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NORMAN ANGELL
A GRANDE
ILUSAO
-
SINOPSE
Quais são os motivos fundamentais que explicam a atual corrida
armamentista na Europa, particularmente entre a Inglaterra e a Alema-
nha? Todos os países invocam a necessidade da sua defesa, mas essa
declaração implica que alguém está disposto a atacá-los e
presumivelmente tem o propósito de fazê-lo.
Em cada caso, quais motivos os Estados temem que possam ser
determinantes de uma conduta agressiva por parte dos seus vizinhos?
Esses motivos se fundamentam na crença universal de que, para
abrigar sua população em crescimento e para o desenvolvimento da
indústria, ou simplesmente para garantir a seu povo as melhores condi-
ções possíveis, as nações estão obrigadas necessariamente a buscar sua
expansão territorial, exercendo contra as demais a sua pujança política.
Assim, a competição naval da Alemanha é considerada como a expres-
são da necessidade crescente que tem uma população que se expande
de encontrar um lugar no mundo - necessidade que tende a ser satisfei-
ta mediante a conquista das colônias ou do comércio da Inglaterra - a
não ser que a defesa dos países visados torne isso impossível. Presume-
se, portanto, que a prosperidade de uma nação depende do seu poder
político; que, como as nações competem entre si, o triunfo está reserva-
do, em última análise, à que dispuser de força militar preponderante,
enquanto as nações mais fracas devem sucumbir, a exemplo do que
acontece nas demais esferas da luta pela vida.
() autor contesta essa doutrina ern sua totalidade. Procura mostrar
'iue ela pertence a um período da civilização 'iue já ultrapassamos; que a
indústria e o comércio de um povo não dependem mais da expansão
das suas fronteiras políticas; 'iue as fronteiras políticas e econômicas de
um país não precisam necessariamente coincidir; 'iue o poder militar é
fútil do ponto de vista social e econômico e pode não ter relação com a
prosperidade do povo 'iue o exerce; 'iue é impossível para um país apro-
priar-se pela força do comércio ou do bem-estar de outro país, ou cnri-
'iuecer, subjugando-o e impondo-lhe pela força a sua vontade. Em suma,
LIV N ORi\IAN ANCELL
"A conservação não é o fim supremo das nações e tampouco dos indivíduos ...
O progresso da humanidade pode reclamar a extinção do indivíduo (neste mun-
do), como pode exigir igualmente o exemplo e a inspiração que resultariam de
uma nação mártir. Enquanto a Divina Providência precise de nós, a fé cristã
exige que depositemos nossa confiança nas forças invisíveis da boa ação, do
amor e da retidão; mas, conforme Jeremias ensinou ao seu povo no passado, se
a vontade divina o solicitasse, deveríamos estar prontos a imolar até mesmo a
existência da nação em holocausto dedicado àqueles desígnios supremos a que
toda a Criação obedece.
"Isso pode ser fanatismo; mas, neste caso, é o fanatismo de Cristo e dos seus
profetas, e com eles estamos prontos a ocupar o nosso lugar." 1
1 () caminho da rerdadcira tida, p. 29. Sei (jue muitos dos pacifistas modernos, mesmo da escola
inglesa, aos quais essas observações poderiam ser aplicadas, argumentam em base mais objetiva
do (jue Crubb; no entanto, aos olhos do "homem sensual, comum e corrente", o pacifismo
ainda sofre, para muitos, dessa espécie de altruísmo auto-irnolatório 01. capítulo IH da Terceira
Parte), a despeito da obra admirável da escola pacifista francesa, tratada no princípio do capítulo
]] da Segunda Parte.
Defesa da guerra sob o aspecto econômico 7
:' () iornal f ,e i\/lIlill publicou recentemente uma série de rcvclaçócs segundo as quais, para
castigar um ato trivial de insubordinaçáo, o parrâo de um barco francês dos lJue se dedicam à
pesca do bacalhau abriu o ventre de um tripulante e, depois de salgar seu intestino, jogou o
corpo palpitante no fundo do porào, com os peixes. ( Is outros tripulantes estavam rào empe-
dernidos e ráo familiarizados com todo tipo de atrocidade lJue nào pensaram em protestar, e o
incidente S(') ficou conhecido mais tarde, pelas conversas dos marinheiros nas tavernas. / .-I.'1\1l1lill
menciona o episódio como um caso típico das brutalidades ljUe prevalecem nos barcos france-
ses dedicados à pesca do bacalhau nos mares da Terra Nova. Na mesma ordem de idéias, a
imprensa socialista alemã mencionou recentemente o que chamou de "baixas na batalha indus-
trial": as perdas de vida por causa de acidentes industriais a partir de 1R71, ou seja, em plena paz,
foram incomparavelmente maiores do l!Ue a mortalidade na guerra franco-prussiana.
Defesa da guerra sob o aspecto econômico 9
A GRANDE ILUSÃO
I Naturalmente, essa nào l' a única base comparativa. (.: conhecido o alto grau de conforto
2 Segundo números do St(/kJllltlll:r ) rar Hook, a Noruega tem, relativamente ú sua popula-
çâo, três vezes o trade" da Inglaterra, ou seja, o somatório das mercadorias ljUe
transitam pelo país, incluídas aquelas com outro destino final.
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menta que pode ter esse destino não tem mais a condição de garantir a nossa sehru-
rança nacional. Não obstante, abundam neste país os que nos falam dos tratados
como coisas sólidas, l)ue nunca perdem valor. São pessoas admiráveis, mas perigo-
sas, sonhadores excessivamente benevolentes e inocentes l)ue vivem em um mundo
árduo e cruel, onde a força é a lei suprema. Não obstante, há atualmente inocentes
desse tipo no Parlamento. Esperemos l)ue não permaneçam lá por muito tempo.";
Até certo ponto, o Major Murray tem razão: a opinião dos militaris-
tas, dos que "confiam na guerra" e a defendem até mesmo do ponto de
vista moral- porque sem ela os homens "sofreriam uma degeneração" -
, contribui para sustentar essa doutrina da força e representa o ambiente
próprio do militarismo, promovendo-o em toda parte. No entanto, essa
opinião implica um sério dilema: se só a força pode garantir a riqueza de
um povo, e se os direitos assegurados pelos tratados não valem o papel
em que foram escritos, como se pode explicar a evidente segurança das
riquezas de um Estado relativamente desprovido de força militar? Pelos
receios recíprocos dos que subscreveram a sua neutralidade? Nesse caso,
esses receios poderiam respaldar C0111 a mesma eficácia a segurança dos
grandes Estados. Os termos dessa questão são colocados assim por Farrer:
mas haveria um único alemão c!!l0 patrimônio pessoal aumentasse com isso? Os
holandeses se converteriam de cidadãos de um Estado pequeno e in-
significante em cidadãos de um Estado de grandes dimensões: masjica-
riam mais ricos ou teriam melhores condições pessoais? Sabemos perfeitamente
que a vida dos alemães e dos holandeses não melhoraria em nada. E
sabemos também que provavelmente ela pioraria. Em todo caso, pode-
mos afirmar que a situação dos holandeses pioraria sensivelmente, com
o regime de tributos moderados e serviço militar leve substituído pela
tributação muito mais onerosa e pelo serviço militar mais exigente do
"grande" Império Germânico.
* * *
A matéria seguinte, publicada no Daz/y Mai! em resposta a um arti-
go desse jornal, projeta mais lu? sobre alguns dos pontos que tratamos
neste capítulo. () jornalista mencionara a Alsácia-Lorena como um gan-
ho da conquista alemã, com o valor de 66 milhões em dinheiro, e acres-
centava: "Se a Alsácia-Lorena tivesse permanecido em poder da França,
teria produzido para o Estado francês, sob o seu regime tributário, uma
renda de 8 milhões por ano. Renda que foi perdida pela França e bene-
ficia a Alemanha."
Minha resposta foi a seguinte:
j A qual, diga-se de passagem, nào é nem de H nem de 3 milhões de libras, mas de cerca de
1 milhào.
A grande ilusão 35