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FILOSOFIA – 10ºANO

Racionalidade argumentativa da Filosofia e a dimensão discursiva do


trabalho filosófico

› Noções, exemplos e exercícios

› 2023/2024 – Prof. Rui Kemp


Princípios lógicos

– Princípio da Identidade: o que é, é; o que não é, não é –


uma coisa é idêntica a si própria – ‘(p → p)’;
– Princípio da não-contradição: uma mesma coisa não
pode ser e não ser ao mesmo tempo; A não pode ser A e não-
A simultaneamente; uma proposição (e a sua negação) não
pode ser verdadeira e falsa em simultâneo – ‘~(p ˄ ~p)’.
– Princípio do terceiro-excluído: o conteúdo proposicional
do nosso pensamento é verdadeiro ou é falso, o terceiro
valor, a indeterminação, é excluído – ‘(p v ~p)’.
Todos estes princípios expressam tautologias.
Exercícios

Um candidato autárquico afirmou em público na ação


de campanha eleitoral:
«Espero que me compreendam bem para não haver más
interpretações! – Eu sou contra toda a pena de morte.
Mas, no caso dos criminosos que violam crianças não
vejo qualquer problema em aplicar-lhes a pena capital.»
Analise criticamente a afirmação do candidato
autárquico.
Exercícios.

O discurso é autocontraditório, o candidato contradiz-se:


afirma que é contra toda a pena de morte e ao mesmo
tempo afirma que é a favor de uma aplicação da pena
capital para o caso “dos criminosos que violam
crianças”.
Se é contra toda a pena de morte (PM) não pode abrir
qualquer tipo de exceção ou permitir um caso particular.
Ser contra toda a PM = Nenhum caso PM é aceitável.
O discurso infringe o princípio lógico da não-
contradição.
Uma mesma proposição e a sua negação não podem ser
verdadeiras ao mesmo tempo.
Exercícios.

«Eu digo sempre a verdade, mesmo quando


minto.»

Analise criticamente a afirmação.


Primeira crítica: a afirmação infringe o princípio da não-contradição; se uma afirmação é
verdadeira, quando se mente, diz-se uma falsidade. Assim, é contraditório afirmar que ao mentir
se está a afirmar a verdade (A não pode ser A e não A ao mesmo tempo).

Segunda crítica: o pensamento humano é logicamente bivalente. O que afirmamos ou é


verdadeiro ou é falso. Admitir que estamos a dizer algo falso que é verdadeiro ao mesmo tempo
infringe o princípio do terceiro-excluído. O que dizemos ou é verdadeiro ou é falso – não há
outro tipo de valor, não há um terceiro valor – a indeterminação ou indecisão é excluída.
Exercícios.

«Há alguém dentro da minha cabeça, mas não sou


eu.»
Pink Floyd, Brain Damage, do álbum The Dark Side of the Moon (1973)

Analise criticamente a afirmação.


A afirmação presente na canção da banda Pink Floyd infringe claramente o princípio lógico da
identidade.

Uma mesma pessoa não pode ser duas em simultâneo: ou é quem é ou não é.
Mesmo admitindo os casos de pessoas que têm dupla personalidade, ao assumirem uma
personalidade, assumem um “eu”, um outro “eu” que é idêntico a si próprio enquanto vivido ou
experimentado mentalmente.
Além disso, ao infringir a regra básica da identidade, há também infração da não-contradição:

Uma mesma pessoa não pode ser a pessoa A e a pessoa não-A ao mesmo tempo; se é uma
pessoa A, só pode ser a pessoa A.
Os conceitos são o modo que temos de
CONCEITOS, JUÍZOS E
RACIOCÍNIOS representar o mundo, de indicar as
O pensamento começa
características das coisas, dos seres, dos
por conceitos, relaciona- objetos, determinando a identidade e a
os através de ligações diferença de umas coisas em relação a
para formar juízos,
estabelecendo relações outras.
predicativas, afirmando
algo acerca de algo. O Os conceitos são assim as
conhecimento que representações mentais gerais e
formamos do mundo é
representado por juízos. abstratas pelas quais reconhecemos a
Conhecer é formular ou realidade do mundo. Do que não há
emitir juízos.
conceito não há realidade.
Ao ligar os juízos entre si
para expor razões e atingir É discutível filosoficamente determinar
um novo juízo, chamado
conclusão, estamos a a origem dos nossos conceitos.
raciocinar/argumentar.
Os conceitos não são palavras. Podem existir palavras de diferentes línguas para representar a
mesma ideia. A linguagem é apenas um meio de captar ou exteriorizar os conteúdos do pensamento.

A representação mental que fazemos de um animal como um ‘cão’ é a mesma para todos os seres
humanos. No entanto, cada língua tem as palavras adequadas para se referir à ideia geral e abstrata
de ‘cão’.

Também se usam frases diferentes para denotar/referir um mesmo conceito/ideia.

(1) O Mestre de Alexandre Magno; (2) Filósofo estagirita; (3) O fundador do Liceu; (4) O autor do
primeiro tratado de Psicologia; (5) O aluno mais famoso de Platão.

R: Aristóteles.
As relações entre conceitos chamam-se juízos ou
proposições:

“Nenhum filósofo foi matemático”


“Alguns filósofos foram escritores”
“Descartes foi um filósofo matemático francês”
“Toda a lógica é bivalente”
“Alguns filósofos não são racionalistas”

Formular (ou emitir) um juízo é atribuir um termo do


sujeito a um termo do predicado através de um verbo
ou cópula do juízo. A forma geral: “S é/não é P”.
No lugar de ‘S’ temos o termo do sujeito; no lugar de ‘P’ temos
o termo do predicado.

Os juízos/proposições têm valor de verdade, podem ser


verdadeiros ou falsos, podem ser classificados pela quantidade e
pela qualidade, e só se aceitam frases de tipo declarativo com
sentido que afirmam categoricamente algo acerca de algo.

As frases interrogativas, exclamativas, as ordens, as frases que


expressam desejos, frases acerca do futuro, as promessas, ou as
frases que se referem a estados mentais de cada sujeito que só
podem ser acedidos pelo próprio, assim como frases absurdas,
não são proposições.
Exercício. Quais as frases que são proposições?

«Passa o que está no quadro para o caderno!»


«Quem me dera que chegue a Feira da Caça.»
«Eu gosto da Feira da Caça.»
«Eu detesto a Feira da Caça.»
«Amanhã vai chover bastante em Mértola.»
«Mas o que é que estás a fazer ao meu caderno?»
«Prometo sair contigo no fim-de-semana se me ajudares a fazer o TPC de
filosofia.»
«Não existe um sistema único de lógica para explicar a complexidade do
pensamento humano.»
«Existem seres inteligentes extraterrestres.»
«Só sei que nada sei.»
«Se os extraterrestres quiserem entrar no nosso país têm de pagar
impostos e nós vamos construir um muro no espaço - e o México é que vai
pagar a conta!»
As proposições categóricas podem ser classificadas pelas letras
vogais latinas A, E, I e O

«Todos os filósofos são seres racionais»


«Alguns cientistas não são filósofos»
«Alguns filósofos são empiristas»
«Nenhum pensador relativista é objetivista»
«Kant foi um pensador criticista»

- Proposição universal afirmativa (tipo A)


- Proposição particular negativa (tipo O)
- Proposição particular afirmativa (tipo I)
- Proposição universal negativa (tipo E)
- A última proposição ou juízo é de tipo singular afirmativo e não
conta como categórica (refere-se apenas a um indivíduo).
As proposições categóricas A, E, I e O relacionam-se entre si por
oposição lógica (quadrado lógico das oposições)
As relações entre proposições categóricas estabelecem regras para
atribuir valores de verdade

As linhas diagonais indicam a relação lógica de negação ou


contraditoriedade. As proposições dos tipos A e O são contraditórias, no
sentido em que se negam mutuamente: não podem ser ambas
verdadeiras nem podem ser ambas falsas. O mesmo acontece com as
proposições dos tipos E e I.

Só as proposições particulares refutam as proposições universais.

Exemplo – Refute a seguinte tese, apresentando a contraditória:

«Todos os portugueses são alentejanos» - Tipo A - F


«Alguns portugueses não são alentejanos» - Tipo O - V
As relações entre proposições categóricas estabelecem regras para
atribuir valores de verdade

As proposições dos tipos A e E não são contraditórias, mas antes


contrárias porque não podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser
ambas falsas: por exemplo, tanto é falso que todas as mulheres são altas
como é falso que nenhuma mulher é alta.

Exercício. Considera a proposição:

«Todos os filósofos são gregos»

Qual é a sua contrária? Será verdadeira ou falsa?

R: As duas proposições contrárias são falsas: as duas subcontrárias


(particulares) são simultaneamente verdadeiras.
As relações entre proposições categóricas estabelecem regras para
atribuir valores de verdade

As proposições dos tipos I e O são subcontrárias porque não podem ser


ambas falsas, mas podem ser ambas verdadeiras: por exemplo, tanto é
verdadeiro que alguns gregos são filósofos como é verdadeiro que alguns
gregos não são filósofos.

Se souber que a proposição «Todos os princípios lógicos são tautologias»


é verdadeira, pode determinar o valor de verdade das suas opostas?
Justifique a sua resposta.

R: É possível determinar que a contrária (tipo E) é falsa; que a subcontrária I é


verdadeira e que a contraditória, tipo O, é falsa.
As relações entre proposições categóricas estabelecem regras para
atribuir valores de verdade
As proposições de tipo A implicam as proposições de tipo I, e as de tipo E
implicam as de tipo O. A esta relação de implicação chama-se também
subalternidade: I é a subalterna de A; O é a subalterna de E. Assim,
«Todos os seres humanos são mamíferos» implica que alguns seres
humanos são mamíferos.
Exercício

Se souber que a proposição «Nenhuma filosofia é ciência empírica» é


verdadeira, posso determinar o valor de verdade de todas as proposições
subalternas?
R: É possível determinar que A é falsa; que I é falsa; e que O é verdadeira.
Noção básica de argumento
Qualquer argumento (ou raciocínio) é uma unidade lógica entre
uma ou mais premissas (formadas por proposições) no apoio
concedido a uma nova proposição (chamada conclusão). As
premissas são as razões que sustentam a verdade (ou falsidade) de
uma dada conclusão. A relação formal de apoio é válida ou inválida.
As proposições (e só estas) é que são verdadeiras ou falsas. É errado
atribuir o predicado de ‘verdadeiro’ ou de ‘falso’ aos argumentos.
Exercício. Estamos perante um argumento?
«Se um computador pensa, então as nossas mentes são limitadas. Nenhum
computador pode ser mais rápido que a mente humana. A inteligência
artificial consegue vencer os seres humanos em jogos de xadrez. Os seres
humanos são criadores dos computadores; os computadores não são capazes
de criar.»
R: Não. Estamos perante um conjunto de afirmações cujo assunto é
comum, mas não há uma conclusão. E sem conclusão não há argumento.

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