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29/09/2023, 05:55 QUADRO HISTÓRICO DAS TEORIAS DE TRADUÇÃO

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QUADRO HISTÓRICO DAS TEORIAS DE TRADUÇÃO

Rafael Lanzetti (UFRJ, SENAC-Rio)

Ementa

Este mini-curso tem por objetivo elencar as principais correntes teóricas da tradução desde as concepções pré-linguísticas ditas
impressionísticas dos autores romanos (Cícero, Horácio), passando pelas teorizações medievais, as traduções da Bíblia, os românticos
alemães, os filósofos fenomenologistas, o estruturalismo do Século XX com o nascimento da teoria lingüística de Saussire até as
tendências da pós-modernidade no Canadá, Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos. Também será devidamente mencionado o
desenvolvimento da teoria da tradução no Brasil com os irmãos Campos, o desconstrutivismo de Rosemary Arrojo e a teorização
moderada de Paulo Henriques Britto.

Introdução

Onde e quando começou a teoria da tradução?


- Os primeiros tradutores.

· Targumim (300 a.E.C.) - A tradução literal

Os chamados targumim foram, provavelmente, as primeiras traduções críticas do mundo, ou seja, traduções para as quais estudos
críticos foram compilados, a fim de se estudar a “fidelidade” e a “recepção” do texto traduzido. Os targumim eram traduções para o
aramaico (língua vernácula dos judeus nos séculos posteriores ao IV a.E.C.) dos Escritos Sagrados, do Cânone Judaico (escritos
originalmente em hebraico). O ideal tradutório dos tradutores dos targumim era ser o mais “fiel” possível ao texto original, não
importando se o texto de chegada não obedecesse a sintaxe e a pragmática da língua-alvo.

Cícero & Horácio (106-8 a.E.C.)


- De optimo genere oratorum, Ars Poética

Em seus escritos sobre a interpretação, a oratória e a poética, Cícero e Horácio quebram com a tradição de “fidelidade” da tradução,
preferindo que o texto traduzido soasse natural e fluido. O “sentido completo” do texto original, portanto, ficaria em segundo plano.

· Tradutores medievais - Monges cristãos

Os tradutores-monges medievais (séc. IX-XIV), precursores das teorias de Cícero e Horácio, foram responsáveis por quase 90% de
todas as traduções para e de línguas ocidentais na Europa. Através da tradução para o latim dos Escritos Sagrados Judaicos, conhecida
como Vulgata, São Jerônimo permitiu que a dogmática Cristã se estabelecesse no ocidente, dando vigor ao estabelecimento do poder da
Igreja.

· Boécio (Séc. IX)

Boécio, um ministro ostrogodo que vivia na Roma pós-invasão bárbara, foi o responsável pelas retraduções dos escritos de Aristóteles
para o latim a partir do árabe. Muitos livros de Aristóteles haviam sido perdidos no tempo, e traduzidos para o árabe por Ibn Averroes. A
tradição aristotélica ocidental (como a introdução feita por Tomás de Aquino de conceitos aristotélicos na dogmática Cristã) só pôde ser
continuada devido ao trabalho de Boécio.

· Alexander Fraser Tytler (1790)

No final do século XVIII, o jurista inglês Tytler escrever o primeiro ensaio exclusivamente sobre a questão da tradução, no qual elenca os
princípios tradutórios, baseados em sua experiência como tradutor literário. Os princípios de Tytler são:

1. A tradução deve consistir na transcrição completa das idéias do texto original;

2. O estilo da tradução deve ser o mesmo do texto original;

3. O texto traduzido deve possuir a mesma fluidez do texto original.

· Autores-tradutores

A partir do século XV, autores neoclássicos começam a traduzir a tradição literária da Grécia e de Roma para as línguas vernáculas
européias. A partir de suas experiências no ofício de tradutores, estes produzem uma série de ensaios, métodos e conselhos para os que
desejam traduzir. Devido ao fato de serem respeitados como literatos, esses autores recriam a concepção do ideal tradutório dos
targumim, pois, para eles, o texto traduzido tem por objetivo ser o mais “fiel” possível ao original. Essas concepções foram
preconizadas, principalmente, por Dante, Goethe, Baudelaire, Mallarmé, Nietzsche, Pound, entre outros, começando no período do
Renascimento e passou ao Romantismo (principalmente alemão).

AS TEORIAS MODERNAS DE SIGNIFICADO

· Teorias lingüísticas e antropológicas


- Saussire, Humboldt, Whorf (Sapir)

A partir do século XX, o elemento antropológico entra para o palco dos estudos lingüísticos, iniciados por Saussire. Humboldt escreve
ensaios sobre a natureza das línguas e suas relações com a cultura, Whorf e Sapir fazem estudos antropológico-linguísticos com
populações indígenas norte-americanas e formulam a chamada hipótese Sapir-Whorf

A hipótese de Sapir-Whorf

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· Relação passado-futuro dos índios yahoos

· 7 palavras para “snow” na língua ynuit

· 3 palavras para “blue” em grego - blé, galanó e galázio

Essa hipótese encontra respaldo filosófico na proposição de Wittgenstein, em seu livro Tractatus Loghico-philosophicus: “Minha visão de
mundo é determinada pela minha linguagem.”

Ludwig Wittgenstein (1889-1965)

· Primeira fase:

Tractatus Loghico-philosophicus

“Os limites de meu pensamento são os limites de minha linguagem”

· Segunda fase:

Philosophical Investigations

Philosophical Investigations

· Semelhanças familiares

· Jogos de Linguagem

· “O significado de uma palavra é o seu uso na língua”

O QUE É TRADUZIR?
- TEORIAS PÓS-MODERNAS DA TRADUÇÃO

· Transmitir?

· Transferir? - mito de S. Christophorus de Basiléia

· tra + ducere

Como definição parcial, própria para este trabalho, estabelece-se que traduzir é transferir os jogos de linguagem de uma língua
para os jogos “equivalentes” de uma outra língua.

· Existe equivalência?

· Não-equivalência entre línguas

· Tendências pós-estruturalistas - Desconstrução

· Jacques Derrida, Rosemary Arrojo

· Ilusão Logocêntrica

· Desconstruindo a desconstrução

· Conceitos desconstruídos

o Originalidade

o Fidelidade da tradução

o Sentido do texto dado, no próprio texto

o Tradução literal

o Tradução técnica/tradução literária

UMA VISÃO PRAGMATISTA DA TRADUÇÃO

Segundo HUMBOLDT (1936), os sistemas lingüísticos são parte intrínseca de uma dada cultura, e a necessidade que há de se expressar
conceitos em uma dada língua é determinada pela própria cultura. Humboldt dizia que não há qualquer relação intrínseca entre as
culturas do mundo, as formalidades “universais”, como: agradecer, saudar, pedir desculpas etc. são meras convenções. No entanto, o
que estabelece a visão que um sujeito tem do mundo é sua cultura - socialmente compartilhada, mas única, singular - comum à seu
grupo social, e ao mesmo tempo idiossincrática. A rigor, não existem relações entre conceitos culturalmente determinados de uma
cultura x e outra y. Se x não tem qualquer contato físico com y, os conceitos de y pouca ou nenhuma importância têm para x. A isso
equivale dizer que x, sendo uma cultura independente e auto-subsistente, assim como y, são mundos fechados, feudos culturais sem
nenhuma sinapse com outros feudos. Se tal teoria for levada a fim e a cabo, fica-se estabelecido que não há qualquer relação entre a
língua de x e a de y. As palavras destas línguas representam mundos diferentes, mesmo se consideradas equivalentes pelos dicionários.
Ao se pensar por exemplo na palavra floresta, é possível imaginar que um brasileiro pensasse em um agrupado gigantesco de árvores
tropicais, relativamente espaçadas umas das outras, cuja fauna é composta por onças-pintadas e macacos, com clima permanentemente
quente e úmido - uma visão da Floresta Amazônica. É possível que para um alemão, no entanto, a palavra Wald (tida como
“equivalente” em qualquer dicionário bilíngüe português-alemão) tenha como referência um símbolo completamente diferente - árvores
coníferas, que formam um tecido de vegetação fechado, escuro, frio, habitado por ursos, veados e esquilos - uma visão da Floresta
Negra. De que equivalência poder-se-ia falar aqui? A medida em que os mundos culturais são diferentes, estes precisam denotar
símbolos diferentes, que não necessariamente correspondem a qualquer outro símbolo de qualquer outra cultura.
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A desconstrução tem por objetivo desfazer as crenças na relação um a um entre palavra e sentido, entre palavras de uma língua e de
outra, entre equivalências diretas e claras. Segundo ARROJO (1993), tudo não passa de ilusão logocêntrica, uma vez que só o que
podemos fazer com o discurso é utilizá-lo para produzir mais discurso - que não passa de linguagem, não verificável, “desconstruível”.

A rigor, se levarmos as teorias humboldtianas e desconstrutivistas ao radicalismo, pode-se chegar à conclusão de que toda a tradução é
impossível. O grande precursor da desconstrução na França, Jacques DERRIDA (1967:123 et seq.), chega mesmo a negar, em seu rigor
teórico (e pouco prático), a possibilidade de toda e qualquer comunicação.

Tendo como porto-seguro a concepção de verificabilidade dos resultados, podemos dizer que a teoria desconstrutivista não é verdadeira,
pelo menos parcialmente, já que o mundo vive e depende dos milhões de palavras traduzidas a cada hora, da comunicação de
informações de maneira rápida e permanente entre as nações, da interpretação “correta” e “verificável” dessas informações.

Tem-se portanto, é impossível negar, algum “fenômeno” de equivalência que permite que traduções sejam realizadas pragmaticamente.
Este fenômeno é justamente o consenso da concepção judaica, o convencionalismo lingüístico, adotado pelos povos através do fluxo da
História. É, pois, a equivalência intra e/ou interlingüística utilizada como ferramenta na tradução, meramente consensual.

É evidente que não se trata aqui de uma percepção simplista do acordo social explicitado. Não se trata de uma reunião de cúpula da
ONU, com representantes de entidades lingüísticas de diversas nações, para decidirem que palavras de suas línguas serão consideradas
equivalentes a que palavras em outras línguas. Todo acordo lingüístico é fruto do desdobramento dos séculos e do deslocamento do
Homem na História. Fala-se em História ao se mencionar toda trajetória orgânica, social, intelectual, ética, moral e, por fim, cultural do
ser humano, desde sua aparição consciente no mundo.

Stanley Fish, pragmatista americano da Universidade de Harvard, tece, em seus textos, sua própria teoria pragmatista (cf. FISH, 1980).
Stanley Fish coloca sobre os ombros de uma denominada “Comunidade Interpretativa” o papel de uma espécie de juíza de valores. Os
que discordam das determinações desta, estão “teologicamente errados” (FISH 1980:189). O texto passa a significar, portanto, tudo
aquilo, e não mais que isso, que a Comunidade Interpretativa quer que ele signifique. O significado de um texto é, portanto, dissociado
do texto por completo e atribuído à Comunidade Interpretativa. Por Comunidade Interpretativa (doravante CI) entende-se um grupo de
pessoas (no caso de Fish, de acadêmicos), que expressam uma mesma leitura de um texto, interpretando-o de maneira equivalente.

Assim, ao observar-se o mundo com os olhos de Fish, é possível estabelecer (coerentes) relações entre todo significado - de um texto,
de uma proposição filosófica, de uma equivalência tradutória - e a interpretação canônica que se faz dele. O Tudo significa somente
aquilo que os detentores do poder de coerção social querem que ele signifique. O motivo que leva à eclosão de tal fenômeno só pode ser
encontrado nas relações ideologizadores de Althusser. Para ALTHUSSER (1984), sendo o fator social ideológico e ideologizador
inescapável, inevitável, perdem-se as concepções de estranhamento em relação aos fenômenos e estabelece-se o canônico, segundo o
princípio da naturalização. Não se questiona o porquê de tal palavra ser “considerada” equivalente a uma outra, pois “é esta a ordem
das coisas”. O fenômeno ideologizador leva à alienação. A concepção consensualista transforma-se num arquétipo de proposta
onomatopaica. Isto é aquilo, diz-se. Perde-se a noção da origem, arbitrária e convencional - e ganha-se a (equivocada) impressão de
Verdade absoluta, universal e imutável.

O CONCEITO DE DISCURSO DE PODER


DE MICHEL FOUCAULT

Michel Foucault, francês, filósofo e historiador do pensamento, desenvolveu, entre muitas outras, uma chamada “teoria genealógica” que
tenta explicar mudanças nos sistemas de discurso através das conexões destes às práticas não discursivas de exercício do poder social.
Assim como as genealogias de Nietzsche, as de Foucault refutaram qualquer esquema explanatório, como os de Marx ou Freud. Ao invés
disso, ele encarava os sistemas de pensamento como produtos contingentes de muitas causas pequenas e não-relacionadas.
Essencialmente, os estudos genealógicos de Foucault enfatizam a conexão real entre o conhecimento e o poder. Instâncias de
conhecimento não são estruturas intelectuais autônomas que podem ser utilizadas como instrumentos baconianos de poder, mas estão
essencialmente ligadas a um sistema de controle social.

Os escritos genealógicos de FOUCAULT (1975), que fazem parte de sua terceira e mais duradoura fase filosófica, começam com uma
apologia de Nietzsche e suas teorias genealógicas originais. O filósofo francês propõe uma complementação da teoria original de
Nietzsche e afirma que “...todo e qualquer discurso é uma clara tentativa de exercício de poder social” (FOUCAULT, 1975). Esta conexão
essencial foucaultiana entre conhecimento (discurso) e poder reflete a visão do autor francês de que o poder não é meramente
repressivo, mas uma fonte de valores positivos, criativos, e sempre perigosos. Apesar de os sistemas de conhecimento expressarem
uma verdade objetiva per se, estes estão sempre ligados aos regimes de poder correntes. Por outro lado, todo e qualquer regime de
poder necessariamente dá vida a um sistema de conhecimento sobre os objetos que pretende controlar. Este conhecimento pode, no
entanto, em sua objetividade, ir além do projeto de dominação a partir do qual foi criado.

TRADUTORES TEÓRICOS BRASILEIROS

Em contato com toda a teoria desconstrutivista e pragmatista, os tradutores pós-modernos têm subsídios suficientes para encarar o
ofício de traduzir criticamente, podendo levar em consideração aspectos sociológicos, antropológicos, políticos, éticos, históricos,
religiosos, filosóficos e econômicos presentes no texto, no autor e no contexto em que o texto foi escrito. Assim, pode-se dizer que,
desde os tradutores dos targumim, passando pelos medievais e os renascentistas, sempre deixou-se de levar em consideração, ou deu-
se menos importância a um dos elementos envolvidos no processo tradutório: o texto original, o autor, o contexto, o texto traduzido e o
tradutor. Hoje, parece haver a preocupação, principalmente por parte de tradutores-teóricos brasileiros, como Paulo Rónai e Paulo
Henriques Britto, em contemplar todos os elementos citados em graus variantes de texto para texto. Os tradutores passaram, portanto,
de antropófagos a antropólogos.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ALTHUSSER, L. Essays on Ideology. Londres: Verso, 1984.

ARROJO, Rosemary (org.) O signo desconstruído - implicações para a tradução, a leitura e o ensino. Campinas: Pontes, 1993.

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CARDOSO, André. Alguns apontamentos sobre a estética da recepção, o pós-estruturalismo e a tradução. In: PaLavra, n. 2. Rio de
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DERRIDA, J. L’Écriture et la différence. Chicago, IL: Univ.of Chicago Press, 1978

ECO, Umberto. Os Limites da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2000.

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FISH, Stanley. Is there a text in this class? The authority of interpretive communities. Cambridge, Massachussets & London: Harvard
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FOUCAULT, Michel. Surveiller et punir: naissance de la prison, Paris: Gallimard, 1975.

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LEFEVERE, A. (Ed.) Translation/History/Culture - A Sourcebook. London: Routledge, [s/d.].

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