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“Teorias da Arte”
Elisa Matos
Texto 1 (contextualização)
O início do século XX foi um período de grande revolução nas artes: surgiu a pintura
moderna, que rejeita frequentemente a figuração e a própria ideia de representação.
1
“Teorias da Arte” 2019/20
Representar o mundo exterior era uma coisa que a fotografia fazia perfeitamente, pelo
que alguns pintores consideraram mais fecundo procurar novos caminhos e abandonar
a representação. Um dos caminhos foi explorar as possibilidades de composição, por
meio da organização puramente visual de cores, linhas e formas. A pintura abstrata
começou a impor-se, e com ela também a ideia da «pintura pela pintura», daí
resultando um conjunto de obras completamente diferente do que era habitual.
Foi neste contexto que Clive Bell (1881-1964) defendeu a teoria formalista da arte.
Texto 2
«Ou todas as obras de arte visual têm alguma propriedade comum ou então, quando
falamos de “obra de arte”, dizemos tolices. Todos falamos de “arte” operando uma
classificação mental pela qual distinguimos a classe das “obras de arte” de todas as
outras classes. O que justifica esta classificação? Qual é a propriedade comum e
particular a todos os membros desta classe? Sela ela qual for, não há dúvida de que se
encontra muitas vezes acompanhas por outras caraterísticas; mas essas são acidentais
– esta é essencial. Tem de haver uma determinada propriedade sem a qual uma obra
de arte não existe: na posse da qual nenhuma obra é, no mínimo, destituída de valor.
Que propriedade é essa? Que propriedade é partilhada por todos os objetos que nos
causam emoções estéticas? (…) Só uma resposta parece possível – forma significante.
São, em cada um dos casos, as linhas e cores combinadas de um modo particular,
certas formas e relações de formas, que suscitam as nossas emoções estéticas. A
estas relações e combinações de linhas e cores, a estas formas esteticamente
tocantes, chamo «Forma Significante», e a «Forma Significante» é a tal propriedade
comum a todas as obras de arte visual.»
Bell C., Arte, Edições texto&grafia, Coleção Pilares, Lisboa, 2009, p. 23
Texto 3
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O formalismo encontrou na pintura o seu território natural.
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Clive Bell não se esquece da cor e a sua «forma significante» incluía combinações de linhas e de cores.
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Texto 4
Bell não pode dizer simplesmente que a arte é forma, porque, de certa maneira, tudo
o que nos rodeia – seja uma mesa, uma cadeira, um sapato, etc. – tem forma.
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caraterística distintiva da arte, a sua essência, aquela propriedade que todas as obras
de arte e só elas têm em comum. Mas que propriedade pode ser essa?
A emoção estética é uma emoção provocada por certas configurações de linhas, cores,
formas e espaços, e não pela compreensão do conteúdo, do tema ou da narrativa da
obra. Bell dá o nome de forma significante a esse tipo de configurações formais e
considera que é precisamente isso que todas as obras de arte e só as obras de arte têm
em comum. Neste sentido, dizer que algo é uma obra de arte é afirmar que as suas
linhas, cores, formas e espaços têm a capacidade de gerar uma emoção estética nos
espetadores, que é o mesmo que afirmar que esse objeto tem forma significante.
Resta acrescentar que, segundo Bell, embora a beleza natural também tenha, por
vezes, a capacidade de nos emocionar, essa emoção não se identifica com a emoção
estética. Esta última apenas pode ser produzida por produções humanas, ou
artefactos.
(1) Todas as obras de arte visual têm alguma propriedade comum, ou quando
falamos de «arte dizemos coisas sem sentido.
(2) É falso que quando falamos de «artes» nos limitamos a dizer coisas sem
sentido.
(3) Todas as obras de arte visual têm alguma propriedade em comum. (DE 1 e 2,
por silogismo disjuntivo)
(4) A propriedade comum a todas as obras de arte é a forma significante, ou é
outra propriedade que não a forma significante, como a representação ou a
expressão de emoções.
(5) A representação e a expressão de emoções são propriedades acidentais de
algumas obras de arte e não propriedades essenciais comuns a todas elas.
(6) Logo, a propriedade comum a todas as obras de arte é a forma significante. (De
4 e 5, por silogismo disjuntivo)
Algo é uma obra de arte se, e só se, algo tem forma significante.
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A premissa 2 estabelece que o termo «arte» não é um termo vazio e sem sentido. Por
exemplo, utilizamos esse termo para distinguir uma determinada classe de objetos: as
obras de arte.
Por fim, na linha 6, conclui-se que a propriedade comum a todas as obras de arte é a
forma significante.
Mas por que razão nem a representação nem a expressão de emoções podem ser
consideradas propriedades essenciais da arte? Ou seja, qual a justificação da premissa
5?
Além disso, Bell defende que a representação e a expressão de emoções não são
sequer condições necessárias para a arte. Segundo Bell, quer o co0nteúdo
representacional, quer o conteúdo expressivo são inteiramente irrelevantes para o
estatuto de uma pintura enquanto obra de arte. Ora, se existem obras de arte sem
conteúdo representativo ou expressivo, então essas propriedades não são condições
necessárias para a arte.
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Contraexemplos
Texto 5
Bell C., Arte, Edições texto&grafia, Coleção Pilares, Lisboa, 2009, pp 27-28.
De acordo com Bell, este tipo de pintura não é arte, pois nela «linha e cor servem para relatar
historietas, sugerir ideias e mostrar os costumes da época – não são usadas para provocar
emoção estética».
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Objeções:
Bell argumenta que tem de haver uma propriedade intrínseca comum a todas as obras
de arte, contudo, alguns filósofos da arte julgam que, embora não seja possível
encontrar uma propriedade comum pode haver propriedades relacionais e contextuais
às quais podemos apelar para distinguir as obras de arte de outros tipos de objetos. E,
assim sendo, parece que a argumentação de Bell assenta num falso dilema.
Bell define a noção de forma significante como configuração de linhas, cores, formas e
espaços que tem a capacidade de provocar uma emoção estética no espetador, mas
simultaneamente define emoção estética como o tipo de emoção que sentimos
quando estamos perante certas configurações de linhas, cores e formas, ou seja,
quando estamos perante uma forma significante. Assim, esta definição é viciosamente
circular e pouco informativa (uma obra de arte tem forma significante por que nos
provoca emoções estéticas e temos emoções estéticas por que a obra de arte tem
forma significante.
Existem muitas obras de arte que têm exatamente as mesmas propriedades formais de
certos objetos aos quais não é reconhecido esse estatuto, como acontece, por
exemplo, com os ready-made, como o contraexemplo apontado, de Marcel Duchamp e
outros exemplos da chamada found art (arte concetual).
Se a única coisa relevante para o estatuto de um objeto enquanto obra de arte fosse,
efetivamente, as suas propriedades formais, então não poderia haver obras de arte
com as mesmas propriedades formais que certos objetos comuns, aos quais não é
reconhecido esse estatuto. Portanto, as propriedades formais de um objeto não são a
única coisa relevante para o seu estatuto enquanto obra de arte.
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O conteúdo pode ser relevante para o estatuto de uma obra enquanto obra de arte
Ao contrário do que é defendido por Bell, é muitas vezes impossível apreciar o valor de
uma obra de arte concentrando-nos apenas nas suas propriedades formais e
ignorando inteiramente o seu conteúdo representativo ou expressivo. O que há de
apelativo em muitas formas é justamente o modo cativante como dão corpo a
determinados conteúdos. Nesses casos, forma e conteúdo tornam-se inseparáveis a
ponto de ser impossível sustentar que o conteúdo é irrelevante para a apreciação da
obra.