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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL,

DIVERSIDADE
E MEIO AMBIENTE
NO DISTRITO FEDERAL

Organização

Vinicius Prado Januzzi Vanessa Nascimento Freitas


Ana Carolina Lessa Dantas Rodrigo Capelle Suess
Fábio da Silva Inara Bezerra Ferreira de Sousa
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL,
DIVERSIDADE
E MEIO AMBIENTE
NO DISTRITO FEDERAL

Organização

Vinicius Prado Januzzi Vanessa Nascimento Freitas


Ana Carolina Lessa Dantas Rodrigo Capelle Suess
Fábio da Silva Inara Bezerra Ferreira de Sousa

Brasília, Iphan, 2022

2
Presidente da República Governo do Distrito Federal Organização
Jair Messias Bolsonaro Vinicius Prado Januzzi
Governador
Ana Carolina Lessa Dantas
Ibaneis Rocha Barros Junior
Vanessa Nascimento Freitas
Ministro do Turismo
Rodrigo Capelle Suess
Carlos Alberto Gomes de Brito
Secretária de Estado de Educação do Fábio da Silva
Secretário Especial da Cultura Distrito Federal Inara Bezerra Ferreira de Sousa
Hélio Ferraz de Oliveira Hélvia Miridan Paranaguá Fraga

Autores
Presidente do Instituto do Patrimônio Subsecretária de Educação Inclusiva e Alessandra Lucena Bittencourt
Histórico e Artístico Nacional Integral Ana Carolina Lessa Dantas
Larissa Peixoto Vera Lúcia Ribeiro de Barros Átila Bezerra Tolentino
Gerente de Educação Ambiental, Beatriz Coroa do Couto
Diretores do Iphan Beatriz de Oliveira Alcantara Gomes
Patrimonial, Língua Estrangeira e
Arlindo Pires Lopes Cláudia Garcia
Arte-Educação
Arthur Lázaro Laudano Bregunci Fabiana Maria de Oliveira Ferreira
Silvia Alves Ferreira Pinto
Leonardo Barreto Hugo de Carvalho Sobrinho
Roger Alves Vieira Ilka Lima Hostensky
Créditos da publicação
Tassos Lycurgo Laura Ribeiro de Toledo Camargo
Educação Patrimonial, Diversidade e Meio
Ambiente no Distrito Federal Luís Fernando Celestino da Costa
Superintendente do Iphan Márcia Cristina Pacito Fonseca Almeida
no Distrito Federal Maria Andreza Costa Barbosa
Saulo Santos Diniz Marielle Costa Gonçalves
Maurício Guimarães Goulart
Paulo Moura Peters
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Rodrigo Capelle Suess
Biblioteca Aloísio Magalhães, IPHAN
Rosinaldo Barbosa da Silva
E24
Sônia Regina Rampim Florêncio
Educação patrimonial, diversidade e meio ambiente no Distrito Federal Vanessa Nascimento Freitas
/ Organização, Vinicius Prado Januzzi... [et al.]. – Dados eletrônicos (1 Vinicius Prado Januzzi
arquivo PDF). – Brasília : IPHAN, 2022.
251 p.
Projeto gráfico e diagramação
Modo de acesso: www.iphan.gov.br Carolina Menezes
ISBN: 978-65-86514-82-7
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
1. Educação patrimonial. 2. Educação profissional. I. Januzzi,
Vinicius Prado. Nacional
www.iphan.gov.br
CDD 370.115 publicacoes@iphan.gov.br
iphan-df@iphan.gov.br
Elaborado por Odilé Viana de Souza – CRB-1/2120
Sumário

4 apresentação

5 módulo 1
Educação Patrimonial: currículo, conceito e temas

35 módulo 2
Educação Patrimonial e Inventários Participativos

56 módulo 3
Educação Patrimonial e Patrimônio Material no Distrito Federal

87 módulo 4
Educação Patrimonial e Patrimônio Imaterial no Distrito Federal

122 módulo 5
Educação Patrimonial e Diversidade

149 módulo 6
Cerrado: eixo pedagógico e patrimônio no/do Distrito Federal

171 módulo 7
Educação Patrimonial e Arte

200 módulo 8
Educação Museal: Relações e Interconexões possíveis

225 módulo 9
Educação Patrimonial e Turismo Cultural

4
apresentação

Apresentação

O Curso EAD Educação Patrimonial, Diversidade Se o processo de aprendizagem é, por essência, cole-
e Meio Ambiente no Distrito Federal é uma iniciativa tivo, a construção do curso teria de necessariamente partir
conjunta da Secretaria de Estado de Educação do DF e da de mais de uma pessoa, uma instituição, um órgão. Cada
Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e um dos módulos foi escrito por especialistas em suas
Artístico Nacional do DF (Iphan-DF). Em março de 2020, áreas de atuação, com o envolvimento de muitas insti-
os órgãos assinaram o Termo de Cooperação nº 001, pelo tuições da cultura e da educação: a Secretaria de Cultura
qual se comprometem a desenvolver, em conjunto, ações e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC-DF), o
e materiais de educação patrimonial, que contemplem Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a Universidade
as múltiplas dimensões do patrimônio cultural e suas de Brasília (UnB), o Núcleo de Educação Patrimonial do
relações com o território distrital. Iphan, além de professores e professoras pertencentes
Este curso integra as ações do Termo de Cooperação. ao quadros da Secretaria, responsáveis pelas mais diver-
Seu objetivo primordial é oferecer aos/às docentes da sas disciplinas no cotidiano de seu trabalho.
rede pública de ensino um contato inicial com temáti- Esperamos que tenham uma leitura proveitosa e
cas relacionadas ao trabalho cotidiano do patrimônio que este material seja um instrumento de aprimora-
cultural e, ainda mais, permitir que esse conteúdo seja mento e de multiplicação da educação patrimonial no
trabalhado em sala de aula. Parte-se do princípio de Distrito Federal!
que a escola constitui uma rede de aprendizado mútuo
entre docentes, funcionários e estudantes, a partir de
suas interações com e no espaço.

Hélvia Paranaguá
secretária de estado de educação do distrito federal

Saulo Santos Diniz


superintendente do iphan no distrito federal

5
módulo 1
Educação Patrimonial:
currículo, conceitos e temas

elaborado por

Rodrigo Capelle Suess1


Vanessa Nascimento Freitas2

Educação Patrimonial e o Currículo em Movimento


do Distrito Federal

Para dar início às reflexões sociocultural dos estudantes, das pressupostos teóricos desse currí-
propostas neste curso, apresenta- professores/as e de toda a comu- culo, tais como os princípios da
mos este módulo introdutório a fim nidade escolar. educação integral, os articulado-
de apontar conceitos e temas relacio- Inicialmente, realizou-se a tarefa res do currículo integrado e os eixos
nados à Educação Patrimonial (EP) de se reconhecer o Currículo em transversais, e realizamos algumas
e ao Currículo em Movimento do Movimento do Distrito Federal como reflexões e proposições de sua apli-
Distrito Federal (CMDF). Ao enfatizar a principal referência documental cação à Educação Patrimonial no
esse vínculo, destacamos, sobre- para a condução das atividades peda- Distrito Federal.
tudo, que os processos de ensino gógicas na rede pública de ensino do
e de aprendizagem desenvolvidos Distrito Federal, com foco nas possi-
com base nos conteúdos do Currículo bilidades em Educação Patrimonial.
devem levar em conta o contexto Posteriormente, identificamos os

1 Rodrigo Capelle Suess é graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG-2014), mestre em Geografia pela Universidade de Brasília (UnB,
2016) e doutor em Geografia pela UnB. Professor da Carreira Magistério Público da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), componente
curricular Geografia. Integrante do Grupo de Pesquisa Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores em Geografia (GEAF-UnB). Lattes: http://lattes.cnpq.
br/4727367551462113. Contato: rodrigo.capellesuess@gmail.com
2 Vanessa Nascimento Freitas é graduada (Licenciatura e Bacharelado) em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília (UnB-2009/2010) e mestre em Artes
(2013) pela mesma instituição. Doutora em Museologia pelo Departamento de Ciências e Técnicas do Patrimônio da Universidade do Porto, em Portugal
(2018). Professora de Artes Visuais da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Integra a Equipe Gestora do Nível Central responsável pela Política
de Educação Patrimonial da SEEDF. Contato: nasfre.vanessa@gmail.com

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Entre os diversos temas direta ter uma atitude propositiva para o
e indiretamente sugeridos por este desenvolvimento de uma sociedade
módulo, optou-se por desenvol- sonhada. Assim, a aliança entre a
ver a perspectiva da “Escola como Educação Patrimonial e o Currículo
patrimônio cultural e educativo” e, em Movimento do Distrito Federal
por fim, foram relacionados alguns é, sobretudo, fruto do reconheci-
conceitos científicos como cultura, mento de que os saberes escolares e
mediação cultural, identidade, os conhecimentos tácitos se cruzam
memória, pertencimento, territó- e se complementam.
saiba mais
rio e lugar como ferramentas úteis Para isso, a Secretaria de Estado A política pública de Educação
para a construção das aprendiza- de Educação do Distrito Federal vem Patrimonial da SEEDF (Porta-
ria nº 265/2016) toma para si a
gens, conforme o CMDF, e para a desenvolvendo a política pública de seguinte definição de Educação
consolidação da política pública de Educação Patrimonial como uma Patrimonial: “é uma dimensão da
Educação Patrimonial da Secretaria dimensão fundamental da educa- educação, é atividade intencional
da prática social, que deve impri-
de Educação do Distrito Federal. ção e de seus processos de ensino e mir ao desenvolvimento integral
Um dos desafios dos processos aprendizagem, cujo trabalho deve do sujeito um caráter social,
de educação patrimonial é fortalecer ser executado de forma transver- considerando a identidade, em
sua relação com os bens culturais
nos conteúdos escolares os sentidos e sal e interdisciplinar. As ações e os
de natureza material e imate-
os significados fundamentais da vida projetos realizados buscam arti- rial, bens naturais, paisagísticos,
cotidiana e, portanto, da cultura. A cular os componentes curriculares, artísticos, históricos e arqueo-
lógicos, visando potencializar o
partir da construção dessas relações, incluindo os conteúdos e os objeti-
processo de ensino-aprendiza-
espera-se que os estudantes sejam vos, com a vivência dos estudantes gem e preservação da memória”.
capazes de desenvolver reflexões e dos professores em seus espa- Conheça mais a respeito desse
críticas sobre si e sobre o mundo e ços e comunidades instrumento normativo.

8
O Currículo em Movimento do Além disso, objetiva-se consti-
Distrito Federal, currículo oficial tuir um currículo mais reflexivo e
da rede pública de ensino, absorve menos normativo e prescritivo, com
alguns princípios da educação inte- saberes mobilizados pela interdisci-
gral: integralidade, intersetorização, plinaridade e transdisciplinaridade,
transversalidade, diálogo esco- feito em diálogo da escola com
la-comunidade, territorialidade, a comunidade.
trabalho em rede e convivência Dessa forma, rompe-se a lógica
escolar negociada. Busca-se uma formal da educação restrita aos
formação integral dos estudantes, muros escolares e entende-se a
com a devida atenção às dimensões necessidade de compreender a terri-
humanas, em um esforço com diver- torialidade dos estudantes. Trabalho
sos setores da sociedade que podem que somente se concretiza em uma
contribuir com a educação básica. rede de interação.

saiba mais
Você pode baixar os arquivos
do Currículo em Movimento
do Distrito Federal no site
oficial da SEEDF.

saiba mais
O termo movimento não foi adotado por acaso pela rede pública de ensino do
Distrito Federal. Ele remete à vida e à mudança, à teoria e à prática, ao senso
comum e à ciência. Ele está posto a serviço da transformação social, ele é obra cole-
tiva e participativa de todos entes da educação e da sociedade. “É um documento
a ser permanentemente avaliado e significado a partir de concepções e práticas
empreendidas por cada um e cada uma no contexto concreto das escolas e das
salas de aula desta rede pública de ensino”. Então, podemos fazer uma Educa-
ção Patrimonial em movimento, concordam? (DISTRITO FEDERAL, 2018, p. 20).

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O princípio da integralidade dimento do patrimônio cultural em
busca dar a devida atenção para sua multiescalaridade, da escala do
todas as dimensões humanas, corpo à escala do mundo.
com equilíbrio entre os elementos A Educação Patrimonial na
cognitivos, afetivos, psicomotores integralidade na educação básica
e sociais (DISTRITO FEDERAL, 2018). se relaciona, igualmente, com a
A Educação Patrimonial pode cola- compreensão da diferença, com o
borar para o cumprimento desse desvelamento do significados das
princípio ao permear e integrar diferentes paisagens humanas e
os componentes curriculares por terrestres, com o avanço do pensa-
meio de seus conceitos como iden- mento simples ao complexo e com
tidade, memória, pertencimento, a busca dos elementos da unici-
lugar e território. A sua aborda- dade e da diversidade humana. Sua
gem pode facilitar a compreensão prática, ademais, auxilia no cumpri-
integrada dos processos naturais e mento dos saberes necessários
sociais, a conexão dos conhecimen- para a educação do futuro, como
tos escolares com o mundo vivido defende Morin (2004).
e cotidiano dos estudantes. Pode
contribuir também para que o enten-

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A intersetorialização no âmbito A transversalidade permite a
do poder público e do currículo, espe- integração dos conhecimentos esco-
cialmente, do Governo do Distrito lares por meio da conexão entre
Federal, visa mobilizar políticas conhecimentos sistematizados e
públicas de diferentes campos, como as questões da realidade vivida.
cultura, economia, saúde, esporte, O ponto de partida é a comunica-
meio ambiente e projetos sociais ção entre os conhecimentos pela
de forma contributiva com vistas à interdisciplinaridade (DISTRITO
melhoria da qualidade da educa- FEDERAL, 2018). O CMDF se mobi-
ção (DISTRITO FEDERAL, 2018). Em liza nesse princípio, especialmente,
educação patrimonial, particular- para a vinculação da aprendizagem
mente pode-se destacar o seu papel aos interesses e aos problemas reais
enquanto instrumento mobilizador dos estudantes e da comunidade.
de políticas públicas de diferentes Em sua transversalidade, a
campos, como educação, patrimônio Educação Patrimonial na rede pública
cultural, meio ambiente, turismo e de ensino do Distrito Federal pode
museologia e o seu papel enquanto corroborar a construção do conhe-
mediadora na construção de conhe- cimento por meio da efetivação dos
cimentos escolares. objetivos de aprendizagens, junta-
mente com os eixos transversais do
Currículo em Movimento e com os
temas transversais dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs).

saiba mais
Ética (Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo, Solida- Pluralidade Cultural e Cidadania) e Traba-
riedade), Orientação Sexual (Corpo: Matriz da lho e Consumo (Relações de Trabalho;
sexualidade, relações de gênero, prevenções Trabalho, Consumo, Meio Ambiente e
das doenças sexualmente Transmissíveis) , Saúde; Consumo, Meios de Comunicação
Meio Ambiente (Os ciclos da natureza, socie- de Massas, Publicidade e Vendas; Direitos
dade e meio ambiente, manejo e conservação Humanos, Cidadania) e outros temas locais
ambiental), Saúde (autocuidado, vida coletiva), são os temas transversais dos Parâmetros
Pluralidade Cultural (Pluralidade Cultural e a Curriculares Nacionais (PCNs). Para saber
Vida das Crianças no Brasil, constituição da mais, consulte a página oficial do Ministé-
pluralidade cultural no Brasil, o Ser Humano rio da Educação? <http://portal.mec.gov.br/
como agente social e produtor de cultura, seb/arquivos/pdf/livro01.pdf>.

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O CMDF aponta para a neces- a construção e o reconhecimento
sidade de se transformar a escola da identidade local, o resgate da
em um espaço comunitário, legiti- memória, a valorização da institui-
mando os diversos saberes locais ção escolar como um patrimônio
como sendo do mundo e da vida. cultural e o fortalecimento do adje-
Essa ambição somente se torna tivo escola-patrimônio no Distrito
viável por meio do diálogo escola- Federal: todos são caminhos para o
-comunidade (DISTRITO FEDERAL, alcance desse princípio na educação
2018). A Educação Patrimonial pode básica pública distrital.
se constituir como uma facilitadora O reconhecimento das espe- saiba mais
desse processo. Esse diálogo pres- cificidades do território em suas Conheçam as edições especial
supõe uma comunicação efetiva da múltiplas dimensões, diversidades da Revista Com Censo: Estudos
Educacionais do Distrito Federal
escola com as dimensões ambientais e potencialidades é um elemento de Número 20 e 22:
e sociais locais. O Cerrado, os proble- necessário para a construção de
mas sociais, as especificidades do processos de ensino e aprendiza- Edição Nº 20 - Brasília 60
mundo do trabalho, o modo de orga- gem. Enquanto princípio curricular anos: Educação e Patrimônio
<http://www.periodicos.se.df.
nização e a disposição dos espaços no DF, a territorialidade pretende gov.br/index.php/comcenso/
locais e regionais, os hábitos e estilos romper com os muros escolares, issue/view/22>.
de vidas referendados nos espaços entendendo a cidade e o campo Dossiê temático na Edição Nº 22 -
comunitários locais devem ser leva- como um rico laboratório de refle- Jornadas do Patrimônio DF 2020
<http://www.periodicos.se.df.
dos em consideração na efetivação xões críticas e proposições (DISTRITO gov.br/index.php/comcenso/
desse princípio. O pertencimento, FEDERAL, 2018). issue/view/24>

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Assim, a partir de uma perspectiva alargada e permeável, é preciso mapear
os potenciais educativos do território em que a escola se localiza. São carac-
terísticas e feições que podem qualificar positivamente o ensino na rede
pública de ensino:

• A organização do espaços e tempos;


• Os espaços culturais de significativo valor;
• O patrimônio material e imaterial tombado/registrado;
• O processo de reconhecimento do patrimônio cultural das cidades;
• A indissociabilidade entre as realidades do Plano Piloto com e entre as
demais Regiões Administrativas;
• Os locais de lutas, memória e esquecimento;
• A diversidade das cidades e do campo no Distrito Federal.

A corresponsabilidade entre os diversos sujeitos sociais para o cumpri-


mento dos dispositivos constitucionais, em especial, o do direito à educação
para todos, implica um trabalho em rede. Na rede pública de ensino, todos os
sujeitos devem trabalhar em conjunto, trocando experiências e informações,
com a meta de criar oportunidades de aprendizagem para todos os jovens,
adultos e idosos escolares (DISTRITO FEDERAL, 2018). Isso implica na corres-
ponsabilidade do fortalecimento dos pontos, fluxos e nós de (e entre) todos
os sujeitos envolvidos — estudantes; professores e estudantes; comunidade
escolar, gestores e Coordenações Regionais de Ensino (CREs); Subsecretarias da
SEEDF; Unidades Escolares e unidades superiores hierárquicas, outros órgãos
públicos e privados, sociedade civil e organizada. Em termos específicos, a
educação patrimonial na rede pública deve favorecer: (i) o fortalecimento de
redes de aprendizagens que tenham como meta a construção de sentidos na
educação e a edificação de uma aprendizagem a partir de bases territoriais e
afetivas locais; (ii) a consolidação de uma rede de educadores patrimoniais na
Educação Básica Pública do DF e na conexão dessa rede com outras articula-
ções em educação.
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O Currículo integrado pressu- Nessa lógica, a teoria se reafirma
põe oferecer uma educação que como um estudo, uma abstração da
contemple todas as formas de realidade, uma tomada de consciên-
conhecimentos produzidas pela cia dos fatos que pode transformar
atividade humana, não separando a prática, o modo como agimos, por
o conhecimento acumulado pela meio de uma ação mais consciente
humanidade, na forma de conheci- e efetiva sobre e com o mundo em
mento científico, daquele adquirido que vivemos, ou vice-versa, uma
pelos educandos no cotidiano. Ele prática que possa qualificar e impul-
possibilita uma abordagem da reali- sionar as teorias (PIMENTA e LIMA,
dade como totalidade (KUENZER, 2011). Esse caminho corrobora para
2002, p. 43-44). uma leitura e releitura do mundo
Dessa forma, a dissociação entre e da palavra mais qualificadas,
teoria e prática resulta em um como defende Paulo Freire (1991). A
empobrecimento do currículo na Educação Patrimonial não deve se
escola e, portanto, é preciso resga- constituir apenas em um arcabouço
tar o sentido de indissociabilidade conceitual do patrimônio cultural,
entre esses campos para a efetiva- mas também em uma ferramenta
ção de um currículo transformador que coloca o estudante em contato
na rede pública de ensino do DF, o direto com a aplicação dessas ideias
que muitos autores vão denominar e com a vivência e a sensibilidade
de práxis social. necessárias para a manutenção da
sobrevivência e da continuidade da
espécie humana.

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A interdisciplinaridade na A Educação Patrimonial nasce
perspectiva do currículo inte- com a essência da interdiscipli-
grado funciona como um princípio naridade. A comunicação entre
organizador do espaço e do tempo o conhecimento e a mobilização
do conhecimento. Trata-se de do conhecimento para a resolu-
colocar as disciplinas e seus conte- ção de problemas comuns à vida
údos à luz das questões concretas humana e aos diversos componen-
exigindo uma boa postura no fazer tes curriculares é um feito que a
pedagógico para a construção de Educação Patrimonial mais efetiva-
conhecimentos. mente realiza em linguagens e em
Como você poderá explo- ciências humanas, mas também
rar a interdisciplinaridade? É possui grande potencialidade em
possível trabalhar a partir de articular os conhecimentos das
duas perspectivas: ciências naturais e exatas.

• Componente curricular (intra);


• Entre componentes curriculares (inter).

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Uma das formas mais eficien-
tes de integração curricular é por
meio da situação do conhecimento
numa dada realidade. Trata-se de
uma estratégia de problematiza-
ção, de mediação e de construção de
conhecimentos escolares conhecida
como contextualização (DISTRITO
FEDERAL, 2018). Compreender o
contexto cultural, histórico e geográ-
fico do espaço em que professores e
estudantes não apenas estudam,
mas vivem e participam de sua trans-
formação, é essencial para atribuir
mais sentidos aos saberes mobiliza-
dos no espaço escolar. Trata-se de dar
localidade à cidadania, à sustentabi-
lidade, à democracia e à humanidade
tão presentes nos discursos escola-
res. A contextualidade na Educação
Patrimonial na SEEDF pode se forta-
lecer como uma dimensão da cultura
na educação de (re)construção e
apropriação do patrimônio cultural
a partir dos espaços de exclusão.

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A f lexibilização, enquanto a Educação Patrimonial como um
elemento articulador do currículo importante arcabouço filosófico e
integrado da rede pública do Distrito metodológico para as adequações
Federal, não deve ser confundida necessárias do currículo aos diver-
com precarização e aligeiramento. sos contextos sociais, culturais,
A postura flexível vai ao encontro políticos e econômicos de produção
da mudança comprometida com e mobilização de conhecimentos nas
as transformações sociais. A flexi- diversas Regiões Administrativas do
bilidade pretendida é também o Distrito Federal.
resultado dos diversos projetos-pe- Levando em consideração a
dagógicos das unidades escolares e flexibilidade do CMDF do DF, quais
das especificidades locais e regio- eixos transversais podem ser apro-
nais do DF e se encontra aberta fundados? Estão previstas três
para atualização e para diversifi- perspectivas relacionadas:
cação de formas de produção dos • Educação para a diversidade;
conhecimentos e desenvolvimento • Cidadania em e para os Direitos Humanos;
intelectual dos estudantes (DISTRITO • Educação para a Sustentabilidade.
FEDERAL, 2018). Assim, considera-se

17
Resumidamente,
Ao considerar o CMDF esses
como pres-
documento Aoorientador
considerar
dootrabalho
CMDF como
peda-
gógico, articulado
supostos somentecom fazema Educação documento
sentidoPatrimonial, orientador
pretende-se do traba-
reforçar que
todos
no espaço
os processos
escolar dese ensino
são coloca-e aprendizagem
lho pedagógico,
devem estar
articulado
fundamenta-
com a
dos nos
a serviço
aspectos justiça social, da Educação Patrimonial, pretende-
da socioculturais.
democratização
Nesse aspecto, doquanto
conhecimento,
à escala da escola,
-se reforçar
da comunidade,
que todos os das
processos
Regiões
da emancipação,
Administrativas e do da
Distrito
humaniza-
Federal, é recorrente
de ensinoem e aprendizagem
seus objetivos edevem
conte-
údosdos
ção a menção
seres humanos
a temas quee, também,
têm por finalidade
estar fundamentados
despertar o sentimento
nos aspectos
de
da resolução de
pertencimento, problemasdoepatrimônio
apropriação da socioculturais.
cultural e ambiental dos estu-
transformação
dantes social (DISTRITO
a essas localidades 1
. Nesse aspecto, quanto à escala
FEDERAL, 2018). da escola, da comunidade, das
Regiões Administrativas e do Distrito
saiba mais Federal, é recorrente em seus obje-
Humanização do ser humano? Trata-se de um movi- tivos e conteúdos a menção a temas
mento do próprio ser humano se entender enquanto que têm por finalidade despertar o
sujeito social, esse processo implica em uma constante
ampliação da consciência a respeito de suas condições e sentimento de pertencimento, de
possibilidades biopsicossociais. O educador Paulo Freire apropriação do patrimônio cultu-
é um dos autores que mais corroboram para pensar ral e ambiental dos estudantes a
nesta problemática. Para ele, o reconhecimento que os
seres humanos são históricos e inconclusos é um impor-
essas localidades1.
tante passo para a humanização.

1 Tais como o processo de ocupação e transformação do meio ambiente, espaços de memória,


cultura, lazer, turismo e patrimônio, artistas locais, obras de arte, produções visuais, dança, teatro,
música, monumentos, diversidade e pluralidade cultural, linguagens, identidade, brincadeiras e jogos
populares, tradições religiosas e culturais, resistências, produções individuais e coletivas, símbolos,
sistema administrativo, população, campo e cidade, cidadania, biodiversidade, atividades econômicas,
qualidade de vida, sustentabilidade, imagens cotidianas, entre outros.
18
Assim, o Currículo apresenta Apropriados dessas proposituras e da
diferentes possibilidades de aborda- Política de Educação Patrimonial da SEEDF,
gens sobre patrimônio — material, sugere-se ao professor em suas interven-
imaterial, cultural, artístico, literá- ções pedagógicas:
rio, ambiental e genético —, que,
• Identificar, conhecer, inventariar e
em conjunto, abrem vasto campo
valorizar o patrimônio;
de reflexão e proposição com os
• Analisar mudanças e permanências;
seus estudantes.
• Despertar nos estudantes o senti-
De escalas que vão desde o lugar
mento de pertencimento e apropriação;
vivido do estudante ao Brasil e às
• Favorecer o enriquecimento de voca-
suas regiões, bem como ao mundo,
bulário e repertório cultural;
em uma noção global de humani-
• Respeitar e preservar as diferentes
dade. Aborda, ainda, em relação ao
culturas e manifestações culturais;
Brasil, as questões sociais e étnico-
• Promover a preservação e a conserva-
-raciais, destacando as contribuições
ção do patrimônio;
das matrizes indígenas, africanas e
• Problematizar razões culturais, sociais
europeias na construção da compre-
e políticas, despertando o senso crítico dos
ensão em torno do patrimônio.
estudantes contra as formas de discrimina-
Por essas e outras razões,
ção que cercam as questões patrimoniais.
defende-se o CMDF como um
patrimônio cultural dos professo-
res e estudantes da rede pública de
ensino, por resguardar e garantir
aprendizagens de saberes essenciais
para a sobrevivência, a identidade,
a memória e o pertencimento dos
sujeitos aos lugares como a sua casa,
a rua, o seu bairro, a sua região.

19
Acredita-se que a Educação Se o CMDF pode ser consi-
Patrimonial é importante para valo- derado um patrimônio, o que
rizar e resgatar as peculiaridades dizer das escolas?
históricas e culturais da comunidade A escola pode se fortalecer como
escolar e pode constituir uma ação um patrimônio educativo e cultu-
pedagógica estratégica para comba- ral no DF e resgatar o patrimônio
ter a evasão, a defasagem escolar, como elemento indivisível do termo
bem como para promover a cultura “escola”; para assim defender a
construção e apropriação de saberes
de paz nas unidades escolares. Nesse escola-patrimônio como uma formu-
a respeito de objetos e manifesta-
aspecto, diante do contexto histó- lação necessária para construção da
ções que são considerados essenciais
rico e geográfico peculiar e diverso identidade preservacionista, da iden-
para a sobrevivência, a identidade, a
que caracteriza o Distrito Federal, tidade de resistência e da identidade
história e a memória de um indiví-
no qual grandes disparidades socio- de projeto no/do Distrito Federal na
duo ou grupo, isto é, bens culturais
econômicas contribuem, sobretudo, rede pública de ensino.
comuns que remetem a algum senti-
no imaginário e no sentimento de Antes de adentrar nas especificida-
mento de pertencimento. Trata-se
pertencimento das populações, des da escola-patrimônio, voltemos a
de uma apropriação da cultura ou de
cabe à Educação Patrimonial corro- algumas reflexões teóricas a respeito
parte dela que é representativa para
borar a construção da noção de do patrimônio cultural e da educação
a coletividade.
bem comum, em outros espaços e patrimonial. A Educação Patrimonial
tempos, além do Plano Piloto. é um processo intencional que visa a

20
Assim, te convidamos a imaginar Portanto, a educação patri-
uma pessoa que, para seguir cami- monial é uma dimensão da
nhando no mundo – e, muitas vezes, cultura na educação, uma roupa-
nesse processo, o movimento não é gem teórica para tratar questões
uma escolha –, precisa de elemen- importantes como a identidade,
tos e materiais em sua bagagem/ a memória, o pertencimento, os
mochila. O início dessa viagem é o lugares, os fazeres, as utopias,
nascimento, o ponto de chegada os sentidos das aprendizagens, o
é indefinido, incerto, impreciso. O sentido da escola e a construção de
conteúdo dessa bagagem vai se significados em educação.
alterando, ora mais leve, ora mais Agora sim! A partir dessas pers-
pesado, carregado de escolhas e pectivas, é possível desenvolver
renúncias. A Educação Patrimonial as reflexões sobre a escola como
é então uma bagagem que escolhe- patrimônio cultural e educativo.
mos carregar para melhorar a nossa
sobrevivência, reforçar quem somos
e alavancar o que podemos ser.

21
Escola como patrimônio cultural e educativo

Inspirados nas ideias de Marilena Podemos tomar a escola como patrimônio cultural
Chauí (2003) e Milton Santos (2012), em duas perspectivas:
é possível dizer que a escola é
uma instituição social, e como tal, a lato sensu:
exprime a estrutura e o modo de • ao reconhecer o valor histórico dessa instituição social, em qualquer
funcionamento da sociedade e tempo e espaço, como patrimônio cultural inestimável da humanidade,
possui reconhecimento público associada a incentivos reais para o fortalecimento dessa unidade terri-
de sua legitimidade e de suas atri- torial na comunidade;
buições. Enquanto espaço escolar,
constitui-se em sistemas de objetos • para o fortalecimento da patrimônio cultural como mediador no
e ações dispostos com a finalidade de processo de transformação de conhecimentos cotidianos em conheci-
promover a interação entre profis- mentos científicos, constituindo-se em um facilitador da comunicação
sionais da educação e estudantes, entre escola e estudantes;
visando construir aprendizagens
de saberes locais e predispostos no • para o fomento ao protagonismo juvenil na atribuição de significados
currículo de referência. práticos e úteis aos conteúdos escolares;

• na intenção de tornar esse espaço um território cultural, espelho dos


anseios e das manifestações artísticas e culturais locais e regionais.

e a strictu sensu:
• na atribuição do devido valor patrimonial a escolas com reconhecido
valor histórico para a construção de nossa identidade histórica e cultu-
ral distrital e nacional, de proporção igual ou superior a igrejas, fortes,
cadeias e câmaras, com mais tombamentos de escolas pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pela Secretaria de
Cultura e Economia Criativa (Secec) (Figura 1).

22
Figura 1. Exemplo de escola como patrimônio cultural - Escola Júlia Kubitschek, a primeira
escola pública do Distrito Federal.
Fonte: Acervo do Museu da Educação do Distrito Federal, 1957.

A escola mantém estreita rela- social mais benéfica para a valori- imaterial responsável pela educação
ção com o patrimônio cultural e o zação, a construção e a apropriação formal. Trata-se de um espaço privi-
seu programa expressa, ou deveria do patrimônio cultural local, regio- legiado para a construção de saberes
expressar, aquilo que é delimitado nal e nacional, pois é ela que mais e fazeres necessários para a forma-
e definido como essencial para a sistematicamente introduz e dá ção do ser humano, atentando-se,
sobrevivência do jovem cidadão em continuidade à ampla discussão é claro, para as variadas concep-
uma sociedade e para o processo de do patrimônio cultural em todas ções de ser humano dos diversos
identificação, ou não, a ela. as sociedades. sistemas sociais.
O conhecimento é o patrimô- Enquanto patrimônio educativo
nio humano que permite o legado, – e, aí, cabe ressaltar a sua indissocia-
a continuidade e a potencialização bilidade com o patrimônio cultural
da presença humana no planeta. A –, entendemos que a escola se cons-
escola pode mobilizar uma prática titui na principal força material e

23
Reconhecer a escola como patri- estão atuando, de modo geral, na
mônio cultural, além de valorizar os perspectiva de ofertar um serviço
bens materiais e imateriais que são educacional de excelência para a
próprios da comunidade escolar e comunidade, e a todos, de modo
da unidade territorial pertencente, específico, que estão desenvolvendo
é algo paralelo ao processo de valo- projetos em educação patrimonial
rização do patrimônio humano e na rede de ensino.
afetivo que lhe é próprio. Estamos O que defendemos a partir
especificamente falando da comu- dessas formulações é colocar em
nidade escolar composta por evidência o adjetivo patrimô-
estudantes, seus responsáveis, nio como elemento indivisível do
professores, gestores, atores locais termo escola e, assim, defender a
e outros profissionais da educação e escola-patrimônio como uma formu-
das relações sociais, afetivas e profis- lação necessária para construção
sionais estabelecidas entres eles que da identidade preservacionista, da
potencializam o processo de ensino- identidade de resistência e da iden-
-aprendizagem na escola. tidade de projeto no/do DF na rede.
Assim, pensar a escola como
patrimônio cultural é um desafio
teórico e metodológico que não se
esgota nas possibilidades levanta-
das aqui; ele se coloca a todos que

24
Quando nos referimos à noção sociedade e tem valor inestimável
de escola-patrimônio, estamos para o seu desenvolvimento.
evocando também a necessidade Entendemos a identidade, a
de uma apropriação mais robusta partir de Brandão (2019), como uma
da comunidade a esse espaço, do concepção que o indivíduo tem de
entendimento substancial de sua si mesmo e do seu pertencimento
relevância para qualquer projeto e sua afiliação a grupos. Manuels
de sociedade e de desenvolvimento Castells (1999) identifica três tipos
social que possamos alçar, da luta de identidades: a legitimadora, a de
necessária e diária para a sua quali- resistência e a de projeto. Fazendo
ficação positiva para os jovens alusão ao seu pensamento, defen-
escolares, com maior atenção àque- demos que a escola patrimônio pode
les que vivem em difíceis condições corroborar para a construção das
sociais. Uma escola-patrimônio é seguintes identidades: a preservacio-
uma escola que pertence a alguma nista, a de resistência e a de projeto.

25
Entendemos como identidade laborativas que são fundamentais
preservacionista a concepção que para a manutenção da espécie, aos
visa preservar os elementos que são hábitos de cuidado com a vida, o
essenciais para a manutenção da meio ambiente e os valores huma-
identidade, como as raízes e tradi- nos que favorecem a comunicação
ções culturais. Estamos falando e a promoção do bem estar da espé-
também da necessidade de preser- cie, entre outros.
var aqueles elementos que são Essa formulação aplicada ao
transcendentais para a história do contexto do DF nos impõe alguns
ser humano e remetem à sobrevivên- questionamentos muito importan-
cia, à moradia, ao abrigo, às práticas tes para os processos de ensino e
aprendizagem:

• Qual é o legado que estamos deixando para as próximas gerações?


• O que queremos preservar para as próximas gerações?
• São esses mesmos os bens materiais e imateriais que queremos deixar
como memória e como legado para as próximas gerações? Eles estão
sendo bem cuidados para tal?

A noção de patrimônio se DF: a maioria despossuída de bens,


confunde com a de propriedade, propriedades, meios de produção e
apesar de, hoje, estar ligada também até mesmo elementos básicos como
a bens de natureza imaterial. alimentos, vestuários, medicamen-
Patrimônio simboliza historica- tos, saúde, corpo etc. Dessa forma,
mente a apropriação da natureza e cabe à escola-patrimônio fomen-
a espacialização da sociedade. Nesse tar um processo de apropriação e
sentido, a noção de patrimônio por reconstrução do patrimônio cultu-
muito tempo, e até hoje em diversos ral a partir dos espaços de exclusão
sentidos, apresenta-se com um noção – uma identidade de resistência.
restritiva diante de um contexto
de injustiça espacial no Brasil e no

26
Preocupados com o legado posi- Com isso, no contexto esco-
tivo, mas também com o projeto que lar, almeja-se que a educação
podemos construir enquanto socie- patrimonial se constitua em uma
dade, a escola-patrimônio também esfera articuladora da cultura e
deve favorecer a construção de uma do conhecimento humano e que
identidade de projeto — é o projeto a escola-patrimônio incorpore em
de uma sociedade democrática de sua estrutura basilar as dimensões
alta intensidade (SANTOS, 1999), filosófica, educativa e política da
em que haja justiça social, forma- educação patrimonial. A dimen-
ção cidadã e a devida importância da são filosófica estará direcionada
diversidade cultural, historicamente, a pensar o patrimônio e sua rela-
negada no processo de constituição ção com a sobrevivência da espécie
deste Estado-Nação; projeto com o humana; a dimensão educativa,
qual ainda temos dificuldades em voltada à garantia da formação,
lidar, passados mais de quinhentos à continuidade social, ao legado
anos após à chegada dos portu- social; e a dimensão política estaria
gueses ao território que chamamos comprometida com a manutenção,
Brasil. Trata-se de se reconhecer a a difusão e a ampliação do direito
diversidade como eixo transversal ao patrimônio para todos, impli-
de todas as mudanças profundas e cada diretamente na melhoria da
necessárias que almejamos construir qualidade de vida das populações
coletivamente neste país e neste do campo e da cidade, no reconhe-
Distrito Federal. cimento das múltiplas identidades
e na redução das injustiças sociais.

27
Não há momento mais opor- extinguir diversas mazelas como
tuno para que nós, profissionais da desigualdade social, analfabe-
educação, possamos nos apropriar tismo, violência, fome e preconceito.
do contexto do Distrito Federal e Certamente não é Brasília a respon-
de nossa educação para ressignifi- sável, por si mesma, pelas conquistas
car as nossas práticas. Refere-se à e derrotas brasileiras, mas é uma
capital federal do país que foi trans- importante estrutura material
ferida para o planalto central como e social que dá forma às ações e
eixo central do novo projeto de intenções daqueles que podem
desenvolvimento e de sociedade no continuar transformando positiva-
Brasil. O sonho de integração nacio- mente a nossa cidade, a nossa região
nal, desenvolvimento econômico, e o nosso país. Estamos falando
industrialização, qualidade de vida dos sujeitos históricos de Brasília,
e planejamento urbano nos moveu certamente todos vocês que estão
por muito tempo. Por outro lado, fazendo essa leitura.
esse plano não foi suficiente para

28
Conceitos e a educação patrimonial

As expec tativas de uma cas procuram garantir o caráter


escola-patrimônio multicultu- flexível e inexato desse/a conceito/
ral e democrática, assim como a prática, definindo-o de forma mais
fundamentação de reflexões que abstrata. Por outro lado, também
vislumbram práticas educativas crí- se estabelece a necessidade de um
ticas e comprometidas socialmente, sentido dinâmico e transformador
podem ser construídas a partir da que permite a construção de espa-
mediação cultural. Antes de tudo, ços híbridos e de interconetividade
é preciso dizer que a definição de entre mundos (SEMEDO, 2014), sem
mediação cultural não responde se abster de possíveis negociações
a noções objetivas ou quantitati- e zonas de conflitos na construção
vas; pelo contrário, o ato de mediar de significados (KAIJATAVUORI;
localiza-se num universo complexo STERNFELD, 2013).
e subjetivo, mas não inconsciente
dos próprios processos. Por um
lado, diversas abordagens teóri-

29
Quando tratamos de media- Assim, a concepção de cultura
ção cultural no desenvolvimento influencia diretamente a compre-
da educação patrimonial é preciso ensão da Educação Patrimonial dos
destacar que a cultura, enquanto indivíduos e/ou grupos. Se optamos
objeto de reflexão entre professores/ ou a entendemos em uma perspec-
as e estudantes, possui uma pers- tiva rígida, inflexível e, também,
pectiva interpretativa, composta como um privilégio, estaremos
de significados criados e recriados realizando ações destinadas à manu-
socialmente, sobre os quais cabe tenção do status quo do sistema de
o estudo aprofundado, a análise significados estabelecidos. Por outro
crítica e o diálogo amplo no contexto lado, o entendimento da cultura
escolar. Isso se mostra fundamen- como algo dinâmico, democrático e
tal à construção e à reconstrução em processo nos permite transfor-
de significados como um processo mar a Educação Patrimonial em um
contínuo e renovador (CORRÊA; sistema de pensamento útil para a
ROSENDAHL, 2011, 2012; MOREIRA; transformação social, especialmente
CANDAU, 2007). em seu aspecto de busca constante
de sentido e pertencimento pelos
sujeitos, tão importante ao processo
educacional (SUESS; SOUZA, 2020).

30
Quando se constrói um processo presente” (JAPIASSÚ; MARCONDES, para conectar as pessoas, como um
de mediação cultural para a educação 1996, p. 178). Se, na prática, não elemento de diferenciação e aproxi-
patrimonial, é preciso compreender podemos alterar fatos ocorridos, mação a elementos culturais — tais
a história como uma possibilidade. é possível revisitar e ressignificar como a religião, a língua, a memó-
Isto é, não há uma história única, a história e a memória, a fim de ria, a classe, o gênero, a sexualidade,
determinada, fatalista, mas uma encontrar múltiplas perspectivas, a etnia, a nacionalidade e os movi-
história que pressupõe diferentes fortalecer representatividades e mentos alternativos (BAUMAN,
hipóteses de futuro. Além disso, valorizar as diversas identidades. 2005; HALL, 2006).
como já frisamos, o patrimônio Assim, a identidade, tão cara aos
cultural é lugar de memória (NORA, processos e à educação patrimonial,
1993), Sendo assim, a memória é “[...] se relaciona com a concepção
compreendida “[...] como a capaci- que o indivíduo tem de si mesmo e
dade de relacionar um evento atual do seu pertencimento e sua afilia-
com um evento passado do mesmo ção a grupos” (BRANDÃO, 2019, s. p.).
tipo, portanto, como uma capaci- Esse conceito tem diversos desdo-
dade de evocar o passado através do bramentos e vem sendo tratado

31
Todos esses elementos contri-
buem para que os sujeitos se sintam
pertencentes a um grupo, a um
lugar ou a um território. A experi-
ência e a percepção, individual ou
coletiva, permitem que cada pessoa
ou grupo construa significados mais
íntimos ou comuns que podem ser,
mais ou menos, compartilháveis. O
lugar envolve relativa permanên-
cia, mas, sobretudo, uma relativa
estabilidade de sentimentos, topo-
fílicos e/ou topofóbicos (TUAN, 2013;
SANTOS, 2012). Por esse motivo,
constitui um tópico importante para
a Educação Patrimonial, pois reflete
a dimensão espacial da cultura, do
patrimônio, do pertencimento e
dos significados.

32
Outro conceito importante é necessário ao trabalho de educa-
o território: um espaço definido ção patrimonial.
e delimitado por e a partir das P ar a e n c e r r ar m o s e s t e
relações de poder. Esse poder se primeiro módulo, é preciso ter
estabelece por meio da domina- em mente que a educação tem
ção e/ou pela apropriação simbólica grande responsabilidade na
— desde a materialidade das rela- continuidade, especialmente,
ções econômico-políticas ao poder pelo papel de trabalhar com os
mais simbólico das relações de conhecimentos acumulados e
ordem estritamente cultural. Em refletir sobre as possibilidades para
uma perspectiva integradora, o as mudanças. Se é fazendo histó-
território envolve o natural, econô- ria que a gente aprende a história
mico, político e cultural, portanto (FREIRE, 2014), podemos afirmar que
é multidimensional e, também, é fazendo Educação Patrimonial que
multiescalar (HAESBAERT, 2016). aprendemos Educação Patrimonial,
Vê-se que a narrativa e a apropria- em um processo que é sempre
ção do patrimônio cultural sempre ação-reflexão-ação.
foram uma questão de território, Assim, continuemos!
o que torna o seu entendimento

33
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto KUENZER, Acácia Zeneida (Org.). Ensino médio: construindo
Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. uma proposta para os que vivem do trabalho. 3. ed. São
Paulo: Cortez, 2002.
BRANDÃO, Joseane Paiva Macedo. Identidade. In: IPHAN.
Dicionário do Patrimônio Cultural. Brasília: IPHAN, 2019. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria.
Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Tradução de cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Educação Básica, 2007.
CHAUI, Marilena. A universidade pública sob nova pers- MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do
pectiva. Revista Brasileira de Educação, n. 24, p. 5-15, futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne
set.-dez. 2003. Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2004.
CORRÊA, Roberto Lobato; ROZENDAHL, Zeny. Geografia NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos luga-
cultural: apresentando uma antologia. In: CORRÊA, R. L.; res. Projeto História. São Paulo: PUC-SP. n. 10, 1993.
ROZENDAHL, Z. (orgs.) Introdução à geografia cultural. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Está-
gio e docência. São Paulo: Cortez, 2011.
COSTA, Everaldo Batista. Patrimônio e território urbano
em cartas patrimoniais do século XXI. Finisterra, n. 93, SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a democra-
p. 5-28, 2012. cia: entre o pré-contratualismo e o póscontratualismo. In:
PAOLI, M. C; OLIVEIRA, F. (Orgs). Os sentidos da democra-
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação. cia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis,
Currículo em movimento da Educação Básica: Pressupos- Vozes; NEDIC, 1999.
tos Teóricos. Brasília: SEEDF, 2018.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e Tempo.
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo: Razão e Emoção. São Paulo: Edusp, 2012.
Paz e Terra, 2014.
SEMEDO, Alice. Museum Mediators in Europe - Connecting
__________. A Importância do Ato de Ler - em três arti- Learning in a Field of Experience. Museum Words: Advan-
gos que se completam. São Paulo: Cortez Editora & Autores ces in Research, v. 2, p. 170-176, 2014.
Associados, 1991.
SUESS, Rodrigo Capelle; SOUZA, Raquel Sá Rodrigues de.
HAESBAERT, Rogerio. O mito da desterritorialização: do Educação Patrimonial: Perspectivas e ações no âmbito das
“fim dos território” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Políticas Públicas da Secretaria de Educação do Distrito
Bertrand Brasil, 2016. Federal. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do
Distrito Federal, v. 7, n. 1, p. 88-99, mar. 2020.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
São Paulo: DP&A, 2006. TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência.
Tradução de Lívia de Oliveira. Londrina: Eduel, 2013.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico
de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1996.

KAIJATAVUORI, Kaija; KOKKONEN, Laura; STERNFELD,


Nora. It's all mediating: outlining and incorporanting the
roles of curating and education in the exhibition context.
Newcastle: Cambrigde scholars publishing, 2013.
34
módulo 2

36
Educação Patrimonial
e Inventários Participativos

elaborado por

Sônia Rampim Florêncio1


Márcia Cristina Pacito Fonseca Almeida2
Paulo Moura Peters3

Para iniciar nossa conversa sobre educação patrimonial, é importante


nos determos um pouco nos significados dos dois termos dessa palavra
composta: educação e patrimônio.
Qual nosso entendimento sobre os conceitos e as práticas relacionados
à educação e ao patrimônio?

De qual Educação estamos falando?


saiba mais
Assim, algumas questões são forma, educação significa reflexão Considerado um dos patronos
fundamentais. Quais perspectivas constante e ação transformadora da educação brasileira, Paulo
dos sujeitos no mundo e não uma Reglus Neves Freire (1921-1997)
de educação devem pautar as ações foi um educador, escritor e filó-
no campo do patrimônio cultural? educação somente reprodutora sofo pernambucano. Figura de
Qual o papel dos educadores no coti- de informações, como via de mão proa do movimento da peda-
única e que identifique os educandos gogia crítica e entusiasta da
diano da educação formal? educação popular, é autor de
A Educação deve ser pensada como consumidores de informações. obras fundamentais no campo
como escolha de processos pelos Paulo Freire chamou esse último da educação como Pedagogia
modelo de “educação bancária” do oprimido (1968) e Pedagogia
quais exercitamos construções
da autonomia (1996).
coletivas de conhecimentos. Dessa (FREIRE, 1970).
1 Licenciada em ciências sociais (Unesp), mestrado em Educação (Unicamp) e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo (UFMG). É servidora do Iphan, onde
atua, também, como professora do mestrado profissional.
2 Márcia Cristina Pacito Fonseca Almeida é historiadora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN-SEDE) e doutoranda em História
Social pela Universidade de São Paulo. Possui mestrado, bacharelado e licenciatura pela USP, atuando como docente no ensino básico e superior entre 2016
e 2019. É autora de Comércio, bens de prestígio e insígnias de poder: as agências centro-ocidentais africanas nos relatos de viagem de Henrique de Carvalho
em sua expedição à Lunda (1884-1888) (FAPESP/Editora Intermeios, 2019).
3 É formado em Antropologia (UnB), com mestrado em Patrimônio Cultural e Turismo (Uminho-Portugal). Atua como servidor público do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde 2010. Atualmente trabalha na área de Educação Patrimonial.

37
A educação que se vislumbra
é aquela que se caracteriza como
mediação para a construção coletiva
do conhecimento, a que identifica
a comunidade como produtora de
saberes, que reconhece, portanto, a
existência de saberes locais. Enfim,
a que reconhece que os bens cultu-
rais estão inseridos em contextos
de significados próprios associados
à memória do local. A educação,
portanto, deve ser percebida como
aquela que ocorre nos espaços da
vida, indo ao encontro das perspecti- É a valorização de processos concebido, reconhecido e produ-
vas presentes na chamada Educação educativos que imbrica os saberes zido pelos sujeitos que a habitam. É
Integral, ampliando tempos, espaços escolares aos saberes que circulam preciso associar a escola ao conceito
e oportunidades educativas. Trata-se nas praças, nos parques, nos museus, de cidade educadora, pois a cidade,
da aproximação de práticas escolares nos teatros, nos encontros e manifes- no seu conjunto, oferecerá inten-
– e outras práticas sociais e cultu- tações culturais de um modo geral. cionalmente às novas gerações
rais – aos espaços urbanos e rurais Para Jaqueline Moll, a cidade experiências contínuas e significati-
tratados como territórios educati- precisa ser compreendida como vas em todas as esferas e temas da
vos (MOLL, 2009). território vivo, permanentemente vida (MOLL, 2009).

38
A Educação Integral considera Cognição. Vygotsky (1998) considera problemas e as situações para os
como “territórios educadores” o que os PPS se desenvolvem durante quais eles foram criados. Assim, a
bairro, a cidade, a roça, o quilombo, o a vida de um indivíduo a partir da mediação pode ser entendida como
assentamento rural, a aldeia, ou seja, sua participação em situações de um processo de desenvolvimento e
os lugares da vida comunitária, ou interação social, no qual participam aprendizagem humana, como incor-
ainda, todo espaço que possibilite e instrumentos e signos com os quais poração da cultura, como domínio
estimule, positivamente, o desenvol- os sujeitos organizam e estruturam de modos culturais de agir, pensar,
vimento e as experiências do viver, do seu ambiente e seu pensamento. de se relacionar com outros e consigo
conviver, do pensar e do agir conse- Os instrumentos e os signos, social mesmo. As ações educativas para a
quente, é um espaço educativo. e historicamente produzidos, em valorização do patrimônio cultural,
Outra categoria interessante para última instância, mediam a vida. Os nesse sentido, são ações mediadoras,
o tema da Educação Patrimonial é o diferentes contextos culturais onde no sentido pensado por Vygotsky,
conceito de mediação no universo de as pessoas vivem são, também, que contribuem para a afirmação
Vygotsky. Em Pensamento e Linguagem contextos educativos que formam e dos sujeitos em seus mundos, em
(VYGOTSKY, 1998), o autor mostra moldam os jeitos de ser e estar no suas culturas e em seus patrimô-
que a ação humana tem efeitos que mundo. Essa transmissão cultural é nios culturais.
mudam o mundo e efeitos sobre importante porque tudo é aprendido
a própria pessoa e é por meio dos por meio dos outros, dos pares que
elementos (instrumentos e signos) e convivem nesses contextos.
do processo de mediação que ocorre Dessa maneira, não somente
o desenvolvimento dos Processos práticas sociais e artefatos são
Psicológicos Superiores (PPS) ou apropriados, mas, também, os

39
De qual patrimônio estamos falando?

Agora, pensemos na palavra


patrimônio. De quem são os patri-
mônios? Quem faz esse patrimônio
existir? Quem seleciona? O que eles
representam? Quais memórias
eles expressam?
É preciso, portanto, ter clareza
acerca do conceito de patrimônio
cultural que é referência para as
práticas de Educação Patrimonial.
Tal noção, hoje, está ampliada. Essa expressão poética coaduna-se, com a defi-
Conforme as palavras do ex-mi- nição legal presente no artigo 216 da Constituição
nistro da Cultura, Gilberto Gil: Federal de 1988:

[...] pensar em patrimônio agora é Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens
pensar com transcendência, além de natureza material e imaterial, tomados individualmente
das paredes, além dos quintais, ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
além das fronteiras. É incluir as à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
gentes. Os costumes, os sabores, os sociedade brasileira, nos quais se incluem:
saberes. Não mais somente as edifi- I - as formas de expressão;
cações históricas, os sítios de pedra
II - os modos de criar, fazer e viver;
e cal. Patrimônio também é o suor,
o sonho, o som, a dança, o jeito, a III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
ginga, a energia vital, e todas as IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais
formas de espiritualidade de nossa espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
gente. O intangível, o imaterial
(IPHAN, 2014). V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisa-
gístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico
e científico.

40
É interessante notar que o texto que a formação da sociedade brasi-
legal ajuda a responder à ques- leira transcorre continuamente e
tão relacionada aos detentores do inclui os grupos sociais que vivem
patrimônio cultural brasileiro: aos nos diferentes territórios brasileiros
portadores de referência à iden- no hoje e cultivam, cotidianamente,
tidade, à ação, à memória dos suas referências culturais.
diferentes grupos formadores da O patrimônio cultural forma-se
sociedade brasileira. a partir de referências culturais que
Dessa forma, percebemos a estão muito presentes na história
ampliação do conceito de patrimônio de um grupo e que foram transmi-
cultural e, também, o deslocamento tidas entre várias gerações. Ou seja,
da identificação desse patrimônio, são referências que ligam as pessoas
antes atribuída somente aos órgãos aos seus pais, aos seus avós e àque-
oficiais de preservação e que, agora, les que viveram muito tempo antes
se coloca como atribuição desses delas. São as referências que se quer
grupos. Portanto, devemos pensar transmitir às próximas gerações.

41
Entre os elementos que consti- ria compartilhada, um edifício, uma Referências culturais são edifi-
tuem a cultura de um lugar, alguns festa ou um lugar que muitos acham cações e são paisagens naturais.
podem ser considerados patrimônio importante, ou outros elementos em São também as artes, os ofícios, as
cultural. São elementos tão impor- torno dos quais muitas pessoas de formas de expressão e os modos
tantes para o grupo que adquirem um mesmo grupo se identificam. de fazer. São as festas e os luga-
o valor de um bem — um bem O patrimônio cultural faz parte res a que a memória e a vida social
cultural — e é por meio deles que o da vida das pessoas de maneira tão atribuem sentido diferenciado: são
grupo se vê e quer ser reconhecido profunda que, algumas vezes, elas as consideradas mais belas, são as
pelos outros. Notem que nem tudo sequer conseguem dizer o quanto mais lembradas, as mais queridas.
que forma uma cultura é patrimô- ele é importante e por quê. Mas, São fatos, atividades e objetos que
nio cultural. Por exemplo, aspectos caso elas o perdessem, sentiriam mobilizam a gente mais próxima
como a falta de educação no trân- sua falta. Como exemplo, citamos a e que reaproximam os que estão
sito ou o costume de jogar lixo na rua paisagem do bairro; o jeito de prepa- longe, para que se reviva o senti-
são, sem dúvida, aspectos culturais, rar uma comida; uma dança; uma mento de participar e de pertencer
mas, definitivamente, não são patri- música; uma brincadeira. a um grupo, de possuir um lugar.
mônios culturais. Fazendo um inventário, é possível Em suma, referências são objetos,
O patrimônio cultural tem descobrir e documentar o repertório práticas e lugares apropriados pela
importância para muita gente, não de referências culturais que consti- cultura na construção de sentidos de
só para um indivíduo ou uma família. tuem o patrimônio da comunidade, identidade, são o que popularmente
Dessa maneira, interliga as pessoas. do território em que ela se insere e se chama de raiz de uma cultura
É sempre algo coletivo: uma histó- dos grupos que fazem parte dela. (IPHAN, 2000).

42
Agora sim! Qual Educação Patrimonial?

Para o entendimento do saiba mais


conceito de Educação Patrimonial, Como vimos no primeiro módulo, o Distrito Federal
é fundamental recorrermos a um tem uma legislação própria de Educação Patrimonial,
a Portaria nº 265, de 2016. Ambas as portarias, vale
importante marco legal para o lembrar, são igualmente válidas e aplicáveis no terri-
campo da Educação Patrimonial: a tório do DF e devem ser trabalhadas em conjunto.Essa
Portaria Iphan nº 137, de abril de 2016, Portaria traz importantes princípios para delinear ações,
projetos e práticas no campo da Educação Patrimonial.
aqui reproduzida parcialmente:

portaria nº 137, de 28 de abril de 2016

Estabelece diretrizes de Educação art. 3º São diretrizes da Educação VI - Considerar a intersetorialidade


Patrimonial no âmbito do Iphan e Patrimonial: das ações educativas, de modo a
das Casas do Patrimônio. promover articulações das políti-
I - Incentivar a participação social cas de preservação e valorização
[...] resolve: na formulação, implementação e do patrimônio cultural com as de
execução das ações educativas, de cultura, turismo, meio ambiente,
art. 1º. Instituir um conjunto de modo a estimular o protagonismo
marcos referenciais para a Educação educação, saúde, desenvolvimento
dos diferentes grupos sociais; urbano e outras áreas correlatas;
Patrimonial - EP enquanto prática
transversal aos processos de preser- II - Integrar as práticas educativas ao
vação e valorização do patrimônio cotidiano, associando os bens cultu- VII - incentivar a associação das polí-
cultural no âmbito do Iphan. rais aos espaços de vida das pessoas; ticas de patrimônio cultural às ações
de sustentabilidade local, regio-
art. 2º Para os efeitos desta Portaria, III - valorizar o território como nal e nacional;
entende-se por Educação Patrimo- espaço educativo, passível de leitu-
nial os processos educativos formais ras e interpretações por meio de
e não formais, construídos de forma múltiplas estratégias educacionais; VIII - considerar patrimônio cultu-
coletiva e dialógica, que têm como ral como tema transversal e
foco o patrimônio cultural social- interdisciplinar.
IV - Favorecer as relações de
mente apropriado como recurso afetividade e estima inerentes à
para a compreensão sociohistórica valorização e preservação do patri-
das referências culturais, a fim de mônio cultural;
colaborar para seu reconhecimento,
valorização e preservação.
V - Considerar que as práticas
Parágrafo único. Os processos educativas e as políticas de preser-
educativos deverão primar pelo vação estão inseridas num campo
diálogo permanente entre os agen- de conflito e negociação entre
tes sociais e pela participação diferentes segmentos, setores e
efetiva das comunidades. grupos sociais;

43
É importante destacar que os Outro ponto importante para
processos educativos que tenham destaque é o entendimento de que
como foco o patrimônio cultural a Educação Patrimonial apresenta
são mais efetivos quando integra- uma dimensão política (IPHAN,
dos às demais dimensões da vida das 2014), a partir da concepção de que
pessoas. Em outras palavras, devem tanto a memória como o esqueci-
fazer sentido e serem percebidos nas mento são produtos sociais.
práticas cotidianas, como começa- É preciso enfrentar o desafio
mos a ver anteriormente, no módulo de encarar a problemática de que,
que abre nosso curso. É preciso, no Brasil, nem sempre a população
portanto, associar continuamente se identifica ou se vê no conjunto
os bens culturais e a vida cotidiana, do que é reconhecido oficialmente
como criação de símbolos e circula- como patrimônio cultural nacional.
ção de significados. Nas palavras de Sabe-se que as políticas de preser-
Carlos Rodrigues Brandão: vação se inserem num campo de
conflito e negociação entre dife-
rentes segmentos, setores e grupos
Não se trata, portanto, de pretender sociais envolvidos na definição dos
imobilizar, em um tempo presente, critérios de seleção, na atribuição de
um bem, um legado, uma tradi-
ção de nossa cultura, cujo suposto valores e nas práticas de proteção
valor seja justamente a sua condi- dos bens e manifestações cultu-
ção de ser anacrônico com o que se rais acauteladas.
cria e o que se pensa e viva agora,
ali onde aquilo está ou existe. Trata-
-se de buscar, na qualidade de uma
sempre presente e diversa releitura
daquilo que é tradicional, o feixe de
relações que ele estabelece com a
vida social e simbólica das pessoas saiba mais
de agora. O feixe de significados que Recomendações de materiais audiovisuais e músicas:
a sua presença significante provoca Para uma abordagem sobre o tema, conferir a produ-
e desafia (BRANDÃO, 1996). ção cinematográfica Narradores de Javé, dirigida por
Eliana Caffé, 2003

44
Situação determinada, entre
outras causas, pelo assimétrico e
desigual processo de desenvolvi-
mento socioeconômico que, por um
lado, expande o regime da grande
propriedade rural e da agricultura
intensiva; por outro, determina
uma urbanização caracterizada por
grandes concentrações metropoli-
tanas, que estimulam o processo de
especulação imobiliária, gerando a
substituição de edificações e espaços
sociais, a segregação de populações e
a limitação do usufruto dos ambien-
tes públicos e comunitários.

45
Esse quadro acaba por originar se pautando pelo respeito à diversi-
um desequilíbrio de representativi- dade sociocultural.
dade em termos da origem étnica, A Educação Patrimonial tem,
social e cultural, o que provoca, desse modo, um papel decisivo
por sua vez, uma crise de legitimi- no processo de valorização e de
dade e uma baixa identificação da preservação do patrimônio cultu-
população, em alguns casos, com ral, colocando-se para muito além
Patrimônio Cultural nacional que é da divulgação do patrimônio. Não
oficialmente reconhecido. bastam a “promoção” e a “difusão”
Desse ponto de vista, ao assumir de conhecimentos acumulados
funções de mediação, as institui- no campo técnico da preservação
ções públicas devem, mais do que do patrimônio cultural. Trata-se,
propriamente determinar valores essencialmente, da possibilidade de
a priori, criar espaços de aprendi- construções de relações efetivas com
zagem e interação que facultem a as comunidades, verdadeiras deten-
mobilização e a reflexão dos grupos toras do patrimônio cultural.
sociais em relação ao seu próprio
patrimônio. Sua função primordial
é mediar todo tipo de processo de
patrimonialização, encaminhando
demandas e intervindo em ques-
tões pontuais e estratégicas, sempre saiba mais
Este tema é abordado em outros
módulos deste curso, como
“Educação Patrimonial e o Patri-
mônio Material do Distrito
Federal” e “Educação Patrimo-
nial e o Patrimônio Imaterial do
Distrito Federal”.

46
Dessa forma, os bens culturais de culturas marginalizadas ou exclu-
são considerados como suporte ídas da modernidade ocidental, e
vivo para a construção coletiva do que são fundamentais para o estabe-
conhecimento, que só pode ser lecimento de diálogos interculturais
levada a cabo quando se conside- e de uma cultura de tolerância com
ram e se incorporam as necessidades a diversidade.
e expectativas das comunidades Aí está o que pode ser uma apro-
envolvidas por meio de múltiplas ximação mais complexa e integrada
estratégias e situações de aprendi- das realidades sociopolíticas do
zagem que devem ser construídas fenômeno da cultura em geral e da
dialogicamente a partir das especi- Educação Patrimonial em particu-
ficidades locais. lar. E complexa, aqui, tem o sentido
Além disso, a Educação apontado por Edgar Morin:
Patrimonial deve ser tratada como
um conceito basilar para a valori- Complexus [do latim] significa o
zação da diversidade cultural, para que foi tecido junto; de fato, há
complexidade quando elementos
o fortalecimento de identidades e diferentes são inseparáveis, consti-
de alteridades no mundo contem- tutivos do todo (como o econômico,
porâneo e como um recurso para a o político, o sociológico, o psicoló-
gico, o afetivo, o mitológico) e há
afirmação das diferentes maneiras um tecido interdependente, intera-
de ser e de estar no mundo. O reco- tivo e inter-retroativo entre o objeto
nhecimento desse fato, certamente de conhecimento e seu contexto, as
partes e o todo, o todo e as partes, as
inserido em um campo de lutas e
partes entre si. Por isso a complexi-
contradições, evidencia a visibilidade dade é a união entre a unidade e a
multiplicidade (MORIN, 2011, p. 36).

47
Outro aspecto importante é vistas a uma melhor compreensão
que a Educação Patrimonial pode das realidades locais.
contribuir para a criação de canais No que se refere à prática
de interlocução com a sociedade e educativa, é preciso considerar o
com os setores públicos responsáveis patrimônio cultural como tema
pela política de patrimônio cultural, transversal e interdisciplinar, ato
por meio de mecanismos de escuta essencial ao processo educativo
e observação que permitam acolher para potencializar o uso dos espaços
e integrar as singularidades, identi- públicos e comunitários como espa-
dades e diversidades locais. ços formativos. Além disso, é preciso
Dessa forma, são possíveis a incentivar o envolvimento das insti-
identificação e o fortalecimento tuições que atuam nos processos
dos vínculos das comunidades com educacionais, formais e não formais,
o seu patrimônio cultural, o que no campo da Educação Patrimonial.
pode potencializar a articulação de
ações educativas de valorização e
proteção do patrimônio cultural.
saiba mais
É preciso, portanto, identificar e Para a compreensão dos valores afetivos e os proces-
promover ações que tenham como sos de ressignificação do patrimônio cultural a partir do
exercício de escuta das populações locais, conferir, por
referência as expressões culturais exemplo, a publicação: ROMEO, Gabriela (org.). NOVAS
locais e territoriais, contribuindo, (velhas) BATALHAS - Educação patrimonial no contexto das
dessa maneira, para a construção de fortificações de Pernambuco. Brasília: IPHAN, 2019.
mecanismos junto à sociedade com

48
Outro fator importante para o Em consonância com essas
sucesso das ações educativas de perspectivas, faz-se necessária a
preservação e valorização do patri- compreensão dos espaços territo-
mônio cultural é o estabelecimento riais como espaços vivos, passíveis
de vínculos entre políticas públi- de leitura e interpretação por meio
cas de patrimônio e as de cultura, de múltiplas estratégias educacio-
turismo cultural, meio ambiente, nais. Seus efeitos se potencializam
educação, saúde, desenvolvimento quando conseguem interligar os
urbano e de outras áreas correlatas, espaços tradicionais de aprendi-
favorecendo, então, o intercâmbio zagem a equipamentos públicos,
de ferramentas educativas de modo como centros comunitários, biblio-
a enriquecer o processo pedagógico tecas, praças e parques, associações
inerente a elas. de moradores, teatros e cinemas.
Desse modo, são possíveis a Tais estratégias tornam-se também
otimização de recursos na efetiva- mais efetivas quando integradas às
ção das políticas públicas e a prática demais dimensões da vida e articula-
de abordagens mais abrangentes e das a práticas cotidianas e marcos de
intersetoriais, compreendendo a referências identitárias ou culturais
realidade como lugar de múltiplas de seus usuários. As cidades, reite-
dimensões da vida. ramos, precisam ser compreendidas
como territórios vivos, produzidos
pelos sujeitos que as habitam e as
saiba mais modificam continuamente.
Você sabia que recentemente o Museu da Repú-
blica lançou uma plataforma contendo atividades de
Educação Patrimonial? É possível acessar materiais que
enfocam atividades colaborativas que contemplam as
dimensões afetivas do Patrimônio.

49
Os inventários participativos

Com base nos princípios de Inventário Pedagógico, fruto da


atuação da Educação Patrimonial, participação do Iphan na atividade de
apontados acima e na preocupa- Educação Patrimonial do Programa
ção sempre presente no Instituto Mais Educação, da Secretaria de
do Patrimônio Histórico e Artístico Educação Básica do MEC.
Nacional (Iphan) em inserir o tema Decidiu-se, à época, que em
do patrimônio cultural na educação função da diversidade de contextos
formal, a Coordenação de Educação culturais e faixas etárias atendidas
Patrimonial do Departamento de pelo Programa, seria necessário
Cooperação e Fomento do Iphan pensar uma atividade que abar-
optou pela utilização de uma casse tais diferenças culturais,
ferramenta pedagógica onde a geracionais e territoriais, criando
comunidade escolar pudesse olhar uma aproximação inicial com o tema
para o patrimônio do seu territó- patrimônio cultural. Além disso, a
rio e tornar-se protagonista para partir do trabalho inicial de reco-
inventariá-lo e apresentá-lo em dife- nhecimento proposto pelo material,
rentes formatos. esperava-se incentivar a criatividade
Com base em metodologias e a inventividade em cada escola
de ferramentas já existentes no para desenvolver seus próprios
Iphan, principalmente o Inventário produtos e ações.
Nacional de Referências Culturais
(INRC), foi desenvolvido e dispo-
nibilizado, portanto, em 2012, o

50
Assim, entendia-se que era Assim, o Inventário Pedagógico imersão no universo de pesquisas
possível estimular e mobilizar comu- pode se constituir em um potente que extrapolam a consulta a publi-
nidades escolares de todo o território in s t r u m ent o d e E d u c aç ã o cações e à internet, tão comumente
brasileiro para o entendimento do Patrimonial para, em primeiro presente no universo dos estudantes.
patrimônio cultural como um eixo lugar, estimular a mobilização e a Em razão de solicitações de
de desenvolvimento local. participação social em torno das técnicos das unidades do Iphan
Para Hugues de Varine: referências culturais nos diferen- e de outros setores do Ministério
tes territórios do país, estimulando da Cultura, bem como por suges-
Inventário compartilhado é ao grupos sociais a identificá-las e valo- tões e demandas de determinadas
mesmo tempo um objetivo e um rizá-las a partir das escolas. organizações da sociedade civil,
meio: trata-se, com certeza, de
chegar a um produto, utilizando Essas construções coletivas e de decidiu-se adaptar o material para
todos os meios de coleta, de registro pesquisas sobre as referências cultu- aproveitamento em iniciativas e
e difusão; mas é também, e talvez rais permitem o acesso aos valores atividades para além do Programa
principalmente, uma pedagogia
que visa a fazer nascer no territó-
afetivos e cotidianos do patrimônio Mais Educação. Foram feitos ajustes
rio a imagem complexa e viva de e a articulação de contextos multi- textuais, redefinindo seus poten-
um patrimônio comum, de múlti- culturais (presentes na realidade ciais usos e objetivos. A partir dessa
plos componentes e facetas, que
escolar) com o objetivo de favorecer reformulação, o alvo primordial dos
se tornará o húmus do desenvolvi-
mento futuro, e que será igualmente a cooperação de diferentes saberes. inventários participativos passou
compartilhado por todos. (VARINE, Para além de consistir num a ser a mobilização e sensibilização
2012, grifos nossos) instrumento de mobilização e de das comunidades para a importân-
sensibilização, os inventários têm cia de seu patrimônio cultural, por
como objetivo identificar, reunir, meio de uma atividade formativa
sistematizar (e, no limite, compa- que envolve produção de conheci-
rar) informações possibilitando uma mento e participação.

51
O Inventário Participativo cons- Inventariar, nessa perspectiva,
titui-se, portanto, numa ferramenta é um modo de pesquisar, coletar e
de Educação Patrimonial com objeti- organizar informações sobre algo que
vos principais de fomentar no leitor a se quer conhecer melhor. Nessa ativi-
discussão sobre patrimônio cultural, dade, é necessário um olhar voltado
assim como estimular que a própria aos espaços da vida, buscando iden-
comunidade busque identificar e tificar as referências culturais que
valorizar as suas referências cultu- formam o patrimônio do local.
rais, numa construção dialógica do
conhecimento acerca de seu patri-
mônio cultural.
Alinha, ainda, o tema da preser-
vação do patrimônio cultural ao
entendimento de elementos como
território, convívio e cidade como
possibilidades de constante aprendi-
zado e formação, associando valores
como cidadania, participação social e
melhoria de qualidade de vida.

52
A ferramenta apresenta-se,
antes de tudo, como um exercício
de cidadania e participação social, de Um de seus objetivos é fazer
forma que os seus resultados possam com que diferentes grupos e dife-
contribuir para o aprimoramento do rentes gerações se conheçam e
papel do Estado na preservação e na compreendam melhor uns aos
valorização das referências culturais outros, promovendo o respeito
brasileiras, assim como servir de pela diferença e o reconhecimento
fonte de estudos e experiências no da importância da pluralidade. A
contínuo processo de aprendizado. integração de diversos agentes da
Este inventário é, assim, uma comunidade – sejam pais e familia-
atividade de educação patrimonial. res, mestres ou produtores de cultura
Portanto, seu objetivo é construir – é fundamental para a eficácia das
conhecimentos a partir de um amplo ações educativas a serem construí-
diálogo entre as pessoas, as institui- das com sua utilização.
ções e as comunidades que detêm A public aç ão Edu c aç ão
as referências culturais a serem Patrimonial: Inventários participati-
inventariadas. vos (Manual de Aplicação), lançada
pelo Iphan em 2016, pode ser aces-
sada no portal Iphan.

53
Algumas ações inspiradoras

Deixamos agora, alguns exemplos de produtos resultantes de usos


dos inventários participativos:

⚫ Inventários participativos no contexto da candidatura das forti-


ficações brasileiras a patrimônio mundial, realizados em Recife e
Itamaracá – PE
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/livro_nv_batalhas.pdf

⚫ Inventários participativos em Ceilândia – DF


http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/ceilandia_minha_
quebrada_mundo.pdf

⚫ Rede Catarinense de Engenhos de Farinha - SC


https://engenhosdefarinha.wordpress.com

⚫ Inventário participativo do Minhocão em São Paulo – SP


Dossiê do Inventário Participativo Minhocão contra gentrificação.
São Paulo, 2019.
bit.ly/minhocaocontragentrificacao

⚫ Inventários participativos no Museu Indígena kanindé – CE


http://mkindio.blogspot.com/
https://kanindeescola.wixsite.com/escola-kaninde

54
Referências

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O difícil espelho: limites e MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do
possibilidades de uma experiência de cultura e educação. futuro. São Paulo: Cortez, 2011.
Rio de Janeiro: IPHAN, 1996.
ROMEO, Gabriela (Orgs.). NOVAS (velhas) BATALHAS -
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Educação patrimonial no contexto das fortificações de
Nacional. Manual de Aplicação do Inventário Nacional de Pernambuco. Brasília: IPHAN, 2019.
Referências Culturais. Brasília: IPHAN, 2000.
VARINE, Hugues de. As raízes do futuro – o patrimônio a
______. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio- serviço do desenvolvimento local. Tradução de Maria de
nal. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. Lourdes Parreiras Horta. Porto Alegre: Ed. Medianiz, 2012.
Brasília: IPHAN, 2014. Disponível em: http://portal.iphan.
gov.br/uploads/publicacao/EduPat_EducacaoPatrimo- VYGOTSKY, Lev Semenovich A formação social da mente.
nial_m.pdf. Acesso em 28. jan. 2021. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

______. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico NITO, M. K.; SCIFONI, S. Ativismo urbano e patrimônio cultu-
Nacional. Manual de Aplicação – Inventário Nacional de ral. Revista eletrônica arq.urb, PGAUR/USJT, n. 23, p. 82-94,
Referências Culturais. Brasília: IPHAN, 2000. dez. 2018. Disponível em: https://revistaarqurb.com.br/
arqurb/article/view/40. Acesso em 16 set. 2020.
_______. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Portaria 137, de 28 de abril de 2016. Estabelece NITO, Mariana Kimie; SCIFONI, Simone. O patrimônio contra
diretrizes de Educação Patrimonial no âmbito do Iphan e a gentrificação: a experiência do Inventário Participativo
das Casas do Patrimônio. Diário Oficial da União, 29 abr. de Referências Culturais do Minhocão. Revista do Centro
2016, sec. 1, n.81, p. 06. de Pesquisa e Formação do Sesc, n. 5, nov. 2017, p. 38-49.
Disponível em: https://www.academia.edu/44208714/
_______. Constituição da República Federativa do Brasil. Invent%C3%A1rio_Participativo_Minhoc%C3%A3o_
Brasília: Senado Federal, 1988. contra_gentrifica%C3%A7%C3%A3o_DOSSI%C3%8A.
Acesso em 16 set. 2020.
______. Museu da República. Educação Patrimonial.
Disponível em: https://museueducativo.com.br/category/
educacao-patrimonial/. Acesso em 30/03/2021.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1970.

_______. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e


Terra, 2011.

MOLL, Jaqueline. Um paradigma contemporâneo para a


Educação Integral. Pátio, Revista Pedagógica, n. 51, p. 12-15,
ago./out. 2009.

55
56
módulo 3

57
Educação Patrimonial e
Patrimônio Material no Distrito Federal

elaborado por

Beatriz de Oliveira Alcantara Gomes1


Laura Ribeiro de Toledo Camargo2
Maurício Guimarães Goulart3
Beatriz Coroa do Couto4

Neste módulo, traremos os e gestão compartilhada do patrimô-


conceitos referentes a outros compo- nio cultural entre as esferas federal
nentes do patrimônio cultural e distrital. Por fim, apresentamos os
material: bens móveis, imóveis e inte- bens tombados no DF, detalhando
grados, protegidos individualmente mais a fundo o Conjunto Urbanístico
ou em conjunto, portadores de refe- de Brasília (CUB) e os conceitos rela-
rências da cultura e dos modos de cionados ao patrimônio moderno,
viver e fazer aqui desenvolvidos, com o objetivo de fornecer as bases
tendo como recorte temático aque- de entendimento sobre o assunto
les presentes no Distrito Federal. e estimular a difusão do conheci-
O módulo se desenvolve a mento entre diferentes atores que
partir do histórico do processo de partilham desse conjunto urbano,
patrimonialização nacional e local, permitindo a apropriação social e
apresenta conceitos e práticas inte- valorização do patrimônio cultural.
grados à preservação, conservação

1 Arquiteta na Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Distrito Federal (Iphan-DF). Arquiteta e urbanista graduada
pela Universidade de Brasília (UnB), com passagem pela Università degli Studi di Firenze (Itália), e mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela UnB.
2 Arquiteta na Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Distrito Federal (Iphan-DF). Graduada em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB) e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB).
3 Arquiteto na Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Distrito Federal (Iphan-DF). Possui graduação em Arquitetura
e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB).
4 Analista na área de Gestão do Patrimônio Cultural no Governo do Distrito Federal. Mestre em Arquitetura e Urbanismo na área de Urbanização, Projetos
e Políticas Físico-Territoriais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Gestão do Patrimônio Cultural pela Universidade
Estadual de Goiás (UEG) e graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).

58
1. Monumento, monumento histórico,
patrimônio: a evolução de um conceito.

A palavra “monumento”, em sua fazer lembrar ao usuário-observador


origem, vem do latim monumen- um fato histórico, uma homenagem,
tum, derivada de monere (advertir, uma data ou pessoa importante,
lembrar) e possui natureza afetiva, este é um objeto (uma construção
remetendo, segundo a historia- por exemplo) que adquiriu, com o
dora Françoise Choay, a “tocar, pela tempo e os usos que fizeram dele,
emoção, uma memória viva”. Para um significado especial que o distin-
ela, o monumento “é uma defesa gue dos demais edifícios e coisas.
contra o traumatismo da existên-
cia”, “tenta combater a angústia saiba mais
da morte e do aniquilamento”. Um françoise choay
monumento, no entanto, não se Explorando a ideia de monumento em seu clássico A
confunde com um monumento alegoria do patrimônio, a pesquisadora francesa afirma
que, para Riegl (historiador da arte austríaco, em ativi-
histórico. Enquanto aquele é uma dade na virada do século XIX para o XX), “o monumento
criação pensada para a função de é uma criação deliberada [...] cuja destinação foi pensada
a priori, de forma imediata, enquanto o monumento
histórico não é, desde o princípio, desejado [...] e criado
como tal; ele é constituído a posteriori pelos olhares
convergentes do historiador e do amante da arte, que
o selecionam na massa dos edifícios existentes, dentre
os quais os monumentos representam apenas uma
pequena parte” (CHOAY, 2001, p. 25).

59
Na era que se inaugurou com a manual e a tomada de consciência
Revolução Industrial, a valorização sobre as consequências da Revolução
dos monumentos históricos por atri- Industrial fizeram o monumento
butos estéticos e de sensibilidade e, histórico se inscrever “sob o signo do
também, as novidades em termos de insubstituível”, segundo Choay: “os
hierarquia de valores, delimitação danos que ele sofre são irreparáveis,
espaço-temporal, estatuto jurídico sua perda irremediável”.
e tratamento técnico dispensado ao De acordo com o arquiteto
patrimônio, guardam relação com a Leonardo Castriota,
destruição ambiental característica
do período. A ruptura com o fazer inicialmente, concebia-se o patrimônio arquitetônico como uma espé-
cie de ‘coleção de objetos’, identificados e catalogados por peritos
como representantes significativos da arquitetura do passado e, como
tal, dignos de preservação [...]. No entanto, tal concepção, muito presa
ainda à ideia tradicional de monumento único, vai sendo ampliada:
tanto o conceito de arquitetura quanto o próprio campo de estilos e
espécies de edifícios considerados dignos de preservação expandem-
-se paulatinamente. Assim, ao longo do século XX, vão penetrando
no campo do patrimônio conjuntos arquitetônicos inteiros, a arquite-
tura rural, a arquitetura vernacular, bem como etapas anteriormente
desprezadas, e mesmo a produção contemporânea (o ecletismo, o
Art Nouveau). (CASTRIOTA, 1999, p. 135)

60
A evolução do ideário sobre como amadurecimento das refle-
o patrimônio pode ser ainda xões sobre preservação de conjuntos
descrita pelas Cartas Patrimoniais, urbanos ou sítios históricos, na
documentos resultantes das confe- tentativa de agregar as temáticas
rências internacionais sobre o tema. preservacionista, urbana e ambien-
Duas dessas cartas são emble- tal, principalmente no âmbito das
máticas no sentido de ampliar a políticas públicas.
leitura do patrimônio, conceitual, Vemos, portanto, que a noção
temporal e espacialmente: a Carta de ‘patrimônio cultural’ se alargou
Internacional sobre a Conservação e paulatinamente, com a inclusão
o Restauro de Monumentos e Sítios da diversidade estilística e étnica
(“Carta de Veneza”, 1964) e a Carta na valorização de objetos, produ-
Internacional para a Salvaguarda tos de tradições culturais diversas,
das Cidades Históricas (“Carta de acompanhando a dinâmica desen-
Washington”, 1987). volvimentista. Ao integrar a
Vemos, portanto, que a noção dimensão ambiental, chega-se à
de ‘patrimônio cultural’ se alargou categoria de ‘patrimônio cultural
paulatinamente, com a inclusão urbano’. Nesse sentido, o conceito
da diversidade estilística e étnica de ‘patrimônio cultural urbano’ surge
na valorização de objetos, produ- como amadurecimento das refle-
tos de tradições culturais diversas, xões sobre preservação de conjuntos
acompanhando a dinâmica desen- urbanos ou sítios históricos, na
volvimentista. Ao integrar a tentativa de agregar as temáticas
saiba mais dimensão ambiental, chega-se à preservacionista, urbana e ambien-
Para aprofundar: Leia a categoria de ‘patrimônio cultural tal, principalmente no âmbito das
Carta de Veneza e a Carta de urbano’. Nesse sentido, o conceito políticas públicas.
Washington na íntegra.
de ‘patrimônio cultural urbano’ surge

61
saiba mais
Em 1992, a categoria “paisagem A categoria paisagem cultural
cultural” é criada no âmbito da foi regulamentada pela Conven-
ção Europeia da Paisagem, em
UNESCO. Em 1995, é elaborada uma 2000. No Brasil, ela foi incorpo-
Recomendação sobre a conservação rada como nova categoria de
integrada de paisagens, que traz patrimônio cultural pela Porta-
ria nº 127 de 2009, do IPHAN. A
a definição de paisagem cultural recente inscrição da cidade do
para constituir as dimensões Rio de Janeiro na Lista do Patri-
territorial, histórica, ambiental e de mônio Mundial deu-se nessa
categoria, com o projeto “Rio de
diversidade cultural que configuram
Janeiro: paisagens cariocas entre
o espaço urbano. a montanha e o mar”.
Como lembra Castriota,

parece-nos que, para se pensar hoje em preservação do patrimônio, faz-se impor-


tante considerar, antes de mais nada, a amplitude do patrimônio cultural, que deve
ser contemplado em todas as suas variantes: devem-se trabalhar todos os diversos
suportes da memória — as edificações e os espaços, mas também os documentos,
as imagens e as palavras. [...] Na medida em que se amplia o próprio conceito de
patrimônio, torna-se necessária a ampliação dos instrumentos de conhecimento
e análise, com a incorporação das perspectivas dos mais diversos profissionais e
os da própria população, enquanto usuária e produtora do patrimônio”.
(castriota, 1999, p. 136)

62
2. Patrimônio cultural no Brasil:
trajetória de estruturação da política pública e seus instrumentos

No Brasil, o reconhecimento
da necessidade de proteger o A primeira instituição nacional,
patrimônio histórico e artístico de que se tem conhecimento, voltada
nacional já era apontado desde para a preservação do patrimônio
os anos 20, em que se registram cultural brasileiro foi a Inspetoria de
iniciativas locais e estaduais de Monumentos Nacionais, vinculada
preservação de monumentos, ao Museu Histórico Nacional, criada
época marcada também por viagens pelo Decreto nº 24.735, de 14 de julho
nacionais para pesquisas feitas por de 1934, a qual fiscalizava imóveis
intelectuais e movimentos artísticos classificados como monumentos
que buscavam uma arte genuina- nacionais. Quase simultaneamente
mente brasileira. Essas iniciativas ao referido Decreto (dois dias após)
demonstram interesse no acervo há a promulgação da Constituição
histórico e artístico nacional, além de 1934, que estabelece o dever
de serem a base para a construção do Estado de “proteger as belezas
da noção de patrimônio no Brasil. naturais e os monumentos de valor
histórico ou artístico, podendo impe-
saiba mais dir a evasão de obras de arte”.
Semana de Arte Moderna de 1922
- Para comemorar os 80 anos da
Semana de Arte Moderna de 1922, a
TV Cultura produziu em 2002 este
programa que destaca os principais
fatos, personagens, atos e efeitos do
movimento Modernista.

63
Os eventos e legislações citados Oficialmente, o órgão foi criado
compõem o contexto histórico para no ano seguinte, com a publicação
a criação do Serviço do Patrimônio da Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937,
Histórico e Artístico Nacional integrado à estrutura do Ministério
(SPHAN), primeira denominação da Educação e Saúde, na catego-
do órgão federal de proteção ao ria de Instituições de Educação
patrimônio cultural, hoje Instituto Extraescolar dos Serviços relativos
do Patrimônio Histórico e Artístico à Educação. O Art. 46 da referida
Nacional (Iphan). O início de seu Lei determinou os objetivos da cria-
funcionamento remonta a 1936, por ção do SPHAN de: “promover, em
determinação do presidente Getúlio todo o País e de modo permanente,
Vargas ao Ministro da Educação e o tombamento, a conservação, o
Saúde Pública, Gustavo Capanema. enriquecimento e o conhecimento
do patrimônio histórico e artístico
nacional”. O órgão, que também
saiba mais incorporou as funções do Conselho
Em substituição à Inspetoria de Monumentos e a seu diretor, Gustavo Nacional de Belas Artes, contava com
Dodt Barroso, que tinha orientação mais tradicionalista, o ministro um grupo de arquitetos do "movi-
Capanema convidou Rodrigo Melo Franco de Andrade, para dirigir
a instituição recém-fundada, que se manteve no cargo de diretor mento moderno" (Lucio Costa, Oscar
até 1968. Com ele vieram intelectuais e arquitetos do "movimento Niemeyer, Carlos Leão, José de Souza
moderno", como Lucio Costa e Mário de Andrade, para estruturar o Reis e Alcides da Rocha Miranda),
Serviço do Patrimônio com nova agenda, promovendo um diálogo
entre o acervo pretérito e a nova arquitetura. Houve inicialmente uma
na ênfase nos monumentos de
disputa de posições entre os defensores do "neocolonial" (entre os "pedra e cal" que marcou a gestão
quais Barroso) e os "modernistas", na qual prevaleceram os últimos. de Rodrigo Melo Franco. Os dois
últimos arquitetos citados possuem
Sugestão de livros “Arquitetura contemporânea no Brasil”, de Yves obras construídas em Brasília, a
Bruand e “Moderno e brasileiro”, de Lauro Cavalcanti. Escola-Parque 307/308 Sul, de Reis,
e a Faculdade de Educação/Auditório
Dois Candangos da UnB, de Miranda.

64
Em 30 de novembro do mesmo valor arqueológico ou etnográfico,
ano, o Decreto-Lei nº 25 foi promul- bibliográfico ou artístico”. Eram
gado, regulamentando o ato de também classificados como patri-
tombamento de bens móveis e mônio “monumentos naturais, bem
imóveis, designando o SPHAN como como sítios e paisagens que importe
o órgão competente para gerir essa conservar e proteger pela feição
política. O Decreto-Lei nº 25/1937 notável com que tenham sido dota-
definiu o patrimônio histórico e dos pela natureza ou agenciados
artístico nacional como o “conjunto pela indústria humana”.
de bens móveis e imóveis existentes O atual Iphan teve vários
no país e cuja conservação seja do nomes ao longo de seus 80 anos
interesse público quer por sua vincu- de existência: de Serviço, passou a
lação a fatos memoráveis da História Departamento, Instituto, Secretaria
do Brasil, quer por seu excepcional e, de novo, Instituto.

65
Os instrumentos de proteção

O tombamento, regulamentado ral material não pode depender de


pelo Decreto-Lei nº 25/1937, é um um único instrumento para preser-
dos instrumentos aplicáveis para a vação. Dessa forma, o documento
preservação do patrimônio cultural. elenca dez processos institucionais
A recente Portaria nº 375, publi- diretamente relacionados a este
cada pelo Iphan em 17 de agosto de objetivo: 1) educação patrimonial;
2018, define a Política de Patrimônio 2) identificação; 3) reconhecimento;
Cultural Material. O documento tem 4) proteção; 5) normatização; 6)
como premissas os preceitos consti- autorização; 7) participação no licen-
tucionais e a necessária participação ciamento ambiental; 8) fiscalização;
social para atingir seus objetivos. 9) conservação e 10) interpretação,
Patrimônio cultural mate- promoção e difusão.
rial é definido como “o universo de
bens tangíveis, móveis ou imóveis,
tomados individualmente ou em saiba mais
conjunto, portadores de refe- 17 de agosto é o Dia do Patrimônio Cultural. A
rência à identidade, à ação, à data foi escolhida em razão do nascimento,
em 1898, de Rodrigo Melo Franco de Andrade,
memória dos diferentes grupos o primeiro presidente da instituição e que ficou
formadores da sociedade brasileira” no cargo por 30 anos. Rodrigo também é home-
(Art. 1º, Parágrafo único), acepção nageado dando nome ao prêmio que o Iphan,
há mais de 30 anos, oferece às melhores ações
esta que amplia o conceito antes em prol da preservação do patrimônio cultural
exposto pelo Decreto-Lei nº 25/1937. brasileiro, com periodicidade anual.
Diante da diversidade de bens mate-
riais e de grupos sociais brasileiros,
fica evidente que o patrimônio cultu-

66
Dentre esses processos, primeiro instrumento desenvol-
destacam-se as atividades de vido e regulamentado pelo poder
“reconhecimento” e “proteção”, público, a sua criação está intima-
que possuem três instrumentos mente conectada com a construção
coincidentes (artigos 20, 21 e 27): do conceito de patrimônio nacional,
tombamento, aplicável aos bens da instituição responsável e das polí-
materiais em geral; cadastro – ticas de preservação.
aplicável aos bens arqueológicos;
e valoração – atribuída aos bens saiba mais
ferroviários da extinta Rede O objetivo do reconhecimento é “explicitar
Ferroviária Federal S.A. os valores e a significação cultural atribuídos
aos bens materiais” (Art. 19). As atividades de
A partir do exposto, verifica-se proteção, por sua vez, têm por objetivo “tutelar
que o tombamento é o único instru- o patrimônio cultural material” (Art. 26) com
mento aplicável a qualquer bem de a finalidade de “evitar a descaracterização,
deterioração ou destruição de bens culturais
natureza material, integrando ativi- materiais; impedir a evasão de bens culturais
dades tanto de reconhecimento móveis e garantir à sociedade o direito de
quanto de proteção. Tendo sido o conhecer, interpretar e interagir com os bens
culturais materiais” (Art. 28).

Complementarmente, as atividades de reco-


nhecimento têm a chancela, aplicável às
Paisagens Culturais, e a declaração, aplicável
aos Lugares de Memória. Enquanto as ativida-
des de proteção incluem também a proibição
de exportação, aplicável às obras de arte e
ofícios produzidos no Brasil até o fim do perí-
odo monárquico.

67
O tombamento é a forma pela tombamento, são criadas obrigações
qual o poder público seleciona para os proprietários de bens tomba-
coisas que, por seus atributos cultu- dos, para o poder público e para a
rais, devem ser preservadas contra sociedade, de manter e conservar
mutilações e destruição. O seu obje- o bem cultural. O tombamento, ao
tivo é impor a preservação de bens reconhecer o valor histórico-artís-
materiais, públicos ou privados, aos tico de um bem, atribui-lhe uma
quais são atribuídos valores culturais função social e confere ao Estado a
diversos pela comunidade na qual função de tutelá-lo.
estão inseridos. Com a imposição do

O reconhecimento de valores simbólicos pela comunidade, assim como a atribuição de valores relativos
ao interesse coletivo e difuso, referentes aos processos de patrimonialização, constituem temas dos Direi-
tos Culturais. Maria Cecília Londres Fonseca explica que o direito ao patrimônio cultural é um interesse
difuso, uma vez que seu sujeito é indeterminado (uma comunidade, a humanidade etc.), seu objeto, fluido
e seu conteúdo tem caráter mutável. Assim, na defesa do patrimônio, “a tutela do Estado recai sobre aque-
les aspectos do bem considerados de interesse público — valores culturais, referências da nacionalidade”
(FONSECA, 2005, p. 39). Não é por outra razão que a preservação do patrimônio — enquanto presta-se a
manter, para as próximas gerações, os “bens portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (para ficarmos com a definição constitucional) —
depende da separação entre esse direito difuso e o direito à propriedade, incidindo seus instrumentos sobre
objetos construídos (edifícios, conjuntos urbanos, que são apenas dois exemplos desses bens), independen-
temente de quem sejam seus proprietários formais.

68
O termo passou a ser conhe-
cido no Brasil, na década de 1930, a
partir de sua utilização em uma das
propostas de norma de proteção
A origem e a etimologia da pala- ao patrimônio histórico e artístico
vra “tombamento” são bastante do país, anteprojeto de Mário de
discutidas por especialistas, não Andrade (1936) que precedeu a cria-
havendo ainda um consenso. O ção do órgão e, com a publicação
entendimento do termo no sentido do Decreto-Lei nº 25/1937, o termo
de classificar, inscrever, arquivar passou a ser reconhecido como um
se alia à hipótese de que o termo instrumento jurídico, a partir do qual
brasileiro tombamento faz referên- o Estado põe sob sua tutela deter-
cia à Torre do Tombo, localizada em minado bem material (Art. 1º), para
Lisboa, Portugal, onde funcionou conservação e proteção que, por
o Arquivo Público do Reino (atual seu valor arqueológico, etnográfico,
Arquivo Nacional das Torres do bibliográfico ou artístico, passam
Tombo), o qual abrigava os arqui- a integrar o chamado patrimônio
vos de administração da Coroa cultural do país.
Portuguesa, dentre os quais desta-
cam-se aqueles resultantes de saiba mais
demarcações de terras (ou tombos). O Decreto-Lei nº 25/1937 também Belas Artes, as coisas de arte erudita,
estabeleceu (Art. 4º) os quatro nacional ou estrangeira; 4) no Livro
Livros do Tombo, nos quais do Tombo das Artes Aplicadas, as
saiba mais são inscritas as obras tomba- obras que se incluírem na catego-
Dicionário Iphan de Patrimônio das, a saber: ria das artes aplicadas, nacionais ou
Cultural: Livro do Tombo. “1) no Livro do Tombo Arqueoló- estrangeiras.”
gico, Etnográfico e Paisagístico, O Decreto previa a possibilidade de
as coisas pertencentes às cate- inscrição de um bem em um ou mais
gorias de arte arqueológica, Livros do Tombo, de acordo com os
etnográfica, ameríndia e popular valores atribuídos a ele. Os bens, por
e também os monumentos natu- sua vez, eram de natureza material:
rais [...]; 2) no Livro do Tombo bens móveis, imóveis, monumentos
Histórico, as coisas de interesse naturais, sítios e paisagens.
histórico e as obras de arte histó-
ricas; 3) no Livro do Tombo das
69
Em 1988, a Constituição Federal físicos e materiais por meio dos quais
recepcionou o tombamento como é possível resgatar parte da nossa
um instrumento de proteção dentre história, evidenciando que o patri-
os vários do gênero (inventários, mônio arqueológico é um tipo de
registros, vigilância, dentre outras), patrimônio cultural material.
especificou as competências legis- Além dos bens vinculados a
lativa e executiva em relação à "fatos memoráveis da história do
preservação do patrimônio cultural Brasil" ou de "excepcional valor", a
e sua operacionalidade por meio do Constituição de 1988 incorporou ao
instrumento do tombamento. nosso patrimônio cultural quaisquer
Estamos vendo, portanto, que outros bens "portadores de referên-
o patrimônio cultural brasileiro é cia à identidade, à ação, à memória
constituído por várias camadas, dos diferentes grupos formadores da
dimensões e agentes sociais, como o sociedade brasileira". Ao exemplificar
patrimônio arqueológico, estudado com "as formas de expressão" e "os
no módulo anterior. Os sítios arque- modos de criar, fazer e viver", a Carta
ológicos e seus acervos condensam acrescenta ainda os bens culturais de
vestígios de ocupação humana, natureza imaterial como passíveis de
resgatados por fragmentos cerâmi- acepção no arcabouço patrimonial
cos, pinturas rupestres, locais com cultural. Tudo isso reflete a evolu-
sulcos de polimento, dentre outros. ção e a ampliação do conceito de
Percebe-se que os estudos arqueo- patrimônio cultural, como acaba-
lógicos são feitos a partir de rastros mos de mostrar.

70
3. Patrimônio cultural material no
Distrito Federal

O início das reflexões sobre a a responsabilidade de governos e e respaldada pela criação de órgãos
preservação de Brasília somente secretarias dos entes federados pela estaduais e municipais – em 1975
foi possível com a consolidação conservação, preservação, catalo- foi criada a Divisão de Patrimônio
da nova capital e a “aceitação”, por gação e políticas educativas quanto Histórico e Artístico (Decreto nº
parte da sociedade brasileira, de aos bens culturais; a necessidade de 2.893, de 13/05/1975), subordinada
que a transferência era irreversível, criação de órgãos de preservação em ao Departamento de Cultura da
o que ocorreu a partir da década conformidade com os Conselhos de então Secretaria de Educação e
de 1970. Já em 1970, Brasília recebe Cultura (iniciada logo depois); bem Cultura do DF. Essa Divisão deu
o 1º Encontro dos Governadores de como a importância da criação de origem ao Departamento de
Estado, secretários estaduais da um Ministério da Cultura (o que Patrimônio Histórico e Artístico,
área cultural, prefeitos de muni- se concretizou apenas na década mais conhecido como DePHA, que
cípios interessados, presidentes seguinte). O “Seminário de Estudos teve nas décadas de 1980 e 1990 seu
e representantes de instituições dos Problemas Urbanos de Brasília”, período áureo de atuação.
culturais, que resulta na elabora- ocorrido em 1974, foi o primeiro
ção do “Compromisso de Brasília”, grande debate sobre o desenvolvi- saiba mais
considerada uma das “cartas patri- mento e a preservação de Brasília. A partir dos anos 2000, a preser-
moniais” brasileiras — no sentido Acompanhando a repercussão vação do patrimônio cultural
do DF se divide entre o órgão
de que também são documentos das orientações internacionais de cultura — responsável pelo
resultantes de discussões acerca dos no estabelecimento de linhas tombamento de objetos, móveis,
conceitos e métodos de conservação gerais para uma nova política imóveis, sítios e paisagens, e o
órgão de planejamento urbano
do patrimônio, como as de Veneza e de preservação – pautada na — responsável pela gestão e
Washington, exemplos citados ante- articulação entre poderes públicos preservação do Conjunto Urba-
riormente. O documento enfatiza nístico de Brasília.

71
Vale lembrar que, em 1977, de madeira”) e o espaço moder- recuperação e adaptação do espaço
o Brasil tornou-se signatário da nista projetado por Lucio Costa e à função museal. O esforço de reco-
“Convenção para a Proteção do Oscar Niemeyer. nhecimento do Conjunto Urbanístico
Patrimônio Mundial, Cultural e Pode-se dizer que decorrem do de Brasília como patrimônio mundial
Natural da UNESCO”, que institui estudo do GT-Brasília, bem como também decorreu no trabalho do
a “Lista do Patrimônio Mundial”. do contexto político favorável GT, cujo relatório foi inicialmente
Ainda seguindo o movimento inter- que se estabeleceu com a anistia apresentado à UNESCO, embora
nacional e nacional na instituição e a abertura do regime, mesmo a efetivação da inscrição tenha
de órgãos locais de preservação, “lenta e gradual”, a partir de 1979, ocorrido por outros meios.
foi criado o Grupo de Trabalho para as primeiras mobilizações para Assim, considera-se que o
a Preservação do Patrimônio a proteção do nosso patrimônio. Patrimônio Cultural no DF, stricto
Histórico e Cultural de Brasília em Um exemplo foi o “acampamento sensu, é composto pelo conjunto
fevereiro de 1981, conhecido como pioneiro” do Hospital Juscelino de bens materiais, submetidos ao
“GT-Brasília”, para “estudar, propor, e Kubitschek de Oliveira (HJKO). regime do instrumento jurídico do
adotar medidas que visem à preser- Aquele casario de madeira contou tombamento, que passam a ter reco-
vação do Patrimônio Histórico e com a resistência de seus últimos nhecimento do interesse coletivo e
Cultural de Brasília” (GT-Brasília, moradores, na década de 1980, difuso na preservação de objetos,
1985). Iniciam-se, assim, os primeiros para resultar em seu tombamento móveis e imóveis, que constituem
estudos de reconhecimento do patri- pelo Distrito Federal (em 1985) e propriedade privada ou pública,
mônio existente no Distrito Federal, posterior transformação em Museu por seu valor histórico, artístico,
que identificam fazendas antigas Vivo da Memória Candanga (MVMC), científico, documental, iconográfico,
(pré-existências), assentamentos passando pela instalação da própria etnográfico, social e ambiental para
operários (considerados “patrimônio sede do DePHA em meio às obras de o Distrito Federal.

saiba mais
O processo de reconhecimento ou publicação de portaria assinada pelo ológico, etnográfico, bibliográfico,
declaração de um bem como patri- Ministro, no âmbito federal, e de histórico e artístico; Livro II - edifí-
mônio cultural, stricto sensu, se decreto assinado pelo governador, cios e monumentos isolados; Livro III
dá por meio de análise de mérito, no âmbito distrital. Por fim, o bem - conjuntos urbanos e sítios históri-
seguida de instrução processual no é inscrito no livro de tombo corres- cos; e Livro IV - monumentos, sítios,
órgão de patrimônio, com a elabo- pondente à sua natureza. paisagens naturais e arqueológicas.
ração de dossiê e inventário de
Em nível distrital, a classificação
caracterização do bem. Em seguida,
buscou adaptar-se às particularida-
o processo deve ser homologado
des locais, por meio da Lei nº 47/1989:
pelo órgão colegiado correspon-
Livro I - bens móveis de valor arque-
dente, para posterior assinatura e

72
O Patrimônio Cultural no DF Do conjunto de bens imóveis,
possui a particularidade de represen- destacam-se três tipologias de
tar, por um lado, a dimensão urbana, construções, que marcam esti-
que corresponde à cidade decorrente los e períodos históricos no DF: 1)
do Plano Piloto projetado por Lucio construções em taipa ou adobe,
Costa e, por outro, os demais bens, de estilo colonial (antigas sedes de
sejam móveis, imóveis ou integrados, fazendas e remanescentes do Setor
como normalmente ocorre na gestão Tradicional de Planaltina); 2) cons-
do patrimônio em outras cidades truções em madeira (o Catetinho
brasileiras. Além disso, atuam simul- e os remanescentes dos acampa-
taneamente várias entidades, uma mentos da época da construção de
federal (o Iphan) e duas distritais (a Nova Capital, como a Fazendinha, na
Secretaria de Cultura e a Secretaria Vila Planalto, e o Hospital Juscelino
de Desenvolvimento Urbano e Kubitschek de Oliveira, atual Museu
Habitação), esta última com atri- Vivo da Memória Candanga); e 3)
buições específicas quanto à gestão construções em concreto (edifícios
urbana e à preservação do CUB. simbólicos do Eixo Monumental,
No DF, existem, aproximada- com destaque para a Esplanada dos
mente, 270 bens imóveis tombados, Ministérios, a Praça dos Três Poderes,
entre monumentos, edificações, os Palácios e os edifícios residen-
pequenos conjuntos urbanos e ciais das superquadras). Alguns dos
jardins; além de 195 painéis, murais exemplares desta última tipologia de
e arte integrada à arquitetura. No construção estão inseridos no CUB
Anexo 1, ao final deste módulo, e é sobre esse conjunto que iremos
você encontra mais informações falar a seguir.
sobre esses bens.

saiba mais
Publicação do Iphan sobre os
Acampamentos Pioneiros na
construção de Brasília.

73
4. Conjunto Urbanístico de Brasília

Quando se trata de movimento o sol, a vegetação e o espaço como


moderno, é indispensável mencio- matérias primas do urbanismo
nar sua importância em âmbitos não funcional. Ao fazer essa definição
apenas arquitetônicos e urbanísticos, o documento endossa o desejo do
mas sua origem na busca por respos- movimento moderno por locais
tas para questões sociais. A cidade mais permeáveis, fluidos e salu-
moderna vai além da proposta de bres, em oposição à conhecida
um traçado urbano, ela explora cidade industrial.
uma nova forma de viver e conviver. Enquanto na Europa o movi-
A Carta de Atenas, manifesto resul- mento moderno surgiu por meio
tado do IV Congresso Internacional da elaboração da sua teoria e pela
de Arquitetura Moderna (CIAM), teve materialização dos primeiros e
sua versão final redigida em 1941 e importantes projetos, propiciados
trouxe em listagem o que seria uma pela necessidade de reconstrução
espécie de manual para a confecção das cidades destruídas pela guerra,
da cidade moderna. O documento no resto do mundo ele foi ramifi-
se propõe a solucionar aflições urba- cado e diversificado, alcançando
nísticas de um mundo pós-guerra diferentes características. Nos
onde se almejavam melhorias países emergentes, que passavam
de qualidade de vida, moderni- por acelerado processo de desenvol-
zação, funcionalidade e respeito vimento, o modernismo encontrou
ao ser humano. espaço fértil. Foi justamente esse
Ao ler tal carta, chama atenção cenário que permitiu a idealização e
o trecho que coloca explicitamente concretização de Brasília.

74
Na década de 50 do século nacional seria interiorizado. Como
passado, o governo de Juscelino ponto de partida, realizou-se um
Kubitschek foi eleito com base em concurso para a seleção do desenho
um plano de metas, cuja “meta- urbano da nova capital. Na ocasião,
-síntese” era a transferência da o arquiteto e urbanista Lucio Costa
capital para o interior, já que se saiu vencedor do certame com a
acreditava que, por meio da abertura proposta do traçado modernista que
de estradas e do povoamento do lembrava um avião.
território, o próprio desenvolvimento

Croquis de Lucio Costa para o projeto do Plano Piloto.


Fonte: Acervo Iphan.

75
Resumidamente, apenas para se este (Eixo Monumental). Além disso,
ter uma noção da composição urba- os espaços da cidade são definidos e
nística e arquitetônica de Brasília, setorizados a partir de quatro gran-
é possível descrevê-la como funda- des grupos, as chamadas escalas,
mentada em dois eixos principais que controlam aspectos como uso
que cruzam a cidade nos sentidos e densidade dos espaços, alturas e
norte-sul (Eixo Rodoviário) e leste-o- volumetrias das edificações.

Cruzamento dos Eixos, 1957.


Fonte: M. M. Fontenelle, Arquivo Público do Distrito Federal.

76
Assim, na região central da máximo de seis pavimentos sobre
cidade, onde acontece o cruzamento pilotis e possuem vasta área verde.
dos Eixos Rodoviário e Monumental, Aliás, espaços verdes permeiam
adotou-se a Escala Gregária, onde quase toda a cidade e configuram a
os prédios podem ser mais altos e chamada Escala Bucólica, cujo cará-
há maior confluência de pessoas, ter é mais fluido. Por último, a Escala
devido à concentração dos postos Monumental fica disposta ao longo
de trabalho e dos estabelecimen- do Eixo Monumental abrigando os
tos de diversão. Na chamada Escala edifícios modernistas mais icôni-
Residencial, densidades e alturas são cos de Brasília e o centro do poder
menores, os prédios são limitados ao político do país.

Eixo Monumental, 2009.


Fonte: Kenia Ribeiro, Acervo Iphan.

77
Apesar da indissociável relação passou a receber as mais variadas vação do patrimônio moderno.
entre Brasília e seus mais conhecidos contribuições, não só de arquitetos Dentre as várias discussões levanta-
projetistas, o urbanista Lucio Costa e e engenheiros, mas também dos das naquele momento, estavam as
o arquiteto Oscar Niemeyer, faz-se milhares de candangos responsáveis dificuldades para identificar o patri-
necessário entender que a cidade por levantar as estruturas inventa- mônio moderno e compreender suas
vai além desses célebres persona- das e criar outras tantas, a exemplo especificidades. Nesse contexto, em
gens, afinal, sua existência é anterior dos acampamentos e vilas criados 1987, ocorre o tombamento distri-
ao traçado regulador e se estende provisoriamente naquele período, tal, seguido pelo reconhecimento
além do sonhado para ela. A cidade mas que com o tempo se tornaram pela UNESCO de Brasília como
enquanto projeto de um único autor permanentes e parte fundamental patrimônio mundial e, em 1990, o
se encerra no momento em que da identidade da cidade. tombamento federal pelo Iphan.
Lucio Costa recebe a premiação no Durante as décadas de 80 e 90,
concurso para a nova capital. A partir o mundo presenciou uma onda de
de então, o plano inicial do urbanista interesse de instituições na conser-

saiba mais
As características identificadas pela UNESCO que levaram ao reconhecimento de Brasília foram os seguintes:
Critério (i): Brasília é uma realização artística singular, uma criação primordial do gênio humano, representando, em escala
urbana, a expressão viva dos princípios e ideais propostos pelo Movimento Modernista, refletidos nos projetos de Lucio
Costa e Oscar Niemeyer. A experiência brasileira se destaca pela grandiosidade do projeto, intimamente ligado a uma
ambiciosa estratégia de desenvolvimento e a um processo de autoafirmação nacional perante o mundo.
Critério (iv): Brasília é um exemplo único de planejamento urbano concretizado no século 20, uma expressão dos princí-
pios urbanos do Movimento Modernista, conforme proposto por Le Corbusier e estabelecido na Carta de Atenas, e nos
projetos arquitetônicos de Oscar Niemeyer (ex. Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional, Cate-
dral, Memorial Juscelino Kubitschek e Teatro Nacional).

78
Referências

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79
Material Complementar

Sugestões de livros de literatura, não acadêmicos, que têm BEÚ, Edson. Expresso Brasília: a história contada pelos
Brasília como contexto. candangos. Brasília: Editora UnB, 2012.

ALMINO, João. Cidade Livre. Rio de Janeiro: Record, 2010. BILÁ, Gabriela. O novo guia de Brasília. Brasília, 2014.

BEHR, Nicolas. Brasilírica: Antologia poemas escolhidos HATOUM, Milton. A noite da espera. São Paulo: Companhia
1977-2017. Brasília: Teixeira Gráfica e Editora, 2017. Dispo- das Letras, 2017.
nível em: http://www.nicolasbehr.com.br/livros.php. Acesso
em 2 set. 2020. LEONEL, Elisa. Gabriel em Brasília: a cidade com asas. Brasí-
lia: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
BEHR, Nicolas. BrasíliA-Z: Cidade-palavra. Brasília: Teixeira 2015. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/
Gráfica e Editora, 2014. publicacao/gabriel_em_brasilia_a_cidade_com_asas.pdf.
Acesso em 2 set. 2020.
BEHR, Nicolas. Poesília: poesia pau-brasília. Brasília: Editora
do Autor, 2002. Disponível em: http://www.nicolasbehr. LISPECTOR, Clarice. Brasília. In: ______. Para não esquecer.
com.br/livros.php. Acesso em 2 set. 2020. São Paulo: Siciliano, 1992. p. 40-63.

BEHR, Nicolas. Braxília revisitada. Brasília: LGE, 2005. Dispo- LISPECTOR, Clarice. Oscar Niemeyer. In: ______. De corpo
nível em: http://www.nicolasbehr.com.br/livros.php. Acesso inteiro. São Paulo: 1992. p. 97-104.
em 2 set. 2020.
LISPECTOR, Clarice. Nos primeiros começos de Brasília. In:
BEHR, Nicolas. A teus pilotis. Brasília: Editora do Autor, 2012. XAVIER, Alberto. KATINSKY, Julio. Brasília, antologia crítica.
Disponível em: http://www.nicolasbehr.com.br/livros.php. São Paulo: Imprensa Oficial/Cosac Naify, 2012. p. 179-182.
Acesso em 2 set. 2020.
MIRANDA, Ana. Flor do cerrado: Brasília. São Paulo: Compa-
nhia das Letrinhas, 2004.

80
ANEXO 1

LISTA DOS BENS TOMBADOS NO DF

bem cultural livro de tombo ano de inscrição abrangência

Igreja Nossa Senhora Livro II - Edifícios e


1982 Nacional e Distrital
de Fátima (Capela) Monumentos Isolados

Igreja São Sebastião Livro II - Edifícios e


1982 Distrital
– Planaltina Monumentos Isolados

Livro I - Bens Móveis


de Valor Arqueológico,
Etnográfico, Bibliográfico,
Museu da Cidade Histórico e Artístico; Livro 1982 Nacional e Distrital
II - Edifícios e Monumentos
Isolados; Livro de Belas
Artes do Iphan

Museu Histórico e Livro II - Edifícios e


1982 Distrital
Artístico de Planaltina Monumentos Isolados

Livro II - Edifícios e
Pedra Fundamental 1982 Distrital
Monumentos Isolados

Livro IV - Monumentos,
Árvore do Buriti Sítios, Paisagens Naturais 1985 Distrital
e Arqueológicas

Remanescentes do
Hospital Juscelino Livro III - Conjuntos
1985 Distrital
Kubitschek de Oliveira Urbanísticos e
2015 Nacional
(Museu Vivo da Sítios Históricos
Memória Candanga)

81
bem cultural livro de tombo ano de inscrição abrangência

Coleção Arqueológica Livro Arqueológico,


1986 Nacional e Distrital
João Alfredo Rohr Etnográfico e Paisagístico

Livro I - Bens Móveis


de Valor Arqueológico,
Etnográfico, Bibliográfico,
Histórico e Artístico; Livro
Memorial JK II - Edifícios e Monumentos 1986 Nacional e Distrital
Isolados; Livro de Belas
Artes do Iphan; Livro
Arqueológico, Etnográfico
e Paisagístico do Iphan

Placa de Ouro Oferecida


Livro Histórico do SPHAN 1986 Nacional e Distrital
a Rui Barbosa

Livro III - Conjuntos


Conjunto Urbanístico Urbanísticos e Sítios 1987 Distrital
de Brasília Históricos; 1990 Federal
Livro Histórico do IBPC

Livro II - Edifícios e
Ermida Dom Bosco 1988 Distrital
Monumentos Isolados

Livro II - Edifícios e
Escola Classe 308 Sul 1988 Distrital
Monumentos Isolados

Livro III - Conjuntos


Vila Planalto Urbanísticos e 1988 Distrital
Sítios Históricos

Relógio da Praça Central Livro II - Edifícios e


1989 Distrital
de Taguatinga Monumentos Isolados

Livro de Belas Artes


Catedral
Livro II - Edifícios e 1991 Nacional e Distrital
Metropolitana de Brasília
Monumentos Isolados

82
bem cultural livro de tombo ano de inscrição abrangência

Livro Histórico do DPHAN


Museu do Catetinho Livro II - Edifícios e 1959 Nacional e Distrital
Monumentos Isolados

Livro II - Edifícios e
Igreja São Geraldo 1993 Distrital
Monumentos Isolados

Livro II - Edifícios e
Igreja São José Operário 1998 Distrital
Monumentos Isolados

Centro de Ensino Livro II - Edifícios e


1995 Distrital
1º Grau Metropolitana Monumentos Isolados

Livro II - Edifícios e
Escola Parque 307/308 Sul 2004 Distrital
Monumentos Isolados

Livro III - Conjuntos


Casa da Fazenda Gama Urbanísticos e 2006 Distrital
Sítios Históricos

Livro III - Conjuntos


Cine Brasília Urbanísticos e 2007 Distrital
Sítios Históricos

Livro I - Bens Móveis


de Valor Arqueológico,
Teatro Dulcina De Moraes
Etnográfico, Bibliográfico,
e Acervos Fotográfico, 2007 Distrital
Histórico e Artístico;
Textual E Cênico Da Atriz
Livro II - Edifícios e
Monumentos Isolados

Casa de Chá (Touring Club) Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital

Livro de Belas Artes; Livro


Congresso Nacional Arqueológico, Etnográfico 2007 Nacional e Distrital
e Paisagístico

83
bem cultural livro de tombo ano de inscrição abrangência

Conjunto Cultural
Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital
da República

Conjunto Cultural Funarte Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital

Conjunto do
Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital
Palácio da Alvorada

Livro de Belas Artes;


Conjunto dos
Livro Arqueológico, 2007 Nacional e Distrital
Ministérios E Anexos
Etnográfico e Paisagístico

Espaço Lucio Costa Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital

Espaço Oscar Niemeyer Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital

Memorial dos
Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital
Povos Indígenas

Livro de Belas Artes;


Palácio da Justiça Livro Arqueológico, 2007 Nacional e Distrital
Etnográfico e Paisagístico

Livro de Belas Artes;


Palácio do Planalto Livro Arqueológico, 2007 Nacional e Distrital
Etnográfico e Paisagístico

Livro de Belas Artes;


Palácio do Itamaraty
Livro Arqueológico, 2007 Nacional e Distrital
e Anexos
Etnográfico e Paisagístico

Livro de Belas Artes;


Palácio do Jaburu Livro Arqueológico, 2007 Nacional e Distrital
Etnográfico e Paisagístico

84
bem cultural livro de tombo ano de inscrição abrangência

Livro de Belas Artes; Livro


Panteão da Liberdade
Arqueológico, Etnográfico 2007 Nacional e Distrital
e Democracia
e Paisagístico

Pombal Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital

Livro de Belas Artes; Livro


Praça dos Três Poderes Arqueológico, Etnográfico 2007 Nacional e Distrital
e Paisagístico

Livro de Belas Artes; Livro


Quartel
Arqueológico, Etnográfico 2007 Nacional e Distrital
General do Exército
e Paisagístico

Livro de Belas Artes; Livro


Supremo Tribunal Federal Arqueológico, Etnográfico 2007 Nacional e Distrital
e Paisagístico

Teatro Nacional
Livro de Belas Artes 2007 Nacional e Distrital
Cláudio Santoro

Livro I - Bens Móveis


de Valor Arqueológico,
Revista Brasília 2008 Distrital
Etnográfico, Bibliográfico,
Histórico e Artístico

Livro I - Bens Móveis


Acervo da Obra Musical
de Valor Arqueológico,
e Pictórica do Maestro 2009 Distrital
Etnográfico, Bibliográfico,
Cláudio Santoro
Histórico e Artístico

Livro II - Edifícios e
Monumentos Isolados;
Clube de Golfe de Brasília Livro IV - Monumentos, 2009 Distrital
Sítios, Paisagens Naturais
e Arqueológicas

85
bem cultural livro de tombo ano de inscrição abrangência

Livro I - Bens Móveis


de Valor Arqueológico,
Etnográfico, Bibliográfico,
Histórico e Artístico; Livro
Obra de Athos Bulcão 2009 Distrital
de Belas Artes do Iphan;
Livro Arqueológico,
Etnográfico e
Paisagístico do Iphan

Livro III - Conjuntos


Unidade de Vizinhança
Urbanísticos e 2009 Distrital
107/307 e 108/308 Sul
Sítios Históricos

Livro I - Bens Móveis


de Valor Arqueológico,
Etnográfico, Bibliográfico,
Jardins de Burle Marx Histórico e Artístico; 2011 Distrital
Livro IV - Monumentos,
Sítios, Paisagens Naturais
e Arqueológicas

Reservatório Elevado Livro II - Edifícios e


2013 Distrital
de Ceilândia Monumentos Isolados

Centro de Ensino Médio


Livro II - Edifícios e
Escola Industrial de 2014 Distrital
Monumentos Isolados
Taguatinga (EIT)

Livro II - Edifícios e
Templo Budista 2014 Distrital
Monumentos Isolados

86
87
módulo 4

88
Educação Patrimonial e
Patrimônio Imaterial no Distrito Federal

elaborado por

Ana Carolina Lessa Dantas1


Vinicius Prado Januzzi2
Alessandra Lucena3

Como visto nos módulos ante-


riores, o Distrito Federal tem uma
história riquíssima, que pode ser
contada a partir dos vestígios da
ocupação de seus primeiros seres
humanos ou através do legado
dos arquitetos, engenheiros, artis-
tas e operários que construíram os Nos referimos, por tanto,
monumentos que somos hoje capa- aos saberes, às celebrações,
zes de apreciar. às formas de expressão e aos
Gostaríamos de apresentar lugares que compõem nossas múlti-
ainda uma nova faceta desta região plas identidades.
— ou, antes, uma nova possibilidade Neste módulo, além da apre-
de narrar nossa história. Falaremos sentação dos conceitos principais e
do patrimônio cultural imaterial de um breve histórico das políticas
do Distrito Federal, isto é, daque- públicas associadas ao patrimônio
les bens vivos, intangíveis, e que se cultural imaterial, trataremos dos
perpetuam na troca de conhecimen- bens registrados — a nível federal
tos entre gerações. e local — no Distrito Federal.

1 Analista em Patrimônio Cultural na Superintendência do Iphan no Distrito Federal (Iphan-DF). Doutoranda e mestre em Direito
pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
2 Antropólogo na Superintendência do Iphan no Distrito Federal (Iphan-DF). Doutor em Antropologia Social pela Universidade de
Brasília (UnB). Mestre em Antropologia e graduado em Ciência Política pela UnB.
3 Analista de Atividades Culturais na Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal. Especialista
em Formação Docente em Educação a Distância pela Escola Superior Aberta do Brasil (ESAB) e licenciada em Pedagogia pela
Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

89
1. Patrimônio imaterial:
como chegamos até aqui?

No módulo 3 - Educação
Patrimonial e o Patrimônio Material
do Distrito Federal, vimos que o
patrimônio cultural passou a ocupar
um espaço institucionalizado a partir
da edição do Decreto-Lei nº 25, de
1937, que definiu as primeiras dire-
trizes, em nível nacional, da política
de patrimônio cultural. A execução
dessa política coube ao então Serviço Em seu artigo primeiro, o
do Patrimônio Histórico e Artístico Decreto-Lei — que continua vigente
Nacional (SPHAN), instituído pela Lei até hoje! — apresenta aquilo que, a
nº 378, de 13 de janeiro de 1937, hoje partir daquele momento, passaria a
Instituto do Patrimônio Histórico e ser a definição oficial de patrimônio
Artístico Nacional (Iphan). histórico e artístico:

decreto-lei nº 25/1937
art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos
bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer
por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

90
Tal decreto foi editado durante O patrimônio cultural, porém,
o período do Estado Novo, perí- nunca pode ser resumido a isto,
odo ditatorial da Era Vargas. Esteve nem na década de 1930, nem, certa-
inserido em um contexto no qual mente, nos dias de hoje. Com os
era essencial, para a forja de um anos, a noção deste homem brasi-
Estado unificado, a criação de do leiro uniforme e transregional sofreu
homem brasileiro, popular e, não abalos e, junto com ela, o paradigma
obstante, heroico, forte, que conci- da pedra e cal.
liasse, em seus símbolos — em
seu patrimônio —, a tradição e
a modernidade. saiba mais
Isso nos lembra que a ideia do No início do século XX, antes
que é (e do que pode ser) patrimônio mesmo da fundação do SPHAN,
as discussões acerca do sentido
cultural é histórica e culturalmente abrangente de patrimônio cultu-
constituída. No Brasil do início do ral já existiam. Tome-se como
século XX, ela foi capturada por inte- exemplo os textos e deba-
tes modernistas e a Missão de
resses de um regime autoritário na Pesquisas Folclóricas, idealizada
tentativa de uniformização da iden- por Mário de Andrade quando
tidade brasileira. este estava à frente do Departa-
mento de Cultura de São Paulo,
entre 1936 e 1938.

91
A Constituição Federal de 1988 Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercí-
é um marco dessa nova postura cio dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difu-
no campo do patrimônio cultural. são das manifestações culturais.
O texto incorpora o entendimento
de que a cultura é composta das § 1º O Estado protegerá as manifestações das cultu-
mais diferentes manifestações ras populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório
feitas, pensadas e organizadas pela nacional. [...]
sociedade brasileira, em toda a sua
diversidade, e impõe a necessidade
de que esses fazeres e saberes cultu- Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro
rais possam ser conhecidos por todo os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de
o Brasil. No parágrafo 1º do artigo referência à identidade, à ação, à memória dos dife-
216, a Carta afirma ser de respon- rentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos
sabilidade do poder público, em quais se incluem:
colaboração com a comunidade, I - as formas de expressão;
a promoção e a proteção do patri- II - os modos de criar, fazer e viver;
mônio cultural. Esse é um preceito III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
importantíssimo em termos de IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais
políticas públicas do patrimônio: a espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
partir daquele momento, a socie- V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
dade brasileira, organizada ou não, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.
passa a ser um agente legítimo, do
ponto de vista legal, na definição § 1º O poder público, com a colaboração da comuni-
de rumos e de objetivos de políticas dade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural
brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilân-
culturais como um todo. cia, tombamento e desapropriação, e de outras formas
de acautelamento e preservação.

92
saiba mais
manifestações indígenas e afrobrasileiras

A inclusão de indígenas e povos Distrito Federal sobre Terreiros do


afrobrasileiros como participantes Distrito Federal e Entorno. Inicia-
do “processo civilizatório nacional” é tiva igualmente importante foi
outro ponto de virada em termos de desenvolvida, em conjunto com
políticas de Estado, ao sinalizar que outros parceiros, pela equipe
outras matrizes culturais não apenas técnica do Inventário Nacio-
contribuíram, como foram — e são nal da Diversidade Linguística
— pilares da diversidade brasileira. do Departamento do Patrimô-
Longe de parecer óbvia — afinal, os nio Imaterial (INDL/DPI) O Mapa
debates sobre o racismo estrutural e Etno-histórico do Brasil e Regiões
o etnocídio são, mais do que nunca, Adjacentes reúne a diversidade
necessários! —, a menção no texto histórica das línguas indígenas no
constitucional abriu possibilida- país e é considerado, desde sua
des de trabalho na Administração primeira edição, um documento
Pública e no alargamento da noção único em termos de pesquisa e
de patrimônio cultural. de organização do conhecimento
científico. Outra excelente fonte
Um exemplo deste tipo de iniciativa de materiais para pesquisa e uso
é o Inventário Nacional de Referên- didático é o Museu do Índio!
cias Culturais (INRC) produzido
pela Superintendência do Iphan no

93
O novo texto da Constituição Foram doze anos da promul-
Federal impactou diretamente o gação da Constituição à edição do
que, até aquele momento, vinha Decreto nº 3551, de 2000, que “insti-
sendo a compreensão institucio- tui o Registro de Bens Culturais de
nal do Iphan e dos demais órgãos Natureza Imaterial que constituem
de proteção acerca do patrimônio patrimônio cultural brasileiro, cria o
cultural. Para lidar com essa expan- Programa Nacional do Patrimônio
são — muito necessária e adequada Imaterial e dá outras providências”,
— seria necessário reformular e um dos principais instrumentos
adaptar políticas estabelecidas há legais da política de patrimônio
mais de 50 anos. imaterial. Encurtando uma histó-
ria longa, cheio de percalços e de
avanços, foi a mesma sociedade,
reconhecida na Constituição, que se
mobilizou em defesa do patrimônio
cultural imaterial, abrindo margem
para que, pouco a pouco, o Iphan
incorporasse novos entendimentos
em sua prática institucional.

O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (ES) foi o primeiro bem registrado pelo Iphan, em 2002.
Fotografia: Acervo Iphan.

94
2. Conceitos e políticas

Para prosseguir falando sobre o reconhecimento federal de um bem


histórico das políticas de patrimônio, enquanto patrimônio imaterial. Seu
precisamos nos ater momentanea- processo demanda um estudo apro-
mente ao instrumento do registro, fundado da manifestação cultural
um divisor de águas na atuação que se busca reconhecer, e tem como
institucional do Iphan e nas políti- referência sua continuidade histó-
cas culturais como um todo. rica e sua relevância nacional para a
Similar ao que o tombamento memória, a identidade e a formação
representa para o campo do patri- da sociedade brasileira.
mônio cultural material, o registro,
instituído pelo Art. 1º do Decreto
nº 3.551/200, é a principal forma de

saiba mais
bens registrados no brasil
O Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) do Iphan disponibiliza materiais
audiovisuais originários das pesquisas que embasam os processos de registro.
Além de serem super interessantes, os vídeos podem ser usados como recurso
em sala de aula!

95
Assim como acontece com os livros do tombo, os bens imateriais são
registrados em quatro livros:

• Livro de Registro dos Saberes, onde são inscritos conhecimentos e


modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades. É o caso do Ofício
dos Mestres de Capoeira, registrado com abrangência nacional;

• Livro de Registro das Celebrações, onde são inscritos rituais e festas que
marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento
e de outras práticas da vida social. É neste livro que foi registrada a Festa
do Divino em Pirenópolis e o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, no Pará;

• Livro de Registro das Formas de Expressão, onde são inscritas mani-


festações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas. Como exemplo
de bens inscritos neste livro, temos, com incidência no Distrito Federal, o
Teatro de Bonecos Popular do Nordeste - Mamulengo, João Redondo, Babau
e Cassimiro Coco e a Literatura de Cordel;

• Livro de Registro dos Lugares, onde são inscritos mercados, feiras,


santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práti-
cas culturais coletivas. Neste livro, estão inscritas, por exemplo, a Feira de
Caruaru, em Pernambuco, e a Tava, lugar de referência para o povo Guarani.

96
O pedido de registro de um bem significa dizer, por exemplo, que cia à pesquisa sobre suas origens,
cultural como patrimônio imaterial nunca um grupo isolado de capo- suas ramificações e suas caracterís-
brasileiro deve contar com ampla eira seria considerado patrimônio ticas, o Iphan também define uma
adesão da comunidade detentora, cultural para o Iphan, mas sim a área de abrangência: nacional ou
como a intitula o Iphan. Por deten- manifestação em seus aspectos regional. Esse recorte geográfico,
toras e detentores, entendemos gerais, historicamente consolidados. além de corresponder, em linhas
aqueles sujeitos para quem determi- A segunda é relativa à participação gerais, aos espaços onde a mani-
nados saberes, lugares, práticas ou da sociedade na preservação, no festação ocorre e ocorreu, ao longo
festas são uma referência cultural, apoio e no fomento do bem cultu- do tempo, com mais frequência,
isto é, possuem significados e senti- ral protegido pelo Iphan, processo possibilita acompanhamento mais
dos próprios em dado contexto e que chamamos de salvaguarda e aprofundado para cada bem pelas
exercem uma influência na cons- no qual nos deteremos mais adiante. Superintendências Estaduais.
trução de um universo particular Cabe já mencionar, entretanto, que
de relações sociais, políticas, econô- é a própria comunidade detentora
micas e, claro, culturais. Em outras que vai decidir os rumos da preser- saiba mais
palavras, as referências culturais são vação de seu bem cultural, afinal, Com a colaboração de especia-
os marcos que estabelecem o senti- é ela quem é responsável, desde listas das mais diversas áreas do
conhecimento, o Iphan produz,
mento de pertencimento entre os sempre, pela transmissão de sabe- de modo continuado, o Dicionáro
indivíduos e sua comunidade. res geração após geração. Nesse Iphan de Patrimônio Cultural.
A necessidade de adesão de um sentido, o nome registro vem muito Ali, é possível encontrar verbe-
tes sobre diferentes aspectos
conjunto amplo de pessoas e/ou a calhar, porque demonstra que o da política de patrimônio, em
grupos tem a ver com duas premis- Iphan reconhece como patrimônio discussões aprofundadas.
sas básicas. A primeira é de que os algo que a sociedade produziu, cons-
bens imateriais são sempre mani- truir e dotou de sentidos. Quando do
festações de caráter coletivo - o que registrar um bem, e em consonân-

97
A Resolução nº 01/2006, válida o martelo sobre o registro (ou não)
até hoje, consolidou práticas insti- de uma manifestação cultural. Vale
tucionais dos anos anteriores e mencionar, aliás, que a não concessão
regulamentou os procedimentos deste título pelo Iphan não significa
de registro. Entre outras coisas, defi- que o bem cultural não é socialmente
niu a necessidade de consolidação, importante, mas tão somente que
no Dossiê de Registro, de informa- não se adequou devidamente aos
ções sobre o bem, seu histórico, suas critérios do processo administrativo
variações, além de medidas possí- estabelecido. Podemos pensar, por
veis para sua preservação. O Dossiê, exemplo, no caso do funk: embora
uma vez finalizado, é submetido à esteja presente em todo o país e
apreciação do Conselho Consultivo seja importantíssimo, é uma mani-
do Patrimônio Cultural. O Conselho, festação cultural bem recente, não
composto por arquitetos, histo- cumprindo o critério de continuidade
riadores, sociólogos, entre outros histórica, como estipulado na prática
especialistas, e pela própria direto- institucional do patrimônio cultural.
ria do Iphan, é quem, ao final, baterá

saiba mais
dossiê de registro
O dossiê é um documento técnico elaborado pela equipe do Departamento de
Patrimônio Imaterial (DPI) do Iphan, em parceria com as superintendências, com
pesquisadores e com a comunidade detentora. Ele é resultado de um processo
amplo de pesquisa acerca da manifestação cultural investigada, e embasa a deci-
são do Conselho Consultivo do Iphan acerca do registro, ou não, do bem.

98
Além das normativas fede- No Distrito Federal, o órgão
rais, elaboradas pelo Legislativo responsável por este processo é
Federal e pelo próprio Iphan, os a Subsecretaria de Patrimônio
estados e municípios também Cultural (Supac), ligada à Secretaria
podem (e devem!) elaborar normas de Estado de Cultura e Economia
e políticas públicas próprias para o Criativa (Secec). Em setembro de
reconhecimento de seus patrimô- 2015, a Secretaria editou a Portaria
nios culturais locais. n° 78, que trata do registro distrital
de bens de natureza imaterial, com
texto similar ao Decreto do Iphan
que trata do mesmo tema.

A Produção Tradicional e as Práticas Socioculturais Associadas à Cajuína


no Piauí foram registradas no Livro de Registro dos Saberes em 2014.
Fotografia: Acervo Iphan.

99
As duas mais recentes legislações
que tratam do patrimônio imaterial
foram editadas pelo Iphan em 2015
(Portaria nº 299) e em 2016 (Portaria
nº 200). Ambas estabelecem dire- saiba mais
trizes, princípios e mecanismos de O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular,
atuação do Instituto do Patrimônio vinculado ao Iphan, possui um catálogo riquíssimo de
publicações escritas e audiovisuais sobre as manifes-
Histórico e Artístico Nacional para tações populares do Brasil, que podem servir como
as ações de salvaguarda. Por salva- material de estudo e como suporte para os trabalhos
guarda, são entendidas todas em sala de aula.
as medidas feitas com o obje- Além disso, é possível visitar as exposições virtuais do
tivo de garantir a permanência, no Museu do Folclore e explorar o artesanato brasileiro no
site do Programa de Promoção do Artesanato de Tradi-
tempo e no espaço, do patrimônio ção Cultural!
cultural imaterial.
As medidas podem ser desde
iniciativas menores de divulgação,
passando por ações de pesquisa,
estudo e mapeamento tanto das
atuais condições de uma prática
quanto de quais são as principais
necessidades de sua comunidade
detentora, até o fomento pontual
a projetos construídos em articula-
ção com detentores e detentoras.
Idealmente, cada uma das ativida-
des promovidas ou apoiadas pelo
Iphan deve contar com a participa-
ção de outros parceiros (do poder
público ou não).

100
Bens registrados pelo Iphan no DF

No Distrito Federal, são quatro os bens culturais registrados pelo Iphan:

bem cultural livro de registro ano de inscrição abrangência

Formas
Roda de capoeira 2008 Nacional
Expressão

Ofício dos
Saberes 2008 Nacional
Mestres de Capoeira

Teatro de Bonecos Popular Pernambuco,


do Nordeste - Mamulengo, Formas Paraiba, Rio Grande
2015
Babau, João Redondo e Expressão do Norte, Ceará e
Cassimiro Coco Distrito Federal

Formas
Literatura de Cordel 2018 Nacional
Expressão

Alagoas, Bahia,
Ceará, Maranhão,
Paraíba, Piauí,
Formas Pernambuco,
Repente 2021
Expressão Rio Grande do
Norte, Rio de
Janeiro, Sergipe e
Distrito Federal

Matrizes Formas
2021 Nacional
Tradicionais do Forró Expressão

saiba mais
bens em processo de registro
Para além dos bens mencionados, outros bens com abrangência no Distrito
Federal são objetos de estudo para eventual registro. São eles: Saberes e
Práticas das Parteiras Tradicionais do Brasil; Ofício de Raizeiras e Raizeiros no
Cerrado (Farmacopeia Popular do Cerrado) e Choro. A lista atualizada de bens
em processo de instrução para registro pode ser acompanhada no site do Iphan.

101
A Capoeira, como sabemos, é
prática de longa data na história
brasileira e é símbolo da resistência
negra à escravização. Manifestação
cultural presente em todo o país, foi
registrada como bem incidente em
todo o território nacional. À época
do registro, compreendeu-se que, de
modo a contemplar a variedade e a
originalidade da prática, seria viável
categorizá-la em dois livros:
• no de Formas de Expressão, Em 2014, a Unesco referen-
como Roda de Capoeira, momento dou a Capoeira como Patrimônio
singular de demonstração viva dessa Cultural Imaterial da Humanidade.
arte secular, em toda sua musicali- No Distrito Federal, há grupos distri-
dade, em que os jogadores, por meio buídos por todo o território distrital.
da exibição e comparação de suas
habilidades e técnicas de luta e de
ginga, constituem uma esfera singu-
saiba mais
lar de sociabilidade;
• no de Saberes, como Ofício dos O Dossiê de Registro da Roda e dos Mestres de Capo-
Mestres de Capoeira, pela percep- eira é um material riquíssimo, com informações sobre
a história da prática, a descrição de algumas de suas
ção de que, tão importante quanto modalidades (ou variações) e dos principais aspectos
o momento ritualístico da mani- da luta em roda. O Dossiê lista ainda, uma quantidade
festação, é a transmissão de um expressiva de referências para o estudo, a pesquisa e o
aprofundamento no tema. Em outra linguagem, esse
modo particular de comunhão cole- material também pode ser visto em vídeo.
tiva e de sociabilidade, feita sob
estruturas definidas de hierarquia,
treinamento e confronto.

102
Não é difícil imaginar o porquê O Teatro de Bonecos Popular
dos outros bens culturais terem sido do Nordeste (TBPN) - Mamulengo,
registrados pelo Iphan no Distrito Babau, João Redondo e Cassimiro
Federal. Brasília não seria erguida Coco é encontrado em quase todos
como a nova capital brasileira sem os estados nordestinos. A abrangên-
a participação das milhares de cia de seu registro está relacionada saiba mais
pessoas que migraram de estados aos locais em que aparece com mais teatro de bonecos popular
do Nordeste para a cidade. Consigo, frequência e onde estão suas varia- do nordeste
essas pessoas trouxeram uma ções mais conhecidas. Quando É possível saber mais sobre cada
bagagem cultural riquíssima e, em falamos em variação, aliás, destaca- um dos grupos de TBPN no DF
a partir do Catálogo de Mamu-
contato com outras tradições, ajuda- mos que o próprio Iphan a reconheceu lengos do Distrito Federal,
ram a erigir o caldeirão multicultural como constitutiva da prática ao editado pelo Iphan.
que define o Distrito Federal. mencioná-la em seu título. Aqui no Além disso, há várias apresenta-
DF, seus praticantes, em geral, refe- ções de mamulengueiros locais
disponíveis nas redes sociais. Um
rem-se a ela como Mamulengo. bom exemplo é o canal Boneco
Brasileiro, do mestre Chico
Simões, que apresenta perso-
nagens e trechos tradicionais da
brincadeira.

103
Roda de Mamulengos na Feira da Torre de TV.
Fotografia: Alice Lira, 2019.

O TBPN é uma manifestação dos ou vistos de outros ângulos. Seus


teatral de caráter lúdico, satírico e praticantes se referem ainda uns aos
comunitário. Os enredos de uma outros como brincantes. Marcante
apresentação são extremamente em como se transmite essa singu-
variados: historicamente, eram asso- lar expressão da cultura brasileira
ciados a elementos e situações do é a figura do mestre, de quem, no
cotidiano das comunidades; hoje, geral, aprende-se a brincar e a mani-
há outras facetas, por conta de novos pular o boneco e, ademais, a entreter
espaços onde ocorrem espetáculos o público — há relatos, no interior
— escolas, empresas e organizações do Nordeste, de apresentações que
da sociedade civil, por exemplo. Sob duravam mais de 6 horas e atraves-
uma tolda de madeira, com bonecos savam a madrugada.
manipulados a mão, acompanhados No Distrito Federal, há 13 grupos
normalmente de música, os bone- de bonequeiros e de bonequeiras,
queiros — como são chamados com brincantes que começaram no
— habilmente conduzem o público ofício há mais de 30 anos e outros
a histórias fantasiosas, realistas, que apenas recentemente se apro-
em que determinados aspectos da ximaram dessa arte.
nossa vida em sociedade são critica-

104
A Literatura de Cordel é uma arte historicamente se destacaram aque-
de origens múltiplas: africana, indí- las com histórias amorosas, políticas,
gena, árabe europeia. No Nordeste cômicas, cujos personagens repre-
brasileiro, formou-se enquanto sentavam, criativamente, situações
narrativa e como meio de divulga- típicas de relações sociais do interior
ção, isto é, tanto como um modo dos estados nordestinos. Embora em
peculiar de produzir um texto escrito formato de estrofes, é preciso, para
quanto um formato de impressão, que se faça um cordel bem feito, que
tão conhecido no Brasil e mundo se sigam algumas regras: metrifica-
afora. A narrativa cordelista versa ção, rima e oração.
sobre temas os mais diversos, mas

Para produzir um texto


No estilo cordelista
Há três regras básicas que
Não podem perder de vista,
São a METRIFICAÇÃO
As RIMAS e a ORAÇÃO
Ou sabe disso, ou desista

(monteiro, 2002, p. 06)

105
Manipular essas regras básicas é No Distrito Federal, a literatura
um desafio permanente na vida de de cordel é feita por muitos artistas,
cordelistas. A métrica diz respeito que reconhecem em seu Donzílio
à separação poética dos versos e à Luiz o seu maior mestre na capital.
configuração deles em determinado Donzílio chegou à Brasília em 1968 e,
saiba mais
número de estrofes. As rimas têm de do Núcleo Bandeirante (então Cidade
ser perfeitas: serem igualmente sono- Livre), mudou-se para Ceilândia já em No Brasil, temos vários acervos
ras na formação de consoantes e de 1971, com a inauguração da cidade. voltados para a preservação e
para a difusão da literatura de
vogais das palavras (agreste/peste; Em Ceilândia, a propósito, fica a Casa cordel. É o caso da Cordelteca
coração/floração, etc.). A oração do Cantador, referência para corde- da Casa do Cantador, física, e da
é o que deve ditar a harmonia e a listas e repentistas da cidade; lá está Cordelteca da Fundação Casa de
Rui Barbosa, digital.
coerência de uma história contada, instalada uma Cordelteca, inaugu-
que deve ter, bem definidos, um rada no início de 2020, com mais de O Centro Nacional de Folclore e
início, um meio e um fim. Como lite- 1500 exemplares de cordel disponí- Cultura Popular, além de possuir
uma Cordelteca digital, também
ratura, o cordel é caracterizado por veis para consulta pública. conta com uma Xiloteca!
seu vínculo forte com a oralidade
de suas narrativas; a cobrança por Pensando em trabalhar sobre
textos coerentes e sonoros é constante, literatura de cordel e repente em
sala de aula? Sugerimos o folheto
quando não palco para competições A Origem do Repente, de auto-
entre seus artistas, sempre em busca ria de João Santana, detentor do
do aperfeiçoamento. Distrito Federal.

106
O Bumba Meu Boi de Seu Teodoro é um bem registrado pelo Governo do Distrito Federal desde 2004.
Fotografia: Davi Mello/Pareia Comunicação.

Bens registrados pelo GDF

Como dissemos anteriormente, da autarquia federal, o registro


o Governo do Distrito Federal tem não é concedido a uma instituição
uma política própria de registro do específica, senão a um conjunto de
patrimônio cultural imaterial. Até referências culturais que informam
o momento, foram registrados oito determinada prática. Um grupo de
bens culturais no DF, que remetem mamulengo recebe apoio do Iphan
ao processo histórico de formação na medida em que é praticante de
do território distrital e de construção uma arte considerada patrimô-
da capital brasileira e à diversidade nio. Essa formatação da política
cultural encontrada em Brasília. não é melhor ou pior em si, mas tão
Ressalte-se uma diferença singu- somente um modo distinto de abor-
lar em relação aos procedimentos dar o patrimônio cultural.
de registro do Iphan. Na política

107
A tabela abaixo elenca os bens imateriais reconhecidos pelo Distrito Federal, bem como os livros
e anos de registro. Para ler mais sobre eles, basta acessar o Anexo 1 - Bens Registrados no Distrito
Federal deste módulo!

bem cultural livros de registro ano de inscrição

Bumba Meu Boi


Celebrações 2004
de Seu Teodoro

Festival de Brasília do Celebrações


2007
Cinema Brasileiro Formas de Expressão

Ideário Pedagógico de
Saberes 2007
Anísio Teixeira

Via Sacra ao vivo Celebrações


2008
de Planaltina Lugares

Clube do Choro de Brasília Formas de Expressão 2008

Associação Recreativa
Celebrações
Cultural Unidos do 2009
Lugares
Cruzeiro - ARUC

Festa do Divino Espírito


Celebrações 2013
Santo de Planaltina

Praça dos Orixás e Celebração


2018
Festa de Iemanjá Lugares

saiba mais
A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal tem uma iniciativa acadê-
mica de discussão em Educação: a Revista Com Censo. No volume 7 da publicação,
Rayane Cristina Chagas da Silva, pedagoga e analista de atividades culturais do
GDF, escreveu o artigo Formas de proteção do patrimônio cultural do Distrito Fede-
ral. No texto, a autora sintetiza as legislações de proteção ao patrimônio no DF de
forma didática e objetiva. Para acessar outros números e artigos da revista.

108
O patrimônio cultural é um Para além disso, não podemos
campo em transformação. Das deixar de lembrar que todo patrimô-
primeiras políticas institucionais nio cultural, ainda que de natureza
formuladas pelo Estado brasileiro à imaterial, está inserido em um
atual configuração da legislação, dos sistema de relações entre as comu-
programas e das concepções de patri- nidades e seus espaços de prática e
mônio, muitas foram as mudanças. de vida. É inescapável à preservação
Ao longo do tempo, nesse processo do patrimônio, portanto, a atenção
de disputa, de tensões, de confli- à saúde dos ecossistemas e a prote-
tos, tornou-se mais comum a noção ção dos lugares de referência para as
de que o patrimônio é feito pelas e práticas culturais.
para as pessoas. Essa maneira de
compreender o patrimônio cultural
implica, em primeira instância, que o saiba mais
compromisso fundamental de uma Você sabia que existe um site que reúne todos os bens
política patrimonial está atrelado ao registrados, tombados, valorados e catalogados? O
ipatrimonio.org é uma iniciativa da sociedade civil, que
respeito, à escuta e ao envolvimento atualiza constantemente sua base de dados com os bens
de pessoas e suas coletividades na patrimonializados pela União, pelos estados, pelos muni-
formulação de programas, planos, cípios e pela Unesco. Ali, é possível encontrar descrições
detalhadas do patrimônio cultural brasileiro.
leis de preservação e fomento.

109
Por fim, destacamos uma dimen- inclusão de mais pessoas e grupos na
são que merece especial atenção no divulgação do imenso conjunto de
futuro das políticas de patrimônio: bens culturais brasileiros. Com isso,
a acessibilidade. Se em bens mate- seria cumprida uma faceta do requi-
riais tombados, já há diretrizes e sito constitucional que atribui ao
princípios que orientam formas de poder público, em colaboração com
tornar as referências culturais mais a comunidade, a responsabilidade
acessíveis à população, esse é um de democratizar o acesso à cultura.
passo ainda a ser dado pelas polí-
ticas de bens imateriais, quer em
publicações, quer em modalidades
de apresentação ao público, quer na

A arte Kusiwa, registrada pelo Iphan em 2002, é um tipo de registro gráfico


próprio dos índios Wajãpi, no Amapá. Fotografia: Acervo Iphan.
110
Referências

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111
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FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e danacionalidadeeEstadoNovoANPUH.pdf. Acesso em:
cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural. In: 29 jun. 2020.
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Org.). Memória e Patrimô-
nio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, SILVA, Rayane Cristina Chagas. Formas de proteção do patri-
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Estudos Educacionais do Distrito Federal, v. 7, n. 1, p. 121-127,
GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analu- mar. 2020. Disponível em: http://www.periodicos.se.df.gov.
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IANNA, Letícia C. R. Patrimônio Imaterial. In: GRIECO, ais. Brasília: UNESCO, Educarte, 2008. Disponível em: http://
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Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatri-
monioCultural/detalhes/85/patrimonio-imaterial. Acesso
em: 01 jul. 2020.

MONTEIRO, Manoel. Quer escrever um cordel? Aprenda a


fazer fazendo. Campina Grande: Gráfica Martins, 2002.

ONU. Organização das Nações Unidas para a Educação, a


Ciência e a Cultura. convenção para a Salvaguarda do Patri-
mônio Cultural Imaterial. Paris: UNESCO, 2003. Disponível
em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/
ConvencaoSalvaguarda.pdf. Acesso em: 01 jul. 2020.

112
ANEXO 1

BENS REGISTRADOS NO DISTRITO FEDERAL

As referências culturais do públicos para administrar o governo


Distrito Federal se moldaram na e a cidade. Trouxeram consigo o
velocidade da cidade que, apesar de samba, o choro, a dança, o carnaval.
inaugurada, permanecia em cons- De fato, vieram morar no DF
trução. O fazer cultural no DF sempre pessoas de muitos lugares do Brasil e
esteve ligado aos grupos das diversas do mundo. Em todas, uma bagagem
regiões do país que colaboraram no cultural para compartilhar na jovem
projeto da capital, em contato com cidade, que assim vem construindo
a herança goiana das cidades, vilas e sua identidade cultural: um pouco
fazendas coloniais que já ocupavam de cada Brasil e um jeito próprio de memória, da identidade e da forma-
o Planalto Central. ser Distrito Federal. Na convivência ção da sociedade do Distrito Federal
Isso explica a forte influência do social, as manifestações culturais e alinha-se com as políticas de prote-
Nordeste, no rastro dos milhares de trazidas no corpo e na memória são ção da diversidade cultural.
nordestinos que ajudaram a levantar recriadas e articuladas em redes, Neste anexo, procuramos apre-
Brasília, em diversas manifestações tornando-se referências para cons- sentar, rapidamente, os bens de
artísticas: nas festas, na culinária, trução de identidades. caráter imaterial registrados pelo
na música, na literatura de cordel. O Registro de um bem como Distrito Federal, em atenção à Lei
Da antiga capital, o Rio de Janeiro, Patrimônio Imaterial tem como refe- Distrital Nº 3.977, de 29 de março de
vieram milhares de funcionários rência a continuidade da história, da 2007, e ao Decreto nº 3.551/2000.

113
BUMBA MEU BOI DO SEU TEODORO

Inscrito no Livro de Registro das dar suas origens. Iniciou, assim, seu Mestre Teodoro foi funcionário
Celebrações, o Bumba meu boi do projeto de preservação das tradi- da Universidade de Brasília (UnB),
Seu Teodoro — folguedo típico do ções maranhenses. Trabalhava em onde trabalhou até se aposentar.
Maranhão apresentado durante o defesa da cultura brasileira, a seu Na instituição, junto ao expediente
período das festas juninas — tornou- ver em constante sobreposição pela de trabalho sempre cumprido
-se parte da cultura do Distrito cultura estrangeira. com rigor, deu continuidade às
Federal através da trajetória de Seu A chegada a Brasília deu-se atra- ações de um folclorista por devo-
Teodoro. Nascido em 1920, cultivou vés de um convite do então diretor da ção. Considerado um guardião da
a paixão pelo folclore desde a infân- Fundação Cultural, o poeta Ferreira cultura de Brasília, recebeu o título
cia no Maranhão, onde vivenciou Gullar, para que seu grupo de Bumba de Cidadão Honorário da cidade e
intensamente as tradições popula- meu boi se apresentasse no primeiro Mestre de Notório Saber pela UnB.
res como o Tambor de Crioula e o aniversário da capital, em 1961. Os Fundou o Centro de Tradições
Bumba meu Boi. novos horizontes da cidade ainda Populares de Sobradinho, sede
Na década de 50, migrou para em construção o convenceram a deste movimento cultural conso-
o Rio de Janeiro, refazendo o cami- ficar. Vê-se, assim, que a trajetória lidado e legítima referência
nho de milhares de brasileiros na do indivíduo se insere na identi- cultural do Distrito Federal, que atua
busca por melhores condições de dade cultural de Brasília, um projeto na continuidade da preservação dos
vida. Lá montou um grupo de Bumba arquitetônico e humano arrojado, folguedos, danças, músicas, vesti-
meu boi, juntamente com outros realizado pelas mãos de migrantes mentas e instrumentos musicais
conterrâneos, sempre reunidos em que aportavam ao novo com seus das manifestações do Estado do
volta do “Boi” para “Festar” e recor- saberes, práticas, festejos. Maranhão e Norte do Brasil.

DECRETO Nº 24.797, DE 15 DE JULHO DE 2004.

114
FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO

Inscrito no Livro de Registro das alunos e professores da UnB, que leira, espaço de reflexão e debate
Celebrações e no Livro de Registro faziam, pensavam, viviam e respi- de ideias, e que pode ser utilizado
das Formas de Expressão, o Festival ravam cinema, e os assessores da pela população docente local, como
de Brasília do Cinema Brasileiro cons- Fundação Cultural do DF. valiosa ferramenta de trabalho em
titui-se num momento de grande O Festival iniciou, em 1965, com o parceria com o próprio Cine Brasília
relevância para a cultura brasileira. nome Semana do Cinema Brasileiro, e seus programas. Este prédio,
As primeiras salas de cinema repetida em 1966. Em 1967, foi bati- projetado pelo arquiteto Oscar
no Distrito Federal funcionaram na zado de Festival do Cinema Brasileiro Niemeyer e inaugurado em 1960, foi
Avenida Central da Cidade Livre, e, posteriormente, que perdura até tombado como patrimônio cultural
hoje Núcleo Bandeirante. Após a os dias de hoje, Festival de Brasília material do DF.
inauguração de Brasília, as salas do Cinema Brasileiro. O destaque do
mais procuradas eram na W3 Sul, o Festival de Brasília, sempre comen-
Cine Cultura, com capacidade para tado pelos diretores, atores e críticos
500 espectadores e o Cine Brasília, é o seu público, citado sempre como
com 1200 lugares, à época. participante e bastante crítico.
O Festival de Brasília originou- Trata-se de um importante
-se dentro da efervescência cinéfila, instrumento de divulgação da
característica desse momento, entre realidade cultural e social brasi-

DECRETO Nº 27.930, DE 08 DE MAIO DE 2007

115
IDEÁRIO DE ANÍSIO TEIXEIRA

Inscrito no Livro de Registro em tempo integral para professores cer educação gratuita para todos.
dos Saberes, o Ideário Pedagógico e alunos, como a Escola Parque por Além de integral, pública, laica e
de Anísio Teixeira remete aos ele fundada em 1950 em Salvador, obrigatória, defendia que a escola
primórdios do sistema educacio- que inspirou as demais propos- deveria ser também municipali-
nal na nova capital e permanece tas de escolas de tempo integral zada para atender aos interesses de
vivo na rede pública de ensino do que se sucederam. Nesse ambiente cada comunidade.
Distrito Federal, tendo como expo- de aprendizagens rico e de quali- Anísio projetou-se para além
entes as Escolas Parque. O modelo dade, cuida-se desde a higiene e da do papel de gestor das reformas
implantado e desenvolvido por este saúde da criança até sua preparação educacionais e atuou também como
educador, consolidado no Plano de para a cidadania. filósofo da educação. Ao lado de
Construções Escolares de Brasília, Anísio Teixeira é considerado o Darcy Ribeiro, foi um dos fundado-
priorizava um conjunto de prédios principal idealizador das grandes res da Universidade de Brasília (UnB)
e atividades pedagógicas específi- mudanças que marcaram a educa- em 1962, tornando-se reitor em 1963.
cas a cada fase de desenvolvimento ção brasileira no século XX. Foi
de vida e convívio social. pioneiro na implantação de esco-
Para ser eficiente, dizia Anísio, a las públicas de todos os níveis, que
escola pública para todos deve ser refletiam seu objetivo de ofere-

DECRETO Nº 28.093, DE 04 DE JULHO DE 2007

116
VIA SACRA AO VIVO DE PLANALTINA

Inscrita no Livro de Registro das caráter amador e religioso permane- A concessão do registro baseou-
Celebrações e no Livro de Registro cia, mantendo-se a estrutura técnica -se no reconhecimento dessa
dos Lugares, a Via Sacra ao Vivo de inicial da encenação – microfone, expressão da comunidade, coletiva
Planaltina surgiu em 1973 e teve carro de som, figurinos. e repassada de geração a geração,
como precursor o Padre Aleixo Susin. Em 1986, esse festejo sacro como das mais legítimas manifes-
Jovens da comunidade, sob sua passou a integrar o Calendário tações da cultura popular religiosa
orientação, reuniram-se para ence- de Eventos Oficiais do DF, conso- da região, que revela as raízes do seu
nar a Paixão de Cristo à frente da lidando-se como uma das mais povo, valoriza e fortalece o autên-
Igreja São Sebastião em Planaltina, expressivas e representativas mani- tico e espontâneo espírito de fé
por ocasião das comemorações da festações populares da região. A da comunidade.
Semana Santa. partir de então, os espetáculos tive-
Em 1974, o evento foi transferido ram um salto em qualidade, atraindo
para o Morro da Capelinha, onde até milhares de pessoas de diversas loca-
hoje é encenado, adquirindo o cará- lidades. Com o passar dos anos, ao
ter religioso de peregrinação. Nos evento principal foram introduzi-
anos seguintes, as encenações foram das outras atrações como o Domingo
crescendo em técnica de represen- de Ramos, Santa Ceia, Via Sacra da
tação e em público, enquanto o Criança, além dos shows de música.

DECRETO Nº 28.870, DE 17 DE MARÇO DE 2008

117
CLUBE DO CHORO

Inscrito no Livro de Registro nos finais de semana. Com o maior Novamente a excelência da
das Formas de Expressão, o Clube entrosamento dos músicos, surgi- música e dos projetos apresenta-
do Choro de Brasília promove esse ram as primeiras apresentações no dos inseriram o Clube do Choro de
gênero musical, há mais de 40 anos, Teatro da Escola Parque. Brasília na agenda permanente da
a partir do idealismo dos precurso- O reconhecimento pela quali- Cultura Popular Brasileira, em nível
res e do estímulo de alguns grandes dade apresentada traduziu-se na nacional e internacional. A conces-
nomes da nossa música instrumen- conquista de um lugar permanente são do registro reconhece que o
tal, tornando Brasília uma referência e na fundação oficial do Clube do Clube revela jovens talentos e atua
nacional nessa vertente cultural. Choro de Brasília, em 1977. Os primei- na perpetuação de um dos gêne-
No início dos anos 70, as rodas ros anos foram de intensa atividade ros musicais mais brasileiros, além
de choro reuniam, basicamente, — jovens músicos da cidade se incor- de desempenhar importante papel
funcionários públicos transferidos poraram ao gênero — seguidos de na formação da identidade cultu-
para Brasília com a mudança da um período de dificuldades estru- ral de Brasília.
capital, em especial aqueles oriun- turais e abandono. Tal situação foi
dos do Rio de Janeiro. As “tocadas” revertida na década de 90, com a
se davam eventualmente nos bares reforma da sede e reestruturação
e depois na casa de um e de outro, do Clube do Choro.

DECRETO Nº 28.995, DE 29 DE ABRIL DE 2008

118
ASSOCIAÇÃO RECREATIVA CULTURAL UNIDOS DO CRUZEIRO – ARUC

Inscrita no Livro de Registro das participação efetiva na evolução


Celebrações e no Livro de Registro histórica do carnaval de Brasília.
dos Lugares, a Associação Recreativa A ARUC coloca-se como uma
Cultural Unidos do Cruzeiro – ARUC instituição catalisadora da produção
remonta ao início da capital quando, cultural na região do Cruzeiro. Além
em 1961, um grupo de moradores de se destacar no cenário carnava-
do Bairro do Gavião, como então lesco do DF e zelar seu compromisso
era conhecido o Cruzeiro, reuniu- de preservar o samba de raiz, uma
-se para fundar uma entidade que autêntica manifestação da cultura
promovesse o congraçamento dos popular brasileira, participa de
moradores do bairro, desenvolvendo diversas atividades culturais, sendo
atividades de lazer, esporte e cultura. respeitada como uma das mais
Como a maioria dos seus funda- antigas e prestigiosas associações
dores era formada por cariocas socioeducativas de Brasília.
transferidos recentemente do Rio O Decreto de Registro destaca
de Janeiro para a nova capital, que a ARUC ultrapassa o conceito
uma das primeiras providências da de uma escola de samba, desem-
nova entidade foi a criação de um penhando o papel de espaço de
Departamento de Escola de Samba. interação social, de identidade e
Estavam lançadas as bases da Escola reconhecimento dos valores cultu-
de Samba Unidos do Cruzeiro, com rais da comunidade cruzeirense.

DECRETO Nº 30.132, DE 04 DE MARÇO DE 2009

119
FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO – PLANALTINA

Inscrita no Livro de Registro marco na sua história: símbolo da Em Planaltina, como em todos
das Celebrações, a Festa do Divino mudança radical que estava por vir os cultos festivos ao Divino, a prepa-
Espírito Santo de Planaltina envolve e do profundo abismo cultural com ração e a participação estão no
tradições transmitidas por muitas o passado e o legado goiano. cotidiano dos moradores e devo-
gerações e evidencia uma grande Os festejos do Divino, herança tos na cidade e na roça. Uma festa
expressão popular de devoção, reli- cristã de Portugal, chegaram a antiga e respeitada que se organiza
giosidade, fé e mobilização social, Planaltina em 1882, segundo rela- em torno de duas Folias: a Folia de
que se traduz em movimento iden- tos. A festa conheceu tempos de Roça e a Folia de Rua, sob a bandeira
titário e cultural da cidade. muita riqueza. Em 1972, inconfor- vermelha que tem como estampa
A cidade de Planaltina é teste- mados com a decadência do evento, uma pomba branca simbolizando o
munha de que já havia atividade os Foliões reuniram-se, tendo como Divino Espírito Santo.
humana no Planalto Central antes pano de fundo o cinquentenário da
da construção de Brasília. O vazio Pedra Fundamental. O propósito de
propagado pelos construtores foi, destacar a festa aliou-se à intenção
na verdade, preenchido no rastro de despertar o interesse de todos
dos bandeirantes e das fazendas pela história da cidade com suas
coloniais. O assentamento da Pedra festas tradicionais. Ao longo dos seus
Fundamental, em 07 de setem- quase 140 anos de existência, a festa
bro de 1922, representou um duplo passou por inovações e adaptações.

DECRETO Nº 34.370, DE 17 DE MAIO DE 2013

120
PRAÇA DOS ORIXÁS

O Registro da Praça dos Orixás O uso da Praça dos Orixás pelos local, foi apontado o registro da Praça
e da Festa de Iemanjá, como bens praticantes de cultos afro-brasileiros como o instrumento adequado para
de natureza imaterial associados, comporta ampla gama de ativida- salvaguardar práticas e domínios da
os distingue de acordo com a natu- des, indo desde a tradicional Festa vida social que ali se manifestam,
reza de cada um: a Praça dos Orixás de Iemanjá — realizada anualmente sem restringir as alterações físicas
foi inscrita no Livro de Registro há mais de três décadas no dia 31 de necessárias para a realização de
dos Lugares, enquanto a Festa de dezembro e mais importante evento melhorias que permitam condições
Iemanjá foi inscrita no Livro de do calendário religioso afro-brasi- mais adequadas de uso.
Registro das Celebrações. leiro do Distrito Federal e Entorno
A Praça dos Orixás, localizada na — até uma série de eventos culturais
"Prainha" do Lago Paranoá, um dos de música, gastronomia, com forte
cartões postais de Brasília, é um dos ligação ao universo da Umbanda
mais tradicionais espaços de práticas e do Candomblé.
culturais afro-brasileiras no Distrito O reconhecimento pelo poder
Federal, desde pelo menos meados público deu-se, na maior parte das
da década de 1970. Em 2009, a Praça vezes, em resposta às agressões
foi restaurada e reaberta ao público, e depredações sofridas reitera-
exibindo 16 esculturas que represen- damente ao longo dos anos pelas
tam os deuses africanos. As obras estátuas dos orixás. Em consulta à
são do escultor baiano Tatti Moreno. sociedade organizada atuante no

DECRETO Nº 39.586, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2018

121
122
módulo 5

123
Educação Patrimonial e Diversidade

elaborado por

Ilka Lima Hostensky 1

Falar de patrimônio é falar de histórias, saberes, fazeres e expres- Cultura (Unesco). Nos sítios eletrô-
riqueza material e imaterial, de sões culturais que compõem o nicos do Instituto do Patrimônio
território, de territorialidade, de patrimônio cultural brasileiro. Cheia Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
identidade, de experiências, de de entrelaçares de histórias também e da Secretaria de Turismo do DF é
subjetividades, de religiosidades, é Brasília e seu Entorno. Cidade possível obter maiores informações
de pertencimento, de diversidade sonhada, pensada, planejada, cons- a respeito da capital.
e muito mais. Em maio de 2020, o truída. Em 1987, com apenas 27
Instituto Brasileiro de Geografia anos, Brasília teve o seu conjunto saiba mais
e Estatística (IBGE) divulgou que urbanístico-arquitetônico reconhe- - Brasília completa 30 anos como
a área territorial brasileira é de cido como Patrimônio Mundial pela Patrimônio Mundial
8.510.295.914 km². Essa imensa Organização das Nações Unidas - Bra sília - Conhecer é
superfície abriga uma gama de para a Educação, a Ciência e a se surpreender
- Conheça os pontos turísticos
que vão te surpreender.

1 Ilka Lima Hostensky é mestre em Geografia pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Gestão Pública pela Universidade de Brasília (UnB),
especialista em Gestão e Manejo Ambiental pela Universidade Federal de Lavras – MG (UFLA), graduada em Geografia/Licenciatura pelo Centro Universitário
de Brasília (UniCeuB). Integrante do grupo de pesquisa Cidades e Patrimonialização na América Latina – GECIPA. Professora da Carreira Magistério Público
da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), componente curricular Geografia. Contato: ilkahoste@gmail.com

124
A história da construção de tal destacar a atuação de sujeitos
Brasília é mesclada por cores, sabo- que por vezes foram excluídos da
res, odores e dores dos migrantes narrativa da construção da nova
– homens, mulheres, jovens e crian- capital, mas que tiveram e têm
ças – que para cá vieram em busca muito a contar. Nos documentários
de novas oportunidades. Porém, Memória Viva Eco-história do Planalto
cabe salientar que diversos povos Central, nos capítulos de 01 a 05 e
já habitavam essas terras bem Poeira e Batom no Planalto Central –
antes do início da construção da 50 mulheres na construção de Brasília, é
nova capital. Portanto, é essencial possível conhecer um pouco mais a
conhecer um pouco da história e da respeito da participação de impor-
atuação dos povos e atores sociais tantes atores sociais no processo de
que já habitavam esta região, como materialização de Brasília.
os indígenas, os quilombolas e as
mulheres. Igualmente necessário é
conhecer a atuação desses povos na saiba mais
contemporaneidade. É fundamen- Recomendações de materiais
audiovisuais:
1- Memória Viva: Eco-História
do Planalto Central. Capítulo 02.
Canal do Instituto Latinoamerica.

2- Documentário: Poeira e Batom


no Planalto Central – 50 mulheres
na construção de Brasília. Docu-
mentário de Tânia Fontenele.
Disponível no Youtube- Canal
Extraclasse.

125
É imprescindível pensarmos e de negociação entre diferentes
e estudarmos Brasília para além segmentos, uma vez que envolve
de sua área reconhecida como a atribuição de valores, a definição
Patrimônio Cultural da Humanidade. de critérios de seleção, as práticas
Para Everaldo B. Costa (2016, 2017), de proteção de bens e manifesta-
os centros históricos se configu- ções culturais. Porém, segundo esse
ram como espaços repletos de órgão, o processo de desenvolvi-
significados, mas há que se anali- mento socioeconômico, assimétrico
sar a existência e a importância de e desigual é um dos fatores que
referências culturais que vão para contribui para “um desequilíbrio
além do sítio histórico declarado. de representatividade em termos
Referências essas que fazem parte de origem étnica, social e cultu-
do cotidiano das pessoas e impri- ral, o que provoca, por sua vez,
mem um sentido a vida delas. uma crise de legitimidade e uma
O debate patrimonial está baixa identificação da população,
presente em diversos setores: no em alguns casos, com o conjunto
universitário, no turístico, nas insti- do que é reconhecido oficialmente
tuições particulares e nas escolas de como Patrimônio Cultural nacional”
educação básica. Já não se restringe (IPHAN, 2014, p. 23).
à dimensão arquitetônica. O Iphan
(2014) destaca que falar de patri-
mônio cultural é falar de conflito

saiba mais
Como acompanhamos ao longo do curso, referências culturais são edificações
e são paisagens naturais. São também as artes, os ofícios, as formas de expres-
são e os modos de fazer. São as festas, os lugares a que a memória e a vida social
atribuem sentido diferenciado; são as consideradas mais belas, são as mais
lembradas, as mais queridas. São os fatos, atividades e objetos que mobilizam a
gente mais próxima e que reaproximam os que estão longe, para que se reviva o
sentimento de participar e pertencer a um grupo, de possuir um lugar. Em suma,
referências são objetos, práticas e lugares apropriados pela cultura na constru-
ção de sentidos de identidade, são o que popularmente se chama de raiz de uma
cultura (IPHAN, 2000, p. 20).

126
Percebe-se um esforço por parte Tal aspecto favoreceu a valo- eficaz de preservação patrimonial,
dos estudiosos do tema e dos órgãos rização dos bens culturais de seja ela realizada via processo educa-
governamentais em abordar o determinados grupos – os asso- tivo formal ou não-formal.
conceito de patrimônio em sua forma ciados à elite – e a ocultação ou o Assim, o objetivo deste módulo
mais ampla. Buscam, desta forma, silenciamento daqueles associados é propiciar uma reflexão acerca da
lançar luz sobre os bens de natureza aos povos originários e aos prove- conexão entre educação patrimo-
imaterial, os ofícios, as expressões nientes do continente africano. A nial e diversidade. Propomos que os
culturais, os lugares, as celebrações ampliação do conceito de patrimô- docentes levem seus alunos a uma
coletivas e os saberes – reconheci- nio e a multiplicidade de estudos reflexão com base em perguntas
dos oficialmente ou não pelos órgãos dedicados a essa temática favore- como: O que é patrimônio? Qual a
governamentais – atribuindo uma cem, em certa medida, os grupos e importância da preservação? Qual
dimensão mais humana ao patrimô- povos que por séculos tiveram sua a importância da educação patri-
nio e valorizando a “dimensão viva história ocultada, visto que agora monial? Por que alguns bens são
da cultura” (CASTRIOTA, 2009). Mas, muitos desses grupos identifi- tombados e outros não? O patrimônio
ainda é necessário um olhar atento cam, reconhecem e declaram o que é de quem e para quem? E outras que
para as referências culturais e simbó- compõe o seu bem cultural, inde- possam surgir ao longo do processo.
licas de grupos como os indígenas e pendente da tutela governamental.
os afrodescendentes. Nesse contexto, a educação patri-
Para Ramón Grosfoguel, monial figura como um instrumento

[...] a pretensa superioridade do


saber europeu nas mais diversas
áreas da vida foi um importante
aspecto da colonialidade do poder
no sistema-mundo colonial /
moderno. Os saberes subalternos
foram excluídos, omitidos, silencia-
dos e/ou ignorados (2009, p. 69-70).

127
Currículo em Movimento, Diversidade e Educação Patrimonial:
um diálogo com as especificidades históricas, culturais e
sociais da comunidade escolar

A escola não é composta só de lar convive com espaços e formas de é, originariamente, uma herança.
paredes, cadernos, livros, carteiras e aprender diversos, abertos e adap- Porém, ela também se relaciona ao
o sinal que marca o início e o término tados às necessidades de cada um. sistema de valores e às articulações
de cada aula. Ela é composta, sobre- Alinhada às ações do governo sociais de determinados grupos.
tudo, por pessoas que trazem para federal, a Secretaria de Estado de Envolve a transmissão de saberes,
o interior do espaço escolar suas Educação do Distrito Federal, por a forma de comunicação, o sistema
vivências e experiências, sua religio- meio da Portaria nº 265/2016, insti- de códigos e a memória, e influen-
sidade, seus hábitos, seus saberes e tuiu a sua Política de Educação cia no sentimento de pertença
seus sonhos. Desenvolver práticas Patrimonial. No tocante à educação grupal. Nesse sentido, Tomaz T. da
educativas de forma homogênea é patrimonial, a busca por melhores Silva (2000) considera que a diversi-
suprimir a multiplicidade de saberes práticas pedagógicas passa pela dade preexiste aos processos sociais,
e vivências que a comunidade esco- reflexão do que vem a ser a diver- ela está dada.
lar traz consigo, é tratar o discente sidade relacionada à cultura. Para
de forma generalista sem considerar Paul Claval (2004) “a cultura é a saiba mais
sua singularidade e sua particulari- soma dos comportamentos, dos “A sociedade contemporânea
dade. José Moran (2018) destaca a saberes, das técnicas, dos conheci- é caracterizada por sua diver-
sidade cultural, isto é, pela
importância do ensino regular, dado mentos e dos valores acumulados coexistência de diferentes e
o seu peso institucional, os investi- pelos indivíduos durante suas vidas variadas formas (étnicas, raciais,
mentos financeiros envolvidos e a e, em outra escala, pelo conjunto de gênero, sexuais) de manifes-
tação da existência humana,
certificação. Porém, esse autor é dos grupos de que fazem parte” (p. as quais não podem ser hierar-
claro ao evidenciar que o ensino regu- 71). Esse autor destaca que a cultura quizadas por nenhum critério
absoluto ou essencial. Em geral,
utiliza-se o termo para advo-
gar uma política de tolerância
e respeito entre as diferentes
culturas” (SILVA, 2000, p. 44).

128
A discussão a respeito da homo- C. G Filice (2016) destacam que
geneização, da desigualdade, das “o processo histórico de constru-
diferenças e da diversidade não é ção curricular não é neutro e nem
nova no campo educacional. José mesmo inocente, ao contrário, é
G. Sacristán (2002) destaca que, dinâmico e carregado de interesses,
em diversos países, as pautas do das mais distintas ordens: políticas,
sistema educacional são condu- econômicas, sociais e religiosas”
zidas levando-se em conta uma (p. 99). Esses autores ressaltam
cultura universalmente válida. que o currículo, por ser um campo
Frente a essa situação, Sacristán de disputa de poder, pode privile-
(2002) afirma que a “diversidade giar determinados saberes e áreas,
significa ruptura ou abrandamento mas é “também uma possibilidade
da homogeneização que uma forma em moldar identidades individu-
monolítica de entender o universa- ais e coletivas de grupos sociais que
lismo cultural trouxe consigo” (p. historicamente tiveram suas histó-
23). E que, “em educação, a diversi- rias e seu legado esquecidos pelas
dade pode estimular-nos à busca propostas oficiais” (p. 97). Como
de um pluralismo universalista que ressaltado no primeiro módulo, a
contemple as variações da cultura, o escola é um espaço que comporta
que requer mudanças importantes diversos atores e seus saberes. Para
de mentalidade e de fortalecimento gerar significado à sua comunidade
de atitudes de respeito entre todas e ela deve estar aberta à participação
com todos” (p. 23). de todos. Na esteira dessa reflexão,
Vale ressaltar que, desde Silva e Filice orientam que:
o início do século XXI, uma série [...] é desejável que as frentes curri-
de reformas curriculares foram culares abarquem a diversidade
étnico-racial e cultural que cerceiam
feitas na rede pública de ensino do a sociedade. Para tanto, as escolas
Distrito Federal, levando ao atual necessitam trabalhar conteúdos
currículo da rede, o Currículo em das diferentes matrizes que forma-
ram a história brasileira: indígenas,
Movimento. A respeito do currículo africana, europeia, asiática, e até
escolar, Francisco T. Silva e Renísia mesmo comunidades que ainda
permanecem no limbo curricular,
como a cigana, [...]. (2016, p. 96)

129
Essa reflexão parte da premissa e humanizadas” (DISTRITO FEDERAL, Os documentos normativos que o
de que cada unidade escolar deve 2013. p. 21). Dessa forma, no planeja- orientam vão desde a Constituição
traçar um perfil de sua comuni- mento, na organização e na execução Federal/1988 em seus artigos: 5º,
dade e discutir com ela as suas de suas ações, as escolas da rede 206, 201 e outros, passando pela
prioridades, ações, metas e objeti- pública do DF devem levar em conta Lei Orgânica do DF, pela Lei nº
vos de modo a operacionalizar suas os princípios da educação integral, 4.920/2012, pela Portaria nº 265/2016,
ações para que as mesmas atendam que são: integralidade; intersetoria- que institui a Política de Educação
aos anseios e necessidades desse lização; territorialidade; trabalho em Patrimonial da SEEDF, e pelo Plano
grupo. Quanto à educação patri- rede; diálogo escola comunidade; e Nacional de Implementação das
monial, o Iphan preocupa-se com o transversalidade. Um olhar atento a Diretrizes Curriculares Nacionais
desenvolvimento de ações educa- esses princípios nos propicia conec- para Educação das Relações Étnico-
tivas que estimulem a participação tá-los a uma proposta de educação Raciais e para o Ensino de História e
comunitária, a valorização dos bens patrimonial em diálogo com a diver- Cultura Afro-Brasileira e Africana,
culturais da comunidade, a constru- sidade. Propicia, também, que o dentre outras.
ção coletiva e o fortalecimento dos docente trabalhe de forma transver-
espaços educativos. sal e interdisciplinar. Outras leituras
Já a SEEDF empreende esfor- de mundo são possíveis e não só a
ços para conceber e implementar um que volta o olhar para os estudos
currículo que olha de forma atenta eurocentrados.
para a educação integral. Não se O documento que trata dos
trata aqui de meramente ampliar a pressupostos teóricos da SEEDF é
carga, mas propor “o currículo como claro ao destacar que o trabalho
um instrumento aberto em que os da educação para a diversidade –
conhecimentos dialogam entre si, conectado à educação patrimonial,
estimulando a pesquisa, a inovação ambiental e relações étnico-ra-
e a utilização de recursos e práticas ciais, dentre outros – é norteado
pedagógicas mais criativas, flexíveis por um amplo arcabouço legal.

130
É primordial que as esco- para o fortalecimento do espaço
la s paut em seu s Pr ojet os e das ações escolares. Átila B.
Político-Pedagógicos (PPP) e suas Tolentino observa que
ações alinhados a essa legisla-
ção e ao Currículo em Movimento. [...] na história da patrimonialização
Sendo o PPP um instrumento defi- dos nossos bens culturais, a ideo-
logia de uma identidade nacional
nidor de caminhos, é fundamental homogênea e coesa, extremamente
que a comunidade escolar o revi- pautada numa herança europeia e
site quando necessário, proponha num poderio católico-militar, é o que
caracterizou a política preservacio-
projetos, ações e mudanças que nista implantada no Brasil nos anos
dialoguem com seus interesses e 1930 (2018, p. 53-54).
com os temas transversais, sempre
em busca de uma educação de quali- Apesar disso, o autor ressalta
dade, uma vez que “a aprendizagem a atuação de diversos grupos e
não ocorre solitariamente, mas na comunidades que reivindicaram e
relação com o outro” (DISTRITO reivindicam o reconhecimento da
FEDERAL, 2013, p. 33). O outro, nesse diversidade cultural, o que levou o
contexto, não deve ser tratado como Iphan, ao longo de sua atuação, a
o estranho ou o distante, mas como modificar a sua dinâmica de proce-
sujeito rico em história, saberes e dimento e a valorizar instrumentos
experiências que podem contribuir de preservação que reconheçam os
diferentes saberes e a diversidade
cultural. Nesse sentido,

[...] a atuação no campo do patrimô-


nio imaterial pelo Iphan tem sido
importante para a valorização das
referências culturais historicamente
subalternizadas ou silenciadas nos
processos de patrimonialização no
Brasil, bem como dos seus saberes,
fazeres e epistemologias, a exemplo
das referências culturais africanas e
indígenas (TOLENTINO, 2018, p. 55).

131
Tolentino (2018), apoiado na Esses inventários, trabalha-
teoria da decolonialidade, em conso- dos particularmente no segundo
nância com a ideia de ecologia dos módulo, se baseiam “no trabalho
saberes de Boaventura Santos, que com a memória social, partem da
“baseia-se no reconhecimento da premissa de que os próprios grupos
pluralidade e da diversidade de e comunidades possam assumir, em
conhecimentos heterogêneos, que primeira pessoa, a identificação, o
podem estar sempre em interse- registro e a seleção das referências
ção e interações dinâmicas, em culturais significativas para a forma-
um diálogo horizontal e democrá- ção de suas identidades e memórias
tico” (p. 50), propõe uma Educação coletivas” (TOLENTINO, 2018, p.
Patrimonial Decolonial. De acordo 57). Verifica-se que a SEEDF está
com o autor, a educação patrimonial alinhada a essa ideia, uma vez que
decolonial admite que o colonia- a Portaria nº 265/2016, que institui
lismo se perpetuou, “o que torna a Política de Educação Patrimonial
necessário contestar e romper com do órgão, reforça a necessidade:
os processos de dominação sobre da participação comunitária; do
as memórias historicamente subal- fortalecimento da cidadania; da
ternizadas de grupos e segmentos temática estar inserida nos Projetos
sociais não hegemônicos ou estig- Político-Pedagógicos das Unidades
matizados” (TOLENTINO, 2018, p. Escolares; do foco nos temas trans-
56). O autor destaca a importância versais e no trabalho interdisciplinar;
da construção coletiva, da educação do reconhecimento, valorização
formal e não-formal, da valorização e fortalecimento das populações
das referências culturais dos povos tradicionais e comunidades locais; e
tradicionais e subalternizados e da da permanência de ações voltadas
atual metodologia de Educação para o desenvolvido da educação
Patrimonial adotada pelo Iphan que patrimonial dentro das escolas.
enfatiza os inventários participativos. Portanto, há que se tratar o assunto
de forma contínua e não pontual.

132
Territórios de poder: a importância do diálogo entre educação
patrimonial e diversidade

A constituição de uma iden- Costa (2016, 2017) propõe que os cações e relações sociais; [...] Em
tidade vincula-se às questões conceitos de patrimônio e território outras palavras, o território signi-
relacionadas ao território e à terri- sejam tratados de forma acoplada; fica heterogeneidade e traços
torialidade. Claval (2014) observa além disso, o autor destaca a impor- comuns” (p. 83). Compreender
que as identidades se exprimem tância do protagonismo dos grupos o território é olhar para além de
por meio de símbolos, sendo o terri- subalternizados e de debates que sua dimensão física; envolve o
tório um dos símbolos que ajudam trazem à tona questões relaciona- simbólico, relações interpessoais,
a estruturar a identidade coletiva. das à resistência. Entende-se que identidade e memória. É no e por
Rogério Haesbaert (2016) destaca as questões étnico-raciais, iden- meio do território que diversos
que os conceitos de território e titárias, históricas, patrimoniais, povos tradicionais conseguiram
territorialidade se relacionam às de gênero, econômicas, culturais, manter suas referências culturais.
espacialidades humanas, mudando sociais e outras se interseccionam
o enfoque a depender da área – como pontua Grosfoguel (2009)
do conhecimento e da perspec- – e rebatem no espaço. Ao destacar
tiva analisada. Dessa forma, esses que o território é parte integrante
conceitos podem se vincular a rela- do espaço, Marcos Saquet (2006)
ções de poder, à dimensão simbólica, afirma que “o território é natureza
à produção, a relações sociais ou a e sociedade: não há separação, é
uma abordagem multidimensional. economia, política e cultura; edifi-

133
Falar em povos tradicionais e no Caribe” (LOPES, SIMAS, 2017, p.
é, sem nenhuma dúvida, falar de 33). Tratar a questão patrimonial
quilombo. O trabalho desses povos em consonância com as questões
foi fundamental no processo de cons- étnicas e quilombolas é imprescin-
trução de diversas cidades. Inúmeras dível para se compreender a riqueza
casas, casarões, ruas e igrejas foram patrimonial brasileira. Segundo
erguidas pelas mãos dos negros Rafael Sânzio dos Anjos, “a pala-
escravizados. Além disso, faziam- vra quilombo tem origem na língua
-se presentes nas minas — de ouro, banto e se aproxima de termos como:
de diamante e outros minérios — e habitação, acampamento, floresta e
nas lavouras. Eles também foram guerreiro. Na região central da Bacia
os “responsáveis pela introdução do Congo, significa “‘lugar’ para estar
no continente americano de múlti- com Deus” (2006, p. 46).
plos instrumentos musicais, como a
cuíca ou puíta, o berimbau, o ganzá
e o reco-reco, bem como pela cria-
saiba mais
ção da maior parte dos folguedos de O termo Banto refere-se ao
rua até hoje brincados nas Américas “conjunto de povos localiza-
dos principalmente na região
do centro-sudoeste do conti-
nente africano. Indivíduos dessa
origem, em especial os embar-
cados nos portos de Cabinda,
Luanda e Benguela, represen-
taram cerca de dois terços dos
enviados para as Américas como
escravos entre os séculos XV e
XIX” (LOPES,SIMAS, 2017, p. 32-33).

134
Alguns estudos associam os Para Eliane C. O’Dw yer
quilombos ao período escravista, (2002), os sujeitos históricos exis-
mas cabe destacar que esse conceito tem no presente:
sofreu modificações ao longo dos
séculos e se atualizou. Givânia Maria [...] o texto constitucional não evoca
da Silva (2016) evidencia a importân- apenas uma “identidade histórica”
que pode ser assumida e acionada
cia da atuação do Movimento Negro na forma da lei. Segundo o texto, é
na luta para o reconhecimento preciso, sobretudo, que esses sujei-
das comunidades quilombolas ou tos históricos presumíveis existam
no presente e tenham como condi-
remanescentes de quilombo como ção básica o fato de ocupar a terra
sujeitos de direitos. que, por direito, deverá ser em seu
nome titulada (p. 14).
O texto constitucional de 1988
trouxe para o Estado brasileiro, por O dispositivo legal se refere a quilombo. Segundo Carril (2006),
meio do art. 68 do Ato das Dispo-
sições Constitucionais Transitórias um conjunto de indivíduos ou atores o conceito de quilombo se associa
(ADCT), conjugado com os arts. 215 sociais organizados, que podem ser à resistência territorial. A autora
e 216 da Constituição Federal (CF), conceituados como grupos étnicos observa a existência de quilombos
o reconhecimento das comunida-
des remanescentes de quilombos
que persistem e persistiram ao longo em áreas urbana e rural. Para ela,
como categoria, bem como o direito da história. Segundo Stuart Hall, o enquanto os quilombos rurais se
a terras, a manter seus saberes e termo etnia refere-se “às caracte- organizam basicamente em torno de
costumes como patrimônio brasi-
rísticas culturais – língua, religião, questões ambientais e da conquista
leiro (p. 60).
costumes, tradições, sentimento de de terras, nos urbanos a organiza-
“lugar” – que são partilhadas por um ção acontece em torno da música, da
povo” (2015, p. 36). Portanto, para dar arte e da dança. Em ambos, a solida-
conta de tamanha complexidade, riedade é muito marcante e a luta é
há que se trabalhar com o conceito de base territorial.
mais amplo e ressemantizado de

135
Silva (2016) destaca que, por cendo participação fundamental na
séculos, os quilombos sofreram construção deste país e não podem
com o processo de “apagamento e ser vistos simplesmente como algo
esquecimento” por parte do Estado, “que sobrou ou restou”. Os territórios
não estavam presentes nas políti- quilombolas representam verdadei-
cas públicas e nem nas histórias de ros espaços de poder, são ricos em
“sucesso” contadas oficialmente. A referências culturais e simbólicas.
autora é enfática ao afirmar que esses Podem ser também chamados de
povos estiveram e estão presentes territórios étnicos.
em todo o território nacional, exer-
O território étnico seria o espaço
construído, materializado a partir
das referências de identidade e
pertencimento territorial, onde
geralmente a sua população tem
um traço de origem comum. As
demandas históricas e os confli-
tos com o sistema dominante têm
imprimido a esse tipo de estrutura
espacial exigências de organização
e instituição de uma autoafirmação
política, social, econômica e territo-
rial (ANJOS, 2006, p. 339).

136
Voltando o olhar para o Goiás e
o para o Distrito Federal, observa-
-se que, antes do assentamento da
Pedra Fundamental – obelisco cons-
truído no Morro do Centenário, nas
proximidades de Planaltina, para
comemorar o centenário da inde-
pendência e “demarcar” o ponto de
localização da futura capital do país,
em 7 de setembro de 1922 –, na área
que no futuro abrigaria a nova capi- Falar do Quilombo Mesquita é
tal já se identificava a presença do retornar a 1746, quando o bandei-
quilombo Mesquita. A história desse rante Antônio Bueno de Azevedo se
quilombo associa-se à história de fixou na região da atual Luziânia –
Luziânia e à da capital, uma vez que antigo arraial de Santa Luzia – em
seus integrantes tiveram participa- busca de ouro. Com ele, encontrava-
ção essencial durante a construção. -se José Corrêa de Mesquita. Neres
Segundo Manoel B. Neres: (2016) assinala que, em paralelo à
exploração do ouro, o bandeirante
Os quilombolas foram muito Azevedo preocupou-se com a produ-
ativos na Missão Cruls, Coluna ção de alimentos como milho, feijão
Prestes, recepção a Juscelino e
sua comitiva, iniciaram as obras e mandioca. Com o declínio da extra-
do Catetinho, fizeram os servi- ção aurífera, por volta de 1775, muitas
ços domésticos do Presidente, e pessoas foram embora de Luziânia,
forneceram alimentos (cereais,
frutas, doces, rapaduras, marme-
os que ficaram passaram a se dedi-
ladas, queijos, etc.) aos candangos car à produção da cana de açúcar e
(2020, p. 17). à criação de gado.

137
Em seus estudos, Neres (2016) quilombolas do Mesquita se dedi-
afirma que foi no momento do declí- cam ao cultivo de mandioca, laranja,
nio da extração do ouro que José C. goiaba, cana-de-açúcar e marmelo.
de Mesquita, ou algum sucessor seu,
destinou as terras do quilombo a três
saiba mais
escravizadas: Maria Pereira Dutra,
Maria Abadia e Martinha Pereira Há materiais interessantes, de diferentes linguagens,
Braga. Segundo esse autor, “duas das que abordam os momentos anteriores à transferên-
cia da capital para Brasília e a ocupação quilombola no
três beneficiárias não eram apenas território hoje conhecido como Distrito Federal.
escravizadas, mas sim descenden-
tes do primeiro dono das terras, o - Reportagem: Nos tempos da Missão Cruls –
que não era incomum no período Revista Encontro.
da escravidão” (NERES, 2016, p. 51). - Youtube - Vídeo: Mesquita, Canal do Instituto de
Essas mulheres e seus descendentes Políticas Relacionais. Produzido por: Ancestralidade
Africana no Brasil – Memórias dos pontos de leitura.
foram os responsáveis pela manu- Disponível também em: http://ancestralidadeafricana.
tenção das referências culturais do org.br/quilombos/comunidade-quilombola-mesquita/
quilombo Mesquita. Atualmente, os - Youtube – Vídeo: Memória Viva: Eco-História do
Planalto Central. Capítulo 03. Canal do Instituto
Latinoamerica.

- Reportagem: A história do quilombo que ajudou a


erguer Brasília e teme perder terras para condomínio
de luxo. Da BBC News Brasil, São Paulo, de João Fellet.
01 de julho de 2018.

138
O marmelo é um fruto seme- a religiosidade também era um e disseminar as festas, as danças, as
lhante à pêra. Os Mesquitas o traço marcante nessa comunidade. folias, a memória dos ancestrais e os
transformaram em um doce mara- Acredita-se que as três mulheres espaços educativos do grupo.
vilhoso cuja receita conta com 200 eram devotas de Nossa Senhora Em 2006, após intensa atuação
anos de tradição. O doce leva o da Abadia e que com elas surgiu a das lideranças da comunidade, o
nome de marmelada Santa Luzia. novena dessa santa. A produção quilombo Mesquita foi oficialmente
Neres (2016) afirma que a receita é da marmelada associa-se, de certa reconhecido como remanescente de
uma das heranças deixadas pelas forma, ao período de louvação à quilombo, recebendo o certificado
três mulheres que deram origem santa, “uma das principais festas da Fundação Cultural Palmares.
ao quilombo e que o primeiro pé de da comunidade, dedicadas à Nossa Porém, em seus estudos, Neres
marmelo foi plantado na fazenda em Senhora da Abadia, ocorre no início (2016) identificou divergências entre
1770. Entre as comunidades quilom- de agosto, período próximo à poda os quilombolas no tocante à certifi-
bolas, as atividades coletivas eram da planta. Na ocasião, entre outras cação e à identidade quilombola.
comuns, no caso do Mesquita, “os atrações, os foliões se divertem com Alguns identificam-se como quilom-
mutirões para a poda e as movimen- as danças Catira e Raposa” (NERES, bolas, outros não. O autor ressalta que
tações ligadas à feitura e consumo 2016, p. 58). A comunidade conta com
do doce proporcionavam sentimen- a Associação Renovadora Quilombo [o] Mesquita pode ser classificado
tos e ações coletivas sólidas” (NERES, do Mesquita (Arenquim), institui- como quilombo porque sua origem
é a do tempo da escravidão (inclu-
2016, p. 58). Segundo esse autor, ção que busca fortalecer, valorizar sive antecede 1888, fato comprovado
por registros paroquiais, desde 1854);
porque manteve sua estrutura fami-
liar tendo negros por maiorias;
porque guarda uma cultura especí-
fica e por seu espaço geográfico ter
sido sempre associado aos negros,
recebendo inclusive os títulos Arraial
dos Pretos, Mesquita dos Crioulos,
Crioulos... (NERES, 2016, p. 106)

139
Vale ressaltar que a preocupa- Brasília e Entorno, sendo inverídica coordenadora da Associação
ção com a educação sempre foi uma essa ideia, uma vez que a área do Quilombo Mesquita, que reuniu em
constante no quilombo Mesquita. quilombo Mesquita localiza-se, em um espaço objetos antigos, fotos
A comunidade sempre cobrou do grande parte, na região metropoli- e utensílios da comunidade, um
poder público atitudes com relação tana de Brasília. verdadeiro espaço de ativação da
à educação dos jovens. Além disso, Este reconhecimento é extre- memória e aprendizagem. Assim,
o autor destaca a proatividade de mamente importante para a esse espaço de memória e a prática
Aleixo Pereira Braga que, além do implantação de políticas públicas e da educação patrimonial são estra-
grande quantitativo de terras e para o reconhecimento da contri- tégias indispensáveis no combate
extensa plantação de marmeleiros buição histórica e cultural desse à desinformação, na divulgação do
– o que o tornou referência econô- quilombo na construção da capi- estilo de vida dos quilombolas e na
mica na região –, doou terras para tal. Apoiado em Paulo Freire (1979), preservação das tradições, saberes e
a construção de uma escola. Para Neres (2016) destaca a importância fazeres desse grupo.
Neres (2020), a educação (formal de uma educação reflexiva, revolu-
e não-formal) alinhada à questão cionária e que leve a uma consciência
patrimonial é uma importante ferra- crítica. Como ação de resistência e
menta no combate às informações conscientização, o autor cita a criação
falsas. Segundo esse autor, dissemi- do Espaço de Memória do Quilombo
na-se que não existe quilombo em Mesquita, iniciativa de Célia Braga,

140
Neres (2020) ressalta que as cultural negra. Roger Bastide afirma
narrativas quilombolas devem ser que “os navios negreiros transporta-
levadas a sério, uma vez que esse vam a bordo não somente homens,
grupo foi silenciado por muito mulheres e crianças, mas ainda seus
tempo, mas têm muito a nos dizer deuses, suas crenças e seu folclore.
e ensinar. Há que se valorizar a luta Contra a opressão dos brancos que
desses povos, pois “essas lutas se queriam arrancá-los a suas culturas
traduzem na garantia do território, nativas para impor-lhes sua própria
no reconhecimento identitário, na cultura, eles resistiram” (1974, p. 26).
valorização cultural, na abordagem A religiosidade africana foi um dos
educacional, na inserção universitá- elementos culturais que, por aqui,
ria e no acesso a políticas públicas em se reinventou.
geral” (p. 18). Sendo assim, os quilom-
bos de ontem e de hoje representam
a materialização da resistência negra
no território.
Assim como os quilombos,
os terreiros também representam
a resistência e a persistência. No
Brasil, as religiões de matriz africana
representam outro elemento do
“continnum africano” e da resistência

141
Os terreiros são espaços sagra- em especial às religiões de matriz
dos, territórios simbólicos e reais, afro, continua, como mostra o rela-
que exprimem a luta de grupos para tório sobre intolerância e violência
manterem as religiões de matriz afri- religiosa no Brasil – RIVIR (2011-2015).
cana. Zeny Rosendahl (2003) afirma Diversas lideranças de
que os lugares sagrados, além de terreiros espalhados pelo Brasil
disporem de bens simbólicos signi- desenvolveram e desenvolvem
ficativos para determinados grupos, estratégias de modo a preser-
envolvem as experiências humanas, var suas práticas religiosas. Diante
sendo de fundamental importância disso, o Iphan vem reconhecendo
a compreensão do significado desses a importância desses espaços
bens para seus usuários. Entre as como patrimônio cultural brasi-
inúmeras vias de resistência negra leiro, efetuando o tombamento de
no Brasil, a centrada na religiosidade nove terreiros no Brasil. No caso
tem seu lugar de destaque. Durante do Distrito Federal, o órgão lançou
todo o Estado Novo, a repressão em 2009 a 1º fase do Inventário
policial foi intensa aos terreiros, dos Terreiros do Distrito Federal e
que tiveram seus pejis – “Santuário Entorno, e, em 2012, o Inventário
ou conjunto de santuários” (Lody, Nacional das Referências Culturais:
1987) – saqueados em ações clara- Terreiros do DF e Entorno. Esses docu-
mente racistas. Segundo Raul Lody mentos representam uma resposta
(1987), essa situação mudou devido à às necessidades das comunida-
atuação das federações de culto afro- des religiosas de matriz africana
-brasileiro, mas a violência religiosa, do DF e Entorno.

142
Um dos objetivos é identificar Um dos primeiros terreiros conhecido como Águas Claras e
os lugares de culto, seus fazeres, fundado em Brasília, em 1965, foi o fixou-se em Sobradinho em 1974. No
seus saberes e suas tradições. Já Centro Espírita Assistencial Nossa espaço, desenvolvem o culto sagrado
na primeira fase, 26 terreiros em Senhora da Glória (CEANSG), obra dos orixás, plantam ervas sagradas,
Brasília e Entorno foram inven- de Jurema Faria, de seu companheiro mantêm o culto de tradição Ketu
tariados, mas a região conta com Jorge Faria e de um grupo de pionei- e Umbanda, e desenvolvem ações
aproximadamente 330 terreiros ros. De tradição Umbanda, a casa é sociais e celebrações. O documento
registrados. A construção de Brasília muito respeitada entre os adeptos do Iphan também registra uma filial
atraiu também as casas religiosas dessa linhagem. De acordo com o do terreiro Axé Opô Afonjá – o Ilê
de matriz africana. De acordo com Inventário (IPHAN, 2009), a casa de Salvador foi tombado pelo Iphan
o Inventário dos Terreiros, produ- desenvolve uma série de cerimônias em 1999 – de tradição Ketu. O Axê
zido pelo Iphan (2009), os primeiros litúrgicas, abertas ao público e fecha- Opô Afonja Ilê Oxum do Goiás foi
terreiros se instalaram em Brasília e das. Além disso, também presta a fundado em 1973 por Mãe Railda em
em seu entorno na metade de 1960 caridade e realiza assistência social. Valparaíso. Além de dar seguimento
e início dos anos 70. Como diver- Outra casa de grande importân- à tradição e cultivar ervas sagradas, o
sos terreiros espalhados pelo Brasil, cia é o Ilê Axé Orixá Deuy e Centro terreiro também realiza celebrações
também foram alvo de preconceito Espírita Caboclo Boiadeiro João abertas ao público.
e de perseguição – inclusive policial Chapéu de Couro. Sob o comando
–, levando-os a se organizar por meio do Babalorixá Pai Lilico, a casa foi
de federações. fundada em 1967 no território hoje

143
Esses espaços sagrados também cia em um local permite aos seus
são espaços educativos, onde os inte- moradores uma ligação cultural e
grantes aprendem as tradições, os um sentimento de pertencimento a
costumes, as danças, as orações e um grupo e a uma base física simbó-
os toques, ouvindo e vendo os mais lica” (CARRIL, 2006, p. 24). Nesse saiba mais
velhos fazerem. Uma excelente sentido, em 2020, o Iphan publi- O jogo Contos de Ifá
iniciativa aliada à tecnologia é a que cou o segundo volume da Coleção pode ser acessado em
link próprio [http://www.
foi desenvolvida por Mãe Beth de patrimônio para Jovens, em home- contosdeifa.com/]. Para
Oxum, Ialorixá do Ilê Axé Oxum Karê nagem à Ceilândia. Criada em 1971, conhecer mais sobre sua
de Olinda. Ela, juntamente com seus é a maior Região Administrativa idealização e construção,
clique em [https://youtu.
filhos de santo, criaram o jogo intitu- (RA) do DF, conta com quase 500 be/hcawb3ieJ8c].
lado Conto de Ifá, que narra a história mil moradores e muita histó-
dos orixás e, dessa forma, divulga as ria. Ceilândia, minha quebrada é
religiões de matriz africana. maior que o mundo é o nome do
Falar do presente, que se inter- volume lançado pelo Iphan, em
conecta com o passado, também é parceria com a SEEDF. A proposta
falar de patrimônio cultural. Para girou em torno das referências
que ocorra a preservação e a valo- culturais mais significativas para a
rização patrimonial, é fundamental comunidade. Contou com a partici-
que os sujeitos conheçam os bens, pação ativa de escolas públicas do
mas, mais importante ainda, é que ensino médio e fundamental e da
vivenciem e se vejam representados associação de moradores.
nesses bens, isso porque “a vivên-

144
O trabalho foi construído com dessa RA; a Casa do Cantador, espaço
base na metodologia proposta pelos projetado por Oscar Niemeyer, dedi-
Inventário Participativos – sobre os cado à música e à cultura nordestina,
quais é possível ler mais no Módulo um dos poucos projetos de Niemeyer
2! – e nos leva a refletir a respeito da materializados fora do Plano Piloto.
importância das referências culturais Além dessas referências, a publica-
situadas para além do sítio histórico ção também destaca a importância
tombado. Em formato de diálogo, de eventos e espaços que se dedi-
inicia abordando a origem do nome cam à música, à dança e à comida
Ceilândia e apresenta ao leitor típica, como o Quarentão, o Ferrock,
diversos locais e espaços de grande o Maior São João do Cerrado e o
importância para a população, como Elemento em Movimento. Os parti-
exemplo: a Caixa d’água, construída cipantes também citaram como
na década de 1970, um projeto do referência cultural de Ceilândia a
arquiteto Gerhard Linzmeyer, com Biblioteca Pública, uma reivindica-
capacidade para armazenar até 500 ção da comunidade. Logo:
mil litros de água e que foi declarada Defender a construção coletiva
patrimônio cultural do DF em 2013; e democrática do conhecimento
e a participação efetiva dos dife-
a Feira Central de Ceilândia, onde é rentes atores nos processos de
possível encontrar diversos produ- apropriação do patrimônio cultu-
tos e alimentos típicos da região ral (considerando tantos os agentes
institucionais como os detentores
nordeste do Brasil – região de onde das respectivas referências cultu-
provém a maior parte dos moradores rais) é trabalhar sob o ponto de vista
da ecologia dos saberes proposta
por Boaventura Sousa Santos. Confi-
gura, também, reconhecer que o
patrimônio cultural é produto das
relações sociais e dos significados
que os indivíduos lhe atribuem.
(TOLENTINO, 2018, p. 56)

145
Portanto, não só de Lucio, Oscar, um currículo que prima pela partici- é imprescindível para uma educa-
Bernardo, Israel, Juscelino e Ozanam pação ativa de todos os segmentos ção patrimonial em diálogo com
é feita a história de Brasília e seu da comunidade escolar e pela a diversidade.
Entorno, ela também tem muito de gestão democrática nesse espaço A SEEDF, ao instituir sua Política
Mesquita, Kalunga, Goyá, Sandra, de aprendizagem de Educação Patrimonial, as
Maria, Aline, Jurema e muitos outros Entendemos que a educação Jornadas do Patrimônio, ao incen-
atores sociais fundamentais no patrimonial deve ultrapassar os tivar que as escolas insiram em
processo de construção desse terri- muros da escola, ser um processo seus PPPs ações e projetos volta-
tório. Não se pretendeu esgotar o permanente e sistemático, no qual dos para a educação patrimonial
assunto, mas procurou-se estimu- os envolvidos na ação se sintam em conexão com diversas áreas do
lar uma reflexão e colocar em pauta representados. Nesse sentido, o conhecimento, mostra-se alinhada
as referências culturais por sécu- reconhecimento e a valorização do aos órgãos federais. Além disso, ao
los “esquecidas”, além de incentivar patrimônio dos povos originários e propor um currículo aberto e possi-
práticas pedagógicas que privile- de origem africana e das referências bilitar que o docente trabalhe com
giem uma educação patrimonial em situadas para além do sítio histórico temas transversais, o órgão expressa
diálogo com a diversidade e suas declarado representam um enri- a sua preocupação em oferecer uma
múltiplas possibilidades. Colocar em quecimento do debate e sinalizam educação de qualidade, pautada no
evidência as referências culturais de uma mudança de mentalidade no respeito e no fortalecimento das
grupos por séculos invisibilizados é pensar o patrimônio de uma loca- narrativas por tempos esquecidas.
alinhar-se à proposta do Currículo lidade. Além disso, fortalecer a
em Movimento. Além de aberto, é formação continuada dos docentes

146
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148
149
módulo 6

150
Cerrado: eixo pedagógico
e patrimônio no/do Distrito Federal

elaborado por

Hugo de Carvalho Sobrinho1


Rosinaldo Barbosa da Silva2

Introdução

Neste módulo, abordaremos cos do Currículo em Movimento da


os conceitos de ecologia e patri- Secretaria de Estado de Educação do
mônio natural e outros elementos: Distrito Federal (SEEDF). Objetiva-se
diversidade ambiental, cultural e fornecer bases para a compreensão
social, articulados pelos processos da temática, promover o desenvol-
ecológicos, saberes subjugados e a vimento do pensamento, propor
complexidade do mundo, negados instrumentos metodológicos para
pela racionalidade mecanicista e a prática social e docente compro-
pela ideologia do progresso. Temos metidos com a valorização da
como recorte espacial-territorial o natureza, do bioma Cerrado e dos
Distrito Federal e o Cerrado como povos cerratenses, nos processos de
eixo pedagógico. ensino-aprendizagem integrados à
O módulo propõe reflexões formação de sujeitos sociais ativos.
a partir da compreensão de natu-
reza à luz do pensamento científico
materialista em consonância com
a Pedagogia Histórico-Crítica que
fundamenta os pressupostos teóri-

1 Licenciado em Geografia e Pedagogia. Mestre e Doutor em Geografia pela Universidade de Brasília. Professor da Secretaria de Estado de Educação do
Distrito Federal.
2 Licenciado e Bacharel em Geografia, Licenciado em Pedagogia, Mestre em Geografia e Doutor em Geografia pela Universidade de Brasília. Professor da
Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal.

151
A via de compreensão da reali- da região Norte (TO) e da região
dade pelas relações sociais cotidianas Nordeste (MA, PI, BA). Conforme a
e a ampliação do pensamento para o Organização das Nações Unidas para
entendimento do mundo se colocam a Educação, a Ciência e a Cultura
como fundamentais no processo de (UNESCO, 2002), esse bioma abrange
ensino-aprendizagem e de forma- 200 milhões de hectares e envolve
ção de sujeitos críticos. Nesse viés, uma larga variedade de fisionomias
iniciamos este módulo com algu- savânicas, que dominam a paisagem
mas reflexões: do Brasil central. Possui matas sobre
⚫ Como inserir o cerrado solos ricos, flora diversificada, com
enquanto eixo pedagógico nas práti- mais de 6.000 espécies de plantas
cas educacionais? vasculares e com um grande número
⚫ Quais são as políticas públi- de espécies endêmicas. Todavia, os
cas e documentos norteadores no estudos constatam a perda signifi-
território do DF? cativa da cobertura vegetal original,
A área que corresponde ao bioma ocasionados pelo uso e ocupação do
Cerrado compreende parte ou a tota- solo, pelo crescimento da agricultura
lidade da área territorial dos estados e pela pressão sobre o ambiente,
da região Centro-Oeste (MT, MS, ameaçando o patrimônio natural e
GO e o DF), da região Sudeste (MG), cultural do Cerrado.

152
Pensamento ambiental: desafios contemporâneos

Os conceitos de ecossistema, (2015), o ambiente emerge como um


ambiente e patrimônio natural são saber integrador da diversidade, de
fundamentais para a compreen- novos valores éticos, estéticos e dos
são dos desafios contemporâneos e potenciais sinergéticos gerados pela
das interrelações entre sociedade e articulação de processos ecológicos,
natureza. Um conceito mais sólido, tecnológicos e culturais. Reconhecer,
menos ambíguo e vago que natureza proteger e valorizar o natureza
e meio ambiente é o de ecossistema. como patrimônio requer ir além da
Este “compreende o meio geofí- noção de tombamento de patrimô-
sico — a biocenose — conjunto nio natural, de área protegida, da
das interações entre os seres vivos monumentalidade (natureza gran-
de todas as espécies que povoam diosa e intocável):
este biótipo. Constitui, assim, uma
unidade complexa de caráter orga- [...] o patrimônio natural não repre-
nizador” (GONÇALVES, 2018, p. 63). senta apenas os testemunhos de
uma vegetação nativa, intocada, ou
Cada ecossistema é um todo que se ecossistemas pouco transformados
organiza a partir das interações dos pelo homem. Na medida em que faz
seres que a constituem. Para Lef f parte da memória social, ele incor-
pora, sobretudo, paisagens que são
objeto de uma ação cultural pela
qual a vida humana se produz e se
reproduz (SCIFONI, 2006, p. 75).

153
Os desafios para construção cípios de Brumadinho e Mariana
de uma sociedade que valorize (MG), decorrentes do rompimento
o patrimônio natural são imen- da barragem; situa-se, ainda, no
sos. Os relatórios do Painel mesmo ano, o derramamento de
Intergovernamental sobre Mudanças petróleo no oceano Atlântico. Com
Climáticas (IPCC) evidenciam a relação ao desmatamento, dados
relação direta entre os fenômenos divulgados pelo Instituto Nacional saiba mais
climáticos intensos, decorrentes do de Pesquisas Espaciais (INPE) Relatórios do Painel Intergo-
aquecimento global com a emis- mostram o aumento da devastação vernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC)
são dos gases de efeito estufa (GEE) da Amazônia: 34% em 2020, compa-
pelas atividades industriais, energé- rado ao ano anterior. De modo
ticas e agrícolas. Apontam, ainda, geral, permanece a destruição dos Dados divulgados pelo Insti-
a necessidade de resposta global biomas, principalmente do Cerrado tuto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE)
para mudança na matriz energé- da Amazônia, ocasionada sobretudo
tica, no padrão de consumo e na pela expansão da fronteira agrícola,
erradicação da pobreza. Essas rela- baseada na produção agrícola inten- Veja mapa dinâmico no site do INPE
ções produtivistas-consumistas são siva, estruturada em latifúndio, na
“ambientalmente insustentáveis produção de commodities e na Dentre inúmeros casos, destaca-se
e socialmente injustas; não só em expansão da pecuária. Deste modo, aqui as pressões recentes (2020),
sofridas pelos sujeitos do território
escala regional ou nacional, mas em produzem-se constantes ameaças quilombola Kalunga.
nível planetário” (MELO, 2011, p. 127). à manutenção dos ecossistemas,
Dados ambientais relativos à da fauna, da flora, dos seres vivos
queimada, poluição do lençol freá- e não-vivos, bem como constantes
tico, da água, do solo, da atmosfera espoliações, expropriações, ameaças
são alarmantes. Além disso, somam- e litígios contra os povos indígenas,
-se os desastres ambientais, tais quilombolas e contra diversas comu-
como ocorridos em 2019 nos muni- nidades tradicionais.

154
Ao considerar o movimento do No artigo “Tragédia dos
pensamento científico, constata- Comuns”, Hardin problematizou o
-se mais frequentemente a partir crescimento exponencial da popu-
de 1960 a relação direta entre os lação e a finitude dos recursos
problemas ambientais desencadea- naturais e enfatizou que a solução do
dos e o modo de produção vigente. problema não se limitaria ao avanço
Para diversos autores, a consciência das técnicas, modelos matemáticos
ambiental surgiu nos anos 60 com e à perspectiva neoliberal. A tragé-
a publicação do livro “Primavera dia dos comuns se evidencia pela
Silenciosa” de Carson, em 1962, e do exploração da natureza em busca 70 com a Conferência das Nações
artigo “Tragédia dos Comuns” de do lucro privado, nos problemas Unidas sobre o Meio Ambiente
Hardin, em 1968. A obra de Carson foi de poluição químicos, radioativos, Humano, em Estocolmo, no ano de
a primeira com ênfase em questões gases nocivos, entre outros. Para 1972. Naquele momento, foram assi-
ambientais no mundo, trouxe à tona Hardin (1968), a liberdade é o reco- nalados os limites da racionalidade
os problemas ambientais ocasiona- nhecimento da necessidade, sendo econômica quanto às possibilida-
dos pelas indústrias químicas de o papel da educação revelar a todos des do desenvolvimento sustentável.
inseticidas e de outros derivados a liberdade de criação e a crítica à Segundo Leff (2019), o conceito de
sintéticos e o desencadeamento das produção desenfreada. “desenvolvimento sustentável” foi
contaminações das áreas de produ- A expansão da consciência utilizado pela primeira vez pela ONU
ção de alimentos, dos animais e, por ambiental iniciada por Carson e em 1979 e disseminado em 1987 pelo
consequência, do ser humano. Hardin se realizou na década de relatório “Nosso Futuro Comum”.

155
Mas a discussão sobre a rela- A perspectiva materialista
ção sociedade-natureza remete ao considera a ecologia comprometida
pensamento filosófico iluminista da com a transformação social e com
Antiguidade, tal como a de Epicuro, e as mudanças das relações humanas
sua influência nas obras de pensado- com a natureza. Assim, o materia-
res como Bacon, Kant, Hegel e Marx, lismo como teoria da natureza das
contribuindo para a “emergência da coisas surgiu no início da filoso-
ecologia materialista” (Foster, 2005, fia grega. Ele avalia que as origens
p. 10). Marx, a partir da crítica de e o desenvolvimento de tudo que
Justus von Liebig ao malthusianismo, existe dependem da natureza e
elaborou o conceito de “falha meta- da matéria. O materialismo filosó-
bólica” na relação humana com a fico racional com visão de mundo
natureza, compreendendo-o dentro complexa compreende:
do contexto histórico sobre a degra-
dação do solo em meados do século O materialismo ontológico – depen-
XIX no contexto da “segunda revolu- dência unilateral do ser social em
relação ao biológico; o materia-
ção agrícola” e que se estende até à lismo epistemológico – existência
nossa época (Foster, 2005, p. 10). independente e a atividade causal
e legiforme de alguns dos objetos
do pensamento científico; o mate-
rialismo prático – afirma o papel
saiba mais constitutivo da agência transfor-
Filósofo da Grécia antiga (341-271 a.C) do período hele- madora do homem na reprodução
nístico. Contribuições a respeito do materialismo e da e transformação das formas sociais
liberdade, parte integrante da ascensão de muito do (FOSTER, 2005, p. 14).
pensamento científico e ecológico moderno. Hegel via
Epicuro como “o inventor da ciência natural empírica”,
ao rejeitar as explicações naturais baseadas em causas
finais, na intervenção divina (FOSTER 2005).

156
A compreensão materialista de
história de Marx abrange as três
dimensões do materialismo: “as
relações do homem com a natureza”
foram “práticas desde o início, isto
é, relação estabelecidas pela ação”.
Sua postura ontológica, que pode
ser considerada na atualidade como saiba mais
“realista”, enfatiza a existência do Destaca-se que tal perspectiva incognoscível e transcendente)
mundo exterior, físico, independen- marxiana não implica em um (FOSTER, 2005). A contribuição
determinismo rígido, mecânico, tal de Marx e Engels na superação
temente do pensamento. Adotou-se como no mecanicismo [materialista da “coisa em si” corresponde na
assim, “uma abordagem a um só mecanicista, abstrato – de Hobbes compreensão de que a objetifi-
tempo realista e relacional/dialética” e Descartes (física)]. É importante cação e a alienação que apartam
evidenciar outras perspectivas, a o ser humano do mundo exterior
(FOSTER, 2005, p. 20): saber: idealista/religiosa do mundo pode ser superada pelo desenvol-
da filosofia de Hegel e ou transcen- vimento do espírito da história,
Ele [Marx] insistia na conexão dental de Immanuel Kant (para ele a compreendendo as nossas visões
perpétua entre a ciência natural e realidade só pode ser percebida atra- de mundo e a confirmação da
a ciência social, entre uma concep- vés dos nossos sentidos, mas esta nossa razão, pois transforma-
ção do mundo material/natural e realidade, para Kant, era o reino dos mos o mundo e a nós mesmos
o mundo da sociedade, enfatizava “números” ou da “coisa em si” – era nesse processo.
o caráter dialético-relacional da
história social e a incrustação da
sociedade humana na práxis social.
(FOSTER, 2005, p. 20).

157
O mundo social constrói-se na Marx denunciou a espoliação
integralidade das relações sociais da natureza antes do nascimento
pela prática humana, inclusive os de uma moderna consciência ecoló-
aspectos da natureza que interpe- gica burguesa. Desde o princípio,
netram o mundo social: a noção de Marx da “alienação do
trabalho humano esteve conectada a
A visão materialista profunda só é uma compreensão da alienação dos
possível conectando o materialismo seres humanos em relação à natu-
na sua relação com a existên-
cia produtiva às condições físicas/ reza” (FOSTER, 2005, p. 23). Marx
naturais da realidade – inclusive o defende uma concepção materia-
terreno dos sentidos – e a rigor ao lista da natureza. Ele aponta para
mundo natural mais amplo. Só desta
maneira torna-se possível tratar de
a necessidade de um materialismo
questões tão fundamentais como ecológico ou de uma concepção
vida e morte, reprodução, depen- dialética de história natural.
dência da biosfera e assim por diante
O modo de produção contem-
(FOSTER, 2005, p. 22).
porâneo inicia-se então como um
sistema de usurpação da natureza,
da riqueza pública e do patrimônio
ambiental. Esse sistema baseia-se
no predomínio do valor de troca em
detrimento do valor de uso, e essa
sobreposição se efetiva pela busca
incessante de extração do lucro.

158
A prática docente ecopedagógica

A compreensão materialista da reza, construindo possibilidades


natureza se coloca como basilar para de criação de uma nova hegemo-
a prática docente, porque permite a nia baseada numa consciência
utilização da categoria sustentabi- ecológica que valorize as deman-
lidade associada à planetaridade; das da coletividades nos aspectos
holismo, complexidade e transdisci- subjetivos e objetivos, valorizando
plinaridade, tendo a Terra como um a vida cotidiana. Essa compreen-
novo paradigma. A educação tem são possibilitará aos estudantes do
importante função na formação de Distrito Federal construírem conhe-
sujeitos com sensibilidade e posturas cimentos nos diversos componentes
ecológicas a partir da vida prática, da curriculares ao desenvolver a auto-
vivência e da experiência cotidiana. nomia e a cidadania planetária
A Ecopedagogia implica a reorien- (GADOTTI, 2001).
tação dos currículos, inserindo os Dois desafios do nosso tempo
princípios ambientais, contem- que colocam a comunidade mundial
plando aquilo que é significativo em movimento de enfrentamento
aos estudantes. Desenvolvendo um são: a crise ambiental revelada pela
novo modelo de civilização susten- sociedade regida pela produção
tável — Ecologia Integral (natural/ ilimitada; e a construção de alter-
social), pautada em uma mudança nativas local-global de civilização
nas estruturas econômicas, sociais e ecologicamente sustentável. Ao
culturais (GADOTTI, 2005). considerar esses dois desafios, depa-
Trabalhar nesta perspectiva ra-se com questões econômicas,
significa uma mudança radical de sociais, culturais, políticas, econô-
mentalidade, do modo de vida, das micas e educacionais que exigem a
relações de produção e a subversão compreensão da totalidade social
da lógica de destruição da natu- constituída historicamente.

159
A partir da realidade local, da
vida prática e das experiências coti-
dianas, tendo o Cerrado enquanto
saiba mais
eixo pedagógico nos processos
de ensino-aprendizagens, pode- Uma das metodologias para Escolas Sustentáveis - Trilhas e
-se compreender as relações o desenvolvimento da leitura terri- Caminhos para a Sustentabili-
dade Ambiental nas Escolas do
sociedade-natureza em sua totali- torial da comunidade escolar podem Distrito Federal.
dade, abrangendo as questões locais ser oficinas de mapeamento da
e globais. O Guia Trilhas e Caminhos para realidade local, trabalhando coletiva-
aSustentabilidadeAmbientalnasEscolasdo mente a sustentabilidade ambiental, Caroline Soares Nogueira desen-
Distrito Federal - Escolas Sustentáveis social, econômica, cultural e emocio- volveu com estudantes da Escola
Zilda Arns, Itapuã, o Projeto Rima:
é um dos instrumentos a ser utili- nal da realidade territorial em que fazendo da cidade um grande
zado para a construção de escolas a escola está inserida. Outra: a aprendizado.
sustentáveis, o desenvolvimento implantação da Comissão de Meio
da cidadania ambiental com toda Ambiente e Qualidade de Vida na
a comunidade escolar e com o terri- Escola (COM-VIDA), que pode ser Propostas de oficinas com base
tório em que a escola está inserida. utilizada para a construir a Agenda no COM-VIDA.
Os caminhos para a sustentabili- 21, Agenda 2030 (17 Objetivos de
dade destinam-se a todas as etapas Desenvolvimento Sustentável) e
e modalidades da educação básica e acompanhar os projetos de Educação Saiba mais sobre a Agenda 21.
às Escolas do Distrito Federal, locali- Ambiental, envolvendo toda a comu-
zadas no Bioma Cerrado. nidade escolar.
Transformando Nosso Mundo: A
Agenda 2030 para o Desenvolvi-
mento Sustentável.

160
Política de Educação Ambiental

a unicidade (respeitando as parti-


cularidades locais) das práticas em
educação ambiental nas instituições.
Esta lei evidencia o entendimento
da educação ambiental como um
processo em que os indivíduos e
a coletividade constroem valores
É impor tante destacar o sociais, conhecimentos, habilidades,
contexto das Políticas de Educação atitudes e competências volta-
Ambiental, no sentido de enten- das para a conservação do meio
der que há uma política nacional e ambiente, bem de uso comum do
distrital que conduz esses processos, povo, essencial à sadia qualidade de
bem como normativas específicas da vida e sua sustentabilidade (PNEA,
Secretaria de Estado de Educação do 1999). Assim, destaca que a educação
DF sobre a temática. ambiental não pode ser uma disci-
A Política Nacional de Educação plina escolar, mas um eixo que deve
Ambiental (1999) objetiva difundir perpassar todas as áreas do conhe-
conhecimentos e informações sobre cimento de maneira transversal.
a educação ambiental. Além disso, Nesse sentido, a Política Distrital de
estimular práticas/ações que sensibi- Educação Ambiental (2006) se alinha
lizem a sociedade sobre as questões ao que preconiza a PNEA e faz refe-
ambientais em suas diversas face- rência ao bioma em que o Distrito
tas. Nela, são articuladas, em nível, Federal se encontra: o Cerrado.

161
O Plano Distrital de Educação Mas, na prática, o que signi-
Ambiental (PDEA), documento fica o Cerrado ser eixo norteador?
elaborado por diversas instituições Significa utilizar toda a potência do
e sociedade civil, tem o cerrado como lugar de vivência dos estudantes
um eixo para a construção das apren- para construção dos conhecimen-
dizagens escolares. O Plano destaca tos e aprendizagens. Isso deve ser
que existe, entre os educadores referência de todos os componen-
ambientais do DF, grande mobiliza- tes curriculares para valorização do
ção pela conservação do Cerrado. Por cotidiano e dos elementos do lugar
isso, por uma escolha feita coletiva- na constituição de pertencimento e
mente, ele tem como eixo norteador de valorização da sociobiodiversi-
este bioma e sua importância central dade do Cerrado. Os estudantes do
como berço das águas (DISTRITO Distrito Federal vivem no Cerrado.
FEDERAL, 2017). Os exemplos utilizados pelos docen-
Assim, tes ao construírem aprendizagens
[...] a escolha do Cerrado como tema podem se referir ao Cerrado como
norteador do PDEA tem por objetivo um eixo norteador.
reforçar a noção de pertencimento
ao Cerrado e valorizar sua sociobio- O Plano Distrital de Educação
diversidade, considerando que nele Ambiental foi lançado e se apre-
floresce a capital do país. Trata- senta como um marco em sua
-se de reconhecer a importância
de um sistema biogeográfico que
história com a elaboração cole-
ocupava cerca de um quarto do tiva. Assim, é importante que as
território nacional, mas que, devido considerações e as sugestões do
às escolhas atreladas ao modelo
documento fomentem o fortale-
socioeconômico vigente, nos últi-
mos 50 anos teve cerca de 40% de cimento das ações e parcerias em
sua cobertura vegetal transformada prol da valorização de nossa identi-
em monoculturas e áreas de pasta-
dade e da noção de pertencimento
gem. Essas áreas, devido ao mau uso
do solo, estão degradadas e impul- ao Cerrado, para que dessa forma
sionam a expansão da fronteira possamos cuidar de nossa casa,
agrícola, levando à deterioração de afinal, somos todos Cerratenses!
outras áreas de vegetação nativa
(PROBIO/MMA, 2007). (DISTRITO FEDERAL, 2017).

162
A Política de Educação Ambiental
da Secretaria de Educação do DF, por
meio da Portaria nº 425/20217, possui
alguns princípios básicos para a efeti-
vação nas unidades escolares do DF,

I - O enfoque humanitário, holís- de continuidade e permanência


tico, democrático e participativo; do processo educativo; VI - A parti-
II - A concepção do meio ambiente cipação da comunidade escolar
em sua totalidade, considerando a (gestores, professores, estudantes
interdependência entre o meio natu- e pais); VII - A permanente avalia-
ral, o social, o político, o cultural e o ção crítica do processo educativo;
econômico sob o enfoque crítico que VIII - A abordagem articulada das
valorize os princípios de sustentabi- questões ambientais do ponto de
lidade; III - O pluralismo de ideias vista local, regional, nacional e
e concepções pedagógicas, tendo global; IX - O reconhecimento, o
como perspectivas a interdiscipli- respeito e o resgate da pluralidade
naridade, multidisciplinaridade e diversidade cultural existentes
e/ou transdisciplinaridade para o no Brasil e, especificamente, no
desenvolvimento de ações junto Distrito Federal; X - O desenvol-
aos membros da comunidade esco- vimento de ações junto a todos os
lar; IV - A vinculação entre a ética, membros da coletividade, respon-
a cidadania, a educação, o traba- dendo às necessidades e interesses
lho, a democracia participativa e dos diferentes grupos sociais e faixas
as práticas sociais; V - A garantia etárias (DISTRITO FEDERAL, 2017,
s.p, grifo nosso).

Observa-se que esses princípios


se articulam com o que preconiza
o Currículo em Movimento do DF,
em seus Eixos Transversais. Por isso,
consideramos que a pergunta
inicial pode ser respondida quando
o Cerrado for utilizado para a cons-
trução das aprendizagens de
maneira transversal e fazendo uso
de toda a sua sociobiodiversidade,
que se manifesta de diferentes
maneiras no cotidiano vivido por
nossos estudantes.

163
Instrumentos pedagógicos para
implementação da Educação Ambiental

Nesse sentido, recomendamos


algumas ações didáticas, projetos e
formações para relacionar os diver-
sos componentes curriculares ao Eixo
de Educação para a Sustentabilidade,
como previsto no Currículo em ção da Política Nacional de Educação
Movimento do DF. São ações e Ambiental (PNEA) (Lei nº 9.795/1999)
projetos que têm como objetivo e da Política de Educação Ambiental
promover a relação entre a Secretaria do Distrito Federal, tendo o cerrado
de Educação, Gestores das Unidades como eixo norteador para a constru-
Escolares, professores, estudantes e ção das aprendizagens. Entende-se
comunidade escolar, possibilitando que essas iniciativas podem incor-
professores e estudantes a opor- porar, ainda, a perspectiva crítica
tunidade de expandir e colocar em delineada neste texto, ao inte-
prática o conhecimento, na imple- grar a noção de materialidade da
mentação, do eixo transversal: vida cotidiana com a responsabi-
Educação para a Sustentabilidade. Tais lidade coletiva de preservação de
sugestões contribuem na efetiva- um ecossistema.

164
⚫ Projeto de Educação Ambiental do Parque Nacional de Brasília

Parceria: Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal


(SEEDF), em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio).
Objetivo: integrar o trabalho pedagógico das UE’s com as Políticas de
Educação Ambiental (Portaria nº 428/2017) e com a Política de Educação
Patrimonial (Portaria nº 265/2016), oportunizando aos estudantes da Rede
Pública de Ensino o reconhecimento, a experimentação e a valorização
do patrimônio ambiental e arqueológico do Distrito Federal, por meio de
ações pedagógicas.
Área temática: eixos transversais do Currículo em Movimento da SEEDF:
Educação para a Diversidade, Cidadania e Educação em e para os Direitos
Humanos, Educação para a Sustentabilidade.

⚫ Projeto Parque Educador

Parceria: Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), em


parceria com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA) e o Instituto
Brasília Ambiental (IBRAM).
Objetivo: oportunizar aos estudantes da Rede Pública de Ensino a integra-
ção com atividades de Educação Ambiental e Patrimonial nas Unidades de
Conservação do Distrito Federal. As atividades realizadas envolvem ações
ecopedagógicas e lúdicas, tais como: trilhas guiadas, oficinas, práticas inte-
grativas de saúde e palestras. As ações/atividades são implementadas por
professores/educadores ambientais, capacitados no trabalho da temática
ambiental e patrimonial.
Área temática: eixos transversais do Currículo em Movimento da SEEDF:
Educação para a Diversidade, Cidadania e Educação em e para os Direitos
Humanos, Educação para a Sustentabilidade.

165
⚫ Projeto Adasa na Escola

Parceria: Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), em


parceria com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA) e a Agência
Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal.
Objetivo: O Programa Adasa na Escola (PAE) ministra palestras para alunos,
da educação infantil ao ensino fundamental, das redes de ensino pública.
Também atua na formação de professores por meio de cursos de capacita-
ção. O PAE conta com equipe técnica especializada e possui ampla variedade
de recursos didático-pedagógicos, tais como cartilhas, módulos de planos
de aula para os professores e cadernos de exercícios para os alunos. Cada
escola visitada recebe um banner do Guardião da Água, para simbolizar o
comprometimento em executar e compartilhar o conhecimento adquirido
durante a visita da Adasa.
Área temática: eixos transversais do Currículo em Movimento da SEEDF:
Educação para a Diversidade, Cidadania e Educação em e para os Direitos
Humanos, Educação para a Sustentabilidade. Para mais informações acesse:
http://www.adasanaescola.df.gov.br/conheca.asp

⚫ Semana de Conscientização do Uso Sustentável da Água nas Unidades


Escolares da SEEDF foi instituída no calendário escolar da rede pública de
ensino do DF compreendendo, neste ano, o período de 22 a 26 de março de
2021 (Lei Distrital nº 5.243/2013, regulamentada pelo Decreto nº 39.378/2018).
As escolas podem agendar visitas do ônibus da CAESB, o Expresso Ambiental,
diretamente no site oficial da CAESB (https://www.caesb.df.gov.br/). Uma
das ferramentas pedagógicas utilizadas é uma maquete com 6 metros de
comprimento, onde são trabalhados os temas: o Ciclo do Saneamento, a
proteção de mananciais, as estações de tratamento de água e esgoto, drena-
gem pluvial, resíduos sólidos e consumo consciente da água.

166
⚫ Guia Trilhas e Caminhos para a Sustentabilidade Ambiental nas
Escolas do Distrito Federal

O intuito é evidenciar a temática ambiental e sua aplicabilidade em todas


as etapas e modalidades de ensino de maneira transversal e interdisciplinar,
tal como orienta o Currículo em Movimento da SEEDF. O Guia é um mate-
rial didático-pedagógico elaborado através da parceria entre a SEEDF e a
ADASA, e é trabalhado ao longo do curso. Objetiva-se promover práticas
sustentáveis, alicerçadas nos seguintes pilares: gestão, currículo, territó-
rio e intervenções físicas. Para baixá-lo, acesse: http://www.adasanaescola.
df.gov.br/Documentos/Trilhas_Caminhos_Versao.pdf

⚫ Resíduos não recicláveis

Cartilha esclarece quem é o grande gerador de resíduos não recicláveis no DF


(SLU). Disponível em: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/wp-conteudo/
uploads/2016/11/Grande_Geradores_de_Lixo_Agencia_Brasilia.pdf.

⚫ Revistas em quadrinhos - "Um por Todos e Todos por Um" (CGU)

Disponibilização de revistas em quadrinhos da Turma da Mônica, com


linguagem adequada ao público do Ensino Fundamental (anos iniciais), as
quais abordam temáticas relacionadas à ética e à cidadania. No total, são
06 (seis) revistas que evidenciam assuntos diversos e, consequentemente,
contemplam o Eixo Transversal de “Educação para a Sustentabilidade”. O
Programa possui os seguintes materiais didático-pedagógicos: Coleção de
revistas em quadrinhos (uma para cada ano - 1º ao 5º ano) acompanhadas de
guia do professor e banco de atividades; Kit UPT para 5° ou 6° ano do Ensino
Fundamental – composto de manual do professor; caderno do estudante,
revistas e jogos; Vídeos para TV e Web; Tirinhas e histórias em quadrinhos;
EAD para capacitação do professor (AVAMEC). Para baixar REVISTAS + GUIA
DO PROFESSOR + BANCO DE ATIVIDADES, acesse: https://www.gov.br/cgu/
pt-br/educacao-cidada/programas/upt.

167
⚫ Exposições virtuais do Museu do Cerrado

O museu tem a missão de ser um centro de referência nacional sobre o Sistema


Biogeográfico do Cerrado para divulgar e preservar os conhecimentos cien-
tíficos e os saberes e os fazeres populares acerca da sociobiodiversidade do
Cerrado, contribuindo para a formação de profissionais e cidadãos compro-
metidos com a cultura do cuidado e da sustentabilidade desse bioma. Sendo
assim, professores e estudantes da Rede Pública de Ensino estão convida-
dos a visitar o museu virtual através do site: https://museucerrado.com.br/.
Ferramenta fundamental para fortalecer o processo de ensino-aprendiza-
gem, sobretudo de temas voltados à Educação Ambiental e Patrimonial.
No site você encontrará planos de aulas, jogos e diversos instrumen-
tos pedagógicos.

⚫ Biblioteca virtual da ADASA

Nela você encontra: sites para confecção de brinquedos e utensílios; oficinas


de reciclagem de papel, entre outros. Acesse: http://www.adasanaescola.
df.gov.br/biblioteca_virtual.asp

⚫ Eu Amo o Cerrado

O site faz parte do programa Eu Amo o Cerrado, uma campanha de Educação


Ambiental do Instituto Brasília Ambiental para a valorização desse bioma e
de seus tesouros nos parques do Distrito Federal. O usuário poderá conhe-
cer mais sobre a diversidade da flora e fauna do Cerrado. Acesse: https://
www.euamocerrado.com.br/#/especies/undefined/393

168
⚫ Feiras Orgânicas

Nesta ferramenta, você encontra produtos da agricultura familiar, de peque-


nos produtores e de sistemas de produção orgânica e/ou agroecológica. Ao
clicar no nome da iniciativa, é possível verificar informações mais detalha-
das, como os tipos de alimentos disponíveis, horários de funcionamento,
endereço para retirada — no caso de pontos físicos — e formas de contato.
Acesse: https://feirasorganicas.org.br/comidadeverdade

⚫ Oyá Coletivo

Canal Oyá Coletivo (Youtube) nele você encontrará produções áudio-visu-


ais tais como: Raízes do Cerrado e a Farmácia Cabocla; Raízes do Cerrado
– precisamos falar sobre a água; Chá de conhecimento e muito mais. Acesse:
https://www.youtube.com/c/Oy%C3%A1Coletivo

169
Referências

FOSTER, John Bellamy. A ecologia da economia política MELO, João Alfredo Telles. Crise Planetária, Estado
marxista. Tradução de Pedro Paulo Bocca. Lutas Sociais, Ambiental e Ecossocialismo: apontamentos para uma apro-
São Paulo, n. 28, p.87-104, 1. sem. 2012. ximação de conceitos. RevJurFA7, Fortaleza, v. VIII, n. 1, p.
125-140, abr. 2011.
FOSTER, John Bellamy. A Ecologia de Marx: materialismo e
natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. SCIFONI, Simone. Os Diferentes Significados do Patrimô-
nio Natural. Diálogos, v. 10, n. 3, p. 55-78, 2006.
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra e Cultura de Susten-
tabilidade. Revista Lusófona de Educação, v. 6, 15-29, 2005. UNESCO. Vegetação do Distrito Federal: tempo e espaço.
2.ed. Brasília: UNESCO, 2002. Disponível em: https://jbb.
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra: Ecopedagogia ibict.br/bitstream/1/622/1/2002_Unesco.pdf. Acesso em
e educação sustentável. Paulo Freire y la agenda de la 15 jun. 2020.
educación latinoamericana en el siglo XX. Buenos Aires:
CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, FUNAI, 2021. Carta dos Povos Indígenas do Cerrado e da
2001. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/ Caatinga – Desafios para a Gestão Ambiental e Territo-
gt/20101010031842/4gadotti.pdf> Acesso: 15 abr. 2020. rial das Terras Indígenas. Publicado em 01 Outubro 2018.
FUNAI, 2018. Disponível em: <https://www.gov.br/funai/
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio pt-br/assuntos/noticias/2018/carta-dos-povos-indige-
ambiente. 15. Ed. 3. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2018. nas-do-cerrado-e-da-caatinga-desafios-para-a-gestao-
-ambiental-e-territorial-das-terras-indigenas > Acesso,
LEFF, Henrique. Saber Ambiental: Sustentabilidade, Racio- março de 2021.
nalidade, Complexidade, Poder. 11 ed. 3. reimpressão.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2019.

170
171
módulo 7

172
Educação Patrimonial e Arte

elaborado por

Maria Andreza Costa Barbosa1

Arte, Cultura e Cidadania

estética e constituição de cidadania territoriais, o meio ambiente e a rela-


A temática envolvendo Arte,
dos estudantes durante o percurso ção do ser humano com o lugar.
Cultura e Cidadania encontra respaldo
na educação básica. Compreende-se Estas são questões que nos
nos instrumentos orientadores
que a Educação Patrimonial é um ajudam a pensar sobre os proces-
de políticas educacionais e
importante e privilegiado campo sos de construção da cidadania na
está presente no Currículo em
para tratar de tais processos porque atualidade, sobre a sua forte rela-
Movimento da Educação Básica do
envolve a história, os lugares, a ção com a abordagem cultural e os
Distrito Federal (2018); com isso, vem
obra de arte, os objetos materiais, a conflitos que se apresentam diante
suscitando discussões nos ambientes
cultura e a cidadania. dos limites impostos pelo precon-
educativos e ganhando visibilidade
Arantes (1996), ao discutir a ceito, acerca das fronteiras entre
nos Projetos Pedagógicos das
cultura e a cidadania na contem- tradição e inovação e, ainda, diante
instituições de ensino.
poraneidade, destaca que essa das discussões dos direitos humanos
Para pensar as questões que
temática ganha importância na e sociais nas esferas local e global
envolvem Educação Patrimonial e
agenda atual, porque há novos movi- (ARANTES, 1996).
Arte, procuramos dialogar com auto-
res críticos com o intuito de chegar mentos sociais e novas esferas de
a um pensamento reflexivo sobre os reivindicação, entre elas, as diferen-
processos de criação, de elaboração ças culturais e políticas, os aspectos

1 Professora de Arte-Educação da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Graduada em Educação Artística com habilitação em Artes
Plásticas, possui mestrado em Educação pela Universidade de Brasília. Realiza pesquisa nas áreas de Arte, Cultura e Cidade. Na SEEDF elaborou políticas
públicas para a Escola Parque e projetos na área de Arte-Educação. Atualmente, desenvolve a atividade docente na educação básica com a etapa ensino
médio. andrezaferreiro@gmail.com.

173
Devido à sua abrangência, explo- atividade criativa e para a consti-
rar os caminhos que orientam e tuição de cidadania dos indivíduos,
fundamentam o processo educativo, ao ampliar a experiência e possibili-
nas perspectivas da Arte, da Cultura tar o contato com a cultura desde a
e da Cidadania constitui um desa- infância. Vamos considerar o termo
fio, no entanto, nos fornece as bases cultura em um sentido amplo, como
para investigar as conexões que a conhecimento produzido pela huma-
escola estabelece com o conjunto de nidade em diferentes contextos, ou
representações e das significações seja, entendida como o conjunto de
da sociedade atual, bem como apro- processos de socialização e de apren-
xima os estudantes dos processos dizado intergeracional, variável no
históricos construídos e da realidade tempo e no espaço.
vivida de forma crítica.
Assim, este módulo ancora-se na
necessária reflexão sobre a impor-
tância da escola como lugar de vida saiba mais
e de cultura. Corroboramos com o Guiados pela teoria histórico cultu- propicia o contato intencional com
ral, base do Currículo em Movimento a cultura e com os conhecimentos
entendimento de que a educação
(SEEDF, 2018), compreendemos elaborados pelos seres humanos ao
patrimonial pode preparar o estu- que a imaginação e a criatividade longo da história.
dante para a experiência estética e não são inatas, mas estão rela- Com isso, compreendemos que o
contribuir na construção de bases cionadas com a apropriação da Ensino da Arte é um espaço potente
cultura e desenvolvidas por meio na escola para o pensar consciente
fortes para a imaginação, para a do conhecimento, da elaboração de sobre o patrimônio da humanidade
pensamentos, conceitos e abstra- e para o desenvolvimento da imagi-
ções, tendo por base a realidade nação e da criatividade.
histórica (SACCOMANI, 2016).

Nessa linha de pensamento, a educa-


ção escolar, desde as fases iniciais
do desenvolvimento das crianças,

174
Dessa forma, um ponto impor- com Fischer (1973), Bakhtin (2010) e
tante a ser considerado neste nosso Vigotski (2010), seguindo as trilhas
estudo refere-se ao Ensino de Arte da teoria histórico-cultural presente
na educação básica, uma vez que as
1
no Currículo em Movimento da
conquistas políticas nesse campo, Educação Básica (2018), procu-
com as suas definições e incertezas, rando compreender a importância
apresentam alcances da área como da apropriação dos conhecimentos
conhecimento. O objetivo é oferecer artísticos e culturais para a realiza-
uma visão geral e alguns referen- ção da criatividade e possibilidade de
ciais como subsídios para a reflexão elaboração do novo.
crítica a respeito do Ensino da Arte e A partir disso, explanamos um
as possibilidades de pensar o traba- aspecto da história da cidade por
lho em sala de aula. meio do Plano Educacional proposto
Este módulo está dividido em para a capital, direcionado à Escola
dois momentos. Em um primeiro Parque como espaço inovador para
momento, iremos fazer uma breve o Ensino da Arte. O intuito deste
contextualização sobre o Ensino de tópico é incentivar o leitor e a leitora
Arte no Brasil, aproximando-nos da a conhecerem ou aprofundarem
história e da metodologia da Arte seus conhecimentos sobre a história
na educação, expressas nos docu- da cidade. Por fim, propomos uma
mentos de referência para o Distrito metodologia de trabalho que envolve
Federal, certos de que a análise a reflexão sobre a cidade como lugar
deste percurso pode nos auxiliar do imaginário e de representações/
a melhor perceber o presente. O criações que podem se constituir de
objetivo é trazer para a discussão o vários sentidos a partir da elabora-
Ensino da Arte e sua relação com a ção de Mapas Vivenciais. Pois, há na
Educação Patrimonial. cidade imagens de uma organiza-
O segundo momento, faremos ção cultural e social que engendram
uma reflexão sobre a relação entre uma dimensão estética a qual viven-
Arte e Vida, procurando dialogar ciamos diariamente. Vamos lá?

2 O texto apresentado neste módulo resulta da adaptação de dois capítulos da dissertação de mestrado intitulada Imagens da cidade, da escola e da vida: sobre
arte, espaços e tempos na Escola Parque-DF, de autoria de Maria Andreza Costa Barbosa, sob a orientação da Prof. Dr. Maria Lídia Bueno Fernandes, apresentada
no programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, em 2018.

175
Arte-Educação: um breve voo

Aqui reside a chave para a


tarefa mais importante da educa-
ção estética: introduzir a educação
estética na própria vida.

L.S Vigotski (2016, p.339)


Lev S. Vigotski, psicólogo russo, O esforço, como situa o autor, é
em seus estudos sobre os processos que a criança e o educando estejam
pedagógicos e características psico- em contato com os símbolos cultu-
lógicas da reação estética (2016), abre rais construídos pela sociedade,
caminhos para melhor compreen- podendo, assim, ter elementos para
dermos como se processa a emoção a experiência estética e para a (re)
e os sentimentos que a obra de arte elaboração da realidade.
provoca e sua importância para Ressalta-se que a experiência
o desenvolvimento das crianças estética se realiza no cotidiano de
e jovens. Nesse sentido, conduz- forma a contribuir para o desen-
-nos à reflexão sobre a relação da volvimento, pois a Arte decorre da
arte com a educação, pois, para vida, não é algo distante e comple-
Vigotski, a vivência da Arte possibi- mentar à vida. “E é essa poesia de
lita ver o mundo de forma diferente ‘cada instante’ que constitui quase
e, assim, organiza e reconstrói o que a tarefa mais importante da
comportamento. educação estética” (VIGOTSKI, 2016,
p. 352). Por este caminho buscamos
Uma obra de arte vivenciada pode pensar a educação, a arte e a vida
efetivamente ampliar a nossa entrelaçadas, uma vez que temos
concepção de algum campo de fenô-
menos, levar-nos a ver este campo o entendimento que a arte se apro-
com outros olhos, a generalizar e pria de fenômenos que estão na vida
unificar fatos amiúde inteiramente e a transforma.
dispersos (VIGOTSKI, 2016, p. 344).

176
A partir das contribuições da a tentativa de um posicionamento
teoria histórico-cultural, fundada reflexivo acerca do Ensino de Arte.
na concepção segundo a qual as A Arte, no currículo da
características humanas vão se Educação Básica, sempre foi um
desenvolvendo na interação dialética campo de luta dos profissionais da
entre o ser humano e o meio, somos área para a oferta nas escolas e pela
provocados a pensar como o Ensino sua permanência. Em 1996, essa
da Arte que se realiza diariamente conquista se deu através de um rele-
nas escolas pode se constituir como vante movimento político realizado
espaço de reflexão e de vivência em pelo grupo de “Arte Educadores”, a
arte e, nesse sentido, como pode partir de discussões sobre o Ensino
favorecer que as crianças, os jovens da Arte nas escolas e nos espaços
e os adultos pensem criticamente culturais. A organização dos arte-
sobre a realidade e se apropriem -educadores foi desenvolvida com
dos modos sociais e históricos para o a criação das associações regionais
seu desenvolvimento cultural. Deste e de pesquisadores das diferentes
modo, procuramos trilhar alguns linguagens da arte na década de 1980
caminhos percorridos pelo Ensino e pela Federação de Arte-Educadores
de Arte no Brasil, traçando as conti- do Brasil-FAEB, fortalecidas com a
nuidades e descontinuidades deste vinculação das universidades. A luta
percurso. Importante ressaltar que política tinha como foco o ensino das
não propomos um olhar hierarqui- linguagens e a formação dos profes-
zado ou uma evolução do percurso sores (BRASIL, 2006).
histórico da Arte Educação e, sim,

177
1

Esses debates versaram sobre Essa mudança de concepção difundida no Brasil, muitas vezes
como e qual a melhor forma de ensi- ancorou-se na abordagem triangu- não apenas como metodologia,
nar Arte e foram imprescindíveis lar que foi formulada em 1980 por mas como ação política em defesa
para a garantia desse ensino naquele Ana Mae Barbosa e que se consti- do Ensino da Arte nas escolas como
momento, uma vez que, na conjun- tuiu como um marco no Ensino da conhecimento. Pelo contexto no qual
tura de revisão da Lei de Diretrizes Arte no Brasil, porque valorizou a foi desenvolvida e pelas rupturas que
e Bases de 1996, havia o risco da concepção de Arte como conheci- promoveu, a abordagem triangular é
arte ser retirada do currículo esco- mento e possibilitou uma estrutura considerada uma proposta pós-mo-
lar (BARBOSA, 2008). metodológica ao designar três ações derna para o Ensino da Arte³.
Além disso, o grupo que se básicas: o fazer artístico, a leitura e a
intitulou “Arte Educadores” propu- sua contextualização – a história da
nha um ensino voltado para os Arte (BARBOSA, 2008).
aspectos culturais e históricos. A abordagem triangular base-
Com essa ênfase, promoveu uma ada no Discipline Based Art Education
modificação nas práticas artísticas (DBAE) americano mostra-
e no currículo de arte, cuja tradi- va-se diferenciada da proposta
ção se pautava na técnica, na cópia modernista do Ensino de Arte como
de modelos e, principalmente, na autoexpressão, principalmente pela
centralidade da produção indivi- sua interação com a cultura global
dual do estudante, conhecido como e local e com a apreciação esté-
“autoexpressão”. tica. Essa abordagem foi bastante

3 A proposta triangular é inspirada nas concepções das Escuelas al Aire Libre mexicanas, na Critical Studies proposta inglesa, no Movimento da Apreciação Estética
e no DBAE (Discipline Based Art Educacional) americano (SILVA, 2016).

178
Importante ressaltar que a DBAE, segundo o autor, encontra-se voltada para os interesses da criança
Educação Artística baseada em disci- na história da arte como um impor- na perspectiva progressista, para o
plinas (DBAE) aparece pela primeira tante registro do passado capaz foco no conhecimento e no profes-
vez, no cenário internacional, em de contribuir para a ampliação do sor (EFLAND, 2002).
1970, com as reformas curriculares e conhecimento cultural da sociedade. Não obstante a crítica de
com as discussões sobre a qualidade Contudo, o Ensino da Arte, nessa Efland, compreende-se que a “arte
da educação. Nesse viés, a capaci- concepção, trata de uma cultura e de educação” significou uma mudança
dade da obra de arte de intensificar e um conhecimento histórico constitu- de concepção de ensino na área, no
ampliar a experiência humana é colo- ído e consolidado. sentido de que fez a obra de arte
cada em pauta. O conhecimento, os A crítica quanto a essa metodolo- emergir como uma via de acesso às
objetivos e os processos avaliativos gia ressalta que a Educação Artística diferentes fontes e representações,
estão, neste momento, em contra- baseada em disciplina é uma inicia- procurou a aproximação do Ensino
ponto à arte como expressividade, à tiva que concebe a arte como da Arte com os aspectos culturais
autoexpressão criativa e às referên- conhecimento racional e converte e ampliou diálogos com a diversi-
cias da escola progressista moderna. o Ensino da Arte em uma ocupação dade brasileira. A ligação com a Arte,
No entanto, ao realizar uma passiva, distanciada da criatividade neste momento, passa a ser uma
análise crítica sobre o DBAE, Efland do fazer artístico. Trata-se de uma necessidade que aproxima professo-
(2002) identifica a exclusão dos senti- concepção de ensino com ênfase nos res e estudantes do universo cultural
mentos e da imaginação no Ensino aspectos cognitivos e que desloca (IAVELBERG, 2015).
da Arte nessa proposta. A ênfase do a centralidade do ensino, antes

179
A proposta triangular significou, Já no final do século XX, o termo
de certa forma, a abertura e o olhar “Arte Educação” sai de cena e a termi-
para a diversidade de manifestações nologia “Ensino da Arte” começa
culturais, ao considerar a fruição a ganhar espaço. A nomenclatura
como estruturante do trabalho em é utilizada em uma perspectiva
arte. Nessa perspectiva, as obras contemporânea por tratar de ques-
selecionadas para a contempla- tões relacionadas à democratização
ção estética em sala de aula podem do acesso à Arte e ao estudo das
abranger a arte erudita, a arte popu- diferentes culturas. Nessa mesma
lar, a arte dos povos tradicionais e direção, houve a abertura nas escolas
as manifestações culturais diver- para outras possibilidades expres-
sas, contextualizadas e discutidas sivas como a fotografia, o vídeo, o
de acordo com os seus respectivos cinema e a dança.
referenciais históricos.
Outro ponto que se destaca
nesse período como proposta para
o Ensino da Arte é o entendimento
de que os estudantes e professores
devem frequentar espaços culturais;
com isso, a aproximação a espaços
como museus e centros culturais
permitiu o contato direto com a
obra de arte e a fruição propria-
mente dita. Ou seja, a aproximação
da Arte compreendida como conhe-
cimento possibilitou ao Ensino da
Arte um olhar mais crítico e interpre-
tativo de professores e de estudantes
(IAVELBERG, 2015).

180
Assim, com o posicionamento de Lembramos também que as
que a Arte tem conteúdos, história e discussões em torno dos aspectos
diferentes modos de interpretação culturais da matriz brasileira, favo-
e, com a mobilização dos “arte-e- recidas com a legislação a partir de
ducadores”, muitos avanços foram 2002, que determinou o estudo dos
possíveis, tanto em termos de garan- conteúdos curriculares relacionados
tia do Ensino da Arte no currículo da às culturas afro-brasileira e indígena
educação básica como na forma de e com as políticas públicas da inclu-
concebê-lo, no que tange à forma- são no âmbito educacional, social e
ção do professor nas diferentes cultural de parte da população histo-
linguagens: artes visuais, dança, ricamente excluída, modificou o
música e teatro. currículo da educação básica e corro-
Podemos destacar que as múlti- borou para o acesso dos estudantes
plas tendências que surgem nos EUA à arte e à cultura, seja por meio da
e na Europa acerca da inclusão das educação formal, seja da informal
minorias, da migração, dos proces- (BRASIL, 2006).
sos de globalização; a denúncia em
relação à ausência das mulheres
no estudos acadêmicos e culturais;
o olhar sobre a questão de gênero;
além de discussões em torno do meio
ambiente e sobre diferentes culturas
são temáticas que chegam ao nosso
currículo, colocando em pauta e
fortalecendo ainda mais a necessi-
dade de um pensamento sobre arte
voltado ao campo da cultura.

181
No sentido de encerrar esta entendidas, mas nem sempre trans-
breve contextualização e, procu- formadas em conhecimento e em
rando refletir sobre o Ensino de Arte reflexão. Dessa forma, o Ensino de
no contexto escolar na atualidade, Arte não ajuda o estudante a pensar
trazemos a seguinte provocação e a intervir culturalmente em seu
de Freedman (2010), ao discutir a meio, como cidadão esclarecido e
cultura visual de massa e a arte. atuante (FREEDMAN, 2010).
Segundo a autora, se quisermos que Por outro lado, podemos mencio-
a educação seja, de fato, desafiadora nar que o Ensino da Arte, quando
e democrática, temos que trazer o se aproxima do contexto cultural e
universo de significações que está dos saberes dos diferentes grupos,
na arte, mas que está também nas corrobora a reflexão de como os
imagens cotidianas para dentro sujeitos pensam a sua localidade e
da escola, discutindo, inclusive, os o seu espaço-tempo. De tal modo,
conflitos que esse novo sistema de possibilita aos estudantes as expe-
símbolos promove. riências ligadas à construção de
A autora nos sinaliza que o pertencimento, à discussão sobre a
conhecimento de arte e as relações exclusão, a segregação e como reela-
interdisciplinares que a visualidade boram esses sentimentos. Dessa
promove em nosso cotidiano não maneira, no cerne da relação entre
são contempladas de forma dialó- arte, pertencimento e conhecimento
gica em nossos currículos. Muitas pode ser articulada e desenvolvida a
vezes, a obra de arte é tratada em Educação Patrimonial.
nosso ensino como algo isolado,
com significações fixas para serem

182
A revisão histórica nos permite 2016, alterou o artigo 26 da Lei nº
destacar que o trabalho em arte 9.394, de dezembro de 1996 (LDB), e
desenvolvido nas unidades escola- regulamentou que as linguagens da
res do Distrito Federal acompanhou arte são as Artes Visuais, a Dança, a
muitas tendências e carrega em seu Música e o Teatro. Esta regulamenta-
histórico as concepções modernis- ção é uma conquista histórica, uma
tas, pós-modernistas e questões vez que reconhece a arte com distin-
atuais, sejam teóricas ou metodo- tas possibilidades expressivas, além
lógicas. De certa forma, podemos de incluir a Dança e estabelecer aos
considerar que as diferentes concep- estados e municípios a organização
ções ajudam a forjar a identidade da oferta, considerando as diferen-
deste ensino e, com ela, suas contra- tes linguagens.
dições e incertezas.
Atualmente, o Ensino da Arte
está inserido na área de lingua-
gens, códigos e suas tecnologias, e
suas modalidades curriculares são
previstas na Lei de Diretrizes e Bases
- LDB, nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e no Currículo
em Movimento da Educação
Básica do DF.
Vale mencionar que a Lei de
Diretrizes e Bases, Lei nº 13.278, de

183
Sabemos que as conquistas de Arte já consolidado para todas
desse percurso ainda serão muitas. as etapas e modalidades e parece
No entanto, a Lei de 2016 nos faz avançar em alguns aspectos, entre
perceber que, ao ser implemen- eles, o olhar para a diversidade
tada e transformada em políticas cultural e para o protagonismo dos
públicas, pode favorecer a oferta estudantes, sustentada em uma
e a qualidade do ensino com abordagem crítica.
respeito às especificidades, tempos Neste ponto, retomamos a
e espaços das linguagens e, princi- teoria histórico-cultural, apontada
palmente, à crítica à polivalência no no início do texto a partir da epígrafe
Ensino da Arte. de Vigotski, para pensarmos juntos
No âmbito da Secretaria de como os elementos constituintes
Estado de Educação do Distrito da realidade exercem influência
Federal, ainda não há uma matriz na vivência dos estudantes e qual a
curricular que organize e garanta importância do Ensino da Arte para a
a oferta das diferentes linguagens elaboração do pensamento estético,
aos estudantes. Por outro lado, o para a apropriação da cultura e para
Currículo em Movimento (2018) a constituição da cidadania.
apresenta a proposta do Ensino

184
Arte e Vida

Podemos pensar a arte de muitas tados de suas ações, o ser humano da natureza. Essa ampliação de
maneiras, como técnica, ornamento, passa a ser o criador. A criação é, conquista, ou domínio, da natureza
expressividade, conhecimento ou portanto, uma elaboração inte- foi essencial para o desenvolvimento
como trabalho. A arte se apresenta lectual e reflexiva que se constitui das relações sociais e para o fortale-
também como possibilidade de o pela imaginação, pela ação e pelo cimento da coletividade humana
ser humano conhecer e transformar propósito. Trata-se de um processo (FISCHER, 1973).
a realidade social, de se identificar dialético no qual a criação e o traba- Nesse sentido, o trabalho
com o outro, de imaginar mundos lho se desenvolvem como uma é o primeiro ato histórico do ser
possíveis e de criar novas realidades. atividade mútua. humano, pois é por meio dele que a
Mas, de todas as formas e de todas Ao criarem os objetos, as vida material se organiza, é a condi-
as maneiras, a imaginação e a cria- pessoas elaboram uma nova reali- ção de sobrevivência, é elaboração
tividade se colocam com atributos dade e as primeiras abstrações da vida e de cultura. Na gênese do
necessários. Porém, o que é a imagi- conceituais são formuladas. As trabalho, encontra-se a criação, que
nação? O que entendemos como um palavras que irão definir e marcar é a forma como o ser humano modi-
trabalho criativo? O que é um conhe- os instrumentos e os utensílios se fica a realidade, como produz e se
cimento em arte? transformam, ao longo do tempo, organiza socialmente. Dessa forma,
Segundo Fischer (1973), o em um poderoso meio de expressão. a humanidade cria novas neces-
fazer consciente e o ser consciente se Com as palavras, é possível apreen- sidades, transforma a realidade e
desenvolveram a partir do trabalho, der um objeto, uma invenção tão elabora, no decorrer da história,
pois o trabalho segue um propósito importante como a de um machado novas possibilidades de ser.
claro por meio de um processo refle- ou uma faca, pois permite expan-
xivo. Ao elaborar um instrumento dir à comunidade o poder mágico
específico e ao antecipar os resul- de elaboração criativa de conquista

185
Com o trabalho, que é a parti- rompemos paradigmas. Embora
cipação do ser humano junto à a arte surja com os elementos do
natureza, há a socialização das cotidiano, ela vai além, intensifica a
ações, o aprofundamento e a trans- realidade ao nos permitir vivenciar a
formação. E, assim como o trabalho, história da humanidade. Saccomani
a vida se transforma em um processo nos explica: “A Arte é a intensificação
de elaboração e reelaboração social do humano, dessa forma podemos
e cultural. Dessa forma, a palavra vai vivenciar, por meio da obra de arte,
ao longo do tempo se transformando séculos e séculos da vida da humani-
quando a vida se transforma. E, como dade de forma sintética” (2016, p. 127).
a palavra, a arte toma o impulso da Deste modo, para a vida se trans-
vida e a transforma. Poderíamos formar, ela precisa da arte. Sob
dizer que a arte se apropria desse este ponto de vista, somos leva-
movimento de criação e de reela- dos a pensar o grande desafio que
boração da vida social e supera a é justamente colocar na vida o que
realidade forjando outras formas, está na arte e pensar arte e vida
cores e possibilidades. dialeticamente e dialogicamente
Entendemos que, por meio entrelaçadas (BAKHTIN, 2010).
da arte, superamos a realidade
cotidiana, transformamos a vida e

186
Portanto, compreendemos que é dos produtos de sua história social,
preciso olhar para a arte para enten- criando, a partir daí, novos objetos.
der a vida, ou seja, considerar que o Isso significa que é na trama social
tempo e o espaço do existir é vigor que o processo criativo se configura,
e criação. Contudo, esse existir é ou seja, por meio do trabalho, o ser
preenchido do outro, ou seja, há em humano cria, apropria-se e participa
mim um mundo estético que é social, da cultura (VIGOSTSKI, 2010).
cultural e coletivo (BAKHTIN, 2010). Assim, as novas criações são
Assim, Bakhtin (2010) nos elaboradas a partir do mundo que o
provoca a pensar em um sentido no ser humano criou em seu percurso
qual viver com emoção seria trans- histórico, ou seja, o mundo feito
gredir a relação tempo e espaço pelas mãos humanas é produto da
determinada e única que constrói imaginação e é incorporado, conser-
um pensamento linear. A proposta vado e transformado na medida em
do pensador, portanto, é admitir que nos apropriamos dessas criações.
as contradições e trocar um lugar Vale dizer que, na concepção histó-
monológico para uma localiza- rico-cultural de Vigotski, a base da
ção dialógica. criação é constituída da combinação
Para melhor compreen- dos elementos vividos com as novas
der essas questões, recorremos à elaborações da realidade presente.
concepção histórico-cultural de Lev
Vigotski, segundo a qual a criativi-
dade é uma conquista cultural, pois
o indivíduo se apropria dos objetos,

187
Compreende-se, portanto, que Deste modo, Vigotski ofere-
a criação tem uma gênese cultural, ce-nos uma análise dos processos
pois o seu desenvolvimento está de criação e de imaginação como
relacionado aos processos históricos, uma “função vital necessária” do ser
os quais são aprendidos socialmente humano para a elaboração estética
desde a infância. coletiva, para o desenvolvimento
mental e para gerar as condições de
Na verdade, a imaginação, base de humanização. De acordo com essa
toda a atividade criadora, mani- teoria, as características huma-
festa-se, sem dúvida, em todos os
campos da vida cultural, tornando nas vão se desenvolvendo ao longo
também possível a criação artís- dos processos históricos na intera-
tica, a científica e a técnica. Nesse ção dialética entre o ser humano e o
sentido, necessariamente, tudo
o que nos cerca e foi feito pelas
meio. Isso significa que, ao modificar
mãos do homem, todo o mundo da a natureza, o ser humano se modi-
cultura, diferentemente do mundo fica e cria um mundo sociocultural
da natureza, tudo isso é produto da
(VIGOTSKI, 2010).
imaginação e da criação humana
que nela se baseia (VIGOTSKI,
2010, p. 14).

188
Ao estudarmos a teoria histórico desenvolvimento humano, porque é Sem a pretensão de responder,
-cultural de Vigotski, referência nos a realidade vivida que exerce influ- mas suscitando a reflexão nesta linha
pressupostos teóricos do Currículo ência de diferentes maneiras em de pensamento, compreende-se que
em Movimento da Educação Básica cada indivíduo. a obra de arte, mesmo sendo uma
do DF, percebemos o complexo Nessa perspectiva, a imaginação experiência individual e única, traz
sistema processual que articula o é fundamental para o desenvolvi- consigo referências culturais, possi-
momento presente, experimentado mento humano, pois é por meio bilidades interpretativas e criativas
e vivido ao mundo historicamente dela que a experiência do indivíduo que estão associadas às elaborações
construído. A cultura, portanto, não se amplia. Se toda a obra de imagina- históricas, dessa forma, “[...] a Arte é
é uma herança que se transmite ção tem por base o vivido, a história o social em nós” (VIGOTSKI, 1998, p.
imutável, mas uma produção histó- e a cultura produzida pela humani- 281 apud PRESTES, 2012, p. 125).
rica constituinte da psique. dade, a imaginação é orientada pela
Desde a infância, por meio do experiência passada, presente e pela
jogo simbólico, a criança vai se apro- realidade. Nesse sentido, há uma
priando dos significados da cultura e relação intrínseca entre a imagina-
assim vai construindo, de diferentes ção e a experiência.
formas e em diferentes níveis, o seu Mas, como estabelecemos a
desenvolvimento. O processo criativo relação emocional com a obra de
ocorre nas experiências da criança arte? Com os objetos materiais? Por
com o meio e, dessa forma, a orga- que essa experiência é necessária?
nização psíquica se constitui. Nessa Como influi no mundo interno das
perspectiva, o meio é inseparável do crianças e jovens?

189
A arte, ao elaborar os sentidos da vivenciamos o conhecimento e a
realidade, constrói algo novo, promo- cultura produzidos.
vendo e possibilitando, desse modo, Educar esteticamente signi-
uma nova experiência. Diríamos, ficaria, então, possibilitar essa
assim, que a arte parte da realidade vivência, essa reelaboração por meio
(passado e presente), mas não se fixa da emoção da obra de arte, dos luga-
nela por completo. A arte engendra res, das memórias e das histórias
um mundo novo, ao mesmo tempo dos sujeitos.
que promove um encontro com a A capacidade crítica e criadora do
história da humanidade pela via da ser humano, para fazer e transformar
emoção e do sentimento. o seu mundo a partir de condições
Assim, a arte não é apenas uma concretas, chega à educação quando
transposição das formas do coti- vinculamos o trabalho educativo ao
diano, ou apenas a reprodução de ato criador, à realidade social e cultu-
objetos e da realidade ou o estudo ral. A escola, nessa abordagem, faz
de seus elementos históricos. A parte da vida (VIGOTSKI, 2016).
arte faz parte da vida, é parte do
nosso cotidiano, da nossa história
e da nossa cultura. Neste sentido, a
obra de arte tem em si aspectos da
história da humanidade e, por meio
dela nos aproximamos, ou melhor,

190
Saccomani (2016), ao tratar da Com a arte, o indivíduo
criatividade na arte e na educação supera questões relacionadas à vida
escolar, na perspectiva histórico-crí- cotidiana. Assim, não ter acesso à
tica, aponta que o estudante, quando experiência que a arte proporciona
se apropria dos conhecimen- ou negar essa produção cultural da
tos produzidos pela humanidade, humanidade é um processo de alie-
amplia a sua percepção da realidade nação. A ausência da experiência
e a elevação de sua subjetividade do estética e de acesso aos bens cultu-
plano singular para o plano univer- rais reduz e empobrece a vida do
sal, o que é algo importante para o indivíduo. As causas dessa alienação
entendimento de sua objetivação podem ser muitas, mas, com certeza,
histórica. Significa que o trabalho trata-se de uma problematização
educativo desempenha um papel relevante para o campo da educação.
importante por mediar o processo Destarte, podemos considerar
de pertencimento do indivíduo a relevância do Ensino da arte e da
entre a vida cotidiana e a cons- Educação Patrimonial, como temá-
ciência do processo histórico de tica que atravessa o processo de
constituição da humanidade. É um elaboração estética, para a forma-
processo dialético e crítico acerca da ção de indivíduos criativos e para a
autoconsciência no plano subjetivo, constituição de cidadania.
histórico e cultural.

191
Educação, Arte e a Cidade

Temos como premissa que Sobre o projeto diferenciado uma cidade democrática e com uma
o Distrito Federal se constitui sonhado para a capital do país, educação pública, laica e inovadora.
como importante contexto para o destacamos o Plano Educacional Eva Wairos Pereira (2011), ao
Ensino da Arte e para a Educação proposto para Brasília no intuito de discutir a proposta educacional de
Patrimonial porque, além de ser o melhor compreendermos a cidade a Anísio Teixeira, lembra-nos que o
local de moradia ou de estudo do partir do seu passado, a sua utopia educador procurou, ao longo de
estudante, é o território que inau- e o diálogo que estabelece com o sua trajetória, intensificar o vínculo
gurou um projeto urbanístico e Ensino de Arte no contexto do DF. da escola com o meio social, o que
arquitetônico diferenciado, cujo Anísio Teixeira, educador constitui um dos principais funda-
desenvolvimento, ao longo de sua brasileiro, idealizador do Plano mentos do sistema educacional
curta história, deu-se de forma Educacional para Brasília e realiza- para Brasília, cujo plano se integrou
bastante complexa. Pudemos ver dor de reformas educacionais em com facilidade ao projeto urbano e
aspectos deste projeto para a cidade diferentes estados brasileiros, esteve deveria abranger toda a cidade com
no Módulo de Patrimônio Material. A à frente do movimento modernista um modelo de organização escolar
cidade nos provoca e nos faz refletir da “Escola Nova”. Junto a expressivos pautado em novos espaços, novos
sobre o cotidiano dos sujeitos, estu- educadores do país, compôs o grupo objetivos e práticas.
dantes da Rede Pública do DF, com de pensadores que estruturou a nova
atenção às imagens e às referências ideologia pautada no desenvolvi-
que se formam por meio da orga- mento do indivíduo e nos direitos
nização espacial, da sociabilidade, coletivos, características determi-
da segregação social e espacial, dos nantes para uma sociedade que
deslocamentos, da paisagem e da pretende se constituir por meio de
diversidade cultural.

192
Anísio Teixeira demonstra em
várias publicações a relevância da
relação escola e meio: ao propor que
a educação e o programa da escola De acordo com Vasconcellos
preparem as crianças e jovens para (2011), a proposta de integração do
a vida em comunidade; quando indivíduo com o meio está relacio-
defende a ideia de educação essen- nada à ideia de educação integral,
cialmente regional e “enraizada no concepção que eleva o caráter da
meio local”, ou seja, há um olhar para escola pública, ao constituí-la como
os espaços culturais que envolvem um “polo físico da comunidade''
a escola e o lugar; na apresentação (VASCONCELLOS, 2011).
de Centros de Educação como um Com esse ideais, na capital fede-
conjunto de escolas integradas e ral, desenhada e concebida para o
inseridas na unidade de vizinhança desenvolvimento do interior do país
compondo o planejamento urbano e da nação, foi planejado um sistema
e, ainda, na ênfase da arquitetura escolar para cada etapa de ensino e
escolar como um discurso que se foi possível pensá-lo universalizado,
reporta a diferentes símbolos cultu- da educação primária à universidade
rais e estéticos para os estudantes pública, com propostas diferenciadas
e para a cidade (TEIXEIRA, 1958; para todos os segmentos com refe-
1961; 2007; 2001). rências de ambientes culturalmente
ativos, pois os espaços educativos
contariam com biblioteca, galerias
de arte, auditório ou teatro.

193
Para a formação primária foi portanto, como um ambiente para o Dança e Teatro) e de Educação
proposto o conjunto de Escolas convívio social e cultural que, junto a Física em turno contrário à Escola
Classe e Escolas Parque. A cons- outros aparelhos públicos, formaria Classe em todos os dias da semana.
trução e a localização das escolas a Unidade de Vizinhança. Além disso, a Escola Parque seria um
seguiam a seguinte organização: Nesse contexto, a Escola Parque lugar de experimentação, de conhe-
em cada quadra residencial haveria seria o lugar que expressa o forte cimento e de trocas cotidianas. A
um Jardim de Infância e uma Escola vínculo entre o plano arquitetônico educação integral, nessas bases, é
Classe para atender à demanda e o convívio comunitário, ou seja, na uma possibilidade de diálogo entre
de crianças daquela Unidade de Escola Parque, a ideia de escola como a oficina, realizada na Escola Parque,
Vizinhança. Dessa forma, a Escola meio social e cultural integrada à voltada para o trabalho como princí-
Parque destinava-se a atender em cidade seria sintetizada na perspec- pio formativo, e a sala de aula. Uma
dois turnos, de modo alternado, tiva de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro proposta de integração curricular e
cerca de mil alunos das Escolas e Cyro dos Anjos, educadores que social no sentido de tentar relacionar
Classe (PEREIRA, 2011). elaboraram o “Plano Educacional trabalho e educação (NUNES, 2000).
Na lógica da nova capital, a para Brasília” com vistas a ser imple-
Escola Parque seria um local agrega- mentado em todo o Brasil.
dor, pois atenderia aos estudantes de Na Escola Parque, os estudan-
várias Escolas Classe e à comunidade tes participariam diariamente das
por meio de atividades de cultura e oficinas de artes nas diferentes
lazer. A Escola Parque se constituiria, linguagens (Artes Visuais, Música,

194
Entretanto, por diversas razões rou a Escola Parque Anísio Teixeira
de ordem econômica, política e ideo- em Ceilândia. No mesmo ano, foi
lógica, o projeto educacional que organizada a Escola Parque da
se iniciou em Brasília, com a pers- Natureza de Brazlândia que acom-
pectiva de ser implementado para panhou o “Projeto Escola Candanga
o restante do país, não se concreti- de Educação Integral”, implan-
zou. Na inauguração da cidade, em tado pela SEEDF.
1960, havia apenas a Escola Parque A Escola Parque é considerada,
308 Sul construída. Em relação às por professores e comunidade, como
Unidades de Vizinhança, que foram espaço que guarda a memória da
planejadas para a cidade, apenas a proposta de educação inovadora,
entrequadra 307/308 Sul teve o seu de elo entre educação e cultura, com
projeto concluído. foco no desenvolvimento individual
Ao longo de trinta anos, de 1960 e nos direitos coletivos que marcam
a 1990, foram construídas quatro a utópica Brasília, sendo vista pelos
Escolas Parque: a 313/314 Sul, a estudantes como espaço lúdico e
303/304 Norte, a 210/211 Norte e a de formação nas dimensões física,
210/211 Sul. Devido aos apelos da psicológica, social e cultural.
comunidade, no ano de 2014, o
Governo do Distrito Federal inaugu-

195
Mapas Vivenciais como proposta metodológica

Tendo em vista sermos baliza- Além disso, a elaboração do


dos pelos estudos de Lev Vigotski Mapa Vivencial pode se constituir
(1998, 2010, 2016) e, pela teoria histó- como um momento de diálogo entre
rico-cultural, no sentido de que a os estudantes e a utilização do dese-
imaginação tem, em sua base, as nho como forma de pensar o lugar, a
marcas do vivido, da história que foi casa e a cidade. Por esses motivos, é
produzida pelas gerações, ou seja, proposto aqui como sugestão meto-
a cultura produzida pela humani- dológica em sala de aula, tendo em
dade e pela experiência presente, vista favorecer um trabalho de Arte
propomos, como procedimento e de Educação Patrimonial.
metodológico, a elaboração de O Mapa Vivencial é uma produ-
Mapas Vivenciais. ção visual e narrativa que se baseia
O Mapa Vivencial é uma na percepção e nas experiências
proposta de cartografia escolar dos sujeitos sobre o contexto, ou
utilizada por professores da área seja, as crianças, jovens e adultos
de geografia, especificamente trabalhariam com Mapas a partir de
os pesquisadores relacionados à registros históricos por eles escolhi-
Geografia das Infâncias, para melhor dos e narrados, daí seria desenhado
compreender como as crianças o seu percurso. A história como guia
pensam o seu lugar e como a cria- é o ponto de partida do trabalho e,
ção e a interpretação podem estar a partir dessa orientação (cultural e
relacionadas às experiências com o histórica), o desenho é iniciado e o
meio. Assim, a proposta do Mapa novo é produzido.
Vivencial é uma elaboração que
utiliza o desenho a partir da história
dos lugares e da realidade presente
(LOPES et al, 2015; 2016).

196
Imagem 1 - Desenho realizado pelos estudantes do ensino fundamental, anos iniciais da SEEDF no
ano de 2017 na Escola Parque 210/211 Norte. Arquivo da pesquisadora: Maria Andreza Costa Barbosa.

A percepção sobre o lugar pode pontos, consiste em ser preparado


ser iniciada por histórias, situações, com justaposição e diferenciação de
deslocamentos, cheiros, afetos traços, podendo ser apagado, recu-
e outros elementos que possam perado, marcado, refeito. Mesmo em
oportunizar, aos estudantes e ao gestos rápidos e fortes, a técnica de
professor, o pensamento reflexivo desenhar envolve um processo de
sobre a cidade e sobre a cultura. trabalho que é bastante reflexivo. Ao
Não há, portanto, a intenção de desenhar um mapa a partir das vivên-
decifrar ou de explicar a cidade e, cias, o papel se transforma em uma
sim, de produzir um desenho que janela para a representação/criação
irá partir de uma vivência – não de de cada memória. O olhar, portanto,
uma interpretação. se volta para fora (para a paisagem,
O desenho, um pensamento para o lugar, para o contexto) e para
materializado por imagem, reali- dentro de si (processo subjetivo).
zado por meio de linhas, cores e

197
Nesse sentido, os Mapas podem histórias pessoais e ao contexto da da Infância e às discussões sobre
ser realizados pelos estudantes cidade. Assim, podemos considerar a concepção das crianças sobre a
a partir de conversas e de discus- os Mapas Vivenciais como um dese- paisagem, o território e o lugar.
sões coletivas sobre a cidade em nho (criação) das vivências pessoais Além disso, a aproximação com as
que o desenho e a narrativa indi- sobre o lugar. obras de Lev Vigotski pode colaborar
vidual sobre o lugar, a escola e a Para melhor compreensão sobre para o entendimento dos processos
cidade sejam produzidos para apro- a teoria que respalda a elaboração subjetivos e de pertencimento do
fundar e enriquecer a percepção dos Mapas Vivenciais, há nas referên- indivíduo com a vida cotidiana e,
sobre o meio, favorecendo tanto a cias bibliográficas textos de Lopes com a conscientização do processo
Educação Patrimonial como o traba- e Fernandes (2018) que tratam de histórico cultural.
lho em Artes Visuais interligados às estudos relacionados à Geografia

Imagem 2 - Desenho realizado pelos estudantes do ensino fundamental, anos iniciais da SEEDF no
ano de 2017 na Escola Parque 210/211 Norte. Arquivo da pesquisadora: Maria Andreza Costa Barbosa.

198
Referências

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nacionais. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 126-142.

199
200
módulo 8

201
Educação Museal:
Relações e Interconexões possíveis

elaborado por

Marielle Costa1
Átila Tolentino2

1. Notas introdutórias

Até aqui, você foi convidado(a) o patrimônio cultural e a memória cas museais e seus impactos sociais.
a conhecer conceitos importantes coletiva de distintos grupos sociais. Entre eles está a Educação Museal,
relacionados ao patrimônio cultural No Distrito Federal, dispomos cujos propósitos e ações são defi-
e como vários deles são abordados de mais de 60 museus e instituições nidos por características próprias e
na Educação Patrimonial. culturais. Vários deles já integram os integram aspectos diversos, tanto
Você deve ter notado que o cronogramas e atividades de nossas do museu, como de outros proces-
desenvolvimento social, os processos escolas e são também destino certo sos educativos que permeiam a
históricos, os contextos geográfi- de demais visitantes, sejam eles vida em sociedade.
cos e políticos são definidores das turistas ou moradores locais. Estamos convencidos de que um
diferentes acepções e categorias do Neste módulo, vamos conhecer conhecimento mais profundo dessa
patrimônio cultural, já que esse é um conceitos básicos relativos ao museu modalidade permitirá uma nova
conceito que responde às necessida- e verificar que a ele se estende a percepção das potencialidades dos
des da vida em sociedade, sempre amplitude de significados e concep- processos educativos que extrapo-
em contínua transformação. O ções moldados na conformação das lam as paredes da escola. Que seja
museu também faz parte dessa dinâ- culturas brasileiras. Esses conceitos um caminho cheio de boas e gratifi-
mica, pois nele estão representados refletem a longa trajetória das práti- cantes surpresas. Vamos lá?

1 Licenciada em Artes Visuais (2009). Servidora do Instituto Brasileiro de Museus - Ibram, desde 2018 é chefe da Divisão de Educação da Coordenação de
Museologia Social e Educação – COMUSE, área responsável pelas ações referentes à Política Nacional de Educação Museal e pela plataforma de difusão de
conhecimento Saber Museu, além do assessoramento técnico aos setores educativos dos museus geridos pelo Ibram.
2 Graduado em Letras e especialista em Gestão de Políticas Públicas de Cultura pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre e Doutorando em Sociologia
pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério da Economia. Já atuou no Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), onde coordenou as ações de educação patrimonial da Casa do Patrimônio da Paraíba e assumiu a
coordenação de Gestão Museológica do Departamento de Museus e Centros Culturais.

202
2. Conceitos essenciais ao campo dos museus

Vocês já se perguntaram o que é um museu?

É possível que, diante dessa tantos museus. Estamos tratando de


pergunta, venha à sua mente a instituições muito diversas em rela-
imagem de um prédio suntuoso, de ção às suas diferentes tipologias,
feições clássicas, povoado de obje- abordagens, dimensões e propósitos.
tos que dão testemunho de tempos Percebe-se, no campo museoló-
passados ou preenchidos de obras gico, a preocupação em ampliar as
de arte referenciadas e tecnica- possibilidades para muito além da
mente descritas. imagem evocada acima, que reflete
Será que essa imagem se um entendimento hegemônico de
ajusta à realidade contemporâ- museu, europeu em sua origem, e
nea dos museus? que muitas vezes se coloca a serviço
O museu que se entende e se de narrativas dominantes.
manifesta como repositório de obje-
tos estáticos, comunicados por fichas
técnicas existe, claro, mas é parte
de um grande panorama, um entre

203
Os elementos reunidos em
museus – aí incluídos o acervo e
sua documentação, a edificação,
as pesquisas e as ações dirigidas ao
público – retratam vivências, memó-
rias, cosmovisões e identidades
humanas; se estendem dos campos
da criação artística aos das ciências
naturais em museus históricos, de
arte, de ciências, entre outros. São
elementos que estabelecem refe- povo requer atenção também sobre
rências para o desenvolvimento de o que se escolhe não mostrar, não
narrativas sobre essas vivências em ouvir, não referenciar.
seus aspectos subjetivos, históricos, Portanto, alguns questionamen-
políticos e sociais, mas também para tos se fazem necessários: O que está
o questionamento dessas narrativas. por trás das práticas educativas que
Resguardar o espaço para o ques- têm como suporte os bens patri-
tionamento é importante, já que os moniais e museais? E quais sujeitos
elementos que constituem o museu sociais estão sendo contemplados
nem sempre são claros sobre o que e como suas memórias coletivas
ficou fora dele: versões, artefatos, estão sendo abordadas na educação
povos, processos. Cultivar e preser- museal que eu, enquanto professora
var a memória e a identidade de um ou professor, estou desenvolvendo?

204
Para essa reflexão, trazemos alimentar a lida e a nossa relação
as palavras do poeta e museólogo com o corpus patrimonial/museal.
Mário Chagas para a nossa conversa, É preciso frisar que esse corpus
em que explica que “dois corpos não não é só material. Está expresso
podem ocupar o mesmo lugar no também na imaterialidade, isto é,
espaço. No entanto, dois ou mais nas referências culturais em suas considerando os diferentes saberes,
sentidos podem ocupar um mesmo diversas faces, seja nas festas e práticas de preservação e apropria-
corpo patrimonial”(CHAGAS, 2007, p. comemorações populares, nas ções do patrimônio cultural que foi
215). Com isso, Chagas expõe como danças, nos saberes e ofícios tradi- ou está sendo musealizado. Afinal,
os corpos patrimoniais são pluris- cionais, nas comidas, nas falas, um bem só é musealizado porque são
significativos, os quais não podem nas estórias e lendas, em muitos as pessoas que lhe atribuem signifi-
ocupar um mesmo espaço físico, seres inanimados e, sobretudo, nas cados e valores, sejam eles afetivos,
mas podem abarcar diferentes olha- pessoas, nas gentes que dão vida a simbólicos, históricos, artísticos, etc.
res, apropriações e afetamentos. todas essas referências. Por isso se diz que a memó-
São significações e ressignificações A educação museal necessa- ria é um território em disputa pelo
construídas e reconstruídas a todo riamente, portanto, deve lidar com poder de eleger as representações
momento a partir da relação dos esses conflitos e com as relações de da realidade em todos os tempos. As
sujeitos entre si e com os próprios poder que envolvem o corpo patri- narrativas sobre o passado necessa-
bens. E nesse jogo, conflitos e monial/museal, numa perspectiva riamente redimensionam a realidade
dissensos também podem surgir e dialógica, reflexiva e crítica, com do presente e também do futuro. O
a participação efetiva do público, museu é, portanto, uma das chaves
de que dispomos para interpretar a
trajetória humana.

205
Definir o museu tem sido
uma tarefa contínua, que procura
abarcar todos os fundamentos
já mencionados. Veremos agora
como esse esforço se produz em
âmbito institucional. As definições
apresentadas aqui refletem a conso- saiba mais
lidação do campo museológico e A musealização é um processo por
seu propósito de constituir refe- meio do qual alguns objetos perdem
sua função original e são recobertos
renciais para a gestão, fomento, de novos significados, exercendo a
proteção e promoção do função de documento. Trazem então
patrimônio cultural musealizado. o registro não apenas da passagem
do tempo e do contexto histórico-
-cultural da criação de objetos ou
de seus usos, mas possibilitam inter-
relacionar os ambientes sociais de
espaço-tempos distintos; permitem
integrar seu conteúdo informacio-
nal à construção de conhecimento,
de ética social, de referenciais identi-
tários. Você encontra mais materiais
a respeito no site Saber Museu.

206
O Conselho Internacional de De acordo com a definição apro-
Museus – ICOM (sigla em inglês) vem vada pelo Icom em 2007,
se ocupando, ao longo de anos, de Um museu é uma instituição perma-
elaborar definições de museus que nente, aberta ao público e sem fins
lucrativos a serviço da sociedade
pretendem conter suas complexida- e de seu desenvolvimento, que
des, diversidade, propósitos e papéis adquire, conserva, pesquisa, comu-
sociais. As definições propostas nica e expõe o patrimônio tangível
e intangível da humanidade e do
pelo Icom, por resultarem de ampla ambiente para fins de educação,
discussão com representantes do estudo e deleite.
setor museológico de vários países
e por se conectarem com as refle-
xões contemporâneas, têm grande Em consonância com a acep-
influência e repercutem, inclusive, ção acima, o Estado brasileiro, na
na criação de políticas públicas para Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de
o campo museológico. 2009, que instituiu o Estatuto de
Museus, estabelece:
Art. 1º. Consideram-se museus,
para os efeitos desta Lei, as insti-
tuições sem fins lucrativos que
conservam, investigam, comunicam,
interpretam e expõem, para fins
de preservação, estudo, pesquisa,
educação, contemplação e turismo,
conjuntos e coleções de valor histó-
rico, artístico, científico, técnico ou
de qualquer outra natureza cultu-
ral, abertas ao público, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento.

207
Verifica-se nas duas defini- Ainda deve ser destacado que
ções a premissa de que os museus o parágrafo único do citado art. 1º
devem servir e ser atravessados pela do Estatuto dos Museus dispõe que
sociedade cumprindo três funções também se enquadram na lei “as
essenciais: a função científica, que instituições e os processos museoló-
se relaciona à produção do conheci- gicos voltados para o trabalho com
mento e é verificada sobretudo nos o patrimônio cultural e o território
processos de pesquisa, preservação visando ao desenvolvimento cultu-
e conservação; a função educativa, ral e socioeconômico e à participação
que possibilita educar por meio e das comunidades”. O texto legal,
em relação ao patrimônio muse- ao trazer a ideia de museus como
alizado, muito manifestada nos processo, assume o que já vem sendo
diversos aspectos e processos comu- amplamente debatido por teóricos
nicacionais do museu, tais como a do campo da Museologia. É o exem-
saiba mais exposição, as publicações e a intera- plo da professora e museóloga Maria
Para uma leitura mais espe- ção com o público; e a função social, Célia Santos (2008), que nos ensina
cífica sobre o assunto, uma na qual a instituição reúne as duas que os museus são o resultado das
ótima dica é o livro “Encontros
museológicos: reflexões sobre funções anteriores e se torna agente ações dos sujeitos que os estão
a museologia, a educação e o de mudança e desenvolvimento, construindo e reconstruindo a todo
museu”, da profa. Maria Célia refletindo os eventos da socie- momento, portanto, são instituições
Moura Santos.
dade e se tornando instrumento de histórico-socialmente condicionadas
progresso, constituição de identida- e não produto pronto.
des e desenvolvimento da cidadania.

208
É importante frisar que a inter- Mas convém lembrar: a maior
disciplinaridade e a transversalidade parte dos que chegam a visitar
são qualidades imprescindíveis aos museus, em nosso país, é levada
processos envolvidos na realização pelas escolas.
das funções museais. Ainda assim,
há que se considerar que os museus
têm ainda um grande percurso a
fazer para atingir esse propósito: boa
parte dos brasileiros nunca esteve
em um museu. E desses, possivel-
mente muitos não chegarão a estar.

209
3. Educação Museal

[...] quem forma se forma e re-forma ao formar


e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.
Paulo Freire – Pedagogia da Autonomia

saiba mais
Educação é um termo suficiente próprio da Educação Museal e desco-
em si mesmo, que guarda proces- brir por que os processos educativos O Museu Nacional, localizado na
sos que, em grande medida, estão que acontecem no museu, em rela- Quinta da Boa Vista, no Rio de
Janeiro, é o museu mais antigo
contemplados na frase acima. Onde ção ao museu ou na relação entre do Brasil, em funcionamento até
quer que aconteçam, os proces- museus e escolas são adjetiva- hoje, e um dos mais importantes
sos educativos se dão de maneira dos dessa forma. do mundo, voltado para a Histó-
ria Natural e Antropologia. Ele foi
relacional, em comunhão, e geram Esses processos se dão a partir criado em 1818, dez anos após a
recursos para a evolução humana de práticas, metodologias e refle- chegada da família real ao Brasil.
nos níveis individual e coletivo. xões sobre os aspectos educativos Juntamente com outras insti-
tuições culturais e de memória
O mundo ocidental, muito afeito dos museus, desenvolvidos ao longo
também criadas na época, fazia
a classificações e ordenamentos de mais de 100 anos, considerando parte das medidas de moderni-
conceituais, busca identificar as a realidade brasileira: o primeiro zação e prestígio que o príncipe
regente introduz no país. No
especificidades dos variados proces- setor educativo de museu estabele-
ano de seu bicentenário, em
sos educativos e então nomeá-los cido no Brasil data de 1927, criado por 2018, o Museu Nacional sofreu
como particulares. Entretanto, as Roquette Pinto, no Museu Nacional um grande incêndio, destruindo
especificidades ocupam sempre (atualmente vinculado à UFRJ), com grande parte de seu acervo
histórico e científico, consti-
uma pequena parte em relação ao o propósito de difusão científica tuindo uma grande perda para
que é comum a todos os proces- e promoção da experimentação a memória nacional. Inúmeras
sos verdadeiramente educativos. entre estudantes. Mas certamente iniciativas foram e estão sendo
desenvolvidas para salvar e
Escuta, empatia, disponibilidade: ações educativas já eram projeta- resgatar seu acervo.
seja qual for a modalidade, esses são das e realizadas junto aos públicos
os recursos imprescindíveis para a dos museus, especialmente aos Você pode visitar o portal do
sua realização. Sem eles, o que acon- públicos escolares. Museu e também assistir o docu-
mentário “Resgates”, que trata da
tece é a transmissão de informações. trajetória de salvamento do seu
Feita essa importante conside- acervo após o incêndio.
ração, podemos nos voltar ao que é

210
Novamente nos reportando a A educação em museus foi recor-
Mário Chagas, o aspecto educa- rentemente discutida no âmbito
tivo do museu é satisfatoriamente museológico em todo o mundo. A
comunicado pelo termo dimensão Unesco realizou, ao longo da década
educativa museal, “com o sentido de 1950, três seminários em que
de medida, extensão, volume, grau aspectos educativos dos museus
de potência, qualidade e caráter foram abordados: O Seminário
próprio de determinadas entidades Internacional sobre o papel dos
museais no que se refere à educa- museus na educação, em Nova
ção e ao lazer” (CHAGAS, 2002, p. 47). Iorque, em 1952; o Seminário
Mário faz essa proposta em razão Internacional sobre o papel dos
saiba mais de uma compreensão tradicional museus na educação, em Atenas, em
Para conhecer as discussões segundo a qual as funções básicas, 1954; e o Seminário Regional sobre a
e orientações geradas nesse comuns a todos os museus, seriam função educativa dos museus, em
evento que marcou grandes
transformações no campo muse- a preservação, a investigação e 1958, no Rio de Janeiro.
ológico, confira o seu documento a comunicação. De toda forma, o A Mesa Redonda de Santiago
final, intitulado Declaração de termo dimensão serve à expressão do Chile, realizada em 1972, demar-
Santiago. Um dos organizado-
res desse encontro foi Hugues
da inerência do caráter educativo cou, no campo da museologia, uma
de Varine, uma grande referên- dos museus, reconhecido inclusive senda fortemente voltada ao enten-
cia para a museologia social e em seus inícios, quando consistiam dimento dos museus e processos
os museus de base comunitá-
em coleções que se se associavam à museais como elementos de trans-
ria (conhecidos como museus
comunitários, ecomomuseus, pesquisa científica. formação da sociedade, tomada, por
museu integral, museus de vizi- sua vez, como motor e razão de ser,
nhança, entre outros termos).
conforme as ideias apresentadas por
Sua produção e atuação no
campo são muitas e bastante Hughes de Varine naquela ocasião.
influentes. Mas, para um início
de leitura, sugerimos conhe-
cer seu livro “Raízes do Futuro: o
patrimônio a serviço do desen-
volvimento local”.

211
Esses são fundamentos que, alguma coisa. Por isso aprendemos
junto ao conceito de Museu Integral sempre.”(FREIRE, 1989, p. 39). Dessa
– também um aporte resultante das percepção expressa por Paulo Freire,
discussões realizadas na Mesa de podemos depreender que todos têm
Santiago do Chile –, se mostraram o que aportar aos processos educa-
muito aderentes às metodologias e tivos. São reflexões motivadas e
princípios filosóficos formulados pelo dirigidas às escolas, mas que conta-
educador Paulo Freire. Proponente giaram vários âmbitos da educação
de uma educação para a autonomia no Brasil e em toda a América Latina.
cidadã, libertadora e dialógica, Freire São ideias que põem em valor a
sustentava que ela se realiza a partir formação integral, que extrapola
da relação com os conhecimentos e o espaço-tempo escolar e inclui as
as percepções da realidade trazidos aprendizagens realizadas em todos
pelo educando para um processo os âmbitos da vida, compreendida
pedagógico que constitui e forma desde sua potência política e afeita
também o educador. à realidade das regiões em desen-
“Ninguém ignora tudo. Ninguém volvimento, especialmente ao nosso
sabe tudo. Todos nós sabemos continente em toda a sua diversi-
alguma coisa. Todos nós ignoramos dade cultural e identitária.

saiba mais
O Caderno da Pnem traz um
verbetes especiais a respeito
dos conceitos de museu inte-
gral e formação integral. Não
deixe de conferir! No site Saber
Museu, mais materiais sobre
Educação Museal.

212
Também devemos destacar que Em diálogo com essa pers-
a Educação Museal não se restringe pectiva, trazemos uma proposta
à existência de um serviço de media- conceitual de educação museal
ção conduzido por um educador apresentada pelas educadoras e
museal; compreende uma série de educador museal Andréa Costa,
possibilidades e recursos metodoló- Fernanda Castro, Milene Chiovatto
gicos fundamentados teoricamente, e Ozias Soares, no Caderno da PNEM:
com a finalidade de gerar conheci-
mento e vivências significativas de A Educação Museal envolve uma série de aspec-
forma dialógica e participativa. tos singulares que incluem: os conteúdos e
as metodologias próprios; a aprendizagem;
a experimentação; a promoção de estímulos
e da motivação intrínseca a partir do contato
direto com o patrimônio musealizado, o reco-
nhecimento e o acolhimento dos diferentes
sentidos produzidos pelos variados públicos visi-
tantes e das maneiras de ser e estar no museu;
a produção, a difusão e o compartilhamento de
conhecimentos específicos relacionados aos dife-
rentes acervos e processos museais; a educação
pelos objetos musealizados; o estímulo à apro-
priação da cultura produzida historicamente,
ao sentimento de pertencimento e ao senso de
preservação e criação da memória individual e
coletiva. É, portanto, uma ação consciente dos
educadores, voltada para diferentes públicos
(2018, p. 73-74).

213
Ainda complementam que a
educação museal não tem como foco
o acervo ou os objetos em sim, mas a
formação dos sujeitos em constante
interação com os bens musealizados,
numa atuação que visa a forma-
ção crítica e integral das pessoas,
sua emancipação e atuação cons-
ciente na sociedade com o fim de
transformá-la.
Assim como na educação formal, Por isso seu caráter vivencial é tão
os educadores museais ocupam-se importante. São muito diversas as
de várias etapas do processo educa- atividades e recursos desenvolvidos
tivo que são menos evidentes do no âmbito das ações educativas em
que as visitas mediadas ou as aulas: museus: visitas mediadas, encon-
o diagnóstico, a pesquisa, o plane- tros com professores, ações voltadas
jamento de ações, o registro dessas para as famílias, oficinas de férias,
ações e a sua avaliação. Exatamente folhas de atividades, visitas-confe-
por ser sistematizada, há alguma rência, ateliês, visitas teatralizadas
discussão quanto a ser uma modali- ou musicalizadas, jogos, kits peda-
dade de educação não formal. Mas gógicos / exposições itinerantes,
é importante considerar aqui o seu audioguias e videoguias com tradu-
caráter episódico: as ações educa- ção em Libras são alguns exemplos.
tivas em museus são elaboradas Mais à frente, vamos conhecer
tendo em conta que seus objeti- alguns exemplos de ações educati-
vos de aprendizagem e proposições vas desenvolvidas em museus ou por
deverão se realizar em uma ocasião. museus no Distrito Federal.

214
4. Política Nacional de Educação Museal

Os museus brasileiros estiveram Essa institucionalização gerou,


historicamente contemplados pelas entre seus contínuos desdobra-
políticas públicas voltadas para mentos, as Leis e decretos dirigidos
o patrimônio cultural brasileiro ao campo: o Estatuto de Museus e
estabelecidas desde a criação de a criação do Instituto Brasileiro de
importantes órgãos nacionais rela- Museus - Ibram.
saiba mais
cionados à memória histórica e O Ibram passou então a As Redes de Educadores em
artística do Brasil, especialmente do criar instrumentos para a imple- Museus – REMs são, na sua maior
parte, organizações voluntá-
Instituto do Patrimônio Histórico e ment aç ão d a PNM: for am rias de profissionais que atuam
Artístico Nacional - Iphan, há mais de estabelecidas políticas específicas, ou que sejam interessados no
80 anos, em 1937. editais, programas, eventos e campo da educação museal.
Atualmente existem várias REM
Ainda assim, por algum tempo, ferramentas para o fortaleci- em diferentes estados, inclusive
persistiu a carência de uma política mento do campo museológico em no Distrito Federal. Aqui, ela é
federal que orientasse especifica- vários âmbitos. chamada de REMIC-DF – Rede de
Educadores em Museus e Institu-
mente a ação do Estado dirigida Entre esses âmbitos, a Educação
tos Culturais do DF. Quem quiser
ao setor museológico, por meio da Museal: entre 2010 e 2017, deu-se conhecer mais e fazer parte dessa
instituição de políticas públicas. um processo de grande interlo- rede, pode entrar em contato
pelo Instagram e pode consultar
Em 2003, respondendo a essa cução entre museus – sobretudo
seu blog, onde constam o histó-
necessidade e às mobilizações dos seus educadores –, as Redes de rico de sua primeira etapa.
profissionais do campo museal, Educadores em Museus - REMs, Para saber mais sobre REMs e
foi instituída a Política Nacional e o poder público, no qual foram até mesmo criar uma, acesse o
Espaço REM, no site da Política
de Museus - PNM. gerados estímulos para a reflexão Nacional de Educação Museal.
da área museológica.

215
Foram criados diversos fóruns de A PNEM foi institucionalizada
discussão em âmbito virtual e presen- por meio da Portaria/Ibram nº 422,
cial em torno dos temas: Perspectiva de 30 de novembro de 2017 e é uma
Conceitual; Gestão; Profissionais marco importante da mobilização
da Educação Museal; Formação, do campo e da atuação das REM,
Capacitação e Qualificação; Redes estabelecendo parâmetros para o
e Parcerias; Estudos e Pesquisas; desenvolvimento do trabalho em
Acessibilidade; Sustentabilidade; Educação Museal nas instituições e
Museus e Comunidade. Essa mobi- processos museais do Brasil.
lização gerou propostas e sugestões
que depois foram sistematizadas em
princípios e diretrizes organizados saiba mais
em três eixos da Política Nacional Aqui você pode conhecer um
de Educação Museal - PNEM: a) pouquinho mais sobre a PNEM.
Gestão; b) Profissionais, Formação
e Pesquisa; c) Museus e Sociedade.

216
Em 2018, foi publicado o Caderno
da PNEM. Nele, você encontra um
breve histórico do desenvolvimento
do campo da Educação Museal
no Brasil, o relato do processo de
desenvolvimento e de construção
participativa da PNEM; a memória da
criação das REM e sua atuação para a
viabilização da participação da socie-
dade civil no texto da política.
Vários dos conceitos recorren- Hoje, reconhecemos a PNEM
tes nas discussões que constituíram como um valioso marco, não um
o processo de construção da PNEM, ponto de chegada. A diversidade
aqui chamados de conceitos-chave, das instituições museais brasilei-
são apresentados no Caderno em ras, a disparidade na distribuição de
definições detalhadas elaboradas recursos de toda ordem, a dimensão
por profissionais e acadêmicos espe- continental do país, a precarização
cialmente convidados. O Caderno do serviço público e a mobilização
reúne também os documentos bali- da sociedade civil estabelecem as
zadores da PNEM, como a Carta condições que devem ser conside-
de Petrópolis, a Carta de Belém, a radas para que a Política se ajuste à
Carta de Porto Alegre e a Portaria/ realidade e ao mesmo tempo estabe-
Ibram nº 422/2017. leça horizontes para as nossas ações.

217
5. As escolas e a Educação Museal

Museu e escola: dois espaços de forma potente de ampliação de


construção do conhecimento, mas conhecimentos, possibilidade de
também de construção humana. formação de visão crítica, compar-
A parceria entre as duas institui- tilhamento de saberes e memórias.
ções vem sendo estimulada ao longo Já caracterizamos aqui o museu
de várias décadas por órgãos vincu- como uma instituição de ensino
lados à educação, à cultura e ao setor não-formal. Sabemos que a escola é
de museus, como a Unesco e o Icom. um ambiente de educação formal.
Mesmo o senso comum percebe A mudança de referenciais gerada
benefícios nessa parceria, mas talvez nesse encontro não apenas dina-
falte aos museus e escolas o reco- miza os processos de aprendizagem
nhecimento de sua potencialidade. e vivências culturais, mas as próprias
Antigamente, a ida ao museu instituições. Para a escola, o reco-
era utilizada como mera ilustra- nhecimento de que é um ente da
ção da matéria vista em sala de formação integral pode fortalecê-la
aula, reduzindo as possibilida- por meio da articulação com outros
des da experiência museal, mas campos e instituições.
também impossibilitando à escola
a exploração de novas camadas e
interpretações de um assunto. A
associação da visita ao museu a
conteúdos curriculares pode ense-
jar visões mais ricas, pode ser uma

218
Quando a escola vai ao museu, a A parceria com as escolas pode ser museus e os estimulam a produzir
espaços culturais ou mesmo a lugares para os museus uma importante acessibilidade em nível físico,
históricos, todos os sentidos são chave para sustentabilidade e para sensorial, social, económico e
acionados. Os estudantes lembram, a longevidade de bons projetos e simbólico, dimensões importantes
duvidam, se emocionam, conhecem, ações educativas. da inclusão, conforme nos lembra a
experimentam, fazem conexões O público escolar geralmente é educadora Gabriela Aidar :
e elaboram sentidos e significa- considerado central para o desen-
dos para as coisas do mundo. Os volvimento das ações educativas “Processos inclusivos deveriam
professores, ao acompanhá-los, museais. É um público constante, propor, para além de um maior
acesso às instituições museológi-
conhecem novas facetas de seus é um público em formação, e as cas, o desenvolvimento de ações que
alunos, das interações entre eles, crianças são, muitas vezes, os tenham impacto político, social e
de seus temas. O desejo de novas agentes da inclusão do museu nos econômico, e que podem ter alcance
tanto a curto quanto a longo prazo.”
buscas contagia a todos. vocabulários e no panorama cultural (2002, p. 59-60)
O museu precisa também familiar. Há trabalhos elaborados no
descobrir a escola. A sua suposta campo museológico que apontam
autonomia para o desenvolvi- esse como sendo o maior público dos
mento de ações educativas muitas museus brasileiros em número. As
vezes encontra limites logísticos, escolas são agentes fundamentais
de recursos humanos e financeiros. do processo de democratização dos

219
Por outro lado, há peculiaridades
desse público que são muito desafia-
doras para os educadores museais:
as visitas únicas não permitem o
estabelecimento de um vínculo
maior com o espaço e os educadores,
de modo que estes não conhecem
a fundo as necessidades específi-
cas de cada grupo. Além disso, o
tempo disponível é muito limitado,
não permitindo uma vivência que
vá muito além da apresentação do
espaço. Muita criatividade nessa Faz-se fundamental o desenvol-
hora para gerar interesse, encanta- vimento de uma maior mobilização
mento e inspiração! interinstitucional, que inclua também
Especialmente em relação ao a viabilização de transportes e dispo-
currículo do 5º ano que aborda a nibilização de lanches para as visitas
cidade e o DF em seus processos de às instituições. Efetivamente, esses
formação, história e dimensão patri- são aspectos primordiais que depen-
monial, a ativação dessa rede gera dem do envolvimento de outros
grandes impactos na vida dos estu- agentes, seja da iniciativa pública
dantes, na sua relação com a cidade, ou privada, já que museus e esco-
na sua apropriação afetiva do patri- las geralmente não podem garantir
mônio cultural musealizado. essas condições.

220
6. Projetos educativos em museus
no Distrito Federal

A abordagem integrada da instituições. A partir deles, você


relação museu-escola responde pode pesquisar outras experiên-
à proposta de formação humana cias e se enveredar no mundo dos
contemplada na PNEM, na compre- museus, verificando como eles são
ensão do museu como um espaço de uma importante ferramenta para a
educação a ser integrado a outros, nossa prática educativa e ampliação
promovendo a ampliação e diversifi- do olhar (dos professores e alunos)
cação do desenvolvimento humano. em relação ao patrimônio cultu-
Efetivamente, sua formação integral. ral musealizado.
E, ao chegar ao final deste Desejamos que o panorama
módulo, vamos conhecer algumas apresentado neste módulo os
experiências de práticas educativas convide a realizar essa integração
em museus e espaços de memó- (museu-escola) na construção do
ria no Distrito Federal. Os casos ofício docente!
aqui listados são exemplificativos,
muitas outras iniciativas aconte-
cem ou aconteceram em diferentes

221
⚫ Na trilha dos Azulejos

Na Trilha dos Azulejos foi um programa de educação


patrimonial realizado de 2009 a 2012, voltado para crian-
ças dos 4º e 5º anos do ensino fundamental das escolas
públicas do Distrito Federal. Integrava educação em
artes visuais, história e educação patrimonial tendo
como foco a arte de Athos Bulcão, autor de uma obra
fortemente associada à identidade visual de Brasília.

⚫ Ponto de Memória da Estrutural

O Ponto de Memória da Estrutural é um museu de base


comunitária, gerido por lideranças e representantes
de diversos grupos, coletivos e movimentos da cidade,
para pensar e desenvolver ações voltadas à valorização saiba mais
das histórias e memórias daquela localidade, que estão O Programa Pontos de Memória,
fortemente atreladas às suas lutas e resistências pelo concebido e implementado pelo
Ibram, visa estimular iniciativas
direito à moradia, condições dignas de habitabilidade, da sociedade civil, pautadas no
espaços de trabalho e lazer. A própria experiência de cria- protagonismo comunitário e na
ção e gestão desse ponto de memória é um processo gestão participativa, com foco na
identificação, pesquisa e promo-
educativo, que, para realização de suas ações, envolve ção do patrimônio cultural.
rodas de diálogo, decisões coletivas, inventário participa- Muitas dessas iniciativas culmi-
tivo, registros audiovisuais, escolha e seleção de objetos naram na criação de museus
comunitários, autônomos do
que retratem as identidades e memórias coletivas, bem
poder público.
como curadorias participativas na organização e monta-
gem de exposições.

222
⚫ Museu da Educação do Distrito Federal

O Museu da Educação do Distrito Federal está com sua


sede física em fase de implantação, mas já funciona
virtualmente, podendo ser conhecido pelo portal www.
museudaeducacao.com.br. Tem como finalidade ser
um espaço cultural e educativo que revela as histórias
e o pioneirismo da construção do sistema de ensino de
Brasília. O seu programa educativo compreende que o
patrimônio cultural de uma comunidade pode se tornar
uma atividade educativa estimulante para desvelar
conhecimentos e propiciar o aprendizado intergeracio-
nal, por meio das histórias dos participantes e de suas
narrativas pessoais.

⚫ Projeto Territórios Culturais

O projeto resulta de parceria entre a Secretaria de Estado


de Educação do Distrito Federal (SEEDF) e a Secretaria de
Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal
(SECEC). Prevê ações de educação patrimonial com o
objetivo de oportunizar aos estudantes da rede pública
de ensino do DF o acesso aos equipamentos museológi-
cos e culturais da cidade, a fim de reconhecer, valorizar
e se apropriar afetivamente dos bens culturais por meio
dos processos de mediação cultural e integração entre
os territórios que são igualmente educativos e culturais.

223
Referências

AIDAR, Gabriela. Museus e inclusão social. Ciências & Letras. www.museudaeducacao.com.br


Porto Alegre: Faculdade Porto-Alegrense de Educação,
Ciências e Letras, n. 31, p. 53-62, 2002. www.museus.gov.br
https://pnem.museus.gov.br/
CASTRO, Fernanda S. R. (2019). A construção do campo da
https://sabermuseu.museus.gov.br/
educação museal: políticas públicas e prática profissional.
In Revista Docência e Cibercultural. V. 3, nº 2, mai/ago 2019, http://remic-df.blogspot.com/
Rio de Janeiro/RJ, pp 90-114. www.unesco.org

CHAGAS, Mário. Museus de ciências: assim é se lhe parece.


In: Caderno do Museu da Vida - O formal e o não-formal na
dimensão educativa do museu 2001/2002,. Rio de Janeiro:
Museu da Vida, 2002, pp. 46-59

________. Casas e portas da memória e do patrimônio. In


Revista Em Questão, Porto Alegre, V.13, nº 2, p.207-224, 2007.

FAZENDA, Ivani. O que é interdisciplinaridade?. São Paulo:


Cortez. 2008.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos


que se complementam. São Paulo: Cortez, 1989.

_________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários


à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Pontos de memória:


metodologia e práticas em museologia social. Brasília/DF:
IBRAM/Organização dos Estados Ibero-americanos para a
Educação, a Ciência e Cultura, 2016.

_________. Caderno da Política Nacional de Educação


Museal. Brasília/DF: IBRAM, 2018.

_________. Educação museal: histórico, conceitos e práti-


cas. Curso a distância em elaboração.

SANTOS, Maria Célia T. Moura. Encontros museológicos:


reflexões sobre a museologia, a educação e o museu. Rio
de Janeiro: MINC/IPHAN/DEMU, 2008.

224
225
módulo 9

226
Educação Patrimonial
e Turismo Cultural

elaborado por

Cláudia da Conceição Garcia1

Introdução

Nas últimas décadas, é conside- Considerando as potencialidades


rável o crescimento do turismo no de nosso país, o Brasil possui opções
Brasil e no mundo. Conforme pesqui- singulares que, associadas à nossa
sas desenvolvidas pela WTTC (World cultura e a toda capacidade criativa
Travel & Tourism Concil), em 2018, dos brasileiros, permitem o investi-
esse setor apresentou uma alta de mento em distintas oportunidades,
3,9% e foi responsável por gerar US$ que incluem desde o ecoturismo, o
8,8 trilhões na economia global. Esse turismo rural, o turismo de aventura
crescimento contribuiu, segundo a e, principalmente, o turismo cultural.
pesquisa, para promover a oferta de Entretanto, é importante um inves-
pelo menos um em cinco dos novos timento disciplinado por parte dos
empregos gerados no mundo nos diferentes setores da nossa socie-
últimos cinco anos e, nesses termos, dade, à luz de um planejamento
pode contribuir positivamente para adequado com vistas ao desenvol-
o desenvolvimento socioeconômico vimento, à promoção e à divulgação
de uma cidade. de cada um desses segmentos do
turismo brasileiro.

1 Cláudia Garcia (Resende, RJ), arquiteta (UnB, 1989), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB, 1998), Doutorado na área de estética e história da arte e da
arquitetura (UnB, 2009). Professora Associada 2 do Departamento de Projeto, Expressão e Representação, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade
de Brasília, desde 1995.

227
Corroborando com esse poten- a chegada até a saída de uma cidade,
cial, vale destacar que o setor estado ou país.
turístico no Brasil tem crescido signi- Considerando toda a diversi-
ficativamente em várias regiões do dade brasileira no setor turístico, que
país. Em 2018, o país recebeu, para inclui, além de nossas belezas natu-
se ter uma ideia, 6,5 milhões de turis- rais, a nossa diversidade cultural,
tas estrangeiros. Além disso, o Brasil riquíssima e que deve ser reconhe-
possui os patrimônios naturais e de cida como nosso maior patrimônio,
biodiversidade mais ricos do planeta é importante vislumbrar como o
e a prova disto é que, de acordo com investimento no turismo cultural
o ranking de competitividade do pode representar um dos caminhos
Fórum Econômico Mundial, o Brasil capazes de promover e preservar
se encontra em primeiro lugar no toda nossa cultura.
mundo no quesito recursos natu- O Ministério do Turismo (BRASIL,
rais e em oitava posição no quesito 2008, p. 16) define Turismo Cultural
recursos culturais. como aquele que “compreende as
Desta forma, o turismo abrange atividades turísticas relacionadas à
a interrelação de diferentes setores vivência do conjunto de elementos
de atividade econômica, a fim de significativos do patrimônio histó-
se promover uma viagem cultural, rico e cultural e dos eventos culturais,
religiosa, de lazer ou de negócios. valorizando e promovendo os bens
Entretanto, é fundamental uma polí- materiais e imateriais da cultura”, ou
tica nacional que incentive a provisão seja, pode estar vinculado às mani-
de transporte, acomodação, recre- festações culturais e aos saberes
ação, alimentação e outros serviços locais com a perspectiva de valori-
relacionados para o atendimento zação de suas heranças tradicionais.
das necessidades dos viajantes
domésticos e internacionais, desde

228
Portanto, é fundamental promo- para o processo permanente e siste-
ver e valorizar o envolvimento das mático focado no patrimônio cultural
comunidades vinculadas às distintas e representa, como vimos nos módu-
culturas, de norte a sul do Brasil. Essa los anteriores, um dos caminhos
iniciativa representa uma das ações para a preservação e conservação
primordiais para o desenvolvimento de todo o nosso patrimônio, além
do Turismo Cultural, considerando de contribuir para o fortalecimento
que o reconhecimento e a valoriza- dos sentimentos de identidade e
ção da identidade e do patrimônio cidadania, fundamentais para a
de uma sociedade nascem a partir sustentabilidade do turismo cultural. Costa para o Plano Piloto definem os
da própria comunidade. Ponderando o contexto do fios condutores da formação cultural
Nesses termos é que se converge Distrito Federal, de seu entorno deste território.
a relação entre o turismo cultural e a e de suas particularidades cultu- Considerando todo esse poten-
educação patrimonial, pois é funda- rais, é importante considerar toda a cial de configuração sócio-regional
mental a realização de um trabalho herança cultural da sua preexistên- do DF, a formação em educação
contínuo com vistas ao reconheci- cia, ou seja, toda as suas estórias e patrimonial contribui para que os
mento, à valorização e à apropriação histórias pregressas e, além disso, agentes culturais e a própria socie-
de toda a herança cultural das distin- valorizar inclusive as diferentes dade possam definir estratégias e
tas comunidades que formam a culturas que foram agregadas à metodologias para a inventariação
cultura brasileira. formação do DF. A reunião de todos de referências culturais, além de
A educação patrimonial repre- esses aspectos associados aos ideá- construir planos de preservação para
senta uma ferramenta que contribui rios implícitos ao desenho de Lucio toda a sua cultura local.

229
1. Turismo Cultural: uma perspectiva de preservação
e valorização do patrimônio cultural Brasileiro

No contexto brasileiro, conside- pudemos observar anteriormente no


rando todas as suas potencialidades módulo de discussão do Patrimônio
no que se refere tanto a sua extensão Imaterial, a Constituição Federal de
geográfica quanto ao seu potencial 1988, em seu Artigo 216, ampliou esse
cultural — marcado por uma imensa conceito de patrimônio, ao substi-
diversidade de bens patrimoniais — tuir a denominação de patrimônio
é fundamental que haja, por parte histórico e artístico por patrimônio
dos gestores públicos, investimentos cultural brasileiro, incorporando
com a perspectiva de preservação e assim o conceito de referência cultu-
de valorização do patrimônio cultu- ral e a definição dos bens passíveis
ral brasileiro. de reconhecimento, sobretudo os
Segundo Camargo (2002), pode- de caráter imaterial. Como forma
mos definir patrimônio como um de ampliar essas possibilidades, a
conceito clássico destinado ao reco- Carta Magna abriu a possibilidade de
nhecimento dos “bens culturais ou se constituir parcerias entre o poder
monumentos de excepcional valor público e as comunidades para a
histórico e artístico nacional [...] promoção e proteção do Patrimônio
traçado urbano, centros históricos, Cultural Brasileiro.
cidades históricas e monumentos
isolados” (p. 95). Entretanto, como já

230
Na esteira dessa possibilidade, Costa (2009), o turismo configura-
cabe nos questionar: como podemos -se como uma atividade com caráter
contribuir para preservação de toda cultural, impulsionado pelo desejo
a riqueza cultural do Brasil, aliada à dos grupos sociais em vivenciar
divulgação desses bens patrimoniais experiências diferenciadoras de
não apenas aos brasileiros, mas a seu cotidiano, projetando, dessa
toda humanidade sob a perspectiva forma, o patrimônio cultural como
do turismo cultural? instrumento mediador de aprendi-
Atualmente o Brasil possui 14 zagem e educação.
sítios reconhecidos como patrimônios Por outro lado, o turismo,
materiais da humanidade pela além de viabilizar a divulgação do
Organização das Nações Unidas para patrimônio cultural dos diferentes
a Educação, a Ciência e a Cultura grupos sociais, pode contribuir para
(Unesco), que desvelam toda a uma articulação entre as diferentes
dimensão histórica do desenvolvi- culturas nacionais e internacionais,
mento cultural brasileiro. Somado a oportunizando e ampliando diversas
esse reconhecimento internacional, estratégias que permitam dar visibi-
há centenas de outros bens materiais lidade às distintas culturas, atuais ou
e imateriais listados e reconhecidos passadas. Esse movimento viabiliza
no âmbito nacional pelo Instituto o reconhecimento ou até mesmo o
do Patrimônio Histórico e Artístico surgimento de novos valores a esses
Nacional (Iphan). patrimônios: seja pela redefinição de
Diante dessa herança, é outros usos e significados, sem que
primordial incluir o Turismo Cultural se distancie das tradições agregadas
como um dos caminhos viáveis para ao bem, que pode introduzir legados
a preservação e a valorização do específicos e, além disso, permitir
patrimônio cultural brasileiro, pois uma constante interação com a
essa atividade se constitui como um história sociocultural de uma nação.
dos principais fatores do trânsito ou
da mobilidade humana. Segundo

231
Entretanto, corroborando com
Goodey (2002), o turismo cultu-
ral demanda um público educado
e informado, que compartilhe com
os órgãos do patrimônio o reco-
nhecimento dos lugares, eventos
e coleções culturais de sua socie-
dade ou comunidade. Além disso, pectiva de atender às necessidades
o turismo cultural deve ser visto do consumo visual e estético dos
pelos órgãos de preservação como visitantes; a cenarização do patri-
um meio de arrecadar recursos mônio histórico e arquitetônico com
para a manutenção desses luga- o consequente remanejamento da
res e manifestações, bem como população residente das áreas de
um instrumento de informação ao interesse turístico; e, ainda, altera-
público visitante. ções na sociabilidade dos moradores
O argumento apresentado por em relação à presença de turistas em
Goodey é de extrema relevância, sua comunidade.
pois deve-se evitar uma apropria- Embora sejam inúmeras as
ção inadequada, a fim de obstar estratégias de se evitar a destruição
interferências negativas, como as ou descaracterização das tradições
apontadas por Sotratti (2010): a culturais, podemos indicar pelo
descaracterização das manifesta- menos dois caminhos viáveis para se
ções populares, dos valores e das evitar esses prejuízos irreparáveis a
tradições locais, apenas pela pers- toda herança cultural brasileira.

232
O primeiro refere-se ao acesso
e ao conhecimento da Política
Nacional do Turismo no Brasil, que,
pautada pelos princípios constitu-
cionais, reconhece a necessidade da
livre iniciativa, da descentralização,
da regionalização e do desenvol-
vimento econômico-social justo e
sustentável, respeitando e preser-
vando a identidade cultural das
comunidades e das populações
tradicionais eventualmente afetadas
pela atividade turísticas. O segundo
caminho seria o desenvolvimento
de um turismo pedagógico pautado
na educação patrimonial, ou seja,
que inclui a participação política
das comunidades, com o planeja-
mento organizado das atividades
turísticas alinhado à gestão pública
adequada à preservação do patri-
mônio cultural.

233
2. Política Nacional do Turismo no Brasil

A Lei nº 11.771/2008 dispõe sobre Em 2013, o governo fede-


a Política Nacional de Turismo e ral apresentou o Programa de
define as atribuições do Governo Regionalização do Turismo por consi-
Federal no planejamento, desen- derar que a dimensão e a diversidade
volvimento e estímulo ao setor do território brasileiro são de tal
turístico. Conforme o disposto em ordem que exigem a estruturação e
seu art. 6º, parágrafo único, que a organização da oferta turística no saiba mais
versa sobre os Planos Nacionais de Brasil, pois constituem um grande Fique por dentro da legis-
Turismo, o governo federal aprovou desafio para a gestão e o desenvol- lação vigente:
o Plano Nacional de Turismo 2018- vimento sustentável dessa atividade. Lei 11.771/2008 dispõe sobre a
2022 com as seguintes diretrizes: I À luz dessa perspectiva, enten- Política Nacional de Turismo
- fortalecimento da regionalização de-se que a estruturação da oferta Decreto nº 9.791, de 14 de
do turismo; II - melhoria da quali- turística pode ser potencializada, se maio de 2019
dade e da competitividade no setor considerada em sua dimensão regio- Plano Nacional de
de turismo; III - incentivo à inovação; nal, em que diversos municípios se Turismo 2018 - 2022
e IV - promoção da sustentabili- integram e se complementam na Programa de regionalização do
dade. O Plano foi regulamentado prestação de serviços aos turistas, Turismo – Diretrizes (2013)
pelo Decreto nº. 9.791, de 14 de agregando valor aos territórios.
maio de 2019. Nessa perspectiva, os municípios são
No contexto da estruturação incentivados a um trabalho conjunto
do turismo brasileiro, o plano visa de estruturação e promoção, em que
promover a valorização do patrimô- cada peculiaridade local pode ser
nio cultural e natural para visitação contemplada, valorizada e integrada
turística. De fato, a política de valo- num mercado mais abrangente.
rização do turismo brasileiro tem
crescido a cada governo fede-
ral instaurado.

234
3. Relação entre Educação Patrimonial
e Turismo Cultural

O Plano Nacional de Turismo Temas relacionados à educa-


2018-2022, dentro das estratégias ção patrimonial podem contribuir
para promover a valorização do não só para a assimilação da impor-
patrimônio cultural e natural para tância desses bens, como também
visitação turística, considera impor- para a criação de novas abordagens
tante o investimento em educação turísticas, tornando-os mais atrati-
patrimonial e ambiental, com vistas à vos ao público e gerar mais fluxo na
valorização do patrimônio brasileiro, cadeia turística.
bem como ao seu aproveitamento Embora o setor turístico esteja
como atrativo turístico. A educação fortemente vinculado ao desenvol-
patrimonial favorece a capacitação vimento do setor produtivo, à luz
dos membros da comunidade, no do crescimento econômico para o
território onde os bens culturais e Brasil, não podemos deixar de consi-
naturais estão assentados, e obje- derar que a valorização do turismo
tiva sensibilizá-los a perceber e a cultural relacionado aos sítios urba-
reconhecer o ambiente que os cerca, nos de valor patrimonial representa
a fim de promover uma relação de uma perspectiva de investimentos
pertencimento. nesses locais.

235
Entretanto, a valorização do resilientes e sustentáveis; fortalecer
turismo cultural depende funda- as ações de proteção e salvaguarda
mentalmente de políticas especiais do patrimônio cultural e natural do
destinadas à compreensão das mundo, de modo a torná-lo aces-
complexas relações entre turismo e sível a todos; e tornar culturas e
cultura, comumente apresentadas civilizações mais conhecidas e, com
nas convenções, nas declarações isso, melhorar as condições de vida
e nos textos da Organização das diárias e reduzir a pobreza.
Nações Unidas para a Educação, a Nesse sentido, é fundamental
Ciência e a Cultura (Unesco). Esses destacar o papel da educação patri-
documentos associam cultura e monial, que viabiliza a socialização
desenvolvimento sustentável com do patrimônio cultural de uma deter-
o objetivo de sensibilizar os toma- minada sociedade referente a sua
dores de decisão e os atores do produção histórico-social para toda a
turismo e da cultura, além das socie- humanidade. Segundo Duarte (1993),
dades que hospedam turistas, e os a formação geral do ser humano
próprios turistas, favorecendo assim é constituída de socialização e
o diálogo entre culturas e desen- de apropriação de seu patrimô-
volvimento local. nio, entretanto, o distanciamento
Segundo a Unesco, o turismo da sociedade em relação a esse
cultural tem um papel importante patrimônio torna-se um processo
por desempenhar e facilitar o diálogo desumanizador e que pode implicar
entre culturas. Consequentemente, em perda de identidade. O distancia-
pode viabilizar a paz entre os povos. mento de uma determinada cultura
Além disso, por meio de políticas impede sua importante contribui-
governamentais permite: tornar ção para a construção histórica de
as cidades e os assentamentos toda a humanidade.
humanos mais inclusivos, seguros,

236
A educação patrimonial, à luz
de estratégias pedagógicas, traba-
lhadas, por exemplo, no módulo
dos Inventários Participativos, pode
assumir um papel importante se
considerada como um caminho
de mediação na atividade turís- valorização do lugar com vias a
tica de caráter cultural. Portanto, é incentivar a participação comuni-
fundamental a construção de uma tária. Na medida em que a pessoa
política nacional e local que viabi- se sente coautora das ações rela-
lize o planejamento dessa atividade. cionadas à cidade, tudo o que for
Considerando nossa dimensão terri- construído de forma participa-
torial e as diferentes culturas de norte tiva provocará o sentimento de
a sul do Brasil, é primordial reconhe- corresponsabilidade, permitindo a
cer e valorizar o caráter patrimonial percepção de que os resultados atin-
de todas essas regiões, identificando gidos são uma conquista de todos
e reconhecendo sua história local, do grupo, pois representa o esforço
seu folclore, sua tradição na música, individual de cada um e, consequen-
na arte e na culinária, além de sua temente, traduz-se como espírito de
arquitetura, ou seja, todos os seus cidadania. Significa viabilizar uma
hábitos, valores e costumes locais. formação cidadã de espírito crítico
Na esteira desse reconheci- com a capacidade de interagir de
mento, viabilizam-se a construção forma ativa e reflexiva na sociedade
do sentimento de pertencimento com participação, contextualização
e a possibilidade de estímulo e de e significação do lugar.

237
O ponto de partida, segundo e, em alguns casos, os indivíduos,
a Unesco, é o reconhecimento de reconhecem como parte integrante
que o conceito de Patrimônio pode de seu patrimônio cultural. Essas
ser entendido a partir de duas clas- informações foram trabalhadas de
sificações, seja como patrimônio forma mais extensa ao longo de
material ou patrimônio imaterial: todo este curso.
o patrimônio material destina-se Entretanto, é fundamental
ao reconhecimento do conjunto destacar que cada comunidade, ou
de bens culturais móveis e imóveis sociedade, pode valorizar e reco-
tangíveis no país, cuja conservação nhecer como patrimônio local seus
seja de interesse público, quer por lugares e suas tradições, cujo valor
sua vinculação a fatos memoráveis representa e traduz um signifi-
da história, quer por seu excepcional cado fundamental para sua história
valor, seja ele arqueológico ou etno- sociocultural, mesmo que estes não
gráfico, bibliográfico ou artístico; e estejam, necessariamente, vincu-
o patrimônio imaterial destina-se ao lados a um reconhecimento
reconhecimento de bens intangíveis, institucional por parte das instâncias
ou seja, as práticas, representações, reguladoras como a Unesco e o Iphan.
expressões, conhecimentos e técni-
cas cujas comunidades, os grupos

238
238
Nessa perspectiva, o turismo
cultural engloba diferentes expres-
sões da cultura, abrangendo toda
nossa diversidade, em seu caráter
religioso, cívico, místico, esotérico,
étnico, cinematográfico, arqueo-
lógico, gastronômico e ferroviário.
Portanto, é fundamental identificar
as inúmeras adequações em todo o
sistema de infraestrutura de uma saiba mais
cidade como transporte, estadia, Que saber um pouco mais sobre
diversão e alimentação, a fim de estratégias pedagógicas e forma-
ção em educação patrimonial?
atender as demandas dos turistas Acesse Cultura e desenvolvi-
domésticos e internacionais. mento no Brasil.
Sendo assim, é imprescindível
que o turismo cultural se vincule,
necessariamente, a uma ação de
caráter educativo, com vistas ao de parcerias com profissionais de
conhecimento e ao reconhecimento diferentes áreas de conhecimento,
do patrimônio cultural de um deter- como historiadores, antropólogos,
minado local ou sociedade. Essa ação sociólogos, arqueólogos, museólo-
exige uma formação adequada dos gos, educadores, juntamente com os
agentes culturais no sentido de profissionais de turismo, para reali-
contribuir para o aprimoramento zar ações complementares a fim de
do trabalho educativo aos turistas. viabilizar a elaboração e implemen-
Para uma formação ampla, é tação de projetos de interpretação e
indispensável estabelecer uma rede educação patrimonial (BRASIL, 2010)

239
4. Construindo estratégias para o desenvolvi-
mento do turismo cultural local

O primeiro aspecto a ser todos saberes e fazeres locais que


considerado é investigar na sua contribuem para caracterização e
região a viabilidade para o desen- identidade cultural da sua região.
volvimento do turismo cultural. Uma abordagem ampla e diversi-
Você deve identificar e reconhecer as ficada contribui para a exploração de
potencialidades a partir da identifi- diversos aspectos de uma região e,
cação de distintas referências, como: além disso, incentiva a permanência
sítios urbanos históricos, fazendas, do turista na cidade ao longo do
quilombos; edifícios, construções ano, sem necessariamente haver a
ou ruínas históricas; obras de arte concentração apenas nos períodos
relacionadas aos espaços e institui- clássicos de férias escolares.
ções culturais como museus e casas
de cultura; aspectos referentes ao
valor imaterial, como festas, festivais
e celebrações locais, associando
a gastronomia típica e peculiar
da região, além da valorização do
artesanato e dos produtos típicos. É
imprescindível considerar também
suas músicas, danças, ou seja,

240
Outro ponto importante a ser No desenvolvimento dessa abor-
considerado é buscar construir dagem, é importante destacar que
referências a partir dos antigos mora- essas informações sobre a história e
dores da região, pois são peças-chave a cultura local podem contribuir para
para a construção da memória cultu- o entendimento e a valorização do
ral do lugar; eles são os detentores patrimônio pela própria comuni-
de todo o saber local, muitas vezes dade, pois, a partir daí, podem ser
não revelado formalmente em livros desenvolvidos trabalhos educativos
ou em outros instrumentos de comu- com os turistas, exigindo-se destes
nicação e educação. Suas estórias uma relação de respeito e de valori-
podem revelar a memória, os perso- zação para com o patrimônio local.
nagens e os fatos do cotidiano local, É importante valorizar aspec-
ou seja, a identidade do lugar, mas tos turísticos que não sejam apenas
considera-se que tais fatos devam consagrados pela cultura erudita,
estar relacionados ao senso comum vinculados a museus, locais e edifí-
da comunidade. cios históricos etc. Isso não significa
Esse processo de reconheci- que devemos excluir essas possibili-
mento da vivência histórica do dades, mas apenas vislumbrar todas
local, incorporado e valorizado as potencialidades da região.
pelo turismo, pode enriquecer a
experiência do turista, pois reforça
aspectos do pertencimento local
daquela comunidade.

241
Outro aspecto importante para instrumentos. A não observância ticas para a abordagem do turismo
a consolidação do turismo cultu- das leis ou o desrespeito ao patri- cultural. O processo de tematização
ral é a identificação dos aspectos mônio cultural que possam causar constitui um caminho que visa valo-
legais para sua atuação, pois exis- danos ou ameaças a sua integridade rizar a identidade cultural em torno
tem marcos legais que incidem implica em punição. de aspectos muitas vezes pitorescos
sobre o segmento e observam seus Entre as estratégias de plane- e peculiares daquela comunidade ou
interesses, considerando aspectos jamento, é pertinente considerar região, podendo, inclusive, contribuir
culturais, ambientais e turísticos. constituir parcerias com a superin- com estratégias para o planeja-
São documentos que definem, orien- tendência do Instituto do Patrimônio mento da abordagem ao turista, a
tam, estruturam e ordenam ações e Histórico e Artístico Regional exemplo da valorização da gastro-
procedimentos em relação ao terri- (Iphan-DF), por ser o órgão federal nomia, do artesanato, das feiras ou
tório, respeitando as necessidades responsável pela proteção de todo de manifestações culturais de diver-
da nossa população. patrimônio material e imaterial sas naturezas, entre outros aspectos.
Vale ressaltar, como já mencio- brasileiro. Outros órgãos, regio- A tematização pode contribuir na
nado anteriormente, que a nais, estaduais e/ou municipais, são formação de roteiros turísticos em
Constituição Brasileira de 1988, em igualmente bem-vindos no conjunto uma cidade ou região.
seu artigo 216, determina que nosso dessas iniciativas.
patrimônio cultural é formado por Uma vez identificadas as
bens de natureza material e imate- potencialidades locais ou regio- saiba mais
rial e define aspectos acerca da sua nais, respeitadas as normas e leis, é A Secretaria de Turismo do
proteção, de sua promoção e de seus possível construir estratégias temá- Distrito Federal dispõe de Rotas
Temáticas no Distrito Federal,
que podem ser acompanhadas,
inclusive, em formato virtual.
Além de servirem como orienta-
ção aos turistas e aos habitantes
do DF, elas também podem servir
como suporte em sala de aula!

242
Dentre todos esses aspectos,
é importante compreender que a
razão primordial do Turismo Cultural
é a própria cultura e seus diferentes
bens patrimoniais e atividades cultu-
rais relacionadas ao saber local e que
são produzidos independentemente
da atividade turística. Significa dizer
que a importância deve estar na
valorização e preservação da identi-
dade de uma determinada cultura e
não no investimento “pasteurizado”
no sentido figurado de vulgariza-
ção, para ser melhor consumido no
contexto do turismo especulativo que
visa apenas aspectos econômicos.
Uma vez abordados os aspectos
gerais sobre educação patrimonial e
turismo cultural, podemos abordar
no tópico seguinte as experiências
relacionadas ao Distrito Federal.

243
5. Experiências de Turismo Cultural no Distrito Federal

Segundo a Comissão de acervos arquitetônicos modernistas rística administrativa particular, é


Desenvolvimento Regional e Turismo do mundo desenhado por Oscar administrado por um governador e
(CDR), vinculada ao Senado Federal, Niemeyer, seja pela riqueza e este indica os administradores das
que, dentre outras competências, diversidade cultural constituída regiões administrativas, inclusive
busca proposições que tratem de pelos trabalhadores de todas as a de Brasília. Há aqueles que
assuntos referentes às desigualdades regiões brasileiras que construíram confundem Brasília como a capital
regionais e às políticas de desenvol- Brasília, ou pela própria história de do Distrito Federal, mas, oficial-
vimento regional dos estados e dos preexistência da região. mente, ela é a sede do governo do
municípios, Brasília tem potencial Apesar de todas essas potenciali- DF e todos que nascem no território
turístico para competir com qualquer dades culturais e turísticas, devemos do Distrito Federal são reconhecidos
outra capital do mundo. ampliar nosso olhar à dimensão como brasilienses ou candangos.
São distintos aspectos que territorial do Distrito Federal com as
justificam essa afirmação, seja suas 33 (trinta e três) regiões admi-
por ser a Capital Federal do Brasil, nistrativas. Diferente dos estados
por ser uma cidade cujo desenho brasileiros, o DF não está dividido
proposto por Lucio Costa motivou em municípios e possui aproxi-
o reconhecimento do Plano Piloto madamente 5,78 mil km², onde
como Patrimônio da Humanidade, se estima que vivam 2,85 milhões
seja por possuir um dos principais de habitantes. Com essa caracte-

244
Embora os nascidos no terri-
tório do DF sejam chamados de
Candangos, o referido termo, origi-
nalmente, foi utilizado para definir
os pioneiros construtores de Brasília
e comumente se referia aos milha-
res de trabalhadores (a maioria
deles, nordestinos) que deixaram
sua cidade natal para assumir a
responsabilidade de construir a nova
capital do Brasil e permaneceram
até hoje no território do DF, consoli- por outro lado foi prejudicada, por
dando um vínculo afetivo e simbólico parte de seus residentes, pela falta de
com a região. vínculo de natividade com a cidade.
Desta maneira, a fundação da A natureza de todos esses atribu-
cidade foi marcada por uma impor- tos reunidos configura a identidade
tante diversidade cultural e muito de nossa capital. Brasília reúne um
determinou a formação da sociedade pouquinho de cada uma das regi-
brasiliense, que nasceu marcada ões brasileiras pela sua diversidade
pela diversidade do povo brasileiro. cultural heterogênea e miscigenada,
Se, por um lado, se caracterizou por além de ser identificada como uma
essa riqueza e diversidade cultural, das capitais mais belas do mundo.

245
6. A experiência do Turismo Pedagógico
no Distrito Federal
saiba mais
Fique por dentro da Programação
Projeto Territórios Culturais em Projeto Territórios Culturais.

Em 2017, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa mediação entre estudantes, professores e educadores
(SECEC) e a Secretaria de Educação (SEEDF) firmaram dos museus, onde são apresentados a saberes relativos
uma parceria conjunta prevendo ações a serem execu- ao Patrimônio Cultural de Brasília. Com essas vivências
tadas ao longo de cinco anos. Nesse contexto, surgiu o e atividades pedagógicas interdisciplinares, se oportu-
“Projeto Territórios Culturais”, destinado à promoção e niza às crianças o desenvolvimento de uma visão mais
ao desenvolvimento de ações pedagógicas fundamen- crítica e reflexiva por meio da experimentação e da
tadas na educação patrimonial. O projeto atende à Lei fruição artística.
nº 4.920/2012, que dispõe sobre o acesso dos estudantes Embora a proposta não esteja voltada para o público
da Rede Pública de Ensino do DF ao Patrimônio Artístico, em geral e não seja efetivamente destinada ao setor do
Cultural, Histórico e Natural do DF, e fortalece a Política turismo, é importante reconhecer que se trata de expe-
de Educação Patrimonial da Educação, instituída pela riência que pode ser destinada a outros públicos e que
Portaria nº 265/2016 da Secretaria de Estado de Educação pode ser incorporada a roteiros pedagógicos dentro
do Distrito Federal (SEEDF). de uma perspectiva de turismo cultural destinada a
O nome “Territórios Culturais” vem do entendimento crianças e jovens.
de que não se tratam apenas de espaços culturais ou De acordo com cronograma previsto na Portaria
equipamentos públicos de cultura, mas sim de territó- Conjunta nº 17/2017, o Projeto Territórios Culturais, em
rios culturais na perspectiva da educação patrimonial sua primeira versão, se encerrou em 2020, cumprindo as
– identidade, memória e pertencimento de um lugar/ ações em conformidade com o calendário escolar anual.
território. A essência do projeto é disponibilizar aos estu- Em uma segunda versão, com um Plano de Trabalho que
dantes da rede pública de ensino do Distrito Federal o abarca a educação patrimonial, as artes e as políticas de
acesso aos equipamentos museológicos e culturais da incentivo à leitura, a Portaria Conjunta nº 05/2019 insti-
cidade, a fim de se reconhecer, se valorizar e se apropriar tuiu o Programa Territórios Culturais. A partir dela, foi
afetivamente dos bens culturais (materiais e imateriais) lançado o Edital 08/2021 a fim de selecionar os/as profes-
por meio dos processos de mediação cultural e integra- sores/as da SEEDF para atuarem nos seis Territórios
ção entre os territórios que são igualmente educativos Culturais, dando continuidade ao trabalho a partir do
e culturais (FREITAS, COSTA, 2020). segundo semestre de 2021..
O projeto compreende, assim, uma oportunidade
de acesso à cultura e à história local da cidade, com

246
Brasília, nossa capital - Turismo cívico-pedagógico
para o Brasil e para o mundo

Uma experiência recente e de caráter institucional que


visa favorecer o turismo cívico na capital federal foi cons-
tituída por uma parceria entre Secretaria de Turismo do
DF (Setur) e Ministério do Turismo. Trata-se do programa
“Brasília, nossa capital – Turismo cívico-pedagógico para
o Brasil e para o mundo”. Esse projeto busca promover
Brasília como capital do país e se destina aos estudan-
tes e professores de escolas públicas e privadas de todo
o Brasil, com foco na educação para a cidadania, desti- saiba mais
nada à formação de cidadãos que queiram conhecer e Fique por dentro do turismo
compreender como funcionam as instituições federais cívico em Brasília
na capital e como elas interagem. Turismo Cívico em Brasília –
Agregando esses aspectos, o programa valoriza o fato Passeio Cívico Pedagógico
de a cidade ter sido planejada para ser a capital federal Turismo cívico de olho em
e ser reconhecida pela Unesco como Patrimônio Cultural estudantes de todo o mundo
– Agência Brasília (agenciabra-
da Humanidade e Cidade Criativa do Design. silia.df.gov.br)

⚫ Ponto de Memória da Estrutural

O Ponto de Memória da Estrutural é um museu de base


comunitária, gerido por lideranças e representantes de
diversos grupos, coletivos e movimentos da cidade, para
pensar e desenvolver ações voltadas à valorização das
histórias e das memórias daquela localidade, que estão
fortemente atreladas às suas lutas e resistências pelo
direito a moradia, a condições dignas de habitabilidade
e a espaços de trabalho e lazer. A própria experiência de
criação e gestão desse ponto de memória é um processo
educativo, que, para realização de suas ações, envolve
rodas de diálogo, decisões coletivas, inventário participa-
tivo, registros audiovisuais, escolha e seleção de objetos
que retratem as identidades e memórias coletivas, bem
como curadorias participativas na organização e monta-
gem de exposições.

247
7. Brasília como patrimônio,
para além de seu Plano Piloto

Embora, tradicionalmente, fragmentos dessa história. A região


quando se trata do patrimônio do ocupada pelo atual Distrito Federal
Distrito Federal, costume-se valo- tem história antes de Brasília e além
rizar o que foi consagrado em sua de seu Plano Piloto.
história recente (o projeto arquite- O trabalho de Paulo Bertrand
tônico da Nova Capital, com seus (1994), por exemplo, analisa a história
edifícios e monumentos moder- do Cerrado Pré-Distrito Federal e nos
nistas, bem como as edificações mostra que, antes mesmo da cons-
que serviriam de testemunho da trução da nova capital, esta região
empreitada de desenvolvimento e contou com a presença de vários
interiorização do país, liderada por grupos humanos, com relações
Juscelino Kubistchek), é necessário sociais, infraestrutura de produção
construir um olhar mais inclusivo, e circulação próprias. Isso pode ser
reconhecendo as preexistências corroborado com as investigações
históricas da região, além de valo- feitas pelo setor de arqueologia
rizar as culturas que foram trazidas do Iphan, que registrou no Distrito
das diferentes regiões do Brasil à Federal 51 sítios arqueológicos.
época da construção de Brasília. Desses, 26 são sítios líticos vincula-
É importante valorizar os bens já dos a grupos de caçadores-coletores
consagrados oficialmente como e 7 sítios cerâmicos que remetem ao
patrimônio cultural, entretanto, é período pré-colonial.
fundamental resgatar os demais

248
Esse fato nos faz refletir sobre a Brazlândia) já existiam como cidades,
relação que o Distrito Federal esta- bem antes da inauguração da capi-
belece com a região que o circunda. tal. Ademais, alguns bairros levam
Brasília não foi construída numa “ilha” o nome de antigas fazendas, como
isolada, descontextualizada histo- Gama, Papuda, Guariroba, Santa
ricamente no interior do Planalto Maria e Sobradinho. Mas não foram
Central. Durante o período colonial, somente alguns nomes que perma-
a região do Distrito Federal teve sua neceram na cidade modernista.
ocupação relacionada principal- Por exemplo, algumas expressões
mente com a expansão bandeirante culturais aqui preestabelecidas hoje
e com o ciclo de mineração, sendo fazem parte do patrimônio imaterial
estabelecidas na região fazendas do DF – Catira, Folia de Reis, Festas constituídos pela relação entre
com produção de algodão, mandioca do Divino, modos de fazer alimentos, os grupos aqui estabelecidos e o
e pequenos engenhos, rotas de conhecimentos medicinais relacio- Cerrado como meio. O uso de plan-
comércio, entrepostos comerciais e nados à tradição de raizeiras –; são tas medicinais, o manejo da terra
de cobrança de impostos. tradições e saberes que se desenvol- para plantação, o cultivo e domesti-
Quando da construção da capi- veram durante o período colonial e cação de certas espécies de plantas,
tal, resquícios da configuração social atravessaram os séculos, a despeito tudo isso construído ao longo dos
do período colonial permaneciam no do projeto modernizador de JK. séculos por povos originários e
território. Não é por acaso que duas Vale destacar que tais conhe- grupos que posteriormente aqui se
regiões administrativas (Planaltina e cimentos e tradições foram estabeleceram.

249
Num segundo momento, com a grupos de quadrilha, os repentistas,
construção da cidade, permeada por os cordelistas, violeiros, as esco-
seus conflitos e disputas, um imenso las de samba e blocos de carnaval,
contingente de imigrantes aqui se o hip hop, as expressões religiosas,
estabeleceu, provindos de diversas expressões artísticas como bumba
regiões do país, sobretudo de esta- meu boi, maracatu, frevo, ternos de
dos nordestinos, do próprio Goiás e congada e Moçambique. Além das
de Minas Gerais. Esses imigrantes edificações modernistas, os espa-
trouxeram de seus estados tradições, ços de festejo, de manifestação da
mas aqui também desenvolveram, fé religiosa, de expressão dessas
junto com a leva de trabalhadores tradições: feiras, praças, centros de
que provinham de antigas comuni- tradições, Casa do Cantador, Morro
dades rurais aqui já estabelecidas, da Capelinha, Vale do Amanhecer,
novas práticas e, dessa maneira, Prainha e Praça dos Orixás.
foram construindo o patrimônio do Projetos de educação patrimo-
Distrito Federal. nial no Distrito Federal, à luz do
Esse conjunto de processos turismo cultural, devem contemplar
conforma o que é hoje o patrimônio a complexidade de fatos e elementos
de Brasília: é composto pelo patrimô- que compõem o patrimônio do DF
saiba mais
nio cultural oficialmente tombado, e as mais diversas narrativas dessa
Descubra o que há fora do mas também é constituído por todo história. Portanto, é importante
“quadrado” Rota Fora dos Eixos: o conjunto de tradições que para cá resgatar as biografias individuais,
mais de 20 atrativos nas regiões
administrativas. foram trazidas e aqui construídas, identificar o que elas reconhecem
conforme a cidade foi se desenvol- como seu patrimônio e relacionar/
vendo. São as feiras, os centros de contrastar o que foi identificado com
tradições, as festas de São João e os o que é atualmente consagrado.

250
Referências
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