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Graham Priest
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15 Talvez isto seja verdade – mas você não pode provar! 109
15.1 Coda – o outro teorema de incompletude de Gödel . . . . . . . 114
Glossário 126
2
Prefácio
A lógica é uma das disciplinas intelectuais mais antigas, e uma das mais
modernas. Seu início remonta ao século IV a.C. As únicas disciplinas mais
antigas são a matemática e a filosofia, com as quais sempre esteve intima-
mente conectada. Ela passou por uma revolução por volta da virada do
século XX por meio da aplicação de novas técnicas matemáticas e no último
meio século assumiu papéis radicalmente novos e importantes na computação
e no processamento de informações. É, portanto, um assunto central para o
pensamento e as empreitadas humanas.
Este livro é uma introdução à lógica tal como é entendida pelos lógicos
contemporâneos. Ele não pretende, no entanto, ser um manual. Tais livros
existem atualmente em quantidade. A finalidade deste é explorar as raízes
da lógica que penetram profundamente na filosofia. Algo de lógica formal
será explicado pelo caminho.
Em cada um dos capítulos principais, inicio tomando algum problema
filosófico ou enigma (puzzle) lógico particular. Explico, em seguida, uma
abordagem deste. Muitas vezes, será uma abordagem bastante convencio-
nal (standard); mas em algumas áreas não existem respostas convencionais:
os lógicos ainda discordam. Em tais casos, simplesmente escolhi uma que
fosse interessante. Quase todas as abordagens, convencionais ou não, po-
dem ser questionadas. Termino cada capítulo com alguns problemas para a
abordagem que expliquei. Algumas vezes, esses problemas são convencionais;
algumas vezes, não. Algumas vezes eles possuem respostas fáceis, outras ve-
zes, podem não tê-las. O objetivo é desafiá-lo a encontrar um meio de lidar
com o assunto.
A lógica moderna é um assunto altamente matemático. Busquei escrever
o material de modo a evitar quase toda a matemática. O máximo que será
exigido é um pouco de álgebra elementar nos últimos capítulos. É verdade
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que será preciso determinação para dominar algum simbolismo que pode ser
novo para você; mas é muito menos do que seria exigido para se ter uma com-
preensão básica de alguma nova língua. A perspicuidade que o simbolismo
fornece a questões difíceis paga a pena de dominá-lo. Uma advertência, no
entanto: ler um livro de lógica ou de filosofia não é como ler um romance.
Algumas vezes será necessário ler com cuidado e lentamente. Algumas vezes
será necessário parar e pensar sobre o assunto; e você deve estar preparado
para retornar e reler o parágrafo, se necessário.
O capítulo final do livro é sobre o desenvolvimento da lógica. Por meio
dele, busquei colocar algumas das questões com as quais o livro lida em
uma perspectiva histórica, para mostrar que a lógica é um assunto vivo, que
sempre evolui, e que continuará a fazê-lo. O capítulo também inclui sugestões
de leitura complementar.
Há dois apêndices. O primeiro contém um glossário de termos e símbolos.
Você pode consultá-lo se esquecer o significado de uma palavra ou símbolo.
O segundo apêndice contém uma questão relevante para cada capítulo, com
a qual será possível testar sua compreensão das idéias principais.
O livro visou antes a abrangência que a profundidade. Seria mais fácil
escrever um livro sobre o tópico de cada capítulo - e, de fato, vários destes
livros foram escritos. E, ainda assim, há várias importantes questões acerca
da lógica que não foram sequer tocadas aqui. Mas, se continuar firme até o
final do livro, você terá uma idéia bastante adequada dos fundamentos da
lógica moderna, e por que as pessoas acham que vale a pena pensar sobre o
assunto.
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Capítulo 1
A maior parte das pessoas gosta de pensar em si mesmas como lógicas. Dizer
a alguém “Você não está sendo lógico” é normalmente uma forma de crítica.
Ser ilógico é ser confuso, atrapalhado, irracional. Mas, o que é lógica? Em
Através do espelho, de Lewis Carroll, Alice encontra a dupla argumentativa
(logic-chopping) Tweedledum e Tweedledee (Figura 1.1). Quando Alice pro-
cura algo para dizer, eles partem para o ataque:
“Eu sei sobre o que você está pensando” disse Tweedledum: “mas
não é assim, de modo algum.”
“Ao contrário” continuou Tweedledee, “se assim fosse, poderia ter
sido; e se tivesse sido assim, seria: mas como não é, não será. Isto
é lógica.”
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Figura 1.1: Tweedledum and Tweedledee debatem os mais refinados assuntos
de lógica com Alice.
2. Moscou é a capital dos Estados Unidos; logo, você não pode ir a Moscou
sem ir aos Estados Unidos.
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central da lógica é compreender a validade.
Você pode pensar que é uma tarefa um tanto boba - um exercício inte-
lectual com um pouco menos de apelo que resolver palavras cruzadas. Mas
acontece que não apenas esta é uma tarefa muito difícil; é uma tarefa que não
pode ser separada de um bom número de importantes (e algumas vezes pro-
fundas) questões filosóficas. Ao longo do percurso você encontrará algumas
delas. Por enquanto, vamos examinar melhor alguns fatos básicos relativos
à validade.
Para começar, é comum distinguir entre dois tipos diferentes de validade.
Para compreendê-lo, considere as três inferências seguintes:
3. Jones compra dois maços de cigarro por dia; logo alguém deixou pega-
das do lado de fora da janela da cozinha.
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saber por que a janela do carro está quebrada, por que uma pessoa está
doente, ou quem cometeu um crime. Sherlock Holmes era um mestre nisso.
Apesar disso, historicamente, muito mais esforço foi empreendido para com-
preender a validade dedutiva - talvez porque os lógicos tenderam a ser mate-
máticos ou filósofos (em cujos estudos as inferências dedutivamente válidas
são de importância central), e não médicos ou detetives. Retornaremos à
noção de indução mais adiante no livro. Por enquanto, vamos pensar um
pouco mais sobre a validade dedutiva. (É natural supor que a validade dedu-
tiva é uma noção mais simples, pois as inferências dedutivamente válidas são
mais diretas (cut-and-dried ). Não é portanto uma má ideia tentar entendê-la
primeiro. Isto, como veremos, já é suficientemente difícil). Até afirmação em
contrário, “válido” significará simplesmente “dedutivamente válido”.
O que é então uma inferência válida? Aquela, como vimos, na qual as
premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão também seja verda-
deira. Mas o que significa isso? Em particular, o que significa o não podem?
Em geral, “não pode” pode significar muitas coisas diferentes. Considere,
por exemplo: “Maria pode tocar piano, mas João não pode”; aqui estamos
falando de habilidades humanas. Compare com: “Você não pode entrar aqui:
é preciso permissão”; aqui estamos falando de algo que um código de regras
permite.
É natural entender o “não pode” relevante no presente caso deste modo:
dizer que as premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão seja
verdadeira é dizer que em todas as situações em que as premissas são verda-
deiras, também o é a conclusão. Até aqui, tudo bem: mas o que é exatamente
uma situação? Que tipos de coisas entram na sua constituição e como essas
coisas se relacionam umas com as outras? E o que é ser verdadeiro? Agora
há um problema filosófico para você, como poderia ter dito Tweedledee.
Estas questões irão nos preocupar ao longo do texto; mas vamos deixá-las
de lado por enquanto, e finalizar com uma outra coisinha. Não devemos par-
tir com a ideia de que a explicação de dedutivamente válido que apresentei
está ela própria livre de problemas. (Em filosofia, todas as afirmações inte-
ressantes estão abertas ao exame.) Eis aqui um problema. Assumamos que
a explicação está correta, saber que uma inferência é dedutivamente válida é
saber que não há situações em que as premissas são verdadeiras e a conclusão
não é. Agora, qualquer que seja nossa compreensão de situação, é certo que
há um monte delas: situações sobre coisas em planetas de estrelas distantes;
situações sobre eventos antes que houvesse qualquer ser vivo no cosmos; si-
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tuações descritas em obras de ficção; situações imaginadas por visionários.
Como podemos saber o que acontece em todas as situações? Pior, parece
haver um número infinito de situações (situações daqui há um ano, situações
daqui há dois, situações daqui há três anos,...). É portanto impossível, até
mesmo em princípio, fazer um levantamento todas as situações. Assim, se
esta abordagem da validade está correta, e dado que nós podemos reconhecer
inferências como válidas ou inválidas (ao menos em vários casos) devemos ter
alguma percepção disto, de alguma fonte especial. Qual fonte?
Devemos invocar algum tipo de intuição mística? Não necessariamente.
Considere um problema análogo. Podemos distinguir entre sequencias grama-
ticais [de acordo com a gramática] e não-gramaticais de nossa língua nativa
sem muito problema. Por exemplo, um falante nativo do português reconhe-
ceria que “isto é uma cadeira” é uma frase gramatical, mas que “é cadeira
uma isto” não é. Mas parece haver um número infinito de frases gramaticais
ou não-gramaticais. (Por exemplo, “um é um número”, “dois é um número”,
“três é um número”, ... são todas frases gramaticais. E é suficientemente fácil
produzir saladas de palavras ad libitum). Então, como o fazemos? Aquele
que é talvez o mais influente dos linguistas modernos, Noam Chomsky, su-
geriu que podemos fazê-lo pois as coleções infinitas estão encapsuladas em
um conjunto finito de regras que estão gravadas (hard-wired) em nós; que
a evolução nos programou com uma gramática inata. Pode a lógica ser a
mesma coisa? As regras da lógica estão gravadas em nós do mesmo jeito?
Problema
A seguinte inferência é dedutivamente válida, indutivamente válida ou ne-
nhuma delas? Por que? José é espanhol. A maioria do povo espanhol é
católico. Logo, José é católico.
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Capítulo 2
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chamados disjuntos. Agora, o que precisa ocorrer para que uma disjunção
seja verdadeira? Apenas que um ou outro dos disjuntos seja verdadeiro.
Assim, em qualquer situação em que a premissa é verdadeira, também o é a
conclusão. A segunda inferência também parece válida. Se uma ou outra de
duas suposições é verdadeira e uma delas não é, a outra deve ser verdadeira.
Agora, o problema é que colocando estas duas inferências aparentemente
válidas juntas, obtemos uma inferência aparentemente inválida, como esta:
A rainha é rica.
Ou a rainha é rica ou porcos podem voar.
A rainha não é rica.
Porcos podem voar.
Isto não pode estar correto. Ligar inferências válidas desta forma não
poderia resultar numa inferência inválida. Se todas as premissas são ver-
dadeiras em qualquer situação, então também o são as suas conclusões, as
conclusões que seguem destas; e assim por diante, até chegarmos à conclusão
final. O que há de errado?
A fim de fornecer uma resposta ortodoxa para esta pergunta, foquemos
um pouco mais nos detalhes. Para começar, vamos escrever a frase “Porcos
podem voar” como p, e a frase “A rainha é rica” como q. Isto torna as
coisas um pouco mais compactas. Mas não é só isto: se você parar um
momento para refletir, pode ver que as duas frases particulares usadas nos
exemplos acima não tem muito a ver com o que está acontecendo. Eu poderia
ter reconstruído a inferência utilizando quaisquer outras duas frases; assim,
podemos ignorar os seus conteúdos. Isto é o que fazemos quando escrevemos
as frases representado-as por letras.
A frase “Ou a rainha é rica ou porcos podem voar” agora torna-se “Ou q
ou p”. Lógicos frequentemente escrevem isto como q ∨p. E o que fazer com “A
rainha não é rica”? Vamos reescrever isto como “Não é o caso que a rainha é
rica”, puxando a partícula negativa para a frente da frase. Consequentemente,
a frase torna-se “Não é ao caso que q”. Lógicos frequentemente escrevem isto
como ¬q, e o chamam de a negação de q. Já que estamos aqui, como seria
a frase “A rainha é rica e porcos podem voar”, isto é, “q e p”? Lógicos
frequentemente escrevem isto como “q&p” e o chamam de conjunção de q e
p, q e p sendo os conjuntos. Munidos desta maquinaria, podemos escrever a
inferência encadeada que vimos, como:
q
q∨p
¬q
p
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O que diremos a respeito desta inferência?
frases podem ser verdadeiras, e frases podem ser falsas. Vamos usar V
para verdade e F para falsidade. A partir de um dos fundadores da lógica
moderna, o filósofo/matemático alemão Gottlob Frege (Figura 2.1), estes são
geralmente denominados valores de verdade. Dada qualquer frase, a, qual é a
conexão entre o valor da verdade de a e o da sua negação, ¬a? Uma resposta
natural seria que se uma é verdadeira, a outra é falsa, e vice-versa. Assim,
se “A rainha é rica” é verdadeira, “A rainha não é rica” é falsa, e vice versa.
Podemos registrar isso como segue:
a ¬a
V F
F V
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a b a∨b
V V V
V F V
F V V
F F F
Cada linha - exceto a primeira que está no topo - registra uma possível
combinação de valores de verdade para a (primeira coluna) e b (segunda co-
luna). Existem quatro tais possíveis combinações e, portanto, quatro linhas.
Para cada combinação, o correspondente valor de a ∨ b é dado à sua direita
(terceira coluna).
Novamente, já que estamos falando nisso, qual é a conexão entre os valores
de verdade de a e b, com o de a&b? Uma suposição natural é que a&b é
verdadeira se ambas a e b são verdadeiras, e falsa no caso contrário. Assim,
por exemplo, “John tem 35 anos e cabelos castanhos” é verdadeira exatamente
se “John tem 35 anos” e “John tem cabelos castanhos” são ambas verdadeiras.
Podemos registrar isto nas condições da verdade para a conjunção:
a b a&b
V V V
V F F
F V F
F F F
Agora, como tudo isto está relacionado com o problema que iniciamos?
Vamos voltar à questão que eu levantei no final do último capítulo: O que é
uma situação? Um pensamento natural é que seja o que for uma situação, ela
determina um valor de verdade para toda frase. Assim, por exemplo, em uma
situação em particular, poderia ser verdadeiro que a Rainha fosse rica e falso
que porcos possam voar. Em outra situação poderia ser falso que a Rainha
fosse rica e verdadeiro que porcos possam voar. (Note que estas situações
são puramente hipotéticas!) Em outras palavras, uma situação determina
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que cada frase relevante seja V ou F . As frases relevantes aqui não contém
qualquer ocorrência de “e”, “ou” ou “não”. Dada a informação básica sobre
uma situação, podemos usar as tabelas de verdade para resolver os valores
de verdade das frases que contém estas ocorrências.
Por exemplo, suponha que temos a seguinte situação:
p:V
q:F
r:V
q p q q∨p
V V V V
V F V V
F V F V
F F F F
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As primeiras duas colunas nos dão todas as possíveis combinações dos
valores de verdade para q e p. As duas últimas colunas nos dão os valores de
verdade correspondentes para a premissa e a conclusão. A terceira coluna é a
mesma que a primeira. Isto é um acidente deste exemplo, devido ao fato que,
neste caso em particular, a premissa vem a ser uma das frases relevantes. A
quarta coluna pode ser copiada da tabela de verdade para a disjunção. Dada
esta informação, podemos ver que a inferência é válida. Pois não existe uma
linha em que a premissa q é verdadeira e a conclusão q ∨ p não o é.
E o que acontece com a inferência q ∨ p, ¬q/p? Procedendo da mesma
maneira, obtemos:
q p q∨p ¬q p
V V V F V
V F V F F
F V V V V
F F F V F
q p q ¬q p
V V V F V
V F V F F
F V F V V
F F F V F
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Aqui, então, está a solução do problema com que iniciamos. De acordo
com esta abordagem, nossas intuições originais acerca desta inferência esta-
vam erradas. Afinal, as intuições das pessoas podem frequentemente induzir
ao erro. Parece óbvio para todos que a Terra não se movimenta - até que se
faz um curso de Física e se descobre que na verdade a Terra esta viajando
através do espaço. Podemos até mesmo oferecer uma explicação de como as
nossas intuições lógicas dão errado. A maioria das inferências que encontra-
mos na prática não são do tipo vácuo. Nossas intuições desenvolvem-se neste
tipo de contexto, e não se aplicam genericamente - assim como os hábitos que
você desenvolve quando aprende a andar (por exemplo, não inclinar para o
lado) não funcionam sempre em outros contextos (por exemplo, quando você
aprende a andar de bicicleta).
Voltaremos a este assunto em outro capítulo mais tarde. Mas vamos
encerrar este com uma breve olhada na adequação do maquinário que nós
usamos. As coisas aqui não são tão diretas como se poderia esperar. De
acordo com esta abordagem, o valor de verdade de uma frase ¬a está com-
pletamente determinado pelo valor de verdade da frase a. De forma análoga,
os valores de verdade das frases a ∨ b e a&b estão completamente determi-
nados pelos valores de verdade de a e b. Lógicos chamam as operações que
funcionam desse modo de funções de verdade. Mas há bons motivos para
supor que “ou” e “e”, como eles ocorrem em português, não são funções de
verdade - ao menos, não sempre.
Por exemplo, de acordo com a tabela de verdade para &, “a e b” sempre
tem o mesmo valor de verdade que “b e a”: a saber, ambos são verdadeiros se
a e b forem verdadeiros, e falsos em caso contrário. Mas, considere as frases:
1. John bateu a cabeça e caiu.
2. John caiu e bateu a cabeça.
A primeira diz que John bateu a cabeça e então caiu. A segunda diz
que John caiu e então bateu a cabeça. Claramente, a primeira poderia ser
verdadeira enquanto que a segunda falsa, e vice-versa. Portanto, não são
apenas os valores da verdade dos conjuntos que são importantes, mas qual
conjunto causou qual.
Problemas similares envolvem “ou”. De acordo com a abordagem que nós
tínhamos, “a ou b” é verdadeira se uma ou outra, a e b, forem verdadeiras.
Mas suponha que um amigo diga:
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Ou você vem agora ou chegaremos atrasados;
• ¬a é V exatamente se a é F ,
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Jones é um cavaleiro
ou um idiota; ora, ele é certamente um cavaleiro; assim, ele não é um idiota.
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Figura 2.1: Gottlob Frege (1848–1925), um dos fundadores da lógica mo-
derna.
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Capítulo 3
2. Annika dormiu.
3. Alguém me bateu.
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a respeito do sujeito. Agora, quando uma tal frase é verdadeira? Tome o
segundo exemplo. Ela é verdadeira se o objeto referido pelo sujeito “Annika”
possui a propriedade expressa pelo predicado, que é, dormiu.
Até aqui tudo bem. Mas a que o sujeito da frase 3 se refere? À pessoa
que me bateu? Mas talvez ninguém tenha me batido. Ninguém disse que
esta era uma frase verdadeira. O caso na frase 4 é ainda pior. A quem “nin-
guém” se refere? No livro “Through the Looking Glass”, um pouco antes do
encontro com o Leão e o Unicórnio, Alice se encontra com o Rei Branco, que
esta aguardando um mensageiro. (Por algum motivo, quando o mensageiro
aparece, ele estranhamente se parece com um coelho (Figura 3.1).) Quando
o Rei se apresenta a Alice, ele diz:
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“Eu gostaria de ter esta visão.” O Rei observou com um tom
insatisfeito. “Ser capaz de ver ninguém! E de longe também!
Porque, tudo o que eu consigo fazer é ver pessoas reais, e de dia!”
Carroll está fazendo uma piada de lógica, como ele frequentemente o faz.
Quando Alice diz que [não] está vendo ninguém, ela não está dizendo que ela
está vendo uma pessoa - real ou não. “Ninguém” não se refere a uma pessoa
- nem a qualquer outra coisa.
Palavras como “ninguém”, “alguém”, “todos” são chamadas pelos profissi-
onais em lógica de quantificadores, e são distinguidos dos nomes “Marcus” e
“Annika”. O que acabamos de ver é que, mesmo que ambos, os quantificado-
res e nomes, possam ser gramaticalmente sujeitos de uma frase, eles devem
possuir funções de diferentes formas. Então, como funcionam os quantifica-
dores?
Eis aqui uma reposta moderna padrão. Uma situação vem equipada com
um estoque de objetos. No nosso caso, os objetos relevantes são todas as
pessoas. Todos os nomes que ocorrem no nosso raciocínio sobre esta situação
referem-se a um dos objetos desta coleção. Portanto, se nós escrevermos m
para "Marcus", m refere-se a um destes objetos. E se nós escrevermos F para
“é feliz”, então a frase mF é verdadeira nesta situação exatamente quando o
objeto referido por m tem a propriedade expressa por F . (Por motivos de
sua própria conta, lógicos geralmente invertem a ordem, e escrevem F m, ao
invés de mF . Isto é apenas uma questão de convenção.)
Agora considere a frase “Alguém é feliz”. Isto é verdadeiro em uma si-
tuação somente quando houver algum objeto, na coleção de objetos, que é
feliz - isto é, algum objeto na coleção, digamos x, tal que x é feliz. Vamos
escrever “Algum objeto x, tal que” como ∃x. Então, podemos escrever a frase
desta forma: “∃x x é feliz”; ou lembrando-se que estamos escrevendo “é feliz”
como F , então: ∃x xF . Lógicos às vezes chamam ∃x de um quantificador
existencial (particular).
E quanto a “Todos são felizes”? Isto é verdadeiro em uma situação se
todo objeto na coleção relevante for feliz. Isto é, cada objeto x na coleção
é tal que x é feliz. Se escrevermos “todo objeto x, tal que” como ∀x, então
podemos escrever isto da forma: ∀x xF . Lógicos geralmente chamam ∀x de
um quantificador universal.
Agora, não há vantagem em adivinhar como entendemos “Ninguém é
feliz”. Isto apenas significa que não há um objeto x, na coleção relevante, tal
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que x é feliz. Nós poderíamos ter um símbolo especial significando “Nenhum
objeto x, tal que”, mas na verdade, os lógicos não se importam em ter um.
Pois dizer que ninguém é feliz é dizer que não é o caso que alguém é feliz.
Então podemos escrever isto da forma: ¬∃x xF .
Esta análise dos quantificadores nos mostra que nomes e quantificadores
funcionam de formas bem diferentes. Em particular, o fato de que “Marcus
é feliz” e “Alguém é feliz” tenham sido escritos, bem diferentes, como mF e
∃x xF , respectivamente, nos mostra isto. Isto nos mostra, além disso, que
formas gramaticais aparentemente simples podem nos levar ao erro. Nem
todos os sujeitos da gramática são iguais. A abordagem, inclusive, nos mostra
porque a inferência com a qual começamos é válida. Vamos escrever D para
“me deu o livro”. Então, a inferência é:
mD
∃x xD
Está claro que, se em alguma situação, o objeto referido pelo nome m
me deu o livro, então algum objeto na coleção relevante me deu o livro. Em
contraste, o Rei Branco está inferindo do fato de que Alice [não] viu ninguém,
que ela viu alguém (a saber, Ninguém). Se nós escrevermos “é visto por Alice”
como V então a inferência do Rei seria:
¬∃x xV
∃x xV
Isto é claramente inválido. Se não há objeto no domínio relevante que foi
visto por Alice, obviamente não é verdadeiro que há algum objeto no domínio
relevante que foi visto por ela.
Você pode achar que tudo isto é um monte de confuã0 à toa - na verdade,
é apenas uma maneira de construir uma boa piada. Mas é muito mais sério
do que isto. Pois os quantificadores têm um papel central em muitos argu-
mentos em matemática e filosofia. Eis aqui um exemplo filosófico. É uma
presunção natural considerar que nada acontece sem haver uma explicação:
As pessoas não ficam doentes sem motivo; carros não quebram sem haver
uma falha. Tudo, então, tem uma causa. Mas o que poderia ser a causa
de tudo? Obviamente não pode ser nada físico, como uma pessoa; ou nem
mesmo algo como o Big Bang da cosmologia. Tais coisas devem, elas mes-
mas, ter suas causas. Então, deve ser algo metafísico. Deus é o candidato
óbvio.
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Isto é uma versão de um argumento para existência de Deus, comumente
chamado de Argumento Cosmológico. Alguém poderia contestar o argumento
de várias formas. Mas no seu coração, há uma enorme falácia lógica. A frase
“Tudo tem uma causa” é ambígua. Ela pode significar que tudo que acontece
tem alguma causa ou outra - ou seja, para cada x, há um y, tal que x é
causado por y; ou isto pode significar que há algo que é a causa de tudo
- isto é, existe algum y tal que para todo x, x é causado por y. Suponha
que nós assumimos que os domínios relevantes dos objetos sejam as causas
e efeitos, e escrevemos “x é causado por y” como xCy. Então, podemos
escrever estes dois significados, respectivamente, como:
1. ∀x∃y xCy
2. ∃y∀x xCy
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épocas, a física tem de fato nos contado diferentes coisas a respeito da verdade
deste assunto. Entretanto, não se preocupem com isto. Apenas considere a
segunda possibilidade. Neste caso, o cosmos veio à existência a partir do
nada - de qualquer forma, um nada físico, já que o cosmos é a totalidade
de tudo que é físico. Agora considere esta frase “O cosmos veio à existência
do nada”. Denotemos o cosmos por c e vamos escrever “x veio à existência
de y” como xEy. Então, dado o nosso conhecimento dos quantificadores,
esta frase deveria significar ¬∃x cEx. Mas esta não significa isto, pois isto é
igualmente verdadeiro na primeira alternativa de cosmologia. Nesse caso, o
cosmos, sendo infinito no passado, não veio à existência de forma alguma. Em
particular, então, não é o caso de que o cosmos veio à existência a partir de
alguma coisa ou outra. Quando dizemos que na segunda cosmologia o cosmos
veio à existência a partir do nada, queremos dizer que veio à existência da
condição de nada (nothingness). Então, o nada pode ser algo. O Rei não era
tão tolo afinal.
24
Ideias centrais do capítulo
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Alguém ou viu o
disparo ou ouviu o disparo; assim, ou alguém viu o disparo ou alguém ouviu
o disparo.
25
Capítulo 4
Descrições e Existência: Os
gregos adoravam a Zeus?
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uma abreviação para ιx(xH&xP ). (Eu uso uma letra grega para lembrá-lo
que aquilo é realmente uma descrição.) Então, isto fica µU . Analogamente,
“O primeiro homem a aterrissar na lua é um homem e ele aterrissou primeiro
na lua” é µH&µP .
Em termos da divisão do último capítulo, descrições são nomes, não quan-
tificadores. Ou seja, elas se referem a objetos - se tivermos sorte: voltaremos
a isto. Portanto, “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua nasceu
nos Estados Unidos”, µU , é verdadeira exatamente se a pessoa particular
referida pela expressão µ tem a propriedade expressa por U .
Mas, descrições são um tipo especial de nome. Diferente do que nós po-
deríamos chamar de nomes próprios, como “Annika” e “o Big Bang”, elas
carregam informações sobre o objeto a que se referem. Portanto, por exem-
plo, “o homem que aterrissou pela primeira vez na lua” carrega a informação
de que o objeto referido tem a propriedade de ser um homem e ser o primeiro
na lua. Isto pode parecer banal e óbvio, mas as coisas não são tão simples
como parecem. Porque as descrições carregam informações desta forma, elas
frequentemente são centrais em discussões importantes em matemática e fi-
losofia; e uma forma de apreciar algumas destas complexidades é olhar para
um exemplo de um tal discussão. Esta é outro argumento para existência de
Deus, frequentemente chamado de Argumento Ontológico. O argumento vem
em um número de versões, mas aqui está uma forma simples do mesmo:
Isto é, Deus existe. Se você não viu este argumento antes, ele irá parecer
um tanto desafiador. Para começar, o que é uma perfeição? Vagamente,
uma perfeição é algo como onisciência (saber tudo que é possível saber),
onipotência (ser capaz de fazer tudo que pode ser feito), e ser moralmente
perfeito (agir sempre da melhor forma possível). Em geral, as perfeições são
todas aquelas propriedades que são boas de se ter. Agora, a segunda premissa
diz que existência é uma perfeição. Por que isto deveria ser assim? A razão de
se supor que isso seja assim é ainda mais complexa, com suas raízes na filosofia
de um dos dois filósofos mais influentes da Grécia Antiga, Platão. Felizmente,
podemos contornar esta questão. Podemos fazer uma lista de propriedades
como onisciência, onipotência etc., incluir existência na lista, e simplesmente
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fazer com que “perfeição” signifique qualquer propriedade da lista. Além
disso, podemos tomar “Deus” como sinônimo de uma certa descrição, a saber,
“o ser que possui todas as perfeições (isto é, aquelas propriedades da lista)”.
No Argumento Ontológico, ambas as premissas são agora verdadeiras por
definição, e estão fora de discussão. O argumento então se reduz a uma
linha:
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Considere uma pessoa não casada, digamos o Papa. Podemos provar que ele
é casado. Seja cx a condição “x casou com o Papa”. Seja δ a descrição ιx cx .
O PC nós dá “δ casou com o Papa”. Então, alguém casou com o Papa, isto
é, o Papa é casado.
O que se pode dizer de tudo isto? Segue uma resposta moderna padrão.
Considere a descrição ιx cx . Se houver um único objeto que satisfaça a
condição cx , em alguma situação, então a descrição se refere a ele. Em caso
contrário, ela não se refere a nada: é um “nome vazio”. Deste modo, existe
um único x, tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua, Armstrong.
Então, “o x tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua"refere-se
a Armstrong. Igualmente, existe o menor número inteiro, chamado 0 (zero);
portanto, a descrição “o objeto que é o menor número inteiro” denota 0. Mas,
dado que não há o maior número inteiro, “o objeto que é o maior número
inteiro” falha ao referir-se a qualquer coisa. Igualmente, a descrição “a cidade
na Austrália que possui mais de um milhão de pessoas” também falha ao se
referir a algo. Desta vez, não pelo fato que não existe tal cidade, mas porque
existem diversas delas.
O que isto tem a ver com o PC? Bem, se houver um único objeto satisfa-
zendo cx , em alguma situação, então ιx cx refere-se a ele. Então, a instância
do PC com respeito a cx é verdadeira: ιx cx é uma dessas coisas - na verdade,
a única coisa - que satisfaz cx . Em particular, o menor número inteiro é (de
fato) o menor número inteiro; a cidade que é a capital federal da Austrália
é, de fato, a capital federal da Austrália etc. Então, alguns exemplos de PC
se mantém.
Mas, e se não houver um único objeto que satisfaça cx ? Se n é um nome
e P é um predicado, a frase nP é verdadeira somente se houver um objeto
a que n se refira, e que tenha a propriedade expressa por P . Por isso, se
n não denota nenhum objeto, nP deve ser falso. Portanto, se não houver
uma única coisa tendo a propriedade P , (se, por exemplo, P é “é um cavalo
alado”) (ιx xP )P é falso. Como se é esperado, sob estas circunstâncias, o PC
pode falhar.
Agora, como tudo isto está contido no Argumento Ontológico? Lembre-se
que a instância do PC lá referida é yP1 &yP2 &...&yPn em que y é a descrição
ιx(xP1 &xP2 &...&xPn ). Ou existe algo satisfazendo xP1 &xP2 &...&xPn ou
não existe. Se existir, deve ser único. (Não pode haver 2 objetos onipoten-
tes: se eu sou onipotente, eu consigo fazer você parar de fazer coisas, então
29
você não pode ser onipotente.) Então y se refere a isto, e yP1 &yP2 &...&yPn
é verdadeiro. Se não houver, então y não se refere a nada; portanto cada
conjunto de yP1 &yP2 &...&yPn é falso; consequentemente, toda a conjunção
é falsa. Ou seja, a instância do PC usado no argumento é verdadeira apenas
se Deus existir; mas é falsa se Deus não existir. Portanto, se alguém está
argumentando pela existência de Deus, ele simplesmente não pode evocar
esta instância do PC: ele estaria somente assumindo algo que supostamente
deveria estar provando. Os filósofos dizem que tal argumento suplica a ques-
tão; isto é, suplica para estar admitindo exatamente o que está em questão.
E, um argumento que suplica a questão, claramente não funciona.
É o bastante para o Argumento Ontológico. Vamos terminar este capítulo
vendo que o apanhado das descrições que expliquei é, de certa forma, pro-
blemático por si só. De acordo com este apanhado, se δP é uma frase onde
δ é uma descrição que não se refere a nada, ela é falsa. Mas isto não parece
estar sempre correto. Por exemplo, pareceria verdadeiro que o mais poderoso
deus da Antiga Grécia era chamado de “Zeus”, vivia no Monte Olympus, era
adorado pelos gregos e assim por diante. Ainda que não haja, na realidade,
nenhum deus grego. Eles não existiam de fato. Se isto é correto, então a
descrição “o mais poderoso deus da Antiga Grécia” não se refere a nada. Mas,
neste caso, existem frases tipo sujeito/predicado verdadeiras na qual o termo
sujeito falha em se referir a algo, tal como “o mais poderoso deus da Antiga
Grécia era adorado pelos gregos”. De modo tendencioso, existem verdades
sobre objetos não existentes, afinal de contas.
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Todos queriam ganhar
o prêmio; assim, a pessoa que venceu a corrida queria ganhar o prêmio
30
Figura 4.1: Bertrand Russell (1872–1970), mais um dos fundadores da lógica
moderna.
31
Capítulo 5
32
os casos, λ pareceria ser ambos, verdadeira e falsa. A frase é como uma faixa
de Möbius (Figura 5.1), uma configuração topológica onde, por causa de uma
torção, o interior é o exterior, e o exterior é o interior: verdade é falsidade e
falsidade é verdade.
Ou suponha que alguém diga:
33
conjuntos que não são membros de si mesmos, e, portanto é um membro de
si mesmo. Pareceria ambos, que R é e não é um membro de si mesmo.
Este paradoxo foi descoberto por Bertrand Russell, que nós vimos no
último capítulo, portanto é chamado de o paradoxo de Russell. Como o
paradoxo do mentiroso, ele tem um primo. O que diremos a respeito do
conjunto de todos os conjuntos que são membros de si mesmos. Este é um
membro de si mesmo, ou não? Bem, se é, é; Se não é, não é. Novamente,
parece não haver nada para determinar a questão de alguma forma.
O que exemplos deste tipo fazem, é desafiar a assunção que nós tivemos
no capitulo 2, que toda frase é verdadeira ou falsa, mas nunca as duas coisas.
“Esta frase é falsa”, e “R não é um membro de si mesmo” parecem ser ambas
verdadeiras e falsas; e os primos delas não parecem ser nem verdadeiras nem
falsas.
Como esta ideia pode ser acomodada? Simplesmente levando estas ou-
tras possibilidades em consideração. Suponha que em qualquer situação,
toda frase é verdadeira, mas não falsa, falsa, mas não verdadeira, ambas ver-
dadeira e falsa, ou nem verdadeira nem falsa. Lembre-se do capitulo 2, que as
condições da verdade para negação, conjunção e disjunção são as seguintes.
Em qualquer situação:
¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F .
¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V .
a&b tem o valor V exatamente ambos a e a tem o valor V .
a&b tem o valor F exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor F .
a ∨ b tem o valor V exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor V .
a ∨ b tem o valor F exatamente ambos a e a tem o valor F .
Usando esta informação, é fácil calcular os valores da verdade das frases
sob o novo regime. Por exemplo:
34
que a é F , ao menos uma das frases a e b é F , portanto, a&b é F (pela
segunda cláusula para conjunção). Portanto, a&b são ambos V e F .
35
No Capítulo 2, eu disse que esta inferência não parecia intuitivamente
válida. Portanto, dada a nova abordagem, nossas intuições a respeito disso
devem estar erradas. Entretanto, pode-se oferecer uma explicação para este
fato. A inferência parece ser válida porque, se ¬q é verdadeiro, isto parece
eliminar a verdade de q, nos deixando com o p. Mas na abordagem atual, a
verdade de ¬q não elimina a verdade de q. Isto seria assim, somente se algo
não pudesse ser verdadeiro e falso. Quando pensamos em uma inferência
como válida, nós estamos talvez nos esquecendo de tais possibilidades, que
podem surgir em casos incomuns, como estes que são fornecidos pela auto-
referência.
Qual explicação da situação é melhor, aquela que concluímos no Capítulo
2, ou aquela que temos agora? Esta é uma questão que eu vou deixar para
você pensar a respeito. Ao invés disto, vamos terminar notando que, como
sempre, alguém pode objetar algumas das ideias na qual a nova abordagem
se apoia. Considere o paradoxo do mentiroso e o seu primo. Comece pelo
segundo. A frase “Esta frase é verdadeira” era supostamente para ser um
exemplo de algo que não é verdadeiro nem falso. Vamos supor que este seja
o caso. Então, em particular, não é verdadeira. Mas, ela mesma, diz ser ver-
dadeira. Portanto ela deve ser falsa, ao contrário da nossa suposição que não
é verdadeira nem falsa. Parece que nós acabamos em uma contradição. Ou
tome a frase do mentiroso, “Esta frase é falsa”. Esta frase era supostamente
para ser um exemplo de algo que é tanto verdadeira quanto falsa. Vamos
melhorar o exemplo um pouco. Considere a frase “Esta frase não é verda-
deira”. Qual é o valor da verdade dela? Se for verdadeira, então o que é dito
é o caso, portanto não é verdadeira. Mas se não é verdadeira, então, uma
vez que isso é o que ela afirma, é verdadeira. De qualquer forma, parecia ser
ambos, verdadeira e não verdadeira. Novamente, nós temos uma contradição
em nossas mãos. Não é apenas que as frases possam tomar os valores V e F ;
pelo contrário, uma frase pode tanto ser V e não ser V .
São situações como esta que têm feito do assunto auto-referência muito
contundente, desde Eubúlides. É, certamente, uma questão muito difícil.
36
Ideias centrais do capítulo
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Você fez um omelete,
e não é o caso que você fez um omelete e não quebrou um ovo; assim, você
quebrou um ovo.
37
Figura 5.1: Uma faixa de Möbius. O interior é o exterior, e o exterior é o
interior. Verdade é falsidade e falsidade é verdade.
38
Capítulo 6
Necessidade e Possibilidade: O
que será deve ser?
Frequentemente alegamos não apenas que algo é assim, mas que deve ser
assim. Dizemos: “Deve chover”, “Não vai deixar de chover”, “Necessariamente,
irá chover”. Também temos muitas formas de dizer que, embora algo possa,
na verdade, não ser o caso, poderia ser. Dizemos: “Poderia chover amanhã”,
“é possível que chova amanhã”, “não é impossível que chova amanhã”. Se
a é alguma frase, lógicos geralmente escrevem a alegação que a deve ser
verdadeira como 2a, e a alegação que a poderia ser verdadeira como 3a.
2 e 3 são chamados operadores modais, uma vez que eles expressam
os modos nas quais as coisas são verdadeiras ou falsas (necessariamente,
possivelmente). Os dois operadores estão, na verdade, conectados. Dizer que
algo deve ser o caso é dizer que não é possível que isto não seja o caso. Ou
seja, 2a significa o mesmo que ¬3¬a. Igualmente, dizer que é possível que
algo seja o caso é dizer que não é necessariamente o caso que isto é falso. Ou
seja, 3a significa o mesmo que ¬2¬a. Por precaução, nós podemos expressar
o fato de que é impossível para a ser verdadeiro, indiferentemente, como ¬3a
(não é possível que a), ou como 2¬a (a é necessariamente falsa).
Ao contrário dos operadores que encontramos até agora, 2 e 3 não são
funções da verdade. Como vimos no Capítulo 2, quando se sabe o valor
de verdade de a, pode-se calcular o valor de verdade de ¬a. Similarmente,
quando se sabe os valores de verdade de a e b, pode-se calcular os valores de
verdade de a ∨ b e a&b. Mas, não se pode inferir o valor de verdade de 3a
simplesmente pelo conhecimento do valor de verdade de a. Por exemplo, seja
39
r a frase “Amanhã eu me levantarei antes das 7 horas”. Suponha que r é, na
verdade, falso. Mas, certamente poderia ser verdadeiro: Eu poderia progra-
mar meu despertador e acordar mais cedo. Assim sendo, 3r é verdadeiro.
Mas, seja j a frase “Eu saltarei da cama e ficarei suspenso no ar a 2m do
chão”. Assim como r, isto também é falso. Mas, ao contrário de r, não é nem
mesmo possível que isso seja verdade. Porque violaria as leis da gravidade.
Assim sendo, 3j é falso. Portanto, o valor de verdade de uma frase, a, não
determina o de 3a: r e j são ambas falsas, mas 3r é verdadeiro e 3j é falso.
Similarmente, o valor de verdade de a não determina o valor da verdade de
2a. Seja, agora, r a frase “Amanhã, eu me levantarei antes das 8 horas”. Isto
é, de fato, verdadeiro; mas não é necessariamente verdadeiro. Eu poderia
ficar na cama. Seja, agora, j a frase “Se eu saltar da cama amanhã de ma-
nhã, eu terei me movido”. Isto também é verdadeiro, mas não existe nenhum
modo em que isto poderia ser falso. É necessariamente verdadeiro. Assim
sendo, r e j são ambos verdadeiros, mas um é necessariamente verdadeiro e
o outro não.
Operadores Modais são, portanto, tipos de operadores bem diferentes de
qualquer coisa que tenhamos visto até agora. Eles também são importantes
e frequentemente são operadores que nos desafiam. Para ilustrar isto, eis
aqui um argumento para o fatalismo, dado por um dos dois mais influentes
filósofos Gregos, Aristóteles (Figura 6.1).
Fatalismo é a concepção de que tudo o que acontece deve acontecer: não
poderia ter sido evitado. Quando um acidente ocorre, ou uma pessoa morre,
não há nada que poderia ter sido feito para evitá-lo. Fatalismo é uma visão
que tem atraído algumas pessoas. Quando algo dá errado, existe um certo
conforto que provem do pensamento de que aquilo não poderia ter sido de
outra forma. Não somente isto, fatalismo implica que eu sou incapaz de alte-
rar o que acontece, e isto parece patentemente falso. Se eu me envolver num
acidente de carro hoje, eu poderia ter evitado isto simplesmente tomando
uma rota diferente. Então, qual é o argumento de Aristóteles? Ele procede
da seguinte forma. (Por ora, ignore que o texto esteja em negrito; voltaremos
a tocar neste assunto.)
Tome qualquer alegação que quiser - digamos, a título de ilustração, que
estarei envolvido em um acidente de trânsito amanhã. Agora, podemos não
saber ainda se isto é verdadeiro ou não, mas sabemos que estarei envolvido
em um acidente ou não. Suponha o primeiro caso. Então, como questão
de fato, estarei envolvido em um acidente de trânsito. E se é verdadeiro
40
dizer que estarei envolvido em um acidente, então não pode deixar
de ser o caso que estarei envolvido. Ou seja, deve ser o caso que estarei
envolvido. Suponha, por outro lado, que, como questão de fato, não estarei
envolvido em um acidente de trânsito amanhã. Então, é verdade dizer que
não estarei envolvido em um acidente; e sendo assim, não pode deixar de
ser o caso que não estou envolvido no acidente. Qualquer um dos dois que
acontecer, então, deve acontecer. Isto é fatalismo.
O que se poderia dizer a respeito disso? Para responder, vamos exami-
nar a concepção moderna standard dos operadores modais. Suponhamos que
toda situação, s, venha acompanhada de um feixe de possibilidades, isto é, si-
tuações que são possíveis no que diz respeito a s - a serem definidas, digamos,
como as situações que poderiam surgir sem que se violassem as leis da física.
Assim sendo, se s é uma situação em que eu estou presentemente (estando
na Austrália), estar em Londres por uma semana é uma situação possível;
enquanto que estar em Alfa Centauros (a mais de 4 anos-luz de distância) não
é. Segundo o filósofo e lógico do século 17, Leibniz, lógicos frequentemente
chamam estas situações possíveis, de modo divertido, de mundos possíveis.
Agora, dizer que 3a (é possivelmente o caso que a) é verdadeiro em s, é
apenas dizer que a é verdadeiro em ao menos um dos mundos associados
com s. E dizer que 2a (é necessariamente o caso que a) é verdadeiro em s,
é apenas dizer que a é verdadeiro em todos os mundos possíveis associados
com s. Por isso, 2 e 3 não são funções da verdade. Porque a e b podem
ter o mesmo valor da verdade em s, digamos F , mas podem ter diferentes
valores da verdade nos mundos associados com s. Por exemplo, a pode ser
verdadeiro em um dos mundos (digamos, s′ ), mas b pode não ser verdadeiro
em nenhum, da seguinte forma:
s s′
a:F a:V
b:F b:F
41
empregam operadores modais. Por exemplo, considere a inferência:
3a 3b
3(a&b)
Isso é inválido. Para ver o porquê, suponha que as situações associadas
com s são s1 e s2 , e que os valores de verdade são como se segue:
a:F
b:F
a:V a:F
s1 s2
b:F b:V
42
com o qual ainda não nos encontramos. Escrevamos ‘se a então b’ como a →
b. frases dessa forma são chamadas condicionais, e serão a nossa principal
preocupação no próximo capítulo. Por enquanto, tudo o que precisamos notar
é que a principal inferência na qual condicionais parecem estar envolvidos é
essa:
a a→b
b
(Por exemplo: ‘Se ela se exercita frequentemente, então ela está em forma.
Ela se exercita frequentemente; então ela está em forma’.) Lógicos modernos
costumam chamar essa inferência pelo nome dado a ela pelos lógicos medi-
evais: modus ponens. Literalmente isso significa ‘o modo de colocar’. (Não
me pergunte.)
Agora, para considerar o argumento de Aristóteles, precisamos pensar um
pouco a respeito de condicionais da forma:
Tais frases são, de fato, ambíguas. Uma coisa que elas podem significar é
que se a, de fato, é verdadeira, então b é necessariamente verdadeira. Isto é,
se a é verdadeira na situação de que estamos falando, s, então b é verdadeira
em todas as situações possíveis associadas a s. Podemos escrever isso como
a → 2b. A frase está sendo usada desta maneira quando dizemos coisas
como: ‘Você não pode mudar o passado. Se algo foi verdadeiro no passado
então esse algo não pode hoje deixar de ter sido verdadeiro. Não há nada
que você possa fazer a respeito: É irrevogável’.
O outro significado de um condicional da forma ‘se a então não pode dei-
xar de ser o caso que s’ é bastante diferente. Frequentemente usamos essa
expressão para dizer que b se segue de a. Estaríamos usando a frase desta
maneira se disséssemos ‘Se Fred vai se divorciar então ele é necessariamente
casado’. Não estamos dizendo que se Fred vai se divorciar, então seu casa-
mento é irrevogável. Estamos dizendo que você não pode se divorciar sem
ser casado. Não há uma situação possível onde acontece uma coisa e a outra
não. Isto é, em qualquer situação possível, se uma é verdadeira, então a outra
também é. Isto é, 2(a → b) é verdadeira.
Agora a → 2b e 2(a → b) significam coisas bem diferentes. E certamente,
a primeira não se segue da segunda. O mero fato de que a → b seja verdadeira
em toda situação associada a s não significa que a → 2b é verdadeira em s.
43
a pode ser verdadeira em s sem que 2b seja: tanto b quanto a podem ser
falsos em algum mundo associado. Ou para dar um contra-exemplo concreto:
é necessariamente verdadeiro que se Jonh vai se divorciar, ele é casado; mas
certamente não é verdade que se Jonh vai se divorciar ele é necessariamente
(irrevogavelmente) casado.
Voltando finalmente ao argumento de Aristóteles, considere a frase co-
locada em negrito: ‘Se é verdade dizer que me envolverei em um acidente,
então não pode deixar de ser o caso que eu me envolverei’. Isso é exatamente
da forma de que estávamos falando. E é, portanto, ambíguo. Além disso, o
argumento se fia nesta ambiguidade. Se a é a frase ‘É verdadeiro dizer que
me envolverei em um acidente de trânsito’ e b é a frase ‘Me envolverei (em
um acidente de trânsito)’, então o condicional em negrito é verdadeiro no
sentido:
1. 2(a → b).
Necessariamente, se é verdadeiro dizer algo, então este algo é de fato o
caso. Mas o que precisaria ser estabelecido é:
2. a → 2b.
Afinal de contas, o próximo passo do argumento é inferir 2b a partir de a
por modus ponens. Mas, como vimos, 2 de maneira nenhuma se segue de 1.
Assim, o argumento de Aristóteles é inválido. Em grande medida, o mesmís-
simo problema aparece na segunda parte do argumento, com o condicional
‘Se é verdadeiro dizer que eu não me envolverei em um acidente, então não
pode deixar de ser o caso que eu não me envolva em um acidente’.
Isso parece ser uma resposta satisfatória ao argumento de Aristóteles.
Mas, há uma variação do argumento que não tem resposta tão fácil. Volte
ao exemplo que tínhamos sobre mudar o passado. Parece mesmo verdadeiro
que se alguma frase sobre o passado é verdadeira, ela é hoje necessariamente
verdadeira. É impossível, agora, transformá-la em falsa. A Batalha de Has-
tings se deu em 1066, e não há, hoje, nada que possamos fazer para que ela
tenha se dado em 1067. Portanto, se p é um enunciado a respeito do passado,
então p → 2p.
Considere agora um enunciado a respeito do futuro. De novo, por exem-
plo, seja a afirmação de que me envolverei em um acidente de trânsito ama-
nhã. Suponha que isso é verdade. Segue-se que se alguém disse isso 100 anos
atrás, então este alguém disse a verdade. E mesmo se ninguém nunca dissesse
44
isso, se tivesse dito teria dito a verdade. Assim, que eu me envolverei em um
acidente amanhã era verdade há 100 anos. Esse enunciado (p) é certamente
um enunciado a respeito do passado, e portanto, uma vez verdadeiro, é ne-
cessariamente verdadeiro (2p). Então, deve ser necessariamente verdadeiro
que me envolverei em um acidente amanhã. Mas, isso era apenas um exem-
plo; o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a qualquer coisa. Assim, o que
quer que aconteça, deve acontecer. Este argumento em favor do fatalismo
não comete a mesma falácia (isto é, o mesmo argumento inválido) que o
considerado anteriormente. No fim das contas, o fatalismo é verdadeiro?
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. É impossível para por-
cos voarem, e é impossível para porcos respirarem debaixo d’água; portanto,
deve ser o caso que os porcos nem voem e nem respirem debaixo d’água.
45
Figura 6.1: Aristóteles (384–322 a.c.), o fundador da lógica formal.
46
Capítulo 7
Neste capítulo, nos voltaremos para o operador lógico que apresentei de pas-
sagem no capítulo anterior, o condicional. Lembre-se que um condicional é
uma frase da forma ‘se a então c’, que escrevemos como a → c. Lógicos
chamam a de antecedente do condicional, e c de consequente. Notamos tam-
bém que uma das mais fundamentais inferências a respeito do condicional é o
modus ponens: a, a → b/c. Os condicionais são fundamentais para muito do
nosso entendimento. O capítulo anterior mostrou apenas um exemplo disto.
Mesmo assim, eles são profundamente difíceis de entender. Eles têm sido es-
tudados em lógica desde os tempos mais antigos. Na verdade, foi reportado
por um antigo comentarista (Callimachus) que uma vez até mesmo os corvos
nos telhados estavam gorjeando a respeito dos condicionais.
Vamos ver porque - ou, pelo menos, um motivo do porque - os condicionais
são difíceis de entender. Se você sabe que a → c, parece que você poderia
inferir que ¬(a&¬c) (não é o caso que a e não c). Suponha, por exemplo, que
alguém lhe informa que se perder o ônibus, vai chegar atrasado. Você pode
inferir disto que é falso que você perderá o ônibus e não chegará atrasado.
Inversamente, se você sabe que ¬(a&¬c), parece que você poderia inferir
a → c disto. Suponha, por exemplo, que alguém lhe diga que você não irá
ao cinema sem gastar dinheiro (não é o caso que vá ao cinema e não gaste
dinheiro). Você pode inferir que se for ao cinema, irá gastar dinheiro.
¬(a&¬c) é frequentemente escrita como a ⊃ c, e chamado de condicional
material. Portanto, parece que a → c e a ⊃ c significariam a mesma coisa.
47
Em particular, assumindo a maquinaria do Capítulo 2, eles devem ter a
mesma tabela da verdade. É um exercício simples, que eu deixo para você,
mostrar que isto é da seguinte forma:
a c a⊃c
V V V
V F F
F V V
F F V
48
situações possíveis associadas com s na qual a é verdadeiro; e é falso em s se
c for falso em algumas das possíveis situações associadas com s na qual a é
verdadeira.
Isto nos dá um apanhado plausível de →. Por exemplo, isto mostra
porque modus ponens é válido - pelo menos sob uma hipótese. A hipótese é
que nós contamos o próprio s como uma das situações possíveis associadas
com s. Isto parece razoável: qualquer coisa que é verdadeiramente o caso em
s é certamente possível. Agora, suponha que a e a → c são verdadeiros em
alguma situação s. Então, c é verdadeiro em todas as situações associadas
com s na qual a é verdadeiro. Mas, s é uma destas situações, e a é verdadeiro
nela. Assim sendo, c também é, como queríamos.
Voltando ao argumento com que nós começamos, podemos ver agora onde
ele falha. A inferência na qual o argumento repousa é:
¬(a&¬c)
a→c
E isto não é válido. Por exemplo, se a for F em alguma situação s, isto é
suficiente para fazer a premissa verdadeira em s. Mas isto não nos diz nada
sobre como a e c se comportam nas possíveis situações associadas com s.
Poderia muito bem acontecer que em uma destas, digamos s′ , a é verdadeira
e c não é, desta forma:
s s′
a:F a:V
c:F c:F
49
cinema, não importa as circunstâncias, mesmo que o ingresso seja grátis esta
noite. (Tem um programa na TV que é bem mais interessante.) Então, você
sabe que não é verdade que vai ao cinema (¬g), e então que não é verdadeiro
que você vai ao cinema e não gastará dinheiro: ¬(g&¬m). Então, você está
obrigado a inferir que se você for gastará dinheiro? Certamente não: pode
ser uma noite gratuita.
É importante perceber que no tipo de situação em que você aprende que
a premissa é verdadeira por ter sido informado dela, outros fatores estão
normalmente operando. Quando alguém lhe diz algo como: ¬(g&¬m), nor-
malmente não se faz isto com base em que se sabe que ¬g é verdadeiro.
(Se sabe-se isto, normalmente não haveria motivo para dizer a você qualquer
coisa sobre a situação.) Se se lhe dizem isto, é com base em que existe alguma
conexão entre g e m: que você não consegue que g seja verdadeiro sem que
m seja verdadeiro - e é exatamente o que é necessário para o condicional ser
verdadeiro. Então, neste caso, em que você é informado da premissa, seria
normalmente razoável inferir que g → m; mas não do conteúdo do que foi
dito - pelo contrário, do fato de que isto foi dito.
Na verdade, frequentemente fazemos inferências corretas deste tipo sem
pensar. Suponha, por exemplo, que eu pergunte a alguém como fazer meu
computador executar uma coisa ou outra, e eles respondem ‘Há um manual
na prateleira’. Eu infiro que é um manual de computador (Figura 7.1). Isto
não se segue do que na verdade foi dito, mas o comentário não teria sido
relevante ao menos que o manual fosse um manual de computador, e as
pessoas normalmente são relevantes no que dizem. Assim sendo, eu posso
concluir que é um manual de computador do fato que eles disseram aquilo. A
inferência não é uma inferência dedutiva. Pois, a pessoa poderia ter dito isto,
e não ser um manual de computador. Mas, a inferência é ainda uma excelente
inferência indutiva. Ela é de um tipo geralmente chamado de implicatura
conversacional.
O apanhado do condicional que acabamos de ver parece se sair bem - ao
menos até onde temos olhado. Todavia, ele possui um número de problemas.
Aqui está um. Considere as seguintes inferências:
50
Figura 7.1: Tirando conclusões precipitadas.
51
em toda situação associada em que b é verdadeiro. Portanto, c é verdadeiro
em toda situação em que a é verdadeiro. Em outras palavras, a → c é
verdadeiro em s.
Podemos escrever a segunda inferência como:
a→c
2.
(a&b) → c
Para ver que esta se revela válida, suponha que a premissa é verdadeira
em alguma situação, s. Então, c é verdadeiro em toda situação possível
associada com s em que a é verdadeira. Agora, suponha a&b é verdadeiro
em uma situação associada; então a é certamente verdadeiro nesta situação
e, assim, c também é. Logo, (a&b) → c é verdadeiro em s.
Por enquanto tudo bem. O problema é que há inferências que possuem
exatamente estas formas, mas que parecem serem inválidas. Por exemplo,
suponha que há uma eleição para Primeiro Ministro com apenas dois candi-
datos, Smith, o Primeiro Ministro atual, e Jones. Agora considere a seguinte
inferência:
Esta é uma inferência da forma 2. Ainda assim, novamente, parece claro que
poderia haver situações em que a premissa é verdadeira e a conclusão não é.
O que alguém diria acerca deste estado de coisas? Deixarei para você
pensar a respeito disto. Apesar do fato dos condicionais serem centrais na
52
maneira que raciocinamos sobre a maioria das coisas, eles são umas das áreas
mais desafiantes da lógica. Se os pássaros não estão mais gorjeando sobre os
condicionais, lógicos certamente estão.
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Se você acredita em
Deus, então você vai a igreja. Mas, você vai a igreja. Portanto, você acredita
em Deus.
53
Capítulo 8
O tempo é uma coisa com a qual estamos todos acostumados. Planejamos fa-
zer coisas no futuro; lembramos de coisas do passado; e às vezes simplesmente
aproveitamos o presente. E parte da maneira com a qual nos orientamos no
tempo envolve fazer inferências a respeito dele. Por exemplo, as seguintes
inferências são intuitivamente válidas:
Está chovendo. Será verdadeiro que sempre tem chovido.
Terá chovido. Está chovendo.
Tudo isso parece elementar.
Mas, assim que começamos a pensar sobre o tempo, metemo-nos em um
monte de enrascadas. Como disse Agostinho, se ninguém me perguntar o que
é o tempo, eu sei muito bem; mas quando alguém me pergunta, eu já não
sei. Uma das coisas mais intrigantes a respeito do tempo é que ele parece
fluir. O presente parece se mover: primeiro é hoje; depois é amanhã; e assim
por diante. Mas como o tempo pode mudar? O tempo é aquilo que mede
o ritmo no qual todas as demais coisas mudam. Este problema é o cerne de
várias questões enigmáticas envolvendo o tempo. Uma destas questões foi
colocada no começo do século vinte pelo filósofo britânico John McTaggart
Ellis McTaggart. (É isso mesmo.) Tal como muitos filósofos, McTaggart
ficou tentado pela visão de que o tempo é irreal - que, em última análise, o
tempo é uma ilusão.
Para apresentar o argumento de McTarggart, um pouco de simbolismo
será útil. Tomemos uma frase conjugada no passado, como ‘O sol brilhava’.
54
Podemos expressar isso de maneira equivalente, ainda que um pouco estra-
nha, como ‘foi o caso que o sol está brilhando’. Vamos escrever ‘foi o caso
que’ como P (de ‘passado’). Então, podemos escrever essa frase como ‘P o
sol está brilhando’, ou, escrevendo ‘s’ para ‘O sol está brilhando’, escreve-
mos simplesmente Ps. De modo similar, tome qualquer frase conjugada no
futuro, digamos, ‘O sol brilhará’. Podemos escrever esta frase como ‘Será o
caso que o sol está brilhando’. Se escrevermos ‘Será o caso que’ como F (de
‘futuro’), então podemos escrever isso como Fs. (Não confunda esse F com
o valor de verdade F .)
P e F são operadores, tais como 2 e 3, que se aplicam a frases completas
para formar frases completas. Além disso, assim como 2 e 3, P e F não
são funções de verdade. ‘São quatro da tarde’ e ‘São quatro da tarde de dois
de agosto de 1999’ são ambas frases verdadeiras (no momento em que estou
escrevendo); ‘Serão quatro da tarde’ também é verdadeiro (nesse instante) -
são quatro da tarde uma vez por dia - muito embora ‘serão quatro da tarde
de dois de agosto de 1999’ não seja. Os lógicos chamam P e F de operadores
temporais. Operadores temporais podem ser iterados, ou compostos. Pode-
mos dizer, por exemplo, ‘O sol terá brilhado’, isto é ‘será o caso que terá
sido o caso que o sol está brilhando’: FPs. Ou podemos dizer ‘O sol havia
brilhado’, isto é, ‘foi o caso que foi o caso que o sol está brilhando’: PPs.
(Os operadores modais que encontramos no último capítulo também podem
ser iterados desta forma, apesar de não termos considerado isso lá.) Nem
todas as iterações de operadores temporais correspondem a expressões claras
e breves na linguagem cotidiana. Não há, por exemplo, modo muito melhor
de dizer FPFs do que o nada bom ‘será o caso que terá sido o caso que será
o caso que o sol está brilhando’. As iterações, no entanto, fazem perfeito
sentido gramatical. Podemos chamar as iterações de P e F, tais como FP,
PP, FFP, de flexões compostas.
Voltemos a McTaggart. Ele pensou que não haveria tempo a menos que
houvesse passado e futuro: estes fazem parte de sua essência. No entanto,
ser passado e ser futuro, ele argumentou, são inerentemente contraditórios;
então, nada na realidade pode corresponder a ambos. Bom, talvez. Mas
por que o passado e o futuro são contraditórios? Para começo de conversa,
passado e futuro são incompatíveis. Se algum evento instantâneo é passado,
ele não é futuro e vice-versa. Seja e um evento instantâneo. Pode ser o que
você quiser, mas digamos que seja o atravessar da primeira bala pelo coração
do Czar Nicolau na Revolução Russa. Seja h a frase ‘e está ocorrendo’.
55
Então, temos:
¬(Ph & Fh).
Mas e, assim como todos os eventos, é passado e é futuro. Uma vez que o
tempo flui, todos os eventos são futuros (antes de acontecerem) e passados
(depois de terem acontecido):
Ph & Fh.
Mas, da mesma forma que com as flexões simples, o fluxo do tempo é su-
ficiente para garantir que todos os eventos também têm todas as flexões
compostas. No passado, Fh; então no passado distante FFh. No futuro, Ph;
então no futuro distante, PPh:
56
tentemos nos livrar da contradição com um conjunto de flexões, tudo o que
fazemos é descrever as coisas em termos de flexões que são igualmente con-
traditórias; logo, nunca escapamos da contradição. Esse é o argumento de
McTaggart.
O que dizer sobre isso? Para a resposta, examinemos a validade de infe-
rências envolvendo flexões temporais. Para tanto, supomos que cada situa-
ção, s0 , é acompanhada de várias outras situações - não, dessa vez, situações
que representam possibilidades associadas com s0 (como com os operadores
modais), mas situações que são ou antes de s0 ou depois de s0 . Assumindo,
como fazemos normalmente, que o tempo é unidimensional e infinito em
ambas as direções, passado e futuro, podemos representar as situações de
maneira familiar:
57
esta à sua direita. Podemos representar isso assim:
. . . s−3 s−2 s−1 s0 s1 s2 s3 . . .
r
Pr
FPr
A segunda inferência é válida, já que se FHr é verdadeiro em s0 , então em
alguma situação à direita de s0 , digamos s2 , Hr é verdadeiro. Mas, então,
em todas as situações à esquerda de s2 , e em particular em s0 , r é verdadeiro:
. . . s−3 s−2 s−1 s0 s1 s2 s3 . . .
FHr
Hr
r r r r r
Além disso, certas combinações de operadores temporais são impossíveis,
como é de se esperar. Assim, se h é uma frase que é verdadeira em apenas
uma situação, digamos s0 , então Ph&Fh é falsa em toda s. Ambos conjuntos
são falsos em s0 ; o primeiro conjunto é falso à esquerda de s0 ; o segundo
conjunto é falso à direita. De maneira similar, e.g., PPh&FFh é falso em
toda s. Deixo para você checar os detalhes.
Agora, como isso tudo se relaciona com o argumento de McTaggart? O
ponto principal do argumento, lembre-se, era que dado que h tem todas as
possíveis flexões temporais, nunca é possível evitar a contradição. Resolver
a contradição em um nível de complexidade de flexão temporal apenas cria
a contradição em outro nível. O tratamento que acabamos de dar às flexões
temporais mostra que isso é falso. Supponha que h é verdadeiro apenas em
s0 . Então, qualquer frase com flexões compostas envolvendo h é verdadeira
em algum lugar. Considere, por exemplo, FPPFh. Isso é verdade em S−2 ,
como mostra o seguinte diagrama:
. . . s−3 s−2 s−1 s0 s1 s2 s3 . . .
h
Fh
PFh
PPFh
FPPFh
É claro que podemos fazer o mesmo para toda flexão composta de F e P,
ziguezagueado à esquerda ou à direita, conforme for requerido. E tudo isso é
58
perfeitamente consistente. A infinidade de situações diferentes nos permite
atribuir à h todos as suas flexões verbais sem violar as várias incompati-
bilidades entre elas, e.g., ter Fh e Ph verdadeiros na mesma situação. O
argumento de McTaggart, portanto, falha.
Essa é uma resposta confortante para aqueles que crêem na realidade do
tempo. Mas os que concordam com McTaggart podem não estar convencidos
pelas nossas considerações. Suponha que eu dê um conjunto de especificações
para a construção de uma casa: a porta da frente fica aqui, uma janela ali...
Como você sabe que todas as especificações são consistentes? Como você
sabe que, quando for construir, tudo funcionará, e você não será solicitado a,
por exemplo, colocar a porta em uma posição incompatível? Uma maneira é
construir um modelo em escala de acordo com as especificações. Se tal modelo
pode ser construído, as especificações são consistentes. Isso é exatamente o
que fizemos com o nosso discurso flexionado. O modelo é a sequência de
situações, junto com a maneira de atribuir V ou F às frases flexionadas. É
um pouco mais abstrato do que uma maquete de uma casa, mas o princípio
é essencialmente o mesmo.
No entanto, é possível fazer objeções a um modelo. Às vezes um modelo
deixa de representar coisas importantes. Num modelo em escala de uma casa,
por exemplo, uma viga pode não ceder porque está sujeita a muito menos
força do que a viga correspondente está sujeita na construção propriamente
dita. A viga propriamente dita pode estar sujeita a uma carga insustentável,
fazendo com que a construção da casa seja impossível - a despeito da maquete.
De forma similar, podem sugerir que nosso modelo do tempo ignora coisas
importantes. Afinal, o que fizemos foi construir um modelo espacial do tempo
(esquerda, direita, etc.). Mas tempo e espaço são coisas bastante diferentes
(Figura 8.1). O espaço não flui da maneira que o tempo flui (seja lá o
que, de fato, isso possa significar). Agora, é exatamente a fluidez do tempo
que produz a suposta contradição à qual McTaggart se refere. Não é de se
espantar que ela não apareça no modelo! Então o que é, exatamente, que está
faltando em nosso modelo? E uma vez que isso seja levado em consideração,
a contradição reaparece?
59
Figura 8.1: Em todo o caso, para o Dr Who, espaço e tempo são basicamente
a mesma coisa.
Problema
60
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Sempre esteve cho-
vendo e sempre estará chovendo; portanto, está chovendo agora.
61
Capítulo 9
Ainda não terminamos de falar sobre tempo. Tempo está envolvido em vários
outros enigmas, um dos quais olharemos neste capítulo. Este tipo é referente
a problemas que surgem quando as coisas mudam; e especificamente, a ques-
tão do que é dito sobre a identidade dos objetos que mudam através do
tempo.
Eis aqui um exemplo. Todos pensamos que objetos podem sobreviver
através da mudança. Por exemplo, quando eu pinto um armário, ainda que
a sua cor possa mudar, ele ainda é o mesmo armário. Ou quando você
muda o seu penteado, ou se você infelizmente tiver o azar de perder um
membro, você ainda será você. Mas como algo pode sobreviver à mudança?
Afinal, quando você muda seu penteado, a pessoa que resulta é diferente,
não é a mesma de forma alguma. E se a pessoa está diferente, é uma pessoa
diferente; então o velho você deixou de existir. De forma exatamente igual,
pode ser argumentado, nenhum objeto persiste através de qualquer mudança.
Qualquer mudança significa que o velho objeto deixa de existir e é substituído
por um outro objeto bem diferente.
Argumentos como este aparecem em vários lugares na história da filosofia,
mas seria geralmente aceito pelos lógicos, agora, que eles estão errados, e
repousam em uma simples ambiguidade. Devemos distinguir entre um objeto
e a suas propriedades. Quando dizemos que você, com um outro penteado, é
diferente, estamos dizendo que você tem propriedades diferentes. Não quer
dizer que você é literalmente uma pessoa diferente, da mesma forma que eu
62
sou diferente de você.
Um motivo pelo qual uma pessoa pode falhar ao distinguir entre ser um
certo objeto e ter certa propriedade é que, em português, o verbo ‘ser’ e
suas várias formas gramaticais - ‘é’, ‘sou’, e assim por diante - podem ser
usados para expressar ambas estas coisas. (E o mesmo serve para palavras
similares em outros idiomas.) Se dissermos ‘A mesa é vermelha’, ‘O seu
cabelo está curto agora’, e coisas parecidas, estamos atribuindo propriedades
a um objeto. Mas, se alguém disser ‘Eu sou Graham Priest’, ‘A pessoa que
venceu a corrida é a mesma pessoa que venceu ano passado’ e assim por
diante, então eles estão identificando um objeto de uma certa forma. Em
outras palavras, eles estão expressando a sua identidade.
Lógicos chamam o primeiro uso de ‘é’ o ‘é’ da predicação; eles chamam
o segundo uso de ‘é’ o ‘é’ da identidade. E por eles terem de alguma forma
propriedades diferentes, eles o escrevem de formas diferentes. O ‘é’ da pre-
dicação nós já conhecemos no Capítulo 3. ‘John é vermelho’ é tipicamente
escrito na forma jR. (Na verdade, como eu observei no Capítulo 3, é mais
comum escrever isto de forma contrária, Rj.) O ‘é’ de identidade é escrito
com =, parecido com a matemática da escola. Assim sendo, ‘John é a pessoa
que venceu a corrida’ é escrito: j = w. (O nome w é uma descrição aqui;
mas isto não tem importância na questão presente.) Frases como estas são
chamadas identidades.
Quais propriedades a identidade possui? Primeiro, ela é uma relação.
Uma relação é algo que conecta dois objetos. Por exemplo, ver é uma relação.
Se dissermos ‘John vê Mary’, estamos expressando uma relação entre eles. Os
objetos conectados pela relação não têm de ser necessariamente diferentes. Se
dissermos ‘John vê a si mesmo’ (talvez em um espelho), estamos expressando
uma relação que John tem com John. Agora, identidade é uma relação muito
especial. É uma relação que todo objeto tem consigo mesmo e com nada mais.
Você pode pensar que isto faria da identidade uma relação inútil, mas, na
verdade, não é assim. Por exemplo, se eu digo ‘John é a pessoa que venceu
a corrida’, estou dizendo que a relação da identidade se dá entre o objeto
referido por ‘John’ e o objeto referido por ‘a pessoa que venceu a corrida’ -
em outras palavras, que estes dois nomes se referem a uma e a mesma pessoa.
Isto pode ser uma informação altamente significativa.
Mas, as coisas mais importantes sobre identidade são as inferências em
que ela está envolvida. Eis aqui um exemplo:
63
John é a pessoa que venceu a corrida.
A pessoa que venceu a corrida ganhou um prêmio.
Portanto John ganhou um prêmio.
Isto parece uma aplicação da Lei de Leibniz dado que a conclusão é obtida
substituindo ‘a pessoa que ganhou a corrida’ por ‘John’ na segunda premissa.
Ainda assim, está claro que a premissa poderia muito bem ser verdadeira
sem que a conclusão fosse verdadeira: Mary pode não saber que John é a
pessoa que ganhou a corrida. Isto é uma violação da Lei de Leibniz? Não
necessariamente. A lei diz que se x = y, então qualquer propriedade de
x é uma propriedade de y. Agora, a condição ‘Mary sabe que x ganhou
um prêmio’ expressa uma propriedade de x? Na verdade não: ao contrário
64
pareceria expressar uma propriedade de Mary. Se Mary de repente deixasse
de existir, isto não mudaria x de forma alguma (A lógica das frases tais como
‘sabe que’ está ainda bem sub judice em lógica.)
Um outro tipo de problema é o seguinte. Eis aqui uma estrada; ela é
uma estrada asfaltada; chame-a de t. E eis aqui uma estrada; é uma estrada
de terra batida; chame-a de d. Mas, as duas estradas são a mesma estrada,
t = d. É que o asfalto desaparece no final da estrada. Portanto, a Lei de
Leibniz nos diz que t é uma estrada de terra, e que d é uma estrada asfaltada
- que elas não são. O que aconteceu de errado aqui? Não podemos dizer
que ser de terra ou asfaltada não são realmente propriedades da estrada.
Elas certamente são. O que deu errado (sustentável) é que: não estamos
sendo suficientemente precisos nas nossas especificações de propriedades. As
propriedades relevantes são ser asfaltada em tal e tal ponto, e ser de terra
em tal e tal ponto. Desde que t e d são a mesma estrada, ambas possuem as
mesmas propriedades, e não temos uma violação da lei de Leibniz.
Até agora tudo bem. Estes problemas são relativamente fáceis. Agora
vamos ver um que não é. E aqui, o tempo volta a ser a questão. Para explicar
o que é o problema, será útil empregar os operadores de tempo do último
capítulo, e especificamente, G (“sempre será o caso que”). Seja x qualquer
coisa que você queira, uma árvore, uma pessoa; e considere o enunciado
x = x. Isto diz que x tem a propriedade de ser igual a x - que é obviamente
verdadeira: ela é parte do próprio significado da identidade. E isto é assim,
independentemente do tempo. É verdadeiro agora, verdadeiro em todos os
tempos futuros e em todos os tempos passados. Em particular, Gx = x é
verdadeiro. Agora, aqui está uma instância da Lei de Leibniz:
x = y Gx = x
Gx = y
(Não ligue para o fato de que substituímos y somente para uma das ocorrên-
cias de x na segunda premissa. Tais aplicações da Lei de Leibniz fazem
perfeitamente sentido. Apenas considere: “John é a pessoa que ganhou a
corrida; John vê John; assim, John vê a pessoa que ganhou a corrida.”) O
que a inferência mostra é que se x é idêntico to y, e x tem a propriedade de
ser idêntico a x em todos os tempos futuros, então y também tem. E dado
que a primeira premissa é verdadeira, como acabamos de notar, conclui-se
que se duas coisas são idênticas, elas sempre serão idênticas.
65
E o que dizer disto? Simplesmente, não parece ser sempre verdadeiro.
Por exemplo, considere uma ameba. Amebas são criaturas unicelulares en-
contradas na água que se multiplicam por mitose: uma ameba se dividirá
ao meio para se tornar duas amebas. Agora, tome alguma ameba A, que se
divide e torna-se duas amebas, B e C. Antes da divisão, ambas B e C eram
A. Portanto antes da divisão, B = C. Mas depois da divisão, B e C são
amebas distintas, ¬B = C. Portanto, se duas coisas são a mesma, não segue
necessariamente que elas sempre serão a mesma.
Não podemos sair deste problema da mesma forma que saímos do pro-
blema anterior. A propriedade de ser idêntico a x em todos os tempos futuros
é certamente uma propriedade de x. E não parece ser o caso que a proprie-
dade é insuficientemente refinada. Parece não haver uma forma de torná-la
mais precisa a fim de evitar o problema.
O que mais alguém poderia dizer? Um pensamento natural é este. Antes
da divisão, B não era A: ele era somente parte de A. Mas, B é uma ameba,
e A é uma criatura unicelular: ela não tem partes que são amebas. Portanto,
B não pode ser parte de A.
Mais radicalmente, alguém pode sugerir que B e C na verdade não exis-
tiam antes da divisão, então eles não eram A antes da divisão. Portanto,
não é o caso que B = C antes da divisão. Mas, isto parece estar errado
também. B não é uma nova ameba; é simplesmente A, embora algumas de
suas propriedades tenham mudado. Se isto não está claro, apenas imagine
que C iria morrer na divisão. Neste caso, não teríamos nenhuma hesitação
em dizer que B é A. (Seria como uma cobra trocando sua pele.) Agora,
a identidade de algo não pode ser afetada pelo fato que possa haver outras
coisas ao redor. Portanto A é B, assim como, A é C.
É claro, alguém pode insistir que exatamente porque A toma novas pro-
priedades, ele é, estritamente falando, um novo objeto; não meramente um
velho objeto com novas propriedades. Portanto, B não é realmente A. Do
mesmo modo que C. Mas agora, estamos de volta com o problema com o
qual começamos este capítulo.
66
Ideias centrais do capítulo
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Pat é uma mulher, e
a pessoa que limpou a janela não é uma mulher; assim, Pat não é a pessoa
que limpou a janela.
67
Figura 9.1: Gottfried Wilhelm Leibniz (1646–1716), o último lógico notável
antes do perído moderno.
68
Capítulo 10
69
Figura 10.1: O dilema de um ciclista.
70
de inferências modus ponens, como esta:
A conclusão final é ak que sabemos que não é verdadeira. Algo deu errado,
e não parece haver muito escopo para manobras.
Então, o que diremos agora? Aqui está uma resposta, que às vezes é cha-
mada de lógica difusa (fuzzy). Ser uma criança parece algo que desaparece,
gradualmente. Assim como ser um adulto (biologicamente) parece ser algo
que aparece, gradualmente. Parece natural supor que o valor da verdade de
“Jack é uma criança” também vai do verdadeiro para surgir como falso. A
verdade, então, vem por graus. Suponha que medimos estes graus por núme-
ros entre 1 e 0, 1 sendo completamente verdadeiro, 0 sendo completamente
falso. Cada situação, então, atribui a cada frase básica um tal número.
E quanto a frases que contém operadores de negação e conjunção? Con-
forme Jack envelhece, o valor da verdade de “Jack é uma criança” diminui. O
valor da verdade de “Jack não é uma criança” pareceria correspondentemente
aumentar. Isto sugere que o valor da verdade de ¬a é 1 menos o valor da
verdade de a. Suponha que escrevamos o valor da verdade de a como |a| ;
então teremos:
|¬a| = 1 − |a|
a ¬a
1 0
0,75 0,25
0,5 0,5
0,25 0,75
0 1
71
Eis aqui uma tabela de algumas amostras de valores. Valores de a estão
na coluna da esquerda; valores de b estão na fileira de cima. Os valores
correspondentes de a&b estão onde a linha e a coluna se encontram. Por
exemplo, se quisermos encontrar |a&b|, em que |a| = 0, 25 e |b| = 0, 5, vemos
onde a fileira e a coluna em itálico se encontram. O resultado está em negrito.
Se |a| ≤ |b| : |a → b| = 1
Se |b| < |a| : |a → b| = 1 − (|a| − |b|)
(< significa “é menor que”; ≤ significa “é menor que ou igual a”.) Portanto, se
o antecedente é menos verdadeiro que o conseqüente, o condicional é comple-
tamente verdadeiro. Se o antecedente é mais verdadeiro que o conseqüente,
72
então o condicional é menor que o verdadeiro maximal pela diferença entre os
seus valores. Eis aqui uma tabela de algumas amostras de valores. (Lembre-
se que os valores de a estão na coluna da esquerda e os valores de b estão na
fileira superior.)
a→b 1 0,75 0,5 0,25 0
1 1 0,75 0,5 0,25 0
0,75 1 1 0,75 0,5 0,25
0,5 1 1 1 0,75 0,5
0,25 1 1 1 1 0,75
0 1 1 1 1 1
E quanto à validade? Uma inferência é válida se a conclusão vale em
todas as situações em que as premissas valem. Mas o que significa agora algo
valer em uma situação? Quando é suficientemente verdadeiro. Mas, quando
a verdade é suficientemente verdadeira? Isto vai exatamente depender do
contexto. Por exemplo, “é uma moto nova” é um predicado vago. Se você
for a um vendedor de motos que lhe diz que uma certa moto é nova, você
espera que ela nunca tinha sido usada anteriormente. Ou seja, você espera
que “esta é uma moto nova” tenha o valor 1. Suponha, por outro lado, que
você vai a uma corrida de motos, e te pedem para escolher as motos novas.
Você vai escolher as motos que têm menos de um ano de uso. Em outras
palavras, o seu critério para o que é aceitável como uma moto nova é mais
flexível. “Esta é uma moto nova” precisa ter valor apenas, digamos, 0,9 ou
maior.
Portanto, supomos que há algum nível de aceitação, fixado pelo contexto.
Este será um número qualquer entre 0 e 1 - talvez 1 no casos extremos. Vamos
escrever este número como ε. Então, uma inferência é válida para aquele
contexto exatamente se a conclusão tiver um valor ao menos tão grande
quanto ε em toda situação em que todas as premissas possuem valores ao
menos tão grande quanto ε.
Agora, como tudo isto se aplica ao paradoxo de sorites? Suponha que
tenhamos uma sequência de sorites. Como acima, seja an a frase “Jack é
uma criança depois de n segundos”; mas para deixar as coisas manejáveis,
vamos supor que Jack cresce em 4 segundos! Então, um registro de valores
de verdade poderia ser:
a0 a1 a2 a3 a4
1 0,75 0,5 0,25 0
73
a0 → a1 possui o valor 0,75 (= 1 - (1 - 0,75)); também possui esse valor
a1 → a2 ; de fato, todo condicional da forma an → an+1 tem o valor 0,75.
O que isto nos diz a respeito do paradoxo de sorites depende do nível
de aceitação ε, que está em jogo aqui. Suponha que o contexto seja tal que
impõe o maior nível de aceitação; ε é 1. Neste caso, modus ponens é valido.
Pois, suponha que |a| = 1 e |a → b| = 1. Dado que |a → b| = 1, devemos ter
|a| ≤ |b|. Segue que |b| = 1. Portanto, o argumento de sorites é válido. Mas,
neste caso, cada premissa condicional, tendo o valor 0,75, é inaceitável.
Se, por outro lado, colocarmos o nível de aceitação abaixo de 1, então
modus ponens se torna inválido. Suponha, só por ilustração, que ε é 0,75.
Como já vimos, ambos a1 e a1 → a2 tem o valor 0,75; mas, a2 possui o valor
0,5; que é menor que 0,75.
De qualquer forma que você olhar, então, o argumento falha. Ou algumas
das premissas não são aceitáveis; ou, se forem, as conclusões não se seguem
validamente. Por que somos enganados tão facilmente pelo argumento de
sorites? Talvez, porque confundimos a verdade completa com a verdade
quase-completa. Uma falha ao traçar a distinção não faz muita diferença
normalmente. Mas se você o fizer de novo, e de novo, e de novo, ... aí faz.
Eis um diagnóstico do problema. Mas com vagueza, nada é direto. Qual
foi o problema em dizer que “Jack é uma criança” é simplesmente verdadeiro,
até um particular ponto no tempo, quando isto se torna simplesmente falso?
Apenas que não parece existir um tal ponto. Qualquer lugar que alguém
escolha traçar uma linha é completamente arbitrário; pode ser, na melhor
das hipóteses, uma questão de convenção. Mas agora, em que ponto do
crescimento de Jack faz com que ele deixe de ser 100 % uma criança; ou seja,
em que ponto “Jack é uma criança” muda do valor de exatamente 1, para um
valor inferior a 1? Qualquer lugar que alguém escolha para traçar uma linha
seria tão arbitrário quanto antes. (Isto é, às vezes, chamado de problema da
vagueza de ordem superior.) Se isto está correto, ainda não solucionamos o
problema mais fundamental sobre vagueza: apenas o mudamos de lugar.
74
• |a ∨ b| = M ax(|a|, |b|)
• |a → b| = 1, se |a| ≤ |b|
|a → b| = 1 − (|a| − |b|), em caso contrário
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade em que o nível de acei-
tação é 0,5. Jenny é esperta e; Jenny não é esperta ou ela é bela. Portanto,
Jenny é bela.
75
Capítulo 11
Os capítulos anteriores têm nos dado ao menos algum sentimento pelas quais
inferências são dedutivamente válidas, e por que. Agora, está no momento de
voltar à questão da validade indutiva: ou seja, a validade daquelas inferências
em que as premissas fornecem apoio para a conclusão; ainda que, mesmo
as premissas sendo verdadeiras em alguma situação, a conclusão poderia se
revelar falsa.
Como eu obeservei no Capítulo 1, Sherlock Holmes era muito bom neste
tipo de inferência. Vamos começar com um dos seus exemplos. O mistério da
Liga dos Cabeças Vermelhas começa quando Holmes e Dr. Watson recebem
uma visita de um certo Sr. Jabez Wilson. Quando Wilson entra, Watson
olha para ver o que Holmes havia inferido a respeito dele (Figura 11.1):
‘Além do fato óbvio que ele em algum momento da vida dele fez
trabalhos braçais, que cheira rapé, que é um Freemason (socie-
dade secreta), que já esteve na China, e que tem escrito bastante
ultimamente, eu não consigo deduzir mais nada’.
Sr. Jabez Wilson começou a se endireitar em sua cadeira com seu
dedo indicador sobre o papel, mas seus olhos permaneciam sobre
o meu companheiro.
‘Como, em nome da boa sorte, você sabia tudo aquilo, Sr. Hol-
mes?’ Ele perguntou.
76
Figura 11.1: Holmes exibe suas proezas lógicas.
77
escala entre 0 e 1. Se pr(a) = 0, a é certamente falsa; então, a medida
que pr(a) aumenta, se torna mais provável que a seja verdadeiro; até que
pr(a) = 1, e a é certamente verdadeira.
O que mais podemos dizer sobre estes números? Deixe-me ilustrar com
um simples exemplo. Suponha que consideremos os dias de alguma semana.
Seja w uma frase que é ou falsa ou verdadeira todos os dias - digamos, ‘está
calor’ - e seja r outra frase - digamos, ‘está chovendo’. Seja a informação
relevante dada pela tabela a seguir:
pr(w) = 4/7
pr(r) = 3/7
pr(a) = #a/N
#w + #¬w = N
78
#w #¬w
N
+ N
=1
#(w ∨ r) = #w + #r − #(w&r)
Isto é,
79
calor, mas somente em dois deles estava chovendo, portanto a probabilidade é
de 2/4. Este número é chamado de probabilidade condicional, e escrito desta
forma: pr(r|w), a probabilidade de r dado w. Se pensarmos sobre isto um
pouco, podemos dar uma fórmula geral para calcular probabilidades condici-
onais. Como chegamos ao número 2/4? Primeiro, nos restringimos aos dias
em que w é verdadeiro; então dividimos pelo número de dias em que r era
verdadeiro, ou seja, o número de dias em que ambos w e r são verdadeiros.
Em outras palavras:
pr(r|w) = #(w&r) ÷ #w
80
é indutivamente válida. É fácil checar que, pr(w|r) = 2/3, e pr(¬w|r) = 1/3.
A análise pode ser aplicada para mostrar porque a inferência de Holmes
com a qual começamos é válida. Holmes concluiu que Jabez Wilson havia
escrito bastante ultimamente (c). A premissa dele era sobre o efeito de que
havia certas marcas de desgaste na jaqueta de Wilson (p). Agora, se nós
tivéssemos ido a Londres nos tempos de Holmes, e tivéssemos coletado todas
aquelas pessoas com roupas no mesmo estado da roupa em questão, então
a maioria deles seriam escriturários, pessoas que passam a vida escrevendo
- ou assim poderíamos supor. Deste modo, a probabilidade que Jabez tinha
escrito bastante, dado que a jaqueta dele continha aquelas marcas, é maior
do que a probabilidade que ele não tinha escrito. A inferência de Holmes é,
de fato, indutivamente válida.
Deixe-me terminar por observar um enigma no qual o mecanismo que aca-
bamos de empregar faz surgir. Como temos visto, uma probabilidade pode
ser calculada como um quociente: pegamos uma certa classe de referência;
então calculamos os números de diversos grupos contidos nela; então fazemos
algumas divisões. Mas, qual classe de referência usamos? No exemplo ilus-
trativo a respeito do clima, comecei especificando a classe de referência em
questão: os dias de uma semana em especifica. Mas, os problemas da vida
real não são apresentados desta forma.
Volte a Jabez Wilson. Para resolver as probabilidades relevantes neste
caso, sugeri que pegássemos como classe de referência as pessoas vivendo em
Londres nos tempos de Holmes. Mas, por que isto? Por que não as pessoas
que viviam em toda a Inglaterra, ou em toda Europa, ou apenas os homens de
Londres, ou apenas as pessoas que tinham o privilégio de ir conhecer Holmes?
Talvez, em alguns destes casos, não fizesse muita diferença. Mas certamente
em outros faria. Por exemplo, as pessoas que vieram ver Holmes eram todas
relativamente ricas, e provavelmente não eram de usar casacos usados. As
coisas seriam bem diferentes com uma maior população. Portanto, qual
deveria ter sido a classe de referência mais apropriada? Esta é um tipo de
pergunta que tira o sono dos estatísticos (as pessoas que tentam descobrir os
fatores de risco para as empresas de seguros).
Em última análise, a classe de referência mais precisa parece ser aquela
contendo apenas o Sr. Wilson. Afinal, o que os fatos sobre outras pessoas
têm a ver com ele afinal? Mas, nesse caso, ou ele havia escrito muito, ou
não. No primeiro caso, a probabilidade que ele tinha escrito muito, dado
81
que o punho da sua manga estava brilhante, é 1, e a inferência é valida; na
segunda, é 0, e a inferência não é válida. Em outras palavras, a validade
da inferência depende inteiramente da verdade da conclusão. Portanto, você
não pode empregar a inferência para determinar se a conclusão é ou não é
verdadeira. Se nós formos até este ponto, a noção de validade é inteiramente
inútil.
82
Ideias centrais do capítulo
• pr(¬a) = 1 − pr(a)
• pr(a|b) = pr(a&b)/pr(b)
Problema
O seguinte conjunto de estatística foi coletado a partir de dez pessoas (cha-
madas 1-10).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Alta
Rica
Feliz
83
Capítulo 12
84
Figura 12.1: A matéria tem uma estrutura distinta. Uma galáxia espiral.
85
você vê um canguru, é muito alta. (Em qualquer outro lugar, ele teria que
ter fugido de um zoológico.) Mas a probabilidade que você vê um canguru,
dado que você está na Austrália, é muito baixa. (Eu morei na Austrália por
cerca de 10 anos até que eu visse um.)
pr(o|g) e pr(g|o) são chamados de probabilidades inversas, e o que temos
visto é que para o argumento de desígnio funcionar, a relação entre elas deve
ser tal que nos faça passar de 1 a 2. É isso? Existe, na verdade, uma relação
muito simples entre probabilidades inversas. Lembre-se da equação CP do
último capítulo que, por definição:
pr(a|b) = pr(a&b)/pr(b)
Portanto:
3. pr(a|b) × pr(b) = pr(a&b)
Analogamente:
pr(b|a) = pr(b&a)/pr(a)
Portanto:
4. pr(b|a) × pr(a) = pr(b&a)
Mas, pr(a&b) = pr(b&a) (dado que a&b e b&a são verdadeiros exata-
mente nas mesmas situações). Deste modo, 3 e 4 nos fornece:
Supondo que pr(b) não é 0 - farei suposições deste tipo sem menção
adicional - podemos reorganizar esta equação para obter:
INV: pr(a|b) = pr(b|a) × pr(a)/pr(b)
Esta é a relação entre probabilidades inversas. (Para recordar isto, pode
ajudar notar que do lado direito, é primeiramente um b seguido por um a, e
então um a seguido por um b).
Usando INV para reescrever as probabilidades inversas em 1, obtemos:
pr(o) pr(o)
pr(g|o) × pr(g)
> pr(¬g|o) × pr(¬g)
86
pr(g|o) pr(¬g|o)
pr(g)
> pr(¬g)
Pareceria que a única coisa plausível que irá nos levar a isto a partir de 5
é que pr(¬g)
pr(g)
≥ 1, isto é:
pr(g) ≥ pr(¬g)
87
Mas, muitos argumentos são mais bem sucedidos ao fazer isto. Deixe-me
ilustrar. Suponha que você visite o cassino local. Eles tem duas roletas.
Chame-as de A e B. Você foi informado por um amigo que uma delas está
viciada - embora o seu amigo não possa lhe dizer qual exatamente. Ao invés
de dar vermelho a metade do tempo e preto a outra metade do tempo, como
uma roleta normal deveria fazer, esta dá vermelho por 3/4 do tempo, e preto
por 1/4 do tempo. (Falando precisamente, as roletas reais às vezes dão verde
ocasionalmente também; mas vamos ignorar este fato para manter as coisas
simples.) Agora, suponhamos que você assista uma das roletas, digamos a
roleta A, e um cinco giros consecutivos ela mostrou os resultados:
R, R, R, R, B
(R para vermelho e B para preto). Você tem motivos para inferir que esta é a
roleta que está viciada? Em outras palavras, seja c o enunciado para o efeito
de que esta sequencia em particular aparece, e f o enunciado de que a roleta
A está mexida. A inferência de c para f é uma boa inferência indutiva?
Precisamos saber se pr(f |c) > pr(¬f |c). Usando a equação INV con-
vertendo para uma relação entre probabilidades inversas, o que isto significa
que:
pr(f ) pr(¬f )
pr(c|f ) × pr(c)
> pr(c|¬f ) × pr(c)
88
A probabilidade de observar a sequencia indicada por c, dado que a roleta
está viciada como é descrito, pr(c|f ), é (3/4)4 ×1/4. (Não ligue se não souber
por que: você pode confiar em mim). Isto é 81/45 , que resulta em 0,079.
A probabilidade que a sequência é observada, dado que a roleta não está
viciada, e portanto pr(c|¬f ), é (1/2)5 (novamente, confie em mim se quiser),
que resulta em 0,031. Isto é menos que 0,079. Portanto, a inferência é válida.
A forma como trabalhamos as probabilidades a priori aqui é digno de nota.
Temos duas possibilidades: ou a roleta A está viciada, ou roleta B está. E
não temos nenhuma informação que diferencie entre estas duas possibilidades.
Portanto, atribuímos a elas a mesma probabilidade. Isto é uma aplicação de
algo chamado o Princípio da Indiferença. O Principio nos diz que quando
temos um número de possibilidades, sem nenhuma diferença relevante entre
elas, todas têm a mesma probabilidade. Assim sendo, se há N possibilidades
no total, cada uma tem a probabilidade 1/N. O Princípio da Indiferença é
um tipo de princípio da simetria.
Observe que não poderíamos aplicar o Principio no Argumento do Desí-
gnio. No caso da roleta, há duas situações possíveis que são completamente
simétri-cas: roleta A está viciada, roleta B está viciada. No Argumento do
Desígnio existem duas situações: um Deus criador existe; um Deus criador
não existe. Mas estas duas situações não são mais simétricas como: hoje é
segunda; hoje não é segunda. Como vimos, intuitivamente, existem muito
mais possibilidades na qual não existe um criador do que possibilidades na
qual exista um.
O Principio da Indiferença é uma importante parte do raciocínio intuitivo
sobre probabilidade. Vamos acabar este capitulo por notar que não é isento
de problemas. É bem conhecido que leva a paradoxos em certas aplicações.
Eis aqui uma.
Suponha que um carro parte de Brisbane ao meio dia, viajando a uma
cidade a 300 km de distância. O carro mantém uma média de velocidade algo
entre 50 km/h e 100 km/h. O que podemos dizer sobre a probabilidade de
tempo de sua chegada? Bem, se está indo a 100 km/h chegara às 3 da tarde;
e se está indo a 50 km/h, chegara às 6 da tarde. Consequentemente, chegará
entre estes dois tempos. O ponto médio entre estes tempos é 4:30 da tarde.
Portanto, pelo Princípio da Indiferença, a probabilidade do carro chegar antes
das 4.30 da tarde bem como depois disso é a mesma. Mas agora, a média de
velocidade entre 50 km/h e 100 km/h é 75 km/h. Portanto, novamente pelo
89
Princípio da Indiferença, a probabilidade do carro estar viajando acima de
75 km/h ou abaixo de 75 km/h é a mesma. Se estiver viajando a 75 km/h,
ele chegará às 4 da tarde. Portanto, é tão provável que chegue antes das 4 da
tarde como após isso. Em particular, então, é ainda mais provável de chegar
antes das 4:30 da tarde do que depois disso. (Que dá uma meia hora extra).
Deixarei você a pensar sobre isto. Tivemos o bastante sobre probabilidade
para um capítulo!
90
Ideias centrais do capítulo
Problema
Suponha que existam duas doenças, A e B, que possuem exatamente os
mesmos sintomas observáveis. 90% daqueles que apresentam os sintomas
têm a doença A; os outros 10% têm a doença B. Suponha, também, que
exista um teste patológico para distinguir entre A e B. O teste dá 9 respostas
corretas a cada 10.
91
Capítulo 13
Vamos olhar para uma questão final a respeito raciocínio indutivo. Este
tópico é às vezes chamado de raciocínio prático, dado que é um raciocínio
sobre como alguém deveria agir. Aqui está uma parte famosa do raciocínio
prático.
Você pode escolher acreditar na existência de Deus (Cristão); você pode
escolher não acreditar. Vamos supor que você escolhe acreditar. Ou Deus
existe ou Deus não existe. Se Deus existir, tudo ótimo. Se não, então a sua
crença é uma inconveniência menor: quer dizer que você terá desperdiçado
um bocado de tempo na igreja, e talvez feito outras coisas que não faria se
fosse ao contrário; mas nada disso é desastroso. Agora suponha, por outro
lado, que você escolha não acreditar na existência de Deus. Novamente,
ou Deus existe ou Deus não existe. Se Deus não existe, tudo ótimo. Mas
se Deus existir mesmo, rapaz você está encrencado! Você estará cheio de
sofrimento após a morte; talvez por toda a eternidade se não tiver um pouco
de misericórdia. Portanto, qualquer pessoa sã deve acreditar na existência
de Deus. É a única atitude prudente.
O argumento é agora frequentemente chamado de a aposta de Pascal,
batizado em nome do filósofo do século XVII, Blaise Pascal, que primeiro o
formulou. O que alguém irá dizer sobre a aposta?
Vamos pensar um pouco a respeito de como este tipo de raciocínio fun-
ciona, comecemos com um exemplo um pouco menos contencioso. Quando
executamos ações, frequentemente não podemos acertar os resultados, que
92
podem não estar totalmente sob controle. Mas, podemos geralmente estimar
o quão provável os possíveis resultados são; e, tão importante quanto, po-
demos estimar o valor dos vários resultados. Convencionalmente, podemos
medir o valor de um resultado atribuindo um número a ele na escala a seguir,
aberta em ambas as direções:
..., −4, −3, −2, −1, 0, +1, +2, +3, +4, ...
0, 1 × (−5) + 0, 9 × 10
93
(Estritamente falando, as probabilidades em questão deveriam ser probabi-
lidades condicionais, pr(o1 |a) e pr(o2 |a), respectivamente. Mas, no exemplo,
dar uma volta de bicicleta não tem nenhum efeito na probabilidade de chuva.
O mesmo é verdadeiro em todos os outros exemplos que veremos. Portanto,
podemos permanecer com as simples probabilidades a priori aqui.)
Até aqui tudo bem. Mas como isto me ajuda a decidir se vou ou não dar
uma volta de bicicleta? Eu sei o valor geral da minha volta de bicicleta. A
expectativa é de 8,5, como acabamos de ver. Qual é a expectativa de não
dar uma volta de bicicleta? Novamente, ou irá chover ou não irá - com as
mesmas probabilidades. Os dois resultados agora são (i) que irá chover e eu
fico em casa; e (ii) que não irá chover e eu fico em casa. Em cada caso, não
tenho prazer na volta de bicicleta. Poderia ser um pouco pior se não chover.
Neste caso, poderia ficar irritado que eu não saí. Mas, em nenhum dos casos
é tão ruim quanto ficar ensopado. Portanto, os valores seriam de 0 se chover,
e de -1 se não chover. Eu posso, agora, calcular a expectativa de ficar em
casa:
0, 1 × 0 + 0, 9 × (−1)
94
Os valores à esquerda das barras contrárias (\) são as probabilidades
relevantes, 0,1 que Deus existe, digamos, 0,9 que Deus não existe. (Se eu
acredito ou não, não tem efeito nenhum no fato de que Deus existe ou não;
portanto, as probabilidades são as mesmas em ambas as fileiras.) Os valores
à direita das barras são os valores relevantes. Eu não me importo muito se
Deus existe ou não; o importante é que os coloque corretamente; portanto;
o valor em cada um destes casos é de +102 . (Talvez a preferência de alguém
aqui não seja exatamente a mesma, mas não importa muito, como veremos.)
Acreditar, quando Deus não existe, é uma inconveniência inferior, portanto
ganha o valor -10. Não acreditar, quando Deus existe, ainda é muito ruim.
Ele ganha o valor −106 .
Dados estes valores, podemos computar as expectativas relevantes:
95
sem deuses Deus existe Alá existe ...
não acredito (n) 0, 9 \+102 0, 01 \−106 0, 01 \−106 ...
Acredito em Deus (g) 0, 9 \−10 0, 01 \+102 0, 01 \−109 ...
Acredito em Alá (a) 0, 9 \−10 0, 01 \−109 0, 01 \+102 ...
.. .. .. ..
. . . .
As coisas estão parecendo bem obscuras por toda parte. Mas, está claro
que crenças teístas estão se saindo pior. Você não deveria ter nenhuma delas.
Deixe-me terminar, assim como terminei todos os capítulos, com alguns
motivos pelos quais alguém poderia se preocupar com o quadro geral apre-
sentado - especificamente, neste caso, a política de decidir de acordo com a
maior expectativa. Há situações em que isto parece definitivamente dar os
resultados errados.
Vamos supor que você faz a aposta errada na aposta de Pascal, e acaba
no Inferno. Após alguns dias, o Diabo aparece com uma oferta. Deus deu
poder para lhe mostrar alguma misericórdia. Portanto, o Diabo tramou um
plano (Figura 13.1). Ele lhe dará uma chance de sair do Inferno. Você pode
jogar uma moeda; se der cara, você está fora e vai ao céu. Se de coroa, você
fica no Inferno para sempre. Entretanto, a moeda não é justa, e o Diabo tem
controle da probabilidade. Se você jogar hoje, as chances de dar cara é de
1/2 (i.e., 1 − (1/2)). Se você esperar até amanhã, as chances sobem para 3/4
(i.e., 1 − (1/2)2 ). Você registra a informação:
96
Figura 13.1: Um plano diabólico: nunca faça hoje o que deveria deixar para
amanhã.
97
se esperar até o próximo dia. As chances ficam melhores, dia-a-dia, como a
seguir:
98
Ideias centrais do capítulo
• E(a) = pr(o1 )×V (o1 )+...+pr(on )×V (on ) em que o1 , ..., on estabelecem
todos os resultados possíveis que possam ocorrer a partir de a como
sendo verdadeiro.
Problema
Você aluga um carro. Se você não contrata o seguro e ocorre um acidente,
você gastará $1.500. Se você contrata o seguro e ocorre um acidente, você
gastará $300. O seguro custa $90 e você estima que a probabilidade de
ocorrer um acidente é 0,005. Assumindo que as únicas considerações são as
financeiras, você deve contratar o seguro?
99
Capítulo 14
Se você chegou tão longe neste livro, você já tem uma noção razoável das
ideias básicas da lógica moderna. Mas isso é apenas um início. A lógica mo-
derna vai muito além destas ideias, com resultados de grande profundidade
e beleza. Não há, é claro, nenhuma possibilidade de inspecioná-las em um
livro desta natureza, mas este capítulo e o próximo oferecerão, pelo menos,
um vislumbre do que está além. Vamos dar uma olhada em alguns resultados
sobre o que o raciocínio formal pode e não pode fazer, e algumas das implica-
ções filosóficas destes fatos. Um aviso: esses capítulos podem ser um pouco
mais difíceis que os anteriores. Tornei as coisas o mais simples possível, mas
estamos lidando com algumas questões matemáticas complexas. Dito tudo
isso, vamos ao tópico deste capítulo.
Leibniz — o mesmo Leibniz que conhecemos nos capítulos 6 e 9 — tinha
um sonho, um sonho que acabaria com todas as disputas. Sempre que ti-
vermos uma reivindicação sobre a qual haja disputa, podemos escrevê-la em
uma linguagem adequada, a caracteristica universalis. Então, para determi-
nar a veracidade da afirmação, calculemus — simplesmente calculamos. A
linguagem é tal que existe um processo de computação, um calculus ratioci-
nator, que pode ser aplicado para determinar se a afirmação é verdadeira ou
não.
Embora Leibniz tenha sugerido passos na direção de alcançar este projeto,
nunca passou de um sonho. A matemática de sua época simplesmente não
estava à altura do projeto que ele idealizava.
A matemática de nossa época está. As linguagens simbólicas que exami-
namos nos capítulos anteriores são tais que afirmações cujo valor de verdade
100
não é conhecido (pelo menos, muitas dessas afirmações) podem ser expres-
sas nelas. A questão que então permanece é se existe um procedimento de
cálculo adequado.
A resposta (infelizmente) é que não existe – mesmo para o domínio muito
limitado das afirmações matemáticas. Isso foi provado pelo matemático bri-
tânico Alan Turing (1912-1954) em 1936 (Figura 14.1). Turing é um dos
fundadores da ciência da computação moderna. Claro, em sua época não
havia nada como o computador moderno, agora familiar para a maioria das
pessoas. Mas a teoria de tais máquinas foi, de fato, desenvolvida por Turing
e outros muito antes desses computadores existirem, deixando outros para
descobrir como as ideias poderiam ser implementadas na prática – ainda
que o próprio Turing tenha feito alguns avanços notáveis nos aspectos mais
práticos de construção de máquinas de computação (por exemplo, com seu
trabalho no Projeto Enigma, destinado a decodificar as transmissões de rá-
dio navais alemãs na Segunda Guerra Mundial). Como seria de esperar, a
conexão entre o interesse de Turing pela computação e o sonho de Leibniz
não é coincidência.
O que é um computador? Na sua forma mais simples, é algum dispositivo
que recebe uma entrada ou algumas entradas, executa algum procedimento
— os matemáticos chamam de algoritmo, nome que vem do matemático persa
Al Khwārizmı̄ (780–850) — e então (se você tiver sorte) lhe dá uma saída.
As entradas e saídas dos computadores modernos são de diferentes tipos:
números, texto, imagens, sons. Mas, para a máquina, tudo isso são apenas
números. Isso é tudo o que ela pode operar. Os dispositivos de entrada do
computador traduzem a entrada em uma sequência de números com a qual
o algoritmo opera. O dispositivo de saída inverte o procedimento.
A forma na qual os números usados pelo computador são armazenados
não é aquela que é familiar à aritmética da escola primária. As células de
armazenamento de um computador podem estar em apenas um dos dois
estados: ligado ou desligado. Assim, o computador tem apenas dois bits
básicos de informação que pode empregar. Pode-se pensar neles como 1 e 0.
Qualquer número deve ser expresso usando apenas esses dois dígitos. Isso é
feito usando aritmética binária. (Isto é, como você contaria se tivesse apenas
dois dedos.) Na aritmética padrão (decimal), um numeral é realmente uma
forma de expressar uma soma de potências de 10. Portanto, 4302 é:
101
4 × 103 + 3 × 102 + 0 × 101 + 2 × 100
(100 — na verdade, qualquer coisa elevada à potência 0 — é simplesmente
1). De forma similar, um numeral binário representa uma soma de potências,
mas desta vez potências de 2. Portanto, 1011 é:
1 × 23 + 0 × 22 + 1 × 21 + 1 × 20
A tabela a seguir fornece a conversão entre os primeiros numerais decimais
e os primeiros numerais binários:
Decimal Binário
0 0
1 1
2 10
3 11
4 100
5 101
102
Até aqui tudo bem. Em seguida – e isso é realmente algo inteligente
sobre os computadores modernos – o computador não precisa esperar que
alguém insira cada linha do programa à medida que a computação prosse-
gue. O próprio programa é armazenado no computador. Evidentemente, ele
é armazenado como um número. O computador não tem como armazenar
nada de diferente disso. (Na verdade, pode-se pensar em todo o estado do
computador a qualquer momento como simplesmente uma enorme sequên-
cia de 1s e 0s – um enorme numeral binário!) Pode-se tomar o número que
representa o programa e é armazenado no computador como o ‘código nu-
mérico’ do programa. Se n for um número qualquer, considere que Pn é o
programa com esse código numérico. (Se, devido à maneira como a codifica-
ção é implementada no computador, n não for o código numérico de nenhum
programa, podemos simplesmente considerar que Pn é o programa simples
acima, por padrão.) Estritamente falando, um programa ele próprio não se
importa realmente com quantas entradas supõe-se que o algoritmo que está
executando trabalha. Ele apenas se serve de qualquer informação que reside
no computador quando isso lhe é solicitado. Por convenção, porém, pode-
mos assumir que todos os bits de informação de entrada são definidos como
0, exceto os relevantes, que são devidamente preenchidos.
Ora, às vezes, um programa com uma determinada entrada fornecerá uma
saída; mas às vezes ele continuará executando para sempre. Assim, considere
o seguinte programa:
1. faça x := x + 1
2. se x = 0, retorne x; senão vá para a linha 1
Esse programa pega alguma entrada e adiciona 1 a ela. Em seguida, ele
testa para ver se x é 0 e, se for, retorna x como saída. Mas é claro que x não
vai ser zero (nossos números binários são sempre maiores ou iguais a zero),
então voltamos para a linha 1 e repetimos o processo. Nunca chegamos
a 0 adicionando 1 e, portanto, a computação nunca cessa e continua para
sempre, em um loop infinito (na prática, até que a máquina quebre ou x se
torne um número grande demais para ela). Vamos chamar esse programa,
para referência futura, L (de looping).
Programas bem construídos são projetados para que isso nunca aconteça.
O programador analisa o programa para ver se ele nunca vai entrar em um
loop infinito desse tipo. Mas isso sempre pode ser feito? Existe um algoritmo
que podemos aplicar a um programa (ou, mais precisamente, a seu número
103
de código) e suas entradas, para determinar se uma computação com esse
programa e essas entradas termina ou não?
A resposta é não. E foi isso que Turing provou. A prova é relativamente
simples, mas muito astuciosa. É por reductio ad absurdum. Em tal prova,
assumimos o oposto do que desejamos provar e então mostramos que isso
leva a algo inaceitável.
Então, suponha que houvesse um algoritmo que fizesse o que precisava
ser feito. Chame-o de A. Assim, quando A é aplicado a duas entradas, n e
i, ele produz 1 ou 0. 1 significa que uma computação do programa Pn com a
entrada i termina; 0 significa que não.
Agora considere o seguinte algoritmo. Vamos chamá-lo de T (de Turing):
104
O que há de astuto na prova de Turing é um certo tipo de auto-referência.
(Encontramos a auto-referência no Capítulo 5.) Ele pega um suposto pro-
grama e o aplica a seu próprio código. Isso às vezes é chamado de diagonali-
zação, uma técnica inventada pelo grande matemático alemão Georg Cantor
(1845-1918), em suas investigações acerca do infinito. Você pode ver por que
é chamado assim, considerando a tabela a seguir:
0 1 2 3 4 ...
0 a00 a01 a02 a03 a04 ...
1 a10 a11 a12 a13 a14 ...
2 a20 a21 a22 a23 a24 ...
3 a30 a31 a32 a33 a34 ...
4 a40 a41 a42 a43 a44 ...
.. .. .. .. .. ..
. . . . . .
105
podemos reconhecer como um algoritmo pode ser programado em um com-
putador. Se não for esse o caso, então a prova de Turing mostra apenas que
não há nenhum programa de computador que possa determinar se qualquer
computação para. Mas talvez possa haver algum outro tipo de algoritmo –
talvez um que possa ser utilizado no projeto de Leibniz.
A afirmação de que se pode escrever um programa de computador para
cada algoritmo é chamada de Tese de Church-Turing, em homenagem a Tu-
ring e ao matemático americano Alonzo Church (1903-1995). A tese ela
própria não é suscetível de prova matemática, já que uma tal prova só pode
funcionar com noções precisamente definidas; e, enquanto a noção do que um
computador pode fazer pode ser definida em termos matemáticos precisos,
a noção de um algoritmo é meramente informal e intuitiva. Um algoritmo
é, grosso modo, um procedimento que pode ser feito em etapas onde não há
adivinhação nem criatividade — e essas são noções um tanto quanto vagas.
A Tese de Church-Turing foi por muito tempo bem aceita pelos matemáti-
cos. Há toda uma história de tentativas de refutá-la. Todas essas tentativas
tentaram produzir algo que pudesse ser reconhecido, intuitivamente, como
algorítmico, mas que não pudesse ser programado em um computador – uma
questão que é suscetível de prova matemática precisa. Todas essas tentativas
falharam; daí a ortodoxia da Tese de Church-Turing.
No entanto, existem agora áreas de pesquisa em métodos de computação
diferentes do tipo empregado por um computador desktop. Às vezes, esses
métodos são chamados de hipercomputação. Um exemplo: alguns desses
métodos usam grandezas analógicas, em vez de digitais. (As quantidades
analógicas são contínuas, como o comprimento, ao passo que as quantidades
digitais são discretas, como os números binários.) Outro exemplo: alguns
desses métodos apelam para as propriedades do espaço e do tempo na Teoria
Geral da Relatividade, onde o tempo pode “acelerar”. Ainda é muito cedo
para saber qual será o resultado dessas investigações.
106
y, poderíamos usá-lo para definir um algoritmo, T , que calcula o valor
de A com as entradas x e x, e usa o resultado para garantir que sua
própria saída seja diferente de cada Px ‘ao longo da diagonal’.
Problema
O que há de errado com o seguinte argumento: “Claro que existe um al-
goritmo para determinar se um programa com uma determinada entrada
termina. Simplesmente executamos o programa com essa entrada e vemos o
que acontece. Das duas uma: ou ele terminará ou não. De qualquer forma,
teremos um resultado”?
107
Figura 14.1: Alan Turing (1912–54), um dos fundadores da moderna ciência
da computação.
108
Capítulo 15
109
feita com um tipo de raciocínio matemático particularmente seguro. Hilbert
chamo-o de finitário; mas essa não é a parte relevante da história aqui.
A parte relevante é esta: para provar que algo é consistente, primeiro você
precisa entendê-lo claramente. E, se você vai aplicar a matemática a esse algo,
você precisa de uma especificação precisa. Assim, como passo preliminar para
seu projeto principal, Hilbert exigia um sistema de axiomas apropriado para
a matemática, o qual ele poderia então provar ser consistente.
Um sistema de axiomas compreende uma coleção de axiomas. Estes são
coisas que podemos aceitar sem provas. (O conjunto de axiomas pode ser
finito ou infinito. Mas se for infinito, precisamos ser capazes de dizer que
algo é um axioma. De modo mais específico, deve haver algum algoritmo que
determine isso.) Uma prova no sistema é apenas uma sequência de asserções,
cada uma das quais é um axioma ou pode ser deduzida de asserções anteriores
na sequência. Os teoremas do sistema são coisas que ocorrem no final das
provas. Os teoremas, então, são as coisas que podem ser deduzidas, em
última instância, dos axiomas.
O método da axiomatização é algo venerável na matemática. Foi aplicado
à geometria pelo matemático da Grécia Antiga Euclides (meados do século
IV a meados do século III aC). No entanto, e talvez surpreendentemente, o
método não foi amplamente aplicado na matemática até o século XX. Até
então, as únicas partes da matemática formuladas axiomaticamente eram a
geometria (ou, mais precisamente, geometrias; no início do século XIX, os
matemáticos sabiam que havia outras geometrias além da de Euclides —
geometrias não euclidianas) e algumas partes da álgebra abstrata.
A ambiciosa proposta de Hilbert exigia que toda a matemática fosse axi-
omatizada. Ou seja, era necessário um sistema de axiomas, cujos teoremas
fossem todas e somente as afirmações matemáticas que são verdadeiras (o
que quer que se entenda por ser verdadeiro em matemática). A suposição da
existência desse sistema de axiomas foi refutada por aquele que talvez seja
lógico mais famoso do século 20, o matemático austríaco Kurt Gödel (1906-
1978; Figura 15.1). O que Gödel mostrou foi que tal sistema de axiomas
não pode ser fornecido nem mesmo para o fragmento da matemática que diz
respeito aos números naturais (0, 1, 2, · · · ), muito menos para o restante da
matemática. Este fragmento de matemática é geralmente chamado de arit-
mética. Então, o que Gödel mostrou foi que, embora possa haver sistemas de
axiomas que capturem algumas das verdades da aritmética, não há nenhum
110
sistema de axiomas que capture todas elas. Como dizem os lógicos, o sistema
de axiomas deve ser incompleto.
Dadas as coisas que aprendemos no Capítulo 14, o resultado de Gödel
pode ser mostrado de forma bastante direta. A prova é, novamente, por
reductio ad absurdum. Tomemos uma linguagem simbólica que discorra sobre
números e que tenha recursos para expressar as coisas que se pode fazer com
eles: somar, multiplicar, etc. Não é difícil produzir tal coisa. A asserção
de que uma computação com programa (com código) n e entrada i termina
pode ser expressa por uma asserção nessa linguagem. (Demora um pouco
ou dá trabalho mostrar isso, mas não é difícil.) Chame essa asserção de Sni .
Agora suponha que houvesse uma axiomatização completa da aritmética,
ou seja, um sistema de axiomas cujos teoremas fossem todos e apenas as
verdades dessa linguagem. Nesse caso, há um algoritmo para decidir se Sni
é verdadeiro. Simplesmente começamos a provar os teoremas de maneira
sistemática, garantindo que tudo o que pode ser provado seja provado mais
cedo ou mais tarde. (Não é difícil projetar tal procedimento.) Mais cedo ou
mais tarde, então, uma prova de Sni ou ¬Sni aparecerá, decidindo a questão.
(Podemos não saber quanto tempo isso levará, mas isso não importa.) Mas
o Teorema da Parada do Capítulo 14 nos diz que não pode haver algoritmo
para decidir a questão. Portanto, não pode haver tal axiomatização.
A prova que acabei de esboçar não é a prova de Gödel. De fato, sua
prova apareceu em 1931, cinco anos antes da prova de Turing do Teorema da
Parada. Mas a prova de Gödel é tão engenhosa quanto a de Turing – se não
for mais – e também emprega um certo tipo de auto-referência. Em linhas
gerais, ela funciona assim:
Suponha que temos um sistema de axiomas para aritmética em uma lin-
guagem com capacidade expressiva suficiente. Todos os seus teoremas são
verdadeiros, mas ele pode não ser capaz de provar todas as afirmações ver-
dadeiras da linguagem; por isso pode não ser completo. Uma asserção mate-
mática nessa linguagem é apenas um fragmento de texto e, como observamos
no Capítulo 14, essa asserção pode ser codificada por um número. Um pro-
grama de computador é uma sequência de instruções e, como observamos
no Capítulo 14, isso também pode ser codificado como um número. Uma
prova matemática, todavia, também é apenas uma sequência de asserções e,
portanto, pode ser codificada como um número da mesma maneira.
Considere agora a asserção: x é (o código de ) uma prova da asserção
111
(com código) y. Esta frase ela própria é uma asserção sobre números e pode
ser expressa por uma frase na linguagem, digamos, P rov(x, y). Além disso,
desde que os axiomas do sistema sejam fortes o suficiente:
112
ambas as provas fazem uma certa suposição (que Hilbert certamente assu-
miu – ou pelo menos esperava! – ser o caso): que as verdades sobre números
e, portanto, um sistema de axiomas que captura qualquer parte delas, são
consistentes. Isso está bem explícito na prova de Gödel, mas também está
presente na primeira prova que dei. Essa prova assume que exatamente um
de Sni e ¬Sni aparecerá, resolvendo a questão de uma forma ou de outra.
Mas se o sistema for inconsistente, este pode não ser o caso: ambos podem
aparecer, deixando o assunto controverso – para dizer o mínimo!
Ora, como deve estar claro para os leitores, a frase G empregada na prova
de Gödel é uma prima muito próxima do paradoxo do mentiroso, que encon-
tramos no Capítulo 5. Ambas dizem de uma certa frase que ela própria não
tem alguma propriedade crucial. De fato, há um paradoxo sobre a demons-
trabilidade intimamente relacionado ao paradoxo do mentiroso. Considere a
frase: esta frase não é demonstrável. Suponha que seja demonstrável. En-
tão é verdadeira. Portanto, não é demonstrável. Portanto (por reductio ad
absurdum) não pode ser demonstrada. Mas acabamos de demonstrar isso,
então ela é demonstrável!
Se alguém tentar realizar um raciocínio desse tipo para a frase G em seu
sistema de axiomas, ele não poderá ser reproduzido no sistema de axiomas.
Talvez um tanto quanto surpreendentemente, se o sistema for consistente, a
alegação de que se algo é demonstrável no sistema é verdadeiro não pode ser
provada no sistema. (Isto foi provado pelo matemático alemão Martin Löb
(1921-2006) em 1955, e por isso é geralmente chamado de Teorema de Löb.)
Portanto, o paradoxo não pode ser usado para estabelecer a inconsistência do
sistema de axiomas. No entanto, ele mostra que paradoxos de auto-referência
espreitam nas proximidades da aritmética. Dado isso, talvez não devêssemos
estar tão confiantes de que a verdade sobre os números é consistente.
113
• Também pode ser provado considerando uma frase que diz: esta frase
ela própria não é demonstrável (no sistema).
Problema
Digamos que um sistema de axiomas tenha a propriedade de disjunção apenas
se, sempre que alguém puder provar algo da forma A ∨ B, puder provar A ou
B (ou ambos). Suponha que tenhamos um sistema de axiomas consistente
para aritmética, cujos teoremas sejam verdadeiros e cuja lógica seja a do
Capítulo 2. Ele pode ter a propriedade de disjunção? (Dica: use o fato de
que nesta lógica a lei do terceiro excluído é válida - isto é, a lógica pode
provar toda frase da forma A ∨ ¬A. Em seguida, use a frase G de Gödel.)
114
Isto é,
• Se um sistema não pode provar a frase A, então ele não pode provar a
frase ∃xP rov(x, ⟨A⟩) ⊃ A.
115
Figura 15.1: Kurt Gödel (1906-1978), possivelmente o lógico mais famoso do
século 20.
116
Um pouco de história e sugestões
adicionais de leitura
Aristóteles viveu em Atenas grande parte de sua vida, fundou uma escola
de filosofia chamada Liceu e geralmente é considerado o fundador da lógica
ocidental. Todavia, mais ou menos na mesma época, havia outra próspera
escola de lógica em Mégara, cerca de 50 km a oeste de Atenas. Pouco se
117
sabe sobre os lógicos megáricos, mas eles parecem ter se interessado parti-
cularmente por condicionais e também por paradoxos lógicos. Euclides (que
conhecemos nos capítulos 5 e 10) era megárico. Outro importante movimento
filosófico começou em Atenas por volta de 300 aC. Chamava-se Estoicismo,
devido ao alpendre (em grego: ’stoa’) onde eram realizadas as primeiras reu-
niões. Embora as preocupações filosóficas do estoicismo fossem muito mais
amplas do que a lógica, a lógica era uma importante delas. Supõe-se geral-
mente que a lógica megárica exerceu influência sobre os lógicos estoicos. De
qualquer forma, uma das principais preocupações dos lógicos estoicos era a
investigação do comportamento da negação, da conjunção, da disjunção e do
condicional.
Também deve ser mencionado que na mesma época em que tudo isso
estava acontecendo na Grécia, teorias da lógica estavam sendo desenvolvidas
na Índia. Contudo, Por mais importantes que sejam essas teorias, elas nunca
se desenvolveram nos níveis sofisticados em que lógica se desenvolveu no
Ocidente.
O segundo período de crescimento na lógica ocidental começa no início
da Idade Média, com filósofos árabes como Ibn Rushd (Averroes, 1126-1198),
mas floresce nas universidades europeias medievais, como Paris e Oxford, dos
séculos XII a XIV. Os lógicos medievais incluem figuras notáveis como Duns
Scotus (1266-1308) e Guilherme de Ockham (1285-1349), e eles sistematiza-
ram e desenvolveram enormemente a lógica que herdaram da Grécia antiga.
Após esse período, a lógica praticamente estagnou até a segunda metade do
século XIX, sendo Leibniz (1646-1716), que conhecemos nos capítulos 6, 9 e
14, o único ponto radiante no horizonte durante esse período. Leibniz ante-
cipou alguns dos desenvolvimentos modernos da lógica, mas a matemática
de sua época simplesmente não permitia que suas ideias decolassem.
O desenvolvimento da álgebra abstrata no século XIX forneceu exata-
mente o que era necessário e desencadeou o início do terceiro, e possivel-
mente o maior, dos três períodos. Ideias lógicas radicalmente novas foram
desenvolvidas por pensadores como Frege (1848-1925) e Russell (1872-1970),
que conhecemos nos capítulos 2 e 4, respectivamente. As teorias lógicas de-
senvolvidas a partir deste trabalho são normalmente referidas como lógica
moderna, em oposição à lógica tradicional que a precedeu.
Os desenvolvimentos na lógica continuaram em ritmo acelerado ao longo
do século 20 e ainda não mostram sinais de desaceleração.
118
Um livro que conta a história padrão da lógica é Kneale e Kneale (1975).
Esse livro encontra-se agora um pouco datado e é caracterizado por uma
postura, mais otimista do que talvez seja justificada, de que os primeiros
lógicos modernos ao fim e ao cabo acertaram em tudo; mas ainda é uma
excelente obra de referência. Zalta (1995–) pode ser consultado em muitos
artigos importantes sobre os tópicos abordados neste livro, embora alguns
deles tendam a ser bastante técnicos.
***
Capítulo 1: Validade
A distinção entre validade dedutiva e indutiva remonta a Aristóteles. Teorias
de validade dedutiva foram articuladas desde aquela época. A concepção des-
crita no Capítulo 1 – de que uma inferência é dedutivamente válida apenas se
a conclusão for verdadeira em qualquer situação em que suas premissas sejam
verdadeiras – pode ser rastreada até a lógica medieval; mas sua articulação é
uma parte central da lógica moderna. Um aviso: o que chamei de situação é
mais comumente chamado de interpretação, estrutura ou, às vezes, modelo. A
própria palavra “situação” tem um sentido diferente, e técnico, em uma área
da lógica. Lewis Carroll (cujo nome verdadeiro era Charles Dodgson) não
era um lógico medíocre e publicou vários trabalhos sobre lógica tradicional.
119
considerada um momento decisivo da lógica moderna. Foi fornecida por Frege
e mais tarde retomada por Russell. Mais ou menos na mesma época, o filósofo
e lógico americano C. S. Peirce estava desenvolvendo ideias semelhantes. ∃x
costuma ser chamado de quantificador existencial, mas essa terminologia traz
de contrabando uma teoria da existência um tanto controversa. As obras
de Lewis Carroll sobre Alice estão repletas de piadas filosóficas. Para um
excelente comentário sobre elas, ver Heath (1974). Para muitas das próprias
piadas de Heath sobre nada, ver Heath (1967).
As teorias explicadas nos Capítulos 1–3 podem ser encontradas em qual-
quer texto padrão de lógica moderna. Hodges (1977) é um desses textos
que não é conduzido em um nível muito espantoso; tampouco o é Lemmon
(1971). As técnicas de lógica dedutiva a serem encontradas nos capítulos
subsequentes são descritas com muito mais detalhes em Priest (2008); esse
livro, entretanto, pressupõe um primeiro curso de lógica.
Capítulo 5: Auto-referência
Várias versões diferentes do paradoxo do mentiroso podem ser encontradas
na filosofia grega antiga. Mais paradoxos de auto-referência foram inventados
e discutidos ao longo da lógica medieval. Mais alguns foram descobertos na
virada do século 20 – e desta vez no cerne da própria matemática. Desde
então, eles se tornaram uma questão muito central na lógica. As sugestões
para resolvê-los são inúmeras. A ideia de que pode haver algumas frases que
não são nem verdadeiras nem falsas remonta a Aristóteles (De Interpretati-
one, cap. 9); no entanto, ele não simpatizava com a ideia simétrica de que
algumas frases podem ser verdadeiras e falsas. Que possam existir tais fra-
ses, e que frases paradoxais possam estar entre elas, é uma concepção pouco
120
ortodoxa que tem sido apresentada por alguns lógicos nos últimos quarenta
anos. As discussões sobre os paradoxos da auto-referência tendem a se tornar
bastante técnicas muito rapidamente. Boas discussões introdutórias podem
ser encontradas em Read (1994, cap. 6) e Sainsbury (1995, caps. 5, 6). Toda
a área permanece altamente controversa.
Capítulo 7: Condicionais
O debate sobre a natureza dos condicionais remonta aos megáricos e estoicos,
que produziram várias teorias diferentes. A questão também foi amplamente
discutida na Idade Média. A ideia de que o condicional é verofuncional
é uma das visões megarianas. Foi endossado no início da lógica moderna
por Frege e Russell. A explicação dada neste capítulo certamente pode ser
encontrada na lógica medieval; em sua forma moderna, deve-se a C. I. Lewis,
que desenvolveu a lógica modal em torno dela. A noção de implicatura
conversacional é devida ao filósofo britânico Paul Grice na década de 1970
(embora ele a tenha usado em defesa do condicional material). A natureza
dos condicionais permanece altamente controversa. Read (1994, cap. 3) é
uma introdução legível, assim como a Parte 1 de Sanford (1989).
121
Capítulo 8: O futuro e o passado
O raciocínio temporal é discutido por vários lógicos medievais. A abordagem
descrita neste capítulo foi inventada em grande parte pelo lógico neozelandês
Arthur Prior na década de 1960, inspirado pelos desenvolvimentos da lógica
modal. Uma apresentação legível do assunto pode ser encontrada em Øhrs-
trøm e Hasle (1995). O argumento de McTaggart apareceu originalmente em
1908, embora sua apresentação seja um pouco diferente da minha. Minha
apresentação segue Mellor (1981, cap. 7).
122
Capítulo 11: Probabilidade
Historicamente, a validade indutiva é bastante subdesenvolvida, em compa-
ração com a validade dedutiva. A teoria da probabilidade foi desenvolvida
no século XVIII, em conexão com jogos de azar, principalmente por mate-
máticos de língua francesa, como Pierre de Laplace e membros da prodigiosa
família Bernoulli. A ideia de aplicá-la à inferência indutiva deve-se principal-
mente ao lógico alemão Rudolf Carnap na década de 1950. Existem muitas
noções de probabilidade. A descrita neste capítulo é geralmente chamada
de interpretação frequentista. Uma boa introdução a toda a área é Skyrms
(1975).
123
sofisticada do que o argumento do capítulo 3 e não sofre do problema apon-
tado ali.) O argumento ontológico para a existência de Deus foi proposto
pelo filósofo medieval Anselmo de Canterbury. A versão dada no Capítulo
4 deve-se essencialmente ao filósofo do século XVII René Descartes em sua
Quinta Meditação. Versões biológicas do Argumento do Desígnio eram popu-
lares no século 19, mas foram destruídas pela Teoria da Evolução. As versões
cosmológicas, do tipo apresentado no Capítulo 12, tornaram-se muito popu-
lares no século XX. Um bom trabalho de referência sobre argumentos para
a existência de Deus é Hick (1964).
124
Há, é claro, muito mais na história da lógica do que os detalhes acima
contam. Da mesma forma, há muito na própria lógica que está totalmente
ausente deste livro. Estivemos patinando sobre a superfície. Os capítulos
14 e 15 podem dar ao leitor uma noção do que está além do material mais
básico do livro; mas isso é pouco mais que um gesto. A lógica é, sem dúvida,
uma área técnica; mas as raízes de sua floresta de ideias e resultados técnicos
afundam profundamente em solo filosófico. Os grandes lógicos do passado
certamente se preocuparam com a floresta; no entanto, a maioria o fez por
causa de um envolvimento com o terreno filosófico. Se pude mostrar ao leitor
algo sobre esses engajamentos nos capítulos deste livro, não posso pedir mais.
125
Glossário
126
condicional material : não é o caso que ambas (... e não ...) sejam verdadeiras.
condições de verdade: frases que explicam como o(s) valor(es) de verdade de
uma sentença depende(m) dos valores de verdade de seus componentes.
conjunção: ... e ... .
conjuntos: as duas frases envolvidas em uma conjunção.
consequente: o que segue o ‘então’ em um condicional.
consistência: um sistema de axiomas é consistente se não houver fórmula, A,
tal que possa provar A e ¬A.
descrição (definida): um nome da forma “a coisa com tais e tais propriedades”.
disjunção: ... ou ... .
disjuntos: as duas frases envolvidas em uma disjunção.
‘é’ de identidade: ... é o mesmo objeto que ... .
‘é’ de predicação: parte de um predicado que indica a aplicação da proprie-
dade expressa pelo restante dele.
expectativa: o resultado da soma de cada resultado possível multiplicado por
sua probabilidade.
função de verdade: um símbolo lógico que, quando aplicado a frases para re-
sultar em uma frase mais complexa, é tal que o valor de verdade da frase com-
posta é completamente determinado pelo(s) valor(es) de verdade de seu(s)
componente(s).
implicatura conversacional : uma inferência que se baseia não no que é dito,
mas no fato de ser dito.
inferência: um fragmento de raciocínio, onde as premissas são dadas como
razões para uma conclusão.
Lei de Leibniz: se dois objetos são idênticos, qualquer propriedade de um é
propriedade do outro.
lógica difusa: um tipo de lógica em que as frases assumem valores de verdade
que podem ser qualquer número entre 0 e 1.
lógica moderna: as teorias e técnicas lógicas decorrentes da revolução na
lógica por volta da virada do século XX.
127
lógica tradicional : teorias lógicas e técnicas que foram empregadas antes do
século XX.
numeral binário: um numeral como 10011, que expressa um número em
termos de potências de 2.
operador modal : uma expressão anexada a uma frase para formar outra
frase expressando a maneira em que a primeira frase é verdadeira ou falsa
(possivelmente, necessariamente, etc.).
operador temporal : uma expressão anexada a uma frase, para formar outra
frase expressando quando a primeira frase é verdadeira ou falsa (passado ou
futuro).
modus ponens: a forma de inferência a, a → c/c.
necessidade: deve ser o caso que ... .
negação: não é o caso que ... .
nome: categoria gramatical de uma palavra que se refere a um objeto (se
tudo ocorrer bem).
nome próprio: um nome que não é uma descrição.
mundo possível : uma situação associada a outra, s, onde as coisas realmente
são como poderiam ser em s.
Paradoxo de Russell : diz respeito ao conjunto de todos os conjuntos que não
são membros de si mesmos.
Paradoxo de Sorites: um tipo de paradoxo envolvendo aplicações repetidas
de um predicado vago.
paradoxo do mentiroso: “Esta frase é falsa”.
possibilidade: pode ser o caso que ... .
predicado: para o tipo de frase gramaticalmente mais simples, é a parte que
expressa tudo o que é dito sobre o sujeito da frase.
premissas: a parte de uma inferência que dá razões.
(Primeiro) Teorema da Incompletude de Gödel : dada uma axiomatização
adequadamente expressiva da aritmética, ela é inconsistente ou incompleta.
Princípio da indiferença: dado um número de possibilidades, sem diferença
relevante entre elas, todas têm a mesma probabilidade.
128
probabilidade: um número entre 0 e 1, medindo o quão provável é algo.
probabilidade condicional : a probabilidade de alguma asserção, dada alguma
outra informação.
probabilidade inversa: a relação entre a probabilidade condicional de a dado
b, e de b dado a.
probabilidade prévia: a probabilidade de alguma asserção antes de qualquer
evidência ser levada em consideração.
Programa de Hilbert: o programa de axiomatizar toda a matemática e, em
seguida, provar a consistência do sistema de axiomas.
prova: uma dedução em um sistema de axiomas.
quantificador : uma palavra ou expressão que pode ser o sujeito de uma frase,
mas que não se refere a um objeto (algum ... , todos ... , nenhum ...).
quantificador existencial : algo é tal que ... .
quantificador universal : tudo é tal que ... .
reductio ad absurdum: um método de prova em que se assume a negação do
que se deseja demonstrar, e se mostra que isso é impossível.
(Segundo) Teorema da incompletude de Gödel : dada uma axiomatização ade-
quadamente expressiva da aritmética, se essa axiomatização for consistente,
sua consistência não pode ser provada no sistema.
silogismo: uma forma de inferência com duas premissas e uma conclusão,
cuja teoria foi produzida pela primeira vez por Aristóteles.
sistema de axiomas: uma coleção de asserções básicas a partir das quais
outras podem ser provadas por dedução.
situação: um estado de coisas, talvez hipotético, em que premissas e conclu-
sões podem ser verdadeiras ou falsas.
sujeito: para o tipo de frase gramaticalmente mais simples, é a parte que
informa sobre o que a frase é.
tabela de verdade: um diagrama que exibe as condições de verdade.
tempo: passado, presente ou futuro.
teorema: as asserções que podem ser provadas em um sistema de axiomas.
129
Teorema da Parada: o resultado de Turing de que não há nenhum programa
de computador que determina se um programa arbitrário com uma entrada
arbitrária irá parar.
Teorema de Löb: dado um sistema de axiomas adequadamente expressivo
para aritmética, se ele pode provar ∃xP rov(x, ⟨A⟩) ⊃ A, pode provar A.
Teoria da decisão: a teoria de como tomar decisões sob condições de infor-
mação incerta.
Terceiro excluído: o princípio de que A ∨ ¬A é uma asserção verdadeira para
todo A.
Tese de Church-Turing: a tese de que todo algoritmo pode ser executado por
um programa de computador.
vagueza: uma propriedade de um predicado que expressa a ideia de que
pequenas mudanças em um objeto não fazem diferença para a aplicabilidade
do predicado.
validade dedutiva: uma inferência é dedutivamente válida quando premissas
não podem ser verdadeiras sem que a conclusão também seja verdadeira.
validade indutiva: uma inferência é indutivamente válida quando as pre-
missas fornecem algum fundamento razoável, embora não necessariamente
conclusivo, para a conclusão.
válido: aplica-se a uma inferência na qual as premissas realmente fornecem
algum tipo de razão para a conclusão.
valor de verdade: verdadeiro (V) ou falso (F)
130
Símbolo Significado Nome
V verdadeiro (numa situação)
valores de verdade
F falso (numa situação)
∨ ... ou ... disjunção
& ... e ... conjunção
¬ não é o caso que ... negação
∃x algum objeto, x, é tal que ... quantificador existencial
∀x todo objeto, x, é tal que ... quantificador universal
ιx o objeto, x, tal que ... operador de descrição
deve ser o caso que ...
2
operadores modais
3 pode ser o caso que ...
→ se ..., então ... condicional
⊃ não é o caso que ambas (... e não ...) condicional material
P foi o caso que ...
será o caso que ...
F
operadores temporais
H tem sido o caso que ...
G será sempre o caso que ...
= ... é o mesmo objeto que ... identidade
< ... é menor que ...
≤ ... é menor ou igual que ...
|...| o número que é o valor de verdade de ...
M ax o maior valor dentre ... e ...
M in o menor valor dentre ... e ...
pr a probabilidade de que ...
pr(...|...) a probabilidade de que ... dado que ... probabilidade condicional
E a expectativa de ser o caso que ...
V o valor de ser o caso que ...
≈ ... é aproximadamente igual a ...
⟨A⟩ é o nome (código numérico) de A código numérico
P rov(x, y) x é uma prova de y predicado de prova
131
Solução dos problemas
Capítulo 1
A seguinte inferência é dedutivamente válida, indutivamente válida ou ne-
nhuma delas? Por que? José é espanhol. A maioria do povo espanhol é
católico. Logo, José é católico.
Capítulo 2
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Jones é um cavaleiro
ou um idiota; ora, ele é certamente um cavaleiro; assim, ele não é um idiota.
Considere que:
c é ‘Jones é um cavaleiro’.
i é ‘Jones é um idiota’.
Então, a inferência é:
c ∨ i, c
¬i
132
A tabela de verdade fica:
c i c∨i c ¬i
V V V V F
V F V V V
F V V F F
F F F F V
Capítulo 3
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Alguém ou viu o
disparo ou ouviu o disparo; assim, ou alguém viu o disparo ou alguém ouviu
o disparo.
Considere que:
xV é ‘x viu o disparo’.
xO é ‘x ouviu o disparo’.
E considere que os objetos em questão sejam pessoas. Então a inferência
é:
∃x(xV ∨ xO)
∃x xV ∨ ∃x xO
Essa inferência é válida. Pois suponha que a premissa seja verdadeira em
alguma situação. Então existe algum objeto, x, no domínio dessa situação
tal que xV ∨ xO. Pelas condições de verdade para ∨, temos que xV ou
xO. No primeiro caso, ∃x xV ; no segundo, ∃x xO. Em ambos os casos,
∃x xV ∨ ∃x xO é verdadeiro nessa situação.
Capítulo 4
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Todos queriam ganhar
o prêmio; assim, a pessoa que venceu a corrida queria ganhar o prêmio
Considere que:
133
xP é ‘x queria ganhar o prêmio’.
xC é ‘x venceu a corrida’.
E que os objetos em questão sejam pessoas. Então a inferência é:
∀x xP
(ιx xC)P
A inferência é inválida. Considere uma situação, s, na qual todos satis-
fazem P , mas ninguém satisfaz C. (Talvez a corrida tenha sido cancelada!)
Então a premissa é verdadeira em s. Mas a descrição ιx xC não se refere a
nada. Portanto, a conclusão é falsa em s.
Capítulo 5
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Você fez um omelete,
e não é o caso que você fez um omelete e não quebrou um ovo; assim, você
quebrou um ovo.
Considere que:
f é ‘Você fez um omelete’.
q é ‘você quebrou um ovo’.
Então a inferência é:
f, ¬(f &¬q)
q
Essa inferência é invalida. Considere, pois, a seguinte situação:
q: F , mas não V .
f: V e F.
Nesse caso, ¬q é V (e não F ); portanto, f &¬q é V e F (ambos conjuntos
são verdadeiro e um é falso); portanto, ¬(f &¬q) é V e F . Nesta situação,
ambas as premissas são V e a conclusão não.
Capítulo 6
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. É impossível para por-
cos voarem, e é impossível para porcos respirarem debaixo d’água; portanto,
deve ser o caso que os porcos nem voem e nem respirem debaixo d’água.
134
Considere que:
v é ‘Porcos voam’.
r é ‘Porcos respiram debaixo d’água’.
Então a inferência é:
¬3v&¬3r
2(¬v&¬r)
Essa inferência é válida. Pois suponha que a premissa seja verdadeira
em alguma situação, s. Então ambos os conjuntos são verdadeiros nessa
situação. Portanto, não há situação associada, s′ , em que v é verdadeiro
(primeiro conjunto) ou r é verdadeiro (segundo conjunto). Ou seja, em todas
as situações associadas, s′ , ¬v&¬r é verdadeira. Portanto, a conclusão é
verdadeira em s.
Capítulo 7
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Se você acredita em
Deus, então você vai a igreja. Mas, você vai a igreja. Portanto, você acredita
em Deus.
Considere que:
a é ‘Você acredita em Deus’.
i é ‘Você vai à igreja’.
Então a inferência é:
a → i, i
a
Essa inferência é inválida. Pois considere uma situação, s, com uma
situação associada, s′ , em que as coisas são como mostra o diagrama a seguir:
135
s s′
a:F a:V
i:V i:V
Capítulo 8
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Sempre esteve cho-
vendo e sempre estará chovendo; portanto, está chovendo agora.
Considere que:
r é ‘Está chovendo’.
Então a inferência é:
Hr&Gr
r
Essa inferência é inválida. Pois suponha que as coisas sejam tais como na
seguinte coleção de situações:
136
Capítulo 9
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Pat é uma mulher, e
a pessoa que limpou a janela não é uma mulher; assim, Pat não é a pessoa
que limpou a janela.
Considere que:
p é ‘Pat’.
l é ‘a pessoa que limpou a janela’.
W é ‘é uma mulher’.
Então a inferência é:
pW &¬lW
¬p = l
Essa inferência é válida. Com efeito, considere qualquer situação em que
a premissa seja verdadeira. Então, nessa situação, qualquer coisa a que o
nome p se refere tem a propriedade expressa por W , e qualquer coisa a que
o nome l se refere não tem. Portanto, pela Lei de Leibniz, p e l denotam
coisas diferentes (assumindo que nada pode ser verdadeiro e falso ao mesmo
tempo!). Ou seja, ¬p = c é verdadeiro.
Capítulo 10
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade em que o nível de acei-
tação é 0,5. Jenny é esperta e; Jenny não é esperta ou ela é bela. Portanto,
Jenny é bela.
Considere que:
e é ‘Jenny é esperta’.
b é ‘Jenny é bela’.
Então a inferência é:
c, ¬c ∨ b
b
Essa inferência é inválida. Pois considere uma situação em que os valores
de verdade de e e b são os seguintes:
e : 0, 5
137
b : 0, 2
Nesse caso, o valor de verdade de ¬c nessa situação é 0, 5 (1 − 0, 5) e,
portanto, o valor de verdade de ¬c ∨ b também é 0, 5 (M ax(0, 5, 0, 2)). Mas
então ambas as premissas são aceitáveis (≥ 0, 5), e a conclusão não.
Capítulo 11
O seguinte conjunto de estatística foi coletado a partir de dez pessoas (cha-
madas 1-10).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Alta
Rica
Feliz
Se r é uma pessoa randomicamente escolhida nesta coleção, avalie a vali-
dade indutiva da seguinte inferência. r é alta e rica; portanto, r é feliz.
Considere que:
a é ‘r é alta’.
d é ‘r é rica’.
f é ‘r é feliz’.
A inferência é válida. Pois há três pessoas altas e ricas, e duas delas são
felizes. Portanto, pr(f |a&d) = 2/3. Uma delas é infeliz, então pr(¬f |a&d) =
1/3. Portanto, pr(f |a&d) > pr(¬f |a&d).
Capítulo 12
Suponha que existam duas doenças, A e B, que possuem exatamente os
mesmos sintomas observáveis. 90% daqueles que apresentam os sintomas
têm a doença A; os outros 10% têm a doença B. Suponha, também, que
exista um teste patológico para distinguir entre A e B. O teste dá 9 respostas
corretas a cada 10.
1. Qual a probabilidade do teste, quando aplicado a uma pessoa escolhida
randomicamente, indicar que ela tem a doença B? (Dica. Considere
uma amostra típica de 100 pessoas com os sintomas, e calcule para
quantas o teste diria que tem a doença B.)
138
2. Qual é a probabilidade de alguém com os sintomas ter a doença B,
dado que o teste indica que ela tem (a doença B)? (Dica. Você deve
usar a primeira questão.)
Capítulo 13
Você aluga um carro. Se você não contrata o seguro e ocorre um acidente,
você gastará $1.500. Se você contrata o seguro e ocorre um acidente, você
gastará $300. O seguro custa $90 e você estima que a probabilidade de
ocorrer um acidente é 0,005. Assumindo que as únicas considerações são as
financeiras, você deve contratar o seguro?
139
Ao calcular as expectativas, temos que:
Capítulo 14
O que há de errado com o seguinte argumento: “Claro que existe um al-
goritmo para determinar se um programa com uma determinada entrada
termina. Simplesmente executamos o programa com essa entrada e vemos o
que acontece. Das duas uma: ou ele terminará ou não. De qualquer forma,
teremos um resultado”?
Capítulo 15
Digamos que um sistema de axiomas tenha a propriedade de disjunção apenas
se, sempre que alguém puder provar algo da forma A ∨ B, puder provar A ou
B (ou ambos). Suponha que tenhamos um sistema de axiomas consistente
para aritmética, cujos teoremas sejam verdadeiros e cuja lógica seja a do
Capítulo 2. Ele pode ter a propriedade de disjunção? (Dica: use o fato de
que nesta lógica a lei do terceiro excluído é válida - isto é, a lógica pode
provar toda frase da forma A ∨ ¬A. Em seguida, use a frase G de Gödel.)
Não. Se n é o código da sentença ¬∃xP rov(x, n), então, uma vez que
a lógica pode estabelecer a lei do terceiro excluído, a teoria pode provar
que ∃xP rov(x, n) ∨ ¬∃xP rov(x, n). Mas o Teorema de Gödel mostra que
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¬∃xP rov(x, n) não pode ser provado, embora isso seja verdade. Mas então
∃xP rov(x, n) é falso; consequentemente, também não pode ser provado.
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Referências Bibliográficas
[2] Dawson, John W. Logical Dilemmas: The Life and Work of Kurt
Gödel (Wellesley, MA: A. K. Peters, Ltd., 1997).
[6] Heath, P. The Philosopher’s Alice (New York, NY: St Martin’s Press,
1974).
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[12] Jeffrey, R. The Logic of Decision (Chicago: University of Chicago
Press, 2nd edition, 1983).
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[25] Strawson, P. Introduction to Logical Theory (London: Methuen &
Co., 1952).
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