Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Luis Barroso
Tenente-Coronel de Infantaria
NATO JFC Brunssum
1
Carl von Clausewitz, On War, Michael Howard and Peter Paret (Ed. And Transl.), (New Jersey: Princeton University
Press, 1976), 220.
2
Ib., 554.
196 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
3
Robert A. Doughty, “French Operaional Art: 1888-1940”. In Michael D. Krause e Cody Phillips (Eds), Historical
Perspecives of the Operaional Art (Washington: Center of Military History, United States Army, 2005), 71.
4
A manobra inclui fogo e movimento, mas neste contexto referimo-nos à importância do elemento movimento
para alcançar uma posição de vantagem sobre o adversário.
5
Neste texto o termo “operacional” não tem a conotação que hoje lhe damos, mas tão só enfaizar o nível das
operações militares que envolviam corpos de exército e exércitos de campanha. Assim, quando referimos o nível
operacional estamos a referir a retaguarda das forças num teatro de operações cuja derrota pode materializar o
sucesso da campanha.
A Arte Militar Terrestre 197
período, quando concebeu as bases teóricas para resolver o problema na frente ocidental,
que expressou no Plano 1919: o emprego massivo de carros de combate para atacar em
vários pontos ao longo da frente para manter a surpresa, impedindo as reservas alemãs
de contra-atacarem concentradas, e aingir o centro de decisão adversário na retaguarda.
Uma arma uilizada ao nível táico para apoiar a infantaria era agora a base de um conceito
para empregar ao nível operacional como a arma decisiva na guerra. Se houvesse dúvidas
quanto à visão de Fuller, a Segunda Guerra Mundial provou-a no sucesso que os alemães
alcançaram na França em 1940 e nos primeiros meses da campanha na Rússia.
6
Steven E. Clemente, For King and Kaiser: The Making of the Prussian Army Oicer (Westport, CT: Greenwood Press,
1992), 39; 176.
7
John Keegan, The First World War (Vintage Canada Ediion, 2000), 26.
8
Clemente, Op. Cit., 175-6.
9
Manobra rápida e concentração de forças para a batalha decisiva.
10
Daniel J. Hughes (Ed), Moltke. On the Art of War: Selected Wriings (NY: Ballanine Books, 1995), 124-8.
11
Cf. Ib., 124; Cf. Antulio J. Echevarria, “Moltke and the German Military Tradiion: His Theories and Legacies”,
Parameters (Spring 1996), 92.
200 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
em 1866 (Guerra das Sete Semanas) levou-o a enfaizar a necessidade de uma melhor
cooperação entre a infantaria, a cavalaria e a arilharia ao nível táico, e da necessidade
em estabelecer uma estandardização na organização das divisões e dos corpos de
exército. Considerava a primazia do movimento de forças segundo a tradição napoleónica,
uilizando os melhores eixos de progressão para se deslocar e concentrar forças para a
batalha decisiva. Tal como Clausewitz, considerava a defesa como a forma mais pujante do
combate, mas a melhor defesa de uma nação era dispor de um exército bem treinado e
com mobilidade suiciente para agir decisivamente pela ofensiva, através da combinação
de ataques frontais e envolvimentos sobre o adversário12. Uma vez decidido entrar em
guerra, o aniquilamento do adversário era o caminho mais rápido para a vitória13.
A uilização programada do caminho de ferro, que deveria ser capaz de transportar
milhares de soldados em pouco espaço de tempo; o telégrafo, que facilitava o comando
e o controlo; o advento da arilharia com mais cadência de iro; e emergência da
metralhadora, izeram com que Moltke acreditasse que as vitórias de Frederico e de
Napoleão eram ainda possíveis no inal do século XIX. Apologista de uma aproximação
baseada em guerras rápidas e decisivas, Moltke considerava a estratégia como um
conjunto de expedientes que se devia focalizar na mobilização, transporte e projeção de
forças, explorando os caminhos-de-ferro e o telégrafo, tal como inha feito em 1870-1871
em que derrotou o Exército francês14.
Moltke compreendia que a Prússia enfrentava um dilema estratégico, por
estar rodeado de inimigos e com insuiciência de recursos para uma guerra longa. Por
conseguinte, a opção mais lógica era a ofensiva, embora a tecnologia fosse favorável
ao defensor. Para resolver este dilema era necessário executar um ataque de lanco na
profundidade do sistema adversário a parir de forças localizadas em vários pontos, mas
que pudessem fazer convergir o seu esforço num ponto único, capaz de materializar a
decisão da campanha.
Como os exércitos de cidadãos estavam inevitavelmente mal preparados para o
combate, explorar essa vulnerabilidade no início do conlito aumentava a probabilidade da
vitória. Os caminhos de ferro permiiam a mobilidade estratégica e operacional, facilitando
a ação ofensiva, enquanto o telégrafo facilitava o controlo no campo de batalha. O poder
de fogo facilitava a defesa ao nível táico para ixar o adversário para poder lanqueá-
-lo ao nível operacional. Assim, Moltke pôde moldar os princípios napoleónicos às novas
realidades tecnológicas, assumindo o lugar de maior relevo na arte militar prussiana.
Tal como aconteceu com a Prússia em relação a Napoleão, também a França,
depois da derrota dramáica sofrida em 1871, iniciou um período de modernização e
reformas militares. Reconhecendo a superioridade militar prussiana e a inluência de
12
Hughes, Ob. Cit., 68-9.
13
Cf. Holger H. Herwig, “The Prussian Model and Military Planning Today”, Joint Forces Quarterly (Spring 1998), 69;
Hughes, Ob. Cit., 125-6.
14
Bruce I. Gudmundsson, “Maneuver warfare: The German Tradiion”. In Richard D. Hooker, Jr. (Ed.), Maneuver
Warfare: An Antology (Novato, CA: Presidio, 1993), 124.
A Arte Militar Terrestre 201
Moltke, os franceses criaram a École Superiuere de Guerre em 1880, estabeleceram
quartéis-generais para exércitos de campanha em tempo de paz, e implementaram
inspeções regulares, visitas de estado-maior e exercícios anuais com corpos de exército. O
pensamento militar acompanhou aquelas reformas estruturais, embora sem grande vigor,
com os Regulamentos de Campanha de 1895 e 1913 a votarem maior atenção ao emprego
das grandes unidades em campanha. O regulamento de 1913 enfaizava o emprego de
corpos de exército e exércitos de campanha como parte integrante das operações dos
grupos de exércitos. A inalidade do seu emprego era impor ao adversário as condições
que levassem à derrota e ao consequente inal da guerra15.
Apesar do interesse em operações de corpos de exército e de exércitos de
campanha, na École Supérieure de Guerre era o espírito ofensivo de Napoleão que captava
as atenções dos professores e dos alunos, uma vez que consideravam que o sucesso de
Moltke se inha devido à aplicação dos seus princípios. A consequência imediata foi a
adoção da Ofensive à Outrance, que foi em parte responsável pelos desastres franceses
nos primeiros meses de 1914, ligada às ideias expressas pelo coronel Louis Grandmaison16,
como professor na École Superiuere de Guerre e como general diretor do departamento
de operações do Exército Francês. Embora ele expressasse a necessidade de aprofundar
o conhecimento no emprego de grandes unidades e formações, muitos oiciais tentaram
aplicar as suas ideias ao nível táico17.
O culto da ofensiva devia-se à premissa de que os fatores psicológicos associados
à ofensiva, de nível táico ou estratégico, se sobrepunham aos do defensor18. Os fatores
morais eram mais importantes do que os materiais e a vitória sobre o defensor só
podia ser alcançada com uma férrea vontade de conquista. Isto não quer dizer que os
proponentes desleixassem a segurança, mas apenas enfaizar a necessidade de elevar as
forças morais ao mesmo nível dos fatores materiais como proposta para resolver o novo
problema táico surgido após a guerra Russo-Japonesa e a guerra Franco-Prussiana de
1870-71: como ultrapassar a superioridade de fogo do defensor e restaurar a manobra
ofensiva no campo de batalha?
A letalidade e eicácia do armamento tornavam os assaltos frontais não apenas
proibiivos, mas estaisicamente impossíveis. O fogo era o argumento supremo no
campo de batalha, razão pela qual era necessário suprimir as defesas adversárias para
que a infantaria pudesse progredir. Porém, haveria o momento em que o apoio de fogos
deixava de poder cobrir o avanço e a infantaria deparar-se-ia com uma zona de morte
inultrapassável19.
15
Doughty, Ob. Cit., 72-74.
16
Que não era o único proponente do Culto da Ofensiva. O coronel britânico Ian Hamilton e o general alemão
Colmar van der Goltz, foram também iguras de proa nessa aproximação.
17
Doughty, Ob. Cit., 75.
18
A. J. Echevarria, II, “The ‘Cult of the Ofensive’ Revisited: Confroning Technological Change Before the Great
War”, Journal of Strategic Studies, 25 (1), 199-214.
19
Michael Howard, “Men against ire: The Doctrine of the Ofensive in 1914”. In Peter Paret (Ed.), Makers of Modern
Strategy: from Machiavelli to the Nuclear Age (New Jersey: Princeton University Press, 1986), 512.
202 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
20
Vd. Luis Barroso, “A Inovação Militar no período entre guerras e o início da II Guerra Mundial. O Desenvolvimento
da Blitzkrieg, a tradição germânica e os contactos germano-rusos nos anos 1920, Revista Militar, 66 (6/7) (2014),
629-48.
A Arte Militar Terrestre 203
extensas, privilegiando as oportunidades de envolvimento às forças que tentavam detê-
-los, representava o modelo de sucesso ípico para os russos.
Dada a letalidade das armas de repeição e o problema das frentes extensas,
parecia que a solução teria sempre de passar pela exploração de um lanco através
da rápida mobilização, concentração, movimento e combate mais rápidos do que o
inimigo. O conceito era ao mesmo tempo napoleónico e contemporâneo, dada a sua
dependência na massa e na velocidade, mas agora com a adição das novas tecnologias
e armamentos. Nas décadas de 1880 e 1890, a arte militar russa considerava o sucesso
de Moltke como o resultado da aplicação do modelo napoleónico, mas que seguia a
simpliicação de Jomini em dirigir o exército de massas sobre o adversário através da
aplicação de princípios e regras simples e imutáveis21. A Guerra Russo-Japonesa de
1904-05 viria a demonstrar o quanto essa abordagem estava errada.
As batalhas de Port Arthur e de Mukden (Guerra Russo-Japonesa) demonstraram
o poder da pólvora sem fumo, da eicácia e letalidade das espingardas de repeição,
da metralhadora e da arilharia com sistemas de recuo, introduzindo uma alteração
signiicaiva na aplicação do modelo napoleónico. Não era possível levar o adversário a
uma batalha decisiva, e as frentes e profundidades da batalha (de 60 a 100 quilómetros)
exigiam também um novo modelo de comando e controlo e novas organizações que
dessem senido e coerência às batalhas conduzidas pelas divisões. A tendência dos
conlitos era a de serem cada vez mais demorados, uma vez que os combates de
encontro e as batalhas que se seguiam não produziam a decisão na guerra.
O novo armamento obrigava a recalcular novas distâncias, frentes, intervalos
e profundidades para as unidades, e os assaltos massivos inham de dar lugar a outras
abordagens dada a prevalência do fogo no campo de batalha. A necessidade de maior
dispersão obrigava a uma descentralização da autoridade e à manutenção da coniança
mútua entre comandantes aos vários níveis. A complexidade das operações e a mais que
provável ausência de uma batalha decisiva obrigava a planos detalhados com ligação
entre a estratégia nacional, o plano de guerra e as batalhas.
Os regulamentos de campanha do Exército Russo de 1912 e de 1914 colocavam
a ênfase nas armas combinadas, nos combates de encontro e nos ataques a parir da
marcha. Era também dada especial importância ao papel da infantaria, cuja força derivava
do poder de fogo e do movimento decidido para a frente. A destruição do inimigo era
essencialmente resultado do efeito do fogo das espingardas e das metralhadores que
provocavam um efeito psicológico devastador no inimigo. Porem, a práica nos primeiros
meses de 1914 demonstraria a inabilidade dos comandantes e exércitos russos.
21
Bruce Menning, “The Imperial Legacy of Operaional Art, 1878-1914”. In Michael D. Krause e Cody Phillips (Eds),
Historical Perspecives of the Operaional Art (Washington: Center of Military History, United States Army, 2005), 192.
204 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
22
G̈nter R. Roth, “Operaional Thought from Schliefen to Manstein”. In Michael D. Krause e Cody Phillips (Eds),
Historical Perspecives of the Operaional Art (Washington: Center of Military History, United States Army, 2005), 150.
23
Terence M. Holmes, “Asking Schliefen: A Further Reply to Terence Zuber”, War in History 2003 10(4) 464-79;
Idem, “Schliefen and the Avoidance of Tacics: A Reinvesigaion”, Journal of Strategic Studies, 27 (4), 663-84.
24
Sobre os detalhes dos dois planos Cf. Ian Senior, Invasion 1914: The Schliefen Plan to the Batle of Marne (Osprey
Publishing, 2012).
25
Douglas Porch, “French War Plans, 1914: The ‘Balance of Power Paradox’”, Journal of Strategic Studies, 29 (1),
117-44.
A Arte Militar Terrestre 205
Ambos os planos eram deicientes porque não eram suicientemente coerentes,
ao pretender conhecer intenções e vulnerabilidades do oponente, pretender controlar
centenas de milhares de soldados e executar operações em profundidades de centenas
de quilómetros sem os meios radio e sem uso extensivo de viaturas para o movimento
e para o apoio logísico. Apesar da linha de caminho de ferro dar alguma lexibilidade de
manobra, os avanços no armamento, em especial na arilharia e nas armas de repeição
e metralhadoras, conferiam novo poder ao defensor, como já inha sido evidenciado na
guerra Anglo-Boer e na Guerra Russo-Japonesa. O nível operacional e o táico não inham
condições para alcançar os objeivos estratégicos dos beligerantes.
O ataque alemão iniciou-se em 14 de Agosto a uma velocidade inconcebível
até então. Para envolver as forças francesas e britânicas, os alemães lançaram o ataque
principal pela Bélgica para alcançar Paris e cortar a reirada do grosso das forças aliadas
que estariam empenhadas entre a fronteira franco alemã e o rio Marne. Porém, apesar
do sucesso inicial, um contra-ataque lançado pela Força Expedicionária Britânica contra
um intervalo entre os exércitos alemães da força de envolvimento fez parar o ataque a
norte do rio Marne para não correr o risco de ver a sua força de envolvimento cercada.
Este alto deu a oportunidade ao general Jofre de reposicionar as suas forças e evitar o
cerco. É curioso notar que se os franceses levassem a cabo o seu Plano XVII, que consisia
ele próprio em atacar a Alemanha, o sucesso do plano Schliefen poderia ter acontecido
mesmo sem ter de atravessar o rio Marne.
Com os dois exércitos frente a frente, estavam criadas as condições para o início
de uma guerra de atrição, uma vez que se esgotou o ímpeto alemão ao mesmo tempo
que se fortaleceu a linha defensiva aliada. Os generais alemães e franceses consideravam
a ofensiva como a forma decisiva da guerra, mas a tecnologia dava clara vantagem ao
defensor. Mesmo que o apoio massivo de arilharia ao assalto da infantaria causasse
centenas de víimas nos defensores, bastava que algumas metralhadoras se manivessem
intactas para inligir um elevado número de baixas ao atacante. Além do mais, como
os sistemas de transportes estavam relaivamente intactos na retaguarda, o defensor
podia movimentar reservas antes que os atacantes pudessem reforçar o assalto. O
posicionamento das forças para evitar envolvimentos criou uma linha defensiva simétrica
e coninua entre o mar do Norte e a Suíça.
Durante as primeiras batalhas da guerra, a adoção da “Ofensive à Outrance”
levou os comandantes a ordenar assaltos frontais descoordenados e sem objeivos
claros contra as posições foriicadas alemãs, sem o cuidado de construir posições de
assalto que lhe dessem abrigo se o assalto fosse repelido, nem para fazer face a contra-
-ataques alemães. Nos ataques contra os alemães nas Ardenas e na Lorena, logo em
Agosto de 1914, os franceses esperavam desentrincheirar os alemães através da luta
corpo-a-corpo, mas foram dizimados pela arilharia e pelas metralhadoras. Em vez de
concentrar o ataque contra um ponto fraco alemão, o general Jofre ordenou uma série
de ataques não coordenados que mais não izeram do que provocar imensas baixas que
começaram a desmoralizar os soldados e as populações. Depois dos desaires iniciais
206 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
que redundaram em 300 mil baixas, Jofre ordenou que os ataques fossem sempre
precedidos de uma forte preparação de arilharia e proibiu os assaltos massivos. Era a
arilharia que ditava a direção e o emprego da infantaria, relegando a manobra para o
segundo plano.
Entre 1914 e 1917, os aliados coninuaram a lançar ofensivas de grande
envergadura para alcançar objeivos profundos. Porém, para além das pesadas baixas,
as penetrações mediam-se em centenas metros. Desde o início dos combates, ambos os
lados reconheceram a importância da eicácia da arilharia na supressão das posições
adversárias e na redução das baixas próprias26. Mesmo quando os aliados conseguiam
uma rotura temporária, o defensor conseguia contra-atacar e repor a frente antes de
o atacante poder explorar a ação ao nível operacional. Usando caminhos de ferro e
estradas, o defensor podia movimentar reservas com relaiva facilidade. Por essa razão,
os comandantes franceses reconheceram que para vencer os alemães era necessário
anular a eicácia das suas reservas. O método que uilizaram foi o lançamento de ataques
múliplos e sequenciados, com um massivo e programado plano de fogos, para diicultar
o emprego decisivo das reservas alemãs.
Com a frente de trincheiras entre o Mar do Norte e a Suíça, a parir do início
de 1915 a penetração das posições com apoio massivo de arilharia parecia a única
alternaiva, como icou claro para os britânicos em Março de 1915 em Neuve-Chapelle.
Apesar do enorme esforço, que redundou em cerca de 14 mil baixas para os britânicos,
os alemães recuperaram quase todo o terreno perdido dois dias depois, devido à falta de
comunicações entre as reservas e a força de penetração, à diiculdade em movimentar
tropas apeadas, e à falta de apoio de arilharia em profundidade que barrasse contra-
-ataques. Contudo, para os franceses e para os britânicos, naquele momento a solução
passava pelo bombardeamento metódico com a infantaria a movimentar-se por lanços
para conquistar objeivos limitados. Desenvolvida pelo general Robert Nivelle, consisia
na uilização programada da arilharia com a inalidade de fazer movimentar uma
poderosa barragem sincronizada com os ataques de infantaria, dando origem ao slogan
“A arilharia conquista e a Infantaria ocupa”.
Em Julho de 1916, no Somme, franceses e britânicos obiveram relaivo sucesso,
apesar do esforço despendido em homens, munições de arilharia e do emprego dos
carros de combate em apoio à infantaria para rotura dos obstáculos de proteção. A
arilharia bateu sucessivamente as posições alemãs de acordo com uma ita do tempo
que pretendia marcar o ritmo da infantaria para manter o apoio conínuo. Nesta batalha
foi notória também a forma como os soldados alemães se adaptaram à imensa barragem
de arilharia, deixando as suas posições para ocupar as crateras formadas pelos fogos,
de onde podiam combater em todas as direções e apoiar os contra-ataques locais. Seja
como for, franceses e britânicos conseguiram penetrar cerca de 10 quilómetros. Entre
Outubro e Dezembro, o mesmo método suriu efeito em Verdun durante a ofensiva
26
Doughty, Ob. Cit., 82.
A Arte Militar Terrestre 207
francesa para recapturar os Fortes Douaumont e Vaux. O sucesso do método de Nivelle
no Somme e em Verdun, levou-o a comandante dos exércitos franceses.
Porém, as ofensivas do ano seguinte provaram-se ineicazes, dada a adaptação
alemã para minimizar a supressão da sua arilharia e das zonas de morte, que se baseou
no enfraquecimento das primeiras linhas, escalonamento da defesa, colocação de tropas
em contraencosta e na adoção de contra-ataques a todos os escalões.
Nivelle foi subsituído por Pétain, que abandonou as tentaivas de penetração das
defesas alemãs e introduziu uma nova técnica: as ofensivas limitadas. Pétain acreditava
que em vez de se procurar uma batalha decisiva, era necessário levar a cabo uma séria
de batalhas simultâneas com penetrações limitadas para não se expor aos contra-ataques
alemães. Em Agosto de 1917, Pétain lançou uma ofensiva em Verdun, empregando mais
de uma dezena de companhias de blindados em apoio à infantaria, tendo conseguido um
avanço de cerca de cinco quilómetros e apenas quatro por cento de baixas. Este ataque
teve como impacto direto o reavivar do moral e da coniança no Exército Francês.
Os carros de combate pareciam ser a solução para ultrapassar o poder da defesa,
embora no início da guerra fossem vistos como auxiliares da infantaria para limpar
obstáculos. Os britânicos uilizaram-nos no Somme (Julho de 1916) mas com pouco
impacto. Só em Cambrai, em Novembro de 1917, os carros de combate conseguiram ter
um papel de relaivo relevo, ao romper os obstáculos e penetrar nas posições alemãs
cerca de oito quilómetros. Mas foi em Montdidier (batalha de Amiens, Agosto 1918), que
Ludendorf imortalizou como sendo o “dia negro” para o Exército Alemão, que os carros
de combate alcançaram o seu maior feito na Grande Guerra. Os 400 carros de combate
empregados pelos aliados lograram penetrar nas posições inimigas até ao quartel-general
da divisão alemã. A batalha de Amiens representou um ponto de viragem na conduta do
Exército Francês, inaugurando uma nova forma de combate mais aberto que caracterizou
os meses seguintes da guerra. Comandadas pelo general Éugene Debeney, os aliados
executaram à risca um plano operacional que pretendia iludir os alemães quanto ao local
do ataque principal e obrigar as reservas alemãs a dispersar-se.
Para os estudiosos franceses, a batalha demonstrou uma nova abordagem para
ultrapassar o sistema defensivo sem procurar uma penetração. Tratava-se de fazer convergir
vários ataques coordenados e rigorosamente controlados ao longo de uma frente extensa
em locais precisos que colocavam em desequilíbrio as reservas e os segundos escalões
alemães, que viria a ser conhecida como batalha metódica.
Na frente leste, os russos procuraram também aplicar os envolvimentos e
movimentos torneantes como modelo operacional. Apesar das diiculdades logísicas e
das deicientes infraestruturas de transportes, os russos conseguiram aingir o centro da
Polónia com cerca de dois quintos das suas forças, para ameaçar a Prússia Oriental e apoiar
os aliados a ocidente. Todavia, a uilização de comunicações em claro e a diiculdade em
transmiir ordens da retaguarda para a frente, diicultou o comando e controlo e permiiu
aos alemães escolher o momento adequado para envolver as forças russas. Em 30 de
208 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
27
Sobre as adaptações doutrinárias alemãs na Grande Guerra vd. Timothy T. Lupfer, The Dynamics of Doctrine: The
Change in German Doctrine During the First World War, (Fort Leavenworth, Kansas: Combat Studies Insitute, 1981).
A Arte Militar Terrestre 209
Ao mesmo tempo, os alemães puseram em práica uma doutrina que obrigava
a conceder a iniciaiva até ao mais baixo escalão, em claro contraste com a abordagem
aliada que privilegiava a centralização e o planeamento detalhado. Era a disseminação
da mesma técnica que Rommel vinha empregando na frente italiana em Izonzo, que se
baseava em técnicas de iniltração na rede de trincheiras inimigas até alcançar a retaguarda
ou posições dominantes que ameaçassem todo o sistema defensivo. O efeito no defensor
era essencialmente psicológico por saber que era possível ser atacado pela retaguarda a
qualquer momento sem se darem conta. Rapidamente a força italiana em Izonzo colapsou
após rendições em massa.
Desde 1915 que os alemães vinham desenvolvendo adaptações à sua doutrina
defensiva, uilizando as famosas Sturmtruppen como elemento determinante nos contra-
ataques contra os aliados. Em Novembro de 1917, em Cambrai, empregando cerca de 400
carros de combate, os aliados conseguiram uma penetração de cerca de dez quilómetros
nas defesas alemãs. A vitória chegou a ser celebrada em Londres como um ponto de
viragem na guerra, mas, dez dias depois, os alemães contra-atacaram e recuperaram
grande parte do terreno perdido, chegando até a ultrapassar a linha inicial. O seu ataque
inha sido liderado pelas Sturmtruppen, que ocupavam agora um papel de relevo na nova
tática defensiva alemã.
As Sturmtruppen já inham combaido em França, mas não com a envergadura
do contra-ataque em Cambrai. A maioria das unidades estava em Itália, onde inham sido
uilizadas com enorme sucesso e inham obrigado os aliados a reforçar a frente italiana. O
que é importante notar é o facto de a batalha de Cambrai ter evidenciado aos alemães que
era possível romper as defesas aliadas e conduzir uma ofensiva de grande envergadura
antes de os EUA poderem intervir decisivamente na Europa.
A criação destas unidades, em março de 1915, como força de elite do exército
alemão, inha como inalidade testar armas e desenvolver táticas apropriadas para romper
com o impasse da frente ocidental. Os seus primeiros elementos foram as experientes
Jager Truppen, uma espécie de infantaria de elite que já vinham sendo uilizadas desde o
tempo de Frederico, que atuavam em pequenos grupos e às quais eram atribuídas missões
de desorganização, reconhecimento e iniltração nas linhas inimigas.
Em Outubro de 1916, Ludendorf ordenou a todos os exércitos na frente ocidental
que formassem batalhões de Sturmtruppen, à semelhança da unidade de elite formada
pelo Capitão Rohr, que durante 1915 e 1916 treinou oiciais e sargentos para que se
generalizasse o emprego das suas técnicas e para que os regimentos criassem as suas
tropas de assalto, armados com morteiros, granadas, metralhadoras e lança-chamas.
Durante os contra-ataques locais contra as forças aliadas, os batalhões e os regimentos
dispunham das suas próprias Sturmtruppen para liderar os contra-ataques, reocupar
pontos importantes e selar a rotura.
Durante o inverno de 1916-1917, a alma da defesa elásica foi o contra-ataque
liderado pelas Sturmtruppen, que manobravam através das trincheiras e outros
210 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
iinerários deseniados para atacar os lancos das forças de brecha dos aliados, isolando-
-os dos reforços e facilitando a sua destruição no interior da zona de defesa. Um dos
melhores exemplos da importância das Sturmtruppen foi o seu papel em Cambrai. Esta
batalha começou desastrosamente para os alemães, devido ao ataque de surpresa sem
a ípica preparação de arilharia, liderada pelos carros de combate e com a aviação a
mascarar o ruído das viaturas. A sorte alemã acabou por depender da fraca iabilidade
das viaturas e da não existência de outras unidades de carros capazes de coninuar a
penetração. Porém, dez dias depois, o contra-ataque alemão liderado pela Sturmtruppen
recuperou o terreno perdido.
Na frente ocidental, a táica das Sturmtruppen icou conhecida nos Aliados como
“táica de iniltração”, mas as suas táicas foram descritas pelos alemães como “táicas de
coordenação” por empregarem um conjunto alargado de armamento, mesmo nos baixos
escalões. A sua unidade básica eram grupos de 11 homens liderados por um sargento, que
inha autoridade para conduzir ações sem receber ordens detalhadas, equipada com uma
combinação de armas que lhes permiia uma enorme lexibilidade28.
Em Março de 1918, foram as Sturmtruppen a liderar a ofensiva alemã do “tudo
ou nada”, depois dos russos terem assinado o tratado de Brest-Litovsk. A revolução russa
permiiu que os alemães balanceassem um elevado número de divisões da frente leste
para a frente ocidental, tendo conseguido um aumento de efeivos na ordem dos 30 por
cento. Com os lancos inacessíveis, a solução alemã para o impasse dependia da rotura
das posições defensivas com ataques de surpresa através de iniltração. Foi este o caso do
emprego das Sturmtruppen, às quais era dada a missão de iniltrar-se na posição inimiga
e de não parar para consolidar, mas avançar até onde fosse possível. Apesar do enorme
número de baixas em alguns batalhões, lograram alcançar importantes vitórias ao nível
táico, embora fosse tarde demais para serem decisivas na guerra.
28
Gary Sheield, War on the Western front (Oxford: Osprey Publishing, 2007).
A Arte Militar Terrestre 211
as roturas em penetrações de nível operacional. Até então, isso não inha sido possível
porque os carros de combate não eram iáveis, não eram em número suiciente e não
inham sido uilizados concentrados como esforço principal.
A história dos carros de combate na Grande Guerra remonta a dezembro de
1914, quando o britânico Ernest Swinton propôs a introdução de veículos motorizados
para romper com o impasse do arame farpado e das trincheiras, embora a ideia não fosse
bem aceite pelas cheias britânicas. Um ano depois, o protóipo estava desenvolvido,
e em setembro de 1916, 36 carros de combate foram uilizados na Frente Ocidental
junto da cidade francesa de Flers, embora com sucesso muito relaivo: 27 aingiram as
linhas alemãs e apenas seis chegaram aos objeivos. Seja como for, o aparecimento do
carro de combate assustou os alemães, mas a penetração foi apenas local sem impacto
signiicaivo na ofensiva porque a conseguiram bloquear com a arilharia e imobilizar a
maioria das viaturas29.
Em inal de 1917, a batalha de Cambrai seria o momento de uilização de uma força
blindada de cerca de 300 carros de combate. Concentrados em cerca de oito quilómetros
de frente, os carros de combate conseguiram um importante sucesso no primeiro dia,
mas a eicácia das defesas alemãs baseada na uilização de arilharia contra as viaturas, a
sua uilização em formações abertas e à retaguarda da infantaria, e os vigorosos contra-
-ataques alemães com as famosas Sturmtruppen impediram resultados mais importantes.
Depois do falhanço das ofensivas alemãs, em julho de 1918, os aliados concentraram
cerca de 600 carros de combate entre Amiens e Marne para romper as defesas e aingir
a maior profundidade possível, conseguindo capturar cerca de 20 mil soldados e mais de
10 mil peças de armamento pesado30. Foi esse ataque que deu início à ofensiva aliada que
contribuiria para a capitulação dos alemães.
Desde o início da guerra de trincheiras que os aliados consideravam eicácia
e fogos de massa da arilharia como a chave para romper a posição alemã. Todavia,
no úlimo ano da guerra começou a pensar-se na uilização do carro de combate para
aumentar mobilidade, poder de fogo e proteção necessárias para levar o combate ao
centro nevrálgico dos corpos de exército alemães. Porém, o inal da guerra em Novembro
de 1918 não permiiu que o carro de combate assumisse o papel que alguns visionários lhe
desinavam num futuro próximo.
O mais importante visionário foi Fuller, que considerava que a simetria
existente entre as forças alemãs e as aliadas na Europa central exigia novos métodos
de combate. Considerava que os carros de combate tinham alcançado feitos notáveis,
embora as lideranças não lhe dessem a atenção merecida. No Somme, os ingleses
sofreram entre 40 e 50 mil baixas, mas um só carro de combate conseguiu contribuir
para fazer 370 baixas alemãs e sofrer apenas 5, embora a baixa fiabilidade e a
29
Keegan, Ob. Cit., 298. Sobre as técnicas anicarro uilizadas pelos alemães, vd. J. F. C. Fuller, Tanks in the Great War
1914-1918 (New York: E. P. Duton and Company, 1920), 262-265.
30
Keegan, Ob. Cit., 412.
212 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
31
Fuller, Ob. Cit., 304-7.
32
Ib., 308.
33
J. F. C. The Reformaion of War (London: Hutchinson & Co, 1923), 117-9.
34
Id., Ob. Cit. (1920), 311.
35
Ib., 313.
A Arte Militar Terrestre 213
A introdução do carro de combate, como arma dominante da batalha terrestre,
obrigaria à melhoria da mobilidade de todas as outras armas para os poderem acompanhar.
Este facto implicava uma mudança na grande estratégia (penetração e envolvimento do
inimigo - nível operacional). Com os carros de combate, era mais fácil alargar a frente de
ataque e alcançar a surpresa quanto ao local do ataque principal. Enquanto os alemães
não ivessem uma arma semelhante, o carro de combate ocuparia um lugar de relevo
na batalha metódica, para ser empregue na geração de caos na área da retaguarda. Em
termos estratégicos, Fuller considerava que o carro de combate era um fator determinante
para poupar tempo e aumentar o alcance da ação armada. Se fosse possível aos aliados
conseguir produzir 2000 carros de combate médios (Medium D Tank), era possível vencer
a Alemanha em 1919.
6. Conclusões
Durante a Grande Guerra, a arte militar subiu do vale à montanha em quatro
meses, mas demorou quatro anos a descer ao vale. A manobra ofensiva foi desde o início
a opção preferida tanto para os aliados como para os alemães, inspirados pela síntese
entre as inovações da era industrial e os exemplos do modelo napoleónico. Isso permiiu
aos alemães lanquear as forças aliadas e aingir o Marne, aos franceses reposicionar as
suas forças para evitarem ser envolvidos e aos russos alcançar a Prússia Oriental. Porém,
na frente ocidental a manobra deu de imediato lugar à guerra de posições, porque o culto
da ofensiva que estava impregnado nos contendores não podia ser posto em práica por
inexistência da tecnologia que permiisse movimentos rápidos e profundos, que apenas a
Segunda Guerra Mundial testemunharia.
Os desastres iniciais para tentar retomar a ofensiva izeram com que a defesa
e a sua dependência do poder de fogo passassem a dominar o campo de batalha,
contribuindo para que a linha defensiva ocidental unisse o Mar do Norte à Suíça. Os
meses iniciais da guerra demonstraram a incapacidade em explorar ou criar lancos nas
posições adversárias por falta de meios e métodos que conseguissem levar o combate à
profundidade do adversário.
A leste, a desconinuidade da frente e a assimetria entre russos e alemães
permiiu a ambos os contendores manter a primazia da manobra sobre o fogo, em claro
contraste com a frente ocidental. A clara inferioridade técnico-táica da Rússia e a sua
incapacidade logísica para manter os exércitos estendidos permiiria à Alemanha inligir-
-lhes uma pesada derrota em Tannenbergh. Apenas as ofensivas de Brusilov mascararam a
inferioridade russa ao demonstrarem quão importante era entrar no sistema de trincheiras
antes que o defensor pudesse recuperar dos fogos de supressão.
A imutabilidade das linhas na frente ocidental contrastou com a incessante
procura de solução para penetrar as defesas adversárias. Aliados e alemães tentaram
ao longo de toda a guerra ultrapassar o impasse, procurando soluções para alcançar a
profundidade operacional que se situava nos escalões corpo de exército e superior. A
214 Colóquio Internacional “A Grande Guerra e a Construção do Mundo Moderno”
solução que permiia vencer a zona de morte, manter a pressão sobre a brecha e enfrentar
os movimentos das reservas, não inha ainda sido desenvolvido nem estava disponível em
número suiciente nos primeiros anos da guerra.
Mas os pequenos avanços introduzidos com o carro de combate foram
magistralmente capturados por Fuller, que visualizou como poderiam os aliados derrotar
os alemães na sua proposta para 1919, conhecido como o “Plano 1919”. Nele foram
lançadas as sementes conceituais do desenvolvimento da guerra de manobra blindada,
amplamente discuida na Alemanha, Grã-Bretanha e na Rússia, a que se assisiria na
Segunda Guerra Mundial.
Conforme visualizado por Fuller, o carro de combate era a solução tecnológica
fundamental para vencer a imobilidade da defesa de posição e o elemento central de uma
aproximação à batalha que privilegiava o combate em toda a profundidade do adversário
para o paralisar. A Revolução Industrial e o modelo napoleónico inham-se inalmente
encontrado.