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Lógica: uma brevíssima introdução

Graham Priest

Oxford University Press, 2000


Sumário

1 Validade: O que segue do que? 5

2 Funções de verdade - ou não? 10

3 Nomes e Quantificadores: Nada é alguma coisa? 19

4 Descrições e Existência: Os gregos adoravam a Zeus? 26

5 Auto-referência: Sobre o que se trata este capítulo? 32

6 Necessidade e Possibilidade: O que será deve ser? 39

7 Condicionais: O que está contido em um se? 47

8 O futuro e o passado: O tempo é real? 54

9 Identidade e mudança: Tudo é sempre o mesmo? 62

10 Vagueza: Como você para de escorregar em uma rampa es-


corregadia? 69

11 Probabilidade: O estranho caso da falta de classe de referên-


cia 76

12 Probabilidade Inversa: Você não pode ficar indiferente a este


respeito! 84

13 Teoria da Decisão: Grandes expectativas 92

14 Pare! O que está acontecendo aí? 100

1
15 Talvez isto seja verdade – mas você não pode provar! 109
15.1 Coda – o outro teorema de incompletude de Gödel . . . . . . . 114

Um pouco de história e sugestões adicionais de leitura 117

Glossário 126

Solução dos problemas 132

2
Prefácio

A lógica é uma das disciplinas intelectuais mais antigas, e uma das mais
modernas. Seu início remonta ao século IV a.C. As únicas disciplinas mais
antigas são a matemática e a filosofia, com as quais sempre esteve intima-
mente conectada. Ela passou por uma revolução por volta da virada do
século XX por meio da aplicação de novas técnicas matemáticas e no último
meio século assumiu papéis radicalmente novos e importantes na computação
e no processamento de informações. É, portanto, um assunto central para o
pensamento e as empreitadas humanas.
Este livro é uma introdução à lógica tal como é entendida pelos lógicos
contemporâneos. Ele não pretende, no entanto, ser um manual. Tais livros
existem atualmente em quantidade. A finalidade deste é explorar as raízes
da lógica que penetram profundamente na filosofia. Algo de lógica formal
será explicado pelo caminho.
Em cada um dos capítulos principais, inicio tomando algum problema
filosófico ou enigma (puzzle) lógico particular. Explico, em seguida, uma
abordagem deste. Muitas vezes, será uma abordagem bastante convencio-
nal (standard); mas em algumas áreas não existem respostas convencionais:
os lógicos ainda discordam. Em tais casos, simplesmente escolhi uma que
fosse interessante. Quase todas as abordagens, convencionais ou não, po-
dem ser questionadas. Termino cada capítulo com alguns problemas para a
abordagem que expliquei. Algumas vezes, esses problemas são convencionais;
algumas vezes, não. Algumas vezes eles possuem respostas fáceis, outras ve-
zes, podem não tê-las. O objetivo é desafiá-lo a encontrar um meio de lidar
com o assunto.
A lógica moderna é um assunto altamente matemático. Busquei escrever
o material de modo a evitar quase toda a matemática. O máximo que será
exigido é um pouco de álgebra elementar nos últimos capítulos. É verdade

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que será preciso determinação para dominar algum simbolismo que pode ser
novo para você; mas é muito menos do que seria exigido para se ter uma com-
preensão básica de alguma nova língua. A perspicuidade que o simbolismo
fornece a questões difíceis paga a pena de dominá-lo. Uma advertência, no
entanto: ler um livro de lógica ou de filosofia não é como ler um romance.
Algumas vezes será necessário ler com cuidado e lentamente. Algumas vezes
será necessário parar e pensar sobre o assunto; e você deve estar preparado
para retornar e reler o parágrafo, se necessário.
O capítulo final do livro é sobre o desenvolvimento da lógica. Por meio
dele, busquei colocar algumas das questões com as quais o livro lida em
uma perspectiva histórica, para mostrar que a lógica é um assunto vivo, que
sempre evolui, e que continuará a fazê-lo. O capítulo também inclui sugestões
de leitura complementar.
Há dois apêndices. O primeiro contém um glossário de termos e símbolos.
Você pode consultá-lo se esquecer o significado de uma palavra ou símbolo.
O segundo apêndice contém uma questão relevante para cada capítulo, com
a qual será possível testar sua compreensão das idéias principais.
O livro visou antes a abrangência que a profundidade. Seria mais fácil
escrever um livro sobre o tópico de cada capítulo - e, de fato, vários destes
livros foram escritos. E, ainda assim, há várias importantes questões acerca
da lógica que não foram sequer tocadas aqui. Mas, se continuar firme até o
final do livro, você terá uma idéia bastante adequada dos fundamentos da
lógica moderna, e por que as pessoas acham que vale a pena pensar sobre o
assunto.

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Capítulo 1

Validade: O que segue do que?

A maior parte das pessoas gosta de pensar em si mesmas como lógicas. Dizer
a alguém “Você não está sendo lógico” é normalmente uma forma de crítica.
Ser ilógico é ser confuso, atrapalhado, irracional. Mas, o que é lógica? Em
Através do espelho, de Lewis Carroll, Alice encontra a dupla argumentativa
(logic-chopping) Tweedledum e Tweedledee (Figura 1.1). Quando Alice pro-
cura algo para dizer, eles partem para o ataque:

“Eu sei sobre o que você está pensando” disse Tweedledum: “mas
não é assim, de modo algum.”
“Ao contrário” continuou Tweedledee, “se assim fosse, poderia ter
sido; e se tivesse sido assim, seria: mas como não é, não será. Isto
é lógica.”

O que Tweedledee está fazendo - pelo menos na paródia de Carroll - é


raciocinar. E é sobre isto, como ele disse, que é a lógica.
Todos nós raciocinamos. Tentamos descobrir o que será, raciocinando a
partir do que já sabemos. Tentamos persuadir os outros de algo apresentan-
do-lhes razões. A lógica é o estudo do que pode ser considerado uma boa
razão para algo, e por que. Esta afirmação, no entanto, deve ser entendida de
uma certa maneira. Eis aqui dois exemplos de raciocínio - que são chamados
pelos lógicos de inferências:

1. Roma é a capital da Itália, e este avião pousa em Roma; logo, este


avião pousa na Itália.

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Figura 1.1: Tweedledum and Tweedledee debatem os mais refinados assuntos
de lógica com Alice.

2. Moscou é a capital dos Estados Unidos; logo, você não pode ir a Moscou
sem ir aos Estados Unidos.

Em cada caso, as afirmações antes do “logo” - chamadas pelos lógicos


de premissas - fornecem razões; as afirmações depois do “logo” - chamadas
pelos lógicos de conclusões - são aquilo para o que as razões pretendem ser
razões de. O primeiro trecho de raciocínio é correto; mas o segundo parece
muito pouco promissor, e não convenceria ninguém com um conhecimento
elementar de geografia. Repare, contudo, que se a premissa fosse verdadeira
- se, digamos, os Estados Unidos tivessem comprado toda a Rússia, e não
apenas o Alaska, e mudado a capital para Moscou, para estar mais próxima
dos centros de poder da Europa - a conclusão teria sido de fato verdadeira.
Ela teria se seguido das premissas: e é com isso que se ocupa a lógica. Ela
não se ocupa com as premissas serem verdadeiras ou falsas. Isto é tarefa
de alguma outra pessoa (no caso, do geógrafo). Ela apenas se interessa se
a conclusão segue-se das premissas. Os lógicos chamam uma inferência em
que a conclusão realmente segue-se das premissas válida. Logo, o objetivo

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central da lógica é compreender a validade.
Você pode pensar que é uma tarefa um tanto boba - um exercício inte-
lectual com um pouco menos de apelo que resolver palavras cruzadas. Mas
acontece que não apenas esta é uma tarefa muito difícil; é uma tarefa que não
pode ser separada de um bom número de importantes (e algumas vezes pro-
fundas) questões filosóficas. Ao longo do percurso você encontrará algumas
delas. Por enquanto, vamos examinar melhor alguns fatos básicos relativos
à validade.
Para começar, é comum distinguir entre dois tipos diferentes de validade.
Para compreendê-lo, considere as três inferências seguintes:

1. Se o ladrão tivesse invadido através da janela da cozinha, haveria pe-


gadas do lado de fora; mas não há pegadas; logo, o ladrão não invadiu
através da janela da cozinha.

2. Jones tem os dedos manchados de nicotina; logo, Jones é um fumante.

3. Jones compra dois maços de cigarro por dia; logo alguém deixou pega-
das do lado de fora da janela da cozinha.

A primeira inferência é bastante direta. Se as premissas são verdadeiras,


também a conclusão deve sê-lo. Ou, para dizê-lo de outro modo, as premissas
não poderiam ser verdadeiras sem que a conclusão também o fosse. Lógicos
chamam uma inferência deste tipo dedutivamente válida. A segunda inferên-
cia é um pouco diferente. A premissa claramente apresenta boas razões para
a conclusão, mas não é totalmente conclusiva. Afinal de contas, Jones pode-
ria simplesmente ter manchado seus dedos de nicotina para fazer as pessoas
pensarem que ele era um fumante. Logo, a inferência não é dedutivamente
válida. Inferências deste tipo normalmente são chamadas indutivamente vá-
lidas. A terceira inferência, ao contrário, parece sem salvação sob qualquer
critério. A premissa parece não fornecer qualquer tipo de razão para a con-
clusão. Ela é inválida - tanto dedutiva quanto indutivamente. Na verdade,
como as pessoas não são completamente idiotas, se alguém de fato oferece
razões deste tipo, suporíamos que existe alguma premissa suplementar que
não nos foi dita (talvez que alguém passa os maços de cigarros a Jones através
da janela da cozinha).
A validade indutiva é uma noção muito importante. Nós raciocinamos in-
dutivamente o tempo todo; por exemplo, ao tentar resolver problemas como

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saber por que a janela do carro está quebrada, por que uma pessoa está
doente, ou quem cometeu um crime. Sherlock Holmes era um mestre nisso.
Apesar disso, historicamente, muito mais esforço foi empreendido para com-
preender a validade dedutiva - talvez porque os lógicos tenderam a ser mate-
máticos ou filósofos (em cujos estudos as inferências dedutivamente válidas
são de importância central), e não médicos ou detetives. Retornaremos à
noção de indução mais adiante no livro. Por enquanto, vamos pensar um
pouco mais sobre a validade dedutiva. (É natural supor que a validade dedu-
tiva é uma noção mais simples, pois as inferências dedutivamente válidas são
mais diretas (cut-and-dried ). Não é portanto uma má ideia tentar entendê-la
primeiro. Isto, como veremos, já é suficientemente difícil). Até afirmação em
contrário, “válido” significará simplesmente “dedutivamente válido”.
O que é então uma inferência válida? Aquela, como vimos, na qual as
premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão também seja verda-
deira. Mas o que significa isso? Em particular, o que significa o não podem?
Em geral, “não pode” pode significar muitas coisas diferentes. Considere,
por exemplo: “Maria pode tocar piano, mas João não pode”; aqui estamos
falando de habilidades humanas. Compare com: “Você não pode entrar aqui:
é preciso permissão”; aqui estamos falando de algo que um código de regras
permite.
É natural entender o “não pode” relevante no presente caso deste modo:
dizer que as premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão seja
verdadeira é dizer que em todas as situações em que as premissas são verda-
deiras, também o é a conclusão. Até aqui, tudo bem: mas o que é exatamente
uma situação? Que tipos de coisas entram na sua constituição e como essas
coisas se relacionam umas com as outras? E o que é ser verdadeiro? Agora
há um problema filosófico para você, como poderia ter dito Tweedledee.
Estas questões irão nos preocupar ao longo do texto; mas vamos deixá-las
de lado por enquanto, e finalizar com uma outra coisinha. Não devemos par-
tir com a ideia de que a explicação de dedutivamente válido que apresentei
está ela própria livre de problemas. (Em filosofia, todas as afirmações inte-
ressantes estão abertas ao exame.) Eis aqui um problema. Assumamos que
a explicação está correta, saber que uma inferência é dedutivamente válida é
saber que não há situações em que as premissas são verdadeiras e a conclusão
não é. Agora, qualquer que seja nossa compreensão de situação, é certo que
há um monte delas: situações sobre coisas em planetas de estrelas distantes;
situações sobre eventos antes que houvesse qualquer ser vivo no cosmos; si-

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tuações descritas em obras de ficção; situações imaginadas por visionários.
Como podemos saber o que acontece em todas as situações? Pior, parece
haver um número infinito de situações (situações daqui há um ano, situações
daqui há dois, situações daqui há três anos,...). É portanto impossível, até
mesmo em princípio, fazer um levantamento todas as situações. Assim, se
esta abordagem da validade está correta, e dado que nós podemos reconhecer
inferências como válidas ou inválidas (ao menos em vários casos) devemos ter
alguma percepção disto, de alguma fonte especial. Qual fonte?
Devemos invocar algum tipo de intuição mística? Não necessariamente.
Considere um problema análogo. Podemos distinguir entre sequencias grama-
ticais [de acordo com a gramática] e não-gramaticais de nossa língua nativa
sem muito problema. Por exemplo, um falante nativo do português reconhe-
ceria que “isto é uma cadeira” é uma frase gramatical, mas que “é cadeira
uma isto” não é. Mas parece haver um número infinito de frases gramaticais
ou não-gramaticais. (Por exemplo, “um é um número”, “dois é um número”,
“três é um número”, ... são todas frases gramaticais. E é suficientemente fácil
produzir saladas de palavras ad libitum). Então, como o fazemos? Aquele
que é talvez o mais influente dos linguistas modernos, Noam Chomsky, su-
geriu que podemos fazê-lo pois as coleções infinitas estão encapsuladas em
um conjunto finito de regras que estão gravadas (hard-wired) em nós; que
a evolução nos programou com uma gramática inata. Pode a lógica ser a
mesma coisa? As regras da lógica estão gravadas em nós do mesmo jeito?

Ideias centrais do capítulo


• Uma inferência válida é aquela em que a conclusão segue da(s) pre-
missa(s).
• Uma inferência dedutivamente válida é aquela na qual não existe situ-
ação em que todas as premissas são verdadeiras, mas a conclusão não
é.

Problema
A seguinte inferência é dedutivamente válida, indutivamente válida ou ne-
nhuma delas? Por que? José é espanhol. A maioria do povo espanhol é
católico. Logo, José é católico.

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Capítulo 2

Funções de verdade - ou não?

Estando ou não as regras da validade profundamente arraigadas em nós,


todos temos intuições bem fortes a respeito da validade ou não de várias
inferências. Não haveria muita discordância, por exemplo, de que a inferência
a seguir é válida: “Ela é uma mulher e é uma banqueira; logo, ela é uma
banqueira”. Ou que a inferência a seguir é inválida: “Ele é um carpinteiro;
logo, ele é um carpinteiro e joga baseball”.
Porém, nossas intuições podem, às vezes, nos colocar em apuros. O que
você pensa sobre inferência a seguir? As duas premissas ocorrem na parte
superior da linha; a conclusão na parte inferior.
A rainha é rica. A rainha não é rica.
Porcos podem voar.
Certamente não parece válida. A riqueza da rainha - grande ou não -
parece não ter relação alguma com a habilidade de voar dos porcos.
Mas o que você pensa a respeito das duas inferências seguintes?
A rainha é rica.
Ou a rainha é rica ou porcos podem voar.

Ou a rainha é rica ou porcos podem voar. A rainha não é rica.


Porcos podem voar.
A primeira delas parece válida. Considere sua conclusão. Lógicos chamam
frases como esta de disjunção; e as cláusulas em ambos os lados do “ou” são

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chamados disjuntos. Agora, o que precisa ocorrer para que uma disjunção
seja verdadeira? Apenas que um ou outro dos disjuntos seja verdadeiro.
Assim, em qualquer situação em que a premissa é verdadeira, também o é a
conclusão. A segunda inferência também parece válida. Se uma ou outra de
duas suposições é verdadeira e uma delas não é, a outra deve ser verdadeira.
Agora, o problema é que colocando estas duas inferências aparentemente
válidas juntas, obtemos uma inferência aparentemente inválida, como esta:
A rainha é rica.
Ou a rainha é rica ou porcos podem voar.
A rainha não é rica.
Porcos podem voar.
Isto não pode estar correto. Ligar inferências válidas desta forma não
poderia resultar numa inferência inválida. Se todas as premissas são ver-
dadeiras em qualquer situação, então também o são as suas conclusões, as
conclusões que seguem destas; e assim por diante, até chegarmos à conclusão
final. O que há de errado?
A fim de fornecer uma resposta ortodoxa para esta pergunta, foquemos
um pouco mais nos detalhes. Para começar, vamos escrever a frase “Porcos
podem voar” como p, e a frase “A rainha é rica” como q. Isto torna as
coisas um pouco mais compactas. Mas não é só isto: se você parar um
momento para refletir, pode ver que as duas frases particulares usadas nos
exemplos acima não tem muito a ver com o que está acontecendo. Eu poderia
ter reconstruído a inferência utilizando quaisquer outras duas frases; assim,
podemos ignorar os seus conteúdos. Isto é o que fazemos quando escrevemos
as frases representado-as por letras.
A frase “Ou a rainha é rica ou porcos podem voar” agora torna-se “Ou q
ou p”. Lógicos frequentemente escrevem isto como q ∨p. E o que fazer com “A
rainha não é rica”? Vamos reescrever isto como “Não é o caso que a rainha é
rica”, puxando a partícula negativa para a frente da frase. Consequentemente,
a frase torna-se “Não é ao caso que q”. Lógicos frequentemente escrevem isto
como ¬q, e o chamam de a negação de q. Já que estamos aqui, como seria
a frase “A rainha é rica e porcos podem voar”, isto é, “q e p”? Lógicos
frequentemente escrevem isto como “q&p” e o chamam de conjunção de q e
p, q e p sendo os conjuntos. Munidos desta maquinaria, podemos escrever a
inferência encadeada que vimos, como:
q
q∨p
¬q
p

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O que diremos a respeito desta inferência?
frases podem ser verdadeiras, e frases podem ser falsas. Vamos usar V
para verdade e F para falsidade. A partir de um dos fundadores da lógica
moderna, o filósofo/matemático alemão Gottlob Frege (Figura 2.1), estes são
geralmente denominados valores de verdade. Dada qualquer frase, a, qual é a
conexão entre o valor da verdade de a e o da sua negação, ¬a? Uma resposta
natural seria que se uma é verdadeira, a outra é falsa, e vice-versa. Assim,
se “A rainha é rica” é verdadeira, “A rainha não é rica” é falsa, e vice versa.
Podemos registrar isso como segue:

• ¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F ,

• ¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V .

Lógicos denominam esses registros como as condições de verdade para a


negação. Se assumirmos que toda frase é verdadeira ou falsa mas não ambas,
podemos registrar as condição na seguinte tabela, que os lógicos chamam de
tabela de verdade:

a ¬a
V F
F V

Se a tem o valor de verdade dado na coluna abaixo dele, ¬a tem o valor


correspondente à sua direita.
O que dizer da disjunção ∨? Como já vimos, uma suposição natural é
que uma disjunção, a ∨ b, é verdadeira su um ou outro (ou possivelmente
ambos) de a e b são verdadeiros, e falso no caso contrário. Podemos registrar
isto nas condições de verdade para a disjunção:

• a ∨ b tem o valor V exatamente se pelo menos um de a e b têm o valor


V,

• a ∨ b tem o valor F exatamente se ambos a e b têm o valor F .

Essas condições podem ser registradas na seguinte tabela de verdade:

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a b a∨b
V V V
V F V
F V V
F F F

Cada linha - exceto a primeira que está no topo - registra uma possível
combinação de valores de verdade para a (primeira coluna) e b (segunda co-
luna). Existem quatro tais possíveis combinações e, portanto, quatro linhas.
Para cada combinação, o correspondente valor de a ∨ b é dado à sua direita
(terceira coluna).
Novamente, já que estamos falando nisso, qual é a conexão entre os valores
de verdade de a e b, com o de a&b? Uma suposição natural é que a&b é
verdadeira se ambas a e b são verdadeiras, e falsa no caso contrário. Assim,
por exemplo, “John tem 35 anos e cabelos castanhos” é verdadeira exatamente
se “John tem 35 anos” e “John tem cabelos castanhos” são ambas verdadeiras.
Podemos registrar isto nas condições da verdade para a conjunção:

• a&b tem o valor V exatamente se ambos a e b têm o valor V ,

• a&b tem o valor F exatamente se pelo menos um de a e b têm o valor


F.
Essas condições podem ser registradas na seguinte tabela de verdade:

a b a&b
V V V
V F F
F V F
F F F

Agora, como tudo isto está relacionado com o problema que iniciamos?
Vamos voltar à questão que eu levantei no final do último capítulo: O que é
uma situação? Um pensamento natural é que seja o que for uma situação, ela
determina um valor de verdade para toda frase. Assim, por exemplo, em uma
situação em particular, poderia ser verdadeiro que a Rainha fosse rica e falso
que porcos possam voar. Em outra situação poderia ser falso que a Rainha
fosse rica e verdadeiro que porcos possam voar. (Note que estas situações
são puramente hipotéticas!) Em outras palavras, uma situação determina

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que cada frase relevante seja V ou F . As frases relevantes aqui não contém
qualquer ocorrência de “e”, “ou” ou “não”. Dada a informação básica sobre
uma situação, podemos usar as tabelas de verdade para resolver os valores
de verdade das frases que contém estas ocorrências.
Por exemplo, suponha que temos a seguinte situação:

p:V
q:F
r:V

(r pode ser a frase “Rabanete é nutritivo”, e “p : V” significa que a p é


atribuido o valor da verdade V , etc.) Qual o valor da verdade de, digamos,
p&(¬r ∨ q)? Calculamos o valor da verdade disto exatamente da mesma
forma que calcularíamos o valor numérico de 3 × (−6 + 2), usando tabuadas
para multiplicação e adição. O valor de verdade de r é V . Então, a tabela de
verdade para ¬ nos diz que o valor de verdade de ¬r é F . Mas, uma vez que
o valor de q é F , a tabela de verdade para ∨ nos diz que o valor de ¬r ∨ q é
F . E dado que o valor de verdade de p é V , a tabela de verdade para & nos
diz que o valor de p&(¬r ∨ q) é F . Desta forma passo-a-passo, conseguimos
calcular o valor de verdade de qualquer fórmula contendo ocorrências de &,
∨ e ¬.
Agora, lembre-se do último capítulo em que uma inferência é válida desde
que não haja nenhuma situação que faça com que todas as premissas sejam
verdadeiras, e a conclusão não verdadeira (falsa). Ou seja, é válido se não
existe uma maneira de atribuir V s e F s às frases relevantes, que resulte em
todas as premissas tendo o valor V e a conclusão tendo o valor F . Considere,
por exemplo, a inferência que já vimos, q/q ∨ p. (Escrevo isso em uma
linha para economizar dinheiro para a Oxford University Press.) As frases
relevantes são q e p. Há quatro combinações de valores de verdade, e para
cada uma destas podemos calcular os valores de verdade para as premissas e
conclusão. Podemos representar o resultado da seguinte forma:

q p q q∨p
V V V V
V F V V
F V F V
F F F F

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As primeiras duas colunas nos dão todas as possíveis combinações dos
valores de verdade para q e p. As duas últimas colunas nos dão os valores de
verdade correspondentes para a premissa e a conclusão. A terceira coluna é a
mesma que a primeira. Isto é um acidente deste exemplo, devido ao fato que,
neste caso em particular, a premissa vem a ser uma das frases relevantes. A
quarta coluna pode ser copiada da tabela de verdade para a disjunção. Dada
esta informação, podemos ver que a inferência é válida. Pois não existe uma
linha em que a premissa q é verdadeira e a conclusão q ∨ p não o é.
E o que acontece com a inferência q ∨ p, ¬q/p? Procedendo da mesma
maneira, obtemos:

q p q∨p ¬q p
V V V F V
V F V F F
F V V V V
F F F V F

Desta vez, existem cinco colunas, porque existem duas premissas. Os


valores da verdade das premissas e conclusão podem ser calculados a partir
das tabelas de verdade para a disjunção e a negação. E novamente, não
existe linha em que ambas as premissas são verdadeiras e a conclusão não.
Portanto, a inferência é válida.
E o que acontece com a inferência pela qual iniciamos: q, ¬q/p? Proce-
dendo como anteriormente, obtemos:

q p q ¬q p
V V V F V
V F V F F
F V F V V
F F F V F

Novamente, a inferência é válida; e agora vemos por que. Não há nenhuma


linha em que ambas as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa. De
fato, não há nenhuma linha em que ambas as premissas sejam verdadeiras.
A conclusão de fato não importa! Às vezes, os lógicos descrevem esta situ-
ação dizendo que a inferência é vacuamente válida, exatamente porque as
premissas nunca poderiam ser verdadeiras simultaneamente.

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Aqui, então, está a solução do problema com que iniciamos. De acordo
com esta abordagem, nossas intuições originais acerca desta inferência esta-
vam erradas. Afinal, as intuições das pessoas podem frequentemente induzir
ao erro. Parece óbvio para todos que a Terra não se movimenta - até que se
faz um curso de Física e se descobre que na verdade a Terra esta viajando
através do espaço. Podemos até mesmo oferecer uma explicação de como as
nossas intuições lógicas dão errado. A maioria das inferências que encontra-
mos na prática não são do tipo vácuo. Nossas intuições desenvolvem-se neste
tipo de contexto, e não se aplicam genericamente - assim como os hábitos que
você desenvolve quando aprende a andar (por exemplo, não inclinar para o
lado) não funcionam sempre em outros contextos (por exemplo, quando você
aprende a andar de bicicleta).
Voltaremos a este assunto em outro capítulo mais tarde. Mas vamos
encerrar este com uma breve olhada na adequação do maquinário que nós
usamos. As coisas aqui não são tão diretas como se poderia esperar. De
acordo com esta abordagem, o valor de verdade de uma frase ¬a está com-
pletamente determinado pelo valor de verdade da frase a. De forma análoga,
os valores de verdade das frases a ∨ b e a&b estão completamente determi-
nados pelos valores de verdade de a e b. Lógicos chamam as operações que
funcionam desse modo de funções de verdade. Mas há bons motivos para
supor que “ou” e “e”, como eles ocorrem em português, não são funções de
verdade - ao menos, não sempre.
Por exemplo, de acordo com a tabela de verdade para &, “a e b” sempre
tem o mesmo valor de verdade que “b e a”: a saber, ambos são verdadeiros se
a e b forem verdadeiros, e falsos em caso contrário. Mas, considere as frases:
1. John bateu a cabeça e caiu.
2. John caiu e bateu a cabeça.
A primeira diz que John bateu a cabeça e então caiu. A segunda diz
que John caiu e então bateu a cabeça. Claramente, a primeira poderia ser
verdadeira enquanto que a segunda falsa, e vice-versa. Portanto, não são
apenas os valores da verdade dos conjuntos que são importantes, mas qual
conjunto causou qual.
Problemas similares envolvem “ou”. De acordo com a abordagem que nós
tínhamos, “a ou b” é verdadeira se uma ou outra, a e b, forem verdadeiras.
Mas suponha que um amigo diga:

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Ou você vem agora ou chegaremos atrasados;

e portanto você vai. Dada a tabela de verdade para ∨, a disjunção é ver-


dadeira. Mas suponha que você descobre que seu amigo estava brincando:
você poderia ter saído meia hora depois e ainda estaria no horário. Sob estas
circunstancias você certamente diria que seu amigo havia mentido: o que ele
havia dito era falso. Novamente, não são meramente os valores da verdade
dos disjuntos que são importantes, mas a existência de alguma outra conexão
entre eles.
Deixarei você refletir sobre estas questões. O material que vimos nos
dá ao menos uma amostra de como certos maquinários lógicos funcionam e
iremos tirar proveito disto nos próximos capítulos, a não ser que as ideias
destes capítulos deixem explícito que eles não se aplicam, o que acontecerá
algumas vezes.
O maquinário em questão lida somente com alguns tipos de inferências:
existem muitas outras. Estamos apenas começando.

Ideias centrais do capítulo

• Em uma situação, um único valor de verdade (V ou F ) é atribuído a


cada frase relevante.

• ¬a é V exatamente se a é F ,

• a ∨ b é V exatamente se pelo menos um de a e b é V ,

• a&b é V exatamente se ambos a e b são V .

Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Jones é um cavaleiro
ou um idiota; ora, ele é certamente um cavaleiro; assim, ele não é um idiota.

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Figura 2.1: Gottlob Frege (1848–1925), um dos fundadores da lógica mo-
derna.

18
Capítulo 3

Nomes e Quantificadores: Nada é


alguma coisa?

As inferências que vimos no último capítulo envolviam frases com “ou” e


“não é o caso que”, palavras que adicionam, ou unem, frases completas para
criar outras frases completas; mas existem muitas inferências que parecem
funcionar de uma forma bem diferente. Considere, por exemplo, a inferência:
Marcus me deu um livro.
Alguém me deu um livro.
Nem a premissa nem a conclusão possuem uma parte que sozinha seja
uma frase completa. Se esta inferência é valida, isto acontece somente por
causa do que está ocorrendo dentro das frases completas.
A gramática tradicional nos diz que a forma mais simples de uma frase
completa é formada por um sujeito e um predicado. Assim, considere estes
exemplos:

1. Marcus viu o elefante.

2. Annika dormiu.

3. Alguém me bateu.

4. Ninguém veio à minha festa.

A primeira palavra, em cada caso, é o sujeito da frase: cada uma nos


diz do que se trata a frase. O resto é o predicado: que nos diz o que é dito

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a respeito do sujeito. Agora, quando uma tal frase é verdadeira? Tome o
segundo exemplo. Ela é verdadeira se o objeto referido pelo sujeito “Annika”
possui a propriedade expressa pelo predicado, que é, dormiu.
Até aqui tudo bem. Mas a que o sujeito da frase 3 se refere? À pessoa
que me bateu? Mas talvez ninguém tenha me batido. Ninguém disse que
esta era uma frase verdadeira. O caso na frase 4 é ainda pior. A quem “nin-
guém” se refere? No livro “Through the Looking Glass”, um pouco antes do
encontro com o Leão e o Unicórnio, Alice se encontra com o Rei Branco, que
esta aguardando um mensageiro. (Por algum motivo, quando o mensageiro
aparece, ele estranhamente se parece com um coelho (Figura 3.1).) Quando
o Rei se apresenta a Alice, ele diz:

Figura 3.1: Ninguém.

“Apenas olhe a estrada, e diga-me se você pode ver...(O Men-


sageiro).”
“Eu [não] vejo ninguém na estrada.” Disse Alice.

20
“Eu gostaria de ter esta visão.” O Rei observou com um tom
insatisfeito. “Ser capaz de ver ninguém! E de longe também!
Porque, tudo o que eu consigo fazer é ver pessoas reais, e de dia!”
Carroll está fazendo uma piada de lógica, como ele frequentemente o faz.
Quando Alice diz que [não] está vendo ninguém, ela não está dizendo que ela
está vendo uma pessoa - real ou não. “Ninguém” não se refere a uma pessoa
- nem a qualquer outra coisa.
Palavras como “ninguém”, “alguém”, “todos” são chamadas pelos profissi-
onais em lógica de quantificadores, e são distinguidos dos nomes “Marcus” e
“Annika”. O que acabamos de ver é que, mesmo que ambos, os quantificado-
res e nomes, possam ser gramaticalmente sujeitos de uma frase, eles devem
possuir funções de diferentes formas. Então, como funcionam os quantifica-
dores?
Eis aqui uma reposta moderna padrão. Uma situação vem equipada com
um estoque de objetos. No nosso caso, os objetos relevantes são todas as
pessoas. Todos os nomes que ocorrem no nosso raciocínio sobre esta situação
referem-se a um dos objetos desta coleção. Portanto, se nós escrevermos m
para "Marcus", m refere-se a um destes objetos. E se nós escrevermos F para
“é feliz”, então a frase mF é verdadeira nesta situação exatamente quando o
objeto referido por m tem a propriedade expressa por F . (Por motivos de
sua própria conta, lógicos geralmente invertem a ordem, e escrevem F m, ao
invés de mF . Isto é apenas uma questão de convenção.)
Agora considere a frase “Alguém é feliz”. Isto é verdadeiro em uma si-
tuação somente quando houver algum objeto, na coleção de objetos, que é
feliz - isto é, algum objeto na coleção, digamos x, tal que x é feliz. Vamos
escrever “Algum objeto x, tal que” como ∃x. Então, podemos escrever a frase
desta forma: “∃x x é feliz”; ou lembrando-se que estamos escrevendo “é feliz”
como F , então: ∃x xF . Lógicos às vezes chamam ∃x de um quantificador
existencial (particular).
E quanto a “Todos são felizes”? Isto é verdadeiro em uma situação se
todo objeto na coleção relevante for feliz. Isto é, cada objeto x na coleção
é tal que x é feliz. Se escrevermos “todo objeto x, tal que” como ∀x, então
podemos escrever isto da forma: ∀x xF . Lógicos geralmente chamam ∀x de
um quantificador universal.
Agora, não há vantagem em adivinhar como entendemos “Ninguém é
feliz”. Isto apenas significa que não há um objeto x, na coleção relevante, tal

21
que x é feliz. Nós poderíamos ter um símbolo especial significando “Nenhum
objeto x, tal que”, mas na verdade, os lógicos não se importam em ter um.
Pois dizer que ninguém é feliz é dizer que não é o caso que alguém é feliz.
Então podemos escrever isto da forma: ¬∃x xF .
Esta análise dos quantificadores nos mostra que nomes e quantificadores
funcionam de formas bem diferentes. Em particular, o fato de que “Marcus
é feliz” e “Alguém é feliz” tenham sido escritos, bem diferentes, como mF e
∃x xF , respectivamente, nos mostra isto. Isto nos mostra, além disso, que
formas gramaticais aparentemente simples podem nos levar ao erro. Nem
todos os sujeitos da gramática são iguais. A abordagem, inclusive, nos mostra
porque a inferência com a qual começamos é válida. Vamos escrever D para
“me deu o livro”. Então, a inferência é:
mD
∃x xD
Está claro que, se em alguma situação, o objeto referido pelo nome m
me deu o livro, então algum objeto na coleção relevante me deu o livro. Em
contraste, o Rei Branco está inferindo do fato de que Alice [não] viu ninguém,
que ela viu alguém (a saber, Ninguém). Se nós escrevermos “é visto por Alice”
como V então a inferência do Rei seria:
¬∃x xV
∃x xV
Isto é claramente inválido. Se não há objeto no domínio relevante que foi
visto por Alice, obviamente não é verdadeiro que há algum objeto no domínio
relevante que foi visto por ela.
Você pode achar que tudo isto é um monte de confuã0 à toa - na verdade,
é apenas uma maneira de construir uma boa piada. Mas é muito mais sério
do que isto. Pois os quantificadores têm um papel central em muitos argu-
mentos em matemática e filosofia. Eis aqui um exemplo filosófico. É uma
presunção natural considerar que nada acontece sem haver uma explicação:
As pessoas não ficam doentes sem motivo; carros não quebram sem haver
uma falha. Tudo, então, tem uma causa. Mas o que poderia ser a causa
de tudo? Obviamente não pode ser nada físico, como uma pessoa; ou nem
mesmo algo como o Big Bang da cosmologia. Tais coisas devem, elas mes-
mas, ter suas causas. Então, deve ser algo metafísico. Deus é o candidato
óbvio.

22
Isto é uma versão de um argumento para existência de Deus, comumente
chamado de Argumento Cosmológico. Alguém poderia contestar o argumento
de várias formas. Mas no seu coração, há uma enorme falácia lógica. A frase
“Tudo tem uma causa” é ambígua. Ela pode significar que tudo que acontece
tem alguma causa ou outra - ou seja, para cada x, há um y, tal que x é
causado por y; ou isto pode significar que há algo que é a causa de tudo
- isto é, existe algum y tal que para todo x, x é causado por y. Suponha
que nós assumimos que os domínios relevantes dos objetos sejam as causas
e efeitos, e escrevemos “x é causado por y” como xCy. Então, podemos
escrever estes dois significados, respectivamente, como:

1. ∀x∃y xCy

2. ∃y∀x xCy

Agora, esses enunciados não são logicamente equivalentes. O primeiro


segue do segundo. Se houvesse algo que fosse a causa de tudo, então certa-
mente, tudo que acontece tem alguma causa ou outra. Mas, se tudo tem uma
causa ou outra, não se segue que existe uma e a mesma coisa que é a causa
de tudo (Compare: Todos têm uma mãe; disso não se segue que há alguém
que é a mãe de todos.)
Esta versão do Argumento Cosmológico trabalha com esta ambiguidade.
O que foi dito das doenças e dos carros é 1. Mas imediatamente, o argumento
continua a perguntar qual é a causa, assumindo que 2 é que tenha sido
estabelecido. Além disso, esta ligação é ocultada porque, em português “Tudo
tem uma causa” pode ser usada para expressar tanto 1 quanto 2. Note,
também, que não há ambiguidade se os quantificadores são trocados por
nomes. “A radiação dos cosmos é causada pelo Big Bang” não é de forma
alguma ambígua. Pode muito bem acontecer que a falha para distinguir entre
nomes e quantificadores seja outro motivo pelo qual se pode falhar em ver a
ambiguidade.
Então, é importante entender corretamente os quantificadores - e não
somente para a lógica. As palavras “algo”, “nada”, etc., não se referem a
objetos, mas funcionam de forma totalmente diferentes. Ou, ao menos, eles
podem. Mas, as coisas não são tão simples assim. Considere novamente o
cosmos. Ou está estendido infinitamente ao passado ou, em algum momento
especifico, veio a existir. No primeiro caso, não havia inicio, mas sempre
esteve lá; no segundo, ele começou num momento especifico. Em diferentes

23
épocas, a física tem de fato nos contado diferentes coisas a respeito da verdade
deste assunto. Entretanto, não se preocupem com isto. Apenas considere a
segunda possibilidade. Neste caso, o cosmos veio à existência a partir do
nada - de qualquer forma, um nada físico, já que o cosmos é a totalidade
de tudo que é físico. Agora considere esta frase “O cosmos veio à existência
do nada”. Denotemos o cosmos por c e vamos escrever “x veio à existência
de y” como xEy. Então, dado o nosso conhecimento dos quantificadores,
esta frase deveria significar ¬∃x cEx. Mas esta não significa isto, pois isto é
igualmente verdadeiro na primeira alternativa de cosmologia. Nesse caso, o
cosmos, sendo infinito no passado, não veio à existência de forma alguma. Em
particular, então, não é o caso de que o cosmos veio à existência a partir de
alguma coisa ou outra. Quando dizemos que na segunda cosmologia o cosmos
veio à existência a partir do nada, queremos dizer que veio à existência da
condição de nada (nothingness). Então, o nada pode ser algo. O Rei não era
tão tolo afinal.

24
Ideias centrais do capítulo

• A frase nP é verdadeira em uma situação se o objeto referido por n


possui a propriedade expressa por P naquela situação.

• ∃x xP é verdadeira em uma situação somente se algum objeto na situ-


ação, x, é tal que xP .

• ∀x xP é verdadeira em uma situação somente se cada objeto na situ-


ação, x, é tal que xP .

Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Alguém ou viu o
disparo ou ouviu o disparo; assim, ou alguém viu o disparo ou alguém ouviu
o disparo.

25
Capítulo 4

Descrições e Existência: Os
gregos adoravam a Zeus?

Enquanto estamos no tópico de sujeitos e predicados, há um certo tipo de


expressão que pode ser o sujeito de frases, que ainda não falamos a respeito.
Os lógicos geralmente as chamam de descrições definidas, ou às vezes apenas
descrições - fique avisado que isto é apenas um termo técnico. Descrições
são expressões como “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua”
e “O único objeto criado pelo homem que é visível do espaço”. Em geral,
descrições têm a forma: a coisa satisfazendo tal e tal condição. Seguindo o
filósofo/matemático inglês Bertrand Russell (Figura 4.1), um dos fundadores
da lógica moderna, podemos escrevê-las como se segue. Reescreva “O homem
que aterrissou pela primeira vez na lua” como “O objeto x, tal que x é um
homem e x aterrissou primeiro na lua”. Agora escreva ιx para “o objeto x,
tal que”, e isto torna-se:

ιx(x é um homem e x aterrissou primeiro na lua).

Se escrevermos H para “é um homem” e P para “aterrissou primeiro na lua”,


temos então: ιx(xH&xP ). Em geral, uma descrição é algo da forma ιxcx ,
onde cx é alguma condição que contém ocorrências de x. (Por isso o pequeno
sub-escrito x está lá para lembrá-lo disso.)
Como descrições são sujeitos, eles podem ser combinados com predicados
para formar frases completas. Portanto, se nós escrevermos U para “nasceu
nos Estados Unidos”, então “O homem que aterrissou pela primeira vez na
lua nasceu nos Estados Unidos” fica: ιx(xH&xP )U . Vamos escrever µ como

26
uma abreviação para ιx(xH&xP ). (Eu uso uma letra grega para lembrá-lo
que aquilo é realmente uma descrição.) Então, isto fica µU . Analogamente,
“O primeiro homem a aterrissar na lua é um homem e ele aterrissou primeiro
na lua” é µH&µP .
Em termos da divisão do último capítulo, descrições são nomes, não quan-
tificadores. Ou seja, elas se referem a objetos - se tivermos sorte: voltaremos
a isto. Portanto, “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua nasceu
nos Estados Unidos”, µU , é verdadeira exatamente se a pessoa particular
referida pela expressão µ tem a propriedade expressa por U .
Mas, descrições são um tipo especial de nome. Diferente do que nós po-
deríamos chamar de nomes próprios, como “Annika” e “o Big Bang”, elas
carregam informações sobre o objeto a que se referem. Portanto, por exem-
plo, “o homem que aterrissou pela primeira vez na lua” carrega a informação
de que o objeto referido tem a propriedade de ser um homem e ser o primeiro
na lua. Isto pode parecer banal e óbvio, mas as coisas não são tão simples
como parecem. Porque as descrições carregam informações desta forma, elas
frequentemente são centrais em discussões importantes em matemática e fi-
losofia; e uma forma de apreciar algumas destas complexidades é olhar para
um exemplo de um tal discussão. Esta é outro argumento para existência de
Deus, frequentemente chamado de Argumento Ontológico. O argumento vem
em um número de versões, mas aqui está uma forma simples do mesmo:

Deus é o ser com todas as perfeições.


Mas, a existência é uma perfeição.
Portanto, Deus possui a existência.

Isto é, Deus existe. Se você não viu este argumento antes, ele irá parecer
um tanto desafiador. Para começar, o que é uma perfeição? Vagamente,
uma perfeição é algo como onisciência (saber tudo que é possível saber),
onipotência (ser capaz de fazer tudo que pode ser feito), e ser moralmente
perfeito (agir sempre da melhor forma possível). Em geral, as perfeições são
todas aquelas propriedades que são boas de se ter. Agora, a segunda premissa
diz que existência é uma perfeição. Por que isto deveria ser assim? A razão de
se supor que isso seja assim é ainda mais complexa, com suas raízes na filosofia
de um dos dois filósofos mais influentes da Grécia Antiga, Platão. Felizmente,
podemos contornar esta questão. Podemos fazer uma lista de propriedades
como onisciência, onipotência etc., incluir existência na lista, e simplesmente

27
fazer com que “perfeição” signifique qualquer propriedade da lista. Além
disso, podemos tomar “Deus” como sinônimo de uma certa descrição, a saber,
“o ser que possui todas as perfeições (isto é, aquelas propriedades da lista)”.
No Argumento Ontológico, ambas as premissas são agora verdadeiras por
definição, e estão fora de discussão. O argumento então se reduz a uma
linha:

O objeto que é onisciente, onipotente, moralmente perfeito,...


e existe, existe.

- e, podemos acrescentar, é onipotente, onisciente, moralmente perfeito, e


assim por diante. Isto certamente parece estar correto. Para tornar as coisas
mais transparentes, suponha que escrevemos a lista das propriedades de Deus
como P1 , P2 , ..., Pn . Então, o último, Pn , é existência. A definição de “Deus”
fica:
ιx(xP1 &xP2 &...&xPn ).
Vamos escrever isto como sendo y. Então, temos yP1 &yP2 &...&yPn (da qual
yPn se segue).
Este é um caso especial de algo mais geral, a saber: a coisa satisfazendo
tal e tal condição satisfaz aquela própria condição. Isto é frequentemente
chamado de Principio de Caracterização (uma coisa possui aquelas proprie-
dades pelas quais ela é caracterizada). Abreviemos isto como PC. Já vimos
um exemplo de PC, com “O primeiro homem a aterrissar na lua é um homem
e ele aterrissou primeiro na lua”, µH&µP . Em geral, obtemos um caso de PC
se tomarmos alguma descrição,ιx cx , e a substituímos para cada ocorrência
de x na condição cx .
Agora, para toda a gente, o PC parece ser verdadeiro por definição. Claro
que as coisas possuem aquelas propriedades pelas quais elas são caracteriza-
das. Infelizmente, em geral, ele é falso. Pois, muitas coisas que seguem dele
são incontestavelmente falsas.
Para começar, podemos usá-lo para deduzir a existência de todo o tipo
de coisa que não existe realmente. Considere os números inteiros (não nega-
tivos): 0,1,2,3... Não existe o maior deles. Mas, utilizando o PC, podemos
mostrar a existência do maior número de todos. Seja cx a condição “x é o
maior número inteiro & x existe”. Seja δ a descrição ιx cx . Então, o PC nos
dá “δ é o maior número inteiro, e δ existe”. Os absurdos não terminam aí.

28
Considere uma pessoa não casada, digamos o Papa. Podemos provar que ele
é casado. Seja cx a condição “x casou com o Papa”. Seja δ a descrição ιx cx .
O PC nós dá “δ casou com o Papa”. Então, alguém casou com o Papa, isto
é, o Papa é casado.
O que se pode dizer de tudo isto? Segue uma resposta moderna padrão.
Considere a descrição ιx cx . Se houver um único objeto que satisfaça a
condição cx , em alguma situação, então a descrição se refere a ele. Em caso
contrário, ela não se refere a nada: é um “nome vazio”. Deste modo, existe
um único x, tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua, Armstrong.
Então, “o x tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua"refere-se
a Armstrong. Igualmente, existe o menor número inteiro, chamado 0 (zero);
portanto, a descrição “o objeto que é o menor número inteiro” denota 0. Mas,
dado que não há o maior número inteiro, “o objeto que é o maior número
inteiro” falha ao referir-se a qualquer coisa. Igualmente, a descrição “a cidade
na Austrália que possui mais de um milhão de pessoas” também falha ao se
referir a algo. Desta vez, não pelo fato que não existe tal cidade, mas porque
existem diversas delas.
O que isto tem a ver com o PC? Bem, se houver um único objeto satisfa-
zendo cx , em alguma situação, então ιx cx refere-se a ele. Então, a instância
do PC com respeito a cx é verdadeira: ιx cx é uma dessas coisas - na verdade,
a única coisa - que satisfaz cx . Em particular, o menor número inteiro é (de
fato) o menor número inteiro; a cidade que é a capital federal da Austrália
é, de fato, a capital federal da Austrália etc. Então, alguns exemplos de PC
se mantém.
Mas, e se não houver um único objeto que satisfaça cx ? Se n é um nome
e P é um predicado, a frase nP é verdadeira somente se houver um objeto
a que n se refira, e que tenha a propriedade expressa por P . Por isso, se
n não denota nenhum objeto, nP deve ser falso. Portanto, se não houver
uma única coisa tendo a propriedade P , (se, por exemplo, P é “é um cavalo
alado”) (ιx xP )P é falso. Como se é esperado, sob estas circunstâncias, o PC
pode falhar.
Agora, como tudo isto está contido no Argumento Ontológico? Lembre-se
que a instância do PC lá referida é yP1 &yP2 &...&yPn em que y é a descrição
ιx(xP1 &xP2 &...&xPn ). Ou existe algo satisfazendo xP1 &xP2 &...&xPn ou
não existe. Se existir, deve ser único. (Não pode haver 2 objetos onipoten-
tes: se eu sou onipotente, eu consigo fazer você parar de fazer coisas, então

29
você não pode ser onipotente.) Então y se refere a isto, e yP1 &yP2 &...&yPn
é verdadeiro. Se não houver, então y não se refere a nada; portanto cada
conjunto de yP1 &yP2 &...&yPn é falso; consequentemente, toda a conjunção
é falsa. Ou seja, a instância do PC usado no argumento é verdadeira apenas
se Deus existir; mas é falsa se Deus não existir. Portanto, se alguém está
argumentando pela existência de Deus, ele simplesmente não pode evocar
esta instância do PC: ele estaria somente assumindo algo que supostamente
deveria estar provando. Os filósofos dizem que tal argumento suplica a ques-
tão; isto é, suplica para estar admitindo exatamente o que está em questão.
E, um argumento que suplica a questão, claramente não funciona.
É o bastante para o Argumento Ontológico. Vamos terminar este capítulo
vendo que o apanhado das descrições que expliquei é, de certa forma, pro-
blemático por si só. De acordo com este apanhado, se δP é uma frase onde
δ é uma descrição que não se refere a nada, ela é falsa. Mas isto não parece
estar sempre correto. Por exemplo, pareceria verdadeiro que o mais poderoso
deus da Antiga Grécia era chamado de “Zeus”, vivia no Monte Olympus, era
adorado pelos gregos e assim por diante. Ainda que não haja, na realidade,
nenhum deus grego. Eles não existiam de fato. Se isto é correto, então a
descrição “o mais poderoso deus da Antiga Grécia” não se refere a nada. Mas,
neste caso, existem frases tipo sujeito/predicado verdadeiras na qual o termo
sujeito falha em se referir a algo, tal como “o mais poderoso deus da Antiga
Grécia era adorado pelos gregos”. De modo tendencioso, existem verdades
sobre objetos não existentes, afinal de contas.

Ideias centrais do capítulo

• (ιx cx )P é verdadeiro em uma situação exatamente se, nesta situação,


houver um único objeto, a, satisfazendo cx , e aP .

Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Todos queriam ganhar
o prêmio; assim, a pessoa que venceu a corrida queria ganhar o prêmio

30
Figura 4.1: Bertrand Russell (1872–1970), mais um dos fundadores da lógica
moderna.

31
Capítulo 5

Auto-referência: Sobre o que se


trata este capítulo?

Frequentemente, as coisas parecem simples quando alguém pensa em casos


normais; mas isto pode ser enganoso. Quando se considera casos mais inco-
muns, a simplicidade pode muito bem desaparecer. Assim é com a referência.
Vimos no último capítulo que as coisas não são tão diretas como alguém pode
supor, quando se leva em consideração o fato de que alguns nomes podem
não se referir a nada. Outras complexidades aparecem quando consideramos
outro tipo de caso incomum: a auto-referência.
É bem possível para um nome se referir a algo do qual, ele mesmo, faz
parte. Por exemplo, considere a frase “Esta frase contém cinco palavras”. O
nome que é o sujeito desta frase, “Esta frase”, se refere a toda a frase, na qual
este nome faz parte. Coisas parecidas acontecem num conjunto de regras que
contém a frase “As regras devem ser revisados por uma decisão majoritária
do Departamento de Filosofia”, ou pela pessoa que pensa “Mas se eu estou
pensando este pensamento, então eu devo estar consciente”.
Estes são todos casos relativamente não problemáticos de auto-referência.
Existem outros casos que são bem diferentes. Por exemplo, suponha que
alguém diga:

Esta própria frase que eu estou proferindo agora é falsa.

Chame esta frase de λ. A frase λ é falsa ou verdadeira? Bem, se é


verdadeira, então o que é dito é o caso, portanto λ é falso. Mas se é falsa,
então, desde que isto é exatamente o que afirma ser, é verdadeira. Em ambos

32
os casos, λ pareceria ser ambos, verdadeira e falsa. A frase é como uma faixa
de Möbius (Figura 5.1), uma configuração topológica onde, por causa de uma
torção, o interior é o exterior, e o exterior é o interior: verdade é falsidade e
falsidade é verdade.
Ou suponha que alguém diga:

Esta própria frase que eu estou proferindo agora é verdadeira.

Isto é verdadeiro ou falso? Bem, se é verdadeiro, é verdadeiro, dado que


isto é o que é dito. E se é falso, então é falso, dado que ela afirma que é
verdadeiro. Sendo assim, ambas, a assunção que é verdadeiro e a assunção
que é falso parecem ser consistentes. Além disso, parece não haver nenhum
outro fato que resolva a questão de qual é valor de verdade que ela possui.
Não é que ela possua algum valor que nós não saibamos, ou nem mesmo
podemos saber. Pelo contrário, pareceria (não) haver nada que a determine
como verdadeira ou falsa. Parece não ser nem verdadeira nem falsa.
Estes paradoxos são muito antigos. O primeiro deles parece ter sido des-
coberto pelo o antigo filósofo grego Eubúlides, e é freqüentemente chamado
de o paradoxo do mentiroso. Existem muitos outros, e mais recentes, para-
doxos do mesmo tipo, alguns deles têm um papel crucial nas partes centrais
do raciocínio matemático. Aqui está outro exemplo. Um conjunto é uma
coleção de objetos. Portanto, por exemplo, pode-se ter o conjunto de todas
as pessoas, o conjunto de todos os números, o conjunto de todas as idéias
abstratas. Conjuntos podem ser membros de outros conjuntos. Assim, por
exemplo, o conjunto de todas as pessoas numa sala é um conjunto, e, sendo
assim, é um membro do conjunto de todos os conjuntos. Alguns conjuntos
podem até mesmo ser membros de si mesmos: um conjunto de todos os obje-
tos mencionados nesta página é um objeto mencionado nesta página (acabei
de mencionar), e, portanto, é um membro de si mesmo; O conjunto de todos
os conjuntos é um conjunto, e também um membro de si mesmo. E alguns
conjuntos certamente não são membros deles mesmos: O conjunto de todas
as pessoas não é uma pessoa, e assim não é um membro do conjunto de todas
as pessoas.
Agora, considere o conjunto de todos aqueles conjuntos que não são mem-
bros deles mesmos. Chame-o R. R é um membro de si mesmo, ou não? Se é
um membro de si mesmo, então é uma das coisas que não é um membro de
si mesmo. Se, por outro lado, não é um membro de si mesmo, é um daqueles

33
conjuntos que não são membros de si mesmos, e, portanto é um membro de
si mesmo. Pareceria ambos, que R é e não é um membro de si mesmo.
Este paradoxo foi descoberto por Bertrand Russell, que nós vimos no
último capítulo, portanto é chamado de o paradoxo de Russell. Como o
paradoxo do mentiroso, ele tem um primo. O que diremos a respeito do
conjunto de todos os conjuntos que são membros de si mesmos. Este é um
membro de si mesmo, ou não? Bem, se é, é; Se não é, não é. Novamente,
parece não haver nada para determinar a questão de alguma forma.
O que exemplos deste tipo fazem, é desafiar a assunção que nós tivemos
no capitulo 2, que toda frase é verdadeira ou falsa, mas nunca as duas coisas.
“Esta frase é falsa”, e “R não é um membro de si mesmo” parecem ser ambas
verdadeiras e falsas; e os primos delas não parecem ser nem verdadeiras nem
falsas.
Como esta ideia pode ser acomodada? Simplesmente levando estas ou-
tras possibilidades em consideração. Suponha que em qualquer situação,
toda frase é verdadeira, mas não falsa, falsa, mas não verdadeira, ambas ver-
dadeira e falsa, ou nem verdadeira nem falsa. Lembre-se do capitulo 2, que as
condições da verdade para negação, conjunção e disjunção são as seguintes.
Em qualquer situação:
¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F .
¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V .
a&b tem o valor V exatamente ambos a e a tem o valor V .
a&b tem o valor F exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor F .
a ∨ b tem o valor V exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor V .
a ∨ b tem o valor F exatamente ambos a e a tem o valor F .
Usando esta informação, é fácil calcular os valores da verdade das frases
sob o novo regime. Por exemplo:

• Suponha que a é F e não V . Então, desde que a seja F , ¬a é V (pela


primeira cláusula para negação). E desde que a não seja V , ¬a não é
F (pela segunda cláusula para negação). Assim sendo, ¬a é V , mas
não F .

• Suponha que a é V e F , e que b é apenas V . Então, ambos a e b são V ,


portanto a&b é V (pela primeira cláusula para conjunção). Mas, por

34
que a é F , ao menos uma das frases a e b é F , portanto, a&b é F (pela
segunda cláusula para conjunção). Portanto, a&b são ambos V e F .

• Suponha que a é somente V , e b não é V nem F . Então desde que a


seja V , ao menos uma das a e b é V , e assim sendo a ∨ b é V (pela
primeira cláusula para disjunção). Mas desde que a não seja F , então
não é caso que a e b sejam ambas F . Portanto a ∨ b não é F (pela
segunda cláusula para disjunção). Assim sendo, a ∨ b é apenas V .

O que isto nos diz sobre a validade? Um argumento válido é ainda um


argumento onde não existe situação em que as premissas são verdadeiras, e
a conclusão não é verdadeira. E uma situação é ainda algo que dá um valor
da verdade a cada frase relevante. Somente que agora, uma situação pode
dar a uma frase um valor da verdade, dois, ou nenhum. Então considere a
inferência q/q ∨p. Em qualquer situação onde q tenha o valor V , as condições
para ∨ nos garante que q ∨ p também tem o valor V . (Pode também ter o
valor F , mas não importa.) Portanto, se a premissa tem o valor V , assim
também tem a conclusão. A inferência é válida.
A esta altura, vale a pena retornar à inferência que começamos no capítulo
2: q, ¬q/p. Como nós vimos naquele capítulo, dadas as assunções feitas
lá, esta inferência é válida. Mas dadas às novas assunções, as coisas são
diferentes. Para ver porque, apenas tome uma situação onde q tem o valor V
e F , mas p tem apenas o valor F . Desde que q seja ambos V e F , ¬q é também
ambos V e F . Assim sendo, ambas as premissas são V (e F também, mas
isto não é relevante), e a conclusão, p, não é V . Isto nos dá outro diagnóstico
de porque nós achamos a inferência intuitivamente inválida. Ela é inválida.
Mas isto não é o fim da questão. Como nós vimos no Capítulo 2, esta
inferência segue de duas outras inferências. A primeira delas (q/q ∨ p) nós
acabamos de ver como sendo válida na abordagem atual. A outra deve,
entretanto, ser inválida; e este é o caso. A outra inferência é:
q ∨ p, ¬q
p
Agora, considere a situação em que q ganha os valores V e F , e p ganha
apenas o valor F . Facilmente, verificamos que ambas as premissas possuem
o valor V (assim como F ). Mas, a conclusão não ganha o valor V . Assim
sendo, a inferência é inválida.

35
No Capítulo 2, eu disse que esta inferência não parecia intuitivamente
válida. Portanto, dada a nova abordagem, nossas intuições a respeito disso
devem estar erradas. Entretanto, pode-se oferecer uma explicação para este
fato. A inferência parece ser válida porque, se ¬q é verdadeiro, isto parece
eliminar a verdade de q, nos deixando com o p. Mas na abordagem atual, a
verdade de ¬q não elimina a verdade de q. Isto seria assim, somente se algo
não pudesse ser verdadeiro e falso. Quando pensamos em uma inferência
como válida, nós estamos talvez nos esquecendo de tais possibilidades, que
podem surgir em casos incomuns, como estes que são fornecidos pela auto-
referência.
Qual explicação da situação é melhor, aquela que concluímos no Capítulo
2, ou aquela que temos agora? Esta é uma questão que eu vou deixar para
você pensar a respeito. Ao invés disto, vamos terminar notando que, como
sempre, alguém pode objetar algumas das ideias na qual a nova abordagem
se apoia. Considere o paradoxo do mentiroso e o seu primo. Comece pelo
segundo. A frase “Esta frase é verdadeira” era supostamente para ser um
exemplo de algo que não é verdadeiro nem falso. Vamos supor que este seja
o caso. Então, em particular, não é verdadeira. Mas, ela mesma, diz ser ver-
dadeira. Portanto ela deve ser falsa, ao contrário da nossa suposição que não
é verdadeira nem falsa. Parece que nós acabamos em uma contradição. Ou
tome a frase do mentiroso, “Esta frase é falsa”. Esta frase era supostamente
para ser um exemplo de algo que é tanto verdadeira quanto falsa. Vamos
melhorar o exemplo um pouco. Considere a frase “Esta frase não é verda-
deira”. Qual é o valor da verdade dela? Se for verdadeira, então o que é dito
é o caso, portanto não é verdadeira. Mas se não é verdadeira, então, uma
vez que isso é o que ela afirma, é verdadeira. De qualquer forma, parecia ser
ambos, verdadeira e não verdadeira. Novamente, nós temos uma contradição
em nossas mãos. Não é apenas que as frases possam tomar os valores V e F ;
pelo contrário, uma frase pode tanto ser V e não ser V .
São situações como esta que têm feito do assunto auto-referência muito
contundente, desde Eubúlides. É, certamente, uma questão muito difícil.

36
Ideias centrais do capítulo

• As frases podem ser verdadeiras, falsas, ambas, ou nenhuma delas.

Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Você fez um omelete,
e não é o caso que você fez um omelete e não quebrou um ovo; assim, você
quebrou um ovo.

37
Figura 5.1: Uma faixa de Möbius. O interior é o exterior, e o exterior é o
interior. Verdade é falsidade e falsidade é verdade.

38
Capítulo 6

Necessidade e Possibilidade: O
que será deve ser?

Frequentemente alegamos não apenas que algo é assim, mas que deve ser
assim. Dizemos: “Deve chover”, “Não vai deixar de chover”, “Necessariamente,
irá chover”. Também temos muitas formas de dizer que, embora algo possa,
na verdade, não ser o caso, poderia ser. Dizemos: “Poderia chover amanhã”,
“é possível que chova amanhã”, “não é impossível que chova amanhã”. Se
a é alguma frase, lógicos geralmente escrevem a alegação que a deve ser
verdadeira como 2a, e a alegação que a poderia ser verdadeira como 3a.
2 e 3 são chamados operadores modais, uma vez que eles expressam
os modos nas quais as coisas são verdadeiras ou falsas (necessariamente,
possivelmente). Os dois operadores estão, na verdade, conectados. Dizer que
algo deve ser o caso é dizer que não é possível que isto não seja o caso. Ou
seja, 2a significa o mesmo que ¬3¬a. Igualmente, dizer que é possível que
algo seja o caso é dizer que não é necessariamente o caso que isto é falso. Ou
seja, 3a significa o mesmo que ¬2¬a. Por precaução, nós podemos expressar
o fato de que é impossível para a ser verdadeiro, indiferentemente, como ¬3a
(não é possível que a), ou como 2¬a (a é necessariamente falsa).
Ao contrário dos operadores que encontramos até agora, 2 e 3 não são
funções da verdade. Como vimos no Capítulo 2, quando se sabe o valor
de verdade de a, pode-se calcular o valor de verdade de ¬a. Similarmente,
quando se sabe os valores de verdade de a e b, pode-se calcular os valores de
verdade de a ∨ b e a&b. Mas, não se pode inferir o valor de verdade de 3a
simplesmente pelo conhecimento do valor de verdade de a. Por exemplo, seja

39
r a frase “Amanhã eu me levantarei antes das 7 horas”. Suponha que r é, na
verdade, falso. Mas, certamente poderia ser verdadeiro: Eu poderia progra-
mar meu despertador e acordar mais cedo. Assim sendo, 3r é verdadeiro.
Mas, seja j a frase “Eu saltarei da cama e ficarei suspenso no ar a 2m do
chão”. Assim como r, isto também é falso. Mas, ao contrário de r, não é nem
mesmo possível que isso seja verdade. Porque violaria as leis da gravidade.
Assim sendo, 3j é falso. Portanto, o valor de verdade de uma frase, a, não
determina o de 3a: r e j são ambas falsas, mas 3r é verdadeiro e 3j é falso.
Similarmente, o valor de verdade de a não determina o valor da verdade de
2a. Seja, agora, r a frase “Amanhã, eu me levantarei antes das 8 horas”. Isto
é, de fato, verdadeiro; mas não é necessariamente verdadeiro. Eu poderia
ficar na cama. Seja, agora, j a frase “Se eu saltar da cama amanhã de ma-
nhã, eu terei me movido”. Isto também é verdadeiro, mas não existe nenhum
modo em que isto poderia ser falso. É necessariamente verdadeiro. Assim
sendo, r e j são ambos verdadeiros, mas um é necessariamente verdadeiro e
o outro não.
Operadores Modais são, portanto, tipos de operadores bem diferentes de
qualquer coisa que tenhamos visto até agora. Eles também são importantes
e frequentemente são operadores que nos desafiam. Para ilustrar isto, eis
aqui um argumento para o fatalismo, dado por um dos dois mais influentes
filósofos Gregos, Aristóteles (Figura 6.1).
Fatalismo é a concepção de que tudo o que acontece deve acontecer: não
poderia ter sido evitado. Quando um acidente ocorre, ou uma pessoa morre,
não há nada que poderia ter sido feito para evitá-lo. Fatalismo é uma visão
que tem atraído algumas pessoas. Quando algo dá errado, existe um certo
conforto que provem do pensamento de que aquilo não poderia ter sido de
outra forma. Não somente isto, fatalismo implica que eu sou incapaz de alte-
rar o que acontece, e isto parece patentemente falso. Se eu me envolver num
acidente de carro hoje, eu poderia ter evitado isto simplesmente tomando
uma rota diferente. Então, qual é o argumento de Aristóteles? Ele procede
da seguinte forma. (Por ora, ignore que o texto esteja em negrito; voltaremos
a tocar neste assunto.)
Tome qualquer alegação que quiser - digamos, a título de ilustração, que
estarei envolvido em um acidente de trânsito amanhã. Agora, podemos não
saber ainda se isto é verdadeiro ou não, mas sabemos que estarei envolvido
em um acidente ou não. Suponha o primeiro caso. Então, como questão
de fato, estarei envolvido em um acidente de trânsito. E se é verdadeiro

40
dizer que estarei envolvido em um acidente, então não pode deixar
de ser o caso que estarei envolvido. Ou seja, deve ser o caso que estarei
envolvido. Suponha, por outro lado, que, como questão de fato, não estarei
envolvido em um acidente de trânsito amanhã. Então, é verdade dizer que
não estarei envolvido em um acidente; e sendo assim, não pode deixar de
ser o caso que não estou envolvido no acidente. Qualquer um dos dois que
acontecer, então, deve acontecer. Isto é fatalismo.
O que se poderia dizer a respeito disso? Para responder, vamos exami-
nar a concepção moderna standard dos operadores modais. Suponhamos que
toda situação, s, venha acompanhada de um feixe de possibilidades, isto é, si-
tuações que são possíveis no que diz respeito a s - a serem definidas, digamos,
como as situações que poderiam surgir sem que se violassem as leis da física.
Assim sendo, se s é uma situação em que eu estou presentemente (estando
na Austrália), estar em Londres por uma semana é uma situação possível;
enquanto que estar em Alfa Centauros (a mais de 4 anos-luz de distância) não
é. Segundo o filósofo e lógico do século 17, Leibniz, lógicos frequentemente
chamam estas situações possíveis, de modo divertido, de mundos possíveis.
Agora, dizer que 3a (é possivelmente o caso que a) é verdadeiro em s, é
apenas dizer que a é verdadeiro em ao menos um dos mundos associados
com s. E dizer que 2a (é necessariamente o caso que a) é verdadeiro em s,
é apenas dizer que a é verdadeiro em todos os mundos possíveis associados
com s. Por isso, 2 e 3 não são funções da verdade. Porque a e b podem
ter o mesmo valor da verdade em s, digamos F , mas podem ter diferentes
valores da verdade nos mundos associados com s. Por exemplo, a pode ser
verdadeiro em um dos mundos (digamos, s′ ), mas b pode não ser verdadeiro
em nenhum, da seguinte forma:

s s′
a:F a:V

b:F b:F

Essa abordagem nos fornece uma maneira de analisar inferências que

41
empregam operadores modais. Por exemplo, considere a inferência:
3a 3b
3(a&b)
Isso é inválido. Para ver o porquê, suponha que as situações associadas
com s são s1 e s2 , e que os valores de verdade são como se segue:

a:F

b:F

a:V a:F
s1 s2
b:F b:V

a é V em s1 , portanto 3a é verdadeiro em s. Similarmente, b é verdadeiro em


s2 ; portanto 3b é verdadeiro em s. Mas, a&b não é verdadeiro em nenhum
mundo associado; portanto 3(a&b) não é verdadeiro em s.
Em contraste, a seguinte inferência é válida:
2a 2b
.
2(a&b)

Pois, se as premissas são verdadeiras em uma situação s, então a e b são ver-


dadeiros em todos os mundos associados com s. Mas, então, a&b é verdadeira
em todos aqueles mundos. Isto é, 2(a&b) é verdadeira em s.
Antes de voltarmos à questão de como isso se relaciona com o argumento
de Aristóteles, devemos mencionar brevemente um outro operador lógico,

42
com o qual ainda não nos encontramos. Escrevamos ‘se a então b’ como a →
b. frases dessa forma são chamadas condicionais, e serão a nossa principal
preocupação no próximo capítulo. Por enquanto, tudo o que precisamos notar
é que a principal inferência na qual condicionais parecem estar envolvidos é
essa:
a a→b
b
(Por exemplo: ‘Se ela se exercita frequentemente, então ela está em forma.
Ela se exercita frequentemente; então ela está em forma’.) Lógicos modernos
costumam chamar essa inferência pelo nome dado a ela pelos lógicos medi-
evais: modus ponens. Literalmente isso significa ‘o modo de colocar’. (Não
me pergunte.)
Agora, para considerar o argumento de Aristóteles, precisamos pensar um
pouco a respeito de condicionais da forma:

se a então não pode deixar de ser o caso que b.

Tais frases são, de fato, ambíguas. Uma coisa que elas podem significar é
que se a, de fato, é verdadeira, então b é necessariamente verdadeira. Isto é,
se a é verdadeira na situação de que estamos falando, s, então b é verdadeira
em todas as situações possíveis associadas a s. Podemos escrever isso como
a → 2b. A frase está sendo usada desta maneira quando dizemos coisas
como: ‘Você não pode mudar o passado. Se algo foi verdadeiro no passado
então esse algo não pode hoje deixar de ter sido verdadeiro. Não há nada
que você possa fazer a respeito: É irrevogável’.
O outro significado de um condicional da forma ‘se a então não pode dei-
xar de ser o caso que s’ é bastante diferente. Frequentemente usamos essa
expressão para dizer que b se segue de a. Estaríamos usando a frase desta
maneira se disséssemos ‘Se Fred vai se divorciar então ele é necessariamente
casado’. Não estamos dizendo que se Fred vai se divorciar, então seu casa-
mento é irrevogável. Estamos dizendo que você não pode se divorciar sem
ser casado. Não há uma situação possível onde acontece uma coisa e a outra
não. Isto é, em qualquer situação possível, se uma é verdadeira, então a outra
também é. Isto é, 2(a → b) é verdadeira.
Agora a → 2b e 2(a → b) significam coisas bem diferentes. E certamente,
a primeira não se segue da segunda. O mero fato de que a → b seja verdadeira
em toda situação associada a s não significa que a → 2b é verdadeira em s.

43
a pode ser verdadeira em s sem que 2b seja: tanto b quanto a podem ser
falsos em algum mundo associado. Ou para dar um contra-exemplo concreto:
é necessariamente verdadeiro que se Jonh vai se divorciar, ele é casado; mas
certamente não é verdade que se Jonh vai se divorciar ele é necessariamente
(irrevogavelmente) casado.
Voltando finalmente ao argumento de Aristóteles, considere a frase co-
locada em negrito: ‘Se é verdade dizer que me envolverei em um acidente,
então não pode deixar de ser o caso que eu me envolverei’. Isso é exatamente
da forma de que estávamos falando. E é, portanto, ambíguo. Além disso, o
argumento se fia nesta ambiguidade. Se a é a frase ‘É verdadeiro dizer que
me envolverei em um acidente de trânsito’ e b é a frase ‘Me envolverei (em
um acidente de trânsito)’, então o condicional em negrito é verdadeiro no
sentido:
1. 2(a → b).
Necessariamente, se é verdadeiro dizer algo, então este algo é de fato o
caso. Mas o que precisaria ser estabelecido é:
2. a → 2b.
Afinal de contas, o próximo passo do argumento é inferir 2b a partir de a
por modus ponens. Mas, como vimos, 2 de maneira nenhuma se segue de 1.
Assim, o argumento de Aristóteles é inválido. Em grande medida, o mesmís-
simo problema aparece na segunda parte do argumento, com o condicional
‘Se é verdadeiro dizer que eu não me envolverei em um acidente, então não
pode deixar de ser o caso que eu não me envolva em um acidente’.
Isso parece ser uma resposta satisfatória ao argumento de Aristóteles.
Mas, há uma variação do argumento que não tem resposta tão fácil. Volte
ao exemplo que tínhamos sobre mudar o passado. Parece mesmo verdadeiro
que se alguma frase sobre o passado é verdadeira, ela é hoje necessariamente
verdadeira. É impossível, agora, transformá-la em falsa. A Batalha de Has-
tings se deu em 1066, e não há, hoje, nada que possamos fazer para que ela
tenha se dado em 1067. Portanto, se p é um enunciado a respeito do passado,
então p → 2p.
Considere agora um enunciado a respeito do futuro. De novo, por exem-
plo, seja a afirmação de que me envolverei em um acidente de trânsito ama-
nhã. Suponha que isso é verdade. Segue-se que se alguém disse isso 100 anos
atrás, então este alguém disse a verdade. E mesmo se ninguém nunca dissesse

44
isso, se tivesse dito teria dito a verdade. Assim, que eu me envolverei em um
acidente amanhã era verdade há 100 anos. Esse enunciado (p) é certamente
um enunciado a respeito do passado, e portanto, uma vez verdadeiro, é ne-
cessariamente verdadeiro (2p). Então, deve ser necessariamente verdadeiro
que me envolverei em um acidente amanhã. Mas, isso era apenas um exem-
plo; o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a qualquer coisa. Assim, o que
quer que aconteça, deve acontecer. Este argumento em favor do fatalismo
não comete a mesma falácia (isto é, o mesmo argumento inválido) que o
considerado anteriormente. No fim das contas, o fatalismo é verdadeiro?

Ideias centrais do capítulo

• Cada situação vem associada a uma coleção de situações possíveis.

• 2a é verdadeira em uma situação, s, se a é verdadeira em todas as


situações associadas a s.

• 3a é verdadeira em uma situação, s, se a é verdadeira em alguma a


situação associada a s.

Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. É impossível para por-
cos voarem, e é impossível para porcos respirarem debaixo d’água; portanto,
deve ser o caso que os porcos nem voem e nem respirem debaixo d’água.

45
Figura 6.1: Aristóteles (384–322 a.c.), o fundador da lógica formal.

46
Capítulo 7

Condicionais: O que está contido


em um se?

Neste capítulo, nos voltaremos para o operador lógico que apresentei de pas-
sagem no capítulo anterior, o condicional. Lembre-se que um condicional é
uma frase da forma ‘se a então c’, que escrevemos como a → c. Lógicos
chamam a de antecedente do condicional, e c de consequente. Notamos tam-
bém que uma das mais fundamentais inferências a respeito do condicional é o
modus ponens: a, a → b/c. Os condicionais são fundamentais para muito do
nosso entendimento. O capítulo anterior mostrou apenas um exemplo disto.
Mesmo assim, eles são profundamente difíceis de entender. Eles têm sido es-
tudados em lógica desde os tempos mais antigos. Na verdade, foi reportado
por um antigo comentarista (Callimachus) que uma vez até mesmo os corvos
nos telhados estavam gorjeando a respeito dos condicionais.
Vamos ver porque - ou, pelo menos, um motivo do porque - os condicionais
são difíceis de entender. Se você sabe que a → c, parece que você poderia
inferir que ¬(a&¬c) (não é o caso que a e não c). Suponha, por exemplo, que
alguém lhe informa que se perder o ônibus, vai chegar atrasado. Você pode
inferir disto que é falso que você perderá o ônibus e não chegará atrasado.
Inversamente, se você sabe que ¬(a&¬c), parece que você poderia inferir
a → c disto. Suponha, por exemplo, que alguém lhe diga que você não irá
ao cinema sem gastar dinheiro (não é o caso que vá ao cinema e não gaste
dinheiro). Você pode inferir que se for ao cinema, irá gastar dinheiro.
¬(a&¬c) é frequentemente escrita como a ⊃ c, e chamado de condicional
material. Portanto, parece que a → c e a ⊃ c significariam a mesma coisa.

47
Em particular, assumindo a maquinaria do Capítulo 2, eles devem ter a
mesma tabela da verdade. É um exercício simples, que eu deixo para você,
mostrar que isto é da seguinte forma:

a c a⊃c
V V V
V F F
F V V
F F V

Mas isto é estranho. Significa que se c é verdadeiro em uma situação


(primeira e terceira fileiras), então a → c também é. Isto dificilmente pa-
rece correto. É verdadeiro, por exemplo, que Canberra é a capital federal da
Austrália, mas o condicional ‘Se Canberra não for a capital federal da Aus-
trália, então Canberra é a capital federal da Austrália’ parece certamente
falso. Igualmente, a tabela da verdade nos mostra que se a é falso (terceira
e quarta fileiras), a → c é verdadeiro. Mas, isto dificilmente parece correto
também. O condicional ‘Se Sydney for a capital federal da Austrália, então
Brisbane é a capital federal’ também aparece claramente falso. O que deu
errado?
O que estes exemplos parecem mostrar é que → não é uma função da
verdade: o valor da verdade de a → c não é determinado pelos valores da
verdade de a e c. Ambas ‘Roma é na França’ e ‘Beijing é na França’ são
falsas; mas é verdadeiro que:

Se a Itália for parte da França, então Roma é na França.

Enquanto é falso que:

Se a Itália for parte da França, então Beijing é na França.

Então, como funcionam os condicionais?


Uma resposta pode ser dada usando o mecanismo de mundos possíveis
do último capítulo. Considere os dois últimos condicionais. Em qualquer
situação possível na qual a Itália foi incorporada à França, Roma seria cer-
tamente na França, mas isto não tem nenhum efeito na China. Portanto,
Beijing ainda não seria na França. Isto sugere que o condicional a → c é
verdadeiro em algumas situações, s, somente se c é verdadeiro em todas as

48
situações possíveis associadas com s na qual a é verdadeiro; e é falso em s se
c for falso em algumas das possíveis situações associadas com s na qual a é
verdadeira.
Isto nos dá um apanhado plausível de →. Por exemplo, isto mostra
porque modus ponens é válido - pelo menos sob uma hipótese. A hipótese é
que nós contamos o próprio s como uma das situações possíveis associadas
com s. Isto parece razoável: qualquer coisa que é verdadeiramente o caso em
s é certamente possível. Agora, suponha que a e a → c são verdadeiros em
alguma situação s. Então, c é verdadeiro em todas as situações associadas
com s na qual a é verdadeiro. Mas, s é uma destas situações, e a é verdadeiro
nela. Assim sendo, c também é, como queríamos.
Voltando ao argumento com que nós começamos, podemos ver agora onde
ele falha. A inferência na qual o argumento repousa é:

¬(a&¬c)
a→c
E isto não é válido. Por exemplo, se a for F em alguma situação s, isto é
suficiente para fazer a premissa verdadeira em s. Mas isto não nos diz nada
sobre como a e c se comportam nas possíveis situações associadas com s.
Poderia muito bem acontecer que em uma destas, digamos s′ , a é verdadeira
e c não é, desta forma:

s s′
a:F a:V

c:F c:F

Portanto, a → c não é verdadeiro em s.


E quanto ao exemplo que vimos antes, em que você é informado que não
irá ao cinema sem gastar dinheiro. A inferência não parece válida neste caso?
Suponha que você sabe que não irá ao cinema sem gastar dinheiro: ¬(g&¬m).
Você realmente está obrigado a concluir que se você for ao cinema gastará
dinheiro: g → m? Não necessariamente. Suponha que você não está indo ao

49
cinema, não importa as circunstâncias, mesmo que o ingresso seja grátis esta
noite. (Tem um programa na TV que é bem mais interessante.) Então, você
sabe que não é verdade que vai ao cinema (¬g), e então que não é verdadeiro
que você vai ao cinema e não gastará dinheiro: ¬(g&¬m). Então, você está
obrigado a inferir que se você for gastará dinheiro? Certamente não: pode
ser uma noite gratuita.
É importante perceber que no tipo de situação em que você aprende que
a premissa é verdadeira por ter sido informado dela, outros fatores estão
normalmente operando. Quando alguém lhe diz algo como: ¬(g&¬m), nor-
malmente não se faz isto com base em que se sabe que ¬g é verdadeiro.
(Se sabe-se isto, normalmente não haveria motivo para dizer a você qualquer
coisa sobre a situação.) Se se lhe dizem isto, é com base em que existe alguma
conexão entre g e m: que você não consegue que g seja verdadeiro sem que
m seja verdadeiro - e é exatamente o que é necessário para o condicional ser
verdadeiro. Então, neste caso, em que você é informado da premissa, seria
normalmente razoável inferir que g → m; mas não do conteúdo do que foi
dito - pelo contrário, do fato de que isto foi dito.
Na verdade, frequentemente fazemos inferências corretas deste tipo sem
pensar. Suponha, por exemplo, que eu pergunte a alguém como fazer meu
computador executar uma coisa ou outra, e eles respondem ‘Há um manual
na prateleira’. Eu infiro que é um manual de computador (Figura 7.1). Isto
não se segue do que na verdade foi dito, mas o comentário não teria sido
relevante ao menos que o manual fosse um manual de computador, e as
pessoas normalmente são relevantes no que dizem. Assim sendo, eu posso
concluir que é um manual de computador do fato que eles disseram aquilo. A
inferência não é uma inferência dedutiva. Pois, a pessoa poderia ter dito isto,
e não ser um manual de computador. Mas, a inferência é ainda uma excelente
inferência indutiva. Ela é de um tipo geralmente chamado de implicatura
conversacional.
O apanhado do condicional que acabamos de ver parece se sair bem - ao
menos até onde temos olhado. Todavia, ele possui um número de problemas.
Aqui está um. Considere as seguintes inferências:

Se você for a Roma você estará na Itália.


Se você está na Itália, você estará na Europa.
Portanto, se você for a Roma, você estará na Europa.

50
Figura 7.1: Tirando conclusões precipitadas.

Se x é maior que 10, então x é maior do que 5.


Portanto, se x é maior que 10 e menor que 100, então x é maior
que 5.

Estas inferências parecem perfeitamente validas, e portanto elas estão na


presente abordagem. Podemos escrever a primeira inferência como:
a→b b→c
1.
a→c
Para ver que isto se revela válido, suponha que as premissas são verdadeiras
em alguma situação, s. Então, b é verdadeira em toda situação possível
associada com s em que a é verdadeiro; e da mesma forma, c é verdadeiro

51
em toda situação associada em que b é verdadeiro. Portanto, c é verdadeiro
em toda situação em que a é verdadeiro. Em outras palavras, a → c é
verdadeiro em s.
Podemos escrever a segunda inferência como:
a→c
2.
(a&b) → c
Para ver que esta se revela válida, suponha que a premissa é verdadeira
em alguma situação, s. Então, c é verdadeiro em toda situação possível
associada com s em que a é verdadeira. Agora, suponha a&b é verdadeiro
em uma situação associada; então a é certamente verdadeiro nesta situação
e, assim, c também é. Logo, (a&b) → c é verdadeiro em s.
Por enquanto tudo bem. O problema é que há inferências que possuem
exatamente estas formas, mas que parecem serem inválidas. Por exemplo,
suponha que há uma eleição para Primeiro Ministro com apenas dois candi-
datos, Smith, o Primeiro Ministro atual, e Jones. Agora considere a seguinte
inferência:

Se Smith morrer antes das eleições, Jones irá vencer. Se Jones


vencer a eleição, Smith irá se aposentar e receber sua pensão. As-
sim sendo, se Smith morrer antes das eleições, ele irá se aposentar
e receber sua pensão.

Esta inferência é exatamente da forma 1. Mas parece claro que poderia


haver uma situação em que ambas as premissas são verdadeiras. Mas, a
conclusão não - a menos que estejamos considerando a situação bizarra na
qual o governo pode pagar pensão após a morte!
Ou considere a seguinte inferência que se refere a Smith:

Se Smith pular do topo de um alto precipício, ele irá morrer da


queda. Assim sendo, se Smith pular do topo de um alto precipício
e usar pára-quedas, ele irá morrer da queda.

Esta é uma inferência da forma 2. Ainda assim, novamente, parece claro que
poderia haver situações em que a premissa é verdadeira e a conclusão não é.
O que alguém diria acerca deste estado de coisas? Deixarei para você
pensar a respeito disto. Apesar do fato dos condicionais serem centrais na

52
maneira que raciocinamos sobre a maioria das coisas, eles são umas das áreas
mais desafiantes da lógica. Se os pássaros não estão mais gorjeando sobre os
condicionais, lógicos certamente estão.

Ideias centrais do capítulo

• a → b é verdadeiro em uma situação s, exatamente quando b for ver-


dadeiro em toda situação associada a s em que a é verdadeiro.

Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Se você acredita em
Deus, então você vai a igreja. Mas, você vai a igreja. Portanto, você acredita
em Deus.

53
Capítulo 8

O futuro e o passado: O tempo é


real?

O tempo é uma coisa com a qual estamos todos acostumados. Planejamos fa-
zer coisas no futuro; lembramos de coisas do passado; e às vezes simplesmente
aproveitamos o presente. E parte da maneira com a qual nos orientamos no
tempo envolve fazer inferências a respeito dele. Por exemplo, as seguintes
inferências são intuitivamente válidas:
Está chovendo. Será verdadeiro que sempre tem chovido.
Terá chovido. Está chovendo.
Tudo isso parece elementar.
Mas, assim que começamos a pensar sobre o tempo, metemo-nos em um
monte de enrascadas. Como disse Agostinho, se ninguém me perguntar o que
é o tempo, eu sei muito bem; mas quando alguém me pergunta, eu já não
sei. Uma das coisas mais intrigantes a respeito do tempo é que ele parece
fluir. O presente parece se mover: primeiro é hoje; depois é amanhã; e assim
por diante. Mas como o tempo pode mudar? O tempo é aquilo que mede
o ritmo no qual todas as demais coisas mudam. Este problema é o cerne de
várias questões enigmáticas envolvendo o tempo. Uma destas questões foi
colocada no começo do século vinte pelo filósofo britânico John McTaggart
Ellis McTaggart. (É isso mesmo.) Tal como muitos filósofos, McTaggart
ficou tentado pela visão de que o tempo é irreal - que, em última análise, o
tempo é uma ilusão.
Para apresentar o argumento de McTarggart, um pouco de simbolismo
será útil. Tomemos uma frase conjugada no passado, como ‘O sol brilhava’.

54
Podemos expressar isso de maneira equivalente, ainda que um pouco estra-
nha, como ‘foi o caso que o sol está brilhando’. Vamos escrever ‘foi o caso
que’ como P (de ‘passado’). Então, podemos escrever essa frase como ‘P o
sol está brilhando’, ou, escrevendo ‘s’ para ‘O sol está brilhando’, escreve-
mos simplesmente Ps. De modo similar, tome qualquer frase conjugada no
futuro, digamos, ‘O sol brilhará’. Podemos escrever esta frase como ‘Será o
caso que o sol está brilhando’. Se escrevermos ‘Será o caso que’ como F (de
‘futuro’), então podemos escrever isso como Fs. (Não confunda esse F com
o valor de verdade F .)
P e F são operadores, tais como 2 e 3, que se aplicam a frases completas
para formar frases completas. Além disso, assim como 2 e 3, P e F não
são funções de verdade. ‘São quatro da tarde’ e ‘São quatro da tarde de dois
de agosto de 1999’ são ambas frases verdadeiras (no momento em que estou
escrevendo); ‘Serão quatro da tarde’ também é verdadeiro (nesse instante) -
são quatro da tarde uma vez por dia - muito embora ‘serão quatro da tarde
de dois de agosto de 1999’ não seja. Os lógicos chamam P e F de operadores
temporais. Operadores temporais podem ser iterados, ou compostos. Pode-
mos dizer, por exemplo, ‘O sol terá brilhado’, isto é ‘será o caso que terá
sido o caso que o sol está brilhando’: FPs. Ou podemos dizer ‘O sol havia
brilhado’, isto é, ‘foi o caso que foi o caso que o sol está brilhando’: PPs.
(Os operadores modais que encontramos no último capítulo também podem
ser iterados desta forma, apesar de não termos considerado isso lá.) Nem
todas as iterações de operadores temporais correspondem a expressões claras
e breves na linguagem cotidiana. Não há, por exemplo, modo muito melhor
de dizer FPFs do que o nada bom ‘será o caso que terá sido o caso que será
o caso que o sol está brilhando’. As iterações, no entanto, fazem perfeito
sentido gramatical. Podemos chamar as iterações de P e F, tais como FP,
PP, FFP, de flexões compostas.
Voltemos a McTaggart. Ele pensou que não haveria tempo a menos que
houvesse passado e futuro: estes fazem parte de sua essência. No entanto,
ser passado e ser futuro, ele argumentou, são inerentemente contraditórios;
então, nada na realidade pode corresponder a ambos. Bom, talvez. Mas
por que o passado e o futuro são contraditórios? Para começo de conversa,
passado e futuro são incompatíveis. Se algum evento instantâneo é passado,
ele não é futuro e vice-versa. Seja e um evento instantâneo. Pode ser o que
você quiser, mas digamos que seja o atravessar da primeira bala pelo coração
do Czar Nicolau na Revolução Russa. Seja h a frase ‘e está ocorrendo’.

55
Então, temos:
¬(Ph & Fh).
Mas e, assim como todos os eventos, é passado e é futuro. Uma vez que o
tempo flui, todos os eventos são futuros (antes de acontecerem) e passados
(depois de terem acontecido):

Ph & Fh.

Assim, temos uma contradição.


Este argumento não parece convencer ninguém por muito tempo. Um
evento não pode ser passado e futuro ao mesmo tempo. O instante em que a
bala atravessou o coração do Czar foi passado e futuro em momentos diferen-
tes. Começou como futuro; tornou-se presente num instante doloroso; e então
foi passado. Mas agora - e esta é a parte sagaz do argumento de McTaggart
- o que estamos dizendo aqui? Estamos aplicando flexões compostas a h.
Estamos dizendo que foi o caso que o evento foi futuro, PFh; depois foi o
caso que o evento foi passado, PPh. Agora, muitas flexões compostas, assim
como flexões simples, são incompatíveis. Por exemplo, se qualquer evento
será futuro, não é o caso que foi passado:

¬(PPh & FFh).

Mas, da mesma forma que com as flexões simples, o fluxo do tempo é su-
ficiente para garantir que todos os eventos também têm todas as flexões
compostas. No passado, Fh; então no passado distante FFh. No futuro, Ph;
então no futuro distante, PPh:

PPh & FFh.

E estamos novamente com uma contradição.


Aqueles que mantiveram o tino sobre a questão responderão, como antes,
que h tem suas flexões compostas em momentos diferentes. Foi o caso que
FFh; então, mais tarde, foi o caso que PPh. Mas o que estamos dizendo?
Estamos aplicando flexões mais complexas a h: PFFh e PPPh; e, nova-
mente, podemos desenvolver exatamente o mesmo argumento. Essas flexões
compostas não são todas consistentes entre si, mas a passagem do tempo
garante que h possui todas elas. Podemos dar a mesma resposta de novo,
mas esta também está sujeita à mesma contra resposta. Quando quer que

56
tentemos nos livrar da contradição com um conjunto de flexões, tudo o que
fazemos é descrever as coisas em termos de flexões que são igualmente con-
traditórias; logo, nunca escapamos da contradição. Esse é o argumento de
McTaggart.
O que dizer sobre isso? Para a resposta, examinemos a validade de infe-
rências envolvendo flexões temporais. Para tanto, supomos que cada situa-
ção, s0 , é acompanhada de várias outras situações - não, dessa vez, situações
que representam possibilidades associadas com s0 (como com os operadores
modais), mas situações que são ou antes de s0 ou depois de s0 . Assumindo,
como fazemos normalmente, que o tempo é unidimensional e infinito em
ambas as direções, passado e futuro, podemos representar as situações de
maneira familiar:

. . . s−3 s−2 s−1 s0 s1 s2 s3 . . .

Esquerda é antes, direita é depois. Como de costume, cada s fornece um


valor de verdade, V ou F , para cada frase sem flexões temporais. E as frases
com flexões temporais? Bem, Pa é V em uma situação s, exatamente se a
é verdadeiro em alguma situação à esquerda de s; e Fa é verdadeiro em s,
exatamente se a é verdadeiro em alguma situação à direita de s.
Enquanto estamos fazendo tudo isso, podemos adicionar dois operadores
temporais, G e H. G pode ser lido ‘Sempre será o caso que’, e Ga é verda-
deiro em uma situação s, exatamente se a é verdadeiro em todas as situações
à direita de s. H pode ser lido ‘Sempre foi o caso que’, e Ha é verdadeiro
em uma situação s, exatamente se a é verdadeiro em todas as situações à
esquerda de s. (G e H correspondem, respectivamente, a F e P, exatamente
da mesma forma que 2 correponde a 3.)
Essa maquinaria nos mostra o porque as inferências com as quais começa-
mos o capítulo são válidas. Empregando os operadores temporais, tais infe-
rências podem ser escritas, respectivamente, como:
r FHr
FPr r
A primeira inferência é válida, já que se r é verdadeiro em alguma situação
s0 , então em qualquer situação à direita de s0 , digamos s1 , Pr é verdadeiro
(já que s0 está à esquerda). Mas então, FPr é verdadeiro em s0 , já que s1

57
esta à sua direita. Podemos representar isso assim:
. . . s−3 s−2 s−1 s0 s1 s2 s3 . . .
r
Pr
FPr
A segunda inferência é válida, já que se FHr é verdadeiro em s0 , então em
alguma situação à direita de s0 , digamos s2 , Hr é verdadeiro. Mas, então,
em todas as situações à esquerda de s2 , e em particular em s0 , r é verdadeiro:
. . . s−3 s−2 s−1 s0 s1 s2 s3 . . .
FHr
Hr
r r r r r
Além disso, certas combinações de operadores temporais são impossíveis,
como é de se esperar. Assim, se h é uma frase que é verdadeira em apenas
uma situação, digamos s0 , então Ph&Fh é falsa em toda s. Ambos conjuntos
são falsos em s0 ; o primeiro conjunto é falso à esquerda de s0 ; o segundo
conjunto é falso à direita. De maneira similar, e.g., PPh&FFh é falso em
toda s. Deixo para você checar os detalhes.
Agora, como isso tudo se relaciona com o argumento de McTaggart? O
ponto principal do argumento, lembre-se, era que dado que h tem todas as
possíveis flexões temporais, nunca é possível evitar a contradição. Resolver
a contradição em um nível de complexidade de flexão temporal apenas cria
a contradição em outro nível. O tratamento que acabamos de dar às flexões
temporais mostra que isso é falso. Supponha que h é verdadeiro apenas em
s0 . Então, qualquer frase com flexões compostas envolvendo h é verdadeira
em algum lugar. Considere, por exemplo, FPPFh. Isso é verdade em S−2 ,
como mostra o seguinte diagrama:
. . . s−3 s−2 s−1 s0 s1 s2 s3 . . .
h
Fh
PFh
PPFh
FPPFh
É claro que podemos fazer o mesmo para toda flexão composta de F e P,
ziguezagueado à esquerda ou à direita, conforme for requerido. E tudo isso é

58
perfeitamente consistente. A infinidade de situações diferentes nos permite
atribuir à h todos as suas flexões verbais sem violar as várias incompati-
bilidades entre elas, e.g., ter Fh e Ph verdadeiros na mesma situação. O
argumento de McTaggart, portanto, falha.
Essa é uma resposta confortante para aqueles que crêem na realidade do
tempo. Mas os que concordam com McTaggart podem não estar convencidos
pelas nossas considerações. Suponha que eu dê um conjunto de especificações
para a construção de uma casa: a porta da frente fica aqui, uma janela ali...
Como você sabe que todas as especificações são consistentes? Como você
sabe que, quando for construir, tudo funcionará, e você não será solicitado a,
por exemplo, colocar a porta em uma posição incompatível? Uma maneira é
construir um modelo em escala de acordo com as especificações. Se tal modelo
pode ser construído, as especificações são consistentes. Isso é exatamente o
que fizemos com o nosso discurso flexionado. O modelo é a sequência de
situações, junto com a maneira de atribuir V ou F às frases flexionadas. É
um pouco mais abstrato do que uma maquete de uma casa, mas o princípio
é essencialmente o mesmo.
No entanto, é possível fazer objeções a um modelo. Às vezes um modelo
deixa de representar coisas importantes. Num modelo em escala de uma casa,
por exemplo, uma viga pode não ceder porque está sujeita a muito menos
força do que a viga correspondente está sujeita na construção propriamente
dita. A viga propriamente dita pode estar sujeita a uma carga insustentável,
fazendo com que a construção da casa seja impossível - a despeito da maquete.
De forma similar, podem sugerir que nosso modelo do tempo ignora coisas
importantes. Afinal, o que fizemos foi construir um modelo espacial do tempo
(esquerda, direita, etc.). Mas tempo e espaço são coisas bastante diferentes
(Figura 8.1). O espaço não flui da maneira que o tempo flui (seja lá o
que, de fato, isso possa significar). Agora, é exatamente a fluidez do tempo
que produz a suposta contradição à qual McTaggart se refere. Não é de se
espantar que ela não apareça no modelo! Então o que é, exatamente, que está
faltando em nosso modelo? E uma vez que isso seja levado em consideração,
a contradição reaparece?

59
Figura 8.1: Em todo o caso, para o Dr Who, espaço e tempo são basicamente
a mesma coisa.

Ideias centrais do capítulo

• Toda situação é acompanhada de uma coleção de situações anteriores


e posteriores.

• Fa é verdadeiro em uma situação se a é verdadeiro em alguma situação


posterior.

• Pa é verdadeiro em uma situação se a é verdadeiro em alguma situação


anterior.

• Ga é verdadeiro em uma situação se a é verdadeiro em toda situação


posterior.

• Ha é verdadeiro em uma situação se a é verdadeiro em toda situação


anterior.

Problema

60
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Sempre esteve cho-
vendo e sempre estará chovendo; portanto, está chovendo agora.

61
Capítulo 9

Identidade e mudança: Tudo é


sempre o mesmo?

Ainda não terminamos de falar sobre tempo. Tempo está envolvido em vários
outros enigmas, um dos quais olharemos neste capítulo. Este tipo é referente
a problemas que surgem quando as coisas mudam; e especificamente, a ques-
tão do que é dito sobre a identidade dos objetos que mudam através do
tempo.
Eis aqui um exemplo. Todos pensamos que objetos podem sobreviver
através da mudança. Por exemplo, quando eu pinto um armário, ainda que
a sua cor possa mudar, ele ainda é o mesmo armário. Ou quando você
muda o seu penteado, ou se você infelizmente tiver o azar de perder um
membro, você ainda será você. Mas como algo pode sobreviver à mudança?
Afinal, quando você muda seu penteado, a pessoa que resulta é diferente,
não é a mesma de forma alguma. E se a pessoa está diferente, é uma pessoa
diferente; então o velho você deixou de existir. De forma exatamente igual,
pode ser argumentado, nenhum objeto persiste através de qualquer mudança.
Qualquer mudança significa que o velho objeto deixa de existir e é substituído
por um outro objeto bem diferente.
Argumentos como este aparecem em vários lugares na história da filosofia,
mas seria geralmente aceito pelos lógicos, agora, que eles estão errados, e
repousam em uma simples ambiguidade. Devemos distinguir entre um objeto
e a suas propriedades. Quando dizemos que você, com um outro penteado, é
diferente, estamos dizendo que você tem propriedades diferentes. Não quer
dizer que você é literalmente uma pessoa diferente, da mesma forma que eu

62
sou diferente de você.
Um motivo pelo qual uma pessoa pode falhar ao distinguir entre ser um
certo objeto e ter certa propriedade é que, em português, o verbo ‘ser’ e
suas várias formas gramaticais - ‘é’, ‘sou’, e assim por diante - podem ser
usados para expressar ambas estas coisas. (E o mesmo serve para palavras
similares em outros idiomas.) Se dissermos ‘A mesa é vermelha’, ‘O seu
cabelo está curto agora’, e coisas parecidas, estamos atribuindo propriedades
a um objeto. Mas, se alguém disser ‘Eu sou Graham Priest’, ‘A pessoa que
venceu a corrida é a mesma pessoa que venceu ano passado’ e assim por
diante, então eles estão identificando um objeto de uma certa forma. Em
outras palavras, eles estão expressando a sua identidade.
Lógicos chamam o primeiro uso de ‘é’ o ‘é’ da predicação; eles chamam
o segundo uso de ‘é’ o ‘é’ da identidade. E por eles terem de alguma forma
propriedades diferentes, eles o escrevem de formas diferentes. O ‘é’ da pre-
dicação nós já conhecemos no Capítulo 3. ‘John é vermelho’ é tipicamente
escrito na forma jR. (Na verdade, como eu observei no Capítulo 3, é mais
comum escrever isto de forma contrária, Rj.) O ‘é’ de identidade é escrito
com =, parecido com a matemática da escola. Assim sendo, ‘John é a pessoa
que venceu a corrida’ é escrito: j = w. (O nome w é uma descrição aqui;
mas isto não tem importância na questão presente.) Frases como estas são
chamadas identidades.
Quais propriedades a identidade possui? Primeiro, ela é uma relação.
Uma relação é algo que conecta dois objetos. Por exemplo, ver é uma relação.
Se dissermos ‘John vê Mary’, estamos expressando uma relação entre eles. Os
objetos conectados pela relação não têm de ser necessariamente diferentes. Se
dissermos ‘John vê a si mesmo’ (talvez em um espelho), estamos expressando
uma relação que John tem com John. Agora, identidade é uma relação muito
especial. É uma relação que todo objeto tem consigo mesmo e com nada mais.
Você pode pensar que isto faria da identidade uma relação inútil, mas, na
verdade, não é assim. Por exemplo, se eu digo ‘John é a pessoa que venceu
a corrida’, estou dizendo que a relação da identidade se dá entre o objeto
referido por ‘John’ e o objeto referido por ‘a pessoa que venceu a corrida’ -
em outras palavras, que estes dois nomes se referem a uma e a mesma pessoa.
Isto pode ser uma informação altamente significativa.
Mas, as coisas mais importantes sobre identidade são as inferências em
que ela está envolvida. Eis aqui um exemplo:

63
John é a pessoa que venceu a corrida.
A pessoa que venceu a corrida ganhou um prêmio.
Portanto John ganhou um prêmio.

Podemos escrever isto como:


j=w wP
jP
Esta inferência é válida em virtude do fato de que, para qualquer objeto,
x e y, se x = y, então x tem qualquer propriedade que y tem, e vice-versa.
Um e um mesmo objeto tem a propriedade em questão, ou não tem. Isto
é geralmente chamado de Lei de Leibniz, aquele Leibniz (Figura 9.1) que
encontramos no Capítulo 6. Em uma aplicação da Lei de Leibniz, uma
premissa é um enunciado de identidade, digamos m = n; a segunda premissa
é uma frase contendo um dos nomes que flanqueiam o sinal da identidade,
digamos m; e a conclusão é obtida substituindo m por n nela.
A Lei de Leibniz é uma lei muito importante, e tem muitas aplicações
não problemáticas. Por exemplo, a álgebra nos assegura que (x + y)(x − y) =
x2 − y 2 . Portanto, se você está solucionando um problema, e estabelece que,
digamos, x2 − y 2 = 3, você pode aplicar a Lei de Leibniz para inferir que
(x+y)(x−y) = 3. Mas, a sua simplicidade enganadora esconde uma multidão
de problemas. Em particular, parece haver muitos exemplos contrários a ela.
Considere, por exemplo, a inferência a seguir:

John é a pessoa que venceu a corrida.


Mary sabe que a pessoa que venceu a corrida ganhou um prêmio.
Portanto, Mary sabe que John ganhou um prêmio.

Isto parece uma aplicação da Lei de Leibniz dado que a conclusão é obtida
substituindo ‘a pessoa que ganhou a corrida’ por ‘John’ na segunda premissa.
Ainda assim, está claro que a premissa poderia muito bem ser verdadeira
sem que a conclusão fosse verdadeira: Mary pode não saber que John é a
pessoa que ganhou a corrida. Isto é uma violação da Lei de Leibniz? Não
necessariamente. A lei diz que se x = y, então qualquer propriedade de
x é uma propriedade de y. Agora, a condição ‘Mary sabe que x ganhou
um prêmio’ expressa uma propriedade de x? Na verdade não: ao contrário

64
pareceria expressar uma propriedade de Mary. Se Mary de repente deixasse
de existir, isto não mudaria x de forma alguma (A lógica das frases tais como
‘sabe que’ está ainda bem sub judice em lógica.)
Um outro tipo de problema é o seguinte. Eis aqui uma estrada; ela é
uma estrada asfaltada; chame-a de t. E eis aqui uma estrada; é uma estrada
de terra batida; chame-a de d. Mas, as duas estradas são a mesma estrada,
t = d. É que o asfalto desaparece no final da estrada. Portanto, a Lei de
Leibniz nos diz que t é uma estrada de terra, e que d é uma estrada asfaltada
- que elas não são. O que aconteceu de errado aqui? Não podemos dizer
que ser de terra ou asfaltada não são realmente propriedades da estrada.
Elas certamente são. O que deu errado (sustentável) é que: não estamos
sendo suficientemente precisos nas nossas especificações de propriedades. As
propriedades relevantes são ser asfaltada em tal e tal ponto, e ser de terra
em tal e tal ponto. Desde que t e d são a mesma estrada, ambas possuem as
mesmas propriedades, e não temos uma violação da lei de Leibniz.
Até agora tudo bem. Estes problemas são relativamente fáceis. Agora
vamos ver um que não é. E aqui, o tempo volta a ser a questão. Para explicar
o que é o problema, será útil empregar os operadores de tempo do último
capítulo, e especificamente, G (“sempre será o caso que”). Seja x qualquer
coisa que você queira, uma árvore, uma pessoa; e considere o enunciado
x = x. Isto diz que x tem a propriedade de ser igual a x - que é obviamente
verdadeira: ela é parte do próprio significado da identidade. E isto é assim,
independentemente do tempo. É verdadeiro agora, verdadeiro em todos os
tempos futuros e em todos os tempos passados. Em particular, Gx = x é
verdadeiro. Agora, aqui está uma instância da Lei de Leibniz:
x = y Gx = x
Gx = y

(Não ligue para o fato de que substituímos y somente para uma das ocorrên-
cias de x na segunda premissa. Tais aplicações da Lei de Leibniz fazem
perfeitamente sentido. Apenas considere: “John é a pessoa que ganhou a
corrida; John vê John; assim, John vê a pessoa que ganhou a corrida.”) O
que a inferência mostra é que se x é idêntico to y, e x tem a propriedade de
ser idêntico a x em todos os tempos futuros, então y também tem. E dado
que a primeira premissa é verdadeira, como acabamos de notar, conclui-se
que se duas coisas são idênticas, elas sempre serão idênticas.

65
E o que dizer disto? Simplesmente, não parece ser sempre verdadeiro.
Por exemplo, considere uma ameba. Amebas são criaturas unicelulares en-
contradas na água que se multiplicam por mitose: uma ameba se dividirá
ao meio para se tornar duas amebas. Agora, tome alguma ameba A, que se
divide e torna-se duas amebas, B e C. Antes da divisão, ambas B e C eram
A. Portanto antes da divisão, B = C. Mas depois da divisão, B e C são
amebas distintas, ¬B = C. Portanto, se duas coisas são a mesma, não segue
necessariamente que elas sempre serão a mesma.
Não podemos sair deste problema da mesma forma que saímos do pro-
blema anterior. A propriedade de ser idêntico a x em todos os tempos futuros
é certamente uma propriedade de x. E não parece ser o caso que a proprie-
dade é insuficientemente refinada. Parece não haver uma forma de torná-la
mais precisa a fim de evitar o problema.
O que mais alguém poderia dizer? Um pensamento natural é este. Antes
da divisão, B não era A: ele era somente parte de A. Mas, B é uma ameba,
e A é uma criatura unicelular: ela não tem partes que são amebas. Portanto,
B não pode ser parte de A.
Mais radicalmente, alguém pode sugerir que B e C na verdade não exis-
tiam antes da divisão, então eles não eram A antes da divisão. Portanto,
não é o caso que B = C antes da divisão. Mas, isto parece estar errado
também. B não é uma nova ameba; é simplesmente A, embora algumas de
suas propriedades tenham mudado. Se isto não está claro, apenas imagine
que C iria morrer na divisão. Neste caso, não teríamos nenhuma hesitação
em dizer que B é A. (Seria como uma cobra trocando sua pele.) Agora,
a identidade de algo não pode ser afetada pelo fato que possa haver outras
coisas ao redor. Portanto A é B, assim como, A é C.
É claro, alguém pode insistir que exatamente porque A toma novas pro-
priedades, ele é, estritamente falando, um novo objeto; não meramente um
velho objeto com novas propriedades. Portanto, B não é realmente A. Do
mesmo modo que C. Mas agora, estamos de volta com o problema com o
qual começamos este capítulo.

66
Ideias centrais do capítulo

• m = n é verdadeiro extamente se os nomes m e n referem-se ao mesmo


objeto.

• Se dois objetos são os mesmos, qualquer propriedade de um é proprie-


dade do outro (Lei de Leibniz).

Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Pat é uma mulher, e
a pessoa que limpou a janela não é uma mulher; assim, Pat não é a pessoa
que limpou a janela.

67
Figura 9.1: Gottfried Wilhelm Leibniz (1646–1716), o último lógico notável
antes do perído moderno.

68
Capítulo 10

Vagueza: Como você para de


escorregar em uma rampa
escorregadia?

Enquanto estávamos no assunto da identidade, eis aqui um outro problema


sobre ela. Tudo se desgasta com o tempo. Às vezes, as peças são repostas.
As motocicletas e carros trocam as suas embreagens; as casas trocam os seus
telhados; e até mesmo as células do corpo são repostas de tempos em tempos.
Mudanças como estas não afetam a identidade do objeto em questão. Quando
eu troco a embreagem da minha motocicleta, ela permanece a mesma moto,
uma Thunder preta. Por ser um rapaz cauteloso, eu guardo todas as peças
antigas. Quando tudo tiver sido trocado, ponho todas as peças antigas juntas
para recriar a moto original. Mas, eu comecei com uma Thunder preta; e
mudar uma peça da moto não afeta a sua identidade: ela é ainda a mesma
moto. Portanto, a cada troca, a máquina ainda é a Thunder preta; até, ao
final, ela é - a Thunder preta. Mas, sabemos que isto não pode estar certo. A
Thunder preta agora está de pé ao lado da moto original na garagem (Figura
10.1).
Aqui está um exemplo do mesmo problema. Uma pessoa de 5 anos de
idade é (biologicamente) uma criança. Se alguém é uma criança, ele ainda
é criança um segundo depois. Neste caso, ele ainda é criança um segundo
depois, e um segundo depois deste, e um segundo depois deste,... portanto,
depois de 630.720.000 segundos, ele ainda é criança. Mas aí, ele terá 25 anos
de idade.

69
Figura 10.1: O dilema de um ciclista.

Argumentos como este têm a reputação de terem sido inventados por


Eubúlides, o mesmo Eubúlides que inventou o paradoxo do mentiroso do
Capítulo 5. Agora eles são chamados de paradoxos de sorites. (Uma forma
padrão do argumento é o efeito de que adicionando um grão de areia por vez,
uma pessoa nunca pode formar uma pilha; “sorites” vem do grego “soros”,
o termo grego para pilha, monte.) Estes são um dos mais perturbadores
paradoxos em lógica. Eles surgem quando o predicado empregado (“é uma
Thunder preta”, “é uma criança”) é vago, em um certo sentido; ou seja, quando
a sua aplicação é tolerante com respeito a mudanças bem pequenas: se é
aplicado a um objeto, então um mudança bem pequena no objeto não alterará
este fato. Virtualmente todos os predicados que nós empregamos em um
discurso normal são vagos neste sentido: “é vermelho”, “está acordado”, “está
feliz”, “está bêbado” - até mesmo “está morto” (morrer leva tempo). Portanto,
os argumentos da rampa escorregadia do tipo sorites são potencialmente
endêmicos em nosso raciocínio.
Para focar a questão a respeito deles, vamos olhar um dos argumentos
com mais detalhes. Seja Jack uma criança de 5 anos. Seja a0 a frase “Jack
é a criança após 0 segundos”. Seja a1 a frase “Jack é uma criança após 1
segundos”, e assim por diante. Se n é um número qualquer, an é a frase “Jack
é uma criança após n segundos”. Seja k um número enorme, pelo menos tão
grande quanto 630.720.000. Sabemos que a0 é verdadeiro. (Após 0 segundos
passados, Jack ainda tem 5 anos.) E para cada número, n, sabemos que
an → an+1 (se Jack é uma criança em algum momento, ele é uma criança 1
segundo depois.) Ligamos todas estas premissas juntas por uma seqüência

70
de inferências modus ponens, como esta:

a0 a0 → a1 /a1 a1 → a2 /a2 · · · ak−1 ak−1 → ak /ak

A conclusão final é ak que sabemos que não é verdadeira. Algo deu errado,
e não parece haver muito escopo para manobras.
Então, o que diremos agora? Aqui está uma resposta, que às vezes é cha-
mada de lógica difusa (fuzzy). Ser uma criança parece algo que desaparece,
gradualmente. Assim como ser um adulto (biologicamente) parece ser algo
que aparece, gradualmente. Parece natural supor que o valor da verdade de
“Jack é uma criança” também vai do verdadeiro para surgir como falso. A
verdade, então, vem por graus. Suponha que medimos estes graus por núme-
ros entre 1 e 0, 1 sendo completamente verdadeiro, 0 sendo completamente
falso. Cada situação, então, atribui a cada frase básica um tal número.
E quanto a frases que contém operadores de negação e conjunção? Con-
forme Jack envelhece, o valor da verdade de “Jack é uma criança” diminui. O
valor da verdade de “Jack não é uma criança” pareceria correspondentemente
aumentar. Isto sugere que o valor da verdade de ¬a é 1 menos o valor da
verdade de a. Suponha que escrevamos o valor da verdade de a como |a| ;
então teremos:

|¬a| = 1 − |a|

Eis aqui uma tabela com uma amostra de alguns valores:

a ¬a
1 0
0,75 0,25
0,5 0,5
0,25 0,75
0 1

E quanto ao valor da verdade das conjunções? Uma conjunção só pode


ser tão boa quanto a sua pior parte. Portanto, é natural supor que o valor
da verdade de a&b é o minimum (menor) de |a| e |b|:

|a&b| = M in(|a|, |b|)

71
Eis aqui uma tabela de algumas amostras de valores. Valores de a estão
na coluna da esquerda; valores de b estão na fileira de cima. Os valores
correspondentes de a&b estão onde a linha e a coluna se encontram. Por
exemplo, se quisermos encontrar |a&b|, em que |a| = 0, 25 e |b| = 0, 5, vemos
onde a fileira e a coluna em itálico se encontram. O resultado está em negrito.

a&b 1 0,75 0,5 0,25 0


1 1 0,75 0,5 0,25 0
0,75 0,75 0,75 0,5 0,25 0
0,5 0,5 0,5 0,5 0,25 0
0,25 0,25 0,25 0,25 0,25 0
0 0 0 0 0 0

Analogamente, o valor de uma disjunção é o maximum (maior) dos valores


dos disjuntos:
|a ∨ b| = M ax(|a|, |b|)
Deixo para você construir uma tabela com algumas amostras de valores.
Note que, de acordo com a tabela acima, ¬, & e ∨ são ainda funções de
verdade. Isto é, por exemplo, o valor da verdade de a&b é determinado pelo
valor da verdade de a e b. É apenas que estes valores são agora números entre
0 e 1, ao invés de V e F . (Talvez valha a pena notar, que se nós pensamos o 1
como V , e o 0 é como F , os resultados em que somente 1 e 0 estão envolvidos
são os mesmos como para as funções de verdade do Capítulo 2, como você
pode checar sozinho.)
E quanto aos condicionais? Vimos no Capítulo 7 que existem boas razões
para supor que → não é uma função da verdade, mas vamos colocar estas
preocupações de lado por ora. Se ele fosse uma função da verdade, qual
seria, agora que nós temos que levar em consideração os graus de verdade?
Nenhuma reposta parece tremendamente óbvia. Eis aqui uma sugestão (bem
padrão), que ao menos parece fornecer o tipo correto de resultados.

Se |a| ≤ |b| : |a → b| = 1
Se |b| < |a| : |a → b| = 1 − (|a| − |b|)

(< significa “é menor que”; ≤ significa “é menor que ou igual a”.) Portanto, se
o antecedente é menos verdadeiro que o conseqüente, o condicional é comple-
tamente verdadeiro. Se o antecedente é mais verdadeiro que o conseqüente,

72
então o condicional é menor que o verdadeiro maximal pela diferença entre os
seus valores. Eis aqui uma tabela de algumas amostras de valores. (Lembre-
se que os valores de a estão na coluna da esquerda e os valores de b estão na
fileira superior.)
a→b 1 0,75 0,5 0,25 0
1 1 0,75 0,5 0,25 0
0,75 1 1 0,75 0,5 0,25
0,5 1 1 1 0,75 0,5
0,25 1 1 1 1 0,75
0 1 1 1 1 1
E quanto à validade? Uma inferência é válida se a conclusão vale em
todas as situações em que as premissas valem. Mas o que significa agora algo
valer em uma situação? Quando é suficientemente verdadeiro. Mas, quando
a verdade é suficientemente verdadeira? Isto vai exatamente depender do
contexto. Por exemplo, “é uma moto nova” é um predicado vago. Se você
for a um vendedor de motos que lhe diz que uma certa moto é nova, você
espera que ela nunca tinha sido usada anteriormente. Ou seja, você espera
que “esta é uma moto nova” tenha o valor 1. Suponha, por outro lado, que
você vai a uma corrida de motos, e te pedem para escolher as motos novas.
Você vai escolher as motos que têm menos de um ano de uso. Em outras
palavras, o seu critério para o que é aceitável como uma moto nova é mais
flexível. “Esta é uma moto nova” precisa ter valor apenas, digamos, 0,9 ou
maior.
Portanto, supomos que há algum nível de aceitação, fixado pelo contexto.
Este será um número qualquer entre 0 e 1 - talvez 1 no casos extremos. Vamos
escrever este número como ε. Então, uma inferência é válida para aquele
contexto exatamente se a conclusão tiver um valor ao menos tão grande
quanto ε em toda situação em que todas as premissas possuem valores ao
menos tão grande quanto ε.
Agora, como tudo isto se aplica ao paradoxo de sorites? Suponha que
tenhamos uma sequência de sorites. Como acima, seja an a frase “Jack é
uma criança depois de n segundos”; mas para deixar as coisas manejáveis,
vamos supor que Jack cresce em 4 segundos! Então, um registro de valores
de verdade poderia ser:
a0 a1 a2 a3 a4
1 0,75 0,5 0,25 0

73
a0 → a1 possui o valor 0,75 (= 1 - (1 - 0,75)); também possui esse valor
a1 → a2 ; de fato, todo condicional da forma an → an+1 tem o valor 0,75.
O que isto nos diz a respeito do paradoxo de sorites depende do nível
de aceitação ε, que está em jogo aqui. Suponha que o contexto seja tal que
impõe o maior nível de aceitação; ε é 1. Neste caso, modus ponens é valido.
Pois, suponha que |a| = 1 e |a → b| = 1. Dado que |a → b| = 1, devemos ter
|a| ≤ |b|. Segue que |b| = 1. Portanto, o argumento de sorites é válido. Mas,
neste caso, cada premissa condicional, tendo o valor 0,75, é inaceitável.
Se, por outro lado, colocarmos o nível de aceitação abaixo de 1, então
modus ponens se torna inválido. Suponha, só por ilustração, que ε é 0,75.
Como já vimos, ambos a1 e a1 → a2 tem o valor 0,75; mas, a2 possui o valor
0,5; que é menor que 0,75.
De qualquer forma que você olhar, então, o argumento falha. Ou algumas
das premissas não são aceitáveis; ou, se forem, as conclusões não se seguem
validamente. Por que somos enganados tão facilmente pelo argumento de
sorites? Talvez, porque confundimos a verdade completa com a verdade
quase-completa. Uma falha ao traçar a distinção não faz muita diferença
normalmente. Mas se você o fizer de novo, e de novo, e de novo, ... aí faz.
Eis um diagnóstico do problema. Mas com vagueza, nada é direto. Qual
foi o problema em dizer que “Jack é uma criança” é simplesmente verdadeiro,
até um particular ponto no tempo, quando isto se torna simplesmente falso?
Apenas que não parece existir um tal ponto. Qualquer lugar que alguém
escolha traçar uma linha é completamente arbitrário; pode ser, na melhor
das hipóteses, uma questão de convenção. Mas agora, em que ponto do
crescimento de Jack faz com que ele deixe de ser 100 % uma criança; ou seja,
em que ponto “Jack é uma criança” muda do valor de exatamente 1, para um
valor inferior a 1? Qualquer lugar que alguém escolha para traçar uma linha
seria tão arbitrário quanto antes. (Isto é, às vezes, chamado de problema da
vagueza de ordem superior.) Se isto está correto, ainda não solucionamos o
problema mais fundamental sobre vagueza: apenas o mudamos de lugar.

Ideias centrais do capítulo

• Valores de verdade são números entre 0 e 1 (inclusive).


• |¬a| = 1 − |a|

74
• |a ∨ b| = M ax(|a|, |b|)

• |a&b| = M in(|a|, |b|)

• |a → b| = 1, se |a| ≤ |b|
|a → b| = 1 − (|a| − |b|), em caso contrário

• Uma frase é verdadeira em uma situação exatamente quando o seu


valor da verdade é pelo menos tão grande quanto o nível de aceitação
(determinado pelo contexto).

Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade em que o nível de acei-
tação é 0,5. Jenny é esperta e; Jenny não é esperta ou ela é bela. Portanto,
Jenny é bela.

75
Capítulo 11

Probabilidade: O estranho caso


da falta de classe de referência

Os capítulos anteriores têm nos dado ao menos algum sentimento pelas quais
inferências são dedutivamente válidas, e por que. Agora, está no momento de
voltar à questão da validade indutiva: ou seja, a validade daquelas inferências
em que as premissas fornecem apoio para a conclusão; ainda que, mesmo
as premissas sendo verdadeiras em alguma situação, a conclusão poderia se
revelar falsa.
Como eu obeservei no Capítulo 1, Sherlock Holmes era muito bom neste
tipo de inferência. Vamos começar com um dos seus exemplos. O mistério da
Liga dos Cabeças Vermelhas começa quando Holmes e Dr. Watson recebem
uma visita de um certo Sr. Jabez Wilson. Quando Wilson entra, Watson
olha para ver o que Holmes havia inferido a respeito dele (Figura 11.1):

‘Além do fato óbvio que ele em algum momento da vida dele fez
trabalhos braçais, que cheira rapé, que é um Freemason (socie-
dade secreta), que já esteve na China, e que tem escrito bastante
ultimamente, eu não consigo deduzir mais nada’.
Sr. Jabez Wilson começou a se endireitar em sua cadeira com seu
dedo indicador sobre o papel, mas seus olhos permaneciam sobre
o meu companheiro.
‘Como, em nome da boa sorte, você sabia tudo aquilo, Sr. Hol-
mes?’ Ele perguntou.

76
Figura 11.1: Holmes exibe suas proezas lógicas.

Holmes sente prazer em explicar. Por exemplo, a respeito de escrever


muito:

‘O que mais poderia indicar aquele punho da manga tão brilhante


por cinco polegadas, e a esquerda com um remendo macio pró-
ximo ao cotovelo onde você descansa o braço sobre a mesa.’

Apesar de Holmes estar acostumado a chamar este tipo de inferência


uma dedução, a inferência é, na verdade, uma inferência indutiva. É com-
pletamente possível que o casaco do Sr. Wilson mostrasse estes padrões sem
que ele tivesse escrito muito. Ele poderia, por exemplo, ter roubado de al-
guém. Não obstante, a inferência é claramente boa. O que faz com que esta
inferência seja boa? Uma resposta plausível pode ser dada em termos de
probabilidade. Portanto, vamos falar sobre isto, e então podemos retornar à
questão.
Uma probabilidade é um número atribuído a uma frase, que mede o quão
provável ela, em algum sentido, é verdadeira. Vamos escrever pr(a) para a
probabilidade de a. Convencionalmente, medimos probabilidades em uma

77
escala entre 0 e 1. Se pr(a) = 0, a é certamente falsa; então, a medida
que pr(a) aumenta, se torna mais provável que a seja verdadeiro; até que
pr(a) = 1, e a é certamente verdadeira.
O que mais podemos dizer sobre estes números? Deixe-me ilustrar com
um simples exemplo. Suponha que consideremos os dias de alguma semana.
Seja w uma frase que é ou falsa ou verdadeira todos os dias - digamos, ‘está
calor’ - e seja r outra frase - digamos, ‘está chovendo’. Seja a informação
relevante dada pela tabela a seguir:

Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom


w    
r   

Um tique indica que a frase é verdadeira naquele dia; um espaço em


branco indica que não é.
Agora, se estamos falando sobre esta semana em particular, qual é a
probabilidade de em um dia, escolhido aleatoriamente, estar calor? Há quatro
dias com calor, e sete dias no total. Portanto, a probabilidade é de 4/7.
Igualmente, há 3 dias chuvosos, portanto a probabilidade que choveu é de
3/7:

pr(w) = 4/7

pr(r) = 3/7

Em geral, se nós escrevermos #a para representar os números de dias em


que cada frase a é verdadeira, e N para o total de números de dias:

pr(a) = #a/N

Como a probabilidade se relaciona com a negação, conjunção e disjunção?


Primeiro consideremos a negação. Qual é a probabilidade de ¬W ? Bem,
havia 3 dias em que não estava calor, portanto pr(¬w) = 3/7. Note que
pr(w) e pr(¬w)somam 1. Isto não é um acidente. Nós temos:

#w + #¬w = N

Dividindo ambos os lados por N , obtemos:

78
#w #¬w
N
+ N
=1

Isto é, pr(w) + pr(¬w) = 1.


Para conjunção e disjunção: Há dois dias em que estava calor e chovendo,
portanto pr(w&r) = #(w&r)/N = 2/7. E há cinco dias em estava ou
chovendo ou estava calor, portanto pr(w ∨ r) = #(w ∨ r)/N = 5/7. Qual é a
relação entre estes dois números? Para achar o número de dias em que w ∨ r
é verdadeiro, podemos começar por somar os dias em que w é verdadeiro,
então somar o número de dias em que r é verdadeiro. Isto não vai resolver,
dado que alguns dias foram contados duas vezes: quarta e sábado. Estes
foram os dias que estava chovendo e calor. Portanto, para conseguir a conta
correta, temos que subtrair o número de dias em que estavam ambos calor e
chovendo:

#(w ∨ r) = #w + #r − #(w&r)

Dividindo ambos os lados por N , obtemos:


#(w∨r) #w #r #(w&r)
N
= N
+ N
− N

Isto é,

pr(w ∨ r) = pr(w) + pr(r) − pr(w&r)

Esta é a relação geral entre as probabilidades de conjunções e disjunções.


No último capítulo, vimos que os graus da verdade podem também ser
medidos entre 0 e 1, e poderia ser natural supor que os graus de verdade
e probabilidades são os mesmos. Eles não são. Em particular, conjunção e
disjunção funcionam bem diferentemente. Para graus da verdade, disjunção
é uma função da verdade, especificamente, |w ∨ r| é o maximum de |w| e |r|.
Mas, pr(w∨r) não é determinada por pr(w) e pr(r) sozinhos, como acabamos
de ver. Em particular, para os nossos w e r, pr(w) = 4/7, pr(r) = 3/7 e
pr(w ∨ r) = 5/7. Mas, se |w| = 4/7 e |r| = 3/7, |w ∨ r| = 4/7, e não 5/7.
Antes de voltarmos às inferências indutivas, há mais um pouco de infor-
mação sobre probabilidade que precisamos. Dado nossa semana modelo, a
probabilidade de estar chovendo em um dia, escolhido aleatoriamente, é de
3/7. Mas, suponha que você saiba que o dia em questão era um dia de calor.
Qual é a probabilidade agora que tenha chovido? Bem, houve quatro dias de

79
calor, mas somente em dois deles estava chovendo, portanto a probabilidade é
de 2/4. Este número é chamado de probabilidade condicional, e escrito desta
forma: pr(r|w), a probabilidade de r dado w. Se pensarmos sobre isto um
pouco, podemos dar uma fórmula geral para calcular probabilidades condici-
onais. Como chegamos ao número 2/4? Primeiro, nos restringimos aos dias
em que w é verdadeiro; então dividimos pelo número de dias em que r era
verdadeiro, ou seja, o número de dias em que ambos w e r são verdadeiros.
Em outras palavras:

pr(r|w) = #(w&r) ÷ #w

Um pouco de álgebra nos diz que isto é igual a:


#(w&r) #w
N
÷ N

E isto é, pr(w&r) ÷ pr(w).


Portanto, eis nossa fórmula geral para probabilidade condicional:

CP: pr(r|w) = pr(w&r)/pr(w)

O mínimo de cuidado é necessário ao aplicar esta fórmula. Dividir pelo


número 0 não faz nenhum sentido. 3/0, por exemplo, não tem nenhum valor.
Matemáticos chamam este quociente de indefinido. Na fórmula para pr(w|r),
dividimos por pr(w), que faz sentido somente se ele não for zero, ou seja,
somente se w for verdadeiro ao menos algumas vezes. Em caso contrário, a
probabilidade condicional é indefinida.
Agora, finalmente, podemos voltar às inferências indutivas. O que é pre-
ciso para uma inferência ser indutivamente válida? Simplesmente que as
premissas façam a conclusão mais provável do que menos provável. Ou seja,
a probabilidade condicional de c, a conclusão, dada p, a premissa (ou a con-
junção das premissas se houver mais que uma) é maior do que a da negação
de c:

pr(c|p) > pr(¬c|p)

Deste modo, se estamos raciocinando sobre a semana da nossa ilustração,


a inferência:

Era um dia chuvoso, portanto era um dia de calor;

80
é indutivamente válida. É fácil checar que, pr(w|r) = 2/3, e pr(¬w|r) = 1/3.
A análise pode ser aplicada para mostrar porque a inferência de Holmes
com a qual começamos é válida. Holmes concluiu que Jabez Wilson havia
escrito bastante ultimamente (c). A premissa dele era sobre o efeito de que
havia certas marcas de desgaste na jaqueta de Wilson (p). Agora, se nós
tivéssemos ido a Londres nos tempos de Holmes, e tivéssemos coletado todas
aquelas pessoas com roupas no mesmo estado da roupa em questão, então
a maioria deles seriam escriturários, pessoas que passam a vida escrevendo
- ou assim poderíamos supor. Deste modo, a probabilidade que Jabez tinha
escrito bastante, dado que a jaqueta dele continha aquelas marcas, é maior
do que a probabilidade que ele não tinha escrito. A inferência de Holmes é,
de fato, indutivamente válida.
Deixe-me terminar por observar um enigma no qual o mecanismo que aca-
bamos de empregar faz surgir. Como temos visto, uma probabilidade pode
ser calculada como um quociente: pegamos uma certa classe de referência;
então calculamos os números de diversos grupos contidos nela; então fazemos
algumas divisões. Mas, qual classe de referência usamos? No exemplo ilus-
trativo a respeito do clima, comecei especificando a classe de referência em
questão: os dias de uma semana em especifica. Mas, os problemas da vida
real não são apresentados desta forma.
Volte a Jabez Wilson. Para resolver as probabilidades relevantes neste
caso, sugeri que pegássemos como classe de referência as pessoas vivendo em
Londres nos tempos de Holmes. Mas, por que isto? Por que não as pessoas
que viviam em toda a Inglaterra, ou em toda Europa, ou apenas os homens de
Londres, ou apenas as pessoas que tinham o privilégio de ir conhecer Holmes?
Talvez, em alguns destes casos, não fizesse muita diferença. Mas certamente
em outros faria. Por exemplo, as pessoas que vieram ver Holmes eram todas
relativamente ricas, e provavelmente não eram de usar casacos usados. As
coisas seriam bem diferentes com uma maior população. Portanto, qual
deveria ter sido a classe de referência mais apropriada? Esta é um tipo de
pergunta que tira o sono dos estatísticos (as pessoas que tentam descobrir os
fatores de risco para as empresas de seguros).
Em última análise, a classe de referência mais precisa parece ser aquela
contendo apenas o Sr. Wilson. Afinal, o que os fatos sobre outras pessoas
têm a ver com ele afinal? Mas, nesse caso, ou ele havia escrito muito, ou
não. No primeiro caso, a probabilidade que ele tinha escrito muito, dado

81
que o punho da sua manga estava brilhante, é 1, e a inferência é valida; na
segunda, é 0, e a inferência não é válida. Em outras palavras, a validade
da inferência depende inteiramente da verdade da conclusão. Portanto, você
não pode empregar a inferência para determinar se a conclusão é ou não é
verdadeira. Se nós formos até este ponto, a noção de validade é inteiramente
inútil.

82
Ideias centrais do capítulo

• A probabilidade de um enunciado é o número de casos no qual ele é


verdadeiro, dividido pelo número de casos na classe de referência.

• pr(¬a) = 1 − pr(a)

• pr(a ∨ b) = pr(b) + pr(b) − pr(a&b)

• pr(a|b) = pr(a&b)/pr(b)

• Uma inferência é indutivamente válida exatamente se a probabilidade


condicional da conclusão dada a (conjunção das) premissas é maior que
a da sua negação dadas as premissas.

Problema
O seguinte conjunto de estatística foi coletado a partir de dez pessoas (cha-
madas 1-10).

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Alta    
Rica     
Feliz      

Se r é uma pessoa randomicamente escolhida nesta coleção, avalie a vali-


dade indutiva da seguinte inferência. r é alta e rica; portanto, r é feliz.

83
Capítulo 12

Probabilidade Inversa: Você não


pode ficar indiferente a este
respeito!

O capítulo anterior nos deu um conhecimento básico de probabilidade e o


papel que ela pode ter em inferências indutivas. Neste capítulo, iremos olhar
alguns aspectos mais avançados. Vamos começar considerando uma inferên-
cia indutiva muito famosa.
O cosmos físico não é uma bagunça puramente aleatória. Ele mostra
padrões muito distintivos: a matéria é organizada nas galáxias (Figura 12.1),
que estão organizadas, por sua vez, em estrelas e sistemas planetários, e em
alguns destes sistemas planetários, a matéria é organizada de tal forma que
produz seres vivos como você e eu. Qual é a explicação para isto? Você
poderia dizer que a explicação é provida pelas as leis da física e biologia.
E assim poderia ser. Mas por que as leis da física e biologia são da forma
que são? Afinal, elas poderiam ter sido bem diferentes. Por exemplo, a
gravidade poderia ter sido uma força de repulsão, e não atração. Neste caso,
nunca haveria existido pedaços estáveis de matéria, e a vida assim como a
conhecemos teria sido impossível em qualquer lugar no cosmos. Isto não nos
dá razões excelentes para acreditar na existência do criador do cosmos: um
ser inteligente que trouxe o cosmos à existência, junto com as leis da física e
da biologia, para algum propósito ou outro? Em resumo, o fato que o cosmos
físico é ordenado não nos dá razões para acreditar na existência de algum
Deus de alguma forma?

84
Figura 12.1: A matéria tem uma estrutura distinta. Uma galáxia espiral.

Este argumento é freqüentemente chamado de “Argumento do Desígnio”


(para a existência de Deus). Ele poderia muito bem ser chamado de Argu-
mento para o Desígnio; mas esqueça isto. Vamos pensar sobre isto de mais
perto. A premissa do argumento, o, é uma afirmação de que o cosmos é
ordenado em uma certa forma. A conclusão, g, afirma a existência de um
Deus criador. A menos que g fosse verdadeiro, o não seria muito provável;
portanto, o argumento segue, dado que o, g é provável.
Agora, é certamente verdadeiro que a probabilidade condicional de o dado
que g é verdadeiro, é muito mais elevada do que de o dado que g é falso:
1. pr(o|g) > pr(o|¬g)
Mas, isto não nos fornece o que queremos. Para o ser uma boa razão
indutiva para g, nós precisamos que a probabilidade de g, dada o, seja maior
do que a de sua negação:
2. pr(g|o) > pr(¬g|o)
E o fato de pr(o|g) ser alto não necessariamente significa que pr(g|o) seja
alto. Por exemplo, a probabilidade que você está na Austrália, dado que

85
você vê um canguru, é muito alta. (Em qualquer outro lugar, ele teria que
ter fugido de um zoológico.) Mas a probabilidade que você vê um canguru,
dado que você está na Austrália, é muito baixa. (Eu morei na Austrália por
cerca de 10 anos até que eu visse um.)
pr(o|g) e pr(g|o) são chamados de probabilidades inversas, e o que temos
visto é que para o argumento de desígnio funcionar, a relação entre elas deve
ser tal que nos faça passar de 1 a 2. É isso? Existe, na verdade, uma relação
muito simples entre probabilidades inversas. Lembre-se da equação CP do
último capítulo que, por definição:

pr(a|b) = pr(a&b)/pr(b)

Portanto:
3. pr(a|b) × pr(b) = pr(a&b)
Analogamente:

pr(b|a) = pr(b&a)/pr(a)

Portanto:
4. pr(b|a) × pr(a) = pr(b&a)
Mas, pr(a&b) = pr(b&a) (dado que a&b e b&a são verdadeiros exata-
mente nas mesmas situações). Deste modo, 3 e 4 nos fornece:

pr(a|b) × pr(b) = pr(b|a) × pr(a)

Supondo que pr(b) não é 0 - farei suposições deste tipo sem menção
adicional - podemos reorganizar esta equação para obter:
INV: pr(a|b) = pr(b|a) × pr(a)/pr(b)
Esta é a relação entre probabilidades inversas. (Para recordar isto, pode
ajudar notar que do lado direito, é primeiramente um b seguido por um a, e
então um a seguido por um b).
Usando INV para reescrever as probabilidades inversas em 1, obtemos:
pr(o) pr(o)
pr(g|o) × pr(g)
> pr(¬g|o) × pr(¬g)

E cancelando pr(o) em ambos os lados, temos:

86
pr(g|o) pr(¬g|o)
pr(g)
> pr(¬g)

Ou, rearranjando a equação:


pr(g|o) pr(g)
5. pr(¬g|o)
> pr(¬g)
Lembre-se que, para o Argumento do Desígnio funcionar, temos que che-
gar a 2, que é equivalente a:
pr(g|o)
pr(¬g|o)
>1

Pareceria que a única coisa plausível que irá nos levar a isto a partir de 5
é que pr(¬g)
pr(g)
≥ 1, isto é:

pr(g) ≥ pr(¬g)

Os valores pr(g) e pr(¬g) são chamados de probabilidades a priori ; ou


seja, as probabilidades de g e ¬g anteriores à aplicação de qualquer evidência,
tal como o. Consequentemente, o que parece precisar para fazer com que o
Argumento funcione é que a probabilidade a priori de que existe um deus
criador é maior que (ou igual) à probabilidade a priori que não existe.
É isso? Infelizmente, não há razão para acreditar que sim. Na verdade,
parece que é o contrário. Suponha que você não saiba que dia é da semana.
Seja m a hipótese de que é uma segunda. Então ¬m é a hipótese que não
é segunda. Qual é mais provável?, m ou ¬m? Certamente, ¬m: porque há
muito mais maneiras para que não seja segunda, do que há para que seja
segunda. (Poderia ser terça, quarta, quinta...) Igualmente com Deus. De
maneira concebível, existem muitas diferentes formas que o cosmos tenha
vindo à existência. E intuitivamente, um número relativamente muito pe-
queno destes são significativamente ordenados: a ordem é algo especial. Que
afinal, é o que dá ao argumento do Desígnio a sua força. Mas então, existem
relativamente poucos cosmos possíveis em que se haja um ordenador. Por-
tanto, a priori é muito mais provável que não exista criador algum do que
exista.
O que vimos, então, é que o Argumento do Desígnio falha. É sedutor
porque frequentemente se confunde probabilidades com os seus inversos e,
portanto, deixa de lidar com uma parte crucial do argumento.
Muitos argumentos indutivos requerem que pensemos a respeito de pro-
babilidades inversas. O Argumento do Desígnio não é especial nesta questão.

87
Mas, muitos argumentos são mais bem sucedidos ao fazer isto. Deixe-me
ilustrar. Suponha que você visite o cassino local. Eles tem duas roletas.
Chame-as de A e B. Você foi informado por um amigo que uma delas está
viciada - embora o seu amigo não possa lhe dizer qual exatamente. Ao invés
de dar vermelho a metade do tempo e preto a outra metade do tempo, como
uma roleta normal deveria fazer, esta dá vermelho por 3/4 do tempo, e preto
por 1/4 do tempo. (Falando precisamente, as roletas reais às vezes dão verde
ocasionalmente também; mas vamos ignorar este fato para manter as coisas
simples.) Agora, suponhamos que você assista uma das roletas, digamos a
roleta A, e um cinco giros consecutivos ela mostrou os resultados:

R, R, R, R, B

(R para vermelho e B para preto). Você tem motivos para inferir que esta é a
roleta que está viciada? Em outras palavras, seja c o enunciado para o efeito
de que esta sequencia em particular aparece, e f o enunciado de que a roleta
A está mexida. A inferência de c para f é uma boa inferência indutiva?
Precisamos saber se pr(f |c) > pr(¬f |c). Usando a equação INV con-
vertendo para uma relação entre probabilidades inversas, o que isto significa
que:
pr(f ) pr(¬f )
pr(c|f ) × pr(c)
> pr(c|¬f ) × pr(c)

Multiplicando ambos os lados por pr(c) temos:

pr(c|f ) × pr(f ) > pr(c|¬f ) × pr(¬f )

Isso é verdade? Para começar, quais são as probabilidades a priori de f


e ¬f ? Sabemos que uma das duas A ou B está viciada (mas não ambas).
Não temos mais razões para acreditar que seja a roleta A, ao invés de roleta
B ou vice-versa. Portanto, a probabilidade que é a roleta A é 1/2 , e a
probabilidade que é a roleta B é 1/2 também. Em outras palavras, pr(f ) =
1/2, e pr(f ) = 1/2. Então, podemos cancelar estas probabilidades, e a
condição relevante se torna:

pr(c|f ) > pr(c|¬f )

88
A probabilidade de observar a sequencia indicada por c, dado que a roleta
está viciada como é descrito, pr(c|f ), é (3/4)4 ×1/4. (Não ligue se não souber
por que: você pode confiar em mim). Isto é 81/45 , que resulta em 0,079.
A probabilidade que a sequência é observada, dado que a roleta não está
viciada, e portanto pr(c|¬f ), é (1/2)5 (novamente, confie em mim se quiser),
que resulta em 0,031. Isto é menos que 0,079. Portanto, a inferência é válida.
A forma como trabalhamos as probabilidades a priori aqui é digno de nota.
Temos duas possibilidades: ou a roleta A está viciada, ou roleta B está. E
não temos nenhuma informação que diferencie entre estas duas possibilidades.
Portanto, atribuímos a elas a mesma probabilidade. Isto é uma aplicação de
algo chamado o Princípio da Indiferença. O Principio nos diz que quando
temos um número de possibilidades, sem nenhuma diferença relevante entre
elas, todas têm a mesma probabilidade. Assim sendo, se há N possibilidades
no total, cada uma tem a probabilidade 1/N. O Princípio da Indiferença é
um tipo de princípio da simetria.
Observe que não poderíamos aplicar o Principio no Argumento do Desí-
gnio. No caso da roleta, há duas situações possíveis que são completamente
simétri-cas: roleta A está viciada, roleta B está viciada. No Argumento do
Desígnio existem duas situações: um Deus criador existe; um Deus criador
não existe. Mas estas duas situações não são mais simétricas como: hoje é
segunda; hoje não é segunda. Como vimos, intuitivamente, existem muito
mais possibilidades na qual não existe um criador do que possibilidades na
qual exista um.
O Principio da Indiferença é uma importante parte do raciocínio intuitivo
sobre probabilidade. Vamos acabar este capitulo por notar que não é isento
de problemas. É bem conhecido que leva a paradoxos em certas aplicações.
Eis aqui uma.
Suponha que um carro parte de Brisbane ao meio dia, viajando a uma
cidade a 300 km de distância. O carro mantém uma média de velocidade algo
entre 50 km/h e 100 km/h. O que podemos dizer sobre a probabilidade de
tempo de sua chegada? Bem, se está indo a 100 km/h chegara às 3 da tarde;
e se está indo a 50 km/h, chegara às 6 da tarde. Consequentemente, chegará
entre estes dois tempos. O ponto médio entre estes tempos é 4:30 da tarde.
Portanto, pelo Princípio da Indiferença, a probabilidade do carro chegar antes
das 4.30 da tarde bem como depois disso é a mesma. Mas agora, a média de
velocidade entre 50 km/h e 100 km/h é 75 km/h. Portanto, novamente pelo

89
Princípio da Indiferença, a probabilidade do carro estar viajando acima de
75 km/h ou abaixo de 75 km/h é a mesma. Se estiver viajando a 75 km/h,
ele chegará às 4 da tarde. Portanto, é tão provável que chegue antes das 4 da
tarde como após isso. Em particular, então, é ainda mais provável de chegar
antes das 4:30 da tarde do que depois disso. (Que dá uma meia hora extra).
Deixarei você a pensar sobre isto. Tivemos o bastante sobre probabilidade
para um capítulo!

90
Ideias centrais do capítulo

• pr(a|b) = pr(b|a) × pr(a)


pr(b)

• Dado um número de possibilidades, sem qualquer diferença relevante


entre elas, todas têm a mesma probabilidade (Princípio de Indiferença).

Problema
Suponha que existam duas doenças, A e B, que possuem exatamente os
mesmos sintomas observáveis. 90% daqueles que apresentam os sintomas
têm a doença A; os outros 10% têm a doença B. Suponha, também, que
exista um teste patológico para distinguir entre A e B. O teste dá 9 respostas
corretas a cada 10.

1. Qual a probabilidade do teste, quando aplicado a uma pessoa escolhida


randomicamente, indicar que ela tem a doença B? (Dica. Considere
uma amostra típica de 100 pessoas com os sintomas, e calcule para
quantas o teste diria que tem a doença B.)

2. Qual é a probabilidade de alguém com os sintomas ter a doença B,


dado que o teste indica que ela tem (a doença B)? (Dica. Você deve
usar a primeira questão.)

91
Capítulo 13

Teoria da Decisão: Grandes


expectativas

Vamos olhar para uma questão final a respeito raciocínio indutivo. Este
tópico é às vezes chamado de raciocínio prático, dado que é um raciocínio
sobre como alguém deveria agir. Aqui está uma parte famosa do raciocínio
prático.
Você pode escolher acreditar na existência de Deus (Cristão); você pode
escolher não acreditar. Vamos supor que você escolhe acreditar. Ou Deus
existe ou Deus não existe. Se Deus existir, tudo ótimo. Se não, então a sua
crença é uma inconveniência menor: quer dizer que você terá desperdiçado
um bocado de tempo na igreja, e talvez feito outras coisas que não faria se
fosse ao contrário; mas nada disso é desastroso. Agora suponha, por outro
lado, que você escolha não acreditar na existência de Deus. Novamente,
ou Deus existe ou Deus não existe. Se Deus não existe, tudo ótimo. Mas
se Deus existir mesmo, rapaz você está encrencado! Você estará cheio de
sofrimento após a morte; talvez por toda a eternidade se não tiver um pouco
de misericórdia. Portanto, qualquer pessoa sã deve acreditar na existência
de Deus. É a única atitude prudente.
O argumento é agora frequentemente chamado de a aposta de Pascal,
batizado em nome do filósofo do século XVII, Blaise Pascal, que primeiro o
formulou. O que alguém irá dizer sobre a aposta?
Vamos pensar um pouco a respeito de como este tipo de raciocínio fun-
ciona, comecemos com um exemplo um pouco menos contencioso. Quando
executamos ações, frequentemente não podemos acertar os resultados, que

92
podem não estar totalmente sob controle. Mas, podemos geralmente estimar
o quão provável os possíveis resultados são; e, tão importante quanto, po-
demos estimar o valor dos vários resultados. Convencionalmente, podemos
medir o valor de um resultado atribuindo um número a ele na escala a seguir,
aberta em ambas as direções:

..., −4, −3, −2, −1, 0, +1, +2, +3, +4, ...

Números positivos são bons, e quanto mais à direita, melhor. Núme-


ros negativos são ruins, e quanto mais à esquerda, pior. 0 é um ponto de
indiferença: não nos importamos de qualquer modo.
Agora, suponha que exista uma ação que podemos executar, digamos dar
uma volta de bicicleta. Pode, ainda assim, chover. Uma volta de bicicleta
quando não está chovendo é muito divertido, portanto, avaliaríamos isto
como, digamos, +10. Mas, uma volta de bicicleta quando está chovendo
pode ser bem infeliz; portanto, avaliaríamos isto como, digamos -5. Qual
valor deveríamos colocar na única coisa que está sob controle: dar uma volta
de bicicleta? Poderíamos apenas somar os dois valores, -5 e 10, juntos, mas
estaria faltando uma importante parte da situação. Pode ser que seja mais
provável que chova, portanto ainda que a possibilidade de chuva seja ruim,
nós não queremos dar a ela muito peso. Suponha que a probabilidade de
chuva é, digamos, 0,1; correspondentemente, a probabilidade de não chover
é de 0,9. Então, podemos pesar os valores com probabilidades apropriadas
para chegar a um valor geral:

0, 1 × (−5) + 0, 9 × 10

Isto é igual a 8,5, e é chamado de expectativa da ação em questão, dar uma


volta de bicicleta. (‘Expectativa’, aqui, é um termo técnico; ele virtualmente
não tem nada a ver com o significado da palavra usada normalmente em
português).
Em geral, seja a um enunciado de que executamos uma ação ou outra.
Suponha, simplesmente, que há dois resultados possíveis, seja o1 afirmando
que um destes ocorre, e seja o2 afirmando que o outro ocorre. Finalmente,
seja V (o) o valor que nós atribuímos a o como sendo verdadeiro. Então a
expectativa de a, E(a), é um número definido por:

pr(o1 ) × V (o1 ) + pr(o2 ) × V (o2 )

93
(Estritamente falando, as probabilidades em questão deveriam ser probabi-
lidades condicionais, pr(o1 |a) e pr(o2 |a), respectivamente. Mas, no exemplo,
dar uma volta de bicicleta não tem nenhum efeito na probabilidade de chuva.
O mesmo é verdadeiro em todos os outros exemplos que veremos. Portanto,
podemos permanecer com as simples probabilidades a priori aqui.)
Até aqui tudo bem. Mas como isto me ajuda a decidir se vou ou não dar
uma volta de bicicleta? Eu sei o valor geral da minha volta de bicicleta. A
expectativa é de 8,5, como acabamos de ver. Qual é a expectativa de não
dar uma volta de bicicleta? Novamente, ou irá chover ou não irá - com as
mesmas probabilidades. Os dois resultados agora são (i) que irá chover e eu
fico em casa; e (ii) que não irá chover e eu fico em casa. Em cada caso, não
tenho prazer na volta de bicicleta. Poderia ser um pouco pior se não chover.
Neste caso, poderia ficar irritado que eu não saí. Mas, em nenhum dos casos
é tão ruim quanto ficar ensopado. Portanto, os valores seriam de 0 se chover,
e de -1 se não chover. Eu posso, agora, calcular a expectativa de ficar em
casa:

0, 1 × 0 + 0, 9 × (−1)

Isto resulta em -0,9, e me dá a informação que eu precisava; porque eu


deveria escolher a ação que tem o maior valor geral, ou seja, expectativa.
Neste caso, dar uma volta de bicicleta tem expectativa 8,5, enquanto que ficar
em casa tem o valor -0,9. Portanto, eu deveria dar uma volta de bicicleta.
Deste modo, dada uma escolha entre a e ¬a, eu deveria escolher a que
tem maior expectativa. (Se forem as mesmas, eu posso simplesmente escolher
aleatoriamente, digamos jogando uma moeda para o alto.) No caso anterior,
há apenas duas possibilidades. Em geral, pode existir mais (digamos dar
uma volta de bike, ir ao cinema, e ficar em casa). Mas, o princípio é o
mesmo: calculo a expectativa de cada possibilidade, e escolho a que tiver
maior expectativa. Este tipo de raciocínio é um exemplo simples de um
ramo da Lógica que se chama teoria da decisão.
Agora vamos voltar à aposta de Pascal. Neste caso, há duas ações pos-
síveis: acreditar ou não; e há duas possibilidades relevantes: Deus existe ou
não. Podemos representar as informações relevantes na forma de uma tabela:
Deus existe Deus não existe
Eu acredito (b) 0, 1 \+102 0, 9 \−10
Eu não acredito (¬b) 0, 1 \−106 0, 9 \+102

94
Os valores à esquerda das barras contrárias (\) são as probabilidades
relevantes, 0,1 que Deus existe, digamos, 0,9 que Deus não existe. (Se eu
acredito ou não, não tem efeito nenhum no fato de que Deus existe ou não;
portanto, as probabilidades são as mesmas em ambas as fileiras.) Os valores
à direita das barras são os valores relevantes. Eu não me importo muito se
Deus existe ou não; o importante é que os coloque corretamente; portanto;
o valor em cada um destes casos é de +102 . (Talvez a preferência de alguém
aqui não seja exatamente a mesma, mas não importa muito, como veremos.)
Acreditar, quando Deus não existe, é uma inconveniência inferior, portanto
ganha o valor -10. Não acreditar, quando Deus existe, ainda é muito ruim.
Ele ganha o valor −106 .
Dados estes valores, podemos computar as expectativas relevantes:

E(b) = 0, 1 × 102 + 0, 9 × (−10) ≈ 0


E(¬b) = 0, 1 × (−10)6 + 0, 9 × 102 ≈ −105
(≈ significa ‘é aproximadamente igual a’.) Eu deveria escolher a ação que
possui a maior expectativa, que é acreditar.
Você pode pensar que os valores precisos que eu escolhi são artificiais de
alguma forma; e eles são. Mas, na verdade, os valores precisos não importam
muito. O valor importante é o −106 . Este valor representa algo que é muito
ruim. (Às vezes, um teórico da decisão escreveria isto como −∞.) É tão
ruim que irá inundar todos os outros valores, até mesmo se a probabilidade
da existência de Deus for bem baixa. Esta é a pegada da aposta de Pascal.
A aposta pode parecer bem persuasiva, mas na verdade ela faz um simples
erro de teoria da decisão. Ela omite algumas possibilidades relevantes. Não
existe um deus possível, existem vários: um deus cristão (Deus), Alá do Islã,
Brahma do Hinduísmo, e muitos outros que religiões inferiores adoram. E
um número destes são deuses muito ciumentos. Se Deus existe, e você não
acredita, você está encrencado; mas se Alá existe e você não acredita, você
está igualmente encrencado; e assim por diante. Além disso, se Deus existe,
e você acredita em Alá ou vice-versa - isso é ainda pior. Porque em ambas,
Cristianismo e Islã, acreditar em falsos deuses é pior do que ser um simples
descrente.
Vamos desenhar uma tabela com alguma informação mais realística.

95
sem deuses Deus existe Alá existe ...
não acredito (n) 0, 9 \+102 0, 01 \−106 0, 01 \−106 ...
Acredito em Deus (g) 0, 9 \−10 0, 01 \+102 0, 01 \−109 ...
Acredito em Alá (a) 0, 9 \−10 0, 01 \−109 0, 01 \+102 ...
.. .. .. ..
. . . .

Se computarmos as expectativas mesmo com essa quantidade limitada de


informação, temos:

E(n) = 0, 9 × 102 + 0, 01 × (−106 ) + 0, 01 × (−106 ) ≈ −2 × 104


E(g) = 0, 9 × (−10) + 0, 01 × 102 + 0, 01 × (−109 ) ≈ −107
E(a) = 0, 9 × (−10) + 0, 01 × (−109 ) + 0, 01 × 102 ≈ −107

As coisas estão parecendo bem obscuras por toda parte. Mas, está claro
que crenças teístas estão se saindo pior. Você não deveria ter nenhuma delas.
Deixe-me terminar, assim como terminei todos os capítulos, com alguns
motivos pelos quais alguém poderia se preocupar com o quadro geral apre-
sentado - especificamente, neste caso, a política de decidir de acordo com a
maior expectativa. Há situações em que isto parece definitivamente dar os
resultados errados.
Vamos supor que você faz a aposta errada na aposta de Pascal, e acaba
no Inferno. Após alguns dias, o Diabo aparece com uma oferta. Deus deu
poder para lhe mostrar alguma misericórdia. Portanto, o Diabo tramou um
plano (Figura 13.1). Ele lhe dará uma chance de sair do Inferno. Você pode
jogar uma moeda; se der cara, você está fora e vai ao céu. Se de coroa, você
fica no Inferno para sempre. Entretanto, a moeda não é justa, e o Diabo tem
controle da probabilidade. Se você jogar hoje, as chances de dar cara é de
1/2 (i.e., 1 − (1/2)). Se você esperar até amanhã, as chances sobem para 3/4
(i.e., 1 − (1/2)2 ). Você registra a informação:

Escapar Ficar no Inferno


Jogo hoje (d) 0, 5 \+106 0, 5 \−106
Jogo amanhã (m) 0, 75 \+106 0, 25 \−106

Escapar tem um valor positivo grande; ficar no Inferno tem um valor


negativo grande. Além disso, estes valores são os mesmos hoje e amanhã. É
verdade que se você esperar até amanhã, você teria que passar um dia extra

96
Figura 13.1: Um plano diabólico: nunca faça hoje o que deveria deixar para
amanhã.

no Inferno, mas um dia é insignificante comparado com o infinito número de


dias que estão por vir. Então, você faz os cálculos:

E(d) = 0, 5 × 106 + 0, 5 × (−106 ) = 0


E(m) = 0, 75 × 106 + 0, 25 × (−106 ) = 0, 5 × 106
Portanto, você decide esperar até amanhã.
Mas, amanhã, o Diabo vem a você e diz que se esperar mais um dia, as
chances ficarão ainda melhores: elas subirão até 7/8 (i.e., 1 − (1/2)3 ). Eu
deixarei você fazer os cálculos: você deveria esperar até o próximo dia. O
problema é que todos os dias o Diabo vem a você e oferece melhores chances

97
se esperar até o próximo dia. As chances ficam melhores, dia-a-dia, como a
seguir:

1 − 1/2, 1 − (1/2)2 , 1 − (1/2)3 , 1 − (1/2)4 , ..., 1 − (1/2)n , ...


Todo dia você faz o cálculo. A expectativa de jogar a moeda no dia n é:

(1 − (1/2)n ) × 106 + (1/2)n × (−106 )


Um pouco de aritmética nos diz que isso é igual a 106 × (1 − 2/2n ) =
106 × (1 − 1/2n−1 ). A expectativa para esperar até o próximo, n + 1-ésimo,
dia é a mesma, com n substituído por n + 1. Isto é, 106 × (1 − 1/2n ) - que é
maior. (1/2n é menor que1/2n−1 ) Todo dia, a expectativa aumenta.
Consequentemente, todo dia você faz a coisa racional e espera pelo outro
dia. O resultado é que você nunca irá jogar a moeda; portanto, você fica no
Inferno para sempre! Jogar a moeda em qualquer dia tem que ser melhor
do que isto. Portanto, parece que a única coisa racional a se fazer é ser
irracional!

98
Ideias centrais do capítulo

• E(a) = pr(o1 )×V (o1 )+...+pr(on )×V (on ) em que o1 , ..., on estabelecem
todos os resultados possíveis que possam ocorrer a partir de a como
sendo verdadeiro.

• A ação racional é aquela que torna verdadeiro o enunciado com a maior


expectativa.

Problema
Você aluga um carro. Se você não contrata o seguro e ocorre um acidente,
você gastará $1.500. Se você contrata o seguro e ocorre um acidente, você
gastará $300. O seguro custa $90 e você estima que a probabilidade de
ocorrer um acidente é 0,005. Assumindo que as únicas considerações são as
financeiras, você deve contratar o seguro?

99
Capítulo 14

Pare! O que está acontecendo aí?

Se você chegou tão longe neste livro, você já tem uma noção razoável das
ideias básicas da lógica moderna. Mas isso é apenas um início. A lógica mo-
derna vai muito além destas ideias, com resultados de grande profundidade
e beleza. Não há, é claro, nenhuma possibilidade de inspecioná-las em um
livro desta natureza, mas este capítulo e o próximo oferecerão, pelo menos,
um vislumbre do que está além. Vamos dar uma olhada em alguns resultados
sobre o que o raciocínio formal pode e não pode fazer, e algumas das implica-
ções filosóficas destes fatos. Um aviso: esses capítulos podem ser um pouco
mais difíceis que os anteriores. Tornei as coisas o mais simples possível, mas
estamos lidando com algumas questões matemáticas complexas. Dito tudo
isso, vamos ao tópico deste capítulo.
Leibniz — o mesmo Leibniz que conhecemos nos capítulos 6 e 9 — tinha
um sonho, um sonho que acabaria com todas as disputas. Sempre que ti-
vermos uma reivindicação sobre a qual haja disputa, podemos escrevê-la em
uma linguagem adequada, a caracteristica universalis. Então, para determi-
nar a veracidade da afirmação, calculemus — simplesmente calculamos. A
linguagem é tal que existe um processo de computação, um calculus ratioci-
nator, que pode ser aplicado para determinar se a afirmação é verdadeira ou
não.
Embora Leibniz tenha sugerido passos na direção de alcançar este projeto,
nunca passou de um sonho. A matemática de sua época simplesmente não
estava à altura do projeto que ele idealizava.
A matemática de nossa época está. As linguagens simbólicas que exami-
namos nos capítulos anteriores são tais que afirmações cujo valor de verdade

100
não é conhecido (pelo menos, muitas dessas afirmações) podem ser expres-
sas nelas. A questão que então permanece é se existe um procedimento de
cálculo adequado.
A resposta (infelizmente) é que não existe – mesmo para o domínio muito
limitado das afirmações matemáticas. Isso foi provado pelo matemático bri-
tânico Alan Turing (1912-1954) em 1936 (Figura 14.1). Turing é um dos
fundadores da ciência da computação moderna. Claro, em sua época não
havia nada como o computador moderno, agora familiar para a maioria das
pessoas. Mas a teoria de tais máquinas foi, de fato, desenvolvida por Turing
e outros muito antes desses computadores existirem, deixando outros para
descobrir como as ideias poderiam ser implementadas na prática – ainda
que o próprio Turing tenha feito alguns avanços notáveis nos aspectos mais
práticos de construção de máquinas de computação (por exemplo, com seu
trabalho no Projeto Enigma, destinado a decodificar as transmissões de rá-
dio navais alemãs na Segunda Guerra Mundial). Como seria de esperar, a
conexão entre o interesse de Turing pela computação e o sonho de Leibniz
não é coincidência.
O que é um computador? Na sua forma mais simples, é algum dispositivo
que recebe uma entrada ou algumas entradas, executa algum procedimento
— os matemáticos chamam de algoritmo, nome que vem do matemático persa
Al Khwārizmı̄ (780–850) — e então (se você tiver sorte) lhe dá uma saída.
As entradas e saídas dos computadores modernos são de diferentes tipos:
números, texto, imagens, sons. Mas, para a máquina, tudo isso são apenas
números. Isso é tudo o que ela pode operar. Os dispositivos de entrada do
computador traduzem a entrada em uma sequência de números com a qual
o algoritmo opera. O dispositivo de saída inverte o procedimento.
A forma na qual os números usados pelo computador são armazenados
não é aquela que é familiar à aritmética da escola primária. As células de
armazenamento de um computador podem estar em apenas um dos dois
estados: ligado ou desligado. Assim, o computador tem apenas dois bits
básicos de informação que pode empregar. Pode-se pensar neles como 1 e 0.
Qualquer número deve ser expresso usando apenas esses dois dígitos. Isso é
feito usando aritmética binária. (Isto é, como você contaria se tivesse apenas
dois dedos.) Na aritmética padrão (decimal), um numeral é realmente uma
forma de expressar uma soma de potências de 10. Portanto, 4302 é:

101
4 × 103 + 3 × 102 + 0 × 101 + 2 × 100
(100 — na verdade, qualquer coisa elevada à potência 0 — é simplesmente
1). De forma similar, um numeral binário representa uma soma de potências,
mas desta vez potências de 2. Portanto, 1011 é:

1 × 23 + 0 × 22 + 1 × 21 + 1 × 20
A tabela a seguir fornece a conversão entre os primeiros numerais decimais
e os primeiros numerais binários:

Decimal Binário
0 0
1 1
2 10
3 11
4 100
5 101

Podemos, portanto, considerar nossa computação (algoritmo) como algo


que opera em números expressos desta forma binária.
Já falamos o suficiente da entrada e da saída, mas o que é uma compu-
tação? Uma computação é especificada por um conjunto de regras do tipo
encontrado em programas de computador padrão. Tais programas são escri-
tos em muitas linguagens diferentes, cujos detalhes precisos não são relevantes
aqui. Um programa um tanto monótono pode se parecer com isto:
1. se x = 0 retorne x; senão vá para a linha 2
2. faça x := x − 1
3. vá para a linha 1
Os números à esquerda são números de linha. A entrada é algum número
x. A primeira linha testa para ver se é 0 e, se for, retorna-o como saída. Caso
contrário, o programa vai para a próxima linha. Essa linha decrementa x em
1 e, em seguida, a computação volta para a linha 1. Não é preciso muito
esforço para entender que o que este programa faz é pegar qualquer entrada
e, em seguida, rodar em um loop, subtraindo 1 dessa entrada até que ela seja
0, valor que, em seguida, é retornado como saída.

102
Até aqui tudo bem. Em seguida – e isso é realmente algo inteligente
sobre os computadores modernos – o computador não precisa esperar que
alguém insira cada linha do programa à medida que a computação prosse-
gue. O próprio programa é armazenado no computador. Evidentemente, ele
é armazenado como um número. O computador não tem como armazenar
nada de diferente disso. (Na verdade, pode-se pensar em todo o estado do
computador a qualquer momento como simplesmente uma enorme sequên-
cia de 1s e 0s – um enorme numeral binário!) Pode-se tomar o número que
representa o programa e é armazenado no computador como o ‘código nu-
mérico’ do programa. Se n for um número qualquer, considere que Pn é o
programa com esse código numérico. (Se, devido à maneira como a codifica-
ção é implementada no computador, n não for o código numérico de nenhum
programa, podemos simplesmente considerar que Pn é o programa simples
acima, por padrão.) Estritamente falando, um programa ele próprio não se
importa realmente com quantas entradas supõe-se que o algoritmo que está
executando trabalha. Ele apenas se serve de qualquer informação que reside
no computador quando isso lhe é solicitado. Por convenção, porém, pode-
mos assumir que todos os bits de informação de entrada são definidos como
0, exceto os relevantes, que são devidamente preenchidos.
Ora, às vezes, um programa com uma determinada entrada fornecerá uma
saída; mas às vezes ele continuará executando para sempre. Assim, considere
o seguinte programa:
1. faça x := x + 1
2. se x = 0, retorne x; senão vá para a linha 1
Esse programa pega alguma entrada e adiciona 1 a ela. Em seguida, ele
testa para ver se x é 0 e, se for, retorna x como saída. Mas é claro que x não
vai ser zero (nossos números binários são sempre maiores ou iguais a zero),
então voltamos para a linha 1 e repetimos o processo. Nunca chegamos
a 0 adicionando 1 e, portanto, a computação nunca cessa e continua para
sempre, em um loop infinito (na prática, até que a máquina quebre ou x se
torne um número grande demais para ela). Vamos chamar esse programa,
para referência futura, L (de looping).
Programas bem construídos são projetados para que isso nunca aconteça.
O programador analisa o programa para ver se ele nunca vai entrar em um
loop infinito desse tipo. Mas isso sempre pode ser feito? Existe um algoritmo
que podemos aplicar a um programa (ou, mais precisamente, a seu número

103
de código) e suas entradas, para determinar se uma computação com esse
programa e essas entradas termina ou não?
A resposta é não. E foi isso que Turing provou. A prova é relativamente
simples, mas muito astuciosa. É por reductio ad absurdum. Em tal prova,
assumimos o oposto do que desejamos provar e então mostramos que isso
leva a algo inaceitável.
Então, suponha que houvesse um algoritmo que fizesse o que precisava
ser feito. Chame-o de A. Assim, quando A é aplicado a duas entradas, n e
i, ele produz 1 ou 0. 1 significa que uma computação do programa Pn com a
entrada i termina; 0 significa que não.
Agora considere o seguinte algoritmo. Vamos chamá-lo de T (de Turing):

• Execute o algoritmo A com as entradas x e x. Esse algoritmo termina


retornando um 1 ou um 0.

• Se for 0, retorne 1 como saída.

• Se for 1, execute L com a entrada x.

O que este programa faz com a entrada x? Essencialmente, ele aplica A


para determinar se uma computação de Px com a entrada x para. Se não, ele
emite um 1. Em particular, ele para. Mas se essa computação parar, toda a
computação entrará em um loop infinito e nunca parará.
Eu descrevi o programa T em termos de razoável “alto nível”. Mas não
há nada de particularmente problemático nisso. Qualquer programador ha-
bilidoso que entenda como a informação é codificada no computador e arma-
zenada nele, e que esteja usando uma linguagem que tenha acesso direto a
esses dados, pode escrever um programa desses.
Agora vamos completar a prova: T , ele próprio, tem um código numérico.
Chame-o de t. Podemos executar T com o próprio t como entrada. Se essa
computação para, a execução de A com as entradas t e t para e a saída é 1.
Mas então a computação com T entra em um loop infinito e nunca para. Se,
por outro lado, a execução de T com a entrada t não para, então a execução
de A com as entradas t e t para e a saída é 0. Portanto, a computação com
T para e produz 1 como saída. Portanto, se a computação não para, ela
para! De qualquer maneira, então, temos algo impossível. Portanto, nossa
suposição original de que existe um algoritmo A deve ter sido falsa.

104
O que há de astuto na prova de Turing é um certo tipo de auto-referência.
(Encontramos a auto-referência no Capítulo 5.) Ele pega um suposto pro-
grama e o aplica a seu próprio código. Isso às vezes é chamado de diagonali-
zação, uma técnica inventada pelo grande matemático alemão Georg Cantor
(1845-1918), em suas investigações acerca do infinito. Você pode ver por que
é chamado assim, considerando a tabela a seguir:

0 1 2 3 4 ...
0 a00 a01 a02 a03 a04 ...
1 a10 a11 a12 a13 a14 ...
2 a20 a21 a22 a23 a24 ...
3 a30 a31 a32 a33 a34 ...
4 a40 a41 a42 a43 a44 ...
.. .. .. .. .. ..
. . . . . .

No lado esquerdo estão os códigos dos programas. Na parte superior


estão as entradas. O item axy é a saída do programa (com código) x, quando
executado com a entrada y. Se essa computação não termina, podemos
indicar isso pelo símbolo ∞. O que o algoritmo A faz – se existisse – é
calcular se o valor de axy é ∞ ou não. T pega o resultado desse cálculo
na diagonal (em negrito) e opera nele para garantir que T se comporte de
maneira diferente de Px na entrada x. Então T não pode estar na lista
da esquerda. Mas todos os programas aparecem nesta lista. Portanto, T
não existe. E como T foi definido de maneira não problemática a partir do
algoritmo A, A tampouco pode existir.
O resultado é conhecido como Teorema da Parada. E o que isso mostra
é que não há algoritmo que possa determinar se um determinado programa,
com qualquer entrada, para (embora, é claro, possamos fazer isso em casos
particulares). E – voltando finalmente ao sonho de Leibniz – o que vemos é
que existem questões matemáticas, como esta, para as quais não há algoritmo
para determinar sua veracidade. O sonho de Leibniz não pode ser realizado.
Terminei os capítulos anteriores apontando possíveis razões para contes-
tar a linha de pensamento percorrida no capítulo. Deixe-me terminar este
capítulo da mesma maneira. Dados os pressupostos padrões da teoria dos
números, é impossível contestar a prova de Turing. Essa prova é uma peça
matemática tão boa quanto possível. Mas, no argumento que apresentei, há
uma suposição que fiz até agora sem comentar. A suposição é que tudo o que

105
podemos reconhecer como um algoritmo pode ser programado em um com-
putador. Se não for esse o caso, então a prova de Turing mostra apenas que
não há nenhum programa de computador que possa determinar se qualquer
computação para. Mas talvez possa haver algum outro tipo de algoritmo –
talvez um que possa ser utilizado no projeto de Leibniz.
A afirmação de que se pode escrever um programa de computador para
cada algoritmo é chamada de Tese de Church-Turing, em homenagem a Tu-
ring e ao matemático americano Alonzo Church (1903-1995). A tese ela
própria não é suscetível de prova matemática, já que uma tal prova só pode
funcionar com noções precisamente definidas; e, enquanto a noção do que um
computador pode fazer pode ser definida em termos matemáticos precisos,
a noção de um algoritmo é meramente informal e intuitiva. Um algoritmo
é, grosso modo, um procedimento que pode ser feito em etapas onde não há
adivinhação nem criatividade — e essas são noções um tanto quanto vagas.
A Tese de Church-Turing foi por muito tempo bem aceita pelos matemáti-
cos. Há toda uma história de tentativas de refutá-la. Todas essas tentativas
tentaram produzir algo que pudesse ser reconhecido, intuitivamente, como
algorítmico, mas que não pudesse ser programado em um computador – uma
questão que é suscetível de prova matemática precisa. Todas essas tentativas
falharam; daí a ortodoxia da Tese de Church-Turing.
No entanto, existem agora áreas de pesquisa em métodos de computação
diferentes do tipo empregado por um computador desktop. Às vezes, esses
métodos são chamados de hipercomputação. Um exemplo: alguns desses
métodos usam grandezas analógicas, em vez de digitais. (As quantidades
analógicas são contínuas, como o comprimento, ao passo que as quantidades
digitais são discretas, como os números binários.) Outro exemplo: alguns
desses métodos apelam para as propriedades do espaço e do tempo na Teoria
Geral da Relatividade, onde o tempo pode “acelerar”. Ainda é muito cedo
para saber qual será o resultado dessas investigações.

Ideias centrais do capítulo

• Pode-se atribuir códigos numéricos a algoritmos.

• Se houvesse um algoritmo, A, para determinar se o algoritmo com


código numérico x (isto é, Px ) termina quando executado com a entrada

106
y, poderíamos usá-lo para definir um algoritmo, T , que calcula o valor
de A com as entradas x e x, e usa o resultado para garantir que sua
própria saída seja diferente de cada Px ‘ao longo da diagonal’.

• O próprio algoritmo T deve ter um código numérico, t. A execução de


T com a entrada t produziria um resultado impossível.

• Portanto, não existe um algoritmo como T e, consequentemente, ne-


nhum algoritmo como A.

Problema
O que há de errado com o seguinte argumento: “Claro que existe um al-
goritmo para determinar se um programa com uma determinada entrada
termina. Simplesmente executamos o programa com essa entrada e vemos o
que acontece. Das duas uma: ou ele terminará ou não. De qualquer forma,
teremos um resultado”?

107
Figura 14.1: Alan Turing (1912–54), um dos fundadores da moderna ciência
da computação.

108
Capítulo 15

Talvez isto seja verdade – mas


você não pode provar!

O título deste capítulo lembra algo que um delinquente poderia dizer a um


policial. Mas, na verdade, anuncia outro dos resultados mais significativos
da lógica nos últimos 100 anos. (Um aviso breve: nos capítulos anteriores,
usei letras minúsculas (a, b, etc.) para frases. Neste capítulo, usarei letras
maiúsculas (A, B, etc.), para evitar qualquer possível confusão com núme-
ros.)
Leibniz não foi o único lógico na história a ter um projeto ambicioso. Um
outro foi um dos matemáticos mais importantes do século XX, David Hilbert
(1862–1943), que viveu e trabalhou em Göttingen. Seu projeto, geralmente
chamado de Programa de Hilbert nos Fundamentos da Matemática, era provar
que a matemática era consistente; isto é, provar que em matemática nunca
se pode provar nada da forma A e ¬A. Na década de 1920, a matemática
ainda estava em estado de choque com a descoberta do paradoxo de Russell
(que conhecemos no Capítulo 5) e outros de sua espécie; esses argumentos
paradoxais atingiram o cerne da matemática. Hilbert queria ter certeza de
que isso não aconteceria novamente.
É preciso ter um pouco de cuidado aqui. A prova de consistência seria,
é claro, uma prova matemática. E se a matemática é inconsistente, talvez
pudesse provar, no fim das contas, sua consistência. De fato, se a lógica
empregada for aquela que examinamos no Capítulo 2, se a matemática for
inconsistente, ela pode provar tudo! Como vimos ali, nessa lógica, tudo
decorre de uma contradição. Assim, a prova de consistência tinha de ser

109
feita com um tipo de raciocínio matemático particularmente seguro. Hilbert
chamo-o de finitário; mas essa não é a parte relevante da história aqui.
A parte relevante é esta: para provar que algo é consistente, primeiro você
precisa entendê-lo claramente. E, se você vai aplicar a matemática a esse algo,
você precisa de uma especificação precisa. Assim, como passo preliminar para
seu projeto principal, Hilbert exigia um sistema de axiomas apropriado para
a matemática, o qual ele poderia então provar ser consistente.
Um sistema de axiomas compreende uma coleção de axiomas. Estes são
coisas que podemos aceitar sem provas. (O conjunto de axiomas pode ser
finito ou infinito. Mas se for infinito, precisamos ser capazes de dizer que
algo é um axioma. De modo mais específico, deve haver algum algoritmo que
determine isso.) Uma prova no sistema é apenas uma sequência de asserções,
cada uma das quais é um axioma ou pode ser deduzida de asserções anteriores
na sequência. Os teoremas do sistema são coisas que ocorrem no final das
provas. Os teoremas, então, são as coisas que podem ser deduzidas, em
última instância, dos axiomas.
O método da axiomatização é algo venerável na matemática. Foi aplicado
à geometria pelo matemático da Grécia Antiga Euclides (meados do século
IV a meados do século III aC). No entanto, e talvez surpreendentemente, o
método não foi amplamente aplicado na matemática até o século XX. Até
então, as únicas partes da matemática formuladas axiomaticamente eram a
geometria (ou, mais precisamente, geometrias; no início do século XIX, os
matemáticos sabiam que havia outras geometrias além da de Euclides —
geometrias não euclidianas) e algumas partes da álgebra abstrata.
A ambiciosa proposta de Hilbert exigia que toda a matemática fosse axi-
omatizada. Ou seja, era necessário um sistema de axiomas, cujos teoremas
fossem todas e somente as afirmações matemáticas que são verdadeiras (o
que quer que se entenda por ser verdadeiro em matemática). A suposição da
existência desse sistema de axiomas foi refutada por aquele que talvez seja
lógico mais famoso do século 20, o matemático austríaco Kurt Gödel (1906-
1978; Figura 15.1). O que Gödel mostrou foi que tal sistema de axiomas
não pode ser fornecido nem mesmo para o fragmento da matemática que diz
respeito aos números naturais (0, 1, 2, · · · ), muito menos para o restante da
matemática. Este fragmento de matemática é geralmente chamado de arit-
mética. Então, o que Gödel mostrou foi que, embora possa haver sistemas de
axiomas que capturem algumas das verdades da aritmética, não há nenhum

110
sistema de axiomas que capture todas elas. Como dizem os lógicos, o sistema
de axiomas deve ser incompleto.
Dadas as coisas que aprendemos no Capítulo 14, o resultado de Gödel
pode ser mostrado de forma bastante direta. A prova é, novamente, por
reductio ad absurdum. Tomemos uma linguagem simbólica que discorra sobre
números e que tenha recursos para expressar as coisas que se pode fazer com
eles: somar, multiplicar, etc. Não é difícil produzir tal coisa. A asserção
de que uma computação com programa (com código) n e entrada i termina
pode ser expressa por uma asserção nessa linguagem. (Demora um pouco
ou dá trabalho mostrar isso, mas não é difícil.) Chame essa asserção de Sni .
Agora suponha que houvesse uma axiomatização completa da aritmética,
ou seja, um sistema de axiomas cujos teoremas fossem todos e apenas as
verdades dessa linguagem. Nesse caso, há um algoritmo para decidir se Sni
é verdadeiro. Simplesmente começamos a provar os teoremas de maneira
sistemática, garantindo que tudo o que pode ser provado seja provado mais
cedo ou mais tarde. (Não é difícil projetar tal procedimento.) Mais cedo ou
mais tarde, então, uma prova de Sni ou ¬Sni aparecerá, decidindo a questão.
(Podemos não saber quanto tempo isso levará, mas isso não importa.) Mas
o Teorema da Parada do Capítulo 14 nos diz que não pode haver algoritmo
para decidir a questão. Portanto, não pode haver tal axiomatização.
A prova que acabei de esboçar não é a prova de Gödel. De fato, sua
prova apareceu em 1931, cinco anos antes da prova de Turing do Teorema da
Parada. Mas a prova de Gödel é tão engenhosa quanto a de Turing – se não
for mais – e também emprega um certo tipo de auto-referência. Em linhas
gerais, ela funciona assim:
Suponha que temos um sistema de axiomas para aritmética em uma lin-
guagem com capacidade expressiva suficiente. Todos os seus teoremas são
verdadeiros, mas ele pode não ser capaz de provar todas as afirmações ver-
dadeiras da linguagem; por isso pode não ser completo. Uma asserção mate-
mática nessa linguagem é apenas um fragmento de texto e, como observamos
no Capítulo 14, essa asserção pode ser codificada por um número. Um pro-
grama de computador é uma sequência de instruções e, como observamos
no Capítulo 14, isso também pode ser codificado como um número. Uma
prova matemática, todavia, também é apenas uma sequência de asserções e,
portanto, pode ser codificada como um número da mesma maneira.
Considere agora a asserção: x é (o código de ) uma prova da asserção

111
(com código) y. Esta frase ela própria é uma asserção sobre números e pode
ser expressa por uma frase na linguagem, digamos, P rov(x, y). Além disso,
desde que os axiomas do sistema sejam fortes o suficiente:

• se m é de fato (o código de) uma prova de um teorema (com código)


n, P rov(m, n) pode ser demonstrada no sistema de axiomas.

Mostrar essas coisas é, na verdade, bem difícil e requer um trabalho ma-


temático considerável. Mas isso pode ser feito, como mostrou Gödel.
Dizer que a asserção (com código) y é demonstrável é simplesmente dizer
que há uma prova disso: ∃xP rov(x, y). Mas – e aqui está a parte real-
mente inteligente da prova de Gödel –,por uma construção engenhosa, pode-
se encontre uma frase essencialmente da forma ¬∃xP rov(x, y) cujo código
numérico é o próprio n! Com efeito, a asserção diz: esta asserção não é
demonstrável (no sistema)! Chame esta frase de G (de Gödel).
Agora, suponha que G, isto é, ¬∃xP rov(x, y) fosse demonstrável no sis-
tema de axiomas. Então algum número, m, seria o código de uma prova
de G. Portanto, P rov(m, n) seria verdadeiro e, portanto, demonstrável no
sistema de axiomas (pelo item destacado acima). Mas ∃xP rov(x, y) decorre
disso e, portanto, é demonstrável. O sistema de axiomas, então, é inconsis-
tente. Assumindo que este não seja o caso, então G não pode ser provado.
Mas nesse caso G é verdadeira, porque é isso que diz! Portanto, há verdades
na linguagem que não podem ser provadas no sistema. Portanto, não existe
um sistema de axiomas completo para aritmética.
O teorema de Gödel – seja como for demonstrado – mostra uma clara
limitação do método axiomático em matemática (o que não quer dizer que
este método não deva ser usado; na verdade, a axiomatização é, hoje em dia,
mais do que nunca um elemento básico da metodologia matemática). Em
particular, desferiu um golpe mortal no Programa de Hilbert. A aritmética
não pode ser axiomatizada – muito menos toda a matemática. Acredita-
se que o resultado de Gödel tenha muitas outras consequências filosóficas,
relativas à natureza dos números, nosso conhecimento deles e até mesmo à
natureza da mente humana. Os debates ainda continuam, e isso é não é o
lugar para entrar neles.
Deixe-me terminar, mais uma vez, levantando uma questão sobre o Te-
orema. A matemática de ambas as provas que dei é incontestável. Mas

112
ambas as provas fazem uma certa suposição (que Hilbert certamente assu-
miu – ou pelo menos esperava! – ser o caso): que as verdades sobre números
e, portanto, um sistema de axiomas que captura qualquer parte delas, são
consistentes. Isso está bem explícito na prova de Gödel, mas também está
presente na primeira prova que dei. Essa prova assume que exatamente um
de Sni e ¬Sni aparecerá, resolvendo a questão de uma forma ou de outra.
Mas se o sistema for inconsistente, este pode não ser o caso: ambos podem
aparecer, deixando o assunto controverso – para dizer o mínimo!
Ora, como deve estar claro para os leitores, a frase G empregada na prova
de Gödel é uma prima muito próxima do paradoxo do mentiroso, que encon-
tramos no Capítulo 5. Ambas dizem de uma certa frase que ela própria não
tem alguma propriedade crucial. De fato, há um paradoxo sobre a demons-
trabilidade intimamente relacionado ao paradoxo do mentiroso. Considere a
frase: esta frase não é demonstrável. Suponha que seja demonstrável. En-
tão é verdadeira. Portanto, não é demonstrável. Portanto (por reductio ad
absurdum) não pode ser demonstrada. Mas acabamos de demonstrar isso,
então ela é demonstrável!
Se alguém tentar realizar um raciocínio desse tipo para a frase G em seu
sistema de axiomas, ele não poderá ser reproduzido no sistema de axiomas.
Talvez um tanto quanto surpreendentemente, se o sistema for consistente, a
alegação de que se algo é demonstrável no sistema é verdadeiro não pode ser
provada no sistema. (Isto foi provado pelo matemático alemão Martin Löb
(1921-2006) em 1955, e por isso é geralmente chamado de Teorema de Löb.)
Portanto, o paradoxo não pode ser usado para estabelecer a inconsistência do
sistema de axiomas. No entanto, ele mostra que paradoxos de auto-referência
espreitam nas proximidades da aritmética. Dado isso, talvez não devêssemos
estar tão confiantes de que a verdade sobre os números é consistente.

Ideias centrais do capítulo

• Um sistema de axiomas para aritmética é completo se puder provar


cada frase verdadeira em sua linguagem.
• Nenhum sistema de axiomas em uma linguagem com poder suficiente-
mente expressivo é completo.
• Isso pode ser inferido a partir do Teorema da Parada.

113
• Também pode ser provado considerando uma frase que diz: esta frase
ela própria não é demonstrável (no sistema).

Problema
Digamos que um sistema de axiomas tenha a propriedade de disjunção apenas
se, sempre que alguém puder provar algo da forma A ∨ B, puder provar A ou
B (ou ambos). Suponha que tenhamos um sistema de axiomas consistente
para aritmética, cujos teoremas sejam verdadeiros e cuja lógica seja a do
Capítulo 2. Ele pode ter a propriedade de disjunção? (Dica: use o fato de
que nesta lógica a lei do terceiro excluído é válida - isto é, a lógica pode
provar toda frase da forma A ∨ ¬A. Em seguida, use a frase G de Gödel.)

15.1 Coda – o outro teorema de incompletude


de Gödel
O resultado que examinamos neste capítulo às vezes é chamado de primeiro
teorema da incompletude de Gödel. Ao mesmo tempo em que provou esse
resultado, Gödel provou outro, chamado de segundo teorema da incomple-
tude. Ele mostra, essencialmente, que se tivermos um sistema de axiomas
consistente do tipo que estamos examinando, ele não pode provar uma frase
tomada naturalmente como expressando a consistência do sistema – pelo me-
nos se o sistema for baseado na lógica que examinamos no Capítulo 2. Na
verdade, é bastante fácil mostrar isso a partir do Teorema de Löb.
Em primeiro lugar, note que, como o sistema pode provar que ¬0 = 1,
se puder provar que 0 = 1 ele é inconsistente. Por outro lado, se for incon-
sistente, pode provar que 0 = 1, por causa da inferência de uma contradição
para qualquer conclusão, que observamos no Capítulo 2. Portanto, uma ma-
neira simples de dizer que o sistema é consistente é dizer que não pode provar
que 0 = 1.
Agora, se A é uma frase qualquer da linguagem da teoria, vamos escreva
⟨A⟩ para seu código numérico. Adicionalmente, um enunciado um pouco
mais preciso do Teorema de Löb é o seguinte:
• Se um sistema pode provar a frase ∃xP rov(x, ⟨A⟩) ⊃ A, então ele pode
provar a frase A.

114
Isto é,

• Se um sistema não pode provar a frase A, então ele não pode provar a
frase ∃xP rov(x, ⟨A⟩) ⊃ A.

Assim, em particular, se um sistema não pode provar 0 = 1, ele não pode


provar que:

• ∃xP rov(x, ⟨0 = 1⟩) ⊃ 0 = 1

Em outras palavras, se um sistema é consistente, ele não pode provar que


∃xP rov(x, ⟨0 = 1⟩) ⊃ 0 = 1.
Mas, então, ele tampouco pode provar ¬∃xP rov(x, ⟨0 = 1⟩), pois, para
qualquer C, A ⊃ C segue de ¬A (como mostra a tabela de verdade para ⊃
do Capítulo 7: se A é falsa, A ⊃ C é verdadeira). Portanto, se o sistema
é consistente, ele não pode provar que ¬∃xP rov(x, ⟨0 = 1⟩), i.e., que ele é
consistente. Esse é o segundo teorema de incompletude de Gödel.
Esse teorema desferiu um segundo golpe no Programa de Hilbert. O
objetivo do programa era, lembre-se, primeiro, axiomatizar a matemática;
então, em segundo lugar, provar que o sistema de axiomas é consistente.
A prova seria, obviamente, uma prova matemática e, portanto, executável
no próprio sistema. O primeiro teorema de incompletude mostrou que a
primeira etapa do programa não poderia ser realizada. O segundo teorema
de incompletude mostrou que a segunda etapa tampouco poderia.

115
Figura 15.1: Kurt Gödel (1906-1978), possivelmente o lógico mais famoso do
século 20.

116
Um pouco de história e sugestões
adicionais de leitura

As ideias que examinamos neste livro foram desenvolvidas em vários lugares e


épocas distintos. Nesta seção, descreverei a história da lógica e localizarei as
ideias em seu contexto histórico. Vou primeiro esboçar brevemente a história
da lógica em geral; então irei passar, capítulo por capítulo, e explicar como
os detalhes se encaixam no quadro mais geral.
À medida que avançamos, também darei algumas sugestões adicionais de
leituras, em que você poderá perseguir várias questões, se desejar. Isso não
é tão fácil quanto se pode pensar. Em geral, lógicos, filósofos e matemáticos
preferem escrever uns para os outros. Encontrar coisas escritas para iniciantes
não é fácil, mas fiz o meu melhor.
Na história intelectual ocidental, houve três grandes períodos de desen-
volvimento da lógica, com períodos um tanto estéreis entre eles. O primeiro
grande período foi a Grécia antiga, entre cerca de 400 aC e 200 aC. A figura
mais influente aqui é Aristóteles (384-322), que conhecemos no Capítulo 6.
Aristóteles desenvolveu uma teoria sistemática de inferências chamada “silo-
gismos”, que têm a forma:

Todos [alguns] As são [não são] Bs.


Todos [alguns] Bs são [não são] Cs.
Portanto, todos [alguns] As são [não são] Cs.

Aristóteles viveu em Atenas grande parte de sua vida, fundou uma escola
de filosofia chamada Liceu e geralmente é considerado o fundador da lógica
ocidental. Todavia, mais ou menos na mesma época, havia outra próspera
escola de lógica em Mégara, cerca de 50 km a oeste de Atenas. Pouco se

117
sabe sobre os lógicos megáricos, mas eles parecem ter se interessado parti-
cularmente por condicionais e também por paradoxos lógicos. Euclides (que
conhecemos nos capítulos 5 e 10) era megárico. Outro importante movimento
filosófico começou em Atenas por volta de 300 aC. Chamava-se Estoicismo,
devido ao alpendre (em grego: ’stoa’) onde eram realizadas as primeiras reu-
niões. Embora as preocupações filosóficas do estoicismo fossem muito mais
amplas do que a lógica, a lógica era uma importante delas. Supõe-se geral-
mente que a lógica megárica exerceu influência sobre os lógicos estoicos. De
qualquer forma, uma das principais preocupações dos lógicos estoicos era a
investigação do comportamento da negação, da conjunção, da disjunção e do
condicional.
Também deve ser mencionado que na mesma época em que tudo isso
estava acontecendo na Grécia, teorias da lógica estavam sendo desenvolvidas
na Índia. Contudo, Por mais importantes que sejam essas teorias, elas nunca
se desenvolveram nos níveis sofisticados em que lógica se desenvolveu no
Ocidente.
O segundo período de crescimento na lógica ocidental começa no início
da Idade Média, com filósofos árabes como Ibn Rushd (Averroes, 1126-1198),
mas floresce nas universidades europeias medievais, como Paris e Oxford, dos
séculos XII a XIV. Os lógicos medievais incluem figuras notáveis como Duns
Scotus (1266-1308) e Guilherme de Ockham (1285-1349), e eles sistematiza-
ram e desenvolveram enormemente a lógica que herdaram da Grécia antiga.
Após esse período, a lógica praticamente estagnou até a segunda metade do
século XIX, sendo Leibniz (1646-1716), que conhecemos nos capítulos 6, 9 e
14, o único ponto radiante no horizonte durante esse período. Leibniz ante-
cipou alguns dos desenvolvimentos modernos da lógica, mas a matemática
de sua época simplesmente não permitia que suas ideias decolassem.
O desenvolvimento da álgebra abstrata no século XIX forneceu exata-
mente o que era necessário e desencadeou o início do terceiro, e possivel-
mente o maior, dos três períodos. Ideias lógicas radicalmente novas foram
desenvolvidas por pensadores como Frege (1848-1925) e Russell (1872-1970),
que conhecemos nos capítulos 2 e 4, respectivamente. As teorias lógicas de-
senvolvidas a partir deste trabalho são normalmente referidas como lógica
moderna, em oposição à lógica tradicional que a precedeu.
Os desenvolvimentos na lógica continuaram em ritmo acelerado ao longo
do século 20 e ainda não mostram sinais de desaceleração.

118
Um livro que conta a história padrão da lógica é Kneale e Kneale (1975).
Esse livro encontra-se agora um pouco datado e é caracterizado por uma
postura, mais otimista do que talvez seja justificada, de que os primeiros
lógicos modernos ao fim e ao cabo acertaram em tudo; mas ainda é uma
excelente obra de referência. Zalta (1995–) pode ser consultado em muitos
artigos importantes sobre os tópicos abordados neste livro, embora alguns
deles tendam a ser bastante técnicos.
***

Capítulo 1: Validade
A distinção entre validade dedutiva e indutiva remonta a Aristóteles. Teorias
de validade dedutiva foram articuladas desde aquela época. A concepção des-
crita no Capítulo 1 – de que uma inferência é dedutivamente válida apenas se
a conclusão for verdadeira em qualquer situação em que suas premissas sejam
verdadeiras – pode ser rastreada até a lógica medieval; mas sua articulação é
uma parte central da lógica moderna. Um aviso: o que chamei de situação é
mais comumente chamado de interpretação, estrutura ou, às vezes, modelo. A
própria palavra “situação” tem um sentido diferente, e técnico, em uma área
da lógica. Lewis Carroll (cujo nome verdadeiro era Charles Dodgson) não
era um lógico medíocre e publicou vários trabalhos sobre lógica tradicional.

Capítulo 2: Funções de verdade - ou não?


O argumento de que as contradições implicam tudo é uma invenção medieval.
Não é claro exatamente quem o inventou, mas o argumento certamente pode
ser encontrado em Scotus. A própria compreensão verofuncional da negação,
conjunção e disjunção parece ter surgido na Idade Média. (A explicação
estoica não era verofuncional no sentido moderno.) Em sua forma totalmente
articulada, aparece nos fundadores da lógica moderna, Frege e Russell. Um
dissidente moderno é Strawson (1952, cap. 3).

Capítulo 3: Nomes e quantificadores


A distinção entre nomes e quantificadores é em grande parte uma criação
da lógica moderna. De fato, a análise de quantificadores é muitas vezes

119
considerada um momento decisivo da lógica moderna. Foi fornecida por Frege
e mais tarde retomada por Russell. Mais ou menos na mesma época, o filósofo
e lógico americano C. S. Peirce estava desenvolvendo ideias semelhantes. ∃x
costuma ser chamado de quantificador existencial, mas essa terminologia traz
de contrabando uma teoria da existência um tanto controversa. As obras
de Lewis Carroll sobre Alice estão repletas de piadas filosóficas. Para um
excelente comentário sobre elas, ver Heath (1974). Para muitas das próprias
piadas de Heath sobre nada, ver Heath (1967).
As teorias explicadas nos Capítulos 1–3 podem ser encontradas em qual-
quer texto padrão de lógica moderna. Hodges (1977) é um desses textos
que não é conduzido em um nível muito espantoso; tampouco o é Lemmon
(1971). As técnicas de lógica dedutiva a serem encontradas nos capítulos
subsequentes são descritas com muito mais detalhes em Priest (2008); esse
livro, entretanto, pressupõe um primeiro curso de lógica.

Capítulo 4: Descrições e existência


O isolamento de descrições como uma importante categoria lógica também
é algo encontrado apenas na lógica moderna. Talvez a análise mais famosa
desse tópico tenha sido feita por Russell em 1905. A explicação neste capí-
tulo não é de Russell, mas é muito próxima em espírito. As descrições são
discutidas em alguns, mas não em todos os textos padrões de lógica moderna.
Em Hodges (1977) encontra-se uma explicação boa e clara.

Capítulo 5: Auto-referência
Várias versões diferentes do paradoxo do mentiroso podem ser encontradas
na filosofia grega antiga. Mais paradoxos de auto-referência foram inventados
e discutidos ao longo da lógica medieval. Mais alguns foram descobertos na
virada do século 20 – e desta vez no cerne da própria matemática. Desde
então, eles se tornaram uma questão muito central na lógica. As sugestões
para resolvê-los são inúmeras. A ideia de que pode haver algumas frases que
não são nem verdadeiras nem falsas remonta a Aristóteles (De Interpretati-
one, cap. 9); no entanto, ele não simpatizava com a ideia simétrica de que
algumas frases podem ser verdadeiras e falsas. Que possam existir tais fra-
ses, e que frases paradoxais possam estar entre elas, é uma concepção pouco

120
ortodoxa que tem sido apresentada por alguns lógicos nos últimos quarenta
anos. As discussões sobre os paradoxos da auto-referência tendem a se tornar
bastante técnicas muito rapidamente. Boas discussões introdutórias podem
ser encontradas em Read (1994, cap. 6) e Sainsbury (1995, caps. 5, 6). Toda
a área permanece altamente controversa.

Capítulo 6: Necessidade e possibilidade


O estudo de inferências envolvendo operadores modais remonta a Aristóteles
e continuou na Idade Média. As investigações modernas foram iniciadas pelo
filósofo estadunidense C. I. Lewis, aproximadamente entre 1915 e 1930. A
noção de um mundo possível pode ser encontrada em Leibniz, mas a forma
como é aplicada neste capítulo deve-se em grande parte a outro filósofo es-
tadunidense, Saul Kripke, que produziu as ideias na década de 1960. Uma
introdução padrão à área é Hughes e Cresswell (1996); mas é improvável que
você tire muito proveito disso antes de dominar um livro introdutório de ló-
gica de um tipo mais clássico. O argumento de Aristóteles para o fatalismo
vem de De Interpretatione, cap. 9. Ele achou falacioso, embora não pelas
razões dadas neste capítulo. Uma discussão razoavelmente acessível pode ser
encontrada em Haack (1974, cap. 3). O argumento com o qual o capítulo
termina é uma versão do “argumento dominador” apresentado pelo lógico
megariano Diodorus Cronus.

Capítulo 7: Condicionais
O debate sobre a natureza dos condicionais remonta aos megáricos e estoicos,
que produziram várias teorias diferentes. A questão também foi amplamente
discutida na Idade Média. A ideia de que o condicional é verofuncional
é uma das visões megarianas. Foi endossado no início da lógica moderna
por Frege e Russell. A explicação dada neste capítulo certamente pode ser
encontrada na lógica medieval; em sua forma moderna, deve-se a C. I. Lewis,
que desenvolveu a lógica modal em torno dela. A noção de implicatura
conversacional é devida ao filósofo britânico Paul Grice na década de 1970
(embora ele a tenha usado em defesa do condicional material). A natureza
dos condicionais permanece altamente controversa. Read (1994, cap. 3) é
uma introdução legível, assim como a Parte 1 de Sanford (1989).

121
Capítulo 8: O futuro e o passado
O raciocínio temporal é discutido por vários lógicos medievais. A abordagem
descrita neste capítulo foi inventada em grande parte pelo lógico neozelandês
Arthur Prior na década de 1960, inspirado pelos desenvolvimentos da lógica
modal. Uma apresentação legível do assunto pode ser encontrada em Øhrs-
trøm e Hasle (1995). O argumento de McTaggart apareceu originalmente em
1908, embora sua apresentação seja um pouco diferente da minha. Minha
apresentação segue Mellor (1981, cap. 7).

Capítulo 9: Identidade e mudança


A confusão entre o é da identidade e o é da predicação é um lugar-comum
na história da filosofia. Embora a distinção seja feita por Abelardo (1079-
1142) e Leibniz (que enunciou a “Lei de Leibniz”), ela não se tornou bem
compreendida até o final do século XIX. Existem apresentações na maioria
dos textos de lógica moderna padrão, como Lemmon (1971) e Hodges (1977).
Quebra-cabeças sobre identidade são uma legião na filosofia. A que encerra
o capítulo é devida, tanto quanto sei, a Prior.

Capítulo 10: Vagueza


Os problemas de Sorites remontam à lógica megárica. O problema com o qual
o capítulo começa é uma versão de um chamado Navio de Teseu, um navio
que foi, supostamente, reconstruído tábua por tábua. O exemplo é usado pri-
meiro por Plutarco em sua Vida de Teseu, e mais tarde retomado por Thomas
Hobbes na seção De Corpore de seus Elementos de Filosofia. A intensa inves-
tigação de problemas desse tipo é, em grande parte, uma característica dos
últimos cinquenta anos. Os detalhes lógicos descritos neste capítulo foram
desenvolvidos inicialmente pelo lógico polonês Jan Łukasiewicz (pronuncia-se
Wu/ka/zye/vitz) na década de 1920, independentemente das preocupações
com a vagueza. (Ele foi motivado inicialmente pelo argumento de Aristóteles
sobre o fatalismo.) Boas discussões sobre vagueza podem ser encontradas em
Read (1994, cap. 7) e Sainsbury (1995, cap. 2). Uma introdução muito mais
longa é Williamson (1994).

122
Capítulo 11: Probabilidade
Historicamente, a validade indutiva é bastante subdesenvolvida, em compa-
ração com a validade dedutiva. A teoria da probabilidade foi desenvolvida
no século XVIII, em conexão com jogos de azar, principalmente por mate-
máticos de língua francesa, como Pierre de Laplace e membros da prodigiosa
família Bernoulli. A ideia de aplicá-la à inferência indutiva deve-se principal-
mente ao lógico alemão Rudolf Carnap na década de 1950. Existem muitas
noções de probabilidade. A descrita neste capítulo é geralmente chamada
de interpretação frequentista. Uma boa introdução a toda a área é Skyrms
(1975).

Capítulo 12: Probabilidade inversa


As investigações da conexão entre probabilidades inversas remontam ao ma-
temático britânico do século XVIII Thomas Bayes. A conexão descrita neste
capítulo é muitas vezes (incorretamente) chamada de Teorema de Bayes. Os
problemas relativos ao Princípio da Indiferença também remontam às origens
da teoria da probabilidade. Uma introdução padrão ao raciocínio desse tipo
é Howson e Urbach (1989); mas este não é um livro para quem tem medo de
matemática.

Capítulo 13: Teoria da decisão


A teoria da decisão também tem suas raízes nas investigações da teoria da
probabilidade do século 18, mas tornou-se um assunto sério no século 20, com
muitas aplicações importantes sendo encontradas na economia e na teoria dos
jogos. Uma boa introdução é Jeffrey (1985), embora, novamente, este livro
não seja para aqueles que têm medo de matemática. O problema com o qual
o capítulo termina vem de Gracely (1988).
Vários argumentos que encontramos neste livro dizem respeito a Deus,
de uma forma ou de outra. Isso não ocorre porque Deus é um tópico parti-
cularmente lógico. É que os filósofos tiveram muito tempo para apresentar
argumentos interessantes a respeito de Deus. No Capítulo 3, conhecemos o
Argumento Cosmológico. Talvez a sua versão mais famosa tenha sido pro-
posta pelo filósofo medieval Tomás de Aquino. (Sua versão é muito mais

123
sofisticada do que o argumento do capítulo 3 e não sofre do problema apon-
tado ali.) O argumento ontológico para a existência de Deus foi proposto
pelo filósofo medieval Anselmo de Canterbury. A versão dada no Capítulo
4 deve-se essencialmente ao filósofo do século XVII René Descartes em sua
Quinta Meditação. Versões biológicas do Argumento do Desígnio eram popu-
lares no século 19, mas foram destruídas pela Teoria da Evolução. As versões
cosmológicas, do tipo apresentado no Capítulo 12, tornaram-se muito popu-
lares no século XX. Um bom trabalho de referência sobre argumentos para
a existência de Deus é Hick (1964).

Pare! O que está acontecendo aí?


A teoria da computação foi elaborada por lógicos e matemáticos como Alan
Turing, Alonzo Church e John von Neumann, na primeira metade do século
20, muito antes da existência de computadores do tipo que conhecemos hoje.
Isso inclui a prova de Turing do Teorema da Parada e a formulação da Tese
de Church-Turing. Para uma discussão geral destes tópicos, ver Copeland
(2004). A noção de hipercomputação é muito mais recente. Para alguma
discussão, ver Piccini (2015). Sobre Turing, sua vida e sua obra, ver Hodges
(2013).

Talvez isto seja verdade – mas você não pode


provar!
O Programa de Hilbert foi uma das várias ideias propostas na primeira parte
do século 20 para fornecer à matemática uma base segura. Para discussão
do Programa, ver Zach (2015). Para uma introdução muito mais técnica aos
teoremas de Gödel (embora não seja muito técnica), ver Smith (2007). Os Te-
oremas da Incompletude de Gödel são, indiscutivelmente, os mais espetacu-
lares de seus resultados; no entanto, ele provou vários outros resultados muito
importantes nos fundamentos da lógica e da teoria dos conjuntos. Para uma
discussão sobre isso, e também sobre o próprio Gödel, veja Dawson (1997).
Os Teoremas de Gödel foram considerados (com ou sem razão) como tendo
muitas consequências filosóficas. Para uma discussão sobre alguns deles, ver
Raatikainen (2005).
***

124
Há, é claro, muito mais na história da lógica do que os detalhes acima
contam. Da mesma forma, há muito na própria lógica que está totalmente
ausente deste livro. Estivemos patinando sobre a superfície. Os capítulos
14 e 15 podem dar ao leitor uma noção do que está além do material mais
básico do livro; mas isso é pouco mais que um gesto. A lógica é, sem dúvida,
uma área técnica; mas as raízes de sua floresta de ideias e resultados técnicos
afundam profundamente em solo filosófico. Os grandes lógicos do passado
certamente se preocuparam com a floresta; no entanto, a maioria o fez por
causa de um envolvimento com o terreno filosófico. Se pude mostrar ao leitor
algo sobre esses engajamentos nos capítulos deste livro, não posso pedir mais.

125
Glossário

O glossário a seguir contém os termos de arte e símbolos lógicos empregados


neste livro. As entradas não pretendem ser definições precisas, mas sim
transmitir a ideia principal para referência rápida. Em geral, os termos
e símbolos são razoavelmente padronizados, embora existam vários outros
conjuntos de símbolos que também são de uso comum.

algoritmo: um procedimento que pode ser realizado em etapas onde não há


adivinhação ou criatividade.
antecedente: o que segue o ‘se’ em uma frase condicional.
aritmética: o ramo da matemática que lida com os números naturais (0, 1,
2...).
auto-referência: uma frase ou outra construção que se refere a si mesma.
axioma: as asserções básicas de um sistema de axiomas.
classe de referência: o grupo de objetos a partir do qual as taxas de proba-
bilidade são calculadas.
código numérico: um número que pode ser atribuído a uma entidade, como
uma asserção, programa de computador ou prova. Dado um código numérico,
pode-se ‘decodificá-lo’ para encontrar a coisa da qual ele é o código.
completude: um sistema de axiomas é completo se puder provar todas as
sentenças verdadeiras expressáveis em sua linguagem (e, portanto, dado o
axioma do terceiro excluído, o sistema pode provar ou A ou ¬A, para qualquer
A).
conclusão: a parte de uma inferência para a qual são dadas razões.
condicional: se ... então ... .

126
condicional material : não é o caso que ambas (... e não ...) sejam verdadeiras.
condições de verdade: frases que explicam como o(s) valor(es) de verdade de
uma sentença depende(m) dos valores de verdade de seus componentes.
conjunção: ... e ... .
conjuntos: as duas frases envolvidas em uma conjunção.
consequente: o que segue o ‘então’ em um condicional.
consistência: um sistema de axiomas é consistente se não houver fórmula, A,
tal que possa provar A e ¬A.
descrição (definida): um nome da forma “a coisa com tais e tais propriedades”.
disjunção: ... ou ... .
disjuntos: as duas frases envolvidas em uma disjunção.
‘é’ de identidade: ... é o mesmo objeto que ... .
‘é’ de predicação: parte de um predicado que indica a aplicação da proprie-
dade expressa pelo restante dele.
expectativa: o resultado da soma de cada resultado possível multiplicado por
sua probabilidade.
função de verdade: um símbolo lógico que, quando aplicado a frases para re-
sultar em uma frase mais complexa, é tal que o valor de verdade da frase com-
posta é completamente determinado pelo(s) valor(es) de verdade de seu(s)
componente(s).
implicatura conversacional : uma inferência que se baseia não no que é dito,
mas no fato de ser dito.
inferência: um fragmento de raciocínio, onde as premissas são dadas como
razões para uma conclusão.
Lei de Leibniz: se dois objetos são idênticos, qualquer propriedade de um é
propriedade do outro.
lógica difusa: um tipo de lógica em que as frases assumem valores de verdade
que podem ser qualquer número entre 0 e 1.
lógica moderna: as teorias e técnicas lógicas decorrentes da revolução na
lógica por volta da virada do século XX.

127
lógica tradicional : teorias lógicas e técnicas que foram empregadas antes do
século XX.
numeral binário: um numeral como 10011, que expressa um número em
termos de potências de 2.
operador modal : uma expressão anexada a uma frase para formar outra
frase expressando a maneira em que a primeira frase é verdadeira ou falsa
(possivelmente, necessariamente, etc.).
operador temporal : uma expressão anexada a uma frase, para formar outra
frase expressando quando a primeira frase é verdadeira ou falsa (passado ou
futuro).
modus ponens: a forma de inferência a, a → c/c.
necessidade: deve ser o caso que ... .
negação: não é o caso que ... .
nome: categoria gramatical de uma palavra que se refere a um objeto (se
tudo ocorrer bem).
nome próprio: um nome que não é uma descrição.
mundo possível : uma situação associada a outra, s, onde as coisas realmente
são como poderiam ser em s.
Paradoxo de Russell : diz respeito ao conjunto de todos os conjuntos que não
são membros de si mesmos.
Paradoxo de Sorites: um tipo de paradoxo envolvendo aplicações repetidas
de um predicado vago.
paradoxo do mentiroso: “Esta frase é falsa”.
possibilidade: pode ser o caso que ... .
predicado: para o tipo de frase gramaticalmente mais simples, é a parte que
expressa tudo o que é dito sobre o sujeito da frase.
premissas: a parte de uma inferência que dá razões.
(Primeiro) Teorema da Incompletude de Gödel : dada uma axiomatização
adequadamente expressiva da aritmética, ela é inconsistente ou incompleta.
Princípio da indiferença: dado um número de possibilidades, sem diferença
relevante entre elas, todas têm a mesma probabilidade.

128
probabilidade: um número entre 0 e 1, medindo o quão provável é algo.
probabilidade condicional : a probabilidade de alguma asserção, dada alguma
outra informação.
probabilidade inversa: a relação entre a probabilidade condicional de a dado
b, e de b dado a.
probabilidade prévia: a probabilidade de alguma asserção antes de qualquer
evidência ser levada em consideração.
Programa de Hilbert: o programa de axiomatizar toda a matemática e, em
seguida, provar a consistência do sistema de axiomas.
prova: uma dedução em um sistema de axiomas.
quantificador : uma palavra ou expressão que pode ser o sujeito de uma frase,
mas que não se refere a um objeto (algum ... , todos ... , nenhum ...).
quantificador existencial : algo é tal que ... .
quantificador universal : tudo é tal que ... .
reductio ad absurdum: um método de prova em que se assume a negação do
que se deseja demonstrar, e se mostra que isso é impossível.
(Segundo) Teorema da incompletude de Gödel : dada uma axiomatização ade-
quadamente expressiva da aritmética, se essa axiomatização for consistente,
sua consistência não pode ser provada no sistema.
silogismo: uma forma de inferência com duas premissas e uma conclusão,
cuja teoria foi produzida pela primeira vez por Aristóteles.
sistema de axiomas: uma coleção de asserções básicas a partir das quais
outras podem ser provadas por dedução.
situação: um estado de coisas, talvez hipotético, em que premissas e conclu-
sões podem ser verdadeiras ou falsas.
sujeito: para o tipo de frase gramaticalmente mais simples, é a parte que
informa sobre o que a frase é.
tabela de verdade: um diagrama que exibe as condições de verdade.
tempo: passado, presente ou futuro.
teorema: as asserções que podem ser provadas em um sistema de axiomas.

129
Teorema da Parada: o resultado de Turing de que não há nenhum programa
de computador que determina se um programa arbitrário com uma entrada
arbitrária irá parar.
Teorema de Löb: dado um sistema de axiomas adequadamente expressivo
para aritmética, se ele pode provar ∃xP rov(x, ⟨A⟩) ⊃ A, pode provar A.
Teoria da decisão: a teoria de como tomar decisões sob condições de infor-
mação incerta.
Terceiro excluído: o princípio de que A ∨ ¬A é uma asserção verdadeira para
todo A.
Tese de Church-Turing: a tese de que todo algoritmo pode ser executado por
um programa de computador.
vagueza: uma propriedade de um predicado que expressa a ideia de que
pequenas mudanças em um objeto não fazem diferença para a aplicabilidade
do predicado.
validade dedutiva: uma inferência é dedutivamente válida quando premissas
não podem ser verdadeiras sem que a conclusão também seja verdadeira.
validade indutiva: uma inferência é indutivamente válida quando as pre-
missas fornecem algum fundamento razoável, embora não necessariamente
conclusivo, para a conclusão.
válido: aplica-se a uma inferência na qual as premissas realmente fornecem
algum tipo de razão para a conclusão.
valor de verdade: verdadeiro (V) ou falso (F)

130
Símbolo Significado Nome
V verdadeiro (numa situação)

valores de verdade
F falso (numa situação)
∨ ... ou ... disjunção
& ... e ... conjunção
¬ não é o caso que ... negação
∃x algum objeto, x, é tal que ... quantificador existencial
∀x todo objeto, x, é tal que ... quantificador universal
ιx o objeto, x, tal que ... operador de descrição
deve ser o caso que ...

2
operadores modais
3 pode ser o caso que ...
→ se ..., então ... condicional
⊃ não é o caso que ambas (... e não ...) condicional material
P foi o caso que ...
será o caso que ...

F
operadores temporais
H tem sido o caso que ...
G será sempre o caso que ...
= ... é o mesmo objeto que ... identidade
< ... é menor que ...
≤ ... é menor ou igual que ...
|...| o número que é o valor de verdade de ...
M ax o maior valor dentre ... e ...
M in o menor valor dentre ... e ...
pr a probabilidade de que ...
pr(...|...) a probabilidade de que ... dado que ... probabilidade condicional
E a expectativa de ser o caso que ...
V o valor de ser o caso que ...
≈ ... é aproximadamente igual a ...
⟨A⟩ é o nome (código numérico) de A código numérico
P rov(x, y) x é uma prova de y predicado de prova

131
Solução dos problemas

A seguir estão as soluções para os problemas que se encontram ao final de


cada Capítulo. Em muitos casos, especialmente quando uma inferência é
inválida, as soluções não são únicas: outras soluções igualmente boas são
possíveis.

Capítulo 1
A seguinte inferência é dedutivamente válida, indutivamente válida ou ne-
nhuma delas? Por que? José é espanhol. A maioria do povo espanhol é
católico. Logo, José é católico.

A inferência não é dedutivamente válida. É bem possível que as premissas


sejam verdadeiras e, no entanto, que José seja um da minoria de espanhóis
que não são católicos. No entanto, as premissas juntas fornecem uma boa
(embora não decisiva) razão para supor que a conclusão seja verdadeira.
Portanto, a inferência é indutivamente válida.

Capítulo 2
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Jones é um cavaleiro
ou um idiota; ora, ele é certamente um cavaleiro; assim, ele não é um idiota.

Considere que:
c é ‘Jones é um cavaleiro’.
i é ‘Jones é um idiota’.
Então, a inferência é:
c ∨ i, c
¬i
132
A tabela de verdade fica:

c i c∨i c ¬i
V V V V F
V F V V V
F V V F F
F F F F V

Na primeira linha, ambas as premissas são V e a conclusão é F . Portanto,


a inferência é inválida.

Capítulo 3
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Alguém ou viu o
disparo ou ouviu o disparo; assim, ou alguém viu o disparo ou alguém ouviu
o disparo.

Considere que:
xV é ‘x viu o disparo’.
xO é ‘x ouviu o disparo’.
E considere que os objetos em questão sejam pessoas. Então a inferência
é:

∃x(xV ∨ xO)
∃x xV ∨ ∃x xO
Essa inferência é válida. Pois suponha que a premissa seja verdadeira em
alguma situação. Então existe algum objeto, x, no domínio dessa situação
tal que xV ∨ xO. Pelas condições de verdade para ∨, temos que xV ou
xO. No primeiro caso, ∃x xV ; no segundo, ∃x xO. Em ambos os casos,
∃x xV ∨ ∃x xO é verdadeiro nessa situação.

Capítulo 4
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Todos queriam ganhar
o prêmio; assim, a pessoa que venceu a corrida queria ganhar o prêmio

Considere que:

133
xP é ‘x queria ganhar o prêmio’.
xC é ‘x venceu a corrida’.
E que os objetos em questão sejam pessoas. Então a inferência é:
∀x xP
(ιx xC)P
A inferência é inválida. Considere uma situação, s, na qual todos satis-
fazem P , mas ninguém satisfaz C. (Talvez a corrida tenha sido cancelada!)
Então a premissa é verdadeira em s. Mas a descrição ιx xC não se refere a
nada. Portanto, a conclusão é falsa em s.

Capítulo 5
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Você fez um omelete,
e não é o caso que você fez um omelete e não quebrou um ovo; assim, você
quebrou um ovo.

Considere que:
f é ‘Você fez um omelete’.
q é ‘você quebrou um ovo’.
Então a inferência é:

f, ¬(f &¬q)
q
Essa inferência é invalida. Considere, pois, a seguinte situação:
q: F , mas não V .
f: V e F.
Nesse caso, ¬q é V (e não F ); portanto, f &¬q é V e F (ambos conjuntos
são verdadeiro e um é falso); portanto, ¬(f &¬q) é V e F . Nesta situação,
ambas as premissas são V e a conclusão não.

Capítulo 6
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. É impossível para por-
cos voarem, e é impossível para porcos respirarem debaixo d’água; portanto,
deve ser o caso que os porcos nem voem e nem respirem debaixo d’água.

134
Considere que:
v é ‘Porcos voam’.
r é ‘Porcos respiram debaixo d’água’.
Então a inferência é:
¬3v&¬3r
2(¬v&¬r)
Essa inferência é válida. Pois suponha que a premissa seja verdadeira
em alguma situação, s. Então ambos os conjuntos são verdadeiros nessa
situação. Portanto, não há situação associada, s′ , em que v é verdadeiro
(primeiro conjunto) ou r é verdadeiro (segundo conjunto). Ou seja, em todas
as situações associadas, s′ , ¬v&¬r é verdadeira. Portanto, a conclusão é
verdadeira em s.

Capítulo 7
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Se você acredita em
Deus, então você vai a igreja. Mas, você vai a igreja. Portanto, você acredita
em Deus.

Considere que:
a é ‘Você acredita em Deus’.
i é ‘Você vai à igreja’.
Então a inferência é:
a → i, i
a
Essa inferência é inválida. Pois considere uma situação, s, com uma
situação associada, s′ , em que as coisas são como mostra o diagrama a seguir:

135
s s′
a:F a:V

i:V i:V

Em todas as situações em que a é verdadeira, i também é. Portanto,


a → i é verdadeira em s. Assim, ambas as premissas são verdadeiras em s,
mas a conclusão não.

Capítulo 8
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Sempre esteve cho-
vendo e sempre estará chovendo; portanto, está chovendo agora.

Considere que:
r é ‘Está chovendo’.
Então a inferência é:
Hr&Gr
r
Essa inferência é inválida. Pois suponha que as coisas sejam tais como na
seguinte coleção de situações:

. . . s−3 s−2 s−1 s0 s1 s2 s3 . . .


r r r ¬r r r r
r é sempre verdadeira antes de s0 ; portanto, Hr é verdadeira em s0 . r é
sempre verdadeira após s0 ; portanto, Gr é verdadeira em s0 . Por conseguinte,
Hr&Gr é verdadeira em s0 , mas a conclusão não é verdadeira em s0 .

136
Capítulo 9
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Pat é uma mulher, e
a pessoa que limpou a janela não é uma mulher; assim, Pat não é a pessoa
que limpou a janela.

Considere que:
p é ‘Pat’.
l é ‘a pessoa que limpou a janela’.
W é ‘é uma mulher’.
Então a inferência é:
pW &¬lW
¬p = l
Essa inferência é válida. Com efeito, considere qualquer situação em que
a premissa seja verdadeira. Então, nessa situação, qualquer coisa a que o
nome p se refere tem a propriedade expressa por W , e qualquer coisa a que
o nome l se refere não tem. Portanto, pela Lei de Leibniz, p e l denotam
coisas diferentes (assumindo que nada pode ser verdadeiro e falso ao mesmo
tempo!). Ou seja, ¬p = c é verdadeiro.

Capítulo 10
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade em que o nível de acei-
tação é 0,5. Jenny é esperta e; Jenny não é esperta ou ela é bela. Portanto,
Jenny é bela.

Considere que:
e é ‘Jenny é esperta’.
b é ‘Jenny é bela’.
Então a inferência é:
c, ¬c ∨ b
b
Essa inferência é inválida. Pois considere uma situação em que os valores
de verdade de e e b são os seguintes:

e : 0, 5

137
b : 0, 2
Nesse caso, o valor de verdade de ¬c nessa situação é 0, 5 (1 − 0, 5) e,
portanto, o valor de verdade de ¬c ∨ b também é 0, 5 (M ax(0, 5, 0, 2)). Mas
então ambas as premissas são aceitáveis (≥ 0, 5), e a conclusão não.

Capítulo 11
O seguinte conjunto de estatística foi coletado a partir de dez pessoas (cha-
madas 1-10).

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Alta    
Rica     
Feliz      
Se r é uma pessoa randomicamente escolhida nesta coleção, avalie a vali-
dade indutiva da seguinte inferência. r é alta e rica; portanto, r é feliz.

Considere que:
a é ‘r é alta’.
d é ‘r é rica’.
f é ‘r é feliz’.
A inferência é válida. Pois há três pessoas altas e ricas, e duas delas são
felizes. Portanto, pr(f |a&d) = 2/3. Uma delas é infeliz, então pr(¬f |a&d) =
1/3. Portanto, pr(f |a&d) > pr(¬f |a&d).

Capítulo 12
Suponha que existam duas doenças, A e B, que possuem exatamente os
mesmos sintomas observáveis. 90% daqueles que apresentam os sintomas
têm a doença A; os outros 10% têm a doença B. Suponha, também, que
exista um teste patológico para distinguir entre A e B. O teste dá 9 respostas
corretas a cada 10.
1. Qual a probabilidade do teste, quando aplicado a uma pessoa escolhida
randomicamente, indicar que ela tem a doença B? (Dica. Considere
uma amostra típica de 100 pessoas com os sintomas, e calcule para
quantas o teste diria que tem a doença B.)

138
2. Qual é a probabilidade de alguém com os sintomas ter a doença B,
dado que o teste indica que ela tem (a doença B)? (Dica. Você deve
usar a primeira questão.)

Para a Parte 1: considere uma amostra típica de 100 pessoas com os


sintomas: 90 terão a doença A e 10 terão a doença B. Como o teste dá o
resultado correto 9 em 10 vezes, dirá que 81 das 90 pessoas têm A (90×9/10),
e 9 deles têm B. Dos 10 com a doença B, o teste dirá que 9 têm a doença B e 1
tem a doença A. Portanto, um total de 18 será dito ter B e, por conseguinte,
a probabilidade de uma pessoa (escolhida aleatoriamente) ter B é 18/100.

Para a Parte 2: seja r uma pessoa escolhida aleatoriamente com os sin-


tomas e considere que:
b é ‘r tem a doença B’.
t é ‘o teste diz que r tem a doença B’.
Então:
pr(t|b) = 9/10, pois o teste tem 90% de acurácia;
pr(b) = 1/10, pois uma pessoa em cada dez tem a doença B; e
pr(t) = 18/100, pela Parte 1.
Pela relação entre probabilidades inversas,
9 1 18
pr(b|t) = pr(t|b) × pr(b)/pr(t) = × ÷ = 1/2.
10 10 100

Capítulo 13
Você aluga um carro. Se você não contrata o seguro e ocorre um acidente,
você gastará $1.500. Se você contrata o seguro e ocorre um acidente, você
gastará $300. O seguro custa $90 e você estima que a probabilidade de
ocorrer um acidente é 0,005. Assumindo que as únicas considerações são as
financeiras, você deve contratar o seguro?

Represente as informações na seguinte forma tabular:

Ocorre um acidente Não ocorre um acidente


Contrata o seguro (c) 0,05\-390 0,95\-90
Não contrata o seguro (¬c) 0,05\-1500 0,950

139
Ao calcular as expectativas, temos que:

E(c) = 0, 05 × −390 + 0, 95 × (−90) = −105


E(¬c) = 0, 05 × (−1500) + 0, 95 × 0 = −75
Como E(¬c) > E(c), você não deve contratar o seguro.

Capítulo 14
O que há de errado com o seguinte argumento: “Claro que existe um al-
goritmo para determinar se um programa com uma determinada entrada
termina. Simplesmente executamos o programa com essa entrada e vemos o
que acontece. Das duas uma: ou ele terminará ou não. De qualquer forma,
teremos um resultado”?

Certamente podemos executar o programa com a entrada fornecida. Se


ele terminar, isso acontecerá mais cedo ou mais tarde, e então saberemos que
ele termina (embora possamos não saber com antecedência quanto tempo
levará para fazê-lo). Se ele não terminar, no entanto, nunca saberemos disso.
Por mais tempo que a computação esteja acontecendo, se ela não parou, isso
pode ser em virtude do fato de que ela nunca terminará; mas pode ser que
ela vá terminar, embora ainda não tenhamos chegado lá. Não há como saber
em qual dessas situações estamos.

Capítulo 15
Digamos que um sistema de axiomas tenha a propriedade de disjunção apenas
se, sempre que alguém puder provar algo da forma A ∨ B, puder provar A ou
B (ou ambos). Suponha que tenhamos um sistema de axiomas consistente
para aritmética, cujos teoremas sejam verdadeiros e cuja lógica seja a do
Capítulo 2. Ele pode ter a propriedade de disjunção? (Dica: use o fato de
que nesta lógica a lei do terceiro excluído é válida - isto é, a lógica pode
provar toda frase da forma A ∨ ¬A. Em seguida, use a frase G de Gödel.)

Não. Se n é o código da sentença ¬∃xP rov(x, n), então, uma vez que
a lógica pode estabelecer a lei do terceiro excluído, a teoria pode provar
que ∃xP rov(x, n) ∨ ¬∃xP rov(x, n). Mas o Teorema de Gödel mostra que

140
¬∃xP rov(x, n) não pode ser provado, embora isso seja verdade. Mas então
∃xP rov(x, n) é falso; consequentemente, também não pode ser provado.

141
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144

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