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Educação Patrimonial,

Diversidade e Meio Ambiente


Presidente da República Governo do Distrito Federal Organização
Luiz Inácio Lula da Silva Vinicius Prado Januzzi
Governador
Ana Carolina Lessa Dantas
Ministra da Cultura Ibaneis Rocha Barros Junior
Vanessa Nascimento Freitas
Margareth Menezes da Purificação Costa
Rodrigo Capelle Suess
Instituto do Patrimônio Histórico Secretária de Estado de Educação do Fábio da Silva
e Artístico Nacional Distrito Federal Inara Bezerra Ferreira de Sousa
Hélvia Miridan Paranaguá Fraga
Presidente Autores
Subsecretária de Educação Inclusiva e Alessandra Lucena Bittencourt
Leandro Antônio Grass Peixoto
Integral Ana Carolina Lessa Dantas
Vera Lúcia Ribeiro de Barros Átila Bezerra Tolentino
Diretores do Iphan
Maria Silvia Rossi Gerente de Educação Ambiental, Beatriz Coroa do Couto
Andrey Schlee Patrimonial, Língua Estrangeira e. Beatriz de Oliveira Alcantra Gomes
Deyvesson Gusmão Arte-Educação Cláudia Garcia
Desirée Tozi Silvia Alves Ferreira Pinto Fabiana Maria de Oliveira Ferreira
Bruno Ferreira da Paixão Hugo de Carvalho Sobrinho
Ilka Lima Hostensky
Superintendente do Iphan Créditos da publicação Laura Ribeiro de Toledo Camargo
Educação Patrimonial, Diversidade e Meio Luís Fernando Celestino da Costa
no Distrito Federal Márcia Cristina Pacito Fonseca Almeida
Ambiente no Distrito Federal
Thiago Pereira Perpétuo Maria Andreza Costa Barbosa
Marielle Costa Gonçalves
Maurício Guimarães Goulart
Paulo Moura Peters
Rodrigo Capelle Suess
Rosângela Azevedo Corrêa
Rosinaldo Barbosa da Silva
Sônia Regina Rampim Florêncio
Vanessa Nascimento Freitas
Vinicius Prado Januzzi
Projeto gráfico e diagramação
Carolina Menezes
Revisão e Correções
Sarah Torres Nascimento de Abreu

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional
www.iphan.gov.br
publicacoes@iphan.gov.br
iphan-df@iphan.gov.br
Educação Patrimonial:
currículo, conceitos e temas

elaborado por

Rodrigo Capelle Suess1


Vanessa Nascimento Freitas2

Educação Patrimonial e o Currículo em Movimento


do Distrito Federal

Apresentamos este curso com dos estudantes, das professores/as culo, tais como os princípios da
o fim de iniciar às reflexões acerca e de toda a comunidade escolar. educação integral, os articulado-
dos conceitos e temas relacionados Inicialmente, realizou-se a tarefa res do currículo integrado e os eixos
à Educação Patrimonial(EP) e ao de se reconhecer o Currículo em transversais, e realizamos algumas
Currículo em Movimento do Movimento do Distrito Federal como reflexões e proposições de sua apli-
Distrito Federal (CMDF). Ao a principal referência documental cação à Educação Patrimonial no
enfatizar esse vínculo, destacamos, para a condução das atividades peda- Distrito Federal.
sobretudo, que os processos de gógicas na rede pública de ensino do
ensino e de aprendizagem Distrito Federal, com foco nas possi-
desenvolvidos com base nos bilidades em Educação Patrimonial.
conteúdos do Currículo devem levar Posteriormente, identificamos os
em conta o contexto sociocultural pressupostos teóricos desse currí-

1 Rodrigo Capelle Suess é graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG-2014), mestre em Geografia pela Universidade de Brasília (UnB,
2016), e doutor em Geografia pela UnB. Professor da Carreira Magistério Público da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), componente
curricular Geografia. Integrante do Grupo de Pesquisa Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores em Geografia (GEAF-UnB). Lattes: http://lattes.cnpq.
br/4727367551462113. Contato: rodrigo.capellesuess@gmail.com
2 Vanessa Nascimento Freitas é graduada (Licenciatura e Bacharelado) em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília (UnB-2009/2010) e mestre em Artes
(2013) pela mesma instituição. Doutora em Museologia pelo Departamento de Ciências e Técnicas do Patrimônio da Universidade do Porto, em Portugal
(2018). Professora de Artes Visuais da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Integra a Equipe Gestora do Nível Central responsável pela Política
de Educação Patrimonial da SEEDF. Contato: nasfre.vanessa@gmail.com

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Entre os diversos temas ter uma atitude propositiva para o
direta e indiretamente sugeridos desenvolvimento de uma sociedade
aqui, optou-se por desenvolver a sonhada. Assim, a aliança entre a
perspectiva da “Escola como patri- Educação Patrimonial e o Currículo
mônio cultural e educativo” e, por em Movimento do Distrito Federal
fim, foram relacionados alguns é, sobretudo, fruto do reconheci-
conceitos científicos como cultura, mento de que os saberes escolares e
mediação cultural, identidade, os conhecimentos tácitos se cruzam
memória, pertencimento, territó- e se complementam.
saiba mais
rio e lugar como ferramentas úteis Para isso, a Secretaria de Estado A política pública de Educação
para a construção das aprendiza- de Educação do Distrito Federal vem Patrimonial da SEEDF (Porta-
ria nº 265/2016) toma para si a
gens, conforme o CMDF, e para a desenvolvendo a política pública de seguinte definição de Educação
consolidação da política pública de Educação Patrimonial como uma Patrimonial: “é uma dimensão da
Educação Patrimonial da Secretaria dimensão fundamental da educa- educação, é atividade intencional
da prática social, que deve impri-
de Educação do Distrito Federal. ção e de seus processos de ensino e mir ao desenvolvimento integral
Um dos desafios dos processos aprendizagem, cujo trabalho deve do sujeito um caráter social,
de educação patrimonial é fortalecer ser executado de forma transver- considerando a identidade, em
sua relação com os bens culturais
nos conteúdos escolares os sentidos e sal e interdisciplinar. As ações e os
de natureza material e imate-
os significados fundamentais da vida projetos realizados buscam arti- rial, bens naturais, paisagísticos,
cotidiana e, portanto, da cultura. A cular os componentes curriculares, artísticos, históricos e arqueo-
lógicos, visando potencializar o
partir da construção dessas relações, incluindo os conteúdos e os objeti-
processo de ensino-aprendiza-
espera-se que os estudantes sejam vos, com a vivência dos estudantes gem e preservação da memória”.
capazes de desenvolver reflexões e dos professores em seus espa- Conheça mais a respeito desse
críticas sobre si e sobre o mundo e ços e comunidades instrumento normativo.

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O Currículo em Movimento do Além disso, objetiva-se consti-
Distrito Federal, currículo oficial tuir um currículo mais reflexivo e
da rede pública de ensino, absorve menos normativo e prescritivo, com
alguns princípios da educação inte- saberes mobilizados pela interdisci-
gral: integralidade, intersetorização, plinaridade e transdisciplinaridade,
transversalidade, diálogo esco- feito em diálogo da escola com
la-comunidade, territorialidade, a comunidade.
trabalho em rede e convivência Dessa forma, rompe-se a lógica
escolar negociada. Busca-se uma formal da educação restrita aos
formação integral dos estudantes, muros escolares e entende-se a
com a devida atenção às dimensões necessidade de compreender a terri-
humanas, em um esforço com diver- torialidade dos estudantes. Trabalho
sos setores da sociedade que podem que somente se concretiza em uma
contribuir com a educação básica. rede de interação.

saiba mais
Você pode baixar os arquivos
do Currículo em Movimento
do Distrito Federal no site
oficial da SEEDF.

saiba mais
O termo movimento não foi adotado por acaso pela rede pública de ensino do
Distrito Federal. Ele remete à vida e à mudança, à teoria e à prática, ao senso
comum e à ciência. Ele está posto a serviço da transformação social, ele é obra cole-
tiva e participativa de todos entes da educação e da sociedade. “É um documento
a ser permanentemente avaliado e significado a partir de concepções e práticas
empreendidas por cada um e cada uma no contexto concreto das escolas e das
salas de aula desta rede pública de ensino”. Então, podemos fazer uma Educa-
ção Patrimonial em movimento, concordam? (DISTRITO FEDERAL, 2018, p. 20).

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O princípio da integralidade também para o entendimento do
busca dar a devida atenção para patrimônio cultural em sua multies-
todas as dimensões humanas, calaridade, e da escala do corpo à
com equilíbrio entre os elementos escala do mundo.
cognitivos, afetivos, psicomotores A Educação Patrimonial na
e sociais (DISTRITO FEDERAL, 2018). integralidade na educação básica
A Educação Patrimonial pode cola- se relaciona, igualmente, com a
borar para o cumprimento desse compreensão da diferença, com o
princípio ao permear e integrar os desvelamento do significados das
componentes curriculares por meio diferentes paisagens humanas e
de seus conceitos como identidade, terrestres, com o avanço do pensa-
memória, pertencimento, lugar e mento simples ao complexo e com
território. A sua abordagem pode a busca dos elementos da unici-
facilitar a compreensão integrada dade e da diversidade humana. Sua
dos processos naturais e sociais, a prática, ademais, auxilia no cumpri-
conexão dos conhecimentos escola- mento dos saberes necessários
res com o mundo vivido e cotidiano para a educação do futuro, como
dos estudantes. Pode contribuir defende Morin (2004).

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A intersetorialização no âmbito A transversalidade permite a
do poder público e do currículo, espe- integração dos conhecimentos esco-
cialmente, do Governo do Distrito lares por meio da conexão entre
Federal, visa mobilizar políticas conhecimentos sistematizados e
públicas de diferentes campos, como as questões da realidade vivida.
cultura, economia, saúde, esporte, O ponto de partida é a comunica-
meio ambiente e projetos sociais ção entre os conhecimentos pela
de forma contributiva com vistas à interdisciplinaridade (DISTRITO
melhoria da qualidade da educa- FEDERAL, 2018). O CMDF se mobi-
ção (DISTRITO FEDERAL, 2018). Em liza nesse princípio, especialmente,
educação patrimonial, particular- para a vinculação da aprendizagem
mente pode-se destacar o seu papel aos interesses e aos problemas reais
enquanto instrumento mobilizador dos estudantes e da comunidade.
de políticas públicas de diferentes Em sua transversalidade, a
campos, como educação, patrimônio Educação Patrimonial na rede pública
cultural, meio ambiente, turismo e de ensino do Distrito Federal pode
museologia e o seu papel enquanto corroborar a construção do conhe-
mediadora na construção de conhe- cimento por meio da efetivação dos
cimentos escolares. objetivos de aprendizagens, junta-
mente com os eixos transversais do
Currículo em Movimento e com os
temas transversais dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs).

saiba mais
Ética (Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo, Solida- Pluralidade Cultural e Cidadania), Trabalho
riedade), Orientação Sexual (Corpo: Matriz da e Consumo (Relações de Trabalho; Trabalho,
sexualidade, relações de gênero, prevenções Consumo, Meio Ambiente e Saúde; Consumo,
das doenças sexualmente Transmissíveis) , Meios de Comunicação de Massas, Publici-
Meio Ambiente (Os ciclos da natureza, socie- dade e Vendas; Direitos Humanos, Cidadania)
dade e meio ambiente, manejo e conservação e outros temas locais são os temas transver-
ambiental), Saúde (autocuidado, vida coletiva), sais dos Parâmetros Curriculares Nacionais
Pluralidade Cultural (Pluralidade Cultural e a (PCNs). Para saber mais, consulte o docu-
Vida das Crianças no Brasil, constituição da mento disponível no portal do Ministério
pluralidade cultural no Brasil, o Ser Humano da Educação:<http://portal.mec.gov.br/seb/
como agente social e produtor de cultura, arquivos/pdf/livro01.pdf>

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O CMDF aponta para a neces- a construção e o reconhecimento
sidade de se transformar a escola da identidade local, o resgate da
em um espaço comunitário, legiti- memória, a valorização da institui-
mando os diversos saberes locais ção escolar como um patrimônio
como sendo do mundo e da vida. cultural e o fortalecimento do adje-
Essa ambição somente se torna tivo escola-patrimônio no Distrito
viável por meio do diálogo escola- Federal: todos são caminhos para o
-comunidade (DISTRITO FEDERAL, alcance desse princípio na educação
2018). A Educação Patrimonial pode básica pública distrital.
se constituir em uma facilitadora O reconhecimento das espe- saiba mais
desse processo. Esse diálogo pres- cificidades do território em suas Conheçam as edições especiais
supõe uma comunicação efetiva da múltiplas dimensões, diversidades da Revista Com Censo: Estudos
Educacionais do Distrito Federal de
escola com as dimensões ambientais e potencialidades é um elemento Número 20 e 22:
e sociais locais. O Cerrado, os proble- necessário para a construção de
mas sociais, as especificidades do processos de ensino e aprendiza- Edição Nº 20 - Brasília 60 anos:
mundo do trabalho, o modo de orga- gem. Enquanto princípio curricular Educação e Patrimônio <https://
periodicos.se.df.gov.br/index.
nização e de disposição dos espaços no DF, a territorialidade pretende php/comcenso/issue/view/22 >.
locais e regionais, os hábitos e estilos romper com os muros escolares,
de vidas referendados nos espaços entendendo a cidade e o campo Dossiê temático na Edição Nº
comunitários locais devem ser leva- como um rico laboratório de refle- 22 - Jornadas do Patrimônio DF
2020 <https://periodicos.se.df.
dos em consideração na efetivação xões críticas e proposições (DISTRITO gov.br/index.php/comcenso/
desse princípio. O pertencimento, FEDERAL, 2018). issue/view/24>

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Assim, a partir de uma perspectiva alargada e permeável, é preciso mapear
os potenciais educativos do território em que a escola se localiza. São carac-
terísticas e feições que podem qualificar positivamente o ensino na rede
pública de ensino:

• A organização dos espaços e tempos;


• Os espaços culturais de significativo valor;
• O patrimônio material e imaterial tombado/registrado;
• O processo de reconhecimento do patrimônio cultural das cidades;
• A indissociabilidade entre as realidades do Plano Piloto com e entre as
demais Regiões Administrativas;
• Os locais de lutas, memória e esquecimento;
• A diversidade das cidades e do campo no Distrito Federal.

A corresponsabilidade entre os diversos sujeitos sociais para o cumpri-


mento dos dispositivos constitucionais, em especial, o do direito à educação
para todos, implica um trabalho em rede. Na rede pública de ensino, todos os
sujeitos devem trabalhar em conjunto, trocando experiências e informações,
com a meta de criar oportunidades de aprendizagem para todos os jovens,
adultos e idosos (DISTRITO FEDERAL, 2018). Isso implica na corresponsabilidade
do fortalecimento dos pontos, fluxos e nós de (e entre) todos os sujeitos envol-
vidos — estudantes; professores e estudantes; comunidade escolar, gestores e
Coordenações Regionais de Ensino (CREs); Subsecretarias da SEEDF; Unidades
Escolares e unidades superiores hierárquicas, outros órgãos públicos e privados,
sociedade civil e organizada. Em termos específicos, a educação patrimonial
na rede pública deve favorecer: (i) o fortalecimento de redes de aprendizagens
que tenham como metas a construção de sentidos na educação e a edifica-
ção de uma aprendizagem a partir de bases territoriais e afetivas locais; (ii)
a consolidação de uma rede de educadores patrimoniais na Educação Básica
Pública do DF e na conexão dessa rede com outras articulações em educação.

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O Currículo integrado pressu- Nessa lógica, a teoria se reafirma
põe oferecer uma educação que como um estudo, uma abstração da
contemple todas as formas de realidade, uma tomada de consciên-
conhecimentos produzidas pela cia dos fatos que pode transformar
atividade humana, não separando a prática, o modo como agimos, por
o conhecimento acumulado pela meio de uma ação mais consciente e
humanidade, na forma de conheci- efetiva sobre e com o mundo em que
mento científico, daquele adquirido vivemos, ou vice-versa, uma prática
pelos educandos no cotidiano. Ele que possa qualificar e impulsionar as
possibilita uma abordagem da reali- teorias (PIMENTA e LIMA, 2011). Esse
dade como totalidade (KUENZER, caminho corrobora uma leitura e
2002, p. 43-44). releitura do mundo e da palavra mais
Dessa forma, a dissociação entre qualificadas, como defende Paulo
teoria e prática resulta em um Freire (1991). A Educação Patrimonial
empobrecimento do currículo na não deve se constituir apenas em um
escola e, portanto, é preciso resga- arcabouço conceitual do patrimô-
tar o sentido de indissociabilidade nio cultural, mas também em uma
entre esses campos para a efetiva- ferramenta que coloca o estudante
ção de um currículo transformador em contato direto com a aplica-
na rede pública de ensino do DF, o ção dessas ideias e com a vivência
que muitos autores vão denominar e a sensibilidade necessárias para a
de práxis social. manutenção da sobrevivência e da
continuidade da espécie humana.

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A interdisciplinaridade na A Educação Patrimonial nasce
perspectiva do currículo inte- com a essência da interdiscipli-
grado funciona como um princípio naridade. A comunicação entre
organizador do espaço e do tempo o conhecimento e a mobilização
do conhecimento. Trata-se de do conhecimento para a resolu-
colocar as disciplinas e seus conte- ção de problemas comuns à vida
údos à luz das questões concretas humana e aos diversos componen-
exigindo uma boa postura no fazer tes curriculares é um feito que a
pedagógico para a construção de Educação Patrimonial mais efetiva-
conhecimentos. mente realiza em linguagens e em
Como você poderá explo- ciências humanas, mas também
rar a interdisciplinaridade? É possui grande potencialidade em
possível trabalhar a partir de articular os conhecimentos das
duas perspectivas: ciências naturais e exatas.

• Componente curricular (intra);


• Entre componentes curriculares (inter).

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Uma das formas mais eficien-
tes de integração curricular é por
meio da situação do conhecimento
numa dada realidade. Trata-se de
uma estratégia de problematiza-
ção, de mediação e de construção de
conhecimentos escolares conhecida
como contextualização (DISTRITO
FEDERAL, 2018). Compreender o
contexto cultural, histórico e geográ-
fico do espaço em que professores e
estudantes não apenas estudam,
mas vivem e participam de sua trans-
formação, é essencial para atribuir
mais sentidos aos saberes mobiliza-
dos no espaço escolar. Trata-se de dar
localidade à cidadania, à sustentabi-
lidade, à democracia e à humanidade
tão presentes nos discursos escola-
res. A contextualidade na Educação
Patrimonial na SEEDF pode se forta-
lecer como uma dimensão da cultura
na educação de (re)construção e
apropriação do patrimônio cultural
a partir dos espaços de exclusão.

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A f lexibilização, enquanto a Educação Patrimonial como um
elemento articulador do currículo importante arcabouço filosófico e
integrado da rede pública do Distrito metodológico para as adequações
Federal, não deve ser confundida necessárias do currículo aos diver-
com precarização e aligeiramento. sos contextos sociais, culturais,
A postura flexível vai ao encontro políticos e econômicos de produção
da mudança comprometida com e mobilização de conhecimentos nas
as transformações sociais. A flexi- diversas Regiões Administrativas do
bilidade pretendida é também o Distrito Federal.
resultado dos diversos projetos-pe- Levando em consideração a
dagógicos das unidades escolares e flexibilidade do CMDF do DF, quais
das especificidades locais e regio- eixos transversais podem ser apro-
nais do DF e se encontra aberta fundados? Estão previstas três
para atualização e para diversifi- perspectivas relacionadas:
cação de formas de produção dos • Educação para a diversidade;
conhecimentos e desenvolvimento • Cidadania em e para os Direitos Humanos;
intelectual dos estudantes (DISTRITO • Educação para a Sustentabilidade.
FEDERAL, 2018). Assim, considera-se

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Resumidamente,
Ao considerar o CMDF esses
como pres-
documento Aoorientador
considerar
dootrabalho
CMDF como
peda-
supostos
gógico, articulado
somentecom fazema Educação documento
sentidoPatrimonial, orientador
pretende-se do traba-
reforçar que
no
todos
espaço
os processos
escolar dese ensino
são coloca-e aprendizagem
lho pedagógico,
devem estar
articulado
fundamenta-
com a
dos nos
a serviço
aspectos justiça social, da Educação Patrimonial, pretende-
da socioculturais.
democratização
Nesse aspecto, doquanto
conhecimento,
à escala da escola,
-se reforçar
da comunidade,
que todos os das
processos
Regiões
da emancipação,
Administrativas e do da
Distrito
humaniza-
Federal, é recorrente
de ensinoem e aprendizagem
seus objetivos edevem
conte-
ção
údosdos
a menção
seres humanos
a temas quee, também,
têm por finalidade
estar fundamentados
despertar o sentimento
nos aspectos
de
da resolução de
pertencimento, problemasdoepatrimônio
apropriação da socioculturais.
cultural e ambiental dos estu-
transformação social (DISTRITO
dantes a essas localidades 1
. Nesse aspecto, quanto à escala
FEDERAL, 2018). da escola, da comunidade, das
Regiões Administrativas e do Distrito
saiba mais Federal, é recorrente em seus obje-
Humanização do ser humano? Trata-se de um movi- tivos e conteúdos a menção a temas
mento do próprio ser humano se entender enquanto que têm por finalidade despertar o
sujeito social. Esse processo implica em uma constante
ampliação da consciência a respeito de suas condições e sentimento de pertencimento e de
possibilidades biopsicossociais. O educador Paulo Freire apropriação do patrimônio cultu-
é um dos autores que mais corroboram a pensar nesta ral e ambiental dos estudantes a
problemática. Para ele, o reconhecimento de que os
seres humanos são históricos e inconclusos é um impor-
essas localidades1.
tante passo para a humanização.

1 Tais como o processo de ocupação e transformação do meio ambiente, espaços de memória,


cultura, lazer, turismo e patrimônio, artistas locais, obras de arte, produções visuais, dança, teatro,
música, monumentos, diversidade e pluralidade cultural, linguagens, identidade, brincadeiras e jogos
populares, tradições religiosas e culturais, resistências, produções individuais e coletivas, símbolos,
sistema administrativo, população, campo e cidade, cidadania, biodiversidade, atividades econômicas,
qualidade de vida, sustentabilidade, imagens cotidianas, entre outros.
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Assim, o Currículo apresenta Apropriados dessas proposituras e da
diferentes possibilidades de aborda- Política de Educação Patrimonial da SEEDF,
gens sobre patrimônio — material, sugere-se ao professor em suas interven-
imaterial, cultural, artístico, literá- ções pedagógicas:
rio, ambiental e genético —, que,
• Identificar, conhecer, inventariar e
em conjunto, abrem vasto campo
valorizar o patrimônio;
de reflexão e proposição com os
• Analisar mudanças e permanências;
seus estudantes.
• Despertar nos estudantes o senti-
De escalas que vão desde o lugar
mento de pertencimento e apropriação;
vivido do estudante ao Brasil e às
• Favorecer o enriquecimento de voca-
suas regiões, bem como ao mundo,
bulário e repertório cultural;
em uma noção global de humani-
• Respeitar e preservar as diferentes
dade. Aborda, ainda, em relação ao
culturas e manifestações culturais;
Brasil, as questões sociais e étnico-
• Promover a preservação e a conserva-
-raciais, destacando as contribuições
ção do patrimônio;
das matrizes indígenas, africanas e
• Problematizar razões culturais, sociais
europeias na construção da compre-
e políticas, despertando o senso crítico dos
ensão em torno do patrimônio.
estudantes contra as formas de discrimina-
Por essas e outras razões,
ção que cercam as questões patrimoniais.
defende-se o CMDF como um
patrimônio cultural dos professo-
res e estudantes da rede pública de
ensino, por resguardar e garantir
aprendizagens de saberes essenciais
para a sobrevivência, a identidade,
a memória e o pertencimento dos
sujeitos aos lugares como a sua casa,
a rua, o seu bairro, a sua região.

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Acredita-se que a Educação Se o CMDF pode ser consi-
Patrimonial é importante para valo- derado um patrimônio, o que
rizar e resgatar as peculiaridades dizer das escolas?
históricas e culturais da comunidade A escola pode se fortalecer como
escolar e pode constituir uma ação um patrimônio educativo e cultu-
pedagógica estratégica para comba- ral no DF e resgatar o patrimônio
ter a evasão, a defasagem escolar, como elemento indivisível do termo
bem como para promover a cultura “escola”; para assim defender a
construção e apropriação de saberes
de paz nas unidades escolares. Nesse escola-patrimônio como uma formu-
a respeito de objetos e manifesta-
aspecto, diante do contexto histó- lação necessária para construção da
ções que são considerados essenciais
rico e geográfico peculiar e diverso identidade preservacionista, da iden-
para a sobrevivência, a identidade, a
que caracteriza o Distrito Federal, tidade de resistência e da identidade
história e a memória de um indiví-
no qual grandes disparidades socio- de projeto no/do Distrito Federal na
duo ou grupo, isto é, bens culturais
econômicas contribuem, sobretudo, rede pública de ensino.
comuns que remetem a algum senti-
no imaginário e no sentimento de Antes de adentrar nas especificida-
mento de pertencimento. Trata-se
pertencimento das populações, des da escola-patrimônio, voltemos a
de uma apropriação da cultura ou de
cabe à Educação Patrimonial corro- algumas reflexões teóricas a respeito
parte dela que é representativa para
borar a construção da noção de do patrimônio cultural e da educação
a coletividade.
bem comum, em outros espaços e patrimonial. A Educação Patrimonial
tempos, além do Plano Piloto. é um processo intencional que visa a

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Assim, te convidamos a imaginar Portanto, a educação patri-
uma pessoa que, para seguir cami- monial é uma dimensão da
nhando no mundo – e, muitas vezes, cultura na educação, uma roupa-
nesse processo, o movimento não é gem teórica para tratar questões
uma escolha –, precisa de elemen- importantes como a identidade,
tos e materiais em sua bagagem/ a memória, o pertencimento, os
mochila. O início dessa viagem é o lugares, os fazeres, as utopias,
nascimento, o ponto de chegada os sentidos das aprendizagens, o
é indefinido, incerto, impreciso. O sentido da escola e a construção de
conteúdo dessa bagagem vai se significados em educação.
alterando, ora mais leve, ora mais Agora sim! A partir dessas pers-
pesado, carregado de escolhas e pectivas, é possível desenvolver
renúncias. A Educação Patrimonial as reflexões sobre a escola como
é então uma bagagem que escolhe- patrimônio cultural e educativo.
mos carregar para melhorar a nossa
sobrevivência, reforçar quem somos
e alavancar o que podemos ser.

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Escola como patrimônio cultural e educativo

Inspirados nas ideias de Marilena Podemos tomar a escola como patrimônio cultural
Chauí (2003) e Milton Santos (2012), em duas perspectivas:
é possível dizer que a escola é
uma instituição social, e como tal, a lato sensu:
exprime a estrutura e o modo de • ao reconhecer o valor histórico dessa instituição social, em qualquer
funcionamento da sociedade e tempo e espaço, como patrimônio cultural inestimável da humanidade,
possui reconhecimento público associada a incentivos reais para o fortalecimento dessa unidade terri-
de sua legitimidade e de suas atri- torial na comunidade;
buições. Enquanto espaço escolar,
constitui-se em sistemas de objetos • para o fortalecimento da patrimônio cultural como mediador no
e ações dispostos com a finalidade de processo de transformação de conhecimentos cotidianos em conheci-
promover a interação entre profis- mentos científicos, constituindo-se em um facilitador da comunicação
sionais da educação e estudantes, entre escola e estudantes;
visando construir aprendizagens
de saberes locais e predispostos no • para o fomento ao protagonismo juvenil na atribuição de significados
currículo de referência. práticos e úteis aos conteúdos escolares;

• na intenção de tornar esse espaço um território cultural, espelho dos


anseios e das manifestações artísticas e culturais locais e regionais.

e a strictu sensu:
• na atribuição do devido valor patrimonial a escolas com reconhecido
valor histórico para a construção de nossa identidade histórica e cultu-
ral distrital e nacional, de proporção igual ou superior a igrejas, fortes,
cadeias e câmaras, com mais tombamentos de escolas pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pela Secretaria de
Cultura e Economia Criativa (Secec) (Figura 1).

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Figura 1. Exemplo de escola como patrimônio cultural - Escola Júlia Kubitschek, a primeira
escola pública do Distrito Federal.
Fonte: Acervo do Museu da Educação do Distrito Federal, 1957.

A escola mantém estreita rela- social mais benéfica para a valori- imaterial responsável pela educação
ção com o patrimônio cultural e o zação, a construção e a apropriação formal. Trata-se de um espaço privi-
seu programa expressa, ou deveria do patrimônio cultural local, regio- legiado para a construção de saberes
expressar, aquilo que é delimitado nal e nacional, pois é ela que mais e fazeres necessários para a forma-
e definido como essencial para a sistematicamente introduz e dá ção do ser humano, atentando-se,
sobrevivência do jovem cidadão em continuidade à ampla discussão é claro, para as variadas concep-
uma sociedade e para o processo de do patrimônio cultural em todas ções de ser humano dos diversos
identificação, ou não, a ela. as sociedades. sistemas sociais.
O conhecimento é o patrimô- Enquanto patrimônio educativo
nio humano que permite o legado, – e, aí, cabe ressaltar a sua indissocia-
a continuidade e a potencialização bilidade com o patrimônio cultural
da presença humana no planeta. A –, entendemos que a escola se cons-
escola pode mobilizar uma prática titui na principal força material e

18
Reconhecer a escola como patri- estão atuando, de modo geral, na
mônio cultural, além de valorizar os perspectiva de ofertar um serviço
bens materiais e imateriais que são educacional de excelência para a
próprios da comunidade escolar e comunidade, e a todos, de modo
da unidade territorial pertencente, específico, que estão desenvolvendo
é algo paralelo ao processo de valo- projetos em educação patrimonial
rização do patrimônio humano e na rede de ensino.
afetivo que lhe é próprio. Estamos O que defendemos a partir
especificamente falando da comu- dessas formulações é colocar em
nidade escolar composta por evidência o adjetivo patrimô-
estudantes, seus responsáveis, nio como elemento indivisível do
professores, gestores, atores locais termo escola e, assim, defender a
e outros profissionais da educação e escola-patrimônio como uma formu-
das relações sociais, afetivas e profis- lação necessária para construção
sionais estabelecidas entres eles que da identidade preservacionista, da
potencializam o processo de ensino- identidade de resistência e da iden-
-aprendizagem na escola. tidade de projeto no/do DF na rede.
Assim, pensar a escola como
patrimônio cultural é um desafio
teórico e metodológico que não se
esgota nas possibilidades levanta-
das aqui; ele se coloca a todos que

19
Quando nos referimos à noção sociedade e tem valor inestimável
de escola-patrimônio, estamos para o seu desenvolvimento.
evocando também a necessidade Entendemos a identidade, a
de uma apropriação mais robusta partir de Brandão (2019), como uma
da comunidade a esse espaço, do concepção que o indivíduo tem de
entendimento substancial de sua si mesmo e do seu pertencimento
relevância para qualquer projeto e sua afiliação a grupos. Manuels
de sociedade e de desenvolvimento Castells (1999) identifica três tipos
social que possamos alçar, da luta de identidades: a legitimadora, a de
necessária e diária para a sua quali- resistência e a de projeto. Fazendo
ficação positiva para os jovens alusão ao seu pensamento, defen-
escolares, com maior atenção àque- demos que a escola patrimônio pode
les que vivem em difíceis condições corroborar para a construção das
sociais. Uma escola-patrimônio é seguintes identidades: a preservacio-
uma escola que pertence a alguma nista, a de resistência e a de projeto.

20
Entendemos como identidade laborativas que são fundamentais
preservacionista a concepção que para a manutenção da espécie, aos
visa preservar os elementos que são hábitos de cuidado com a vida, o
essenciais para a manutenção da meio ambiente e os valores huma-
identidade, como as raízes e tradi- nos que favorecem a comunicação
ções culturais. Estamos falando e a promoção do bem estar da espé-
também da necessidade de preser- cie, entre outros.
var aqueles elementos que são Essa formulação aplicada ao
transcendentais para a história do contexto do DF nos impõe alguns
ser humano e remetem à sobrevivên- questionamentos muito importan-
cia, à moradia, ao abrigo, às práticas tes para os processos de ensino e
aprendizagem:

• Qual é o legado que estamos deixando para as próximas gerações?


• O que queremos preservar para as próximas gerações?
• São esses mesmos os bens materiais e imateriais que queremos deixar
como memória e como legado para as próximas gerações? Eles estão
sendo bem cuidados para tal?

A noção de patrimônio se cial no Brasil e no DF: a maioria


confunde com a de propriedade, despossuída de bens, propriedades,
apesar de, hoje, estar ligada também meios de produção e até mesmo
a bens de natureza imaterial. elementos básicos como alimen-
Patrimônio simboliza historica- tos, vestuários, medicamentos,
mente a apropriação da natureza saúde, corpo etc. Dessa forma, cabe
e a espacialização da sociedade. à escola-patrimônio fomentar um
Nesse sentido, a noção de patri- processo de apropriação e recons-
mônio por muito tempo, e até hoje trução do patrimônio cultural a
em diversos sentidos, apresenta- partir dos espaços de exclusão – uma
-se com uma noção restritiva diante identidade de resistência.
de um contexto de injustiça espa-

21
Preocupados com o legado posi- Com isso, no contexto esco-
tivo, mas também com o projeto que lar, almeja-se que a educação
podemos construir enquanto socie- patrimonial se constitua em uma
dade, a escola-patrimônio também esfera articuladora da cultura e
deve favorecer a construção de uma do conhecimento humano e que
identidade de projeto — é o projeto a escola-patrimônio incorpore em
de uma sociedade democrática de sua estrutura basilar as dimensões
alta intensidade (SANTOS, 1999), filosófica, educativa e política da
em que haja justiça social, forma- educação patrimonial. A dimen-
ção cidadã e a devida importância da são filosófica estará direcionada
diversidade cultural, historicamente, a pensar o patrimônio e sua rela-
negada no processo de constituição ção com a sobrevivência da espécie
deste Estado-Nação; projeto com o humana; a dimensão educativa,
qual ainda temos dificuldades em voltada à garantia da formação,
lidar, passados mais de quinhentos à continuidade social, ao legado
anos após à chegada dos portu- social; e a dimensão política estaria
gueses ao território que chamamos comprometida com a manutenção,
Brasil. Trata-se de se reconhecer a a difusão e a ampliação do direito
diversidade como eixo transversal ao patrimônio para todos, impli-
de todas as mudanças profundas e cada diretamente na melhoria da
necessárias que almejamos construir qualidade de vida das populações
coletivamente neste país e neste do campo e da cidade, no reconhe-
Distrito Federal. cimento das múltiplas identidades
e na redução das injustiças sociais.

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Não há momento mais opor- extinguir diversas mazelas como
tuno para que nós, profissionais da desigualdade social, analfabe-
educação, possamos nos apropriar tismo, violência, fome e preconceito.
do contexto do Distrito Federal e Certamente não é Brasília a respon-
de nossa educação para ressignifi- sável, por si mesma, pelas conquistas
car as nossas práticas. Refere-se à e derrotas brasileiras, mas é uma
capital federal do país que foi trans- importante estrutura material
ferida para o planalto central como e social que dá forma às ações e
eixo central do novo projeto de intenções daqueles que podem
desenvolvimento e de sociedade no continuar transformando positiva-
Brasil. O sonho de integração nacio- mente a nossa cidade, a nossa região
nal, desenvolvimento econômico, e o nosso país. Estamos falando
industrialização, qualidade de vida dos sujeitos históricos de Brasília,
e planejamento urbano nos moveu certamente todos vocês que estão
por muito tempo. Por outro lado, fazendo essa leitura.
esse plano não foi suficiente para

23
Conceitos e a educação patrimonial

As expec tativas de uma cas procuram garantir o caráter


escola-patrimônio multicultu- flexível e inexato desse/a conceito/
ral e democrática, assim como a prática, definindo-o de forma mais
fundamentação de reflexões que abstrata. Por outro lado, também
vislumbram práticas educativas crí- se estabelece a necessidade de um
ticas e comprometidas socialmente, sentido dinâmico e transformador
podem ser construídas a partir da que permite a construção de espa-
mediação cultural. Antes de tudo, ços híbridos e de interconetividade
é preciso dizer que a definição de entre mundos (SEMEDO, 2014), sem
mediação cultural não responde se abster de possíveis negociações
a noções objetivas ou quantitati- e zonas de conflitos na construção
vas; pelo contrário, o ato de mediar de significados (KAIJATAVUORI;
localiza-se num universo complexo STERNFELD, 2013).
e subjetivo, mas não inconsciente
dos próprios processos. Por um
lado, diversas abordagens teóri-

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Quando tratamos de media- Assim, a concepção de cultura
ção cultural no desenvolvimento influencia diretamente a compre-
da educação patrimonial é preciso ensão da Educação Patrimonial dos
destacar que a cultura, enquanto indivíduos e/ou grupos. Se optamos
objeto de reflexão entre professores/ ou a entendemos em uma perspec-
as e estudantes, possui uma pers- tiva rígida, inflexível e, também,
pectiva interpretativa, composta como um privilégio, estaremos
de significados criados e recriados realizando ações destinadas à manu-
socialmente, sobre os quais cabe tenção do status quo do sistema de
o estudo aprofundado, a análise significados estabelecidos. Por outro
crítica e o diálogo amplo no contexto lado, o entendimento da cultura
escolar. Isso se mostra fundamen- como algo dinâmico, democrático e
tal à construção e à reconstrução em processo nos permite transfor-
de significados como um processo mar a Educação Patrimonial em um
contínuo e renovador (CORRÊA; sistema de pensamento útil para a
ROSENDAHL, 2011, 2012; MOREIRA; transformação social, especialmente
CANDAU, 2007). em seu aspecto de busca constante
de sentido e pertencimento pelos
sujeitos, tão importante ao processo
educacional (SUESS; SOUZA, 2020).

25
Quando se constrói um processo presente” (JAPIASSÚ; MARCONDES, para conectar as pessoas, como um
de mediação cultural para a educação 1996, p. 178). Se, na prática, não elemento de diferenciação e aproxi-
patrimonial, é preciso compreender podemos alterar fatos ocorridos, mação a elementos culturais — tais
a história como uma possibilidade. é possível revisitar e ressignificar como a religião, a língua, a memó-
Isto é, não há uma história única, a história e a memória, a fim de ria, a classe, o gênero, a sexualidade,
determinada, fatalista, mas uma encontrar múltiplas perspectivas, a etnia, a nacionalidade e os movi-
história que pressupõe diferentes fortalecer representatividades e mentos alternativos (BAUMAN,
hipóteses de futuro. Além disso, valorizar as diversas identidades. 2005; HALL, 2006).
como já frisamos, o patrimônio Assim, a identidade, tão cara aos
cultural é lugar de memória (NORA, processos e à educação patrimonial,
1993), Sendo assim, a memória é “[...] se relaciona com a concepção
compreendida “[...] como a capaci- que o indivíduo tem de si mesmo e
dade de relacionar um evento atual do seu pertencimento e sua afilia-
com um evento passado do mesmo ção a grupos” (BRANDÃO, 2019, s. p.).
tipo, portanto, como uma capaci- Esse conceito tem diversos desdo-
dade de evocar o passado através do bramentos e vem sendo tratado

26
Todos esses elementos contri-
buem para que os sujeitos se sintam
pertencentes a um grupo, a um
lugar ou a um território. A experi-
ência e a percepção, individual ou
coletiva, permitem que cada pessoa
ou grupo construa significados mais
íntimos ou comuns que podem ser,
mais ou menos, compartilháveis. O
lugar envolve relativa permanên-
cia, mas, sobretudo, uma relativa
estabilidade de sentimentos, topo-
fílicos e/ou topofóbicos (TUAN, 2013;
SANTOS, 2012). Por esse motivo,
constitui um tópico importante para
a Educação Patrimonial, pois reflete
a dimensão espacial da cultura, do
patrimônio, do pertencimento e
dos significados.

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Outro conceito importante é o que torna o seu entendimento
o território: um espaço definido necessário ao trabalho de educa-
e delimitado por e a partir das ção patrimonial.
relações de poder. Esse poder se É preciso ter em mente que
estabelece por meio da domina- a educação tem grande respon-
ção e/ou pela apropriação simbólica sabilidade na continuidade,
— desde a materialidade das rela- especialmente, pelo
ções econômico-políticas ao poder papel de trabalhar com os
mais simbólico das relações de conhecimentos acumulados e
ordem estritamente cultural. Em refletir sobre as possibilidades para
uma perspectiva integradora, o as mudanças. Se é fazendo histó-
território envolve o natural, econô- ria que a gente aprende a história
mico, político e cultural, portanto (FREIRE, 2014), podemos afirmar que
é multidimensional e, também, é fazendo Educação Patrimonial que
multiescalar (HAESBAERT, 2016). aprendemos Educação Patrimonial,
Vê-se que a narrativa e a apropria- em um processo que é sempre
ção do patrimônio cultural sempre ação-reflexão-ação.
foram uma questão de território, Assim, continuemos!

28
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto KUENZER, Acácia Zeneida (Org.). Ensino médio: construindo
Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. uma proposta para os que vivem do trabalho. 3. ed. São
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BRANDÃO, Joseane Paiva Macedo. Identidade. In: IPHAN.
Dicionário do Patrimônio Cultural. Brasília: IPHAN, 2019. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria.
Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e
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KAIJATAVUORI, Kaija; KOKKONEN, Laura; STERNFELD,


Nora. It's all mediating: outlining and incorporanting the
roles of curating and education in the exhibition context.
Newcastle: Cambrigde scholars publishing, 2013.
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