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Segunda Guerra Mundial - Volume I

5 a 24 de Junho de 1940
A Agonia da França
Dilaceração

O ataque alemão no Somme e no Aisne foi previsto pelo GQG


francês para 10 de junho. Mais uma vez o inimigo está na
dianteira.

No dia 5, às 5h da manhã, a artilharia abre fogo, os Stukas


mergulham sobre as posições francesas e os tanques surgem na
terra-de-ninguém. Começou a segunda fase da campanha do
Oeste, a batalha da França.

Do lado francês é a batalha do desespero. No Mosa e na


Bélgica, a França perdeu 30 divisões, mais 9 divisões inglesas. Os
levantamentos prévios nos Alpes, os reforços da África, as
reconstituições de unidades permitiram elevar a 66 o número de
divisões da frente nordeste. São menos 23 que a 10 de maio - e,
ainda mais, as divisões reconstituídas são do tipo ligeiro, com dois
regimentos de infantaria, em vez de três, e dois ou três grupos de
artilharia, em vez de cinco. As grandes unidades blindadas ou
semiblindadas se reduzem a uma DLM de criação recente, duas
DCR incompletas e três fracas divisões ligeiras de cavalaria; que
não representam, todas juntas, o valor de duas Panzerdivisionen.

Contra esse exército amputado, o Exército alemão se


apresenta numa situação bem mais favorável que a 10 de maio.
Atacava, então, numa região difícil, unicamente com forças
rápidas, a massa de infantaria seguindo a uma crescente distância.
Agora essa infantaria está em condições de entrar em linha ao

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mesmo tempo que os blindados. Do Reno à Mancha, contra 27


divisões francesas, a Wehrmacht emprega 45 e, sobre as 22
divisões que Weygand guarda de reserva, pode lançar mais que o
dobro. Está em condições de empreender a batalha de massa e a
batalha de rapidez, com a mesma superioridade.

No entanto, às vésperas dessa luta desigual, o moral do


soldado francês era elevado. Pela primeira vez, o Exército se sente
comandado. As instruções dadas por Weygand são inteligentes,
firmes e claras: abandonar a defesa linear, organizar-se em
profundidade, fechar-se nos pontos de apoio cercados, não temer
deixar-se ultrapassar pelos tanques. Os combatentes estão
confiantes, mas os que conhecem a situação das forças não podem
iludir-se.

Do lado alemão, encontram-se os grandes realizadores das


campanhas precedentes. Von Bock está na ala direita, da
embocadura do Somme ao maciço de Saint-Gobain, com três
exércitos: 4°, 6° e 9°. Von Rundstedt está no centro, de Saint-
Gobain a Montmédy, com o 2°, o 12° e o 16° Exércitos. Leeb
continua ocupando a frente de Luxemburgo à Suiça com o 1° e o
7° exércitos. Desta vez ele deve sair de sua passividade e
empreender dois ataques, um na Lorena, outro na Alsácia.

A impaciência havia fixado a data da ofensiva para 31 de


maio, de início. O engarrafamento das retaguardas e a desordem
das colunas blindadas forçam-na a tolerar uma espera de seis dias.
A manobra deve desenrolar-se em dois tempos: primeiro, uma
ruptura da frente do Somme pelo grupo Bock; em seguida, um
ataque do grupo Rundstedt em Champanhe. A totalidade deste
destruirá os exércitos do Leste, pela retaguarda, num movimento
de cerco cuja amplitude atingirá Dole e Pontarlier.

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O grupo Bock se abrirá como um leque. Uma parte tomará


Paris e, por Troyes, Dijon e Lião, dará a volta nos Alpes e atingirá
o Mediterrâneo. A outra parte submeterá a Bretanha e assenhorar-
se-á da costa atlântica até os Pirineus.

O plano é grandioso. Hitler armou-o sem nenhuma das


flutuações que marcaram a elaboração do plano de Sedan.
Nenhuma previsão foi feita quanto a uma eventual reação do
adversário; trata-se mais de um programa de marcha militar do que
de um dispositivo de batalha. Mas essa audácia não é vantagem.

O Comando alemão conhece exatamente o estado dos


restos do Exército francês. Em maio, ele arriscava alguma coisa,
em junho não arrisca nada.

Todo o patético está do lado francês - do lado do velho


Weygand coberto de glória e acabrunhado pela impotência,
retirando-se toda noite acompanhado da sombra de Foch, para lhe
pedir a inspiração de um milagre. Ele articulou seus fracos
exércitos em três grupos. O segundo, Prételat (8°, 5° e 3°
exércitos) defende, de Basiléia a Longuyon, uma fronteira ainda
não violada. O quarto, confiado ao vencido de Sedan, Huntziger,
reúne o 2° e o 4° exércitos, com a missão de barrar o caminho de
Châlons. O terceiro, enfim, o maior e o menos preparado,
compreende o 6°, o 7° e o 10° exércitos e se espalha de Reims ao
mar. Weygand sabe muito bem que sua frente se enfraquece à
medida que se aproxima do oeste, mas com os bombardeios e os
refugiados nas estradas, seriam necessários mais alguns dias para
repartir melhor as suas forças. Por trás de sua tênue linha de
batalha, Weygand articulou suas reservas. Os grupamentos Petiet e
Audet atrás do GE 3; o grupamento Buisson atrás do GE 4.
Quatro divisões de infantaria, a metade de uma divisão blindada
inglesa, mais tudo o que resta dos DLM, dos DCR e dos DLC. É

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dramático à força de ser insignificante. Mas os combatentes não


sabem disso. Dia 5, à noite, um imenso raio de esperança ilumina
Vincennes, Montry e La Ferté. Os oficiais de ligação chegam das
tropas como mensageiros do otimismo. A tática do ouriço é
compreendida e aplicada. As tropas lutam encarniçadamente.
Entrincheiradas nas cidades, deixam-se ultrapassar pelos tanques e
destroem a infantaria que os segue. As aberturas feitas pelos
blindados são, no momento, somente corredores estreitos, como
aquele pelo qual Rommel penetra entre Abbeville e Amiens ou
aquele que a 10ª DP consegue abrir na região de Noyon. Faz
muito calor, os dias são intermináveis, as cidades só tem por
habitantes soldados e os cães abandonados, e, nos momentos de
trégua, ouvem-se os lamentos das vacas pedindo ordenha. Nada
poderia ser tão diferentes do corpo-a-corpo, da progressão lenta,
da guerra linear tal qual era imaginada sob o comando de Gamelin.
Mas os soldados franceses se adaptam a esta nova forma de
combate e não se percebe nenhum enfraquecimento.

Todos os generais alemães que relataram os primeiros dias


da batalha da França frisam a tenacidade e a habilidade da
resistência com que se defrontaram. Rommel escreve que os
franceses lutaram desesperadamente. Tippelkirsch assinala que,
pela primeira vez, “o inimigo prova que sabe conduzir uma batalha
defensiva”. Von Manstein, polonês prussianizado, só consegue
explicar a estacada sangrenta do seu 38° Corpo diante de
Picquigny ao saber que os soldados à frente são “alsacianos, cujos
pais serviram na Guarda ou na Marinha do Kaiser”.

Depois das derrotas decisivas de Sedan e de Dinant, essa


valentia das tropas francesas refeitas deixou apenas um traço sutil
na história da guerra. No entanto, seria injusto ignorá-lo.

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Mas, para a tática de Weygand ser eficaz, seria necessário


poder destruir as colunas blindadas que se infiltravam através do
quadrilátero de apoio. Não é um pequeno número de tanques
espalhados dos Vosges à Mancha que pode consegui-lo.

O dia 6 é a repetição do dia 5. No centro, a batalha ganha


em profundidade, o Chemin des Dames está perdido, mas o
dispositivo como um todo não é afetado. A oeste de Amiens, a
ação inimiga é menos violenta do que na véspera - e, no entanto, é
desse lado que se produz o primeiro rompimento grave. Com a 31ª
DI francesa, que lhe é subordinada, a única divisão inglesa na
linha, a 51ª, composta de escoceses das Highlands, mantém 60 km
de frente. Luta valentemente, mas seu comandante, o General
Fortune, inquieto com a dispersão e com as perdas de suas
unidades, mal instruído sobre as novas concepções da batalha
defensiva, temendo ficar isolado de seu terreno, determina geral
recuo para o Bresle.

No dia 7, a luta defensiva continua com sucesso à direita e


ao centro do 3° Grupo de Exércitos. É a esquerda que se produz o
desastre. O Corpo Blindado Hoth (5ª e 7ª Panzer) lança-se em
massa sobre o platô de Hornoy. Não haverá, como em Sedan, uma
fuga precipitada, mas tenaz resistência. O que cede é apenas uma
camada muito fina sob um golpe muito forte. Rommel dá ordem
de contornar os pontos de apoio, de evitar as cidades e as estradas,
de progredir através dos campos. Penetrando profundamente nas
linhas francesas, ele surpreende a 17ª Divisão ligeira em operação
de desembarque e passa por ela sem se deter. A brecha está aberta.
À noite, a estação de águas do Rei Sol, Forges, vê, estupefata, sob
a sombra de suas belas árvores, chegarem os poeirentos tanques
alemães.

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A estrada de Ruão está desimpedida. O 10° Exército


(Robert Altmayer) está dividido em dois. O 9° CE, que forma a
sua esquerda, está bloqueado entre o baixo Sena e o mar. Sua
história, doravante, será breve. Algumas centenas de homens
conseguirão embarcar no Havre e em Saint-Valery-en-Caux.

O resto, inclusive o comandante do Corpo de Exército,


Ihler, e, ironicamente, o general inglês de nome Fortune, capitulará
a 12 de junho.

Nesse ínterim, no dia 10, Mussolini declarou guerra à


França e à Inglaterra. O Sena foi transposto pelo Grupo Von
Bock, que, depois de ter tomado Gaillon e Louviers, marcha sobre
Evreux. A ala direita do GE 3, descoberta pelo desastre da sua ala
esquerda, recuou para o grande subúrbio parisiense, perdendo na
passagem de Oise parte de sua artilharia. A segunda fase da
ofensiva alemã começou. Dia 9, às 4h30, Von Rundstedt atacou de
Soissons a Argonne: é dado o golpe de misericórdia.

Como no Somme, os soldados franceses lutam com


desesperada energia. A 14ª DI do General La Lattre de Tassigny,
rompe o assalto alemão em Rethel. O 41° Corpo Blindado é
contido diante de Fismes pelo 6° Exército. O 19° Corpo Blindado
alemão está por um momento desequilibrado, por um contra-
ataque da 3ª DCR e da 7ª DLM. Mas, do Aisne ao Mosa, o
Exército alemão dispõe de 6 Panzer, 27 divisões de infantaria de
primeira categoria, 11 de segunda e 15 de reserva imediata, contra
23 divisões francesas, incluindo todas as reservas.

Os exércitos de Weygand já não se encontram fisicamente


capazes de impedir o avanço inimigo.

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Reims é tomada. A Montanha de Reims cai. O Marne é


transposto. Os tanques alemães rodam alegremente nas extensões
planas e firmes da Champanhe Pouilleuse. Seguem-se as massas de
infantaria, ébrias de poeira, de vitória e de calor. A eventualidade
prevista pelo General Weygand na sua nota de 29 de maio, “a
ruptura definitiva de nossas posições, realiza-se...

Em Briare, rompe-se a aliança

A 11 de junho, cai sobre Paris o fenômeno que acompanha


todas as catástrofes militares modernas, a chuva de fuligem
proveniente dos depósitos de combustível incendiados. O
Governo partira, na véspera, para Tours. Cartazes assinados pelo
General Hering, governador militar, anunciam que Paris foi
declarada cidade aberta. A decisão foi tomada por Weygand, que
considera como militarmente inútil o holocausto de uma capital
acossada por todos os lados.

Os alemães fazem saber pelo rádio que exigem, para


reconhecer essa neutralização, a cessação de toda resistência ao
norte da linha Saint-Germain, Versalhes, Juvisy, Saint-Maur e
Meaux. A condição é aceita.

A notícia de que Paris não será defendida, que será


poupada ao horror dos combates, ecoa paradoxalmente como sinal
de pânico. Uma multidão imensa, enegrecida pelas cinzas que
caem do céu, sai em vagas apressadas pela portas de
Fointainebleau e de Orleãns, amontoando-se em todos os veículos
imagináveis, puxando carrinhos de mão e carrinhos de bebê,
levando crianças e trouxas. Essa gente vai reforçar a multidão que,
vinda do Norte da França, se lança como uma torrente sobre a
parte ainda livre do país.

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Enquanto o Governo chegava a Tours, o GQG recuava


para Briare. Churchill aí chega no dia 11 à noite, no seu Flamingo
particular, escoltado por 11 Hurricanes.

O Primeiro-Ministro é conduzido à residência do General


Weygand, uma construção cor-de-rosa, que tem o nome bucólico
de Castelo do Muguet. Reynaud, Pétain e Weygand esperam-no,
assim como o General De Gaulle, a quem Reynaud, na sua última
reforma ministerial, fizera subsecretário de Estado da Guerra.
Churchill trouxe Éden e os generais Dill, Ismay e Spears. Ao cair
da tarde, as nuvens que se amontoam, a tempestade que se forma,
o brilho arisco das velas, propiciam um ambiente triste ao
encontro franco-britânico, o mais dramático que já houve.

A exposição da situação militar feita por Weygand


consterna os ingleses. “Minha língua secou”, conta Spears... No
entanto, ao invés de enegrecer o quadro, o Generalissímo aponta
razões de otimismo, coloridas de uma total irrealidade. Não há
mais um só batalhão de reserva. Os 135 km do setor do baixo
Sena são mantidos por 5 divisões, das quais duas só tem dois
regimentos de infantaria, e os 44 km de Ourcq ao Maine, por uma
só divisão. “Mas - diz Weygand -, o 2° Grupo de Exércitos
conseguiu restabelecer-se e é incontestável que o adversário está
muito cansado. Dá-se como que uma colorida entre o seu ofegar e
o nosso esgotamento. O deus dos exércitos decidirá...”. No
entanto, a decisão do deus dos exércitos já foi tomada. Mais da
metade das divisões alemães de infantaria não foi ainda engajada e
sobra às Panzer mais fôlego do que lhes é necessário para atingir
os Pirineus. Weygand falou nervoso e petulante, como era de seu
temperamento. Churchill, que não gostava dele, desejou ouvir
Georges, a quem conhecia pessoalmente e no qual tinha confiança.
Sóbrio e triste, Georges é ainda mais desencorajador do que o
comandante-chefe. O limite é atingido. A França está nas últimas.

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Churchill não se resigna. Tudo o que a eloquência pode


colocar num debate, ele coloca. Torrentes de palavras. Fantástico
jargão anglo-francês, incompreensível e límpido, mímico passando
do furor à persuasão e da exortação à explosão. Mas seus
argumentos são pateticamente fracos em face da invasão que
penetra o corpo de um país vencido. Churchill deseja que a
Alemanha se lance contra a Inglaterra para proporcionar uma
trégua à França - mas não é ele que comanda a Wehrmacht.
Desejava que se prolongasse a resistência por uma guerrilha geral -
mas a guerrilha é de geração espontânea e não se decreta de um
castelo. Ele promete ajuda inglesa, mas aquilo de que dispõe é
quase nada de imediato: uma divisão - “com 72 canhões”, declara
em tom confidencial, como se revelasse um segredo providencial,
e 25 divisões “para contra-atacar na primavera”. Agora que o
inimigo está às portas de Paris e avança a 50 km por dia!

Um momento! Pétain quer dizer alguma coisa. Ele está tão


pálido, diz Spears, que se diria uma máscara de gesso. Fala olhando
para as mãos, postas diante de si, sobre a mesa. Churchill acaba de
lembrar que houve, durante a guerra precedente, horas
desesperadoras e que a volta da sorte sobreveio no momento em
que tudo parecia perdido. O General Weygand responde que as
situações não são comparáveis, que não havia em 14-18 a
cooperação do tanque e do avião, que transformam o ritmo da
guerra. Pétain quer acrescentar algo: em março de 1918, ele enviara
20 divisões para salvar o exército de Gough, que acabava de
penetrar na área do Somme, depois 20 outras divisões, um pouco
mais tarde, no mesmo dia em que Churchill veio vê-lo em seu QG.
Falando sempre fitando as mãos, sem levantar o rosto lívido,
Pétain conclui: “Naquela época, a Inglaterra tinha na França 60
divisões...”

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A Inglaterra não tem mais divisões. Mas ainda tem aviões,


e, antes de tudo, é da força aérea que o resultado da batalha
depende. Reynaud reclama a ajuda total da RAF. Churchill se
fecha. Os franceses lamentam. Weygand conta a experiência de um
bombardeio aéreo, por ele sofrida, alguns dias antes, no QG de
Robert Altmayer. A única maneira de devolver a ascendência aos
soldados franceses é varrer dos céus esses aviões que os
atormentam e desmoralizam. Isso requer uma intervenção maciça
dos caças ingleses. É o momento decisivo. Ainda é tempo. Logo
será tarde demais.

Churchill é bifronte. Fala a seus aviadores, ao comandante


da Força Aérea, Marechal Dowding, como Weygand lhe fala - mas,
diante dos franceses, são seus argumentos que ele defende. Não,
não são nem o momento nem o lugar decisivo. O momento será
aquele em que Hitler lançar a Luftwaffe contra a Inglaterra, campo
de batalha decisivo. É preciso reservar a RAF para este combate
do qual depende a sorte do mundo. Se a luta for perdida, tudo
estará perdido. Se for ganha, tudo estará salvo. Inclusive a França
(“Se pudermos manter o comando do espaço, se pudermos manter
aberto os mares, poderemos obter tudo isto de volta para
vocês...”)

A tempestade desaba do céu. A chuva cai torrencialmente


sobre a horda de refugiados bloqueados ao longo da nacional 7. A
conferência franco-britânica terminou. Bem poderia não se ter
realizado. Uma breve reunião, na manhã seguinte, sobre as
mesmas teses sem sucesso, não faz mais do que repetir a anterior.
Nenhuma decisão é tomada. Foi tratada vagamente a questão do
reduto bretão, que o General Robert Altmayer foi encarregado de
organizar, mas - se bem que a cooperação da Marinha britânica
seja indispensável - nenhuma palavra foi pronunciada a respeito de
um prolongamento da resistência francesa na África do Norte. Por

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

outro lado, Paul Reynaud esbarrou com dificuldades inesperadas


quando quis dar seguimento à idéia do envio de duas novas classes
para além do Mediterrâneo. Noguès respondeu-lhe com objeções
de tempo de paz: faltam de casernas e de instrutores, situação
sanitária desfavorável, estações quente, etc. Finalmente, o
comandante-chefe na África do Norte aceitou simplesmente o
envio de 20.000 jovens soldados, uma miséria. Seus colaboradores
mais próximos testemunharão que ele estava longe de suspeitar da
gravidade da situação e que ficou aterrorizado com a derrota.

A aliança está morta. O diálogo já não se estabelece. A


Inglaterra não pode ser censurada por querer conservar para si a
sua arma suprema, os 25 grupos de caça do Fighter Command.
Mas Churchill é o primeiro a compreender a incoerência de uma
posição que consiste em pedir à França que aceite a devastação
total de seu território, o massacre ou a captura de toda a sua
população, enquanto ele guarda para si o pequeno número de
aviões que talvez ainda pudesse modificar o curso dos combates.
“Durante essa miserável discussão - escreverá ele, eu estava
obsedado pela tristeza, pensando que a Inglaterra não tinha sido
capaz de uma contribuição mais importante à guerra e que, até
agora, os nove décimos de esforços e os 99% de sofrimento
haviam sido jogados somente sobre a França”... Mas este
movimento sentimental, este nobre remorso não o podem desviar
do objetivo primordial, a salvação de seu país. Ele parte, ao fim da
manhã. O céu encoberto, não permitindo aos Hurricanes escoltá-
lo, ele viaja audaciosamente no seu pequeno Flamingo e sobrevoa
temerariamente a mancha de óleo do avanço alemão. Sobre o
Havre em chamas, a cortina de nuvens que o protegia se abre e ele
acaba sua viagem a 30 m de altitude sobre a Mancha, para escapar
aos caças inimigos. A prestação de contas que faz nesta mesma
noite ao gabinete de guerra assim se resume: a França está perdida.

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A quimera do Reduto Bretão

Às 13h15, três horas depois da emocionante partida de


Churchill, o General Weygand assina a ordem de recuo geral que
preparou na véspera. A finalidade é manter a coesão dos exércitos,
cuja ruptura, desagregação e cerco são apenas questão de horas, se
eles permanecerem em suas posições. Devem-se retirar para uma
linha de retaguarda que vai da Suiça, ao mar, por Rousses,
Champagnole, Dole, Côte-d’Or, Morvan, o Loire - de Briare a
Tours, Alençon e Caen. A questão da Linha Maginot está
resolvida: abandonam-na. O General Prélelat, que comanda o GE
2, havia proposto isto, muitos dias antes, mas Weygand, temendo
o efeito moral, havia adiado o sacrifício e deixado atrás do inútil
escudo da França três exércitos intactos, o 3°, o 5° e o 8°. Agora
ordena sua retirada, o mais rapidamente possível, para o eixo
Sarrebourg-Epinal-Dijon. As esquipes de trabalho cobrirão a
retirada e depois se reunirão ao grosso da tropa. Assim, depois de
ter custado alguns bilhões de francos, que teria pago um corpo de
batalha, depois de ter falseado todo o pensamento militar francês,
a funesta linha é sacrificada sem combate.

No centro, o 2° e o 4° exércitos recuam para Troyes e


Nevers. Na ala esquerda o Grupo de Exércitos de Besson de
desagrega. O 7° Exército (Fère) e o Exército de Paris (Hering),
este, mais fantasma do que substância, se dirigem para Orleães
contornando a capital neutralizada. O 10° Exército (Altmayer) é
posto sob ordens diretas do GQG. Seu recuo segue um eixo
excêntrico: Ruão, Argentan, Rennes. A missão que lhe foi
designada é dupla. Primeiramente, manter a extremidade ocidental
da linha de retaguarda; em segundo lugar, organizar e defender o
reduto bretão.

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Exército, palavra majestosa! Significa um imponente QG,


serviços múltiplos, unidades de combate numerosas e poderosas,
estados-maiores transmitindo de escalão a decisão do chefe. Mas
só a palavra ficou, como uma fachada de um monumento
desmoronado. Metade das divisões desapareceu completamente.
Muitas das que restam se reduzem a três ou quatro batalhões e a
um pequeno núcleo de artilharia. Deserta quem quer: basta
misturar-se à onda de refugiados e deixar-se levar por ela. O
exercício do comando tornou-se quase impossível, pelo
engarrafamento das estradas e pela perda do material de
transmissão. As ordens, para as quais se exigia antes rigoroso
código cifrado, são dadas agora pela rede telefônica civil,
obstruída, danificada e obsoleta.

Em Briare, o Castelo do Muguet, acantonamento do


comandante-chefe, só está ligado aos exércitos e ao mundo por
um telefone de parede, colocado diante da porta dos gabinetes e
que não funciona das 12 às 14 horas, por causa do almoço da
recepcionista. Alguns dias mais tarde, o Deuxième Bureau só
poderá informar-se do avanço inimigo chamando as cidades
ameaçadas com o auxílio de um outro telefone de parede,
colocado no gabinete do diretor da escola primária superior de
Ussel. Os últimos dias de agonia da França vão-se desenrolar fora
da realidade. Um comando fantasma tentando dar consistência a
uma sombra de exército.

A 12 de junho, o General Altmayer ouve falar pela


primeira vez do “reduto bretão da defesa nacional”. Ordenam-lhe
que constitua “uma frente defensiva nas linhas do Rance e do
Vilaine, cobrindo Rennes na altura de Vitré”. Seu exército está
reduzido a duas divisões, em conseqüência da captura de sua ala
esquerda. Reforçam-no pondo à sua disposição as 4 divisões do
16° Corpo. Um dos principais defeitos dessas divisões é o fato de

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que não existem. Os soldados e seu chefe, o General Fagalde,


foram arrancados de Dunquerque, mas é preciso reorganizá-los e
armá-los dos pés à cabeça. Seu efetivo é avaliado em 50.000
homens, amálgama do que restou de 17 divisões, mas é a custo
que, a 13 de junho, 2 ou 3 batalhões estão em condições de
combater. No dia 16, ainda não se pode contar senão com 12
batalhões, 8 baterias de 75 e 4 baterias de 25. Salvo na infantaria,
isso não chega sequer a eqüivaler a uma divisão do tipo comum.

O grupamento Fagalde tem outro ponto fraco: não está no


reduto bretão, mas na Normandia, nos arredores de Alençon. Em
lugar de trabalhar na organização das “linhas do Rance e do
Vilaine” - que não tem nem um metro de arame farpado -, é
preciso que esse grupamento recue diante de um adversário dez
vezes mais ágil. A 17 de junho, Rommel avançará 240 km -
enquanto os defensores do hipotético reduto bretão marcham com
os pés ensangüentados. Como as Panzer deixariam de chegar antes
deles a Rennes e Brest?...

Tours tornou-se a capital da França. Os ministérios foram


dispersados por todos os castelos de Touraine. As ligações são
difíceis, por causa das distâncias e do atravancamento das estradas.
Seriam necessárias semanas para que o Governo recomece a
funcionar, de maneira mais ou menos normal - enquanto o Loire
já está designado como a frente suprema, onde se tentará estancar
a invasão. Alguns quiseram que se imitasse o precedente de 1914,
que só se recue até Bordéus. Mas Tours continua sendo o caminho
de Brest. O Governo hesita diante da bússola dos exílios.

Cangé, nas margens do Cher, tornou-se a residência do


Presidente da República francesa em derrocada. Enquanto
Churchill voava para Londres, Reynaud e Pétain partiram em
direção a esse Champs Elysées da desgraça. Weygand seguiu-os.

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Chega quando o Conselho de Ministros já está em reunião, num


salão em que falta a mesa de deliberações. São 7h, o sol ainda está
alto e, ao fundo do vale verde, vê-se correr indolente o Cher.

A exposição de Weygand é ainda mais catastrófica - e mais


verídica - do que a feita na véspera para Churchill. Ele não deixa
subsistir nenhuma esperança. Os exércitos ainda não estão
desagregados, continuam nas mãos de seus chefes, mas é uma
questão de dias para que se tornem uma horda perigosa para a
ordem pública. O prosseguimento das operações militares é
impossível, e é um dever para com o Exército, e para com o país,
pedir ao inimigo as condições de um armistício.

Os ministros não estavam preparados para o choque.


Ignorando as questões militares, cuidadosamente mantidos longe
do comando das operações, eles foram joguetes de sua própria
propaganda. Celebra-se ainda a retirada de Dunquerque como uma
vitória que anulou a que o inimigo conseguira nas Ardenas num
golpe surpresa. A batalha da França prossegue, as divisões
blindadas alemães se esgotam, Paris ainda não foi tomada e, atrás
de Paris há o Loire, onde se espera o choque decisivo.
Atormentado pela fadiga, pela insônia, pela angústia e pela
humilhação, Weygand falou a esses civis - os quais vê como
principais responsáveis - com um tom irritado, com uma
intensidade emocional que o faz confundir seu infortúnio pessoal
de grande chefe, caindo da glória na desonra, com o naufrágio da
pátria. Os civis reagem estupefatos. Aceitar a derrota? Pedir os
armistício? A opinião pública, a França, o mundo não
compreenderá... Paul Reynaud argumenta. Weygand falou como
militar, mas o problema não é exclusivamente militar. Um pedido
de armistício seria inútil: Hitler não é um velho gentleman como
Guilherme II; Hitler é um Gengiscã: ele só vê na guerra o
extermínio dos vencidos. Mais vale a pena prosseguir na luta,

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

entrincheirar-se no reduto bretão e, se forem expulsos, atingir


Argel, e, se for preciso, Dacar, e se for preciso, Fort-de-France -
esperando que os americanos fabriquem tanques e os aviões que,
por sua vez, esmagarão o inimigo comum.

A discussão acaba em tumulto. Weygand se retira. Vários


ministros falaram contra o armistício. Alguns com ardor, como
Dautry e Louis Marin. O ministro de Informações, Jean Prouvost,
expressou sua hostilidade à idéia de abandonar o território
nacional, e só o Marechal Pétain aprovou de maneira categórica o
pedido de armistício. Nenhuma decisão foi tomada.

Reynaud pediu a Churchill que voltasse à França, para um


novo exame da situação com o governo francês. Antes de cometer
o irreparável, é preciso ouvir sua última palavra.

Churchill chega a Tours, escoltado por sua esquadrilha de


Hurricanes, no dia 13 de junho, às 13h. Ninguém o espera no
aeródromo recentemente bombardeado. Ele encontra um carro e,
com os lordes Halifax e Beaverbrook, vagueia pela cidade cheia de
fugitivos. O Grande Hotel abre para o Primeiro-Ministro seu
restaurante fechado por falta de gêneros e prepara-lhe um almoço
que ele tem a ingratidão de declarar execrável. Enquanto Churchill
acalma o apetite, o governo francês procura-o. Paul Baudouin
descobre-o no momento em que ele sai da mesa e leva-o à
Prefeitura, onde Paul Reynaud o espera. A discussão se trava
imediatamente.

Reynaud declara que se desobriga do mandato que lhe foi


confiado por seu Conselho de Ministros. Qual seria a atitude da
Inglaterra se o pior acontecia à França, se ela era obrigada pela
esmagadora superioridade alemã a se retirar do campo de batalha
comum?

[ 240 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Antes de responder, Churchill recomeça seu magnífico


discurso de Briare. Prega a coragem dos últimos instantes e volta à
idéia de uma guerrilha que faça da França o túmulo da
Wehrmacht, Mas, fato singular, fala apenas da frota francesa,
trunfo principal, e não toca no Império francês, imensa posição de
recuo, sobre a qual a colaboração franco-britânica teria
possibilidades de se organizar. O que significa dizer que prega o
impossível. A guerrilha nasce por si mesma contra o inimigo
enfraquecido. Não surge contra o inimigo triunfante.

A eloquência é vã. A derrota é iminente. Chamado à


realidade, Churchill declara que a Inglaterra se absterá de
recriminações inúteis e que, vitoriosa, ela restabelecerá a França
em sua dignidade e grandeza. No entanto, não se trata de desligá-la
do tratado pelo qual, a 28 de março, ela se obrigou a não concluir
em separado uma paz ou um armistício. Aceitar um fato brutal é
uma coisa; outro é legalizá-lo.

A tarde passa. O céu se cobre. Novamente a discussão se


dispersa. Os ingleses - em número de nove, bloco maciço em face
de Reynaud e de Baudoin - escondem a custo sua decepção diante
do que pressentem (a palavra é de Spears) como uma política nova
e derrotista da parte de Paul Reynaud. Tendo pedido uma
suspensão da sessão para conferenciar, eles vão refrescar suas
morosas reflexões passeando em volta do tanque mofado do
jardim da Prefeitura. O mais veemente é Beaverbrook. “Não se
meta em nada - diz ele a Churchill. - Estamos perdendo nosso
tempo. Voltemos!”.

Reiniciada a sessão, o Primeiro-Ministro declara que a


consulta que acabou de fazer a seus colegas não modificou em
nada a sua maneira de pensar. Acrescenta que se juntará a Paul
Reynaud para dirigir um apelo solene ao Presidente Roosevelt e

[ 241 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

que durante as próximas 48 horas a Inglaterra continuará a apoiar


as tropas francesas. “Esta hora - conclui Churchill - talvez seja a
mais negra de todas aquelas que teremos de viver. Mas continuo
totalmente confiante na destruição do regime hitlerista”. Se eu
perdesse esta confiança - responde Reynaud -, minha vida não
valeria a pena ser vivida.

No parque de Cangé, os ministros aguardam. Ao verem


surgir Paul Reynaud sozinho, manifestam sua surpresa. Um deles,
Bouthillier, lembra que havia sido combinado na véspera que o
Governo como um todo ouviria Winston Churchill - ao que Paul
Reynaud respondeu nervosamente que Churchill tinha pressa de
voltar a Londres e que aliás sua vinda a Cangé teria sido inútil, uma
vez que os dois governos estão de acordo em todos os pontos.
Bouthillier e Chautemps protestam: como poderia haver acordo
uma vez que o Conselho suspendeu sua decisão?

De novo Weygand fala. O quadro que ele traça sobre a


situação militar não pode ser mais sombrio, nem mais premente
seu pedido para cessar o massacre do Exército francês.
Questionando a sorte da esquadra, sugere enviá-la, antes de
qualquer pedido de armistício, aos portos da África, para que fique
fora do alcance inimigo. Por outro lado, declara “absurdo e
odioso” o projeto de um recuo do Governo para as possessões de
além-mar. “Por mim eu não deixaria o solo francês, mesmo que
tivesse que ser agrilhoado...” Depois, extremamente nervoso, pede
permissão para voltar ao seu QG. Parte, e, na antecâmara, diz em
termos soldadescos o que pensa dos políticos, que, “com o traseiro
na poltrona”, prolongam o sacrifício inútil dos soldados.

O crepúsculo veio envolto numa chuva fina. O parque se


encheu de sombras. O vale do Cher se apaga. O Marechal Pétain
pede permissão para ler uma declaração. As palavras se

[ 242 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

confundem no papel e ele deve aproximar-se de uma janela para


decifrá-las. Um silêncio de profundidade vertiginosa dá um tom
macabro à voz entrecortada do velho. “É impossível para o
Governo abandonar o território francês sem emigrar, sem
desertar... É preciso esperar aqui mesmo a renovação do nosso
país, mas do que a conquista do nosso território por canhões
aliados, em condições e num prazo impossíveis de prever... Ficarei
aqui entre o povo francês, no governo ou fora dele, para partilhar
suas penas e suas misérias... O armistício é, a meu ver, a condição
necessária da perenidade da França eterna...

Assim, o grande dilema está criado. Dois patriotismos


estão face a face. Um pensa que é possível transportar a chama da
pátria para fora da pátria. O outro crê que não há força e verdade
senão no solo natal. Um está pronto a sacrificar todo o presente, a
abandonar a nação inteira à mercê do inimigo, para manter intacto
o princípio da inflexibilidade e para exigir de um futuro
imprevisível uma reparação integral. O outro pensa que é preciso
aliviar os sofrimentos da França, impedir a captura total de seu
Exército, não deixar que ele seja entregue a um Gauleiter, preparar
uma renovação nacional livrando do desastre o que pode ser salvo.
Talvez nenhuma classe, nenhum partido, nenhuma família
pertença exclusivamente a uma ou outra destas duas concepções
opostas do dever. Os comunistas são fundamentalmente a favor
do armistício - como Weygand e Pétain. De Gaulle vem dos
mesmos meios religiosos e conservadores que se unirão em massa
pela cessação das hostilidades. O velho patriota de direita Louis
Marin é ardorosamente contra o armistício, mas não é nem mais
patriota, nem mais de direita, nem mais ardoroso do que o velho
combatente basco Jean Ybarnegaray, que se resigna como soldado
disciplinado que é. O tecnocrata Jean Monnet é contra, mas o
tecnocrata Yves Bouthillier é a favor. O radical Chautempos é a
favor, mas o radical Herriot é violentamente contra. Alguns dos

[ 243 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

que são a favor estão contaminados pela ideologia totalitária e


penetrados de admiração pela revolução nacional-socialista, mas
outros, Weygand à frente, são inimigos fanáticos da Alemanha e só
vêem no armistício uma pausa durante a qual eles prepararão a
retomada das armas. Os argumentos de uns e de outros são tão
fortes que esta oposição violenta das consciências é
profundamente respeitável. Os fatos não darão razão nem a uns
nem a outros. Os que partiram voltaram coma auréola da vitória -
mas o que teriam eles encontrado sem o trabalho de conservação
dos que ficaram? As ferozes acusações com que eles perseguem
desde um quarto de século perderão sua significação para as
gerações posteriores. Elas não verão traidores e heróis,
capituladores e aventureiros, mas unicamente franceses dilacerados
por um trágico conflito.

No dia seguinte nenhuma deliberação foi tomada, a não ser


a de fugir para Bordéus. No primeiro conselho de Cangé, Paul
Reynaud havia adiado que se tomasse em consideração o pedido
de armistício, por causa da entrevista que devia ter com Churchill
no dia seguinte. No segundo conselho, invoca, para justificar novo
adiamento, o apelo de Churchill e ele tinham combinado dirigir ao
Presidente Roosevelt. Desde o dia 10 de junho, alguns minutos
antes de deixar Paris, Reynaud se havia voltado para o chefe dos
Estados Unidos e, em nome da solidariedade das democracias, lhe
havia pedido que ajudasse a França e a Inglaterra por todos os
meios, “salvo o envio de um corpo expedicionário”.

Indo mais longe, pedirá a Roosevelt que lance


imediatamente a América na guerra. “É preciso - diz ele a seus
ministros - esperar a resposta do presidente antes de decidir se
convém negociar com o inimigo ou continuar a luta além-mar...

[ 244 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

No dia 14, de manhã bem cedo, os automóveis ministeriais


deixam o vale do Loire e dirigem-se para Bordéus. É mais ou
menos a hora em que os vencedores entram em Paris. Os alemães
chegam pela Porta Maillot, contornam o Arco do Triunfo,
dirigem-se para a Praça da Concórdia e vão acantonar nas casernas
abandonadas. Eles não pertencem às Panzer mas a uma divisão de
infantaria do 4° Exército, de tal maneira que seus equipamentos
hipomóveis espantam os parisienses, que há seis semanas só
ouvem falar em blindados. Apesar do êxodo, a capital não está
completamente vazia. Alguns cafés continuam abertos, assim
como dois ou três cinemas dos Champs Elysées, um dos quais
anuncia o filme americano “Do Mundo Nada se Leva” O rádio, já
requisitado, difunde Deutschland uber alles e Horst Wessel Lied.
Paris inicia seu cativeiro. O relógio da Estação Saint-Lazare foi
parado por mão desconhecida às 7:10min. e no alto da Torre
Eiffel ainda flutua a bandeira tricolor. Mas os primeiros soldados
alemães que lá sobem desprendem-na e levam-na como
lembrança.

Para a defesa do reduto bretão, o Comando francês conta


com a ajuda da Inglaterra. Esta tem ainda algumas tropas na
França, notadamente o grupamento Beauman, restos da batalha do
Somme, e uma 52ª Divisão que em marcha de caranguejo
conduziu da Linha Maginot, onde ela se encontrava a 10 de maio,
até Cotentin. A Inglaterra enviou sua primeira - e única - divisão
blindada, já inteiramente gasta, e envia uma divisão canadense que
constitui o saldo das forças britânicas em situação de combater. O
comandante do novo corpo expedicionário, Alan Brooke, chegou
dia 11 à noite a Cherburg, a bordo de um velho e pequeno
cargueiro holandês e, tendo passado a hora do fechamento do
porto, nem mesmo teve autorização de vir a terra como barco do
prático. Dois dias depois, empreende a viagem a Braire, a fim de
manter contato com Weygand e Georges.

[ 245 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Experiência estafante, desmoralizante esta travessia da


França cortando colunas de refugiados que vêm do Norte. Orleães
é uma massa compacta de automóveis. Os arredores dos postos de
gasolina, vazios até a última gota, são cemitérios de veículos
abandonados. Rebanhos de mulheres e crianças, embrutecidas pela
fadiga, acampam nos bosques. Nos povoados, longas filas se
formam diante das padarias e das bicas. A torrente corre
inesgotável, rolando como aluviões de soldados e de canhões.
Brooke renuncia atravessar a estrada de Vierzon, faz uma grande
volta, por Sologne, torna a encontrar diante de si o rio humano e
só consegue transpô-lo organizando uma barragem com alguns
dos oficiais que o acompanham. Chega a Briare, depois de 12
horas de viagem, completamente esgotado.

No dia seguinte o general inglês é posto a par de sua


missão: participará da defesa do reduto bretão, cujo
estabelecimento, segundo lhe dizem, foi decidido pelo Conselho
Supremo Aliado. Sem dizer nada, Brooke tira o compasso do
bolso e mede no mapa a largura do ponto em questão: 150 km.
“São necessárias - diz ele - 15 divisões. Onde estão elas?”.
Weygand e Georges encolhem os ombros, como homens
resignados. “Eu sei. É fantástico” - diz o primeiro. “É romântico”
- diz o segundo.

A volta vale a ida. Apenas chegado a Mans, onde instalou


seu QG, Brooke chama ao telefone Sir John Dill. Avisa que
considera que o esquema bretão é um projeto impensado e
bastante impossível e que só vê uma coisa a fazer: reembarcar as
tropas. O chefe do Estado Maior Geral se espanta: de que projeto
bretão se trata? Um momento depois, torna a chamar, diz que
consultou Churchill, o qual lhe afirmou que nenhum acordo fora
concluído em Braire com respeito a uma defesa comum da
Bretanha. Em conseqüência, Brooke deve levar para a Inglaterra

[ 246 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

todas as tropas que não combatem com o 10° Exército francês,


isto é a divisão canadense, os dois terços da 52ª Divisão e todos os
serviços. As ordens correspondentes são dadas apressadamente.

Na hora do jantar, o telefone de Londres toca mais uma


vez. Desta vez, Dill põe um Brooke espantado em comunicação
com o Primeiro-Ministro, com quem ele fala pela primeira vez. A
ligação é ruim mas a voz de Churchill ressoa com uma ênfase
persuasiva. Ele pede a Brooke que suspenda os embarques, porque
é preciso que os britânicos fiquem até o fim fiéis à aliança e
sustentem com todas as forças a resistência dos franceses. Brooke
responde brutalmente que é impossível reanimar um cadáver.
Durante uma meia-hora, em meio de chiados e estalos, a conversa
prossegue num tom muito animado. No fim, o Tenente-Coronel
Alan Brooke não pode senão colocar-se moralmente em posição
de sentido. “Yes Sir...”

Fora ele, no entanto, o ganhador: convencera Churchill. A


partir do dia seguinte de manhã, a ordem de embarque é reiterada.
O GQG de Briare - em mudança - recebe uma nota de Sir John
Dill, informando-o de que o General Brooke já não lhe está
subordinado. Em Cherburg, Brest, Saint-Nazaire, Nantes, La
Rochelle, Verdun, Bayonne, 150.000 ingleses, 25.000 poloneses e
18.000 franceses se apressam a subir a bordo dos navios. A
tragédia não está ausente desta partida. O Lancastria, atapetado
com 5.800 homens, é afundado pela Luftwaffe ao sair do estuário
do Loire. Durante várias semanas as marés trarão à costa cadáveres
ingleses.

Não haverá reduto bretão. Todos os esforços de Altmayer


para executar a ordem romântica são inúteis. Ele instalará seu PC
em Rennes, a 16 de junho, e, algumas horas mais tarde, será
capturado na própria cidade. Só resta do 10° Exército o 3° CE, do

[ 247 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

obstinado La Laurencie, que escapa por Nantes à armadilha bretã e


recuará combatendo em direção ao rio Creuse.

No Loire, a esperança de estabelecer uma linha de


retaguarda não se concretiza em parte alguma. Todas as cidades
ribeirinhas, todas as passagens do rio são violentamente
bombardeadas. Fantásticas multidões civis e militares se atropelam
para travessá-lo. Por pouco o GQG inteiro não é capturado diante
da ponte de La Charité-sur-Loire. Os arquivos do comandante-
chefe, embarcados num vagão de mercadorias, caem nas mãos do
inimigo: Hitler encontra 3.000 documentos ultra-secretos que
estabelecem especialmente as disposições franco-britânicas para
violar a neutralidade norueguesa, o engarrafamento do Danúbio, a
sabotagem dos poços de petróleo romenos e o ataque de Bacu.

Tudo o que pode escapar ao inimigo se refugia agora no


Maciço Central. Longas colunas de canhões sobem ruidosamente
as íngremes encostas do Limousin e do Auvergne. O GQG chega
a Vichy, põe na rua os hóspedes do Hotel du Parc, começa a
instalar-se como para uma guerra de sete anos - e retira-se no dia
seguinte porque os alemães já estão em La Palisse. O Comando
francês estancará durante 48 horas em La Bourboule e partirá
outra vez para o final de sua caminhada, Montauban.

Nos Alpes, a guerra começa lentamente. Dois dias depois


de sua declaração, o pequeno exército comandado pelo General
Orly (3 setores fortificados, 1 divisão colonial, 3 DI da série B) só
assinala “contatos amigáveis” entre as patrulhas alpinas italianas e
francesas. Ansioso por obter qualquer êxito, Mussolini ordena a
seu chefe do Estado-Maior, o Marechal Badoglio, tomar a
ofensiva. “O Exército italiano - diz Badoglio - não tem nem
mesmo camisas”. “Você não compreende, então - retruca
Mussolini -, que tenha necessidade de alguns milhares de mortos

[ 248 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

para me sentar na conferência de paz?”. O 1°, o 4° e o 7°


Exércitos italianos reúnem-se na fronteira e o ataque geral é fixado
para 18 de junho.

Na Lorena, na Alsácia, no Franco Condado, os exércitos


do Leste tentam executar a ordem de recuo do dia 12. Para que
eles se reagrupem na região de Dijon, devem percorrer em média
250 km diariamente. Ora, desde o dia 11, Guderian abriu em
brecha entre a direita do 4° Exército francês e a esquerda do 2°.
Reeditando a manobra do Manteuffel contra Bourbaki em 1871,
ele se precipita para cortar a retirada do GE 2. O pesadelo do
Estado-Maior francês, o envolvimento da Linha Maginot, se
realiza também. Mas é apenas um corolário na demonstração da
superioridade alemã, um requinte no suplício e no castigo francês.
A 16 de junho, Guderian já se encontra no Saône. Atropela a fraca
cobertura que lhe é ativamente oposta e mata o chefe da tropa
francesa, o General Cosson. Depois, com a admirável flexibilidade
tática dos comandantes alemães de tropas rápidas, faz girar o 41°
Corpo em torno de Gray, para jogá-lo sobre o Mosela, de
Charmes a Remiremont, enquanto, tomando pessoalmente o
comando da 2ª Panzer, penetra em Besançon e Pontarlier...

Entre os franceses, é total o desespero. Sob pretexto de


estudar no local a instalação de seu grupo de exércitos, o General
Prételat escapou até Gex, de onde, dirá ele, tentará em vão voltar
para partilhar a sorte de seus soldados. Abandonados a si mesmos,
seus três comandantes de exército, Condé, Bourret, Laure tem
apenas uma vaga idéia da situação. Os movimentos metódicos que
eles prescreveram são inexeqüíveis. A aviação alemã, que os tinha
ignorado até então, cai sobre eles. Suas colunas se confundem e se
paralisam mutuamente. O 7° Exército alemão atravessa o Reno e
invade a Alsácia. Muitas divisões, todo o 20° Corpo ainda está na
região de Metz, enquanto informes a que se recusa dar crédito e

[ 249 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

que são superados pela realidade, assinalam que o inimigo surge na


linha de retirada do grupo de exércitos. Bourret e Condé enviam
ao GQG um radiograma angustiado. “Assinalamos situação
extremamente crítica, 23 grandes unidades em parte deslocadas, 7
elementos orgânicos de corpo de exército, 2 QGs de exércitos
ameaçados de cerco. Recuo e restabelecimento impossíveis. Massa
refugiados. Bombardeios por toda parte. Conclamamos chamar
imediatamente atenção comandante-chefe e governo”. Georges
responde que o GE 2 deve continuar a executar a manobra
prescrita, depois do que fala em “salvar a honra da bandeira” -
índice infalível de que tudo está perdido.

Algumas horas depois desta troca de mensagens


desesperadas, Guderian entra em Pontarlier. Sua prestação de
contas provoca um telegrama assinado por Hitler. “Sua mensagem
deve conter um erro. Sem dúvida trata-se de Pontailler-sur-Saône”.
Guderian responde: que era realmente Pontarlier. Por sua vez, o
Grupo de Exércitos do Leste está cercado.

“Com o coração partido digo-vos que é preciso cessar o


combate...”

Em Bordéus, a dispersão governamental de Tours foi


substituída pela promiscuidade. A Rua Vital-Carles transformou-se
no bulevar dos poderes públicos. Paul Reynaud instalou a
presidência do Conselho na sede da 18ª Região. O Presidente da
República ocupa a residência do prefeito, ao lado, sendo que seu
ministro do Interior, Georges Mandel, ocupa a Prefeitura na Rua
Espitit-des-Lois. O embaixador da Inglaterra, a quem se tentou
afastar para um castelo do Médoc, preferiu amontoar-se com seu
pessoal nos compartimentos do Consulado, na Rua Montesquieu.
Outro ponto estratégico é a casa de Paul Baudouin, na Rua Saint-
Genès, onde os amigos de Weygand se encontram. Outro é a

[ 250 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Câmara Municipal, na Praça Pey-Berland, cujos serviços o prefeito


de Bordéus, Adrien Marquet, que passou do socialismo ao
fascismo, coloca à disposição de Pierre Laval. O triângulo dentro
do qual se vai desenrolar a última tragédia da Terceira República
mede menos de 1.000 metros de lado. As paixões que aí se
desencadeiam continuam a fervilhar nas veias da nação.

Ao redor dos atores, a multidão, na qual se misturam os


mais humildes refugiados às cabeças mais importantes da
aristocracia, do talento e da fortuna. A infelicidade coloca pessoas
de condições sociais as mais diversas numa comunidade de
problemas de que os mais mesquinhos, o alojamento e a
alimentação, não são nem os menos difíceis nem os menos
angustiantes. Ver-se-ão Gulbenkian, que vale um milhão de
toneladas de petróleo, mendigar alguns litros de combustível para
continuar sua viagem à Espanha. Trágicas angústias e o medo de
um destino implacável pesam sobre homens e mulheres que nunca
deixaram de ser os filhos prediletos da segurança e do poder. Os
mais velhacos, os mais abjetos ignoram se existe um meio de
abjurar que possa preservá-los da vingança do conquistador. O
calor, a fadiga, a espera, a angústia, o sofrimento concorrem para a
criação de uma atmosfera de irrealismo na qual mergulham essas
multidões saídas da derrota. Clima esse bastante nítido em todas as
narrativas das jornadas de Bordéus.

Os primeiros dos repetidos golpes que irão abater Paul


Reynaud lhe é desferido, dia 15 de manhã, pelo Almirante Darlan.
Este, logo que ouviu falar em armistício, insurgiu-se: “Se eles
ousarem, escutem-me bem, parto com a esquadra...”. Visão
grandiosa, projeto que teria feito de François Darlan, ao chegar a
portos ingleses à frente da esquadra, o mais ilustre, o mais
comentado, o mais importante de todos os franceses. Talvez
nunca cheguem a ser conhecidas as razões que provocaram sua

[ 251 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

desistência. Convocado por Reynaud, ele chega de Royan mal


humorado, para mostrar ao chefe do Governo que seu projeto de
transportar 870.000 homens para a África do Norte é irrealizável.
Na realidade, Darlan fez sua opção - e tudo se desfaz, pois a
partida espetacular da esquadra teria certamente tornado
impossível o armistício, arrastado o Império e, de uma maneira ou
de outra, dado à guerra um outro rumo. Depois de Darlan,
Pétain... Poucos minutos após o almirante, o marechal está no
gabinete do presidente do Conselho. Exige que um conselho de
ministros se reuna às 16h, e declara que pedirá demissão se o
pedido de armistício for adiado mais uma vez.

Weygand, por sua vez, chega sem pressa de seu GQG


muito provisório em Vichy. A mensagem que o convoca para estar
em Bordéus às 10h30, em casa de Baudouin, é assinada pelo
Marechal Pétain, que nenhuma autoridade direta possui sobre o
general-comandante. Weygand, corretamente, adverte Paul
Reynaud, que lhe responde com uma fórmula de polidez mundana:
“O Senhor será sempre bem vindo”. À procura de uma noite de
sono, Weygand teve a idéia de fazer a viagem em seu trem especial.
Todas as suas prioridades de comandante-chefe de nada servem
numa rede cujas articulações estão cortadas pelos bombardeios. Às
7h da manhã, depois de 12 horas de viagem, Weygand se encontra
em Châteauroux, a 150 km de seu ponto de partida, tendo subido
para o norte ao invés de descer em direção ao sul. Consegue-se,
com dificuldade, recolocá-lo no sentido certo, mas ele só chega à
estação de Bordeuax-Bastide à tarde.

Com o rosto marcado pelas lágrimas, o General Lafont,


comandante da 18ª Região, espera seu chefe e amigo com ordem
de conduzi-lo ao presidente do Conselho.

[ 252 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Um pouco vexado pela lembrança de sua irritação em


Cangé. Weygand prometera a si mesmo ficar calmo.: vã promessa!
Reynaud lhe comunica a decisão em que se fixou. Imitarse-á a
Holanda: o Governo deixará a França e ele, Weygand, capitulará
com o Exército. A indignação sufoca o general. “O que procura -
grita ele - é uma transferência de responsabilidade. Se o Governo
tomou a responsabilidade da guerra, é ele quem deve tomar a
responsabilidade do armistício”. Em vão Reynaud fala em emitir
uma ordem pondo a salvo o Comando. Weygand responde que
não deixará que lancem a desonra sobre as bandeiras do Exército
francês, e recusa-se a obedecer.

Mais uma vez, duas concepções do dever se opõem. A


recusa de Weygand corresponde ao código de honra tal como é
interpretado pela imensa maioria dos oficiais. Sete anos depois,
diante de uma comissão de inquérito imbuída do mais puro
espírito da resistência, o segundo homem do Exército francês,
General Georges dará plena razão a seu chefe: “É ao governo que
cabe decidir se é ou não necessário continuar a luta... Uma
capitulação em campo raso é desonrosa para o chefe de um
exército. Nossas leis o proíbem da maneira mais formal. O artigo
234 do Código de Justiça Militar pune-o com morte e degradação
militar...”. Às 16h15, o Conselho convocado por Pétain, abre sua
sessão. Por cansaço ou oscilação, o Marechal está menos
categórico do que estava horas antes. Astuciosamente, Reynaud
prossegue em seu plano, jogando com a impaciência angustiada do
velho diante do prolongamento da inútil carnificina: um armistício
exigiria vários dias de negociações, enquanto que o cessar-fogo
poderia ser imediato. Pétain aceita apresentar este ponto de vista a
Weygand, que, tendo prestado contas dos últimos acontecimentos
militares, espera no jardim-de-inverno. Depois de 15 minutos, o
Marechal volta: Weygand não caiu na armadilha.

[ 253 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

A segunda tentativa para fazer capitular somente o


Exército - para que, diz Reynaud, “a França seja Guilhermina e
não Leopoldo”- fracassou.

Em sessão, o sutil Chautemps age. Não contradiz a tese de


Reynaud, que sustenta que as condições de Hitler serão
inaceitáveis. Mas por que não as propor e com isto tirar a prova?
Se ele se recusar a concordar com um armistício, se pretender ditar
as cláusulas contrárias à honra, tais como a entrega da esquadra,
então será demonstrada a necessidade de prosseguir a luta além-
mar... Reynaud, que percebe a engrenagem, combate a proposição,
mas uma rápida contagem lhe mostra que 13 de seus ministros
aderem à proposta e que apenas 6 se opõem a ela.

Levanta-se e declara que está demissionário, mas Albert


Lebrun consegue retê-lo.

Weygand continua no jardim-de-inverno. Reynaud


aproxima-se dele com seu passo curto e decidido. “General, o
Conselho de Ministros é favorável à capitulação exclusiva do
Exército. É o senhor quem deve pedi-la”. Weygand protesta
furiosamente, pede que o destituam, jura que não lhe arrancarão
jamais a infâmia para a qual o fizeram vir de tão longe. Fracassa a
terceira tentativa precipitada para separar o destino do Exército da
sorte do país legal.

A noite caiu. Paul Reynaud retomou seu lugar na mesa de


ébano com folhas de acanto douradas do prefeito da Gironda.
Dois visitantes vieram ter com ele, o embaixador Campbell e o
General Spears. Chega um telegrama para o presidente do
Conselho, que empalidece um pouco mais. “Nosso apelo - diz ele
- fracassou; os americanos não declararão guerra”. Depois de
encorajamentos e promessa de ajuda material, a resposta de

[ 254 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Rooselvelt termina com as seguintes palavras: “penso que


compreendereis que estas declarações não implicam em nenhum
engajamento de ordem militar. Somente o Congresso poderia
assumir tal compromisso”.

No dia seguinte, domingo, 16 de junho, o Marechal Pétain


lê ao Congresso de Ministros seu pedido de demissão; as súplicas
quase perdidas de Albert Lebrun decidem-no a colocar em
suspenso um gesto que acarretaria a dissociação do Governo.
Reynaud anuncia então sua derrota junto à Roosevelt e, o que
deixa os ministros ainda mais consternados, a recusa do Gabinete
britânico em retificar o que os franceses interpretaram como o
consentimento de Churchill a um armistício em separado.

Reynaud acrescenta que propusera ao Primeiro-Ministro


um encontro, no mesmo dia, em Nantes, para uma exposição.

Mas os acontecimentos mudam de direção. Campbell reaparece na


Prefeitura anunciando uma nova tomada de posição, da qual acaba
de ser avisado, por telefonema, de Londres: a Inglaterra aceita que
a França interrogue o inimigo sobre os termos de um armistício,
com a condição de que a esquadra francesa vá para os portos
ingleses e que aí permaneça, enquanto durem as negociações. Um
pouco mais tarde, o embaixador volta com o texto da proposta,
que entrega a Paul Reynaud. Poucos minutos antes das 16h, ele se
faz anunciar pela terceira vez. Uma nova ordem acaba de lhe ser
enviada: deve pedir ao chefe do Governo francês a restituição da
nota que lhe havia entregue no começo da tarde. Por que?
Campbell o ignora.

Ele ainda não se tinha despedido quando um telefonema


de Londres chama Paul Reynaud. Quem fala é De Gaulle. A
notícia que ele transmite é digna do adjetivo “sensacional” tão

[ 255 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

usado. À França, cujos joelhos se dobram, a Inglaterra ainda


intacta propõe uma fusão. “A França e a Inglaterra não serão daí
em diante duas nações, mas uma União Franco-Britânica. Todo
cidadão francês receberá imediatamente a nacionalidade inglesa,
todo súdito britânico se tornará cidadão francês. Haverá um só
gabinete de Guerra, ao qual todas as forças de terra, ar e mar
estarão subordinadas... A União consagrará toda a sua energia em
combater o inimigo, onde quer que a batalha se desenrole. Assim
venceremos”.

Projeto grandioso, digno de Churchill! No entanto, não


parte de Churchill! Derivado de uma idéia de Jean Monnet,
provém dum homem de aparência glacial como o Polo Norte,
Lorde Halifax, e dum diplomata clássico como uma urna grega. Sir
Robert Vansittard. Mas foi adotado entusiasticamente pelo
gabinete. “Fiquei um pouco surpreso - diz Churchill - de ver
homens políticos calmos e experientes engajarem-se num imenso
projeto cujas implicações e conseqüências não tinham sido
medidas...” Era a expressão do transtorno das consciências que a
tragédia francesa provocava na Inglaterra. Depois da convocação
de Dunquerque, ela retomara exteriormente a rotina de um verão
calmo. Nenhuma bomba caía sobre a Britânia.

As praias que a invasão iria ameaçar estavam ainda repletas


de banhistas. Chegando de sua França crucificada, De Gaulle
ficara chocado pela amenidade de Londres, os parques cheios de
passeantes, os porteiros agaloados às portas dos clubes. Mas o
coração das nações é complexo como o dos homens. A
indiferença de fachada escondia uma perturbação profunda. Esta
inspirou o poderoso impulso de imaginação que associava no
mesmo futuro as duas nações então feridas por golpes tão
desiguais.

[ 256 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Mas Londres é Londres, e Bordéus é Bordéus. A terrível


derrota fecha os espíritos a tudo que não seja a realidade imediata.
Um novo perigo, a fome, se erguera sobre as multidões em
marcha. O General Georges assinala-o: “17 horas. Situação,
agravada mais uma vez... Graves dificuldades de abastecimento,
tropa e populações em retirada... Necessidade absoluta tomar
decisão...”Um sentimento leva rapidamente à unanimidade
nacional, desde os comandantes-chefes doentes de angústia até os
últimos combatentes acabrunhado pela impotência, desde os
refugiados que choram de fome até o velho marechal que se recusa
a sentar-se à mesa do Conselho: urge uma decisão. A União
Franco-Britânica é uma abstração grandiosa. A realidade é este
turbilhão sem nome.

Mais uma vez - a última - os membros do gabinete


Reynaud estão reunidos. Aquele que ainda é seu chefe expõe o
projeto da União, declara que o aceita, que telefonou para
Churchill e que foi combinado um encontro em Quiberon ou em
Concarneau, Mas só provoca surpresa, desconfiança e hostilidade.
Ybarnegaray é o primeiro a dizer, com sua voz retumbante, que a
Inglaterra quer fazer da França um domínio. Chautemps,
chorando porque acaba de saber do bombardeio de sua cidade,
Blois, declara que nada mais há a fazer senão acabar com a
matança. Um sarcasmo de Mandel - “O Conselho está dividido; de
um lado, os bravos; de outro, os covardes”- provoca gritos
furiosos. Com tenacidade, Paul Reynaud insiste, mais uma vez, em
que o Exército capitule e que o Governo se exile, a fim de
construir o futuro, realizando a união franco-inglesa proposta por
Londres. Mas a maioria de seus ministros está agora contra ele.
Seria preciso que ele pedisse demissão, recebesse do Presidente da
República a missão de formar um novo Gabinete, eliminasse
Pétain, destituísse Weygand... Faltam-lhe os meios para esta
operação radical, a começar pela resolução de Albert Lebrun, que

[ 257 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

vacila e chora. Nem mesmo foi dito que a Câmara Municipal de


Adrien Marquet não se tornaria sede de uma Comuna bordalesa,
que a multidão de refugiados, totalmente antiparlamentarista, não a
aclamaria e que não seria constituído um governo insurrecional
para por fim ao combate.

Duas horas depois, Paul Reynaud está demissionário. No


inicio da noite, o marechal Pétain é designado para constituir o
novo governo. Ao Presidente da República, que lhe pede que o
faça rápido, o Marechal responde, tirando da pasta um pedaço de
papel coberto de nomes: “meu governo aqui está!”.

Aos 30 minutos do dia 17 de junho, o embaixador da


Espanha, Lequerica, é tirado da cama. O novo ministro dos
Negócios Estrangeiros, Paul Baudouin, pede-lhe que transmita ao
governo alemão o pedido de armistício da França.

Ao meio-dia, uma voz alquebrada pela idade, uma voz de


octogenário, propaga-se através das ondas. E faz verter torrentes
de lágrimas, ao mesmo tempo que enche os corações de um
covarde consolo. “Faço à França - diz o Marechal Pétain - a
doação de minha pessoa para atenuar sua desgraça... É com o
coração partido que vos digo que é preciso suspender o
combate...”

De Gaulle parte para a desforra

Efetivamente, em toda parte, o combate cessa. Os generais


percebem que os regimentos se dissolvem e que os homens
abandonam as linhas de fogo. O inimigo levanta bandeiras
brancas, grita que a guerra acabou, por persuasão faz milhares de
prisioneiros, que, algumas vezes, confraternizam com os
vencedores. Medindo o erro cometido, emite-se uma nova versão

[ 258 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

da mensagem: “É preciso tentar suspender o combate...” Chega-se


a retomar um certo numero de unidades, mas não se trata mais de
manobra ou de front contínuo. Todo esforço militar se reduz a
retardar a progressão alemã, colocando nas estradas tampões que
tolhem a passagem nas pontes ou a entrada dos povoados. Além
disso, as autoridades civis, e mesmo militares, passam a destruir a
energia dos últimos defensores da pátria. Prefeitos investidos de
suas faixas vêm intimar os comandantes de destacamento a se
retirarem do território da comuna, como se fossem ciganos.
Herriot, prefeito de Lião, contradiz o patriota Herriot, opondo-se
à destruição das pontes de sua boa cidade, mesmo que a sua
conservação comprometa toda a defesa do Sudeste. No Oeste,
tradicionalmente conservador, é que as deficiências do patriotismo
são mais numerosas. O General De La Laurencie, batendo em
retirada do Perche em Anjou, mostra ao General Besson que ele
combate “num ambiente de decomposição nacional”. Em Angers,
De La Laurencie foi intimado pelo prefeito a não defender a
cidade, para evitar a esta o horror de um bombardeio. Ele é mais
impotente ainda para defender Nantes, tendo seu colega, o
General Griveaud, comandante da 11ª Região, se recusado a
destruir as pontes.

Em Saumur, os cadetes da Escola de Cavalaria, reforçados


por um grupo de Saint-maixentais, preparam-se para disputar as
passagens do Loire, mas o prefeito percorre as ruas num carro
com alto-falante dizendo que Samur é “cidade aberta” e que não
deve ser defendida. Incidentes análogos ocorrem em Tours,
Poitiers, Cholet, em toda a Bretanha, no Maine, em Anjou, em
Poitou - sem falar nas outras províncias invadidas. Todos os
povoados se enfeitam de bandeiras brancas. Depois das
divulgações de uma propaganda que anuncia a irrupção de uma
horda de incendiários e de sádicos, a disciplina e a boa postura da
Wehrmacht produzem ao seu redor um verdadeiro choque. Muitos

[ 259 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

refugiados em dificuldades são socorridos pelos invasores.


Cartazes imensos mostrando uma criança nos braços de um
Feldgrau são pregados nos povoados conquistados: “Populações
abandonadas, tende confiança nos soldados alemães”. A cólera
nacional não se dirige mais contra o Exército alemão, contra a
Alemanha vitoriosa, e sim contra os políticos responsáveis pelo
desastre. Paul Reynaud, ao deixar Bordéus, é reconhecido e vaiado.
Mesmo em Bordéus, onde as ruas se transformaram em míseros
bivaques, os parlamentares não ousam reunir-se nos cinemas
colocados à sua disposição, por medo de serem linchados.

Um dos primeiros atos do novo governo é o de declarar


“cidades abertas” todos os povoados de mais de 20.000 habitantes.
Nenhuma resistência deve ser organizada em seus limites e as
formações combatentes devem evitar atravessá-las. Os generais
mostram, em vão, que esta decisão torna definitivamente
impossível a defesa do território. No ponto em que está a guerra,
as considerações militares perderam o valor.

Brest é tomada no dia 19. No mesmo dia, tendo como


artilharia somente seus canhões automotorizados, Rommel se
apodera dos fortes, da cidadela da cidade e do porto militar de
Cherburg. O Loire, transposto em La Charité desde 16 de junho, o
foi em todo o seu curso nos dias 19 e 20 - agora é a vez de
províncias, tão desabituadas a invasões, como Berry e Poitou,
conhecerem o passo das colunas inimigas. No Leste, a situação do
2° GE é desesperadora. O 45° CE tenta penetrar em direção a
Pontarlier, fracassa e se interna na Suiça. O 8° Exército é
totalmente destruído em torno de Gérardmer. O 5° Exército tem a
mesma sorte em volta de Saint-Dié. O 3° Exército, cortado entre o
Mosa e o Mosela, avisa que não tem mais alimento para 1.200.000
militares e civis que se aglomeram na região. A terça parte do que
foi o Exército francês agoniza de Bensançon a Metz. Enquanto

[ 260 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

isso, de Maurienne a Queyras, 22 divisões italianas tomam a


ofensiva de que Mussolini necessita para ser, ele também, um
vencedor.

A 17 de junho, dá-se no aeroporto de Mérignac um


acontecimento insignificante. Um aviãozinho levanta vôo
clandestinamente, sobrevoa o porto de La Pallice em chamas, a
Bretanha devorada pelos incêndios, faz escala em Jersey e pousa
em Crydon. A bordo, três passageiros: o General Spears, o tenente
Geoffroy de Courcel e o General De Gaulle.

Este tendo chegado, na véspera, de Londres, volta para lá


cumprindo o juramento que fez a si mesmo, nas planícies do
Aisne: combater enquanto for necessário, onde for preciso, até que
seja lavada a honra nacional...

Em Londres, Speras leva De Gaulle diretamente a


Downing Street, onde Churchill, tendo terminado seu dia de
trabalho, descansa no jardim. O General explica ao Primeiro-
Ministro que vem continuar a luta ao lado dos ingleses que se
propõe constituir um Comitê Nacional com personalidades que se
aliarão a ele, e, principalmente, que deseja fazer um apelo aos
franceses cativos para que conservem a sua coragem, e aos
franceses livres, para que a ele se unam em seu empreendimento.
Churchill felicita-o, agradece-lhe, coloca a BBC à sua disposição
para o dia seguinte. Depois, quando De Gaulle já se despedira,
volta-se para Spears com uma expressão furiosa: Por que me
apresentou a esse general desconhecido? O que quer que eu faça
com ele? Por que não trouxe um político. Mandel ou outro, em
torno do qual os franceses pudessem unir-se? Enfim, um nome...

“No dia seguinte, 18 de junho, propaga-se através das


ondas radiofônicas inglesas a primeira proclamação degaulista.

[ 261 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Não contém, como muitas vezes se diz, a frase imortal “A França


perdeu uma batalha, não perdeu a guerra”, que foi escrita alguns
dias depois nos muros de Londres. Depois de algumas
considerações técnicas sobre a derrota, o general desconhecido
simplesmente convida os franceses que se encontram em território
britânico a entrar em contato com ele, para continuar o combate.
O tom é bastante frio e a voz nada convincente. Os que puderam
ouvi-la, entre fugitivos e soldados derrotados, podem confirmar
como essa voz suscitava muito mais ironia, hostilidade ou mesmo
injúrias do que aprovações.

Ainda mais, porque ainda ecoavam nos corações os sons


patéticos da véspera: “Faço à França a doação de minha pessoa
para minorar sua desgraça...”

Em Bordéus, as horas ainda são de ansiedade. Espera-se a


resposta alemã. A inquietação aumenta. Hitler não concedeu
armistício nem à Polônia, nem à Noruega, nem à Holanda, nem à
Bélgica - exigindo sempre a capitulação irrestrita, a rendição
incondicional. É normal pensar que ele reserve a mesma sorte para
o inimigo mais odiado, a França. A idéia de uma saída para a
África do Norte retoma consistência. Pétain está atado pelo
juramento que fez de em caso algum deixar o território nacional,
mas o Presidente da República deseja partir, e vê-se que uma parte
do Governo, conduzida pelo vice-presidente do Conselho, Camille
Chautemps, o acompanhará a Argel, enquanto os inarredáveis do
solo pátrio, Weygand, Baudoiun, Bouthillier, permanecerão com o
Marechal. Lebrun embarcaria em Port-Vendres, depois de uma
estada na Prefeitura de Perpignan, que já tinha um apartamento
enfeitado de flores para recebê-lo. Para os membros do
Parlamento que quisessem acompanhar o meio-governo do exílio,
200 lugares são reservados a bordo do navio Massilia, então em
reparos em Verdun.

[ 262 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Enfim, dia 19, às 6h30 da manhã, Lequerica, por sua vez,


acorda Baudouin. O Governo alemão se declara pronto a dar a
conhecer suas condições para uma cessação de hostilidades. Pede
o envio de plenipotenciários e sugere ao Governo francês entrar
em contato com a Itália, com o mesmo objetivo.

A delegação deveria estar pronta, e não está. É constituída,


às pressas, com o Embaixador Léon Noel, o ministro
plenipotenciário Rochart, o Almirante Le Luc, os generais Parisot
e Bergeret. Para a presidência a escolha de Weygand recai sobre
Huntziger, que ele tira de seus exércitos e cujos olhos azuis lançam
um olhar aflito quando o novo ministro da Defesa revela o motivo
da convocação. Uma só diretriz é dada à delegação com firmeza e
clareza: romper imediatamente, caso os alemães peçam a entrega
da esquadra. Esta ordem categórica é comunicada a três ingleses
angustiados: Lorde Lloyd, o Primeiro Lorde do Almirantado,
Alexander, e o Almirante Sir Dudley Pound, que acabam de chegar
a Bordéus. Darlan faz ainda um juramento solene de que jamais
um navio de guerra francês cairá em mãos alemãs. Mas Churchill
não esconderá a sua incredulidade.

Enfim, no dia 20, às 14 horas, quando a delegação parte, o


pânico, a degradação moral a que o conglomerado urbano de
Bordéus se entregou, tornaram-se indescritíveis. À noite, aviões
mataram uma vintena de pessoas - e bastou esse bombardeio
minúsculo para lançar a pretensa elite política e mundana da
França em degradantes transes de terror. Recomeça o êxodo para
Toulouse e Bayonne, que é invadida por uma das multidões mais
descontroladas desta época de loucuras. As bombas sobre
Bordéus, o prosseguimento do avanço alemão que atinge La
Roche-sur-Yon, Niort e Poitiers, parecem provar que a Alemanha
não encara seriamente um armistício. Albert Lebrun insiste em ir
imediatamente para Perpignan, a fim de estar pronto para

[ 263 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

embarcar para a África do Norte. Mas Pierre Laval, à frente de um


grupo de partidários seus, invade a residência do Presidente da
República e, fora de si, disposto à violência corporal, impede-o de
fugir antes de pedir demissão. Após um momento de indecisão o
Marechal resolve proibir que todo titular de cargo público se afaste
de Bordéus. “E se Lebrun insiste?” pergunta Baudouin. “Eu o
prendo”, responde Pétain.

Um grupo de parlamentares, entre os quais o ex-ministro


Mandel, são os únicos a partir, a bordo do Massilia. E tem que
engolir as ofensas da tripulação do navio, que neles vê os
desertores de um desastre de que foram culpados.

No dia 21 de junho, depois de uma viagem de agonias em


estradas semeadas de destroços da derrota, a delegação Huntziger
é levada ao vagão de Marechal Foch, retirado do Museu de
Compiègne e, conforme as instruções pessoais de Hitler,
recolocado no lugar exato em que se encontrava no dia 11 de
novembro de 1918. Segundo Weygand, essa assinatura do
armistício no meio do bosque tinha a intenção de refrear o
orgulho alemão. Mas, ao invés disso, o propósito de Hitler é ferir o
orgulho francês. A imprensa internacional está presente e a rádio
alemã transmite a cerimônia. O olhar satânico de Hitler percorre a
clareira, graceja diante da inscrição que fala do “criminoso orgulho
alemão vencido pelos povos livres que pretendia subjugar”, e,
depois de ordenar a destruição do memorial da derrota que ele
apaga, sobre ao vagão fatídico e se coloca no lugar que Foch
ocupara. Keitel faz a leitura de um panfleto acusando a França de
perjúrio e agressão, depois o texto com as condições do armistício
é entregue aos vencidos. Estes são advertidos de que nenhuma
discussão será admitida e de que somente poderão pedir
esclarecimentos. Huntziger em vão lembra que os
plenipotenciários alemães de 1918 tiveram autorização para

[ 264 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

consultar seu governo antes de apor sua assinatura às condições


aliadas. O mais que obtém é uma ligação telefônica, para ler o
diktat a Weygand. O aparelho chia, estala e destroi a metade das
palavras. Weygand repete as frases à medida que chega a
compreendê-las e seu ajudante-de-ordens, o capitão Glaser, as
transcreve. É assim que o contrato de servidão do Governo
francês lhe é notificado.

Mais uma vez, no meio da noite, o Conselho de Ministros


se reúne nos salões da Prefeitura de Gironda. Verifica-se que a
esquadra está a salvo e que nenhuma cláusula contraria a honra,
com exceção da que ordena a entrega dos refugiados políticos
alemães. No entanto, a crueldade das condições é sufocante. Três
quintos do território serão ocupados. O Exército será reduzido a
100.000 homens. Os prisioneiros não serão devolvidos. As
despesas da ocupação serão estipuladas à mercê do vencedor.
Lebrun, Darlan e o próprio Chautemps declara que essas
exigências são inaceitáveis, fazem voltar à cena a idéia de um
prosseguimento da guerra, na África do Norte. Mas a exposição de
Weygand é desencorajadora. No Magrebe, esvaziado para
alimentar a batalha da França, só restam 4 fracas divisões mistas,
sem uma peça de DCA, sem uma viatura posterior a 1918. O
comandante-chefe acha que o Exército alemão está em condições
de prosseguir o curso de suas vitórias do outro lado do
Mediterrâneo e que a resistência que se lhe poderia opor não
ofereceria esperanças.

Finalmente, apesar da notificação de que nenhuma


discussão será admitida, decide-se que Huntziger fará um esforço
para obter que Paris não seja ocupada, a fim de que continue
possível a administração da França. Mas ninguém espera
convencer ou enternecer Hitler.

[ 265 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Durante a deliberação ministerial, um homem indignado,


Ronald Campbell, aguarda na antecâmara. Quando Baudouin
reaparece, ele extravasa seu descontentamento. Há duas horas que
espera! Ele, embaixador de uma potência ainda aliada, tem o
direito de ser informado e consultado. Baudouin nada consegue ao
dizer que não dispõe de tempo para longas conversações, porque
os alemães exigem uma resposta da França às 9 horas da manhã.

No dia seguinte, Sir Ronald deixa Bordéus, no último


navio inglês. Estão rompidas as relações diplomáticas franco-
inglesas.

Chega-se ao fim. Em Compiègne, Keitel recusa todos os


pedidos de abrandamento. É necessário assinar ou romper.
Unânime, depois do movimento de revolta da véspera, o Conselho
de Ministros ordena a Huntziger que assine: este o faz no dia 22 de
junho, às 18h30.

Antes, no entanto, fez uma última declaração. O artigo 23


subordina a vigência de armistício à conclusão de um armistício
análogo com a Itália. Assim, a delegação francesa partirá
imediatamente para Roma, mas Huntziger se interessa em dizer o
seguinte: a França não admitirá de um país que não lutou
exigências semelhantes às que acabou de aceitar da Alemanha
vitoriosa. “Se tais exigências nos tivessem sido apresentadas,
retomaríamos nossa liberdade de ação. Nossa marinha e nossa
Força Aérea estão intactas. A França já passou por outras. Se
assinar o armistício, executará lealmente suas cláusulas. Mas não é
preciso que Roma a coloque diante de insinuações que nada
justificam...”

Ao falar assim, com voz enérgica e arrogante, Huntziger


não sabe que sua causa já foi ganha e que seu aliado se chamou

[ 266 [
Segunda Guerra Mundial - Volume I

Adolf Hitler. Este, logo que tomou conhecimento do pedido de


armistício, convidou Mussolini a vir entrar em acordo com ele. A
entrevista se realizou em Munique, na mesma sala em que se
desenrolara a negociação com Chamberlain e Daladier, em 1938.
O Duce, cujas tropas se engajam a custo, chegou cheio de
pretensões. Queria vantagens territoriais até o Reno, a entrega da
esquadra francesa. Para sua grande decepção, Hitler cortou as asas
de suas ambições. Diz o Fuhrer que não deseja impor à França
uma paz aniquiladora e pede que Mussolini compreenda que suas
exigências levariam o governo francês a prosseguir a luta em suas
colônias de além-mar. O Duce insiste para que, ao menos, as
potências do Eixo exijam a entrega da esquadra francesa. Hitler
adverte-o de que justamente esta seria a cláusula que poria tudo a
perder.

Mussolini regressa furioso. Enquanto em Roma a


delegação Huntziger negocia numa atmosfera de cortesia ele não
para de atormentar Badoglio para que ao menos tome Nice e
constitua, pelas armas, o direito de ocupação da grande cidade.
Tempo perdido: a invasão italiana não ultrapassa a metade do
Menton. As perdas francesas são insignificantes e, nos Alpes, o
fracasso da ofensiva é tão completo quanto no litoral. Pela
primeira vez, o General Gamelin se revela profeta (“Se a Itália está
contra nós - dizia ele -, necessito de quatro divisões”). É
exatamente aquilo de que dispõe o General Orly. Mas tendo
tomado Lião no dia 19 e saído de Culoz a 21, os alemães marcham
para Chambery e Grenoble. No vale do Reno, avançam até
Tournon. As resistências encarniçadas que encontram por parte de
fragmentos de unidades causam-lhes perdas, mas não podem
entravar o desenvolvimento de sua marcha. Quando o armistício
de Roma é assinado, pondo em vigor o armistício de Rethondes, o
exército dos Alpes é totalmente apanhado pela retaguarda.

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Segunda Guerra Mundial - Volume I

Aos 35 minutos do dia 25 de junho, cessam as hostilidades.


A linha extrema atingida pelo Exército alemão passa por
Bellegarde, Aix-les-Bains, Voiron, Tournon, Saint-Etienne,
Clermont-Ferrand, La Châtre, Montmorillon, Angoulême. Essas
forças devem recuar de quase todas as suas posições para voltar
aquém da linha de demarcação. Na Linha Maginot, alguns grupos
de trabalho se recusarão a ceder às intimações alemãs e só
capitularão no início de julho. Muitos chefes, como o tenente-
coronel Schwarz, comandante do subsetor fortificado de
Haguenau, redigirão processos verbais de protesto, nos quais
declararão que seus meios de defesa estão intactos e que cedem
não à superioridade inimiga, mas a um mandado compulsório do
governo francês.

No Exército francês, as perdas de vidas humanas foram


pesadas: mais de 120.000 mortos, número bastante elevado para
uma campanha de 45 dias. Os holandeses tiveram 2.890 mortos;
os belgas, 7.000, e os ingleses, 3.500. Em compensação, as perdas
alemãs são incrivelmente pequenas: 27.074 mortos, 111.034
feridos, 18.384 desaparecidos. Eddy Bauer, perito militar suíço, faz
a seguinte observação: de 10 de maio a 4 de junho, durante os
episódios de Sedan e Dunquerque, a média diária de perdas
alemães é somente de 2.449 homens. De 5 a 25 de junho, se bem
que os combates, a partir do dia 17, tenham perdido muito de sua
violência, essa média se eleva a 4.762 homens. Isto confirma o
enrijecimento da defesa francesa a partir da batalha do Somme -
momento em que a desproporção das forças já não dava qualquer
esperança.

Fecha-se o primeiro grande capítulo da Segunda Guerra


Mundial. A França está completamente eliminada do quadro das
potências que dirigem o mundo. Hitler é o senhor da Europa, do
Vístula ao Atlântico.

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