Você está na página 1de 9

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – CAMPUS GARANHUNS

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS

OSWALD DE ANDRADE: ENTRE MEMÓRIAS CRÍTICAS E UM FUTURO


REVOLUCIONÁRIO

Nathalia Lima SILVA


Tainara Siqueira da SILVA

GARANHUNS – PE
2022
Introdução
O presente trabalho busca trazer uma apresentação de quem teria sido Oswald de
Andrade, uma figura essencial para a arte e literatura brasileira. Com seu espírito
revolucionário, Oswald sempre buscou por ideais de transformação e de fato trouxe
uma transformação concreta ao modo de se fazer arte no Brasil, sendo um dos
grandes pensadores da Semana de Arte Moderna de 1922. Em suas obras o autor
era conhecido pelo caráter crítico, irônico, mas principalmente por acreditar na
relevância da cultura brasileira e no nacionalismo.

Para conhecer melhor algumas das características de Oswald, fez-se uma análise de
sua obra de 1924, Memórias Sentimentais de João Miramar, lançada no mesmo ano
em que o autor publicou o Manifesto da Poesia Pau Brasil, que buscava criar uma arte
que fosse exportada assim como o Pau Brasil foi.

Quem foi Oswald de Andrade?

José Oswald de Sousa Andrade, nasceu na capital paulista em janeiro de 1890.


O poeta, ensaísta e dramaturgo se formou em direito e optou por inicialmente
ingressar na carreira jornalística, como redator e crítico teatral do Diário Popular. Em
1911, com ajuda de sua mãe, fundou “O Pirralho", uma revista conhecida por
entrelaçar literatura e política.

Por desde cedo ter se engajado em política, Oswald se filia ao Partido


Comunista do Brasil e a partir de então seu trabalho passa a estar ainda mais ligado
a questões sociais. Mais à frente, em 1931, funda o Jornal do Povo, permanecendo a
prevalência de tendências comunistas e ferrenhas críticas ao capitalismo.

Oswald, que sempre foi engajado em questões revolucionárias, foi um dos


grandes idealizadores da semana de arte moderna, de 1922, que ocorreu na cidade
de São Paulo, juntamente de grandes nomes como Mário de Andrade, Anita Malfatti,
Menotti del Pilcchia e Tarsila do Amaral, que em 1926 viria a se tornar sua esposa.

Oswald de Andrade de o Movimento Modernista


Para Andrade, um dos grandes objetivos da Semana de Arte Moderna, que
ocorreu ao aniversário de 100 da independência do Brasil, seria trazer o resgate de
uma espécie de nova independência, independência essa que deveria se dar em
diversos campos, nos âmbitos artísticos, sociais, entre outros.

Para Bosi

é a partir de Oswald que se deve analisar


criticamente o legado do Modernismo paulista,
pois foi ele quem assimilou com naturalidade os
traços conflitantes de uma inteligência burguesa
em crise nos anos que precederam e seguiram de
perto os abalos de 1929/30. (1999, p.356)

Oswald afirmava que era preciso “quebrar o provincianismo” e romper os


padrões artísticos até então; tais padrões eram constantemente voltados para a arte
europeia, e não traziam tantos elementos de originalidade brasileira.

O movimento modernista, ao qual Oswald se enquadrava, é conhecido


justamente trazer uma espécie de inquietação com a realidade artística do país, e é
por tal motivo que o autor buscava enaltecer a ideia de que a arte necessitava
urgentemente de uma renovação; tal renovação deveria incluir elementos como a
liberdade criativa, a revisão, humor, paródia; além de trazer uma reconstrução de
obras ou valores preexistentes, sempre questionando os moldes tradicionais, formais
e acadêmicos de arte.

Para os modernistas, incluindo Andrade, não se pretendia abolir


completamente os valores e ideias artísticas já vigentes, mas sim trazê-los, renová-
los e adaptá-los para o que se chamava de uma nova realidade.

Dentre as principais características que se pode notar nas obras de Oswald de


Andrade está a liberdade formal e os versos livres; além disso o autor costumava
exagerar nas figuras de linguagem como a ironia, a metalinguagem e os neologismos
eram elementos constantes em seus escritos.

O nacionalismo e o regionalismo se faziam muito presentes também, já que o


objetivo do autor era exaltar o que se tinha na cultura local, deixando de lado a cultura
que era trazida de fora para as terras tupiniquins. Além desses fatores, Oswald
também costumava utilizar de poema-piada, poema-pílula, mas tudo sempre
permeado de um caráter crítico e polêmico, que exalava ousadia e inovação,
buscando olhar para o passado de forma crítica e escrever o futuro de maneira
revolucionária.

Andrade e a Antropofagia

No ano de 1924, Oswald viria a publicar pelo jornal “O Correio da Manhã” o Manifesto
da Poesia Pau Brasil. Tal manifesto enfatizava a necessidade de criar uma arte
baseada nas características do povo brasileiro e ele defendia a poesia brasileira de
exportação. Tal como o pau-brasil foi o primeiro produto brasileiro a ser exportado,
Oswald de Andrade desejava que a poesia brasileira se tornasse um produto cultural
de exportação; daí a escolha do nome do movimento. Mas este não foi o único
manifesto a ser escrito pelo autor.

No dia primeiro de maio do ano de 1928, foi publicado por Oswald de Andrade,
o Manifesto Antropófago, na Revista de Antropofagia, meio de comunicação
responsável pela difusão do movimento antropofágico brasileiro. Oswald utiliza
durante o desenvolvimento do manifesto, teorias de diversos autores e pensadores
mundiais, como Freud, Marx, Breton, Rousseau, Montaigne, entre outros grandes
pensadores. Cândido afirma:

É difícil dizer no que consiste exatamente a


antropofagia, que Oswald nunca formulou,
embora tenha deixado elementos suficientes para
vermos embaixo dos aforismos alguns princípios
virtuais, que a integram numa linha constante da
literatura brasileira desde a Colônia: a descrição
do choque de culturas, sistematizada pela
primeira vez nos poemas de Basílio da Gama e
Santa Rita Durão. (2004b, p. 58)

O Manifesto traz consigo a intenção de promover o resgate da cultura


primitivista. Oswald, no entanto, não se opõe drasticamente à civilização moderna e
industrializada, mas propõe um certo tipo de cautela ao absorver outros aspectos
culturais, para que a modernidade não se sobreponha totalmente às culturas
primitivas.

Figura da Revista de Antropofagia, 1928

Abaporu, de Tarsila do Amaral (1928, óleo sobre tela)

O conceito da antropofagia surgiu a partir do ideal pensado por Oswald que diz
que precisaríamos comer de outras culturas, da cultura europeia, por exemplo, que
era tida como dominante naquele momento, para que o corpo brasileiro absorvesse
aquilo que valesse a pena para criar algo típico do país, para aí sim exportar a cultura
verdadeiramente brasileira. a partir da ideia de Antropofagia, Oswald de Andrade
criam a figura do Abaporu, o homem que come gente.

Dentro da história, o Abaporu é usado para apontar atos ritualísticos, no qual


acredita-se que, ao comer a carne de um outro homem, a pessoa estaria adquirindo
também as suas habilidades. Trazendo para a realidade do movimento antropofágico,
o que isso significa? A ideia sugerida era “devorar” essa cultura enriquecida por
técnicas importadas e promover uma renovação estética na arte brasileira. O Abaporu
seria o homem que come gente ou o homem antropofágico, que o nome recebe a
junção dos vocábulos tupis ABA- HOMEM; PORA - GENTE; Ú - COMER.

Memórias Sentimentais, por Oswald de Andrade

Em 1924, veio a público a obra Memórias sentimentais de João Miramar. O


romance era esperado com curiosidade pelos amigos de Oswald de Andrade,
conforme se constata em carta de 1923, de Mário de Andrade a Manuel Bandeira:
“Oswald traz um romance (...) segundo me contam interessantíssimo,
exageradamente da facção. Morro de curiosidade” (ANDRADE, 1958, p. 60).

Os 163 capítulos fragmentos presentes nas Memórias Sentimentais, podem


ser lidos, se encarados como um grande quebra cabeças a ser montado, de acordo
com um fio condutor que une ora os acontecimentos isolados, ora passagens que nos
dão uma verdadeira noção de que o tempo age sobre a forma de se constituírem.
Haroldo de Campos, ao observar este aspecto, cria um verdadeiro roteiro para nossa
compreensão das Memórias, vejamos: (...) no Miramar, embora a pulverização dos
capítulos habituais produza um efeito desagregador sobre a norma da leitura linear,
não deixa de existir um rarefeito fio condutor cronológico, calcado no molde residual
de um “Bildungs-roman” que nos oferece –em termos paródicos, é verdade –a
infância, a adolescência, a viagem de formação, os amores conjugais e 34
extraconjugais, o desquite, a viuvez e o desencanto meditativo do herói, “o literato” –
memorialista cujo nome lhe dá titulo. (CAMPOS, 1980, p.104).

A radicalidade desta nova poética oswaldiana é ainda maior se levarmos em


consideração a técnica empregada por Oswald na composição das Memórias
Sentimentais de João Miramar, uma vez que o enredo tradicional não existe, pois a
sucessão de seus capítulos-instantes, de seus fragmentos, se faz como se fosse uma
prosa cinematográfica, isto é, desenvolvida com descontinuidade cênica, criando
assim uma espécie de simultaneidade dos acontecimentos. Esta tentativa de
simultaneidade está aliada à justaposição de textos de várias naturezas: cartas, diário,
discursos, poemas.

A respeito da importância dessa obra na literatura nacional, Antonio Candido


coloca: “Memórias sentimentais de João Miramar, além de ser um dos maiores livros
da nossa literatura, é uma tentativa seríssima de estilo e narrativa, ao mesmo tempo
que um primeiro esboço de sátira social” (CANDIDO, 1995, p. 52).

Memórias sentimentais de João Miramar é um romance fragmentário, formado


por 163 capítulos, sem preocupação nenhuma com sequência lógica. Acerca da
composição dessa obra, Alfredo Bosi ressalta: A composição mesma do romance é
revolucionária: são capítulos-instantes, capítulos relâmpagos, capítulos sensações. O
que ao Oswald leitor dos futuristas e profundamente afetado pela técnica do cinema
era a colagem rápida de signos, os processos diretos, “sem comparações de apoio”,
como diria, no mesmo ano que Miramar, pelo Manifesto da Poesia Pau Brasil (BOSI,
1994, p. 358-359).

Os capítulos-relâmpagos de Miramar constituem-se de variados tipos de


discurso, como cartas, citações, impressões, diálogos, descrições, relatos e poemas.
O nexo que une uns aos outros dilui-se facilmente. Isso faz com que o romance tenha
uma organização pouco precisa, mas que permite vislumbrar um João Miramar na
infância e adolescência, com amizades escolares e relações familiares; sua precoce
viagem à Europa, as experiências várias dessa aventura; e o posterior Miramar adulto,
retornado ao Brasil, em suas relações de trabalho, negócios e amizades, em seu
crescente desacerto com a esposa devido ao envolvimento com a amante.

Podendo ser considerado um dos mais ousados romances brasileiros de


todos os tempos, Miramar é a exacerbação da genialidade de Oswald. Para Mário da
Silva Brito, “quando os filólogos nacionais despertarem de seu pesado e demorado
sono, descobrirão, sem dúvida, que é um riquíssimo filão para a pesquisa, o estudo e
análise da sintaxe e estilísticas renovadas” (BRITO, 1969, p. 59). Nesta obra, assim
como em outros livros de sua autoria, Oswald aproveitou as técnicas do vanguardismo
europeu e as adaptou à transmissão literária de um país em transição em que a
realidade urbana estava em processo de industrialização, e culturalmente presa ao
passado, econômica e politicamente contaminada pela guerra mundial.
Cabe muito bem o posicionamento crítico de Kenneth D. Jackson a propósito
das intenções de Oswald de Andrade e suas Memórias Sentimentais: A inovação de
Oswald representa uma rejeição, não apenas a estilos artísticos precedentes, mas
também ao contexto social, cuja expressão teve ligação estreita com aqueles estilos.
Nesse contexto, o estilo vanguardista de Miramar representa mais do que a revolta
modernista contra o estilo parnasiano e as grandes personalidades literárias e
retóricas que dominavam a literatura brasileira. (...) As críticas de João Miramar nas
memórias representam a crítica e a rejeição de Oswald de Andrade ao seu próprio
passado. 6 Jackson confirma que a obra de Oswald rejeita os padrões tanto sociais
como estéticos existentes no seu tempo e o crítico vai mais além, propõe uma rejeição
do autor ao próprio passado, portanto um questionamento à origem.

A respeito da sociedade retratada pelo escritor modernista em Miramar,


Haroldo de Campos ressalta no apêndice do romance: “Memórias sentimentais de
João Miramar é bem um misto de diário sentimental e de jornal dos faits divers duma
sociedade provinciana e ociosa, cujo barômetro era a alta do café ou a sua crise”
(ANDRADE, 1993, p.19). De acordo com Antonio Candido, Oswald “foi uma espécie
de preparador do Modernismo” (CANDIDO, 1997, p. 76). Foi Oswald que, ao voltar da
Europa com suas ideias vanguardistas, sugeriu aos seus amigos a ruptura com os
antigos padrões artísticos, estimulando rebeldias estéticas, trazendo para o meio
intelectual esse sentido de mudança. Tornando essa obra um marco na prosa
moderna nacional, rompendo com a estrutura canônica do romance brasileiro, visto
que Oswald inseriu nela as novas tendências literárias em voga na Europa da época.
REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix,
1999.

CANDIDO, Antônio. Estouro e libertação. In: CANDIDO, Antônio. Brigada ligeira e


outros ensaios. São Paulo: Editora UNESP, 1992.

CANDIDO, Antonio. Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade. In: ___.


Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas Cidades, 2004.

CANDIDO, Antonio & CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura


Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

ANDRADE, Oswald de. Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo:


Globo, 1993. - BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo:
Cultrix, 1994.

BRITO, Mário da Silva. “As Metamorfoses de Oswald de Andrade”. In. Ângulo e


Horizonte. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1969.

Você também pode gostar