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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Faculdade de Formação de Professores

Renato Veloso Pereira

O movimento de renovação geográfica no Brasil: heranças,


impasses e novas perspectivas no ensino de geografia

São Gonçalo
2018
Renato Veloso Pereira

O movimento de renovação geográfica no Brasil: heranças, impasses e novas


perspectivas no ensino de geografia

Dissertação apresentada, como


requisito parcial para obtenção do título
de mestre em Geografia, apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Geografia, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Produção Social do
Espaço: Natureza, Política e Processos
Formativos em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Ruy Moreira

São Gonçalo
2018
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/D
P436 Pereira, Renato Veloso.
TESE O movimento de renovação geográfica no Brasil :
heranças, impasses e novas perspectivas no ensino
de geografia / Renato Veloso Pereira. – 2018.
132f.

Orientador: Prof. Dr. Ruy Moreira.


Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação
de Professores.

1. Geografia – Estudo e ensino – Teses. 2. Geografia


humana – Teses. 3. Aprendizagem – Teses. I. Moreira,
Ruy. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Faculdade de Formação de Professores. III. Título.

CDU 911:37

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


desta dissertação, desde que citada a fonte.

_______________________________ ___________________________
Assinatura Data
Renato Veloso Pereira

O movimento de renovação geográfica no Brasil: heranças, impasses e novas


perspectivas no ensino de geografia

Dissertação apresentada, como


requisito parcial para obtenção do título
de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração:
Produção Social do Espaço: Natureza,
Política e Processos Formativos em
Geografia.

Aprovada em 17 de dezembro de 2018.

Banca Examinadora:

_________________________________________________
Prof. Dr. Ruy Moreira
Faculdade de Formação de Professores – UERJ

_________________________________________________
Prof. Dr. Charlles da França Antunes
Faculdade de Formação de Professores - UERJ

_________________________________________________
Prof. Dr. Felipe Moura Fernandes
Instituto Superior Anísio Teixeira

São Gonçalo
2018
DEDICATÓRIA

À minha família, pela vida compartilhada e por toda dedicação.


AGRADECIMENTOS

Aos meus avós José e Jupira (In Memorian), sem os quais eu não seria.
À minha avó ―Gecinda‖ (In Memorian) pela minha criação, por seu afeto e por
sua doçura.
Aos meus pais, meus encontros essenciais, meus grandes exemplos.
Ao meu irmão, por toda nossa história.
À minha tia-avó Maria, nossa guerreira.
À resistência de todos os trabalhadores da UERJ.
Aos professores, técnicos-administrativos e funcionários da UERJ/FFP – São
Gonçalo.
Aos professores da Pós-Graduação de Geografia da FFP/UERJ.
Ao Mestre-mentor Prof. Dr. Ruy Moreira, com carinho, por todos esses anos
iluminando minha caminhada acadêmica na Geografia.
Ao Prof. Dr. Charlles da França Antunes, pelo apoio e pela confiança.
À Profª. Drª. Ana Cláudia Ramos Sacramento, pela dedicação, compromisso
e profissionalismo com seu ofício e seus alunos.
Ao Prof. Dr. Manoel Martins Santana Filho, pelos diálogos fecundos e
criteriosos.
Ao Prof. Dr. Felipe Moura Fernandes, pela pronta participação e contribuição
fecunda nesta parte da minha formação acadêmica.
Ao colega de turma e amigo Bernard Teixeira, companheiro de viagem cujos
diálogos tanto contribuíram para esta dissertação.
Ao amigo, vizinho e colega de turma Oswaldo Rezende, pelo companheirismo
e pela parceria.
Aos colegas de turma da Pós-Graduação, pela caminhada juntos.
À responsável pelo meu retorno aos estudos acadêmicos, Ludmila, minha
esposa, parceira e companheira incansável. Meu encontro necessário nesta vida,
por quem e com quem renovo afeto, admiração, respeito e vida.
Ao Vicente, vida e esperança revividas em mim e em Ludmila.
RESUMO

PEREIRA, R. V. O movimento de renovação geográfica no Brasil: heranças,


impasses e novas perspectivas no ensino de geografia. 2018. 132f. Dissertação
(Mestrado em Geografia) – Faculdade de Formação de Professores, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2018.

O presente trabalho trata da relação entre a ciência geográfica e o ensino de


geografia, suas heranças, seus impasses e novas perspectivas que se expressam a
partir do movimento de renovação, abrindo, no Brasil, após a década de 1970, um
amplo debate crítico acerca dos modos de pensar/fazer/produzir/ensinar geografia.
Referenciados no materialismo histórico e dialético, porém realizando-se de modo
plural ao longo do processo de renovação – considerando-se a coexistência com
outras correntes científico-filosóficas – um grupo de geógrafos-professores,
insatisfeitos com a situação da ciência, do ensino e político-econômico-social-
cultural, gerou um movimento em torno de um compromisso teórico-metodológico-
epistemológico, político e social voltado para a construção de uma sociedade com
equidade, pavimentando, assim, novos horizontes para os modos de
pensar/fazer/produzir/ensinar geografia. A definição do espaço geográfico como
objeto de estudo da Geografia abre uma perspectiva epistemológica para
reformulação de seus fundamentos na modernidade (da razão fragmentária à razão
crítica). Uma renovação na ciência geográfica, pautada nos pressupostos da razão
crítica, superando a razão fragmentária – representada na geografia pela estrutura
N-H-E (Natureza, Homem e Economia) –, faz-se necessária, em virtude das
transformações socioespaciais ocorridas na contemporaneidade que necessitam de
leitura e explicação geográfica do espaço colado com o tempo combinados como
forma real do movimento. Que trate também de questões que se colocam na relação
ensino-aprendizagem de Geografia na escola, proporcionando o desenvolvimento de
raciocínios espaciais das/dos estudantes por meio das práticas sociais e dos
saberes escolares, objetivando a construção de conhecimentos e conceitos
geográficos.

Palavras-chave: Renovação geográfica brasileira. N-H-E. Ensino de Geografia.


Espaço geográfico. Ensino-aprendizagem.
ABSTRACT

PEREIRA, R. V. The renewal of geographical movement in Brazil: heritages,


dilemmas and new perspectives in teaching geography. 2018. 132f. Dissertação
(Mestrado em Geografia) – Faculdade de Formação de Professores, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2018.

The present work is about the relationship between science and the teaching
of geography, their inheritances, their dilemmas and new perspectives that are
expressed from the renewal movement, opening in Brazil, after the Decade of 1970,
a wide-ranging debate about the critic ways of thinking/doing/producing/teaching
geography. Referenced in historical materialism and dialectical, but being so plural
throughout the renewal process— considering coexistence with other scientific-
philosophical lines of thought – a group of Geographers-teachers, unhappy with
science situation, education and political-economic-social-cultural, spawned a
movement around a theoretical-methodological-epistemological commitment, political
and social aimed at building a society with equity, paving new horizons for ways of
thinking/doing/producing/teaching geography. The definition of geographical space
as an object of study of geography opens an epistemological perspective to recast
their fundamentals in modernity (from the fragmented to critical reason). A renewal in
geographical science, based on assumptions of critical reason, surpassing the
fragmented reason – represented in geography by the structure N-M-E (Nature, Man
and Economics) – is necessary, due to the social-spatial changes in contemporary
times that requires reading and geographical explanation for the space stuck on time
combined as real shape of the movement, and also deals with issues which arise in
relation to Geography teaching and learning in school, providing the development of
spatial reasoning of students through social practices and knowledge, with the
objective of building knowledge and geographical concepts.

Keyword: Renewal of brazilian geography. N-M-E (Nature-Man-Economics).


Teaching of geography. Geographical space. Teaching-learning
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 9

1 DAS ORIGENS DA GEOGRAFIA À GEOGRAFIA MODERNA.......... 15

1.1 Estrutura originária.............................................................................. 15

1.2 A transição da geografia antiga para a geografia moderna............ 19

1.3 A geografia moderna........................................................................... 23

1.3.1 O paradigma holista da baixa modernidade e a ciência da relação


homem-meio.......................................................................................... 25
1.3.2 A geografia clássica e o paradigma fragmentário da modernidade
industrial................................................................................................. 34
1.3.2.1 Iniciativas de integração na Geografia humana: a nova relação
homem-meio.......................................................................................... 39

1.3.2.2 A geografia como a ciência do estudo da organização do espaço....... 45

1.3.2.3 O paradigma holista da hipermodernidade............................................ 52

2 O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA BRASILEIRA 60

2.1 Matrizes da renovação da geografia no Brasil: conjuntura, atores


e sujeitos.............................................................................................. 60

2.2 Ideias e fundamentos.......................................................................... 64

2.3 O processo de institucionalização do ensino de geografia............ 74

2.4 O processo de institucionalização da geografia na escola


brasileira............................................................................................... 83

2.5 A tendência produtivista na educação brasileira............................. 90

2.6 O ensino de geografia clássica e práticas contra-hegemônicas 93

2.7 A importância da escola e do ensino de geografia.......................... 98

2.8 Teorias e políticas curriculares.......................................................... 102

3 O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA NO BRASIL E 107


O ENSINO GEOGRAFIA: RELAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES..............

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 124

REFERÊNCIAS..................................................................................... 128
9

INTRODUÇÃO

Os anos de formação de uma geografia escolar no ensino público com muitas


informações de elementos do conhecimento como: vegetação, clima, relevo,
população e economia sem nenhuma relação uns com os outros, somados com os
de formação acadêmica numa universidade pública de geografia em processo de
mudança curricular, mas ainda com predomínio dos mesmos elementos do
conhecimento agora dicotomizados, fragmentados e sem relação, fazem o professor
que me tornei se questionar sobre o que a Geografia me revela por seus
conhecimentos do mundo, ao longo da sua história, elaborados e reelaborando-se
cotidianamente. O que esta ciência descortina de mundo e o abre como perspectiva
por seus conhecimentos diante do profissional, do homem, suas práticas e saberes?
Ocorrem-me alguns questionamentos já conhecidos e recorrentes sobre a
Geografia: o que é, para que serve, a quem serve, para quem serve?
Não tenho resposta pronta para os questionamentos e não é pretensão
respondê-los aqui e agora de chofre, mas incitam-me a buscar caminhos e
referências que possam fundamentar questões, problemas e propostas cuja
relevância se desdobre em instrumentos para a leitura do espaço pelos estudantes e
pela sociedade e para minha formação profissional contínua em curso. A questão
que se coloca então, aqui, sobre algumas das problemáticas supracitadas é a da
relação entre Geografia acadêmica e Geografia escolar que vem se tecendo ao
longo do tempo, e que se desdobra na contemporaneidade a partir do movimento de
renovação geográfica no Brasil. Ou seja, o que de heranças e de impasses na
relação entre Geografia acadêmica e Geografia escolar, permanece ou é superado,
no ensino de Geografia? O vão entre as referências produzidas no movimento de
renovação e o que é vivenciado na prática profissional, em tempos de novas
orientações programáticas, pode ser superado?
A Geografia enquanto disciplina escolar ainda se depara com muitos
impasses, embora o Movimento de Renovação no Brasil tenha aberto as portas para
uma Geografia referenciada na razão crítica. Transpor o modelo de ensino
mnemônico, compartimentalizado nas salas de aula não se mostra uma tarefa fácil.
As perspectivas de mudanças ainda permeiam muito mais o campo
teórico/Acadêmico do que a prática dos professores do ensino básico. Há que se
10

ponderar também que o desafio não está restrito somente à Geografia, mas à
Educação como um todo.
Da relação estabelecida entre geografia acadêmica e geografia escolar,
temos como objetivo geral analisar, a partir do movimento de renovação geográfica,
no Brasil, heranças, impasses e novas perspectivas na geografia que se ensina por
meio de algumas práticas. Para tanto, compreender algumas heranças e alguns
impasses da Geografia antiga à Geografia moderna e seu processo de
institucionalização acadêmica e escolar no mundo ocidental e, no Brasil, em
específico, é um dos objetivos específicos. Relacionar geografia acadêmica e ensino
de geografia a partir do movimento de renovação geográfica, no Brasil, no que há de
algumas referências da ciência geográfica produzida nos recentes decênios, é outro
objetivo específico.
A metodologia utilizada baseia-se em revisão bibliográfica, bem como na
análise de práticas de ensino, levando em conta as abordagens teóricas de diversos
autores acerca do assunto. O desenvolvimento da pesquisa bibliográfica se deu
através da consulta de livros, teses, dissertações, artigos publicados em periódicos,
revistas acadêmicas de circulação virtual, assim como artigos acadêmicos
disponíveis à consulta online, que tratam da temática que se pretende suscitar em
diferentes perspectivas e períodos históricos.
Caracterizada por categorias fundamentais como espaço, paisagem e meio
ambiente (de forma isolada ou combinada), a Geografia – que na
contemporaneidade, por meio do espaço global, é a ciência que sintetiza o mundo –,
―já foi definida como o estudo descritivo da paisagem, o estudo da relação homem-
meio e o estudo da organização do espaço pelo homem‖ (Moreira, 2014). Estas três
definições que trazem em sua episteme o reconhecimento da superfície terrestre à
classificação das várias áreas, tem como consequência no método muita informação
sem explicação.
Na busca do entendimento de seus paradigmas, Moreira divide a Geografia
moderna (nascida na segunda metade do século XVIII), em três fases distintas
diferenciadas por seus respectivos paradigmas, quais sejam: o paradigma holista da
baixa modernidade, o paradigma fragmentário da modernidade industrial e o
paradigma holista da hipermodernidade (ou pós-modernidade), como tendência
atual.
11

Moreira vai chamar de estrutura N-H-E (Natureza-Homem-Economia) o


padrão de ciência que durante o século XX se institui como discurso geográfico em
todo o mundo Ocidental. O esquema N-H-E serve tanto de classificação, como,
também, de conceitualização para ordenar o mundo circundante integrando todas as
coisas numa arrumação totalizada de conjunto.
O problema fundamental que se coloca diante de tal quadro, reside nos
conceitos de natureza e de homem, desdobrando-se numa dicotomização que
dificulta o entendimento e a explicação para uma geografia cuja leitura do espaço
expresse o todo. Nesse discurso fragmentário em que o conceito de homem e de
natureza é estruturado de maneira dicotômica, o homem é desnaturizado e
deslocalizado da realidade da relação de classe. A natureza para a noção de
homem demográfico-antropológico-econômico são os recursos, o conjunto dos seres
inorgânicos, algo mecânico e, por isso, externa a ele.
Acomodado sobre a estrutura estraboniano-ptolomaica (origens da geografia),
esse é o modelo da geografia que vem se estabelecendo desde a fase pré-científica
até a fase científica (representação moderna).
A Geografia moderna, nascida na segunda metade do século XVIII,
expressou-se, nesta primeira fase, por meio do holismo da relação homem-meio de
Humboldt e Ritter (como seus sistematizadores), referenciados no mundo natural-
humano e no romantismo filosófico, logo após a contribuição profícua de Forster e
Kant.
O positivismo torna-se hegemônico na organização do conhecimento
científico na virada do século XIX para o XX. Desenvolve-se a segunda fase da
geografia moderna (fragmentada e dicotomizada) com o positivismo pautado na
filosofia do naturalismo mecanicista e o neokantismo. Esta forma geográfica de
representação do mundo se expressa durante muito tempo até a
contemporaneidade por meio de currículos na universidade e dos currículos e
materiais didáticos do ensino.
Portanto, Geografia moderna e Geografia antiga têm como traço fundamental
que as diferencia, alguns vetores institucionais como as Sociedades de Geografia, o
ensino escolar e os departamentos universitários (Sodré, 1976; Capel, 1983 apud
Moreira, 2014). Estes vetores institucionais impulsionaram a Geografia moderna em
países europeus (principalmente Alemanha e França) do século XVIII para o XIX.
12

Especificamente no Brasil, são as instituições de ensino e as instituições de


pesquisa e planejamento estatal que formatam a geografia profissional, a partir dos
anos 1930. Se a geografia profissional, no Brasil, filia-se às matrizes clássicas
originárias, com o seu desenvolvimento, filia-se às matrizes da renovação.
O discurso e a prática em geografia baseados na ciência que fragmenta o real
– e que se sustentam nesta forma geográfica de representação do mundo –
coexistem com as matrizes da renovação que vem se desenvolvendo, na
contemporaneidade, em vários campos e temas geográficos, no mundo ocidental e,
no nosso caso específico em questão, no Brasil.
Pensamos que no período mais recente, exatamente o considerado como o
do movimento de renovação geográfica, neste caso, no Brasil, ocorre um
enriquecimento vindo de diferentes interpretações (matrizes) proporcionando a
reformulação de ―categorias e conceitos para compreender melhor o movimento da
sociedade, para refletir sobre a problemática espacial, à luz das contribuições de
uma teoria social crítica‖ Cavalcanti.
A noção de espaço como um histórico-produzido em que há uma combinação
espaço-tempo como forma real do movimento, como condição produzido-reprodutor
das relações totais, colocam-no como dialeticamente continuidade e ruptura perante
a geografia clássica, pois esta, referenciada na ideia da regulação, tendo a
paisagem como principal categoria e o espaço como categoria ―secundária‖, assenta
sua teoria e explicação científica do real. A ruptura corre por conta da referência
centrada primordialmente na categoria espaço visto como tempo concreto e
concretizado, tempo-estrutura, sendo ambos, espaço e tempo, um conteúdo do
outro. Todas as tentativas de explicar o espaço subtraíram praticamente o problema-
chave de sua produção, a grande exceção vindo de H. Lefebvre (1973), (Santos
2012).
Ao introduzir no seu estatuto epistemológico o espaço geográfico como
categoria de análise das questões sociais em sua relação dialética com o espaço
contemporâneo, a geografia desenvolve e redimensiona categorias e conceitos para
a compreensão da relação sociedade-espaço como referência para a orientação de
temas e campos que se pluralizam.
A geografia de cunho positivista e neokantiana tão criticada –
embrionariamente relacionada com o ensino – que difunde a ideologia patriótica e
nacionalista, de caráter descritivo, enciclopédico e mnemônico, compartimentada em
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vários ramos, fragmentada e dicotomizada, utilizando-se de teorias, métodos e


práticas de outras ciências e com pouca aplicação prática na vida cotidiana, gera
muita insatisfação e questionamentos aos/dos seus profissionais.
Lacoste (1997) considerou que existiam duas geografias desde o fim do
século XIX: a dos Estados-maiores (de origem antiga), como um conjunto de
representações cartográficas e de conhecimentos variados referentes ao espaço e,
outra, a dos professores, como um discurso ideológico que mascara a importância
estratégica dos raciocínios centrados no espaço, mesmo que como uma de suas
funções inconscientes. Os mesmos elementos do conhecimento utilizados pelos
Estados-maiores e pelos professores e alunos servem de maneira diferente para
ambos: para os primeiros como estratégias econômicas e sociais e, para os outros,
não está claro o sentido de informações dispersas, enciclopédicas,
―desinteressadas‖ e sem nenhuma relação.
A partir da década de 1970, o descontentamento com o paradigma da razão
fragmentária – que vinha se esboçando há algum tempo em alguns países da
Europa – que referencia o pensamento filosófico e científico no mundo ocidental, no
Brasil, origina um movimento cujas matrizes se vinculam às da renovação e, no
ensino:

[...] combate o empirismo abstrato e o caráter descritivo e fragmentário do


método de investigação e de ensino da geografia a serviço de um projeto
imperial, o caráter aparentemente neutro, desconectado da prática social,
ingênuo e enfadonho do discurso geográfico e, ainda contra as práticas
mecânicas que desconsideram o processo de construção de conhecimento
e o aluno como sujeito de saberes espaciais (COUTO, 2014, p. 252).

Persistem formatos clássicos, que se misturam com a construção de um


discurso e uma prática críticos no ensino de geografia. Mas, os caminhos
percorridos pelo movimento de renovação da geografia brasileira contribuem para a
construção de práticas/saberes/conceitos/conhecimentos baseados na razão ou
numa epistemologia crítica que fomente um ensino de Geografia nesta linha? O que
há de interação entre Geografia acadêmica e Geografia escolar que torna importante
a Geografia que se ensina para a vida dos alunos? Qual o papel e a importância da
Geografia na vida dos alunos? Há uma compreensão da relação entre o papel do
espaço geográfico e as práticas sociais? Que são estas, em conjunto com os
saberes, que organizam o espaço geográfico e podem promover a sua leitura pelos
estudantes?
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Para analisarmos as relações/contribuições do movimento de renovação da


geografia brasileira com/ao ensino de geografia, no primeiro capítulo
apresentaremos e analisaremos algumas questões das origens da geografia, das
definições e paradigmas, da formação e da organização da Geografia moderna e da
estrutura N-H-E que dão suporte à geografia institucionalizada no século XIX, para
termos o esboço de um quadro de heranças e de impasses na constituição dessa
forma de saber e de prática científica. Depois, trataremos o processo de
institucionalização da geografia escolar no mundo ocidental em sua modalidade
clássica, qual seja: da criação da identidade do povo com o Estado-nação, na forma
de nacionalismos. Abordaremos o processo de institucionalização e alguns
desdobramentos na geografia escolar do Brasil, e sua inserção nos novos rumos
traçados pelo capitalismo mundial, tendo a teoria do capital humano como nova
orientação pedagógica no sistema educacional brasileiro. No segundo capítulo,
analisaremos o movimento de renovação da geografia brasileira que ocorre a partir
da década de 1970 e inaugura um processo de crítica mais contundente de alguns
impasses herdados da geografia clássica, na busca de uma geografia pautada na
razão crítica. Nele, abordaremos algumas matrizes que passam a referenciar a
Geografia na contemporaneidade. Também, algumas influências do movimento de
renovação no ensino de geografia, no Brasil, relacionadas com algumas
contribuições mais recentes que se desdobram com a pluralização de temas e
campos após os ventos da mudança na forma de ser/pensar/produzir/agir da
geografia brasileira.
15

1 DAS ORIGENS DA GEOGRAFIA À GEOGRAFIA MODERNA

1.1 Estrutura originária

Moreira vai chamar de estrutura N-H-E o padrão de ciência que durante o


século XX se institui como discurso geográfico em todo o mundo ocidental. Esse é o
esquema que serve de modelo teórico tanto de classificação como conceitual para
ordenar o mundo circundante integrando todas as coisas numa arrumação totalizada
de conjunto. Acomodado sobre o arquétipo estraboniano-ptolomaico (origens da
geografia), esse é o modelo da geografia que se estabelece desde a fase pré-
científica à fase científica (representação moderna).
A questão nuclear e original da geografia, como forma de saber, foi a
necessidade de sistematização e estudo do material acumulado, resultante da
exploração e compilação de fatos e conhecimentos relativos à superfície terrestre e
da elaboração de mapas das áreas que foram se tornando conhecidas e povos
conquistados no mundo antigo (impérios); dando origem ao que se pode denominar
como os primeiros geógrafos ou filósofos-geógrafos: os gregos (TATHAM, 1959, p.
198 apud COUTO, 2015).

No mundo antigo, a geografia teve sua expansão proveniente de três


atividades estreitamente ligadas: a exploração, que provocou a compilação
de fatos relativos à superfície da terra; a elaboração de cartas e mapas das
áreas conhecidas; o estudo do material arrecadado. Tôda a antiga
civilização do Oriente Próximo estava interessada, em grau maior ou menor,
nas duas primeiras, porém o estudo era quase um monopólio dos gregos e,
por conseguinte, são eles considerados por nós como os primeiros
geógrafos (TATHAM, 1959, p.198).

―No processo histórico de construção desta especificidade do saber humano,


os(as) gregos(as) são considerados(as) os(as) primeiros(as) a registrar de forma
sistematizada os conhecimentos geográficos‖ (Rocha,1997). ―Os primeiros registros
do interêsse do homem sôbre a natureza do mundo físico que o cercava contêm
observações e pesquisas de caráter geográfico‖ (TATHAM, 1959).
16

Todos os principais ramos da geografia foram estabelecidos pelos gregos. A


geografia matemática, desenvolvida por Thales (580 A.C.), Anaximandro
(611 A.C.) e Aristóteles (384-322 A.C.) atingiu o seu apogeu com
Erastótenes (Alexandria 276-194 A.C.). Provou-se a esfericidade da Terra,
as suas dimensões foram computadas, de acordo com medidas
surpreendentemente certas. Calculou-se a latitude e a longitude de vários
lugares e iniciou-se o trabalho de organizar mapas mundi sobre diagramas
(TATHAM, 1959, p.198).

Nascida na antiga Grécia, a Geografia, com Estrabão e Ptolomeu, é a


descrição direta da paisagem. ―Nos séculos I, com Estrabão, e II, com Ptolomeu, a
prática geográfica é uma forma de inventariação de informações sobre territórios e
povos a partir da observação do significado de suas paisagens‖ Moreira (2014).
Sobre isso, diz Rocha:

Os autores responsáveis pelas concepções teórico-metodológicas, que


deram corpo à denominada Geografia Clássica, tiraram dos modelos
resultantes das sistematizações realizadas por Estrabão e Ptolomeu os
aportes necessários para suas produções (ROCHA, 1997, p.11).

―Estrabão e Ptolomeu são os formuladores que vinculam respectivamente nos


séculos I e II a definição da Geografia ao ato de olhar o mundo observando a
paisagem a partir de um significado‖ Moreira . ―Estrabão e Cláudio Ptolomeu foram,
sem dúvida, os maiores responsáveis pela sistematização dos conhecimentos
geográficos na Antigüidade Clássica‖ (ROCHA,1997).
Segundo Tatham (1959):

Estrabão (63 A.C.- 36 D.C.) [...] resumiu os conhecimentos geográficos de


seu tempo em setenta volumes. Reconheceu, pois, o valor intrínseco da
geografia. Para êle não se tratava meramente de um subsídio à tarefa de
governar; a geografia tinha importância própria, por isso que ―nos familiariza
com os ocupantes da terra e dos oceanos, com a vegetação, frutos e
peculiaridades dos vários quadrantes da Terra, e o homem que a cultiva é
um homem profundamente interessado no grande problema da vida e da
felicidade‖. Estrabão era um geógrafo regional. Ptolomeu (Claudius
Ptolomius de Alexandria, 150 D.C.) [...] preocupou-se primordialmente com
a geografia matemática. Sua grande obra, ―Geographie Syntaxis‖ trata das
projeções, apresenta tábuas de latitude e longitude, bem como cálculos das
variações de duração do dia a várias distâncias do equador (TATHAM,
1959, p.7).

Para Estrabão, segundo Moreira (2014), ―olhar a paisagem é perceber o


mundo como um todo determinado pelo sentido da diferença. Sua prática de viajar
pelo mundo emprega este sentido‖. Com o discurso de mundo, Estrabão entende as
paisagens como mosaico de diferenças, promove uma verificação do mundo
formado por diferenças e faz sua leitura política. Em suma, sua geografia é
17

entendida e representada na época, com o que se conhecia das partes do mundo.


Atento observador dos fatos, Estrabão descreve detalhadamente as terras por que
percorre e seus povos habitantes.

O conjunto de escritos mais famosos do geógrafo é composto de relatos,


descrições e reflexões preciosas, contendo aspectos físicos, econômicos,
humanos, crítica de fontes etc. A Geografia de Estrabão possui dezessete
livros, todos conservados por inteiro (do livro VII possuímos apenas
fragmentos). Os livros I e II tratam de temas gerais, uma espécie de
introdução, com discussões de conceitos geográficos e confronto de fontes.
Os demais se referem, cada um, a uma ou mais regiões da oikoumene,
começando na Ibéria e terminando no Egito, Etiópia e Líbia (livro XVII)
(SILVA, 2010, p.6).

Ao se preocupar com os fenômenos humanos e as coisas com significado


para os homens, Estrabão os trata como registro, desconsiderando as causas físicas
dos fenômenos naturais. ―Consolidava-se com ele a geografia descritiva, que tão
profundas influências tiveram sobre o desenvolvimento de nossa ciência, e,
sobretudo, na forma que ela passou a ser ministrada nas salas de aulas.‖

Em todos os lugares por ele percorridos, fez questão de contactar com os


habitantes, e, através de conversas, obteve informações orais e escritas,
além de conhecer as suas tradições. De todo este material surgiram as suas
principais obras: Memórias Antigas, composta de 43 livros e a Geografia,
considerada a mais importante e composta de 17 volumes. Nesta última,
Estrabão realizou uma análise do mundo, tendo a preocupação de produzir
um mapa mundi, que abarcava a totalidade dos espaços geográficos
conhecidos pelos gregos e romanos, além de áreas desconhecidas, mas
que se acreditavam existentes graças a relatos e suposições (ROCHA,
1997, p.5).

A corografia (como ato de descrever a Terra, o mundo) necessita da produção


de mapas para localização dos objetos de descrição segundo a apropriação de
conhecimentos físicos e matemáticos convertidos na cartografia pelos geógrafos da
época. A Geografia de Cláudio Ptolomeu nasce da preocupação com a forma do
nosso planeta a partir de reflexões de cosmografia, cartografia e astronomia.
E para Ptolomeu o mundo é como um todo determinado por um sentido
telúrico. Olha o mundo na relação da superfície terrestre com a superfície celeste.
Ptolomeu reúne os fenômenos e o saberes acumulados e quer representá-los como
linguagem de representação de mundo.

Como era típico, nas obras produzidas por simpatizantes da geografia


matemática, os aspectos físicos e humanos não constavam nos escritos de
Ptolomeu. Para que possamos compreender esta posição teórica adotada
por este autor, não devemos perder de vista que, em seus trabalhos, o
18

objetivo principal a ser alcançado era a fixação do ecúmeno. Neste sentido,


a astronomia, a cosmografia e a cartografia tornaram-se o cerne de sua
obra, já que as mesmas eram os meios necessários para que seus objetivos
fossem alcançados (ROCHA, 1997, p.7).

A Geografia é entendida como cosmografia a partir do olhar cartográfico de


Ptolomeu na relação Terra-céu. Ao descrever a paisagem querendo ver a Terra no
universo, Ptolomeu pensa numa referência que:

[...] é uma forma de olhar que flagra esse mesmo mundo, mas no modo
como o todo do universo verticalmente se projeta em paisagens na
superfície do planeta, as paisagens expressando em sua diversidade de
formas a complexidade cósmica das relações da Terra com o universo
(MOREIRA, 2014, p.14).

Se com Estrabão nasce o modelo de descrição da paisagem (com recortes


espaciais do mundo), com Ptolomeu nasce a cosmografia geocêntrica. Se com
Estrabão temos o nascimento das noções de recortado ou recorte espacial (sendo
este um recurso conceitual para entender o empírico da paisagem), do olhar, da
diferença, da paisagem, da descrição, da inventariação e da classificação de
informações, com Ptolomeu temos o nascimento das noções de registro
cartográfico, do mapa, do ponto, da conexão da linguagem (representação).

A prática geográfica é a da descrição, inventariação e classificação de


informações sobre os povos e seus territórios a partir da observação de
suas paisagens (Estrabão), do relato de viajantes e mercadores e do
registro cartográfico (Ptolomeu) (COUTO, 2015, p.4).

Em Estrabão, ―a Geografia é uma forma de olhar que flagra o mundo no modo


como este é visto através da imensa diversidade de paisagens que expressam a
multiplicidade de modos de vida dos homens na superfície da Terra‖ (Moreira, 2014).
Em Ptolomeu, é uma forma de olhar que flagra esse mesmo mundo, mas no
modo como o todo do universo verticalmente se projeta em paisagens na superfície
do planeta, as paisagens expressando em sua diversidade de formas a
complexidade cósmica das relações da Terra com o universo (Moreira, 2014). Com
Ptolomeu, o objetivo é inventariar, informar e orientar através do registro cartográfico
e dos relatos precisos de viajantes, mercadores e Estados em suas relações com os
povos e territórios (Moreira, 2014).
19

A Geografia nasceu, assim, na antiga Grécia, e sob dupla modalidade. Com


Estrabão é a descrição direta da paisagem, a modalidade da leitura da
superfície terrestre vista em sua escala horizontal. Com Ptolomeu é essa
mesma descrição da paisagem, mas na perspectiva da escala vertical da
superfície terrestre. É a mesma ideia de Geografia, mas com enfoque e
escala de olhar distintos [...] (MOREIRA, 2014, p.14).

Durante séculos é sob esta concepção de descrição da paisagem na


modalidade estraboniano-ptolomaica que a Geografia se desenvolve e chega ao
século XVII para adquirir novo formato.

1.2 A transição da geografia antiga para a geografia moderna

―No século XVII essa concepção de descrição da paisagem na modalidade


estraboniano-ptolomaica adquire um novo formato. O mundo vive uma grande
transformação e a Geografia deve acompanhá-la, ajustando-se ao novo tempo‖
(Moreira, 2014).
Esquecidas durante séculos, as obras de Estrabão e Ptolomeu são
recuperadas pelos árabes cujo interesse geográfico pela conquista de territórios e
pelo conhecimento do trajeto exato da peregrinação até a Meca, os faz reencontrar a
produção geográfica dos gregos. O expansionismo islâmico a partir do século XII,
resultando na conquista de vastas extensões de terras, desde o Oriente Médio até a
Ásia (Cáucaso e Pérsia), passando pelo Norte da África, estabelece a conexão entre
o conhecimento geográfico da antiguidade com o conhecimento geográfico da idade
média.
A transição da geografia medieval para a moderna não se realizou no início
da era renascentista, nem o fato se deu rapidamente. ―Tinha de ser feito
considerável número de trabalho preliminar, o que fêz com que a nova maneira de
encarar os fatos apenas gradativamente entrasse no domínio da geografia‖ (Tatham,
1959).

A partir dos meados do século quinze, os exploradores ampliaram os limites


do mundo medieval. Colombo, Vasco da Gama e seus sucessores
trouxeram extraordinária quantidade de fatos novos, que rapidamente se
tornaram acessíveis através das compilações de Hakluyt, Ramusio e Bry.
Tais novos fatos tinham de ser cartografados. Os esforços para realizar tal
trabalho, com a maior perfeição possível, deram inicio ao desenvolvimento
20

da cartografia, que atingiu o auge com os mapas de Gehard Kremer


Mercator, 1512-94) e Abraão Ortelius (1527-98) (TATHAM, 1959, p.201).

“Introdução à Geografia Universal”, obra póstuma de Cluverius, publicada em


1626, marca uma nova forma de se expressar geograficamente no século XVII,
delineando a passagem da época medieval para o período moderno em seu
começo. ―Principia com um sucinto e insuficiente relato da geografia matemática e,
em seguida, passa a uma descrição regional dos países do mundo que ocupam
quatro quintos do todo‖ (Tatham, 1959).

Foram essas excelentes descrições que Cluverius escreveu, como


contribuição ao estudo da história, que deram ao trabalho a sua
importância. Estabeleceram um padrão na geografia regional não
ultrapassado por muito tempo (TATHAM, 1959, p.201).

Imerso num cenário espaço-temporal de acontecimentos importantes, o


alemão Bernhard Varenius (1622-1650), nascido em Hitzacher, Alemanha, de família
de origem protestante, muda-se para Amsterdã, Holanda, em virtude da Guerra dos
Trinta anos. Já na Holanda, na Universidade de Leiden (reduto do cartesianismo e
importante centro de produção de conhecimento matemático na Europa), interessa-
se pelo conhecimento científico e pela matemática. Filia-se aos princípios do
cartesianismo, com informações sobre os Descobrimentos Marítimos tem uma
imagem de mundo atualizada à época, não incorpora a cosmogonia religiosa à sua
Geografia e adota o heliocentrismo de Copérnico como uma de suas bases. Sua
―Geografia Geral‖ – obra de 1650 – é enriquecida por um conjunto de eventos
relevantes que marcarão a modernidade.

Podemos de antemão afirmar que a aplicabilidade de preceitos cartesianos


à Geografia, como a predileção pela matemática como sistema
organizacional apriorístico do conhecimento, a adoção inédita do
heliocentrismo numa obra geográfica, a completa separação da Geografia
de premissas religiosas e o diálogo crítico com as mais novas informações
oriundas dos Descobrimentos Marítimos tornam a Geografia Geral um texto
fundamental no processo histórico de construção de um conhecimento
geográfico de feições modernas (BAUAB, 2011, p.192-193).

Varenius, já no século XVII, fundirá a corografia horizontal de Estrabão com a


corografia vertical de Ptolomeu. Une as duas concepções ao conceito cartesiano de
espaço relacionado com a noção empírica espaço-tempo lançando, assim, a
estrutura cartesiana-newtoniana da Geografia moderna.
21

Com Bernhardt Varenius, a geografia adquire ares científicos, não somente


pelo uso das modernas interpretações sobre a natureza e o funcionamento
mecânico do mundo, mas porque o espaço, que até então estava subjugado
ao domínio da representação cartográfica, passa a ser o centro da reflexão,
onde agora, a cartografia passa a ser subjugada pela análise espacial
(VITTE, 2013, p.102).

―Sua ‗Geographia Generalis‘, publicada em 1650, foi a primeira obra de


geografia a incluir a nova teoria do universo‖ (Tatham, 1959). Como informa Moreira:

Varenius incorpora à cosmografia ptolomaica a astronomia copernicana de


um cosmo regido pela lei universal da gravidade newtoniana e sobre essa
base atualiza seu sistema de projeção, reiterando o sentido eminentemente
cartográfico – mas agora da cartografia de precisão da matemática moderna
– do olhar geográfico de Ptolomeu. E incorpora do olhar geográfico de
Estrabão os oceanos e continentes descobertos pelas grandes navegações.
Mas, sobretudo, funde esses dois olhares à luz do conceito cartesiano de
espaço, arrolado dentro da noção empírica de espaço-tempo que se passa
a ter como forma de percepção do real após a viagem de circum-navegação
de Fernão de Magalhães, lançando a base cartesiano-newtoniana da
Geografia moderna (MOREIRA, 2014, p.58).

Sendo assim, Couto (2015) afirma que ‖Varenius propõe um duplo caminho
de investigar a paisagem: através da geografia geral (ou sistemática) e da geografia
especial (ou regional), incorporando os conceitos de espaço e superfície terrestre
(além da paisagem)‖. É o que diz Vitte:

A preocupação com o espaço atende a um preceito revolucionário da


burguesia e que será intensificado na Inglaterra newtoniana, onde a
preocupação com a natureza, as divisões naturais da superfície da Terra, a
geografia estará instrumentalizando o conceito de espaço, com o uso da
matemática, da física e de outras ciências físicas e naturais; onde emergirá
o conceito de diferenciação de áreas. Inicialmente este conceito
desenvolvido por Varenius era puramente derivado da física e da geometria,
mas como demonstramos na obra póstuma Descriptio Regni Japoniæ Et
Siam de 1673 (VARENIUS, 1763), Varenius deixou de considerar como
relevante a rígida divisão geométrica do espaço e passou a considerar a
região como produto empírico de uma relação complexa entre natureza,
cultura e religião. Esta obra de Varenius geneticamente institui a
possibilidade de rompimento de um pensamento estritamente cartográfico,
para o domínio de um pensamento geográfico sobre a superfície da Terra,
estando aí a gênese do conceito de paisagem geográfica que será
desenvolvida nos séculos XVIII e XIX com os aportes da estética kantiana e
da naturphiosophie (VITTE, 2013, p.102).

Desta forma, além do estudo dos povos através das paisagens da superfície
terrestre e de sua representação cartográfica, o conceito de espaço é incorporado,
sendo abordado através de temáticas gerais ou na forma de estudos mais
localizados e singulares. Vale ressaltar que o conceito de espaço em Varenius está
22

baseado na noção de espaço cartesiana, é linear, absoluto, ligado à escala


cartográfica, ao espaço cartográfico. Em seu livro sobre ensino de geografia,
Straforini cita Fonseca & Oliva, que sinalizam:

Esse espaço cartesiano ou espaço cartográfico é um espaço absoluto, que


contém todas as coisas do universo, preexistindo a todas as coisas, logo, é
uma externalidade à sociedade (FONSECA & OLIVA apud STRAFORINI,
2004, p.127).

Para Moreira (2014), ―Varenius foi o geógrafo da transição da geografia antiga


para a geografia moderna. É Varenius quem vai atualizá-la, casando num só
discurso a leitura horizontal de Estrabão e a vertical de Ptolomeu‖.

As grandes descobertas e navegações acrescentam novos territórios e


povos ao conhecimento da superfície terrestre e a substituição do
geocentrismo pelo heliocentrismo dá um novo traçado ao conhecimento da
organização do universo, essas novas componentes tendo de ser trazidas
para dentro da teorização geográfica do mundo. Varenius atualiza a leitura
vertical da Cosmografia de Ptolomeu, para quem o geocentrismo tinha um
valor sobretudo cartográfico, favorecendo visualizar uma rede de linhas
imaginárias descendo da esfera celeste para projetar-se na superfície da
esfera terrestre que dele faz um dos criadores da Cartografia. Mas valor
também cosmológico, usando da teoria do equilíbrio de proporções
matemáticas do mundo de Pitágoras e de organização concêntrica e de
mutação do mundo sublunar e imutabilidade do supralunar de Aristóteles –
que leva sua teoria cosmográfica a ficar conhecida como aristotélico-
ptolomaica – como sua teoria do conteúdo do cosmos. Varenius atualiza
essa teorização ptolomaica nos termos da Astronomia heliocêntrica de
Copérnico e da teoria físico-espacial dos movimentos corpóreos de Newton
e Descartes. E atualiza igualmente a leitura horizontal da Geographia de
Estrabão, trazendo-a também para sua contemporaneidade, incorporando
de um lado o novo mundo vindo das grandes navegações e descobertas, já
antes cartograficamente representado no Planisfério de Gerhard Kremer
Mercator, em 1569, e de outro a nova percepção de espaço-tempo advinda
dos conhecimentos criados pela viagem de circum-navegação de Fernão de
Magalhães. Atualizando e reunindo Estrabão e Ptolomeu numa só
teorização, seu Geographia generalis lança ao lado do Panisfério de
Mercator as bases do modo de ver o mundo da modernidade (MOREIRA,
2014, p.15).

É este modelo Estrabão-Ptolomeu-Varenius que define a geografia como


ciência da descrição da paisagem ou como estudo descritivo da paisagem. Temos,
aqui, um fundamento geográfico fundado na Geografia antiga e no seu período de
transição para a Geografia moderna, atravessando os séculos e que chega aos
nossos dias ainda influenciando o edifício teórico-metodológico-conceitual tanto na
Geografia Acadêmica quanto na Geografia Escolar.
23

Moreira (2014 apud Couto, 2015) também elenca duas outras maneiras de
analisar o discurso clássico para reconstituí-lo, por intermédio das distintas
definições de geografia, quais sejam: do estudo da relação homem-meio e do estudo
da organização do espaço pelo homem.
A Geografia da relação homem-meio e a Geografia da organização do espaço
pelo homem vão se constituir e se formalizar no período da Geografia moderna.

1.3 A geografia moderna

―A geografia nasceu durante a Antiguidade grega, mas só adquiriu os


aspectos que conhecemos a partir do século XVIII‖, diz Claval (2014). Tatham vai na
mesma linha:

Vista em conjunto, a obra dos geógrafos do fim do século dezoito é


extraordinária. Os debates acadêmicos entre os político-estatísticos e os
geógrafos puros aplainaram as barreiras do pensamento tradicional, abrindo
o caminho para um progresso puro e sem obstáculos. Os Forsters
demonstraram o método de pesquisa e estilo literário, enquanto Kant definiu
claramente o ramo. Foram, deste modo, colocados os primeiros alicerces
sobre os quais, no decorrer dos cinquenta anos subsequentes, elevou-se o
edifício da geografia científica. Esta tarefa de sistematização associou-se a
dois homens: Alexander Von Humboldt e Karl Ritter, e o período no qual
êles trabalharam foi, com justiça, considerado o período clássico da
evolução do pensamento geográfico (TATHAM, 1959, p.207).

―A Geografia moderna nasce na segunda metade do século XVIII como um


projeto da revolução burguesa. E como um fenômeno alemão, em que a revolução
burguesa mais se atrasa‖ Moreira (2015). A que acrescenta Pereira:

O processo de formação do Estado nacional alemão, além de apresentar-se


atrasado em relação ao quadro europeu ocidental – em particular à
Inglaterra e à França – segue uma trajetória bastante particular guiada por
uma dinâmica em que predomina o papel do Estado. O caráter tardio e as
particularidades desse processo vão influenciar sobremaneira a história da
Alemanha, refletindo-se sobre suas relações econômicas, sua organização
política e até mesmo sobre as formas de pensamento dominantes
(PEREIRA, 2005, p.51).

Ainda na primeira metade do século XVIII, duas vertentes de geógrafos


vigoram na Alemanha: a da geografia pura e a político-estatística.
24

É entre os alemães que, por volta de 1754, a geografia inicia seu caminho
para o status científico. Os passos nesse sentido são já nítidos nas
discussões entre as duas vias que surgem: a geografia político-estatística e
a geografia pura. A primeira dá prosseguimento metodológico ao que vinha
sendo a geografia desde os tempos de Estrabão, no século I, e ganha
impulso com Varenius no século XVII. A segunda põe acento na questão
dos limites naturais de um território, tema tipicamente da Alemanha de
então e que virá despontar no final século XIX com Ratzel, particularmente
[...] (MOREIRA, 2009, p.10).

O problema que se coloca para ambas é um duplo que se refere ao


desenvolvimento do capitalismo alemão frente aos níveis avançados de França e
Inglaterra e a unificação de seu território fragmentado.

Os geógrafos da chamada ―escola político-estatística (por exemplo


Montelle) desenvolveram a arte de descrições regionais tanto quanto
possível dentro do sistema rígido, artificial, estatístico usado por Büsching.
Porém a fragmentação política da Alemanha do século dezoito patenteou
que não se devia esperar um desenvolvimento sólido sem que os geógrafos
se descartassem da camisa de fôrça constituída pelas fronteiras (TATHAM,
1959, p.203).

Se a escola político-estatística vê o problema da fronteira a partir do critério


dos marcos políticos para atender às necessidades da administração estatal,
suprindo-a com meios extraídos da demarcação territorial e da conjuntura após
montagem de painel amplo e sistemático, a escola da geografia pura o vê a partir do
critério dos marcos físicos, dos limites naturais do terreno.

Leyser, entre outros, muito cedo, em 1726, salientou este ponto e advogou
o emprego das fronteiras naturais. Tais críticas não obtiveram resultados
práticos até que foram reforçadas pelos ensinamentos de Buache (1700-
1773) sobre o sistema do globo (Charpente de Globe). Segundo Buache, o
esqueleto da terra era simplesmente um determinado número de bacias
separadas por extensas linhas de montanhas e serras submarinas. Essa
teoria foi elaborada um século antes por Athanasius Kircher, porém
ignorada. Agora, reviveu, revestindo-se de certa expressão gráfica nos
acurados mapas de contorno dos relevos, tal como os que Buache construiu
para o seu estudo do Canal da Mancha (1737). A reação dos geógrafos foi
rápida. Esta contínua linha de montanhas parecia oferecer uma estável e
natural alternativa para a mudança, efetuada pelo homem, das fronteiras
das unidades políticas. Gatterer (Abriss der Geographie, 1775) usou o novo
limite para dividir o mundo em partes naturais. No seu trabalho, se
encontram pela primeira vez expressões tais como: Península dos Pirineus,
Terras Bálticas, Terras dos Cárpatos, Regiões Alpinas do Oeste, Sul e
Norte. Gatterer não se ajustou com os geógrafos político-estatísticos. A
classificação natural das regiões (vol.2) seguiu-se de uma descrição das
unidades políticas (vol.3), segundo a moda de Büsching, posto que mais
resumida. No entanto, a sua obra deu início à tendência para a geografia
pura (Reine Geographie) (TATHAM, 1959, p.203, apud MOREIRA, 2014,
p.15).
25

A fragmentação da Alemanha em vários principados, os critérios de


delimitação de fronteira em marcos políticos (―escola‖ político-estatística) ou em
marcos físicos (―escola‖ da geografia pura), são a tônica do debate interno em vista
da unificação do território que vigora a partir da primeira metade do século XVIII.

Tanto uma forma de geografia quanto outra se voltam assim para a questão
da identidade territorial e seus marcos de limite, emergindo no contexto da
Alemanha fragmentada às voltas com o problema da unidade como um
assunto identificado ao tema da unidade e diversidade regional dentro e fora
de um país. Assim, na aparência contrapostas, essas duas formas de
geografia apenas diferenciam-se em sua convergência para um mesmo
ponto: a geografia político-estatística privilegia a problemática da unidade
interna do Estado dos príncipes em que se divide a nação alemã, enquanto
a geografia pura estende-se para a questão mais além da unidade do todo
de uma Alemanha regionalmente diferenciada. Todavia, é a geografia pura
a forma que se identificará com o verdadeiro salto que o saber geográfico
experimentará quando da entrada da metade seguinte do século XVIII,
quando, com Kant, ganhará a tradução que a irá tornar se uma forma de
ciência moderna (MOREIRA, 2009, p.10).

1.3.1 O paradigma holista da baixa modernidade: A Geografia como ciência do


estudo da relação homem-meio

Baseada na filosofia do Iluminismo e do Romantismo, a Geografia moderna,


segundo Moreira, (2014) pode ser dividida em três fases, diferenciadas por seus
respectivos paradigmas, quais sejam: o paradigma holista da baixa modernidade, o
paradigma fragmentário da modernidade industrial e o paradigma holista da
hipermodernidade (ou pós-modernidade), como tendência atual.
Tatham situa o nascimento da geografia moderna na segunda metade do
século XVIII, alimentada na filosofia do Iluminismo e do Romantismo alemão
(Tatham, 1959, apud Moreira, 2012, p.13).
Na relação estabelecida entre fundamentos filosóficos e paradigmas, nesta
primeira fase, digamos assim:

Entende-se por baixa modernidade o período do Iluminismo e do


Romantismo Alemão, ambos marcados pela presença do idealismo
filosófico – o período do Iluminismo pela filosofia crítica de Kant e o período
do Romantismo pela filosofia clássica alemã de Fichte, Schelling e Hegel
[...] (MOREIRA, 2012, p.13).
26

Nesta primeira fase, em que se constitui um sentido de integralidade


fundamentado no holismo, principalmente com as referências centradas nas obras
de Humboldt e Ritter temos, também, a definição da geografia como estudo da
relação homem-meio. A partir dos séculos XVIII e XIX a atenção do geógrafo se
desloca do plano da descrição da paisagem para o estudo da relação homem-meio.
Immanuel Kant é a grande transição. E Alexander Von Humboldt e Karl Ritter os
seus criadores (Moreira, 2012).

O ponto seminal da geografia moderna é a obra do geógrafo J.R. Forster e


do filósofo Immanuel Kant, pontos de convergência do Iluminismo na
geografia, antecedidos pelos geógrafos da primeira metade do século XVIII
(Moreira, 2012, p.14).

Johann Reinhold Forster (1729-1798), com a questão dos elementos


empíricos, do objeto e do método na abordagem corológica da geografia – em que
esta é vista como uma ciência voltada para o estudo da superfície terrestre e análise
dessa superfície – e Immanuel Kant (filósofo alemão), com seu sistema filosófico de
classificação das ciências se desdobrando em elementos teóricos da geografia,
fundam o primeiro momento do que viria a ser a geografia moderna, ou seja, o
paradigma holista da baixa modernidade.
Para Moreira:

Forster e Kant são os sistematizadores da geografia moderna,


essencialmente iluminista – Forster no plano teórico-metodológico e Kant no
plano epistemológico (MOREIRA, 2012, p.14).

No tocante ao seu método, Forster é um grande observador, colecionador de


fatos, comparando-os e classificando-os para chegar às generalidades e a
explicação das causas, tendo assim, do ponto de vista prático, a sua geografia.

Da Antiguidade clássica chega-lhe o discurso da geografia como o estudo


das relações sistemáticas que descrevem a paisagem, e que, orientadas
por esta, se localizam e se sintetizam para formar o fenômeno regional, de
Estrabão (63 a.C. – 36 d.C.). E o discurso de um todo planetário que se
expressa como uma construção matemática e pronta para versar-se em
linguagem cartográfica, de Ptolomeu. Já do Renascimento vem a
atualização da geografia estraboniana para o novo tempo e o ambiente que
então se abre, adquirindo a duplicidade do método que distingue a
geografia sistemática e a geografia regional, chamada de geografia
especial, transfigurada no olhar da teoria unitária que explica o mundo como
um jogo de escala, de Varenius. Chega-lhe ainda a retomada de Ptolomeu
para a contemporaneidade da teoria heliocêntrica de Copérnico – o modelo
matemático ganhando aqui a precisão da cosmografia copernicana –, de
27

Cluverius. Forster vai abraçar o sentido sistemático-regional dessa


geografia do passado, atualizando-a para os parâmetros científicos e
filosóficos do século XVIII, pelo lado da face prático-empírica (MOREIRA,
2012, p.14).

Tatham observa:

Além dêsse cuidadoso método científico, o trabalho de Forster é


extraordinário pela sua contribuição à geografia humana. Reconheceu o
estreito laço entre o homem e o meio e, embora não fosse o primeiro a fazê-
lo, foi um dos primeiros que tentou explicá-lo, procurando uma solução do
tipo mecânico. Particularmente, chamou a atenção para a mobilidade dos
povos e a frequente necessidade de procurar a explanação de suas
características físicas e culturais, com referência ao meio primitivo. Suas
descrições das ilhas dos Mares do Sul contêm a análise do povoamento, da
densidade de população, e a relação entre a densidade e os recursos do
meio, fato que ordenou o respeito dos geógrafos, chegando mesmo até
Ratzel (TATHAM, 1959, p.204).

Forster tem como objeto da geografia o estudo da superfície terrestre e utiliza


como método a comparação, derivando dela, como categorias analíticas, a
descrição e a explicação das relações, principalmente do homem com o meio,
constituindo, assim, um saber de recorte empirista.
Importante contribuição à ulterior sistematização da geografia moderna é
atribuída a Immanuel Kant (1724-1804), que leciona geografia física na Universidade
de Köenigsberg por quarenta anos (de 1756 a 1796), e estabelece bases
epistemológicas com um discurso mais teórico-conceitual.

Kant principia sua argumentação dizendo que o conhecimento científico se


obtém pelo emprego da razão pura, ou através dos sentidos. As sensações
perceptivas são de duas espécies: percepções sensoriais subjetivas e as
percepções sensoriais objetivas, que, juntas, fornecem o conjunto do
conhecimento empírico do homem com relação ao mundo. O mundo, visto
através da percepção subjetiva, é a alma (Seele), ou o homem, (Mensch),
(isto é, o eu); através da percepção objetiva é a natureza. A antropologia
(Kant faz uso da antropologia segundo a concepção moderna da psicologia)
estuda a alma do homem; a geografia física (Physische Geographie oder
Esdbeschreibung) estuda a natureza. Assim, a geografia física é a primeira
parte do conhecimento do mundo (Weltkenntnis) na verdade é a preliminar
essencial (Propaedeutic) para a compreensão de nossas percepções do
mundo (TATHAM, 1959, p.205).

Immanuel Kant, filósofo do iluminismo, preocupado o desenvolvimento da


ciência no século XVIII e o atraso da Filosofia na busca pelo entendimento e pela
interpretação da natureza, enxerga na geografia a possibilidade de transformar a
noção empírica da superfície terrestre em formulação conceitual do espaço
geográfico, e, assim, compor seu sistema de ideias.
28

A geografia serve-lhe de apoio a fim de refletir criticamente sobre a visão de


mundo dominante do seu tempo, dela extraindo ilações seja sobre as
teorias físicas de Newton – um cientista que tem em alta conta a
Geographia Generalis, de Varenius, cuja edição inglesa usa em sala de aula
com seus alunos –, seja sobre o Systema Naturae, de Lineus, a primeira
grande obra de classificação dos fenômenos da natureza. E serve-lhe de
apoio, ainda, para lapidar conceitos – como sensibilidade e entendimento –
e seus entrelaçamentos com o conceito de espaço (MOREIRA, 2012, p.14).

Para Kant as fontes do nosso conhecimento derivam ou da razão como


elementos puros, ou da experiência que nos é permitida pelos sentidos. Também há
um duplo sentido (externo e interno) em que a Natureza refere-se ao externo e a
alma ou o homem refere-se ao interno.

A busca da combinação de uma sistematização do conhecimento criado


pela ciência no plano da natureza e de uma incorporação do homem em
seu discurso, e que agora desafia a evolução do pensamento tanto
científico quanto filosófico, é o seu projeto. Para Kant é necessário
encontrar o ponto comum de pensar a natureza e pensar o homem, seja no
plano empírico trilhado pela ciência, seja no abstrato que é característico da
filosofia. E vai buscar os pontos de apoio na Geografia e na História. Na
Geografia vai buscar os conhecimentos empíricos concernentes à natureza.
E na História (que Kant chama de Antropologia e que mais se aproxima da
nossa atual Psicologia Social), os concernentes ao homem (MOREIRA,
2015, p.14).

―Conjuntamente estes conhecimentos constituem o conhecimento que temos


do mundo. Sobre o Homem nos ensina a antropologia e sobre a natureza nos é
dado saber pela geografia física”, diz Martins (1997).

A descrição física da terra é então a primeira parte do conhecimento do


mundo. Ela faz parte de uma idéia, a qual se pode chamar de preliminar ou
introdutória no conhecimento do mundo. [...] Nós antecipamos nossa futura
experiência, a qual teremos posteriormente no mundo, por um esboço geral
desse tipo, o qual nos dá como uma prenoção de tudo. Daquele, que fez
muitas viagens, fala-se, que ele vive o mundo. Mas para o conhecimento do
mundo é preciso mais do que apenas vê-lo. Quem quer tirar proveito de sua
viagem, precisa, já antecipadamente, traçar um plano de sua viagem, mas
não considerar o mundo apenas como objeto do sentido externo[...] (KANT
apud MARTINS 1997, p.19).

Para se distinguir de um mero agregado, Kant desenvolve como perspectiva a


ideia de totalidade do mundo por meio do conhecimento que adquira uma forma
sistêmica. ―Pois crê que no sistema, o todo está entre as partes, o que seria
diferente de tomar as partes como simplesmente existindo sem reportar-se a uma
totalidade‖ (Martins, 1997).
29

Kant vive o momento de redefinição da ideia de natureza vinda da noção


aristotélica de mundo colada às novas visões da Física (Galileu e Newton) e da
Astronomia (Copérnico). Sobre o entendimento e a interpretação do novo conceito
de natureza, Moreira pensa que:

[...] O novo conceito a reduz às dimensões do inorgânico e das relações


matemáticas, excluindo tudo mais, surgindo, assim, uma concepção de
natureza-sem-o-orgânico-e-sem-o-homem, da qual deriva uma dualidade
natureza-homem que, ao lado da dualidade sujeito-objeto de Descartes,
incomoda Kant (MOREIRA, 2015, p.13).

Em seu sistema geográfico Kant reúne – de viajantes e naturalistas que


circulam e conhecem uma realidade mais ampliada do mundo a partir das
navegações e das descobertas – a classificação e a sistematização de espécies
(fauna e flora), de informações (culturas, lugares, geologia, etc) e de coisas que
desembocam nas primeiras sistematizações das formas de relação entre homem e
natureza, nos ambientes das paisagens que compõem a superfície terrestre.

A Geografia que Kant conhece é um agregado de conhecimentos empíricos


de todos os âmbitos, organizados em grupos de classificação, uma
taxonomia do mundo físico, no sentido aristotélico do termo, e por isso
designada de Geografia Física. Essa taxonomia é traduzida na forma de
grandes paisagens na superfície terrestre, recortando-a em pedaços de
espaço fazem dela uma ampla corografia. De modo que são seus atributos
a relação de apreensão sensível dos dados do mundo circundante e o olhar
corográfico sobre a superfície terrestre, a que Kant, ao longo d os quarenta
anos que irá lecioná-la, de 1756 a 1796, acrescenta o enfoque do espaço
(MOREIRA, 2015, p.14).

A relação todo e parte que ele incorpora da corografia que lhe chega, traz o
conceito de espaço colado com o de recorte da paisagem, tendo o espaço como o
todo e a região o recorte. Com Kant, o espaço torna-se referência em substituição à
superfície terrestre.

A rigor, Kant não realiza grande transformação na Geografia que toma para
si. Apenas confere à percepção geográfica do mundo físico o rigor da
descrição e taxonomia que o seu conceito de espaço lhe permite, uma vez
que para ele o espaço é um dado a priori da percepção, um plano de
extensão geométrica preexistente ao olhar humano que já faz o fenômeno
vir à percepção humana ordenado nos parâmetros de uma ordem espacial
(o mesmo acontecendo com o tempo, mas na ordem da sucessão), cada
fenômeno ocupando um lugar e uma distância pré-determinados em suas
disposições recíprocas. Assim, a corografia ganha o sentido geométrico da
localização e distribuição que a Geografia vai usar para o aperfeiçoamento
da representação cartográfica, através da combinação rigorosa da
percepção sensível com o registro e precisão matemáticos dos mapas
(SANTOS, 2002, apud MOREIRA, 2015, p.14).
30

É de Descartes que Kant herda e procura resolver a dicotomia do ―de dentro‖


e do ―de fora‖, uma relação instituída como do homem/natureza, assim como pelo do
sujeito-objeto. A filosofia cartesiana – em que alma (Ser/Homem) e corpo (natureza)
estão separados – expressa o conhecimento metafísico na fase final da Idade
Média, sendo a natureza criada por Deus colocada ao dispor do homem.

Com Descartes temos a separação da alma e do corpo e, por consequência


a separação da natureza (corpo) do Ser/Homem (representado pela alma),
imagem e semelhança de Deus. Este é o criador da natureza e a coloca à
disposição do homem que constitui sua imagem e semelhança (conforme
ensina o cristianismo). Estas concepções dominam a filosofia e a ciência e
constituem o fundamento da ciência Moderna desde então até o século
XVIII/XIX. Neste contexto, a natureza deve ser conhecida para ser
dominada e o método proposto seria o denominado método analítico, a
decomposição, a divisão em partes para promover melhor o conhecimento.
Estas idéias foram, também, fortalecidas por Bacon e Kant no século XVIII.
Após este período, temos a construção filosófica de Augusto Comte
(1789/1837) denominada positivismo (SUERTEGARAY, 2005, p.11).

No cogito cartesiano – em que o processo da dúvida leva ao inquestionável e


irredutível – Descartes distingue a res cogitans, o sujeito pensante, e a res extensa,
o objeto do conhecimento, legitimando o segundo e todo atributo que lhe é próprio,
da coisa sensível à estrutura matemática, pelo primeiro, mas dicotomizando-os como
um ―de dentro‖ e um ―de fora‖, Moreira (2016).
O espaço na noção kantiana é um a priori, como exterioridade, fundamento
necessário dos fenômenos externos, um receptáculo como o espaço absoluto de
Newton, uma ―intuição pura‖ e não ―um conceito geral das relações entre coisas‖
Santos (1978).

Não é para admirar que a noção de tempo, isto é, do tempo das sociedades
em movimento, tenha estado tão ausente da concepção dos fundadores da
ciência geográfica. O espaço de Kant era tridimensional. Para Newton, o
tempo era um continuum, um tempo tão absoluto quanto o espaço. A noção
de um tempo separado do espaço é responsável pelo dualismo história-
geografia que provocou tantos debates dentro e fora das preocupações com
a interdisciplinaridade (SANTOS, 1978, p.51).

Assentado no idealismo como concepção de mundo, Kant vê o espaço como


intuição sensível em que o conhecimento começa pela experiência, porém tempo e
espaço já estão presentes no seu pensamento.
Após o período em que Forster e Kant fincam os primeiros alicerces da
geografia moderna, Alexander Von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859)
31

formulam questões geográficas em suas dimensões teórica e metodológica criando,


assim, de fato, a geografia moderna. Ao tratar da contribuição de Humboldt e Ritter,
Andrade (1987) escreve que ambos são considerados os fundadores da Geografia
Moderna.
Com Humboldt e Ritter abre-se a real perspectiva de uma geografia
sistematizada, explicativa e científica, deixando de enfatizar somente a caraterística
descritiva da antiga Geografia (relatos de viagens e expedições científicas),
conferindo agora, um ―status‖ de ciência.
Partindo da descrição corológica de Foster e da ―região-parte‖ e ―espaço-
todo‖ de Kant, karl Ritter concebe seu método. Quer achar ―individualidades
regionais‖ tendo a superfície terrestre como objeto de estudo. Utilizando a corografia
como referência, Ritter funda seu método comparativo. ―O conceito de
individualidade regional é o resultado da reunião do conceito de região-parte e
espaço-todo de Kant – o Kant de 1786, porém criado de acordo com o método
comparativo e enfoque corológico de Forster‖ Moreira (2014).
Ritter produz o mapa dos recortes paisagísticos sobre a superfície terrestre
após comparar duas a duas cada paisagem, extraindo traços comuns e singulares,
obtendo uma ordem geral de classificação e específica de individualidade.

O desafio de Ritter é formular a tese de Kant dos nichos reais da superfície


terrestre como critério de classificação dos sistemas da interação homem-
natureza como um discurso geográfico sistemático, mas considerando
esses nichos à luz da temática estraboniana de sistemas de paisagens, as
paisagens sendo esses nichos, ao mesmo tempo em que expressões dos
modos de vida dos povos segundo os diferentes lugares da superfície
terrestre. Para tanto, nomina as paisagens de recortes de espaço e o
conjunto das paisagens-recortes, de corografia, voltando sua atenção
sistemática para a formulação teórico-metodológica do mosaico assim
formado. Seu objetivo é determinar o estatuto identidade-diferença espacial
de cada recorte de paisagem, definindo cada qual como uma
individualidade regional no mosaico corográfico da superfície terrestre. O
método usado é o da comparação dos recortes paisagísticos por
semelhanças e diferenças dos seus componentes, extraindo da síntese do
que têm de comum e específico o caráter de individualidade que identifica e
distingue cada pedaço de recorte dentro do todo corográfico. É assim que
surge a teoria que ele próprio designa de geografia comparada (MOREIRA,
2014, p.16).

Humboldt, parte e orienta-se no fundamento de Ritter. Qual seja: da


classificação e da corografia das paisagens da superfície terrestre, pensa nesta
32

(superfície terrestre) enquanto globalidade nas suas dimensões orgânica, inorgânica


e humana, cuja ação intermediadora é a esfera da vegetação. A teoria geográfica de
Humboldt em que de forma holística esferas orgânica, inorgânica e humana, com a
intermediação orgânica se estabelece uma unidade integrada, tem como ponto focal
a globalidade do planeta.

[...] Cada paisagem botânica é relacionada para baixo com a base


inorgânica e para cima com a interação da vida com o homem, para daí, a
partir da comparação dos recortes de paisagens, segundo o método de
Ritter, inferir sua visão holística da Terra (MOREIRA, 2015, p.15).

Holistas em suas concepções geográficas, ao usarem o método comparativo


e o princípio da corologia, Ritter vai do todo à parte, voltando ao todo o vendo como
um todo diferenciado em áreas e, Humboldt, do recorte (formação vegetal) vai ao
planeta Terra (o todo) e volta à geografia das plantas para dar unidade às
paisagens.
O holismo de ambos é pautado na ideia de natureza como essência interior
de todas as coisas (homens e rochas como coisas naturais) do Iluminismo e do
Kantismo, sendo as coisas as formas concretas dessa natureza e, esta, essência
comum a todas as coisas. ―Notamos que, no correr do século XVIII, os iluministas
concebiam que tudo tinha uma natureza – daí diferirem natureza e fenômenos
naturais –, da qual brotava sua concepção de holismo‖, diz Moreira. A que
acrescenta:

São Ritter e Humboldt, no entanto, os teóricos que vão sistematizar a


Geografia nos novos termos modernos, trazendo Kant para dentro do
fundamento estraboniano-ptolomaico e já nos termos atualizados de
Varenius, e sobre essa base vêm a dar o formato de ciência moderna com
que vai aparecer. Todavia, Ritter e Humboldt dão-lhe por concepção de
conteúdo a visão de mundo do romantismo filosófico em que homem e
natureza são flagrados no seu entrelace ontológico, não da filosofia
iluminista de Kant. Ambos partem da reafirmação kantiana da superfície
terrestre como o grande campo de ocorrência dos fenômenos e do interesse
geográfico, mas Ritter ao jeito da horizontalidade de Estrabão e Humboldt
da verticalidade de Ptolomeu, ambos lendo-a à luz da filosofia da natureza
de Schelling (MOREIRA, 2014, p.15).

Mesmo com a centralidade da geografia de ambos estando no homem, em


Humboldt, é a partir da mediação do orgânico que ocorre a interação das esferas e
se compreende a geografia e, em Ritter, é na busca da relação homem-natureza, na
33

conexão homem-solo-história para estudar a Terra do ponto de vista antropocêntrico


que está o seu fundamento.

Com formação em história, o que lhe induziu a dar um caráter histórico à


geografia, Ritter, que foi influenciado pelo movimento romântico e pelo
Idealismo, deixa implícito nas suas obras a concepção de ―um mundo
harmônico, pelo equilíbrio e coesão das suas partes, mas também pela
harmonia nas relações entre homem e natureza‖, resultado das forças que
se opõem e se equilibram. Assim entende que o ―todo‖ ao se dividir em
partes representa outras totalidades que se relacionam entre si, a exemplo
do homem e da natureza (ZAAR, 2015, p.17).

A preocupação holista destes geógrafos é com a ideia de geografia


referenciada no mundo natural-humano – em que o homem é o ser que vive na
superfície terrestre. Sobre a questão da relação homem-meio, Moreira pensa que:

Homem e meio formam, assim, o conteúdo e a substância da teoria


geográfica que em ambos surge, uma teoria que corresponde ao espírito da
época em sua busca da compreensão e mapeamento da diversidade
geográfica de um mundo ampliado, ao tempo que do conhecimento analítico
de uma superfície terrestre que desde o século XVI é domínio europeu, mas
que este tem nesse momento dos séculos XVIII e XIX que organizar de um
modo novo, fruto da demanda de uma sociedade europeia agora construída
no parâmetro técnico e de mercado da Revolução Industrial, não mais lhe
satisfazendo apenas descrever e mapear, mas ocupar economicamente
(MOREIRA, 2014, p.16).

Cabe ressaltar que Moraes (2005) estabelece uma distinção de ordem


ontológica, já apontada por Alexander Von Humboldt, no tocante à diferenciação
entre a natureza e a Terra enquanto entidades de investigação.

Para o autor do Cosmos, a Terra é em si uma manifestação da natureza,


porém que se objetiva como uma totalidade, isto é, submetida a uma lógica
própria de ordenamento, a ordem telúrica que organiza os variados
processos naturais em paisagens terrestres articuladas e diferenciadas. Na
reflexão humboldtiana, a lógica telúrica sobredetermina o ordenamento dos
fenômenos naturais terrestres, ao relacioná-los em espaços singulares. Por
isso que, para ele, a meta teórica da geografia seria entender estas
conexões entre os fenômenos presentes numa paisagem (MORAES, 2005,
p.101).

Nesse período holista da Geografia a visão de mundo integralizada é


referenciada numa mistura de filosofia iluminista de Kant com o romantismo filosófico
de Humboldt e Ritter.
Num segundo momento, referenciada em outros fundamentos, o estudo da
relação homem-meio assume novos formatos e funções. Está por vir o período da
34

Geografia clássica. Para se enquadrar no paradigma hegemônico positivista, a


Geografia, a partir do final do século XIX, começa a se fragmentar, tal como as
ciências, em geral, porém, tentando manter o sentido de integralidade de visão de
mundo da fase anterior, já desenvolvida.

1.3.2 A geografia clássica e o paradigma fragmentário da modernidade industrial

Após a primeira fase da Geografia moderna, designada de ―a Geografia dos


fundadores‖ por Moreira (2015), tem início, a partir do final do século XIX, um novo
período em que a contraposição entre a integralidade de visão de mundo construída
até então e a fragmentação do pensamento tornado hegemônico do positivismo,
origina a Geografia clássica (como modalidade da Geografia moderna).
―Surge a Geografia clássica assim como um modo de ser e fazer de ciência
que reproduz em suas fronteiras inteiramente a plêiade de problemas que o
pensamento moderno reproduz‖ Moreira (2015).

A ciência que incitara Kant a promover um esforço epistemológico de


harmonia do pensamento e contemporaneidade da ciência ao mesmo
tempo com a Filosofia cambiante e a realidade social dos acontecimentos
realiza-se e impõe-se sob a face ambígua de um projeto em crise e
triunfante. Em crise frente o impasse com que enfrentava a própria
continuidade do conhecimento científico, a exemplo da contestação da
termodinâmica de Clausius à concepção de mundo inquestionável e
hegemônica da Física de Newton, termodinâmica e dinâmica questionando-
se reciprocamente ao redor da oposição fogo versus gravidade como
verdade da natureza. Dilema que cresce quando a teoria da evolução
natural do homem põe em questão o conceito de natureza-sem-o-orgânico-
e-sem-o-homem, obrigando a ciência a ter de revê-lo inteiramente. A teoria
da segunda lei da termodinâmica, de Clausius, é de 1850, e a teoria da
evolução natural do homem, de Darwin, é de 1859, mesmo ano da morte de
Humboldt e Ritter. E triunfante porque consolidada pelo padrão técnico
estabelecido com base nela pela primeira Revolução Industrial, ocorrida no
século XVIII, e revalidada e amplificada na forma da escala de concentração
tecnológica desse mesmo padrão pela segunda revolução Industrial,
implantada nos fins do século XIX. E nessa condição simultânea de crise e
triunfo se instala como paradigma e materialidade das sociedades do século
XX (MOREIRA, 2015, p.16).

Enquanto matriz paradigmática do segundo período – a modernidade


Industrial e a geografia fragmentária –, o positivismo torna-se hegemônico na
organização do conhecimento científico na virada do século XIX para o XX. ―Por
35

modernidade industrial entende-se o período dominado pela filosofia positivista,


reforçada no neokantismo‖ (Moreira, 2014).
Começa a transição do período dos impérios coloniais para a formação da
sociedade urbano-industrial e, também, do desenvolvimento da segunda fase da
geografia moderna com o positivismo pautado na filosofia do naturalismo
mecanicista, abalando o sentido de integralidade constituído na primeira fase da
geografia da relação homem-meio.
A divisão técnica do trabalho da segunda Revolução Industrial junto com o
positivismo-neokantismo cria a amálgama necessária para a construção do
paradigma de conhecimento e sua divisão em várias formas de ciências.
Dissociam-se o inorgânico, do orgânico, do humano, tal como fragmentam-se
o trabalho, o pensamento e a sociabilidade estabelecendo o projeto da Renascença
em que a visão física e matemática se expressam pelo positivismo.

[...] até o século XVIII a ciência ainda não se fragmentara e o conhecimento


tinha uma dimensão de totalidade social na qual pensadores e cientistas
vivem e desenvolvem reflexões importantes em qualquer campo, sem
atomizar o conhecimento porque até então vigorava uma concepção
globalizada dos problemas, à que a realidade era ainda concebida de forma
integrada. A divisão do trabalho científico na sociedade ocidental
acompanha a divisão do trabalho social, pois o processo de
desenvolvimento da sociedade acarreta a extrema fragmentação do
trabalho, fragmentação esta que vai ocorrer também no plano teórico
(PEREIRA, 2005, p.46).

Sendo uma tendência do saber no campo mais geral, a fragmentação faz


surgir também as geografias setoriais, que se originam na interface com as outras
ciências. Dois momentos distinguem-se, entretanto, no correr desta segunda fase: o
da fragmentação generalizada, que vai dar na pulverização da geografia em um
número crescente de geografias sistemáticas Moreira (2014). Em resposta à
fragmentação, são criadas a geografia humana, a geografia física e a geografia
regional como aglutinação de setorizações em campos de agregados por seus
conteúdos comuns ou semelhantes.
―Lentamente, o novo paradigma de geografia – fragmentário e sem referência
de unidade – vai surgindo. E seus elementos são as críticas aos discursos unitários
de Ritter e Humboldt‖ (Moreira, 2014).

O primeiro passo é, portanto, a definição da esfera de estudo, diante da


autonomização e distribuição das esferas inorgânica, orgânica e humana,
36

até então estudadas em seu todo integrado, a exemplo da geografia de


Humboldt, como campos especializados das ciências. Nesta repartição, a
geografia toma por seu campo a esfera das coisas inorgânicas. O segundo
passo é fragmentar, por sua vez, esta esfera em tantos setores de geografia
especializada quantos os pedaços de divisão possíveis. Eis por que são as
geografias sistemáticas dedicadas ao inorgânico as que primeiro aparecem
na nova fase paradigmática (MOREIRA, 2014, p.26).

Neste processo, da geografia com a geologia nasce a geomorfologia, da


geografia com a biologia nasce a biogeografia, da geografia com a meteorologia
nasce a climatologia, etc. Ainda que como resposta, negando em parte o paradigma
positivista, revelam-se herdeiras da razão fragmentária. ―A fragmentação científica
do século passado é, sem dúvida, a força que promove o primeiro impacto na
existência da Geografia Física‖:

A busca da articulação entre natureza e sociedade não foi tarefa fácil para
os geógrafos. A bem da verdade, construir uma ciência de articulação na
época em que surgiu oficialmente a Geografia pareceria ser como remar
contra a maré, pois neste período a visão de ciência dominante privilegiava
a divisão entre ciências da natureza e da sociedade. Embora as ciências de
caráter integrativo tenham tentado se expressar nesse momento, a exemplo
da Ecologia com Haeckel em 1886, e da Geografia desde antes com
Humboldt e Ritter na década de 1850 a história de seus desenvolvimentos
não é expressiva. Ao contrário da integração, o que prevaleceu no final do
século XIX e durante mais da metade do século XX foi a fragmentação.
Disto resultou algo comum aos geógrafos: o esfacelamento da Geografia e,
em particular, de uma parte desta denominada Geografia Física em
diferentes campos do conhecimento. A Ecologia, por sua vez, fica
encoberta, sendo revigorada com o surgimento da idéia de Ecossistema
com Tansley em 1935. A fragmentação científica do século passado é, sem
dúvida, a força que promove o primeiro impacto na existência da Geografia
Física. Ainda que na prática os geógrafos tenham seguido o caminho da
especialização, é importante lembrar que, em nível teórico, renomados
geógrafos tentaram a análise integrada do meio físico percorrendo
conceitos como os de Paisagem, inicialmente, Geossistema ou Sistemas
Físicos, posteriormente, na busca desta articulação. Este caminho é
retomado nos anos 70, exatamente no período em que emerge a discussão
ambiental e com ela o resgate da Ecologia e da idéia de relação entre os
organismos e seu ambiente (NUNES & SUERTEGARAY, 2001, p.15-16).

Vive-se, então, este período em que o duplo positivismo-neokantismo


fragmenta ao máximo as ciências de um modo geral e a geografia em particular.

A essência do pensamento positivista é a redução dos fenômenos a um


conteúdo físico e a um encadeamento, que faz as ciências interagirem ao
redor desse conteúdo físico ao passo que as fragmenta por seus
conhecimentos em diferentes campos de objetos e métodos específicos. A
fonte dessa estrutura ao mesmo tempo integrada e fragmentada é a
concepção do conhecimento científico como um processo que se dá indo do
mais simples ao mais geral ao mais complexo e específico, princípio que
organiza as ciências num sistema piramidal de acumulação, tendo na base
a matemática e no topo a sociologia. É a matemática a ciência mais simples
37

e geral. Em contrapartida, a sociologia é a ciência mais complexa e


específica. Assim, após a matemática, se segue a física, a química, a
biologia, e, por fim, a sociologia, a soma das anteriores servindo como o
conteúdo-base de formação das seguintes, até culminar no todo do sistema
de ciências (daí, Comte chamar a sociologia de física social). Há, então,
uma passagem e acumulação de conteúdos das ciências situadas abaixo
para a situada acima na sequência das superposições, que começa com o
empréstimo do conteúdo da matemática para a física, que assim acumula
conteúdos seus e da matemática, tornando-se uma ciência físico-
matemática; desta para a química, que acumula conteúdos seus, da física e
da matemática; desta à biologia, que acumula conteúdos seus, da quimica,
da física e da matemática; e, por fim, de todas à sociologia, cujo conteúdo é
a soma dos conteúdos de todas as ciências que lhe antecedem, dai ser a
mais complexa e uma física social (MOREIRA, 2015, p.28).

Na Geografia, então, a fragmentação, num primeiro momento, a divide em


Física e Humana.

No âmbito fragmentário, a Geografia vai conhecer as certezas e percalços


da vertente positivista triunfante. Primeiro, fragmenta-se aos extremos, até
perder o último dos atributos com que antes se instituíra como forma de
representação moderna. Depois, reaglutina-se, nos parâmetros da
reaglutinação neokantiana. Mas as tentativas apenas lhe trazem para
dentro os dilemas do pensamento que copia. Aparentemente, por um lado,
temos uma Geografia Física bem-sucedida pela proximidade com as
ciências modelares. Tornou-se, porém, refém da verdade newtoniana, não
acompanhando as próprias crises e mudanças que a Física, que tem por
espelho a busca como saída para si. E se defasa do próprio espelho. E, por
outro lado, temos uma Geografia Humana que não se encontra. E também
ela reproduz as rejeições e agruras da ciência do homem que mal se
encontra. Os atributos de origem não caracterizam mais essa Geografia
esfacelada. Nem a cativa a busca de cosmologia eu mobilizara Humboldt e
Ritter em seu ato seminal (MOREIRA, 2014, p.20).

―O elenco da Geografia Física vai concentrar-se na Geomorfologia e na


Climatologia, a que se acrescenta a Biogeografia mais à frente‖ (Gregory, 1992,
apud Moreira, 2015, p.18).

[...] O modelo é a Física newtoniana. Tanto os fenômenos geomorfológicos


quanto os climáticos são explicados pela lei da gravidade. A Geomorfologia
nasce na fronteira com a Geologia e seu discurso vai ser um mix de Física
clássica e Geologia, modelizado na relação matemática. Tenta, com o
tempo, fugir do problema da excessiva identificação com esta, vindo a ser
definida como o estudo das formas do relevo terrestre, as formas e a escala
de tempo (o timing), distinguindo-se da Geologia. A climatologia vai surgir
na fronteira com a Meteorologia e seu discurso praticamente se confunde
com o discurso e os modelos matemáticos desta, com a ressalva de dar
maior atenção às formas do projetamento dos fenômenos meteorológicos
na superfície terrestre, cuidando do clima e do seu mapeamento. A
Biogeografia surge na fronteira com a Biologia, uma ciência que mostra já
no século XIX a dificuldade de sustentação da relação matemática como
fundamento e conteúdo da natureza, sobretudo com o advento da teoria da
evolução natural do homem, de Darwin. Talvez por isso a Biogeografia vá
38

se tornar uma ciência da descrição e mapeamento das formas de vegetação


na superfície terrestre, buscando na interação, de um lado, com os climas e,
de outro lado, com os solos a sua base de sustentação discursiva. Caem,
assim, estas geografias físicas setoriais no parâmetro de representação
clássica que Ritter e Humboldt haviam pouco antes ultrapassado,
consolidando-se como formas de taxonomia e descrição das paisagens, a
Geomorfologia se ocupando da paisagem do relevo e a Climatologia e a
Biogeografia, da paisagem das formações vegetais, a primeira pedindo de
empréstimo à segunda o seu objeto. Quando extrapolam do plano da
percepção sensível pura e simples, é o mapa o plano da extrapolação, o
mapa materializando-se numa modelagem matemática transfigurada em
cartografia a certeza sensível. O melhor exemplo é a Climatologia, a única
das três cujo objeto não se alcança visualmente, tendo-o que fazer por
intermédio das formas da paisagem da vegetação (por isso chamadas
climato-botânicas), o mapa dando a forma visível à relação meteorológica
invisível (MOREIRA, 2015, p.18).

Seguindo o desmonte do edifício geográfico referenciado no holismo, mas


como resposta à fragmentação:

A Geografia Humana surge na fronteira com a sociologia e a Antropologia,


duas formas de ciência que vão ter de encontrar nas regras e normas
institucionais da sociedade o padrão de modelagem que equivalham ao que
a relação matemática é nas ciências naturais do inorgânico. Do mesmo
modo como aconteceu com as geografias físicas setoriais, vai caber às
geografias humanas setoriais a tarefa da descrição e mapeamento das
formas. Quando desejam explica-las, fazem-no nos parâmetros da
Sociologia, da Antropologia ou da Economia, como as geografias físicas
setoriais o fazem com a Física gravitacional de Newton. Cabe, assim, à
Geografia Agrária a descrição do mapa das formas das relações agrárias,
confundidas por longo tempo com o mundo rural pretérito, das paisagens
agrícolas e dos regimes alimentares, como vemos nos livros de Paul Vidal
de La Blache e Sorre. À Geografia Urbana vão caber as formas da
paisagem urbana, que aos poucos evoluem em seu enfoque para um mix
de Sociologia, Economia e Politologia com o estudo das relações
hierárquicas das cidades em suas relações de mercado, surgindo os
ensaios de modelização matemática com o emprego do arsenal
metodológico da Economia. A Geografia Econômica vai ter entre as
Geografias Humanas uma situação similar à da Climatologia entre as
geografias físicas setoriais. Seu objeto só é de uma natureza de captação
sensível imediata nas relações da Geografia agrária e da Geografia da
Indústria, tendo de tomar do mapa dessas duas ou abstrato das relações da
economia para lograr ser visto. O que só é possível porque sua fronteira, o
próprio nome o diz, é com a Economia, uma das ciências humanas mais
formalizáveis, junto com a Psicologia, no padrão da modelização
matemática, daí tirando os elementos (as leis da economia) que oferecerá
de empréstimo às demais geografias humanas setoriais (o melhor exemplo
são os modelos locacionais), numa espécie de setor-ponte (MOREIRA,
2015, p.19).

A referência é o neokantismo, cujo plano binário se internaliza na Geografia


reunindo, por um lado, setores do estudo da natureza (Geografia física) e, por outro,
setores do estudo do homem (Geografia Humana), reunindo formalmente as
39

geografias setoriais, consolidando e ampliando, a fragmentação em curso. Sendo


assim:
No que tange o formato de discurso instituído na Geografia clássica como
modalidade de ciência moderna, uma outra formalização, além das duas vistas no
plano da consolidação e ampliação das formas setoriais e de sua reunião formal em
Geografia Física e Geografia Humana, se constitui com o surgimento das
alternativas unitárias, com o aparecimento da Geografia regional e a geografia da
civilização Moreira (2015).

1.3.2.1 Iniciativas de integração na geografia: a nova relação homem-meio

Apesar do desmonte impingido ao holismo pela fragmentação em curso, há


iniciativas de integração, também, na geografia, a partir de um outro momento da
relação homem-meio. ―Ratzel, La Blache e Hettner, além de Reclus, são certamente
os pensadores mais emblemáticos desse momento paradigmático da geografia‖
Moreira (2014).
―Friedrich Ratzel (Alemanha, 1844-1904) inaugura a fase das geografias
humanas sistemáticas. Ratzel é considerado, e deve sê-lo, um caso de grande
destaque (outro é Reclus) nessa segunda parte do paradigma fragmentário‖ Moreira
(2014). A visão integradora de Humboldt e Ritter que Ratzel tem como princípio está
na relação política, diferente daquela baseada na paisagem orgânica da superfície
terrestre. ―Desenvolve sua teoria em duas obras fundamentais, a Antropogeografia,
de 1882, e a Geografia Política, de 1897‖, diz Moreira (2009).
Ao tratar da unidade na relação do homem com a natureza mediada pelo
Estado conformando o território e uma distinção no interior do pensamento
geográfico, Friedrich Ratzel é influenciado pelo positivismo organicista de Herbert
Spencer (referendado na biologia evolucionista de Charles Darwin) e não pelo
positivismo mecanicista de August Comte.

[...] Para Ratzel a humanidade forma suas civilizações a partir de pequenos


nichos de relação integral de homem e meio, o homem movendo-se em
coabitação com o quadro integral do lugar escolhido para viver, mudando e
remodelando o meio segundo seus interesses de modo de vida. Aí faz sua
passagem de espécie para gênero, organiza o todo do seu espaço vital, que
40

Ratzel chama seu solo, cria sua cultura e, sobre essa base, sua civilização,
num processo de antropogeografia (MOREIRA, 2014, p.17).

A influência da biologia evolucionista levou Ratzel a adotar a teoria orgânica


do estado e sociedade, isto é o conceito do estado como um organismo, parte
humano e parte terrestre (Ein Stuck Menscheit und ein Stuck Boden), diz Tatham
(1959). A que Moreira acrescenta:

Ao colocar a reflexão da relação do homem com a natureza no plano da


fronteira da geografia com a antropologia e a sociologia, Ratzel
praticamente inaugura uma tradição de ver o homem em sua tradição de ver
o homem em sua relação com a natureza por meio da mediação do espaço
politico com o Estado. Nisso difere dos demais das geografias setoriais, que
elaboram uma geografia física pura ou uma geografia humana pura [...]
(MOREIRA, 2014, p.30).

Na análise da relação do homem com o meio, Ratzel pensa que o primeiro


cria o seu espaço baseado na relação da natureza com o Estado. Para Ratzel, os
homens necessitam extrair os seus meios de vida, do solo, e o organismo que os
integra em suas ações é o Estado. Estado e solo originam a sociedade. ―O chão
espacial é o elo orgânico da unidade Estado-sociedade, compondo a base deste
complexo, e sendo por isso chamado por Ratzel de espaço vital‖, diz Moreira (2009).
É Alfred Hettner (Alemanha, 1859-1941), que vem da Geologia, todavia, a
melhor expressão do retorno à abordagem corográfica, via o conceito ritteriano.
―Neokantista da escola de Wildenband e Rickert, a chamada escola de Baden,
Hettner é a própria expressão do retorno ao Ritter kantiano, trazendo o debate do
idiografismo-nomotetismo para a geografia‖, observa Moreira (2015). Em Alfred
Hettner não há uma região singular, o espaço é produto da ―diferenciação de áreas‖.
Para estudar a superfície terrestre por sua diferenciação de áreas, Hettner
usa a metodologia que une geografia sistemática e geografia regional. Nele, há um
olhar diferencial e corológico da região como uma diferenciação de áreas. Ou seja,
diferentemente de uma geografia regional e de uma geografia sistemática, o espaço
se dispõe em diferentes áreas. Para Hettner, segundo tradução de Moreira (2000),
só existem duas ciências corológicas:

Uma delas se ocupa do ordenamento das coisas no espaço universal: é a


astronomia, que no passado se entendeu indevidamente como uma
mecânica aplicada, isto é, como uma ciência de leis abstratas, quando seu
verdadeiro objeto é a constelação e a natureza dos distintos astros. A outra
ciência corológica é a ciência do ordenamento do espaço terrestre, ou,
41

posto que não conhecemos o interior da terra, da superfície terrestre. Uma


ciência corológica deste tipo é necessária por razões muito parecidas às
que justificam a ciência cronológica da história. Se não houvesse relações
entre os distintos pontos da superfície terrestre e se os diferentes
fenômenos situados em um mesmo lugar fossem independentes entre si,
não seria necessária nenhuma concepção corológica. Porém a existência
destas relações, que as ciências sistemáticas e históricas aludem ou
apenas podem tratar, torna necessária uma ciência corológica especial da
terra. Essa ciência é a geografia (MOREIRA, 2000, p.145-146).

Grande conhecedor de filosofia, estudioso das definições de Kant sobre


geografia, incorporando-as e dando coerência aos estudos das regiões (segundo as
definições de Ritter, Marthe e Richtofen) e aos estudos sistemáticos (de Humboldt,
Peschel e Ratzel, vivendo num momento de transformações importantes no
pensamento ocidental, Hettner é resumido em seus vínculos por Tatham (1959):

[...] Novamente, mudanças no pensamento filosófico preparam o caminho.


O materialismo absoluto, posto que atraente aos cientistas, é raramente
aceitável aos filósofos profissionais. Logo em 1860, surgiram contestações
à tese materialista, e tentativas foram feitas para juntar em um só sistema, o
ponto de vista científico com o idealismo de Kant. Nos tempos modernos, o
neokantismo tornou-se muito mais aceitável aos cientistas que aos filósofos
profissionais. [...] A transposição dessa nova filosofia para a geografia foi
empreendida por Alfred Hettner, geógrafo conhecedor profundo de filosofia.
Em seus trabalhos, reviveu as definições de Kant sobre a geografia, e
dentro desse sistema anexou os estudos sistemáticos de Humboldt,
Peschel, Ratzel, e os estudos das regiões de acordo com as definições de
Ritter, Marthe, Richtofen, transformando-os em um todo coerente. É em
grande parte graças à Hettner que o dualismo, que por tanto tempo constitui
obstáculo à geografia foi transposto com êxito (TATHAM, 1959, p.225).

Jean Jacques Elisée Reclus (França, 1830-1905), autor de três importantes e


extensas obras ―A Terra: descrição dos fenômenos da vida do globo‖; ―A Nova
geografia universal‖ e ―O homem e a terra‖, aluno de Karl Ritter na Universidade de
Berlim, destaca-se, dentre um sem-número de textos com grande amplitude
temática, por conceber em seu método geográfico, a sociedade e a natureza como
parte de um conjunto harmônico que evolui em um processo contínuo, repleto de
reações e contradições, Zaar (2015). Sobre ele diz Andrade:

Para melhor compreender a importância da obra de Élisée Reclus, torna-se


necessário situar o Autor no espaço e no tempo. Vivendo na Europa do
século XIX, teria fatalmente que ser influenciado pelos acontecimentos que
se desenrolaram naquele continente, no momento histórico em que viveu,
quer como cientista, quer como cidadão. Vivendo e observando os
problemas políticos, preocupou-se com a estrutura da sociedade, com o
papel desempenhado pelo Estado, com a expansão do capitalismo europeu
no mundo, com as relações entre sociedade civil e a Igreja e ainda com o
42

que se chamava então de progresso. Teve, assim, de tomar posição frente


ao positivismo comtiano, ao evolucionismo e ao marxismo, participando
ativamente do movimento anarquista. Pode-se mesmo afirmar que a sua
vida foi dividida em duas direções: a política, dedicada ao pensamento e a
ação anarquista, e a científica, dedicada ao conhecimento geográfico.
Atuando ou escrevendo, utilizou sempre as duas vertentes: a do cidadão,
revolucionário e libertário, e a do cientista, consciencioso e competente
(ANDRADE, 1985, p.1).

Depois de ser enviado para a Alemanha, aos 13 anos de idade, para estudar
em uma escola religiosa e, de retornar à casa dos pais (na França), por ter passado
por problemas com seus educadores, Reclus volta ao país que o acolheu, agora em
Neuwied, para ser professor, por dois anos.
Após se inscrever, em 1851, na Universidade de Berlim, onde também
participa dos debates com seus companheiros acadêmicos (dentre eles o da
unificação alemã, que se concretizaria oficialmente em 1871), ―Reclus cursa as
disciplinas ―Descrição da Terra‖ (com Ritter) e ―Economia Política‖ (com Wilhelm
Adolf Schmidt), campos disciplinares aos quais dedicou boa parte de sua vida
pesquisando e escrevendo‖ Zaar (2015).
Os estudos de Karl Ritter (1779-1859) historiador, geógrafo e seu professor
na Universidade de Berlim, também influíram na concepção metodológica de Reclus.
Além de ter cursado a disciplina ―Descrição da Terra‖, ministrada por Karl Ritter,
Elisée traduziu para o idioma francês várias obras suas, uma delas ―A configuração
dos continentes‖ logo depois da sua volta a França em 1857 (ZAAR, 2015:17).
Élisée Reclus, influenciado pelo pensador alemão Ritter, pensa que as
relações dos homens entre si é a forma como convivem comunitariamente desde o
começo com o meio.

A contribuição de Reclus também se faz evidente no que se refere ao seu


método de análise geográfica, ao defender a unicidade da geografia, e
incluir a concepção de ―leis‖ que resultam de um processo contraditório que,
engendrado pela combinação de diferentes elementos, move a humanidade
a partir de períodos de progresso e retrocesso que se alternam. Sua
acepção analítica contempla a compreensão do mundo a partir de uma
dimensão espacial e temporal na qual os indivíduos e a sociedade possuem
um papel histórico fundamental. Fundou, portanto, as bases de uma
―geografia social‖ (ZAAR, 2015, p.2).

Para Reclus, segundo Andrade (1987):

[...] os geógrafos deveriam fazer uma análise a partir dos seguintes


princípios: que a sociedade está dividida em classes sociais, em
43

consequência das formas de apropriação dos meios de produção; que esta


diferença de classes provoca a luta dentre as classes dominadas que
aspiram a melhor sorte e as classes dominantes que não querem perder o
controle do poder e das riquezas; finalmente, que há a uma tendência ao
aperfeiçoamento individual e à melhoria das estruturas sociais em face do
aperfeiçoamento progressivo do homem (RECLUS, 1905, apud ANDRADE,
1987, p.57).

―Apreende na sua análise como o Indivíduo, a Sociedade, o Espaço e o


Tempo se repelem e ao mesmo tempo se combinam em uma dinâmica contraditória
que reflete a essência do mundo‖ Zaar (2015).
A que Suertegaray acrescenta:

Além disso, em termos metodológicos, não aceitava a clássica dicotomia


entre Geografia Física e Geografia Humana, preferindo ressaltar sua
unidade em favor de uma "Geografia Social", colocando pioneiramente a
Geografia como instrumento de transformação. Mas, no nosso entender, a
maior contribuição de Reclus, principalmente para o estudo e a inter-relação
da anarquia com o ambiente (isto sim o objetivo deste trabalho), é a sua
formulação de que "o homem é a natureza adquirindo consciência de si
própria", revelando também uma outra concepção da relação homem x
natureza, que abre espaço para o rompimento com os métodos científicos
presentes na modernidade (SUERTEGARAY, 2005, p.42-43).

No quadro em que nascem as formas de civilização para Reclus, segundo


Moreira (2014), em que os homens travam ―desde o começo de sua relação com o
meio um modo de convívio comunitário que espelha a forma das relações que vivem
entre si‖:

As civilizações surgem, assim, antes de tudo, como comunidades humanas


em que a riqueza é produzida e compartilhada por todos. Daí o estado
cultural do homem como a natureza consciente de si mesma, num traço de
civilização que forma a base do caráter de todos os níveis do seu modo de
vida (MOREIRA, 2014, p.17).

Na ―síntese regional‖, Paul Vidal de La Blache (França, 1845-1918) se apoia


no positivismo de Emile Durkheim para achar a unidade na relação do homem com a
natureza. Durante o século XX esta é a concepção de geografia que se espraia pelo
mundo.

Historiador de formação com área de interesse na antiguidade, daí seus


estudos na Grécia, Vidal de La Blache é chamado pelo governo francês em
1872 para organizar, como resultado do balanço do fracasso nacional na
guerra franco-germânica, que imputa parcialmente ao trabalho do mestre-
escola de Geografia alemão, uma Geografia acadêmica na universidade
francesa, a mesma incumbência sendo conferida a Émile Levasseur (1828-
44

1911), também historiador, para criar a geografia do nível escolar


secundária (MOREIRA, 2015, p.26).

Seguindo a mesma linha matricial Ritteriana em que se referenciam Hettner e


Reclus (seu introdutor na França), é La Blache, ―no quadro de um diálogo com a
sociologia e a antropologia francesas de Durkheim, quem sistematiza o modelo de
geografia que irá difundir-se pelo mundo como a‖ ‗escola francesa de geografia‘
Moreira (2014). Na virada do século XIX para o XX, La Blache estabelece um olhar
regional fracionário, uma concepção isolacionista de região como singularidade.
Ao se referir à La Blache (Moreira, 2006) encontra três dele em três diferentes
obras. O ―Quadros de Geografia da França‖, cuja categoria central é a ―região‖, de
onde sai a geografia regional tal qual a conhecemos.

Embora seja o primeiro La Blache que se difunde pelo mundo, e com ele a
geografia regional e a hegemonia mundial da ―escola francesa de
geografia‖, o segundo terá um papel particularmente importante a partir do
último quartel do século XIX, acompanhando a reorganização da economia
mundial pela segunda fase (a fase aberta com a segunda revolução
industrial e que Ernest Mandell designa de capitalismo avançado) da
industrialização (MOREIRA, 2014, p.36).

O ―Princípios de Geografia Humana‖, de onde tiramos a categoria de ―gêneros


de vida‖ de que deriva a ―geografia da civilização‖.

O procedimento teórico-metodológico é o oferecido pelo Princípios de


geografia humana, de La Blache: após fazer o balanço da distribuição das
populações pelos continentes e segundo as determinações dos
recortamentos físicos dos espaços, em que ora os recortes do relevo e ora
os recortes climáticos servem de base aos assentamentos, La blache passa
neste livro à análise das formas de civilização, mantido o princípio
corológico da interação analisado na primeira parte. Em verdade, La blache
reitera aqui os esquemas de estudo encontrados no Erdkunde, de Ritter,
que tanto para ele quanto para Reclus vão prosseguir na frança, e cuja
tradução será o modelo N-H-E; um approach que combina dentro da
geografia todo o seu sistema interno de ciências, indo da mais corológica,
que então é tomado como a geomorfologia ou a climatologia, à mais
independente dos rigores de assentamento, que é então a cultura humana,
tal como no geral se estrutura o sistema de ciências do positivismo
(MOREIRA, 2014, p.37).

E o ―França do Leste‖ de onde vem a ―geografia política‖ de caráter


eminentemente político de La Blache.
45

Como terceiro campo de aglutinação, na combinação da geografia física com


a humana, são encontrados os fundamentos de uma ―geografia da civilização‖, entre
o segundo La Blache e a obra de Ratzel.

As grandes civilizações começam, para Vidal, sua formação em pequenos


grupos em pequenas áreas-laboratórios localizadas nas áreas de encostas,
clima semiárido, solos rasos e de pouca disponibilidade de água das
cordilheiras cortadas pelo paralelo de 40º do hemisfério norte, na linha de
recuo das geleiras da glaciação quaternária. Indo para essas áreas, esses
pequenos grupos humanos se resguardam da disputa das terras ricas em
condições de vida – áreas anfíbias, das planícies dos grandes rios, onde a
mesa está posta, e, por isso mesmo, procuradas pelos animais de grande
porte. E aí se localizam, vivendo suas primeiras experiências de lida com o
meio natural e extração dele com seu árduo trabalho dos meios de vida de
que necessitam. Com o tempo, a habilidade e os recursos técnicos criados
através do acúmulo dessa experiência ambiental, sentem-se em condição
de descer e disputar as áreas anfíbias, nascendo dessa combinação de
aprendizado do trato ambiental das áreas-laboratórios e das áreas anfíbias,
às quais Vidal chama de oficinas de civilização, as culturas que vão originar
em cada grande vale fluvial sua respectiva forma de civilização, de onde a
humanidade vai espalhar-se para levar o povoamento à atual arquitetura da
distribuição humana da superfície terrestre (MOREIRA, 2014, p.17).

Geografia holista da relação homem-meio tensionada com a fragmentação-


pulverização originando geografias setoriais impacta numa geração de geógrafos
que passa a definir a geografia como o estudo da organização do espaço pelo
homem, no século XX.

1.3.2.2 A geografia como a ciência do estudo da organização do espaço pelo


homem

Situado ainda na geografia definida como estudo da relação homem-meio,


Jean Brunhes (França, 1869-1930) ―é a transição para a fase do estudo da
organização do espaço‖ Moreira (2014).

Brunhes também vê as formações humanas brotando seminalmente da


relação homem-meio, daí evoluindo para ganhar complexidade. A planta,
diz, persegue a água e o homem persegue a água, nascendo do encontro
homem-planta-água e da sobreposição de cartografias que daí resulta a
base de constituição do habitat humano. Daí saem e erguem-se as casas e
os caminhos, as cidades, as manchas de cultivo e criação e as indústrias,
localizadas de entremeio às manchas, e as cidades, que as vias de
46

comunicação e as trocas vão unir no conjunto de espaço que é o habitat


(MOREIRA, 2014, p.17).

Avançando sobre a forma de ver a relação homem-meio, por intermédio dos


traços da paisagem, compreende ―a própria arrumação visual desses traços na
forma do arranjo do espaço que está no substrato de sua organização, designando
de habitat o conjunto estrutural de paisagem e espaço que daí resulta‖ Moreira
(2014).

O conceito-chave de Brunhes é o que chama de fatos essenciais, um modo


de valorizar o dado visual e empírico, e, assim, de conferir à paisagem e ao
seu viés cartográfico o valor metodológico central da reflexão geográfica.
―Só é fato o que se relaciona‖, diz ele, advertindo para a necessidade de um
cuidado com o empirismo e remetendo sua teoria e seu método para o
plano necessário da totalidade, sem a qual o fato geográfico não revela seu
real significado. Daí ser enfático com a importância dos princípios
geográficos. Chamando a atenção para a importância do princípio da
atividade e do princípio da conexão, Brunhes pode ser considerado o
introdutor da tradição dos princípios, cujo número os sucessores vão
seguidamente aumentando (MOREIRA, 2015, p.29).

Brunhes, autor de obras importantes como: ―Geografia humana‖ (―La


Géographie humaine: essai de classification positive‖, de 1910, em três volumes e,
lança, em 1921, um quarto, com o título ―A geografia e a história. Geografia da paz e
da guerra sobre a terra e no mar‖, em co-autoria com Camille Vallaux, dedica vários
trabalhos ―à geografia da França e das regiões semiáridas do mediterrâneo, estas
com suas comunidades sempre às voltas com o problema da regulação do uso
coletivo da água escassa(...)‖ Moreira (2015).

Brunhes pode ser considerado também o introdutor do pensamento dialético


na Geografia, chamando a atenção para a intervenção de um quádruplo tipo
de contradição: a das forças da desordem do Sol (as ―forças loucas do Sol‖,
como diz) e forças da ordem da atração gravitacional (as ―forças sábias da
Terra‖), a das forças destrutivas da exploração e forças construtivas da
organização, e a da ordem e desordem. A primeira dessas contradições age
como determinantes gerais da organização da superfície terrestre. As duas
seguintes são formas de contradição vinculadas já ao processo de
transformação da superfície em espaço organizado pelo homem. A elas se
soma o movimento contrário, como numa quarta forma de contradição, de
troca de cheios e vazios da repartição da densidade dos fenômenos no
espaço, que conduz a uma constante rearrumação dos arranjos da sua
paisagem (MOREIRA, 2015, p.30).

O sentido de integralidade da relação homem-meio tão abalado pela


fragmentação positivista da virada do século XIX para o XX e pela separação
47

neokantiana do conhecimento em ciências naturais e ciências humanas chega a La


Blache no conceito de gênero de vida como discurso de geografia regional e
geografia da civilização. E chega a Brunhes, mas, agora, paisagem e espaço
―emergem como categorias ao mesmo tempo em que entre si se autonomizam
dentro do discurso da relação homem-meio‖ Moreira (2015).

Combinando o olhar paisagístico e o espacial da relação homem-meio, sua


teorização vai exprimir uma espécie de momento de passagem para a nova
fase que está vindo. Por baixo da paisagem ele vê o modo de arranjo do
espaço, arranjo que o homem irá transformar em um habitat humanizado,
recriando nessa transmutação a forma da relação homem-meio (MOREIRA,
2014, p.18).

A tentativa de conciliação de integralização-fragmentação na unidade sintética


da região (como outra formalização dentro da geografia clássica) a partir dos
elementos setoriais do quadro físico e humano, sucumbe frente à divisão contida em
Brunhes das categorias da paisagem e do espaço e, sendo assim:

Tal já não é mais possível. A região é já um discurso de espaço. Mas é das


próprias entranhas do vidalismo que nasce a fragmentação, quando
Emannuel De Martone cria a Geografia Física, através de seu clássico
Tratado de geografia física, de 1910, e Brunhes, a Geografia Humana,
através de seu livro Geografia humana , de 1919, cuja decorrência é a
tripartição da Geografia em Física, Humana e regional. A solução vai ter de
aparecer então na forma pós-vidaliana da conceitualização da Geografia
Física e da Geografia Humana como formas de Geografia Sistemática, isto
é, as partes dedicadas à descoberta das leis gerais da Geografia – por isso
também designada de Geografia Geral – que, ao ser aplicadas aos estudos
monográficos da Geografia Regional, convergem e se sintetizam na unidade
espacial da região. Uma solução que vem do resgate do geral e do especial
do discurso teórico de Varenius, mas que ao invés de evitar, ao contrário,
antes precipita e legitima a pulverização fragmentária na divisão agora tanto
da Geografia Física quanto da Geografia numa infinidade de geografias
setoriais (MOREIRA, 2014, p.19).

Com Max Sorre (França, 1880-1962), criador da geografia ecológica, autor do


importante livro ―O homem na Terra‖, ainda há uma tentativa de discurso de
integração. Este livro é um volume único escrito a partir de outros três: ―Os
fundamentos biológicos da geografia humana. Ensaio de uma ecologia do homem‖,
de 1943; ―Os fundamentos da geografia humana. Os fundamentos técnicos da vida
social, as técnicas da energia, a conquista do espaço‖, de 1948, e ―Os fundamentos
da geografia humana. O habitat. Conclusão geral‖, de 1952, que perfazem sua obra
maior ―Os fundamentos da geografia humana‖, publicada entre 1943 e 1952, em
48

Paris. Também escreve o texto ―A noção de gênero de vida e seu valor atual‖, de
1948, ―com o qual atualiza para as sociedades industriais modernas o conceito
vidaliano, validando e aplicando-o à vida urbana e industrial já dominante no seu
tempo‖ Moreira (2015). Sobre os elementos dos gêneros de vida, diz Sorre:

A noção de Gênero de Vida, é extremamente rica, pois abraça a maioria, se


não a totalidade das atividades do grupo e mesmo dos indivíduos. (…) êstes
elementos materiais e espirituais são, no sentido exato da palavra, técnicos,
processos transmitidos pela tradição e graças aos quais os homens se
asseguram uma posse sôbre os elementos naturais. Técnicas de energia,
técnicas de produção de matérias-primas, de maquinaria, são sempre
técnicos, como as instituições que mantêm a coesão do grupo assegurando
sua perenidade". (SORRE, 1963, p.30).

Santos (2002) coloca que Max Sorre foi o "primeiro geógrafo a propor, com
detalhe, a consideração do fenômeno técnico em toda sua amplitude".

É praticamente com Sorre que a técnica vai passar a ter força de


importância como elemento-chave da interpretação das paisagens e dos
espaços que tem hoje na Geografia. Contemporâneo da implantação da
fase industrial avançada, a fase da segunda Revolução Industrial, Sorre
capta este momento muito bem e o traz para a Geografia com enorme
vislumbramento do seu significado. Da técnica que está nascendo, Sorre
apreende sua forte aliança com a ciência, a mudança de escala que traz
para a relação homem-meio e, sobretudo, o sentido de ecologia, que vai
tomar como substância do seu pensamento, voltando suas atenções para a
relação biologia-ecologia. Daí designar de Geografia Ecológica ao tipo de
ciência que faz, numa visão que torna o precursor da Geografia Médica
(MOREIRA, 2015, p.31).

Centra sua análise no conceito de complexidade, ―foco pelo qual ele vê o todo
e as partes da superfície terrestre. A exemplo do ecúmeno terrestre, que conceitua
como uma rede de complexos‖ Moreira (2015). ―O ecúmeno, diz Sorre, do ponto de
vista da estrutura é um complexo de complexos, um todo formado e caracterizado
pela superposição e entrecruzamento de diferentes níveis de complexidade‖ (Idem).
Carl Ortwin Sauer (1889-1975), filho de imigrantes, nascido em Warrenton,
Wisconsin no meio oeste dos Estados Unidos, em local de colonização alemã, cujo
ambiente cultural é inspirado no Romantismo filosófico e estético de Goethe, com
seu texto ―A morfologia da paisagem‖, de 1925, filia-se a uma corrente da geografia
alemã, por meio da geografia da paisagem – em que Hettner desenvolve uma visão
corológica e de diferenciação de áreas – promovendo uma ruptura com a visão
―determinista‖ e fisiográfica da escola estadunidense, da qual (Sauer) é oriundo,
desenvolvendo uma concepção baseada no estudo das paisagens.
49

Se de Goethe apreende a forma como mais importante elemento orgânico e


de compreensão do mundo, de Humboldt e Ritter incorpora o método indutivo
ressignificado como um processo de remontagem das metamoforses morfológicas
com Herder, Kroeber, Lowie e Bolton se orientará pelo historicismo e, com Dilthey,
tem as noções de diversidade e mudança de cunho antipositivista, o que o faz
entender a natureza como um processo combinado de elementos físicos e bióticos,
que os homens veem como fonte de recursos e de vida e que modelam
ambientalmente nesta perspectiva, segundo as características de sua cultura.
Sendo assim, a análise do meio em sua relação com homem, na medida em
que este, por meio dos seus costumes, hábitos e habilidades é o agente
organizador, o insere de maneira sistêmica na paisagem físico-natural vendo como a
cultura transforma o meio. Relaciona totalidade das formas, conexão das formas,
tempo, paisagem natural e paisagem cultural, trabalha com forma, função estrutura e
processo e usa como método a análise funcional da paisagem.
Ao relacionar o estudo da superfície da Terra com morfologia da paisagem,
diferenciação de áreas, interdependência dos fenômenos associados ao tempo e
desenvolvimento histórico da corologia entende a paisagem (em que estão todos os
fenômenos) como acúmulo histórico-cultural. E, a geografia, como ciência de síntese
carregada da visão ecológica e sistêmica. A sua ecologia é de base humana –
estuda o homem pelo viés ecológico – os homens se relacionam entre si e com o
ambiente.
Pierre George (França, 1909-2006) é autor de muitos e variados temas e
trabalhos em Geografia. Dentre eles: ―Geografia agrícola do mundo‖, de 1946; ―A
campanha‖, de 1956; ―Manual de geografia rural‖, de 1978; ―A cidade: o fato urbano
através do mundo‖, de 1952; ―Manual de geografia urbana‖, de 1961; ―Introdução ao
estudo da geografia da população do mundo‖, de 1951; ―A geografia da população‖,
de 1970; Populações ativas‖, de 1978; ―Geografia da energia‖, de 1950; Geografia
industrial do mundo‖, de 1959; ―Os grandes mercados do mundo‖, de 1953; ―A
geografia econômica‖, de 1956; ―A geografia econômica e social da França‖, de
1949; ―A geografia social do mundo‖, de 1946; ―A geografia do consumo‖, de 1963;
―A economia da URSS‖, de 1970; ―A economia dos Estados Unidos‖, de 1970; ―O
meio ambiente‖, de 1971; ―A era das técnicas, construção e destruição‖, de 1974;
―Sociologia e geografia‖, de 1969; ―Os métodos da Geografia‖, de 1970; ―A ação do
homem‖, de 1968; ―O homem na terra‖, de 1989.
50

[...] George é um geógrafo urbano, que daí caminha para o todo integrativo,
mas a partir do espaço. É assim que para ele as sociedades variam na
história justamente por suas formas de organização espacial. Há antes de
mais nada as sociedades organizadas e não organizadas espacialmente.
Estas são as sociedades da natureza sofrida, aquelas em que a relação do
homem com o meio se faz ainda num quadro de ação técnica que pouco
modifica a paisagem natural que o homem habita. O alcance de um grau
superior de nível técnico leva o homem, entretanto, a alterar e ajustar a
paisagem natural ao seu modo, assim nascendo as sociedades de espaço
organizado. Estas podem ser sociedades espacialmente organizadas com
dominante agrícolas e sociedades espacialmente organizadas com
dominante industrial é, assim, para George, o divisor de águas, dissolvendo
a paisagem natural e substituindo-a pelo espaço na organização geográfica
global da sociedade (MOREIRA, 2014, p.21).

Com o pensamento geográfico voltado para a orientação social, considerado


um dos criadores de uma Geografia social ―no Brasil é conhecido por essa linha de
reflexão e pela permanente preocupação com a questão teórica‖, cuja visão espacial
identifica sua Geografia pela categoria do espaço que ―arruma sua visão de mundo
em ‗A ação do homem, uma ação histórica por excelência‖ Moreira (2015).

O foco de George é o espaço. Embora nunca o defina com clareza, o


espaço é para ele o estruturador geográfico das sociedades na história. E
que lhe permite periodizá-las e qualificá-las segundo suas fases de
organização no tempo. Assim, distingue as sociedades de espaço não
organizado e as sociedades de espaço organizado, entre estas, por sua
vez, as sociedades de espaço organizado com base agrícola e as
sociedades de espaço organizado com base industrial. Em cada uma
dessas formas de sociedade a técnica aparece como o elo do homem com
o meio natural e o elemento que o transporta para suas diferentes formas
de existência, a sociedade saindo progressivamente do estado de uma
―geografia natural sofrida‖ (as sociedades de espaço não organizado) para o
de uma geografia de paisagem tecnicamente organizada na sua totalidade
(as sociedades de espaço organizado) (MOREIRA, 2015, p.33).

Jean Tricart (França, 1920-2003), em seu livro ―Ecodinâmica‖ – transcrito de


conferências proferidas em 1975 no IBGE –, publicado em 1977, relaciona Geografia
e ecossistema voltados para estudos ambientais como modo de ordenamento
territorial. Ao elaborar uma teoria integrada de geografia, na busca de uma
totalidade, relaciona os conceitos de morfogênese, pedogênese, biocenose e
fitoestasia.
Vale ressaltar que, apesar de estarmos tratando aqui de um trabalho do
Tricart, ele é um autor de vulto no que diz respeito à produção acadêmica. Segundo
Silva (2003):
51

Dentre os 620 trabalhos, (dos quais, cerca de 60 sobre o Brasil) publicados


em 15 países, em 10 diferentes línguas, destacam-se obras antológicas
como: Traité de Géomorphologie Climatique (1965); Précis de
Géomorphologie (1963); L‘Épiderme de la Terre – esquisse d‘une
Géomorphologie Appliquée (1962); Carthographie Géomorphologique et des
Formationes Superficielles (1972); Ecogéographie et l‘Amménagement du
Milieu Naturel (1979); Écogéographie des Spaces Ruraux (1994) (SILVA,
2003, p.151).

Com origem na geomorfologia da escola de morfologia climática, Tricart toma


como base o empírico da superfície terrestre, mas almeja a totalidade tendo como
referência o espaço. ―Tricart parte de um ponto, o espaço físico-geomorfológico,
para ir incorporando-o num todo de caráter sistêmico cada vez mais integralizado‖
(Meynier, 1969; Mendoza, 1982; Andrade, 1987; Christofoletti, 1974; e Casseti,
1991, apud Moreira 2015).

O ponto inicial de partida de Tricart é a Geomorfologia [...]. [...] Daí sua


formação o leva a evoluir para escalas sucessivas de abrangência da
natureza, levando consigo a Geomorfologia a evoluir na direção de integrar-
se ao campo total do real em seu afã de compreender o todo que envolve a
relação do homem com o meio, inicialmente pondo o foco na dinâmica
integral da natureza para em seguida ampliá-la no todo do mundo humano.
Seu fio condutor é o olhar do real como um todo uno-diverso, a começar
pela aplicação dessa dialética ao próprio campo dos fenômenos
geomorfológicos. Inspira-o ―A dialética da natureza‖, livro de 1878 (só
publicado em 1925), de Engels (MOREIRA, 2015, p.33).

Pautado na relação da abordagem sistêmica com a geografia física, Tricart


parte do conceito de meio ambiente como resultado da interação entre a esfera dos
seres vivos (incluindo o homem) e a esfera do inorgânico. Fornece à teoria
ecológica a base da natureza inorgânica (morfogenética e pedogenética) e traz para
a geografia física a abordagem ecossistêmica baseada no todo da natureza.
E, na sua concepção de paisagem, a entende pelos seus elementos físicos e
também pela participação do humano. Segundo Tricart (1977) ―o homem é um
elemento inerente e transformador da paisagem física e, por essa razão, não poderá
ser deixado de fora da análise geomorfológica e ecodinâmica.‖ Na sua paisagem, a
fitoestasia é o ponto de regulação, de equilíbrio dinâmico do todo.
Com o seu pensamento dinâmico, desenvolve a metodologia de trabalho
baseada no estudo da dinâmica dos ecótopos (que formam o meio ambiente), a qual
chama de ecodinâmica. Os ecótopos relacionam-se entre si, são caracterizados pela
dinâmica do meio ambiente que tem repercussões mais ou menos imperativas sobre
52

as biocenoses (comunidades) e são importantes para a conservação e o


desenvolvimento dos recursos ecológicos.
Diferentemente do ponto de vista estático sobre o qual um grupo de
geomorfólogos se baseia para suas descrições fisiográficas, Tricart integra o
conceito de ecossistemas com o de unidades ecodinâmicas enfocando as mútuas
relações entre os componentes da dinâmica e os fluxos de energia e matéria no
meio ambiente. A maneira dinâmica de abarcar os problemas permite, por
conseguinte, introduzir critérios de ordenação e gestão do território Tricart (1977).
Para estudar a organização do espaço deve-se considerar a dinâmica, a ação
humana exercida sobre uma natureza mutante que tem uma complexidade segundo
leis próprias. ―A ótica dinâmica deve ser o ponto de partida da avaliação, devendo
guiar a classificação dos meios no nível taxonômico mais elevado‖ Tricart (1977).
Sendo assim, faz a distinção entre três tipos de meios morfodinâmicos, em função
da intensidade dos processos atuais, a saber, meios estáveis, meios integrados e
meios fortemente instáveis.
Nos meios estáveis em que a pedogênese é mais ativa que a morfogênese, o
modelado evolui lentamente, muitas vezes de forma insidiosa, pouco perceptível. Os
meios intergrades são o estado de transição que promovem a passagem gradual
entre os meios estáveis e os fortemente instáveis. Nos meios fortemente instáveis a
morfogênese é o elemento predominante da dinâmica natural e fator determinante
do sistema natural ao qual outros elementos estão subordinados. Um dos possíveis
catalisadores desse fenômeno é a degradação antrópica.
O desenvolvimento da abordagem dinâmica em Tricart concebe o todo da
integralidade dos seres vivos com a parte inorgânica do planeta, relacionando
geografia com ecossistema, na sua visão ambiental, voltada para o ordenamento
territorial.

1.3.2.3 O paradigma holista da hipermodernidade

Como o pensamento atual se configura e como a geografia nele se insere, se


expressando na forma de um novo holismo, que promove rupturas e quer superar o
53

pensamento fragmentário, vem delineando o que Moreira (2006) denomina de “a


ultramodernidade e a tendência pluralista atual.‖

[...] por hipermodernidade ou pós-modernidade entende-se o período atual,


marcado pela presença de uma pluralidade de referências filosóficas em
que a fenomenologia husserliana, a filosofia da linguagem (de Wittgenstein)
e a filosofia da práxis marxista se sobressaem (MOREIRA, 2014, p.13).

A crise que se instala no pensamento científico hegemônico baseado na


razão fragmentária do positivismo transborda para a geografia que a partir da
segunda metade do século XX começa, também, um movimento de crítica ancorado
em outras referências.
O discurso ambiental e a crise desencadeiam um movimento de crítica ao
pensamento fragmentário ao qual vem reforçá-lo a introdução do marxismo com a
tese da humanização da natureza e naturalização do homem pela via do trabalho, a
fenomenologia que se materializa na geografia da percepção, na geografia
humanista, cultural e histórica como uma filosofia da existência e o pensamento
quântico baseado numa nova era técnica (a da bioengenharia) de uma nova
percepção em relação ao meio ambiente (holismo ambiental).
O paradigma holista da hipermodernidade ou pós-modernidade apresenta-se,
então, neste período contemporâneo, como uma síntese de várias correntes
filosóficas (marxismo, fenomenologia, analítica existencial, complexidade,
desconstrucionismo) que refutam o positivismo desde a virada do século XIX.
Ao ganhar forma na contemporaneidade, o bioespaço (novo espaço em que
desempenham papel central a engenharia genética e a bionhegenharia), pauta-se
na recriação sempre renovada da vida e contraria a repetição mecânica do modelo
mecanicista de reprodução social.
Na busca de uma nova abordagem epistemológica, ao relacionar elementos
dos vários períodos pelos quais passa a história do pensamento geográfico, Moreira
(2006) os insere na lógica do novo paradigma, de forma reconvertida – ao perceber
as redescobertas de elementos de períodos anteriores –, abrindo uma nova
perspectiva de leitura crítica ao ―velho‖ modelo de ―sistematização da geografia,
geografia tradicional e a renovação da geografia‖.
Refutando a geografia do N-H-E (o N de natureza entendida como estoque de
recursos, o H do homem como quantitativo da população e o E de economia como
54

lógica de mercado para organizar materialmente a sociedade moderna), Moreira


(2006) pensa em construir uma geografia da civilização sem esta estrutura que em si
já é uma resposta ao paradigma fragmentário que solapa o pensamento geral e as
ciências.
Nesse discurso fragmentário em que o conceito de homem e de natureza é
estruturado de maneira dicotômica, o homem é desnaturizado e deslocalizado da
realidade da relação de classe. A natureza para a noção de homem demográfico-
antropológico-econômico são os recursos, o conjunto dos seres inorgânicos, algo
mecânico e, por isso, externa a ele.

Falar do mundo é, pois, uma operação metodológico-discursiva simples na


geografia: descreve-se primeiro a natureza, depois a população e por fim a
economia. Sempre nesta ordem. E quando esta é alterada, apenas muda-se
formalmente a sequência (MOREIRA, 2012, p.10).

Desta forma, o esquema N-H-E serve de modelo teórico-metodológico para


tratar qualquer forma de sociedade, qualquer lugar do mundo desconsiderando as
diferenças de caráter histórico-concretas.
No Brasil, por exemplo, o ensino de Geografia é influenciado por este modelo
Natureza-Homem-Economia (N-H-E) baseado na modernidade apregoada pelo
positivismo que fraciona a realidade, sendo incorporado nos currículos e nos livros
didáticos. Natureza, Homem e Economia são apartados com o intuito de descrever,
enumerar e classificar para explicar os fatos por meio da interpretação dos aspectos
visíveis.

Contudo, a geografia do N-H-E é uma derivação daquilo que na história da


geografia moderna chamamos a ―geografia da civilização‖, em si uma
tentativa de superar a fragmentação excessiva a que a geografia chegara
na virada dos séculos XIX para XX (MOREIRA, 2012, p.10).

O discurso e a prática em geografia baseados na ciência que fragmenta o real


coexistem com o movimento de renovação que vem se desenvolvendo em vários
campos e temas geográficos. Porém, atores e sujeitos deste movimento envolvidos
com a proposta de uma educação referenciada no pensar/produzir/fazer/ensinar de
uma outra geografia – a da razão crítica – colaboram para a tentativa de superação
de impasses tão questionados da/na geografia.
55

Isso supõe que se reconheça um objeto à geografia e que se hajam


identificado suas categorias fundamentais. É bem verdade que as
categorias mudam de significação com a história, mas elas também são
uma base permanente e, portanto, um guia permanente para a teorização.
Em nosso caso, trata-se da produção do espaço (SANTOS, 1978, p.141).

A noção de espaço como um histórico-produzido em que há uma combinação


espaço-tempo como forma real do movimento, como condição produzido-reprodutor
das relações totais colocam-no como dialeticamente continuidade e ruptura perante
a geografia clássica, pois esta, referenciada na ideia da regulação, tendo a
paisagem como principal categoria e o espaço como categoria ―secundária‖, assenta
sua teoria e explicação científica do real. A ruptura corre por conta da referência
centrada primordialmente na categoria espaço visto como tempo concreto e
concretizado, tempo estrutura, sendo ambos, espaço e tempo, um conteúdo do
outro.

E é isso o espaço diante da paisagem. Há um caráter de dialeticidade que


impele sujeito e objeto a migrarem do polo e se entreolharem como um ‗de
dentro‘ e um ‗de fora‘, que se trocam como interioridade e exterioridade, na
relação um com o outro. E só o movimento da consciência clarifica quando
o ‗de dentro‘ é o ‗de fora‘ e o ‗de fora‘ é o ‗de dentro‘, o mesmo valendo para
o homem e a natureza, o sujeito e o objeto, reciprocamente (MOREIRA,
2016, p.162).

É o nexo axial centrado na categoria espaço que servirá de referência para a


geografia pensada e praticada a partir dos anos 1970, no Brasil. E sobre a
epistemologia da geografia dos anos 1980 em diante, Elvio Martins (2016) escreve
um importante artigo.
Em seu artigo ―O Pensamento Geográfico é Geografia em Pensamento?‖,
Martins (2016) promove questionamentos sobre problemas epistemológicos e as
categorias do pensamento geográfico querendo avaliar a natureza do debate teórico
da ciência geográfica atual no Brasil.
A partir de uma ideia de geografia com forma, mas sem conteúdo, anterior à
década de 1980, Martins, baseando-se em Moreira (2007), começa a tratar a
questão da descaracterização epistemológica da ciência geográfica enquanto forma-
pensamento geográfico, provavelmente a partir dos anos 1980, no Brasil.
Martins (2016) elenca uma série de indagações que orbitam ao redor da
questão principal epistemológica que envolve forma e conteúdo em geografia. Há
uma epistemologia da ciência geográfica nos dias de hoje que se desdobre em um
56

discurso teórico próprio? Possuímos forma e, com isso, estamos identificando as


geografias constituintes da realidade em geral? Mas, temos questão da geografia ou
do geográfico?
Há um reconhecimento da existência do conteúdo por meio da forma que
permite, em pensamento, compreendê-lo. Uma relação conteúdo-forma em que o
pensamento geográfico é geografia em pensamento. Para tanto, é preciso
discriminar os elementos constituintes do conteúdo para estabelecer a forma em
pensamento.
Em cada uma das matrizes teóricas o que se identifica como geografia na
constituição da realidade? O que seria este fundamento e como interpretá-lo? Como
ficaria esta geografia em pensamento?
Antes de definir os termos de um discurso teórico e de uma epistemologia,
precisamos saber o conteúdo da resposta à indagação do que é geografia. Aqui são
colocadas algumas questões importantes sobre a história e o desenvolvimento da
ciência geográfica, quais sejam, o propósito dominante de um conhecimento dentro
de um contexto histórico e social e qual a razão de sua existência, inclusive
institucional. Afinal, para o que serve a ciência geográfica em diferentes sociedades,
em diferentes contextos?
Para Martins (2016), afirmar que a ciência geográfica é o que os geógrafos
fazem dela, revela-se uma maneira cômoda e diplomática de aceitar as diversas
práticas abrigadas sob a instituição ―científica da geografia‖, fugindo, com isso, do
debate necessário.
Pensa na necessidade de reformular a questão geográfica de ―o que é
geografia‖ para ―o que é geográfico‖ para termos a noção de que a geografia é um
fundamento da realidade. Por meio da síntese dos princípios da Localização,
Distribuição, distância, Densidade e Escala que se estabelece o geográfico.

A sociedade, ao se apropriar da natureza, imprime sobre esta objetividade


uma ordem que é expressa pelos princípios geográficos. E a natureza
apropriada converte-se em meio geográfico, a partir daí, a relação passa a
ser sociedade/meio geográfico. A verdade, o processo de
subjetivação/objetivação na construção do meio geográfico se realiza
mediante os princípios geográficos enquanto dimensão do existir, tanto do
sujeito quanto do objeto, consubstanciando um processo de totalização. Eis
o geográfico, como expressão da existência da totalidade. E entre a
geografia do homem e a do meio se constroem as mútuas determinações
geográficas na relação objetivação/subjetivação (MARTINS, 2016, p.65).
57

A questão que paira aqui é a da dinâmica das relações e de como elas se


dão, o que é muito diferente do que alguns apregoam a respeito da geografia como
um saber enciclopédico. Atualmente, há uma epistemologia na ciência geográfica,
independente da posição teórica?
A partir do final dos anos 1970 o espaço torna-se o objeto da ciência
geográfica na condição de ser a realidade em sua materialidade. Inspiradas no
marxismo muitas formulações teóricas se desdobraram acerca do espaço. Na
ciência geográfica empreende-se um esforço enorme para desvendar a dinâmica do
espaço como dado da realidade, mas se conforma como práticas e competências.
Vale ressaltar que mesmo não baseando suas análises em uma
epistemologia de natureza geográfica, autores não geógrafos (Alan Lipietz, Manuel
Castels e Henri Lefebvre, entre outros) são tomados como referências teóricas para
a geografia.
Diante das transformações ocorridas no espaço geográfico mundial, a
necessária compreensão da realidade torna-se um objetivo a ser alcançado a partir
de novos fundamentos teóricos. Sobre o papel da geografia hoje, quais são as
determinações da ciência geográfica? Como herança dos fundamentos teóricos a
tradição cartesiana sob a perspectiva quantitativa cria uma confusão entre matéria e
espaço. A materialidade com propriedade referente à existência da própria matéria.

Este espaço dito material, quando demonstrado em sua constituição, revela


a essência da natureza transformada e apropriada pela sociedade. Aquilo
que, confortavelmente, chamamos de segunda natureza. Uma designação
precária, à qual não cabe aqui maiores críticas, apenas basta lembrar,
repercutindo Marx, que toda a natureza é construção social e, portanto, toda
ela é socialmente apreendida, suposta, designada e produzida, já que o
pensamento também é algo produzido (MARTINS, 2016, p.70).

Para responder à questão da epistemologia é necessário saber como os


elementos presentes na realidade interagem por meio da relação do todo e sua
natureza – a totalidade. Há alguns quesitos básicos para se trabalhar a questão da
totalidade, quais sejam, cuidado ao identificar as partes, conhecer e reconhecer que
as relações entre as partes são de naturezas distintas e noção da dinâmica
específica de cada parte.
A totalidade concreta é uma questão primordial que se impõe ao termos a
geografia em pensamento. Elementos heterogêneos, antagônicos e distintos
compõem o todo, na sua estrutura. Num movimento contínuo em direção ao real, o
58

conhecimento é sempre momento baseado no princípio de que as coisas se


fundamentam a partir de suas relações.

[...] em termos geográficos, a questão da totalidade está encerrada na


relação entre o princípio geográfico da escala e o conceito de rede. É aqui
também que a relação todo/parte em geografia ganha especial sentido. O
todo se converte em parte em função da escala a ser considerada, abrindo-
se para a rede de relação entre os Lugares. Os lugares – enquanto
particularidades na rede – são uma síntese entre o que há de universal
entre os Lugares em relação (identidade) e a singularidade de cada Lugar
(diferença/contradição). O Lugar é o todo, mas também é parte numa trama
de relações (rede) maior. Tudo depende da escala (MARTINS, 2016, p.77).

Na perspectiva geográfica do movimento interno da disciplina, há um diálogo


entre Geografia Sistemática e Geografia Regional que coloca a questão da
totalidade para a construção de teorias em geografia que fundamentam o real. Na
construção epistemológica do pensamento, a sistematização do pensamento
geográfico é conduzida pela geografia sistemática. E a geografia regional é a síntese
entre as determinações geográficas necessárias com as determinações
contingentes. Como exemplo de determinações geográficas temos: ideologia, solo
renda da terra, clima etc.

São determinações geográficas porque incidem na definição de uma


geografia da mesma forma que a própria geografia resultante da síntese
destas determinações será, ela mesma, elemento determinante na definição
de cada um destes elementos em si (MARTINS, 2016, p.78).

No conjunto das questões colocadas no texto, vale ressaltar a importância do


contemporâneo como história se realizando em geografias, e a geografia
determinando a sociedade, portanto, a história também. Sendo muito mais do que o
espaço, é a geografia que garante a reprodução das relações sociais de produção
(Martins, 2016).
Mesmo com os avanços em relação às categorias espaço, território,
paisagem, lugar, área, região e habitat, em que a geografia vai se formando em
pensamento (descrição visando a explicação e vice-versa, indo do abstrato ao
concreto, da identidade à contradição passando pela diferença) e com alguns
movimentos de revalorização dos ―clássicos‖, onde está a epistemologia do
pensamento geográfico que consagra isso!?
Por ora, é sobre a geografia dos professores, entendida aqui, desde o fim do
século XIX como um discurso ideológico (tendo como uma de suas funções
59

inconscientes o mascaramento da importância estratégica dos raciocínios centrados


no espaço) que tentaremos analisar.
60

2 O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA BRASILEIRA

2.1 Matrizes da renovação da geografia no Brasil: conjuntura, atores e sujeitos

Resultante de um conjunto de fatores e de insatisfações desenvolve-se, no


Brasil, um movimento de renovação da Geografia, na virada dos anos 1970 para os
anos 1980, tendo como perspectiva o compromisso social, epistemológico, ético e
político.
Tal empreitada é gestada no Brasil como um grande espaço de encontros,
debates e propostas em que se envolvem vários atores tais como: professores dos
segmentos que atualmente são chamados de fundamental e médio, de cursos pré-
vestibulares, estudantes de geografia, alguns acadêmicos e movimentos sociais, em
torno do papel da ciência geográfica e do ensino da geografia.
Propõem-se novas abordagens teórico-metodológicas debruçando-se sobre
os fundamentos da ciência geográfica. Filho, ao tratar a questão das referências ao
movimento de renovação, observa a grande diversidade de visões sobre aquele
momento e, consequentemente, a necessidade de identificá-las, trazê-las à tona e
analisá-las.

Todavia, ainda adotamos o termo renovação, pois além de evitar


generalizações reducionistas (os famosos ―guarda-chuvas‖ aonde tudo vai
sendo colocado por debaixo), possui uma conotação que nos parece mais
adequada, pois abre margem para uma interpretação mais ampla desse
movimento da Geografia, mesmo porque possibilita compreender a
―abertura‖ da Geografia para a Teoria Crítica e a ampla inserção do
pensamento crítico, colocando a importância dos seus aspectos teórico-
metodológicos. Essa observação é importante, pois dentre as contribuições
da Renovação, talvez essa seja a mais expressiva para a Geografia até os
dias de hoje (FILHO, 2012, p.13-14).

Busca-se uma aproximação entre a universidade e seus estudantes, entre os


professores de geografia e os movimentos sociais, colocando às claras um projeto
de sociedade com participação ativa da Geografia e dos diversos sujeitos envolvidos
com o contexto da época. Ou seja, o saber/pensar/fazer/produzir geográficos
propondo uma práxis colada com o período histórico, na busca de um espaço de
vida mais humanizado.
61

O Brasil vive uma época de muitos embates político-sociais que se


expressam e se espelham nas contradições existentes na organização do espaço
geográfico.
O conteúdo político-ideológico do movimento de renovação da geografia
brasileira, na virada dos anos 1970 para os anos 1980, está na luta pela
estruturação de um projeto de sociedade em que a geografia apoie o seu fazer
baseado numa práxis crítica. O seu ponto de ebulição se estabelece, mesmo antes
(desde 1974 em alguns lugares do Brasil) do marco histórico-geográfico, em 1978,
no 3º Encontro Nacional de Geógrafos, na cidade de Fortaleza. Neste período,
alguns sujeitos/atores descontentes com a geografia instituída em todos os seus
âmbitos, buscam produzir um discurso nas universidades e nas escolas que desvele
a realidade socioespacial.

O 3º ENG ensejou o olhar recíproco, o conhecimento dos protagonistas uns


dos outros, a conscientização dos descontentamentos que promovem a
necessidade das mudanças e aglutinações das idéias que precipitam a crise
da ciência (MOREIRA, 2000, p.29).

Vale lembrar que vive-se um período de luta de vários segmentos da


sociedade pela reabertura política do país. Movimentos sociais, movimentos
estudantis, fundação do Partido dos Trabalhadores, etc. tudo isso é incorporado ao
movimento da geografia da época como perspectiva de mudanças mais profundas
no modo de pensar e agir. Alguns geógrafos brasileiros expressam em obras este
período.
Para situar a crise pela qual passa a Geografia baseada no Positivismo,
propor a sua superação, e já inserido no movimento de renovação, Carlos Walter
Porto-Gonçalves escreve que:

É necessário que superemos os limites impostos à geografia pelo


Positivismo lógico. É mesmo constrangedor verificar como, sendo a
geografia uma ciência que trabalha com relações de elementos de natureza
heterogênea e sendo a dialética, primeiramente, uma lógica de relações, a
maioria dos geógrafos tenha ignorado uma interpretação dialética da
organização do espaço. Sendo ciência do concreto — como os empiricistas
não cansaram de repetir — não tenham lançado mão do materialismo.
Sendo ciência de totalidades especialmente constituídas, a maioria dos
geógrafos não se tenha valido de materialismo dialético e de materialismo
histórico (GONÇALVES, 1980, p.89-90).
62

Em seu texto ―A Geografia está em crise. Viva a Geografia!‖ Porto-Gonçalves


(1978) coloca algumas questões como importantes pistas para elucidar a crise da
Geografia, quais sejam: a da rígida separação entre história da natureza e história
da sociedade, que a natureza tem o seu significado determinado historicamente pelo
modo de produção e poderá ser vista pelo seu valor de uso, que é importante pensar
o objeto da geografia etc. Acredita-se, assim, na possibilidade de elucidação da crise
na geografia relacionada com a sua superação contida no próprio movimento de
elaboração de uma geografia da crise. Esta, subsidiada por uma teoria do espaço no
sentido de sua produção/construção que torne o ser humano mais consciente e
agente-sujeito de seu fazer e estar no mundo.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1984), ao ressaltar o intenso debate sobre as
diferentes correntes de pensamento envolvidas com a produção científica da
geografia, destaca como elemento unificador do movimento crítico, a utilização do
materialismo histórico e dialético como corpo teórico e metodológico de investigação
da realidade.

É, pois, nessa interação dialética entre a produção social da existência dos


homens e sua vida (produção) intelectual que devemos buscar a explicação
para os debates entre as diferentes correntes do pensamento hoje travados
no seio da geografia (OLIVEIRA, 1984, p.24-25).

Manuel Correia de Andrade (1994, p.76) assinala que ―Geografia Crítica‖ era
um rótulo atribuído a todos os trabalhos que, embora partindo de perspectivas
diversas, ―se opunham ao exagero da quantificação da ciência geográfica‖, ainda
que tenha havido excessos na oposição ao quantitativismo num primeiro momento,
segundo o autor.
Segundo Moreira (2000), ―um corte epistemológico só se opera radicalmente
em uma ciência se emerge de fundo mergulho crítico nos próprios fundamentos em
que a ciência está apoiada.‖

A busca de uma Geografia crítica e atuante deve confundir-se com as lutas


sociais voltadas para a transformação da sociedade. Deve ser orgânica
desses movimentos sociais, ao mesmo tempo produto e instrumento deles.
O encontro de uma ‗Geografia Nova‘ só pode vir da luta por um espaço
novo numa sociedade nova (MOREIRA, 2000, p.24).

Sendo assim, o movimento de renovação da geografia brasileira, congrega


um conjunto de subsídios ao pensamento geográfico desenvolvido por um grupo de
geógrafos envolvidos com uma proposta que sugere:
63

[...] a eleição do caráter histórico-concreto da sociedade de nossos dias e


dos caminhos de sua superação histórica, o contexto da luta de classes, por
conseguinte, como eixo do carrossel em que se movimentam e se refazem
o instrumental discursivo da geografia, seu valor específico, função e
movimentos (MOREIRA, 2000, p.3).

No tocante a situação em que se encontra a ciência geográfica por volta dos


meados do século XX, uma reorientação da geografia acadêmica inicia a crítica do
discurso geográfico hegemônico, qual seja: o que lhe chega com a face da geografia
clássica. São principalmente a Geografia alemã, a Geografia francesa e a Geografia
norte-americana que formam as matrizes clássicas originárias. Principalmente, as
duas últimas, serão as precursoras de um movimento de mudanças na Geografia,
que nos anos 1970 se expressa por meio das matrizes da renovação.

Já se pode vislumbrar por volta dos anos 1950 uma ligeira tentativa de
reorientação da geografia acadêmica entre alguns geógrafos franceses. Em
geral, são geógrafos de formação marxista, dando seqüência à busca de
reativação do conceito de gênero de vida de Vidal por seu discípulo Max
Sorre nos anos 1930. É Pierre George (1909-2006), continuador dos
trabalhos e idéias de Sorre, o centro de referência dessa renovação. É com
George que a teoria da organização geográfica do espaço mundial perde
seus alicerces clássicos: a divisão natural em continentes. George toma
como nova referência os sistemas econômico-sociais, vendo as formas de
organização do espaço mundial segundo os sistemas socialista e
capitalista, este por sua vez diferenciando-se em desenvolvidos e
subdesenvolvidos. A geografia de cada país, incluindo-se suas condições
naturais, organizar-se-á segundo as regras sócio-econômicas de seu
sistema, o que põe no centro da organização as determinações da história.
A história determina o modo da relação do homem com o seu meio natural.
Assim, por exemplo, foram necessários anos de desenvolvimento
econômico-social para que os homens habitantes do Oriente Médio
descobrissem a forma de uso industrial do petróleo e o incorporassem como
fonte de energia e matérias-primas à sua existência (MOREIRA, 2009, p.20-
21).

Se por um lado a Geografia alemã está mais vinculada ao naturalismo, com


temas e obras mais próximas das ciências da natureza do que das ciências
humanas, por outro, a Geografia francesa vincula-se ao historicismo, às ciências
humanas. Uma combinação inusitada da geografia alemã da paisagem e da
geografia francesa da região atravessará o Atlântico para formar a geografia
americana. Aí vão despontar Sauer e Hartshorne, (Moreira, 2009).
Do quadro geral da Geografia norte-americana, sobre Sauer, segundo
Moreira:
64

Seu propósito é analisar a passagem das paisagens naturais para as


paisagens humanizadas e o efeito dessa mudança nos modos de vida e
organização das sociedades comunitárias, cuja presença ainda forte nesse
tempo desperta a atenção do povo e da intelectualidade norte-americana
(MOREIRA, 2009, p.18).

Ainda sobre a Geografia norte-americana:

Richard Hartshorne (1899-1992) completa esse percurso, trazendo para a


geografia regional vidaliana a presença do enfoque neoritteriano de Hettner,
levando a geografia norte-americana a recentrar seu foco na diferenciação
de áreas do conceito hettneriano (MOREIRA, 2009, p.18).

Entre os anos 1960 e 1970, a geografia teorético-quantitativa, representando


a forma modelística do paradigma fragmentário e físico-matemático, entra em crise,
e outras referências teórico-metodológicas avançam em cena.

O pensamento marxista chega à geografia nos anos 1970 – depois de um


rápido ensaio nos anos 1950 –, e em diferentes cantos do mundo (Silva,
1983; Moreira, 2004a e 2004b). Nos anos 1950, um grupo de geógrafos, de
que fazem pare Jean Tricart, Pierre George, René Guglielmo, Jean Dresch
e Bernard Kayser, e a que podemos acrescentar Yves Lacoste, buscam
criar na França uma geografia fundada no materialismo histórico e dialético,
que, entretanto, pouco avança nesse intento – mais tarde dando origem à
geografia ativa (George, 1973), com centro em George, e à geografia
aplicada, com centro em Tricart (Philipponneau, 1964). Nos anos 1970, é a
vez de um naipe de geógrafos, espalhados por vários países, como David
Harvey e Edward soja, nos Estados Unidos, Milton Santos e Armando
Correa da Silva, no Brasil, Yves Lacoste, na França, e Massimo Quaini, na
Itália, trazer de volta a relação entre marxismo e geografia, fazendo dessa
vez ir mais fundo o mergulho cruzado que ficara no meio do caminho com
os geógrafos franceses. Os geógrafos dos anos 1950 e 1970 descobrem
Hegel e Marx, e completam, dois séculos depois, o circuito da incursão da
geografia pelo terreno da filosofia clássica alemã, incorporando ao
pensamento geográfico moderno a dialética e o sentido da história de
Hegel, via Marx, após ter incorporado mo criticismo de Kant no século XVIII
e o romantismo de Schelling no século XIX, por intermédio, como vimos, da
elaboração de Ritter e Humboldt, incorporando Fichte, por tabela
(MOREIRA, 2014, p.40).

2.2 Ideias e fundamentos

Em seu texto, ―Assim se passaram dez anos (A Renovação da Geografia no


Brasil no Período 1978-1988)‖, Moreira escreve que a renovação teve seu período
chave na década de 1978-1988. E que teve seu desenvolvimento dificultado devido
aos debates centrarem-se no conceito de espaço, com uma completa ausência de
65

uma renovação correspondente ao conceito de natureza e da linguagem de


representação cartográfica, integrados ao conceito de espaço criado.
Moreira faz um balanço analítico (segundo o próprio, mais documental que
crítico) do movimento em questão desenvolvido no decênio (1978-1988) que
revolucionara com suas ideias a geografia no Brasil, com reconhecidas
repercussões no exterior e o periodiza. Nele, o autor cita duas fases distintas:

[...] a primeira, do período imediatamente anterior e posterior ao 3º ENG, é a


fase do mergulho crítico nas raízes do discurso geográfico, que indaga
sobre o seu sentido e significado (o que é, para que serve e para quem
serve a geografia); e a segunda, que se pode situar por volta da segunda
metade da década de 80, é a fase em que o movimento de renovação perde
o ímpeto, vira uma oficialidade e assim se atrofia. A primeira fase é um
movimento que tende a redescobrir a geografia; a segunda, a opacificar-se
(MOREIRA, 2000, p.46).

E continua arrolando questões pertinentes ao movimento de renovação


geográfica no Brasil. No encontro de 1978 da AGB, em Fortaleza, convergem ideias
e consciências que se desenvolviam há algum tempo.

Desde 1978, nominadamente, o pensamento geográfico brasileiro passa por


um processo interno de questionamento, renovação discursiva e intenso
debate. É fundamental relembrar-se o que estava em questão. É evidente
que a renovação de uma ciência está em linha de relação direta com a
consciência que os seus intelectuais têm das questões que a história a ela
está pondo, colocando-a em crise. Todavia, nem sempre o movimento
começa pela localização, arrolamento e identificação, o mapeamento, enfim,
das questões que lançam os intelectuais, consistente e objetivamente, ao
seu enfrentamento. Mas a possibilidade real de transformação da ciência,
tal como de uma sociedade, é a consciência das coisas postas (MOREIRA,
2000, p.28).

Na busca de uma questão geográfica, do sentido das coisas na geografia,


Moreira (1988, p.40) ressalta que ―a geografia clássica respondeu a este problema
com a questão da região ou com aquela outra do determinismo/possibilismo. A
renovação da geografia começou respondendo com a questão do espaço‖.
Elenca autores e obras que representam este movimento e que tratam a
questão do espaço:

[...] porquanto um rico e forte momento de reflexão sobre o conceito de


espaço, que busca justamente precisá-lo de um modo teórico-metodológico
claro e operacional (o espaço é concebido como uma categoria da
estrutura: a instância, por Milton Santos, em Sociedade e Espaço: a
Formação Social como Teoria e como Método; como uma categoria da
descrição: o arranjo espacial, por Ruy Moreira, em A Geografia Serve Para
Desvendar Máscaras Sociais; como uma categoria do valor, por Antonio
66

Carlos Robert Moraes e Wanderley Messias da Costa, em Valor, Espaço e


Questão de Método e Geografia Crítica - A Valorização do Espaço; como
uma categoria filosófica, por Ariovaldo Umbelino de Oliveira, em Espaço e
Tempo: Compreensão Materialista e Dialética; e como uma categoria do
método, por Wanderley Messias da Costa, em O Espaço como Categoria de
Análise) [...] (MOREIRA, 1988, p.43).

Também traça o seu percurso da renovação: crítica do discurso existente, seu


sentido ideológico, seu envolvimento institucional e político, seu estatuto
epistemológico. Desconfia-se de um imbricamento ontológico. Pergunta-se sobre o
sentido de sua real utilidade. Projeta-se sua viabilidade prática (Moreira, 2000).
Neste trabalho de vulto sobre a renovação Moreira nos lembra do pioneirismo
de Armando Correa da Silva que no seu texto ―A Renovação Geográfica no Brasil -
1976/1983 (As Geografias Crítica e Radical em uma perspectiva teórica)‖, classifica
os participantes da renovação em radicais e críticos e faz uma excelente, e única,
resenha da produção geográfica do período (1976-1983).
Armando Corrêa da Silva (1983) em seu texto ―A Renovação Geográfica no
Brasil -1976/1983 (As Geografias Crítica e Radical em uma perspectiva teórica)‖,
reúne a produção teórica geográfica renovada constante de publicações as mais
representativas e, diz que, os antecedentes da renovação teórica geográfica no
Brasil devem ser buscados entre aqueles geógrafos então descontentes com a
situação oficial de sua disciplina.
Cita o Departamento da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, como uma das instituições em cujas raízes se
desenvolve o movimento de renovação, apesar de um considerado
conservadorismo, quando da união de esforços entre a Associação dos Geógrafos
Brasileiros – seção regional de São Paulo (por meio do Boletim Paulista de
Geografia) e os professores da área de Geografia Humana.
Sob a forma de Reuniões Culturais entre os professores do Departamento, o
Boletim Paulista de Geografia coloca em questão o debate de ideias para retomar o
debate intelectual, reprimido pelo sistema político vigente à época, no país.
Segundo Silva (1976) em seu editorial ―por que mudar?‖ o BPG afirma o
seguinte:

Uma política editorial foi definida levando em consideração as necessidades


e problemas que a Geografia e demais ciências humanas enfrentam no
presente momento, bem como as contribuições que os geógrafos podem e
67

devem dar ao conhecimento da realidade, qualquer que seja o nível ou o


setor em que atuam (BPG, 1976, p.5 apud SILVA, 1976, p.74).

Nesta fase dos primeiros trabalhos, doze geógrafos da área de geografia


humana escrevem um texto coletivo cujo título é: ―Considerações a propósito de um
artigo de Bernard Kayser‖.
O texto em questão ―Le Nouveau Système des Relations Villes-Campagnes –
Problèmes et Hypothèses à Propos de l‘Amérique Latine‖, tem como centralidade a
premissa de Kayser segundo a qual a economia do modo de produção capitalista do
mundo atual é liberal. De acordo com Silva,

O grupo concluiu: considerando o papel ascendente do Estado e dos


organismos econômicos multinacionais, o ‗espaço econômico‘ no mundo
atual se define cada vez mais como único, apesar dos espaços políticos e
culturais. Este espaço econômico é resultado de formas de atuação estatais
e empresariais altamente diretivas e que se opõem frontalmente à noção de
liberalismo (SILVA,1976, p.75).

Após acurado balanço quantitativo das resenhas de textos escritos no período


abordado pela sua pesquisa, Silva chega à seguinte conclusão em relação às
categorias mais utilizadas, segundo o critério de importância para a construção da
teoria:

As categorias mais utilizadas pelos geógrafos críticos e radicais em sua


linguagem (até cinco ocorrências) — nesta amostra — são as seguintes:
sociedade, classes sociais, homem, forças produtivas, trabalho, prática,
urbanização, práxis, valor, valor do espaço, forma, processo, relação,
determinação, movimento, objeto, teoria, ideologia, linguagem, método, real,
totalidade, natureza, espaço, espaço geográfico, arranjo espacial,
paisagem, forma espacial, lugar, formação econômico-social, modo de
produção, capitalismo, produção, formação social, mercadoria, país
subdesenvolvido, função, capital e Estado- Nação (SILVA, 1976, p.132).

Situa como grandes questões dos trabalhos de geografia analisados no


período as que se referem ao sujeito e à política. A questão política se divide em
interna e externa.
A solução da questão política interna à geografia depende da identificação
clara dos meios e fins de que lançam mão os geógrafos para definir suas posições
no campo do conhecimento e de suas relações profissionais e pessoais Silva (1976).

A atual situação de democracia, conseguida entre os geógrafos a partir do


ano de 1978 (como se viu antes), deve ser preservada e ampliada, tendo
68

como parâmetro principal o respeito ao direito de expressão do


pensamento, sem que isto signifique conciliação com o erro (SILVA, 1976,
p.134).

A solução política externa, segundo Silva depende, para sua solução, da


identificação precisa do papel do geógrafo na sociedade. Isto é, seu discurso (e seu
trabalho) precisa ser ouvido e respeitado.

A atual situação de democracia do país, conseguida pelo povo brasileiro


recentemente, tendo como contrapartida a abertura propiciada pelo
Governo Federal, contou com a participação de inúmeros geógrafos. É
preciso ampliar e aprofundar essa participação, no caminho da unidade de
todos os segmentos de intelectuais e dos geógrafos como cidadãos, na
perspectiva da solução dos problemas gerais e particulares do país (SILVA,
1976, p.134).

Milton Santos no seu livro (―Por Uma Geografia Nova: da crítica da Geografia
a uma Geografia crítica)‖, produz importante análise sobre a questão do espaço,
abrindo e pavimentando o terreno do movimento de renovação. Segundo Moreira,
ao longo das páginas desse livro, descobre-se que a sociedade é o seu espaço
geográfico e o espaço geográfico é a sua sociedade. Ora, se o espaço tem essa
natureza, seu modo de entender muda de todo. Mais que isto: se ele é o objeto da
geografia, então na geografia tudo muda de todo.
Neste livro, Santos (1978) insere a Geografia no conjunto das ciências sociais
definindo o objeto da mesma. Também quer o fim da dicotomia homem x natureza,
na busca do ―espaço total de nossos dias.‖ Defende a dialética do espaço com a
questão da universalização da economia, que muitas vezes leva à universalização
do espaço. Também desenvolve a ideia da interação sociedade-espaço baseada na
relação histórica de cada sociedade se organizando dialeticamente com o espaço
geográfico. Na sua descoberta da historicidade do espaço, em que na interação
sociedade-espaço, ambos se organizam mutuamente, teoriza que:

[...] O espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que
ele oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita
entre as atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva
que reproduz as relações sociais, [...] o espaço evolui pelo movimento da
sociedade total (SANTOS, 1978, p.171).

Em Santos (1978), o conceito de espaço ganha centralidade, na medida em


que se torna um conjunto de formas, que representam relações sociais passadas e
presentes, uma estrutura representativa de relações que acontecem e se
69

desenrolam por meio de processos e de funções. ―O espaço é um verdadeiro campo


de forças cuja formação é desigual. Eis a razão pela qual a evolução espacial não se
apresenta de igual forma em todos os lugares‖ (Santos, p.122). E conceitua o
espaço não só como reflexo, mas também, como fator social, denominando-o como
uma instância da sociedade. Para ele:

[...] o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais,


uma estrutura subordinada subordinante. É como as outras instâncias, o
espaço, embora submetido à lei da totalidade, dispõe de uma certa
autonomia (SANTOS, 1978, p.145).

Trabalha, então, a ideia de produção do espaço em que, o enfoque


fundamental, é baseado no fato de ser o espaço humano reconhecido, tal qual é, em
qualquer que seja o período histórico, como um resultado da produção. O ato de
produzir é igualmente o ato de produzir espaço. Produzir significa tirar da natureza
os elementos indispensáveis à reprodução da vida.
A produção supõe uma intermediação entre o homem e a natureza, através
das técnicas e dos instrumentos de trabalho inventados para o exercício desse
intermédio. Pela produção o homem modifica a Natureza Primeira, a natureza bruta,
a Natureza Natural, o espaço é criado como Natureza Segunda, natureza
transformada, natureza social ou socializada. Até chegarmos à época atual
comandada pela revolução científico-tecnológica.
As transformações espaciais provêm da intervenção simultânea de redes de
influência operando simultaneamente em uma multiplicidade de escalas, desde a
escala local até a escala mundial. Chegamos, finalmente, a um mundo onde, melhor
do que em qualquer outro período histórico, podemos falar de espaço total. A
totalidade espacial é uma das estruturas da sociedade Santos (1978).
Moreira (2000), ao comentar o papel desempenhado pela obra em destaque,
chega a afirmar que:

Milton Santos muda a geografia com este livro. Não se limitando a


apresentar a historicidade do espaço como uma pura tese, antes tomando-a
como uma noção de base, submete o discurso geográfico à mais completa
releitura teórica. E numa extensão que vai da crítica epistemológica a uma
nova teoria do objeto (MOREIRA, 2000, p.33).
70

Há que se destacar também, enquanto subsídio fundamental aos propósitos


do movimento em questão, o papel seminal de Lacoste e Lefebvre no tocante ao
problema ideológico-político da espacialidade e ao estatuto teórico (Moreira, 2000).

O que mais chama a atenção em A Geografia, à parte a fina ironia de


Lacoste, é o rol dos problemas e questões centrais que faz desfilar através
de suas páginas, todos eles pontos de crítica que tornar-se-ão bases
essenciais da renovação da geografia: a indigência dos fundamentos (a
questão epistemológica), a falência do ―projeto unitário‖ (a questão da
dicotomia homem-meio), a farsa da neutralidade-ingenuidade científica (a
questão ideológica), a fragilidade discursiva (a questão teórico-
metodológica), a propensão ao gueto (a questão do isolamento
interdisciplinar), o envolvimento classista (a questão da ―geografia do
professor‖ e da ―geografia dos estados maiores‖), o sentido político (a
questão militar-militante da práxis), a inatualidade linguística (a questão da
representação cartográfica), etc. Em A Geografia Serve Antes de Mais Nada
Para Fazer a Guerra, este rol de problemas vira um conjunto de
proposições, de que a tese da espacialidade diferencial, um conceito que
localiza na ultrapassagem do discurso da região (―um poderoso conceito
obstáculo‖) a fonte da autonomia de vôo da teoria e do método geográficos,
é o arremate chave (MOREIRA, 1988, p.30-31).

Yves Lacoste (1997) em sua obra, ―A Geografia isso serve, em primeiro lugar,
para fazer a guerra‖ tem como eixos de reflexão as estratégias e ideologias
escamoteadas pelos agentes dos ―Estados maiores‖ nos raciocínios centrados no
espaço e, busca, também, a compreensão das funções e da importância da
geografia. Pensa que os conhecimentos geográficos são um saber estratégico, um
instrumento de poder intimamente ligado às práticas dos ―estados maiores‖ e dos
militares e, reflete sobre a relação do homem com o meio como projeto unitário.
Desmistifica a suposta ―neutralidade‖ da geografia e chama a atenção para as
consequências que podem advir para as populações atingidas pela ―organização‖ do
seu espaço. Ao compreender que o conceito de escala vigente na geografia é
matemático e que o modo de ver do geógrafo sobre a paisagem-espetáculo (que
escamoteia o real), no conceito de espacialidade é uma questão central a ser
superada, Lacoste faz a denúncia e a crítica político-ideológicas e a crítica teórico-
metodológica e epistemológica.
O século XIX marca um ponto de inflexão entre a geografia do saber
estratégico, dos ―Estados maiores‖ (controle e organização das pessoas no território
e para a guerra) e uma geografia de face ―moderna‖, acadêmica, formadora de
professores e de pesquisadores universitários (uma disciplina ―simplória‖, ―maçante‖,
―desinteressada‖, ―enfadonha‖ ―descritiva‖).
71

O modo de ver as coisas nas paisagens de uma região, seguindo uma


tradição fundamentada em La Blache tem, em suas descrições, o destaque das
permanências, mesmo que como resultado da superposição ao longo da história das
influências humanas e dos dados naturais. Sendo a única forma de dividir o espaço,
como uma síntese de todos os fatores geográficos, ignorando outros fatores
geográficos, a região (um a priori dado pela história passada) torna-se um conceito
obstáculo na investigação geográfica.
Se por um lado, na contemporaneidade, esta geografia sofreu um
desprestígio, e foi criticada por ser considerada um saber científico neutro, de pouca
utilidade e ingênuo, por outro, cresce a importância do saber estratégico dos
‗Estados maiores‖, das firmas, instituições, por meio de suas práticas espaciais pois,
―saber pensar o espaço, para saber nele se organizar‖ é condição estratégica para a
organização e dominação das pessoas.
Ao abordar o conjunto espacial, Lacoste pensa na noção de totalidade e
critica a cartografia, desenvolvendo um conceito de escala (qualitativa e relativista).
Tendo a questão cartográfica como centralidade em suas preocupações, Lacoste
desenvolve a noção de escala como mudança de conteúdo. O conceito quantitativo
de escala não dá conta das relações, práticas e representações do(s) espaço(s)
num mundo de crescente espacialidade cada vez mais diferencial.
De tão complexas que se tornaram as diversas modalidades de práticas
espaciais, chegamos a uma superposição de conjuntos espaciais (diferencialmente
recortados) – representados em escalas diversas – interceptando-se uns aos outros.
Lacoste coloca a escolha dos diferentes espaços de conceituação como uma etapa
primordial no caminho da investigação geográfica.
Vivemos, a partir do momento atual, numa espacialidade diferencial feita de
uma multiplicidade de representações espaciais, de dimensões muito diversas, que
correspondem a toda uma série de práticas e de ideias mais ou menos dissociadas.
Hoje, há vários feixes de relações e de representações espaciais perpassando o
território com o aumento na densidade das práticas espaciais se inscrevendo numa
infinitude de conjuntos espaciais.
Saber pensar o espaço é saber pensar na espacialidade diferencial (nas
práticas sociais multiescalares) por meio da interseção dos conjuntos espaciais, dos
níveis de análise espacial e das ordens de grandeza, desenvolvendo, assim, a
configuração geográfica que comporta múltiplas dimensões.
72

Para Moreira, ―Lefebvre esmiuça os fundamentos da compreensão marxista


do espaço, tomando como ponto de partida a cidade, o que provoca uma ruptura
conceitual e fundamenta o seu estatuto teórico‖.

Lefebvre toma o espaço como foco do seu olhar sobre a história,


apresentando-o como a categoria que comanda a reprodução da estrutura
global da sociedade, a partir da reprodução das relações de produção. Isto
é, como a categoria do real que se aqui é o determinado, emerge logo a
seguir no vir-a-ser como o determinante, numa dialética de relação
sociedade-espaço que faz do espaço uma categoria estrutural dinâmica. (...)
Lefebvre fornece no plano teórico o fundamento para aquilo que Lacoste
fizera no plano institucional e epistemológico do discurso geográfico. Abrem
ambos, assim, para a crítica interna madura às duas correntes então
vigentes na geografia: a funcionalista (inspirada no espacismo economicista
de François Perroux, de Pierre George) e a neo-positivista (com seu recorte
geometrizante, do teoreticismo quantitativo) (MOREIRA, 1988, p.30-31).

Fundamental importância também pode ser atribuída a Henri Lefevbre no que


diz respeito à noção de produção social do espaço. Para Lefebvre espaço e tempo
são socialmente produzidos. Desenvolve a tríade teórica espaço vivido, percebido e
concebido. A partir das noções de produção, produto e de suas relações toma como
perspectiva o conceito de produção social do espaço.
O espaço, enquanto conceito processual, torna-se um par dialético como
produto-produtor. Na condição de suporte de relações socioeconômicas se
transforma de primeira em segunda natureza e não como simples fatos da
―natureza‖, da ―cultura‖, ―objetos‖ e ―coisas‖ insignificantes. É categoria fundante da
reprodução da estrutura global da sociedade que reproduz as relações de produção
ao intervir na produção, organização do trabalho produtivo, transportes, fluxos de
matérias-primas e de energias, redes de repartição de produtos.
Neste movimento dialético da relação sociedade-espaço este é categoria que
a estrutura e dinamiza. O espaço torna-se lócus da reprodução do sistema de
produção e reprodução da sociedade. Uma relação espaço-temporal dialeticamente
homogênea e fragmentada. Que escapa à classificação ―base-estrutura-
superestrutura‖, no sentido de que ele não se situa a tal ou tais ―níveis‖, ―planos‖
classicamente distinguidos e hierarquizados. O espaço aparece e se forma
desigualmente, mas por toda parte. Segundo Moreira:

O papel seminal de Lacoste no plano institucional e epistemológico e de


Lefebvre fornecendo no plano teórico uma reflexão para nós até então
inusitada sobre o espaço, é completado com a base da sistematização das
73

idéias contidas no livro ―Por uma Geografia Nova: da Critica da Geografia a


uma Geografia Critica‖, de Milton Santos (MOREIRA, 2000, p.6).

E o contexto que se vive neste período histórico requer uma abordagem


teórico-metodológico-epistemológica adequada às novas realidades histórico-
geográficas.
Se queremos estudar o espaço geográfico como resultado do processo em
que homem, produção e tempo exerçam a função principal, a questão do espaço
produzido em sua relação dialética com a sociedade na tentativa de expressar a
totalidade com a economia política do espaço, dos territórios e da natureza
precisamos, então, analisar o movimento da geografia se desenvolvendo em
diferentes campos com o objetivo de organizar e restabelecer um diálogo entre
geografia humana e geografia física.
Mesmo tendo, os estudiosos do movimento de renovação geográfica no
Brasil, uma aproximação com materialismo histórico dialético como fundamento
importante, pode-se falar de uma heterogeneidade teórico-metodológica para tratar
a contraditória realidade social e espacial e do conhecimento geográfico como
referencial para ―desvendar as máscaras sociais‖.

A educação passa a ser refletida e compreendida nesse processo, em seu


movimento histórico, como sendo determinada e determinante das
contradições internas próprias da sociedade capitalista na qual se insere. As
tendências críticas passam a analisar a educação não apenas como
elemento de reprodução, mas um elemento que propicie a transformação
dessa sociedade, ou seja, é preciso entendê-la nesse processo contraditório
e numa relação dialética com a sociedade (GEBRAN, 2002, p.84).

A Geografia, em seu viés de disciplina escolar exerce, desde o seu


nascedouro, algumas funções. Da difusão da ideologia do nacionalismo patriótico
com o objetivo de formar cidadãos, à falta do viés político, passando pela
transmissão de dados e informações gerais sobre os territórios do mundo em geral e
dos países em particular, até as geografias vigentes, denuncia-se e critica-se o
caráter ideológico da ―geografia do professor‖, dissimulando a estratégia do pensar o
espaço geográfico. E o paradigma sobre o qual esta geografia está assentada e
baseada é o que ―se instala e domina o cenário do pensamento científico e filosófico
do Ocidente com o advento do positivismo, desde meados do século XIX‖ (Moreira,
2012).
74

Urge a necessidade de superar o paradigma da razão fragmentária que


estabelece um modelo conceitual e teórico (o N-H-E) da geografia moderna. Críticas
aos métodos e às teorias da Geografia ―Clássica‖, cujo modelo teórico-conceitual e
discurso respectivos a sedimentam, mostram que ela não atende às demandas da
complexidade do espaço geográfico contemporâneo. Tampouco a um ensino de
geografia que tenta superar o modelo N-H-E.

2.3 O processo de institucionalização da geografia escolar

Para Lacoste (1997) ―a geografia dos professores, desde o fim do século XIX,
se tornou um discurso ideológico no qual uma das funções inconscientes, é a de
mascarar a importância estratégica dos raciocínios centrados no espaço‖. É o que
diz também Menezes:

Depreende-se que no período da Geografia Moderna, tanto a ciência quanto


a disciplina escolar exerceram funções estratégicas para servir aos
dominantes. Mais que isso, a Geografia foi sistematizada com esse intuito
de fornecer um conhecimento do espaço para facilitar a conquista territorial
aos detentores do poder, enquanto que na escola tinha o papel de construir
um sentimento de identidade nacional. Isso pode ser claramente percebido
tanto na Alemanha, o berço da Geografia, quanto na França (MENEZES,
2015, p.348).

Desde o século XIX, principalmente em países europeus, a geografia é


ensinada com base na ideologia da função patriótica disseminando-a por intermédio
da escola, descrevendo detalhadamente a região como um quadro sem vida,
desvinculado das relações humanas que lhe dão movimento e sentido.

Hoje ainda, em todos os Estados, é sobretudo nos novos Estados


recentemente saídos do domínio colonial, o ensino de geografia é,
incontestavelmente, ligado à ilustração e á edificação do sentimento
nacional. Que isso agrade ou não, os argumentos geográficos pesam muito
forte, não somente no discurso político (ou politizado), mas também na
expressão popular da idéia de pátria, quer se trate de reflexos de uma
ideologia nacionalista invocada pelos coronéis, uma pequena oligarquia,
uma ―burguesia nacional‖, uma burocracia de grande potência, ou se refira
aos sentimentos do povo vietnamita. A idéia nacional tem algo mais que
conotações geográficas; ela se formula em grande parte como um fato
geográfico: o território nacional, o solo sagrado da pátria, a carta do estado
com suas fronteiras e sua capital, é um dos símbolos da nação. A
instauração do ensino de geografia na França no fim do século XIX não teve
portanto como finalidade (como na maioria dos países) difundir um
instrumental conceitual que teria permitido apreender racionalmente e
75

estrategicamente a espacialidade diferencial de pensar melhor o espaço,


mas sim de naturalizar ―fisicamente‖ os fundamentos da ideologia nacional,
ancorá-los sobre a crosta terrestre; paralelamente, o ensino da história t eve
por função a de relatar as desgraças e os sucessos da pátria (LACOSTE,
1997, p.57).

A história da Geografia como disciplina escolar tem início no século passado,


quando foi introduzida nas escolas com o objetivo de contribuir para a formação dos
cidadãos a partir da difusão da ideologia do nacionalismo patriótico (Cavalcanti,
2013).1
―Sua função ideológica reaparece, mais tarde, quando o objetivo da disciplina
é caracterizado como transmissão de dados e informações gerais sobre os territórios
do mundo em geral e dos países em particular‖ (Cavalcanti, 2013). A descrição física
delimita o espaço nacional e situa o cidadão neste quadro.

[...] o discurso nacionalista reforçou a parte dos elementos físicos, porque


ele utilizou sempre com ênfase a gama das causalidades deterministas, a
partir dos dados naturais. E é este discurso nacionalista (determinista,
positivista) que assinalou a ―função patriótica‖ do ensino de Geografia
(VLACH, 1984, p.43).

Reforçando a ideologia do discurso nacionalista, a descrição física na


geografia é uma das técnicas de sustentação da afirmação do Estado-nação via
escola para criar o sentimento de pertencimento, de identidade.

Dessa forma, a instituição escola e a "geografia dos professores" (aquela


parte da geografia moderna adaptada ao ensino elementar e médio) foram e
são interligadas desde o século XIX. O discurso geográfico desempenhou
um importante papel na difusão do imaginário nacional de cada Estado-
nação e, inversamente, o lugar que lhe foi reservado no sistema escolar
influenciou enormemente a evolução da geografia moderna (VESENTINI,
2008, p.11).

Tornada uma das principais disciplinas do sistema escolar alemão no século


XIX, a geografia está presente desde o final do século XVIII na educação, ainda
quando do território fragmentado em reinos com destaque para a Prússia e, seu
grande desenvolvimento, faz da escolarização atividade obrigatória, generalizando-a
por todo o território, já por volta dos anos 1860.

Cabe salientar que a Alemanha representa o locus onde a Geografia foi


sistematizada. Isso se deve ao contexto histórico que marcava a sociedade

1
A primeira edição do livro ―Geografia, Escola e Construção de Conhecimentos‖, de Lana de Souza
Cavalcanti, é de 1998.
76

alemã no século XVIII e início do século XIX, o que explica a urgência desta
disciplina no ensino básico e a sua institucionalização na academia. Nesta
época, o capitalismo já estava presente na grande maioria dos Estados da
Europa, porém a Alemanha ainda não constituía um Estado Nacional. Muito
arraigada ao feudalismo, a elite germânica tinha dificuldades de implantar o
sistema capitalista. Além disso, a estrutura do território germânico em
unidades dispersas encontrava-se vulnerável diante o expansionismo cada
vez mais forte de França e Inglaterra (MENEZES, 2015, p.345).

A Geografia aparece como disciplina escolar integrante do currículo na


Alemanha, no início do século XIX. Esse mesmo país havia consumado sua
unificação territorial e a existência da Geografia na educação teria importante papel
na consolidação da identidade espacial alemã, uma exigência para qualquer Estado
Nacional recém-criado.

Vale destacar, de início, a intrínseca relação entre a instituição da chamada


geografia moderna, de base científica, e a presença do conhecimento
geográfico no sistema escolar europeu. É nesse continente, mais
precisamente na Alemanha, que desde a primeira metade do século XIX a
geografia encontra-se presente na educação escolar. Embora seja atribuído
à França o início da organização da instrução pública em função do
processo de implementação da Revolução Francesa, foi na Alemanha, que
à época se encontrava fragmentada em diferentes reinos, com destaque
para a Prússia, que o processo de constituição do sistema educacional,
iniciado em fins do século XVIII, conheceu um vertiginoso desenvolvimento
a ponto de, em 1860, a obrigatoriedade da escolarização já ser um fato
generalizado por todo o território (PEREIRA, 1999 apud SANTOS, 2010,
p.2-3).

É preciso esclarecer que a Geografia escolar apresentou, em suas origens, a


tarefa de contribuir para o projeto alemão de unificação e de fortalecimento do
nacionalismo. ―Isso lhe garantiu o caráter de matéria escolar no currículo obrigatório
das escolas alemãs‖:

Nesse contexto, a questão espacial compreendia o centro das


preocupações, assim como a necessidade de uma unificação alemã. O
projeto de construção de um sentimento de identidade nacion al e de
unificação alemã teve a escola como um elemento chave para alcançar
seus objetivos. Desse modo, a escola representava um espaço controlador
que reproduzia um discurso para atender os interesses de determinada
classe que visava a consolidação da Alemanha como Estado Nacional. A
Geografia, por sua vez, exerceu uma função imprescindível neste processo
(MENEZES, 2015, p.345-346).

―Portanto, a Geografia dos professores, ensinada no ensino primário e


secundário, teve seu primeiro impulso durante a popularização da escolarização
alemã ao longo do século XIX‖:
77

Apesar de a primeira cátedra universitária de Geografia (na Alemanha) ter


sido criada em 1820, em Berlim, apenas entre 1860 e 1870 as demais
universidades do país passam a contar com tais cátedras, visando a
estimular a formação de professores primários e secundários.
Concomitantemente a essa expansão e, obviamente, em decorrência dela,
se deu também o crescimento da produção de obras editoriais e
cartográficas (PEREIRA, 1999 apud Ribeiro, 2011, p.822).

―É com a reforma do sistema de ensino e a exigência do ensino obrigatório da


Geografia nas escolas imposta pelo próprio desenvolvimento da indústria que o
pensamento geográfico vai se ajustar ao paradigma de profissionalização em curso‖,
diz Moreira (2014). Acrescentando:

Um grande empurrão vem em 1839 quando o estado Prussiano torna


obrigatório toda criança com menos de 9 anos frequentar regularmente a
escola. Logo essa norma se generaliza para todos os principados, nos quais
o ensino primário vira um lugar corrente em 1960. A necessidade de
aumentar o número de mestres habilitados ao exercício do magistério
escolar logo leva a ter de se criar um sistema de formação universitária de
professores, aumentando junto ao número das escolas o número de
universidades em toda a Prússia, numa integração sistêmica de ensino que
em 1870 se institucionaliza num mesmo padrão de conteúdo para toda a
Alemanha. Um elenco de disciplinas é então reunido para formar a grade
escolar nacional, dentre as quais se encontra, junto à língua nacional, à
História e à Filosofia, a Geografia. É decisiva aqui a influência de Pestalozzi,
de onde vem a formação originária de Carl Ritter, com sua visão
pedagógica de ensino que combine contato direto com a natureza e escala
espacial de conhecimento que leve o mundo a ser compreendido numa
progressão em crescendo do local ao Cosmos. Daí que para o ensino se vá
pedir como formação básica Latim, Francês, Inglês, Física, Química,
Matemática, Desenho e Geografia, numa ampliação de grade (MOREIRA,
201, p.86).

Sobre o paradigma de profissionalização, trata-se, aqui, do sistema europeu,


mais especificamente, na Alemanha e na França.

O modelo é o sistema de ensino alemão. Berço do nascimento da Geografia


moderna, onde, forçada em grande parte pela necessidade de se
fundamentar com argumentos a mobilização crescente do povo e da elite
dirigente pela unificação dos territórios dos vários principados num só
Estado Nacional, a Geografia se desenvolve como ciência desde o século
XVIII. A Alemanha é a primeira nação a originar um naipe extraordinário de
geógrafos. Divide-os o critério dos termos espaciais de demarcação da
unidade alemã, alguns argumentando com os recortes de região física e
outros com os recortes de região política. A busca do fundamento dessa
argumentação leva a Geografia alemã a dedicar-se precocemente, em
relação ao momento evolutivo da ciência geográfica nos demais países do
continente europeu, à pesquisa empírica, assim nascendo o campo da
geografia pura e o campo da geografia estadística, ambas de fortes raízes
científicas. A geografia pura preconiza tomar os traços de divisores do
relevo ou de limites das paisagens naturais e a geografia estadística, os
traços políticos como critérios fronteiriços. São debates acesos em que se
78

envolvem Leyser, Buache, Gaterrer, Garland, Zeune, Plee e, sobretudo,


J.H. Forster, formadores de um quadro de ciência geográfica que os outros
países só mais tarde virão a conhecer (TATHAM, 1959, apud MOREIRA,
2014, p.86).

Se até a década de 1870 vigoraram as práticas da catalogação à


sistematização dos relatórios e registros de viagens, organizando expedições e
apresentação pública dos resultados dos seus trabalhos de investigação científica
pelo mundo, ou seja, numa atividade de estimular-organizar-orientar e classificar-
sistematizar-conceitualizar em conhecimento ordenado os resultados das
expedições a função das sociedades, a partir desta década, as sociedades mudam
de orientação, desvinculando-se paulatinamente da tarefa de fazer ciência para a de
subsidiar os projetos de conquista e domínio de territórios pelas grandes
corporações de indústria e comércio por meio de seus Estados (Moreira, 2014). A
que Santos acrescenta:

Nascida tardiamente como ciência oficial, a geografia teve dificuldades de


se desligar, desde o berço, dos grandes interesses. Estes acabaram
carregando-a consigo. Uma das grandes metas conceituais da geografia foi
justamente, de um lado, esconder o papel do Estado bem como o das
classes, na organização da sociedade e do espaço. A justificativa da obra
colonial foi um outro aspecto do mesmo programa (SANTOS, 1978, p.31).

Se a geografia universitária, presente no período da primeira fase das


sociedades de geografia, com Kant, Ritter e Humboldt estabelece, até então, um
―aspecto de templo de saberes‖ sem fronteiras das sociedades de geografia Moreira
(2014), agora, os contextos nacionais distintos, com caminhos e ritmos próprios,
estabelecem novas formas de pensar e fazer o discurso geográfico, tornando a
Geografia ―um campo de atividade especializada de um profissional nela
especializado‖ (idem):

A primeira fase das sociedades de geografia é o período de forte


mesclagem de naturalistas, aventureiros, sacerdotes, militares e estudiosos
de variado matiz ao redor do propósito de criar e trazer ao plano sistemático
do olhar descritivo-cartográfico o conhecimento geográfico desses povos e
lugares do novo mundo. Seu momento de auge é o período da segunda
metade do século XVIII e a primeira do século XIX marcado pela imensa
corte de naturalistas que viajam pelos novos continentes recolhendo e
trazendo imensa massa de informações botânicas e geológicas para
sistematização no continente europeu. A segunda fase é o período da
organização mais metódica dessas sociedades, voltadas para o uso dos
conhecimentos já amplamente sistematizados para os fins comerciais e
industriais que alimentam o interesse europeu agora mais estritamente
econômico do contato com esses territórios. E seu momento de auge é o
período da segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do
79

século XX marcado pela implantação da divisão de trabalho e de trocas que


ordena os novos continentes em grandes inscrições de mercado e os
transforma em imensas retaguardas do desenvolvimento industrial europeu
(MOREIRA, 2014, p.82).

Na França, pós-revolução de 1789, o ensino elementar e o ensino secundário


com presenças marcantes no seu sistema institucional, os conteúdos de Geografia
fazem parte dos programas escolares de História sendo lecionados por seus
professores, já por volta de 1837, espraiando-se pelo país. A geografia desempenha
um papel importante na sociedade francesa. Associada à história, ela é ensinada
nas escolas secundárias. Muitos trabalhos são dedicados à geografia histórica. A
opinião pública se apaixona pelas explorações, diz Claval (2014). A geografia
escolar e do público geral francês, nesta época, baseia-se na descrição das terras e
dos povos como narrativa histórica das descobertas. A que acrescentamos com
Santos:

Na França do início do século XIX, em seu esforço de difundir o ensino


elementar com vistas à construção de um novo sujeito histórico baseado
nos ideais da revolução de 1789, a geografia se encontrava
tradicionalmente presente no ensino básico ainda que com maior ou menor
intensidade. No ensino secundário, ao lado de um currículo clássico
baseado nas humanidades, vão se instituindo paulatinamente ciclos onde
uma importância maior é dada às disciplinas científicas e, em 1865, a
geografia era introduzida nos Liceus (Ensino Médio), embora sem um papel
de destaque (SANTOS, 2010, p.3).

O novo programa escolar de Geografia é introduzido em 1874.

Diferente do caso alemão, na França, a primeira cátedra em Geografia data


de 1809. Contudo, nesse país a formação de professores para as escolas
primárias e secundárias se efetiva, mais amplamente, apenas nas últimas
décadas do século XIX, quando se deu a reforma do ensino, resultante da
derrota na guerra franco-prussiana (1870). Ao longo das décadas seguintes
ficou evidente a preocupação do governo em valorizar o ensino de
Geografia na França (LACOSTE, 1988; MORAES, 2005 apud Ribeiro, 2011,
p.822).

―Variando de um contexto provincial para outro, de um modo geral é um


programa dividido em três áreas de conteúdo: a Geografia Física, a Geografia
Política e a Geografia Econômica‖, diz Moreira (2014). São elas que organizam o
quadro global da relação homem-meio, que se entende como o plano axial do
discurso geográfico:
80

Concebem seus autores que a parte de Geografia Física visa fornecer o


conhecimento da base de todos os demais conhecimentos geográficos. A
da Geografia Política, o conhecimento dos processos históricos que
orientam o papel da base física na formação geográfica dos países. E a da
Geografia Econômica, o conhecimento relativo à população e às atividades
econômicas enquanto aspectos complementares da especificidade dos
lugares [...] (MOREIRA, 2014, p.88).

As questões da região, das paisagens e da descrição estão presentes em


parte da obra de La Blache. Descritas com destaque para as permanências, como
resultado da superposição dos dados naturais e das influências humanas, as
paisagens de uma região são vistas como herança duradoura dos fenômenos
naturais ou de evoluções históricas antigas.

Fruto do pensamento vidaliano, a ―região geográfica‖, considerada a


representação espacial, senão única, ao menos fundamental, a entidade
resultante, pode-se dizer, da síntese harmoniosa e das heranças históricas,
se tornou um poderoso conceito-obstáculo que impediu a consideração de
outras representações espaciais e o exame de suas relações (LACOSTE,
1997, p.64).

Vive-se o período em que a burguesia, principalmente a partir do século XIX,


dissemina seus valores. O Estado moderno enfraquece o poder da igreja por meio
da secularização e da laicização apoiando-se na educação como valores de todos,
para todos, universais. Ao tratar da relação burguesia/Estado-Nação/poder/escola,
Vlach afirma que:

[...] a ideologia do nacionalismo patriótico encontra-se na base desta


escolarização na medida em que a burguesia, através de seus intelectuais,
só defendeu a escolarização como um direito de todos e um dever do
Estado quando conquistou o poder político, o que assinala a vinculação
entre o saber e o poder. [...] A burguesia, agora também detentora do poder
político, confundindo-se – ou quase – com o Estado-Nação, constatou que
só o poder repressivo, apoiado na força das armas, não bastava: a
hegemonia (ou o poder espiritual) poderia ser obtida (e imposta) através da
escola, porque esta permite a disseminação dos seus valores particulares,
de classe, mas apresentados como valores universais, isto é, de todos.
Dessa maneira, passou-se a implantar uma rede de escolas nos diferentes
territórios europeus, e nos EUA. Mais importante que o âmbito nacional,
entretanto, é o caráter nacional de que se revestiu a escolarização (VLACH,
1984, p.40).

Vesentini (1985) vai também nessa direção. A escola (que fora controlada
pela Igreja), agora sob o controle do Estado, torna-se mais um elemento da
secularização, apoiada na ciência (opondo-se aos dogmas religiosos desde o
Iluminismo). A efetivação da educação sob a perspectiva nacional e da escola
81

enquanto instituição ocorre após a Revolução Industrial que concentra grandes


contingentes de população nas cidades.

Na realidade, a luta Estado versus Igreja pelo domínio da educação e a


questão de quem deveria ser educado naquele momento – os grandes
contingentes humanos que se concentravam nas cidades -, já nos fornecem
indícios sobre a natureza do sistema público de ensino que se tornava
então vitorioso: tratava-se de assegurar a hegemonia da burguesia (a Igreja,
naquele momento, era tida como representante das relações de dominação
anteriores ao capitalismo) e a reprodução do capital. [...] É evidente que a
escola não produz, mas apenas reproduz as desigualdades sociais; mas
sua função ideológica parece ser bem mais eficaz que as formas anteriores
de legitimar privilégios de estamentos ou ordens (VESENTINI, 1985, p.31).

Assegura-se, assim, a hegemonia da burguesia sobre a Igreja na e por meio


da educação, também, para organizar a sociedade em classes e reproduzir o capital.
A expansão do capitalismo por meio da industrialização, da urbanização e da
concentração populacional nas cidades, desenvolve a ―escolarização da sociedade‖
educando-a com caráter cívico, patriótico e nacionalista em cada país.

Assim, a chamada ‗escolarização da sociedade‘, ou expansão notável do


ensino público, dá-se a partir do desenvolvimento do capitalismo, do grande
impulso da industrialização original, urbanização e concentração
populacional nas cidades (VESENTINI, 1985, p.31).

Do mesmo modo Lacoste (1988). A escola é controlada pelo Estado e, o


professor, com o seu saber pedagógico, introduz a ideologia hegemônica da classe
dominante. A Geografia, neste contexto, mostra a sua face discursivo-ideológica,
caráter estratégico do pensar o espaço, escamoteado pela disciplina.

De fato, foi somente no século XIX que apareceu o discurso geográfico


escolar e universitário, destinado, no que tinha de essencial (ao menos
estatisticamente) a jovens alunos. Discurso hierarquizado em função dos
graus da instituição escolar, com seu coroamento sábio, a geografia na sua
feição de ciência é "desinteressada". Sem dúvida, foi somente no século
XIX que apareceu a geografia dos professores, que foi apresentada como a
geografia, a única da qual convém falar (LACOSTE, 1988, p.26).

―Geografia dos professores‖ e instituição escola servindo aos interesses da


classe dominante, campo aberto para a difusão do imaginário nacional na
constituição dos Estados-nações. Geografia universitária e geografia escolar
reciprocamente interligados espelhando uma relação de dominação. A reprodução
de mapas da Pátria e de outros Estados pelos alunos, enaltecendo o Estado-nação,
82

representa este conjunto espacial como algo natural e eterno, e não como uma
construção histórica.

A imagem que devia ser, inúmeras vezes, reproduzida por todos os alunos
(hoje não é mais assim) era, primeiro, a da pátria. Outros mapas,
representando outros Estados, entidades políticas cujo esquematismo dos
caracteres simbólicos vem tanto melhor ainda reforçar a idéia de que a
nação onde se vive é um dado intangível (dado por quem?), apresentado
como se tratasse não mais de uma construção histórica, mas de um
conjunto espacial engendrado pela natureza (LACOSTE, 1997, p.56).

Ao apontar o paradoxo existente na geografia da época com a sua pretensão


e predisposição para a ciência e a disciplina escolar do concreto, do real, mas
fortemente marcada pela abstração e descolada do vivido, em seu texto de 1976,
(Brabant, p.19) escreve que: ―o enciclopedismo contribuiu para a abstração
crescente do discurso geográfico, ao mesmo tempo que alimentou o tédio das
gerações de alunos que classificaram a geografia entre as matérias a memorizar.‖
Para Lacoste (1997):

O discurso geográfico escolar que foi imposto a todos no fim do século XIX
e cujo modelo continua a ser produzido hoje, quaisquer que pudessem ter
sido, aliás, os progressos na produção de idéias científicas, se mutilou
totalmente de toda prática e, sobretudo, foi interditada qualquer aplicação
prática. De todas as disciplinas ensinadas na escola, no secundário, a
geografia, ainda hoje, é a única a aparecer, por excelência, como um saber
sem a menor aplicação prática fora do sistema de ensino. Nenhuma
esperança de que o mapa possa aparecer como uma ferramenta, como um
instrumento abstrato do qual é preciso conhecer o código para poder
compreender pessoalmente o espaço e nele se orientar ou admiti-lo em
função de uma prática. Nem se pensar que a carta possa aparecer como
um instrumento de poder que cada qual pode utilizar se sabe interpretá-la. A
carta deve permanecer como prerrogativa do oficial, e a autoridade que ele
exerce em operação sobre ―seus homens‖ não se deve somente ao sistema
hierárquico, mas ao fato de que ele só é quem sabe ler a carta e pode
decidir os movimento, enquanto aqueles que ele mantém sob suas ordens
não o sabem (LACOSTE, 1997, p.56).

A geografia na escola que descreve, enumera elementos, inventaria e


classifica, juntamente com o enciclopedismo dos professores do ensino superior,
torna-se abstrata. A descrição faz parte de uma certa práxis advinda da corologia
que atravessa os séculos como uma forma de leitura da paisagem na geografia. Na
tradição geográfica, a paisagem é a síntese da relação homem-natureza, como um
todo visível ao qual se chega pelo olhar. O raciocínio geográfico vigente, então,
objetiva escamotear, por intermédio da geografia do professor, a função estratégica
para melhor servir aos interesses políticos e econômicos dos Estados-nações.
83

Desde o fim do século XIX, primeiro na Alemanha e, depois, sobretudo na


França, a geografia dos professores se desdobrou como discurso
pedagógico de tipo enciclopédico, como discurso científico, enumeração de
elementos de conhecimento mais ou menos ligados entre si pelos diversos
tipos de raciocínios, que têm todos um ponto comum: mascarar sua
utilidade prática na conduta da guerra ou na organização do Estado
(LACOSTE, 1997, p. 32).

Também assim vê Pereira (2005). Sociedade burguesa com sua razão


instrumental disseminando sua concepção de mundo – o progresso que deve ser
levado aos cantos mais recônditos do planeta. Neste movimento, a escola molda
corpos, corações e mentes dos alunos para as novas tarefas impostas pela indústria
moderna.

Há descontinuidades epistemológicas situadas ao longo da evolução da


civilização ocidental e a distinção entre os escritos dos viajantes,
exploradores e cosmógrafos e a produção dos pioneiros da Geografia
moderna está em que se vive agora um novo momento, sob a égide de uma
nova forma de produzir. A ciência moderna traz uma nova relação homem-
natureza que tem a ver com o capitalismo e com a consolidação do projeto
político da burguesia. A nova sociedade em formação exige o domínio do
homem sobre a natureza, a compreensão de suas leis e a utilização de
suas forças. A natureza é dessacralizada e a ciência, convertida em
substituto laico da religião (PEREIRA, 2005, p.49).

Muda o espaço geográfico, muda a sociedade, organizando-se uma nova


divisão do trabalho. Todo o arcabouço teórico-metodológico utilizado por essa
geografia (acadêmica e escolar) não dá mais conta de representar o mundo em
constante movimento e mudança que quer reproduzir o capital em escala planetária.

2.4 O processo de institucionalização da geografia na escola brasileira

No século XIX, a Geografia escolar, que já se institucionalizara em alguns


países da Europa (por exemplo: Alemanha e França), começa a ter um destaque
maior na educação formal, no Brasil. Aparece como componente de ―Programa‖ de
conteúdos do Colégio Pedro II, em 1837, depois de ser considerada um saber
essencial na formação da elite (intelectuais, administradores e bacharéis).
Couto (2014), ao relacionar a história da geografia com a evolução da escola
brasileira ―toma como ponto de partida o século XIX, com a inclusão da disciplina
geografia no currículo do Colégio Pedro II (Rocha, 2000, apud Couto, 2014) e em
84

escolas secundárias em diferentes províncias (Albuquerque, 2012 apud Couto,


2014).‖ E também toma como referências as matrizes do pensamento geográfico
(Moreira, 2008b, 2009, 2010, apud Couto, 2014) e a história das ideias pedagógicas
no Brasil (Saviani, 2010 apud Couto), distinguindo três períodos: ―1) O século XIX, 2)
A virada do séc. XIX para o séc. XX, se estendendo pelas décadas de 1930/1940 e
de 1950-60 e 3) As décadas de 1970-1980 e de 1990-2000.‖
1º Período – Predomínio da pedagogia tradicional, numa escola para poucos
do Brasil independente, imperial e escravocrata, embora já apareça a ideia de
formação de um sistema educacional, - da fundação do Imperial Colégio Pedro II e
da inclusão da geografia (corografia) como disciplina autônoma em seu currículo.
2º Período – fortalecimento do ideário pedagógico leigo, liberal e crítico a
partir da proclamação da república em 1889. Reformas na educação brasileira
alteram o lugar e o papel da geografia no currículo escolar. O movimento da escola
nova na educação brasileira, na década de 1920, polariza com a escola tradicional
de origem religiosa da Igreja católica da década de 1930 até a década de 1960. A
escola pública se expande acompanhando a transição do Brasil agrário-exportador
para o Brasil urbano-industrial e a luta do povo por ascensão social. No Brasil tem
origem desenvolvimento e afirmação, da geografia universitária, com a criação na
década de 1930 dos cursos superiores de geografia, mas também a fundação da
Associação dos Geógrafos Brasileiros (1934), do Conselho Nacional de Geografia
(1937), e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (1938). Do
confronto do positivismo com o movimento neokantiano europeu, originam-se as
ideias deste segundo período na geografia.
3º Período – Compreende o surgimento e afirmação da educação produtivista,
que se desenvolve em dois momentos distintos: primeiro durante a ditadura militar;
depois sua retomada na década de 1990, entretanto já no contexto neoliberal e, por
isso, apresentando características particulares. Na década de 1980, entre os dois
momentos da educação produtivista, houve grande retomada das pedagogias
críticas de diferentes tendências da educação popular, da perspectiva anarquista e
do materialismo histórico-dialético. Na geografia se destaca o movimento de
renovação crítica do final da década de 1970 e que perdura até hoje (COUTO, 2014,
p.253).
A ideia de formação de um sistema educacional no Brasil independente, a
partir de 1822, com leis para organizar uma educação universalista e propedêutica
85

aos ensinos superiores, baseada na escola pública, apesar de ainda ser exclusiva
da elite branca, sem extensão aos escravos e pobres, já manifesta ideais
pedagógicos progressistas e leigos ―provenientes do ecletismo, do liberalismo e do
positivismo cientificista trazidos da Europa, como, por exemplo, a ideia de
construção de um sistema educacional Saviani (2010, apud Couto, 2014).
Com base nos estudos de Rocha (1996), foi no Imperial Colégio Pedro II, em
1837, por meio do Decreto de 2 de dezembro do mesmo ano, que a Geografia surge
como disciplina autônoma no currículo escolar brasileiro. Silva observa:

O Estado brasileiro, do século XIX em diante, foi o grande agente


articulador da educação, por força legisladora. A fundação do Colégio Pedro
II consolidou um processo anunciado desde a década de 1810, a partir de
quando o ensino de Geografia, em nível elementar, sobreviveu inicialmente
nas aulas avulsas de Geografia, o que marcou o surgimento de livros
didáticos no início da década de 1820. No início dos anos 1830, dos cursos
avulsos migrou para diversas instituições públicas provinciais, e em 1837
integrou o quadro curricular do Colégio Pedro II, estabelecendo-se
definitivamente no ensino secundário. O Colégio Pedro II (e os cursos
jurídicos) influenciou diretamente na consolidação da Geografia como
disciplina, de forma que o ensino de Geografia, introduzido como disciplina
no ensino superior, ganhou forças no ensino secundário e, posteriormente
ampliou-se para o ensino primário – onde participou de um processo
significativo de nacionalização, sobretudo mais tarde, ao findar da Primeira
República. No âmbito do Colégio Pedro II, os cursos independentes
transformaram-se em programas seriados e anuais. A partir daí, o ensino de
Geografia atuou no contexto do fortalecimento da Monarquia, sendo
chamada para contribuir com a civilização da nação a partir do modelo
europeu, liderado pela elite política, participando da construção da
nacionalidade brasileira. A ação do Estado, nesse momento, no campo
educacional, queria ombrear o país com as nações civilizadas, agindo,
portanto, nos cursos superiores, e notadamente no que interferisse no
âmbito deles, como é o caso dos preparatórios e do ensino secundário,
como parte desta manobra (SILVA, 2014, p.5-6).

Bem como Ribeiro (2011), sobre o contexto da implantação do colégio Pedro


II integrado a educação escolar a ser adotada no Brasil:

A criação visava não apenas dotar a Corte de uma instituição de ensino


secundário organizada, diante da desordem presente em todas as partes do
Império do Brasil, mas, também, tinha como objetivo servir de modelo,
padrão de excelência e de educação, que deveria ser seguido pelas demais
escolas brasileiras (RIBEIRO, 2011, p.823).

Sobre a geografia ensinada no primeiro período tratado por Couto (2010):

Ao contrário da diretriz adotada no ensino de geografia na escola primária -


que partia do próximo para o distante (Fonseca. 1956) – no ensino
86

secundário predominava o estudo de continentes e países. O programa do


segundo ano era de Generalidades (Noções gerais, limites, países, mares,
golfos, estreitos, ilhas, penínsulas, cabos e istmos, lagos, serras e vulcões,
rios principais) da Europa, Ásia, África, América e Oceania. O terceiro ano
era dedicado à África e a Oceania. O quarto ano era dedicado à Ásia. O
quinto ano à Europa. O sexto à América e ao Brasil. No sétimo ano a
geografia era dividida em duas cadeiras: Cosmografia, Cronologia e
Geografia Antiga. A nomenclatura da corografia domina a geografia do
Colégio Pedro II, ou seja uma descrição ou escrita das regiões (localização,
observação, descrição), traduzido tanto no arquétipo de Estrabão – sem
preocupação com a cosmografia ou cartografia – apenas como a descrição
das terras e povos; quanto no arquétipo de Ptolomeu, em que o lugar toma
a simples nomenclatura, o nome apelidando o lugar matematicamente
fixado e cartograficamente representado (Prado Junior, 1946; Moreira,
2010, apud COUTO, 2010, p.2-3).

No período imperial, um conjunto de conteúdos está presente nos manuais


didáticos, expressando a Geografia produzida acumulada e representada na
vertente clássica da Geografia moderna:

Por todo o período do Império, a produção dos manuais de Geografia se


deu por esse ―paradigma‖, assimilando a estrutura da Geografia Física, da
Geografia Política e da Cosmografia como vertentes da sua organização.
Nacionalmente, por quase um século, a obra de Ayres de Casal referenciou
a concepção geográfica escolar, sendo, portanto, o expoente e a
perspectiva dominante no século XIX quanto aos estudos corográficos: foi
amplamente utilizada sua estrutura de regionalização do território por
províncias, as principais descrições políticas e físicas, com as alterações
pertinentes. Essa Geografia, denominada descritiva, organizada na
nomenclatura, na estatística, na enumeração dos fatos geográficos, na
descrição formal e informativa do espaço, construiu uma tradição longeva
na bibliografia didática, permanecendo por mais de cem anos no bojo do
ensino brasileiro dessa disciplina, esforçando-se para construir um traço
cartográfico do mundo como seu modo de ser: comporta-se tanto na
expressão dos manuais quanto nas recomendações metodológicas do
ensino, como tentativa de elaborar uma espécie de mapa mental, a ser
construído de fatos, dados e descrições de superfície, por sua vez a serem
somados pelo estudante por meio da memorização – delinear os contornos
físicos, para neles pontilhar, ou dar a saber, os principais acidentes
espaciais; o mesmo trabalho e expressão condizente também às obras
humanas; passando essas abordagens pelo nível global, pelo continentes,
adentrando os principais países, o território nacional, as províncias – única
regionalização praticada em todo os oitocentos e nas primeiras décadas do
século XX. A seleção espacial, nas obras, claramente demonstra inscrições
discursivo-ideológicas, dimensionando valores a mais ou a menos a certos
países, por influência cultural ou econômica, evidenciando os interesses
gerais da nação brasileira. E havia a Cosmografia, para descrever os astros,
os planetas e cometas, apresentar o sistema solar, os movimentos do
planeta Terra e o estabelecimento das estações, as dimensões, as
longitudes e latitudes, as zonas climáticas e outras configurações
semelhantes (SILVA, 2014, p.6-7).

Já no Brasil republicano, expressando a passagem do primeiro para o


segundo período, segundo Couto (2010), em que para além da descrição, a
87

geografia entra numa fase de explicação do Brasil urbano-industrial, e a


―escolarização se expande, estabelecendo o nexo entre educação, trabalho e
cidadania―:
Este período resulta do fortalecimento das ideias leigas no ideário
pedagógico, a partir da instalação do regime republicano no final do século
XIX, combinado com o projeto de modernização a partir da década de 1930.
A partir da criação da Associação Brasileira de Educadores (ABE), o debate
da criação do sistema nacional de educação é retomado. [...] A educação -
a escola secundária e, sobretudo o ensino médio - passa a ter uma nova
função, a de formar para o trabalho, e não apenas ser passagem para
estudos superiores. Ou seja, a escola, mesmo que aos poucos, vai sendo
ocupada por novos personagens: setores médios e, depois, os pobres
(apesar da baixa produtividade do sistema de ensino, considerando os altos
índices de repetência e evasão vigentes) (COUTO, 2010, p.3).

A partir dos anos 1930, diz Moreira (2014), a Geografia, no Brasil ganha sua
face institucionalizada e profissional com as instituições de ensino e as instituições
de pesquisa e planejamento estatal. São criadas a Universidade de São Paulo
(USP), em 1934, a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
implementada primeiramente com o nome de Universidade do Distrito Federal
(UDF), em 1935. No campo da geografia aplicada, em 1937, cria-se o IBGE. Em
1934, é fundada a Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB). Sobre os
profissionais formadores desse início de Geografia profissional:

São estrangeiros seus primeiros quadros. Pierre Monbeig vai vincular seu
nome à criação do curso universitário da USP. Pierre Deffontaines e Francis
Ruellan, à criação do curso da UFRJ (com o nome de Universidade do
Distrito federal – UDF); e Leo Waibel e uma enorme gama de outros
pesquisadores à implementação dos trabalhos do IBGE (MOREIRA, 2009b
e 2010 apud MOREIRA, 2014, p.96).

No período anterior já existem a Sociedade Brasileira de Geografia (SBG) e o


Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), apesar de não funcionarem como
as sociedades de geografia na tradição europeia. Juntas, todas essas instituições
formatam o discurso de referência da Geografia no Brasil. Por um lado, as
universitárias de geografia acadêmica, mais analíticas e, por outro, as de geografia
aplicada, mais operacional, porém referenciando ―a elaboração dos manuais
didáticos que organizam o ensino escolar – uma modalidade de circulação que
integraliza a geografia brasileira num só sistema de ideias‖ (Moreira, 2014).

A geografia brasileira é uma criação das instituições de ensino e instituições


de pesquisa e planejamento estatal. As instituições de ensino são o campo
88

da geografia acadêmica e as instituições de pesquisa e planejamento, o


campo da geografia aplicada, exprimindo a forma como a geografia
profissional aqui se instala a partir dos anos 1930 (MOREIRA, 2014, p.95).

E a produção literária pós-1930 tem como referência a Geografia profissional


das instituições de ensino e das instituições de pesquisa e planejamento somando-
se a obras da geografia clássica europeia.

[...] Vidal, Reclus, Ratzel, Brunhes e Sorre têm entre a intelectualidade


brasileira desde o tempo do Segundo Império, subsidiando com referencial
teórico e informações geográficas sua tarefa de compreender e explicar o
Brasil. É um acervo que aumenta com o acréscimo da produção de livros e
periódicos que saem da lavra dos geógrafos do IBGE e das instituições
universitárias, chegando até a vasta produção universitária de hoje
(MOREIRA, 2014, p.96).

Ainda sobre a produção literária que segue no período, Moreira (2014)


continua:

Ai se alinham A geografia humana do Brasil, de Pierre Deffontaines,


Pioneiros e fazendeiros de São Paulo, Ensaios de geografia humana e
novos ensaios de geografia humana, de Pierre Monbeig, Capítulos de
geografia tropical e do Brasil, de Leo Waibel, e O escudo brasileiro e
dobramentos de fundo, de francil Ruellan, escritos em diferentes momentos
das décadas de 1930 e 1940, e nem sempre logo publicados. Mas também
a vasta publicação de coleções pelo IBGE, como os nove volumes dos
Guias de excursão, preparados para subsidiar o congresso da união
Geográfica Internacional (UGI), realizado no Rio de Janeiro em 1956, a
Geografia do Brasil: grandes regiões, de 1959, e o Atlas do Brasil: geral e
regional, de 1960, ambas com sucessivas reedições atualizadas, e a
Biblioteca geográfica brasileira, reunindo uma vasta gama de livros de
autoria de pesquisadores da instituição e da academia universitária. A que
se acrescentam os periódicos Revista Brasileira de Geografia e Boletim
Geográfico, publicados pelo IBGE desde os anos 1940 (MOREIRA, 2014,
p.96).

Para completar o quadro de referências da geografia clássica, porém, com


base na matriz norte-americana:

Hartshorne está relacionado à formação da Geografia do Instituto Brasileiro


de Geografia e Estatística (IBGE), uma escola de Geografia no Brasil, tanto
quanto os cursos universitários, ao lado de geógrafos como Preston James
e Leo Waibel, e só depois da década de 1970, e por conta dos seus críticos
da Geografia Quantitativa, penetra no meio universitário (MOREIRA, 2015,
p.23).
89

Enquanto disciplina escolar já institucionalizada no Brasil, a Geografia se


afirma a partir das Leis Orgânicas do ensino primário e secundário no contexto da
Reforma Francisco Campos (1931) e da Reforma Capanema (1942), referenciada
na Geografia clássica (baseada no Positivismo empírico, ―científico‖ e neutro). Em
relação às transformações da geografia no Brasil, destaca-se a criação dos cursos
superiores e a consequente criação de outro novo personagem na escola brasileira:
os licenciados (Petrone, 1993, apud Couto, 2010).
Ocorrida no período do ―Estado Novo‖ do governo Getúlio Vargas, esta
primeira reforma educacional em escala nacional apresenta, dentre outras medidas,
a criação do Conselho Nacional de Educação e organização do ensino secundário e
comercial, a criação de um sistema nacional de inspeção do ensino secundário, sob
os auspícios de inspetores regionais a introdução de nova determinação para as
universidades que agora voltam-se para a pesquisa, difusão da cultura e têm maior
autonomia administrativa e pedagógica.

Essas reformas abrangem vários ramos de ensino sendo decretadas entre


os anos de 1942 a 1946. No entanto, nem todas são realizadas no Estado
Novo. É o caso da Lei Orgânica do Ensino Primário que foi instituída após a
queda de Vargas e durante o Governo Provisório de José Linhares, sendo
então Ministro da Educação Raul Leitão da Cunha. [...] Desse modo, o
ensino das séries iniciais da escola fundamental no Brasil (antigo primário) é
oficialmente promulgado em 2 de janeiro de 1946, quando a nível nacional,
o Estado passa a estabelecer pela primeira vez diretrizes para esse grau de
ensino. Este encontrava-se vinculado a administração dos Estados que, por
sua vez, implementavam sua própria política de educação (JÚNIOR, 2006,
p.4).

Segundo Romanelli (1984, apud Júnior 2006), ―a institucionalização do ensino


de 1º grau a nível nacional surge no bojo da crise política causada pela queda do
Estado Novo e pelo início de um período de certa ‗normalidade democrática‘‖.

Oficialmente, o ensino da Geografia passa a fazer parte do currículo


escolar nos cursos primário elementar (4 anos de duração), primário
complementar (1 ano de duração) e no primário supletivo (2 anos de
duração). Os dois primeiros cursos são destinados às crianças de 7 a 12
anos e o terceiro a adolescentes e adultos que não tiveram acesso a
educação formal em idade adequada (JÚNIOR, 2006, p.4).

No ―Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova‖ – documento que contém as


principais teses dos educadores adeptos do Movimento Escola Nova no Brasil –,
estão os princípios para a realização da atividade educativa da escola primária
90

brasileira. Essas teses defendem que, a educação, deve ser essencialmente pública
e que o ensino elementar deve ser ativo, gratuito, obrigatório e centrado nos
interesses da criança.
―No programa de ensino do curso ginasial de geografia geral do Colégio
Pedro II já no contexto da Reforma Gustavo Capanema de 1942 (Fonseca, 1956,
pág. 92-93; Colesanti, 1984, pág. 50-51), aparece‖ segundo Couto (2010):

3ª série - Geografia Física e Humana do Brasil; 4ª série - Geografia


Regional do Brasil. O programa orienta que o ―estudo de cada região
obedecerá aos seguintes itens: a) Descrição fisiográfica; b) Povoamento; c)
Divisão dos estados; d) Recursos econômicos; e) Circulação‖. É notória a
diferença dos programas do século XIX, pois já estão presentes os
conceitos de geografia humana, geografia física, geografia econômica,
geografia geral e regional, bem como a estruturação do currículo seguindo o
padrão a Terra e o Homem, ou seja, N-H-E (LACOSTE, 2010; MOREIRA,
1987, 2008, apud COUTO, 2010, p.4-5).

De acordo com Couto (2010), Fonseca (1956):

Ressalta a qualidade deste programa, na medida em que firmou ―o princípio


que consistia em estudar primeiro os fatores geográficos, para depois
conhecer as regiões onde aquêles fatores atuam‖. Para este autor, já ―era o
caminho para uma Geografia compreendida, fugindo à antiga Geografia
decorada‖ (FONSECA, 1956, p.96, apud Couto, 2010, p.5).

O modo de fazer/produzir/pensar/ensinar geografia relaciona-se com a


educação brasileira de um modo geral. Na educação brasileira do século XX, a partir
dos anos 1950, desenvolvem-se correntes produtivistas que disputam hegemonia
com pedagogias críticas de diferentes tendências da educação popular.

2.5 A tendência produtivista na educação brasileira

Adequada aos moldes e às exigências de um mercado em expansão ávido


por mão-de-obra qualificada, concebe-se um modelo de educação no Brasil,
principalmente a partir dos anos 1950, voltado à formação de profissionais técnicos
que servirão ao mercado de trabalho. Inicia o período de surgimento e afirmação da
educação produtivista, que se desenvolve na pedagogia tecnicista durante a
ditadura militar; depois sua retomada na década de 1990, entretanto já no contexto
neoliberal, se destacando o sistema de meritocracia Couto (2010).
91

Sobre isso Vesentini (1985) observa:

A escola contribui para a reprodução do capital: habitua os alunos à


disciplina necessária ao trabalho na indústria moderna, a realizar sempre
tarefas novas sem discutir para que servem, a respeitar a hierarquia; e
serve como absorvente de parte do exército de reserva, segurando
contingentes humanos ou jogando-os no mercado de trabalho, de acordo
com as necessidades do momento (VESENTINI, 1985, p.31).

Bem como Gebran (2002). Esta visa à formação do aluno voltada para a
concepção produtivista que arregimenta jovens para o mercado de trabalho,
principalmente para as novas tarefas impostas pela indústria moderna.

Concebia-se que o desenvolvimento do país estaria diretamente vinculado à


formação de profissionais técnicos, competentes no manuseio de máquinas
e equipamentos. Essa formação técnica implicaria em transformar a
educação escolar em processo de treinamento de profissionais capazes de
reconhecer e dominar as regras técnicas da organização do trabalho da
produção, bem como de manejar instrumentos operacionais de produção
que os habilitassem a se incorporar no mercado de trabalho (GEBRAN,
2002, p.82-83).

E, ainda Couto, observando que ―A pedagogia tecnicista resultou de nova


conjuntura político-econômica. O professor Saviani resume as tendências deste
período‖ (Couto, 2010):

Com o advento do regime militar, o lema positivista ―Ordem e Progresso‖


inscrito na bandeira do Brasil metamorfoseou-se em ―segurança e
desenvolvimento‖. (...) Diante desse objetivo, a baixa produtividade do
sistema de ensino, identificada no reduzido índice de atendimento da
população em idade escolar e nos altos índices de evasão e repetência, era
considerada um entrave que necessitava ser removido. A adoção do
modelo econômico associado-dependente, a um tempo consequência e
reforço da presença das empresas internacionais, estreitou os laços do
Brasil com os Estados Unidos. Com a entrada dessas empresas, importava-
se também o modelo organizacional que as presidia. E a demanda de
preparação de mão de obra para essas empresas associada à meta de
elevação geral da produtividade do sistema escolar levou à adoção daquele
modelo organizacional no campo da educação. Difundiram-se, então, ideias
relacionadas à organização racional do trabalho (taylorismo, fordismo), ao
enfoque sistêmico e ao controle do comportamento (behaviorismo) que, no
campo educacional, configuram uma orientação pedagógica que podemos
sintetizar na expressão ―pedagogia tecnicista‖. (Saviani, 2010, p.367-369,
apud COUTO, 2010, p.5-6).

Entre os anos 1960 e 1970, inicia-se um processo histórico que muda


sobremaneira o sistema educacional brasileiro. Em consonância com os acordos
MEC/USAID (formado entre o Ministério da Educação e Cultura e United States
agency for International Development), entram em vigor reformas de base que
92

alteram a forma de atuação na Universidade Brasileira (Lei 5540/68) e, também, o


ensino de 1º e 2º graus (Lei 5692/71), visando reorganizar a política educacional do
Brasil, a partir de convênios de assistência técnica e cooperação financeira à
Educação Brasileira. Entra aqui a teoria do capital humano como nova orientação
pedagógica no sistema educacional brasileiro.

Sob o fundamento da teoria do capital humano – a contribuição da


educação para o processo econômico-produtivo – a concepção produtivista
de educação se desenvolveu na ditadura militar apoiado na segurança
nacional (contra o comunismo) e no modelo de desenvolvimento associado-
dependente do capital externo, mas ainda no contexto do fordismo da
perspectiva do pleno emprego e de sua estabilidade, e da expansão da
escola pública - de inspiração keynesiana - para preparar os jovens para o
mercado de trabalho (COUTO, 2015, p.8).

Esse modelo de escola busca a transmissão de ideias e de valores que


servem às práticas educacionais de Estado vigentes, pois vincula-se à educação do
educando, à educação para o trabalho técnico, mecanicista e sistemista como
formação específica, em detrimento da formação geral, politizada e cidadã. Com
isto, o acesso ao saber foi restringido, mesmo que tenha havido a ampliação do
acesso à escola com as reformas de base na Educação.

Uma política, acentuadamente controladora, sustentada pela ideologia do


desenvolvimento tecnocrático, se fez sentir na educação brasileira como um
todo e provocou sérias deformações nas escolas e no ensino das diferentes
disciplinas. O ensino das chamadas ciências humanas, principalmente o
ensino de História e Geografia viu-se diretamente atingido por essa política
limitadora e sofreu inúmeras distorções (GEBRAN, 2002, p.83).

Sobre esta política técnico-burocrática cerceadora da formação do aluno


politizado e com postura e atitudes críticas frente à realidade social em que vive,
mesmo com o discurso de que haveria uma inter-relação entre as disciplinas
Geografia e História com a implementação dos Estudos Sociais:

[...] propôs-se, inclusive, a dissolução das próprias disciplinas e,


especificamente, História e Geografia foram fundidas nos chamados
Estudos Sociais. Foram impostas, como disciplinas obrigatórias, Educação
Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira (1º e 2º graus) e
Estudos de Problemas Brasileiros (3º grau), pressupondo-se que tais
disciplinas dariam conta da formação política dos educandos (GEBRAN,
2002, p.83).

Pode-se depreender da abordagem tecnicista o modo de organização


eficiente e racional como planejamento educacional em que se parcela o trabalho
93

pedagógico com funcionalidades sob a tutela de técnicos e especialistas de áreas


diversas.

A visão produtivista de educação empenhou-se, no primeiro período, entre


os anos de 1950 e 1970, em organizar a educação de acordo com os
ditames do taylorismo-fordismo através daquilo que chamei de pedagogia
‗tecnicista‘, a qual se procurou implantar, no Brasil, por meio da Lei n. 5.692
de 1971, quando se procurou transportar para as escolas os mecanismos
de objetivação do trabalho vigente nas fábricas (SAVIANI, 2002, p.23).

Esta educação produtivista que reflete e condiciona a sociedade em micro e


macroescala adapta-se à realidade vigente e tem na pedagogia tecnicista a função
de formar e organizar a mão-de-obra apropriada aos moldes desta determinada
época.

A partir da década de 1990, a teoria do capital humano ganha outro sentido,


agora no contexto das políticas neoliberais. Servindo ainda à preparação
dos jovens para o mundo produtivo, entretanto um conjunto de
transformações ocorre: do Estado como garantidor de direitos sociais em
regulador das atividades privadas, do fordismo em toyotismo, das políticas
de pleno emprego em desemprego que gera competição ou em
subemprego. Embora ainda caiba à escola a preparação dos alunos para o
trabalho, nem todos vão para as fábricas, bancos, empresas ou para o
emprego formal, pois o destino de muitos é o desemprego, o biscate, a
informalidade, as diferentes modalidades de ―geração de renda‖. É por isso,
então, que o sistema escolar também precisa ser flexível considerando esta
estratificação social e seus diferentes destinos. Da mesma forma, da função
de educar para o trabalho – formar trabalhadores, agora flexíveis –, à escola
cabe, neste novo contexto, formar consumidores. Mais recentemente se
intensificam as políticas de meritocracia, que combinam ações articuladas
de controle das escolas e dos professores pelo currículo e pela avaliação
externa, que servem de base à flexibilidade das condições de
trabalho/salários e no alcance das metas (Meritocracia) visando otimizar
custos (COUTO, 2010, p.6).

Porém, desenvolvem-se, no período, propostas contra-hegemônicas com


vistas a conhecer a prática social dos estudantes, problematizar seus saberes
espaciais e ensinar conteúdos/construir conceitos que questionem sua realidade.

2.6 O ensino de geografia clássica e as práticas contra-hegemônicas

Diamantino Alves Pereira (1988) em seu texto ―O Ensino Escolar e a


Geografia que se Ensina‖, para situar o ensino de Geografia no quadro da escola,
94

considerada por ele ―tradicional‖, escreve que: o método pedagógico ―tradicional‖


(método científico que implica num processo de aprendizagem) está todo ele
centrado na figura do professor e que a ele cabe trazer as inovações, dele partindo
as iniciativas, estruturando-o por meio do método pedagógico expositivo. E,
baseando-se em Saviani (1984), trata a matriz teórica desse método pedagógico
expositivo, identificada nos cinco passos formais de Herbart:

Que são o da preparação, da apresentação, da comparação, da


assimilação, da generalização e, por último, da aplicação. Esses passos
correspondem ao esquema do método científico indutivo, tal como fora
formulado por Bacon; método que podemos esquematizar em três
momentos fundamentais: a observação, a generalização e a confirmação
(SAVIANI, 1984, p. 47-48 apud PEREIRA, 1988, p.115-116).

Inserida nesta escola ―tradicional‖, a fórmula da Geografia é a da descrição do


espaço natural (relevo, clima, vegetação, etc), com os fatos ―humanos‖ superpostos,
compondo a paisagem numa descrição que relaciona ou não o homem e seu meio,
seguida da descrição dos fatos ―econômicos‖. Bem como Pereira:

Uma geografia que não pergunta o que engendra esses fenômenos, mas
apenas fornece um ―instantâneo‖ da paisagem. Não fazendo essa pergunta,
tal Geografia, implantada no Brasil a partir da ―escola francesa‖ e tendo
como mestre soberano Paul Vidal de La Blache, torna-se neutra e acrítica,
sem conseguir, ou evitando relacionar suas observações ―científicas‖ com
os problemas políticos, sociais e econômicos em ação na realidade
brasileira. Assim, releva suas bases metodológicas positivistas e
funcionalistas. É importante ressaltar que esse tipo de ação dessa
Geografia era muito pertinente com o grau de conhecimento do espaço e da
sociedade brasileira da época e com o pouco desenvolvimento imperante
dos meios de comunicação de massa, o que o tornava, muitas vezes, com
as descrições a única fonte de informações de determinada área
(PEREIRA, 1988, p.116-117).

Pereira (1988) ainda nos adverte que tal base teórica desdobrada para a
prática dentro da escola secundária descamba para o campo da memorização: não
é necessário pensar, basta decorar; este é o lema dessa Geografia.
Essa Geografia descritiva, mnemônica, sem aplicação prática na vida
cotidiana, compartimentada em vários ramos, que inventaria, classifica e de caráter
enciclopédico, refletia a sua base teórico-metodológica-conceitual.

No contexto da sala de aula, configurou-se como uma Geografia centrada


na transmissão de conteúdos pretensamente neutros e que mascara as
determinações e contradições do espaço. Não há preocupação em articular
95

e estabelecer relações entre o conteúdo ensinado e as relações sociais e


espaciais e/ou compreender a dinâmica da sociedade, impedindo de vê-la
historicamente construída (GEBRAN, 2002, p.82).

Como proposta contra-hegemônica diz Saviani (2012), emerge, na década de


1980, a concepção pedagógica histórico-crítica.

Nessa formulação, a educação é entendida como mediação no seio da


prática social global. A prática social põe-se, portanto, como ponto de
partida e o ponto de chegada da prática educativa. Daí decorre um método
pedagógico que parte da prática social, em que professor e aluno se
encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas,
condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e no
encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social
(SAVIANI, 2012, p.100-101).

Problematização e questionamento da prática social são ponto de partida e de


chegada da pedagogia histórico-crítica. Segundo Couto (2011), ―tal proposta sugere
uma prática pedagógica que se inicia e se conclui com a problematização das
práticas e dos saberes espaciais dos alunos, através e intermediada pelo processo
de construção do conhecimento geográfico.‖
Em seu texto ―Ensinar geografia na escola pública de hoje – enfrentando o
neoliberalismo‖, Couto (2015) questiona alguns problemas da escola pública
brasileira para situar a prática pedagógica na estrutura do capitalismo e nas
condições da atual conjuntura de hegemonia neoliberal e propõe o aprofundamento
de práticas contra-hegemônicas na educação da classe trabalhadora.

As atuais políticas educacionais reproduzem, em grande medida, o longo


processo de expansão com precarização da educação pública brasileira,
iniciada nas primeiras décadas do século XX. Entretanto, há especificidades
na atual conjuntura neoliberal, visualizadas na finalidade de formação do
trabalhador flexível e de consumidores (Finalidade da Educação), nas
políticas de currículo e avaliação externa - ações de controle da
escola/professores -, e na política produtivista da meritocracia, de
flexibilidade dos salários, condições de trabalho, visando otimizar custos
(fazer mais com menos) em função de metas burocráticas gerenciais
(COUTO, 2015, p.1).

Dentre os vários problemas abordados por Couto (2015), o que diz respeito a
determinados impasses teórico-metodológicos relativos ao ensino e a aprendizagem
de geografia, alguns dos quais analisados ao longo do processo de renovação da
geografia brasileira, contribui sobremaneira para a nossa análise.
No movimento do terceiro período (décadas de 1970-1980 e de 1990-2000)
esboçado por Couto (2010), há um resgate de tendências críticas com ênfase no
96

materialismo histórico e dialético. A crítica que se faz é que a geografia produzida,


baseada no positivismo (razão fragmentária), está presente na maioria dos livros
didáticos, práticas pedagógicas, matrizes curriculares, nas escolas, e em quase
todos os ambientes da geografia existentes à época referida, no Brasil.

Desde a década de 1970 a renovação crítica combate o empirismo abstrato


e o caráter descritivo e fragmentário do método de investigação e de ensino
de geografia a serviço de um projeto imperial, o caráter aparentemente
neutro, desconectado da prática social, ingênuo e enfadonho do discurso
geográfico, e ainda contra as práticas mecânicas que desconsideram o
processo de construção de conhecimento e o aluno como sujeito de
saberes espaciais (COUTO, 2010, CAVALCANTI, 1998, apud COUTO).

No currículo de geografia no Brasil o ensino de geografia é influenciado pelo


modelo Natureza-Homem-Economia (N-H-E) e se baseia na modernidade
apregoada pelo positivismo que fraciona a realidade, sendo incorporado também
nos livros didáticos. Natureza, Homem e Economia são apartados com o intuito de
descrever, enumerar e classificar para explicar os fatos por meio da interpretação
dos aspectos visíveis.
É o que diz Moreira:

Contudo, a geografia do N-H-E é uma derivação daquilo que na história da


geografia moderna chamamos a ‗geografia da civilização‘, em si uma
tentativa de superar a fragmentação excessiva a que a geografia chegara
na virada dos séculos XIX para XX (MOREIRA, 2012, p.10).

Esta leitura geográfica do mundo se expressa durante muito tempo até a


contemporaneidade por meio da pesquisa e do ensino.
Alguns dos impasses teórico-metodológicos herdados pelo ensino de
geografia em práticas pedagógicas, livros didáticos e propostas curriculares têm sido
ampla e sistematicamente investigados para a produção de novas ideias, formas,
conteúdos, fazeres, saberes e conhecimentos com vistas a superar o modelo N-H-E.
Este movimento quer promover a leitura geográfica da sociedade por meio da
problematização das práticas e dos saberes espaciais para a construção de
conceitos/conhecimentos geográficos.
Então, para o professor, um dos movimentos possíveis de se fazer é o de
problematizar as práticas e os saberes espaciais para propor conceitos geográficos.
Saberes e práticas em relação para alcançarmos a totalidade num movimento
dialético de ascensão do abstrato ao concreto e vice-versa contradizendo
97

consciência e mundo real. Das práticas à consciência e às categorias, das noções


mais elementares até chegar à categoria na tentativa de explicitar uma concepção
de ensino para a geografia. ―Das práticas e dos saberes espaciais aos conceitos ou
conhecimentos geográficos.‖

Conhecer a prática social dos estudantes, problematizar seus saberes


espaciais e ensinar conteúdos/construir conceitos que questionem sua
realidade, é o movimento que se propõe à prática pedagógica, à montagem
de um programa anual, à preparação de uma unidade bimestral de
conteúdos, ou até mesmo à uma aula (COUTO, 2009, p.2).

O conceito enquanto mediação entre o geral e o particular tem um movimento


de evolução. Os conhecimentos cotidianos são ascendentes, vão do concreto ao
abstrato, do particular ao geral. Os científicos são descendentes, vão do abstrato ao
concreto, do geral ao particular. Assim, desenvolvimento e conhecimento são
funções mentais superiores para desenvolver a consciência de estar consciente num
processo.
Enquanto totalidade, o conceito inclui os momentos da universalidade
(identidade), da particularidade (diferença), e da singularidade
(fundamento), como unidades inseparáveis. Esta conexão necessária
significa a unidade do abstrato com o concreto, do geral com o particular, do
imediato com o mediado, da forma com o conteúdo, do visível com o
invisível. Este conjunto de conexões – sínteses de muitas determinações –
é o conteúdo das formas lógicas, dos conceitos científicos. (COUTO, 2009,
p.8).

Sendo assim, o conceito é produzido como uma história no pensamento. No


movimento em que o pensamento é cada vez mais relacionado com a abstração, ele
também se torna paradigmático na medida em que se relaciona com o concreto
(síntese de muitas determinações), também. Pois, o pensamento, diz Lefebvre, é
conhecimento em relação.

A história do conhecimento não pode ser relacionada à história abstrata do


‗ser social‘, mas à história concreta da prática social. As três características
que atribuímos ao conhecimento (características prática, social e histórica)
formam um todo indissolúvel (LEFEBVRE, 1983, p.75).

Desenvolvem-se cada vez mais os estudos que integram a prática social dos
estudantes, seus conhecimentos prévios, a problematização de seus saberes
espaciais e os ensinamentos de conteúdos/construção de conceitos para o
98

questionamento da sua realidade, como movimentos propostos à prática pedagógica


em todos os seus momentos e fases no que tange ao planejamento de ensino.

2.7 A importância da escola e do ensino de geografia

A instituição escola, na contemporaneidade, é fundamental na socialização,


humanização e na formação-inclusão de indivíduos-cidadãos para sua participação
efetiva nos rumos decisórios da vida em sociedade, considerando as desigualdades
e as diferenças das várias e das variadas culturas. Sobre o papel e o significado da
escola tem-se como referencial a busca por conciliação entre políticas de igualdade
e políticas de diversidade.
A centralidade da cultura no processo educativo como conteúdo do mesmo,
não expressa, por si só, toda a riqueza de conhecimentos, competências, valores,
símbolos, desenvolvidas pelas comunidades humanas ao longo do tempo, pois a
educação transmite uma parte selecionada da cultura, a escola ensina a sua face
institucionalizada, a tornada currículo.
Porém, a escola, enquanto promotora de equidade de oportunidade social
precisa considerar a base de conhecimento do currículo para que este seja um meio
para que os alunos desenvolvam ―conhecimento poderoso‖ 2
Além disso, ela expressa conflitos e tensões de interesses da sociedade mais
ampla, desejos de emancipação ligados à expansão da escolarização e a
oportunidade de oferecer aos alunos o ―conhecimento poderoso‖. Como diz
Cavalcanti:

A educação escolar, mediante o ensino e a aprendizagem, ao lado de


outras práticas educativas, e destaca-se como instância específica na
promoção de ações destinadas a assegurar a formação de cidadãos.
Investir teórica e praticamente no ensino escolar, em suas múltiplas
facetas, é, pois, investir nas formas de promoção da democracia, da
vida, da justiça e da igualdade social, considerando-se seu âmbito
peculiar de atuação ao lado de outras instâncias sociais, econômicas,
políticas, culturais (CAVALCANTI, 2013, p.10).

2
Michael F.D. Young considera o conceito de ―conhecimento poderoso‖ como um princípio curricular.
Segundo Young (2016) ―conhecimento poderoso‖ é aquele que se inspira no trabalho de
comunidades de especialistas, que denominamos de comunidades disciplinares, que são formas de
organização social para a produção de novos conhecimentos.
99

Ainda na mesma linha do conceito de ―conhecimento poderoso‖, Ernest


Young (2016) indaga se alguns tipos de conhecimento são mais valiosos que outros
para fins educacionais? Pode-se diferenciar conhecimento curricular ou escolar de
conhecimento não-escolar.
O conhecimento curricular ou escolar capacita ou pode capacitar estudantes a
adquirir conhecimentos que dificilmente são adquiridos em casa ou em sua
comunidade.

Para crianças de lares desfavorecidos a participação ativa na escola pode


ser a única oportunidade de adquirirem conhecimento poderoso e serem
capazes de caminhar ao menos intelectualmente para além de suas
circunstâncias locais particulares. Não há nenhuma utilidade para os alunos
em se construir um currículo em torno da sua experiência, para que este
currículo possa ser validado e, como resultado deixá-los sempre na mesma
condição (YOUNG, 2007, p.1297).

No contexto do conhecimento escolar é importante desenvolver o


conhecimento científico-geográfico como fundamento se desdobrando em saberes e
práticas espaciais para a construção de um currículo escolar capaz de dotar os
alunos de condições efetivas para compreender a realidade e nela intervir.

No plano da interação entre ciência geográfica e a Geografia escolar, um


ponto relevante para se refletir sobre os conhecimentos geográficos, na
escola, parece ser o papel e a importância da Geografia para a vida dos
alunos. Há um certo consenso entre os estudiosos da prática de ensino de
que esse papel é o de prover bases e meios de desenvolvimento e
ampliação da capacidade dos alunos de apreensão da realidade do ponto
de vista da espacialidade, ou seja, de compreensão do papel do espaço nas
práticas sociais e destas na configuração do espaço (CAVALCANTI, 2013,
p.11).

A partir de conhecimentos, práticas e saberes escolares que resultem em


aprendizagens mais significativas baseadas em concepções teórico-metodológicas
que orientem a compreensão da Geografia como área do conhecimento voltada para
a leitura espacial da realidade, podem-se alcançar alguns objetivos como: selecionar
e organizar conteúdos para a formação do ser em sociedade, formar cidadãos para
desafios e tarefas concretas da vida em sociedade. É preciso ressaltar que:

Há no ensino, uma orientação para a formação do cidadão diante de


desafios e tarefas concretas postas pela realidade social e uma
preocupação com as condições psicológicas e socioculturais dos alunos. A
ciência geográfica, por si só, não tem a responsabilidade de ocupar-se com
esses aspectos (CAVALCANTI, 2013, p.9-10).
100

Na relação entre ciência geográfica, matéria de ensino Geografia e de outros


saberes de outras ciências, a seleção e organização de conhecimentos necessários
à educação geral, implica, também, aspectos didáticos, pedagógicos,
epistemológicos para a formação mais integral do educando.
Isto implica, segundo Castellar e Stefenon (2015), na seleção e na
abordagem dos conteúdos de ensino no sentido de que aprender tem a função de
contribuir para o desenvolvimento de processos mentais. Destaca-se, aqui, o papel
do conceito na condução do pensamento para orientar o ensino.

Assumir que os alunos precisam compreender as categorias, conceitos e


conteúdos geográficos, cientificamente, pressupõe entender o significado de
um currículo escolar bem estruturado do ponto de vista conceitual e a sua
articulação com o campo pedagógico. Os conceitos, por sua vez, devem
estar integrados aos conteúdos e as situações do cotidiano, fundamentados
epistemologicamente por meio das categorias e dos princípios geográficos
(CASTELLAR & STEFENON, 2015, p.19).

A articulação do currículo escolar bem organizado conceitualmente com o


campo pedagógico possibilita a construção do conhecimento pelo aluno, por meio de
mediações do professor, que se fundamentam por categorias, princípios
geográficos, conteúdos, conceitos, saberes do cotidiano de maneira integrada.
No cotidiano do professor e do aluno, na sala de aula, configurando uma
geografia escolar, articulam-se conceitos, objetivos, conteúdos e encaminhamentos
metodológicos, numa relação da ciência geográfica com o ensino, integrada ao
espaço da escola, a uma lógica própria e às outras disciplinas escolares, uma
coexistência.

Não basta, portanto, aos que se dedicam à docência e à investigação de


questões relacionadas com o saber geográfico escolar, o domínio de
conteúdos e métodos da ciência geográfica. É preciso que se considere,
além disso, a relação entre essa ciência e sua organização para o ensino,
incluindo aí a aprendizagem dos alunos conforme suas características
físicas, afetivas, intelectuais, socioculturais (CAVALCANTI, 2013, p.10).

A construção do conhecimento pelo aluno passa por um processo em que o


professor busca uma coerência ao articular os objetivos de ensino direcionando a
seleção e a estruturação dos conteúdos a ensinar e os modos de abordá-los.

Nesse componente particular do ensino, é importante retomar a ideia, já


desenvolvida, de que se trata do método de ensino, não como
procedimentos vinculados diretamente a formas de organizar atividades em
situações escolares, mas como síntese de métodos da ciência de
101

referência, no caso a geografia, de métodos gerais de cognição e de


concepções de fundamento gerais do conhecimento científico
(CAVALCANTI, 2014, p.152).

A leitura da realidade, da sua complexidade, busca as inter-relações (sem


dicotomias) dos elementos materiais e imateriais, sociais e naturais subjetivos e
objetivos. O que se quer nas investigações e reflexões é um método de abordar a
realidade para além do conteúdo em si quando se ensina, desenvolvendo os
conhecimentos como construções humanas e históricas.
Analisar e compreender a realidade por meio de categorias geográficas, no
ensino, torna-se um caminho fértil para o desenvolvimento do pensamento teórico-
crítico dos alunos, superando, assim, a prática empirista. Pensar por meio dos
conteúdos geográficos também contribui para a aprendizagem e para o
desenvolvimento do pensamento teórico-crítico do aluno.
Como as situações escolares são conduzidas, por meio do que ensinar e,
pela mediação do professor, para o desenvolvimento do sujeito no processo de
conhecimento, requer o encaminhamento das atividades de ensino pelo professor
estimulando intelectualmente o aluno no processo cognoscível.
Para tanto, o professor precisa escolher a concepção metodológica que
melhor oriente o trabalho docente.
Cavalcanti (2012) explicita duas concepções, quais sejam, a positivista-
empirista e a concepção dialética de conhecimento. A primeira tem como
componentes, as etapas de caracterização (com base em aspectos objetivos,
quantificáveis ou observáveis empiricamente) e discriminação (diferenciação com
base em comparação dos aspectos caracterizados) do objeto estudado e de seu
sequenciamento, numa lógica que vai do mais simples ao mais complexo ou
também do mais próximo ao mais distante.
Já a segunda, traça um caminho que vai da observação, problematização,
constatação, descrição de um objeto empírico para buscar as abstrações desse
objeto (no sentido de ―extrair‖ do real partes que o configuram e que têm
potencialidade explicativa de seu movimento, de sua dinâmica), construindo-se, com
base no pensamento abstrato, generalizações conceituais próprias de um patamar
superior de produção do conhecimento sobre o objeto como concreto pensado,
articulado teoricamente.
102

Para além do mundo imediato do aluno, do ensino baseado no local, no


experimentado, no vivido, baseados no empirismo, propõem-se novas metodologias
que utilizam diferentes linguagens (cinema, vídeo, música, cartografia, charge,
poesia), de recursos tecnológicos (jogos digitais, geoprocessamento, computador),
de representações, desenhos e mapas mentais. Desde que se leve o aluno a pensar
geograficamente por intermédio dos conteúdos.
Estes fundamentos dão relevância e importância à Geografia no currículo
escolar para a formação do aluno, pois esta forma mais dinâmica de analisar e
explicar a realidade a coloca em movimento na tentativa de superar o modo
descritivo e os conteúdos descontextualizados.
Sendo assim, a Geografia reforça seu lugar no currículo contemporâneo ao
preparar o aluno para pensar criticamente os conteúdos articulados com os
conceitos científicos estabelecendo relações e conexões entre os lugares e o mundo
e vice-versa, raciocinando espacialmente nos vários níveis escalares, construindo
seu conhecimento a partir de seus saberes prévios, por intermédio da mediação do
professor, de problematizações que envolvem situações mais simples e mais
complexas etc.
Ao promover a produção do conhecimento na escola, o currículo de
Geografia, para além de instrumento ideológico implicado em relações de poder e,
em visões sociais particulares, possibilita a seleção e a abordagem de conteúdos e
―conhecimentos poderosos‖ para que os alunos compreendam e interpretem a
realidade espacial em que vivem de maneira crítica.

2.8 Teorias e políticas curriculares

Numa perspectiva de educação mais ampla o currículo muito mais do que


objetiva transmitir conteúdos, expressa relações de poder e de espaço, é cheio de
intenções, significados, valores, ideologias, interesses e necessidades, se referencia
em condicionantes sociais, filosóficas, culturais, históricas e políticas e, em cada
sociedade, há uma relação entre modelo político e modelo de ensino.
É o que diz Malta:
103

O currículo está diretamente relacionado a nós mesmos, a como nos


desenvolvemos e ao que nos tornamos. Também envolve questões de
poder, tanto nas relações professor/aluno e administrador professor, quanto
em todas as relações que permeiam o cotidiano da escola e fora dela, ou
seja, envolve relações de classes sociais (classe dominante/classe
dominada) e questões raciais, étnicas e de gênero, não se restringindo a
uma questão de conteúdo (MALTA, 2013, p. 343).

O currículo torna-se campo profissional de estudo e pesquisas pela


importância que assume em todo o processo da educação, desde o cotidiano
escolar até a visão de mundo da sociedade como um todo influenciando
sobremaneira atitudes e decisões.
A partir do processo de massificação da escolarização e da industrialização, o
currículo entendido como objeto específico de estudo e pesquisa, aparece com mais
intensidade nos Estados Unidos por volta dos anos 1920. Segundo Malta (2013,
apud Silva, 2007):

[...] a idéia dessa época é que o currículo é visto como processo de


racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente
especificados e medidos. O modelo institucional dessa concepção de
currículo é a fábrica. Sua inspiração ‗teórica‘ é a ‗administração científica‘ de
Taylor. Isto posto, podemos afirmar que o currículo se torna um processo
industrial e administrativo e essa nova idéia passou a ser aceita pela
maioria das escolas, professores, estudantes e administradores escolares
(MALTA, 2013, p.343).

No que tange as teorias do currículo a questão do poder separa as


tradicionais das críticas e pós-críticas. Segundo Malta:

De acordo com as perspectivas tradicionais, o currículo era concebido como


uma questão simplesmente técnica, pois se resumia em discutir as
melhores e mais eficientes formas de organizá-lo e aceitar mais facilmente o
status quo, os conhecimentos e os saberes dominantes pretendendo ser
apenas teorias neutras, científicas ou desinteressadas (MALTA, 2013,
p.340).

Há que se ressaltar que o currículo nas teorias tradicionais envolve questões


como conteúdos, objetivos e ensino dos conteúdos de maneira eficaz para se
chegar a eficiência nos resultados.
As teorias críticas, muito baseadas numa análise marxista ao desenvolver
conceitos que permitem compreender o que faz o currículo, além de enfatizarem os
conceitos de ideologia e poder, também questionam o conhecimento estruturado no
currículo.
104

Mas, o marxismo não é a única concepção teórica desenvolvida pelas teorias


críticas. Também há a visão de que:

A reprodução social ocorre por meio da cultura, ou seja, ocorre pela


reprodução cultural; que pela transmissão da cultura dominante fica
garantida a sua hegemonia; que o que tem valor é a cultura dominante, com
os seus valores, os seus gostos, costumes e hábitos que passam a ser
considerados a ‗cultura‘, desprezando-se os costumes e valores das classes
dominadas (MALTA, 2013, p.346, apud SILVA, 2007).

Ao desenvolver a observação das experiências cotidianas em que o currículo


é um local em que docentes e estudantes examinam a vida de maneira pessoal e
objetiva por meio do conhecimento, introduz-se a concepção fenomenológica.

Na perspectiva fenomenológica, o currículo não é, pois, constituído de fatos,


nem mesmo de conceitos teóricos e abstratos: o currículo é um local no
qual docentes e aprendizes têm a oportunidade de examinar, de forma
renovada, aqueles significados de vida cotidiana que se acostumaram a ver
como dados naturais (MALTA, 2013, p.347, apud SILVA, 2007, p.40).

Importante movimento crítico relativo às teorias do currículo se desdobra na


Inglaterra com a renovação dos estudos sobre currículo a partir da análise ampla
das questões de poder na definição e seleção dos conteúdos.
Michael Young e Basil Bernstein são representantes da ―Nova Sociologia da
Educação‖ (NSE) que coloca a importância e a necessidade de pensar sobre o
aporte de poder de diferentes grupos na construção de conhecimentos escolares em
contraposição às correntes estatísticas de análise na sociologia da educação.
A NSE preocupa-se com uma sociologia do currículo que conecte poder e
currículo, organização do conhecimento e a distribuição de poder, que proceda ao
processamento não exclusivamente de conhecimento, mas sim de pessoas.
Já no Brasil, ao propor o conceito de educação problematizadora, Paulo
Freire desenvolve um método que torna o conhecimento significativo para quem
aprende utilizando as experiências dos alunos para organizar os conteúdos
programáticos. Nesta proposta de educação não há separação entre o ato de
conhecer e aquilo que se conhece, o conhecimento é sempre dirigido para alguma
coisa, há intencionalidade no conhecimento.
Questiona a ―educação bancária‖ – em que o conhecimento constituído por
informações e fatos transferidos pelo professor é depositado no aluno – e concebe o
105

ato pedagógico como um ato dialógico ao educar por meio da intercomunicação do


conhecimento entre as pessoas envolvidas no ato de conhecer.
As teorias pós-críticas enfatizam as conexões entre significação, identidade e
poder com uma concepção menos estruturalista em que poder e conhecimento não
se opõem. Nelas, o currículo multiculturalista propõe incluir aspectos de formas mais
representativas das diversas culturas dominadas em que o currículo tradicional
valoriza a cultura do grupo social dominante (europeu, branco, masculino,
heterossexual).
Desdobram-se as perspectivas liberal ou humanista e a crítica em que a
primeira ―defende idéias de tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as
culturas‖ e a segunda, ―pontua que, dessa forma, permaneceriam intactas as
relações de poder, em que a cultura dominante faria o papel de permitir que outras
formas culturais tivessem seu espaço‖ (Malta, 2013).
Questões étnico-raciais e de gênero começam a fazer parte do currículo
multicultural incluindo questões históricas e políticas, além de incluir informações de
outras culturas. Pretende-se, com este tipo de currículo, equilibrar interesses,
particularidades, significados e valores de todos os grupos humanos.
Enquanto construção social, política e ideológica, o currículo tanto pode
escolher, selecionar e incluir, quanto pode excluir conhecimentos no processo
ensino-aprendizagem. Neste processo, o professor (mediador do conhecimento)
consciente organiza e seleciona, por meio de conteúdos e unidades didáticas,
aspectos mais relevantes para construir o currículo com autonomia.
Por isto, ele envolve questões de poder que se relacionam com o processo de
trabalho no espaço escolar e com os conteúdos formativos das disciplinas e suas
finalidades para o que se quer construir, transmitir, produzir ou reproduzir como
valores e atitudes.
Neste sentido, vale ressaltar que as políticas de currículo que envolvem
amplos setores e atores, visando a defesa de uma organização curricular de um
currículo integrado em disciplinas, são reconstruídas e produzidas a partir de um
ciclo de políticas em que há ressignificações de discursos que relacionam textos e
ações governamentais, práticas curriculares na escola e, não somente impostas e
reproduzidas como um modelo vertical e hierarquizado.
É importante relacionar políticas e práticas curriculares, pois para superar a
integração curricular de cunho fragmentário, convertendo-o num currículo capaz de
106

integrar conteúdos e suas interconexões, atribuindo significado ao que se aprende e


suas aplicações, extraindo significados a serem utilizados na vida, propõe-se uma
aproximação da prática nas escolas e da história do currículo para entender como os
currículos são organizados.
Ao se afastar da análise dos processos de integração curricular a partir de
modelos da ciência e promover uma aproximação da prática nas escolas e da
história do currículo para entender como os currículos são organizados (LOPES,
2008), abre caminho para a compreensão dos atuais discursos de integração
curricular.
Lopes (2008) é enfático sobre isso:

[...] Na medida em que as políticas de currículo são produzidas também


pelas comunidades disciplinares, entendendo ser preciso considerar que os
discursos sobre o currículo integrado dessas políticas são apropriados e
produzidos por essas mesmas comunidades. Se não for compreendida a
dinâmica das disciplinas escolares, corre-se o risco de assumir um discurso
prescritivo sobre a prática, defendendo esta ou aquela proposta de currículo
integrado, a qual acaba por ser subsumida a uma dinâmica disciplinar que,
posteriormente, nós mesmos questionamos (LOPES, 2008, p.89).

No Brasil, o PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) refletem proposições


do MEC, com a implantação da LDB 9394/96, que seguem diretrizes do Banco
Mundial, proporcionando adequação social e política ao mercado que passa a
regular e a reduzir investimentos na política educacional.
Para tanto, elege o conceito de cidadão/consumidor como diretriz da
formação do aluno. Tomados como currículo básico para a educação brasileira, os
PCNs dão o tom do que se quer enquanto visão e formação sócio-político-cultural do
estudante brasileiro.
Neste contexto, o currículo disciplinar é hegemônico no currículo do ensino
médio no Brasil:

[...] seja pelo processo disciplinar dos parâmetros curriculares, seja pela
permanência da disciplinarização nos livros didáticos destinados ao ensino
médio, seja ainda pela organização disciplinar na formação de professores
e nas escolas (LOPES, 2008, p.83).

Instaura-se, então, com todo o descontentamento teórico-metodológico, as


políticas curriculares, materiais didáticos e as mudanças ocorridas no espaço
geográfico mundial, um clima favorável à ―crise‖ da Geografia e, consequentemente,
a busca da superação da estrutura sobre a qual vem se assentando.
107

3 O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO E O ENSINO DE GEOGRAFIA NO BRASIL:


RELAÇÕES, INFLUÊNCIAS E CONTRIBUIÇÕES

Segundo Cavalcanti (2013) no Brasil, o movimento de renovação do ensino


de Geografia faz parte de um conjunto de reflexões mais gerais sobre os
fundamentos epistemológicos, ideológicos e políticos da ciência geográfica, iniciado
no final da década de 1970.

Podem-se situar nesse movimento alguns marcos, como a realização do 3º


Encontro Nacional dos Geógrafos, em 1978, onde se deram importantes
mudanças como a ocorrida na organização da AGB (Associação dos
Geógrafos Brasileiros), promotora do encontro; e a realização em 1987,
também pela AGB, do 1º Encontro Nacional do Ensino de Geografia – ―Fala
Professor‖. Este último foi a culminância de uma reformulação que vinha
ocorrendo na Associação desde a década de 1970, consolidando-a como
espaço para discussões e divulgação de estudos de interesse dos
profissionais e estudantes de Geografia, destacando-se aí o tema de
ensino. A partir de então, essa Associação passou a exercer um papel
importante na busca de aproximação entre a universidade e os professores
de ensino fundamental e médio (CAVALCANTI, 2013, p.19).

Vesentini (1985), ao escrever, ―Para uma Geografia crítica na Escola‖, reúne


alguns textos que versam sobre a temática do ensino da geografia, numa
perspectiva de crítica ao tradicionalismo e busca de subsídios para a construção de
uma geografia escolar preocupada com a criticidade e o senso de cidadania dos
educandos. Ao identificar alternativas para superar a crise da Geografia, o autor
aponta uma via de renovação com referências mais pluralizadas para o movimento:

[...] Trata-se de uma geografia que concebe o espaço geográfico como


espaço social, construído, pleno de lutas e conflitos sociais. Ele critica a
geografia moderna no sentido dialético do termo crítica: superação com
subsunção, e compreensão do papel histórico daquilo que é criticado. Essa
geografia radical ou crítica coloca-se como ciência social, mas estuda
também a natureza enquanto recurso apropriado pelos homens e enquanto
uma dimensão da história, da política. No ensino, ela preocupa-se com a
criticidade do educando e não em ‗arrolar fatos‘ para que ele memorize.
Suas fontes de inspiração vão desde o marxismo (especialmente o do
próprio Marx) até o anarquismo (onde se ‗recuperam‘ autores como Elisée
Reclus e Piotr Kropotkin), passando por autores como Michel Foucault (...),
Claude Lefort, Cornelius Castoriadis, André Gorz (...), Henri Lefebvre e
outros. Mas, sobretudo inspira-se na compreensão transformadora do real,
na percepção da política do espaço. Essa geografia é ainda embrionária,
especialmente no ensino. Mas é a geografia que devemos, geógrafos e
professores, construir (VESENTINI, 1985, p.57).
108

O mundo contemporâneo, fluido, em redes, que se metamorfoseia


celeremente em diversas dimensões (política, social, econômica, ecológica), ou seja,
globalizado, coloca uma questão primordial para a ciência Geográfica e, em especial
para o ensino da Geografia, qual seja: trabalhar a práxis no ensino de Geografia
para ter a compreensão da dialética da produção e apropriação do espaço pela
sociedade humana. O espaço geográfico engendrado como produto histórico-social
torna-se categoria de análise fundamental para apreendermos a sua dimensão e
analisarmos a realidade no tocante aos seus aspectos visíveis e invisíveis e seus
modos de representação.
As pesquisas recentes empreendidas na Geografia já apontam
re(formulações) e re(orientações) epistemológica, teórica, metodológica e na(s)
prática(s) didático-pedagógica(s). Há uma preocupação em superar as heranças
deixadas pela Geografia de cunho positivista. Sob o rótulo da ―decoreba‖, da
fragmentação, da memorização e da descrição, a geografia ensinada seguia um
modelo de educação como elemento de reprodução das desigualdades
socioespaciais.
Alguns indícios desta problemática podem ser apontados no paradoxo
existente na geografia – tanto a acadêmica quanto a escolar – qual seja, a sua
pretensão e predisposição para a ciência e a disciplina escolar do concreto, do real,
mas fortemente marcada pela abstração, descolada do produzido socialmente.
Busca-se a superação das tão propaladas questões fragmentadas e dicotômicas
existentes na geografia.

As reformulações da ciência geográfica levaram, então, a alterações


significativas no campo do ensino de Geografia, mesmo porque alguns dos
pesquisadores mais expressivos circularam nas duas áreas de investigação.
Atestam isso os inúmeros trabalhos produzidos, nas últimas décadas, que
denunciaram as fragilidades de um ensino com base em fundamentos que
propuseram o ensino de uma Geografia nova, com base em fundamentos
críticos [...] (CAVALCANTI, 2013, p.18).

Emergem propostas baseadas na concepção dialética no ensino de geografia


para a superação do modelo N-H-E. A Geografia que se ensina é sistematicamente
criticada. Suas teorias, seus métodos, seus conhecimentos, seus conceitos e
práticas servem a outro paradigma de mundo e de ensino que não mais explicam as
novas demandas, características, relações e funções contemporâneas.
109

O núcleo central de todos os problemas é o conceito de homem e,


consequentemente de natureza, como reciprocamente excludentes. O
homem atópico é aquele que não pertence à natureza e nem à história real
das relações de classe, na qual o seu caráter de sujeito da história é
tornado obscuro. Ora ele é população, ora habitante, ora trabalho, ora ação
antrópica com suas necessidades. O outro lado desta noção de homem
demográfico-antropológico-econômico é o conceito de natureza como sendo
algo mecânico e externo ao homem, o conjunto dos seres inorgânicos, a
natureza-recursos (COUTO, 2017, p. 13).

A Geografia que se quer produzir a partir do movimento de renovação é


pautada na educação como instância de transformação da sociedade baseada no
materialismo histórico e dialético em que se analisa a realidade considerando-se as
contradições nela existentes. A Geografia que vem sendo desenvolvida dentro do
movimento mais amplo da renovação geográfica contribui com novas posturas,
novas linguagens, novas propostas, assim como, também, vem construindo novas
bases teórico-metodológico-epistemológicas.

[...] A transformação da realidade constitui o problema central do método


dialético e a possibilidade de negação e superação das relações
sociais/naturais do modo de produção capitalista. Ensinar e aprender toma
o sentido de uma relação pedagógica que pode servir à conscientização do
ser histórico-natural-político-geográfico do homem e à crítica da propriedade
e das relações sociais alienadoras (COUTO, 2015, p.13).

A análise do espaço pautado na dialética é capaz de revelar o caráter


histórico, potencialmente transformável da realidade. No campo didático-
pedagógico, relacionar as práticas sociais com os saberes espaciais construindo
conceitos e conhecimentos para a leitura e a compreensão da geograficidade torna-
se pré-condição para entender as transformações que ocorrem em todas as
instâncias socioespaciais. Ainda assim, entender e compreender as relações do
mundo contemporâneo torna-se tarefa complexa para o conhecimento geográfico.

Na sociedade moderna, baseada em princípios de circulação e


racionalidade, há um domínio do tempo e do espaço, mecanizados e
padronizados, que se tornou fonte de poder material e social numa
sociedade que se constitui à base do industrialismo e do capitalismo. O
controle do tempo e do espaço liga-se estreitamente ao processo produtivo
e à vida social. O tempo ligado à disciplina e regularidade no trabalho como
também ao giro do capital na produção. O espaço ligado à criação de um
mercado mundial e à redução de barreiras para a expansão do sistema
produtivo (CAVALCANTI, 2013, p.16).

O espaço fluidificado e o tempo simultâneo da contemporaneidade dão novo


sentido, percepção e conexão espaço-temporal para explicar a realidade. Com a
pluralização de campos e temas que se desdobram a partir do movimento de
110

renovação, várias formulações para interpretar o espaço geográfico vêm sendo


desenvolvidas pela Geografia.

Essas características do espaço na contemporaneidade impõem, pois, aos


teóricos da Geografia, a ampliação de suas análises, ‗transitando‘ entre a
racionalidade e a irracionalidade, entre o objetivismo e o subjetivismo, entre
a estrutura e a ação e, geograficamente falando, entre o local e o global,
entre a realidade natural e a social (CAVALCANTI, 2013, p.17).

Algumas propostas buscam a superação do ensino de conteúdos organizados


no horizonte de uma corrente da geografia chamada ―tradicional‖. Esta se
caracteriza pelo arranjo mecanicista dos fenômenos e fatos separados em aspectos
físicos, humanos e econômicos para que o educando tenha uma descrição das
áreas estudadas em qualquer escala.
Outras propostas mostram que a geografia e seu ensino exercem funções
comprometidas politicamente com a superação de problemas enfrentados pelas
classes populares. Nessa perspectiva, os estudiosos alertam para a necessidade de
se considerarem o saber e a realidade do aluno como referência para o estudo do
espaço geográfico.
O ensino de geografia ainda bastante pautado na vertente positivista, desde a
sua entrada na modernidade, passa a exercer outros papeis com as propostas de
renovação baseadas em fundamentos críticos da ciência, no Brasil. Cavalcanti (2013
apud Cavalcanti 1995), ao analisar documentos e textos referentes aos encontros e
congressos nacionais na área, constata, na década de 1980, expressivo aumento da
discussão dos fundamentos da Geografia e seu papel na sociedade, no ensino e em
outras instituições sociais.
A partir de então, a problemática do ensino de Geografia é cada vez mais
abordada nos estudos acadêmicos. Entre 1980 e 1985 são 8 o número de teses e
dissertações. De 1986 a 1990 cresce para 17. De 1991 a 1996 são 30. Metodologia
e prática de ensino (nível fundamental e médio) mereceram maior investimento dos
pesquisadores (mais de 40% dos títulos sobre ensino tratam dessas questões)
Cavalcanti (2013).
Em relação à questão didático-pedagógica no ensino de Geografia, estimula-
se a incorporação dos avanços teórico-metodológicos recentes, no sentido de
ultrapassar a prática formal (de os alunos cumprirem deveres) baseada no
conhecimento do conteúdo-transmissão da matéria tratado, mesmo que
111

criticamente. Douglas Santos, Diamantino Pereira e José William Vesentini pensam


nos objetivos de ensino de Geografia numa perspectiva que supere apenas o ensino
de conteúdos. Mesmo que com enfoques diferentes, tratam da importância dada à
questão da interpretação da espacialidade pelo aluno.
Cavalcanti (2013), ao ressaltar a importância dos objetivos de ensino para a
Geografia e referi-los ao caráter de espacialidade de toda prática social entende
que:

Um ponto de partida relevante para se refletir sobre a construção de


conhecimentos geográficos, na escola, parece ser o papel e a importância
da Geografia para a vida dos alunos. Há um certo consenso entre os
estudiosos da prática de ensino de que esse papel é o de prover bases e
meios de desenvolvimento e ampliação da capacidade dos alunos de
apreensão da realidade do ponto de vista da espacialidade, ou seja, de
compreensão do papel do espaço nas práticas sociais e destas na
configuração do espaço (CAVALCANTI, 2013, p.11).

Segundo Pereira (1995), ―é comum na prática de ensino casos em que o


conteúdo se transforma em objetivo‖:

Por exemplo, ao se definir que o objetivo do estudo do conteúdo ―indústria


brasileira‖ é fazer com que o aluno saiba o que é a ―indústria brasileira‖. E
aí, sem saber, o professor começou a adotar a lógica do cachorro que corre
atrás de seu próprio rabo e consegue apenas ficar cansado (PEREIRA,
1995, p.62 apud CAVALCANTI, 2013, p.23).

Vesentini (1995) ―após comentar sobre as funções históricas do ensino de


Geografia, argumenta sobre seu papel atual‖:

Mas que tipo de geografia é apropriada para o século XXI? É lógico que não
aquela tradicional baseada no modelo ―A Terra e o Homem‖, onde se
memorizavam informações sobrepostas (...). E também nos parece lógico
que não é aquele outro modelo que procura ―conscientizar‖ ou doutrinar os
alunos, na perspectiva de que haveria um esquema já pronto de sociedade
futura (...). Pelo contrário, uma das razões do renovado interesse pelo
ensino de geografia é que, na época da globalização, a questão da natureza
e os problemas ecológicos tornaram-se mundiais ou globais, adquiriram um
novo significado (...). O ensino de geografia no século XXI, portanto, deve
ensinar – ou melhor, deixar o aluno descobrir – o mundo em que vivemos,
com especial atenção para a globalização e as escalas local e nacional,
deve enfocar criticamente a questão ambiental e as relações
sociedade/natureza (...) deve realizar constantemente estudos do meio (...)
e deve levar os educandos a interpretar textos, fotos, mapas, paisagens
(VESENTINI, 1995, p.15-16, apud CAVALCANTI, 2013, p.23).
112

Santos (1995) em relação ao tema conteúdo e objetivo no ensino de


Geografia, ―afirma que a escola tem tido como principal função o ensinamento de
uma lógica: a lógica formal.‖ Sobre a insatisfação dos professores em relação aos
resultados dos seus ensinamentos, propõe a lógica dialética. E diz que: ―é preciso,
ainda, propiciar aos alunos o desenvolvimento de um modo de pensar dialético, que
é um pensar em movimento e por contradição.‖ Sua proposta é a seguinte:

A dialética fundamental, quando estamos nos referindo ao processo escolar


de ensino-aprendizagem, mesmo que possa e deva se expressar na
formulação dos conteúdos, não está exclusivamente neste, mas vai além e
se concretiza na identificação das carências (formulação das questões) e na
busca de soluções (formulação de respostas) (...) a relação escolar, na
medida em que se fundamenta no ensino da lógica formal, mais do que
passar esse ou aquele conteúdo fragmentado – isento de contradições –
permite ao educando apropriar-se de perguntas e respostas prontas,
enquanto o processo de dialetização do ensino não é, simplesmente, a
reprodução de textos elaborados a partir desse tipo de lógica, mas, mais
que isso, é a possibilidade de viver a contradição imanente entre a
necessidade e sua superação, no plano da construção intelectual
(SANTOS, 1995, p.56 apud CAVALCANTI, 2013, p.24).

Ainda segundo Santos (1995):

A finalidade de ensinar Geografia para crianças e jovens deve ser


justamente a de os ajudar a formar raciocínios e concepções mais
articulados e aprofundados a respeito do espaço. Trata-se de possibilitar
aos alunos a prática de pensar os fatos e acontecimentos enquanto
constituídos de múltiplos determinantes; de pensar os fatos e
acontecimentos mediante várias explicações, dependendo da conjugação
desses determinantes, entre os quais se encontra o espacial. A participação
de crianças e jovens na vida adulta, seja no trabalho, no bairro em que
moram, no lazer, nos espaços de prática política explícita, certamente será
melhor qualidade se estes conseguirem pensar sobre seu espaço de forma
mais abrangente e crítica (SANTOS, 1995 apud CAVALCANTI, 2013, p.24)

Ampliam-se e aprofundam-se os trabalhos e as investigações dedicados ao


ensino de Geografia na relação conteúdo-método e os autores com diferentes
posições teóricas a partir dos conhecimentos dos campos da Pedagogia e da
Didática. Cavalcanti destaca autores que consideram o aluno como sujeito do
processo ensino-aprendizagem: Resende (1986), Vlach (1990) e Paganelli (1987)
apresentam proposta metodológica para o ensino de Geografia com o referencial de
Piaget.
Cavalcanti (1991) ao destacar a necessidade de considerar o aluno como
sujeito do processo ensino-aprendizagem do ponto de vista da relação conteúdo-
113

método no ensino, com o intuito de alinhavar elementos de uma proposta crítica


vinculada a determinadas diretrizes pedagógico-didáticas (na linha da pedagogia
crítico-social dos conteúdos), argumenta que:

O domínio da ciência geográfica, refletido na matéria de ensino, bem como


de seus métodos próprios é, sem dúvida, condição prévia para seu ensino.
Mas cumpre destacar o fato de que nem a ciência é idêntica à matéria de
ensino, nem os métodos da ciência idênticos aos métodos de ensino, ainda
que guardem entre si uma unidade. Quando se trata de ensinar as bases da
ciência, opera-se uma transmutação pedagógico-didática, em que os
conteúdos da ciência se transformam em conteúdos de ensino. Há pois uma
autonomia relativa dos objetivos sociopedagógicos e dos métodos de
ensino, pelo que a matéria de ensino deve organizar-se de modo que seja
didaticamente assimilável pelos alunos, conforme idade, nível de
desenvolvimento mental, condições prévias de aprendizagem e condições
socioculturais (CAVALCANTI 1991, p.35, apud CAVALCANTI, 2013, p.22).

Para a geografia que se ensina na escola desenvolvem-se cada vez mais os


estudos que integram a prática social dos estudantes, seus conhecimentos prévios,
a problematização de seus saberes espaciais e os ensinamentos de
conteúdos/construção de conceitos para o questionamento da sua realidade, como
movimentos propostos à prática pedagógica em todos os seus momentos e fases no
que tange ao planejamento de ensino.
Couto propõe o desenvolvimento de algumas ações para combater os
impasses teórico-metodológicos concernentes ao ensino e a aprendizagem da
geografia. Quer, com isso, despertar o interesse dos alunos com o processo
pedagógico sendo organizado a partir de sua experiência cotidiana e da resolução
de problemas, e não dos diferentes conteúdos das disciplinas escolares.
Sendo assim, procura-se problematizar as práticas e os saberes espaciais
dos alunos, na condição de professor-mediador, para propor a construção de
conceitos/conhecimentos geográficos. E, desta forma, a leitura geográfica da
sociedade a partir de categorias empíricas em conjunto com as ações humanas
(práticas) em que são produzidos saberes espaciais. Parte-se da problematização
das práticas e dos saberes espaciais para a construção dos conhecimentos
geográficos.

A problematização da prática social dos estudantes e professores no


conjunto das relações sociais capitalistas é o ponto de partida e de chegada
da pedagogia histórico-crítica de Demerval Saviani (1984). Para o professor
de geografia, o que se propõe é a problematização da prática social
114

traduzida em termos de prática/saber espacial, como ponto de partida e de


chegada do processo de ensino-aprendizagem (COUTO, 2014, p.264).

Em seu artigo ―A geografia como ciência das práticas e dos saberes espaciais
– por um novo modelo clássico de organização curricular‖, Couto(2017), tem como
ideia principal, a de compreender a geografia como ciência das práticas e dos
saberes espaciais para definir um formato de pesquisa e de ensino de geografia
como um novo discurso clássico.
O termo ―clássico‖ compreendido como o que capta questões nucleares do
desenvolvimento histórico das sociedades é baseado na ideia de Dermeval Saviani
e aqui é utilizado para subsidiar professoras e professores de geografia na
montagem de currículos e de programas e, assim, como discurso, servir de
instrumento de análise e construção de materiais e livros didáticos, organização de
aulas, conteúdos e métodos da prática pedagógica. Também apresenta a forma
como ao longo da história o discurso e a prática geográfica foram sendo construídos
até a sua institucionalização na escola e na universidade.
Depois de colocar a questão central da trajetória nuclear e original da
geografia como forma de saber – do problema geográfico posto pela história –,
baseado em Moreira (2014), Couto (2017), por meio dos arquétipos fundadores de
Estrabão e Ptolomeu, das distintas definições de geografia e das três partes
estruturantes da pesquisa e do ensino, apresenta o desenvolvimento das matrizes
clássicas do pensamento e da prática geográfica.
É, também, baseado numa teoria social do espaço em Moreira (2010b, 2013)
que busca a definição da geografia como uma ciência das práticas e dos saberes
espaciais e, a partir daí, as fases e os conteúdos da construção geográfica das
sociedades.
Propõe, assim, a geografia como componente curricular na escola básica
(possível articulação com o ensino de história nos cinco primeiros anos, porém
independente nos anos posteriores) e uma distribuição por níveis de ensino.
Do 1º ao 5º ano propõe trabalhar as fases de montagem e desenvolvimento
do arranjo espacial das diferentes sociedades e privilegiar a articulação da escala
local com a escala nacional-regional.
Do 6º ao 9º ano propõe trabalhar a montagem, desenvolvimento e
reestruturação espacial em três partes e articular as escalas locais, nacionais-
regionais e mundiais-regionais, quais sejam,
115

1. As fases de montagem e desenvolvimento do arranjo espacial das diferentes


sociedades
2. Montagem e desenvolvimento do arranjo espacial brasileiro.
3. As três épocas de reestruturação espacial.

Para o Ensino médio propõe trabalhar as três épocas de reestruturação


espacial e privilegiar a articulação das escalas nacionais regionais e mundiais-
regionais. São elas:

1. A fabril da primeira revolução industrial


2. A fabril da segunda revolução industrial
3. A cibernética da terceira revolução industrial

Com isso, combina conteúdos escolares com a metodologia da articulação


das práticas e saberes espaciais dos alunos na escala nacional-regional do Brasil e,
estabelece o ―clássico‖ como critério para organizar delimitar o conteúdo de uma
prova, avaliar criticamente e produzir materiais e livros didáticos; tendo como
referências a prática social e sua apropriação dos fenômenos naturais na geografia
do presente, o uso dos conceitos geográficos, a reconstituição intelectual das
distintas formas de organização geográfica das sociedades em diferentes escalas,
(Couto, 2017).
A geografia ao utilizar várias linguagens amplia e contribui de forma mais
integral para o aprendizado e para a formação do aluno. A linguagem cartográfica
ocupa lugar central no processo de leitura/interpretação do mundo e na
compreensão de como a sociedade produz espaço.
A cartografia é uma área do conhecimento em construção no âmbito científico
e no âmbito escolar. O ensino pelo mapa proporciona o ensino das relações
espaciais por meio de noções de localização e orientação.

Nesse sentido, o mapa como documento geográfico por excelência ganha


importância, com destaque em seu potencial para registrar, tratar e
comunicar a informação espacial. Outra característica importante é a busca
de um embasamento teórico-conceitual consoante com as discussões em
voga na Geografia. Mais importante que admitir a necessidade dos mapas é
fundamentar uma prática pedagógica em conformidade com seu uso. O
desafio do presente momento é (re)pensar a forma como o licenciado em
Geografia e o professor dos anos iniciais dedica-se ao trabalho com os
116

mapas tendo em vista os novos desafios da escola e da sociedade atual


(LASTORIA et al, 2013, p.115).

Outra prática importante para a construção de conhecimento geográfico é a


relação dessa ciência com a arte por meio da produção literária.
Silva (2015) desenvolve uma linha de pesquisa que ―atende uma demanda
por novos olhares sobre a dimensão simbólica e representações artísticas que
envolvem a cidade do Rio de Janeiro, em especial a produção literária carioca‖.
Com este trabalho, quer desenvolver roteiros e percursos ―geoliterários‖ na
cidade do Rio de Janeiro inspirados em obras ficcionais e/ou na biografia de
escritores literários cariocas do passado e outros contemporâneos.
Ao tecer caminhos entre cidadania, espaço e geografia escolar, Bezerra
(2016) propõe pensar os elementos históricos que conformam os referenciais de
cidadania no Brasil que revelam as experiências históricas e o papel dos saberes
escolares, especialmente as contribuições da geografia escolar nesse processo de
construção. Ou seja, promove um movimento de reflexão sobre a dimensão espacial
para pensar a sociedade negligenciada na construção das noções de cidadania
presentes na escola.
Sendo o espaço geográfico categoria fundamental para a reflexão e o
entendimento dos fenômenos sociais, a geografia, que anteriormente parecia
negligenciá-lo, agora, o elege como instância para a interpretação das relações
socioespaciais. Ao introduzi-lo no estatuto teórico-metodológico como categoria de
análise das questões sociais na sua relação dialética com o espaço contemporâneo,
a geografia desenvolve e dimensiona novas categorias e novos conceitos para a sua
compreensão como referência para a construção de uma geografia escolar
entendida como produto histórico e social enquanto materialização das relações
sociais.
No Brasil, ao referencial de cidadania baseado em Marshall, em que se
orienta no julgamento das condições sociais a que as diferentes sociedades têm
sido submetidas em cada momento histórico, adicionam-se os referenciais de justiça
social – cidadania plena, combinando o direito à liberdade, participação e igualdade
social para todos.
A natureza histórica da cidadania está circunscrita às fronteiras geográficas e
políticas do Estado-Nação.
117

Porém, o conceito de cidadania, baseado na relação do indivíduo com o


Estado e a sua coletividade hoje, refere-se a um significado de inclusão, baseado
nos ideais de isonomia garantidos pela lei. A cidadania é construída no plano jurídico
do direito positivo ancorado no Estado, mas, também, é exercida a partir das
práticas sociais cotidianas.
Aqui, dois eixos de reflexão se desdobram a partir dos referenciais de
cidadania. O primeiro é o da ampliação dos direitos que se expandiriam e se
universalizariam tendo a igualdade como pressuposto. O segundo é o da cidadania
no direito à diferença, como reconhecimento das particularidades e das identidades
até então subjugadas.
No Brasil, a luta pela cidadania se dá entre sociedade civil e Estado e, não
somente no âmbito do Estado.
Na virada dos anos 1980 para os anos 1990 surge, no Brasil, a centralidade
da cidadania nos discursos da sociedade civil, nas lutas dos movimentos sociais,
nos documentos que orientam as políticas públicas e em outros projetos como
documentos oficiais oriundos das reformas educacionais.
Destaca-se a produção social do espaço no processo de construção e
exercício da cidadania na relação da comunidade com o espaço escolar. Trabalhar
com a geografia, no dia-a-dia do espaço escolar, é buscar caminhos metodológicos
para abordar as práticas e saberes espaciais e a consequente produção do espaço.

Compreender o espaço como estrutura/experiência significa entendê-lo, ao


mesmo tempo, como materialização das relações econômicas e políticas –
sendo este, por excelência, um instrumento de poder através do qual se dão
as disputas territoriais - e também como o lugar da experiência, das práticas
espaciais cotidianas onde são produzidos os sentidos e os significados dos
sujeitos com o espaço. Tais práticas espaciais se subjetivam e produzem
memórias e identidades com os lugares de vivência, que, uma vez
incorporados, se traduzem nos corpos. Nessa perspectiva, o espaço
congrega uma dimensão material e também simbólica, ou seja, o sentido e
o significado que os sujeitos constroem na sua relação com o espaço, bem
como as práticas espaciais e as suas representações (BEZERRA, 2016,
29).

Com a perspectiva de um olhar mais relacionado com o ensino de geografia e


a consciência espacial do aluno, já apontando uma tentativa de renovação na prática
de ensino:

No ano de 1986 foi publicado o livro A geografia do aluno trabalhador –


caminhos para uma prática de ensino (Resende, 1986), cujo conteúdo foi o
resultado da investigação da consciência espacial, isto é, do ―saber
geográfico pré-escolar do aluno trabalhador, com vistas a seu
118

aproveitamento pelo ensino sistemático de geografia‖ (Resende, 1989, p.


83), apontando para uma renovação prático-pedagógica que trabalhe os
conteúdos de maneira crítica, considerando alunos e professores como
produtores de conhecimento (COUTO, 2010, p.2).

Para Couto (2010), em relação ao livro supracitado:

Resende (1989, p.84) criticava a idéia, que se reproduz nas práticas de


ensino, de que o aluno é ―um ser neutro, sem vida, sem cultura, sem
história... entidade alheia ao momento histórico e aos espaços geográficos
determinados‖, cuja conseqüência é não reconhecer potencialidades de sua
ação de produção e transformação da história e da geografia,
desconsiderando-o como sujeito do processo de conhecimentos e portador
de um saber espacial (COUTO, 2010, p.2).

O entendimento de que o espaço geográfico é fato e fator, por meio das


práticas e dos saberes escolares, permite aos/as alunos (as) desenvolver raciocínios
espaciais para a construção de conhecimentos e de conceitos geográficos que
podem levá-lo à compreensão da realidade em que vivem.
Mas ao pensarmos no ensino escolar básico e público, no Brasil,
considerando as propostas da renovação, quanto do movimento vem sendo
incorporado ao livro didático? Onde está a renovação geográfica quando o assunto é
livro didático? O livro didático operacionaliza as propostas da renovação?
Silva (2014) considera a tese de que os livros didáticos de Geografia são um
dos lugares do discurso histórico-ideológico do pensamento geográfico no Brasil,
instituinte, também, da história desta ciência e de sua escolarização.
Em nota oficial aos professores, o ―Guia de Geografia do Programa Nacional
do Livro Didático‖ (PNLD), elaborado a partir de um processo longo e com critérios
de natureza teórico-prática com base na experiência e na contribuição de vários
profissionais, todos eles envolvidos com o ensinar e aprender Geografia, seja em
sala de aula do ensino fundamental ou do ensino universitário ressalta que o livro
didático é entendido como um material de apoio que pode ser ressignificado pelo
professor de geografia, valorizando sua autonomia e criatividade para melhor
aprendizagem dos alunos.
O Guia coloca como objetivo da Geografia nos anos finais do Ensino
Fundamental, atrair a atenção do estudante para que ele, auxiliado pelo professor,
aumente sua capacidade de entender o complexo mundo em que vivemos e, que,
para dar conta dessa tarefa, a Geografia Escolar precisa superar um modelo de
ensino enciclopédico, baseado numa grande quantidade de informações, geralmente
vistas com muita rapidez e desconectadas da vida do estudante.
119

Por muito tempo, ensinar Geografia implicava a descrição compartimentada


dos aspectos naturais, geralmente vistos no esquema relevo-vegetação-
clima-hidrografia, seguida pela enumeração dos aspectos relativos à
população. Finalizava-se com o estudo da economia dos lugares, para o
qual, novamente, prevalecia a compartimentação agropecuária e indústria
com algumas informações sobre comércio transporte e mineração (GUIA de
GEOGRAFIA do PNLD, 2016, p.9).

Em seu livro ―Para onde vai o Pensamento Geográfico? Por uma


epistemologia crítica‖ Moreira (2014) trata a questão do modelo teórico da ciência
geográfica, o N-H-E (Natureza-Homem-Economia) analisando cada terço desse
esquema que serve para classificar e conceitualizar as coisas do mundo circundante
numa ordem que as integre numa arrumação totalizada de conjunto. Resume e
analisa, assim, o conteúdo e as fontes originárias dos conceitos de natureza, do
homem e da economia com que a geografia do N-H-E trabalha.
Segundo Moreira (2014) a natureza, como primeiro terço do modelo N-H-E, é
restrita à esfera do inorgânico, físico-matemático do entorno natural, é
conceitualizada, na geografia atrelada à segunda fase da sua história moderna,
fornecendo a base inicial do arranjo corológico ao homem e à economia, por meio
dos recortes do relevo (ou do clima). Como uma totalidade fragmentária mediante
suas ligações físico-matemáticas, sua concepção, então, em geografia, é entendida
como um conjunto de corpos ordenados pelas leis da matemática.

Assim, não distinguimos natureza e fenômenos naturais uma vez que


concebemos a natureza decalcando nosso conceito nos corpos da
percepção sensível. Vemos a natureza vendo o relevo, as rochas, os
climas, a vegetação, os rios etc. E conhecemo-la medindo as proporções
matemáticas e descrevendo os movimentos mecânicos das relações de
seus corpos. Dito de outro modo, a natureza que concebemos é da nossa
experiência sensível, cujo conhecimento organizamos numa linguagem
geométrico-matemática. É uma totalidade fragmentária, que então só ganha
unidade mediante suas ligações físico-matemáticas (MOREIRA, 2014,
p.47).

Excluído da natureza quando esta é reduzida à base ou coisa física, o homem


estatístico, ou o homem demografia, ou o quantitativo da população, que interage
com a base física, adaptando-se e criando nessa relação sua organização
corológica na superfície terrestre, entra aqui em cena como o segundo terço do
modelo N-H-E.

Homem aqui é o homem demografia, o quantitativo da população. A


concepção de homem da geografia da população tem a mesma matriz com
que a economia neoclássica produz sua ideia de natureza, tomando como
120

ponto de partida a ideia de natureza e homem que evolui a partir do


Renascimento. É a ideia de homem excluído da natureza quando esta é
reduzida a uma coisa física. Um homem que não está situado na natureza e
que também não está situado na sociedade (uso o neologismo atópico para
designar esta condição). Fica, assim, solto no campo representacional para
a captura pelos discursos que vão se sucedendo no tempo, o que – no que
interessa à nossa análise da geografia – acontece com a teoria econômica
neoclássica na virada do século XIX para o XX. Então, surge pelo lado do
consumo, um mundo da natureza transformada em estoque de recursos
naturais. Homem e natureza jogados numa mesma sorte (MOREIRA, 2014,
p. 77).

Unindo a natureza insensível (como estoque de recursos) e o homem


estatístico (como necessidades de consumo), a economia é o terço final do modelo
N-H-E para organizá-los, tendo a lógica do mercado, como elo de unidade e
unificação dos elos e do espaço.

A natureza insensível e o homem estatístico se encontram no espaço da


economia. A primeira aparece como estoque de recursos e o segundo,
como necessidades de consumo. Para juntá-los numa só equação, aparece
a teoria do mercado como agente principal da organização material da
sociedade moderna, orientada na teoria do valor utilidade marginal
(MOREIRA, 2014, p.101).

Partilhando da mesma crítica, o próprio Guia de Geografia do PNLD nos


chama a atenção para esta herança da Ciência Geográfica praticada, sobretudo, na
primeira metade do século XX que se arrasta até hoje, na forma do modelo baseado
no tripé Natureza-População-Economia (N-P-E), com predominância da ideia de
neutralidade do conhecimento e da descrição desinteressada dos fenômenos. Desta
forma, compreender o mundo é simplesmente descrever os lugares.
Muito embora o Livro Didático seja tratado como material de apoio que pode
ser ressignificado pelo professor de geografia, valorizando sua autonomia e
criatividade para melhor aprendizagem dos alunos‖ pelo PNLD, sabemos que em
face da realidade do professor do ensino básico nas escolas públicas do Brasil,
muitas vezes este se apresenta como único recurso pedagógico em meio a diversas
barreiras colocadas no processo de ensino-aprendizagem. Pensar em ―autonomia‖ e
―ressignificação‖ desse instrumento como responsabilidade única e exclusiva do
professor, frente às limitações já presentes em sua prática pedagógica, quais sejam:
a precariedade estrutural das escolas, salas de aula lotadas, a violência, a falta de
estímulo à qualificação continuada desses profissionais, os baixos salários, etc.;
121

torna o arbítrio não uma liberdade de escolha nas condutas pedagógicas, mas uma
tarefa árdua e, frequentemente, de difícil implementação.
Por suposto que o papel do professor reflexivo – articulando teoria e prática –
é primordial para que qualquer conteúdo possa ser construído, aprendido,
depreendido da realidade. Promover o educando enquanto sujeito do processo de
ensino-aprendizagem é mister e essa tarefa só pode ser pensada no campo das
relações. Nesse sentido, Castellar e Vilhena (2010) ponderam:

O uso do livro didático deveria ser um ponto apoio da aula para que o
professor pudesse, a partir dele, ampliar os conteúdos, acrescentando
outros textos e atividades e, portanto, não o transformando no objetivo
principal da aula (CASTELLAR e VILHENA, 2010, p. 137).

Em análise dos Livros Didáticos adotados para o Ensino Médio nas escolas
públicas de Campina Grande (PB), Sampaio e Azevedo (2015), analisam, no
entanto, que as barreiras cotidianas enfrentadas pelos professores, acabam por
torná-los ―escravos‖ do livro didático, enquanto recurso pedagógico.

Esse contexto está intrinsecamente relacionado com as condições de


trabalho vivenciadas pelos docentes, pois em muitas escolas é comum o
professor estar inserido em um cenário de ‗escravização‘ consentida, no
qual ele é levado a adotar o livro didático como o único recurso disponível,
devido à precarização das relações de trabalho. Desse modo o professor é
levado a utilizar o livro como único instrumento de formação do aluno.
(SAMPAIO e AZEVEDO, 2015, p. 59).

Dentre alguns problemas de ordem mais geral na educação brasileira nestes


tempos de política neoliberal, alguns autores ressaltam que durante a elaboração
dos PCNs não foram consideradas décadas de debates de educadores da área,
como também foram ignoradas as Diretrizes curriculares elaboradas pelo Conselho
Nacional de Educação (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003, apud SAMPAIO E
AZEVEDO, 2015, p.57).
Ainda na linha da crítica Straforini (2014, apud SAMPAIO e AZEVEDO), sobre
a elaboração dos PCNs de Geografia ―afirma que todas as críticas declaram que a
sua criação foi marcada pela negação do debate e pela imposição de um projeto
ideológico pronto.‖
Neste sentido, as mudanças de forma e conteúdo dos livros didáticos de
geografia no Brasil, ocorridas do início do século XX até os dias atuais, obedecem
sistematicamente às programáticas que regem a educação no país.
122

Como ressalta Azambuja (2014), até a década de 1960, os manuais didáticos


de Delgado de Carvalho e Aroldo de Azevedo predominam. Nesse período, o curso
primário dispunha de uma duração de cinco anos, o ginasial contabilizava quatro
anos, enquanto os cursos secundários estavam organizados em dois ou três anos
letivos.
Dos anos de 1970 até início dos 1990, a instituição do ensino de primeiro e
segundo graus, sendo o primeiro constituído por oito anos letivos, enquanto o
seguinte era composto por mais três anos de formação escolar. Durante esse interim
é possível observar uma maior diversificação dos livros didáticos de Geografia, com
destaque para a inclusão de algumas mudanças teóricas e metodológicas. Para
Azambuja (2014), essas transformações são inspiradas pelo movimento de
Renovação Geográfica.

Mantém-se o paradigma geográfico da Terra e do Homem, consolidado no


período anterior, mas nesse novo momento, o material didático vem
acrescido de técnicas de estudos dirigidos fornecidos em cadernos de
exercícios, disponibilizados para uso dos alunos. É ainda nesse contexto,
que algumas coleções didáticas apresentam a inclusão das mudanças
teóricas e metodológicas instigadas no debate identificado pelo movimento
da Geografia Crítica e de renovação na didática escolar (AZAMBUJA, 2014,
p.12).

Nova alteração da organização curricular é impulsionada pela implementação


da Lei de Diretrizes e Bases (Lei n°9394/96), a alteração fica por conta do acréscimo
de um ano ao primeiro grau, agora denominado Ensino Fundamental, e mantendo
os três anos letivos no Ensino Médio, que compunha o antigo 2º grau. Essa fase é
marcada também pela elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
culminando com a instituição do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD.
Recentemente, o debate suscitado pela criação da medida provisória que
pretende ―flexibilizar‖ os conteúdos oferecidos para o Ensino Médio. O chamado
―Novo Ensino Médio‖ pretende tornar eletivas determinadas disciplinas/conteúdos,
inclusive a Geografia, que ficaria compreendida na área de Ciências Humanas
nesse novo modelo. Conforme anúncio no Portal do MEC:

O currículo do novo ensino médio será norteado pela Base Nacional


Comum Curricular (BNCC), obrigatória e comum a todas as escolas (da
educação infantil ao ensino médio). A BNCC definirá as competências e
conhecimentos essenciais que deverão ser oferecidos a todos os
estudantes na parte comum (1.800 horas), abrangendo as 4 áreas do
conhecimento e todos os componentes curriculares do ensino médio
123

definidos na LDB e nas diretrizes curriculares nacionais de educação


básica. Por exemplo, a área de ciências humanas compreende história,
geografia, sociologia e filosofia. As disciplinas obrigatórias nos 3 anos de
ensino médio serão língua portuguesa e matemática. O restante do tempo
será dedicado ao aprofundamento acadêmico nas áreas eletivas ou a
cursos técnicos, a seguir: I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática
e suas tecnologias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV –
ciências humanas e sociais aplicadas; V – formação técnica e profissional.
(http://portal.mec.gov.br, acesso em: 29/11/2018)

Em seu livro ―O Discurso do Avesso‖ Moreira (2014) estabelece a relação de


interação entre Universidade e escola por meio do que ensinam, ―numa relação de
troca de experiências de domínio do pensamento que ora vai da primeira para a
segunda, ora vai da segunda para a primeira, diferentemente de como pensamos.‖
Segundo o autor, o tema deste livro é o modo como o pensamento geográfico
expressa e, ao mesmo tempo, configura essa relação de interação universidade-
escola feita ao redor do troca-troca de experiência curricular e gradil, e o papel
dessas instituições de sujeitos intelectuais da Geografia no Brasil e no mundo.
A Geografia enquanto disciplina escolar ainda se depara com muitos
impasses, embora o Movimento de Renovação no Brasil tenha aberto as portas para
uma Geografia referenciada na razão crítica.
124

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória do pensamento geográfico e de sua epistemologia está ligada às


formas de pensar e de agir sobre o mundo ao longo do tempo. E, as ideias sobre o
mundo, têm a ver com o real, síntese de muitas determinações. De estudo descritivo
da paisagem, passando pelo estudo da relação homem-meio e pelo estudo da
organização do espaço pelo homem até a ideia de ciência-síntese do mundo, a
nossa episteme sobre o reconhecimento da superfície terrestre à classificação das
várias áreas, tem como consequência no método muita informação e pouca
explicação.
Do modelo originário da geografia de Estrabão e Ptolomeu, em que a
geografia é entendida como o ato de olhar o mundo observando a paisagem a partir
de um significado, entrando na fase transicional com Varenius – com o estudo dos
povos por meio das paisagens da superfície terrestre e de sua representação
cartográfica -, em que o conceito de espaço é incorporado numa abordagem através
de temáticas gerais ou na forma de estudos mais localizados, até a fase da relação
homem-meio criando uma unidade holista, há um sentido de todo.
A perda da unidade do pensamento geográfico em virtude de interpretações
fragmentadas influenciadas pelo pensamento positivista –, com colagens de partes
inconsistentes num processo de especialização é uma tendência do saber no campo
mais geral e, como tal, faz surgir as geografias sistemáticas que se originam na
interface com as outras ciências. Como resposta a fragmentação são criadas a
geografia humana, a geografia física e a geografia regional.
Representada pela estrutura N-H-E esta é a forma que, como leitura de
mundo, de qualquer sociedade, atravessa a geografia em todas as suas áreas e
campos.
Esse modelo teórico-conceitual (Natureza-Homem-Economia) se estabelece
como paradigma na geografia moderna servindo para tratar qualquer lugar do
mundo a partir de uma operação metodológico-discursiva descrevendo, por meio da
linguagem de mapas, quadros, tabelas e blocos-diagramas, essa geografia cujo
formato também se expressa no cotidiano das escolas.
Desta forma, este esquema serve de modelo teórico-metodológico para tratar
qualquer forma de sociedade, qualquer lugar do mundo desconsiderando as
125

diferenças de caráter histórico-concretas. O N de natureza entendida como estoque


de recursos, o H do homem como quantitativo da população e o E de economia
como lógica de mercado para organizar materialmente a sociedade moderna,
tornam-se a centralidade da problemática geográfica.
Nesse discurso fragmentário em que o conceito de homem e de natureza é
estruturado de maneira dicotômica, o homem é desnaturizado e deslocalizado da
realidade da relação de classe. A natureza para a noção de homem demográfico-
antropológico-econômico são os recursos, o conjunto dos seres inorgânicos, algo
mecânico e, por isso, externa a ele. Natureza, Homem e Economia são apartados
com o intuito de descrever, enumerar e classificar para explicar os fatos por meio da
interpretação dos aspectos visíveis.
Quanto aos percalços da prática e à teoria geográficas, a tensão entre visões
holistas, por um lado, e fragmentárias e integradoras, de outro, desemboca numa
ciência de quase tudo e de nada precisamente delimitado (a questão sujeito-objeto),
de forma sem conteúdo ou do conteúdo sem forma, do real, mas aparente, de
relação, mas dicotômica, e de ambiguidade discursiva, tornando, por exemplo, a
paisagem como uma categoria da geografia física e o espaço, da geografia humana
(COUTO, 2017, p.12).
O discurso e a prática em geografia baseados na ciência que fragmenta o real
coexistem com o movimento de renovação que vem se desenvolvendo em vários
campos e temas geográficos. Porém, atores e sujeitos deste movimento envolvidos
com a proposta de uma educação referenciada no pensar/produzir/fazer/ensinar de
uma outra geografia – a da razão crítica – colaboram para a tentativa do
equacionamento dos problemas e dos impasses teórico-metodológicos herdados.
No decorrer destes quase 40 anos do início do movimento pautado nas
matrizes da renovação no Brasil, a Geografia vem buscando a resolução de alguns
impasses teórico-metodológicos herdados desde a sua constituição atravessando-a
na sua fase de ciência moderna até a contemporaneidade. Abre-se para o debate e
para a reformulação mais amplos que se processam a partir de uma realidade
político-social e da construção de uma práxis pautada no materialismo histórico-
dialético (num primeiro momento), considerado como concepção teórico-
metodológica importante para pensar a definição do objeto de estudo da ciência
geográfica.
126

A ideia de espaço historicamente produzido em que, o enfoque fundamental,


é baseado no fato de ser o espaço humano reconhecido, tal qual é, em qualquer que
seja o período histórico, como um resultado da produção. O ato de produzir é
igualmente o ato de produzir espaço. Produzir significa tirar da natureza os
elementos indispensáveis à reprodução da vida.
A produção supõe uma intermediação entre o homem e a natureza, através
das técnicas e dos instrumentos de trabalho inventados para o exercício desse
intermédio. Pela produção o homem modifica a Natureza Primeira, a natureza bruta,
a Natureza Natural, o espaço é criado como Natureza Segunda, natureza
transformada, natureza social ou socializada.
A análise espaço-temporal da realidade socioespacial, no ensino, por meio de
mediações promovidas pelo professor, proporciona ao aluno a compreensão de que
o espaço geográfico é produzido nas práticas sociais cotidianas em todas as escalas
no seu movimento incessante. Enfatizando a relação entre as contradições do
espaço geográfico socialmente produzido e sua abordagem no ensino de geografia
para que os alunos desenvolvam e ampliem sua capacidade de entendimento e
interpretação da realidade.
O conhecimento a ser produzido na perspectiva de uma geografia renovada,
a partir do movimento dialético das práticas e dos saberes espaciais, funda-se na
práxis pedagógica da relação professor-aluno, na relação sujeito-objeto e sujeito-
sujeito, por meio de mediações, possibilitando, assim, a construção de conceitos e
conhecimentos enquanto sujeitos históricos.
A partir de conhecimentos, práticas e saberes escolares que resultem em
aprendizagens mais significativas baseadas em concepções teórico-metodológicas
que orientem a compreensão da Geografia como área do conhecimento voltada para
a leitura espacial da realidade, podem-se alcançar alguns objetivos como: selecionar
e organizar conteúdos para a formação do ser em sociedade, formar cidadãos para
desafios e tarefas concretas da vida em sociedade.
Pesquisas recentes empreendidas na Geografia já apontam avanços
epistemológicos, teórico-metodológicos e na(s) prática(s) didático-pedagógica(s). Há
uma preocupação em superar algumas heranças deixadas pela Geografia de cunho
positivista. Sob o rótulo da ―decoreba‖, da fragmentação, da memorização e da
descrição, a geografia ensinada seguia um modelo de educação como elemento de
reprodução das desigualdades socioespaciais.
127

Algumas propostas buscam a superação do ensino de conteúdos organizados


no horizonte de uma corrente da geografia chamada ―tradicional‖. Esta se
caracteriza pelo arranjo mecanicista dos fenômenos e fatos separados em aspectos
físicos, humanos e econômicos para que o educando tenha uma descrição das
áreas estudadas em qualquer escala.
A leitura da realidade, da sua complexidade, busca as inter-relações (sem
dicotomias) dos elementos materiais e imateriais, sociais e naturais subjetivos e
objetivos. O que se quer nas investigações e reflexões é um método de abordar a
realidade para além do conteúdo em si quando se ensina, desenvolvendo os
conhecimentos como construções humanas e históricas.
Analisar e compreender a realidade por meio de categorias geográficas, no
ensino, torna-se um caminho fértil para o desenvolvimento do pensamento teórico-
crítico dos alunos, superando, assim, a prática empirista. Pensar por meio dos
conteúdos geográficos também contribui para a aprendizagem e para o
desenvolvimento do pensamento teórico-crítico do aluno.
Mesmo com uma profusão de propostas de reformulação do ensino da
geografia, poucos ainda são seus impactos na prática de ensino dos professores da
disciplina e, também, pouca a reflexão da prática baseada numa referência didático-
pedagógica.
As implicações e os problemas na prática docente do ensino de Geografia
são significativos: pouca difusão de novas propostas teóricas entre os professores
de ensino fundamental e de ensino médio, precariedade estrutural e de trabalho nas
escolas dificultando o crescimento intelectual dos professores, poucos e debilitados
programas de capacitação e formação continuada dos docentes.
Hoje, pode-se dizer que se faz uma defesa do ensino escolar de Geografia
voltada para a emancipação humana fundada na razão crítica. E o ensino de
geografia voltado para a formação de cidadãos conscientes e participativos que
desenvolvem o raciocínio espacial condiciona e é condicionado por este movimento.
A Geografia em sua busca constante do desenvolvimento de raciocínios
espaciais por meio das práticas sociais e dos saberes escolares dos alunos,
possibilita a construção de conhecimentos e conceitos geográficos que lhes
permitam compreender e intervir na realidade social em que vivem para que
produzam espaços de vida, visando à emancipação do ser do homem em
sociedade.
128

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Manuel Correia de. Atualidade do Pensamento de Élisée Reclus. In:


Élisee Reclus – Coleção Grandes Cientistas Sociais, Coordenada por Florestan
Fernandes em 1985, editada pela Editora Ática.

ASCENÇÃO, Valeria de O. Roque & SANTOS, Alan T. da S.. Influência da


Geografia Tecnicista no Ensino de Geografia. Centro Universitário de Belo
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