW) de Angola (MEASA) «[…] que
autoriza a deslocação a Angola do Dr. Miguel
Ramos do Centro de Estudos de Antropobiologia, com encargo pelas verbas do Instituto de
Investigação Científica de Angola.» (Arquivo IICT, 1966). Partiu, então, para Angola em
setembro do mesmo ano, ali permanecendo cerca de seis meses.
O SW era uma região que «[…] desde o final do século passado […] tem atraído a atenção de
pré-historiadores e dos curiosos das coisas arqueológicas. É já grande o número dos que dela
têm dado conhecimento.» (Ramos, 1967: 1).
Às contribuições, entre outros de Paul Choffat (1849-1919) (Choffat, 1888), Fernando
Mouta e Camille Arambourg (1885-1969) (Arambourg e Mouta, 1952), António de Almeida

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 147
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins

Figura 007 – Capas de livros sobre Pré-história


de África, base do trabalho de M. Ramos.

Figura 006 – Autorização ministerial para a


deslocação de M. Ramos a Angola, no âmbito da
MEASA, 1966. Arquivo IICT.

(Breuil e Almeida, 1964), Camarate França


(França, 1952) e Desmond Clark (1916-2002)
(Clark, 1966), M. Ramos pretendia acres-
centar o estudo das estações arqueológicas Figura 008 – Mapa com a distribuição das
reconhecidas pelas missões anteriores1, a 27 estações arqueológicas identificadas por
identificação de novos sítios e, sobretudo, M. Ramos no decorrer da MEASA. Note-se
a concentração de estações no sopé da Serra
a realização de uma escavação «[…] siste-
da Chela, onde foram recolhidos milhares de
mática em local cuja estratigrafia ofereça a artefactos líticos.
possibilidade de estudo da evolução regional
(paleoclimática, cultural, paleontológica,
etc).» (Ramos, 1967: 1).
No decorrer da MEASA, M. Ramos procedeu à identificação, entre outras, de três impor-
tantes estações arqueológicas localizadas na carta 1:100 000 na folha 355: Capangombe
Velho (355-7), (ou Caconge), Santo António (355-10) e Santo António, Capangombe (355-
11) que lhe permitiram obter um melhor conhecimento dos depósitos sedimentares, a sua
origem e evolução na região (Ramos, 1967).
De todos os sítios então identificados, a estação de Capangombe Velho (355-7) foi a única
alvo de escavação sistemática, nela se recolhendo, ao longo de dois níveis arqueológicos
principais, mais de 101 mil artefactos líticos cujas caraterísticas tipológicas2 lhe possibili-
taram um novo olhar sobre os estádios culturais do Paleolítico de Angola (Coelho et alia,
2014). Concluiu, ademais, que, não obstante a necessidade de estudos complementares,

1 Note-se que as Missões Antropobiológicas de Angola (MAA), que decorreram entre 1948 e 1955, não tiveram um caráter
arqueológico e por isso as recolhas de artefactos foram apenas superficiais, muitas vezes sem contexto preciso.
2 Salientamos que ainda não foi feito um estudo exaustivo dos artefactos recolhidos, atendendo à sua quantidade, pelo que
estes resultados são apenas parciais.

148 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PERCURSOS DE MIGUEL RAMOS (1932-1991) NA ARQUEOLOGIA: SÍNTESE E PERSPETIVAS

«[…] a existência de pelo menos, duas fácies da M.S.A. parece indiscutível, bem como que
a sua morfologia parece não se enquadrar em nenhum dos padrões mais ou menos consa-
grados para a África austral.» (Ramos, 1981: 34). Assim, comparando os resultados das
escavações da gruta da Leba, efetuadas pelo geólogo J. Camarate França, entre 1950 e
1953, e os obtidos em Capangombe Velho, mesmo que parciais, verifica-se que M. Ramos
se debateu por uma diferenciação regional, chamando a atenção para o fato de o SW
de Angola ter alcançado condições propícias ao estabelecimento de comunidades pré-
-históricas (Ramos, 1970); (Matos, 2012).
Por outro lado, debruçou-se sobre o estudo dos artefactos líticos recolhidos em Santo
António, Capangombe (355-11), que lhe permitiram rever as tipologias das achas, ou
machados de mão (Tixier, 1957), bastante bem representados3 no contexto global da
estação, dividindo-as em sete tipos, baseados na complexidade dos métodos de talhe
aplicados (Ramos, 1974 e 1980).
Em janeiro de 1967, e ainda no contexto da MEASA, foram identificadas as pinturas de
arte rupestre da estação de Monte Negro, junto ao rio Cunene, dispersas por «[…] vários
painéis gravados, com figuras bastante patinadas, confundindo-se com a coloração geral
do afloramento.» (Ramos, 1979a: 12), mas, ainda assim, capazes de revelar vários aspetos
da evolução cultural do SW de Angola, nomeadamente ao nível da vida quotidiana das
populações que aqui permaneceram.
Note-se que ao longo dos cerca de quarenta anos de atividade das missões científicas
nos Trópicos, em termos quantitativos, é no SW de Angola que se encontra identificado
o maior número de estações arqueológicas do Paleolítico. Assim e com base nas infor-
mações disponíveis, M. Ramos e a sua equipa partiram de Luanda, de jipe, em direção
a Sá da Bandeira (atual Lubango) tentando
observar, sempre que possível, as estações
identificadas pela MAA. De acordo com
a rede viária existente à época, podemos
inferir dois eventuais percursos: um, mais
próximo da costa e mais rápido, e um outro,
pelo interior de Angola, coincidindo com
mais estações descobertas pelas anteriores
missões. A partir daqui sabe-se, com cer-
teza, que os membros da equipa seguiram
de Sá da Bandeira para oeste, em direção a
Moçâmedes (atual Namibe). Aqui chegados
visitaram as regiões de Porto Alexandre,
Virei e Oncócua.
Em 1967, M. Ramos é nomeado diretor da
secção de pré-história da JIU, escreveu arti-
gos científicos sobre os resultados das suas
investigações em Angola e participou em
congressos e demais científicas, nacionais
e internacionais, a exemplo, em 1969, do Figura 009 a, b – Representação de figura
Congresso da International Union for Qua- zoomórfica (?) das gravuras rupestres da estação
de Monte Negro (Ramos, 1979a) e xilogravura da
ternary Science (INQUA) e das I Jornadas figura zoomórfica, IICT.
Arqueológicas da Associação dos Arqueó-

3 As recolhas superficiais na estação de Santo António, Capangombe (355-11) resultaram em 1.776 artefactos, dos quais 196
são achas, ou machados de mão.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 149
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins

Figura 011 – Comprovativo do pagamento


das quotas da Associação dos Arqueólogos
Portugueses (sócio n.º 578). Arquivo IICT.

Figura 010 – Percursos seguidos pela equipa da


MEASA entre 1966 e 1967.

logos Portugueses (AAP). É neste contexto


que se inscreveu como sócio em várias
instituições da especialidade, entre as quais
a Société Préhistorique Française, a Associa-
tion Française pour l’etude du Quaternaire, a
AAP, a Associação Portuguesa de Geólogos e
a Sociedade de Geografia de Lisboa. Figura 012 – Cartão de M. Ramos da Associação
Portuguesa de Geólogos. Arquivo IICT.

Novos rumos: 1970-1979


Em 1970, M. Ramos é designado vogal da comissão orientadora da investigação científica
na área de Cahora Bassa alargando, assim, a sua ação a Moçambique e contribuindo para
o desenvolvimento dos estudos de geologia do quaternário e da arqueologia pré-histórica
daquela região (Ramos, 1973), esperançado «[…] que este alargamento de atividades possa
contribuir, de algum modo, para o desenvolvimento dos estudos de Geologia do Quaternário
e de Arqueologia Pré-histórica no âmbito da Junta [JIU].». (Arquivo IICT, 1970). Manifes-
tou, no entanto vontade de continuar a estudar os artefactos resultantes da sua missão
a Angola e preocupação face à carência de infraestruturas para a análise de todos os
materiais provenientes das missões científicas:
Creio ser da maior conveniência e oportunidade pensar-se na preparação de pessoal
científico e na ampliação da Secção de Pré-história, em moldes que permitam res-
ponder convenientemente às exigências, cada vez maiores, dos diversos problemas
arqueológicos das nossas Províncias Ultramarinas (Arquivo IICT, 1970).

M. Ramos acumulou, neste mesmo ano, a direção do CEA da JIU, chefiou, entre 1971 e
1972, a Missão da Brigada de Estudos de Pré-história e Arqueologia do Vale do Zam-
beze – área de Cahora Bassa (BEPAVZ) (Rodrigues, 2004) (Castelo, 2014) e foi designado,
em 1972, vogal da Comissão Orientadora do Atlas do Ultramar Português, por despacho
ministerial, constituindo uma «[…] grande honra colaborar em tão vultosa obra e tenho
esperança que a mesma permita incrementar os trabalhos relacionados com a elaboração
da Carta Arqueológica do Ultramar, assunto sobre o qual já tive ocasião de submeter algu-
mas sugestões.» (Arquivo IICT, 1972).

150 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PERCURSOS DE MIGUEL RAMOS (1932-1991) NA ARQUEOLOGIA: SÍNTESE E PERSPETIVAS

Figura 014 – Aspeto geral de um dos acampa-


mentos da Missão da Brigada de Pré-história
e Arqueologia ao vale do Zambeze – área de
Cahora Bassa, 1971/1972. Arquivo IICT.

Figura 013 – “Memorando” sobre a deslocação de


M. Ramos a Moçambique, no âmbito do Grupo
de Trabalho para Apoio à Investigação Científica,
1970. Arquivo IICT.

Os anos setenta foram, sem dúvida, anos de


afirmação científica para M. Ramos, tendo
sido solicitado para vários assuntos. Disso é Figura 015 – Viagens de M. Ramos pelo mundo
exemplo a coordenação dos trabalhos do III em estágios, missões científicas e visitas a
Congresso Nacional de Arqueologia (Porto, Instituições relacionadas com as suas investiga-
1973), relativos à arqueologia ultramarina, ções científicas.
assim como a organização, neste mesmo ano,
das coleções de artefactos pré-históricos do
Instituto de Antropologia da Universidade
de Coimbra. Em 1976, foi nomeado investiga-
dor efetivo da, então, Junta de Investigações
Científicas do Ultramar (JICU) e, em 1977,
integrou a comissão avaliadora da criação do
Museu Português do Homem (Arquivo IICT,
1977).
Visitou, ainda nesta década, diversas insti-
tuições nacionais e estrangeiras. M. Ramos
conseguiu estabelecer contatos com orga-
nismos congéneres, observou realidades
semelhantes e atualizou-se sobre investi-
gações conduzidas além-fronteiras sobre
pré-história de África. Foi neste âmbito que
visitou o Museu Arqueológico de Madrid,
o departamento de pré-história do Museu
do Homem, o Instituto de Paleontologia
Humana e o Museu Nacional de História
Natural de Paris. Em 1971, deslocou-se ao Figura 016 – Página do número 1 da Revista
Museu de História Natural de Nova Iorque e, Leba. Estudos de Pré-história e Arqueologia, 1978.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 151
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins

dois anos depois, aos departamentos de arqueologia do Museu Britânico e ao Laboratório


de Arqueologia da Universidade de Oxford. Em 1975, foi recebido no Instituto de Pré-
-história e Geologia do Quaternário da Universidade de Bordeaux e, em 1976, conheceu o
Instituto de Estudos Africanos da Universidade de Varsóvia.
Em 1978, M. Ramos atingiu uma nova etapa da sua carreira de investigador, ao editar a
revista Leba. Estudos de Pré-História e Arqueologia, da secção de pré-história da JICU, por
ele pensada e concretizada, com vista ao desenvolvimento, atualização e discussão dos
vários temas relacionados com a pré-história de África, sendo que,
com a publicação do primeiro número desta série preenche-se uma lacuna que não se
poderia por mais tempo deixar em aberto […] Assistia-se à dispersão, quase sistemá-
tica, não apenas dos resultados das pesquisas efectuadas pela própria Junta, mas, o
que tornava por vezes bastante penoso, dos trabalhos elaborados por investigadores
pertencentes a outras instituições (Ramos, 1978: 9).

Quanto ao título da revista, ficou a dever-se à importante estação arqueológica da Leba,


marco incontornável no estudo do paleolítico de Angola, escavada por J. Camarate França,
entre 1950 e 1953, prestando-se, assim, tributo a este investigador «[…] que foi ilustre cola-
borador desta casa, onde se mantém vivo o culto da sua memória.» (Ramos, 1978: 10).

Afirmação: 1981-1991
A década de oitenta foi de concretizações. Há muito que M. Ramos se debatia pela reunião
dos materiais arqueológicos recolhidos no quadro de missões a África e das,
colecções de arqueologia não europeia, com especial incidência nos materiais arqueo-
lógicos provenientes dos territórios onde mais acentuada foi a acção dos portugueses,
nomeadamente nas actuais Províncias Ultramarinas […] procurando evitar a disper-
são de objetos que terão muito interesse científico quando agrupados, mas que dis-
persos por vários serviços oficiais, ou mesmo na mão de particulares, se apresentam
destituídos de valor de conjunto e até com riscos de se virem a perder (Arquivo IICT,
1974).

Foi neste cenário e após variadas diligências, que, em abril de 1983, o, então já, Instituto
de Investigação Científica Tropical (IICT), passou a integrar um centro autónomo de pré-
-história e arqueologia. Dirigido por M. Ramos, este centro congregou, num só espaço,
todas as coleções arqueológicas existentes na instituição (Senna-Martinez et alia, 2013).
Foi dotado das infraestruturas necessárias ao desenvolvimento dos trabalhos científicos
em curso, delas se destacando laboratórios especializados em restauro, análise morfoló-
gica e sedimentologia, a par de gabinetes de
desenho técnico, de fototeca, cartoteca e de
uma biblioteca especializada (IICT, 1983).
Paralelamente à criação de condições téc-
nicas essenciais ao bom funcionamento
do novo centro, promoveu a formação
de pessoas de modo a que obtivessem os
conhecimentos fundamentais à realização
dos mais diversos trabalhos relacionados
com os estudos pré-históricos, arqueológicos
e geológicos do quaternário do Ultramar,
respondendo assim a uma série de preocupa- Figura 017 – Fotografia de M. Ramos no CPHA,
ções expressadas décadas antes por colegas 1983. Arquivo IICT.

152 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PERCURSOS DE MIGUEL RAMOS (1932-1991) NA ARQUEOLOGIA: SÍNTESE E PERSPETIVAS

de outras áreas científicas (Martins, 2011). O


Centro, agora com os meios necessários para
o efeito, passou a receber estagiários, alunos
universitários, investigadores de instituições
nacionais e internacionais com planos de
trabalho idênticos, criando-se uma forte
rede de cooperação e intercâmbio (Roque et
alia, 2006). A par destas movimentações, M.
Ramos prosseguiu os trabalhos de gabinete
relativos aos artefactos recolhidos no SW de
Angola, somando-se-lhes o inventário e o
estudo dos materiais arqueológicos reunidos
pela Missão da BEPAVZ (Ramos, 1979b).
Entretanto, o projeto “Levantamento Arqueo-
lógico de Moçambique”, em parceria com a
Universidade de Eduardo Mondlane (Ramos,
1986), permitiu a M. Ramos, com base nos
levantamentos já efetuados e nas informa-
ções de outros investigadores (Ramos, 1990:
49), elencar as estações arqueológicas ina-
cessíveis após o enchimento da barragem de
Cahora Bassa e que suportariam a elaboração
da carta arqueológica. Em paralelo, conti-
Figura 018 – Notícia da revista “Costa do Sol”,
nuou a analisar as estações da Idade do Ferro datada de 5-9-1973, dando conta do aditamento
Africana, co-autorando um estudo sobre escrito por M. Ramos ao livro “A Pré-história da
cerâmica chinesa encontrada junto à vila África”, de J. Desmond Clark.
do Zumbo (Ramos et alia, 1978), e orientou
o projeto “Remoção e reconstituição de uma
torre de um forte português em África”, na
zona de Cachomba (que não viria a concreti-
zar-se) (Ramos et alia, 1979); (Ramos, 1990).
Pretendeu contribuir, também desta forma,
para o estudo do quaternário, pré-história e
arqueologia de Moçambique, assim como de
Angola. M. Ramos interessou-se também,
embora em menor escala, por outras geogra-
fias culturais e cronológicas, como foi o caso
de Timor. Neste sentido, redigiu um artigo, Figura 019 – Torre nordeste (NE) do Forte de
em co-autoria, sobre o espólio encontrado Cachomba, Moçambique, 1972. Arquivo IICT.
em contexto sepulcral (Ramos et alia, 1980).
É também disso exemplo, Portugal continental, para o qual delineou um projeto desti-
nado a examinar as formações dunares e os fósseis depositados durante o quaternário nos
arredores de Lisboa, entre a Ericeira e o Cabo Espichel (Ramos, 1986).
Ciente da importância da interdisciplinaridade em pré-história e arqueologia e conhecendo
as diferentes valências científicas existentes no IICT, M. Ramos não hesita, em colaborar
em projetos transversais à instituição que incorporava. Foi o caso do Centro de Pedologia
Tropical, onde participou na identificação e recolha de um artefacto arqueológico nos solos
ferralíticos da região do Hoque (província da Huíla, Angola) (Ricardo, 1981).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 153
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins

A colaboração de M. Ramos não se restringiu,


contudo e como já observámos, ao IICT. Em
1980, por exemplo, é chamado a dar parecer
sobre a reestruturação do Museu Nacional
de Arqueologia, em Lisboa 4 , num período
em que o novo quadro político vigente esti-
mulava a remodelação de espaços museoló-
gicos e a implementação de uma renovada
linguagem museográfica. Neste mesmo ano
M. Ramos deslocou-se ao Instituto de Antro-
pologia da Universidade do Porto para exa-
minar os materiais arqueológicos recolhidos
pela Missão Antropológica de Moçambique
(MAM), com vista ao seu aproveitamento
museológico e científico.
Mas, Angola continuava a centralizar as suas
investigações. Por isso, desenvolveu uma
Figura 020 – Organograma base elaborado
por M. Ramos para a restruturação do Museu
significante cooperação com o Museu Nacio-
Nacional de Arqueologia (MNA), 1980. Arquivo nal de Arqueologia de Angola, em Benguela
IICT. e, em especial, com o seu diretor, Luís Pais
Pinto. Acordou, por exemplo, que a secção
de pré-história e arqueologia cooperaria na preparação especializada de funcionários
daquela instituição, tanto em Angola como em Portugal. Considerando a necessidade de
formar arqueólogos, M. Ramos foi chamado a elaborar um esquema curricular para um
curso médio em arqueologia (quatro anos), inexistente em Angola, contemplando, entre
outras, as disciplinas de geologia e paleontologia, pré-história geral e pré-história de
África, noções gerais de tipologia, desenho, fotografia e técnicas de campo e de laborató-
rio, bem como sobre a carta arqueológica de Angola e museologia/proteção do património
arqueológico.
Em 1988, M. Ramos participou nas escavações arqueológicas conduzidas na zona de
Benguela «[…] superiormente autorizado por Despacho do Senhor Secretário de Estado do
Ensino Superior […] a fim de participar numa missão internacional sob a égide do Centro
Internacional das Civilizações Bantu (CICIBA) e da Secretaria de Estado da Cultura do
Governo angolano.» (Arquivo IICT, 1988). Percorreu, de igual modo, uma ampla distância
entre o Lobito e a Baía Farta descobrindo, nos trabalhos levados a cabo na estação de
Mormolo 4, vestígios de um fóssil de elefante (Guttierez, 2001).
Conjuntamente a outras atividades, M. Ramos exerceu funções de coordenação cientí-
fica, a exemplo do Grupo de Trabalho Português para o Estudo do Quaternário (GTPEQ)
(1982). O GTPEQ realizou várias conferências e sessões de comunicações com a presença
de diversos especialistas no Quaternário. Foram os casos de António Galopim de Carva-
lho (1931-), Miguel Telles Antunes (1937-) e Gaspar Soares de Carvalho (1920-). É, ainda,
designado pelo Instituto Nacional de Investigação Científica delegado oficial de Portugal
no X Congresso Internacional da INQUA (Moscovo, 1982), e cooperou na organização da
I Reunião do Quaternário Ibérico (Lisboa, 1985), integrando a respetiva Comissão Cien-
-tífica (IICT & FGC, 1985). Saliente-se, de igual maneira, a sua participação na Comissão

4 A museologia começava a ser mais um dos focos de interesse de Miguel Ramos, potenciando a sua inscrição na Asso-
ciação Portuguesa de Museologia (APOM) (1981).

154 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PERCURSOS DE MIGUEL RAMOS (1932-1991) NA ARQUEOLOGIA: SÍNTESE E PERSPETIVAS

Figura 021 – Carimbo do Grupo de Trabalho Figura 022 – Sumário da primeira aula lecionada
Português para o Estudo do Quaternário por M. Ramos na Escola Superior de Tecnologia
(GTPEQ), com sede no CPHA, 1982. Arquivo de Tomar (ESTT), 1990.
IICT.

Nacional de Estudos Africanos, enquanto representante dos arqueólogos no âmbito das


ciências humanas e vogal da respetiva Comissão Coordenadora (1984).
Conjuntamente a estas atividades e investigações científicas, M. Ramos foi convidado, em
1982, por Carlos M. Baeta Neves (1916-1992), Professor do Instituto Superior de Agronomia
(ISA), a colaborar na licenciatura em arquitetura paisagística. As suas aulas versaram
sobre vários tipos de jazidas e monumentos arqueológicos, inerente interesse cultural
e científico, cuidados a assumir para evitar a sua destruição, entidades tutelares da sua
conservação e definição de respetivas áreas de proteção. Nesta linha, foi-lhe atribuída, em
1985, e a pedido do Professor Augusto Mesquitela Lima (1929-2007), a orientação cientí-
fica e pedagógica do seminário de pré-história e arqueologia africanas, organizado pelo
Instituto de Estudos Africanos da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Por fim, no último
ano de vida, lecionou a disciplina “arqueologia africana” do curso de arqueologia da Escola
Superior de Tecnologia de Tomar (ESTT).
M. Ramos não se circunscreveu, todavia, à docência. Coordenou também estágios e
monografias científicas, nos quais salientou interesse por áreas recentes à época, como a
deteção remota aplicada à arqueologia. Razão bastante para a sua participação nos semi-
nários “Arqueologia Espacial” e “A Detecção Remota por Avião e Satélite em Arqueologia”,
e orientação do estágio decorrido no CPHA do IICT, subordinado ao tema “Aplicação de
deteção remota e de processamento digital de imagem em Arqueologia”, enquanto estabe-
lecia um protocolo de cooperação com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC),
que disponibilizou as tecnologias necessárias à prossecução de diferentes atividades ins-
critas no projeto “Digitalização de dados relativos à bacia do Zambeze (Moçambique)”,
(Arquivo IICT, 1989).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 155
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins

Algumas reflexões finais, propostas de análise e novos desafios


Em suma, M. Ramos, geólogo de formação, traçou vários percursos ao longo das cerca de
quatro décadas dedicadas à investigação científica nas áreas da pré-história, arqueologia
e quaternário de África, disciplinas sobre as quais incidiu a sua constante especialização.
M. Ramos abraçou diversos projetos no continente africano e em Portugal continental,
foi solicitado de diferentes formas, conferiu consultadoria científica, organizou conferên-
cias, redigiu artigos, participou em grupos de trabalho e instituições de relevo nacional e
internacional e colaborou em projetos noutras áreas do IICT. Além disso, envolveu-se em
projetos externos e transversais a esta instituição, dando aulas em contexto universitário,
apoiou estagiários e investigadores e destacou-se por contributos prestados à comunidade
científica, em geral. Debruçou-se, ainda, sobre a análise das formações dunares e fósseis
depositadas durante o quaternário, entre a Ericeira e o Cabo Espichel (Ramos, 1986); diri-
giu, em Moçambique, a brigada responsável pelo estudo arqueológico da área a inundar
pela albufeira de Cahora Bassa; participou no projeto “Carta Arqueológica de Moçambique”
e estudou várias estações arqueológicas e respetivos artefactos. Por fim, refletiu, para o
caso de Timor, acerca de objetos depositados no CPHA procedentes de missões científicas.
Cruzados os seus múltiplos percursos, neles se destaca o de Angola. Aqui dirigiu a primeira
grande missão de estudos arqueológicos ao SW do território, onde identificou estações
arqueológicas, recolheu milhares de artefactos, reviu tipologias líticas e reconheceu um
horizonte cultural específico do Paleolítico.
Ademais, M. Ramos debateu-se fortemente pela autonomia de um centro de pré-história e
arqueologia no IICT que reunisse, num mesmo espaço, todas as coleções provenientes das
missões científicas que se encontravam, até então, dispersas; formou estagiários, alunos
universitários, investigadores e colaboradores em pré-história, arqueologia e geologia do
quaternário. Contribuiu, ainda, para o estreitamento de relações com instituições congé-
neres, nacionais e internacionais, com planos de trabalho idênticos, a exemplo do Museu
Nacional de Arqueologia de Benguela e da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. A
este conjunto de atividades, haverá que somar outros contextos e dinâmicas de investiga-
ção, assim como o despertar do interesse pela deteção remota aplicada à arqueologia, uma
novidade para a realidade arqueológica portuguesa.
De uma forma geral, a carreira científica de M. Ramos consolidou-se na segunda metade da
década de setenta. Observação trivial, não fosse o caso de se inscrever, de alguma maneira,
no pano de fundo que era, à época, a arqueologia praticada no nosso país.
Mas, se o dobrar dos anos sessenta foi decisivo no alicerçar da ciência arqueológica entre
nós, com a multiplicação de iniciativas reforçadoras da sua docência, estudos de terreno
e de gabinete, conservação, apresentação, divulgação e gestão de coleções e sítios, foram
os anos setenta a reunir as condições basilares à rutura epistemológica ansiada há muito.
Abertura pretendida, sobretudo, por toda uma geração de futuros arqueólogos expectante
que a ‘Primavera Marcelista’ (1968-1970) se cumprisse na plenitude, modernizando e libe-
ralizando o nosso quotidiano. Mormente, no que se referia à realidade arqueológica, ainda
liderada por quem persistia em modelos histórico-culturalistas e funcionalistas, descon-
textualizados face à nova panaceia processual da neopositivista New Archaeology (1958).
Neste sentido, assume-se de particular relevância, ao mesmo tempo que singularidade, o
caso de M. Ramos. Assomado, a um primeiro olhar menos atento, algo isoladamente, pelos
temas que versou, quase exclusivos da instituição que o integrou, apercebemo-nos como
se inscreveu na linha estruturalista de pensamento arqueológico francesa de nomes incon-
tornáveis dos estudos paleolíticos, como os de André Leroi-Gourhan, no Collège de France,
Anne Laming-Emperaire (1917-1977), no Musée de l´Homme, Jacques Tixier (1932-2011), no

156 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PERCURSOS DE MIGUEL RAMOS (1932-1991) NA ARQUEOLOGIA: SÍNTESE E PERSPETIVAS

Institut de Paléontologie Humaine e em Pincevant. Percurso de complemento académico


muito similar ao trilhado pela denominada ‘Geração do Tejo’, que lhe adveio e à qual somos
(em grande parte) devedores da renovação da arqueologia pós-25 de Abril (Lemos, 2011: 9)
(Martins, 2015a) (Martins, 2015b), juntamente com a ‘escola’ coimbrã, liderada, à época,
por Jorge de Alarcão (1934-), regressado, há pouco, de dois anos de estudo no Instituto de
Arqueologia da Universidade de Londres.
Incorporando este cenário nacional, a verdade é que M. Ramos permanece ainda numa
certa penumbra da nossa historiografia. As razões deste olvido – se de olvido se trata –,
assim como a natureza e a dimensão reais do seu contributo científico, têm centralizado
esta nossa investigação. Mas, outra situação tem permanecido no seu cerne.
Com efeito, desde o desaparecimento de M. Ramos, em 1991, que o CPHA do IICT foi objeto
de diferentes mutações, cuja análise remetemos para outro contexto. De referir, no entanto,
que algumas das vicissitudes registadas desde então, impediram a continuidade dos prin-
cipais projetos abraçados por M. Ramos. Entre eles, o estudo sistemático e ininterrupto dos
materiais recolhidos no terreno, mormente no SW de Angola.
Volvidas, contudo, décadas sobre os trabalhos realizados no âmbito da MEASA; afastados
quem com M. Ramos colaborou de forma mais próxima; coartadas fontes fundamentais,
designadamente manuscritas, por razões ainda não compreendidas na totalidade, os mate-
riais pareciam permanecer silenciosos. Provavelmente, para sempre.
Valeram, entretanto, esforços pontuais (Rodrigues, 2004), (Roque et alia, 2006), até que,
em meados da primeira década deste novo século, o Programa Interministerial (PI) e Pro-
moção do Saber Tropical (PST) possibilitaram (re)visitar e principiar a (re)ler as coleções
arqueológicas depositadas no IICT, agora sob novos olhares e acima de tudo, com novos
conceitos acentuados pelo compromisso institucional de divulgar os seus arquivos científi-
cos (Martins, 2010a, 2010b e 2011). Paradigma de atuação que substanciou uma nova forma
de gerir estas mesmas coleções, incentivando, como M. Ramos procedera, a proximidade
aos meios universitários, para neles encontrar quem elaborasse dissertações e teses de
doutoramento. Assim se tem, paulatinamente, (re)encontrado a massa crítica esvanecida
com a perda de M. Ramos que, por motivos diferentes, não conseguiu – ou não soube (algo
a escrutinar no futuro) –, deixar sucessores que sustivessem uma ‘escola’ entre nós, como
ocorreu noutros países, nomeadamente em Espanha e França.
Reforçando esta linha de atuação, surge o projeto “Georreferenciação das coleções cien-
tíficas do IICT” (2014-2020) destinado, sobretudo, conferir uma nova luz às informações
produzidas sobre as coleções arqueológicas (Coelho et alia, 2014). Financiado pela FCT, este
programa de trabalhos recorre às Novas Tecnologias e, principalmente, aos Sistemas de
Informação Geográfica (SIG), permitindo, assim, obter um entendimento mais profundo
da pré-história e arqueologia de África, perpetuando e divulgando o legado de M. Ramos,
razão pela qual se principiou pelos materiais recolhidos em território angolano.
Este projeto visa, de igual modo, preencher uma das principais lacunas observadas na
historiografia da arqueologia produzida entre nós. Referimo-nos à quase inexistência de
títulos relativos à produção arqueológica conduzida nas, então designadas, Províncias
Ultramarinas portuguesas, com destaque para Angola e Moçambique, quer por parte de
investigadores deslocados da metrópole, quer por portugueses há muito residentes nestes
territórios. Circunstância que atribuímos a diversos fatores, dos quais a proximidade gera-
cional de alguns autores às principais ocorrências da política contemporânea portuguesa
não será de subvalorizar, somada à evidência de as missões de estudo no terreno não terem
sido retomadas por Portugal. Pelo menos, até recentemente.
Fruto de novos contextos e de envolvimentos institucionais – sequentes de empenhos pes-
soais –, assistimos, entre nós, ao reavivar do interesse pela arqueologia em África, designa-

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 157
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins

damente pela África subsaariana. Não surpreende, por conseguinte, o paulatino desdobrar
de atividades consagradas a esta temática tão abrangente, possibilitando – ao mesmo
tempo que instando –, a leitura e a releitura de materiais gerados por antigos investiga-
dores. Disso são exemplo monografias de final de licenciatura, dissertações de mestrado e
teses de doutoramento (Castelo, 2014; 2013 e Rodrigues, 2004) finalizadas e em curso, arti-
gos em revistas de referência internacional, encontros científicos5, deslocações ao terreno,
estabelecimento de protocolos interinstitucionais e projetos financiados pela FCT6.
Assim se reúnem, por fim, as condições basilares à concretização de projetos que primem
e primarão pela transversalidade científica e colaboração internacional. Dever-se-á, ao
mesmo tempo, atender a quadros específicos esclarecedores de realidades examinadas.
Entre eles, a política colonial, a ciência produzida sobre os Trópicos e nos Trópicos, as
redes locais de produção, transmissão e receção de conhecimento, e a influência do apelo
internacional ao reforço da colaboração científica e dos movimentos independentistas
registados em antigas colónias africanas na procura pela incorporação da intelectualidade
local em projetos de investigação (Conde et alia, 2015). Tudo, em ambiente pós-colonial e
num cotejar permanente com realidades arqueológicas similares verificadas em territórios
circunvizinhos das antigas províncias ultramarinas portuguesas.

Referências bibliográficas
Arambourg, Camille e Mouta, Fernando (1952), Sur le paléolothique du district de Malange (Angola),
Les grottes e fentes a ossements du sud de l’Angola. Comunicação apresentada no II Congresso de
Pré-história Africana.
Breuil, Henri e Almeida, António de (1964), Introdução à Pré-História de Angola. Estudos sobre a
pré-história do Ultramar português. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, Memórias, n.º 50.
Castelo, Inês (2014), Traços da presença portuguesa no Vale do Zambeze entre os sécs. XVI-XIX à luz das
pesquisas realizadas pela Brigada de Estudos de Pré-história e Arqueologia (JIU) entre 1971 e 1972.
Texto policopiado. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa.
Choffat, Paul (1888), Matériaux pour l’étude stratigraphique et paléontologique de la province d’Angola.
Genève. [Texto policopiado].
Clark, John Desmond (1966), The distribution of prehistoric culture in Angola. Diamang – Publicações
culturais da Companhia de Diamantes de Angola, n.º 73.
Coelho, Ana Godinho, Pinto, Inês & Casanova, Maria da Conceição (2014), A coleção arqueológica do
IICT no novo milénio. Antrope, n.º 1, pp. 6-22.
Coelho, Ana Godinho, Pinto, Inês (2014), Artefactos de Capangombe Velho, Angola: um projeto para
o futuro. Comunicação apresentada no seminário de Arqueologia em África: conceitos, práticas e
projectos.
Conde, Patrícia; Martins, Ana Cristina & Senna Martinez, João Carlos (2015), Archaeological connec-
tions: Tracking and tracing international relations through Portuguese colonialism, BAR – British
Archaeological Reportsque, In Dáz-Andreu, Margaríta & Fernández, Victor (no prelo).
França, José Camarate (1952), Descobertas pré-históricas nos arredores de Moçâmedes. Mensário
Administrativo, 55-56, pp. 47-50.

5 Exemplos, como o 8.º Seminário da Secção de Arqueologia da Sociedade de Geografia de Lisboa, Arqueologia em África:
conceitos, práticas e projectos, realizado a 26 de Novembro de 2014, com a participação de vários investigadores portu-
gueses e de dois colegas espanhóis, assim como o Seminário Internacional de Arqueologia Africana, África, arqueologia e
paisagem, ocorrido entre 3 e 5 de Junho de 2015, com a colaboração de diversos especialistas nacionais e estrangeiros.
6 Caso do PTDC/VC-HFC/5017/2012, “PROMEMICI. Protagonistas e memórias das missões científicas. Arqueologia e
agenda colonial portuguesa”, financiado pela FCT e acolhido no IICT, e da responsabilidade de Ana Cristina Martins,
uma das signatárias deste artigo.

158 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PERCURSOS DE MIGUEL RAMOS (1932-1991) NA ARQUEOLOGIA: SÍNTESE E PERSPETIVAS

______ (1955), Pré-história de Angola. Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, n.º 73: 7-9, pp.
400-404.
______ (1964), Nota preliminar sobra uma gruta pré-histórica do planalto da Humpata. Memórias, n.
º 50, 2, pp. 59-68.
Gutierez, Manuel (2001), La préhistoire de l’Angola: des précurseurs à aujourd’hui. Afrique, archéolo-
gie et arts, 1, pp. 16-29.
Instituto de Investigação Científica Tropical (1983), Da Comissão de Cartographia (1883) ao Instituto de
Investigação Científica Tropical (1983): 100 anos de História. Lisboa: IICT.
Instituto de Investigação Científica Tropical; Fundação Calouste Gulbenkian (1985), I Reunião do Qua-
ternário Ibérico. Actas, V. 1. Lisboa.
Leroi-Gourhan, André & Brézillon, Michel (1972), Fouilles de Pincevent. Essai d´analyse ethnographi-
que d’un habitat magdalénien (La Section 36), Paris: Éditions Du Centre National de la Recherche
Scientifique.
Matos, Daniela de (2012), Tecnologia Lítica da Middle Stone Age da Gruta da Leba (Huíla, SW Angola).
Texto policopiado. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade do Algarve.
Martins, Ana Cristina (2010a), A Arqueologia nas missões científicas: ad initium. In Martins, Ana
Cristina & Albino, Teresa, eds. lits. – Viagens e missões científicas aos Trópicos. 1883-2010, Lisboa:
IICT, pp. 99-105.
_______ (2010b), (Re)Conhecer para ocupar. Ocupar para (re)conhecer. A colonização científica do
além-mar. In Martins, Ana Cristina & Albino, Teresa, eds. lits. – Viagens e missões científicas aos
Trópicos. 1883-2010, Lisboa: IICT, pp. 26-33.
______ (2011), Colher plantas. Semear ideias. Luiz W. Carrisso (1886-1937) e a Ocupação científica das
colónias portuguesas (1934). In Fiolhais, Carlos, Simões, Carlota & Martins, Décio, Atas do Con-
gresso Luso-Brasileiro de História das Ciências, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra,
pp. 372-389.
______ (2015a), Arqueologia em transição: actores, métodos e projectos no Portugal dos anos 70 (apre-
ciação inicial). Actas del III Congreso Internacional de História da la Arqueología, Madrid: Museo
Arqueológico Nacional (no prelo).
______ (2015b), The’Generation Tagus’ in archeology in Portugal: transition, innovation or’revolution’?
(a first analysis), BAR – British Archaeological Reports, In Díaz-Andreu, Margaríta & Fernández,
Victor (no prelo).
Preucel, Robert W. Hodder, Ian (eds.) (1996), Contemporary archaeology in theory. A reader, Oxford:
Basil Blackwell Publishers.
Ramos, Miguel (1966), Indústrias líticas da região de Ponte de Sor: notas sobre o Quaternário e a
Pré-história. Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências, v.
10 (2). Lisboa, pp. 139-146.
______ (1967), Relatório sucinto de uma missão de estudo ao sudoeste de Angola (18 de Setembro de
1966 a Março de 1967). Lisboa. [Relatório datilografado].
______ (1968), Achados líticos na região de Reguengos de Monsaraz: notas sobre o Quaternário e a
Préhistória. Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, v. 16. Lisboa, pp. 237-251.
______ (1970), Algumas descobertas recentes no sudoeste de Angola, (nota prévia). Actas das I Jorna-
das Arqueológicas. Lisboa, pp. 4-14.
______ (1973), Explorações Arqueológicas na área de Cabora Bassa. Separata das Atas das II Jornadas
Arqueológicas, v. 1. Lisboa.
______ (1974), Acerca da tipologia das achas no acheulense de Angola: o caso de Capangombe, Santo
António. In memoriam António Jorge Dias, v. 3. Lisboa, pp. 313-324.
______ (1979a), Gravuras rupestres de Monte Negro (Angola). Leba: Estudos de Pré‐História e Arqueo-
logia, n.º 2. Lisboa, pp. 11-43.
______ (1979b), Contribution portugaise à l’étude archéologique de la Vallée du Zambèze. Leba: Estu-
dos de Pré‐História e Arqueologia, n.º 2, Lisboa, pp. 45-52.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 159
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina Martins

______ (1980a), Le gisement acheuléen de Capangombe – St. António (Angola). Leba: Estudos de Pré‐
História e Arqueologia, n.º 3. Lisboa, pp. 15-21.
______ (1980b), Museu Nacional de Arqueologia: uma hipótese de estrutura. Leba: Estudos de Pré‐
História e Arqueologia, n.º 3. Lisboa, pp. 59-66.
______ (1981), As escavações de Capangombe e o problema da M.S.A. no sudoeste de Angola. Leba:
Estudos de Pré‐História e Arqueologia, n.º 4. Lisboa, pp. 29-35.
______ (1982), Le paléolithique du sudouest de l’Angola: vue d’ensemble. Leba: Estudos de Pré‐ Histó-
ria e Arqueologia, n.º 5. Lisboa, pp. 43-52.
______ (1986), Relatório das Actividades desenvolvidas (1 de Dezembro e Janeiro de 1986). Lisboa.
[Relatório datilografado].
______ (1988), Relatório sobre a Missão Arqueológica Internacional ao Museu Nacional de Arqueolo-
gia de Angola (Benguela) (15 a 30 de Abril de 1988). Lisboa. [Relatório datilografado].
______ (1990), A estação pré-histórica de Cachomba (Vale do Zambeze – Tete, Moçambique). Home-
nagem a J. R. dos Santos Júnior, vol.I. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, pp.
47-53.
Ramos, Miguel; Rodrigues, Maria da Conceição (1978), Nota acerca de achados de cerâmica no Zumbo
(Moçambique). Leba: Estudos de Pré‐História e Arqueologia, n.º 2. Lisboa, pp. 59-66.
______ (1979), Projecto de remoção e reconstituição de uma torre de um forte português em África.
Leba: Estudos de Pré‐História e Arqueologia, n.º 2. Lisboa, pp. 53-65.
______ (1980), Espólios sepulcrais timorenses. Leba: Estudos de Pré‐História e Arqueologia, n.º 3. Lis-
boa, pp. 47-57.
Ricardo, Rui Pinto; Monteiro Marques, Manuel & Ramos, Miguel (1981), Nota sobre o processo de
formação dos solos ferralíticos da região do Hoque (província da Huíla, Angola). Boletim da Socie-
dade Geológica de Portugal, v. 22, Lisboa: Sociedade Geológica de Portugal, pp. 337-347.
Rodrigues, Maria da Conceição (2004), A Arqueologia em Moçambique nas “Missões Científicas” da
antiga Junta de Investigações do Ultramar de 1936-1972. Texto policopiado. Tese de Doutoramento
apresentada à Universidade de Coimbra.
Roque, Ana Cristina; Ferrão, Lívia (2006), Centro de Pré-História e Arqueologia do Instituto de Inves-
tigação Científica Tropical: percursos e perspectivas. Comunicação apresentada no XV Congresso
da União Internacional das Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas.
Senna-Martinez, João de, Martins, Ana Cristina & Coelho, Ana Godinho (2013), O excentro de Pré-
-História e Arqueologia do IICT: um arquivo para a história da ciência. O caso do sudoeste de
Angola. Poster apresentado no Colóquio Internacional: Conhecimento e Ciência Colonial. Lisboa.
Tixier, Jacques (1957), Le hachereau dans l´Acheuléen nord-africain. Notes typologiques. Congrés
Préhistorique de France, XV session. Poitiers.
Trigger, Bruce G. (1992), Historia del pensamiento arqueológico. Barcelona: Ed. Crítica.

Fontes manuscritas
Arquivo IICT. Nuno Manuel de Carvalho Santos. Instituto de Investigação Científica Tropical, Secção
de Secretariado, Expediente e Arquivo.
Arquivo IICT. Centro de Pré-história e Arqueologia. Processo n.º 292. 1. Instituto de Investigação
Científica Tropical, Secção de Secretariado, Expediente e Arquivo.
Arquivo IICT. Miguel António Pires da Fonseca Ramos. Processo n.º 867. Instituto de Investigação
Científica Tropical, Secção de Secretariado, Expediente e Arquivo.

160 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Redescobrindo estações arqueológi-
cas à guarda do IICT
Inês Pinto* e Ana Godinho Coelho*

p. 161-167

O Instituto de Investigação Científica Tropi-


cal (IICT)1 é detentor de um vasto património
resultante das várias missões científicas aos
trópicos. Trata-se de um rico e variado espólio
histórico e científico, de onde se destacam as
coleções das ciências naturais e das ciências
sociais e humanas (Pinto et alia, 2011). Destas
últimas selecionou-se a coleção arqueológica
que foi sendo integrada na instituição ao
longo de mais de quatro décadas (1936-1972)
e possui material da Guiné-Bissau, Angola,
Figura 001 – Mapa com a localização dos países
Moçambique e Timor.
onde se efetuaram recolhas arqueológicas que se
Este material (leia-se artefactos e documen- encontram à guarda do IICT.
tação associada) foi recolhido em vários
contextos e foi sendo depositado no ex. Centro de Pré-história e Arqueologia (CPHA), onde
também foi produzida informação complementar. Os artefactos que compõem a coleção
arqueológica são maioritariamente líticos, mas existem também cerâmicos e no caso de
Timor, osteológicos, que para além destes reúnem material etno-arqueológico de cariz
funerário (Roque et alia, 2006).

Angola Guiné Moçambique Timor


N.º de artefactos 170 174 1 951 9 613 1 895
N.º de estações 341 1 96 20
Figura 002 – Tabela onde se apresentam os números de artefactos e estações distribuídas
pelos países alvo de recolhas arqueológicas, atualmente no CPHA.

Tal como se pode observar na tabela da Figura 002, a coleção de Angola é a que possui
maior número de artefactos, já inventariados e informatizados. Assume uma percentagem
de 93 % em relação ao restante espólio alvo de tratamento sistemático e por esta razão foi
selecionada como case study (Matos et alia, 2014).

* Fundação para a Ciência e a Tecnologia/Instituto de Investigação Científica Tropical/ULisboa. Projeto finan-


ciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal), com duas bolsas de investigação atribuídas, com as refe-
rências: SFRH/BGCT/52440/2014 e SFRH/BGCT/52441/2014.
1 O IICT foi integrado na Universidade de Lisboa a 31 de julho de 2015 (Decreto-Lei n.º 141/2015 de 31 de julho).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 161
Inês Pinto e Ana Godinho Coelho

A coleção de Angola é composta não só por


milhares de artefactos líticos, mas também
por variadas informações compiladas antes,
durante e após as missões científicas que,
depois de analisadas nos permitirão recons-
tituir os trabalhos de campo e de gabinete.
Na fase preparatória dos trabalhos foram,
com certeza, utilizados mapas e relatórios
onde estariam identificados os principais
Figura 003 - Fotografia do abrigo de Pedra Postos Administrativos, cujos chefes fariam
Quissange, Quibala MAA, 1955. Arquivo IICT. a ponte com os grupos étnicos locais: «[…]
o Sr. Almeida [António de Almeida] que tinha
estado a consultar o relatório do administrador
relativo a 1945 verificou que existem mais Ba-
-Lundis em Necuto a 30 Km daqui na estrada
que vai para Landana. Esta falta de informação
por negligência do administrador veio trans-
tornar-nos o nosso itinerário obrigando-nos a
perder pelo menos 2 dias […]» (Poloni, 2012:
Figura 004 – Notícia do Jornal “O Comércio”
datado de 2-3-1967 com menção à escavação 413). Para além destes relatórios dos chefes
arqueológica de Capangombe Velho, Angola, dos Postos Administrativos, durante as mis-
dirigida por Miguel Ramos. sões, foram redigidos relatórios de campanha
que nos permitem conhecer melhor a rotina
diária e as recolhas efetuadas. Entre estas destacam-se as fotografias, vídeos e as fichas
manuais descritivas das estações e dos artefactos. Salientam-se ainda os artigos científicos
e/ou artigos de impressa que nos dão, hoje em dia, a perceção da grandeza e dimensão
destas missões científicas aos Trópicos (Martins et alia, 2010).
No entanto e atendendo à quantidade de informação existente assistiu-se, ao longo dos
tempos, a uma dispersão dos vários tipos de dados. Esta realidade motivou a inclusão
de todas as informações respeitantes às missões científicas, em concreto às de cariz
arqueológico, numa só estrutura agregadora dos vários níveis de informação, no caso uma
base de dados em Access. Atendendo à possibilidade de todas as estações da coleção de
Angola terem coordenadas geográficas houve a necessidade de as integrar num Sistema de
Informação Geográfica (SIG) definido por Ozemoy, Smith e Sicherman (1981) como sendo
um «conjunto de funções automatizadas,
que fornecem aos profissionais, capacidades
avançadas de armazenamento, acesso, mani-
pulação e visualização de informação georre-
ferenciada». Neste caso concreto, os SIG são
parte integrante do trabalho em curso uma
vez que permitem ver as estações, em mapa,
e ao mesmo tempo fazer a ligação com a base
de dados (Coelho et alia, 2014). Mais do que
um mapa com pontos, os SIG já permitem
efetuar uma gestão dos dados, de forma
rápida e menos complexa, armazenando,
Figura 005 – Mapa da distribuição das estações
recuperando, transformando, analisando e
arqueológicas de Angola, baseada nas fontes visualizando toda a informação arqueológica
existentes (ainda sem revisão). disponível (Osório, 2013).

162 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
REDESCOBRINDO ESTAÇÕES ARQUEOLÓGICAS À GUARDA DO IICT

Assim e no momento em que se iniciaram os trabalhos de georreferenciação verificou-se a


existência de alguns erros de localização de estações, como por exemplo estações situadas
no mar (sabendo que todos os percursos das missões foram em terra), fora de Angola ou
com a troca dos valores das coordenadas. Para contornar esta situação e dada a impossibi-
lidade de rever as coordenadas in situ para todos os locais, tem-se vindo a corrigir toda a
informação geográfica mediante o cruzamento dos dados existentes e compilados.
Neste contexto foi essencial o conhecimento do historial das missões que deram origem ao
espólio arqueológico depositado no ex. CPHA do IICT. Destacamos as recolhas efetuadas
em dois grandes momentos da história da arqueologia ultramarina: as Missões Antro-
pobiológicas de Angola (MAA), que decorreram entre 1948 e 1955 por todo o território
angolano e cujo responsável foi António de
Almeida (1900-1984), primeiro diretor do
Centro de Etnologia do Ultramar. O segundo
momento correspondeu à Missão de Estudos
no Sudoeste de Angola (MEASA) que decorreu
entre 1966 e 1967, dirigida por Miguel Ramos
(1932-1991), primeiro diretor do CPHA do IICT.
A MAA teve como principal objetivo o conhe-
cimento das características antropométricas
do Homem africano e para além disso foram,
ainda, recolhidos objetos que se relacionavam
com a evolução do Homem (Almeida, 1962). Figura 006 – Entrada do abrigo de Tchitundo-
Aqui incluem-se os vestígios arqueológicos -Filho, Namibe, MAA, 1955. Arquivo IICT.
resultantes, na esmagadora maioria, de reco-
lhas de superfície. A MEASA foi uma missão
de caráter arqueológico, com uma metodolo-
gia própria, focada numa só região de Angola
– o sudoeste e com objetivos diferentes da
MAA. Saliente-se, ainda, a existência de arte-
factos resultantes de recolhas fortuitas inte-
gradas noutras missões científicas (anos de
1970), como a Missão de Pedologia de Angola
(MPA) (Ramos, 1980).
Como se pode verificar na tabela da Figura
008, na MAA existiram mais estações a serem
identificadas do que na MEASA; no entanto, Figura 007 – Pormenor da escavação arqueoló-
na MEASA recolheram-se mais artefactos, o gica de Capangombe Velho, MEASA, 1966/67.
Arquivo IICT.

MAA MEASA
DATAS 1948-1955 1966-1967
RESPONSÁVEL António de Almeida Miguel Ramos
LOCAL Angola SW de Angola
N.º DE ESTAÇÕES 295 27
N.º DE ARTEFACTOS 12 396 110 119
Figura 008 – Tabela resumo das duas grandes missões científicas a Angola.
O número de estações e de artefactos apresentados são os inseridos em SIG até à data.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 163
Inês Pinto e Ana Godinho Coelho

que não deve ser de estranhar tendo em conta


que foi uma missão de caráter arqueológico,
tendo sido levada a cabo uma escavação orga-
nizada e sistematizada e onde se recolheram
mais de 101 mil artefactos.
Após o trabalho de compilação de todas as
fontes (artefactos e documentação associada)
foi possível observar, em mapa, a distribui-
ção das estações arqueológicas e artefactos
recolhidos ao longo das duas grandes missões
científicas.
Assim e atendendo ao caráter abrangente
da MAA constatamos que as 295 estações e
Figura 009 – Mapa de localização das estações respetivos artefactos se encontram distribuí-
arqueológicas de Angola. Estão assinaladas a dos de forma mais ou menos uniforme por
branco as províncias nas quais não se encontra- catorze das dezoito províncias de Angola. Na
ram vestígios arqueológicos.
MEASA o responsável desta missão, Miguel
Ramos, já tinha um conhecimento prévio dos
trabalhos efetuados anteriormente, «[…] começámos por efetuar uma prospecção regional
baseada na localização das jazidas de que já havia referência (António de Almeida, Camarate
França, Mouta e outros), procurando fazer novas descobertas» (Ramos, 1967: 3). Verificou
que apesar da relativa uniformidade de estações identificadas em Angola, era no sudoeste
que, ainda assim, existia uma maior concentração de vestígios arqueológicos tendo por isso
centrado as suas investigações nesta zona.
Como já foi referido não foram identificados sítios arqueológicos em quatro províncias de
Angola: Cuanza Norte, Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico. Este facto leva-nos a questionar
o porquê da não existência de estações naquelas províncias: não terão existido missões
àquelas zonas ou simplesmente não existem vestígios arqueológicos?
Com o intuito de responder a estas questões e com o auxílio das ferramentas disponibili-
zadas pelos SIG, procedeu-se à reconstituição dos percursos levados a cabo no âmbito das
MAA e MEASA.

a) b)

Figura 010 a, b – Mapas de densidade das estações arqueológicas de Angola (a) e respetivos artefactos (b),
distribuídos por província (MAA).

164 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
REDESCOBRINDO ESTAÇÕES ARQUEOLÓGICAS À GUARDA DO IICT

a) b)

Figura 011 a, b – Mapas de densidade das estações arqueológicas de Angola (a) e respetivos artefactos (b),
distribuídos por província (após a MAA).

a) b)

Figura 12 a, b, c – Mapas de três dos percursos da


MAA: campanhas de 1950 (a), 1952 (b) e 1955 (c).

Para a MAA apresentamos três percursos


que abarcam todo o território angolano:
no primeiro a equipa dirigida por António
de Almeida «[…] recolheu abundantíssimos
e óptimos materiais pré-históricos em mais
de uma centena de locais, no território de
Cabinda e em todas as províncias de Angola»
(Arquivo IICT, 1950), excetuando na provín-
cia de Moxico; no segundo trajeto, a equipa
centrou-se num “corredor” específico de
Luanda ao Cuando-Cubango. Em 1955 inci-
diram as suas pesquisas no SW de Angola
c) passando, no entanto, por Moxico onde a

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 165
Inês Pinto e Ana Godinho Coelho

recolha do ponto de vista arqueológico, terá


sido inexistente (não foram encontrados, até
ao momento, no ex. CPHA, vestígios recolhi-
dos naquela província). Para a MEASA e com
as informações disponíveis até ao momento
não nos é possível determinar, com certeza,
o percurso levado a cabo pela equipa de
Miguel Ramos. Ainda assim, sabemos que
«Após a chegada a Luanda […] partimos de
jeep para Sá da Bandeira, em cujos arredores
iniciámos desde logo trabalhos de campo […]
Esta primeira fase do trabalho levou-nos a
efetuar percursos que se estenderam para W.,
chegando à orla costeira, na região de Moçâ-
Figura 013 – Mapa onde se encontram medes […]. Numa segunda fase de prospecção e
identificados os locais visitados durante a
reconhecimento, tivemos ocasião de visitar as
MEASA. Encontram-se a tracejado dois possíveis
percursos. regiões de Oncócua, Virei e Porto Alexandre,
onde além das estações líticas, observámos
manifestações de arte rupestre. Destas, evidenciámos as de Monte Negro, junto ao Cunene
[…]» (Ramos, 1967: 3). Neste sentido no mapa da Figura 013 apresentam-se, a tracejado, dois
possíveis percursos desta missão. As duas hipóteses de percurso foram conseguidas tendo
em conta informações dispersas por relatórios e publicações científicas, ganhando ainda
mais força quando confrontadas com os itinerários da MAA (Coelho et alia, 2015).
Em suma, salientamos dois momentos chave no enquadramento das coleções arqueológicas
à guarda do IICT: um primeiro momento, entre 1948 e 1955 é caraterizado por um reconhe-
cimento geral dos vestígios arqueológicos de Angola. O segundo momento decorreu entre
1966/1967 até aos anos de 1970 em que a investigação arqueológica se centrou no sudoeste
de Angola e que, atendendo ao caráter específico da missão teve uma abordagem não só
de confirmação das informações já existentes, mas também de «prospecção com vista a
encontrar novos sítios» (Ramos, 1967: 1).
Após os dois momentos acima identificados e à luz dos atuais conhecimentos e das novas
tecnologias, pretendemos recuperar as estações arqueológicas referenciadas ao longo de
várias missões científicas e dar-lhes um novo sentido. É neste âmbito que surge o projeto
Georreferenciação das coleções científicas do IICT aprovado em 2014 e financiado pela Fun-
dação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Este projeto apoia-se grandemente nas novas tecnologias, sobretudo nos SIG, que permi-
tem o cruzamento de vários tipos de informações, efetuar o traçado concreto dos percursos
das missões científicas aos trópicos, a localização exata das estações arqueológicas e por
fim, a construção de modelos tridimensionais (3D) de sítios alvo de escavação.
Volvidos cerca de cinquenta anos dos trabalhos arqueológicos efetuados em Angola e ape-
sar das naturais alterações na paisagem, há que chamar a atenção para a necessidade das
informações existentes terem de ser reconfirmadas no terreno. Não sendo já possível che-
gar à fala com os principais intervenientes nas missões seria importante retomar as ante-
riores investigações, cruzando conhecimentos passados com os meios tecnológicos atuais.
Por outro lado, é de extrema importância renovar parcerias com as instituições angolanas
congéneres. Através dos contactos já estabelecidos sabemos que existe informação ainda
não trabalhada à luz dos novos objetivos e que necessitaria de uma nova leitura.
Face ao exposto este novo olhar sobre a coleção arqueológica de Angola do IICT pretende
contribuir para uma maior coerência e compreensão dos dados recolhidos ao longo das

166 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
REDESCOBRINDO ESTAÇÕES ARQUEOLÓGICAS À GUARDA DO IICT

várias missões científicas, através da reconstituição dos passos destas equipas. É igual-
mente nosso objetivo tornar visível todo este trabalho, divulgá-lo de forma a enriquecer a
história da arqueologia ultramarina. Esperamos num futuro próximo ter resultados signi-
ficativos para apresentar à comunidade científica nacional e internacional, em especial à
comunidade angolana, cuja riqueza patrimonial ultrapassa fronteiras.
Este conhecimento do passado permitirá, no futuro, entender melhor as comunidades
pré-históricas, as suas estratégias de povoamento, revisão de tipologias líticas e estádios
culturais.

Referências bibliográficas
Almeida, António de (1962), Alguns aspectos da ocupação científica dos territórios do ultramar, Boletim
da Academia das Ciências de Lisboa, volume 34. Lisboa.
Coelho, Ana Godinho, Pinto, Inês e Casanova & Maria da Conceição (2014), A Coleção Arqueológica do
IICT no Novo Milénio, Antrope, n.º 1, pp. 6-22.
Coelho, Ana Godinho e Pinto, Inês (2014), Artefactos de Capangombe Velho, Angola: um projeto para
o futuro. Comunicação apresentada no seminário de Arqueologia em África: conceitos, práticas e
projectos. Lisboa: SGL.
Coelho, Ana Godinho, Pinto, Inês & Martins, Ana Cristina. (2015), Os Percursos de Miguel Ramos
(1932-1991), Africana Studia. Porto: Centro de Estudos Africanas (no prelo).
Martins, Ana Cristina e Conde, Patrícia (2010), O Século das Missões. A Ocupação Científica do Ultra-
mar Português sob o Olhar da Imprensa, Viagens e Missões Científicas nos Trópicos. Lisboa: Insti-
tuto de Investigação Científica Tropical, pp. 39-44.
Matos, Daniela de, Martins, Ana Cristina, Coelho, Ana Godinho, Pinto, Inês (2014), Rediscovering and
reinterpreting old data from the archeological collections of the Portuguese Scientific Missions in
Southwestern Angola. Florença: 4.º Colóquio Internacional ESHE.
Osório, Marcos, (coord.) (2013), Aplicações SIG em Arqueologia no Território Nacional. Coimbra: Facul-
dade de Letras da Universidade de Coimbra, Mestrado em Arqueologia e Território.
Ozernoy, Vladimir M., Smith, Dennis R. and Sicherman, Alan (1981), Evaluating Computerized Geo-
graphic Information Systems using Decision, Analyses. Interfaces n.º 11, pp. 92-98.
Pinto, Inês; Martins, Ana Cristina; Coelho, Ana Godinho; Fonseca, Paula, Ribeiro, Tiago; Mateus,
Catarina (2011), SIG como plataforma de acesso ao Saber Tropical – As coleções históricas e científi-
cas do IICT. Lisboa: Encontro de Utilizadores ESRI.
Poloni, Rita (2012), Expedições Arqueológicas nos Territórios do Ultramar: Uma Visão da Ciência e da
Sociedade Portuguesa do Período Colonial. Texto policopiado. Tese de doutoramento apresentada
à Universidade do Algarve.
Ramos, Miguel (1967), Relatório sucinto de uma Missão de Estudo no Sudoeste de Angola (De 18 de
Setembro de 1966 a 17 de Março de 1967), Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar.
______ (1980), Nota acerca de um esferóide, do tipo bola, encontrado na área do Hoque, província do
Lubango, Angola. Leba, n.º 3, pp. 11-13.
Roque, Ana Cristina e Ferrão, Lívia (2006), Centro de Pré-História e Arqueologia do Instituto de Inves-
tigação Científica Tropical: Percursos e Perspectivas. XV Congresso da União Internacional das
Ciências Pré-históricas e Proto-históricas. Lisboa.

Fontes manuscritas
Arquivo IICT. Centro de Estudos de Antropobiologia. Processo n.º 255. Instituto de Investigação Cien-
tífica Tropical, Secção de Secretariado, Expediente e Arquivo.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 167
Entrevista
MOUTAPHA SALL
Les équipes de recherche ont permis de montrer
que ces pierres, tas de déchets, lieux mystiques,
cimetières hantés (dans la perception populaire)
sont de véritables bibliothèques au-delà des
actuelles représentations idéologiques.

10
11
Moustapha Sall
Les équipes de recherche ont permis de montrer que ces
pierres, tas de déchets, lieux mystiques, cimetières hantés
(dans la perception populaire) sont de véritables bibliothè-
-ques au-delà des actuelles représentations idéologiques.

Entrevista conduzida por Luiz Oosterbek


Dezembro de 2015

Profésseur à l’Université Cheick Anta Diop de Dakar (Sénégal). Moustapha est Docteur en His-
-toire de l’Art et Archéologie et dirige des recherches en Afrique de l’Ouest depuis 1996. Avec une
vaste bibliographie, aussi en ethnoarchéologie, il est Président de la Commission Scientifique
International de l’UISPP pour l’Archéologie de l’Holocène en Afrique Sub- Saharienne, Secré-
-taire Général Adjoint de l’Association Ouest africaine d’Archéologie, membre du Conseil pour
le Développement de la Recherche en Sciences Sociales en Afrique (CODESRIA), de l’Association
Panafricaine de Préhistoire et Disciplines Assimilées (PANAF), de la Société d’Archéologues
Africanistes (SAFA) et du WAC, mais aussi Secrétaire Général Adjoint du Syndicat Autonome de
l’Enseignement Supérieur au Sénégal (SAES).

Luiz Oosterbek (LO): Comment voyez- couverts). Ces ambitions se traduisirent par
vous l’évolution de la recherche en les campagnes mais aussi par la création de
Afrique sub-saharienne après le 13ème bulletins et revues (Bulletin de l’Association
congrès Panafricain d’Archéologie, tenu des Etudes du quaternaire (ASEQUA), série
au Sénégal? de bulletins de l’IFAN et des Notes Afri-
caines) qui permettaient de publier toutes
Moustapha Sall (MS): La recherche ar- les découvertes et surtout de valoriser les
chéologique en Afrique sub-saharienne a sites. Intégré à l’université de Dakar en
beaucoup évolué et ce bien avant la tenue en 1960, l’IFAN devient Institut Fondamental
2010 du congrès Panafricain d’Archéologie à d’Afrique Noire. Après les indépendances,
Dakar. Un bref rappel montre que l’histoire notamment dans les années 70-80, les
de l’archéologie en Afrique de l’Ouest fut premières équipes de recherches profes-
d’abord celle des colonisateurs européens. sionnelles furent montées par les mêmes
C’est dans ce cadre que l’Institut Français étrangers, suivis de nationaux, dans le cadre
d’Afrique Noire (IFAN) fut créé en août de leur cursus académique individuel, avec
1936. Implanté à Dakar, cet Institut Fédéral un intérêt porté sur les sites paléolithiques,
avait des antennes dans toute l’Afrique de néolithiques et protohistoriques.
l’Ouest Française (AOF): à Saint-Louis, Abi- Bien que ces recherches aient pu contribuer
djan (actuelle Côte d’Ivoire), Bamako (ac- à découvrir des sites, force est de constater
tuel Mali), Cotonou (actuel Bénin), Niamey que l’approche académique de l’archéologie
(actuel Niger), Ouagadougou (actuel Bur- accordait peu d’intérêts aux questions de so-
kina Faso), des centres associés à Douala ciétés. Enseignée à de rares étudiants, cette
(actuel Cameroun) et Lomé (Togo) et une discipline se singularisait, par exemple, par
base à Atar (Mauritanie). L’Institut devint son isolement et mutisme dans les débats de
un véritable point focal de la recherche (dé- l’époque (origines et identités égyptiennes
pôts obligatoires de tous les matériaux dé- de certaines populations subsahariennes).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 171
Luiz Oosterbek

Cet intérêt portant sur les liens entre ves- LO: Vous avez insisté, en plusieurs
tiges archéologiques et populations trouva occasions, sur l’importance de l’archéo-
un début d’informations à partir des années logie pour la connaissance de l’Afrique.
1970. Cependant, depuis la deuxième moitié Croyez-vous que cette importance pro-
des années 80, des avancées sont notées duit déjà des résultats et est reconnue
tant sur le plan de la méthodologie que de par les sociétés africaines ?
l’interprétation. En plus d’une approche
classique, le recours gradué à d’autres mé- MS: L’archéologie rencontre toujours des
thodes (ethnographie, histoire) ont permis problèmes en Afrique. Ceux-ci sont d’ordre
de mieux étudier des sites notamment ceux institutionnel et culturel. La première re-
de l’âge du fer et historiques. marque est que la dynamique coloniale n’a
Le congrès Panafricain d’Archéologie et la pas survécu aux indépendances survenues
SAFA (Society of Africanist Archaeologist) dans les années 60. En effet, au Sénégal
se sont tenus en 2010 à Dakar dans cette même si l’IFAN est resté un grand institut
dynamique. La participation de plusieurs de recherche, la politique culturelle du
chercheurs africains, et particulièrement la pays, malgré le profil du premier Président
diversité des approches, ont contribué à re- Léopold Sédar Senghor, négligeait cette
dynamiser l’intérêt des étudiants à s’orien- méthode (archéologie) de documentation
ter vers l’archéologie. En effet, si au début de l’histoire culturelle du pays. Cette négli-
l’orientation méthodologique (études des gence se traduit un manque de protection
sites préhistoriques sans référence aux ques- juridique des sites archéologiques (sources
tions de sociétés) n’intéressait pas beaucoup principales des archéologues) qui sont sys-
d’étudiants (moins d’une quinzaine par tématiquement détruits par les pouvoirs pu-
année au Sénégal), force est de constater blics (dans le cadre des aménagements) ou
que les résultats issus des approches no- pillés par les populations. L’autre problème
vatrices tels que la génétique, l’environne- de l’archéologie est relatif à l’accès aux ré-
ment, l’archéologie sous-marine, préventive sultats des recherches. Le constat était que
et la prise en compte des rapports entre les populations des zones étudiées par des
archéologie-patrimoine et développement archéologues, voire même les étudiants des
et autres, présentés lors de ces rencontres pays africains, n’avaient jamais accès aux
ont séduit nombre d’apprenants. Ainsi cette résultats. Les matériaux trouvés et les inter-
science jugée, à l’origine, trop compliquée prétations qui en découlent restent dans le
et chère pour les étudiants est devenue «Nord» et ne contribuaient pas à infirmer
attrayante avec de nouvelles ouvertures sur ou confirmer la bibliothèque arabe ou co-
des questions de développement (manage- loniale. En dépit de ces problèmes, depuis
ment du patrimoine). Cette évolution dans quelques années, la présence assez régu-
les approches lui ont permis d’attirer des gé- lière des chercheurs africains et étudiants
nérations d’étudiants sénégalais et africains dans les équipes de recherche, avec une
séduites par cette discipline innovante dans approche classique (prospections, fouilles,
sa ‘scienticité’ (proche des sciences exactes description, analyse et interprétation) et le
et transversale entre la géologie, la chimie, recours gradué à d’autres méthodes (obser-
la géographie, l’anthropologie, etc.) et qui vations des comportements des populations
offre une nouvelle méthodologie (sortie et actuelles, recueil des traditions villageoises
travail de terrain, contacts avec des objets). et exploitation des documents écrits) dans
C’est ainsi que depuis 2010, au Sénégal, l’étude de certains sites ont permis de
les contingents d’étudiants se chiffrent montrer que ces pierres, tas de déchets,
par centaines (de 100 en 2010, les effectifs lieux mystiques, cimetières hantés (dans
d’étudiants spécialisés en archéologie sont la perception populaire) sont de véritables
passés à 300 en 2014). bibliothèques à même de retracer l’histoire

172 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ENTREVISTA A MOUSTAPHA SALL

de tout un chacun, au-delà des actuelles MS: Les archéologues africains rencontrent
représentations idéologiques. Nos propres effectivement des difficultés pour faire la
expériences dans les sites protohistoriques recherche et participer aux rencontres in-
de la Vallée du Fleuve Sénégal, des mé- ternationales. En effet, l’archéologie est une
galithes, des amas coquilliers et des sites science très coûteuse et cela va de soi que
historiques en Basse Casamance ont montré les financements publics africains destinés
que les sociétés africaines s’intéressent de aux universités sont insuffisants pour déjà
plus en plus aux résultats de l’archéologie et couvrir les salaires et le fonctionnement. La
deviennent des collaboratrices en informant part incongrue destinée à la recherche est
sur les découvertes de sites. orientée le plus souvent vers des secteurs
dits stratégiques. Il s’y ajoute l’absence de
LO: Au sein de l’UISPP vous coordonnez culture de financement de la plupart des
une commission scientifique sur l’Envi- entreprises africaines. La seule possibilité
ronnement et les Sociétés africaines du vient des organismes (Fondations et autres)
néolithique à nos jours. Quels sont les étrangères. Une fois ce premier obstacle
buts principaux de cette commission? franchi, la diffusion et la confrontation des
résultats de la recherche sont les seconds
MS: Cette commission est innovante dans sa soucis des archéologues africains. La par-
composition et ses approches. Elle est com- ticipation à ces rencontres internationales
posée de chercheurs africains officiant dans pour beaucoup d’entre nous n’est rendue
toutes les zones géographiques et politiques possible que par les organisateurs. Cepen-
de l’Afrique. Elle devra permettre d’étudier dant, certaines Facultés (comme la mienne)
l’Afrique comme un seul espace, d’en appré- sont en train de faire des efforts au niveau
hender la diversité culturelle afin de mieux du financement de la recherche et de la par-
comprendre son passé à travers ce que les ticipation aux rencontres internationales.
anciennes populations ont fait. Une telle
commission permettra de mieux appréhen- LO: Que diriez-vous aux jeunes cher-
der les interactions culturelles qui aideront cheurs qui tiennent à poursuivre leurs
à mieux identifier les édificateurs des sites efforts en Afrique mais se heurtent aux
archéologiques au-delà des actuelles fron- différentes difficultés?
tières politiques, sans oublier leur rapport
avec leur environnement depuis le début de MS: Je serai honnête en leur disant qu’en
la formation des sociétés (néolithique), leurs Afrique subsaharienne, les archéologues et
organisations politiques et contacts avec l’archéologie sont diversement appréciés.
d’autres acteurs (arabes, européens). Cette En effet, le métier d’archéologue est resté
commission a ainsi pour vocation d’être un bizarre. Pour certains ce chercheur est
espace d’échange entre chercheurs africains « un profanateur de tombes» et ne com-
afin de mieux participer à la documentation prennent pas souvent qu’il puisse venir de
mais aussi à la promotion et valorisation des l’Université (donc de la ville) et passer son
patrimoines (naturel et culturel) africains. temps à ramasser des objets anodins ou à
creuser comme un maçon. Les quelques
LO: La participation des archéologues archéologues sénégalais (dix) racontent
africains dans les congrès internatio- souvent leurs mésaventures (taxés de fous,
naux est relativement limitée. Com- bas niveau académique). Au niveau des
ment croyez-vous que ce sera possible pouvoirs publics africains, la recherche
de dépasser cette réalité, en renforçant archéologique ne bénéficie pas de fonds de
la visibilité de la recherche des cher- soutien car la priorité est accordée aux sec-
cheurs africains? teurs vitaux (santé, alimentation, etc.). Ce
manque de soutien associé à la cherté des

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 173
Luiz Oosterbek

recherches plombent encore la discipline. chéologues. A titre d’exemple, le Sénégal


Cependant, avec l’orientation méthodolo- ne dispose que de 10 archéologues alors
gique tournée vers la recherche-Dévelop- que des milliers de sites archéologiques et
pement (patrimoine, tourisme culturel) historiques attendent impatiemment pour
et l’approche postmoderniste (nécessité raconter la vraie histoire, les idéaux et com-
de déconstruire et reconstruire l’histoire portements de nos ancêtres.
africaine), l’Afrique a besoin de plus d’ar-

174 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
África em debate
Poderes e identidades

12
13
Alda do Espírito Santo, a distinção
social, a militância política e a tristeza
Augusto Nascimento*

p. 177-202

Introdução
A 9 de Março de 2010, em Luanda, para onde fora evacuada, morria Alda do Espírito
Santo. Em São Tomé, a 12, após a homenagem na Assembleia Popular Nacional e uma
missa na Sé, o funeral teve honras militares. Na ocasião, Manuel Pinto da Costa, cunhado,
primeiro e actual presidente da República Democrática de São Tomé e Príncipe e, já na
altura apontado como candidato às eleições presidenciais de 2011, sentenciou: “a camarada
Alda morreu triste”1. Para além da oportunidade política em função das eleições que se
avizinhavam, a evocação afigurava-se apropriada pela envergadura moral da defunta, uma
figura reverenciada por muitos e cujo humilde modo de vida, sobretudo nos derradeiros
anos, parecia consonante com os ideais que apregoara. Mas teria morrido triste. Pelos ideais
por concretizar ou pela forma por que acabaram (in)cumpridos? Parte da resposta foi dada
no elogio fúnebre de Pinto da Costa2 . Em todo o caso, qualquer resposta parecerá sempre
insuficiente e, até, algo paradoxal, desde logo por a unanimidade em torno do valor ímpar
de Alda do Espírito Santo não se coadunar com a alegada tristeza dos seus derradeiros
tempos.
Caberia, aliás, perguntar porque é que a sua tristeza, comum à dos são-tomenses que fazem
questão de se rever na sua mensagem ou de se declarar espiritualmente devedores de Alda,
não se desdobra numa mobilização atinente à correcção do rumo do país num sentido mais
consentâneo com a pureza dos ideais atribuídos a Alda do Espírito Santo.
Talvez a sua tristeza não adviesse apenas do reconhecimento de erros no pós-independência,
uma das razões da sensação de perda da capacidade de determinação do próprio futuro ou
da percepção do fim da irmandade dos são-tomenses, hoje mais divididos do que no tempo
colonial. Embora consentânea com experiências históricas similares, tal zizânia não deixa
de ser lamentada por são-tomenses, mormente, pelos apegados ao ideal de uma revolução
social libertadora imanente à independência, aos valores dos mais velhos ou, tão-somente,
à memória de tempos idos da unanimidade fraterna contra o colono.
A estar certa a hipótese acerca de uma visão desencantada que se teria apossado de
Alda do Espírito Santo – que ela calou ou confidenciou a raríssimas pessoas, algumas
nem sequer são-tomenses –, a sua convicção de perda de determinação do futuro do
seu país sedimentou-se pela observação do curso da política, a que se somou a perda de

* FLUL/CEAUP
1 Cf. http://www.telanon.info/sociedade/2010/03/15/2777/%E2%80%9Ccamarada-alda-morreu-triste%E2%80%9D/,
acesso: 29 de Setembro de 2011.
2 Cf., por exemplo, http://w w w.telanon.info/sociedade/2010/03/15/2777/%E2%80%9Ccamarada-alda-morreu-
-triste%E2%80%9D/, acesso: 11 de Setembro de 2014.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 177
Augusto Nascimento

importância social do saber, para ela, ligado a um certo imperativo ético. Porém, na sua
tristeza, certamente também pesaram o próprio trajecto e o da sua palavra, pautados pela
progressiva (ainda que calada) marginalização ou irrelevância.
Com efeito, a reverência no trato social, mormente nos actos solenes, não evitou uma
certa secundarização de Alda do Espírito Santo. A este respeito, desmentindo a correlação
simplista entre, por um lado, liberalização política e, por outro, supremacia do dinheiro,
do individualismo e da ganância, que arredaram os lemas da revolução social, a que ela se
manteve fiel, cumpre notar que a secundarização de Alda começou no regime de partido
único sob a batuta do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (doravante,
MLSTP). A aparente reverência de que era alvo não lhe evitou um certo isolamento, que
nem o desempenho à frente da União Nacional dos Escritores e Artistas São-Tomenses
(UNEAS), criada em 1986, disfarçava.
Tal secundarização replica-se nos dias de hoje. A sua figura concita encómios quase
unânimes. Mas este unanimismo laudatório, com muito de retórico ou de descargo de
consciência3 , desmerece a memória e a figura de Alda do Espírito Santo, acerca de quem
pouco se sabe4 , porquanto pouco se interpela a pessoa eclipsada pela figura tão louvada.
De tão mitificada – tanto pelo que se elogia, quanto pelo que não se narra – acaba como
que desumanizada5 , podendo dizer-se dela o que vulgar e erroneamente se imagina das
figuras santificadas, a saber, o não terem vivido neste mundo. E quando a metáfora fosse
aplicável, na medida em que ostensivamente se apartou das mundanidades da terra, só em
parte seria verdadeira.
A memória vai-se esvaindo. No I Fórum Nacional da Cultura, em finais de 2011, “Alda do
Espírito Santo foi várias vezes recordada e um dos participantes propôs um minuto de
silêncio em homenagem à Mãe da Pátria”, iniciativa que, significativamente, “escapou
aos organizadores na sessão solene de abertura”6. Posteriormente, em abril de 2010, foi
inaugurada a praça Alda do Espírito Santo7. Todavia, à margem dos pronunciamentos
contra o apagamento da memória, o esquecimento sobrevirá, não por uma má (e, se assim
fosse, dúplice) vontade ou descaso dos são-tomenses, antes em virtude de dinâmicas sociais
que não só aceleram o tempo como retalham a vida, atomizando os indivíduos e deixando
escasso tempo para a reflexão sobre o curso da sociedade islenha. E menos tempo ainda
para olhar a história recente, que terá entristecido Alda.
Apesar de se tratar de uma figura pública de um meio social assaz escrutinado, pouco se
sabe (ou diz) da sua actuação após 1975, desde logo pela opacidade da configuração política
dessa época, indutora de visões erróneas de Alda. Não menos importante em São Tomé
e Príncipe, sabe-se muito pouco da sua intimidade e assim será até que os poucos que

3 Em parte, a oportunidade dos enunciados laudatórios de Alda advém do contexto do país, feito de imprevisibilidade,
de mutações radicais de modos de vida e da sensação de perda de referências. Este ambiente soma-se à falta de debate
público e de um hábito de escrutínio credível dos enunciados dos que têm voz. No meio da crispação política e social,
resta, sempre, a exortação imanente à invocação de Alda.
4 São múltiplas as razões do desconhecimento, a começar pela generalizada incapacidade de distanciamento crítico. A
figura, que se antepõe à pessoa, sugere uma admiração unânime e acrítica, certamente em muito induzida pela sua fir-
meza política e pela coerência ética inferida do alheamento dos bens materiais. Porventura, também por isso, raramente
terá sido entendida como pessoa. A incapacidade crítica também deriva da maior parte da sua obra ser poesia, género
tendencialmente indutor de consensos. Aparentemente, a sua obra não motiva divergências, o que não deixa de causar
estranheza. A avaliação da sua obra deveu-se ao acolhimento da sua militância anticolonial numa época de vincados
debates políticos e ideológicos, como a que se viveu até à penúltima década do século XX. Em todo o caso, alvitraria que,
mais do que a poesia, foi a firmeza da convicção independentista que suscitou o reconhecimento de Alda do Espírito
Santo.
5 Facto a que acrescem versões erróneas sobre a sua vida, entre elas, a de ter interrompido os estudos universitários em
virtude da entrega à causa nacionalista.
6 Correio da Semana n.º 322, 23 de Novembro de 2011, p. 16.
7 Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/28822, acesso: 8 de Outubro de 2012.

178 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

com ela conviveram narrem o que julgarem relevante para a explicação da sua trajectória
pessoal e política.
O desconhecimento também provém de, até por interpostas pessoas, Alda invariavelmente
se tornar a narradora dos discursos sobre si e sobre a sua vida. Ora, certamente não por
acaso, Alda como que se escusou a falar dela. Aquilo a que chamou de “certa liberdade”
pessoal serviu de pretexto para criar uma espécie de véu em torno de si8.
Por entre o paternalismo e o deslumbramento (amiúde, bacoco) de estrangeiros e a
apropriação (por vezes, indevida) de conterrâneos, o conhecimento foi substituído pelo
endeusamento. A mitificação oblitera o conhecimento da pessoa Alda do Espírito Santo.
Para além das laudas à sua poesia – em rigor, parca, porventura por conflituar com
o desempenho político, ao serviço do qual ela a quis pôr –, imagina-se-lhe um fundo
humanista que passou por provações e que foi testado pelo ateísmo militante e pelo
voluntarismo do pós-independência. Igualmente, é possível atribuir-lhe a convicção
de que, a um dado patamar de formação correspondia uma exigência moral ou de ética
política. Porém, não sabemos quase nada dos seus dilemas, quiçá frequentemente
arredados em nome dos superiores interesses do povo são-tomense, que era “seu”9 . A par
disso, cumpriria contextualizar e interpretar as mudanças nas suas crenças e relações,
mudanças nem de somenos nem propriamente as típicas da passagem da juventude para
a idade madura. As perguntas são muitas: como lhe foi possível não ter dúvidas acerca do
rumo do projeto independentista quando outros de menor gabarito intelectual as tiveram
e agiram em consequência? Bastar-lhe-ia fazer parte da grande torrente de “luta” contra
a opressão imperialista para se justificar? Perceberia, desculparia e calaria os erros após
1975 com a atitude de não querer nada para si? Como é que o seu humanismo viveu com
o ressentimento que, nalguma medida, imprimiu coerência ao seu distanciamento face ao
colonizador, que não necessariamente face a todos os portugueses? Teria ela a sua poesia
na conta em que outros a têm ou teria a consciência de que a sua poesia era, sobretudo, um
protesto e um manifesto de combate? Enjeitando uma visão simplista que ajuda a relevar as
opções do passado mais recente pela alusão às teias da opressão colonial – que, sem dúvida,
pesaram na deriva do pós-independência –, como devemos explicar e valorizar a atuação
política de Alda antes do 25 de Abril, até à independência e, sobretudo, após esta data?
Que responderia Alda a quem lhe retorquisse que, com a sua política, também ela pisava a
“dignidade africana” por que se batera antes da independência?
Por regra, não se aprofundam as imbricações entre a história recente, de que Alda faz parte,
e os contornos da sociedade são-tomense. Nem sequer se ensaia explicar o peso da trajetória
e da acção de Alda na configuração do passado recente e da actual sociedade são-tomense.
Tão pouco se olha a relação dela com a sua terra. É neste sentido que caminha este texto
que, baseado na imprensa, em fontes secundárias, em testemunhos, na observação directa
e no contacto pessoal10, se pretende como uma interpretação sucinta e exploratória da
trajetória de Alda. Uma visão mais completa da sua vida carecerá de investigação de maior
fôlego.

8 Veja-se Laban, 2002: 100-101.


9 Em alternativa, de uma perspetiva mais chã conquanto acertada, talvez se possa dizer que ela se norteou pela fidelidade
ao cunhado, Manuel Pinto da Costa. Ainda que alguns a possam considerar comezinha, esta hipótese poderá ter valia
explicativa.
10 Ao longo de quase trinta anos, falei algumas vezes com Alda do Espírito em diversas circunstâncias (A. Nascimento).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 179
Augusto Nascimento

A distinção social e a vida sob o inimigo


Alda Neves da Graça do Espírito Santo nasceu a 30 de abril de 1926 numa “família da elite
dos filhos-da-terra”. Sua mãe, Maria de Jesus, era professora na escola principal de São
Tomé. Após estudos primários na ilha, Alda fez o ensino liceal por Vila Nova de Gaia,
talvez completado por Lisboa. Viria a fazer o curso do magistério primário11. Do seu
trajeto, pouco conhecido, Alda salientou a epifania do mundo na passagem por Lisboa, em
1947, onde voltou em 1948, depois de uns meses em São Tomé12 . Mais tarde, encontrá-la-
emos a lecionar na terra natal, onde, de permeio com a distinção de que a família gozava,
vai viver parte da sua vida com o odiado inimigo, o colonialismo e os seus agentes.
O pós II Guerra trouxera sinais contraditórios de mudança e, em São Tomé e Príncipe,
traria o desencontro entre os propósitos do governador Gorgulho e os anseios de ilhéus,
muitos deles iludidos por Gorgulho. Não se sabe o que pensava Alda acerca da mudança
por que passava a ilha, mas, em dezembro de 1947, um texto seu, “Terras de S. Tomé”13 ,
foi publicado em A Voz de S. Tomé, jornal censurado da delegação da União Nacional no
arquipélago. Curiosamente, em Janeiro de 1948, no mesmo número de A Voz de S. Tomé
publicaram-se textos opostos, a saber, “Chaimite”, um artigo laudatório de Mouzinho de
Albuquerque, assinado pelo inspetor ultramarino António de Almeida, e “Mundo negro”,
de Alda. Neste artigo, Alda exaltava a raça negra e África, terra dos negros, evocava
Langston Hughes, autor da Harlem Renaissance, e o poeta são-tomense Costa Alegre,
louvando, por fim, as mulheres do arquipélago.
Por transportar a história no sangue, Alda homenageava os antepassados com a alusão
ao multissecular sofrimento da raça negra, sujeito com quem se irmanava a propósito da
escravidão sofrida no passado. Fosse como fosse, Alda afirmava que a escravidão mais
hedionda era a dos preconceitos, dos ideários antagónicos às leis da lógica e da razão e,
explicitemo-lo, às proposições da (sua) ideologia, à qual atribuía a uma função salvífica:
“Um homem que pensa e vive uma ideologia, não é um escravo, embora a humanidade o
considere escravizado. Ele ri-se dos outros e coloca-se muito acima deles… Por isso, ser
descendente de escravos, pode tornar-se um título de glória e não uma marca irrisória
e vexatória.” Para Alda, o “negro vive e sente como nenhum povo de outra raça. Não é
inferior.” Advogava a valia dos negros, em nada inferiores a indivíduos de outras raças,
facto comprovado nos EUA 14 . E, denunciando implicitamente a situação vivida como
resultado da dominação, concluía, “existem inferiorizados, não inferiores”15 .

11 Em Gaia, de acordo com Mata e Padilha, 2006: 11. Segundo Deolinda Adão, Alda terminou os estudos secundários em
Lisboa (in Mata e Padilha, 2006: 119). Esta indicação parece coadunar-se com o testemunho de Alda in Laban 2002: 70-71.
12 Conforme testemunho de Alda (Laban, 2002: 71). A estar correcta esta narração das suas viagens, não teria estado em
Lisboa de 1947 a 1953 (diversamente do que afirma Carlos e Santo, 2012b: 15), mas, sim, entre 1948 e 1953. No tocante à
vida de Alda, é uma questão menor. Em todo o caso, o poema “O drama do porão” (idem: 55-56) teria sido escrito, não na
ida para Lisboa, mas na viagem com sua mãe de regresso a São Tomé.
13 Trata-se de um texto com laivos poéticos e, ao tempo, sem uma mensagem política inequívoca: “(…) Terra de S. Tomé,
ilha onde nasci, filha do Equador, eu ergui a ti um choroso hino, dolente património legado a todos os negros… O meu
hino não termina… Continua a ter sequência no silêncio, a registar-se sempre, sempre na tua história…”, cf. A Voz de
S. Tomé n.º 10, de 1 de dezembro de 1947, p. 1.
14 A par da transcrição do poema de Langstone Hughes, aduzia a prova da não inferioridade dos negros: “Harlém a metró-
pole negra norte-americana, o bairro negro por excelência, onde os negros americanos vivem unificados onde criaram
a sua cidade completamente modernizada, atesta aos homens que o negro não é inferior. Ele vive aí no seu mundo,
rodeado de todos os confortos da civilização, com as suas universidades e prédios gigantes, rivalizando perfeitamente
com o branco norte-americano. O negro vive no Harlém, lutando pelas suas reivindicações, erguendo bem alto as suas
elevações de espírito”. Ademais, em Harlém nascera a música moderna, cf. A Voz de S. Tomé n.º 13, 16 de janeiro de 1948,
pp. 1-3.
15 Numa tentada comunhão com os Africanos, Alda valorizava a literatura enquanto expressão de uma emotividade ímpar
da raça negra. Na esteira de Hughes, que tomara o seu povo como o seu poema, Alda falava da poesia da “nossa raça, dos
povos de pele escura, que temos orgulho da nossa raça” e dedicava o poema “A negra”, do são-tomense Costa Alegre, às

180 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

Sob o colonialismo ditatorial, a menção à poesia, pincelada de tons messiânicos, era um


enfoque possível da situação dos negros em África e na sua terra. Não se permitia alusão
mais explícita à dominação colonial e, ainda assim, só propósitos menos mesquinhos do
governador Gorgulho, anos depois odiado pelos ilhéus, ou a distração ou a condescendência
da censura permitiram esta tomada de posição, que, em boa verdade, apenas seria lida e
compreendida por um reduzidíssimo número de ilhéus.
Por isto e apesar da distinção social, é crível que São Tomé se afigurasse um meio
constrangedor para uma jovem educada na metrópole, mesmo se num colégio da recatada
Vila Nova de Gaia. Entre finais da década de 1940 e inícios da de 1950, Alda terá estado por
Lisboa, onde quis concorrer ao quadro do professorado da capital16. Terá aí permanecido
até, em janeiro de 1953, regressar à sua terra.
Em 1951, terá surgido o Centro de Estudos Africanos17, crucial para a “elaboração de um
pensamento anti-colonialista”. Malgrado o tom assertivo das menções à existência de um
centro, dir-se-á ter sido uma tertúlia em casa da são-tomense “tia Andreza”, onde jovens
almejavam, de acordo com a efervescência intelectual relativa a África, reafricanizar-se ou
redescobrir a sua identidade africana18. Aí se discutia a situação política, social e cultural
dos países e povos africanos. Alda participou nessas discussões19, tendo conhecido Amílcar
Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e, acrescentemo-lo, Mário Pinto de Andrade.
Em Lisboa assinou uma petição contra a presença de Portugal na NATO, para ser publicada
pelo jornal Avante, do Partido Comunista Português.
Já se disse, Alda preferiu viver com o inimigo a partir para o exílio. Esta opção não era
necessariamente mais fácil e, logo de início, revelar-se-ia dramática. Alda regressou a
São Tomé a 9 de janeiro de 1953, dias antes dos trágicos eventos de Fevereiro20. Dados os
desmandos dos esbirros de Gorgulho, as semanas seguintes foram de tormento e pavor
para os ilhéus, até que, por via da inquirição da PIDE21 e da intervenção do causídico Palma
Carlos, a opressão e as violências deram sinais de abrandar. Alda atribuiu a atitude da PIDE
à atuação de Palma Carlos, talvez uma perspetiva linear de uma oposicionista que, tão
corajosamente quanto encorajada pela presença de Palma Carlos, se dispôs a secretariá-lo
no trabalho de defesa dos presos.
Por carta, ela descreveu os horrores vividos em São Tomé por esses dias22. Em torno dos
eventos de 1953, comummente designados por massacre de Batepá, cristalizou a versão
anticolonial segundo a qual teriam perecido milhares de pessoas. Já em 1978 – quando
o discurso anticolonial perdera a sua utilidade primeva, mas adquirira a de diversão

conterrâneas, as quais, lembrava, ignoravam o poema que lhes era dedicado, cf. A Voz de S. Tomé n.º 13, 16 de janeiro de
1948, pp. 1-3.
16 Sem quaisquer registos, a PIDE não se opôs. Desconhecemos se Alda chegou a concorrer.
17 Acerca do Centro, veja-se, por exemplo, Rocha, 2003: 89-91.
18 Tal descoberta não significava necessariamente optar pela independência, como o prova o caso de Francisco Tenreiro.
E, como a história comprovaria, nem sempre a independência traria a redescoberta da identidade africana tão procurada
decénios antes.
19 Lúcio Lara… s.d.: 25.
20 Afora a descrição dos eventos de Seibert (2001: 76 e ss) e Santo, Carlos (2003), consulte-se a narração de Alda (Laban,
2002: 88 e ss). Para a história desse período, consultem-se as cartas enviadas a Palma Carlos, e não só, após os eventos de
1953, reproduzidas em Santo, Carlos, 2012b: 213 e ss.
21 Testemunhos de alguns presos deixam perceber que, sem embargo de violências, a PIDE se portou diferentemente do
costumado na metrópole e, sobretudo, nos antípodas dos maus-tratos a que os ilhéus tinham sido sujeitos pelos acólitos
de Gorgulho. Podemos supor estar perante uma descarada mentira, mas noticiou-se que, na despedida do inspector da
PIDE, São José Lopes, marcaram presença vários ilhéus socialmente distintos, entre eles, Salustino da Graça do Espírito
Santo e Maria de Jesus, cf. A Voz de S. Tomé n.º 272, 19 de janeiro de 1957, p. 4.
22 O Partido Comunista Português editou A verdade sobre os acontecimentos de S. Tomé em 1953, uma colectânea de depoi-
mentos, entre os quais Alda do Espírito Santo; consulte-se o relato coevo de Alda em Santo, Carlos, 2003: 376 e 558-567.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 181
Augusto Nascimento

ideológica –, Alda referiu o sacrifício brutal de cerca de um milhar de pessoas23 , uma


versão já matizada da que animara a propaganda anticolonial. Independentemente do juízo
político e moral sobre a injustiça de um assassinato, que fosse, perpetrado por um poder
ditatorial, arbitrário e fundado na mentira, teria de ser evidente para Alda que as cifras
aventadas não eram verdadeiras. Tal questão não é de somenos por, no mínimo, denotar
um voluntarismo que, uma vez irrestrito e autojustificado, se desdobraria na modelação de
vidas dos conterrâneos após 1975.
Os desmandos perpetrados às ordens de Gorgulho foram de tal violência e tão sem-
razão que, mesmo num regime ditatorial, obrigaram à remoção do governador. Atenta a
conjuntura internacional, para o governo colonial tornou-se imperioso reparar os danos
na relação com os colonizados. Ao poder colonial era impossível conquistar o coração
dos colonizados, mas isso não obstava à tentativa de pacificar a sociedade e de encenar
uma harmonia social mais consentânea com a translação ideológica do eugenismo e da
superioridade racial dos anos 30 para o luso-tropicalismo adoptado em inícios dos anos
50. A desconfiança permaneceu por mais alguns anos, mas a proposta de esquecimento
dessa tragédia não foi liminarmente rejeitada. Aliás, alguns ilhéus nem sequer quereriam
lembrar os factos passados.
Alda estava entre os que não esqueciam e, certamente, criticaria os conterrâneos que se
deixaram enlear pelo inimigo. Porém, sinal da complexidade das escolhas e da vida num
micro-universo como São Tomé, entre os posicionados no campo do inimigo parecia estar
sua mãe, Maria de Jesus Agostinho das Neves, também presa aquando dos desmandos de
1953. Ainda assim, a leitura de Maria de Jesus, não apenas da situação vivida em 1953 como
do andar do mundo, pareceu diversa da de Alda. Em 1954, numa visita indubitavelmente
destinada a apaziguar os ilhéus e a fazer esquecer as insânias de Gorgulho, Craveiro Lopes
condecorou são-tomenses, entre os quais, Maria de Jesus, com a Ordem da Instrução
Pública.
Em 1958, quase em simultâneo com as eleições presidenciais de 8 de junho, por ocasião
do 10 de junho e a solicitação do governador, o Sporting de São Tomé, clube dos ilhéus,
promoveu uma sessão evocativa de Camões, de que constava a conferência “Homenagem
dos Santomenses ao maior Épico de todos os tempos”. Segundo o jornal, a “sala estava
repleta das mais distintas famílias santomenses, com predominância de senhoras”, entre
elas, Maria de Jesus24. Em 1965, ela substituiu o vogal camarário, Afonso Henriques
Ferreira, comerciante europeu, durante a ausência deste. Não era a primeira vez, pois já
substituíra interinamente o presidente da edilidade. Em 1965, a última sessão em que
participou foi a 30 de novembro, dias antes da prisão da filha em Lisboa. Alda veria sua mãe
ser homenageada pelo governador na passagem de quarenta anos de magistério primário25.
Entre os europeus que a conheceram, é comum ouvir dizer-se que Maria de Jesus era
distinta, o que se prende tanto com a sua bonomia, geradora de apreço, quanto com o
facto de não se ter oposto ao colonialismo, de que foi vítima. Também por isso, Maria de
Jesus sugeriu tentativas de ganhos de dividendos políticos, como a atribuição do seu nome
à escola inaugurada no bairro da Fundação em 1971. Em 1973, na esteira das pretensas

23 Santo, Alda, 1978: 190. À margem do irresolúvel problema moral do colonialismo, agravado pelas violências e mortes, era
evidente que o número de milhares de mortos era uma grosseira mistificação, na qual se laborou muito para além do que
a utilidade da propaganda anticolonialista contra um regime ditatorial pode explicar.
24 Na mesa encontravam-se Maria de Jesus e Julieta da Graça do Espírito Santo. Na circunstância, Pascoal Aires Pires dos
Santos, diretor do clube, anunciou o restabelecimento de todas as secções do clube, como o exemplificava a iniciativa da
secção cultural, cf. A Voz de S. Tomé n.º 330, 14 de junho de 1958, p. 3..
25 Cf. A Voz de S. Tomé n.º 756, 24 de setembro de 1966, p. 3.

182 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

reformas administrativas encetadas pelo poder colonial, Maria de Jesus foi candidata a
membro efectivo da Junta Consultiva da província. Todos estes anos, Alda viveu com a mãe.
Voltemos a Alda, que, se não esquecia os eventos de 1953, também não deixava de viver na
terra. Em 1956, ela participou na Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais,
que, no intuito de granjear a aceitação internacional do laço colonial, se organizou
em São Tomé. Esse evento, que contou também o contributo de sua mãe, não terá tido
repercussões na ilha. Alda apresentou o texto “Algumas notas sobre o falar dos nativos da
Ilha de São Tomé”26. Num ambiente cultural rarefeito, onde ela se destacava, a mensagem
de Alda sobre o “falar dos nativos” respeitava à sua humanidade, aos seus sentimentos e à
circunstância de a ilha também ter uma “História”27. Mas numa terra onde famílias ilustres
prezavam falar bem o português, poucos terão lido e menos ainda terão entendido qualquer
mensagem subliminar quanto à civilização do são-tomense espelhada na complexidade
do seu “falar”28. Num certo sentido, Alda também estava a esquecer os agravos de 1953,
no que, podemos supor, talvez pesassem cálculos relativos à preservação da sua liberdade
de movimentos e à evolução política num lapso temporal previsível29. Nos anos 50, à
convicção (de alguns) de que a dominação não seria eterna opunha-se a falta de sinais de
uma mudança num horizonte concebível.
Decerto, Alda tinha uma crença inabalável numa mudança futura, crença que cimentou
nos contactos em Paris entre finais de 1959 e 1960, com Mário Pinto de Andrade, Marcelino
dos Santos e seu primo Guilherme Espírito Santo, um dos fundadores do MAC, Movimento
Anticolonialista30. Segundo seu testemunho, Alda levou nas solas dos sapatos para Paris
um documento de Amílcar Cabral e Agostinho Neto sobre o processo dos 50 em Angola,
não obstante ter sido incomodada pela PIDE antes dessa ida a Paris, julgava ela, por causa
de denúncias de supostas atividades conspirativas em Angola durante umas férias ali
passadas31.
Para os africanos politizados, a década de 60, época de militância independentista
conquanto também de resiliência colonialista, trouxe razões para a alteração de sentimentos.
Porém, apesar de amparado pela Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias
Portuguesas, onde se manifestou, o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP),
quedou praticamente inoperante até que outro CLSTP, criado no Gana, em julho de 1965,
com uma nova liderança, anunciou a intenção de levar a subversão às ilhas. A conjugação
de várias circunstâncias, algumas delas interpretadas equivocadamente, estaria na origem
da prisão de Alda em Lisboa em dezembro desse ano.
O ano de 1965 foi o do reconhecimento da legitimidade da luta armada dos povos africanos
pelo comité especial da ONU, da dissolução da Sociedade Portuguesa de Escritores por

26 Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais. 6.ª Sessão, 1956, V vol., São Tomé, pp. 141-148.
27 Adicionalmente, Alda equiparava um trato de terra a uma relíquia familiar de que não se podia prescindir, que não podia
ser vendida, porque quem vendesse a sua gleba ou terra vendia a própria vida, cf. Santo, Alda, 1956: 144-145.
28 Foi-me asseverado que Alda não falava forro ou, dir-se-ia hoje, santomé. Em 1956, ela confessou que o crioulo, ou dialecto
lhe era “um pouco desconhecida” (Santo, Alda, 1956: 141). Por essa altura, afirmava claramente a correlação entre a língua
e o sentimento da população nativa, sendo percetível a sua exterioridade relativamente à “vida sã deste povo, que espera
sempre dias melhores”, cf. idem: 142.
29 Talvez Alda divergisse dos tons escatológicos e sacrificiais com que Gastão Torres aludia ao levantamento pela libertação
do colonialismo que incendiara o continente, considerando-se parte de uma “geração sacrificada”, a quem não caberia
senão trair ou morrer (cf. ANTT, PIDE-DGS SC-CI(2) 4635, NT n.º 7363, carta de São Tomé, de 10 de novembro de 1965, de
Gastão de Alva Torres a Alda do Espírito Santo). Apesar de igualmente independentista, Alda certamente traçava outros
horizontes para a sua vida.
30 A que ela mesma terá pertencido, cf. Santo, Carlos, 2012b: 13.
31 Laban, 2002: 77-82. A PIDE ficou ciente das actividades em Paris e, até, da proximidade afectiva com Mário Pinto de
Andrade. Registou que Alda era “uma das poetisas que o Mário de Andrade apresenta no seu livro Antologia da Poesia
Negra de Expressão Portuguesa”, cf. ANTT, PIDE-DGS SC-CI(2)-GU, S. Tomé, NT n.º 8969, fls. 666-679, relatório n.º 4, de
18 de fevereiro de 1963, do inspector Nogueira Branco.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 183
Augusto Nascimento

causa da atribuição do prémio de novelística a Luandino Vieira, do encerramento da Casa


dos Estudantes do Império e da publicação pela Oposição Democrática de um manifesto
sobre o ultramar. Na colónia, onde se lidava mal com as mudanças no mundo, as autoridades
viram manobras políticas na irreverência dos universitários ali de férias. Decerto, tal
irreverência traduzia uma posição política mais sentida do que pensada. Em todo o caso,
dada a ostensiva apartação dos estudantes face aos europeus, PIDE e mais autoridades
tomaram à letra a propaganda panfletária do novo CLSTP sobre o seu presidente clandestino
na ilha. Numa lógica típica das ditaduras, as várias autoridades afinaram pelo mesmo
diapasão: a irreverência da juventude, além de despropositada (até pela gratidão devida
pela possibilidade de estudar em Lisboa), não era de iniciativa própria, ao invés, advinha
da orientação de alguém. Em Lisboa, o relatório da PIDE e uma informação militar32 foram
considerados probatórios de uma urdidura de algo subversivo, quando, afinal, não podiam
deixar de constatar o mesmo por a inaudita irreverência ser motivo de falatório na ilha.
De Lisboa perguntou-se quem seria o mentor da atitude estudantil, inferindo-se que,
provavelmente, seria também o responsável político clan-destino do CLSTP.
Desmentindo a primeira indicação, em que se referenciava Gastão Torres como possível
presidente do CLSTP em São Tomé33 , a resposta chegou sem dúvidas: tratava-se de Alda
do Espírito Santo, de férias na metrópole, para onde embarcara a 5 de agosto. Tal dava azo
à intervenção da PIDE, bem mais fácil do que na ilha. A mudança de opinião terá tido a
ver com a acomodação ao pressentido desejo de actuação em Lisboa e, acima de tudo, com
a impunidade da repressão num contexto ditatorial: afinal, se Alda não era presidente do
CLSTP, podia sê-lo. Em suma, notícias do CLSTP, atitudes segregacionistas dos estudantes
de férias, ruptura desses jovens com o contemporizador Salustino da Graça do Espírito
Santo e sobreavaliação do perigo da subversão em São Tomé acabaram por compor um
imbróglio que levaria à prisão de são-tomenses em Lisboa.
Para além do intuito de incutir medo, a prisão servia para averiguação de atividades
separatistas em São Tomé, conforme a referência à presença do líder do CLSTP na ilha num
panfleto a circular em Lisboa34. A ida de Alda a Lisboa terá sido interpretada como um
prolongamento da actividade subversiva iniciada em São Tomé. Durante dias, a PIDE fez
escutas e seguiu os movimentos de Alda, listando as pessoas com quem ela contactava. De
forma arbitrária e discricionária, a 4 de dezembro, a PIDE prendeu Alda, juntamente com
vários são-tomenses35. A maioria dos detidos negou manter ou sequer conhecer atividades
separatistas, dizendo nunca se ter envolvido em acções contra ou a favor do Estado. Alda
começou por afirmar o mesmo.
Não sabemos o que se passou na prisão de Caxias, mas o sofrimento dos ilhéus poderá ter
resultado mais da estupefacção, da incerteza e do receio da prisão do que de outros maus-
tratos, embora Alda tenha mencionado a tortura do sono36. É provável que a PIDE mentisse
e ameaçasse, obtendo delações de ações de menor monta. Terá sido a partir destas que
formulou um juízo acerca da rala ameaça que os panfletos traduziam.

32 Informação confidencial de 26 de outubro de 1965 do chefe de gabinete do ministro do exército ao director da PIDE, in
Santo, 2012: 886.
33 Por exemplo, ANTT, PIDE-DGS SC-CI(2)-GU, S. Tomé, NT n.º 8969, fls. 457-463, relatório n.º 15, de 19 de agosto de 1965,
do subinspector Nogueira Branco.
34 Laban, 2002: 81-82.
35 Segundo informação de 6 de dezembro de 1966, do chefe da brigada, a 4 de dezembro foram detidos 18 indivíduos, cf.
ANTT, PIDE-DGS SC-CI(2) 4635, NT7363. Diga-se, alguns deles viviam completamente afastados da política e, mais,
de qualquer intuito subversivo. Segundo a PIDE, regressados ao arquipélago, os ilhéus que tinham estado detidos
remeteram-se ao silêncio. Dito de outra forma, terão narrado o caso a pessoas próximas, enquanto à maioria terão calado
os vexames a que tinham sido sujeitos.
36 Cf. Laban, 2002: 84.

184 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

Por nada constar nos ficheiros da PIDE acerca da maioria dos são-tomenses detidos, dado
o alheamento de vários deles da política, a PIDE acabou por os ir libertando. Ponderando
a sua situação, Alda terá por fim anuído a narrar verdade – basicamente, a reportar o que
a PIDE sabia –, a que se escusara no primeiro interrogatório. Em Lisboa, ela repassara um
exemplar do Faúlha, órgão da revolução africana, e, em São Tomé, tentara organizar um
grupo que visava o incremento cultural dos são-tomenses para preparar o futuro, grupo
em que se incluíam Quintero Aguiar, Gastão Torres e Celestino Costa. Apesar da coação, os
elementos probatórios de atividade subversiva eram risíveis e, por último, também Alda foi
solta em 21 de fevereiro de 1966, ficando o processo a aguardar melhor prova.
No Faúlha n.º 4, publicado em janeiro de 1966, em Acra, o CLSTP denunciava a prisão de
dezenas de são-tomenses em Lisboa, entre os quais Alda, professora primária e poetisa
conhecida: “A vida de Alda do Espírito Santo e dos seus companheiros está em perigo. A
fim de arrancar-lhes confissões imaginárias, a polícia portuguesa torturaos noite e dia, e as
suas condições de detenção são das mais desumanas”37. Em São Tomé, o impacto da prisão
foi limitado ou refluiu rapidamente. A afluência às festas da cidade passou à margem das
prisões em Lisboa. Afinal, o sentimento de discriminação racial era socialmente refractado
e, mesmo se interiorizado por uma elite, não ecoava em toda a população, uma parte dela
pobre e alienada, outra de passagem na terra e, porventura, identificada com as roças.
Uma vez libertada, Alda voltaria ao arquipélago38, na sequência do que se lhe teria fixado
residência na ilha do Príncipe39, o que, a ter sucedido, confirmava esta ilha como terra
de degredo. De regresso a São Tomé, ensinou na escola que, depois da independência,
receberia o nome de sua mãe. Em outubro de 1966, em função de informações de Paris, de
veracidade não comprovada, segundo a qual os movimentos nacionalistas teriam intenção
de iniciar imediatamente a subversão, mandou-se vigiar Alda40. De alguma forma, na ilha,
a ninguém era dado não estar ou não se sentir vigiado. Subsequentemente, a vida voltou à
rotina.
Entrementes, o relacionamento com os ilhéus tornava-se a preocupação maior da PIDE
e dos governantes. Para estes, um indicador importante era a concorrência às urnas. As
eleições serviam de barómetro da aceitação popular da governação que, sem questionar
o laço colonial, passara a incorporar objetivos de índole social. Para a PIDE, as eleições de
1969 decorreram na melhor ordem e com enorme afluência às urnas por se ter propalado
que o voto era, não só um dever cívico, mas um reconhecimento ao governador pelos
melhoramentos nas ilhas. Como seria hábito, a PIDE escrutinou a atitude dos desafectos à
situação. Alda e mais seis europeus não votaram41.

37 Nos termos da linguagem panfletária da época, tal prisão era a “indicação clara do pânico das autoridades colonialistas,
ante a firme determinação do povo” ilhéu “de pôr fim, por todos os meios, à odiosa dominação colonial portuguesa”,
entre eles “a luta armada”, pois o governo de Salazar não deixava outra alternativa. Na circunstância, o jornal publicava o
poema de Alda dedicado aos mártires de 1953, “Onde estão os homens caçados neste vento de loucura?”, cf. Faúlha n.º 4,
janeiro de 1966, p. 4.
38 Em São Tomé, para a PIDE, depois da notoriedade com a prisão, o regresso de Alda às funções de professora era muito
nefasto. Por isso, sugeriu-se a suspensão com base em falta disciplinar grave, a que correspondia a pena de aposentação
compulsiva ou de demissão (cf. ANTT, PIDE-DGS SC-CI(2) 4635, NT n.º 7363, relatório n.º 4, de 5 de março de 1966, do
subinspector Nogueira Branco). Tal recomendação não teve seguimento.
39 Informação de Jorge Heitor (in http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/28285, acesso: 8 de Outubro de
2012), que importa confirmar. Mata e Padilha adiantam que, na sequência da prisão, lhe foi fixada residência e que nos
finais dos anos 60 regressou a São Tomé (cf. 2006: 12), mas ficamos sem perceber onde se lhe teria fixado residência e
quando teria regressado a São Tomé. Foi-me dito que Alda retomou a actividade em São Tomé em 1966 (A. Nascimento).
40 ANTT, AOS/CO/UL-8 J, pasta 1, 50 subd., fl. 319, telegrama de 1 de outubro de 1966, do ministro ao governador de São
Tomé e Príncipe.
41 ANTT, PIDE-DGS SC-CI(2)-GU, S. Tomé, NT n.º 8970, fls. 488-492, relatório n.º 21/969, de 4 de novembro de 1969, do
inspector Nogueira Branco.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 185
Augusto Nascimento

Em 1972, de novo A Voz de S. Tomé publicou o poema “Natal na Ilha”, onde, a propósito do
Natal e das “cabaninhas de andala”, com um certo tom amargo Alda falava sobretudo do
dia do “Bocado”, isto é, da reunião das famílias de ilhéus no dia de Cinzas42. Mais relevante
foi o facto de em 1973 o Expresso ter publicado um poema seu de homenagem a Amílcar
Cabral43 , o que, certamente, lhe acentuou a notoriedade local. Por essa altura, quando
se preparavam as listas para as eleições, a 25 de março, dos dois órgãos do governo da
província, alvitrou-se a inclusão do seu nome, mas Alda escusou-se a integrar a lista da
União Nacional44.
Por vezes, alude-se a actividades do MLSTP em São Tomé e é de supor algum proselitismo
anticolonial entre ilhéus. Mas, afora um ou outro documento apreendido pela PIDE,
testemunhando mais inclinações políticas do que acções, não se conhecem tais atividades
nem os envolvidos, excepto pela boca dos próprios que também não concretizam o que
faziam, para além de serem contra o colonialismo e de esperarem pelo respectivo fim, o
que, em parte, derivava da situação ditatorial.
Nos derradeiros anos do colonialismo, concomitantemente à aceitação, ao menos aparente,
da condição de “portugueses” por parte substancial dos ilhéus, ter-se-á assistido a uma
mutação nos opositores ao colonialismo. Os elementos das famílias tradicionais e
ilustres, que aliavam a oposição calada à acomodação à situação colonial, foram perdendo
protagonismo para jovens que, por causa da qualificação académica, eram mais propensos
a abraçar a causa nacionalista. Professora de vários jovens, Alda terá incutido nalguns um
sentimento de revolta, um passo na sua consciencialização política. Após o 25 de abril,
acompanhá-los-ia no voluntarismo da Associação Cívica, o grupo pró-MLSTP dinamizado
pelos universitários radicalizados na metrópole45.
Socialmente distinta pelo estatuto da família, Alda dava-se com alguns europeus e com
um círculo restrito de amigos e de familiares, mantendo a distância face ao grosso da
população. Mas a distinção social de Alda advinha também da diferenciação cultural,
que lhe facultava uma leitura abrangente do mundo. Enquanto isso, tinha uma visão
paternalista do povo, visão a que incutiria um cunho político após a independência.
A sua comunhão com o povo era ideológica e política, mais do que emocional, salvo no
que de reactivo continha a rejeição da supremacia racial dos colonos (mas na qual não
seria acompanhada por parte significativa dos conterrâneos). De um certo ponto de vista,
a sua posição reproduzia a exterioridade dos independentistas, que, fora do país, eram
reconhecidos como representantes dos são-tomenses. Em 1974-1975, os exilados chegaram
com uma mensagem salvífica e, de caminho, com uma ascendência política, que também
se reconhecia a Alda.
Com a (prospetiva) nação delimitada pela clivagem racial, a independência fez-se contra os
brancos. Mas, pese embora o lema da “unidade”, fez-se igualmente contra os são-tomenses
que cultivavam a sua distinção social. Contra, afinal, o estrato social de que Alda era
oriunda. Tal lance exigia-lhe uma fé inabalável num credo que, todavia, era novo para o
comum dos são-tomenses aquando do 25 de Abril46.

42 A Voz de S. Tomé n.º 1070, 26 de dezembro de 1972, p. 6.


43 O poema sem título foi publicado com outro do próprio Amílcar Cabral e a caricatura deste no livro de curso de Agrono-
mia (Expresso n.º 4, de 27 de janeiro de 1973, p. 4). Em 1976, Alda publicaria o poema “Requiem para Amílcar Cabral”, de
20 de janeiro de 1973, in Revolução n.º 14, 16 de janeiro de 1976, p. 6.
44 ANTT, PIDE-DGS SC-CI(2)-GU, S. Tomé, NT n.º 8970, fls. 125-128, relatório n.º 3/973, de 16 de fevereiro de 1973, do
inspector Nogueira Branco.
45 Porém, como veremos ainda no período de transição, secundaria a decisão do MLSTP em detrimento de Gastão Torres e
dos jovens militantes da Cívica.
46 Apesar da reconhecida intransigência anticolonialista de Alda, uma das facetas surpreendentes para pessoas próximas
foi o radicalismo do seu ativismo político no pós-independência, também por esse radicalismo ter alijado laços de pro-
ximidade cultivados antes de 1975. Mais, por a ter levado a silenciar-se perante as acusações, as prisões e as violências

186 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

A militância ambivalente no período de transição


O 25 de Abril de 1974 e a independência vindoura pareceram dar razão ao inequívoco
distanciamento de Alda da situação colonial, que lhe conferiu proeminência no pós-25
de Abril, advinda também dos laços com os nacionalistas africanos. A proeminência foi
reforçada pelo (suposto) ascendente na Cívica, que, quiçá instrumentalmente, a invocava
como exemplo. Em todo o caso, tal não significava que a sua visão política estivesse em
sintonia com a da maioria dos ilhéus e, menos ainda, com a dos trabalhadores das roças,
oriundos de outras colónias, não obstante a denúncia da exploração do homem pelo homem.
Ainda que ela e mais independentistas se quisessem convencidos do contrário, o triunfo da
sua ideologia de coloração socialista – que exprimia um ressentimento de velado recorte
racial – tinha algo de conjuntural e menos a ver com as aspirações da terra. Após o 25 de
Abril, Alda mobilizou-se para moldar o emergente desejo popular de independência, para
o que se juntou à Associação Cívica Pró-Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe
(Cívica), o movimento político dos estudantes que visava impor a mensagem do MLSTP. A
23 de julho de 1974, publicou-se o n.º 1 do Presença de S. Tomé e Príncipe, órgão da Cívica,
dirigido por Alda.
Note-se o facto de outra agremiação política, a Frente Popular Livre (FPL), também ser
liderada por uma mulher, Maria do Carmo Bragança. A FPL começou a publicar o seu jornal,
Pôvô Kódáô, ainda antes do da Cívica. Todavia, o crédito internacional aos movimentos
de libertação e a radicalização política no rescaldo do 25 de Abril inviabilizaram sequer
a ponderação de quaisquer propostas da Frente, prontamente invectivada de neo-
colonialista.
Diferentemente dos conterrâneos de origem social similar, que, estribados na sua distinção
social, terão começado por olhar com condescendência (a breve trecho trocada pelo receio)
os propósitos revolucionários, Alda postou-se do lado dos jovens que, naquela conjuntura,
não contemporizavam nem com o colonialismo, nem com nada que se assemelhasse a um
vínculo colonial. Natural, pois, que se tornasse uma figura para a rebeldia juvenil e da
Cívica após o 25 de Abril.
Foi dito que Alda terá moderado o extremismo da Cívica “por estar ligada a um certo
espírito de disciplina comunista e bom senso anti-festivo”47. Porém, a extensão da eventual
ascendência sobre os jovens da Cívica queda por apurar48: atenta a época, pode pensar-se
que um certo sentido de disciplina militante ainda radicalizaria mais os jovens devotados
aos próceres do nacionalismo, entre eles, Alda. Em contrapartida, admite-se que ela possa
ter sido um travão ao protagonismo independente dos jovens da Cívica49. Mas não se pode
descartar a hipótese de ela somente os ter seguido e apoiado.

sobre pessoas de quem antes parecia próxima. Segundo Carlos E. Santo, em 1983, Maria dos Anjos Aguiar, presa por
distribuir panfletos contra o regime, seria libertada por intercessão de Alda, sua comadre (cf. 2014: 508-509). Mas não
foi esta a sorte de outros são-tomenses.
47 Tal foi a caracterização de Graça, 2011: 70. Foi-me dito por vários depoentes que ela não apoiava excessos como ameaças
a pessoas ou a apropriação indevida de bens em nome da luta contra a exploração. Mas não só tais afirmações, incluindo
de europeus, podem representar uma condescendência de amigos face a factos que o tempo relativizou, como, à época,
era difícil discernir, por exemplo, entre ameaças a colonos e luta contra o colonialismo.
48 Atribuiu-se-lhe a formação política dos jovens contra o colonialismo, refutando-se a negação dessa e de outras activida-
des por serem clandestinas e, por isso, desconhecidas do público. Essa doutrinação explicaria o facto de muitos jovens
terem voltado às ilhas após o 25 de abril (Mata e Padilha, 2006: 12-13). Lógica, a argumentação poderá ser verdadeira,
mas carece de base empírica, não se podendo demandar que se aceite como certo aquilo que cai fora do escrutínio da
investigação. Certamente, em 1974, vários jovens são-tomenses voltaram à terra natal por múltiplas razões, que não
necessariamente pela doutrinação de Alda.
49 Diga-se, até os envolvidos nos acontecimentos exporem as suas memórias dos factos (e não narrações que, compreensi-
velmente, os racionalizam e justificam), é difícil ir além da formulação de hipóteses.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 187
Augusto Nascimento

A inclinação demissionária da metrópole colonial não bastava aos independentistas. No


pico de agitação social, a 19 de setembro de 1974, Alda inspirou um dos sucessivos momentos
de reivindicação da independência do arquipélago. Nesse dia, após uma reunião de
mobilização, centenas de mulheres vestidas de preto manifestaram-se em frente do palácio
do governo. Recusando ser representadas por três delas50, acordaram em deslocar-se para
o portão lateral, aonde o governador Pires Veloso foi ao seu encontro. Alegavam que os
colonos tinham envenenado a água que abastecia a cidade e o sal vendido nas lojas. No
fim, Pires Veloso, para quem a manifestação era despropositada, terá interpelado Alda,
que estava “ligeiramente à parte”, “perguntando-lhe que palhaçada era aquela. Ela sorriu,
encolhendo os ombros…”51 Apesar da inconsequência em vez do martírio, o dia ficou como
a data da OMSTEP, sendo até hoje dia da mulher são-tomense. A 21 de dezembro de 1974,
Alda passou a ministro da Educação – ao tempo, a dignidade do cargo não fazia qualquer
concessão à verbalização de (pretensas) mutações nas relações de género – do governo de
transição. Apesar disso, Alda terá continuado a apoiar a mobilização política da Cívica
contra o dito governo, isto é, contra a colaboração com o colonizador. Porém, a dinâmica de
conflituosidade conduzida pelos cívicos criaria um dilema – que, a breve trecho, passou da
sociedade para o MLSTP – a saber, o de se estar contra, mesmo se prudentemente calado,
ou a favor dos cívicos. Na circunstância, estar a favor equivalia a calar o incómodo perante
as diatribes crescentemente encaradas como gratuitas.
A confirmar-se a hipótese de Alda ter estado contra o governo de transição, hipótese
plausível dada a exaltação revolucionária nesses tempos, tal indiciaria, mais do que
duplicidade, o incontido desejo de marcar presença em todas as frentes contra o
colonialismo e respectivos resquícios. É possível que Alda visse o governo de transição,
que integrava, como subordinado ao poder (ainda) colonial e que, por isso, se sentisse
legitimada a posições e a condutas que colidiam com a lealdade institucional. Também
é possível, quando não provável, que não tivesse nenhuma posição notória, limitando-se
a secundar a acção de Gastão Torres, um dos mentores da Cívica e, como ela, ministro.
A verdade é que, após a crise da tropa nativa, de março de 1975, não foi objecto de purga,
como sucedeu a Gastão Torres52 , de quem fora interlocutora nos amargos anos 60, e a Pedro
Umbelina, também ministro.
O braço-de-ferro com o alto-comissário Pires Veloso em torno da tropa nativa resultou na
aniquilação da Cívica. Fica por responder como (se) justificou Alda quanto ao ter passado
do incentivo à agitação empreendida pela Cívica para a posição da direção do MLSTP. De
súbito, esta deixou de apoiar a acção da Cívica, cujos dinamizadores foram humilhados
no comício da praça Yon Gato na presença do cunhado, Pinto da Costa, líder do MLSTP e
futuro presidente da República, que, ao menos tacitamente, se concertou com Pires Veloso
para refrear a agitação social.
Algo de inconcebível anos antes, as autoridades portuguesas dispunham-se a entregar o
território sem convulsões nem derramamento de sangue, o que requeria normalidade no
dia-a-dia. Ora, como outros elementos do MLSTP e da Cívica, Alda não quereria nada de
similar a uma unção paternal do poder colonial demissionário. Mas, a dado passo, com o
ambiente político na metrópole favorável, a direcção do MLSTP – ou, se se quiser, Pinto da
Costa – não quis prosseguir numa senda de radicalização que não só era escusada, como

50 Segundo Carlos E. Santo, uma delegação de três mulheres, liderada por Maria do Rosário Barros, terá sido recebida pelo
governador (cf. 2014: 507). Além da descrição de Pires Veloso, outras narrações da manifestação referem um diálogo
entre Pires Veloso e as manifestantes no portão lateral do palácio.
51 Veloso: 2008: 125. Já Fernandes considera que tal manifestação foi particularmente relevante enquanto exigência para a
abertura imediata de negociações (s. d.: 44), ideia só autorizada por uma visão autocentrada.
52 Em março de 1975, responsabilizado pela desestabilização social, Gastão Torres sairia para a metrópole.

188 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

diminuía o MLSTP face à fogosidade da juventude. Ademais, anteviu-se a corrosão do apoio


ao MLSTP caso este persistisse no apoio à Cívica.
Tendo ficado com os vencedores, Alda não terá tido de explicar nada aos jovens, de
quem, inopinadamente, se passou a dizer que, ao invés de heróis e revolucionários, eram
perturbadores. Além do laço familiar com Pinto da Costa, as razões para Alda ombrear
com o MLSTP terão sido a afectividade cultivada em Lisboa com os nacionalistas e a
(calada) perceção de que não tutelaria as acções dos jovens cívicos. Inopinadamente, estes
passaram a ser perseguidos ou, pelo menos, foi esse o sentimento que se apossou deles.
Alda empenhou-se na obtenção de acolhimento noutros países para os jovens coagidos a
deixar a sua terra a meses da independência.
Como a dos demais militantes da luta dessa época, a ambiguidade de Alda assentou
na ideia da necessidade de uma luta (de resto, uma extrapolação da sugestão das novas
autoridades portuguesas de criação da Cívica e, nalguma medida, tolerada por essas
autoridades), que sabia desnecessária contra um colonialismo em desmantelamento. Logo,
a luta da Cívica e de Alda (como, mais tarde, a do MLSTP contra o neo-imperialismo e
o neocolonialismo) acabava por ser contra os são-tomenses adeptos de soluções políticas
apodadas de neocolonialistas ainda antes da ponderação do respetivo conteúdo. Mas tudo
isso era de somenos face à independência53 .

Após a independência, a acção política a favor da “dos ventos da história”


São Tomé e Príncipe acedeu à independência a 12 de julho, aniversário do MLSTP. No hino,
com letra de Alda – o que também a ajudou a erigi-la em mãe da pátria –, está vertido o
sentimento anticolonial. Na bandeira, com as cores do pan-africanismo, as ilhas surgem
representadas por duas estrelas negras. No escudo do país inscreveu-se a divisa “Unidade
Disciplina Trabalho”, ideologicamente congruente com o voluntarismo do momento da
independência. A nação tecia-se de anticolonialismo, de uma velada delimitação racial e
da promessa de igualdade. Diga-se, para Alda, o igualitarismo caminhava de par com o
vínculo do indivíduo à comunidade, com um certo ascetismo e, nessa medida, com uma
dada elevação moral. Para Alda, a única distinção louvável era a decorrente do desempe-
nho político e cultural.
Em certas famílias, preservara-se a memória da militância nativista ou pan-africanista
dos ascendentes. Mas, destroçada desde a década de 1930, a acomodada elite da terra foi
totalmente depreciada pelos dirigentes triunfantes em 1975. A excepção foi Alda. A par
do laço familiar com Pinto da Costa, a demarcação dos europeus, a resistência obstinada
ao colonialismo e a filiação no MLSTP conferiram-lhe o estatuto de mentora­ espiritual
da nação. Porém, a deferência de que foi alvo terá sempre excedido o seu peso político54 ,
porventura menor do que por regra se supõe, desde logo pela menorização das individua-
lidades numa estrutura norteada pelo centralismo democrático.
Na falta de competição política aberta e dada a escassez de testemunhos, é difícil detalhar
o percurso de Alda após 1975, que, no essencial, consistiu na sua devoção às metas do
MLSTP e na desresponsabilização individual, resultante da subsunção da sua posição à
ação colectiva pautada pela propaganda ideologizada acerca do rumo do país. Assim, a
par da exposição de alguns factos, aventaremos hipóteses sobre o que a nortearia e sobre
eventuais juízos seus acerca da evolução do seu arquipélago.

53 Cf. Nascimento, 2014a e 2014b.


54 Anos depois da independência, da parte dos dirigentes mais novos, da ex-Cívica, existia deferência para com Alda.
Porém, importaria saber em que medida tal deferência se devia ao papel de Alda na sua formação e à proteção obtida
para eles em 1975 ou, diferentemente, ao acatamento da hierarquia, assaz prezado no regime de partido único.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 189
Augusto Nascimento

Como noutros países africanos, os dirigentes declararam-se legitimados e, a despeito da


propalada predisposição para aprender com as massas, consideraram-se omniscientes e
detentores da verdade. A reiterada identificação dos independentistas com os conterrâneos,
a esmagadora maioria deles despolitizada e apartada das propostas socialistas do MLSTP,
passava muito pela ideologia ou, mais exactamente, pela retórica nos rituais políticos com
que se aparentava comunhão entre governantes e governados. À partida, Alda estaria,
talvez, menos distante dos seus concidadãos do que os exilados chegados em 1975, mas o
tirocínio do poder tê-la-á colocado, também a ela, numa rota de crescente afastamento de
muitos compatriotas.
De início, a nação foi sentida fraternalmente por muitos ilhéus em vista das diferenças
face aos colonos, subitamente tornadas evidentes, entre elas, a da coloração epidérmica e a
dos privilégios injustamente inerentes à condição de branco. Para lá da micro-insularidade
e da relativa homogeneidade cultural, os sentimentos nacionalistas passaram a referir-se
a uma nação que, mais do que imaginada, era percebida, dado o conhecimento mútuo
dos são-tomenses. Na época, tal favoreceu o triunfo de uma conceção de sociedade que,
incorporando traços de modernidade, sugeriu laços de pendor vinculativo, a que, de resto,
também ajudava o carácter totalitário da ideologia socializante do projeto independentista.
Com efeito, a par da inevitável interação pessoal, transitoriamente a ideologia avivou a
ilusão de que os laços entre os são-tomenses podiam ser tão orgânicos como noutros meios
africanos. Contudo, São Tomé e Príncipe era uma sociedade pautada pelo individualismo,
que, equivocado pela sua hegemonia, o MLSTP julgou passível de eliminar através da
tentada criação do homem novo .
Crente na bondade do projeto independentista e na transformação da índole humana, crente
na história transportada no sangue, Alda revelou-se uma acérrima voluntarista, pugnando
por um vínculo imperativo entre os são-tomenses, na prática, traduzido na obediência
aos ditames políticos e morais dos dirigentes do MLSTP. Tal obediência separava os são-
tomenses autênticos dos que, de acordo com os dirigentes, renegavam a sua condição.
Esta conceção orgânica viria a ser contraditada pela evolução do mundo e pela resiliência
da idiossincrasia local, por algum tempo ainda tributária de uma moral (institucional)
da era colonial e, sobretudo, de um modo de vida acomodado, mais dado aos pequenos
prazeres do dia-a-dia do que a lutas. Não se revelaria fácil mudar a índole dos ilhéus (e,
diga-se, se tal vem a suceder não parece ser por força de ideologias).
Tal empurrou os dirigentes para um crescendo de ameaças, travestidas de luta contra
o neocolonialismo e o neo-imperialismo. Obtida a independência ao cabo de anos de
sofrimento e de militância, entre os dirigentes perguntar-se-ia para quê fazer concessões
burguesas que só perpetuariam o obscurantismo dos conterrâneos. Poderia uma leitura da
história empiricamente escorada na luta entre dois blocos mundiais, corporizando o bem
e o mal, deixar de guiar a ação política libertadora da alienação do colonialismo que não
desaparecera automaticamente com ele?
Justamente, uma das continuidades notórias entre o colonialismo e o pós-independência
foi a relação paternalista entre os dirigentes e o “povo”. A exemplo do sucedido na era
colonial, o MLSTP pretendia conduzir o “povo”. A diferença residia na proposta do homem
novo e de uma nova sociedade, que, todavia, começavam a ser diferidos no exato momento
em que o poder colonial era substituído pelo independentista. Com decalques do poder
colonial, o poder independentista não era necessariamente novo, nem “popular”. Com
efeito, “popular” era, sobretudo, uma etiqueta colada a tudo, até a um poder destituído

190 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

de conteúdo político consonante com qualquer princípio de basismo ou, por exemplo, de
resgate da cultura popular, da qual, como veremos, Alda se apartava55.
Após a independência, Alda do Espírito Santo, que conceberia a escola como um antídoto
contra a danosa influência do conservadorismo das famílias, foi ministro da Educação e
Cultura Popular. Enquanto tal, defendeu que o ensino devia contribuir para a reconstrução
do país, assente no esforço colectivo consentido por todos, presumidos “militantes da
Pátria comum, ao serviço do Povo”. Propôs como meta a alfabetização, mas, igualmente, a
inculcação de nova mentalidade, de modo a que, por exemplo, as aprendizagens de cunho
prático convergissem com as necessidades locais. Por exemplo, numa localidade piscatória
o ensino devia incidir na pesca56. A ter-se concretizado, tal proposta, na qual se insinuava
a valorização ideológica do trabalho braçal57, importaria no imobilismo social. Não é
difícil supor a sua recusa pela população que, ao tempo, ainda encarava a escola como
mecanismo de mobilidade social, não como meio de replicação das assimetrias sociais.
Não tardaria muito, Alda passou a Ministro da Informação e Cultura Popular. Por causa da
rigidez hierárquica, aos olhos dos subalternos, a autoridade de um ministro parecia imensa.
Porém, ser ministro equivalia a ter um cargo de latitude de decisão restrita, como sucedia
com todos os dirigentes e governantes. Mesmo se potencialmente discricionário, o poder
era limitado e prendia-se mais com minudências, como, por exemplo, a de autorizar, ou
não, o uso de pseudónimos pelos jornalistas do jornal do regime, Revolução. Os ministros
tinham menos poder para delinear políticas do que necessidade de gerir necessidades
e, também por isso, a toda a hora vincar a autoridade no tocante ao funcionamento das
instituições e ao desempenho dos subordinados.
Ainda assim, controlar a informação parecia uma missão exequível. Já transpor ideias
sobre a cultura para o quotidiano de um povo a experimentar crescentes privações era
assaz difícil, se não impraticável. Aliás, não se apostava na cultura, erudita ou popular,
alegando-se a prioridade da resolução de necessidades básicas, que, não obstante, não
cessavam de se agravar. No fundo, para os políticos, a “cultura popular” respeitava, não aos
costumes dos são-tomenses, mas à reverberação do bordão da injustiça do colonialismo e,
de caminho, da adesão exultante ao MLSTP.
Por isso, a promoção social dos factos culturais são-tomenses, para os políticos,
destituídos de valia intrínseca ou subordinada à da ideologia, era uma meta secundária.
As injunções político-ideológicas deveriam vazar-se através da teatralização caricatural da
era colonial, cujo legado de alienação se pretendia erradicar. Mas essa dramatização era de
rala eficácia, porquanto, depois da exaltação com a independência, uma fração crescente
dos ilhéus tendia a apartar-se do MLSTP e do seu socialismo. Ao arrepio do palavreado
ideologizado, expendido nos comícios ritualizados, parte dos ilhéus encarava as privações
e as interdições como uma canga, não como um oportunidade para uma transfiguração
ideológico-cultural.

55 Considere-se a opinião de Carlos Espírito Santo, que defende que os seus contos veiculavam sabedoria popular (2012b:
24). Em todo o caso, nem o recurso aos referentes da terra veicula forçosamente tal sabedoria, nem a cultura popular se
resume a tais referentes, que terão composto, ou não, tais narrativas populares.
56 Revolução n.º 3, 22 de agosto de 1975, pp. 3-7. Em consonância, em 1978, Alda do Espírito Santo aludiu a uma “ciência do
povo”, qual “enciclopédia oral da história das forças produtivas” (1978: 191). Ora, o “povo” não se mostraria muito cioso
desse bem.
57 Ao tempo, esta era uma nota ideológica aliciante. Porém, só anos mais tarde se criaria uma escola de campo, de vocação
rural, cuja função acabou por ser sobretudo simbólica.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 191
Augusto Nascimento

O labor ideológico em vão…


A somar às relações familiares, o facto de Alda se ter colocado precocemente no campo
independentista tornara-a uma figura simbólica. O tratamento de “D. Alda” não era o do
uso informal do termo “dona” do dia-a-dia nas ruas e mercados. Era diferente, também por
ser veiculado pelos órgãos de informação, mormente no Revolução, onde a “camarada Alda”
se seguia a menção do cargo, por exemplo, Presidente da Assembleia Popular Nacional.
Diga-se, o desempenho enquanto presidente da Assembleia, por três mandatos58, foi pouco
mais que formal59, desde logo pela localização da sede de poder em círculos restritos e
informais, mesmo se acobertados pelo MLSTP. Após 1975, Alda foi perdendo poder, que
terá sido sempre diminuto, mas manter-se-ia como um vulto de referência, em razão do
que eram (ou se imaginava que fossem) escutadas as suas palavras pelos são-tomenses (não
sendo certo que outros dirigentes se ativessem ao que ela poderia dizer, assim como não se
tem indícios de ela ter destoado da cúpula do MLSTP).
Alda foi uma figura de excepção no tocante à afirmação anticolonial. A coragem em 1953, a
prisão pela PIDE e, quiçá, a instigação da manifestação das mulheres em Setembro de 1974
aureolaram-na como exemplo para as são-tomenses. Estas circunstâncias indicavam-na
para expender discursos políticos, conquanto estes pouco mais fossem do que uma retórica
moral60 atinente a granjear apoio para o MLSTP.
Após um período de performances de promoção das mulheres – supostamente imanente
a atividades da OMSTEP, que, hoje, mais se assemelham a rituais de subordinação –,
gradualmente foi-se abandonando a ideia da emancipação feminina, na medida em que se
a presumiu decorrente do engajamento na reconstrução nacional61. Ora, tal pressuposto,
em teoria lógico e plausível, não teve a comprovação em São Tomé e Príncipe e se, contra o
peso da inércia, alguma libertação das mulheres, entendida como processo de reequilíbrio
das relações de género, ocorreu (e ocorre), isso não advém apenas do pós-independência62,
conquanto a massificação do ensino tenha sido um forte instrumento de mobilidade
social63.
A perspetiva de Alda sobre a emancipação da mulher subordinava-se a uma visão política,
avessa a noções abstratas ou subjectivas de liberdade ou a interpelações do feminismo.
Aquando do primeiro Dia Internacional da Mulher após a independência, a proposta de
reflexão de Alda às jovens consistiu num guião moral, quase penitencial, onde não cabia
o desejo, nem, sequer, o devaneio. Segundo Alda, com o desmoronar da barreira colonial,
importava abandonar o paternalismo (onde, presumamo-lo, se incluíam o patriarcalismo
e o machismo). Às mulheres, competia unirem esforços para a resolução dos problemas
de homens e mulheres. As jovens tinham de estar perto da mulher trabalhadora, pois “a
força da juventude não significa um lazer efémero e frívolo”. Às jovens, pediu que não se

58 Carlos Espírito Santo alude a dois mandatos, correspondentes a duas legislaturas, entre 1980 e 1990, cf. 2012b: 14.
59 Diga-se que ela mesmo contribuiu para isso. Por exemplo, no discurso no encerramento da 3.ª legislatura da A. P. N.,
Alda do Espírito Santo nada disse de politicamente substantivo, cf. Revolução n.º 498, 28 de março de 1987, p. 2 do
suplemento e p. 3.
60 Na era colonial, Alda focara-se na libertação das mulheres, mormente na opressão do código civil português, tendo lido
sobre a evolução da instituição do casamento ao longo da história e numa perspetiva comparada, conforme o denotam os
apontamentos apreendidos pela PIDE, indiciadores da preparação de uma conferência. Em todo o caso, em São Tomé e
Príncipe, a lei era menos relevante, porquanto a esmagadora maioria das uniões não eram matrimónios e a desigualdade
de género em pouco resultaria da lei. Já depois da independência, por via do empenho político, Alda subsumiu a liberta-
ção da mulher no apoio ao MLSTP.
61 Veja-se Santo, Alda, 1978: 195.
62 Nem linear nem adquirida, a propalada libertação das mulheres não dependeu somente da política no pós-indepen-
dência. Alguma recomposição das relações de género deveu-se quer a traços de cultura institucional herdada do tempo
colonial, quer à recente acção de ONG apostadas na ajuda ao país.
63 Nos primeiros anos após 1975, a universalização do ensino constituiu um poderoso instrumento de mobilidade social e
contribuiu para maior equilíbrio nas relações de género.

192 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

iludissem com gracejos que as tornavam fúteis, pois que faziam “parte dum exército, que
exige um mundo sem discriminações”64. De acordo com Alda, “uma sociedade democrática
não pode admitir a prostituição física, intelectual e social de qualquer dos seus membros”65,
uma asserção genérica que, parecendo politizadora, era moralista e dúplice, por ninguém
ignorar os casos de poligamia entre dirigentes e ser irrealista instar jovens a abdicar de
desejos em nome de uma revolucionária moral de ferro que, de resto, nos anos seguintes
teria de arrostar com a deliquescência das instituições, as privações e as dificuldades
extremas de sobrevivência, impelindo à troca de favores sexuais por acesso a bens e a
oportunidades.
Em teoria, a juventude pareceria matéria-prima mais moldável. Ora, o contacto com o
mundo, viabilizado pela instrução, tornou-a desejosa de autodeterminação, de bens, enfim,
do que era negado pelo regime, cujas ideologia e duplicidade essa juventude começou a
contestar em surdina, no que ecoaria a influência dos progenitores.
A proposta de vida para as mulheres (e homens) são-tomenses, que não dos dirigentes,
fora delineada nos primórdios da independência: incorporação em organizações de base
do MLSTP e ocupação do dia-a-dia com tarefas revolucionárias. Já em 1985, por ocasião
do aniversário das milícias populares, Alda defendia que um miliciano devia manter a
disciplina e a ordem no bairro, cabendo-lhe desenvolver iniciativas e preencher os tempos
livres com ocupações de carácter social66.
Ao tempo, o país já passara por uma inusitada seca e pela consequente fome, o regime dava
sinais de impasse, a rua apartara-se do MLSTP e não tardariam os sinais de uma mudança
radical de paradigma ideológico. Daí que, perante um discurso tão datado e alheio à
realidade, se tenha de perguntar até quando prevaleceu a fé numa construção política,
económica e social que, à saciedade, provava ser ineficaz, sendo, além disso, encarada como
uma canga pelos são-tomenses. Como foi possível que Alda não vislumbrasse os sinais de
dissensão por demais evidentes a quem percorria a pé ruas e mercados?
A fé de Alda no caminho político do MLSTP mantinha-se inabalável. Por exemplo, em 1982
– já depois da deserção de Carlos Graça, do exílio de Miguel Trovoada e de demissões no
Comité Central –, Alda não teria dúvidas. Nesse ano, o da ofensiva ideológica do MLSTP, Alda
integrava o Bureau Político do Conselho Coordenador para Informação e Formação Política
e Ideológica67. Na Assembleia, Alda reiterou o completo alinhamento com as resoluções
da 3ª Assembleia Extraordinária do MLSTP realizada em 198268. Além de protocolar, as
palavras não podiam ser mais canónicas, o acatamento da hierarquia mais vincado e a
crença mais reiterada, sem sombra do menor laivo dubitativo. E assim perseverou nos anos
seguintes porque, afinal, também o ambiente político assim o determinava.
Parecia o regime embalado na senda autoritária, quando subitamente, porventura por
efeito da seca de 1983-84, começou a mostrar fissuras, transformadas em sinais de abertura
à diferença na segunda metade da década de 1980. Depois da alteração constitucional de
64 Em 1984, o juramento à bandeira nacional dos “combatentes” – na realidade, agentes da Segurança – da Direcção da
Segurança e Ordem Interna foi presidido por S. Ex.ª, D. Alda, membro do Bureau Político do Comité Central do MLSTP
e Presidente da Assembleia. Segundo ela, em razão da Constituição, “a defesa da Pátria e da Revolução é o dever de
maior honra de todos os cidadãos”. Dos novos 52 agentes, 21 eram mulheres a quem Alda exortou a darem “atenção à sua
formação política, ideológica e combativa” para enfileirarem no movimento feminino mundial em luta contra a opressão
e a injustiça para que pudesse haver paz no mundo, cf. Revolução n.º 411, 7 de abril de 1984, p. 2.
65 Revolução número especial, 8 de março de 1976, p. 1.
66 Ao falar sobre os princípios que nortearam a instituição das milícias em Março de 1978, Alda enfatizou que as pequenas
iniciativas do dia-a-dia se revelavam grandes realizações quando elas se manifestavam de forma colectiva e organizada,
cf. Revolução n.º 436, 23 de março de 1985, p. 1.
67 Revolução n.º 251, 18 de novembro de 1982, p. 1.
68 Revolução n.º 293, 12 de janeiro de 1983, p. 1. Ora, idêntico alinhamento evidenciou-se aquando do anúncio de um “rea-
justamento macroeconómico”, isto é, da adoção de um modelo económico totalmente oposto ao da economia socialista
planificada e centralizada. Denotando uma lealdade sem baias, Alda vincou a fidelidade da Assembleia à nova senda do
MLSTP, cf. Revolução n.º 500, 18 de abril de 1987, pp. 3-4.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 193
Augusto Nascimento

1990, a nova arquitetura de poderes e a diversidade de temas e de registos discursivos


retiraram a Alda a proeminência de outrora. Restava a admiração de alguns pelo seu
inabalável passado nacionalista, feito de crença ou devoção, que não de análise ponderada
e de consequente inquietação política e ética quanto às restrições e violências que, após
1975, se abateram sobre as pessoas do “seu” povo.

Da reticências face às tradições à defesa da cultura são-tomense


Em 1975, apesar da fraternidade com os irmãos de raça negra, a ideia de africanização69
– entendida como apropriação das instituições pela sociedade, desregulação social e
informalidade crescente dos processos decisórios – não era cara a Alda, nem a outros
dirigentes. Embora subjacente às palavras de ordem relacionadas, por exemplo, com o
resgate da posse da terra através da nacionalização das roças, nem sequer a velada inversão
da racialização do poder decorrente da independência se constituía como um mote do
discurso. A matriz ideológica socialista era mimética de cartilhas soviética e cubana,
sem lugar para indagações acerca da coloração local do socialismo70 e, menos ainda, do
lugar (marginal) das tradições africanas. Para os dirigentes do MLSTP, os desempenhos
performativos eram acessórios.
Na esteira do gosto cultivado pela elite local até meados dos anos 60, Alda revelou apreço
pelo teatro, conquanto lhe tenha tentado imprimir um cunho militante. Poderá ter ali-
mentado o intento de guindar o teatro a actividade regular e não ocasional, articulando-o
com a alfabetização e, sobretudo, com a doutrinação ideológica. Assim terá imaginado o
reviver de manifestações folclóricas, “conservando os valores artísticos do povo”71.
Todavia, somada à desertificação cultural do tempo colonial, a inexistente liberdade de
expressão e, bem assim, de circulação e de debate de ideias após a independência atrofiou
a criatividade cultural, mormente a literária. Para além dos constrangimentos da terra, da
falta de ambiente institucional e de hábito de cultura erudita, também o viés politicamente
engajado tolheu a criação literária72 .
Alda fora educada num ambiente onde se encarava a escrita como forma privilegiada
de expressão da consciência. Ademais, a valia da criação literária fora encarecida pela
propensão dos líderes independentistas para forjarem uma dimensão estética para os seus
propósitos políticos, sobretudo, através da poesia. No pós-independência, o único vulto
literário ou da cultura da terra era Alda. Todavia, a excluirmos a poesia, cuja apreciação não
cabe neste texto, a sua obra não é magna nem profunda73 .
À sua visão livresca da cultura e à preferência pelo letrado em detrimento do sensorial e do
performativo, Alda somou uma visão instrumental da criação literária, a qual devia servir
a causa “popular”. Em 1978, na qualidade de ministro da Informação e da Cultura Popular,
presidiu a um colóquio sobre “Poesia como forma de Combate”, inserido nas comemorações

69 A africanização da política – no sentido da adequação das instituições a valores ou relações sociais locais – não era um
objetivo. Só se tornou um mote dos discursos após a falência da ideologia socialista.
70 Noutros países, embora inconsequentemente, ainda se aludiu à necessária adequação do socialismo às características
locais. No arquipélago, sob o regime de partido único, não houve diálogo de facetas culturais ou da idiossincrasia da
terra com os desígnios políticos, assim como não se mencionou a necessidade de compaginar a arquitetura política com
os valores culturais ou de se chegar a um socialismo africano.
71 Revolução n.º 3, 22 de agosto de 1975, pp. 3 e 7.
72 Em várias entrevistas, Alda afirmou nunca ter tido o desejo de escrever poemas intimistas ou líricos, onde espraiasse
uma subjetividade pessoal, tendo preferido a poesia de combate e em prol do colectivo. Ora, durante anos, esta opção,
que pretextou ter sido uma escolha sua, pairou como uma obrigação para a criação poética na terra.
73 Considerada a poetisa de São de Tomé e Príncipe, de 1978 a 2002 não publicou qualquer livro, como lembrou Gerhard
Seibert (http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/6546, acesso: 2 de outubro de 2012). Arriscamos dizer que
a sua produção poética esteve muito ligada à expressão dos sentimentos resultantes da vivência colonial. Já após 1975,
como que a política, decerto geradora de perplexidades, fez estiolar a veia poética.

194 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

do 6 de Setembro, ao tempo, dia dos Heróis Nacionais. Enquanto “expressão do povo” ou


“encomenda social”, a poesia devia traduzir a vida do “povo em luta pela reconstrução
Nacional”, cabendo aos poetas não serem indiferentes aos intentos hegemónicos do
imperialismo74 . Por conseguinte, sobre as várias formas de criação literária impendia um
juízo de valor derivado da articulação com a luta , o que fazia com que a crítica literária ou
a mera opinião de gosto se cingissem ao crivo da adequação da literatura aos (supostos) fins
da luta do povo.
Diga-se, no pós-independência, o efeito atrofiador da repressão política, qual réplica do
enquistamento no tempo colonial, e o esvaziamento do espaço público fizeram baixar o
padrão intelectual dos dirigentes e, com isso, o nível de interrogação e de questionamento
político e ético75 . Não só não se erigia uma literatura, noutros casos encarada como uma
síntese da identidade nacional – ideia partilhada por Alda76 –, como não se alteravam as
premissas para remover os resquícios do obscurantismo colonial, porquanto se tolhia a
mínima expressão de pluralidade ou dissonância77.
Muitas decisões políticas terão sido tomadas contra o que os dirigentes intuíam, quando
não sabiam, ser o sentimento popular, cujo caráter retrógrado atribuíam ao lastro do
obscurantismo colonial. Para os políticos, a plataforma de encontro dos seus desígnios
com os desejos e as necessidades dos são-tomenses passou a ser o homem novo, pauta
de qualidades morais que, de forma esconsa, serviria à contenção social e política. Para
os seus propugnadores, o homem novo libertar-se-ia da alienação colonial. Na esteira
deste propósito, certas tradições eram encaradas, se não com hostilidade, ao menos com
cepticismo, como resquícios do arcaísmo mental da era colonial.
Indubitavelmente, Alda participava desta visão. Adepta do progresso, era filha da
socialização em contextos europeizados e europeus. Conhecera os líderes, que, animados
pelo seu triunfo, se arrogavam o direito de eliminar as tradições que tinham por retrógradas
e contrárias ao seu poder. Como se mencionou, Alda tinha uma noção elitista e livresca da
cultura, valorizando-a por supostamente impelir os homens à consciencialização de si e do
mundo, processo expectável, quando não forçosamente, conducente à adesão ao progresso,
ao igualitarismo e ao homem novo.
Até por não ter participado delas, Alda olharia com distância ou condescendência as
chamadas tradições78. O seu projeto para as tradições culturais era o de uma politização
ao serviço da visão ideológica do MLSTP. Alda explicou os artefactos culturais de cada
povo pela referência ao estágio de evolução das forças produtivas, que cumpria não
empecer. Ela abraçou o desígnio da modernização, que colidia com hábitos na terra.
Alguma tolerância para com os costumes da terra escassearia para a religião católica79 ,

74 Revolução n.º 44, 29 de setembro de 1978, p. 6.


75 Desde a independência até há pouco, a atomização e a dispersão dos indivíduos mostraram-se tão mais pronunciadas
quanto a terra não tinha tradição de produção intelectual, facto contra o qual Alda tentou lutar tardiamente.
76 Em entrevista a Deolinda Adão, Alda disse “… a literatura é fundamental, quer no processo de identidade nacional, quer
no processo de concepção da nação. Porque, evidentemente, sem a cultura – a cultura é básico – eu considero que a
cultura é fundamental em qualquer projecto de vida”, in Mata e Padilha, 2006: 120.
77 A dissonância passou para o corrosivo boca-a-boca da rua e cristalizou em ressentimento, o que, até ao presente, contri-
bui para as dificuldades de análises ponderadas e de um debate político profundo.
78 A africanidade tenderia a resumir-se ao resgate da dignidade política, económica e social dos africanos (para Alda,
incluídos os ex-serviçais) vilipendiados pelo colonialismo.
79 À luz da vulgata marxista, o caráter opressivo e alienatório da cultura europeia era comprovado pela religião. Para
Alda, as “culturas estrangeiras que se infiltraram no continente, com o objectivo de exterminar as realidades dos povos
africanos, foram assimiladas nos seus aspetos negativos, no domínio de determinados ritos, cuja simbiose se introduz na
prática do obscurantismo” (Santo, Alda, 1978: 191). À época, a auréola de cientificidade do socialismo e o voluntarismo
transformista que nele buscava legitimidade supostamente retiravam o carácter opressivo à abordagem europeizada da
vida social que esse mesmo socialismo acarretava, cf. Nascimento, 2014c.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 195
Augusto Nascimento

na qual fora socializada80 mas que olhava como instrumento de dominação colonial e,
consequentemente, de alienação.
Igualmente, Alda depreciava a afectividade derivada da mundanidade que considerava
fútil. Por exemplo, desqualificou o apego à camisola de uma agremiação desportiva81.
Decerto, afigurava-se-lhe despropositada uma lealdade horizontal como a resultante
da afectividade investida num clube desportivo, um alvitre politicamente significativo
porquanto fora a esse afecto que a elite tradicional da terra se entregara no tempo colonial.
Os hábitos ou as “instituições” da terra pareceram ceder perante as mudanças sociais
induzidas pelos dirigentes, cuja leitura do mundo, muito determinada pela clivagem dos
blocos e pelas circunstâncias do acesso à independência, justificava o voluntarismo posto
na aceleração da mutação (e, veladamente, a regeneração) social, mesmo se para isso se
carecia de contenção e, até, de alguma repressão, de antemão justificadas porque exercidas
em nome do povo. Independentemente da falta de bens (quando não também por causa
disso), condicionaram-se as escolhas do dia-a-dia à luz de uma moral implícita, que taxava
os desejos, os hábitos e as crenças das pessoas de alienação e de decadência.
Cumpria, pois, sacudir as reminiscências do obscurantismo colonialista. No tocante às
crendices, comungando da prudência táctica própria da vanguarda, descrente das virtudes
terapêuticas do djambi , Alda não deixou de sugerir a preservação da vertente performativa,
isto é, dos ritmos e sons. Tal era a opinião de quem, não participando de tais manifestações,
julgava ter poder sobre os moldes da respectiva sobrevivência. À ideologia socialista,
assente em bases científicas, cumpria conferir às tradições um suplemento de sentido que,
em si mesmas, as tradições não continham. No fundo, importava neutralizá-las para que
não obstassem à construção do homem novo82 .
Foi tarde ou, mais precisamente, depois da falência da ideologia socialista, que Alda
retornou à valorização da cultura popular, da identidade e, até, da religião. Como outros
dirigentes no pós liberalização política, ela caminhou no sentido da reabilitação das
tradições da religiosidade popular, exaltando as qualidades do povo, em que ela cria, mas
do qual fora apartada e também se apartara no pós-independência.
Talvez Alda procurasse algo mais perene do que os ideais políticos, entrementes
abandonados pelos seus companheiros, e, também, que pudesse unir os são-tomenses83 .
Quando, depois de ter cindindo os são-tomenses ao invés de os agregar, a ideologia
socialista dava sinais de ruir, o campo cultural surgia como apropriado para aproximar os
são-tomenses, um desiderato tão prezado por Alda quanto inalcançável nos termos em que
sucessivamente ela o foi equacionando.
Ainda presidente da Assembleia, Alda promoveu a criação da União Nacional dos Escritores
e Artistas São-Tomenses (UNEAS), de que foi a personificação84 . A UNEAS, instituída

80 Nos anos 80, ouvi dizer que algum do freio nas políticas anticlericais do MLSTP se devera a instâncias de Maria de Jesus
Agostinho das Neves, mãe de Alda do Espírito Santo e sogra de Pinto da Costa.
81 Em consonância com a voragem ideológica pós-independência, para Alda, não havia lugar para desejos ou paixões
banais. Ora, ao censurar o apego clubístico, Alda não podia ignorar a existência do Sporting, hoje prezado como cadinho
de nacionalistas, mas não por ela naquele tempo. A aversão de Alda ao clubismo derivava do interesse na conscienciali-
zação política e, de caminho, na submissão de interesses particulares à devoção ao Partido, o que passava pela supressão
de solidariedades horizontais.
82 Ao tempo, era nula a ponderação política da cultura, desvalorizada face à ideologia. Importava mudar radicalmente a
cultura da terra, o modo de vida e a visão do mundo tributários do colonialismo.
83 Alda valorizou este movimento ao depreciar o seu tirocínio como governante e vulto do regime do partido único, tendo
afirmado “ocupei cargos por ocupar” (in Laban, 2002: 103), asserção flagrantemente contraditada pelo seu empenho e
pela sua crença nas virtudes do regime de partido único de inspiração socializante.
84 No 1.º Fórum Nacional de Cultura, Frederico Gustavo dos Anjos disse que a UNEAS só fora respirando enquanto Alda do
Espírito Santo estivera presente, cf. http://www.telanon.info/cultura/2011/11/23/9068/no-lugar-da-oracao-de-sapiencia/,
acesso: 28 de novembro de 2011.

196 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

a 30 de Setembro de 198685 , tentava ser uma plataforma de congregação dos criadores


culturais. Seguir-se-ia a criação da Liga dos Escritores dos Cinco em julho de 1987, sediada
no arquipélago.
Possivelmente, Alda quis convencer-se de que os letrados ou os criadores artísticos se
distanciariam dos interesses económicos e materiais, juntando-se, portanto, à nobreza
de ideais da independência. Porém, assistiu à decrescente influência da cultura letrada e
erudita no tecido social são-tomense, ao mesmo tempo que a criação plástica se tornava
um produto de mercado.

De resistente cultural a símbolo da cultura?


Após 1975, a cultura tinha préstimo se mobilizável enquanto adereço da ideologia. Anos
depois, ganhou uma espessura própria, pelo que os heróis passaram da política para a
cultura. A valorização da cultura como plataforma de luta pode invocar a sombra tutelar de
Alda, que aludiu à cultura local como forma de resistência86, quiçá mais para reafirmar uma
disposição resistente do povo são-tomense do que por entrever tal atributo na cultura87.
Atribui-se a Alda uma postura incómoda para o colonialismo, o que lhe teria valido “a
perseguição da polícia política, tendo-se tornado bastonária da defesa dos valores culturais
são-tomenses”88. Também se a considera uma figura “emblemática da resistência cultural
de certo período da História das Ilhas”89 . Porém, queda por saber como é que tal se
transmudou, se se transmudou, num desempenho político em prol da cultura da terra.
Presentemente, a reivindicação de uma identidade assenta numa intentada politização da
cultura popular – que teria sobrevivido incólume à adulteração resultante da dominação
colonial – e da língua. Ora, se em relação à língua se pode dizer que Alda entrevira nela
a expressão de uma alma diferente da do colono, no mais, a suposta consolidação da
identidade nacional não assentou na afirmação de uma cultura específica e irredutível. Ao
invés, passou pela insistência em rituais herdados do Estado colonial, conquanto revestidos
de novos símbolos e referentes, bem como pela imposição de renovados mecanismos de
controlo, facilitado pelo isolamento, exiguidade da terra, contiguidade forçada, escrutínio
recíproco e, também, pela assunção das pessoas como pertences da nação.
Curiosamente, dadas a carga ideológica do seu pensamento e a sua fidelidade ao MLSTP,
Alda não partilhou dos equívocos da atribuição de carga política à cultura popular. Alda
evoluiu do voluntarismo radical e transformista à contemporização relativamente à
idiossincrasia dos conterrâneos. Ela passou da tentativa de definição do “verdadeiro são-
tomense”, coeva do monolitismo do partido único, à pergunta “quem é o são-tomense?”,
da era multipartidária, para a qual procurou debalde uma resposta, onde, eventualmente,

85 Albertino Bragança alude a 1985 como o ano da criação da UNEAS, cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/mes-
sage/28533 (acesso: 8 de outubro de 2012). Porém, Alda refere 1986 como data da “sua promulgação”, cf. Laban, 2002: 104.
86 Passou-se a glosar a equação segundo a qual a luta de libertação era um “processo cultural”, tal qual referiu, por exemplo,
Santo, Alda, 1978: 190.
87 Desde há tempos que, em São Tomé e Príncipe, se propala a existência de uma resistência cultural ao colonialismo. Mas,
durante anos, mais do que uma perspectiva de luta cultural, prevaleceu a ideia de uma libertação consumada por um
projecto político assaz ideologizado, triunfante em 1975, tendente a construir um homem novo. Foi a este projecto que
primeiramente Alda aderiu.
88 Inocência Mata em Mata e Padilha, 2006: 12. Sem dúvida, a PIDE atentava nos movimentos de Alda. Mas, na ilha, nem
ela nem quaisquer ilhéus constituíam um perigo para o regime colonial. E quando vigiada, não o era por causa dos
“valores culturais são-tomenses”, que, de resto, foram, em termos não tão dissemelhantes dos atuais, promovidos no
ocaso do colonialismo. Com exceção de letras de canções deste período, que nem sempre visavam o colono, os “valores
culturais são-tomenses” não incomodavam nem a PIDE nem os governantes. Aliás, tal não terá escapado a Alda, que
certamente percebeu o tão resilientes quanto politicamente inócuos esses valores se tinham revelado no colonialismo,
permanecendo como tais perante as propostas voluntaristas de transformação social e da índole do são-tomense no
pós-independência.
89 Inocência Mata em Mata e Padilha, 2006: 13.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 197
Augusto Nascimento

ancorar uma ética a que os políticos e os concidadãos se cingissem. Num certo sentido,
de permeio com a mudança de referentes – da bondade do projecto transformista para
o bom senso dos valores ditos populares –, Alda como que procurava balizar as práticas
políticas por valores transcendentes (mesmo se, anteriormente, tal passo implicara a
contemporização com a distorcida legitimação do poder político), tentando isentar a
prática política da contaminação por interesses e motivações alheias ao bem-comum.
Consabidamente, tal foi em vão.
Como se disse, após a falência da ideologia socialista, Alda terá redescoberto a valia da
mensagem religiosa, em especial, a veiculada pelo povo. Não sabemos se se reconverteu90,
mas apoiou expressões populares da fé institucional, o que, para quem fora tão
assertivamente política, equivalia a reconhecer a valia da religião para difundir e enraizar
valores entrementes alijados pelos políticos. Com efeito, amparou a reabilitação dos Paços
Fiá Glêsa91, uma “tradição” do povo, por si celebrada no cair do pano do colonialismo,
de que se afastara e que, por entre dificuldades, promoveu nos derradeiros de vida92 . Os
Paços Fiá Glêsa foram erguidos no Natal de 2010, na circunstância, para a homenagear, mas
perguntar-se-á por quantos mais anos se manterá a “tradição” tão prezada por Alda no seu
final de vida.

Figura consensual?
De permeio com a valorização da cultura, também como campo da resistência são-tomense
ao colonialismo, Alda começou a ver refeito o consenso em torno da sua figura. Mais do
que na era do partido único, foi com a democracia multipartidária que se foi salientando o
reconhecimento do seu papel no domínio cultural, concomitantemente ao seu apagamento
político, ainda e sempre disfarçado pela deferência de que continuou ser alvo. Mas nem
isso isentou a construção da sua imagem de percalços e desafeições, entre eles, a recusa da
publicação do livro de Tomás Medeiros e a escusa a receber a condecoração de Fradique de
Menezes.
Em 2005, Tomás Medeiros terá divulgado uma carta de Alda, datada de 2004, a negar a
publicação do seu original Quando os Cucumbas cantam na colecção da UNEAS93 . Mais
do que de autoritarismo, que já não se sustentava, tratou-se de uma censura ou de veto94 ,
que, em todo o caso, a terá entristecido. Num dilema, Alda preferiu a fidelidade ao MLSTP,
que ela imaginava ter existido, a ver lançada a polémica sobre a história do partido
que, raramente contada, ela queria crer e preservar imaculada. Para além da relação de
proximidade com a liderança triunfante do MLSTP em detrimento dos são-tomenses que

90 Prefaciou o livro de Carlos Graça, Ensaio sobre a condição humana, realçando pela menção ao prefaciado, a valia da Fé
para a condição humana, cf. Graça, 2004: 13-16.
91 Para Mata e Padilha, Alda nunca deixou de ser uma ‘militante cultural’, facto comprovado pela sua tentativa de revita-
lização dos paços natalícios, “pequenos presépios expostos originalmente nos cruzamentos de percursos de luchans…”,
tradição que Alda tem vindo a preservar através de concursos (Mata e Padilha, 2006: 19). Fica por assinalar o período em
que tais presépios e a celebração do Natal quase foram proscritos.
92 Segundo o Téla Nón, em dezembro de 2009, para a poetisa Alda do Espírito Santo, o concurso Paços Fiá Glêsa, orga-
nizado pela UNEAS, estaria comprometido se não se encontrasse apoio para o realizar. Para revitalizar o património
cultural do país, a UNEAS promovia, havia anos, o concurso de construção de presépios com matérias-primas locais.
Apelando à participação dos jovens, ao mesmo tempo que a tentava obter fundos para a realização do concurso, Alda
afirmara que lhe parecia prevalecer a tendência para as tradições morrerem, acrescentando que todos os anos lutava para
que esta não desaparecesse, cf. http://www.telanon.info/cultura/2009/12/16/2359/concurso-pacos-fia-glesa-em-risco/,
acesso: 13 de dezembro de 2014.
93 Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/11304, acesso: 2 de outubro de 2012.
94 Sendo a UNEAS a União dos Escritores, a recusa comportava uma carga política, representando um novo agravo para
Tomás Medeiros, militante independentista que não cala a convicção de ter sido deliberadamente arredado do encontro
de 1972 em Malabo, onde se constituiu o MLSTP.

198 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

ficaram por fora, na decisão de Alda terá pesado a fé num ideal corporizado num colectivo a
que se quis sempre vinculada, o MLSTP. Afinal, questioná-lo seria negar a sua vida.
Também em 2005, Alda menosprezou o gesto do Presidente Fradique de Menezes. A 11 de
julho, não compareceu para receber a condecoração concedida por Fradique95 , o que, no
limite, pode ser interpretado como uma recusa da condição de são-tomense ao Presidente
eleito pela maioria dos seus concidadãos (a não recusar a condição de são-tomense a
Fradique, terá lamentado a desazada e banal escolha do povo, dos conterrâneos96).
A título de hipótese, aventar-se-á que tomou esta atitude menos em razão de um preconceito
racista do que de uma avaliação moral que, derivada de uma postura sobranceira e elitista,
assim como valorizadora do apreço da distinção baseada na diferenciação cultural,
desdenhava o papel do dinheiro na ascensão dos indivíduos, entre eles, Fradique.
Nem de propósito, foi condecorada pelo Presidente Pedro Pires com a mais alta distinção
de Cabo Verde, o Primeiro Grau da Ordem Amílcar Cabral, condecoração entregue a
30 de abril de 2006, por ocasião do seu 80.º aniversário. Em setembro de 2009, a CPLP
homenageou a sua poesia.
Os elogios à prodigalidade da terra nem sempre se estendem aos são-tomenses, sejam
políticos, sejam empresários. Por isso, o vulto de Alda emerge como de craveira cultural e
moralmente superior97. E, todavia, o que dela prevalece é o silêncio. As palavras foram mais
frequentes no tempo colonial e no pós-independência, neste caso ungidas pela arquitectura
política e escoradas na fé no projecto triunfante a 12 de Julho. Quando não em contextos
protegidos e em termos irrebatíveis, ao uso da palavra Alda preferia gestos marcantes, dela
em relação à terra e, embora pretextando o contrário, dos outros em relação a ela.
Mais recentemente, numa avaliação do caminho percorrido desde 1975, Alda terá dito que
o incumprimento das promessas da independência se deveu a “uma certa inexperiência na
gestão do país”98, uma leitura esquiva à equação política da “inexperiência”, assim evitando
a incomodidade das relações de poder e as divisões entre são-tomenses traçadas e vincadas
pelos políticos.
A 11 de julho de 2005, Alda Espírito Santo reafirmou, contra o sentimento de alguns
conterrâneos seus, que a independência valeu a pena, por nada pagar “a liberdade de um
povo”99 . À margem da função celebrativa desta asserção, a inquietação intelectual, política,
ética e cultural deveria levar a indagar o que é a liberdade de um povo. Ou, noutros termos,
porque é que a liberdade de um povo não tem preço e a das pessoas desse povo tem? O
registo intemporal sobre a liberdade tende a tornar a asserção inquestionável, quando,
todavia, a liberdade há-de ter conteúdos, contornos e limites para também poder ser
concreta para os indivíduos, não resumíveis ao povo.
Por um lado, depois da independência, a Alda faltou sempre uma dimensão política activa,
que não a das prelecções às jovens ou do desempenho ritual à frente da tutelada Assembleia.
Alda quedou-se como a voz de um colectivo100 (mais até do que de uma consciência grupal)
e, nessa medida, algo inquestionada.

95 Mata e Padilha, 2006: 18.


96 Arriscaria dizer que Fradique foi eleito, entre outras razões, devido a uma promessa velada de dinheiro e de bens, por
que o grosso dos são-tomenses aspirava. Mas isso revela que, ao invés da mistificação ideológica do pós-independência,
a prioridade do povo tinha pouco a ver com os ideais da revolução.
97 Com a ajuda do tempo, tal tende a desresponsabilizá-la pelo seu apoio ao MLSTP no regime de partido único, facto que,
todavia, não foi sem consequências na vida de muitos concidadãos.
98 Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/11737, acesso: 8 de outubro de 2012.
99 Cf. http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/11737, acesso: 8 de outubro de 2012.
100 Independentemente das razões eventualmente aduzidas, não deixa de ser significativo que tenha abdicado de ser
deputada no regime multipartidário, quando, decerto, o MLSTP não precisaria menos dela nos debates travados na
Assembleia.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 199
Augusto Nascimento

Por outro, pelo seu exemplo, foi um marco de uma ética rara. A determinação com que
abraçou o anticolonialismo foi a mesma com que, em congruência, rejeitou amparos
do Estado português a que tinha direito. Afora a pobre tença do Estado português,
terá também rejeitado a ajuda, decerto mais generosa, de um poderoso irmão africano,
passando ela mal para que o seu país não passasse vergonha. Terão sido estas as suas
palavras… Sem descartar a necessária interpretação política do facto, sublinhe-se que a
sua disponibilidade para uma vida em nome do povo a levou a observar regras éticas que
muitos dos companheiros desdenharam. A sua coerência torna menos precisas as palavras,
que, em rigor, poucos se dispunham a ouvir e, menos ainda, a atender.

Notas conclusivas
Da sua diferenciação social de origem, Alda partiu para a comunhão política, e só nessa
medida emocional, com o povo negro das ilhas. Desde nova afastada dos meios populares,
Alda entreteceu uma relação racionalizada com a sua terra e com os conterrâneos. Pautouse,
pois, pela distância em relação ao comum dos são-tomenses, embora se representasse como
próxima do “povo” são-tomense ou da raça negra, sujeitos coletivos e abstratos.
O crédito político e moral, derivado, por exemplo, da memória da ascendência enquanto
professora ou do aparente desapego dos bens materiais, foi-se erodindo, podendo ter
resvalado para a indiferença, também suscitada pelas mudanças sociais na terra. Após
ter vivido com o inimigo, acabou por ter de viver com as perplexidades trazidas pela
independência, mormente a de o povo se revelar diametralmente oposto a tudo quanto
idealizara. E não apenas o povo, quanto também os dirigentes, alguns deles da Geração
de Cabral e, de alguma forma, companheiros da ‘longa marcha’101 e das lutas que tinham
conferido sentido à “força irresistível dos ventos da história”.
Ela acreditava numa moral social e numa ética política vinculativas para a comunidade.
Acreditava igualmente no poder da cultura na transfiguração dos homens, mas assistiu ao
aparente triunfo do dinheiro como móbil da realização e da trajetória ascensional de seus
concidadãos, que ela crera vinculados a um imperativo de igualdade.
Em sua opinião, a cultura tivera um papel na libertação dos são-tomenses do jugo colonial
(segundo uma avaliação Subjetiva mas, por isso mesmo, irrebatível). Porém, Alda do
Espírito Santo viu a cultura – o seu campo de realização – sucumbir ao poder do dinheiro,
a que os seus conterrâneos não resistiram.
Constatando que o seu exemplo não medrou, Alda terá morrido triste, porventura pela
injustiça e pela pobreza prevalecentes na terra. Ter-se-á entristecido com as dissensões
entre os são-tomenses, acerca dos quais, de uma perspetiva essencialista enganadoramente
escorada numa imaginada irmandade contra o colonialismo, quis traçar um retrato típico
que viu esfacelar com as transformações económicas nas ilhas.
Talvez poucos são-tomenses queiram viver como Alda passou os últimos anos (ainda que
muitíssimos vivam bem pior). Foi respeitada e reverenciada, mas só isso e quando tal
não se resumia a uma mera convenção. Ainda assim, representa uma espécie de mínimo
denominador comum, porquanto a sua história é um símbolo com que implicitamente se
acena como exemplo moral para prevenir e evitar violências disruptivas.

101 Evocada numa carta de 10 de agosto de 1974, escrita de Libreville, a Mário Pinto de Andrade, com quem Alda contava
para alertar o mundo para a existência de um pequeno arquipélago que também tinha direito à independência, cf. http://
www.fmsoares.pt/aeb_online/visualizador.php?bd=Correspondencia&nome_da_pasta=04311.004.037&numero_da_
pagina=1, acesso: 20 de dezembro de 2014.

200 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ALDA DO ESPÍRITO SANTO, A DISTINÇÃO SOCIAL, A MILITÂNCIA POLÍTICA E A TRISTEZA

Não obstante sucessivos tributos de apreço e de amizade de estrangeiros (a que certamente


teria preferido os dos são-tomenses), Alda do Espírito Santo terá morrido triste, também
pelo esquecimento e pela solidão que a deferência no trato não bastariam para disfarçar.
Empobrecida, não deixou de perseguir uma realização pessoal que concebia como um
modelo de libertação e de realização pessoal, do qual, olhando a evolução do país, se
dirá que só servia para ela. Na realidade, poucos porfiaram na crença nos valores que,
presuntivamente, o MLSTP veiculava. Morreu praticamente sozinha na crença nesses
valores a que, pela sua prática, conferiu valia ética.

Referências bibliográficas
Falola, Toyin (2004), Nationalism and african intellectuals, University of Rochester Press, Rochester.
Faria, António (1995), A Casa dos Estudantes do Império, Lisboa, CML.
Fernandes, Manuel Vaz Afonso, (s.d.), Os imbróglios das transições em S. Tomé e Príncipe 1974-1991,
dissertação de mestrado, Universidade de Coimbra.
Graça, Carlos (2004), Ensaio sobre a condição humana, São Tomé, Centro Cultural Português e Alliance
Française.
______ (2011), Memórias políticas de um nacionalista santomense sui generis, Lisboa, UNEAS
Laban, Michel (2002), São Tomé e Príncipe. Encontro com escritores, Porto, Fundação Eng.º António
de Almeida.
Lara, Lúcio (2009), Lúcio Lara. Imagens de um percurso, s. d., Luanda, Associação Tchiweka de
Documentação.
Margarido, Alfredo (1997), “Uma ilha africana na Duque d’Ávila” in Mensagem, número especial,
Lisboa, Associação Casa dos Estudantes do Império, pp. 41-44.
Mata, Inocência e Padilha, Laura (2006), A Poesia e a vida. Homenagem a Alda do Espírito Santo,
Lisboa, Colibri.
Medeiros, Tomás (1997), “Prolegómenos a uma História (verdadeira) da Casa dos Estudantes do
Império” in Mensagem, número especial, Lisboa, Associação Casa dos Estudantes do Império,
pp. 31-40.
Nascimento, Augusto (2007), Ciências sociais em S. Tomé e Príncipe: a independência e o estado da arte,
edição digital, Porto, CEAUP, http://www.africanos.eu/ceaup/uploads.EB005/pdf.
______ (2014a), “A inelutável independência ou os (in)esperados ventos da história em São Tomé e
Príncipe” in Rosas, Fernando, Machaqueiro, M. e Oliveira, P. Aires (coord.), 2015, O Adeus ao
Império, 40 anos de independências, Nova Vega, pp. 175-190.
______ (2014b), “A farsa da tropa nativa na transição para a independência em São Tomé e Príncipe”
(a publicar).
______ (2014c), “As dimensões políticas das religiosidades em São Tomé e Príncipe” in Revista TEL.
Revista Tempo, Espaço, Linguagem, vol. 5, n.º 3, UNICENTRO, pp. 60-92, http://revistas2.uepg.br/
index.php/tel/article/view/7081#.VdTQVZe3ixU, acesso: 19 de agosto de 2015.
Neto, Horácio Sacramento, (2012), Emma, Lisboa, ACOSP.
Rocha, Edmundo (2003), Angola. Contribuição ao estudo da génese do nacionalismo moderno angolano
(período de 1950-1964) (testemunho e estudo documental), Lisboa, Edição de Autor.
Sá, Ana Lúcia e Perlasia, Josep Maria (2008), “Entrevista a Alda do Espírito Santo” in Oráfrica: revista
de oralidad africana n.º 4, Abril de 2008, Barcelona, CEIBA, pp. 137-158.
Santo, Alda do Espírito (1956), “Algumas notas sobre o falar dos nativos da ilha de São Tomé” in
Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, 5.º vol., São Tomé, pp. 141-148.
______ (1978a), “Presença cultural” in África: revista de literatura, arte e cultura, vol I(2), Lisboa.
______ (1978), É nosso o solo sagrado da terra – poesia de protesto e luta, Lisboa, Ulmeiro.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 201
Augusto Nascimento

______ (1997), “Memória de um tempo” in Mensagem, número especial, Lisboa, Associação Casa dos
Estudantes do Império, pp. 87-89.
______ (1999), “São Tomé e Príncipe em desafio à modernidade” in Batê Mom nº2, vol.1, S. Tomé,
UNEAS.
______ (2001a), “Pedras de xadrez” in Batê Mom n.º 4, vol. 3, S. Tomé, UNEAS.
______ (2001b), “A cumplicidade das línguas na assunção do estatuto de identidade cultural dos são-
tomenses” in 1.º Colóquio Internacional sobre as Línguas Nacionais de S. Tomé e Príncipe, S. Tomé,
policopiado.
______ (2002), Mataram o rio da minha cidade, S. Tomé, CCP – Instituto Camões.
______ (2003), “Apontamento em redor do lançamento do livro História do massacre de 1953 em São
Tomé e Príncipe” in Batê Mom n.º 6, vol. 5, S. Tomé, UNEAS.
______ (2006), Mensagens do canto do ossobó, UNEAS, 2006.
Santo, Carlos Espírito (2001), Enciclopédia fundamental de São Tomé e Príncipe, Lisboa, Cooperação.
______ (2003), A Guerra da Trindade, Cooperação.
______ (2012), O nacionalismo político são-tomense, 2 vols., Lisboa, Edições Colibri.
______ (2012b), Alda Espírito Santo – Escritos, Lisboa, Edições Colibri.
______ (2014), Mulheres históricas de São Tomé e Príncipe, Lisboa, Edições Colibri. Veloso, Pires (2008),
Vice-Rei do norte. Memórias e revelações, Lisboa, Âncora Editora.

202 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Migration, sécurité et la base militaire
des Etats-Unis – La République de
Djibouti au centre de la lutte contre le
terrorisme international dans la corne
de l’Afrique et de l’Arabie du Sud
Mohamed Abdillahi Bahdon*

p. 203-220

1. Introduction
C’est tautologique de dire que l’immigration ou le déplacement des individus est une
des questions économiques, politiques et sociales les plus importantes pour les sociétés
humaines de nos jours comme celles d’hier. C’est un fait historique. Plus que jamais elle
occupe une place importante dans l’agenda politique des gouvernements, de celle de
l’opinion publique1 et celle des acteurs sociopolitiques comme les partis politiques et les
mouvements de la société civile tant des pays du Nord (Union Européenne, Etats-Unis,
Canada…) comme ceux du Sud, à la fois émetteurs et récepteurs d’immigrés-es. Depuis
plus de 20 ans, les migrations internationales régulières sont de plus en plus restreintes
alors que les migrations irrégulières ne cessent de s’accroître par les difficultés financières
et matérielles de contrôler l’entrée des territoires étatiques.
Beaucoup de sociétés actuelles ont été et sont à la fois émettrices et réceptrices de flux
migratoires réguliers et irréguliers; le processus de mondialisation ou de globalisation
auquel elles sont confrontées a tout simplement accéléré, et ce fait lui a donné une
autre dimension. Il est certain qu’une certaine intégration des économies nationales,
le développement déséquilibré des échanges commerciaux, le rôle des organisations
internationales économiques (OMC) et financières (FMI, Banque Mondiale), renforçant
une harmonisation du régime juridique des investissements, et surtout la constitution
des pôles de développement économique, constituent une des causes des flux migratoires
actuels en expansion par rapport aux décennies antérieures.
Le fait migratoire a pris une autre dimension par rapport aux décennies 1950 et 1960.
L’immigration touche tous les secteurs socioprofessionnels, d’âge et de sexe des sociétés
émettrices. Mais il n’est plus un thème «géré» par le secteur économique – c’est-à-
dire qui répond aux nécessités du marché – mais par sa permanence dans les sociétés
d’accueil et son impact sociodémographique, il est saisi par la classe politique. Et de ce

* Doctorant en Sociologie de l’Education, Université de Murcie, Espagne.


1 Théoriquement la publication des sondages dans les pays européens exprime l’opinion des citoyens.es à un moment
donné de la vie politique et socioéconomique du pays. Mais pour le sociologue Pierre Bourdieu (1984), celle-ci est mani-
pulée et orientée des groupes influents dans la société. Ses questions et son analyse ne reflètent pas l’opinion profonde
des personnes interrogées.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 203
Mohamed Abdillahi Bahdon

fait elle occupe une partie des débats parlementaires, si on observe l’activité législative
durant une législature2. Ainsi l’immigration est de plus en plus politisée dans les sociétés
d’accueil. Elle est saisie aussi par la société civile par le développement d’organisations
non gouvernementales d’assistance aux immigrés et les pressions qu’elles exercent sur
le législateur. Dans les sociétés émettrices on assiste non seulement une augmentation
des candidates/candidats à l’émigration, mais aussi une certaine prise de conscience de
l’importance que représente ce phénomène sur le plan socioéconomique3 , sans toutefois
oublier les difficultés juridiques et matérielles4 pour concrétiser les projets migratoires
personnels et/ou collectifs. Depuis le début de l’an 2000, ont lieu des sommets ou rencontres
entre les ministres de l’Intérieur et des Affaires Etrangères de l’Union Européenne et ceux
des pays émetteurs, et particulièrement les pays du Maghreb et d’Afrique subsaharienne.
L’autre point d’actualité internationale en ce début du 21 siècle est la question de sécurité.
En effet depuis le 11 septembre 2001, les Etats occidentaux ont comme première priorité
la sécurité tant intérieure qu’extérieure de leur pays. La politique sécuritaire occupe une
place de choix dans les agendas des gouvernements occidentaux. La préoccupation de
la sécurité est telle que s’est instaurée ce que Didier Bigo (1998) appelle avec raison une
«gouvernabilité par l’inquiétude5.» En analysant le débat politique et le développement
des nouvelles législations sur l’immigration on constate le développement d’une certaine
méfiance de la présence des immigrés dans les sociétés réceptrices, qu’elles soient du Nord
ou du Sud; elle est vue comme une menace sérieuse pour l’identité et la sécurité du pays.
Comme d’autres sociétés du Sud, la société djiboutienne se trouve dans un paradoxe. Cer-
tains de ses citoyennes/citoyens émigrent de plus en plus à l´étranger en Europe (France,
Belgique, Suède, Pays Bas… ), en Amérique du Nord, et particulièrement au Canada6 et dans
le monde arabe7 (particulièrement dans les pays du Golfe arabo-persique) et des personnes
en provenance des pays voisins (Ethiopie, Somalie, Erythrée, Yémen… ) immigrent dans la
République de Djibouti pour diverses raisons: guerres civiles et interétatiques, sécheresses
récurrentes ou pour des raisons socioéconomiques. En Europe et en Amérique du Nord,
c’est une immigration à la fois politique, constituée par des opposants politiques et leurs
familles et économique alors que dans le monde arabe elle est essentiellement économi-
que. C’est donc un pays à la fois émetteur et récepteur des flux migratoires. Mais comme
les pays du Maghreb, ce petit pays est aussi un lieu de départ des citoyens éthiopiens8 et

2 En France comme en Italie ou en Espagne, depuis le début des années, dans l’agenda de la majorité parlementaire,
l’immigration occupe une place importante. Et il y a toujours l’adoption des lois et des diverses mesures sur l’immigration
dont le but est de contrôler et de réguler l’entrée et le séjour des immigrés des pays du Sud.
3 Avec la diminution de l’aide au développement des pays du Nord aux pays du Sud, le montant de l’envoi d’argent réalisé
par les immigrés résidents dans les pays du Nord à leurs pays d’origine est nettement supérieur au volume de l’aide publi-
que au développement, bilatérale ou multilatérale. C’est le cas des pays comme le Mali ou le Sénégal, qui ont tradition
d’immigration depuis les années 1960.
4 Le changement du cadre juridique national des pays récepteurs depuis les décennies 1990 et la communautarisation
progressive de l’immigration avec le traité de Maastrischt de 1997 constituent de plus en plus des obstacles difficiles à
franchir pour les candidats à l’émigration. Face à cette situation, la seule voie qui reste est la rentrée clandestine par tous
les moyens comme touristes ou par des pateras, boutres de fortune pour arriver en Europe.
5 Selon Laurent Bonelli (2005), cette gouvernabilité par l’inquiétude donne plus de pouvoir aux services de renseigne-
ments occidentaux. Voir «Quand les services de renseignement construisent un nouvel ennemi», Le Monde Diplomati-
que, avril 2005, pp. 12-13.
6 Comparée aux migrations de citoyens éthiopiens et somaliens – qui ont commencé dès les années 1950 – étudiées, celle
des ressortissants djiboutiens est très peu connue et donc très peu étudiée. Certes elle est récente; elle a commencé au
début des années 1990 et a suivi les réseaux de leurs voisins ce qui explique en partie la diversité des pays de destination.
7 A la différence de l’immigration vers l’Europe et l’Amérique du nord, l’immigration vers le monde arabe est organisée. La
République de Djibouti a signé des accords avec certains pays arabes des accords relatifs à la migration des travailleurs
djiboutiens dans ces pays. Cependant tous ceux qui vont dans ces pays ne rentrent pas dans l’application de ces accords.
8 La présence militaire française est utilisée comme une stratégie par certaines candidates à l’immigration. Des relations
sexuelles entre militaires et femmes prostituées dans la ville de Djibouti se transforment parfois à ce qu’on peut appeler
des relations sentimentales entre une femme de cette région et un militaire français. Ces relations se terminent par la
formation de couples mixtes qui s’installent en France, ce qui est l’un des objectifs de la candidate à l’immigration.

204 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIGRATION, SÉCURITÉ ET LA BASE MILITAIRE DES ETATS-UNIS – LA RÉPUBLIQUE DE DJIBOUTI AU CENTRE …

somaliens vers les pays européens, et en ce sens il n’est pas seulement une plaque tournante
économique, formule chère aux dirigeants politiques, mais c’est aussi un point de départ
des personnes migrantes vers d’autres pays. Il faut noter qu’en République de Djibouti le
phénomène de l’émigration vers les pays du Nord est récent par rapport aux autres pays de
la Corne de l’Afrique, qui disposent des diasporas installées depuis plusieurs décennies en
Europe, en Asie et Amérique du Nord.
Cependant comme d’autres sociétés africaines, l’immigration est un fait historique, qu’on
peut appeler un mouvement «naturel» des populations voisines. Elle est aussi un fait
d’actualité et de futur pour ce pays si on prend en considération sa situation géographique
particulière entre deux mondes: le monde africain et le monde arabe, une proximité en
valeur par des trafiquants d’immigrées/immigrés ces dix dernières années. C’est un thème
social et politique très important que les gouvernements djiboutiens postcoloniaux ont
accordé peu d’intérêt tant pour sa perception comme pour son traitement politique, légis-
latif9 et socioéconomique.
Plus qu’une réflexion générale sur l’immigration et ses conséquences socioéconomiques,
l’objet de cet article est d’analyser les raisons ou justification tant d’origine interne et
qu’externe d’une mesure adoptée par le gouvernement djiboutien le 26 juillet 2003 pour
«lutter contre l’immigration clandestine». Mais pour comprendre mieux une telle décision,
il convient de faire l’historicité des mouvements des populations dans des espaces sociopo-
litiques «pluridentitaires» en constitution de la Corne de l’Afrique. Comme d’autres parties
de l’Afrique, cette sous-région est marquée depuis la fin des années 1990 par «l’apparition»
de la problématique de l’immigration dans le discours politique et médiatique. La mesure
d’expulsion des immigrés «clandestins» a soulevé diverses questions: pourquoi la question
de l’immigration surgit-elle dans la vie politique djiboutienne en 2003? Peut-on établir une
relation entre la présence militaire des Etats-Unis et la question de l’immigration clandes-
tine? Autrement dit, quel est l’impact de la lutte contre le terrorisme international de la
coalition dirigée par les Etats-Unis sur la décision du gouvernement djiboutien du 26 juillet
2003?

2. L’historicité des mouvements migratoires dans la Corne de l’Afrique et


l’Arabie du Sud
Suivant l’expression braudelienne de «la longue durée» on observe, à l’instar d’autres
régions du monde, un mouvement naturel des populations dans l’espace géographique
appelé Corne de l’Afrique10. Elle couvre environ 1 909 114 km2, et selon des estimations
démographiques environ 108 millions d’habitants y vivent. Les populations nomades, se
déplacant, s’installent dans une autre partie de cet espace et se mélangent, non sans diffi-
cultés et heurts avec les populations sédentaires. La cohabitation dans un même espace
entre différents groupes de peuples aux cultures opposées entraîne toujours des conflits
sociopolitiques et des guerres. C’est le cas des populations nomades qui sont à la recherche

9 Le premier texte adopté après l’indépendance en matière d’immigration est un décret présidentiel qui date du 4 octo-
bre 1981. En fait c’est plus un texte qui réglemente les conditions de travail des étrangers en République de Djibouti
qu’une véritable loi sur l’immigration. Il n’y a aucune référence sur les conditions d’entrée et de séjour des travailleurs
étrangers.
10 L’auteur de l’expression «Corne de l’Afrique» est l’expéditeur anglais, Richard Burton, qui a fait une traversée au 19 ème
siècle dans les espaces habités par des populations nomades et sédentaires. Son extension est variable, elle résulte des
intérêts des chercheuses/eurs en géographie, en géopolitique. Sur le plan géographique, elle couvre 4 pays: la République
Fédérale Démocratique d’Ethiopie, l’Erythrée (indépendante depuis 1993), la République de Djibouti (indépendante
depuis 1977) et la République Démocratique de Somalie (dernier nom officiel d’un pays en fait depuis 1991). D’autres
auteurs comme Olivier Weber, incluent des pays comme le Yémen. Pour cette réflexion, nous retiendrons les 4 pays
précités du continent africain.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 205
Mohamed Abdillahi Bahdon

des pâturages ou des points d’eau pour leur bétail qui entrent en conflit avec les popula-
tions sédentaires où le fait d’avoir un lopin de terre - qu’ils cultivent - est important dans
leurs relations sociales et politiques.
Les historiens, et surtout les éthiopianisants, ont établi des relations entre l’Arabie du Sud
et la Corne de l’Afrique. Déjà à l´époque de la diffusion de l’Islam, le Prophète conseillait
à ses disciplines poursuivis par les populations arabes opposées à la nouvelle religion, à
se réfugier dans le pays se trouvant de l’autre côté de la mer (Mer Rouge) où un Roi les
donnera un refuge. Aussi sur le plan culturel et linguistique il y a une certaine parenté ou
rapprochement. L’amharique, langue officielle de l’Ethiopie – depuis l’époque de Ménélik
II – est comme l’arabe une langue sémitique (Haelewyck, 2006).
D’autre part les études sur les sociétés de la Corne de l’Afrique sont incluses plus dans
les études orientales11 que les études africaines. Cette région est marquée par l’esclavage
pratiqué par le monde arabo-perse et turque (N’Diaye, 2008).

2.1. L’immigration de travail comme facteur constitutif de la colonie et la


République de Djibouti
L’actuelle République de Djibouti connaît dès le début de la constitution de son territoire
à la fin du XIX siècle, et surtout avec la création des premières infrastructures modernes
du territoire (port et chemin de fer) l’immigration d’une main d’œuvre. Selon les histo-
riens Oberlé Philippe et Pierre Hugot (1985), celles-ci faisaient face à une opposition de
la pose du rail du chemin de fer par les nomades issas où traversait le rail de Djibouti-
-Addis-Abeba. Pour la mise en valeur économique de la colonie, les autorités coloniales
recourent au recrutement des travailleurs originaires des pays de la Corne de l’Afrique,
mais aussi des pays arabes (Yémen) et de l’Océan Indien comme Madagascar. Ces travail-
leurs étrangers opèrent une nouvelle forme d’immigration dans la Corne de l’Afrique12 à la
fin du 19ème siècle, celle du travail; mais ils s’installent définitivement dans le pays. A ces
derniers viennent s’ajouter à la fin des années 1970 des réfugiés venant des pays limitrophes
et notamment de l’Ethiopie.
Ainsi la population de la ville de Djibouti est cosmopolitique. Quelques années après la
construction du port et de la ville de Djibouti on assiste à l’afflux des nomades vers la ville
et les petites villes qui se sont créées – appelés par la suite les districts de l’intérieur. Les
années 1950 sont marquées par une crise économique et sociale dans la colonie, elle est
due à la fermeture du Canal de Suez; celle-ci a généré des affrontements politiques et de
luttes syndicales. La crise économique est aussi une crise de l’emploi. Comme solution, les
autorités coloniales décident d’expulser 25 % des travailleurs étrangers des Salines, une
entreprise ayant un poids important dans l’économie locale.
Avant que la nouvelle ville de Djibouti soit un pôle d’attraction pour les populations urbai-
nes des pays voisins comme les «nouveaux ouvriers» de la colonie, Tadjourah et Obock en
République de Djibouti, les villes de Berbara et de Mogadisho en Somalie, ont joué un rôle
important grâce à leurs ports et les routes caravanières depuis plusieurs siècles; c’étaient

11 Les publications en sciences humaines et sociales sur les peuples de cette région apparaissent très peu dans les études
africaines. On en trouve plutôt dans les études orientales.
12 La constitution de l’actuelle sous-région appelée Corne de l’Afrique a suivi un processus similaire à celui d’autres régions
africaines: les migrations humaines, que se soient par le fait d’un pouvoir central comme l’Ethiopie impériale ou com-
muniste ou par des groupes sans pouvoir central institutionnalisé comme les Somalis-Issa. C’est un sous-groupe somali
qui a émigré du Nord de la Somalie au Sud-Ouest de l’Ethiopie. Son chef traditionnel, Ougas, a suivi ce mouvement et
s’est installé dans la ville de Diré-Dawa en Ethiopie. Pour leur part les gouvernements éthiopiens impériaux ou commu-
nistes ont favorisé le déplacement et l’installation forcée des populations du Nord dans terres du Sud appliquant ainsi
une politique de colonisation des territoires récemment conquis par l’armée impériale et contestés par des mouvements
régionaux séparatistes.

206 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIGRATION, SÉCURITÉ ET LA BASE MILITAIRE DES ETATS-UNIS – LA RÉPUBLIQUE DE DJIBOUTI AU CENTRE …

des villes commerçantes ou servant de transit pour l’exportation des produits de l’Abyssinie.
Ces villes sont aussi cosmopolites dans leur composition. C’est un processus qui résulte du
développement du commerce entre la côte africaine et le sud de la péninsule arabique, des
commerçants arabes et des prédicateurs religieux s’installent dans les villages, les villes
portuaires et les points de commerce avant la colonisation européenne d’où l’influence du
monde arabe sur les populations africaines sur le plan culturel et religieux. La population
djiboutienne est composée de trois groupes, deux de populations africaines: afar et somalis,
et une population asiatique, composée essentiellement de Yéménites (Rouard A., 1997).
Durant la période coloniale, le contrôle des frontières artificielles n’a pas eu des résultats
positifs en matière de déplacement et de contrôle des populations, parce que le nomadisme
de certaines populations locales et la segmentation de la société comme le cas des Somalis
ne se prêtent pas au contrôle d’un pouvoir centralisé. La constitution d’un espace politique
à l’image de ce qui s’est passé en Europe butte sur l’absence d’une allégeance à un pouvoir
politique et à un territoire délimité13.
L’ex colonie accède à l’indépendance le 27 juin 1977, elle s’étend sur une superficie de 22 300
km2, un de petits pays africains. Sa situation postcoloniale a fait l’objet de convoitise de ses
géants voisins; l’Ethiopie et la Somalie, la politique de l’un comme l’autre était d’annexer ce
territoire. Son indépendance intervient dans un contexte politique marqué par des conflits
et la rivalité entre les Etats-Unis et l’ex Union des Républiques Socialistes Soviétiques, par-
rains alternatifs des régimes éthiopien et somalien.
Le contexte régional des années 1960 et 1970 est marqué par des conflits internes politiques
en Ethiopie (tentative de Coup d’Etat et mécontentement social) et en Somalie (c’est aussi
la date d’indépendance des colonies britanniques, le Somaliland et Somalia italiana et
leur postérieur réunification) et interétatique entre ces deux pays. L’une des conséquences
majeures de ces conflits armés pour le nouvel Etat postcolonial est l’afflux de personnes
fuyant les affrontements armés entre rébellions et forces gouvernementales de leur pays
d’origine. Dès 1978 le pays reçoit plusieurs milliers de réfugiés éthiopiens; ils sont installés
dans des camps de réfugiés construits par le Haut Commissariat des Nations Unies pour les
Réfugiés particulièrement dans le sud-est du pays, qui fait frontière avec l’Ethiopie et avec
la Somalie. Certains de ces réfugiés se déplacent, et s’installent dans la capitale politique
et économique du pays où il y a plus d’offres d’emploi que dans les autres villes et villages.
Mais les conflits internes ou interétatiques ne sont pas l’unique voie d’entrée des citoyens
éthiopiens et somaliens dans le territoire de Djibouti. Les frontières n’étant pas fermées
avec des murs comme c’est la mode dans certains pays du Nord. Ainsi suivant un processus
connu dans les études sur l’immigration, ce sont d’abord des hommes ou femmes seules
qui tentent l’aventure, ensuite des groupes de familles; ils sont originaires essentiellement
du Nord de la Somalie et de la Région du Sud-Ouest de l’Ethiopie14. Profitant des réseaux
claniques contrôlés tant par les politiques comme des hommes d’affaires locaux, ce groupe
de personnes a pu s’intégrer dans la société djiboutienne; elles ont obtenu la nationalité
djiboutienne.

13 C’est le cas du nationalisme somalien des années 1950 et 1960 où l’unité contre les colonisateurs européens (anglais, fran-
çais et italiens) fait place à une gestion ethnique et irrationnelle de l’Etat postcolonial, laquelle termine par l’éclatement
des guerres claniques et la disparition du pouvoir central en Somalie au début de la décennie 1990.
14 Cette région éthiopienne appelée Région Somalie (la deuxième en superficie après la région Oromia) depuis la nouvelle
constitution adoptée en décembre 1994 par le parlement éthiopienne porte le nom de région Somali; elle est peuplée
majoritairement par le peuple somali et notamment le sous-groupe issa. Une partie de la population et de l’élite politi-
que et intellectuelle djiboutiennes est originaire de cette région; beaucoup d’entre eux sont natifs de Diré-Dawa comme
l’actuel président de la République, Ismaël Omar Guelleh.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 207
Mohamed Abdillahi Bahdon

La présence des réfugiés et l’entrée des immigrés de certains citoyens éthiopiens et soma-
liens «acceptables15» de par leur origine ethnique ou appartenance à certains clans ont des
conséquences sur la composition de la population; elle est plus variée sur le plan clanique.
On note une certaine ségrégation dans l’habitat; il y a une concentration dans certains
quartiers des membres d’un clan. Démographiquement un pourcentage important de la
population djiboutienne est d’origine étrangère, on estime entre 15% et 20%. Un grand
nombre de citoyennes-ens djiboutiennes-ens est né à l’étranger ou ont des parents nés à
l’étranger, et notamment en Somalie, en Ethiopie, au Yémen, au Soudan, à Madagascar…
L’autre point qu’on peut observer, c’est le changement de statut des réfugiés. Au bout de
quelques années, certains acquièrent la citoyenneté djiboutienne.
Cependant toutes les réfugiées/réfugiés et immigrées/immigrés n’ont pas le statut de
citoyens, certaines/certains vivent depuis des générations en République de Djibouti sans
aucun document officiel de l’Etat djiboutien. D’autres étaient dans l’attente d’être natu-
ralisées/naturalisés djiboutiennes/djiboutiens. Mais depuis le début des années 1990, on
assiste à une pratique très curieuse de l’administration djiboutienne. Certaines/certains
étrangères/étrangers pourraient voter aux élections nationales sans avoir la nationalité. A
cet effet et comme elles/ils ne sont pas enregistrées/enregistrés comme citoyennes/citoyens
et inscrites/inscrites sur les listes électorales, l’administration a substitué la carte électorale
à un document appelé ordonnance de vote. Ce document16 a fait l’objet d’une opposition
entre l’ex parti unique et les partis de l’opposition lors des premières élections législatives
pluralistes organisées dans le pays. Malgré les protestations des nouvelles forces politiques,
ce système qui permet le vote à une citoyenne à la marge est maintenue et utilisée pour les
élections présidentielles de 1999 et législatives de 1997.
Si le cas des premiers réfugiés a connu une issue favorable à travers l’intégration dans la
société djiboutienne et l’existence des programmes de retour aux pays d’origine, ceux qui
sont rentrés à partir de 1990 constituent une population laissée à son sort, parce que les
programmes d’assistance des organismes internationaux aux réfugiés et personnes dépla-
-cées ont connu une baisse substantielle. Ces personnes ne vivent pas dans des camps,
sinon circulent dans les rues de la capitale, elles quémandent durant toute la journée pour
manger à leur faim… Certains hommes jeunes sont gardiens de maisons.
Pour un grand nombre des habitants de la ville de Djibouti, leur présence et leur situa-
tion sociale créent une méfiance et des tensions. C’est ainsi que naît un type de discours
méconnu jusqu’alors dans cette ville cosmopolitique tout au moins occulte: anti-immigré.

2.2. L’apparition d’un discours gouvernemental et médiatique anti-immigré


Les moments de tensions politiques et de crise économique et sociale ont été des occasions
pour certains dirigeants politiques de soulever une opposition entre les natifs.es et les
étrangers.es, vivant dans le nouvel territoire, créé par la puissance coloniale. Les popula-
tions, qu’elle que soit leur origine, ont vécu avec une certaine harmonie et dans la paix dans
le temps.
Mais vers le milieu de la décennie 1990, des articles, des entretiens des dirigeants politiques
et des réflexions des lecteurs sur les immigrés.es et le fait social migratoire sont publiés

15 Cette acceptation sélective de «nouveaux citoyens» était l’un des objectifs de la politique du premier président de la
République de Djibouti, Hassan Gouled Aptidon de «La République de Djibouti est une terre d’échanges et de rencontre»
opposée à une politique coloniale de fermeture des frontières et de contrôle ethnique de sa population. Toutefois la
complicité des dirigeants politiques locaux de l’époque a favorisé en fonction du moment politique un groupe ethnique.
16 L’institution d’une ordonnance était une décision prise par le gouvernement du président Hassan Gouled, qui permet
à l’ex parti unique, le Rassemblement Populaire pour le Progrès (RPP) de remporter les premières élections législatives
pluralistes du pays en décembre 1992.

208 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIGRATION, SÉCURITÉ ET LA BASE MILITAIRE DES ETATS-UNIS – LA RÉPUBLIQUE DE DJIBOUTI AU CENTRE …

par la presse gouvernementale et celle qui soutient les partis d’opposition. Il ne s’agit pas
des articles de sensibilisation de l’entrée et du séjour des citoyennes/citoyens d’origine
étrangère sur leurs droits et devoirs en République de Djibouti, mais plutôt des textes où
il est question d’insécurité généralisée par leur seule présence. Depuis l’indépendance
jusqu’à cette date, elle n’était pas dans l’agenda de l’unique journal du pays, La Nation,
donc l’immigration ne posait pas de problème officiellement. Son entrée est «fracassante»
dans l’agenda des médias. Ils construisent une figure, qui n’est pas tout à fait nouvelle dans
la société djiboutienne. Le simple citoyen vivait avec la présence des gens de différentes
origines surtout dans la capitale du pays.
Mais l’apparition de ce discours anti-immigré au milieu des années 1990 a pris une dimen-
sion importante à partir des années 2000 où l’immigration est connotée de «clandestine».
Ainsi dans ce discours journalistique on relève la simplicité d’un argument unique: la
relation entre l’augmentation de la criminalité ordinaire et la présence de plus en plus
nombreuse des citoyennes/citoyens des pays limitrophes, surtout qui ne parlent pas le
somali ou l’afar; ce sont les plus pauvres des pauvres de la société djiboutienne. Ce sont des
personnes qui ne peuvent rentrer dans des réseaux claniques de protection et de promotion
sociale sur lesquels s’appuie la société djiboutienne.
Quant à la classe politique dirigeante, la «découverte» de l’ampleur de l’immigration
paraît la surprendre. Pas tellement, parce que la problématique qu’elle soulève n’a jamais
été dans l’agenda gouvernementale. Le gouvernement n’a jamais publié des chiffres sur les
immigrés vivant en République de Djibouti. D’après les deux discours dominants, celui de
la presse gouvernementale et celui des gouvernants, les personnes migrantes qui vivent
depuis des décennies ou celles qui sont entrées depuis les années 1990 dans le territoire
djiboutien sont devenues des boucs émissaires et constituent les maux de la société dji-
boutienne: l’augmentation de la délinquance, de la criminalité17, la salubrité publique, le
chômage endémique18 … Ainsi des titres du journal gouvernemental, La Nation, comme
«Immigration: le banditisme au quotidien», «Djibouti sous le poids de l’immigration», «La
lutte contre l’immigration clandestine est l’affaire de tous» sont fréquents dans la presse
gouvernementale. La jeune presse de l’opposition n’est pas du reste19 dans ce discours de
lynchage médiatique des immigrées/s. Plus qu’une réflexion on assiste à une offensive
contre une population étrangère vivant dans ce pays, les Ethiopiens qui ne parlent et ne
comprend pas les langues nationales. Le ministre de l’Intérieur de l’époque affirme sans
ambages des propos racistes à l’égard des personnes installées depuis des années dans
le pays comme lui, puisqu’il est originaire de l’Ethiopie: «pour que ces gens là puissent
survivre, ils se livrent à toutes sortes d’activités sans exception (vol, violence, cambriolage,
drogue, prostitution) et polluent aussi partout, la plupart étant sans domicile fixe. De plus,
les afflux se poursuivent sans répit partout sur le territoire. Il nous est presque impossible
de les contenir20.» Le 28 juillet, le même ministre évoquait un problème de sécurité: «Le
renforcement de la sécurité intérieure et extérieure de l’Etat en liaison avec les organismes

17 Le ministre de l’Intérieur (de 1999-2005) accusait les immigrés de l’augmentation de la criminalité affirmant que «Pour
que ces gens là puissent survivre, ils se livrent à toutes sortes d’activités sans exception (vol, violence, cambriolage,
drogue, prostitution) et polluent aussi partout, la plupart étant sans domicile fixe. De plus, les afflux se poursuivent sans
répit partout sur le territoire. Il nous est presque impossible de les contenir»/La Nation du 31 juillet 2003.
18 Comme il est largement démontré par les recherches sur le discours de la presse dans le monde occidental, on en
retrouve aussi dans un pays non occidental. Pour des thèmes complexes par leur gestion, impliquant une responsabilité
politique du gouvernement et des autorités locales, la presse gouvernementale djiboutienne fabrique et offre au public
djiboutien un «prêt-à-penser» sur des questions que la société devrait confronter d’une autre manière. La criminalité est
un phonème qui existe dans toutes les sociétés humaines.
19 Immigration clandestine. La déferlante, Le Renouveau (journal d’un parti de l’opposition) 17 février 1994, p. 3. L’auteure/
auteur écrit «ce dont il s’agit, c’est de prendre conscience de l’ampleur d’un phénomène qui a depuis longtemps dépassé
les limites du supportable et qui se révèle plus que préoccupant.»
20 La Nation du 28 juillet 2003.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 209
Mohamed Abdillahi Bahdon

anti-terroristes exige aujourd’hui une politique d’immigration qui ne peut plus faire de
Djibouti comme par le passé une «terre d’asile et de rencontre» «car l’environnement a
changé. A l’instar d’autres pays, Djibouti malgré sa pauvreté est devenu le miroir aux alou-
ettes pour une population flottante fuyant la pauvreté21.» Le gouvernement propage l’idée
de peur au sein de la population djiboutienne.
Mais jusqu’en 1996 il n’y avait pas de législation sur l’immigration en dehors de trois lois
anciennes; les deux premières datent des années 198022 et la troisième de 199623. Il n’y a
aucun débat à l’Assemblée Nationale sur cette question. Cela montre bien que la décision
gouvernementale d’expulser les immigrés clandestins en 2003 fut circonstancielle. Mais
il ne serait pas exagérer de dire que celle-ci répondait plus à des objectifs bien précis de
la politique extérieure des Etats-Unis: contrôler le mouvement des populations dans cette
région à haut risque «terroriste» – qu’une politique nationale. Ces expulsions ont été très
mal reçues par les pays voisins, et surtout par une partie de leurs populations et de la
presse24 de ces pays, qui a mal réagi. En effet les travailleurs auront des difficultés pour
entrer dans les marchés de travail de leur pays d’origine; c’est aussi une perte de revenu
non seulement pour eux-mêmes sinon pour un ensemble de personnes qui en bénéficiaient
l’envoi de l’argent à partir de Djibouti. Le risque est aussi l’apparition d’un sentiment anti-
djiboutien des populations éthiopienne, érythréenne et somalienne. Cette mesure brutale a
aussi des conséquences importantes pour les échanges économiques et commerciaux entre
les zones frontalières.
Les Forces de la Police Nationale ont toujours effectué des rafles dans les quartiers populai-
res, elles ont arrêté des étrangers. La presse écrite tantôt nationale comme internationale
ou les radios internationales comme la BBC ou RFI n’ont jamais consacré un dossier sur
ces rafles des citoyens érythréens, éthiopiens, somaliens… vivant et travaillant en Répu-
blique de Djibouti depuis longtemps. En 2003, le contexte politique national, régional et
international est différent des décennies précédentes: l’augmentation du nombre de per-
sonnes migrantes, la montée du terrorisme dit islamiste dans le monde deviennent une
préoccupation dans ces deux régions, l’Arabie et la Corne de l’Afrique. Ce phénomène
global ne pourrait laisser indifférente l’Occident, qui par la présence des forces militaires
occidentales25 dans le territoire djiboutien a ouvert une instabilité politique et le soutien de
régimes autoritaires comme les régimes prooccidentaux de l’Ethiopie et de la République
de Djibouti.

3. Espace stratégique de lutte contre le terrorisme international


Sans aucun doute le terrorisme international constitue une des questions politiques impor-
tantes pour toutes les sociétés au XXI siècle non seulement par l’impact des attentats du 11
septembre 2001 aux Etats-Unis, mais aussi par le développement d’organisations terroristes

21 La Nation du 31 juillet 2003.


22 Décret PR n.° 81-103/PR/TR portant réglementation du travail des étrangers du 4 octobre 1981 et la Loi n.° 240/AN/82
Modifiant certains articles du décret du 2 février 1935 et de L’ordonnance du 2 novembre 1945, relatifs aux conditions
d’admission et de séjour des étrangers en République de Djibouti et à leur accès aux activités qui leur sont ouvertes,
spécialement ceux en matière de pénalités prévues par ces textes du 20 avril 1982.
23 Loi n.º 115/AN/96 3e L portent sur l’admission et le séjour des étrangers sur le territoire de la République de Djibouti du 3
septembre 1996.
24 Djibouti Deports Hundreds of Ethiopians Working There, Addis Tribune week 05 september 2003. C’est un hebdoma-
daire éthiopien. Le journal critique l’attitude du gouvernement, il parle de déportation et non pas d’expulsion. Selon lui
«plus 2 000 Ethiopien vivant et travaillant (…) le fait qu’ils disposent des permit de travail ont été déportés.» Il accuse
aussi le rôle joué par les Etats-Unis dans l’adoption de la mesure gouvernementale djiboutienne.
25 La lutte de l’Occident contre le terrorisme dans cette région intervient à un moment où les groupes terroristes ont mené
leurs actions au cœur même du territoire des Etats-Unis en septembre 2001. Certains pays de la Corne de l’Afrique ont
été victimes des groupes nationalistes et revendicatifs depuis le début des années et particulièrement l’Ethiopie.

210 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIGRATION, SÉCURITÉ ET LA BASE MILITAIRE DES ETATS-UNIS – LA RÉPUBLIQUE DE DJIBOUTI AU CENTRE …

dans le monde – le terrorisme circonscrit jusqu’à là dans certaines régions devient global
(Fernando R., 2003). En Europe comme en Amérique du Nord, cette lutte est non seule-
ment un objectif de la politique intérieure, mais aussi elle est une ressource politique pour
les acteurs politiques. Elle s’est ajoutée à la panoplie des moyens de manipulation de la
classe politique à des moments donnés de la vie politique des pays comme lors des élections
législatives et présidentielles. Mais en même temps il y a une affirmation et une prise en
compte de la défense des intérêts de l’Occident. Et la sécurité en est une d’eux.

3.1. La manipulation politique d’une menace globale


L’existence des organisations terroristes constitue aussi une menace pour les pays du Sud,
lesquels souffrent le terrorisme socialement et économiquement comme l’Irak post-Sadam
Hussein ou l’Afghanistan. En dehors du Proche Orient, de l’Afghanistan et du Pakistan,
deux autres régions où la menace terroriste est ressentie par les dirigeants occidentaux
sont d’une part la Corne de l’Afrique et l’Arabie du Sud (Arabie Saoudite et Yémen) d’où la
politique de prévention contre le développement des réseaux terroristes et la mise en place
d’une base militaire dans la Corne de l’Afrique.
La fin du 20ème siècle n’est pas seulement marquée par l’augmentation des mouvements
migratoires26, mais elle est aussi marquée par la poussée du fondamentalisme religieux
et l’affaiblissement ou la décomposition des institutions étatiques des pays du Sud27.
C’est une situation qui résulte de facteurs politiques et socioéconomiques tant internes28
qu’externes29. La Corne de l’Afrique a été le théâtre d’affrontements entre l’ex URSS et les
Etats durant la guerre froide. Les deux grands pays de cette sous-région africaine, les régi-
mes politiques de l’Ethiopie et de la République Démocratique de Somalie sont reçu des
appuis financiers et militaires des Etats-Unis et de l’ex URSS, mais aussi des pays de l’ex
Bloc de l’Est comme l’ex République Démocratique d’Allemagne (RDA) ou de Cuba, alliés
de l’ex URSS à partir de la fin des années 1960. Ils ont appuyé les guerres meurtrières que se
sont livrées ces deux pays africains jusqu’en 1985 quand Mijael Gorbatchev décide de réduire
dans un premier temps l’aide militaire à son allié éthiopien. Ce n’est pas pour contrôler des
ressources de cette région que les ex deux puissances de la guerre froide se livraient une
«guerre de tranchées» par acteurs locaux sinon qu’il y a à proximité une région hautement
stratégique pour l’économie occidentale: le Moyen Orient et ses réserves de pétrole et de
gaz. La politique d’endiguement du communisme dans la Corne de l’Afrique était soutenue
par les monarchies arabes par un conservatisme sociopolitique et par le rejet de l’idéologie
communiste. Le seul pays communiste de l’Arabie est le Yémen du Sud.
La Corne de l’Afrique et l’Arabie du sud constituent un point important pour la sécurité
extérieure de l’Occident, parce que les pays de ces régions soit disposent d’une ressource
stratégique, le pétrole, soit sont un point d’appui pour leurs intérêts maritimes et militaires
comme la République de Djibouti, qui de par sa position géostratégique a tou-jours été un

26 Selon des publications des Nations Unies de l’année 2004, le nombre des immigrés est passé de 175 millions à 190
millions de personnes.
27 Plus qu’une décomposition on assiste dans certains pays la disparition des structures étatiques comme dans les régions
où les conflits armés ont déstructuré les relations sociales où la force et la destruction se sont imposées comme moyen
d’action. A cela certains auteurs ont appelé avec raison la criminalisation de l’Etat, Bayart, J .F., Ellis, S. et Hibou, B., La
criminalisation de l’Etat en Afrique, Bruxelles, Complexe, 1997.
28 Les pays du Sud, et de l’Afrique en particulier, sont confrontés à des crises de légitimité politique, l’autoritarisme des
régimes post coloniaux, l’éclatement des conflits armés internes, des crises socioéconomiques presque permanentes.
29 La chute des prix de matières premières, qui a commencé dès la fin des années 1970, l’imposition du libéralisme à des
pays en construction, la réduction de l’aide au développement, la marginalisation économique des pays africains ont
porté un coup dur à la construction d’un Etat central.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 211
Mohamed Abdillahi Bahdon

point important pour l’Occident, et particulièrement pour les Etats-Unis durant la guerre
du Golfe en 1990 (l’occupation du Koweït par l’Irak).
Dans la péninsule arabique, et particulièrement le Yémen (réunification entre le Nord et
le Sud comme capitale Sanaa dans le nord du pays) et l’Arabie Saoudite, le paysage poli-
-tique et social changé après l’effondrement du communisme; le fondamentalisme jusqu’à
là contenu trouve un terrain d’expression en profitant un vide laissé par la guerre froide.
En effet l’appui ou l’alliance des monarchies pétrolières à l’Occident capitaliste se basait
non seulement par l’existence d’un marché important pour leurs ressources pétrolières,
mais aussi ces dernières appuyaient un point de la politique extérieure des Etats-Unis: la
politique de containment du communisme durant les années 1950.

3.2. L’affirmation et la prise en compte de la défense des intérêts occidentaux


A la fin de la guerre froide, les Etats-Unis constituent l’unique puissance mondiale pour
ses capacités financières et économiques (la première puissance économique mondiale)
et militaires (le seul pays qui disposait une capacité d’intervention militaire sur plusieurs
terrains). Mais ce monopole momentané ne signifie pas pour autour la fin de tout risque
par des acteurs invisibles.
Sa sécurité dans cette région est menacée par l’émergence des groupes fondamentalistes
religieux. Or ces groupes sont très mouvants et peuvent s’installer et agir dans d’autres
territoires30 que la Péninsule Arabo-persique. Historiquement, les sociétés de la Corne de
l’Afrique et de l’Afrique de l’Est (Kenya et Tanzanie) sont très influencées par les valeurs
du monde arabe depuis les 9ème et 10ème siècles, dates de la conversion de certains grou-
pes côtiers à l’Islam. C’est dans ce sens qu’il faut entendre les propos du Secrétaire d’Etat
adjoint aux Affaires Africaines, M. Charles Snyder, qui affirmait que «les Etats-Unis ont en
Afrique de réels intérêts en matière de sécurité et s’ils devaient les ignorer, ce serait à leurs
risques et périls31».
Contrairement à d’autres politiques tout aussi importantes, celle-ci nécessite des alliés, un
déploiement des forces anti-terroristes, des bases militaires et la surveillance de certaines
zones du monde considérées comme des bases du terrorisme. Dans un tel contexte et la
détermination de lutter contre le terrorisme international, la République de Djibouti par
sa situation géographique et géostratégique offre un lieu privilégié pour contrôler les mou-
vements de personnes suspectes de militants de groupes terroristes arabo-musulmans. En
effet ce petit pays est à cheval entre deux régions des plus instables dans le monde après
la chute du communisme: la Corne de l’Afrique, pièce importante de la guerre froide, et le
monde arabo-perse avec ses réserves de pétrole et de gaz, ressources stratégiques pour les
économies occidentales. La chute du régime militaro-ethnique en début 1990 prolonge la
République Démocratique de Somalie dans une anarchie totale jusqu’à nous particulière-
ment dans le Sud où les mouvements islamistes ont eu un gouvernement (les Tribunaux
Islamiques et le groupe Shebabh). En effet un des groupes, qui s’est illustré sur le terrain
dès les années 1990, est le groupe Al-Itiahd al Islimaya, qui a revendiqué des actes terro-
ristes en Somalie, mais aussi en Ethiopie. Ce pays partage non seulement une frontière
terrestre, mais aussi une culture (somalie), une religion (l’islam) et la langue (le somali est
parlé en République où une partie de sa population est somalie).

30 Ils profitent des relais locaux pour s’installer dans ces pays. Et la composition sociale et ethnique des sociétés africaines
«facilite» quelque part leur présence. De la même manière qu’ils trouvent des relais dans les communautés musulmanes
en Europe (France et Espagne, les Maghrébins, Royaume Uni, les Pakistanais… ), les leaders des groupes terroristes
retrouvent dans certaines couches sociales, favorisées ou défavorisées, des soutiens pour leurs opérations.
31 Réalité N.º 94 du mercredi 28 avril 2004.

212 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIGRATION, SÉCURITÉ ET LA BASE MILITAIRE DES ETATS-UNIS – LA RÉPUBLIQUE DE DJIBOUTI AU CENTRE …

4. La sécurité de l’Occident dans la Corne de l’Afrique et l’Arabie du Sud


Dès la fin des années 1990, l’immigration est devenue un problème de sécurité pour beau-
coup de gouvernements occidentaux. Selon de Bigo (1998), elle se trouve «à la croisée des
chemins sécuritaires». Beaucoup de gouvernements occidentaux ont adopté ce que Bigo
(1998) appelle une «gouvernabilité de l’inquiétude». Dans sa décision de créer une base
militaire, le gouvernement des Etats-Unis a pris la dimension régionale et surtout la situa-
tion de la Somalie où l’absence d’un pouvoir politique central a laissé le champ libre à des
groupes qualifiés de terroristes ayant ou non des appuis extérieurs.
Cette présence préoccupe les pays occidentaux pour leurs intérêts économiques. En effet, la
République de Djibouti est située dans une position stratégique pour l’approvisionnement
en ressources énergétiques de leurs économies: gaz et pétrole. Mais aussi pour leurs échan-
ges commerciaux avec l’Orient par voie maritime32. La défense de la sécurité de l’Occident
passe par la revalorisation d’un espace géostratégique, marqué par des conflits politiques
depuis le début de la décennie 1990 du siècle passé. Comme nous avons analysé dans la
première partie, l’immigration, qui fut un fait naturel, est liée à la sécurité, reprenant ainsi
un débat qui préoccupe les pays occidentaux. On assiste à une revalorisation de l’espace
géographique que constitue la Corne de l’Afrique. Celle-ci se traduit par la constitution
comme menace d’un fait naturel qu’est l’immigration pour les populations de cette région
africaine.

4.1 La revalorisation de l’espace géostratégique


La Corne de l’Afrique fut un haut lieu d’affrontements entre l’Est (bloc communiste) et
l’Ouest (bloc capitaliste) jusqu’à la fin de la décennie 1980. La fin du régime communiste
au début des années 1990 a conduit un certain désintérêt de la politique extérieure des
Etats-Unis à la différence du Golfe Arabo-persique. Cependant dans cette Afrique, culture-
llement et religieusement proche du le monde arabe, la République de Djibouti fut toujours
considéré comme un pays stable politiquement et occupant une position stratégique (Aden,
1986).
Dans les années 1970 du siècle passé, Legum, Huy, Frenet, Holliday et Molyneux, analysant
la situation stratégique de cette région pour les Etats-Unis, considèrent que:
«la Corne de l’Afrique est stratégiquement importante puisqu’elle contrôle le passage
de la Mer Rouge au Golfe d’Aden et celui de la Méditerranée à l’Océan Indien grâce
au canal de Suez. Cette importance est renforcée encore aujourd’hui en raison de la
position de cette région, proche du pétrole du Moyen-Orient et du trafic maritime dans
l’Océan Indien. Par conséquent, les Etats-Unis ont un intérêt vital à maintenir ouverts
le détroit de Bal- el- Mandeb, le port de Djibouti et la mer rouge à leurs navires et à
ceux de l’Europe et d’Israël. Dans ce contexte, la Mer Rouge est devenue un objet de la
compétition Est-Ouest33 .»

Or le changement qu’on observe sur la scène internationale à la des années 1990, entraîne
un changement de cette politique. Alors que le gouvernement des Etats-Unis a non seule-
ment soutenu le principal front armé contre le régime communiste du Colonel Mangustu
Hailé Miriam, il n’a pas intervenu dans la crise somalienne. Or l’anarchie dans laquelle

32 La Corne de l’Afrique se trouve sur une des principales routes maritimes qui relient l’Europe et les grandes économies
d’Orient, le Japon, la Chine, l’Inde… Le Port Autonome International de Djibouti se trouve dans une bonne position, il
offre depuis l’époque coloniale des services portuaires aux bateaux mer ou grands bateaux de marchandise, mais aussi
des bateaux de guerre.
33 Legum, Huy, Frenet, Holliday et Molyneux (1986: 23).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 213
Mohamed Abdillahi Bahdon

s’orientait la Somalie post Mohamed Syaad Barreh va avoir des conséquences importantes.
Dès la fin de 2001, des soldats étasuniens sont stationnés sur le territoire djiboutien, une
centaine des groupes d’élites de la Marine d’abord sur un bateau militaire34. A la même
année, après une visite de l’ex Secrétaire à la Défense, Donald Rumsfeld, une base mili-
taire étasunienne est ouverte au Camp Lemonier, un camp militaire abandonné par les
Forces Françaises Stationnées en République de Djibouti. C’est la concrétisation de l’un des
objectifs de la lutte contre le terrorisme sur le terrain en particulier la Corne de l’Afrique
et l’Arabie du Sud, deux régions considérées stratégiques, mais aussi hostiles à la politique
extérieure des Etats-Unis à l’exception de l’Ethiopie. Ainsi pour concrétiser cette politique
dans ces deux régions, les Etats-Unis ont mis en place la Force Militaire Combinée pour la
Corne de l’Afrique, CJTF-HOA35 pour ses sigles anglais.
C’est dans un tel contexte que le gouvernement djiboutien prend en juillet 2003 une décision
importante: l’expulsion des gens, hommes, femmes, des familles entières travaillant, qui
occupent des postes socialement dévalorisés par les Djiboutiens, mais qui sont tout aussi
importants, parce que ce sont des niches d’emplois informels dans un pays où l’économie
informelle croit de plus en plus. Le gouvernement présente l’immigration, qu’il qualifie
d’office de clandestine et à laquelle il faut trouver une solution, comme une préoccupation
nationale36. Le résultat de cette préoccupation est l’expulsion massive des ressortissants
des pays limitrophes, qui se trouvent dans une situation sociale précaire. Dans les années
1980 et 1990, il y a eu toujours des rafles policières. Mais en 2003, les immigrées/immi-
grés sont stigmatisées/stigmatisés par le pouvoir. En effet dans un discours du 26 juillet
2003 Abdoulkader Doualeh Waïs, ministre de l’Intérieur et de la Décentralisation, expose
les grandes lignes de la décision du gouvernement pour faire face à la situation créée par
l’immigration clandestine selon ses mots. Il fixe un délai de 31 jours pour départ volontaire
de des clandestines/clandestins. Le délai a été prolongé de 15 jours de plus, il est ramené
au 15 septembre 2003. Passé ce délai, la police et les forces armées interviendront pour
procéder à l’expulsion de celles et ceux qui ne sont pas partis de leur propre initiative. Selon
Le Colonel Hassan Djama Guedi de l’Etat Major de la Force Nationale de Police, plus de 100
000 personnes ont quitté le pays. Dans le même temps, l’Office des Nations Unies pour les
Réfugiés et le gouvernement djiboutien a signé un accord pour la création d’un camp de
réfugiés pour les demandeurs d’asile, situé à plus de 100 km de la capitale. C’est un petit
où l’administration brille par son absence. Et dire qu’à partir de là les étrangers peuvent
demander l’asile politique au gouvernement n’est pure fiction.
Beaucoup d’observateurs tant nationaux comme étrangers soupçonnent le gouvernement
djiboutien la méthode et le moment choisis de la mesure prise contre ce qui est qualifiée de
lutte contre l’immigration clandestine. En effet cette mesure négative socialement pour des
milliers de personnes intervient un an après l’installation sur le territoire djiboutien d’une
base militaire des Etats-Unis, qui abrite des forces spéciales pour combattre le terrorisme
international dans la Corne de l’Afrique et l’Arabie du Sud. Le gouvernement djiboutien a
été accusé d’avoir pris la décision d’expulsion sous la pression des Etats-Unis, accusation

34 Mais les Etats-Unis n’est pas le seul pays occidental à avoir déployé des hommes et des appareils militaires. Appuyant la
politique de l’administration Bush, il y a aussi des militaires allemands, espagnols et italiens, qui participent aux côtés
de leurs collègues étasuniens dans la surveillance des mouvements d’embarcations maritimes suspectes.
35 Combined Joint Task Force-Horn of Africa» (CJTF-HOA) est un groupe de travail conjoint sur la Corne de l’Afrique; les
militaires qui y participent sont Allemands, Italiens et Espagnoles. Selon David Shinn, ancien ambassadeur estasunien
en Ethiopie, cette force militaire est composée de 1400 et 1600 militaires et civils. Lors de la guerre d’Iraq en janvier 1991,
le territoire djiboutien a été une des bases de la coalition internationale dirigée par les Etats-Unis.
36 Selon le ministre de l’Intérieur et de la Décentralisation: «Le problème qui nous préoccupe aujourd’hui et pour lequel
j’interviens est: l’immigration clandestine. Nous la trouvons dans toutes nos villes, villages et campements nomades,
bref partout sur notre sol national.» Discours du 26 juillet, publié par La Nation du 28 juillet 2003.

214 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIGRATION, SÉCURITÉ ET LA BASE MILITAIRE DES ETATS-UNIS – LA RÉPUBLIQUE DE DJIBOUTI AU CENTRE …

qu’a rejetée le gouvernement étasunien par la voie diplomatique37 mais aussi le République
de Djibouti.
Cependant deux faits corroborent l’existence d’une telle pression, d’une part le fait que
les Etats-Unis ont qualifié la Somalie de un foyer du terrorisme international islamique.
Il existe depuis le milieu des années 1990 des petits groupes armés actifs; ils revendiquent
l’explosion des attentas tant en Somalie qu’en Ethiopie. Il y a une menace évidente. Mais il
faut prendre en considération la dépendance dans laquelle se trouve le gouvernement de la
République de Djibouti à partir du moment que les Etats-Unis payent un loyer pour sa base
dans ce pays et le financement de nombreux projets dit de développement financés par
l’agence étasunienne de développement, qui avait ouvert un bureau à Djibouti-ville. Malgré
le rejet de toute accusation, ce qu’on ne peut ignorer c’est la transformation de l’immigré
comme terroriste potentiel.

4.2 Les flux migratoires comme menace terroriste


La préoccupation imaginaire crée un lien entre la présence des immigrés dans les espaces
politiques des pays industrialisés et la sécurité, sentiments liés à la crise socioéconomique.
Après la chute du Mur de Berlin, la sécurité est entrée en force dans l’agenda gouvernemen-
tal de beaucoup des pays du Nord. Déjà à la fin des années 1990, Didier Bigo (1998) écrivait
que «l’immigration est lue à travers le prisme de la sécurité par certains hommes politiques,
par les polices et certains services sociaux, par nombre de journalistes et une fraction de
l’opinion publique.» Les attentats de New York en septembre 2001 ont donné une dimension
plus importante à la sécurité nationale des politiques interne et externe de tous les pays,
et en particulier des pays occidentaux, victimes ou possibles victimes d’actes des groupes
terroristes. Ainsi l’ex Secrétaire d’Etat adjoint aux Affaires Africaines, M. Charles Snyder,
affirmait que «les Etats-Unis ont en Afrique de réels intérêts en matière de sécurité et s’ils
devaient les ignorer, ce serait à leurs risques et périls38». Dans le Washington File, édité
par la section culturelle de l’Ambassade américaine à Paris, repris par le journal djiboutien
Réalité, «le Président Bush a annoncé l’initiative de lutte contre le terrorisme en Afrique
Orientale. Il s’agit d’un programme de 100 millions de dollars visant à renforcer les capaci-
tés de lutte antiterroriste de nos partenaires dans la région… Nous nous attachons à aider
plusieurs pays, notamment le Kenya, l’Ethiopie et Djibouti, à renforcer la sécurité de leurs
frontières, à accroître la compétence de leurs forces de l’ordre et à améliorer la façon dont
les collectivités territoriales marginalisées perçoivent les Etats-Unis et leur politique39… ».
La décision d’expulsion est officiellement motivée, pour le gouvernement, par des raisons
économiques et sécuritaires. Pourtant, l’élément déclencheur de cette décision paraît
être l’influence – certains medias parlent de pression – exercée par les Etats-Unis sur le
gouvernement djiboutien, qui avait mis en garde les autorités djiboutiennes à de possibles
attaques terroristes visant des intérêts occidentaux dans le pays. Vu de ce point de vue, les
expulsions constitueraient donc une mesure de prévention. Et une telle prévention protège
37 Sous la pression de la presse étrangère accusant d’être à l’origine de la décision d’expulsion des immigrés en République
de Djibouti, l’ambassade des Etats-Unis a réagit par un communiqué de presse confus: «le gouvernement des Etats-
-Unis reconnaît à la République de Djibouti, comme à tout autre Etat, le droit de contrôler ses frontières, d’exiger que
toutes les personnes entrant et séjournant sur son territoire le fassent légalement (…) les opérations de refoulement sont
exécutées dans le respect le plus strict des droits de l’homme fondamentaux.» Le communiqué est publié par la presse
gouvernementale djiboutienne. Il reconnaît au gouvernement djiboutien le droit d’agir dans cette matière et donne une
qualification à la manière de mener aux opérations d’expulsion. La position du gouvernement des Etats-Unis est très
délicate: entre ne pas intervenir dans une affaire intérieure et appuyer un gouvernement qui a accepté d’héberger une
force tellement importante dans un contexte de lutte contre le terrorisme international. Voir, Les Etats-Unis ne sont pas
impliqués dans les opérations de refoulement des clandestins, La Nation du 08 septembre 2003.
38 http://ard-djibouti.org/2004/04/.
39 http://ard-djibouti.org/2004/04/.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 215
Mohamed Abdillahi Bahdon

les intérêts occidentaux et surtout ceux des Etats-Unis, qui dirigent l’opération «Liberté
durable» adoptée après les attaques du 11 septembre 2001. Les Etats-Unis utilisent en effet
Djibouti – et sa position stratégique dans la corne de l’Afrique – comme une base de ren-
seignement sur Al-Qaeda et les mouvements des personnes suspectées de militantes de
groupes terroristes.
Cependant on note un double discours de l’ambassade étasunienne (du gouvernement éta-
sunien), d’une part elle ne prononce pas sur les opérations de refoulement des immigrées/
immigrés menées par la police djiboutienne, et d’autre part elle affirme son satisfecit en
ces termes: «les opérations ont été exécutés dans le strict respect droits de l’homme40.»
L’ancienne ambassadrice des Etats-Unis dans ce pays, Mme Lang Schermerhorn, a appuyé
la décision d’expulser des immigrés en parlant de terroristes en affirmant que «le gouverne-
ment a également commencé une compagne agressive contre l’immigration pour expulser
les illégaux (Ethiopiens) étrangers de Djibouti dans une tentative d’expulser des terroristes
potentiels41.» Pour montrer l’importance de la place qu’occupe la République de Djibouti,
l’auteure insiste en affirmant que «Djibouti n’est pas un bastion du terrorisme, mais un
bastion contre le terrorisme42 .»
Il n’y a pas de doute sur la relation que le gouvernement établit entre immigration et sécu-
rité. Si on ne perçoit pas une telle relation dans les discours politiques et la presse gouverne-
mentale, qui reprend le discours gouvernemental, l’accent est mis sur la sécurité. C’est ainsi
que le journal La Nation écrivait dans son édition du 14 août 2003 que «le renforcement de
la sécurité intérieure et extérieure de l’Etat en liaison avec les organismes anti-terroristes
exige aujourd’hui une politique d’immigration qui ne peut plus faire de Djibouti comme
par le passé une «terre d’asile et de rencontre, car l’environnement a changé.»
Le gouvernement djiboutien comme ceux de la République Fédérale d’Ethiopie, de l’Erythrée
et du Kenya, s’est beaucoup investi dans la résolution du conflit interne somalien, et ce
depuis 1991 où s’est tenu une conférence de réconciliation nationale à Djibouti-ville. La
dernière conférence de réconciliation nationale a eu lieu en l’an 2000 à Arta; elle a marqué
un changement dans les relations entre les actrices/acteurs politiques des régions en guerre
par la création d’institutions d’un gouvernement fédéral de transition (GFT), soutenu par
la communauté internationale. L’Assemblée somalienne, composée par des représentants
tribunaux du centre et du sud de la Somalie – le Somaliland et le Puntland ne participent,
ont élu un président du gouvernement fédéral de transition en 2009 à Djibouti-ville en la
personne de Sharif Cheikh Ahmed43 après la démission de son prédécesseur. La République
de Djibouti dispose un contingent de presque 1000 militaires depuis 3 ans.
Comme l’Ethiopie, qui a souffert des groupes armés nationalistes ou islamistes, et le Kenya,
qui est victime d’attentats sur son territoire depuis 2010, la République de Djibouti a aussi
payé sa politique de lutte contre le terrorisme contre le groupe Al-Chebab par un attentat
contre les intérêts occidentaux dans un restaurant de la capitale, fréquenté par les soldats
européens le 24 mai 2014 faisant selon des sources policières 3 morts. Quant au Kenya, il
fait face à une multiplication des attentats sur son territoire, et ce malgré l’aide promise par
les Etats-Unis de la lutte contre le terrorisme aux pays de la Corne de l’Afrique et les mesu-
res prises par le gouvernement kenyan de lutte contre El Chebab en Somalie, recourant à
l’aviation.

40 Idem, La Nation du 08 septembre 2003.


41 Lang Schermerhorn, Djibouti. “A Special Role in the War on Terrorism” En Rotberg Robert I., pp. 48-63, en Rotberg
Robert I.
42 Ibidem, p. 50.
43 Il a milité au groupe de Tribunaux Islamiques. C’est un universitaire, qui a étudié en Egypte et au Soudan. Considéré par
la presse occidentale comme un modéré et un dirigeant de l’Alliance pour la nouvelle libération de la Somalie (ARS).

216 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIGRATION, SÉCURITÉ ET LA BASE MILITAIRE DES ETATS-UNIS – LA RÉPUBLIQUE DE DJIBOUTI AU CENTRE …

Conclusion
En reprenant l’analyse de Didier Bigo44 , on peut affirmer que l’immigration est «probléma-
tisée», non pas comme une question entrée sur la scène politique mais comme une question
de sécurité des intérêts de l’Occident et particulièrement des Etats-Unis dans cette région.
S’il est du devoir de l’Etat djiboutien comme de tout autre Etat de contrôler l’entrée et
le séjour des étrangers sur son territoire, la méthode d’expulsion massive n’est pas une
manière de régler un problème social et économique important pour les sociétés humai-
nes. Ces expulsions rappellent celles qui ont eu lieu dans d’autres pays africains dans les
années 1980 et 1990 au Cameroun, Gabon, le Nigeria… En adoptant une mesure inhumaine
d’expulsion massive des personnes intégrées dans la société djiboutienne, les autorités gou-
vernementales djiboutiennes n’ont pas pris en considération les relations sociales et écono-
miques régionales et les intérêts de la République de Djibouti et ses citoyennes/ citoyens.
De nos jours, les gouvernements se trouvent devant un dilemme: favoriser l’intégration
économique régionale et en même temps contrôler la présence des étrangers dans un
espace qui se veut d’intégration. Il y a bien sûr la question de la sécurité intérieure que tout
gouvernement doit assurer à sa population. Le «no man’s land» en Somalie et l’existence de
rebellions armées en Ethiopie et en Erythrée renforcent la politique sécuritaire des gouver-
nements de cette région.
Mais la question est de savoir les raisons du changement d’attitude des gouvernements dji-
boutiens entre les décennies 1980 et 1990 et l’an 2003. Comment le changement du contexte
sous-régional, la disparition de l’Etat somalien depuis 1990 et le contexte international post
11 septembre 2001 a eu des répercutions sur la vide politique et sociale de la République de
Djibouti? La politique étasunienne de lutte contre le terrorisme a-t-elle mise à profit par les
régimes autoritaires de la République de Djibouti, de la République Fédérale Démocratique
de l’Ethiopie et de l’Erythrée. Depuis la vague des réformes constitutionnelles, qui ont eu
lieu dans la partie subsaharienne du continent africain, les peuples djiboutien, éthiopien
et érythréen subissent la violence des régimes autoritaires. A la différence d’autres pays
africains comme le Bénin, le Botswana, les Caps Verts ou le Mali (avant le Coup d’Etat de
2012), aucune alternance politique n’a eu lieu.
La République de Djibouti est dirigé par le même parti depuis l’indépendance, même s’il
a formé une coalition avec d’autres partis. Avec l’introduction du multipartisme limité
jusqu’en 2002 et intégral depuis septembre 2002, il n’y a pas un parti politique nationa-
liste ou anti-immigrés, qui pourrait expliquer le changement du discours politique et de
la presse gouvernementale envers certaines/certains étrangères/étrangers vivant sur le sol
djiboutien. La première législation sérieuse sur l’immigration est votée en 2007, trois ans
après la fameuse décision d’expulsion 100.000 étrangères/étrangers, qualifiées/qualifiés de
clandestines/s, considérés responsables de tous les maux de la société djiboutienne.
La recherche de la sécurité d’Occident dans la Corne de l’Afrique a créé plus d’insécurité
pour les populations et les économies de cette région. Le niveau d’instabilité politique est
plus élevé, ce qui renforce l’autoritarisme des gouvernements en place, lesquels mettent
en avant une menace dont ils ont une grande capacité de manipulation. Celle-ci rapporte
beaucoup d’argent. Ce qui maintient les systèmes nationaux de corruption financière, éco-
nomique et politique. En fait, on note une superposition de système de corruption, celui de
l’Occident et de leurs institutions comme la Banque Mondiale, le FMI, l’Union Européenne
– qui donnent des chiffres artificiels sur la croissance économique alors que dans le même

44 Op. Cit.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 217
Mohamed Abdillahi Bahdon

temps il y a la famine qui tue des milliers de personnes, et celui des gouvernements et de
leurs administrations de la région.

Références bibliographiques
Législation
Loi n.º 74/AN/10/6ème L modifiant la loi n.º 201/AN/5ème L fixant les conditions d’accès en République
de Djibouti du 21 février 2010.
Loi n.º 201/AN/07/5ème L fixant les conditions d’entrée et de séjour en République de Djibouti du 22
décembre 2007.
La Loi n.º 115/AN/96/3ème L portant sur l’admission des étrangers sur le Territoire de la République de
Djibouti du 03 septembre 1996.
Loi n.º 240/AN/82 Modifiant certains articles du décret du 2 février 1935 et de L’ordonnance du 2
novembre 1945, relatifs aux conditions d’admission et de séjour des étrangers en République de
Djibouti et à leur accès aux activités qui leur sont ouvertes, spécialement ceux en matière de
pénalités prévues par ces textes du 20 avril 1982.
Loi n.º 114/AN/80 portant sur les étrangers en République de Djibouti du 30 mars de 1980.
Ordonnance n.º 77-053/PR/AE portant statut des réfugiés sur le sol de la République de Djibouti du
09 novembre 1977.
Décret n.º 95‑0110/PRE portant diverses mesures d’ordre social du 9 octobre 1995.

Articles et Livres
Aden Robleh Awaleh (1986), Djibouti clé de la Mer Rouge, Paris, Editions Caractères.
Abramovici, Pierre (2004), «L’activisme militaire de Washington en Afrique», Le Monde Diplomatique
juillet, pp. 14-15.
Addis Tribune (2003), “Arawus”refugee camp in Djibouti, Addis Tribune week 05/09/03, www.addis-
tribune.org.
Aït-Hatrit, Saïd, «Djibouti se sépare de ses clandestins. L’ultimatum expire le 15 septembre», vendredi
12 septembre 2003, www.afrik.com
Alan B. Simmons (2002), Mondialisation et migration internationale: tendances, interrogations et modè-
les théoriques, Volume 31, numéro 1. «L’immigration», http://www.erudit.org/revue/cqd/2002/v31/
n1/000421ar.html.
Alliance Républicaine pour le Developpement (ARD) (2004), Aide extérieure, bonne gouvernance et
anti-terrorisme, Réalité N.º 9, 28 avril 2004 www.and-djibouti.org.
BBC (2003), Migrants defy Djibouti ban, BBC, 15/09/03.
BBC (2003), Djibouti extends refuge deadline, BBC 31 agost 2003. Djibouti has extended the deadline
for illegal immigrants to leave the country by two weeks.
Bigo Didier (1998), «Sécurité et immigration: vers une gouvernementalité par l’inquiétude?» Cultures
& Conflits n.º 31-32, pp. 13-38.
Bigo Didier (1998), «L’immigration au carrefour des sécurités», Revue Européenne des Migrations
Internationales, 1, pp. 25-46.
Bonelli, Laurent (2005), «Quand les services de renseignement construisent un nouvel ennemi», Le
Monde Diplomatique, avril 2005, pp.12-13.
Bourdieu, Pierre (1984), Questions de sociologie, Paris, Editions les minuits. Chehem, Hassan (2003),
Djibouti, miroir aux alouettes, La Nation du 31 juillet. Chomsky, Noam (2004), «L’autisme de
l’Empire», Le Monde Diplomatique, mai, p. 21.

218 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
MIGRATION, SÉCURITÉ ET LA BASE MILITAIRE DES ETATS-UNIS – LA RÉPUBLIQUE DE DJIBOUTI AU CENTRE …

Clapham Christopher (2000), «Guerre et construction de l’État dans la Corne de l’Afrique», Critique
international, N.º 9, octobre, pp. 93-111.
Charlie (2003), Sans immigration, Djibouti sera-t-il sans les bras? La Nation du 4
juillet. Gyldén, Axel (2001), La Somalie à la dérive par L’Express.
De Wenden, C. Wintol (2010), La question migratoire au XXIe siècle: migrants, réfugiés et relations
internationale. Paris: Presses de la Fondation nationale des sciences politiques.
Du Bouchet, Ludmila (2003), «Nouvelles pratiques sécuritaires et recomposition de la scène politique,
La politique étrangère américaine au Yémen”, Chroniques Yéménites, N.º 11.
Fisher, Jonah (2003), Djibouti rounds up immigrants, BBC, Djibouti 16 septembre.
______ (2003), Migrants defy Djibouti ban, BBC, In hiding in Djibouti, BBC, Djibouti 17/09/03, www.
bbc.uk.com.
Haelewyck Jean-Claude (2006), Grammaire comparée des langues sémitiques. Éléments de phonétique,
de morphologie et de syntaxe, coll. Langues et cultures anciennes 7, éd. Safran Bruxelles.
Ibrahim, Kenedid (2003), Les personnes en situation irrégulière doivent se préparer à quitter le pays,
La Nation du 4 août.
______ (2003), Le compte à rebours a commencé!, La Nation du 4 juillet.
La Nation (2002), Djibouti sous le poids de l’immigration (entretien avec le ministre de l’Intérieur), La
Nation Edition Digital 25 avril 2002.
La Nation (2003), Lutte contre l’immigration clandestine. Une décision appropriée pour endiguer le
fléau, Nation du 28 juillet 2003.
La Nation (2003), Lutte contre l’immigration clandestine et l’insécurité. Un dernier appel du ministre
de l’Intérieur qui réaffirme la détermination et la fermeté du gouvernement en la matière, La
Nation du 25 août 2003.
La Nation (2003), Lutte contre l’immigration. Les États-Unis ne sont pas impliqués dans les opéra-
tions de refoulement des clandestins, La Nation du 9 septembre 2003.
La Nation (2003), Lutte contre l’immigration. «La lutte contre l’immigration clandestine est l’affaire
de tous «, La Nation du 20 novembre 2003.
La Nation (2006), Trafic des migrants: La gendarmerie renforce la lutte, La Nation digital, 12 octobre
2006.
Leymarie, Philipe (2003), «Djibouti, entre superpuissance et superpauvreté», Le Monde Diplomatique,
février, p. 21.
M.S. (2002), Immigration: le banditisme au quotidien, La Nation Digital du 20 mai. M.S (2003), Qui
sont-ils ces immigrés?, La Nation du 4 août.
M.S. (2003), Vers un règlement définitif, La Nation du 4 août.
N’Diaye, Tidiane (2008), Le génocide voilé. Enquête historique, Gallimard, collection «continents
noirs».
Oberle, Philippe & Pierre Hugot (1985), Histoire de Djibouti: des origines à la république, Paris: Pré-
sence Africaine.
Ouazani, Cherif, En première ligne contre El Qaida, Afrique Intelligent, 4 février 2003.
———— (2003), Ismaïl Omar Guelleh: les Américains, Ben Laden et moi Afrique Intelligent, Entre-
tien, n.º 2195, 2 février
Pérouse de Montclos, Marc-Antoine (1999), «L’Afrique rejette ses propos immigrés», Le Monde Diplo-
matique, décembre, p. 15.
Piche, Victot (2002), «Les migrations: des enjeux mondiaux aux enjeux locaux», Cahiers Québécois de
Démographie, Vol. 1, N.º 1, htt://www.erudit.org/revue/cqd/2002/v31/000421ar.html.
Reinares, Fernando (2003), Terrorismo global, Madrid, Taurus.
Rotberg, Robert (2005), Battling Terrorism in the Horn of Africa. Baltimore: Brookings Institution
Press.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 219
Mohamed Abdillahi Bahdon

Rodier Alain (2005), Chasse aux djihadistes d’Al-Qaeda en Somalie, Note d’actualité, N.º 9, mai, Cen-
tre Français de Recherche sur le Renseignement.
______ (2006), Menaces de guerre dans la corne de l’Afrique, Note d’actualité N.° 48, septembre, Cen-
tre Français de Recherche sur le Renseignement.
Rouard, Alain (1998), “Pour une histoire des arabes de Djibouti”, Cahiers d’Etudes Africaines, N.º 146,
pp. 319-348.
Schermerhor, Lange (2005), “Djibouti: a special role in the war on terrorism”, World Peace Foundation,
En Rotberg Robert I., Battling Terrorism in the Horn of Africa. Baltimore: Brookings Institution
Press, pp. 48-63.
Saïd, Mohamed (2003), Immigration. Non à l’immigration clandestine, La Nation du 31 juillet. Saïd
Mohamed (2003), L’épineuse question des mariages blancs, La Nation du 31 juillet.
Tomlinson, Chris (2006), Associated Press, Horn of Africa could become major front for anti-terrorism
efforts, http://usatoday30.usatoday.com/news/world/2006-10-21-hornofafrica_x.htm.
Tubiana, J. (2002). Somalie. Les liaisons dangereuses des Somaliens. Le point, 11 janvier, N°1530, p.33
Weber, Olivier (1988), La Corne de l’Afrique (Ethiopie, Somalie, Djibouti, Yémen), Paris, Edition Autre-
ment.
Weber, O. (1987). Corne de l’Afrique, Paris: Éditions Autrement.
Zaïki, Laidi (1983), «Contraintes et enjeux de la politique américaine en Afrique», Politique africaine,
nº12, décembre 1983, pp. 25-45.

220 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Notas de Leitura
Gloires et Misères. Impériales?
Nationales?
René Pélissier

p. 223-234

Généralités et regroupements de plusieurs pays


Ce qui nous frappe depuis quelques années, c’est l’amélioration constante de la qualité
des nouveaux historiens portugais de la période contemporaine qui, non seulement ont
affronté, bouleversé et même renversé les vieux mythes nationaux, ultra-colonialistes et
passéistes de naguère mais ont, en plus, acquis une telle assurance dans leurs nouvelles
conquêtes intellectuelles qu’ils réussissent pour certains à s’imposer à «l’exportation».
Nous voulons dire par là qu’il y a une bande de jeunes – et moins jeunes – loups en toge
qui, ayant fait une partie de leurs études supérieures à l’étranger, réussissent désormais à
obtenir des postes d’enseignants dans les meilleures universités anglo-américaines, plu-
sieurs étant aussi prestigieuses que vénérables. Et ils y parviennent tout en conservant leur
spécialisation centrée sur le Portugal ou plutôt son histoire impériale que les plus hardis
conduisent jusqu’à son dénouement post-colonial. Quelques-uns, bien introduits ou plus
militants, n’hésitent pas, même, à franchir le pas et à publier directement en anglais et à
chasser sur les terres du comparatisme et, ce faisant, à introduire la nouvelle historiogra-
phie portugaise dans des ouvrages et des domaines qui, il y a 40-50 ans, ignoraient sans
remords – faute de passeurs qualifiés – tout ce qui se rapportait au 3° Império de Lisbonne.
Voir deux citoyens portugais organiser de leur propre chef et lancer sur le marché interna-
tional un livre intitulé The Ends of European Colonial Empires. Cases and Compari-
sons1, lequel a enrôlé également sous sa bannière des spécialistes étrangers des décoloni-
sations belge, française, britannique et néerlandaise, revient à modifier totalement le rôle
autrefois subalterne, généralement réservé à l’historiographie lusophone dans les milieux
universitaires, hors du Portugal. Dans le fond, en perdant leurs excroissances extra-euro-
péennes, ces historiens de la nouvelle génération ont acquis leur «place au soleil» comme
disait le dernier empereur d’Allemagne. Maigre consolation prétendront probablement les
ex-retornados et les tenants de l’histoire glorieuse, telle qu’on l’enseignait dans les écoles
portugaises d’avant 1974. Certes! Certes!
Mais nous ne sommes pas venu dans cette chronique pour polémiquer avec qui que ce soit,
mais pour constater une réalité. Donc, ce livre est un recueil de contributions parfois trop
rapides, parfois brillantes où la marque de l’Université anglophone est non seulement visi-
ble mais bien surtout prépondérante (8 auteurs sur 12). Pour le lecteur moyen, les chapitres
les plus directement tournés vers le Portugal sont ceux sous-titrés: 1.º ) «A modernizing
Empire? Politics, culture and economy in Portuguese late colonialism»; 2.º) «Myths of deco-
lonization: Britain, France and Portugal compared»; 3.º) «The international dimensions of
Portuguese colonial crisis». Cela représente en tout environ 80 p. Mais pour le lecteur déjà

1 Jerónimo, Miguel Bandeira & Pinto, António Costa (coord.) (2015), The Ends of European Colonial Empires. Cases
and Comparisons, Basingstoke (Angleterre), Palgrave Macmillan, pp. XII-288, index.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 223
René Pélissier

spécialisé, ce sont les chapitres consacrés aux décolonisations de la Grande-Bretagne, de


la France, de la Belgique et des Pays-Bas qui vont lui apporter des éléments de comparai-
son. L’absence de l’Espagne est inexpliquée, mais pour désafricaniser le focus, les quelques
pages sur le crépuscule oriental des anciens ennemis bataves du premier Império sont les
bienvenues.
A l’autre extrémité du spectre politique, on doit signaler une belle réalisation journalis-
tique du Sud-Africain Al J. Venter qui, peut-être, fera grincer des dents les auteurs por-
tugais inclus dans le livre précédent et applaudir les nostalgiques de l’Armée de l’Estado
Novo. Portugal e as guerrilhas de África2 est la traduction intégrale de l’original anglais
dont nous avons déjà dit ce que nous en pensions sur le fond (cf. René Pélissier, Portugal-
-Afrique-Pacifique, 2015, Editions Pélissier, 78630 Orgeval, pp. 472-473). Traduire un tel
livre de macro-reportages engagés, superbement illustré, malgré les dépenses éditoriales
que cela implique, ne s’entend que si l’éditeur portugais a procédé à une étude du marché
très sérieuse et en a conclu que l’enjeu en vaut la peine. Venter, l’homme-orchestre du
reportage de guerre en Afrique noire, a un style qui est facilement lisible et il a le don de
fasciner l’amateur d’exotisme absolu. Et quoi de plus exotique pour un auteur et un lecteur
anglophones que la guerre «pittoresque» des Portugais en Guinée-Bissau, en Angola et au
Mozambique de 1961 à 1974? En plus, c’est un excellent photographe. Nous pensons donc
qu’en portugais il aura un public beaucoup plus large que celui de l’édition anglaise. Et
comme il tend à démontrer que l’Armée portugaise se battait mieux que les guérilleros – ce
qui était absolument vrai en Angola –, le lire sous la plume optimiste d’un étranger récon-
fortera un pan non négligeable du lectorat.

Cap-Vert & Guiné


On commencera par une résurrection archivistique aussi rare qu’étrange: la découverte
en 1986 in extremis – le manuscrit allait être jeté aux ordures dans la rue avec quelques
centaines de livres et de dossiers, à l’occasion de l’«épuration» par le nouveau Centro de
Documentação e Informação du Cap-Vert, de l’ancienne Biblioteca Pública da Praia, qui
par tel ou tel remaniement bureaucratique inexpliqué avait recueilli des dossiers de l’ex-
-Secrétariat général du gouvernement (lequel?) – d’un rapport de 1842 sur les comptoirs
portugais de Guinée. Il était signé par un certain Alois de Rolla Dziezaski qui se trouvait
être Polonais, bien que devenu gouverneur intérimaire de Bissau. Le sauveteur était un
mordu de «vieux papiers», un technicien des archives qui, à la fin de sa carrière, se retrouva
être Directeur général de la Radio-télévision du Cap-Vert et Président de l’Institut des
Archives historiques du Cap-Vert. On savait les révolutions et les changements de régimes
meurtriers quand ils placent des incompétents dans des services culturels, mais nous pen-
sions que le Cap-Vert avait assez de fonctionnaires cultivés pour s’épargner les autodafés
de son passé. Honneur, donc à José Maria Vieira de Brito Almeida qui dans son livre3 s’est
piqué au jeu et a voulu être le sauveteur de ce personnage oublié, en nous fournissant le
texte in extenso de toutes les pièces administratives qui le concernent dans deux archives
de Lisbonne et la sienne à Praia (rien en Pologne). Il jalonne donc l’itinéraire administratif
de cet officier réfugié en France (1830), après l’échec de la révolte contre les Russes. Il sera
recruté dans une Légion polonaise destinée à combattre dans les troupes de la reine Maria

2 Venter, Al J. (2015), Portugal e as guerrilhas de África. As guerras portuguesas em Angola, Moçambique e Guiné
Portuguesa 1961-1974, Lisboa, Clube do Autor, p. 542 + p. 48 de planches couleur; nombreuses photos noir et blanc.
3 Almeida, José Maria Vieira de Brito (2015), Alois de Rolla Dziezaski, um polaco nos destinos de Cabo Verde:
Subsídios para uma biografia e «Memória de Bissau e suas dependências», Praia, Instituto do Arquivo Histórico
Nacional, p. 223, photos noir et blanc, sépia et couleur.

224 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
GLOIRES ET MISÈRES. IMPÉRIALES? NATIONALES?

II. En 1838, il se porte volontaire pour le Cap-Vert et il est chargé de mater la mutinerie des
détachements cap-verdiens à Bissau, avec seulement 40 hommes. Avec lui, on sonde le peu
d’emprise du Portugal, relayé par le Cap-Vert, dans les misérables comptoirs «tenus» par
des simulacres de garnisons non payées en espèces, affamées et littéralement naufragées
dans un environnement hostile et mortifère. Les autorités paient tribut au roi des Papels
d’Antim qui, à tout moment, peut étrangler Bissau. Le commandant Dziezaski doit donc
user de promesses et de beaucoup de diplomatie pour que rentrent dans le rang les mutins
qui ont déjà tué quelques-uns de leurs officiers. Les autres – dont l’emblématique Honório
Pereira Barreto (élevé au Panthéon du lusotropicalisme parce que noir et gouverneur bien
que négrier) – se sont réfugiés au Cap-Vert.
La lecture de la transcription de la Memória du Polonais qui n’occupe que les pages 188-207
montre l’état calamiteux des «5 siècles de colonisation». Le peu de vie économique est aux
mains du Cap-Verdien Nosolini qui a évacué Bissau pour se replier sur l’île de Bolama; les
autres îles Bissagos, tout comme l’île de Bissau (hors le fort et le millier d’habitants du
bourg), sont impénétrées. Les environs de Cacheu sont dans la même situation. Ce qui
frappe, c’est l’ignorance des autorités à l’égard de l’intérieur. Les Peuls sont à peine men-
tionnés, le si «fameux» (et tant vanté depuis l’indépendance) royaume de Gabu n’existe
pas dans ces pages. A cet égard, puisque l’A. a attrapé le virus de la découverte, il devrait
rechercher dans ses archives quand elles ont été informées – si elles l’ont été un jour –
de la date de la mystérieuse et controversée Bataille de Kansala, à quelques dizaines de
km de Farim: le crépuscule des Dieux du pouvoir prêté aux Mandingues, dont la capitale
tombe sous les coups des Peuls/Fulas. S’il trouve la ou les dates exactes, ils lui donneront
probablement une rue à Bissau. Ce sera sa meilleure occupation pour meubler sa studieuse
retraite.
L’objectif de Paz e Guerra 4 est classique. Il s’agit de rassembler à l’intention des anciens
combattants, membres d’une compagnie d’infanterie (CCac 2465), un maximum de docu-
ments, photographies, dépositions, témoignages, poésies (!) susceptibles de leur rappeler
leur service militaire dans une zone qui semble (la seule carte fournie est trop réduite
pour être lisible) être située dans le chão mandjak entre 1969 et 1970, avec peut-être un
secteur brame-mancanha et des infiltrations du PAIGC venant du chão balanta. L’A. était à
l’époque le capitaine de la compagnie, laquelle n’a pas eu de morts à déplorer, ce qui peut
s’expliquer par divers facteurs. Il insiste surtout sur le travail psychosocial impulsé par le
général Spínola au profit des populations locales, ici les villageois de Bissum. Au vu des
photos, il faut admettre que l’aide fournie (puits, école, construction de cases regroupées
plus hygiéniques, soins à la population, etc.) était considérable pour inciter les habitants
à ne pas basculer complètement du côté du PAIGC. Le problème de cette assistance est
qu’elle arrivait trop tard, si on reprend le vieux cliché des «5 siècles de colonisation», cliché-
-mensonge à Bissum baignant dans l’ignorance de l’Histoire. On notera que le tirage du
livre est de 100 exemplaires, ce qui veut dire que le nombre potentiel des anciens combat-
tants lecteurs se raréfie inexorablement avec le passage des années. Et qui, en dehors d’eux
et de leur famille, va s’astreindre à se plonger dans ce texte?

Angola
Entrons dans un thème qui ne va pas beaucoup plaire aux admirateurs inconditionnels des
récits roboratifs: le travail forcé en Angola, ingrédient indispensable à l’enrichissement de

4 Carvalho, António Melo de (2015), Paz e Guerra. Memórias da Guiné, sans lieu d’édition, autoédition, p. 321, photos
noir et blanc et couleur.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 225
René Pélissier

certains grands capitalistes ayant investi dans la production du sucre de canne en Angola.
Le titre dit tout de cette thèse américaine d’histoire: Angola’s Colossal Lie: Forced Labor
on a Sugar Plantation, 1913-19775. L’auteur examine la politique portugaise en matière
de travail et de rentabilisation maximale des indigènes mis au service d’une entreprise
«modèle» que, jadis, on montrait aux visiteurs étrangers. En passant, il étudie le rôle de
l’alcool dans la subjugation des Ovimbundus, mais il restera pour avoir démontré la collu-
sion entre la Sociedade Agrícola do Cassequel et l’Estado Novo, dont la législation initiale
vise à assurer au grand colonat une main-d’œuvre constante et involontaire à un coût
défiant toute concurrence, c’est-à-dire comment développer l’économie coloniale tout en
offrant une vitrine sociale paternaliste acceptable aux yeux des observateurs superficiels.
Jeremy Robert Ball a travaillé dans les archives accessibles et surtout fondé sa recherche
sur des dizaines de témoignages oraux d’anciens ouvriers africains de la Cassequel. C’est
souvent accablant, parfois plus équilibré. Il aurait pu s’arrêter là et conclure en la malignité
du seul système capitaliste, mais il a habilement poussé son enquête après 1974. Au-delà de
cette date, il aborde franchement l’effondrement des activités du complexe agro-industriel
avec sa nationalisation par le MPLA qui, faute de cadres, se tourna vers une gestion cubaine
désastreuse. Elle se traduira par un pillage radical du matériel ultra-moderne installé par
les Portugais, son exportation vers Cuba et le démantèlement puis l’abandon de la pro-
duction. La guerre civile s’abat ensuite sur la région et les anciens travailleurs devenus
chômeurs en arrivent à regretter les derniers temps de la colonisation (1962-1974), qui était
devenue plus humaine avec l’abolition du travail forcé (le contrato). L’A. voit en eux des
victimes collatérales de la guerre froide.
Et puisque l’on est entré dans la guerre, voyons-en les conséquences directes avec O adeus
a Angola6 qui est la version fictionnelle d’un bon livre antérieur de l’A. (Costa dos Esquele-
tos). C’était le récit de l’exode de certains des colons de Moçâmedes et de Porto Alexandre
par voie de terre en franchissant l’embouchure du Cunene sur un radeau pour s’enfoncer
dans l’ignorance incroyable des Portugais locaux de ce qu’est la partie la plus inhospitalière
de la Namibie nord-occidentale. Ils seront sauvés de justesse par la SADF (Armée sud-
-africaine). Le lecteur éventuellement intéressé pourra comparer ce roman amer avec le
témoignage initial – s’il en trouve encore un exemplaire.
Arrivés dans la SADF, on peut aller visiter l’une de ses curiosités: As the Crow Flies7.
C’est un livre mixte: 1°) les souvenirs lointains et embrumés d’un officier sud-africain
qui fut le premier commandant des Bushmen d’Angola (ex-Flechas), tout juste récupérés
par les forces de Pretoria, basées en Namibie; 2°) cinq morceaux d’Al. J. Venter servant
d’introduction et d’explications au texte manuscrit du colonel Delville Linford. L’intérêt
du texte est donc double. On peut y voir le rôle joué par le bataillon des Bushmen dans
l’invasion de l’Angola de 1975 (Opération Savannah) surtout au Centre (au Benguela et au
Cuanza Sul), notamment face aux Cubains, à l’arrière de Novo Redondo. Sur un plan plus
anecdotique, l’ethnologue trouvera peut-être matière à réflexion dans la rencontre entre
une microsociété de chasseurs-collecteurs déjà partiellement embrigadée par la PIDE/DGS,
et un univers militaire relativement formaté et rigide, lors d’opérations de guerre où il s’agit
de tirer le maximum des dons naturels des Bushmen.
Entre autres tâches, le Bataillon des Bushmen était chargé de détecter et d’éliminer les
groupes de guérilleros de la SWAPO, de part et d’autre de la frontière méridionale de
5 Ball, Jeremy Robert (2015), Angola’s Colossal Lie: Forced Labor on a Sugar Plantation, 1913-1977, Leiden/Boston,
Brill, p. XVI-199, photos noir et blanc, index.
6 Amorim, Rogério (2015), O adeus a Angola. Diário da fuga pela Costa dos Esqueletos, Vila do Conde (Portugal),
Verso da História, p. 252, photos noir et blanc et couleur sur les rabats de la couverture.
7 Linford, Delville & Venter, Al J. (2015), As the Crow Flies. My Bushman Experience with 31 Battalion, Pretoria,
Protea Book House, p. 287 + p. 24 de planches noir et blanc et couleur.

226 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
GLOIRES ET MISÈRES. IMPÉRIALES? NATIONALES?

l’Angola, ce qui nous mène tout naturellement à une étude sociologique et ethnologique de
ses camps de réfugiés, telle qu’on la trouve exposée dans National Liberation in Postcolo-
nial Southern Africa8. Deux chapitres sont consacrés au camp de Cassinga dont l’attaque
et la destruction (4 mai 1978) par les parachutistes de la SADF ont fait couler beaucoup
d’encre depuis. L’A. montre que cet événement majeur fut déterminant dans l’irruption
de la paranoïa au sein de l’appareil de la SWAPO qui, à la recherche d’espions internes, en
arriva à douter de ses membres les plus intellectuels et des non-Ovambos dans ses rangs.
Sa police politique instaura alors une culture du soupçon généralisé et la création d’un
univers concentrationnaire proprement stalinien où de 1980 à 1989 une dizaine de camps
de détention installés sur le territoire angolais (surtout aux environs de Lubango) furent
ouverts pour faire avouer et punir (tortures et éliminations par morts lentes ou disparitions
inexpliquées) les suspects (femmes incluses dans certains cas). Des années passées dans ces
prisons souterraines des plus primitives (en fait, creusées dans la terre, des fosses profon-
des de 4 m, recouvertes de tôles ondulées) où les détenu(e)s étaient soumis(es) à un régime
alimentaire et sanitaire si déplorable, qu’elles n’épargnaient que les plus résistant(e)s!
Tout cela au vu et au su des autorités du MPLA qui fermaient les yeux pour conserver
l’appui militaire de ses meilleurs combattants parmi ses alliés africains. Christian Williams
qui a enquêté sur place et chez les survivants ne laisse aucun doute sur la matérialité des
faits et des exactions commises par les dirigeants de la SWAPO pendant la guerre contre
la SADF. Un livre de plus qui déconstruit la légende de la lutte du Bien contre le Mal. Ses
exécutants ont rarement les mains propres, de part et d’autre, sauf dans la propagande des
comités de soutien et des services de l’information officielle.
Le sous-titre de la thèse de Didier Péclard9 peut prêter à une certaine confusion. Certes,
elle parle de l’UNITA, mais ce qui intéresse l’A., c’est avant tout les influences des mission-
naires protestants (venus des Etats-Unis et du Canada) dans la naissance du nationalisme
des Ovimbundus et, avant cela, par percolation lente, dans la formation d’une élite protes-
tante qui allait fournir les cadres de l’UNITA, à commencer par Savimbi et son entourage
immédiat. C’est indéniable. Tout aussi indéniable est l’importance qu’il accorde dans ce
livre à l’existence et à l’évolution des missions protestantes sur le Planalto. Les seuls spé-
cialistes angolanistes qu’a produits la Suisse depuis 1961 sont liés, d’une manière ou d’une
autre, à des missions non catholiques. Et cela vaut également pour le Mozambique. Familial
ou confessionnel, le tropisme est présent dans leurs travaux d’érudition. Nous apportons
ces précisions à l’intention des lecteurs qui vont absorber cette très minutieuse étude de
ce qui constitue l’essentiel de l’ouvrage. Ce qui oriente prioritairement l’A., c’est donc les
tentatives initiales des missionnaires de la période coloniale de créer – à partir de leur
grand centre de Dondi (entre Huambo et Kuito) – une société modèle et chrétienne dans
les villages du Plateau central. Mais leurs jeunes éduqués abandonnent la ruralité pour les
lumières des deux villes. A partir d’une étude pionnière des archives missionnaires nord-
-américaines il apporte une masse d’éléments concrets que l’on soupçonnait intuitivement,
mais sans en avoir la preuve. Il nous la fournit sur un plateau.
Pour d’autres chapitres, il se contente de gloses de textes antérieurs plus ou moins approu-
vés ou contestés par lui. Il est possible que les enseignements décapants de Bayart et de
Messiant l’aient influencé. Ce qui est clair, c’est qu’il ne se prive pas de critiquer, parfois,
ces missionnaires, méfiants à l’égard des aptitudes financières de certains catéchistes et
pasteurs africains qu’ils ont formés et qu’ils sentent échapper à leur tutelle. Comme les

8 Williams, Christian (2015), National Liberation in Postcolonial Southern Africa. A Historical Ethnography of
SWAPO’s Exile Camps, Cambridge, Cambridge University Press, pp. XVIII-259, photos noir et blanc, index.
9 Péclard, Didier (2015), Les incertitudes de la nation en Angola. Aux racines sociales de l’UNITA, Paris, Editions
Karthala, p. 369.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 227
René Pélissier

missionnaires que nous étions allé voir à Dondi en 1966 – décision qui sentait fortement le
soufre à l’époque pour l’Administration coloniale (René Pélissier, Explorar, 1979, Editions
Pélissier, 78630 Orgeval, pp. 182-183) – l’A. a tendance à vouloir donner des leçons à ses
prédécesseurs. Il reste qu’il est capital pour savoir ce qui se passait en 1961 sur le Planalto.
Il est le premier à révéler nombre d’organisations clandestines plus ou moins mort-nées,
donc ayant échappé au radar de John Marcum. Il suit aussi l’évolution de l’Eglise catholique
locale qui, selon lui, n’a pas été toujours du côté du pouvoir colonial (surtout à partir de
1940). Il manie aussi un scalpel méthodique pour disséquer les rêves et les souvenirs de
quelques anciens colons du Plateau.
C’est un livre important pour l’histoire et la sociologie de ces kystes «hérétiques» dans
une colonie catholique, mais les liens directs entre la mission protestante et la naissance
de l’UNITA ne sont pas exposés de façon formelle. C’est peut-être ce qui fera l’objet d’une
étude ultérieure qu’il est le mieux placé actuellement pour conduire. Les «incertitudes de la
nation» persistent donc, inévitablement, et s’il a bien labouré le terreau social préparé par
ces évangélisateurs venus d’une autre culture, trop sûre d’elle-même, il doit nous apprendre
la manière dont les radicelles qu’il a mises à nu se sont transformées en racines concrètes
et solides aptes à nourrir cette terrible organisation et machine de guerre constituée par
Savimbi au temps de sa splendeur.
Maintenant voyons l’une des retombées les plus fructueuses de l’envoi autrefois par le
MPLA d’étudiants angolais en Pologne dont un, au moins, est devenu le sociologue de
Luanda le plus fécond. Les liens qu’il a noués avec les autorités universitaires à Varsovie
ont débouché sur un livre inattendu, rédigé par deux sociologues et sinologues polonais et
lui-même, publié en anglais à Cracovie, diffusé par Columbia University Press et distribué
à partir de la Grande-Bretagne. Qui dit mieux en matière de mondialisation du savoir que
Events over Endeavours10? Le résultat des enquêtes menées par les trois auteurs con-
siste en une étude comparative de l’image des Chinois et de la Chine en Zambie et en
Angola. Les sociologues ne nous font grâce d’aucun des outils radiographiques qu’ils ont
mis en œuvre pour arriver à leurs conclusions. Cette partie est réservée, semble-t-il, à leurs
collègues sociologues dans le monde qui apprécieront. Ce qui nous intéresse, nous, c’est la
perception de l’émigré chinois et de son pays dans les médias locaux et la population qui
les côtoie en général. Elle est franchement mauvaise en Zambie et mitigée en Angola. Les
journalistes nous l’avaient annoncé et les sociologues nous le confirment à grands renforts
de graphiques, de tableaux et de statistiques. Les migrations massives de la R. P. de Chine
en Afrique pourraient bien, en certains pays, déboucher sur des pogroms à venir car, quoi
qu’ils en disent, les Africains ne sont pas à l’aise devant ces néo-colonisateurs d’un genre
nouveau qu’ils ne comprennent généralement pas.
Et puisque nous avons évoqué la Zambie, remontons légèrement le cours du temps, tout
en restant en Angola, avec un livre surprenant qui est une thèse de l’une des filles de
l’écrivain António Lobo Antunes, lequel a bâti sa gloire littéraire – à nos yeux, justifiée
– sur le traumatisme que lui a laissé son expérience de médecin involontaire de la com-
pagnie d’artillerie 3313 en 1971, précisément à la frontière Zambie-Angola du Sud-Est, face
à la guérilla du MPLA. Maria José Lobo Antunes a eu l’habileté de choisir pour thème
de Regressos quase perfeitos11 l’«anthropologie» des souvenirs de la guerre coloniale
(quarante ans après les faits) entretenus dans un petit échantillon d’anciens combattants
de la CART 3313. Comment? En les confrontant minutieusement aux écrits de son père,

10 Jura, Jaroslaw & Kałużyńska, Kaja & Carvalho, Paulo de (2015), Events over Endeavours in Zambia and Angola,
Kraków/Cracovie, Jagiellonian University Press, p. 185, diagrammes.
11 Antunes, Maria José Lobo (2015), Regressos quase perfeitos. Memórias da guerra em Angola, Lisboa, Tinta-da-
-China, p. 423, photos noir et blanc.

228 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
GLOIRES ET MISÈRES. IMPÉRIALES? NATIONALES?

de 1979 puis de 2005, et surtout à la version officielle à l’intention des autorités militaires
de l’époque (la pièce d’archive «História da Unidade BART 3835»). S’il pouvait la lire, cette
thèse ne plairait probablement pas à Al J. Venter qui fréquenta ce front en tant que reporter
de guerre. L’A., comme son père, vomit la guerre coloniale et les mythologies impériales
de l’Estado Novo qui conduisirent un bataillon, dont 120 paysans et ouvriers pauvres du
Nord-Portugal, à passer une année, dans une savane désertifiée, ventilés entre Gago Cou-
tinho, Sessa, Mussuma (chère à Melo Antunes), Ninda et Chiume, avant que le MPLA ne
s’effondre et ne se replie au-delà de la frontière. Ce n’est pas un livre pour littérateurs ou
commentateurs, par exemple, du style célinien dans Os Cus de Judas. En revanche, outre les
sociologues, les psychologues, les psychanalystes, les apologistes du MPLA et les anciens
combattants, les futurs historiens militaires non partisans auront intérêt à lire ce livre qui
contient de façon inattendue un chapitre IV consacré à la révolte de la Baixa de Cassange et
à la «vie de cocagne» qui mena sur place la CART 3313 en 1972. C’est un livre universitaire
que la multiplication des transcriptions de souvenirs bruts de décoffrage rend accessible –
en partie – à un large public.
En matière d’amour ou de désamour des autorités angolaises actuelles à l’égard de Magní-
fica e miserável12, peu d’hésitations sont permises. Encore que… C’est un tableau réaliste
de la situation du pays, peu avant la chute récente des cours du pétrole, que dresse un
auteur qui nous semble être devenu le meilleur analyste de l’oléocratie et de l’oligarchie qui
règnent en Angola. Nous étant déjà expliqué ailleurs sur les qualités de l’édition en anglais
(Ricardo Soares de Oliveira, Magnificent and Beggar Land…, London, Hurst, 2015), nous ne
pouvons ici que recommander aux anciens guérilleros du MPLA – aux survivants tout au
moins – qui attaquaient Sessa, Mussuma, Ninda, etc., en 1971, la lecture de la traduction de
cette étude. Y verront-ils enfin le sens de leur lutte? A supposer qu’ils aient appris à lire le
portugais entre-temps et qu’ils ne se soient pas installés définitivement en Zambie.
Mais puisque nous sommes dans les désillusions et les misères, voyons-en une représenta-
tion littéraire, historique et angolaise, bien qu’elle se prolonge aussi au Brésil sur 200 pages.
Do outro lado do mar13 est un roman d’un historien qui a bâti sa carrière sur l’abolition
de la traite négrière et divers sujets connexes liés à l’esclavage et à la colonisation en Angola
au XIXe siècle. Il a un talent précieux chez un homme de lettres exotiques: il sait donner à
l’intrigue un contexte puisé dans les meilleures sources historiographiques. Ici, il s’agit du
Portugal des années 1830 et de ce qui se passait à cette époque en Angola dans le couloir
colonial allant de Luanda aux rives du Cuango. L’A. met en lumière un abolitionniste que
les vicissitudes de la vie ont conduit à être médecin sur un tumbeiro reliant l’Angola au
Brésil, mais João Pedro Marques n’est pas un naïf. La société africaine, luso-africaine et bré-
silienne est complice dans le trafic. Comme il l’écrit (p. 129): «Em África não devia ser nada
fácil manter as mãos limpas». Défilent donc une procession goyesque de personnages qui
feront hurler aussi bien les nationalistes des genres colonialiste qu’indépendantiste actuels:
1.º) un chef coutumier issu du Cassange qui razzie et massacre (sauf les femmes dont il
utilise au maximum les fonctions reproductrices pour augmenter son cheptel d’esclaves
qu’il vend à des négriers noirs, métis ou blancs); 2.º) la société interlope de Luanda composé
d’anciens degredados, de vieilles familles de filhos da terra imbus de leur rang mais escla-
vagistes, de quelques fonctionnaires blancs malhonnêtes, d’esclaves domestiques, de pros-
tituées, etc. L’A., avec un tel sujet glauque, ne peut être un falsificateur de l’Histoire. C’est
donc un enchevêtrement de bestialités, d’intérêts sordides et de monstruosités qui tient le

12 Oliveira, Ricardo Soares de (2015), Magnífica e miserável. Angola desde a guerra civil, Lisboa, Tinta-da-China,
p. 375, photos noir et blanc.
13 Marques, João Pedro (2015), Do outro lado do mar, Lisboa, Porto Editora, p. 364.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 229
René Pélissier

lecteur en haleine. A déconseiller aux amateurs de berceuses et de légendes manichéennes


et à recommander au lecteur qui voudrait une entrée accessible dans un passé sans gloires.

Mozambique
On ouvrira cette section par l’étude d’une Américaine qui ne semble pas enseigner dans
une université, mais conduit depuis des décennies des recherches indépendantes sur la
création du Zoulouland, sur Chaka et sur les autres royaumes et chefferies du Sud-Est afri-
cain, dont le Maputo. Polyglotte émérite, l’objet de son ouvrage le plus récent – Kingdoms
and Chiefdoms of Southeastern Africa14 – repose sur une confrontation de l’histoire
orale des sociétés bantoues aux sources écrites. C’est une entreprise qu’elle attaque avec
persévérance car il en faut beaucoup pour ne pas se laisser dérouter et même égarer dans
ces labyrinthes qui donnent le tournis aux profanes auxquels nous appartenons. Pour le
Maputo et l’implantation des comptoirs européens sur son sol elle utilise certaines sources
portugaises, mais avec d’étranges lacunes pour connaître l’épisode autrichien à Lourenço
Marques, notamment l’édition par Alexandre Lobato du journal en français qu’il a présenté
sous le titre Os Austríacos em Lourenço Marques, publié par l’Arquivo Histórico de Moçam-
bique en 2000. Lui manquent également, à ce propos, les sources en allemand et en italien.
De même, elle est plutôt faible pour l’histoire du comptoir néerlandais.
Son livre est cependant important pour les Portugais que le malheur conduisit sur ces riva-
ges depuis les récits des naufragés des XVI-XVIIe siècles jusqu’à leurs activités centrées à
Lourenço Marques (surveillées par les Britanniques). Elle s’arrête en 1833. Quatre chapitres
au moins concernent directement les Portugais, ce qui suffit à classer ce texte parmi les tra-
vaux indispensables à une étude d’histoire mozambicaine méridionale. Mais on ne peut pas
dire que c’est une littérature qui se laisse absorber facilement, à mesure que l’on entre dans
les généalogies princières, au-delà de la chaîne des Lebombos. C’est un enfer d’incertitudes
et de complexités.
De l’extrême-sud on passera à l’extrême-nord, et le hasard des parutions nous met en pré-
sence de ce que nous n’hésitons pas à qualifier de livre majeur pour connaître l’histoire de
la colonisation portugaise au Mozambique. Tous les peuples préfèrent fêter leurs victoires
militaires (quand elles existent), plutôt que leurs défaites. C’est dans la nature mesquine
de l’homme, mais qu’il ait fallu un siècle pour que le Portugal dispose enfin d’une étude
sérieuse et profonde de ce que fut sa participation à la Première Guerre mondiale en Afrique
orientale relève d’un autre phénomène que nous ne voulons et ne pouvons pas commenter
en détail ici. Il nous suffira d’énoncer le titre pour expliquer un siècle de silences honteux
et d’occultation, consciente ou non. A guerra que Portugal quis esquecer15. Et nous nous
félicitons d’apprendre que c’est un journaliste de Porto qui sait écrire qui a fait le travail
d’un historien patenté en employant les mêmes techniques que lui, mais en le rédigeant
dans un style brillant propre à guider son lecteur fasciné et horrifié dans les décombres
et les ruines d’une tragédie nationale. Nous rendons donc hommage à son auteur, Manuel
Carvalho, car c’est non seulement un pionnier mais aussi un maître en son domaine.
Il est le premier en effet à être allé bien au-delà des études globales en anglais sur les quatre
années de guerre (1914-1918) qui ont ravagé l’Ost-Afrika allemande et le Nord-Mozambique.
A deux ou trois exceptions près et récentes, elles n’accordent qu’une attention condescen-
dante et souvent méprisante aux tentatives et aux échecs des Portugais au nord et au sud

14 Eldredge, Elizabeth A. (2015), Kingdoms and Chiefdoms of Southeastern Africa. Oral Traditions and History,
1400-1830, Rochester (New York), University of Rochester Press, pp. XI-438, index.
15 Carvalho, Manuel (2015), A guerra que Portugal quis esquecer, Porto, Porto Editora, p. 269 + p. 16 de planches photo-
graphiques noir et blanc, sépia et couleur.

230 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
GLOIRES ET MISÈRES. IMPÉRIALES? NATIONALES?

du Rovuma. Même nous (René Pélissier, Naissance du Mozambique, 1984, 2 vol., Editions
Pélissier, 78630 Orgeval), nous n’avions consacré qu’un ou deux chapitres (Vol. 2) à ce sujet
et à cette période et encore en les abordant sous un angle (les révoltes africaines suscitées
par les pressions portugaises) très différent de celui choisi par Manuel Carvalho. Ayant tout
l’espace nécessaire, il développe: 1.º) les aspects apocalyptiques de la politique en Métro-
pole; 2.º) son panorama financier et diplomatique misérable; 3.º) l’incroyable imprépara-
tion locale; 4.º) les erreurs, l’incapacité et la lâcheté de certains officiers supérieurs; 5.º)
l’abandon criminel de leurs soldats devant les carences de l’intendance et des services sani-
taires; 6.º) l’hostilité impitoyable du milieu physique; 7.º) la résistance impuissante mais
généralisée des troupes agonisantes, face à une mission impériale bien au-dessus des forces
des expéditions successives; 8.º) la conduite insensée des opérations militaires portugaises
contre les Allemands. En un mot, l’A. dénonce facilement l’infériorité patente des Portugais
par rapport à leurs Alliés britanniques et surtout devant un ennemi allemand, un seigneur
de la guerre, qui les surclasse sur tous les plans, malgré la diminution et l’attrition de ses
propres soldats disponibles.
En filigrane, se dessine une évidence: les victoires à la Mousinho de Albuquerque et con-
sorts (l’escol de Enes) n’avaient pu être remportées que devant des indigènes mal armés et
encore plus mal commandés. Mais elles étaient impossibles lorsque l’adversaire était euro-
péen et appliquait des tactiques modernes. Autrement dit, l’A. rejoint la plupart des histo-
riens étrangers et va plus loin qu’eux: l’Afrique avait été conquise parce qu’elle n’avait pas
les moyens et la volonté de résister les armes à la main. Tout le reste n’est que du folklore
pour expositions coloniales à relents ultra-nationalistes.
Cela étant, il ne faudrait pas croire que l’A. est constamment en train de dénigrer tout le
haut-commandement des expéditions. Certes, un Sousa Rosa est impardonnable à ses yeux,
mais il réhabilite le rôle de Massano de Amorim en 1915 et même, dans une bien moindre
mesure, celui du général Ferreira Gil en tant que tacticien (à ses débuts). Il admet que ses
bêtes noires (les politiciens républicains à Lisbonne), en lui fixant des objectifs irréalistes
(par exemple, l’occupation d’un maximum de territoires allemands, jusqu’à Mahenge, voire
Tabora, à plus de 400 km au nord de la frontière du Rovuma), l’ont découragé. En sous-
-estimant l’obstination et les capacités de Von Lettow-Vorbeck, en ne tenant pas compte
de la difficulté du terrain et du délabrement des troupes et en se laissant intoxiquer par
la fausse victoire constituée par la réoccupation de Quionga (sans opposition!), Lisbonne
vivait dans un délire permanent, tandis que ses soldats sur place perdaient toute valeur
offensive. Dès lors, l’échec du premier franchissement de l’embouchure du Rovuma (1916),
la poussée «miraculeuse» jusqu’à Nevala, puis la débâcle qui s’ensuit (1916-1917) et finale-
ment l’écrasement à Negomano (1917), la prise en main des opérations au Mozambique par
les Britanniques (qui n’empêchent pourtant pas la grave défaite de Namacurra en 1918),
tout cela aboutit à discréditer et à démoraliser complètement le corps expéditionnaire por-
tugais. Dès lors, les survivants sont devenus les spectateurs honteux des combats mineurs
que se livrent Allemands et Britanniques sur le territoire d’une colonie censée être portu-
gaise. L’humiliation est à son comble: les fils des héros de Chaimite ne sont donc bons qu’à
mater des soulèvements d’Africains excédés.
Sur le plan purement technique, l’A. a travaillé comme un historien professionnel: diges-
tion de la littérature à sa portée (surtout anglo-américaine – avec quelques lacunes – et
portugaise): presque rien en allemand; dépouillement des pièces pertinentes dans trois
archives, dont celle de Maputo; annotations copieuses (447 entrées). Mais là où il l’emporte
sur tous ses prédécesseurs, c’est dans la connaissance directe du terrain. Journaliste, il s’est
rendu sur place à Quionga, le long du Rovuma, à Palma, à Mocimboa da Praia, à Nevala
(en Tanzanie actuelle), à Negomano et probablement dans d’autres localités mineures.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 231
René Pélissier

En 1973, nous avions tout juste passé un jour à Nangade dans une autre guerre, la coloniale,
et à aucun moment nous n’avions eu l’occasion d’entendre les témoignages de quelques
Africains ayant eu un contact personnel ou familial, avec les événements de 1914-1918. Lui a
recueilli au moins sept dépositions orales!
Sur un seul point, nous avons une légère divergence d’appréciation avec l’A. Ce n’est pas
uniquement l’Estado Novo et, avant lui, la Dictature militaire qui ont «rayé» des livres
d’histoire nationale ces quatre années de malheurs, et de hontes. C’est toute la société
portugaise lettrée qui a «balayé sous le tapis» cette «Epopeia maldita», pendant près d’un
siècle. A commencer par les Républicains les plus engagés et acharnés qui, s’ils avaient
été intellectuellement honnêtes, auraient pu incriminer leurs dirigeants de 1910 à 1926 et
battre leur coulpe, soit en exil à l’étranger, soit dans le secret des cercles d’opposition restés
au Portugal. Et que dire de ces dizaines de milliers de soldats qui de 1964 à 1974 se sont
retrouvés, malgré eux, dans les garnisons du Cabo Delgado, du Niassa, de Zambézia et du
Moçambique, sans même qu’on leur ait dit ou qu’ils se soient rendus compte que, cinquante
ans plus tôt, près de 20.000 Portugais moribonds les avaient précédés. Ils avaient des excu-
ses puisque rares étaient les témoignages qui avaient été imprimés. Mais de 1974 à 2004
(date de parution sous la plume d’un officier d’active d’un premier livre qui examine sérieu-
sement certains aspects de la Grande Guerre au Mozambique) qui, dans la corporation des
historiens universitaires, a vraiment décidé de mettre au jour ce qu’après quatre ans de
travail un journaliste nous révèle finalement en 2015? L’héritage des mythes coloniaux dans
la psyché nationale avait fait des ravages bien avant et après l’arrivée de Salazar au pouvoir.
Ils étaient suffisamment soporifiques pour que les survivants de 1914-1918 réveillent le bon
peuple avec leurs expériences intempestives lorsqu’ils prétendaient avoir vécu l’enfer dans
les camps et les hôpitaux de la mort lente entre le Niassa, Negomano, Namacurra et la côte
maléfique du Cabo Delgado.
Ce livre est salutaire, car inconsciemment il met le lecteur portugais face aux conséquen-
ces qu’entraîne l’abus des stupéfiants que leur livre gratuitement une certaine version de
leur histoire coloniale. Cette «légende dorée» qui résiste et ne veut pas mourir, malgré les
efforts d’une nouvelle génération de chercheurs lucides.
Tout autre dans ses objectifs est Women, Migrations & the Cashew Economy in Sou-
thern Mozambique16. Cette historienne américaine n’a jamais porté la colonisation portu-
gaise tardive dans son cœur, et elle l’attaque brutalement là où elle était la plus critiquable:
l’exploitation de la main-d’œuvre africaine, notamment au Sud-Mozambique. En bonne
féministe, elle y ajoute un deuxième thème annexe, développé de main de maître dans ce
livre: l’émigration des Africaines rurales à Lourenço Marques, arrivées pour travailler dans
les usines de décorticage des noix de cajou, l’une des exportations majeures de l’économie
du Mozambique colonial. C’est donc d’abord de l’histoire sociale fondée sur les souvenirs
et les chants de trois générations de femmes exploitées par un entrepreneur (ismaélite, soit
dit en passant). Mais c’est aussi une étude extrêmement développée et même pointilliste
de l’économie rurale et urbaine centrée sur la culture et la transformation des fruits de
l’anacardier au Sud-Mozambique. Ce serait donc une erreur de notre part que de limiter
l’utilité de ce livre à une histoire axée sur le genre. C’est beaucoup plus. Notamment une
mise en accusation des tares d’un système fondé sur la discrimination non seulement
sociale mais raciale à Lourenço Marques, au temps où le modèle sud-africain imprégnait
les mentalités des colons bien plus profondément qu’à Luanda. Ils vivaient sur une autre
planète. Attaquée sans nuances au Centre et au Nord par les spécialistes américains de

16 Penvenne, Jeanne Marie (2015), Women, Migrations & the Cashew Economy in Southern Mozambique 1945-1975,
Woodbridge (Sussex), James Currey & Rochester (New York), Boydell & Brewer, p. XIV-281, photos noir et blanc, index.

232 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
GLOIRES ET MISÈRES. IMPÉRIALES? NATIONALES?

la culture du coton, l’histoire de la colonisation portugaise au Mozambique prend des


couleurs sombres dans les universités anglo-saxonnes. L’énumération des sources et des
entrées de la bibliographie occupe plus de trente pages, ce qui fait du livre l’un des piliers
les plus solides de l’historiographie sud-mozambicaine et en particulier de Maputo, à la fin
du cycle colonial.
Dans un genre plus personnel (et plus léger à absorber) nous recommandons aussi la lec-
ture de Mozambique. Destins croisés d’une femme et d’un pays17. C’est l’histoire d’une
amitié entre une Suissesse et une Mozambicaine, de l’ethnie chope, donc déplacée à Lou-
renço Marques. Elle est éduquée (catholique) dans les limites de l’époque et de la situation
financière du père. Nationaliste, elle raconte sa fuite de la capitale dans un groupe de jeu-
nes, son interception par les Sud-Africains, son incarcération par les Portugais, la réussite
de la deuxième tentative qui la conduira dans les rangs du FRELIMO dont elle devient un
membre privilégié, puis son long séjour en Suisse (1968-1974), sa rentrée à Dar es Salaam
en 1974 où elle suit un entraînement militaire jusqu’à son retour à Maputo en mai 1975,
puis à Beira. Son mari est nommé ministre de la Santé, elle devient l’une des dirigeantes
de l’Organisation des femmes mozambicaines. L’indépendance lui a réussi, apparemment,
Comme il en faut pour tous les goûts, on peut aussi consulter les souvenirs humoristiques
d’un ancien officier de la Marine. A viagem da corveta 18. L’A. raconte ses patrouilles le long
de la côte, sa base principale étant à Beira où il participe au pseudo-blocus de la ville pour
empêcher les communications maritimes avec la Rhodésie. Il visite aussi Ibo et son camp
de détention de la PIDE et cherche à résoudre l’énigme du Caso «Angoche». Ce n’était pas
un fervent défenseur de l’Estado Novo et la majorité des officiers de sa corvette appuyèrent
le 25 avril, lui en premier.
Signalons aux lecteurs qui auraient voulu obtenir l’ouvrage d’Alice Dinerman19 sur
l’évolution politique (1975-1994) dans une petite partie de la province de Nampula, paru en
2006, que son éditeur vient de le réimprimer dans un format broché, mais avec un contenu
identique. Sortir en huit ans deux éditions d’un ouvrage de science politique appliquée au
Mozambique montre qu’il y a une demande plus vive que nous ne le pensions pour ce genre
et ce pays. Comme nos commentaires sur le livre ont déjà été repris dans notre bibliogra-
phie récapitulative de 2015 (cf. René Pélissier, Portugal-Afrique-Pacifique … op.cit. pp. 74-75),
il n’y a pas lieu de les répéter ici. Nous ne savons pas si c’est l’apport documentaire du texte
ou la polémique politique qu’il contient qui sont à l’origine de cet engouement remarquable
pour un traité en anglais sur le Mozambique.

Timor
On repart dans la violence sur une terre qui la cultive de siècle en siècle. Three Centuries
of Conflict in East Timor20 est un livre original dans la tapisserie des publications en
anglais qui ont vu le jour depuis quelques décennies. Est-ce de l’ethnologie, de la sociolo-
gie, de la science politique, de la généalogie, de l’histoire militaire? C’est tout cela à la fois,
mais l’A. cible un seul reino (chefferie) côtier au sud-ouest de Dili, qui offre la particularité
d’avoir été tantôt pro-portugais, tantôt pro-néerlandais, et ce depuis les premiers contacts

17 Montmollin, Danièle de & Mocumbi, Adelina (2015), Mozambique. Destins croisés d’une femme et d’un pays, Paris,
L’Harmattan, p. 197, photos noir et blanc.
18 Begonha, Manuel (2012), A viagem da corveta. Uma década de episódios navais, Lisboa, Edições Colibri, p. 118, pho-
tos noir et blanc et couleur.
19 Dinerman, Alice (2014), Revolution, Counter-Revolution and Revisionism in Postcolonial Africa. The case of
Mozambique, 1975-1994, London & New York, Routledge, pp. XXIV-394 p., index.
20 Kammen, Douglas (2015), Three Centuries of Conflict in East Timor, New Brunswick (New Jersey) & London, Rutgers
University Press, pp. XV-231, photos et illustrations noir et blanc, index.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 233
René Pélissier

avec les Européens jusqu’au milieu et même la fin du XIXe siècle, reflétant bien les oscilla-
tions des tendances du moment des différents lignages prétendant au pouvoir. Eux, ce qui
les intéressait, c’était de trouver l’accommodement le plus favorable avec le pouvoir proto-
colonial qui prétendait gouverner dans l’île. A ce jeu de bascule, la Compagnie hollandaise
des Indes orientales était le suzerain fantomatique le moins exigeant, jusqu’à ce que les
Néerlandais acceptent de les abandonner et d’échanger cette «enclave» économiquement
riche contre les prétentions portugaises sur les îles extérieures à Timor (notamment à Flo-
res et dans le chapelet insulaire de Solor à Alor), plus 200.000 florins.
Il serait exagéré de dire que la transition entre le laisser-aller de Kupang et l’avidité des
autorités de Dili s’effectua dans la paix et la douceur, mais on ne va pas non plus refaire ici
l’historique des rébellions timoriennes anti-portugaises aux XIX-XXe siècles (cf. René Pélis-
sier, Timor en guerre, 1996, Editions Pélissier, 78630 Orgeval, passim) et dresser le palmarès
des têtes coupées, reino par reino. Ce qui est intéressant dans ce livre, c’est l’importance que
l’A. accorde au rôle des grandes familles locales dans l’attitude du Maubara à l’égard de Dili
et des administrations portugaise, japonaise, indonésienne, onusienne et timorienne, qui
ont eu la haute main sur les moyens de pression militaires. La persistance de ces pouvoirs
locaux, plus ou moins occultés dans les traités de science politique des politologues austra-
liens, est l’un des points forts de Kammen qui nous inflige impitoyablement huit pages de
tables généalogiques consacrées à sept lignages! A signaler qu’il a une bonne connaissance
des sources et travaux en néerlandais, portugais et indonésien, ce qui n’est pas si fréquent.
Dès lors, sa monographie perce le nuage de parfums provinciaux qu’exhalent la plupart
des études récentes sur la justice, la reconstruction, la violation des droits de l’homme, la
naissance de l’Etat indépendant, etc., et autres pièges pour candidats docteurs à la mode.

234 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Resumos
RESUMOS

thought to be determined by brain size and comple-


Middle Pleistocene Lithic Industry xity alone, can now also be measured by examining
and Hominin Behaviour at Laetoli the relationships between core reduction strategies,
tool types and lithic raw material utilizations and
procurement strategies. The objectives of this study
Audax ZP Mabulla are to define the lithic industry and determine
hominin behaviours, activities and cognition as
Tradicionalmente, as perspetivas sobre tecnologia, reflected by the stone artifacts collected from the
os comportamentos e as atividades dos hominídeos Middle Pleistocene upper Ngaloba Beds at Laetoli,
são principalmente inferidas a partir da análise de Tanzania. The upper Ngaloba Beds, dated to about
artefactos de pedra. A cognição, que se pensava ser 200 kya have also yielded a cranium of Early Homo
determinada apenas pelo tamanho do cérebro e sapiens (EHs: referred to as Laetoli Hominin 18,
pela complexidade, agora também pode ser medida LH18) or Homo heidelbergensis, in direct associa-
examinando as relações entre estratégias de debita- tion with stone artifacts. The study reveals that
gem, a tipologia dos instrumentos e as utilizações the upper Ngaloba Beds’ stone tools represent a
das matérias-primas líticas e suas estratégias de predominantly (93.840 %) light-duty toolkit (scra-
aquisição. Os objectivos deste estudo consistem na pers, becs, burins and points) mixed with a lower
definição da indústria lítica e na determinação dos percentage (6.16 %) of heavy-duty toolkit (core/
comportamentos, atividades e cognição dos homi- large scrapers, bifaces/picks and core axes). This
nídeos, com base nos artefactos de pedra recolhidos combination of light-duty and heavy-duty toolkits
no Pleistoceno Médio superior de Ngaloba Beds, em is best described as Early Middle Stone Age (EMSA)
Laetoli, na Tanzânia. Ngaloba Beds superior, data- Ngaloban industry. Analysis of lithic raw materials
das de cerca de 200 kya também revelaram um crâ- shows that EHs at Laetoli utilized both local and
nio de Homo sapiens arcaico (EHs : referido como
non-local materials indicating wide-ranging pat-
hominídeo Laetoli 18 , LH18) ou Homo heidelber-
terns. Therefore, during 200 kya, EHs at Laetoli
gensis , em associação direta com artefactos líticos
had a thorough knowledge of the landscape, using
. O estudo revela que as ferramentas de pedra das
it to find and transport lithic raw materials. Moreo-
camadas superiores de Ngaloba Beds representam
ver, analyses of stone artifact size, tool types and
predominantemente ( 93,840 %) um kit de ferra-
core utilizations versus lithic raw materials show
mentas leves (raspadores, becs, buris e pontas) mis-
that EHs knew how to manipulate lithic materials
turado com uma percentagem mais baixa (6,16%) de
to the best of their abilities. The occurrences of
ferramentas pesadas (núcleos/ grandes raspadores,
retouched and Levallois points in general and some
bifaces/picos e machados sobre núcleo). Esta com-
with thinned bulbs signals that EHs at Laetoli had
binação de kits ligeiros e pesados ​toolkits é melhor
knowledge of projectile weaponry and hafting sys-
descrita como indústria Ngaloban da Early Middle
Stone Age (EMSA). A análise de matérias-primas tems. Moreover, the presence of red ochre indicates
líticas mostra que os EHs em Laetoli utilizavam procurement and use of pigments and therefore,
materiais locais e não-locais que indicam padrões evidence for symbolic behaviour by EHs during
de captação de amplo alcance. Assim, durante 200 EMSA at Laetoli, 200 kya.
kya , os EHs em Laetoli tiveram um conhecimento
exaustivo da paisagem, usando-o para encontrar e Key-words: Ngaloba Beds – Early-Middle Stone Age
transportar matérias- primas líticas . Além disso, as – Laetoli – Tanzania
análises do tamanho dos artefactos, dos seus tipos
e das suas utilizações principais, na relação com
as matérias-primas líticas, mostram que os EHs
sabiam como manipular materiais líticos usando
em pleno as suas capacidades. As ocorrências de Review of the Stone Age Archaeology
pontas retocadas e Levallois em geral, e de algumas in Southwestern Angola
com sinais adelgaçamento dos bolbos, mostram que
os EHs em Laetoli tinham conhecimento de armas
de projécteis e sistemas encabamento. Além disso, a Daniela de Matos
presença de ocre vermelho indica aquisição e uso de
pigmentos e, portanto, evidencia comportamento África tornou-se um grande foco de debate sobre a
simbólico por parte dos EHs durante a EMSA em emergência do comportamento humano moderno
Laetoli , há 200 kya . e a emergência de homens anatomicamente
modernos devido ao aumento de dados em sítios da
Palavras-chave: Ngaloba Beds – Early-Middle Middle Stone Age nos territórios da África Austral.
Stone Age – Laetoli – Tanzania O Sudoeste de Angola é uma das regiões de maior
interesse para o quadro cronológico da Stone Age,
Traditionally, insights into hominin technology, devido às condições geográficas e geomorfológicas
behaviours and activities are mostly inferred from semelhantes a outras regiões da África Austral da
the analysis of stone artifacts. Cognition, once zona intertropical, que permitiram a preservação

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 237
RESUMOS

dos depósitos do Pleistoceno médio e final com at the Tropical Research Institute (IICT) in Lisbon,
materiais líticos. Portugal.
Novas abordagens metodológicas têm permitido
novas perspetivas sobre a ecodinâmica das popula- Key-words: Africa – Angola – Middle Stone age
ções humanas na África subsaariana , na tentativa
de compreender as suas estratégias de subsistência
, juntamente com a paisagem e a gestão de recur-
sos, a sua evolução cognitiva e adaptativa e as suas
características culturais e tecnológicas, diacrónicas Rock Art Research in Namibia:
e sincrónicas. No entanto, apesar do aumento do a Synopsis
conhecimento sobre estas questões, muito pouco
se sabe sobre a pré-história dos países de língua
portuguesa, como Angola. Alma Mekondjo Nankela
Antes do fim da ditadura em Portugal e da indepen-
dência de Angola (antes uma província Portuguesa) A Namíbia tem um dos registros mais notáveis​
em 1975, a Junta de Investigações do Ultramar (JIU) , diversos e extensos de arte rupestre na África
realizou uma série de missões geográficas, geológi- Austral. A base de dados de arte rupestre do país
cas e antropológicas . Entre 1948 e 1955, a Brigada de inclui atualmente registros detalhados de pinturas
Prospeção Geológica e a Missão Antropobiológica e gravuras encontradas em vários contextos. No
prospetaram o planalto de Humpata e descobriram entanto, alguns desses locais foram registrados e
uma série de grutas, abrigos e locais ao ar livre. Uma publicados, enquanto outros permaneceram sem
breve revisão dos antecedentes históricos e dados registro e inéditos.
atuais sobre essas coleções é aqui apresentada com Este trabalho procura destacar a história da pes-
base nos materiais tratados e estudados no Instituto quisa de arte rupestre na Namíbia ao longo dos
de Investigação Científica Tropical (IICT), em Lis- últimos 50 anos, período em que o aumento das
boa, Portugal. atividades de investigação tem sido observado na
região; examinando onde a pesquisa de arte rupes-
Palavras-chave: África – Angola – Middle Stone tre foi centrada, olhando para as diferentes configu-
age rações, distribuição, conteúdos, tradições, analogias
etnoarqueológicas, estilo, cronologia e os aspectos
Africa has become a major focus on the debate of de gestão e conservação dos sítios de arte rupestre
the emergence of modern human behavior and rise na Namíbia.
of anatomically modern humans due to increasing Além disso, nós discutimos criticamente alguns
data on early Middle Stone Age sites in southern dos desafios do estudo da arte rupestre na Namíbia,
African territories. Southwestern Angola is one of as tendências de pesquisa atuais e as perspectivas
the regions of great interest for the chronological futuras de pesquisa. Aqui, eu apresento um pano-
framework of the Stone Age due to the geographic rama da pesquisa de arte rupestre na Namíbia, no
and geomorphological conditions similar to other qual eu examino onde a pesquisa de arte rupestre
southern African regions of the intertropical zone tem sido focada e, finalmente, discuto criticamente
that allowed preservation of Middle and Late Pleis- alguns dos desafios de estudar arte rupestre na
tocene deposits with lithic materials. New metho- Namíbia, tendências de pesquisa atuais e perspeti-
dological approaches have offered new insights vas futuras de pesquisa .
on the ecodynamics of past human populations in
Subsaharan Africa, attempting to understand their Palavras-chave: Arte rupestre – Investigação -
subsistence strategies along with landscape and Namíbia.
resource management, their cognitive and adaptive
evolution and their diachronic and synchronic cul- Namibia has one of the most outstanding, diverse
tural and technological features. However, despite and extensive rock art records in Southern Africa.
the increasing knowledge on these issues, very little The country’s Rock art database currently holds
is known about the prehistory of the Portuguese detailed records of both paintings and engravings
speaking countries, such as Angola. Before the end found in various settings. However, some of these
of the dictatorship in Portugal and the indepen- sites have been recorded and published, while
dence of Angola as a Portuguese province in 1975, others remained unrecorded and unpublished.
the National Board for Colonial Research (JIU) This paper attempts to highlight the history of rock
conducted a series of geographical, geological and art research in Namibia over the last 50 years to
anthropological missions. Between 1948 and 1955, date, the period where increased research activities
the Geological Survey Brigade and the Anthropo- has been observed in the region; by examining
biological Mission surveyed the Humpata Plateau where rock art research has been focused, looking
and discovered a series of caves, rockshelters and at the different site’s settings, distribution, content,
open-air sites. A brief review of the historical traditions, ethno-archaeological analogues, style,
background and current data on these collections chronology and the aspects of management and
is here presented based on the materials curated conservation of the rock art sites in Namibia.

238 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
RESUMOS

Furthermore, we will critically discuss some of the mudança, resultante da investigação. Este artigo
challenges of studying rock art in Namibia, current levanta questões relacionadas com a abrangente
research trends and future research perspectives. apresentação integrada de todos os temas repre-
Here, I present an overview of rock art research in sentados no território enquadrado numa perspetiva
Namibia where I examine where rock art research mais ampla de gestão do património no quadro da
has been focused and finally critically discuss some gestão integrada da do território. O artigo defende
of the challenges of studying rock art in Namibia, que os museus do século XXI (como o museu de
current research trends and future research pers- sítio de OG) precisam de tomar em consideração
pectives. a apresentação de todos os temas territoriais que
integram o património material e imaterial ou
Key words: Rock Art, Research and Namibia.
não visível na paisagem cultural. No final, o artigo
recomenda repensar a exposição, modelando estra-
tégias de preservação e apresentação integradas
que garantam que as mensagens do passado e do
presente sejam interpretadas e apresentadas de
Rethinking the presentation at
forma eficaz às comunidades indígenas, bem como
Olduvai Gorge site museum within aos visitantes, para uma gestão sustentável do patri-
Integrated Landscape Management mónio.
(ILM) framework
Palavras-chave: Olduvai Gorge – Tanzania – Masai
– Integrated Landscape Management
Everlyne E. Mbwambo e Luiz Oosterbeek

Despite the relevance of the Olduvai complex


and of the remarkable research undertaken for
decades, the picture that one gets from the cur- Le couteau de jet en milieu Gabri
rent site museum display is that of the incomplete
and fragmented representation of Olduvai Gorge
cultural landscape. Noticeable, there are aspects Noudjiko Hamdji Milman
and themes of presentation and interpretation
at the site museum which have remained largely Na sociedade tradicional dos povos Gabri, a faca
unchanged despite the ever changing and dynamic de arremesso é uma arma que até hoje permanece
cultural landscape and knowledge resulting from inseparável dos homens. Utilizada na guerra e na
research. This paper raises issues of comprehensive caça, tem também um valor simbólico na resolução
integrated presentation of all themes represented in de conflitos, casamentos, cultos religiosos, cerimó-
the territory framed in the broader perspective of nias fúnebres, etc. Pode dizer-se que representa
heritage management within integrated landscape simbolicamente essa cultura e que os seus valores
management framework. The paper opined that são transmitidos de geração em geração. Contudo,
21st century museums (OG site museum) need to apesar desse papel e dos seus valores, a faca de arre-
take into consideration the presentation of all terri- messo encontra-se ameaçada por decisões adminis-
torial themes that incorporate tangible and intangi- trativas e pela pressão da modernidade.
ble heritage visible or not on the cultural landscape.
In the end the paper recommends rethinking pre- Palavras-chave: Chade, Gabri, faca de arremesso,
sentation by modelling integrated preservation and património cultural
presentation strategies that ensure the message of
the past and present are interpreted and presented Dans la société traditionnelle des peuples Gabri, le
effectively to the indigenous communities as well as couteau de jet est une arme qui jusqu’à nos jours
the visitors for sustainable heritage management.
reste inséparable des hommes Gabri. Utilisé pour
la guerre et la chasse, il a aussi avec une valeur sym-
Key-words: Olduvai Gorge – Tanzânia – Masai –
Gestão Integrada do Território bolique dans la résolution des conflits, mariages,
vénérations des dieux, cérémonies funèbres etc. On
Apesar da relevância do complexo de Olduvai e da peut dire qu’il est bien un symbole d’une culture.
pesquisa notável realizada ao longo de décadas, a Ses valeurs sont protégées et transmises de géné-
imagem que se obtém a partir da exposição no ration en génération. Pourtant, malgré ses rôles
museu atual é a da representação incompleta e frag- et ses valeurs, la place qu’occupe le couteau de jet,
mentada da paisagem cultural de Olduvai Gorge. cet instrument patrimonial, se trouve menacé par
São percetíveis aspetos e temas de apresentação e certaines décisions administratives et la modernité.
interpretação no museu de sítio que permaneceram
em grande parte inalterados, apesar da dinâmica da Mots-clés: Tchad, Gabri, couteau de jet, patri -
paisagem cultural e do conhecimento em constante moine culturel

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 239
RESUMOS

âmbito do protocolo de cooperação cientifica entre


Património e arqueologia angolana o Centro de Estudos Africanos da Universidade do
como potenciais aliados de uma ativi- Porto e o ISCED da Huíla foi desenvolvido o projeto
dade turística nacional residual CartLub que integra a prospeção, trabalho de campo
e formação técnico-teórica na área da Arqueologia
de Campo e da Paisagem. O projeto foi iniciado na
Ziva Domingos e Bumba de Castro província da Huíla em Setembro de 2015.
Como principal objeto de estudo, de formação
Parte substancial do passado de realizações das técnica e de prospeção arqueológica foram selecio-
comunidades colonizadas na historiografia africana nados os recintos Fortificados ou Fortalezas. A falta
foi destruída a favor da imposição de valores civili- de bibliografia sobre este tema criou um desafio
zacionais dos colonizadores. Por meio das descober- positivo no que toca à sua contextualização. Con-
tas e saberes científicos proporcionados por ciências tudo, no final da primeira campanha de prospeção
como a arqueologia, essas comunidades têm hoje foi possível levantar hipóteses de trabalho relativa-
compreendido melhor o passado negado, e encaram mente à sua cronologia e função.
o futuro com uma perspectiva diferente. Por con-
seguinte, importa que o desvendar desse passado Palavras-chave: Angola, Huila, recintos muralha-
seja valorizado e divulgado, com vista o reforço dos, megalitismo.
da função sociocultural que representa para as
comunidades afectadas. Um dos caminhos que mais The region of the Huila Province (Angola) is known
se aponta para esse propósito tem sido o turismo, to have a rich historical and archaeological past.
evidenciado nas suas práticas culturais e criativas. Under the framework of the Cooperation Agree-
Desta forma, o presente artigo pretende fazer uma ment between the CEAUP and the ISCED Huila, the
abordagem sobre as principais descobertas arqueo- CartLub project was designed to articulate archaeo-
lógicas em Angola e seu rico património cultural logical (technical and theoretical) traineeship with
e natural, susceptíveis de serem potenciados pela field and landscape Archaeology. The project star-
actividade turística. ted in September 2015 in the Huila province.
The fortresses or fortified enclosures were chosen as
Palavras-chave: Arqueologia, Angola, património the main object of study. The lack of bibliographic
cultural, turismo, desenvolvimento. sources on this topic created a positive challenge
as regard to its contextual interpretation. However,
Part of significant achievements of the colonized by the end of the first season of field work, it was
communities in Africa history was destroyed possible to build estimated guesses as regards its
because of the civil values imposed by the coloni- chronology and functional role.
zers.Through the scientific knowledge provided by
science like archaeology, those communities have Keywords: Angola, Huila province, fortified enclo-
a better understanding of its denied past and they sures, megalitism.
face the future with a different perspective. So, it
is important to find out this past to be valued and
disseminated, to strengthen the sociocultural func-
tion for those communities. Tourism is, sometimes, O contexto cultural dos marcos de
pointed as a solution for this, mainly in terms of
creative and cultural practices. In this way, the paper terreno nas aldeias Ambundu/Angola
intends to approach the mainarchaeology findings
in Angola and its rich cultural and natural heritage, Éva Sebestyén
susceptible to improve the tourism activity.
Nos manuscritos dos sobas ambundo durante os
Keywords: Archaeology, Angola, cultural heritage, séculos XVIII e XX o tema principal tinha sido a
tourism, development.
defesa da terra linhageira perante as intrusões.
O processo de legitimação da posse comunitária
começava com a fixação dos limites entre os vizi-
nhos utilizando tanto marcos naturais (árvores de
grande porte como também penhascos, riachos,
A prospecção: Um projecto para rios, montanhas) como obras de artesanato (peda-
relançar a arquelogia na província da ços de ferro, utensílios feitos de argila). Estes marcos
Huíla (Angola) foram registrados por escribas ambundu em decla-
rações que o soba fazia sobre as terras linhageiras
da sua povoação (genealogia da linhagem principal,
André Serdoura e Jorge Guimarães migração, estabelecimento, demarcação de terreno)
que serviam como argumento importante no even-
A região da Huíla foi identificada como possuidora tual conflito de terrenos. Entre os marcos naturais
de um rico passado Historico e Arqueológico. No sobressaem as árvores que poderiam ter também

240 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
RESUMOS

usos económicos. Segundo o corrente estudo piloto Palavras-chave: Angola, autenticidade, ‘folclore
que forma a base deste artigo, todas estas árvores- musical indígena’, museu do Dundo/Diamang, tra-
-marcos provaram a ter propriedades de uso medi- dução cultural.
cinal. O trabalho de campo nas aldeias dos cartórios
poderia fornecer dados medicinais e terapêuticos Starting from archival sources regarding the
para uso dos Centros locais de saúde. Mission of Musical Folklore Collection of Dundu
Museum in Angola during the 1950 decade, this
Palavras-chave: sobas, Ambundu, cartórios, patri- article aims to discuss the concept of authenticity
mónio linhageiro, árvore-marco, uso medicinal as a system of representation and social practice
that both built the colonial perspective as challen-
In the collections of written sources of the Mbundu ged it. It is suggested that the cultural translation
village chiefs between the 18th and 20th centuries of colonial encounters integrates an irreducible,
the main topic were the defence of the lineage negotiated, mediated and plurivocal process made
lands against any kind of possible or real inva- by political constructions that can have ambiguous
sions. The legitimacy process of the community contradictory or converging meanings.
landownership started with the land demarcation
among the neighbours using natural landmarks as Keywords: Authenticity, Angola, indigenous folk
tall trees, cliffs, rivulets, rivers, mountains, hills) music, Dundo Museum/Diamang, cultural trans-
or handcrafts as pieces of iron, clay pots. These lation.
landmarks were recorded in the declarations of the
Mbundu village chiefs about the history of their
village (genealogy of the ruling lineage, migration,
settlement, land demarcation,) written by Mbundu
scribes and that served as paramount argument Arqueologia portuguesa em solo afri-
during the land conflicts among neighbours. The cano durante o Estado Novo: (alguns)
dominance of the trees among the land marks sup-
ports an hypothesis about their use, which could
actores, espaços e projectos (o caso
extend beyond its role of demarcation. The current de Moçambique)
pilot research based on international and Angolan
publications and data base proved that all of the
trees in the Mbundu village chiefs ‘collection have Ana Cristina Martins
medicinal proprieties. Future fieldwork may well
provide useful medicine data for the use of local Num momento em que se procede, em Portugal, a
um balanço generalizado dos estudos arqueológicos
Health Centres.
em África, parecenos pertinente percorrer o longo
Key-words: Sobas, Ambundu, Ambundu manus- e, por vezes, tortuoso caminho assumido por estu-
crits, lineage heritage, land mark trees, medicinal diosos portugueses vivendo nas (então designadas)
uses. províncias ultramarinas ou deslocando-se desde a
metrópole. Identificaremos, deste modo, actores,
espaços e temáticas de produção, transmissão e
recepção de conhecimento sobre a pré-história da
Guiné, Angola e Moçambique. Mais do que isso,
À procura da ‘autenticidade’. Tradição, cotejaremos esta realidade a circunvizinhas, com
o objectivo de compreender as raízes de similitudes
Tradução e transformação nas cam- e dissemelhanças detectadas, tendo como pano de
panhas coloniais de recolha etnomu- fundo a política do Estado Novo.
sical do Museu do Dundo, Angola
Palavras-chave: Arqueologia; Províncias Ultra-
marinas Portuguesas; História da Arqueologia
Cristina Sá Valentim Portuguesa em África; Colaboração Internacional;
Estado Novo.
Partindo de fontes arquivísticas referentes à Missão
de Recolha de Folclore Musical do Museu do Dundu In a momento when a global balance of archaeolo-
em Angola na década de 1950, este artigo visa pro- -gical studies in Africa is made in Portugal, it seems
blematizar o conceito de autenticidade visto, simul- useful to follow the long and often devious path,
taneamente, como um regime de representação e undertaken by Portuguese scholars living in the
prática social que tanto construiu o olhar colonial (then called) overseas provinces, or by those coming
como o desafiou. Sugere-se que a tradução cultural from the metropolis. Hence, we will identify actors,
de interações coloniais integra um processo irre- spaces and thematic of production, transmission
dutível, negociado, mediado e plurivocal agilizado and reception of knowledge on the Prehistory of
por construções políticas que podem ter sentidos Guinea, Angola and Mozambique. Moreover, we
ambíguos, contraditórios ou convergentes entre si. will compare this and the surrounding reality,

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 241
RESUMOS

aiming to understand the roots of resemblances and Thus, combining the past with the future, it is our
differences detected, having the politics of the New goal to honor the memory of this research through
State for background. the project “Georeferencing the scientific collec-
tions of IICT” (2014-2020).
Key-words: Archaeology – Overseas Portuguese
Provinces – History of Portuguese Archaeology in Key words: Miguel Ramos, archaeology, africa,
Africa – International collaboration – New State paths, georeferencing

Percursos de Miguel Ramos (1932- Redescobrindo estações arqueológi-


1991) na arqueologia: síntese e cas à guarda do IICT
perspetivas
Inês Pinto e Ana Godinho Coelho
Ana Godinho Coelho, Inês Pinto e Ana Cristina
Martins Redescobrindo estações arqueológicas à guarda do
IICT pretende recuperar as estações identificadas
Este artigo pretende evidenciar vários percursos ao longo das várias missões científicas. A presente
científicos de Miguel Ramos (1932-1991), primeiro publicação propõe dar à coleção arqueológica de
diretor do centro de pré-história e arqueologia Angola, mediante a aplicação das novas tecnologias
do IICT. Entre eles, destacamos as pesquisas no (georreferenciação), um novo rumo, possibilitando
Sudoeste de Angola, onde conduziu a primeira desta forma, um maior conhecimento da evolução
missão de estudos arqueológicos e que em muito das comunidades pré-históricas em África e suas
contribuiu para o conhecimento do paleolítico estratégias de povoamento.
africano.
Desta forma, aliando o passado ao futuro, é nosso Palavras-chave: Estações arqueológicas, percur-
objetivo homenagear a memória deste investigador sos, georreferenciação, Angola.
através do projeto “Georreferenciação das coleções
científicas do IICT” (2014-2020). Rediscovering archaeological sites under the care of
IICT proposes to recover the sites identified throu-
Palavras-chave: Miguel Ramos, arqueologia, ghout the various scientific missions. This publica-
áfrica, percursos, georreferenciação tion intends to give to the archaeological collection
of Angola, through the application of new techno-
This paper aims to highlight several scientific paths logies (georeferencing), a new course, allowing this
of Miguel Ramos (1932-1991), first director of the way, a greater knowledge of the evolution of the
center of prehistory and archeology of IICT. Among African pre-history and its strategies of landing.
them, we highlight the research in the Southwest of
Angola, where he led the first mission of archaeolo- Keywords: Archeological sites, paths, georeferen-
gical studies and contributed greatly to the know- cing, Angola.
ledge of the African Paleolithic.

242 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Legendas das ilustrações

1. Forte de Cambambe (interior) – século XVII. Cambambe, Angola. Foto de Adriano Vasco Rodri-
gues (c. 1966).
2. Recinto do Eleu. Jau, Lubango, Angola. Foto de Jorge Guimarães (2015).
3. Casas abrigo do Morro Vermelho. Deserto do Namibe, Angola. Foto de Adriano Vasco Rodrigues
(1968).
4. Atividade de campo. Recinto do Eleu. Jau, Lubango, Angola. Foto de Jorge Guimarães (2015).
5. Estação de Caminho-de-Ferro. Lubango, Angola. Foto de André Serdoura (2015).
6. Planalto da Chibia. Angola. Foto de Jorge Guimarães (2015).
7. Escavações na Corimba. Embarcadouro de escravos. Foto de Adriano Vasco Rodrigues (1968).
8. Escavações no Forte de Santo Amaro (séc. XVI). Luanda. Foto de Adriano Vasco Rodrigues (c.
1969).
9. Escavação de navio no deserto do Namibe – aspecto da quilha. Foto de Adriano Vasco Rodrigues
(c. 1968).
10. Moustapha Sall (2015).
11. Moustapha Sall (2015).
12. Serra da Huila, sul de Angola. Foto da equipa de Adriano Vasco Rodrigues (c. 1968).
13. Sino de chamada dos trabalhadores. Roça “Colónia Açoreana”, São Tomé e Príncipe. Foto de
Maciel Santos (2011).

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 243
Critérios para publicação

1) A Africana Studia aceita trabalhos científicos inéditos de qualquer área de investi-


gação cuja temática seja África ou sociedades africanas. Os trabalhos poderão ser
entregues em português, inglês ou francês.
2) A publicação de trabalhos está sujeita a apreciação do Conselho Editorial, que
recorrerá ao Conselho Científico sempre que julgar necessário, e de um painel de
árbitros constituído por membros internos e externos ao CEAUP.

Normas para apresentação de originais

1) Devem ser entregues em ficheiro informático (via correio electrónico ou CD), de


preferência no programa WORD para Windows. O corpo de letra deverá ser de
12 pontos em fonte Areal ou Times New Roman, e o entrelinhamento de espaço e
meio.
2) As imagens (mapas, quadros, figuras, fotografias etc.) devem ser numeradas de
001 a N. O número atribuído a cada imagem deve ser colocado no original na
localização que o autor entende ser a mais conveniente. Estes elementos deverão
ser entregues em ficheiros individuais (com a extensão XLS para ficheiros Excel e
JPEG, TIFF ou EPS para os outros casos). Cada ficheiro deverá ter o número atri-
buído como identificação e colocado numa pasta a que se chamará “imagens”. As
imagens deverão ter no mínimo 10x6 cm com 1200x800 pixel (300 dpi). Será de
grande utilidade que todos os originais de mapas, fotografias etc sejam entregues
com o original/texto para que o tratamento das imagens seja efectuado com rigor.
3) Os artigos terão no máximo 70 000 caracteres, incluindo espaços, notas e biblio-
grafia (não serão contadas as imagens). Cada artigo será acompanhado de dois
resumos: em português e/ou inglês e/ ou francês, com um máximo de 500 caracte-
res. O resumo deverá incluir um conjunto de palavras-chave (máximo de 6), assim
a identificação do autor (instituição, ultimas publicações e contactos)
4) As recensões não poderão exceder os 25 000 caracteres.
5) Não serão considerados os artigos ou recensões que ultrapassarem o número
máximo de caracteres ou que não cumpram as normas de apresentação de originais.

244 AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Normas de revisão e citação bibliográfica

1) Os autores terão a possibilidade de reverem em últimas provas os seus trabalhos,


após a revisão feita no CEAUP. Os autores comprometem-se a devolver as provas
uma semana após o seu envio. Em caso de total indisponibilidade os autores deve-
rão declarar por escrito que prescindem dessa revisão de autor.
2) As referências a autores, no texto, seguem a norma (autor, ano). Se houver uma
referência a um mesmo autor no mesmo ano, este deve ser seguido de uma letra
minúscula. Ex: (Rodrigues, 2000a) (Rodrigues, 2000b). Se a referência citada for
de vários autores ficará: (Rodrigues et alia, 2000).
3) As transcrições deverão ser em itálico, assim como vocábulos em língua estrangeira.
4) As notas de rodapé e outras deverão limitar-se a informações complementares de
interesse substantivo, não ultrapassando cinco linhas em corpo 10.
5) A bibliografia será colocada no fim do artigo e deverá conter apenas as referências
introduzidas no texto, listando-as por ordem alfabética e por ordem cronológica
crescente quando forem do mesmo autor.
6) A bibliografia deve seguir os seguintes exemplos:
 ivros: Rodrigues, Carlos (2001), Os novos poderes em África, Porto: Campo das
• L
Letras.
 olectâneas: Rodrigues, Carlos, Matos, A. e Silva, António, (orgs.) (2002), Os
• C
novos poderes em África, Porto: Campo das Letras.
 rtigos em revistas: Rodrigues, Carlos (2001), Os novos poderes em África, Afri-
• A
cana Studia, n.º 8, pp. 12-35.
 rtigos em colectâneas: Matos, A. (2002), Os novos políticos africanos, in, Rodri-
• A
gues, Carlos, Matos, A. e Silva, António, (orgs.), Os novos poderes em África,
Porto: Campo das Letras.
• A
 s traduções deverão indicar sempre que possível o ano da 1.ª publicação e o
tradutor.
 a bibliografia electrónica indicar sempre o site/path, a data do artigo e a data da
• N
consulta.

Após a publicação, os direitos de autor passam a ser pertença da Africana Studia.


As imagens originais serão devolvidas.
Os originais não serão devolvidos.

AFRICANA STUDIA, N.º 24, 2015, EDIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 245
Africana Studia
REVISTA INTERNACIONAL DE ESTUDOS AFRICANOS
INTERNATIONAL JOURNAL OF AFRICAN STUDIES

N.º 25 – 2.º semestre – 2015

ARQUIVOS DA
ÁFRICA AUSTRAL:
POTENCIALIDADES


Assinatura Anual
(Annual Subscription)
CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS U.P. - FLUP
Africana Studia - Via Panorâmica, s/n - 4150-564 PORTO - Portugal
Telefone / Fax (00-351-226077141)
Dois números semestrais (Two issues/year)
Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 �
U.E. (European Union) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 �
PALOP’s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 �
Resto do Mundo (Rest of the world) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 �
Desconto para estudantes (Student’s discount) — 20 % (*)
(*) Add copy of student’s card

Nome (Name)______________________________________________________________________________
Morada (Address)___________________________________________________________________________
Telefone / Fax______________________________________________________________________________
Endereço electrónico (E-mail)________________________________________________________________

Modalidade de Pagamento (Payment by)


Transferência Bancária para: (Bank Transfer)_______________________________________________
CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS U.P.
IBAN: PT50 0035 0194 0000 2032 53053 - BIC/WIFT: CGDIPTPL
Cheque Bancário N.º (Bank Cheque Nr.) _ __________________________________________________
Necessário juntar comprovativo (add copy of bank tranfer)

(Assinatura / Signature)

Você também pode gostar