~çj)-

CAl'fTUf.-0 3

0 QUE É CONHECIMENTO?
Linda Zagzebski

1. Introdução: o objeto do conhecimento e os

componentes do conhecimento
conhecimento é um estado altamente

W valorizado no qual se encontra uma

pessoa em contato cognitivo com a
realidade. Trata-se, portanto, de um~ relação·. De um
lado da relação está um sujeito consciente, do outro
lado está uma porção da realidade com a qual o
conhecedor está direta ou indiretamente relacionado.
Partindo do pressuposto de que a relação direta é
uma questão de grau, torna-se conveniente pensar
no conhecimento de coisas como uma forma direta
de conhecimento, em comparação ao conhecimento
sobre as coisas, que é indireto. O primeiro é habitual-
mente chamado de conhecimento por familiaridade
(acquaintance), uma vez que o sujeito está em con-
/4
t) . tato, através da experiência, com a porção de reali-

153

PtaJl'H.f~l •\\ l lot\llll h,lt,,..\t, l lt'. F.r1., 1n 11.,uwa.,
dadc conhecida, ao passo que o segundo é chamado de conhecimento ,·Jf
proposicionat, uma vez que aquilo que o sujeito conhece é uma propo- i '
siçào verdadeira sobre o mundo. Conhecer Roger é um exemplo de/
conhecimento por familiaridade, enquanto saber que Roger é um filóso- é~
fo é um exemplo de conhecimento proposidonaP . O conhecimento por:
familiaridade inclui não apenas o conhecimento de pessoas e de coisas,~
mas também o conhecimento de nossos próprios estados mentais. Dei
fato, os próprios estados mentais daquele que conhece são müitas vezes·
tidos como a porção da realidade mais diretamente conhecível. \'
O conhecimento proposicional tem sido exaustivamente muitq
mais discutido do que o conhecimento por familiaridade por du~'
razões, pelo menos. Por um lado, a proposição é a forma pela qu~
se comunica o conhecimento, o que significa que o conhecimentJ,
proposicional pode ser transferido de uma pessoa para outra, ao p
que o conhecimento por familiaridade não pode ser transferido, pcl,
1
menos de forma direta2 • Uma outra razão, relacionada com esta, é \!,
suposição usual de que a realidade tem uma es.trutura proposicional ou:
pelo menos, que a proposição é a principal forma pda qual a realid~;
de se torna compreensível para a mente humana. Assim, mesmo q~'."
minha experiência de Roger me leve a conhecer Roger, e a expeliênd,,;
de minhas próprias emoções me leve a conhecer como é possuir
emoções, como teórica, sinto dificuldade em responder à questão "
que é conhecimento?" acerca de ambos os casos. É mais fácil explir
o objeto do conhecime,n to quando se trata de uma proposição. Nes
. artigo seguirei o procedimento habitual, concentrando-me no cm~.
cimento proposicional, 1mas ao fazê-lo reconheço que sua conveniênj
teórica não implica necessariamente sua grande in1portância. ..,J.,. ,
As proposições são verdadeiras ou falsas, mas apenas as pror:
· sições verdadeiras ligam o sujeito que conhece com a realidade
maneira desejada. Assim, o objeto do conhecimento, no sentido qj
1. Alguns filósofos tentaram reduzir urna à outra essas forn1as de conhecimento.
2. Ver a noção de •comunicação indiretil'' de Kierkegaard p~ra e ntender sua visão-:-~
a forma de comunicar a verdade ou a subjetividade, que ele acredita ser não proposici~
Esta ideia permeia seu~ e5critos do começo ao fim, pa1ticularmen.{~ Conchtdine Unscien,
Postscript. · ,l·,' t,_:
154
1'. lf l!' )
(l (.!l 'í. 1. U Y\rrrl lll.C l\11.~ H•'i
mais interessa aos filósofos, é geralmente visto como uma proposição
verdadeira. A natureza dá verdade, das proposições e da reaJidade são
todas questões metafisicas. 1~or essa razão, os epistemóJogqs em geral
não dirigem seus esforços a essa~ questões quando escrevem sobre epis-
temologia, e assim as discussões sobre o conhecimento normalmente
não são centradas no objeto do conhecimento, más siiil nad' proprie-
dades do próprio estado que fazem dele um estado de conhecimento.
Desse modo, relatos sobre o conhecimento dirigem sua atenção para
a rdação de conhecimento e são mais focadas no lado do sujeito da
relação do que no lado do objeto .
Até agora, vimos que o conhecimento é uma relação entre um su-
jeito consciente e alguma porção de realidade, geralmente compreendida
como mediada ~través de uma proposição verdadeira, e a maioria da
atenção episte1'!1ológica tem sido devotada ao lado do sujeito da relação.
No estado de conhecimento, o sujeito que conhece está relacionado
com uma proposição verdadeira. O modo mais geral de caracterizar a
relação entre aqude que conhece e a proposição conhecida é que ele
a toma como verdadeira, e essa relação é chamada, de maneira padrão,
,f ,:,·, de estado de crença. A ideia de que o estado de conhecimento é uma
'\1~/ espécie d~ estado de crença reforça a prática quase universal na epis-
~.;J? tcmologia de se definir o conhecimento como crença verdadeira mais
"''\ .: _alguma outra coisa. Mas essa visão pode ser refutada, já que a história
·;_ dos conceitos epistêmicos mostra q11e a crença e o conhecimento algu -
'./~as vezes foram vistos como estados epistêmicos que mutuamente se
iicxcluem, porque se pensava que o conhecimento e a crença têm objetos
':'!is.tintos, ou porque se pensava ser apropriado restringir o âmbito da
~~ri nça aos estados epistêmicos avaliativamente interiores ao estado de
~pnhccimento3 • A primeira preocupação foi estabelecida, para a satis-
f .•~ão de quase todos os epistemólogos contemporâneos, pela adoção
.,! visão amplamente compartilhada de que as proposições são objetos
u;;
;,r crença e de conhecimento e que, de fato, se pode tanto acreditar
3. .Platão usa ambas as razões para sua visão ele que os objetos cio conhecimento (epis-
e) e crença (doxd) são diferentes. Ver especialmente a analogia da linha na Reptíblica,
~ trecho 509d-S11 e, e a famosa Alegoria da Caverna, no trecho 514a-5 18d.
rl ,
1 ' . •"! / ' ·-' 155
1
~-
;
Pth.'IH.f.~l -\!'1 1·u.\ 111l ·u)!'c.\t ' nt. f..1 ·1, rHh 11.l"it a,
como conhecer a mesma proposição. Portanto, uma pessoa pode hoje 1i •··
conhecer algo em que ontem ela só acreditava, como o fato de que seu ,._
ti.me favorito ganharia o jogo hoje. Se isso é verdade, não há objeção .{"
à ideia de que o conhecimento é uma forma de crença fundamentada ,j
na diferença em seus objetos. A segunda preocupação pode ser esta- 1
belecida pela determinação de que acreditar é pensar com assentimento, ~
uma definição que vem de Agostinho<l. Uma vez indiscutível o fato de ~
que conhecer proposicionalmente é, entre outras coisas, tomar uma·~
proposição como verdadeira, e já que assentir uma proposição é apenas .
tomi-la como verdadeira, conclui-se, a partir da definição agostiniana :j
de crença, que o conhecimento é uma forma de crença5 • " Isso sugere que esta seja uma exigência do sentido moral de "laudável",
1
É razoável, portanto, afirmar que o conhecimento é uma forma de
crença, o que não é, entretanto, necessariamente útil na busca de uma'.·
definição de conhecimento, já que o conceito de crença em si mesmo;'
precisa de definição, e existem alguns filósofos que sustentam que o~
conceito sobreviveu à sua utilidade6 • Ainda assim, pressupõe-se de maneira;'
ampla que o conceito de crença seja mais claro e menos controverso),
que o conceito de conhecimento. E da mesma maneira deve ser se a;'
1
prática comum de definir o conhecimento como uma forma de crençá '
não for apenas verdadeira, mas esclarecedora. Acredito que a suposiçã~'
está correta, mas não irei defendê-la.
t,
4. AGOSTINHO, Predestination of the Saintl, 5, trad. Dods, rein,presso em OArs, Basió,
Writings of St. Augustine, New York, Random House, 1948, 2 v. A definição <lo Nacre<litai'1
como pensar com assentimento parece fazer das cre nças ocorrências conscientes e assim'
excluir a crença no sentido disposicional, sentido em que às vezes atribuímos crenças :a1
uma pessoa mesmo quando ela não está pensando nelas. Mas a definição agostiniana ~
Nacreditar" pode ser estendida de forma J incluir um sentido disposicional. Acreditar p dispõ!
sicionalmente seria deíinido como ter a dispo~ição de assentir p quando se pensa nele. -~·
5. :-lo entanto, para a noção de que o conhecimento e a crença são estados que se ex:.
cluem mutuamente e que podemos saber da diferença entre eles através da introspecçã~
ver H. A. PRICHARO, Know/edge and Perr:eption, Oxford, Clarendon Press, 1 950. Ele dii .
"Devemos admitir que, todas as vezes que conhecemos algo, nós também temos direta~
mente o conhecimento - ou pelo menos pode mos ter, pela refle><::io - de que estam ·
conhecendo esse algo, e todas as vezes que acreditamos em algo, nós também, de manei
parecida, temos ou podemos ter o conhecimento dl" que acreditamos em algo e não o'il
conhecemos" (p. 86). ·
4
6. Stephen SrocH, The Fragmentation o{ Reason, Cambridge, MA, MIT Press, 1 990.
156 l '!NH' /
l) ·-· •~. '- l't\N ll(C- l!lf.Nl l>?
Do que já foi dito até agora, conclui-se que o conhecimento é
uma forma de acreditar em uma proposição verdadeira. Neste ponto,
0 processo de definição do conhecimento toma-se muito mais difícil e
é bem mais aberto ao debate. Todos concordam que o conhecimento é
um estado bom, pelo menos no·sentido de desejável, e talvez também
no sentido de laudável. Mas existem diferehtes tipos de laudabilidade.
Boa aparência, s~gacidade e força são qualidades desejáveis, e elogiamos
os outros por tê-las, mas normalmente não os culpamos se: não têm tais
qualidades. Ao contrário, elogiamos as pessoas por terem qualidades como
coragem, bondade ou justiça, e também as culpamos em sua ausência.
ser uma qualidade cuja presença é elogiada e cuja ausência é censurada.
No entanto, tal afirmação é apenas aproximadamente correta, uma vez
que a culpa pela ausência também não existe no ápice da laudabilidade
moral. Elogiamos as pessoas por serem magnânimas ou santas, mas não
as culpamos se não o são.
Ora, é verdade indiscutível que o conhecimento seja desejávd, mas
será ele laudável e, se for, em que sentido? Sua laudabilidade está mais
próxima da laudabilidade da boa aparência, da laudabilidade da boncj,ade
ou d:3, laudabilidade da santidade? É importante ressaltar o fato de o
conhecimento não ter sido tradicionalmente tratado como um conceito
moral, embora tenha muitos dos aspectos da moral - por exemplo, a
conexão com a responsabilidade e o dever epistêmico, como quando
criticamos uma pessoa dizendo que da deveria conhecer melhor, uma
crítica frequentemente acompanhada pelo tipo de aversão característica
da moral. Falhas particulares no conhecimento geralmente são atribtú-
das a qualidades que têm um tom decididamente moral, como quando
dizemos que uma pessoa não é justa <:om seus oponentes intelectuais ou
é intelectualmente covarde ou dogmática. Em todo caso, a fulha pode
ser a explicação para a falta de conhecimento do sujeito e ele pode ser
censurado por sua falta de conhecimento por causa dessa falha. Injustiça
e covardia c;Jaramente são qualidades que têm um sentido moral, e o
dogmati~mo também, por menos óbvio que seja. Uma característica
peculiar da pessoa dogmática é que da se recusa a levar a sério qualquer
evidência que possa abalar sua <:rença, ou seja, nada influencia contra
f, t /'<7/ 1, ' ,: 157

l'1a11ou.~,.\, 11.:., 1,u u,s.-\1, n1: E1·1~1f.:,,\.,1.\11. ,1,
essa crença. No enLanto, censurar uma pessoa por ser dogm.ática é quase
o equivalente a censurá-la por ser fanática. A resposta é semelhante a
uma reviravolta moraJ. E111 cada um desses casos, portanto, a falha é
percebida como uma falha moral, e se o sujeito não tem conhecimento
por conta disso a falta de conhecimento é percebida como se fosse uma
falha moral.
Assim, às vezes o bem do conhecimento é tratado como um bem
moral. Uma pessoa é elogiada por sua presença e censurada por sua jl
ausência. No entanto, também existem instâncias do conhecimento cuja ~ '
falta fica além da esfera do censurável, o que indica que os conceitos ~
morais não são aplicáveis. Exemplos óbvios incluem ·o conhecimento }
perceptivo e o conhecimento de memória. Hoje em dia é comum pensar 11
que eu sei que estou olhando para um narciso amarelo em circunstâncias 1
normais cm que eu esteja olhando para um narciso amarelo e formar a.:J
crença de que o estou fazendo, e todos concordam que este é um estado ~
desejável. Seria um exagero dizer que existe algo laudável neste rato por ~
ser algo tão comum, e certamente a falta de conhecimento percl!ptivo-i
em tais circunstâncias devida a uma anormalidade visual é mais digna .t,;v,;
de pena do que de críticas. Naturalmente, casos de conhecimento dados\
por uma acuidade perceptiva extraordinária são elogiados e merecem 1 conhecimento nascem de diferentl!S propósitos ao se fazer a pergunta.
sl!r elogiados, mas a falta de conhecimento perce!ptivo em tais casos l
certamente não é censurada. Portanto, certos tipos de conhecimentoJ
parecem estar bem distantes da estera moral. ~ pode i;er o prático, que consiste em nos dar dirl!trizcs para encontrar
Um problema para o teórico é reconciliar esses diterentes sentidos:-.
nos quais o conhecimento pode ser bom. O bem do conhecimento}'
pode ser como os bens por natureza, pode ser similar aos bens morais!
e pode até mesmo ser visto como algo nobre. lvlaiores controvérsias.~.
sobre a ddinição do conhecimento podem girar em torno de sentidos·:
contrastantes nos quais o conhecimento é bom. De acordo com o1~
confiabilismo contemporâneo, o conhecimento é uma crença verdadeira{
que vem de um mecanismo produtor de verdade confiável. Ess:i ideia~
faz que o bem do conhecimento· seja um bem por natureza como a"
beleza, a sagaddade, a força. A ideia tradicional de que o conhecimento:1
é uma crença verdadeira baseada em boas razões é.JlSsociada com ~J.
conceitos éticos de responsabilidade, elogio ou culpà. Uma pessoa é.:"'
•
158 ,·.wn T
() \.!l 'f. Í t'• ,:, Hl.t l,\ lt~ u.,·t
elogiada por acreditar na verdade sobre boas razões e criticada por não
fazê-lo. A ideia de que o conhecimento é nobre vem de! Platão. Em
núnha opinião, nenhuma definição de conhecimento pode ter sucesso
se não incorpora ou ao menos vincula-se aos sentidos de bem usados
nesses tipos opostos de teoria.
2. Desideratos na definição de conhecimento
Na primeira parte, fiz uma caracte1ização geral do conheciml!nto
como um bem, um estado de crença em uma proposição verdadeira, o
que é aceito de 'maneira ampla, apesar de algumas das discllssões mais
profundas sobrei a definição de conhecimento girarem em torno do serl.-
tido de bem pretendido nessa definição vaga I! preliminar. No entanto,
outras coisas precisam ser estabelecidas antes de pl'ost cghi'l-mô~. "O que
é conhecimento?" não é uma questão· com um propósito claro e único.
Fazer a pergunta e dar uma resposta são atividades humanas que nascem
de uma variedade! de necessidades humanas. Se a pergw1ta exige uma
definição, que tipo de definição é desejado? Nesta parte quero abordar
e~a discussão, já que algumas das diferenças nas explicações sobre o
Uma definição pode! servir a diferentes propósitos, alguns práticos,
· outros teóricos. Quando definimos o conhecimento, um dos propósitos
instâncias de conhecimento em nós mesmos e nos outros, talvez com
um outro objetivo, o de nos auxiliar a conseguir esse conhl!cimento.
Bem diferente é o propósito te~rico, que consiste em compreender onde
o conceito de conhecimento deve sl!r colocado num mapa conceituai
que os filósofos já traçaram parcialmente!. Esse objetivo teórico tende
a resultar em wna definição que é uma verdade necessária, enquanto
9 objetivo prático pode ser satisfeito por uma definição contingente.
Propósitos teóricos e práticos podem, às vezes, estar cm desacordo.
Um propósito teórico comum diz respeito ao que Locke chamou
de definição real, uma verdade necessária que! elucida a natureza do
tipo de coisa definida. Nem todos os conceitos definidos por verda-
des necessárias têm definições reais. Por l!Xemplo, solteiro é definido
1 . , ,, , : , " ' 159
P P.'-.lKLl: • I.\'\ l 'RAl)IC'ION.\I:'\ 1)1: E. 1•1., 1U tl•I.OC,I\
como 11m homnn não casado, o que é presumivelmente uma verdade ·;
necessária, mas ninguém pensa que os solteiros constituem um tipo .1
de coisa independente cuja natureza queremos investigar. Em con- ·Jft
trapartida, espécies naturais como ser h,1-mano, ouro e água são tidos ·;
como bons candidatos para definições reais. Apesar das dissimilarida- ~-
des óbvias entre conhecimento e substâncias reais, é comum que os
filósofos objetivem uma definição real de conhecimento, embora tal 1
·1
fato não seja explicitado com frequência. Entretanto, acredito que -~
esse seja um objetivo que merece atenção, já que pressupõe algumas ;; .
visões metafisicas e semânticas discutíveis. Talvez o conhecimento ~}jl
não esteja em uma categoria ontológica para a qual seja possível uma --~
definição real. Por exemplo, ninguém procuraria uma definição real ·!"
de rico, doce ou planta grande, e apenas alguns teóricos procurariam?,
uma definição real de comida, inteligência ou virt1,de. Em alguns ·i
destes casos, uma definição contingente provavelmente é suficiente ~·
e, pelo menos até certo ponto, será convencional. Será viável alme-
jar uma definição real de conhecimento somente se o conceito de ,
conhecimento não for como o conceito de uma planta grande. E,:
mesmo se ele estiver mais perto do conceito de intdigência ou de :
virtude, ainda não haverá decisão sobre o fato de uma definição real
ser ou não atingível. Ao levantar tais questões sobre os propósitos da~
definição, tenho o objetivo não de resolvê-las, mas de indicar como\
elas determinam o que é desejado em uma resposta à pergunt,\ "O\
que é conhecimento?". · Ele duvida que a definição resultante possa ser uma verdade necessária,
O propósito de uma definição pode ser atingido por mais de um :,
método; portanto, criticar o método não é a mesma coisa que criticar;
o propósito7 • O propósito predominante de se chegar a uma definição·~
real lockiana que resulte em uma verdade necessária pode ser feito porir:i
meio de mais de um método . Durante décadas, o método prc:fcrido''
foi o da análise da condição de verdade, de acordo com o qual as_:
condições putativas necessárias e suficientes para ser uma instância de~
"
conhecimento são propostas e testàdas pelo método do co ntraexemplo .::,~,
tt-1; :
7. Para uma discussão interessante sobre os propósitos P. métodos de defini ção, ver :â:ii
Richard RoerNSON, Definition, Oxford, Clarcndon Press. 1950. ';! );l;_
160 l\t/ll L f 1 . ._ , : , , .
() C....ll •I: 1. c. ,1~ 111:'-. I\U. N l '-.IÍ'
(Chisholm, Klein, Plantinga e outros). Recen temente, esse método
ficou sob ataque de modo gera.18 e no caso particular do conheci-
mento. A recente teoria do conccxtualismo, por exemplo, não trata o
conhecimento como um tipo natural, nem aponta para um conjunto
de condições necessátias e suficientesv. Edward Craig parece rejeitar
tanto o métod? de análise da condição de verdade como o propósito
por trás do método. Craig tem por objetivo identificar as características
distintas do conhecimento examinando seu propósito pragmático em
uma comunidade de informantes. Ele parece encarar o conhecimento
como mais próximo de um artefato do que de um tipo n atural. Eie
não tem como objetivo uma verdade necessária, e não o perturba o
fato de que nem todos aqueles que conhecem são bons informantes.
O procedimento de revisão de uma definição com o exame de con-
traexemplos não faz parte desse métodoHI. Hilary Kornblith também
rejeita o método de análise da condição de verdade, mas não o pro-
pósito de se dar uma definição real. Ele vê o conhecimento como um
tipo natural, mas acredita que a investigação empírica pode resultar em
uma verdade necessária sobre ele, assim como a investigação empírica
pode nos levar a descob1ir verdades necessárias sobre tipos fisicos ou
biológicos como o ouro ou a água. Alvin Goldman usa a análise da
condição de verdade do conceito de conhecimento, mas vê os métodos
empíricos como aplicáveis a ela, já que acredita que os conceitos são
estruturas psicológicas cujos conteúdos estão sujeitos ao teste empírico.
8. Ver John POlLOO:, A Theory of Mor.il Reasoning, Ethics 96 (April 1986) 506-523. Pollock
argumenta que os conceitos não são individuados pela análise d.-:i condição de verdade,
mas pelo que chama de seus papéis conceituais.
9. Para exemplos de contextualismo, ver David ANN1s, A Contextualist Theory of Epis-
temlc Justification, American Phi/osophical Quarterly 15 (1978) 213 -219; Keith DE RosE,
Contextualism and Knowledge Attribufü,ns, Philosophy and Phenomenological Research
52 (1992) 913-929; David LE1\1S, Elusive Knowledge, At1stralasia11 Joumal of Philosophy 74,
n. 4 (December 1996) 449-467.
10. Não tenho certeza se Craig encara seu livro como uma obra que contém uma
clennição de conhecimento; no entanto, ele tenta responder à questão •o que é conhe-
cimento?". Assim, a notável diferença entre seus propósitos e métodos e aqueles que são
mais r.omuns na epistemologia contemporânea está diretamente relacionada com o tópico
deste artigo.
' 161
t'~l '1:1. t.\l,\\ IK \PU 11.,-..:,\1, ltl. l:_1•1 , 1f. \ l l 'I.•. 1(, 1,\
e não tem como objetivo uma definição real 11 • Goldman, portanto, ,
retém o método, mas não o propósito.
Aristóteles identifica um tipo de definição que é "uma tõnnula ;t {
que exibe a causa da existência de uma coisa". Como exemplo, ele cita ~ ·
a definição de trovão por meio de sua causa eficiente como aquilo que
ocorre "porque o fogo está apagado nas nnvens'' 11• Aristóteles compara ,~ ·
esse exemplo com o tipo de definição que é capaz de n-ansmitir a na-
tureza essencial de uma coisa, sua causa formal, e sugere que a mesma
coisa pode ser definida das duas formas. É interessante comparar a inicial
teoria causal de Al~i~1 Goldman sobre ~ conhec~1ent~ e as form3:5 mais .:jf,
recentes de confiab1lismo com o procedimento anstotélico de defirur uma
coisa através de suas causas 13 • Diferentemente de Aristóteles, esses filósofos
tomam suas definições como antagó1úcas às definições do tipo crmça ver- :~
dadeira justificada que objetivam elucidar a natureza do próprio estado
de conhecimento. Goldman sugere que às vezes a natureza de lUna coisa ·-~ .
apenas é ser causada (eficientemente) de certo modo, como a queimadura
do sol, por exemplo, e vê o conhecimento como se fosse uma queima-
dura do sol. Mas a natureza essencial ou a causa formal da maioria das _1,., 1
coisas é distinta de sua causa eficiente; assim, se o conhecimento é como ),;I.';. ·.
a maioria das coisas, ele pode ser definido tanto por sua natureza como ,''1 ~
por sua cat~sa e~ciente, e as du_as ~e~niçõcs não se_1i~~1 concorrentes. Não ~J.""
conheço mnguem que tenha ms1so.do nessa poss1b1lidade. i elevado que o comum, e a diferença entre sua concepção rigorosa e a
Há muito a ser dito sobre cada um dos propósitos teóricos e prá- ·j '
ticos mencionados acima, mas a reflexão pode mostrar-nos que alguns
propósitos não possuem um bom sentido filosófico . De todo modo, ,1,
um exame consciente do propósito e do método de definição em geral
pode nos levar a ver alternativas que podem, de outra forma, fugir de
nós enquanto tentamos definir o conhecimento. É particularmente ~
des1::jável question.irmos se devemos ter como objetivo uma definição
real, já que e dificil deternúnar se o conhecimento é ou não um simples ·;11 ·••
_ _ _ _ ____,.;;•
1 ·1. Em correspondência pessoal.
12. Andlíticos posteriores li, 94a 1-5.
13. Ver Alvi GmnMAN, A Casual Theory of Knowing, Journal of f'hilosophy 64 (1%7)'i
. . Uniwrsity Press, -~
357-372; lo., Epistemology and Cognition, Cambridge, MA, Harvard
1986.
·....,,
162
l l l_!l 1'. t- 1 \ t:\ ltl L I\IL , 11 •·~
tipo de coisa para a qual é possível haver uma definição real. Os epis-
it temólogos quase sempre têm o mesmo objetivo que Platão no Tcetcto,
onde ele diz estar empenhando-se para "definir por um só termo os
diferentes tipos de conhecimento" (148e). Mas sabemos se este é um ·
i1· objetivo atingível?
A tentativ~ de dar uma definição rc.11 d e conhecimento pode ser
desafiada pelo fato de que o conceito de conhecimento foi tratado de
diversas formas nos diferentes períodos da história filosófica . Existirá
realmente um só alvo de análise sobre o qual todos esses relatos di-
ferem, ou será que alguns deles apenas falam sobre coisas diferentes?
l' Essa questão se torna particularmente notável a partir do momento em
.lr. que olhamos as diferenças no rigor das exigências por conhecimento
através da história filosófica. Conforme algumas teorias, as condições
j para o conhecimento são limitadas e estritas, enquanto para oun·as são
amplas e flexíveis. A tradição filosófica tende ao lado ligoroso, enquanto
J a corrente contemporânea está na direção oposta. Atualmente, é mui-
}J . to aceita a ideia de que casos comuns de percepção e memó1ia sejam
produtores de conhecimento, e de que crianças pequenas e talvez até
animais tenham conhecimento nesses moldes. Vale notar como essa ideia
difere de uma longa linha de relatos, iniciada com o de Platão no Fédon
e na República. Platão tornou ? conhecimento um estado muito mais
concepção contemporânea mais branda pode-nos fazer dUvid,u de que
"k. uma real definição de conhecimento seja possível.
Essas mesmas preocupações também aparecem quando exanúnarnos
J o sentido em que o conhecimento é bom, abordado na primeira parte.
.j Vimos ali que o conhecimento perceptivo parece inicialmente ser bom
cm um sentido diferente do bem do conhecimento que requer razões.
J Pensar que ambos os fenômenos sejam instâncias do mesmo tipo de coisa
é algo plausível? Alguns filósofos deliberadamente dividiram os tipos de
;: i
conhecimento para refletir essas diferenças 14 • O mesmo problema aparece
·'w
ij
J 14. Em dois artigos, Ernest Sosa faz uma distinção entre o conhecimento animal e o
conhecimento refle,civo; ver: lntellectual Virtue in Persµective e Reliabilism anel lntellectual
.,~. Virtue, in Ernest SoSA, Knowledge in Perspective: Selected Essays in Epistemology, Cambridge,
:f.t,l,.•. Cambridge University Press. 1991 .
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Pt.:PtHI ' " ' 1U\1Hl ' IH'-to\l\ llf E1•1,1HlP1l~ ,1,
com a abordagem do ceticismo. Q uando o cético global diz que nfo
sabe qu e habita o planeta Term e eu digo q ue ele sabe qu e habita O .,~
planeta Terra, está claro que estamos discordando sobre ~,lgo? Estamos
debatendo sobre as implicações ele u m simples conceito ou h á m:lis do 'i.,
que um conceito que por vezes se passou ou foi traduzido pelo ti::rmo ,r:
"conhecimento"? Todas essas preocupações nos levam a perguntar até ·.
que ponto o conhecimento é u m simples fenômeno e não um c.:onjunto ~.,.
de fe nô menos distintos, até que ponto as barreiras do tipo são n:uurais ~
1 conheço razão .para pensar que o conceito de conhecimento seja como
em vez de estabelecidas por convenção e até que ponto "conhecimento" ;i
é um termo de arte filosófica. ,r
.Acredito que poderbmos começar pensando na existência de um ·,
só conceito ck conhecimento sobre o qu al filósofos têm debatido por :
milênios e q ue devemos ter como o bjetivo u rna verdade necess;fri..\ em,;
nossa defi nição até sermos forçados a desistir por um incess:inte fracasso:;'I
em atingir o objetivo. Não estou rào certa de que o conhecimento sejà~
um tipo na.curai isolado em igualdade de condições com a IÍJ1un ou d.
om·o, mas a esperança di: qt~e seja dessa forma é tentadora. Em todo·.
caso, se o conhecimento não for u m tipo natural, é pou co provável
que venhamos a descobrir tal fato se não houver a tentativa de tratá-lo..
como cal. Port anto, aceitarei como tentativa o objetivo tradicional dcl .,
aspiração a u ma defi nição real de conhecimento. · descritivos não são. Não considero essa uma visão plausível, mas não é
Além dos propósitos e métodos de definiçio, existem alguns critério~
comuns para a boa definição que estabelecem limites sobre o que se!¾!
.,c.:eit:ível, enti·e eles que u ma definição não deve ser nt/ hoc, não deve ser;
negativa q uando pode ser positiva, deve ser breve, não deve ser circular/
devi: utilizar apenas conceitos q ue sejam menos obscw-os q ue o conceit ,
a ser definido, e muit os o utros. Acredito que estes sejam bons critério~
embora não vá cxamini-los de perto. Alguns deks servem ao propósitg_
de tornar u ma definição informativa, um propósito que daramente v~ ~
,, lém do objetivo da exatid;i.o. A ideia é que uma definição deveria dizer:
nos dlgo que ainda n:i.o sabíamos. Queremos uma l.lefinição por nãd,
conseguirmos apreender de forma darn o conceito a ser definido. Um~
definiç·ã:o circubr não faz isso, já que usa o conceito a ser definido n!
definicns, e uma definição que usa outros conceitc•5 que . . também precisaiif~
de definiç~o corno o de_fhiL'1ulmn também não consegue. Definiçõ ·
164 ·.,.. ,
l) l,.!l l I· c,,,\:.:11f.t'l>-lfl, 1l ,?
negativas falham de um a forma mais sutil. Elas nos dizem o que algo
não é, não o que é15 • Claro que existem casos em que não há nada mais
em um conceito do que a negação de outro. É comum, por exemplo,
definir a.to correto como mn ato qite 11iio é cn-ado. Em tais casos dizemos
que o conceito negado no d~fit1.iens é concein1,llmente mais básico. Não
0 conceito de um ato correto, a negação de um outro conceito mais
básico; portanto, a definição · negativa de conhecimento provavelmente
será insuficientemente informativa.
O princípio de que os conceitos no definicns deveriam ser menos
obscuros do q ue o definiend111n pode ser um dos motivadores dos
epistemólogos que sustentam que não deveria haver conceito normati-
vo na definição de conhecimento. Sem dúvida, eles reconhecem que o
conhecimento é bom, mas seu objetivo é definir o sentido cm que
o conhecimento é bom em termos m'io morais e até não normativos
em fünção de uma suposição de que conceitos não normativos são mais
bem compreendidos do que conceitos normativos. Tal suposiçao com
frequência é associada a preocu pações sobre o status ontológico das
características nom1ativas do universo. Propriedades e .fatos normativos
são tidos como en igmáticos de um modo qu e fatos e propriedades
um assunto que possa ser esclarecido sem uma profünda investigação
da natureza da norm~ttividade, o que no.~ lev:Ü.fa muito além do do-
mínio da epistemo logia. Vale notar, entret anto, que tal critério pode
estar em desavença com· u m dos propósitos teóricos de uma definição
já mencionado. Se queremos que uma definição conecte o conceito a
ser definido com outros conceitos-chave presentes em teorias filosóficas
bem desenvolvidas, os conceitos que ocupam um lugar central cm t ais
teorias podem vir a ser conceitos normativos. Como o conhecimenro
é um conceito normativo, isso é exammente o que poderíamos esperar.
Nesse caso, setia realmente uma vantagem us~u- tais c.:onceitos na defini•;ilo.
15. Platão usa este critério para uma boa definição no Teeteio, or•de Sócrates diz: "Porém
o objetivo inicial de nossa discussão não era descobrir o que o conhecimento não é, mas o
que venha a ser. De todo modo, já progredimos o sufic.iente para não mais procurá-lo na
percepção" (187a).
165
PKl ' lll ~-~u::. 1.:. ,\IH\ , l\•: ... , 1!\ IH E 1·1~ll"illl l.l'C •I:\
Se, em última análise, descobríssemos que os conceitos normati\'os são
redutíveis a conceitos não normativos, a demonstração de que aquele
é o caso funcionaria para um outro projeto.
Uma das exigências para uma boa definição que mencionei é que
ela não seja ad hoc. Tal exigência é particularmente eficaz quando o
método usado é o de análise da condição de verdade. Esse método
tem como objetivo gerar uma definição livre de contraexemplos, mas o
procedimento de propor uma definição e depois repará-la repetidamente
em resposta a contraexcmplos pode às vezes levar a uma definição que
seja, de maneira óbvia, uma resposta a problemas cm alguma outra
definição. Essa é uma das formas pelas quais uma definição pode não
ser teoricamente esclarecedora e nem praticamente proveitosa.
Meu ponto de vista é que não hi nada de errado com a existência ..,
de diferentes definições de conhecimento de tipos divergentes, e é útil ~
manter seus propósitos e métodos em mente quando uma é compa-
rada com outra. Além disso, é importante estar ciente da dificuldade
em satisfazer todos os desideratos em uma só definição, pois pode ser
que uma definição precise ser sacrificada em função da outra. A preci- {
1
são, por exemplo, é nitidamente melhor que a incerteza; no entanto, ) 1
às vezes a precisão resulta em uma definição de conhecimento muito :]
longa, incômoda e dificil de lembrar, que não serve ao propósito de nos l•
proporcionar uma compreensão teórica, nem ao propósito prático de ,:
nos proporcionar um direcionamento para atingir tal compreensão.
Na próxima seção, veremos um conjunto essencial de contraexem- ~-
plos que atacaram uma consagrada definição de conhecimento. En- ~
quanto abordarmos esse problema, será útil termos em mente as várias ·
aspirações em nma definição de conhecimento, já que a partir disso ~
poderemos concluir que existe um problema com o próprio método'i
do contraexemplo. ';;
3. A definição tradicional de conhecimento
e as objeções de Gettier
Até agora, concluímos que o conhecimento é uma boa crença per-~
dadcira. Entretanto, ninguém consideraria essa uma d~finição aceitável,_
1 conhecimento proposicional nesse clicí logo, mas sim conhecimento d~ pessoas ou r:oisas.
.;it;li}
·.~
166 I 167
1:1!1'11:
l > t,?n· 1. < ,J~ 11 u 1.,11.;, hil
pois ela não serve adequadamente nem a um propósito teórico nem
a um prático. O conceito de bem precisa pelo menos de tanta análise
quanto o conceito d.e conhecimento. A definição não especifica qual
é O pretendido sentido de bem, e mesmo que especificasse ela não
nos proporcionaria os meios para aplicá-lo aos casos. Por outro lado,
da é breve, nãq_ circular, e, dentro dos limites da extrema imprecisão,
é exata.
Visto que acreditar é algo que uma pessoa faz, as crenças comumente
têm sido tratadas como análogas aos atos. Portanto, as crenças são boas
desde que os atos sejam corretos. A crença correta tem sido tradicional-
mente identificada com crença justificada. Portanto, o conhecimento é
umà crença verdadeira justificada (CVJ) 16 • Em alguns momentos, mas
não sempre, isso foi entendido como significando crença verdadeira
pelas razões corretas. Por muitas décadas. o conceito de justificação
recebeu uma enorme atenção, já que se presumia que a definição do
conhecimento como CVJ era mais ou menos exata, e que o conceito
de justificação era o elo fraco da definição. Em sua maior parte, essas
discussões progrediram sob a suposição de que o objetivo era chegar a
wna verdade necessária, e de que o método a ser usado era o de análise
da condição de verdade. Um conjunto essencial de comraexemp1os à
1 definição de conhecimento como CVJ foi proposto por Edmund Get-
tier (1963) e levou a muitas tentativas de aperfeiçoamento da definição
sem ao menos questionar o propósito ou o método de definição. Nesta
seção, analisaremos a moral da objeção de Gettier.
Os exemplos de Gettier são casos em que uma crença é verdadeira
e justificada mas não é wna instância de conhecimento, porque é o acaso
que faz dela uma crença verdadeira. Os escritores, quando falam de Gettier,
normalmente não dizem que o que pensam está em desconformidade com
o acaso, mas Aristóteles sim, quando diz que "deixar ao acaso o qLie h.í
16. Algumas vezes a definição CVJ do conhecimento foi coi11parada Cvlil à ,l., Platà~ no
TeetetoJ 201d, em que Sócrates considera e então rejeita a proposta de que o conhecimen-
to seja um;i crença verdadeira (doxa) acompanhada de razão (logos). Parece improvável,
1 entretanto, que o que Platão quis dizer com logos sej.i muito próximo ao que os filósofos
contemporâneos querem dizer com justificação. Além disso, Platão não está discutindo
:;,
~;i \
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P Kl"II\U:M \S í k ,\111(.ll"IN:\I \ I•~ f.1'1 '\ ll-.~H ' ILXil,
de mel~o'.· e mais nobre ?ificil_mente s~ri_a o correto" . Aqui, ~istóteles ., 1t,
17
está retermdo-se a e11daimon.ia ou fehc1dade, mas seu prop6s1to é um
propósito geral sobre bens, ao me1:os os grand~ ~ens, e o conhecimento
certamente é um grande bem. O tato de o obJettvo do conhecedor - a t~ ,111. '
saber, obter a verdade - ocorrer por acaso é algo incompatível com o
valor do conhecimento, o que raramente é discutido, ainda que, como
vimos, o almejado sentido de bem tenha sido certamente discutido. :\;..
Em um exemplo-padrão de Gettier, devemos imaginar que Smith
lhe dá muitas evidências de possuir um Ford e você não tem evidências
contra esse fato. Assim, justifi.cadamenre você cria a crença Smith te-m
mn Ford. A partir disso, você infere sua disjunção com Brown crtá em J_ w,
Barcelo11a, onde Brown é tm1 conhecido que você não tem razão para ~ i 1
crer que esteja em Barcelona. Como a inferência é justificada, sua crença ·,f!l!õ<I
Smith tem um Ford ou Brown estlÍ em Barcelona também é justificada. :
(Não importa o que tenha contribuído para formar tal crença.) Acontece r_·
que Smith está mentindo: ele não tem um Ford. Mas Brown, por acaso, :~ .
está em Barcelona. Sua crença Smit/J tem itm Ford ou Brown está em
Barcelona é, portanto, verdadeira e justificada, mas dificilmente é algo •.111:
,:vJe Y0'{ê saiba. Muitos exemplos desse tipo foram propostos •
18
De acordo com o que foi dito acima, nota-se muitas vezes que o :i/
problema em um caso de Gettier é que a verdade é alc;rnçada por acaso:
é i1m tipo de sorte. Mas a estrutura do caso o revela, de fato, como -;i
um caso de dupla sorte. É simplesmente mi sorte o fato de você ser ;~
uma vítima inconsciente das mentiras de Smith, bem como é apenas
um acidénte o tipo de evidência que geralmente o leva, ao contrário, a :.
construir a falsa crença Smith tem 11m Ford. De qualquer forma, voe~ f•
termina com uma crença verdadeira por causa de u111a segunda caracte- ·1 • implicada por Q, contrária à hipótese. Podemos dizer que a falsidade
rística acidental da situação, característica que nada tem a ver com sua·J
17. Ética a N icômaco 1 .109b25. ·:i
1 S. Bertrand Russell propõe o e1<f'mplo de um relúgio parado que é similar aos c:asos de !
Gettier em Human Knowledge: lts Scope and LimilS, Ne_w Yo rk,_S~mo n & Sc:huster, 1 ~48, p. _:~
154. No e nta nto, Russel usa-o como um contrae){emplo a supos1çao de que o co nhecimento
!ieja· c rença verdadeira. Ele parece não perceber que se eu não tiver razão p;,ra suspeita'. ;~
de me ,1 relógio minh., crença po derá ser ta nto justificada como verdadeira. Este ponto foi •j "
:11encionado por Israel Scheffle1, e é discutido por Ro be rt SM0 ~E. The.A11,1/ysis oi Knowing, ,:~ . .
í'rinceto n . Princcto n Univt!rsity Pri>ss, 1903, p . 19-20.
168 1 '""
(.) ~l 'í i. l."<'r-l llf.C l~\í.N fl1?
?I•
t~
atividade cognitiva. Portanto, um elemento de boa sorte e um elemento
l(; de má sorte neutralizam-se mutuamente.
fi· Algumas pessoas que escreveram sobre Gettier pensaram que o
problema surge somente por uma gama restrita de definições, de acordo
·:f§I com as quais a crença justificada significa crença verdadeira baseada em
:1· boas razões 19 • Como " justificada" algumas vezes significo1,, " pelas razões
corretas", isso é compreensível. Infelizmente, entretanto, o problema é
·! muito mais extenso do que isso. A partir de algumas suposições plausíveis
Jj já mencionadas sobre o que é exigido em uma definição aceitável, pode-
(1 se perceber que os problemas de Gettier surgem por qualquer definição
etn que o conhecimento seja crença verdadeira acompanhada de algo
qi1e esteja intimamente conectado com a verdade, mas não a implique.
. Não importa que esse "algo" seja uma questão de acreditar nas razões
corretas, nem mesmo se é capturado pelo conceito de justificação. Ele
11 nem precisa ser acessível à consciência de quem acredita; ele pode,
por exemplo, simplesmente especificar que a crença é produzida por
um processo epistêmico confiável ou por faculdades apropriadamente
funcionais. Tudo que é necessário é haver uma pequena lacuna entre a
li: verdade e o componente do conhecimento além da crença verdadeira
na definição. Chamemos esse componente de Q. Em todo caso, um
:i~ contraexemplo à definição pode ser constrnído de acordo com a seguin-
te receita: comece com uma crença na lacuna - ou seja, uma crença
que e falsa, mas é Q num sentido de Q t"io sólido quanto necessário
:l para o conhecimento. A falsidade da crença não será devida a nenhum
.(~ elemento sistematicamente descritível na situação, porque se fosse tal
característica poderia ser usada na análise de Q, e assim a verdade seria
da crença se deve- a algum elemento de sorte. Agora melhore o caso
adicionando outro elemento de sorte, mas desta vez. um que torne de
fato a crença verdadeira. O segundo elemento deve ser independente de
Q para que Q seja inalterado. Agor-.1 temos um exemplo de uma crença
que é Q e é verdaddra em um sentido suficientemente forte para o
e
•iffl '
f·
19. Ve r Alvin PLANTIMGA, Warrant and Proper Func tion, Oxford, O xford University Press,
1993.
'.~1!').•,- ·
·...,
~I '··"··:: / •..• 169

l' t:, ''ª n.,., , l ~.\I I H , .., \I ' Ili F.1·1 , 11'.i'll ' I '"'ª·'
conhecimento, mas não é conhecimento. A conclusão é que enquanto o
conceito de conhecimento conecta intimamente o componente Q com
o componente da verdade:, mas permite algum grau de independência
entre eles, nenhuma definição d.e conhecimento como crc::nça verdadeira
acompanhada ele Q terá sucesso.
Uma conhecida tentativa de se esquivar ~fos problemas de Gettier sem
desistir da essência da definição CVT é adicionar condições de re\'ogabilidadc
à ddinição. Essa ideia foi proposta quando se notou que, em c<1Sos Gettier
típicos, a crença justificada depende de uma crença falsa ou, d.e outra ma-
neira, "passa por" ela. Em qualquer evento existe um futo desconhecido
ao sujeito que revogaria sua justificação c,1SO fosse descoberto. Em nosso
exemplo, é o fato de Smith não ter um Ford. Com essa observação cm
mente, teorias da revogabilidade adicionam aos componentes da crença
verdadeira e da justificação a exigência de não haver verdades, qualificadas
de v.írias maneiras, que quando adicionadas às razões justifiecmdo a crença •i.
fizessem qne esta não mais fosse justificada. Mas isso, naturalmente, faz que ~
Q implique verdade, então não é um caso cm que há w11a pequena lacuna ;;
entre a verdade e as outras condições para o conhecime11to. Teori,1S mais
fracas da revogabilidade não,techam a lacuna entre Q e a verdade e, além
disso, são vulneráveis a problemas do tipo de Gettier usando a formula ?,
que propus. Esse procedimento nos permite produzir contr-acxemplos
mesmo quando a crença não depende de uma crença falsa, e mesmo na }
ausência de uma falsa crença nas proximidades. ··
A natureza da indução nos permite produzir exemplos desse tipo. \
Suponha-se que a Dra. Jones, uma médica, tenha uma evidência intui- .J
tiva muito boa de que seu paciente, Smith, esteja sofrendo do vírus X. Í
Smith apresenta todos os sintomas desse vírus, e os testes laboratoriais ~1 ~ 1,
são consistentes com a presença do vírus X e mais nenhum outro vírus ;__
conhecido. Suponha-se também que toda a evidência sobre a qual Jones ~
baseia seu diagnóstico seja verdadeira, e que não haja evidência acessível
para ela que vá contra o di.agnóstíco. A conclusão de que Smith está
sofrendo do vírus X é, d~ fato, ex~e,m~~nte ~rová~el- na ~vidência. 1i
No entanto, mesmo a mais forre ev1denc1a mduuva nao m1pltca a con· tll
clusão, daí a possibilidade de erro. Suponha-se que ei;te seja um dos {~"
casos: Smith está sofrendo de um vírus Y, distinto e desconhecido. A \'íi
1
170 r11c,·
( ) •~l ·t:. 1. , '-'~ llfl l.\tl.1'. H -?
crença da Drn. Jones de que Smith esteja atualmente sofrendo do vírus
X é falsa, mas é justiticada e irrefutável por qualquer outra evidência
que lhe seja acessível.
Ora, a fórmula para gerar um exemplo ao estilo de Gettier nos diz
p,,ra incluir outra c,,ractcrística da situação que torne a crença de fato
verdadeira, mas sem alterar as outras características da situação. Digamos
que além de sofrer do vírus Y Smith muito recentemente contraiu o
v[rus X, mas tão recentemente que ele ainda não apresenta os sintomas
causados por X, e a evidência laboratorial, sobre a qual a Ora. Jones
baseia seu diagnóstico, não é produzida por X. Assim, embora a evidência
sobre a qual a Ora. Jones baseia seu diagnóstico faça que seja altamente
provável que Smith tem X, o fato de Smith ter X nada tem a ver com
essa evidência. Nesse caso, a crença da Dra. Jones de que Smith tem o
vírus X é verdadeira, justificada e irrefutável, mas não é conhecimento.
~
Este mesmo exemplo pode ser usado para gerar contraexemplos
para muitas outras teorias. Já que até mesmo a inferência in~iutiva mais
forte pode levar a uma crença falsa, tal falsa crença indl .tiva satisfará 1
1l qualquer exigência para o elemento normativo do conhecimento que
não esteja necessariamente conectado com a verdade. Mas, por outro
lado, senJpre podemos descrever uma situação que seja idêntica, a não
i; ser que a crença, em última instância, venha a ser verdadeira devido
a algum aspecto extrínseco da situação. Nesse caso, o sujeito não terá
conhecimento, mas satisfará as condições da definição. ·
Podemos concluir que o método predominante da definição do
conhecimento como crença verdadeira acomp,mhada de algo não pode
resistir ao contracxemplo enquanto houver um pequeno grau de inde-
• pendên"cía enu·e a verdade e o "outro algo". Logo, deve haver uma co-
nexão necessári:.t entre a verdade e as outras condições de conhecimento
além da verdade, sejam quais forem. Na primeira parte, vimos que essas
:1 outras condições podem ser definidas aproximadamente como crenças
]t no bom sentido. Assim, o sentido pelo qual o conhecimento é crença no
bom sentido deve implicar verdade20 .
20. O argumento desta seção é tirado de: lincl.:i T. ZAc1.rnsK1. TI1e lnescilscapability of
Gettier Problems, Phiir>sophical Quarterlr 44, 11. 174 (1994) 65-73; lo., Virttres of lhe Minei:
-~·íil'.•"
rJ;:ifii~.••
i.'"' , t.' • 17 1

1' 1:1 ~,a.o," n.:.\ llll lt ' " "'' IH Ei·,, 1t l h.H ' ·""' .....
Deve-se observar, entrcunto, que a conclusão aqui apresentada
será correta apenas se aceit,umos algumas suposições plausíveis men-
cionadas na seção 2 sobre as caracteLÍsticas desejadas em uma dcfini,;ão.
Isso porque o problema pode ser evit,,clo pela apresentação de uma -,
definição que seja nd /Joc ou vaga demais para ser usada. A definição 0
conhecimento é c1ntçn vcrrlndcim }11stificmia qi,e 11iJ11 .ít:jn imi caso Gt"ttie,.,
por exemplo, sem dúYida não é suscetível aos exemplos do tipo cios
de Gettier, tampouco a definição t:}.'tremamente geral com a qual co-
meçamos: conhuirnmto é boa cn:nçn verdadeira. A primeira definiçJo é
nitidamente nrl hoc, bem como negativa, e já dissemos que a segunda
nf,f., 6 ,1pcna~ vaga demais, mas também usa lU11 conceito no rltfiniens
que é no mínimo tão obscuro quanto o con.::eito de conhecimento.
Como os casos Gettier são ,1qudes em que a acidentalidade ou a ;lj
sorte estão t:nvolddas, já foi muito sugerido que o conheórnento seja
uma crcnçi.i não n.cidcntalwentc 1hTdndárn. Essa definição também é ) ' ·.
vaga e negativa, e de pouca importância pr..hica. Aliás, da não é um ·i --
contraexemplo para o propósito desta seção, já que a verdade não aci-
dental impli..:a verdade. Entretanto, D.miei e Fran..:es Howard -Snyder
demonstraram que o componente do conheómento, além da crença J
verdadeira, pode ser definido de uma forma que use o conceito de
não .,cidentalidade, mas não implique verdade. A definição ddes é: ·
conhccim1:nto é 1mm cnnça ver·dadeirn tal qitc, se fosse verdnrlcira, niio •
o seria por n.cidcnte 21 • A idd-a por trás dess..1 definição é a observação
de q ue a conexão não acidental - entre o modo no qual o conheci- .'.,
mento é bom e a verdade - só precisa prevalecer em casos em que a ;;
crença seja. verdadeira desde que crenças falsas não sejam candidatas ao J
conhecimento. Uma crença falsa pode ter a propriedade de ser de tal 1 .,
modo que, se fosse verdadeira, não o seria por acidente, portanto essa -~
An lnqlliry into the Nature oi'Virtue and the Ethic.,I Founclations of Knowledge, Cambridge, ·~ \ .
Cambridge University Press, 1996, parte Ili, seção J.
21. Frances e Daniel How.-.Ro-SNYDER, The Gettier Problem and lnfallibilis m (artigo apre-
sentado no encontro da Divisão Central da Associação Americana dP. Filosofia, em maio ~ : -~--
de 19961. Algo similar é proposto por Sharon Rv.~N, Does Warrant Entail Truth?, Philosophy ..·· • '
anel Phenomenological Research LVI (Milrch 1996) 183-192; mas ela coloca a condicional ,i 1
nc, modo indicativo, o que é no mínimo equivocado, poi$ sua pro1~6sta intencio na uma '~ ,
condicioníll ma terial.
172 1:W•'f Í
'-) 1_:t l. r, , ·1 •1'll f.( 'Bll·., h\f
propriedade não implica verdade. Essa definição ressalta uma suposição
que fiz cm minha tõrmula p~1ra gerar contraexemplos ao estilo de Gettier,
a suposição de que se um::i. fab:a crença tiver a propriedade que converte
,:,;
a crença verdadeira cm conhecimento - ,1 propriedade Q - sempre
será possível haver uma crença que tenha Q, mas seja acidentalmente
verdadeira. A i~ieia de: Fnrnces e: Danid Howard-Snyder é i:ornar css,,
possibilidade impossível na definição da propriedade Q. A definição
resultante une as deficiências das definições prévias. Assim como a de-
finição crença não ncidcntalmr:ntc 11u·rlnrleira, ela é vaga, negativa, não
cem importânci.a prática e tem pouco a sugerir teoricamente. Assim como
a definiçi\o crcnçn. 1>enfodeim jw'tificada qiie não scjii um caso Gettie1-,
ela· é ad hoc. Além disso, ·ela tem os problcn1as que acompanham a in-
fli . terpretação das condições de vtrdade da condicional subjuntiva se fosse
1,erdadeira., niio o serin. po1· acidente. Por ou tro lado, ela pelo menos
parece ser não normativa, uma característica que deveria agradar aos
filósofos qne buscam uma definição de conhecimento que não contenha
:fl· elementos normativos.
A não acidentalidade não é um elemento desejável em uma defi-
nição de conhecimento, mas nos mostra algo interessante sobre o seu
processo de definição. A não acidentalidade tem sido sugerida como um
componente do conhecimento não por ser frequentemente identificada
como uma característica de casos-paradigma do conhecim.ento, mas
porque a acidentalidade é uma característica de certos casos conhecidos
de não conhecimento. O problema é que a noção de que uma conexão
acidental entre a verdade e o componente Q seja insuficiente para o
conhedmento não nos diz o que é suficiente para o conhecimento.
Naturalmente, a conexão entre a verdade e o componente Q deve ser
não acidental, mas essa é a coisa. mais simplória que podemos dizer
·~·
':,"'.
sobre essa conexão. Contraexernplos geralmente são situações em que
uma deficiência em uma definição é ressaltada de forma extrema. No
·i'.I' .'.:.· ·· entanto, não devemos concluir disso que algo menos que a deficiência
seja bom o suficiente. Nesta seção, vimos que a conexão entre a verdade
e o demento do conhecimento além da verdade não de\'e ser apenas não
acidental, mas não deve haver nenhuma possibilidade de lacuna entre
eles. O fechamento da lacuna pode ·ser frito de váiias formas, sem que
~II-~
, ..: ,.::'
··-· ~~.
1 \ •1r: ,,, . _:. 173

l-'1\l ll:!.Ul.\~ "li.:\Jll("H1'-: \I \ llt· f.11 1,II.Ml1lf1t:I\
todas exijam implicação, e sugiro que a escolha seja uma forma que res-
peite as outras características desejadas em uma definiçâo22 • Para escapar :J"
de unu definição que seja ad hoc, é preterível que haja uma conexão
conceituai entre a verdade e o outro elemento do conhecimento, ou
seja, o co11hedmento não é apenas uma boa forma de apreensão cogni-
tiva da verdade, mas também é urna forma pela qual a verdade e a boa
forma com que a verdade é atingida estão intrinsecamente relacionadas. ~
Tal relação intrínseca deveria estar explicita na definição. 'frorias que -~
têm essa característica têm sido propostas, ainda que geralment~ não i
reconheçam que a moral de Gettier a exija23 •
Vimos, nesta seção, que , se consentimos com algumas exigências )
plausíveis para mna definição aceitável, os casos de Gettier aparecem onde :.;
quer que haja uma lacuna entre a verdade e as OLttras condições para i
º'
22. Argumentei neste ponto que eleve haver uma conexão necessária entre o componente ;.r
Q e a verdade. Entretanto, assim como afirmei em minha conclu~ão, Q deve implicar a i.
verdade, ainda que eu não tenha argumentado que a conexão deve ser tão forte quanto
a implicação. Peter Klein mostrou que uma ligação de necessicl,1cle nômica entre Q e a ;
verdade pode ser suficiente para afastar o problema da sorte dupla. Ou seja, pode ser su- j
ficiente que a l,1cuna entre Q e a verdade seja fechada em qualquer mundo possível com j
nossas leis causais. No entanto, não continuarei essa abordagem aqui, já que a ligação .%
ela implicação é a fo rma mais direta ele fazer a con1:xão exigida ela necessidade entre os ~
dois componentes do conhecime nto, e não veio nenhuma razão para pensar que as teorias .\
vulneráveis à fórmula da sorte dupla que apresentei aqui estariam em uma situação melhor j As conclusões das três primeiras seções deste artigo nos oferecem
com a 1:xigência da necessidade nômica em vez da implicação.
23. Três exemplos seriam a teoria expressa no pensamento inicial ele Chisholr1, a teoria ,.;
causal ele Golchnan· e a sólida teoria do revogabiliclacle, já mencionada. Na definição de J,
conhecimento proposta por Chisholm, na primeira edição do Theory of Knowledge, ele J
explora a noção de tornar p evidente, e afirma que tudo o que tornar p evidente também )_
não deverá tornar evidente uma falsa proposição. Isso impede a falsidaclt: de p . A teoria ~
causal do conhecimento, expressa por Goldman, coloca a condição de verdade embutida ';:·
na condição causal, pois e le supõe que o sujeito não conhece p a não ser que o estado de :·
coisas p esteja apropriada e causalmente conectado à crença p. Isso atribui a verdade de p ,
à condição causal. JiÍ que o confiabilismo de Goldman, expresso em suas últimas obras, não i;•
estabelece a verdade dessa maneira, acredito que ele não foi motivado pela~ considerações :;
que apresento aqui. t-ia sólida teoria da revogabilidade, expressa por Klein, a crença será .;
uma instância do conhecimento c1penas se não houver proposição verdadeira que, quando ·':l
acompanhada elas razões que justificam a crença, não mais a justificar. Tal condição implica ·t
.1 verdade da crença, visto que, se uma c rença p é falsa, não p é verdadeira. Assim, existe .i
uma proposição verdadeira que., se acompanhada das razões dadas pl!_lo sujeito para p, ;-
implica a falsidade de p, a saher, não p.
174 ',,:••
L) •Jl 1 1. t \ 1:-,.: 111 t 1~11.S'h ,·;,
0
conhecimento. Isso significa que o conhecimento não é apenas uma
50111
a do componente da verdade com os outros componentes. Concluí
que queremos uma definição que faça u ma conexão conceituai entre a
verdade e o sentido em que o conhecimento é bom. Entretanto, nossa
análise pode dar suporte a uma conclusão mais radical. A discussão dos
casos de Gettie.r nasce:: no contexto de certas suposições sobre o pro-
pósito e o método da definição. O objetivo é conseguir uma verdade
necessária, talvez também chegai" a uma definição real, e o método usado
é O de análise da condição de verdade. Mas, como vimos na seção 2,
não está claro se tais suposições são garantidas. De modo particular, o
método de análise da condição de verdade pode ser e tem sido discu-
tido. O problema de Gettier pode ser interpretado como um problema
que apresenta as imperfeições de tal método, e assim dá suporte ao
movimento para um método completamente diterente. Entretanto, de
acordo com o que já afirmei, minha preferência é a mais conservadora,
no sentido de reter o método de análise da condição de verdade, mas
sem deixar que o objetivo de tornar a definição livre de contraexemplos
domine a lista de desideratos adotada na seção 2.
4. Uma definição de conhccimentó
um plano para definir o conhecimento. Vamos revisá-las. Na primeira
seção fiz uma definição preliminar de conhecimento como um bem,
uma crença em I uma proposição verdadeira, e vimos que o sentido de
"bem" pretendido no conceito de conhecimento é um empecilho para
se alcançar uma definição q ue abranja os casos de conhecimento tanto
por percepção como por memória, e os casos de conhecimento que
envolvam capacidades luunanas maiores. O bem do primeiro caso é
similar aos bens naturais, enquanto o bem do segundo está mais pró-
ximo ao sentido moral. O bem do conhecimento, por veies, pode ser
como os bens mais nobres.
Na seção 2, revisei alguns propósitos e métodos diferentes da
definição de conhecimento e propus a tentativa de realizá-los o má-
ximo possível. No entanto, não tentarei realizar o propósito comum
,· ., , ,,,. ,1 . 175

PkL•tU.t:. M \\ 1K-\Ull' lt •N .\I:. 1'1~ Í:l'l~I t' ,\h. •IJ.ll,I.\
de eliminar da definição todos os conceitos normativos. Como o
conceito de conhecimento é normativo, será vantajoso teoricamen-
té se ele for relacionado com conceitos centrais da ética, já que os
etkistas propuser:nn estruturas teóricas em que tais conceitos foram
analisados. Se conceitos normativos forem redutíveis aos conceitos
não normativos, ou sobrevirem a eles, a demonstração de que seja
dessa forj-na será um projeto independente. Entrementes, um de meus
propósitos será integrar o conceito de conhecimento em uma teoria
com formação ética.
Na seção 3, analisamos a mornl dos exemplos de Gettier e concluí-
mos que o componente normativo do conhecimento, o componente
que faz do conhecimento um bem, deve implicar a verdade. O sucesso
em alcançar a vcrd;.de deve ser parte intrínseca do sentido em que cada
instância do conhecimento é um bem.
Proponho uma definição que tente satisfazer todos esses critérios.
Entretanto, a partir do que já foi dito, deveria estar claro que não exis- ~~-
te uma forma única de: se fazer isso. Particularmente, a satisfação do -~ , ··
objetivo teórico de localizar oconceito de conhecimento em um mapa
de fundo conceintal depende de que conceitos são tidos como os mais .;. ,,
salientes teoricamente, o que, por sua vez, depende de quais teorias têm ·1·
a maior importância aos olhos daqueles que fazem a pergunta "O que é 1,,lf
conhecimento?". Por sua vez, no entanto, isso depende da resolução de
discussões profundas na metafilosofia. Deveríamos incrustar o conceito
de conhecimento em w11a teoria de fundo normativo porque ele é um -:,e !
conceito normativo? Ou, em vez disso, deveríamos incrustá-lo em uma ~
teoria de fundo metafisico supondo que a metafísica é mais fündamental
que a epistemologia? Ou deveríamos incrnstá-lo em üma te~ria cien_áfica·
·1
pela razão de o conhecimento ser um fenômeno natural? Ja afirmei que :; ~
tomarei a primeira dessas alternativas, mas não argumentei a seu favor ) · ·
e posso ver muitas vantagens na definição de conhecimento em termos : ,·
de conceitos muito diferentes daquele que escolhi. De fato, mesmo que ·j
o propósito seja incrustar o conceito de conhecimento em uma teoria
de fundo ético, a escolha da teoria obviamente dependerá da posição ij
do sujeito a respdto do tipo de teoria ftica que mais provavelmente
servirá ,1 nossos propósitos teóricos e práticos. · .?}1{
176 P.~!~ t ~: J
~;,
L) t1l' t (. r. ''="•11:c1t-11~s rcJ?
A definição que proponho vem de uma teoria ética das virtud_es.
A teoria completa inclui tanto as virtudes morais como as intelectuais
e tem como objetivo oferecer Í.1ma explicação unificada·sobre a morali-
dade da crença bem como da ação, porém discutirei apenas a parte da
teoria que é subjacente ao conceito normativo que uso na definição do
conhecimento2:, o conceito de um ato de virtude intelectual.
O conceito de virtt1de tem diversas vantagens _teóricas e práticas. Suas
vantagens propostas na ética são bem conhecidas, e já argmnentei em
outro esc1ito ( 1996) que existem vantagens paralelas na epistemologia.
Na seção anterior, dissemos que a definição de conhecimento deve ter
sucesso ao colocar ao alcance da verdade um aspecto intrínseco daquilo
que faz do conhecimento um bem. O ~onceito tradicional de justifica-
ção não pode servir a esse propósito, tampouco nenhum conceito de
uma propriedade ou de uma crença. Isso porque nenhuma propriedade
normativa de nma crença garante sua verdade, ao menos nenhuma pro-
'E .
priedade cujo conceito já tenha uma história. Em Aristóteles, portanto,
0 conceito de uma virtude é uma combinação de um estado interior
-1~· admirável com o sucesso exterior. Essa é, no mínimo, uma possível inter-
pretação de Aristóteles. E, de todo modo, o conceito de virmde como
utilizado na ética pode ser adaptado para a necessidade de um conceito
que faça uma relação intrínseca entre o bem do estado interno de uma
j ,
li' pessoa - neste caso, crença - e seu sucesso - neste caso, a verdade.
Sugiro, portanto, em nossa busca de um conceito que una o bem do
conhecimento com sua verdade, que será benéfico nos movermos um
~
1;
:.ti~: ;·.
passo para trás, das propriedades das crenças para as propriedades das
pessoas25 • Virtudes são propriedades de pessoas. Virtudes intelectuais são
propriedades de pessoas que visam bens intelectuais, mais especialmente
a verdade. Virmdes morais são propriedades de pessoas que visam bens
distintivamente morais, tais como o bem-estar dos outros.
1;
0
24. Delineei uma teoria das virtudes ele fundo ético na parte li d e Virtues of the Mind.
·-1•· 25. O movimento feito para as propriedades de pessoas em vez de propriedades de
crenças já foi feito pelos confiabilistas e pelos primeiros epistemólogos da virtude por
diferentes razões. Para um breve histórico sobre o desenvolvimento da epistemologia da
'f virtude e sua fundamentaç!io no confiabilismo, ver o meu verbete Virtue Epistemology, in
Routledge lntemational Encyc/opedia o( Pliilosop/Jy.
,:.i
:~ .'!,". 11 1: .... 3 17 7
1'1:, 1 1:11>.1 •\ ' l~\1111 hl;\ \ I\ 111 l~l' l \ l L\h 11.,'C,I •\
Como o conceito de virtude po:;sui uma rica história, seria teorica-
mente vantajoso se pudéssemos conectar o conhecimento à virtude. Além
disso, o conceito ele virtude tem usos práticos. Pessoas comLms falam
de virtudes individuais como bondade, justiça, coragem, compreensão,
generosidade, discrição e confiança, e às _vezes os mesmos nomes são ~
usados tanto para virtudes morais como para virtudes intekauais. _
Ademais, a avaliação dos atos é feita geralmente em termos ele virtudes ; ·
ou v_ícios que ele~ expres~an~- _o v~or da utilidade prática do conceito :11·
de virtude e de vu-tudes miliv1dua1s pode ser certo grau de convencio- :,l! '
nalismo na aplicação do conceito, ainda que eu não discuta aqui esse {1 ·
aspecto do conceito. Virtude não é um conceito técnico, ainda que
possa ser tecnicamente refinado. Acredito que ter uma história extensa .;'f
na literatura filosófica e um amplo uso no discurso comum seja uma
virn1de do conceito de virtude.
Existem muitas explicações sobre a estrutura de urna virtude. Re- ·,r,.i:: .
sumird a minha própria, sem argumentação. -~:
Uma virtude tem dois componentes. O primeiro é motivacional, o
segundo é o sucesso em se1 alcançar o fim do componente motivacional.
O componente motivacional de uma virtude é uma disposição de se ter
~
uma emoção que mova a ação em direção a um fim. Cada virtude tem
um componente motivacional diferente, com um fim diterente, mas
grupos de virtudes podem ser categorizados por seus fins supremos. A ~
maioria das virtudes intelectuais tem a Yerdade como fim supremo26 •
Virtudes morais têm ontros fins supremos. O componente de sucesso de
uma virtude é um componente de confiabilidade na execução do fim da 1.
motivação virn1osa. Como exemplo, temos as virtudes da compaixão, da
confiança e da compreensão, que podem, em linhas gerais, ser definidas
da seguinte maneira: a virtude da compaixão é uma caracterlstica que l.
inclui a disposição emocional de aliviar o sofrimento dos outros, e o faz -~
11'.
de maneira segura. A virtude da confiança é a caracteIÍstica que inclui a J
f~
disposição emocional de confiar naqueles e apen:is naqueles que sejam /4h
dignos de confiança, e o f.i.z de man~ira segura. A virtude da compreensão ~~ ~
26. Pode haver algumas exceções. Algumas virtudes podem •ler a~ _c ompreensão cc,mo
objetivo, e não a verdade.
178 1. i .. ,.. , _' ..
( ) 1.,!1 1 I' n ,, 111.t 1~11 ~ 11 i°(
é ,\ c.1ractcrística que ind11i a disposição emocional de se estar aberto a
visões dos outros, mesmo que elas entrem em conflito com as nossas, e
0
faz de maneira segura. Acredito que a estrutura de todas as virtudes,
ou pelo menos da maioria, possa ser definida por esse padrão.
O conceito de virtude é importante para a avaliação do caráter.
!'iJ Quando dizcL11os que uma pessoa tem uma virtude, queremos dizer
que ela tem uma disposição a ser motivada de 1.·crta maneira e a agir de
certa maneira em circunstâncias relevanti::s, e, aléti1 disso, é seguramente
bem-sucedida em alcrnçar o fim de seu motivo virtuoso. Porém, ter
uma disposição para um motivo não significa ter o motivo nas circuns-
:t. tâncias relevantes, e ser seguramente bem-sucedido não significa ser
bem-sucedido sempre. Assim, o fato de da ser virtuos.l não implica que
seus atos e crenças individuais devam ser avaliados positivamente. Ao
mesmo tempo, alguém que não é virtuoso pode, não obstante, ser capaz
i: de realizar atos e ter crenças que sejam positivos de maneira avaliativa.
A avaliação de atos e crenças, portanto, requer outras condições.
Às vezes, um ato ou uma crença têm valor positivo simplesmente
por serem o que uma pessoa virtuosa normalmente faria nas circuns-
tlncias, sejam ou não virtuosamente motivados. Há um sentido de
t correto quando dizemos que a pessoa fez a coisa correta ao dar o troco
certo para um comprador, mesmo que da não tenha sido motivada
por preocupações morais. Paralelamente, há um sentido de jmtifirndo
1 quando dizemos que uma pessoa tem uma crença justificada ao acre-
ditar que a Terra é redonda mesmo que da não tenha construído as
r razões para acreditar nisso por si só. Também avaliamos crenças e atos
a partir do .,specto da motivação do agente. Um ato ou crença que
seja virtuosamente motivado merece orédito, embora quase sempre os
qualifiquemos mesmo que o ato não envolva o fazer a coisa certa, e a
crença não envolva o acreditar na coisa certa.
Um ato pode ser avaliado positivamente com base nas duas r,1zões
e ainda assim não ter tudo o que moralmente querem.os em um ato.
Portanto, mesmo quando ele é motivado de forma apropriada e é o
" que uma pessoa virtuosa faria nas circunstâncias, ele pode falhar em seu
objetivo. Quandc, isso acontece, falt,\ ao ato algo moralmente desejávc;:l.
O sucesso moral é avaliado positivamente mesmo que esteja de certa
179
~t~
i
P..-,,n, ...,1\, lk\PH UY,\I, l\r Er1,n., .,,,, •. 1, l) ,1• • t- , , 1.'r.11.f. 1\11. ...; h . 1·r'

forma fora do alcance do agente. Ess., é uma forma peb qual somos até mesmo o intelectual mais admirável pode falhar em uma conclusão
vítimas da sorte moral. Portanto, uma pessoa pode ser motivada pela indutiva. Suponha que esse seja um desses momentos. O acusado é o
generosidade, por exemplo, e agir de uma forma que: seja carnccerística homem errado. O fato de~' juiz cometer um erro não se deve a nenhum
de pessoas generosas em circunstincias particulares, dando dinheiro a defeito nele, seja moral ou intelectual; é um simples azar. Obviamente,
um pedinte na rua, digamos; no entanto, se o pedinte fosse rico e es- as coisas deram errado, suficientemente errado para que possamos cha-
tivesse bancando o m endigo para ganha.r uma aposta, pensatíamos que mar o ato de ~•m erro judicial. O ato do juiz nio é um nto d.e: justiça,
existe algo moralmente faltando no ato. n,esmo que não possali1os culpá-lo pelo erro e até o louvássemos por
Naturalmente, isso não quer dizer qnc deixatíamos de elogiar o :[ ngit· de formn justa, Não obstante, o ato em s1 não merece o menor
agente, mas sc:u nto não mereceria ser elogiado caso o pedinte estivesse ·i
?t
elogio: é desprovido de algo moralmente importante.
de fato merecendo. O mesmo princípio se aplica aos atos intelecm,1is. !, Par.1. chegar a um problema ao estilo de Gettier, adicionamos um
Uma pessoa pode ser motivada por virtudes intelectuais e agir de uma ~ lf elemento a mais de sorte, uma característica de boa sorte que anula a
forma que seja característica de pessoas intelectualmente virtuosas na
tentativa de conquistar o conhecimento, mas se ela não conseguir obter
; ..
~1
n1á sorte, e podemos usar o mesmo procedimento aqui. Suponha-se que
o verdadeiro nssassino seja secretamente trocado pelo homem que o juiz
a verdade seu estado cpistêmico estad desprovido de laudabilidade.
Isso significa que há um tipo de sorte epistêmica análoga à sorte mo-
;! ••· pensa estar sentenciando, então o juiz acaba acidentalmente sentenciando
o homem certo. Um acidente: cancela o outro reciprocamente, e o re-
~ -
ral. Como ressaltou Thomas Nagd, o prémio Nobd não é concedido sultado final é o desejado: punir o culpado. Ness:i situação, acredito que
a pessoas que estão erradas27 • Obter conhecimento por si só é um tipo ;§1 não daríamos .,o ato do juiz o elogio devido se ele tivesse p1imeir-amence
de prémio, e é, em parte, o prêmio de se estai· certo. - t~
••:t•
considerado culpado o homem cerro. Naturalmente, est,unos aliviados
--~
• J..;.
Além disso, o simples sucesso em se chegar ao fim do motivo vir- pelo fato de o homem inocente não ser punido, mas, mesmo que o
tuoso, c:m um caso particular, não é suficiente para o maior elogio de ~«r- resultado final seja aquele que o juiz objetivava e de tenha sido laudável
um ato ou uma crença, mesmo que cst1:s também tenham as outra!
/j canto por seu motivo como por suas ações, isso não é suficiente para
':t
características laudáveis já identificadas. É importante que o sucesso em :}"'
~ .. tornar sua ação o tipo de ato que mereça um enorme elogio moral.
se chegar ao fim seja devido ,i outras característicai; Jall(L\veis do ato. O ·t1 As considerações precedentes nos mostram que precisamos do
-~
,.,.
fim deve ser ,\tingido po1· crmsn dessns outras características. Isso porque J
conceito de um ato que faça tudo corretamente, um ato que seja bom
j.,
existem análogos éticos aos casos de Gettier, embora, até onde eu s,tlba, em todos os aspectos. E vimos os elementos que devem ser corretos
·!'.l
os etidstas não o tenham percebido. Deixe-me descrever um caso.
1 ou bons para merccer<:m tal avaliação. Chamo cal conceito de 1-11n ato
Suponha-se que um juiz, pesando a evidéncia contra um acusado
de assassinato, determine por meio de um procedimento imped.vel e
motivado pela justiça que o homem é culpado. Podemos supor que o juiz
,;
..
, '4c
'%
Jt
, de virtude. A definição vem ., seguir:
Um ato st:d 11,n ntn de PÍ1't11dC' A se e somente se de surgir dos

não apenas faz tudo que deveria fazer, mas apresenta todas as virtudes
:~,i <.:umponcmc:s motivadon.1is de: A, for um ato que .1.s pcsso.,s
i K• com a vinudc: A .::1.ra<.:tciisticamc:ntc: fariam nas circunstânci.ls e
apropriadas nessa situação. Não obstante, até mesmo o maior -virn1oso t'~
À se: ti\'c r su<.:c:sso cm .lk.rnçar o fim da virtude A por .::rns.1 d:.15
pode cometer um erro, assim como vimos, no caso da Dra. Jonc:s, que ~
,, c.1.ractc:1ístkas do ato.
-~
:;

~:
~ -~ O componente motivacional de A é uma disposição. Um ato que
27. Moral Luck, in fl-1ort.i/ Questions, Cambridge, Cambridge Ur'liversity Press, 1979, t-t
n. 11 . ... ,;
surge a partir dessa disposição não precisa ser conscientemente motivado

,·,,m, !
180
fl ;/'/ 1 , ,,_; 181
;f

t-'t-\ ' tu. 1·.~"'' 1 w" ,11 11 , :..; \ 1, 11r E1·1•,11·., 1t •Li" ,1.\
por A, ma~ deve sa cal que a explicação para o ato se refira a ela. Um
ato que é carncterístico da virtude A é um ato que não é apenas o que
as pessoas com a virtude A provavelmente fariam nas circunsc:tm:ias, mas \ _
é um ato que é uma marca do comportamento de pessoas com essa :.1:
virtude2H. O terceiro componente indica que o sucesso em se atingir o { jJ
fim deve ser por causa dos outros dois componentes. Tal fato mcrc:ce -~j.,
uma melhor anilise. Não conheço nenhuma explicação da relação de .1
cama que capture isso de forma completa, mas tenho um pouco mais
a dizer sobre isso na próxillla seção. É importante ressaltar que, nessa
definição, wiu é necessário que o agente possua a virtude A para fazer ·.~
um ato de virtude .il. Uma das condições de Aristóteles para a posse ;,■,
ele virtude é que a característica deve estar profundamente arraigada. \ ..i
Nesse caso, pessoas que estão aprendendo as virtudes não possuem uma ,!~
dada virtude, contudo não vejo rnzão para pens;u· que elas não possam ~
realizar atos de virtude, ou seja, atos que sejam tão laudáveis quanto _t
um ato pode ser cm relação à virtude em questão. -, , :
Existem atos de virtude moral e atos de virtude intelectual. Trata- .,
remos aqui do segundo tipo. Um ato de virtude intelectual A é aquele i9f:i'
que nasce do componente motivacional de uma virtude intelectual A, '.),
é um ato que pessoas com a virtude A caracteristicamente fazem nessas
circunstâncias, e consegue obter a verdade por causa dessas outras ca-
racterísticas do ato. ·
A definição de conhecimento que p·r oponho é a seguinte:
Conhccimoitl• :.= n-eHça. 1·csitltwnrc dos
vi-rtur/.e i11telcctf.1-t1,/.
11t os
No começo deste artigo, mencionei que, nas explicações filosóficas ~- ·. ,
1
sobre o conhecimento, a prática usual de se concentra,r no conhecimen- '. í1 '
de
to proposicional não necessariamehte reflete sua maior importância.
Entretanto, tod;1s as formas de conhecimento envolvem contato da ·:1,
28. Em Virlues of the Minei expressei o segundo componente da definição como a í'
seguir: "é algo que uma pessoa com a virtude A (provavelmente) fari a nas circunstâncias• ::·
(p. 24'8). No e ntanto, o que uma pessoa virtuos<1 provavelmente r.,riti pode não ter n;ida a .
ver com a virtude em ques!ão.
132 •'. l.'d ,
:! t 1 ' ·" 1 1 t , '.'.I li <'1\1 1·. ,.: li tr•
<
<.:.
mente com a realidade, e assim uma definição mais abrangente de co-
nhecimento que inclua tanto o conhecimento por familiaridade como
0
conhecimento proposicional seria a seguinte:
1
Cunhcci.mn;,t·1, / ,J w n tirf;(I d >._q,titi1111 c01n 1.:. n .1.tlidad1: r,.:s1,tltu ui;;
dos at:vs cÍ,:: Pirwdc i;1td utu.al
1 O conhecimento geralmente não é alcançado através de um sim-
,_1: ples ato, mas pela combinação dos próprios atos, e também através dos
atos dos outros e das circunstâncias cooperativas. Temos a tendência a
pensar o conhecimento como uma realização própria, o que raramente
acontece. O fato de nosso conhecimento depender do conhecimento e
da virtude intelectual de uma grande quantidade de pessoas em nossa
comu1udade inteleclUal, bem como de um universo cooperativo, faz que
fique claro que não podemos isolar as condições para o conhecimento
cm um conjunto de propriedades independentes do conhecedor, muito
menos em um conjunto de propriedades sobre as quais o conhecedor
tenha controle. A sorte epistémica permeia a condição l~umana - para
o bem ou para o mal.
1
r 5. Avaliação da definição
.A . B. .esoiJ.,uulo o snitido eni que o conheâ m en to i: um bon
,-, ,
•
,
...
Ao fim da primeira seção, afirmei que nenhuma definição de
conhecimento pode ter sucesso a menos que esclareça os dilerentcs
sentidos em que 0 conhecimento é wn bem. O conhecimento per-
ceptivo e de memória parece ser um bem em um sentido próximo ao
de bens naturais como a beleza, a perspicácia e a força. Mas às vezes
·'.j o conhecimento é tratado como um estado mais elevado, que requer
esforço e habilidade. Portanto, o conhecimento parece ser um bem
em um sentido próximo ao moral. Nesse caso, pode-se percebe r que
o conhecimento não é um tipo natural para o qual uma definição real
seja possível. Talvez a investigação revele que na verdade existem dois
tipos distintos de conhecimento, assim como as im'·estigações sobre a
·:11
f,
'··· ' '• \ /1 183
P,a,Ht Ht\~ 11t,01c·1l '"'''' t'E f.r1, 1Hu.11tltil-\ l'I '.!l't-. i'. r , ,:,r,,11n I.Ul:.:-.ih•"1

natureza do jade revelaram que o que se chama " jade" são, na verdade,
duas substâncias distintas: jadeíta e nefrica. N ão eliminei a possibilidade
:~,.
,~
_J i
tão meticulosa quanto necessário for para as circunstâncias particulares,
e assim por diante. Suponha-se que uma pessoa com todas as virtudes
.~ l
de isso acontecer, em (1ltima instância; no entanto, não acredito que ~:
'3c
intelectuais esteja olhando para nma parede branca em circunst.mcias
•:X
já tenhamos uma razão para bifurcar o conhecimento em d ois t ipos
distintos com análises separadas. A definição proposta na última seção
-~
~t
:;t.
normais. E la o lha fixamente por um longo tempo antes de formar a
crença de que existe uma parede branca à sua frente? Ela investiga
'.~
pode cobrir ambos os tipos. Na realidade, ela pode até cobrir o tipo '.t;. a possibilidade. de estar alucinando o u sob influência de drogas? Ela
mais elevado de conhecim~nto que indiscutivelmente se e nco ntra no ] 1! questio na fontes confiáYeis sobre a cor das paredes? Logicamente, n:\o.
:J!t
campo da excelência. Fazê-lo exibiria um grau de escrupulosidade intelectual equivalente à
O ato de virtude intelecn1al foi definido dentro de uma teoria
1
~\
paranoia. No entanto, ela é sensível a qualquer evidência que a pudesse
'•
•I!-·

com e mbasamento ético, na qual a virtude é o conceito principal.
"Virtude" é um termo suficientemente flexível para ser aplicado além
de às características morais, embora o sentido moral seja, sem dúvida,
o paradigma211 • A definição de " um ato de virrude" estende o sentido
do termo de outra maneira. Um ato de virtude é um ato em que existe
uma imitação do comportamento das pessoas virmosas e que consegue
atingir seu objetivo por essa razão. Sobretudo para nosso atual interesse
n,\ interpretação do conceito de um ato de virtudt" intclect-11-al, não há
nada na definição que impeça essa propriedade de se juntar aos atos :i ··:•I
que são mais ou menos automáticos, como geralmente acontece .na ·1 ,
•);·
percepção e na memória. A motivação virniosa da qual surge um ato ;: '
de virtude não precisa ser consciente nem forte; portanto , os motivos ,: -~
epistêmicos comuns serão muitas vezes suficientes. Na rcalid~tde, nada ~
na definição impede o componente motivacio nal de se ajustar aos mo-
tivos que são quase que universais em algumas simaçõ'es. O segundo :m
componente especifica que·-o ato deve ser algo que uma pessoa com a
virtude em questão normalmente faria ao express:ll' :i virmde. Mas as.,,;.,
pessoas virtuosas não necessari:imeme agem de maneira extraordinária,
embora naniralmente o façam em algumas circunstâncias. Uma pessoa ~..
que tenha a virtude da atenção será tão atenta quanto necessário, em
situações de determinado tipo, a fim de obter a verd,1de. Uma pessoa .1!(
que tenha a virmde da meticulosidade examinará a evidência de fotma ,j
29. Em Virtues of the Mind, drgumento que as vi rtudes intelectuais são melhor tratadas ,:11
como formas ele virtude moral. A definição de conhet:imento não·· depende, entrct;into, ,'~-
c!este ponto.
.,.._ ..
184. J'. Jl\l 1. l JZ•'
~·
'.11,,, levar à suspeita de uma deficiência em sua capacidade perceptiva 011
.i li
quaisquer peculiaridades das circunstâncias que sugerissem um am-
ij biente não cooper:itivo. Felizmente, na maior parte do tempo ela não
~
'iJ:.• ·
.i. precisa levar adiante tais possibilidades. Assim, agir como uma pessoa
-, com atos de virn,de intelecn1al age ao julgar a cor de uma parede não
~ é uma coisa muito difícil de ser feita.. O mesmo prindpio se aplica aos
ilJl casos comuns de crença baseados em memória clara. Portanto, cn:nças
verdadeiras típicas desenvolvidas pela percepção ou pela memória sa-
tisfazem minha definição de conhecimento. É até possível que crianças
novas satisfaçam a definição assim que estiverem grandes o suficiente
para saber que existe mha diferença entre verdade e falsidade - e forem
motivadas para obter a primeira.
Logo, a definição pode tratar dos casos num plano inferior de
1 conhecimento. Sua verdadeira vantagem sobre outras explicações, en-
tretanto, esti no plano superior do conhecimento. Descobertas intelec-
··J tuais maravilhosas que produzem conhecimento é algo que precisa ser
capturado por qualquer definição aceitável do estado de conhecimento.
~J Tal conhecimento não é a.penas o resultado de processos confiáveis,
faculdades apropriadamente funcionais ou procedimentos epistêmicos
I sem falhas, como sugeriram alguns epistemólogos. É o resultado de
atividades epistêmicas que vão muito além do não defectivo. É, na rea-
lidade, excepcionalmente laudatório. O conceito de virtude intelectual
J, serve bem ao propósito de se identificar o conhecime nto em casos desse
~: tipo. Uma virtude é uma qualidade admirável que vai além do mínimo
:::i•·
necessário para ser epistemicamente respeitável. Algumas virn1des vão
tií•
muito além do mínimo para atingir o stntw dos bens mais elevados. A
.,i...
·{,~
, ..,,, .... .: 185
1
~...i.:
{"~'.1·
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r

PR\ 'IU .U\.\ \ 1K \PW I\ ,, ,\I~ Ili. E!·1.,fHI\ ,1 ., 't . 1.\
criatividade e a originalidade do intelecto estão entre essas qualidades
associadas com a extremidade mais alta do valor epistêmico, e um ato
da virtude da originalidade é laudável da mesma mandra que os atos
de suprema ge_n~r~sidacle. Tais_atos são verdadeiramente excepci~nais. '.~ l) A '.
Portanto, a defin1çao de conhecunento que propus abrange um conjunto ,j
de casos que vai desde os casos de conhecimento perceptivo de baixo ~ ,
, ~
grau, cuja bondade é como uma bondade natural, pass,mdo pelos çasos :~
de crenças baseadas na evidência, que são elogiadas e criticadas da forma
que associamos com a moral, até feitos intelectuais verdadeiramente - ·
fundamentais cuja bondade está próxima da excelência.
B. Co1no t:Padir-sc dos prohlenu.is de GiJttier
Na seção 3, mostrei que, a menos que estejamos dispostos a viver :l
com uma definição nada informativa, os problemas de Gettier resultam 'f
de qualquer defirnçào em que o sentido do conhecimento como um bem··~
não implique a verdade. O conceito de um ato de virtude intelectual
implica a verdade, portanto minha definição não está a salvo de falhas
da maneira que descrevi para as teorias suscetíveis à estratégia da sorteJ
dupla. Nos dois casos que examinamos com relação à crença - Smith
tem um Foni ou Bro1Vn está em Barcelona, e o caso da Dra. Jones e seu\!
diagnóstico de que Smith tem o vírus X - , aquele que crê alcança at~
1
verdade por causa da característica da sorte dupla que identifiquei nes- :
ses casos30 • Você e a Ora. Jones atingem suas respectivas crenças por :',,
causa de suas atividades e motivações intelectualmente virtuosas, mas"
não atingem a verdade por causa dessas características d,\ situação. Isso ;
significa que o conceito de se atingir A por caitsa de B é um elemento-
chave da definição. Todos nós temos intuições sobre o significado do:
acomecimento de alguma coisa por causa de outra coisa, mas tal conceito ·
necessita de mais análise e não conheço nenhuma que seja adequada. ..
Alguns epistemólogos tentaram explicar, de maneira contrafuctual, o
30. Nem todos os contraexemplos na literatura de Gettier têm a característica d.1 sorte
dl1pla, embora eu tenha argumentado que casos com essa característica sempre podem ser
produzidos quando há uma lacuna entre a verdade e o outro componente do conhecimento.. ,
/V1as 1:em cad.i caso de Gettier existe algum elemento de acaso ou sort~.
186 :'. ,., ,;
( l l!I 1 1. \< •:-..: 111:t 1:\ll,:'\! lt,.t°l1
componente do conhecimento em adição à crença verdadeira, e, até
certo ponto, se o fato de aquele que acredita chegar à verdade em cir-
cunstâncias contrafactuais fechadas pode ser usado como um modo de
determinar se a verdade é alcançada nas circunstâncias reais em decorrên -
cia da atividade virtuosa. Assim, por exemplo, podemo~ ddender a ideia
de que não se p,~de chegar à verdade no caso do Ford e de Il,arce·lona
por causa dos atos e motivos virtuosos, já que, em cirçunstâncias bem
.. parecidas, os mesmos motivos poderiam estar presenfes, os me~mos atos
poderiam ser feitos - e não se teria conseguido obter a verdade. Seria
dessa forma se por acaso Brown não estivesse em Barcelona. De forma
·
similar, a Dra. Jones teria chegado a uma crença falsa em circunstâncias
muito parecidas, mesmo com seus motivos e atos virtuosos. Isso teria
,.
·.~ acontecido se Smith não tivesse contraído o vírus X antes de ela fechar
seu diagnóstico. Contudo, observar se aquele que crê obtém ou não
a verdade em circunstâncias contrafactuais relevantemente similares é
apenas uma maneira aproximada de se determinar se a verdade é ou não
;,l obtida por causa das características designadas do a·t o. Certamente não é
r um modo de explicar o que se quis dizer com a ideia de que a verdade
é alcançada por causa dessas características. Não existem circunstâncias
t; contrafactuais, por exemplo, nas quais um solteiro seja casado, mas não
seria verdadeiro dizer que ele é solteiro po,·que n ão é casado. O conceito
A por ca1ua de B não é redutível a essas condições contrafactuais. No
máximo, qualquer definição de causa será uma definição nominal.
C. Problernâtiais pan1 invc.rtigaçiio posterior
No método de análise da condição de verdade, a questão principal
é saber se a definição é ampla demais (fraca) ou estreita demais (forte).
John Greco não concordou com minha ideia de que a definição pode
ser fraca demais porque não requer uma posse efetiva de virtude in-
telectual como condição para o conhecimento. Visto que os atos de
virtude intelectual podem ser feitos por agentes cujo comportamento
virtuoso não nasce de um hábito arraigado, não se pode confiar que
eles ajam virtuosamente em circunstâncias similares no futuro . Seria
apropriado atribuir conhecimento a eks se não fizessem a mesma coisa
·
t. . li !l i. ,_: , 'i 187
Pta.\r.1.1:,1.\, lli •\111( " '~ :\I\ flt E1·1,11. ~1,•l•\I.I\
em circunsdncias relevantemente similares? Afu-mei qlle fazer que __ ._
posse da virtude totalmente arraig,1da seja uma condição par:l o conhe- ~
cimento é forte de-mais, pois impede que o conhecimento aconteça cm f
crianças e adultos nilo sofisticados; no entanto, a abordagem de Greco :'t'1
merece mais atenção. E, prov,\vcl que tal abordagem nos leve a uma _-'i.
investigação da psicologia da formação do h,füito e da estabilicl.,cle do :,nlli
comportamento de pessoas em estágios precoces da aquisição de tra- ,;
ços intdecniais. Ele também levanta :i questão de saber até que nível )
pensamos que uma outra pessoa não confiável pode ter conhecimento, ;.;
porque seu conhecimento depende da confiabilidade de outms pessoas ·J
em sua comunidade epistêmica.
Pode-se também contestar afirmando que a definição é muito forte. J
É mais provável que: esse argumento seja levantado contra o compo- /
nente motivacional de um ato de virtt1<.k intdecrnal. Por que pensar ;
que os mo tivos do sujeito têm algo ., ver com o fato de ele obter ou'='•·
não conhecimento? Essa qnéstão ressalta as diferenças entre aqueles ~
.
que tel1l:\ em a encar;1r o con11eomento como proccssua 1 e meca111co
• . . -'~
e aqueks que o encaram como algo pelo qual somos responsáveis:,
Tenho afinidade, logicamente, com aqueles da segunda categoria, m:isJ
estar sujeito à discussão sobre a responsabilidade poder se estender oü i'
não à esfera cognitiva t um desacordo sobre até que nível a :itividade.!
cognitiva é voluntátia. Isso sugere que questões mais profundas sobre,"
a natureza humana estejam ,lqui em questào·11.
A definição, da maneira. como foi proposta aqui, corr,:sponde a:
muitos dos critérios para uma boa definição (mostrados seção 2), mas
vaga e cbramente necessita de uma ,m ,í.lise mais extensa.. lá vimos a ne-.,
cessidade de um relato sobre ., relação de c,111sn no terceiro componentei
d,, definição de um ato de virtude. Também é necessária uma explicação'
sobre: a motivação, bem co mo uma explicação sobre o agir de modo
que seja característico da virtude, o primeiro e o segundo componen~
tes da definição. Se um agente está fazendo o que .-is pessoas Yirruosas·
car,,ccerisricamente fariam em .-ilgumas circunstâncias, isso inclui ter
31. Discuti a q1.1estão ela voluntariedade cl;i atividade cognitiva ern Virtuf:'s oi che Mind,1
p 5/3-69.
18tl .,,, .,.
( l l,_lt:1 1 f t\:\t lí.C"I\IEN111?
i:onhecimento relevante das circunstâncias que as p esso.,s virtuosas têm
quando agem? Até onde vai esse conhecimento? E, se o conhecimento
das circunstâncias cst::\ incluído na explicaçJo do segundo componente
de um ato ele virtude, não ficamos com uma d efiniç..'\o circular, já que o
conceito de conhecimento foi embutido no dcfi:nicns? 32 Também existe a
questão de se id,e ntificar e individuar as \'Írtudes intelect11ais. Isso é impor-
tante não apenas porque inclinações divergentes das virtudes individuais
tfii.'
e suas análises podem resultar cm explicações sobre o conhecimento que
diferem muito em plausibilidade, e é por causa dessa possibilidade que
• Óll'
algumas virtudes entrnm em conflito. Teorias das virtudes éticas têm
, esse mesmo problema. A solução de Aristóteles foj juntm· as diferentes
virtudes no conceito de phrom:sis, ou sabedoria pn'ttica, e eu tentei usar
a mesma medida com respeito às virtudes intekctuais~-'. Mas essa medida
não terá sucesso a menos que possamos de monstrar que fazer de toda
virtude uma virtude relativa ao juízo de alguém com sabedo ria prática
submete as aplicaçôes das virmdcs aos casos que são reconhecidamente
os mesmos que aqueles que utiliz."lmos int11itivamcnte.
D e qualquer forma, muitos de~ses problemas teriam de ser aborda-
dos por uma detalhada teoria ética das virtudes. Por essa razão, exi~tcm
outrQS m otivos para se responder a essas questões além do motivo de
definir conhecimento. Uma resposta bem-sucedida serviria ao propósito
t'llnto da ética como da epistemologia. Outrns definições de conhecimc:nto
que preenchem os crité!ios que descrevi aqui necessitariam do mesmo
trat;irnento, só que se refeririam a uma teoria de diferente fundamentação
na ética, na metafísica 0L1 na psicologia cognitin. A mais detalhada e
avanç:iJa dessas teorias sempre terá a vantagem de oterecer um fundo
teórico para a definição de conhecimento3~.
0-?;2i1·
~ .,,
32. Este problema potencial me foi apontado por Peter Klein.
33. \lirtues of the Mind, parte 11, seção 5.
1 34. Agradeço a Peter Klein, John Greco e Richard Feldman pelos comentários sobre um
, r~scunho prévio deste Jrtigo, hem como a Hilary Kornblith e Alvin Golclm.in pela corres-
1 ª.t
:,:.J,. ;.
pondência enquanto em,• artigo estav,, C' m desenvolvi mento.
189