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Segunda Guerra Mundial - Volume I

Janeiro a Maio de 1940


Vigília de Armas
Entreato

No Oeste, a guerra é mais do que nunca mortal. Mas o


aparelhamento militar dos beligerantes está, agora, completamente
desdobrado.

O esforço militar francês, se eqüivale sensivelmente ao de


1914. A França mobilizou mais de 5 milhões de homens, a oitava
parte do total de sua população, proporção enorme e mesmo
excessiva, quando considerada as necessidades de mão de obra
para a indústria armamentista. Entretanto o déficit dos
nascimentos e as chamadas “classes vazias” correspondentes à
hecatombe precedente se traduzem, pesadamente, na demografia
militar francesa. Um recenseamento realizado a 1o de março de
1940 mostra que os efetivos globais do exército de terra são
inferiores, em 415.000 homens, aos de 1o de maio de 1917, depois
de três anos de guerra e um milhão e meio de mortos e feridos.

No início das hostilidades, a França pôs em armas 108


divisões ou setores de fortalezas. Cada divisão compreende, em
princípio, 1 grupo de reconhecimento divisionário (GRDI), 3
regimentos de infantaria (RI) e 2 de artilharia divisionária (RAD).
65 divisões são ditas da ativa: 21 divisões de infantaria ordinária
(DI) ou motorizadas (DIM); 12 de infantaria norte-africanas
(DINA), 4 de infantaria colonial (DIC), 2 ligeiras mecanizadas
(DLM), 5 de cavalaria (DC) e 21 divisões ou setores de fortaleza
(DIE). As outras são divisões de formação, à razão de 6 na África
do Norte e 37 na Metrópole. Essas últimas se dividem, ainda, em

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duas categorias: 19 divisões de série A, constituídas em torno de


núcleos ativos, e 18 divisões de série B nas quais o exército ativo
só é representado pelos comandantes dos corpos. Severo
treinamento e disciplina rigorosa seriam necessários para dar a
essas grandes unidades coesão à prova de fogo.

Independentemente das divisões e dos corpos de exércitos,


as unidades e serviços que completam o Exército francês
mobilizado são, positivamente, inumeráveis. O que se segue é
apenas uma enumeração parcial, destinada a dar idéia do material
superabundante e da organização maciça com os quais a França se
apresenta para combater: 40 batalhões de tanques - 8 companhias
de transportes de tanques - 19 batalhões de metralhadoras - 78
batalhões e 5 regimentos de infantaria, não enquadrados - 56
regimentos de artilharia - 101 baterias de posição e 78 móveis de
artilharia de fortaleza - 188 companhias de autotransporte - 32
hipomóveis e 27 de transporte em mulas - 4 regimentos de dragões
de cavalaria - 8 batalhões de sapadores-mineiros - 7 de cantoneiros
- 12 seções de eletricistas - 22 equipagens de pontes - 17 unidades
de pontes pesadas - 9 companhias de navegação - 16 batalhões de
sapadores de estradas de ferro - 8 companhias de montadores de
barracas - 10 de guardas florestais - 2 de teleféricos - 33 grupos de
transmissões - 14 padarias de campanha - 60 companhias de
encarregados e operários de administração, etc.

Em peso, as armas deste exército sobrepuja o do Exército


alemão. A artilharia é muito mais numerosa e, em seu conjunto,
muito mais poderosa - mas consiste, quase inteiramente, em
materiais de 1918, com um processo de utilização correspondente
à guerra de posição. O material de DCA, é insuficiente, se bem
que compreenda o melhor canhão antiaéreo da época - o 90 - do
qual as sórdidas rivalidades do Exército e da Marinha só
permitiram construir algumas baterias. O material de defesa contra

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blindados (DCB) conta com dois tipos de peças, um bom canhão


de 25 e um de 47, que é sem contestação, a melhor arma do
gênero. O armamento da infantaria é bastante satisfatório, com um
fuzil de tipo antigo, um excelente fuzil-metralhadora, uma boa
metralhadora pesada, da guerra anterior, e dois aceitáveis tipos de
morteiros. Todavia, a infantaria francesa está desprovida da arma
de combate próximo, a pistola automática, e da arma típica da
defensiva, a mina terrestre antipessoal, que, no entanto, é de mais
fácil fabricação do que os pratos de lata.

Outras insuficiências provêm do espírito de guardas de


armazém, reinante no Exército francês. Os alemães se apoderarão
de estoques gigantescos, uma vez que, aos combatentes, faltam
roupas, calçados, cobertas, etc.

É sobretudo em matéria de tanques que a comparação é


interessante. Mas o oficial de estado-maior que se incumbe de
fazê-la, nos começos de 1940, não tem razão alguma para
inquietação particular se toma unicamente em consideração os
poderes dos engenhos. Categoria por categoria, os tanques
franceses são mais pesados, de melhor blindagem e mais bem
armados do que os tanques alemães. Os autometralhadoras de 7
toneladas, os R 35, R 40, H 35, H 39 de 12 toneladas sobrepujam
facilmente os Pz Kw 1 e os Pz Kw 2. Os autometralhadoras de 15
toneladas, os DI de 16 toneladas, os Somua de 20 a 22 toneladas
são mais do que comparáveis aos Pz Kw 3. Na categoria mais
pesada, os Pz Kw 4 alemães, de 20 toneladas e com blindagem de
40 mm, são muito mais inferiores aos B1, BI bis e Bi tris, de 30-33
toneladas com blindagem de 60 e 70 mm. As únicas vantagens dos
blindados alemães são sua velocidade um pouco maior e raio de
ação muito maior. Em número, a comparação se equilibra. As
discussões a esse respeito, após a derrota francesa, estão agora
superadas por documentos irrecusáveis. Jamais o Exército alemão

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pôs em linha os 8.000 tanques que serão apurados no processo de


Riom, nem mesmo os 5.920 tanques de uma relação anterior. Um
documento do Estado-Maior alemão, que não foi redigido visando
às necessidades da causa, enumera detalhadamente os efetivos e
os tipos dos tanques que foram engajados a 10 de maio de 1940:
um total de 2.574, compreendidos os carros de transmissões e de
comando, dos quais apenas 278 Pz Kw 4. Exceção feita das
relíquias da Primeira Guerra, os franceses puseram em linha 2.475
tanques, dos quais 270 B de 35 toneladas e, mais 240
autometralhadoras de combate e cerca de 600 blindados ingleses.
Tiveram, assim, a superioridade numérica, ao mesmo tempo que a
da blindagem e do peso do armamento. Serão outros elementos
que acarretarão seu esmagamento.

A comparação é muito mais esmagadora no domínio


aéreo. A força aérea francesa sobe, novamente, a encosta sob a
qual se encontrava em 1938, mas está longe de alcançar a aviação
militar de Hitler. De resto, ser-lhe-ia possível? “É difícil, a um país
de 40 milhões de habitantes, possuir, ao mesmo tempo, um grande
exército, uma grande marinha e uma grande força aérea”-
reconheceu Edouard Daladier. O poder industrial fala. De 1937 a
1939, a Alemanha produziu 474.000 toneladas de alumínio, e a
França 140.000; a Alemanha produziu 65 milhões de toneladas de
aço, e a França 20. A única maneira de compensar essa diferença
teria sido coordenar, desde os tempos de paz, os programas de
armamento francês e inglês e recorrer a uma complementação
americana. Nada foi feito nessa primeira ordem de idéias. Na
segunda, o Ministro da Aeronáutica francês, quando quis passar os
comandos à industria americana, passou da surpresa à decepção:
fraca capacidade das fábricas, demora na fabricação, obstáculos
administrativos. Finalmente, o voto, por um Congresso ignorante,
do embargo das armas congelou 100 caças Curtiss P-39 e 215
bombardeiros Glen Martin, encomendados e já terminados.

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Os Estados Unidos exortam a França e a Inglaterra a


destruir o hitlerismo; depois, encolhem-se em sua neutralidade,
para lhes recusar qualquer assistência.

Entretanto, quando se somam as forças aéreas franco-


britânicas, descobre-se que sua inferioridade global é menor do
que se acreditará mais tarde, através da palavra dos soldados que
juram jamais ter visto nos céus um único avião inimigo. A
Inglaterra e a França disporão, no inicio da batalha de maio, de
3.450 aviões modernos, dos quais 1.730 para a França, contra
cerca de 4.500 aviões alemães. Mas essa soma é uma operação
mentirosa. A maior parte dos caças britânicos, notadamente os
mais modernos da época, os Spitfire, são reservados à defesa do
Reino Unido e não intervirão nas batalhas do continente. Do lado
francês, as formações de bombardeiros são muito fracas e,
notadamente, o bombardeio de mergulho, no qual o Comando
não acredita, só existe em amostra. Verificar-se-á , aliás, com
estupor, que parte importante dos recursos aéreos franceses não
foi usada e que o número de aviões disponíveis era mais
importante a 24 de junho, data do armistício, do que a 10 de maio.

A maior inferioridade do Exército francês reside no


cérebro de seus generais. O breviário do Comando, a Instrução
sobre o emprego tático das grandes unidades, dizia, francamente,
que a guerra a vir seria a continuação da guerra anterior. “O corpo
de doutrina, fixado no dia seguinte ao da vitória, por chefes
eminentes - diz a edição de 1937 -, deve permanecer a carta do
emprego tático de nossas grandes unidades”. Em particular, não se
deve ter ilusões quanto aos tanques: “A arma antitanque se ergue
diante deles como, durante a última guerra, as metralhadoras
diante da infantaria”. Se o inimigo tentar impor uma guerra de
movimento, espera-se que ele seja posto fora de condições de
realizá-las, diante do campo de batalha fortificado e das cortinas de

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fogo contínuo que se lhe oponham. Eis por que se deve encontrar
certa lógica na recusa do Comando francês de insistir sobre as
lições da campanha da Polônia. Para que lançar perturbação no
espírito dos excitantes e criar uma dúvida sobre a excelência dos
princípios que lhe pedem que aplique?

As idéias, porém, não faltaram. Desde 1921, aquele a quem


chamavam de o pai francês dos tanques, o General Estienne,
traçava uma antecipação correta e precisa da guerra dos blindados,
tal como os alemães a iriam fazer 20 anos depois. Por volta de
1930, inovadores tiraram o tanque do quadro exclusivo da
infantaria e, após muitas sondagens, realizaram a divisão ligeira,
mecanizada, que, filha da cavalaria, permaneceu um instrumento
mais de exploração e de escaramuça do que de combate. Os três
exemplares que existirão em maio de 1940 serão o que o Exército
francês possuirá de melhor.

O debate mais ardente se desenrolou em torno do corpo


blindado. O coronel De Gaulle, ao reclamá-lo, em 1935, em seu
livro Vers L’armée de Métier, preconizou seis divisões blindadas,
fortalecidas, cada uma, com 500 tanques, e capazes de, em caso de
violação de tratados, levar imediatamente a guerra ao território
inimigo. No dia 15 de março de 1935, Paul Reunaud levou a tese
degalista à tribuna da Câmara. Mas os deputados assumiam o
piedoso dever de ignorar os assuntos militares e de se entregarem
cegamente à competência do Estado-Maior. Daladier, intérprete
deste, não teve dificuldade em fazer com que fosse desaprovado o
corpo blindado. De surpreendente, só houve a importância da
minoria, que reuniu 124 votos.

As reações dos adversários da arma blindada foram de um


vigor épico. O velho companheiro de combate do homem, o
cavalo, vira enfileirar-se a seu lado uma nuvem de hipófitos,

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opondo-se ao combustível exótico, à gasolina, o combustível


nativo, a aveia. Demonstrou-se, utilizando uma experiência infeliz,
que as grandes unidades mecanizadas pedidas pelos visionários
eram de manejamento impossível, com milhares de veículos, em
colunas de 100 km de extensão, enchendo as estradas. Refutando
De Gaulle, um antigo professor da Escola de Guerra, o General
Chauvineau, procurou a mais alta autoridade militar francesa, o
marechal Pétain, para prefaciar um livro - Uma Invasão Ainda Será
Possível? - com o qual respondia “não”. “Judeu errante condenado
a andar sem parar, o tanque não poderia ser uma arma temível” -
dizia Chauvineau. “O front contínuo - dizia Pétain - não é um
acidente passageiro, do qual se possa desembaraçar-se como de
um hábito nefasto”, e saudava como “o melhor penhor da paz”, a
possibilidade, para a França, de deter, com segurança, qualquer
inimigo que tentasse violar suas fronteiras. Impresso na França,
em abril de 1939...

As atas das discussões, no Conselho Superior de Guerra,


sobre a criação de uma divisão blindada (29 de abril de 1936, 15 de
dezembro de 1937, 2 de dezembro de 1938) trazem à luz o medo
que tal inovação fazia nascer em um Alto-Comando conservador:
o de ser despojado da direção da batalha, por uma formação que
não mais se adaptaria ao fracionamento clássico das grandes
unidades. “Que se passará - perguntava o General Dufieux - se a
ação de vossa divisão blindada se estender a uma frente superior à
de um corpo do exército?” Prudentemente, meticulosamente, o
regulamento sobre o emprego dos tanques codificava seu estatuto
de pessoal, especificava que este fazia “parte integrante do
dispositivo da infantaria”, da qual os blindados eram apenas “um
recurso suplementar” posto temporariamente à sua disposição, que
uma ligação, “estreita e permanente”, era indispensável e que a
melhor maneira de assegurá-la era “a subordinação das unidades
de tanques aos chefes da infantaria”... Tais eram os princípios de

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um combate metódico e bem planejado, cuja direção se exercia


com vagar e à distancia dos postos de comando colocados no
vértice do leque, isto é, fora da zona do fogo. Tais eram os
princípios que destruíam inovadores estouvados que chegavam a
fazer com que os generais embarcassem em carros de comando
blindado e até aviões, para apreciar o campo de batalha, como
Bonaparte em Arcole! O título dado por De Gaulle a seu livro
reforçou a oposição. Os velhos chefes viram-se relegados a
comandar o exército das milícias, enquanto os novos chefes
caracolavam à frente das forças motorizadas. Agarravam-se com
todas as energias a seus batalhões de tanques, instrumentos
poderosos e dóceis de uma guerra sensata.

Apesar de tudo, após o esmagamento da Polônia, o


Comando francês julga indispensável fazer qualquer coisa. No dia
16 de janeiro de 1940, ordena a criação de duas divisões blindadas.
Cria uma terceira, a 20 de março. No espaço de algumas semanas,
essas unidades mecanizadas pesadas, sobre as quais se discutiu
inutilmente durante anos, saem do nada e alinham-se ao lado das
DLM, para constituir o que se assemelha ao corpo de batalha
blindado reclamado pelos heréticos de antes da guerra. Mas o
espírito, a organização, os objetivos são diferentes. As divisões
blindadas francesas não são instrumentos de decisão e de
exploração estratégica, como as Divisões Panzer de Guderian: são
instrumentos de contra-ataque, destinados a restabelecer a
continuidade das frentes.

Nascido na véspera, o Exército alemão brota e cresce. No


GQG francês, o oficial encarregado de manter em dia a ordem de
combate inimiga, o capitão Glain, de tanto enumerar novos corpos
de tropa, faz com que o acusem de alucinações. No entanto suas
avaliações são notavelmente exatas, uma vez que, para a data de 10
de abril, ele assinala, na frente oeste, 137 divisões alemãs, para um

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total real de 136 e meia. Do lado francês, ao contrário, as


organizações de inverno se reduzem a pouca coisa: as DCR, uma
DLM suplementar, 2 DI, 2 DINA, duas divisões polonesas. A
Alemanha tira forças de um reservatório de efetivos ainda
abundantes - enquanto a França, virtualmente, já convocou todo o
seu material humano.

O reforço mais considerável recebido por Gamelin é,


ainda, o reforço britânico. De 4 divisões, em setembro, a BEF
(British Expeditionary Force) atingirá, em maio 11 divisões e um
total de 394.195 homens. É mais do que Sir John French levou a
Joffre em 1914, mas muito menos do que Sir Douglas Haig pôs à
disposição de Foch, em 1918. O esforço militar dos dois aliados
continua desigual: a França mobiliza 1 habitante em 8; a Inglaterra,
1 em 40.

A BEF ocupa um setor a leste de Lille, entre Maulde e


Halluin. O QG é em Arras. A questão do comando único, tão
espinhosa durante a Primeira Guerra, foi acertada, sem dificuldade,
tendo o General-Visconde Gort, espontaneamente, aceitado
colocar-se sob as ordens de Gamelin. Gort, o otimismo
personificado, não cessa de enviar a Londres satisfatórias
prestações de contas, mas seus dois lugar-tenentes, Sir John Dill e
Alan Brooke, têm olho mais crítico. No diário íntimo que escreve
para a Senhora Brooke, o segundo não cessa de anotar os sinais de
relaxamento que verifica no Exército francês. Exemplo:
“Convidado pelo 9° Exército, por Corap, estou chocado com o
espetáculo das tropas que fizeram desfilar diante de mim. Homens
não barbeados, cavalos mal cuidados, uniformes e selas mal
ajustados, veículos sujos e completa ausência de espírito militar.
Ao comando de “olhar para à esquerda” é a muito custo que um
homem, aqui e ali, se dá ao trabalho de obedecer”... Por outro
lado, as refeições que lhe são oferecidas nos QG franceses o

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sufocam. “31 de outubro. Almoço com champanhe.


Permanecemos na mesa até as 15 horas. Ostras, lagostas, frangos,
patê de foi gras, faisões, queijos, sorvetes, frutas, licores, etc. Essas
comilanças me desarranjam o estômago e me atrapalham o
trabalho”...

Última e gravíssima fonte de inferioridade francesa: a


organização do Comando. Não existe, na França, nada de análogo
à centralização que o OKW e o temperamento de Hitler dão à
Alemanha. A URSS, quando entrar em guerra, gozará de uma
concentração análoga de poderes, nas mãos do General Stalin. A
Inglaterra e os Estados Unidos terão cabos de guerra onipotentes,
uma, graças à personalidade dominadora de Churchill; a outra,
graças à Constituição dos Estados Unidos, que faz do Presidente o
real comandante-chefe dos exércitos. Apenas a França escapará a
essa regra de salvação pública.

Existe um Ministério da Defesa Nacional: não é outra coisa


senão o velho Ministério da Guerra, rebatizado. Existe um chefe
do Governo, Edouard Daladier; a idéia de que ele poderia, como
Hitler e Roosevelt, exercer pessoalmente o comando supremo é
contraditória dentro das concepções francesas. Existe um General
Gamelin: seria preciso que ele fosse um mestre em casuística
militar para se reconhecer em suas atribuições. Chefe do Estado-
Maior da Defesa nacional, deveria ter sob suas ordens os três
ramos das forças armadas. Não é o caso: a Marinha e a
Aeronáutica são independentes e ciosas de assim se conservarem.
Comandante-chefe das forças terrestres, ele poderia, como Joffre,
em 1914, ser o único chefe, na frente principal, o Nordeste. Não é
o caso: o comandante-chefe do Nordeste é o General Georges.
Georges deveria, então, ser o patrão, em seu teatro de operações.
Ainda não é o caso: Gamelin se reservou toda a movimentação de
oficiais-generais e mantém com os subordinados de Georges

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relações diretas, incompatíveis com os princípios da hierarquia. O


Exército francês tem dois comandantes-chefes - quer dizer, não
tem nenhum.

A confusão estende-se aos estados-maiores. Desde janeiro


de 1940, o de Georges e o de Gamelin se divorciaram, ficando um
em La Ferté-sous-Jouarre e o outro disseminando-se em torno de
Meaux. O próprio Gamelin se estabeleceu no Forte de Vincennes,
às portas de Paris, ao lado do perigo, isto é, do Governo, do
Parlamento e dos salões políticos. Lúgubre permanência. As
casamatas do velho forte suam salitre e tédio. As valas viram
passar os fuzilados de todos os regimes, desde o Duque de
Enghien até Mata Hari. Mas o Forte de Vincennes não tem posto
de rádio nem mesmo um pombal, numa época em que as belas
inteligências militares francesas acreditavam em pombos-correio.
A proposta de utilizar o teletipo faz que se pergunte ao oficial que
a apresenta se ele toma as ordens militares como se fossem
resultado de corridas de cavalos. Vai ser medido, no mês de maio
o que são o isolamento, a ignorância, a impotência do homem que
o povo francês pensa que comanda seus exércitos.

Gamelin: muitos daqueles que dele se aproximaram


suspeitaram que, sob suas maneiras um pouco suaves, ele conhecia
a verdade; que estava consciente da esmagadora superioridade
alemã e que, considerando qualquer recuperação impossível,
refugiava-se no fatalismo, diluindo suas responsabilidades. Mas,
mais vencido do que Bazaine, nada mais tendo a salvar, repelirá
essa interpretação, indulgente, em suma. “Confesso: eu acreditava
na vitória”... Contestando-lhe o caráter, concedia-se-lhe
inteligência. Espontaneamente, ele renuncia. Desgraçadamente, já
não era possível acreditar na vitória - a não ser por insuficiência de
informações ou fraqueza de discernimento.

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Mechelen-Sur-Meuse: Uma aterragem forçada detém a


ofensiva de Hitler

Bruma e regelo. Um 10 de janeiro glacial. O Mosa está


gelado. Os soldados belgas, de um posto de fronteira, perto de
Mechelen, aquecem-se em uma barraca de madeira. O ruído de um
avião, voando baixo, faz com que se precipitem para fora. O avião
mergulha atrás de uma fila de árvores, que lhe arrancam as asas. O
motor encrava-se numa sebe. Um homem, de longo sobretudo
cinza, olha estupefato os destroços.

Atrás da sebe, sobe um fio de fumaça. Um outro homem


de sobretudo cinza queima papéis. Os soldados acorrem, atiram
para o ar, dominam o homem, apagam as chamas dos papéis.

Esses papéis ainda voltarão ao fogo. Na barraca para onde


é conduzido, o homem aprisionado - o major Reinberger, da ativa
do Exército alemão - arranca-os das mãos do capitão-comandante
Rodrigo e joga-os a um fogareiro. Rodrigo os retira de lá,
queimando as mãos. O alemão agarra a pistola do oficial belga e
leva-a à têmpora. Imediatamente desarmado, bate a cabeça contra
a parede, dizendo que está desonrado e que o deixem suicidar-se.
Um outro alemão, Hoenmans, major da reserva, cala-se,
fleumaticamente.

A história é a seguinte: violando todas as senhas de


segurança, o major Reinenberg, da 7ª Divisão de Pára-quedistas,
usa o avião de ligação, pilotado por Hoenmans, para voltar a
Colônia, depois de cumprir missão em Munster. O avião perdeu-se
e, sem gasolina, aterrou onde pôde. Os documentos ultra-secretos
que Reinberger trazia estão agora em mãos a que não as
destinavam!

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No dia seguinte em Vincennes, o adido militar francês


chegado de Bruxelas, entrega ao General Gamelin uma nota do
General Van Overstraten, conselheiro militar do rei. A nota
resume, em uma dezena de folhas, a parte salva dos documentos
de Mechelen. Planeja-se grande ofensiva alemã. Desta vez,
envolvendo a Holanda, que deve ser invadida; as Ardenas belgas,
através das quais vários itinerários estão traçados; as passagens do
Mosa e do Sambre, que devem ser tomadas, por meio de
desembarque aéreo, pela 7ª Divisão aerotransportada. Falta a data
da execução - o dia D - mas os belgas têm a convicção de que é
iminente. Todos os problemas da intervenção franco-britânica na
Bélgica ali se encontram, bruscamente colocados.

O início dessa intervenção foi admitido para 24 de


outubro, pelo comando francês. Nessa data, apenas se cogitava de
ir até o Escalda, a fim de exercer ação retardadora sobre as colunas
alemães, em marcha para atacar as fortificações da fronteira
francesa. Mas depois, os alvos se alargarão. O Exército belga se
reforçava. Sérios trabalhos de fortificação estavam em curso.
Crescia a esperança de ver os belgas oporem ao invasor mais do
que uma resistência simbólica. Portanto, por que não enfrentar
outra coisa além de uma simples ação retardadora? Por que não
entrar na Bélgica, com intenção de ali se estabelecer? As vantagens
seriam múltiplas. Morais: indo em socorro dos belgas, os franceses
e os ingleses poriam fim à tradição de abandonar as pequenas
potências que haviam inaugurado com a Checoslováquia e
continuado com a Polônia. Econômicas: seriam salvas preciosas
regiões industriais, na Bélgica e no Norte da França. Estratégicas:
afastava-se da Inglaterra a ameaça aeronaval e, aproximando-se do
Ruhr, dava-se importante passo em direção ao arsenal do inimigo.
Além disso, o acréscimo de 20 divisões belgas anularia a
inferioridade numérica sob a qual os Aliados vinham combatendo.

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Mas as contra-indicações não devem ser desprezadas. A


marcha na Bélgica faz com que o Exército franco-britânico saia
das fortificações, do campo de batalha preparado, nos quais
trabalha desde o outono. Expõe-no (nas planícies belgas,
favoráveis aos Panzer) àquilo que os regulamentos franceses
execram: uma batalha de choque. Responde-se, certamente, que
não se trata de tal heresia. Trata-se unicamente de deslocar para a
frente a batalha defensiva, para receber o assalto inimigo fora do
território nacional. Mas haverá tempo de abrir trincheiras,
estabelecer antitanques, colocar a artilharia em posição, acertar os
planos de combate? Os comandantes das grandes unidades
interessadas calculam que sejam necessários de 8 a 15 dias para
realizar uma organização defensiva que apresente alguma solidez.
Poder-se-ia contar com isso?

A resposta depende de dois fatores: a posição escolhida e o


gênero de cooperação que os belgas darão aos Aliados.

A mais próxima posição é a do Escalda. A manobra para


alcança-la é relativamente segura e curta. O inimigo está longe e
bastará fazer girar, em torno de Mauld, a extrema esquerda do
dispositivo.

Mas essa solução é fraca. Abandona, ao inimigo, Bruxelas e


a maior parte da Bélgica. Além disso, o Escalda é mau obstáculo.
As embarcações são ali tão numerosas que, mesmo afundadas,
formarão, por toda parte, passagens utilizáveis pela infantaria.

As vantagens e os inconvenientes da outra solução


extrema, o canal Albert, são inversas. Num salto, pode-se chegar à
vizinhança da fronteira alemã. Não se sacrificará um mínimo da
Bélgica. A instalação será na melhor trincheira antitanque da
Europa: nível de água largo e profundo, margem talhadas a pique,

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fortificações permanentes, apoiadas nos campos de trincheiras de


Antuérpia e de Liege. Em compensação, as tropas aliadas deverão
percorrer cinco vezes mais de caminho do que as tropas alemãs -
para atingir o canal.

Entre estas duas soluções extremas, uma intermediária


amadurecia. Esboçada a 5 de novembro, foi acertada no dia 14, na
Instrução pessoal e secreta n° 8, dirigida por Gamelin a Georges.
As tropas aliadas iriam se estabelecer em uma linha Antuérpia-
Louvain-Wavre-Namur. Recolheriam o Exército belga em retirada
após travar, no canal Albert, um combate retardador. A posição
pode ser guarnecida, em dois dias, pelas divisões motorizadas e,
em 4 dias, pelas divisões pedestres. Para ajudar os belgas e retardar
o desembarque dos alemães, seria lançado à frente o corpo de
cavalaria, 2 DLM, comandado pelo General Prioux. Tem-se,
razoavelmente, o direito de esperar uma semana de trégua, isto é, o
adiamento necessário a um mínimo de organização do terreno.
As vantagens são incontestáveis: defende-se Bruxelas e a frente é
encurtada de 70 km em relação à hipótese “Escalda”. O
inconveniente principal é a fraqueza dos obstáculos naturais. O
afluente do Escalda, o Dyle, que os ingleses deverão defender, é
um rio medíocre, que se subdivide em muitos braços e é
atravessado por não menos de 120 pontes. De Wavre, onde
termina, até Namur, as extensões mal escavadas de Hesbaye e a
passagem de Gembloux não são interrompidas por nada que possa
pregar no solo a ossatura de uma resistência.

É verdade que os belgas foram chamados a cavar um fosso


antitanque contínuo, e eles erguem, como uma defesa medieval,
uma barreira de grades metálicas, pontiagudas, ditas “elementos de
Cointet”. Mas recusam-se a dar a mínima informação sobre a
localização e o grau de avanço de seus trabalhos. Comunicaram,
confidencialmente, aos franceses e ingleses que, se fossem

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atacados, lhes pediriam socorro. Até então a neutralidade lhes


impunha o dever de tudo ocultar a seus aliados virtuais.

O problema holandês enxerta-se no problema belga. Deve-


se prever que o milagre de 1914 não se renovará e que a Holanda
será englobada na ofensiva alemã. A Instrução de 14 de novembro
prevê que os holandeses serão socorridos, que, se possível, será
tentada a ligação de seu exército às forças belgas no canal Albert
ou no Escalda. Posteriormente, elabora-se um plano. Serão
ocupadas as ilhas zelandesas de Beveland e de Walcheren. A
operação virá de Antuérpia e, por Breda ou Tilburg, será tentada a
ligação entre o reduto nacional, o triângulo Amsterdã-Haia-
Roterdã e as posições gerais da coligação. Todo um exército
francês, o 7° Exército, comandado pelo ardente Giraud, se
encarregará dessa missão.

Assim, quando se realizar o acontecimento que ele espera e


deseja - o ataque alemão - Giraud só enfrentará uma dificuldade: a
da escolha entre as forças. Hipótese “canal Albert”, se as coisas se
apresentaram pelo seu lado melhor; hipótese “Escalda”, se se
apresentaram pelo pior; hipótese “Dyle”, no caso mais provável.
E, ainda: acrescentadas às três outras, a marcha sobre a Holanda,
hipótese “Breda”...

A conseqüência comum dessas diferentes hipóteses é


lançar de chofre em combate a totalidade das forças móveis, a
massa de manobra do Exército francês. O 7° Exército era o único
em reserva: foi expedido para a Holanda. O Corpo de Cavalaria,
inteiramente mecanizado, era, por excelência, o elemento de
réplica a uma penetração dos blindados alemães: tomam-lhe uma
DLM para a Holanda e enviam as duas outras a Tongres e a
Hannut, apara retardar a abordagem da posição Antuérpia-Namur.
A mesma coisa, em relação às divisões de infantaria motorizada:

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

seis, em sete, estão em serviço desde o primeiro dia. A estratégia


francesa, abandonando a iniciativa ao inimigo, funda-se na réplica
aos ataques - e são os processos dessa réplica que seu comando
aliena desde o primeiro dia!

Numerosas objeções são levantadas. A maior parte dos


comandantes das grandes unidades é contrária à idéia de uma
entrada na Bélgica. “Quando nos expuseram a manobra Dyle - dirá
La Laurencie, comandante do 3° CE - só um pensamento nos
ocorreu, a todos: Deus queira que jamais tenhamos que executá-
la...”Apesar dos interesses que para eles representa a conservação
das coisas do mar do Norte, os ingleses são ainda mais hostis: “A
menos que a atitude dos belgas se modifique - diz seu Comitê de
chefes do Estado-Maior - pensamos seriamente que o ataque
alemão deve ser recebido nas posições preparadas da fronteira
francesa...”

Ora, a atitude dos belgas não se modifica. Em setembro de


1939, temendo um ataque vindo do Ruhr, através de seu país, eles
haviam voltado contra o território francês dois terços de suas
forças. Progressivamente, invertem a proporção temendo, porém,
que uma imprudência forneça à Alemanha um pretexto para atacá-
los. A fronteira francesa está coberta de barricadas. Todo contato
de estado-maior é recusado. Se o Exército francês entrar na
Bélgica, ele o fará às cegas, nas piores condições dessa batalha de
segunda mão que seu comando exorciza. Quanto à esperança,
várias vezes acariciada, de serem chamados, preventivamente pelos
belgas, e de preceder, assim, à irrupção alemã, os mais otimistas
renunciaram a ela.

Mas, em pleno inverno, a aterrissagem forçada de


Mechelen-sur-Meuse a faz renascer!

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

Os documentos encontrados não deixam lugar para


dúvidas. A violação da neutralidade belga está sendo premeditada
pelo Comando alemão. Os belgas são forçados a apelar para os
franceses e para os ingleses. Eles a consideram, uma vez que
pedem a Paris e a Londres a garantia de que a Bélgica e o Congo
Belga serão integralmente restaurados, ao fim das hostilidades. Os
ingleses mostram-se reticentes. Ao contrário dos franceses, que
pressionam. “Qualquer hora perdida pode ter pesada
conseqüências”- manda dizer Gamelin ao Governo belga. Revela,
ainda, que “sente uma desilusão a apertar-lhe o coração”, quando
seu adjunto, Georges, lhe telefona dizendo que refletiu e se
pergunta se não valeria mais a pena aconselhar os belgas a não
apelarem para os franceses.

O sinal de alerta é dado. As tropas unem-se na fronteira. O


inverno as assalta. Bruma, neve, frio rigoroso. Os homens, os
animais e os motores sofrem. Mas os belgas retiraram suas
barreiras de estradas e voltam para leste as tropas de vigilância. Na
noite de 13 para 14 de janeiro, seu adido militar, General Delvoie,
apresenta-se no Forte Vincennes, levando uma mensagem do rei:
“Prevenir ao general que o ataque é quase certo, hoje, domingo, 14
de janeiro...”Gamelin responde que só espera um sinal, mas que
devem apressar-se, porque não lhe é possível deixar suas tropas
expostas às intempéries.

Enquanto isso, Hitler espumava de raiva. “Assisti - contou


Keitel - à mais bela tempestade jamais vista em minha vida...”A
ofensiva, na qual uma parte do Estado-Maior francês se recusava a
crer, havia sido inteiramente ordenada, não para o dia 14, como os
ingleses acreditavam, mas 17 de janeiro. Hitler aceitara o handicap
das curtas jornadas, em troca de um frio que consolidava o
terreno, gelava os rios e aumentava suas possibilidades de
surpreender o inimigo. Foi preciso dizer-lhe que dois estúpidos

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

aviadores haviam aterrado na Bélgica, com planos que revelavam


seu projeto. A sombra de execuções capitais surgiu. As famílias de
Reinberger e de Hoenmans foram presas e submetidas à inquisição
da Gestapo. O General-do-Ar Felmy, comandante da 2ª Frota
Aérea foi destituído. O próprio Goering tremeu em seus alicerces.
Depois, mais calmo, Hitler examinou a situação. Devia-se manter a
ofensiva? Devia-se adiá-la? Tudo dependia de uma questão: saber
se os aviadores haviam ou não, destruído os papéis de que eram
portadores.

De Bruxelas, chegava o adido alemão da Força Aérea,


General Von Wenningen. Os belgas o haviam autorizado a
entrevistar-se com os dois aviadores de Mechelen. Haviam
dissimulado um microfone no parlatório da gendarmaria de
Etterbach, onde a conversa se realizara. Ouviram Reiberg dar a sua
palavra oficial de que todos os documentos dos quais era portador
haviam sido destruídos. Wenningen levou ao Fuhrer esse perjúrio.
Mas outra informação chegou: o serviço alemão de contra-
espionagem registrava que a 9ª e a 25ª divisões motorizadas
francesas estavam reunidas na fronteira, e que os belgas retiravam
as barricadas das estradas. O segredo fora revelado! Todavia, com
uma brusca ofensiva, ainda se podiam esperar grandes resultados.
Hitler consultou os meteorologistas: eles declararam que o bom
tempo, que haviam prometido, faltara ao encontro.

A neve começara a cair com abundância, tornando


impossíveis as operações aéreas. Hitler inclinou-se, de novo, diante
do céu. A ofensiva foi transferida sine die.

Foi a neve, igualmente, que influiu sobre a decisão belga.


No dia 15, o chefe do estado-maior Van den Bergen declarou ao
adido militar francês que a nevada tornava muito improvável uma
ofensiva. Mas, em conseqüência, isso obrigaria a recolocar as

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

barreiras de estrada e renovar às tropas a ordem de se oporem,


pela força, a qualquer tentativa dos exércitos franco-britânicos de
entrar na Bélgica. No mesmo dia, o rei comunica que não podia
assumir a responsabilidade de abrir preventivamente o território de
seu país. As tropas francesas regressaram a seus acantonamentos.

Hitler ou Manstein? A origem do Plano Sedan

Se a ofensiva alemã fosse desencadeada na data de 17 de


janeiro de 1940, não seria exatamente idêntica à que deveria ser
lançada quatro meses depois. Mas já diferira de maneira
considerável da que Hitler havia ordenado para 7 de novembro de
1939. Nascia a idéia da manobra do Sedan.

É discutida a paternidade dessa manobra de Sedan.


Geralmente, admite-se que foi imaginada pelo General Erich von
Manstein, submetida a Hitler e por ele adotada. O estudo dos
documentos e o confronto das datas não permitem acolher essa
explicação. Não há dúvida de que a Manstein se deve a idéia do
plano. Mas ele não teve a possibilidade de submetê-la a Hitler, que,
por sua vez, só tomou conhecimento dos pensamentos do general
em uma época em que já ditara todas as disposições essenciais da
manobra. “Ele era - dirão Keitel e Jodl, no processo de
Nuremberg - muito dotado para a estratégia”. O próprio Manstein,
menos categórico de que seus partidários, admite que o
pensamento de Hitler tivesse podido seguir uma marcha rápida
paralela ao seu e que não estava certo de ter sido seu inspirador. O
assunto foi estudado pelo general francês Koeltz, em seu livro
“Como Foi Jogado Nosso Destino”. Atribuindo o papel mais belo
a Manstein, cujos talentos militares são indiscutíveis, Koeltz
estabelece que o autor efetivo do plano de Sedan fora o cabo
Adolf Hitler.

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

Chefe do estado-maior do grupo de exércitos de Rundstedt


durante a campanha da Polônia, Manstein voltou ao Oeste nas
mesmas funções. Seu QG é em Coblença em uma velha pracinha,
onde foi respeitado um monumento levantado pelo prefeito do
Reno e Mosela, Lezay Marnesia, comemorativo da passagem do
Imperador Napoleão, de partida para Moscou. Nunca se
encontrou com Hitler e, se bem que não estivesse ligado à
conjuração militar, seus sentimentos em relação ao Nacional-
Socialismo são os mesmos de sua casta. Ele próprio, aliás, não é
estimado por seus pares, por alardear sua inteligência e sua
capacidade.

No fim de outubro, chegam as instruções do OKH (Alto-


Comando do Exército), para execução da ofensiva prescrita pelo
Fuhrer. São adaptadas aos objetivos modestos, definidos na
Instrução do dia 9: conquistar a costa belga, tendo em vista
operações aeronavais contra a Inglaterra.

O General von Manstein fica chocado com a mediocridade


dessa concepção. Isso se assemelha à de Schlieffen, pela amplitude
da manobra de envolvimento e pela força da ala direita, mas não é
a de Schlieffen, uma vez que o objetivo é uma conquista territorial
e não o aniquilamento do inimigo. Schlieffen, cuja manobra foi
enfraquecida pelo Moltke de 1914, previa atingir o baixio do Sena,
para agarrar, envolver e capturar o Exército francês. Schlieffen,
recuperado por Brauchitsch, visa, quando muito, à conquista dos
portos do mar do Norte.

O papel do grupo Rundstedt (grupo A) é secundário,


nesse esquema. Com dois exércitos e uma só divisão blindada, ele
atacará em direção ao Mosela - mas apenas para cobrir e facilitar a
manobra do grupo B.

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

No dia 31 de outubro, Manstein reage. Faz com que


Rundstedt marque duas contraproposições. A primeira sugere o
abandono da ofensiva: em lugar de atacar, o Exército alemão se
fará atacar, exasperando a Inglaterra com bombardeios aéreos - e,
depois, esmagará o inimigo, saído de suas fortificações. A segunda
contraproposição aplica-se ao caso em que seja mantida a ofensiva:
Manstein pede o reforço do grupo A, à custa do grupo B. Para
este, três exércitos devem ser suficientes às tarefas que lhe estão
determinadas. Em plano de igualdade, com três exércitos, o grupo
A poderá sair de seu simples papel de guarda-flanco. “Se o inimigo
cometesse o erro improvável de concentrar suas forças na Bélgica
- diz Manstein -, o grupo A, poderia deslocar um de seus exércitos
na direção do Somme”. Ele contra-atacaria no flanco do contra-
ataque, em lugar de se limitar a contê-lo. Não é, ainda a manobra
de Sedan, a penetração fulgurante pelo Mosa, o assalto-relâmpago
até o mar. Aliás, Manstein não tem ilusões. Seu memorando é,
regularmente, dirigido a Brauchitsch, do qual não espera nem
compreensão, nem cooperação. Na verdade, nenhuma resposta lhe
chega. Rundstedt, que ele lança contra Brauchitsch, obtém,
penosamente, após discussão tempestuosa, o acréscimo, a seu
grupo de exércitos, de uma segunda divisão blindada,
antecipadamente tiradas das reservas do OKH. Mas nada mudou
em sua missão.

No dia 12 de novembro, houve um lance teatral. Chega ao


estado-maior do grupo A seguinte nota: “O Fuhrer e comandante
supremo ordena o seguinte: “Um terceiro agrupamento será
constituído, rapidamente, na ala sul do 12° Exército. Será utilizado
na zona não arborizada, que se estende, de um lado a outro, de
Arlo-Timtigny-Florenville. Compreenderá o 19° CE, a 2ª e a 10ª
Panzer, uma divisão motorizada, a Leibstandarte, e o Regimento
Grossdeutschland”.

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

A missão determinada ao grupamento é a seguinte: “Em


Sedan, ou no sudeste de Sedan, conquistar de surpresa a margem
oeste do Mosela, a fim de criar condições favoráveis ao
prosseguimento das operações”.

Mas novamente, ainda não é a manobra Sedan. Aproxima-


se dela, porém. O 19° Corpo de Exército é comandado por
Guderian, o mais experimentado, o mais empreendedor dos
condutores das grandes unidades blindadas. Seu ligamento ao
grupo A é um passo decisivo em direção à transferência do centro
de gravidade nas Ardenas. Pela primeira vez, a idéia de uma
ofensiva-surpresa e de seu ponto de aplicação, Sedan, aparecem
em ordem de operações. O que falta, ainda, é a exploração, é a
distribuição dos blindados, nas planícies do Norte da França, é a
incursão da cavalaria mecanizada que desarticulará o Exército
francês em alguns dias...

Para Manstein, a questão que se apresenta é a de saber


onde o Fuhrer havia encontrado sua inspiração. Não a atribui a seu
memorando de 31 de outubro, que, ele sabe, não atravessou a
barreira do OKH. Mas o comandante do 16° Exército, o General
Busch, fora recebido por Hitler, alguns dias antes - e teria sido
possível que lhe comunicasse as concepções que nasciam em
Coblença. É possível, também, admite Manstein, que Hitler tenha
tido a idéia por si só (“Ele possuía um golpe de vista tático e
meditava muito sobre os mapas...”) Condescendência do
profissional para o amador.

Com efeito, Busch em nada influiu na decisão de 12 de


novembro. Sabemos, por testemunhos de Keitel e de Jodl, que
Hitler fez, diante do plano do OKH, a mesma reflexão que
Manstein: “Eles calçaram as botas de Schlieffen...”Voltando ao
problema, meditando sobre os mapas, tentou arrancar-lhe ao

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

encantamento que a grande estratégia de Gulherme II exercia


sobre o pensamento militar alemão. A junção de Guderian a
Rundstedt é a sua primeira reação contra a preponderância da ala
direita. Além disso, e para o caso de que a surpresa de Sedan
produzisse grandes resultados, faz estudar a transferência, em
curso de operações, de todas as divisões blindadas do grupo B
para o grupo A. Trabalhava-se o espírito a idéia de uma brecha no
dispositivo francês, de uma batalha ganha pela ruptura do centro.
Do seu lado, Manstein multiplica as lembranças: 21 a 30 de
novembro, 6 a 18 de dezembro, 12 de janeiro. As perspectivas de
uma penetração pelo centro lhe pareciam cada vez mais sedutora.
Inova, em relação a uma estratégia fundada no enrolamento das
alas, sobre o famoso esquema da batalha de Cannes, que, após 23
séculos, ainda coloca os generais alemães na escola de Aníbal.
Desse fato mesmo, ele comporta um elemento de surpresa. Um
outro elemento, esse de surpresa tática, é a natureza da Ardena,
falsamente apresentada como impenetrável aos tanques. Hitler
meditou bastante sobre os mapas, quando reconheceu que as
grandes clareiras de Arlon, de Tintigny e de Florenville permitiam
atingir o Mosela sem encontrar obstáculos das altas árvores. Por
sua vez Manstein aperfeiçoa a manobra e, sem poder suspeitar que
os franco-britânicos se farão cercar estupidamente na Bélgica, vê
cada vez mais claramente a possibilidade de atingir as embocaduras
do Somme, em linha direta. O que não é verdade é que ele tenha
inspirado Hitler: ainda não o encontrara e, segundo todos os
testemunhos dos oficiais do OKW, Jodl, Warlimont, Losseberg,
nenhum de seus memorandos jamais chegou à mesa do Fuhrer.

De resto, acabava-se o tempo de estado-maior de


Manstein. Em 9 de fevereiro, ele é nomeado comandante de um
novo corpo de exército, e regressa à Pomerânia, para organizá-lo.

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

Manstein parte e a elaboração do plano de Sedan


prossegue. No dia 13 de fevereiro, Jodl anota, em seu diário, que o
Fuhrer reabre a questão do centro de gravidade, fazendo observar
que, em zonas secundárias, se empregam blindados em demasia:
“Vão fazer falta ao 16° ou ao 12° exércitos. É necessário dirigi-los
para Sedan. O inimigo não está esperando, lá, nosso esforço
principal”. De acordo com essas diretivas, o OKH, refunde, mais
uma vez, seu dispositivo. Junta ao Grupo A três novas Panzer, as
1ª, 5ª e 9ª, Bock, que contava com essas divisões na proporção de
9 em 10 no plano primitivo, só conserva três. Rundstedt, que só
tinha uma, agora tem 7, das quais 5 diretamente situadas diante de
Sedan. Além disso, o 4° Exército (Von Kluge) é retirado de Bock,
para ser colocado sob seu comando. “Chegamos a ter - anota Jodl
- ao sul de Liege, três vezes mais forças do que no norte”.

Foi nesse momento, a 17 de fevereiro, que Manstein,


enfim, vê Hitler. Foi convidado a ir à nova Chancelaria, com os
novos comandantes de corpos, Geyr von Schweppenburg,
Schmidt, Reinhardt, Glumme, mais Rommel e, naturalmente, Jodl
e Keitel. Depois do jantar, Hitler detém Manstein e, conduzindo-o
a uma sala vizinha, pede-lhe seu ponto de vista sobre a conduta da
ofensiva contra a França. “Manstein - relata o diário de Jodl - diz
que a decisão não está à oeste do Mosela, mas no próprio Mosela,
na região de Sedan-Charleville. Mas é preciso ter, ali, grandes
forças blindadas, ou, então, nada. Tudo quanto for deixado para
trás não chegará ao campo de batalha em tempo útil...”Relatando a
entrevista, em seu livro Verlorene Siege, Manstein dirá: “Não sei se
Hitler tinha ou não conhecimento de nosso plano, mas devo dizer
que ele penetrou em nossas idéias com uma rapidez
surpreendente...”O que lhe era possível, tanto mais que vivia, há
dois meses, com idéias idênticas e acabava de dar, na antevéspera,
as últimas ordens para a sua aplicação.

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

O plano Sedan amadureceu. É preciso, então, cuidar com


esmero de sua execução. As dificuldades são formidáveis. A
travessia da Ardena está eriçada de obstáculos. As estradas são
poucas, estreitas e tortuosas. As divisões blindadas e motorizadas
representam colunas imensas. É preciso escalonar as tropas,
superpor várias unidades sobre um mesmo itinerário, fixar os
prazos de escoamento rigoroso, remover tudo quanto não for
essencial nos caminhos florestais. O mínimo erro, a mínima
resistência, o menor bombardeio aéreo podem criar, no meio dos
bosques, indizíveis confusões, à saída das quais só chegarão ao
Mosela elementos dispersos. Por isso, chega-se a perguntar se não
é uma perversão de espírito a escolha de uma pista de javali para
atacar o Exército francês, quando as planícies abertas e firmes de
Brabante parecem terem sido criadas para os combates de tanques!

A um Kriegspiel do dia 15 de março, Von Bock explode:


“Os senhores deslizam a 15 km da Linha Maginot e pensam que
os franceses vão contentar-se em olhá-los! Enovelam seus
blindados nos raros caminhos da Ardena e esquecem-se de que a
aviação foi inventada! Imaginam que podem transpor o Mosela em
um dia e que podem correr até o mar com um flanco exposto em
300 km. Que fariam se fossem imprensados entre a fronteira e o
corte do rio?... ou se os franceses não entrarem na Bélgica?...ou se
eles deixarem os senhores atravessarem o Mosela, com parte de
suas forças, para contra-atacá-los com todos os seus recursos
reunidos? Acreditem-me! Os senhores estão sonhando!...”

Bock, destituído do papel principal, pode ser suspeito de


amargura. Mas o próprio comandante do grupo A, Rundstedt, está
inquieto: “Meu pequeno Gamelin é hábil, não se esqueçam!...”O
excelente soldado clássico que é Halder pede que ao menos parem
no Mosela, para permitir à infantaria unir-se aos blindados e para
preparar um ataque geral organizado. Jodl, general doméstico,

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

ardente admirador de Hitler, aliás, sinceramente seduzido pela


simplicidade genial da manobra, faz questão, não obstante, de
salvar suas responsabilidades. “Remeto ao Fuhrer uma informação
na qual sublinho que o avanço sobre Sedan é um atalho secreto,
no qual se pode ser surpreendido pelo deus da guerra...”O único
dos executantes que demonstra imperturbável confiança é
Guderian. Ao Kriegspiel no dia 15 de março, ele expõe como
atravessará o Mosela em cinco dias. “Que vai fazer, sem seguida?”-
pergunta-lhe Hitler. - “A menos que haja uma ordem em
contrário, continuarei, no dia seguinte, em direção ao oeste. A
única coisa que peço ao Comando é que ele me diga que direção
devo tomar: Amiens ou Paris...”

Os preparativos terminam, Hitler planeja, pessoalmente, os


golpes retumbantes que, caindo ao norte do campo de batalha,
desviarão, desse lado, a atenção do Comando inimigo. A 7ª
Divisão de Flieger não será lançada sobre a passagem do Mosela e
do Sambre, como devia ser, de acordo com os planos perdidos em
Mechelen: cairá sobre a Holanda, o canal Albert, as fortificações
de Liege. Simples capitães transpõem as portas de bronze da nova
Chancelaria e estudam com o Fuhrer como se abaterão sobre a
ponte de Vroenhoven e como descerão, em planadores, sobre as
superestruturas do Forte de Eben Emael, enquanto, o mais
misteriosamente possível, na floresta ardenense, cúmplice, os
Panzer deslizarão em direção a Sedan.

A primavera chega. Na frente da Lorena, onde os brotos


sucedem às longas neves do inverno, a atividade militar também
decresceu. A tradição alemã é desfechar as operações ofensivas
bem no início do ano: 21 de fevereiro de 1916 em Verdun, 21 de
março de 1918, no Somme... O GQG francês conclui, disso, que o
ataque não ocorrerá.

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

A Alemanha não quer correr o risco de se despedaçar de


encontro ao rochedo do Exército francês. A esquisita guerra torna-
se, cada vez mais, uma paz superarmada...

Esta constatação engendra uma decepção. Todos os


testemunhos são unânimes: Gamelin deseja o ataque, na sólida
convicção de que, naquela fase da guerra, a defensiva o leva à
ofensiva e ele não deterá, de uma só vez, a corrida alemã na sua
frente contínua. “Darei - diz - um bilhão de francos para ser
atacado” Considera, com inquietação, ter de passar toda a
primavera e todo o verão de 1940 com um imenso exército
imóvel, devorado pelo tédio.

A verdade insuspeitada é que Hitler acaba de fazer uma


escolha, dando às ilusões francesas dois meses de sursis. Tendo
hesitado e mudado de opinião várias vezes, ele decidiu, finalmente,
a 3 de março, fazer passar o Exercício Weser (Weserrubung), antes
do Plano Amarelo (Fall Gelb). Em outros termos: a conquista da
Noruega, antes da execução da França. A guerra vai fazer um
desvio pelo círculo polar antes de voltar a seu encontro de Sedan.

9 de Abril de 1940: A Alemanha ataca a Noruega

Na Finlândia, o mês de janeiro fora marcado por um ritmo


mais lento das hostilidades. Os finlandeses, esgotados pelas
vitórias, tomavam fôlego. Os russos acumulavam poderes
consideráveis e voltaram a seu plano primitivo: o rompimento da
Linha Mannerheim.

A ofensiva desencadeou-se no dia 1o de fevereiro. Visava


Viborg, pilar oriental da defesa do istmo da Carélia. A artilharia
representou o papel principal, martelando as posições finlandesas
por concentrações idênticas às das batalhas de material, que

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

haviam caracterizado a guerra anterior. A defesa finlandesa foi


soberba. O Comando russo contava conquistar Viborg no terceiro
dia; a 1o de março, arrastava-se ainda, diante da cidade, enquanto
duas divisões que tentavam contornar o lago Ladoga eram
destroçadas. Contudo, o Exército finlandês atingia os limites do
esgotamento. Havia perdido 20% de seus efetivos. Nenhum
revezamento era possível, pois todas as unidades estavam em linha
para conter o avanço de um inimigo três vezes superior em
numero. A fadiga arrancava as armas das mãos dos combatentes.

Na França e na Inglaterra as discussões continuavam. As


atenções se dirigiam, cada vez mais, para o teatro escandinavo, até
aí tão completamente ignorado, que a documentação cartográfica
do Estado-Maior do Exército francês se reduzia a um mapa mural
Vidal-Lablache. Estudavam-se, agora, os vales noruegueses, as
estradas de ferro suecas, os métodos de combate finlandeses, o
equipamento e a alimentação a dar às tropas que operam em altas
altitudes. Um incidente marítimo contribuía para essa iluminação
projetada para o Norte: sobrevivente do desastre do Graf Spee, o
reabastecedor Altmark tentava entrar sub-repticiamente na
Alemanha, com 299 prisioneiros a bordo, todos da marinha
mercante britânica. Por ordem de Churchill, o contratorpedeiro
Cossack o havia aprisionado em abordagem no fiorde de Josing,
desrespeitando as águas territoriais norueguesas. A Noruega podia
protestar: violações mais graves se preparavam. Fogos aliados e
fogos alemães cruzavam-se sobre a neutralidade. Do lado aliado,
havia-se renunciado a sustentar a Finlândia, desembarcando em
Petsamo. O objetivo de substituição era Narvik. Quinhentos
quilômetros da Lapônia e uma neutralidade sueca fortemente
armada separavam a pequena cidade do território finlandês e era
mais do que duvidoso que o corpo expedicionário que se projetava
enviar para lá conseguisse estender a mão aos soldados esgotados
do Marechal Mannerheim. Mas Narvik era o principal porto de

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

exportação do minério de ferro sueco para a Alemanha. Se os


Aliados, se apoderassem dela, a matéria prima do aço hitlerista só
teria escoamento por Lulea, no golfo do Bótnia, que, 6 meses por
ano, é fechado pelo gelo à navegação. A ajuda à Finlândia, tão
vilmente assaltada, dava honesto pretexto para privar a Alemanha
de seu ferro.

Do lado alemão, nenhuma justificativa, além do interesse


da Alemanha, era considerada necessária. A ocupação da costa
norueguesa era pedida, há muito tempo, pelo Grande-Almirante
Raeder, que a 14 de dezembro havia apresentado ao Fuhrer o ex-
ministro norueguês Quisling, que apelava para as armas alemãs, no
sentido de estabelecer, em seu próprio país, um regime nacional-
socialista. Entregue a seus projetos de ofensiva contra França,
Hitler declinara das sugestões do almirante e das propostas do
traidor. Voltou a elas quando o incidente de Mechelen-sur-Meuse
provocou o adiamento da campanha do Oeste.

O chefe da expedição foi escolhido no dia 20 de fevereiro.


Convocado de Coblença, o comandante do 21° Corpo de
Exército, General Von Falkenhorst, soube, pela própria boca do
Fuhrer, que estava encarregado de conquistar a Noruega e que isso
era importante, muito importante para o andamento da guerra.
Saindo da Chancelaria, comprou um Baedecker e começou a sua
iniciação no país aonde o enviavam a colher louros.

Passo a passo, os russos avançavam no istmo de Carélia.


Os incríveis finlandeses, tendo humilhado o império soviético, não
pensaram que só lhes restava morrer, até o último homem. A
Suécia intrometeu-se e a 6 de março, enquanto mais do que nunca
os finlandeses se batiam, uma delegação destes, dirigiu-se a
Moscou, para negociações. No dia 11, Viborg caiu, mas, a 13, a
paz estava assinada. A Finlândia cedia o istmo da Carélia, a metade

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

da península dos Pescadores, dava Hango em arrendamento,


submetia-se as mais pesadas condições do que as que havia
repelido três meses antes. Nem sequer conservava o seu mais
precioso bem: a independência.

A paz de Moscou retirara aos Aliados o pretexto para um


desembarque em Narvik. Eles não tiveram nem o cinismo de o
dispensar, nem a resignação de renunciar. Duas divisões britânicas,
reservadas para a Noruega, foram novamente ligadas ao reforço da
BEF, mas 11 batalhões ficaram disponíveis, para qualquer
eventualidade. Na França, um pequeno corpo expedicionário,
composto de caçadores alpinos e de legionários, continuou seus
preparativos no Jura. A única coisa que parece ter desaparecido,
em conseqüência da paz na Finlândia, é a urgência. A França e a
Inglaterra trocam notas, reconsideram o problema, refazem seus
planos. Recompõem, também seus governos. Chamberlain e
Daladier, os homens de Munique, conservam suas funções, na
falência das esperanças que haviam encarnado. Lançaram na
guerra países cuja paz se tinham gabado de salvar. Mas não
fizeram, não puderam fazer a transformação pessoal,
correspondente a essa mudança de papel. Os ministérios que
presidem são compósitos e fracos. As administrações que dirigem
permanecem na rotina dos tempos de paz. Nessa estranhíssima
guerra, não são apenas os exércitos que não combatem: também
os poderes públicos.

Na França, apesar das lições de 1914, a mobilização


industrial não foi organizada. Os operários especializados partiram
com os exércitos, com qualquer outro - e é confirmadamente
difícil fazê-lo regressar, contra a resistência encarniçada dos
comandantes de corpos. Os deputados rurais, cujos departamentos
haviam fornecido a bucha de canhão de guerra anterior, protestam
contra o privilégio das populações industriais e tentam fazer com

[ 109 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

que se estendam a seus eleitores. “O Ministro do Armamento é


um engenheiro”, - declara, no Palácio Bourbon, um desses eleitos.
“Ele não sabe que é a estação da semeadura”. “O que sei - replica
o interpelado, Raoul Dautry - é que é a estação dos obuses...”. Os
obstáculos que ele encontra, em sua colheita, vão do grotesco ao
trágico. Na fábrica de pólvora em Angoulême, 4.000 contratados
especiais, subtraídos aos riscos de combate, recusam-se a fabricar
melinite, porque, dizem eles, “provoca calvície”. No arsenal de
Mountluçon, uma sabotagem acarreta a baixa de 120 canhões
antitanques. Proibido, posto fora da lei, refugiado na
clandestinidade, o Partido Comunista combate a favor de Hitler,
denunciando a guerra imperialista e apresentando como exemplo a
URSS, que fizera, com o Terceiro Reich, uma paz fraternal.
Arrastados pela forte corrente totalitária ou seduzidos pelo
socialismo dos ditadores, frações maciças da direita e importantes
frações da esquerda são pró-hitleristas. Mal orientada por uma
propaganda exemplarmente má, a opinião pública vacila. Está
satisfeita porque o território francês não está sendo invadido e
porque o sangue não está correndo - mas menos do que nunca
compreende a parada das hostilidades e, de quando em quando, é
tomada por redemoinhos de inquietação. O pesado mal-estar,
precursor das catástrofes, passa, então, por sobre uma nação que
não está em guerra, nem em paz.

O boletim moral da Inglaterra não é sensivelmente melhor.


A lei de obrigatoriedade ao serviço militar, tardiamente votada, só
se aplica, ainda, aos jovens solteiros - e o quadro das exceções por
motivos de utilidade pública estende-se até a profissão de
limpadores das sebes. Os sindicatos, tendo em frente um velho
ríspido, Sir Walter Citrine, lutam para que o estado de guerra não
sirva de pretexto para o aumento do horário de trabalho. Até na
França, eles vão pregar o maltusanismo dos armamentos. “Os
delegados das Trade Unions (Sindicatos) - conta Dautry -

[ 110 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

censuraram-me veementemente por contratar mulheres e fazer


com que os homens trabalhem mais de sete horas por dia!”. Nas
classes dirigentes, as infiltrações nazistas, o enfraquecimento do
patriotismo, são tão graves como na França. O Cliveden Set
(grupo político chefiado por Astor) de Lady Astor, é pacifista por
ideologia de esquerda, mas o “Daily Mail”, de Lorde Rothermere,
publicara bem recentemente: “Os sólidos jovens nazistas da
Alemanha são nossa trincheira contra o comunismo”.

Na Inglaterra, que mais tarde, sob as bombas, se


reunificaria, tem-se hoje a impressão de que, àquela época, o
derrotismo era monopólio francês. A história imparcial deve dizer
que não foi nada disso.

Daladier foi o primeiro a cair, a 19 de março, à saída de um


comitê secreto sobre os acontecimentos da Finlândia. Meia queda,
uma vez que ele permanece na pasta da Defesa Nacional, dando
ainda cobertura ao General Gamelin. Paul Reynaud, considerado o
símbolo da guerra a todo transe, como um Churchill francês,
assume a presidência do Conselho, mas sua investidura é mais do
que difícil: 268 votos a favor, 156 contra, 111 abstenções, um voto
de maioria. Durante três horas, os ministros hesitam em aceitar a
confiança tão regateada: decidem-se a aceitá-la, depois de terem
convencido de que nenhuma outra combinação mais sólida
poderia ser articulada. Imagem da divisão e da confusão do país.

A Noruega custa caro à Kriegsmarine

A decisão de origem franco-britânica de enviar um corpo


expedicionário, de 3 ou 4 divisões, à Escandinávia, data de 5 de
fevereiro. A decisão correspondente, de Hitler, vem um mês
depois, mas os preparativos se desenrolam com outra rapidez.
Hitler reservou ao OKW, o que vale dizer que ele se reservou, a

[ 111 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

organização da expedição. No dia 5 de março, depois de ter


apaziguado Goering e tratado asperamente Brauchitsch que
protesta contra sua convicção, ele susta seu plano: ocupação da
Dinamarca, desembarque em Oslo, Cristiansud, Stavanger, Bergen,
Trondheim e Narvik. No dia 14, recebe Raeder, que, desdizendo-
se, vem sugerir-lhe colocar a conquista da Noruega em seguida à
vitória sobre a França. Hitler o despede respondendo-lhe que a sua
decisão está tomada e não a mudará.

No dia 17 de março, Hitler interrompe suas cogitações


sobre a Noruega, para ir ao encontro de Mussolini, em Brenner. É,
desde o inicio da guerra, a primeira entrevista dos dois ditadores.
O alemão dificilmente aceitara a fraqueza italiana de setembro e
ainda se ressente disso, deixando sem resposta uma carta de
Mussolini que, datada de janeiro, o aconselha a tentar negociações,
advertindo-o de que ele estava iludido se pensava pôr a França e a
Inglaterra de joelhos. É para demonstrar o contrário a seu aliado
vacilante que Hitler vai à Brenner.

Parte armado. Leva enorme dossiê militar, notadamente


um mapa demonstrativo da localização das 207 divisões alemãs,
constituídas ou em constituição. A 1.400 metros de altitude, na
pequena estação fronteira, coberta de neve, interrompendo
durante horas o tráfego entre a Alemanha e a Itália, os dois trens
especiais estacionam lado a lado, enquanto, no vagão-salão de
Benito, Adolf monologa. Mussolini teve que ouvir a narrativa
pormenorizada da campanha da Polônia, a análise das novas
táticas alemães, a exposição de toda a superioridade material e
moral, que garantem ao Reich nacional-socialista uma vitória
rápida sobre as nações ocidentais enervadas. Ciano, que já ouviu
essa exposição, pergunta-se que efeito irá fazer sobre seu sogro
essa maneira de reduzi-lo ao papel de auditor passivo.

[ 112 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

O efeito é imprevisto. Mussolini exalta-se. Essa força,


derramada sobre ele, tornou-o belicoso. “A Itália - argumenta -
não está em condições de sustentar uma longa guerra. Mas creio,
como o senhor, que a sorte da França está selada e que tudo
quanto possa passar-se na periferia é sem importância. Minha
decisão está tomada. Compreende, Fuhrer?...” Ficou
convencionado que os estados-maiores estudarão a transferência
de 20 divisões italianas para o Reno, tendo em vista uma ofensiva
combinada contra Dijon.

“O Fuhrer - anota Jodl - regressa radiante de Brenner”. A


preparação da expedição da Noruega logo o retoma, inteiramente.

O dia 1o de abril é o ensaio geral. Hitler reúne, em seu


gabinete da Chancelaria, os quadros da expedição. Planos diretores
haviam sido fixados nas paredes. Os oficiais agruparam-se diante
de seus respectivos setores. Hitler os interroga, um após outro:
qual a sua missão? Como a cumpririam? Incansavelmente, das 11
às 19 horas, interrompendo-os, uma ou duas vezes, apenas para
mandar vir sanduíches, discute, aprova, faz retificar e, finalmente,
declara-se encantado e fixa o dia 9 de abril para data do
desembarque. A 3ª Divisão de Montanha e as divisões de
infantaria 69, 169 e 196 formarão a primeira leva. A 2ª Divisão de
Montanha e as divisões de infantaria 181 e 214 a seguirão em
reforço. No outro campo, um Conselho Supremo reuniu-se em
Londres, no dia 28 de março. Decidiu ancorar minas nas águas
territoriais norueguesas, na desembocadura do fiorde de Narvik,
para interromper o tráfico de minério de ferro. Simultaneamente,
deve entrar em ação a operação “Royal Marines”, uma das idéias
queridas de Churchill. Consiste em jogar no Reno minas
derivantes, que destruirão as pontes e perturbarão a navegação. A
data de execução é fixada para 5 de abril.

[ 113 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Mas, ai dos Aliados! O Comando e o Governo franceses


apavoram-se. A “Royal Marines” parece-lhes operação que
provocará represálias contra as fábricas e as cidades francesas. O
assentimento dado por Paul Reynauld não é ratificado por seu
gabinete de guerra. Aproveitando essa ocasião de nada fazer,
Chamberlain faz adiar “Wilfred”, isto é, o ancoramento das minas
em águas norueguesas. Churchill acorre a Paris para tentar
restaurar o assunto, resigna-se a abandonar a concomitância da
“Royal Marines” e da “Wilfred” e consegue afixar para 8 de abril a
data dessa segunda operação. No mesmo dia, Chamberlain fala em
uma reunião de jovens conservadores. “Mr. Hitler - diz ele - é um
homem que perdeu o ônibus”. Eis uma frase que não foi
concluída.

No momento em que Chamberlain falava, faziam-se ao


mar os primeiros navios alemães de expedição da Noruega, 3
destróieres com destino a Narvik. Nenhum dos numerosos
serviços de informações aliados revelou sua partida.

Em Berlim, a semana que se segue está cheia de alarmas.


Progressivamente, o mar vai-se cobrindo de navios. Levam ordens
minuciosas. Devem arvorar o pavilhão britânico, só responder em
inglês, ter, sobre sua viagem, uma explicação imediata e,
naturalmente, os soldados ficam confinados aos porões. Os
próprios navios de guerra devem identificar-se a barcos ingleses
especificados: o Koln, ao HMS Cairo; o Konigsberg, ao HMS
Calcutta, etc. Apesar de tudo, as oportunidades de detecção são
grandes. No dia 8, ao meio dia, o transporte Rio de Janeiro é
torpedeado, diante de Cristiansud, pelo submarino polonês Orzel:
homens uniformizados, recolhidos por barcos de pesca, contam
que iam defender Bergen contra um ataque inglês.

[ 114 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

A informação vem do Almirantado britânico, no começo


da noite: foi posta na cesta dos papéis do expediente, que o oficial
qualificado achará, ao assumir o serviço, no dia seguinte.

Entretanto, os ingleses estão prontos. Transportes com


destino a Narvik e a Trondheim estão reunidos na Clyde. Tropas
são embarcadas, a partir de 7 de abril, em Rosyth, nos cruzadores
Devonshire, Berwick, York e Glasgow, que podem fazer a
travessia de Stavanger em 12 horas e a de Narvik em um dia. Mas
ficara decidido que se procederia progressivamente. No momento,
ancoravam-se as minas. Se os alemães reagissem, a resposta viria
com a rapidez de um raio...

O raio que surgiu na alvorada do dia 9 de abril foi o de


uma nova Blitzkrieg. No momento em que as tropas transpõem as
fronteiras, no momento em que os navios entram nos portos, as
embaixadas alemãs em Copenhague e em Oslo despertam os
primeiros-ministros e pedem-lhes que se incline, diante do fato
consumado. O dinamarquês se resigna. Talvez o norueguês se
resignasse, igualmente, se o Embaixador Brauer não tivesse
recebido instruções de impor Quisling à chefia do governo. Essa
exigência e a resistência da defesa costeira permitirão ao rei e a
seus ministros deixar a capital, refugiando-se na floresta, para,
acossado pela aviação e pelos blindados, ganharem o norte do país

Ao meio dia, todos os portos da Noruega estão nas mãos


dos alemães. O cruzador-couraçado Breslau foi afundado no
fiorde de Oslo; o cruzador leve Konigsberg foi danificado no
fiorde de Bergen e, em Trondheim, um oficial se refugiou em um
velho forte. Aliás, a surpresa foi total e o desembarque não
encontrou resistência.

[ 115 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

No mar, a batalha começa. Tempo carregado, ondas


agitadas, tormentas de neve, visibilidade má e fugaz. Para proteger
seus 200 transportes, a frota alemã dividiu-se em 6 grupos, desde
as ilhas Lofoten até os Belts. Os ancoradores de minas
trabalhavam sob a proteção de um único grande navio - o Renown
- e de duas divisões de destróieres. Um destes, o Glowworm,
investe contra o cruzador pesado Hipper, tenta esporear seu
possante adversário, mas os canhões alemães o põem a pique. No
dia seguinte, ao romper da manhã, o velho Renown, durante 10
minutos, troca tiros de canhão com o Scharnhorst e o Gneisenau,
que surgiram de um mar alvo de espuma. Um disparo feliz põe
fora de ação a principal bateria do Gneisenau. Depois, cortinas de
neve separam os combatentes.

O Almirantado foi falho em penetração, como o foi em


vigilância. Quando a Home Fleet deixou Scapa Flow e Rosyth, foi
com a convicção de que ia interceptar uma saída da esquadra
alemã no Atlântico. Os cruzadores que levavam a bordo tropas
destinadas à Noruega desembarcaram-nas precipitadamente,
apressando-se para o combate. O Almirante Forbes, comandante-
chefe, viaja a noite toda para o norte, depois volta ao sul, perdendo
a jornada decisiva do dia 8. Os marinheiros pensam como
marinheiros: estão obcecados pelos grandes navios inimigos, cuja
presença, no mar, é indicada pela destruição do Glowworm. São
esses navios que eles procuram, no meio da borrasca de um dia
tempestuoso.

O véu só se rasga no dia 9 de maio, pela manhã. No


sentido próprio e no sentido figurado: o tempo se desanuvia e as
intenções inimigas se esclarecem. Resta uma chance aos ingleses:
atacar os alemães nos portos, quando o inimigo efetuar operações
de desembarque. Forbes a admite, mas o Almirantado a proíbe,
recusando arriscar navios insubstituíveis. A limpidez do céu

[ 116 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

reanima os aviões. Uma formação alemã enquadra os couraçados


ingleses, mas só afunda o contratorpedeiro Gurkha. Algumas
horas depois, a esquadrilha de bombardeiros de mergulho “Skuas”,
do capitão Partridge, partida das ilhas Órcades e operando no
limite de seu raio de ação, encontra o Konigsberg, que as baterias
costeiras de Bergen haviam avariado - e acaba de destrui-lo. É, na
história das guerras navais, o primeiro dos grandes navios
afundados pela aviação.

A aparição dos alemães em Narvik, a mil milhas marítimas


do Elba, foi uma tão desconcertante surpresa que, de início, se
acreditou dever-se tal notícia a uma confusão de nomes com o do
pequeno porto baleeiro de Larvik, perto de Oslo. Supôs-se, em
seguida, que o cargueiro teria transportado clandestinamente um
destacamento até essa alta latitude. O comandante Warburton-Lee
recebe ordens de entrar no fiorde de Ofot com sua divisão de
destróieres, Hardy, Hunter, Havoc, Hostil, Hotspur, para liquidar
esse navio único e, se possível, recuperar Narvik. No dia 9 à noite,
ele pára, a fim de se informar, na estação de pilotagem de Tranoy,
no fiorde West. Os pilotos lhe dizem que não fora um cargueiro
isolado que acabava de conquistar o porto do ferro, mas seis
navios de guerra, maiores do que os seus. A informação é
transmitida ao Almirantado, que recusa enviar, como ajuda, um
grande navio, mas dá carta-branca a Warburton-Lee: “Decida o
que julgar bom: nós lhe daremos cobertura em qualquer caso”.
Resposta imediata: “Going into action”.

O mau tempo volta, no dia seguinte. Os cumes de gelo das


Lofoten afogam-se nas nuvens. A neve foge, em turbilhão, à frente
de um vento de tempestade. Warburton-Lee conduz sua divisão
como um cego, pelos canais semeados de recifes. A surpresa
completa-se quando ela surge diante do porto de Narvik. Os
destróieres Wilhelm, Heidkamp e Anton Schmidt afundam,

[ 117 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

torpedeados. Três outros são avariados - mas Warburton-Lee,


voltando ao ataque, vê de repente desembocarem no fiorde
Herjansk três novos inimigos. Enfrenta-os, mas dois outros
destróieres alemães saem do fiorde Ballangen e o metem entre dois
fogos.

A Campanha da Noruega

Não foram seis como acreditavam os pilotos de Tranoy,


mas 10 possantes pequenos navios alemães que entraram no fiorde
Ofot com 2.000 soldados amontoados em suas estreitas pontes.

O novo combate é desfavorável aos ingleses. Warburton-


Lee é morto no passadiço do Hardy, que afunda imediatamente. O
Hunter tem o mesmo destino. O Hotspur, gravemente avariado,
arrasta-se para fora do fiorde, escoltado por seus dois
companheiros intactos. Em parte por causa das más condições
atmosféricas, em parte por temerem atacar o Renown, os alemães
deixam passar a ocasião de destruir a divisão inglesa. Deixam
também a ocasião de salvar o Rauenfels, que leva as armas pesadas
ao destacamento terrestre. Ao passar, o Havoc afunda-o. Sua carga
faltará, cruelmente, aos aventureiros ocupantes de Narvik. O
Almirantado decide que não se permaneça lá. Três dias depois,
nove outros destróieres entram no fiorde Ofot e, desta vez, não
estão sós. Acompanha-os um poderoso veterano, o Warspite, que
estivera na linha de frente da Jutlândia. Os destróieres alemães se
disseminaram, fogem até o fiorde Rombaks, cuja cabeça tortuosa
atinge a fronteira sueca. Os obuses do Warspite os seguem e
destroem. Todos encalham e se incendiam ao entrar nas águas
glaciais. Um submarino, o U 64, partilha dessa sorte. Mas Narvik
está nas mãos de um regimento alpino, às ordens do coronel Dietl,
e os marinheiros ingleses, não tentam completar sua vitória,
arrancando-as dele.

[ 118 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Para a Marinha de Hitler, que possuía um total de 22, é


pesada a perda dos 10 destróieres de Narvik. E somam-se à
destruição do Blucher, do Karlsruhe e do Konigsberg, afundados a
9 de abril. O Hipper, o Scharnhorst, o Gneisenau e, sobretudo, o
Lutzow cuja recuperação durará um ano, sofreram avarias sérias.
A Noruega custa caro à esquadra alemã. A 15 de abril, seus navios
disponíveis estão reduzidos a 2 cruzadores leves e 4 destróieres.

Em Paris, as recriminações são amargas. Como puderam


os ingleses deixar-se surpreender? Para que serve sua esquadra?
Estaria dormindo o seu famoso Inteligence Service? Reunidos nas
primeiras horas da manhã do dia 9, os ministros militares e os
comandantes-chefes discutem e agitam-se. Ficam de acordo em
considerar que a melhor resposta à invasão da Noruega seria entrar
na Bélgica e instalar-se no canal Albert. Decidem insistir junto aos
belgas, demonstrando-lhes que jamais haverá momento mais
favorável, uma vez que grande parte da força aérea alemã está
voltada para a Escandinávia. Mas o governo belga considera que a
extensão da guerra na Escandinávia diminui os riscos de agressão
contra seu território e que, mais do que nunca, tem razão para
agarrar-se à sua neutralidade.

Levantada a sessão do Eliseu, Reynauld e Daladier partem


para Londres. Trata-se de restabelecer, sem demora e contra um
inimigo já instalado, a operação que a paz finlandesa suspendera: a
ocupação dos portos noruegueses. Churchill, por sua vez
moderado, desejaria que a operação se limitasse a Narvik, mas os
franceses insurgem-se contra a sua timidez. Por que não retomar,
também, Trondheim? Há uma baía imensa, um grande porto, o nó
das vias de comunicação entre o sul e o norte da Noruega. Tomar
Trondheim é transformar em derrota o sucesso alemão. A hora da
audácia chegou. A verdadeira guerra começa. Decide-se então que
serão tomadas, simultaneamente, Narvik e Trondheim. A situação

[ 119 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

dos alemães no porto do ferro é estranhamente aventureira. Dietl


só tem seu regimento alpino e duas pequenas baterias de
montanha, quase sem obuses. Hitler é tomado de pânico ao
simples pensamento de que aquela fraca tropa alemã poderia ser
obrigada a depor as armas. Decide determinar a Dietl que recue
para Trondheim, mas o oficial de ligação do Exército ao OKW, o
tenente-coronel Von Lossberg, resolve reter o radiograma. Tem,
em seguida, a audácia de procurar Keitel e Jodl para censurar-lhes
terem dado ordens inexeqüíveis. Keitel sai-se bravamente, dizendo
que está abaixo de sua dignidade discutir com um oficial tão
jovem. Jodl, brando, explica que a ordem é, evidentemente,
absurda, mas que o Fuhrer está num estado de excessivo
nervosismo e não é possível dizer-lhe isso. Ao que o insolente
Lossberg responde que, se os conselheiros do Fuhrer não têm
autoridade, só lhes resta ceder o lugar a personalidades mais fortes.
Jodl lembra-se, então, de um professor de Innsbruck, especialista
em montanhas norueguesas. Levam-no a Hitler, a quem ele
demonstra que uma retirada de 1.000 km sobre geleiras é pura
impossibilidade.

Revendo sua ordem, sem suspeitar de que ela jamais fora


transmitida, Hitler ordena então a Dietl que resista até a morte e
que se faça internar na Suécia, como medida extrema. Todo
mundo considera que é questão de horas a tomada de Narvik.

Mas falta inspiração aos ingleses. Em lugar de atirar-se


sobre Narvik, a brigada que eles embarcam no dia 12 de abril vai
desembarcar no pequeno porto de Harstad, na ilha Hinnoy. O
objetivo está a 100 km atrás das montanhas, onde o caminho é tão
difícil como o do monte Branco. Churchill envia um vigoroso
marinheiro, o Almirante Lorde Cork, mas Churchill é apenas o
Almirantado, e o general comandante das forças terrestres,
Mackesy, depende do War Office e fica surdo aos enérgicos

[ 120 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

conselhos de seu colega da Marinha. O céu intromete-se, derrama


1,50m de neve fresca. “Esperarei - decreta Mackesy - que a neve se
derreta”. No campo aliado, a ação não restabeleceu a harmonia. As
relações franco-inglesas permanecem acres. Não são menos azedas
as relações internas nas esferas dirigentes francesas. A falta de
preparação da expedição norueguesa irrita Paul Reynaud, que, no
gabinete de guerra do dia 12, arrasa Gamelin com censuras.
Daladier deixa seu lugar de vice-presidente do Conselho e vai
sentar-se à extremidade da mesa, ao lado do general, como um
advogado perto de seu constituinte. Depois da sessão, Gamelin
redige seu pedido de demissão. Daladier faz com que ele o rasgue,
deixando-o entender que os dias do gabinete Paul Reynauld estão
contados.

Em Londres, um plano grandioso é elaborado contra


Trondheim. Toda uma armada entrará no vasto fiorde. Lá estarão
o Valiant, o Renown, o Glorious, o Warspite, 4 cruzadores de
DCA, 20 destróieres, muitos navios-transporte. Cem aviões
patrulharão o céu. Uma brigada do exército regular e um batalhão
de canadenses desembarcarão diretamente na cidade. Uma brigada
francesa seguirá como reforço. Dois movimentos acessórios serão
combinados com esse assalto frontal, um partindo de Namsos, a
150 km ao norte; o outro partindo de Andalsnes, a 200 km ao sul.
Um homem ainda jovem, vibrante de confiança, o Almirante Sir
Roger Keyes, mendiga o favor de conduzir a esquadra. Garante a
vitória em Trondheim.

O assalto frontal, “Hammer”, foi fixado para 22 de abril.


Nos dias 15 e 17, vanguardas desembarcam, sem oposição, em
Namsos e em Andalsnes. Mas, no dia 18, o comitê de chefes de
Estado-Maior, considerando o número e o valor dos navios que é
preciso arriscar, condena a operação “Hammer”. Keyes,
inconsolável, oferece-se para conduzir contra Trondheim os mais

[ 121 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

velhos navios da Marinha Real e da marinha mercante. Sua


proposta é recusada. Tomar-se-á a cidade, mas unicamente por via
terrestre, pela junção dos dois ramos extremos, a que se forma em
Namsos e a que se forma em Andalsnes.

O duplo desembarque fez renascer a agitação de Hitler. A


situação em Trondheim é a mesma que em Narvik. As tropas que
dominam a cidade, 5.000 homens quando muito, são cortadas do
grosso das forças alemães desembarcadas na região de Oslo. Hitler
determina marchas impossíveis, para socorrê-las, considera uma
ação marítima, agora que já não tem navios, e, finalmente, volta
seu furor contra os noruegueses, cuja resistência e poder de
destruição no Gudbrandsdal retardam a subida, para Trondheim,
das divisões de infantaria 163 e 196. Tentou-se conquistar os
noruegueses com bons modos; eles respondem a mão armada.
Hitler decide chamar o embaixador e dar à Noruega um Gauleiter,
o impiedoso Terboven.

Mas é supérflua a angustia de Hitler. Imediatamente, as


coisas andam mal para os Aliados. A única maneira de tomar
Trondheim seria um assalto frontal, que os chefes de Estado-
Maior haviam julgado arriscada demais. Os longos movimentos
terrestres, por estradas de 3 m de largura, na neve e na lama, sob a
superioridade da aviação adversária, não estão ao alcance de tropas
mal equipadas e mal conduzidas.

Namsos. É uma pequena cidade de madeira e um pequeno


porto de pescadores. A organização da expedição é tão defeituosa,
que a DCA se encontra no comboio de segundo escalão,
notadamente no ex-navio de passageiros Ville d’Alger, que não
pode aproximar-se do porto, por causa de seu calado. Os alemães
deixam que desembarquem as tropas: duas brigadas inglesas, uma
divisão ligeira francesa. Depois a Luftwaffe aparece e incendia a

[ 122 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

cidade. O General Carton, apesar de tudo, põe seus ingleses em


marcha, enquanto os franceses do General Audet se retardam em
Namsos. O tempo está pavoroso. As tropas, esperarão Steinkjer à
cabeça do fiorde de Trondheim, depois recuarão diante do frio e
do desconforto, mais do que diante da resistência inimiga.

Andalsnes. A cidade é ainda menor que Namsos e o vale


que aí termina está muito encaixado. A princípio, os ingleses
acreditam que a vitória será rápida. Transpõem um desfiladeiro, a
1500 m de altitude, e desembocam no Gudbrandsdal, eixo das
comunicações e da riqueza norueguesas. De Dombas, uma estrada
se dirige para Trondheim e para Carton. Mas, antes de acabar de
sonhar com a junção, é preciso reforçar a cobertura do flanco
direito, indo ajudar as unidades norueguesas do General Ruge, que
barram o Gudbrandsdal, em Lillehammer. A 148ª Brigada aí se
precipita, pela estrada e pela ferrovia. Segue-se a 15ª Brigada,
chegada da França sob o comando do General Paget. Mas o
choque com as tropas alemãs interrompe o que se iniciava como
reconquista triunfal de Oslo.

A 148ª deixa os inimigo seu brigadeiro e seus arquivos,


com todas as provas que estabelecem que Hitler só fez anteceder
os ingleses na Noruega. Penosamente, Paget leva os restos da
expedição para Andalsnes.

No dia 30 de abril, Hitler está radiante: suas tropas do


Gudbrandsdal fizeram junção com os defensores de Trondheim.
Dois dias mais tarde, já não resta um único francês, nem um único
inglês na Noruega central. Partiram sob bombardeio,
abandonando as armas, perdendo navios, provando às suas custas
que o domínio do mar nada vale, quando não se possui, ao mesmo
tempo, o domínio do céu.

[ 123 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Em torno de Narvik, a neve ainda não derreteu. Estão em


curso grandes preparativos. Churchill conseguiu fazer com que o
tímido General Mackesey fique subordinado ao enérgico
Almirante Cork. O contigente francês, vigorosamente comandado
pelo jovem general Bethouart, vindo da França como coronel,
compreende meia brigada de caçadores alpinos, 4 batalhões
poloneses e 2 batalhões de infantaria da Legião Estrangeira,
chegados de Sidi-Bel-Abbes. Todos os legionários são voluntários
e, como alguns são alemães, deu-se a eles papéis em que constam
como naturais da Bretanha, de língua bretã, na cândida esperança
de que escaparão da morte se forem capturados por seus
compatriotas. O plano de ataque é organizado. O desembarque
será em Bjervik, ao fundo do fiorde Herjansk. Narvik será tomada,
transpondo-se o fiorde Rombaks. A data marcada para o inicio das
operações é 12 de maio.

Os alemães, por sua vez, esforçam-se para reforçar o grupo


Dietl. Hitler admite violar a neutralidade sueca, mas Goering,
alertado por uma mensagem pessoal de Gustavo V, consegue
dissuadi-lo. Os suecos pagam deixando passar munições e alguns
reforços camuflados. A Luftwaffe traz outros reforços,
pertencentes à 3ª Gebirgsdivision. Em terra, esforços sobre-
humanos são desenvolvidos para estabelecer ligação entre
Trondheim e Narvik. As tropas alpinas instalam uma cadeia de
postos de reabastecimento, mas, diz o comandante-chefe
Falkenhorst, trata-se mais de uma expedição em alta montanha do
que de uma operação militar. “O trabalho que nossos
destacamentos devem realizar é comparável à escalada no Nanga
Parbat”. Tudo está pronto para a batalha da rota do ferro. Na
França, Paul Reynauld proclama que ela está suspensa e, na
Inglaterra, Churchill afirma que a campanha da Noruega se saldará
por uma vitória, se os Aliados tomarem e conservarem Narvik.

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