Você está na página 1de 6

Autodeterminação dos professores de Música: Testes de validade e

confiabilidade

Francine Kemmer Cernev1

Liane Hentschke2

RESUMO:

Este estudo tem por objetivo investigar a validade e confiabilidade de uma escala desenvolvida para a
identificação das orientações motivacionais dos professores de música que atuam no contexto escolar. Testes de
validade e confiabilidade são procedimentos utilizados para assegurar o reconhecimento científico em testes
quantitativos e sustentar uma investigação. Com esse estudo pretendemos abrir uma discussão sobre os
procedimentos necessários para a construção de testes estatísticos aplicados em pesquisas científicas na área da
educação musical, impulsionando o avanço de futuras investigações.
Palavras-chave: Motivação do professor; Educação Musical; Teoria da Autodeterminação

ABSTRACT

This study aims to investigate the validity and reliability of a scale designed to identify the motivational
orientations of music teachers who work in the school context. Reliability and validity tests are procedures used
to ensure the scientific recognition in quantitative tests and sustain an investigation. With this study we intend to
open a discussion on the procedures necessary for the construction of statistical tests applied in scientific
research in the field of music education, promoting the advancement of future investigations.
Key-words: Teacher´s motivation; Music Education; Self-determination Theory

INTRODUÇÃO

Medidas de qualidade de uma pesquisa têm sido amplamente utilizadas na área da


psicologia educacional para verificar as influências que determinados comportamentos
incidem sobre uma determinada pessoa. Esses estudos, baseados na Perspectiva Social
Cognitiva da Motivação (BANDURA, 2008), relatam que psicólogos e educadores utilizam
como procedimentos metodológicos escalas de medidas para compreender as percepções,
crenças e sentimentos que as pessoas possuem sobre as influências do ambiente em que estão

1
Mestranda em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista CAPES.
2
Professora Titular do Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Pesquisadora Nível 1c do CNPq.
inseridas. Entretanto, os usos destas escalas necessitam de critérios minuciosos para sua
construção e aplicação que atestem a confiabilidade e validade de uma pesquisa.
A trajetória das pesquisas brasileiras na área da educação musical tem revelado o
uso sistemático de pesquisas de abordagens qualitativas, tais como estudos de caso, pesquisas
etnográficas, pesquisa-ação, entre outros. Entretanto, na literatura nacional ainda são
encontrados poucos estudos que realizam métodos escalares e estatísticos em suas pesquisas.
Assim, este artigo procura explicar alguns procedimentos técnicos utilizados em estudos sobre
motivação em educação musical, abrindo uma discussão sobre os procedimentos necessários
para a elaboração de instrumentos de medidas confiáveis e válidas, trazendo outras
perspectivas para pesquisadores interessados em pesquisas quantitativas na área da educação
musical.

Escala de Motivação do Professor de Música (EMPM)

A construção de um instrumento de medida é um processo minucioso e


procedimental, principalmente em relação aos métodos e domínios de cada construto. Adánez
(1999) e Oakland (1999) definem algumas etapas específicas para a elaboração de testes e
escalas de medidas. Apesar de cada autor trazer suas especificidades, de um modo geral,
ambos concordam com a exigência de se usar rigor em sua construção. Definir claramente os
objetivos do teste e especificação do contexto; obter revisão da primeira versão por juízes
independentes; selecionar amostras viáveis; avaliar a precisão, confiabilidade e viabilidade do
estudo e, por fim, elaborar normas e redação final do manual em uso são imprescindíveis para
validar uma pesquisa científica.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2001) publicou a Resolução 25/2001, na
qual apresenta diretrizes para a elaboração e o uso dos testes psicométricos. Ela determina os
critérios mínimos para a elaboração de instrumentos: (a) apresentação da fundamentação
teórica do instrumento, enfatizando a definição do construto e descrevendo propósitos do
instrumento e os contextos principais para os quais ele foi desenvolvido; (b) apresentação da
validade e da precisão justificando os procedimentos específicos adotados na investigação; (c)
apresentação de dados sobre as propriedades psicométricas dos itens do instrumento; e (d)
apresentação do sistema de correção e interpretação dos resultados3.

3
Apesar de essa Resolução ter sofrido algumas alterações ao longo dos anos, seus critérios procedimentais não
foram alterados.
A confecção do instrumento de medida a ser utilizado nesta pesquisa, intitulada
como Escala de Motivação do Professor de Música (EMPM) seguiu os procedimentos
propostos pela literatura, onde foram elaboradas 48 afirmativas baseados na Teoria da
Autodeterminação4. Após essa etapa, as questões foram apresentadas ao grupo de pesquisa
FAPROM5 que estuda sobre a motivação no contexto da educação musical para uma primeira
revisão e análise dos itens da escala. Posteriormente, essas questões foram enviadas para três
juízes independentes (pesquisadores de motivação no contexto escolar que foram convidados
para analisar e verificar a consistência deste questionário). Eles receberam uma definição
teórica de cada tipo de motivação constante na Teoria da Autodeterminação, seguida de itens
para que pudessem escolher os que mais se aproximassem do conceito.
Após a análise de todos os comentários obtidos, foi gerada a primeira versão da
escala, um instrumento (questionário) de autorrelato com escalas do Tipo Likert de cinco
pontos. O instrumento é composto por 30 questões, referentes às percepções, ações e atitudes
do professor de música, propostas dentro do contínuum de autonomia percebida, proposta pela
Teoria da Autodeterminação (DECI; RYAN, 2008). Para cada construto (desmotivação,
motivação extrínseca -regulação externa, introjetada, identificada e regulada- e motivação
intrínseca) cinco informações independentes são fornecidas, onde o professor respondente
deve escolher alguma das afirmações que melhor representam sua ação e percepção. Após
aplicação da primeira parte do estudo, o questionário foi submetido à análise, a fim de avaliar
a viabilidade e confiabilidade deste instrumento.

Metodologia de Validação

Os instrumentos psicológicos são instrumentos de medida e, por isso, devem


apresentar características que justifiquem sua validade (PASQUALI, 2003). Entretanto, não
existe uma uniformidade entre os estudiosos sobre quais procedimentos devem ser utilizados
pois, dependendo do objetivo de cada estudo, diferentes interfaces estatísticas podem ser
aplicadas (TABACHNICK; FIDELL, 2006). Em caso de testes psicológicos,

4
A Teoria da Autodeterminação procura compreender e explicar a dinâmica de motivação que impulsiona uma
pessoa em participar de uma atividade ou evitar a realizá-la. Este quadro teórico propõe que todo o ser humano
busca, de forma inata, aumentar seu potencial, desenvolver-se psicologicamente e conquistar novos desafios,
através da satisfação de três necessidades psicológicas básicas: autonomia, competência e senso de
pertencimento (DECI; RYAN, 2008).
5
FAPROM: Grupo de Pesquisa sobre Formação e Atuação de Profissionais em Música, desenvolvido pelo
programa de pós-graduação em música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
independentemente de qual instrumento de medida o pesquisador irá utilizar, duas
características básicas não podem deixar de ser verificadas: a confiabilidade e a validade da
escala (PASQUALI, 2003). Essas características de análise podem ser encontradas em
diversos estudos, como de Guiffrida et al. (2008); Roth et al. (2007) e no Brasil nos de Icazi
(2007) e Bzuneck e Guimarães (2007).
A confiabilidade de um instrumento de pesquisa pode ser verificada por vários
meios, testes e medidas. De um modo geral, a confiabilidade mede a relação entre si dos
diferentes itens de um mesmo instrumento (PASQUALI, 2003). A confiabilidade pode ser
obtida através da análise de consistência interna, que representa uma média de correlação
entre os itens do questionário. Já a validade é um processo que busca demonstrar a utilidade
da medida realizada, ou seja, o significado das pontuações obtidas. Segundo Pasquali (2003),
é precisamente a validade que permitirá realizar inferências e interpretações corretas dos
resultados ao aplicar um teste e estabelecer a relação com o construto que se mede. Uma das
formas de validação é realizada pelo seu conteúdo Ela corresponde em verificar se o
instrumento é capaz de medir aquilo que se propõe medir, neste caso, as percepções dos
professores sobre seu grau de autonomia em sala de aula.
A aplicação da Escala de Motivação do Professor de Música (EMPM) em sua
primeira fase teve como objetivo conferir a clareza dos itens, fornecer um feedback da
viabilidade do questionário e operacionalização dos construtos propostos pela pesquisa, além
de eliminar ambiguidades ou dificuldades de vocabulário, identificar omissões e redundâncias
e observar o formato de categorizações e layout, entre outros (COHEN et al., 2007). Para
tanto, foram convidados 20 professores de música que atualmente estão em licença ou que já
atuaram em escolas de educação básica. A escolha por professores de música que já tiveram a
experiência em escolas de educação básica, mas que no momento estão afastados ou em
outros contextos do ensino da música é um critério estatístico de seleção da amostra
(BARBETTA, 2008). Todos os questionários foram enviados via e-mail, para testar a
possibilidade da segunda etapa da pesquisa ser coletada via web. A estes professores foram
apresentados os objetivos da pesquisa sendo instruídos a responder sobre suas percepções de
acordo com uma das opções propostas na escala Likert. Foi garantido aos professores o sigilo
de todas as informações.
Para analisar a viabilidade e confiabilidade da primeira etapa deste estudo foi
aplicado o teste de Alpha de Crombach (para verificar a consistência interna de cada
construto) e realizada uma Análise descritiva de todas as variáveis abordadas no
questionário, para ter um panorama geral da amostra em relação a cada construto.
Complementando informações da análise descritiva foram calculados os Escores médios de
cada questão com escala de Likert (1-5) para verificar as pontuações individuais, além da
elaboração de Gráficos com as variáveis do estudo.
Analisar as dificuldades e praticidades em preencher o questionário também é
uma forma de aumentar a confiabilidade de um instrumento de medidas. Esse procedimento é
importante, pois atesta a coerência de suas propriedades de medidas (COHEN et al., 2007).
No momento da aplicação do questionário, os professores foram convidados a dar suas
opiniões sobre a clareza de cada questão ou dificuldade em entender cada uma das afirmativas
propostas. Assim, paralelamente às análises estatísticas, foram tabulados os comentários
obtidos para uma análise quanto à sua forma de interpretação, adequação de vocabulário, e
possíveis dificuldades de entendimento da coleta de dados através da escolha de graduações
qualitativas.
Até o presente momento, a pesquisa testou a confiabilidade e viabilidade do
estudo piloto. Como o instrumento foi considerado representativo frente ao universo teórico
que se pretende medir, o instrumento sofreu pequenas modificações necessárias para a
aplicação final. A validação final do instrumento será realizada ao termino da análise da
segunda etapa da pesquisa, no qual a escala foi aplicada a uma amostra de 162 professores
com a finalidade de assegurar a análise e discussão dos resultados. Conforme Bzuneck e
Guimarães (2007), os testes e resultados de análises não garantem que um determinado
questionário ou escala específica seja definitiva ou a melhor; ele apenas indica que seus
elementos se ajustam aos objetivos a serem observados. É importante lembrar que, mesmo
com as análises de viabilidade e confiabilidade sendo favoráveis à aplicação de uma escala de
mensuração, seus itens sempre podem ser aperfeiçoados, principalmente quando um
procedimento se refere a avaliações de construtos psicológicos.

REFERÊNCIAS

ADÁNEZ, G. P. Procedimientos de construcción y análisis de tests psicométricos. In:


WECHSLER, S. M.; GUZZO, R. S. L. (Orgs.), Avaliação psicológica: Perspectiva
internacional. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. p.57-100.

BANDURA, A. A evolução da teoria social Cognivita. In: BANDURA, A; AZZI, R.G.;


POLYDORO, S. e col. Teoria Social Cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed,
2008.
BARBETTA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. 7 ed. Florianópolis: Ed da UFSC,
2008

BZUNECK, J. A.; GUIMARÃES, S.É.R. Estilos de Professores na Promoção da Motivação


Intrínseca: reformulação e Validação de Instrumento. Psicologia: Teoria e Pesquisa. vol 23, n
4, 2007. p. 415-422.

CFP – Conselho Federal de Psicologia (2001). Resolução no25/2001. Disponível em:


<http://www.pol.org.br>. (acessado em 23/11/2009)

COHEN, L.; MANION, L. e MORRISON, K. Research Methods in Education. 6 ed.New


Yourk: Routledge, 2007

DECI, E. L.; RYAN, R. M . Facilitating Optimal Motivation and Psychological Well- Being
Across Life’s Domains. Canadian Psychology.vol. 49, n. 1, 2008(a). p 4–23.

DECI, E. L.; RYAN, R. M . Self-Determination Theory: A Macrotheory of Human


Motivation, Development, and Health, Canadian Psychology , Vol. 49, No. 3, 2008(b), p.
182–185

GUIFFRIDA, D. ; GOUVEIA, A.; WALL,A; SEWARD, D. Development and Validation of


the Need for Relatedness at College Questionnaire (NRC-Q). Journal of Diversity in Higher
Education vol. 1, No. 4, 2008.p. 251–261

ICAZA, E. E. S. Validação de campo dos questionários de qualidade de vida relacionada à


saúde, o paediatric asthma quality of life questionnaire e o paediatric quality of life inventory
em crianças asmáticas do Rio Grande do Sul. Tese (Doutorado em medicina). Porto Alegre:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.

OAKLAND, T. Developing standardized tests. In: WECHSLER, S. M.; GUZZO, R. S. L.


(Orgs.). Avaliação psicológica: Perspectiva internacional. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1999. p. 201-118

PASQUALI, L. Psicometria: teoria dos testes na Psicologia na Educação. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2003.

ROTH, G; ASSOR, A.; KANAT-MAYMON, Y.; KAPLAN, H. Autonomous motivation for


Teaching: How Self-Determined Teaching May Lead to Self-Determined Learning. In:
Journal of Educational Psychology. Psychological Association. vol.99, n.4, 2007. p. 761–774

SANDER. G. B. Validação de questionário de mensuração da dispepsia funcional


desenvolvido para a língua portuguesa. Dissertação (Mestrado em medicina). Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Medicina. Programa de Pós-Graduação em
Ciências Médicas : Gastroenterologia, 2003.

TABACHNICK, B.G.; FIDELL, L.S. Using multivariate statistics. 5 ed. Allyn & Bacon,
2006.

Você também pode gostar