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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p.

117-135, 2008 117

OBRAS INTRODUTÓRIAS À LEITURA DE SAUSSURE:


O QUE FALAM E COMO FALAM DO CLG?

Gláucia da Silva Henge


RESUMO

O presente artigo procura colocar em contraponto obras


tomadas como introdutórias à leitura do Curso de Lin-
güística Geral (CLG) de Ferdinand de Saussure e o pró-
prio texto do CLG. Como propostas para discussão es-
tão o fato de ter ou não o curso um autor propriamente
dito e o ponto mais discutido em todas as obras
introdutórias: “a natureza do signo lingüístico e a noção
de arbitrariedade”.

PALAVRAS-CHAVE: Curso de Lingüística Geral, Ma-


nuais introdutórios, Leitura.

M
uitas vezes a leitura do Curso de Lingüística Geral1 (doravante
CLG) é antecedida ou até substituída pela leitura de obras
introdutórias ou manuais que abordam o CLG nos cursos de
graduação.
Surge então a dúvida: serão elas correspondentes aos temas aborda-
dos no curso? Trarão elas o registro do quanto o pensamento Saussuriano
é complexo e fora sendo reformulado pelo autor ao longo dos seus cur-
sos? A noção de autoria atribuída a Saussure repercute numa leitura
homogeneizadora das idéias do mesmo? Abordarão os manuais a interfe-
rência (se há) dos organizadores do CLG e suas conseqüências? Quais
noções são priorizadas pelos manuais e de que forma?
Enfim, muitas outras questões podem ser levantadas a respeito dessa
maneira de “apresentar” as idéias do mestre genebrino aos estudantes de lin-
güística e áreas afins, parece ser relevante e pertinente, portanto, que se lance
um olhar mais detido a essas obras, ainda que de uma forma singela e breve.

1
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingüística Geral. 27ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
Henge, Gláucia da Silva.
118 ObrasintrodutóriasàleituradeSaussure: o que falam e como falam do CLG?

O presente artigo procura trazer alguns dos tópicos colocados em


contraponto pelas leituras dos manuais e do próprio CLG. Parte-se pri-
meiramente da questão de o CLG ter ou não um autor propriamente
dito. Segue-se para o tema mais abordado em todas as obras introdutórias
“a natureza do signo lingüístico e a noção de arbitrariedade”.

O autor e a obra
As edições brasileiras do CLG trazem em suas primeiras páginas o
quadro biográfico de F. de Saussure. Neste quadro são apresentados os prin-
cipais fatos da pouco conhecida vida do estudioso, obras publicadas, uni-
versidades em que ensinou e as datas dos cursos de lingüística geral minis-
trados em Genebra; a saber: 1907 (1o curso), 1908/1909 (2o curso) e 1910/
1911 (3o curso).
Logo em seguida, o CLG traz os prefácios às 1a, 2a e 3a edições da
obra escritos pelos seus organizadores Charles Bally e Albert Sechehaye.
O prefácio à 1a edição, ainda que sucinto, é de capital importância, uma
vez que expõe a metodologia empregada pelos organizadores na confec-
ção do CLG, além de algumas preciosas informações.
No primeiro parágrafo os organizadores pontuam um aspecto mui-
to importante dos cursos ministrados por Saussure: “as necessidades do
programa o obrigaram a consagrar a metade de cada um desses cursos a
uma exposição relativa às línguas indo-européias, sua história e sua des-
crição, pelo que a parte essencial do seu tema ficou singularmente reduzi-
da”.2 Isto já deixa evidente a incompletude dos cursos quanto às idéias
inovadoras de Saussure, uma vez que este possuía apenas brechas para a
inserção de suas reflexões, talvez num verdadeiro esforço de adequá-las
ao programa conforme seu andamento...
Mais adiante, os organizadores comentam a expectativa de que pos-
suíam após a morte do professor Saussure de encontrar em seu acervo
pessoal “a imagem fiel, ou pelo menos suficientemente fiel de suas geniais
lições”3 para que, simplesmente unindo as notações dos estudantes e os
manuscritos do professor, obtivessem uma publicação. Bally e Sechehaye

2
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística geral 27ed. São Paulo: Cultriz, 2007, p1
3
Idem, p. 1.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 117-135, 2008 119

se decepcionam: “não encontramos nada ou quase nada que correspondesse


aos cadernos de seus discípulos (...) F. de Saussure ia destruindo os borra-
dores provisórios em que traçava, a cada dia, o esboço de sua exposição!”
Os próprios organizadores afirmam terem pouco aproveitado os
ensinamentos do mestre, cabendo aos cadernos de anotações dos estu-
dantes o papel de grande fonte e registro do pensamento saussuriano.
Dada a fragmentação, repetição e variação entre os cadernos, Bally e
Sechehaye decidiram-se por não reproduzir os trechos originais, mas
sim elaborar “uma reconstituição, uma síntese, com base no terceiro
curso (...). Tratava-se, pois, de uma recriação” 5. Assim, já no prefácio
da obra fica esclarecido que esta jamais corresponderia ao pensamento
do mestre genebrino, mas sim, de uma reformulação de suas idéias.
Os organizadores reconhecem sua audácia em chegar ao “cerne” das
reflexões de Saussure e pontuam seu método: “em cada ponto, pene-
trando até o fundo de cada pensamento específico, cumpria à luz do
sistema todo, tentar ver tal pensamento em sua forma definitiva (...)
depois encaixá-lo em seu meio natural”6. Não se pode definir se tal ob-
jetivo era mais pretensioso ou ingênuo, mas ainda frente à quase total
ausência de registros do próprio Saussure, evidência de constante
reformulação, os organizadores crêem poder chegar às verdadeiras in-
tenções do mestre: “apresentando-lhe todas as partes numa ordem con-
forme a intenção do autor, mesmo quando semelhante intenção fosse
mais adivinhada que manifestada.”7
Mais próximos do final do prefácio, os organizadores antecipam
prováveis críticas ao livro. Citando a incompletude do conjunto reco-
nhecem que abordar todas as partes da Lingüística nunca fora pretensão
de Saussure e que, de fato, o mestre não ter tido tempo para discorrer
sobre a Lingüística da fala pode ter gerado uma lacuna. Ao encerrar, Bally
e Sechehaye questionam-se “Saberá a crítica distinguir entre o mestre e os
seus intérpretes?” 8.

4
Idem, p 1.
5
Idem, p 3.
6
Idem, p 3.
7
Idem, p 3.
8
Idem, p 4.
Henge, Gláucia da Silva.
120 ObrasintrodutóriasàleituradeSaussure: o que falam e como falam do CLG?

Um leitor, ainda que muito distraído, ao ler um prefácio como este,


por certo adaptaria sua “lente leitora” para o que segue no livro. Compreen-
deria também que o texto do livro é uma recriação não cronológica de cur-
sos orais cujos registros escritos não passaram de notas de cadernos de alu-
nos e esparsos manuscritos, reformulados com o objetivo de adivinhar o
pensamento do mestre. Evidente se torna, em suas quase contradições ao
longo do texto, que não se trata de forma alguma de uma obra autoral de
um pensador da linguagem, mas sim, de uma perseguição de dois interessa-
dos a fugidias idéias geniais.
Jonathan Culler em seu As idéias de Saussure9 propõe-se a elaborar uma
obra que sirva particularmente para cursos de iniciação à Lingüística nas uni-
versidades. Ao trazer a figura de Saussure, o autor situa-o entre outros dois
vultos da modernidade: Durkheim e Freud, afirmando que ele “ajudou a dar
nova base ao estudo do comportamento humano”.10 Em sua introdução, Culler
retoma a figura de Saussure e a importância de suas reflexões sobre linguagem
como um marco para as ciências humanas desde então. Indo além, define
Saussure como uma “figura seminal na história intelectual moderna” e traz
como paradoxo que “sua influência na Lingüística e além dela, está baseado
em algo que ele nunca escreveu”.11
É interessante observar como Culler se preocupa em ovacionar a im-
portância de Saussure e sua contribuição para o pensamento moderno, mas
ao mesmo tempo, pontua ser a obra do Curso de Lingüística Geral um produ-
to de terceiros. O autor chega ainda a refutar a impressão de muitos de que o
CLG seja “um livro cheio de amplas generalizações, de observações porten-
tosas sobre a natureza da linguagem e do pensamento (...)” enfatizando que o
que impressiona no CLG é a “preocupação ativa e escrupulosa de Saussure
com os fundamentos de sua matéria”.12
Ao encerrar sua introdução Culler discorre amplamente acerca da rele-
vância de Saussure para as diferentes áreas das ciências humanas, chegando a
dizer que aí é que está o peso das idéias de Saussure, sendo essa “superaplicação”

9
CULLER, Jonathan. As idéias de Saussure. São Paulo: Cultrix, 1979.
10
Idem, p. 1.
11
Idem, p. 3.
12
Idem, p. 3.
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de “maior interesse para os leitores deste livro [As idéias de Saussure] que os
debates acerca da natureza precisa das distinções e categorias lingüísticas de
Saussure”.13
O primeiro capítulo do livro é intitulado O homem e o curso, e é, sem
dúvida, uma tentativa feliz de Culler em situar quem foi Saussure e o por-
quê do curso ser o que é. Inúmeras informações acerca da infância e da
juventude de Saussure são trazidas, deixando claro o interesse precoce do
estudioso por línguas e sua inserção nos estudos de lingüística histórica.
O autor comenta a dissertação sobre o Primitivo Sistema das Vogais nas
Línguas Indo-européias, a repercussão e o reconhecimento de seu conteú-
do. Mas traz também a “decente obscuridade provinciana” em que Saussure
passou a viver em Genebra e seu desprazer com a terminologia da Lin-
güística de seu tempo.14 O resgate da biografia de Saussure que Culler faz,
ainda que sucinta, é esclarecedora e dá conta de situar o leitor da comple-
xidade do texto com se defrontaria ao ler o CLG. Ao tratar do modo em
que o curso foi confeccionado, comenta que Bally e Sechehaye, “colegas
que não haviam assistido eles próprios às conferências” decidiram tentar
uma síntese, sendo esta decisão “grandemente responsável pela influência
de Saussure”.15
Culler ainda brinca com o fato de que dificilmente um professor gosta-
ria de ter suas aulas publicadas desta maneira, extremamente sujeito a falhas e
equívocos; mas reconhece que “o Cours de Linguistique Générale, tal como
foi criado por Bally e Sechehaye, é a fonte da influência e da reputação de
Saussure (...). Foi o Cours mesmo que influenciou sucessivas gerações de lin-
güistas”.16
De uma maneira bem didática, Culler ainda se preocupa em trazer
pontos em que comparar as notações dos alunos publicadas somente a
partir de 1967 com o texto do curso pode evidenciar distorções ou falsi-
ficações do pensamento saussuriano por conta dos organizadores. Culler
enumera os problemas do texto do CLG: “sua ordem de apresentação

13
Idem, p. 4.
14
Idem, p. 9.
15
Idem, p. 10
16
Idem, p. 10.
Henge, Gláucia da Silva.
122 ObrasintrodutóriasàleituradeSaussure: o que falam e como falam do CLG?

não é provavelmente a que Saussure teria escolhido”17 o que poderia ferir a


lógica do pensamento do mestre e distorcer a seqüência de seu argumento;
“a noção de natureza arbitrária do signo é muito menos discutida do que
nas notas”,18 e “discutindo o plano sonoro os editores são muito menos
escrupulosos e coerentes em sua terminologia do que Saussure parece ter
sido”.19
O autor de As idéias de Saussure parece bastante preocupado em deslo-
car as críticas ao pensamento saussuriano da figura do mestre genebrino
para Bally e Sechehaye, em acordo com o que eles mesmos solicitam no
prefácio do curso. Além disso, Culler tem o cuidado de trazer informações
que julgou relevantes para a compreensão do curso em sua particularidade
de não ter um autor, mas sim, criadores, termo este com que se refere aos
organizadores.
A obra Para compreender Saussure 20 é definida pelo seu autor, Castelar de
Carvalho, como um “manual de consulta permanente” para estudantes de
Letras e interessados. Há dois prefácios (um da 1a edição e um da atual, 12a
edição), sendo que a originalidade da obra, segundo Carvalho, é o “tratamen-
to sistematizante e eminentemente pedagógico” dado aos temas abordados
para aquele aluno “recém-saído do vestibular, que jamais ouvira falar de
Saussure”.21 Carvalho afirma ser Saussure o fundador da Lingüística científica
(seja lá o que ele queira dizer com isso). No prefácio da 12a edição o autor do
manual pontua este já estar no mercado há 27 anos, e ser esta atual edição
“uma edição realmente nova, inteiramente revista e bastante ampliada”22 na
qual foram feitos acréscimos em diversos capítulos e atualizações de biblio-
grafia e informações gerais.
Na estrutura da obra é destinado o primeiro capítulo a “A lingüística
pré-saussuriana”, no qual Carvalho enumera três fases sucessivas da Lingüís-
tica: 1a fase (filosófica) onde aborda sucintamente as reflexões dos gregos

17
Idem, p. 10.
18
Idem, p. 10.
19
Idem, p. 11.
20
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 14ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
21
Idem, p. 13.
22
Idem, p. 15.
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sobre a origem da linguagem, a 2a fase (filológica) na qual os alexandrinos se


destacaram no estudo da elucidação dos textos e a 3a fase (histórico-
comparatista) onde sintetiza o papel de Franz Bopp e a descoberta do sânscrito
na fundação da Lingüística Comparatista, e suas fases, os neogramáticos, lin-
güistas-históricos etc. É a partir dessa breve contextualização que Carvalho
vai introduzir seu segundo capítulo “A lingüística saussuriana” na qual ele
apresenta Saussure tendo sido formado sob o domínio do Comparativismo
nos estudos lingüísticos.
Carvalho cita a dissertação e a tese de doutoramento de Ferdinand de
Saussure e diz que estas, “além de artigos de gramática comparada, infeliz-
mente nada mais nos legou em vida o genial mestre genebrino”.23 Há aqui
uma distorção dos fatos ao que parece, uma vez que Saussure deixou centenas
de cadernos de notações destinados ao estudo dos anagramas (tema que o
fascinava) entre outros escritos. Na verdade o que não “nos legou em vida”
foram substanciosos textos sobre os temas abordados em suas reflexões so-
bre a linguagem.
Em seguida o autor menciona o CLG afirmando ser ele uma “compila-
ção por dois discípulos seus da Universidade de Genebra (...) eles dois alunos
foram Charles Bally e Albert Sechehaye”.24 Há aqui mais duas distorções: o
CLG não é uma compilação, uma vez que as notações não foram simples-
mente “ajuntadas” e editadas, mas sim uma reescritura ou como os próprios
organizadores definiram como recriação, síntese; outra distorção, um tanto
determinante na compreensão do curso, é a afirmação de que Bally e Sechehaye
foram alunos de Saussure, quando na verdade, eram colegas de universidade e
exatamente por estarem desempenhando suas funções admitiram não ter tido
tempo para assistir às aulas do colega professor: “obrigações profissionais
nos haviam impedido quase completamente de nos aproveitarmos de seus
derradeiros ensinamentos”.25
Não se trata aqui de deter-se a detalhes no texto do manual, mas
distorções como estas podem influenciar na compreensão das particulari-
dades do CLG, pois um aluno, ainda que confuso em suas notações, ten-

23
Idem, p. 25.
24
Idem, p. 25.
25
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística geral. 27 ed. São Paulo: Cultriz, 2007, p. 2.
Henge, Gláucia da Silva.
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de a ter uma visão mais clara da logicidade seguida por seu mestre durante o
curso, entre outros fatores. Já o trabalho de Bally de Sechehaye fora muito
mais árduo, complexo e meritório exatamente por não terem sido
freqüentadores dos cursos, possuindo concretamente apenas as informações
que lhes chegaram pelos “filtros” dos estudantes.
Ao definir o CLG quanto à sua confecção, Carvalho apenas afirma “Tra-
ta-se, portanto, de obra póstuma e inacabada, calcada em anotações colhidas em
aula por seus alunos e, como tal, explicam-se as possíveis obscuridades e contra-
dições das idéias de Saussure”.26 Em seguida o autor retoma o contexto históri-
co de Saussure atribuindo-lhe o mérito de, pela sua metodologia, propor uma
linguagem unívoca, de um padrão lingüístico, uma metalinguagem27 para a Lin-
güística como ciência.
Citando um trecho do capítulo 1 da introdução do CLG, Carvalho usa
o termo geral “Lingüística” como objeto da crítica de Saussure “jamais se
preocupou em determinar a natureza do seu objeto de estudo (...)”.28 Na
verdade, o texto do CLG critica a Escola Comparatista de Schleicher e Bopp
e passa a determinar de Lingüística “propriamente dita, que deu à compara-
ção o lugar que exatamente lhe cabe, [aquela que] nasceu do estudo das
línguas românicas e das línguas germânicas” com os estudos de Diez e
Whitney.
O manual deixa de fazer alusão a toda a reflexão trazida pelo capítulo
do CLG Visão Geral da História da Lingüística, refazendo o percurso do argu-
mento de Saussure quanto à necessidade de delimitação do objeto da Lin-
güística. A leitura do manual pode passar a impressão de que Saussure ape-
nas resolveu fazer o que não havia sido feito, sendo que ele estava a
redimensionar algo que os neogramáticos apenas tateavam em seus estudos:
“não se pode dizer que [a escola dos negramáticos] tenha esclarecido a tota-
lidade da questão, e ainda hoje, os problemas fundamentais da Lingüística
Geral aguardam uma solução”.29

26
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure, 14 ed. Petrópolis: Vozes,
2003, p. 25.
27
Idem, p. 26.
28
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística geral 27 ed. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 10.
29
Idem, p. 12.
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Ao citar o esquema da forma racional que deve assumir o estudo


lingüístico,30 Carvalho o reproduz e acrescenta (sem sinalizar como diferente
do original) ao termo sincronia uma subdivisão em relações associativas =
paradigmáticas e relações sintagmáticas.31

A seleção dos temas abordados


As duas obras discutidas neste artigo como leituras introdutórias à
Saussure possuem uma estrutura bastante similar: ambas trazem uma apre-
sentação do livro seguida de comentários acerca de quem foi Saussure
mais como uma introdução aos capítulos “nervais” do livro. Estes capítu-
los do CLG constituem um único capítulo em cada livro, coincidente-
mente, o segundo capítulo.
Antes de discutir o “conteúdo” de cada capítulo, chama-se a atenção
para os títulos escolhidos por cada autor. Com o mesmo objetivo de
introduzir as principais idéias do mestre genebrino, os títulos diferem
significativamente um do outro. Em As idéias de Saussure, Culler propõe o
título A teoria saussuriana da linguagem, já em Para Compreender Saussure,
Carvalho estabelece o título A lingüística saussuriana. Enquanto o pri-
meiro autor quer enfatizar a generalidade do pensamento de Saussure,
aplicável a todo e qualquer estudo que considere a linguagem como pon-
to fundamental a ser discutido; o segundo autor busca a demarcação das
idéias do estudioso como determinante de uma ou da Lingüística, ciência
de método e objeto próprios.
Passando ao “conteúdo” de cada capítulo, pode-se inferir a unanimida-
de dos autores na seleção dos temas trazidos do CLG. Ambos trazem pratica-
mente os mesmos pontos da obra. Não cabe aqui julgar se são de fato os mais
importantes do texto original, mas apontam para uma prática bastante co-
mum: buscar no CLG a tópicos de a primeira e a segunda partes, sem menci-
onar as demais e tampouco comentar-lhes a abrangência. Ainda que muito da
genialidade de Saussure sempre seja relacionada aos tópicos abarcados nas
obras introdutórias, esse “esquecimento” do restante do conteúdo do CLG

30
Idem, p. 115.
31
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 14 ed. Petrópolis: Vozes,
2003, p. 27.
Henge, Gláucia da Silva.
126 ObrasintrodutóriasàleituradeSaussure: o que falam e como falam do CLG?

tende a homogeneizar e simplificar o CLG, pois o pensamento de Saussure


fora muito mais amplo, detendo-se igualmente à Lingüística Diacrônica e
Geográfica, a pontos determinantes em fonologia etc., o que redimensiona a
abrangência de seus cursos e a profundidade das discussões que propôs aos
alunos.
A tabela a seguir elicita integralmente os temas tratados, na disposição
em que aparecem em cada obra e o seu correspondente no Curso de Lin-
güística Geral.

Colocar em contraponto cada item desses sumários seria o método mais


indicado para os objetivos deste artigo. Porém, tal procedimento demandaria
espaço e tempo maiores do que os estipulados, logo, será elencado um tópico
e sobre este, um olhar mais acurado será lançado a partir de agora. Dada a
“popularidade”, a complexidade e diversidade de interpretações que até hoje
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vem recebendo, tratar-se há do capítulo 1 da primeira parte do Curso de Lin-


güística Geral que aborda a natureza do signo lingüístico.
Jonathan Culler é bastante breve em sua abordagem do tópico, porém,
ao longo de sua explanação, evidente é o seu esforço em pontuar a oposição
de Saussure à noção de língua como nomenclatura. Em sua bibliografia, Culler
lista a edição de Tullio de Mauro e a edição crítica de Rudolf Engler, e de fato,
as preciosas informações que ambas as obras trazem à leitura do CLG se
fazem presentes no texto de Culler.
No item antecedente ao analisado aqui, Culler define o signo como “a
união de uma forma que significa, à qual Saussure chama signifiant ou
significante, e de uma idéia significada, o signifié ou significado (...)” e pontua
que só existem como componentes do signo, sendo este o fato central da
linguagem. Assim, ao falar de arbitrariedade do signo, Saussure estaria a dizer
que “não há nenhum elo natural ou inevitável entre o significante e o signifi-
cado”.32 Para ilustrar tal definição, o autor dá o exemplo de que por falar
inglês ele utiliza o significante dog para falar de um animal, mas que nada o
impediria de usar outra seqüência de sons qualquer como lod, tet ou bloop. O
autor ainda afirma que as onomatopéias tratam-se sim de casos em que “o
som do significante parece ser mimético ou imitativo”,33 mas por serem uma
classe isolada ou um caso especial apenas acentuam a arbitrariedade dos “sig-
nos comuns”. Interessante notar desde já que o autor não se preocupa em
definir os termos que usa em relação a como é apresentada a definição de
signo lingüístico no CLG, seu caráter psíquico ou ainda as imagens e exem-
plos expostos.34
Em seguida, Culler traz a noção de motivação (sem citar a distinção
arbitrariedade relativa/absoluta) valendo-se do exemplo em inglês
“typewriter” e definindo que “dentro do inglês, typewriter é um signo mo-
tivado porque os significados das duas seqüências sonoras que lhe com-
põem o significante, type [tipo] e writer [escrevedor], estão relacionados
com seu significado, com a idéia de um ‘escrevedor de tipos’ (...)” 35

32
CULLER, Jonathan. As idéias de Saussure. São Paulo: Cultrix, 1979, p. 14.
33
Idem, p. 15.
34
SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 79, 80, 81.
35
CULLER, Jonathan. As idéias de Saussure. São Paulo: Cultrix, 1979, p. 15.
Henge, Gláucia da Silva.
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Mais adiante, o autor pontua “o signo é arbitrário por não haver nenhum elo
intrínseco entre significante e significado” e segue refutando uma dedução que
se poderia ter a partir dessa noção que há significante e significado unidos
pelo signo. Isto o próprio Saussure pontuou quando disse ser fácil fazer da
bíblica ação de Adão em dar nome às feras, uma explicação da natureza verda-
deira da língua. Culler segue na direção do pensamento Saussure e acrescenta
que se acaso existissem de fato conceitos universais aos quais apenas haveria
significantes distintos conforme línguas distintas seria fácil traduzir de uma
língua para outra, e aprender uma nova língua não seria tão difícil como é.36
Aproximando-se mais do mestre genebrino quando enfatizava com o axio-
ma da língua como sistema (de signos) e não como nomenclatura de referentes do
mundo, Culler afirma “Cada língua articula ou organiza o mundo diferentemente.
As línguas não nomeiam simplesmente categorias existentes: articulam as suas
próprias categorias”37 e segue ainda trazendo mais argumentos que rebatem a
visão da língua como simples nomenclatura.
Bastante distanciado do texto do CLG, Culler segue sua abordagem da
arbitrariedade do signo deduzindo que “O fato de que a relação entre
significante e significado é arbitrária significa, então, que como não exis-
tem conceitos universais fixos, o significado em si é arbitrário, assim,
como o significante. (...) ambos, significante e significado, são entidades
puramente relacionais ou diferenciais”.38
Culler estabelece aqui um ponto importante, que invocaria
a abordagem da noção de valor (que ele não o faz), pois ele
percebe a dupla arbitrariedade vislumbrada por Saussure: a
arbitrariedade do significante (entre o conceito e imagem
acústica) e a arbitrariedade da língua (entre um termo e os
outros termos do sistema) conforme esclarece Bouquet
(BOUQUET, pág. 233). Talvez este seja o mérito de Culler,
ainda que sucinto e extremamente seletivo quanto ao texto
do CLG, este busca retomar, de fato, as idéias de Saussure e
aproxima-se muito (ainda nos anos 70) de pontos
significativos, como um leitor atento do CLG.

36
Idem, p. 15.
37
Idem, p. 16-17.
38
Idem, p. 18.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 117-135, 2008 129

Carvalho, por sua vez, se dispõe desde o início a ofertar um manual


para estudantes (inclusive com exercícios de fixação), assim, na tentativa
de ser bastante didático abre seu capítulo sobre a teoria do signo lingüístico
com um item sobre tipos de sinais (os naturais e os convencionais). Segue
conceituando como naturais os indícios e o sintoma; como convencionais
o ícone, o símbolo e signo. Define a distinção dos dois últimos da seguinte
forma: “o signo, totalmente arbitrário é a própria palavra, enquanto que o
símbolo, semi-arbitrário, é um tipo intermediário entre o ícone e o signo,
por exemplo a balança é o símbolo da Justiça (...)”.39 Em nota de rodapé
relacionada ao termo palavra no trecho acima transcrito, Carvalho pontua
que signo=palavra é a concepção lingüística saussuriana empregada no
livro.
Nesta introdução do capítulo surgem dois problemas. O primeiro é
que, ainda que cite a edição de Tullio de Mauro4 em sua bibliografia, Car-
valho parece ignorar a nota 137 de Tullio, quando este discorre sobre os
esforços de Saussure em se afastar de uma definição do signo como con-
vencional “todo o CLG é precisamente um combate contra essa concep-
ção. Saussure veio a utilizar arbitrário porque o adjetivo exprimia bem a
inexistência de razões naturais, lógicas, etc. na determinação das articula-
ções da substância acústica e semântica”.40 Assim, afirmar para o leitor que
o signo é antes de tudo um sinal convencional é distorcer a própria defini-
ção saussuriana. Outro problema da introdução é a redução da noção de
signo à palavra, igualando-os. Parece que, desta vez, Carvalho ignora o
próprio texto do CLG, mais precisamente o capítulo dois da segunda par-
te As entidades concretas da língua onde é explicitada a dificuldade de delimi-
tação dos signos e conclui-se que não há como oferecer entidades percep-
tíveis da língua à primeira vista, sendo preciso considerar uma outra no-
ção (a de valor).

39
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure 14 ed. Petrópolis, vozes, 2003 p. 30.
40
DE MAURO, Tullio. As notas à edição francesa do CLG. In: ______. Cours de Linguistique
generale. Édition critique préparée par T. Mauro. Paris: Payot, 1972. Polígrafo (trad.port.).
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DE MAURO, Tullio. As notas à edição francesa do CLG. in: ______. Cours de Linguistique
generale. Édition critique préparée par T. Mauro. Paris: Payot, 1972, p. 6.
Henge, Gláucia da Silva.
130 ObrasintrodutóriasàleituradeSaussure: o que falam e como falam do CLG?

Mais adiante, no subitem “A natureza do signo” Carvalho retoma a


definição de signo como “a união do sentido e da imagem acústica” e
complementa que “sentido é a mesma coisa que conceito ou idéia, isto é, a
representação mental de um objeto ou da realidade social em que nos situ-
amos, representação essa condicionada, plasmada pela formação sociocultural
que nos cerca desde o berço”.42 Associar a noção de sentido com a de con-
ceito ou idéia, para fins didáticos, até é compreensível. Acrescentar, porém,
a definição de realidade social, formação sociocultural é misturar coisas
imiscíveis.
Como se pode encontrar nas páginas seguintes, mais uma vez para ser
didático, Carvalho traz um subitem intitulado “Uma crítica à teoria do sig-
no” onde reproduz o triângulo de Ogden e Richards, adaptando-o ao es-
quema saussuriano e afirma “a mais importante delas [as críticas] refere-se
ao fato de Saussure, em virtude de encarar o signo como uma entidade
bifacial, não haver incluído um terceiro termo – a coisa significada – na sua
teoria.”43 e continua “a crítica é pertinente, pois o triângulo de Ogden e
Richards reintroduz a coisa significada, melhor dizendo a realidade
sociocultural”.44
Aqui surgem pontos cruciais: a noção de língua como sistema deixa
clara (e Culler já percebera nos anos 70 ao falar que a língua é que cria as
categorias) que toda a teoria saussuriana desconsidera o empirismo, os
objetos concretos referenciais no mundo, tratando-se de uma abstração.
Carvalho ao dizer que a representação mental é condicionada pela reali-
dade, ou seja, que a realidade, os referentes é que determinam os signos,
logo são o que determina a língua, inverte radicalmente o raciocínio
saussuriano. Trazendo como crítica pertinente a não-consideração da coisa
significada ignora mais uma vez as notas de Tullio de Mauro citadas como
bibliografia, mais precisamente a nota 129, citando nota de Saussure “o
que seria (em definitivo) a linguagem: a saber, uma nomenclatura de ob-
jetos. (De objetos dados de início). Primeiro o objeto, depois o signo;
portanto (o que negaremos sempre), base exterior dada ao signo e figura-
ção da linguagem por esta relação

42
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 14 ed. Petrópolis: Vozes 2003, p. 30.
43
Idem, p. 32
44
Idem, p. 33.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 117-135, 2008 131

* —————————— a
Objetos * —————————— b Nomes
* —————————— c
enquanto que verdadeira figuração é: a – b – c, fora de todo (conheci-
mento de uma relação efetiva com * —————— a, fundada sobre um
objeto)”.45
Ao abordar pontualmente a noção de arbitrariedade do signo
lingüístico Carvalho cita o trecho do CLG “o signo lingüístico é arbitrá-
rio” (CLG, pág. 81) e mais uma vez não faz menção alguma à esclarecedora
nota 136 de Tullio de Mauro, que esclarece ser todo o parágrafo uma
mistura feita pelos editores de diferentes aulas e que nos manuscritos na
verdade encontrava-se “o vínculo que une o significante ao significado é
radicalmente arbitrário”.46 O autor ignora também todo o capítulo dois
de Bouquet, que pontua e reforça tratar-se o arbitrário de “duas relações
bem distintas: ele vale, de um lado, para a relaçào interna ao signo, entre
significante e significado; vale, de outro lado, para a relação que une en-
tre eles os termos do sistema de uma língua dada”.47
Carvalho reproduz os mesmos exemplos do texto do curso (mar,
boeuf/böf/oks) acrescentando um exemplo não muito claro dos ver-
bos depoentes latinos. Não tece nenhuma crítica ao exemplo clássico
do boi de cada lado da fronteira, ainda que seja um exemplo amplamen-
te criticado, refutado, comentado etc., e chega a sintetizar que qualquer
significante é válido,48 não havendo significante “verdadeiro”. Entre-
tanto, no subitem que traz as críticas ao princípio de arbitrariedade,
Carvalho transcreve a crítica de Benveniste à Saussure, e esclarece acer-
tadamente que os críticos não apreenderam o pensamento saussuriano

45
DE MAURO, Tullio. As notas à edição francesa do CLG. In: _____. Cours de Linguístique
generale. Edition critique préparée par T. Mauro. Paris: Payot, 1972, p. 3.
46
Idem, p. 5.
47
BOUQUET, Simon. Introdução à Leitura de Saussure. São Paulo: Cultrix, 2000, p.
234.
48
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 14 ed. Petrópolis: Vozes
2003, p. 34.
Henge, Gláucia da Silva.
132 ObrasintrodutóriasàleituradeSaussure: o que falam e como falam do CLG?

em sua profundidade, enfatizando que Saussure postulava “que o signo como


um todo só tem valor situado dentro de um determinado sistema lingüístico,
do qual é parte integrante”.49 Ao término do subitem, Carvalho chega a
sinalizar que há dois sentidos para arbitrário, mas se limita a enunciá-los e
dar os seguintes exemplos:
“a) o significante em relação ao significado: livro, book, livre, Buch, liber,
biblion etc. (significantes diferentes para um mesmo significado);
b) o significado como parcela semântica (em oposição à totalidade
de um campo semântico: ingl. Teacher/professor port. Professor; ingl. Sheep/
mutton port. Carneiro.”.50
Carvalho traz ainda a questão das onomatopéias e interjeições, mas
não acrescenta nada de diferente do que há no texto do CLG.
Em seguida, o autor apresenta a distinção entre arbitrário absoluto
e arbitrário relativo, antecipando o tema abordado somente na segunda
parte (Lingüística sincrônica) do CLG. Para ilustrar a distinção entre
absoluto e relativo, Carvalho faz uso dos mesmos exemplos do curso:
dez e nove sendo signos imotivados e dezenove sendo relativamente
motivado e pereira também sendo signo motivado (pêra + eira). Além
disso, o autor discorre ainda no mesmo sentido do curso sobre a distin-
ção entre línguas lexicológicas (mais signos imotivados) e línguas grama-
ticais (mais signos motivados).
Ao definir arbitrariedade relativa o autor deduz que há signos assim
classificados “pois do conhecimento da significação das partes pode-se che-
gar à significação do todo”,51 porém, no CLG encontra-se algo bastante
distinto “não somente os elementos de um signo motivado são arbitrários
(cf. dez e nove em dezenove) como também o valor do termo total jamais
iguala a soma dos valores das partes; per X eira não é igual a per + eira”.52
Ou seja, Carvalho simplifica ao extremo um aspecto importante do pensa-
mento saussuriano, e acaba por desconsiderar não só o texto do CLG, mas

49
Idem, p. 49.
50
Idem, p. 36 a 37.
51
Idem, p. 39.
52
Idem, p. 153.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 117-135, 2008 133

também as reflexões de Bouquet (que ele cita como fonte bibliográfica, disto
pode-se lembrar sempre) sobre a importância do valor em Saussure. Não há
qualquer menção ao fato que pela leitura exclusivamente do texto do CLG infe-
re-se que o arbitrário absoluto se dá no signo, entre o significante e o significa-
do, e que o arbitrário relativo se dá na língua, entre os elementos do sistema. A
seguir, Carvalho dedica três páginas às reflexões de Pierre Guirand acerca da
motivação e sobre isto, haveria muito a ser dito, acabando por compor um outro
artigo completo, fica aqui, portanto, apenas o registro.
Por fim, o autor aborda a linearidade do significante e valendo-se do
exemplo de Martinet sobre “bata” e “pata” discorre sobre unidades discretas
da língua e sua sucessão temporal como definição dessa linearidade. Interes-
sante notar que Carvalho ressalta ser a linearidade apenas do significante e
não do significado (como se pudessem existir independentemente) e associa a
noção de significado à de pensamento dizendo que “do enunciado saussuriano
depreendemos que somente a parte material do signo – o significante – é
linear e que o pensamento, em si mesmo, não tem partes, não é sucessivo, só
o sendo quando se concretiza através das formas fônicas lineares do
significante” e mais adiante associa ainda a noção de estrutura profunda de
Chomsky ao pensamento funcionando como uma força estruturante.53 Há
aqui uma confusão com o que é abordado no CLG no capítulo quatro da
segunda parte sobre o valor lingüístico, quando o papel da língua é apresenta-
do como intermediário entre o pensamento e o som; por certo, não é disso
que fala o curso quanto à linearidade do signo. Além disso, fica a dúvida se
cabe realmente falar em gerativismo (e de uma forma tão superficial) em uma
obra que se dispõe a ser um manual introdutório à leitura de Saussure.

Considerações finais
A leitura dos dois livros aqui realizada permite distingui-los em alguns
aspectos. Sem dúvida alguma se trata de obras de natureza diferentes. En-
quanto As idéias de Saussure busca trazer elementos gerais do pensamento
saussuriano como fundamento para reflexões em diversas áreas das ciências
humanas, evidenciando em seu texto um caráter mais generalizante e pouco
detido em caracterizações e definições amplamente abordadas no CLG, Para

53
Idem, p. 45 e 46.
Henge, Gláucia da Silva.
134 ObrasintrodutóriasàleituradeSaussure: o que falam e como falam do CLG?

Compreender Saussure apresenta-se como um manual didático com fins muito


claros de apresentar os principais pontos do pensamento saussuriano aos es-
tudantes universitários que nunca ouviram falar do mestre genebrino.
Além disso, as duas obras distam no tempo quanto às publicações. Sur-
preendentemente, o livro mais antigo oferece mais atualizações quanto às crí-
ticas e publicações posteriores importantes (dos manuscritos, por exemplo)
ainda que Para Compreender Saussure cite como bibliografia e advirta em seu
prefácio, como pode ser visto aqui, não há reflexo dessas “atualizações” no
corpo do texto.
Apesar dessas divergências, há também entre as duas obras aspectos que
as aproximam e que são relevantes. Ainda que Culler enfatize a complexidade
do pensamento de Saussure e o fato de que o CLG não é uma obra do seu
“autor”, mas sim uma recriação dos seus editores, ele se aproxima de Carva-
lho numa atitude homogeneizadora do texto do CLG. Como foi visto no
tópico selecionado sobre a arbitrariedade do signo lingüístico, ainda que dis-
pondo da informação, nenhum dos autores abordou o fato de que o capítulo
do CLG traz material de duas aulas diferentes do terceiro curso de Saussure
(02 de maio e 19 de maio de 1911), de ser já o final do curso e quem sabe,
mostrar encaminhamentos e conclusões do estudioso, de Bally e Sechehaye
não fazerem referência alguma ao fato capital de que é na aula de 19 de maio
que Saussure retoma suas reflexões e introduz o par significante/significado até
então nunca utilizado, sequer comentam ou pontuam ambigüidades que sal-
tam aos olhos na leitura do CLG quando se fala, por exemplo, em som/fala,
signo acústico/matéria fônica ou ainda os tipos de arbitrariedade...
Enfim, considerando a constante busca dos estudantes de graduação ou
estudiosos de outras áreas por obras que os auxiliem na ou até substituam a
leitura do CLG, as leituras em contraponto aqui ofertadas parecem ter sido
válidas e significativas.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e latinidade, no 35, p. 117-135, 2008 135

ABSTRACT

This article compares books taken as introduction to


the General Linguistic Course by Ferdinand de Saussure
and the original text. As a proposal of discussion are the
points of having or not an author for the course and
(the most discussed point in all introductory books) “the
nature of linguistic sign and the notion of arbitrariety”.

KEY WORDS: General Linguistic Course, Introduction


Books, reading.

Recebido em 10/12/2007
Aprovado em 5/06/2008

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