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1.
É pertinente pensar a crítica e a curadoria de arte na atualidade focadas nas questões da
leitura e da interpretação, em contraposição à visão mais tradicional que focaliza a
discussão na criação e no artista.
1
AMARAL, Maria Elisa Martins Campos. Revista ASA PALAVRA/ Faculdade ASA de
Brumadinho. Ano 3, nº6 ago/dez 2006. Brumadinho: Faculdade ASA, 2007 (p.13 -20).
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Para desenvolver tais reflexões foi fundamental a contribuição do crítico e curador espanhol
Martí Peran através do curso Curar e Criticar: Novos Modos da Crítica de Arte que ministrou em
abril de 2007 no Museu de Arte da Pampulha – BH/MG.
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2.
A crítica é uma questão de mediação. Importa, pois, localizar qual a direção dessa
mediação, que informações e questões ela articula e conecta.
Na tradição da experiência crítica e estética tínhamos, na interação artista / obra /
público, um fluxo caracteristicamente linear: O artista, com seu insuspeitado “dom”,
produzia a obra de arte para um público específico. Ao crítico - personagem que surge,
pela primeira vez no Renascimento, com uma atividade especializada distinta do
trabalho do filósofo - passou a caber o papel de intermediário entre obra e público.
Alguém que facilitava o “acesso” à “excelência” da obra.
A imagem abaixo propõe uma nova configuração nas relações entre artista / obra /
público / crítico, explicitando uma realidade mais complexa e evidenciando que
concordâncias e disparidades convivem na contemporaneidade conferindo à leitura da
obra de arte assim como à sua fruição, uma rica pluralidade de conexões sensíveis e
cognitivas. Vemos também um crítico/leitor que não se coloca como simples mediador,
mas como alguém que compartilha das questões da produção e potencializa as relações
de sentido que a obra possibilita.
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Conceito germânico utilizado por Karl Marx que define que todo objeto de cultura, natural ou
social, surge do trabalho ou dos seus desdobramentos in Manuscritos econômico-filosóficos, de
1844.
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“(...) na cadeia de reações que acompanham o ato criador, falta um elo. Esta falha representa a
inabilidade do artista em expressar integralmente a sua intenção: esta diferença entre o que quis
realizar e o que na verdade realizou é o ‘coeficiente artístico’ pessoal contido na obra de arte. Em
outras palavras, o ‘coeficiente artístico’ pessoal é como uma relação aritmética entre o que
permanece inexpresso embora intencionado, e o que é expresso não intencionalmente.”
(DUCHAMP apud DERDYK, 2001:12)
3.
A urgência do real na arte contemporaneidade põe em foco algumas categorias que
conferem à crítica não mais uma experiência interior e posterior à produção plástica,
mas uma experiência prática onde a fronteira de atuação entre artistas e críticos se
dissolve. Esses passam a se reconhecer como agenciadores de práticas tanto artísticas
como conceituais, dentro de uma dimensão experimental e ‘plurimidiática’ e, nesse
sentido, a observação da produção recente já nos possibilita localizar algumas categorias
bastante recorrentes, tais como:
• Práticas do dispositivo
Estratégias que permitem que a realidade se revele e tome a palavra. Exemplo
desse tipo de estratégia seria o trabalho de René Francisco, artista cubano que
participou da 26ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2004. O artista realizou
uma enquete num bairro muito pobre de Havana, a fim de localizar alguém a
quem pudesse ajudar com a bolsa que ganhara de uma residência artística; junto
com os moradores do bairro escolheu então a casa de uma senhora idosa e
enferma e procurou satisfazer muitas de suas necessidades mais prementes
como, por exemplo, refazer as instalações hidráulicas da casa que se
encontravam em situação crítica. Na Bienal foi apresentado o vídeo A la casa de
4
Rosa que documenta toda a intervenção.
• Práticas do acontecimento
Nessa categoria se estabelecem estruturas vivenciais, a criação de experiências a
serem compartilhadas com comunidades não exclusivamente artísticas. Exemplo
disso são as propostas relacionais do artista tailandês Rirkrit Tiravanija, que
propõem um encontro onde o público participa de uma ação conjunta como a
preparação de um grande banquete.
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A experiência está relatada por Maria Vidal Hernández no catálogo da 26ª Bienal de São Paulo,
FBSP, 2004, pág. 116.
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4.
Segundo os critérios que organizam a cultura ocidental, deduzimos a noção de sentido a
partir da experiência. A esfera institucional, desde sua implantação, se constitui com a
função de assumir o “sentido” sobre a cultura. De certa maneira ela tomou para si a
responsabilidade de “administrar o sentido” de forma a liberar o indivíduo desse “fardo”.
Ao mesmo tempo, afirmou-se enquanto instância de poder, frustrando o indivíduo por
não conseguir acatar plenamente as diferenças e as várias manifestações de forma
equânime e democrática, promovendo assim a manutenção de uma tradição do gosto
que se alinha exclusivamente aos anseios da elite, sobretudo financeira. Especializando-
se, como ocorre em todas as outras esferas de poder, a instituição tende a cristalizar-se
e envelhecer.
Urge, portanto, uma crítica da instituição. Desde o início do século XX, movimentos
artísticos e iniciativas individuais se prontificaram a engendrar essa crítica que, de
maneira bastante incisiva, tratou de colocar em questão a própria arte e com isso suas
instituições e valores. Um posicionamento inaugural dessa prática crítica está na obra
emblemática de Marcel Duchamp, evidenciando que o artista, a partir de então, passa a
assumir um importante papel na produção crítica de pertinência histórica, ou seja, no
questionamento da produção de seu tempo.
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O Museu, reconhecido como uma das mais importantes instituições destinadas à cultura,
se sustenta a partir da justificativa básica de preservar a obra de arte assim como
objetos e documentos tidos como testemunhos de seu tempo. É preciso, entretanto,
redimensionar a atuação do museu na contemporaneidade, de forma que assuma
verdadeiramente seu papel na produção de conhecimento, na criação contínua de
discurso e sentido, para desempenhar plenamente sua atuação histórica. O Museu -
lidando com a preservação, pesquisa e difusão cultural - não deve somente pensar a
memória do que se foi, mas construir memória, assumindo também a invenção, a
produção e a experimentação como formas de intervenção no seu tempo.
5.
Traçando paralelos entre a modernidade e a contemporaneidade, inicialmente, podemos
concluir uma diferença fundamental: nossa cultura deixou de ser pictórica para tornar-se
fotográfica, sendo essa categoria tomada pelo conceito de reprodutibilidade na qual
Walter Benjamin localiza a substituição de uma cultura “aurática” – referenciada no mito
da originalidade - para uma cultura do simulacro, da apropriação e da acessibilidade.
A obra, colocada em jogo - publicada através de peça gráfica ou exposição-, mesmo que
representante de um movimento passado da arte, independente da data em que foi
realizada, jamais será verdadeiramente histórica tendo em vista que, trazida ao
presente estará sempre contaminada pelo prisma da contemporaneidade: ela está
sempre sendo re-editada a partir dos olhares que se acumulam sobre ela re-
significando-a continuamente. Nesse sentido, torna-se fundamental a atuação crítica e
curatorial que atualiza a obra, colocando-a “em ato”, integrando-a a uma teoria da
história e dos conceitos. Segundo Stéphane Huchet 5 , a crítica nasce da falta de
comunicação, precisando assumir, portanto, a “produção de barulho”, algo como o
estranhamento e a dúvida, a crítica como intervenção cultural. Citando Ricardo
Basbaum, Huchet declara que a crítica não deve pensar sobre arte ou a partir da arte,
mas pensar “com a arte”.
Bibliografia:
BARTHES, R. Crítica e verdade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1999.
____________. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BASBAUM, R. Arte Contemporânea Brasileira. Texturas, dicções, ficções estratégias. Rio
de Janeiro: Ed. Rios Ambiciosos, 2001.
BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. IN: Obras
Escolhidas - Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
DUCHAMP, M. Apud DERDIK, E. Linha de horizonte. Por uma poética do ato criador. São
Paulo:Escuta, 2001.
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Stéphane Huchet é Doutor, pesquisador e curador francês radicado no Brasil (BH/MG),
professor da Escola de Arquitetura da UFMG e da Pós-Graduação da Escola de Belas Artes da
UFMG.
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HUCHET, S. In: SEMINÁRIOS Espaços Críticos nas Artes. Coordenação: Ana Lúcia
Andrade. Escola de Belas Artes/ UFMG, 2007.
PERAN, M. Curso Curar e Criticar: Novos Modos da Crítica de Arte. Museu de Arte da
Pampulha, maio de 2007.