A ARTE DA GUERRA E A NEGOCIAÇÃO

"Se quiser acabar com a guerra,

ao invés de enviar armas, envie
livros. Ao invés de enviar
tanques, envie canetas. Ao invés
de enviar soldados, envie
professores".
MALALA YOUSAFZAI

A ARTE DA GUERRA E A
NEGOCIAÇÃO

James Kennerdale
A ARTE DA GUERRA E A NEGOCIAÇÃO

P
or volta do ano 500 a.C., um general e
estrategista chinês chamado Sun Tzu (Sunzi,
Sun Wu ou "Mestre Sun") recebeu os
créditos por ter escrito A Arte da Guerra, um
pequeno livro com 13 capítulos que se tornou uma
das obras de filosofia mais lidas e citadas de todos
os tempos. O livro conseguiu transcender as
nuances (ou por vezes os abismos) entre o Oriente e
o Ocidente, e teve seus ensinamentos aplicados em
lições sobre tudo, da administração de uma
multinacional à criação da família, ou, mais
recentemente, à capacidade de tornar-se um bem-
sucedido influenciador de mídias digitais.
Se você acredita que A Arte da Guerra é
simplesmente um tratado prático sobre a antiga
estratégia de guerra chinesa ou uma obra atemporal
de filosofia clássica cujos aforismos resistirão ao
teste do tempo e têm uma
A principal distinção entre ciência e arte pode ser
encontrada nas suas respectivas definições.
Entretanto, como comprovam pesquisas para este
trabalho, é difícil encontrar uma definição distinta
de ciência com a qual diversas fontes concordem.
Com a ciência, a principal semelhança nas
definições é que elas contêm as palavras
"sistemático" e "evidência". Uma hipótese, teoria ou
processo é criado e então questionado via análise
por pares; em seguida, através da evidência e
repetição, é aceito pela comunidade científica.
Aqui está uma importante distinção: parece que,
com uma ciência, uma metodologia sistemática
apoiada por evidência deve ser capaz de ser
replicada para produzir um resultado consistente,
duplicado ou similar. Por esse motivo a relação do
raio de um círculo com a sua circunferência sempre
será π, E será sempre igual

“
ampla aplicação, é difícil não MC2, e se você se demorar sob
A relação do raio de um
sentir um forte senso de uma macieira o tempo
romance em relação ao círculo com a sua
suficiente, é provável que você
trabalho. Mas, como um circunferência sempre será π, seja atingido na cabeça.
negociador, a realidade é que E será sempre igual
muitos dos ensinamentos de A arte, por outro lado, embora
MC2, e se você se demorar sob
Sun Tzu podem e foram tenha (na maioria dos casos)
aplicados a negociações tanto uma macieira o tempo suficiente, uma abordagem ou
em teoria quanto na prática – é provável que você seja metodologia sistemática,
e é essa aplicação prática possui um resultado que
atingido na cabeça".
tanto à estratégia quanto à raramente é fixo, como seria
tática de negociação que este em uma ciência exata. Se você
artigo irá explorar. pedisse a dez artistas de retrato de alto nível que
produzissem uma pintura da mesma imagem
Primeiramente, é importante fazer uma distinção utilizando a mesma metodologia, é provável que
fundamental no título A Arte da Guerra. A guerra você obtivesse dez figuras diferentes.
como uma forma de arte? Isso pode parecer estar
em conflito com a percepção de arte como uma Isso é verdadeiro em relação à guerra. Muitos
força criativa, e não destrutiva. A guerra como uma artigos utilizam o exemplo das legiões romanas
ciência não seria mais adequado? Esse paradoxo é para ressaltar essa opinião. Uma legião no exército
comparável com a tão debatida questão sobre a romano era treinada em formação e tática rigorosas
negociação ser uma ciência ou uma arte, e desafia para dar a maior oportunidade de vitória na
nossas crenças sobre o que a arte realmente é. batalha. Entretanto, havia muitos fatores externos
que variavam do terreno à força ou atitude (ego) do
inimigo do Legado, e até o fato de os soldados

THE GAP PARTNERSHIP

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estarem cansados em um determinado dia, sendo
que todos podiam afetar o resultado. Assim, o
resultado de qualquer batalha não era certo ou
facilmente repetível simplesmente porque uma
forte metodologia estratégica ou tática era utilizada.
O mesmo pode ser dito em relação à negociação.
Ferramentas estratégicas e táticas, processo e
metodologia são aplicados para permitir um
resultado favorável desejado. Mas, dependendo de
vários fatores que vão desde as condições do
mercado que afetam o equilíbrio de poder até as
negociações propriamente ditas, o resultado da
aplicação desses processos poderia, e
invariavelmente pode, gerar resultados diferentes.
Como na arte, na negociação existe um belo caos e
improvisação, cujo domínio requer grande
habilidade. Incentivo todos a ler A Arte da
Negociação: Como improvisar acordos em um
mundo caótico, onde o autor, Michael Wheeler,
professor da Harvard Business School, compara a
negociação ao jazz, e, ao fazer isso, cita o
trompetista Wynton Marsalis: "O verdadeiro poder
do jazz é que um grupo de pessoas pode se reunir e
criar arte, improvisar arte, e podem negociar suas
agendas uns com os outros. E essa negociação é a
arte".
O que leva um indivíduo a supor que a negociação,
assim como a guerra, é arte, e não ciência.
“
“Na negociação existe um belo caos
e improvisação, cujo domínio requer
grande habilidade”.
A Arte da Guerra possui um conteúdo rico em seus
ensinamentos e comparações aplicáveis que podem
ser utilizadas ou até incutidas para o objetivo
pretendido. Entretanto, este artigo irá procurar
abordar apenas três ensinamentos: três aforismos
que, mais de dois mil anos depois, podem ajudar
um moderno negociador a superar alguns erros
comuns que vemos surgir hoje.
Quando os soldados comuns são demasiadamente
fortes e seus oficiais demasiadamente fracos, o
resultado é insubordinação. Quando os oficiais são
demasiadamente fortes e os soldados comuns
demasiadamente fracos, o resultado é colapso. Sun
Tzu, A Arte da Guerra; Capítulo 10.16
Essa citação fala tanto ao nível do poder quanto à
percepção do processo de encaminhamento (muitas
vezes em grandes empresas) que frequentemente é
observado ao trabalhar com clientes. A citação
possui duas partes. A primeira pode ser usada para
alertar quanto aos perigos da crença do nível do
negociador e da percepção da estratégia mais ampla
de negociação e do que eles percebem que pode ser
o resultado do encaminhamento. Negociadores de
nível intermediário são como soldados comuns
quanto ao que precisam entender, acreditar e se
sentir capacitados pela estratégia comercial que
estão incumbidos de executar. Não conseguir criar
uma estratégia que os permita fazer essas coisas
pode levar a um desvio da linha da empresa, em
especial em uma pessoa comercialmente forte.
Além disso, se um negociador acreditar que o
encaminhamento de uma negociação irá prejudicar
seu trabalho, ele pode e irá, em muitas ocasiões,
procurar ativamente deter qualquer
encaminhamento que, em tal situação, seria
adequado. Isso pode e tem levado negociadores a
irem além de sua respectiva competência.
“Tentamos lidar com as coisas em nível de
gerência aqui porque, uma vez passadas adiante,
sabemos que nossa equipe de liderança
simplesmente dividirá as diferenças para salvar o
relacionamento, mesmo que tenhamos dito a eles
que temos isso em mãos” - é uma citação direta
recebida durante uma interação recente com um
cliente. A pessoa que fez esse comentário
prosseguiu falando sobre como o encaminhamento
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a níveis superiores e uma cultura de capitulação nos
escalões superiores da empresa fariam com que eles
evitassem ativamente o apoio da liderança,
flexibilizando a estratégia comercial caso
percebessem que poderiam garantir um resultado
comercial melhor. A segunda parte da citação de
Sun Tzu se refere ao nível de autonomia que um
negociador tem para executar sua função. Uma das
queixas mais comumente ouvidas de uma pessoa
em uma função comercial, especialmente em uma
grande organização, é que seu superior muitas
vezes se envolve na sua negociação e, ao fazê-lo,
prejudica sua própria equipe, enfraquecendo-a aos
olhos de sua contraparte. Tornou-se razoavelmente
comum para os negociadores notar que, após
rejeitarem ou fazerem uma contraproposta, sua
contraparte simplesmente entra em contato com o
gerente de linha do negociador e corta o
intermediário.
Resumindo. No desenvolvimento da sua estratégia,
do processo de encaminhamento para níveis
superiores e do processo de alinhamento interno, a
organização deve fazer duas coisas: primeiramente,
garantir que as equipes comerciais tenham
entendido, apoiado e obtido confiança em todos os
três pontos. Em segundo lugar, precisa dar
autonomia às suas equipes e permitir que estas
operem sem prejudicá-las ou enfraquecê-las aos
olhos da sua contraparte. Os negociadores muitas
vezes precisam de limites para se ajustar às
necessidades daquilo que o negócio precisa
alcançar comercialmente, mas um maior grau de
liberdade para operar dentro desses limites é
fundamental para garantir uma equipe de
negociação considerada forte na mesa de
negociação.
Se você conhece o inimigo e conhece a si próprio,
não precisa temer o resultado de uma centena de
batalhas. Se você conhece a si próprio, mas não
conhece o inimigo, para cada vitória conquistada,
você também sofre uma derrota. Se não conhece
nem a si próprio e nem o inimigo, você irá
sucumbir em todas as batalhas. Sun Tzu, A Arte da
Guerra; Capítulo 3.18
A mensagem aqui é pertinente à mentalidade da
maioria dos negociadores. Na maioria das
interações comerciais, ambas as partes têm as
necessidades de seu próprio negócio em primeiro
plano em suas mentes. Os envolvidos têm uma
profunda compreensão de si próprios e uma
compreensão das necessidades e dos resultados
desejados. Essa compreensão de si próprio é inibida
sobretudo por uma falha em reconhecer o valor de
"si próprio" para a sua contraparte, e por um erro
de cálculo tanto do equilíbrio de poder quanto da
percepção do poder que se deve ter na discussão.
É fundamental para um negociador entender a "si
próprio" em um contexto mais amplo, incluindo a
maneira como ele é percebido por sua contraparte,
mais notadamente na forma como sua contraparte
percebe a dinâmica de poder no relacionamento.
Muito frequentemente os negociadores atribuem à
outra parte mais poder do que ela merece, o que
leva a uma subotimização do resultado comercial.
“
Uma das queixas mais comuns…
é que seu superior prejudica sua
própria equipe, enfraquecendo-a
aos olhos de sua contraparte.”
Entretanto, um problema inquietante abordado por
Sun Tzu nessa citação é conhecer a si próprio, mas
não conhecer o inimigo. Muitos negociadores
capazes entendem que a negociação ocorre na
mente da sua contraparte, e que desenvolver um
profundo conhecimento da importância relativa de
variáveis tanto para você quanto para ela permite
planejar de forma eficaz para a criação de valor.
Isso é muitas vezes uma falha. Os negociadores
tornam-se prisioneiros de seus próprios desejos e
objetivos e não conseguem realmente entender as
necessidades daqueles sentados do outro lado da
mesa.
A ARTE DA GUERRA E A NEGOCIAÇÃO
Como diz Sun Tzu, isso dará a você a vitória em
algumas batalhas, mas no que se refere a não temer
os resultados de uma centena de batalhas, é vital
entender não apenas suas próprias necessidades
(considerar objetivo, poder, prazos e dependência),
mas também as necessidades da outra parte. O que
é um bom negócio para ela, não apenas no contexto
da empresa com a qual você está negociando, mas
também da pessoa do outro lado da mesa?
Um negociador que entende bem a si mesmo, mas
também valoriza o negócio na cabeça de sua
contraparte é um instrumento altamente eficaz.
O primeiro que estiver no campo e aguardar a
chegada do inimigo estará renovado para a luta;
quem for o segundo no campo e tiver que se
apressar para a batalha, chegará exausto. Portanto,
o combatente sábio impõe sua vontade sobre o
inimigo, mas não permite que a vontade do inimigo
seja imposta sobre si. Sun Tzu, A Arte da Guerra;
Capítulo 6.1-2
A comparação aqui não é com a desordem que uma
pessoa sente ao se atrasar, chegar em cima da hora
para uma reunião durante o horário do "rush" no
meio do verão e chegar ofegante, mas sim o
movimento tático de ancorar o negócio, ao colocar
sua proposta sobre a mesa primeiro.
“
A comparação aqui não está com a
desordem que a pessoa percebe ao
se atrasar, chegar de trem para
uma reunião durante o horário do
"rush"… "
Na maioria dos casos este é um procedimento
adequado. Quando você coloca sua proposta sobre a
mesa primeiro, o negócio fica ancorado naquela
posição. Taticamente, este é um movimento
inteligente, pois depois força sua contraparte a ter
que mover a âncora para longe daquela posição. Ao
enfrentar uma contraparte menos habilidosa,
muitas vezes ela começará a vender e justificar por
que aquela é uma proposta que ela não pode
aceitar, e ao fazer isso, o equilíbrio de poder na sala
se voltará para você. Um segundo benefício de
adotar essa abordagem está no fato de que você
muda a percepção na mente da sua contraparte em
relação a onde o negócio provavelmente terminará,
e você pode descobrir que isso terá influência em
onde ela escolhe começar; por exemplo, ela agora
pode começar com uma oferta mais favorável para
a sua posição. Ao colocar sua posição primeiro,
você ganha controle: controle da narrativa e direção
dos processos, impondo, assim, sua vontade sobre o
“adversário".
A Arte da Guerra e as lições contidas nessa obra
podem e foram aplicadas como um guia tanto ao
pensamento filosófico quanto prático em um amplo
espectro da vida e dos negócios por dois mil anos. A
cada nova leitura, são lançadas novas ideias de
aplicação ao mundo moderno dos negócios. Sua
relevância permanece tão forte hoje quanto foi nos
anos a.C. Ao que parece, seus ensinamentos
provavelmente irão influenciar o mundo
contemporâneo por muitos anos.
___________
James Kennerdale começou sua
carreira em serviços financeiros e
passou mais de uma década
trabalhando em vários cargos
internacionais, incluindo Frankfurt,
Hamburgo e por sete anos em Doha,
no Catar. James se mudou para
Londres em 2019 para integrar a The
Gap Partnership como consultor
sênior de negociação.
Para mais informações sobre qualquer das questões
levantadas neste artigo, visite:
www.thegappartnership.com