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CRÉDITOS

Comandante da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronaútica


Maj Brig Ar José Virgílio Guedes de Avellar

Diretor do Instituto de Esducação a Distância (IEAD)


Romero Serra Freire Lobo - Cel Int

Conteudista
Moreira - Ten Cel Av

Design Educacional
Renata Lopes Machado Romanholi - 2º Ten PED

Web Design & Design Gráfico

Aline Maira de Cássia Pereira - 2º Ten PED


Clovis Da Cruz Oliveira Neto S2 SNE
SUBUNIDADE 2: DOMÍNIO TERRESTRE

APRESENTAÇÃO

Este E-book, denominado Domínio Terrestre, faz parte da disciplina Poder


Militar, foi desenvolvido com os seguintes objetivos:
• Compreender os desenvolvimentos tecnológicos e doutrinários que levaram à
Primeira Guerra Mundial e sua contribuição para a guerra estática, bem como os
esforços para se adaptar e encontrar novas estratégias e táticas para superar o impasse.
(Cn).
• Compreender a teoria da paralisia estratégica de Fuller e a concepção de guerra
mecanizada de Heinz Guderian.

Desejamos, portanto, que realize um estudo produtivo, rico em experiências e


reflexões.

Pronto(a) para começar? Então, vamos em frente!


1. A CONJUNTURA DE FORÇAS TERRESTRES NA
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL CONJUNTURA

A Primeira Grande Guerra, surgida de uma configuração de disputa de forças


entre potências industriais, trouxe inovações para o campo de batalha que modificaram a
estrutura do combate terrestre. O uso intensivo de um elevado poder de fogo de canhões agora
raiados, mais precisos, a invenção da metralhadora e o uso do arame farpado, aliados a táticas
de combate ultrapassadas causaram uma carnificina em escala também industrial, jamais vista
anteriormente.
A industrialização das economias europeias ainda no século anterior a Grande
Guerra trouxe um brutal desenvolvimento de tecnologias, implicando diretamente na
condução da guerra. A introdução da produção em massa, a substituição da tração animal pela
mecanizada, melhorias na agricultura e medicina aumentaram enormemente o poder de fogo
dos exércitos até 1914.
Em 1812 o exército napoleônico contava com 600.000 homens e era o segundo
maior exército da Europa; cem anos mais tarde, contava com mais de 1,6 milhões de homens,
e havia caído para o terceiro maior. Em 1812 os canhões de latão carregados pela boca
poderiam disparar um projetil de 12 libras a 1000 jardas a cada 30 segundos; em 1914, os
carregadores de aço poderiam disparar mais que o dobro dos projéteis de 18 libras a uma
distância dez vezes maior em menos de 20 segundos. A produção francesa de ferro e aço
cresceu mais de 15 vezes entre 1815 e 1914, permitindo à França implantar até 1914 um
exército extremamente bem equipado e com um poder de fogo jamais imaginado, situação
semelhante vivida pelas demais potências ocidentais, em especial o Império Alemão.
Esse poder de fogo contrastou com a doutrina até então utilizada, fazendo com
que os exércitos tivessem grandes dificuldades para realizar missões significativas. O
movimento e a manobra foram significativamente reduzidos pela intensa utilização de
barragens de artilharia, que forçou os atacantes a se entrincheirarem em uma longa linha de
trincheiras que ia das florestas belgas até a Suíça, na longa e dramática fase que ficou
conhecida como Guerra de Trincheiras. O infernal poder de fogo da artilharia alemã
surpreendeu as guarnições das fortalezas na fronteira belga, quando os howitzers de 420 mm
penetraram as espessas paredes fortificadas com 1,80 m de concreto, e as trincheiras alemãs
em 1917 sofreram barragens de artilharia de dimensões atômicas: o bombardeio aliado que
ocorreu antes da Batalha de Messines em julho de 2017 lançou cerca de 1200 toneladas de
explosivos, ou mais de uma kilotonelada – mais poder explosivo do que a ogiva nuclear tática
americana W48 – em cada milha das trincheiras alemãs.

Canhão alemão de 420 mm, em ação nos alpes eslovenos - Fonte Wikicommons

Como sabemos, a condução de uma guerra é marcada pela combinação de fogo


e manobra. Segundo o Manual de Campanha do Exército Brasileiro EB20-MC-10.20, dentre
os elementos do poder de combate terrestre, são definidos os conceitos das funções de
combate instituídas, quais sejam: Comando e Controle, Movimento e Manobra, Inteligência,
Fogos, Logística e Proteção. Manobra, segundo a definição desse manual é o “deslocamento
de uma tropa que esteja em contato ou que tenha a previsão de contato com uma força
oponente, sempre com a finalidade de posicionar-se de maneira vantajosa em relação à
ameaça que esse inimigo representa, buscando derrotá-lo.” Simplificando, significa levar o
combate ao inimigo em uma condição que seja mais favorável a nós, fazer com que o inimigo
reaja aos nossos movimentos, perdendo a iniciativa no combate. Significa também evitar o
confronto desnecessário e custoso, usando as energias para golpear o inimigo em um ponto
onde as suas condições de combate sejam desfavoráveis.
O cenário criado na “guerra de trincheiras” deu clara vantagem os fogos,
praticamente impossibilitando os comandantes de manobrar suas forças, conduzindo a guerra
para um conflito de atrito, com pouca ou nenhuma modificação no cenário por anos.
Algumas inovações tecnológicas buscaram superar esse impasse, sendo a mais
significativa delas o emprego de viaturas blindadas em combate. Um carro blindado de
combate, que pudesse levar o fogo em velocidade ao inimigo, protegendo seus ocupantes,
sempre foi uma ideia na mente de vários pensadores militares do período, apesar de não terem
frutificado devido a resistência da liderança militar da época, focada na guerra convencional
de armas e serviços do passado. Um desses pensadores foi John Frederick Charles "Boney"
Fuller, Chefe do Estado-Maior do Corpo de Blindados britânico, que planejou uma grande
ofensiva durante a Batalha de Cambrai (20 de novembro a 7 de dezembro de 1917) utilizando
os novíssimos blindados Mark IV. Após aterrorizarem as tropas entrincheiradas alemãs
rompendo 10 km de profundidade na Linha Hindenburg, os blindados pararam por falta de
apoio de cavalaria – os pombos correios, utilizados para transmitir as informações de que os
blindados haviam rompido a linha defensiva alemã, não chegaram a tempo de promover um
aproveitamento do êxito. A subsequente ofensiva final alemã da primavera de 1918 e também
a contraofensiva aliada, a Ofensiva dos Cem Dias, que se iniciou em agosto e terminou com o
armistício em novembro, marcou a volta da guerra de manobras.

Tropas canadenses avançando pela estrada Arras-Cambrai – Fonte Wikicommons

Ainda assim, segundo Biddle (2004), o impacto do uso dos blindados para
romper o impasse da Guerra de Trincheiras pode ter sido superestimado. Na operação
Michael, a primeira das quatro operações da Ofensiva da Primavera alemã, foram empregados
nove blindados para cada milhão de soldados. Após a Batalha de Cambrai, durante a contra-
ofensiva aliada, a artilharia alemã melhorou radicalmente após a sua exposição inicial a
blindados em massa. Em Amiens, apenas 6 dos 414 blindados aliados que iniciaram os
combates em 8 de agosto ainda estavam operacionais no dia 12, e em 4 de novembro, em todo
o arsenal britânico, apenas 37 blindados estavam disponíveis para as operações finais de
guerra. Para o autor, a modificação doutrinária por ele chamada de “Sistema Moderno” foi o
diferencial para o rompimento do impasse das trincheiras.

Blindado Mark IV apreendido por tropas alemãs durante a Batalha de Cambrai – Fonte: Wikicommons

2. O SISTEMA MODERNO SEGUNDO BIDDLE


Segundo Biddle (2004), a partir de 1918 novos métodos foram empregados
para operar efetivamente diante das armas modernas e letais que impuseram a paralisia da
linha de contato na Grande Guerra desde a Primeira Batalha do Marne (6 a 12 de setembro de
1914). Esses novos métodos se concentraram em reduzir a exposição ao fogo hostil e permitir
o movimento amigável, ao mesmo tempo em que retardavam o inimigo. Juntos, eles
quebraram o impasse da trincheira em 1918 e definiram o padrão para o sucesso das
operações militares durante toda a era pós-Primeira Guerra. O chamado sistema moderno de
emprego de forças foi implementado por alguns estados, mas não por todos. Veremos os
motivos mais adiante.
Ainda antes da Grande Guerra, com as experiências da letalidade da Guerra
dos Bôers (1899-1902) e a Guerra Russo-Japonesa (1904-5), extensos debates foram
desencadeados visando respostas a nova realidade do campo de batalha. As principais
abordagens surgidas foram a utilização de cobertura e ocultação para reduzir a exposição dos
atacantes durante o avanço, e o emprego de fogo supressivo para manter a cabeça dos
defensores abaixada enquanto os atacantes estivessem expostos. O emprego combinado da
Artilharia completou essa tática, utilizando-se de fogos diretos e indiretos no apoio às tropas
de Infantaria. No entanto, no início da guerra as dificuldades de implementação vieram à tona:
o fogo supressivo era impreciso ou indisponível, e, sem ele, as unidades eram massacradas em
campo aberto ou ficavam presas, sendo dizimadas pela artilharia hostil. No Natal de 1914, o
front tinha se congelado.
O pensamento pré-guerra enfatizava que infantaria seria a arma decisiva, sendo
a artilharia uma arma de apoio. Em 1915 isso foi invertido. A artilharia agora destruiria as
defesas entrincheiradas através de enormes barragens preparatórias, com a infantaria
avançando para ocupar o terreno preparado pelo fogo dos canhões. Como as barragens
preparatórias de fogo da artilharia duravam dias, a defesa acabou por desenvolver novas
táticas, como o recuo em profundidade e o uso de artilharia própria para assolar os atacantes
que avançavam para o sistema de trincheiras do defensor e se encontravam agora fora do
alcance da artilharia atacante, sem apoio de fogo, sendo forçados a recuar. Os atacantes
conseguiam conquistar terreno, mas não manter.
Gradualmente surgiu um sistema de táticas que substituiu a ênfase da pré-
guerra na infantaria e do meio da guerra na artilharia por uma abordagem combinada na qual
a artilharia e a infantaria operaram como co-equivalentes. Assim, a surpresa foi restaurada ao
redefinir o fogo preparatório de artilharia não para destruir, mas para suprimir as defesas.
Durante esse efeito supressivo das defesas, unidades de infantaria passaram a manobrar de
forma mais ágil, armadas com granadas de mão e metralhadoras portáteis, buscando se
movimentar pelo caminho de menor resistência do inimigo. A surpresa causada pelo breve
ataque da artilharia tornara mais difícil o posicionamento das reservas inimigas para quebrar o
ataque.
Os elementos chave das táticas ofensivas do sistema moderno são cobertura e
ocultação, dispersão, manobras independentes de pequenas unidades, supressão e integração
de armas combinadas.
A cobertura e ocultação negam aos defensores alvos visíveis. As novas armas
poderiam projetar grande quantidade de aço, mas ainda precisam de alvos e linha de visada.
A dispersão e a manobra independente de pequenas unidades tornaram a
cobertura utilizável, devido à progressão mais fluida das forças no terreno.
O fogo supressivo reduz a exposição dos atacantes, forçando os oponentes a se
abrigar. Enquanto o fogo destrutivo das imensas barragens do meio da guerra se destinava a
matar, o fogo supressivo se destina a impedir o defensor de atirar enquanto os atacantes
manobram.
A integração combinada entre infantaria e artilharia possibilita o melhor uso
das vantagens de ambas as armas, a saber, o fogo mais preciso e a agilidade da infantaria, com
o fogo pesado e supressivo dos canhões, reduzindo suas desvantagens: o reduzido poder de
fogo do soldado a pé e a necessidade da artilharia de apoio para a definição de alvos.
No entanto, a implementação dessas táticas é de elevado grau de
complexidade, exigindo altos níveis de treinamento e habilidade. Mesmo com esses desafios,
as operações ofensivas no sistema moderno permitem que atacantes fechem e destruam
posições defendidas em face de fogo pesado. A utilização das técnicas ofensivas da
Descoberta e Exploração, que visam manobrar uma fração das forças atacantes de forma
numericamente desproporcional às do defensor em um pequeno trecho da linha de contato,
provocando uma ruptura do front e possibilitando um avanço rápido até as linhas de
suprimento na retaguarda inimiga, e dos objetivos limitados, que se abstém da penetração em
profundidade em favor da velocidade, reduzindo a chance do inimigo conseguir manobrar sua
reserva a tempo, possuem efeitos altamente satisfatórios na aplicação do sistema moderno.
O autor também levanta um ponto interessante sobre o sistema moderno: se ele
é tão eficiente, por que não é empregado por todos os estados? O motivo são os desafios
políticos e organizacionais em sua implementação.
A defesa em profundidade exige que estados cedam território contando que o
recuperarão posteriormente em um contra-ataque. Isso é impopular com os residentes em área
de fronteira e em países com forte tradição nacionalista, além de ser impraticável em países
pequenos. A defesa por contra-ataque pode ainda ser problemática em países com tradição
pacifista. A Alemanha e o Japão, por exemplo, hesitam em adquirir armamento “de ataque”,
em virtude da inspiração constitucional e cultural pacifista do pós- Segunda Guerra.
A necessidade de informação compartilhada em diversos níveis também pode
ser impopular em estados de cultura militar mais ultrapassada, e os altos custos de
treinamento e implementação das táticas ofensivas e defensivas do sistema moderno limitam a
aplicação do mesmo em alguns estados, além da visão de que o desenvolvimento de armas de
longo prazo pode ser mais importante do que um custoso treinamento faz com que o sistema
moderno não seja amplamente implementado.
3. OS PENSADORES DO ENTRE-GUERRAS E A
GUERRA DE MANOBRAS

O entre guerras na Europa foi um período de grande transição, pois


estrategistas militares lutaram para entender o impacto da mudança tecnológica no campo de
batalha moderno. Eles procuraram encontrar uma abordagem que evitasse a repetição do
sangrento impasse nas trincheiras de 1914-1918 e devolvesse a mobilidade ao campo de
batalha. Teóricos e militares como J.F.C. Fuller e B. H. Liddell Hart na Grã-Bretanha, Charles
de Gaulle na França e Heinz Guderian na Alemanha, reconheceram o potencial da guerra
blindada. Quão bem os líderes militares e analistas do período entre guerras entenderam a
importância ou o papel das armas introduzidas durante a Primeira Guerra Mundial? Ao
examinar a Batalha da França (1940), quão bem-sucedidos eles foram no desenvolvimento de
uma doutrina que refletisse as capacidades das tecnologias da época?

Cavalaria blindada e infantaria mecanizada da 24ª Divisão Panzer avançando através da Ucrânia, junho de 1942,
tipificando forças de armas combinadas de movimento rápido, a Blitzkrieg.
3.1 Fuller e a Guerra Futura
“Se tivessemos convivido com Frederico ou Napoleão, não
seríamos dignos de lhes amarrar os sapatos; hoje, a menos que
saibamos mais da arte da guerra do que eles, não somos
dignos de comandar homens” Fuller

John Frederick Charles Fuller, ou J.F.C Fuller, foi um oficial britânico com
larga experiência em combate, tendo lutado na África na Segunda Guerra dos Bôers (1899-
1902) e integrado o exército britânico na França na Primeira Guerra Mundial. Como chefe do
estado-maior do corpo de blindados britânico a partir de dezembro de 1916, ele planejou o
ataque surpresa de 381 tanques na Batalha de Cambrai em 20 de novembro de 1917. Este foi
o primeiro ataque em massa a tanques na história da guerra. Após o conflito, ele lançou uma
cruzada para a mecanização e modernização do exército britânico. Instrutor chefe do
Camberly Staff College desde 1923, ele se tornou assistente militar do chefe do estado-maior
imperial em 1926, tendo sido promovido a Major General em 1930 e aposentado três anos
depois para dedicar-se inteiramente à escrita.
Aqui analisaremos algumas ideias contidas em uma das principais obras de
Fuller, On Future Warfare, publicada inicialmente em 1928. Um dos principais conceitos
aqui tratados é o da “paralisia estratégica”. O autor faz uma comparação anatômica da
disposição em campanha de um exército como um corpo humano: como um golpe certeiro na
cabeça (centro estratégico do corpo humano) paralisa um ser humano, a estratégia de combate
deve ser desferir um golpe no centro estratégico de um exército (o comandante e seu estado-
maior), o que levaria a confusão e desorganização àquela força militar, tornando a sua
subjugação mais fácil. Fuller desenvolve suas ideias no sentido de utilizar o carro de combate
para romper as defesas inimigas e destruir o centro de comando inimigo, planejando para isso
um avanço rápido de até duas horas, mobilidade mínima que um blindado deveria possuir.
A introdução do carro blindado de combate no campo de batalha cria um
paradigma na guerra terrestre, ao aumentar a mobilidade, substituindo a força animal pela
força motorizada, ao aumentar a segurança da tropa, reduzindo ou eliminando o efeito do fogo
inimigo de baixo calibre e ao aumentar o poder ofensivo, aliviando o homem de carregar suas
armas e o cavalo de arrastá-las, além de aumentar seu suprimento de munição.
Ao ser capaz de transitar por campo não preparado, o carro de combate
também possibilita um maior aproveitamento do terreno para o exército que o utiliza. Ainda
segundo Fuller, a utilização do carro de combate blindado teria efeitos significativos nas
demais armas terrestres. A infantaria teria efeito apenas para a conquista da retaguarda do
inimigo, ou protegendo as linhas recuadas amigas, adquirindo um caráter mais defensivo. A
cavalaria, caso pudesse manter-se em movimento no ritmo de marcha dos blindados por um
período de 5 a 7 dias, poderia ainda formar linhas móveis de escaramuças entre os grupos de
combate blindados. A artilharia pesada será inútil após o primeiro dia de combates, e a
artilharia de campo hipomóvel deve ser rebocada por tratores. Mesmo a aviação, arma
estratégica que se encontrava ainda em seu nascedouro, teria, segundo Fuller, suas
possibilidades reduzidas. Seriam funções da Força Aérea Real:
- Agir como proteção avançada para as operações dos blindados;
- Auxiliar os tanques a desorganizar o centro nervoso inimigo (seu Estado-maior);
- Orientar os blindados em combate;
- Apoiar logisticamente os blindados com munição e combustível;
- Atuar como mensageiros; e
- Transportar comandantes de brigada blindadas para o front, de forma a possibilitar
atividades de comando e controle.

3.2 Heinz Guderian e a Blitzkrieg


Durante o pós-guerra, a Alemanha de Weimar foi impedida pelo Tratado de
Versailles a ter blindados, aviões de combate e uma força militar maior do que 100 mil
homens. No entanto, considerando que uma nova guerra poderia eclodir no futuro,
estrategistas alemães iniciaram o desenvolvimento secreto de aeronaves de combate e
blindados. Como parte da Alemanha estava ocupada por tropas aliadas, principalmente a
industrializada Renânia, na fronteira com a França e os Países Baixos, um aliado de ocasião
impensável foi selecionado para o desenvolvimento conjunto de armas estratégicas: a Rússia
bolchevique, agora União Soviética, que selou a paz em separado com as Potências Centrais
no Tratado de Brest-Litovski. O governo alemão patrocinou a construção e operação da
Panzerschule Kama, uma unidade de estudo e desenvolvimento de blindados na cidade
soviética de Kama, que funcionou de 1922 até a ascenção do Partido Nacional-Socialista ao
poder em 1933.
Um dos militares alemães que visualizaram a possibilidade do emprego
combinado de blindados – ou Panzer – com aviação e artilharia foi Heinz Wilhelm Guderian
(1888 – 1954), tendo desenvolvido uma doutrina de aplicação de blindados durante o período
entreguerras. Guderian pôde demonstrar ao Führer sua estratégia durante uma apresentação de
blindados em 1934. Hitler teria ficado maravilhado com a potencialidade dos Panzer, e teria
dito que aquilo era o que “ele precisava e queria ter” (BARROSO, 2014).
Guderian, que também foi um exímio escritor, descreveu suas ideias na obra
original de 1937 Achtung, Panzer! (Cuidado, blindados!), e em suas memórias pós-Guerra
contidas no livro Errinnerung eines Soldaden (1950), ou Recordações de um soldado,
traduzido para o inglês como Panzer Leader. Nessa última obra, além de advogar a ideia da
Wehrmacht limpa, a qual prega que a separação da Força Militar alemã das atrocidades
nacional-socialistas,Guderian descreve o cerne de sua concepção de blindados em combate.
O ponto principal da doutrina de emprego desenvolvida por Guderian trata-se
de, ao contrário de outros pensadores, que propunham o uso dos blindados diluídos entre as
divisões, aceitar uma defasagem temporária em uma grande linha de contato para conseguir
uma vantagem em um estreito trecho, podendo, dessa forma,romper a linha defensiva inimiga
e utilizar a grande velocidade dos blindados para promover um ataque em profundidadeantes
que a reserva do inimigo (agora motorizada, muito mais ágil) pudesse ser empregada em um
contra-ataque.
O uso dos blindados nessas condições prescinde o apoio de barragens de
artilharia, propiciando a velocidade e a surpresa, decisivas em combate. O emprego de
blindados apoiados por infantaria mecanizada e aviação em um movimento de alta velocidade
foi inicialmente empregado na Campanha da Polônia em 1939 e depois com extremo sucesso
ao romper as linhas defensivas aliadas nas Ardenas, durante a Campanha da França, em 1940.
Este tipo de manobra foi chamado de Blitzkrieg (traduzido do alemão como
“guerra relâmpago”), cujo conceito foi definido por Pickar (1992, p. 2) como uma forma de
manobra tática baseada na profundidade ou envolvimento, ou conjugando estesdois, que pode
tanto ser utilizado na ofensiva como na defensiva. Nas batalhas de tipoposicional, a
profundidade permite perfurar as defesas inimigas, facilitando odesenvolvimento do
envolvimento. O nome reflete a velocidade, força e efeito que se pretende neste tipo de
manobra tática.
Nova tentativa de utilização da Blitzkrieg foi empregada durante a Operação
Barbarossa, sendo que durante aBatalha de Kursk (1943), conhecida como a maior batalha de
blindados da história, as tropas blindadas alemãs, tidas até então como invencíveis, foram
batidas por uma bem planejada defesa em profundidade - ou elástica, das forças blindadas
soviéticas, pondo um fim no avanço alemão na Frente Oriental.

O então moderno blindado alemão Tiger I, se movimentando na Batalha de Kursk, na União Soviética. Fonte:
Wikicommons.

Pickar (1992, p. 38) defende que a Blitzkrieg foi a inovação tática que permitiu
ao Exército Alemão ver as possibilidades de emprego na Arte Operacional. Sendo, de fato, a
ponte entre os níveis tático e operacional, contribuindo para a versão alemã de Arte
Operacional.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Primeira Guerra Mundial surpreendeu o mundo por, pela primeira vez na
história, a tecnologia industrial ter dado vazão a toda ferocidade da guerra, que ficou
conhecida pela primeira vez como Guerra Total, uma guerra em que não apenas as forças
militares engajadas na peleja, mas toda a população se envolveu de maneira significante. Este
Bloco procurou te ajudar a entender as significativas mudanças no emprego do Poder
Terrestre a partir do final da Primeira Grande Guerra e que teve seu apogeu na implementação
na Guerra de Manobras blindada apoiada por aviação, que ficou conhecida pelos aliados
durante a Segunda Guerra como Guerra Relâmpago, ou Blitzkrieg. A nova doutrina,
implementada inicialmente pela Wehrmacht encantou pensadores militares do pós-guerra de
todo o mundo, tendo o MTB – Main Battle Tank, ou Blindado Pesado de Batalha surgido
após o conflito e ocupado posição de destaque até os dias de hoje. A aplicação da Infantaria
Blindada, ocupando blindados ligeiros que acompanham em grande velocidade a Cavalaria,
tendo por finalidade o apoio de fogo próximo por meio de canhões e a proteção da Infantaria
leve, também foi de grande importância. O desenvolvimento da defesa em profundidade,
empregada em larga escala pelos soviéticos na Batalha de Kursk, também marcou o combate
terrestre até os dias de hoje.
Com base nos teus estudos até aqui e nos acontecimentos recentes na
geopolítica mundial, você acredita que o blindado pesado, ou MTB, ainda possuirá destaque
na guerra futura?
Esperamos que você tenha gostado do tema, e que ele tenha despertado em
você ainda mais o gosto pelo estudo da história militar.
5. REFERÊNCIAS

BRASIL. Comando do Exército. Manual de Campanha – Movimento e Manobra - EB20-


MC-10.203 - 1ª Edição, 2015.

BIDDLE, Stephen. Military Power: Explaining Victory and Defeat in Modern Battle.
Princeton, NJ: Princeton University, 2004.

FULLER, J.F.C. On Future Warfare. London: Sifton Praed, 1928.

GUDERIAN, Heinz. Erinnerungen eines Soldaten. Neckargemünd: Kurt Vowinckel Verlag,


1960.

PICKAR, C. K. Blitzkrieg: Operational Art or Tactical Craft? Exército dos Estados


Unidos da América. 1992.

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