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cabal, sistemática e profunda, o lingüista franco-suíço Ferdinand de
Saussure, nos seus cursos na Universidade de Genebra, de 1908 e 1911,
compendiados postumamente em 1916 por dois de seus maiores discípulos
(Saussure 1922, 117), dividiu a lingüística em «diacrônica» (através do
tempo, ou seja, histórica) e «sincrônica», denominação que já aqui se
comentou. Por «lingüística sincrônica» ele entende a gramática descritiva,
cientificamente conduzida, isto é, de maneira sistemática, objetiva e
coerente. O propósito fundamental de Saussure era ver essa gramática
como disciplina «autônoma» (Saussure 1922, 25), independente das
disciplinas filosóficas da lógica e da psicologia, como de quaisquer outras
ciências. Foi o que o seu discípulo indireto, o lingüista dinamarquês Louis
Hjelmslev, colocou em termos muito claros, alguns anos depois. Para
Hjelmslev, é preciso «distinguir nitidamente o âmbito da lingüística»
(entenda-se «sincrônica») «que estuda aatividade pela qual se comunica um
conteúdo de consciência de um indivíduo a outro, e apsicologia, que, como
a lógica, se ocupa em examinar o próprio conteúdo da consciência
humana» (Hjelmslev 1928, 24).
Paralelamente com essa nova orientação européia, se desenvolveu
nos Estados Unidos da América o princípio e a técnica de uma gramática
descritiva. Primeiro, com o antropólogo Franz Boas, auxiliado por uma
brilhante equipe, na qual preponderou a figura de Edward Sapir (1884-
1939), houve o propósito de estabelecer as gramáticas descritivas das
línguas indígenas norte-americanas, ainda existentes, e em seguida com o
mesmo Sapir e especialmente Leonard Bloomfield (1887-1949) a nova
escola também se orientou para uma lingüística descritiva em sentido lato,
procurando remodelar as gramáticas descritivas das línguas de civilização
européia. Um grande grupo de discípulos diretos e indiretos de Bloomfield
elaborou técnicas descritivas cadavez mais objetivas e rigorosas.
A tendência da escola de Bloomfield, que a distingue das escolas
descritivas européias derivadas de Saussure, foi pôr de lado o valor
significativo das formas lingüísticas. O motivo, muitas vezes implícito,
dessa tendência foi o medo de se entrar através do estudo das significações,
novamente, na lógica e na psicologia.
Como, entretanto, a língua existe essencialmente como meio de
comunicação entre os homens e as significações lingüísticas estão
evidentemente na base de tal comunicação, a gramática descritiva era assim
levada a um verdadeiro beco sem saída. Daí, nos próprios Estados Unidos
da América, uma reação recente contra o trabalho de Bloomfield e seus
discípulos. Essa reação, que partiu
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principalmente lá de Noan Chomsky, já aqui citado, foi muitas vezes
desnecessariamente agressiva e não poucas vezes injusta. Na realidade,
Sapir, explicitamente, e, implicitamente, Saussure já tinham respondido
com acerto a essa dificuldade. As línguas, como já frisamos, repousam
numa lógica imanente e numa psicologia coletiva intuitiva, que a lógica,
em qualquer de seus aspectos (de Aristóteles, de Descartes, de Stuart Mill e
simbólica), e a psicologia clássica não tinham considerado. Para Sapir, até,
o estudo descritivo de uma língua e do seu mundo de significações é a
melhor maneira de penetrar nessa lógica e nessa psicologia, que escapam
ao estudo filosófico tradicional (Sapir 1969, 32, 152). Por isso, ainda nos
princípios do século XIX, o filósofo alemão Wilhelm von Humboldt, cuja
voz então ficou isolada, via implicitamente uma gramática descritiva
compreendendo a análise da «forma externa» de uma língua (seus sons
vocais, suas desinências e assim por diante) e a análise da sua «forma
interna», isto é, do seu mundo de significações. Chegamos assim a uma
conclusão preliminar sobre o que se deve entender por uma gramática
descritiva, de cunho rigoroso, sistemático e coerente.
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regra não é) mas por ser regido de preposição (em função que em latim
corresponderia a me no ablativo e às vezes no acusativo). Finalmente, na
análise histórica partimos sempre de uma análise sincrônica, tomada como
ponto de partida (lat. comedere, por exemplo, sem cogitar de formas
anteriores indo-européias que historicamente a explicariam). É
sincronicamente que consideramos comedere = com + ed + ere.
Este ponto será desenvolvido em todo o correr do presente livro, que
quer ser uma gramática descritiva, sem implicações diacrônicas.
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altamente nociva uma higiene que não assenta em verdades biológicas. Não
se compreende uma situação inversa. Depois, mesmo quando convém a
correção de um procedimento lingüístico (porque marca desfavoravelmente
o indivíduo do ponto de vista da, sua posição social, ou porque prejudica a
clareza e a eficiência da sua capacidade de comunicação, ou porque cria um
cisma perturbador num uso mais geral adotado), é preciso saber a causa
profunda desse procedimento para poder combatê-lo na gramática
normativa. Finalmente, a norma não pode ser uniforme e rígida. Ela é
elástica e contingente, de acordo com cada situação social específica. O
professor não fala em casa como na aula e muito menos numa conferência.
O deputado não fala na rua, ao se encontrar com um amigo, como falaria
numa sessão da Câmara. E assim por diante.
Quando o lingüista sincrônico se insurge contra o gramático
normativo ou o professor de língua, é em regra porque este e aquele
declaradamente desobedecem a esses 3 preceitos. Impõem as suas regras
praxistas como sendo lingüística. Corrigem às cegas, sem tocar no ponto
nevrálgico do procedimento lingüístico que querem corrigir e com isso só
criam confusão e distúrbio. Partem do princípio insustentável de que a
norma tem de ser sempre a mesma, e fixam um padrão social altamente
formalizado como sendo o que convém sempre dizer.
O remédio é o professor de língua e os homens em geral aprenderem
os princípios gerais da lingüística. Para isso, a melhor solução parece ser
fornecer-lhes uma gramática descritiva desinteressada de preocupações
normativas.
Há apenas uma observação final a fazer. Se a língua é variável no
espaço e na hierarquia social, ou ainda num mesmo indivíduo conforme a
situação social em que se acha, a gramática descritiva pode escolher o seu
campo de observação. Se ela tem em vista, indiretamente, o ensino escolar,
como é o objetivo implícito do presente livro, a escolha está de certo modo
predeterminada. Adescrição não tomará por base, evidentemente,
uma modalidade popular ou remotamente regional. Muito menos vai
assentar num uso elaborado e sofisticado, como é, por exemplo, a língua da
literatura. Partirá do uso falado e escrito considerado «culto», ou melhor
dito, adequado às condições «formais» de intercâmbio lingüístico no
sentido inglês do adjetivo.
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