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São Gonçalo
2017
Ronald Coutinho Santos
São Gonçalo
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/D
CDU 911:37
____________________________ ____________________________
Assinatura Data
Ronald Coutinho Santos
Aprovado em
Banca examinadora:
__________________________________________
Prof. Dr. Renato Emerson N. dos Santos (Orientador)
Faculdade de Formação de Professores - UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Denílson Araújo de Oliveira
Faculdade de Formação de Professores - UERJ
__________________________________________
Prof.ª. Dr.ª Maria Tereza Goudard Tavares
Faculdade de Formação de Professores - UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Eduardo José Pereira Maia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
São Gonçalo
2017
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 13
1 RAÇA E RACISMO: ENTRE ESCALAS E TEMPORALIDADE .......... 22
1.1 A raça, racismo e o sistema-mundo moderno-colonial................... 23
1.2 As múltiplas faces do racismo no Brasil........................................... 34
1.2.1 Da sua forma oculta, à branquitude e branquidade: os mecanismos
“sutis” de perpetuação do racismo nas relações sociais brasileiras...... 36
1.2.2 As inculcações do racismo nas relações espaciais brasileiras.............. 50
1.3 Reflexões para a análise do racismo no presente estudo............... 55
2 RELAÇÕES DE PODER NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO: DE
INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO A CAMPO EM DISPUTA.............. 65
2.1 Cotidiano escolar e as relações de poder......................................... 70
2.2 Apontamentos acerca da construção do currículo.......................... 78
2.2.1 As teorias e as políticas de currículo..................................................... 78
2.2.2 Escalas da construção curricular: o prescrito, o praticado e o oculto... 85
2.3 Campos de disputa para construção de uma educação
antirracista........................................................................................... 89
2.3.1 A construção do conhecimento e o rebatimento na formação de
identidades............................................................................................. 90
2.3.2 Multiescalaridade do combate ao racismo na educação....................... 99
3 ANTIRRACISMO E ENSINO DE GEOGRAFIA: A DISPUTA
DO/PELO CURRÍCULO COMO PERSPECTIVA PARA A
CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA.................... 110
3.1 As mudanças na geografia que se ensina e a formação de uma
“Tradição Geográfica”......................................................................... 113
3.1.1 Da geografia corográfica à formação da geografia tradicional.............. 117
3.1.2 A renovação crítica da Geografia: ruptura, consolidação e
aprofundamento..................................................................................... 123
3.2 A geografia que se ensina, o racismo e as teorias pós-críticas:
diálogos para a construção de uma educação antirracista............. 133
3.2.1 Teorias raciais na geografia tradicional................................................. 134
3.2.2 A renovação crítica: rompimento com o racismo?................................. 142
3.2.3 Outros caminhos para o ensino de geografia........................................ 146
4 DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO
ANTIRRACISTA NO ENSINO DE GEOGRAFIA: OS CONFLITOS
NA PRÁTICA COTIDIANA DE PROFESSORES.................................. 151
4.1 Acerca dos procedimentos metodológicos para a análise das
disputas no cotidiano escolar............................................................ 157
4.2 Conflitos na prática docente: entre embates e dilemas................... 161
4.2.1 Apresentação dos conflitos no cotidiano das/dos docentes
acompanhadas/os ................................................................................. 167
4.2.2 A prática docente antirracista e as tensões nas relações do/no
cotidiano escolar ................................................................................... 182
4.2.3 Cotidiano escolar e o ensino de geografia: de um palco de conflitos a
um campo de disputa............................................................................. 191
APONTAMENTOS FINAIS ................................................................... 203
REFERÊNCIAS .................................................................................... 209
APÊNDICE A – Quadro de Embates..................................................... 219
APÊNDICE B – Quadro de Dilemas...................................................... 223
13
INTRODUÇÃO
1
Regulamentada e definida pela resolução nº 8 do Conselho Federal de Educação, de 1º de
dezembro de 1971, essa lei promoveu a introdução do núcleo comum para os currículos de ensino de
1º e 2º graus em todo o país. Sendo este composto pelas matérias: a) Comunicação e Expressão – A
Língua Portuguesa; b) Estudos Sociais- a Geografia, a História e a Organização Social e Política do
Brasil; c) Ciências – a Matemática e as ciências Físicas e Biológicas.
14
Ainda segundo Santos (2011), à medida que a geografia que se ensina, nos
faz pensar o espaço a partir de conteúdos e lógicas eurocentradas e racistas, ela
ajuda a criar ou reforçar visões de mundo que através de identidades geo-espaciais
acabam colaborando para a manutenção e construção de visões de mundo. Em
outras palavras, “Raça passa a ser, por esta ótica, um conceito geográfico, uma
noção que se assenta sobre leituras espaciais.” (idem, ibidem, p. 8).
Em percepção similar, Gabriel Siqueira Correa (2013) apresenta uma série de
situações que são recorrentes nas aulas de geografia e ajudam a pensar a prática
pedagógica, mesmo a engendrada e defendida por parte dos pesquisadores
defensores de uma renovação crítica da Geografia:
movimento, é criada uma ideia da existência de uma escala universal de valor entre
os grupos humanos com classificações e categorias variáveis (ibidem, p.26).
É importante enfatizar que o racismo universalista de base espiritualista
justifica um modelo civilizatório, em que diferentes culturas vão ser mais ou menos
“evoluídas”, “avançadas” e, consequentemente, assimiláveis (D‟Adesky, 2001) a
esse “novo mundo”. Por outro lado, o de base biomaterialista, legitima um processo
de seleção, hierarquização, dominação e em diversos casos o extermínio de raças
postas como inferiores.
Já as formas diferencialistas:
[...] no fim do século XV, a noção colombiana de “gente sin secta” (“povos
sem religião”) significava uma coisa nova. Dizer “povos sem religião” hoje
em dia quer dizer que estamos nos referindo a “povos ateus”. Entretanto, no
imaginário cristão do fim do século XV, a frase “povos sem religião” possuía
uma conotação distinta. No imaginário cristão, todos os seres humanos são
religiosos. Eles podem ter o “Deus errado” ou “os deuses errados”, pode
haver guerras onde se derrama sangue na luta contra o inimigo equivocado,
mas a humanidade do outro, como algo a ser conquistado e uma forma de
dominação, não estava posta em questão. O que estava sendo questionado
era a “teologia” do outro. Tudo foi radicalmente modificado em 1492, com a
conquista das Américas e a caracterização de povos indígenas por
Colombo como “povos sem religião”. Como dissemos, uma leitura
anacrônica desta frase pode fazer parecer que Colombo se referia a “povos
ateus”. Mas, no imaginário cristão da época, não ter uma religião equivalia a
não ter uma alma, isto é, ser expulso da esfera do humano.
(GROSFOGUEL, 2016, p. 36)
5
Essa mudança não significa o fim do racismo de base espiritualista, mas sim a mobilização de um
novo eixo de justificativa que vai coexistir no tempo e no espaço.
28
Essa perspectiva faz com que entenda-se a raça como um “[...] constructo
social, princípio de classificação que ordena e regula comportamentos e relações
sociais, tem vinculação direta com a Geografia” (SANTOS, 2009a, p.21). Mais que
isso, também possibilita compreender que o racismo teve um papel fundamental na
conformação do sistema-mundo moderno-colonial que colocou a Europa no centro
do mundo.
Sobre esse sistema-mundo, Quijano (op. cit.) aponta que é formado por uma
heterogeneidade histórico-estrutural que se vale da coexistência de “três elementos
centrais que afetam a vida cotidiana da totalidade da população mundial: a
colonialidade do poder, o capitalismo e o eurocentrismo” (QUIJANO, op. cit., p. 233).
Ao partir desse prisma, o autor aponta que as sociedades atuais também são
formadas através da coexistência simultânea de diferentes formas de opressão,
exploração e hierarquização.
Como assinala Grosfoguel (2008), essa coexistência também atinge o campo
epistemológico, na medida em que a inculcação de pensamentos eurocêntricos
fazem com que não consigamos valorizar as contribuições de populações
historicamente postas enquanto inferiores. Para fazer essa crítica o autor aponta
que:
30
6
A associação de sistemas múltiplos de subordinação tem sido descrita de vários modos:
discriminação composta, cargas múltiplas, ou como dupla ou tripla discriminação. A
interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências
estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata
especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros
sistemas discriminatórios criam desigualdades que estruturam as posições relativas de mulheres,
raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e
políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos
dinâmicos ou ativos do desempoderamento. (CRENSHAW, 2002, p. 177).
32
Com essa contribuição, o autor nos possibilita entender, que uma dupla
acepção da modernidade: i) eurocêntrica “intra-europeia”, utilizada para criar uma
“subjetividade” capaz de colocar a Europa enquanto um continente autossuficiente e
independente; e ii) com destaque para o protagonismo em escala global, instituindo
o início da história do mundo, a partir do seu processo de expansão marítima.
Para justificar o primeiro ponto, pode-se destacar a mobilização simbólica do
Renascimento Italiano, da Reforma e da Ilustração alemãs, da Revolução Francesa
e do Parlamento inglês, para evidenciar uma “autossuficiência” capaz romper com
as “trevas” e libertar a Europa através da razão. Essa visão eurocêntrica perpassada
na modernidade permite vincular a Europa a uma posição de destaque, um exemplo
a ser seguido.
Já o segundo ponto evidenciado por Dussel (2005) surge como a construção
de uma narrativa, onde a Europa é o centro da história mundial. Com isso buscam
criar uma narrativa que justifique a ideia de que “[…] nunca houve História Mundial
até 1492 (como data de início da operação do „Sistema-mundo‟)” (DUSSEL, 2005, p.
61).
A modernidade, aliada com as múltiplas hierarquias faladas anteriormente,
acabam servindo para colocar a Europa em uma posição hierarquicamente superior
33
7
Entre as leis destacam-se a Leis de Jim Crow e as Leis Antimiscigenação nos Estados Unidos da
América e a política de Apartheid na África do Sul.
34
8
Conferir: SANTOS, Renato Emerson dos. (Org.). Questões urbanas e racismo. Petrópolis: DP;
Brasília, DF: ABPN, 2012; SANSONE, L. Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação
racial no Brasil que muda. Afro-Ásia, n. 18, 1996, Salvador, pp. 165-188; HASENBALG, Carlos
Alfredo; SILVA, Nelson Valle. Estrutura social, Mobilidade e Raça. São Paulo: Vértice; RJ: Instituto
Universitário de Pesquisa, 1988; PAIXÃO, Marcelo J. P. Desenvolvimento Humano e Relações
Raciais. Rio de Janeiro: DP&A (Coleção Políticas da Cor), 2003.
35
9
Como destacado anteriormente, o racismo é um sistema complexo, podendo ser compreendido
através das diversas esferas em que está presente. Dessa forma, é de suma importância, ter a
compreensão de que “[...] o preconceito racial não é todo o racismo, ele não esgota de modo nenhum
todo o seu conteúdo. Resulta daí que a redução do preconceito racial a uma figura (moderna) de
atitude etnocêntrica, tão justificada quanto a possamos considerar, não implica a redução do racismo
ao etnocentrismo.” (TAGUIEFF, 2002, p.22)
36
onde ser racista implica em uma coerção moral, o discurso de discriminação racial é
substituído por "favoritismo racial", ou como será visto a seguir, “privilégios raciais”.
Esse favoritismo/privilégio não implica na desvalorização e/ou negação das
contribuições dos outros grupos raciais para a formação da sociedade atual, mas na
supervalorização e favorecimento do grupo racial branco. Apesar de valorizar o
“outro”, e compreender a existência do racismo na sociedade, esse “novo racismo”,
não exerce um impacto negativo sobre a identidade branca, ao contrário, a
potencializa como sinônimo de desenvolvimento, modernidade.
Nesse sentido,
[...] este racismo à brasileira não tem nada de cordial; muito pelo contrário,
por ser mascarado, ele é não apenas terrivelmente eficiente em sua função
de discriminar as pessoas de cor negra, mas é também, lamentavelmente,
muito difícil de erradicar. Faz-se, pois, necessário conhecer as “novas
cabeças” desta velha e horrorosa Hidra; faz-se necessário analisar as
formas específicas que o racismo assume no Brasil. (Idem, ibidem, p .22)
Para adensar e essa análise, compreendemos que esse novo racismo tem
como principal componente a criação e posterior mobilização de uma identidade
branca. Cabe ressaltar que, como grande parte das identidades presentes no atual
sistema-mundo estão atreladas a um emaranhado conjunto de opressões, essa
perspectiva nos ajuda a ampliar o escopo analítico-conceitual para compreender
como essas novas formas de racismo aparecem na sociedade, com as discussões
levantadas no início do capítulo10.
Sobre esse debate, Ruth Frankenberg (2004) aponta que:
10
Por ora, é importante lembrar que esse tema tem forte desdobramento na construção de leituras
espaciais e é trabalhada na agenda do ensino de geografia, ou seja, não é só na mídia que se
aprende essa leitura, mas também em sala, com a geografia.
42
11
O termo é criticado pelo autor, uma vez que junto com o termo “negritude”, representavam um
empecilho para a propagação da ideologia de democracia racial sob a base de um discurso de
mestiçagem.
12
“Branco no Brasil? Ninguém sabe, ninguém viu” (2000) e “Porta de vidro: entrada para a
branquitude” (2002).
13
“Branqueamento e Branquitude no Brasil” (2002), e na sua tese de doutorado “Pactos narcísicos no
racismo: branquitude e poder nas organizações empresarias e no poder público” (2002).
43
Apesar disso, tanto a autora quanto Cardoso (2014) apontam que, com a
emergência do termo branquidade, alguns pesquisadores e pesquisadoras estão
caminhando no sentido da ressignificação do conceito de branquitude. É o caso de
Edith Piza, que segundo Jesus (2012) ao cita-la apresenta que,
as ações mais palpáveis e práticas presente nas atitudes do grupo racial branco, por
exemplo, Bento (op. cit.) indica que até nos estudos considerados mais
progressistas para evidenciar o papel do racismo na construção de identidades na
sociedade brasileira, existem traços dessa branquitude.
Essa perspectiva fica mais evidenciada na crítica realizada sobre as
apropriações hegemonicamente feitas às obras de pensadores antirracistas, como
Florestan Fernandes e Octavio Ianni. Sobre os trabalhos de Florestan Fernandes,
em específico, Bento (op. cit.) elucida que, apesar do autor ter trabalhado outras
perspectivas no decorrer da carreira, em suas obras mais citadas, o autor trabalhou
com uma perspectiva que atribuía ao negro o problema envolvendo a questão racial.
Assim, a autora aponta que existe uma invisibilização acerca de como o processo
secular de formação do racismo influenciou no significado de ser branco, ou
apresentou essa influência sobre a identidade da população branca no país. Acerca
da hegemônica utilização de uma perspectiva que coloca o negro sempre como o
único atingindo pelo racismo, a autora entende que além disso,
Por isso, dependendo do espaço onde este indivíduo está inserido, ele pode
ser classificado e tratado obedecendo a critérios raciais. Isso ocorre, pois como se
pode ver nas contribuições acima, os contextos em que interagimos com outras
pessoas envolvem uma gama de relações fluidas, mas também disciplinadas
através de barreiras/fronteiras invisíveis, simbólicas, que vão demarcar os espaços
que devem e espaços que não devem ser frequentados pela população negra.
Essas fronteiras são responsáveis por organizar as experiências das pessoas
no espaço:
Enxerga-se que essas “áreas”, mais que um recorte social, representam uma
dimensão física, que apesar de ser somente mais uma forma de espacializar as
relações raciais no Brasil, constituem um fecundo campo de análise para ser
problematizado pela comunidade geográfica. Assim, para o presente estudo,
assume-se que os efeitos dos mecanismos sutis de hierarquização racial em
conjunto com esta forma de ler as relações socioespaciais no Brasil, devem ser
também entendidos através de uma apropriação geográfica sobre o conceito
“paraíso racial” (MAZAMA, 2009). Uma vez que é também através de recortes
emblemáticos da harmonia entre negros e brancos (a praia, o futebol, o
carnaval/samba etc.) que se propaga a ideia da existência de uma sociedade onde o
racismo inexiste no plano das relações sociais.
O paraíso racial, apesar de não ser um conceito usualmente evocado nas
relações cotidianas brasileiras, marca uma possível forma de lermos as expressões
preconizadas pelo ideário da “democracia racial”, como podemos ver em MAZAMA
(2009):
Com esse movimento, o autor aponta dois passos necessários para a análise:
i) compreender que o indivíduo quando em contato com o outro, busca
imediatamente construir uma série de informações; e ii) mais que isso, utiliza
informações pretéritas para antecipar as ações do indivíduo.
Essa leitura vai ao encontro do debate realizado sobre como o racismo insere
visões racializadas de mundo e como essas influenciam tanto na nossa
identificação, quando nas representações espaciais. É importante salientar que não
é necessário estabelecer contato verbal ou escrito para passar uma série de
informações com outros indivíduos. Com isso, objetiva-se dizer que através da
simples presença em determinados espaços, uma série de relações e contatos com
outros indivíduos presentes nos mesmos são estabelecidos. Sobre isso, Goffman
(1985) acrescenta que,
Assim, constrói-se uma análise que evidencia como esse fenômeno, presente
em estruturas maiores, também influencia a escala das relações no cotidiano, sem
que com isso se caia em leituras universalizantes de pensar que todos os ambientes
são iguais.
Isto posto, assim como Goffman (1985), se compreenderá que ao analisar um
determinando cenário empírico, o foco deve estar na interação do indivíduo com a
instituição em questão e com os demais atores, ficando o estudo da relação do
estabelecimento com os outros estabelecimentos no campo das relações
institucionais.
Acerca das pesquisas empíricas nesses ambientes, o autor assinala que
colocados, assim como o sistema de posições em relação aos outros indivíduos que
fazem parte do mesmo cotidiano.
Antes de avançar, é fundamental ressaltar, que essa leitura, também
demostra que como evidenciado anteriormente por Massey (2000), o lugar não é
estático, não tem “identidade” única ou singular e nele existe uma mistura das
relações sociais mais amplas com as mais locais. Da mesma forma, como
ressaltado através da leitura de Santos (2006), podemos compreender o cotidiano
como espaço-tempo das relações/interações.
Dessa forma, entendemos que a inter-relação desses campos confere uma
estrutura minimamente complexa, para aqueles que buscam trabalhar como o
racismo interfere no cotidiano de indivíduos dentro de um ambiente social. Contudo,
sendo o racismo parte constituinte de uma amálgama de relações presente no
cotidiano das relações sociais, é necessário somar à interpretação desses campos,
uma leitura que possibilite compreender a dimensão racial presente no interior
dessas localidades de interação social. Para tal, é necessário ressaltar tanto a
complexidade do debate sobre a formação da raça e do racismo no sistema-mundo
moderno colonial e a sua consequente influencia na formação de diversas
instituições, quanto as múltiplas formas do racismo se manifestar na sociedade
brasileira.
Por conseguinte, a problematização acerca das múltiplas faces do racismo
brasileiro atrelada ao debate sobre branquidade, branquitude e às dimensões
antirracistas do modelo quadripartido das relações raciais, compõem um caminho
que ajuda a entender também como o racismo aparece nesses ambientes, e quais
as os discursos mobilizados para combatê-lo. Existe no Brasil um intricado sistema
de relações sociais, que auxilia na perpetuação do racismo em nossa sociedade e
impregna também as visões de mundo daqueles que, teoricamente, se colocam
contra o racismo.
Dentro desse panorama, qual a influência do racismo na construção do
currículo escolar brasileiro? Como o ambiente escolar, que pode ser considerado o
principal socializador dos indivíduos, ajuda a construir uma branquitude brasileira? A
lei 10.639/03 exerce influência sobre essa correlação de forças presentes no
ambiente escolar? Quais as especificidades que o cotidiano da escola, coloca para a
64
leitura de cotidiano até então construída? Essas são algumas das perguntas que
orientarão os debates do próximo capítulo.
65
14
As comunidades epistêmicas são compostas por grupos de especialistas que compartilham
concepções, valores e regimes de verdade comuns entre si e que operam nas políticas pela posição
que ocupam frente ao conhecimento, em relações de saber – poder. O que distingue as comunidades
epistêmicas de outros agentes sociais atuantes nas políticas é o fato de serem constituídas por uma
rede de profissionais com competência reconhecida em um domínio de conhecimento particular, ao
mesmo tempo que reivindicam uma autoridade política relevante em função desse conhecimento que
dominam (LOPES, 2006, p.41).
67
Por sua vez, os grupos de pesquisa que têm foco central na escola ou nos
movimentos sociais tendem a incorporar as discussões teóricas mais
contemporâneas sobre a cultura e a crítica aos marcos universalistas da
modernidade. Dessa forma, contribuem significativamente para o
questionamento da suposta homogeneidade e subordinação do cotidiano a
um poder central. Esses estudos salientam as lutas que se desenvolvem em
ações contingentes e avançam na superação de interpretações cientificistas
do mundo. Frequentemente, contudo, se afastam da interlocução com a
sociedade política, seja no nível nacional ou pelos processos globais que
definem restrições de ordem político-econômica aos Estados-Nação. Tais
grupos assumem, por vezes, a defesa de que as ações supostas como
alternativas ao oficial possam ser desenvolvidas à margem dos marcos
globais ou ao menos menosprezando a profunda interpenetração global-
local. Assim, nem sempre contribuem para a maior compreensão dos
diferentes efeitos que as ações centralizadas e os marcos político-
econômicos geram nas ações cotidianas locais, ou mesmo dos efeitos que
dimensões cotidianas locais têm na constituição das açõ es das agências
políticas do Estado. (LOPES, 2006, p. 36-37)
[...] cada lugar é o centro de uma mistura distinta das relações sociais mais
amplas com as mais locais. Há o fato de que essa mesma mistura em um
lugar pode produzir efeitos que poderiam não ocorrer de outra maneira.
Finalmente todas essas relações interagem com a história acumulada de
um lugar e ganham um elemento a mais na especificidade dessa história,
além de interagir com essa própria história imaginada como o produto de
camadas superpostas de diferentes conjuntos de ligações tanto locais
quanto com o mundo mais amplo. (MASSEY, 2000, p.185, grifo nosso)
Não basta que o sociólogo esteja à escuta dos sujeitos, faça a gravação fiel
das informações e razões fornecidas por estes, para justificar a conduta
75
Ou seja, essa visão (neo)liberal acaba criando uma leitura sobre a diferença
que deixa em segundo plano todo um conjunto de relações de poder que a
constroem. Em uma leitura na qual o “tolerar” e “respeitar” não fazem com que os
processos históricos de hierarquização e dominação sejam desconstruídos, a teoria
torna-se um movimento para acomodar as tensões promovidas pelo racismo ainda
presentes na sociedade. Por esse ângulo,
15
Na presente dissertação, busca-se compreender o currículo através dos eixos: prescrito (oficial),
praticado (real) e oculto.
86
O livro deixa de ser uma produção cultural dentre outras e a defesa de sua
distribuição às escolas é primordialmente considerada como a forma mais
efetiva de apresentar uma proposta curricular aos professores e alunos.
Tem-se, com isso, a tendência de buscar a leitura unívoca do livro didático e
a elaboração do livro didático ideal, algo que, por exemplo, não é esperado
nem desejado dos livros não-didáticos. Parece que se espera,
especialmente por intermédio do livro didático, sanar os problemas que a
escola e os professores enfrentam em seu cotidiano. Tal concepção acaba
por reforçar políticas de avaliação do livro didático, pelo entendimento de
que seriam garantidoras da qualidade da proposta curricular a ser
apresentada aos professores. (LOPES, 2006, p. 48)
Como Costa (2010) apresenta, o livro didático, que deveria servir como um
material de apoio a prática do professor, se torna “norteador” das mesmas. Sendo a
adoção de determinadas prescrições a aceitação de um pacote de relações de
poder pré-estabelecidos, essa política curricular ganha faces de projeto de poder, a
medida em que compreende-se que “[...] a aliança entre prescrição e poder foi
87
É importante destacar que essa “tradição seletiva” faz com que os envolvidos
no processo de construção do currículo acabem por ignorar (de forma consciente ou
não) aquilo que não é interpretado como “tradicional” para o currículo em questão.
Dessa forma, como indica Josefina C. D. de Mello (2002) é necessário considerar
[...] para ser tradicional, uma determinada prática não precisa ter existido
por séculos. A persistência ao longo do tempo não é o que define
precisamente a tradição. O ritual e a repetição, sim. As tradições são
sempre propriedades de grupos ou comunidades que compartilham crenças
e sentimentos coletivos estruturados no presente pelo próprio passado
dessas mesmas comunidades. (MELO, 2002, p.20)
Com isso, o autor indica que não há possibilidade de real transformação sem
criar “problemas”. Não é possível promover uma desobediência epistêmica,
reproduzindo epistemologias da dominação. Sendo mais nítido, não é possível
promover uma luta contra o racismo sendo machista, da mesma maneira que não dá
94
para fazer uma luta contra o racismo e o machismo, sendo homofóbico, elitista,
meritocrata e assim por diante.
Visto isso, compreende-se que a construção do conhecimento envolve mais
que a construção de conteúdos, envolve também a forma que são passados para os
alunos. Para além das relações de poder presentes na formulação desses
conhecimentos, outros processos ajudam a inculcar e construir conhecimentos
racialmente hierarquizados/hierarquizantes. Dentre eles, ressalta-se: a
contextualização e a descontextualização dos conteúdos; os limites e
potencialidades inerentes aos processos cognitivos dos estudantes e sua
interferência no processo de ensino-aprendizagem; e os diferentes mecanismos
avaliativos.
Os três processos são capazes de fazer a ligação entre o que está sendo
ensinado e como se ensinar. Assim, acerca do primeiro ponto elencado acima,
Candau & Moreira (2007) indicam que tanto contextualização, quanto a
descontextualização são movimentos necessários para o processo de ensino-
aprendizagem.
Esse posicionamento tem o sentido de problematizar que o profissional da
educação não tem condições de contextualizar todos os conteúdos ensinados.
Entretanto, apesar de a descontextualização ser fundamental em diversos
momentos, esta não pode ser utilizada de forma a esconder a dimensão política do
conteúdo em questão. Conforme os autores indicam que
são selecionados e organizados com base nos ritmos e nas sequências propostas
pela psicologia do desenvolvimento. A relevante questão colocada pelos autores é
se as etapas canonizadas pelos grandes pensadores do século passado ainda são
as mesmas.
Em uma sociedade signo de um mundo globalizado, onde o fluxo de
informações é imensurável, e inúmeros jovens estão inseridos em múltiplas
realidades, através da internet e de diversos outros mecanismos, será que as etapas
de desenvolvimento cognitivo deles ainda são os mesmos?
Essa questão não é central no presente estudo, mas provoca os atuais
pesquisadores sobre essas etapas de ensino-aprendizagem a voltarem aos
clássicos de maneira crítica e rever algumas das suas contribuições de forma a
entender a sociedade atual.
Apesar de se depreender que a sociedade atual existe uma desigualdade
econômica entre os diversos indivíduos, esse linha de pensamento faz com que se
atente a necessidade de compreender como ocorre o processo de formação da
psique dos jovens estudantes.
A terceira dimensão que interfere na construção/reprodução do conhecimento
é a avaliação. Sobre esse debate, é notório que diferentes conhecimentos precisam
ser avaliados de diferentes formas. Contudo, em um ambiente fortemente impactado
por relações de poder-saber e por um discurso da performatividade (LOPES, 2006)
os conhecimentos colocados como mais importantes tendem a ter a centralidade
nos estudos dos/das estudantes.
Nesse sentido, os conteúdos colocados no currículo prescrito na forma de
exercícios dos livros didáticos, em testes e provas, se configuram como elementos
centrais para os alunos, enquanto aqueles avaliados de outra forma – apêndices dos
livros, análise de obras cinematográficas, perguntas dos professores durante a aula
– são colocados enquanto menos significativos, como um apêndice ao
conhecimento importante.
Essas três dimensões, somadas com as relações de poder na escolha dos
conteúdos, conformam uma provocação sobre a necessidade de pensar como o
conhecimento escolar formado e repassado também ajuda a construir diferenças no
plano prático.
96
16
Também conhecida como “Conferência de Durban”, essa conferência foi realizada na cidade de
Durban (África do Sul), no ano de 2001, e teve como principal objetivo discutir políticas que
ajudassem a combater o racismo e outras formas hierarquização com base na diferenciação racial ou
étnica.
100
conceito de “escala” é útil pra compreender esta ação e estas disputas pelo
currículo.
Com isso em mente, para o presente momento, buscaremos estabelecer um
diálogo com o debate sobre políticas de escalas, apresentado por Soeterik & Santos
(2015). Com esse dialogo tenciona-se evidenciar que os atores no cotidiano escolar
também mobilizam escalas da política para construir uma educação antirracista,
configurando a multiescalaridade do combate ao racismo na educação, uma
dimensão também importante na prática docente. Em outras palavras, o movimento
negro, enquanto um movimento social complexo, ao mobilizar diversas escalas da
política e, em algumas situações, executar uma política de escalas, acaba fazendo
com que a atuação em uma escala surta efeito em outra, possibilitando que esses
atores presentes no cotidiano escolar mobilizem essas escalas da política para a
sua atuação no cotidiano.
Contudo, antes de iniciar esse debate, é fundamental fazer alguns
apontamentos acerca da definição de movimentos sociais adotada no presente
trabalho. Em primeiro lugar, é importante destacar que assim como Alberto Melucci
em “A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas”
entende-se que:
Burity (2001) e à definição de Movimento Negro brasileiro, oferecido por Joel Rufino
dos Santos (1994), que o apresenta como:
Sobre a essa forma de ler os movimentos sociais, Soeterik & Santos (2015)
indicam que:
Tal leitura nos permite dar unidade analítica a todos os indivíduos e grupos
que se posicionam e agem pelo combate ao racismo e que se apresentam
na sociedade como negros na figura de um movimento social que é plural,
chamado Movimento Negro. Portanto, cisões, diferenças (de forma de
organização, de atuação e mesmo de projetos) e divergências dentro do
campo devem ser lidas como diversidade na unidade. (SOETERIK &
SANTOS, 2015, p.81)
17
Esta prescrição jurídica é uma conquista do Movimento Negro Brasileiro, que após décadas de luta,
viabilizou uma forma de “forçar” a obrigatoriedade da discussão racial nos bancos escolares, em todo
o território nacional. Nesse sentido, a referida lei alterou a LDB, que passou a vigorar acrescida dos
artigos 26-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da
África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
o
§ 2 Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo
o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia Nacional da Consciência
Negra‟." (BRASIL, 2003).
105
como um dos principais entraves para que a lei seja implementada por todas as
disciplinas presentes no currículo escolar.
Ainda dentro das disputas interpretativas em torno da referida lei, o artigo 26-
B (que institui o dia 20 de novembro como dia da consciência negra no calendário
escolar) merece um destaque em especial. Esse destaque ocorre pois, apesar do
Movimento Negro pautar a necessidade de fazer a discussão durante todo o ano
letivo, existe uma leitura hegemônica por parte dos professores e demais
responsáveis por aplicar a lei, de que entendem e defendem que a mesma só deva
ser aplicada no mês de novembro. Por outro lado, em ambientes onde a discussão
racial é rechaçada, essa data ganha um uso político, sendo ferramenta fundamental
para pleitear a existência da discussão esse ambiente.
Em ambos os pontos, é possível ver que mesmos as fragilidades presentes
no texto podem ser utilizadas por diversos atores enquanto ferramentas políticas
para lutar contra o racismo no ambiente escolar.
Junto a essas interpretações, outro ponto que gera disputas no cotidiano é a
luta pela revisão dos conhecimentos e conteúdos já problematizados em sala de
aula e tensão a aqueles que partem de uma visão eurocêntrica. Para além de
reposicionar o negro no mundo da educação, ao defender uma interpretação e uma
aplicação mais complexa da lei, o movimento negro busca disputar tanto o currículo
do ensino fundamental e médio, quanto do ensino superior, uma vez que para
preparar professores aptos ao debate sobre a questão racial, as faculdades devem
também modificar o seu currículo e/ou os professores (conscientes de sua função
social) mudarem suas práticas.
Essa leitura possibilita compreender, que somado a inserção e revisão dos
conteúdos, é também necessário rever as práticas, os materiais e os métodos
pedagógicos presentes no cotidiano escolar e na educação enquanto uma
totalidade.
Nesse sentido, a luta pela implementação da lei 10.639/03, ou do próprio 20
de novembro enquanto estratégia para forçar a escola a aceitar trabalhos sobre a
questão racial configuram-se em uma agenda mobilizada por professores e demais
atores ligados à educação (pertencentes através da leitura de “área de movimento”
106
18
Em tempo, é importante salientar que essa leitura escalar da atuação dos movimentos sociais se
dá, em grande parte, graças a fragmentação e atomização assinalado por Petrônio Domingues
(2008). Esse processo, que ocorreu após a década de 1980, com a redemocratização brasileira, foi
importante pela a expansão da área de atuação desse movimento social, visto que multiplicou e diluiu
a ação do movimento em diferentes escalas da sociedade, multiplicando consequentemente as
arenas de disputa.
Concomitantemente a esse processo, entende-se que a “onguização” da luta, criou novas formas do
movimento social intervir na sociedade, assim como possibilitou a qualificação dos quadros desse
movimento social (SOETERIK & SANTOS, 2015).
19
Entendemos Habitus como um “sistema de disposições socialmente constituídas que, enquanto
estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das
práticas e das ideologias características de um grupo de agentes” (BOURDIEU, 2007, p. 191). Para
se aprofundar ler BOURDIEU (2002), SETTON (2002).
107
presentes no ambiente escolar, mas também via de embate com a estrutura escolar,
com a política educacional, com as teorias educacionais presente no ambiente
escolar e com o currículo – tanto nas suas hierarquizações como no que se refere
ao saber disciplinar e ao saber curricular.
Essa natureza reguladora da prática docente também exerce influência sobre
o habitus presente no cotidiano escolar, uma vez que a sua ação não é resultado
das “estruturas” e ao mesmo tempo é resposta de intencionalidades definidas e
defendidas no cotidiano escolar.
Sobre essas intencionalidades, é importante destacar que elas pressupõem o
diálogo entre os diferentes atores que compõe esse cotidiano. Diálogo esse que
pode ocorrer conscientemente (ou não) através do entendimento comum enquanto o
que é tradicionalmente aceito, mas que, independentemente, se tornam centrais
para rever a produção de conhecimento nesse ambiente. Sobre esse debate, Milton
Santos (2006) acrescenta que
E continua,
A intencionalidade seria uma espécie de corredor entre o sujeito e o objeto.
Assim, essas coisas não são apenas externas, já que atingem o agente
"clandestinamente". (SANTOS, 2006, p.58)
Em seu celebre livro “Geografia - Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a
Guerra”, Yves Lacoste aponta que se pode identificar no mundo, desde o fim do
século XIX a existência de duas Geografias: i) a Geografia dos Estados Maiores; e ii)
a Geografia dos Professores. Sobre essas geografias o autor afirma que:
20
Conceito desenvolvido para representar dentro da geografia, do conceito de “tradição seletiva”
apresentado por Apple.
115
Com isso, diferente de Ferreira (2009), o referido autor apresenta que apesar
da geografia trabalhada no século XIX ter algumas características parecidas com a
da virada do século XIX para o século XX, ambas foram formadas por escolas de
pensamento diferentes (mas não dissonantes), e serviam a uma concepção de
educação diferente da que vai emergir no final do século XIX, início do século XX.
Da mesma forma, o terceiro período apresentado pelo autor evidencia que,
junto com o processo de renovação crítica da geografia ocorreram outros
movimentos que não se configuravam em rupturas com a Geografia ensinada,
apesar de apresentar um cabedal teórico metodológico diferente do
hegemonicamente empregado. Algo que também é alertado por Ferreira (2009),
Feito esse pequeno destaque, foi somente no final da década de 1830 que a
disciplina Geografia vai surgir de forma institucionalizada no currículo prescrito de
um colégio de influência em âmbito nacional, com a chegada da disciplina no
currículo do Colégio Pedro II e em variadas escolas secundárias em várias
províncias brasileiras (COUTO, 2014).
Nos ajudando a melhor compreender esse processo, Rocha (2014) evidencia
que:
118
Nesse período, a geografia ganha uma forma mais parecida com a que
conhecemos hoje, principalmente a passar de uma corografia desconexa e
descritiva para uma geografia centrada nos aspectos naturais das regiões do Brasil
– em grande parte, com o objetivo de criar uma imagem de Brasil e
consequentemente, uma identidade nacional.
Cabe salientar, que apesar da mudança, a Geografia vai continuar descritiva,
sendo a grande diferença essa passagem para uma Geografia centrada nos
aspectos naturais das diferentes regiões do Brasil, como forma de criar a imagem de
identidade nacional (ROCHA, 1998). Assim, apesar da incorporação de um viés um
pouco mais explicativo e da adoção de uma visão regional, no campo pedagógico, a
geografia vai permanecer com um viés tradicional de currículo, marcado pela
descrição e memorização dos conteúdos. É importante destacar ainda, que essa
forma de ensinar geografia foi incorporada na nossa tradição geográfica, e até certo
ponto, permanece nos livros didáticos e na prática de professores e professoras até
os dias atuais.
Segundo Pinheiro (2003), nesse período, a geografia ensinada nas escolas
valorizava mais as características naturais do que a sociedade, “dando a natureza
um caráter de base para a compreensão dos fatos humanos" (PINHEIRO, 2003,
p.22). Dessa forma, nessa geografia acabava-se estudando uma relação humano-
natureza sem que nesse processo se fizessem ligações com as relações sociais
existentes no período.
Um fator fundamental na consolidação desse olhar de Geografia na educação
básica e consequentemente na construção de uma tradição geográfica, foi
inauguração dos cursos de Geografia na Universidade de São Paulo (USP) e na
Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) e a
121
[...] neste período que há grande expansão da escola pública que salta de
1.142.702 matrículas em 1920 para 18.896.260 em 1970, para a população
de 5 a 19 anos (Romanelli, 1991). [...] A educação, sobretudo a escola
secundária, passa a ter uma nova função, a de formar para o trabalho, e
não apenas ser passagem para estudos superiores. Ou seja, a escola,
mesmo que aos poucos, vai sendo ocupada por novos personagens:
setores médios e, depois, os pobres. (COUTO, 2015, p. 116)
Junto com isso, Pinheiro (2003) destaca que graças às reformas iniciadas no
governo Getúlio Vargas – em especial a reforma Capanema de 1942 – a escola vai
passar a ter o papel de educar para a pátria, com o nítido objetivo de construir e
consolidar um nacionalismo patriótico. Para atender a esse objetivo, a Geografia
passa a ser obrigatória em todo o território nacional.
Assim, os novos geógrafos formados a partir desses cursos anteriormente
falados, além de atuar principalmente nessa escola pública que estava em franca
em expansão, vão implementar em seus currículos uma geografia fortemente
influenciada pelos estudos regionais de Vidal de La Blache. Entende-se que esse
processo ajudou com que se popularizasse e “normatizasse” essa forma de pensar e
ensinar Geografia.
Ainda sobre a ascensão desse modelo francês, diante da geografia
anteriormente ensinada, Rocha (1998) ressalta que,
Ainda sobre o papel dos materiais didáticos, Ferreira (2009) aponta que os
livros didáticos de Aroldo Azevedo21 tiveram um papel fundamental para a
consolidação dessa escola francesa na geografia. Devido a sua ampla penetração
nas escolas, esses livros podem ser considerados como um dos responsáveis por
consolidar o estudo da geografia a partir dos eixos “Natureza-Homem-Economia”,
um padrão estruturante para o ensino de geografia até os dias atuais.
Sobre esse padrão, é importante destacar ainda que,
21
“Silva (1996) afirma que durante o período de 1930 a 1970 consagrou-se um ensino de Geografia
compartimentalizado na estrutura Natureza-Homem-Economia que exaltava o Estado e que esta
estrutura foi muito difundida no ensino escolar pelas obras de Aroldo Azevedo que no período de
1934 a l974 vendeu mais de 11 milhões e 200 mil exemplares, cifra bastante expressiva para o
período e até para os dias atuais. Afirma ainda, que não se tem notícia de em outra área de ensino de
tamanha hegemonia. Aponta que a disseminação do livro didático da maneira como ocorreu
caracterizou a difusão de forma e conteúdo arraigado de uma concepção de mundo, consolidando na
sociedade brasileira uma forma exclusiva de ler geograficamente o Brasil e/ou outros fenômenos.”
(FERREIRA, 2009. p. 44)
123
Sobre esse processo, é importante destacar que ele não foi homogêneo, e
nem deve ser entendido como tal. Em linhas gerais, é possível entender a
renovação crítica da geografia a partir de dois amplos movimentos: i) o movimento
de ruptura, que vai ser marcado pela negação de assuntos e práticas geográficos,
mas em certa metida vinculados à Geografia Tradicional e ii) o movimento de
consolidação das críticas, e com isso uma gradativa retomada e inserção de
diversos assuntos antes negados.
Contudo, assim como aponta Ferreira (2009), além da retomada de algumas
matérias como a Cartografia, esse segundo momento vai ser responsável por
aprofundar a renovação crítica, principalmente através do contato com outras
críticas que não estavam nitidamente postas no momento da ruptura.
Com isso, optou-se nesta dissertação por trabalhar processo de renovação
crítica da geografia com um só movimento, mas dividido três momentos interligados,
complementares e de certa forma concomitantes. São eles: i) O momento de ruptura
com a geografia tradicional, ii) o momento de consolidação de uma geografia crítica
– sobretudo de base marxista, iii) a emergência de novas temáticas vinculadas as
teorias pós-critica e a pedagogia.
Sobre a ruptura com a geografia tradicional, é importante destacar que esta
se deu através do entrecruzamento de fatores internos à Geografia (como a tentativa
de criar uma geografia que fosse mais próxima da realidade do aluno, trazer a tona
uma geografia que refletisse as tensões políticas e econômicas da época) e fatores
externos (como o aumento do debate sobre a perspectiva crítica dentro da
educação, as reformas que atingiram todo o sistema educacional, e a emergência de
diversos atores na luta pela redemocratização do país).
125
Como salienta Couto (2015), essa reforma no ensino básico vai se configurar
em um relevante momento do processo de mudança da concepção de escola e da
geografia ensinada na escola básica. Ao contextualizar o período em que ocorreram
essas mudanças, o autor relembra que nas décadas de 1970-80 e 1990-2000 (esse
22
Realizado em um período de eclosão de governos ditatoriais em toda a América Latina, esse golpe
vai se estender até 1985, com a eleição indireta de um civil. É importante salientar que atualmente,
diversos documentos evidenciam o papel do governo estadunidense nessa ditadura que perseguiu
minorias e os movimentos sociais.
126
Esse viés político também pode ser percebido no III Encontro Nacional de
Geógrafos que ocorreu na cidade de Fortaleza. Segundo Ferreira (2009),
Além do ENG, Moreira (2000) destaca que obras como “A geografia - isso
serve em primeiro lugar para fazer a guerra”, de Yves Lacoste (1976), “Por uma
Geografia Nova” de Milton Santos (1978) e “Marxismo e Geografia” de Massimo
Quaini (1979), foram fundamentais para criar bases teóricas para que essa ruptura
ocorresse. Junta-se a essas obras, as revistas, uma vez que,
Esse movimento crítico aparece entre nós como geografia nova, geografia
crítica, etc., tem como elemento unificador a utilização do materialismo
histórico e dialético como corpo teórico e metodológico de investigação da
realidade. [...] Ou seja, resgatamos para a geografia, um século depois, a
teoria e o método que abriram caminho à superação dessa “questão” –
dessa falsa questão, portanto, nos limites da própria geografia. E que,
certamente, vem para abrir caminho e fazer avançar além da geografia
(OLIVEIRA, 2014, p.27)
[...] O objetivo maior que orientava a sua realização era debater e elaborar
estratégias capazes de transformar o ensino de Geografia do 1º e 2º graus,
referindo-se a uma ciência que tivesse como premissa buscar
dialeticamente a integração do arranjo espacial com as relações existentes
em cada momento histórico, ou seja, uma geografia comprometida com a
realidade social. (FRAÇA FILHO, et alii, 2015, p.351)
Por sua estrutura não ter sido organizadas a partir de eixos e sub-eixos
definidos (FRANÇA FILHO et alii, 2015), e por ter sido um encontro direcionado aos
professores da educação básica, ele possibilitou reunir diversos profissionais que
tem na educação básica o seu campo de atuação. Dessa forma, assim como o 3º
ENG, foi importante para a discussão na geografia de uma forma geral, pode-se
considerar o Fala Professor como um marco da Geografia Crítica, só que esse
referente especificamente ao debate na educação básica.
É importante destacar que, concomitantemente a essa consolidação, houve
tanto na academia, quanto na educação básica, uma aproximação com o campo
pedagógico e consequentemente um aprofundamento não só do que deveria ser
trabalhado, mas como se deveria ser ensinada a Geografia nas escolas. Sobre isso,
salienta-se que,
No final dos anos 1980 e ao longo dos anos de 1990, passa a ocorrer um
incremento na inovação da discussão sobre o papel da Geografia na escola,
vários autores e propostas curriculares, procuraram trazer para dentro da
discussão da Geografia escolar o papel dos conteúdos desta ciência no
processo de ensino-aprendizagem. As novas propostas curriculares do
período mudam o foco do debate e levam as questões relativas aos
conteúdos para dentro da discussão pedagógica. (FERREIRA, 2009, p. 48)
[...] grosso modo, poderíamos assinalar que essa problemática teve maior
repercussão inicialmente no plano acadêmico, chegando posteriormente de
forma descompassada ao ensino de Geografia. Fato considerado revelador
de uma tradição da geografia formulada em sala de aula: um saber
desprovido de questionamentos sobre o seu significado, tanto de parte de
quem ensina, como de quem aprende. (SILVA, 2002, p. 314)
possível ver que nesse currículo, que servia de referencia para as demais escolas
espalhadas pelo Brasil, existia um discurso racializado que buscava dividir o povo a
partir do seu “desenvolvimento moral” e da “raça”. Mais que isso, ao apresentar que
essa divisão deveria ser feita nos “principais países do mundo”, de forma (in)direta,
também inseria uma dimensão espacial, criando e/ou reafirmando um padrão de
hierarquização entre os países, quais eram os principais povos do mundo.
Como já apresentado no tópico anterior, essa geografia de base corográfica
vai ser hegemônica até as primeiras décadas do século XX, quando, através de um
processo de hibridização com a chamada “Geografia Moderna”, vai formar a
Geografia Tradicional. Ainda sobre esse processo, é importante destacar apesar das
suas particularidades e semelhantemente a outros campos científicos e
educacionais, o paradigma positivista vai ter uma grande influência na formação da
geografia enquanto ciência moderna (DINIZ, 2014) e também enquanto disciplina
escolar (COUTO, 2015).
Sobre esse período e a sistematização das ciências modernas nele ocorrido,
Diogo Marçal Cirqueira (2015) destaca que,
Mas o que esses pensamentos têm a ver com a geografia que se ensinava?
Como é perceptível, as ideias defendidas por essa ciência positivista racialista
trouxeram à tona uma série de narrativas intrinsecamente ligadas a geografia, ideias
essas responsáveis por vincular os diversos grupos raciais a diferentes contextos
socioespaciais. Mais que isso, ao observar o currículo programático apresentado no
início do tópico, é visível que a geografia ensinada no CPII apresenta pontos de
similaridade com o que foi exposto pelo supracitado autor.
Da mesma forma, ao retomar as discussões realizadas no primeiro capítulo,
atenta-se que essas narrativas racializadas tiveram um grande efeito na sociedade
brasileira, fazendo com que várias problematizações referentes ao padrão de
138
relações raciais da sociedade brasileira possam ser visto (em formados parcialmente
diferentes) no imaginário de grande parte da população até os dias atuais.
Dentre essas narrativas que vão ter forte influência na geografia escolar e no
pensamento da sociedade brasileira, destaca-se: i) o determinismo geográfico,
enquanto uma conceituação racista que mobiliza a relação entre o meio e o povo
para justificar as disparidades sociais, econômicas e consequentemente as
hierarquizações raciais; e ii) o branqueamento, primeiramente enquanto teoria e
posteriormente como política mobilizada para justificar uma melhor exploração e
ocupação territorial.
Destaca-se essas duas narrativas, pois ao problematiza-las em conjunto, se
consegue ver como as inscrições da racialidade no pensamento geográfico na
passagem do século XIX para o século XX vão possibilitar tanto o engendramento
de políticas de cunho racista, quanto a difusão e propagação desse pensamento
através das aulas de geografia, uma vez que como já visto, não destoava do que já
era prescrito no currículo.
Apesar de não destoar no que tange a temática racial, como já verificado, da
década de 20, o geógrafo Delgado de Carvalho em conjunto com outros professores
do CPII vão ser responsáveis pela introdução e divulgação da Geografia Moderna do
Brasil, e por uma grande reformulação curricular na geografia ensinada no CPII.
Tendo em mente que essa Geografia Moderna tinha no positivismo uma das suas
fontes de influência, como a temática racial vai passar a ser tratada? Ou melhor,
frente a geografia racializada que já existia no currículo e as teorias positivistas que
influenciavam o pensamento social brasileiro e a Geografia Moderna, quais as
mudanças a reforma de Delgado de Carvalho vai trazer para a leitura sobre temática
racial?
Uma forma de observar isso é vendo como essa temática se faz presente da
obra do referido autor. A escolha por destacar essa temática na obra de Delgado e
não no próprio currículo do CPII ocorre pois, para além de influenciar diretamente a
geografia que era se ensinava nessa escola, o seu livro “Methodologia do Ensino
Geographico (introdução aos estudos de geografia moderna)” vai ser uma referência
para os mais diversos campos da geografia na época (ROCHA, 2000).
Sobre a obra do referido autor, Cirqueira (2014) indica uma série de
problemáticas, sendo a principal delas a compreensão da formação da população
139
através do conceito de "typos humanos". Ao fazer isso, o autor opta por hierarquizar
a população em tipos ideais, onde o individuo branco é posto como o ideal e os
outros são postos como degenerados. Junto com essa conceituação, Delgado
buscou vincular esses “typos” a diferentes “regiões”, apresentando assim a ideia de
que o meio era capaz de influenciar o desenvolvimento dos seres humanos – mote
central do determinismo geográfico e para entender a gênesis das discriminações de
base racial a determinadas regiões do Brasil.
Cabe salientar, que esse determinismo geográfico, principalmente através da
mobilização de "ideologias geográficas" e "geografias imaginativas", vai ser uma
peça fundamental para legitimar e justificar o processo de exploração não só no
Brasil, mas no mundo (CIRQUEIRA, 2015).
Para além do determinismo geográfico, Delgado também defendia a
mestiçagem e o branqueamento da população como forma de combater os “atrasos”
encontrados em determinadas regiões do Brasil. Cabe destacar, que ao olhar essa
ligação já falada anteriormente, a partir de uma visão “crítica” e atenta para o seu
reflexo no espaço geográfico, percebe-se que ela foi/é fundamental para a imagem
que se tem de Brasil atualmente.
Nesse sentido, assim como Gabriel Siqueira Correa (2015) indica, para além
da dimensão do indivíduo, o branqueamento, também está intrinsecamente ligado a
uma dimensão territorial, a uma geografia imaginativa que constrói uma falsa leitura
de realidade sócio-espacial. Para desmascarar esse véu racista sobre a história dos
territórios, é necessário ver o processo de branqueamento:
reproduzisse uma série de visões racistas de mundo e Brasil. Visões essas que já
existiam desde a geografia de base corográfica, mas que vão ganhar arcabouço
científico, em parte, através de sua obra.
Contudo, apesar da sua importante contribuição para esse processo,
considera-se Aroldo de Azevedo, o geógrafo que vai exercer a maior influência na
consolidação da Geografia Tradicional, e consequentemente nos olhares da
geografia sobre a temática racial. Também compreendendo a importância desse
geógrafo para entender o campo do ensino, Rosemberg Ferracini (2012) indica que
as suas as obras no campo acadêmico e no campo educacional, além de
demonstrarem um posicionamento intelectual, com visões sobre o sistema
educacional e as metodologias de investigação no campo da geografia, também
foram fortemente marcadas com a sua visão de mundo e por conseguinte o seu
posicionamento político-social.
Ao analisar as leituras sobre o continente africano presentes nessas obras,
Ferracini (2009, 2012) apresenta uma leitura que permite extrapolar as limitações do
recorte, e elucida características importantes sobre a leitura de Aroldo acerca da
população, do território e de outros temas que serão demonstrados a seguir.
Parte desses posicionamentos podem ser vistos desde as suas primeiras
publicações em meados da década de 1930. Ao pegar o livro “Geografia Geral,
Geografia Astronômica, Geografia Física e Geografia Humana” como material de
análise, Ferracini (2009) apresenta, por exemplo, que:
Quem percorrer as páginas deste livro realizará, com o autor, uma longa
viagem através de todos os continentes. Conhecerá algo a respeito daquele
em que vivemos, tão variado nos seus aspectos, mas uno em sua essência;
e compreenderá os motivos que nos levam a ter orgulho de haver nascido
em terras da América. Percorrerá as paisagens da Europa, com a emoção
de quem estivesse pisando o solo em que habitaram os seus ancestrais; e
saberá por que devemos admirar os que ali vivem, autores de uma
civilização que também é nossa. Fará uma ideia das multidões da Ásia e do
caleidoscópio vivo que elas representam. Sentirá o continente africano em
todos os seus contrastes, suas areias ardentes e suas florestas
impenetráveis. Tomará conhecimento da existência, em plena Oceania, de
terras em que os europeus ergueram uma civilização que em quase nada
difere da que brilha da Europa. Imaginará, finalmente, qual deve ser a
paisagem nas solidões geladas que circundam os polos da Terra.
(AZEVEDO, 1938, p. 1 apud FERRACINI, 2012, p.65, grifo nosso)
[...] ao todo temos cinquenta e quatro (54) trabalhos, dentre teses (13) e
dissertações (41), que tem como temática a questão étnico-racial. Destes,
dezessete (17) dizem respeito à tendência "espaço e relações étnico-
raciais", dezenove (19) a "identidades e territorialidades negras", dez (10) a
"geopolítica dos países africanos" e oito (08) a "territórios e manifestações
culturais e religiosas".
Com base nos dados recolhidos, podemos verificar [...], um predomínio na
produção da região Sudeste, que corresponde a mais de 50% dos trabalhos
realizados. Este alto número se deve principalmente a dois fatores: esta
região possuir um maior número de pós-graduações (um total de quinze) e
estes serem as mais antigas do país, principalmente os programas
localizados no Rio de Janeiro (UFRJ) e em São Paulo (USP). Adjacente a
esta constatação levantamos a hipótese de que por serem centrais e
consideradas de maior proeminência elas atraem estudantes de várias
partes do Brasil, abarcando uma multiplicidade de temáticas que acaba por
aumentar a possibilidade de projetos que abordem a temática racial.
(CIRQUEIRA e CORREA, 2012, p.6)
Esse distanciamento fica mais evidente ao ver que se adotar o recorte dos
programas de pós-graduação de geografia, durante todos esses analisados, não
foram defendidos nenhum trabalho que articulassem a temática racial e o ensino de
geografia. Apesar de existirem trabalhos que fazem esse vinculo em outros
programas de pós-graduação – como os de educação – essa informação evidencia
dados em certa medida perturbadores. Ou existe uma resistência dos programas em
aceitarem esses tipos de trabalho, ou existe uma percepção desses pesquisadores e
pesquisadoras que esses estudos têm campo mais fértil em outros programas, que
não o de geografia.
Mesmo se ignorar essa falta de reflexão sobre a temática no ensino de
geografia, ou as particularidades, e considerar que todas essas publicações são
apropriadas pelo campo do ensino, se observar as áreas em que os estudos estão
localizados, pode-se reparar que existe nesses programas de pós-graduação e na
geografia brasileira, uma certa compreensão de onde a temática racial pode ou não
ser inserida. Regulação interna essa, que como está se tentando evidenciar no
decorrer deste capítulo, tem na tradição seletiva, um caminho de compreensão.
Afinal de contas, por que essa restrição?
Visto isso, que desafios a tradição geográfica impõe para esses professores e
professoras que visam através da sua prática militante, inserir no currículo praticado
um novo cabedal teórico? Quais são as limitações e as potencialidades dessa
prática militante? Além do campo teórico, quais outros reguladores impactam a
prática de professores e professoras? O racismo se faz presente nessa regulação?
Essas e outras discussões estão presentes no capítulo a seguir.
151
Para além de uma captação de dados, essas reuniões serviam como um dos
processos de pesquisa-ação, “tomada aqui como uma perspectiva de investigação
militante, que tem o sentido político assumido como motor do trabalho, o que
valoriza o rigor nas ações.” (idem, 2011, p. 5-6). Nelas, era oferecido aos
professores um processo de formação complementar para que estes, através da sua
prática, inserissem um novo eixo de discussões em suas aulas. Dessa forma, após
os relatos de experiências, era realizada uma série de palestras e atividades
interligando o debate sobre a questão racial e a educação.
A primeira fase desse projeto de pesquisa resultou em um quadro analítico
contendo as estratégias teóricas e metodológicas que os professores utilizavam para
inserir a lei 10.639/03 no Ensino de Geografia, e em diversos artigos e monografias
de graduação que buscavam “atacar” uma série de lacunas presentes para
aplicação da referida lei. Para atacar essa agenda, a pesquisa se organizou em
torno de 5 (cinco) vertentes de investigação: (i) Inserção e Revisão de Conteúdos,
(ii) Revisão de Práticas, Materiais e Métodos Pedagógicos, (iii) Gestão das Relações
23
O NEGRAM está vinculado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP-UERJ) e dedica-se ao fortalecimento
da relação entre a produção de conhecimento e lutas sociais, no campo da Geografia.
156
24
O termo militante aparece em um duplo sentido: i) de implementar, em seu currículo praticado,
interpretações defendidas e construídas pelo/no/com o Movimento Negro; ii) na medida em que,
mesmo enfrentando resistências de alunos, professores, coordenadores, direção, secretarias e outros
atores do cotidiano escolar, continuam a defender uma outra maneira de abordar a questão racial
através da sua prática dentro e fora da sala de aula.
157
que faz com que essa temática seja relevante na minha prática docente, é
que a maior parte dos alunos com os quais eu trabalhei na minha carreira
são, na sua maioria, não brancos. Essas tensões raciais estavam postas,
estavam colocadas de diversas formas. Participar de um grupo que iria
discutir essas questões era para mim de grande interesse. (DINIZ, 2014,
p.98)
Para mim fica mais difícil de observar essas coisas porque eu trabalho em
uma “cacetada” de escolas ficando cada vez menos tempo então eu não
tenho muito contato com os professores, diretor e muito menos com
coordenador. [...]
Acaba que a gente não se dedica muito a nenhuma das instituições que a
gente trabalha, mas o que dá para perceber de certa forma que o tipo de
relacionamento, esse tipo de debate entre alunos dá para perceber porque
o maior tempo a gente está em sala de aula, [...] e é onde a gente tenta dar
uma equilibrada na relação. (Professor 2, Setembro de 2009)
Ao fazer esse relato, o professor 2 apresenta uma das faces desse regime de
trabalho, que é a impossibilidade de diversos professores vivenciarem seus
cotidianos escolares de uma maneira densa. Ou seja, o fato de lecionar em diversos
lugares, faz com que as suas relações cotidianas sejam abaladas, inclusive para
perceber esses “desvios” presentes no cotidiano escolar. Em outras palavras, o
regime de trabalho imposto a diversos profissionais faz com que esse amplo campo
seja cortado das suas vivências cotidianas.
170
Cabe realçar, que além desse regime restringir a interação dele com outros
professores, ele também impede uma maior interação com os alunos. Isso faz com
que processo educacional seja prejudicado, restando ao professor, o esforço de
articular as discussões com os conteúdos, transformando os conteúdos em uma
saída para tensionar o racismo no cotidiano escolar.
Essa baixa interação somada as diferentes formas de relato, anteriormente
apresentados, faz com que esse professor apresente em seus relatos uma situação
de baixa conflitividade (gráfico abaixo) quando comparado com os conflitos relatados
pelos seus pares, em especial a professora 4 – única professora que trabalha em
uma única escola.
O que faz com que existam tantas relações de embates entre os professores
acompanhados e a direção e outros professores? Quais são os catalizadores dessas
relações de conflito? Em torno de que giram essas disputas? Quais são os “objetos”
mais disputados nessas relações cotidianas?
Com o objetivo de compreender melhor essas relações de embate, sem que
com isso se perca algumas particularidades, agrupa-se os objetos em disputa em
torno dos eixos: Evento interdisciplinar, Currículo praticado, Disputa político-
pedagógica, Tratamento/Comportamento sobre a temática racial e Outros. Apesar
de compreender que algumas dessas disputas dialogam entre si, como é o caso dos
eventos interdisciplinares e a questão do currículo praticado, e as disputas políticas
e o comportamento/tratamento sobre a temática racial no ambiente escolar, optamos
por apresenta-las de maneira separada para ressaltar a dimensão do objeto em
disputa.
Visto isso, apesar de existir uma concentração das relações de embates, com
a distribuição por professores, e com alguns interlocutores, como é evidenciado pelo
gráfico a seguir, não existe uma concentração no que tange aos objetos em disputa.
173
[...] dos professores que tinham participado da reunião por área foi tranquilo,
eram os professores de História e Geografia. Não tinha ninguém de
Sociologia e Filosofia. E ai tiraram umas linhas iniciais de como seria o
projeto, ali eles definiram que iria fazer durante o ano, tentar, ai eu tinha
dado essa sugestão e eles ficaram de tentar dentro dos conteúdos, que no
início da reunião eles fizeram com base na proposta que a secretaria
estadual mandou sobre o currículo, todas as áreas lá, todos os professores
resolveram pegar a base curricular e discutir em cima disso. Não quiseram
fazer nada diferente e enfim, teve área da escola que: “não, está ótimo!” e
teve área que: “não, aqui está ruim!” E aí eles fizeram isso, e aí dentro do
que eles definiram dos conteúdos eles iriam buscar temas que pudessem
trabalhar no sentido de dar a consciência do porque do dia 20. Então o tema
que eles sugeriram é: “Resistência Negra – O Porquê do dia 20 de
Novembro”, esse é o tema que cada área vai trabalhar. Só que não tinha
ninguém de Sociologia e nem de Filosofia. [...] E aí, tinha marcado outra
reunião, e já ampliando para que os professores de Filosofia e Sociologia
estivessem para poder passar o que o pessoal de História e Geografia tinha
definido. E aí foi aonde foi o conflito. Que uma professora de filosofia, que
174
Cabe destacar que esse não foi o único embate entre as professores,
posteriormente, a professora acompanhada informou que essa professora de
filosofia estava desestimulando os alunos negros a pleitearem as cotas nos
vestibulares falando que era contra e colocando motivos falsos para isso.
[...] ela de certa forma joga contra, ela foi uma que espalhou na escola que
a UERJ estava formando turmas para ser contra as cotas. Porque eu tinha
feito um debate com os terceiros anos no início do ano sobre vestibular,
falando de ações afirmativas, que os alunos na verdade não tem
informação, então eles ficam formando ideias de coisas que eles não têm e
aí fui esclarecer. E eu acho que deve ter isso. Acho que ela foi falar, e
espalhou isso na escola, espalhou isso na turma, que a UERJ estava
formando turmas só para cotistas e por isso era contra. Que uma professora
amiga dela foi convidada para dar aula pra essas turmas. Eu não aguentei,
disse que não. Que isso é mentira. Que é um absurdo. O problema é
reverter isso. (Professora 3, abril de 2010)
Ainda sobre o papel dos eventos nas disputas ocorridas no cotidiano escolar,
é interessante destacar o papel da lei 10.639/03 e da instituição do dia 20 de
novembro enquanto dia da consciência negra. Em setembro de 2008, uma das
professoras que estava planejando fazer um evento sobre profissionais negros
oriundos de escola pública, teve o seu projeto substituído por um que iria tratar
sobre “meio ambiente” sob a alegação de que o 3º bimestre estaria curto. Isto
colocado, o professor relata:
Com isso, mesmo defendendo que a discussão deveria ocorrer em todo o ano
letivo, e propor que tivessem eventos relacionados com a questão racial em outros
bimestres, a professora garantia a existência do debate, pelo menos no mês de
novembro. É importante destacar também que esses eventos se desdobravam em
175
disputas pelo currículo praticado por outros professores, fazendo com que tivessem
que “em tese” introduzir o debate em suas aulas. Contudo, nem sempre isso ocorria,
como expõe a mesma professora em um relato de 2009:
[...] os alunos estavam fazendo exercício normal que ela passou para copiar
no quadro e ela sozinha montando um cartaz para dizer que foi a turma que
fez, mas não foi a turma foi ela quem fez. [...] Ela está impedindo que a
turma dela participe porque ela não acredita que exista o racismo e acabou,
mas para ela não ficar mal na fita ela produziu uns cartazes e foi lá e
colocou o nome da turma. [...] É só pedir para ela trabalhar uma semana a
África na escola, um projeto junto com os alunos em sala de aula que você
começa a perceber as coisas e como elas acontecem ainda mais que eu
fiquei lá a semana toda e eu entrava na sala de aula então eu via como as
crianças eram tratadas. (Professora 4, novembro de 2009)
[...] surgiu todo mal estar de uma conversa que eu tive com a coordenadora
de colocar que essas relações dentro da escola estão presentes, de varias
situações preconceituosas, inclusive partindo da direção, assim teve um
momento que eles decidiram impedir que os alunos que fossem negros, não
poderiam pintar o cabelo de loiro. Então assim, uma série de situações que
reforçam o preconceito, acontece na escola que ela se omite. E eu coloquei
25
Relato 1 do Anexo A.
176
minha posição contra aquilo e que o fato de ser a escola com a maioria de
alunos, mesmo que eles não se identifiquem como negros, mas que eles
são, e eles são estigmatizados, ainda tem o descaso da escola em relação
a todos esses problemas que se apresentam porque e uma população
pobre, negra, favelada. (Professora 5, setembro de 2009)
[...] eu passei a ser logo a chata, fiquei falada por professores, questionando
quem era eu para falar sobre a postura, o comportamento de alguns
professores. [...] discordo da maneira que questionam a postura de alunas,
que é errada em muitos momentos, mas não é por isso que na sala eu vou
chamar uma aluna de piranha, não é por isso que eu vou chamar um aluno
de pobre, preto e favelado. Não é por isso que eu vou dizer para você, que
sua mãe não faz nada é uma desocupada, e você também é desocupado.
E eu tentava colocar para a direção que essas questões tinham cunho racial
sim, que eles acham que não, que essa clientela ouve isso porque merece
ouvir. E aí esse primeiro grupo teve essa discussão, e eu me coloquei no
que eu tinha dito, de fazer uma critica a postura da direção, porque eu acho
que a direção tinha que fazer isso, só o que aconteceu, eu virei a antipática,
já não era bem vista, passei a ser mais odiada ainda e o que mais me
surpreendeu é que a escola sabe, e é o que mais me irrita, é que a direção
sabe dessas questões, não é nada feito escondido [...]. Essas falas são
comentadas na sala dos professores, no conselho de classe e a direção em
nome da perpetuação de seu poder, ela se cala. É o mais impressionante é
que a escola se cala e afirma que não há preconceito, quer dizer não há
preconceito em uma professora entrar e falar um monte de coisa, e ela falou
isso outras vezes, na frente de outros colegas, de que “a eu entrei naquela
sala e vocês sabem né, ficou tudo escuro porque só tem preto na sala”, e a
escola afirma que não existem problemas de questão racial. [...] eu acho
que a escola como instituição não pode ser reprodutora de preconceitos e
eu acho que cotidianamente a escola faz isso e é isso que me incomodou e
hoje me incomoda tanto de eu não acreditar que a escola vai resolver isso,
não acredito que a atual direção ela se de conta e queira trazer tal
discussão. E há pouquíssimos parceiros, porque se eu já não era simpática
hoje eu sou menos ainda, teve uma colega que falou “chegou a inimiga
número um [do colégio]” sou eu né, dificilmente vou estabelecer parcerias
para desenvolver um trabalho diante do que foi falado. (Professora 5,
setembro de 2009)
Esse é um ano que eu tenho duas turmas muito boas a 91 é muito boa, a 92
é uma boa turma, partiu da 92 pra 96 aí é um Deus me livre total, mas a
gente vai conseguindo acertar mais ou menos. Chatos são os problemas ao
redor da escola, a comunidade anda meio tensa demais, a escola anda
meio tensa e isso esta sendo refletido no comportamento dos alunos que
estão muito tensos dentro de sala . (Professor 1, março de 2010)
179
[...] cada vez que eu vejo a direção trabalhando em gestão, que agora ela
tem que ser gestora como se a escola fosse uma empresa, só que fica uma
confusão gente. [...] Enfim, mas assim, criou uma desordem essa coisa do
“Saerjnho” teve professor que não pôde aplicar a prova dele por conta
disso, uma confusão, mandaram a gente agilizar o provão pra auxiliar.
Porque tinha que agilizar pra entregar senão a escola ia perder ponto e os
professores não iam ganhar os quinhentos reais de Maio. (Professora 4,
abril de 2011)
Sobre esses picos, é importante salientar que com exceção dos relatos de
novembro, que em sua maioria são sobre a construção de atividades que abordam a
discussão sobre a questão racial. Já os conflitos referentes a abril e setembro não
possuem nenhum padrão. Ou seja, são conflitos variados, que não apresentam
recorrência de objetos de disputa ou interlocutores.
Ainda sobre os conflitos ocorridos no mês de novembro, é importante
destacar que devido a especificação na lei 10.639/03, de que no dia 20, é
considerado no calendário escolar o Dia da Consciência Negra, esse mês acaba
sendo ou o ponto de culminância de diversas atividades que abordam a questão
racial, ou o dia em que essas atividades são feitas.
Contudo, é importante ressaltar que para além do panorama apresentado
pelas informações sistematizadas e apresentadas, o principal objetivo aqui é
analisar e compreender como o professor de geografia, ao tentar implementar a lei
10.639/03, encontra em diversos atores e em diferentes escalas do cotidiano
escolar, antagonistas e aliados. E principalmente como essas relações acabam
através dos embates diretos e dos dilemas, moldando como se é tratado o debate
sobre a questão racial dentro deste ambiente escolar.
182
26
Relato 34 do Anexo A.
184
27
Relato 1 e 3 do Anexo B.
28
Relato 24 do Anexo B.
185
[...] que quando a gente sabe que o professor não está na nossa a gente
pede: Posso fazer a oficina na sua aula? Eles falam que pode. [...] E aí
quando eu falei pra ele [um professor] do que se tratava o filme, ele falou
assim “Bem, já que você está aqui, você vai ficar, mas vou falar pra minha
turma: no Brasil não tem racismo!”, [...] Olha, foi uma confusão, aí eu o
deixei ele falando, não vou discutir na frente das crianças, mas você permite
que eu passe o filme, aí ele disse “permito”, aí ele ficou o tempo todo lendo
e não viu o filme. Você acredita num negócio desse? (Professora 4,
Novembro 2009)
29
Relato 23 do Anexo A.
186
também o grupo já... Enfim, então reafirmamos o pacto que a gente vai
continuar trabalhando isso com nossos alunos e cada vez mais a gente vai
agregando outros professores, sem estar no Projeto Político Pedagógico. O
que eu não concordo mais, mas eu sou voto vencido, os outros pensam
assim e como eu sou parte do grupo e é uma democracia, eu tenho que
aceitar não estar no PPP o nosso trabalho, nem a Lei 10.639 [...]
(Professora 4, setembro 2009)
Esse relato faz com que se observe que existem múltiplas disputas no
cotidiano escolar e algumas dessas disputas se tocam e nelas os sujeitos mudam de
posições, fazem como foi visto em outro relato, com que pessoas que disputavam
num campo se dividam e se tornem antagonistas, e atores que disputam em outros
campos acabem se aproximando. Ou seja, ao mudar a disputa, esses atores
observam a estruturação de posições e se reposicionam dentro daquela que eles
consideram mais fortes.
Isso faz com que se entenda o cotidiano escolar como um ambiente composto
por diversos campos de disputas, que apresenta múltiplas esferas ou arenas e
agendas. Como se vê no relato, a disputa pelo/no poder da escola é um campo que
tem o seu próprio sistema de posições (direção, aliados, oposição, etc).
As disputas pelas políticas pedagógicas, por exemplo, se apresentam
enquanto um outro campo de disputa, que também tem em seu próprio sistema de
posições, relações antagônicas. Da mesma forma, (apesar de poderem se inserir
dentro da arena anterior) existem as disputas em torno da inserção da temática
racial, mas a intrínseca relação entre racismo e educação, faz dessa disputa um
campo separado.
Além dessas arenas e campos, há na mobilização das relações pessoais,
enquanto uma quarta camada que quando mobilizada articula elementos de foro
pessoal, mas que de forma indireta reforçam as disputas políticas, pedagógicas, e
pela temática racial. Ou seja, para além de não poderem se atrasar, são chamados
de “xiitas”30 como apresenta uma professora em julho de 2010:
30
Termo usado de forma pejorativa, para indicar que a professore era radical na luta contra o
racismo.
190
PROF. - A gente trabalha África na sétima série [oitavo ano], que é o mundo
subdesenvolvido - América Latina, África e Ásia. África, até aqui... Neste
ano eu ainda não trabalhei África... O que eu trabalhava de África era aquilo
que todo mundo praticamente sabe de África, todo mundo que não se
interessa e quer dar aula de África. Que é a questão do exótico... zebra,
elefante, etc. e das relações de dependência, da fraqueza, vamos falar
193
reguladores internos, que apesar de não ser exclusividade da geografia, faz com
que também se tenham relações conflituosas envolvendo a dimensão dos conteúdos
propriamente ditos. Conteúdos esses que, como apresentados no terceiro capítulo,
tradicionalmente possuem uma visão racializada, amplamente baseado em autores
eurocêntricos. É em parte, o que é relatado pelo professor 1:
31
O “temário” é um rol de assuntos que dialogam diretamente com a Lei 10.639 e com o ensino de
Geografia. Este temário foi desenvolvido pela pesquisa devido a necessidade de inserir e rever os
conteúdos presentes no currículo escolar. O temário é composto por discussões sobre: Raça e
Modernidade, Ensino sobre África, Quilombos – Geo-grafias de lutas históricas ocultadas,
Segregação sócio-espacial nos meios urbanos, Política de Branqueamento, entre outros assuntos.
197
Isto posto, a disputa interna tem uma grande relevância para a construção de
uma educação focada em bases antirracistas. Ao disputarem o currículo, esses
docentes também buscam confrontar os acordos tácitos, as homogeneizações, a
pretensa neutralidade (proposta pelo pensamento ocidental moderno). Eles
contrariam o hábitus e os padrões de poder construídos no cotidiano da escola, e
por isso os embates e dilemas problematizados até então.
Como assim? Por que a escola é?” e tinham sugerido que lessem o livro do
[...] Racismo no cotidiano escolar [...] consegui em pdf e dei para os
professores e tal, porque assim, eu percebi que eles tinham a consciência
que na escola não existe racismo “Como a escola vai ser o espaço que
mais reproduz o racismo?”. Então, existia essa negação, ou seja, negação
no sentido que eles não sabiam que isso era possível e aí vendo e falando
das práticas e assim, em São Pedro eu acho que teve um avanço é... A
partir da minha realidade na escola e que eu acho que está se perdendo
porque a realidade do município hoje é nada, de concepção de educação
nenhuma é... O diretor atual é gente boa, mas ele diz assim “Olha, a
questão pedagógica é com vocês”, então se virem, tomem conta é... Enfim,
em São Pedro é assim. (Professora 3, Setembro de 2009)
Devido a leitura até então construída, entende-se que esse processo ocorre,
pois,
para justificar aquilo eu falei não. Essa fala não é minha. Eu quero que
alguém da direção vá à sala e converse. E aí qual foi espanto. Todos os
professores saíram em solidariedade a minha pessoa, mas por quê? Não
porque acreditassem no que eu estivesse falando, é porque todo mundo
achava muito normal mandar o aluno calar a boca né. A aluna em questão
“eu tinha mais é que mandar calar a boca” e eu tentava mostrar que não era
essa a discussão que eu queria. Eu queria uma outra discussão, que não
tinha sido essa fala, que não era essa a minha prática. Para convencer as
pessoas disso foi uma dificuldade. “Mas o quê que tem mandar calar a
boca?”, mas não é nisso que eu acredito. Por que é... Você esta falando de
mudar essa postura né, na [escola de Bangu] existem assim umas críticas
em relação a minha postura, porque eu sou aquela professora que eles não
entram né... Eles vão tirar o boné, eles vão sentar de maneira diferente,
mas as pessoas não compreendem que essa construção ela não é feita na
questão do mando, embora eles tenham essa “Ela é a autoridade, ela tá
mandando!”, mas esse mando se dá no estabelecimento das regras, no
estabelecimento do limite onde cada um pode ir e que isso as pessoas
acreditam que não é possível, que para aqueles alunos, para aquele
espaço, naquele tempo essas questões não são possíveis.
[...] no caso do ensino da geografia, a geografia é capaz dessa análise
espacial ajudar na desconstrução dessa subalternidade. Porque é nisso que
eu quero, eu não gostaria de um ensino de geografia que falasse
exclusivamente da questão racial, eu não acredito nisso, mas a questão
racial ela é um recorte que permite que ele esteja vendo outros enfoques
dessa subalternidade dentro do espaço, até porque a maior parte dos
alunos que a gente atende, eles estão dentro dessa subalternidade não só
econômica e social, mas também racial. Então assim, eu acho que os dois
discursos se complementam e os meus questionamentos foram
respondidos a contento. (Professora 5, Setembro de 2008)
Ao fazer um diálogo sobre alguns dos assuntos pautados pela lei, Correa
(2013) exemplifica algumas das questões fundamentais para inserir na geografia
que se ensina uma visão mais complexa sobre as relações socioespaciais.
APONTAMENTOS FINAIS
Antiguidade (MOORE, 2007), mas que passou a ser utilizado como um instrumento
de dominação e hierarquização em escala mundial a partir do processo de expansão
europeia sobre o mundo (QUIJANO, 2005; GROSFOGUEL, 2005) e que serve para
construir privilégios.
Feita a primeira parte da leitura, apresentou-se duas problemáticas para o
prosseguimento do estudo: i) como compreender a reprodução desse fenômeno nos
diversos ambientes sociais através de uma leitura de cotidiano; e ii) como conferir
uma leitura geográfica a essas relações.
No intento de sanar tais questões, também procurou-se construir no primeiro
capítulo, as primeiras chaves para compreender como o racismo interfere nas
relações socioespaciais construídas no cotidiano. Para tal, a discussão sobre a
rotinização das interações proposta por Giddens (1991 e 2003), a leitura sobre os
contextos em que elas ocorrem de Goffman (1985) e o olhar sobre a espacialidade
das relações de Massey (2000) funcionaram como eixos fundamentais para construir
tal leitura.
Contudo, a partir do entendimento que o ambiente escolar tem o seu próprio
padrão de relações, no segundo capítulo, buscou-se compreender como essas
relações que envolvem questões de poder-saber acabam interferindo não só na
construção do currículo, mas nas relações existentes no cotidiano escolar. A
discussão realizada no decorrer desse capítulo foi fundamental para compreender
de forma crítica as nuances das relações no cotidiano deste ambiente complexo que
é a escola.
Cabe destacar, que Rockwell e Ezpeleta (2007) através da atenção para a
história não-documentada e para a vida cotidiana, foi uma das principais
contribuições para entender um pouco dessa complexidade. Esses conceitos em
aliança com os aportes teóricos de Giddens (1991), Goffman (1985) e Massey
(2000), possibilitou enxergar (de forma mais integrada) como as disputas pelo/do
currículo interferem no cotidiano escolar e a prática docente. Da mesma forma,
através das contribuições desses autores já citados, e de outros como Melucci (1989
e 2001), Burity (2001), Domingues (2007) e Soeterik & Santos (2015) pode-se
observar que as disputas engendradas pelos professores acompanhados, levavam
para o cotidiano escolar uma série de reivindicações que foram construídas em
outras arenas de disputa pelo/no Movimento Negro, fazendo desses professores que
206
lógica que permita romper com a cultura eurocêntrica, uma teoria que se constitua
em uma verdadeira desobediência epistêmica (MIGNOLO, 2008).
Foi essa discussão, que permitiu que ao chegar no quarto e último capítulo,
principalmente através da análise dos relatos dos professores e professoras
acompanhados, evidenciasse-se que vários são os conflitos perpassados para
implementar uma interpretação mais complexa da lei no cotidiano escolar e no
currículo praticado de geografia. Esses conflitos se intensificavam a medida que ao
mesmo tempo em tinham as suas práticas reguladas, engendravam novas formas
de se debater e tratar a temática racial no cotidiano escolar.
Dentre esses conflitos divididos em embate e dilemas, apresentou-se conflitos
inerentes ao próprio campo, como a recusa em trabalhar determinados temas, a
contrariedade em relação ao assunto trabalhado, até conflitos motivados por
questões externas ao campo da geografia, como os embates com a direção, com a
secretaria de educação, ou dilemas envolvendo a violência urbana.
Essa multiplicidade de conflitos, mostra a necessidade do próprio campo do
cotidiano escolar aprofundar e complexificar suas análises, uma vez que são
mínimos os estudos que evidenciam as relações de poder-saber presentes nessas
interações. Da mesma forma, é necessário construir uma geografia que ajude a
desvelar o racismo e as demais formas de opressão.
E no segundo capítulo, como a escola, apesar do seu imenso potencial, ainda
serve enquanto um ambiente produtor e reprodutor de desigualdades, buscou-se
demostrar que a necessidade de criar uma educação de base antirracista é real,
necessária e fundamental para complexificar e combater as diversas formas de
hierarquias presentes na nossa sociedade e na própria geografia.
Com isso em mente, durante a dissertação buscou-se construir caminhos que
possibilitassem entender formas de atuação do racismo na nossa sociedade, ao
mesmo passo, compreender como o racismo influencia no sistema educacional e na
geografia que se ensina. Desta forma, construiu-se, através das práticas docentes
engendradas no cotidiano escolar, uma forma evidenciar este enquanto um
ambiente repleto de relações de poder-saber, mas fundamental para construir uma
outra geografia.
Isto posto, sendo a escola um espaço-tempo heterogêneo e multifacetado
onde se produz e reproduz hierarquias de base raciais, ela também é um espaço de
208
(re)produção da vida cotidiana crucial onde novas práticas podem e devem ser
construídas.
209
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2014. pp. 109-117.
[...] Esse é um ano que eu tenho duas turmas muito boas a 91 é muito boa, a 92 é
uma boa turma, partiu da turma 92 pra 96 aí é um Deus me livre total, mas a gente vai Professor questiona que a
conseguindo acertar mais ou menos. Chatos são os problemas ao redor da escola, a violência na comunidade onde a
comunidade anda meio tensa demais, a escola anda meio tensa e isso esta sendo escola está situada que atinge
refletido no comportamento dos alunos que estão muito tensos dentro de sala. Mas indiretamente a escola como um
assim, a gente vai levando. No mais, é isso! A... Vai ser feita a avaliação agora, todo. Os alunos não conseguem
Embate entre o Tráfico de
Professor Bangu, semana de prova, daí vem o “feriadão”, ai depois tem conselho, depois tem centro de Março prestar atenção na aula. A Entorno sócio-
3 drogas e a Polícia Militar -
1 Rio de Janeiro estudo, então assim... Umas duas ou três semanas no município é um momento que a 2010 direção e os alunos ficam muito espacial
Causa tensão nos alunos.
gente vai andar pouco com conteúdo, matéria. Até nossos encontros com nossos tensos por causa da violência. E
alunos vai ser menor não é?! Porque vai ter a semana de prova... Não. É o feriadão, a ainda tem os dias que a escola
semana de prova, depois tem a semana dos centros de estudos e ai vai ter o conselho fica fechada por conta do tráfico.
de classe. Então, vai ser um período mais conturbado agora pra gente, não deve São dois fatos que atrapalham o
andar muita coisa... Mas assim, estamos andando em passos curtos, mas estamos trabalho do professor
andando.
224
A professora reparou o
Enfim, essa é uma discussão que eu já venho travando desde o primeiro bimestre com desaparecimento de alguns
a turma do primeiro ano. Como os primeiros anos é um caos total, com a turma uma alunos que participavam do
vez vem um, outra vez vem outro, e no conselho a gente perguntou, cadê os alunos programa "Acelera" do Governo
que estavam naquele “acelera” que não é “acelera” no Estado? Sumiram? Aí é super do Estado. Como complemento
triste a gente saber que fulano está no tráfico, fulano está não sei aonde, sei que lá, desse relato, ela diz que muitos
Desaparecimentos de Alunos
sei que lá, sei que lá. Todos negros, aí me dá uma tristeza, me dá uma angustia de alunos do colégio, acabam
Entorno sócio- - Choque entre Professores,
Professora Centro, mais um ser morto. Que aquela área do Centro de Niterói, os alunos começam a Outubro entrando no tráfico de drogas ou
24 espacial; Dinâmica Alunos, Direção e
4 Niterói roubar, os seguranças vão e matam, são vários alunos, que já foram mortos dessa 2011 cometendo outros tipos de crimes
interna da Escola. "Seguranças particulares" do
maneira. Que ali é lugar, onde tem as lojas, onde tem o shopping aquilo, então é um e como no entorno da escola,
entorno do colégio.
lugar que as ruas tem segurança particular, até na Rua São João tem segurança. E opera alguns grupos de
eles falam, se for pego outra vez, não sei o que lá. A diretora cansa de salvar aluno lá: segurança, quando esses alunos
"vão pegar o aluno tal e vão matar" e vai todo mundo correndo pegar o aluno, que são pegos roubando as lojas da
dizer, isso no século 21, no centro de Niterói, e acontece predominantemente com os região, a diretora tem que agir
alunos negros. rápido se não esses seguranças
acabam sumindo com os jovens.
[...] cada vez que eu vejo a direção trabalhando em gestão, que agora ela tem que ser
gestora como se a escola fosse uma empresa, só que fica uma confusão gente. [...]
Enfim, mas assim, criou uma desordem essa coisa do “Saerjnho” teve professor que
não pôde aplicar a prova dele por conta disso, uma confusão, mandaram a gente
Devido a uma falta de
agilizar o provão pra auxiliar. Porque tinha que agilizar pra entregar senão a escola ia
organização, professores que não
perder ponto e os professores não iam ganhar os quinhentos reais de Maio. Aí um
são de matemática tiveram que
professor falou: “A não, então eu vou ajudar a corrigir isso aqui porque eu preciso dos
fazer o gabarito e corrigir as
quinhentos reais que vamos ganhar de prêmio”.
provas de matemática. Isso
Aí eu fico observando essa desorganização. A e outra coisa, as provas foram
ocorreu devido a uma pressa da
aplicadas todas erradas. Porque não tinha ninguém para explicar como aplicar a Precarização da Educação
Professora Centro, Abril direção e dos professores Precarização do
20 prova. Eu como sou muito distraída e sei da minha distração, preparei tudo antes e li Pública - Bonificação do
4 Niterói 2011 entregarem as notas, já que Ensino Público
toda a norma da prova e vi que cada prova tinha uma numeração. Ai eu pensei em Governo
receberiam uma bonificação de
avisar a todos os outros professores, eu vi isso só no final quando já tinha distribuído o
500 reais. Além disso, houve um
cartão. Comecei a ver: 1103; 1104; (...) e tal, aí quando eu pedi pra avisar a escola
problema na hora da distribuição
disso, todos os professores já tinham entregado para as crianças e estava tudo errado
das provas, mas a direção pediu
e a escola não tinha como dar outro cartão. Quer dizer, na hora da correção, tem
pra botar uma observação na
aluno que zerou, tem turmas que a média foi menos de 20, de tanto que errou. Aí a
hora de enviar para o Estado.
direção para não ser prejudicada pediu aos professores para botar na parte de
observação que a escola, que grande parte dos professores não sabia que a prova era
toda diferente, que fazia de acordo a numeração e o cartão de respostas, de acordo
com a apostila da prova.