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HISTORIA DA
FILOSOFIA
CONTEMPORÂNEA I
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O MOVIMENTO ROMÂNTICO
Os fundadores do romantismo
Iena no centro da Alemanha foi o lugar escolhido pelos românticos alemães para
divulgar suas idéias na pessoa dos irmãos August e Wilhelm Schlegel, criadores do “círculo
dos Schlegel” aos quais aderiu o poeta Novalis e outros, além dos filósofos Fichte e
Schelling. Posteriormente, quando Friederich Schlegel se transfere para Berlim e se
associa a Schleiermacher, esta se torna a capital dos românticos. O poeta Hölderlin,
embora não pertença ao círculo têm em comum com ele as mesmas posturas. Goethe e
Schiller embora críticos do círculo dos Schlegel, não deixava de ter com eles mais pontos
em comum que diferenças e podem ser incluídos entre os criadores do romantismo.
Friederich Schlegel (1772-1829) tem como tema central de seu pensamento a
concepção de Infinito e o acesso a ele se dá pela filosofia e pela arte, ainda que para isso
nos valhamos de meios finitos. Do lado filosófico, este “meio” é a ironia, entendida não no
sentido socrático, mas como atitude espiritual que tende a superar e dissolver qualquer
coisa determinada e a nos impulsionar sempre para mais além. A ironia é o desejo de
eliminar o condicionado (o finito) no incondicionado (o infinito). A ironia é o “sentimento de
inadequação” do finto frente ao infinito e como tal nos leva a encarar a realidade de modo
“espirituoso”, “brincalhão”. A ironia também revela o fato de que toda experiência
espiritual, mística, é no fundo incomunicável e como tal deve nos levar a esta situação de
sermos “espirituosos”. Resta-nos o “abandono de si”, o riso de si mesmo. A arte sendo obra
de um gênio criador ela opera a síntese entre o finito e o infinito e o artista é aquele que
anula esta distância e se torna o veículo do infinito. Sua missão é elevadíssima. A arte
possui também um caráter religioso, já que toda religião é relação do homem com o infinito.
Aos 37 anos se converteu ao catolicismo.
Novalis (1772-1801) chamava seu pensamento de “idealismo mágico” que identifica a
capacidade criativa do inconsciente do Eu como uma potência mágica, capaz de criar
infinitamente. O espírito humano é o poder criativo por excelência e como tal pode nos
colocar em contato um com os outros e com o futuro e o passado. A filosofia e mais ainda a
arte são magia, já que conseguem captar o Absoluto. A realidade é poesia. Desta
constatação é possível entender outras afirmações de Novalis: tudo é fábula, tudo é sonho
ou deve transformar-se em sonho. O mundo dos sonhos é que é nossa pátria e ele está em
toda parte e em parte alguma.
Numa segunda etapa de seu pensamento Novalis passou do idealismo mágico a uma
visão inspirada pelo cristianismo, revalorizando profundamente a Idade Média católica,
entendida por ele como um período de grande unidade. No entanto seu cristianismo era
submisso aos ideais gregos. Cristo como que “completa” o pensamento grego, ao dar um
sentido para a morte. Novalis, como todos os românticos, é um cultor do da “noite” em
oposição à “luz” do racionalismo iluminista, que ele entende como metáfora do Absoluto e da
vitória sobre a morte.
Schleiermacher (1768-1834) foi o grande renovador da teologia dogmática
protestante, ao mesmo tempo em que elabora uma visão romântica da religião destinada a
ter grande posteridade. Igualmente foi o tradutor de Platão para o alemão e por conta
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disso, provocou uma grande divulgação deste pensador antigo. Por sua vez, é o criador da
hermenêutica, ciência a ter uma enorme importância até os dias de hoje, principalmente no
que se refere aos estudos bíblicos.
Schleiermacher entende a religião como relação do homem com a Totalidade (com o
Todo). Esta por sua vez se relaciona também com a metafísica e a moral e isto criou alguns
mal entendidos, pois seus conteúdos se misturaram, já que a religião não é dever moral nem
pensamento. A religião é intuição e sentimento do infinito e isto lhe dá uma identidade bem
definida. Ela não quer explicar e conhecer universo, mas quer intuí-lo, contempla-lo e no
homem, mais do que em qualquer outra coisa, dá-se a marca e expressão do Infinito. O
modo de acesso a Deus é a intuição e o sentimento que acompanha este estado de espírito é
o sentimento de “total dependência” do homem em relação à totalidade infinita. Isto é
válido para toda forma de religião, embora Schleiermacher tenha privilegiado nos seus
estudos o cristianismo.
Hölderlin (1770-1843), um dos maiores poetas de todos os tempos, foi amigo de
Schelling e de Hegel, mas não se ligou ao círculo dos Schlegel, levando uma vida solitária
que o levou à loucura a partir de 1806, ou seja, metade de sua vida. O amor aos gregos, o
primado espiritual da beleza e da poesia são para Hölderlin a possibilidade de captar o
Infinito-Uno, o sentimento de pertença ao Todo. A natureza é a origem divina de tudo
(deuses e homens). Retoma vários temas cristãos, mas entende cristo como uma espécie de
divindade à maneira dos deuses gregos.
Schiller (1759-1805) tem como marca espiritual o amor à liberdade em todas as suas
formas essenciais: liberdade política, liberdade social, liberdade moral. A Revolução
Francesa e seus resultados convenceram Schiller de que o homem ainda não estava
preparado para a liberdade e que a verdadeira liberdade é aquela que está sediada na
consciência. O modo de acesso à liberdade é a Beleza – este é o credo de Schiller. Ele é o
criador do conceito romântico de “alma bela” que é a capacidade de eliminar a antítese
entre inclinação sensível e dever moral, conseguido cumprir o dever como inclinação
expontânea. A alma bela é aquela dotada daquela graça que harmoniza instinto e lei moral.
Goethe (1749-1832) é o maior poeta alemão, resumindo em si toda uma época com
suas dificuldades e aspirações. Não se dedicou à filosofia, mas em suas obras literárias há
elementos filosóficos que influenciaram bastante os românticos posteriores. Inicialmente
Goethe esteve ligado ao movimento Sturm und Drang, mas dele se afastou, criticando seus
excessos de sentimentalismo e definido-se como um “clássico”, repropondo os cânones
gregos de beleza. No entanto seu classicismo é plenamente romântico. Goethe sempre foi
animado antes de tudo pelo sentimento do “Eu”, a força interior que o leva a nunca se
contentar com as coisas como são e a constantemente superar-se. Sua concepção de
natureza é a de uma forma de organicismo próxima de alguns renascentistas, o que o levou
a ser classificado como panteísta, embora rejeitasse estes rótulos. Para Goethe, o “gênio”
é “a natureza que cria”. A arte é atividade criadora e criação como a natureza e como tal,
está acima da natureza.
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Os escritos hegelianos
1) Trabalhos juvenis (período de Berna e Frankfurt) 1793-1800 – em geral de natureza
teológica.
- Religião racional e cristianismo
- a vida de Jesus
- A positividade da religião cristã (1º versão)
- O espírito do cristianismo e seu destino
- A positividade da religião cristã (2º versão)
2) Período de Iena – 1801-1806 (não foram publicados: permaneceram inéditos até sua
morte)
- A constituição da Alemanha
- O sistema da eticidade
- A diferença entre o sistema de Schelling e de Fichte
- Relações entre ceticismo e filosofia
- Fé e saber
3) Escritos da maturidade (período de Bamberg, Nuremberg e Heidelberg) 1806-1818
- A Fenomenologia do Espírito
- A ciência da lógica
- A Enciclopédia das ciências filosóficas (1º versão em 1817, ampliadas em 1827 e 1830)
4) Período Berlinense (1818-1823)
- Filosofia do direito
- Obras publicadas postumamente por seus alunos: Lições sobre a filosofia da história,
Lições de estética, Lições de filosofia da religião, Lições sobre a história da filosofia.
De todas as obras de Hegel, talvez a Ciência da Lógica seja a mais completa, pois
contém a sua “lógica” e sua metafísica, com os temas fundamentais de seu pensamento:
Idéia – Natureza – Espírito. Mas para uma plena compreensão do seu sistema, o material de
seus cursos, publicados postumamente, são extremamente úteis.
Pontos Básicos do Sistema Hegeliano
Apesar da extrema complexibilidade do sistema hegeliano, as suas idéias
fundamentais podem ser resumidas em três:
1 – A realidade enquanto tal é Espírito infinito (a palavra espírito em Hegel tem um
significado todo particular).
2 – A estrutura, a própria vida do Espírito e o procedimento pelo qual o saber filosófico
chega a conhecê-lo, é a dialética ( a espiritualidade é dialética e esta palavra tem também
significado único em Hegel).
3 – A particularidade desta dialética é seu elemento especulativo.
A realidade como espírito infinito
A metafísica tradicional sempre considerou a realidade última das coisas, a verdade
como sendo a substância ou essência. Para Hegel, este conceito como que interpreta a
realidade como algo rígido e imutável. Quando definimos o homem como “animal racional”
parece que tudo está dito, o que para Hegel não é verdade.
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Por ex: uma somente é um “ser em si”. Ela tem que “negar-se”, ser “um outro”,
desaparecer, para que surja o “ser em si e para si” que é a planta. A cada um destes
momentos Hegel dá a seguinte denominação:
1 – o ser em si é a Idéia
2 – o ser fora de si é a Natureza
3 – o ser em si e para si é o Espírito
a Idéia, que Hegel também denomina Logos, razão pura e subjetividade, tem em si o
princípio de seu desenvolvimento. Resumidamente isto assim se dá: a Idéia deve primeiro
“objetiva-se”, isto é, fazer-se Natureza, “alienando-se”, para então superar esta alienação,
retornando a si mesma como Espírito. O Espírito é a Idéia que se realiza e se contempla
através de seu próprio desenvolvimento. Daí a filosofia hegeliana dividir-se em três
momentos: 1) Lógica; 2) filosofia da Natureza; 3) Filosofia do Espírito. A primeira estuda a
idéia em si; a segunda o seu “alienar-se” e a terceira o seu retorno a si. O conjunto, a
totalidade deste movimento Hegel chama absoluto. Assim, nada do que acontece está fora
do domínio do absoluto, mas é um momento seu e é insuprimível. Por isso o “ser” e o “dever
ser” coincidem, isto é, o “o que é, é o que devia ser”, porque tudo o que existe é
processamento da Idéia e do seu desenvolvimento. Daí ser a filosofia hegeliana chamada de
pan – logista: tudo é pensamento no sentido que tudo é racional enquanto determinação
do pensamento. O nous, a inteligência, governa o mundo.
Neste sentido, nada escapa a este movimento: mesmo a morte é um momento
necessário, pois o Espírito suporta a morte e nela se mantém. Por paradoxal que pareça, o
Espírito só conquista a sua verdade com a condição de encontrar-se a si mesmo na
devastação absoluta, que é a morte!
A dialética como lei suprema do real
Ao contrário dos outros pensadores românticos contemporâneos, para os quais o
absoluto poderia ser captado imediatamente através do “sentimento” ou pela “fé”, Hegel
diz que o absoluto (a totalidade da realidade) é sempre mediatizado (precisa de uma
mediação) para ser alcançado, portanto, um método que tenha um rigor científico.
Hegel quer dar à filosofia o mesmo grau de certeza e segurança da ciência,
fornecendo para isso o método para se chegar ao conhecimento científico do absoluto. A
dialética é o instrumento que ela pretende dar à filosofia.
A dialética antiga (a rigor, a lógica formal de Aristóteles) conseguiu chegar às
essências ou conceitos, mas a realidade era captada no seu aspecto estático, solidificado,
sem se perceber que o próprio da realidade é o seu dinamismo, o seu movimento. A
realidade é o movimento das essências e o movimento é a própria natureza do Espírito. Este
movimento é sempre circular e triádico:
1 – Tese – lado abstrativo ou intelectivo
2 – Antítese – lado dialético ou negatividade racional
3 – Síntese – lado especulativo ou positividade racional
1 – O Intelecto (tese)
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O Estado, sendo a razão que entra no mundo, a história nada mais é que a dialética
(isto é, a luta) dos Estados. “A história é o desenvolvimento do Espírito no tempo”. A
história é o “juízo” do mundo e a filosofia da história é o conhecimento racional deste
juízo. A história para Hegel segue um plano racional (semelhante à noção de Providência
Divina da teologia). A filosofia da história é uma teodicéia, no sentido de que a justiça
divina é que explica e justifica os momentos “bons” ou “maus” tendo em vista um “ótimo”.
Afirma Hegel: “A história é o desdobrar-se da natureza de Deus em um determinado
elemento particular”. Neste sentido, em última instância, chega-se à noção de que Deus é a
história, assim como Deus é a natureza! Por isso em Hegel pode-se aplicar-lhe os adjetivos
de cosmoteísta e historiteísta!
Este Espírito objetivo se desdobra na história como Espírito de um povo
( Volkgeist) que por sua vez é a expressão do Espírito do mundo (Weltgeist) e este
espírito do mundo está em conformidade com o Espírito Divino, o Espírito Absoluto!
O Espírito de um povo é o Espírito universal numa forma particular (em determinado
povo), que pode desaparecer, sem que o Espírito do mundo desapareça. São momentos
particulares do Espírito do mundo os “indivíduos cósmico-históricos”, os heróis capazes de
levar a história a seu termo: Alexandre, Júlio César, Napoleão. Mesmo que estes
indivíduos tenham praticado coisas mesquinhas, Hegel os justifica dizendo que a “razão
universal” faz uso destas paixões individuais em seu benefício: é a “astúcia da razão”.
Hegel via três grandes momentos na história: 1) o mundo oriental; 2) o mundo greco –
romano; 3) o mundo cristão – germânico.
3 – O Espírito Absoluto
Depois de se ter realizado na história como liberdade, a Idéia conclui seu “retorno a
si” no auto-conhecimento absoluto. O Espírito absoluto é a Idéia que se auto-conhece de
maneira absoluta. Este auto-conhecimento é o conhecimento divino. De certo modo, Hegel
abaixa Deus ao homem e eleva o homem a Deus e assim se dá a conciliação do finito e do
infinito. Esta união não é um ato místico-religioso, mas um processo de conhecimento, que
segue um processo triádico: 1) na arte, pela intuição sensível; 2) na religião, pela
representação da fé; 3) na filosofia, pelo conceito puro. Os três reinos do Espírito
absoluto se diferenciam somente pelas formas que levam à consciência o seu objeto, o
absoluto.
As etapas do Espírito Absoluto
A Arte - A arte apresenta à consciência a verdade como forma sensível. Na sua unidade,
ela constitui a essência do belo. Mas do que ter um aspecto utilitário, sua essência está em
ser o modo de expressão e exposição do conteúdo da verdade. A arte é inata ao Espírito
que busca a necessidade de satisfação em algo exterior ao eu. A arte deixa subsistir um
quê misterioso, um pressentimento, uma inquietação.
A arte pode ser compreendida segundo as seguintes etapas dialéticas: a) arte
oriental; b) arte clássica; c) arte romântica.
A Religião - A religião tem como forma de sua consciência a representação. Quando o
absoluto é transferido da objetividade da arte, para a interioridade do sujeito, por meio
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O marxismo foi o conjunto de idéias que mais influenciou o século XX. Ele esteve
como o polo de contestação para quase todas as áreas do conhecimento humano: economia,
história, política, filosofia, arte, religião, sociologia, etc... Mesmo que o sonho comunista
hoje esteja desacreditado, a influência que as idéias de Marx tiveram e ainda têm, não
pode ser de modo algum desprezado e de certo modo, já passaram a fazer parte do
patrimônio cultural da humanidade. O século XX, com suas guerras e revoluções tiveram no
marxismo o elemento catalisador e provocador. Desconhecer o marxismo é ignorar a
importância de um conjunto de idéias que levou milhões de pessoas às maiores batalhas da
história: intelectuais e reais. Seu poder de atração se deve talvez a dois fatores: por um
lado, por pretender ser a explicação e a superação de um dos mais angustiantes problemas
da humanidade: a questão da injustiça e da exploração do homem pelo homem, geradores de
miséria e sofrimento. Por outro, por sua presunção “científica”: ser a explicação racional
deste processo e fornecer os instrumentos para sua compreensão e solução. No entanto,
em nome desta “justiça”, foram cometidos alguns dos maiores genocídios de todos os
tempos e sua crítica ainda está por ser feita...
Por ter sido um movimento de tal importância, o marxismo foi amplamente estudado,
por seus simpatizantes e adversários e hoje se reconhece a sua múltipla origem que em
Marx e Engels conseguiram uma síntese bem original: a filosofia hegeliana, o socialismo
francês e a economia política inglesa. Um quarto elemento pode ser acrescentado: a
pretensão positivista da “cientificidade”, de fazer das idéias socialistas uma ciência e do
comunismo, uma prática cientificamente alicerçada.
A Base hegeliana do marxismo: os hegelianos de esquerda
Com a morte de Hegel, a grande massa de seus discípulos dividiu-se em duas grandes
correntes, com forte oposição entre si, principalmente no que se refere às suas concepções
políticas e religiosas. A chamada “direita hegeliana” passa a sustentar a compatibilidade do
cristianismo e do hegelianismo e chega mesmo a interpretar os dogmas cristãos segundo
categorias hegelianas. Do ponto de vista político, são defensores da teoria de Estado de
Hegel, principalmente da constituição prussiana, já que este país se torna o principal país
de língua alemã então. São os defensores do “Estado nacional cristão” como mais perfeita
expressão do idealismo hegeliano. A direita hegeliana, embora tenha tido muita influência
na sua época, não teve uma continuidade e relevância. Já a “esquerda hegeliana” rejeitou a
conciliação entre o hegelianismo e a religião, pretendendo a substituição completa da
religião pela filosofia e a não – conciliação entre Hegel e o cristianismo, bem como negando
qualquer elemento de transcendência na religião. A religião é um fato humano, uma criação
humana, e como tal, nos fala mais do que é homem do que quem é Deus. A esquerda
hegeliana era formada por um grupo de filósofos críticos que na sua época teve pouca
influência, mas que posteriormente estiveram na base de muitos movimentos intelectuais e
sociais. São eles: David Strauss, Bruno Bauer, Max Stirner, Arnold Rudge, Feuerbach e
Marx.
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todos como objetos. o Único não faz revoluções, pois estas sempre colocava novas
hierarquias, mas insurreições, que trazem a liberdade e a anarquia. O amor não pode ser
imposto e o Único amará os outros homens se isto for do seu interesse.
O Único ainda não existe, segundo Strauss, mas deve surgir, livre do Estado, do
trabalho e de qualquer instituição. Sua única propriedade é sua liberdade, seu poder, a
força, que é a coisa mais bela e útil, porque consegue ir mais longe que todos os direitos e
moralidade.
4 – Arnold Rudge (1802-1880)
A crítica de Rudge a Hegel se faz mais ao nível do direito e da política, ao colocar
que a filosofia e os filósofos podem determinar o desenvolvimento da história através da
crítica de seu tempo. O que para Hegel era o ápice da manifestação do Espírito, para
Rudge era apenas o início de um novo desenvolvimento. Ao contrário de Hegel, que achava
que o desenvolvimento histórico se dava pela ação dos “homens excepcionais”, Rudge
valoriza a ação das massas, nos momentos decisivos da história.
Com suas críticas à religião e ao Estado, a vida dos “hegelianos de esquerda” não foi
fácil: Rudge perdeu seu posto na universidade, foi preso e exilou – se na França. Stirner
morreu na miséria e Bauer que também perdeu seu posto em Berlim sobreviveu no meio de
muitas dificuldades.
5 – Ludwig Feuerbach (1804-1872)
Sem dúvida o mais importante de todo o grupo dos hegelianos de esquerda e o único
que ainda hoje é estudado com interesse. Formou-se em teologia em Heidelberg e depois
em Berlim, seguiu os cursos de Hegel, logo se afastando da direita hegeliana, quando
escreveu o ensaio “Pensamentos sobre a morte e a imortalidade” onde nega a imortalidade
para o indivíduo particular, admitindo-a apenas para a humanidade. Tais posturas impediram
que sua carreira universitária fosse adiante e fora um curso que deu em Heidelberg em
1851, viveu afastado, na miséria e esquecido por todos.
Em 1841 foi publicada a obra mais importante de Feuerbach “A essência do
cristianismo”, na qual ele se propõe a reduzir a teologia e a religião à antropologia. Diz
Feuerbach “meu primeiro pensamento foi Deus, meu segundo pensamento foi a razão, meu
terceiro e último pensamento foi o homem”. O idealismo hegeliano é o extravio do homem
concreto. Não é Deus que cria o homem, é o homem que cria Deus.
No entanto, a função da filosofia não é negar ou ridicularizar este grande fato
humano que é a religião, mas compreendê-lo, quando se dá conta de que a consciência que o
homem tem de Deus é a consciência que tem de si mesmo. Deus é o espelho do homem; a
oração é a adoração que o homem faz ao seu próprio coração; o milagre é o desejo
sobrenatural realizado, os dogmas são desejos do coração realizados. A religião é um fato
totalmente humano. Conhece-se o homem conhecendo o deus ao qual adora. A idéia de Deus
é o íntimo do homem revelado, a essência do homem expressa. O homem desloca o seu ser
para fora de si antes de encontrá-lo em si e deste encontro emerge a consciência de que
Deus é a consciência da espécie: “o homem é o deus do homem”.
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classes e os elementos dissolventes no seio da sociedade, mas não conseguiram ver que a
mudança, a revolução, depende da atividade histórica autônoma do proletariado; condenam
a sociedade capitalista, mas não sabem encontrar o caminho da saída. Ao “socialismo
utópico”, Marx e Engels contrapõe o “socialismo científico”, que descobre as leis do
desenvolvimento do capitalismo e de sua superação. Marx, ao formular a sua concepção
materialista e dialética da história, passa a considerar Proudhon tão somente um
“moralista”, incapaz de compreender o movimento da história ou de influir sobre ele: não
basta o senso de justiça e as boas intenções, mas é necessária a passagem de uma forma de
sociedade a outra. A questão não está, como queria Proudhon, em dividir a propriedade
entre os trabalhadores, mas em suprimi-la completamente através da revolução vitoriosa
da classe operária.
5 – Marx e a crítica a religião
Na obra de Marx não há uma crítica da religião. De certo modo ele assume o que fora
dito antes dele, nestas questões, principalmente por Feuerbach, mas acha que não basta
fazer a “crítica do céu”: é necessário fazer a “crítica da terra”. A alienação religiosa é tão
somente sintoma da alienação real que os homens vivem na sociedade de classes, que
impede o desenvolvimento da sua humanidade. É mudando as condições de vida dos homens
que a necessidade da religião sequer precisa ser combatida, mas torna-se supérflua.
É o homem que cria a religião, o homem e o seu mundo, isto é, a sociedade e o Estado.
A religião é a consciência invertida do mundo, a miséria religiosa é a expressão da miséria
real. “A religião é o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de um mundo sem coração,
ela é o ópio do povo”.
A crítica do céu deve transformar-se em crítica da terra, a crítica da religião em
crítica do direito, a crítica da teologia em crítica da política.
Principais elementos do pensamento de Marx:
1 – A alienação do trabalho: para Marx, o que diferencia a atividade animal do trabalho
humano é que o homem é capaz de projetar antecipadamente o resultado do que irá
produzir, portanto ele não realiza só uma transformação em um elemento natural, mas é
capaz de realizar o objeto daquilo que conhece. O trabalho é que “faz” o homem: somente
transformando a natureza, objetivando-se nela e humanizando-a, que ele adquire sua
condição humana.
A atual condição do homem não é mais a apropriação da natureza, mas a pura
subsistência. O trabalho se torna constritivo e o operário não possui mais a matéria prima,
os instrumentos de trabalho e o que é por ele produzido lhe é arrancado. A divisão do
trabalho mutila a criatividade humana e o operário torna-se mercadoria nas mãos do
capital. Isto é a alienação do trabalho, do qual derivam as outras formas de alienação,
como a alienação política, quando o Estado se ergue acima dos indivíduos e a alienação
religiosa.
A alienação do trabalho consiste no fato de que o trabalho é externo ao operário,
isto é, não pertence ao seu ser e com isso, ele não se afirma em seu trabalho, mas ao
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contrário, se nega; não se sente satisfeito, mas infeliz, não desenvolve sua energia física e
espiritual livre, mas definha seu corpo e destrói o seu espírito.
O operário vai se tornado tanto mais pobre quanto maior é a riqueza que produz e
quanto mais a sua produção cresce em potência e extensão. O operário torna-se mercadoria
tanto mais vil quanto maior é a quantidade de mercadorias que produz. A mercadoria existe
fora e independente dele, estranha a ele, tornando-se diante dele como que um poder em si
mesmo, o que significa que a vida que ele deu ao objeto, à mercadoria, agora se lhe
contrapõe como hostil e estranha.
Quanto mais o operário produz, menos valor e menor dignidade possui; quanto mais
belo é o seu produto, tanto mais disforme torna-se o operário; quanto mais refinado é o seu
objeto, tanto mais bárbaro ele se torna, quanto mais forte é o trabalho, mais fraco ele
fica; quanto mais espiritual é o seu trabalho, mais ele se torna material e escravo da
natureza.
2 – O materialismo histórico – este consiste na tese segundo a qual não é consciência dos
homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina a sua
consciência. Isto leva a especificar a relação existente entre a estrutura econômica e a
superestrutura ideológica. As representações e os pensamentos, bem como o intercâmbio
espiritual dos homens é resultado da sua atividade material e das suas relações materiais.
Toda a produção espiritual como ela se manifesta na linguagem da política, das leis, da
moral, da religião, são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças
produtivas.
Na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas,
necessárias, independentes de sua vontade, em relações de produção que correspondem a
determinado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto
destas relações constitui a estrutura econômica da sociedade, ou seja, a base real sobre
a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas
determinadas de consciência social.
A essência do homem está na sua atividade produtiva. A primeira ação histórica do
homem deve ser vista na criação dos meios adequados para satisfazer suas necessidades
vitais. E a satisfação de uma necessidade gera outras. A divisão do trabalho em manual e
intelectual fez nascer a ilusão de que a consciência ou o espírito seja algo separado da
matéria e da história e por outro lado, gera uma classe que vive do trabalho alheio.
A moral, a religião, a metafísica e qualquer outra forma ideológica não são autônomas
e propriamente não tem história, pois, quando muda a base econômica, mudam também elas:
“as idéias dominantes de uma época são sempre as idéias da classe dominante e essas idéias
são a ideologia”, a visão da realidade histórica de cabeça para baixo, a justificação da
ordem social vigente, através das leis, da moral, da filosofia, etc.
3 – O materialismo dialético: as idéias vão mudando ao longo da história em função das
condições econômicas e estas por sua vez mudam em função dos diferentes modos de
produção que se sucederam na história. Estes, segundo Marx, foram quatro:
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1 - O modo de produção asiático ou tributário, típica dos grandes impérios (Egito, Babilônia,
Persa, Hindu, Chinês) da antigüidade.
2 - O modo de produção antigo ou escravagista, do período helenístico e romano.
3 - o modo de produção feudal, típico da idade média.
4 - o modo de produção burguês ou capitalista.
Assim, as contradições da consciência se explicam com as contradições da vida
material, com o conflito existente entre as forças materiais produtivas da sociedade e as
relações de produção. A este processo de mudança e sucessão dos modos de produção.
Marx chama de materialismo dialético, para diferenciá-lo do materialismo dos filósofos
antigos (Demócrito, Epicuro) e do materialismo mecanicista da época do iluminismo. A
matéria está em perpétuo movimento, o que faz com que as condições materiais da vida e os
conhecimentos estejam sempre mudando.
“A mistificação em que se encontra a dialética nas mãos de Hegel não lhe tira de
modo algum o mérito de ter sido o primeiro a expor ampla e conscientemente as formas
gerais da própria dialética. Somente que nele está de cabeça para baixo. É preciso invertê-
la para descobrir o núcleo racional dentro da casca mística”.
A dialética permite a Marx compreender o movimento real da história e também o
estado de coisas existente, bem como compreender o “crepúsculo necessário” de seu
desenvolvimento e transitoriedade, pois trás em si o germe da crítica e da revolução: cada
momento histórico gera contradições em seu seio e elas constituem a mola do
desenvolvimento histórico. A dialética é a lei do desenvolvimento da realidade histórica e
essa lei expressa a inevitabilidade da passagem da sociedade capitalista para a sociedade
comunista, com o conseqüente fim da exploração e da alienação.
4 – A luta de classes – Escrevem Marx e Engels no “Manifesto” que toda a história foi
uma perene luta das classes, em mútuo contraste, numa luta ininterrupta, ora latente, ora
aberta, luta que sempre acabou com transformação revolucionária, de toda a sociedade ou
com a ruína comum das classes em luta.
A burguesia é classe dos capitalistas modernas, proprietárias dos meios de produção
e empregadores de assalariados. Por proletários, se entende a classe dos assalariados
modernos que, não tendo mais meios de produção próprios, são obrigados a vender sua
força de trabalho para sobreviver. A classe burguesa surge no interior da sociedade feudal
e por sua vez representa sua negação e a nega. Seu triunfo definitivo se deu na revolução
francesa, quando os últimos privilégios feudais que impediam a livre circulação do capital e
da mão – de – obra, foram abolidas.
Com a revolução industrial, a divisão do trabalho nas fábricas substituiu as antigas
corporações de artesãos, mestres e aprendizes, de forma que a conquista de novos
mercados levou a uma potencialização da indústria e da classe proprietária, os detentores
dos capitais de investimento e expansão. Assim, a burguesia teve um papel amplamente
revolucionário, pois foi a responsável pelo fim das relações feudais da propriedade, que não
correspondiam mais ao desenvolvimento das forças produtoras que surgiram.
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Por sua vez, assim como a burguesia surgiu no seio do feudalismo e foi sua
contradição interna, assim também o proletariado é a contradição interna da burguesia. A
burguesia se desenvolve e cresce e se desenvolve alimentando em si mesma o proletariado.
Deste modo, a burguesia fabricou as armas que a levarão à morte e os homens que
empunharão as armas: os operários modernos, os proletários. É inevitável a vitória do
proletariado e a decadência da burguesia: esta é a lei econômica do movimento da
sociedade moderna.
5 – O Capital – A mercadoria tem um duplo valor: valor de uso e valor de troca. O valor de
uso de uma mercadoria baseia-se na qualidade de mercadoria e esta por sua vez satisfaz
mais uma necessidade que a outra. As mercadorias podem ser trocadas umas pelas outras,
mas o que permite que as mercadorias possam ser trocadas umas pelas outras? É algo de
idêntico existente em mercadorias diferentes, a “quantidade de trabalho socialmente
necessário” para produzi-las. Em outras palavras é o tempo de trabalho nelas empregado.
Para substituir e facilitar a troca, foi criada a moeda e assim a mercadoria passa a
ter uma existência independente, sem fazer referência ao trabalho necessário para
produzi-la. Porém o trabalho (a força de trabalho) é também mercadoria que o proprietário
da força de trabalho (o proletário) vende no mercado, em troca de salário, ao proprietário
do capital, isto é, o capitalista. O capitalista paga pela mercadoria força de trabalho a
quantidade de trabalho necessário para reproduzi-la, ou seja, pela valor das coisas
necessárias para manter em vida o trabalhador e sua família.
A mercadoria, que é a força de trabalho, não somente tem o seu valor, mas também
tem a propriedade de produzir valor. Tendo comprado a força de trabalho, o possuidor dos
meios de produção (o capitalista) tem o direito de consumi-la, isto é, obrigá-la a trabalhar,
por exemplo, por doze horas. No entanto seis horas seriam suficientes para cobrir as
despesas com a manutenção do operário. As seis horas restantes criam um produto que o
capitalista não paga ao operário e dele se apropria. Isto é o que Marx chama mais valia. No
processo de produção capitalista, o dinheiro produz dinheiro em maior quantidade do que o
dinheiro desprendido.
A mais – valia pode ser aumentada através de dois métodos: o aumento de jornada de
trabalho (mais valia absoluta) ou sua diminuição (mais valia relativa) e esta pelos seguintes
mecanismos: 1) economia de meios de trabalho (instalações, máquinas, energia); 2) aumento
da força de trabalho, quando vários operários fazem a mesma tarefa; 3) pela divisão do
trabalho, de forma que cada operário realiza uma mesma tarefa de modo cada vez mais
eficiente e duradouro.
Por sua vez, a acumulação do capital concentra a riqueza nas mãos de um número
sempre menor de capitalistas e por outro lado, pela substituição de operários por novas
máquinas, gera sempre mais miséria pela criação de um “exército de trabalho de reserva”
(os desempregados). Mas a centralização dos meios de produção e a socialização do
trabalho alcançam um ponto em que se tornam incompatíveis com seu envoltório capitalista.
É o momento da ruptura do capitalismo, da revolução proletária.
29
O Positivismo
Características Gerais
O positivismo representa mais que uma filosofia; é um amplo movimento do
pensamento que dominou grande parte da cultura européia, com manifestações também
políticas, historiográficas e literárias (a chamada escola realista), desde mais ou menos
1840 até a primeira grande guerra mundial e que continua a repercutir, não mais como
filosofia, mas como ideologia, até os dias de hoje.
Uma série de fatores propiciou esta forma de pensamento. Em primeiro lugar, a
Europa gozou, entre 1848 até 1914 de um período de relativa paz; a revolução industrial
atinge quase todo o continente; novas descobertas científicas transformam o modo de
produção; grandes cidades surgem, rompendo o equilíbrio entre a cidade e o campo; há
grande facilidade de comunicação, através de ferrovias e navios a vapor; aumenta a
produção de riquezas; a medicina debelou as doenças epidêmicas; há uma grande expansão
colonial européia sobre a Ásia e a África.
Todos estes fatores fazem surgir a idéia de que o progresso humano é irrefreável
e ele possuir os instrumentos para a solução de todos os problemas. E estes
instrumentos são basicamente o progresso científico aplicado à indústria, o livre
intercâmbio de bens e pessoas e a educação universal. Neste sentido, a teoria da evolução
de Darwin representa a mais completa justificação deste conjunto de idéias.
O positivismo é a exaltação do progresso industrial, sem enxergar a outra face da
moeda: os desequilíbrios sociais, as guerras coloniais para disputa de mercados, as
condições de miséria do proletariado, a exploração do trabalho infantil, etc. A estas
situações, o positivismo respondia que se tratava de fenômenos transitórios, elimináveis
pelo crescimento do saber, da educação e da riqueza.
Temos um positivismo de origem francesa, cujo principal representante foi Auguste
Comte (1798-1857), e que teve ampla influência nos países de cultura latina, principalmente
na América Latina e de modo especial o Brasil e um positivismo de origem inglesa, cujos
principais representantes foram John Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spencer (1820-
1903) e que muitos preferem chamar de utilitarismo, cujo raio de influência além da
própria Inglaterra, foram os Estados Unidos, a ponto de praticamente coincidir com o modo
de pensar americano, já que a América é de certo modo a realização das propostas
positivistas/utilitaristas. O positivismo inglês segue a tradição que vai de Francis Bacon a
Hume, de características empiristas, enquanto o francês acentua o mecanicismo.
- Diversamente do idealismo (Kant, Hegel, Fichte, Schelling), o positivismo acentua não o
progresso do intelecto, mas o primado da ciência, de tal forma que só é verdadeiro aquilo
que as ciências dão a conhecer. Portanto, o único método verdadeiro de conhecimento é o
das ciências naturais. Qualquer coisa que se baseie na especulação, o positivista desdenha
como “metafísica” em sentido depreciativo.
- O método das ciências naturais, entendido como procura de leis causais e seu domínio
sobre os fatos, não vale somente para o estudo da natureza, mas também para o estudo da
31
sociedade humana, daí a sociologia, mas perfeita realização do positivismo ser entendida
como uma “engenharia social”.
- O positivismo exalta a ciência como o único meio em condições de resolver, ao longo do
tempo, todos os problemas humanos e sociais que até então haviam atormentado a
humanidade.
- A era do positivismo é permeada por um otimismo geral, que brota da certeza do
progresso incontível, rumo a condições de bem-estar generalizado em uma sociedade
pacífica e solidária.
- O positivismo crê num progresso infinito da ciência, que deste modo ganha uma aura
“divina”: ela é o conhecimento por excelência e o cientista seu “sacerdote” e a natureza o
“deus desconhecido” a que se vai gradualmente apossando.
- O positivismo se inscreve na tradição iluminista, ao considerar os fatos empíricos como
única base do verdadeiro conhecimento, a fé na racionalidade científica, como solução
dos problemas da humanidade e a concepção laica de cultura, esta vista como construção
puramente humana, sem dependência a pressupostos teológicos.
- o positivismo caracteriza-se pela confiança acrítica, às vezes leviana e superficial na
estabilidade e no crescimento sem obstáculos à ciência.
- a positividade (isto é, eficácia) da ciência leva a mentalidade positivista a combater as
concepções idealistas e espiritualistas da realidade e as idéias religiosas, rotuladas como
"metafísicas" e "dogmáticas". Isto não impediu que o positivismo também constituísse sua
metafísica, no sentido de uma pretensão à compreensão da totalidade da realidade, com
posturas igualmente rígidas e dogmáticas.
- o marxismo, apesar de ser o contraponto ideológico do positivismo, não deixou de
encampar algumas de suas posturas. Em algumas passagens de Marx, Engels e Lênin, é
possível perceber este "parentesco", na medida em que o marxismo também constrói a sua
"sociologia" e participa do mito do progresso científico como solução das mazelas humanas.
exercerá sua autoridade sobre os responsáveis pelo desenvolvimento das indústrias e das
ciências. A humanidade é o "Grande Ser"; o espaço o "Grande Ambiente" e a terra: o
"Grande Fetiche". Esta é a trindade da religião positiva. É óbvio que toda esta parte do
pensamento de Comte logo caiu no descrédito, o que não impediu que sua "Igreja" exista
até hoje!
Antecedentes
O utilitarismo da primeira metade do século XIX é herdeiro das teses e atitudes dos
iluministas e empiristas. Seus principais representantes são Jeremiah Bentham (1748-
1832), James Mill (1773-1836) e seu filho John Stuart Mill (1806-1873).
O utilitarismo inglês está preocupado com questões econômicas e sociais e por isso
os economistas clássicos e as figuras de Robert Malthus (1766-1834) e Robert Owen
(1771-1858) tiveram muita importância na sua formação.
Em 1798 Malthus publicou seu famoso "Ensaio sobre a População", em que notava que
a população crescia em proporção geométrica enquanto a produção de alimentos crescia, em
proporção aritmética e que era necessário diminuir o ritmo do crescimento populacional. As
teses malthusianas foram objeto de ampla discussão e até hoje influenciam as decisões
políticas e sociais de vários países, pois se vê, como principal causa da pobreza, o
crescimento populacional desordenado e não a má distribuição da renda.
Os economistas clássicos David Ricardo (1772-1823) e Adam Smith (1723-1790)
são os fundadores da economia enquanto ciência e do liberalismo econômico, que vê no
mercado livre e na concorrência livre o principal fator para o crescimento econômico das
nações e das pessoas. Acredita-se que quanto menos o Estado intervir na atividade
econômica, mais poderá haver o empenho dos indivíduos e empresas no sentido de conseguir
o máximo de progresso e bem estar e que esta é a "harmonia natural", pois o egoísmo de
cada um (seu desejo de enriquecimento) acaba por trazer o bem estar de todos, já que são
obrigados a barganhar.
Já Robert Owen, engenheiro, industrial e filantropo, foi o primeiro, em plena
revolução industrial a praticar em sua própria fábrica e depois a propor ao parlamento
inglês, uma série de medidas trabalhistas, como horários de trabalho moderados, bons
salários, condições salubres, instalações escolares e creches para os filhos dos operários.
Tais práticas levaram ao progresso e satisfação dos operários e ao sucesso da fábrica, mas
não conseguiu convencer o parlamento a mudar as leis. Passou então a dedicar-se ao
cooperativismo e as "uniões do trabalho", embriões dos futuros sindicatos. Na sua velhice
elaborou um socialismo utópico, muito próximo ao de Saint - Simon, Fourier e Proudhon.
Jeremiah Bentham é o fundador do utilitarismo, cuja principal tese é: "a máxima
felicidade possível para o maior número possível de pessoas". Para conseguir isto, Bentham
enveredou pela teoria jurídica, já que para ele as leis não são "eternas", mas amplamente
modificáveis e aperfeiçoáveis, de forma a produzir esta felicidade almejada. A felicidade
35
por sua vez consiste em reduzir ao mínimo possível o que causa dor e aumentar ao máximo o
que causa prazer, desde que este não traga conseqüências dolorosas.
A lei penal por sua vez é o método para fazer com que coincidam os interesses do
indivíduo e da comunidade e deve ter caráter antes preventivo que punitivo algo que hoje
nos é óbvio, exatamente por termos adotado teses liberais. Assim, a reforma jurídica
parecia a Bentham o melhor instrumento para a reforma social.
James Mill trabalhou com Ricardo e Bentham e sua casa foi um verdadeiro celeiro
de idéias na Inglaterra de então. Sua tese principal é o associocinismo, ou seja, as idéias
são cópias das sensações e aplicada ao campo moral, deve-se procurar associar a sensação
de prazer a um comportamento que leve da conduta egoísta à conduta altruísta. A educação
é portanto o melhor elemento para produzir a reforma social.
Esta tese James Mill a aplicou sobre o seu filho John Stuart, o que fez com que ele
se tornasse o mais importante filósofo inglês do século XIX; cresceu no meio da mais
progressista intelectualidade da época e colocou como objetivo de sua vida ser
"reformador do mundo" nem que para isso fosse necessário renunciar à felicidade pessoal
em favor da felicidade dos outros, do progresso da humanidade. Casou-se com uma mulher
de personalidade e inteligente, que muito o ajudou e inspirou, a ponto de se tornar o grande
promotor da emancipação feminina. As áreas de interesse de J. S. Mill se deslocam para
dois campos diferentes: por um lado, a lógica da ciência e por outro, o campo ético -
político.
Crítica à teoria do silogismo
Constata Mill que a lógica é a ciência da prova. Toda resposta a qualquer questão
formulável está contida em uma proposição e isto é expresso em palavras, portanto, toda
verdade ou erro reside nas proposições.
Todas as proposições de caráter universal como por ex. "todos os homens são
mortais, João é homem, logo João é mortal", mesmo que agora João seja bem vivo, nos
parece verdadeira porque já testemunhamos a morte de vários e vários homens, portanto é
da experiência que extraímos a verdade desta proposição, pois não há uma condição
absoluta que garanta a morte de João, a não ser a morte de todos os homens que viveram
antes dele.
Mas a experiência só faz observar casos singulares: a experiência nunca observa
todos os casos, portanto toda inferência é de particular a particular a não de universal a
particular. Isto se aplica igualmente aos conhecimentos das ciências dedutivas, como a
geometria; portanto em última instância toda a ciência é indutiva é a sua evidência é a
experiência.
Ora, todas as nossas observações são limitadas a certo número de casos; como
podemos então ter a pretensão de afirmar que "todos os homens são mortais", ou seja, as
leis universais da ciência? A indução é o processo pelo qual concluímos que aquilo que é
36
verdadeiro sobre certo número de casos, o será para todos os casos semelhantes, ou seja,
a indução é a generalização da experiência. Como podemos então justificá-la?
O Princípio da Indução
Na opinião de Mill esta justificativa se encontra no princípio segundo o qual "o curso
da natureza é uniforme": o universo é governado por leis e o futuro se assemelha ao
passado, embora nada garanta que os fatos que se deram no passado vão repetir no futuro.
Portanto, o princípio da indução (uniformidade da natureza ou princípio da
causalidade) é o axioma geral das inferências indutivas, que é a premissa maior última de
toda indução. No entanto, toda inferência indutiva complexa depende de uma inferência
anterior mais simples, de forma que as inferências mais simples e óbvias possíveis, como
por ex. "o fogo queima" , foram aceitas antes e sem que se compreendesse como isto se dá,
ou seja, tudo aponta para esse princípio da uniformidade da natureza. Pode aparecer um
pensamento circular, mas Mill se justifica dizendo que estas inferências surgem das
experiências semelhantes de todos os homens e não da opinião de um só e como tal
comprovam o princípio da uniformidade da natureza. Em última instância, a única coisa que
garante a verdade das afirmações científicas é a experiência comum que temos da
uniformidade da natureza.
As ciências morais, a economia e a política
Mill faz questão de demonstrar que a ação moral não é redutível, como os fenômenos
naturais, a uma previsibilidade completa. Mesmo que conhecêssemos todos os elementos e o
caráter que movem uma pessoa e que permitiriam prever seu comportamento, isto não seria
fruto de uma fatalidade, como se dá nos fenômenos naturais, mas seria uma necessidade
filosófica, pois podemos sempre agir sobre as causas da nossa ação e mudá-las. Estes fatos
não eliminam a liberdade humana nem invalidam uma ciência da natureza humana ou
psicologia, ou etologia como prefere Mill (ciência de caráter), que estudaria o homem em
sociedade, as ações das massas coletivas de homens e os fenômenos que constituem a vida
social, em suma, o que temos hoje com o nome de psicologia social.
Em Política, Mill é defensor da "teoria da independência" segundo a qual a melhoria
das condições de vida não deve ser algo esperado das classes pobres a partir das classes
ricas, mas algo conquistado por elas mesmas, só que não pelo caminho revolucionário, mas
através de reformas sociais e atos do governo. Mill rejeitou o socialismo por este pôr em
perigo as liberdades individuais.
Mill defende a democracia representativa, ou seja, a situação em que todos se vejam
representados e participantes do governo, e não o princípio que prevalecia na época em que
a maioria "leva tudo". A democracia só seria garantida se as minorias estivessem
representadas.
Quanto à religião Mill se liga à tradição deísta, segundo o qual a ordem do mundo
comprova uma inteligência ordenadora, embora não se tenha como provar que ela tenha sido
também a criadora e que tenha uma natureza onisciente e onipotente. A fé é a esperança
que ultrapassa os limites da experiência, pois nos deixamos guiar pela imaginação a uma
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esperança de realização, ainda que nada a garanta; mas se a buscamos, de alguma forma ela
se dá.
Mill é um intransigente defensor da liberdade individual frente aos autoritarismos
do governo, da opinião pública, das maiorias, e da liberdade de iniciativa nas mais diversas
áreas de atividade. Três são as liberdades fundamentais: a) liberdade de pensamento,
religião e da expressão; b)liberdade de gostos e liberdade de projetar a nossa vida segundo
o nosso caráter; c) liberdade de associação. Em suma, a maior liberdade possível de cada
um para o bem estar de todos.
É patente e diferença entre o liberalismo de Mill e o conservadorismo de Comte: em
1865 Mill escreve um opúsculo onde pretende separar o "bom do mau" das especulações de
Comte.
Como dissemos, Mill foi o primeiro pensador a propor a emancipação feminina e a
igualdade entre homem e mulher, justificando que o atual estágio de inferioridade da
mulher se dava por razões históricas e educacionais e que portanto deveria se buscar
condições sociais que permitissem a igualdade dos sexos.
Embora Charles Darwin (1809-1882) tenha publicado a sua obra "A Origem das
Espécies" em 1859, já em 1855 Spencer publicava a sua teoria evolutiva como uma
grandiosa metafísica do universo, numa concepção otimista do devir, visto como um
progresso incontível.
Os "Primeiros Princípios" da sua filosofia tratam das complexas relações entre
religião e ciência. Spencer sustenta que a realidade última é incognoscível e que o universo
é mistério e isto é atestado tanto pela religião como pela ciência e que toda religião é, em
última instância uma teoria sobre o mistério. O cientista precisa ser aquele que constata
ser impossível chegar à realidade última das coisas, pois haverá sempre uma incógnita a
explicar. Assim, religião e ciência seriam conciliáveis, pois ambas reconhecem o absoluto e o
incondicionado. A função da religião é manter vivo o sentido do mistério e a função da
ciência estender sempre mais e além o conhecimento do relativo, sem nunca captar o
absoluto. Religião e ciência são correlatadas e não concorrentes. A religião instiga a ciência
à busca da verdade e a ciência purifica a religião de seus elementos mágicos -
supersticiosos.
As verdades científicas desenvolvem, ampliam e aperfeiçoam os conhecimentos do
senso comum que vão sendo agrupados e organizados logicamente a partir de alguns
princípios fundamentais da mecânica, da física molecular e assim por diante. Mas a ciência é
ainda um conhecimento parcialmente unificado. Só a filosofia é conhecimento
completamente unificado e isto se dá a partir dos três princípios mais vastos e gerais a que
chegou a ciência: a indestrutibilidade da matéria, a continuidade do movimento e a
persistência da força, pois são princípios comuns a todas as ciências. A esta lei geral da
mudança de estado. Do movimento, é que deriva a lei da evolução. Darwin se resume a
38
falar da evolução dos seres vivos, mas Spencer fala da evolução do universo. A primeira
característica da evolução é a passagem de uma forma menos coerente a uma forma mais
coerente (por ex. o sistema solar que saiu de uma nebulosa). A segunda característica é a
passagem do homogêneo ao heterogêneo (por ex. plantas e animais se desenvolvem
diferenciando órgãos e tecidos. A terceira característica é a passagem do indefinido ao
definido, como se dá quando uma tribo selvagem passa a povo civilizado, onde as tarefas e
funções são especificadas.
A evolução só pode terminar com o estabelecimento da maior perfeição e da mais
completa felicidade. Mesmo que as condições de equilíbrio não durem, as que estabelecem.
O caos também não, iniciando-se um novo processo evolutivo. Assim o universo sempre
progride e progride para o melhor e aqui reside o otimismo do positivismo evolucionista de
Spencer.
No que se refere à biologia, Spencer sustenta que a vida consiste na adaptação dos
organismos ao ambiente, que mudando continuamente, os desafia e os organismos
respondem a este desafio diferenciando os órgãos. Spencer insiste na transmissão e
acumulação das mudanças por hereditariedade e por seleção natural, que fornece a
sobrevivência do mais adequado. A vida orgânica teria sua origem a partir de uma massa
indiferenciada, com capacidade para se organizar.
Diversamente de Comte, Spencer pensa que a psicologia seja possível como ciência
autônoma, que investigaria desde os atos psíquicos mais elementares, até os mais
complexos, como os que interferem na produção da arte e da ciência.
Do ponto de vista político, Spencer é a favor das liberdades individuais e contra o
despotismo do Estado, porém não advoga a necessidade de reformas como os utilitaristas.
As mudanças sociais seriam lentas e gradativas, sendo necessário atravessar várias etapas.
Os princípios éticos, as normas e obrigações morais são instrumentos de sempre
melhor adaptação do homem às condições de vida. A evolução e a hereditariedade
forneceriam condições morais sempre melhores para o indivíduo e a espécie. Assim como a
proteção à própria família já se tornou comportamento “obrigatório”, assim aconteceria
com os demais deveres morais.
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O Pragmatismo
O pragmatismo nasceu nos Estados Unidos, nas últimas décadas do século XIX e sua
força de expressão, tanto na América quanto na Europa, chegou ao seu ponto máximo nos
primeiros quinze anos do século XX. No entanto pode dizer que o pragmatismo é o “modo
oficial” da sociedade americana pensar a si mesma e ao mundo que dela depende e hoje, no
início do século XXI, creio que se possa dizer que, pelo domínio econômico, militar, político
e cultural que os Estados Unidos exercem no mundo, se tornou a filosofia do nosso tempo,
não pela sua qualidade ou profundidade, mas pelo sucesso da nação que a cultiva como sua
própria identidade.
Do ponto de vista sociológico, o pragmatismo representa a filosofia de uma nação
voltada com confiança para o futuro, enquanto que do ponto de vista da história das idéias,
se configura como a contribuição mais significativa dos Estados Unidos à filosofia
ocidental.
O pragmatismo é a forma como o empirismo inglês foi assumido nos Estados Unidos,
na tradição que passa por Bacon, Locke, Berkeley e Hume, pensadores do século XVII e
XVIII, que consideravam válido o conhecimento baseado na experiência e a ela redutível,
considerando a experiência como acumulação e organização progressiva de dados sensíveis.
Para o pragmatismo a experiência é antes de tudo abertura para o futuro, previsão, norma
de ação.
Os representantes principais desta corrente filosófica foram: Charles Pierce,
William James, George Herbert e John Dewey, todos americanos, mas com discípulos e
continuadores na Inglaterra, Itália, Alemanha e Espanha. O movimento foi e é amplamente
complexo, com diversas linhas ou áreas de concentração, dedicando-se à teoria do
conhecimento, à lógica, à teoria do significado (lingüistica), à teoria dos valores (ética) e à
teoria da educação (pedagogia) etc.
Se com Pierce temos a versão lógica do pragmatismo, com James temos a versão
moral e religiosa. Foi James quem lançou o pragmatismo como filosofia em 1898 e foi sob a
sua liderança que o pragmatismo tornou-se conhecido no mundo. Na versão de James, ele
representa da forma mais radical e menos criticável as posturas do empirismo,
abandonando as abstrações, as soluções verbais, os sistemas fechados e os falsos
absolutos. Ele se volta para o concreto e o adequado: para os fatos, para a ação e para a
força, o que significa fazer prevalecer a atitude empirista sobre a atitude racionalista, a
liberdade e a possibilidade sobre o dogma, o artifício e a pretensão da verdade definitiva.
O pragmatismo não toma posição por nenhum resultado particular. Ele é apenas método,
atitude de pesquisa, voltando-se para os resultados, as conseqüências. Ele quer alcançar a
clareza das idéias que temos dos objetos e considerar os efeitos práticos concebíveis, as
sensações que podemos esperar e as reações que devemos preparar.
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Para James, as idéias (que são parte da nossa experiência) tornam-se verdadeiras
enquanto nos ajudam a obter relações satisfatórias com as outras partes da nossa
experiência e a resumi-las por meio de esquemas conceituais. Uma idéia é verdadeira
quando nos permite andar adiante e levar-nos de uma parte a outra nossa experiência,
ligando as coisas de modo satisfatório, operando com segurança, simplificando,
economizando esforços. Esta é a concepção instrumental da verdade em que a veracidade
das idéias é identificada com sua capacidade de operar, com a sua utilidade, tendo em vista
a melhoria da condição vital do indivíduo.
Esta identificação que James faz entre verdade e operacionalidade valeu-lhe muitas
críticas, pois a satisfação do sujeito não garante a validade oferecida pelas técnicas de
controle experimental. Por isso, num escrito posterior, “O Significado da verdade”, afirma
que o verdadeiro é o útil desde que se acrescente que é útil para o nosso intelecto, o qual
exige coerência e referência aos fatos experimentais.
Uma idéia nunca é em si verdadeira para James: uma idéia torna-se verdadeira, é
tornada verdadeira pelos acontecimentos. São verdadeiras as idéias que podemos assimilar,
ratificar, confirmar e verificar e falsas aquelas em relação às quais não podemos fazer o
mesmo. As teorias verdadeiras são aproximações melhores do que as idéias anteriores,
resolvendo os problemas de modo mais satisfatório e a “posse da verdade”, longe de ser um
fim, é apenas meio para outras satisfações vitais.
Estas posturas de James receberam as mais diversas críticas, no que se refere à
teoria dos significados e à teoria da verdade, o que não impediu, até os dias de hoje, que
elas ainda contribuam como parte importante de muitos métodos de pesquisa a sua
aplicação.
Os princípios da Psicologia
Em 1890 James publicou os dois volumes que constituem os “Princípios de psicologia”,
uma obra muito avançada para a época, que reunia os dados da psicologia experimental
nascentes: a psicofísica de Fechner, a psicologia evolucionista de Wundt, a psicopatologia
de Rimet e as doutrinas evolucionistas de Darwin.
James assume a fórmula de Herbert Spencer, segundo a qual a essência da vida
mental e a essência da vida corporal são idênticas, ou seja, adaptação das relações internas
às externas, o que para James é muito mais concreto que a fórmula da psicologia racional,
que considerava a alma como coisa separada e auto-suficiente.
James faz da mente instrumento dinâmico e funcional para a adaptação ambiental. A
vida psíquica é caracterizada pelo finalismo, que se expressa como energia seletiva já no
ato elementar da sensação. A velha noção de alma já não serve mais para James, que
também não aceita as posturas dos associacionistas, que reduziam a vida psíquica à
combinação de sensações elementares, nem a dos materialistas que identificam os
fenômenos psíquicos com as alterações físico-químicas do tecido cerebral.
A consciência apresenta-se para James como uma corrente contínua de pensamento
e a única unidade que se pode detectar nesta corrente é aquela pela qual o pensamento
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difere em cada momento do anterior, ao mesmo tempo em que se apropria de tudo o que se
apresentou à consciência.
Conceber a mente como instrumento de adaptação ao ambiente foi a idéia que levou
James à ampliação do objeto de estudo da psicologia, que não se resumiria só aos
fenômenos perceptivos e intelectivos, mas também aos condicionamentos sociais, os
fenômenos relacionados ao hipnotismo, à dissociação e ao subconsciente. Suas análises
seriam aproveitadas e desenvolvidas pelas correntes mais díspares da psicologia, qual seja a
psicologia das formas (gestalt), o comportamentalismo (behaviorismo) e a psicanálise. Seu
grande mérito foi ter cruzado os dados da psicologia experimental com os conceitos
filosóficos.
A questão moral
Presente em muitos escritos de James, a questão ética é tratada de modo especial
em dois escritos fundamentais em sua concepção pragmática: “O filósofo moral e a vida
moral”, de 1891 e “A vontade de crer”, de 1897. Neste último trabalho James discute a
questão dos valores, que não pode ser decidida tendo por base as experiências sensíveis. A
ciência pode nos dizer o que existe ou não existe, mas para as questões mais urgentes
devemos consultar as “razões do coração”.
Estas são as questões sobre o sentido último da vida, o problema da liberdade
humana, da dependência ou não do mundo de uma Inteligência Ordenadora, da unidade ou
não do mundo. Todas estas questões são teoricamente insolúveis, e só podem ser
enfrentadas mediante escolha pragmática.
Os fatos físicos existem ou não existem e, enquanto tais, não são bons nem maus. Um
terremoto por ex. que matasse 100 mil pessoas, em si mesmo não é bom nem mal. O bem e o
mal só existem em referência ao fato de que satisfazem ou não às exigências dos
indivíduos. Como estes reagem a uma enorme gama de impulsos e necessidades, suas
exigências geram um universo de valores freqüentemente em contraste.
Como então unificar e hierarquizar tais idéias variadas e contrastantes? A solução
de James é a de preferir os ideais que, se realizados, impliquem a destruição do menor
número de outros ideais e permitam um universo mais rico de possibilidades. James coloca-
se também na linha de defesa da autonomia do indivíduo frente a todo autoritarismo ou
absolutismo ideológico, no que se opõe a Spencer, que preconizava uma ordem moral
decorrente de um progresso contínuo e necessário, indiferente às iniciativas do indivíduo.
James insiste na originalidade do indivíduo como fator de evolução e mudança, que o
ambiente pode adotar ou repelir. Mesmo que a ação dos indivíduos não tenha o sucesso
esperado, eles são um fator de renovação das comunidades, que do contrário definhariam.
James aprecia o respeito pelos outros, a tolerância das idéias, a preocupação com a
afirmação dos melhores talentos e das qualidades de excelência: o famoso “self made man”,
típico da ideologia americana: o homem que alcança o sucesso por seu próprio esforço e
mérito, para além dos privilégios de classe social, condição econômica, etc. Na obra “O
equivalente moral da guerra” (1904) ele propunha recrutamento não mais militar, mas civil,
no qual as virtudes militares deveriam ser cultivadas para exercerem-se contra as
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modo especial Hans Martensen e Münster. Morreu em 1854, aos 42 anos durante uma
destas polêmicas coma a Igreja oficial.
Principais obras
Sobre o Conceito de Ironia (1841), tese de mestrado;
Discursos Edificantes (1843/44);
Ou, ou: um fragmento de vida (1843);
Temor e Tremor (1843);
A Repetição (1843);
O Conceito de Angústia (1844);
Etapas no Caminho da Vida (1845);
O Desespero humano (1849);
O Ponto de Vista de minha vida como escritor (1850)
Elementos de sua filosofia
A Subjetividade do indivíduo: o tema da subjetividade surge em K. de uma maneia
diferente de como foi tratado nos filósofos, de Descartes a Hegel: não se trata do sujeito
como “res cogitans”, aquele que procura uma certeza de razão, mas o indivíduo que busca o
sentido da sua existência particular, da sua subjetividade e não aceita dissolvê-la num
subjetividade conceitual ou universal, tal como aparece principalmente na obra de Hegel.
Assim, K. pretende ser um crítico de Hegel: para K., Hegel empreende a supressão de
toda a distinção entre Deus, o mundo e o indivíduo, já que tudo se integra na essência única
que é o Espírito Absoluto. Isto para K. é absurdo. Deve haver uma distância ou oposição
irreconheciliável entre estas realidades.
Ao contrário de Marx, que nega a transcendência, K. a afirma, mas sem pretender
resolvê-la numa grande síntese sistemática: para se alcançar a transcendência, o caminho
é o da subjetividade, na verdade do indivíduo.
K. critica a imponência do sistema filosófico hegeliano, que embora contenha todas as
respostas, é incapaz de achar um lugar para o indivíduo singular em sua efêmera
manifestação.
K. propõe então a atitude da fé, que é a maneira como o indivíduo pode realizar sua
paixão pelo infinito e realizar sua subjetividade, e apropriar-se de sua verdade mais íntima.
K. eleva assim o indivíduo concreto ao nível central do pensamento filosófico: há um
abismo entre o indivíduo em sua singularidade e o Espírito Absoluto, entre o tempo finito
de uma vida e a eternidade de Deus.
A universalidade (o conceito) e a objetividade são importantes, mas não ao preço de
sacrificar o indivíduo, que é o que vive e pulsa na realidade: não só o intelecto, mas também
a vontade e a ação devem ser integrados na existência, que deve estar empenhada no
movimento que conduz à opção e à ação.
Vale a procura da verdade como compromisso pessoal: de nada adianta a verdade
objetiva se ela não repercute na existência concreta do indivíduo particular; a verdade
deve tornar-se existencial no ato do indivíduo viver aquilo que acredita, na realização de
seus objetivos mais profundos.
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ameaçada pela não – fé: a força da fé está nesta tensão e nunca será uma posição
conquistada, invulnerável: a fé é uma constante conquista frente à dúvida.
A fé espera em virtude do absurdo (da existência) e não do entendimento ( da
razão). A fé dispensa as mediações universais: estado (razão porque recusou ser ordenado),
tradição etc. A fé é uma resignação infinita face a todo bem finito, para viver dentro do
finito, mas relacionar-se com o Absoluto.
Sócrates é o protótipo do filósofo existencialista, pois ele propõe a afinidade entre
espírito e verdade: a verdade não pode ser ensinada, mas evocada na alma como
reminiscência, apesar da finitude e da temporalidade das opiniões: cabe ao mestre não
fazer discípulos, mas despertar a alma para a verdade.
No entanto, o indivíduo é incapaz de viver a verdade eterna, pois não consegue
enfrentar a verdade a seu próprio respeito: a fé está além desta busca e supera a filosofia.
Outra diferença frente a Sócrates: para este, conhecer a verdade é já vivê-la. Mas do
ponto de vista da fé, o indivíduo percebe a distância entre o conhecimento e a ação, por sua
insuficiência: só Deus regenera o indivíduo desde o seu cerne.
A filosofia nada pode fornecer à fé: a razão é sempre razão do finito e a fé é busca
do infinito, do absurdo. Amar a Deus com fé é refletir-se no próprio Deus: a fé não recusa
o mundo finito, mas o recupera transformando-o, e o saboreia sem sofrer inquietações ou
temor.
Deve-se tornar um cavaleiro da fé: arriscar tudo a cada passo, com toda paixão, pois
a fé é a paixão em que toda a existência encontra sua unidade. O cavaleiro da fé deve
esforçar-se para concentrar todo o trabalho de reflexão num único ato de consciência e
ter a coragem de renunciar a ele pela resignação infinita, pois cumpri-lo não pode ser um
esforço da razão, mas uma dádiva da fé (da graça).
Pela fé, no entanto, não se renuncia a nada, mas dela tudo se recebe! Torna-se assim
o indivíduo, de um cavaleiro da fé, em um cavaleiro da resignação: este vive cada momento
com a espada sobre a cabeça em razão do absurdo.
Mas esta verdade conquistada não é fruto de um mero “querer”, pois ao descobri-la,
devo mudar completamente o “eu” que formei em minha história pessoal, num novo “eu”, que
só Deus – Redentor pode me dar, o que exige a conversão, que é uma transição difícil.
O homem depende de Deus, mas precisa aceitar esta dependência sem renunciar à
sua liberdade. Esta aporia se resolve quando Deus torna-se homem na existência histórica e
oferece a restauração do relacionamento superando o egocentrismo da vontade na pessoa
de Jesus Cristo.
Assim, fé e filosofia têm perspectivas completamente diferentes: a primeira crê na
“salvação intelectual” e numa “bondade natural” do homem: ela não pode aceitar a iniciativa
de Deus em nos redimir. Aceitar a Encarnação e a Redenção é um ato de fé: cremos nesta
verdade que é totalmente diferente da verdade filosófica, pois é uma relação pessoal e
apaixonada entre Deus e o homem.
As “provas” para a existência de Deus tornam-se supérfluas; as provas
“cosmológicas” se esvaziam pelo mal que há no mundo, o que impede uma linha que ligue o
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mundo e Deus; a prova “ontológica” vive de conceitos e nada diz da existência. Cabe então à
filosofia admitir que Deus não pode ser alcançado pela razão, devido à dessemelhança
absoluta entre Deus e o homem.
O Deus vivo só se encontra no relacionamento “eu-Tu”; por outro lado, a filosofia
nunca admitiria a insegurança inerente à fé. O conhecimento cristão é resultado de uma
constante inquietação, que é a verdadeira seriedade perante a vida.
A dimensão histórica da existência
A história não é fruto da necessidade nem do acaso: história, para K., acontece onde
se dá a decisão humana e no significado que acompanha este acontecer. A história enquanto
conhecimento de fatos é sempre algo aproximativo e cheio de elementos de incerteza: para
se encontrar a verdadeira história é necessário contar com a presença criativa do
indivíduo.
A história permanece sempre como algo inapreensível, como possível, como
pensamento e nunca consegue abarcar a totalidade da existência. Assim, conhecer a
história é muito mais do que conhecer os dados, os fatos, mas entrar em comunhão com o
espírito e os valores de uma figura ou época. Só é plenamente história o encontro do
indivíduo com o Absoluto, enquanto apropriação do “fato eterno”.
O desespero e a existência
O indivíduo traz em si a síntese e a contradição dialética de sua existência (finitude
x infinitude; temporalidade x eternidade; necessidade x liberdade). Sua autorrealização
depende de encontrar a Deus, na dimensão religiosa da existência. Se não consegue este
relacionamento, cai no desespero.
Há três formas de desespero: desespero pelo fato de não ser consciente de ter um
eu: fase pré – reflexiva; desespero pelo desejo de não – ser – si - mesmo; desespero pelo
desejo de ser si próprio.
Num primeiro momento, o indivíduo acha-se vítima de circunstâncias externas, mas
ao perceber que o problema é interior, é ele mesmo, ao tentar se curar e sua situação a
piora, (pois a cura não depende dele, mas da abertura ao Eterno): o indivíduo consome-se a
si mesmo sem curar-se.
O desespero é universal: todos dele participamos em maior ou menor grau: o
desespero é bom, porque desperta para uma possibilidade de cura. Assumir e sofrer o
desespero é algo necessário! O desespero de não querer ser si próprio K. chama fraqueza.
O desespero de querer ser si mesmo K. chama desafio.
Desespero de ser si próprio: não desesperar-se, viver sem grande consciência de seu
desterro é a falsa ou má consciência. Desesperar-se de si próprio ou querer libertar-se de
si é a forma da primeira fase do desespero: a segunda é querer desesperadamente ser si
mesmo. O desesperado quer ser um “eu” que ele mesmo não é, pois o que ele quer é separar
o seu “eu” do seu Autor, isto é, de Deus, e não consegue, pois seu autor, que é mais forte,
constrange-o a ser o “eu” que ele não quer ser.
O indivíduo, sendo uma síntese, ou vivendo na tensão entre a finitude e a infinitude,
quando surge o desespero, tende mais para um lado ou para o outro:
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1) o desespero da infinitude: manifesta-se pela fantasia, que vive da imaginação, que pode
até ter bons propósitos, mas vive deslocada do real. Nesta fase é impossível um autêntico
relacionamento com o absoluto, pois este destrói todas as fantasias.
2) desespero da finitude: manifesta-se na estreiteza de espírito, no conformismo, na
submissão às convenções, o que permite o indivíduo levar uma vida normal ou até de
sucesso. Porém a salvação do eu, a cura do desespero só se dá com a relação como o
absoluto, que exige o afastar-se de si mesmo, numa “infinitização”.
3) outra forma de desespero é o desespero do possível: o “eu” corre atrás de várias
possibilidades de ser, mas sem assumir nenhuma: os possíveis tornam-se cada vez mais
intensos, mas sem deixar de ser possíveis e nunca reais. O que faz o indivíduo extraviar-se
no possível é a incapacidade de submeter-se à necessidade de reconhecer as suas
“fantasias interiores”. O “eu” procura-se no possível, mas encontra-se sempre e
parcialmente, ou não é capaz de reconhecer-se na possibilidade (espelho).
O desespero da necessidade ou do possível surge quando o indivíduo tenta libertar-
se das limitações inevitáveis da vida. Isto acaba por levá-lo ao fatalismo (conformismo) ou à
superficialidade. O remédio para o desespero é o salto da fé, que implica a aceitação da
destruição de si, da morte do “eu”, para o qual é necessário o concurso do absoluto.
No entanto, o indivíduo teima em construir seu próprio eu, e criar-se segundo as suas
especificações, cai na falta de seriedade, já que não admite nenhum juiz sobre si.
Conforma-se ao sofrimento, odeia a vida, mas teima em ser si próprio.
O sofrimento permite-lhe mesmo usar o ressentimento para justificar-se. Há os que
permanecem na sua ilusão e se acham felizes, protestando se alguém lhes mostra o
contrário. Há os que tudo julgam pelo critério sensível do agradável e do desagradável, e os
que se refugiam em sistemas ideais.
Desespero de não querer ser si próprio
O indivíduo pode assumir a forma de escravidão a circunstâncias exteriores: foge do
sofrimento que pode levá-lo à existência autêntica, e procura-se em outro, desejando os
dotes das outras pessoas. Percebe que as dificuldades são suas, sente-se e fortalece-se
como vítima passiva de seus próprios defeitos. Enfim, está sempre fugindo da reflexão.
O desespero da fraqueza manifesta-se também pela personalidade introvertida: vive
a sós, crê-se autosuficiente e autocontrolado, num escudo de orgulho que esconde a
fraqueza e o desespero.
O desespero vivido na fase religiosa torna-se pecado: o contrário do pecado não é a
virtude, mas a fé, no sentido de ser – para – Deus e não no aceitar um corpo de doutrinas!
Assim, o mal não se deve à ignorância (postura socrática, filosófica), mas à vontade
rebelde: ela se recusa a admitir que a cura, a salvação, vem de uma força acima dele
próprio, que se deve aceitar pela fé humilde. Quando o indivíduo de defronta com a auto
revelação de Deus, que revela as profundezas da condição humana, então reconhece que
esta condição é insuperável pelas suas próprias forças.
Até para pecar o homem precisa de desespero, pois só se peca pelo desafio ou pela
fraqueza.
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O desespero e o pecado
Pecamos quando – desesperados - não queremos ser nós mesmo (fraqueza) ou quando
queremos sê-lo desesperadamente (desafio). Pecamos sempre contra Deus, pois nos
colocamos diante dele desafiando-o.
O pecador mais desesperado é o que sonha em vez de viver, o que mantém uma
relação estética com o real, o bem, a verdade, em vez de criá-la pela própria vida. Torna-se
pior pecado porque o pecador desesperado mantém tal comportamento estando já na
presença de Deus.
No seu desespero, ele anseia e deseja ardentemente a Deus: não pode mesmo deixar
de relacionar-se com Ele, mas não consegue abandonar a idéia de ser si mesmo, nem
consegue abandonar-se no escuro da fé. Da fé, este pecador desesperado só possui o
primeiro elemento, o desespero; falta-lhe a convicção de ser “chamado” sobre o qual ele
sempre se interroga e duvida.
O terrível do pecado é estar diante de Deus, em ser contra – Deus (isto é, afirmar o
seu ser diante de Deus) e ter consciência disto. Estar diante de Deus, como um “eu”
independente o torna esta arrogância de afirmar-se diante de Deus um pecado infinito.
A definição socrática/racionalista/filosófica de pecado como ignorância não dá conta
da noção de pecado. Seria uma ignorância prévia a todo pecado ou uma ignorância
esquecida? Qual é então a raiz última do pecado?
Para K., o homem natural (Sócrates) não tem pecado porque desconhece a categoria,
já que o pecado é tão somente ignorância: a noção de pecado não entra no universo
intelectual grego. Não se percebe que a ignorância (ou seja, o pecado) impede o
crescimento do conhecimento: se uma vez conhecendo o bem e não o praticando, nosso
conhecimento estanca e obscurece-se cada vez mais, de modo que passamos nos submeter
aos instintos mais inferiores de nossa alma. Quando o conhecimento obscurece, ele entra
em acordo com a vontade, até submeter-se totalmente a ela.
Trata-se não de ignorância, mas de recusa de compreender. Portanto, o problema do
pecado não está no compreender, mas no crer: o pecado é ato de vontade e não de
conhecimento.
A angústia e a liberdade
Antes de entrar no estágio ético da existência, o indivíduo encontra-se na situação
de pura possibilidade que é a angústia; a angústia é o sentimento do nada; na angústia o
desejo da existência dá lugar a uma dúvida universal sem esperança.
O indivíduo procura algo para agarrar-se e só alcança o vácuo, sentindo-se em poder
da mais absoluta solidão e abandono.
No entanto, a angústia expressa uma perfeição humana: só passando por ela o homem
pode elevar-se até a existência autêntica. A angústia é a vertigem da liberdade e vivenciar
a profundidade da angústia é se abrir à possibilidade da liberdade.
Quanto mais conhecemos esta angústia, mais humanos nos tornamos. A angústia é a
voz que nos lembra o imperativo de ser homem, de assumir a própria existência. Fugir do
infinito que a angústia é o chamado, tem como resultado a melancolia: ao procurar fugir de
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si mesmo, buscando distração, vem a sensação de ser arrastado pela vida, sem prazer ou
gosto pela própria existência.
A angústia tem origem na liberdade: liberdade para realizar e liberdade irrealizada e
irrealizável sendo por isso, dialética.
A angústia tem um valor “psicológico”: o espírito não pode estar contente consigo
mesmo, nem apreender-se enquanto o seu “eu” se conserva exterior a si mesmo.
Fugir à angústia não é possível, pois a amamos (já que ela nos alerta para a existência
autêntica), mas não a amamos realmente, pois dela fugimos (já que não queremos existir
autenticamente). Outra contradição dialética.
No entanto, a angústia se confunde com o pecado, quando já se colocou a diferença
entre o bem e mal, quando surge a possibilidade da escolha, do exercício da vontade. A
angústia será o sintoma da má escolha, ou da escolha insuficiente ou infiel, do pecado, do
não escolher a existência autêntica, frente a Deus.
Assim a relação, o abrir-se ao infinito de Deus, possibilita a recuperação da angústia,
mas não sua eliminação: esta permanecerá sempre como um alarme da infidelidade
(diferença entre culpa e angústia: a culpa é determinada, localizada: a angústia é o pecado
da infidelidade à existência: é um acúmulo de culpas).
A angústia possibilita experienciar o estado do qual se quer sair, ao mesmo tempo em
que ela anuncia não ser bastante o desejo e a vontade para sair deste estado.
A angústia é sempre profundamente pessoal: ela é a expressão mais profunda e
complexa da possibilidade da liberdade.
A opção fundamental e o paradoxo da existência
A tarefa fundamental confiada ao homem é optar pró ou contra a própria existência.
Isto se faz num processo dialético paradoxal (instante x imediatismo; união x
fragmentação; dever ético x irrisão).
A recuperação dos paradoxos depende da opção fundamental que se faz no salto da
fé, ao adentrar-se no estágio religioso. Neste momento o indivíduo está só diante de Deus e
resolve-se o paradoxo: eterno e temporal, o bem absoluto e o indivíduo culpado unem-se
subjetivamente: a “verdade” é algo vivido, experienciado, única e intransferivelmente na
subjetividade. Do ponto de vista objetivo, é um paradoxo, pois na subjetividade há a
síntese entre finito/infinito, temporal/eterno, necessidade/liberdade que objetivamente
não se resolvem.
O instante no qual a síntese subjetiva se dá, é o reverso de todos os paradoxos
existenciais, ponto de ligação entre o eterno e o temporal (São João da Cruz).
No instante funde-se futuro/presente e passado, esperança, realização e volta ao
passado, antecipação apaixonada do eterno. O papel da razão consiste em sofrer a
contradição: exercer a razão para crer contra ela, pois se chegássemos a explicar Deus, é
sinal de que não haveria mais paradoxo.