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OLIVEIRA, A. A. Da antiguidade clássica à Saussure: o que se tem de estudos linguísticos?

In:
SANTOS, M. F. O.; MORAIS, E. P.; CAVALCANTI, R. J. S. Saussure: outros olhares. Maceió:
Edufal, 2014.

DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA À SAUSSURE:


O QUE SE TEM DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS?

Almir Almeida de Oliveira 1

RESUMO: Quando se pensa nas origens da Linguística é comum vir à mente o Curso
de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure, publicado no início do século XX e
considerado como obra episteme da linguística moderna. Este artigo busca, no
entanto, refletir a realização de estudos linguísticos anteriores a publicação do CLG
que de algum modo tenha contribuído para o amadurecimento das ideias de Saussure.
Veja-se que algumas questões linguísticas são discutidas desde os gregos antigos e
mesmo durante a Idade Média a língua fora objeto de investigação e intriga. De modo
que este texto se propõe a questionar porque sendo a língua um objeto investigado há
milênios, a Linguística apenas tenha surgido no início do século XX.

PALAVRAS-CHAVE: Estudos linguísticos; Saussure; Curso de Linguística Geral.

INTRODUÇÃO

Os estudos e discussões acerca da linguagem humana não são recentes, pelo


contrário, há milênios o homem tenta desvendar e compreender os mistérios da língua,
seu funcionamento e seu uso. Porém, apenas no início do século XX, com a
publicação póstuma do Curso de Linguística Geralde Ferdinand de Saussure, é que se
considera o nascimento da ciência linguística.
Embora muito se discuta sobre as propostas dicotômicas da famosa obra de
Saussure, pouco se fala sobre o que existia de linguística antes da publicação do CLG.
Havia algum tipo de linguística antes Saussure? Que tipos de estudos linguísticos o
antecedeu? O que Saussure trouxe de novo para os estudos da língua? Esses e outros
questionamentos devem ser refletidos no decorrer deste texto, a fim de se entender
porque apesar de há milênios já se discutirem os fenômenos linguísticos, a ciência
linguística teve origem apenas no século XX.
Veremos que desde a antiguidade até a Idade Média já se havia uma
1
Doutorando em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas com bolsa de fomento Capes.
preocupação lógica/filosófica acerca da natureza da língua e como e porque o homem
é o único animal que a possui. Também devemos transcorrer um pouco sobre os
estudos linguísticos que surgiram na Europa após o Iluminismo e que ficaram
conhecidos por proporem uma protolíngua que dera origem a todas as línguas
europeias a partir dos estudos comparatistas. E por fim, devemos refletir porque as
propostas saussurianas representam um verdadeiro corte epistemológico nos estudos
linguísticos fundando uma ciência da língua.

2. OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS NA ANTIGUIDADE E IDADE MÉDIA

Desde os gregos antigos já se discutia a natureza e funcionamento da língua.


No diálogo de Platão, Crátilo, para se exemplificar, o filósofo travou belas discussões sobre
a natureza original da língua. Seria ela, fruto da natureza ofertada ao homem, e como tal
indisponível ao mesmo? Ou seria resultado de uma grande convenção social, e dessa forma
manipulável?
Os defensores de uma visão naturalista da língua alegavam que todas as palavras
tinham uma relação direta e natural com as coisas, as quais representavam e que eram
mimeses da realidade. E, portanto, teriam princípios eternos e imutáveis não passíveis de
alteração humana. Os adeptos da corrente convencional pensavam diferente, defendiam que
a língua era o resultado de um costume da tradição, um contrato social e como tal poderia
sofrer alterações humanas a cada instante.

A disputa entre os “naturalistas” e os "convencionalistas” devia prolongar-se


por séculos, dominando toda a especulação acerca da origem da língua e da
relação entre as palavras e o seu significado. Sua importância para a evolução
da teoria gramatical está em que ela deu origem a investigações
“etimológicas” que estimularam e mantiveram o interesse dos estudiosos na
classificação das relações entre as palavras (LYONS, 1979, p. 06).

O grupo naturalista que sustentava a noção de regularidade da língua, era os


analogistas, e chamavam à atenção para o que denominavam de famílias de palavras.
Essas famílias mantinham um caráter gráfico ou sonoro regular entre si, o que era utilizado
para defender a ideia de realização natural da língua de que todas as palavras teriam uma
origem onomatopaica. Os que se opunham a esse pensamento, como os estóicos,
chamavam a atenção para os vocábulos irregulares 2 e foram denominados anomalistas.

2
O que podemos pensar em português como os verbos ser e ir, que não apresentam regularidade morfológica no
No período Alexandrino, os gregos desenvolveram uma preferência pela língua
escrita sobre a falada. Acreditavam que a língua literária clássica deveria ser tida como mais
próxima da perfeição, como também, deveria ser almejada por seus falantes. “A admiração
pelas grandes obras literárias do passado encorajou a crença de que a própria língua na qual
elas tinham sido escritas era em si mais pura e mais correta do que a fala coloquial, corrente
de Alexandria e de outros centros helênicos.” (LYONS, 1979, p. 09). Assim, as pessoas
deviam tentar se aproximar dessa língua escrita clássica e tudo que se distanciasse dela seria
erro.
Os filósofos gregos, seguidos pelos estóicos, foram os grandes responsáveis por
estudar e estabelecer as primeiras classes gramaticais que até hoje conhecemos, bem como
uma análise sintática moderna. Platão, por exemplo, foi quem primeiro fez uma definição do
que seriam os substantivos e verbos, ao perceber que há determinados elementos na língua
que dão nome às coisas, enquanto outras marcam ações. Aristóteles notou que um número
grande de palavras não exercia nenhuma das funções determinadas por Platão, e acrescentou
uma terceira classe gramatical que seria o das conjunções. Protágoras, em seguida, notou
que alguns elementos linguísticos eram gramaticalmente masculinos ou femininos ou
neutros. Foi nesse período que também se observou a noção de tempo passado, presente e
futuro, com as flexões verbais.

3. ESTUDOS LINGUÍSTICOS APÓS A RENASCENÇA

Veja-se que essa gramática que se apresenta desde os gregos, nasce sob uma ótica
descritiva, em que os seus delineadores observam como os elementos linguísticos se
comportam. Esses estudos linguísticos atravessaram todo o período medieval até a
Renascença. Neste período, na França, surgiram os mestres de Port Royal que defendiam uma
gramática especulativa, cujo principal objetivo era demonstrar que a língua é um produto da
razão e que as diferentes línguas são apenas variedades de um sistema lógico e racional. Os
seguidores de Descartes defendiam uma capacidade inata de adquirir a língua, bem como
questionavam a gramática do bom uso3.
Note-se que até este momento, as investigações e discussões acerca da língua
mostravam-se mais sob um aspecto lógico-filosófico que científico. Estes estudos partiam da

radical e muito menos traços onomatopaicos, dispensando qualquer tentativa de relacionar estes vocábulos a uma
motivação da natureza.
3
Esse pensamento, embora bastante criticado pelos estudiosos da época, motivará as ideias inatistas de Chomsky
na segunda metade do século XX.
observação empírica dos estudiosos para chegar aos seus resultados, dispensando um rigor
metodológico-científico para a obtenção de resultados.
Já no século XVIII, com a descoberta do sânscrito, os estudos linguísticos ganharam
novas perspectivas, pois ao perceber que havia uma estreita semelhança entre o grego, o latim
e a língua hindu, puderam ampliar os estudos comparativos entre essas línguas. Até então, as
semelhanças Greco-romanas eram atribuídas mais à questões sociais e políticas que
linguísticas. Com a adição do sânscrito a essa comparação, pôde-se imaginar a possibilidade
de uma única língua originar essas três línguas comparadas, que seria, portanto, o indo-
europeu.

No fim do séc. XVIII descobriu-se que o sânscrito, a antiga língua sagrada da


Índia, relacionava-se com o latim e com o grego, e também com outras
línguas da Europa. Essa descoberta foi feita, independentemente, por vários
linguistas. Desses, o mais importante foi Sir William Jones, que declarou
(1786), em palavras que se tornaram famosas, que o sânscrito mostrava em
relação ao grego e ao latim “tanto nas raízes dos verbos como nas formas
gramaticais, uma afinidade tão grade que não seria possível considerá-la
casual: tão forte, em verdade, que nenhum linguista poderia examiná-la sem
crer que se tinham originado de uma fonte comum que talvez não mais exista.
(LYONS, 1979, p. 24).

Os comparatistas, porém, não se limitaram a essa comparação entre grego, latim e


sânscrito, os quais a expandiram a várias outras línguas, principalmente as europeias, o que
aumentou as especulações acerca de uma protolíngua que teria dado origem a todas as línguas
ali conhecidas. Talvez, esse seja o primeiro momento na história em que se tem uma
abordagem linguística mais preocupada com fatos, que com especulações filosóficas.

No fim do século XVIII, nasceu uma nova disciplina linguística que logo
recebeu, graças a autoridade de Friedrich Schlegel e depois de Bopp, o nome
de gramática comparada. Essa disciplina, que a partir dos anos de 1810 se
transformou num verdadeiro programa de pesquisa, tomou forma na relação
sistemática de suas perspectivas, acrescentadas à das gramáticas clássicas: de
um lado a comparação das diversas línguas entre si, de outro a história
fonológica e gramatical de línguas em particular. (BOUQUET, 1997, p. 83).

Câmara Jr. (2001), define este período de investigação como pré-linguística, em


oposição aos estudos filosóficos da língua que ocorrem desde a Idade Clássica e a linguística
propriamente dita que surgiria com o advento de uma proposta científica para explicação dos
fenômenos linguísticos:

Podemos chamar aqueles três estudos da linguagem [O estudo do Certo e


Errado, o estudo da Língua Estrangeira e o estudo Filológico da Linguagem]
de Pré-linguística, isto é, algo que ainda não é linguística. Por outro lado, o
estudo biológico e o estudo lógico (ou em sentido lato, filosófico) da
linguagem não entram no domínio da linguagem propriamente dita.
Permanecem nos seus limites como um tipo de paralinguística. (CÂMARA
JR., 2001, p. 20).

Os neogramáticos surgem em seguida e também são pré-linguísticos, dentre eles Karl


Verner. Afirmavam que as alterações que se podem perceber na história linguística, pelos
documentos escritos, devem-se a leis fonéticas fixas que não variam, salvo por força de
outras leis. A evolução linguística se constitui pela substituição de um sistema de analogias e
anomalias por outro. Os neogramáticos notaram também, que os dialetos são tão completos e
regulares quanto qualquer outra língua, e suas diferenças seriam mais políticas e culturais
que linguísticas. Os dialetos não podem ser explicados por uma visão geográfica.
Perceberam que não há como definir o espaço de um dialeto, nem sua origem geográfica, e
que sua restrição geográfica se origina mais por questões políticas que limitações linguísticas.

4. A LINGUÍSTICA SAUSSURIANA

É nesse contexto histórico que surge Ferdinand de Saussure, com o Curso de


Linguística Geral, que originou o livro com o mesmo título, o qual foi publicado
postumamente por Charles Bally e Albert Sechehaye, no qual lança a proposta, ousada para
época, de estudar a língua por ela mesma, transformando-a em objeto formal de ciência.
Saussure concebe a língua como uma instituição social, uma convenção da
realidade humana, enquanto a fala seria a manifestação individual e momentânea dentro
desse contrato linguístico, comum que se firma em seu valor atribuído.
O conjunto maior, língua e fala, denomina a linguagem que é ao mesmo tempo
física, fisiológica e psíquica e não se classifica em nenhum dos fatos humanos, pois não há
como inferir em sua unidade sem abordá-la sob uma visão social, ampla (língua) ou
individual (fala). A linguagem se realiza através de signos linguísticos que obedecem mais
uma divisão interna.

O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma essencial, tem


por objeto a língua, que é social em sua essência e independente do
indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico; outra, secundária, tem
objetivo a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a
fonação e é psicofísica (SAUSSURE, 2006, p. 27).
A linguagem, em sua totalidade, imbrica língua e fala, e se realiza através de uma
junção de um conceito com a imagem acústica. Ou seja, do significado com o significante.
Saussure não acrescenta a ideia de imagem acústica à imagem gráfica que a representa, na
escrita por acreditar, concordando com os neogramáticos, que a escrita é apenas um
acessório da língua, e que suas imagens gráficas servem apenas para substituir imagens
fônicas da língua falada.
Saussure deixa clara a impossibilidade fonológica de representar o signo. Para ele,
o significante vai além do fonema da palavra, sendo conceituado apenas como a imagem
acústica mental de um som que não é propriamente o som.

O signo linguístico une uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma
imagem acústica. Este não é um som material, coisa puramente física, mas a
impressão (empreinte) psíquica do som, a representação que dele nos dá o
testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegarmos a
chamá-la “material”, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo
da associação, o conceito, geralmente mais abstrato (SAUSSURE, 2006, p.
80).

É pensando nesta abstração existente entre significante, significado e a coisa a que


se refere que ele chega à noção de arbitrariedade linguística, defendendo não haver
nenhuma relação natural entre o som pronunciado, ou mesmo com as letras que o
representam, com aquilo a que está associada. Os signos linguísticos são entidades
estritamente conceituais da língua. Porém, ele reconhece haver signos relativamente
motivados, referindo-se às palavras derivadas que têm motivação em palavras primitivas
que as antecedem.
As divisões estabelecidas na cadeia acústica devem corresponder também a uma
divisão na cadeia de conceitos. Isto é, para cada conceito ou significado nós temos um
significante, ao qual se junta para manter o signo. Para ele, é indissociável a relação
existente entre o significado e o significante.

Saussure caracteriza essa associação através de três propriedades essenciais:


primeiro, essa associação é tão forte que a imagem acústica (a composição
sonora) e conceito (o significado ou significação) que ele possui não podem
ser dissociados, sendo essa associação um fenômeno mental ou psicológico;
segundo, essa associação é fundamentalmente arbitrária, no sentido de que é
baseada somente na convenção social. A natureza de um conceito não se
limita à forma da “imagem acústica” que poderia ser qualquer outra
composição sonora, como é o caso de outras línguas que não o inglês;
terceiro, um signo linguístico não possui um significado em si mesmo.
Signos não são unidades isoladas cujo significado possa ser terminado
através de uma relação direta entre “imagens acústica” e “conceitos”. Signos
significam a partir das diferenças entre eles (BOUISSAC, 2012, p. 153).

Essas três propriedades do signo, destacadas por Boussaic (2012), a


indissociabilidade do signo, a sua arbitrariedade referencial e o aspecto diferencial que
garantem a sua significação, é o que concede ao signo linguístico o status de menor unidade
da língua, uma vez que a relação diferencial do signo, seja sintagmática ou paradigmática4,
com os demais signos da língua permitem a integridade do sistema linguístico de cada
língua. É a repetição de uma sonoridade com o mesmo conceito que lhe outorga sua unidade
linguística. Desse modo, é a recorrência dos signos linguísticos que revela a estrutura da
língua. Assim, todo sistema linguístico é conferido pelo fato do conteúdo composto não ser
puramente material, mas fundado em certas condições de valores.

Todos os valores convencionais apresentam esse caráter de não se confundir


com o elemento tangível que lhes serve de suporte. Assim, não é o metal da
moeda que lhe fixa o valor; um escudo, que vale nominalmente cinco
francos deve ter a metade dessa importância em prata (SAUSSURE, 2006, p.
137).

Da mesma forma, o signo não tem valor em si mesmo, apenas por convenção social
ele se realiza. Acreditar que não existem fatos linguísticos independentes de uma matéria
fônica, dividida em elementos significativos é o que confere ao signo uma realidade. Isso
leva a crer que em sua existência real, o signo adquire identidade ao se consolidar
socialmente com um mesmo valor linguístico.
O valor linguístico de um signo é sempre paradoxal, tal qual uma moeda, em que há
uma dessemelhança, que a permite possuir um valor diferente de outras moedas, e que
tem como função a possibilidade de ser trocada por um pão, pois ambos têm valores que
se opõem; por outro lado, há um valor semelhante dessa moeda, que permite a sua
comparação com a moeda de outro país. Ou seja, o signo linguístico pode ser comparado
internamente com outros signos da mesma língua, ou externamente com signos de línguas
diferentes.
Assim, fica evidente que o valor do signo se estabelece como tal, por fornecer ao
termo um aspecto de oposição. “Sua característica mais exata é ser o que os outros não são.”
(SAUSSURE, 2006, p. 136). Na significação da língua, só existe uma relação externa de

4
Saussure vai defender que os signos linguísticos se relacionam entre si numa organização sintagmática que
permite, por exemplo, a construção de frases em uma língua; do mesmo modo em que se relacionam em nível
mental associativamente (paradigmaticamente) com outros signos ao passo que quando uma pessoa pensa uma
palavra como escola é levada a associá-la com outras como aluno, ensino, professor etc. Mais adiante falaremos
um pouco mais sobre essas relações.
oposição dos signos, o que lhes confere uma identidade.
Para Saussure, cada signo contém seu valor atribuído. O autor argumenta que
sinônimos nunca são exatos, por mais que sejam sinônimos. Isso é possível devido à
oposição do signo estabelecido por seus valores que lhes conferem uma identidade
dessemelhante.
Todavia, o valor linguístico não se limita às oposições da palavra, ele se expande
aos critérios gramaticais, como gênero e número; o que permite, pois, obter-se as definições
opositivas em todas as línguas, quanto ao masculino e feminino, singular e plural, sujeito e
predicado, dentre outros.
Para Saussure, diferentes línguas têm diferentes modos de marcar essas oposições,
pois a língua tem o caráter de convenção social. Se a parte conceitual do valor do signo é
constituída unicamente por relações de semelhanças e diferenças com outros termos da
língua, pode-se dizer que o mesmo acontece em sua parte formal, importando na palavra não
o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem uma palavra se diferenciar de todas as
outras.
Acerca da arbitrariedade do signo linguístico, Saussure utilizou o exemplo do jogo de
xadrez, pois se uma peça qualquer, como o cavalo, for substituída por outra, o jogo não será
comprometido, pois o valor que era atribuído ao cavalo, agora pertence à nova peça. Isso será
possível sempre que a peça não for igual às outras, desde que não interfira no sistema de regras
do jogo.
Da mesma forma, acontece com a língua, quando uma palavra se perde, outra lhe
surge no lugar, mantendo o mesmo valor, porém sem ameaçar o sistema linguístico.

O sistema como um todo pode ser descrito como um conjunto de relações


entre relações. Esse sistema, considerando-se uma simplificação diante da
imensa complexidade da língua, permite-nos experimentar especificamente
como Saussure delineou sua concepção geral da langue ou do sistema
linguístico de línguas particulares, possibilitando-nos, igualmente, perceber
como ele visionou a representação de um sistema geral que pudesse ser
valido par todas as línguas e que constituísse uma teoria linguística baseada
na noção de valores diferencias. (BOUISSAC, 2012, p. 165).

Ainda comparando com este jogo, cada alteração na língua ocorre isoladamente,
cada lance acontece por sua vez. Nunca se pode prever os resultados de uma evolução no
signo; são imprevisíveis as consequências provenientes de cada lance. Não adianta lembrar a
sucessão de lances para o jogador; para o falante também não adiante saber a evolução
histórica da língua, apenas compreender o seu estado de funcionamento.
Apenas o que impossibilita uma comparação mais exata entre a língua e o jogo de
xadrez, é a intenção. Neste, há a intenção do jogador ao mover as peças, enquanto que na
língua, toda evolução é involuntária.
Dessa forma, toda e qualquer evolução linguística é permitida desde que preserve
esse traço distintivo entre os signos. Assim, importa menos o que há de matéria fônica em
um signo, do que aquilo que há ao redor do signo, permitindo essa diferenciação. O que
distingue um signo, portanto, é tudo o que o constitui. A diferença é que essa relação lhe
possibilita a caracterização de valor e de unidade.
Nas relações sintagmáticas que são baseadas no caráter linear da língua também se
faz presente a oposição do valor do signo linguístico, excluindo a possibilidade de
pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. A oposição que se estabelece entre um termo
pronunciado anteriormente e os posteriores ocorre devido ao valor que é responsável pela
integridade do sistema e assim mantém a significação.
Em nível mental, como já foi adiantado, as ideias se realizam por meio de
oposições, de modo que as relações associativas em que os conceitos se organizam,
existem como uma constelação, em que para cada termo dado, outros termos coordenados
surgem em uma soma indefinida. Essas relações são associadas por oposições de valores
estabelecidos e que se transformam em signos ao proporcionar para essa ideia conceitual, uma
imagem acústica.
Saussure defende que o signo tem um caráter estritamente social, uma vez que não
cabe ao falante alterar o valor do signo, da mesma forma que não cabe ao jogador de xadrez,
isoladamente, acrescentar ou retirar uma peça do jogo.

Para Saussure, um signo existe somente em virtude de sua significação;


uma significação existe somente em virtude das diferenças entre signos.
Uma composição sonora se transforma em um signo somente quanto é
reconhecida como pertencente a uma língua na qual desempenha seu papel
no sistema de alternâncias e oposição. (BOUISSAC, 2012, p. 169).

Defendendo a língua como uma convenção social, o valor linguístico é o


responsável por atribuir ao signo esse caráter de oposição. A língua resulta dessas duas
comparações associativa e paradigmática.
Foram essas as ideias estruturais sobre a língua que transformaram Ferdinand de
Saussure no pai da Linguística moderna e possibilitaram uma verdadeira ruptura
epistemológica nos estudos linguísticos, pois é a partir desse momento que temos um objeto
real de investigação, a Língua.
Por outro lado, se abandona as especulações infundadas que tinham como base as
observações empíricas sem amparo científico e ricas em preconceitos e dogmas pré-
estabelecidos. Pode-se dizer que, pela primeira vez, a língua é vista como objeto concreto da
ciência.
A partir do Curso de Linguística Geral, há uma verdadeira repaginação nos estudos
da língua. Assim, concordando com Benveniste (1989), todo linguista pós Saussure pode
receber o adjetivo saussuriano, pois, com certeza lhe deve algo. Mesmo aqueles que
discordam dos princípios teóricos de Saussure têm a necessidade de lhe fazer referência. Em
outras palavras, sua presença se tornou tão importante para a linguística que não há como
ignorá-lo.

5. CONCLUSÃO

Desse modo, encerramos o texto, embora não tenhamos feito o mesmo com a reflexão
acerca das origens teóricas de Saussure e da publicação do Curso de Linguística Geral, o que
mudou o rumo dos estudos linguísticos em todo o mundo.
Pudemos aqui considerar alguns pontos da teoria saussuriana que transformaram
Ferdinand de Saussure no pai da linguística moderna, principalmente no que refere aos
conceitos de língua, fala, signo, e ao valor distintivo do signo. Bem como conhecer um pouco
da história dos estudos linguísticos que antecederam Saussure e que muitas vezes é esquecida.
Essa discussão nos permite entender a importância que tem os estudos de Saussure
para a linguística produzida no século XXI, possibilitando uma gama de reflexões sobre o
funcionamento, uso e aplicações da língua que caminham por correntes mais formalistas ou
funcionalistas, mais estruturalistas ou mais discursivas, mais práticas ou mais teóricas e assim
por diante.

6. REFERÊNCIAS

BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral II. Campinas: Pontes, 1989.

BOUISSAC, P. Saussure: um guia para perplexos. Petrópoles: Vozes, 2012.

BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. São Paulo: Cultrix, 1997.

CÂMARA JR. M. História da linguística. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

LYONS, J. Introdução à linguística teórica. São Paulo: Editora da Universidade de São


Paulo, 1979.

SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006.

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