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História Militar Mundial

ACADEMIA DA FORÇA AÉREA


DISCIPLINA DE HISTÓRIA MILITAR MUNDIAL

A Primeira
Guerra Mundial
Claudio Passos Calaza1

Objetivos de aprendizagem
 Identificar os aspectos gerais, causas, consequências e
legado da Primeira Guerra Mundial.

 Reconhecer as condutas políticas e militares do conflito e sua


evolução.

 Avaliar o significado das incorporações tecnológicas e seus


impactos na arte da guerra.

Seções de estudo
1. Aspectos Gerais
2. O Caminho para a Guerra
3. A Evolução do Conflito
4. Armas e Tecnologias
5. Momentos Decisivos
6. Saldos e Consequências

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O autor é coronel dentista da reserva da Aeronáutica, especialista em História Militar pela
UNISUL e mestre em Ciências Aeroespaciais pela UNIFA.
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História Militar Mundial

Para início de conversa


Há cem anos, o mundo vivenciava o maior e mais destrutivo conflito de sua
história, a Primeira Guerra Mundial. Ela aconteceu como resultado de uma
série de eventos na Europa que, mal conduzidos e avaliados, culminaram com
a mobilização de grandes exércitos e a eclosão da mais catastrófica das
guerras. Ela ceifou 19 milhões de vidas, perdurou por quatro anos (1914-
1918), e envolveu dezenas de nações de vários continentes, inclusive o Brasil.
Novas armas determinaram um enorme incremento na letalidade, mas sem
melhorias correspondentes em proteção ou mobilidade. A arte da guerra
sofreu profundo impacto, resultante dos avanços tecnológicos incorporados
no advento da Segunda Revolução Industrial. Pela primeira vez, uma guerra
foi travada na terra, no mar e no ar. O avião, incialmente pouco acreditado
entre os generais, fez vislumbrar todas as suas possibilidades. Para nós da
Força Aérea, marcou o prenúncio do poder aéreo.
O conflito começou com um atentado político, que atingiu proporções acima do previsto.
Em 28 de junho de 1914, Gavrilo Princip, um estudante nacionalista bósnio, de 19 anos,
matou a tiros o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro-Húngaro,
que visitava a cidade de Sarajevo, na Bósnia. Tratava-se, de fato, de um ato de terrorismo
suicida, pois, após o ataque, os assassinos tomariam uma cápsula de cianureto, o que
acabou por não dar certo.
A ideia do jovem bósnio era forçar o Império Austro-Húngaro a entrar em conflito com
a Sérvia, desistindo da integração da Bósnia, vindo a formar um novo país para os eslavos
do sul, a futura Iugoslávia. Esta parte deu muito certo, mas a crise extrapolou e levou as
potências europeias a declarações de guerra em cascata, que desencadearam um conflito
mundial. Gavrilo Princip provou que, por meio de um atentado político, uma única pessoa
podia ser capaz de alterar o curso da história do mundo.
As consequências da Primeira Guerra Mundial são percebidas até os dias de hoje. Ela
provocou a queda de grandes impérios, redefiniu a geopolítica mundial e abriu caminho
para numerosas transformações políticas, como revoluções e processos de independência.
Depois dela, o mapa da Europa sofreria profundas modificações mediante o aparecimento
de novos países. No Oriente Médio, também foram concebidas novas nações, muitas
vezes com fronteiras arbitrárias concebidas pelos interesses das potências vencedoras,
gerando muitas das tensões dos dias atuais.
Uma dessas recentes questões mais periclitantes é a do radicalismo islâmico, atualmente
em choque com a civilização ocidental. Pois fique sabendo que suas origens estão na
Primeira Guerra Mundial. A queda do Império Otomano levou a França e a Grã-Bretanha,
mediante o secreto Acordo Sykes-Picot, a partilharem o Oriente Médio, colocando em
crise o Islã. A atual Guerra Civil Síria e o surgimento do Estado Islâmico também podem
ser compreendidas como um desdobramento tardio de um desastroso ajuste firmado
durante o conflito.

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1. Aspectos Gerais
Antes de tudo, devemos saber que a Primeira Guerra Mundial foi caracterizada pelos
seguintes aspectos:
 Denominada, na época, como Grande Guerra ou Guerra das
Guerras. Até hoje esses termos podem ser empregados para
designar o conflito de 1914 a 1918. Somente depois da
Segunda Guerra Mundial é que a Grande Guerra passou a ser
chamada de Primeira Guerra Mundial.
 Foi o primeiro conflito bélico genuinamente global da
história da humanidade. Embora o palco fundamental fosse a
Europa, a guerra se alastrou pelos 5 continentes.
 Incialmente contou com 6 países beligerantes, agrupados em
2 blocos antagônicos, mas a guerra acabou por envolver
diretamente 28 atores (países). O Brasil esteve entre esses,
sendo o único país da Ibero-América a participar do conflito.
Soldados franceses
 Tratou-se de um choque entre grandes potências, países em
sua maioria industrializados, com grande poderio econômico
e militar.
 Incorporou novos armamentos e avanços tecnológicos. Pela
primeira vez na história, uma guerra foi travada na terra, no
mar e no ar. Embora o avião ainda fosse um invento recente,
ele já havia sido testado em pequenos conflitos anteriores,
mas e a Grande Guerra fez ampliar suas capacidades.
 A pouca mobilidade foi a marca desse conflito, caracterizado
pelo impasse das trincheiras, mas essa foi uma realidade
marcante da Frente Ocidental. A tática predominante se
baseava no bombardeio maciço pela artilharia, seguido do
avanço pelas ondas da infantaria. Foi o apogeu do poder de
fogo concentrado e acabou por revelar a supremacia da
Trincheira inglesa
defesa sobre a ofensiva.
 Foi uma guerra total, a mais destrutiva e mortífera jamais vista. O saldo de mortos
chegou a 19 milhões. Destes, 9 milhões eram militares.

Soldados britânicos Soldados alemães Soldados franceses;


História Militar Mundial

 Curiosamente foi a guerra que mais matou oficiais-generais no campo de batalha.


A alta letalidade dos generais é justificada em razão da guerra de trincheiras, que
caracterizou a Frente Ocidental. Diante da imobilidade das frentes de batalha, os
generais compareciam com maior frequência na linha de frente para inspecionar
tropa, observar a situação e planejar suas estratégias. Assim ficavam mais
susceptíveis aos riscos de serem atingidos, em geral por bombardeios da artilharia
inimiga.

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 Redefiniu o mapa político da Europa e determinou uma nova ordem mundial.


Foi dita como “uma guerra para acabar com todas as guerras”. Todavia, terminou
mal resolvida pelo Tratado de Versalhes e favoreceu a ascensão de regimes
totalitários, o que propiciou, 20 anos depois, a eclosão da Segunda Guerra
Mundial.

1914 1920

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2. O Caminho para a Guerra


A Europa foi, ao longo de sua história, um continente pontuado por constantes guerras.
Entretanto, no século XIX, terminadas as Guerras Napoleônicas, em 1815, o continente
vivenciou um extenso período de relativa paz e estabilidade. As potências europeias,
especialmente a França e a Grã-Bretanha, antes rivais, alinharam-se e permaneceram nas
décadas seguintes preocupadas em expandir seus domínios coloniais pelo mundo. A última
delas, com grande poder naval e por formar um vasto império colonial, impôs a chamada
Pax Britannica.
Aliado a isso, e por almejar o equilíbrio de poder na Europa, alguns países estabeleceram
uma complexa rede de alianças políticas e militares. Tais alianças começaram já em 1815,
com a Santa Aliança, entre o Reino da Prússia, o Império Russo e o Império Austríaco.

Essa paz foi momentaneamente quebrada pela eclosão da Guerra da Crimeia


(1853 a 1856), quando a Grã-Bretanha, a França, o Império Otomano e o
Reino da Sardenha se uniram contra as pretensões expansionistas da Rússia
nos Bálcãs.

Na segunda metade do século XIX, dois novos países apareceram no mapa da


Europa, decorrente de tardios processos de unificação: a Itália e a Alemanha.
Até então, a península itálica estava dividida em diversos reinos, ducados e
estados autônomos ligados ao Papa. A unificação da Itália foi completada em
1861, dando origem ao Reino da Itália, sob a coroa de Vítor Emanuel II, rei
da Sardenha. O primeiro-ministro Cavour foi o grande arquiteto da
unificação, contando com o apoio de Giuseppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi.

1 2
Pax Britannica, "paz
britânica" em latim, copiado
de Pax Romana, é a
expressão utilizada para
descrever o período de paz
sentido com o fim das
Guerras Napoleônicas, que
teve como consequência a
expansão do Império
Britânico.
3 4 A Pax Britannica declinou
com o fim da ordem
estabelecida pelo
Congresso de Viena, após a
Guerra da Crimeia, e a
consequente formação dos
novos Estados-nações da
Itália e da Alemanha, sendo
essa resultante da guerra
franco-prussiana.

Processo de unificação Italiana ou Rissorgimento. Os expoentes do movimento foram: o rei Vitor


Emanuel II (1), o conde Cavour (2), Giuseppe Mazzini (3) e Giuseppe Garibaldi (4).

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Em 1870, foi a vez dos povos germânicos se unirem sob a iniciativa da


Prússia, reino de grande tradição militar. A unificação foi marcada, em seu
último capítulo, pela Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), com a vitória
avassaladora dos alemães, que foi decidida na Batalha de Sedan. A
humilhante captura do imperador francês, Napoleão III, que foi feito
prisioneiro, atirou o governo francês no caos. Diante disso, os franceses
derrubaram o monarca e proclamaram a Terceira República.

Ao final da Guerra Franco-Prussiana, os alemães abocanharam Território da Alsácia-


Lorena perdido pela França
o território da Alsácia-Lorena, que pertencia à França. Isso para a recém-formada
causaria um forte sentimento de inconformismo por parte dos Alemanha.
franceses, que predisporia a eclosão da Grande Guerra.

A criação do Império da Alemanha, ao estabelecer o II Reich, importou em


muito mais do que a modificação do mapa político, e fez emergir uma grande O cargo de chanceler na
Alemanha designa o
potência europeia, detentora de forte vocação militar e com grande chefe de governo e
capacidade industrial. O verdadeiro arquiteto da unificação alemã foi o hábil corresponde ao primeiro-
chanceler prussiano Otto von Bismarck, conhecido como “o Chanceler de ministro de outros países.
Ferro”. Como resultado da unificação, o rei da Prússia, Guilherme I, tornou-
se o kaiser da Alemanha.

Guilherme I

.
O processo de unificação da Alemanha ocorreu sob o contexto da Guerra Franco-Prussiana. A Otto von Bismarck
formação do Império da Alemanha, ou II Reich, foi feita a partir da união de 4 reinos, 18 grão-
ducados e 3 cidades autônomas. Otto von Bismarck, chanceler da Prússia, foi o artífice da
unificação da Alemanha.

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A solenidade de proclamação do kaiser aconteceu a 8 de janeiro


de 1871, na Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes, na
França. O suntuoso palácio encontrava-se ocupado pelas tropas
alemãs em decorrência da Guerra Franco-Prussiana.
PALÁCIO DE
Derrotados, os franceses consideraram tal fato humilhante.
VERSALHES
Em 1919, a França
escolheria esse mesmo
palácio para a
2.1 A Política das Alianças ratificação do tratado
que extinguiu o Império
Alemão, pôs fim à
Na política externa, Bismarck concentrou-se na criação de um complexo Grande Guerra e,
sistema de alianças, denominado Diplomacia Bismarckiana, destinado a segundo muitos, daria
origem à Segunda
promover o isolamento da França e, ao mesmo tempo, a projetar a posição da Guerra Mundial.
Alemanha na Europa. Em outubro de 1873, o chanceler alemão negociou a
Liga dos Três Imperadores entre os monarcas da Áustria-Hungria, da Rússia
e da Alemanha. Esse acordo falhou porque a Áustria e a Rússia tinham
interesses conflitantes nos Bálcãs.
Com a Rússia, Bismarck assinou o Tratado de Ressegurança de 1887, pelo
qual os dois países se comprometiam a permanecerem neutros em caso de TRÍPLICE ALIANÇA

guerra com um terceiro país, a não ser que a Alemanha atacasse a França, ou
a Rússia atacasse a Áustria. Em seguida, em 1889, Bismarck articulou uma
aliança defensiva com a Áustria, à qual a Itália aderiu em 1892. Formava-se,
assim, a Tríplice Aliança.
A adesão da Itália à aliança entre Alemanha e Áustria foi considerada bastante Alemanha
Áustria-Hungria
suspeita, isto porque os italianos possuíam antigas reivindicações territoriais Itália
com a Áustria. A Tríplice Aliança foi vista como uma forma de dissuadir a
Rússia de sua influência nos Bálcãs em favor dos povos eslavos, enquanto o
Império Otomano continuava a se enfraquecer na região.

Depois de 1870, um conflito europeu foi evitado em grande parte


por causa de um conjunto de tratados orquestrados por
Bismarck com outros países. Ele trabalhou astutamente para
manter a Rússia ao lado da Alemanha, evitando uma guerra em
duas frentes com a França e a Rússia.

Em 1888, o imperador Guilherme II ascende ao trono alemão, e logo entra


em choque com o velho Bismarck, que desde a unificação procurara manter
uma diplomacia habilidosa e destinada a manter a paz. Dois anos depois,
demite-o. Foi o primeiro grande erro do novo e último kaiser, agravado pela
má escolha dos sucessores do sábio “Chanceler de Ferro”. Aos poucos, o
Kaiser Guilherme II
sistema de alianças concebido por Bismark foi gradualmente deteriorado.

Guilherme II queria um lugar ao sol para seu vigoroso Império e acreditava


possuir talentos e predestinação para conquistá-lo. Inerentemente belicoso e
militarista, recusou-se a renovar o Tratado de Ressegurança com a Rússia.

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Em 1891, morreu o marechal Helmut von Moltke, o grande cérebro do planejamento


militar germânico. Ele havia sido o responsável pelas numerosas vitórias nas guerras de
unificação, e coubera a ele, depois de 1871, organizar o grandioso exército do II Reich.
Apreciador de planos detalhados, Moltke ao mesmo tempo afirmava que
nenhum plano militar poderia sobreviver aos primeiros 5 minutos de
confronto com o inimigo. Com isso, estimulava seus oficiais a serem
flexíveis. Depois da Guerra Franco-Prussiana, o prestígio do Exército francês
estava abalado em toda a Europa. Foi quando os generais de outras nações
passaram a se inspirar no modelo germânico e nos planos de mobilização de
Moltke.

Como vemos, em pouco tempo a Alemanha ficou sem seu


principal político e articulador diplomático, Otto von Bismarck, e
também sem o grande estrategista das vitórias militares, o Mal. Helmut von
marechal Helmut von Moltke. Moltke

O contexto da Alemanha unificada e articulada, afirmando-se como potência industrial e


militar, trouxe grande preocupação aos franceses e aos britânicos. Em oposição à política
de alianças germânicas, em 1904, a Grã-Bretanha assinou uma série de acordos com a
França, denominada Entente Cordiale. Em 1907, assinou com a Rússia a denominada
Convenção Anglo-Russa.
Embora esses dois acordos não tenham formalmente atrelado os três países a uma única
aliança, eles comprometeram os britânicos a se envolverem em qualquer conflito que
ameaçasse a França ou a Rússia. E assim, o sistema de dos acordos bilaterais entre esses
países ficou conhecido como Tríplice Entente. O termo entente, em francês, significa
“acordo”.

A Tríplice Entente, ou Entente Cordiale, foi criada para


contrabalançar a Tríplice Aliança. TRÍPLICE ENTENTE

Alianças militares e tratados secretos faziam parte do arsenal diplomático dos


países da época e destinavam-se a ser de natureza essencialmente defensiva.
Apesar do efeito dissuasório, essas alianças, na prática, não favoreciam a
construção de uma ordem internacional pacífica entre os Estados europeus. Grã-Bretanha
França
Aconteceu que uma série de incidentes internacionais no início do século XX, Rússia
especialmente nas colônias da África e nos Bálcãs, aumentou a tal ponto a
tensão que as principais potências se polarizaram em dois campos armados.

A partir de então, os estados-maiores dos exércitos e marinhas começaram


a urdir planos militares para as mais diversas probabilidades de guerra na
Europa.

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2.2 A Partilha Colonial


As últimas décadas do século XIX e início do século XX foram tempos de
uma intensa reacomodação internacional. Os Estados Unidos, depois de
concluírem a expansão para o Oeste de seu território e abocanharem boa
parcela do território do México, derrotaram a Espanha em 1898, o que o levou
a dominar Cuba, Porto Rico e as Filipinas.
Na Ásia, o Japão, que avançara rapidamente em sua industrialização, passou
a controlar a Coreia. Depois venceu uma guerra contra a China, em 1895, e
ainda bateu a temida Rússia, em 1905, na Guerra Russo-Japonesa. Esta guerra
marcou o reconhecimento do Japão como potência imperialista e naval,
enquanto evidenciava a fragilidade do império dos czares. Gravura do século XIX
mostra chinês diante da
Todavia, as grandes transformações na geopolítica tinham como palco a partilha de seu país pelas
Europa, o continente mais importante e desenvolvido, responsável por 62% potências imperialistas.

das exportações mundiais de produtos industrializados e por 80% de todos os


investimentos mundiais. Desde o final do século XIX, Grã-Bretanha, França
e Alemanha disputavam com unhas e dentes colônias e mercados no mundo
inteiro. O equilíbrio europeu era ainda mais instável por conta das potências
que se sentiam discriminadas na divisão internacional das colônias.

A Itália e a Alemanha, unificadas tardiamente, acabaram por


serem prejudicadas na partilha colonial, tendo de aceitar os
piores quinhões.

Boa parcela dos domínios coloniais na África e na Ásia estavam nas mãos de
britânicos e franceses, mas persistiam alguns poucos territórios em disputa. O
Sudoeste Africano, atual Namíbia, era pretendido por britânicos e alemães. A
França e o Reino Unido ainda discutiam a posse da ilha de Madagascar.
Partilha colonial da África
O controle da Pérsia (atual Irã), com seus ricos campos de petróleo, era entre franceses e alemães.

prioridade para os britânicos, porém ambicionado também pelos russos. No


Marrocos, a cobiça assanhava franceses e espanhóis, atraindo também o
interesse dos alemães. De fato, em 1905 e 1911, franceses e alemães quase
foram à guerra em uma crise pelo controle do Marrocos.
Uma olhada no mapa das conquistas coloniais alemãs mostra que ela se
resumia, na África, aos territórios do Togo, Camarões, Sudoeste Africano
(atual Namíbia), África Oriental Alemã (atual Tanzânia). Na China, a
Alemanha havia conquistado apenas o porto de Tsingtao e, na Oceania, tinha
a posse de uma pequena parte da Nova Guiné e de algumas ilhas no Pacífico.

Para os alemães, suas colônias não representavam um império


digno da mais pujante e próspera nação europeia,
principalmente se comparado às numerosas possessões de
franceses e britânicos. A Crise do Marrocos.

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2.3 O Barril de Pólvora nos Bálcãs


Desde o final do século XIX, os Bálcãs permaneciam a parte mais instável da
Europa. Lá, três impérios se digladiavam por poder e influência: o Otomano,
o Austro-Húngaro e o Russo. Os territórios em disputa ou tinham governos
frágeis, com poucas possibilidades de defesa diante das potências, ou
pertenciam aos chamados “impérios moribundos”. Um desses era o Império
Otomano, que fora grande potência no século XVI, mas que já sofria lento
declínio desde meados do século XIX.

Os turcos-otomanos acumulavam progressivas perdas


territoriais no Oriente Médio e no norte da África. No passado,
precisamente no século XVII, os turcos chegaram a ocupar a
totalidade dos Balcãs e boa parte do leste europeu.
O caldeirão dos Bálcãs.

Um congresso realizado em Berlim, em 1878, depois de uma derrota dos


turcos para os russos, tentou organizar o desmembramento do Império
Otomano. A ilha de Chipre foi tomada pelos ingleses e a Áustria-Hungria teve
licença para ocupar temporariamente a Bósnia-Herzegovina. Os turcos ainda
tiveram de admitir a independência da Sérvia, de Montenegro, da Romênia e BÁLCÃS
da Bulgária, todos povos eslavos e cristãos ortodoxos. Os turcos são, em sua Os Bálcãs, ou ainda Península
maioria, muçulmanos. Balcânica, é o nome histórico
e geográfico do sudeste da
Europa, que hoje engloba 11
países:
Grécia, Albânia, Bósnia,
Bulgária, Macedônia,
Montenegro, Sérvia, Croácia,
Eslovênia, Romênia e a
porção europeia da Turquia.
Os povos da região possuem
diversidades étnicas,
linguísticas e religiosas. Ao
longo da história, os Bálcãs
esteve sujeito ao domínio de
sucessivos impérios.
Depois da civilização grega, a
região foi dominada pelo
Império Romano. O Império
Bizantino, sucessor dos
romanos, ocupou a região
durante toda a Idade Média.
Com a queda de
Constantinopla, em 1453, os
turcos otomanos
estabeleceram um novo
Mapa da península Balcânica antes da eclosão da Grande Guerra. império, que controlou os
Bálcãs até o século XIX.
O advento desses pequenos países transformou a região e, por conseguinte,
toda a Europa, numa imensa colcha de retalhos, costurada por alianças
secretas e conspirações internacionais. A Rússia imperial avocava para si a
missão de proteger os povos eslavos do sul por intermédio da Sérvia.

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A Rússia estimulava o movimento pan-eslavista nos Balcãs, que


se fundamentava na identidade étnica e na religião ortodoxa. A ESLAVO
ideia era unir esses povos da região em torno da Sérvia, Termo usado para se
formando uma grande nação de eslavos do sul. referir a uma ramificação
étnica e linguística dos
europeus que vivem na
Em 1908, o Império Austro-Húngaro precipitou uma crise na região ao anexar Europa central, oriental e
formalmente a Bósnia-Herzegovina, que ocupava precariamente desde 1878. nos Bálcãs.
Isso irritou a Sérvia e o patrono do pan-eslavismo, o Império Russo. Mais da metade da
Movimentos ultranacionalistas eslavos se intensificaram e a interferência dos Europa é habitada por
povos falantes de línguas
russos na questão culminou por desestabilizar a região, tornando os Balcãs o eslavas.
chamado “Barril de Pólvora da Europa". São considerados
eslavos: tchecos,
eslovacos, morávios,
O nacionalismo foi um dos elementos que mais marcou o mundo poloneses, russos,
no século XIX. Os povos abandonaram suas antigas tradições e bielorrussos, ucranianos,
identidades culturais e as substituíram pelos valores e sérvios, búlgaros, croatas,
eslovenos,
sentimentos nacionalistas. montenegrinos e
bósnios.
Em 1912 e 1913, a Primeira Guerra Balcânica foi travada entre a Liga
Balcânica, e o decadente Império Otomano. O Tratado de Londres, que pôs
fim à guerra, encolheu os domínios turcos, com a criação de um Estado
independente albanês, enquanto ampliou as explorações territoriais da
Bulgária, da Sérvia, de Montenegro e da Grécia. Por outro lado, o Império
Austro-Húngaro transformava-se em um vespeiro, abrigando mais de uma
dezena de nacionalidades e gerenciando muito mal essa diversidade.

Depois de extrair partes do Império Otomano, os novos países


eslavos dos Bálcãs, especialmente a Sérvia, mostravam-se
ávidos para integrar as populações eslavas que viviam sob o
domínio do Império Austro-Húngaro.

O coronel Dragutin Dimitrievic,


Nos países balcânicos de autonomia recente, quase não havia partidos ou vulgo “Apis”, oficial do Exército
grupos sociais com projetos nacionais definidos. As Forças Armadas eram as sérvio, liderava uma sociedade
únicas instituições organizadas com presença e identidade nacionais. Na secreta ultranacionalista
Sérvia, o coronel ultranacionalista Dragutin Dimitrievic, mais conhecido denominada “Mão Negra”.

como “Ápis” semeou e sustentou organizações guerrilheiras como a “Jovem


Bósnia” e a “Mão Negra”. Esses grupos radicais buscavam, pela violência e
por ações terroristas, a unidade dos povos eslavos do sul. Os nacionalistas
sérvios almejavam a formação de um Estado da Grande Sérvia, ou Iugoslávia.

Nesse contexto de “barril de pólvora” dos Balcãs, os alemães viam seus


O pangermanismo foi um
aliados austríacos como um instrumento para expandir o mundo germânico movimento político do
no Leste Europeu. Isto representava o pan-germanismo, movimento que se século XIX que defendia a
união dos povos
antagonizava com o pan-eslavismo promovido pela Rússia. O Alto Comando germânicos da Europa
alemão elaborou o Plano Pangermânico, que estabelecia a posse da Europa Central.
Central, para a formação de uma Confederação Germânica, envolvendo os
países balcânicos, o Império Otomano, até o Golfo Pérsico.

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História Militar Mundial

O Plano Pangermânico previa a construção da ferrovia Berlim – Bagdá, um audacioso


projeto que funcionaria como integrador dos interesses alemães, dando acesso às reservas
de petróleo. Contudo, esse projeto imperialista ameaçava a influência dos britânicos na
região do Golfo Pérsico, além de concorrer diretamente com o Canal de Suez, controlado
pelos franceses. A obra também interessava ao Império Otomano, pois reforçaria seu
controle do Oriente Médio.

Mapa do traçado da ferrovia Berlim-Bagdá.

2.4 A Paz Armada


A unificação alemã havia sido liderada pela classe militar prussiana aliada à
nobreza. O resultado foi um Estado autoritário e centralizado que se apoiava
nos generais e na burguesia industrial, classes responsáveis pela
impressionante arrancada econômica que transformou, em poucas décadas, a
Alemanha em uma grande potência.
Orgulhosos de terem vencido a França em 1871, os alemães consolidaram
uma estrutura militarista de Estado, e isso era encarado como sinônimo de
prosperidade. Todo o alemão permanecia, de alguma maneira, ligado às
Forças Armadas dos 17 aos 45 anos.

O militarismo predominava na estrutura do Império Alemão, que,


visivelmente, era considerado uma “nação em armas”.

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Com a ascensão de Guilherme II ao trono, a política militarista foi


intensificada, orientando o desenvolvimento industrial alemão em favor da
máquina de guerra. Detentor de um poderoso e exemplar exército, a partir de
1898, a Alemanha passou a concentrar esforços para desenvolver sua
marinha de guerra. O Reichstag, o parlamento alemão, aprovou um audacioso
programa de expansão da Kaiserliche Marine.
O plano de ampliação naval ficou a cargo do almirante Alfred von Tirpitz,
secretário da Marinha Imperial Alemã. Esse era o caminho para reafirmar o
poderio militar do II Reich e projetá-lo além-mar, rivalizando com a Marinha
Britânica, esta, tradicionalmente e há séculos, a maior do mundo. As
ambições navais de Guilherme II logo criaram um estado de alerta nas outras
Alte. Alfred von Tirpitz.
potências da Europa, especialmente nos britânicos.

O kaiser Guilherme II junto


ao almirante Tirpitz, em
No início do século XX, a Alemanha rapidamente ampliou sua frota naval para,
visita à frota naval alemã.
claramente, desafiar a poderosa Marinha britânica.

Os britânicos interpretaram as pretensões navais alemãs como uma grande


ameaça à sua hegemonia nos mares.

Como resultado, ambas as nações se esforçavam para construir navios de guerra cada vez
mais poderosos. Com o lançamento do HMS Dreadnought em 1906, os britânicos
ampliaram sua vantagem sobre o rival alemão. A corrida armamentista entre a Grã-
Bretanha e a Alemanha, extrapolada ao resto da Europa, fez com que as demais potências
seguissem, dentro de suas possibilidades, políticas armamentistas que entreviam um
futuro conflito pan-europeu.

Entre 1908 e 1913, os gastos militares das potências europeias aumentaram


na ordem de 50%.

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História Militar Mundial

Com todo esse clima de tensões e agressividade, uma possível guerra entre as grandes
potências poderia explodir a qualquer momento, e quanto mais tensão havia, mais as
nações se preocupavam com a produção de armas e com o fortalecimento de seus
exércitos e marinhas. Entre 1871 e 1914, quase todas as nações europeias adotaram o
serviço militar obrigatório.

A “Paz Armada” foi a expressão usada para designar um período da história


política da Europa, que antecede a Primeira Guerra Mundial, na qual se
desenvolvia uma intensa corrida armamentista entre as nações. A dissuasão
dos crescentes arsenais parecia evitar a eclosão de uma guerra.

2.4 O Estopim da Guerra


Na região dos Bálcãs, foco de grandes tensões, grupos ultranacionalistas
sérvios precipitavam uma campanha pela unidade eslava. O alvo era o
Império Austro-Húngaro, que havia anexado a Bósnia-Herzegovina em 1908.
Ao desafiar os movimentos pan-eslavistas locais, os austríacos planejaram,
para o dia 28 de junho de 1914, exercícios militares em território bósnio, bem
perto da fronteira com a Sérvia.
A escolha da data tinha um tom de provocação. Naquele dia, no ano de 1349,
os turcos haviam destruído a Sérvia sob o reinado do rei Dusan. Era uma data
de luto para os sérvios. Os jogos de guerra contariam com a presença do
ilustre arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro.

Francisco Ferdinando era sobrinho do velho imperador


Francisco José, que não deixou um filho varão para sucedê-lo Imperador Francisco José
no trono austro-húngaro. Assim, o arquiduque era o primeiro na da Áustria.
linha sucessória.

Francisco Ferdinando, em sua chegada a Sarajevo, capital bósnia, concebeu


um passeio triunfal com sua esposa, a condessa Sofia, em carro aberto pelas
ruas da cidade. Um grupo de radicais do movimento Jovem Bósnia, apoiados
por militares sérvios da organização Mão Negra, planejou uma recepção
aterradora para o arquiduque.

O objetivo dos radicais bósnios era promover um atentado para


desestabilizar o Império Austro-Húngaro, que se mostrava
insensível aos anseios separatistas dos povos eslavos.

Assim que o cortejo entrou em Sarajevo, os terroristas bósnios se


Arquiduque Francisco
posicionaram junto a uma ponte. Estavam prontos para tudo, porque portavam Ferdinando
mortíferas cápsulas de cianeto para o caso de serem capturados. Enquanto a
comitiva passava, atiraram um artefato explosivo caseiro.
14
História Militar Mundial

A bomba rolou e não atingiu o carro do arquiduque, mas acabou por explodir próximo a
um dos carros da comitiva, ferindo alguns oficiais austríacos. “É assim que vocês recebem
seus convidados, com bombas! ”, vociferou Francisco Ferdinando ao se encontrar com a
principal autoridade local no prédio da prefeitura. O ilustre visitante não desconfiou que
o alvo era ele próprio.

O arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa Sophie saem do prédio da prefeitura


de Sarajevo pouco antes do atentado.

Decepcionado com o fracasso do atentado, um dos participantes, o estudante


bósnio Gavrilo Princip, de 19 anos, foi para uma cervejaria comer um lanche
e beber.

Preocupado com os feridos de sua comitiva, o arquiduque pediu ao motorista


que alterasse o percurso para uma rápida visita ao hospital da cidade, no qual
estavam hospitalizados os militares austríacos feridos. Por desconhecer o
caminho a seguir, o motorista adentrou em uma rua sem saída, próximo à
mesma cervejaria. O motorista teve dificuldade em manobrar o automóvel,
um conversível Gräf & Stift, de fabricação austríaca, que não possuía câmbio
com marcha ré.

Naquele momento, Gavrilo Princip saía da cervejaria. Quando viu aquela


cena, não se conteve com a grande oportunidade. Rapidamente sacou sua
arma e avançou sobre o carro, realizando vários disparos a curta distância. Os Gavrilo Princip
tiros atingiram em cheio o arquiduque e sua esposa Sophie. O casal
imediatamente tombou, mas acabou por morrer a caminho do hospital.

15
História Militar Mundial

O atentado de Sarajevo marcou o estopim da Primeira Guerra Mundial.

Gavrilo foi preso em flagrante. As investigações logo apontaram que o jovem


bósnio e seu grupo, de etnia sérvia, eram patrocinados pela Mão Negra, a
organização ultranacionalista liderada pelo coronel Dragutin Dimitrijević, do
Exército da Sérvia. As repercussões do crime foram enormes, mas não
incendiaram a Europa de imediato. Algum tempo depois, o governo de Viena
se voltou contra o governo sérvio, culpando-o indiretamente pelo atentado e
valendo-se de intimidações diplomáticas.
As elites austríacas costumavam referir-se à Sérvia como “aquele reino de
criadores de porcos”. Ao desejarem vingança, os austríacos agravaram as
tensões diplomáticas e apresentaram um ultimato ao governo da Sérvia. O
documento continha uma lista de exigências que, acintosamente, feriam a
soberania da Sérvia: dentre outras humilhantes exigências, a polícia de Viena
deveria agir livremente em território sérvio para investigar o assassinato. Gavrilo Princip preso.

O ultimato era a desculpa de que a Áustria precisava para ir à


guerra. O governo de Belgrado se recusou a cumprir apenas
uma das exigências, que autorizava a livre ação da polícia de
Viena, mas antes, telegrafou a Moscou pedindo ajuda.

Inconformado com a recusa às suas exigências, o Império Austro-Húngaro


declarou guerra à Sérvia. Mas, antes disso, consultou a Alemanha, obtendo o
aval para ir à guerra. Os alemães apoiaram integralmente a iniciativa militar
de sua aliada. Ao declararem guerra à Sérvia, os austríacos pretendiam dar
mostras de seu poder nos Bálcãs e, por fim, invadir aquele pequeno país que
se tornara foco do nocivo nacionalismo eslavo na região.
A decisão da Alemanha de apoiar a Áustria em uma guerra contra a Sérvia
revelou-se crucial, e foi tomada sem a preocupação de suas possíveis Encontro entre os
consequências. Os alemães estimaram que se trataria de mais um conflito monarcas da Áustria-
limitado às Bálcãs, como ocorrera em anos anteriores. Não calcularam como Hungria e da Alemanha
em 1914.
reagiriam as demais potências europeias, polarizadas pela política das
alianças.

16
História Militar Mundial

O PLANO
SCHLIEFFEN
Tratava-se de um plano
estratégico alemão
Por temer uma possível reação da Rússia, o imperador austríaco Francisco José concebido pelo marechal
(esq.), consultou o kaiser alemão Guilherme II (dir.), que afiançou a aventura bélica Alfred von Schlieffen,
contra a Sérvia. O aval foi orientado pela política do pan-germanismo. chefe do Estado-Maior
alemão, entre 1891 e
Cumprindo as ameaças, em 29 de julho, a Áustria atacou Sérvia. 1906. Pretendia-se com
A agressão foi feita por uma lancha canhoneira, que pelo rio ele resolver uma questão
crucial que preocupava os
Danúbio, bombardeou a capital Belgrado.
militares alemães, a
guerra em duas frentes,
No dia seguinte, em apoio à protegida Sérvia, a Rússia decretou a mobilização com a França no oeste e a
Rússia, no leste.
de seu exército para a fronteira com o Império Austro-Húngaro. Aquilo que
parecia ser apenas mais uma guerra na região começou a se ampliar. A A estratégia concebida por
Schlieffen priorizava
diplomacia parecia estar imóvel ou desinteressada em evitar ao conflito. Os atacar primeiro os
militares tomaram as rédeas da situação e agravaram ainda mais as tensões. franceses, para depois se
voltar contra os russos.
Os alemães, compromissados com o apoio aos austríacos, enviaram um Isto porque a França
ultimato aos russos, exigindo que suspendessem a mobilização. A Rússia nem possuía um exército mais
respondeu e, então, a Alemanha declarou guerra à Rússia. No dia 3 de agosto, ágil, moderno e mais
a França, aliada da Rússia, declarou guerra à Alemanha. próximo. Já a Rússia tinha
um exército de lenta
Para atacar a França, de acordo com o Plano Schlieffen, a Alemanha pediu mobilização e disperso em
permissão à Bélgica para cruzar o território com seu exército. O rei belga uma vasta e distante
fronteira.
Alberto I declarou neutralidade e negou. Então a Alemanha partiu para a
invasão. A Grã Bretanha, até então indecisa, em razão da agressão à neutra Na frente oeste, o
marechal, que antevia
Bélgica, entrou na guerra ao lado da França e da Rússia. uma corrida dos franceses
para retomar a Alsácia-
Lorena, preconizou atacar
a França em um
envolvimento pelo norte,
atravessando a Bélgica e
o Luxemburgo.
Assim, pensava ele que,
em apenas 6 semanas,
atingiria Paris. Com a
França derrotada, os
alemães cuidaria da
guerra no Leste.

O Plano Schlieffen foi concebido para que ocorresse uma rápida e decisiva a vitória sobre a
França. A partir de então, seriam liberadas tropas para a Frente Oriental contra a Rússia. 17
História Militar Mundial

1 – 28 jul.: A Áustria declara guerra à


Sérvia com apoio da Alemanha.

2 – 30 jul : A Rússia, aliada da Sérvia,


declara guerra à Áustria.

3 – 1º ago.: A Alemanha, aliada da


Áustria, declara guerra à Rússia.

4 – 3 ago.: A França, aliada da


Rússia, declara guerra à Alemanha.

5 – 4 ago: A Alemanha invade a


Bélgica para atacar a França.

6 - 4 ago: A Grã-Bretanha, devido à


invasão da Bélgica, entra na guerra
contra a Alemanha.

Mapa da sequência de declarações de guerra entre 28 de julho e 4 de agosto de 1914.

O alistamento de voluntários foi acima do esperado. Os soldados eram


aplaudidos nas ruas e colocavam nos vagões placas indicativas de destino: a
Berlin, ou nach Paris. Em agosto de 1914, os europeus das principais
potências beligerantes partiam alegremente para o front, confiantes de que,
em poucos meses, estariam de volta para comemorar a vitória.

Seleção de voluntários no
Exército britânico.

Mobilização de soldados alemães (esq.) e ingleses (dir.), que se mostram alegres por
irem à guerra, em agosto de 1914.

Por toda a Europa, 10 milhões de homens marcharam motivados


para a guerra. Inusitadamente, um clima de otimismo e alegria
contagiava a todos. Julgavam aquela guerra justa e definitiva.
Acreditavam, ainda, que ela seria breve, vibrante e gloriosa. Soldados franceses
embarcam para a guerra.

18
História Militar Mundial

2.5 As Causas da Grande Guerra


Em resumo, podemos relacionar as seguintes causas para o conflito:
 Disputa geopolítica entre potências imperialistas da Europa, que buscavam
territórios, mercados e colônias;
 O colapso da diplomacia bismarckiana (1871-1890);
 A política das alianças militares com a prática de pactos secretos entre as nações;
 Revanchismo da França pela perda da Alsácia-Lorena na Guerra Franco-Prussiana;
 A ausência de uma ordem internacional em favor da paz;
 Os nacionalismos acentuados na região dos Bálcãs e o antagonismo entre as políticas
do pan-eslavismo e do pan-germanismo;
 A corrida armamentista e o militarismo crescente, expressos pela “Paz Armada”.

Europa das Monarquias


Curiosamente, em 1914, apenas quatro países europeus haviam adotado o regime republicano: a Suíça, a
França, Portugal e a minúscula República de San Marino. Na Europa do início do século XX, predominavam
os regimes monárquicos, nos quais grande parte dos reis e rainhas ainda detinham amplos poderes. Na
Rússia czarista, o regime mantinha marcantes traços absolutistas.
Na Alemanha e na Áustria-Hungria, os imperadores possuíam o controle sobre muitas das ações de Estado,
compartilhando o governo com o parlamento. Na Grã-Bretanha, o rei era apenas o chefe de Estado, e não
governava desde 1689. No Império Otomano, Mehmed V era um sultão de fachada, pois havia perdido o
poder em 1908 para os Jovens Turcos, a nova elite militar turca.
Os historiadores conferem aos antigos regimes monárquicos, especialmente àqueles em que os monarcas
ainda governavam, uma qualidade de serem mais propensos à guerra. Isso porque as agressões e ameaças
ao Estado adquiriam um cunho especialmente personalista, precipitando iniciativas de cunho beligerante.
Devido ao costume dos casamentos arranjados entre as realezas, era comum que os monarcas europeus
compartilhassem algum grau de parentesco. Os casamentos reais tinham por objetivo reforçar alianças e
evitar guerras. Todavia, na prática, as coisas nem sempre aconteciam conforme o planejado. Esse foi o caso
da Grande Guerra (1914 a 1918), na qual se configurou uma briga entre primos.
O rei George V, da Grã-Bretanha, era primo em primeiro grau do czar russo Nicolau II. Ambos eram primos
em segundo grau do kaiser Guilherme II da Alemanha. Por sua vez, o rei Carol, da Romênia, pertencia à
linhagem dos Hohenzollern, da Alemanha. Já a esposa de Carol, Maria Alexandra, pertencia à família real
britânica. Outro caso era o do rei Constantino I, da Grécia, que também descendia da família real russa, ao
passo que sua esposa era irmã do kaiser Guilherme II. Na Bélgica, o rei Alberto I, também era primo distante
do imperador alemão. Abaixo, os principais monarcas beligerantes:

George V Nicolau II Guilherme II Francisco José Vitor Emanuel II Mehmed V

George V
19
V
História Militar Mundial

3. A evolução da Grande Guerra


Quando a guerra estourou, as principais potências achavam que ela seria uma breve
aventura, um passeio. Os estrategistas de ambos os lados imaginaram que comemorariam
a vitória em casa, antes do Natal de 1914. O conflito, que parecia ser localizado, alastrou-
se rapidamente por toda Europa e acabou por atingir inclusive países fora dela. Ao final,
28 países foram envolvidos por declarações de beligerância, inclusive o Brasil. Por seu
aspecto mundial, a guerra se propagou para a África, Ásia, América e Oceania.

3.1 A reorganização das alianças


As alianças militares prévias acabaram por sofrer mudanças logo nos primeiros meses e
ao longo dos 4 anos de guerra. A Tríplice Entente se confirmou, mantendo unidas a
França, a Rússia e a Grã-Bretanha. A essas, juntaram-se a Sérvia, a Bélgica, o Japão, a
Grécia, Portugal e a Romênia. Em 1917, entraram ao lado deles os Estados Unidos e o
Brasil. Tal bloco acabaria por ser denominado de Aliados ou Entente.

Depois da eclosão da guerra, a Tríplice Entente passou a ser chamada de


Entente ou simplesmente Aliados.

Do lado da Tríplice Aliança, Alemanha e Áustria-Hungria


mantiveram-se juntas, mas a Itália não cumpriu seu
compromisso e declarou-se neutra. A Itália se recusou a apoiar
seus aliados com tropas, pois argumentava que a Tríplice
Aliança era um tratado defensivo e que a Áustria-Hungria
havia agredido a Sérvia sem consulta prévia à Itália, somente
o fazendo perante a Alemanha. No lugar da Itália, entrou o
Império Otomano, em novembro de 1914. Em 1915, ocorreu a
adesão da Bulgária. Esse bloco, durante a guerra, foi
denominado Potências Centrais ou Impérios Centrais.

O bloco da Tríplice Aliança foi renomeado durante a guerra como Potências


Centrais. Diante da evasão da Itália, a aliança recebeu a adesão da Turquia.
Em 1915, a Itália mudou de lado e ingressou junto aos Aliados.

A mudança de lado da Itália é especialmente entendida por seus interesses territoriais


perante ao Império Austro-Húngaro. No processo de unificação italiana (1860), não foi
possível incluir os territórios Trentino e Trieste, com população de fala italiana, que
permaneceram sob o poder de Viena.
Sucedeu-se que, na fase inicial do conflito, a Itália passou a ser cortejada pelos dois lados
em busca de um posicionamento. Por fim, em maio de 1915, a Itália se voltou contra a
Áustria e, em seguida contra a Alemanha. Isso só aconteceu porque a França e a Grã-
Bretanha se comprometeram a apoiá-la na tomada dos territórios desejados, caso
ingressasse na Entente.
20
História Militar Mundial

. AS NOVAS
ALIANÇAS
DURANTE A
GRANDE GUERRA
Ao ser deflagrado o
conflito, as alianças
anteriores entre os países
europeus sofreram um
rearranjo, inclusive em
suas denominações.

POTÊNCIAS
CENTRAIS
Alemanha

Áustria-
Hungria

Império
Otomano
Ilustração da época que exprime a situação de indefinição da Itália perante os dois lados
da Grande Guerra. Bulgária
A entrada do Império Otomano ao lado da Alemanha e da Áustria-Hungria se
deu por diversas razões. Primeiramente, havia um histórico de boas relações
diplomáticas entre alemães e turcos. O kaiser e o sultão compartilhavam ALIADOS ou ENTENTE
projetos estratégicos comuns, como a Ferrovia Berlim-Bagdá. Os militares França
turcos faziam cursos e estágios regulares no Exército alemão. Ambos os
impérios tinham um inimigo em comum: a Rússia. Os turcos haviam sido Grã-
Bretanha
derrotados pelos russos em uma guerra nos Bálcãs, em 1878.
Rússia
Com seu império em decadência, os turcos vinham amargando há tempos o
encolhimento de seu império. Desde o século XIX, a França e a Grã-Bretanha, Sérvia
ao imporem o neocolonialismo, ameaçavam os domínios turcos no Oriente
Médio. Logo, entreviram que, naquele momento, seria estratégico ingressar Bélgica
na guerra ao lado da Alemanha, que era uma potência em ascensão na Europa.
Montenegro
A Alemanha, por sua vez, via a possibilidade de que o Império Otomano
pudesse retomar o Egito e controlar o Canal de Suez, o que traria grandes Japão
prejuízos aos inimigos franceses e britânicos. Os turcos controlavam ainda os
Itália
estreitos de Dardanelos e Bósforo. O fechamento dessas passagens marítimas
aprisionava grande parte da Marinha russa no Mar Negro, impedindo o acesso Portugal
ao Mediterrâneo.
Romênia
Os militares alemães ainda arquitetaram que a Turquia, um país
Estados
majoritariamente islâmico, pudesse promover uma jihad, contra Unidos
o imperialismo britânico na região.
Grécia

Brasil
21
História Militar Mundial

3.2 Os teatros de operações e as frentes na Europa


A guerra iniciada em 1914 tornou-se mundial não apenas por suas grandes
proporções e pelo envolvimento de nações de diversos continentes, mas
porque os combates aconteceram em distintos cantos do mundo.
Geograficamente, os teatros de operações foram os seguintes:
1. Teatro da Europa - palco fundamental e decisivo onde se deu o
confronto entre as grandes potências. Aconteceu em quatro frentes,
mas principal destas foi a Frente Ocidental;

2. Teatro da África - conflitos entre tropas coloniais alemãs contra


franceses e britânicos;

3. Teatro do Oriente Médio - O Império Otomano enfrentou os


Aliados em diversas frentes. Nele ocorreu a Revolta Árabe, a
Campanha de Gallipoli e a Campanha do Cáucaso;

4. Teatro do Extremo Oriente ou Asiático– o Japão e a Grã-


Bretanha invadem territórios da Alemanha na China e ilhas do
Pacífico;

5. Teatro Naval da América do Sul – combates navais costeiros


entre a Kaiserliche Marine e a Royal Navy.

4
2

Mapa-múndi ilustrativo dos teatros de operações da Primeira Guerra Mundial.

22
História Militar Mundial

No colossal confronto do Teatro de Operações Europeu, a guerra foi concentrada em


quatro frentes:
1. Frente Ocidental - Situada ao longo da fronteira franco-
germânica, na Bélgica e nordeste da França. Nela combateram
principalmente as forças aliadas franco-britânicas contra os
alemães. Foi um vultuoso, mas equilibrado, embate entre potências
militares. Aconteceram aí as gigantescas e mortíferas batalhas do
Somme e do Verdun. Durante longo período, foi uma frente
caraterizada pela imobilidade das trincheiras. Por fim, foi o local
que efetivamente decidiu a guerra;

2. Frente Oriental - Localizada nas fronteiras da Alemanha e da


Austro-Hungria com a Rússia. Foi a segunda frente mais
importante, marcada pela mobilidade e pela vitória das forças
alemãs sobre os russos;

3. Frente Balcânica - Causa inicial da Grande Guerra, foi assinalada pela agressão
do Império Austro-Húngaro à Sérvia. Depois envolveu a Bulgária, a Romênia e a
Grécia. Também foi uma frente marcada pela mobilidade dos exércitos;

4. Frente Italiana ou Alpina - Aberta após a entrada da Itália na guerra, em maio


de 1915, refere-se às batalhas contra o Império Austro-Húngaro e seu aliado alemão.
Aconteceu, em parte, na região dos Alpes e, assim como a Frente Ocidental, também
foi caracterizada pela formação de trincheiras.

Mapa ilustrativo das frentes do Teatro Europeu na Primeira Guerra Mundial.


23
História Militar Mundial

3.3 Movimentos iniciais


Epicentro da crise, o primeiro tiro foi disparado nos Bálcãs. No dia 28 de julho de 1914,
canhões austríacos disparam contra Belgrado, capital sérvia. No dia seguinte, navegando
pelo rio Danúbio, uma flotilha de canhoneiras austro-húngaras bombardeou novamente a
cidade. A agressão contra a Sérvia prosseguiu com o Exército Austro-Húngaro rompendo
a fronteira. No entanto, os sérvios mobilizaram suas tropas e preparam uma boa defesa.
O encontro se deu no Monte Cer, onde os sérvios, bem posicionados nas
montanhas, destroçaram facilmente o invasor. Nas semanas seguintes, os
austríacos bateram em retirada com pesadas baixas. A Batalha de Cer marcou
a primeira vitória dos Aliados e frustrou as esperanças de Viena em vingar
rapidamente o assassinato de seu arquiduque. Como resultado, os generais
austro-húngaros concentraram grande parte de suas forças no front contra a
Sérvia, descuidando das posições para conter a invasão dos russos no norte.
Isso porque os generais austro-húngaros acreditavam que a Alemanha
cobriria o seu flanco norte contra a Rússia. Os generais alemães, no entanto,
imaginaram que seus aliados dirigiriam a maior parte de suas tropas para a
frente contra a Rússia, enquanto a Alemanha lidaria com a França, conforme Uniformes do Exército da
o Plano Schlieffen. Essa confusão de estratégias levou o Exército Austro- Sérvia

Húngaro a dividir muito mal suas forças entre as frentes Oriental e Balcânica.

A estratégia das Potências Centrais sofreu uma falta de coordenação. O


Império Alemão prometeu apoiar a invasão da Sérvia pela Áustria-Hungria,
mas as interpretações do que isto efetivamente significava diferiam entre os
altos comandos.

Ao mesmo tempo, no leste, os russos mobilizaram seus exércitos para atacar,


simultaneamente, o Império Austro-húngaro na Galícia Austríaca (atual Polônia) e o
Império Alemão, na Prússia Oriental. Nessa frente, novamente, a guerra foi um desastre
para os austro-húngaros. O Exército Russo, composto em sua maioria por camponeses
analfabetos e mal armados, avançou rapidamente e chegou próximo à cidade de Cracóvia.

24
Os austro-húngaros priorizaram a luta no sul e descuidaram dos russos no norte.
História Militar Mundial

Em poucas semanas de combates, tombaram mais de 300 mil soldados do Exército


Austro-Húngaro, além de rendições em massa e de milhares de prisioneiros feitos pelos
russos. Mais um desastre para as Potências Centrais no começo da guerra. Os austríacos
tinham um sério problema de composição étnico-nacional de seu exército. Dois terços de
seus soldados da infantaria eram eslavos, pouco dispostos a combater seus irmãos russos.

A Alemanha acreditava que sua aliada Áustria-Hungria poderia cuidar


sozinha da Rússia no leste, mas isso não aconteceu. Os alemães ficaram
apavorados quando souberam que os austríacos concentraram todo o seu
exército apenas para combater a Sérvia no sul.

Assustado com o avanço rápido dos russos no leste, que ameaçavam a Prússia Oriental,
o kaiser Guilherme II deslocou para esse front tropas em apoio aos austro-húngaros. Era
tudo o que os alemães queriam evitar: uma guerra em duas frentes. Mas os competentes
generais germânicos Erich Ludendorff e Paul von Hindenburg, porém, planejaram conter
o rolo compressor russo. Na Batalha de Tannenberg, em 28 de agosto de 1914, os alemães,
mesmo em desvantagem numérica de 2 para 1, massacraram os invasores russos.

Desesperado, e sentindo-se culpado pelo fracasso militar, o general russo


Samsonov cometeu suicídio. A vitória no leste lavou a alma dos alemães, que
precisavam de uma vitória, e debilitou o Exército Russo, que ficou em
situação extremamente precária.

À esquerda, os russos surpreenderam os alemães no leste, enquanto, no mapa da direita, concentravam esforços
no oeste para invadir a Bélgica e, depois, a França.

Antes do ataque russo no leste, os alemães já haviam priorizado partir para o ataque
concentrado contra a França, atravessando pela Bélgica. A Frente Ocidental era
prioritária, conforme previa o Plano Schlieffen. Em 4 de agosto, o Exército Alemão
invadiu o Reino da Bélgica, cuja neutralidade foi desrespeitada. O pequeno Exército
Belga lutou bravamente, mas foi derrotado. A fortaleza belga de Liége foi destroçada
pelos superpesados canhões Krupp.

25
História Militar Mundial

Dada à surpresa do ataque russo no leste, o Plano Schlieffen acabou por ser
modificado pelo seu executor, o general Von Moltke, sobrinho do legendário
marechal Helmuth Karl von Moltke. O novo comandante manteve o plano
básico, mas reduziu a concentração de forças na coluna direita. Descolou
tropas para a coluna esquerda e ainda enviou contingentes para a Frente
Oriental, pois temia o progresso dos russos. O resultado foi o
enfraquecimento da ala direita. Tais decisões são até hoje discutidas, pois
teriam comprometido o sucesso do plano.
A invasão alemã sobre a Bélgica foi avassaladora e Bruxelas terminou
capturada no dia 20 de agosto de 1914. A recém-chegada Força
Expedicionária Britânica e as divisões francesas bem que tentaram deter o
avanço alemão pela fronteira franco-belga, mas não suportaram a pressão da Gen. Von Moltke, “o
moço”, Chefe do EM do
máquina de guerra germânica e tiveram de recuar em território francês. As Exército Alemão
colunas alemãs avançaram rapidamente França adentro. No fim de setembro,
a vanguarda das tropas alemãs estava a apenas 70 km de Paris.

A ameaça fez com que a sede do governo francês fosse recuada às pressas
para Bordeaux. Tudo fazia parecer que o Plano Schlieffen, apesar de suas
modificações, daria certo e que a vitória alemã seria rápida e decisiva.

No entanto, em pouco tempo, o rápido avanço alemão no norte da França começou a


apresentar problemas de defesa. As colunas invasoras estenderam-se demais, em especial
a coluna da direita, comandada pelo general Von Kluck, que marchava rumo ao norte de
Paris. O espaçamento das colunas alemãs tornou-as vulneráveis a um contra-ataque em
seus flancos.

Esquema do posicionamento das colunas alemãs sobre o norte da França. A coluna


comandada pelo gen. Von Kluck tornou-se vulnerável a um contra-ataque lateral.
26
História Militar Mundial

No dia 2 de setembro, aviões franceses realizaram voos de reconhecimento e


revelaram as brechas vulneráveis das colunas alemãs. O marechal Joseph
Joffre, percebeu a oportunidade e organizou um ataque contra o ponto frágil
do inimigo na altura do rio Marne. O bem planejado e maciço contra-ataque
francês surpreendeu os alemães.

Para mobilizar rapidamente as tropas de reserva para a


contraofensiva do Marne, o general Gallieni, recorreu ao
fretamento dos táxis de Paris.

Durante 2 dias foram mobilizados cerca de 3 mil carros de praça e, assim, Mal. Joseph Joffre,
comandante do Exército
foram enviados milhares soldados para a frente de batalha do Marne. O da França.
governo pagou integralmente, sem reclamar, o valor registrado por cada
taxímetro.

Gen. Joseph Gallieni


Numa iniciativa improvável, foram requisitados os táxis de Paris para mobilizar tropas comandante da defesa de
de infantaria do Exército Francês para o front na Primeira Batalha do Marne. A decisão Paris.
acabou reforçar as defesas e salvar a capital francesa de uma provável invasão alemã.
No dia 5 de setembro de 1914, teve início uma grande batalha na extensão do rio Marne.
Durante 7 dias, 2 milhões e meio de homens lutaram ferozmente ao longo de uma faixa
de 300 km de extensão. Diante da reação francesa, os alemães tiveram de retroceder. Para
manterem o terreno conquistado, as tropas alemãs se reagruparam e começaram a cavar
trincheiras.

O ataque alemão que ameaçava cercar Paris foi


detido pela contraofensiva no rio Marne. A
capital francesa estava salva. Os franceses o
chamaram de “Milagre do Marne”.

Para se opor ao invasor entrincheirado, franceses e britânicos


também começaram a cavar suas próprias linhas de defesa,
face a face com as linhas alemãs. A partir de então, os dois
lados buscaram, desesperadamente, manter suas posições
táticas estendendo, as respectivas linhas de trincheiras. Soldados alemães cavam trincheiras
após a Batalha do Marne.

27
História Militar Mundial

De fato, nenhum dos lados venceu a Batalha do Marne, pois os


alemães não conseguiram cercar Paris, que era seu principal
objetivo estratégico. Por sua vez, os franceses não conseguiram
expulsar os alemães de seu território. Ao final da batalha, que
perdurou por 6 dias, as baixas foram de cerca de 250 mil homens
de cada lado.
Na chamada “corrida para o mar”, aliados e alemães buscaram
conquistar a maior faixa possível do litoral da Bélgica, pois isso
seria importante em termos estratégicos e logísticos. O ano de 1914
chegou ao fim com os exércitos exaustos em um front contínuo de Sapadores alemães no serviço de
640 km de linhas trincheiras, que se estendiam do litoral do Mar do construção de trincheiras.
Norte até a fronteira com a Suíça.

Na Frente Ocidental, a guerra de movimento encerrou-se na Batalha do


Marne, e teve início a guerra de posições. Com ela, acabaram-se os sonhos
de uma guerra curta. Substituiu-os a realidade das trincheiras.

Mapa da extensa linha de trincheiras que caracterizou a Frente Ocidental na Primeira Guerra
Mundial.

28
História Militar Mundial

3.4 O impasse da guerra de trincheiras


Até então, a mobilidade das tropas de cavalaria e da infantaria, apoiadas pelo fogo da
artilharia, havia sido a tática usual dos generais. Todavia, a Grande Guerra impôs uma
nova realidade no campo de batalha. As posições defensivas ficaram extremamente fortes,
e, pela primeira vez na história, a guerra de trincheiras era usada em larga escala na
Europa. A movimentação da cavalaria ou da infantaria foi logo contida pelas valas
cavadas na terra, pelo emaranhado de cercas de arame farpado e pelos campos minados.
Todos que se atreviam a avançar acabavam dizimados pelo fogo das metralhadoras e pela
barragem de artilharia.

A Primeira Guerra Mundial significou a supremacia das posições


defensivas sobre os métodos ofensivos. Isso resultou numa
guerra de posições, que pôs fim à mobilidade.

As trincheiras eram longos canais cavados na terra, geralmente reforçados por


toras de madeiras. O efeito foi um complexo de trilhas e labirintos que ligava
as tropas da linha de frente a alojamentos, depósitos de suprimentos, hospitais
de campanha e postos de comando e comunicações. As trincheiras não eram
construídas em linha reta. Muitas eram perpendiculares de forma a que se o TRINCHEIRAS
inimigo conseguisse tomar uma parte da trincheira, estava sujeito ao fogo das Ao contrário de muitas
de apoio das linhas perpendiculares. armas e equipamentos
usados na Grande
Guerra, a trincheira não
era uma novidade na
engenharia militar.

O recurso já era usado


desde a Antiguidade
como um tipo de
fortificação de campanha.

Ocorriam quando um ou
ambos os lados
beligerantes estavam
relativamente distantes de
suas bases, ou quando
Uma trincheira típica tinha pouco mais de 2 m de profundidade e cerca de 1,80 m de largura. Na tinham suas tentativas de
frente e atrás, largas fileiras de sacos de areia, com quase 1 m de altura, aumentavam a proteção. ofensivas militares
Havia ainda um degrau de tiro, 0,5 m acima do chão. Ele era usado por sentinelas de vigia e na hora frustradas.
para atirar contra o inimigo.

O dia-a-dia nas trincheiras era horrível. Quando chovia, as valas inundavam. Mal
instalados, os soldados tinham de defender posições, comer e dormir por muitos dias com
uniformes encharcados. Havia lama por todos os lados, às vezes atingindo até o peito. No
inverno era difícil de se aquecer, e muitos morriam congelados. Obstruções e
desabamentos causados pelos bombardeios impediam a chegada de suprimentos, podendo
haver falta de comida e munição. As condições de higiene eram péssimas e, com isso, as
doenças se alastravam, incapacitando ou matando milhares de combatentes.

29
História Militar Mundial

Infestações de piolhos e ratos faziam parte do ambiente


das trincheiras. Na guerra de trincheiras, os soldados
viviam como ratos, entre os ratos.

Caçar ratos era um dos passatempos


dos combatentes das trincheiras.

Trincheira britânica na Primeira Guerra Mundial. Notar que ao mesmo tempo um soldado
estava pronto para o combate, alguns dormiam, enquanto corpos de companheiros
jaziam na vala.
A luta nas trincheiras era ao mesmo tempo tensa e entediante. Apesar
dos ataques repetidos, nenhum dos lados fazia conquistas significativas.
Os abrigos protegiam a tropa contra as metralhadoras, mas eram pouco Soldados franceses em posições
entrincheiradas.
eficazes contra as grandes explosões de bombas e morteiros. O assédio
da artilharia inimigo era um dos momentos de maior provação, quando
estava presente o medo de ser morto pela concussão da explosão ou
estraçalhado pela chuva de estilhaços de ferro fundido.
Os pesados bombardeios causavam grande destruição, mortes e feridos
na linha de frente. Grande parte dos listados entre os desaparecidos
estava entre os que morriam soterrados nos próprios abrigos. Após os
combates, mortos e feridos permaneciam no local até a noite, quando
as patrulhas de resgate podiam procurá-los com maior segurança. Para
muitos sobreviventes, era tarde demais.

O tempo médio de serviço de um soldado na linha de


frente das trincheiras era de uma semana. A presença
constante do medo, da morte, do ferimento, das armas
químicas, enfim, coexistia com más condições de conforto Soldado britânico em uma
e sanitárias. vala inundada pela chuva.

30
História Militar Mundial

Entre as duas linhas de frente, havia um faixa de terreno denominada


“terra de ninguém” ("no man's land"). Essa faixa de território, que
podia variar entre 50 e 500 metros de extensão, estava quase sempre
minada e repleta de cercas de arame farpado. Uma incursão na “terra de
ninguém” era quase sempre uma tarefa mortal. Invariavelmente havia
um ninho de metralhadoras inimigas dispostas para impedir qualquer
avanço. A TRÉGUA DE NATAL
O mais terrível dos momentos era aquele em que o comandante do Às vezes, porém, a fraternidade
humana aflorava no coração
pelotão ordenava a saída da trincheira para um ataque. Equipamento daqueles enrijecidos guerreiros.
ajustado, baioneta calada, os homens transpunham o parapeito da No Natal de 1914, sem esperar pela
trincheira e lançavam-se em direção às linhas opostas sob o cerrado decisão de seus comandantes,
fogo inimigo. Com algum sucesso, cruzavam a “terra de ninguém” e a soldados alemães, franceses e
britânicos fizeram por sua conta um
luta continuava dentro da trincheira adversária. Era a hora da pistola, da cessar-fogo.
baioneta, do punhal ou de qualquer coisa à mão que pudesse eliminar o Na manhã de 25 de dezembro,
inimigo no combate corpo a corpo. soldados britânicos começaram a
trocar mensagens amistosas com
os alemães.
Um recruta inglês saiu para
encontrar uma patrulha inimiga, que
lhe deu uma garrafa de uísque e
alguns cigarros. Em pouco tempo
os adversários se encontravam em
grande confraternização, movidos
pelo espírito natalino.
Isso aconteceu em vários pontos da
fronteira belga. Alemães e
britânicos chegaram a jogar uma
partida de futebol na terra de
ninguém.
Durou pouco. No dia seguinte,
esses inimigos, que nada tinham
uns contra os outros, estavam se
matando novamente.
Os comandantes dos dois lados,
irritadíssimos, proibiram
Os ataques da infantaria eram praticados mediante a saída da trincheira, o chamado terminantemente qualquer trégua
“over the top”. Dessa forma, iniciava-se uma arriscada aventura na “terra de ninguém” para os próximos Natais.
até as linhas inimigas.

As táticas no início da Grande Guerra permaneciam as mesmas do final do


século XIX. A infantaria avançava em ondas, antecedida pelo intenso
bombardeio da artilharia. O resultado era quase sempre uma carnificina
ineficaz militarmente.

Em fevereiro de 1915, 50 mil franceses morreram disputando 500 m² de terreno na região


de Champagne. Em todo o nordeste da França, a mortalidade atingia em igual proporção
soldados franceses, seus aliados britânicos e os inimigos alemães. Escaramuças e pesados
combates se sucediam às custas de milhares de mortos, sem que nenhum dos lados fizesse
qualquer avanço tático importante. Configurava-se, assim, um empate entre dois
perdedores.
31
História Militar Mundial

Os historiadores militares afirmam que os comandantes militares dos dois


lados não perceberam as características da guerra moderna e acabaram por
insistir em uma inútil estratégia de desgaste.

3.5 Outras frentes


Enquanto na Frente Ocidental os beligerantes mantinham suas posições
à custa de rios de sangue na guerra de trincheiras, complicadas alianças
e acordos secretos traziam para a guerra novos países. Para aliviar os
russos que fraquejavam na Frente Oriental, o ministro da Marinha
Britânica, Winston Churchill, planejou uma ofensiva que julgava
estratégica contra o Império Otomano, o elo mais frágil das Potências
Centrais.

A estratégia de Londres previa o desembarque de tropas


na planície de Gallipoli, no estreito de Dardanellos. O
objetivo era controlar a passagem do Mediterrâneo para o
Mar Negro. Isto ajudaria a Rússia e ainda incentivaria
outros países dos Bálcãs a aderirem à Entente. Winston Churchill em
1915.
A tarefa parecia fácil, uma vez que a Royal Navy era a mais poderosa marinha do mundo.
Todavia, os turcos transformaram Dardanellos em uma armadilha mortal. As águas foram
minadas e, nos pontos mais estreitos, a artilharia de costa esperava o invasor britânico.
Isso causou muitas perdas. Em abril de 1915, uma força de 50 mil homens, composta por
britânicos, franceses, australianos e neozelandeses, desembarcou em Gallipoli e logo
encontrou resistência feroz dos turcos, que eram apoiados pelos alemães.

Desembarque das tropas aliadas em Gallipoli, em 25 de abril de 1915. Essa foi uma das Mapa do Estreito de
campanhas mais custosas e trágicas da guerra. Dardanellos.

32
História Militar Mundial

Sem obter nenhum avanço e com graves problemas de suprimento, os


britânicos e seus aliados, encurralados, retiraram-se derrotados em
janeiro de 1916. Saldo da aventura: 66 mil turcos, 28 mil ingleses, 10
mil franceses, 8 mil australianos e 2,4 mil neozelandeses mortos. A
reputação do jovem Winston Churchill foi outra vítima; ele deixou o
Ministério da Marinha, e só recuperaria a imagem de estadista na
Segunda Guerra Mundial.
Em 1915, foi a vez da Itália, até então neutra, ingressar na guerra contra
seus antigos aliados. Os italianos começaram a guerra enfrentando os
austríacos na fronteira dos Alpes. Isso representou a abertura de uma
nova frente na Europa, a Frente Alpina. Esperançosos por empurrar os
austríacos para as montanhas geladas e conquistar seus territórios, os
italianos pouco progrediram e amargaram perdas consideráveis. Nas
montanhas alpinas, estabeleceu-se mais uma guerra de posições, com Soldados italianos na
pouca ou quase nenhuma mobilidade. Trincheiras agora eram cavadas Frente Alpina.

na neve, e as posições eram mantidas entre picos e vales.

Além da Frente Ocidental, a Frente Alpina também foi marcada pelo impasse
das trincheiras durante 2 anos. Entretanto, nas demais frentes da Grande
Guerra, a mobilidade foi amplamente aproveitada.

A chegada das tropas alemãs, que vieram em socorro dos austríacos, alterou a balança de
poder em favor das Potências Centrais, que assumiram a ofensiva. Em 24 de outubro de
1917, austríacos e alemães, juntos, lançaram um ataque em Caporetto. Essa batalha
terminou em um desastre para o Exército Italiano. Mortes, rendições em massa e um recuo
de 110 km, que quase atingiu Veneza. O avanço austro-germânico só foi detido quando
reforços franceses e britânicos chegaram para acudir os italianos.
No Oriente Médio, os turcos buscaram travar uma luta com os
britânicos pelo controle das rotas marítimas que conduziam o
petróleo extraído do Golfo Pérsico através do Canal de Suez.
Ainda em 1914, soldados indianos do Exército Britânico haviam
tomado o porto de Basra (atual Iraque), vital para o controle dos
campos de petróleo. Outra força britânica partiu do deserto do
Sinai (Egito) para expulsar os turcos do Canal de Suez e controlar
a Palestina.
A ofensiva britânica na região dava poucos resultados, até que um
oficial britânico, o capitão T.E. Lawrence, foi enviado à Península
Arábica para reunir informações sobre os povos árabes que se
insurgiam contra o domínio otomano. Com inteligência cultural e
muita habilidade diplomática, o capitão se notabilizou como
“Lawrence da Arábia” ao conseguir unir as tribos árabes para uma Cap. Thomas Eduard
Lawrence.
bem-sucedida revolta contra os turcos.

33
História Militar Mundial

Lawrence estabeleceu uma terrível guerrilha no deserto que desgastou o Exército


Otomano na região do Oriente Médio. A ação culminou com a tomada do estratégico
porto de Aqaba, no Mar Vermelho. Em 1917, os britânicos atingiram Jerusalém com o
apoio dos guerrilheiros liderados por Lawrence e pelo príncipe árabe Faissal.

Lawrence da Arábia transformou as tribos árabes em eficientes unidades


guerrilheiras aliadas dos britânicos para derrotar o Exército Otomano no
Oriente Médio.

Enquanto isso, na Frente Balcânica, o Exército Austro-Húngaro


conseguiu recuperar-se do vexame de 1914 ao tentar invadir a
Sérvia. Em uma nova ofensiva, agora com alemães e búlgaros a
seu lado, os austríacos conseguiram ocupar Belgrado em outubro
de 1915. Toda a população sérvia, inclusive o rei Pedro, teve de
se refugiar na Albânia. Depois de invadir toda a Sérvia, os
austríacos tomaram o pequeno Reino de Montenegro.
Na África, confrontos envolveram forças coloniais britânicas e
francesas contra as alemãs. Os Aliados invadiram os protetorados
do Togo e Camarões, enquanto as forças coloniais alemãs no
Sudoeste Africano (Namíbia) atacavam a África do Sul. Na
colônia germânica de Tanganica, atual Tanzânia, as forças
coloniais lideradas pelo coronel Paul von Lettow-Vorbeck,
empreenderam uma vitoriosa campanha irregular contra os Cel. Paul von Lettow-Vorbeck.
britânicos. O oficial alemão só se rendeu 2 semanas depois que o
armistício entrou em vigor na Europa.

3.6 Verdun e Somme


Na estagnada Frente Ocidental, os dois lados em conflito escolheram o ano de 1916 para
romper o equilíbrio da guerra de trincheiras. Valeriam-se do princípio de guerra da massa,
pois, aos comandantes, parecia não restar alternativa a não ser ataques com um número
de tropas e intenso poder de fogo. Tudo para produzir pesadas baixas ao inimigo. Todavia,
os eventuais sucessos não tinham qualquer repercussão significava no curso da guerra.

Tais iniciativas resultaram em 2 gigantescas batalhas: a Batalha de Verdun e


a Batalha do Somme. O resultado seria um banho de sangue com cerca de 1
milhão de baixas em cada uma.

Em 21 de fevereiro daquele ano, os alemães iniciaram um maciço ataque contra as


fortalezas francesas próximas à cidade de Verdun-sur-Meuse, no nordeste da França. Ao
empregar 1 milhão de homens, os alemães pretendiam forçar a passagem e abrir
novamente o caminho para a invasão de Paris. O pânico tomou conta dos milhares de
soldados franceses que defendiam o complexo de fortalezas. Centenas foram fuzilados
pelas costas ao tentar fugir. No desenrolar dos combates, a cidadezinha de Vaux trocou
de mão 13 vezes.
34
História Militar Mundial

O comandante francês, general Philippe Pétain, garantiu: “eles


não passarão!”. Ao contrário de outros generais, Pétain não era
adepto de custosas ofensivas para o desgaste do inimigo. Preferia
manter a defensiva para poupar seus efetivos. Seus métodos
acabaram por dar certo. Após alguns avanços iniciais, em junho
de 1916, os alemães foram forçados a se retirar para uma linha a
6 km de Verdun, a um custo terrível. A batalha perdurou por 10
meses. Foi a mais longa da Primeira Guerra Mundial. O saldo foi
de 300 mil mortos e mais de 700 mil feridos.

Nenhum dos lados saiu vencedor. Verdun tornou-


se um símbolo da determinação e do sacrifício dos
soldados franceses na defesa da pátria.

Preocupados com a intensa pressão dos alemães em Verdun, o


general Joffre, em ajuste com seu colega britânico Douglas Haig,
preparou um ataque cerrado contra as linhas alemãs próximas ao
rio Somme. Pensava em forçar o inimigo a retirar suas tropas de
Verdun para reforçar a defesa no Somme. Essa batalha, que
duraria 5 meses, teve início com intensos bombardeios ao longo
de 19 km da linha de frente. O efeito foram imensas crateras em
uma vasta faixa de terreno. Em seguida, choveu muito, o que
transformou tudo em um extenso e intransponível lamaçal.

A Ofensiva do Somme foi concebida para ser uma manobra secundária, cujo
objetivo era aliviar o peso das forças alemãs sobre Verdun.

No entanto, a violência dos combates no rio Somme fez as perdas


para ambos os lados ultrapassarem as perdas de Verdun. A
infantaria anglo-francesa enfrentou um pesadelo de granadas,
fogo de metralhadoras, arame farpado, lama, e, em 20 dias de luta,
não conseguiu avançar mais do que 8 km, pois os alemães
encontravam-se em posição de vantagem no terreno,
estrategicamente entrincheirados.
Se Verdun se tornou um ícone que afetaria a consciência nacional
da França, o Somme teria o mesmo efeito para gerações de
britânicos. A batalha é mais lembrada pelo seu primeiro dia, 1 de
Julho de 1916, no qual os britânicos sofreram 57.470 baixas
(19.240 mortos). Tal dia é considerado como o mais sangrento de
toda a história do Exército Britânico. Pela primeira vez, a
sociedade ilhada do Reino Unido foi exposta aos horrores da
guerra moderna com o lançamento, em agosto, do filme A Batalha
de Somme, que utilizou vídeos reais do campo de batalha.
35
História Militar Mundial

Com mais de 1 milhão de baixas, a Batalha do Somme foi uma das operações
militares mais violentas da história. Considerando os ganhos territoriais foi,
sem dúvidas, uma das mais inúteis. Nunca, na história das guerras, tantos
pereceram por tão pouco.

O Somme foi praticamente simultâneo a Verdun e mostrou-se um suplício para os britânicos.

36
História Militar Mundial

4. Tecnologias, Armas e Logística


A Primeira Guerra Mundial foi travada no contexto do grande
salto tecnológico promovido pela Segunda Revolução
Industrial (1850-1945). Antes restrita à Inglaterra, em meados
do século XIX, os processos industriais e as descobertas
científicas eram estendidas para grande parte da Europa
continental, especialmente para França, Bélgica e Alemanha.
Na América, a industrialização atingiu os Estados Unidos. A 2ª REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
partir de então, a capacidade industrial dos países tornou-se um Iniciou-se na segunda metade do século
fator importante para o sucesso militar. Os novos XIX, entre 1850 e 1870, e envolveu uma
equipamentos e armas utilizadas impuseram uma nova série de conquistas na indústria química,
realidade, que alteraria profundamente as formas de combate. nas fontes de energia, na metalurgia e na
mecânica.

A Primeira Guerra Mundial provocou um choque Foram os principais progressos desse


entre as táticas do século XIX e as tecnologias período: o emprego do aço, o advento da
disponíveis no início do século XX. As energia elétrica, a invenção dos motores a
consequências se mostraram cada vez explosão e elétricos, da locomotiva, a
mortíferas, pois as armas atingiram a introdução dos navios de aço a vapor, o
capacidade de destruição em massa. desenvolvimento de produtos químicos e
o uso de derivados do petróleo como os
combustíveis e lubrificantes.

4.1 Comunicações e transportes


A telegrafia com fio já estava presente na Guerra Civil Americana (1861-1865) e na
Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), sendo intensamente utilizada para revolucionar as
comunicações entre os comandantes e a frente de batalha. Todavia, os fios demandavam
enorme trabalho na instalação e eram vulneráveis ao fogo. Sabotadores e patrulhas
inimigas investiam contra as linhas, promovendo cortes e interrupções, o que exigia que
as equipes de reparo entrassem em ação a toda hora.
O telégrafo sem fio, inventado por Marconi, em 1896, foi
prontamente incorporado pelos exércitos e marinhas na Grande
Guerra. A nova tecnologia oferecia maior segurança, rapidez e
praticidade às transmissões.
As mensagens chegavam a todo o momento e vieram a favorecer
as decisões dos comandantes, que passam a ter maior consciência
situacional acerca dos movimentos na frente de batalha. As salas
de comunicações dos Estados-Maiores passaram a ser o centro
nervoso na tomada de decisões.
As ferrovias, já disponíveis nas guerras desde o meio do século
XIX, contavam agora com extensas e bem planejadas redes.
Grandes comboios podiam transportar com enorme rapidez
grandes contingentes, materiais bélicos e suprimentos de toda a
ordem. O planejamento militar se preocupou em fazer ligações Trem militar alemão em 1914.
entre os centros logísticos, os quartéis e as fronteiras.
37
História Militar Mundial

A Alemanha se destacava por possuir extensa malha ferroviária,


especialmente projetada para atender às necessidades de mobilização de
seus exércitos do leste para o oeste.

4.2 Armamentos
Na indústria, as novas ligas metálicas e a mecânica pesada possibilitaram o aumento de
calibre na artilharia e o reforço na blindagem dos navios de guerra. A artilharia pesada,
até então restrita às fortalezas e às esquadras, ganhou ampla mobilidade, atingindo
rapidamente o front, montada em vagões ferroviários ou rebocada por tratores e carroças.
A artilharia havia vivenciado grande desenvolvimento e projeção
no final do século XIX. Grandes peças de artilharia pareciam ser
determinantes para os exércitos. O canhão mais emblemático na
Grande Guerra foi o poderoso Big Bertha, uma “afetuosa”
homenagem à jovem Bertha Krupp, filha do famoso fabricante de
canhões Krupp. A superpesada peça de artilharia lançava obuses
de 42 cm, capazes de romper quaisquer fortificações.

A Grande Guerra testemunhou o apogeu da


artilharia como arma decisiva. Os tiros atingiam
longo alcance e grande poder destrutivo. A tática O 75 foi o melhor canhão francês na
era assim resumida: “a artilharia conquista o Grande Guerra por ser capaz de dar 6
terreno, a infantaria o ocupa”, dizia-se — o que tiros por minuto.
explicaria os ferozes bombardeios que precediam
as ofensivas.

O morteiro austríaco Schlanke Emma,


de 30,5 cm, apesar do tamanho, era
muito versátil.

À esquerda, a primeira versão do superpesado Big Bertha.

38
História Militar Mundial

Em contraste, outros setores dos exércitos começaram a guerra


empregando antigos métodos. A cavalaria foi um deles. Tropas
montadas dos dois lados entraram em campo aberto armadas com
lanças e espadas. Todavia, tais táticas revelaram-se pouco
eficazes e altamente vulneráveis diante das armas automáticas em
campo aberto. As cargas ofensivas da cavalaria eram rapidamente
dizimadas pelo poder de fogo das modernas metralhadoras.
Logo ficou evidente que não havia mais lugar para o emprego do
cavalo na frente de batalha. O animal, que fora um eficiente vetor
dos exércitos desde a Antiguidade, foi prontamente retirado da Cavaleiro francês.
linha de frente. Milhares de equinos foram disponibilizados para
o transporte logístico e de material bélico, isso quando não
terminavam na panela, reforçando o cardápio da tropa. O curioso
é que, em certo momento, alguns exércitos até cogitaram a
extinção da Arma de Cavalaria, o tradicional reduto da nobreza
europeia.

Quando a Grande Guerra começou, os exércitos


europeus ainda ousavam manobrar a cavalaria na
frente de batalha, mas isso durou pouco, e de
mostrou um morticínio inútil.
Cavaleiro alemão.

A cavalaria do Exército Britânico ainda era armada com espadas, logo abolidas.

39
História Militar Mundial

A metralhadora Gatling, disparada por uma


manivela, estreou na Guerra de Civil dos Estados
Metralhadora Hotchkiss.
Unidos e esteve presente na Guerra Franco-
Prussiana com canos múltiplos. No século XX,
elas já estavam mais leves e automáticas, com
sistemas de refrigeração que permitiam grande
cadência de tiro.
A Hotchkiss francesa, a Vickers britânica e a
MG08 alemã, quando colocadas em posições
estratégicas, tornavam-se eficientes máquinas de
moer carne. Metralhadora Vickers.

A infantaria convencional, por mais numerosa e


bem treinada que fosse, não se arriscava a avançar
em campo aberto diante de um inimigo que
possuía uma metralhadora bem posicionada em
sua defesa. Metralhadora Maxim
MG08.
Quando a guerra de trincheiras se estabeleceu, as
metralhadoras se tornaram senhoras da situação e
eram o principal motivo para a existência da
chamada "terra de ninguém" entre as linhas de
frente.

Os campos de batalha da Grande Guerra revelaram a preponderância do


fogo mortífero das metralhadoras. As armas automáticas definitivamente
alteraram as táticas de combate por restringirem quaisquer ofensivas da
infantaria ou da cavalaria em campo aberto.

Soldados alemães operando a mortífera metralhadora Maxim MG08.


40
História Militar Mundial

Outra arma introduzida com o objetivo de desalojar o


inimigo das trincheiras foi o lança-chamas. O crédito
pelo desenvolvimento do primeiro lança-chamas, no
sentido moderno, é geralmente dado ao alemão
Richard Fiedler. Ele apresentou os modelos do
aparelho que batizou por Flammenwerfer para testes
do exército alemão em 1901.
Só em 1911, é que o exército alemão veio a aceitar o
dispositivo, criando-se uma unidade especializada de
doze companhias equipadas com o Flammenwerfer.
Porém o lança-chamas só foi utilizado na Primeira Equipamento lança-chamas
Guerra Mundial a partir de fevereiro de 1916, quando alemão.

foi utilizado contra os franceses em Verdun.


O equipamento era difícil de operar, extremamente perigoso e exigia uma equipe de até
6 operadores. O alcance ainda era bastante limitado, de apenas 18 metros. Ao se
aproximarem das trincheiras inimigas, os operadores acabavam vulneráveis e, quando não
eram atingidos, raramente sobreviviam à captura.

A Grã-Bretanha e a França também testaram sistemas de lança-chamas, mas


acabaram por os abandonar. Somente o Exército Alemão continuou a
empregar o equipamento.

Soldados alemães empregam o lança-chamas e granadas contra posições francesas em


Verdun, em 1916.

41
História Militar Mundial

Artefatos explosivos de arremesso manual existiam desde o século XVII e até


deram origem a uma tropa especial, denominada granadeiros. Contudo, foi na
Primeira Guerra Mundial que surgiram as modernas granadas que hoje
conhecemos. Elas foram desenvolvidas pelo inglês William Mills, em 1915.
Os alemães desenvolveram um modelo próprio, em bastão, denominada
Stielhandgranate.
Granada Mills, britânica.
As granadas modernas revelaram ser bastante úteis na guerra de trincheiras,
especialmente contra as posições defendidas por metralhadoras. Graças aos
sistemas de ignição mecânicos, que tornaram as granadas relativamente
práticas e seguras, essas armas ocuparam lugar de destaque como um
elemento indispensável nas operações militares modernas.

As granadas eram ótimas armas para neutralizar ninhos de


metralhadoras a curta distância, isso sem denunciar a posição
do atacante. Ainda que não matassem, mutilavam e feriam
muitos homens no exército inimigo.

Granada bastão, alemã.

4.3 Armas Químicas


O progresso industrial da época favoreceu o desenvolvimento das armas químicas. Seu
emprego também foi precipitado pelo impasse da guerra estática e defensiva das
trincheiras. Os franceses foram os primeiros a lançar o gás lacrimogênio, que não era
letal. A finalidade era forçar os alemães a abandonarem suas trincheiras.
A terrível estreia de um gás mortífero deu-se em Ypres, na
Bélgica, em abril de 1915, quando os alemães usaram cilindros
que expeliam o gás clorídrico contra as linhas francesas e
britânicas. O vento levou a nuvem esverdeada que asfixiava. O
resultado foi a morte de 5 mil soldados franceses em minutos,
incapacitando ainda outros milhares.
Em setembro daquele mesmo ano, os ingleses vingariam os
aliados franceses ao utilizar o mesmo gás à base de cloro sobre os
alemães entrincheirados em Loos, na França. As máscaras de
proteção contra os gases tornaram-se equipamentos
imprescindíveis para os combatentes. Até cavalos e cachorros Soldados britânicos na trincheira
recebiam máscaras antigases. equipados com máscara antigases.

O emprego das armas químicas objetivava não apenas produzir baixas, mas,
acima de tudo, provocar o terror e o pânico na tropa entrincheirada. Era uma
tática para dissolver as linhas de defesas, provocando debandada geral, o
que permitiria o avanço da tropa atacante.

42
História Militar Mundial

A partir do ano de 1916, especialmente durante a longa batalha de


Verdun, travada entre alemães e franceses, a arma química entrou em
cena de vez. E dessa feita trouxe um novo tipo de gás, muito mais
mortífero em seus efeitos que o cloro: tratava-se do gás de mostarda
(dichlorethylsulphide). De cor amarelada forte, ele mostrou ser capaz
de produzir lesões mesmo em meio às tropas equipadas com máscaras,
pois era capaz de agir sobre qualquer área de pele exposta.
O GÁS MOSTARDA E O
BIGODE DE HITLER
Na Primeira Grande Guerra foram empregados os
seguintes agentes químicos: gás lacrimogêneo, gás cloro, Curiosamente, o estilo de bigode
gás fosgênio e gás mostarda. Tais armas fizeram adotado por Adolf Hitler teve
estreita relação com uso do gás
estimados 1,3 milhão de baixas, com 91 mil mortes. Os mostarda na Primeira Guerra
russos foram as maiores vítimas. Mundial.
Aquele que seria o ditador do III
Em contato direto com qualquer parte da pele da vítima, de imediato, o Reich foi cabo do Exército alemão
gás mostarda levantava bolhas amareladas, atacando em seguida os e combateu no front francês
durante a Primeira Guerra Mundial,
olhos e as vias respiratórias. Por ser mais pesado que o ar, esse gás na qual foi condecorado por
tendia a depositar-se rente ao solo e se infiltrar-se nas trincheiras. Além bravura.
disso, tinha a capacidade de produzir efeito durante longo tempo. Em outubro de 1918, seu
regimento foi atacado pelos
britânicos que lançaram o terrível
Eficientes no matar e causar sofrimento, todavia, os gases gás mostarda.
venenosos mostraram-se pouco eficientes como armas
no campo de batalha. Seu emprego em campo aberto
dependia de diversas varáveis atmosféricas,
especialmente da mudança no sentido dos ventos, que
levava os gases a atingirem suas próprias tropas.

O cabo Hitler, mesmo equipado


com máscara, teve os olhos
atingidos, ficando
temporariamente cego. Isto
ocorreu porque, na época, ele
usava um longo bigode que
impediu a boa adaptação da
máscara.
No hospital, durante a
recuperação, lhe foi recomendado
raspar o bigode, mas ele se
recusou e optou por mantê-lo
aparado nas extremidades e,
assim, não prejudicar o uso da
máscara.
Terminada a guerra, Adolf Hitler
prosseguiu usando o bigode estilo
Ataque com gás venenoso na Batalha de Ypres, em 1917. em ”brocha” que lhe tornaria
característico.

43
História Militar Mundial

4.4 Carros de Combate


Durante toda a Grande Guerra, o terrível impasse das trincheiras estimularia o
desenvolvimento de diversas armas e equipamentos, mas, sem dúvida alguma, o mais
bem-sucedido e revolucionário foi o do carro de combate ou tanque. A ideia veio do
tenente-coronel Ernest Swinton, do Exército Britânico, que havia presenciado os horrores
e a carnificina das trincheiras.

Para romper as trincheiras, o ten-cel. Swinton idealizou construir um carro blindado


e armado a partir da concepção de uma máquina agrícola da época.

Swinton inspirou-se em um modelo do trator agrícola de lagartas, o Hornsby 1908, mas


ele não conseguiu convencer seus superiores de imediato. Até que, algum tempo depois,
obteve o apoio do político Winston Churchill, que fora oficial do Exército e que, naquele
momento, ocupava o cargo de primeiro lorde do almirantado, equivalente ao de ministro
da Marinha. Churchill apoiou a ideia e prontamente conseguiu recursos para levar o
projeto adiante. Para manter o sigilo, o projeto recebeu o código tank (tanque de lavar
roupa em inglês).

Inventado pelos britânicos, o Mark I foi o primeiro carro de combate. De todas as armas inventadas durante a
Grande Guerra, foi certamente a mais promissora.

44
História Militar Mundial

Em setembro de 1915, surgia o Mark I, que fez a sua estreia durante a Batalha do Somme.
O desempenho foi razoável. Muitos enguiçaram logo na partida e outros terminaram
atolados. Todavia, os alemães ficaram assombrados com o avanço daqueles monstros de
aço jamais vistos. Ao final da missão, dos 32 tanques empregados, apenas um deles
atingiu o objetivo e capturou uma aldeia. Mesmo assim, o alto comando britânico ficou
satisfeito e ordenou o aperfeiçoamento do carro e a construção de mais de mil unidades.

A concepção de emprego tático do tanque era a recuperação da a mobilidade


no campo de batalha. Os veículos deveriam romper as trincheiras e escoltar
o avanço da infantaria.

Diversas correções técnicas e melhorias deram origem à versão Mark IV,


utilizado na Batalha de Cambrai, em novembro de 1917. Desta vez, os
estrategistas recorreram ao princípio da massa, e empregaram 476 unidades.
Com poucas baixas, e em apenas 12 horas, os alemães foram forçados a recuar
10 km. Em um ataque convencional, os britânicos teriam levado pelo menos
3 meses para atingir o objetivo, e com grandes perdas humanas.
TANK
A Batalha de Cambrai foi a primeira em que os tanques foram VERSUS
empregados em massa, e demonstrou que o veículo era uma TANK
arma fundamental para as futuras guerras.
Muitos nem imaginam, mas
o primeiro confronto entre
Imediatamente, franceses e alemães, os últimos menos crentes, iniciaram seus carros de combate já
projetos de carros de combate. Na fase final da Grande Guerra, os tanques aconteceu na Primeira
comprovariam ser um veículo militar precioso e decisivo para o retorno à Guerra Mundial.
mobilidade, contribuindo para as vitórias táticas aliadas. Os franceses O furtivo encontro se deu
terminariam a guerra com o modelo mais eficiente e prático, o Renault FT 17. em março de 1918, na
Este tanque era leve, manobrável e possuía uma inédita torre giratória. Batalha de Villers-
Bretonneux, no norte da
França.
A partir do sucesso dos carros de combate na Primeira Guerra
Mundial, a Arma de Cavalaria, então quase à beira da extinção, De um lado, o Mark IV
pode ressurgir com força nos exércitos de todo o mundo. britânico. Do outro, um A7V
alemão.
O A7V tinha melhor
blindagem e era mais
veloz, mas não podia
cruzar trincheiras.
No duelo, o tanque
britânico conseguiu acertar
4 tiros de canhão no carro
Grã-Bretanha: Mark IV alemão, que começou a se
inclinar devido à sua pouca
França: Renault FT-17
estabilidade.
Por fim os tripulantes
alemães foram forçados a
abandonar o veículo.
Alemanha: A7V
Modelos de carros de combate utilizados pelos principais países beligerantes na
Primeira Guerra Mundial. 45
História Militar Mundial

4.5 A Guerra no Mar


No campo naval, a Primeira Guerra Mundial também foi marcada por
significativos avanços tecnológicos. Desde o advento da propulsão a vapor,
em meados do século XIX, desencadeara-se uma revolução no setor naval.
Na virada do século, os navios já estavam menos dependentes dos elementos
da natureza, mais rápidos e manobráveis. Todavia, apesar da evolução das
máquinas a vapor, os constantes reabastecimentos de carvão criaram sério
problema de ordem logística.
A BATALHA DA
A Primeira Guerra Mundial marcaria a transição das máquinas à
vapor alimentadas a carvão pelo óleo combustível. Isto conferiu JUTLÂNDIA
maior autonomia, menor rastro de fumaça e disponibilização de
Entre 31 de maio e 1 de
maior espaço nas embarcações.
junho de 1916, as esquadras
britânica e alemã travaram
Durante a Grande Guerra, grandes encouraçados, cruzadores e destróieres, de no mar do Norte, próximo à
ambos os lados, exerceram um grande papel no domínio dos mares. Ao lado Dinamarca, um longo e
dos canhões poderosos, de grosso calibre, e das baterias menores, mas de tiro intenso combate
rápido, os torpedos também tiveram papel decisivo nos confrontos navais. Do Foi a célebre Batalha da
mesmo modo, as minas distribuídas em águas estratégicas tiveram importante Jutlândia, que segundo
função, evidenciada no bloqueio do Mar do Norte e na defesa dos estreitos. alguns critérios é
considerada a maior batalha
Dentre todos os tipos de navios que compunham as esquadras, os principais naval da História.
eram os couraçados, ou encouraçados. Estes eram grandes navios de guerra
com o casco blindado e equipados com poderosa artilharia com torres De fato, a batalha marcou o
giratórias. A Grande Guerra nos mares foi marcada pela última geração dos maior confronto entre
couraçados, a emblemática classe Dreadnought. Lançado ao mar em 1906 couraçados de todos os
tempos.
pelos britânicos, o HMS Dreadnought foi um couraçado revolucionário, que
impôs um novo padrão na construção dos grandes navios de guerra da época. A grandiosidade desse
confronto naval é
reconhecida pelo número de
navios envolvidos:

 151 da Royal Navy.


 99 da Kriegsmarine.

Embora o desfecho da
batalha tenha sido
inconclusivo, devido às
grandes perdas sofridas por
ambas as partes, do ponto
de vista estratégico a vitória
foi dos britânicos, que
continuaram mantendo sua
supremacia naval no Mar do
Norte e no resto do mundo.

As características que destacam os dreadnoughts dos encouraçados que os precederam


eram a reunião da proteção encourada do casco, poder de fogo centrado num grande
número de canhões de grosso calibre e grande velocidade de deslocamento.

46
História Militar Mundial

A despeito de todo o poder imposto pelos couraçados, os submarinos foram os vetores


que, efetivamente, causaram maior impacto nos métodos da guerra no mar. Inventados na
Guerra Civil dos Estados Unidos, os submersíveis foram intensamente aperfeiçoados e
amplamente empregados pelos alemães, a ponto de se tornarem as embarcações mais
temíveis dos mares. Sobre essa nova ameaça naval, avaliou o almirante Jacky Fischer, da
Marinha britânica:

“ O emprego de submarinos pelos alemães nos convenceu que na guerra


nada se pode fazer contra eles. O submarino é um tipo promissor de vaso de
guerra para combate no mar. Significa que toda base de nossa tradicional
estratégia naval foi mudada.”

Submarino alemão da Primeira Guerra Mundial.


Alte. Jacky Fischer

Em razão de sua ação devastadora contra a navegação mercante aliada, os submarinos


alemães conseguiram produzir o maior efeito de ordem política, estratégica e militar da
Grande Guerra: a entrada dos Estados Unidos no grupo da Entente. Esse foi um fator de
desequilíbrio nos poderes combatentes que, finalmente, levou à derrota das Potências
Centrais.

4.6 Guerra no Ar
Aviões já haviam sido empregados em guerras desde 1911. A primazia
do feito coube aos italianos, durante a Guerra da Tripolitânia, contra o
Império Otomano. Contudo, os generais da época, diante de tantas
novidades em armas disponíveis, ainda pouco acreditavam no avião. Os
dirigíveis lhes pareciam mais promissores. Quando estourou a Grande
Guerra, os dois lados logo lançaram mão da aviação, especialmente
para as missões de reconhecimento e observação.

Informações aéreas foram decisivas para o Exército


francês na contenção da ofensiva alemã no Marne. Na
Frente Oriental, a vitória alemã contra os russos na Máquinas fotográficas se tornaram
Batalha de Tannenberg deu-se graças aos equipamentos valiosos a bordo de
reconhecimentos aéreos praticados pelos aviadores aviões de reconhecimento.
alemães.
47
História Militar Mundial

Com o estabelecimento das trincheiras, os aviões tornaram-se ainda


mais úteis, pois eram os únicos capazes de penetrar no território inimigo
com velocidade e segurança para fotografar suas posições. As novas
necessidades da guerra ampliaram sua atuação. O avião foi armado com
metralhadoras com o objetivo de derrubar os voos de reconhecimento
do inimigo. Em pouco tempo, os pilotos estavam a atirar uns nos outros,
transformando os céus em um sangrento campo de batalha. Surgia a
aviação de caça.

Os combates aéreos produziram uma nova e heroica


estirpe de guerreiros: os ases da aviação. O piloto que
abatesse 5 aviões inimigos recebia o título de “ás”. O mais
famoso deles foi o alemão Manfred von Richthofen, Manfred Von Richthofen
mitificado sob a alcunha de Barão Vermelho.

Manfred von Richthofen foi o maior ás da aviação na Grande Guerra ao abater 80 aviões inimigos
durante a Primeira Guerra Mundial.

Outro aspecto relevante da aviação na Grande Guerra foi o salto tecnológico.


Em 1914, os aviões eram frágeis aparelhos de madeira, lona e arame, bastante
rudimentares e ainda desarmados. O conflito fez as máquinas voadoras
evoluírem rapidamente em velocidade, peso de decolagem, alcance,
segurança e poder de fogo. Depois dos caças, vieram os grandes
bombardeiros. Os bimotores Gotha IV, construídos pelos alemães, efetivaram
sobre Londres, em junho de 1917, o primeiro bombardeio estratégico da
história da aviação.

A partir desse episódio, ficou evidente que a Grã-Bretanha não era mais uma
ilha a ser garantida apenas por sua grandiosa Royal Navy, a mais poderosa
marinha do mundo.

48
História Militar Mundial

As possibilidades do emprego da aviação revolucionaram táticas e conceitos


da arte da guerra, o que inspirou uma nova geração de pensadores e
estrategistas como Giulio Douhet, Hugh Trenchard e Billy Mitchell. A guerra
aérea em larga escala fez com que eles formulassem proposições inéditas. Os
conceitos de defesa e superioridade aérea se precipitaram. O valor da aviação
tornou-se tão evidente que, em abril de 1918, na fase final do conflito, a Grã-
Bretanha decidiu pela criação de uma força aérea independente, a primeira no
mundo, a Royal Air Force (RAF).

Inicialmente pouco acreditada, a aviação terminou como uma


atividade promissora e decisiva para o futuro das guerras.

O reconhecimento da existência de uma nova vertente de poder militar, o aéreo, ganhou


aceitação, exaltando a tese de que bombardeios aéreos provariam ser imprescindíveis e
decisórios. Esse debate, entusiástico e polêmico, sobre a eficácia e a moralidade do
emprego de bombardeiros estratégicos iria repercutir ao longo das duas décadas
seguintes. Alguns pensadores chegaram a questionar, em voz alta, se a aviação não tinha
tornado obsoleta e dispensável a guerra na terra e no mar.

4.7 Uniformes
A revolução dos métodos no campo de batalha atingiu também as vestimentas
militares. Calça garance (vermelha), capote azul com as abas dobradas, boné
vermelho, faixas de lona envolvendo as pernas e uma mochila pesando 50 kg
era o uniforme padrão do Exército Francês. Assim, eles tornaram-se alvos
fáceis para os alemães nas primeiras batalhas. A França foi o último exército
europeu a abandonar os uniformes com cores berrantes como o vermelho.

A nova realidade dos combates da Grande Guerra exigia trajes


de tonalidades discretas, que não evidenciassem as tropas no
terreno, tornando seus movimentos menos perceptíveis.

Os britânicos, antevendo essas mudanças, já haviam abandonado a túnica


vermelha e introduzido o uniforme de cor cáqui a partir de suas últimas
guerras coloniais no final do século XIX. Durante toda a Grande Guerra, o
fardamento do soldado britânico foi considerado o mais prático e de melhor
padrão. Do lado germânico, já predominava o feld grau, o discreto tom cinza O Exército francês ainda usava
de campanha. Somente em fins de 1915, os franceses adotaram o bleu calças vermelhas quando
começou a Grande Guerra.
horizon, um tecido em tom azul opaco que era bem mais discreto.
No começo da guerra, apenas os alemães usavam capacete, o alegórico Pikelhaube, de
origem prussiana. A peça era feita de couro rígido com um pontão metálico no topo.
Adornado com reluzentes metais, o Pikelhaube era também usado como capacete de
campanha, e para isso recebia uma capa de tecido para camuflagem. Enquanto isso, os
demais exércitos europeus utilizavam diversos tipos de coberturas de tecido como bonés,
gorros e quepes, que não conferiam qualquer proteção aos soldados em combate.
49
História Militar Mundial

O Pikelhaube não protegia


contra os impactos do
campo de batalha.

Da esquerda para a direita, os uniformes dos soldados na Primeira Guerra Mundial:


britânico, francês, russo, alemão, austro-húngaro e turco-otomano.

A partir do ano de 1915, tornou-se evidente que a guerra de trincheiras tinha


mudado a forma tradicional de se fazer a guerra. A incidência de ferimentos
graves na cabeça, muitos deles fatais, aumentou absurdamente. As lesões
eram o resultado da tática de fogo indireto de artilharia, adotada por ambos
os lados. Estilhaços, pedras e escombros das explosões de projéteis e granadas
atingiam de forma letal a cabeça dos soldados entrincheirados.
Capacete Adrian M 15
Com o objetivo de reduzir a taxa de mortos e feridos, o Exército da França
introduziu, em 1915, o capacete de metal. O modelo adotado foi idealizado
pelo general intendente Louis Auguste Adrian. O Adrian M15 tornou-se o
primeiro capacete de aço moderno a ser adotado por um exército para o
combate. Com seu uso, o número de mortes e ferimentos graves na cabeça
dos soldados diminuiu drasticamente, cerca de 70%.

O exemplo do Exército da França foi rapidamente seguido pelos


demais exércitos europeus. E assim, o capacete de aço foi
reintroduzido como parte do uniforme militar de combate. Capacete Brodie MkII

Russos e belgas também viriam a adotar o modelo francês. Em seguida, o


Exército britânico introduziu o seu modelo, o Brodie MkII, feito de chapa
única, bem mais resistente e pesado que o francês, mas seu perfil raso não
oferecia proteção adequada à nuca e às têmporas. Como o Pikelhaube também
se mostrava deficiente para proteger os soldados nas trincheiras, o Exército
alemão se dedicou ao desenvolvimento do seu próprio capacete de aço.
Vários testes e experiências foram feitas e, em 1916, foi apresentado o
Stahlhelm, modelo que perduraria com poucos aperfeiçoamentos até a
Segunda Guerra Mundial, pois provou ser um dos melhores em termos de Capacete Stahlhelm 1916
resistência e formato para a proteção ao combatente. O eficiente design do
capacete alemão foi copiado pelo aliado austro-húngaro, que desenvolveu um
modelo muito similar, o Berndorfer, introduzido somente em 1917.
50
História Militar Mundial

O capacete alemão Stahlhelm, que se tornou um ícone do Exército Alemão


na Segunda Guerra Mundial, foi introduzido em 1916, durante a Primeira
Guerra Mundial.

4.8 A Logística e a Saúde


Devido às novas armas e tecnologias disponíveis, os exércitos de 1914-1918
necessitavam, cada vez mais, de vultosos e especializados suprimentos para se
movimentarem e sustentarem as batalhas. Causou surpresa que, nas primeiras batalhas no
front ocidental, a artilharia consumia, em algumas horas, mais projéteis do que em meses
nas guerras do século anterior. Os comandantes se queixavam de que vitórias eram
perdidas porque os suprimentos não chegavam a tempo de permitir o avanço conforme o
planejado.

A Primeira Guerra Mundial teve a importância histórica de ter sido o conflito


no qual se enterrou definitivamente aquele antigo ditado napoleónico:
“l’intendance suivra” (a intendência seguirá). Cada vez mais, os exércitos
careciam do suporte logístico para sustentar o combate.

A Revolução Industrial disponibilizou às forças militares,


além de armas mais poderosas e eficientes, toda a ordem de
itens de consumo necessários ao apoio das tropas da frente.
Não só o material bélico e o vestuário dos soldados eram
produtos da florescente industrialização, mas também
rações, material de higiene e itens do serviço de saúde. A
comida da tropa chegava ao front em grandes latas já
prontas. Isso contribuiu muito para a queda da mortalidade
por doenças na guerra, algo que até então matava muito
mais que os combates. A LOGÍSTICA NAPOLEÔNICA
Napoleão Bonaparte foi um grande gênio
A Grande Guerra marcou também uma maior preocupação militar ao somar muitas vitórias nos campos
com a higiene do combatente e a prevenção das doenças do de batalha da Europa de 1893 a 1812.
campo de batalha e dos acampamentos. O serviço médico Todavia, sua doutrina militar desconsiderava,
passou a atuar de forma mais efetiva na frente de batalha, em larga medida, o planejamento logístico.
reduzindo não apenas a mortalidade dos feridos em Pouco antes da Batalha de Austerlitz (1805)
combate, mas também impondo normas de higiene para os indagado sobre a chegada de suprimentos
para suas tropas, Napoleão teria dito: “ A
aquartelamentos. O corte de cabelo e a proibição do uso da Intendência seguirá. Na guerra de invasões
barba foram impostos. Tropa asseada passou a ser que o imperador faz, não há lojas, cabe aos
sinônimo de sucesso militar. generais proverem os meios de subsistência
nos países que eles percorrem”
A despeito de todos os avanços sanitários, as doenças Napoleão preconizava. Assim, que seus
continuariam a produzir muitas baixas no front. As más grandes exércitos deveriam se suprir dos
condições de higiene persistiriam, agora decorrente do recursos extraídos dos territórios que
estivessem ocupando.
ambiente das trincheiras que possibilitavam infestações e
infecções de toda a ordem como piolhos, desinteira e tifo.
51
História Militar Mundial

Uma moléstia que marcou essa guerra foi o “pé de trincheira”, um


tipo de gangrena que acometia os pés devido ao frio, a umidade e
má higiene. A necrose progredia silenciosamente e geralmente
resultava em amputações.

A gripe espanhola de 1918, uma pandemia do vírus da influenza


que atingiu todo o mundo foi responsável por milhões de baixas
na guerra. Apesar de tudo, a guerra serviu para que se
aprofundassem muitas pesquisas médicas, dentre elas as que
resultariam, em 1928, na descoberta da penicilina por Alexander
Fleming, um tenente médico do Exército Britânico.
MULHERES
NA GUERRA
A guerra mudou a situação
das mulheres, especialmente
na Europa. Com os homens na
frente de batalha, elas tiveram
de assumir postos nas fábricas
e nos serviços públicos.
A indústria bélica foi a principal
empregadora. Na Grã-
Bretanha, as operárias das
fábricas de munições eram
conhecidas como canários, por
conta do tom amarelo que sua
pele adquiria em contato com
os explosivos. Muitas foram
mortas por explosões
acidentais ou por intoxicações.
Apesar de tudo, a guerra
aceleraria o processo de
emancipação da mulher na
Inspeção sanitária em tropa inglesa, verificando a existência de pés de
sociedade. Com acesso à
trincheira. renda, tornaram-se mais
independentes e passaram a
exigir direitos e salários iguais
aos homens. Tudo culminaria
com o direito ao voto nas
eleições de diversos países.
Poucas mulheres chegaram a
participar diretamente da
guerra. Dessas, a maioria
ocupava postos de
enfermagem. Na Rússia, o
czar criou um batalhão
feminino comandado por Maria
Bochkareva, que obteve
sucesso na frente contra os
austríacos.

Soldados britânicos durante a refeição no front.


52
História Militar Mundial

5. Momentos Decisivos
Apesar dos muitos impasses na Frente Ocidental e dos erros
iniciais de coordenação entre as Potências Centrais, até 1917, a
Alemanha detinha certa posição de vantagem para sair vencedora.
Com grande capacidade industrial e um eficiente exército, os
alemães batiam os russos no leste. Todavia, a partir daquele ano,
acontecimentos mostraram-se decisivos para os rumos da guerra,
embora os seus efeitos não fossem plenamente sentidos até 1918.
Um fator fundamental para os rumos da guerra foi a eficácia do
bloqueio naval britânico, que começou a causar sério impacto na
O bloqueio naval britânico logrou asfixiar
economia de guerra da Alemanha. Em resposta, em fevereiro de a economia de guerra da Alemanha.
1917, os alemães regiram com a declaração de guerra submarina.
irrestrita, com o objetivo de forçar a Grã-Bretanha a sair da guerra. Os estrategistas
alemães estimaram que a guerra submarina afetaria o comércio e suprimentos dos aliados
da Entente, especialmente para os britânicos, mas isso acabou enfurecendo os Estados
Unidos e tragando-o para o conflito.

5.1 A Revolução Russa


No fim de 1916, as perdas do Exército Russo eram gigantescas. Só naquele ano, os
alemães capturaram mais de 1 milhão de soldados russos. As constantes derrotas e as
condições de vida da população russa estavam cada vez piores, o que agravou a crise
social que fermentava desde o início do século. A guerra acabou por evidenciar a
debilidade do regime czarista.
Em março de 1917, manifestações na cidade de Petrogrado culminaram com a abdicação
de Nicolau II e a nomeação de um governo provisório fraco, que teve de compartilhar o
poder com o Partido Bolchevique, o mais radical das correntes socialistas, que pregava a
saída da Rússia da guerra. Esse arranjo político provocou confusão e caos na frente de
batalha. O Exército Russo tornou-se cada vez mais ineficiente e desorganizado. Milhões
de soldados desertavam e voltavam para casa, engrossando as agitações políticas.
Após a abdicação do czar, Vladimir Lênin, que se encontrava refugiado
na Suíça, foi levado de trem para Petrogrado com o apoio dos militares
alemães. Lênin era um líder político de retórica irresistível. O objetivo
militar dos alemães era claro, semear o caos revolucionário na Rússia e
forçar a retirada do inimigo da guerra. O descontentamento e as fraquezas
do governo provisório, de Alexander Kerenski, que insistia em manter o
país na guerra, levaram ao fortalecimento do apoio popular aos
bolcheviques, agora liderados por Lênin, que, ao lado de Leon Trótski,
exigia o fim imediato da guerra.

O povo russo desejava o fim da guerra, e só os bolcheviques


a reivindicavam. Em novembro de 1917, explodiu o segundo
momento da Revolução Russa, que derrubou o governo
provisório e levou ao poder o Partido Bolchevique. Vladimir Lenin

53
História Militar Mundial

A primeira medida do governo revolucionário no poder foi declarar sua disposição de sair
da guerra. Os alemães ficaram satisfeitos e, como ganhavam a guerra na Frente Oriental,
impuseram condições duríssimas. A Rússia deveria aceitar a independência dos países
bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia), da Ucrânia e da Finlândia, e parte do Cáucaso iria
para os turcos. No total, os russos perderiam um terço de sua produção de petróleo e três
quartos de carvão.
Trótski, o chefe da delegação russas, fez
esforços para resistir. Em janeiro de
1918, a Rússia decretou sua saída
unilateral da guerra. Os alemães
aproveitaram a oportunidade e
retomaram o avanço militar sobre a
Ucrânia. Em março, os líderes
comunistas tiveram de assinar um
acordo, o Tratado de Brest-Litovsk, em
que aceitavam todas as exigências do
Alemanha. Oficiais alemães recebem delegação russa para as negociações
em Brest-Litovsk em março de 1918.

Territórios cedidos pela Rússia para a Alemanha, Império Austro-Húngaro e Império Otomano
pelo Tratado de Brest-Litovsk.

O Tratado de Brest-Litovsk, assinado em 3 de março de 1918, encerrou a


Grande Guerra na Frente Oriental e deu a vitória às Potências Centrais em
guerra contra a Rússia. Todavia, tal tratado teria efeito efêmero, pois tudo
acabaria por ser desfeito em 1919, pelo Tratado de Versalhes, que arrematou
a derrota da Alemanha.

54
História Militar Mundial

5.2 Os Estados Unidos entram na guerra


Desde a eclosão da guerra, os Estados Unidos prosseguiram com sua política de
neutralidade, evitando desavenças. Enquanto pregavam a paz, incrementavam seu
comércio com os beligerantes, especialmente com a Grã-Bretanha e a França. Quando o
U-boot alemão U-20 afundou na costa da Irlanda o transatlântico britânico RMS
Lusitânia, em 7 de maio de 1915, com 128 americanos entre os mortos, o presidente
Woodrow Wilson protestou e exigiu o fim dos ataques aos navios mercantes e de
passageiros.
Washington promovia a estratégia de fortalecer seu país, tanto como
fornecedor de matérias primas e produtos industrializados, como de
empréstimos bancários externos aos países beligerantes. Em fevereiro de
1917, a Marinha Alemã propôs uma guerra submarina irrestrita para as
embarcações mercantes que se aproximassem do litoral britânico. Tanto o
kaiser quanto seu chanceler eram contra a iniciativa, pois sabiam que ela
provocaria o protesto dos americanos.
Todavia, o alto-comando militar alemão justificava as ações navais como
eficazes para a grande estratégia. Com a ofensiva dos submarinos na costa
europeia, os Estados Unidos passaram a acumular enormes perdas marítimas
e humanas consideráveis. Prontamente a opinião pública norte-americana Woodrow Wilson,
Presidente dos EUA.
passou a exigir a entrada do país na guerra contra a Alemanha.

Ao mesmo tempo, banqueiros e exportadores americanos acumulavam


pesados créditos com franceses e britânicos. Caso estes perdessem a
guerra, não teriam como receber, desencadeando uma grave inadimplência
que afetaria pesadamente a economia americana.

Outro ato de provocação alemã contra os americanos foi o curioso caso do Telegrama
Zimmermann. Arthur Zimmermann era o ministro das Relações Exteriores da Alemanha
que planejou cooptar o México para se juntar à guerra ao lado dos alemães contra os
americanos. O objetivo estratégico era manter os Estados Unidos ocupados em uma frente
com seu vizinho no continente. O diplomata alemão enviou um telegrama secreto com
uma proposta ao governo mexicano.

Os alemães se comprometiam a ajudar militarmente e


financeiramente o México para que deflagrasse uma
guerra contra os Estados Unidos. Ao final, apoiariam a
demanda mexicana de recuperação dos territórios do
Texas, do Novo México e do Arizona, tomados pelos
americanos na Guerra Mexicano-Americana (1846-1848).

O eficiente serviço secreto britânico, o MI-6, interceptou a mensagem


e entregou-a logo aos americanos, que ficaram indignados. O fato abriu
caminho para que Washington denunciasse a manobra germânica como
casus belli. Apesar de tudo, o pretexto principal de entrada na guerra
Telegrama Zimmermann.
ficou por conta da guerra submarina irrestrita, deflagrada pela
Alemanha.
55
História Militar Mundial

Em 6 de abril de 1917, os Estados Unidos declararam guerra às Potências Centrais.


Inicialmente, os generais alemães ironizaram a notícia, pois o Exército dos EUA da época
era de apenas 135 mil homens. “Quando eles conseguirem estar prontos, a França e Grã-
Bretanha já terão sido derrotadas”, garantia o general Ludendorff.

De certo modo, os alemães tinham alguma razão, pois, apesar de sua grande
capacidade industrial e poder econômico, os Estados Unidos tinham um
exército pequeno e mal equipado para aquela guerra, comparado com as
potências europeias.

Os alemães estavam equivocados, pois a França e a Grã-Bretanha


resistiram, e os Estados Unidos teriam um papel decisivo na vitória
dos Aliados. Em poucos meses, o enorme poder industrial
construiria uma invejável máquina de guerra. Os americanos se
mobilizaram rapidamente. As marinhas britânica e americana
passaram a operar juntas para combater os submarinos alemães. O
recrutamento em massa foi implementado com sucesso em todo os
Estados Unidos.

Um célebre cartaz da época mostrava o Tio Sam,


personagem símbolo nacional, que dizia: “Eu quero
você para o Exército dos Estados Unidos! ”

Os primeiros soldados norte-americanos, sob o comando do general John Pershing,


desembarcaram na Europa em julho de 1917. Inicialmente vieram 300 mil, mas em pouco
tempo o efetivo somaria 1 milhão de combatentes. Eram tropas frescas, motivadas e com
apoio logístico invejável, que os alemães, franceses e britânicos jamais haviam visto.
O Exército dos EUA travaria suas primeiras batalhas no nordeste da França, onde sofreria
perdas enormes. Os americanos não trouxeram capacetes, nem aviões, nem tanques, e
suas armas e métodos de combate estavam aquém da realidade da Grande Guerra na
Europa. Tiveram muito a aprender, e usaram alguns equipamentos dos experientes
franceses e britânicos.

Assim, podemos elencar os fatores que levaram à entrada dos


Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial na seguinte ordem:

1. A guerra submarina irrestrita deflagrada pela Alemanha, que


levou ao afundamento de muitos navios mercantes americanos;
2. O episódio do Telegrama Zimmermann, que provou indignação
diplomática aos americanos;
3. O elevado montante de dívidas acumuladas pelos países da
Entente, especialmente britânicos e franceses, com os bancos e
Gal. John Pershing,
fornecedores americanos; Comandante da Força
Expedicionária Americana
4. Interesse estratégico do governo de Washington em projetar de
poder e influência mundial.
56
História Militar Mundial

5.3 A última cartada da Alemanha


Com a guerra vencida contra os russos na Frente Oriental, os alemães
puderam deslocar milhares de homens para a Frente Ocidental, conquistando
a superioridade de tropas ante os Aliados. Essa era uma condição favorável
para desencadear uma ofensiva sem precedentes. Apesar das dificuldades STOSSTRUPPEN
econômicas e de suprimentos, o momento parecia ser propício às Potências
Centrais, especialmente depois da esmagadora derrota dos italianos na No final da Grande Guerra, o
Exército Alemão
Batalha do Caporetto ante os exércitos austro-húngaros e alemães. desenvolveu uma nova
O general Ludendorff tinha pressa para a sua Ofensiva da Primavera. Queria tática de infiltração nas
trincheiras inimigas baseada
decidir a guerra mediante um grande esforço ofensivo na indefinida Frente no emprego de tropas de
Ocidental. A ação deveria ocorrer antes que os EUA chegassem com suas assalto especializadas,
tropas e apoio logístico. A ofensiva ocorreria no Somme, aproveitando a denominadas Stosstruppen.
breve vantagem de tropas. O ataque seria concentrado na junção dos exércitos Era a elite da infantaria
francês e britânico, para dividi-los. Seriam utilizadas as novas táticas de alemã, formada pelos
infiltração, que explorariam os pontos fracos na defesa inimiga. melhores e mais bem
preparados soldados,
treinados em táticas
especiais na conquista de
posições das trincheiras
inimigas.
Após um breve bombardeio
da artilharia de curto
alcance, concentrados em
alvos específicos. Gases
tóxicos e lança-chamas
eram usados para gerar
desordem, resultando na
abertura de brechas nas
linhas defensivas do inimigo.
Então, entravam em ação as
tropas de infantaria de elite,
as Stosstruppen. Usavam
equipamentos leves e
penetravam fundo nas linhas
General Von Hindenburg (à dir.) e o e o general Ludendorff (à esq.) discutem com o do inimigo, contornando os
kaiser Guilherme II ( ao centro) as estratégias para a nova fase da guerra. principais pontos defensivos.
Fustigando o inimigo pela
retaguarda, eles abriam
O alto-comando alemão tomou consciência de que a única, e caminho para o ataque
última, hipótese de vitória era derrotar os Aliados antes da frontal, feito por unidades de
entrada das forças norte-americanas, superiores em termos de infantaria convencional, com
recursos humanos e materiais. armamento mais pesado.
A nova tática logo se
O ataque alemão teve início no dia 21 de março de 1918, com um intenso mostrou um sucesso. Essa
tropa foi responsável por
bombardeio de 5 horas. Graças à superioridade numérica de tropas e às novas grandes sucessos do
táticas das stosstruppen, os alemães conseguiram avançar 70 km. Um exército alemão durante a
progresso jamais visto naquela frente desde 1914. No dia seguinte, os Ofensiva da Primavera na
britânicos já estavam em retirada, mas os franceses não mordiam a isca e Primeira Guerra Mundial.
recusavam-se a enviar qualquer auxílio aos seus aliados.

57
História Militar Mundial

A gravidade da situação levou a uma cooperação ainda maior entre os


exércitos da França e do Reino Unido. Após anos de estratégias e iniciativas
independentes fracassadas, comandantes franceses e britânicos, enfim,
decidiram pelo princípio da unidade de comando. O marechal francês
Ferdinand Foch assumiu o Supremo Comando da Frente Ocidental,
unificando o comando dos exércitos da Entente. Tarimbado pelas batalhas
anteriores, Foch sabia que seria preciso evitar a guerra de desgaste e deixar
os alemães avançarem.

Entretanto, o general Pershing, do Exército dos Estado Unidos,


não concordou em se submeter ao comando unificado de Foch.
Declarou que agiria por conta própria em seu front.
Mal. Ferdinand Foch,
Comandante dos Aliados na
Em 23 de março, Paris é surpreendida com um bombardeio. Os alemães Frente Ocidental.
posicionaram 3 canhões ferroviários Bertha-Krupp, de longo alcance, a 120
km de distância do alvo. Isso era, até então, algo impossível para os maiores
canhões já conhecidos. Os projéteis atingem a cidade e o pânico toma conta
da capital francesa. A população se refugiou em abrigos e as crianças
começam a ser evacuadas. A tropas germânicas estavam bem perto, inclusive
de outras importantes cidades, como Reims e Amiens.

A fase final da Grande Guerra, ano de 1918, marca a volta da


guerra de movimento. Grandes progressos acontecem, todavia,
a logística dos alemães não estava preparada para acompanhar
os progressos no terreno.

A máquina de guerra germânica só sabia avançar, mas tais conquistas


ocorriam sem um objetivo estratégico muito claro. As iniciativas políticas
estavam reféns das táticas militares. Contrariando Clausewitz, a guerra já O tenso encontro entre Foch
havia se tornado um meio por si só, sem ter um objetivo político definido. O e Pershing. O americano não
concordou em participar do
chanceler Bethmann-Hollweg, antevendo a situação de escassez do país, já se comando unificado da
dispunha a negociações de paz com os Aliados. Entretanto, o kaiser e os coalizão.
generais Von Hidenburg e Ludendorff, que estabeleciam uma ditadura
militar, desconsideravam a difícil situação por que passava o povo alemão.

Naquele momento, a situação econômica da Alemanha já era


desesperadora. Racionamentos e fome atingiam toda a
população, pois todos os recursos eram canalizados para o
esforço de guerra.

Apesar de avançarem bastante, as divisões alemãs eram incapazes de


sustentar as operações com suprimentos e reforços de forma rápida e
eficiente, a fim de manterem as conquistas feitas. As stosstruppen, que
lideravam os ataques de infiltração, não podiam levar víveres e munições
suficientes para manter a autonomia de suas ações. Muitas das ofensivas
Stosstruppen
alemãs, ao final, falhavam, em grande parte devido à logística empobrecida e
ineficiente.
58
História Militar Mundial

Quando as linhas alemãs estavam muito esticadas, o astuto marechal Foch


desferiu o contragolpe. A espera valeu a pena. Com suas colunas atacadas em
vários pontos, Ludendorff teve de suspender, no dia 5 de abril, o que esperava
ser a ofensiva final. “A resistência do inimigo estava além de nossas forças”,
justificou o comandante germânico.
Diante do fracasso de sua Ofensiva da Primavera, Ludendorff não desistia e
decidiu que deveria haver mais uma investida sobre os franceses, ao longo do
rio Marne. Todavia, o comandante alemão sabia que já não possuía
superioridade numérica de tropas, pois os americanos já haviam chegado. Em
julho, os oficiais alemães receberam ordens para retomar o avanço. Berlim
informou que seria a friedensturm, ou “ofensiva para a paz”. Agora era tudo
ou nada. O exército do kaiser lançou suas últimas divisões, 600 mil homens,
muitos já esgotados pelos anos de guerra.

No dia 15 de julho de 1918, começa a Segunda Batalha do Marne. O mesmo


rio Marne que havia parado a ofensiva alemã 4 anos atrás.

A derradeira e desesperada ofensiva no Marne encontrou os franceses bem preparados e


com os americanos a seu lado. Apesar do sucesso no avanço inicial, os alemães acabaram
contidos 2 dias depois. O marechal Foch havia preparado uma contraofensiva poderosa,
com 1 milhão de soldados e 500 tanques franceses Renault FT-17 e Mark IV ingleses. O
Exército Alemão, sem tanques e sem tropas de reserva, desabou por completo e a partir
de então só fez recuar. Os Aliados fizeram cerca de 30 mil prisioneiros, milhares de armas
leves e pesadas, mas o grosso do Exército do Alemão ainda sobreviveu.

5.4 O Colapso das Potências Centrais


Em agosto de 1918, a balança de poder virara irrevogavelmente em favor dos Aliados da
Entente na Frente Ocidental. O marechal Foch percebera a debilidade do inimigo e
planejava uma série de ofensivas - denominada Ofensiva dos Cem Dias. Ela tinha o
objetivo de expulsar os alemães para suas antigas fronteiras, infligindo-lhes a derrota
final.

A Ofensiva dos Cem Dias foi o período final da Primeira Guerra Mundial, em
que os Aliados lançaram uma série de investidas contra a Alemanha na
Frente Ocidental, de 8 de agosto de 1918 a 11 de novembro de 1918. A ação
forçou as tropas alemãs a recuarem para trás da Linha Hindenburg,
culminando no Armistício de Compiègne.

A ofensiva começou logo depois da Segunda Batalha do Marne, por intermédio do


Exército Britânico, que lançou um ataque combinando unidades da infantaria, artilharia,
tanques e aviões para romper a linha alemã no setor do rio Somme. No dia 8 de agosto,
começava a Batalha de Amiens. Os alemães foram tomados pela surpresa e recuaram 13
km no primeiro dia do ataque. As forças aliadas romperam a frente alemã e atingiram as
proximidades da Linha Hindenburg.

59
História Militar Mundial

LINHA
HINDENBURG
Foi um vasto sistema de
defesa, ao nordeste da
França, na Primeira Guerra
Mundial, construído pelos
alemães durante o inverno
de 1916 para 1917.
A linha estendia-se de Lens
a Verdun. As fortificações
incluíam bunkers de
A Batalha de Amiens, em agosto de 1918, marcou o início da ofensiva Aliada, resultando concreto e metralhadoras
na derrota da Alemanha e no fim da Primeira Guerra Mundial. fixas, pesadas malhas de
arame farpado, túneis para
Os tanques desempenharam um papel importante no sucesso inicial de tropas, profundas
Amiens. O Exército Alemão, com reservas esgotadas e os ânimos trincheiras, clareiras e
esmorecidos, retirou-se. A 15 de agosto, a Batalha de Amiens foi dada postos de comando.
por terminada e feito o balanço das baixas. Os alemães perderam 30 mil
homens e mais 50 mil feitos prisioneiros. Os Aliados tiveram 22 mil
baixas.
Ao rompimento da posição alemã, deveria ter se seguido o princípio do
aproveitamento do êxito, operação que os Aliados deixaram de executar
por falta de meios logísticos. Mesmo sem a explorar o êxito, a vitória
aliada em Amiens foi considerada devastadora para os alemães.
Ludendorff chamou o 8 de agosto de 1918 de “o dia mais negro do
Exército Alemão”. Por fim, arrematou o general: “A guerra deve
terminar”.

Amiens ficou para a história como a batalha da virada da


guerra em favor dos Aliados e mostrou a eficácia do
emprego dos tanques no rompimento das linhas de Em agosto de 1918, o
defesa alemãs. general Ludendorff concluiu
que a guerra estava perdida.

A chegada de mais tropas americanas complicou ainda mais as coisas para o general
Ludendorff. Daí por diante o Exército Alemão entrou em colapso. Em um só dia, perto
de Cambrai, foram feitos cerca de 33 mil prisioneiros alemães. Estava aberto o caminho
para a vitória dos Aliados da Entente sobre as Potências Centrais.
Entre os generais alemães, começavam os rumores de negociação de paz. O Alto
Comando alemão percebeu que a guerra estava perdida e tentou atingir um final
satisfatório. No dia seguinte ao término da Batalha de Amiens, Ludendorff disse: "Não
podemos mais vencer a guerra, mas também não devemos perder."

60
História Militar Mundial

O fracasso militar alemão na Frente Ocidental quebrou de vez o moral de


seus aliados mais frágeis, a Áustria-Hungria, a Turquia e a Bulgária.

A primeira a ceder foi a Bulgária. Os Aliados haviam cortado as linhas de suprimento de


armas e munições para as tropas búlgaras que lutavam na Macedônia. Em 29 de setembro
de 1918, a Bulgária decidiu abandonar a guerra que lhe custou 90 mil vidas. A capitulação
búlgara foi um duro golpe para seus parceiros austríacos nos Bálcãs. As condições do
moral do Exército da Áustria-Hungria, que já eram ruins, ficaram ainda piores com a
capitulação dos búlgaros.

As notícias deixavam claro para os militares austro-


húngaros que a derrota era eminente. Os soldados
eslavos, entre eles poloneses e tchecos, viam com
simpatia as ideias de independência propostas pelos
países da Entente.

Em meados de setembro de 1918, Carlos I da Áustria havia dito ao


kaiser que queria negociar a paz com os Aliados. Guilherme II rogou
que não o fizesse. Em outubro, o Exército da Sérvia, refugiado na
Albânia, iniciava a marcha para a retomada de sua capital, Belgrado,
em poder dos austríacos. Estavam ao seu lado tropas francesas, gregas
e britânicas. Dias depois circulou a informação de que o kaiser
Guilherme II enviara uma proposta de paz ao presidente dos Estados
Unidos.
Soldados do Exército Austro-
Com a chegada de notícias, milhares de soldados austro-húngaros Húngaro em 1918.
passaram a render-se na primeira oportunidade e, entre eles, germinava
simpatia pela Revolução Russa. As deserções austríacas na Frente
Alpina permitiam que o Exército Italiano passasse de derrotado a
vencedor em pouco tempo. O jovem imperador austríaco Carlos I, ainda
tentou, em vão, uma manobra ao oferecer uma autonomia federativa às
nações eslavas. A fome e as privações da guerra castigavam também a
cidade de Viena.
Os sérvios buscaram um acordo com lideranças balcânicas para a
criação de umgrande Estado para os eslavos do Sul, que viria a ser a
futura Iugoslávia. Ao mesmo tempo, os poloneses reivindicavam, com
apoio da França e da Grã-Bretanha, a criação de seu país. Durante a
última semana de outubro, foram feitas declarações de independência
em Budapeste, Praga e Zagreb. Em pouco tempo, o Império Austro-
Húngaro se esfacelava.

Não apenas o nacionalismo justificava a onda de fazer


novos países a partir de nacos do Império Austro-
Húngaro. Todos sabiam que, finda a guerra, Viena seria
considerada culpada pela guerra e condenada a pagar Carlos I, o último imperador
da Áustria.
indenizações aos vencedores.

61
História Militar Mundial

Assim, todas as nacionalidades do Império Austro-Húngaro buscavam rapidamente


escapar das duras penalidades dos pós-guerra, declarando-se independentes e a favor dos
países da Entente. Carlos I enviou sua proposta de conversação às potências adversárias,
mas estas o desprezaram.

Derrotado pelos italianos na Batalha de Vittorio Veneto, o Império Austro-


Húngaro assinou o armistício em 3 de novembro de 1918. Foi o fim da dinastia
dos Habsburgo, que esteve no poder da Europa por cerca de 400 anos.

Mais a leste, um outro grande império, aliado da Alemanha, também


estava morrendo. O Império Otomano, de 600 anos de história, era, em
1918, uma força esgotada e com dificuldades para dominar o vasto
território com seus diversos povos. O problema se agravou diante da
impossibilidade dos alemães continuarem a fornecer armas, suprimentos
e chefes militares de talento. Em 1917, cerca de 10 mil pessoas morreram
de fome em Istambul devido ao bloqueio naval imposto pelos Aliados.
No Oriente Médio, os britânicos expulsaram os turcos da Mesopotâmia,
da Síria e da Palestina. Com o apoio das tribos árabes, liderados pelo emir
Faissal, conquistam Damasco em 30 de setembro. Tudo se deu graças à
atuação do agora coronel Thomas Edward Lawrence, agente secreto do
Exército Britânico, que fez da causa nacionalista árabe uma força
A Batalha de Vittorio Veneto
poderosa contra o domínio turco na região. Os ingleses passaram a garantiu a vitória da Itália e a
controlar ainda o Golfo Pérsico, rico em petróleo. Quando atingiram capitulação dos austríacos.
Bagdá, criaram um novo país, o atual Iraque.

Ao Império Otomano, sem a Arábia, a Palestina, a Síria e a Mesopotâmia,


restou-lhe desistir da guerra. O armistício com os Aliados foi assinado em 30
de outubro de 1918.

Para obter o apoio dos árabes contra os turcos, os britânicos haviam feito
muitas promessas de apoio para a criação de uma grande nação árabe,
que restabeleceria os antigos domínios do califado islâmico do século
VIII. Mas, ao final da guerra, os britânicos traíram sua palavra ao dividir
partes do Império Otomano com os franceses.

No decorrer da Grande Guerra, britânicos e franceses


haviam estabelecido um acordo secreto de partilha dos
territórios otomanos no Oriente Médio. Era o Tratado de
Sykes-Picot.

A França ficou com a Síria e o Líbano. Os ingleses ficam com a Palestina


e o Iraque. Neste colocam Faissal como rei, um prêmio de consolação.
Emir Faissal.
Os árabes se sentiram traídos. Igualmente irritante para os árabes foi A ele os ingleses
quando os britânicos conquistaram Jerusalém e acabaram por apoiar os prometeram a criação de
judeus da Palestina e prometeu-lhes um território para a criação de um vasto Estado árabe.

Estado Judeu.
62
História Militar Mundial

O cerne do problema foi que os britânicos assumiram compromissos em demasia, muitos


dos quais conflitantes, tornando-se dessa forma, impossível honrar a todos
satisfatoriamente. Além de atender seus próprios interesses no Oriente Médio, Londres
deveria dar respostas condizentes às ambições francesas e às aspirações nacionalistas de
árabes e judeus.

.
ACORDO DE SYKES-PICOT

Estabeleceu a partição antecipada do espólio do Império


Otomano no Oriente Médio. O acordo secreto foi negociado
em 1916, dois anos antes do fim da Primeira Guerra Mundial,
pelos diplomatas Mark Sykes, do Reino Unido e François
Mark Sykes e Georges-Picot
Georges-Picot, da França.
Tal divisão deveria contemplar os interesses estratégicos das
duas potências europeias aliadas na região - especialmente
com referência ao petróleo e ao Canal de Suez.
Com o fim da Primeira Guerra o mapa do Oriente Médio foi
efetivamente redesenhado, com base no Acordo Sykes-
Picot. A divisão arbitrária dos antigos territórios otomanos,
segundo "linhas traçadas na areia", tem sido, desde então,
apontada como fonte de instabilidade e conflitos na região.
O Reino Unido recebeu o controle dos territórios
correspondentes, grosso modo, à atual Jordânia e ao Iraque,
bem como uma pequena área em torno de Haifa.

A França ganhou o controle do sudeste da Turquia,


da Síria, do Líbano e do norte do Iraque. As duas
potências ficaram livres para definir as fronteiras
dentro daquelas áreas.
A Palestina seria colocada sob administração
internacional, aguardando consultas com a Rússia
e outras potências.
O acordo é visto por muitos como um ponto de
inflexão nas relações entre os árabes e o Ocidente,
já que contrariava as promessas feitas aos árabes
britânicos por intermédio do coronel Lawrence, no
sentido de criar-se uma grande nação em território
sírio em troca de apoio aos esforços de guerra
contra o Império Otomano.

Por ter consagrado uma era, e consolidado o conceito de acertos coloniais ocultos, Sykes-Picot se tornou um marco em
um período em que potências externas impunham sua vontade, traçavam fronteiras e trocavam governos, em uma
estratégia de dividir e conquistar os povos "nativos" e em um xadrez complexo com os rivais coloniais.
A herança para o Oriente Médio atual é uma variedade de Estados cujos limites foram traçados com pouca atenção aos
aspectos étnicos, tribais, religiosas ou linguísticos. Formados quase sempre por um apanhado de minorias étnicas,
esses países sofrem uma tendência natural à desintegração, a menos que sejam unificados pela mão de ferro de um
líder ou por um governo central poderoso.

63
História Militar Mundial

5.5 A Rendição da Alemanha


A situação tornou-se desesperadora para a única das Potências Centrais que
ainda tinha alguma possibilidade de persistir: a Alemanha. Nos 100 dias que
durou a ofensiva final da Entente na Frente Ocidental, foram capturados 363
mil soldados alemães e milhares de peças de artilharia. Embora fosse o
governante quase absoluto, o kaiser Guilherme II não tinha o preciso
conhecimento do que se passava na frente de batalha.
Os generais Von Hidenburg e Ludendorff haviam afastado os políticos civis
do governo. Tudo estava nas mãos dos militares. O Alto-Comando preparava
todos os dias um informativo para o kaiser, apenas com as boas notícias.
Porém, foi no dia 2 de outubro, durante uma reunião do Conselho de Guerra,
em Berlim, que Guilherme II tomou consciência da gravidade da situação Gen. Paul von Hindenburg
militar de seu país. informa ao kaiser a difícil
situação na frente de
batalha.
“É necessário um armistício imediato. O Exército não pode
esperar 48 horas”, disparou Von Hindenburg. Seu braço direito,
Erich Ludendorff, concordou, dizendo: “Cada dia custa milhares
de vidas de bravos soldados”.

O novo chefe de governo, chanceler Max de Baden, buscou negociar a paz


com o presidente dos Estados Unidos. Woodrow Wilson foi enfático: os
combates só seriam interrompidos caso as tropas alemães abandonassem os
territórios ocupados da França e da Bélgica e, especialmente, o kaiser
renunciasse. Nenhum dos aliados queria negociar com aquele que havia sido
um dos principais instigadores da guerra.
Enquanto o assunto era discutido, explodiu uma revolta na Kaiserliche
Marine. A palavra de ordem era “o kaiser tem de partir!” Os marinheiros Protestos e revoltas em
Berlim, em outubro de
pretendiam derrubar o governo e implantar um regime socialista, nos moldes 1918.
da Rússia. No início de novembro, a rebelião se espalhou pela Alemanha.
Comunistas inflamavam a população para a revolução. Enquanto isso, os
exércitos da Entente se aproximavam da fronteira, e os soldados alemães
continuavam de rendendo-se aos milhares, quase sempre famintos.

O general Ludendorff percebeu que havia perdido o controle da


situação. Reservadamente ele falava em armistício, mas em
público defendia a honra do Exército. Ele faz uma proclamação:
“Para nós, soldados, a capitulação é inaceitável. Devemos
resistir com todas as forças. ” Esse foi o início da tese imposta
da “punhalada nas costas”.

Em Berlim, Philipp Scheidemann, político do Partido Social-Democrata,


proclamou, em 9 de novembro, que a Alemanha era uma República. Não
houve resistências por parte da população. O Império da Alemanha estava Philipp Scheidemann agita
morto. Os sociais-democratas, que estavam na oposição, assumiram o o povo nas ruas e proclama
governo e iniciaram as negociações para o armistício com os representantes a República.

da Entente.
64
História Militar Mundial

Em Weimar, os políticos alemães se reuniram e elaboraram uma nova


constituição para a Alemanha. No dia 11 de novembro de 1918, quando os
representantes do novo governo de Berlim atravessaram as linhas do front,
ainda em meio em à fuzilaria, a situação de seus combatentes era
desesperadora. Todavia, o território da Alemanha ainda não fora invadido;
estava intacto, enquanto partes da França e da Bélgica estavam arrasadas.

O general Pershing, comandante americano, pedia a seus


superiores em Washington para que tivesse mais uma semana
de combates, pois pretendia arrasar os alemães em seu
Gen. Pershing
território. Não obteve permissão.

A lenda da
“Punhalada nas Costas”
Foi uma tese política facciosa da extrema-direita,
levantada no período Entre-Guerras na Alemanha, e que
se manteve até às vésperas da 2ª Guerra Mundial. A
lenda atribuía a derrota na 1ª Guerra ao fracasso do povo
em responder ao "chamado patriótico" e à sabotagem do
esforço de guerra feita pelos políticos, comunistas e
judeus, e não pela incapacidade do Exército de continuar
a guerra, isentando a culpa dos militares pela derrota.
Essa teoria conspiratória, de que houve uma traição arquitetada contra a pátria, tornou-se corriqueira, e a
população alemã passou a se ver como vítima. Da mesma forma, a popularidade da tese foi um testemunho
do sentimento do povo alemão derrotado e uma rejeição da sua responsabilidade pelo conflito. A aceitação
generalizada dessa teoria deslegitimou os governos da República de Weimar e desestabilizou o regime,
abrindo o caminho para ideologias extremistas.
Historicamente, a tese revelou-se importante para a ascensão de Adolf Hitler e para o crescimento do
Partido Nazista, já que muito de sua base política original era de veteranos da Grande Guerra. Muitos deles
cultivavam o discurso da “punhalada nas costas”, pois incluía o renascimento do espírito nacionalista e uma
rejeição da situação da Alemanha no pós-guerra.

O encontro de paz foi acertado para acontecer no vagão ferroviário do


marechal Foch, no bosque de Compiègne, nos arredores de Paris. O governo
provisório da Alemanha admitiu a derrota e formalmente pediu o fim das
hostilidades. Os termos do acordo eram pesadíssimos para a Alemanha, que
deveria entregar prontamente aos países da Entente a maior parte de sua frota
naval, 5 mil canhões, 15 mil vagões ferroviários, 5 mil caminhões, 25 mil
metralhadoras e 5 mil locomotivas.

O chefe da delegação germânica era Matthias Ezberger, que


assinou a rendição. Ele ainda manteve o orgulho ao dizer aos
representantes Aliados que “uma nação de 70 milhões de
habitantes sofre, mas não morre!” Matthias Erzberger

65
História Militar Mundial

Gravura da cena da assinatura do armistício de Compiègne, feito dentro de um vagão


ferroviário. O marechal Foch, de pé, recebeu a rendição dos representantes da Alemanha.

No front, todos os exércitos receberam ordens de cessar-fogo, marcado para


às 11 horas do dia 11, do 11º mês de 1918. Assim que os relógios marcaram
11:00, as tropas abandonaram suas trincheiras para se confraternizar, trocar
capacetes, alimentos, cigarros, bebidas e souvenirs. Em todas as capitais do
mundo, as ruas foram tomadas pelo povo em festa. Em Londres, casais se
beijavam em plena rua, celebrando a vitória da vida sobre a morte.

A euforia e a alegria tomou imediatamente conta das trincheiras e das ruas da Europa
e do mundo com a notícia do fim da Grande Guerra.
O novo governo alemão aceitava o programa de 14 pontos proposto pelo
presidente dos Estados Unidos. Tal programa previa a retirada de todos os
territórios ocupados, incluindo os territórios tomados da Rússia. Entretanto,
o fim da guerra seria para os alemães apenas o início de um longo sofrimento.
A Alemanha acabou mergulhando numa guerra civil após o armistício.
Comunistas persistiam em provocar uma revolução. Os sociais-democratas
controlaram o caos interno e fizeram prevalecer suas propostas de estabelecer
uma democracia no país. Contudo, maiores provações atingiriam o povo da
Alemanha com a assinatura do Tratado de Versalhes.
66
História Militar Mundial

6. Saldos e Consequências
Nenhuma outra guerra mudou o mapa da Europa de forma tão drástica em tão
pouco tempo. Quatro impérios, muitos seculares, desapareceram após o fim
do conflito: o Alemão, o Austro-Húngaro, o Otomano e o Russo. Com eles, 4
dinastias, respectivamente caíram após a guerra: os Hohenzollern, os
Habsburgos, os Osman e os Romanov. Países como a Bélgica e a Sérvia O GE NOCÍ DI O
foram quase que completamente arrasados pelos anos de ocupação pelo ARM Ê NI O
inimigo, assim como o nordeste da França. Um dos episódios mais
Durante os 4 anos de guerra, foram mobilizados 75 milhões de combatentes. dramáticos e menos
Cerca de 10 milhões morreram, 7 milhões foram incapacitados de maneira conhecidos da Primeira
Guerra Mundial foi o
permanente e 20 milhões ficaram gravemente feridos. Morreram 9 milhões massacre de pelo menos
de civis durante a guerra. A Alemanha perdeu 15,1% de sua população 1,2 milhão de armênios,
masculina ativa, a Áustria-Hungria 17,1% e a França 10,5%. Nesses países, perpetrado pelo Exército
era raro encontrar uma família que não tivesse alguma vítima da guerra, fosse Otomano.
morto, amputado, gaseado ou ficado órfão. Os armênios eram um
povo cristão que vivia no
Os principais países beligerantes registram os seguintes saldos de mortos Cáucaso, entre as
entre seus combatentes: fronteiras dos Impérios
Russo e Otomano.
a. Rússia: ....................... 1,8 milhão;
b. Alemanha:..................... 1,7 milhão; No início da guerra, o czar
Nicolau II havia acenado
c. França2:......................... 1,4 milhão; com o apoio à causa da
d. Império Austro-Húngaro:. 1,2 milhão; autonomia dos armênios
e. Império Britânico3:.............. 900 mil; que viviam sob domínio
f. Itália: ................................450 mil; turco em troca do apoio às
forças da Rússia.
g. Império Otomano: ...............350 mil;
h. Sérvia: ...............................130 mil; Para se vingar de uma
possível infidelidade, o
i. Estados Unidos: ..................120 mil; governo turco, por
j. Bulgária: .............................90 mil; intermédio do ministro
k. Bélgica: ..............................70 mil; Enver Pashá, mandou
executar, escravizar e
l. Portugal: ...............................7 mil. deportar centenas de
O otimismo da Belle Époque foi destruído; e aqueles que lutaram na guerra milhares de armênios.
foram referidos como a "Geração Perdida". O trauma social causado por taxas Outros milhares morreram
sem precedentes de vítimas manifestou-se de maneiras diferentes, que foram ainda de fome e doenças
na marcha forçada até a
objeto de um debate histórico. Durante anos depois, as pessoas lamentavam Síria. Tudo para impedi-los
os mortos, os desaparecidos e os muitos deficientes físicos causados pelo ou puni-los por um
conflito. A guerra produziu uma legião de milhares de amputados e inválidos. eventual apoio aos russos.

Muitos soldados retornaram com traumas psicológicos graves, só hoje As vítimas do genocídio
armênio são até hoje
diagnosticados. O principal problema foi o Transtorno de Estresse Pós- negadas pelo governo da
Traumático (TEPT), que incluía flashbacks do combate, paranoia constante e Turquia e quase sempre
a incapacidade de conviver e interagir no ambiente familiar, no trabalho e na são omitidas pelas
sociedade. estatísticas de mortos da
guerra.

2
Inclui Senegal, Marrocos, Argélia e Tunísia.
3
Inclui Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Índia e África do Sul.
67
História Militar Mundial

6.1 O Tratado de Versalhes


A conferência para acertar o acordo de paz definitivo foi marcada para início
de 1919, no Palácio de Versalhes, perto de Paris. Se o local já era um insulto
para os alemães, a data também era: 18 de janeiro, o dia em que havia sido
criado o II Reich, após a Guerra Franco-Prussiana (vide pág.6). Os principais
representantes da Entente chegaram divididos ao encontro. França, Grã-
Bretanha, Estados Unidos e Itália tinham agendas divergentes sobre como LIGA DAS
tratar a Alemanha. NAÇÕES
A Sociedade das Nações,
também conhecida como
De fato, 27 países da Entente participaram do encontro em Paris Liga das Nações, foi uma
com o objetivo de dividir o espólio alemão e impor a paz dos organização internacional,
vencedores. Os perdedores nem foram convidados. idealizada em 1919, em
Versalhes, onde as potências
vencedoras da Primeira
O presidente da França, Georges Clemenceau, era, de longe, o mais radical Guerra Mundial se reuniram
para negociar um acordo de
ao impor um pesado castigo à Alemanha. Para ele, seu país tinha sido o mais
paz.
afetado pela guerra e precisava receber uma justa reparação. Além de
Sua criação foi baseada nos
recuperar a Alsácia-Lorena, ele achava que Alemanha deveria ser contida em 14 Pontos propostos pelo
suas potencialidades, a fim de não mais representar uma ameaça à paz da presidente americano
França e para toda a Europa. Para isso, ele ainda propunha desmembrar o Woodrow Wilson.
território alemão e manter um pesado bloqueio econômico e militar. Tais pontos continham as
bases para a paz e a
Lloyd George, o primeiro-ministro britânico, priorizava garantir seu vasto reorganização das relações
império e concordava em impor penalidades à Alemanha, mas era contra internacionais
fatiar seu território. Para ele, isso só faria renascer o nacionalismo alemão e a Em 28 de junho, foi assinado
sede de vingança. A posição britânica saiu vitoriosa da conferência, depois de o Tratado de Versalhes, que
na sua 1ª Parte estabelecia a
obter o apoio dos Estados Unidos, que tinha uma postura mais amena quanto Sociedade das Nações, cuja
às punições a serem impostas. Carta foi nessa data assinada
por 44 países.

Mesmo assim, as condições para a paz em Versalhes ficariam O Conselho da Sociedade


muito duras, muito mais do que os “14 pontos” propostos no ano das Nações reuniu-se pela
anterior pelo presidente americano Woodrow Wilson. primeira vez em Paris no dia
16 de janeiro de 1920.

Pouco tempo depois, a sede


Em Versalhes, os Estados Unidos assumem um lugar de destaque na mesa de da organização passou para
negociações. Wilson não deseja nenhuma compensação territorial ou a cidade de Genebra, na
reparação, mas sabe que seu país agora é um ator importante no palco das Suíça.

decisões mundiais. Ele defende o direito de autodeterminação das nações na Em setembro de 1939, Adolf
definição das novas fronteiras. O líder americano visita as áreas atingidas pela Hitler desencadeou a
Segunda Guerra Mundial.
guerra no nordeste da França e comove-se com a destruição material e com o
A Liga das Nações, tendo
sofrimento humano. Alguma coisa precisava ser feita para que aquilo não se fracassado em manter a paz
repetisse em um novo mundo. no mundo, foi dissolvida.
Estava extinta por volta de
1942.
O presidente dos Estados Unidos e os líderes da França e Grã-
Bretanha decidem pela criação de um organismo internacional Porém, em 18 de abril de
1946, o organismo passou as
para evitar guerra futuras. Chamam-lhe Sociedade das Nações.
responsabilidades à recém-
criada Organização das
Nações Unidas, a ONU.

68
História Militar Mundial

Tratado de Versalhes.
Líderes das potências vencedoras na Conferência da Paz de Paris, em maio de 1919.
Da esquerda para a direita: David Lloyd George, do Reino Unidos; Vittorio Orlando, da
Itália; Georges Clemenceau, da França; e Woodrow Wilson, dos Estados Unidos.

A discussão prosseguiu, até que atingiu a questão financeira das dívidas acumuladas pela
guerra. Isso levou o presidente Wilson a rever seu idealismo. Os quatro líderes não
pretendiam, inicialmente, imputar a culpa pela guerra à Alemanha, mas quando
constataram o quanto a guerra tinha custado e o quanto ainda gastariam na reconstrução,
procuraram alguém para pagar a conta.
A França já devia bilhões para ingleses e americanos. Os ingleses, também
em dificuldades, não podiam perdoar a dívida francesa, bem como os
americanos não podiam. Wilson até queria tratar a Alemanha razoavelmente,
mas, na posição de presidente de principal credora da Entente, ele teve de
defender garantias mínimas para que os empréstimos fossem pagos. Ao final,
o líder americano tornou-se um adepto das cláusulas indenizatórias.

Assim, os Aliados se voltaram para a principal derrotada. Mas


ela só podia ser forçada a pagar se aceitasse a responsabilidade
por ter causado a guerra. Então, os Aliados incluíram uma
cláusula imputando a culpa sobre a Alemanha.
Hermann Müller, ministro
do Exterior da Alemanha,
A primeira reação do governo de Berlim foi protestar veementemente. Mas assinou o tratado em 28 de
toda a indignação e repulsa, foram em vão. Se não concordassem, os países junho de 1919.
da Entente ameaçavam retomar a guerra e invadir o território alemão.
A 28 de julho de 1919, no Palácio de Versalhes, no Salão dos Espelhos, 5 anos após o
atentado de Sarajevo, reuniram-se os delegados das nações que lutaram contra a
Alemanha. Após demoradas negociações, estão todos prontos para assinar o tratado de
paz. Os representantes alemães sentam na mesa e são obrigados a aceitar cláusula de culpa
de seu país pelo conflito.

69
História Militar Mundial

No Tratado de Versalhes, em seu artigo 231, a Alemanha foi considerada a


única culpada pela Grande Guerra e, consequentemente, responsável por
todos os prejuízos e danos, inclusive pela ação de seus aliados das Potências
Centrais.

Admitida a culpa, a Alemanha seria obrigada a pagar uma pesada reparação aos
vencedores, especialmente à França. A indenização foi calculada em 132 milhões de
marcos-ouro, ou 31,5 bilhões de dólares da época. Era tanto dinheiro que a Alemanha
continuaria a pagar até o ano de 1961, segundo os cálculos de amortizações feitos na
época.

Lloyd George,
primeiro-ministro do Reino
Unido. No final ele achou
Cartoon da época ironizava a cláusula de culpa da guerra imposta à Alemanha. que o tratado ficou pesado
demais.
O Tratado foi muito criticado na época. Até o premier Lloyd George
preocupou-se dizendo que, infelizmente, os Aliados tinham ido longe demais.
Um dos membros da delegação britânica, o renomado economista John
Maynard Keynes, foi abertamente crítico. Ele percebeu que, forçando a
Alemanha a pagar reparações, poderia arruinar toda a Europa política e
economicamente. Após o evento ele protestou:

“A política de reduzir a Alemanha à servidão por uma geração,


degradando a vida de milhões de seres humanos deveria ser
odioso e detestável. ”

Além da indenização bilionária, os alemães sofreriam graves restrições


militares, a começar pelo seu exército, limitado a 100 mil homens. Ficaria
proibida de organizar uma força aérea, entregaria todos os seus grandes
John Keynes,
navios de guerra e ainda faria a retirada de todas as forças militares do economista britânico,
território da margem do rio Reno. A indústria bélica e a aeronáutica da condenou abertamente o
pagamento das pesadas
Alemanha também seriam controladas pelos países vencedores e teriam a indenizações.
produção limitada.

70
História Militar Mundial

Outros itens do Tratado de Versalhes previam ainda que a Alemanha


cederia à França o direito total de exploração das minas de carvão, As Imposições
situadas na região do Sarre. Os alemães renunciariam, em favor dos
Militares
Aliados, a todos os seus direitos sobre suas colônias ultramarinas. Berlim
deveria reconhecer a independência da Polônia e entregar, em favor dela, O Tratado foi abrangente e
complexo nas restrições
a região da Alta Silésia. impostas às forças armadas
alemãs (Reichswehr). As
A França, enfim, retomou o sonhado território da Alsácia- disposições visavam o
Lorena, perdido para os alemães, em 1871, durante a desarmamento para torná-las
incapazes de qualquer
Guerra Franco-Prussiana.
capacidade ofensiva ou ameaça
internacional.
No total, 15% do território original da Alemanha seria amputado. A Alemanha deveria
Todavia, a mais ultrajante era a cessão de uma larga faixa de terra, desmobilizar soldados
correspondente à região da Prússia Ocidental, para que a recém-criada suficientes até 31 de março de
1920 para atingir um exército
Polônia tivesse acesso ao mar. Isto provocava a divisão do território de não mais de 100 mil homens
alemão em duas partes, cortadas pelo “corredor polonês” ou Corredor em um máximo de 7 divisões de
Dantzig. Assim, a região da Prússia Oriental ficou descontinuada do infantaria e 3 de cavalarias.
restante do território alemão. As escolas militares para
treinamento de oficiais eram
limitadas a 3, uma escola por
ramo, e o recrutamento
obrigatório foi abolido.
A Alemanha foi proibida de
comercializar armas, sendo
impostos limites sobre o tipo e
quantidade de armas, e
proibida a fabricação e o
estoque de armas químicas,
carros blindados e aeronaves
militares.
A Marinha Alemã tinha
permissão para manter 6 velhos
encouraçados, 6 cruzadores
leves, e foram proibidos
quaisquer submersíveis.
O artigo 198 proibiu a
Alemanha de possuir uma força
aérea, incluindo aviação naval, e
exigiu que o país entregasse
todos os materiais
aeronáuticos.
Em conjunto, a Alemanha foi
proibida de fabricar ou importar
Situação do mapa da Alemanha após o Tratado de Versalhes, contendo as perdas aeronaves ou material
territoriais para os países vizinhos. relacionado por um período de
6 meses após a assinatura do
tratado.

71
História Militar Mundial

6.2 Outros Tratados


Embora a Alemanha foi reconhecida como a grande culpada pela Grande
Guerra, os demais países do grupo das Potências Centrais também tiveram de
se submeter a “acordos” semelhantes, embora nem tanto severos e
humilhantes quanto o de Versalhes.
Em setembro de 1919, o Tratado de Saint-Germain-en-Laye sacramentava o
fim do Império Austro-Húngaro, efetivamente o verdadeiro causador de
toda a guerra. Surgia a nova República da Áustria, que incluía a maior parte
dos territórios de língua alemã do antigo Império. Viena teve de reconhecer a
separação da Hungria e a independência da Tchecoslováquia, da Polônia e do
Reino dos Sérvios, dos Croatas e dos Eslovenos.
Os austríacos, como povo germânico, ficaram proibidos de aproximar-se
política ou economicamente da Alemanha. Embora a Áustria tenha sido
inicialmente condenada a pagar reparações de guerra aos seus vencedores,
nada foi calculado, e, por fim, nenhum pagamento foi efetivado. A própria
condição da nova Áustria, reduzido a um pequeno país com dificuldades
econômicas, inviabilizou o apetite dos vencedores.

A Itália acabou por conquistar os territórios de população italiana em poder


do Império Austro-Húngaro: Trento e Trieste. Todavia saiu insatisfeita com os
tratados de paz por não ter abocanhado mais territórios na costa do mar
Adriático.

Mapa da dissolução do Império Austro-Húngaro.

72
História Militar Mundial

Não adiantou a Hungria ter declarado a independência do


Império no apagar das luzes do conflito para escapar do castigo.
Pelo Tratado de Trianon, a nova Hungria foi despojada de pelo
menos dois terços do seu antigo território e dois terços dos seus
habitantes. Tudo em favor da Romênia, da Tchecoslováquia e
da nova Iugoslávia. Com isso, foi perdido o acesso ao Mar
Adriático. Reparações de guerra, embora previstas, jamais
foram calculadas em razão de restrições em sua economia.
Dois meses depois, era vez da Bulgária firmar o Tratado de Neuilly-sur-Seine, que lhe
impôs perdas territoriais em favor dos vizinhos sérvios e gregos. Estes a privaram do
acesso ao mar Egeu. O Exército Búlgaro teve de ser reduzido ao efetivo de apenas 20 mil
homens. Também foram calculadas indenizações aos vencedores no valor de 100 milhões
de libras, mas apenas uma pequena parte desse valor foi pago, e o restante acabou por ser
perdoado.
A Turquia assinaria o Tratado de Sèvres, em agosto de 1920, renunciando a todo o seu
velho império colonial. Os oficiais nacionalistas do Exército Turco, furiosos com os
termos de Sèvres, endureceram e não deram o braço a torcer. Depuseram o sultão e, com
o uso da força militar, continuaram um conflito local e recuperaram os seus territórios
confiscados na Anatólia.

6.3 O Ovo da Serpente


O fato é que os acordos de paz não conseguiram resolver alguns dos problemas que
haviam causado a Grande Guerra. À exceção dos Estados Unidos, nenhum governo tinha
um projeto para a paz do mundo. A França somente queria recuperar sua Alsácia-Lorena.
A Grã-Bretanha pensava em desfrutar, em paz, as novas colônias que havia conquistado.
A Liga das Nações, criada para funcionar como um árbitro
internacional para a paz, não foi capaz de evitar sequer pequenas
guerras. Em 1931, o Japão, que, graças ao seu apoio à Entente,
conquistara colônias alemãs na Ásia, acabou por invadir a província
chinesa da Manchúria sem que a Liga das Nações nada fizesse.
A democracia, estabelecida à força pelos vencedores na Alemanha,
na Áustria e nos novos países que surgiram após os tratados, tinha
bases frágeis e carecia de apoio financeiro para que prosperasse. Essa
demanda chocava-se com as indenizações de guerra e as restrições
impostas à economia pelos países vencedores.

Em 1923, depois de atrasar seus pagamentos, a Em 1923, as mulheres alemãs


queimavam dinheiro para
Alemanha teve invadida a região industrial da Renânia
alimentar seu fogão durante a
por tropas francesas e belgas. hiperinflação de 1923.

Isso dificultou a recuperação econômica do país e gerou a revolta dos operários alemães.
Altamente endividado com as nações vencedoras, o governo alemão apelou para a
emissão desenfreada de moeda para se financiar. A inflação disparou. Em outubro de
73
História Militar Mundial

1923, o aumento de preços chegou ao ápice, atingindo a taxa de 29,5 mil por cento ao
mês, ou 20,9% ao dia. A inflação fazia com que as mercadorias dobrassem de valor a
cada 3,7 dias. As donas de casa precisavam levar um carrinho de mão cheio de cédulas
para comprar alguns poucos quilos de batata.
A crise econômica de 1929 seria o golpe final sobre a recuperação
das economias da Alemanha e de outros países. Na Hungria, na
Iugoslávia ou na Romênia, a democracia imposta não trouxe a
prosperidade que se esperava depois do fim da guerra. Mesmo um
país vencedor como a Itália, reclamava do que considerava serem
pequenas compensações por seu esforço na Grande Guerra. Por toda
parte, surgiam movimentos políticos extremistas.

Os comunistas propunham revoluções para erguer


sociedades sem classes no modelo da União
Soviética. Surgia a extrema direita, que defendia o fim
das democracias liberais a partir dos Estados fortes,
capazes de enfrentar as frequentes crises econômicas.

Quase sempre a base de apoio da extrema direita eram os veteranos


da Grande Guerra, insatisfeitos por não serem reconhecidos pela
pátria e por não encontrarem emprego. O mais proeminente deles era Adolf Hitler em 1926.
um austríaco que servira no Exército Alemão e atingira a patente de.
cabo: Adolf Hitler. A proposta de seu movimento, o nacional-socialismo, ou
simplesmente nazismo, baseava-se na eliminação do regime democrático da Alemanha,
responsável pelo pagamento das indenizações de guerra aos vencedores.

Adolf Hitler se refere ao Tratado de Paz de Paris de 1919 como o “Diktat von
Versailles”. Uma de suas propostas é rejeitar definitivamente o tratado que
tantas provações e humilhações trazia ao povo da Alemanha.

O programa nazista pregava recuperar o brilho do Reich alemão.


Exaltava-se o nacionalismo e o orgulho de ser alemão. Afinal, dizia
Hitler, que derrota fora aquela em 1918? As tropas dos países da
Entente nem sequer haviam invadido o território alemão! Tudo não
passava de uma punhalada nas costas da Pátria alemã, perpetrada
pelos inescrupulosos políticos democratas, comunistas e judeus.
A ascensão de Adolf Hitler ao poder teria por trás o apoio de antigos
chefes militares alemães como Erich Ludendorff e Paul Hindenburg.
Eles, que haviam sido derrotados no campo de batalha,
corroboravam a tese da “punhalada nas costas”. O mote era
responsabilizar os políticos do regime democrático pelas
dificuldades decorrentes dos castigos impostos ao povo pela derrota
na guerra. Uma guerra que o próprio regime militarista do Império
Alemão havia estimulado.

Ludendorff e Hitler em
1920.
74
História Militar Mundial

A Primeira Guerra Mundial, um conflito gigantesco, aparentemente irracional, acabaria


por encontrar seu sentido nos anos 1930. Os vencedores, sem um projeto sólido de
coexistência pacífica, cegos pelo desejo de vingança, impediram a consolidação da
democracia que pregavam. Indiretamente, alimentaram os movimentos radicais
nacionalistas como o nazismo. A estrutura militarista alemã, derrotada, preparou tudo
para que, na primeira crise, os civis e a democracia fossem sufocados por uma onda
revanchista.
Muito mais do que definir quem mandaria na Europa – a Alemanha ou a dupla Grã-
Bretanha e França –, o sentido da Primeira Guerra Mundial, na qual milhões perderam a
vida sob diferentes bandeiras, foi apenas preparar outra, ainda mais cruel: a Segunda
Guerra Mundial.

6.4 Em resumo
Podemos identificar as seguintes consequências do conflito:
 19 milhões de mortes e 20 milhões de deficientes;
 Alterações no mapa político da Europa e de suas colônias – foram traçadas novas
fronteiras, nem sempre respeitando o princípio de autodeterminação dos diversos
povos e suas culturas;
 Derrubada de tradicionais monarquias autocráticas da Europa na Rússia,
Alemanha, Áustria-Hungria e Turquia;
 O Império Austro-Húngaro é desmembrado e perde territórios para seus vizinhos
vencedores. A Hungria se separa da Áustria. Surgem novos países: Finlândia,
Letônia, Lituânia, Estônia, Polônia, Tchecoslováquia e Iugoslávia;
 Inglaterra e França preservam seus domínios coloniais e ainda partilham as
colônias da Alemanha e os territórios do Império Otomano;
 A França retomou a Alsácia-Lorena da Alemanha. Esta última ainda perdeu
territórios para a formação da Polônia e da Tchecoslováquia. Dinamarca e Bélgica
também conquistaram pequenas partes da Alemanha;
 A Itália conquistou os desejados territórios de população de fala italiana do
desfeito Império Austro-Húngaro (Trieste e Trento). O Japão amealhou algumas
colônias alemãs na Ásia (na China e algumas ilhas no Pacífico). Todavia, Japão e
Itália saíram insatisfeitos por essa partilha imposta pelos principais vencedores;
 A Europa perde sua posição de hegemonia mundial para os Estados Unidos, que
se projeta como nova potência econômica e militar;
 A partir de Revolução Bolchevique, de novembro de 1917, na Rússia, foi
implantado o primeiro regime comunista. Algum tempo depois, a revolução se
expande pelos antigos domínios do império czarista e dá origem à União
Soviética;

75
História Militar Mundial

 A Alemanha foi considerada culpada pela guerra e, assim, condenada a pagar


reparações aos vencedores – O Tratado de Versalhes impôs cláusulas mais duras
que os “14 pontos de Wilson”;
 O Tratado de Versalhes impõe drástica redução nas Forças Armadas da
Alemanha, tendo ela que entregar armas e equipamentos aos vencedores. As
restrições militares também atingem a indústria bélica e aeronáutica.
 A República de Weimar tornou-se um fracasso, e a situação política, moral e
econômica da Alemanha favoreceu a ascensão do nazismo.

Dicas de estudo

 Prepare-se para a avaliação lendo e relendo o conteúdo desta


apostila. Reveja também o arquivo da apresentação da aula em
Power Point.

 Acesse os conteúdos digitais disponibilizados pelo instrutor em mídia.


É muito importante que você assista aos filmes e clipes
disponibilizados no arquivo da disciplina na internet.

Para saber mais


Para ampliar seus conhecimentos, você pode consultar nossas referências bibliográficas
e os seguintes vídeos no Youtube:

BRENER, Jayme. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo Curitiba: Editora CRV.
2013.
GILBERT, Adrian. A enciclopédia das guerras: conflitos mundiais através dos tempos.
São Paulo: M. Books, 2005.
GILBERT, Martin. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Casa da Palavra, 2017.
HILLS, Ken. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Ática, 1992.
RODRIGUES, Luiz Cesar. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Atual, 1994.
SONDHAUS, Lawrence. A Primeira guerra mundial: história completa. São Paulo:
Editora Contexto, 2013.

Os Segredos da Primeira Guerra, 5 episódios. National Geographic, 2014.


https://www.youtube.com/watch?v=iAgmRSAVV7c&t=80s

76
História Militar Mundial

Primeira Guerra Mundial - BBC – 1º capítulos - Legendado – Documentário.


https://www.youtube.com/watch?v=lKM0TD6AALg
A Primeira Guerra Mundial: O Fim de Uma Era - Documentário Completo e
Dublado PT-BR. https://www.youtube.com/watch?v=7tO8UZgXdIo

A Primeira Guerra Mundial em 5 Minutos -


https://www.youtube.com/watch?v=jACiIe8Ly5o

Primeira Guerra Mundial - Nostalgia História


https://www.youtube.com/watch?v=HNw027hhbbw&t=1577s

18 de Janeiro - T.1 Ep.72 - O Tratado de Versalhes, a semente que fez nascer o


nazismo https://www.youtube.com/watch?v=XuNHf1ycPN4

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