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Maquiavel: sempre atual!


Vivaldo José Breternitz

Maquiavel é um dos autores menos conhecidos e mais citados; mais citados e mais mal
citados - no entanto, para todos aqueles que conhecem suas obras mais famosas, "O
Príncipe" e "Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio", Maquiavel continua sendo
um autor extremamente atual - cada vez mais atual - quinhentos anos depois dessas obras
terem vindo à luz.

Nestes tempos em que se fala tanto de terceirização, "outsourcing", contratação de


consultorias e "Application Service Providers", de que a empresa deve se concentrar em
suas "core competencies", etc., não custa nada lembrar um pouco do que nos diz o mestre
acerca do assunto.

Mas perguntariam os incrédulos: essas coisas já existiam em 1.500? Sim, e especialmente


quando se falava em defesa, através da contratação de exércitos mercenários. Maquiavel
nos diz que os fundamentos para um estado sólido são as boas leis e as boas armas; que
não podem existir boas leis sem boas armas e que onde existem boas armas, são
necessárias boas leis - em função da importância das armas, "O Príncipe" e os
"Comentários" discorrem sobre elas.

E aqui podemos começar a traçar paralelos entre os principados e as empresas, os príncipes


e os empresários, os mercenários e aqueles que prestam serviços às empresas sob os
rótulos de consultores, terceirizados, "free lancers" e que tais. Segundo Maquiavel, os
exércitos mercenários constituíam um dos maiores problemas da Itália, então fragmentada
em um conglomerado de pequenas cidades-estado rivais, disputado pelo Papa, França,
Espanha e outros.

Baseado em sua experiência, Maquiavel nos diz que o príncipe que se fia nas tropas
mercenárias, nunca estará seguro, porque essas visam apenas o pagamento que lhes é
devido, não tendo qualquer outra razão para lutarem pelo principado - em resumo: são
inúteis e perigosas. Além disso, os chefes dos exércitos mercenários davam preferência a
terem tropas de cavalaria em detrimento dos infantes, abrindo mão do equilíbrio natural entre
esses componentes de um exército, prejudicando seu bom desempenho. Faziam isso porque
o fato de dirigirem corpos com muita cavalaria lhes dava maior prestígio e lhes permitia
cobrar mais caro por seus serviços (alguma semelhança com consultores que nos propõem a
contratação de determinados sistemas?).

Somos também alertados para a qualidade dos comandantes: se incompetentes, obviamente


nos arruinarão; se muito competentes, passam a aspirar à grandeza própria; também é
perigoso trazer-se para dentro do principado exércitos mercenários fortes, pois pode-se
perder o controle sobre eles. Confirmando a validade do raciocínio, consta que o consultor
que conduziu um processo de reengenharia numa grande indústria de brinquedos, concluiu o
processo adquirindo o controle acionário da mesma...

Há que se lembrar também uma disputada batalha que ocorreu à época em solo italiano,
com dois exércitos mercenários batendo-se aguerridamente durante um dia inteiro. Número
de baixas: três - três cavaleiros que atravessando um rio foram carregados pela corrente,
morrendo afogados em função do peso de suas armaduras...

Maquiavel conclui que o príncipe que deseja manter seu estado deve se apoiar em tropas
próprias, como os Romanos e outros fizeram com êxito, e nos diz alguma coisa acerca de
como administra-las. A primeira recomendação é o treinamento constante, teórico e prático.
A segunda, o conhecimento de seu próprio estado num primeiro momento, e a seguir os dos
possíveis inimigos, de forma a identificar seus pontos fracos, tornando mais fácil o ataque -
alguma semelhança com Planejamento Estratégico, "Business Intelligence", CRM e outros?
Consta que Sun Tzu, morto há dois mil anos e nunca tão famoso como agora, já teria dito
que "o conhecimento antecipado conduz o exército e conquista vitórias".

Benchmarking é algo novo? Ledo engano - Maquiavel nos diz que Alexandre (o Grande)
imitava Aquiles; César, Alexandre; Cipião (o Africano) espelhava-se em Ciro e que essa
imitação deve ser cultivada, pois os homens tendem a repetir os erros e acertos das
gerações passadas.. Além desses pontos, "O Príncipe" discute a aplicação de conceitos
como crueldade e piedade, liberalidade e parcimônia, e outros que podem facilmente serem
transpostos para a realidade de nossas empresas. De forma análoga, os "Comentários"
analisam a história de Roma.

Não se pretende aqui dar como absolutamente inúteis os consultores, a terceirização, etc.
Pretende-se apenas registrar que tais recursos, sozinhos, não podem garantir a solução dos
grandes problemas de uma empresa, muito menos assegurar seu sucesso no ambiente
competitivo em que vivemos; podem e devem ser usados para a solução de problemas
pontuais. Não podemos no entanto deixar de afirmar que uma organização forte, sadia, é
formada não só por recursos financeiros e técnicos abundantes, mas também e
principalmente por pessoas motivadas, dotadas de iniciativa, preparadas para as tarefas que
lhes são confiadas e que "vistam a camisa" da organização.

Data de Publicação: 26/12/2000

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Vivaldo José Breternitz (vjbreternitz@mackenzie.br) doutorando em Administração pela USP, é consultor


de empresas e professor da Universidade Mackenzie.

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