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A Filosofia da Arte ou

Estética
Apresentação e percurso das aulas
A arte é tão antiga como a própria humanidade. As pinturas rupestres retratam uma
cena de caça. Espanha, Els Cavalls, Valltorta, Castellón.
A arte rupestre revela a consciência da humanidade acerca de si própria e é uma
manifestação tão antiga como a própria religião, associando-se a rituais de iniciação,
de nascimento, morte, etc. A imagem é da Caverna das Mãos, na Argentina.
No sul de França, perto da cidade de Marselha, 37 metros abaixo do nível do mar,
esconde-se a mais importante caverna subaquática decorada da Europa: a Caverna de
Cosquer. As ricas pinturas, descobertas há mais de 30 anos, datam de há 30.000 anos e
estão ameaçadas pela subida das águas. Uma réplica, com recurso a impressoras 3D, da
caverna em tamanho real, que ficou concluída em junho de 2022, foi construída para as
preservar. Há documentário que acompanha este ambicioso projeto artístico e científico,
ao lado de historiadores, geólogos e artistas, para revelar a incrível história dos primeiros
povoamentos humanos na Provença.
A Caverna de Cosquer: Uma Obra Prima com o Tempo Contado - Documentários – RTP

Arte e ciência unem-se para compreender a origem da humanidade.


A arte marca e regista a consciência reflexiva da humanidade.
A arte é o primeiro registo da memória coletiva humana.
A humanidade sempre criou manifestações artísticas sob as mais diversas formas,
desde a dança, pintura, música, escultura, arquitetura, desenho, poesia, literatura,
teatro, circo, ilusionismo, até às formas contemporâneas de fotografia, cinema, arte
de rua, arte digital, banda desenhada e videojogos.

Podemos sobreviver sem arte, mas dificilmente poderíamos viver bem sem arte.

A arte, de algum modo, completa e realiza a existência humana, reconforta-nos,


permite experimentar ou vivenciar certos sentimentos onde nos reconhecemos como
humanos: a arte é a casa do humano.

Uma existência sem arte é possível, mas seria uma existência muito pobre.
A arte também é uma das áreas de especulação filosófica e a disciplina que estuda os seus problemas
chama-se Filosofia da Arte ou Estética.

O que significa exatamente ‘arte’?

A palavra deriva do latim ‘ars’ e traduz o termo grego τέχνη, téchnē, 'arte’, técnica’, ‘ofício'; ‘arte’, na sua
origem, refere-se a uma capacidade, habilidade ou competência, em síntese, uma maneira de realizar uma
ação ou conjunto de ações.

O significado do termo ‘arte’ foi variável ao longo da história: inicialmente designou simplesmente
‘técnica’ e era indistinguível do termo ‘ofício’. Este sentido perdurou até ao final da Idade Média (séculos
V-XIV/XV d.C.). O artista era um artesão, um artífice.
Só na época do Renascimento (meados do século XIV até finais de XVI) se deu a separação das artes em
relação aos ofícios.
O discóbolo (lançador de disco), de Míron – Um cânone ou padrão da arte
harmoniosa na época clássica europeia (cultura greco-romana). Cerca de 455 a.C.
A catedral de Notre Dame, Paris – Um cânone ou padrão da arte gótica medieval
representativa da religiosidade católica cristã (1163 a 1345).
A Mona Lisa, quadro de Leonardo Da Vinci – Um cânone ou padrão da pintura
renascentista italiana que representa a beleza feminina da época (1503 a 1506).
No período do Iluminismo europeu, o filósofo francês Charles Batteux (1713-1780) separou em
definitivo as artes do plano dos ofícios e das ciências.

Chamou às artes “belas-artes”, uma designação que incluía a música, a pintura, a poesia, a
escultura e a dança. Estas estavam subordinadas a um único princípio, a imitação da natureza,
com a finalidade de proporcionar sentimentos de prazer e de beleza.

Batteux sustentou a ideia de que as “belas-artes” não têm em vista qualquer aplicação ou
satisfação de necessidades práticas, nem estão subordinadas a qualquer interesse utilitário. Por
isso, separou as “belas artes” das “artes mecânicas”.

A arte é a “imitação da bela natureza”, e segundo o filósofo “vamos escolher as partes mais
belas da natureza, para fazer uma obra requintada, mais perfeita que a própria natureza, mas que
nunca será natural.”
Ao longo da história existiram sempre “cânones” artísticos, ou seja, modelos e
princípios para estabelecer as regras da criação artística, uma forma de padronizar o
que se podia considerar correto ou adequado fazer na elaboração de objetos com
valor estético.

Assim, as regras da criação artística, bastante rígidas, permitiam traçar de modo


objetivo o que era uma boa obra de arte e o que era má arte ou arte fracassada.

Assim, o cânone, do escultor grego Policleto, ou o homem de Vitrúvio, de Leonardo


Da Vinci, representam o conjunto de regras para representar de forma harmoniosa o
corpo humano.
Imagens que representam os cânones artísticos corretos do corpo humano.
O respeito pelos cânones artísticos também era suportado por práticas relacionadas
com as encomendas das obras. Os artistas eram comissionados por patronos ou mecenas
e estes pagavam as obras, estipulando num contrato o que desejam ver retratado num
quadro.

Por exemplo, quanto tempo devia o artista dispor para criar a obra, quais os materiais a
usar, o tema ou assunto da obra, quanto dinheiro seria pago, quem é que deve ser
representado, em que posição, as roupas e adereços, o cenário, as dimensões, se o
próprio mecenas devia estar presente na cena representada, etc.

Como se pode deduzir, uma nota ou contrato de encomenda, é uma comissão entre um
mecenas ou um patrono e um artista. Comissionar uma obra de arte é, no fundo, cumprir
regras estabelecidas para definir os termos em que o artista deve trabalhar para
responder ao exigido. Nada disto está relacionado com a “liberdade artística”. Se o artista
não respeitar os termos em que a comissão da obra foi acordada, o patrono pode rejeitá-
la e nem sequer pagar ao artista, podendo até exigir uma retribuição ou compensação.
Atualmente, e desde o início do século XX, os artistas têm mais liberdade para expressar
a sua criatividade e os materiais utilizados, a escolha do tema/o assunto, a forma como a
obra é criada, deixaram de obedecer a qualquer tipo de cânone.

Assim, se Picasso tivesse feito um simples desenho num rolo de papel higiénico, esse
desenho seria valioso só porque o artista espanhol o fez.

A fama, o facto de ser um artista mundialmente reconhecido, de ser influente e um


criador imprevisível, em suma, a sua notoriedade, são suficientes para garantir o estatuto
de obra de arte e o seu valor no mercado.

E pode mesmo até ser o caso do artista não ser conhecido enquanto pessoa, mas
apenas o seu nome, como é o caso de Banksy (nem sequer se sabe se é uma pessoa real).

E pode mesmo suceder que obras de arte que hoje são valorizadas nunca tenham sido
criadas por um artista, ou por uma pessoa que nunca quis ser artista e nunca pensou em
exibir as suas criações (é o caso da “arte anónima”).
Marcel Duchamp (L.H.O.O.Q.)-1919 e a Mona Lisa Colorida (1963), de Andy Warhol
L.H.O.O.Q. – Wikipedia
Colored Mona Lisa - Wikipedia
As novas formas de arte contemporânea desafiam e colocam em causa o critério exclusivo
da beleza enquanto cânone estético.

Novas questões e desafios são colocados à imaginação filosófica no campo da estética ou


filosofia da arte.

Se uma obra de arte pode ser ridicularizada ou adulterada e reproduzida até ao infinito,
será que isso é arte?

Muitos objetos comuns e até objetos naturais podem ser usados como objetos estéticos e
expostos em galerias e museus – o que permite atribuir-lhes estatuto de obras de arte?

Tudo pode ser arte? Deixa de haver diferença entre arte e não-arte?

E se as obras de arte podem ser replicadas ad infinitum, deixa de haver diferença entre o
original e a cópia? E se uma falsificação for superior à obra de arte original?

E se nem sequer houver obra de arte em termos materiais? Ainda assim, há arte?
Exemplos de “objetos artísticos” com estatuto de obras de arte em termos
contemporâneos.
Exemplos de “objetos artísticos” com estatuto de obras de arte em termos
contemporâneos. Uma obra de arte destruída pelo próprio artista na leiloeira
londrina Sotheby’s, em 2018. Foi vendida assim por 1,4 milhões de dólares; em 2021
foi vendida por 25,4 milhões de dólares. O artista, no vídeo, explica como fez o
mecanismo.

banksy girl with balloon shred - Pesquisa Google


Exemplos de “objetos artísticos” com estatuto de obras de arte em termos
contemporâneos. Podem as fezes de um artista ser uma obra de arte?

Piero Manzoni – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)


Exemplos de “objetos artísticos” com estatuto de obras de arte contemporânea.
Uma obra “intangível” ou “invisível”. Criada pelo artista italiano, Salvatore Garau,
chamada “Io Sono” (literalmente, “Eu Sou”) foi vendida em leilão por 15 mil euros.
A obra é feita de “vácuo”, de “vazio”, e este “não é mais do que um espaço repleto de
energia, e mesmo se o esvaziarmos e nada mais restar, segundo o princípio físico da
indeterminação de Heisenberg, esse ‘nada’ tem um peso. Logo, tem energia condensada e
transformada em partículas, isto é, em nós. Afinal, não damos forma a um Deus que
nunca observámos?”, questionou o artista. A obra não existe realmente, só na
imaginação do artista.
“Io Sono”. A escultura invisível, de Salvatore Garau, que foi vendida por 15 mil euros – Observador
Exemplos de “objetos artísticos” com estatuto de obras de arte contemporânea. O filme
realizado por João César Monteiro, Branca de Neve (2000).

“O filme Branca de Neve, realizado por João César Monteiro, baseou-se numa
peça homónima do escritor suíço Robert Walser.
O filme foi estreado no dia 10 de novembro de 2000, no cinema King. Gerou
polémica imediata.
Ao longo dos 75 minutos de duração do filme, o ecrã está quase sempre negro,
ouvindo-se no escuro as vozes dos atores como que a recitar o texto, de forma
pomposa e arrastada. Apenas por brevíssimos momentos se veem no filme
algumas imagens de nuvens, um vulto caído na neve logo no início, e pouco
mais.
Um dos aspetos centrais da polémica prendeu-se com o facto de o filme ter
sido realizado com subsídios estatais, aos quais o realizador e o produtor se
tinham candidatado. O estado português tinha atribuído um subsídio de 650
mil euros, a que se juntaram 130 mil euros de patrocínio da RTP, que também
é uma empresa estatal.
Exemplos de “objetos artísticos” com estatuto de obras de arte contemporânea. O filme
realizado por João César Monteiro, Branca de Neve (2000).

Muitas pessoas alegaram que não era suposto o Estado gastar dinheiro dos seus impostos
a financiar filmes que ninguém vê – literalmente. Outros alegaram que aquilo não é arte e
não é sequer um filme. O realizador respondeu aos protestos dizendo que se estava “nas
tintas” para o que as pessoas pensavam, sugerindo que não cabe ao público decidir o que
um filme deve ser, mas apenas ao seu criador. Por sua vez, o produtor do filme, Paulo
Branco, respondeu que compete ao Estado apoiar as artes e que foi ao abrigo de um
programa estatal de apoio às artes que obteve tal subsídio, acrescentando que esse filme era
uma obra de arte excecional – literalmente, também. Uma parte do subsídio acabou por ser
devolvido.
Este caso mostra que a decisão de atribuir ou não o subsídio ao filme depende de ele ser
ou não ser arte. Mas isso implica ter uma noção adequada do que é arte, na qual os
governantes precisam de se apoiar para separar o que é elegível ou não para a atribuição
do subsídio.”
ALMEIDA, A. A Definição de Arte. O essencial. Plátano Editora, Lisboa, 2019, 1ª Edição,
páginas 17 e 18)

O filme, polémico, pode ser integralmente observado através desta hiperligação:


Branca de Neve (2000) [HQ] - YouTube
Conclusão: toda a evolução da arte e dos objetos com valor estético levantam inúmeras questões que
os filósofos estetas procuram dar uma resposta.

Um dos problemas centrais da filosofia da arte é descobrir as condições que sejam necessárias
e/ou suficientes para definir ‘arte’.

Há duas conceções teóricas, duas linhas de resposta filosófica:

- As teorias essencialistas:

- Teoria da arte como imitação ou representação; teoria da arte como expressão; teoria da arte
como forma significante.

- As teorias não-essencialistas ou contextualistas/processualistas:

- Teoria institucional da Arte, de George Dickie (inspirada em Morris Weitz e Arthur Danto);
- Teoria histórico-intencional, de Jerrold Levinson.

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