Você está na página 1de 30

Educação Patrimonial,

Diversidade e Meio Ambiente

1
Presidente da República Governo do Distrito Federal Organização
Luiz Inácio Lula da Silva Vinicius Prado Januzzi
Governadora
Ana Carolina Lessa Dantas
Ministra da Cultura Celina Leão Hizim Ferreira
Vanessa Nascimento Freitas
Margareth Menezes da Purificação Costa
Secretária de Estado de Educação do Rodrigo Capelle Suess
Instituto do Patrimônio Histórico Distrito Federal Fábio da Silva
e Artístico Nacional Hélvia Miridan Paranaguá Fraga Inara Bezerra Ferreira de Sousa
Subsecretária de Educação Inclusiva e Autores
Presidente
Integral Alessandra Lucena Bittencourt
Leandro Antônio Grass Peixoto
Vera Lúcia Ribeiro de Barros Ana Carolina Lessa Dantas
Diretores do Iphan Gerente de Educação Ambiental, Átila Bezerra Tolentino
Maria Silvia Rossi Patrimonial, Língua Estrangeira e. Beatriz Coroa do Couto
Andrey Schlee Arte-Educação Beatriz de Oliveira Alcantra Gomes
Deyvesson Gusmão Silvia Alves Ferreira Pinto Cláudia Garcia
Desirée Tozi Fabiana Maria de Oliveira Ferreira
Hugo de Carvalho Sobrinho
Créditos da publicação Ilka Lima Hostensky
Superintendente do Iphan Laura Ribeiro de Toledo Camargo
Educação Patrimonial, Diversidade e Meio
no Distrito Federal Luís Fernando Celestino da Costa
Ambiente no Distrito Federal
Thiago Pereira Perpétuo Márcia Cristina Pacito Fonseca Almeida
Maria Andreza Costa Barbosa
Marielle Costa Gonçalves
Maurício Guimarães Goulart
Paulo Moura Peters
Rodrigo Capelle Suess
Rosângela Azevedo Corrêa
Rosinaldo Barbosa da Silva
Sônia Regina Rampim Florêncio
Vanessa Nascimento Freitas
Vinicius Prado Januzzi
Projeto gráfico e diagramação
Carolina Menezes
Revisão e Correções
Sarah Torres Nascimento de Abreu

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional
www.iphan.gov.br
publicacoes@iphan.gov.br
iphan-df@iphan.gov.br
Educação Patrimonial e Arte

elaborado por

Maria Andreza Costa Barbosa1

Arte, Cultura e Cidadania

estética e constituição de cidadania territoriais, o meio ambiente e a rela-


A temática envolvendo Arte,
dos estudantes durante o percurso ção do ser humano com o lugar.
Cultura e Cidadania encontra respaldo
na educação básica. Compreende-se Estas são questões que nos
nos instrumentos orientadores
que a Educação Patrimonial é um ajudam a pensar sobre os proces-
de políticas educacionais e
importante e privilegiado campo sos de construção da cidadania na
está presente no Currículo em
para tratar de tais processos porque atualidade, sobre a sua forte rela-
Movimento da Educação Básica do
envolve a história, os lugares, a ção com a abordagem cultural e os
Distrito Federal (2018); com isso, vem
obra de arte, os objetos materiais, a conflitos que se apresentam diante
suscitando discussões nos ambientes
cultura e a cidadania. dos limites impostos pelo precon-
educativos e ganhando visibilidade
Arantes (1996), ao discutir a ceito, acerca das fronteiras entre
nos Projetos Pedagógicos das
cultura e a cidadania na contem- tradição e inovação e, ainda, diante
instituições de ensino.
poraneidade, destaca que essa das discussões dos direitos humanos
Para pensar as questões que
temática ganha importância na e sociais nas esferas local e global
envolvem Educação Patrimonial e
agenda atual, porque há novos movi- (ARANTES, 1996).
Arte, procuramos dialogar com auto-
res críticos com o intuito de chegar mentos sociais e novas esferas de
a um pensamento reflexivo sobre os reivindicação, entre elas, as diferen-
processos de criação, de elaboração ças culturais e políticas, os aspectos

1 Professora de Arte-Educação da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Graduada em Educação Artística com habilitação em Artes
Plásticas, possui mestrado em Educação pela Universidade de Brasília. Realiza pesquisa nas áreas de Arte, Cultura e Cidade. Na SEEDF elaborou políticas
públicas para a Escola Parque e projetos na área de Arte-Educação. Atualmente, desenvolve a atividade docente na educação básica com a etapa ensino
médio. andrezaferreiro@gmail.com.

2
Devido à sua abrangência, explo- atividade criativa e para a consti-
rar os caminhos que orientam e tuição de cidadania dos indivíduos,
fundamentam o processo educativo, ao ampliar a experiência e possibili-
nas perspectivas da Arte, da Cultura tar o contato com a cultura desde a
e da Cidadania constitui um desa- infância. Vamos considerar o termo
fio, no entanto, nos fornece as bases cultura em um sentido amplo, como
para investigar as conexões que a conhecimento produzido pela huma-
escola estabelece com o conjunto de nidade em diferentes contextos, ou
representações e das significações seja, entendida como o conjunto de
da sociedade atual, bem como apro- processos de socialização e de apren-
xima os estudantes dos processos dizado intergeracional, variável no
históricos construídos e da realidade tempo e no espaço.
vivida de forma crítica.
Assim, este curso ancora-se na
necessária reflexão sobre a impor-
tância da escola como lugar de vida saiba mais
e de cultura. Corroboramos com o Guiados pela teoria histórico cultu- propicia o contato intencional com
ral, base do Currículo em Movimento a cultura e com os conhecimentos
entendimento de que a educação
(SEEDF, 2018), compreendemos elaborados pelos seres humanos ao
patrimonial pode preparar o estu- que a imaginação e a criatividade longo da história.
dante para a experiência estética e não são inatas, mas estão rela- Com isso, compreendemos que o
contribuir na construção de bases cionadas com a apropriação da Ensino da Arte é um espaço potente
cultura e desenvolvidas por meio na escola para o pensar consciente
fortes para a imaginação, para a do conhecimento, da elaboração de sobre o patrimônio da humanidade
pensamentos, conceitos e abstra- e para o desenvolvimento da imagi-
ções, tendo por base a realidade nação e da criatividade.
histórica (SACCOMANI, 2016).

Nessa linha de pensamento, a educa-


ção escolar, desde as fases iniciais
do desenvolvimento das crianças,

3
Dessa forma, um ponto impor- com Fischer (1973), Bakhtin (2010) e
tante a ser considerado neste nosso Vigotski (2010), seguindo as trilhas
estudo refere-se ao Ensino de Arte da teoria histórico-cultural presente
na educação básica, uma vez que as
1
no Currículo em Movimento da
conquistas políticas nesse campo, Educação Básica (2018), procu-
com as suas definições e incertezas, rando compreender a importância
apresentam alcances da área como da apropriação dos conhecimentos
conhecimento. O objetivo é oferecer artísticos e culturais para a realiza-
uma visão geral e alguns referen- ção da criatividade e possibilidade de
ciais como subsídios para a reflexão elaboração do novo.
crítica a respeito do Ensino da Arte e A partir disso, explanamos um
as possibilidades de pensar o traba- aspecto da história da cidade por
lho em sala de aula. meio do Plano Educacional proposto
Este módulo está dividido em para a capital, direcionado à Escola
dois momentos. Em um primeiro Parque como espaço inovador para
momento, iremos fazer uma breve o Ensino da Arte. O intuito deste
contextualização sobre o Ensino de tópico é incentivar o leitor e a leitora
Arte no Brasil, aproximando-nos da a conhecerem ou aprofundarem
história e da metodologia da Arte seus conhecimentos sobre a história
na educação, expressas nos docu- da cidade. Por fim, propomos uma
mentos de referência para o Distrito metodologia de trabalho que envolve
Federal, certos de que a análise a reflexão sobre a cidade como lugar
deste percurso pode nos auxiliar do imaginário e de representações/
a melhor perceber o presente. O criações que podem se constituir de
objetivo é trazer para a discussão o vários sentidos a partir da elabora-
Ensino da Arte e sua relação com a ção de Mapas Vivenciais. Pois, há na
Educação Patrimonial. cidade imagens de uma organiza-
O segundo momento, faremos ção cultural e social que engendram
uma reflexão sobre a relação entre uma dimensão estética a qual viven-
Arte e Vida, procurando dialogar ciamos diariamente. Vamos lá?

2 O texto apresentado neste curso resulta da adaptação de dois capítulos da dissertação de mestrado intitulada Imagens da cidade, da escola e da vida: sobre arte,
espaços e tempos na Escola Parque-DF, de autoria de Maria Andreza Costa Barbosa, sob a orientação da Prof. Dr. Maria Lídia Bueno Fernandes, apresentada no
programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, em 2018.

4
Arte-Educação: um breve voo

Aqui reside a chave para a


tarefa mais importante da educa-
ção estética: introduzir a educação
estética na própria vida.

L.S Vigotski (2016, p.339)


Lev S. Vigotski, psicólogo russo, O esforço, como situa o autor, é
em seus estudos sobre os processos que a criança e o educando estejam
pedagógicos e características psico- em contato com os símbolos cultu-
lógicas da reação estética (2016), abre rais construídos pela sociedade,
caminhos para melhor compreen- podendo, assim, ter elementos para
dermos como se processa a emoção a experiência estética e para a (re)
e os sentimentos que a obra de arte elaboração da realidade.
provoca e sua importância para Ressalta-se que a experiência
o desenvolvimento das crianças estética se realiza no cotidiano de
e jovens. Nesse sentido, conduz- forma a contribuir para o desen-
-nos à reflexão sobre a relação da volvimento, pois a Arte decorre da
arte com a educação, pois, para vida, não é algo distante e comple-
Vigotski, a vivência da Arte possibi- mentar à vida. “E é essa poesia de
lita ver o mundo de forma diferente ‘cada instante’ que constitui quase
e, assim, organiza e reconstrói o que a tarefa mais importante da
comportamento. educação estética” (VIGOTSKI, 2016,
p. 352). Por este caminho buscamos
Uma obra de arte vivenciada pode pensar a educação, a arte e a vida
efetivamente ampliar a nossa entrelaçadas, uma vez que temos
concepção de algum campo de fenô-
menos, levar-nos a ver este campo o entendimento que a arte se apro-
com outros olhos, a generalizar e pria de fenômenos que estão na vida
unificar fatos amiúde inteiramente e a transforma.
dispersos (VIGOTSKI, 2016, p. 344).

5
A partir das contribuições da a tentativa de um posicionamento
teoria histórico-cultural, fundada reflexivo acerca do Ensino de Arte.
na concepção segundo a qual as A Arte, no currículo da
características humanas vão se Educação Básica, sempre foi um
desenvolvendo na interação dialética campo de luta dos profissionais da
entre o ser humano e o meio, somos área para a oferta nas escolas e pela
provocados a pensar como o Ensino sua permanência. Em 1996, essa
da Arte que se realiza diariamente conquista se deu através de um rele-
nas escolas pode se constituir como vante movimento político realizado
espaço de reflexão e de vivência em pelo grupo de “Arte Educadores”, a
arte e, nesse sentido, como pode partir de discussões sobre o Ensino
favorecer que as crianças, os jovens da Arte nas escolas e nos espaços
e os adultos pensem criticamente culturais. A organização dos arte-
sobre a realidade e se apropriem -educadores foi desenvolvida com
dos modos sociais e históricos para o a criação das associações regionais
seu desenvolvimento cultural. Deste e de pesquisadores das diferentes
modo, procuramos trilhar alguns linguagens da arte na década de 1980
caminhos percorridos pelo Ensino e pela Federação de Arte-Educadores
de Arte no Brasil, traçando as conti- do Brasil-FAEB, fortalecidas com a
nuidades e descontinuidades deste vinculação das universidades. A luta
percurso. Importante ressaltar que política tinha como foco o ensino das
não propomos um olhar hierarqui- linguagens e a formação dos profes-
zado ou uma evolução do percurso sores (BRASIL, 2006).
histórico da Arte Educação e, sim,

6
1

Esses debates versaram sobre Essa mudança de concepção difundida no Brasil, muitas vezes
como e qual a melhor forma de ensi- ancorou-se na abordagem triangu- não apenas como metodologia,
nar Arte e foram imprescindíveis lar que foi formulada em 1980 por mas como ação política em defesa
para a garantia desse ensino naquele Ana Mae Barbosa e que se consti- do Ensino da Arte nas escolas como
momento, uma vez que, na conjun- tuiu como um marco no Ensino da conhecimento. Pelo contexto no qual
tura de revisão da Lei de Diretrizes Arte no Brasil, porque valorizou a foi desenvolvida e pelas rupturas que
e Bases de 1996, havia o risco da concepção de Arte como conheci- promoveu, a abordagem triangular é
arte ser retirada do currículo esco- mento e possibilitou uma estrutura considerada uma proposta pós-mo-
lar (BARBOSA, 2008). metodológica ao designar três ações derna para o Ensino da Arte³.
Além disso, o grupo que se básicas: o fazer artístico, a leitura e a
intitulou “Arte Educadores” propu- sua contextualização – a história da
nha um ensino voltado para os Arte (BARBOSA, 2008).
aspectos culturais e históricos. A abordagem triangular base-
Com essa ênfase, promoveu uma ada no Discipline Based Art Education
modificação nas práticas artísticas (DBAE) americano mostra-
e no currículo de arte, cuja tradi- va-se diferenciada da proposta
ção se pautava na técnica, na cópia modernista do Ensino de Arte como
de modelos e, principalmente, na autoexpressão, principalmente pela
centralidade da produção indivi- sua interação com a cultura global
dual do estudante, conhecido como e local e com a apreciação esté-
“autoexpressão”. tica. Essa abordagem foi bastante

3 A proposta triangular é inspirada nas concepções das Escuelas al Aire Libre mexicanas, na Critical Studies proposta inglesa, no Movimento da Apreciação Estética
e no DBAE (Discipline Based Art Educacional) americano (SILVA, 2016).

7
Importante ressaltar que a DBAE, segundo o autor, encontra-se voltada para os interesses da criança
Educação Artística baseada em disci- na história da arte como um impor- na perspectiva progressista, para o
plinas (DBAE) aparece pela primeira tante registro do passado capaz foco no conhecimento e no profes-
vez, no cenário internacional, em de contribuir para a ampliação do sor (EFLAND, 2002).
1970, com as reformas curriculares e conhecimento cultural da sociedade. Não obstante a crítica de
com as discussões sobre a qualidade Contudo, o Ensino da Arte, nessa Efland, compreende-se que a “arte
da educação. Nesse viés, a capaci- concepção, trata de uma cultura e de educação” significou uma mudança
dade da obra de arte de intensificar e um conhecimento histórico constitu- de concepção de ensino na área, no
ampliar a experiência humana é colo- ído e consolidado. sentido de que fez a obra de arte
cada em pauta. O conhecimento, os A crítica quanto a essa metodolo- emergir como uma via de acesso às
objetivos e os processos avaliativos gia ressalta que a Educação Artística diferentes fontes e representações,
estão, neste momento, em contra- baseada em disciplina é uma inicia- procurou a aproximação do Ensino
ponto à arte como expressividade, à tiva que concebe a arte como da Arte com os aspectos culturais
autoexpressão criativa e às referên- conhecimento racional e converte e ampliou diálogos com a diversi-
cias da escola progressista moderna. o Ensino da Arte em uma ocupação dade brasileira. A ligação com a Arte,
No entanto, ao realizar uma passiva, distanciada da criatividade neste momento, passa a ser uma
análise crítica sobre o DBAE, Efland do fazer artístico. Trata-se de uma necessidade que aproxima professo-
(2002) identifica a exclusão dos senti- concepção de ensino com ênfase nos res e estudantes do universo cultural
mentos e da imaginação no Ensino aspectos cognitivos e que desloca (IAVELBERG, 2015).
da Arte nessa proposta. A ênfase do a centralidade do ensino, antes

8
A proposta triangular significou, Já no final do século XX, o termo
de certa forma, a abertura e o olhar “Arte Educação” sai de cena e a termi-
para a diversidade de manifestações nologia “Ensino da Arte” começa
culturais, ao considerar a fruição a ganhar espaço. A nomenclatura
como estruturante do trabalho em é utilizada em uma perspectiva
arte. Nessa perspectiva, as obras contemporânea por tratar de ques-
selecionadas para a contempla- tões relacionadas à democratização
ção estética em sala de aula podem do acesso à Arte e ao estudo das
abranger a arte erudita, a arte popu- diferentes culturas. Nessa mesma
lar, a arte dos povos tradicionais e direção, houve a abertura nas escolas
as manifestações culturais diver- para outras possibilidades expres-
sas, contextualizadas e discutidas sivas como a fotografia, o vídeo, o
de acordo com os seus respectivos cinema e a dança.
referenciais históricos.
Outro ponto que se destaca
nesse período como proposta para
o Ensino da Arte é o entendimento
de que os estudantes e professores
devem frequentar espaços culturais;
com isso, a aproximação a espaços
como museus e centros culturais
permitiu o contato direto com a
obra de arte e a fruição propria-
mente dita. Ou seja, a aproximação
da Arte compreendida como conhe-
cimento possibilitou ao Ensino da
Arte um olhar mais crítico e interpre-
tativo de professores e de estudantes
(IAVELBERG, 2015).

9
Assim, com o posicionamento de Lembramos também que as
que a Arte tem conteúdos, história e discussões em torno dos aspectos
diferentes modos de interpretação culturais da matriz brasileira, favo-
e, com a mobilização dos “arte-e- recidas com a legislação a partir de
ducadores”, muitos avanços foram 2002, que determinou o estudo dos
possíveis, tanto em termos de garan- conteúdos curriculares relacionados
tia do Ensino da Arte no currículo da às culturas afro-brasileira e indígena
educação básica como na forma de e com as políticas públicas da inclu-
concebê-lo, no que tange à forma- são no âmbito educacional, social e
ção do professor nas diferentes cultural de parte da população histo-
linguagens: artes visuais, dança, ricamente excluída, modificou o
música e teatro. currículo da educação básica e corro-
Podemos destacar que as múlti- borou para o acesso dos estudantes
plas tendências que surgem nos EUA à arte e à cultura, seja por meio da
e na Europa acerca da inclusão das educação formal, seja da informal
minorias, da migração, dos proces- (BRASIL, 2006).
sos de globalização; a denúncia em
relação à ausência das mulheres
no estudos acadêmicos e culturais;
o olhar sobre a questão de gênero;
além de discussões em torno do meio
ambiente e sobre diferentes culturas
são temáticas que chegam ao nosso
currículo, colocando em pauta e
fortalecendo ainda mais a necessi-
dade de um pensamento sobre arte
voltado ao campo da cultura.

10
No sentido de encerrar esta entendidas, mas nem sempre trans-
breve contextualização e, procu- formadas em conhecimento e em
rando refletir sobre o Ensino de Arte reflexão. Dessa forma, o Ensino de
no contexto escolar na atualidade, Arte não ajuda o estudante a pensar
trazemos a seguinte provocação e a intervir culturalmente em seu
de Freedman (2010), ao discutir a meio, como cidadão esclarecido e
cultura visual de massa e a arte. atuante (FREEDMAN, 2010).
Segundo a autora, se quisermos que Por outro lado, podemos mencio-
a educação seja, de fato, desafiadora nar que o Ensino da Arte, quando
e democrática, temos que trazer o se aproxima do contexto cultural e
universo de significações que está dos saberes dos diferentes grupos,
na arte, mas que está também nas corrobora a reflexão de como os
imagens cotidianas para dentro sujeitos pensam a sua localidade e
da escola, discutindo, inclusive, os o seu espaço-tempo. De tal modo,
conflitos que esse novo sistema de possibilita aos estudantes as expe-
símbolos promove. riências ligadas à construção de
A autora nos sinaliza que o pertencimento, à discussão sobre a
conhecimento de arte e as relações exclusão, a segregação e como reela-
interdisciplinares que a visualidade boram esses sentimentos. Dessa
promove em nosso cotidiano não maneira, no cerne da relação entre
são contempladas de forma dialó- arte, pertencimento e conhecimento
gica em nossos currículos. Muitas pode ser articulada e desenvolvida a
vezes, a obra de arte é tratada em Educação Patrimonial.
nosso ensino como algo isolado,
com significações fixas para serem

11
A revisão histórica nos permite 2016, alterou o artigo 26 da Lei nº
destacar que o trabalho em arte 9.394, de dezembro de 1996 (LDB), e
desenvolvido nas unidades escola- regulamentou que as linguagens da
res do Distrito Federal acompanhou arte são as Artes Visuais, a Dança, a
muitas tendências e carrega em seu Música e o Teatro. Esta regulamenta-
histórico as concepções modernis- ção é uma conquista histórica, uma
tas, pós-modernistas e questões vez que reconhece a arte com distin-
atuais, sejam teóricas ou metodo- tas possibilidades expressivas, além
lógicas. De certa forma, podemos de incluir a Dança e estabelecer aos
considerar que as diferentes concep- estados e municípios a organização
ções ajudam a forjar a identidade da oferta, considerando as diferen-
deste ensino e, com ela, suas contra- tes linguagens.
dições e incertezas.
Atualmente, o Ensino da Arte
está inserido na área de lingua-
gens, códigos e suas tecnologias, e
suas modalidades curriculares são
previstas na Lei de Diretrizes e Bases
- LDB, nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e no Currículo
em Movimento da Educação
Básica do DF.
Vale mencionar que a Lei de
Diretrizes e Bases, Lei nº 13.278, de

12
Sabemos que as conquistas de Arte já consolidado para todas
desse percurso ainda serão muitas. as etapas e modalidades e parece
No entanto, a Lei de 2016 nos faz avançar em alguns aspectos, entre
perceber que, ao ser implemen- eles, o olhar para a diversidade
tada e transformada em políticas cultural e para o protagonismo dos
públicas, pode favorecer a oferta estudantes, sustentada em uma
e a qualidade do ensino com abordagem crítica.
respeito às especificidades, tempos Neste ponto, retomamos a
e espaços das linguagens e, princi- teoria histórico-cultural, apontada
palmente, à crítica à polivalência no no início do texto a partir da epígrafe
Ensino da Arte. de Vigotski, para pensarmos juntos
No âmbito da Secretaria de como os elementos constituintes
Estado de Educação do Distrito da realidade exercem influência
Federal, ainda não há uma matriz na vivência dos estudantes e qual a
curricular que organize e garanta importância do Ensino da Arte para a
a oferta das diferentes linguagens elaboração do pensamento estético,
aos estudantes. Por outro lado, o para a apropriação da cultura e para
Currículo em Movimento (2018) a constituição da cidadania.
apresenta a proposta do Ensino

13
Arte e Vida

Podemos pensar a arte de muitas tados de suas ações, o ser humano da natureza. Essa ampliação de
maneiras, como técnica, ornamento, passa a ser o criador. A criação é, conquista, ou domínio, da natureza
expressividade, conhecimento ou portanto, uma elaboração inte- foi essencial para o desenvolvimento
como trabalho. A arte se apresenta lectual e reflexiva que se constitui das relações sociais e para o fortale-
também como possibilidade de o pela imaginação, pela ação e pelo cimento da coletividade humana
ser humano conhecer e transformar propósito. Trata-se de um processo (FISCHER, 1973).
a realidade social, de se identificar dialético no qual a criação e o traba- Nesse sentido, o trabalho
com o outro, de imaginar mundos lho se desenvolvem como uma é o primeiro ato histórico do ser
possíveis e de criar novas realidades. atividade mútua. humano, pois é por meio dele que a
Mas, de todas as formas e de todas Ao criarem os objetos, as vida material se organiza, é a condi-
as maneiras, a imaginação e a cria- pessoas elaboram uma nova reali- ção de sobrevivência, é elaboração
tividade se colocam com atributos dade e as primeiras abstrações da vida e de cultura. Na gênese do
necessários. Porém, o que é a imagi- conceituais são formuladas. As trabalho, encontra-se a criação, que
nação? O que entendemos como um palavras que irão definir e marcar é a forma como o ser humano modi-
trabalho criativo? O que é um conhe- os instrumentos e os utensílios se fica a realidade, como produz e se
cimento em arte? transformam, ao longo do tempo, organiza socialmente. Dessa forma,
Segundo Fischer (1973), o em um poderoso meio de expressão. a humanidade cria novas neces-
fazer consciente e o ser consciente se Com as palavras, é possível apreen- sidades, transforma a realidade e
desenvolveram a partir do trabalho, der um objeto, uma invenção tão elabora, no decorrer da história,
pois o trabalho segue um propósito importante como a de um machado novas possibilidades de ser.
claro por meio de um processo refle- ou uma faca, pois permite expan-
xivo. Ao elaborar um instrumento dir à comunidade o poder mágico
específico e ao antecipar os resul- de elaboração criativa de conquista

14
Com o trabalho, que é a parti- rompemos paradigmas. Embora
cipação do ser humano junto à a arte surja com os elementos do
natureza, há a socialização das cotidiano, ela vai além, intensifica a
ações, o aprofundamento e a trans- realidade ao nos permitir vivenciar a
formação. E, assim como o trabalho, história da humanidade. Saccomani
a vida se transforma em um processo nos explica: “A Arte é a intensificação
de elaboração e reelaboração social do humano, dessa forma podemos
e cultural. Dessa forma, a palavra vai vivenciar, por meio da obra de arte,
ao longo do tempo se transformando séculos e séculos da vida da humani-
quando a vida se transforma. E, como dade de forma sintética” (2016, p. 127).
a palavra, a arte toma o impulso da Deste modo, para a vida se trans-
vida e a transforma. Poderíamos formar, ela precisa da arte. Sob
dizer que a arte se apropria desse este ponto de vista, somos leva-
movimento de criação e de reela- dos a pensar o grande desafio que
boração da vida social e supera a é justamente colocar na vida o que
realidade forjando outras formas, está na arte e pensar arte e vida
cores e possibilidades. dialeticamente e dialogicamente
Entendemos que, por meio entrelaçadas (BAKHTIN, 2010).
da arte, superamos a realidade
cotidiana, transformamos a vida e

15
Portanto, compreendemos que é dos produtos de sua história social,
preciso olhar para a arte para enten- criando, a partir daí, novos objetos.
der a vida, ou seja, considerar que o Isso significa que é na trama social
tempo e o espaço do existir é vigor que o processo criativo se configura,
e criação. Contudo, esse existir é ou seja, por meio do trabalho, o ser
preenchido do outro, ou seja, há em humano cria, apropria-se e participa
mim um mundo estético que é social, da cultura (VIGOSTSKI, 2010).
cultural e coletivo (BAKHTIN, 2010). Assim, as novas criações são
Assim, Bakhtin (2010) nos elaboradas a partir do mundo que o
provoca a pensar em um sentido no ser humano criou em seu percurso
qual viver com emoção seria trans- histórico, ou seja, o mundo feito
gredir a relação tempo e espaço pelas mãos humanas é produto da
determinada e única que constrói imaginação e é incorporado, conser-
um pensamento linear. A proposta vado e transformado na medida em
do pensador, portanto, é admitir que nos apropriamos dessas criações.
as contradições e trocar um lugar Vale dizer que, na concepção histó-
monológico para uma localiza- rico-cultural de Vigotski, a base da
ção dialógica. criação é constituída da combinação
Para melhor compreen- dos elementos vividos com as novas
der essas questões, recorremos à elaborações da realidade presente.
concepção histórico-cultural de Lev
Vigotski, segundo a qual a criativi-
dade é uma conquista cultural, pois
o indivíduo se apropria dos objetos,

16
Compreende-se, portanto, que Deste modo, Vigotski ofere-
a criação tem uma gênese cultural, ce-nos uma análise dos processos
pois o seu desenvolvimento está de criação e de imaginação como
relacionado aos processos históricos, uma “função vital necessária” do ser
os quais são aprendidos socialmente humano para a elaboração estética
desde a infância. coletiva, para o desenvolvimento
mental e para gerar as condições de
Na verdade, a imaginação, base de humanização. De acordo com essa
toda a atividade criadora, mani- teoria, as características huma-
festa-se, sem dúvida, em todos os
campos da vida cultural, tornando nas vão se desenvolvendo ao longo
também possível a criação artís- dos processos históricos na intera-
tica, a científica e a técnica. Nesse ção dialética entre o ser humano e o
sentido, necessariamente, tudo
o que nos cerca e foi feito pelas
meio. Isso significa que, ao modificar
mãos do homem, todo o mundo da a natureza, o ser humano se modi-
cultura, diferentemente do mundo fica e cria um mundo sociocultural
da natureza, tudo isso é produto da
(VIGOTSKI, 2010).
imaginação e da criação humana
que nela se baseia (VIGOTSKI,
2010, p. 14).

17
Ao estudarmos a teoria histórico desenvolvimento humano, porque é Sem a pretensão de responder,
-cultural de Vigotski, referência nos a realidade vivida que exerce influ- mas suscitando a reflexão nesta linha
pressupostos teóricos do Currículo ência de diferentes maneiras em de pensamento, compreende-se que
em Movimento da Educação Básica cada indivíduo. a obra de arte, mesmo sendo uma
do DF, percebemos o complexo Nessa perspectiva, a imaginação experiência individual e única, traz
sistema processual que articula o é fundamental para o desenvolvi- consigo referências culturais, possi-
momento presente, experimentado mento humano, pois é por meio bilidades interpretativas e criativas
e vivido ao mundo historicamente dela que a experiência do indivíduo que estão associadas às elaborações
construído. A cultura, portanto, não se amplia. Se toda a obra de imagina- históricas, dessa forma, “[...] a Arte é
é uma herança que se transmite ção tem por base o vivido, a história o social em nós” (VIGOTSKI, 1998, p.
imutável, mas uma produção histó- e a cultura produzida pela humani- 281 apud PRESTES, 2012, p. 125).
rica constituinte da psique. dade, a imaginação é orientada pela
Desde a infância, por meio do experiência passada, presente e pela
jogo simbólico, a criança vai se apro- realidade. Nesse sentido, há uma
priando dos significados da cultura e relação intrínseca entre a imagina-
assim vai construindo, de diferentes ção e a experiência.
formas e em diferentes níveis, o seu Mas, como estabelecemos a
desenvolvimento. O processo criativo relação emocional com a obra de
ocorre nas experiências da criança arte? Com os objetos materiais? Por
com o meio e, dessa forma, a orga- que essa experiência é necessária?
nização psíquica se constitui. Nessa Como influi no mundo interno das
perspectiva, o meio é inseparável do crianças e jovens?

18
A arte, ao elaborar os sentidos da vivenciamos o conhecimento e a
realidade, constrói algo novo, promo- cultura produzidos.
vendo e possibilitando, desse modo, Educar esteticamente signi-
uma nova experiência. Diríamos, ficaria, então, possibilitar essa
assim, que a arte parte da realidade vivência, essa reelaboração por meio
(passado e presente), mas não se fixa da emoção da obra de arte, dos luga-
nela por completo. A arte engendra res, das memórias e das histórias
um mundo novo, ao mesmo tempo dos sujeitos.
que promove um encontro com a A capacidade crítica e criadora do
história da humanidade pela via da ser humano, para fazer e transformar
emoção e do sentimento. o seu mundo a partir de condições
Assim, a arte não é apenas uma concretas, chega à educação quando
transposição das formas do coti- vinculamos o trabalho educativo ao
diano, ou apenas a reprodução de ato criador, à realidade social e cultu-
objetos e da realidade ou o estudo ral. A escola, nessa abordagem, faz
de seus elementos históricos. A parte da vida (VIGOTSKI, 2016).
arte faz parte da vida, é parte do
nosso cotidiano, da nossa história
e da nossa cultura. Neste sentido, a
obra de arte tem em si aspectos da
história da humanidade e, por meio
dela nos aproximamos, ou melhor,

19
Saccomani (2016), ao tratar da Com a arte, o indivíduo
criatividade na arte e na educação supera questões relacionadas à vida
escolar, na perspectiva histórico-crí- cotidiana. Assim, não ter acesso à
tica, aponta que o estudante, quando experiência que a arte proporciona
se apropria dos conhecimen- ou negar essa produção cultural da
tos produzidos pela humanidade, humanidade é um processo de alie-
amplia a sua percepção da realidade nação. A ausência da experiência
e a elevação de sua subjetividade do estética e de acesso aos bens cultu-
plano singular para o plano univer- rais reduz e empobrece a vida do
sal, o que é algo importante para o indivíduo. As causas dessa alienação
entendimento de sua objetivação podem ser muitas, mas, com certeza,
histórica. Significa que o trabalho trata-se de uma problematização
educativo desempenha um papel relevante para o campo da educação.
importante por mediar o processo Destarte, podemos considerar
de pertencimento do indivíduo a relevância do Ensino da arte e da
entre a vida cotidiana e a cons- Educação Patrimonial, como temá-
ciência do processo histórico de tica que atravessa o processo de
constituição da humanidade. É um elaboração estética, para a forma-
processo dialético e crítico acerca da ção de indivíduos criativos e para a
autoconsciência no plano subjetivo, constituição de cidadania.
histórico e cultural.

20
Educação, Arte e a Cidade

Temos como premissa que o proposto para Brasília no intuito de Anísio Teixeira, lembra-nos que o
Distrito Federal se constitui como melhor compreendermos a cidade a educador procurou, ao longo de
importante contexto para o Ensino da partir do seu passado, a sua utopia sua trajetória, intensificar o vínculo
Arte e para a Educação Patrimonial e o diálogo que estabelece com o da escola com o meio social, o que
porque, além de ser o local de mora- Ensino de Arte no contexto do DF. constitui um dos principais funda-
dia ou de estudo do estudante, é o Anísio Teixeira, educador mentos do sistema educacional
território que inaugurou um projeto brasileiro, idealizador do Plano para Brasília, cujo plano se integrou
urbanístico e arquitetônico diferen- Educacional para Brasília e realiza- com facilidade ao projeto urbano e
ciado, cujo desenvolvimento, ao dor de reformas educacionais em deveria abranger toda a cidade com
longo de sua curta história, deu-se diferentes estados brasileiros, esteve um modelo de organização escolar
de forma bastante complexa. A à frente do movimento modernista pautado em novos espaços, novos
cidade nos provoca e nos faz refletir da “Escola Nova”. Junto a expressivos objetivos e práticas.
sobre o cotidiano dos sujeitos, estu- educadores do país, compôs o grupo
dantes da Rede Pública do DF, com de pensadores que estruturou a nova
atenção às imagens e às referências ideologia pautada no desenvolvi-
que se formam por meio da orga- mento do indivíduo e nos direitos
nização espacial, da sociabilidade, coletivos, características determi-
da segregação social e espacial, dos nantes para uma sociedade que
deslocamentos, da paisagem e da pretende se constituir por meio de
diversidade cultural. uma cidade democrática e com uma
Sobre o projeto diferenciado educação pública, laica e inovadora.
sonhado para a capital do país, Eva Wairos Pereira (2011), ao
destacamos o Plano Educacional discutir a proposta educacional de

21
Anísio Teixeira demonstra em
várias publicações a relevância da
relação escola e meio: ao propor que
a educação e o programa da escola De acordo com Vasconcellos
preparem as crianças e jovens para (2011), a proposta de integração do
a vida em comunidade; quando indivíduo com o meio está relacio-
defende a ideia de educação essen- nada à ideia de educação integral,
cialmente regional e “enraizada no concepção que eleva o caráter da
meio local”, ou seja, há um olhar para escola pública, ao constituí-la como
os espaços culturais que envolvem um “polo físico da comunidade''
a escola e o lugar; na apresentação (VASCONCELLOS, 2011).
de Centros de Educação como um Com esse ideais, na capital fede-
conjunto de escolas integradas e ral, desenhada e concebida para o
inseridas na unidade de vizinhança desenvolvimento do interior do país
compondo o planejamento urbano e da nação, foi planejado um sistema
e, ainda, na ênfase da arquitetura escolar para cada etapa de ensino e
escolar como um discurso que se foi possível pensá-lo universalizado,
reporta a diferentes símbolos cultu- da educação primária à universidade
rais e estéticos para os estudantes pública, com propostas diferenciadas
e para a cidade (TEIXEIRA, 1958; para todos os segmentos com refe-
1961; 2007; 2001). rências de ambientes culturalmente
ativos, pois os espaços educativos
contariam com biblioteca, galerias
de arte, auditório ou teatro.

22
Para a formação primária foi portanto, como um ambiente para o Dança e Teatro) e de Educação
proposto o conjunto de Escolas convívio social e cultural que, junto a Física em turno contrário à Escola
Classe e Escolas Parque. A cons- outros aparelhos públicos, formaria Classe em todos os dias da semana.
trução e a localização das escolas a Unidade de Vizinhança. Além disso, a Escola Parque seria um
seguiam a seguinte organização: Nesse contexto, a Escola Parque lugar de experimentação, de conhe-
em cada quadra residencial haveria seria o lugar que expressa o forte cimento e de trocas cotidianas. A
um Jardim de Infância e uma Escola vínculo entre o plano arquitetônico educação integral, nessas bases, é
Classe para atender à demanda e o convívio comunitário, ou seja, na uma possibilidade de diálogo entre
de crianças daquela Unidade de Escola Parque, a ideia de escola como a oficina, realizada na Escola Parque,
Vizinhança. Dessa forma, a Escola meio social e cultural integrada à voltada para o trabalho como princí-
Parque destinava-se a atender em cidade seria sintetizada na perspec- pio formativo, e a sala de aula. Uma
dois turnos, de modo alternado, tiva de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro proposta de integração curricular e
cerca de mil alunos das Escolas e Cyro dos Anjos, educadores que social no sentido de tentar relacionar
Classe (PEREIRA, 2011). elaboraram o “Plano Educacional trabalho e educação (NUNES, 2000).
Na lógica da nova capital, a para Brasília” com vistas a ser imple-
Escola Parque seria um local agrega- mentado em todo o Brasil.
dor, pois atenderia aos estudantes de Na Escola Parque, os estudan-
várias Escolas Classe e à comunidade tes participariam diariamente das
por meio de atividades de cultura e oficinas de artes nas diferentes
lazer. A Escola Parque se constituiria, linguagens (Artes Visuais, Música,

23
Entretanto, por diversas razões rou a Escola Parque Anísio Teixeira
de ordem econômica, política e ideo- em Ceilândia. No mesmo ano, foi
lógica, o projeto educacional que organizada a Escola Parque da
se iniciou em Brasília, com a pers- Natureza de Brazlândia que acom-
pectiva de ser implementado para panhou o “Projeto Escola Candanga
o restante do país, não se concreti- de Educação Integral”, implan-
zou. Na inauguração da cidade, em tado pela SEEDF.
1960, havia apenas a Escola Parque A Escola Parque é considerada,
308 Sul construída. Em relação às por professores e comunidade, como
Unidades de Vizinhança, que foram espaço que guarda a memória da
planejadas para a cidade, apenas a proposta de educação inovadora,
entrequadra 307/308 Sul teve o seu de elo entre educação e cultura, com
projeto concluído. foco no desenvolvimento individual
Ao longo de trinta anos, de 1960 e nos direitos coletivos que marcam
a 1990, foram construídas quatro a utópica Brasília, sendo vista pelos
Escolas Parque: a 313/314 Sul, a estudantes como espaço lúdico e
303/304 Norte, a 210/211 Norte e a de formação nas dimensões física,
210/211 Sul. Devido aos apelos da psicológica, social e cultural.
comunidade, no ano de 2014, o
Governo do Distrito Federal inaugu-

24
Mapas Vivenciais como proposta metodológica

Tendo em vista sermos baliza- Além disso, a elaboração do


dos pelos estudos de Lev Vigotski Mapa Vivencial pode se constituir
(1998, 2010, 2016) e, pela teoria histó- como um momento de diálogo entre
rico-cultural, no sentido de que a os estudantes e a utilização do dese-
imaginação tem, em sua base, as nho como forma de pensar o lugar, a
marcas do vivido, da história que foi casa e a cidade. Por esses motivos, é
produzida pelas gerações, ou seja, proposto aqui como sugestão meto-
a cultura produzida pela humani- dológica em sala de aula, tendo em
dade e pela experiência presente, vista favorecer um trabalho de Arte
propomos, como procedimento e de Educação Patrimonial.
metodológico, a elaboração de O Mapa Vivencial é uma produ-
Mapas Vivenciais. ção visual e narrativa que se baseia
O Mapa Vivencial é uma na percepção e nas experiências
proposta de cartografia escolar dos sujeitos sobre o contexto, ou
utilizada por professores da área seja, as crianças, jovens e adultos
de geografia, especificamente trabalhariam com Mapas a partir de
os pesquisadores relacionados à registros históricos por eles escolhi-
Geografia das Infâncias, para melhor dos e narrados, daí seria desenhado
compreender como as crianças o seu percurso. A história como guia
pensam o seu lugar e como a cria- é o ponto de partida do trabalho e,
ção e a interpretação podem estar a partir dessa orientação (cultural e
relacionadas às experiências com o histórica), o desenho é iniciado e o
meio. Assim, a proposta do Mapa novo é produzido.
Vivencial é uma elaboração que
utiliza o desenho a partir da história
dos lugares e da realidade presente
(LOPES et al, 2015; 2016).

25
Imagem 1 - Desenho realizado pelos estudantes do ensino fundamental, anos iniciais da SEEDF no
ano de 2017 na Escola Parque 210/211 Norte. Arquivo da pesquisadora: Maria Andreza Costa Barbosa.

A percepção sobre o lugar pode pontos, consiste em ser preparado


ser iniciada por histórias, situações, com justaposição e diferenciação de
deslocamentos, cheiros, afetos traços, podendo ser apagado, recu-
e outros elementos que possam perado, marcado, refeito. Mesmo em
oportunizar, aos estudantes e ao gestos rápidos e fortes, a técnica de
professor, o pensamento reflexivo desenhar envolve um processo de
sobre a cidade e sobre a cultura. trabalho que é bastante reflexivo. Ao
Não há, portanto, a intenção de desenhar um mapa a partir das vivên-
decifrar ou de explicar a cidade e, cias, o papel se transforma em uma
sim, de produzir um desenho que janela para a representação/criação
irá partir de uma vivência – não de de cada memória. O olhar, portanto,
uma interpretação. se volta para fora (para a paisagem,
O desenho, um pensamento para o lugar, para o contexto) e para
materializado por imagem, reali- dentro de si (processo subjetivo).
zado por meio de linhas, cores e

26
Nesse sentido, os Mapas podem histórias pessoais e ao contexto da da Infância e às discussões sobre
ser realizados pelos estudantes cidade. Assim, podemos considerar a concepção das crianças sobre a
a partir de conversas e de discus- os Mapas Vivenciais como um dese- paisagem, o território e o lugar.
sões coletivas sobre a cidade em nho (criação) das vivências pessoais Além disso, a aproximação com as
que o desenho e a narrativa indi- sobre o lugar. obras de Lev Vigotski pode colaborar
vidual sobre o lugar, a escola e a Para melhor compreensão sobre para o entendimento dos processos
cidade sejam produzidos para apro- a teoria que respalda a elaboração subjetivos e de pertencimento do
fundar e enriquecer a percepção dos Mapas Vivenciais, há nas referên- indivíduo com a vida cotidiana e,
sobre o meio, favorecendo tanto a cias bibliográficas textos de Lopes com a conscientização do processo
Educação Patrimonial como o traba- e Fernandes (2018) que tratam de histórico cultural.
lho em Artes Visuais interligados às estudos relacionados à Geografia

Imagem 2 - Desenho realizado pelos estudantes do ensino fundamental, anos iniciais da SEEDF no
ano de 2017 na Escola Parque 210/211 Norte. Arquivo da pesquisadora: Maria Andreza Costa Barbosa.

27
Referências

ARANTES, Antônio Augusto. Cultura e Cidadania. Revista IAVELBERG, R. Arte-Educação modernista e pós-modernista:
do Patrimônio, Brasília, n. 24, p. 9-13, 1996. Fluxos. 2015. 258 f. Tese (Livre-Docência) – Universidade de
São Paulo, São Paulo, 201.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 5. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2010. LOPES, Jader Janer. Entrevista com Jader Janer Lopes. Entre-
vista realizada por Jorge Luiz Barcellos da Silva e João do
BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o ensino de arte no Prado Ferraz de Carvalho. Olh@res, Guarulhos, v. 2, p.
Brasil. 6. ed. São Paulo; Cortez, 2008. 301-334, dez. 2014.
BARBOSA, M.A.C. Imagens da Cidade, da Escola e da Vida: LOPES, Jader Janer; COSTA, Bruno Muniz; AMORIN, Cassiano
sobre arte, espaços e tempos na Escola Parque-DF. 2018. 163 Caon. Mapas Vivenciais: possibilidades para a cartografia
f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de escolar com as crianças dos anos iniciais. Revista Brasileira
Brasília. Brasília, 2018. de Educação em Geografia, Campinas, v. 6, p. 237-256, 2016.
BRASIL. Lei no 13.278. Diretrizes e Bases da Educação Nacio- LOPES, Jader Janer; MELLO, Marisol Barenco de. BEZERRA,
nal. Diário Oficial da União, 3 mai. 2016. Amélia Cristina. Traçando mapas: a teoria histórico-cultu-
ral e as contribuições para a pesquisa com crianças e suas
_______. Ministério da Educação. Parâmetros Curricula- espacialidades. Fractal: Revista de Psicologia, Rio de Janeiro,
res Nacionais. Brasília: MEC, 2001. v. 27, n. 1, p. 28-32, jan./abr. 2015.
_______. Ministério da Educação. Indagações sobre o Currí- LOPES, Jader Janer; FERNANDES, Maria Lidia Bueno. A
culo: Currículo, Conhecimento. Brasília: MEC, 2008. criança e a cidade: contribuições da Geografia da Infância.
Educação, v. 41, n 2, p. 202-211, set. 2018.
_______. Ministério da Educação. Orientações Curriculares
para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnolo- PRESTES, Zoia. Quando nada não é quase a mesma coisa.
gias. Brasília, MEC, 2006. Traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Campi-
nas, SP: Autores Associados, 2012.
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação do
Distrito Federal. Currículo em Movimento da Educação SACCOMANI, Maria Cláudia da Silva. A criatividade na arte
Básica. Brasília: SEEDF, 2018. e na educação escolar: uma contribuição à pedagogia histó-
rico-crítica à luz de George Lukács e Lev Vigotski. Campinas,
EFLAND, Arthur. D. Una historia de la educación del arte:
SP: Autores Associados, 2016.
tendencias intelectuales y sociales en la enseñanza de las
artes visuales. Buenos Aires: Paidós, 2002. VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Imaginação e criação na infân-
cia. São Paulo: Ática, 2010.
FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. 4. ed. Rio de Janeiro;
Zahar, 1973. _______. Quarta aula: a questão do meio na pedologia.
Psicologia USP, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 681-701, 2010.
FREEDMAM, Kerry. Currículo dentro e fora da escola: repre-
sentações da Arte na Cultura Visual. In: BARBOSA, Ana Mae _______. Psicologia Pedagógica. 3. ed. São Paulo: Martins
(Org.). Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias Inter- fontes, 2016.
nacionais. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 126-142.

28
29

Você também pode gostar