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Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Bacharelado em Defesa e Gestão Estratégica Internacional


Aluna: Danielle Carvalho Schildberg
História dos Grandes Conflitos Mundiais - Avaliação 1
Rio de Janeiro, 28 de maio de 2019

O Papel da Mídia na Guerra de Secessão

A Guerra de Secessão, ocorrida nos Estados Unidos da América entre 1861 e 1865, é
considerada por muitos estudiosos como a primeira grande guerra moderna, pois nela se encontram
elementos que, de forma geral, estavam ausentes nas guerras anteriores e que, a partir de então,
passaram a ser determinantes na dinâmica de funcionamento dos conflitos, ficando evidentes de
forma universalizada especialmente a partir da Primeira Guerra Mundial. Também conhecida como
Guerra Civil Americana, a Guerra de Secessão surgiu do embate entre diferentes modos de
funcionamento da sociedade, em decorrência das formas distintas pelas quais a Revolução
Industrial atingiu o norte e o sul do país.

A década de 1860 foi marcada, no contexto internacional, pelo período do advento da


grande indústria, com a contínua substituição do ferro pelo aço e do vapor pela eletricidade e pela
força motriz derivada do petróleo. Este cenário levou a uma até então inédita dinamização no ritmo
e comportamento das sociedades industrializadas. A contradição entre o norte e sul surge em razão
de fatores climáticos, que levaram os sulistas a voltarem sua economia ao desenvolvimento da
agricultura - para produção do algodão que era exportado para atender à indústria têxtil britânica - e
também em decorrência de fatores geopolíticos, como o bloqueio continental determinado por
Napoleão, que levou os estados do norte a aplicarem capital na produção de manufatura. A
escravidão, importante para os estados do sul como mão de obra em sua expansão agrícola, perdia
espaço dentro dinâmica de modernização nortista.

Os estados do norte estavam comprometidos com o aspecto de industrialização da


economia e da modernização como um programa político. Estabeleciam tarifas protecionistas para
atender à necessidade de suas indústrias, o que desagradava aos representantes dos estados do sul no
congresso, gerando tensão entre eles. Já possuindo uma malha ferroviária mais densa e um cenário
típico da economia moderna, com o surgimento de altos edifícios que viriam a ser marca de Nova
York, eram legitimados pela posição oficial da presidência da república, na figura de Abraham
Lincoln. As forças da União possuíam, portanto, recursos diferentes e reuniram elementos e
técnicas que definiram uma nova maneira de se operar em uma guerra e que viriam a ser aplicados
de forma massiva nos grandes conflitos posteriores: novas armas, de muito maior velocidade de
manipulação; mobilização dos transportes - a partir de acordos com proprietários da malha
ferroviária; mobilização industrial; medicina; comunicação e mídia. Esta última é o tema que será
abordado a seguir.

O General Robert E. Lee, importante líder das tropas Confederadas - como eram
chamadas as forças que representavam os estados do Sul - demonstra em sua carta a um oficial¹ de
seu exército, ainda no primeiro ano de guerra, uma preocupação com o conflito que estava por vir.
Declarava um desejo de mostrar sua visão sobre o conflito à população da região que defendia,
lamentando a impossibilidade de fazê-lo. Ao analisarmos os resultados da guerra, podemos verificar
que os temores do General se concretizaram. Este elemento, a falta de possibilidade de
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Aluna: Danielle Carvalho Schildberg
História dos Grandes Conflitos Mundiais - Avaliação 1
Rio de Janeiro, 28 de maio de 2019

comunicação efetiva com sua população, pode não ser sido condição suficiente para a vitória das
forças do norte, mas foi de evidente importância.

A partir da declaração de Gustave Paul Cluseret², soldado francês que se aventurou


nos Estados Unidos durante a Guerra Civil, atribuindo ao conhecimento de causa dos soldados das
tropas da União o seu engajamento para com a guerra, condição esta criada pela presença de jornais,
mesmo em situações adversas, é possível inferir que havia uma grande preocupação dos nortistas
em comunicar-se com seus combatentes. O uso da mídia para levar à população as informações
sobre a guerra, com notícias que eram geradas por grupos que apoiavam as forças do norte, tornou-
se massivo. Quando diz que ao ler o jornal, um soldado redobrava seu zelo e dedicação com a
guerra, é possível ligarmos esta atuação por parte do Estado ao fenômeno que Benedict Anderson
descreveu, ao apresentar o jornal como uma ""forma extrema" do livro" (ANDERSON, 2008, pp.
67), que ao ser consumido quase simultaneamente, tem sua leitura feita como uma espécie de
cerimônia realizada na privacidade, mas com a consciência de que milhares de pessoas repetem este
ato, criando em seu imaginário uma relação com a vida cotidiana³. Sendo assim, possuindo o
recurso da mídia entre suas formas de comunicação, o Estado atuava para criar em seus
combatentes uma ideia imaginária que teria impacto em seu desempenho durante o conflito.

Partindo do que foi apresentado, a conclusão é que a influência da mídia no


imaginário da população, a fim de construir uma legitimação para a guerra que impulsionava a
atuação dos soldados, constituiu um importante diferencial para a vitória das forças da União. Este é
um dos fatores que deram à Guerra de Secessão a alcunha, entre muitos estudiosos, de ser a
primeira grande guerra moderna, tendo papel decisivo em seu desenrolar e em seus resultados.

Bibliografia:

¹ Carta do General Robert E. Lee a um oficial do exército confederado, 20/05/1861.


Disponível em GALLAGHER, Gary W., NOLAN, Alan T. The mith of the lost cause and Civil War history.
Indianapolis, Indiana University Press, 2010. p. 129.

² Declaração de Gustave Paul Cluseret disponível em: MCPHERSON, James M. Drawn


With the Sword: Reflections on the American Civil War. New York: Oxford University Press, 1996, p.19.

³ ANDERSON. Benedict R. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão


do nacionalismo / Benedict Anderson; tradução Denise Bottman - São Paulo: Companhia das Letras, 2008,
p. 67-69.

MARTIN, André. Guerra de Secessão. Historia Das Guerras, 2006.

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