Tilly, Charles (Coercion, capital, and European States, ad 990-1990/Charles
Tilly. O texto em questão conduz uma profunda e meticulosa investigação sobre a evolução das dinâmicas de guerra e do poder estatal ao longo da história, com uma ênfase especial na experiência europeia. O autor inicia o texto destacando um paradoxo notável: apesar do período de quarenta anos de relativa acalmia entre as grandes potências globais, o século XX foi marcado como o mais belicoso da história da humanidade. Para contextualizar essa afirmação, o autor oferece uma análise detalhada das taxas de mortalidade por mil habitantes ao longo dos séculos, revelando que o século XVIII registrou uma taxa de cerca de 5, o século XIX viu um aumento para 6, enquanto o século XX testemunhou um aumento impressionante para 46 - oito ou nove vezes mais do que o século anterior. Surpreendentemente, mesmo a era nuclear não conseguiu frear a tendência histórica de conflitos mais frequentes e mortais. O autor ressalta que, desde o século XVI, houve uma diminuição média na frequência, duração e no número de estados envolvidos em guerras entre grandes potências. Esse fato pode ser interpretado de duas maneiras opostas: com otimismo, pode-se imaginar que as grandes potências descobriram meios menos onerosos de resolver suas diferenças do que as guerras incessantes; com pessimismo, pode-se concluir que as grandes potências exportaram a guerra para o resto do mundo, evitando que suas energias destruíssem umas às outras em conflitos concentrados. Independentemente da perspectiva adotada, o mundo parece tornar-se cada vez mais beligerante, com os estados mais poderosos desfrutando de uma relativa ausência de guerra em seus próprios territórios, tornando-os possivelmente menos sensíveis aos horrores dos conflitos. No entanto, à medida que o mundo se tornava mais beligerante em termos de conflitos entre estados, houve uma tendência geral de declínio da violência entre as pessoas fora da esfera do estado. O autor oferece um exemplo notável ao observar as taxas de homicídios na Inglaterra nos séculos XIII, XVI e XVII, que eram consideravelmente mais altas do que as taxas atuais. Esse declínio acentuado na violência, particularmente do século XVII para o século XIX, é atribuído a grandes mudanças de mentalidade, conforme sugerido por pensadores como Michel Foucault e Marvin Becker. No entanto, uma contribuição significativa para essa diminuição da violência resulta, sem dúvida, da tendência crescente dos estados em controlar, reprimir e monopolizar os meios efetivos de violência. Isso cria uma notável distinção entre a violência na esfera estatal e a relativa não-violência na vida civil fora do estado. Essa diferenciação foi principalmente impulsionada pelos Eestados europeus, que instituíram meios de coerção formidáveis enquanto privavam as populações civis do acesso a esses meios. Essa estratégia variou entre Eestados, mas, em geral, envolveu a reorganização da coerção, frequentemente com o apoio do capital e dos capitalistas. O autor destaca que, durante o século XVII, os bandidos proliferaram em grande parte da Europa, e aqueles que estavam fora do âmbito estatal muitas vezes se beneficiaram do uso privado de meios violentos. No entanto, a partir do século XVIII, os governantes buscaram mudar esse equilíbrio de poder de maneira decisiva, restringindo o uso de armas para a maioria dos cidadãos e normalizando o enfrentamento entre agentes armados do estado e civis desarmados. Isso foi exemplificado na Inglaterra, onde os Tudors suprimiram exércitos privados, limitaram o poder dos grandes senhores ao longo da fronteira escocesa e eliminaram castelos-fortaleza que antes simbolizavam o poder e a autonomia dos magnatas ingleses. Para subjugar magnatas e cidades que se opunham a essa norma, os governantes demoliram regularmente suas fortificações, limitaram seus direitos ao uso de armas e reduziram as chances de futuras rebeliões mais sérias. Ao mesmo tempo, a expansão das forças armadas do estado superou os armamentos de qualquer adversário doméstico. Isso fortaleceu a ligação entre a guerra e a estrutura do estado. Com o desenvolvimento das forças armadas estatais, o desarmamento da população civil aumentou consideravelmente a proporção de meios coercivos nas mãos do estado em comparação com aqueles disponíveis para os adversários domésticos. Como resultado, tornou-se quase impossível para uma facção dissidente tomar o poder em um estado ocidental sem a colaboração ativa de alguns segmentos das próprias forças armadas. Esse desenvolvimento é ilustrado pelo exemplo da monarquia prussiana, que tinha o Comissariado Geral da Guerra como seu principal órgão de arrecadação de impostos.