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TRANSFORMAÇÕES
CENTELHAS DE
TRANSFORMAÇÕES
1a edição | 2021
Conselho Editorial Acadêmico Edição
João Paulo Vani
Profa. Dra. Carla Alexandra Ferreira MTB 60.596/SP
UFSCar — Humanas
Foto da capa
Prof. Dr. Creso Machado Lopes Nayara Dalossi
UFAC – Saúde
Capa
Prof. Dr. Ivan Nunes Silva
HN Editora & Publieditorial
USP — Exatas
Produção gráfica e diagramação
Prof. Dr. João Carlos da Rocha Medrado
HN Editora & Publieditorial
UFG – Exatas
HN Editora
Avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira,
5000, sala 512, Iguatemi Business
São José do Rio Preto (SP) – CEP 15093-340
www.editorahn.com.br
A383
ISBN 978-65-86731-15-6
CDD: 370.71
CDU: 377.8
SUMÁRIO
Apresentação
Centelhas de Transformações. Paulo Freire & 11
Raymond Williams
Alexandro Henrique Paixão; Débora Mazza
PAULO FREIRE
RAYMOND WILLIAMS
REFERÊNCIAS
19
AGRADECIMENTOS
Luiza Cortesão1
1
Doutora em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educa-
ção, Universidade do Porto. Professora emérita da Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação, Universidade do Porto. E-mail: cortesao@fpce.up.pt. Orcid: https://orcid.
org/0000-0002-8738-1859.
Numa tentativa de encontrar uma resposta para esta interroga-
ção, ir-se-á procurar aceder a alguns dos aspetos do contexto em
que este tipo de investigação-ação surgiu, se foi desenvolvendo e
se afirmou, procurando encontrar relações que terão existido entre
estes movimentos e o trabalho de Freire.
Algumas das informações necessárias a esta tentativa de recons-
tituição foram obtidas sobretudo através da consulta a entrevistas
e a textos escritos por autores, cuja obra se desenvolveu nesta épo-
ca, e que tenha sido significativa para este tipo de trabalhos. Ir-se-á
então recorrer sobretudo a entrevistas e textos de Fals Borda, e de
Budd Hall porque, frequentemente, eles são apontados como sendo
dois dos autores que muito significativamente contribuíram para a
origem da Pesquisa (Ação) Participativa (PAR). Ir-se-á então pro-
curar compreender como Freire e a sua obra se cruzaram com esta
linha de pesquisa e intervenção.
26
Fals Borda, Budd Hall e o movimento PAR: espreitando o
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Com esta mesmo que breve revisão, de alguns textos que descre-
vem acontecimentos ocorridos nesta época, foi possível “espreitar”
o estimulante contexto que deve ter sido vivido no início do terceiro
trimestre do século passado. Referiram-se, como se pode ver, textos
produzidos, sobretudo, por dois dos próprios atores que, de dife-
rentes áreas disciplinares, em diferentes locais e condições de tra-
balho, participaram na conceção e desenvolvimento de novas for-
mas de trabalho que estavam a emergir. Eram movimentos, que, em
certos casos, surgiam em países com contextos políticos favoráveis
à aceitação da possibilidade de intervenção em problemas sociais,
(como é o caso da Tanzânia, que tinha Nierere como Presidente)
quando esta intervenção se articula criticamente com a produção
de conhecimento. Budd Hall (1997) refere um acontecimento que
é um sinal bem significativo de quanto o contexto da Tanzânia era
favorável a este tipo de trabalho: em 1976, o Conselho Internacio-
nal de Educação de Adultos (ICAE) organizou em Der-as-Salam a
primeira conferência sobre Educação de Adultos. O chairpersoon
era o Dr. Malcolm Adiseshiah, anteriormente deputado, diretor da
UNESCO, o keynote speaker era o Presidente Julius Nierere, e Paulo
Freire era o additional presenter.
Apesar de dispersos em diferentes pontos do mundo, como se
viu, e tal como afirmou Borda (2005), havia, realmente, entre estes
movimentos uma “espécie de telepatia internacional” que os fazia
convergir na intenção de imaginar formas de trabalhar que dessem
resposta à tal angustiante pergunta já antes referida e que tinha
sido formulada por Borda e Camilo Torres: “pesquisa para quê”?
Pôde ver-se já, que as contribuições que foram então dadas para
encontrar a possível utilidade, e mesmo a razão de ser de realizar
atividades de pesquisa, foram sendo conseguidas ao longo de vá-
rios anos, por diversas pessoas, com diferentes formas de olhar e
enfrentar problemas de injustiça social e de exploração que os in-
quietava a todos. Cada um destes atores percorreu, portanto, o seu
caminho e, naturalmente, embora com alguns muito significativos
31
pontos comuns, frequentemente esses caminhos foram diferentes.
REFERÊNCIAS
41
FREIRE, Paulo. Uma educação para a liberdade. Porto: Textos
marginais, 1974.
RESUMO
No presente trabalho discutem-se relações entre a obra de
Paulo Freire e outros trabalhos, também socialmente impli-
cados, de pesquisa-ação-participante, que, sobretudo a partir
do final dos anos 60 do século XX, se desenvolviam nos países
do Sul.
Palavras-chave: Educação, Pesquisa, Intervenção, Diversida-
de, Exploração.
ABSTRACT
This paper discusses some Paulo Freire’s works relationships
and Participatory-action-research works, that, from the
20th century onwards late 60s were developed in southern
countries.
Keywords: Education, Research, Intervention, Diversity,
Exploration.
SOBRE A AUTORA
É Professora Emérita da Universidade do Porto (UP), Presidente
da Direção do Instituto Paulo Freire de Portugal, Coordenado-
ra do Centro de Recursos Paulo Freire da UP e Investigadora 43
do Centro de Investigação e Intervenção Educativa da Facul-
Introdução
1
Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Doutorado em Ciên-
cias da Educação pela Université de Lyon (França, 2009). Pós-Doutorado em História e
Filosofia da Educação pela Unicamp (Brasil, 2010). E-mail: acscocuglia@gmail.com. Link
para curriculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0207215501662942. Orcid: https://orcid.
org/0000-0002-1002-5047.
2
Neste sentido, publicamos vários trabalhos de pesquisa. Os sete principais estão lista-
dos nas referências bibliográficas (SCOCUGLIA 2005, 2006, 2019a, 2019b, 2020a, 2020b,
2020c). Foram utilizados como respaldo deste artigo. Por isso, optamos por não recorrer
às citações e convidar o(a) leitor(a) a buscar esses trabalhos.
Como pano de fundo, questões-guia: O que é fundamental em
Paulo Freire na chegada dos 100 anos? O que não pode ser esque-
cido por seus pesquisadores contemporâneos? Seus aportes são
válidos para a educação dos nossos dias ou já estão ultrapassados?
E, daqui para frente, podemos contar com suas ideias nas nossas
práticas educativas? Quais ideias? Ou, como indaga a academia (e
seus indexadores): que repercussão internacional teve e tem suas
ideias? É um autor lido/citado em muitas pesquisas? Enfim, é um
pensador atual e de futuro?
Uma ampla constatação de início: parte significativa dos traba-
lhos tratam a pedagogia política de Paulo Freire como algo do pas-
sado. Uma das formas mais nítidas desse enfoque são os estudos
e pesquisas que trabalham com textos dos anos 1960 (escritos à
luz das especificidades desse tempo histórico) mas não contextua-
lizam e/ou relativizam suas ideias. Como se Educação como prática
46 da liberdade (1965) e Pedagogia do oprimido (1968), por exemplo,
dois de seus livros mais disseminados, tivessem sido escritos hoje.
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
4
Tese de 1959 que só será publicada pela Cortez Editora em 2001, quatro anos após seu
falecimento.
5
Importante perceber que, nas várias etapas da sua práxis, Freire sempre trabalhou em
equipe. Defendeu constantemente a necessidade de complementação das suas ideias, par-
tindo do pressuposto do seu inacabamento e da humildade científica declarada. Aqui está
colocado um conceito central: para ele o conhecimento deve ser produzido/compartilha-
do no processo dialógico de saberes. O pensamento-ação de Freire foi assim construído
e, por isso mesmo, as bases e as conexões com outros pensadores são decisivas para a
compreensão das suas propostas político-pedagógicas.
6
Esta proposta está colocada na Revista Estudos Universitários IV (1963), da Universidade
do Recife, com artigos de Paulo Freire, Jarbas Maciel, Aurenice Cardoso e outros integran-
tes da equipe do SEC-UR.
espalhou gradativamente pelo país, levando Freire à coordenação
do Plano Nacional de Alfabetização (PNA) do Governo João Goulart,
em 1963. Freire acabou preso pelos golpistas (por quase 80 dias)
e sofreu dois processos - um na Universidade e outro geral pelas
forças militares7.
Temeroso por consequência ainda mais grave, exilou-se em se-
guida. Seu tempo exílio entre 1964 e 1979/80 constitui o que consi-
deramos seu terceiro tempo. Na sequência dos 16 anos fora do Bra-
sil, Freire trabalhou com os órgãos da reforma agrária do governo
da Democracia Cristã no Chile por quatro anos, quase um ano como
professor na Universidade de Harvard (Estados Unidos) e, depois,
durante a década de 1970, integrou o Conselho Mundial de Igrejas
(CMI) em Genebra. No CMI, coordenando o IDAC (Instituto de Ação
Cultural), acedeu ao convite de governos de países africanos recém-
-libertados do colonialismo português e, neste contexto europeu/
50 africano, viu sua obra e suas propostas ganharem notoriedade cres-
cente e mundial.
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
13. Por que a educação constitui uma ação cultural? No início dos
anos 1960, Paulo Freire trabalha num contexto que juntava
educação de adultos e cultura popular. No SEC-UR produzia o
Sistema Paulo Freire de Educação (e dentro dele o “Método”
de alfabetização de adultos), ao mesmo tempo que, também,
protagonizava ativamente o Movimento de Cultura Popular
de Pernambuco. Também desde o começo, pensou nos cír-
culos de cultura como lócus da aprendizagem. Da antropo-
logia fez um dos seus alicerces de valorização da cultura dos
“esfarrapados do mundo” (FANON, 1968) como propulsão
do “saber da experiência feito” que quer ascender ao saber
elaborado/científico. Reiterou, sempre, que educação deve
ser uma ação cultural para a liberdade (FREIRE, 1984c). Seu
primeiro bloco de escritos (SCOCUGLIA, 2020a) evidencia
a defesa da cultura (de base existencial e personal) como
quefazer humano e que diferencia ontologicamente os hu-
manos da natureza (apesar de constituírem o mesmo ecos-
sistema). Destarte, o respeito pela diversidade (em todos
os seus níveis) e pela multiculturalidade e, especialmente,
a aposta radical na democratização da cultura e na educação
popular constituem possibilidades da cidadania por meio da
conquista dos direitos civis, sociais e políticos. Nesta dire-
60 ção, a ideia da educação popular como porta de entrada da
conquista dos direitos sociais que impelem à batalha pelos
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Considerações finais
tes aos 50 anos dos seus trabalhos, não impediu que, a partir dos
vários locais de trabalho constituintes da sua trajetória, projetasse
suas propostas de educação política. Sempre ligando a prática edu-
cativa local (no Brasil, na América Latina, nos Estados Unidos, na
Europa, na África...), componentes das suas inserções de trabalho
(coletivo) nesses vários contextos específicos e datados, conseguiu
que sua pedagogia convencesse e impactasse a educação mundial –
com sua marca original, criativa e definitivamente marcante!
Obviamente, em função das suas posições político-pedagógicas,
Freire nunca foi unanimidade. Fez questão de se mostrar incomple-
to e inacabado. Solicitou sempre que suas ideias fossem comple-
mentadas. Nunca teve a presunção de um pensamento definitivo e
acabado, ao contrário. Argumentava que quanto mais certo estava
de suas ideias, mais desconfiava delas. Quando pensava na totalida-
de de sua obra pensava sempre na necessidade de contextualizá-la
e reinventá-la. Repetiu isso para seus interlocutores mais próximos,
em entrevistas e debates e nos seus últimos escritos.
Tais posições, a nosso ver, o tornam ainda mais atual em con-
comitância com uma crise de paradigmas sem precedentes e que
se arrasta por décadas (SCOCUGLIA, 2019a). Tal crise pulverizou
as certezas epistemológicas! Freire antecipou e cultivou a incerteza
quando pugnou com veemência pela pedagogia da pergunta e, não,
da resposta pronta (que anula a curiosidade e o ciclo do conheci-
mento), da crença e da certeza – essas, sim, inexistentes!
Existe algo mais atual do que a incerteza? Existe algo mais com-
plexo/problemático/incerto que as perguntas que nos assombram,
hoje? E, note-se, Freire nos deixou há quase 25 anos, sem nenhuma
pandemia avassaladora da saúde e da sociedade!
Assim, pode-se adotar suas ideias, ou contestá-las, ou ainda re-
formá-las. Ou tentar suas reinvenções, acréscimos e complementa-
ções (que, insistimos, o próprio Freire sempre solicitou). Quando
levado a sério - e isso exclui leituras de “orelhas de livros”, comen-
tários por “ouvir dizer”, ou “achismos” de quem não o leu -, torna-se 65
difícil não sermos impactados por suas ideias e as práticas do seu
REFERÊNCIAS
ABSTRACT
This article defends the thesis of Paulo Freire as an educator of
the present and the future. Unlike the research that parked him
in the past, we highlight the construction of his thought-action
in five historical times and - through some of his main questions,
questions and problematizations - we see his currentness
and the prospection of his ideas for the XXI century. From the
relevance of the dialogical-communicative action in the learning
process to the valuation of the learning subject’s knowledge as
a starting point for elaborated knowledge, passing through the
importance of the school in the practice of freedom, autonomy
and democracy, or even the defense of pedagogy from the
question and the research against the pedagogy of belief and
the deposit of knowledge, among other crucial proposals, we
notice reconstructions of concepts, arguments and paradigms
that update it and continue to impact educators and specialists
in Education around the world. In addition to justifying,
today, its inclusion among the three most cited thinkers in the
human sciences and Pedagogy of the Oppressed among the
100 most read books in the English language. In Paulo Freire’s
centenary (1921-2021), references to his political-pedagogical
legacy (practical and theoretical) continue to grow, as well as
references to his definitive importance as a thinker of present 73
and future education.
SOBRE O AUTOR
Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mestrado em Educação (UFPB), Doutorado em História
(UFPE), Pós-Doutorado em Ciências da Educação (Université
de Lyon, França, 2009) e Pós-Doutorado em História e Filo-
sofia da Educação (Unicamp, 2010). Experiência em pesquisa
nas áreas de História, Arquivologia e Educação, atuando prin-
cipalmente nos campos da História da educação de jovens e
adultos, História das ideias de Paulo Freire, História e memó-
ria, História do tempo presente e Arquivologia.
PAULO FREIRE ESCREVENDO CARTAS À
MÃO: PEDAGOGIA, MEMÓRIA E ORATURA
1
Livre Docente em Educação. Professor Titular aposentado e Professor Sênior no Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo (USP). E-mail: amcatani@usp.br. Link para currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/0416966816426212. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0656-3931.
Há já algum tempo publiquei um trabalho sobre as trajetórias
profissionais de Benedito Junqueira Duarte (1910-1995), Vinícius
de Moraes (1913-1980), Florestan Fernandes (1920-1995), Octa-
vio Ianni (1926-2004) e Pierre Bourdieu (1930-2002) e, quase no
final do texto, afirmava que Florestan - mas acho que poderia di-
zer o mesmo, ao menos, de Vinícius e de Benedito -, “se comparado
a Ianni, foi um falastrão” (CATANI, 2013, p. 92). Entendo que esse
mesmo juízo poderia ser aplicado a Paulo Freire (1921-1997), uma
vez que o educador recifense jamais economizou em seus escritos a
revelação de passagens e de experiências vividas, da tenra infância
aos últimos dias de sua profícua existência.
No resumo encaminhado às colegas que estão organizando o
conjunto das contribuições dedicadas à Freire escrevi que o objeti-
vo de meu capítulo era relativamente simples, qual seja, explorar o
costume de Paulo Freire de escrever cartas à mão destacando, em
76 especial, aquelas que aparecem em Cartas à Guiné Bissau (1977),
Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar (1993) e Cartas
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
84
A ação de Freire no CMI se dava através de consultorias, seminá-
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
c
A cantora, escritora e poeta Patti Smith (1946) narra, em vários
de seus livros, que quase todos os dias sai de casa pela manhã e,
munida de seus cadernos, canetas, bolsas, livros, vai a cafés e escre-
ve, à mão, durante horas. Escreve, também, em hotéis e em outros
sítios em que se hospeda, sempre em cadernos e, geralmente, por-
tando sua máquina fotográfica.
O jornalista, dramaturgo e escritor Antônio Callado (1917-
1997), que trabalhou em jornais ao longo de várias décadas, sem-
pre se valia da máquina de escrever para redigir. Quando passou a
dedicar-se exclusivamente à literatura, não mais frequentando as
redações, declarou que escrevia apenas à mão, valendo-se de uma
espécie de prancheta, que se ajustava com facilidade, permitindo-
-lhe, com agilidade, escrever em qualquer situação.
Quando Albert Camus (1913-1960) faleceu em um acidente de
carro, com pouco mais de 46 anos, carregava consigo uma maleta
86 contendo o manuscrito em que trabalhava há um bom tempo: “cen-
to e quarenta e quatro páginas escritas com letra apertada, sendo
as primeiras sessenta e oito em papel timbrado, com margens e
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
c
No livro Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha prá-
xis, observa-se algo interessante na edição de 2003: Paulo Freire faz
dedicatória, escrita à mão, acredito que com uma hidrográfica azul,
reproduzida nos seguintes termos: “A ANA MARIA, minha mulher,
não apenas com o meu agradecimento pelas notas, com as quais,
pela segunda vez, melhora livro meu, mas também com a minha
admiração pela maneira séria e rigorosa com que sempre trabalha”
(FREIRE, 2003, p. 5). Outra curiosidade: na página 33, escrito tam-
bém em azul, com letras de fôrma maiúsculas, lê-se: “PAULO FREI-
RE/CARTAS A CRISTINA/NOTAS DE ANA MARIA ARAÚJO FREI-
RE/1994” (tudo isso com três sublinhados inferiores, um vermelho
e dois azuis). Na página 35 se encontra a “PRIMEIRA PARTE”, onde
se repetem os sublinhados e as cores e, na página 189, aparece a
“SEGUNDA PARTE”, agora com os mesmos três grifados, nas mes-
mas cores, porém com o vermelho surgindo antes dos dois azuis.
Finalmente, à página 336, a última, há a assinatura do autor, em
azul, datada de 19/04/05.
Na Introdução das Cartas a Cristina, Paulo afirma que, para ele,
escrever “vem sendo tanto um prazer profundamente experimen-
tado, quanto um dever irrecusável, uma tarefa política a ser cum-
prida” (FREIRE, 2003, p. 17). Além disso, dizia:
94 Tem que ser só. Não reajo bem na presença de Elza. Quan-
do escrevo, nem a Elza pode estar dentro do meu gabinete.
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Nunca disse isso a ela, mas também raramente ela entra. Mas
quando entra, deixo de escrever; entre mim e o papel não
pode intervir ninguém (...) Posso passar quatro horas a es-
crever uma página, às vezes mais. Mas quando acabo posso
entregar direto a uma datilógrafa ou para editora, não pre-
ciso refazer praticamente nada, e a minha letra é bastante
clara. (FREIRE; GUIMARÃES, 1987, p. 100)
96
REFERÊNCIAS
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
100
PORTO, Walter. Cacos da civilização. In: Folha de S. Paulo,
“Ilustrada”, 12. 06. 2021, p. C1 - C2.
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
ABSTRACT
The objective of this chapter is to explore Paulo Freire’s custom
of writing letters by hand highlighting those that appear in
“Letters to Guinea-Bissau” (1977), “Teacher yes, aunt no: 101
letters to those who dare to teach” (1993) and “Letters to
SOBRE O AUTOR
Professor Titular aposentado e Professor Sênior no Programa
de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador do CNPq.
Autor de livros e artigos nas áreas da Sociologia da Educação
e da Cultura, História do cinema português e latino-america-
no e Políticas de Educação Superior.
A AÇÃO CULTURAL DIALÓGICA ENQUANTO
ESTRATÉGIA DE RESISTÊNCIA POLÍTICA
Introdução
transpostos.
Assim, existe no trabalho de ação cultural dialógica a necessi-
dade de superar um elemento das relações de opressão que Freire
nomeia de opressor-hóspede. Esta ideia conceitua o sentimento
e as aspirações inculcadas nos oprimidos por força da própria
opressão e que persiste neles inclusive quando já se encontram
com um nível relativamente desenvolvido de criticidade das suas
consciências, em processo de conscientização. Não existe a pos-
sibilidade de uma ação cultural dialógica se desenvolver onde a
postura dos partícipes envolvidos, dos construtores da comunida-
de em questão, não se atentam e levem a sério os vícios herdados
da formação tradicional, desumanizante e que ainda se expressa
em hábitos e procedimentos comuns no meio educacional. Porém,
é tanto maior a responsabilidade das figuras que assumem algum
papel de liderança no processo formativo, seja ele no movimento
social, em agremiações políticas, experiência educativas dentro
ou fora da escola.
Detalhando sua concepção de ação cultural dialógica e ação cul-
tural antidialógica, Freire fornece uma análise sobre cada uma das
formas de desenvolver o trabalho cultural (FREIRE, 1987). Como
características principais, a ação cultural antidialógica se norteia
pela conquista, divisão para a opressão, manipulação e a invasão
cultural. Já a ação cultural dialógica se orienta pela co-laboração,
união para a libertação, organização e síntese cultural. No cerne da
contradição entre ambas está o fato de que correspondem a proje-
tos políticos inconciliáveis, visto que se relacionam com a cultura,
com o mundo humanizado, de maneira radicalmente opostas. As-
sim, a ação cultural dialógica permite uma nova postura gnosiológi-
ca, de matiz histórico, em que se coletivize a compreensão de como
a produção da cultura, as representações, os comunicados, as nor-
mas, o direcionamento implícito, tudo isso conforma um conjunto
de elementos originados da mesma exploração e opressão que diu-
turnamente as pessoas que trabalham sofrem. Em outras palavras,
115
ela possibilita que a negação da dialogia, da troca significativa, e
a percepção de que as imagens e representações que a lógica de
Conclusão
REFERÊNCIAS
RESUMO
Em Pedagogia do oprimido, Paulo Freire estrutura a teoria da
ação cultural dialógica. A teoria se justapõe ao que o filósofo
da educação brasileiro denota como teoria da ação cultural
antidialógica. Nessa caracterização, a primeira tem por fim a
superação cultural através do ambiente dialógico, enquanto a
segunda promove a invasão cultural, destruindo vínculos ca-
pazes de frutificar a educação a partir do intercâmbio comu-
nicativo e estabelecendo protocolos normativos e simbólicos
para a produção da cultura massificada. O presente trabalho
visa compreender como a teoria da ação cultural dialógica
estrutura uma ferramenta analítica capaz de identificar a in-
vasão cultural em ambientes onde ela possa passar desperce-
bida e, em um segundo momento, inquirir como ela pode ser
utilizada nos tempos atuais como peça estratégica na resis-
tência à invasão de novos produtos culturais do ultraneolibe-
ralismo contemporâneo.
Palavras-chave: Paulo Freire, Ação Cultural Dialógica, Huma-
nização, Libertação, Resistência Política.
126
ABSTRACT
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
128
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
A (IN)COMPLETUDE DA PRÁXIS
NO PENSAMENTO FREIREANO
Introdução
É preciso que fique claro que, por isto mesmo que estamos
defendendo a práxis, a teoria do fazer, não estamos propon-
do nenhuma dicotomia de que resultasse que este fazer se
dividisse em uma etapa de reflexão e outra, distante, de ação.
Ação e reflexão e ação se dão simultaneamente. (FREIRE,
1970, p. 72)
144
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Insisto, com isso, que ler Paulo Freire despregado da luta de clas-
ses, do compromisso social com a transformação dessa sociedade,
parece não ser coerente com o que dizem as pedagogias problema-
tizadas por ele. Ou seja, assumir as pedagogias freireanas implica
assumir-se como sujeitos históricos e, por isso, na contraposição ao
fatalismo e determinismo sociais.
Nessa centralidade da práxis identificamos outras tantas catego-
rias que transitam em seu entorno, fortalecendo-a enquanto matriz
do pensamento. Muitas já foram explicitadas ao longo desse artigo,
mas chego à Pedagogia da autonomia entendendo-a como catego-
ria importante no re-conhecimento da práxis.
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
mus, 1988.
RESUMO
Na busca pela compreensão da dialogicidade dos saberes da
práxis em uma perspectiva progressista, em uma educação
libertadora, para a transformação de nossa sociedade, em de-
fesa de uma perspectiva democrática, uma questão intrigante,
na leitura de Freire, foi a sua desistência, especialmente na
Pedagogia da autonomia (1996), da utilização da práxis como
definidora de uma concepção anunciada desde a Educação
como prática da liberdade (1967). Assim, esse artigo preten-
de discorrer sobre as mudanças e apreensões da definição do
termo práxis nas obras freireanas, mais especificamente nas
suas Pedagogias: Pedagogia do oprimido (1970), Pedagogia
da esperança (1992) e Pedagogia da autonomia (1996).
Palavras-chave: Pedagogias Freireanas, Práxis, Prática Edu-
cativa, Formação de Professores/as.
ABSTRACT
In the search for understanding the dialogicity of praxis
knowledge in a progressive perspective, in a liberating
education, for the transformation of our society, in defense of a
democratic perspective, an intriguing issue, in Freire’s reading,
was his giving up, especially in Pedagogy of autonomy (1996),
of the use of praxis as a definition of a conception announced
since Education as a practice of freedom (1967). Thus, this
article intends to discuss the changes and apprehensions
of the definition of the term praxis in Freirean works, more
specifically in his Pedagogies: Pedagogy of the Oppressed
(1970), Pedagogy of Hope (1992) and Pedagogy of Autonomy
156 (1996).
Keywords: Freirean Pedagogies, Praxis, Educational Practice,
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Teacher training.
SOBRE A AUTORA
Doutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo - PUC/SP (2007). Mestre em Educação
pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU (2000). Espe-
cialista em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fun-
damental pela Universidade Federal de Uberlândia (1997).
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uber-
lândia (1993). Professora Associada do Núcleo de Didática na
Faculdade de Educação (Faced) da UFU. Professora perma-
nente da Linha de Saberes e Práticas Educativas do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Faced-UFU. Pesquisado-
ra do Grupo de Pesquisa Observatório de Políticas Públicas
(OPP/UFU). Coordenadora do Círculo de Estudos e Pesquisas
Freireanos (CEPF-UFU) Autora do livro: A pesquisa e a prática
pedagógica no curso de Pedagogia: uma possibilidade de arti-
culação entre a teoria e a prática, fruto da tese de doutorado
(2011). Trabalha com as disciplinas de Didática e Princípios
Éticos Freireanos nos cursos de formação de professores/li-
cenciatura.
157
Danilo R. Streck1
Ana Lúcia Souza de Freitas2
Thiago Ingrassia Pereira3
Introdução
161
O centenário do nascimento de Paulo Freire (2021) passará para
4
Veja o verbete “Saudade” no Dicionário Paulo Freire, elaborado por Ana Maria Saul
(STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2018).
5
Grafamos Pedagogia do Oprimido sem destaque e com iniciais maiúsculas quando não
nos referimos especificamente ao livro Pedagogia do oprimido, mas à proposta pedagógica
identificada com Paulo Freire.
te que em 2021 promove a vigésima primeira edição. Iniciado em
1999, ele passou por 17 instituições de ensino superior do estado,
reunindo anualmente centenas de educadores que encontram na
obra de Paulo Freire inspiração para a sua prática. O Fórum é regi-
do por uma carta-compromisso e busca unir a leveza e afetividade
do encontro com a rigorosidade metodológica. Neste tópico serão
privilegiadas as interlocuções com outros autores e destacadas al-
gumas produções originadas e apoiadas no Fórum. Por fim, haverá
uma análise do XXII Fórum organizado pela Universidade Federal
da Fronteira Sul, na cidade de Erechim.
Nas conclusões aponta-se para o fato de a obra de Paulo Freire
se constituir no movimento e desafiar para o movimento, para a an-
darilhagem na qual novos caminhos são criados. Os inéditos viáveis
continuam acontecendo onde a pedagogia se põe em sintonia com
a busca do ser mais, da vida digna e respeitosa com o outro e com
o mundo que, como aprendemos com Freire, começa no quintal de
163
nossa casa e se alonga na convivência justa e amorosa com o outro
6
Ver https://www.youtube.com/watch?v=SYrjkAzpqMs. Acesso em: 13 set. 2021.
Das muitas referências à andarilhagem, destacam-se as palavras
de Carlos Rodrigues Brandão (2019), tanto pela plasticidade lin-
guística quando pelo conteúdo:
8
O prefácio do livro na edição em inglês é de autoria do teólogo Richard Shaull, que usava
os manuscritos de Paulo Freire em seminários com educadores e educadoras nos Estados
Unidos e com quem Freire manteve importantes diálogos.
Olha, eu conheci Ernani Fiori [...] nos anos 50, quando éramos
ambos muito jovens. Eu me lembro que vim... nesta época eu
trabalhava no SESI de Pernambuco, e vim ao Rio Grande do
Sul em visita e conversando com Mario Reis, um gaúcho que
era na época diretor geral do SESI no Rio Grande do Sul, ele
então numa conversa de almoço comigo, me disse que havia
um professor da faculdade de direito, eu acho que Ernani tra-
balhou, deu aula também na Faculdade de direito. Lecionava
Filosofia do Direito. Ele disse que havia este professor chama-
do Ernani Maria Fiori, que era amigo dele, e aí marcou-se uma
visita a Ernani. (FREIRE apud ANDREOLA, 2011, p. 4)
170
Fonte: ANDREOLA (1992).
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Universidade do Vale
do Rio dos Sinos 1999 – 2008 – 2018
(UNISINOS)
São Leopoldo
Escola Superior de
2005
Teologia (EST)
Universidade Federal
do Rio Grande do Sul 2009
(UFRGS)
Porto Alegre
Pontifícia Universidade
Cató-lica do Rio Grande 2010
do Sul (PUCRS)
Universidade Federal
Santa Maria 2000 – 2015
de San-ta Maria (UFSM)
Universidade Federal
Rio Grande 2007 – 2017
do Rio Grande (FURG)
Universidade Federal
Erechim 2012 – 2020/2021
176 da Fronteira Sul (UFFS)
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Universidade de Caxias
Caxias do Sul 2019
do Sul (UCS)
Universidade Federal
Jaguarão 2016
do Pampa (UNIPAMPA)
Universidade Regional
Integrada do Alto
Santo Ângelo 2014
Uruguai e das Missões
(URI)
Faculdades Integradas
Taquara 2013
de Taquara (FACCAT)
Universidade Regional
do Noroeste do estado
Santa Rosa 2011
Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ)
Universidade de Passo
Passo Fundo 2006
Fun-do (UPF)
Universidade Estadual
Alegrete do Rio Grande do Sul 2004
(UERGS)
Universidade de Santa
Santa Cruz do Sul 2003
Cruz do Sul (UNISC)
Universidade Federal
Pelotas 2002
de Pe-lotas (UFPel)
Universidade La Salle
Canoas 2001
(UNI-LASALLE) 177
11
Disponível em: https://xxiiforumpaulofreire.wixsite.com/uffserechim/circulares-1.
Acesso em: 27 set. 2021. Versões da carta-compromisso podem ser conhecidas em Freitas
(2020).
encontro em diferentes localidades. Mais uma vez, recorremos ao
professor Balduino Andreola para o conhecimento da natureza do
evento:
12
Para a compreensão dos dilemas organizativos e da construção do XXII Fórum como um
“inédito-viável”, ver o e-book organizado por Allana Cavanhi, Micheli Souza, Silvana Ribei-
ro e Thiago Ingrassia Pereira (2021), que pode ser acessado em: https://livrariacirkula.
com.br/produto/9786589312215. Acesso em: 27 set. 2021.
em que seja menos difícil amar”, conforme nos ensina Paulo Freire
em Pedagogia do oprimido (FREIRE, 1988, p. 184)
Na XXII edição, apostamos no exercício de uma pedagogia da
pergunta, mais do que das respostas. Por isso, nossa proposta foi
embasada no círculo de cultura. Dessa forma, observando a pro-
posta dialógica nos termos freireanos, mesmo em cenário remoto,
compusemos cada sala virtual por um(a) animador(a), um(a) rela-
tor(a) e todos e todas que se propuseram ao encontro. Tivemos a
realização concomitante de dezesseis salas virtuais, distribuindo os
217 trabalhos enviados ao evento.
Diferentemente de outras edições do Fórum, a XXII estava pen-
sada como um momento de tensionamento da tradicional lógica de
Grupos de Trabalho (GTs) de eventos acadêmicos. Ainda que a exis-
tência de GTs e eixos de diálogo não signifique, por si só, a manu-
tenção de espaços tradicionais de eventos, compreende-se que há
bom número de espaços universitários que se organizam por GTs, 179
podendo o Fórum, conforme apresentado acima, ser um laborató-
Como conclusão
REFERÊNCIAS
FREITAS, Ana Lúcia Souza de; LIMA, Cleiva Aguiar de; MA-
CHADO, Maria Elisabete. Fórum de Estudos: leituras de Paulo
Freire – um movimento de (trans)formação permanente no
Rio Grande do Sul. In: Paulo Freire no Rio Grande do Sul: lega-
do e reinvenção. Organização: Cheron Zanini Moretti, Danilo
Romeu Streck e Sandro de Castro Pitano. Caxias do Sul: EDU-
CS, 2018, p.19-35.
188
WCC. Risk. Pilgrims of the Obvious. Geneva: WCC Publications
Office, vol. 11, n. 1, 1975.
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
RESUMO
O objetivo do capítulo é identificar a presença de Paulo
Freire no estado do Rio Grande do Sul e o modo como o
conhecimento e reinvenção de seu legado, nas últimas duas
décadas, vem caracterizando o Fórum de Estudos: Leituras
de Paulo Freire. Concebe-se a Pedagogia do Oprimido como
uma práxis constituída no movimento ou nas andarilhagens
que caracterizam a própria vida e obra de Paulo Freire. Busca-
se contribuir tanto para a memória histórica quanto para as
possibilidades criativas propiciadas pela obra de Paulo Freire.
Palavras-chave: Paulo Freire, Andarilhagens, Rio Grande do
Sul, Fórum de Estudos: leituras de Paulo Freire.
ABSTRACT
The objective of the chapter is to identify the presence of
Paulo Freire in the state of Rio Grande do Sul and the way in
which the knowledge and reinvention of his legacy, in the last
two decades, has characterized the Study Forum: Readings
of Paulo Freire. The Pedagogy of the Oppressed is conceived
as a praxis constituted in the movement or wanderings that
characterize the life and work of Paulo Freire. The reflection
seeks to contribute both to historical memory and to the
creative possibilities provided by Paulo Freire’s work.
Key-words: Paulo Freire, Wanderings, Rio Grande do Sul,
Study Forum: Readings of Paulo Freire.
189
Danilo R. Streck
190
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
PAULO FREIRE E A CONSTITUIÇÃO
DE UM PENSAMENTO EDUCACIONAL1
(CUNHA, 1989).
Paulo Freire foi tributário de uma pauta encampada por Louren-
ço Filho e Anísio Teixeira desde as décadas de 1920 e 1930, quando
participaram de reformas dos sistemas regionais de ensino no Cea-
rá (1922-1923), na Bahia (1924-1929), em São Paulo (1930-1931)
e no Distrito Federal (1931-1935). Ambos foram signatários do Ma-
nifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e, a partir dessas
experiências, exploraram o desenvolvimento de pesquisas sistemá-
ticas sobre os problemas nacionais vinculando-os com a situação
de ensino.
Ferreira (2006, p. 17) analisa os feitos de Lourenço Filho e Aní-
sio Teixeira:
Os autores argumentam:
206
Fonte: Fundaj (2015).
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
HOPKINS, 06/10/2021).
Adorno (2000) sugere que o desafio número um para a educação
nas sociedades contemporâneas é que Auschwitz não se repita! Ele
indaga perplexo sobre os motivos que levaram uma sociedade alta-
mente avançada, desenvolvida, moderna e escolarizada, como a ale-
mã, a fingir que não assistia à morte de 6 milhões de pessoas em cam-
pos de concentração em situações bárbaras, atrozes e desumanas.
O autor sugere que a frieza é expressão do mal-estar da cultura e se
expressa na atitude passiva diante do sofrimento alheio, na atomiza-
ção da sociedade que coloca os indivíduos em posições de choques,
disputas e empurrões, na produção isolada e solitária que valoriza
as escolhas individuais, na primazia dos valores da vida privada so-
bre os interesses públicos e coletivos, na sociedade do consumo que
enfeitiça e coisifica processos, desejos e pessoas e no sentimento de
indiferença diante do que acontece com o semelhante.
A frieza é um projeto cognitivo, moral, ético e político em curso
nas sociedades burguesas. Ela educa as mentes, os corpos e os cora-
ções e o pensamento educacional de Paulo, desde os seus primeiros
escritos, permaneceu combatendo as injustiças sociais e dizendo
claramente: “mudar é difícil, mas é possível” (FREIRE, 2000, p.98).
211
REFERÊNCIAS
219
RIBEIRO, Darcy. Morri de inveja. GADOTTI, Moacir (org.). Pau-
lo Freire. Uma biobliografia. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo
RESUMO
O trabalho analisa a contribuição de Paulo Freire relacionan-
do-a com o cenário nacional e internacional das décadas de
1930 a 1960 que vincula, de modo particular, os processos
de mudanças sociais no Brasil com a implementação de um
sistema público de educação para todo/as. Autores apontam
que estas décadas promoveram progresso econômico que re-
clamava desenvolvimento social contando com a colaboração
de instituições, processos e atores que serviram como media-
dores das mudanças em curso. No modelo produtivo urbano
industrial, a consolidação do Estado moderno deveria alavan-
car crescimento econômico, participação na economia global,
desenvolvimento nacional e integração de grupos sociais até
então excluídos da ordem patrimonialista latifundiária. Para
tanto, a elaboração de um projeto de instrução pública popu-
lar comparece como um dos fatores de equalização do avanço
econômico e social que se processava em diferentes ritmos
nas diversas regiões do país. Ancorada em fontes documen-
tais, o artigo associa a produção de Paulo com o cenário de
uma sociedade em transição que combinou de modo peculiar
padrões tradicionais e modernos promovendo interpreta-
ções do Brasil que tematizaram a organização da nação. Nesta
perspectiva, a obra do autor apresenta encaminhamentos que 221
negociam conflitos políticos, inserções econômicas e compe-
ABSTRACT
The work analyzes Paulo Freire’s contribution, relating it to
the national and international scenario from the 1930s to
the 1960s, which links, in a particular way, the processes of
social change in Brazil with the implementation of a public
education system for all.. Authors point out that these
decades promoted economic progress that called for social
development with the collaboration of institutions, processes
and actors that served as mediators of ongoing changes. In
the industrial urban productive model, the consolidation
of the modern State should leverage economic growth,
participation in the global economy, national development
and integration of social groups hitherto excluded from the
landlord patrimonialist order. For that, the elaboration of
a popular public education project appears as one of the
equalization factors of the economic and social advance that
was processed at different paces in the different regions of
the country. Anchored in documentary sources, the article
associates Paulo’s production with the scenario of a society in
transition that peculiarly combined traditional and modern
patterns, promoting interpretations of Brazil that thematized
the organization of the nation. In this perspective, the
author’s work presents paths that negotiate political conflicts,
economic insertions and social competitions in the capitalist
order and are manifested in disputes for a model of education.
Keywords: Paulo Freire, Education, Brazilian Social Thought.
Introducción
partes del mundo: mujeres y hombres con los cuales voy aprendien-
do y al aprender de ellas y ellos, igualmente voy enseñando. Esas
palabras las reafirmaron en su ya previa idea de que aprendían mu-
cho más de otras mujeres de bajos niveles económicos y académi-
cos, pero que leían directamente los libros y dialogaban sobre ellos,
que de los intelectuales y académicos que hablaban y escribían de
lo que no habían leído.
Cuando Habermas impartió en Barcelona una conferencia so-
bre los derechos humanos asistió un público universitario, desde
catedráticos a estudiantes de doctorado, con la excepción de ocho
personas de una de las tertulias literarias dialógicas de la Verneda-
Sant Martí. Las primeras preguntas del debate se hicieron con un
lenguaje muy “culto”, de ese que acompleja a personas no académi-
cas pero que no lograba esconder que habla de lo que no ha leído
rigurosamente ante quienes sí han hecho las lecturas más impor-
tantes y dialogado sobre ellas. De repente, sonó una voz distinta ha-
ciendo una pregunta sobre los derechos humanos colectivos, sobre
su olvido en las primeras redacciones de la Declaración Universal y
la importancia de los derechos de grupos como las mujeres u otros
grupos de género. Sin todavía haber escuchado la pregunta, solo
por el tono de voz y el lenguaje empleado, se veía que esa mujer no
era universitaria y que posiblemente se dedicaba al trabajo manual
y que no habría completado su escolaridad. Después de sus prime-
ras palabras, la mitad de la sala se puso a reír, la traductora pensó
que no valía la pena traducir esa pregunta y dejó de hacerlo. Haber-
mas le dijo que la tradujera y empezó su respuesta diciendo que esa
sí que era una pregunta inteligente y crítica.
Estas otras mujeres comentaban sus lecturas primero entre
ellas, luego se fueron acostumbrando a hacerlo también en todos
los contextos y, entre ellos, en sus familias, con sus hijas e hijos, con
sus nietas y nietos, iniciaban tertulias literarias dialógicas. Luego se
enteraban en las escuelas infantiles, primarias y secundarias donde
iban esas niñas y comenzaban a proporcionar la oportunidad de
disfrutar de las tertulias literarias dialógicas a todo su alumnado,
llegando así a tener personas como Nuria, de 10 años, impresionan-
do en la sede del Parlamento Europeo. A su vez, esas niñas y niños 233
llegaban a desarrollar un liderazgo dialógico muy transformador
dro de Botticelli. Esa unidad que fue rota por la racionalidad instru-
mental de una modernización selectiva que priorizó el dinero y el
poder, limitando no solo las relaciones sociales y las posibilidades
de la vida humana, sino que ha llegado incluso a poner en peligro al
propio planeta.
El diálogo, antes de Sócrates, incluía todas esas dimensiones
en la misma relación, en el mismo acto comunicativo. A partir de
Sócrates, se produjo una reducción apolínea de la comprensión de
ese diálogo, suprimiendo o relegando su dimensión dionisíaca. La
sociedad y la mayoría de las obras de ciencias sociales fueron domi-
nadas por esa racionalidad instrumental, relegando los valores, las
emociones, los sentimientos. El desencanto que a veces recorre la
vida moderna en nuestras sociedades tiene una de sus raíces en la
ruptura de esa unidad. La obra dialógica de Paulo Freire es una re-
-creación humana actual de la idea original de diálogo y su palabra
boniteza hace florecer el encanto.
Creaciones artísticas como la literatura son diferentes de textos
científicos como los de historia y no hay que equivocarlos, pero
hemos de saber que la creación de nuevas realidades sociales, ser
artistas sociales como lo era y lo sigue siendo Paulo Freire, se fo-
menta con la vivencia profunda de creaciones artísticas como las
creaciones literarias. Las niñas y niños que leen y comentan relatos
como los que están escritos sobre Sherezade se convierten también
en relatoras y relatores de cuentos para sus amigas, amigos y en
sus propias familias. Las personas adultas que los leen explican a
sus hijas e hijos, a sus sobrinas y sobrinos, cuentos extraídos de los
relatos literarios que han leído y comentado. A veces llamamos de-
corar un domicilio, un piso o una casa, a los objetos materiales y es
cierto que según qué objetos pongamos, según su belleza estética,
artística, de esos objetos materiales tenemos un decorado estimu-
lante e inspirador en lugar de deprimente. Sin embargo, además de
con esos objetos materiales, un domicilio, una cocina, una habita-
ción, se decoran también con las relaciones sociales que se generan
allí dentro, con las amistades y amores que se viven, con las risas
y los sentimientos que quedan incorporados a esas paredes, a esa
atmósfera, a nuestros cerebros. 237
REFERENCIAS
RESUMEN
En el siglo actual está comenzando la valoración como artistas
sociales de personas como Paulo, que crearon realidades
sociales no menos difíciles ni menos importantes para la
humanidad que otras creaciones pictóricas. Autoras y autores
como Freire abrieron además a otras personas la posibilidad
de recrear en sus contextos diversas experiencias educativas
como las tertulias literarias dialógicas que se relatan en este 239
capítulo.
ABSTRACT
In the current century we assist to the beginning of the
consideration as social artists of authors like Paulo, who
created social realities no less difficult or less relevant for
humanity than other artistic creations. Authors such as Freire
also opened up to other people the possibility of recreating
various educational experiences in their contexts, such as
the dialogical literary gatherings that are explained in this
chapter.
Keywords: Dialogic Literary Gatherings, Social Artists, Social
Transformation.
BIOGRAFÍA
Dr. Ramon Flecha, catedrático de sociología por la Universi-
dad de Barcelona y Doctor Honoris Causa por la Universidad
Vest Timisoara. Es actualmente el número 1 en el ranking de
Gender Violence en Google Scholar. Fue director INCLUDED,
único proyecto de ciencias sociales y humanidades incluido
en la lista de diez investigaciones de éxito del programa de
investigación científica europea. Dr. Flecha fue contratado
como Chair del Grupo de Expertos que elaboró los criterios de
relevancia e impacto social de todas las ciencias en Horizon
Europe. Ha destacado también por formar continuamente
jóvenes de diversas culturas y géneros que han llegado a
dirigir proyectos del programa europeo y de otros programas
científicos.
240
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
III
DIÁLOGOS COM A
OBRA DE PAULO FREIRE
CAMINHANDO COM FREIRE,
INSPIRAÇÃO, CRIAÇÃO E PARTILHA
EM BUSCA DE LUGAR
Eunice Macedo1
3
Instituição extinta há alguns anos, que deu lugar à Escola Superior de Música e Artes do
Espetáculo.
berdades democráticas, censura e pobreza da larga maioria
da população.
4
Expressão utilizada pela minha colega e amiga Amélia Lopes, numa reunião de docentes,
em junho de 2021, em que se referiram os ‘velhos tempos’ de encontro no Magistério
Primário.
séria e alegre. Não se democratiza a escola autoritariamente.
(FREIRE, 1991: 25)
255
Foi o trabalho continuado com essas crianças e jovens, fosse nas
6
Ver: https://www.uc.pt/candidatos-internacionais/sistema_graus/processo-bolonha
Este esforço de renovação da universidade, em contexto de re-
gulação europeia, vai numa direção bem distinta da descrita por
Paulo Freire (1997a), na Pedagogia da Esperança, em que refere o
esforço de recriação e inovação das universidades, já no início dos
anos 1970, na Argentina. Nesse enquadramento, Freire valorizava
já a decisão política e epistemológica de reinvenção crítica da uni-
versidade, numa articulação forte entre docência, investigação e re-
lação com os movimentos sociais e com a população, em torno da
tomada de consciência. Afirma também que a universidade deverá
orientar-se por rigor e seriedade como preocupações indissociá-
veis e em interpelação mútua na construção do conhecimento; o
qual, como afirma Freire, decorre em dois momentos que também
não são dicotómicos: o primeiro, principalmente na docência, no
reconhecimento do conhecimento existente e, o segundo, na pro-
dução de conhecimento novo, que corresponderá principalmente,
à pesquisa. Dando força ao argumento da inseparabilidade entre
docência e pesquisa, o autor reforça, 259
270
MACEDO, Eunice. Paulo Freire, um pensador feminista?: (Re)
articulando conceitos e debates. In: Ecos de Freire e o pensa-
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
RESUMO
Neste artigo, tomo a palavra na primeira pessoa. Baseio-me
no método autobiográfico para caminhar ao encontro de
Paulo Freire, juntando-me à celebração do seu centenário.
Ao admitir a interpelação entre a experiência individual e a
realidade social mais ampla, admito também que a primeira
poderá permitir apropriar sentidos da segunda. Assim, explo-
ro a minha construção do pensamento freiriano, mediatiza- 273
da pelo mundo e na relação com outras pessoas, enunciando
SOBRE A AUTORA
Eunice Macedo é Professora na Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP)
e investigadora do seu Centro de Investigação e Interven-
ção Educativas. Tem desenvolvido investigação no campo do
abandono da educação e formação como direito social, cida-
dania educacional, educação com artes; gênero na educação
e cidadania, feminilidades e masculinidades jovens, parti-
cipação e violência sobre as mulheres. Tem experiência em
pesquisas e redes colaborativas internacionais. Co-coordena
o projeto “EduTransfer - Aprender através de diversos con-
textos educativos: Transferibilidade de práticas promissoras
no quadro do Horizonte 2020”. É vice-presidente da direção
do Instituto Paulo Freire de Portugal. Membro da Rede Mu-
lheres Vivas (transnacional) e da Rede Social Justice and In-
tercultural Education da EERA; representante da FPCEUP na
Rede de Escolas e Iniciativas de Segunda Oportunidade. Auto-
ra de várias obras, a sua pesquisa apoia a intervenção com as
comunidades, em busca de formas de educação e vida ligadas
à felicidade e à realização pessoal, mediatizadas pelo mundo.
275
Nima Spigolon1
[...]
Sim, quero lutar em ti integrada
confundindo as almas, lado a lado,
rimando nossos esforços e suores,
sentindo o eco de cada brado
das nossas bocas, reboar por esse sertão
fora, longamente, dolorosamente...
[...]
1
Pós-doutorado em andamento na Universidade Federal de Uberlândia. Professora na
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. E-mail: nima@unicamp.
br. Link para currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5304011741434335. Orcid: https://
orcid.org/0000-0002-5427-8169.
E que todos digam, quando eu cantar,
ou quando me revoltar, ou quando chorar:
É a África que canta, e grita, e chora!
(Noémia, 2016, pp. 134-135).
4
O conceito de utopia se ancora em Vázquez (2001); Lefebvre (2008); Galeano (2007),
Pepetela (1997) e Freire (2000), considero como eles que a realidade também é utopia,
já que é a partir do que se vive que se projetam ideais, sonhos, esperanças de um futuro
melhor tecido a partir dos movimentos de transformação dessa realidade.
Imagem 2: Amílcar Cabral sobre a Unidade Nacional entre
Guiné-Bissau e Cabo Verde, o PAIGC, em matéria publicada no
Jornal “Nô Pintcha”, de julho de 1975. Arquivos Históricos Na-
cionais do INEP, em Bissau, Guiné-Bissau.
5
Realizei pesquisa de campo em Cabo Verde e Guiné-Bissau nos meses de setembro/ou-
tubro de 2013, durante o Doutorado, sob a orientação da Professora Dra. Débora Mazza. A
pesquisa se efetivou nos quadros de estágio doutoral e contou com recursos do Programa
de Bolsas de Mobilidade Internacional na Pós-Graduação 2013 – Santander Universida-
des. A coleta de fontes documentais e não documentais incluiu, por exemplo: instituições
e sujeitos envolvidos com o tema, arquivos públicos, acervos pessoais, mapeamento bi-
bliográfico, entrevistas, etc. Destaco ainda, a centralidade do campo no Projeto de Unida-
de Nacional que representou as bases de atuação para o casal Freire.
A revolução é em si educativa. O camarada Amílcar dizia, “A
luta de libertação é um facto cultural e um fator de cultura”.
[...] Há uma unidade indissolúvel entre a revolução e a edu-
cação. Portanto a unidade entre a revolução e a educação é
tão grande, que quando citamos a primeira estamos a dizer a
segunda e, quando falamos em educação revolucionária logo
é a revolução. (FREIRE, 1977, p. 05)
290
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Fonte: Acervo da
pesquisadora.
A inserção deles naqueles países e nos movimentos revolucio-
nários faz repensar o que é ser brasileiro e deixa emergir outra
noção do que é ser africano, “que não se refere simplesmente a
eventos históricos ou a componentes de um corpo político patrió-
tico” (BHABHA, 1998, p. 206), que diz respeito somente à história
da libertação nacional, mas aos sentidos que se podem conferir a
essa experiência factual, tomada em toda a sua dimensão coletiva,
individual, material e simbólica.
Como parte dos percursos de Elza e Paulo Freire durante o exílio
brasileiro, destaco que, inicialmente, foram os países com os quais
eles mais se envolveram tanto do ponto de vista quantitativo quanto
qualitativo; segundo Guiné-Bissau foi a porta de entrada em África
convidando o casal a se inserir no continente africano para assesso-
rar pedagogicamente os movimentos revolucionários de libertação
nacional e a implantação dos primeiros governos independentes;
terceiro dentro dos PALOP foi com eles que o casal se comprometeu
294
por mais tempo e em mais lugares.
Em busca dos vestígios do trabalho de Elza e Paulo Freire lado a
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
REFERÊNCIAS
ABSTRACT
The chapter arranges part of the research results concerning
Paulo Freire and Elza Freire’s paths, here restricted from
1976 to 1979 period, deriving from the 1964 coupe in Brazil
and the Military dictatorship installation. The objective is
the political pedagogical insertion of the couple in the Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa (African Countries
of Oficial Portuguese Language) - PALOP to act in national
reconstruction projects. Its characterization is given in
the militancy scope which involved the various deportees
from several parts of the world, besides Brazilians which
were part of the first independent governments of the first
former Portuguese colonies in Africa. The aim is to identify
the radicalization of the humanized so called Freireana
proposal in connection with the left anti colonialism thought
and the truly revolutionary and libertarian militancy in the
education field from these experiences, although this process
was initiated when they, Elza and Paulo Freire, begin living
under the political exile condition. One may consider a form
resistance and hope the legacy, life and work of Paulo Freire
in general, and particularly, by Elza’s side. And in the presence
of the utopia and dystopia, the Freire couple becomes the
living presence in the memory of African peoples and of 303
the societies worldwide; that fight to exterminate the social
SOBRE A AUTORA
Professora, pedagoga e escritora; fez Mestrado (2009) e Dou-
torado (2014) na Universidade Estadual de Campinas (UNI-
CAMP), instituição em que hoje trabalha, na Faculdade de
Educação, atuando na graduação e na pós-graduação. Desde
2006 é estudiosa da educadora Elza Freire, sobre a qual foi a
primeira pesquisadora, e sobre a qual realiza no momento –
na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – pós-doutora-
mento. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Edu-
cação de Jovens e Adultos (GEPEJA) e do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Políticas Públicas, Educação e Sociedade.
ENSINO E APRENDIZAGEM DIALÓGICA.
A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE:
USOS E DISSEMINAÇÃO1
Staffan Selander2
Introdução
O mundo
Suécia
Brasil
Alfabetização
4
Conheci Paulo Freire quando o entrevistei em Genebra, em 1976 (SELANDER, 1976).
Depois disso, eu o encontrei mais algumas vezes quando ele visitou a Universidade de
Estocolmo.
(MACKIE, 1980, p. 63). No entanto, também podemos notar várias
discussões críticas sobre o “uso excessivo” ou “mau uso” das idéias
de Freire em diferentes contextos (ver, por exemplo, KIDD; KUMAR,
1981; SELANDER, 1984).
Filosofia pedagógica
311
O interesse de Freire e a legitimidade na Suécia
A alfabetização de adultos
5
Conferir TORRES et al., 2008; bem como o número especial da revista Viver, Mente &
Cerebro, 2005.
Isso não significa que possamos, ou devamos, voltar ao pensa-
mento pedagógico dos anos 1960. Pelo contrário, temos que desen-
volver a ideia de relações dialógicas, para que as pessoas aprendam
a “dar nome ao mundo”, aprendam a colaborar e desenvolvam capa-
cidades para agir no nosso mundo contemporâneo, de forma a res-
ponder às novas exigências futuras. E, justamente por isso, a obra
de Paulo Freire ainda pode ser uma fonte de inspiração.
REFERÊNCIAS
PERNEMAN, J-E. & PERSSON, W. (1974). Att bli allt mer med-
veten. [To become even more conscious], Kristet Forum, No. 4–5.
RESUMO
Este artigo é fruto de uma questão pessoal antiga: como é
possível que o pensamento pedagógico de Paulo Freire e seu
programa de alfabetização, desenvolvido no árido e pobre
Nordeste brasileiro, pudessem se tornar um destaque na Sué-
cia na década de 1970 – que por sua vez era um dos países
industrializados mais desenvolvidos do mundo? Para poder
responder a essa pergunta, abordarei três tópicos: o primeiro
diz respeito a como podemos compreender e como elabora-
mos nossas lembrança do passado, de um momento histórico
anterior ao nosso - nesse artigo o foco será o revolucionário
ano de 1968; a segunda é como podemos compreender os 319
mecanismos de influência de uma pedagogia específica em
ABSTRACT
This article is rooted in an early question of mine: How is
it possible that Paulo Freire’s pedagogical thinking, and his
program for alphabetisation which was developed in the arid
and poor Northeast of Brazil, could become a highlight in
Sweden in the 1970s – at the time one of the most developed
industrial countries in the world? To be able to answer this
question, I will address three topics: the first one concerns
how we can understand an earlier historical epoch and how
we remember it, here with a focus on the revolutionary year of
1968; the second is how we can understand the mechanisms
of the influence of a specific pedagogy in a new context – in
this case the implementation of Paulo Freire’s pedagogy
in Sweden; and, finally, I will reflect on “dialogic teaching
and learning” today, and what lessons can be learnt in our
contemporary, digitized era, so different from the situation in
the 1960s and 1970s.
Keywords: Alphabetization, Catholic Radicalism, Contextual
Framing, Cultural Revolution, Dialogic Teaching And Learning,
Designs For Learning, Dissemination Of Ideas, Memory,
Remembering.
321
Hywel Dix2
325
Este artigo explora o lugar de raça e religião nas obras de William
334
Existe certa distância entre uma ocasional ambiguidade e
uma palavra que consegue incorporar o sabor de período,
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
como partes de textos inteiros, que são, por sua vez, articulações de
relações materiais reais em determinado momento, de modo que
a leitura das palavras é, em um sentido objetivo, uma leitura das
próprias relações materiais. Além disso, este é o ponto preciso no
pensamento de Williams em que a ideia de uma estrutura de senti-
mento que está sempre em processo de mudança estabelece a base
para seu vocabulário de ideologias dominantes, emergentes (assim
como residuais).
Freire não rejeita a ideia de tomar o poder por meio da luta ar-
mada, mas chama a atenção para o fato de que só isso não criará
345
as condições necessárias para a independência. Isso porque a pré-
REFERÊNCIAS
GILROY, Paul. There Ain’t no Black in the Union Jack: The Cul-
tural Politics of Race and Nation. London: Unwin Hyman,
1987.
RESUMO
Este capítulo explora o lugar da raça e da religião no trabalho
de Raymond Williams e Paulo Freire. Começando com uma
discussão sobre a Estrutura de Palavras Complexas de William
Empson (1951), o texto sugere que o trabalho de Empson
foi uma influência maior no trabalho de Williams do que foi
pensado anteriormente, especialmente no uso da linguística
social para analisar a cultura. Entretanto, há também dois ele-
mentos-chave em Empson para os quais não há equivalente
em Williams: uma sensibilidade cristã e uma perspectiva eu-
rocêntrica que não incorpora a diversidade racial. Cultura e
Sociedade (1958), Palavras-chave (1976) e Marxismo e Lite-
ratura (1977) estão todas enraizadas no trabalho de Empson,
mas não dizem praticamente nada sobre religião ou raça, e o
abandono dessas coisas tem uma série de efeitos muito preci-
sos. Positivamente, ele permite que Williams se afaste da polí-
tica racial eurocêntrica de Empson, de modo que seu trabalho
possa ser lido como uma correção, a este respeito, em relação
ao seu antecessor. Por outro lado, perde-se a oportunidade de
identificar formas de relações contra-hegemônicas que uma
sociologia de organizações religiosas pode proporcionar - e
354 Williams interpreta as organizações de religião apenas como
órgãos da ideologia dominante. O problema com esta suposi-
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
1
Livre docente e professora titular do Departamento de Letras Modernas, da Faculdade
de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Especialista em teo-
ria cultural materialista. E-mail: maece@usp.br. Link para currículo Lattes: http://lattes.
cnpq.br/9179735778741467. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1253-5996.
de entrada privilegiado para a investigação dos propósitos e funda-
mentos da vida social.
Seu projeto intelectual está dado aí: sua obra, desde pelo menos
1958, iria ser dedicada a estudar o significado cambiante dessa pa-
lavra em diferentes períodos históricos e a trabalhar para que se
instaurasse um sentido que fosse favorável à democracia e à mu-
dança social. Em um dos seus ensaios mais comoventes, para os
que, como nós, apostam nas ideias com as sementes da vida, ele
esclarece, já no começo da sua jornada, que a tarefa do intelectual
engajado se ancora na incorporação, integral, dos valores de que
depende uma nova forma de vida, entre os quais ele elenca,
Uma das possíveis razões para o predomínio dessa visão até pelo
menos os anos 1960, quando Williams vai colocá-la em questão, é
que seu projeto é essencialmente conformista, idealista e tradicio-
nalista. A dissociação entre o que ele chama de cultura e a vida so-
cial, a civilização, coloca a cultura em um plano separado do mundo
material onde as mudanças, os conflitos, as desigualdades se dão
de fato. Essa separação funciona como uma repressão e dissolução
da política e da intervenção na vida social: a civilização e o mundo
real são vistos como algo perdido, pelo qual não vale a pena lutar.
A única luta que vale a pena é a da esfera espiritual da cultura, a
manutenção da tradição e o cultivo de valores imutáveis. Nesse pla-
no, o discurso da mobilização contra as estruturas sociais realmen-
te existentes não faz sentido. Uma das razões para o “sucesso” do
projeto e sua constituição em princípio fundamental do ensino de
literatura em várias partes do mundo pode estar justamente aí, no
fato de que não revolucionou nada que fosse absolutamente funda-
mental para essas estruturas.
No momento do pós-guerra, quando Williams volta a Cambridge,
essa visão de cultura – que equivale, como todas, a uma visão de
mundo – está convivendo com outra concepção, vinda em especial
da antropologia, a de cultura como todo um modo de vida. Em 1948,
365
o poeta conservador T.S.Eliot publicou um livro muito influente no
debate intelectual, intitulado Notes towards the definition of cultu-
O materialismo cultural
Ferramentas analíticas
Intervenções políticas
REFERÊNCIAS
RESUMO
Este texto traça as principais contribuições de Raymond
Williams para a reformulação de uma teoria da cultura que fo-
caliza o novo espaço ocupado pela produção cultural na socie-
dade contemporânea. Partindo dos momentos iniciais dessa
teoria no segundo pós-guerra, vai traçando as peculiaridades
da posição formalizada por Williams, que passa pela invenção
de novas categorias para descrever as relações entre proces-
380 so artístico e processo social, e desemboca na criação de uma
nova disciplina, os estudos culturais.
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
ABSTRACT
This text focuses on Raymond Williams´s contribution to the
formulation of a theory that takes into account the changed
role of culture in contemporary society. It starts with the first
steps of Williams´s formulation of a new theory in the post
-war years, highlights his invention of categories to describe
the relations between social and creative processes, and ends
with an examination of the setting up of a new discipline,
cultural studies.
Keywords: Culture Theory; Artistic Process; Social Process;
Cultural Studies.
SOBRE A AUTORA
Possui graduação em Letras - Português/Inglês pela
Universidade de São Paulo (1975), mestrado em Estudos
Linguísticos e Literários em Inglês pela Universidade de
São Paulo (1985) e doutorado em Estudos Linguísticos e
Literários em Inglês pela Universidade de São Paulo (1989).
Atualmente é professora titular da Universidade de São Paulo.
Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura
Inglesa, atuando principalmente nos seguintes temas: estudos
de cultura, Fredric Jameson, cultura e sociedade, Raymond
Williams e teoria materialista.
381
Daniel Williams2
II
III 393
7
Gates Jr. retoma o argumento de Gilroy em Tradition and the Black Atlantic. Conferir um
contra-argumento em WILLIAMS (2015, p. 93 – 111).
identificá-los como ‘negros’.” (GILROY, 1987, p. 49-51).8 Com base
nessa evidência, Gilroy alega que “Williams não parece reconhe-
cer o negro para além de sua condição de subalternidade em uma
ideologia de supremacia racial” (GILROY, 1987, p. 50). O segundo
aspecto da análise de Williams que Gilroy considerou preocupante
foi que, embora Williams reconhecesse o perigo do “salto do res-
sentimento com os vizinhos estrangeiros para especificações ideo-
lógicas de ‘raça’ e ‘superioridade’” seu foco não estava na visão de
mundo do “trabalhador inglês”, mas na “ideologia” da “resposta li-
beral padrão” a seus protestos: “eles são britânicos como você.” A
resposta do liberal britânico, para Williams, consistia em “reduzir a
identidade social a definições legais formais, no nível do Estado” e
em ignorar o poder e a legitimidade das “identidades comunitárias”
das pessoas (“The Culture of Nations”, WSFW, 2021). Para Gilroy,
esse foco na “resposta liberal” equivale a uma “recusa”, da parte de
Williams, “em examinar o conceito de racismo” (GILROY, 1987, p.
394 50). Para fins de análise, é útil abordar a seguir esses aspectos do
argumento de Williams.
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
8
Ver também “The Culture of Nations”, WSFW, 2021.
qualquer comparação de seu pensamento com as posturas expli-
citamente racistas de Enoch Powell é enganosa. Agora, eu gosta-
ria de suplementar esse argumento com uma análise das maneiras
pelas quais as “comunidades mais extraordinariamente sólidas e
mutuamente leais de que temos registro”, conforme a descrição de
Williams, foram parcialmente formadas por meio de um processo
pelo qual uma classe trabalhadora branca definiu a si mesma em
oposição a um “outro” racial. Embora houvesse uma presença ne-
gra histórica e contemporânea, especialmente em Butetown e nas
docas de Cardiff (onde uma grande revolta racial ocorreu em 1911),
a imigração para o sul do País de Gales envolveu principalmente
grupos étnicos brancos. Esse foi um aspecto da crítica que deixei
de abordar em outros momentos, e vale a pena fazê-lo agora para
pensar as narrativas que informam sobre a história cultural galesa
nas quais Raymond Williams se baseou e para as quais contribuiu.
Em sua discussão sobre “raça e a formação da classe trabalhado-
395
ra americana”, David Roediger registra a contribuição crucial feita
10
Citado em WILLIAMS (2012, p. 26-28); ver também ROBERTS (1998, p. 203).
11
Conferir IGNATIEV (1995) e WEBER, 1976.
figura do menestrel maquiado e fantasiado como uma pessoa ne-
gra (o chamado blackface) tornou-se bastante recorrente na cultu-
ra popular das sociedades industriais e dos romances industriais
galeses de Jack Jones e Gwyn Jones.12 Durante os longos meses do
locaute de 1926, que formam o pano de fundo das memórias de
infância de Border Country, comunidades mineiras encontraram
expressão em bandas como “Seven Sisters Black Natives”, “Caro-
lina Coons” e “Graig Miners”, que faziam uso de blackface (FRAN-
CIS E SMITH, 1998, p. 58). O sul de Gales serve de exemplo para o
argumento de Susan Gubar de que as práticas de “disfarce” racial
“permitiram a artistas de diferentes tradições relacionar relatos
comparativos e nuançados acerca de vários modos e gradações do
outro” (GUBAR, 1997, p. 48). Argumentei, em uma discussão sobre
a recepção de Paul Robeson, que a emergência de um movimento
operário coerente e politicamente empoderador, a partir da diver-
sidade étnica (especialmente linguística e religiosa) característica
da sociedade industrial galesa, originou formas de masculinidade 397
negra na cultura popular que funcionaram como imagens de um
12
Conferir a discussão em Williams (2012, p. 188 – 193).
No entanto, quando o romancista afro-americano Richard Wri-
ght desenvolveu o conceito de white negro em sua obra Pagan
Spain, publicada em 1957, ele não descrevia tentativas de se passar
por branco, mas sim enfatizava a “impureza” de uma história espa-
nhola que incluía influências pagãs, católicas, judias, muçulmanas,
africanas e mouriscas (WRIGHT, 2002, p. 162). Se um discurso de
crescente “branquitude” refletia a lógica racial da assimilação, na-
cionalismos minoritários na Europa e subculturas brancas antias-
similacionistas nos Estados Unidos, seguiam o exemplo de Wright
ao adotar a máscara da negritude como meio de se diferenciar das
normas convencionais. À medida que formas de nacionalismo sepa-
ratista se desenvolviam nas periferias dos Estados francês e britâ-
nico e várias subculturas americanas passavam a questionar a ideo-
logia da ascensão que sustentava o assimilacionismo americano,
minorias brancas começavam a se reapropriar da “negritude” que
haviam tentado rejeitar desesperadamente uma geração antes.13
398 Raymond Williams talvez estivesse familiarizado com o ensaio The
White Negro, de Norman Mailer — que tanto exemplificava quanto
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
13
Esta é, particularmente, uma característica da música pop em língua galesa nos anos de
1970 e 1980, conforme apontou Williams (2010, p. XV). Sobre o mesmo assunto, só que
em solo estadunidense, ver Lott (2017).
14
Conferir “Who Speaks for Wales”, WSFW, 2021.
Na verdade, o título daquela resenha, “Who Speaks for Wales?”,
parece fazer referência ao amplamente difundido Who Speaks for
the Negro (1965), de Robert Penn Warren (1965). Ao escrever so-
bre o País de Gales, Williams também se baseou explicitamente no
trabalho de Michael Hechter sobre o nacionalismo, principalmen-
te no livro Internal Colonialism: the Celtic Fringe in British National
Development. Hechter constatou que a intenção de seu principal
trabalho de historiografia comparada era explorar as “relações in-
tergrupais” de “longo prazo” observáveis nas Ilhas Britânicas, a fim
de compreender a experiência afro-americana. O trabalho de He-
chter é útil para nos lembrar que é necessário distinguir entre “as
diferentes estratégias usadas na luta pela libertação das minorias
oprimidas — assimilacionismo versus nacionalismo” (HECHTER,
1998, pp. XXVI – XXIX). Na verdade, foi a consciência da experiência
galesa “de sujeição histórica à expansão e assimilação inglesas” que
“alertou” Raymond Williams para “os perigos” de sua ênfase inicial,
em Cultura e sociedade e The Long Revolution, em uma “cultura co- 399
mum” como a base de “um tipo persuasivo de definição de comuni-
17
Conferir Williams (1989, p. 249); ver também “The Culture of Nations”, WSFW, 2021.
serva Williams, com o “salto intelectual familiar para esta ou aquela
universalidade.” Mas isso não acarreta uma rejeição do universal:
IV
REFERÊNCIAS
GATES JR., Henry Louis. Tradition and the Black Atlantic: Crit-
ical Theory in the African Diaspora. New York: Basic Books,
2010.
GREIF, Mark Greif. The Age of the Crisis of Man: Thought and
Fiction in America 1933-1973. Princeton: Princeton University
Press, 2015.
ledge, 1995.
SMITH, Dai. Aneurin Bevan and the World of South Wales. Car-
diff: University of Wales press, 1993.
ABSTRACT
This chapter explores the relationship between the universal
and particular in Raymond Williams’s writing. It argues
that Williams’s essays on Wales and Welsh identity share an
416 emphasis on the need for particularistic communities with
Hannah Arendt, and suggests that the roots of this similarity
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
SOBRE O AUTOR
O professor Daniel Gwydion Williams é crítico cultural e um
dos principais intelectuais públicos do País de Gales. Seus in-
teresses de pesquisa abrangem literaturas em galês e inglês
de ambos os lados do Atlântico, partindo do século XIX até
os dias de hoje, com ênfase nas questões do nacionalismo, da
etnia e da identidade.
Graduado em Literatura Americana e Inglesa na Universida-
de de East Anglia (Norwich), passando seu terceiro ano na
Universidade Clark, Worcester, Massachusetts. Mestre em
Línguas e Literaturas Celtas, em 1997, na Universidade de
Harvard. PhD em Literatura Inglesa (2001), na Universidade
de Cambridge. Professor na Universidade de Swansea desde 417
janeiro de 2000. Foi diretor assistente do CREW (Centro de
Para Paulo
por com mais detalhes a leitura feita pelo autor dessas perspectivas
teóricas com as quais estabelece um diálogo crítico.
c
Outra perspectiva idealista com a qual Williams estabelece uma
interlocução fundamental é o estruturalismo francês5, sem perder
de vista certos tipos de análise precedentes que de alguma forma o
influenciaram:
425
6
Não é meu intuito examinar a leitura feita por Williams do princípio de autonomia da
arte que, de formas variadas, foi compartilhada por muitos dos movimentos de vanguarda
da virada do século XIX para o XX na Europa. Para uma discussão minuciosa desse tema,
levando em conta diferentes formas de expressão estética, veja Rancière, 2003, especial-
mente o capítulo intitulado “La surface du design”. Para uma discussão voltada especifica-
mente à literatura, veja Costa (2017).
(...) a recusa a priori da história como relevante ou mesmo
possível, que tem caracterizado essa tendência que se esten-
de do formalismo, passando pelo estruturalismo, até o que
tem sido chamado de pós-estruturalismo, foi, ao cabo, um
distanciamento de algumas formas-chave de especificidade,
sob o pretexto de uma atenção seletiva àquelas versões de
especificidade que Medvedev e Bakhtin definiram como o
pressuposto formalista de uma ‘contemporaneidade eterna’.
(WILLIAMS, 2011, p. 195-196)
Mas afinal, se a cultura não pode ser pensada como uma catego-
431
ria estanque que resultaria de um processo de racionalização das
8
Esse é um tema caro aos Estudos Culturais. Em Hall se encontra uma formulação seme-
lhante: “compreender a ‘determinação’ em termos de estabelecimento de limites e parâ-
metros, da definição de espaços de operação, das condições concretas de existência, do
caráter do ‘já dado’ das práticas sociais, em vez da previsibilidade absoluta de resultados
específicos, é a única base de um ‘marxismo sem garantias finais’.” (HALL, 2003, p. 292).
britânicos. Não se trata, no entanto, de estar a meio caminho entre
ambas as posições teóricas, mas de delinear um projeto teórico-po-
lítico no interior do qual a noção de cultura é pensada como “a or-
ganização simbólica dos significados e valores de uma determinada
sociedade, sendo, portanto, patrimônio de todos” (CEVASCO, 2011,
p.VIII) e, ao mesmo tempo, pensada a partir de sua singularidade
como obra, dotada das possibilidades de interferência no mundo
social e, portanto, na história:
REFERÊNCIAS
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
441
Introdução
5
O método da explicação de texto foi, particularmente, empregado na filologia alemã de
Erich Auerbach (1946) e nos estudos de literatura e sociedade empenhados por Antonio
Candido (1993) no Brasil e por Raymond Williams (1950) na Grã-Bretanha.
(I) “Abandonando a palestra…”
7
Dentre os estudiosos de Williams no Brasil, Maria Elisa Cevasco (2003) foi quem enfati-
zou pela primeira vez essa desconexão nas aulas de adultos reguladas pelas universidades
britânicas. Há um capítulo interessante sobre o tema da desconexão no trabalho mono-
gráfico de Lima (2017).
8
Agradecemos à Yasmim Camardelli por ter conjugado analiticamente o artigo de 1950
(“Abandonando a palestra…”) com o livro de 1962 em sua Dissertação de Mestrado ― fi-
nanciada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em anda-
mento na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/Unicamp)
―, dedicada à tradução e ao comentário de Communications, oferecendo-nos uma oportu-
nidade preciosa de reflexão.
Uma das responsabilidades públicas à qual Williams se refere é
a educação; dentro dela, está a importância da discussão cultural
como modelo de ensino para a realização de uma proposta mais
democrática. Esta consistia em que tutores e estudantes conjugas-
sem experiências de aprendizado em comum mediante aulas que
incluíssem no ensino de literatura matérias jornalísticas ou pro-
venientes de revistas femininas, programas de televisão, filmes,
artigos sobre construção civil, arquitetura, planejamento urbano,
enfim, uma gama de temas e assuntos em comum para tutores e
estudantes, tipicamente conhecidos como trabalhadores-adultos.
Portanto, tais propostas de uma educação mais democrática,
Williams reúne nesse livro de 1962, embora elas tenham sido indi-
cadas antes, no artigo de 1950 que estamos estudando e em outro
ensaio dessa mesma época, chamado “A cultura é algo comum”:
9
Acerca desse projeto socialista, conferir Williams (2013) em A política e as letras. Verifi-
car também nesse livro o capítulo de Ugo Rivetti.
Estamos, portanto, diante de uma situação de classe bastante pe-
culiar, um acontecimento:
11
Desenvolvemos de forma mais aprofundada a relação de Williams com o cinema e seu
método para o uso de filmes em aulas tutoriais em Paixão e Trevisan (2019).
alguns centavos, mas não espere ser subsidiado com dinheiro
público (Relatório de uma reunião do Educational Comittee).
… Cinema? Bem, eis aí algo novo. Eu sempre procuro algum
para um bom descanso (WILLIAMS, 1953, p. 27, tradução
nossa).12
17
Pierre Sorlin (1977, p. 48) critica o método de Kracauer por considerar que o autor
exagera na homologia entre os filmes e sociedade, ao ver o cinema como um reflexo da psi-
cologia de uma época. Ao que parece, para Williams (1953), o problema maior estava na
falta de comprovação empírica das proposições de Kracauer, ainda que a ideia de relacio-
nar cinema e sociedade fosse acertada. De nossa parte, consideramos que as proposições
de Kracauer, Williams e Sorlin, respeitadas as particularidades, são compatíveis, uma vez
que todas buscam nos filmes elementos para pensar sua relação com a sociedade.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ABSTRACT
This chapter discusses Raymond Williams’ teaching methods,
based on a critical approach to works of art, literature, or
cinema. Raymond Williams, one of the creators and main
exponents of the so-called Cultural Studies, is widely known
to the university public, especially in his writings on culture
and society, with emphasis on literature studies. Among
his celebrated productions are Culture and Society, The
468 Country and the City: In History and Literature, and Marxism
and Literature. One can also mention his studies on media
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
SOBRE OS AUTORES
Alexandro Henrique Paixão é psicanalista, professor de So-
ciologia e Psicanálise na Faculdade de Educação (FE), Uni-
camp, organizador do ebook Raymond Williams e Educação:
coletânea de textos sobre extensão, tutoria, currículo e métodos 469
de ensino (Editora da FE/Unicamp, 2019) e autor de artigos
Ugo Rivetti2
Introdução
13
Williams foi, ao lado de Ralph Miliband e Raphael Samuel, uma exceção, mantendo-se
vinculado à revista mesmo após as saídas conflituosas de Thompson e Hall. Trata-se aqui
de um indício importante do seu esforço de manter pontes entre os dois grupos.
Após o desmonte da primeira formação da Nova Esquerda mui-
tos de seus integrantes retornaram à universidade – agora na po-
sição de docentes. Thompson ingressou na University of Warwick
logo após a publicação de A formação da classe operária inglesa em
novembro de 1963; Hall se associou à University of London após seu
desligamento da New Left Review, transferindo-se para a University
of Birmingham em 1964; John Saville ingressou na University of Hull
e Ralph Miliband, na London School of Economics. Williams não fu-
giu ao padrão de seus contemporâneos, integrando-se, em abril de
1961, a Cambridge, onde lecionou até sua aposentadoria em 1983.
Esse retorno à universidade e à carreira acadêmica não signi-
ficou um afastamento do debate político. Ao contrário, tornou
possível a configuração de um novo tipo de engajamento político
e de intervenção no debate público, agora mediados pela atuação
acadêmica e pela produção intelectual. Esse deslocamento se deu
em paralelo a outro movimento, de afastamento desses nomes das
479
instituições partidárias, fenômeno ligado a outra marca da trajetó-
REFERÊNCIAS
REID, Betty. The Left Book Club in the Thirties. In: CLARK,
John et al. Culture and Crisis in Britain in the Thirties. London:
Lawrence & Wishart, 1979, p. 193-207.
494 WILLIAMS, Daniel G. The Return of the Native. In: Who Speaks
for Wales? Nation, Culture, Identity. Editor: Daniel G. Williams.
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
FONTES PRIMÁRIAS
ABSTRACT
This chapter intends to offer an analysis of the main moments
of Raymond Williams’ work and life from the point of view of
his political acting as a militant and intellectual socialist – the
first contact with labour politics through his parents’ influence;
the link with communism in his youth; the engagement with
the New Left in the late 1950s; his eventful relation with the
Labour Party and, as a means to surpass it, the attempts to
renovate the British left in the 1960s; the involvement with
the new social movements in the 1970s and 1980s. In this
way, we aim to confirm in which ways Williams’ work bears
the signs of the political debates in which he acted, as well
as to register the main political initiatives that counted with
his participation. Therefore, this chapter intends to develop
an analysis that can be able, as far as possible, to connect the
arguments presented in his writings with the main moments
of the political and intellectual history of the British left in the
second half of the 20th century, in order to highlight a central
dimension of Williams’ work and life.
Keywords: Raymond Williams, New Left, British Politics,
Labour Party, British Marxism.
SOBRE O AUTOR
Ugo Rivetti é doutor em Sociologia pela Universidade de São
Paulo, instituição na qual realizou o mestrado em Sociologia
e a graduação em Ciências Sociais. Autor de artigos sobre His-
tória e Teoria do Marxismo, Raymond Williams e Sociologia
da Cultura.
497
Introdução
xa a sua marca indelével nos modelos e padrões que nela são va-
lorizados. O simples trajar, os hábitos e as atitudes, os edifícios, os
artefatos, a língua e os textos em que um período histórico se mate-
rializa estão impregnados de tal sentimento. Os resíduos materiais
da estrutura de sentimento permanecem incrustados nas obras de
arte e literárias, objetos privilegiados para a análise da cultura de
um dado período. Não obstante, como admite o próprio autor, ao
observador distante no tempo não é facultada senão uma visão im-
precisa, permeada de lacunas, dessa estrutura. Williams considera-
ra três níveis distintos de cultura - a vivida, a registrada e a seletiva
- que explicavam, em grande medida, uma tal limitação. Somente
a experiência imediata permite apreender o “resultado vivo de to-
dos os elementos da organização geral”(WILLIAMS, 1979, p. 43),
enquanto que os registros de uma determinada cultura constituem
dela um mero resquício.
Assim, o conceito de estrutura de sentimento apresenta uma im-
portante contribuição aos estudos sociológicos da literatura, justa-
mente por perseguir a identificação do substrato social que inte-
rage com as formas estilísticas de cada período histórico ou cada
autor, conformando-os em uma experiência comum.
Resta-nos, portanto, entender o capítulo que trata da cisão da
tragédia em sua estrutura de sentimento específica e, com isso, as-
sim esperamos, compreender o seu “lugar” analítico ao tempo em
que emerge o pós-dramático.
Nesse sentido, o pós-dramático é a forma teatral nascida daque-
la cisão do trágico e, dessa forma, ele faz emergir, na condição de
forma performativa, uma estrutura de sentimento que privilegia a
dimensão pessoal da tragédia, em um período no qual as apostas
coletivas começam a dar sinais de franco declínio. Mas, por outro
âmbito, Williams percebe que essas experiências teatrais podem se
constituir em sementes de esperança, na possibilidade de fazer rea-
tar as duas dimensões e conformar a totalidade da experiência da
vida humana; mesmo que ainda demonstrem pouca capacidade de 511
seguir nessa direção. Williams chega a dizer que, por enquanto, são
512
Repousando inerte no que se tornou um lugar-comum, to-
mando, com uma indolência fácil, os traumas passageiros
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
RESUMO
Estudiosos e leitores de Raymond Williams recordam que
em Tragédia Moderna há um capítulo que parece destoar do
conjunto da obra, visto que, neste livro, o autor está preocu-
pado com as soluções estéticas que o drama vai constituindo
desde a relação entre forma e processos sociais. Trata-se do
capítulo “Tragédia social e pessoal: Tolstói e Lawrence”, ou
seja, Williams insere uma apreciação sobre dois narradores
em um livro que cuida do drama; portanto, um estudo fora
de lugar. Nesse sentido, esse trabalho tem por finalidade pro-
blematizar o percurso traçado por Williams em sua tentativa
de compreender como o drama foi respondendo às transfor-
mações históricas contidas no processo de modernização ca-
pitalista e quais seriam, a partir da virada brechtiana em sua
produção teórica sobre o drama, as propostas mais agudas de
radicalização e crítica desse mesmo processo sócio-histórico.
A leitura que nos propomos empreender, do texto acerca da
tragédia em Tolstói e Lawrence, desconfia que a inserção des-
se estudo em um livro sobre teatro consiste em recurso de-
monstrativo de Williams acerca de seu empenho em oferecer
uma reflexão sobre as transformações e ampliações do fazer
teatral na contemporaneidade. Ao problematizar o significa-
do dessa intromissão, a partir de sua localização no conjunto 517
da produção de Williams acerca do drama, acreditamos poder
ABSTRACT
Scholars and readers of Raymond Williams recall that in Modern
Tragedy there is a chapter that seems to be detached from the
work as a whole since, in this book, the author is concerned
with the aesthetic solutions that drama is constituting since
the relationship between form and social processes. It is
about the chapter “Social and Personal Tragedy: Tolstoy and
Lawrence”, that is, Williams inserts an appreciation about
two narrators in a book about drama; therefore, a study out of
place. In this sense, this work aims to problematize the path
drawn by Williams in his attempt to understand how drama
was responding to the historical transformations contained
in the process of capitalist modernization and what would
be, from the Brechtian turn in his theoretical production
on drama, the most acute proposals of radicalization and
criticism of this same socio-historical process. The reading
that we propose to undertake, of the text about the tragedy in
Tolstoy and Lawrence, suspects that the insertion of this study
in a book on theater consists of a demonstrative resource of
Williams about his commitment to offer a reflection on the
transformations and enlargements of theatrical activity in
contemporaneity. By problematizing the meaning of this
interference, from its location in Williams’ production of
518 drama as a whole, we believe we can situate his work in the
debate that the theatrical field undertook in that quarter of
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
SOBRE O AUTOR
Doutor em Sociologia e Mestre em Ciência Política pela Uni-
versidade Federal de Pernambuco. Licenciado em Filosofia
pela Universidade Católica de Pernambuco. É professor na
Escola de Educação e Humanidades da Unicap, onde integra
o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Tra-
balha com Sociologia da Cultura, Sociologia da Literatura e
Sociologia da Religião.
III
Raymond Williams:
Diálogos
RADICALISMOS EM DEBATE:
UMA SOCIOLOGIA DOS INTELECTUAIS
A PARTIR DE RAYMOND WILLIAMS
E ANTONIO CANDIDO
Enio Passiani 1
I.
II.
bres. Para dar dois exemplos: Virgínia Woolf empenhou-se energicamente nos incipientes
movimentos feministas ingleses e seu parceiro, Leonard Woolf, envolveu-se com a Liga
das Nações, com o Movimento das Cooperativas, com o Partido Trabalhista e, ainda, em
questões anti-imperialistas (PASSIANI, 2018, p. 25-26).
Tal diferença na abordagem do tema, como bem aponta Roberto
Vecchi (2018) em texto publicado numa coletânea em homenagem
a Antonio Candido, não significa que o artigo de Candido de 1988
negue o de dez anos antes, mas, sim, que há uma complementari-
dade entre eles. Ainda que Candido afirme, em 1988, que o pensa-
mento radical não representa os interesses das classes dominadas
e por isso se incline com frequência à “harmonização e à concilia-
ção” (CANDIDO, 1988, p. 4-5), ao mesmo tempo enfatiza o caráter
contraditório, ambíguo do intelectual radical, que não deixava de
apresentar uma visão não aristocrática do Brasil (PACHECO, 2018,
p. 110). Como aponta Ana Paula Pacheco (2018), o radicalismo
pode constituir tanto o êxito do pensamento revolucionário quanto
tender à conservação, mas, de todo modo, as “duas cabeças” são
necessárias num contexto como o brasileiro. Nesse sentido, o radi-
cal de classe média é, “[...] no mínimo, uma contradição produzida
por dias melhores” (PACHECO, 2018, p. 112-113). Em suma, se em
530 Radicais de ocasião (1978) Antonio Candido define o “radical” como
o tipo oposto do revolucionário em virtude do “conservadorismo
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
IV.
V.
REFERÊNCIAS
537
BETTI, Maria Sílvia. Sobre “O direito à literatura”, de Antonio
lia.unesp.br/index.php/transformacao/article/view/1058.
Acesso em: 14 out. 2021.
541
WILLIAMS, Raymond. O círculo de Bloomsbury. In: ______. Cul-
tura e materialismo. São Paulo: Unesp, 2011.
RESUMO
Comparar Raymond Williams e Antonio Candido não consti-
tui, exatamente, uma novidade. Embora abordagens distintas,
Maria Elisa Cevasco e Alexandro Henrique Paixão não deixam
de demonstrar várias semelhanças entre Williams e Candido
e o quanto pode ser profícuo estabelecer o diálogo entre esses
dois críticos da literatura e da cultura tão criativos e inquie-
tos. Pretendo retomar esse caminho de uma outra perspectiva
e argumentar que tanto o crítico britânico quanto o brasileiro
nos oferecem uma instigante sociologia dos intelectuais em
textos como O círculo de Bloomsbury, de Raymond Williams, e
Radicalismos e Radicais de ocasião, de Antonio Candido. Enta-
bular uma “conversa” entre os autores a partir de tais textos
implica descortinar outras semelhanças entre eles, mas igual-
mente uma certa dissonância.
Palavras-chave: Raymond Williams, Antonio Candido, Socio-
logia dos Intelectuais, Pensamento Radical, Pensamento Re-
volucionário.
ABSTRACT
Comparing Raymond Williams and Antonio Candido is
not exactly new. Despite different approaches, Maria Elisa 543
Cevasco and Alexandro Henrique Paixão demonstrate several
SOBRE O AUTOR
Enio Passiani é Professor do Departamento e do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS); Editor Assessor do periódico Socio-
logias; membro do Conselho Editorial do Norbert Elias Stu-
dies, da Editora Palgrave Macmillan; autor do livro Na trilha
do Jeca: Monteio Lobato e a formação do campo literário no
Brasil; tem publicado artigos no Brasil e no exterior sobre
Teoria Sociológica, Pensamento Social no Brasil, sociologia da
literatura e da literatura; e, atualmente, desenvolve pesquisa
na área de sociologia dos sonhos intitulada Sonhos, sociedade
e pandemia.
544
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
OS LUGARES DO LITERÁRIO EM
O CAMPO E A CIDADE E NA
CRÍTICA LITERÁRIA BRASILEIRA
DA DÉCADA DE 19701
546
c
Chamo a atenção, em primeiro lugar, à crítica de Williams a uma
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
De modo que
A natureza definitiva de Bloomsbury como um grupo é a de
que ele era, de forma distintiva, um grupo da e para a noção
dos indivíduos livres. Qualquer posição geral distinta des-
se pressuposto específico teria causado rupturas no grupo,
embora toda uma série de posições especializadas fosse, ao
mesmo tempo, necessária para os indivíduos livres se torna-
rem civilizados. A ironia é que tanto o pressuposto específico
quanto a gama de posições especializadas naturalizaram-se
– embora agora de modo evidentemente incoerente – em
todas as fases posteriores da cultura inglesa. É nesse senti-
do exato que esse grupo de indivíduos deve ser visto, por
fim, como uma fração (civilizada) de sua classe. (WILLIAMS,
2011b, p. 229-230)
Além do foco nas figuras centrais e nos textos escritos por elas,
chama a atenção nos artigos supracitados de Candido e neste livro
de Schwarz (aliás, dois sociólogos de formação), sobretudo se com-
parados ao Williams de O campo e a cidade, as vagas referências
à origem e posição social dos autores em tela, que não funcionam
como limitadores do que produzem, assim como a sua não inserção
em um sistema mais amplo de dependências e correspondências
intelectuais, o que, mesmo com amplas explanações e análises do
contexto, tanto em Candido quanto em Schwarz, parece reforçar
ainda mais o aspecto isolado e heroico do escritor, e, mais do que
isso, o papel da Literatura, em um momento em que no Brasil ele
precisava ser reforçado.
Pois é na década de 1970, em plena ditadura militar, que o campo
dos estudos literários começa a se estruturar por aqui, campo com
o qual esses textos dialogam o tempo todo. Mesmo se a questão da
dependência econômica e cultural aos países do Primeiro Mundo
(categoria da época) está na base da crítica literária de Schwarz,
pelo menos desde a sua frequentação do célebre Grupo do Capital,
ainda no início dos anos 1960, suas preocupações, nos anos 1970,
concernem, também, a formação de uma crítica/teoria brasileira.
Logo, o discurso da crítica literária já no início dessa década é bi-
fronte: ele visa tanto ao fora (o espaço social como um todo, incluí-
560
das a política e a cultura) quanto ao dentro (a obra em si, os pa-
res acadêmicos, as teorias, o estatuto profissional do pesquisador
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
c
Em 1992, três anos após a tradução de O campo e a cidade, Alfre-
564 do Bosi publica a sua obra maior, Dialética da colonização, gestada
desde a década de 1970, em que as análises – mais culturais do que
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
RESUMO
Neste capítulo, pretendo tratar de alguns aspectos da críti- 567
ca/teoria literária de Raymond Williams, enfatizando seja o
ABSTRACT
In this chapter, I intend to deal with some aspects of Raymond
Williams’ literary criticism/theory, emphasizing both his
method of analysis and his general assumptions and ideas.
Still, focusing on The Country and the City (1973), I compare
Williams’ work with other works and writings of the Brazilian
literary critic in the same period. In comparison, I try to
demonstrate that this set of texts work from the perspective
of exception and excellence, and not from the perspective of
culture as common, envisioned by Williams, which says as
much about the impasses of our criticism in that period as
about the theorical possibilities opened by the author in the
1970’s.
Keywords: Raymond Wiliams, The Country and the City,
Brazilian Literary Criticism.
SOBRE O AUTOR
Jefferson Agostini Mello é professor associado da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de
568 São Paulo. Está credenciado como orientador no Programa de
Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH e no Programa
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Adelia Miglievich-Ribeiro1
Eliane Veras Soares2
Introdução
569
1
Doutora em Sociologia (UFRJ). Professora do Departamento de Ciências Sociais da Uni-
versidade Federal do Espírito Santo. E-mail: adelia.ribeiro@ufes.br. Link para o Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6821974709618583. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-9736-
2996.
2
Doutora em Sociologia (UnB). Professora do Departamento de Sociologia da Universi-
dade Federal de Pernambuco. E-mail: eliane.soares@ufpe.br. Link para o Lattes: http://
lattes.cnpq.br/8991148779865105. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8792-1042.
Acho que a coisa mais difícil que
fiz foi permanecer fiel
à minha classe de origem.
Florestan Fernandes, 1991.
Estruturas de sentimentos:
a iniciação de Florestan Fernandes
4
Em 1996, um ano após o falecimento de Florestan Fernandes, a pupila outsider publicou
em uma coletânea as cartas trocadas com o mestre. Barbara Freitag perguntava-se por
que teria sido eleita por ele como sua correspondente assídua. Pensa que, dada sua na-
cionalidade alemã e sua origem burguesa, era uma forma de Florestan comunicar-se com
um “mundo” diferente. Sobretudo, supunha que o professor soubesse que a típica menta-
lidade burguesa e seu senso de propriedade garantiriam que as cartas não se perderiam.
Crê, em verdade, que as cartas não se dirigiam só a ela e que Florestan gostaria que viesse
a público (FREITAG, 1996, p.132-133). Além da correspondência com Barbara Freitag,
esse é um período de intensa troca de cartas com amigos, com intelectuais e com a famí-
lia, em especial com a sua esposa Myrian Fernandes e com a sua filha Heloisa Fernandes.
Esta última escreveu um belo texto intitulado “Chaves do exílio e portas da esperança”,
baseado na correspondência de Florestan Fernandes com a esposa Myrian Fernandes (ver
FERNANDES SILVEIRA, 2006). De um ponto de vista williamsiano podemos entender os
testemunhos escritos como materialização da cultura de um tempo histórico.
rialmente, portanto - a condição de “estrangeiro”, talvez, quase “ne-
gro”5 buscando “se integrar” à ordem capitalista burguesa6.
Suas vivências se iniciaram quando sua mãe, Maria Fernandes,
imigrou para o estado de São Paulo com a família, saindo do norte
de Portugal “tangida pela fome”. Quanto Florestan nasceu, a 22 de
julho de 1920, sua mãe trabalhava na casa da família Bresser de
Lima, casal abastado e sem filhos. Os patrões de Maria Fernandes
tornaram-se padrinhos de Florestan. Entretanto, quando o meni-
no estava com seis anos, dona Maria Fernandes, retira o filho da
casa dos padrinhos, negando-lhes indignada a adoção do pequeno
Florestan: “filhos não se dão, dão-se cães” (SEREZA, 2005, p. 30).
Uma mudança abrupta processou-se ali. Sem a “proteção” da famí-
lia Bresser de Lima, em especial de dona Hermínia Bresser de Lima,
a criança passou, com a mãe, a garantir o pão de cada dia7. Analfa-
beta, dona Maria vivia das roupas que lavava. O filho, nos violentos
rituais de iniciação da rua, defendendo-se corajosamente, inclusive,
575
dos rituais de subalternização sexual dos mais fracos pelos mais
5
Não é casual seu empenho para a materialização de uma de suas mais eminentes obras:
A integração do negro na sociedade de classes, tese de cátedra defendida em abril de 1964.
Quando se aprofunda na história de vida de Florestan Fernandes, fica evidente em diver-
sas passagens da referida obra uma espécie de identificação do autor com o destino do
“negro” na sociedade de classes. Em suas palavras: “[...] os leitores irão notar (e alguns,
provavelmente, estranhar) um constante esforço de projeção endopática na situação do
negro e do mulato. Devemos salientar que essa projeção nasce de uma simpatia profunda
e de um desejo ardente de compreender os dilemas com que o “negro” se defronta so-
cialmente. Procuramos evitar, cuidadosamente, que esse estado de espírito interferisse
nas interpretações: se aqui ou ali exageramos na conta, paciência! Tantos já erraram por
motivos diferentes, deformando e detratando o “negro”, que não haveria mal maior em tal
compensação... (FERNANDES, 2021, p. 54-55).
6
Entretanto, é preciso deixar claro que Florestan Fernandes muito cedo adotou posição
política claramente socialista. Sobre o tema, consultar Heloisa Fernandes (2006 e 2008);
Eliane Veras Soares (1997) e Soares; Costa (2021).
7
Maria Fernandes foi mãe de Florestan, cujo pai não assumiu a paternidade, e de uma me-
nina, Teresa, fruto de outro relacionamento, criada por uma tia paterna, que veio a falecer
precocemente aos cinco anos. Cf. SEREZA, 2005, p. 27-28 e p. 30-31.
[..] tive de enfrentar a violência terrível que menores mais
velhos exerciam sobre outros menores mais novos. Quando
se mudava de um lugar para outro, havia a recepção hostil
até que a pessoa fosse adotada pelo grupo e às vezes essa ini-
ciação tinha um caráter violento, porque sempre havia o in-
tuito de transformar um menor que se deslocava em parcei-
ro sexual e outros que praticamente se aproveitavam, ou da
inexperiência, ou da falta de proteção do garoto, porque tudo
ficava mais ou menos fechado dentro do silêncio Os meninos
não iam contar em casa. Então a criança ficava entregue a si
própria; se ela tivesse a sorte de ir para um bairro no qual
isso não acontecesse, a hostilidade poderia se transformar
em recepção pacífica e incorporação sem violência. Agora,
algumas vezes havia violência, duas vezes eu enfrentei situa-
ções de extrema violência, a mais forte foi quando fui morar
na rua Dr. Luís Barreto, numa área que era um cortiço que
tinha duas entradas, uma pela Dr. Luís Barreto, outra pela
rua Santo Antônio. E havia ali um líder chamado Papaiano,
que era o apelido dele, e que tinha essa mania de abusar dos
menores e, é claro, se não abusava, depois outros abusavam.
576 E tentou me submeter a esse ritual de iniciação. Eu fiquei
pensando como enfrentar – ele era mais velho que eu e mui-
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
8
Gajanigo (2020, p. 171) explica: “Nosso humor/mood parece mais amplo do que somos,
sua localização é difícil de determinar ou fixar. Nosso humor cinzento aborrece a todos;
uma sensação de alegria banha tudo com uma luz rosa. No entanto, pensamos em nós
como estando num certo estado de ânimo (e não o contrário); estamos envolvidos ou
tomados por um clima. Mood é um sentimento de eu-e-mundo juntos”.
É nesse sentido que o “clima” na USP ficou cada vez mais pesado.
O professor chegou a ser preso por três dias em setembro de 1964,
quando ocupava o cargo de Professor Catedrático9.
9
Recomendamos a leitura de sua carta de 9 de setembro de 1964, intitulada “Autodefesa”
dirigida ao Tenente-Coronel Bernardo Schönmann, responsável por inquiri-lo. Cf. FER-
NANDES, 1977, p. 209-212.
RESTAN FERNANDES RETIRA O SEU PEDIDO DE DEMISSÃO,
2008, p. 25).
O exílio canadense
12
Sobre Darcy Ribeiro, dizia Florestan Fernandes: “os nossos desacordos, são convergên-
cias” (Carta de Florestan Fernandes a Darcy Ribeiro. São Paulo, 19 de março de 1976).
13
Darcy Ribeiro brinca com o nome de Florestan: “Floresta”, “Florestaníssimo”, “Florestão”
são modos amorosos de se referir ao amigo: “Com o passar dos anos e o peneirar dos
amigos, poucos seixos ficaram na urupema: você entre os raros, como daqueles calhaus
redondos do riosinho (sic) de Montes Claros” (Carta de Darcy a Florestan. Carcaras, 7 de
dezembro de 1969).
Para o sociólogo paulista, havia um “nós” no qual ele existia
como indivíduo. Era precisamente um pequeno núcleo da geração
dos que “ousaram, antes e depois da instauração do terror”. Nomeia
de intelligentsia o estrato ao qual pertenceu como intelectual crítico
e militante, “não importa se tenha caído ou não sob a hecatombe
das cassações” (FERNANDES, 1977, p. 216). Via, porém, nessa mes-
ma intelligentsia as contradições de classe não solucionadas por
Mannheim (1982). Nessa falha residual e estrutural estava, em sua
perspectiva, a explicação para o desencadeamento fácil e rápido da
reação burguesa que metamorfoseou a “oposição” em “alternativa”,
capaz de conviver sem maiores alterações com a ditadura militar.
Marca, contudo, sua diferença:
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
RESUMO
Reunimos dois eminentes intelectuais críticos centenários, de
distintas tonalidades e ênfases na apreensão do marxismo: o
galês Raymond Williams e o brasileiro Florestan Fernandes,
ambos filhos da classe trabalhadora. Mais do que comparar
suas trajetórias, o propósito deste ensaio foi trazer a luz o
“materialismo cultural” do primeiro para melhor compreen-
der a luta entre a hegemonia e anti-hegemonia que se deu no
Brasil nos anos 1960, levando Florestan Fernandes ao exílio.
Destacamos o exílio canadense e as “estruturas de sentimen-
tos” que contagiavam Florestan, “de dentro” e “de fora” no
sentido empregado por Williams. Sem apartar cultura de pro-
dução da vida, sem opor subjetividade à objetividade, atenta-
mos para alguns aspectos partilhados por um “fragmento de
geração”, a saber, o “luto” e a “esperança”. Observamos o “pas-
sado significativo” que moldou a personalidade do sociólogo
como “intelectual radical”.
Palavras-Chave: Florestan Fernandes, Raymond Williams,
Exílio, Estrutura de Sentimentos.
ABSTRACT
We bring together two eminent late critical intellectuals
600 with different tones and emphases in the apprehension of
Marxism: the Welsh Raymond Williams and the Brazilian
Centelhas de Transformações - Paulo Freire & Raymond Williams
Adelia Miglievich-Ribeiro
Professora Associada do Departamento de Ciências Sociais
(DCSO) e docente permanente do Programa de Pós-gradua-
ção em Ciências Sociais (PGCS) da Universidade Federal do
Espírito Santo (Ufes). Doutora em Sociologia pelo PPGSA-
-IFCS-UFRJ (2000), com pós-doutorado em Educação PD-
S-Faperj/ProPed-Uerj (2014) e em Sociologia PPGSol-UnB
(2019). Co-líder do Núcleo de Estudos em Transculturação,
Identidade e Reconhecimento (Netir-DGP-CNPq-Ufes). Coe-
ditora da Revista Simbiótica (DCSO-Ufes). Publicou, dentre
outros, o livro de sua autoria Heloísa Alberto Torres e Marina
de Vasconcellos. Pioneiras na formação das ciências sociais no
Rio de Janeiro (EDUFRJ) e as coletâneas A modernidade como
desafio teórico. Ensaios sobre o pensamento social alemão (Ed. 601
PUC-RS), Crítica Pós-Colonial. Panorama de Leituras Contem-