1) O livro documenta entrevistas com cinco artistas contemporâneos conduzidas pelo curador Hans Ulrich Obrist
2) Os artistas discutem suas tentativas de embaralhar arte e vida através de projetos colaborativos que testam novos modos de vida
3) No entanto, questiona-se se esses projetos não acabam se inserindo nos mecanismos de produção cultural sem realmente promover mudanças políticas
1) O livro documenta entrevistas com cinco artistas contemporâneos conduzidas pelo curador Hans Ulrich Obrist
2) Os artistas discutem suas tentativas de embaralhar arte e vida através de projetos colaborativos que testam novos modos de vida
3) No entanto, questiona-se se esses projetos não acabam se inserindo nos mecanismos de produção cultural sem realmente promover mudanças políticas
1) O livro documenta entrevistas com cinco artistas contemporâneos conduzidas pelo curador Hans Ulrich Obrist
2) Os artistas discutem suas tentativas de embaralhar arte e vida através de projetos colaborativos que testam novos modos de vida
3) No entanto, questiona-se se esses projetos não acabam se inserindo nos mecanismos de produção cultural sem realmente promover mudanças políticas
Arte Agora!, de Hans Obrist, São Paulo, fontes alternativas de energia, como o biogás, Alameda, 2006, 120 p. e distribui a colheita obtida a partir de técnicas RICARDO NASCIMENTO tradicionais tailandesas não apenas entre os par- FABBRINI é professor do Departamento de filosofia ticipantes, como também às famílias da região, da Pontifícia Universidade vitimadas pela Aids. A finalidade dos projetos de Católica de São Paulo (PUC-SP) e autor de Tiravanija é constituir, por certo tempo, novos O Espaço de Lygia Clark (Atlas) e A Arte Depois espaços de interação, ou, nas palavras do artista, das Vanguardas (Unicamp/Fapesp). “plataforma” ou “estação”. A estação, segundo ele, é um lugar de espera, para descansar e pudesse ser retificado com um pouco de “viver bem”, em que as pessoas convivem boa vontade e alguns louváveis exemplos” antes de partirem em direções distintas. É, nas – como quer Jean Galard (“La Beauté à palavras do curador, um lugar de “esperança Outrance”, 2004). e mudança”, mas “não nostálgico”, pois dis- Radicalizando essa crítica pode-se in- sociado da idéia moderna de utopia. dagar se o voluntarismo das vanguardas Para alguns críticos, a estetização do real fundado no artista-inventor, herdeiro do – da arte realizada na vida – intentada pelo gênio romântico, segundo o imaginário da programa moderno se cumpriu nas duas modernidade artística, não foi substituído, últimas décadas – porém de sinal contrário, no presente, pelo voluntariado de um artis- pois sem o mesmo poder de negatividade ta-manager como excepcional organizador, das vanguardas históricas. No abuso estéti- uma vez que “a habilidade para a gestão co do presente, ou “prosopopéia estética”, passa a ser, agora, a primeira qualidade na língua de Jean Baudrillard, a efetuação do artista relacional, gerente de eventos artística é substituída pelo “efeitismo”, conviviais, atilado e autoritário empresário “pela vontade de produzir um efeito de de operações simbólicas”: “Nessa direção, arte”, como no ciclo “Cremaster”, de 1994 me sinto”, confirma Cattelan, na entrevista a 2002, de Barney (descrito no livro), que mais aguda do livro, “cada vez mais um procurou “reunir todas as formas artísticas editor ou empregador, e cada vez menos um (desenho, escultura, fotografia, instalação, artista” – ao menos no sentido da tradição vídeo e literatura) em uma única obra de moderna. arte”, repondo a pretensão romântica ou Fica decerto um problema em aberto, vanguardista da “obra de arte total” nos porque recente, porém ausente nessas en- domínios do establishment cultural: “Estou trevistas sem atrito entre curador e artistas: feliz em trabalhar no contexto do museu”, o de saber se é possível no quadro da gene- diz o artista, “o lugar adequado para esse ralização estética do presente produzir uma amálgama operístico acontecer”. Essa “imagem” que detenha algum enigma, que generalização do estético, próprio à cena indicie algum segredo, mistério, ou recuo contemporânea, é reconhecível também, em (seja a transcendência, ou o “belo difícil”); outra chave, nas tentativas dos “coletivos” ou, ainda, produzir um “acontecimento” dos anos 2000 – como em Tiravanija, Elias- que não seja mero evento, ainda que “in- son, ou Cattelan – de constituírem a tópica teressante”, porque “próximo do curioso e de um “mundo sensível comum”. do acicate; que atrai, mas não cativa; que A dimensão política desses coletivos, aferroa, mas não consegue nem ferir ou in- se mobilizarmos os conceitos de Jacques citar”, como diz Galard. A tentativa dessas Rancière, consistiria em evidenciar simples “práticas colaborativas e transdisciplinares” práticas – “modos de discursos”, “formas de se aproximar do “mundo da vida” por de vida” que operariam como formas de testemunhos e arquivamentos atestaria, resistência à sociedade do espetáculo. Ao nessa direção, tanto a neutralização da dita “artista relacional” caberia apenas criar as poética, quanto o esvanecimento da polí- condições de possibilidade para que expe- tica. Com exceção de Cildo Meireles, que riências comunitárias se exteriorizassem. destoa dos demais artistas dessa antologia, Nas práticas artístico-sociais (ecológicas, pois relaciona, muita vez, na revitalização urbanísticas, de gênero, etc.), mencionadas da metáfora, estética e política. É preciso nas entrevistas, teríamos, assim, uma ten- refletir, assim, sem receio, sobre o modo tativa de reconstituir o sentido perdido de de inscrição desses “projetos engajados um mundo comum, reparando as falhas dos socialmente” nos mecanismos de produção vínculos societários. É preciso, entretanto, cultural, o que não ocorrerá enquanto houver verificar se essas práticas colaborativas a identificação entre a tarefa da crítica e a não constituem um “arremedo de reconci- função curadora, como em Arte Agora!, liação social, como se o estado do mundo de Obrist.
160 REVISTA USP, São Paulo, n.73, p. 158-160, março/maio 2007