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Existe uma definição satisfatória de arte?

Durante séculos esteve de um modo geral esclarecido o que era arte. Todos nós somos
capazes de reconhecer obras de arte, como por exemplo, o quadro de Guernica de Picasso ou
uma composição musical como a sinfonia de Beethoven. Todavia, no tempo atual, surgiram
novas formas de arte que muitas vezes acabam por fazer duvidar o que será realmente arte,
ou por que razão é considerada certo objeto, uma obra de arte, é o caso por exemplo, da obra
de Marcel Duchamp, a “Fonte”, a qual acabou por revolucionar a arte nesse aspeto.

Perante tudo isto é completamente compreensível que exista dúvidas sobre a definição de
arte. Será que realmente existe alguma definição que consiga definir o que é arte, ou se tudo
pode ser arte de modo aleatório e sem qualquer critério. Deste modo, será pertinente tentar
resolver este tema, pois a arte é algo que sempre acompanhou o ser humano e as sociedades,
acabando por fazer parte delas. É portanto necessário compreender o que é arte e o que não
é, de modo que este património humano não perca o seu propósito no futuro, pois estes
novos métodos de arte, por serem às vezes demasiado aleatórios para alguns, podem no meu
ponto de vista, tornar a arte em algo que não é reconhecido e que não tem qualquer valor,
uma vez que pode passar a existir a ideia de que “tudo pode ser arte”.

É precisamente para responder à pergunta “Existe uma definição satisfatória de arte?” que irei
direcionar este ensaio filosófico. Para resolver tal questão vou defender a minha posição com
os argumentos que acho mais adequados, atribuindo-lhes algumas objeções para chegar à
conclusão de que sim, existe uma definição, que tendo em conta as atuais circunstâncias,
define melhor o que é a arte.

Começarei por defender que as teorias essencialistas não são capazes de definir o que é a arte
de forma satisfatória. Primeiro é necessário entender em que consistem estas teorias, segundo
estas, a arte pode ser definida de acordo com um conjunto de características que todas as
obras de arte possuem, tentando desta forma, criar portanto, uma definição explícita de arte
baseada nas suas características visíveis. No entanto estas teorias falham principalmente por
considerarem a arte como um conceito fechado, ou seja, é algo que possuímos como claro e
vividamente presente na mente sobre uma certo tema/objeto, isto é, quando falámos sobre
um determinado assunto, sabemos automaticamente quais serão as suas características.

Para explicar melhor a minha linha de pensamento vou apresentar o raciocínio de Ludwig
Wittgenstein. Pensando no conceito de “Jogo” segundo este filósofo (?) é possível identificar
desde logo, algumas propriedades como o sentimento de competição, de vitória, de prazer,
etc., contudo, é possível que dependendo de cada pessoa, estas propriedades possam ser
sentidas de forma diferente e que nem sempre possam estar presentes em todo o tipo de
jogos. Este raciocínio é facilmente compreendido com o seguinte exemplo, sabemos que o
xadrez e o voleibol são ambos considerados jogos, no entanto, aquilo que determina que o
voleibol é um jogo é completamente diferente daquilo que determina o que é o xadrez. Com
este tipo de raciocínio, Wittgenstein provou que de facto, existem conceitos, que tal como o
jogo, não são fechados, mas sim conceitos abertos, abrangentes e pouco precisos e que a
razão pela qual atribuímos, continuando com o exemplo anterior, a denominação de “Jogos”

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para jogos tão incompatíveis como o voleibol e o xadrez, é porque estes têm algo em comum
entre si. Wittgenstein afirma que se contemplar-mos todos os jogos, vamos ver que não
existem características comuns a todos, mas sim uma série de semelhanças, às quais lhe
chama “semelhanças de família”.

Dando continuidade ao meu raciocínio, irei agora apresentar uma ideia de Moris Weitz onde
este filósófo transfere o raciocínio de Ludwig Wittgenstein para o conceito de arte. Para Weitz
a arte era, tal como o “jogo”, um conceito aberto, que não pode ser definida explicitamente,
chegando a uma posição cética quanto à definição essencialista de arte. Acabámos de ver
como Ludwig e Moris estabelecem o seu raciocínio e será a partir deles que apresento agora o
meu argumento contra as teorias essencialistas.

Segundo a minha opinião, não existem características fixas que podemos usar para definir
explicitamente o que é a arte, tal como é pretendido nas teorias essencialistas. Se insistirmos
em tentar definir a arte, já não estaríamos a falar de arte, mas de algo diferente, pois é
evidente que o conceito de “arte” pressupõe abertura, criatividade e diversidade,
principalmente na atualidade. Se pensarmos no percurso da própria arte em termos gerais,
esta sempre foi capaz de se modificar e de se ajustar às diferentes sociedades, pensamentos e
ideais que foram surgindo ao longo do tempo, logo se a definirmos de uma forma fechada
estaremos a excluir a própria condição de criatividade que se presume estar sempre associada
à arte. Por outro lado, estão sempre a surgir novas formas de arte e não sabemos o que
poderá surgir no futuro, pelo que definir a arte por métodos tão objetivos e restritos como
fazem as teorias essencialistas, não são para mim, o melhor método para a sua definição.

Posto isto, avanço para o meu segundo argumento onde pretendo justificar a razão pela qual
penso que as teorias não essencialistas, nomeadamente a teoria institucional da arte, nos dão
de facto uma justificação satisfatória na definição de arte. Ao analisarmos Weitz conseguimos
compreender que ele cai numa posição cética quando diz que é impossível definir arte, que
apenas a conseguimos distinguir por um princípio de semelhança. Não considero este
raciocínio bem-sucedido pela simples razão de que Weitz apenas olhou para uma maneira de
definir algo, ignorando completamente que podem existir outras formas. Do meu ponto de
vista, podemos definir algo de duas formas distintas, pelas suas condições necessárias
(encontrar características específicas em cada objeto e compará-las) ou pelas circunstâncias
em que foi feito, isto é, ir às suas extensões (partes não visíveis diretamente, como é o caso
por exemplo do local onde foi feito certo objeto, por quem, como, etc.).

E é precisamente em volta da segunda definição que George Dickie vai guiar a definição
institucional da arte, pois concorda que a arte é demasiada aberta para ser definida por
critérios objetivos e fechados.

A teoria institucional da arte defende que algo é arte se for (1) um artefacto (2) ao qual uma
ou várias pessoas, agindo em nome de uma certa instituição social (o mundo da arte),
atribuem o estatuto de candidato a apreciação. Há 3 razões pelas quais acredito que esta seja
a definição mais satisfatória sobre a arte. Primeiro é uma teoria que consegue ser abrangente
ao ponto de conseguir incluir qualquer tipo de arte, até mesmo as mais alternativas e
abstractas que estariam postas de fora nas teorias essencialistas, como é o caso por exemplo
da “Fonte” de Duchamp. Esta abrangência deve-se ao facto de a condição de artefacto e de

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mundo da arte serem também bastante extensas. O conceito de artefacto nesta teoria aplica-
se a qualquer objeto que tenha sido produzido por um ser humano, ou que tenha sofrido a sua
intervenção. Esta definição, é a meu ver, uma grande vantagem desta teoria pois admite que
até objetos naturais como um tronco de uma árvore possam ser artefactos, apenas por terem
sidos mudados de lugar, isto permite uma boa liberdade no que diz respeito à criatividade do
artista, que é precisamente o que se pretende atualmente, contudo, é importante salientar
também que Dickie dá uma grande especificidade a este critério, pois para ele arte implica ser
um artefacto, mas nem todo o artefacto é arte. Esta condição isolada não cria por si só obras
de arte, logo isto invalida que qualquer coisa seja arte, mas ao mesmo tempo acaba por não
ser uma condição tão restrita que prenda a criatividade.

A segunda razão advém da objeção à linha de pensamento de que muitas pessoas criticam a
ideia de que seja o “mundo da arte” a ter a autoridade de decidir o que é e o que não é arte, e
a questionar a legitimidade como o faz, contudo, esta razão não é suficiente para eliminar esta
teoria como uma boa definição, pois Dickie deixa em claro nos seus textos que o mundo da
arte na sua teoria não é uma instituição formal responsável por intitular a arte de forma
autoritária, tal como alguns a entendem. O mundo da arte não é para ser entendido como uma
instituição de poder jurídico muito grande concentrado nas mãos dos poucos privilegiados que
dele fazem parte. Dickie deixa claro que o mundo da arte não passa de uma instituição
informal. Isto é, o termo do “mundo da arte” é usado de uma forma ampla, sendo uma
totalidade de todos os sistemas do mundo da arte. Para Dickie o mundo da arte não passa de
algo construído pela própria sociedade ao longo dos tempos em que não envolve apenas o
artista, mas todos aqueles que funcionam como papel mediador entre este e o público. Desde
as próprias estruturas que albergam a arte (museus, galerias, ruas, festivais) a membros do
mundo da arte que estão em condições de agir em nome deste (compositores, diretores de
museus, repórteres, escritores, pintores, etc.) e dos quais se espera que entendam a posição
que ocupam e que sejam comprometidos com as suas funções, sendo capazes de
compreender a arte. No entanto, não invalida que existam membros desta instituição que
sejam incompetentes, mas isso acontece em todas as instituições. Logo a meu ver não faz
sentido excluir esta teoria apenas pela importância que esta dá ao mundo da arte.

Na minha opinião o mundo da arte ter esta função é vantajoso, pois como é uma instituição
vasta, muito facilmente qualquer artefacto pode ser considerado arte, mas por outro lado,
como se trata de uma instituição com alguma noção de arte acaba por diminuir a
probabilidade de que qualquer coisa seja arte, o que para mim é um ponto positivo.

A terceira e última razão, é a própria pertinência que esta teoria tem na atualidade e no
futuro. A arte é algo expansivo, criativo e incerto, pelo que não sabemos o que será
considerado arte no futuro, nesse sentido ter uma definição que nos permite classificar algo
como arte de uma maneira fácil, sem limitar as características desta, dando abertura para
todos os tipos de arte e obviamente dando espaço para a criatividade do próprio artista
incentivando-se assim o surgimento de novas formas de se criar arte.

Em jeito de conclusão, quero ressaltar que considero esta teoria como a mais satisfatória para
a definição de arte, pois parece-me ser aquela que mais respeita as condições da atualidade.
Aproveito também para referir que no âmbito da questão “ Se existe uma definição satisfatória

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da arte?” que move o meu ensaio não estou a estou a falar de uma definição valorativa e sim
apenas classificativa. Não coloco em questão se esta teoria é capaz de definir o que é boa ou
má arte, mas apenas se esta é capaz de definir de modo classificativo se algo é ou não é arte.
Portanto para mim, é a teoria institucional da arte que George Dickie defende que melhor
define o que é a arte.

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