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Memorável Viagem Marí

tima e Terrestre ao Brasil


BIBLIOTECA HISTÓRICA BRASILEIRA
Direção de Rubens Boroa de Moraes

IX

Joan Nieuhof

Memorável Viagem Marí

tima e Terrestre ao Brasil

Traduzido do Inglês por


MOACIR N. VASCONCELOS

Confronto com a edição holandesa de 1682, intro


dução, notas, critica bibliográfica e bibliografia por
JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES

LIVRARIA MARTINS
RUA 15 DE NOVEMBRO, 185
SÃO PAULO
Desta edição foram tirados 165 exem
plares de luxo, numerados de 1 a 165.
JOHAN NlEUHOPS

Gcdcnkweerdige_.

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cn gcfchicdeniflcn , dic zich , gcduurcndc zijn negenjarígh
vcrblijf in Brafil , in dWlopen cn opllanr der Poruigefer.
ttgen donzen , zich federt hei iaer 16^0. tot 1649.
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VoordtWcdtiwcvan J*coi v«a M I u k 1 , op d« KcUcn guebt. létL
A obra de Nieuhof é, incontestàvelmente, uma das Jontes
mais importantes que existe para o estudo do Brasil Holandês.
De fato, o autor da "Memorável Viagem Marítima e Ter
restre ao Brasil" viveu no Nordeste de 16k0 a 1649 e teve,
portanto, tempo suficiente para estudar o país, aprender o
português e anotar com cuidado todos os acontecimentos ocor
ridos nesse importante período de nossa história.
Barlaeus foi o cronista dos feitos nassovianos e Nieuhof o
historiador de tudo quanto aconteceu posteriormente a Nassau.
A publicação recente, em português, da obra de Barlaeus,
pelo Ministério da Educação, pôs ao alcance de todos uma obra
tão rara quanto importante. Acha-se no prelo, graças aos es
forços de Afonso de E. Taunay, a obra de Piso e Marcgrave.
Não sabemos de ninguém que se abalançasse a publicar o ter
ceiro clássico holandês sobre o Brasil. Daí a nossa iniciativa
de incluí-lo na Biblioteca Histórica Brasileira. Para essa
árdua tarefa escolhemos os srs. Moacir N. Vasconcelos, a quem
coube fazer uma excelente tradução baseada na edição inglesa,
e o historiador José Honório Rodrigues, a quem coube cotejar
a tradução com o original holandês, anotar a obra toda, nos
seus menores detalhes, redigir a introdução, a magistral nota
bibliográfica e a bibliografia do autor. Êsse árduo trabalho
José Honório Rodrigues desempenhou com a maestria que se
esperava de quem tão bem conhece tudo quanto se relaciona com
os holandeses no Brasil. A-fim-de ilustrar esta edição inte
gral e crítica da obra de Nieuhof, resolvemos publicar, além
de todas as gravuras do original, mais algumas, insertas em
raríssimos folhetos contemporâneos, e um mapa colorido, d«
Mateus Seutter, cujo efeito não é de se desprezar numa coleção
de livros cujo cunho artístico o editor tem sempre procurado
manter.
R. B. de M.
Introdução
Joan Nieuhof nasceu em Ulsen, no condado de Benthem, na Vest-
fália. Entrou mais tarde para o serviço da Companhia das índias Oci
dentais que o empregou como agente comercial (1). Veio para o Brasil
em 1640 e aqui permaneceu nove anos. Em setembro de 1649, chegava à
Holanda ; logo partia para Zwell, onde nascera seu pai, Joan Nieuhof, e dai
para Benthem, sua terra natal. Quatro anos depois passava para o
serviço da Companhia das índias Orientais, embarcando para Amsterdã;
e em 23 de agosto, de Texel seguia para a Batávia, onde chegou a 29
de abril de 1653. A Batávia era o centro do grande empório holandês
no Oriente e aí já havia chegado ordem para que se organizasse uma
outra embaixada à China, com o fim de estabelecer relações comer
ciais (2) ; Nieuhof seguiu na embaixada como agente comercial.
No dia 4 de julho de 1655, partia, visitando Cantão (4 de abril),
Nanquim (4 de maio) e Pequim (16 de julho) ; volta depois a Nanquim,
Cantão (28 de fevereiro de 1657) e em maio chega à Batávia, onde fêz
uma exposição das negociações ao conselho holandês das índias (3).
Os dicionários biográficos e as enciclopédias costumam contar com
detalhes essas negociações com os imperadores chineses. Pouco nos
interessam, principalmente porque de tudo isso Nieuhof deixou uma
ampla exposição na primeira Viagem à China. Convidado a partir para
a Holanda, a-fim-de expor os maus resultados da expedição, êle aí
chegou em julho de 1658. Depois de três meses de permanência e de ter
entreeue os originais da Viagem à China a seu irmão, foi novamente con
vidado para uma segunda viagem às índias Orientais (4) e em 18 de
julho de 1659 chegava à Batávia. Em 1664 é chamado a Malabar, a-fim-
-de negociar tratados comerciais, e James Hustart, governador em Ceilão e
Malabar, concede-lhe credenciais para negociar diretamente acordos co
merciais. Nieuhof era, nessa época, um dos principais agentes da Com-

(1) No aviso ao leitor encontram-se dados sôbre o nascimento de Joan Nieuhof,


sôbre a sua estada e peripécias no Brasil; os leitores encontrarão em vários trechos
dessa obra dados interessantes, que achamos desnecessário repetir aqui.
(2) As duas embaixadas anteriores, dirigidas por Wagenaer e Schedel, não
conseguiram qualquer resultado.
(3) Todos os nossos dados são tirados diretamente da "Voyages and Traveis
to East Indies, ed. de Osborne e Lintot, 1746.
(4) Voyages and Traveis to East Indies, p. 150, ed. de Osborne e Lintot, 1710.
panhia das índias Orientais, devendo-lhe essa boa parte de seus em
preendimentos. Nieuhof é viajante incansável, trabalhador pertinaz;
visita Málaca, Sumatra, Amboina e a costa do Coromandel. Tendo os
holandeses, em 1662, colocado no trono do Cochim um certo rei, que havia
sido expulso pelos portugueses, foi Nieuhof nomeado agente para confir
mar as alianças da Companhia com diversos príncipes vizinhos da costa
de Malabar; foi, depois, enviado a Ceilão, como governador (5) e, em
seguida, chamado à Batávia. Em 1670, volta à Holanda, chegando em
9 de julho a Texel e embarcando em Enkhuysen chega no dia 11 a Ams-
terdã. Na Holanda, entrega os originais da Viagem às índias Orientais
e da Viagem ao Brasil a seu irmão, depois de uma conferência com João
Maurício de Nassau e com Guilherme Piso (6).
Os diretores ficaram de tal modo satisfeitos com seu procedimento e
suas observações, que o enviaram pela terceira vez às índias Orientais,
Depois de 1672, chega a Madagascar (7), realizando viagens pelo interior,
onde desaparece.
Supõe-se que houvesse sido vítima da crueldade dos naturais do país,
porque não mais voltou. Pesquisas posteriores que, a pedido de seu
irmão Hendrik, foram mandadas efetuar pelos diretores da Câmara de
Amsterdã, nenhuma luz trouxera sôbre seu destino (8).

* * *

A literatura colonial, histórica ou geográfica, é, em geral, muito rica


em relações de viagens, que nos possibilitam o conhecimento do Brasil em
épocas passadas. Elas constituem uma fonte instrutiva e interessante,
que devemos conhecer para o esclarecimento de aspectos da origem e for
mação do nosso passado.
Dentre essas relações ocupa papel fundamental para a história dos ho
landeses no Brasil a que escreveu Joan Nieuhof. Não se trata, nela, tão
somente de guerras ou transações diplomáticas. Nieuhof foi um observa
dor sagaz, inteligente, e o maior título para aquilatar-se o valor de suas
observações talvez seja o fato de haver aprendido o português. Isso dá ao

(6) Voyages and Traveis, ed. Osborne, Lintot, 6 vols., 1746, pp. 207 e 219.
(6) Voyages and Traveis to East Indies, p. 303 da ed. holand., p. 302 da. ed.
inglêsa.
(7) Dissemos depois de 1672, porque na Viagem às índias Orientais, não se
especifica a data.
(8) Cf. Viagem às índias Orientais; ed. de Churchill, Osborne, Lintot, 1746.
Terceira Viagem às índias Orientais.
— XI —

seu livro um alto índice de fidedignidade. Nada melhor para um viajante


desejoso de observar os costumes da terra que visita do que o conhecimento
do idioma que nela se fala. O instrumento com que contava Nieuhof é
dos mais importantes, talvez mesmo o mais qualificado para um via
jante (9).
Afora os livros de Barlaeus, Piso, Marcgrave e Plante, dentre os au
tores holandeses, "a única obra que depois disso apareceu é a Memorável
Viagem Marítima e Terrestre pelo Brasil de J. Nieuhof (1682), só com
parável às de Barlaeus, Piso e Marcgrave. Conquanto o autor se baseia
nas obras dos autores citados, possue o mérito próprio de continuar a
descrição histórica interrompida no ano de 1644 até agosto de 1649" (10).

* * *

Já em 1908, Alfredo de Carvalho, em artigo publicado na Revista do


Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano mostrava que "quan
to às feições políticas e marciais da grande aventura flamenga do século
XVII, nada mais resta a fazer ; está estudada e aclarada em todos os seus
episódios bélicos, escaramuças, assédios e batalhas, e possuímos copiosa
informação sôbre todos os atores daquele drama de vinte e quatro anos. —
Cumpre-nos, agora, investigar os seus aspectos sociais, tão interessantes
quão instrutivos, examinando os fenômenos resultantes do contacto do
português católico, patriarcal e monarquista com o holandês protestante,
particularista e democrata, sob a influência do meio açucareiro". (11).
Ora, esses aspectos sociais, ou melhor, os aspectos culturais do con
tacto entre o português e o holandês só podem ser perfeitamente estuda
dos nas obras dos autores coevos. Nieuhof é, sem dúvida alguma, um
dos autores mais autorizados para a observação dêsses fatos. Como bem
acentua Naber na introdução à edição holandesa de Barlaeus, "a descrição
geral e particular do Brasil holandês foi feita no seu tempo e bem feita
por homens como De Laet e Barlaeus, guiados por Piso e Marcgrave, Plan
te como bardo e Nieuhof como benjamim, tão bem feita que quem quisesse
refazer o seu trabalho e não se desse conta rigorosa do seu ponto de
vista correria o perigo de conduzir corujas para Atenas". (12).

(9) Cf. Zee en Lant-Reize door de verscheide Gewesten van Oost-Indien, ed.
de Aznsterdã, 1682, p. 40 (conversa em português com um chinês), p. 123 (conversa
em português com o rei do Cochim; p. 127 (conversa em português com o príncipe
de Malabar).
(10) G. Barlaeus. Nederlandsch Braziliê onder het bewind van Johan Maurits
Grave van Nassau, etc. S. P. L'Honoré Naber, 1925 (explicações e aditamentos).
(11) Rev. do Inst. Arq. e Geog. Pernambucano, 1908, vol. 13, pp. 655-657-
(12) Nederlandsch Braziliê, 1923, M. Nijhoff, Gravenhage.
— XII —

Só, pois, com o conhecimento dessas fontes é que se torna possível


conhecer os aspectos sociais do domínio holandês no Brasil.

* * •

A pequena duração do período holandês impressiona a certos obser


vadores, mas é preciso acentuar que nenhum esforço para construir um
grande império onde se transmitissem a cultura e as instituições nacio
nais foi feito, com exceção do período nassoviano. Antes dêle, o papel
dos holandeses foi essencialmente mercantil; e mais tarde os projetos
para colonizar o Brasil, que tanta energia holandesa absorveram na época
de Nassau, foram inadequadamente prosseguidos durante o triunvirato.
O Brasil holandês, talvez devido a erros e defeitos de política colo
nial, fracassou na tentativa de estabelecer-se como uma comunidade de
finida. Mas a inaptidão política não foi, sem dúvida, o único êrro, por
que os holandeses, excetuando-se a fase nassoviana, não fizeram grandes
esforços para transmitir altos padrões de cultura européia.
Mais tarde, na época do triunvirato, dividia a Holanda de tal modo
os seus esforços, que seu próprio futuro parecia sombrio e grave.
Sem dúvida, as características sociais ou políticas, econômicas ou
psicológicas, que se tornaram típicas nesta parte da América, foram pro
duzidas em seu mais alto grau durante o período português.

* • *

E', no entanto, inegável que uma das maiores contribuições holan


desas consistiu em realizar investigações científicas e em tornar conhe
cidas na Europa, a flora, fauna e as populações nativas do Brasil.
Nieuhof foi, sem dúvida, dos que mais concorreram nesse sentido,
se excetuarmos os dois nomes maiores, Piso e Marcgrave. As observações
etnológicas de Nieuhof têm servido até hoje aos estudiosos e entre êsses
pode-se citar Metraux (13). Convém frisar, contudo, que, em grande
parte, as informações etnográficas de Nieuhof são plagiadas de Marcgrave
ou de Herckmans.
Algumas observações ictiológicas de Nieuhof são também valiosas.
O sábio ictiologista Bloch, que tanto acentuou a contribuição do govêrno

(13) La Religion de Tupinambá, 1928, Paris. La Civilisation materièlle de


tapi-gnarani, Paris, 1928. La Civilisation materièlle et la vie sociale et religeuse
des Indiens Zé du Brésil meridionel et oriental, p. 107-238. Rev. dei Inst. de Etno
logia de la Universidad Tucuman, 1930, Tomo I.
— XIII —

de Nassau para o conhecimento dos peixes do Brasil, refere-se também às


de Nieuhof, além das de Piso e Marcgrave (14). Aliás, Wàtjen
(15) já escreveu: "O valor de seus fólios, enriquecidos de quadros e
mapas, repousa, sobretudo, na representação intuitiva da situação, clima,
fauna e flora, na descrição das condições etnográficas, bem como na ex
posição, nem sempre, na verdade, acurada em suas particularidades, dos
primórdios da campanha libertadora dos portugueses".
Causa-nos estranheza essa afirmativa de Wátjen. O livro de Nieuhof
não é, absolutamente, uma fonte preciosa de informações naturalísticas.
Na verdade, as notícias de história natural, assim como os dados etno
gráficos, constituem em grande parte plágios pouco disfarçados de Piso
ou Marcgrave. O valor do livro de Nieuhof repousa no relato dos fatos
históricos, especialmente os que se referem aos anos de 1644 a 1649,
assim como o de Laet aos de 1624 a 1637 e o de Barlaeus aos de 1637 a
1644.
O curioso é que Wàtjen não se limitou a essa categórica afirmação,
pois reproduziu mal o trecho de Nieuhof referente à mandioca, deixando
de lado os magníficos capítulos que Piso e Marcgrave haviam dedicado
ao cultivo e ao valor daquela raiz, nativa do Brasil.
E surpreendente que Wátjen, que mostra conhecer a descrição de
Piso relativa à mandioca, prefira, no entanto, traduzir e transcrever o
trecho que Nieuhof dedicou à mencionada raiz.
Em botânica, zoologia ou etnografia, Nieuhof pouco trouxe de origi
nal, copiando ora Piso, ora Marcgrave, ora Elias Herckmans. Concorreu,
como dissemos acima, apenas para a sua divulgação.

• * *

0 Sr. David Lopez, em trabalho sôbre a expansão da língua portu


guesa no Oriente, nos séculos XVI, XVII, XVIII, cita várias fontes es
trangeiras onde se fala do uso da língua portuguesa no Oriente: essas
fontes são, entre outras, as de alguns viajantes que estiveram nessas
épocas no Oriente; esquece-se, porém, o eminente mestre português de
Nieuhof, embora o tivesse citado quando fala das palavras portuguesas
incorporadas ao holandês da Companhia das Índias Orientais.
E' de se crer que Nieuhof tenha aprendido português no Brasil. Em
sua relação de viagem ao Brasil, são inúmeras as palavras portuguesas

(14) Cf. Ichtyologie ou Histoire Naturale Génêrale et particulière des poissons,


1785, Mare Elieser Bloch, 3.a parte (1787, pp. 8, 54, 107, etc.).
(15) O Domínio Colonial Holandês no Brasil, p. 31, trad. bras. 1938.
grafadas corretamente ; nomes históricos, geográficos, botânicos e zooló
gicos, guando errados, são fàcilmente reconhecíveis. Assim, para citar
um só exemplo: Nieuhof escreve bambu — bamboe; ora, em holandês, o
ditongo oe tem o som de w, daí a pequena diferença gráfica, engano que
resultou da feição da língua em que escreveu.
São várias as referências de J. Nieuhof ao uso e expansão do portu
guês no Oriente.
Vamos aquí transcrever vários trechos para que melhor se compro
ve o que afirmamos: à p. 40 da edição holandesa da Zee en Lant Reize,
door verscheide Gewesten van Oostlndien, 1682, Amsterdam, êle diz:
"Ik rackte by geval by eenen Sinees, die Portuguees sprak, dien ik na
de onzen vraeghde. (Eu encontrei, por acaso, um chinês que falava
português ao qual perguntei pelos nossos) ; referindo-se ao rei do Cochim,
diz à p. 123, idem : "Hy sprak Portuguees en Malabaers, en was vrolijk
van geest en gelaet (Êle falava português e malabar e era ágil de es
pírito e de conversação) ; referindo-se à sua audiência com o príncipe
de Malabar, diz à p. 127, idem : Ik vertoonde den Koning, na alie eerbiedige
groetenis aen hem afgeleit te hebben, mijn bevel of last brief: waer op
hij, na hij dien gezien had, alie zijne die naers, en die hem gewonelijk
verzellen, gebood te vertrekken; ais ook mijnen tolk: want de Koning
wilde my alleen mondeling, zonder tolk, spreken: nae ien hy goet
Portuguees sprak". (Depois de lhe ter dado todos os respeitosos cum
primentos, entreguei-lhe minhas credenciais, ao que êle, depois de rece
bê-las, mandou que se retirassem todos os seus criados e os que habitual
mente o acompanham, inclusive o meu intérprete, pois o rei queria con
versar pessoalmente comigo, sem intérprete, porque entendia muito bem
o português) .
Como se vê, são várias as referências feitas por Nieuhof quanto ao
uso da língua portuguesa. É interessante que além da Viagem ao Bra
sil, onde se encontram várias palavras portuguesas grafadas acertadamen
te, é muito comum na Viagem às índias Orientais encontrar-se gran
de número de palavras portuguesas escritas incorretamente, afora nomes
portugueses designativos de lugares orientais, que são também co
muns (16).
David Lopez cita (17) um estudo do Dr. F. de Haan, no qual se re
gistram 200 palavras holandesas de origem portuguesa.

(16) Zee en Lant Reize door verscheide, etc.. Seria interessante a colheita,
por um estudioso desses assuntos, dos nomes portugueses nas obras de Nieuhof.
(17) A expansão da língua portuguesa no Oriente nos séculos XVI, XVII,
XVIII. Portucalense Editora, Lda. Barcelos, 1936. p. 67 e segts.
É, aliás, comum para os holandeses que falam português a formação
de verbos holandeses, com a palavra portuguesa acrescida de eren.
Êsse fato é comum, também, nas zonas brasileiras de colonização
alemã (18).
É certo que aquelas palavras portuguesas não se incorporaram à lín
gua holandesa, mas não deixa de ser curiosa a sua abundância na obra
de Nieuhof, o que vem confirmar que êle possuía conhecimentos, por me
nores que fossem, do nosso idioma.
David Lopez faz, também, referência (19) à palavra bastant ou bes-
tant, que é o português bastante, e que se parece muito com o holandês
bestam! e seus significados, bestaan, bestendig, de tal modo que, às vê-
zes, é difícil afirmar-se se se trata do têrmo holandês ou do português.
O autor crê que a palavra é portuguesa sempre que se escreve com a.
Registra David Lopez a palavra usada por Nieuhof na Viagem ao Brasil.
Em holandês existe, também, a palavra basta, interjeição, significando
bastante.
Quanto à expansão da língua, Accarias de Serionne, depois de histo
riar o crescimento e progresso do comércio holandês no Oriente cita
vários tratados concluídos entre os holandeses e os povos do Malabar,
Cochim, Molucas e declara: '"On tratoit d'ordinaire en langue portugaise
avec ces peuples, leur longue fréquentation avec les portugaises la leur
rendu familière" (20).
* * *

Vale a pena lembrar, de passagem, um detalhe pitoresco. A Nieu


hof devem os brasileiros um hábito alimentar nacional: a média, isto é,
o café com leite. Segundo as pesquisas realizadas por estudiosos da his
tória do café, foi Nieuhof quem inventou a mistura. Modernamente,
Padberg Drenkpol (21) e, também, Afonso de E. Taunay (22) regis
tam a crença antiga de que para a tísica não havia como café com leite.

(18) Sõbre a língua falada pelos alemães no sul, veja-se o notável trabalho
de Emílio Willems, Assimilação e populações marginais no Brasil. Brasiliana,
1940. n. 186, pp. 187-207.
(19) Ob. cit, pp. 73, 74.
(20) La Richesse de la Hollande, Londres, MDCLXXVIII, p. 52; mais tarde,
1780, traduzido para o holandês, Hollands Rijkdom, por E. Luzak, com adições e
correcôes.
(21) Ensaio crítico-h isto rico sôbre o café e investigação etimológica do nome;
Boletim do Museu Nacional, vol. III, n. IV, Dezembro, Rio, 1927, pp. 13-116.
(22) Subsídios para a história do Café no Brasil Colonial. Ed. do Departa
mento Nacional do Café, 1935, Rio, p. 115.
— XVI — I

Nieuhof, inventor da mistura, imitara, neste particular, os chins, que


aos seus tuberculosos ministravam chá com leite.

♦ * *

O que nos interessa, aquí, não são especialmente os aspectos etnográ


ficos, botânicos, zoológicos ou linguísticos, mas o valor histórico e a
situação da obra de Nieuhof no quadro da bibliografia holandesa no
Brasil.
Nieuhof é essencialmente o historiador do período 1644-49. Até
1644 bastam-nos as obras clássicas latinas, como fontes importantes
do ponto-de-vista holandês. Nieuhof é o relator da situação econômica
que precede a revolta, sendo, o seu, o único trabalho extenso que abrange
o período de cinco anos de lutas.
As melhores e mais autorizadas fontes para a história da revolução
e restauração pernambucana, além de Nieuhof são : Epanáfora Triunfante
de F. Manuel de Melo, na Epanáfora de vária História Portuguesa; o
trabalho de João Lúcio de Azevedo, A Restauração Pernambucana (Al
guns documentos novos e sua apreciação), pp. 285-329, 1915, Tomo 784,
Rev. do Inst. Hist. e Geog. Brasileiro, Parte I. (23) ; os livros clássicos de
Calado, Wàtjen, Netscher e Varnhagen; os documentos holandeses coli
gidos por Caetano da Silva, que são da mais alta importância para a
análise da rebelião, causas e homens. Entre esses documentos há o rela
tório de Maurício de Nassau, escrito na data da partida e que constitue
obra fundamental para o estudo das causas da revolução e conhecimento
social do Brasil holandês. E' fonte indispensável para a reconstituição
do país naquela época; todos os problemas políticos, econômicos, sociais
(de classe) são aquí estudados e resolvidos. Merecia êsse documento
divulgação à sua altura. Do ponto-de-vista puramente militar é preciso
não esquecer a Relação diária de F. Barreto de Meneses, de 1654, e tam
bém a "Viagem da Armada da Companhia do Comércio e frotas do Estado
do Brasil", que abrange até 1655, e vem publicada na "Nova Lusitânia",
obra que alcança somente o ano de 1638 ; além disso, convém não esquecer
o relatório de Antônio da Silva e Sousa, testemunha dos acontecimentos,
que foi a Portugal, enviado por Antônio Teles da Silva, relatar os sofri
mentos dos aflitos moradores de Pernambuco (24) ; assim como é indispen
sável que se consultem os folhetos da época, em que se denunciam fatos

(23) Êste trabalho foi novamente publicado em 1918, tomo 84, 1920, Inst.
Hist. Geogr. Brasileiro, pp. 337-82.
(24) Cf. Anais da Bib. Nac. do Rio-deJaneiro, 1935, vol. LVII — 1939 — " Re
lação do Dr. Antônio da Silva e Sousa sôbre a Rebelião de Pernambuco."
doa mais importantes para o esclarecimento minucioso da rebelião. Exis
te, a respeito, um catálogo organizado pela Biblioteca Nacional, em 1938,
relativo ao ano de 1929, vol. LI, pp. 48-72. São por demais conhecidos e,
por isso, não precisamos ressaltar-lhes o valor, o "Machadão do Brasil"
e a "Bolsa do Brasil", folhetos traduzidos, respectivamente, por Souto
Maior o primeiro, e por José Higino e Geraldo Pauwels o segundo.
Outros documentos, alguns ainda não publicados, existentes no Arqui
vo Geral de Haia, esclarecem os últimos anos da estada holandesa no
Brasil. Assim os documentos de Isaac Zweers, sôbre a rendição da for
taleza e Cabo de Santo Agostinho ; a biografia de Witte Corneliszon With
esclarece os anos de 1648 a 1649 e o diário de H. Haecxs, editado por N.
Naber (25), os anos de 1645 a 1654.
Souto Maior foi quem primeiro divulgou a obra de Nieuhof. Nos
"Fastos Pernambucanos" são inúmeros os trechos traduzidos de Nieuhof
e na Revista da Academia Cearense, 1907, traduziu o trecho referente
ao Ceará da Viagem ao Brasil; além disso, naquela obra, pp. 181-187,
traduziu um trecho inédito do relatório de Haecxs.
Joan Nieuhof é historiador inteligente, exato e sincero. O fato
de ter sido testemunha dos acontecimentos e o de conhecer a língua dos
habitantes da terra dominada tornam-no um autor dos mais verídicos
e mais necessários para a reconstituição histórica do Brasil nordestino
seiscentista entre os anos de 1644-1649.
A edição inglêsa de 1703 não é, infelizmente, uma tradução fiel.
Por isso, vimo-nos obrigados a comparar a tradução, feita pelo Sr. Moacir
N. Vasconcelos, da edição inglêsa, com o texto original holandês. O con
fronto mostrou- nos até que ponto a edição inglêsa falseou o original.
Assim, por exemplo, pode- se estabelecer como princípio geral o de que
as datas estão quase sempre erradas na tradução inglêsa. Nieuhof não
usou os nomes comuns designativos dos meses e sim nomes usados so
mente na Holanda. Acontece, porém, que nas folhas iniciais da edição
holandesa encontra-se um poema dedicado aos meses na Batávia, por
onde facilmente se verifica o significado dos ditos nomes.
Coube-nos, dêste modo, rever e corrigir a tradução brasileira, acres
centando trechos omitidos, emendando, especialmente, datas e nomes e
pequenos outros senões e, em conclusão, traduzir a parte final da edi
ção holandesa, onde o tradutor inglês suprimiu 25 colunas. Alguns tre
chos e essa parte final foram, assim, traduzidos diretamente do original.

(26) Naber S. P., l'Honoré. "Het Dagboek van Hendrik Haecxs, Lid van den
Hoogen Raad van Braziliê (1645-1654) ". Bijdragen en Mededeelingen van het His-
torisch Genootschap, Utrecht, XLVI, 1925, pp. 126-311.

9
— XVIII —

Alguns nomes botânicos, zoológicos e geográficos estão de tal modo


estropiados que se tornou impossível, por vêzes, sua identificação. Não
poupamos esforços para reconstituí-los. Retocamos nomes cuja grafia
conseguimos encontrar em textos de autores coevos e, também, em obras
antigas, publicadas recentemente em edições críticas, por nomes emi
nentes em trabalhos dessa ordem, como Varnhagem, Capistrano de Abreu,
Batista Caetano, José Higino Duarte Pereira, Alfredo de Carvalho, Ro
dolfo Garcia, Edgar Prestage e outros.
Foi conservada a grafia dos nomes próprios holandeses, com exce-
ção de nomes já de há muito adotados em traduções autorizadas.
Em face, porém, da grafia flutuante de Nieuhof, registamos e ano
tamos sempre as formas variadas e as já adotadas, mas com as quais não
concordamos.
A parte de interêsse propriamente erudito, o leitor comum poderá
deixar de consultá-la, desde que vem na parte final do livro. Procurou-
-se, assim, facilitar a leitura de uma obra fundamental, às pessoas estu
diosas ou amigas da história do Brasil.
As notas são, especialmente, as que se tornam necessárias para es
clarecer, retificar ou fornecer fontes bibliográficas, para um estudo mais
completo.
Quero consignar os protestos da minha simpatia e agradecimento ao
meu professor Revmo. Padre Frei Agostinho Keijzers O. C, em quem en
contrei, sempre, a mais decidida boa vontade e ajuda na tradução dos
textos holandeses.
Ao meu amigo José Antônio Gonsalves de Melo, neto, quero expres
sar o meu agradecimento pela leitura crítica e informativa que fêz de
certos trechos do meu trabalho.
Desejo tornar público o meu agradecimento à minha mulher, sem
cuja constante ajuda, estímulo e crítica êsse meu trabalho dificilmente
teria sido levado a cabo.

José Honório Rodrigues


ADVERTÊNCIA AO LEITOR

Cêrca de dezenove anos são passados desde que meu irmão, Joan
Nieuhof, ao partir para sua segunda viagem às índias, presenteou-me
com uma descrição da China e alguns desenhos por êle feitos durante o
tempo em que foi embaixador naquele Império, trabalhos êsses, que, mais
tarde publicados, foram traduzidos em seis línguas diferentes.
Já, então, tinha êle estado em diversos pontos do Brasil, ilha de S.
Tomé, e, subsequentemente, até 1671, teve ainda oportunidade de viajar
através de grande parte da Ásia. Voltando à Holanda, trouxe consigo
todos os papéis, apontamentos e desenhos coligidos em suas viagens, os
quais, conquanto apreciados por muitos curiosos, êle, por motivos que
preferiu calar, jamais os considerou dignos de publicação.
Todavia, depois de sua morte, achando eu que tão útil documentação
não deveria ser relegada ao esquecimento, decidi divulgá-la em benefício
do público.
Sabendo-se que os fatos por êle referidos, sôbre a revolta dos portu
gueses no Brasil, foram literalmente trasladados de apontamentos feitos
durante os nove anos que lá esteve — sob os governos dos senhores Hen-
drik Hamel, Pieter Bas e Adriaen Bullestrate, — bem como de cartas
autênticas, a exatidão do seu relato paira acima de qualquer dúvida que
sobre êle se pretendesse lançar.
As vastas regiões por onde jornadeou meu irmão no decurso de sua
vida — tais como o Brasil, S. Tomé, parte da Pérsia, Malabar, Camerum,
Madura, Coromandel, Amboina, Ceilão, Málaca, Sumatra, Java, Taio-
wan e parte da China, além de muitas ilhas — não conseguiram incutir-
-Ihe o vêzo, tão comum entre viajantes, de fantasiar fábulas ao invés de
historiar fatos. Em todas as suas narrativas, manteve-se sempre reli
giosamente fiel à verdade nua, sem rebuços.
As notícias de sua última viagem à Ilha de Madagascar, onde se per
deu, tirei-as, em parte, de sua correspondência, e, em parte, do diário do
Capitão Reinier Klaesz que de lá trouxe consigo.
— XX —

Sôbre a pessoa de meu irmão, direi apenas que nasceu de boa fa


mília, a 22 de julho de 1618, em Ulsen, Condado de Benthem, onde foram
burgomestres seu pai, seu irmão e seu cunhado. Era indivíduo alegre,
acessível, bem humorado, de prosa amena e grande admirador de poesia,
desenho e música. Apaixonado por viagens, fêz-se conhecedor de di
versas línguas. Dos lugares onde esteve durante sua permanência no
Brasil e nas Ilhas Orientais, melhor dirão os dois trabalhos que se seguem.

Hendrik Nieuhop
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE DE
JOAN NIEUHOF U> AO BRASIL

Tendo entrado para o serviço da Companhia das índias Ocidentais 1640


em 1640, já a 24 de outubro daquele mesmo ano embarcava eu, na quali
dade de comissário, a bordo da nau Roo Hert, de 28 canhões e 130 homens,
comandada por Klaes Jelles, de Durkerdam.
Ao anoitecer do dia 27 velejámos ao largo de "Texel, em companhia Saa partida
de vários outros navios que rumavam para a França, Espanha e os Es da Holanda.
treitos. Prosseguimos viagem a 28, com vento à feição, pelo canal que
separa a França da Inglaterra.
No dia 29, assaltou-nos violentíssima tormenta que nos obrigou a Violenta
arriar as velas grandes e se prolongou desde a manhã até a noite, quando tempestade.
a fúria dos ventos se foi lentamente aplacando. Verificámos, então, que

(1) Há várias grafias para o nome Joan Nieuhof. Uns escrevem Johan
Nieuhof, outros Johan Nieuhoff e outros, ainda Johann Neuhof. Nós preferimos
a grafia que mais frequentemente encontramos na edição original holandesa. Real
mente, tanto no poema aos 12 meses do ano, assinado por Nieuhof, como na falsa
folha de rosto da Viagem ao Brasil, na folha de rosto da Viagem às índias Orien
tais, no privilégio concedido por Johan de Wit, na introdução assinada por seu irmão
Hendrik Nieuhof, está grafado Joan Nieuhof. Apenas na fôlha de rosto da Viagem
ao Brasil se escreve Johan Nieuhof.
Não fica, porém, tão somente nisso a variação gráfica do nome do autor da
Viagem ao Brasil. Assim, Theodor Kadletz (XLV, nota, p- XXIII), em livro sôbre
"As antigas obras de fortificação de Pernambuco", no capítulo sôbre o modo de
escrever alguns nomes pessoais, escreve: "Neuhof. O conhecido autor sob o nome de
Johan Nieuhof, da Gedenkwaerdige Brasilianse Zee en Lant Reize", não é natural da
Holanda e sim de Ulsen, em Benthem, no Hanovre. Temos, portanto, para nós, como
original a forma alemã do nome e colocámo-la antes da holandesa. O fato de que
o seu livro traga essa última forma pouco significa, pois foi publicado, pela primeira
vez, depois de sua morte por seu irmão em Amsterdã".
Não aceitamos a argumentação de Kadletz por várias razões. Em primeiro
lagar, não é novidade, para os leitores de Nieuhof, o que nos diz o citado autor
sôbre a nacionalidade dêste, pois na Introdução feita pelo seu irmão isso já cons
tava. E à p. 228 da edição holandesa Nieuhof escreveu que depois de chegar à
Holanda partiu para a sua pátria. Em segundo lugar, não é exato que Benthem
pertencesse ao Hanovre, pois na época constituía um condado livre e_ independente.
Nieuhof escreveu em holandês, trabalhou para a Holanda, cuja importância era das
maiores no século XVII. Portanto, nada justifica que se escolhesse, duzentos e cin-
coenta e nove anos depois, uma grafia que seu próprio irmão não adotou ao publicar
aens trabalhos.
2 JOAN NIEUIOF

03 danos sofridos haviam sido insignificantes. Todavia, o mar continuou


agitadíssimo durante toda a noite. No dia seguinte os marinheiros apa
nharam um picapau, um pombo selvagem e vários outros pássaros ar
rastados ao oceano pela violência da tempestade.
A 31, navegámos a 45 graus de latitude norte. Na manhã seguinte,
1.° de novembro, os marujos arpoaram um porco-marinho. Era tão
grande que foram necessários quatro homens para içá-lo a bordo e, ainda
assim, com dificuldade. Sua carne não nos pareceu muito agradável;
sabia a ranço, razão pela qual os nossos homens não mais quiseram apa
nhar êsses cetáceos, conquanto aparecessem em abundância em torno
do navio.
Ao pôr do sol, soprando mais forte o vento, distanciámo-nos dos
outros navios que demandavam a Espanha e os Estreitos e que nos haviam
acompanhado até a última tempestade, para rumarmos em direção a
sudoeste.
Nos dias 2 e 3' ventou muito com trovões e relâmpagos, o que nos for
çou a colher as velas grandes e bombear enèrgicamente, porque, desde a
última tormenta, o navio passara a fazer água.
Outra vio No dia 4 encontrávamo-nos a 40 graus e 30 minutos quando, pela
lentíssima meia-noite, o vento soprou com impetuosidade. Tal foi, então, a sucessão
tempestade. de relâmpagos pela noite a dentro, que, em torno de nós, a atmosfera pa
recia incandescente. Durante essa calamidade percebemos pequenas cha
mas ou luzes, fixas ao mastro : fogos pacíficos, como os chamam os mari
nheiros. Supõe-se que êsses fogos sejam causados por certos vapores
sulfúrico» que a violência dos ventos traz da terra para o mar, onde se
inflamam pela tremenda agitação do ar e ficam queimando até se extin
guir a substância oleosa que contêm. Os marinheiros têm-nos como in
dício de que a tempestade tende a amainar e parecem ter razão, pois.
desde aquêle instante, a fúria dos ventos foi cedendo.
Passagem No dia 5 passávamos os Barrís a 39 graus. De acordo com uma ve
dos lha usança, todo aquêle que por aí ainda não tenha passado, seja qual for
BARRIS. sua condição ou qualidade, é obrigado a se batizar ou a se redimir dessa
exigência. Amarra-se uma corda à cintura do neófito que, a seguir, é
guindado ao ponto mais alto do gurupés e daí atirado ao mar três vezes
consecutivas. Muitos há que ficam horrivelmente pálidos, nesse momento,
mas, também, há os que prazeirosamente se dispõem a fazê-lo e, por uma
dose de vinho espanhol, de bom grado se deixam batizar novamente pelo
capitão ou pelo comissário. Todavia, êsse costume foi ultimamente abo
lido por ordem expressa da Companhia, a-fim-de evitar as rusgas e con
flitos que quase sempre surgiam nessas ocasiões.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 3

No dia 6, como rumássemos com vento fresco para sussudoeste, avis Avistam -se
támos dois barcos que navegavam a todo pano em direção a nós, os quais dois navios
imaginámos serem de piratas turcos, suposição que mais tarde se veri turcos.
ficou exata. Dispusemo-nos, portanto, a nos defender até o extremo.
Deram-se ordens para que se varresse o tombadilho de tudo quanto nêle
havia, armando-se os marinheiros com mosquetes, chuços, lanças e outros
petrechos semelhantes. Logo que todos se puseram a postos, hasteámos
a bandeira de guerra e, ao som dos clarins que soavam a combate, espe
rámos que o inimigo se aproximasse. Estando, então, muito mal o ca
pitão do navio, devido a ferimentos anteriormente recebidos e que por
essa época se agravavam, e, não podendo o comissário François Zweers Prepara
permanecer no tombadilho em razão de sua avançada idade, tive eu que tivos para o
assumir o comando da nau, animando os homens a lutar bravamente por combate.
nossas vidas e liberdade e ordenando-lhes a não abrir fogo de forma algu
ma antes que o inimigo estivesse bem dentro do alcance de nossas armas,
pois era maior em número que nós.
Por volta do meio-dia avistámos os turcos que se dirigiam a nós ar
vorando bandeiras côr de laranja que logo substituíram pelas de guerra.
0 navio maior salvou-nos com dois tiros de peça de seu castelo de proa,
os quais não nos causaram grande dano, mas, ao vigésimo segundo dis
paro, quase despedaçou o nosso mastro principal.Nesse momento, como Combate
já nos aproximássemos de outro navio, abrimos um nutrido fogo, que os com dois
turcos se apressaram em retribuir. Pude, então, observar que o navio corsários
maior havia recebido um tiro em cheio, à meia-nau, que o obrigara a se turcos.
manter à distância, a-fim-de poder reparar as avarias. Isso me deu certa
folga, que aproveitei para levantar o ânimo da tripulação não só verbal
mente mas, tambem, com boa dose de vinho a que os marujos mistura
vam pólvora. Fiz o mesmo para os estimular.
Nesse momento o inimigo voltou à carga alvejando-nos com tal fúria,
com canhões e arcabuzes, que arrancaram o teto de nossa cabine grande,
danificando, ainda, a cordoalha. Troquei, então, minha cimitarra por
um mosquete que passei a descarregar continuamente sôbre o inimigo.
Semanas depois, ainda sofria eu com um ferimento que me causou, naquela
refrega, o mosquete de um companheiro. A arma lhe fora arrancada
das mãos por uma bala de canhão e viera bater violentamente contra
mim, atirando-me sem sentidos ao tombadilho. Momentos depois con
segui, entretanto, tornar ao meu posto. Percebi, então, que o capitão da
maior das naus turcas, de turbante à cabeça se achava à popa do seu
barco instigando a maruja. Prontamente ordenei, aos que estavam ao
meu lado, que o visassem com suas armas de curto alcance, o que imagino
tenha sido feito com sucesso, pois, logo a seguir, já o não vi mais. Ape-
-sar-disso cresceu de ambos os lados o calor da peleja, e, ao prolongado
4 JOANNIEUHOF

duelo da artilharia, faziam côro os gritos e lamentações dos feridos.


Entretanto, já os turcos não mais tentavam nos abordar, fosse porque
nos supusessem mais bem equipados do que realmente estávamos ou por
temerem que procurássemos incendiar-lhes as naus, o que realmente ha
víamos tentado, atirando-lhes um morrão aceso. Responderam-nos, em
holandês que não nos deixariam naquelas condições. Entretanto, não de
morou muito antes que os víssemos afastar com seus navios atingidos
por muitos de nossos tiros. E assim, com vento forte, pudemos dar todo
pano e livrar-nos de tão indesejáveis companheiros, tomando rumo com
pletamente diferente. Com a vantagem que nos deram as trevas da
noite, já na manhã seguinte estávamos bem longe dêles.
Demos graças a Deus por nos haver salvo do perigo da escravi
dão (2), auxiliando-nos na luta contra um inimigo muito mais forte.
De fato, o maior dos navios contrários estava armado com 24 canhões e o
outro com 2, enquanto que nós apenas dispúnhamos de 18, sem levar em
conta o fato de terem êles uma guarnição muito maior que a nossa.
Depois de vistoriar nosso navio e de verificar que estava em boas condi
ções, empenhámo-nos em reparar os danos sofridos em combate. Ocupá-
vamo-nos dêsse mister quando, no dia 7, forte tempestade nos supreen-
deu, obrigando-nos a baixar todas as velas. Causou-nos isso grande con
fusão, mas, por fortuna, a tormenta logo passou. Deu-se, então, ordem
para distribuir, daí por diante, uma ração de três libras e meia de bola
cha, por semana, a cada marinheiro, pois o pão que trazíamos a bordo
estava completamente embolorado. No dia 10 achávamo-nos a 39 graus
e 30 minutos, ou seja cêrca de 20 milhas ao largo das Ilhas Canárias.
Dessa posição avistámos o pico de Tenerife de três milhas e meia de al
tura (3), e que passa por ser a mais alta montanha do mundo. É visí
vel a 60 milhas de terra. Prosseguimos viagem até o dia 14, sem nenhum
incidente digno de nota, quando então cruzámos o Trópico de Câncer.

(2) O Alcorão proíbe reduzir à escravidão os muçulmanos, mas admite a es


cravidão dos idólatras. Durante tôda a história turca existiram escravos brancos o
negros entre os turcos, sendo a guerra a fonte de escravidão branca, principalmente
na época das Cruzadas. E' sabido que os muçulmanos exerceram a pirataria, rou
bando habitantes das costas do Mediterrâneo e vendendo-os como escravos, tráfico
êste que durou até a metade do século XIX. A ordem da Mercê foi criada com o fito
especial de libertar os cativos.
O exército turco — os célebres janísaros — eram recrutados entre cristãos. Os
corsários turcos exerciam suas atividades especialmente no Mediterrâneo Ocidental,
que se tornou um mar pouco seguro para os cristãos.
Herbert Bloom conta-nos, por exemplo, que um certo judeu Efraim Abensachis
libertou, por essa época, vários cativos de origem holandesa, que foram trazidos à
Holanda, onde Efraim recebeu dinheiro e uma medalha de ouro, mandada cunhar
pelo corpo legislativo holandês. (XI, p. 84).
(3) Na edição inglêsa está: "duas léguas e meia" (p. 3, l.a col. 1." §) ; cf. edição
holandesa, (p. 4, l.a col. 4.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 5

Cerca do meio-dia éramos colhidos por outra tempestade que, por precau
ção, nos fêz reduzir o pano das grandes velas. Contudo, o tempo logo
serenou.
Esse trecho do mar é denominado pelos holandeses Mar Kroos (4) e
pelos portugueses Mar dei Aragaço (ou Largaço, ou ainda, Sargaço)
porque nessas paragens, de 18 a 30 graus, ou como outros pretendem, de
20 a 22 e a 23 graus, de latitude norte, se encontram sargaços em grande
quantidade, arrastados pelas correntes marinhas. Suas folhas são de um
verde pálido, como o dos papagaios, pequenas, finas e recurvas nas pon
tas. Contêm elas grãos da mesma côr, quase do tamanho de uma pi
menta, mas, inteiramente ocos, sem nenhuma semente no interior e
sem gosto algum. Chegam por vêzes a aglomerar-se em massa tão com
pacta que pode deter um navio em plena marcha. Todavia, tivemos a
sorte de passar por elas sem muita dificuldade. Estávamos, então, a
400 milhas da costa da África, onde não se encontram ilhas nem ancora
douros. Pode-se temperar essa alga com sal e pimenta para ser ser
vida como alcaparras ; passa, ainda, por ser bom remédio contra cálculos.
Geralmente encontram-se sargaços sem raízes, tendo apenas alguns bro
tos finos, os quais, ao que se supõe, se vão agarrar aos bancos de areia.
Outros opinam que são êles transportados das ilhas para o largo pelas
correntes oceânicas.
No dia 18 morreu um membro da tripulação cujo corpo foi lançado
ao mar no dia seguinte. Foi-me, então, dado observar — o que aliás já
havia ouvido dizer — que os cadáveres flutuam, no mar, com a cabeça vol
tada para o Oriente.
No dia 22 fomos colhidos por nova tempestade, — a que chamam
Travado, — acompanhada de relâmpagos e trovões pavorosos e que sur
preende os navios tão bruscamente que mal lhes dá tempo para reduzir Travado
as velas, chegando, o fenômeno, a se repetir três vêzes em uma hora. por que?
Ali apanhamos grande quantidade de peixe, dentre os quais Boni
tos (5) de dois pés (6) de comprimento, Koreten e uma grande
!ampréia que nos deu que fazer para trazer a bordo. Desta só aprovei Pesca
abundante.
támos os miolos, — que passam por ser excelente remédio contra pedras
na bexiga, — desprezando a carne, de sabor oleoso.

(4) A palavra Kroos significa lentilha d'água, .sargaço, erva do mar. Está
entre lg e 30 graus ao norte da linha equinocial.
(5) Bonitos: Curvata Pinima Brasiliensibus Lusitanis Bointo (sic) LXX, 150
e LXXXVI, 338).
(6) Na ed. inglêsa está: "dez pés de comprimento" (p. 3. 2.a col.) ; cf. ed.
holandesa, (p. 5, 1.» col., 3.° §).
i
6 JOAN NIETJHOF

A 24, que foi um lindo dia, avistámos grande quantidade de pássaros


sobrevoando o navio. Conseguimos apanhar um, mais ou menos seme
lhante ao grou, ainda que bem menor.
No dia 26, a 5 graus e 47 minutos, encontrámos tamanha calmaria
que nem se percebia o movimento da nau. Passámos o dia todo entreti
dos na pesca que foi farta ; limitámo-nos, por isso, a escolher apenas o que
havia de melhor, para nossa alimentação. Vimos ali um peixe a que
chamam peixe-rei (7). Como efeito da insondável profundidade do mar,
naquelas paragens, as águas são tão claras e transparentes, quando o tem
po está bom, que se podem ver perfeitamente os peixes se moverem em
grandes cardumes, a dois pés de profundidade. Basta então um prego re
curvo ou qualquer coisa que se pareça com anzol, prêso a uma linha, para
se apanhar o peixe que se quiser. A essa calmaria seguiu-se tremenda
borrasca.
No dia 30, estávamos a 4 graus e 41 minutos, quando deparámos
com o peixe voador (8), em grande abundância.
A 3 de dezembro atingíamos a posição de 1 grau e 30 minutos, onde
encontrámos peixes aos milhões. Pescámos quanto nos bastou, salgando
uma parte e preparando o restante com sal e pimenta que esfregávamos
na barriga do pescado para depois pendurá-lo pela cauda e secar ao sol.
Avistámos a ^° ^a ao r&iar do dia, com tempo claríssimo, avistámos a ilha de
Ilha de Penedos ou São Paulo (9), como é chamada pelos portugueses. Vista à
São Paolo. distância, dá a impressão de uma grande vela, para depois, à medida que
a gente se aproxima, ir se transformando em cinco altos rochedos. Pelo
meio-dia achávamo-nos a 53 minutos de latitude norte, dirigindo nossa ro
ta cinco milhas para o poente. Aí, por várias vêzes apanhámos algumas
gaivotas. Estas aves se lançam em vôo rápido, como se nos quisessem
atacar, para depois permanecerem imóveis no lugar, até que sejam pre
sas ou mortas.
No dia 5, pelas 11 horas, passávamos a Linha Equinocial e, pela
tarde, estávamos a 5 minutos de latitude sul, onde já não tínhamos mais
motivo para nos queixar de frio. É tal a calmaria que reina nessas para
gens que os navios perdem tempo considerável em atravessá-la.

(7) Peixe-Rei. "Guarapucu Brasiliensibus, Cavala Lusitanis, Nostratibus Ko-


ninghvisch". (LXX.178-9).
(8) Peixe Voador. Miivipira & Pirabebe Brasilianis, peixe volador (sic) lusi
tanis. (LXX, 162). Pirabebe significa peixe que voa. Barlaeus referiu-se ao peixe
voador (VII, 140) e Cláudio Brandão anotou-o à p. 185. Cardim (XIX, 75) também
o descreve e Rodolfo Garcia (XIX, 120) anota-o como sendo da família dos cefala-
cantídeos.
(9) São Paulo-de-Assunção-de-Loanda foi atacada e tomada, em 1641, pelos
holandeses. Em 1648, Salvador Correia de Sá e Benevides aniquilou e expulsou os
holandeses.

-
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 7

0 calor, aí, é terrível e a grande escassez de água potável — pois


que se não pode contar com a das chuvas, alterada pelo ardor dos raios
solares — constitue a causa principal do escorbuto.
Cêrca de três anos após a minha chegada ao Brasil encontrou-se um
navio português vagando à mercê das ondas, na linha equinocial, sem Passámos a
nenhum ser vivo em seu bôjo. O diário de bordo dizia que seis semanas linha Equi
antes o barco se havia imobilizado sob o Equador. nocial.
Fizemos uma excelente travessia, com pescaria abundante, tendo,
então, conhecido um peixe soprado porque aspira apreciável quantidade
de água para em seguida expelí-la de um jato. Costuma acompanhar
as embarcações por muito tempo. \
No dia 8 passávamos pela Ilha Fernando de Noronha, com tempo
magnífico. Avistámos grande quantidade de pássaros e enormes car
dumes de peixes voadores, seguidos de perto pelos Bonito e Koret.
A Ilha Fernando de Noronha, situada a 4 graus de latitude sul e
A Ilha Fer
cêrca de cincoenta milhas da costa do Brasil, foi habitada pelos holan nando.
deses, por volta de 1630, mas, devido à grande quantidade de ratos que
devastou todas as plantações, fora abandonada pelos batavos alguns anos
depois (10). A não ser isso é uma ilha feracíssima e o mar em tôrno
dela é tão piscoso que os habitantes do Recife costumam ir lá pescar,
voltando com os barcos abarrotados de peixe.
Pouco tempo depois o Conselho do Brasil despachou para lá uma
leva de negros sob as ordens de um tal Gillis Venant (11), com o objeti-
vo de cultivar a terra para sua subsistência ; e, assim, lá viveram os pre
tos algum tempo. Ano e meio depois o Conselho de Justiça desterrava
para aquela ilha diversos malfeitores que também receberam petrechos
com que cultivar a terra e prover seu sustento.
Na noite de 11 estávamos a 7 graus, ao largo de Goiana, situada
cêrca de 20 milhas ao lado de Olinda. Ao romper do dia avistámos o
litoral brasileiro, mas permanecemos ao largo até que se adiantasse
o dia.
No dia 12, como estivesse muito densa a cerração, mantivemos o
mesmo rumo ao longo da costa, e, com bastante vento, pelo meio-dia, che-

(10) A quantidade de ratos devastando as plantações é confirmada por outros


autores. Assim, Wãtjen (XCVI, p. '128), baseando-se em uma carta de Willem
Joosten Glimer a Van Keulen e Gijsselingh a 9 de fevereiro e a 26 de março de 1634,
fala-nos de que "uma terrível praga de ratos aniquilou quase tôdas as culturas".
Ayres de Cazal (XXVI, 194) declara, também, que os "ratos são numerosíssimos".
Cf., também, Branner, (XIV, 142).
(11) O objetivo era o cultivo do anil. Gillis Venant recebeu 23.000 florins
para esse fim. Em junho de 1644, mandou plantar exemplares que obtivera nas
índias Ocidentais. "Wátjen (XCVI, 442).
8 J O A N N I E U H O F

gávamos, finalmente, à vista do Recife. Logo depois deitávamos ferro a


várias toesas de profundidade, terminando assim uma viagem de sete
semanas e um dia.
Checada ao Depois de render graças a Deus por nos haver livrado dos perigos
Brasil. (j0 mar e (ja escravidão pelos turcos, desembarcámos, na mesma noite, o
capitão, o comissário e eu, a-fim-de dar ciência de nossa feliz viagem e
entregar uma carta ao Conde Maurício, e aos Altos Senhores Conselhei
ros. Passei aquela noite em terra, mas no dia seguinte voltei para bordo.
No dia 15 os pilotos conduziam nossa nau para o pôrto do Recife,
onde se encontravam 28 navios e dois iates ancorados junto ao Castelo
do Mar.
1843 Pelos fins de agosto de 1643 recebia eu ordens do Conselho de par
tir com destino à Ilha de São Tomé no iate Bruinviseh, carregado de
greda de pisoeiro a-fim-de permutá-la com açúcar mascavo, a principal
mercadoria que de lá se pode trazer. Minha viagem resultou bastante
feliz, não tendo ocorrido nenhum acidente funesto, a não ser uma tem
pestade violenta, com trovoadas, relâmpagos e forte aguaceiro, que de
sabou a 9 de setembro quando lá estávamos ancorados. O nosso carre
gamento não obteve bom prêço. Contudo, após uma demora de 14 dias,
regressámos ao Brasil com um embarque de açúcar preto, tendo chega
do diante do Recife a 3 de outubro, ao cabo de uma viagem de 3 meses.
A Ubá de A Ilha de São Tomé tem uma configuração circular, com diâmetro
S&o Tomé. aproximado de 36 milhas. Altas montanhas, no meio da ilha, têm os
seus picos sempre cobertos de neve, enquanto que as regiões baixas são
intoleràvelmente quentes devido à sua situação equatorial. E' riquíssima
em açúcar mascavo e gengibre. Os canaviais são continuamente ume-
decidos pelo degêlo que escorre das montanhas. Pela época em que lá
estive havia cêrca de 60 engenhos de cana, mas, sendo o clima da ilha o
mais insalubre do mundo, nenhum forasteiro se anima a permanecer em
terra mais que uma noite sem correr risco de vida, pois o calor do sol
faz levantar do solo evaporações maléficas que os estrangeiros não su
portam. Essas emanações duram até às 10 horas da manhã, quando en
tão se dissipam, clareando-se o ar. Por isso permanecíamos a bordo até
aquela hora. Sôbre o mar não existe essa neblina.
O ar é, aí, muito quente e úmido durante o ano todo, exceto no verão,
pelos meados de julho (12), quando os ventos de sudeste e sudoeste ame
nizam bastante o rigor do clima. Os vapores produzidos pelo sol oca
sionam epidemias de febres intermitentes que se caracterizam por dores

(12) Na ed. inglêsa está junho (p. 4, 2.a col., 4.° §); cf. ed. holandesa, (p. 7,
2.» col. 2." §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 9

horríveis na cabeça, sofrimentos indizíveis nas entranhas e vitimam os


doentes em poucos dias. Ainda que haja quem atribua êsses padecimen
tos à licenciosidade e ao abuso do leite de côco, o certo é que de 100 es
trangeiros, apenas 10 conseguem sobreviver e ainda estes raramente vão
além de 50 anos de idade. Entretanto, alguns dos nativos, tal como ocor
re com os negros — que lá são todos repugnantes — atingem a idades
avançadas. Os primeiros habitantes da ilha foram judeus banidos de
Portuga], gente de aparência muito esquisita (13). Pelas montanhas
vivem os negros em grandes aglomerações, segregados dos portugueses.
Por vêzes se aventuram até às portas da cidade de Povoação (14). Che
ga a parecer milagre que ainda haja quem possa viver em clima tão inhós-
pito, não fora certo que a ambição do ganho minora todos os perigos.
A cidade de Povoação, situada nessa ilha, à beira de um pequeno
regato, compreende cêrca de 800 ou mais casas e 2 ou 3 igrejas (15).
Em 16 de outubro de 1641 foi ela conquistada, assim como tôda a ilha,
pelo Almirante Cornelis Jol (16), após um sítio de 40 dias, sem grandes
perdas. Entretanto, o Almirante, seu ajudante de ordens assim como
outros comandantes e muitos marinheiros foram dizimados pelo clima
pestífero da ilha. De 300 brasileiros que tomaram parte na expedição,
nem sequer 60 escaparam com vida.
Antes, porém, que passe a relatar o que de interessante ocorreu no
Brasil desde a revolta dos portugueses bem como durante os oito anos
em que lá viví, não me parece demais descrever rapidamente o país.

(13) D. João, visando compelir à conversão os imigrantes judeus, vindos


<U Espanha, ou de, pelo menos, trazer os ainda inocentes à fé cristã, ordenou
que tõdas as crianças de 2 a 16 anos fossem tiradas aos pais e transportadas para a
Ilha de S. Tomé, que havia sido descoberta há pouco. Referindo-se a essa ilha, diz
Samuel Usque que seus moradores eram lagartos, serpentes e outros muitos peço
nhentos bichos, apresentando-se deserta de criaturas racionais. (Cf. João Lúcio de
Azevedo, V, 24).
(14) Nieuhof escreve Pavaosa (p. 7, 2.a col., 7.° § e p. 8, l.a col., 1.° §).
Adotamos, aqui, a lição de Naber, que, na edição holandesa, p. 272, escreveu Povoação
(Cf. VIII, 272). O Sr. Cláudio Brandão aceitou, também, essa grafia (Cf. VII, 391).
(15) O tradutor inglês escreveu (p. 6, l.a col., 2.° §) : "800 casas e 3 igrejas";
cf. ed. holandesa (p. 8, 1.» col. 1.° §).
(16) Trata-se de Cornelis Corneliszoon Jol, cognominado o Perna de Pau, que
teve grande influência nas ações navais da época. Sôbre suas viagens e expedições,
ver Nederlandsche Raizen, pp. 42-69, tomo XIV. E uma coleção de viagens onde se en
contram, entre outras, as "Togten en Verrigtingen van Cornelis Corneliszoon Jol, bij-
genaamd Houtenbeen, na in de Westindien; in de jaaren 1628 tot 1641" — Expedi
ções e Empresas de Cornelis Corneliszoon Jol, cognominado o Perna de Pau, para e
nas índias Ocidentais, nos anos de 1628 a 1641.
10 JOAN NIETJHOF

DESCRIÇÃO DO BRASIL

A América (ou índias Ocidentais) divide-se em América do Norte


e América do Sul. A esta última pertence o Brasil.
A América setentrional limita-se ao norte com a Terra Incógnita,
ou antes com os Estreitos de Hudson ; ao sul e a oeste com o Mar do Sul
e a leste com os Estreitos de Panamá, a Baía do México (ou Nova-Es-
panha) e o Mar do Norte.
Abrange as seguintes Províncias:
Estotilandia e Labrador, Nova França, Canadá, Bacalhau, Nova In-
glaterra ou Virgínia, Florida, Nova Espanha, as Províncias mexicanas
denominadas: Novo México, Tlascalla, Guaxaca, Mechoacana, Zacatula,
Colim, Yucatan, Tabasco, Nova Galicia, Nova Biscaia, Chiametla, Culia-
ca, Cimalon, Nova Granada, Califórnia, Anian, Quivira ou Nova Albion,
Conibas, Guatemala, Soconusco, Chiapa, Vera Paz, Honduras, Nicaragua,
Costa Rica e Veragua (17).
A América do Sul é uma península, em forma de pirâmide, cuja base
está voltada para o norte e o vértice aponta para os estreitos de Maga
lhães, situados a 53 graus de latitude sul. Limita-se a leste com o Ocea
no Atlântico ou Mar do Norte e a oeste com o Mar do Sul, sendo todo o
seu circuito de cêrca de 16.000 milhas italianas ou 4.000 milhas ale
mãs (18). Compreende as Províncias de Castela e d'Ouro, Terra firme,
assim chamada pelos portugueses, Paria, Cumana, Caribana, Brasil, Chi
ca, para leste e a oeste Popaian, Peru, Chile, além de outras províncias
interiores (19).

(17) Êsses nomes geográficos estão, com raras exceções, corretos. Antes de
tudo, convém frisar que Nieuhof escreve, sempre, com K em vez de C. Há apenas
pequenos enganos, conforme veremos. Em primeiro lugar, Nova-Inglaterra não é
Virgínia, pois a primeira ficava bem mais ao norte e, entre elas, existia Nova-Ams-
terdã e Nova-Suécia, que não sabemos por que não figuram entre os Estados citados.
Laet não se refere a Estotilândia, Quivira, Bakalaos e Amian (Cf. L). Mas no
Mapa de Ortelius (Cf. LXV), encontra-se a Estotilândia ao norte, no Atlântico, perto
do Labrador, embora já se encontre uma península e cabo dêsse nome. Quevira de
mora no Pacífico, perto do antigo e atual cabo Mendoncinho. Amian está mais ao
norte. Quevira nada tem a ver com Nova-Álbion (Cf. L e LXV), pois essa demo
rava um pouco abaixo do Cabo Mendoncinho (Cf. Mapa Americae sive Indiae Occiden-
talis, Tabula Generalis in L). Colini é Colima, em Janssonius (Cf. XLIII) e com
Zacatula constituíam províncias de Mechoacan (Cf. XLVIII). Janssonius escreve
Cuaxacau, em vez de Guaxaca (Cf. XLIII).
(18) Na edição inglêsa está escrito: (P. 5, 2.a col. 1.° §) "ite whole circuit
being of about four thousand Italian or one thovaand german miles"; cf. edição ho
landesa (p. 8, 2.a col. 4.° §).
(19) Pária fica na Venezuela (Cf- L, p. 388). Cumana, província da antiga
Nova-Andaluzia (L, p. 614) ; Província Chica, perto da atual província de Tucuman.
na Argentina (L, p. 463, 469) e Caribana deve ser a atual Caraibas; Popaian, atual
Colômbia (Cf. mapa Americae sive Indiae Occidentalis Tabula Generalis in L).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 11

0 Brasil foi descoberto pelo português Pedro Álvares Cabral, pouco


Descobri
I tempo depois de Américo Vespúcio, isto é, no ano de 1500. Foi pelo des mento do
cobridor denominado "Santa-Cruz", nome que posteriormente os portu Brasil.
gueses mudaram para o de Terra do Brasil, devido ao lenho (20) assim
chamado, que aí se encontra em grande abundância e que, desde então,
passou a ser importado portôda a Europa, para tinturaria.
0 país está situado em plena Zona Tórrida, estendendo-se até o Tró
Sua
pico de Câncer e a Zona Temperada. situação.
Com respeito à sua extensão de norte a sul, não é pequena a discor
dância existente entre os geógrafos. Segundo, porém, os melhores cál Extensão.
culos, pode- se fixar o começo dêsse país a meio grau (21) de latitude nor
te, próximo ao rio Pará e o seu têrmo a 24 graus e meio de latitude sul,
junto ao rio Capibarí (22), duas léguas acima da cidade de São Vicente.
E assim é que, tôda a sua extensão, de norte a sul, compreende 25 graus
ou 375 milhas. Preferem outros situar o Brasil entre o Rio Maranhão
e o Rio da Prata. Até hoje não foi possível precisar a extensão do Bra
sil de Leste (onde se limita com o Mar do Norte) a Oeste, por ter sido
muito pequeno o número dos que puderam penetrar tão a fundo pelo in
terior do país. Assim, sua largura de leste a oeste pode ser avaliada em
742 milhas. Há, porém, alguns autores que estendem seus limites mais
para leste, e, para oeste, mais além do Perú ou Guiana, o que representa
um acréscimo de 188 milhas. Outros, ainda, situam os limites do Bra
sil ao norte com o Rio das Amazonas, ao sul com o Rio da Prata, a leste
com o Mar do Norte e a oeste com as montanhas do Perú ou Guiana.
Com êsses limites, o Brasil é dividido pelos portugueses em 14 dis Sua
tritos, por êles denominados Capitanias, a saber: Pará, a primeira de divisão.
todas, bem ao Norte, Maranhão, Ceará, Potigí ou Rio-Grande, Paraíba,
Pernambuco, Itamaracá, Sergipe-d'El-Rei, Quirimure ou Baía-de-todos-
-os-Santos, Nhoe-Combe ou os Ilhéus, Pacata ou Pôrto-Seguro, Rio-de-
-Janeiro ou Niterói, São Vicente e Espírito-Santo (23).

(20) MarcgTave escreveu: "Haee regio primo à Lusitanis appellata fuit Santa
fraz, quod nomem postea mutarunt in Terra do Brasil,..." (Cf. LXX, liv. 8, cap.
I.P- 260).
(21) O tradutor inglês escreveu: "may be fixed under the second degree and
« kalf of nothern latitude near the river Para..." (p. 5, 2.a col. últ. §); cf. edição
holandesa (p. 9, 1.° col., 1." §).
(22) Cf. Marcgrave (LXX, liv. 8, cap. I, p. 260).
(23) Essa divisão do Brasil, Nieuhof tirou-a de Marcgrave, pois os nomes es
pinhos que ai encontramos, como Nhoe-Combe e Pacata se encontram, também, na
Historia Natu ralis Brasiliae. Assim, escreve Marcgrave (Cf. LXX, p. 261) : "Di-
■■•■1 Brasília, intra hos limites, in certas Praefecturas (capitanias appellant vulgo
LktxldrÁ) & quidem vulgo in quatuordecim. Quarum prima versus Boream est Para,
dehine ordine Maranhaon, Ciara, Potiyi vel Rio Grande, Paraíba, Ita-
12 JOANNIEUHOF
i
Enquanto parte do Brasil esteve sob o nosso domínio, conviria me
lhor dividí-lo em Brasil Holandês e Brasil Português. Cada uma dessas
capitanias é banhada por alguns rios caudalosos, além de outros de me
nor importância. Vários dêles apresentam correnteza muito rápida na
estação chuvosa e, com suas águas, inundam as regiões ribeirinhas.
O Rio São O Rio São Francisco, o mais extenso e o de maior volume daquelas
Francisco. regiões, constitue a linha divisória entre as capitanias de Pernambuco e
Baía-de-Todos-os-Santos. É tão largo em alguns pontos que uma peça
de seis libras com dificuldade o atravessaria. Há lugares em que sua
profundidade atinge 8, 12 e por vêzes 15 varas. A-pesar-disso não é
navegável para navios de carga, em vista de estar sempre atulhado de
areia o seu estuário.
Acredita-se que tenha origem em um certo lago, o qual, grandemen
te aumentado pelos riachos que descem das montanhas do Peru, e, es
pecialmente pelo Rio da Prata e pelo Rio Maranhão, procura expandir-
-se para o mar. Alguns companheiros nossos subiram-no numa chalu
pa cêrca de 40 léguas, achando-o sempre bastante largo e profundo. A
darmos crédito aos portugueses, existem, a 50 milhas do mar, certas ca
taratas intransponíveis a que chamam cachoeiras. Para além delas o
rio vai para o norte, até que chega à sua nascente no lago, onde há
ilhas amenas habitadas pelos bárbaros que também povoam suas margens.
Encontram-se boas jazidas de ouro em pó nesse lago, que não são, porém,
da melhor qualidade, supondo-se formadas pelos inúmeros riachos que
lavam as rochas auríferas do Perú e que ali desaguam. Há, também,
excelente salitre na região.

maraea, Pernambuco, Quirimure vel Bahia de Todos los Santos, cujus metropolis S.
Salvador, Nkoecombe vel os Ilheos; Pacata, vel Porto Seguro; Espiritu Santo; Nhe-
teroya, vel Rio de Jeneiro, quem Ganabara vulgo vocant Brasilienses ; & S. Vicente".
Quirimure, de que fala Nieuhof, foi, também, por outros cronistas, referida. Assim,
Soares (Cf. LXXXVI, p. 223) se refere a Caramurê e Varnhagen, em nota à p. 483,
acha que o nome deve estar certo, porquanto os jesuítas o repetem, escrevendo-o Qui-
grigmuré. Acha que se trata do mesmo local a que se referiu Thevet (f. 129), com
o nome de Pomte de Crouestimourou. Não andaria, porém, já neste nome a idéia
da residência de Caramuru? pergunta o Visconde de Pôrto-Seguro. Teodoro Sam
paio (Cf. LXXXI, p. 148) afirma que Quimimuras significa gente silenciosa; e es
clarece que é o nome de uma tribu que habitou primitivamente o Recôncavo da Baía-
-de-Todos-os-Santos. Ayres de Cazal (XXVI, p. 100) escreve: "Aos antigos Qui-
nimuras, primeiros povoadores memoráveis do contorno da enseada de Todos os San
tos, sucederam os Tapuias, pouco depois expulsos pelos Tupinás, vindos do Sertão,
para onde se retiraram os segundos, que jamais cessaram de inquietar os seus ven
cedores". Mais explícito e preciso já havia sido Cardim (Cf. XIX, p. 179), que diz:
"Outros que chamão Quirigmã, estes, forão senhores das terras da Bahia e por isxo
se cKama a Bahia Quigrigmurê". Batista Caetano, em nota à p. 234, do trabalho
do mesmo cronista, sugere a hipótese acêrca da etimologia do nome.
Restam, ainda, Pacata e Nhoe-Combe. A primeira, segundo Saint-Adolphe (Cf.
LXXIX, p. 187), refere-se a um rio de Pôrto-Seguro.
No Vocabulário da Língua Brasílica publicado por Plínio Ayrosa, (n. 261) S.
Paulo, 1938, regista-se para a Capitania de Ilhéus o nome indígena "Nhuecébê".

-
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 13

É de se notar que no verão e nos meses de inverno, quando raramente


chove, apresenta-se êste rio muito mais caudaloso que na estação chu
vosa. A razão para tanto está na imensa distância das cabeceiras origi
nárias onde a água das chuvas que caem nas montanhas é absorvida e
canalizada pelos inúmeros riachos. Todos os outros rios próximos do
Recife ficam tão vazios durante o verão, que se tornam inteiramente im
praticáveis para a navegação.
As cristas das serras que correm não muito longe do litoral, despe
jam suas águas, aquí como no Peru, em direção ao Poente, dividindo-as
em duas bacias : a primeira que corre para o norte e se junta aos gran
des e rápidos rios de Maranhão e das Amazonas ; e a outra que demanda
os rios São Francisco, da Prata e de Janeiro. As águas dêsses rios que se
avolumam consideràvelmente com a contribuição de inúmeros afluentes,
lançam-se no oceano com tal impetuosidade que, não raro, os marinheiros
encontram água doce no mar a distâncias consideráveis de terra.
0 aumento de volume dêste rio, durante a estiagem, talvez possa ser
atribuído ao degêlo da grande quantidade de neve das montanhas que
chega a fazer que o rio transborde de seu leito natural. Neste particular,
é êle bem diferente dos outros rios que geralmente extravasam no
inverno.
Seis das capitanias acima citadas, conquistadas pelas armas, acha- O Brasil
vam-se sob a jurisdição da Companhia das índias Ocidentais. Eram elas, Holandês,
a começar do Sul, a Capitania de Sergipe-d'El-Rei, Pernambuco, Itamara-
cá — à qual pertence a Goiana — a de Paraiba, a de Potigí ou Rio-Gran-
de e a de Siará ou Ceará. A Companhia possuía, também, a Capitania
de Maranhão, que foi, porém, abandonada, por diversas razões, no ano
de 1644 (24-25).
Os portugueses costumavam chamar a esta parte do país de Norte
do Brasil e às demais regiões em seu poder, de Sul do Brasil.
As seis Capitanias Holandesas alinhavam-se tôdas no litoral, numa
extensão de 160 a 180 milhas de norte a sul. Pois da costa marítima
do Rio-Grande a Alagoas, no extremo norte da Capitania de Sergipe-d'El-

(24) A tradução inglêsa não é bem fiel; pois enquanto no original holandês
«tá escrito: "De Kompagnie bezat ook de Kapitanie van Maranhaon: maer die irierdt
ia jaers zestien hondert vier en veertigh, om zekere redenen, verlaten" (p. 10, 2.a
*ol. 2.° §) ; o tradutor inglês escreveu: "the Captainship of Maranhaon was 1644,
h epecial command of the Company, left by the Dutch..." (p. 6, 2.a col. 2." §).
Ora, por várias razões perdido não é o mesmo que abandonado por ordem especial da
Companhia. Veja as razões da perda mais adiante, nota 172.
(25) Sôbre o domínio holandês no Maranhão, consulte-se João Francisco Lis
boa. (Obras, LIII Lisboa, 1901), p. 318. Foi conquistado em 25 de Novembro de 1641.
0 domínio durou 27 meses, dezessete dos quais se haviam passado em guerra inces
sante. Deixaram o Maranhão a 28 de fevereiro de 1644 e, possivelmente, porque lhes
falecia de Pernambuco todo o socorro.

3
14 JOAN NIEUHOF

-Rei a distância é de 100 milhas. As duas outras capitanias, isto é, Ceará


ao norte e Sergipe-d'El-Rei ao sul, abrangiam o restante (26) . A cada
uma dessas capitanias correspondem vários outros distritos menores, a que
os portugueses chamam freguesias e, entre nós, são chamadas de fregue-
sien. Assim, por exemplo, em Sergipe-d'El-Rei havia as de Ipojuca, Ca-
maragibe, Pôrto-Calvo, Serinhaém e várias outras.
Abrange uma freguesia um certo trato de terra, constituído de di
versas aldeias, rios, colinas e vales, entre as quais comumente se encontra
uma faixa de montanhas estéreis de três a quatro milhas de extensão. A
maior parte das Capitanias Holandesas é escassamente cultivada, em
virtude de não terem os portugueses o hábito de estercar a terra naquelas
regiões além de três, quatro às vêzes 5, até mesmo 6 ou, quando muito,
sete milhas de distância do mar.
Sergipe- A Capitania de Sergipe-d'El-Rei, também conhecida por Cirigí —
-dEl-Rei. nome de um pequeno lago — acha-se situada na parte sul do Brasil e
estende-se cerca de 32 milhas ao longo do litoral, limitando-se ao norte
com o Rio São Francisco, que a divide de Pernambuco, e ao sul com o
Rio Real, que a separa da Baía-de-Todos-os-Santos ; Sergipe-d'El-Rei
possue, entre outras, uma certa freguesia chamada Pôrto-Calvo, situada
entre 9 e 10 graus de latitude sul, e que vai entestar a noroeste com a
freguesia de Serinhaém e o pequeno rio de Persinunga, para se estender
ao Sul até o Rio Paripueira, que a divide da freguesia de Alagoas, com
preendendo ao todo cêrca de 12 milhas de comprimento, próximo a costa.
Do lado do interior, impenetráveis florestas demarcam os seus limites.
A aldeia de Há nesta freguesia uma aldeia a que os portugueses chamam Vila de
Bom-Suces- Bom-Sucesso-de-Pôrto-Calvo e que anteriormente se denominava Povoa
so-de-Pôrto- ção dos quatro rios, por se achar situada na confluência de quatro rios:
.Calvo.
o Maleita, o Tapamundo, o Comandatuba e o Manguaba. Está edificada
sôbre uma eminência, a cêrca de quatro milhas do mar e foi guarnecida
pelos holandeses com dois fortes, o maior dos quais — o Bom Sucesso —
todo construído de pedra e rodeado por uma excelente contra-escarpa,
possue amplo reservatório de água potável. O outro forte, denominado
por nós Igreja Nova, por ter nascido das ruínas de uma velha igreja que
os portugueses chamavam de Nossa Senhora da Apresentação. Entre
êsses dois fortes o Conde Maurício ordenou que se construísse um ter
ceiro, sôbre a margem do rio, o qual, entretanto, por ficar a um tiro de
mosquete distante das montanhas, não foi concluído satisfatoriamente.

(26) Sôbre rios, geografia em geral, localizações de engenhos, nomes, etc., etc.,
devem-se consultar os mapas relativos à ocupação holandesa do Brasil, feitos por
Vingbooms, no vol. II e os relativos à exploração do Brasil pela Companhia das índias
Ocidentais no vol. IV (Cf. XCVII). São, ao todo, 12 mapas.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 15

Tem a aldeia duas ruas, sendo que a principal se estende paralela


mente ao rio, de um forte a outro. Chama-se rua de São José e não con
tém mais do que umas três casas de um único pavimento e cêrca de 35 ou
36 outras cobertas de sapé, construídas sôbre o chão raso (27). Os por
tugueses levantaram, do outro lado do rio, uma igreja em lugar das que
foram demolidas quando se fizeram as fortificações e onde às vêzes ouvem
missa.
A aldeia é favorecida por um clima ameno e puro e continuamente re
frescada por brisas marítimas que sôbre ela sopram livremente, sem mon
tanha alguma que lhes sirva de anteparo.
A noite o terreal sopra sôbre a aldeia os frescos vapores dos rios
próximos.
Existiu outrora certa cidade, chamada Sergipe-d'El-Rei, um pouco
mais para cima do rio Vasabarrís em lugar muito desolado, cidade essa
de área extensa, bem construída, com três boas igrejas e um mosteiro
de franciscanos, mas sem fortificações alguma. Mais para cima dessa
cidade, pode-se ainda ver uma capelinha dedicada a São Cristóvão, para
onde os católicos romanos se dirigem em peregrinações.
Foi esta Capitania primeiramente subordinada ao domínio português
ou espanhol por Cristóvão de "Barros (28) a quem, por tão bons serviços,
foram doadas todas as terras entre o pequeno lago de Sergipe e o São
Francisco, com amplos poderes para colonizá-las, dentro de certo prazo.
Isto fêz com que os habitantes da Baía-de-Todos-os-Santos para lá se
dirigissem e, dentro de poucos anos, lançada a fundação da cidade, cons-
truíram-se quatro engenhos de cana e ergueram-se cêrca de 100 casas,
com 400 estábulos para o gado. A nossa gente, porém, fêz com que essa
cidade fosse abandonada em 24 de dezembro de 1637, bem como tôdas
as casas circunjacentes, retirando-se, então, todos os habitantes para a
Baía-de-Todos-os-Santos. Deveu-se êsse fato ao general espanhol Ba
gnoli (29) que antes ocupava a praça com cêrca de 2.000 homens que
praticavam tôda sorte de pilhagens e incêndios e causavam danos consi-

(27) A edição inglêsa se refere a 35 casas (p. 7, l.a col., últ- §), enquanto que
na edição holandesa consta: 35 ou 36 casas (p. 11, 2.a col., 5.° §).
(28) Foi, realmente, Cristóvão de Barros que iniciou a conquista e colonização
désse Estado. Era governador interino da Baía, em 1590, e tivera ordem de El-Rei
Filipe II "a requerimentos dos povos d'entre rio Real e Itapieurú, que vivião inquie-
tadoi pelos indígenas deste paiz, e piratas franceses, que frequentavão a costa em
haca do páu brasil." (Cf. XXVI, 2.° tomo, p. 124).
(29) O Barão do Rio-Branco anexou, no exemplar de F. A. Varnhagen "His
tória das lutas com os holandeses no Brasil" (1871), que lhe pertencera, uma exten
sa biografia de Bagnoli, com documentos que mandara copiar ou copiara na Itália.
Por aí se vê que Bagnoli é uma pequena aldeia nos arredores de Nápoles, sôbre a
praia do mesmo nome. Aí nasceu o Conde de Bagnoli, cujo nome constitue puro dialeto
napolitano. Também escreveu sôbre Bagnoli o sr. Francisco Fettinati, que lhe de
dicou 156 pp. (Cf. LXVII, pp. 161-227).
16 JOAN NIEUHOF

deráveis às nossas colônias, o que obrigou o Conde Maurício a desalojá-lo


daquela posição. Entretanto, como êste estivesse atacado de febre na
ocasião, confiou a expedição ao Coronel Schkoppe (30). Para êsse fim
reúniu-se um corpo de 2 . 300 homens, além de 400 brasileiros e 250 mari
nheiros procedentes das praças vizinhas, próximas do rio S. Francisco,
de Alagoas, do cabo de Santo Agostinho, das imediações do Recife e
Muribeca. Tendo como auxiliar Joannes van Giselen membro do Grande
Conselho, ordenou o Coronel Schkoppe ao almirante holandês Lichthart
que cruzasse com sua frota à altura da Baía-de-Todos-os-Santos para
atrair o inimigo fora de suas vantajosas posições fortificadas da costa.
Tão de-pressa teve ciência de que havíamos atravessado o rio, e, teme
roso de ser envolvido a um tempo pelas forças de terra e mar, o general
espanhol retirou-se, com seu exército, para a Tôrre Garcia d'Ávila, posi
ção situada a cêrca de 14 milhas ao norte da cidade de São Salvador.
Sabedor dêsse movimento o general Schkoppe, atacou imediatamente a
praça, que deixou despovoada e regressou com incrível rapidez para a
margem sul do rio São Francisco.
Aí se entrincheirou, com o propósito de hostilizar o inimigo, cor-
tando-lhe o abastecimento e desbaratando-lhe o gado. Nessa operação
foram bem sucedidas as nossas forças, que conseguiram matar para
mais de 3.000 bois, além de muitos outros que desgarraram para a
outra margem do rio. Os que escaparam aos soldados foram trans
portados pelos habitantes da região para a Baía-de-Todos-os-Santos.
Isso dá bem idéia da enorme quantidade de gado que esta região então
produzia.
O Grande Conselho tomou, então, a deliberação de repovoar aquela
zona do país, entendendo-se, para êsse fim, com Nunno Olferdi, conse
lheiro de Justiça, em Recife, que achou meios de para lá encaminhar
várias famílias, solução que a seguir se abandonou por não ter sido
aprovada pelo Conselho dos XIX.
Em 1641 o Conde Maurício submeteu essa região à jurisdição da
Companhia das índias Ocidentais. Lá erigiu um forte e cercou a cidade
de Sergipe-d'El-Rei com um fosso, entre o S. Francisco e o Real, que
pode, na enchente, atingir 14 pés de profundidade. Dentro desta Capi
tania existe uma montanha denominada Itabaiana onde se encontraram
várias peças de metal precioso que, remetidas ao Conselho dos XIX,
e, devidamente examinadas, provaram ser de pouco valor.

(30) A grafia de Nieuhof é muito flutuante e não parece ser a certa. Nieuhof
escreveu tanto Schop como Schoppe. A grafia correta é Schkoppe, dada por Netscher
(Cf. LXIII, p. 182), segundo a assinatura do coronel e encontrada em um documento
oficial do Arquivo Real; seu título de nobreza era Senhor de Krebsbergen, Grana
Cotzen.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 17

A CAPITANIA DE PERNAMBUCO

A Capitania de Pernambuco é das maiores e mais importantes do 11 cidades


Brasil holandês. Estende-se para mais de 60 milhas ao longo da costa, e aldeias
entre o rio S. Francisco e a Capitania de Itamaracá. A denominação de Pernam
de Pernambuco indica a entrada do pôrto, que, devido aos inúmeros buco.
rochedos e recifes ocultos sob o mar, foi pelos portugueses chamado
Inferno e Bokko, apelido esse depois corrompido para Pernambuco, ou
seja Bôca do Inferno (31). Divide-se ela em 11 distritos pequenos,
habitados pelos portugueses a saber: a cidade de Olinda, Iguarassú,
Recife, Muribeca, Santo-Antônio, Ipojuca, Serinhaém, São Gonçalo-de-
-Una, Pôrto-Calvo, Alagoas do Norte e Alagoas do Sul, dentre as quais
Olinda e Iguarassú são as principais.
A cidade, ou antes a aldeia de Iguarassú, encontra-se a alguma
distância da costa, em frente à ilha de Itamaracá, junto ao rio do mesmo Iguarassú.
nome e a cerca de 5 milhas de Olinda. Foi primitivamente habitada
por artífices portugueses, mas, desde que a ocupámos, em maio de 1633,
várias famílias ricas lá se fixaram.
Muribeca fica mais para o interior e para o sul, a cêrca de 5 milhas
Muribeca.
do Recife.
Santo-Antônio encontra-se aproximadamente a 7 ou 8 milhas ao Santo-Antô
sul do Recife, perto do cabo de Santo Agostinho. nio.
A cidade de São Miguel-de-Ipojuca, está situada a cêrca de 10 mi Ipojuca.
lhas para baixo do Recife, junto ao rio do mesmo nome, que desem
boca no mar, do lado meridional do cabo de Santo Agostinho. Foi
anteriormente lugar muito populoso e chegou a ter 13 engenhos de
açúcar.
A aldeia de Serinhaém, mais ou menos à mesma distância que a
Serinhaém.
anterior, é lugar muito agradável; tem 12 engenhos de açúcar, produ
zindo cada um de 6 a 7.000 arrobas. A arroba corresponde a 27 ou
28 libras de pêso.
A aldeia de São Gonçalo-de-Una está a 20 milhas do Recife; possue São Gonça
5 engenhos de cana. lo-de-Una.

(31) Nieuhof escreve (p. 13, l.a col. últ. §) : van Inferno en bokko, dat eigen-
tlijk helle — mont /ezeit is; "isto é, Inferno e bokko que propriamente é conside
rado uma embocadura do inferno". Batista Caetano (Cf. III, p. 205), escreve: "Afi
nal Paranambuka será rebentação do rio grande, designando-se pelo nome rio grande
paranã o semi-mar formado pelos rios Capibaribe e Bybyrybe". Segundo Teodoro
Sampaio (Cf. LXXXI, p. 146), a etimologia é "Ant. Paranambuca corr. paranã —
buc oii paranã — puca, o mar quebra ou o mar arrebenta, isto é, quebra mar em
alusão ao Recife". Alfredo de Carvalho (Cf. XXVI, p. 63) adota a etimologia de
Teodoro Sampaio. Sôbre o nome de Pernambuco, nos velhos mapas, consulte-se o
estudo de Orville Derby (Cf. XXVIII).
18 JOAN NIETJHOF

Pôrt©- A aldeia de Pôrto-Calvo, a 25 milhas do Recite, possue 7 a 8 usinas


-Calvo. ,je açUcar. Ali se encontra o forte Povoação (32) que só viemos a
conquistar sob o govêrno do Conde Maurício.
As cidades de Alagoas do Norte e Alagoas do Sul estão a 40 milhas
do Recife.
Na Capitania de Pernambuco há duas florestas, a que os portu
gueses chamam Palmares tanto a maior como a menor.
Os dois Os Palmares pequenos, que são habitados por 6.000 negros, encon-
Palmares. tram-se a 20 milhas além de Alagoas, rodeados de matas nas margens do
pequeno Gungouí (33 e 34), que aflue para o grande rio Paraíba, 6 milhas
mais ao norte, e a cêrca de 4 milhas do rio Mondai, ao sul da Alagoas do
Norte, avizinhando-se de um ponto dessa região que é comumente conhe
cido por Jaraguá. Consiste a aldeia em 3 ruas, cada uma com mais
ou menos meia hora (35) de extensão. As cabanas são de palha tran
çada, muito rentes umas às outras, com as plantações aos fundos. Con
servam os pretos alguma coisa do culto religioso dos portugueses, dis
pondo, porém, de sacerdotes e juízes próprios.
Os negros ocupam-se em roubar os escravos dos portugueses, aos
quais mantêm no cativeiro até que se alforriem capturando outros. Con
tudo os escravos fugitivos que a êles se vão reunir são tão livres quanto
os outros.
Alimentam-se de tâmaras, batatas, feijão, farinha, mandioca, cevada,
cana de açúcar, galinhas — que possuem em abundância — e de peixe
que o lago lhes fornece (36).
Duas vêzes ao ano procedem à colheita da cevada, finda a qual
entregam-se a festejos durante uma semana inteira. Antes da época
da semeadura acendem grandes fogueiras que duram 14 dias e que se

(32) Nieuhof escreveu (p- 13, 2.a col., 10." §): "Castelo Povoaçano". Barlaeus
(VII, p. 42) refere-se a êsse forte Povoação e na edição holandesa (VIII, p. 46)
está escrito Povoação. O Sr. Cláudio Brandão assim traduziu, seguindo a lição de
Naber. (Cf. VIII, p. 50). Sôbre o forte de Pôrto-Calvo, cf. XV, p. 180, Cf. nota 13.
(33 e 34) Nieuhof escreveu Gongohubi (p. 14, l.a col-, 3.° §), como, antes, fizera
Barlaeus. O Sr. Cláudio Brandão anotou, muito bem, que a fonte parece ser Marc-
grave (LXX, p. 261 e VII, p. 253 e nota 321). Escreveu o Prof. Cláudio Brandão
Gungouí. Segundo J. van Walbeek e H. Moucheron, o Mondai despeja suas águas,
na Alagoa do Norte, pelo lado ocidental (Cf. XCV, p. 53).
Compare-se esta nota com a de número 38, onde mais uma vez se mostra como
Marcgrave foi, sempre, a fonte segura dos autores coevos ou posteriores.
(35) O tradutor inglês escreveu: "each near half a league in lenght" (p-. 8,
2.» col.), enquanto o original holandês diz: "ieder van een halve uure lang" (p. 14,
l.a col., 4." §). Trata-se, pois, de meia hora e não de meia légua,
(36) O tradutor inglês omitiu batatas e mandioca. Compare-se a p. 8, 2.a col.
últ. § da ed. inglêsa com a p. 14, l.a col., 8.° § do original holandês. A tâmara e a
cevada não eram nativas no Brasil. Possivelmente o autor se refere no primeiro
caso a certas variedades de côcos, e no segundo ao milho americano.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 19

avistam a grande distância. O caminho mais curto do Recife para


esses Palmares é ao longo do lago da Alagoas do Norte.
Os Palmares grandes encontram-se entre 20 e 30 milhas para além
da aldeia de Santo-Amaro, junto à montanha de Behe (37) e está cercada
por uma dupla estacada. Conta-se que cêrca de 5.000 negros (38)
habitam os vales contíguos às montanhas, além de outros muitos que
vivem em grupos menores de 50 ou 100, por outros lugares. Suas
habitações se acham dispersas. Fazem sementeiras e colheitas entre
as matas e possuem certas cavernas onde podem se refugiar em caso
de necessidade. Preparam os alimentos durante o dia, e, quando chega
a noite, procedem à contagem dos homens para verificar se falta algum.
Estando todos presentes, terminam a noite com dansas e rufiar de tam
bores que se ouvem a grande distância. Vão, então, dormir até 9 e
10 horas do dia seguinte.
Na estação sêca, escalam alguns dentre êles para raptar escravos
dos portugueses. O caminho mais curto para os seus domínios vai de
Alagoas através de Santo-Amaro, cruzando as planícies de Nhumahu e
Cororipe, rumo à encosta da montanha de Warracaco, até que atinge
o rio Paraíba, que se tem de transpor para alcançar o monte Behe, de
onde se vai diretamente aos vales.
Durante o governo do Conde Maurício, os negros dêsses Palmares
praticaram danos consideráveis, especialmente aos camponeses nas cer
canias de Alagoas, e, para reprimi-los, foram necessários 300 mosque
teiros, 100 mamelucos e 700 brasileiros.

O RECIFE, A CIDADE MAURíCIA E ANTÔNIO VAZ

Dada a sua cômoda e vantajosa situação, o Recife é a praça mais O Recife.


forte do Brasil. Além disso é fortificada e defendida por várias for
talezas adjacentes. Entretanto, para dar ao leitor uma impressão mais
exata tanto do Recife como da situação da Cidade Maurícia, é preciso Os arreci
que se diga que tôda a costa do Brasil, de um extremo a outro, é guar fes do
necida por uma longa e espêssa franja de rochedos rasos que, nalguns litoral
pontos, chegam a ter de 10 a 20 e, nalguns lugares, 30 passos de lar brasileiro.
gura (39). Há, contudo, certas passagens nessa barreira, pelas quais

(37) Êste trecho sobre os Palmares é copiado de Marcgrave. (Cf. LXX, Livro
VIII, Cap. I, p. 261). Comparar com Nieuhof, ed. holandesa, p. 214, 2.° col., os 6 pri
meiros §§).
(38) Nieuhof (p. 14, 2.a col., 1.° §), como mostramos acima, copiou de Marc
grave. O tradutor inglês, ao invés de 5.000 negros, escreveu 8.000 negros, (p. 8,
2.a col., 2.°§).
(39) O tradutor inglês escreveu (p. 9, 2.a col. 1.° §) : "rocka which in some
Vlaces is 20, and in others 30 Pacea brood" ; cf. ed. holandesa (p. 16, l.a col.,
1L 7, 8 e 9).
20 JOAN NIEUHOF

os navios podem se aproximar de terra, e há mesmo alguns pontos em


que ela não se encontra de todo à-flor-d'água. Assim, a uma légua do
lado de cá do Rio Doce e a duas léguas ao norte da cidade de Olinda,
não se vê traço algum dêsse recife. Começa, porém, êle a aparecer
de novo perto de Pau-Amarelo ou Poxamardo e estende-se para a ilha
de Itamaracá. Entre essa franja de pedra e o continente pode-se passar
de bote na maré alta. Durante a vazante, a maioria dêsses rochedos
aflora à superfície do mar até que volte a cheia para cobrí-los de novo.
Os rochedos que se acham em frente ao Recife de Pernambuco, de
25 a 30 passos (40) de largura, estão sempre cobertos pelo mar seja
qual for a maré. São muito chatos, sem proeminência alguma e se
estendem por uma légua, de sul a norte. Na extremidade norte, a 500
passos do Recife, há uma abertura pela qual os navios se aproximam
de terra. Todavia, essa passagem é muito estreita e, mesmo na mais
alta maré, sua profundidade jamais excede de 22 pés.
Entre êsse colar de rocha e o continente se estende para o sul de
Olinda, com uma légua de comprimento e cêrca de 200 passos de largura,
O Recife uma espécie de restinga de areia. E' comumente denominada pelos por-
de Areia. tugueses Recife de Areia, para distinguir do Recife de Pedra.
Sôbre a ponta sul dessa ilhota os portugueses edificaram, a uma
milha ao largo de Olinda, uma aldeia a que chamaram de Povoação, que
significa Povoado, e que veio a ser mais tarde o Recife. Foi muito
populosa, por longo tempo, até a fundação da Cidade Maurícia, na
ilha de Antônio Vaz. Tendo Olinda sido posteriormente abandonada por
seus habitantes e por nós destruída, muitos dêles, especialmente os comer
ciantes, estabeleceram-se no Recife ou na aldeia de Povoação, onde levan
taram magníficas construções. Quando foi de nosso primeiro desem
barque, lá encontrámos mais de 200 casas. Êsse número, entretanto,
logo depois aumentou para mais de 2.000 e entre essas construções
notavam-se edifícios excelentes. Tratámos de cercá-la com paliçadas do
lado do rio Beberibe, que é vadeável na maré baixa, e, para maior segu
rança, fortificámo-la com três bastiões, um voltado para Olinda, outro
para o porto e o terceiro para o Rio Salgado, cada um dêles aparelhado
com uma boa bateria de três grandes canhões. O Recife fica a 8 graus
e 20 minutos de latitude sul.
Alguns derivam a palavra Recife, do latim recipere e receptns, de
receber, que posteriormente se modificou para Recife, (41) em virtude

(40) Na edição inglêsa está escrito: 20 a 30 passos de largura (p. 9, l.a col.,
1." §). Cf. edição holandesa (p. 16, 1.» col., 4.° §).
(41) Sôbre a etimologia dessa palavra, Antenor Nascentes (LX, 679) escreve:
"do árabe rasif, calçada, de origem aramaica e assíria". Dozy (XXXI, 198) explica
que foi no sentido de calçada que a palavra passou para o espanhol; porém, cita um
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 21

do costume de serem os navios recebidos entre os recifes de pedra e de A origem da


areia para carregar e descarregar suas mercadorias. Antes de se fundar palavra
a Cidade Maurícia, lá mantínhamos as nossas fábricas e todos os negó Recife.
cios de paz como de guerra eram lá entabolados. No tempo dos por
tugueses, todos os navios que chegavam do mar descarregavam na aldeia
de Povoação ou Recife, e as mercadorias eram de lá transportadas, em
barcos e chatas, pelo rio Beberibe acima, até os subúrbios de Olinda.
Antes de se edificar a Cidade Maurícia, a maior parte dos negócios
se fazia no Recife, onde residiam os principais comerciantes e era de
lá que se exportava o açúcar para a Holanda. Para evitar contrabandos,
cercou-se a alfândega com abatises. Construíu-se um bom hospital para
doentes e feridos de tudo necessitados, e a educação dos órfãos ficou a
cargo de quatro diretores e outras tantas diretoras, que ensinavam a
ler e escrever.
Na ponta extrema do recife de pedra, à esquerda de quem entra no
pôrto, vindo do mar, há um grande e forte castelo, edificado sôbre a
rocha viva e cercado de altíssima muralha. O castelo é dotado de arti
lharia pesada e mantém sempre boa reserva de provisões. Quando con
quistámos a praça, encontramos no interior dessa fortaleza 9 canhões
de bronze e 22 de ferro, parecendo-nos que seria ela inexpugnável, tanto
pela sua construção como pelas condições naturais, pois dela não se pode
aproximar a pé, durante a maré alta.
Cêrca de cinco milhas mais acima, junto a um afluente do grande
rio, encontra-se uma pequena cidade, sem importância, que nossa gente
chamava de Cidade Nova, e, sôbre outro afluente do mesmo rio, do lado
oposto à primeira, uma aldeia chamada Atapuepe.

A ILHA ANTÔNIO VAZ E A CIDADE MAURíCIA

Para o sul do Recife, do lado oposto, encontra-se a ilha de Antônio


Vaz, pe a nossa gente assim denominou em referência ao seu antigo A ilha de
proprietário. Tem cêrca de meia légua (42) de perímetro, achando-se Antônio
separada do Recife pelo rio salgado Beberibe. Vaz.

trecho de um autor árabe, no qual a palavra tem significação de cais, muralha.


É claro que, em português, a palavra recife não é empregado como significando cal-
íad», e eis por que nos parece que a primitiva acepção da palavra é que explica a
significação no português do Brasil.
(42) Pela primeira vez o autor escreveu légua (een halve uure gaens, p. 16,
coL, últ. §). O tradutor escreveu, também, légua, como antes o fizera sempre,
to lugar de milha-
22 JOAN NIETJHOF

Na face leste desta ilha, o Conde Maurício lançou os fundamentos


da cidade que, em sua homenagem, veio a se chamar Cidade Maurícia.
Contribuíram com materiais para a construção desta cidade as ruínas
das igrejas e mosteiros de Olinda, transportadas para o Recife e daí
para Maurícia.
Pelo lado oeste é a cidade cercada de alagadiços e a leste banhada
pelo mar, através do colar de pedras. Além disso está fortificada pelo
lado da torra por uma muralha de taipas, por quatro baluartes e um
largo fosso.
A cidade estendia-se para o lado em que se erguia o forte Ernesto
e o casario ocupava área maior que no Recife. Entretanto, após a
revolta dos portugueses a maioria dêsses prédios foi demolida e o povoado
reduzido a um perímetro menor para que fosse melhor defensável; êsse
bairro, porém, foi sempre densamente habitado por comerciantes e
artífices.
A Cidade Maurícia era guarnecida por dois fortes. Do lado do
sul via-se o chamado Frederico Henrique ou forte Quinquangular em
virtude de seus cinco baluartes — cercado por largo fosso, paliçadas
e fortificado por duas cornas, uma grande, outra pequena com 8 peças
de metal (43) de modo a dominar tôda a planície que, na maré alta,
costumava ser alagada pelo mar.
O segundo forte, Ernesto, assim chamado em homenagem ao irmão
do Conde Maurício, Johannes Ernestus, dispunha de quatro baluartes,
com um fosso muito largo dominando o rio, as planícies e a Cidade
Maurícia. Contíguo a êsse forte encontrava-se o jardim do Conde Mau
rício, ostentando numerosas espécies vegetais provenientes da Europa
e das índias.
Sôbre a extremidade norte do recife rochoso, do lado oposto ao de
areia, encontrava-se o Forte de Pedra — assim chamado por ser todo
construído dêsse material — com uma circunferência de cem passos.
Era muito bem guarnecido e artilhado com 20 canhões grandes, mas,
com o mau tempo, as águas do mar o lavavam de lado a lado. Esta
fortaleza dominava o porto, o forte de terra, o forte Bruin e o Recife.
Quando a Ilha de Antônio Vaz foi ligada ao continente por uma
ponte, viu-se a necessidade de ligá-la também ao Recife a-fim-de facilitar
o transporte do açúcar que, até então, só podia ser para ali encaminhado
. na maré vazante, a menos que os comerciantes quisessem correr os riscos
do transporte marítimo, em pequenas embarcações. E assim foi que o

(43) A trad. inglêsa omitiu certos detalhes, como, por exemplo, a referência
às 8 peças de metal (Comparar: ed. holandesa, p. 17, l.a col., 8." § e ed. inglêsa p. 11,
1.» col. 5.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 23

Grande Conselho, com a aprovação do Governador, Conde Maurício, auto


rizou certo arquiteto a construir a ponte, sôbre arcos de pedra, pela
soma de 250.000 florins. Entretanto, depois de já ter o arquiteto gasto
prodigiosa quantidade de pedra e levantado a alvenaria até a altura das
margens do rio, verificando que na maré baixa ainda haveria 11 pés
de água, abandonou a construção em meio, por não se sentir capaz de
levá-la a bom têrmo (44).
O Conselho, porem, não desistiu da emprêsa. Retomou a obra, e,
com o emprego de numerosos troncos de 40 e 50 pés de comprimento,
numa altura de 12 pés de profundidade conseguiu barrar a corrente até
que a ponte ficasse inteiramente concluída, o que levou cêrca de dois
meses. Estabeleceu-se então a seguinte tabela de peagem: 2 vinténs
para pedestres civis, 1 para soldados e negros, 4 para cavaleiros e 7
para carros de bois.
O espaço compreendido entre o recife de areia e o de pedra cons
tituía o pôrto propriamente dito. Na maré alta o ancoradouro chegava
ater 13 pés (45) d'água e os navios podiam aí manobrar com segurança,
protegidos das ondas pelo colar rochoso. A passagem entre o recife
de areia e o continente era de água salgada, enquanto que o Rio Capi-
baribe era de água doce.
0 Rio Capibaribe deriva o seu nome de uma espécie de porco do
mar ou do rio que ali se encontra e que os brasileiros denominavam
Capibaribe (46). Êsse rio nasce algumas léguas ao Poente, atravessa
a Mata, ou Floresta do Brasil, Masiapí, São Lourenço e Real onde se
junta ao Rio Afogados, próximo a outro do mesmo nome, e, finalmente,
vai desembocar no mar, junto ao Recife. O Rio Capibaribe divide-se
em dois ramos: um que se volta para o sul, e, passando pelo Forte
Guilherme, toma o nome de Afogados; outro que corre para o norte, e,
conservando o seu primitivo nome, continua seu curso entre o continente
e a Cidade Maurícia ou a ilha de Antônio Vaz (a qual se pode atingir
pela ponte) e daí para Waerdenburgh, onde se junta ao rio Beberibe, ou

(44) O engenheiro que construiu a ponte que ligava o Recife a Maurícia foi
um judeu que vivia no Brasil anteriormente a 1628. Chamava-se Baltasar da Fon
seca e, com seu filho e seu neto, confessou judaísmo, quando os holandeses se esta
beleceram no Brasil (Cf. XI, 135). Barlaeus afirma que o Conselho empreitou a
construção da ponte por 240.000 florins (Cf. VII, 156). Calado fala em 90.000
cruzados pelo custo da metade da obra. Essa parte tinha sido feita de pedras de
cantaria (Cf. XVII, 151). Calado escreve que as pessoas brancas pagavam uma
placa, os negros duas, os cavaleiros quatro, e os carros dois reales (id., id.).
(45) O tradutor inglês escreveu 13 ou 14 pés; (cf. p. 11, 2.a col. 2.° § da ed. in
glesa ep. 18, l.a col., 2.o § da ed. holandesa).
(46) Segundo Teodoro Sampaio (LXXXI, 119), Capibaribe vem de caapinar
— y — pe, que se alterou em capibar — y — be, rio das capivaras.
24 JOAN NIEUHOF

rio salgado, para em seguida se misturarem, ambos, com o mar. Junto


ao braço do rio a que chamam Afogados, há numerosos engenhos de onde
os portugueses costumam embarcar suas caixas de açúcar em barcos,
ao longo do rio, ou em carroças, para Barreta, daí transportando-as em
chatas para o Recife e Olinda.
Cêrca de uma milha ao sul da Cidade Maurícia, à margem do braço
denominado Afogados, há um forte em quadrilátero, com o mesmo nome,
O Forte conhecido também por forte Príncipe Guilherme, do qual se pode passar,
Príncipe por um dique, ao forte Frederico Henrique, ou à Cidade Maurícia. E'
Guilherme. uma estrutura nobre, rodeada de altas e grossas muralhas, abatises, largo
fosso e artilhada com seis canhões de bronze. Defende as estradas até
se confundirem com a planície.
A perto de meia milha dêsse pôrto e à mesma distância do conti
O forte nente, encontra-se outro forte, ao qual se deu o nome de Barreta, voltado
Barreta. para o mar e em posição de dominar todas as vias de comunicação, tanto
marítimas como terrestres, até o Cabo Santo Agostinho e o Recife.
Na parte da ilha, que fica entre os rios Capibaribe e Beberibe e
'entre o forte Ernesto e o forte triangular de Waerdenburgh, encontra-
O jardim do vam-se os já citados jardins do Conde Maurício, providos de todas as
Conde Mau variedades de plantas, frutas, flores e verduras que a Europa, a África
rício. ou ambas as índias poderiam proporcionar. Havia lá cêrca de 700 co
queiros de todos os tamanhos ; alguns dêles com 30, 40 e 50 pés de altura,
que estavam a cêrca de 3 e 4 milhas (47), deram frutos já no primeiro
ano. Viam-se anda nesses jardins, cêrca de 50 limoeiros, 18 cidreiras,
80 romeiras e 66 figueiras.
O palácio No centro do jardim erguia-se a residência do Conde, chamada
do Conde. Friburgo. Edifício de aspecto nobre que, ao que se diz, custou 600.000
florins. Oferecia uma perspectiva admirável, tanto do mar como de
terra e suas duas torres eram tão altas que podiam ser vistas do mar a 5
ou 6 milhas de distância (48), servindo mesmo de baliza aos marinheiros.
Em frente à casa havia uma bateria de mármore que se elevava do rio,
em degraus e sôbre a qual estavam montados 10 canhões para a defesa
do estuário. A 2 ou 3 pés da corrente, viam-se grandes tanques d'água
doce no jardim, não obstante a do rio, em tôda a redondeza, ser intei
ramente salgada. Além dêsses, havia diversos viveiros repletos de tôdas
as qualidades de peixes.
Bem ao pé da ponte que franqueia o rio Capibaribe da Cidade Mau
rícia ao continente, o Conde Maurício mandou construir uma agrada-

(47) O tradutor inglês omitiu as "3 e 4 milhas". Comparar a p. 18, 2.a col.,
6." § do original holandês, com a p. 12, l.a col-, 4.° § da ed. inglêsa.
(48) O tradutor inglês escreevu: 6 a 7 léguas (p. 12, l.a col., 5.° §) ; cf. ed.
holandesa (p. 19, l.a col., l.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 25

bilíssima residência de verão a que os portugueses denominaram "Boa Sua resi


Vista". Era rodeada de aprazíveis jardins e lagos de peixes que tam dência de
bém serviam de baluarte para a defesa da ilha de Antônio Vaz e da verão.
Cidade Maurícia.
Junto ao recife de areia, olhando para o mar ou para o Forte do , O Forte da
Mar, havia uma grande fortaleza de pedra a que os portugueses chama Terra.
vam S. Jorge, e que nossa gente denominava Forte da Terra, para
distinguí-lo do primeiro. Êsse forte defende a entrada do pôrto com
13 peças de ferro.
A cêrca de um tiro de mosquete em direção ao norte, levantava-se
sôbre o mesmo recife de areia um pequeno forte com quatro bastiões,
chamado Forte do Bruin, e daí para o norte, a uma distância de mais O Forte
um tiro de mosquete, havia um reduto chamado de Madame Bruin, tendo do Bruin.
sido construídas pelos holandeses ambas essas fortificações.
Próximo ao continente, não muito longe das salinas, entre o recife
de areia e a Ilha de Antônio Vaz, havia um forte triangular com o nome
de Waerdenburgh. Era a princípio quadrilátero, mas, posteriormente, os O Forte de
holandeses deram-lhe a forma triangular, à vista da impossibilidade de Waerden
defender o quarto baluarte, dada a configuração do terreno. Os três burgh.
baluartes foram, depois, transformados em outros tantos redutos arma
dos com canhões de bronze. Por ocasião das marés altas, o forte ficava
inteiramente cercado pelas águas.

A CIDADE DE OLINDA

A pequena distância do Recife, ou Cidade Maurícia, em direção ao


norte, encontram-se as ruínas da cidade de Olinda, outrora famosa sob Olinda.
o domínio português, pois era por aí que o Brasil exportava para a Europa
tôda a sua produção. A melhor parte da cidade assentava-se sôbre
diversas colinas. Ao sul, do lado do mar, essas colinas eram bastante
suaves, descendo até a praia que se apresentava, por tôda a extensão da
costa, coberta de uma areia muito branca. Já para o lado da terra, ou
ao norte, os cômoros eram mais escarpados e íngremes, cheios de espi
nheiros e entremeados de laranjeiras, aquí e acolá. Essas colinas cons
tituíam reforço natural da defesa da cidade que, ademais, era defendida
por vários baluartes do lado de terra, embora a grande diversidade dos
acidentes orográficos da região dificultasse a construção de fortificações
regulares. Da parte mais alta da cidade tinha-se uma linda vista, tanto
para o sul como para o norte, quer para o lado do mar como para o
de terra, em virtude da vegetação que circundava a cidade e que se man
tinha sempre verde através das estações. Dali também se avistava a
26 JOAN NIEUHOF

Ilha de Antônio Vaz e a Cidade Maurícia. A ponta de terra próxima


a Olinda era conhecida por Tipo entre o povo.
Sôbre a mais alta colina dessa região existia outrora um convento
de jesuítas, construção magnífica, mandada construir por D. Sebastião,
rei de Portugal, que o dotou de grande patrimônio (49). De lá a vista
era belíssima e o convento podia ser visto do mar, a grande distância.
Não muito longe dêste havia outro mosteiro pertencente aos capuchinhos,
e, próximo à praia, ainda outro dos frades dominicanos. Além dêsses
havia duas igrejas, uma chamada São Salvador e outra São Pedro.
A cidade tinha mais de 2.000 habitantes, fora escravos e eclesiásti
cos; dentre estes, cêrca de duzentos passavam por ser muito ricos (50).
Ao pé da montanha sôbre a qual a cidade de Olinda fora edificada, levan-
tava-se um forte reduto que, em 1645, foi, por um sargento subornado,
entregue aos portugueses por traição (51). A cêrca de uma milha da
cidade, junto ao mar, achavam-se os subúrbios, densamente povoados e
repletos de armazéns, mas faltos de água potável que a população era
forçada a procurar além do rio.
Tôda a região de Pernambuco é fértil em frutas e rica em gado.
Há excelentes pastagens pelos vales, e, nas zonas baixas, próximas aos
rios, existe grande quantidade de cana de açúcar, que é muito cultivada
nas redondezas. As montanhas são aí mais ricas em minério (52) que
em qualquer outra Capitania. Durante a estação chuvosa o calor do
dia é mais tolerável que o frio à noite.

(49) Nieuhof escreveu o mesmo que Barlaeus sôbre o convento dos jesuítas.
(Cf. VII, 40).
(50) Encontravam-se no Brasil holandês monges franciscanos, carmelitas e
beneditinos- Os primeiros eram mais numerosos, e os últimos os mais ricos (Cf.
XLVI, 197). Realmente, os franciscanos eram os mais numerosos, pois possuíam
5 conventos, a saber: 1) Frederica, 2) Iguarassú, 3) Olinda, 4) Ipojuca, 5) Seri-
nhaém. Todos os conventos eram belos edifícios. Possuíam, ainda, um pequeno con
vento no Capibaribe, acima do Massurepe. Viviam de esmolas, pois não possuíam
terras, nem rendas.
Os carmelitas possuíam 2 conventos: um na Paraíba, sem grande importância,
e outro em Olinda. Tinham como patrimônio algumas casas por êles construídas e
alugadas ou construídas por outros, obrigando-se os possuidores a pagarem foros.
Os beneditinos possuíam dois conventos; um na Paraíba, belo e pequeno, e outro
em Olinda, belíssimo. Possuíam um canavial, no engenho das Barreiras, na Paraí
ba. Em Pernambuco, esta ordem possuía um bom engenho, denominado Massurepe,
com extensas terras. (Cf. XV, 161).
(51) Êsse sargento foi subornado por Hoogstraeten e o reduto é a guarita de
João Albuquerque, a uma légua do Recife. (Cf. XVII, p. 246). Moreau relata-nos
que por 1 . 000 libras e o cargo de mestre o Sargento entregou o forte com 14 soldados
que o guarneciam (LIX, p. 86). Vide nota 293.
(52) As explorações holandesas foram várias. Tôdas resultaram infrutíferas.
Sôbre a história dessas explorações, consulte-se Alfredo de Carvalho (XXI). Con
forme asseverou Pandiá Calógeras: "as explorações modernas nada confirmam dessas
jazidas de metal branco". (XVIII, 2.° vol. p. 448).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 27

0 CAMALEÃO, OU SALAMANDRA DA ÍNDIA TAMBÉM


CONHECIDA POR GECO

Êste animal — conhecido entre os holandeses pelo nome de Geco


(53) devido ao seu grito peculiar, — encontrado também na ilha de
Java, índias Orientais, é mais propriamente a salamandra indiana. Tem
cèrca de um pé de comprimento; sua pele é de coloração verde-mar,
pálido, com manchas vermelhas. A cabeça não difere da de uma tarta
ruga que tivesse a bôca reta. Os olhos são grandes e protuberantes,
com pupilas longas e miúdas. Na cauda vêem-se vários anéis brancos.
Os dentes são tão afiados que chegam a marcar o próprio aço. Cada
uma de suas quatro pernas tem cinco dedos dotados de garras recurvas
nas pontas. Fecha-os lentamente, mas, quando agarram em qualquer
cousa, dificilmente soltam. O animal vive geralmente em árvores podres
ou nas ruínas abandonadas de prédios e igrejas. Aloja-se, às vêzes, junto
às camas, fazendo com que os negros removam suas tendas.
Seu grito habitual é Geco, mas, antes de o começar, produz um
ruído semelhante a um chiado. A mordedura dêsse animal é de tal
forma venenosa que o ferimento é quase sempre mortal, se não for
cauterizado imediatamente com ferro em brasa ou mesmo cortado. O
sangue dêsse animal é de côr pálida, semelhante ao próprio veneno. Os
javaneses costumam mergulhar a ponta de suas setas no sangue dêsse
animal. Os que entre êles se dedicam à manipulação de venenos (arte
muito apreciada na ilha de Java, tanto pelos homens como pelas mu
lheres) suspendem o animal pela cauda, num cordel atado ao teto com
o que conseguem enraivecê-lo ao máximo, fazendo-o expelir pela bôca
um líquido amarelo que colhem em pequenas vazilhas e que, a seguir,
levam ao sol para coagular. Assim procedem por vários meses seguidos,
alimentando diariamente o animal. É êste indiscutivelmente o veneno O mais for
mais violento do mundo. A urina dêsse réptil é de natureza tão corrosiva, te veneno do
que não só cobre de bolhas onde quer que toque a pele, mas a deixa n,undo.
negra e produz a gangrena. Dizem os habitantes das índias Orientais
que o melhor antídoto contra êsse veneno é a raiz de Curcuma. Apa
nhámos um Geco, no interior de uma igreja no Recife, que nos obrigou
a abrir grande rombo na parede, para desalojá-lo.

(53) Marcgrave escreve sôbre o camaleão: "Senembi Brasiliensibus, rwbis igua


na, cameliaon (sic), LusitanU falso, & falsUsime Belgis Legnan" (LXX, 236). Pa
rece tntar-se de nome onomatopaico. Jacob Bontius foi dos primeiros a observar
náo só a salamandra da Índia, como o Geco. (LXXI, 57).
28 JOAN NIEUHOF

Há também diversas qualidades de serpentes (54) no Brasil, tais


como a cascavel, a serpente de duas cabeças e outras, das quais os bra
sileiros enumeram vinte e três, a saber: Boiguaçú ou gibóia (55), arabo
(56), boibí (57), boicininga (58), boitrapo (59), boicupecanga (60),

(54) Êsse trecho referente às cobras é totalmente inspirado em Piso, pois até
a enumeração é a mesma (Cf. V, 40-70). Piso, naturalmente, observa-as de um pon
to de vista médico, especificando os antídotos. O livro III "De Venenis Eorumque
Antidotis" foi que serviu de fonte a Nieuhof. Marcgrave descreve mais minucio
samente as serpentes que lhe fora dado conhecer. A sua lista não é, porém, tão
longa quanto a de Piso, embora as descrições e desenhos, que faz, demonstrem o me
lhor conhecimento de ofiologia.
As diferenças da grafia de Piso e Marcgrave com a de Nieuhof são mínimas.
Procuramos, sempre, anotar as de Piso e Marcgrave, pois são, inquestionavelmente,
mais autorizadas. (Veja-se p. 22-24 de Nieuhof e compare-se com Marcgrave (LXX,
pp. 239-241) e Piso (LXX, 40-44).
(55) Marcgrave (LXX, 239) escreve: "Boi-guacú Brasilianis, cobra de veado
Lusitanis". Piso (LXXI, 41) escreve: "Boiguacu, sive liboya, cobre de veado, Lu
sitanis"; Soares (LXXXVI, 304); Barlaeus (VII, 382), Cardim (XIX, 40) escreve:
"Esta cobra que por cá ha, e algumas que se acham de 20 pés de comprido; são
galantes, mas mais o são em engulir hum veado inteiro". Rodolfo Garcia (XIX, 101)
anota que ela pertence à família dos Boídeos (constrictor constrictor, L). Batista
Caetano (III, 250) explica: "traga cobras, donde o nome mboiçuai, o que traga
muitas cobras, nome dado a uma espécie de gibóia que devora as outras: mboiguaçu,
outro nome dado à gibóia". Artur Neiva (LXII, 334) dedica ao nome gibóia grande
número de páginas, estudando-o demoradamente.
(56) Piso (LXX, 42) descreve-a. Marcgrave não a menciona- Teodoro Sam
paio (LXXXI, p. III) fala de araboya, a cobra do ar, a serpente que salta pelos
ares. Gabriel Soares (LXXXVI, 306) escreve sôbre a araboya, cobra que se cria nos
rios e lagos. Waegler fala de Araramboya (Cf. XCIV, 45).
(57) Nieuhof escreveu Bioby (p. 22, 1.a col.) e depois Boiobi (p. 24, 1.a col.).
Barlaeus (VII, 138); Margrave (LXX, 239) descreve-a como de grande bôca, língua
preta e venenosa. Piso (LXX, 34) escreveu: "Boiobi, Brasiliani, cobra verde Lusi-
tanis". O Sr. Cláudio Brandão equivocou-se ao escrever que é a mesma caninana
de Cardim e caninam de Gabriel Soares. Várias razões demonstram claramente o
êrro em que laborou. Em primeiro lugar, Nieuhof, baseado em Piso, distingue bem
a Boiobi da Caninana, pois essa está descrita por ambos em outras passagens de seus
trabalhos (Cf. nota 84) ; em segundo lugar, Piso ao descrever a Boiobi diz (LXX,
43): "Boiobi Brasiliensibus, Lusitanis cobre verde..."; enquanto que para Caninana
diz (LXX, 43): "Caninana serpens, ventre est flavo, dorso autem viridi...". Ora,
uma é a cobra verde, enquanto que a outra tem o ventre amarelo e o dorso é que é
verde. Acresce que, se houvesse lido Soares (LXXXVI, 310) com atenção, teria ve
rificado que êste cronista descreve a Caninana como "cobras meãs na grandura, com
a pele preta nas costas e amarela na barriga" e logo a seguir regista a "Boibu que
quer dizer cobra verde, que não são grandes. No próprio Nieuhof as duas va
riedades são bem diferentes. Finalmente, segundo Batista Caetano (III, 262), mbóy-
obí significa "cobra azul ou verde ou mboihobi que é cobra azul ou verde, que por ser
mui ligeira podia ser mboí aíbi. . . " Compare-se com as notas 63 e 81.
(58) Barlaeus (VII, 138); Piso (LXX, 41) escreve: Boicininga, à qual os
espanhóis chamam Cascavel ou Tangedor; Marcgrave (LXX, 240) assim a descreve:
"Boicininga & Boicinininga & Boitininga atque etiam Boiquira Brasiliensibus: Ayug,
Tapuyis: Lusitanis cascavela, Belgis Kaetel slange". Soares (LXXXVI, 308);
Laet (L, 488) regista: Boycininga. Varnhagen, em nota de número 186, p. 476
(LXXXVl) escreve que "Boicininga caiu em desuso, só ficando o de cascavel." Car
dim (XIX, 42). Para Batista Caetano (III, 250), a palavra é formada de mboí-chini
= mboitini, isto é, boi tinini em tupi, onomatopaico, para significar cobra tintinante;
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 29

boipeba (61), surucucú (62), caninana (63), surucacutinga (64), gui-


nipaiaguara (65), ibiara (66), jacapecoaja (67), ibiboboca (68), jara
raca (69), manima (70), vona (71), tareibóia (72), cacabóia (73), e
amorepinima (74).

também aguai, cobra de guizo ou cascavel (III, 25). Segundo Teodoro Sam
paio (LXXXI, 116), a palavra é composta de mboy — cyninga — cobra ressonante.
(59) Piso (LXX, 42) menciona "Boitiapô Brasiliensibus ; Lusitanis, cobre de
cipo." e Marcgrave (LXX, 241) escreve: "Boitiapo Brasiliensibus ; Lusitanis cobra
de cipo." Segundo Waegler e Spix, Natriz Bicarinata (XCIV, 24).
(60) Piso não descreve essa cobra e tão somente a menciona na lista em que
enumera as várias espécies. (Cf. LXX, 40). Laet (L, 488). Cardim (XIX, 41)
escreve: "cobra que tem espinhos pelas costas, he muito grande e grossa, os espi
nhos são muito peçonhentos e todos se guardão muito delias". Rodolfo Garcia de
clara achar difícil interpretar êsse nome.
(61) Nieuhof escreveu Bapeba. Piso (LXX, 40) só a menciona na lista em
que enumera as variedades de serpentes, escrevendo Boipeba. Soares (CXXXVI,
443) escreve Boipeba. Batista Caetano (III, 250) dá a seguinte etimologia: "mboi
péb, cobra chata muito venenosa, assemelha-se a uma correia no chão".
(62) Nieuhof grafou curucucu. Laet (L, 488) do mesmo modo; Piso (LXX,
42) idem; Marcgrave (LXX, 241) idem; Soares (LXXXVI, 310), Surucucu; Cardim
(XIX, 42), Surucucu, escrevendo: "esta cobra he espantosa e medonha". Anotan-
do-a, Rodolfo Garcia (VIII, 103) diz pertencer ela à família Lachesis mutus, L. e
não ter explicação aceitável o nome indígena.
(63) Marcgrave não a menciona. Laet regista-a à p. 488 (L). Piso enume
ra- a e depois estuda-a (LXX, 43). Em Cardim, Caninana (XIX, 40). Em Soares
(LXXXVI, 310), Caninam; Rodolfo Garcia considera difícil interpretar o nome in
dígena. Compare-se com as notas 57 e 81.
(64) Nieuhof escreveu Curukacutinga. Piso (LXX, 40) escreve Curucacutin-
ga, enumerando-a na lista geral.
(65) Nieuhof escreveu (p. 22, l.a col.) Guinipaiiaguara. Piso (LXX, 40) Guin-
paiiaguara. Cardim (XIX, 40) registou-a escrevendo guigraupiajoara. Rodolfo
Garcia (XIX, 102) explica o nome, dizendo: "papa-ovo ou papa-pinto, da família
dos Colubrídeos (Herpeto dryas carinatus, L.) Em Soares, Urapiagarás (LXXXVI,
311).
(66) Nieuhof escreveu Ibyara (p- 22, l.a col.). Piso (LXX, 42) Ibiiaia cobra
vega (sic) ou cobra de duas cabeças. Marcgrave (LXX, 239) escreve: Ibyara Bra-
eiliensibus, Boaty, Tapuijis, Cega Lusitania, nostratibus Blind Schleiche. Tanto Piso
quanto Marcgrave preocupam-se em afirmar que é falso dizer que a cobra tem duas
cabeças. Batista Caetano (III, 250) explica dêste modo a etimologia: "mboy —
Hcig — cobra curta ou cortada, que dizem ter duas cabeças".
(67) Nieuhof escreveu Jakapekoaja (p. 22, l.a col.). Piso (LXX, 40) cita-a
na lista em que enumera as variedades de cobras, escrevendo Iacapecoaja.
(68) Cardim (XIX, 43) escreve Igbigboboca. Rodolfo Garcia (XIX, 103)
escreve: Ibiboboca ou cobra coral ãa família dos colubrídeos (Elaps marcgravi,
Wied). Ibi-bobog espécie de cobra, isto é, mboi-ibypebabac, cobra enroscada no chão
ou cobra coral". Piso (LXX,42), "Ibiboboca ou cobra de corais". Marcgrave (LXX,
240) . "Ibiboboca ou cobra de coral". Elaps Venustissinus segundo Waegler e Spix
(XCIV, 6).
(69) Piso (LXX, 42) descreve-a; Laet (L, 488) menciona Jararaca e Jara
racuçu, registando, ainda, jaracoaytipinga e jaracopeba; Soares (LXXXVI, 307) es
creve gereracas; Cardim (XIX, 42) jararacas e Rodolfo Garcia (XIX, 102) anota:
"da família dos Viperídeos (Lachesis lanceolatus, Lacep.). Para Batista Caetano
(III, 573), pode derivar o nome de yarará = yararág, que envenena a quem agarra.
Segundo o mesmo autor (id., 263), davam os índios o nome de mboy — apiti (cobra
que fere com o rabo) à jararaca.
(70) Piso (LXX, 40); Cardim (XIX, 88) escreve: "as suas pinturas tomarão
os gentios deste Brasil pintarem-se" ; Gabriel Soares não a menciona. Rodolfo Gar-

4
30 JOAN NIEUHOF

Trataremos, em seguida, das que se encontram nas casas e matas


de Pernambuco, deixando de parte as restantes por não nos serem bem
conhecidas. É de notar, porém, que, a despeito de serem algumas ser
pentes brasileiras ou americanas de maior porte que as européias, não
são, como estas, tão venenosas.
A serpente Boicininga ou Boicinininga, também conhecida por
Boiquira, entre os brasileiros, e Ayug pelos Tapuias, é denominada pelos
portugueses Cascavel ou Tangedor (75), isto é, matraca, devido ao
ruído de sua cauda que se assemelha ao dêste instrumento. Esta cobra,
extremamente venenosa e capaz de se locomover tão rapidamente como
se fosse alada, encontra-se pelas estradas e nos lugares desertos. Pelo
meio do corpo, tem a grossura de um braço humano à altura do cotovelo,
mas, vai se adelgaçando gradativamente para as extremidades. A bar
riga e a cabeça são achatadas, sendo que esta, dotada de olhos muito
pequenos, tem um dedo e meio, tanto de comprimento como de largura.
Tem quatro dentes de conformação tôda especial, mais compridos que os
outros, brancos e aguçados como espinhos, que às vêzes se ocultam sob
as gengivas. A pele é coberta de espêssas escamas, as do dorso são
um tanto mais compridas que as restantes e de uma coloração amarelo
pálido, pretas nos bordos. As partes laterais são igualmente amareladas
e entremeadas de escamas pretas, já as do ventre são maiores, quadradas
e amarelas. Costuma ter essa cobra 3, 4 e por vêzes até 5 pés de com
primento. Possue língua arredondada, bipartida e dentes longos e afia
dos. Constitue-se a cauda de algumas juntas ósseas, soltas, que produzem
o citado ruído característico, audível a boa distância. Por outras palavras,
a ponta da cauda tem um prolongamento composto por algumas juntas
ligadas umas às outras, de forma peculiar, que lembra a de uma cor
rente. Todos os anos nova célula se vem juntar às outras de modo que
é possível saber a idade da cobra pelo número de juntas, como se a

cia (XIX, 125) supõe que se trata da "amoré pinima, que Marcgrave representa".
Não nos parece exata a hipótese, porque Piso e também Nieuhof enumeraram ambas,
distinguindo-as. Marcgrave (LXX, 242).
(71) Piso (LXX, 40) cita-a na mencionada lista a que tanto nos temos re
ferido.
(72) Nieuhof (p. 22, 1.a col.) e Piso (LXX, 40) escrevem Tareiboya; Soares,
taraiboia (LXXXVI, 307); Varnhagen anota (LXXXVI, 473) que Abbeville cha-
mou-a Tarehuboy e Baena (Corografia do Pará, p. 114) Tarahiraboia.
(73) Nieuhof (p. 22, l.a col.) escreveu Kakaboya e Piso (LXX, 42) cacaboya.
(74) Vide nota 70.
(75) Compara-se com a nota 58. As descrições especiais de cada cobra são
literalmente copiadas de Piso (LXX, 41-44). Daqui em diante o texto é pràtica-
mente igual ao de Piso. Uma ou outra vez confrontaremos os respectivos textos,
para melhor esclarecimento. O leitor curioso, porém, poderá êle próprio fazer qual
quer comparação desde que sempre indicamos as passagens copiadas.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 31

natureza quisesse favorecer a humanidade, advertindo-a contra êsse ani


mal venenoso, com o seu próprio ruído. Um dêstes guisos colocados no
anus produz morte imediata; entretanto, já a picada da cobra tem ação
muito mais lenta, pois que no comêço a ferida sangra e a seguir a pele
vai se tornando azulada e a úlcera corrói aos poucos o tecido adjacente.
0 melhor remédio que os brasileiros conhecem contra o veneno desta,
como de outras víboras, é a cabeça do próprio réptil (76), reduzida a
uma espécie de pasta, num almofariz, e aplicada sôbre a mordedura.
Misturam-na habitualmente com saliva, com a qual também umedecem
frequentemente a ferida. Se notam que o veneno se vai estendendo às
partes vitais do organismo, ministram à vítima Tipioca (77) como cordial
e a seguir aplicam fortes sudoríficos. Deixam também o ferimento
aberto, aplicando-lhe ventosas para dêle extrair o veneno, ou então
queimam-no com ferro em brasa. Se a parte da ferida pode ser inter
ceptada surge logo a necessidade de ligá-la; o que se faz com junco, que
os brasileiros chamam jacape, e no qual confiam especialmente (78).
A cobra denominada surucucú tem uma côr cinzenta com manchas Snrucucú.
amarelas e malhas pretas no dorso, possuindo também escamas como
a cascavel.
A Gauçú ou Gibóia é sem dúvida a maior de tôdas as serpentes,
atingindo, alguns especímenes, 18, 24 e mesmo 30 pés de comprimento
e a grossura de um tronco de homem, ao meio. Os portugueses cha-
mam-na Cobra-de-Veado por ser capaz de engulir um corço inteiro A Cobra-
ou mesmo um veado, pois, conquanto a garganta seja estreita, o ventre -de-Veado
é bastante grande. Após ter devorado prêsa de tão grandes proporções,
a cobra cai num estado letárgico em que facilmente se deixa capturar.
Lembro-me de ter visto uma perto de Paraíba, que media 30 pés de
comprimento e tinha a grossura de um barril. Os negros viram-na
engulir um cabrito. Enviaram-se, então, 13 mosqueteiros que abateram
o monstro e arrancaram-lhe o cabrito do ventre. Essa cobra era de uma
côr cinzenta, conquanto as outras se inclinem mais para o castanho. Essa

(76) A fonte de Nieuhof continua sendo Piso. Compare-se êsse trecho com o
que escreveu Piso (LXX, 41) no capítulo: "Qui agit De Venenis eorumque Antidotus.
. . . contra hujtis aut qualiscumque serpentis morsus restat, est ipsius nocentis
eaput, ..."
(77) Nieuhof escreveu Tiproka (p. 23, l.a col. 1-* §). Piso escreve Tipiocae,
que adotamos. (LXX, 41).
(78) A edição inglêsa omitiu êste trecho referente à parte ferida a que se admi
nistra Jacape (comp. p. 23, l.a col., 3.° § da ed. holandesa, com a p. 15, l-° col. da
ed. inglêsa). O curioso é que Nieuhof copiara Piso. Assim, compare-se êsse tre
cho com o seguinte de Piso (LXX, 41) : "Ad remedia extrahentia, mdnus dilatantia,
learificationes, cneurbitulas, & si pars laesa intercipi possit, ad vincula festinandum,
xdque junco lacape, cui remedio maxime fidunt Brasiliani" . . .
32 JOAN NIEUHOF

variedade ofídica não é tão venenosa como as outras. Os negros, por


tugueses e mesmo alguns holandeses alimentam-se de sua carne. Também
é certo que sua picada não é tão infecciosa, pois frequentemente sara sem
remédio. Nessas , condições, não se pode incluir esta serpente entre o
número das venenosas, como por exemplo a Caninana, a Manima e a
Vona (79). Esta é extraordinariamente voraz, sempre ávida de novas
prêsas, e, saltando entre sebes e arbustos, põe-se em pé sôbre a cauda
para assim atacar homens ou animais. Às vêzes atira-se de uma árvore
sôbre o viajante, em cujo corpo se enrola, procurando vencê-lo pela
asfixia, valendo-se, para isso, da cauda.
Jararaca. A. Jararaca é curta, poucas vêzes excedendo o comprimento de um
braço até o cotovelo. Tem, na cabeça, veias salientes como a víbora e
emite um silvo mais forte que esta. Sua pele é coberta de manchas
pretas e vermelhas, sobre fundo côr de terra. A mordedura desta ser
pente é tão perigosa quanto a das outras e apresenta idênticos sintomas.
Costuma-se dizer que se se cozer a cabeça, a cauda e a pele juntamente
com as entranhas, numa infusão de jurupeba, com sal, endro e outros
ingredientes semelhantes, obtém-se um bom remédio.
Boitiapo. A cobra denominada botiapo é conhecida pelos portugueses pela
designação de cobra cipó, tem cêrca de 7 pés de comprimento e a grossura
de um braço humano. Sua côr é oliva, alimenta-se de rãs e sua venenosís
sima picada provoca os mesmos sintomas que a da surucucú ; só é curável
com ferro em brasa.
Ibiara. A ibiara a que os portugueses chamam cobra cega, ou cobra de
ditas cabeças por dar a impressão de ter duas cabeças conquanto
na realidade não as tenha, encontra-se em grande quantidade em bura
cos, sob a terra. Tem de diâmetro o comprimento de um dedo e mede
cêrca de pé e meio de um extremo a outro. Sua côr é prateada, e,
nada mais venenoso que as picadas dêsse réptil. Entretanto, é possível
curá-las, desde que se possam aplicar a tempo os citados remédios.
Ibiboboca. Há, ainda, a serpente que os brasileiros denominam ibiboboca e que
os portugueses conhecem por cobra de corais. E' uma cobra belíssima, de
um branco côr de neve e pontilhado de manchas pretas e vermelhas. Atinge
a cêrca de dois pés de comprimento e sua mordedura é mortal, mas, de
ação retardada.
Boiobí. A boiobí, que os portugueses chamam cobra verde, tem de compri
mento cêrca de uma vara (80) e a espessura de um polegar. Sua

(79) Mais uma prova evidente do plágio de Nieuhof. Tendo Piso escrito, à
p. 40 (LXX), Manima e Vona, e à p. 2 Mavina e Vocia, Nieuhof, seguindo-o, escre
veu à p. 22, l.a col. Manima e Vona, e à p. 23, 2.a col., Mavina e Vocia.
(80) O tradutor inglês escreveu três quartos de jarda (p. 16, 1 col., últ. §).
Cf. ed. hol. p. 24, 1.» col., 4 §.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 33

côr é de um verde brilhante. Vive dentro de casa e não ataca ninguém


a menos que seja provocada. Sua picada, entretanto, é muito venenosa
e dificilmente curável. Certo soldado, ferido por um dêsses répteis oculto
numa cerca, veio a falecer poucas horas mais tarde, por falta de medi
cação adequada. Seu corpo ficou todo entumecido e azulado.
A caninana (81) tem o ventre amarelo e o dorso verde. Seu compri- Caninana.
mento é de cêrca de 8 palmos e essa cobra passa por ser de tôdas a menos
venenosa. Alimenta-se de ovos e pássaros; tanto negros como brasi
leiros comem-lhe a carne depois de decepadas a cabeça e a cauda.
A cobra que os naturais chamam de ibiracoa (82) , apresenta coloração n»"*»60*-
muito variada, com manchas pretas, brancas e vermelhas. Sua picada,
muito venenosa, é seguida dos mesmos sintomas que as da surucucú e
mata infalivelmente, se não se aplicarem os remédios adequados. Nos
casos em que o veneno ainda não tenha atingido o coração costuma-se
ministrar ào paciente, juntamente com vinho, a carne da própria cobra
cozida com certas raízes.
A tareibóia e a caeabóia (83) são variedades anfíbias. A primeira,
muito grande, de côr escura, morde, quando provocada, mas sua picada
não é difícil de tratar. A caeabóia é de côr amarelada, tem 6 palmos de
comprimento e alimenta-se de aves domésticas.

SENEMBí OU LEGUAN

Não somente na Capitania de Pernambuco, mas também no resto


do Brasil e por tôda a América, bem como na Ilha de Java, índias Orien
tais, há uma variedade de crocodilo terrestre que os brasileiros chamam
de senembí e que a nossa gente conhece por Leguaen (84). Há-os de
diversos tamanhos; alguns atingem a 3 e 4 pés de comprimento, rara
mente, porém, excedendo de 5. Têm o corpo coberto de escamas que
são relativamente maiores no dorso e nas pernas e que parecem começar
na cauda de preferência a qualquer outro ponto. O pescoço tem o com
primento aproximado de um dedo e meio, os olhos são pretos e brilhantes

(81) Mais um exemplo de plágio de Nieuhof. Compare-se a tradução brasi


leira, fiel ao texto holandês (p. 24, 1.» col. 6.° §) com a p. 43 de Piso (LXX). Com-
parem-se, também, com as notas 57 e 63.
(82) Outro pequeno exemplo. Veja-se p. 43 de Piso (LXX).
(83) Mais outro exemplo que ilustra a afirmação que fizemos na nota 75.
Nieuhof copiou de Piso (Cf. LXX, p. 43).
(84) Marcgrave descreveu-o à p. 236 (Cf. LXX). Já nos referimos a ela, na
nota 53, que se refere ao Camaleão. Soares (LXXXVI, 312) regista senembús, re-
ferindo-se à sua boa e saborosa carne. Descreve-o no capítulo 114, onde fala dos
lagartos e dos camaleões. Varnhagen regista em nota (n.° 188) à p. 470 Sanambús
e Iguana.
1

34 JOANNIETJHOF

e as narinas se situam na parte posterior da cabeça. As mandíbulas


são fartamente providas de dentes pequenos, negros e curtos. A língua
é muito grossa. Ao longo das costas, do pescoço à cauda, há pequenos
espinhos muito agudos, de côr esverdeada. São pouco maiores no pes
coço e vão diminuindo gradativamente até a cauda. Sob a garganta há
também muitas dessas cerdas. Tôda a pele é de um verde desmaiado,
pontilhada de manchas pretas e brancas. Possue êle quatro pernas e
pés nos quais tem cinco garras armadas de unhas afiadíssimas. Pode
subsistir dois ou três meses sem alimento algum. Sua carne, branca
como a de coelho, é tão saborosa quanto a de galinha ou de lebre, quando
preparada na manteiga. Na cabeça dêsse animal há certas pedras que
constituem remédio infalível para dissolver e expelir cálculos hepáticos,
quando ministradas na dosagem de 1/4 de onça por vez ou trazidas junto
ao corpo.
Lagartos. Há, no Brasil, lagartos de todos os tamanhos, grandes e pequenos.
Uns são verdes, outros cinzentos e alguns têm quatro pés de comprimento,
com olhos muito brilhantes. Os negros alimentam-se de alguns dêles aos
quais matam com setas despontadas. A seguir assam-no, arrancada a
pele, comendo-os sem o menor receio. De todos os que se encontram
entre os espinheiros e as sarças ou nas ruínas das casas, só há uma varie
dade venenosa, chamada víbora (85). Os dêstes grupo são idênticos aos
outros, posto que menores, não excedendo ao tamanho de um polegar.
Têm uma côr acinzentada, mais para o branco. O corpo e os membros
são grossos e túrgidos de veneno, mas, a cauda é curta e larga. A
picada dêsse animalejo deixa, na ferida, um humor fétido, a pele, em
redor, toma colorido azulado e a vítima sente dores junto ao coração e
nos intestinos.
Mil pernas. Há também certos animais conhecidos por mil pernas e centopéia,
(86) que os nativos chamam de ambua e que se contorcem todos ao andar;
passam por ser muito venenosos. O primeiro encontra-se comumente
nas casas e o último vive nas matas e não só infestam o mundo vegetal
como, também, atacam homens e animais.
Escorpião. O escorpião, que os brasileiros chamam de jaaciaiira, (87) existe
em grande abundância, assemelhando-se, na forma, ao escorpião europeu,
ainda que não seja tão venenoso quanto êste. São, portanto, fàcilmente

(85) Nieuhof escreveu (p. 25, l.a col., 7.° §) Bibora. Aliás, é essa a grafia
de Piso (LXX, 43).
(86) Piso registou-a (LXX, 44) e Marcgrave escreveu (LXX, 253) Ambua
Braêilienaibua, centopeia Lusitanis. Soares (LXXXVI, p. 315) escreveu Imbuá e
Piso (LXX, p. 44) escreve Ambua.
(87) Iaaciaiira escreveu Marcgrave (LXX, 25), declarando que assim chamavam
os brasileiros ao animal denominado, pelos lusitanos, de escorpião.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 35

curáveis os ferimentos por êles provocados. Aloja-se dentro de casa,


atrás de tamboretes, bancos e móveis velhos. São tão grandes como de
fato maiores não se encontram em nenhum outro país; alguns atingem
a 5 e 6 pés e são consideravelmente volumosos.
Há, no Brasil, prodigiosa quantidade de formigas, razão pela qual Formigas,
os portugueses apelidaram êsse inseto de "Rei do Brasil" (88). Comem
tudo quanto deparam pelo caminho: frutas, carnes, peixes e insetos, sem
que nada lhes faça mal. Há também uma formiga alada, do comprimento
de um dedo, cabeça triangular e corpo dividido em dois segmentos presos
por um tênue fio. Na cabeça tem ela dois chifres finos e compridos e
seus olhos são pequeníssimos. Possue, na parte anterior do corpo, 6
pernas, cada uma com 3 juntas; tem quatro asas finas e transparentes,
duas internas e duas externas. A parte posterior, que é arredondada,
tem uma coloração parda e brilhante. Êsse inseto constitue petisco muito
apreciado pelos negros. Aloja-se na terra, como a toupeira e devasta as
sementeiras.
Há outra espécie de formigas maiores, (89) que se assemelham a uma
mosca de grande porte. O corpo todo chega a ter o comprimento de
metade de um dedo e é dividido em três partes distintas, a última das
quais tem a forma e o tamanho de uma semente de cevada; a do meio
tem conformação oblonga, com seis pernas de comprimento de meio dedo
e cada uma com 4 juntas; a parte anterior, ou a cabeça, em forma de
coração, é muito espessa, tendo dois chifres e outros tantos dentes re
curvos. O branco dos olhos inclina-se para o preto. Tem-se a impressão
de que a cabeça tôda se compõe apenas dos dois olhos, opostos um ao
outro e lembrando a figura de coração. As partes anteriores e internas
são de um vermelho brilhante.
Há, ainda, outra espécie de formiga preta, brilhante, de pernas
escuras e ásperas. Tem o comprimento aproximado de um dedo, cabeça
grande, quadrada, olhos pretos, assustados, dentes enormes e dois chifres
do tamanho de metade de um dedo. O corpo é igualmente dividido em
três partes: a dianteira, de conformação oblonga, não muito grossa, com
seis pernas do comprimento de meio dedo cada uma ; a do meio, muito
pequena e quadrada, não excedendo às dimensões de um piolho, e, final
mente, a posterior, que é a maior das três, de forma oval, afilada na

(88) Marcçrave escreve (LXX, 253) : Formicae hic sunt, ut à Lusitanis Rey
do Brasil appellatur. Piso (LXXI, 9) escreve que elas "exerciam perpétua tirania".
(89) Marcgrave (LXX, 252) escreveu: Formica itidem magna hic reperitur,
muscac majori aequalis, cujus corpus pene semidigitum longum atque tripartitum.
36 JOAN NIEUHOF

extremidade. Essas três partes acham-se ligadas por um simples fio.


Os brasileiros chamam a essa formiga tapiiai (90).
Além dessas, há outra formiga, que os brasileiros chamam
cupia (92), parda côr de castanha; a cabeça é do tamanho da outra
formiga inteira. Tem olhos negros, dois chifres e duas prêsas no lugar
dos dentes. O corpo todo é coberto de pelos e divide-se em duas partes,
das quais a dianteira, com seis pernas, é um tanto menor que a posterior
■— a qual, em certas estações do ano, apresenta-se com quatro asas,
sendo as anteriores maiores que as posteriores. Algum tempo depois
essas asas caem.
Porco. O porco-espinho do Brasil é conhecido entre os naturais pelo nome
-espinho. de cuandú e entre os portugueses de ouriço-cacheiro (92) ; tem o tama
nho de um bugio grande e é todo coberto de agudos espinhos de três
a quatro dedos de comprimento, sem nenhum pêlo. Junto ao corpo êsses
espinhos são amarelados, mas, a parte restante é preta, exceto as pontas
que são esbranquiçadas e tão afiadas quanto sovelas. Quando irritado,
o animal produz uma contração brusca na pele e projeta êsses espinhos
com tal violência, que seus ferimentos, por vêzes, chegam a matar homens
e animais. Seu corpo todo, da parte anterior da cabeça ao comêço da
cauda, mede um pé de comprimento. O rabo tem um pé e cinco pole
gadas e também é provido, até metade, de afiados espinhos; a parte
restante é coberta de cerdas como outros porcos. Os olhos são redondos,
medrosos e faiscantes como carbúnculos. Ao redor da boca e do nariz
há pelos de quatro dedos de comprimento, semelhantes aos dos nossos
gatos e lebres. Os pés assemelham-se aos dos monos, mas com quatro

(90) Em Marcgrave (LXX, 252) encontra-se também Tapiiai. Batista Caeta


no (III, 482) regista tapiiai, s. nome de uma espécie de formiga; há diversas outras,
cujo nome inclue tapé caminho, ou tab povo, e, talvez, tob folha.
(91) Nieuhof (p. 26, 1* col. últ. §) escreveu Kupia. Marcgrave (LXX, 253),
cupia. Frei Vicente Salvador regista o que chama outra casta de for-
miga chamada copy (LXXVIII, 44) ; Soares (LXXXVI, 324) menciona
copi, escrevendo: bichos que são tão prejudiciais como as formigas, os quais arre
medam na feição as formigas, mas são mais curtos, redondos e muito nojentos . . .
Batista Caetano (III, 76) escreve: copi = cupii, s. nome genérico dos termites ou
formigas brancas (de caa ou co piir).
Êsse trecho de Nieuhof é, também, plagiado de Marcgrave (LXX, 253).
(92) Cuandú é o nome tupi do ouriço-cacheiro. Marcgrave (LXX, 233) escreve:
Cuandu Brasiliensibus : Ourico Cachiero Lusitanis: een ysere Dercken Belgis...
Sôbre o seu grito, refere-se o mesmo autor nestes termos : Vocem editut sus iii. Nieuhof
(p. 26, 2.a col. 3." §) escreveu Kuandu ou Ourico Kacheiro. Laet (L, 486) regista
Coanduguacu e Coandumiri. Soares (LXXXVI, 303) menciona Coandu e Cardim
(XIX, 35) escreve Canduaçu. Rodolfo Garcia, em nota à p. 99, do mesmo livro
(XIX) escreve que com o aumentativo açú não se conhece êsse animal na nomen
clatura vulgar. Coandu é o roedor da família dos Coendídeos, cuja espécie maior
é o Coendu villosus Licht. Com o diminutivo mirim, conforme o registou Laet, não
se justifica a mesma observação de Rodolfo Garcia.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 37

dedos somente, pois no lugar do polegar há um espaço vazio, como se


o houvessem amputado. As pernas dianteiras e as traseiras são arma
das de espinhos, sendo aquelas menores que estas. Entretanto, nas patas
nenhum espinho se vê. Êste animal dorme habitualmente durante o dia
e perambula à noite. Respira pelas narinas, é grande apreciador de
galinhas e sobe pelas árvores, embora o faça muito lentamente. Sua
carne não sabe de todo mal e os nativos comem-na assada. Emite um som
característico : Iii.
Vejamos outro quadrúpede a que os brasileiros chamam Ai, os por
tugueses preguiça e os holandeses luyaert (93) (passo lento), dada a Bicho
sua locomoção extremamente vagarosa, pois em quinze dias percorre preguiça,
apenas a distância de uma pedrada. Tem o tamanho de uma raposa
mediana e o comprimento de pouco mais de um pé, a contar do pescoço
(que não excede de três dedos de comprimento) até a cauda. Os mem
bros dianteiros têm sete dedos de comprimento até as patas, mas os
posteriores têm aproximadamente seis. A cabeça, arredondada, tem três
dedos de diâmetro mais ou menos. A bôca, que está sempre espumando,
é redonda e pequena, e seus dentes não são grandes nem agudos. O
focinho é preto, protuberante e liso e os olhos pequenos, negros e pesa
dos. 0 corpo é todo coberto de um pêlo cinzento, do comprimento de
dois dedos, que mais se aproxima do branco que do preto. Em tôrno
do pescoço o pêlo é um pouco mais comprido que no restante do corpo.
E' um animal muito lerdo, incapaz da mais leve fadiga, devido ao fato
de suas pernas serem desconjuntadas ,pelo meio. Contudo, vive sôbre
as árvores, mas caminha, ou antes, se arrasta muito lentamente. Seu
alimento são as folhas das árvores. Nunca toma água e quando chove
trata de se esconder. Quando se agarra a qualquer cousa é difícil remo-
vé-lo. Costuma emitir, ainda que raramente, um miado semelhante ao
dos gatos.
0 papa-formigas, assim chamado porque só se alimenta de formigas,
apresenta-se em duas variedades: o grande e o pequeno. Os brasileiros

(93) Laet (L, 487) escreve Hay, declarando que Thevet grafara Haú ou
Hautchi. Marcgrave (LXX, 221-222) escreve: At tive lguavut — Ai Bratilienti-
ku, Lutitanis Priguiza, Nottratibus Luyaert, id ett lgnavut . . . ; vocem raritnime
tàit Um, fere ut felis junior. Marcgrave mencionou, também, o nome que lhe dera
Thevet, de Hay e o de Unáu; Soares (LXXXVI, 301); Cardim (XIX, 39). Frei
Vicente do Salvador (LXXVIII, 43). Rodolfo Garcia (XXXVIII, 83). Segundo
Rodolfo Garcia, são ao todo 4 espécies, enquanto que Cláudio Brandão (Vil, 381,
liota 153) afirma que são somente duas. Batista Caetano (III, 27) encrcvcu: Ai,
interj. de dôr, ai! onomatopaico de grito, nome do bicho preguiça (Bradíppua) <i <l<t-
pois dêste dado ao munjolo de socar milho. Xieuhof escreveu Luyaert (p- 27, 1,'
eoL). Hoje, escreve-se Luiaard.
I

38 JOANNIEUHOF

Tamanduá chamam ao primeiro tamanduá-í e ao último tamanduá-guaçú (94). Tra-


ta-se de um quadrúpede do tamanho de um cão, cabeça redonda, focinho
longo, bôca pequena e desdentada. Sua língua é arredondada, atingindo
às vêzes 25 polegadas, ou seja, 3 pés (95) e meio. de comprimento.
Quando quer se alimentar, estende a língua sôbre os monturos, até que
as formigas nela se instalem, para depois engulí-las. Suas orelhas são
redondas e a cauda muito áspera. Êsse animal não é esperto e pode
ser fàcilmente agarrado à mão, pelos campos. O menor, chamado
tamanduá-guaçú, é do tamanho de uma raposa brasileira, com cêrca de
um pé de comprimento. Nas patas dianteiras possue êle quatro garras
recurvas, sendo duas grandes ao meio e duas menores aos lados. Tem a
cabeça redonda, afinando para a extremidade e ligeiramente curva para
baixo. A bôca é preta e sem dentes. Os olhos são muito pequenos e
as orelhas, do tamanho de um dedo, mantêm-se sempre eretas. Duas
largas listas pretas correm de ambos os lados de seu lombo. Os pelos
da cauda são mais compridos que os do dorso, mas a ponta do rabo
é isenta de cerdas, pois serve para se apoiar nos ramos das árvores.
Os pelos de todo o corpo são amarelo-pálido, duros e brilhantes. A
língua é redonda, atingindo a cêrca de oito dedos de comprimento. E'
um animal muito selvagem, procura apanhar tudo com as suas garras
e se for agredido a cacete, põe-se ereto como um urso e tenta, com a
bôca, tomar o pau do agressor. Dorme o dia inteiro com a cabeça e
as patas dianteiras sob o pescoço e vaga durante a noite. Quando bebe,
a água escorre imediatamente pelas narinas.
Há, também, no Brasil, uma variedade de cobra do comprimento
de duas toesas, sem pernas, com a pele de variegadas cores e provida
de quatro dentes. A língua é fendida ao meio, assemelhando-se a duas
setas e o veneno oculta-se numa vesícula situada na cauda.
Porco. O quadrúpede que os brasileiros chamam de tatú e tatupera, os
-couraça. espanhóis de armadillo, os portugueses de encoberto e os holandeses de

(94) Marcgrave (LXX, 225) mencionou as duas variedades. Sôbre o primeiro,


escreveu: Tamandua-i Brasiliensibus, Belgis Klein Mierenetor Animal vulpeculae
Americanae magnitudine, vel pauio major. Sôbre o segundo (ibid.) escreveu: Ta~
mandua-Guasu Brasiliensibus, Congensibus (ubi & frequens est) Vmbulu; Belgae
appellant de Groote Miereneter. Animal magnitudine canis Lanionum. . . Laet (Lr,
556). Piso (LXXI, 9) escreveu Tamendoá. Barlaeus (VII, 138). Em Soares,
(LXXXVT, 289) encontra-se Tamandoá. Em Cardim (XIX, 34) tamanduá. Gan-
davo (XXXVI, 106). Frei Vicente Salvador (LXXVIII, 41) escreve Tamandoçú.
Em Abbeville (XXXVIII, 47) encontram-se as duas variedades: Tamandouâ e Ta-
mandouãy. Batista Caetano (III, 476) acha difícil admitir-se taci — monduár,
caça formigas e prefere tama — pelos e uguai — cauda, fácil de mudar-se em nduai.
Rodolfo Garcia (XIX, 99) acha que o primeiro étimo condiz melhor com o modo
de viver do animal. São três as espécies da famílias dos Mirmecofagídeos.
(95) O tradutor inglês escreveu dois pés e meio (p. 19, l.a col., 2.° §) ; cf. ed.
holandesa (p. 28, 1.» col., 5.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 39

schilt-verken (96) (porco-couraça) por ser protegido com escamas seme


lhantes às de uma armadura, lembra, no volume e na forma, os nossos
suínos. Há diversas variedades dêsse animal. A parte superior do
corpo, assim como a cabeça e a cauda são cobertas por uma couraça
óssea, constituída por escamas muito finas. Sôbre o dorso há sete divi
sões entre as quais aparece a pele, de um pardo escuro. A cabeça asse-
melha-se à de um porco, com o focinho pontudo, com o qual procuram
foçar tudo quanto encontram pelo chão. Os olhos são exíguos e pro
fundamente encravados nas órbitas; a língua é pequena e aguçada; as
orelhas, castanho-escuras e curtas, sem nenhum pêlo ou escama. A
côr de todo o corpo tende mais para o vermelho. A cauda tem, no
começo, cêrca de quatro dedos de espessura, mas vai se adelgaçando
gradativamente, para se arredondar na ponta, como a dos suínos comuns.
0 ventre, o peito e as patas são destituídos de qualquer escama, porém
cobertos por uma pele não muito diferente da do ganso, com pelos esbran
quiçados do comprimento de um dedo. Êsse animal é, geralmente, muito
gordo; vive de ervas e raízes e danifica consideravelmente as plantações.
Cava buracos no chão, devora coelhos e pássaros mortos bem como quais
quer outras carcaças. Bebe muito; vive a maior parte do tempo à
superfície da terra, mas gosta de água e dos lugares pantanosos. Sua
carne é comestível. Caça-se o encoberto da mesma forma que a lebre
na Holanda ; os cães acuam denunciando sua toca ; abre-se então o buraco
e no fundo encontra-se o tatú.
Os morcegos do Brasil, a que os nativos chamam andirica (97).. Morcegos,
têm o tamanho de nossas gralhas. São muito bravos e atacam violen
tamente com seus aguçados dentes. Costumam construir seus ninhos no
ôco das árvores e em buracos.
A ave que os brasileiros chamam de Ipecati apoa e os portugueses de
pato (98) nada mais é, na verdade, que um ganso, e, por essa razão,

(96) Marcgrave (LXX, 231) escreve: Tatu & Tatu-Peba Brasiliensibus, Arma-
dillo Hispanis, Encuberto Lusitanis: Belgae nostri voeant een SchUd-Vercken, Laet
(L, 485) ; Piso (LXXI, 100) menciona, também, Tatupeba, Tatu eté, Tatu apára.
Barlaeus (VII, 138) ; Frei Vicente do Salvador (LXXVIII, 41) ; Gandavo (XXXVI,
103); Abbeville (XXXVIII, 78) regista Tatou e Tatou Ouãssou; Gabriel Soares de
Souza (LXXXVI, 295); Cardim (XIX, 35). Batista Caetano (III, 490) explica-
-nos que significa casca densa; entre os citados por Piso — Tatupeba e Tatu apára
— o mesmo autor esclarece: peò é chato e apára arqueado (êsse é o tatú-bola em
português).
(97) Marcgrave (LXX, 213) continua sendo a fonte de Nieuhof. Escreve o
citado autor Andiriaca. Batista Caetano (III, 34) regista andirá, morcego, escre
vendo que se encontra, também, andira por atuá, que significa topete, cabelo em
monte, tcpetudo (idem, 53).
(98) Esta descrição constitue mais um plágio de Nieuhof. (cf. com Marc
grave, (LXX, p. 218). Piso (LXXI, p. 82). Batista Caetano (III, p. 204) regista
ipegatiapua, pato de crista ou pato de cousa sôbre a cabeça erguida.
40 JOAN NIEUHOF

Gansos os holandeses a denominam ganso selvagem. Tem o tamanho de um


selvagens.
de nossos gansos de oito a nove meses (99) de idade e a êles se asse
melham em todos os aspectos. O ventre, a parte inferior da cauda,
assim como o pescoço, são cobertos de penas brancas, mas, sôbre o dorso,
até a nuca, nas asas e na cabeça, as penas são pretas, entremeadas de
algumas verdes. Vêem-se também penas pretas intercalando as brancas,
no pescoço e na barriga. Distingue-se dos nossos gansos por ser um
tanto maior. O bico assemelha-se ao das patas européias, sendo, porém,
preto e revirado na ponta. Sôbre êste se estende um pedaço de carne
preta, arredondada, com manchas brancas. Êsses gansos são encontra-
diços nas margens dos rios; têm carne abundante e saborosa.
Tucano
O pássaro que os brasileiros chamam tucano (100) tem o tamanho
on
Bico Grande. aproximado do pombo silvestre. Possue um papo côr de açafrão, de
três a quatro dedos de diâmetro, em torno do peito, com penas de um
vermelho vivo pelos bordos. O peito é amarelo e o dorso preto, como
as demais partes do corpo. Seu bico é enorme, de quase um palmo de
comprimento, sendo externamente amarelo e vermelho por dentro. Parece
incrível que pássaro tão pequeno se possa haver com bico tão grande,
embora seja êste muito leve e fino.
O pássaro O pássaro conhecido pelos naturais como socó (101) é uma espécie
socó. de grou, muito bonito de se ver e do porte de uma cegonha. Seu bico,
de seis dedos de comprimento, é reto, aguçado e de uma côr amarelada
tocada a verde. O pescoço tem quinze dedos de comprido, o corpo dez
e a cauda cinco. As pernas são cobertas até ao meio de penas bran
cas, a outra metade é lisa. O pescoço e a garganta são brancos e as
partes laterais da cabeça são pretas, mescladas de cinzento. Na parte
inferior do pescoço há penas brancas lindíssimas, leves e finas, que

(99) Nieuhof, traduzindo Marcgrave, escrevera: ala een gans van acht of
negen maenten (p. 29, 2.a col., 2." §); o tradutor inglês escreveu (p. 20, 1» col.,
2.° §): of one of our geese of about nine months old.
(100) Mais uma vez Nieuhof traduziu para o holandês o texto latino de Marc
grave (Cf. LXX, p. 217): — Barlaeus (VII, p. 139). Cardim, (XIX, p. p. 48)
escreve Tucána. Soares (LXXXVI, p. 264). Abbeville (XXXVIII, p. 81) men
ciona o Toucan. Segundo Rodolfo Garcia (XXXVIII, p. 81), Thevet foi o primeiro
a descrever a ave e a dar-lhe o nome indígena. Para Batista Caetano (III, p. 541)
tucanâ vem de ti — cang — bico ósseo, língua óssea ou ainda túb — cáb — quebra
ovos. Nieuhof escreve Toukan (p. 30, l.a col.). Para Teodoro Sampaio (LXXXI,
p. 154) é a seguinte a etimologia do nome: tu — quã, bico que sobrepuja, exagerado.
(101) Nieuhof (p. 30, l.a col., 5.° §) escreveu Kokoi. Marcgrave (LXX, 209
foi ainda desta vez furtado. O engano gráfico de Nieuhof vem disso, porque Marc
grave escreveu cocoi. Piso (LXXI, 89). Conforme anota Rodolfo Garcia (XXXIX,
43-44) çoeoi — nome especifico atribuído à ave pelos naturalistas antigos, é o equi
valente de socó, apenas diferençado pela grafia latina daqueles escritores, à qual
era estranho o ç. Baseado em Batista Caetano (III, 95), Rodolfo Garcia dá a se
guinte etimologia: ço = ir + co = batendo. É da família Ardeidae.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 41

servem para plumas. As asas e a cauda são côr de cinza, intercaladas


com penas brancas. Em toda a extensão do dorso podem se ver penas
leves e longas, como as do pescoço, mas acinzentadas. A carne é ótima
e de sabor agradabilíssimo. Há outra variedade dêsses pássaros, um
pouco maior que o pato doméstico. O bico, reto e agudo na ponta, tem
o comprimento de quatro dedos e meio e é guarnecido com uma dupla
fileira de dentes, tanto na parte inferior como na superior. O pescoço
que tem um pé de comprimento fazem-no assemelhar-se ao grou, pos
suindo, entretanto, olhos pretos envoltos num círculo côr de ouro. O
corpo tem cinco pés e meio (102), e a cauda, que se mantém no nivel
da extremidade das asas, quatro dedos apenas. O bico, junto à cabeça,
é côr de cinza, e no restante amarelo, tendendo para o verde. A cabeça
e a parte superior do pescoço são cobertas de penas compridas e ama
reladas, entremeadas de outras pretas. No dorso e nas asas vêem-se
penas côr de cinza de um tom amarelado, mas as pernas e os pés são
côr de cinza escuro. A carne dessa ave é passável, assemelhando-se à
do grou, em sabor.
O pássaro que os Petiguaras chamam Jabirú-guaçú, os Tupinambás Jabirú-
Nhambú apoá e os holandeses Schuur vogel (103), tem um bico enorme, -Guaçú.

(102) O tradutor inglês escreveu: The head and Neck (which is two foot long...
(p. 21, l.a col. l." §); cf. ed. holandesa (p. 30, 2.a col., 4.° §). Logo a seguir, o
tradutor inglês escreveu: The body is two foot and a half in lenght; and the Tail...
four fingers (id., id., id.) ; cf. ed. holandesa (id., id., id.).
(103) Nieuhof escreveu (p. 30, 2.a col.): De vogel, by d'onzen Schuurvogel
genoemt, wordt Jabiru Guaku en Nhandu Apra by de Brasiliaensche volken, en by
de Tupinambaa Petiguaras genoemt, o que significa: "o pássaro chamado pelos nos
sos de schuurvogel, é chamado pelo povo brasileiro pelos nomes de jabiru guaku e
Nhandu Apra e, pelos Tupinambás, Petiguaras". Na edição inglêsa (p. 21, 1."
col.. 2.° §) encontra-se omitido Nhandu Apra e pelos Tupinambas, Petiguaras. Como
se vê, Nieuhof equivocou-se, pois só por engano é que poderia escrever que os Tu
pinambás denominavam o Jaburu com o nome de tribu. Ainda mais se considerarmos
que o texto de Marcgrave, inteiramente copiado por Nieuhof, está estropiado. O texto
He Marcgrave é o seguinte (LXX, p. 200-201) : Iabiru guacu Petiguaribus, Nhandu
apoa Tupinambis: Belgis Scurvogel, Rostrum habet magnum, septem & Semi»
dígitos longum, in extremitate teres & inferius incurvatum; caret lingua & rostrum
inferius canum est. In summitate capitis mitram osseam coloris albi & cinerei mixti
gerit. Oculi nigri & pone eos aurium foramina ampla- Collum decem dígitos longum,
cujus medietas, uti & caput, plumis, et cute squamosa cinerea est tecta, cujus squamae
albicant. Corpore aequat Ciconiam; caudam habet brevem & nigram, cum qua alae
desinunt. . . Alae albae, remiges illarum pennae nigrae, rubini colore transplendente
tn nigro. . . Como se vê, Nieuhof mudou completamente o texto latino, pois Marcgrave
escreveu: jabiru guaçu é o nome dado pelos Petiguaras e Nhandu apoá pelos Tupi
nambás". Piso, na edição de 1658 (LXXI, 8), escreveu: quae brasiliensibus quibusdam
iabicu guaçu, alliis mediteraneis Nhandu apoá; nostris scur vogel dieta". Em
Soares, (LXXXVI, 269) está Jaború. Rodolfo Garcia (XXXIX, 29) escreve: Con
vém notar que houve troca, na Historia Naturalis Brasiliae, entre as figuras do
jabiru e do Tuyuyú, o que induziu em erro a Lineu, cujas descrições específicas se
baseiam naquela obra. Etimologia: de y, demonstrativo (~ o que, aquêle que), +
abirú = farto, repleto, inchado, o que está farto ou repleto — alusão ao grande
42 JOAN NIEUHOF

com sete pés e meio de comprimento, côr de cinza, arredondado e recurvo


na ponta, mas é destituído de língua. No tôpo da cabeça há uma coroa
de penas brancas e verdes. Os olhos são pretos e atrás dêles há duas
grandes concavidades, em lugar de orelhas. O pescoço tem o compri
mento de dez dedos e metade dêle, assim como a cabeça, não é coberto
de penas, mas de uma pele enrugada, côr de cinza claro.
Tem esta ave o tamanho de uma cegonha, com a cauda curta e negra
que se mantém sempre ao nível da extremidade das asas. A outra parte
do pescoço, bem como todo o corpo, é coberta de penas brancas, sendo
as do pescoço muito longas. As asas são igualmente brancas, pontilha
das de vermelho. Cozida depois de esfolada, sua carne constitue um
prato agradável. E' muito branca, pôsto que um tanto sêca.
Prolifera no Brasil prodigiosa quantidade de pássaros silvestres, de
tôdas as espécies, grandes e pequenas, muitos dos quais vivem nas matas,
outros nos rios, mas todos proporcionam ao homem excelente alimentação.
Entre as melhores qualidades destacam-se os tordos, a que chamam
jamdi (104), os faisões de diversos tipos, a que os nativos denominam
macangú, jacú p aracua (105).

papo da ave. Batista Caetano (III, 564) escreve: yabirú ou yaburu,s., nome de
cegonhas; a repleta, a infatuada, a inchada; abirú (III, 17), farto, cheio, repleto;
dão-lhe, também, o nome de ayayá, pode ser que seja ayapirú, o papo inchado
(id., 54) ayayá, o que tem papo, papudo; nome dado a uma cegonha e, talvez, a
outras aves. Teodoro Sampaio (LXXXI, 134) escreveu: jaburú corr- de ya-abirú,
a que é repleta, ou inchada, alusão ao grande papo da ave; dêsse nome, isto é, a
papuda, alt. : jabiru.
(104) Nieuhof escreveu (p. 31, l.a col.) jamdi. O tradutor inglês escreveu
bamodi (p. 21, 2.a col., 1.° §). lambi regista Piso (LXX, p. 10).
(105) Em Gandavo (XXXVI, 111), Macucocaguás. Soares (LXXXVI, 261)
escreve Macucagoá; Abbeville (XXXVIII, 45) escreve como Soares. Staden (LXXXIX,
162) Mackukawa; o que não está de acordo com o que afirmou Varnhagen (LXXXVI,
469), em nota n. 153 da obra de Soares, dizendo ter Staden grafado Mackukauca;
Léry (LII, 135), Mocacouá; Marcgrave escreve (LXX, 213) "Macucagua dos Brasi
leiros, espécie de galinha silvestre". Segundo Rodolfo Garcia (XXXVIII, 45), Ma
cucagua ou Macagua vem de má por ybá, fruto, e cugigitar por curinhár que traga,
tragador, comedor. Batista Caetano (II, 213) escreve Macagua, Macaua e acauã,
falcão ou mboi-acá-hár, aquêle que briga com cobras.
Em Gandavo (XXXVI, 11) ; Soares (LXXXVI, 262). Segundo Rodolfo Garcia,
(XXXIX, 31), jacú é composto de y demonstrativo = que, aquêle que, a = fruto +
cu = comer; o que come grãos. Léry (LII, 135), jacú; Abbeville (XXXVIII, 37),
iacou; Nieuhof (p. 31, l.a col.), escreveu jaku. Batista Caetano (III, 565) escreveu
yacu, o que traga ou engole frutos.
Nieuhof escreveu Arakua (p. 31, l.a col.). Em Abbeville (XXXVIII, 20),
Aracouan. Marcgrave não o menciona. Piso (LXX, 10) regista-o entre o Macuca
gua e o jacú. Aliás, todo êsse trecho, desde o iambi até a jaçana guaçú, é tirado
de Piso. Segundo Rodolfo Garcia (XXXVIII) é preferível a seguinte etimologia:
ará — alteração de guirá, pássaro e aquã = ligeiro, rápido.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 43

O Muton (106) é uma ave do tamanho de um pavão, de penas


pretas, carne tenra e ótima. Como êste país é rico em bosque e árvores
frutíferas, possue, em abundância, gaviões e outras aves de rapina a
que os portugueses dão o nome de gavião (107) e os brasileiros os de
teguata e inage, (108) inimigos implacáveis das galinhas e dos pombos.
Dentre as aves agrestes que vivem tanto na água como em terra,
reclamam precedência os patos selvagens. Alguns dêles são menores
que os europeus, outros, porém, são bem maiores, quase do tamanho do
ganso. Há, também, uma espécie de perdiz a que chama de jaçana-
-mirim e jaçana-guaçú (109) e, além destas, grous, codornas e muitos
outros galináceos. A carne destas variedades é, em geral, aceitável, em
bora não muito saborosa.
Todas essas aves apreciam o âmbar que o mar, em sua agitação,
atira à praia, ao qual devoram antes que o homem possa colhê-lo.
Há ainda, no Brasil, em grande abundância, papagaios pequenos, Periquitos,
chamados periquitos, que nunca chegam a falar (110). Os papagaios
propriamente ditos são, porém, lindíssimos e grandes; alguns dêles con
seguem falar tão claramente quanto o homem. Vi alguns dêsses papa
gaios repetir nitidamente quanto ouviam apregoado pelas ruas. Dentre
eles lembro-me de um que, encerrado numa cesta, conseguia fazer que
um cachorro, da mesma casa, fosse sentar-se junto a êle. Para isso
gritava incessantemente até que o cão obedecesse: "Sente-se aquí, sen-

(106) Soares (LXXXVI, 262). Varnhagen (LXXXVI, nota 153, pp. 470-71)
diz que mutum é exatamente o crax rubrirostris de Spix (Av. II, Tab. 67, Cf. XCIV).
Abbeville escreve Moyton (XXXVIII, 52). Rodolfo Garcia anota: nome genérico
dos eracidas. De mytun por pytum e pytuna, noite, escuro, negro por extensão;
originalmente, qualificativo, dizendo pássaro negro ou escuro. — Para alguns é onoma-
topaico. Laet escreve Mutu ou Mouton (L, 491). Cardim escreve Mutú (XIX, 49).
Nieuhof copiou êste trecho de Piso (cf. LXX, p. 10); em Marcgrave (LXX, p. 194),
Mitu ou Mutu; em Léry (LII, p. 135), Muton-
(107) Nieuhof escreveu guavilon (p. 31, 1.° §), seguindo, aliás, conforme disse
mos na nota anterior, Piso (LXX, 10), que escreve guavilaon. Marcgrave (LXX,
211) escreveu: Caracara Brasiliensibus, Gaviaon Lusitanis.
(108) Teguata e Inage escreveu Nieuhof. Êste trecho foi copiado de Piso (cf.
LXX, p. 10), que registou Teguato e Inage.
(109) Nieuhof (p. 31, l.a col.) escreve Jakana-miri e Jakana-guaku. Em Piso,
iacana miri & iacana guacu (LXX, 10). Em Marcgrave, (LXX, p. 190): Iacana dos
brasileiros''. Em Batista Caetano (III, 566) se lê: "yaçana, nome genérico das
aves Parras, galinha d'água"; Teodoro Sampaio (LXXXI, 134) escreve jaçana, o
que grita forte, o que tem grito intenso (parra jaçana). Rodolfo Garcia (XXXIX,
32) explica dêste modo a etimologia: y, demonstrativo = o que, aquêle que: eça =
ólho + ena = alerta; o que está de olho alerta. Batista Caetano (XLVI, 312)
regista, também, nahanâ = yaçanâ, s., nome da ave Parra jaçana (n — eçá — enâ,
o que está de olho alerta ou erguido".
(110) Nieuhof (p. 31, l.a col.) escreve perkietjes e papegayen. Marcgrave
(LXX, 206) dá 7 espécies de papagaios.
éá JOAN NIEUHOF

te-se aquí, seu sapo imundo." Êsse papagaio foi depois oferecido à
rainha da Suécia.
Além dêsses, há um certp passarinho que, conquanto não exceda o
tamanho de uma falange, faz grande ruído, sendo fácil apanhá-lo, até
com as mãos, enquanto adeja de flor em flor, à cata de alimento. De
qualquer lado que se mire esta avezinha minúscula, suas penas revelam
côres novas, variegadas. Por isso as brasileiras atam-nas com fios de
ouro à orelhas, à guisa de brincos. No Brasil os pássaros jàmais sofrem
falta de alimento, pois encontram-no sempre, em abundância, entre as
flores e os frutos ; lá, as árvores não perdem as folhas durante o inverno.
peixeiL Os rios e lagos brasileiros, bem como o mar junto à costa, são
riquíssimos em tôdas as variedades de peixes e estes entram tão larga
mente no regime alimentar do povo, que nem mesmo os doentes atacados
de febre os dispensam. As lagoas do litoral, que por vêzes secam com
pletamente, produzem grande quantidade de lagostas, tartarugas, cama
rões, caranguejos, ostras e várias outras espécies alimentícias. No
Brasil, nota-se grande fartura de peixe, tanto do mar como de água doce,
especialmente na estação chuvosa, quando a enorme descarga das cor
rentes fluviais atrai para os rios os peixes marítimos, os quais, retidos
pela abundância de algas no leito dos caudais, não mais voltam para
o mar.
Dentre os peixes de água doce, os mais conhecidos são o Duja, a
Prajuba e o Acará-pacú (111), assemelhando-se êste último à maior
das percas europeias.
Proliferam ainda, no Brasil, várias espécies de insetos, alguns dos
quais atingem quatro dedos de comprimento e uma polegada de espes
sura. Também lá se conhece o bicho da sêda ao qual os naturais dão
o nome de isocucú. À sêda, pròpriamente dita, chamam isocure-
nimbo (112). Há ainda que mencionar as numerosas espécies de piri
lampos, que também se encontram nas índias Orientais e dos quais nos
ocuparemos mais adiante. Citaremos, ainda, as moscas, os besouros
e finalmente as vespas e abelhas, algumas das quais produzem mel,
outras não.
Aranhas. Entre as numerosas variedades de aranhas lá existentes, uma delas
se destaca pelo seu tamanho prodigioso e é frequentemente encontrada

(111) Em Piso (LXX, 10) Duja e Piajuba. Em Marcgrave (LXX, 145),


Acarapucu. Nieuhof (p. 31, 2.a col. últ. §) escreveu Akarapuku. Etimologia: cara,
cascudo, escamoso, (III, 20) ; acará, também escamoso, cascudo, nome de grande
número de peixes; pucú, longo, comprido, extenso (id. 427). Cf. III, 68.
(id. 427).
(112) Nieuhof escreveu Isokuku e Isokurenimbo (p. 32, l-a col., 2." §). Marc-
grave escreve (LXX, 252) : Isocucu Bombyx est, unde & Brasilieneea eericum voeant
Isocurenimbo.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 45

nos monturos e no ôco das árvores. Chamam-na nhanduguaçú (113).


Tecem teias semelhantes às das aranhas comuns, têm a pele áspera e
negra e possuem pinças longas, agudas. Quando provocadas atacam
com seu venenoso ferrão, quase invisível, ocasionando, na vítima, uma
tumefação azulada que, se não for tratada a tempo, se transforma em
inflamações seguidas de sintomas alarmantes, incuráveis.
Próximo ao rio São Francisco há um inseto que não difere em muito Bailar ou
do grilo europeu (114). Sempre tive grande curiosidade de ver um cmMto.
desses bichinhos, para me capacitar de sua semelhança com os outros
■de sua espécie. A-pesar-de seu trilar forte, parecido com o dos grilos,
jamais conseguí avistá-lo, pois, logo que a gente se aproxima, o inseto
se cala e não se sabe mais em que direção procurá-lo. Chega às vêzes
a cantar um quarto de hora sem interrupção. Na ilha de Java, índias
Orientais, geralmente se ouve o seu trilar nos meses de março e
abril (115). Finalmente, tive, certo dia, ocasião de tomar nas mãos um
desses insetos, graças a uma chinesa que me havia visto procurá-lo na
Batávia, tanto na cidade como fora dela. Os javaneses organizam lutas
dêsses insetos e apostam como se costuma fazer nas rinhas de galo.
Há em Pernambuco e em todo o Brasil (116) grande abundância de
felinos, tais como tigres, leopardos, etc.. Lá os tigres, principalmente, Felinos,
são extremamente ferozes. Atacam os animais e, não raramente, os
homens. Várias foram as pessoas vitimadas por êles durante a minha
estada no país.
Certo português, senhor de um engenho de cana situado em lugar
muito aprazível, achava-se um dia em casa, acompanhado de quatro pes
soas de suas relações, quando se deu uma cena espantosa. Um de seus

(113) Nieuhof escreveu Nhanduguaka (p. 32, l.a col.). Em Marcgrave (LXX,
248) está: Nhamdu sive variae Araneorum species. Batista Caetano explica (XLVI,
570) : yandú, s., aranha, s. avestruz. Convém não confundir com a Ema, chamada
por Cardim (XIX, 50) Nhandugoaçú e que Rodolfo Garcia (id., 106) anota como
Ema, citando o registo de Marcgrave. Realmente, Marcgrave escreveu (LXX, 190)
Xhandu guaçú Brasiliensibus, Etna Lusitanis, diferenciou a Ema da Aranha, escre
vendo para a primeira Nhandu e para a segunda Nhamdu. Trata-se de equívoco,
pois nada autoriza essa diferença de m e n, visto Batista Caetano registar yandú
tanto como aranha quanto como avestruz. O sufixo guaçú significa, como se sabe,
grande; logo, avestruz ou aranha grande. A razão da confusão não podemos explicar.
Além disso, Batista Caetano regista, também, nandui ou yanduí, s., aranha pequena,
aranha que faz teias nas casas (III, 570).
(114) Nieuhof escreveu Kabito. Será a vespa vermelha, significação de cabTtâ,
registada por Batista Caetano (III, 64) ou a branca, cabati (III, 64)?
(115) Na edição inglêsa está escrito: fevereiro e junho (p. 23, l.a col., l." §);
cf. ed. holandesa (p. 33, 1.» col., 3." §).
(116) No original encontra-se escrito: Men vind in Pemambuko en door
gantsch Brasil... (p. 33, l.a col., 5.° §), enquanto que o tradutor inglês escreveu:
Tkere are also abundance of ravenous wild Beast in Brasil. . . (p. 23, l.a col., 3." §).
46 J O A N NIEUHOF

cães, que se havia aventurado pelas matas vizinhas, perseguido por um


tigre, saltou a janela, buscando a proteção de seu dono. O tigre, porém,
que o seguia de perto saltou também a janela para dentro da sala, cuja
porta estava fechada, e despedaçou dois homens antes que os demais
pudessem escapar. Depois dessa façanha, o felino retirou-se calmamente.
Há outra espécie de animal, nessas paragens, ao qual os nossos dão
o nome de jan-over-zee {joão-de-além-mar) que a todos excede em agi
lidade e ferocidade. Estraçalha tudo quanto encontra em sua frente.
Gado. Dispõe ainda o Brasil de grande quantidade de gado, mas lá a
carne não se conserva por mais de 24 horas, mesmo depois de prepa
rada. Os batavos separam a gordura e cortam a carne magra em
postas finas para secá-las ao sol como se faz com peixe. No Brasil não
se pode produzir manteiga porque o leite coalha imediatamente. Êsse
produto vem da Holanda da mesma maneira que o azeite.
Porcos. Os suínos brasileiros são negros e pequenos, mas sua carne é muito
saborosa e saudável. Há ainda outra espécie de porcos anfíbios, que
os portugueses chamam capivaras (117), quase tão pretos como os outros
e de carne igualmente boa.
Há ainda um quadrupede, no Brasil, a que os indígenas dão o nome
Anta. de tapereté e os portugueses chamam anta (118) ; sua carne, semelhante
à de vaca, é ainda um pouco melhor. Tem o tamanho aproximado de
um bezerro, mas sua conformação lembra a dos suínos. Dorme o dia
todo no mato e à noite sai em busca de alimento. Nutre-se principal
mente de capim, cana de açúcar, repolho e outras verduras. Encontra-se,
também, no Brasil, grande variedade de roedores, tais como pacas e
cotias (119) além de lebres e coelhos que nada ficam a dever aos seus

(117) Nieuhof (p. 33, 2.a col., 6." §) escreveu Kapiverres. Gandavo (XXXVIr
p. 102); em Soares (LXXXVI, 293), capibaras; em Cardim (XIX, 90), capijuaras;
em Frei Vicente Salvador (LXXVIII, p. 40) capyguaras; em Abbeville (XXXVIII,
26), capyyuare; Marcgrave (LXX, 20) escreve Capy-bara e Piso (LXXI, 16; XX,
p. 10) Capiverres. Rodolfo Garcia (XXXVIII, 26) escreve que o nome é formado de
capyi — capim, erva, e guára — particípio do verbo ú comer: o que come capim, o
herbívoro.
(118) Gandavo (XXXVI, 103). Em Cardim (XIX, 32) Tapyretê- Em Soares
(LXXXVI, 285), Tapiruçu. Em Abbeville, Tapyyre-été (XXXVIII, 76). Laet (Lr
484), Tapirete. Léry (LII, 124), Tapirussú. Nieuhof escreveu Taperete ou Antes
(p. 33, 2.a col.). Em Marcgrave (LXX, 229) Tapiierete dos brasileiros e Anta dos
lusitanos. Segundo Rodolfo Garcia (XXXVIII, 97), o nome tupi é susceptível de
várias explicações, mas nenhuma satisfatória.
(119) Nieuhof escreveu Pakas e Kotias (p. 33, 2.a col.). Laet (L, 484) ; Soares
(LXXXVI, 296, 297). Marcgrave (LXX, 224), Paca e Aguti ou Acuti. Cardim
(XIX, 33), Acuti. Gandavo (XXXVI, p. 103). Em Abbeville, XXXVIII, 62) Pac.
Segundo Rodolfo Garcia, (XIX, 98) foi Thevet quem primeiro descreveu êsse animal
que chamou Agoutin. Batista Caetano (III, 22) explica que talvez a palavra venha de
a de gente e cúr-tí, modo de comer ou tragar, com as patas dianteiras. A etimologia
de Pac, segundo Rodolfo Garcia (XXXVII, 62), é pag, acordar, despertar: a esperta,
a vivida-
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 47

similares europeus. Ademais, há uma excelente qualidade de lagarto


que os nativos conhecem por vuana e tejú (120) e que passa por ser
delicioso manjar. Peixes.
O peixe tem, no Brasil, importância igual à do gado, no abasteci
mento das nossas fazendas, em sua maioria instaladas no litoral do país.
Em Pernambuco, principalmente, é tal a abundância de pescado que,
durante os quatro ou cinco meses de verão, se chega a apanhar, de um
só lanço, dois a três mil peixes. Na estação das águas, já a pesca
diminue. Ao longo da costa, há certas regiões mais piscosas que as
outras; algumas delas pertencem aos naturais, as restantes à Companhia
que reserva certa percentagem anual de pescado para conserva. Os
lagos, bem como as baías, são povoados por uma multidão incrível de
peixes. Aos lagos, chamam os portugueses alagoas e os melhores pei
xes que nelas se encontram são a sindia, a queba e a noja (121), todos
êles sem escamas. Ainda que os peixes dos lagos sejam menos apre
ciados que os dos rios, nem por isso lhes são inferiores, pois as alagoas
nem sempre são águas paradas; nas mais das vêzes comunicam-se com
os rios em diversos pontos. Algumas variedades dêsses peixes são
secas ao sol, para conservar. Destas, a mais conhecida é a que os bra
sileiros chamam curima parati e os holandeses herders. Há também
grande fartura de peixes d'água salgada, de tôdas as qualidades. O
Carapantangele (122), como o chamam os brasileiros e que não difere
em muito da nossa perca, merece especial referência por ser o mais apre
ciado pelos nativos. Produzindo os rios um número infinito de peixes,
são estes, no geral, mais gordos e de melhor paladar que os do mar.
Os apanhados pelos pescadores, no litoral, são, geralmente, salgados e

(120) Em Piso (LXX, 10), Vnuana & Teju — lagartos. Segundo Batista Cae
tano (III, 515), Teyú ou teíu ou teiyú, lagarto; literalmente, significa comida da
gentalha, da tropa. Em outro cronista, como Abbeville (XXXVIII, 79), Teiou ouas-
*>u. Soares (LXXXVI, 312) tijuaçu, significando lagarto grande. ÍJnuana deve
ser Iguanas (Conf. nota 53 dêste livro e p. 476, nota de Varnhagen n. 188, (LXXXVI).
(121) Nieuhof copiou êste trecho de Piso (cf. LXX, p. 11), que registou: "Sin
dia, Gueba & Noja".
(122) Nieuhof escreveu (p. 34, l.a col., 6.° e 7.° §§) Kurima Parati e Kara-
pantangele. Laet (L, 508) registou Kurema Parati. Em Piso (LXX, 11), Curima
parati (Herders Belgis); e " Carapantagele é similar a perca". Em Marcgrave
(LXX, 181) verifica-se que Piso equivocou-se, pois se trata de duas variedades; assim,
Marcgrave escreve: "Curema dos brasileiros, espécie de tainha, maior e mais corpu
lenta' ; enquanto a Parati é a tainha dos lusitanos; e Harder dos belgas, tendo um
pé de comprimento e a figura do corpo como a da Curema. Em Abbeville XXXVIII,
32) Coureman Ouãssou e Paraty (id. 64). Rodolfo Garcia (XXXVIII, 32) anota
que Curema é um dos nomes da tainha, no que se equivocou, visto a distinção feita
por Marcgrave.
48 JOAN NIEUHOF

remetidos para os engenhos, no interior, onde é grande a fartura dêsse


gênero alimentício.
O caranguejo de rio, que abunda nos terrenos ribeirinhos e nos pan
tanais, serve de alimento aos brasileiros e negros. Alguns de nossos
patrícios também o apreciam.
Cumpre observar que, havendo grande quantidade de gado fugido
dos currais durante a guerra e se internado nos bosques e florestas
situados além das margens do São Francisco, o Grande Conselho da
Companhia no Brasil resolveu contratar com certas pessoas a captura
dêsse gado para com êle abastecer a população do Recife. Quando êsse
contrato se venceu, cogitou-se da conveniência de renová-lo, mas, supon-
do-se que não mais havia gado extraviado nas redondezas, foi o mesmo
abandonado. Essa resolução foi submetida ao Conselho dos XIX. En
tretanto, a população das margens do São Francisco atirou-se com ardor
à tarefa de reunir o gado disperso, e foi tão bem sucedida na emprêsa
que os currais logo se encheram a ponto de poderem abastecer o Recife
e os engenhos do interior onde a carne caiu para três e quatro vinténs
por libra. Além disso podiam fornecer às guarnições reservas de carne
em conserva e farinha para doze meses quando os armazéns do Recife já
estavam esgotados. Não obstante êsse movimento, o povo da região ainda
não estava isento de dívidas, conquanto o de Pernambuco e da Paraíba esti
vessem pelos cabelos de responsabilidades. Tem-se aí a prova dos gran
des resultados que se podem alcançar com a criação de gado. Se o
Brasil holandês tivesse continuado em paz, essas estâncias poderiam
abastecer de carne fresca todas as guarnições sem desfalcar o rebanho do
necessário à criação. A questão do gado constitue a viga mestra do Es
tado brasileiro.
Entretanto, a verdade é que o Brasil holandês não se pode prover
de tudo quanto precisa sem remessas anuais da Europa tanto no que
respeita a comestíveis, como a todos os outros artigos. Isso, pelo menos,
foi o que demonstrou a experiência, com grande prejuízo para a Com
panhia, quando as várias expedições empreendidas contra Angola, Ma
ranhão e outras paragens exhauriram completamente os armazéns.
Crocodilos. Pelos rios e lagos do país encontram-se também crocodilos, a que os
brasileiros dão o nome de jacaré (123), animais êsses conhecidos nas
índias Orientais por Caymans. Assemelham-se bastante aos crocodi-

(123) Nieuhof escreveu Krokodillen e Jakare (p. 35, l.a col.). Em Laet (L,
512). Soares (LXXXVI, 311). Cardim, (XIX, 89). Em Abbeville (XXXVIII, 86),
yacaré. Marcgrave escreveu (LXX, 242) jacare Brasiliensibus Cayman Aethiopibus
in Congo; Croeodilus Latinis. Segundo Teodoro Sampaio (LXXXI, 134), a palavra
vem de y — echá — caré, o que olha torto, ou de banda; ou ya-caré, o que é encur
vado ou sinuoso.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 49

los africanos, mas não são tão grandes, pois raramente excedem a cinco
pés de comprimento. Costumam pôr 20 a 30 ovos maiores que os de
ganso, os quais, da mesma forma que a carne, são consumidos por
brasileiros, portugueses e holandeses.
Nos mares próximos ao litoral brasileiro, encontram-se às vêzes
grandes lampreias. Antes da construção da ponte que liga Recife à
Cidade Maurícia, uma delas, de tamanho considerável, instalou-se mes
mo na rota dos botes e, tudo quanto caísse n'água era imediatamente
atacado por ela: homens, cães, que às vêzes acompanham os barcos a
nado, etc.. Um dia, porém, aconteceu que a maré baixou de repente
e a deixou com a maior parte do corpo à tona. Foi então capturada
e trazida para a terra, mas não sem alguma dificuldade.
O território de Pernambuco produz grande variedade de frutas.
0 mesmo se dá também com outros pontos do país, dos quais mais
adiante nos ocuparemos.
Ao norte da Capitania de Pernambuco, e divisando com ela, esten-
de-se a de Itamaracá, cujo nome provém de uma ilha, que constitue a Capitania
porção mais importante de seu território, conquanto a Capitania tenha de
35 milhas de litoral. Essa ilha fica duas milhas acima de Pau-Ama- Itamarae'
relo, (124) e, separada do continente pelo rio do mesmo nome, tem
sua extremidade meridional a 7o e 58' de latitude sul. Na direção norte-
-sul, mede cêrca de duas milhas de comprimento e o seu perímetro
é de aproximadamente sete milhas. À jurisdição desta ilha também
pertenciam Goiana, Capibaribe, Terucupa e Abiaí (125), localidades
situadas no continente. Antigamente era escassa a população da ilha e
poucas as suas construções, pôsto que lhe fosse ameno o clima e fértil
o solo, pois aí se encontravam côcos, pau-brasil, algodão, cana de açúcar,
melões, etc. além de lenha em abundância e água fresca com que abas
tecer o Recife. Há, também, na ilha, madeiras para construções e para
a indústria náutica. Entretanto, em certa época, foi ela grandemente
infestada por animais selvagens que depredaram os canaviais. Foi então
que Pieter Bas, diretor da Capitania de Itamaracá, consultou o Conde
Maurício e o Grande Conselho, em 1647, sôbre se seria melhor empreitar
a destruição dêsses animais daninhos ou dar-lhes caça a-fim-de servir de
alimento às guarnições. O Conselho, entretanto, rejeitou ambas as alter
nativas e limitou-se a aconselhar o povo a que não sacrificasse inutil
mente os animais, abatendo apenas os que invadissem as plantações, pois
era do interesse da Companhia preservá-los para uma eventual neces-

(124) Nieuhof escreveu Pomerello (p. 35, 2,a col.).


(125) Nieuhof escreveu Abiay (p. 35, 2.a col., 5." §).
50 JÓAN NIEUHOF
sidade. Os canaviais poderiam ser protegidos por meio de cercas de
pau-a-pique, evitando assim que fossem danificados.
E' tal a importância em que se tem essa ilha, que já se chegou a
propor a transferência para lá, da sede do Brasil holandgs. Não con
cordaram, porém, com êsse alvitre os diretores da Companhia, alegando
que a ilha ainda era, então, deserta, enquanto que no Recife já havia
comércio estabelecido e bons edifícios à sua disposição. Além disso, o
lugar era muito mais aprazível, mais fértil, melhor fortificado e seu
pôrto muito conveniente para a navegação. Por outro lado, o rio Ita-
maracá não era navegável senão por embarcações pequenas, dada a pouca
profundidade de seu estuário, já famoso pelos numerosos naufrágios ali
ocorridos. A escassez de água potável, no Recife, no que a ilha é tão
abundante, pode ser remediada pelo rio Beberibe; a propósito, vários
reservatórios já haviam sido instalados no Recife, para seu abastecimento.
Durante a guerra com os portugueses, foi-nos dado apreciar as grandes
vantagens que podíamos tirar dessa ilha, pois, dadas as suas naturais con
dições de segurança, ainda aumentadas pelas fortificações ali construí
das, se tornava possível, em qualquer emergência, operar, para lá, uma
-retirada estratégica. Ademais, a manutenção da ilha em nosso poder
era indispensável porque era lá que o Recife se abastecia de pescado e
tôda a sorte de vitualhas.
Sôbre a barranca do rio, à entrada meridional do pôrto, construímos
um forte quadrangular, ao qual demos o nome de Orange. Sua muralha
era excelente, embora o fosso não apresentasse boa profundidade; além
disso mantinha-se quase sempre sêco, motivo pelo qual fomos obrigados
a fortificá-lo com paliçadas. Pelo lado setentrional havia um horna-
veque em ruínas. No interior do forte existia um paiol de pólvora e
comodidades para alojamento dos soldados. Sôbre as muralhas insta-
laram-se várias baterias com seis canhões de bronze e outros tantos de
ferro. Na ilha próxima à desembocadura do rio, junto a um pântano
repleto de espinheiros, estendia-se uma povoação densamente habitada
por militares à qual os portugueses chamavam Nossa Senhora da Con
ceição. Sôbre uma rocha suspensa erguia-se um velho reduto, construído
pelos portugueses, que tinha o mesmo nome da povoação, o qual, junta
mente com tôda a ilha, foi tomado pelos holandeses sob o comando do coro
nel Schkoppe. Depois disso passou o lugar a chamar-se Cidade de Sch-
koppe. Posteriormente os holandeses fecharam êsse forte pela retaguar
da, na direção da igreja, de modo a servir tanto para a defesa da cidade,
como do pôrto; o fortim, ao norte, defendia a entrada. Êsse forte era
artilhado com onze peças. À entrada setentrional do pôrto, outro reduto
defendia a passagem com três canhões de ferro. Certo senhor, de nome
Dortmont, que fora governador de Itamaracá, ao perfurar um poço, em
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 51

1645, descobriu sob o citado rochedo uma fonte de água pura, que mais
tarde veio a ser de valor inestimável para a guarnição, visto não poder ser
interceptada pelo inimigo.
Um pouco mais acima do rio Itamaracá, acha-se a ilha de Magiope,
onde há grande abundância de mandioca. Esta ilha — que dispõe de
um pequeno pôrto em cada extremidade, um ao norte outro ao sul, sendo
que êste último é o melhor — pode ser facilmente contornada em bote.
Junto ao ancoradouro setentrional há um banco de areia que apenas
deixa um canal navegável com 10 ou 12 pés de água. O único pôrto
utilizável da região é, portanto, à entrada meridional do rio que faz de
Itamaracá uma ilha, onde podem ingressar navios calando até 14 ou 15
pés, conquanto o ancoradouro não seja lá muito bom. A extremidade
em que o rio volta a se reunir ao mar foi, pelos batavos, denominada
Entrada Norte, e, pelos portugueses, Catuama.
Entre Pau-Amarelo e o rio Itamaracá, desemboca um curso nave
gável, denominado Marasarinha, e, meia milha antes da foz do segundo,
Os rios
outro, de menor importância, nêle lança suas águas: o Iguarassú. Daí Marasari
para o norte encontram-se vários rios navegáveis por balsas e que são nha e Igua
utilizados pelos engenhos de açúcar da região. rassú.
Cerca de meia milha acima da Entrada Norte de Itamaracá sobressai
um promontório denominado pelos portugueses Ponta de Pedras e rodea
do de recifes, entre os quais só é possível a navegação em barcas e Ponta de
iates. Ainda a uma milha ao norte dêsse ponto e três a noroeste de Pedras.
itamaracá, encontra-se o riozinho chamado Goiana a 7o e 46', que desem
boca na baía, em dois braços. Em sua foz vê-se um rochedo enorme
sobre o qual pousam numerosíssimas gaivotas. Enorme recife protege-
-Ihe a entrada, mas a grande quantidade de bancos de areia torna peri
gosíssima a passagem por ali.
Para além do rio Goiana, a mais ou menos três milhas e meia de dis
tância, há um grande rio chamado Auiaí (126), cuja foz é de tal forma Rio Auiaí.
obstruída por bancos de areia que apenas permite a passagem de embarca
ções pequenas. Recebe êsse rio vários afluentes, no interior. À margem
de um dêles assenta-se a aldeia de Maurício, na de outro, a de Auiaí.
O Pôrto Francisco está situado numa enseada de três grandes milhas Pôrto
de comprimento ao norte do rio Auiaí. Cinco milhas a noroeste do mesmo Francisco.
rio encontra-se o Gramame, não navegável, além de vários outros riachos.

(126) O tradutor inglês escreveu duas léguas e meia (p. 26, l.a col., 3 o §). —
Nieuhof escreveu Auyay (p. 37, 2.a col., 8.° §). Terá relação com o Ay, primitivo
nome da foz do rio Iguarassú? (Cf. Alfredo de Carvalho, XXV, 12-13).
52 JOAN NIEUHOF

Cêrca de meia milha (127) a noroeste dêsse rio acha-se o Caba


Cabo Branco, e daí a três milhas, na mesma direção, o Cabo Paraíba que é
Paraíba. um grande promontório, tendo ao lado extensa baía. Tôda a costa, de
. Pau-Amarelo ao cabo de Paraíba, é pontilhada de recifes ou rochedos
que, em sua maioria, se alinham a cêrca de meia milha da praia. Isso
faz com que as águas situadas entre êles e a terra seja muito calma e
permita o tráfego marítimo mesmo em época tempestuosa, quando a na-
. vegação se torna quase impossível para fora dêsses escolhos, devido à
violência da corrente procedente do norte e ao vento Sul que lá sopra
continuamente.
Cldade Três milhas acima da foz do Goiana, encontra-se a cidade do mesmo
Goiana nome, onde está instalada a sede do Tribunal de Justiça desta Capitania,
Nas proximidades de Goiana há cinco ou seis engenhos de açúcar, situa
dos todos nas margens do rio, para maior facilidade de transporte da
produção, até Pernambuco. A região é também rica em pau-brasil, gen
gibre, algodão e castanhas nativas e é habitada pela nação Petiguar.
Entretanto, todo o trato de terra que se estende até o Cabo Branco é
escassamente povoado, contando-se nêle apenas algumas aldeias de bra
sileiros. A Ilha de Itamaracá dispõe de diversos pontos de desembarque,
dos quais convém notar: Os Marcos e Pedreiros, no trecho em que o
rio é mais estreito. Itapissuma (128) e Camboa (129) de Domingos
Ribeiro, a grande Makqueira (130) e Camboa de Koenraet Paulii, pelos
quais o inimigo desembarcou na ilha. Há uma passagem entre a En
trada Norte de Tapova (131) e a ilha Itapessoca, onde um só navio
pode impedir o acesso aos rios Tejucopapo e Maçaranduba, bem como a
entrada do mar. Nos demais pontos o acesso é muito precário visto
que as margens do rio são pantanosas e cobertas de mangueiras. Do
lado do mar a praia é muito plana e cheia de bosques, os quais, juntamente
com os bancos de areia existentes no mar, tornam extremamente perigosa
a aproximação de navios por aquêle lado. Antigamente o Tribunal de
Justiça da Capitania tinha sua sede nesta ilha, mas, depois, transferiu-se

(127) O tradutor inglês escreveu (p. 26, l.a col., 5.° §) : about a league and a
half to the north west..., quando, no original, está escrito (p. 37, 2.a col., últ. §) :
Ander halve mijle Noorde ten Ooeste.
(128) Nieuhof escreveu (p. 38, l.a col., 8-° §) : Tapasima. Deve ser Itapissuma.
(Cf. Alfredo de Carvalho, XXV, 45). Varnhagen, (LXXII, 68).
(129) Nieuhof escreveu Kamboa (p. 38, l.a col., 8 o §). No mapa de Ving-
booms (Cf. XCVII), está escrito Cambôa. No mapa de Barlaeus (VIII, entre as
pp. 24-25) consta Cambôa.
(130) No mapa de Vingbooms (XCVII, vol. II, mapa 47), consta uma ilha entre
a costa e Itamaracá, que o autor denomina Macatchtra. O mapa de Vingbooms de-
nomina-se Brazil during the Dutch occupation second the Manuscript Atlas of
Johannes Vingbooms, 1665.
(131) Nieuhof escreveu Tapowa (p. 38, 1.» col., 9 o §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 53

para as cidades de Goiana e Capibaribe, no continente, como acima ficou


dito, por serem essas paragens mais populosas e contarem com vários
engenhos que aí se instalaram à vista da maior fertilidade de suas terras
em relação às da ilha. No tempo em que lá estive, o Tribunal compu-
nha-se de cinco escabinos, três dos quais viviam em Goiana e os outros
dois na Ilha de Itamaracá. Entretanto, o Tribunal foi mais tarde trans
ferido também de Goiana. Em 1641, Pieter Bas dirigia a Capitania de
Itamaracá para a Companhia das índias Ocidentais e o Capitão Sluiter
era o comandante em chefe do exército.
Esta Capitania tomou o nome de sua capital que, por sua vez, o tirou
do rio Paraíba, junto ao qual está situada. E' uma das Capitanias mais
setentrionais e está apenas a cinco milhas de distância, por via marítima.
Esteve antigamente sob o domínio dos franceses, que de lá foram expul
sos em 1585 — assim como de vários outros portos — pelo coronel
português Martim Leitão (132).
Subindo o Paraíba, a cinco milhas de sua foz, encontra-se uma cidade
fundada pelos portugueses que, em honra a Filipe, Rei da Espanha, tomou
o nome de Filipéia. E' também conhecida por Nossa-Senhora-das-Neves
e por Paraíba dada a sua proximidade do rio. Quando os holandeses A cidade
conquistaram a Capitania, em novembro de 1634 (133), mudaram êsse de Paraí*
nome para o de Cidade Frederico, em homenagem a Frederico Henrique,
Príncipe de Orange. Por essa época a cidade era de construção recente

(132) Nieuhof (p. 38, 2.a col., 7.° §) escreveu: o Coronel Martim Leitão. Tra-
ta-se de um equivoco. Martim Leitão era ouvidor-geral de Pernambuco, cargo para
o qual fòra nomeado em 9 de setembro de 1583. Em 14 de fevereiro de 1585, partia
com reforços a-fim-de assegurar a conquista da Paraiba, de onde haviam sido ex
pulsos os franceses por Diogo Flores, espanhol, e que nessa época se achava assolada
pelos Índios petiguaras. Ao assumir a direção da tropa, Martim Leitão foi denomi
nado General. Frei Vicente do Salvador assim relata (LXXVIII, 288) : "com todo
êste exército, que foi a mais formosa cousa que nunca Pernambuco viu nem sei se
verá, foi o General Martim Leitão (que assim lhe chamamos nesta jornada), dormir
no campo de Igaraçú . . . ". Em 6 de abril de 1585, volta a Olinda. Á luta pela posse
definitiva' da Paraíba continuava. Foi organizada a expedição e escolhido o capitão
Simão Falcão para dirigi-la. Tendo êste adoecido, escolhe-se João Tavares, escrivão
da Câmara e Juiz de Órfãos, o qual, partindo a 2 de agosto, chegou a 3; e a 5 de
agosto de 1585, depois de firmada a paz com Piragibe, fundou a povoação de Nossa-
.Senhora-das-Neves. — A cidade chamara-se Filipéia, nome que lhe dera Frutuoso
Barbosa. Varnhagen atribue essa idéia de Frutuoso Barbosa ao fato de Diogo Flores
ter chamado de S. Filipe, dia de sua partida da Paraiba, a 1.° de maio de 1584, ao
forte que fizera construir, depois da expulsão dos franceses em 1584, e não 1585,
como escreve Nieuhof. A João Tavares ficou entregue a capitania. Só em agosto
de 88 entregou João Tavares a capitania a Frutuoso Barbosa. (Cf. LXXVIII, 287,
288, 299, 301, 303 e LXXII, tomo I, 490-1, 492, 493 e nota 27 de Capistrano) . Sôbre
Diogo Flores, nota III de Capistrano (id., id., p. 500).
(133) O tradutor inglês cometeu êrro de data. Assim, Nieuhof (p. 39, l.a col.,
1." |) escrevera que em novembro de 1634 fora conquistada a Capitania, enquanto
na tradução está escrito (p. 26, 2.a col., últ. §) : after they had in November 1633. . .
54 JOAN NIETJHOF

e ostentava diversos prédios imponentes, com colunas de mármore, sendo


o restante da construção de pedra comum. Lá estava a sede do Tribunal
de Justiça da Capitania. Antes da rebelião dos portugueses, era êsse
lugar habitado tanto por portugueses como por holandeses e largamente
frequentado pelos habitantes de tôda a região, que lá iam escambar
açúcar por outras mercadorias, as quais eram depois transportadas para
outros lugares.
Na parte interna da desembocadura do Paraíba havia três fortes de
grande importância. Um dêles, situado na Ponta Sul, era pelos portu
O Forte gueses chamado de Catarina, mas foi posteriormente denominado Mar
Margarida. garida pelo Conde Maurício, em homenagem à sua irmã. Era defen
dido por cinco bastiões e uma corna externa.
Forte Santo O forte a que os portugueses deram o nome de Santo Antônio fora
Antônio. contruído sôbre uma ilhota separada da Ponta Norte por estreito braço.
E' êste o único remanescente da série de quatro grandes fortalezas qua
drangulares anteriormente construídas pelos portugueses e que mais tarde
foram arrasadas pelos holandeses sendo as ruínas arrastadas pela cor
renteza do rio. O Forte Santo Antônio é cercado de paliçadas e de um
fosso abastecido pelo já citado braço de rio. As muralhas são fortís
simas e, numa bateria, instalaram-se seis peças de ferro. Pode ser
defendido pela artilharia tanto da cidade de Paraíba como do forte Mar
garida que lhe fica oposto, do lado meridional, razão pela qual sempre
foi escassamente guarnecido pelos portugueses.
O terceiro O terceiro forte está situado numa ilha triangular, chamada restinga,
forte. não muito distante do anteriormente descrito, apenas um pouco mais
para cima do rio. Era reforçado com paliçadas e, nas baterias, havia
cinco canhões de bronze e outros tantos de ferro.
A Capitania de Paraíba é banhada e dividida por dois rios impor
O rio tantes a saber: o Paraíba e o Mamanguape, também conhecido por S.
Paraíba. Domingo. O Paraíba, de grande volume, situa-se a 6o e 24', quatro milhas
acima do Cabo Branco, e lança-se no mar em dois braços separados por
um grande banco de areia. A um desses ramos chamam Entrada Norte,
e ao outro Entrada Sul. Dêste último estende-se uma cadeia de recifes
que vai até o Cabo Branco, e, no meio do rio, há um banco de areia fron
teiro ao forte Margarida. Êste rio é muito sêco no verão, mas no
inverno suas águas sobem e inundam tôda a região adjacente, vitimando,
por vezes, homens e animais.
Duas milhas além dêste rio, em direção ao norte, existe uma baía
Pôrto que oferece seguro abrigo até aos maiores navios. E' conhecida pelos
Lucena. portugueses pela designação de Pôrto Lucena e pelos holandeses por
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 55

Terra-Vermelha (134), por ser dessa côr o solo da região. Há, aí, um
ancoradouro excelente com cinco ou seis braças de profundidade e tôda
essa zona é dotada de ótimos mananciais, motivo pelo qual os navios
holandeses que deixam o Recife, rumo à Metrópole, costumam aí fazer
escala para se abastecerem de água fresca.
Meia milha mais ao norte, a 6o 34', acha-se o rio Mamanguape (135) Rio
Mamangaa-
que ali desemboca no oceano. Êste curso é muito mais largo em suas
pe.
cabeceiras que na foz; suas margens apresentam espêssa vegetação de
sarças, arbustos e mangueiras. Pouco antes da foz há um recife e, na
própria desembocadura, dois perigosos bancos de areia. Tem êle três
braças de água, na maré baixa.
Cerca de duas pequenas milhas ao norte do rio Mamanguape há
uma baía que os portugueses chamam Baía da Traição e onde, a uma
milha de distância da praia, se tem 11 a 12 braças de água. Cinco
milhas para o norte dessa baía encontra-se o rio Barra Konguon ou
Ronayo, que apenas dá calado para pequenos veleiros. Perto de meia
milha (136) dêsse ponto, há uma grande baía de cêrca de duas milhas
de extensão, chamada Pernambuco, e cinco milhas além, ao norte, o rio
Jan de Sta ou Estau (137).
Os índios da Paraíba habitam cêrca de sete aldeamentos, o maior
dos quais se chama Pindaúna (138), que, em 1634, contava perto de
1.500 habitantes. Os outros poderiam ter, quando muito, 300 almas,
Nenhum dêsses aldeamentos contava mais que cinco ou seis construções
muito compridas, com uma infinidade de portas, de tamanho diminuto.
A produção desta Capitania consiste em: açúcar, pau-brasil, tabaco,
peles, algodão, etc.. A cana de açúcar desenvolve-se aí admiràvelmente,

(134) Tanto Nieuhof (p. 39, 2.a col.) como Herckmans (Cf. XLI, 261) falam de
Terra-Vermelha na Paraíba (Roolant, Roodelant). Trata-se, segundo a descrição
de Herckmans, de uma terra alta, formando como que um monte que se interrompe
do lado do mar, pelo que os nossos navegantes chamam-na de Terra Vermelha e os
Portugueses de os Barreiros de Miriri, porque ali desemboca o rio Mirirí; Em Bar-
laeus (VIII, mapa da Paraíba entre pp. 32-33).
(135) Nieuhof escreve (p. 40, 1.a col., 1." §) : "Mongoape ou Mongoanwapy".
Trata-se do Mamanguape. Aliás, já Herckmans escrevia, também, Mongougoappi ou
Mamanguape. (Cf. XLI, 261).
(136) O tradutor inglês escreveu légua e meia (p. 27, 2.a col., 3.° §). Cf. ed.
hol., p. 40, 1° col., 6.° §.
(137) No mapa 50 de Wieder (XCVII, 2." vol.) existem, realmente, uma Barra
e um rio de nome Jan de Staa; ficam acima da Ponta e Barra de Pernambuco, na
Paraíba.
(138) Herckmans (Cf. XLI, 258-9) se refere às duas aldeias existentes —
Findaúna e Joacaca — no distrito de Gramame. "Pindaúna era o nome do potiguar
que construiu as primeiras casas, onde está agora a aldeia do mesmo nome". Em
língua brasílica significa anzol preto (id., 259). Teodoro Sampaio (LXXXI, 34)
considera bem traduzido por Herckmans o nome indígena. Em Barlaeus, edição de
Naber, (VIII) entre as pp. 24 e 25.
56 J O A N NIEUHOF

talvez por ter sido plantada em terras descansadas. Enquanto a Paraíba


esteve sob a jurisdição dos batavos, tinha cêrca de 21 engenhos de cana
em ambas as margens do rio, sendo que 18 dêles exportavam anualmente
perto de 4.000 caixas de açúcar. À medida que se aproxima do rio,
a região se vai tornando baixa e plana, mas não muito distante da calha
fluvial o solo de novo se enruga em colinas e vales, oferecendo à vista
interessantes paisagens. A parte plana que também é a mais fértil
divide-se em várias zonas, algumas das quais tomaram os nomes dos
riachos que as banham, tais como: Gramame, Tapoa, Tiberí, Ingeby,
Monguape (139), Inererí, Camaratuba e outros. Tôdas essas terras são
Sua prodigiosamente férteis em virtude das cheias do rio Paraíba. Seus
fertilidade. produtos são : açúcar, cevada, trigo turco, batatas, ananazes, côcos,
melões, laranjas, cidras, bananas, pacovas, maracoani (140), pepinos
e todos os demais gêneros necessários ao sustento do homem e dos ani
mais. Encontra-se, também, por aí, uma espécie de pêra silvestre, cha
mada caju, muito rica em suco e de sabor agradável. Possue ela uma
castanha cuja casca é amarga embora a polpa seja muito agradável
quando assada na cinza. A pêra é refrigerante, mas o caroço tem
efeito contrário.
Pelos fins de novembro de 1634 os holandeses empreenderam uma
expedição contra a Paraíba, embarcando suas forças em 32 navios sob
o comando do coronel Schkoppe e dos seguintes chefes militares: Arcis-
zewski (141), Hinderson, Stachouver 142) e Carpentier. A frota foi

(139) Em Herckmans, Tapoa ou Itapoa é um pequeno rio que desemboca à


margem do rio Paraíba (XLI, 256). No mapa de Vingbooms, referente à Paraíba,
encontra-se, também, Tapoa (XCVII, vol. II, mapa 46). "Nieuhof escreveu Ingenby
e Monguappe (p. 40, 1.» col., 1.° §). Quanto ao primeiro, nada encontramos; já o
segundo apresenta grafia semelhante (Monguappe — p. 40, 1.» col., l.° §) a que
indicava o Mamanguape (Mongoapa ou Mongoauwapy (p. 40, 1." col., l.° §). Como
se trata de ribeiro, não pode ser o Mamanguape, que é o segundo rio em importância
da Paraíba. Em Barlaeus (VIII, mapa da Paraíba, entre pp. 32-33) está delineado todo
o curso ao rio Mongaguaba (Mamanguape), não se vendo aí nenhum riacho com
semelhante nome, Marcgrave (LXX, p. 262) registou o rio Monguape.
(140) Marcgrave se refere a Maracoani Brasiliensibus : cancer parvus. . ., (LXX,
184). Nieuhof escreveu Markomas (p. 40, 2.a col., 2.° §). Trata-se do caranguejo.
(141) Artisjoski escreveu Nieuhof (p. 40, 2.a col., 5.° §). A grafia correta
é Arciszewski, conforme mostramos em trabalho sôbre o mesmo (LXXVI). Aí
esboçamos a biografia de Arciszewski tão ignorada nos bons autores do período ho
landês, como também mostramos o êrro em que laboraram Netscher e Wátjen, esto
ao repetir o primeiro, afirmando que fora Arciszewski exilado da Polônia por ques
tões religiosas, quando o fora por motivo de ato criminoso. Aí indicamos, igual
mente, a bibliografia do coronel polaco, autor de poemas e trabalhos em prosa. Desde
1892-93, em Fetersburgo editava-se "Dzieje Krsyztofa Z Arciszewa Arciszewskiego",
1592-1656, 2 tomos, da autoria de Alexandre Kraushara, Petersburg. Consultar, tam
bém: J. C. M. Warsinck — Christoffel Artichewsky, Poolsche Krijgsoverste in dienst
van de West-Indische Compagnie in Brazilie. 1630-1639. Proeve tot eerherstel.
's-Grav. 1937.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 57

dividida em duas esquadras, a primeira compreendendo 21 navios que


levavam, ao todo, 1945 homens e a outra 11 iates com 409 soldados.
Schkoppe foi o primeiro a desembarcar com 600 homens, avançando contra
o inimigo que tratou de se retirar abandonando armas e bagagens. An
tônio Albuquerque, o general que os comandava, com dificuldade conse
guiu escapar (143).
Nesse ínterim, tendo o restante da tropa alcançado a terra, três
companhias sob as ordens de Kaspar Ley marcharam diretamente contra
o forte Margarida e entrincheiraram-se junto a êle enquanto Schkoppe
se mantinha ao longo da costa e Arciszewski formava, com sua força,
a ala direita à vista da guarnição. Ao mesmo tempo Lichthart atacava
o forte da ilhota Restinga, que tomou de assalto, passando a guarnição
a fio de espada. Por êsse tempo Schkoppe havia assestado uma bateria
contra o forte, castigando de tal forma a guarnição que o comandante
Simão de Albuquerque resolveu capitular. A seguir, intimado a render
o forte Santo Antônio, seu comandante, Magalhães (144), pediu três
dias de prazo para entregar a praça. Conseguida a tolerância, Maga
lhães fugiu durante a noite, abandonando a Lichthart a posição, que
dispunha de cinco grandes canhões de bronze e 19 de ferro.
Os holande
Na mesma noite as nossas forças marcharam contra a cidade de
ses conquis
Paraíba, então guarnecida com 1.600 homens, e, transpondo um braço tam a Pa-
de rio denominado Tambiá Grande (145), logo dominaram a cidade, raíba.
sem oposição. O general espanhol Bagnoli, tendo evacuado o lugar à
frente de 250 homens, foi forçado a retirar-se para Goiana, não sem
primeiro enterrar ou emperrar seus canhões e deitar fogo a três navios
e dois armazéns nos quais foram destruídas 3.000 caixas de açúcar.
À vista do mau estado em que se encontrava o forte Santa Catarina,
determinou o Conde Maurício sua reconstrução, ampliando-se e aprofun
dando o fosso e substituindo-se-lhe o nome pelo de Margarida em home-

(142) Stachouver tornou-se, depois, negociante, abandonando o Colégio dos


Conselheiros Políticos do qual fazia parte, razão por que, como conselheiro, tomou
parte na expedição contra a Paraiba. (Cf. XV, 159). No Breve Discurso (XV, 158-
160), se encontra exposta tôda a organização e membros do referido Colégio na
época de Maurício de Nassau.
(143) Antônio de Albuquerque era capitão-mor e não general; governador da
Paraíba até a conquista holandesa (Cf. Varnhagen, LXXII, tomo II, 310 e 313).
(144) Maglianes escreveu Nieuhof (p. 41, l.a col., 4.° §). Trata-se do coman
dante Luiz de Magalhães, do fortim de Santo Antônio, que resistiu 4 dias a mais
depois da entrega do forte de Cabedelo, que se rendeu a 19 de dezembro. (LXXII,
Tomo II, p. 315 e nota 102 e 103 de Rodolfo Garcia).
(145) No mapa 46 de Vingbooms, (Cf. XCVII) está escrito Tabiá. Fica
próximo à cidade de Paraíba. Pelo rio Mandarucú, a que chamam Tambiá Grande,
subiram os holandeses para ocupar a Paraíba (Cf. LIV, 47). Nieuhof escreveu
Tambra Grande (p. 41, l.a col., 5." §). Em Herckmans, Rio Tambian (XLI, 242).
58 JOAN NIETJHOF

nagem à sua irmã. O forte Santo Antônio foi, em sua maior parte,
arrasado, restando apenas um baluarte para defesa da ponta norte do rio.
Decidiu-se também que o forte Restinga fosse cercado por novas pali
çadas e que o convento da Paraíba fôsse fortificado com uma muralha
e outras obras externas. Ficou encarregado do governo da Capitania,
bem como do comando da praça, Elias Herckmans (146).
Potifff on ^ Capitania de Potigí, Potingí ou Poteingí, também conhecida pelos
pelos portugueses pela designação de Rio-Grande devido ao rio dêsse
nome que a banha, era conhecida, entre os holandeses, por Brasil Norte,
em contraposição às capitanias do Sul. Potigí limita-se, ao sul, com a
Paraíba e, ao norte, com a Capitania de Ceará, pôsto que os geógrafos lusos
estendam seus limites até a ilha de Maranhão.
Os franceses, que se mantiveram na posse dessa Capitania até 1597,
foram daí expulsos pelo comandante espanhol Feliciano Coelho de Car-

(146) A primeira tentativa foi frustrada. Realizou-se em fins de fevereiro


de 1634, com uma esquadra composta de 20 navios, com 1500 homens, dirigida pelo
Almirante Lichthart, Schkoppe chefiando as tropas de terra e indo em sua companhia
os diretores Johan Gijsselingh e Servaes Carpentier. O ataque foi sem resultado
e as forças holandesas foram obrigadas a retroceder. Em novembro de 1634 é que
se tentou o novo ataque. Agora, Arciszewski voltara da Holanda com o título de
coronel. Netecher avalia em 29 navios e iates à disposição de Lichthart, com 2.354
soldados, sob às ordens de Schkoppe e Arciszewski, acompanhando a expedição Car
pentier e Stachouver. (LXIII, 72). Saiu do Recife em 25 de novembro (LXXII,
312). Servaes Carpentier foi nomeado em 1635 diretor das duas capitanias da
Paraíba e Rio-Grande-do-Norte (Cf. XLI, 244). Foi substituído por Ipo Eysens em
1636, que faleceu em outubro do mesmo ano. Elias Herckmans foi o terceiro governador
da Paraíba sob o domínio neerlandês, tomando posse em 14 de outubro de 1636.
(Cf. XV, 159 e LV). — Foi por essa época que Elias Herckmans escreveu
a Descrição Geral da Capitania da Paraíba. O título do seu trabalho é Bes-
chrijving van der Capitania Paraíba 1639, publicada nas Bijdragen en Mededeelin-
gen van het Historisch Genootschap gevestigd te Utrecht. 2." Tomo. 1879. Foi tra
duzida por José Higino e publicada na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico
Pernambucano (Vide XLI). Foi, também, autor de um poema sôbre a navegação,
notável pelos detalhes sôbre as viagens no Novo Mundo. Trata-se de uma narração
poética das navegações holandesas. O livro é procurado pelos bibliófilos, por causa
de suas estampas, gravadas a água-forte, sendo uma delas conhecida sob o nome de
"a fortuna contrária", da autoria de Rembrandt. Tem como título: Der zee vaert
lof, handelende vande Gedenckwaerdigkste zeevaerden met de op en onderganghen
der voornaemste heerschappijen der gantscher wereld. Amsterdwm. J- Pzn. Wachter,
J634. Nijhoff, há algum tempo, avaliava-a em um conto e quinhentos mil réis. Her
ckmans nasceu em Amsterdã em 1596 e morreu no Recife, a 8 de janeiro de 1644.
(Cf. XX. Um poeta aventureiro, pp. 98 e 107).
A Paraíba teve, ainda, mais dois governadores holandeses. Gysbert With, em
1644, e Paulus de Linge, que tomou posse em junho de 1645, ano em que os holandeses
foram expulsos da capitania.
Alfredo de Carvalho publicou um excelente estudo sôbre Elias Herckmans, onde
se encontram maiores detalhes sôbre sua vida e suas obras. (XX, Um Poeta
Aventureiro, Elias Herckmans, pp. 97-108). Também sôbre Herckmans escreveu J.
A. Worp, na Revista Oud Holland, Amsterdam, 1893, vol. XI, pp. 162-178 e no 3.° vol.
da Nieuwe Biographish Woordenburch.
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MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 09

valho (147). Divide-se ela em quatro distritos conhecidos pelos nomes


dos rios que os banham, a saber : Cunhaú, Goiana, Monpebú e Potigí (148) .
A capitania foi bastante desprezada pelos portugueses ; entretanto pro
duz ela, em abundância, caça e pescado tão deliciosos, que são geralmen
te servidos apenas com limão ou vinagre, mas sem azeite. No lago de
Groairas (149), há uma quantidade incrível de peixes e a região produz
farinha em grande escala. Daí vieram os fartos abastecimentos de car
ne e peixe para as nossas guarnições da Paraíba e outras partes, du
rante a rebelião dos portugueses.
Acima do rio, há uma cidade de pequena importância, denominada
Amsterdam. Seus habitantes vivem da pesca, da produção de farinha
e do plantio de fumo. Mais ao norte vivem alguns camponeses que se
ocupam em cultivar a terra ; entretanto, a região que se estende ao norte
do Rio Grande é apenas escassamente habitada.
0 Rio Grande, assim chamado pelos portugueses devido ao seu con
siderável volume, é conhecido entre os naturais pelo nome de Potengí
e tem a sua foz a 5o e 42' de latitude sul, (150) ou sejam três milhas de
Ponta Negra, para quem vem da parte ocidental do continente. Desem
boca quatro milhas acima do Forte Keulen (151), conhecido pelos portu
gueses por Três Reis, e seu estuário pode abrigar navios de grande cala-

(147) Não é exato o que escreveu Nieuhof, pois os franceses não estavam de
posse do Rio-Grande-do-Norte. Em 1597 é que 13 navios franceses atacaram a
Paraíba e logo em seguida o Rio-Grande-do-Norte (LXXII, tomo II, p. 50-51).
Feliciano Coelho de Carvalho, que Nieuhof chamou de general espanhol e escreveu
Feliciano Creça de Karvalasho (p. 41, 2.a col.), era capitão-mòr da Paraíba e auxiliou
Manuel de Mascarenhas, capitão-mòr de Pernambuco, a expulsar os franceses do
Rio-Grande-do-Norte. Em abril de 1598 é que Feliciano Coelho de Carvalho pôde,
efetíramente, auxiliar com gente da Paraíba a expulsão dos franceses. Sôbre a
colonização do Rio-Grande-do-Norte, vide "A colonização do Rio Grande do Norte até
a ocupação holandesa", pelo Dr. A. Tavares de Lira, pp. 1-40, Rev. do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, 1914.
(148) Em Vingbooms se escreve Mopabu (XCVII, vol. II, mapa 45),
Gonhoa e Goayra. Verdonck escreve (XCIII, 225): "Cunhaú. Três milhas acima
de Camaratuba, existe um engenho chamado Cunhaú, o qual faz, anualmente, de
6.000 a 7.000 arrobas de açúcar. Ali moram de 60 a 70 homens, com suas famílias";
e logo adiante: (id. p. 226). "Nesta jurisdição do Rio-Grande pode haver, ao todo,
5 ou 6 aldeias de brasilienses, que juntos devem contar 750 a 800 frexeiros, e a prin
cipal destas aldeias é chamada Moppobú e está situada a 7 milhas ao Sul do Rio
Grande e a 4 ou 5 para o interior". No Breve discurso sôbre as quatro capitanias
conquistadas, escreve que ela está dividida em 4 freguesias, a saber: a de Cunhaú,
a de Guajana (Goiana) a de Potingy e... (branco). Souto Maior escreveu
(LXXXVIII, 415 e 416 e 424) : Mipibú, Monpibú, Monpebú. Em Baro, Monpabú
(IX, 201).
(149) Nieuhof escreveu Goraires (p. 42, 1.» col., 1 §). Cf. XXVI, p. 190, 2 vol.
(150) Na edição inglêsa está escrito 50 graus e 42 minutos (p. 29, l-a col.,
*,* §); cf. ed. holandesa (p. 42, l.a col., 7." §).
151) Forte Keulen. Vários tradutores, como os Srs. José Higino e Cláu
dio Brandão, têm grafado Ceulen. Não aceitamos essa grafia, porquanto
60 JOAN NIEUHOF

do. Já o rio Cunhaú só é navegável por barcas e pequenos navios. As


baías que se encontram nesta Capitania são : Baía Formosa, Ponta Negra,
Ponta de Pipas e a Baía Tijssens. A Baía de Ginepabú (152) fica ao
norte, além da foz do Rio Grande, e, depois desta, depara-se com a desem
bocadura de um rio denominado Guasiavi, junto à qual se ergue a vila
Atape Wappa (153). Ainda um pouco mais ao norte encontra-se o rio
Ceará-Mirim, e perto da aldeia de Natal e do forte dos Reis passa um rio
conhecido por Rio da Cruz que nasce de um pequeno lago no Rio Grande.
Em frente ao mesmo forte um riacho aflue para o Rio Grande, entre
dois bancos de terra, e, não muito distante dali, encontra-se ainda outro
rio de água salgada.
O Forte O Forte Keulen era um quadrilátero construído sôbre rocha, ou me
Keulen. lhor, sôbre a ponta de um recife, a alguma distância da praia, de-fronte
à foz do rio Recife. Inteiramente cercado de água, na preamar, não se
podia atingí-lo senão embarcado. Há, no centro dêsse forte, uma capeli
nha, onde, em 1645 ou 1646 (154), os holandeses descobriram um poço
de cêrca de meio pé de diâmetro na boca e três no fundo, aberto na rocha
viva, por onde afluía água doce e fresca tôdas as marés altas. Nas
marés comuns dava cêrca de 255 potes de água potável mas, nas de
plenilúnio, chegava a dar 350, suprimento êsse mais que suficiente para
consumo da guarnição em caso de sítio. O forte é construído de blocos
de pedra e defendido, do lado da praia, por dois meios baluartes em
forma de corna. Em 1646 sua artilharia constava de 29 peças de bron
ze e de ferro. Dispunha também de bom paiol e confortáveis alojamentos
Sua con para a soldadesca.
quista pelos Êste forte foi capturado pelos holandeses sob o comando de Mathias
batavos. van Keulen um dos governadores da Companhia, o qual foi auxiliado
por vários capitães de valor, tais como Byma, Kloppenburgh* Lichthart.
Garstman e Mansfelt. Van Keulen (155) para lá se dirigiu à frente de

o fonema representado pela letra k em holandês é diferente do expresso pela


letra c antes de e ou i em português. Segundo a ortografia oficial, deve-se escrever
uma palavra adotando-se a forma vernácula, quando existe. Como para essa pala
vra não existe forma vernácula, só se pode adotar, evidentemente, a reprodução fiel
da grafia estrangeira.
(152) Nieuhof escreveu Ginapabo (p. 42, l.a col., 12." §). Cf. XXVI, p- 190.
(153) Quanto a Guasiavi, Vingbooms menciona Guasjou e no mapa vê-se que
Atapewappa (Tappewappe no Mapa 45) fica junto à nascente do Ceará-Mirim e não
junto à desembocadura do Guasjou (XCVII, mapa 45, vol. II) ou Guasiavi, como
escreveu Nieuhof.
(154) O tradutor inglês escreveu: 1645 e 1646 (cf. p. 42, 2a col., 4.° § da
ed. holandesa e p. 29, l.a col., últ. § da trad. inglêsa). _—
(155) Em 5 de dezembro de 1633 é que van Keulen partiu do Recife para
atacar o Rio-Grande-do-Norte. Atacaram o Forte dos Reis Magos e o seu Capitão
Pedro Mendes de Gouveia capitulou em 12 de dezembro. Mudaram, então, o nome
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 61

80S homens embarcados em 4 navios e 7 iates. Keulen apoderou-se, não


apenas do forte, mas, ainda de toda a Capitania. Foi então que a velha
fortaleza de Três Reis passou a chamar-se forte Keulen, em homenagem
ao chefe da expedição.
Era hábito dos Tapuias fazerem uma ou duas incursões anuais,
nessa Capitania, principalmente durante a sêca que os privava de água
fresca. Mantinha-se, assim, viva a animosidade entre portugueses e
nativos. Informados os Tapuias de que os portugueses pretendiam
se revoltar contra os holandeses, já tendo mesmo iniciado a insurreição
em Pernambuco, invadiram Canhaú sob a direção de um de seus chefes,
Jacob Rabbi, lá trucidando 36 pessoas num engenho de açúcar perten
cente a Gonsalvo d'01iveira. Daí dirigiram-se para o lugar onde os
lusos haviam construído sua linha de defesa, tomaram-na de assalto e
passaram a fio de espada os seus defensores. Disseram-nos os brasi
leiros que haviam assim procedido em represália ao que lhes fizera
André Vidal em Serinhaém, depois de já terem sido indultados. Disso
nos ocuparemos de novo mais adiante. Desde então os portugueses
mantiveram deserta essa zona ; os batavos pretenderam povoá-la novamen
te e reconduzí-la à situação que desfruta sob o domínio português, mas
foram forçados a desistir da emprêsa, por falta de gente.
A Capitania de Ceará (156) compreende uma das regiões mais se
tentrionais do Brasil, limitando-se, ao norte, com o Maranhão, do qual a

do Forte para o de Keulen. Sôbre as atividades dos holandeses no Rio-Grande-


-do-Norte, cf. Alfredo Carvalho, Os Holandeses no Rio-Grande-do-Norte, Rev. do Ins
tituto Histórico e Geográfico do Rio-Grande-do-Norte, 1906, Tomo IV, p. 117-139 e
170-198.
O tradutor inglês comete, neste trecho, outro engano grave. Assim é que Nieuhof
escreveu (p. 42, 2.a col.) : By dezen Krijgstoght hadden zich verscheide Nederlandtsehe
JZrijghs-oversten vervoeght, ais Byma, Kloppenburgh, Lickthart, Garstman en
Mansfelt. Van Keulen trok.... Enquanto que na edição inglêsa (p. 29, 2.a col.)
está escrito: This Fort was in 1633 taken by the Dutch under the Command of
Matthias van Keulen, one of the Governors of the Company, who being assisted by
severa! noted Captains, viz. Byma, Kloppenburgh, Lichthart, Garstman, and Mans-
feldt van Keulen, set sail. . . Como se vê, a ausência do ponto após o nome de Mans-
feldt altera inteiramente o sentido dêste trecho.
(156) Êsse trecho sôbre o Ceará já foi traduzido por Pedro Souto Maior, e
publicado na Revista da Academia Cearense, tomo XII, 1907, Ceará, Fortaleza.
Em fins de 1633, fora o seu litoral explorado pelo iate Nieuw Nederlandt, do
capitão Joost Coolster. A 14 de outubro de 1637, partiam do Recife os iates De
Brack e De Hemp Haen, conduzindo 126 soldados sob o mando do major Garstman.
A 25 fundeavam na Baía de Mucuripe. A 26 marchavam, com Algodão, em di
reção ao forte comandado pelo capitão Domingos da Veiga Cabral. Aí ficou o
Tenente Hendrik Ham, voltando Garstman para o Recife. Em carta datada de
15 de janeiro de 1638, o Supremo Conselho do Brasil comunicava ao Conselho dos
XIX: "Agora que o Syará foi conquistado não resta em poder dos portuguezes mais
nenhuma praça até o Maranhão".

6
62 JOAN NIETJHOF

separa o rio Ceará. Não é grande seu território, pois abrange apenas
de 10 a 12 milhas.
O rio Ceará. O rio Ceará, que nasce no âmago do continente, desemboca a sete
milhas e meia ao norte da baía de Mucuripe, a 3o e 40' de latitude sul.
De acordo com o relato dos que os viram diversas vezes, os brasilei
ros ou moradores dessa Capitania têm estatura avantajada, traços feios,
cabelos longos e tez escura, exceto entre os olhos e a bôca. Costumam
furar as orelhas que lhes pendem até os ombros; também furam os lá
bios e alguns o nariz e introduzem pedras nesses orifícios, como enfeite.
Alimentam-se de farinha, aves silvestres, peixes e frutas. Bebem, ha
bitualmente, água, mas também fabricam um certo licor, de farinha, e,
ultimamente, começaram a se habituar com a aguardente de cana que,
entretanto, não se lhes permite levar para suas aldeias, a-fim-de não abu
sarem das bebidas alcoólicas. A região produz cana de açúcar, cristal,
algodão, pérolas, sal e vários outros gêneros. Em suas praias também
se encontra âmbar cinzento.
Em 1630, o interior da região era governado por um rei nativo co
nhecido por Algodão, sujeito, até certo ponto, aos portugueses, que lhe
construíram um forte no rio Ceará e dominaram toda a zona litorânea
adjacente. Entretanto, lusos e selvícolas viveram sempre em contínua
discórdia até 1638, época em que o forte e tôda a região foram conquis
tados pelos holandeses da maneira que passamos a relatar.
Os nativos dessa zona solicitaram ao Conde Maurício e ao Conselho
O Ceará
conquistado que tomassem o forte português lá existente a-fim-de libertá-los da
pelos opressão em que viviam. Para tanto ofereciam sua aliança, dando, como
holandeses. penhor de fidelidade, dois jovens de suas melhores famílias. Os batavos
decidiram-se a realizar a expedição. Confiou-se a Joris Garstman o co
mando das tropas destacadas para a operação. Êsse homem era de in
discutível valor militar; entretanto a emprêsa, como mais tarde se veri
ficou, não oferecia grande dificuldade, à vista da cooperação dos nativo»
que, além de nutrirem ódio de morte aos portugueses, estavam bem infor
mados sôbre a força da guarnição e conheciam perfeitamente as condi
ções locais. Garstman abasteceu-se de navios, homens, munições e tudo
o mais necessário para a campanha e rumou para o rio Ceará. Lá che
gando, desembarcou suas forças, e, recebendo o rei Algodão que se apro
ximara com bandeiras brancas, em sinal de paz, incorporou à tropa os 200
nativos que acompanhavam êste último. A força, assim constituída,
marchou diretamente contra o forte que foi capturado após valorosa resis
tência dos portugueses, alguns dos quais perderam a vida. Grande parte
da guarnição, na qual se encontravam militares de valor, caíu prisionei
ra dos holandeses. Foram capturados, também, três canhões e boa quan
tidade de munição. Depois disso, construíram os nossos um pequeno for
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 63

te junto ao rio Ceará, ao qual denominaram de Ceará, cuja guarnição


era composta de apenas 30 ou 40 homens e tendo como finalidade precí
pua antes cultivar as boas relações com os brasileiros, — muito numero
sos naquelas paragens, e, portanto, capazes de nos prestar excelentes ser
viços em tempo de guerra, — que assegurar a defesa da região. Com
êsse propósito em vista, o Grande Conselho sempre recomendou aos ofi
ciais do forte que incentivassem a amizade dos selvícolas, enviando-lhes,
frequentemente, pequenos presentes. Contudo essa política não deu os
resultados que dela se esperavam, pois, em 1644, vários dos nossos foram
massacrados pelos nativos em Camocim, a cerca de 20 ou 30 milhas (157)
de Ceará, como mais adiante veremos.
Em 1640 (158), a população aborígene de Ceará aumentou conside-
ràvelmente. Foi, de fato, tão grande êsse aumento que as aldeias não
podiam suportá-lo sem graves inconvenientes. Por outro lado, o Rio-
-Grande se achava quase deserto e, portanto, incapaz de fazer face a um
eventual inimigo. Assim, André Vlijfs propôs ao Grande Conselho fun
dar uma aldeia no Rio-Grande para lá se instalarem os habitantes de
Ceará que o desejassem fazer, tornando-se êle o chefe da povoação. In
teirados, o Conde Maurício e o Grande Conselho, das aspirações de alguns
habitantes de Ceará, desejosos de se estabelecerem no Rio-Grande, sua
terra natal, e, tendo em vista os benefícios que para a Companhia pode
riam resultar da migração dêsses brasileiros para ponto tão próximo,
atenderam a sugestão de Vlijfs. Concederam-lhe ainda autorização para
que trouxesse para a nova aldeia — da qual seria êle o chefe, ou capitão
— o número de brasileiros que julgasse conveniente. Tomadas essas
providências, escolheram-se, com a aprovação dos diretores da Compa
nhia, certos chefes ou cabeças das mais antigas famílias de cada distrito,
chamados Regedores pelos portugueses, bem como alguns juízes. Assim
é que de Goiana veio Domingos Fernandes Carapeba, da Paraíba Pedro
Potí, e do Rio-Grande Antônio Paraupaba (159). Entretanto, a des
peito de tudo isso, os brasileiros de Ceará se rebelaram contra os holan
deses, em 1644, atacaram de surprêsa a guarnição do forte, a qual foi
inteiramente trucidada em companhia de seu comandante, Gideon Morris,

(157) O tradutor inglês escreveu: "cêrca de 30 léguas", (cf. p. 44, 2.a col.,
1.* § da edição holandesa e p. 30, 2.a col., 2.° § da tradução inglêsa).
(158) O tradutor inglês escreveu 1641 (cf. p. 44, 2.a col., 1° § da ed. holan
desa e p. 30, 2.acol., 3." § da trad. inglêsa).
(159) A bibliografia sôbre estes índios é curiosa, embora pouco extensa. Pedro
Potí foi à Holanda em 1625, na esquadra de Hendrikson e lá ficou até 1630. Voltou
em 1631, provàvelmente com Lonck; em 1645, foi eleito regedor dos índios da Pa
64 J O A N NIEUHOF

(160), arrasaram as fortificações e assassinaram os operários das sa


linas próximas do rio Upanema que foram igualmente depredadas, pelos
bárbaros. O comandante de um navio, seu capitão, tenente e alguns

raíba. Na segunda batalha de Guararapes, a 19 de fevereiro de 1649, foi prêso.


Morreu em 1652, a bordo do navio que o levava para Portugal.
Antônio Paraupaba foi, em 1633, intermediário entre Janduí e Arciszewski e
Stachouver. Em 1645, foi igualmente eleito regedor dos índios do Rio-Grande. A
6 de agosto de 1654, foi enviado à Holanda, morrendo em 1656 ou 1657.
Sôbre esses dois índios, consultem-se os seguintes trabalhos: Dr. Guilherme
Studart, Dicionário Bibliográfico do Ceará, 1913; Fortaleza, vol. II, pp. 16 e 17- —
Pedro Souto Maior, Dois índios notáveis e parentes próximos. Rev. Trimensal do
Inst. do Ceará, tomo XXVI, 1912, p. 61-71. — Pedro Souto Maior, A missão de
Antônio Paraupaba ante o Govêrno Holandês, Rev. Trimensal do Inst. do Ceará,
tomo XXVI, 1912, p. 72-82.
Antônio Paraupaba, quando esteve na Holanda, apresentou ao Govêrno Holan
dês dois Memoriais e uma Súplica:
1) Twee Verscheyden I Remonstrantien I ofte Vertogen, / Overgegeven /Aen
hare Ho: Mo: de Heeren Staten I Generael der Vereenighde Nederlanden. I Door
Anthonio Paraupába, I In zyn leven geweest Regidoor vande Brazilianen I inde
Capitania van Rio Grande: Ende met het laetste onge- / luckigh verlies van Brazyl,
vande gantsche Braziliansche I Natie afgefonden; aen hare Ho: Mo; om derselver
Natie I erbermelijcken en jammerlijcken toestant to vertonen, / ende met eenen
hulpe ende bystant te versoeeken. In's Graven-Hage, I Gedruckt by Eknricus Hon-
dius, vioonende inde Hosftraet, inde nieuwe Kunst en-Boeek-Druckery. 1657. I 4.° —
Tradução: "Dois protestos ou Memoriais entregues .aos Altos e Poderosos Estados
Gerais por António Paraupába, Regedor dos Brasileiros na Capitania do Rio-Grande,
junto com a última e infeliz perda do Brasil; enviado por tôda a nação brasileira
aos Altos Poderes para mostrar o estado miserável e digno de piedade daquela na
ção e requerer, ao mesmo tempo, ajuda e assistência." 20 pp.
Seeckere I Remonstrantie / Aen hare hoogh Moghende de Heeren Staten Gene-
rael der Vereenighde I Nederlanden I overgegeven I Door / de gesamentlijcke aen-
viesende gedeputeerdens / uyt Brazyl / Genderende tot behoudenisze van die Glo /
rieuse Konineklijcke Conquesten. I Ame. MDCLVII. — Tradução : " Súplica aos Altos
Poderes os Estados Gerais das Províncias Unidas; entregue por todos os deputados
brasileiros presentes, considerando a guarda dessa gloriosa e real conquista." 8 pp.
Sôbre a viagem de, Pedro Potí à Holanda, consulte-se a Declaration de Gaspar
Paraoupaba, de Siara, âgé de 50 ane, d'Andreus Francisco, de Siara, age de 33 ans,
de Pieter Poty, de la baie de Traiçaon, d'Antony Guirawassauay, oVAntony Fran
cisco et Lauys Caspar, tons de la baie Traiçaon, un desquels de la nation des Tiguars
de la cote septentrionale du Brésil. Notée par le sieur Kilian de Resenlaer le 20
mars de Van 1628, à Amsterdam. p. 9. Publicada nos Anais da Biblioteca Nacional
do Rio-de-Janeiro em 1907 e também na Revista Trimensal do Instituto do Ceará,
1912, tomo XXVI, Fortaleza, p. 9-14.
Sôbre cartas trocadas entre alguns índios, como A. F. Camarão, Diogo da Costa,
Diogo Pinheiro Camarão e a resposta de Pedro Potí, consultem-se: As cartas tupis
dos Camarões, de Teodoro Sampaio, vol. XII, n. 68, p. 287, onde são traduzidas
para o português duas cartas; a primeira, de Diogo Pinheiro Camarão e a segunda
de Diogo da Costa, ambas dirigidas a Pedro Potí. Foram escritas em 1645 e já
haviam sido traduzidas para o holandês pelo padre reformado Johannes Edwards.
Souto Maior, no referido trabalho sôbre "Dois índios notáveis e parentes próximos",
traduziu do holandês uma carta de Pedro Potí, dirigida ao Capitão Antônio Filipe
Camarão e outra de Filipe Camarão aos índios aliados dos holandeses.
(160) Gideon Morritz ou Morris de Jonge como escreveu Barlaeus (VII, 249
e 369), e como consta nas cartas e relatórios assinados, foi um aventureiro flamen
go, prisioneiro no Amazonas, detido oito anos no Maranhão. O papel que repre
sentou na história da colonização do Ceará e a influência que exerceu, junto aos
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 65

soldados, que, ignorando a traição, desembarcaram em busca de provisões,


foram igualmente assassinados, salvando-se apenas alguns marinheiros
que tiveram a boa sorte de conseguir se homiziar nas matas.
Alguns atribuem a causa dessa revolta aos portugueses e brasileiros
do Maranhão, instalados na região limítrofe, entre ambas as Capitanias.
Entretanto, se buscarmos a verdadeira explicação dêsse desastre, encon
trá-la-emos nos desmandos dos nossos oficiais que, por seus abusos e arbi
trariedades, forçaram os moradores da região a reagir contra as injúrias
recebidas.
0 que acima ficou dito sôbre as Capitanias do Brasil Holandês, pare
ce suficiente. A seguir passaremos a relatar os memoráveis aconteci
mentos que se desenrolaram entre portugueses e holandeses, durante nos
sa estada naquele país. Antes, porém, diremos das excelentes condições A excelên
cia do
que desfruta a região, bem como de sua situação religiosa. Brasil.
0 Brasil é uma região magnificamente prendada pela natureza, para
a produção de tudo quanto se encontra nas índias Ocidentais, em climas
iguais ou afins, à exceção de ouro e prata, dos quais até hoje se não en
contraram minas importantes (161). Entretanto, à-parte êsses me
tais preciosos, o açúcar apresenta-se, aí, como a principal produção do
país. Entre todos os portos e regiões das índias Ocidentais nem um

Diretores da Companhia das índias Ocidentais, para a conquista do Maranhão, tor-


naram-no a figura central do movimento expansionista holandês no norte do Brasil.
A importância da conquista do Maranhão que asseguraria pelo lado norte a posse
das capitanias já conquistadas, pleiteada e defendida por Gideon Morris de Jonge,
demonstra sua visão e perspicácia política e econômica. A 22 de outubro de 1637
apresentava, em Middelburg, o primeiro relatório sôbre o Maranhão e sua conquista.
0 segundo foi apresentado em 3 de fevereiro de 1640, com a colaboração de Johan
Maxwell, que, prisioneiro no Maranhão, atendera a um mineiro espanhol que adoe
cera após a viagem de Quito ao Amazonas, gozando, por isso, de grande reputação e,
assim, podendo obter excelentes informes sôbre as minas do Perú. Êsse segundo
relatório é o mais longo, pois nêle referem-se as peripécias da viagem de Quito ao
Amazonas, e a possibilidade de se alcançarem as ricas minas de Potosí. A 23 de
novembro de 1640, partia do Recife para o Ceará, como "commandeur" de índios,
enquanto Johan Maxwell, a 21 de janeiro de 1642, era indicado para "commandeur"
de índios no Maranhão. Em abril de 1642, escrevia Gideon Morris de Jonge expli
cando as razões por que a conquista do Maranhão não correspondera à expectativa
dêle. Em carta de 12 de junho de 1643, o Supremo Conselho expunha aos diretores
da Companhia a situação do Maranhão, declarando que confiara a Gideon Morris o
posto de sub-diretor, com o encargo do trato com os índios. Realmente, em 20 de
julho de 1643, Bas deixava o Maranhão entregue a Wiltschut e Gideon Morris. Foi
ao Ceará e, em fins de 1643, lá se encontrava, sendo, pouco depois, vítima de uma
invasão de bárbaros que igualmente arrasaram as obras feitas nas salinas vizinhas
de Upanema, por êle descobertas.
Foi, realmente, uma curiosa figura de aventureiro, e, de certo modo, pode-se
afirmar que foi muito perspicaz na seleção geográfica dos terrenos onde exercer
domínio político; pois era mais inteligente, parece-nos, a expansão para o Norte do
que para o Sul, tentada por Brouwer. Sôbre suas cartas e relatórios, ver XXXII,
237-319; I, 127-8, p. 430, nota IV de Rodolfo Garcia e LXXVII, 120, 121, 122.
(161) Consulte-se a nota 52.
6í> JOAN NIEUHOF

só existe que se possa comparar ao Brasil, quer na produção de açúcar,


quer nas facilidades que oferece para o seu transporte. Todo o litoral
brasileiro está literalmente tarjado de pequenos cursos d'água que se
vêm lançar ao mar após terem banhado extensos vales. Por isso os
engenhos de cana erigidos nas regiões ribeirinhas desfrutam grande eco
nomia tanto no transporte como na mão-de-obra. Além de moverem,
êsses rios, os engenhos instalados em suas margens, servem êles para o
transporte do açúcar e constituem via fácil para o abastecimento das
usinas. Condições assim tão vantajosas, não se encontram em nenhum
outro país das índias Ocidentais, e, por isso, nêles não se poderia cuidar
com lucro da cultura da cana. Também a exportação do açúcar do Bra
sil para a Europa e para a África faz-se com mais facilidade que de qual
quer outro ponto das índias Ocidentais, graças à posição geográfica do
Brasil (situado na parte mais ocidental da América) . E tais vantagens,
no que respeita ao transporte de mercadoria tão necessária e útil a todas
as nações do mundo, como é o açúcar, não as pode ultrapassar nem a
natureza nem o engenho humano.
Tomando em linha de conta essas condições e ainda sua vasta exten
são territorial, é fora de dúvida que, se bem povoado, o Brasil poderia
dominar tanto os mares do norte como os da Etiópia e irradiar seu co
mércio para todos os países do globo. Poderia, ainda, estender seu do
mínio para o Poente como para o Levante, ou pelo menos aí estabelecer
entrepostos que facilitassem seu tráfico marítimo, pois, tanto os navios
que vão para as índias Orientais como os que de lá regressam são obri
gados a passar à altura da costa brasileira. Nada mais cômodo, por
tanto, para a navegação que ter aí instalados postos de abastecimento, já
que frequentemente são os navios forçados a fazer escala em seus por
tos, em busca de provisões. Pode-se ir do Brasil às ilhas Caraíbas em
14 dias, e, no mesmo tempo, ou pouco mais, à Serra Leoa, na costa da
Guiné. É impossível aventurar-se além do Mar do Sul, — onde grande
parte do globo terrestre ainda está por ser descoberta, — sem levar do
Brasil provisões frescas e lenha, a menos que se queiram enfrentar os
riscos da longa travessia, tão vivamente descritos nos diários de bordo
de Olivier Van Noord, Spilbergen, Le Maire e Jacques L'Heremite (162).

(162) Olivier van Noord foi o primeiro navegador holandês que fêz a volta
ao mundo. Nasceu em Utrecht. Partiu de Roterdã em 13 de setembro de 1591.
Tentou apoderar-se do Rio, mas não conseguindo o seu intento, continuou viagem pelo
estreito de Magalhães, costeou o Pacífico, seguiu para as Filipinas, as Molucas, vol
tando pelo Cabo da Boa Esperança, e chegou a Roterdã a 26 de agosto de 1601. A
relação foi publicada em holandês sob o título: Beschrijving van de Schipvaerd by
H ollanders Ghedaen onder Olivier van Noord, door de straet van Magallanes eredtej
voorts de gantsche Kloot des aertbodems om. (Amst., 1646). Com 25 estampas. Essa
viagem foi publicada, depois, na coleção de viagens holandesas " Nederlandsche
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 67

Por outro lado, a experiência nos ensinou, desde a viagem de Brouwer


ao Chile (163), quão fácil é a passagem entre o Brasil e o Mar do Sul,
pois êsse senhor não perdeu um só dos quatro navios que levou e muito
poucos de seus homens pereceram na travessia.

Raizen", 2 tomos, MDCCLXXXIV, sob o título: Togt rondom den Aardkloot, door
Olivier van Noord, Geduurende Welken zy verscheiden woeate en oubewoonde eilanden
ountdekken, en, naa eene afweezigheid van drie jaaren, den 26 Augusti 1601, te
Rotterdam weder behouden aanlanden. Te Amsterdam, by Petrus Conradi, Te Har-
lingen. By V. van der Plaats; ocupando da p. 147 à 253. A mesma viagem foi
editada, também, em francês: Description du penible Voyage fait autour de Vuni-
vers ou globe terrestre, par Sr. Olivier Du Nort, d'Utrecht, general de quatre na-
vires... Amsterdam, chez la Veuve de Cornille Nicolas, 1610, 22 pp. e uma fôlha
não numerada.
Spilbergen empreendeu a primeira viagem em 1601, 1602, 1603 e 1604; o relato
da expedição foi publicado em holandês, editado na citada coleção " Nederlandsche
Raizen", tomo III, MDCCLXXXIV, pp. 150-224, sob o título: Eeerste Togt van Joris
Spilbergen, na de Oostindién, in de Jaaren 1601, 1603 en 160U, pp. 150-224.
Mais tarde realizou Spilbergen outra viagem com Jacob le Maire e W. Shouten,
entre os anos de 1614 a 1618; foi também publicada em holandês sob o título: Oost
ende West-Indisehe Spiegel der 2 leste navigatien, ghedaen. . . 161U-18, daer in ver-
ioont wort, in wat gestalt Joris van Spilbergen door de Magallanes de werelt rondom
geseylt heeft.... Met de Australische navigatien, van Jacob Le Maire. Leyden, N.
van Geelkercken, 1619. Foi traduzida para o latim: Speculum Orientalis Occiden-
talisque Indiae navigationum; quarum una Georgij à Spilbergen classis cum potes-
tate praefecti, altera Jacobi Le Maire auspiciis imperioque directa, annis 161U-18;
Lugduni Batavorum, N. à Geelkercken, 1619. Em 1621, foi traduzida para o fran
cês: Miroir Oost en West Indicai, auquel sont descriptes les deux demieres navi-
gations, faictes 161U-18... p. J. Spilbergen. Amst. J. Jansz, 1621. Foi, ainda, pu
blicada na "Nederlandsche Raizen", tomo 8.°, MDCCLXXXV, p. 1-51. O estreito
descoberto entre a Terra do Fogo e uma ilha foi chamado Estreito Le Maire.
Jacques L'Heremite ou Jakob Heremijt foi outro célebre viajante holandês.
Começou como companheiro de viagem de Steven van der Hagen, na segunda expe
dição por êste realizada às índias Orientais em 1603 (LVI, Tomo IV, p. 163, 164,
165) e mais tarde em 1623-1624 empreendeu outra viagem ao redor do mundo. Na
coleção "Nederlandsche Raizen", tomo 8.°, MDCCLXXXV, p. 235-176, encontra-se a
Togt rondom den Aardkloot, door Jakob Heremiet, Gedaan in de jaare 1623 tot
1626, pp. 135-176.
Sôbre essas viagens em geral, a melhor autoridade é P. A. Tiele. Para os dois
melhores trabalhos dêste autor, vide: XC, XCI.
(163) Brouwer publicou: Journael eende historis verheal van de reyce ge-
daen by Oosten de Straet Le Maire, naer de custen van Chili onder het beleyt van
den heer Generael Hendrick Brouwer in de jare 16U8 voor gevallen etc..Amst., Broer
Jansz, 1646, 4.".
Essa obra foi reimpressa em várias coleções, como as de Hulsius, Churchill,
1746, a "Nederlandsche Raizen", etc.. Tiele (XCI, 226-8) trata dessas várias
reimpressões. A obra de Brouwer foi traduzida para o alemão em 1649 (LVII, 50).
A edição de Osborne e Lintot (consulte-se a bibliografia de Nieuhof, onde essa co
leção é indicada) publica, no 1.° vol., a Viagem de Brouwer e a relação de Elias
Herckmans. Thevenot, no II tomo, dá, também, uma tradução dessa viagem.
Sôbre sua expedição existe um folheto (n. 185 de Asher), que noticia a expe
dição do General aos Mares do Sul. Intitula-se: Tydingh uyt Brasil aende Heeren
Bewinthebberen van de West-Indische Compagnie, van wegen den tocht by den Ge
nerael Brouwer nae de Zuyd-Zee gedaen... Amst, by François Lieshout. 1644. A
excelente edição de Barlaeus de 1923 publica dois mapas dos mais importantes para
o estudo das expedições de H. Brouwer. São os seguintes: 1.°) uma reprodução
68 JOAN NIEUHOF

Dispõe ainda o Brasil de clima salubérrimo. Posto que situado entre


A salubri
dade do cli a linha equinocial e o Trópico de Capricórnio, sujeito, portanto, à canícu-
ma brasilei la abrasadora dessas latitudes, o calor é aí consideravelmente amenizado
ro. pelos ventos de Leste, que sopram do mar e não encontram, em seu
caminho, montanhas ou ilhas que os barrem. Por isso, talvez, raramente
se encontram, no Brasil, as moléstias que frequentemente assolam Angola,
Guiné, São Tomé e vários outros lugares aos quais as brisas levantinas
não podem proporcionar idênticas vantagens.
As epidemias são desconhecidas no Brasil — que nisso se avantaja
a qualquer outro país. Entretanto, não está isento de febres pútri
das (164), causadas pelo calor e pela umidade bem como pela excessiva
ingestão de frutas cruas.
Os que demandam a costa brasileira precisam prestar atenção espe
cial à estação do ano, que regula a direção dos ventos e das correntes
marítimas dessas paragens. Além disso é necessário muito cuidado para
não ultrapassar o pôrto a que se destinam, pois, se o fizerem, terão de
esperar pela reversão dos ventos e das correntes. No litoral brasileiro
observa-se que as correntes acompanham a costa na direção norte des
de o mês de março até o de junho. Nessa época não se pode navegar ao
longo da costa do Brasil do Norte para o Sul. Entretanto, passados
êsses mêses de março a junho, dêste mês até o de agosto, finda a corren
te nordeste. A partir do dia 1.° de setembro ou pelo comêço dêsse mês
até o fim de novembro, a corrente se dirige para o Sul com a mesma ve
locidade; por essa razão, nessa época tem-se a mesma dificuldade de ir
do Sul para o Norte quanto, naquela outra, de ir do Norte para o SuL
Lá, os ventos mudam de acordo com as correntes marinhas. Em prin
cípios de março sopram nas direções sul e sudeste. E, como só de junho
a setembro as correntes mudam de direção, os ventos continuam a soprar
de leste e até aquêle mês de setembro quando passam a vir de leste-su-

do mapa em mss., representando o mar que rodeia a Ilha dos Estados, navegado pela
primeira vez por Brouwer, em 1643; êsse mapa encontra-se depositado no Arquivo
Geral do Reino, em Haia, e nunca fora reproduzido; 2.°) uma reprodução do ter
reno de operações de Brouwer no Chile, conforme um mapa em mss. por E. Herck-
mans. O original encontra-se na mesma coleção que o anterior (Cf. VIII, p. 5 dos
Aditamentos e Explicações de S. P. L'Honoré Naber).
A expedição de Hendrick Brouwer, antigo governador das índias Orientais, que
trouxera da Holanda a incumbência de conquistar o Chile, partiu do Recife a 15 de
janeiro de 1643, levando a bordo Elias Herckmans, a quem seria entregue o governo
da nova conquista. Hendrick Brouwer faleceu quando, depois de fracassado na
marcha por terra, prosseguia, por mar, a conquista da costa. (Cf. Alfredo de
Carvalho, XX, artigo Um poeta aventureiro, Elias Herckmans, p. 97-108, especial-l
mente, p. 104-5).
Sôbre a biografia de H. Brouwer, v. Moniteur des Indes, 3 p. 294.
(164) Sôbre moléstias, febres, etc., no Brasil Neerlandês, cf- Piso, (LXX,
15-38, cap. I, do livro II).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 69

deste. É de se notar que dois são os ventos dominantes nessas costas,


pelos quais os mareantes devem orientar suas rotas: o sudeste e o no- situação
roeste (165). religiosa
No tempo em que lá estivemos era a seguinte a situação eclesiástica do Brasil
do Brasil Holandês. Antes da insurreição dos portugueses, havia, ao
sul do Recife, cinco igrejas protestantes, a saber: no Rio São Francisco,
em Pôrto-Calvo, em Serinhaém, no Cabo Santo Agostinho e no cabo San
to Antônio, conquanto raramente dispusessem tôdas elas de ministros,
pois sempre havia um que deveria regressar à Holanda, por já haver
decorrido o tempo pelo qual deveria servir. Na ilha de Itamaracá e no
forte de Orange servia, por essa época, o ministro Johannes Offringo,
que anteriormente vivera na cidade de Schkoppe. Esse mesmo ministro
pregava também na igreja de Iguarassú, a cêrca de 2 horas (166), pos
teriormente abandonada pelos batavos e ocupada pelos portugueses. No
Rio-Grande, prègava o ministro Johannes Theodorus Polhemius. Na
Paraíba, havia antigamente dois ministros, enquanto a cidade de Fre-

(165) Na edição holandesa está escrito (p. 46, 2.a col., 1 §): Want de Stroo-
men gaen daer langs de kusten, van Lente tot Zomermaent, geheel Noortwaerts.
Dan kan men de kust van Brasil, van't Noorde na't Zuide, niet bezeilen. Maer
zoo ira de maenden van Lente-maent tot aen Ooghstmaent voorby zijn, dan is de
Noorderstroom van Zomer-tot Ooghstmaent heel gedaen. Daerna gaet de stroom,
met den eersten of aenvang van Herstmaent tot den laesten van Slachtmaent even
zoo snel na de Zuid; dies men dan daer even zoo quaet van't Zuide na't Noorde, ais
van het Noorde na't Zuide kan komen. De unnden voegen zich altijt na den stroom,
en waeien, op oVaenkomste van Maert, Zuid-zuid-oost en Zuid-oost. En gelijk de
stroomen van Zomer-tot Herfstmaent (sic), zoo vertrehken de unnden dan na het
Ooste, en waein tot in Herfstmaent (sic) Oost-znid-oost- Te weten, twee winden,
de Zuid-ooste en Noord-ooste windt, heerschen by beurte langs deze gantsche kust,
en maken en stellen het onderscheit in de regei van de schipvaert. Enquanto que
na edição inglêsa o tradutor escreveu (p. 32, 1.a col. l." §): For it is observable,
that on the coast of Brasil, the stream runs from February till past July, eonstantly
Nortkerly, during which time there is no passing from the North to the South;
but after those Months are past the stream turns, and from the beginning of Sep-
tember to the latter end of November, runs as violently to the South as it did to
the North before,and consequently there is no sailling from the North to the South,
no more than before from the South to the North. The Winds here turn with the
Stream; and at the beginning of March blow South, South-East, and South-East.
And like the Stream changes its Current till September, so the Winds continue in
the East, and blow till that time out of the East South-East. Fo% there are but
two Winds that reign along this Coast, viz. the South-East and North-East Winds;
aecordmg to which Ships must regulate their Course here.
Como se pode verificar, o tradutor inglês, além de não ser fiel, traduziu erra
damente os respectivos meses em holandês.
Onde escrevemos junho grifado estava, no original holandês, agosto, por evi
dente equívoco, parece-nos de Nieuhof; de vez que logo a seguir êle diz que nos
meses de junho até agosto finda a corrente; logo, a corrente nordeste só acompanha
a costa de março a junho, exclusive. Escrevendo junho torna-se compreensível a
variação das correntes.
(166) Na edição inglêsa não se faz referência às duas horas de distancie.
(Cf. edição holandesa, p. 46, 2.a col., últ. § e ed. inglêsa, p. 32, l.a col., 2.° §).
70 JOAN N I E U H O F

derica esteve sob a jurisdição holandesa, mas, depois da revolta dos lusos,
o lugar foi abandonado pelo povo e Henrikus Harmannius passou a ser
o único ministro da região. No Recife, na Cidade Maurícia e nos fortes
circunvizinhos, abrangendo quatrocentos protestantes holandeses, fran
ceses e inglêses, havia três ministros que prègavam em língua holandesa:
Nikolaus Vogelius, Petrus Ongena e Petrus Gribius. Além dêstes havia
outro, de nome Joducus Astetten que fora outrora ministro no Cabo San
to Agostinho e que então servia tanto a bordo de nossa frota como nas
expedições terrestres. Após a partida de Joachim Soler, ficou a igreja
francesa sem ministro e, assim, seus fiéis tinham que se contentar com a
leitura de trechos bíblicos e orações, aos domingos, pela manhã. O mi
nistro inglês era o sr. Samuel Batchelaer que, em 1646, também re
gressava à Inglaterra. Todavia, por essa época já o Brasil Holandês
dispunha de sete ministros nossos compatriotas (167).
O nosso culto religioso, tanto no que respeita à doutrina como à prá
tica, era estritamente regulado pelas prescrições do Sínodo Nacional de
Dordrecht, dispensando-se especial atenção à instrução das crianças, às

(167) Sôbre os mencionados ministros, o documento mais importante é o en


contrado e traduzido por Souto Maior (LXXXVII). Nêle encontramos algumas re
ferências, que coligimos. D. Johannes Offringo começou o serviço religioso em
Goiana e em 1641 trocou com o predicante de Itamaracá o lugar de ministro da
Igreja de Goiana. Em 1644 continuava em Itamaracá D. Theodoro Polhemius.
Jà servia por volta de 1636, sendo, a princípio, na igreja do Cabo de Santo Agosti
nho. Foi indicado na reunião da primeira classe, realizada a 16 de dezembro de
1636. Em sessão de Igreja de 3 de janeiro de 1638 foi removido para Itamaracá,
no lugar de Joducus a Stetten e, mais tarde, em 1641, trocou de lugar com Offringo,
passando para Goiana.
As atas da Igreja não falam em Polhemius a serviço no Rio-Grande-do-Norte.
Nelas nada encontramos sôbre Henrikus Harmanius. Nikolaus Volegius era, em
1640, predicante de índios; em 17 de outubro de 1641 prègava na igreja de Fôrto-
-Calvo e, finalmente, em 1644, era eleito predicante efetivo no Recife. Petrus On
zena, em 18 de julho de 1644, servia na Igreja de S. Antônio do Cabo e era eleito,
nessa mesma reunião, escriba da Diretoria da Assembléia Sindical. Petrus Gribius
não aparece nas atas. Sôbre Joducus a Stetten, além das referências feitas nas
atas, muitas outras se encontram, que podem fornecer-nos dados sôbre sua singular
personalidade. Alfredo de Carvalho, em dois de seus interessantes trabalhos (XX
e XXIII), resume as aventuras em que Stetten se envolveu Era não só predicante
como explorador de minas. Veio para o Brasil nos primeiros tempos da invasão,
como reverendo calvinista. Servia na Igreja de Itamaracá e não na da Paraíba,
como afirma Alfredo de Carvalho (LXXXVII, 710), tendo sido, na sessão de 16 de
dezembro de 1636, eleito escriba. Em 1637 e não em 1639, como afirmou, também,
Alfredo de Carvalho, foi exonerado do serviço religioso e convidado a se retirar den
tro de cinco ou seis meses do país, tendo, em janeiro de 1638, deixado o cargo de
Itamaracá (LXXXVII, 718 e 724). Em 1638, na sessão de 29 de outubro de
1638, comparecia à reunião e desculpava-se do seu procedimento, pleiteando sua
readmissão. A 25 de março de 1639, resolvia a Igreja reformada readmiti-lo, sendo,
em 20 de abril de 1640, indicado para a Igreja do Cabo de S. Agostinho. A última
referência que encontramos é a da reunião de 21 de novembro de 1640, a que com
pareceu (LXXXVII, 752). Cf. nota 271. Por essa ocasião é que deve ter iniciado
a sua atividade como explorador de minas. Alfredo de Carvalho afirma, baseada
em documentos, que em 1645, apresentou Stetten um relatório dos resultados de suas
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 71

quais todos os domingos à tarde se explicava o catecismo tanto no Recife


como na Cidade Maurícia. Quatro vêzes ao ano administrava-se o San
tíssimo Sacramento aos que aspirassem recebê-lo, devendo, para tanto,
confessarem-se perante o Conselho da Igreja ou aos Ministros os que ins
creviam seus nomes em um livro. Se procediam do estrangeiro, regis- Conselho
travam seus nomes na Congregação. A disciplina da Igreja era escru- Ecleaiéstic».
pulosamente observada em todos os seus pormenores. O Conselho Ecle
siástico compunha-se de seis zeladores, além do ministro. Reúnia-se re
gularmente uma vez por semana, e, se tivesse que tomar alguma decisão
importante, como por exemplo, escolher um novo ministro, convocava os
diáconos, também em número de seis. Dentre estes, destacavam-se men
salmente dois que, além de suas obrigações ordinárias, deveriam visitar
os doentes e feridos, auxiliando-os naquilo de que tivessem necessidade.
Cuidavam igualmente dos órfãos aos quais ensinavam as primeiras letras.
As outras igrejas conduziam-se de maneira idêntica: apenas o número de

pesquisas. Nesse relatório, pleiteava sua nomeação para superintendente geral de


minas, como também, o que é curioso, obras de filósofos que escreveram sôbre
minas, desde Teofrates, Salomão e Avicebromis (XX, 118-121).
Nieuhof afirma que Stetten servia, também, nas expedições terrestres. E' pos
sível que conciliasse os dois serviços; daí o não falar Nieuhof em suas atividades de
aventureiro. Nas atas se escreve J. a Stetten e Nieuhof Astetten (p. 47, 3." §).
D. Joachim Soler era, em 31 de março de 1637, indicado para elaborar um pe
queno e resumido catecismo na língua espanhola, com algumas orações, para servir
na catequese dos índios. Foi, dos ministros holandeses, o que melhor se distinguiu
nesse trabalho, pois várias são as referências que se encontram a respeito. Falava
português, tendo, mesmo, pregado na nossa língua, a-fim-de converter os portugue
ses. O catecismo de que fora incumbido foi enviado à Holanda, mas não voltou im
presso, tendo Soler novamente composto, ajudado, agora, por Doorenslaer, um "breve,
sólido e claro compêndio da religião cristã". Em 1644, deixava o Brasil. Joachinus
Soler se encontra em Nieuhof e nas Atas da Religião Cristã Reformada; Calado
falou-nos (XVII, p. 128) de um "predicante francês Vicête Soler, valenciano de nação,
o qual havendo sido frade augustinho, tinha fugido da Religião e passando à França
se fêz, ali, Calvinista e se casou e se fêz predicante da seita de Calvino e, com
êste título, assistia em Pernambuco"; Nieuhof afirma que quando Soler abandonou
o Brasil a igreja francesa ficou sem ministro; donde se pode supor que êle fosse
realmente francês. Calado, Nieuhof e as atas mostram que assistia no Recife. Terá
Calado se equivocado ao escrever Vicête, tratando-se do mesmo Soler? Se assim
for, é preciso não esquecer que Soler, predicante, Vicente ou Joaquim, escreveu o
seguinte trabalho: Cort ende sonderlingh I Verhael I van eenen Brief van Monsieur
Soler, I Bedienger des H. Euangelij inde Gherofor- I meerde Kercke van Brasilien. /
Inde vvelcke hij aen eenighe syne vrienden, I doer hy aen schrijft, verhaelt verschey-
den »ingula- I riteyten van 't Landt. I Uyt de Francoysche in onse Nederlantsche
tale overgeset. I Tot Amsterdam / Voor Boudevvyn de Preys, Broeckvercooper wo- I
nende op de hoeck van de Vygendam inde Faem. Anno 1639".
Quanto a Samuel Batchelaer ou Samuel Batiler, como se grafa nas atas, foi,
em 16 de dezembro de 1636, examinado e "admitido por voto unânime, como propo
nente na língua inglêsa, devendo servir no acampamento de Serinhaém". Foi desde
essa sessão eleito Assessor da Assembléia do Sínodo. Em 3 de março de 1637 servia
no Forte, na Paraíba, e, em 17 de outubro de 1641, "a igreja do Recife expõe que
ela havia nomeado para a igreja inglêsa, em Maurícia, D. Samuel Batiler, assaz
conhecido na classe, como predicante pio e devoto" (LXXXVII, 771). Vide nota 50.
72 JOAN NIEUHOF

diáconos e zeladores era menor em proporção ao número de suas respecti


vas congregações. Isso quanto à situação religiosa do Brasil Holandês.
Além dos sêres que já descrevemos, há, no Brasil, diversas quali
dades de abelhas, chamadas Eiruca que se instalam nas árvores das mais
surpreendentes maneiras. Conquanto um pouco menores, não diferem
muito das nossas, mas, costumam enxamear principalmente entre as ár
vores. Os brasileiros classificam-nas em doze espécies diferentes, a
saber: Amanacaí-Mirim, Amanacaí-neu, Aibu, Mombuca, Pixuna, Uru-
tuetra, Tubuna, Tuiuba, Eirucu, Eichú, Cubiara e Curupireira (168),
sendo que os naturais não apreciam esta última.
As abelhas denominadas Eirucu são, de tôdas, as maiores e produzem
excelente mel que, entretanto, não é muito usado. Constroem seus favos
no ôco das árvores, de onde os selvícolas os extraem com canudinhos.
As abelhas conhecidas por Eichú e Copí são menores e de côr escura.
Perfuram a casca das árvores e, no interior, fabricam favos de cera in
teiramente branca. Seu mel é tido como dos melhores, mas não é en
contrado em tão grande quantidade, como os outros; além disso, as abe
lhas que o produzem picam furiosamente. As Mombucas são também
pequenas, de côr amarelada, fazem seus favos no tôpo das árvores mais
altas e produzem excelente mel, que é exportado em quantidade para a
Europa onde alcança muito pouco dinheiro. É ligeiramente inferior, em
qualidade, ao mel europeu, mas de boa consistência, transparente e de
aroma agradável. Passa por ser balsâmico, corrige as infecções intesti
nais agudas, bem como as renais, estimulando ainda a secreção da urina.
Serve também para a fabricação de um hidromel fortíssimo que se conser
va por longo tempo. Com êsse mel pode-se também preparar licor, sem
levá-lo ao fogo; apenas misturando-o com água de fonte e deixando-o ao
relento.

(168) Nieuhof escreveu Eiruka e Piso Eiruba. Êsse trecho referente às abe
lhas é literalmente copiado de Piso (LXX, 55-6). Nieuhof escreveu Amanakay-Miri,
Amanakay-veu, Aibu, Mumbuka, Pixuna, Urutuetra, Tubuna, Tuiuba, Eiruku, Eixu,
Kubiara e Kurupireira (p. 47, 2.a col. 7.° §). E' preciso indicar que a numeração
da obra está com grandes falhas, pois após o número 47 vem o número 40 e daí
segue até 50. A p. 47, que citamos, é a primeira que traz êsse número).
Em Soares (LXXXVI, 279) heru. Segundo Batista Caetano (III, 115) eichú é
formado de ei + hub = busca mel, ou pai do mel, abelha mestra, uma espécie de abelha
negra. Segundo ainda 'o mesmo autor, eir, substantivo, significa abelha e dêle pro
vém numerosos compostos, com os quais se designam várias abelhas e diversas qua
lidades de mel. Segundo Teodoro Sampaio (XXV, 124), exú é corr. de eichú ou
eira-chú, abelha negra, que faz um ninho rugoso, áspero ; assim como eira é a abelha, a
mãe do mel. Para Batista Caetano, Tubuna (III, 540). Tubuna é uma espécie de abelha
negra, de tub- abelha mestra e ú- pretas. R. von Ihering regista enchú ou inchú;
a pronúncia caipira ichú e também Mombuca. (Dicionário dos Animais do Brasil,
S. Paulo, 1940, pp. 318 e 520).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 73

0 Brasil produz, ainda, diversas qualidades de bálsamos, ao melhor


dos quais chamam os nativos Copaíba (169), nome da árvore da qual é
extraído. Trata-se de árvore nativa, de grande porte e casca côr de cin
za, que se ramifica, no alto, em numerosos galhos. Tem folhas de meio
pé de comprido, colocadas umas opostas às outras, no meio dos galhos;
no mais assemelham-se a qualquer outra. Na ponta dos galhos mais lon
gos há um sem número de pequenos brotos, repletos de folhas, dentre os
quais surgem as flores e a seguir os frutos, semelhantes a bagas, de lou
reiro. Estes, a princípio verdes, tornam-se negros e doces à medida
que amadurecem. Em seu interior há um caroço redondo e duro, cujo
âmago é farinhento, mas impróprio para consumo. Os frutos amadure
cem em junho e os brasileiros extraem-lhe o suco, desprezando a polpa e
o caroço. Os macacos apreciam-nos bastante.
0 bálsamo oleoso e aromático de que esta árvore é tão rica flue todas
as luas cheias desde que se procedam, em sua casca, incisões suficiente
mente profundas para atingir o lenho. Tal é a quantidade de bálsamo
que, em três horas, se podem colher cerca de doze mingelen (170). Se
não escorrer imediatamente, obtura-se com cera a incisão e pode-se ter
a certeza de que, duas semanas após, o bálsamo correrá em abundância.
Não se encontra esta árvore em Pernambuco com a mesma profusão com
que prolifera na ilha de Maranhão, de onde o bálsamo é exportado para
a Europa. Êsse bálsamo é quente no segundo grau e compõe-no uma
substância oleaginosa espêssa e resinosa. É estomacal e muito bom para
dôres provenientes de resfriados, casos em que é aplicado externamente,
sobre a parte afetada. Algumas gotas, ingeridas, fortificam os intes
tinos, estancam as hemorragias das mulheres bem como as diarréias ou
gonorréias dos homens. Para êsses distúrbios pode ser o bálsamo apli
cado tanto na forma de clisteres no anus como na de irrigações por serin
ga com açúcar e suco de tanchagem no penis (171).

(169) Em Soares, copaíba. (LXXXVI, 227). Em Marcgrave (LXX, 130),


copaiba.
Frei Vicente do Salvador (LXXXVIII, 30-31), copaiba. Em Gandavo (XXXVí,
99), copahiba; Barlaeus (VII, 141). Em Cardim (XIX, 55), cupaigba; em Piso
(LXX 56), copaiba; Piso (LXXI, pp. 10 e 118), copaliba ou copaiba. Léry
(LII, 157) copay. Segundo Rodolfo Garcia, (XIX, p. 108, nota) foi êste cronista
quem primeiro a descreveu, dando-lhe o nome indígena, cujo étimo é incerto. Ro
dolfo Garcia afirma que Soares escreveu copiuba e Marcgrave copiiba. Cláudio Bran
dão (VII, p. 385, nota 183) escreveu, também, que Soares grafara copiúba. A
edição que possuímos de Soares não confirma tal asserção. Êle grafou copaíba.
Quanto a Marcgrave, consultamos cuidadosamente a edição de 1648 e lá encontramos
copaiba. Trata-se, evidentemente, de equívoco.
Êsse trecho é, como sempre, tirado de Piso (LXX, 56).
(170) Mengel é medida de leite, valendo mais ou menos um litro. Na lin
guagem popular, mingel — mingelen. (XLVIII).
(171) Nieuhof escreveu (p. 40 bis, 2.a col., 7.° §): "emissão de semen" e o
tradutor inglês: emissão involuntária de semen", sendo, além disso, pouco fiel nesse
trecho, pois omitiu o processo de aplicação do remédio (p. 33, 2.a col., 2.° §).
74 JO AN NIEUHOF

Novos dire Isso no que respeita apenas o Brasil Holandês. Prosseguiremos,


tores envia agora, a relatar quanto se passou durante a nossa permanência no país.
dos ao
Brasil. Em 1640, os senhores Hendrik Hamel — um dos diretores da Compa
nhia das índias Ocidentais pela Câmara de Amsterdã — e Dirk Kodde van
der Burgh, ambos dotados de excelentes qualidades para dirigir a colônia
e senhores de notável experiência comercial, foram enviados ao Brasil
por solicitação do Conselho dos XIX. Lá chegaram a 8 de agosto, quando
seus antecessores os conselheiros e diretores Mathias Van Eeulen e Johan
Brasil Gijsselingh resignaram seus cargos em favor dêles, transmindo assim a di
B«laadce.
reção suprema do Brasil Holandês, sob o governo João Maurício, Conde
de Nassau.

Por essa época achavam-se sob a jurisdição dos Estados Gerais as


seguintes Capitanias : Pernambuco, Itamaracá (à qual pertence Goiana) ,
Paraíba, Rio-Grande e Ceará, que constituem a parte setentrional do
Brasil. A parte sul, compreendendo as Capitanias de Baía, Ilhéus, Pôr-
to-Seguro, Espírito-Santo, Rio-de-Janeiro e São Vicente, permanecia
sob o domínio dos portugueses, que povoavam o país até o Rio da Prata.
Alguns meses mais tarde, a ilha de Maranhão foi anexada ao Brasil Ho
landês, mas, não sendo compensada a despesa que tínhamos para defen
dê-la dos portugueses, dispôs-se a Companhia a abandoná-la, o que de
fato fêz em 1644, ou melhor, para confessar a verdade, foi forçada a
abandoná-la em virtude da aliança entre os portugueses e os naturais
do Grão-Pará (172).

O mesmo trecho, que foi tão mal traduzido para o inglês, encontra-se em Piso
(LXX, 56) e dêle se depreende tratar-se de gonorréia e não de emissão de semen-
Quanto à Tanchagem, já Soares (LXXXVI, 185) a havia descrito. Trata-se
de planta medicinal da família das Plantagináceas. Vide nota 411.
(172) A 25 de dezembro de 1641 assomava à barra a esquadra do Almirante
Jol, composta de 18 navios, com 2.000 homens. A 31 de dezembro retirava-se a mes
ma, deixando um governador com 500 homens e 4 navios. Um ano após a con
quista, começaram as guerrilhas, contra os dominadores. A 28 de fevereiro de 1644,
embarcaram os holandeses. O auxílio que os do Grão-Pará prestaram aos restaura
dores do Maranhão foi diminuto. A primeira ajuda foi pràticamente nula, pois an
tes de chegarem ao Maranhão os holandeses receberam socorro de Pernambuco.
João Velho do Vale e Pedro Maciel, pouco depois, desertaram para o Pará,
com o pouco auxílio que haviam trazido. Mais tarde é que chegou o capitão An
tônio de Deus, vindo do Pará, com algumas arrobas de pólvora, murrão e bala em
proporção. (LIII, pp. 308-319). Comparar com a nota 24.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 75

Antes da chegada dos novos diretores, expediu-se uma frota à Baía


para lá desembarcar alguns homens com a missão de tudo destruir a
ferro e fogo. Executada a tarefa, regressaram ao Recife. A mesma es
quadra, sob o comando do Almirante Jol, aliás Perna de Pau, e de Jan
Cornelisz Lichthart, foi enviada às índias Ocidentais, por ordem expressa
do Conselho dos XIX, da Holanda, a-fim-de aguardar os galeões espanhóis
carregados de prata, procedentes de Terra-Firme e Nova-Espanha. Em Os holan
dezembro de 1640, regressou, entretanto, sem nada ter conseguido. Pelo deses falha
ram em seu
contrário, a armada perdeu quatro ou cinco navios nessa aventura. Mais assalto à
ou menos pela mesma época, despachou-se o Coronel Koin, com um con frota
tingente de infantaria, para a Capitania do Rio-Real, a-fim-de conter os espanhola.
portugueses, operando uma diversão em seus próprios territórios. Não
recebendo, porém, a tropa, com regularidade, os suprimentos necessários
em país inimigo, e, forcada a suportar enormes fadigas, seus homens fi
caram de tal sorte debilitados que se julgou conveniente recolhê-los ao
Rio-Real, onde ficariam aquartelados para descanso. O major Van den
Brande sofreu ainda maior revez, pois, enviado à frente de uma coluna
incumbida de apresar uma ponta de gado, foi derrotado e aprisiona
do (173).
Nessa ocasião, tôda a nossa esquadra estava à espreita da frota es
panhola da prata, em águas americanas. Não estávamos, portanto, em
condições de empreender expedição alguma por via marítima. Tinham,
por isso, razão os nossos diretores em recear que os lusos se valessem
dessa oportunidade para se vingarem das perdas que sofreram, destruindo
nossos engenhos de cana. Êsse temor os levou a redobrar seus cuidados
no sentido de preservar o Brasil Holandês e seus habitantes das tenta
tivas do inimigo. Considerando-se que grande parte de nossa segurança
dependia da boa vontade dos portugueses que viviam entre nós, julgou-se
de bom aviso convocar uma reunião dos mais notáveis chefes portugueses
das três Capitanias — Pernambuco, Itamaracá e Paraíba — a realizar-
-se nos últimos dias de agosto, a-fim-de se combinarem medidas que as
segurassem a defesa de seus engenhos e canaviais, contra as incursões do
inimigo.

(173) A capitania do Rio-Real é o Sergipe. Reforçadas as tropas que Bar


balho deixara no Rio-Real às ordens do Capitão Magalhães e de Camarão, com
tropas dirigidas por João Lopez Barbalho, pelo General D. Francisco de Moura e
pelos do próprio mestre de campo D. João de Sousa, desalojaram os holandeses
acampados no Rio-Real, e talvez em 1.° de agosto, data de uma das vitórias con-
E6guidas pelos nossos, é que van den Brande tenha sido feito prisioneiro. (Cf.
Pôrto-Seguro, LXXIII, 212). Sôbre Koin, seu elogio e suas ações, cf. Barlaeus
(VII, 126, 187). Koin foi promovido ao pôsto de tenente-coronel no lugar de
Arciszewski, depois da disputa dêste ' om Nassau e de sua ida para a Holanda
(Barlaeus, VII, 125).

r
76 JOANNIEUHOF

As providências mais eficazes adotadas pela assembléia consistiram


em guarnecer bem os fortes das fronteiras e disseminar magotes de sol
dados pelas cercanias dos engenhos e dos canaviais, a-fim-de os guar
dar. Assim realmente se fêz e os oficiais levavam ordens terminantes de
observar atentamente os menores movimentos dos portugueses. Tais
providências, entretanto, não produziram o efeito visado, porque os por
tugueses que moravam longe de nós, mas junto às fronteiras do inimigo
não nos deram aviso, em tempo, de sua aproximação. Tomados de ódio
contra os batavos, muitos dêles facilitavam as frequentes sortidas dos
bandos que incendiavam canaviais e saqueavam engenhos; às vêzes ser-
viam-lhes de guias e compartilhavam da pilhagem. Tudo isso nos obri
gava a uma vigilância constante a-fim-de preservar nossos haveres contra
os ataques de surprêsa. Não demorou muito para que tais incursões
atingissem o nosso território propriamente dito. Em novembro, o Mar
quês de Montalvão (174) mandou duas embarcações repletas de solda
dos para incendiarem os nossos canaviais da planície, missão essa de
que se desempenharam prontamente. Entretanto, não se aventuraram
mais além, nem tentaram atear fogo aos nossos engenhos, receosos tal
vez de encontrar tropas alojadas pelas redondezas. Contudo, não se pôde
evitar que destruíssem os canaviais, pois agiam sempre à noite. Os
mais prejudicados por essas depredações foram os holandeses, não só
porque era maior a sua parte nos engenhos e canaviais, mas, também,
porque os portugueses procuravam poupar as propriedades de seus pa-

(174) A 21 de junho de 1640, chegava à Baia D. Jorge de Mascarenhas, pri


meiro Marquês de Montalvão, como vice-rei e capitão-geral de mar e terra dõ
Estado do Brasil e da Restauração de Pernambuco. (cf. nota 46 de Rodolfo Gar
cia, LXXII, p. 39, tomo II e o Barão do Rio-Branco, (LXXV, 375). Promoveu ne
gociações e tréguas com Maurício de Nassau. A 2 de março escreveu a Mau
rício de Nassau uma carta, participando-lhe a aclamação de D. João IV. A res
posta a essa carta é datada de 12 do mesmo mês. Escreveu, ainda, uma segunda
carta a Maurício de Nassau, datada de 12 de março. As fôlhas de rosto das
referidas cartas estão descritas em J. Carlos Rodrigues, Bibliografia Brasiliense,
n. 1681 e 1682) e no Catálogo da Brasiliana de Maggs Bros; são dois folhetos,
um de 8 pp. e outro de 7 pp. A segunda carta foi publicada por Varnhagen
(LXXII, 228-230) e por Barlaeus (VII, 246), o qual publicou a primeira era
resumo (VII, 208). Quanto à carta escrita a-fim-de comunicar a El-Rei D. João IV
a aclamação de seu nome no Brasil e levada por seu filho D. Fernando em com
panhia dos padres Simão de Vasconcelos e Antônio Vieira, foi impressa junta
mente com a comunicação a Nassau, da aclamação de D. João IV. Publicou-a,
também, Gregório de Almeida na "Restauração de Portugal Prodigiosa", Lisboa,
Antônio Alvarez, 1643. Dêle disse D. Francisco Manuel de Melo: "Seguiu-se o
governo do Marquês de Montalvão. de cujo espírito se esperavam grandes feitos,
em ordem a recuperação de Pernambuco; mas foi tão breve sua assistência no Bra
sil, que só teve tempo para se dar a respeitar aos amigos como prudente e temer
aos inimigos como industrioso". Prêso no período da aclamação e levado para
Portugal, aí chegou a 25 de agosto. (Cf. Rodolfo Garcia, nota 57, LXXII, p. 394
e o Conde de Campo-Belo (D. Henrique) " Governadores-Gerais e Vice-Reis do
Brasil," ed. oficial e comemorativa, 1940, Pôrto, p. 65-67)-
1
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 77

trícios. Com isso sofreu o comércio rude golpe, pois tôda gente re
ceava aventurar-se em negócios nos quais podiam perder todos seus ha
veres numa só noite, e até, possivelmente, pelas mãos de um único homem.
As rendas da Companhia caíram pesadamente e suas despesas subiram,
forçada que foi a manter de vinte a trinta soldados na defesa de cada
plantação ou engenho de importância. Isso também a impedia de organi
zar uma tropa regular com que enfrentar o inimigo. Tal era a situação
do Brasil Holandês no fim do ano de 1640.
A 22 de dezembro do mesmo ano, Adriaen van Bullestrate chegava ao
Recife, procedente de Middelburgh, na qualidade de Alto Comissário, de
modo que, completo o Grande Conselho, julgou-se de bom alvitre apelar
para a esquadra a-fim-de pôr termo àquelas dificuldades. À vista dessa
NaTios ho
resolução enviámos à Baía todos os nossos navios para que o inimigo se landeses en
certificasse de que estávamos em condições iguais às dêle, com isso vi viados à
sando facilitar as negociações que então se processavam, para a cessação Baia.
das queimadas, de ambos os lados. O Conselho dos XIX transmitira
ordens expressas para que alguns de nossos navios fizessem um cruzeiro
ao largo do Rio-de-Janeiro, de onde as naves espanholas costumavam
partir de regresso à Espanha, durante os meses de abril e maio (175).
Por êsse motivo, vários dos nossos maiores navios foram escalados para
a missão de procurar interceptar a frota, estacionando os demais nas
proximidades da Baía.
Enquanto os nossos emissários parlamentavam com o Vice-Rei sôbre
a cessação dos incêndios e pilhagens, certo português de nome Paulo da
Cunha cometeu atrocidades incríveis, assassinando, saqueando e incen
diando plantações, o que fêz com que o Conde Maurício dirigisse a se
guinte carta ao Vice-Rei.

CARTA DO CONDE MAURíCIO AO VICE-REI Carta do


Conde Mau
As atrocidades ultimamente cometidas por Pauio da Cunha, assas rício ao
Vice-Rei.
sinando, pilhando e incendiando, em campo aberto, fazem-me, com razão,
imaginar que sua última e atenciosa carta me tivesse sido dirigida por
mera cortesia, sem corresponder à realidade dos fatos. A confiança
que depositei na sinceridade de V. Excia., levou-me a ordenar o regresso
ie nossos navios e de nossas forças, de seus territórios, a-fim-de se eli-

(175) O tradutor inglês escreveu: maio ou junho (p. 35, l.a col., 2.° §). Cf.
«i hol., p. 43, 1.» col., 2.° §).

7
78 JOAN NIETJHOF

minarem todo os motivos de ressentimento. Entretanto, a longa demora


dos nossos delegados justifica a suspeita de que a intenção de V. Excia.
seja simplesmente de contemporizar, e isso me obrigou a despachar um
navio levando aos nossos emissários ordem de regressar imediatamente,
caso não se conclua o tratado, pois é nosso desejo que tais negociações
não se prolonguem por mais tempo. Poderá, pois, V. Excia. dispensá-los,
juntamente com os nossos dois reféns, visto como estamos resolvidos a
restituir-lhe Martim Ferreira que V. Excia. deixou entre nós, na mesma
qualidade, já que seu companheiro faleceu recentemente.
Nesse ínterim, pela mediação do clero que vivia entre nós, mas prin
cipalmente devido ao infatigável zelo de Dirk Kodde van der Burgh,
que para lá fóra enviado, com essa missão, conseguiu-se finalmente levar
a bom termo o tratado, em março de 1641 (176). Consequentemente, de
viam cessar logo as depredações e os saques, de ambas as partes. Para
isso publicaram-se proclamações, pedindo aos portugueses que abando
nassem nossas terras. Passámos então a desfrutar a vantagem de poder
concentrar nossas forças onde mais se fizessem necessárias.

Em junho de 1641, o Conde Maurício e o Grande Conselho foram in


formados da conclusão de uma trégua de dez anos entre os Estados da
Holanda e o Rei de Portugal, bem como de tôdas as cláusulas a ela perti
nentes. Os têrmos dêsse tratado foram divulgados em tôdas as nossas
Capitanias, por meio de proclamações, cessando, assim, as hostilidades
de ambas as partes. Passaram, então, os holandeses a viver em boas re
lações com os moradores da Baía, oferecendo-lhes amplas demonstrações
de amizade, suficientes para convencer os portugueses de que jamais
teriam motivo para temer, de nossa parte, qualquer infração da trégua
pactuada.
Desejoso de aproveitar este interregno de paz para o desenvolvimento
do comércio, em benefício da Companhia, o Grande Conselho estimulou
a agricultura de tôdas as maneiras possíveis. Daí resultou que logo os
senhores de engenho começaram a reconstruir suas usinas e os lavradores
lançaram-se com avidez à cultura dos canaviais, ante a perspectiva de
lucros certos que compensariam fartamente os compromissos assumidos.
Realmente assim sucederia em pouco tempo, se, pela traição dos portu
gueses, tais esperanças não tivessem malogrado. A providência imediata,
que a seguir se tomou, foi a promulgação de leis protetoras do comércio,
tanto no Recife como em outros lugares, visando a ampliação dos domí
nios e das rendas da Companhia, durante o período da trégua.

(176) O tradutor inglês escreveu fevereiro, (cf. p. 43, 2.a col., 2.° § da ed.
holandesa e p. 36, 2.a col., 1.° §, da edição inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 79

Seguiu-se, então, um rápido desenvolvimento comercial; tão brusco,


de fato, que, pouco tempo após a conclusão do tratado de trégua, o co
mércio passou a fazer movimento em escala nunca dantes atingida. Con-
cluíram-se transações de muitos milhões, em curto espaço de tempo, dan-
do-se por satisfeitos, corretores e comerciantes, com apenas parte do pa
gamento em dinheiro, conquanto não faltassem compradores dispostos a A situação
pagar à vista. florescente
Era tão próspero o estado das finanças da Companhia, no Brasil, do Brasil.
dada a invulgar competência demonstrada pelo Grande Conselho que, em
1640 e 1641, o Govêrno adquiriu, por conta do erário público, grandes
partidas de açúcar para serem enviadas à Holanda. No Recife e na
Cidade Maurícia, construíram-se casas magníficas. Havia luxo e abas
tança, pois tôda a gente considerava-se acobertada, com relação ao seu
passivo, à vista das promissoras perspectivas de aumentar suas fortunas, Seu
em face da situação florescente do comércio e do reerguimento da lavoura. declínio.
Infelizmente, porém, não durou muito essa situação de prosperidade,
pois já em fins de 1642 e começos de 1643 (177) as coisas se apresen
tavam de maneira diversa. Esgotados os celeiros da Companhia nas
várias expedições levadas a efeito contra Angola etc., e, à míngua de
novos abastecimentos provenientes da Metrópole, viu-se o Grande Con-
gelho obrigado a lançar mão das importâncias devidas à Companhia,
a-fim-de atender ao pagamento das guarnições e dos funcionários, exi
gindo, portanto, de seus devedores pagamento pronto.
De-fato, ao iniciar-se a gestão dos novos diretores, possuía a Com
panhia importantes forças navais nas costas brasileiras, achando-se os
seus armazéns fartamente sortidos de provisões e munições, pelo que
era fácil aos batavos manter grande número de homens em armas. Sen-
tindo-se forte, decidiu o Grande Conselho, com o consentimento do Conde
Maurício de Nassau, em 1840 (178), armar várias frotas para com elas
atacar o Espírito-Santo, Rio-de-Janeiro, a ilha de Maranhão, Angola, São
Tomé e lugares circunjancentes, emprêsa essa que produziu os resultados
esperados. Entretanto, tais expedições exhauriram os celeiros da Compa
nhia. Além disso, os comerciantes da Metrópole, passaram a exigir de
seus representantes e comissários, no Brasil, importantes somas, em pa
gamento do que lhes haviam fornecido. Obrigados a remeter às suas
matrizes, na Holanda, todo o dinheiro de que podiam dispor, os negocian
tes locais passaram a experimentar grande escassez de numerário, o que

(177) O tradutor inglês escreveu: **no princípio de 1643" (cf. p. 44, 2.a
eol., 4.» § da ed. holandesa e p. 36, 1.» col., 2."§ da trad. inglêsa).
(178) O tradutor inglês escreveu 1641 (cf. p. 44, 2.a col., 7." § da ed. holan
desa e p. 36, 1.a col., últ. § da trad. inglêsa).
80 JOAN NIEUHOP

certamente haveria de afetar de maneira profunda o movimento geral.


Tendo-se repetido, periodicamente, essa situação, verificou-se, finalmen
te, tamanha premência de dinheiro como dificilmente se poderá fazer
idéia. Muitos dos senhores de engenho, faltos de recursos com que sa
tisfazer seus débitos nos respectivos vencimentos, viram-se na contin
gência de tomar dinheiro a juros de 3 e 4 por cento ao mês para saldá-los.
O motivo. Isso reduziu a maioria dêles a uma tal penúria que, em pouco tempo, se
acharam em situação de não poder pagar nem capital nem juros.
Logo que chegaram ao Recife, em 1640, os três novos diretores, ou
membros do Grande Conselho — Hendrik Hamel, Kodde e Bullestrate —
verificaram que muita gente, principalmente os portugueses do Brasil
Holandês, havia assumido compromissos excessivos para a aquisição de
engenhos, canaviais, escravos e outras utilidades. De fato, chegaram a
comprar negros à razão de 300 e mais peças de oitavo (179) e a pagar
preços os mais absurdos, por qualquer mercadoria de que tivessem ne
cessidade. Compravam armazéns inteiros sem se dar conta de como po
deriam pagá-los. Assim agiam os portugueses na esperança de vitórias
decisivas das grandes armadas que sabiam estar sendo aprestadas na
Espanha para reduzir o Brasil à obediência, com o que imaginavam liber-
tar-se de suas dívidas. Ignorando os comissários tais intenções e cegos
ante a perspectiva de gordos lucros, continuaram a vender aos portugue
ses sem restrições. Entretanto, desfeitas como fumo as esperanças dos
lusos, viram-se estes ante a necessidade de honrar seus compromissos.
Contudo, novos sortimentos chegavam da Holanda e novas compras fa
ziam os portugueses, amontoando dívidas sôbre dívidas até que, devido
à impontualidade dos pagamentos, sentiram estes seu crédito escassear
também com os comerciantes, que passaram a exigir a liquidação de seus
débitos. O comércio do interior, premido pelos comissários e atacadistas
que recebiam tais mercadorias de suas matrizes na Holanda, foi forçado
a solicitar um acêrto de contas dos portugueses aos quais havia vendido
a crédito. Por outro lado, como os lusos só haviam feito tais compras
com a intenção de as não pagar, o comércio do interior, obrigado a saldar
suas contas com o do Recife, era obrigado a cerrar as portas, já que
Grande nada recebia dos portugueses.
confusão Assim, devido à imprudência e à inépcia de tais comissários, aos
comercia . quaja os exportadores da Metrópole haviam confiado seus haveres, gran
de foi a confusão resultante e enormes os riscos para os segundos. Quase
tódas as transações da época passaram para os tribunais e para as bancas
dos advogados, o que ainda mais concorria para agravar a derrocada ge-

(179) O tradutor inglês escreveu: "300 peças de oitavo" (cf- p. 45, l.a col.,
8.° § da ed. holandesa e p. 36, 2.a col. 1.° § da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 81

ral, dado o elevado custo do processo judicial, no Brasil. Depois, quando


já se tinha sentença e mandado de execução contra os devedores, o difí
cil era descobrir onde e como cumprí-lo, pois a maioria dos portugueses
reclamava a proteção real. Não conseguindo obtê-la, passavam os lusos
a viver incógnitos, principalmente os que não possuíam terras ou bens.
Mesmo quando tinham propriedades não era fácil descobrir seus para
deiros. Ademais, se os credores executavam e recebiam propriedades
agrícolas, viam-se na contingência de as arrematar êles próprios e mu-
darem-se para o interior a-fim-de administrá-las, circunstância essa al
tamente inconveniente para os comerciantes cujas atividades exigiam sua
presença constante no Recife. Quando os devedores eram presos, fica
vam no cárcere por conta dos credores, e, com o correr do tempo, tais des
pesas montavam a somas tais que os credores eram os primeiros a solici
tar o livramento dos prisioneiros e com êles fazer o melhor arranjo
possível.
Como se não bastassem êsses contratempos, vários outros vieram a
êles se reunir, haja vista a grande mortalidade entre negros e brasileiros, Mortalidade
vítimas de uma moléstia infecciosa, endêmica entre os nativos, chamada entre os
bexiga e semelhante à varíola européia. Êsses escravos, em sua maioria, negros,
eram adquiridos à razão de 200 ou 300 peças de oitavo (180), e, conse
quentemente, sua perda acarretava a ruína dos lavradores que ainda ti
nham que se haver com as pragas e inundações frequentes causadoras de
consideráveis danos aos canaviais. Essa confusão comercial provocou não
raros incidentes entre os homens de negócio que, por falta de pagamento,
atiravam-se uns aos outros nas prisões, sem contemplação alguma, tratan
do cada um de garantir seus créditos em primeiro lugar, por meios clan
destinos e com prejuízo para os outros. Chegavam a oferecer abatimentos
consideráveis e vantagens aos que se prestassem a sonegar mercadorias
ou transferir ilicitamente seus bens. Tais imoralidades foram largamen
te fomentadas por indivíduos de má fé, em detrimento do govêrno. Mui
tos foram os que, por imprudência ou incapacidade, perderam seus have
res, atirando a culpa sobre a Regência ou as Cortes de Justiça, na espe
rança vã de que aquilo que haviam perdido por imprevidência e dezídia
lhes fosse restituído pelo Tesouro. E, quando acontecia de uma pessoa
dever ao mesmo tempo à Companhia e a particulares, surgia grande ce
leuma quanto à preferência na liquidação.
Também as dívidas da Companhia cresciam diariamente, tendo, nos
últimos tempos, atingido a vários milhões. Isso se deu porque os direto-
res que antes de 1640 dirigiam os negócios no Brasil venderam a crédito

(180) O tradutor inglês escreveu: "300 peças de oitavo" (cf p 46 1 * col


§ da ed. holandesa e p. 37, 1.° col., 2.° § da trad. inglêsa).
82 JOAN NIEUHOF

a maior parte das propriedades confiscadas, engenhos de cana, mercado


rias e até negros comprados na Africa por conta da Companhia, de modo
que seus livros estavam repletos de débitos de terceiros, mas, a Caixa,
vazia de dinheiro. Os novos membros do Grande Conselho, Srs. Hamel,
Bullestrate e Kodde não descansaram enquanto não corrigiram êsse sis
tema, passando as mercadorias a serem vendidas à vista ou em troca de
açúcar de forma a auxiliar a Companhia nas grandes despesas que era
forçada a fazer para custear suas numerosas expedições. É certo que
daí por diante —, em 1640, 1641 e 1642 — puderam êles remeter vultosos
carregamentos de açúcar para a Holanda, como tão grandes se não haviam
ainda visto no Brasil. Todavia, a-pesar-de tudo, dada a grande quanti
dade de negros importados após a nossa conquista de Angola, foi cres
cendo dia a dia o passivo da Companhia, devido à impontualidade de
seus devedores. Para remediar tal situação, baixou o Conselho dos XIX
ordens expressas no sentido de que os negros só fossem vendidos à vista
ou mediante pagamento em açúcar, o que aliás era impraticável, porque
não havia quem os quisesse comprar em tais condições. Com isso, o
preço dos escravos caía ràpidamente, e, constituindo êles pesado encargo
para a Companhia, por estarem sujeitos a doenças e a elevada mortali
dade, foi preciso que se revogasse tal ordem a-fim-de evitar que o tráfico
negreiro desaparecesse completamente. Na verdade, os que dispunham
de numerário empregavam-no todo nos engenhos, canaviais e escravos, de
sorte que, não podendo pagar suas compras em dinheiro contado, eram
forçados a negociar a crédito, até que lhes fosse dado colher o fruto de
seu trabalho.
Por isso os membros do Grande Conselho fizeram o possível para
cobrar os devedores em atraso, logo no início da safra açucareira, tendo
determinado aos funcionários do interior que confiscassem por conta da
Companhia a quantidade necessária dêsse produto. Entretanto, essa pro
vidência só deu como resultado ações judiciais, sentenças, execuções e
prisões, chegando muitas vêzes os membros do Conselho ao ponto de des
cerem de suas posições e irem pessoalmente ao interior, a-fim-de promo
ver a cobrança das somas devidas à Companhia. Também êste expediente
falhou, pois os comerciantes e comissários puseram-se a reclamar contra
o fato de a Companhia se apoderar do açúcar ainda nos engenhos, sem
lhes permitir que também se cobrassem, êles que eram tão credores quan
to ela. Nem só murmúrios e ameaças surgiram, mas ainda reclamações
ao Conselho dos XIX, ao qual tendenciosamente pintavam tais transações
com as mais carregadas côres, na esperança de que os funcionários da
Companhia deferissem o cumprimento de seus deveres. Depois de pon
derado estudo, e, receoso, não sem fundamento, de que com o tempo se
generalizasse o descontentamento, o Grande Conselho propôs medidas
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 83

tendentes a melhor satisfazer as aspirações do povo e a facilitar a liqui


dação dos débitos. Foi assim sugerido, por várias pessoas esclarecidas,
que a Companhia chamasse a si o pagamento das dívidas dos particulares,
a dinheiro ou por meio de trocas, para o que os senhores de engenho entre
gariam à Companhia toda a sua produção, até a total liquidação de seus
compromissos. E, para que fosse mais eficiente essa medida — que visa
va tanto o benefício da Companhia como dos senhores de engenho, dos co
merciantes e dos comissários, — resolveu-se que se deveria assinar um
acordo com determinadas cláusulas. A maior vantagem que a Companhia
esperava colher dessa providência, era a de poder cobrar certas dívidas
que já considerava perdidas. Tais acordos causavam excelente impressão
ao Conselho dos XIX, tanto que, a 16 de julho de 1645 (181), dava sua
aprovação a um segundo arranjo feito com Jorge Homem Pinto — do
qual a seguir damos cópia — e que de-fato foi de grande vantagem para
o Grande Conselho, como, aliás, o foram todos os outros.

APROVAÇÃO DOS ACORDOS

Com referência ao acordo que Vs. Excias. (o Conselho) celebraram Aprovação


dos acordos.
a U de dezembro (182) último, com Jorge Homem Pinto, tivemos de sub
metê-lo várias vezes a debate para, afinal, dá-lo por aprovado com o pa
recer e a sanção prévios dos Conselheiros de Justiça e de Finanças. Jul
gamos, portanto, conveniente aprovar dito acordo, não só em obediência
aos seus próprios têrmos, como pelo grande benefício que deles resultará
para a Companhia. Recomendamos, para sua execução, o mesmo zelo
que nos foi dado observar na conduta e na circunspcção com que Vs.
Excias. se houveram nas negociações dêsses contratos.

A prova irrefutável de que tais acordos foram, por todos que tinham
algum conhecimento de negócios, considerados de grande interêsse para
a Companhia, temo-la no fato de vários comerciantes terem celebrado
arranjos semelhantes com seus devedores. Para que o assunto fique per
feitamente esclarecido, damos abaixo cópia de um dêsses documentos,
onde claramente se evidencia a circunspeção com que agia o Conselho nos
casos em que estavam em jôgo os interêsses da Companhia, dos senhores
de engenho e de seus devedores.

(181) O tradutor inglês escreveu junho (cf. p. 48, l.a col., 4." § da ed.
holandesa e p. 38, 1.* col., 1.° § da trad. inglêsa).
(182) Nieuhof, pela primeira vez, emprega a palavra December (p. 48, l.a
col. últ. §). Daqui em diante, embora vigorando a denominação particular holan
desa, aparecerá de vez em quando a denominação de origem latina.
84 JOAN NIEUHOF

CÓPIA DE UM ACORDO

Perante nós comparecerem, de um lado, os srs. Pieter Janz Bas e


Joan van Ratsvelt, Conselheiros de Justiça do Brasil, por especial designa
ção da Companhia, das índias Ocidentais, e Joan van Walbeek, Asses
sor do Grande Conselho; e de outro, Manuel Fernando Cruz, senhor do
Engenho de Tapicura, em seu nome e no de seus herdeiros; Benjamim de
Pina por 10.600 florins; Isaac da Costa, por 13.108; Joseph Abenacar,
por U90; Abraham Aboab por 900; Symon de Valle, por 825; Gaspar
Francisco e David Brandão, por 1.188; Abraham de Tovaer, por 1.000;
João Parente, por 350; João Mendonça de Muribeca, por U. 850; Jacob
Gabay, por 1.050; More de Leon, por 600; Balthasar de Fonseca, por
600; Simon Gomes de Lisboa, por. 5.910; Bartholomeu Rodrigues, por
900 e Daniel Cardoso, por 210 florins, num total de U1.526 florins, todos
credores do referido Manuel Fernando Cruz e, na sua maioria, devedores
da Companhia, os quais declaram terem entre si acordado que Manuel
Fernando Cruz deverá pagar à Companhia a soma total de 60.795 florins,
ou seja, 19.269 florins por sua conta e por ele devidos à Companhia e o
restante por conta de seus credores, que deverão ser creditados pela Com
panhia, na proporção dos respectivos débitos, sob as condições seguin
tes: (183)

(183) A edição inglêsa consigna, aqui, três erros: em primeiro lugar, omite
a parcela referente a Abraham Aboab, de 900 florins; em segundo lugar, há êrro
na parcela de Daniel Cardoso, que é de 210 florins e não de 910 florins, como
escreveu o tradutor inglês; em terceiro lugar, há êrro na soma total, pois o tradutor
inglês escreveu (p. 38, 2.a col., 2.° §): the whole amounting to U0.526 gilders; en
quanto que na edição holandesa está (p. 49, l.a col., 12." §): monterende f zamen
een en veertighd duizent vijf hondert zes en twintigh gulden. Portanto: quarenta
e um mil e quinhentos e vinte e seis (41.526) e não quarenta mil e quinhentos e vinte
e seis (40.526).
Grande número dêsses devedores tinha nomes que podem ser de judeus. Assim,
por exemplo, Benjamin de Pina foi um dos autores dos Escamoth, isto é do
conjunto de preceitos para regularizar a vida da comunidade, espécie de consoli
dação de leis recompiladas e escolhidas entre as que havia na comunidade (LVIII,
53). Sôbre os contratos e as dívidas, é útil a leitura de "A Bolsa do Brasil" e
do "Machadão do Brasil". O primeiro foi traduzido por José Higino e publicado
pela Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, 1883, e mais
tarde no Tomo XXXVII, 1933, da Revista da Sociedade de Geografia do Rio-de-
-Janeiro, dessa vez traduzido pelo Padre Geraldo Pauwels. O segundo foi traduzido
por Souto Maior e publicado na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico
Pernambucano, 1908, n. 71. A "Bolsa do Brasil" relata a situação financeira do
Brasil, em 1647, e traz cópia de vários contratos feitos pela Companhia com várias
pessoas. E', portanto, complemento indispensável ao estudo das condições finan
ceiras dessa época. Basta dizer que Nieuhof cita os credores de Manuel Fer
nandes Gomes, mas pouco trata de Jorge Homem Pinto, cuja dívida montava a
937.997 florins e 13 stuivers, sendo 700.000 à Companhia das índias Ocidentais.
Era a obrigação mais importante da época, pois êsse era o segundo contrato, já
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 85

/ — Que o débito total deverá ser liquidado dentro dos três próxi
mos anos, o primeiro pagamento devendo ser efetuado em janeiro de
1645. Se acontecer que a quota paga em um ano seja menor que a
de outro, todo o saldo deverá ser liquidado no último ano.
II — Que não se farão descontos nos livros da Companhia, senão
após o pagamento da quota devida para cada período ou época respectiva.
III — Que nem os credores dos que aderiram às cláusulas dêste
acordo, nem os devedores da Companhia serão exonerados de seus débi
tos nos livros desta última, antes, em caso de falta ou atraso do \pagamen-
to, nos respectivos vencimentos, de parte ou de toda a importância devi
da, ficarão eles obrigados e responsáveis, cada um por seu respectivo dé
bito, a menos que dêem outras garantias à Companhia. Os credores que
não tiverem débitos nos livros da Companhia terão liberdade de trans
ferir outros débitos ou de receber sua quota dentro do prazo de dois
anos, seja por meio de verbas ou em escravos, mas nunca em mercado
rias importadas ou em açúcar exportável, desde, entretanto, que as cláu
sulas dêste acordo sejam respeitadas; ou então essas somas ser-lhes-ão
mediatamente levadas a crédito, caso em que lhes serão abonados juros
à razão de 18 por cento, continuando, porém, eles, responsáveis pela exe
cução do contrato.
IV — Os que aderiram às cláusulas dêste acordo, serão obrigados a
empenhar sua pessoa e seus bens pela fiel execução do mesmo, e, princi
palmente, a fornecer um inventário de seus haveres pessoais, confirmado
sob juramento, apresentando, ademais, fiadores aceitos pela Companhia,
com renúncia expressa dos beneficium ordinis, divisionis & executionis,
assim como, a responder pelos pagamentos respectivos, nos devidos ven
cimentos, bem como pela soma global (184).

tendo sido feito anteriormente um no valor de 340.403 florins e 6 stuivers. Muitos


outros devedores são indicados, sua divida e suas condições pessoais e, finalmente,
estuda-se o prejuízo que representavam para a Companhia das índias Ociden
tais tais contratos (p. 45-52, ed. da Revista da Sociedade de Geografia do Rio-de-
-Janeiro, citada, tradução de Pauwels). — O "Machadão do Brasil" trata da situa
ção econômica de cada um dos contratantes (especialmente nas pp. 151-156).
(184) As Ordenações Filipinas (II, 856) ordenavam, que, em caso de não
declararem as partes "em que cada hum se obriga, ficará cada hum obrigado in
tolidum e o credor poderá demandar qual ele quizer pelo total". O chamado bene
fício de divisão, de que gozavam os fiadores nestas condições, foi aqui negado, pois
juravam as partes renunciar ao benefício legal. Tal benefício tem por principal
efeito determinar a parte de cada fiador, produzindo, em favor do devedor que pa
gar a dívida, a sub-rogação nos direitos do credor, com tôdas as garantias legais
tinha êste para haver do devedor o que pagou, pois que o fiador solveu dívida
outrem.
Até hoje os benefícios de ordem e divisão subsistem e são consagrados no di
reito brasileiro (Código Civil Brasileiro, arts. 1491-1493). O benefício da ordem
86 JOAN NIEUHOF

V — Os fiadores acima referidos deverão ser pessoas de posição,


abastadas, isentas de dívidas, especialmente para com as Companhias
e deverão ser abonadas pelos magistrados de seus respectivos domicílios.
VI — Dar-se-á conhecimento, por publicação, a tôdas as pessoas que
possuam títulos, letras, contas ou outros compromissos relacionados com
os bens particulares (que serão relacionados ou especificados) incluidos
neste acordo, para que os exibam dentro do prazo de três semanas, pois,
caso contrário, serão excluidos dos benefícios dêste contrato até que
tenha expirado o prazo referido e convencionado.
VII — Nenhuma pessoa, das que se tenham obrigado pelo presente
acordo ou contrato, poderá contrair novas dívidas, a não ser com o con
sentimento do Grande Conselho, sob pena de serem elas consideradas nulas
e inexistentes, do que se fará edital público. Nem lhe será lícito desviar
qualquer quantidade de açúcar, por terra, como sobra, sob pena de ser
forçado a tudo restituir, mais os juros e despesas.
Serão os credores obrigados a desistir e renunciar tôdas as suas
pretensões, obrigações e ações em favor da Companhia, nem poderão fun
damentar qualquer reclamação sobre a alegação de precedência ou qual
quer outra.
Sempre que o Grande Conselho julgar necessário incumbir determi
nada pessoa de visitar o engenho de qualquer das partes dêste contrato,
para maior garantia da dívida, ou para receber e expedir o açúcar des
tinado à Companhia, estarão elas obrigadas a lhe fornecer hospedagem
em seus engenhos, obrigando-se, porém, a Companhia a indenizar as
partes, por essas despesas.
Pelo referido Sr. Manuel Fernando Cruz me foi dito que, com apro
vação e consentimento (185) de seus mencionados credores, se obrigou
de maneira geral e que pelo presente instrumento se obriga e empenha sua
pessoa e propriedades, tanto reais como pessoais, sem qualquer reserva
ou exceção, especialmente o já citado Engenho Tapicura (186), com todos

é o que assegura ao fiador demandado pelo pagamento da divida o direito de exigir,


até a contestação da lide, que sejam, primeiramente, executados os bens do de
vedor. E' também chamado de excussão. O beneficio da divisão (art. 1493 do
Código Civil) consiste em que cada fiador responde somente pela parte que lhe
couber, repartida a totalidade da dívida entre todos. Como se vê, a cláusula do
contrato de que Nieuhof dá noticia consignava a renúncia das partes a êsses be
nefícios de ordem e divisão. Nieuhof escreveu (p. 49, 2.a col., 2. §): renuntiatie
van beneficie ordinie, divisionis & exeeutionis.
(185) Nieuhof escreveu (p. 50, 1.a col., 2.° §): In conformité van dewelke
de voornoemde Manuel Fernando Cruz, by advis ende approbatie van zijne voorsz,
erediteuren. . .
(186) No distrito de Serinhaém existiam dois engenhos denominados Itapicuru:
o primeiro, chamado Itapicurú de Cima, sob a invocação de N. S. da Ajuda, per
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 87

seus pertences, de acordo com o arrolamento anexo ao presente e con


firmado sob juramento, engenho esse que declara estar livre de qualquer
ónus anterior, com todas suas terras, canaviais, pastagens, matas e outras
cousas a ele pertencentes, tais como: oito caldeiras de cobre, dez tachos
e paroos (sic) (187) , além de várias outras vazilhas de cobre pertencentes
ao referido engenho, noventa escravos (188) de propriedade do engenho e
de Manuel Fernando Cruz, sua casa e sessenta bois, E, para melhor execu
ção deste acordo, o sr. João de Mendonça, morador em Muribeca, e Manuel
Gomes de Lisboa residente em Moquiacxe (sic), após a apresentação dos
certificados dos magistrados de seus respectivos domicílios, obrigam-se,
corno pelo presente obrigado têm, a servir como fiadores de toda a dívida
e como devedores de cada uma das parcelas dela constantes, prometendo
indenizar a Companhia de todas as ações, processos, e outras reclamações
que contra eles se façam por conta de qualquer outros credores do re
ferido Manuel Fernando Cruz, não mencionados ou obrigados por este
acordo; como também que nenhum açúcar será sub-rept\ciamente desvia
do ou vendido. E que, em caso de falta de pagamento, a Companhia fica
desde já autorizada a se cobrar de quaisquer prejuizos, com juros e des
pesas, contra suas pessoas e bens; renunciando, por este instrumento, a
tôdas as execuções, ordinis, divisionis & executionis, como também a todas
as reclamações ou pretensões de privilégios tendentes a invalidar este
contrato.
Também os citados credores, em geral e cada um dêles em particular,
declaram haver apresentado conta exata de suas respectivas pretensões
contra o referido Manuel Fernando Cruz, como também que dêle não
reclamarão qualquer outra soma ou somas, além das que foram especi
ficadas após seus respectivos nomes; prometem que se darão por ampla
mente satisfeitos com o que foi estipulado e que, se for executado o acor
do conforme se convencionou, renunciarão a todas as ações, obrigações
particulares, descontos ou preferencias, em favor da Companhia; e que,
no caso de falta de pagamento, se obrigam a revalidar e a restituir à
citada Companhia, não somente cada quantia parcelada que lhes for paga
em determinados prazos, como também o total, tal como se este acordo

tenceu a Pedro Fragoso e, na ausência dêste, foi confiscado e vendido a Willem


Placard; o segundo, chamado Itapicurú de Baixo, sob a invocação de S. Antônio,
pertenceu a Álvaro Fragoso Toscano, que ficou do lado dos holandeses. (Cf. XV,
142). Sôbre os engenhos no Brasil holandês, além do Breve Discurso, acima ci
tado, existe a Relação dos Engenhos vendidos em 1637 e em 1638, publicados na
Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, 1887, n. 34-
(187) Nieuhof escreveu (p. 50, 1.» col., 2.° §) : Acht Kopere calderos, Tien
toc/ws, Paroos . . . !
(188) O tradutor inglês escreveu: 20 escravos, (cf. p. 50, l.a col., últ. § da
ed. holandesa e p. 39, 2.a col., últ. § da trad. inglêsa).
88 JOAN NIETIHOF

nunca houvesse existido entre eles; deixando ao critério da Companhia


prosseguir em suas ações contra Manuel Fernando Cruz e seus fiadores
ou contra eles próprios e suas propriedades, na condição em que se encon
travam, antes de concluido este acordo. O benefício da Actionem ces
sam (189) ser-lhes-á facultado contra o referido Cruz e seus fiadores,
para a cobrança de seus justos créditos. Em testemunho do que expe
dimos estas nossas cartas, como de costume em tais casos, seladas com o
selo comum da corte de Justiça e assinadas pelo Secretário do Conselho.
Passada no Recife, aos 23 de Setembro de

A ruti Todos os outros contratos foram lavrados pela minuta acima, soman
im Mr
do o total de seus valores 2 . 125 . 807 florins, importância essa devida pelos
cmtratwk lavradores aos senhores de engenho, e, por estes, à Companhia.
A principal, senão a única razão pela qual se fizeram tais acordos
(como, aliás, já ficou dito acima) residia nas exigências e nos vexames
que aos senhores de engenho impunham seus credores, pois, a menos que
os primeiros se sujeitassem a pagar juros à razão de 2 Va e 3 por cento
(190) ao mês, estes procediam à apreensão de seus negros, vazilhames de
cobre e outros utensílios dos engenhos. Assim, ante a contingência de pa
garem quantias exorbitantes e a alternativa de se arruinarem completa
mente, os senhores de engenho passaram a defender suas propriedades
pela força. A situação, portanto, se encaminhava francamente para uma
insurreição geral, que só se conseguiu evitar com a instituição dêsses
contratos. Consequentemente, os senhores de engenho, livres da opressão

(189) Por meio dêsse contrato, procurava a Companhia das índias Ociden
tais realizar o que, juridicamente, se chama compensação, isto é, desde que um
credor venha a dever ao seu devedor uma quantia semelhante à que êste lhe devia,
a obrigação do devedor é extinta em concorrente quantia. (Cf. Correia Teles, Di
gesto Português, ou Tratado dos Direitos e Obrigações, etc. Pernambuco, Tipogra
fia de Santos & Companhia, 1841, p. 134, n. 1164).
No caso de que Manuel Fernandes da Cruz faltasse ao pagamento, os devedores
ficariam obrigados a pagar não só a quantia parcelada, como o total, isto é,
renunciariam ao benefício da divisão. Embora a declaração das parcelas os deso
brigasse do pagamento in solidum, na verdade não estavam desobrigados, desde que
haviam renunciado expressamente ao benefício da divisão. (Cf. Coelho da Rocha,
Instituições de Direito Civil Português, Tomo II, 1852, p. 689).
Por êsse contrato, a Companhia ficava habilitada a prosseguir em suas ações
contra Manuel Fernandes da Cruz e seus fiadores e cedia aos diferentes dezesseis
credores de Manuel Fernandes da Cruz — devedores da Companhia das fndias Oci
dentais — a ação de cobrar daquele o que lhes era devido. Tratava-se, assim, de
uma sub-rogação convencional, chamada cedência ou cessão, a qual se verifica
quando o credor originário transmite o seu direito, crédito ou ação a outro, sem
acordo do devedor. (Cf. Coelho da Rocha, id., I tomo, p. 105). Êsse benefício é,
ainda hoje, consagrado no Código Civil Brasileiro, art. 986. (Vide II, nota 2, p. 856).
(190) O tradutor inglês escreveu: "2 ou 3 por cento" (cf. p. 51, l.a col., 3." §
da ed. holandesa e p. 40, 2.a col. 1.° § da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 89

de seus credores, passaram a dever exclusivamente à Companhia que lhes


concedeu prazo para suas moendas produzirem o necessário à liquidação
de suas dívidas, estabelecendo pagamentos em épocas certas e a juros
de 1 por cento ao mês.
Tendo-se dado prazo bastante dilatado para o primeiro pagamento,
estavam, assim, afastados, por algum tempo, tanto os pretextos como
a oportunidade de revolta.
Para que melhor se compreenda a situação, atente-se particularmente
as seguintes considerações : A Companhia e o comércio, ambos credores
dos senhores de engenho, conjugavam seus esforços no sentido de obriga
rem estes últimos ao pagamento de seus compromissos, mediante exe
cuções. Tal estado de coisas, que vinha prevalecendo desde 1642 (191)
até a época em que se fizeram os acordos, gerou tamanha desordem que
tudo indicava o próximo aniquilamento dos engenhos e, consequente
mente, do comércio e da própria Companhia. Foi então que resolveram
apelar para o Grande Conselho, a-fim-de que êste encontrasse uma forma
— talvez mediante descontos, ou de qualquer outra maneira — de trans
ferir tais dívidas para a Companhia.
Os conselheiros de justiça não haviam, a princípio, concordado com
todos os pormenores dessa proposta; entretanto, na reunião de 12 de
agosto de 1644, melhor capacitados do assunto bem como das garantias
e benefícios que teria a Companhia, em tais acordos, resolveram apro
vá-los no dia seguinte. Foram além; sugeriram, por consenso unânime,
que, em muitos casos, era possível suavizar a situação dos senhores de
engenho e de seus credores. Assim foi que a 10 de novembro de 1644,
foram os contratos finalmente aprovados, com o beneplácito dos conse
lheiros da Corte de Justiça e Finanças.
Consoante essa resolução, o Conselho fêz publicar editais sôbre os
acordos celebrados entre a Companhia e firmas particulares, pelos quais
declarou que ninguém poderia vender a crédito aos devedores contra
tantes, sem o consentimento expresso do Grande Conselho sob pena de
nulidade (192). Quanto aos credores dêsses contratantes, ficavam êles
intimados a revalidar seus créditos dentro de três semanas, sob pena
de serem excluídos dos benefícios do contrato, enquanto o mesmo esti
vesse em vigor.
De tudo quanto acima ficou dito, ressalta claramente quão infun
dadas foram as insinuações dos que julgaram tais acordos prejudiciais

(191) Na edição inglêsa está 1647 (cf. p. 51, 2* col., 3.° § da ed. holandesa
« p. 40, 2.a col., 1." § da trad. inglêsa).
(192) O tradutor inglês omitiu: "sob pena de nulidade", (cf. p. 52, 1.* col,
§ da ed. holandesa e p. 41, l.a col. da trad. inglêsa).
90 JOAN NIETJHOF

à Companhia e os consideraram a causa principal da revolta que a


seguir se verificou entre os portugueses. Ao contrário, é fora de dúvi
da que tais contratos representavam a única solução para um estado
de coisas que se apresentava calamitoso e no qual estavam igualmente
envolvidos os senhores de engenho, os lavradores e os sitiantes, acarre
tando a paralisação dos engenhos e o abandono dos campos. Ademais,
se tal situação se prolongasse, causaria a ruína completa da indústria
açucareira, pois a Companhia já vinha sofrendo prejuízos enormes que
orçavam por 38% anualmente, no Brasil, mais 37% na matriz, ou seja
uma perda total de 75% por ano, somente nos engenhos.
Além de tudo, não eram poucos os comerciantes que, sendo credores
dos senhores de engenho, deviam à Companhia consideráveis impor
tâncias e que teriam de ir à falência, pela impontualidade de seus deve
dores, e, portanto, com enormes prejuízos para a Companhia, se esta
não lograsse encontrar uma forma de se cobrar de tais dívidas, conside
radas perdidas. Tudo isso levou o Conselho a julgar de necessidade ina
diável a realização dos acordos, conforme sugestão dos senhores de enge
nho e seus credores, mas não sem antes submetê-los à aprovação do Con
selho dos XIX. Não havia, portanto, razão para que os contratos fossem
considerados nocivos à Companhia, ainda que certas pessoas maliciosa
mente os combatessem, alegando que (se não tivesse havido a rebelião)
nem em 20 anos, talvez mesmo nunca, teria a Companhia prejuízo igual à
responsabilidade que os contratos lhe trouxeram. Pois, era notório que
o Conselho jàmais desembolsaria, como de fato não desembolsou, nem um
único vintém para pagar os contratantes por conta da Companhia.
Ademais, esta ficou plenamente garantida pela hipoteca de 25 engenhos
cuja produção média oscilava entre 230, 240 e 250 caixas de açúcar por
ano, cada uma. Admitindo que a Companhia reservasse para si apenas
140 ou 150 caixas da produção de cada uma delas, já aí se teria um
total anual dos 25 engenhos de 420.000 florins. E' evidente, pois, que,
mesmo não se tomando em conta os engenhos, seus utensílios de cobre,
acessórios e animais, -a soma de 2.125.816 florins, que era o total do
débito contraído para com a Companhia em virtude dos contratos, po
deria ser cobrada sem grande dificuldade. O expediente dos contratos
teve ainda o mérito de permitir que os senhores de engenho permaneces
sem na posse tranquila de suas moendas, livres da pressão dos credores
e, portanto, alimentando a esperança de que, mais folgados agora, os
lavradores poderiam dedicar-se mais e melhor às lavouras, acelerando
assim a liquidação de suas obrigações. De fato foi isso que se deu,
e, já em 1645, a safra açucareira apresentava perspectivas excepcionais.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 91

Parecia, porém, que os portugueses, movidos por um ódio inato


ao povo que os havia dominado, estavam decididos a não poupar esfor
ços para minar o govêrno batavo, em seus fundamentos, conspirando
contra êle. Acresce ainda notar que, enterrados em dívidas a mais não
poder, e não dispondo de recursos com que liquidá-las, se abandonavam
ao desespêro e se dispunham antes a enfrentar os azares de uma luta
armada (na esperança de auxílio de Portugal) que suportar as agruras
da miséria. Os mais francos dentre êles chegaram mesmo a dizer aos
nossos, mais tarde, que, caso tivessem malogrado as suas esperanças
de reforços da Baía, estavam dispostos a solicitar o auxílio da Espanha
ou da Turquia.
Pelos fins de 1642 corriam boatos de que os portugueses tramavam Razão da re-
uma conspiração contra o Estado. Por isso foram êles desarmados e volta dos
o armamento recolhido aos arsenais do Govêrno. Entretanto, pretex- portugueses,
tando vários motivos e assegurando-nos de que viveriam pacificamente
entre nós, conseguiram os lusos, aos poucos, rehaver suas armas. Assim
agindo, talvez os movesse o receio de nossas guarnições ou ainda não
se achassem perfeitamente seguros do concurso baiano.
Entretanto, parece-nos chegado o momento de analisar as verda
deiras causas da revolta.
A 13 de dezembro de 1642, João Fernandes Vieira, escabino da
Cidade Maurícia, compareceu perante o Grande Conselho, achando-se
presente o Conde Maurício e disse ter conhecimento, por certos judeus,
de que tanto êle como seu sogro Berenguer eram, na Holanda, consi
derados suspeitos por haver êle remetido ao Rei de Portugal, por inter
médio de um filho do mesmo Berenguer, cartas tendenciosas e nocivas
aos interêsses do Estado. Não negava, João Fernandes, ter enviado
ao Rei uma carta, por intermédio da referida pessoa. Entretanto, tra-
tava-se apenas de uma recomendação, visando auxiliar Berenguer a
obter do soberano uma colocação. Prontificou-se a provar suas alega
ções, para o que exibiu uma cópia da referida carta, na qual não se
viam senão expressões de congratulação com o Rei pela sua ascensão
ao trono e a recomendação do referido Berenguer. A seguir propôs
Vieira, como medida imprecindível para a segurança do Estado, que
fossem os portugueses desarmados, assim como os Capitães de Campo
e todos os que se achavam sob as suas ordens : negros, brasileiros, mu
latos e mamelucos.
Veio, também, à baila, nessa ocasião, uma carta datada de 1.° de
julho de 1642 (193) recebida pelo conde Maurício do Conselho dos XIX,

(193) O tradutor inglês escreveu junho (cf. p. 55, l.a col., 1.° § da ed. ho
landesa e p. 42, col. 1." § da trad. inglêsa).
92 JOAN NIETJHOF

segundo a qual ura tal Arent Jansz Van Norden, que durante cerca de
quatorze meses servira, no Brasil, na qualidade de cadete, lhes havia
declarado em Amsterdã que estivera empregado em um engenho per
tencente a João Fernandes Vieira, onde, após haver trabalhado dois
meses, fora convidado por Francisco Berenguer, lavrador, para acom
panhar seu filho Antônio de Andrade Berenguer à Holanda e de lá a
Portugal, a-fim-de servir-lhe de intérprete. Ante as promessas que lhe
foram feitas, Van Norden aceitara o convite e partira com Antônio
de Andrade a bordo do navio de Liefde para a Zelândia e, a seguir, de
Vlissingen no navio S. Hubes para Lisboa (194). Dizia a carta que,
depois de uma convivência de três semanas, Antônio de Andrade Beren
Cartas pro guer revelara a Van Norden ser portador de uma carta assinada por
cedentes do João Fernandes Vieira, Francisco Berenguer, Bernardino Carvalho, João
estrangeiro Bezerra e Luiz Braz Bezerra, pela qual informavam ao Rei de Portugal
fazem au
estarem bem abastecidos de homens, dinheiro e armamento para a
mentar as
suspeitas. restauração do domínio português no Brasil. Acrescentava o Conselho
na citada missiva que o Rei de Portugal dera patente de capitão ao dito
Berenguer por êsse pequeno serviço, e, por isso, recomendava ao Grande
Conselho e ao Conde Maurício que mantivessem êsses indivíduos sob
vigilância, tendo em vista a aversão que os portugueses nutriam contra
os holandeses.
Na reunião do Grande Conselho do Brasil, realizada a 16 de março
(195) de 1643, declarou o Conde Maurício ter sido informado de que
portugueses de destaque planejavam surpreender as nossas guarnições
do interior — Muribeca, Santo-Antônio e outros lugares, como o Ma
ranhão — passando-a a fio de espada, plano êsse que deveria ser pôsto
em execução em um dia santo, quando costumava reunir grande massa
popular. Residiam na Várzea os que tinham maior responsabilidade
nessa conspiração e se propunha atacar de surprêsa também o Recife,
— o que sem dúvida lograriam fazer. De resto, as outras guarnições
do interior seriam facilmente subjugadas, e, assim, sem tropa e sem
comércio, estaria a Companhia impossibilitada de se manter no Brasil
por mais tempo.
Tratou-se, então, de decidir se seria melhor deter imediatamente os
As delibera
ções toma cabeças da rebelião ou protelar essa medida para ocasião mais oportuna,
das. a-fim-de que as prisões não alarmassem o povo. Optou-se pela última

(194) O tradutor inglês omitiu o nome do navio S. Hubes (cf. p- 65, 1.* col.,
1." § da ed. holandesa e p. 42, 1.» col., 2.° § da trad. inglêsa).
(195) O tradutor inglês escreveu fevereiro (cf. p. 56, l.a col., últ. § da ed.
holandesa e p. 42, 1.» col., 1.° § da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 93

alternativa, mesmo por não haver ainda provas seguras sôbre as inten
ções dos indiciados, cujos movimentos, entretanto, passaram a ser aten
tamente observados pelo serviço secreto do Conde Maurício, com tempo
de se tomarem as devidas precauções. Julgou-se, contudo, aconselhável
recolher para o Recife as guarnições do interior e fortificar-se a praça
com novas paliçadas, bem como repararem-se os velhos bastiões de
madeira. Determinou-se, também, que ficasse um navio de prontidão,
do lado do mar, e diversas chalupas fizessem o patrulhamento do rio,
a-fim-de defenderem as ruas do Recife com sua artilharia. Recebe-
ram-se, ainda, várias cartas de particulares, algumas anônimas, diri
gidas ao Conde Maurício e ao Grande Conselho, denunciando os trai
çoeiros projetos dos portugueses. Dentre outras, destacava-se uma
remetida ao Conde Maurício por um senhor de nome Van Els e datada
de Serinhaém, 25 de março de 1643 (196), dizendo estar seguramente
informado de que certo mulato pertencente à Companhia de Agostinho
Cardoso, interrogado por pessoas daquela freguesia sôbre os motivos
de sua presença naquela cidade, dissera ter ido entregar cartas a pessoas
residentes nas proximidades do Recife e acrescentara que dentro em
pouco veriam êles como a cidade seria tomada sem efusão de sangue,
quer holandês, quer português.
Em dezembro de 1643, Don Michiel de Crasto, Don Bastiaen Man- Embaixado
duba de Sonho e Don Antonio Ferdinandes, embaixadores do Conde res do Con
de Sonho, na Angola, chegavam ao Recife a bordo do navio Het Wapen van de de Sonho
recebidos
Dardrecht. Cada um dêles dispunha de apenas um criado, mas trouxeram
em
de presente ao Conde Maurício vários negros com colares de ouro, além audiência.
de grande número de escravos destinados à Companhia.
Recebidos em audiência a 21 de janeiro pelo Conde Maurício (197)
e pelo Grande Conselho, pediram, em nome de seu chefe, que se não
mandassem auxílios ao Rei do Congo de quem receavam um ataque para
breve, não obstante se acharem ambos em guerra contra os portugueses.
0 Conselho respondeu-lhes que escreveria ao diretor da Companhia na
quele país, sr. Nieulant, pedindo que usasse de sua autoridade e mediação,
no sentido de preservar as boas relações e remover qualquer motivo de
discórdia entre o Rei do Congo e seu suserano, pois que ambos eram
confederados dos Estados Gerais. O Conde de Sonho dirigiu, ainda,
uma carta ao Conde Maurício, pedindo licença para comprar uma cadeira,
uma capa, algumas insígnias de guerra, bandeiras e diversas peças de
vestuário.

(196) O tradutor inglês escreveu: "20 de março" (cf. p. 56, 1a col., 1." §
da ed. holandesa e p. 42, 2.a col., últ. § da trad. inglêsa).
(197) O tradutor inglês omitiu a data (cf. p. 56, l.a col., 2.° § da ed.
holandesa e p. 43, 1.a col., 2.° § da trad. inglêsa).

s
94 JOAN NIETJHOF

O Grande Conselho dirigiu, em resposta, uma carta ao Rei do Congo


e outra em iguais têrmos ao Conde de Sonho exortando-os à paz e reme-
tendo-lhes os seguintes presentes em nome da Companhia:

AO REI
Uma longa capa de veludo negro, com galões de prata;
Um manto debruado com rendas de ouro e prata;
Um paletó de veludo e
Um chapéu de castor com fita prateada.

AO CONDE
Uma cadeira de braços, forrada com veludo vermelho e guarnecida com
franjas douradas;
Uma longa capa de veludo com galões de ouro e prata;
Um manto de rendas de ouro e prata;
Um chapéu de veludo e
Um chapéu de castor com fita de ouro e prata. (198)

Enquanto estiveram no país, foram os embaixadores hospedados


com todas as honras devidas ao seu elevado cargo. Mostraram-se muito
hábeis no jôgo do espadão, no qual exibiam as mais terríveis expressões
e atitudes. Compreendiam perfeitamente o latim, e, nessa língua, fize
ram várias orações eruditas.
Nova sus A 13 de outubro de 1644, certo judeu, de nome Gaspar Francisco
peita de
da Cunha, e mais dois outros de destaque na colônia comunicaram ao
revolta.
Conselho que haviam sido informados por alguns judeus do interior, com
os quais mantinham correspondência, que os portugueses estavam cons
pirando contra o Brasil Holandês, expondo igualmente ao Conselho os
fundamentos dessa informação. Após haver testemunhado seu agra
decimento aos anciãos por essa demonstração de zêlo, o Conselho resolveu
não descansar enquanto não descobrisse os planos dos portugueses. In
formado de que os lusos aguardavam a chegada, por via marítima, de
armas e munições, determinou o Conselho, a 17 de outubro de 1644 (199),
que o iate Nieuwerihuisen, acompanhado de um galeão e uma chalupa,
fizesse o patrulhamento do litoral a-fim-de manter estrita vigilância
sôbre os navios que pretendessem se aproximar de terra.

(198) Êsses presentes oferecidos pelo Supremo Conselho concordam, de modo


geral, com os que descreve Barlaeus (VII, 254-5).
(199) O tradutor inglês escreveu: "12 de outubro" (cf. p. 57, l.a col., l.° § da
ed. hol. e p. 43, 2.a col., 1.° § da trad. inglêsa).
JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 95

A 11 de maio de 1644, deixava o Recife, de regresso à Holanda, o


Conde Maurício, depois de oito anos de govêrno no Brasil Holandês.
Todo o povo e as personalidades de projeção do Recife e da Cidade
Maurícia compareceram armados ao embarque, formando duas alas que
iam desde a cidade velha até à Porta do Mar. Ao passar entre elas,
o Conde ia se despedindo com as mais eloquentes expressões de cortesia
Diante do portão (202), estava um cavalo arreado, no qual montou
e dirigiu-se, com grande comitiva, ao longo da praia, além de Olinda.
Os Altos Comissários, o Conselho da Justiça e outros Comandantes de
Guerra o conduziram adiante da cidade de Olinda, onde ílêle se despe
diram. Nassau continuou a viagem com o Sr. Bullestrate, que tinha
recebido ordem de acompanhá-lo até que a esquadra se tivesse afastado.
Entretanto, o Conde parou várias vezes e contemplava o seu famoso
palácio, que êle próprio mandara construir, belo e agradável e que, então,
abandonava; enquanto isso, os seus corneteiros tocavam, contentes, Wi-
lhelmus van Nassau (201). Finalmente, embarcou com tôda a sua gente
em quatro navios. Depois da partida do Conde, o Govêrno ficou a cargo
dos Senhores Altos Comissários Secretos, como Hendrik Hamel, Kodde
van der Burgh e Adriaen Bullestrate. A frota, composta de 13 unidades,
só zarpou da Terra-Vermelha a 22 de maio. Conduzia ela de regresso
numerosos soldados, pois para a defesa do Brasil Holandês ficaram
apenas 18 companhias. O Sr. Bullestrate regressou ao Recife no dia 26.
A 22 de abril, não muito antes da partida do Conde Maurício, foi
lida no Grande Conselho uma decisão da Diretoria da Companhia das
índias Orientais, tomada na sessão de 4 de junho de 1642 (202) e datada
de 22 de maio de 1643, segundo a qual o govêrno do Brasil Holandês
passaria a ser exercido pelo Grande Conselho, até segunda ordem.
Dando cumprimento a essa resolução, o Conde Maurício designara
um dia para investir o Conselho em suas novas funções. Com aprovação
do mesmo, convocou, para 6 de maio, uma reunião conjunta dos desem
bargadores, magistrados, conselho eclesiástico, ministros da Cidade Mau-

(200) O texto desde "Diante do portão" até ... "e Adriaen Bullestrate"
foi traduzido diretamente do holandês, por estar omitido na edição inglêsa. (Cf.
p. 57, 1." col. 3.°, 4.° e 5." da edição holandesa com a p. 43, 2.a col., 2.° § da
edição inglêsa).
(201) Vide anexo n. 1. Ai damos a música e letra da canção popular Wilhel-
mus van Nassau. Foi composta e escrita por Philippe de Marnix, Senhor de Sain-
te-Aldegonde, que nasceu em Bruxelas, em 1538, e faleceu em 1598. Refugiou-se
na Alemanha, quando os protestantes foram perseguidos nos Países-Baixos. Em
1592, voltou novamente para seu país e pelos escritos, por meio da palavra e da
espada, colaborou com o Príncipe de Orange. Era insinuante orador. Escreveu
Tableau des differends de la religion, 1598, considerado, por Bayle, notável, pela
mescla de erudição e lógica. (XXVII, pp. 6 e 7).
(202) O tradutor inglês escreveu 1 de julho de 1642. (Cf. p. 43, 2.a col., 3.° §
da ed. inglêsa e p. 57, 2.a col., 2° § da ed. hol.).
96 JOAN NIEUHOF

rícia, oficiais de terra e mar, altos funcionários da Companhia, oficiais


da milícia e elementos de destaque entre os judeus.
O Conde À hora aprazada compareceram todos ao grande salão da muni
Maurício cipalidade. Fazendo uso da palavra, o Conde declarou, então, que, uma
passa o
vez que o Governo supremo, sua Alteza o Príncipe de Orange e o Con
Governo.
selho dos XIX lhe haviam dado permissão para regressar à Holanda,
depois de uma permanência de 8 anos no cargo de Governador do Brasil
Holandês, havia promovido essa reunião a-fim-de externar a todos os
seus agradecimentos pelos bons serviços prestados à Companhia, cada
um em seu pôsto, assim como pela disciplina, honestidade e respeito,
que sempre haviam demonstrado para com sua pessoa. Disse ainda
que, ao passar o Govêrno para o Grande Conselho, a todos exortava
em nome dos Estados, do Príncipe de Orange e do Conselho dos XIX,
a que rendessem aos conselheiros a mesma obediência, fidelidade e
respeito que de todos merecera. A seguir o Conde apresentou seus
cumprimentos ao Conselho — que também recebeu congratulações de
todos os presentes — e deixou o salão. Passando para a sala do Con
Sua selho, aí se despediu dos conselheiros e apresentou-lhes os mais calorosos
despedida. agradecimentos pela cooperação e assistência que sempre lhe proporcio
naram, bem como pelo respeito e deferência com que souberam cercar
a sua pessoa. Disse-lhes mais que, sendo essa a última vez que com
parecia perante essa Assembléia, havia elaborado um memorial (203),
que então lhes entregava, destinado a orientá-los na direção dos negócios
públicos. Punha-se ainda à disposição do Conselho para quaisquer escla
recimentos que julgassem necessários. Os Conselheiros retribuíram-lhe
os agradecimentos apresentados e manifestaram a esperança de que
o Conde jamais se desinteressasse dos assuntos do Brasil Holandês.
Antes de encerrar a sessão aventou-se, na presença do Conde, a questão
da precedência entre os membros do Conselho, a-fim-de saber qual dêles
deveria exercer a presidência, ou se esta deveria ser exercida em rodízio,
uma vez que as instruções recebidas eram omissas a êsse respeito. De
pois de expostos vários argumentos pró e contra, ficou assentado que a
situação deveria ser a mesma que prevalecia durante os impedimentos
do Conde, isto é, cada um conservaria sua posição, sem prioridade de
nenhum dos Conselheiros, até que o Conselho dos XIX esclarecesse êsse
ponto. Assim, a direção dos negócios públicos caberia primeiramente

(203) Maurício de Nassau deixou um testamento político, que foi traduzido


por José Higino e publicado na Rev. do Inst. Hist. Geog. Bras., 1895, t. 58, p. 223;
e um relatório apresentado aos Estados Gerais, em 27-9-1644, que vem publicado no
2.° vol. dos Documentos Holandeses, coligidos por Caetano da Silva.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 97

ao sr. Dirk Hamel, depois ao sr. Bullestrate, e, finalmente, ao sr. Kodde


van der Burgh.
O primeiro assunto de que se ocupou o Conselho foi de investigar
diligentemente sôbre os projetos dos portugueses contra o Governo, para
o que decidiu, em janeiro de 1644, enviar o sr. Gysbert de Wit, Con
selheiro da Côrte de Justiça, e o Capitão Dirk Hoogstraeten, comandante Delegados
em chefe do Cabo Santo Agostinho, em missão especial junto a Antônio enviados ao
Brasil Por
Teles da Silva, então Governador da Baía, com as seguintes instruções tuguês e
datadas de 15 do mesmo mês; cumprimentar o Governador, após a suas
entrega das credenciais, em nome do Grande Conselho e apresentar-lhes instruções.
sinceros protestos e garantias de amizade e boa vizinhança. Em seguida
deveriam comunicar ao Governador que numerosos súditos do Brasil
Holandês, depois de aí contraírem dívidas consideráveis, tanto com a
Companhia, como com particulares, retiravam-se para a Baía. Dese-
java-se, portanto, que, para se fazer justiça, ou fossem tais insolventes
detidos, ou pelo menos que fosse o Govêrno Holandês informado de sua
chegada, a-fim-de serem êles submetidos à ação da Justiça. Na reali
dade, porém, a verdadeira missão dos delegados batavos era conseguir
informações secretas sôbre os seguintes pontos:
I — De que forças dispunham os portugueses na Baia e em outras
províncias do Sul;
II — Qual a sua frota;
III — Qual o número de navios que esperavam receber de Portugal;
IV — Qual a situação do tráfico de escravos e de onde provi
nham eles;
V — Se havia comércio entre os lusos e os habitantes de Buenos-
-Aires;
VI — Quais as condições da região.

De tudo deveriam dar ao Grande Conselho, por ocasião de seu


regresso, as melhores informações que conseguissem obter. Levavam
ainda os emissários holandeses a incumbência de descobrir, secretamente,
quais as pessoas que fomentavam a tão temida rebelião dos portugueses
no Brasil Holandês e qual a assistência, ou auxílio, que estes deveriam
receber. Cumpria-lhes, ainda, instar com o Governador para que não
permitisse, de futuro, que desertores holandeses chegados à Baía, por
terra, fossem enviados a Portugal, mas, sim, detidos e recambiados para
o Recife,
Os enviados do Govêrno Holandês chegaram à Baía a 8 de fevereiro Sua chega
de 1644, tendo o navio que os conduzia ancorado ao cair da tarde junto da a São
ao Castelo de Santo Antônio, na cidade de São Salvador. Imediatamente Salvador.
98 JOAN NIEUHOF

apresentaram-se a bordo dois oficiais a-fim-de indagar de onde vinham,


por quem e a quem eram enviados, para informarem o Governador
Antônio Teles da Silva. No dia seguinte os delegados holandeses foram
cumprimentados, em nome do Governador, pelo major Domingos Delgado
e pelo Capitão David Ventura que lhes disseram ter ordens de lhes enviar
um escaler, para desembarcarem. Pelas três horas da tarde, os mesmos
oficiais, acompanhados de mais três ou quatro, voltaram, em uma em
barcação, para buscar os delegados batavos. Tão logo desembarcaram
êles, encontraram animais de montaria à sua disposição, e, cavalgando-os,
foram conduzidos até o palácio do Governador, por uma colina repleta
de curiosos. Forte guarda estava postada no vestíbulo. Na sala seguinte,
Sã» recebi
dos em encontravam-se vários alferes e outros oficiais inferiores. No terceiro
audiência. compartimento achavam-se capitães e tenentes, e, finalmente no último,
coronéis, generais, alguns eclesiásticos e o próprio Governador que, tendo
ido até a porta para receber os hóspedes, os convidou para se sentarem
a seu lado, em poltronas adrede preparadas. Os enviados iniciaram,
então, sua saudação, dizendo que se sentiam extremamente felizes por
encontrá-lo em perfeita saúde, no momento em que vinham visitá-lo por
determinação do Govêrno do Brasil Holandês, cujas excelentes dispo
sições desejavam demonstrar-lhe para que mais se estreitassem as boas
relações entre ambos os Governos. Desejavam também apresentar-lhe
votos mui cordiais pela felicidade de Sua Majestade, pela sua própria
e pela prosperidade do Govêrno, para cuja preservação estavam prontos
a contribuir com tudo o que estivesse a seu alcance. A seguir disseram
ao Governador que tinham vários assuntos a tratar com êle, tão logo
julgasse conveniente recebê-los. O resto da conversação decorreu entre
mútuos cumprimentos e informações. Depois dessa recepção, foram os
enviados novamente conduzidos pelo Governador até à porta da sala,
onde êste determinou aos já citados Domingos Delgado e David Ventura
que os determinou a um grande prédio ricamente mobiliado, no qual fica
riam hospedados por sua conta. A isso os delegados se recusaram, ale
gando ser contrário às instruções de seus superiores. Forçados, entre
tanto, a aceitar o oferecimento do Governador, foram magnificamente
tratados ao jantar.
Segunda Por volta das 11 horas da manhã seguinte, dirigiram-se os delegados
audiência. novamente ao Palácio, onde, depois de solicitar uma segunda audiência,
foram recebidos da mesma forma que na véspera. Convidados a se
retirarem todos os que ali se achavam, com exceção do secretário do
Governador, a êste entregaram os enviados holandeses as mensagens
de que eram portadores, redigidas em português, pedindo que fossem
elas objeto da melhor consideração por parte do Governador, visto como
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 99

visavam a consolidação das boas relações entre os dois Governos. Deu-


-Ihes, então, o Governador esta resposta genérica: que se esforçaria
sempre por cultivar um perfeito entendimento e boas relações conosco,
em cumprimento, aliás, às instruções expressas e reiteradas que recebera
do Rei seu Senhor. E, quanto às mensagens que lhe foram entregues,
iria reunir seu Conselho de Guerra e Justiça e ulteriormente lhes comu
nicaria sua resposta.
Foram êles, então, reconduzidos por Domingos Delgado à residên
cia que lhes havia sido destinada, onde mais uma vez receberam, ao
jantar, tôda a sorte de atenções. No dia seguinte receberam a visita
do próprio Governador.
No dia 17 obtiveram os enviados uma terceira audiência do Go A terceira
vernador que lhes comunicou, em termos muito corteses, haver consultado audiência.
o Conselho sôbre os assuntos ventilados, e que a resposta que lhe com
petia dar-lhes se achava condensada na carta que então lhes entregava
e cujo teor lhes foi lido. Conhecido o conteúdo da carta, os delegados
redarguiram dizendo que, uma vez que se deixaria, assim, aberta uma
porta aos velhacos e vagabundos, esperavam, ao menos, que o Gover
nador determinasse que fossem levados ao conhecimento do Govêrno
Holandês os nomes dos indivíduos que se refugiassem na Baía, a-fim-de
que o Grande Conselho fosse informado dos lugares onde se homiziassem.
A isso o Governador acedeu. Depois dos cumprimentos do estilo e de
mútuos protestos de amizade, deixaram novamente o Palácio os embai
xadores batavos.
No dia 22, os enviados do Grande Conselho despediram-se do bispo
e de várias pessoas gradas, das quais haviam recebido cortesias, e, por
fim, do próprio Governador, que se fêz acompanhar por muitos oficiais
e pessoas de destaque. Os nossos delegados agradeceram ao Governador
as atenções e cortesias de que foram alvo, desejando tanto a êle como
ao Rei de Portugal um longo e feliz reinado, bem como a vitória sôbre
os castelhanos. Retribuíu-lhes o Governador os cumprimentos e os
acompanhou até fora da sala, tendo então ordenado a vários negros que
conduzissem os embaixadores em cadeirinhas até à base da colina sôbre
que se ergue a cidade. Aguardava-os o mesmo escaler que os havia
Seu regres
trazido à terra, para novamente transportá-los para bordo, ao som fes so ao Recife.
tivo de bandas musicais. Após se despedirem dos enviados holandeses,
os oficiais portugueses regressaram à cidade. Os nossos delegados ini
ciaram, então, a viagem de regresso ao Recife, onde chegaram dias depois,
em segurança.
E' o seguinte o conteúdo da carta que lhes foi entregue pelo Go
vernador :
100 JOAN NIEUHOF

CARTA DO GOVERNADOR

Carta do Gysbert de Wit, Conselheiro de vossa Corte de Justiça e Dirk


Governador. Hoogstraeten, comandante em chefe do Cabo de Santo Agostinho,
deputados de Vs. Excias., aos quais recebi de acordo com suas credenciais
e merecimentos, entregaram-me vossa carta aventando vários assuntos
que se achavam autorizados a tratar comigo. Posto que me tenha esfor
çado, de tôdas as maneiras, por cultivar e manter as boas relações de
vizinhança, vejo-me, entretanto, constrangido a confessar com franqueza,
que escapa à minha alçada dar-vos resposta mais satisfatória que o
presente. Quero crer que as inúmeras provas que tendes tido das minhas
sinceras disposições constituem o penhor de que estarei sempre pronto,
em tudo quanto dependa de meu governo, a evidenciar as mesmas de
monstrações de obediência e fidelidade ao Rei, meu Senhor, a quem apraz
que seja inviolàvelmente observada a trégua pactuada, e, bem assim, das
minhas sinceras intenções e do apreço em que tenho a vossa amizade,
nada mais desejando senão que me proporcioneis oportunidade de vos
dar uma demonstração real de minha solicitude em vos servir. Recomen-
do-vos à proteção do Altíssimo.
Antônio Teles da Silva
Baía, 14 de fevereiro de 1645. Assinado

Com respeito aos seis pontos das instruções secretas que levaram,
foi o seguinte o relatório apresentado ao Grande Conselho pelos enviados
holandeses :

Relatório / — Que as forças portuguesas daquelas regiões eram geralmente


dos envia avaliadas por uns em 8.000 e 8.^00 ou 3.500 por outros, sem incluir os
dos, ao brasileiros nem os negros (204). Entretanto, pela investigação mais
Conselho. acurada a que haviam procedido, calculavam que elas não excedessem
de 8.000 homens, inclusive brasileiros e negros, e aí compreendidas todas
as guarnições tanto do Norte como do Sul, até o Rio-de-Janeiro. Con
sistiam elas em cinco regimentos, ou sejam: três de portugueses, sob o
comando dos coronéis João de Araújo, Martins Soares e N. N., o quarto
de brasileiros sob as ordens de um coronel brasileiro, Antônio Filipe Ca
marão, e o quinto de negros, sob o comando do preto Henrique Dias.
Quanto a estes dois últimos regimentos, não excediam eles, englobada-

(204) O tradutor inglês escreveu: "entre 3.000 e 4.000 homens". (Cf. p. 61,
l.a col., 2.° § da ed. holandesa e p. 46, 2.a col., 2." § da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 101

mente, de 300 homens dispersos em guarnições, ao norte, próximo ao


Rio-Real, junto às nossas fronteiras. Compunham-se eles da escória social
das respectivas regiões. Por êsse motivo, não podiam ser aquarteladas
na Capital, pois, já se tinham dado rixas entre as guarnições, tendo exi
gido a presença de oficiais superiores para dirimi-las. Os três regimen
tos portugueses compreendiam cerca de 2.700 homens aquartelados em
São Salvador e nos fortes circunjacentes, com exceção de duas compa
nhias, das quais uma fora destacada para as proximidades do Rio-Real
e a outra para a Ilha do Morro de São Paulo. A êsse número, havia,
ainda, que acrescer 100 homens enviados para as Capitanias de Ilhéus,
Pórto-Seguro e Espirito-Santo. Assim, pois, tôdas as guarnições de São
Salvador e dos fortes vizinhos somavam pelo menos 2.300 homens, cada
Companhia contando aproximadamente cem homens escolhidos e bem
uniformizados. Quatro companhias mantinham-se de prontidão todas as
noites, a saber: uma no Palácio, uma em cada porta da cidade e a quarta
nos fortes marítimos, fora da cidade.
II — Quanto à força naval dos portugueses, as observações proce
didas revelavam insignificância, pois eram elas mais consideráveis em
número que em poder ofensivo. Consistiam em apenas 50 unidades, a
saber: 40 caravelas, 2 navios de pequeno porte e iates, inteiramente desa
parelhados para a guerra, não tendo os delegados conseguido observar
preparativo algum nesse sentido. Parece que a missão principal da frota
lusa consistia em proteger os navios destinados à Metrópole contra os
ataques de piratas castelhanos e dinamarqueses e de corsários turcos. Pelo
que conseguiram os embaixadores observar durante a sua permanência na
Baía, lá haviam chegado dois poderosos navios de guerra portugueses,
com tripulação de 600 homens cada um e bem municiados, sob o comando
de Salvador Correia de Sá. Êsses navios tinham ordem de ir até o Rio-
■de-Janeiro para de lá escoltar até a Baía os que estivessem em condi
ções de zarpar, e, em seguida, comboia-los, juntamente com outros que
daí deveriam partir, até às costas portuguesas. Por essa razão, outras
naus cujas partidas estavam marcadas para dias diferentes, segundo
a conveniência de cada uma, tiveram ordem de aguardar sua inclusão
no mesmo combóio. Por êsses navios de guerra soube-se que o Rei de
Portugal proibira a construção de caravelas e outras embarcações peque
nas para que as atividades dos estaleiros se concentrassem na construção
de barcos mais bem aparelhados para a guerra marítima.
Pelo que informaram o delegados holandeses, podiam-se prever gra
ves inconvenientes para os portugueses, decorrentes da alta dos fretes
que o sistema de comboios certamente provocaria, com relação às mer
cadorias transportadas do Brasil português para a Europa, especial
102 JOAN NIEUHOF

mente o açúcar que, consequentemente, não poderia ser vendido pelo preço
mantido pelos holandeses. Seriam, provavelmente, consideráveis os pre
juizos que o comércio teria que sofrer, tanto em matéria de juros como
no que respeita aos prazos de entrega, à vista da necessidade de se reu
nirem em combóios os navios, quando anteriormente tinham liberdade
de regressar à Metrópole quando lhes aprouvesse.
III — Observaram mais que, a-pesar-de os baianos estarem aguar
dando a chegada daqueles navios, então em viagem inaugural, algumas
naus portuguesas procedentes tanto da costa lusa como das ilhas, lá
aportaram antes das demais.

IV — Aos delegados batavos pareceu que o tráfico negreiro era


insignificante por ocasião de sua visita. De fato, apenas haviam con
seguido saber que o comércio de escravos prosseguia ainda. Não atin
gindo o preço de um negro, por aquele tempo, mais do que 35$000 ou,
o mais elevado, 40$000, ou sejam 262.10 florins ou 300 florins, concluí
ram os nossos enviados que devia haver suprimento suficiente de braço
escravo (205). Os últimos negros importados procediam do Cabo-Verde
e de Ardra. Informaram a seguir que, quando chegaram à Baía, na
quarta-feira, 8 de fevereiro, encontraram dois navios de grande calado
bem tfipulados e artilhados com 20 peças cada um. Indagando de seu
destino, souberam que partiam para Portugal. Entretanto, não lhes
sendo dado saber a que porto rumavam, desconfiaram, baseados, também,
em outras razões, que se dirigiam para outro destino. Não erraram.
De-fato, a 17 de fevereiro (206), quando se preparavam para regressar,
souberam os nossos enviados, por intermédio de uma mulata de nome
Juliana e também por dois monges, que tais navios haviam sido despa
chados com tropas para Angola, a-fim-de protegerem o povo de Masagão
que, reduzido em número, receava um ataque dos negros do país. Ha
viam, por isso, solicitado o auxílio do Governador e este dera ordens
para que os navios zarpassem à noite e procurassem chegar a Masagão
secretamente, sem praticar nenhum ato hostil contra os holandeses. Se
era exata a informação, e, até que ponto o era, só o tempo o provaria.
Tinham, entretanto, os nossos delegados sobejas razões para acreditar

(205) O tradutor inglês escreveu que o preço de um negro não atingia,


àquele tempo, mais do que 300 florins (cf. p. 62, 2.a col., 3.° § da ed. holandesa
e p. 47, 1.» col., 3. § da trad. inglêsa).
Sôbre êsse ponto veja-se a magnífica contribuição de José Antônio Gonsalves
de Melo, neto: "A situação do negro sob o domínio holandês", fn Novos Estudos
Afro-Brasileiros, Biblioteca de Divulgação Científica, vol. IX, 1937, Rio, p. 201-221
(especialmente p. 203).
(206) O tradutor inglês escreveu: "22 de fevereiro" (cf. p. 63, l.a col., l-° §
da ed. holandesa e p. 47,2.a col., 1.° § da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 103

que o Governo se empenhava em lhes ocultar não só essa expedição como


também outros assuntos, pois (conquanto só o soubessem quase à hora
da partida de regresso) tiveram os lusos o cuidado de impedir que qual
quer alemão ou holandês conversasse, ou, mesmo, se avistasse com eles.
Essa proibição foi tão rigorosamente observada que os nossos emissá
rios chegaram a imaginar que não havia holandês algum na Baía. Só
mais tarde é que vieram a saber que todos eles haviam sido conduzidos
para bordo de navios portugueses com o fim de evitar que mantivessem
qualquer contacto com a tripulação do nosso barco. Ainda com o mesmo
fim, alegando a necessidade de velar pelo nosso navio, postaram junto
a êle seis sentinelas, em dois barcos, cuja missão era impedir que qual
quer pessoa viesse ter conosco a bordo, de acordo com as instruções do
Governador.
V — Que os baianos, como os habitantes de outras capitanias portu
guesas, não mantinham, na ocasião, o mínimo comércio com os de Buenos-
.Aires (207). Que, logo após a Revolução em Portugal, os baianos ha
viam tentado chegar até lá, sendo, porém, recebidos como inimigos. Eram,
portanto, de opinião que aquele lugar logo estaria completamente arrui
nado, pela escassez de comércio, pois que toda a sua vida dependia do
tráfego marítimo procedente das costas brasileiras. Decadente êste,
nenhuma prata para aí se encaminharia, do Peru, não sendo provável
qv# os espanhóis afrontassem os riscos de uma viagem ao longo da costa
inimiga uma vez que dispunham de rota mais segura para o transporte
de seus tesouros das índias Ocidentais.

VI — Que não lograram os nossos emissários obter nenhuma infor


mação segura sobre o que planejavam certos habitantes da Baía em
combinação com outros do Brasil Holandês, contra a sorte dêste último.

Além dêsse, os embaixadores batavos apresentaram um relatório


geral sôbre quanto lhes fora dado observar com respeito às condições
da cidade de São Salvador, seu povo, o Governador e outros assuntos
relacionados com as regiões circunvizinhas.
Haviam se dissipado como fumo os boatos que corriam em 1640 Outra re
sóbre a conspiração dos portugueses contra nós, mas, em fevereiro de volta dos
portugueses.
1645, de novo começaram êles a fervilhar quando se principiou a des
cobrir a verdade. Segundo o que se dizia, os portugueses, contando

(207) Sôbre relações entre o Brasil português e Buenos-Aires, cf. Los por.
tugueses en Buenos Ayres, siglo XVII, R. de Lafuente Machain. De La Real Aca-
««mio de la Historia. (Madrid, El ano MCMXXXI, Libraria Cervantes).
,

104 JOAN NIEUHOF

com o apôio da Baía, pretendiam tomar armas contra nós. A ocasião


era mesmo oportuna para a execução de um tal plano, pois o Conde
Maurício regressara para a Europa com a maior parte de nossa frota
e grande número de soldados, e, por outro lado, não era lícito esperar,
tão cedo, novas remessas de forças para o Brasil. O Grande Conselho,
bem ao par do que se passava, não poupava esforços no sentido de des
cobrir os cabeças da rebelião e responsabilizá-los pelo crime, condenan-
do-os, consequentemente. Vários oficiais foram enviados como espiões
para o interior, a-fim-de procurar conhecer as intenções do povo e saber
se havia ligações entre êste e os promotores da rebelião. O mesmo se
fêz com relação à outra margem do Rio São Francisco e ao acampa
mento de Camarão, para onde se destacaram pessoas encarregadas de
inquirir de seus propósitos e se informarem sôbre os preparativos que
por ventura se estivessem realizando para a guerra. Nada, porém, con
seguiram apurar, pelo que as suas informações careceram de importân
cia. Puderam, entretanto, perceber que havia razão para tais avisos,
pois dado o caráter altivo dos portugueses (além da diferença de reli
gião) certamente não deixariam êles escapar qualquer oportunidade de
se libertar do jugo de seus dominadores. A 13 de fevereiro de 1645
dirigia o Grande Conselho a seguinte carta ao Conselho dos XIX, com
relação aos planos portugueses:

CARTA DO GRANDE CONSELHO À COMPANHIA DAS íNDIAS OCIDENTAIS

Nobilíssimos e Mui Honrados Senhores,

Carta da Durante o governo de Sua Excelência o Conde Maurício, vários ha


Grande bitantes dêste Estado entregaram-se a maquinações secretas para se
Conselho rebelarem contra nós, na esperança de conseguir auxílio da Baía. Con
à Compa sistiam as suas atividades em insinuar entre seus amigos, após o êxito
nhia das ín
que alcançaram no Maranhão, que, à vista do considerável enfraqueci
dias Ociden
tais. mento de nossas forças devido aos grandes reforços enviados às guar
nições de Angola, São Tomé e outros pontos, excelente oportunidade se
lhes deparava para sacudir o jugo batavo e restaurar a liberdade antiga,
sob seu próprio Rei. Não foi, portanto, pequeno o encorajamento que
receberam — imaginando poderem levar a efeito os seus <planos com rela
tiva facilidade — ao saber que havia já tempo que não recebíamos novos
suprimentos de carne e de outros géneros, nem reforços militares da
Holanda e que, já esgotados os armazéns da Companhia, eram as guar
nições dos fortes obrigadas a se abastecer periòdicamente de farinha
e carne fresca, no interior do país. Julgaram, pois, os portugueses que,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 105

se conseguissem dominar a região, . essas guarnições deveriam necessa


riamente cair em suas mãos, tal como ocorrera em 1640 com as guar
nições espanholas em Portugal que, por idênticos motivos, não puderam
resistir aos portugueses. Ademais parecia-lhes que, a menos que enfra
quecêssemos demais as nossas guarnições, não teríamos tropas suficientes
para enfrentar uma ação de grande envergadura, em campo aberto,
Estas e outras insinuações semelhantes foram insistentemente inculca
das aos portugueses por indivíduos que, encontrando-se em situação
difícil sob o nosso domínio, esperavam melhorar seus negócios, substi
tuindo o Govêrno. Nada disso, entretanto, produziu grande efeito, en
quanto Sua Excelência se manteve à testa do Govêrno, em parte porque,
advertidos de tal propaganda, observávamos cuidadosamente todos os mo
vimentos dos portugueses, e, em parte porque, sendo então nossas forças
de terra e mar, muito maiores que atualmente, pouca ou nenhuma pro
babilidade de êxito tinham os projetos lusos. Julgaram, por isso, de
bom aviso, aguardar o regresso de Sua Excelência à Holanda. Tendo
sido divulgada com antecedência a partida do Conde, e, cientes de que
as nossas forças militares ficariam consideravelmente reduzidas, teriam
êles ótima oportunidade para pôr em prática os planos cuja execução
há tanto tempo vinham procrastinando. Além disso, muitos portugueses
que viveram sob o Govêrno do Conde e confiavam em sua autoridade
como a única capaz de manter a disciplina da tropa, receosos agora das
arbitrariedades e execuções que poderiam cometer oficiais ambiciosos e
soldados cúpidos, viam-se forçados a se aliar contra nós. Depois da
partida de Sua Excelência, essas conspirações vêm progredindo diària-
mente; os implicados revelam o maior zelo em obter toda a sorte de
informações sobre o efetivo de nossas guarnições, com a evidente inten
ção de levar a efeito os seus planos antes que tenhamos tempo de receber
reforços e provisões da Holanda. Com esse fim em vista, expediram os
rebeldes mensageiros para a Baía, a-fim-de pleitear auxílio de homens
e de armas, nos quais parecem depositar grandes esperanças. Há fortes
razões para se acreditar que a vinda de André Vidal, da Baía, em agosto
último, com o pretêxto de fazer despedidas antes de regressar a Portugal
onde iria servir seu Rei, teve como objetivo principal verificar pessoal
mente qual a situação aqui reinante a-fim-de poder informar tanto o
Governador, na Baía, como a Corte, em Portugal. E1 também provável
que tivesse procurado sondar as disposições dos nativos, bem como esti
mular os partidários a lutar por sua causa mediante a promessa de
prontos socorros da Baía. Mais tarde viemos a saber que esteve pre
sente a vários conciliábulos. Entretanto, ainda que muito se animassem
os rebeldes ante a perspectiva de sucesso, à vista da diminuição de
106 JOAN NIEUHOT

nossas forças e da escassez de provisões com que lutamos, vão chegaram


a pôr em prática os seus planos, pois perceberam que, sabedores de suas
maquinações, pudemos tomar, a tempo, as devidas cautelas contra eles.
Além disso, muitos dos moradores portugueses apreciaram extraordinária-
mente a atuação do Grande Conselho, na gestão dos negócios públicos,
preferindo antes viver em calma e com segurança, do que se comprome
terem em tão arriscada empresa. E assim permaneceram as coisas sem
alteração de vulto, até o presente, quando já não temos elementos para
afirmar se pretendem eles ou não deixar que tudo corra como até aqui.
Segundo fomos informados de fonte fidedigna, pretendiam os revoltosos
assestar o seu principal golpe contra o Recife, que contavam tomar de
surpresa. Parecia-lhes que, com o auxílio dos nossos próprios negros
(que, na maior parte, são católicos), poderiam capturar a praça no dia
marcado para o leilão de escravos, quando grande número de pessoas
procedentes do interior aflue para a capital. Se isso acontecesse, ê
claro que as demais seriam forçadas a se entregar. Todos esses planos,
porém, falharam devido aos fortes contingentes que tivemos a cautela
de concentrar no Recife durante os dias de feira. Ao que consta, os
principais cabeças do movimento são: João Fernandes Vieira e seu sogro
Francisco Berenguer, além de vários outros que já teríamos recolhido
à prisão se contra eles tivéssemos conseguido obter informações mais
seguras. Entretanto, a-pesar-de tudo fazermos para apurar a verdade,
não conseguimos encontrar motivos que justificassem a prisão desses in
divíduos, nem o desarmamento geral do povo. Ademais, soubemos que
se o tentássemos fazer, teríamos imediatamente uma insurreição geral.
Nossos armazéns e postos de abastecimento estavam, por essa época, de
tal forma desprovidos que não poderíamos manter qualquer força, reti
rada das guarnições, para oferecer luta em campo aberto. Além disso,
um tal expediente poderia trazer consequências desastrosas para nossa
gente, principalmente para os que moravam longe dos fortes e que, te
míamos, corressem o risco de serem massacrados pelos portugueses. Pelas
informações que temos enviado a Vs. Excias., vê-se claramente que os
próprios súditos do Rei de Portugal têm sido instigados a agir contra
nós. Torna-se, portanto, absolutamente necessário usar-se de toda a
cautela bem como apressar a remessa dos suprimentos que reiteradamente
lhes temos pedido. Baseados nos primeiros informes aqui recebidos, isto
é, que os portugueses tentariam desembarcar forças e armas ao Sul do
Recife, enviamos, a 13 de outubro, o iate "Enkhuizen" acompanhado de
uma chalupa e um galeão, para fazerem o patrulhamento daquelas pa
ragens. Entretanto, essas embarcações regressaram algum tempo mais
tarde, sem ter conseguido descobrir coisa alguma. A informação que
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 107

posteriormente recebemos foi de que se estava armando uma frota na


Baía, com o fim de transportar forças com que auxiliar os rebeldes. Para
investigar esse ponto, achamos que nenhum expediente seria melhor do
que enviar para lá os senhores Gysbert de Wit e Dvrk Hoogstraeten, com
as instruções secretas de que anexamos cópia. Êsses senhores partiram
a 25 do mês findo (208). Soubemos, depois, que certo capitão portu
guês havia sido ultimamente encaminhado da Baia para cá, acompanhado
de um alferes e três soldados, a-fim-de concitar os nossos súditos à re
belião, sob promessa de socorros que de lá viriam. Já demos todas as
providências para localizá-los e capturá-los. Jàmais deixaremos de ado-
tar qualquer medida que, nas circunstâncias, possa contribuir para a pre
servação dêste Estado.
Recife, 13 de fevereiro de 1645.
No dia 4 de abril (209), o Grande Conselho foi informado por carta,
que da Paraíba lhe dirigiram Isaak Rasiere e o Capitão Blaeubeek, ser
voz corrente naquela região que Camarão, chefe dos brasileiros se achava
em marcha do Sertão para o Ceará, a-fim-de se reunir com os brasileiros
da região e atacar a Capitania do Rio-Grande. À vista disso, o Conselho
expediu ordens a Hans Vogel, Governador de Sergipe-d'El-Rei para que
se informasse e lhe comunicasse com presteza o que conseguisse apurar
sobre a presença de Camarão com sua tropa no Rio-Real, ou, caso con
trário, se estava em marcha e quais seriam suas intenções. Transmitiu,
ainda, o Conselho instruções ao povo da Paraíba no sentido de que pro
curasse saber qual a origem desses boatos e o informasse a respeito.
A 15 de maio, chegou a resposta de Hans Vogel, datada de Sergipe-
-d'El-Rei, 25 de abril, na qual comunicava ao Conselho que, de confor
midade com as ordens recebidas, havia enviado um sargento e alguns
soldados ao Quartel General de Camarão, situado a cêrca de 12 léguas
(210) de Sergipe, sob o pretêxto de procurar desertores. Informa
ram êsses militares, ao regressar, que as forças de Camarão consistiam
em 200 portugueses e 1.200 brasileiros e que se achava tôda acantonada
no mesmo lugar, ocupada, em sua maioria, em cultivar a terra, pois que
o próprio Camarão estava na Baía, onde tinha ido assistir às solenidades
da Páscoa. Foram, assim, levados a crer que as notícias de que essas
forças estavam em marcha não passavam de pura fantasia. Entretanto,
dois dias mais tarde, êsses boatos voltaram a circular, desta vez trazidos

(208) Nieuhof escreveu (p. 66, 2.a col., 1.° §) : die den vijf en twintighsten
passa to vertroeken zijn. . .
(209) Na tradução inglêsa (p. 49, 2 a col., 2." §) foi omitido o mês de abril.
(Compare-se com a p. 66, 2.a col., 2.° § da edição holandesa).
(210) O tradutor inglês (p. 50, 1.» col., 1.° §) escreveu 10 léguas, quando
»e trata de 12 léguas (ed. holandesa: p. 67, 1.» col., 1." §). Cf. nota 42.
108 .T O A N NIEUHOF

por dois portugueses chegados do Rio São Francisco pelo navio de Jan
Hoen e que desembarcaram junto à Candelária. Inquirido, porém, rigo
rosamente, o capitão do navio, por ordem do Conselho, declarou o mesmo
que a 8 daquele mês, ao deixar o Rio São Francisco, não havia notícia
da anunciada marcha de Camarão.
A 30 de maio de 1645, certo judeu de nome Abraham Mercado (211)
entregava ao Conselho uma carta anônima, sob o pseudônimo de Plus
Ultra. Traduzida do português, na mesma noite, apurou-se, de seu con
teúdo, que três desconhecidos informavam o Conselho que numerosas tro
pas se deslocavam do Rio-Real para a Paraíba com o propósito de ali
se reunir a um grupo de descontentes e atacar de surprêsa os fortes ho
landeses. Aconselhavam ainda os desconhecidos que se efetuasse a
prisão de João Fernandes Vieira, o Chefe da Revolta.
A carta é a seguinte:

CARTA DE INFORMAÇÃO AO CONSELHO

Admirasse que os senhores se sintam tão seguros, quando é notório


que a mata da Paraíba está repleta de forças procedentes do Rio-Real
constituidas por numerosos negros, mulatos e portugueses chefiados por
Camarão. Desde março que estão se reunindo, na esperança de se jun
tarem, agora, às tropas que até aqui estavam detidas pelas cheias dos rios.
O que planejam é incitar o povo a se levantar em armas, e, uma vez isso
conseguido, consideráveis reforços lhes chegarão da Baía, tanto por mar
como por terra; com isso planejam bloquear o Recife. Contam ainda
estabelecer acampamento em Olinda ou na várzea e aquartelar suas tro
pas nas freguesias das redondezas. Alardeiam que suas forças já se acham
consideravelmente aumentadas pelos devedores da Companhia e outros
vagabundos e ameaçam massacrar todos os súditos de Vs. Excias. que se
recusarem a apoiá-los. Pessoa meceredora de todo o conceito e crédito

(211) Abraham Mercado pertencia à colônia judaica do Brasil holandês. Era


membro do Mahamed, diretório formado de 7 indivíduos. Seis parnassinos e um
gabay. isto é, seis presidentes e um tesoureiro. (Cf. LVIII, p. 14, 15 e 53). Era
médico. Segundo afirma Keyserling, morreu em 1655 (Cf. XLVII, p. 70) ; segundo
Cardozo de Bethencourt (X, p. 9) saiu do Brasil, indo para Barbados, em
1656; e em 1655, segundo João Lúcio de Azevedo (V, 435). Menasseh ben Israel
dedicou o segundo volume do Conciliator, 1641, aos proeminentes judeus brasilei
ros: David Senior Coronal, Abraham de Mercado, Jacob Mescate, Isaac Castanho
(Bloom, XI, p. 130). Abraham Mercado, ao verificar-se a expulsão dos holande
ses do Brasil, não emigrou para Barbados sòzinho, pois "eram 30 famílias, algumas
das quais muito pobres; êles são ordinàriamente cidadãos e observam as leis, exceto
em questão de religião". (Cf. Friedenwald, XXXV, p. 60). Seu filho chamou-se
David Raphael Mercado.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 109

pertencente ao dito acampamento deu-nos esta informação para que a


transmitíssemos a Vs. Excias., a-fim-de se acautelarem. É por isso que
lhes dirigimos a presente. A mesma pessoa nos informou que João
Fernandes Vieira é o Comandante em Chefe da rebelião e mantém todas
as suas forças rebeldes na mata até o dia aprazado em que, reunidas as
tropas, atacarão simultaneamente todos os fortes holandeses e postos avan
çados. Também soubemos que o referido Vieira já não dorme em sua
casa e está sempre de prontidão. Disso Vs. Excias. poderão facilmente
se certificar, enviando gente para prendê-lo com todos os seus escravos
e empregados. Se Vs. Excias. conseguirem detê-los, é provável que, sen-
tindo-se surpreendidos, eles façam ampla confissão. Essa emprêsa não
apresenta riscos para Vs. Excias., nem mesmo no caso de insucesso. Con
citamos Vs. Excias. a que se interessem pela sorte desta pobre gente que,
caso contrário, será forçada a se unir aos rebeldes contra Vs. Excias..
Julgamos, pois, absolutamente necessário agir sem demora e sob o máximo
sigilo, pois, se os rebeldes se sentirem descobertos, iniciarão o movimento
imediatamente. Somos de parecer que se devem enviar fortes contin
gentes para as defesas externas e para os portos da Candelária e do Re
cife. Aconselhamos a Vs. Excias. que de hoje em diante exijam do povo
a entrega de suas armas e ordenem a todos os senhores de engenho, prin
cipalmente os das freguesias de Várzea, Iguarassú, São Lourenço, Santo-
-Amaro, Muribeca-de-Cabo, Ipojuca e Serinhaém, que se apresentem no
Recife, com seus escravos, assegurando-lhes que não serão molestados
pelas suas dividas. Uma vez presentes todos eles, deverão ser detidos sob
pretexto de defendê-los contra as tentativas dos rebeldes, no interior, até
que se decida sobre a orientação a seguir. Assim procedendo Vs. Excias.,
não só consolidarão a posição do Governo como prestarão real serviço a
muitos particulares. O mesmo sistema poderá ser posto em prática com
referência aos senhores de engenho da Paraíba, que poderão ficar detidos
no Forte e os de Pôrto-Calvo que ficarão naquela praça. Se Vs. Excias.
conseguirem agarrar os cabeças, todo o plano dos insurretos terá malo
grado. Aconselhamos a Vs. Excias. a que não dispensem mais soldados
até que tenham feito uma devassa geral da rebelião e que reforcem as
guarnições das fortalezas, pois do contrário teremos de ver os holandeses
em fuga para não serem massacrados. Nós três, como súditos fiéis que
somos de Vs. Excias., temos a nossa conciência tranquila ao propor-lhes o
necessário remédio, a prisão de Vieira, que deverá ser efetuada com sigilo e
inteligência, pois, como já dissemos, ele está sempre prevenido. Vs. Excias.
naturalmente compreenderão a conveniência de se não divulgarem estas in
formações. Outrossim, podemos assegurar-lhes que não deixaremos de
encaminhar a Vs. Excias., daqui por diante, qualquer outro informe de que
tivermos ciência, e dia virá em que não teremos dúvida em revelar a
110 JOAN NIETJHOF

Vs. Excias. quem são estes três fiéis vassalos. Se comparecêssemos pes
soalmente diante de Vs. Excias., nada mais poderíamos declarar além do
que já ficou acima dito. Devem Vs. Excias. tomar, sem demora, provi
dências enérgicas contra a tentativa dos rebeldes, sabendo-se que espe
ram pôr em execução os seus planos nas próximas festas. Estamos pas
sando a Vs. Excias. estas informações imediatamente após terem chegado
ao nosso conhecimento. Aconselhamos também a prisão de Francisco
Berenguer, sogro de Vieira, e de Antônio Cavalcanti, e, em resumo, de
todos os principais cabeças de Várzea e de outros lugares.

Assinado
A Verdade
Plus Ultra

À vista dessa carta, o Grande Conselho convocou Paulus de Linge,


Presidente do Conselho de Justiça, o Vice-Almirante Cornelisz Lichthart
e o Tenente-coronel Garstman, para uma reunião, a-fim-de consultá-los
sôbre as medidas a serem tomadas em tais conjunturas, desde que por
essa carta, bem como por várias outras, estavam êles suficientemente
prevenidos do perigo iminente, ainda que seja muito relativo o valor de
uma carta anônima. Entretanto, à vista das circunstâncias em que eram
remetidas essa e outras informações, julgou-se absolutamente necessário
tomar medidas acauteladoras da segurança do Brasil Holandês, contra
quaisquer tentativas do inimigo.
Essas medidas seriam as seguintes:

I — Abastecimento de todos os fortes com provisões para dois


meses.
II — Transmissão de ordens imediatas a todos os comandantes de
fortalezas para manterem suas guarnições em permanente
prontidão.
III — Escrever a Johan Listry, comandante em chefe dos brasileiros,
para que mantenha tôda a sua gente nas aldeias, de pronti
dão, a-fim-de que possam marchar à primeira ordem do Con
selho, pois não estamos em condições de entrar em combate
sem êles.
IV — Enviar espiões para todas as direções, mesmo para dentro das
matas, a-fim-de colher informações sôbre a situação das tro
pas inimigas, avisando o Conselho, a tempo, de tudo quanto
venham a saber.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 111

V — Decidiu-se ainda intimar João Fernandes Vieira, o principal


chefe revolucionário, a vir ao Recife juntamente com seus
fiadores, Francisco Berenguer, sogro de Vieira, e Bernardino
Carvalho, sob o pretêxto de discutir com êle um segundo
acordo, como aliás era seu veemente desejo. Assim poderia
o Govêrno Holandês aprisioná-los, e, consequentemente, escla
recer toda a origem do plano português, a-fim-de melhor do
miná-lo.

Certo corretor chamado Koin, que havia proposto tal acordo em nome
de Vieira, fora incumbido de desempenhar a missão de trazê-lo à capital,
o que certamente conseguiria com facilidade e sem despertar suspeitas.
Entretanto, os feriados de Pentecostes atrasaram por algum tempo essas
providências. Com a mesma diligência empregou o Conselho todos os
meios possíveis para deter outras pessoas da Várzea suspeitas de partici
pação nos planos rebeldes, recorrendo a pretextos vários, pois que, à
força, dificilmente seriam êles apanhados, não só por não pernoitarem
em suas residências ou nos engenhos, como porque durante o dia esta
vam constantemente prevenidos.
A 31 de maio o Vice-Almirante Lichthart e o Tenente Hendrik Haus
propuseram-se entregar João Fernandes Vieira ao Conselho. Esperavam
conseguir agarrá-lo convidando-o para uma pescaria no lago Luiz Braz
Bezerra.

A 9 de junho (212) o Grande Conselho- recebeu aviso, por carta que Ma"> infor
me endereçou o Sr. Koin, Governador do Rio São Francisco, datada de 1.° 0168 ^br» 8
do mesmo mês, de que Camarão havia atravessado aquêle rio à frente ,nsnrreiÇa0.
de uma pequena força. Por êsse motivo o informante pedia auxílio de
homens e munições.
A informação foi confirmada por carta de 27 junho, acrescentan
do, Koin, que até então o inimigo não tinha ainda aparecido ao alcance
do forte.
Tendo, ainda, o Conselho recebido repetidas comunicações de que na
Mata de S. Lourenço e em outros lugares distantes estava-se congregando
considerável força militar procedente da Baía, composta de negros e mu
latos, vários destacamentos foram para lá despachados sob o comando
de pessoas familiarizadas com a região. Entretanto, as notícias enviadas
pelos chefes dêsses expedicionários foram unânimes em afirmar que não

(212) O tradutor inglês escreveu 3 de julho (p. 52, l.a col., 1.° §). Comparar
com a edição holandesa (p. 69, 2.a col., 4.° §).
112 JOAN NIEUHOF

encontraram eles força alguma, nem mulatos ou quaisquer outros vaga


bundos pelas cercanias.
Ainda a 12 de junho o Diretor Moucheron mandou novas informa
ções dizendo ter sido seguramente informado, por cartas datadas de 8 do
mesmo mês, de que Camarão e Henrique Dias à frente de seis companhias
de brasileiros, mulatos e negros tinham atravessado o São Francisco.
Acrescentava o informante que, no momento em que terminava sua car
ta, dois moradores de Alagoas tinham dado a entender que alguns com
ponentes dessas forças tomaram refeição em suas casas. O missivista
enviou cópias das referidas cartas ao Conselho, o qual não hesitou em
admitir que o objetivo de tais forças era o Brasil Holandês; isso princi
palmente porque já tinha sido prevenido, através de diversas comunica
ções procedentes de Santo-Antônio, de que os habitantes das redondezas
pareciam preparar-se para uma revolta.
A resolução Considerando o Conselho que o plano de armar uma emboscada para
tomada pelo Vieira não seria bem sucedido, porque êle e os apaniguados de seu sogro,
Conselho.
Francisco Berenguer e Bernardino Carvalho não poderiam ser atraídos
para o Recife a pretêxto de renovar o contrato antigo e, tendo-o como
o principal cabeça dessa revolta, ordenou que o tenente Jochem Denniger,
à frente de bom número de soldados, fosse ao engenho de João Fernandes
Vieira e o trouxesse prêso ao Recife. Obediente à ordem recebida, Den
niger dirigiu-se à noite com seus soldados à casa do engenho e, cercan-
do-a completamente, assaltou-a de surprêsa, por volta da meia-noite, pro
cedendo a cuidadosa, mas infrutífera busca em tôdas as suas dependên
cias. Na noite seguinte (213), êle voltou para o mesmo engenho e para
a casa citada; examinou-os e reocupou-os, não encontrando, porém, pes
soa alguma. Perguntou, então, a um escravo turco e a alguns negros o
lugar em que Vieira deveria ser encontrado; êles responderam que nem
Vieira nem Berenguer haviam pernoitado, durante essas três semanas,
em suas casas, mas que aí vinham algumas vêzes, durante o dia, a cava
lo, e depois de darem algumas ordens montavam imediatamente e se re
tiravam. Denniger revistou, ainda, as residências de Antônio Caval
canti e Antônio Bezerra, mas com resultados igualmente negativos. Tam
bém aí os escravos o informaram de que êsses revoltosos se haviam ho
miziado semanas antes.
Enquanto isso o Conselho despachou novas forças sob o comando
do tenente Haus Katner, porta-bandeira Sloteniski e sargento Koenraet
Hilt, expedições essas que, de regresso, afirmaram unânimemente não

(213) A tradução inglêsa não é fiel (p. 52, 2.a col., 1." §), razão porque o
trecho "Na noite seguinte..." até "... e se retiravam" foi traduzido diretamente
do holandês. Cf. p. 70, 1.» col. 2.° § da edição holandesa.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 113

haver ainda inimigos, especialmente na Mata, onde não viram senão os


que se ocupavam em lavrar a terra.
Decepcionado por não conseguir capturar Vieira, o Conselho resol
veu determinar a prisão imediata de Francisco Berenguer, sogro de
João Fernandes, Bernardino Carvalho e seu irmão Sebastião Carvalho,
Luiz Braz Bezerra, Amaro Lopes Madeira e João Pessoa Bezerra, os
quais como habitantes da Várzea eram suspeitos de conivência na cons
piração. Nas províncias mais distantes, foi ordenada a prisão das se
guintes pessoas:
Em Santo-Amaro: Antônio de Bulhões;
Em Santo-Antônio : Amador de Araújo, Pedro Marinho Falcão, An
tônio dei Rasto ;
Em Ipojuca : Carneiro de Morais, o Rev. Frei Luiz e Francisco Dias
Delgado ;
Em Serinhaém: João Albuquerque, genro de Pero Lopes de Vera;
Em Pôrto-Calvo: Rodrigo de Barros Pimentel;
Em Iguarassú: João Pimenta;
Em Itamaracá: o Rev. Lourenço de Albuquerque (214) ; e, final
mente,
No Rio-Grande: João Lostão Navarro.
Sendo, porém, de temer que os habitantes de Paraíba, muito endivi
dados, se revoltassem antes do resto, Paulus de Linge foi imeditamente
despachado para lá, na qualidade de Diretor, com plenos poderes para
agir tanto lá como na Capitania do Rio-Grande, segundo os interesses
da Companhia e levando ordens expressas de desembarcar, logo depois
de sua chegada, 100 homens da guarnição dos navios, com provisões su
ficientes, a-fim-de guarnecer o forte de Santa Margarida, não só para
defendê-lo como também para manter a população em obediência.
Considerando que a escassez de provisões constituía um dos princi
pais obstáculos a serem vencidos do nosso lado, — circunstância essa que,
no pé em que estavam as cousas, agravar-se-ia cada vez mais, a menos que
continuássemos dominando os campos de onde provinham quase todos
os nossos víveres e conseguíssemos submeter os habitantes descontentes,
— julgou-se necessário estabelecer um pequeno acampamento perto de
São Lourenço. Para lá foram enviados os tenentes Huykquesloot e Ha-
mel, com 35 homens cada um, o primeiro procedente de Iguarassú e o
último de Muribeca, bem como o Capitão Wiltschut com mais 50 homens,
do Recife. Também Johan Listry, comandante em chefe dos brasileiros,

(214) Nieuhof escreveu (p. 71, l a col., 1.° §) : Pater Lourenço cTAlkunha. Pa-
rece-nos tratar-se de Lourenço de Albuquerque. (Cf. Varnhagen, (LXXIII, p. 269).
Nieuhof escreve logo depois (p. 74, l.a col., 2.° §) Akunha.
114 JO AN NIEUHOF

teve ordem para a êles se reunir, com a maior brevidade possível, levan
do, sob seu comando, 300 nativos.
No mesmo dia depois de examinadas as fortificações de Maurí
cia (215), baixaram-se ordens no sentido de repará-las. Tendo corrido
notícias de que João Fernandes Vieira fora visto em seu engenho naquela
mesma noite, o Conselho tentou prendê-lo, por todos os meios ao seu al
cance, sem entretanto o conseguir. Por outro lado ficou perfeitamente
evidenciado, (pelo depoimento de um de seus empregados do Engenho
São João, feito perante o escrivão Indijk, no Recife, a 21 de janeiro de
1647, que desde seis meses antes de rebentar essa insurreição, João Fer
nandes Vieira nenhuma noite dormira em sua casa e que, quando aconte
cia de lá estar durante o dia, permanecia a maior parte do tempo num
torreão, de onde podia descortinar uma grande região nas redondezas.
Se tinha necessidade de descer, punha alguém de atalaia com ordem de
avisá-lo imediatamente da aproximação de duas ou mais pessoas. Se
avistassem um holandês, Vieira se retirava imediatamente para as matas
vizinhas. Tinha também colocado vários negros a certa distância da
casa, incumbidos de avisá-lo da aproximação de qualquer pessoa desco
nhecida.
A 13 do mesmo mês Sebastião Carvalho e Antônio de Bulhões foram
feitos prisioneiros e levados para o Recife. Os outros que se presumiam
culpados, conseguiram escapar. Tendo sido inquirido naquela mesma
noite pelo Assessor, Sr. Walbeek, a respeito da conspiração, Sebastião
Carvalho fêz o seguinte depoimento (216) :

SUA CONFISSÃO
Que era ele um dos três que ainda poucos dias antes denunciara ao
Conselho, por carta, a Conspiração que se processava em Várzea, da qual
o cabeça era João Fernandes Vieira, que, tanto quanto os seus cúmplices
portugueses, confiava nos auxílios prometidos pela Baía, com cuja de
núncia tinha pensado poder abortá-la. Que todo o plano da conspiração
lhe tinha sido revelado por meio de um documento pelo qual parecia pre-
tender-se formar uma espécie de associação, — o qual lhe fora entregue
por um empregado do dito Vieira juntamente com uma carta em que lhe
pedia que o subscrevesse. Que apenas duas pessoas, João Fernandes

(215) O tradutor inglês cometeu um engano, ao escrever cidade de Muribeca,


ao invés de Maurícia. (Comparar p. 53, 1.a col. 3.° § da ed. inglêsa com a p. 71,
2.a col. 4.° § da ed. holandesa).
(216) Calado (XVII, p. 177, l.a col.) conta-nos que foram seus intérpretes dois
judeus hum chamado o Febo & outro seu primo ou irmão.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 115

Vieira e Luiz da Costa Sepulveda, haviam assinado o dito documento.


Que a finalidade da associação consistia em levantar em armas os seus
membros contra êste Estado, bem como sacrificar suas vidas e haveres
pela restauração do Brasil holandês à coroa portuguesa. Que de fato
o depoente havia assinado o tal documento, tendo, porém, se comunicado
imediatamente com Fernando Vale e uma terceira pessoa e que, junta
mente com o Sr. Vale, tinha endereçado a carta acima referida ao Grande
Concelho, para ser entregue ao Dr. Mercado, o médico. Que os conspi
radores tencionavam fazer alastrar a conspiração por todo o Brasil ho
landês, mas que os habitantes da Capitania de Paraíba eram os de que
mais se devia recear por serem os mais endividados e, portanto, terem
muito má vontade para com o nosso Govêrno. Que era desejo dos conspira
dores se apoderarem imediatamente de um forte à beira-mar ou junto ao
litoral, onde pudessem receber os recursos provenientes da Baía, donde
esperavam dois galeões de guerra e três ou quatro fragatas. Que o de
poente tinha assinado o documento acima referido simplesmente de mêdo
de Vieira, que havia ameaçado de morte os que a tanto se recusassem,
tendo chegado a mandar matar diversas pessoas, por éase motivo.

* * *

Em vista de ter a confissão de Sebastião Carvalho concordado em


todos os seus pormenores com o depoimento anteriormente feito por Fer
nando Vale, e, tendo sido êle torturado o tempo todo, foi o mesmo dis
pensado de qualquer outro inquérito.
Ainda mais convicto da traição de Vieira e seus comparsas, pelo
depoimento de Sebastião Carvalho, o Conselho resolveu tentar uma vez
mais a prisão de João Fernandes caso ainda se encontrasse nas proxi
midades do Recife, bem como de seu lugar-tenente Manuel de Sousa,
empenhado na mesma empresa, Antônio Bezerra e Amaro Lopes, ambos
habitantes de Várzea. Não somente falhou a missão dos captores, como
ainda trouxeram êles de volta, juntamente com a informação de que as
pessoas procuradas não se achavam nas proximidades do Recife, a de
que Antônio e Manoel Cavalcanti, Antônio Bezerra, João Pessoa e Cosme
de Castro Passos, haviam naquele mesmo dia deixado Várzea com des
tino à Mata. O Capitão Wiltschut teve então ordem de deter o tabelião
Gaspar Pereira, residente em S. Lourenço, suspeito de ter redigido o
manifesto da associação referida. Resolveu ainda o Conselho conceder
anistia a Antônio Cavalcanti e João Pais Cabral, que tendo sobre si a
responsabilidade de numerosas famílias, talvez assim se decidissem aban
donar os rebeldes, assim os enfraquecendo e nos habilitando a tomar co
nhecimento mais íntimo de seus planos. Interrogado por essa ocasião,
116 JOAN NIEUHOF

Antônio de Bulhões hàbilmente declarou não ter o menor conhecimento da


Conspiração e conseguiu obter do Conselho a libertação de Sebastião Car
valho, detido até 4 de agosto, como suspeito, a-pesar-de seu depoimento
acima transcrito, mediante prova de ter sido êste um dos três autores da
carta denunciando a conspiração.
A 14 os habitantes do Recife e da parte posterior do rio receberam
ordem de cercar suas residências com paliçadas sob pena de multa de
200 florins. E, para melhor concentrar as companhias e expor o menos
possível os nossos homens ao perigo de serem surpreendidos pelo inimi
go, tôdas as guardas tiveram ordem de se retirar para perto do Recife,
ficando sob o comando de Haus, e em Serinhaém, sob as ordens do Ca
pitão Fallo que também recebeu instruções de remover a guarnição de
Una para lugar mais seguro. A-fim-de melhor prover os fortes, evitan
do que por falta de abastecimento caíssem em poder do inimigo, o Con
selho expediu ordens aos comandantes em chefes para requisitar tôda
a' farinha que conseguissem obter entre os habitantes do país, para uso
das respectivas guarnições, requisições essas que deveriam Ser pagas pe
los comissários da Companhia. Considerou-se também necessário, para
maior segurança da Cidade Maurícia, que fossem alargados os fossos do
forte Ernesto, bem como os do forte Quinquangular. Encarregado Haus
da execução de tais obras, o vice-almirante Lichthart teve o cuidado de
co'ocar dois navios-patrulha entre os Fortes Quinquangular e Bruin e
outro além de Barreta a-fim-de evitar qualquer surprêsa por aquêle lado,
quando das marés baixas. Foi igualmente determinado que nenhum
navio saísse do Recife sem permissão do Grande Conselho. O Major da
Milícia teve ordem de manter de prontidão a sua tropa que deveria ser
passada em revista a 17, juntamente com a guarnição. Em substituição
aos comandantes que deviam voltar para Holanda, foram nomeados diver
sos oficiais para a Milícia. Na mesma ocasião Paulus Linge partiu para a
Paraíba com 1.500 florins que se supunha o necessário para a jorna
da (217), e Bernardino de Carvalho, que se havia homiziado por algum
tempo, teve permissão de voltar ao Recife para se defender.
A 15, João Pessoa, senhor do Engenho Pantelo, que também tinha
contra si uma ordem de prisão, dirigiu-se ao Conselho por escrito pedindo
licença de comparecer perante o mesmo, alegando que não havia fugido
por se reconhecer culpado, mas simplesmente de receio. Idêntico pedido
formulou o Padre Lourenço de Albuquerque e a ambos deferiu o Con
selho.

(217) O tradutor inglês cometeu grave êrro, ao escrever 1600 soldados, quando
Nieuhof escrevera 1500 florins. (Comparar p. 74, 1.» col. 2.° § da ed. holandesa,
com a p. 54, 2.a col. 1." § da ed. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 117

Pela manhã de 16, recebemos notícias de que André Vidal, à frente


de 1.000 portugueses, Camarão chefiando índios Rodelas (218) e Henri
que Dias comandando um corpo de negros armados se haviam postado
acima de Santo-Antônio, junto ao engenho Tapacurá (219). Nesse mes
mo dia, João Carneiro de Maris e Francisco Dias Delgado, senhores de
engenho no distrito de Ipojuca, contra os quais havia ordem de prisão,
foram capturados e trazidos prisioneiros para o Recife. Amador de
Araújo e Pedro Marinho Falcão, moradores de Santo-Antônio, que até
então se achava escondidos, pediram permissão para vir ao Recife apre
sentar sua defesa, o que lhes foi prontamente concedido.
Em face das últimas informações recebidas com relação às inten Transferên
ções do inimigo, reúniu-se o Grande Conselho para considerar a conve cia de nosso
acampamen
niência de transferir o nosso pequeno acampamento de S. Lourenço para to para
Muribeca. Depois de alguma discussão, a mudança foi assentada a-fim- Muribeca.
-de assegurar a passagem do rio Jangada (220) e assim ficarmos se
nhores de tôda a região até Santo Agostinho de onde se poderia abaste
cer de farinha e gado, tanto o acampamento como o Recife. Se, ao con
trário, o inimigo se apoderasse dessa posição, poderia (como aliás já o
fizera em guerras anteriores) interceptar todo o abastecimento do Reci
fe, proveniente do Sul.
À vista dessa deliberação expediram-se ordens ao Capitão Wiltschut
para marchar imediatamente para Muribeca e lá esperar os brasileiros
e os novos reforços. Recebeu, também, o Capitão instruções no sen
tido de se apoderar da igreja e fortificá-la para prevenir um ataque de
surpresa.

(218) Nieuhof escreveu Rondelas (p. 74, l.a col., 3." §) e a seguir Rodelas
(p. 75, L» col.). Pela carta régia de 14 de maio de 1633, Camarão foi feito capi-
tão-mor, não só dos Petiguaras, de cuja nação era principal, mas de todos os Índios
do Brasil (Cf. LXXII, tomo II, p. 309 e nota 91 de Varnhagen e Rodolfo Garcia).
Os índios Rodelas eram os do Rio São Francisco (LXXII, tomo III, p. 22, p. 279).
Segundo Rafael de Jesus (XLIV, p. 477), o maioral dos tapuias do Rio São Fran
cisco chamava-se Rodela.
(219) Nieuhof escreveu Tapekura (p. 74, l.a col., 3.° §) e Tapikura (p. 75, 1.a
coL). Em Vingbooms, Tapicura (XCVII, 2.° vol., mapa 48, ref. a Pernambuco). Em
Calado, Tapucura (XVII, p. 199). Em Barlaeus, Tapecurú (VIII, mapa entre as
pp. 24-25). Em Varnhagen (LXXII, vol. III, p. 16 e LXXIII, p. 272), Tapacurá.
Em Ayres de Cazal (XX, 148), Tapacorá.
(220) Nieuhof escreveu Sengada (p. 74, l.a col., últ. § e p. 125, 2.a col.). Pare-
ce-nos que se trata do Rio das Jangadas. No Breve Discurso (XV, p. 141) se diz:
"Rio das Jangadas a 2 e meia léguas do Recife". Em Vingbooms (XCVII, 2.° vol.,
mapa 48). Em Barlaeus, (VII, p. 127) o rio Jangada é considerado como um dos
rios mais importantes de Pernambuco. Ayres de Cazal (XXVI, p. 149) menciona
apenas a Barra das Jangadas, que fica 2 léguas ao norte do Cabo de Santo Agosti
nho e onde desemboca o Rio Jaboatão. Verdonck fala, também, do rio Jangada,
junto a N. S. da Candelária, umas 3 milhas ao norte do Cabo (XCIII, p. 219).
118 JOAN NIEUHOF

Na Cidade Maurícia os chefes de famílias tiveram ordem de adquirir,


nas cercanias de Muribeca, provisões de farinha e gado para seu consu
mo próprio. Foi também publicada uma proclamação ordenando a todos
os habitantes de Serinhaém, Ipojuca, Santo-Antônio e Muribeca, sem ex-
ceção, que, bem armados, se concentrassem com toda a rapidez possível,
com a cavalaria de que dispusessem, em Santo-Antônio, onde se deveriam
alistar nas forças que, sob o comando do Coronel Kaspar Van der Ley e
do Tenente-Coronel Johan Hek, estavam encarregadas da defesa do cam
po aberto. Os que não se pudessem manter por conta própria, recebe
riam provisões da Companhia, tal como os demais soldados. Estes dois
militares prontificaram-se, então, a fornecer, para o consumo de nossas
guarnições, 1.500 alqueires de farinha, mediante pagamento à vista.
Nessa mesma data o Grande Conselho recebeu uma carta em que
Antônio Cavalcanti (recentemente indultado) protestava que nem êle
nem os demais habitantes de Várzea estavam envolvidos em qualquer
conspiração contra o Estado e que, se fugiram, foi tão somente pelo receio
de serem aprisionados, pela suspeita que sôbre êles certamente levanta
riam seus inimigos. O Conselho respondeu-lhe que se êle de fato se
considerava inocente, que voltasse para seu engenho, sendo esta a única
forma de se rehabilitar. Tendo, porém, o Conselho razões ponderáveis
para suspeitar de que Camarão tentaria pôr sob suas ordens os brasi
leiros então sob a jurisdição dos batavos, ordenou a Listry, comandante
em chefe dos mesmos, que tentasse persuadir o povo da conveniên
cia de enviar suas mulheres e filhos para a Ilha de Itamaracá, sob o pre-
têxto de pô-los a salvo das investidas do inimigo (à qual certamente esta
riam expostos, se permanecessem nas vilas), mas, na realidade, para
Montante conservá-los como penhor de sua lealdade.
dos reforços Por êsse tempo o Conselho recebeu informações de Antônio de Oli
enviados da veira, no sentido de que os recursos remetidos da Baía para os rebeldes
Baía para
compunham-se de considerável número de portugueses sob o comando do
os rebeldes.
irmão de Cavalcanti, 400 brasileiros às ordens de Camarão, 300 índios
Rodelas provenientes do sertão e 50 negros comandados por Henrique
Relato Dias (221).
do alferes No dia 16 de Junho, o alferes da guarda Sloteniski foi enviado em
Sloteniski. missão de reconhecimento, com onze mosqueteiros e doze brasileiros, que
voltou ao Recife em 24 do mesmo mês, e fêz a seguinte narrativa das

(221) Varnhagen (LXXII, vol. III, p. 221 e LXXIII, p. 272) baseou-se em


Nieuhof, enganando-se, porém, ao escrever "um considerável número de brasileiros
comandados por um irmão de Cavalcanti", quando o considerável número coman
dado por um irmão de Cavalcanti era constituído de portugueses e os brasileiros
eram chefiados por Camarão; o irmão de Antônio Cavalcanti a que se refere Nieuhof
deve ser Manuel Cavalcanti.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 119

suas peripécias aos altos comissários. Disse que, tendo partido do Re


cife, dirigiu-se primeiramente a São Lourenço e daí para São Miguel, de
onde, juntamente com os seus brasileiros, marchou, através do São Fran
cisco, até Casura; daí para Geita, Mata e São Sebastião (222) cujos ha
bitantes tinham abandonado as suas casas. Nesta última povoação atra
vessou o rio Tapacurá e, chegando às terras de João Fernandes Vieira,
lá encontrou étimos cavalos. Os negros informaram-lhe de que tinham
ordens do patrão para fugir, ante a aproximação dos holandeses, mas aos
portugueses fornecer quanto desejassem. Daí marchou para Santo-
-Antônio, e, a caminho, tocou em uma casa também pertencente a João
Fernandes Vieira onde encontrou 50 ou 60 cabras (223) e grande quan
tidade de galinhas pertencentes aos rebeldes e seus aliados da Baía, re
servas essas destinadas aos doentes. Aconselharam-lhe a não prosseguir
muito além, pois corria o risco de encontrar com tropas acantonadas nas
propriedades dos frades de São Bento; lá chegando, porém, Sloteniski
soube que tanto os portugueses como os índios se tinham ido. Daí o oficial
seguiu para uma casa de propriedade de Miguel Fernandes, que três meses
antes havia recebido de João Fernandes Vieira a incumbência de conseguir
provisões de farinha para as forças auxiliares da Baía, provisões essas
que mais tarde transportou daí para Pedro da Cunha (224), ponto de en
contro de duas companhias revolucionárias. De acordo com informação
fornecida por um negro, conduzido ao Recife por Sloteniski, Miguel espe
rava aí receber maiores provisões de gado, adquiridas por Vieira. Próximo
ao campo de Dom Pedro da Cunha, encontrou êle o mulato que atirou o
capitão Waldek e dois holandeses, criminosos de morte, que não tinham
sido indultados. João Fernandes Vieira havia prometido reúnir-se a
êles pelas festas de São João. Sloteniski seguiu daí para Una e São Luiz.
Não encontrando, porém, ninguém a não ser um frade, regressou para o
Recife.
A 17 de Junho o Grande Conselho resolveu, com a aquiescência do
Conselho de Justiça, fazer publicar uma proclamação de anistia geral, ex-
ceto para os principais cabeças da rebelião.
É o seguinte o teor dêsse documento : >

(222) Nieuhof escreveu Kasura, Geyta, Tapikura (Cf. nota 219).


(223) O tradutor escreveu (p. 55, 2.a col., 4.° §), 50 or 60 sheepa. (Cf. p. 75,
2.» col., 2." § da ed. hol.).
(224) Nieuhof escreveu Dom Pedro d'Akunha (p. 75, 2.a col., 3." §). Será Pe
dro da Cunha, como seríamos levados a supor pela grafia, ou haverá, aqui, equívoco
da parte de Nieuhof, semelhante ao que cometeu ao escrever Lourenço d'Alkunha
por Lourenço de Albuquerque? (p. 71, l.a col-).
120 JOAN NIEUHOF

DECLARAÇÃO DE ANISTIA GERAL

O Grande Conselho do Brasil faz saber a todos quantos esta procla


mação possa interessar que, atendendo à situação dos que, induzidos por
alguns dos cabeças da rebelião, deixaram seus engenhos, mulheres e fi
lhos de receio que, como lhes fora insinuado, fossem eles incomodados,
saqueados e sacrificados pelas partes em luta, desejoso de protegê-los e
de fazer quanto esteja em seu alcance pela prosperidade de seus súditos
e de suas propriedades, o Conselho achou de bom aviso tornar pública a
sua intenção de proteger os habitantes do interior, contra quem quer seja
e com o máximo de seu poderio, reduzir à obediência os que abandonaram
suas casas e evitar que sejam estas destruidas. Outrossim promete indul
tar a todos aqueles que cinco dias depois de terem conhecimento desta pro
clamação compareçam ao Recife, mesmo sem excetuar os que se alistaram
entre os rebeldes (a menos que se trate de um dos cabeças), contanto que
abandonem os revoltosos e retornem à antiga obediência, pois que assim
poderão desfrutar pacificamente a posse de seus engenhos e campos, sob
sua proteção e mediante a condição de prestarem novo juramento de fi
delidade ao estado. Os que, ao contrário, persistirem em sua rebeldia ou
auxiliarem os revoltosos sob qualquer que seja o pretêxto, são desde já
declarados inimigos do estado, sem direito à vida, nem às propriedades,
perseguindo-os o Govêrno, a ferro e fogo, etc..

* * *

Essa proclamação foi imediatamente traduzida para o português e


enviada, na manhã seguinte, a Santo-Antônio e Várzea para ser lá divul
gada. Várias cópias foram igualmente distribuídas entre os frades, para
serem lidas ao púlpito e afixadas às portas das igrejas.
A 18 do mesmo mês, consideráveis quantidades de provisões e mu
nições foram enviadas aos Fortes Keulen e Rio Grande, e as guarnições
de ambas essas praças de guerra tiveram ordem de ficar de prontidão.
Também aí foi divulgada a declaração de anistia do escabino Johannes
Hoek, e Antônio Paraupaba, chefe dos brasileiros, nessa zona, recebeu
instruções de conservar de sobreaviso os seus comandados à espera do
momento de comprovar sua lealdade.
A 21 de junho (225) dois moradores de Pôrto-Calvo, que chegaram
pela manhã em uma pequena embarcação, informaram o Grande Conselho

(225) O tradutor inglês escreveu (p. 56, 2.a col., 4.° §) : 19 de junho. Vide p.
76, 2.a col. 6.° § da ed. holandesa.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 121

de que Camarão à frente de seus brasileiros e Henrique Dias, com seus


negros armados, formando ao todo sete companhias, se haviam postado
nas Alagoas, junto ao Engenho Velho. Disseram ainda que o número
dessas forças havia aumentado de quatro a cinco mil homens pela junção
dos que cruzaram o rio São Francisco, através da Mata e que já tinham
iniciado as hostilidades, de maneira que o Conselho não tinha mais razões
para duvidar das intenções dos portugueses. O comandante de Pôrto-
-Calvo mandou idêntico aviso, acrescentando que estava preparado para
uma vigorosa defesa.
A rebelião começou no distrito de Ipojuca e sendo de apenas 30 ho- {^5^.5*
mens a força que lá se achava, sob o comando do Tenente Jacob Flemming, Rebelião
em Ipojuca.
êste recebeu ordens de retirar-se para Santo-Antônio e lá organizar a de
fesa juntamente com as forças locais. As hostilidades propriamente
ditas começaram com o aprisionamento, pelos rebeldes, de Ipojuca, de dois
barcos e seus passageiros que foram executados à exceção de um mari
nheiro, que teve a boa sorte de conseguir fugir.
Isto feito, os moradores, tanto da vila como do campo, procuraram
seu chefe Tabatinga Amador de Araújo (226) e cortaram as nossas co
municações por terra com o Cabo Santo Agostinho pelo lado do sul, de
maneira que o forte localizado no Cabo só com grande dificuldade podia
ser abastecido de água do rio.
Cedo, pela manhã do dia 19 de junho (227), chegou um brasileiro
ao Recife e comunicou ao Conselho que tinha sido despachado de Pôrto-
-Calvo por Johan Blaer, com cartas dirigidas ao Grande Conselho, mas que
fora detido perto de Camboa (228) pelos rebeldes de Ipojuca os quais lhe
tiraram as cartas e mataram o companheiro. Disse mais que Camarão
estava acampado no distrito de Pôrto-Calvo e que o capitão Johan Blaer
se achava no forte. Tendo-se convocado um conselho para estudar quais

(226) Tabatinga Amador d'Arrauio (p. 77, l.a col., 1." §). Trata-se de um
engano de Nieuhof, pois Amador de Araújo era capitão-mor e Tabatinga um riacho
afluente do Ipojuca, ou o engenho em Ipojuca que, em 1637, foi comprado por Ama
dor de Araújo, por 40.000 florins, vencendo a última prestação a 11 de janeiro de
1639. O mesmo engenho pertencera a Cosme Dias da Fonseca e fora confiscado
pelo govêrno holandês. (Cf. Relação dos Engenhos confiscados e que foram vendi
dos em 1637, in Rev. do Inst. Geog. e Arqueol. Pernambucano, p. 197, 1887-90, vol.
6). Amador de Araújo era, também, proprietário, em Ipojuca, do engenho Santa
Luzia, igualmente confiscado pelo govêrno holandês e mais tarde adquirido por êle.
(XV, p. 146). Rio-Branco (LXXV, p. 366) afirma que o capitão Jacob Flemming
não estava em Ipojuca quando se verificou o primeiro encontro de armas. Rodolfo
Garcia (LXXII, p. 14, nota 19) aceitou a correção de Rio-Branco a Varnhagen.
Nieuhof, porém, confirma êste último. Em Barlaeus (VIII, mapa de Pernambuco,
Pars Borealis, entre pp. 24-25), Tabatinga (em Ipojuca).
(227) O tradutor inglês escreveu (p. 57, l.a col., 2." §), 20 de junho; compa-
re-se com a p. 71, l.a col., 2.° § da ed. holandesa-
(228) Vide nota 129. Nieuhof ora escreve Joan ora John Blaer (Cf. ed. hol.
P. 77: 2." §).
122 JOAN NIEUHOF

os melhores meios de defender o Brasil holandês contra qualquer tenta


tiva do inimigo, o primeiro ponto a ser debatido foi se — de acordo com
o consenso geral dos que desejavam o bem-estar do nosso govêrno —
não seria melhor para a nossa defesa estabelecer um acampamento e
fazer face ao inimigo em campo aberto. Pois, se o adversário conseguisse
dominar o interior, forçaria os habitantes a se congregarem em torno
dêle e nos privaria de tôdas as provisões, sem o que não poderíamos sub
sistir por muito tempo. O outro ponto discutido, em seguida, foi o de
onde e como conseguir forças para a operação militar, já que as guarni
ções eram tão escassas a ponto de não poderem dispensar um só homem e
o corpo sob as ordens do capital Wiltschut consistia de apenas 120 homens,
além dos 300 brasileiros que a estes deveriam reunir-se em Muribeca.
Considerando, portanto, que tôda a força de Alagoas compunha-se de duas
companhias apenas, sob o comando de Moucheron, número êsse que não
estava de forma alguma em relação a tão vasta extensão territorial, jul-
gou-se conveniente fazer da necessidade virtude e retirar as forças para
o Recife, como já se tinha ordenado anteriormente. Estando, porém, cor
tado o caminho pelos rebeldes de Ipojuca, foi despachado para Pôrto-
-Francisco um navio que se achava pronto para largar, com ordens para
que Moucheron embarcasse imediatamente com suas forças sem se preo
cupar com a bagagem e que o resto das forças que não pudesse embarcar
fosse por terra ao Rio São Francisco para auxiliar o capitão Koin na de
fesa daquela praça. O Capitão Fallo teve também ordem de marchar com
a guarnição, de Serinhaém para Santo-Antônio, por não ser provável que
as tropas em Serinhaém conseguissem fazer alguma cousa depois da che
gada de Camarão a Pôrto-Calvo.
Remessa Nesse dia quarenta novos recrutas foram enviados para Itamaracá,
de reforços sob o comando do capitão Pieter Seulijn, senhor do Engenho Har-
para
Itamaracá. lem (229), porque essa ilha era da maior importância para nós e porque
as guarnições do Forte Orange e da cidade de Schkoppe, de apenas uma
companhia em cada uma das praças, eram muito fracas e os moradores
armados não montavam a muito mais de uma companhia.
Ainda na mesma data os srs. Bas e Van der Voorde, conselheiros da
Côrte de Justiça, tiveram ordem de inquirir Gaspar Pereira, o tabelião,
com respeito à redação do documento da conspiração. Deveriam também
interrogar João Carneiro de Maris, Francisco Dias Delgado, no distrito
Segunda de Ipojuca, e Sebastião Carvalho sôbre o que sabiam da conspiração.
confissão Carvalho declarou, pela segunda vez, em casa do tenente-coronel Haus
de Carvalho. que dias atrás (não podia se lembrar exatamente quando) um criado

(229) Em Barlaeus (VIII, mapa de Pernambuco, Pars Borealis, entre as pp.


24, 25, em Itamaracá), Harlem; em Vingbooms (XCVII, II, mapa 47).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 123

português que não conhecia, veio-lhe em nome de João Fernandes Vieira


e apresentou-lhe uma carta em que Vieira lhe pedia que assinasse o
documento anexo, redigido em forma de associação, cuja finalidade seria
a de tomar armas contra o govêrno logo que recebessem recursos da
Baía. Êsse documento estava então assinado por João Fernandes Vieira
e Luiz da Costa Sepulveda e, ao que supunha o depoente, seria apresen
tado à maioria do povo. Declarou mais que se recusou a assinar o dito
documento, diante da carta de João Fernandes Vieira e que sendo-lhe des
conhecida a letra, devolveu tanto a carta como o documento ao mesmo
portador que os trouxera, com a resposta verbal de que não podia assi
ná-lo. Tendo refletido mais maduramente sôbre o caso mandou dizer
ao seu amigo Fernando Vale (230), essa mesma tarde, que desejava
encontrar-se com êle pela manhã seguinte no morro dos Guararapes.
Durante a entrevista ficou assentado que se desse parte da conspiração
ao Grande Conselho, por meio de uma carta anônima. Tal carta, assi
nada "Plus Ultra", fora escrita por Vale e entregue ao declarante para
lê-la, cêrca de 1 ou 2 dias mais tarde (231), em casa de um padeiro, à
Rua da Ponte. Foi, depois, entregue a Abraham Mercado, médico, que a
entregou ao Grande Conselho.
No mesmo dia 20 de junho o Grande Conselho recebeu a carta dos
srs. Ley e Hek datada de Santo-Antônio, informando que toda a fregue
sia havia tomado armas e feito prisioneiros 16 ou 18 residentes holan
deses que haviam fortificado a igreja à espera dos de Ipojuca aos quais não
tentariam atacar a menos que recebessem reforços de Recife. O assunto
foi objeto de cuidadoso exame, tendo o Grande Conselho concluído que,
não havendo motivo para recear uma rebelião no norte — Paraíba e
Rio-Grande — enquanto nossa frota permanecesse perto de Terra-Ver
melha e sendo necessário reconduzir à razão os rebeldes de Ipojuca e com
sua punição evitar que os demais tentassem se levantar, seguisse o Tenen-
te-Coronel Haus, com um destacamento de 100 homens, para Muribeca,
onde deveria reúnir-se ao capitão Wiltschut e aos brasileiros e continuar a
Remessa
marcha até Santo-Antônio. Daí, essa força combinada deveria marchar
de reforços
diretamente para Ipojuca e reduzir à obediência os rebeldes, pois, caso para
contrário, era de recear-se que estes cortassem tôdas as comunicações en- ipojuca.

(230) Varnhagem escreve Fernão do Valle (LXXII, p. 12, 3.° tomo e nota 15 de
Rodolfo Garcia). Era proprietário do engenho São Bartolomeu, situado na freguesia
de Muribeca (Breve Discurso, XV, p. 149). Foi representante de Muribeca na
Asstmbléia Geral reunida em Maurícia a 27 de agosto de 1640. Aí se escreve Fernão
do Valle. (Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Pern., tomo V, 1886, Atas da Assembléia
Geral. p. 174).
(231) O tradutor inglês escreveu p. 58, 1.a col.) 10 dias. Vide a ed. holandesa
(p. 78, 2.a col., 2.° §).
124 JOAN NIETJHOF

tre o Recife e as guarnições do Sul. Foi tão bem sucedida essa expedição
que os rebeldes foram batidos e o Tenente-Coronel Haus passou a domi
nar tanto a cidade como o Convento, de onde soltou 40 prisioneiros que
lá estavam sob ferros e forçou os rebeldes a evacuarem tôdas as passa
gens das circunvizinhanças. Entretanto, informado da aproximação de
Camarão com sua força, pediu ao Conselho que lhe enviasse novos refor
ços, mas, estando já bastante reduzidas as guarnições do Recife, não seria
possível àquele atender o pedido do Coronel antes que chegassem recursos
Jejum. da Metrópole.
A 21 de junho o Grande Conselho resolveu ordenar um jejum geral,
no Brasil holandês, a ser observado no próximo dia 28, a-fim-de render
graças ao Altíssimo pela grande mercê manifestada em diversas ocasiões,
especialmente por ter descoberto em tempo as manobras traiçoeiras do
inimigo que o pretendeu surpreender justamente quando menos esparava.
portugueses8 ^ rebelião tinha sido planejada pelos portugueses da seguinte forma:
rebelados tencionavam êles, durante os feriados de Pentecostes, celebrar com rui
dosos festejos e cavalhadas e realizar diversos casamentos marcados para
essa ocasião, para os quais pretendiam convidar as figuras de maior des
taque do Brasil holandês, entre civis e militares, as quais, depois de toca
das pelo vinho, seriam assassinadas como nas Noites Sicilianas ou no fa
moso Casamento Parisiense (232). Decapitados os chefes do Brasil ho
landês, os demais constituiriam prêsas fáceis, quando atacados em diver
sos pontos simultaneamente. Não tendo, porém, conseguido realizar seu
plano sanguinário naquele dia, transferiram-no para o de São João Ba
tista como sendo o mais propício, pois, nessa ocasião, os navios deviam es
tar fora do pôrto do Recife. Os portugueses sabiam que, não tendo rece
bido novos fornecimentos da Holanda, desde há muito tempo, principal
mente de pólvora, eram escassas as nossas reservas. Portanto, se se apos-

(232) O autor se refere ao célebre e sangrento episódio que se verificou na


Sicilia, no Domingo de Páscoa, a 31 de março de 1282, quando foram massacrados
2000 franceses. Foi motivado pela luta entre Carlos D'Anjou, que por doação do
Papa Urbano IV governava a Sicilia, e os Hohenstangers da Alemanha, aos quais
cabia o govêrno da Sicília.
Quanto ao casamento parisiense, a que se refere o autor, trata-se do massacre
de São Bartolomeu, a 24 de agosto de 1572. Êsse acontecimento foi o resultado de
lutas religiosas. Coligny, chefe dos huguenotes, foi assassinado e, a-fim-de impedir a
revolta dos chefes huguenotes, reunidos em Paris por ocasião do casamento de Hen
rique de Bourbon com Margarida de Valois, resolveu-se assassiná-los a todos. Houve,
nessa noite, cêrca de 3.000 vitimas. O massacre provocou grande indignação, es
pecialmente nos países protestantes. (LXXXIV, p. 309). Isso explica, talvez, 8
lembrança do autor em associar tais acontecimentos aos intuitos que atribuía aos
portugueses.
Aliás, já no Breve Discurso acêrca da Rebelião (XXIX, 124) se encontra o
seguinte trecho: "O primeiro Ato da tragédia que êles assentaram de representar
era semelhante às bodas de Paris, celebradas a 24 de agôsto de 1572, as quais per
duraram longos anos na memória dos homens".
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 125

sassem dos campos circunvizinhos, logo estaríamos reduzidos à penúria.


Sabiam também que todos os nossos navios, à exceção de dois, estavam
prontos para zarpar, ao primeiro vento favorável. Assim, conhecedores
de nossa fraqueza, os portugueses se propunham à conquista de todo o
Brasil holandês de um só golpe. Todavia, uma vez descoberta a conspira
ção antes do dia de São João, todos os castelos dos revoltosos desfizeram-
-se em fumo e ambos os lados se viram na contingência de recorrer às
armas. Objetiros
Os portugueses não pretendiam tanto provar a lealdade devida a dos
seu rei quanto recuperar a liberdade de conciência. A-pesar-de tudo, po lusos.
rém, temos razões de sobra para supor que a insurreição foi organizada
com conhecimento e sob o patrocínio da côrte portuguesa e do governo
da Baía, pois não era provável que Camarão, Henrique Dias e os demais
cabeças tentassem nos atacar à força, sem aprovação do Rei de Portugal.
Além disso, Moucheron declara haver lido a seguinte passagem em um
documento português: "Esta revolta e guerra empreendida para a Gló
ria de Deus, propagação da fé católica, apostólica romana, para o serviço
do rei e em prol da liberdade de todos . . . ". Disse mais que ouviu vários
portugueses dizerem que, se não nos consegúissem expulsar do Brasil e
destruir tudo a ferro e fogo, de maneira a nos cercear qualquer possibili
dade de fruir benefícios da terra, retirar-se-iam com suas famílias para a
Baía, a-fim-de se instalarem nalguma região mais remota, onde estives
sem a salvo dos ataques batavos. À vista da situação incerta do Rei de
Portugal e de seu caprichoso reinado, houve quem considerasse imprová
vel que o soberano se envolvesse em guerra conosco ou a ela desse o seu
consentimento. Entretanto, os acontecimentos se encarregaram de pro Carta dos
var o contrário. chefes
A 22 de junho foi entregue uma carta endereçada ao Grande Conse revoltosos
lho e assinada por João Fernandes Vieira, Antônio Cavalcanti, João ao Conselho.
Pessoa, Manuel Cavalcanti, Antônio Bezerra e Cosme de Castro Passos,
na qual se queixavam de que, tendo sido, há muito tempo, acusados pelos
judeus de conspirar contra o govêrno, tinham com isso sofrido bastante. E
agora, informados pelos mesmos judeus de que estavam em perigo de per
der seus engenhos e suas propriedades, que seriam doados a certos holan
deses mandados vir especialmente da Metrópole, desejavam que o prazo de
cinco dias estipulado no último indulto fosse prorrogado, pois era por
demais exíguo para negócio de tão elevada monta. Além disso sugeriam
que o indulto fosse concedido sem exceção, acrescentando que, se o Con
selho não concordasse, êles desde então se eximiam de tôda responsabili
dade pelas calamidades que pudessem resultar da recusa. O Conselho
Reimiu-se o Conselho pela manhã de 23 a-fim-de considerar o as discute o
assunto.
sunto da carta. Depois de prolongados debates sôbre a situação e os

10
126 JOAN NIETJHOF

planos do inimigo, as opiniões se dividiram, sendo uns partidários da


anistia geral, sem nenhuma exceção, em vista de não dispormos de força
nem de provisões suficientes; outros se firmaram no parecer de que uma
carta contendo tão grande número de inverdades patentes, não merecia
resposta. Havia ainda conselheiros que sustentavam opiniões diversas.
Durante o decurso dos debates, o Conselho recebeu comunicação do Te-
nente-Coronel Haus, estacionado em Santo-Antônio dizendo estar pronto
para atacar os rebeldes de Ipojuca no dia imediato, não sem esperanças de
sucesso. Assim sendo e considerando a importância de tal ação sôbre o
curso dos acontecimentos, o Conselho resolveu suspender os trabalhos até
o dia seguinte a ver se recebia notícias da ofensiva do Tenente-Coronel.
A 28 de junho Moucheron chegou ao Recife com suas duas compa
nhias, procedente de Alagoas. Ficou decidido que a companhia sob o
seu comando fornecesse o forte Quinquangular, do qual, por constituir
Boas notí posição de grande importância, foi êle feito comandante em chefe. A
cias da outra, sob o comando do Capitão Willem Lambertsz foi encaminhada para
Paraíba.
o Forte Ernesto.
Por carta datada de 25 de junho, Paulus de Linge, governador da
Paraíba, nos informou de que os habitantes das redondezas se pronti
ficaram a dar novas provas de lealdade, renovando o juramento de fide
lidade e que não conseguiu perceber o menor entusiasmo com relação à
revolta.
Jacob Dassine, senhor do engenho Supupema (233) , que percorreu a
redondeza acompanhado por diversos homens, informou o Conselho ter
Interrogató
rio e comis estado em vários engenhos, onde encontrou cerca de 200 homens das tro
são de An pas inimigas, divididos em pequenos grupos compostos de portugueses,
tônio de Oli mulatos e negros, sob as ordens de Amador de Araújo, Antônio Castro,
veira. um tal Taborda (234) e Henrique Dias.
A 29 de junho, por ordem expressa do Conselho, Balthazar van der
Voorde interrogou Antônio de Oliveira com respeito às intenções dos
portugueses contra o nosso govêrno. Declarou êste que tendo estado em

(233) Nieuhof escreveu Supapema (p. 80, 2. col., últ. §). Em Vingbooms,
Supupema (XCVII, mapa 48, 2.° v.). Supupema escreve-se na "Continuação' da
relação dos engenhos vendidos em 1637", declarando-se que fica em São Bento, que
seu proprietário é Jacob de Siqueira (sic) e pertenceu a Alveiro (sic) Barbalho, sen
do o prêço 24.000 florins, vencendo a última prestação a 1.° de janeiro de 1640.
Jacob Desatne, Jacob Vermeulen, Mattheus van den Broeck e 12 soldados, en
viados para Sonto-Antônio, foram presos por Fernandes Vieira e escoltados por sol
dados da Baía. Jacob Dessine permaneceu em Santo-Antônio e enviou uma carta
a Bullestrate, na qual acusava K. van der Ley e Hek de terem conhecimento da
revolta. Bullestrate, que era compadre de van der Ley, mostrou-lhe a carta e
êste, por sua vez, mostrou-a ao Capitão português Pedro Marinho Falcão, que o
prendera. (Cf. Mattheus van den Broeck- XVI, pp. 14 e 22).
(234) Trata-se do Capitão Antônio Gomes Taborda. (LXXII, 3." tomo, p. 7-19).
I

MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 127

casa de Sebastião Carvalho em princípios deste mês, juntamente com


Francisco de Oliveira, Bernardino Carvalho e o já mencionado Sebastião
de Carvalho, certo português, bem conhecido de todos, entregou-lhe uma
carta dirigida a todos os presentes, capeando outro documento aberto
que êle começou a ler. Vendo, porém, que o conteúdo declarava serem
os signatários do mesmo fiéis vassalos do rei de Portugal e que João
Fernandes Vieira, Francisco Berenguer, Antônio da Silva e diversos
outros em cujos nomes não pôs reparo o haviam assinado, recusou-se assi
nar o documento e devolveu-o dizendo a seu filho que melhor seria ter a
mão cortada que assinar tal papel. Dito isto saíu sem que nenhum dos
presentes tivesse assinado o referido documento naquela ocasião. De
clarou não ter reconhecido a letra de quem o autografou. Após mais
detida consideração do caso, achou conveniente proceder a uma investiga
ção, o que fêz dois dias mais tarde, em companhia de Mattijs Reex, que
desejava também fosse ouvido pelo Conselho. Declarou mais que o re- interrogató
ferido documento foi assinado por mais de 100 pessoas. rio de Diogo
A 30 de Junho um tal Diogo Lopes Leite (235), recentemente captu- Lopes Leite,
rado pelos brasileiros, foi interrogado pelo sr. Bullestrate, Dortmont e
alguns outros militares. Declarou o prisioneiro, em sua confissão, que
logo de início os portugueses escreveram a Antônio Teles da Silva, gover
nador da Baía, pedindo auxílio e dizendo que, se o recusasse, apelariam
para a Espanha e que se também lá não o conseguissem preferiam en-
tregar-se aos turcos que suportar por mais tempo os maus tratos dos
holandeses. Que, não obstante, tinha ouvido terríveis imprecações contra
João Fernandes Vieira. Que o menos que êste merecia era ser condena
do às galés, pois provocara esta rebelião apenas com o fim de livrar-se
de suas enormes dívidas para com a Companhia.
Nesse mesmo dia tomou-se a resolução de despachar uma patrulha
de 12 soldados e oito brasileiros a-fim-de trazer de São Lourenço boa
partida de farinha. Êsses homens foram de tal forma atacados junto
àquela povoação, que poucos conseguiram escapar. Quase ao mesmo
tempo o Conselho recebeu a má notícia de que alguns habitantes de Igua-
rassú tinham tomado armas contra os holandeses.
Em princípios de Julho ficou resolvido restringir o âmbito das for
tificações da Cidade Maurícia, acrescentando-se-lhes nova linha de para
peitos. Êsse trabalho foi executado pelos negros, escravos dos habitan
tes do Recife, sob a direção do Vice-Almirante Lichthart que teve o cuida
do de aperfeiçoá-lo de acordo com o modêlo desenhado pelos engenheiros.

(235) Nieuhof escreveu Digos Lopes Leyte (p. 81, l.a col., últ. §). Diogo
Leite foi um dos que assinaram a Carta dos Aflitos Moradores de Pernam
buco (Cf. Rev. Inst. Arqueol e Geog. Pern., n. 34, 1887, vol. 6, p. 120-22).
128 JOAN NIEUHOF

Recebeu-se, por essa ocasião, notícia no sentido de que João Lourenço


Francês (236) e João Dias Leite moradores de Iguarassú estavam inci
tando o povo à revolta. O Capitão Sluyter comunicou também, de Ita-
maracá, que cêrca de 80 homens e 110 mulheres e crianças, todos brasi
leiros, das vilas de São Miguel e Nassau, tinham ido procurar refúgio na
quela ilha e que os habitantes da Aldeia de Otta prentendiam fazer o
mesmo. Os magistrados e os chefes portugueses de Goiana apresentaram
ao Conselho novos protestos de lealdade, sob condição de, em caso de
necessidade, terem êles permissão de se retirarem àquela ilha. A per
missão foi concedida e o Conselho externou o seu reconhecimento pela
prova de fidelidade.
Os magistrados de Iguarassú comunicaram que Vieira tinha manda
do afixar no engenho de Gonçalo Novo de Lira (237) uma declaração que
mandaram arrancar e da qual remetiam cópia ao Conselho, asseguran-
do-o de que não poupariam esforços no sentido de manter os moradores
das redondezas em obediência, conquanto notassem, em alguns dêles, in
clinação para a revolta.
Interrogató
rio de Fer Interrogado por B. van der Voorde e Pieter Jansz Bas, Fernando
nando Vale. Vale declarou que tendo recebido uma carta de Sebastião de Carvalho
pedindo-lhe que o fosse encontrar pela manhã seguinte no Morro Guara
rapes, porque tinha algo a lhe comunicar que se relacionava com suas
propriedades, vida e honra, o depoente, sem nada dizer à sua mulher ou
ao seu irmão, para lá se dirigiu a cavalo, acompanhado apenas por ura
rapaz, a-pesar-de estar, naquela ocasião, sofrendo de cálculos. No lugar
aprazado encontrou Sebastião Carvalho, igualmente acompanhado por
um rapaz, o qual lhe disse que, tendo recebido uma carta capeando um
plano de insurreição contra o govêrno, achou imprecindível dar conhe
cimento do fato ao Grande Conselho, e, por isso, queria que êle, (o decla
rante) versado como era, na língua holandesa, escrevesse uma carta ao
Grande Conselho. Que, tendo Vale perguntado se havia mais alguém que
soubesse do que se passava, Carvalho respondera que seu irmão Bernardi
no também o sabia e que igualmente era de opinião que se informasse o
Conselho. Que, voltando cada um para sua casa, Vale redigiu uma car
ta em português, consoante as instruções que recebera de Carvalho e
deixou-a em casa de um padeiro, num dia de leilão de escravos, para que

(236) João Lourenço Francês (A Bôlsa do Brasil, n. 47) "deve tanto a par
ticulares, como a Companhia, 84.509 florins. O contratador tem bastante recur
sos, seus fiadores são três, sendo um advogado que não possue nada e os outros
dois pobretões. Deu 13.000 florins ao Sr. Kodde e 3.000 a outros."
(237) O engenho de Gonçalo Novo de Lira era o Araripe de Cima, situado no
distrito de Iguarassú. (Cf. Breve Discurso, XVI, p. 152).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 129

Sebastião a visse. Depois disso enviou dita carta, dentro de outra, ao


Dr. Mercado, pedindo-lhe que a encaminhasse cuidadosamente ao Gran
de Conselho, sem fazer referência ao seu teor.
Tendo recebido várias informações de que os portugueses da Baía
pretendiam mandar uma frota, em auxílio dos revoltosos, o Grande Con
selho resolveu dar ordem de regressar ao Recife imediatamente aos qua
tro navios Amsterdam, Moriaen, Noort-Hollant e Groeningen, que se
achavam fundeados na Terra-Vermelha, prontos para zarpar com des
tino à Metrópole, pois o governo tinha urgente necessidade de seu au
xílio a-fim-de impedir que as forças provenientes da Baía se reunissem
aos rebeldes. Por outro lado o Conselho recebeu comunicação do Tenen-
te-Coronel Haus, despachada de Ipojuca a 26 de junho, dizendo que tinha
concedido salvo-conduto a mais de 200 pessoas que voltavam aos seus tra
balhos. Dizia mais, que dois ou três dos cabeças excluídos do último
indulto, procuraram obter idêntico favor e que tinha capturado um tal
Francisco Godinho (238) também chefe dos revolucionários, a quem
mandou executar na forca que êle próprio havia mandado levantar. Que
Amador de Araújo partira para Várzea com 150 homens, a-fim-de se
reunir a Vieira e que êle (Haus) aguardava ordens para perseguí-lo,
achando que seria emprêsa fácil desalojá-lo de lá. Informou ainda o
Tenente-Coronel que em Ipojuca havia mais de 700 pessoas (239), in
clusive os brasileiros, suas mulheres e filhos e que, se não recebessem
provisões do Recife, logo teriam consumido todo o gado da redondeza.
O Grande Conselho respondeu ao Tenente-Coronel Haus, na mesma
noite, autorizando-o a indultar a todos que o pedissem, sem exceção nem
mesmo dos chefes revolucionários, a-fim-de enfraquecer Amador de Araú
jo e seus apaniguados. Ordenou também o Conselho que marchasse para
o Recife com tôdas as forças de que dispusesse em Ipojuca (depois de
organizar a defesa da guarnição, como melhor lhe parecesse) a-fim-de

(238) Francko Godinho escreve Nieuhof (p. 82, 2.a col., 4.° §). A 25 de
junho é que foi aprisionado Francisco Godinho, lavrador de Amador de Araújo.
"Como êsse individuo mandasse levantar uma forca em Ipojuca, para aquêles que
se não quisessem revoltar, o senhor Tenente-Coronel (Haus) o mandou pendurar
na sua própria máquina". (XVI, p. 4). Calado (XVII, p. 189, l.a col.) refere-se
ao fato, dizendo que H. Haus estava com seus soldados em Ipojuca, onde ma
taram a Francisco Godinho e ao Ermitão de Santa Luísa pela culpa de haver
tangido o sino à missa, achacando-lhe que dava rebate à nossa gente. Moreau
(LIX, 65) relata a chegada de Haus a Tabatinga e a atitude assumida por Go
dinho, que procurava impedir que êle avançasse, dizendo-lhe que os portugueses
eram em maior número; retirou-se, então, para Ipojuca, levando consigo Godinho.
Quando o viram aproximar-se, rebateram o sino, que era o sinal de chamada às
armas; Godinho (Godigno em Moreau) foi, então, estrangulado.
(239) O tradutor escreveu (p. 61, l.a col., 2.° §) 500 pessoas. Comparar com
a ed. hoiandesa, p. 83, 1.a col., 2.° §.
130 JOAN NIETJHOF

atacar Vieira. No Recife não haveria falta de víveres, pois contavam


com as provisões acumuladas por Vieira para os socorros que esperava
receber da Baía, bem como com o gado pertencente aos rebeldes.
Todavia, enquanto o Tenente-Coronel Haus trabalhava na fortifica
ção de Ipojuca, os que se achavam em Várzea fortificavam-se quanto
podiam. Com o fim de aumentar as forças de que dispunha, João Fer
nandes Vieira e Antônio Cavalcanti, que se denominavam os Chefes da
guerra, afixaram suas proclamações pela Cidade Maurícia e Iguarassú
incitando o povo à rebelião e prometendo-lhes consideráveis reforços da
Baía. Além disso, seus asseclas, aos quais frequentemente enviavam em
missões pelas cercanias, forçavam os camponeses a se armarem, execu
tando os que se recusavam a fazê-lo. De idêntica maneira agia Ama
dor de Araújo, em Ipojuca, de forma que, em parte acenando com pro
visões fartas e, em parte, ameaçando e oprimindo, conseguiram reunir
em Várzea contingente ponderável, sem que a isso nos pudéssemos opor,
dada a força escassa de que aí dispúnhamos.
Sendo, porém, absolutamente necessário tentar impedir o mais
possível êsse agrupamento, tomou-se a resolução de armar alguns ra
pazes robustos com mosquetes fornecidos pelo povo (pois que não havia
armas de reserva) e incorporá-los a um destacamento da guarnição, ao
qual também se reuniu uma força composta de 100 homens, sob o co
mando de Pedro Potí, chegada recentemente.
O capitão De acordo com esta resolução o capitão Johan Blaer recebeu ordens
Blaer tem na noite de 29 de junho de se pôr à frente de 300 homens entre os
ordem de quais estavam os 100 brasileiros comandados por Pedro Potí, marchar
partir com com tôda celeridade possível para fora do Recife (240), e, postando-se
suas forças.
de emboscada junto às principais passagens, procurar interceptar as
tropas inimigas, na esperança de que conseguisse saber, através dos
prisioneiros, onde se achava Vieira com sua força principal, de quantos
homens se compunham os seus exércitos bem como os reforços da Baía
que já se presumia estarem ao seu lado. Johan Blaer recebeu ordens
terminantes de não incomodar os civís desarmados, mas, ao contrário,
protegê-los bem como às suas propriedades. Teve ainda instruções de
acolher os que pedissem mercê, conduzindo-os ao Recife. Também ao
Tenente-Coronel foram despachadas ordens de marchar para Várzea
com tôda a força de que pudesse dispor da guarnição do Sul, a-fim-de
se reunir ao Capitão Blaer e tentar o ataque contra os chefes rebeldes.

(240) O tradutor inglês (p. 61, 2.a col., 3-° §) omitiu a data e a referência
aos 100 brasileiros comandados por Pedro Potí. Vide p. 82, 2.a col. últ. § da ed.
holandesa.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 131

Se conseguissem vencê-los, talvez pudessem abafar a chama da rebelião


e restaurar a paz no Brasil Holandês.
A Io. de julho o Conselho considerou a conveniência de conceder
tudo quanto desejassem as pessoas suspeitas de conivência com a cons
piração. Essa resolução foi tomada como sendo a única capaz de sos
segar o espírito do povo.
No dia seguinte à tarde, o Conselho recebeu comunicação do Ca
pitão Blaer, que se achava estacionado em Monjiope (241) e pretendia
atacar o inimigo onde quer que o encontrasse.
A 3, Blaer marchou para Iguarassú. A 4, recebeu o Conselho car
tas do Tenente-Coronel Haus, de Santo-Antônio, informando que, tendo
pôsto a guarnição de Ipojuca sob o comando do Tenente Flemming e
deixado uma companhia de brasileiros em Santo-Antônio, estava pronto
para marchar em direção ao Engenho Velho e daí para Muribeca onde
aguardaria instruções.
Tendo o povo de Goiana fortificado determinada casa de proprie- As condi-
dade de Listry, seu principal magistrado, pedia que o Conselho lhe for- çoes de
necesse 40 mosquetes a-fim-de prover os que não possuíam armas. O Golana-
pedido foi atendido e Servaes Carpentier teve instruções expressas de
aproveitar essa oportunidade para desarmar, por bem ou à força,
todos os portugueses do local. Para dar cumprimento a essa ordem, Ser
vaes deveria reunir todos os holandeses, em um só grupo, se possível.
Carpentier respondeu que tentaria desarmar os portugueses por bem,
já que não dispunha de meios para desarmá-los à força. Além disso,
informou o Conselho, em sua carta de 11 de junho, que até então Goiana
estava em perfeita calma, mas que os brasileiros (contràriamente às
suas ordens expressas), reclamando o direito de só serem comandados
por seus próprios oficiais, conforme decreto do Conselho, tinham, de
passagem para Itamaracá, assaltado diversos moradores lusos.
A maior parte dos rebeldes portugueses havia deixado suas mu
lheres e filhos em suas casas e engenhos, o que para êles representava
não pequena vantagem. Assim sendo, alguns portugueses leais aos ba
tavos sugeriram ao Grande Conselho, a 3 de Julho, a conveniência de
forçar essas mulheres e crianças a seguirem seus chefes. Várias fo
ram as razões alegadas em favor de tal alvitre.

(241) Mongioppe escreve Nieuhof (p. 84, 2.a col., 1.° §) e Magioppe à p. 37,
132 J O A X KIEUHOF

I — Porque, com suas famílias, os rebeldes tinham de consumir


maior quantidade de farinha e outras provisões, o que certamente os
levaria a logo alterar as rações e mudar de posição.
II — Que assim teriam receio de um ataque vigoroso.
III — Que não poderiam marchar ou mudar de acampamento tão
livremente como antes, nem permanecer em lugares inhabitáveis.

IV — Que com a remoção dessas mulheres que serviam de espiãs


aos rebeldes, por intermédio de seus escravos, ter-lhes-íamos cerceado
tôda e qualquer oportunidade de serem informados quanto aos nossos
movimentos.

Pesadas todas essas razões, foi publicada a seguinte proclamação.

PROCLAMAÇÃO PARA REMOÇÃO DAS MULHERES E CRIANÇAS


DOS REBELDES

O Grande Conselho do Brasil, com autorização dos Estados Gerais


das Províncias Unidas, de Sua Alteza o Príncipe de Orange e da Com
panhia das índias Ocidentais, faz saber a todos quantos esta virem que,
considerando que muitos dos que se uniram aos três chefes rebeldes,
João Fernandes Vieira, Antônio Cavalcanti e Amador de Araújo, contra
este Estado, deixaram suas mulheres, filhos e famílias em suas próprias
moradias; por esta proclamação ordena expressamente que tôdas as
mulheres e crianças, de ambos os sexos, cujos maridos e pais se tiverem
engajado nas fileiras rebeldes, deixem suas respectivas residências den
tro de seis dias depois da publicação da presente, sendo resolução do
Conselho não tomá-los sob sua proteção, bem como suspender as garan
tias dadas a todos de nossos súditos que acolherem ou esconderem essas
mulheres, seus filhos ou haveres, a menos que os maridos e pais dessas
mulheres e crianças voltem às suas moradas dentro de seis dias e soli
citem o indulto do Conselho.
No ano de 1645, devido à revolta dos portugueses, muitos holan
deses e portugueses, como também cerca de 1.000 brasileiros, a saber,
369 homens e o resto mulheres e crianças de várias aldeias do conti
nente, retiraram-se para a ilha de Itamaracá, a-fim-de escaparem aos
portugueses rebeldes (242).

(242) O tradutor ingJes (p. 62, 2.a col.), além de omitir a data, resumiu o
trecho; o mesmo foi retificado, segundo o texto holandês (p. 86, l.a col., 1.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL J33 '

Balthazar van Dormont, Conselheiro da Fazenda, foi para lá enviado,


em princípios de julho, na qualidade de Diretor Supremo do distrito de
Iguarassú, a-fim-de garantir essa ilha, tão importante para os interes
ses do nosso Estado.
A 5 de julho foi publicada uma proclamação contra os três chefes
rebeldes João Fernandes Vieira, Antônio Cavalcanti e Amador de
Araújo, confiscando suas propriedades, condenandos-os à pena capital
e oferecendo prêmios pela sua captura no seguintes têrmos :

PROCLAMAÇÃO PARA A CAPTURA DOS TRÊS CHEFES REBELDES

0 Grande Conselho do Brasil, com autorização dos Estados Gerais


das Províncias Unidas, de Sua Alteza o Príncipe de Orange e da Com
panhia das índias Ocidentais, vos saúda. Saibam todos quantos esta
virem, que, perfeitamente cientes de que João Fernandes Vieira, Antô
nio Cavalcanti e Amador de Araújo, abandonaram sua fidelidade e, há
bastante tempo, puseram-se a conspirar contra o Estado, tendo enviado
cartas a diversas freguesias sob nossa jurisdição, incitando o povo à
revolta; que reuniram e ainda estão reunindo forças com que levar a
cabo seus planos traiçoeiros contra este Estado, forçando os súditos fiéis
a apoiá-los, sob pena de morte; que executaram diversos holandeses e
brasileiros por êsse motivo; que afixaram e publicaram declarações em
diversos lugares, com o fito de agitar e causar confusão no espírito dos
súditos dêste Estado, com o nome e título de Governador desta Guerra
(quando deveriam ter-se intitulado traidores sem fé), acobertando seus
vis desígnos sob o nome da Majestade Divina, além de muitos outros
ardis pelos quais se fizeram réus do crime de lesa-majestade; por todos
êsses motivos, julgamos nosso dever declarar os referidos João Fernan
des Vieira, Antônio Cavalcanti e Amador de Araújo, como pela presente
declaramos, inimigos do Estado, perturbadores da ordem pública e dos
nossos súditos fiéis, rebeldes e traidores dos magistrados legais, e, por
tanto, como tendo perdido o direito a todos os seus privilégios, bens e
vidas. Assim sendo, não só concedemos permissão a qualquer pessoa
para capturar os referidos João Fernandes Vieira, Antônio Cavalcanti e
Amador de Araújo, mas, ainda, prometemos uma recompensa de 1.000
florins a quem prestar tão valioso serviço à Companhia, qual seja o de
prender êsses indivíduos e apresentá-los à Justiça; prometemos ainda a
quem conseguir matar qualquer um desses traidores, idêntica recompensa,
além do perdão para qualquer crime anteriormente cometido; se for
134 JOAN NIEUIOF

escravo, dar-lhe-emos a liberdade juntamente com o prémio. Pela pre


sente ordenamos, ainda, expressamente a todos os habitantes dêste Esta
do, qualquer que seja a sua qualidade, posição ou nacionalidade, que não
auxiliem ditos revoltosos fornecendo-lhes armas, provisões, dinheiro,
homens e munições ou proporcionando-lhes abrigo, coito ou informações
a respeito do que quer que seja ou ainda mantendo com eles correspon
dência, sob pena de incorrerem no crime de lesa-majestade e, como tal,
punidos com o máximo rigor etc..

* * *

Enquanto o Grande Conselho tentava sufocar por essa forma a cha


ma da rebelião, ia recebendo informações que lhes asseguravam estarem
os rebeldes aguardando a chegada, por via do Rio São Francisco, de
uma considerável frota da Baía, além dos reforços já recebidos por
terra, da mesma procedência. Resolveu-se então enviar deputados para
representarem junto ao Governador Antônio Teles da Silva, no sentido
de que a entrada de Camarão e Henrique Dias i— súditos seus — de
maneira hostil em território do Brasil Holandês, não poderia ser inter
pretada senão como quebra da trégua celebrada entre o rei de Portugal
e o Govêrno holandês.
As pessoas escolhidas para essa missão foram Balthazar Van der
Voorde, Conselheiro da Côrte de Justiça e Dirk Van Hoogstraeten então
comandante em chefe de Santo Agostinho o qual, sendo por essa época con
siderado personalidade muito leal, fora chamado de seu pôsto a 4 de julho,
passando o comando, durante sua ausência, para Barent Van Tichlenborgh.
François Krijnen Springappel foi nomeado Secretário e Gerrit Dirksz
Laet, Alexandre Solve e Jacob Sweerts, para atendê-los como gentís-
-homens.
Levavam instruções de revelar ao Governador o verdadeiro motivo
e ocasião dessa revolta, bem como os cabeças, que jàmais teriam tido a
ousadia de tentá-la, sem contar com os socorros que lhes eram enviados
por terra, ao longo do vale do São Francisco. Deveriam perscrutar o
mais possível as intenções do Governador e pedir-lhe que ordenasse a
saída de Camarão e Henrique Dias com suas tropas do Brasil holandês,
punindo-os de acordo com suas faltas.
Se encontrassem o Governador pouco disposto a dar-lhes satisfação.,
ordenando a retirada das tropas, fosse por proclamação pública, ou des
pachando pessoa autorizada para recambiá-las, ou ainda, dando alguma
outra demonstração sincera de suas intenções, antes da partida, deveriam
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 135

os delegados formular o seu protesto, bem como isentar-se de tôda e


qualquer responsabilidade pelas depredações, crimes e saques cometidos
ou que viessem a sê-lo por essas forças, contra os holandeses, portugueses
e brasileiros. Deveriam os delegados declarar ao Governador que con
sideravam o fato como uma ameaça à paz, um ato de hostilidade, do
qual deveriam dar contas aos seus superiores, que, certamente, saberiam
o que fazer para se ressarcir dos prejuízos sofridos. Deveriam, ainda,
os enviados , protestar que os holandeses se declaravam inocentes de todas
as misérias resultantes da necessidade de tomarem armas em sua defesa,
depois de ter sido rejeitado o seu razoável pedido.
A delegação zarpou do Recife a 9 de julho de 1645, a bordo do navio
denominado de Gulde Ree tendo chegado à Baía a 17, onde foram cumpri Chegada
mentados por diversas personalidades portuguesas, em nome do Gover à Baía.
nador Antônio Teles da Silva, antes do desembarque. A êsses portugue
ses pediu a delegação licença para desembarcar, pois que tinha assuntos
de grande relevância a tratar com o Governador, em nome do Grande
Conselho do Brasil.
No dia imediato, 18 de julho, por volta do meio-dia, o Tenente-Coro-
nel André Vidal e Pedro Cavalcanti, acompanhados por outros oficiais,
vieram a bordo de um bergantim, para conduzi-los a palácio. Lá che Recebidos
gando, depois dos primeiros cumprimentos, entregaram suas credenciais em audiên
e fizeram sentir ao Governador que, pelo teor das mesmas, já teria visto cia.
que vinham para tratar de certos pontos que estavam prontos a expor
imediatamente ou quando êle se dispusesse a ouvi-los. Depois dos cum
primentos do estilo e do exame das credenciais, o Governador disse aos
delegados que estava pronto a ouvi-los a qualquer momento. Diante disso
expuseram os fins de sua missão.
Disseram, então, os enviados batavos que alguns súditos portugueses Falam os
das Províncias Unidas tinham organizado uma conspiração com o fim de delegados.
tomar armas e atacar Pernambuco; para isso dirigiram cartas aos seus
patrícios, concitando-os a aderir à revolução e armarem-se na esperança
de reforços de fora. Que em princípios de maio, Camarão e Henrique
Dias, com seus brasileiros, negros e alguns portugueses, estando em mar
cha para Pernambuco, em atitude hostil, João Fernandes Vieira, Antônio
Cavalcanti e Amador de Araújo e outros portugueses seus apaniguados,
notificados de sua chegada, ausentaram-se de suas residências, arreba
nhado tôdos os homens que puderam — um pouco à força, um pouco por
meios suasórios, — publicaram declarações intitulando-se Governadores
dessa Guerra pela Liberdade Pública, e a tudo se dispuseram na esperança
de serem socorridos por tropas de fora. Que com a graça de Deus, seus
136 JOAN NIEUHOF

superiores não tinham falta de elementos com que proteger os súditos


fiéis e punir os rebeldes, na devida altura. Não podiam, porém, com
preender o que poderia ter induzido essas tropas estrangeiras a penetra
rem em seus territórios, em tempo de paz, para auxiliar revoltosos, mas
que estavam em condições de enfrentá-las. Que os batavos esperavam
que o Governador lançasse mão de todos os recursos a-fim-de evitar o
choque. Por isso o Grande Conselho os tinha enviado a-fim-de informar
Sua Excelência dos atos hostis praticados por Camarão e Henrique Dias,
pedindo-lhe que tivesse a bondade de intimá-los a não prestar auxílio aos
rebeldes e a abandonar o território de Pernambuco e de outras provín
cias sob a jurisdição holandesa; pois assim os revolucionários, privados
de auxílio, poderiam ser prontamente reduzidos à antiga obediência e os
nossos súditos passariam a fruir os benefícios da trégua concluída entre
o atual rei de Portugal, S. M. D. João IV, e o Govêrno holandês. Eram
essas as recomendações que o Grande Conselho apresentava à conside
ração de Sua Excelência e que se achavam condensadas numa carta a
êle entregue pelos deputados e concebida nos seguintes termos:

CARTA DO GRANDE CONSELHO AO GOVERNADOR DA BAÍA (243)

Vossa Excelência sabe com que rigor tem sido observada pelos ha
bitantes do Brasil holandês, em tôdas as suas minúcias, a trégua cele
brada entre Sua Majestade, o Rei de Portugal, e os poderosos Estados
Gerais das Províncias Unidas, mesmo segundo a opinião de baianos e ci
dadãos de outras procedências, que ultimamente têm passado pelas nossas
capitanias. Por outro lado jamais recebemos a menor reclamação nem
de S. Majestade o Rei de Portugal, nem de Vossa Excelência, e, portanto,
isso nos leva a crer que Vossa Excelência jamais consentiria em que sii-
ditos seus praticassem qualquer ato contrário a essa trégua. Entretanto,
alguns de nossos súditos portugueses, pondo de parte sua lealdade para
com êste Estado, tomaram armas e voltaram-se contra o poder consti
tuido, logo que Camarão e Henrique Dias, à frente de alguns brasileiros,
negros e uns tantos portugueses, entraram em nosso território, em fla
grante desrespeito às leis internacionais, sem permissão e nem sequer o
mais leve estímulo de nossa parte, e, reúnindo-se aos rebeldes, abriram,
hostilidades contra os nossos súditos, não como soldados, mas como la-

(243) Esta carta foi publicada na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Perri., 1887,
n. 34, vol. 6, p. 109-111. Não se encontra nessa cópia da citada revista o nome de
Hendrik de Moucheron.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 137

drões e assaltantes. Não podemos, porém, nos persuadir de que tais for
ças tivessem assim agido por ordem ou com o consentimento de Sua Ma
jestade, o Rei de Portugal, nem de Vossa Excelência, contra os seus con
federados.
Com a graça de Deus não nos faltam recursos para reconduzir à
razão os nossos súditos revoltados, nem para desbaratar as tropas estran
geiras. Todavia, para mostrar a todo o mundo como estamos prontos a
cumprir as reiteradas ordens de nossos superiores no sentido de manter
inalterada a trégua firmada entre eles e Sua Majestade, bem como para
evitar más interpretações nas cortes estrangeiras, com relação ao caso
e dar a Sua Majestade, p Rei de Portugal, e a Vossa Excelência oportu
nidade de convencer o mundo de que não haveis consentido nem instigado
esta conspiração, nós, em nome dos Poderosos Estados Gerais, de Sua
Alteza o Príncipe de Orange e dos Governadores da Companhia das ín
dias Ocidentais, enviámos os Srs. Balthazar Van der Voorde, Conselheiro
da Corte de Justiça, e Diederik Van Hoogstraeten, Comandante em Chefe
do Cabo Santo Agostinho, como deputados nossos junto a Vossa Excelên
cia, com plenos poderes para expor a Vossa Excelência estes pontos e pe
dir que determine imediatamente o regresso, dentro de determinado espa
ço de tempo, de Camarão, Henrique Dias e outros chefes, por meio de pro
clamação ou qualquer outro que Vossa Excelência julgue mais seguro ou
expedito, punindo-os de conformidade com as suas culpas. Caso se recu
sarem atender às ordens de V. Excelência, sejam eles declarados inimigos
de Sua Majestade, pois sem isso não podemos imaginar como seja possí
vel dar as devidas satisfações aos Estados Gerais, ao Príncipe de Orange
e à Companhia das índias Ocidentais. É o que esperamos obter de Vossa
Excelência.

Subscritos,
De vossa Excelência,
Amigos bem intencionados.

Hendrik Hamel,
A. Van Bullestrate,
P. J. Bas,
J. Van Walbeek e
Hendrik de Moucheron.
Do Recife, 7 de julho de 1645. (244)

(244) No texto holandês (p. 90, 1.» col.) está 1640, mas na errata o ano está
corrigido para 1645 (p. 240).
138 JOAN NIEIJHOF

O Governador respondeu imediatamente aos deputados, afirmando-


-Ihes que longe de mandar socorros aos rebeldes, êle nem ao menos tinha
tido disso conhecimento. Disse que os brasileiros e negros haviam sido
dispersados por ordem de Sua Majestade, e que tanto estes como os por
tugueses que haviam seguido em auxílio dos rebeldes não podiam ser
em grande número. Ao que supunha consistiam tais tropas de vaga
bundos e foragidos que, tendo cometido crimes na Baía, se aproveitaram
dessa oportunidade para escapar à ação punitiva da justiça, como aliás
também vinham de Pernambuco para a Baía, sem que isso o levasse a
duvidar da sinceridade do Conselho. Disse-lhes, ainda, o Governador
que estava satisfeitíssimo com a confiança que nêle depositiva o Conselho
com relação à manutenção da trégua pactuada entre Sua Majestade o Rei
de Portugal e os Estados Gerais e assegurou-lhes de que jamais a que
braria, mesmo pelo perigo que então correria sua vida. E que se tanto
pretendesse, meios não lhe faltariam para agir, com auxílio dos brasileiros.
Entretanto jamais lhe ocorreu tal cousa, a-pesar-de ter sido provocado
pelos holandeses, os quais, mesmo depois de celebrado o armistício, apre
enderam um navio português e o levaram para o Recife, barco êsse que,
somente devido à bravura dos lusos, escapou aos batavos e regressou à
Baía, sendo os marinheiros holandeses postos em liberdade sem sofrer
punição. Assegurou-lhes de que não era insensível à opinião que os lí
deres do Brasil holandês mantinham de sua sinceridade, mas que tinha
motivos para acreditar que, então como de outras vêzes, haviam êles en
viado deputados principalmente para lhe tomar o pulso, julgar de sua
força e sondar-lhe os planos. Que, entretanto, passaria a carta ao seu
Conselho e dar-lhes-ia uma resposta pronta, a-fim-de que pudessem re
gressar, conforme desejo expresso de seus superiores. Levantando-se o
Governador, os deputados deixaram o palácio e voltaram para bordo.
Pela manhã do dia 19 um tenente foi buscar novamente os deputados
a bordo, conduzindo-os à casa do Tenente-Coronel Pedro Correia da Gama
onde jantaram em companhia de André Vidal e Paulo da Cunha. À
noite foram novamente a palácio onde o Secretário lhes pediu que espe
rassem um pouco, porque o Governador estava terminando sua corres
pondência. Depois de alguma demora foram levados à presença do Go
vernador que lhes disse ter examinado cuidadosamente o teor da carta e
verificado que concordava perfeitamente com a exposição verbal que lhe
fora feita no dia anterior, consistente em dois pontos principais, a saber:
Em primeiro lugar, o elevado conceito em que os chefes do Estado
holandês tinham sua sincera intenção de manter boas relações com êles,
a-fim-de preservar a trégua ajustada entre Sua Majestade e os Estados
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 139

Gerais e a confiança que externavam de que êle, o Governador, não esta


va envolvido na rebelião e nem a ela prestava auxilio. Manifestou o dese
jo de que os chefes holandeses conservassem tais sentimentos de vez que
jamais cometera a mais leve infração contra os têrmos do armistício,
nem tolerara que súdito algum seu o fizesse. Entretanto, os holandeses
já diversas vêzes tinham quebrado a trégua com suas expedições a An
gola, São Tomé e Maranhão e o saque às propriedades de Pedro César
Meneses, que durante o tempo em que esteve prêso foi ignobilmente trata
do, não como pessoa de posição, tendo sido forçado a se refugiar no mato,
quando conseguiu escapar. Haviam também os batavos apreendido um
navio português em seu próprio pôrto. Nem faltavam motivos de quei
xa aos habitantes de Pernambuco e de outras capitanias. Disse ainda
o Governador que tinha tido conhecimento, através de diversas cartas, de
como os judeus forjavam, constantemente, contra êles, acusações que
eram aceitas como verdadeiras e que, quando de mêdo os portugueses se
refugiaram, os batavos armavam contra êles os Tapuias, ou habitantes
das montanhas. Assim foi que, entre outros, enforcaram um pobre er
mitão. Declarou mais que o Grande Conselho lhe havia sempre dado
provas de desconfiança, sendo que a última embaixada não teve outra fi
nalidade (como o poderá testemunhar o Capitão Hoogstraeten) que a
de sondar os seus planos e a sua força. Assim é que tinha sido divulga
da e aceita como verdadeira a notícia de que êle (o Governador) havia
determinado a ida de André Vidal, Paulo da Cunha e diversos outros ofi
ciais para Pernambuco e que entretanto ali estavam êles presentes.
Quanto ao segundo ponto, no que respeita às forças que diziam ter
sido enviadas para Pernambuco, afirmou o Governador tratar-se de
alguns brasileiros e negros recentemente desmobilizados, os quais, como
nós mesmos o sabíamos, pouco representavam, na ordem das cousas. Que,
se entre êles havia portugueses, era de supor que se tratasse de crimi
nosos egressos da justiça. Declarou estar disposto a chamá-los por meio
de uma proclamação, mas receava não ser obedecido por indivíduos dessa
espécie, aos quais não conseguia manter em disciplina, nem mesmo den
tro dos limites de sua própria jurisdição. Que, a-fim-de satisfazer o
nosso pedido e eliminar todos os motivos de queixa, êle pretendia enviar
seus deputados para Pernambuco, dentro em breve. Disse que seu pensa
mento tinha ficado bem claro na carta que formulara ao Conselho e que,
de acordo com o pedido de nossos superiores, com ela nos despacharia,
dentro do menor espaço de tempo possível.
...... Resposta
Os deputados responderam que o seu governo jamais aumentara sus- dos
peitas contra Sua Excelência, nem lhes havia ordenado que sondassem Deputados.
140 JOAN NIEUHOF

suas intenções; ao contrário, sua firmeza em observar a trégua sempre


causara muito boa impressão ao govêrno holandês, como aliás poderia
atestar o Sr. André Vidal que, durante a sua permanência no Recife, teve
liberdade de ir para onde quis, sem outra companhia que a de seus homens.
Que as acusações levantadas por judeus, a que o Governador fizera re
ferência, não tinham importância, porquanto nunca se lhes havia dado ou
vido e que a conspiração havia sido descoberta por pessoas absolutamente
idôneas. Que João Fernandes Vieira, Antônio Cavalcanti e outros de
seus partidários estiveram sempre forrados contra qualquer falsa acusa
ção e tinham liberdade para se dirigir a todos os Conselheiros da Côrte
de Justiça e aos das outras colônias, bem como aos mais graduados dos
holandeses. Não tinham pois razão de se esconderem, temendo os Ta
puias, dos quais jamais se pretendeu utilizar contra êles. Que não sabiam
de nenhum ermitão que tivesse sido enforcado por êles, mas, ao contrário,
que num encontro com Amador de Araújo, um clérigo havia sido abatido
pelos brasileiros quando procurava tocar o sino para dar alarme.
Os deputados disseram mais ao Governador que, conquanto não ti
vessem instruções para tratar com Sua Excelência sôbre qualquer outro
assunto não relacionado com a rebelião, poderiam, entretanto, afirmar em
face do mundo que Angola e outros lugares foram conquistados de acor
do com as regras da guerra, sem a menor infração à trégua, já que fora
expressamente estipulado que a guerra continuaria nesses lugares até que
o armistício lá fosse publicado. Afirmaram os delegados que os brasi
leiros, negros e portugueses que entraram em nosso território eram em
número considerável e de forma alguma poderiam ser considerados sol
dados desmobilizados; ao contrário, iam bem armados e a sua chegada
não fora inesperada, pois que os rebeldes os aguardavam. Entretanto
o Conselho não estava tão preocupado com o número dêsses soldados,
quanto em saber sob que autoridade haviam êles tomado armas, a-fim-de
determinar que tratamento dispensar-lhes. De qualquer forma, os depu
tados desejavam que Sua Excelência ficasse certo de que seu Govêrno
teria o máximo prazer em conhecer suas boas disposições, pois que assim
se evitaria efusão de sangue. Pediam, ainda, insistentemente que o Go
vernador enviasse logo seus deputados com as necessárias instruções.
O Governador prometeu despachar seus emissários logo após o re
gresso da embaixada holandesa a Pernambuco, acrescentando que, estan
do certo de que era correspondido pelos batavos em seus propósitos de
boa vizinhança, de sua parte estava resolvido a mantê-la. Quanto ao res
to que lhes havia dito, fora apenas à guisa de comentário e não com a in
tenção de provocar discussão quanto à legalidade ou ilegalidade dos fatos,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 141

conquanto lhe parecesse, a êle, de-veras estranho que os holandeses se ajus


tassem à coroa portuguesa no Brasil e a ela movessem guerra em
outros lugares sob pretêxto de que a conclusão da paz não havia sido aí Retiram-se
publicada; também que a seu ver não havia justificativa para o que se os Deputa
passara com Pedro César de Meneses. dos.
Depois das despedidas protocolares, o Governador levantou-se pro
metendo enviar-lhes a bordo, no dia seguinte, a carta que estava prepa
rando para o Conselho; os nossos deputados dirigiram-se, então, para o
navio que os transportara. Pela manhã do dia 20 o Secretário do Gover
nador foi a bordo de nosso navio levando a carta prometida, que foi en
tregue aos deputados. O Secretário pediu-lhes, em nome do Governador,
que lhe mandassem uma tradução, em português, assinada por êles, da
carta que o Conselho lhe dirigira em holandês. Preparada a tradução
pedida e entregue ao Secretário do Governador, êste deixou o navio e re
gressou à terra.
Seu regres
Por volta do meio-dia o navio zarpou da Baía, em sua viagem de re so a Recife.
gresso ao Recife, onde chegou à tarde do dia 28. No mesmo dia os depu
tados deram conta ao Grande Conselho dos resultados de sua missão e
fizeram entrega da carta a êle endereçada por Antônio Teles da Silva,
concebida nos seguintes têrmos:

CARTA DO GOVERNADOR AO CONSELHO: (245)


-
O Sr. Balthazar Van der Voorde, Conselheiro de Justiça, e o Capi
tão Van Hoogstraeten, Comandante em Chefe do Cabo Santo Agostinho, Carta do
deputados de Vs. Excias. entregaram-me a carta em que Vs. Excias. se Governador
dignaram dar-me notícia da revolta de alguns súditos, contra o Governo ao Conse
lho.
de Vs. Excias.. Recebi essa informação como devia e não o teria feito
sem grande surpresa e certa agitação, se não tivesse a minha conciência
tranquila com a segurança de que Vs. Excias. jàmais imaginaram que
essa insurreição tivesse tido a sua origem em meu Governo. E, con
quanto pudesse eu entrar, aqui, a enumerar pormenorizadamente vários
aios de meu Governo, com a idêia de provar aos olhos do mundo e dos
mais poderosos reis e príncipes da Cristandade, que a referida boa har
monia foi de nossa parte rigorosamente mantida, cómo o prometem Vs.
Excias., em carta, ao invés de dar a menor ocasião de aborrecimento ou

(245) Esta carta foi publicada na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Fern., 1887,
n.° 34, p. 111-116.

II
142 JOAN NIEUHOF

dissenção alongando-me sobre os pontos em que os súditos de Vs. Excias.


violaram abertamente a trégua concluída e ratificada pelo Rei, meu Se
nhor, e os Estados Gerais das Províncias Unidas, prefiro não o fazer a
ter que tratar das lamentáveis ocorrências verificadas durante a expedi
ção de Angola justamente na ocasião em que os Estados Gerais auxilia
vam, com suas forças navais, à Coroa de Portugual, e que os nossos em
baixadores no Recife eram informados de que as tropas não se destina
vam a atacar qualquer porto de Sua Majestade, mas sim para serem
empregadas nas índias Ocidentais, conquanto na mesma ocasião empre
endessem estas a conquista de Angola. O mesmo pode-se dizer com re
lação à tomada da Ilha de São Tomé, a cidade de São Luiz-do-Maranhão
e a captura de um navio português proveniente do Espírito-Santo, car
regado de açúcar. O Comissário Greving, foi enviado para cá sob o pre-
têxto de comprar farinha, mas, na realidade, para conhecer as minhas
intenções como ele mesmo o confessa, quando diz em sua carta que,
"conquanto tivesse sido enviado com essa missão (a de comprar farinha)
fora principalmente incumbido de tomar o seu pulso e pôr à prova sua
lealdade". A atuação desleal dos Diretores de Angola na capitulação do
Governador Pedro César Meneses (246); o arrasamento do nosso For-

(246) Pedro César Meneses, terceiro filho de Vasco Fernandes César e de


Ana de Meneses, sucedeu a Francisco de Vasconcelos da Cunha, no ano de 1639.
A 24 de agosto de 1641, apareceu de-fronte a Loanda a frota enviada por Nassau.
A 25 de agosto, tomaram posse da cidade os holandeses. Retirou-se Fedro César
Meneses para Bembém e depois para Bengo e, finalmente, para Massangano. Voltou
a Bengo devido à trégua entre a Holanda e Portugal, mas os holandeses, a 26 de
maio de 1643, atacaram-no em represália aos ataques portugueses à ilha de São
Tomé. Caiu prisioneiro, fugiu para Massangano, onde tomou posse do governo.
(XCII, p. 172-75).
Nessa época, Bengo era habitada por umas 400 pessoas e distava de Loanda
4 horas. Os territórios do Maranhão, Angola e São Tomé foram, em 1648, recon
quistados por Salvador Correia de Sá e Benevides. Sôbre os episódios de Angola,
vide o Manifesto das hostilidades que a gente de que serve a Companhia Ocidental
da Holanda obrou contra os vassalos d'El-Rei de Portugal, neste reino cPAngola,
de-baixo da trégua celebrada entre os Príncipes... Lisboa, na Oficina Craeesbeckia-
na, 1651, 4.°.
Era Ln'V Félix da Cunha secretário do governo no reino de Angola (Inocêncio
da Silva, LXXXV, Tomo V, p- 223). Foi, mais tarde, publicada por Edgar Pres-
tage uma nova edição (Coimbra, 1919, Academia das Ciências de Lisboa, Separata
do "Boletim da classe de Letras", vol. XIII, de acordo com a edição original da Bi
blioteca Nacional de Lisboa). Neste trabalho se conta a história resumida das lutas
luso-holandesas em Ansrola. desde a conquista do reino em 1641, pelo Almirante Cor-
nelisz Jol até a sua restauração em 1648, quando sua capital passou a denominar-se
Cidade de São Paulo-de-Assunção-de-Loanda (LVI, p. 445, nota de Edgar Prestage).
Um curioso autor anônimo do séc. XVII, escrevendo sôbre a restauração do
Maranhão e de Angola, disse: Tôda a água do mar Oceano não lavaria nunca os
portugueses do massacre feito aos holandeses no Maranhão, aos quais prestaram
juramento de fidelidade; outro tanto teriam feito em Angola, se duas pessoas não
tivessem avisado ao governador. Trata-se de um exagero evidente, pois em Bengo,
dos 400 soldados, morreram 7. (XIII, p. 14).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 143

k Arraial, em Bengo; os maus tratos infligidos ao Governador


que, além de sua elevada posição, era General de Sua Majestade;
são ações incompatíveis com as normas da guerra, com os sentimentos
de humanidade e contrárias não só aos costumes das nações mais civili
zadas da Europa como aos dos próprios bárbaros. Da mesma natureza
foi a resposta que deu o seu Conselho ao nosso embaixador que, solici
tando a pronta cessação das hostilidades em Angola, obteve como res
posta a afirmativa de que aquele território não estava sob a nossa juris
dição. Êsse modo de agir está em flagrante contraste com as intenções
sinceras que sempre pus em tôdas as negociações com Vs. Excias.. Haja
vista, por exemplo, o caso do Capitão Agostinho Cardoso e de um tal Do
mingos da Rocha; tão logo Vs. Excias. me apresentaram queixa contra
os referidos senhores no sentido de terem eles se apoderado de uma bar
caça carregada de açúcar, conduzindo-a para este porto, fiz voltar a em
barcação e prendi o capitão, até que fosse remetido para Sua Majestade.
Informado, também, de que um soldado e um morador sob a minha jtu-
risdição (247), João de Campos e Domingos Velho o Sigismundo, haviam
cometido tropelias em sua Capitania de Pernambuco, mandemos enforcar
imediatamente, considerando ser êsse um dever do qual não me poderia
eximir a-fim-de manter as nossas boas relações. Nem mesmo as ocor
rências acima alinhadas me levaram a esquecer as repetidas ordens de
Sua Majestade no sentido de cultivar as relações pacíficas e respeitar
alianças celebradas entre ele e os Estados Gerais, para satisfação de am
bas as partes. Devo, entretanto, confessar que na qualidade de solda
do, que de fato sou (abstendo-me de qualquer consideração sobre os in
teresses do Estado e os deveres de súdito), não achava que devesse supor
tar impassivelmente essas afrontas e nem deixar passar tantas oportuni
dades de fazer justiça. Tudo isso excede em muito a tudo quanto possa
resultar da reunião de alguns portugueses desarmados, um negro descon
tente e alguns rebeldes cuja proteção não pode, como disse anteriormente,
ser posta em paralelo com as diversas provocações a nós feitas, e, por
tanto, o nosso governo não pode ser acoimado de constituir a causa oculta
dessa rebelião, como, alias, Vs. Excias. mesmos houveram por bem con
fessar. Por outro lado não me entregaria à enumeração dos fatos acima,
se me não sentisse obrigado, por dever de lealdade, a dar a Vs. Excias.
esta satisfação. Com respeito à ausência de Henrique Dias, basta dizer
que certa noite deixou ele sua guarda no Rio Real e passou para a outra

(247) A edição inglêsa (p. 68, l.a col., 1." §, linha 49) consigna dois soldados;
o texto holandês (p. 94, 1.» col. linha 38) confere com a cópia publicada na Rev. ao
Inst. Arqueol. e Geog. Pern., 1887-1890, 6.° vol., n." 34, p. 113.
144 JOAN NIEUHOF

margem. Dom Antônio Filipe Camarão, Capitão dos brasileiros, des


pachado em seu encalço, não mais regressou. Estamos na suposição de
que se dirigiram com o fim de atacar o Mocambo dos Palmares do Rio São
Francisco, o que me levou (para evitar qualquer suspeita de estar o meu
governo envolvido em algum ato capaz de quebrar a trégua) a enviar
dois jesuitas incumbidos de persuadi-los a regressar. Foi infrutífera
esta providência, pois que eles se recusaram a obedecer, quer pelo receio
de serem punidos, quer por já se terem engajado aos rebeldes (o que
agora já posso crer que de fato se deu). Depois disso nada mais soube
dêles a não ser o que vim a saber pela carta de Vs. Excias..
Os portugueses sob seu governo comunicaram-me as razões que os
impeliram a esta rebelião, solicitando o meu auxilio na qualidade de s?<-
ditos do Rei meu Senhor. Disseram-me que receavam ser sacrificados
à fúria de 4.000 Tapuias (248) especialmente enviados do Rio-Grande
para esse fim. Para evitar essa calamidade e temendo a ira de Vs.
Excias., provocada pelas falsas acusações dos judeus (os mais pérfidos e
irredutíveis inimigos da Cristandade) , preferiram antes os riscos de uma
penosa fuga, abandonando suas esposas e filhos, a ter de enfrentar as
agruras de uma dura prisão. Dificilmente teria imaginado que Vs. Excias.
se deixariam ludibriar pelas invencionices de uma raça tão desprezada
por todos os povos, a ponto de acreditarem que para aí haviam seguido
pessoas que foram aqui vistas pelos seus próprios deputados. E, ainda
que me seja possível crer que alguns dêsses portugueses receberiam com
prazer a nossa proteção, — sendo muito mais natural que no caso de
opressão antes sofram a de seus próprios reis ou príncipes que a de es
trangeiros, —- entretanto, quando reflito maduramente sobre as propostas
de Vs. Excias., formuladas pelos seus deputados, quais sejam as de forçar
o Capitão Camarão e Henrique Dias a regressar à Baía, bem como
lançar mão de todos os meios para reconduzir os portugueses rebelados
à razão; quando também reflito, de um lado sobre as calamidades e de
outro sobre quão destituido de meios estou no momento para atender seu
pedido, não posso deixar de me preocupar profundamente com o caso, pois
estou certo de que tais chefes não se deixarão facilmente persuadir, visto
como me faltam meios para os subjugar, dada a grande distância em que
se foram acampar, nas matas. Entretanto disposto como me acho a sa-

(248) No texto holandês (p. 95, 1.* col., l.° §) está escrito: vau vier duiseni
Tapuyas, isto é, 4.000 Tapuias. Na cópia publicada na Rev. do Inst. Arqueol. e
Geog. Pern., 1887-1890, n.° 34, vol. 6, p. 115, está escrito 40 tapuias. Só a consult°
ao original é que poderia certificar-nos da cifra exata, o que, infelizmente, não po
demos fazer.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 145

te/azer o mais possível o pedido de Vs. Excias., e também com a idéia


de lhes dar prova da sinceridade do povo português, o qual, ainda que con
tra os seus próprios interesses, jamais deixa de cumprir o que julga ser
seu dever para com os confederados, prontifico-me aceitar o papel de
mediador a-fim-de tentar apaziguar os ânimos com a minha autoridade.
Para êsse fim pretendo enviar-lhes o mais breve possível, pessoas de re
conhecida capacidade, com instruções e poderes suficientes para com
pelir os revoltosos a retornar aos sens afazeres. Se, porém, a tanto se
recusarem, tomaremos providências para reduzi-los pela força, o que
espero possa constituir o melhor meio de restabelecer a tranquilidade em
seus domínios e manter as nossas boas relações. Rogo a Deus que man
tenha os laços de amizade existentes entre os nossos países.

Baía, 19 de julho de 1645,


(Assinado) Antônio Teles da Silva

Na mesma ocasião o Sr. Hoogstraeten fêz o seguinte relato verbal


(249) ao Grande Conselho, em caráter confidencial : Logo após a sua che
gada André Vidal, Capitão Paulo da Cunha e João de Souza dirigiram-se
aos deputados, sendo que o último sentou-se junto a êle (Hoogstraeten) e
perguntou-lhe discretamente se o seu tio Filipe Pais Barreto também es
tava entre os amotinados. O Sr. Hoogstraeten respondeu-lhe que o re
ferido senhor ainda se encontrava em seu engenho. Logo depois, tendo
sido servido o jantar, João de Souza foi convidado para nêle tomar parte,
ao que se recusou, alegando estar de serviço. Entretanto, antes de ter
minar o jantar, João de Souza voltou e convidou Hoogstraeten e Cunha
para fumarem numa sala retirada. Para lá se dirigiram acompanhados
do Secretário Springapple. Ao atravessar uma galeria, Paulo da Cunha
puxou de lado Springapple, enquanto Souza dizia em voz alta a Hoogs
traeten que muito se surpreendera em saber que seu tio Filipe Pais não
havia aderido aos revoltosos. Hoogstraeten redarguíu que Filipe fizera
bem em se manter afastado dêsses acontecimentos cujos resultados se
riam, provavelmente, desastrosos. — Isso é o que o sr. pensa, respon
deu-lhe Souza, mas, tenha um pouco de paciência, e, por ter a certeza de
que o sr. foi sempre amigo dos portugueses, posso assegurar-lhe de que as
cousas correrão bem. Por isso, quero avisar-lhe, como amigo, para

(249) "Relatório do Capitão van Hoogstraeten sobre o seu proceder na Baía,


feito aos senhores do Supremo Conselho no Brasil", pub. na Rev. do Inst. Hist.
Geog. Bras., Tomo 42, vol. 146, 1922. Rio, Imprensa Nacional, 1926, p. 206-210.
Êsse relatório foi traduzido pelo Padre Frei Zacarias van der Hoeven, O. F. M.
146 JOAN NIEUHOF

tomar cuidado com a sua pessoa, pôr u salvo a si, sua senhora, filhos e
bens. Mas se quiser prestar um serviço ao Rei, meu Senhor, e ao Gover
nador, será largamente recompensado e não lhe faltarão nem dinheiro,
nem terras, nem engenhos. Terá um hábito de Cristo e dar-se-lhe-ão duas
ou três comendas. Por isso, nada lhe faltará, mas terá tudo quanto de
sejar (250).
Um tanto embaraçado com essa conversa Hoogstraeten disse-lhe que
estava disposto a prestar qualquer serviço ao seu alcance, tanto ao Rei
como ao Governador. Entretanto, não podia imaginar que espécie de in
cumbência lhe seria dada. Ao que Souza respondeu : Estou certo de que
o sr. poderá prestar muito bons serviços ao Rei. Então, retrucou Hoo
gstraeten, diga-me de que maneira. — Pois não, respondeu Souza, o sr.
é o governador do Cabo Santo Agostinho, pois não? Sim, confirmou
Hoogstraeten. Então, continuou Souza, o que se quer do sr. é que nos
entregue o dito forte com todas as suas obras, a-fim-de que possamos de
sembarcar nossos homens pelas vizinhanças. Se o sr. prometer fazê-lo,
terá larga recompensa e será feito Comandante de nossas tropas da mi
lícia. A isso respondeu o Sr. Hoogstraeten: transações dessa natureza
são incompatíveis com o meu juramento e a minha dignidade. Interrom
pida a conversa pela entrada de outra pessoa na galeria, João de Souza e
Paulo da Cunha seguiram por outro caminho. O Sr. Hoogstraeten di-
rigiu-se então ao sr. Springapple com um ar aborrecido : O que imaginam
esses cães? Acaso têm-me eles por traidor? Ia prosseguir quando
Cunha e Souza, voltando à galeria levaram-no para um lado e assegura-
ram-lhe de que ele poderia estar certo de que todas as promessas seriam
cumpridas e que, se quisesse dinheiro, tê-lo-ia imediatamente. Quanto
ao resto, conduzí-lo-iam só, ao Governador, afim-de ouvir de sua própria
boca a confirmação de quanto lhes haviam dito. O Sr. Hoogstraeten res
pondeu: O que o sr. deseja não está em minhas forças prometer; jamais
agiria dessa forma, mesmo porque tenho promessas de ser promovido a
sargento-mor logo após o meu regresso, e, então, naturalmente ser-me-á
dado outro lugar. Durante essa conversa, entrou na galeria o Sr. Baltha-
zar Van der Voorde em companhia do Sr. André Vidal que o havia entre
tido enquanto os outros falavam com o capitão. Aproveitando-se da opor
tunidade o Sr. Van der Voorde, já que caminhavam lado a lado, murmurou

(250) Na edição inglêsa foram suprimidas certas passagens dêsse trecho. Por
essa razão, traduzimo-lo diretamente do holandês. Vide p. 96, l.a col. 4.° § da ed.
holandesa e p. 69, 2.a col. da inglêsa. Cf. com a tradução do Frei Zacarias van der
Hoeven, p. 207, vol. 146, Tomo 92 (1922), 1926, da Rev. do Inst. Hist. Geog. Brás.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 147

ao ouvido do Sr. Hoogstraeten : Gostaria de me livrar dele um pouco para


falarmos em particular. Não sei qual sejam seus planos, mas receio que
me matem, ou pelo menos me detenham aqui. O Sr. Hoogstraeten ia res
ponder, mas não pôde porque aproximavam-se os srs. Souza, Cunha e
Pedro Correia da Gama (êste conhecedor da língua holandesa) (251), de
maneira que o Sr. Hoogstraeten e seu companheiro acharam melhor se
pararem e fingir que tratavam de assunto muito diverso. Tendo o Sr.
Hoogstraeten dito, então, a Souza que tinha muita vontade de fazer uma
visita à D. Catarina de Melo, sogra de Filipe Pais, respondeu-lhe seu
interlocutor que pediria licença ao Governador. Obtida a permissão, o
Sr. Hoogstraeten dirigiu-se para a casa dessa senhora, em companhia
de Souza, e, ao sair da galeria, disse em voz baixa a Van der Voorde:
Terão prêsa pelo rabo uma enguia lúbrica (252). Quando' se encami
nhavam para a casa da sra. Catarina de Melo, Souza e Cunha repetiram
mais uma vez tôda a história, tentando encorajar o Sr. Hoogstraeten com
esperanças e promessas de grandes recompensas, tanto da parte do Rei
como da do Governador, com quem disseram que êle deveria se entender
em particular com respeito à transação. A entrevista se realizaria da se
guinte maneira. Quando voltassem da casa da Sra. Catarina de Melo e
se dirigissem à casa de Pedro Correia da Gama, onde Van der Voorde os
aguardava, Cunha iria ter com o Governador, secretamente, a-fim-de com
êle combinar que, quando os srs. Hoogstraeten, Van der Voorde, Souza e
Cunha fossem a palácio, o Governador, por intermédio de seu Secretário,
pedir-lhes-ia que esperassem um pouco. Enquanto isso Souza convida
ria o Sr. Hoogstraeten para tomar um copo de vinho, e, com êsse pre
texto, levá-lo-ia para a sala do confessor do Governador, onde se reali
zaria a entrevista secreta.
Assim foi que, enquanto Hoogstraeten e Souza se dirigiam à casa
de Pedro Correia da Gama, Paulo da Cunha foi ter com o Governador e
Souza ficou a falar-lhe exclusivamente das probabilidades de sucesso de

(251) Nieuhof escreveu: wel duitsche verstond (p. 97, l-a col., 1.° §). O tra
dutor inglês escreveu: "compreendia bem holandês", (p. 70, l.a col.): the last of
whieh understood Dutch. O Revmo. Frei Zacarias van der Hoeven (Rev. Inst. Geog.
Bras., 1922, vol. 146, p. 20) traduziu: "entendia bem o alemão". Hoje Duitsche, em
holandês, significa alemão, mas já significouo antigo holandês e o flamengo. Na
letra do Wilhelmus van Nassau, que vem em anexo, encontra-se: WUhelmus van
Nassau we Benick van Dnytschen Bloet. . . Cf. anexo I.
(252) Nieuhof escreveu (p. 97, l.a col.. 3." §): Zy zullen een gladde ael by de
siaert hebben. O Revmo. Frei Zacarias van der Hoeven (ob. cit., p. 208) traduziu:
'Terão prêsa pelo rabo uma enguia lúbrica"- O tradutor inglês verteu livremente:
"They have catch'd a Mackrel, for I intend to Act the Hviaocrite to the Life", (p. 70,
1» col. l." §). Evidentemente, a tradução foi bastante livre.
148 JOAN NIEUHOF

sua emprêsa contra o Brasil holandês, dizendo-lhe que o Governador es


tava apenas à espera da chegada de Salvador Correia de Sá e Benevides,
que devia vir do Rio-de-Janeiro com três galeões, um que viera de Por
tugal e dois que haviam sido feitos no Rio-de-Janeiro, além de outros
navios; que para essa expedição estavam destinados 2.500 homens, além
dos que já se achavam mobilizados em Pernambuco, força essa que deve
ria ser despachada da Baía e desembarcada no Cabo Santo Agosti
nho (253). — Aí está, disse Souza, o que o Governador lhe pede.
Apenas tinham êles defrontado a casa de Pedro Correia da Gama,
quando André Vidal chegou e lhes comunicou que o Governador estava
pronto para recebê-los. Dirigiram-se então a palácio onde, chegando à
antecâmara, o Secretário do Governador pediu-lhes que esperassem um
pouco, enquanto acabava de fechar a correspondência. Assim foi que, en
quanto alguns portugueses entretinham o Sr. Van der Voorde junto à
janela, Souza convidou o Sr. Hoogstraeten para tomar um copo de vinho.
Tendo compreendido o convite, o Sr. Springapple, Secretário da Embai
xada, disse que os acompanharia, mas o Sr. Paulo da Cunha e outros poi-
tugueses imediatamente encetaram conversa com êle, levando-o para outro
lado, de maneira que o Sr. Hoogstraeten foi conduzido à sala do con
fessor.
Entrevista Dentro de poucos minutos o Governador Antônio Teles da Silva en
secreta do trou na sala e cumprimentou muito cortêsmente o Sr. Hoogstraeten.
Sr. Hoogs- Sentando-se em uma cadeira, junto ao emissário holandês, deu ordem
traeten com
para que fechassem a sala, não sendo nela admitida pessoa alguma, além
o Governa
dor. das presentes, entre as quais se achava Souza. Disse então o Governador
ao Sr. Hoogstraeten que tinha sempre notado ser êle amigo dos portu
gueses e que esperava que assim continuasse, não recusando a oferta que
lhe havia sido feita por intermédio de Dom João de Souza em nome do
Rei e no dêle próprio. Afirmou não ser intenção de qualquer um dos dois
entrar em guerra com os holandeses, mas tão somente reivindicar aquilo
que de direito pertencia ao Rei de Portugal, D. João IV, e que, se o Conde
Maurício de Nassau tivesse permanecido por mais tempo no país, teria
auxiliado a realização dêsse desígnio. O Sr. Hoogstraeten disse que
teria prazer em saber de que maneira poderia serví-lo. Foi o que o ar.
já ouviu do Sr. Souza, disse o Governador, e eu desejo que o sr. se torne

(253) O tradutor inglês não foi fiel, ao escrever (p. 70, 2.a col., 1° §) : Salva
dor de Sá e Benevides, who were expected with four Galleons from Rio de Janeiro,
beaides some other ships; and that 2500 Men were designed for this Expedition,
besides those already in Arma in Pernambuko, who were to be sent from Bahia,
and to be landed on the Cape of St. Austin. Comparar com o texto português e o
holandês (p. 97, 2.a col. 1.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 149

inteiramente português. O Sr. Hoogstraeten fêz sentir ao Governador


que o que êle lhe pedia estava acima de suas forças, visto como, imediata
mente após à sua volta, seria promovido a Major e, consequentemente,
ser-lhe-ia dada outra posição. Retrucou então o Governador : Não é pre
ciso o sr. se preocupar com posições honoríficas ou rendosas, entre nós;
mas talvez não seja conveniente discutirmos agora estes pontos, para
que o Sr. Van der Voorde não desconfie. Todavia, pretendo mandar dois
embaixadores (um dêles será o Sr. Paulo da Cunha) ao seu Governo, os
quais levarão poderes para acertar êsse assunto com o sr. E, acrescentou
o Governador, estendendo a mão ao Sr. Hoogstraeten, asseguro-lhe em
nome do Rei e no meu próprio, que tudo quanto o Sr. Paulo da Cunha
então lhe prometer, será fielmente cumprido.
Alengando, então, que não mais se demoraria a-fim-de não levantar
suspeita entre os colegas, o Governador retirou-se para o seu salão. Tão
logo os srs. Hoogstraeten e João de Souza deixaram a sala, o Governa
dor mandou que entrassem os delegados batavos, para com êles tratar das
propostas apresentadas em nome do Conselho do Brasil Holandês. Quan
do se encaminhavam para a sala do Governador, o Sr. João de Souza di-
rigiu-se novamente ao Sr. Hoogstraeten, em voz baixa, perguntando-lhe
se seria obrigado a aceitar o pôsto de major; ser-lhe-ia tão fácil dizer
que preferia permanecer como governador da praça, onde se achava,
certo de que quando passasse para o lado dos portugueses, não lhe falta
riam posições dignas de um bom soldado como era êle. O Sr. Hoogstrae
ten, que não se deixava levar por tais promessas, estava ansioso para
voltar para bordo o mais breve possível a-fim-de poder comunicar tudo
ao Sr. Van der Voorde. De fato assim o fêz logo que se viram a sós,
na cabina, cuja porta fecharam cuidadosamente (254).
Enquanto isso se passava, o Conselho do Brasil Holandês discutia,
de 5 a 10 de julho, se, para a segurança do país, não necessitariam do
auxílio dos tapuias sob o comando de seu rei Janduí (255) residente

(254) Aqui Nieuhof terminou o relatório de Hoogstraeten. Segundo o texto


do folheto Extraet ende Copye, traduzido pelo Revmo. Padre Frei Zacarias van der
Hoeven e publicado na Rev. do Inst. Hist. Geog. Bras., 1922, n. 146, p. 210, a rela
ção continua dêsse modo : "... de modo que podemos refletir sôbre o caso sabido só
por nós, o que, entretanto, não podemos calar para vossas excelências, conforme à
honra e juramento. Pedindo publicação em prol do bem-estar da nossa querida pá
tria, como também da minha vida e da família e segurança dos bens, conforme
vossas excelências o acharem conveniente, protegendo-me contra todos os perigos
iminentes, que provierem dessas conversas sucedidas e publicadas, prometo ficar
como fui até hoje e quero ser até morrer, de vossas excelências servo humilde. —
T. V. Hoogstraeten — 1645".
(255) Nieuhof escreveu (p. 98, 2.a col., 2." § e p. 148, 2.a col., 2." §) Jan Duwy,
Zacarias Wagner Jan de Wy (XXXIV, p. 38) ; Laet, Jandovi (XLIX, p. 40) ; Bar
150 JOAN NIEUHOF

Os holande no Rio-Grande. Para êsse fim o chefe indígena já havia reunido grande
ses discu força próximo a Cunhaú, principalmente depois que os portugueses co
tem sobre o meteram tôda sorte de barbaridades contra os holandeses e convocaram
aproveita
mento dos os selvagens denominados Rodelas, da Baía. Entretanto, levando em
tapuias. consideração as devastações que forçosamente acarretaria a marcha de
um povo bárbaro, através do país, julgaram de bom alvitre nada decidir
sôbre êsse ponto, até que se comunicassem com o Tenente-Coronel Haus,
a quem despacharam imediatamente uma carta sôbre o assunto.
A 7 de julho o Tenente-Coronel avisou o Conselho de que pretendia
deixar Muribeca com suas forças, naquele mesmo dia, e, depois de se jun
tar ao Capitão Johan Blaer, atacar o inimigo em São Lourenço. Entre
tanto, por outra carta datada de 16, de autoria do Capitão Blaer, o Con
selho soube que os rebeldes continuavam muito fortes em São Lourenço e
esperavam reforços da Mata, onde haviam obrigado o povo a tomar armas
ao lado dêles. O Capitão pedia reforço de cincoenta homens para desa
lojá-los de lá. O Conselho resolveu, então, despachar correios tanto a
Haus e Blaer como a Haus, ordenando-lhes que reunissem as suas tropas e ata
Blaer têm cassem os rebeldes próximo de São Lourenço, pois do sucesso dessa ope
ordem de se
ração dependia, em grande parte, a conservação do Brasil holandês.
reunirem.
No dia 7 do mesmo mês, o Conselho recebeu carta do Tenente Flem-
ming, datada de Ipojuca, na qual comunicava ter recebido informações
no sentido de que Camarão estava marchando contra êle e que duas com
panhias já haviam atingido o Engenho Pindoba (256). Teve então or
dem para, caso achasse serem suficientes as provisões de que dispunha

laeus, edição latina, 1647, Iandovius, Iandovio (p. 257) ; edição alemã, 1659, Johann
de Wy (p. 693) ; edição holandesa (VIII, p. 240 e 332 respectivamente Joan de Wy
e Jan de Wy; edição brasileira, Janduí ou João Wy (?). (VII, p. 260-261);
Marcgrave (LXX, p. 269), Iandui; Moreau (LIX, 138, 139, 156) Jean Dary; Baro
(IX, 244, 246 e outras pp.) Iandhuy e não como afirmou Rodolfo Garcia (XLI, nota
89, p. 309, vol. II), Jean Dory. Wãtjen escreveu sempre Jandubi (em várias págs.).
Alfredo de Carvalho regista alguma das grafias, sem citar as fontes (XX, p. 659,
nota 3).
Trata-se de nome tupi de chefe tapuia das tribus Parairiús ou Ostchucaianas.
Pertencia ao denominado grupo Cariri. Aliás, quase todos os objetos dos Tapuias
eram designados com o nome da língua geral (XXXIV, p. 42). Significa, segundo
alguns escritores, ema pequena. Aliás, Batista Caetano (III, p. 570) regista no
Guarani yandú = nandú, s. aranha; s. avestruz; yandi = nandu, s. aranha pequena,
aranha que faz teias nas casas. Essa tribu dirigida por Janduí usava, realmente,
peles de ema como ornamento.
(256) Pindora escreveu Nieuhof (p. 99, l.a col., 3.» §). O engenho Pindoba
estava situado na freguesia de Ipojuca, e pertencia a Cosme Dias, que se exilou:
confiscado pela administração holandesa, o engenho Pindoba foi vendido a Mateus
da Costa. Era movido por meio de bois. (XV, p. 146). Em Vingbooms, encontra-se
o rio e o engenho de Pindoba (XCVII, vol. II, mapa 45). Em Barlaeus, (VIII, mapa
de Pernambuco, entre as pp. 24-25), Pindoba. Em Van den Broeck, Pindova (XVI,
p. 6). Segundo Mário Melo, Pindoba, afluente do Ipojuca (LVII, p. 56).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 151

para se manter na posse do mosteiro, retirar-se para Santo-Antônio, O Tenente


quando as tropas de Camarão se aproximassem, a-fim-de melhor fazer Flemming
frente ao inimigo. No mesmo dia Hartsteyn marchou com um destaca tem ordem
mento de 90 soldados e 30 brasileiros das guarnições de Recife e Itama- para se re
tirar para
racá para Ajama e Jaguaribe (257), à procura dos rebeldes. Não en Santo-
contrando, porém, nenhum revoltoso, regressou por volta do meio-dia e, -Antôr.io
na noite seguinte, marchou em direção às tropas de Haus.
Tendo recebido informação, em data de 8, de que Haus pretendia
deixar o Engenho do sr. João Fernandes Vieira a-fim-de atacar os re
beldes em São Lourenço, o Conselho resolveu enviar em seu socorro tôda O Conselho
a fôrça possível visto como do sucesso dessa expedição dependia a ma envia socor
nutenção do Brasil Holandês. Assim foi que duas companhias de in ro a Hau«.
fantaria, sob o comando de Moucheron e Blaer, tiveram ordem de para lá
se dirigir, sem cogitar se antes da chegada dêsse reforço o Capitão Blaer
já se teria juntado ao Tenente-Coronel Haus. De fato, no dia imediato, o
Conselho recebeu comunicação de Haus, dizendo que estava pronto para
se reunir ao Capitão Blaer.
A 10 o Conselho comunicou por carta ao Tenente-Coronel Haus as
informações que havia recebido com relação à situação em Santo-Antônio
Haus recebe
e Ipojuca, ordenando-lhe, ao mesmo tempo que, em socorro das guarni
ordens de
ções dêsses lugares, enviasse as armas e brasileiros que pudesse dispen enviar re
sar, a-fim-de manter livre a passagem entre Santo-Antônio, Ipojuca e forços para
Serinhaém. Sem isso todas as comunicações entre êles e o Recife pode Santo-An
riam ser cortadas pelo inimigo. No mesmo dia foram lidas em Conselho tônio.
duas cartas de João Fernandes Vieira e Antônio Cavalcanti, nas quais
os autores reclamavam contra a severidade das duas últimas proclama
ções. Essas cartas, entretanto, não foram consideradas dignas de res
posta, principalmente porque Amador de Araújo já se tinha, mais ou
menos por essa ocasião, retirado da passagem de Pindorama.
Dois dias antes, o Conselho havia recebido carta do escabino Hoek, da
tada do Rio-Grande, 25 de junho, e informando que até então não se ti
nham registrado comoções naqueles lados, mas, que, a-pesar-disso, desar
mara os portugueses, e, finalmente, que os Tapuias pareciam bem inclina
dos em favor do Govêrno. O Conselho determinou, então, ao Sr. Hoek que

(257) Nieuhof escreveu Ajama e Jegoaribi (p. 99, l.a col., últ. §). Em Ving-
booms (XCVII, vol. II, mapa 47, Itamaracá), são registados o rio Angama e os
engenhos Aujama e Aujama de Baixo, e o rio e engenho Jeguaribi. Alfredo de
Carvalho regista Jaguaribe, como corr. de yaguár — y — pe, no rio da onça (p. 49>.
E' um braço do rio Maria Farinha, na ilha de Itamaracá. No Breve Discurso (XV,
p. 141), segue-se um légua ao norte do Tapado, o Rio Doce. Duas léguas ao norte
deste rio, o rio Ajama e uma légua adiante o Iguarassú.
152 JOAN NIEUHOF

cultivasse as boas relações com os Tapuias, tendo, para tanto, enviado pre
sentes a Janduí, chefe dos selvagens. O Conselho aprovou igual
mente o ato do Hoek desarmando os portugueses. Na mesma data o Pa
dre Manuel, Luiz Braz, Manuel Fernandes de Sá, Gaspar de Mendonça
Furtado e Jerônimo de Rocha, todos portugueses e habitantes do Brasil
Holandês, deram entrada a uma petição em que, alegando haver termi
nado o prazo de seis dias estipulados na última Proclamação para que as
mulheres e filhos dos portugueses revoltados deixassem o país, solicita
vam ao Conselho lhes fosse permitido ficar em suas casas pelo menos
até que melhorassem um pouco os caminhos, tornados intransitáveis pelo
transbordamento dos rios. Todavia, considerando que os rebeldes por
tugueses forçaram o povo, por meio de ameaças e de outras maneiras vio
lentas, a tomar armas contra o Govêrno, a petição foi indeferida.

A 13 de julho, o Conselho foi informado por carta de Haus, datada


de 12, que havia atravessado o Capibaribe e, marchando pela Mata em
direção ao engenho de Arnão de Olanda, encontrara 400 revoltosos que,
Os rebeldes
fogem na ante a aproximação de suas tropas, fugiram para Muribeca, tendo, porém,
vanguarda perdido alguns homens; daí poderão, sem dificuldade, marchar para a
de Haus. Mata do Brasil. Informou, ainda, o Tenente-Coronel, que estava pronto
para deslocar suas forças em direção a Tapacurá e daí para São Lourenço,
onde aguardaria ordens do Conselho. Êste despachou imediatamente or
dens a Haus para que perseguisse e atacasse os rebeldes, o mais rapida
mente possível, antes que tivessem tempo de se distanciar muito e para
impedir que se acampassem em lugar onde lhes fosse fácil o abasteci
mento, pois as suas reservas estavam reduzidas a ponto de não pode
rem suprir a tropa. Haus já havia, até certo ponto, providenciado a
respeito, tendo também enviado reforço de 100 homens e uma Companhia
de brasileiros sob o comando do Capitão Fallo, ao Sr. Ley, Governador
de Muribeca e Santo-Antônio. O Conselho ordenou também ao Gover
nador do Cabo de Santo Agostinho que ampliasse as fortificações com
paliçadas. Recebeu, ao mesmo tempo, comunicação do Sr. Ley, de San
to-Antônio no sentido de que os rebeldes, sob o comando de Amador de
Araújo e Pedro Marinho Falcão se haviam postado ao alcance da vista,
no Engenho Novo, acrescentando que logo que recebesse reforços, não
tinha dúvida que os expulsaria de lá, pois haviam falhado as tentativas
de Amador de Araújo para conseguir que o povo de Ipojuca tomasse ar
mas contra o Govêrno.
Recebera, também, o Conselho informações do Sr. Carpentier, de
Goiana, dizendo que lá tudo estava ainda em paz, mas que, enquanto Haus
se ocupava em perseguir os rebeldes em Várzea, Pedro Marinho Falcão,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 153

declarando-se chefe dos rebeldes de Ipojuca, havia conseguido congregar


força suficiente para sitiar a guarnição de Santo-Antônio que não dis
punha de outras provisões além das que recebia da região adjacente.
Conciente do perigo, o Conselho mandou imediatamente ordens a Haus
para que corresse incontinente em auxílio da praça. Recebendo a ordem,
o Tenente-Coronel orientou sua marcha, na mesma noite, em direção ao
Engenho de Luiz Braz, deixando em São Lourenço o Capitão Wiltschut
com uma companhia e todos os doentes.
O Conselho recebeu ainda informação escrita de Paulus de Linge,
datada da Paraíba, 12, dizendo reinar calma nas redondezas, mas que
só com muita habilidade conseguira impedir os índios das aldeias de sa
quear os portugueses, que se mostravam muito aborrecidos por terem sido
soltos alguns tapuias que muito os haviam prejudicado. O Conselho res
pondeu a Linge dando instruções para que tivesse cuidado de evitar que
índios ou batavos saqueassem a propriedade dos lusos ou lhes fizessem
qualquer mal. Nesse sentido o Conselho fêz poblicar na Paraíba a se
guinte proclamação.

PROCLAMAÇÃO

Nós, membros do Alto e Secreto Conselho, tendo recebido frequentes


reclamações, contra pilhagens e roubos praticados pelos soldados e volun
tários, nas propriedades de muitos habitantes do pais, que recentemente
fizeram novo juramento de fidelidade ao Governo, e resolvidos a mantê-
-los na posse de suas propriedades e bens demo-lhes, por esse motivo, as
nossas garantias e os acolhemos sob a nossa especial proteção. Assim,
proibimos a todos os oficiais e soldados bem como aos nossos súditos
tentar saquear qualquer habitante que tenha recebido garantias nossas,
ou de prejudicá-los de qualquer outra maneira, nas suas pessoas ou pro
priedades, sob pena de castigos corporais.

À noite de 15 o Conselho foi informado pelo Sr. Ley, que os rebel


des haviam matado alguns soldados da guarnição de Santo-Antônio en
viados pelas redondezas a-fim-de conseguirem algum gado no Engenho
Iguarassú e que tinham sitiado a praça a ponto de estar a guarnição
privada de receber provisões; dizia mais que, não dispondo de víveres
senão para alguns dias mais, estava sua tropa ameaçada de aniquilamen
to. Esperado em São Lourenço com sua força, naquela noite, o Tenente-
-Coronel Haus, o Conselho enviou-lhe ordem para ir em pessoa ou, pelo
menos, enviar os soldados que pudesse reunir, sob o Comando de Johan
Blaer, em auxílio da praça de Santo-Antônio, pois achava que a segu
154 JOAN NIEUHOF

rança do Cabo Santo Agostinho e de tôdas as províncias meridionais, de


pendia da manutenção dessa praça. Por isso, ordenou também o Con
selho, ao Capitão Fallo, igualmente esperado com uma companhia, bem
como aos índios de Muribeca, que marchassem diretamente para Santo-
-Antônio e lá permanecessem até segunda ordem. Dessas instruções fo
ram informados os srs. Ley e Hek. Tendo Haus, obediente, às ordens re
cebidas, encaminhado sua tropa para Santo-Antônio (a-pesar-do cansaço
de seus homens, depois de longa e tediosa marcha), logo que Pedro Ma
Levanta rinho Falcão soube de sua aproximação, levantou o cerco e, com seu grupo
mento do de cêrca 600 revoltosos aliciados fora dos distritos de Santo-Antônio, Ipo-
cerco de juca e Muribeca, foi se reunir aos rebeldes nesta última cidade.
Santo-An
tônio. No dia 17 de julho, o Conselho recebeu comunicação de Haus, que
se achava em Muribeca, dizendo, segundo informação de Ley e Hek,
Pedro da Cunha (258) havia descarregado em Pôrto-das-Galinhas dois
navios de munições, e que, por isso, Haus tinha para lá enviado o Capitão
Johan Blaer, acompanhado de Hartsteyn, com boa força, composta de
seus melhores soldados e índios. Acrescentava que êle, Haus, não tinha
podido seguir porque suas forças se mostravam extenuadas pelas últimas
caminhadas; por êsse motivo as recolhera aos quartéis, para repousar e
lá aguardaria novas ordens, visto como não julgava necessária sua pre
sença no Recife, já que os inimigos fugiam em sua frente.
O Conselho
Foi então que o Conselho despachou, a 19 de julho, ordens ao Tenen-
envia or
dens a Haus. te-Coronel Haus para continuar aquartelado em Muribeca, conservar-se
de sobreaviso contra os revoltosos que se haviam refugiado nas selvas e
ficar de prontidão para socorrer Santo-Antônio ou Ipojuca, já que a po
sição geográfica de Muribeca a isso se prestava. Se, entretanto, o ini
migo se revelasse por demais forte, deveria retirar-se para o Recife. 0

(258) Parece-nos que Nieuhof se equivocou ao escrever Pedro da Cunha, pois


à p. 108 afirmara que Faulo da Cunha desembarcara e à p. 119 transcreve o ultima-
tum dirigido pelo mesmo aos comandantes de Serinhaém- Realmente, Paulo
da Cunha, depois de desembarcar, seguira para Serinhaém, a-fim-de cercar o forte
(Cf. p. 6, referente a 4 de agosto, em van den Broeck, XVI; Varnhagen, LXXI, 3.°
tomo, p. 27; e Rio-Branco, LXXV, p. 436). Depois de se encontrarem com Amador
de Araújo e Pedro Marinho Falcão, cercaram os restauradores, dirigidos por Paulo
da Cunha, o forte. Calado (XVII, p. 235) escreve que Paulo da Cunha e Cristóvão
de Barros foram avisados da necessidade de cercar a fortaleza por Hipólito Alonso
Vercosa (sic), que veio ter com êles, ao saber que nossa Armada teria desembarcado
em Tamandaré. E' curioso que o mesmo equívoco seja cometido pelo autor de uma carta
escrita a 2 de agosto de 1645, traduzida pelo Padre Frei Zacarias Van der Hoeven,
O.F.M. e publicada na Rev. do Inst. Hist. Geog. Bras., tomo 92, vol. 146, (1922),
Rio, Imprensa Nacional, 1927. Aí se encontra que 2000 a 2500 homens haviam desem
barcado (Nieuhof escreveu 1800 a 2000 homens — p. 107, l.a col. e p. 118, 1.» col.
Cf. p. 164 dêste livro).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 155

Tenente-Coronel Haus teve, também, aviso de que Amador de Araújo,


Pedro Marinho Falcão, João Pais Cabral estavam com os revoltosos que
haviam conseguido se reunir em Santo-Antônio e Ipojuca e que, na ma
nhã anterior, haviam saído do Engenho Moreno Gwrdo a-fim-de se juntar
às tropas de João Fernandes Vieira.
0 Conselho recebeu, também, diversas cartas de Johannes Hoek, Roe-
lof Baro e Jacob Rabbi (259), datadas de 5, 6 e 7 de julho, com relação à
situação reinante no Rio-Grande, dizendo que, diante de ameaça de in
vasão pelas forças de Camarão, provenientes do sul e pelos índios de Cea
rá e Maranhão, haviam desarmado todos os portugueses e recolhido as
armas ao forte de Keulen. Também, por sugestão do chefe Janduí, ti
nham posto sob custódia certo português chamado Antônio Vilela junta
mente com seu filho, acusado por aquêle chefe indígena de conivência no
assassínio de um holandês no Ceará, bem como de estarem envolvidos na
conspiração. Reclamavam também os missivistas contra o mau vêzo
de os portugueses procurarem, por todos os meios, oprimir os batavos das
redondezas, acrescentando que o chefe Janduí e suas forças tapuias
estavam prontos para se lançarem contra os lusos logo que recebessem
ordens. Cientes disso, muitos peninsulares haviam fugido para Paraíba.
Mais ou menos pela mesma época, cêrca de 1.000 índios, sendo 369
homens e os restantes, mulheres e crianças, refugiaram-se na Ilha de-
ítamaracá, onde estavam sendo mantidos com as reservas ali existentes.
Resolveu então o Conselho, a 21 de julho, para lá enviar o Sr. Listry,
como administrador, a-fim-de ver se conseguia que os índios pudessem
providenciar o seu próprio abastecimento, com víveres provenientes das
respectivas aldeias, aliviando assim a Companhia dêsse encargo. Até
então, tudo corria em paz em ítamaracá, Goiana e Paraíba, graças à
dedicação do Sr. Paulus de Linge, Governador desta última. Logo que a
chama da rebelião irrompeu em Várzea, Ipojuca e Olinda, o Conselho,
já de sobreaviso com relação a Paraíba, onde se suspeitava que havia
diversos simpatizantes dos rebeldes, para lá enviou um alto funcionário

(259) A Biblioteca Histórica Brasileira publicará, brevemente, a relação da


viagem de Roelof Baro. Alfredo de Carvalho escreveu excelente biografia de Jacob
Rabbi. (Um intérprete dos Tapuias, 1637-1647, Rev. do Inst. Arqueol. Geog. Pern.,
vol. XIV, 1912, republicado nas "Aventuras e Aventureiros no Brasil", ed. das obras
de Alfredo de Carvalho, sob a direção de Eduardo Tavares, Paulo Pongetti & Cia.
Rio, 1930, p. 165-204). Neste trabalho, traduz Alfredo de Carvalho o inquérito
mandado realizar pelo Supremo Conselho, a-fim-de apurar as responsabilidades pela
assassinato de Jacob Rabbi (p. 177-204). Foi assassinado a mando do Tenente-
-Coronel Garstman, cujo sogro fora imolado em Uruassú, por ocasião de uma das
espoliações cometidas por Rabbi, contra portugueses- Êsse ataque de Tapuias, diri
gidos por Rabbi, realizou-se em outubro de 1645.

r
156 JOAN NIEUHOF

do Tribunal de Justiça, com amplos poderes para tentar manter a ordem


entre o povo, agindo para isso como melhor lhe parecesse. Lá chegando,
teve o funcionário o cuidado de ver que os fortes fossem devidamente
guarnecidos e providos de munições e vitualhas provenientes dos navios
que encontrou no pôrto, por de-trás da Terra-Vermelha. Providenciou
também a detenção de pessoas suspeitas e impôs às demais novo juramen
to de fidelidade ao Governo.
Idênticas medidas tomou o Conselho com respeito aos distritos de
Ipojuca, Várzea, Iguarassú e Goiana, onde obrigou os habitantes que não
haviam abandonado suas residências a prestar novo juramento de obe
diência. Entretanto os socorros remetidos da Baía frustraram tais expe
dientes.
Propostas A 24 de julho, o Sr. Ley chegou ao Recife, procedente de Santo-An-
feitas ao tônio, mandado pelo Sr. Johan Hek, com uma carta credencial aos Altos
Conselho.
Comissários e fêz as seguintes propostas: (260)
I — Que, sabendo-se que diversos jovens e homens válidos, de San-
to-Antônio não obedeceram o edital de alistamento, desejavam que fos
sem baixadas ordens rigorosas obrigando a todos os moradores nos dis
tritos da Cidade Maurícia e de Santo-Antônio, no campo, a tomarem ar
mas em defesa do país.
II — Obrigar a todos os moços que não pudessem servir como volun
tários, às expensas próprias, a se engajarem como soldados, impondo-se-
-lhes a disciplina militar.
III — Que talvez fosse aconselhável retirar a guarnição de Pôrto-
-Calvo a-fim-de parecermos mais fortes no campo.
IV — Dividir as forças de terra em dois corpos a-fim-de melhor se
manterem em campo aberto, pois, considerando-se que agora, ao menor
movimento do inimigo, tôda a nossa força tem de se lançar contra êle,
a guarnição de Santo-Antônio deve ser reforçada, de maneira que possa
despachar uma boa coluna para o interior, em busca das necessárias pro
visões.
Depois de madura consideração, o Conselho foi de opinião :
Resoluções
do I — Que os rapazes de Santo-Antônio, Ipojuca e Muribeca, não de
Conselho. viam ser forçados a servir no forte Santo-Antônio.

(260) O tradutor inglês não foi fiel ao texto holandês, pois omitiu que o Sr. Johan
Hek houvesse enviado Ley. Confronte-se a p. 103, 1.» col., 3.° § da ed. holandesa, com a
p. 74, 2.° col., 2." § da ed. inglêsa.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 157

II —Que os Srs. Ley e Hek teriam autorização para aceitar tantos


voluntários quantos se apresentassem, engajando-os por quatro meses,
mediante o soldo de 9 florins por mês e pagamento de um mês, adianta-
damente. f
III — Era absolutamente contrário a que se abandonasse o forte de
Pôrto-Calvo, que deveria ser defendido ao extremo.
IV — Quanto à divisão das forças terrestres em dois corpos, o Con
selho consultaria o Tenente-Coronel Haus. Aprovou, entretanto, a idéia
de reforçar a guarnição de Santo-Antônio pelos mesmos motivos por êles
alegados.
Por cartas datadas de Sergipe-d'El-Rei, 18 e 27 de julho, o Tenente
Hans Vogel comunicou ao Conselho que havia despachado um destaca
mento, à procura de Camarão, força essa que, conquanto não tivesse en
contrado portugueses ou índios com que combater, aprisionou um portu
guês que levava cartas destinadas ao Rio São Francisco. Êsse portu
guês informou o destacamento batavo que Camarão marchava à frente
de sua tropa, através do São Francisco, com destino à Capitania de Ser-
gipe-d'El-Rei, e que três ou quatro navios ou caravelas, sob o comando de
André Vidal, tinham partido da Baía, com destino a Maranhão e Ceará.
0 Tenente Vogel enviou ao Conselho as cartas encontradas em poder do Apreensão
português, as quais davam a entender que a origem do movimento esta de algumas
va entre os baianos, ou pelo menos que estes se achavam inteiramente cartas
remetidas
informados sôbre o curso dos acontecimentos e tinham fornecido so ao Conse
corros. Entre outras, havia uma carta do bispo daquela Capitania, lho.
dirigida a uma certo frade do Recife, na qual o autor dizia esperar encon-
trar-se com o destinatário dentro de pouco tempo. Por êsse motivo o
fiscal teve ordem de investigar o caso a-fim-de encontrar o restante da
correspondência trocada entre êsses dois clérigos.
Enquanto isso, os tapuias do Rio-Grande (conforme carta do Sr. de Os tapuias
Linge, datada de 19 de julho) massacraram em 16 do mesmo mês 35 trucidam 35
portugueses, nos engenhos de Cunhaú (261) que se achavam no rol dos portugueses.
quchaviam entregue suas armas, em obediência à Proclamação. O fato
causou profunda comoção entre os portugueses das redondezas, especial-

(261) Sôbre o massacre de Cunhaú, vide Breve, verdadeira e autêntica Relação


das últimas tiranias e crueldades que os pérfidos dos holandeses usaram com os
moradores do Rio-Grande, separata do vol. XXVI, das Publicações do Arquivo Na
cional, constante de 300 exemplares. Oficinas Gráficas do Arquivo Nacional, Rio,
1922. Foi, pela primeira vez, publicada por Manuel Calado, no Valeroso Lucideno e,
mais tarde, transcrita por J. B. Fernandes Gama, nas Memórias históricas da Pro-

12
158 JOAN NIEUHOF

mente da Paraíba onde abandonaram suas casas, de maneira que, temen


do fossem êles se reunir aos rebeldes, sob pretêxto de defesa própria, o
Sr. de Linge pediu reforços a-fim-de atemorizar os tapuias. Ordenou,
por isso, o Conselho que o Pregador Astetten e o Capitão Willem Lam-
bertsz à frente de sua companhia de infantaria, além de 20 fuzileiros e
um destacamento de 50 homens, da guarnição de Paraíba, se encarregas
sem de conduzir os tapuias para o Recife. Jacob Rabbi, seu coman
dante, teve ordem de seguir com êles e Roelof Baro foi encarregado de
providenciar acomodações no pôrto.
Haus tendo, já por essa ocasião, proporcionado bom descanso à sua
tropa de Muribeca, escreveu uma carta ao Conselho, em data de 1.° de
agosto, pedindo ordem para partir no encalço dos rebeldes, a-fim-de ata
cá-los antes que recebessem estes os reforços esperados. Recebidas as
O Coronel instruções solicitadas, o Coronel Haus atacou os revoltosos no Engenho
Haus entra de Baltasar Moreno (262). A princípio, isto lhes foi favorável, pois êle
em contacto os afungentava e perseguia de um lugar para outro, até que, finalmente,
com os re
a 3 de agosto, chegou aos acampamentos dos portugueses, que ficavam
beldes.
numa montanha alta, íngreme, entrincheirada e fortificada, chamada,
pelos habitantes, Santo Antônio, e, pelos portugueses, Real Novo; a qual
só possuía um lugar de acesso. O Coronel Haus, porém, assaltou e ata
cou o inimigo, na esperança de tomar a posição, pela bravura dos nossos
e, assim, pôr têrmo à guerra. Mas, visto que os rebeldes na montanha
fossem muito fortes e continuassem com vantagem, fizeram com que
Haus se retirasse com a perda de mais de 100 mortos e feridos, embora
outros avaliassem a perda em 500 homens. Entre os mortos se encon
Os holande trava, também, o Capitão Loor (263).
ses, batidos,
retiram-se Depois dessa derrota, ciente de que o inimigo esperava receber a
para o qualquer momento reforços da Baía, Haus retirou-se para o Recife, onde
Recife. suas tropas se tornavam indispensáveis para a defesa da praça.

víncia de Pernambuco, 1844-48, vol. III, p. 80; e também por José de Vasconcelos, em
"Datas célebres e fatos notáveis da Historia do Brasil", Recife, 1869.
Quem dirigiu a matança foi Jacob Rabbi (vide nota 259).
O texto inglês suprimiu a data do massacre, dando somente a data do recebimento
da carta (cf. p. 104, 1.» col., 3.° § da ed. holandesa, com a p. 75, l.» col., 4.° § da ed.
inglêsa).
(262) Baltasar Gonsalves Moreno era proprietário do engenho Nossa Senhora
da Apresentação, que era movido a água (XV, p. 148). Em Castrioto Lusitano
(XLIV, p. 290) se diz que demorava a légua e meia do Monte das Tabocas. (Cf. p.
165 dêste livro e p. 16, III de Varnhagen).
(263) O Barão de Rio-Branco (LXXV, p. 430), criticando ter sido Varnhagen
infiel na transcrição de um texto de Moreau, decisivo para a reconstituição do local
da luta, que se iniciou a 31 de julho e findou com a vitória dos brasileiros a 3 de
agosto de 1645, incorreu, por sua vez, em lapso idêntico, pois a sua citação de Nieuhof
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 159

A primeiro de julho, Gonçalo Cabral de Caldas, que, instigado por Dois portu
João Fernandes Vieira, havia assumido a chefia dos rebeldes de Goiana, gueses con
foi condenado à morte pelo tribunal de Justiça. Idêntico destino aguar denados à
morte.
dava Tomaz Pais, morador de Tijipió, que tinha tentado congregar tro
pas para João Fernandes Vieira (264). No mesmo dia o Grande Con-

é inteiramente arbitrária. Assim é que êle escreve: "Bery Santantan", enquanto


que o trecho de Nieuhof está assim redigido: aen hunne legerplaetse quam, de welke
een hooge, steile en rontom getrencheerde of beschanste en geaterkte bergh was, SAN-
TANTON by cPinwoonders, en by de Portugesen REAEL NOVO genoemt: (p. 104,
2.* col., 3.° §). Convém indicar que o próprio texto citado de Moreau, talvez por erro
de impressão, está, também, truncado.
Quanto ao número de feridos e mortos de ambos os lados, a variação dos cronistas
é impressionante. Segundo Calado (XVII, p. 204, 1.* col.), as forças holandesas eram
constituídas de 1500 soldados e 800 petiguaras, enquanto que os portugueses conta
vam com 1200 soldados e apenas duzentas espingardas. (Na p. 203, fala em mosque
tes e, na p. 204, por duas vêzes, em espingardas). Os outros soldados estavam
armados com dardos, facões, espadas, rodelas e paus tostados. Oito foram os mortos
e trinta e dois os feridos, dos quais três vieram a morrer, sendo de 254 as perdas ho
landesas — Rafael de Jesús (XLIV, p. 292 e 308) calcula as forças holandesas em 1500
soldados e 800 indígenas, e as restauradoras em 1300 e 100 (p. 308), escravos e índios,
também armados com 200 espingardas e outras armas, como cutelos, paus, espadas en
ferrujadas "que podiam maguar, mas não feriam". Foram de 370 as perdas sem contar
as feridos, entre os holandeses, e 28 os mortos e 37 feridos entre os nossos, exclusive ne
gros e índios. Do lado holandês, Mattheus van den Broeck calcula em 200 homens per
didos, entre os quais o Capitão Andries Fallo, Capitão Sickema, Tenente Hoyekesloot,
Tenente Jacob Hamel e Tenente Schot. No Diário ou Breve Discurso sôbre a
ftbpldia, XXIX, n. 127) calcula-se entre os holandeses de 30 a 40 mortos e 163
feridos. Além dos citados por Mattheus van den Broeck (XVI), dá, também, o Capitão
André van Loo, de Dort, e o Alferes Dorville, e, entre os portugueses, 460 mortos e
6 feridos, dentre os seus principais. — Moreau (LIX, p. 71) fala em 100 mortos.
Dentre os historiadores modernos, o Barão de Rio-Branco (LXXV, p. 437) aceitou o
cálculo de Calado, quanto aos mortos e, quanto aos feridos, avaliou-os em 37. — Fi
nalmente, Varnhagen (LXXIII, p. 279) foi o primeiro a mostrar os exageros a que
se entregaram os cronistas portugueses, entre os quais Calado, que avaliou as perdas
dos holandeses em 350 homens.
Essa primeira luta tem duas vantagens principais: em primeiro lugar, propor
cionar armas de fogo e munições tiradas aos inimigos mortos (Capistrano de Abreu,
(I, p. 105) ; o que é exato, pois Calado queixava-se da falta de armas entre as forças
restauradoras e lamentava que o inimigo pelejasse com palanquetes e balas enramadas
e muitas delas ervadas, segundo se viu, porque nas bolsas dos mosquetes, que os
mortos deixavam se achou toucinho (XVII, p. 203, 1.» col.) ; e Rafael de Jesús (XLIV,
p. 306) escreveu: não houve soldado que se não armasse com escolha e indio que se
não vestisse com vaidade. Em segundo lugar, conforme afirma Handelmann (XL, p.
232) : de fato era enorme o feito; não somente o exército dos patriotas havia susten
tado com sucesso a prova de fogo e imposto a realidade da revolução, mas, também
por seu triunfo êle ficava senhor do interior do pais e as fôrças militares holandesas
tinham que se recolher absolutamente às suas praças fortificadas.
(264) O tradutor inglês escreveu 1.° de agosto, enquanto no original está 1.° de
julho. Vide p. 104, 2.° col., últ. § da ed. holandesa e a p. 75, 2.° col., 2.° § da ed. v
inglesa.
Nieuhof escreveu Tienpio, (p. 104, 1.* col.). Trata-se de Tijipió. (Cf. Varnha
gen, LXXII, 3.° vol., p. 28).
Nieuhof escreve Lagomar, S. Alexo, Porto Dosser, Nambous, ou Lagamar do
Marakaipe (p. 107, 1.» col., 3.°, 4.° e õ-° §§). Na carta escrita por Antônio Teles da
Silva, datada da Baía, de 21 de julho de 1645, cuja tradução do holandês foi publicada
160 JOAN NIETJHOF

Rebelião selho recebeu informação de Serinhaém (as cartas secretamente conduzi


em das à noite, num pequeno bote que desceu o rio até o litoral) dizendo que
Serinhaém.
os rebeldes estavam se tornando muito numerosos pelas redondezas e que,
senhores do rio, tinham afundado todos os barcos e saqueado o Engenho
Formoso, de onde roubaram os negros e mataram os animais pertencen
tes aos holandeses, mas não tocaram nos dos portugueses. Convicto de
que nada, a não ser a força, poderia subjugar os rebeldes, e que, dia a dia,
recebiam êles reforços da Baía, ao passo que as forças holandesas di
minuíam, o Conselho resolveu, a 1.° de agosto, enviar para a Holanda o
Sr. Balthazar Van der Voorde, Conselheiro do Tribunal de Justiça a-fim-
-de lá relatar ao Conselho dos XIX a verdadeira situação do Brasil Ho
landês e pedir socorros imediatos. Obediente às ordens do Conselho o
Sr. Van der Voorde zarpou no dia seguinte para a Holanda, levando as
seguintes instruções e credenciais.

O SR. VAN DER VOORDE ENVIADO PARA A HOLANDA COM


CREDENCIAIS.

Aos Nobres, Honrados e Ilustres Senhores:


Conquanto os rebeldes não se refiram, nem de leve, à autoridade
real, ao contrário, coloquem a revolta sob a égide da Liberdade Divina,
sempre fomos de opinião que a rebelião dos nossos súditos portugueses
foi não somente iniciada com o consentimento do Rei de Portugal, —
ou pelo menos do Governador da Baía, — como ainda é encorajada e fo
mentada pela sua autoridade e conduta. Pois, como se poderia imaginar
que Camarão e Henrique Dias, bem como outros chefes rebeldes, ousa-

na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Pern., n.° 34, 1887, p. 82-84, se encontram as mes
mas informações, o que faz supor que Nieuhof haja escrito baseado nesta carta, que
foi apreendida pelo Almirante Lichthart, quando derrotou J. Serrão de Paiva. Na
mesma revista (p. 74-98), encontram-se, também, tôdas as outras cartas apreendidas.
A carta a que acima nos referimos diz : ... tratará de dar desembarque à gente, com
aviso aos pilotos mais práticos, para maior segurança em Una, Lagamar ou Taman-
daré, que fica 3 léguas ao sul da ilha de S. Aleixo. Não vindo a tomar os referidos
portos, tomará o de Fernambuis (?) ou o lagamar de Maracaípe, que demora ...
(em branco) léguas ao norte da dita ilha de S. Aleixo; e se, tendo feito toda a neces
sária diligência, não puder tomar nenhum dos mencionados portos, buscará o das
Galinhas, procurando em todo o caso desembarcar a gente entre Barra Grande e o
porto das Galinhas, com a recomendação de que mui atentamente vigiará que os navios
não sejam desviados dessas paragens por correntes e ventos, e acontecendo que à
tarde ou à noite cheguem diante da Barra Grande lançarão âncoras, para trazerem
a terra sempre bem reconhecida.
No "Breve Discurso sôbre as quatro capitanias conquistadas" (XV, 140-1), men-
cionam-se, também, o pôrto de Barra Grande, Lagamar e Maracaípe.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 161

riam nos atacar sem sua aprovação? Também, sempre foi nossa opinião
— à vista da atual situação de incerteza, reinante em Portugal e da alian
ça existente entre o Rei e os Estados da Holanda, contra a Espanha —
que, antes de se convencer da possibilidade de conquistar todo o Brasil
Holandês, o Rei jamais consentiria em que os atos dos capitães rebeldes
e os socorros a estes prestados tivessem o seu beneplácito ostensivo; e isso
a-fim-de evitar que a quebra da confiança e todo o seu cortejo de conse
quências desastrosas desabasse, um dia, sobre sua cabeça. Desde então
as nossas cogitações se vêm realizando diàriamente, pois, pela resposta
dada à nossa carta e que anexamos à presente, o Governador da Baia,
Antônio Teles da Silva, nega ter tido conhecimento e muito menos coni
vência na conspiração; lança tóda a responsabilidade dos acontecimentos
sobre os cabeças, que recusaram acatar suas ordens, e dispõe-se a enviar
emissários para tentar o apaziguamento dos ânimos revoltados. Pro-
pôe-se, ainda, o Governador a subjugá-los pela força, obrigando-os a de
por as armas, caso se recusem a obedecê-lo. Entretanto, o relatório ela
borado e assinado pelos srs. Van der Voorde e Hoogstraeten, permite-
-nos fazer idéia de quão pouco se harmonizam os protestos formulados
pelo Governador, no sentido de pôr têrmo à rebelião, com as suas verda
deiras intenções. Nesse documento encontram-se as seguintes palavras
textuais de Antônio Teles da Silva: que "os índios e negros foram dis
persados por ordem expressa de Sua Majestade, o Rei de Portugal". Os
inclusos extratos das várias cartas remetidas da Baía e apreendidas aos
respectivos correios, pelas nossas forças, em Sergipe, demonstram clara
mente que diversos baianos, entre os quais se conta o próprio bispo, já,
em maio último, tinham conhecimento das intenções de João Vieira e
seus apaniguados. Adicionem-se a isto as declarações feitas e assinadas
pelo Capitão Diederik Hoogstraeten, com respeito às propostas a ele fei
tas em particular, quando lá esteve a serviço da Companhia, na qualidade
de um de nossos deputados, declarações essas que desmentem categori
camente a resposta que nos dirigiu o Governador e se terão desvendados
os seus secretos intentos. Portanto, tomando como advertência os fatos
expostos — pois, enquanto os rebeldes recebem suprimentos constantes
da Baía, de nossa parte só nos é lícito esperar um progressivo enfraque
cimento — achámos conveniente determinar que o Sr. Balthazar Van
der Voorde, Conselheiro de nosso Tribunal de Justiça, aí fosse a-fim-de
relatar pessoalmente a Vs. Excias. membros do Conselho dos XIX, de
maneira mais ampla do que o poderíamos fazer por escrito, a deplorável
situação em que nos achamos. Estamos certos de que Vs. Excias. se
decidirão a nos enviar urgentes socorros a-fim-de nos habilitar a restabe
162 JOAN NIEUHOF

lecer a situação e libertar nossos súditos do perigo iminente que pesa


tanto sobre suas vidas como sobre suas propriedades. Esperamos, por
isso, que Vs. Excias. proporcionem boa acolhida ao Sr. Balthazar Van
der Voorde.

Recife, 2 de agosto de 1645.

Preparam- Imediatamente após terem partido da Baía os dois enviados holan


-se os portu deses, Sr. Van der Voorde e Capitão Hoogstraeten, no dia 20 de julho, o
gueses para
Governador Antônio Teles da Silva expediu ordens para que as forças de
a invasão
do Brasil terra e mar se reunissem imediatamente a-fim-de embarcar em doze na
holandês. vios que já estavam providos de armas, munições e víveres, para êsse fim.
A frota estava sob o comando supremo de Jerônimo Serrão de Paiva e as
forças terrestres seguiam sob as ordens do Coronel Martim Soares Mo
reno e André de Negreiros, oficiais a serviço do Rei de Portugal. As or
dens dadas pelo Governador ao Almirante, em data de 20 de julho, di
ziam, em resumo, que, informado pelo Grande Conselho do Brasil holan
Pretextos dês da insurreição dos portugueses residentes em Pernambuco, tinha êle
para a in achado de bom aviso armar essa frota, a-fim-de pôr breve fim às desor
vasão.
dens, pois estava disposto a atender o pedido do Conselho à vista da sin
cera amizade existente entre êste e a Coroa de Portugal, amizade essa
que tinha ordens expressas de Sua Majestade para respeitar, a-pesar-de
ter o Conselho declarado em carta que dirigiu, a 13 de agosto, ao Sr. Sal
vador Correia de Sá e Benevides que não desejava auxílio da parte do
Governador da Baía contra os portugueses rebelados.
As instru O Almirante português levava instruções no sentido de fazer sua
ções do Al
esquadra rumar da Baía para Pernambuco, mantendo-se a uma dis
mirante por
tuguês. tância de 20 a 30 milhas de terra. Atingindo os 10 graus, deveria aproxi-
mar-se do litoral, e, se verificasse que o vento soprava forte, do Sul,
antes de atingir a altura predeterminada, deveria ter muito cuidado pa
ra não ultrapassar aquêle ponto à noite. Depois de inspecionar a re
gião e de se aconselhar com seus melhores pilotos, deveria tentar
o desembarque de seus homens, nos lugares mais seguros que conse
guisse encontrar pelas vizinhas: Una, Lagamar ou Tamandaré, três
milhas ao sul da Ilha de Santo Aleixo. Se, entretanto, não pudesse fran
quear nenhum dêsses portos, o Almirante deveria entrar em Dosser, Nam-
bour ou Lagamar de Maracaípe (265), situado duas milhas ao norte de

(265) O tradutor inglês escreveu fins de julho, (p. 77, l-a col., 3.° §) ; vide
p. 107, 1.° col., últ. § da ed. holandesa.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 163

Santo Aleixo. Se, porém, nem mesmo êsses portos conseguisse alcançar, a
esquadra portuguesa deveria apoderar-se do Pôrto-das-Galinhas e desem
barcar seus homens entre aquêle pôrto e Barra Grande. Depois de dei
xar em terra as tropas com víveres e munições, o Almirante deveria
então conduzir sua esquadra para a Baía de Pernambuco a-fim-de en
tregar pessoalmente a carta do Governador aos Senhores do Grande
Conselho.
Os portu
Partiu, pois, a esquadra portuguesa da Baía, pelos fins de julho ou gueses zar
princípios de agosto e, alguns dias depois, chegou à Baía de Tamandaré pam da
entre os rios Una e Formoso, cêrca de quatro ou cinco milhas além de Baía.
Santo Aleixo e Serinhaém. Tão logo lançaram âncora, a 28 de julho, o
Coronel Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros desembar
caram 1 800 ou 2 000 soldados de infantaria entre os quais se achavam
muitos oficiais reformados. A força trazia grande quantidade de ar
mas, munições e tudo o mais que era necessário.
A 1.° de agosto, pela tarde, três navios e cinco outras embarcações
pequenas foram avistadas do Recife, velejando para o Norte, motivo pelo
qual o Grande Conselho deu ordem imediata aos seus dois navios, o
Zoetelandia e o Zeelandia, para seguí-los a todo pano, observar qual o ru
mo que tomavam e evitar que desembarcassem tropas. Mais ou menos
pela mesma ocasião, chegou um navio-correio despachado por Lichthart,
trazendo cartas, nas quais o Almirante comunicava ao Conselho ter vis O desem
to os referidos navios e acreditar estarem os mesmos incumbidos de de barque de
sembarcar tropas ao sul do Cabo de Santo Agostinho, motivo pelo qual pe tropas.
dia que lhe fossem despachadas mais algumas unidades e lhe dessem
ordem de retirar da guarnição de Santo Agostinho os homens de que
tivesse necessidade a-fim-de atacar o inimigo. As localidades do Norte
foram imediatamente avisadas para se porem de sobreaviso contra qual
quer surpresa.
Entretanto, no dia seguinte, tendo perdido de vista os navios por Rebate falso
tugueses, vários comandantes de pequenas embarcações que se tinham no Recife.
aproximado da frota, no alto mar, informaram tratar-se de grandes na
vios mercantes que, impelidos por forte vento Norte, haviam se aproxi
mado de terra, mas que levavam a direção de Portugal.
Logo que o Almirante Paiva zarpou da Baía de Tamandaré, topou A frota
com a armada, sob o comando do Almirante Salvador Correia de Sá portuguesa
e Benevides, que havia partido recentemente do Rio-de-Janeiro, regres parte para
Pernambuco.
sando com ela para o dito pôrto. No dia de São Lourenço, reunidas as
frotas, partiram para a Baía de Pernambuco.
164 JOAN NIEUHOF

As primeiras notícias que o Conselho recebeu a 11 de agosto, fo


ram veiculadas pelo comandante de um naviozinho, de nome Joan Hoen,
em viagem para Sergipe-d'El-Rei e pelo Comissário Jan Barentz. Acres
centavam os informantes que haviam visto uma armada de 27, 28 ou
30 (266) navios ao largo de Una ou Rio Formoso e que três dêles os
haviam perseguido, tendo mesmo feito alguns disparos contra êles. Na
mesma ocasião o Conselho recebeu cartas do Major Hoogstraeten, do
Cabo Santo Agostinho e do Forte Van der Dussen, dizendo que André
Vidal, Henrique Dias e Paulo da Cunha desembarcaram, em Una e, mar
chando para Serinhaém, tinham tomado o lugar, onde haviam poupado
os holandeses, mas trucidado todos os índios. Diante disso o Conselho
providenciou imediata remessa de víveres e munições para dito Cabo,
tendo já, dois dias antes, ordenado aos Srs. Ley e Hek que, para maior
segurança daquela posição, deixassem o forte Santo Antônio e se reti
rassem com a guarnição para o Cabo Santo Agostinho antes de serem
cercados pelo inimigo.
Dois navios, Deventer e Elias, que a serviço da Companhia se acha
vam descarregando no Passo (267), tiveram ordem de se armar imedia
tamente e se juntar aos outros cinco ancorados na baía: o Utrecht,
o Zeelandia, o Ter Veer, o Zoetelandia e o Gulde Ree. Na mesma noite
despachou-se comunicações desses acontecimentos ao Tenente-coronel Haus
juntamente com ordem de se conservar de prontidão e retirar sua tropa
para o engenho do Sr. Hek na Várzea ou para qualquer outro lugar con
veniente, de onde pudesse manter comunicação com o Recife. Envia-
ram-se também cartas aos Srs. Dortmont, em Itamaracá, Carpentier,
em Goiana, e Linge, em Paraíba, anunciando a aproximação do inimigo,
A-fim-de suprir a deficiência de marinheiros, muitos operários fo
ram recolhidos a bordo da esquadra, bem assim 35 soldados da Compa
nhia de Moucheron que estavam com os pés machucados devido a extensa
caminhada feita recentemente. De bordo do navio Elias retiraram-se
1.000 libras de pólvora e do Deventer 600, que foram desembarcadas
para uso da guarnição.
Logo depois do jantar a frota inimiga, composta de 28 ou 30 navios,
surgiu à vista do Recife e lançou ferros ao norte de quatro dos nossos na-

(266) O tradutor omitiu 27 (Cf. p. 77, 2.a col., últ. § da trad. inglêsa, com a
p. 108, l.a col., 1° § da ed. holandesa).
(267) Passo era um armazém ou trapiche de recolher géneros, muito comum
na época colonial. Sôbre sua significação e os vários Passos existentes, vide "0
Passo do Fidalgo", pelo Dr. F. A. Pereira da Costa, in Rev- do Inst. Arqueei, e Geog.
Pern., vol. 10, 1902-1903, n.° 56, p. 53-74 e 171-173 e LXXVII, nota n.° 11, p. 372, Cf.
Diálogos das Grandezas do Brasil, introd. de Capistrano de Abreu e notas de Rodolfo
Garcia. Publicação da Academia Brasileira de Letras, 1930, Rio, Of. Indústrias
Gráficas, nota 14, p. 168.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 165

vios e um iate que ali se achavam fundeados. A noite seguinte foi em


pregada em carregar os barcos Elias e Deventer e prepará-los para zar
par. Ao nascer da aurora do dia seguinte, o Almirante português, que
levava hasteada a bandeira branca, despachou Martim Ribeiro e Balta
sar de Castilho e Andrade como deputados seus, a bordo do navio capi-
tânea do Almirante holandês, Cornelisz Lichthart, levando quatro cartas
a saber: duas do Governador da Baía, Antônio Teles da Silva, datadas
de 21 e 22 julho; a terceira do Almirante português Salvador Correia Cartas
de Sá e Benevides e a quarta de Jerônimo Serrão de Paiva datada de 12 enviadas
de agosto, além de outra carta do Governador dirigida a João Fernan ao Conselho.
des Vieira, Antônio Cavalcanti e outros chefes revoltosos portugueses.
O Almirante Lichthart levou os deputados para terra a-fim-de en
tregarem pessoalmente as cartas ao Conselho, as quais, depois de tra
duzidas, foram lidas na reunião realizada a 13 de agosto (268) junta
mente com as de 21, 22 e 24 de julho e as de Salvador Correia de Sá e
Benevides, Almirante da armada portuguesa, e de Jerônimo Serrão de
Paiva, que haviam desembarcado André Vidal e seus homens próximo
ao Rio Formoso.
A primeira carta estava assim concebida: (269)
Conforme a carta de Vs. Excias. e as propostas feitas pelos seus
deputados Sr. Balthazar Van der Voorde, Conselheiro de Justiça, e Diede-
rik Hoogstraeten, Governador do Cabo Santo Agostinho, na qual Vs.
Excias. pedem o recolhimento das tropas sob o comando de Henrique
Dias, e, no intuito de cumprir da maneira mais cabal possível a promessa
que fiz em minha resposta, determinei a ida dos mestres de campo Mar
tim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros (homens de conduta ir
repreensível e reconhecida prudência) à Capitania de Pernambuco, mu
nidos de plenos poderes e instruções para reduzir à obediência os por
tugueses revoltados. Com idêntico objetivo dirigúme também, por carta,
aos chefes rebeldes, exortando-os ao cumprimento de seus deveres e à
deposição das armas. A-fim-de assegurar o êxito dessa missão, mandei
para essa Capitania forças que poderão auxiliar Vs. Excias. a controlar
os que se mostrarem obstinados e expulsar os rebeldes de seus domínios.
Espero que, com o auxílio de Deus, consigam extinguir o fogo da rebelião,

(268) O tradutor inglês escreveu 14 de agôsto. Vide p. 78, 2.a col., 2.° § da
ed. inglêsa e p. 108, 2.» col., 7.° § da edição holandesa.
(269) Esta carta se encontra na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Pern., 1887.
voL 6, n.° 34, p. 130-131.
166 J O A N N I E U H O P

restabelecendo a paz no Brasil e incrementando as boas relações de ami


zade entre as duas nações.
Recomendo Vs. Excias. à proteção divina e subscrevo-me mui cor
dialmente.

De Vs. Excias.
Fiel Servidor,
a) Antônio Teles da Silva
Baía, 21 de julho de 1645.

A segunda carta do dito Governador estava assim redigida: (270)

Dei ordens ao Coronel Jerônimo Serrão de Paiva, Capitão-mor de


nossa esquadra (a qual mandei para auxiliar a Vs. Excias.) para que
entregasse estas cartas a Vs. Excias. imediatamente após o desembar
gue das forças que vão a bordo da dita esquadra e que oferecesse a Vs.
Excias., em meu nome, toda a ajuda que puder prestar, de acordo com
as minhas instruções e com o pedido de Vs. Excias.. É meu desejo valer-
-me desta oportunidade para dar a Vs. Excias. mostras do meu zelo pelo
bem-estar de Vs. Excias., principalmente contribuindo com aquilo que
estiver ao meu alcance para subjugar os revoltosos. Não há a menor
dúvida de que, com esta expedição, as chamas da guerra intestina serão
extintas sem que haja possibilidade de se reavivarem, mais tarde, bem
como de que terei a satisfação de ter sido útil a Vs. Excias., correspon-
podendo assim às expectativas de Vs. Excias...

Recomendando-os à proteção divina, subscrevo-me

Fiel Servidor,
a) Antônio Teles da Silva
Baía, 22 de julho de 1645.

Além dessas, o Governador da Baía enviou outra carta dirigida ac


Conselho do Brasil Holandês, por intermédio de Dom Salvador Correia
de Sá e Benevides, Almirante da armada brasileira, nos seguintes ter
mos: (271)

(270) Esta carta se encontra na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Pern., 1887,
vol. 6, nota 34, p. 131-132. Em Nieuhof, a carta está datada de 22 de junho de 1651
(p. 109, 2.° col.), enquanto que na citada cópia da Rev. está 21 de julho de 1646.
Quanto ao ano, trata-se, evidentemente, de êrro de impressão.
(271) Esta carta encontra-se na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Pern., 1887,
n. 35, vol. 6, p. 37-38.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 167

Quando tentava atender ao pedido que me foi feito pelos Embaixa


dores de Vs. Excias., e me ocupava do embarque das forças que desti
nei para servir-lhes, sob o comando dos dois Coronéis, Martim Soa
res Moreno e André Vidal de Negreiros, em conjunto com o Coronel Je
rônimo Serrão de Paiva, Capitão-mor das referidas forças, aconteceu
que, por especial desígnio do Senhor, chegou do Rio-de-Janeiro com
sua frota, a caminho de Portugal, Salvador Correia de Sá e Benevides,
Almirante português e membro do Conselho dos Negócios Ultramari
nos, nomeado pela autoridade do Rei meu senhor. Desejoso de redobrar
os meus esforços, não somente com o seu auxílio pessoal, mas também
com a força de sua armada, para ser mais útil a Vs. Excias., achei con
veniente enviar para a Capitania revoltada o Almirante com a frota sob
o seu comando, juntamente com os demais, certo de que pela sua condu
ta e autoridade ele será de grande utilidade no restabelecimento da paz
nos domínios de Vs. Excias.. Espero que tudo isso constitua perfeita de
monstração da compreensão e amizade que desejo cultivar entre os nos
sos dois Estados.
Recomendando Vs. Excias. à divina proteção, subscrevo-me.

Fiel Servidor,
a) Antônio Teles da Silva
Baía, 25 de julho de 1645.

O teor dessas cartas visava persuadir o Grande Conselho do Brasil O conteúdo


Holandês de que, consoante o pedido formulado pelos Deputados holan- das cartas,
deses, o Governador da Baía havia enviado forças de terra, sob o co
mando dos Coronéis Martim Soares Moreno e André Vidal de Negrei
ros, a bordo da esquadra comandada por Jerônimo Serrão de Paiva,
juntamente com tôda a frota do Rio-de-Janeiro sob o comando do Almi
rante Correia a-fim-de auxiliá-lo tanto em terra como no mar. O Gover-
mador pedia ao Conselho, por intermédio de seus Deputados, Capitão
Martim Ribeiro e o Ouvidor-Geral Baltasar de Castilho e Andrade, que
tivesse a bondade de informar o Rei, seu Senhor, de quanto havia feito,
por carta particular endereçada a Sua Majestade.
0 que nos cumpre particularmente observar, com relação às cartas
dirigidas a João Fernandes Vieira e aos demais rebeldes, é que o Gover
nador a êles se dirigiu como a "súditos do Rei, aos quais enviava auxílio
para sua defesa", e, a-pesar-dessa restrição, para reduzi-los por todos os
meios suasórios à antiga obediência ao Govêrno Holandês. Conquanto
fôsse evidente que a representação feita pelos nossos deputados junto ao
168 JOAN NIEUHOF

Governador Teles pedia o recolhimento das forças rebeldes sob o comando


de Camarão e Dias, bem como das que vieram em auxílio destas, decla-
rando-as, em caso de recusa, rebeldes e inimigas do Rei de Portugal,
o Governador, em flagrante contraste com o desejo e o pedido do Con
selho, ao invés de recolhê-las, enviou forças em seu socorro, preferindo
fazê-las desembarcar em ponto remoto da costa onde então se achavam
Camarão e Dias, com suas forças, a pô-las sob as ordens do Conselho.
Êste, porém, não ignorava as intenções do Governador ao enviar para
o Recife sua esquadra, numa ocasião como essa, pois que não eram outras
senão a de auxiliar os planos dos revoltosos e estimular os demais a
Debates tomarem armas contra o Govêrno holandês.
do Conselho.
O Conselho estava perfeitamente convicto disso, quando recebeu
aviso do Cabo Santo Agostinho no sentido de que a guarnição de Seri-
nhaém tinha sido forçada a render-se ante a aproximação das forças de
André Vidal, desembarcadas nas cercanias. Voltaram-se, então, os de
bates sôbre como poderiam expulsar a esquadra inimiga do Recife e até
mesmo das costas de Pernambuco, considerando que tôda a força naval
dos batavos, em condições de zarpar, consistia em cinco navios : o Utrecht,
o Zeelandia, o Ter Veer, o Zoetelanãia e o Chdde Ree. Além disso,
eram reduzidas as provisões, principalmente de pólvora, a equipagem
era pequena e poucos homens poderiam ser retirados das guarnições mais
próximas. Por outro lado, a armada portuguesa consistia de 8 ou 10
grandes navios sendo que o do Almirante tinha dois tombadilhos, dando
a impressão de um grande galeão, quando visto à distância. Atacá-los,
parecia, portanto, emprêsa arriscada. Depois de madura deliberação,
ficou unânimemente resolvido que se agradecesse ao Almirante Salvador
Correia de Sá e Benevides o auxílio oferecido contra os rebeldes e se
declinassem as razões pelas quais nos víamos forçados a pedir-lhe que
se retirasse do pôrto, com sua esquadra, como se vê da carta abaixo
transcrita. Julgou-se conveniente remeter dita carta imediatamente e,
enquanto esperávamos pela resposta, fazer o possível para equipar os
navios Deventer e Elias, a-fim-de que, caso os portugueses se recusassem
atender o pedido do Conselho, pudéssemos estar em condições de atacá-los
e expulsar sua frota de nossa costa. Caso contrário pouca probabilidade
de sucesso teríamos em nossa campanha contra os rebeldes, enquanto
pudessem êles contar com abastecimentos constantes provenientes da
Baía. Considerou-se também a conveniência de se deter um dos deputados
portugueses até que Jerônimo Serrão de Paiva desembarcasse, de acordo
com o pedido do Conselho. Êste alvitre foi, entretanto, rejeitado, para
evitar que se fornecesse aos portugueses novo pretêxto para continuarem
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 169

no pôrto. Os Srs. Gysbert de Wit e Hendrik Moucheron, membros do


Tribunal de Justiça, encarregados de levar a carta em questão, dirigi-
ram-se para bordo do navio capitânea português, naquela mesma noite,
a-fim-de se desempenhar de sua missão. Foi a seguinte a carta entregue
ao Almirante Salvador Correia de Sá e Benevides.
Soubemos tanto pelas cartas de V. Excia. como pelas do Governador
Antônio Teles da Silva, das quais foram portadores o Capitão Martim
Ribeiro e o Auditor-Geral Baltasar de Castilho e Andrade, bem como pelo
que em nome de Vs. Excias. nos afirmaram esses senhores, que a pre
sença de sua esquadra em nosso pôrto não tem outro fim que não o de
nos auxiliar com sua autoridade e conselhos a reconduzir à razão os re
beldes. Por tudo isso apresentamos-lhes os nossos sinceros agradecimen
tos. Entretanto, não podemos deixar de fazer ver a Vs. Excias. que a
vinda de tão considerável armada, no momento atual, constitue, para nós,
causa de não pequena preocupação, não apenas porque não a solicitamos,
como ainda porque, ao invés de recambiar Camarão e Henrique Dias com
suas tropas, os dois Coronéis André Vidal e Martim Soares Moreno, sob o
pretexto de subjugar os rebeldes, desembarcaram, sem o nosso conheci
mento, seus homens e munições em ponto distante, e, portanto, em auxílio
dos portugueses rebeldes, enquanto que, de acordo com a promessa que
nos fêz S. Excia. o Governador, a redução dos revoltosos seria feita por
uma severa proclamação, obrigando-os a voltar para a Baía. Por outro
lado, os dois coronéis a que acima nos referimos deveriam ter-se dirigido
primeiramente a nós. Êsse modo de agir, contrário ds intenções de Vs.
Excias., trouxe como desastrosa consequência o fato de numerosas pessoas,
certas de que sua armada tinha por missão auxiliar os portugueses revol
tados, puseram-se a tomar armas e a eles aderir. Isso nos obriga a apre
sentar os nossos agradecimentos a Vs. Excias. pelos auxílios oferecidos,
pedindo-lhes ao mesmo tempo que façam o favor de se retirar de nosso
pôrto com sua esquadra, desenganando assim o povo da má interpretação
dada às intenções de Vs. Excias.. Isso constituirá eficiente maneira de
acalmar os ânimos, o que, nas circunstâncias atuais, para nós represen
ta não pequeno serviço. Com respeito ao seu pedido de permissão para
tomar água potável e combustível em nosso pôrto, por estarem os seus
navios mal providos dêsses elementos, à vista da partida repentina da
Baia, cumpre-nos dizer-lhes que estaríamos prontos a atendê-lo, se não
fosse a ocorrência das razões já apontadas, bem como o rigor da estação
que tornaria por demais tediosa essa operação. Somos, portanto, for
çados a apresentar as nossas escusas nesse sentido. Tendo-nos dito em
sua carta S. Excia. o Sr. Antônio Teles da Silva que deu instruções ao Sr.
170 JOAN NIEUHOF

Jerônimo Serrão de Paiva no sentido de que, tão logo desembarcasse as


forças de infantaria sob o comando de Martim Soares Moreno e André
Vidal, comparecesse perante êsse Conselho a-fim-de nos pôr ao par dos
poderes com que foi S. Excia. investido, pedimos a V. Excia. que nos envie
o Sr. Jerônimo Serrão de Paiva a-fim-de conferenciar conosco a respeito
das instruções recebidas de S. Excia., com relação à remessa e ao desem
barque das referidas forças. Quanto ao resto, deixamos a cargo de
nossos Deputados, Conselheiros de nossa Côrte de Justiça, Gysbert de
Wit e Hendrik Moucheron, aos quais pedimos que V. Excia. dê inteiro
crédito, consoante os seus méritos pessoais e a confiança que neles de
positamos.

Deus proteja a V. Excia.

Assinada por Hendrik Hamel,


A. Van Bullestrate,
P. J. Bas,
J. Van Walbeek,
G. de Wit,
J. Albrecht,
Hendrik de Moucheron,
J. Van Raesvelt e
J. C. Lichthart.
Recife, 13 de agosto de 1645.

Já que os nossos se sentiam fracos demais para atacar a esquadra


inimiga com 4 navios e um iate (pois o Almirante comandava um galeão
com duas filas de 38 peças metálicas e 300 homens), ficou resolvido, de
pois de terem examinado atentamente a mensagem do Almirante, que se
lhe agradecesse o seu oferecimento de auxílio contra os rebeldes, se
declinasse, igualmente, do seu oferecimento de transportar lenha e água
para a frota (conforme tinham pedido seus comissários Ribeiro e Cas
tilho) e que lhe fosse feito o convite de partir do pôrto, na esperança
de, assim, conseguirem que saíssem, também, os nossos dois navios De-
venter e Elias para que, caso o inimigo não se resolvesse a sair, depois
de sua mensagem, pudessem, então, atacá-lo hostilmente com maior apa
rência de bom resultado e de expulsá-lo ou- conquistá-lo (272).

(272) O trecho da tradução portuguesa que começa: "Já que os nossos"...


até "... expulsá-lo ou conquistá-lo", foi traduzido diretamente do holandês, pois o
tradutor inglês o omitiu. Cf. p. 112, 2.° col., últ. § e 113, l.» col., 1.° § da ed. holan-
deas e p. 81, 1.° col., 1." § da ed. inglêsa.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 171

Pela manhã de 14, pudemos ver que tôda a esquadra se havia feito A armada
ao mar, sendo que boa parte já estava fora do alcance visual. Ora, sa- portuguesa
bendo-se que os dois barcos que transportavam os nossos e os dois depu deixa o
porto.
tados portugueses dificilmente conseguiriam alcançar os navios da es
quadra e que os nossos deputados, ao voltar, deveriam informar o nosso
Almirante, a bordo de sua nau capitânea, se o almirante português havia
consentido em mandar o Sr. Jerônimo Serrão de Paiva ao Recife, a-fim-de
expor as suas instruções ao Grande Conselho (o que tinha agora motivos
de sobra para crer que não faria), êste despachou ordens imediatas ao
Almirante Lichthart para dar todo pano aos navios sob seu comando, no
encalço dos portugueses, não só para observar os seus movimentos como
também para tentar aproximar-se, com o navio capitânea, do barco em
que viajava o dito Jerônimo Serrão e pedir-lhe que voltasse ao Recife
a-fim-de tratar pessoalmente com o Conselho a respeito das instruções
que trazia. Entretanto, depois de madura deliberação, e considerando o
modo de agir dos portugueses como mero pretêxto, o Conselho expediu
ordens ao Almirante Lichthart, para deter todos os navios portugueses
que conseguisse alcançar, tratando-os, de futuro, como a inimigos.
A 28 de agosto, o Conselho foi avisado por carta, que do Forte de Carta do
Santa Margarida, no Rio-Grande, lhe enviou o Governador Linge, em Rio-Grande
data de 24 (273), que 12 navios inimigos, depois de desembarcar forças ao Conselho.
próximo a Tamandaré, entraram na baía de Traição e que, de acordo
com as declarações de certos prisioneiros portugueses, de bordo da frota
lusa, pretendiam êles desembarcar também aí algumas forças, contanto
que pudessem se reunir aos rebeldes da Mata ; se estes, porém, não vies
sem ao seu encontro, ditas forças voltariam para a Baía. O Sr. Linge
teve, então, ordens de trazer tôda a tropa que conseguisse reunir, quer
fôsse constituída por soldados, tapuias ou brasileiros, a-fim-de evitar o de
sembarque dos lusos e sua junção com os rebeldes, naquela Capitania.
O outro ponto também debatido foi sobre a conveniência de enviar
uma flotilha sob o comando do Almirante Lichthart, em perseguição da
esquadra portuguesa, para atacá-la. Depois de várias considerações, con-
cordou-se em esperar até que todos os nossos navios estivessem aptos para
a emprêsa, suprindo-se com operários do Recife a falta de marujos, de
maneira a tornarmo-nos tão fortes quão possível, no mar.
Nesse ínterim, o Almirante Lichthart fêz-se ao largo, a 1.° de setem
bro, com quatro navios, um iate e uma fragata (274). O Almirante

(273) O tradutor inglês escreveu: em data de 20, ao invés de 24- Cf. p. 113,
2.» col. § da ed. holandesa e p. 81, 2.» col. 2." § da tradução inglêsa.
(274) O tradutor inglês omitiu uma fragata. Cf. p. 114, l.a col., 1.° § da ed.
holandesa e p. 81, 2.» col. últ. § da ed. inglêsa
172 JOAN NIEUHOF

O almirante ia no Utreckt, mas o mau tempo (o Zeelandia perdeu um mastro duran-


holandês te a tormenta) e o receio das rochas submarinas fizeram-no ancorar
zarpa do ng0 muito longe dos portugueses que tentavam distanciar-se dêle. Tam-
Recife. bém os Srs. de Wit e Moucheron voltaram, com seu navio, não tendo con
seguido alcançar os portugueses, devido ao forte vento contrário. En
tretanto, transferiram os deputados portugueses para um naviozinho
a-fim-de que acompanhassem a esquadra.
No mesmo dia o Conselho recebeu carta dos Srs. Hoogstraeten, Ley
e Hek informando que o inimigo se havia estabelecido nos engenhos Sal
gado e Surchaque e em outros pontos circunjacentes, e, surgindo nova
mente, nessa noite, à frente do Recife, a frota portuguesa que tinha sido
avistada ao largo da Baía da Traição, o Conselho achou de bom aviso or
denar que o Almirante Lichthart embarcasse imediatamente a bordo do
Vtrecht e, auxiliado pelo Ter Veer e dois navios menores, fosse obser
var os movimentos dos portugueses. Providenciou-se, também, para
que o barco Over-Yssel fosse aprestado até o dia seguinte, na certeza de
que quando acrescida dêste navio, mais o Zoetelandia e o Gulde Ree que
haviam sido enviados para fora, em busca de informações, a armada ho
landesa estaria apta a enfrentar os portugueses, ou pelo menos a expul
sá-los para fora da baía. Na manhã seguinte podia-se ver perfeitamente,
do Recife, a esquadra lusa panejando ao largo, mas o nosso Almirante
não conseguiu zarpar devido aos ventos adversos. A-pesar-disso o
Vtrecht e o Ter Veer vieram do Sul a todo pano, e, sendo barcos mais
velozes, conseguiram escapar aos portugueses e reíinir-se à nossa frota.
A 4 de setembro o Major Bayert e o Sr. Volbergen reclamaram ao
Conselho que, tendo o Sr. Vierbergen, Agente ou Mordomo do Conde
Maurício, recebido ordem de derrubar umas tantas árvores a-fim-de am
pliar as defesas do Forte Ernesto, havia êle exorbitado as instruções re
cebidas, abatendo grande número delas com a intenção confessa de des
truir tôda a propriedade. Os reclamantes tinham tido o cuidado de
conservar o maior número possível das grandes palmeiras que não os
estorvavam diretamente. À vista dos desmandos do Mordomo, a popu
laça enraivecida pôs-se a exigir a derrubada, não só de todo o arvoredo,
mas, também, do palácio do Conde Maurício, e não foi sem grande custo
que se conseguiu acalmar a ira da multidão. Pediam os reclamantes
que tudo isso fosse tomado a têrmo a-fim-de, oportunamente, servir
em sua defesa.
Nesse meio tempo o nosso Almirante Lichthart partira em persegui
ção dos portugueses, tendo-os apanhado na Baía de Tamandaré, com sete
navios, três caravelas e quatro barcas; as demais unidades haviam sido
despachadas para Portugal, carregadas de açúcar. Até então ainda se
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 173

não haviam reunido ao Almirante todos os navios despachados do Recife.


Entretanto, resolvido a não deixar escapar essa oportunidade de atacar o
inimigo, Lichthart mandou um aviso ao Conselho dizendo que, estando
à vista da frota lusa — composta de 11 embarcações — próximo à Baía
de Tamandaré, estava disposto a atacá-la ali mesmo, pedindo, por isso,
ao Conselho que lhe enviasse imediatamente todos os navios que pudesse.
Resolveu-se, então, reunir os dois barcos Elias e Deventer com o
Eenhoom e o Leyden surtos na baía do Recife, mas, destinados à Ho
landa, além dos tenders disponíveis e despachá-los prontamente ao Al
mirante Lichthart. Tôda a noite seguinte foi, por isso, empregada no
apresto dos navios que, entretanto, ficaram detidos na manhã seguinte
pelos ventos contrários.
Deram-se ordens a todos os soldados e habitantes da ilha de Antô
nio Vaz para que se munissem de cestos de baldear terra, e, com auxílio
do povo e da soldadesca, construíram-se paliçadas desde a ponta do Re
cife até junto ao rio; na extremidade próxima ao mar instalaram-se cin
co grandes peças de artilharia sôbre uma ruínas, de onde dominavam
tôda a praia até ao Forte dos Cinco Bastiões (275).
A 8 de setembro Lichthart, desfraldando bandeira vermelha, orde Os holan
nou a abordagem da nau capitânea portuguesa artilhada com 60 canhões deses ata
cam e expul
e defendida por 300 homens. O almirante português portou-se com bra
sam a es
vura. Postando-se à porta de sua cabina, de espada em punho, abateu quadra lusa.
três ou quatro adversários, mas, finalmente, coberto de ferimentos, foi
obrigado a render-se. Entretanto, os outros navios batavos, seguindo o
exemplo do capitânea, haviam igualmente atacado os barcos portugueses,
mas, percebendo a maruja inimiga que sua bandeira fora arriada do
navio almirante (sinal evidente do desastre) perdeu a esperança e ati-
rou-se ao mar a-fim-de escapar à furia do ferro e do fogo que sôbre ela
desabavam. Perseguidos pelos holandeses, em seus barcos, muitos por
tugueses morreram antes de alcançar terra firme. Nessa refrega pere
ceram mais de 700 homens (276), além de grande número de prisioneiros

(275) O Forte dos Cinco Bastiões é o de Frederico Henrique. Cf. Breve Dis
curso, (XV, p. 182).
(276) Segundo Moreau, (LIX, p. 82) as perdas portuguesas foram de 600 a
700 homens. Calado (XVII, p. 234), consigna a perda de 100 pessoas somente e
procura justificá-la dizendo que os holandeses não mataram a todos, senão que
deitando-se a nado, sem saberem nadar, se afogaram. Segundo o Breve Discurso
sôbre a Rebeldia (XXIX, p. 136-7), os holandeses tiveram 3 mortos e 2 feridos. O
que é importante, como resultado da luta é que, a bordo dos navios, acharam os
holandeses correspondência do Governador Geral para D. João IV e epistolas do Rei
ao seu representante na Baía, das quais claramente se inferiu que um e outro não
só tinham perfeito conhecimento do plano da insurreição pernambucana, como, até,
desde o início, haviam nela influído. (XCVI, p. 240).

13
174 JOAN NIEUHOF

entre os quais o próprio almirante. Três navios foram capturados e en


viados para o Recife; os demais foram incendiados, pois, não estando em
condições de navegar, por terem perdido a cordoalha, encalharam justa
mente de-fronte às baterias instaladas em terra pelos portugueses. Os
batavos, receosos de serem impelidos até ao alcance das peças inimigas,
atearam fogo aos barcos apresados, conseguindo safar seus navios dentre
os bancos, com grande dificuldade. Depois dessa batalha voltei ao Reci
fe para atender aos meus interêsses e o Almirante despachou um correio,
em navio de pesca, com a seguinte carta dirigida ao Conselho do Brasil
Holandês :

CARTA DO ALMIRANTE HOLANDÊS AO CONSELHO

Tão logo chegaram, ontem à noite, o Leyden, o iate De Ree junto à


ponta de Tamandaré, foi resolvido, em Conselho de Guerra, que se fran
queasse a barra na manhã seguinte, o que foi feito na seguinte ordem:
em primeiro lugar o navio capitânea Utrecht, a seguir o Ter Veer, depois
o Zeelandia, em quarto lugar o Over-Yssel, logo atrás o Zoetelandia, se
guido pelo De Ree, o Leyden, e por último o iate Eenhoorn, além dos ten-
ders Doghboort e Bark que tiveram ordem de se conservar à mão, para
qualquer eventualidade. Passada a barra, encontramos o inimigo com
sete navios além de três caravelas menores e quatro barcas. Notamos
também que haviam instalado diversas peças de artilharia na praia, em
duas baterias. Fomos recebidos por cerrada salva de artilharia tanto
dos navios como das baterias de terra, bem como por várias descargas de
armas menores. A-pesar-disso o Utrecht abordou galhardamente o capi
tânea português que, após curta, mas ardorosa refrega, foi capturado jun
tamente com a bandeira do Almirante. Em resumo, os outros navios nos
sos portaram-se com tal bravura, que logo depois obrigaram os portu
gueses a abandonarem seus barcos. Louvado seja Deus por essa vitória.
Jerônimo Serrão de Paiva, o Almirante português, é nosso prisioneiro.
Acha-se a bordo de meu navio e está bastante ferido. Pretendo entre
gá-lo a Vs. Excias. logo que retorne ao Recife. Nesse ínterim, consoante
as ordens de Vs. Excias., tenciono fazer voltar o Leyden e o iate Eenhoorn
amanhã cedo. E' possível que amda nos tenhamos de empenhar em luta
mais uma vez porque o inimigo se entrincheirou próximo à praia; entre
tanto, na primeira oportunidade, regressarei ao Recife a-fim-de dar-lhes
contas pormenorizadas de tôda a refrega.

Recomendo Vs. Excias. à divina proteção.


MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 175

Apressadamente, de bordo do Utrecht, no interior da Baía de Ta-


mandaré,

9 de setembro de 1645.
Fiel servidor de Vs. Excias.,
a) CORNELISZ LlCHTHART

Em carta datada de 18 de setembro, o Almirante português Serrão


de Paiva relatou os recontros havidos aos dois Mestres de Campo, ge
nerais Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros, como segue:

CARTA DO ALMIRANTE PORTUGUÊS A ANDRÉ VIDAL

Sendo voz corrente aqui no Recife que Vs. Ss. dizem, aí, que o Al
mirante holandês Jan Cornelisz Lichthart, antes da última batalha, fran
queou a barra hasteando bandeira branca e, surpreendendo os nossos,
matou muitos dêles a frio, julguei ser meu dever informá-los como as
cousas realmente se passaram. De fato, dois dias antes da refrega, apa
receram à entrada da barra um iate e uma barca, com bandeira branca,
contra os quais um de nossos navios menores fêz três disparos de peça.
Quando, porém, o Almirante ingressou na baía, levava hasteadas, tanto a
bandeira holandesa como a vermelha. Nem é verdade o que se diz sobre
o massacre de portugueses, a frio. Nem um único homem foi abatido a
bordo de meu navio a não ser durante a luta. Cinco ou seis dêles, que
se haviam escondido no tombadilho inferior, foram aprisionados e um
soldado gravemente ferido foi recomendado para ser tratado com todo o
cuidado possível. Também não se deu uma cutilada sequer depois da
capitulação do navio e todos foram tratados de acordo com sua hierarquia
e com as circunstâncias do momento. A razão pela qual tão poucos foram
então indultos, é que quase todos se lançaram ao mar, em primeiro lugar
os marinheiros e depois os soldados. Mesmo de espada em punho não
consegui evitar que escolhessem entre morrer afogados e enfrentar o pe
rigo a bordo. Duas ou três pessoas de destaque, vendo-me mal ferido,
deram-me clemência, sem me conhecer e sem que eu lha pedisse. Aí está
a prova convincente de que não recusariam clemência a todos quantos
a pedissem. Sinto-me obrigado a dizer que não tenho palavras com que
traduzir minha gratidão para com a humanidade e generosidade do Al
mirante. Além disso, é fora de dúvida que fomos nós quem primeiro
atirámos contra eles, tanto de bordo de nossos navios, como de nossas
baterias instaladas na costa. Dou-lhes, acima, um relato preciso de toda
176 JOAN NIEUHOF

a refrega, da qual fui testemunha visual, e, por isso, não tenho dúvida
de que Vs. Ss. me darão todo crédito.
Deus proteja Vs. Ss. por muitos anos
Recife, 18 de setembro de 16U5.
a) Jerônimo Serrão de Paiva

A essa carta, André Vidal enviou resposta, por intermédio de um


de nossos tambores (enviado ao inimigo em missão especial), em data de
29 de setembro (277), como segue:

SUA RESPOSTA AO ALMIRANTE

Fomos informados por sua carta, de que V. S., ao invés de ser tratado
como merecia, recebeu os mesmos maus tratos que o restante de nossos
concidadãos. Embora considerando que o seu caso é diferente dos de
mais, V. S. deveria ser tratado de outra forma, de vez que para cá veio
sem a menor intenção de mover guerra contra eles (ponto sobre o qual
eles deveriam ter refletido), mas, apenas, comboiando alguns navios que
se dirigiam para a Metrópole, desembarcou nossas forças nesta Capita
nia, a pedido nosso. À vista dos maus tratos e violência que os nossos
súditos têm recebido das mãos dêles, não podemos prometer-lhes melhor
tratamento. Tomamos tão circunstanciadas notas de todos os assassínios
cometidos a frio, que temos certeza de poder justificar a nossa causa e a
nós mesmos, tanto perante os Estados Gerais Holandeses, como perante
os nossos demais aliados. De fato, recolhemos diversos de nossos cama
radas portugueses com projetís e pedras atados às pernas e ao pescoço; al
guns tiveram a boa sorte de serem salvos, quando procuravam alcançar a
praia a nado, muitos outros, porém, pereceram queimados, no bojo dos
navios. É fora de dúvida que a intenção dêsses cavalheiros fazendo um
tão generalizado massacre entre cristãos é a de nos roubar tôda e qual
quer esperança de podermos jàmais voltar aos nossos lares. De tudo
isso, porém, terão um dia que prestar contas rigorosas, não só ao Altíssi
mo, como também a quem deles exigir satisfação. A nosso ver, porém,
jàmais poderão eles justificar suas crueldades, nem os males que fizeram
ao nosso povo, quer perante Deus, quer perante o Rei, nosso Senhor. Es-

(277) O tradutor inglês escreveu 20 de setembro. Cf. p. 117, 1.a col., 3." § da
ed. holandesa e p. 84, 1.» col. 2.° § da trad. inglêsa.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 177

pero que V. S. continue satisfeito, a-pesar-de sua atual condição, e ponha


suas esperanças em Deus e em nosso Rei, que ainda estão vivos, para
exigir deles rigorosa satisfação.
Deus proteja a V. S.
Em nosso Quartel de São João na' Várzea, 29 de setembro de 16U5.
a) André Vidal de Negreiros.

Certo tenente inimigo, de nome Francisco Gomes, veio em companhia


do mesmo tamboreiro, trazendo uma carta do dito André Vidal, dirigida
ao Conselho e cujo teor era o seguinte:

CARTA DE ANDRÉ VIDAL DE NEGREIROS AO GRANDE CONSELHO


Recebi em Iguarassú a carta em que Vs. Excias. demonstram seu
aborrecimento pela matança de alguns brasileiros e suas esposas, pelos
nossos soldados, sob a alegação de que a Vs. Excias., tão somente, cabe
o comando deles. Isso em muito nos surpreende, à vista da Proclamação
em que Vs. Excias., determinando que não se tenha piedade de nenhum
morador português (a-pesar-de súditos naturais do Rei, meu Senhor),
alegam, entre outros motivos, o de terem eles nascido nesta Capitania e
aqui recebido sua educação (Capitania esta que foi inicialmente conquis
tada por monarcas portugueses, com o auxílio de muitos de seus súditos).
Entretanto pretendem, agora, Vs. Excias., que êsse mesmo povo se apiade
daqueles brasileiros que não há muito tempo foram mantidos e instruidos
na fé católica, como sendo vassalos, não de Vs. Excias., mas do Rei; meu
Senhor. Vs. Excias. devem se lembrar de que não estão de posse do
país por direito de sucessão, mas, tão somente, pela força das armas.
Desejamos que Vs. Excias. tomem rigorosas providências no que respei
ta aos métodos a serem observados na presente guerra. Esperamos que
Vs. Excias. se hajam com prudência e que o nosso povo seja tratado com
clemência. Caso contrário ver-me-ei forçado a agir da maneira que jul
gar mais condizente com a minha honra, a-fim-de tirar a desforra dessas
injúrias. Queremos também que se ponha um paradeiro no assassínio a
frio, de mulheres, crianças e velhos, como se tem dado ultimamente em
Tejucopapo, Rio-Grande e Paraiba.
Deus proteja Vs. Excias.
Do nosso Quartel em São João, 29 de setembro de 16U5 (278)
a) André Vidal de Negreiros.
(278) E' curioso que esta escrito 29 de setembro de 1654 (p. 118, l.a col-, linha
34). Não era possível tal data, devendo ser 1645. Na errata está, novamente, 1654
(p. 240).
178 JOAN NIEUHOF

Com o consentimento dos membros do Tribunal de Justiça e do Co


ronel Garstman, o Grande Conselho fêz o referido tenente regressar na
mesma noite, em companhia do tambor, com sua resposta à carta acima.
Como agi- Voltemos, porém, um pouco atrás e vejamos como procederam, os
ram desde c lusos, após o desembarque. Logo que André Vidal de Negreiros e Mar-
desembar- tim Soares Moreno desembarcaram, a 28 de julho de 1645, próximo a
Tamandaré, entre Una e Formosa, com suas forças que orçavam entre
1.800 e 2.000 homens, trazendo grande cópia de provisões, armas
e munições, a êles se reuniram não só as quatro companhias que
vieram da Baía, por terra, mas as tropas sob o comando de Henrique Dias
e Camarão, que até então tinham estado montando cerco a Pôrto-Calvo.
Daí orientaram sua marcha para a cidade de Serinhaém e sitiaram o for
te, onde havia apenas uma guarnição de 80 soldados holandeses e 60 bra
sileiros, comandados por Samuel Lambert e Kosmo de Moucheron. Dois
dias depois de sua chegada a Serinhaém, o inimigo instalou-se no Engenho
de Daniel de Haen. Por essa época Henrique Dias foi visto em Serinhaém,
conquanto os comandantes portugueses André Vidal e Moreno negassem
que mantivessem qualquer correspondência com êle, naquela ocasião. Os
ditos comandantes tinham também despachado o Capitão-Major Paulo
da Cunha a-fim-de intimar o forte, missão de que se desempenhou, con
forme sua carta de 2 de agosto, escrita no Engenho de Jaques Peres e
dirigida a Samuel Lambert.

ULTIMATUM ENVIADO AO FORTE DE SERINHAÉM

Vim ter a este Engenho por ordem de Martim Soares Moreno e An


dré Vidal de Negreiros, nossos governadores, que atualmente estão muito
ocupados com o desembarque de suas tropas. Enviaram-me à-frente,
a-fim-de evitar qualquer mal-entendido entre nós e Vs. Ss. Se nesse ín
terim Vs. Ss. se decidirem a reunir suas forças às nossas, ou com elas se
retirarem para outro lugar, poderão fazê-lo com toda segurança, dispon-
do-me desde já a fornecer licença para tal fim, pois que os referidos go
vernadores vêm com a intenção de pôr fim à presente insurreição.

Deus proteja a Vs. Ss.

Do Engenho de Santo Antônio, 2 de agosto de 1645.

a) Paulo da Cunha Souto Maior


t

MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 179

Dois dias depois, os referidos comandantes em chefe enviaram a


Samuel Lambert outra carta que pouco diferia da que ficou acima.

SEGUNDO ULTIMATUM DOS CHEFES PORTUGUESES

Ao que nos parece, Vs. Excias. não estão ao par das intenções com
que viemos, motivo pelo qual não nos surpreende encontrá-los em atitu
de defensiva. O Grande Conselho do Brasil Holandês enviou uma em
baixada ao nosso Governador Geral de Terra e Mar, Antônio Teles da
Silva, pedindo que S. Excia. fizesse uso de sua autoridade e força no
sentido de abafar a insurreição nesta Capitania. Tendo sido imediata
mente atendido esse pedido, a-fim-de auxiliar o Conselho e libertar os
portugueses das violências cometidas contras suas famílias e proprieda
des, tivemos instruções de desembarcar as nossas forças junto ao Enge
nho Rio Formoso. Isso feito, e prontos como estamos para marchar em
direção ao interior do país, achamos conveniente pô-lo ao par das nos
sas intenções, o que, provavelmente, já chegou ao seu conhecimento, pois
que já foram publicadas em diversos lugares, através de nossas proclama
ções das quais anexamos uma pedindo-lhe que mande afixá-la à porta da
Igreja de Serinhaém. Desejamos, portanto, que V. S. deponha as armas
e deixe de lado qualquer suspeita, certos de que, de sua parte, teremos
recepção favorável, pois, da nossa, tudo faremos a-fim-de restabelecer a
tranquilidade entre os portugueses revoltados, por todos os meios suasó
rios de que pudermos lançar mão. Asseguramos-lhe, entretanto, que, se
V. S. se recusar a vir ao encontro de nossos desejos, causará não pequeno
desprazer ao Grande Conselho do Brasil Holandês.
Deus proteja V. S.
Do Engenho de Formosa, 4 de agosto de 1645.

aa) Martim Soares Moreno,


André Vidal de Negrehios,

No dia seguinte, Paulo da Cunha compareceu pessoalmente diante


da praça, com um magote de soldados e campônios providos de armas
retiradas de bordo da esquadra, e, depois de cercá-la, cortou o forneci
mento de água dos rios e das fontes, aos sitiados. Enquanto isso se dava,
Roelant de Carpentier e Daniel de Haen tinham sido postos em liberdade,
com permissão dos comandantes portugueses, que embarcaram um pesa
do canhão no navio de Carpentier, a-fim-de subir o Rio Formoso. Cin
180 JOAN NIEUHOF

co dias após a chegada de Paulo da Cunha, apareceram à vista de Seri-


nhaém as forças do inimigo em ordem de batalha, e apertaram o cêrco do
forte. A guarnição holandesa estava inteiramente fora de qualquer pro
porção com a força inimiga, e, de tal forma guarneceu esta tôdas as vias
de acesso à praça, que, dentro de pouco tempo, os batavos estariam à
míngua de tudo, principalmente de água. Além disso, muitos dos mora
dores das redondezas mantinham contacto frequente com o inimigo e
davam-lhe informação quanto a situação no forte. A-pesar-de já terem
despachados diversos mensageiros para o Recife, havia já dois meses que
os batavos não recebiam comunicação do Conselho. Assim, perdidas
tôdas as esperanças de conservar essa posição, os holandeses julgaram
mais conveniente ao interêsse da Companhia antes salvar a guarnição,
Cerco e
capitulação — que poderia ser útil em qualquer outro lugar onde houvesse necessidade
do Forte de de bons soldados, — que expô-la à fúria do inimigo. Assim foi que Sa-
Serinhaém. muel Lambert, Kosmo de Moucheron e La Montagne, comandantes do
forte, ao receberem o segundo ultimatum do inimigo, negociaram com
os portugueses a 6 de agosto a capitulação, da qual Moucheron deu conta
ao Conselho, pessoalmente, a 15 de agosto, e, por escrito, a 20 do mesmo
mês.

/ — Nós, os comandantes 'portugueses, fazemos saber a todos, que


para aqui fomos enviados a pedido do Grande Conselho do Brasil Holan
dês, a-fim-de abafar a insurreição estalada entre os moradores portugue
ses da região. Entretanto, tendo sido informado, ao desembarcar, que
a-pesar-dêsse pedido e das nossas boas intenções os holandeses haviam
assassinado muitos portugueses, a frio (sendo certo que estraçalharam di
versos portugueses que para isso foram sequestrados dentro de uma igre
ja), e que organizaram forças para nos combater — o que nos serve de
aviso para que não deixemos nenhuma fortaleza atrás de nós — achámos
necessário negociar esta capitulação, até conseguirmos concertar novas
medidas com o Grande Conselho, nas bases seguintes:
I — Os comandantes Samuel Lambert e Kosmo de Moucheron terão
permissão para sair do Forte e Castelo, com sua guarnição, bandeiras
desfraldadas, todas as suas armas, mourões acesos etc..
II — Terão permissão para marchar pela estrada, com suas bandei
ras e espadas nuas, e serão conduzidos em segurança, por um ou mais
capitães que terão por obrigação fornecer-lhes veículos e embarcações
para o transporte de suas pessoas e bagagens para o Recife.
III — Os portugueses se obrigam a restituir a Kosmo de Moucheron
tudo quanto dêle foi tirado e que lhe pertencia antes do cêrco.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 181

IV — Obrigam-se ainda a fazer que os moradores da cidade, bem


como os de Câmara, esqueçam as passadas ofensas, por palavras ou ações
e a manter na posse de seus haveres, do mesmo modo que aos portugueses,
todos os batavos que aqui quiserem permanecer. Gozarão, também, os
holandeses dos mesmos privilégios e poderão praticar sua própria Reli
gião, contanto que não preguem em público e que respeitem, devidamente,
os lugares sagrados. Terão liberdade de comércio com os portugueses,
poderão reclamar, como antes, as importâncias que lhes forem devidas
e não serão obrigados a tomar armas contra os Estados das Províncias
Unidas.
V — Nessas condições serão eles obrigados a entregar o forte esta
tarde com tudo quanto a ele pertencer, tendo, entretanto, permissão para
se proverem do necessário para a viagem, que poderá ser feita da ma
neira que melhor lhes convier.

assinado por André Vidal de Negreiros,


Alvaro Fragoso de Albuquerque,
Diogo de Silveira,
Lopes Lourenço,
Ferreira Bitencourt,
Hipólito Alonso de Verçosa e
Sebastião de Guimarães.

Imediatamente após a capitulação do forte, Moucheron entreteve-se


longamente com os comandantes portugueses, a respeito da missão que
traziam, a qual, afirmou êle, era, na verdade, muito diversa da que anun
ciava o Governador em suas cartas, isto é, a de apaziguar os portugueses,
a pedido do Grande Conselho. Os oficiais portugueses responderam a
Moucheron com evasivas, dizendo-lhe que teriam todo cuidado em não Evasiras
contrariar a paz celebrada entre o Rei, seu Senhor, e os Estados Gerais. dos porto
Não tardou, porém, que começassem a dominar a região, detendo até os
menos suspeitos e relacionando os holandeses casados com portuguesas;
organizaram um tribunal de justiça com elementos seus e forçaram
Moucheron a vender seus escravos por uma quarta parte de seu valor.
Tal foi o desprêzo a que votaram aos últimos artigos da capitulação, que
mandaram amarrar às paliçadas 33 brasileiros (279) que faziam parte

(279) O tradutor inglês escreveu 30 brasileiros (Cf. p. 121, l.a col., da ed. ho
landesa e p. 87, l.a col. da trad. inglêsa). Segundo Varnhagen, (XLI, p. 27), eram
62 os holandeses que se renderam e 49 os índios que foram enforcados. Mattheus van
den Broeck (XVI, p. 10) fala em 39 indígenas, e afirma que de acordo com o depol-
182 JOAN NIEUHOF

da guarnição e os enforcar. Os portugueses alegaram em sua defesa


que os brasileiros foram punidos por crimes que confessaram ter come
tido, conquanto, ao contrário, seja mais provável que tenham êles sido
sacrificados aos portugueses descontentes, que se queixavam amargamen
te dos brasileiros. Entretanto, 30 dêles foram poupados e entregues aos
oficiais, para servirem de carregadores. Suas mulheres foram entregues
aos moradores do lugar. Os portugueses constituíram a Álvaro Fragoso
de Albuquerque Governador da cidade e do forte, e nomearam capitão a
um desertor francês, Francisco de la Tour (280), para comandar 40
desertores que se alistaram entre suas forças.
Os porta- Organizaram, ainda, três companhias com camponeses lusos, sob o
gueses ar- comando de Pedro Fragoso, Inácio e Manuel de Melo, as quais foram des
Toram-se
tacadas para defender Serinhaém. Aí batizaram os lusos a dois judeus
•m chefe*.
de nome Jacques Franco e Isaac Navarro (281). A maioria dos holan
deses que tinha alguma propriedade ou engenho pelas adjacências rece
beu garantias, de maneira que a não ser dois que se retiraram para o
Recife, nenhum outro deixou a Capitania. Os que se retiraram tiveram
motivos de sobra para se arrepender, pois, como veremos mais adiante,
foram bastante mal tratados pelos portugueses.
Na tarde de 15 de agosto a guarnição de Serinhaém, composta de
apenas 32 homens (os demais ficaram atrás), chegou embarcada ao Re
cife, e seu comandante apresentou-se ao Conselho no mesmo dia, a-fim-de
explicar os motivos que o levaram a capitular. Roelant de Carpentier, dono
do engenho Formoso, e Daniel de Haen, dono do engenho Itaperaú, foram
ao encontro do pessoal recentemente desembarcado e obtiveram dêle

mento de La Montagne, os portugueses não cumpriam a promessa que haviam feito


de dar quartel aos indígenas. Isso contrasta com a asserção de Varnhagen, que de
clara terem sido abandonados à discrição do artigo 6 da capitulação, quando, como
vimos, segundo Nieuhof, não existe artigo 6 da capitulação. Calado afirma que eram
62 holandeses e 56 índios (XVII, p. 236). E não demonstra qualquer sentimento
de piedade por essas execuções em massa de indígenas, pois, numa frase, que se
torna chavão no seu livro, sendo repetida sempre que fala desses enforcamentos, diz:
"índios Brasileiros aos quais por quanto sendo vassalos dei Rey & criados aos peitos
da Santa Madre Igreja Romana, se avião rebelado contra os portugueses". — Segundo
o Breve Discurso sôbre a rebeldia (XXIX, p. 12 a), eram, ao todo, 30 indígenas.
Moreau (LIX, p. 75) calcula em 40 soldados e não se refere ao morticínio dos indígenas.
(280) Francisco de la Tour, francês de nação, natural de Bordéus, católico
romano, casado com uma mulher portuguesa e homem tido entre os moradores em
muita conta e por qualificado cristão, o qual deixando logo sua casa, mulher e filho,
em Serinhaém, aonde tinha seu domicílio, se veio logo em companhia de nossa geníe
para o sítio aonde estava o governador da liberdade João Fernandes Vieira (Cf.
Calado, XVII, p. 236 e Rafael de Jesús, XC, p. 318).
(281) Manuel Calado (XVII, p. 187) se refere a um judeu que estava catequi
zando e a mais sete que haviam sido enviados para Portugal; e, à p. 244-245, fala
de três outros, um dos quais logo pediu que o batizassem, enquanto os outros dois
começaram a discutir com Manuel Calado. Êste termina por convertê-los.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 183

que pudessem permanecer nos seus engenhos e nos seus bens (282).
A-pesar-do seu gesto, foi obrigado a responder a conselho de guerra. O
oficial que conduziu a guarnição ao Recife entregou ao Conselho, no
mesmo dia, uma carta de Martim Soares Moreno e André Vidal de Ne
greiros, datada de 8 de agosto, dizendo que tinham vindo para o Brasil
Holandês, por ordem expressa do Governador da Baía, e exprobando as
violências que diziam ter sido cometidas pelos holandeses contra os por
tugueses. Essa carta capeava outra do Governador, datada de 30 de
julho, contendo uma proclamação a ser publicada na Capitania de Per
nambuco, em que se intimavam todos os habitantes a comparecerem pe
rante êles, dentro do prazo de oito dias, a-fim-de receber instruções para
o restabelecimento da tranquilidade entre o povo. Era o seguinte o teor
da carta de Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros (283) :

CARTA DOS COMANDANTES PORTUGUESES AO CONSELHO

Quando Vs. Excias. se viram ameaçados por uma perigosa conspira


ção de portugueses moradores desta Capitania dirigiram-se ao Governa
dor Antônio Teles da Silva e pediram que adotasse as medidas mais efi
cazes para abafar rebelião. Mais ou menos pela mesma época, os morde
dores desta Capitania unânimemente imploraram seu auxílio e proteção
contra as inúmeras afrontas, pilhagens, assassínios e estupros, dizendo que
estavam resolvidos, por consenso geral, a se armar com paus (pois que o
uso de armas lhes havia sido proibido pelo Governo tirano) a-fim-de se de
fenderem e lutarem até ao extremo pela sua honra, certos de que Deus Oni-
potente vingaria o sangue de tantos inocentes. Representaram a Sua Exce
lência dizendo que, pela sua posição, estava obrigado a auxiliá-los em sua
aflição, pois que eram seus compatriotas. Se, porém, o auxílio não fosse
eficiente, se razões de estado o induzissem a deixá-los ao desamparo, ne-

(282) O trecho dessa tradução, que começa "Roelant de Carpentier. . . " até "...
nos seus bens" está omitido na tradução inglêsa (Cf. p. 121, 2.» col. últ. § e p. 122,
L» col. 1.° § da ed. holandesa e p. 87, 1.» col. da ed. inglêsa).
Conforme se lê no Discurso sobre a Rebeldia, (XXIX, p. 176) :
Roeland Carpentier, possuidor do engenho de Rio Formoso, fez acordo com os
portugueses e ficou no mesmo engenho sob a salvaguarda deles; mas os portugue-
ses, querendo fazerem-se senhores de um tão bom esbulho, acusaram-no (Deus sabe
com que pretexto) de traição e sem forma de justiça o degolaram.
(283) A cópia do original português encontra-se publicada na Rev. do Inst
Arqueol. e Geog. Pern.^ 1887, n. 35, vol. 6, p. 38-41. Como afirmou Varnhagen
(LXXIII, p. 290), a grande correspondência trocada entre o inimigo e André Vidal
de Negreiros demonstra que os holandeses compreenderam que êle era o verdadeiro
diretor da guerra.
184 JOAN NIEUHOF

gando-lhes auxílio, sua vida estaria correndo risco, e severas seriam as


contas que teria que prestar perante Deus, caso tivessem eles que pedir a
qualquer potência estrangeira o auxílio que não conseguiam obter de seus
próprios irmãos. Considerando, detidamente, todas essas razões e também
em consideração, tanto ao pedido de Vs. Excias., como à reclamação dos
portugueses, o Governador empenhou-se em encontrar o meio mais eficaz
(que Vs. Excias parecem ter deixado a seu critério) de sufocar a revolta.
Sabendo que a insurreição se tinha alastrado entre os portugueses desta
Capitania e que poderia ainda se expandir mais, contra o Governo de
Vs. Excias., o Governador achou melhor mandar para cá pessoas, acom
panhadas de força armada, as quais, pela sua prudência, e, em caso de
necessidade pelas armas, haveriam de restaurar a almejada tranquili
dade. É por isso, senhores, que aqui nos achamos, dispostos a empres-
tar-lhes tôda a nossa força e assistência, de acordo com o pedido de Vs.
Excias., no sentido de preservar a paz estabelecida entre as nossas duas
nações, em prol da qual nem medimos as despesas que teremos de fazer.
Entretanto, mal tínhamos posto pé em terra e já os nossos ouvidos e co
rações se feriam com gritos de 40 inocentes católicos portugueses, mas
sacrados na igreja do Rio Formoso, para onde foram sequestrados por
indivíduos a serviço de seu Govêrno. Sem o mínimo respeito pela idade
e pelo sexo, até criancinhas foram bàrbaramente assassinadas pelos na
tivos, nos braços de suas mães. Nem nos escaparam os gritos de deses
pero de nobres donzelas raptadas pelos brasileiros em Várzea e São Lou
renço, sem falar das barbaridades cometidas em Ipojuca onde muitos er
mitães e crianças inocentes foram massacrados em uma caverna. Os
criminosos nem ao menos pouparam os lugares e objetos sagrados:
reduziram a fragmentos imagens de santos e estraçalharam os paramen
tos da Virgem Maria, Rainha dos Céus. Procedimento assim tão mons
truoso é, por si só, suficiente para encher de horror e espanto os cora
ções generosos. Não obstante terem Vs. Excias. pedido ao nosso Go
vernador Geral que interviesse com sua autoridade, Vs. Excias. organi
zaram forças que ainda hoje continuam em campo. Obrigados, pelas
ordens que recebemos, a ir ter com Vs. Excias., no Recife, julgamos que
seria conveniente não deixar atrás de nós nenhuma força armada, que
mais tarde nos pudesse constituir entrave. Procuraremos tratar com
respeito e bondade a todos os seus súditos e manter entre nós a guarnição
de Serinhaêm até conseguirmos chegar a um acordo com Vs. Excias., para,
melhor serviço de Deus e do Estado. Enquanto isso, desejamos ardente
mente que se ponha um paradeiro às violências cometidas pelos seus sol
dados, a-fim-de evitar que nos seja dado motivo de represália. Protesta
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 185

nos, em nome de Deus e Dom João IV, que Deus o guarde, bem como em
nome dos Estados Gerais cujo poderio queira Deus aumentar, que nada
mais desejamos que a continuação da paz firmada, desejo êsse que sem
pre norteará todas as nossas ações. Trouxemos conosco uma cópia au
têntica do tratado de paz, para servir de justificativa perante todos os
príncipes da Europa. Para conhecimento de Vs. Excias., anexamos cópia
da Proclamação que publicámos quando desembarcámos nesta Capitania.
Deus guarde Vs. Excias.,
Serinhaém, 8 de agosto de 1645.

Assinada por Martim Soares Moreno e


André Vidal de Negreiros.

É o seguinte o teor da Proclamação acima referida.

PROCLAMAÇÃO

Nós, comandantes em Chefes das forças portuguesas, Martim Soa


res Moreno e André Vidal de Negreiros, fazemos saber a todos e aos '
moradores de Pernambuco que, tendo o Grande Conselho do Brasil Ho
landês comunicado por carta ao Governador e Capitão Geral do Brasil a
revolta estalada entre os portugueses desta Capitania e pedido auxílio
para sufocar o movimento, o dito Governador enviou-nos com força su
ficiente. Assim, determinamos que todos os portugueses, seja qual for a
sua condição, se apresentem perante nós dentro de oito dias, depois da
publicação da presente, para que se restabeleça a tranquilidade entre
êles, consoante o pedido dos srs. membros do Conselho do Brasil Holan
dês. Convidamos também ao Conselho, da maneira mais cordial e de
acordo com o teor da aliança celebrada entre estas duas nações, a cessar
a perseguição dos portugueses, bem como todo e qualquer outro ato ina-
mistoso e punir severamente aqueles de seus soldados que ajam de ma
neira contrária, cada vez que se lhes apresente queixa.
Eu, Alexes Antunes, lavrei esta proclamação e eu Francisco Bravo
da Silveira, Auditor-General, o aprovei.

Martim Soares Moreno


André Vidal de Negreiros.
186 JOAN NIEUHOF

O Grande Conselho resolveu dar uma resposta sucinta à carta acima


a refutar a Proclamação com outra, e, considerando que as causas de
todas as perturbações e desmandos foram expostas ao Conselho, êste
ordenou aos dois Conselheiros da Justiça, De Wit e Moucheron, junta
mente com o Sr. Walbeek, assessor, que respondessem à exposição e re
presentassem ao Conselho dos XIX, na Holanda, dizendo que tais acon
tecimentos eram ocasionados pelos rebeldes e seus simpatizantes.
Durante o mês de agosto, as tropas recentemente chegadas da Baía
marcharam de Serinhaém para Ipojuca e daí para o Cabo de Santo Agos
tinho onde, reúnindo-se às forças sob o comando de Camarão e Dias
e aos habitantes do lugar, resolveram atacar (depois que os nossos ho
Os portu
gueses mens deixaram Ipojuca e a cidade de Santo-Antônio-do-Cabo) o forte
assediam Van der Dussen, no cabo de Cabo de Santo Agostinho, por terra. Assim
o cabo de decididos, dispuseram os rebeldes suas tropas ao longo de ambas as
Santo margens do rio.
Agostinho.
Entretanto, avisado com antecedência das intenções do inimigo, o
Conselho ordenou, a 2 de agosto, ao Sr. Adriaen Bullestrate, membro
do Conselho, e ao Almirante Lichthart que para lá se dirigissem e tudo
providenciassem para a defesa da praça. Para isso deveriam os referi
dos senhores examinar meticulosamente o Forte Van der Dussen (284)
e tôdas as suas obras externas, tendo o cuidado de ver se havia necessi
dade de reparos no reduto do morro denominado Nazaré e na bateria à
entrada do pôrto, para defesa do forte. Partiram, portanto, do Recife
a 5 de agosto os srs. Bullestrate e o Almirante Lichthart, tendo chegado
ao Forte Van der Dussen na mesma noite. Desempenhada a missão, o
Sr. Bullestrate regressou ao Recife a 9 de agosto e prestou as seguintes
informações ao Conselho.
Disse que deixou o Recife a cêrca de 9 horas da manhã do dia 5 de
agosto, tendo chegado ao Forte Van der Dussen, no Cabo Santo Agosti
nho, à noite do mesmo dia.

(284) O Forte do Pontal de Nazaré fora construído pelos holandeses em 1634


e era por eles chamado van der Dussen. Segundo Barlaeus, (VII. p. 144V o Forre
van der Dussen, no Cabo de Santo Agostinho, era armado de 6 bôcas de fogo. Não
deve ser confundido com o antigo Forte português de Nazaré, situado no próprio
cabo, que resistiu aos ataques holandeses até 2 de julho de 1635, data em que foi
destruído. (Cf. Barão do Rio-Branco, LXXV, 490 e 387, onde trata da capitulação do
forte, dirigido por Pedro Correia da Gama e Luiz Barbalho Bezerra, sendo os
holandeses dirigidos por S. van Schkoppe).
Sôbre a destruição do velho forte português há referência no Breve Dis
curso (XV, p. 180), quando ali se declara: a fortaleza que o inimigo levantara em
tôrno cia igreja âe N. S. de Nazaré, situada sôbre o monte mais alto do Cabo
(Santo Agostinho), há muito foi arrasada por imprestável. Em Barlaeus, no mapa
que abrange o Cabo de Santo Agostinho (ed. 1647), pode-se ver o Pontal de Nazaré.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 187

A 6 de agosto, depois do sermão da manhã, dirigiu-se, em companhia Relato


do Almirante e de outros oficiais, para o morro do Cabo Santo Agostinho. de 8n*
Tendo inspecionado o pôrto verificou que o reduto de pedra necessitava BIISSao-
reparos de pouca monta. Os canhões das baterias estavam bem firmes
e as obras externas, do lado do mar, em boas condições. Ordenou a cons
trução de um parapeito, a ereção de paliçadas em tôrno do reduto, a
construção de uma casa da guarda e o alargamento dos fossos. Deter
minou também a construção de uma barragem de pedra (por falta de
madeira) com uma ordem de paliçadas e uma casa de guarda, bem como
que, logo que o tempo melhorasse, ateassem fogo ao mato do morro e
limpassem todo o terreno em volta da igreja de Nazaré.
Tendo examinado o Forte Van der Dussen, deu ordem ao Major
Hoogstraeten para que o colocassem em boas condições de defesa, com
tôda a urgência possível, enquanto que o Almirante se incumbiu de cir
cundá-lo com paliçadas. Disse ainda que, a 7 de agosto, tendo feito pa
gamento à guarnição e aos artilheiros passou para Santo-Antônio, por
caminhos bastante difíceis, onde também fêz pagamento aos soldados,
visitou as trincheiras e dispôs as cousas o melhor que pôde. Contratou
com terceiros o reparo do reduto do morro denominado Nazaré, a cons
trução da barragem de pedra, as duas casas de guarda e a ereção de pali
çadas em tôrno de ambas as defesas, de acordo com os seus desenhos,
pelo prêço de 900 florins, devendo as obras estar inteiramente ter
minadas dentro de três semanas. Foi aí que teve a primeira notícia do
desembarque de forças provenientes da Baía, junto ao Rio Formoso,
forças essas transportadas pela mesma frota que fora avistada ao largo
do Recife na semana anterior. Não tendo, porém, recebido mais infor
mações, despachara um mensageiro ao tenente La Montagne, comandante
de Serinhaém, pedindo-lhe informes exatos dos acontecimentos e das con
dições em que então se achava a sua guarnição. Nessa mensagem procu
rava também encorajar o tenente, com tôda a sorte de promessas, pois
que as comunicações por terra já estavam cortadas entre êles. Alistou,
também, 35 voluntários (285).
Dizia, ainda, o Sr. Bullestrate, em seu relato ao Conselho, que a 8
de agosto, a despeito do mau tempo reinante, conseguira atravessar as
montanhas de Hegendos dirigindo-se ao litoral de onde, encontrando-se
com o Almirante, subiram o Rio Jangada com maré alta, até Candelária,
onde se demoraram um pouco e receberam a notícia de que no último

(285) O tradutor inglês escreveu 38 voluntários (cf. p. 125, 2.a col., 1° § da


ed. holandesa e p. 89, 2.° col. 3.° § da ed. inglêsa).
188 JOAN NIETJHOF

encontro entre o Tenente-Coronel Haus e os rebeldes, próximo àquele


morro, mais de 200 dêstes últimos — dentre os quais, alguns oficiais —
haviam perecido, sendo que do nosso lado apenas morreram 45 ou 50
homens. Um tal Belchior Álvares (286) procurou-os especialmente para
dizer-lhes que cêrca de 300 revoltosos estavam inclinados a aceitar o
perdão, fato êste que êle, Sr. Bullestrate, referiu ao Conselho.
Continuando seu relato, disse o Sr. Bullestrate que, no momento em
que se dispunha a montar a cavalo para regressar ao Recife, um dos nos
sos soldados, que ficara para trás, veio se queixar de que fora violenta
mente agredido pelos empregados do jangadeiro do Rio Jangada que o
seviciaram brutalmente e o feriram. Belchior Álvares teve ordens de
pensar o ferido e o Capitão Pistor de partir com 20 soldados à procura
dos malfeitores. Chegando à casa do balseiro, cercaram-na, detiveram
a êste e aos seus três filhos, mas o mulato autor do espancamento con
seguiu escapar. Prosseguindo viagem a cavalo, para o Recife, a-pesar-da
violenta chuva que desabava, atravessou o rio, não sem grande perigo,
próximo ao forte Emília. Que a 9 de agosto soube, por uns negros de
Moiséz Navarro que havia despachado com cartas para o Engenho Sur-
chaque, que lhe haviam armado uma emboscada, perto de Candelária, sem
que, entretanto, o inimigo tivesse ousado atacá-lo. Seus negros foram
feitos prisioneiros, mas conseguiram escapar e vir ter conosco.
Notícia» Por carta datada de 13 de agosto, endereçada ao Conselho, Ho-
do Cabo ogstraeten o informou de que com os voluntários vindos de Santo-An-
Santo tônio a guarnição do Cabo Santo Agostinho contava, então, com cêrca de
Agostinho. 280 homens, sendo 217 soldados e artilheiros e 63 voluntários. Dizia,
também, que tão logo a nossa guarnição deixara Santo-Antônio, Hen
rique Dias e Camarão se instalaram com suas tropas, no engenho
Algodoais (287), junto à praça, onde esperavam a chegada das forças

(286) Foi Belchior Álvares quem emprestou a Maurício de Nassau o boi que
serviu para as festas da inauguração da primeira ponte no Recife. Um dos diver
timentos foi o do boi voador. Calado (XVII, 131). Em Barlaeus, (VIII, mapa
de Pernambuco, entre as p. 16-17), regista-se um curral de Belchior Álvares e (no
mapa de Cirii, entre as p. 8-9) mais dois currais. Em Vingbooms (XCVII, mapa 86),
na fronteira de Pernambuco com Sergipe, à margem do Rio São Francisco, regis
ta-se a propriedade de Belchior Álvares. Segundo o Relatório sôbre Alagoas: "Bel
chior Álvares disputou com Gonsalves da Rocha as terras ao sul do rio São Mi
guel, nas Alagoas, e a questão compôs-se do seguinte modo: Belchior possuiria uma
légua em quadro, sendo a primeira barra para cima e Gonsalves Rocha quatro léguas
ao longo do rio até a igreja de São Miguel". (XCV, p. 161).
(287) Nieuhof escreve Algodais (p. 126, l.a col.). Algodais, como regista o
Breve Discurso (XXXII, p- 147), estava situado na freguesia do Cabo de Santo
Agostinho (Barlaeus, VIII, mapa de Pernambuco, entre as p. 24-25), e pertencia
a Miguel Pais. Tendo sido confiscado, mas não vendido, porque nêle permanecera o
exército por ocasião do cerco do Cabo, sofreu grandes estragos (XV, p. 147).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 189

de Martim Soares e André Vidal, provenientes da Baía. Hoogstraeten


esperava ser, a qualquer momento, assediado pelo inimigo, e nada temia
tanto como a falta de água potável, de vez que o abastecimento já havia
sido interrompido. Ante essa informação, o Conselho deu ordens para
que se remetessem imediatamente 30 barris de água, munições, provi
sões e o mais que fosse necessário para uma vigorosa defesa da praça,
já então suficientemente guarnecida. No dia seguinte, o Conselho rece
beu notícias de Hoogstraeten, por intermédio dos Srs. Ley e Hek, dizen
do que o adversário havia ocupado o engenho Salgado e Surchaque e
outros pontos circunjacentes.
O Conselho confiava na bravura e fidelidade dos oficiais da guarni
ção do forte, que, por sua vez, prometeram levar a efeito heróica defesa.
Eram todos militares que se haviam distinguido por seus serviços e es
tavam à espera de promoção : comandante Hoogstraeten, Kaspar van der
Ley, antigo capitão de cavalaria, Johan Hek e Albert Gerritsz Wedda,
antigo capitão pertencente à Companhia. Entretanto a infidelidade e a
cupidez dêsses indivíduos contrabalançavam em muito os seus méritos,
pois, Hoogstraeten, comandante em Chefe, com a conivência de Kaspar
van der Ley e Albert Gerritsz Wedda, vil e traiçoeiramente negociara a
capitulação do dito forte com os portugueses, a 13 de agosto, pela impor
tância de 6.000 cruzados ou 18.000 florins além de outras compensações
que lhe foram prometidas pelo inimigo. Êsses oficiais bandearam-se ao
adversário com tôda a guarnição, sendo Hoogstraeten nomeado Coronel
de um Regimento Holandês, integrado pelos seus soldados e mais homens
de diversas nacionalidades desertados de nossas fileiras. E assim foi
a fortaleza entregue aos portugueses, justamente por um dos que mais
devia sua fortuna à Companhia (288).

(288) Desde 15 de agôsto sitiava Martim Soares o forte do Cabo e a 23


chegava com reforço André Vidal, logo depois da capitulação de Serinhaém. A 26
de agôsto, André Vidal enviava Paulo da Cunha a exigir que Hoogstraeten
cumprisse a promessa de entrega. A 1.° de setembro André Vidal enviava no
vamente Paulo da Cunha e o Auditor Francisco Bravo da Silveira a dizer ao
governador da Fortaleza que a entregasse, sob pena de não lhe dar quartel.
(Calado, XVII, p. 241). Aos 3 de setembro, entregava Hoogstraeten a fortaleza
(cf. Calado, XVII, p. 242, e Rio-Branco, LXXV, p. 490-91).
O tradutor inglês (p. 90, 2.° col. 1.° §) escreveu 23 de agôsto e Nieuhof
13 de agôsto (p. 126, 2.» col). Trata-se de infidelidade do tradutor e êrro de Nieuhof.
Esse êrro de Nieuhof é bem grave, pois a tomada só se deu a 3 de setembro.
É curioso que, na carta de Martim Soares, dirigida a Antônio Teles da Silva, na
qual aquele relata a tomada do Forte, Nieuhof tenha traduzido 13 de corrente
mês (p. 126, 2.a col., últ. §), quando Martim Soares escreveu, domingo, 3 do pre
sente (a carta traz a data de 6 de setembro), Deus nos fêz mercê de nos meter
de posse desta força do Pontal.
Desde 15 de agôsto de 1645, começara o sítio da Fortaleza (Rio-Branco,
LXXV, p. 491). Mattheus van den Broeck, que a 17 de agôsto assinava sua ren-

14
r
190 JOAN NIETJHOF

A tomada e conquista do Cabo de Santo Agostinho foi relatada, por


Martini Soares Moreno, em carta datada de setembro ao Governador
Antônio Teles da Silva, nos seguintes têrmos (289) :

No domingo, I3 deste mês corrente, Deus Todo Poderoso concedeis


-nos a posse do Forte do Cabo Pontal, que havia sido cercado por André
Vidal de Negreiros. No dia seguinte alegrou-nos o recebimento do di-

dição (XVI, p. 12), foi quem melhor relatou a conferência havida entre os vários
oficiais sôbre dever-se ou não entregar o forte. Dentre estes, três não aceitaram
a capitulação: Isaac Zweers, Johannes Brookhuizen e Abraham van Milligen, sen
do que Klaes Klaesz aceitou a rendição e mais tarde fugiu com 63 soldados.
O Diário ou Breve Discurso (XXIX, p. 134), depois de reconhecer a im
portância do Pontal, pois se os portugueses houverem o Pontal, terão um pôrtà
livre, e poderão carregar comodamente de açúcar os seus navios, declara que a
11 de setembro recebeu-se a notícia de que a 6 do mesmo mês, Hoogstraeten en
tregara o forte.
Moreau (LIX, p. 82) calcula em 1800 libras e mais o cargo de coronel para
Hoogstraeten e 30 libras para os 650 soldados do forte; Handelmann (XL, p. 235)
calcula em 9.000 cruzados para os quais Vieira contribuiu com 7.000. Segundo
Rafael de Jesus (XLIV, p. 349), eram 275 os rendidos; Varnhagen (LXXII, p.
31, vol. 3.°) diz que a entrega do forte ocorreu a 3 de setembro e conta que
foi imposta aos moradores a soma de 4.000 cruzados, à qual se juntou outra igual
mandada da Baía pelo governador geral. Calado (XVII, p. 240 e 251) confirma
o que escreveu Varnhagen, dizendo que João Fernandes Vieira impôs uma finta
para a sustentação da guerra, contribuindo cada um com determinada quantia;
declara que eram 275 soldados, aos quais se deu quatro mil réis por primeira
paga. Os nove mil cruzados estabelecidos no acordo com o fito de pagar os sol
dos devidos aos soldados pela Companhia não parece que tenham sido recebidos
por estes e sim por Hoogstraeten. Permitiu-se, também, que os que quisessem
tomar armas a favor dos restauradores assentassem praça.
Rio-Branco calcula (LXXV, p. 242) em 275 oficiais, declarando certamente
que recebera Hoogstraeten o título de mestre de campo e não de Coronel, como
escreveram Nieuhof e Moreau, pois o cargo de Coronel só foi criado pela re
forma de 15 de novembro de 1707, quando desapareceram os lugares de mestre
de campo e sargento-maior.
Nieuhof equivocou-se outra vez ao falar em Regimento Holandês, pois se trata
de um têrço de estrangeiros, não só de holandeses, cuja chefia foi dada ao mes
tre de campo Hoogstraeten.
(289) A cópia do original português encontra-se na Rev. do Inst. Arqueol. e
Geog. Pern., 1887, n. 35, p. 45-47.
O tradutor inglês escreveu (cf. p. 90, 2.» col. da ed. ing. e p. 126, 2.» col. da
ed. holandesa) "por carta datada de 26 de agosto de 1645", onde estava "13 do
corrente mês"; ainda assim continua errado, pois conferindo-se com o referido
original, acima citado, verifica-se que a data é "3 do corrente mês" (setembro,
pois a carta está datada de 6 de setembro).
Nieuhof escreveu Damiano de Lankois (p. 127, l-a col., 5." §) ; na referida
cópia da Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Pern., está conforme esta tradução.
Sôbre o nome Capivara tudo faz crer tratar-se de índio (cf. Varnhagen, LXXII,
p. 33, tomo III).
Sôbre os 4.000 ducados levantados por João Fernandes Vieira, cf. nota 288.
O tradutor não foi fiel ao escrever o navio Bispo (cf. p. 127, l.R col., 7." §.
da ed. holandesa e p. 91, 1.» col. 4.° § da ed. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 191

nheiro que V. Excia. nos enviou, e o vinho, com que fui particularmente
presenteado, serviu para celebrar a nossa alegria, em companhia dos
amigos.
Fizemos um excelente negócio, pois, além da importância da posição,
conseguimos para nós os melhores soldados do inimigo. O exemplo ser
virá também para indicar aos demais qual o caminho a seguir. João
Fernandes Vieira conseguiu, no sábado, levantar a soma de U-000 duca
dos para nosso uso, não, porém, sem o emprego da força. Êsse dinheiro
veio, entretanto, em muito boa ocasião, pois tendo efetuado a transação,
temos que melhorar a fortificação da praça, cujo porto não è inferior
ao do Recife. Não me alongarei, porém, em pormenores enfadonhos
sóbre êsse ponto.
Logo depois da capitulação do forte, surgiu uma embarcação envia
da do Recife em seu auxílio. Contra ela despachamos o Capitão Bar
reiros numa embarcação bem armada, com 35 homens, boa provisão de
pólvora e de balas. Êsse expediente nos foi bastante útil.
Tomo a liberdade de sugerir a V. Excia., que, caso despache um
mensageiro com esta notícia a Sua Majestade, talvez a missão possa ser
confiada ao Capitão Damiano de Lançóis, pois é provável que, além de
um bom presente, o Rei o recompense com algum cargo honorifico.
Recebi notícias, ontem à noite, de que a frota comandada por Jerô
nimo de Paiva tinha franqueado a Baía de Tamandaré. Receio seja ela
atacada pelos navios para isso despachados do Recife, pois diversas vezes
pedimos-lhe que entrasse em nosso porto.
Capivara partiu de lá para a Baía, por terra; talvez tivesse infor
mado Jerônimo de Paiva de que já somos senhores do Pontal. Se ele
achar conveniente trazer sua esquadra para cá, estará seguro; caso
contrário fica à sua vontade. Corre por aqui que o navio do Bispo está
perdido. Talvez tenha sido destacado para escoltar Salvador Correia
durante parte do percurso.
Não posso deixar de frisar a V. Excia. o quanto ficámos a dever
ao Major Diederik Hoogstraeten e aos demais oficiais do forte. Ao
primeiro prometemos uma comenda de oficial da ordem de Cristo. Peço
portanto a V. Excia que, em nome de Sua Majestade, cumpra, o mais
logo possível, a promessa que lhe fiz, pois se trata de pessoa que está
pronta a nos prestar qualquer outro serviço de que tenhamos neces
sidade. Por enquanto, fizemos-lhe alguns presentes de menor impor
tância, dos quais, a seguir, informaremos. O capitão de Cavalaria Ras
par van der Ley também tem para nós grande merecimento, da mesma
forma que todos os outros casados com portuguesas. Ao que corre por
192 JOAN NIEUHOF

aqui, este último ê pessoa de destaque em sua terra. Também a êle


prometemos uma comenda de oficial de Cristo e uma pensão anual para
um de seus filhos. Esperamos que V. Excia. não se recuse a fazer boa
nossa promessa, pois seus filhos são nascidos de mulher portuguesa.
O mais velho chama-se João e o mais novo Gaspar van der Ley. Os
demais se acham presentemente em suas casas; quando se apresentarem,
porém, teremos igualmente que lhes prometer alguma cousa, do qw
depois informaremos V. Excia.. Todos eles merecem a nossa conside
ração por se terem casado com mulheres portuguesas. Espero que V.
Excia. esteja satisfeito com êste trabalho, pois João Fernandes Vieira
conseguiu coletar, em uma hora, mais dinheiro do que nos custou a
conquista do Pontal. Está atualmente na Várzea, entre os selvagem,
e nós no forte do Cabo até que tudo esteja pronto. Capivara seguiu
por terra, há cerca de três dias e, possivelmente, terá chegado à pre
sença de V. Excia. antes da embarcação que conduz esta carta. Espero
que chegue bem e faço votos de uma longa vida a V. Excia., para defesa
dêste Estado.
Do Morro de Nazaré, a 6 de setembro de 1645.
(Assinado) Maktim Soares Moreno.

Enquanto isso, Martini Soares Moreno e André Vidal de Negreiros


haviam despachado 7 ou 8 cartas do Cabo Santo Agostinho, datadas de
13 (290), 30 e 31 de agosto, 2 e 6 de setembro, nas quais informavam
o Almirante Paiva estar de posse do forte e pediam-lhe insistentemente
que fosse para aquele porto com sua frota. A primeira das 2 cartas
de setembro estava assim redigida:

CARTA DOS COMANDANTES PORTUGUESES AO ALMIRANTE PAIVA.

Senhor.
Estamos agora de posse do porto de Nazaré, e, como diz o ditado,
sem lançar uma só âncora, motivo pelo qual vimos convidá-lo a trazer
para cá sua frota. Aqui poderá V. S. querenar seus navios e abaste
cê-los de provisões frescas, homens, munições e tudo mais que neces
sitarem até quando, por consenso mútuo, combinarmos o que mais deve
remos fazer, no serviço de Deus e de Sua Majestade. Até agora, o

(290) O tradutor inglês escreveu 23 de agosto (cf. p. 128, l.a col., l.° § d»
ed. holandesa, e p. 91, 2.° col., 2.° § da tradução inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 193

inimigo só tem um navio poderoso no mar. Os outros são destituidos


de importância, nem pretendem, no momento, entrar em contacto com
os navios de V. S., tentarão apenas cortar as suas comunicações com
a costa. Se V. S. tem já dado tão abundantes provas de coragem que
essa retirada em nada deslustrará a fama de suas vitórias. Por outro
lado V. S. tem a considerar que é responsável pelas milhares de vidas
que se acham em sua esquadra. Por isso pedimos-lhe, mais uma vez,
que venha para este porto com sua esquadra e os oficiais sob o seu
comando, onde terão carinhosa e confortável recepção. Reconhecendo,
porém, que seria erro grosseiro insistir sobre matéria tão evidente, com
tão grande comandante como é V. S., ficamos a espera de sua vinda.
Pretendemos receber, na casa de Nazaré, o Santíssimo Sacramento, cujo
nome demos ao forte. Entre outras cousas aí encontradas achámos um
livro de missa que nos tem prestado bons serviços.
Deus guarde V. S.
Pontal, 6 de setembro de 1645.
Martim Soares Moreno e
André Vidal de Negreiros.

O teor da segunda carta ao mesmo Almirante era o seguinte:

Sendo já do conhecimento de V. S. que estamos de posse do Forte


Nazaré (291), esperamos que aproveite a primeira oportunidade que se
lhe depare para vir ter conosco. Soubemos por uma carta escrita no
Recife, apanhada na embarcação que vinha em socorro da praça e por
nós aprisionada, que o inimigo tem duas flotilhas e um navio artilhado
com que pretende expulsar a esquadra de V. S. desta costa. Julgamos,
por isso, dever nosso dar-lhe conhecimento imediato a-fim-de que, com
sua costumeira prudência, V. S. possa tomar as providências que enten
der. Os holandeses, com seus métodos traiçoeiros, obrigaram-nos a
recorrer à força; desejamos, portanto, que V. S. lhes pague na mesma
moeda, com ferro e fogo, como eles nos fazem a nós. Se V. S. deseja
vir para cá, é necessário que o faça logo, pois toda demora é perigosa

(291) O tradutor inglês escreveu Pontal (Cabo) (cf. p- 128, 2.a col. da
ed. holandesa e p. 92, 1.° col. da ed. inglêsa). A cópia do original português en-
eontra-se na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Pern., 1887, n. 34, p. 80-81. Ai
está, também, Forte Nazaré.
Na mesma revista existe, também, cópia de uma carta escrita de Pontal, da
tada de 6 de setembro de 1645 e assinada por Martim Soares Moreno e André
Vidal de Negreiros; o conteúdo da carta anterior dada por Nieuhof está muito
truncado (cf. p. 81-82, da citada Revista).


194 JOAN NIETJHOF

em tempos como estes. Fizemos uma cópia fiel desta carta em nosso
diário, para que mais tarde nos sirva de documento.
Deus guarde V. S.
Pontal do Santíssimo Sacramento, 6 de Setembro de 1645.
Martim Soares Moreno e
André Vidal de Negreiros.

Em carta escrita do Cabo por Gaspar da Costa Abreu (292) ao


seu amigo Domingos da Costa, residente na Baía, encontramos um relato
da capitulação do Cabo Santo Agostinho e de outras transações entre
holandeses e portugueses. A referida carta está assim concebida:

Espero que esta o encontre com saúde como o deseja êste seu fiel
amigo. Acho-me em situação regular em Pontal de Nazaré que, depois
de um cerco de 20 dias, capitulou com relativa facilidade, porquanto
os que o comandavam eram casados com mulheres portuguesas e tinham
propriedades nas circunvizinhanças. O Capitão da praça foi o primeiro
a opinar pela capitulação. Conseguiram obter as condições que pre
tendiam, além de uma gratificação de Jt.000 ducados. Encontrámos no
forte 300 dos melhores soldados holandeses e doze canhões de bronze
— dos quais quatro de quatrocentas e vinte libras — e provisões por
três meses, de maneira que, se não tivéssemos feito acordo, a empresa
ter-nos-ia custado grande número de homens. Entretanto, capturámos
a praça com a perda de um único homem, morto por um tiro acidental
de canhão. Apreendemos, também, uma embarcação que estava atirando
de Pontal antes da capitulação, na qual se achavam várias centenas de
homens que se dirigiam para o Recife. O comandante da embarcação
bem como outro senhor de Servnhaém (ambos magistrados nas suas
respectivas localidades) entregámo-los aos moradores do lugar que logo
os mataram, a despeito de ser um deles casado com mulher portuguesa,
pois, havendo eles dito que ainda tinham esperanças de lavar as mãos
em sangue português, as mulheres se exasperaram a tal ponto que eles
foram logo executados. Quase todos os prisioneiros estão detidos em
Santo-Antônio, para de lá serem remetidos para a Baía. Entretanto,
muitos dentre eles estão trabalhando para nós. Calculamos que o

(292) A carta de Gaspar da Costa Abreu para Domingos da Costa en-


contra-se na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog. Pern., 1887, n. 34, p. 95-97. Nessa
cópia do original português escreve-se 2.500 ducados e não 1.500 ducados, como
está na edição de Nieuhof (cf. p. 129, 2.» col., 2.° §) : duizent vijf hondert duka-
ten.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 195

número de holandeses mortos e aprisionados deve orçar por cerca de


1.300. Não vimos a flotilha comandada por Salvador Correia de Sá.
Receamos que algo lhe tenha sucedido. Alguns dos nossos navios esti
veram cruzando, pelas proximidades, mas nos últimos três ou quatro
dias nenhum dêles apareceu na costa. Os holandeses têm uma armada
de 12 navios; é bem bom que não se aventurem a um encontro conosco.
O Recife, com tôdas as suas fortalezas, está cercado; Lourenço Carneiro
está em Pôrto-Calvo. Os judeus dizem que vieram ordens no sentido
de retirar tôdas as forças holandesas do Rio-Grande, Paraíba e São
Francisco, a-fim-de transportá-las para o Recife. Não há grande har
monia entre judeus e holandeses; assim dizem os judeus que os holan
deses querem vender o país. Quatro de seus principais oficiais que são
nossos prisioneiros, dentre os quais o artilheiro-mor, têm ordem de serem
enviados para a Baía. No mesmo dia em que nos assenhoreamos de
Pontal veio uma embarcação do Recife, com ordem de resistir ao extre
mo. Capturámos a embarcação com apreciável quantidade de munições
e provisões, tudo no valor aproximado de 1500 ducados.

5 de setembro de 1645.
Gaspar da Costa Abreu

Por esta e pelas cartas seguintes, vê-se que de há muito havia o


Major Hoogstraeten lançado as bases de seu plano traiçoeiro para a en
trega do Cabo Santo Agostinho aos portugueses, ou seja, desde que em
companhia do Sr. Balthazar van der Voorde foi enviado à Baía, em
missão junto ao Governador Antônio Teles da Silva. Assim foi que um
certo sargento também vendeu ao inimigo um reduto próximo à cidade
de Olinda, por 300 florins (293).
Ao início do cerco do Cabo Santo Agostinho, André Vidal de Ne
greiros mandou duas cartas ao Major Hoogstraeten, Ley e Hek, por inter
médio de João Gomes de Melo, em data de 13 de Janeiro (294), na

(293) Sôbre êsse reduto, cf. Calado, (XVII) p. 246, l.a col. e 2.B col., 1.° §.
Nessa luta, João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros foram acom
panhados por Diederik Hoogstraeten e sua companhia de estrangeiros- Estava êsse
reduto localizado junto à vila de Olinda, a um tiro de mosquete, no meio de
uma restinga de areia, que divide a costa do mar das águas do Rio Beberibe, no
caminho por onde se serve a gente que vai da vila para o Recife. Está a uma
légua do Recife e se chama Forte de Santa Cruz; chamava-se, em outro tempo,
a guarita de João de Albuquerque.
Foi Diederik Hoogstraeten quem se dirigiu ao Sargento que se rendeu com 60
soldados. Cf., também, Rafael de Jesús (XLIV, p. 345) e nota n. 51.
(294) O tradutor inglês escreveu 13 de agosto (cf. p. 93, l.a col., 2.° § da
ed. inglêsa e p. 129, 2.° col. últ. § da ed. holandesa).
196 JOAN NIEUHOF

primeira das quais Negreiros reclamava contra os maus tratos e os


assassínios perpetrados contra os portugueses pelos batavos. Na segunda
pedia a êles que, de conformidade com as promessas feitas por Hoogs-
traeten na Baía, para o Rei de Portugal, entregassem o forte.

AS DUAS CARTAS DE VIDAL A HOOGSTRAETEN (295).

A primeira estava assim concebida:

Cheguei esta manhã à Vila de Santo-Antônio-do-Cabo, com esperança


de ter notícias soas e do Capitão van der Ley, a quem beijo a mão
muitas vezes. Comunico-lhe pela presente que fomos para aqui envia
dos por ordem do Governador Antônio Teles da Silva, sem outra intenção
que a de abafar o movimento recentemente estalado nesta região, de
acordo com a solicitação do Conselho, do que V. S. é testemunha. Logo
que chegámos a Tamandaré recebemos muitas notícias inteiramente con
trárias ao que esperávamos aqui encontrar, isto é, que no Rio-Grande
87 moradores foram massacrados, muitas donzelas conspurcadas e a
imagem da Virgem Maria sacrllegamente desrespeitada. Ações tão abo
mináveis dificilmente se poderia imaginar que uma nação tão herói
ca fosse delas capaz. Enquanto lhe escrevo esta carta, chegam-me notícias
de que os holandeses mataram diversos habitantes de Goiana; entre
tanto, não me sinto inclinado a dar crédito a tais informações, pois, caso
fossem exatas, não poderíamos deixar de prestar assistência a essa pobre
gente, ainda que pertencesse à mais desprezível das nações, tanto mais
que pediram o nosso auxílio, e, além de cristãos, são súditos do Rei de
Portugal, que Deus o guarde. Enquanto o Conselho aguardava os resul
tados da acomodação projetada, os holandeses surpreenderam e mataram
diversas pessoas, fato êsse que nos obriga a pedir-lhe em nome de Deus,
de Sua Majestade, Sua Alteza e dos Estados Gerais, que não dê motivo
para ruptura e que, ao contrário, faça tudo que estiver ao seu alcance
para manter a paz celebrada, que de nossa parte lançaremos mão de
todos os meios, com o comandante em chefe desta praça. Assim con
tribuiremos para a tranquilidade de ambas as partes. Os portadores
da presente são o Capitão João Gomes de Melo e o Tenente Francisco

(295) A cópia do original português encontra-se na Rev. do Inst. Arqueol.


e Geog. Pern., 1887, n. 35, p. 43-44.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 197

Gomes, os quais desejamos que sejam autorizados a voltar o mais rapi


damente possível.
Deus o guarde por muitos anos.
13 de agosto de 1645.
André Vidal

Era o seguinte o teor da segunda carta: (296)

A promessa que V. S. nos fez na Baía e o que depois disso comu


nicou o Capitão Ley ao Governador João Fernandes Vieira e ao Capitão
João Gomes de Melo, leva-nos a assegurar a nossa orientação anterior
na certeza de que tanto V. S. como o Capitão Ley manterão o com
promisso com que Vs. Ss. se dignaram a nos obrigar e pôr ao serviço
de Vs. Ss. Para cá viemos à frente de 3.000 homens escolhidos e apoia
dos por duas flotilhas de navios de guerra bem equipados, uma das
quais ainda não apareceu na costa. A outra V. S. viu passar há poucos
dias. Espero que assim possamos libertar o pobre povo, e, sabendo que
tanto os moradores, como nós, nada mais desejamos que vê-lo ao nosso
lado, para que tenhamos oportunidade de dar provas de nossa afeição,
queremos que V. S. abandone qualquer suspeita que possa ter contra nós.
Estamos prontos a cumprir à risca (para o que deixamos aqui empe
nhada a nossa palavra) tudo quanto lhe prometeram João Fernandes
Vieira e João Gomes de Melo. Da minha parte prometo-lhe de que não
deixarei de cumprir e concordar com o que quer que V. S. peça a mais,
nesta ocasião.
Os habitantes da praça receberão salvo-condutos e serão protegidos
por nós da mesma maneira que o foram o Comandante esculteto Car-
pentier de Serinhaém e outros. O mesmo esperamos de sua parte. E,
para que V. S. possa ter certeza sobre a pessoa com quem trata, envia-
mos-lhe João Gomes de Melo, que está ao par de todo o assunto. Se
V. S. se recusar, seremos forçados a tomar as medidas que julgarmos
mais convenientes para nós.
Entretanto, Deus guarde V. S. por muitos anos.
Seu afeiçoado amigo e servidor
Santo-Antônio-do-Cabo, 13 de agosto de 1645.
André Vidal de Negreiros.

(296) A cópia do original encontra-se na Rev. do Inst. Arqueol. e Geog.


Pern-, 1887, n. 35, p. 44-45. Existe, ainda, uma terceira carta, publicada à p. 45,
assinada por Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros e dirigida a
Hoogstraeten e van der Ley e que Nieuhof não noticia.
198 JOAN NIETJHOF

O Major Hoogstraeten, o Sr. Hek e o Sr. Ley deram resposta ime


diata a essa carta, dizendo em resumo que a êles não interessavam as
violências cometidas pelos Tapuias contra os portugueses, e, ao que
parece, recusando-se a tratar com Melo.
E' o seguinte o teor da resposta dos holandeses:

Recebemos a carta que V. S. nos enviou por intermédio de João


Gomes de Melo, pela qual soubemos que V. S. veio ter a Santo-Antônio.
Estamos muito satisfeitos por ver que o Governador Antônio Teles da
Silva providenciou o apaziguamento da situação, nesta região, e não
duvidamos que a presença de V. S. aqui muito contribuirá para a con
secução dessa finalidade. Quanto às afrontas e violências de que
fala V. S., como tendo sido cometidas pelos Tapuias e holandeses, pode
mos assegurar-lhes que o foram contra a nossa vontade, pois que por
ordem nossa nenhuma criança jamais sofreu o quer que fosse. Assim
sendo a sua reclamação deve ser dirigida ao Conselho e não a nós. A
proposta que V. S. nos faz por intermédio do Capitão João Gomes de
Melo e do Tenente Francisco Gomes escapa à nossa alçada e poder, de
maneira que lhe pedimos insistentemente não mais nos fazer semelhante
solicitação. Beijamos as mãos de V. S. e o recomendamos à proteção
divina.
Aqui ficam seus servidores e amigos devotados

Kaspar Van der Ley,


D. Van Hoogstraeten,
Johan Hek.

O major Hoogstraeten teve o cuidado de enviar ao Conselho as duas


cartas acima, juntamente com sua resposta, tendo por essa ocasião reno
vado seus protestos de fidelidade; em resposta, o Conselho confirmou
Hoogstrae Hoogstraeten em seu pôsto de governo e exortou Ley e Hek a persevera
ten revela rem em sua patriótica resolução, que seria oportunamente recompensada
as cartas.
com melhores posições. A revelação das cartas do inimigo foi tomada
como tão eloquente prova da sinceridade de Hoogstraeten e tão profun
da impressão exerceu sôbre o povo, em geral, que raramente se encon
trava alguém que não se sentisse confiante de sua fidelidade e de seu
zêlo. Entretanto, essas tentações não deixaram de levantar alguma sus
peita no espírito do Conselho que achou melhor mandar vir o Tenente-
-Coronel Haus para o Recife a-fim-de mandá-lo para o Cabo Santo Agos
tinho.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 199

Convicto, pelas cartas de Vidal a Hoogstraeten, Ley e Hek, de que


a intenção de ordenar a retirada das tropas rebeldes nada mais era que
mera desculpa, o Conselho deu ordens imediatas ao Almirante Lichthart
que, de futuro, tratasse como inimigos todos os navios portugueses que
encontrasse.
Chegado ao Recife a 15 de agosto, o Tenente-Coronel Haus sugeriu Conaolta
ao Conselho, como medida absolutamente indispensável aos interêsses do sôbre a con
Estado, que aí se concentrassem as tropas acampadas no interior, pois, centração
não excedendo ela de 300 homens além dos brasileiros, seriam facilmente das tropas
no Recife.
isoladas pelo inimigo — que, com a chegada dos reforços da Baía, sob
o comando de Martim Soares Moreno e André Vidal, se tornara forte
e numeroso em lugares onde não pudessem receber socorros do Reci
fe. Além disso essas tropas eram necessárias para a defesa da cidade
que, sendo a capital de todo o Brasil Holandês, naturalmente seria ata
cada com todo o vigor.
Contra êsse parecer alegaram-se muitas razões:
I — Recolhendo as forças, abandonaríamos todo o interior de onde
provinham os abastecimentos de gado e farinha, de que tanto necessi
távamos, e teríamos que esperar pelos fornecimentos provenientes da
Holanda. Além disso, se assim procedêssemos, teríamos que contar com
o inimigo imediatamente às portas da cidade.
II — Que, livres do controle de nossas tropas, as populações do in
terior tinham liberdade para se reunir ao inimigo, aumentando assim
os seus contigentes.
III — Que, assim procedendo, teríamos que deixar à mercê do ini
migo os tapuias, que haviam tomado armas a pedido nosso e se reunido
às nossas tropas perto de Maciape ou Santo-Antônio.
Contra êsses argumentos alegou-se que:
I — Quanto ao fornecimento de gado e farinha, do interior, estariam
em melhores condições para obtê-los, pois poderiam enviar forças a tôdas
as regiões circunjacentes, enquanto que na situação em que se achavam
eram forçados a permanecer em determinado lugar. Além disso, tendo
o domínio dos mares, poderíamos a qualquer momento fazer um desem
barque onde julgássemos mais conveniente, o que obrigaria o inimigo,
em vez de cercar o Recife, a distribuir suas forças para defender a re
gião. Quanto ao aumento das forças inimigas, pela adesão das popu
lações do interior, o fato poderia ser considerado como de pouca conse
quência para nós, pois, que, ao contrário, era mais interessante que se
nos apresentassem como inimigas que como amigas dissimuladas. Sa-
200 JOAN NIEUHOF

bia-se perfeitamente que essas populações simpatizavam com seus


compatriotas e que, a despeito de sua falsa atitude, não perdiam oportu
nidade de informar o inimigo do que se passava entre nós. Portanto,
se as tivéssemos como inimigas declaradas, poderíamos facilmente apo-
derar-nos de seu gado, provisões e outros bens móveis, que seriam usa
dos no Recife, e, estando assim suprida a cidade, o inimigo desistiria de
tentar reduzi-la pela fome.
O que se alegara com relação aos tapuias, reconhecia-se não ser de
pouca importância; entretanto, considerando que ainda não havíamos
recebido notícias de seu movimento, não se achava que fosse de impor
tância assim tão grande a ponto de ser pôsto em paralelo com o bem-
-estar de todo o Brasil holandês, cuja segurança dependia em muito
dessas tropas.
Depois de detido exame do assunto, o Conselho resolveu, a 15 de
agosto, com aprovação dos membros do Tribunal de Justiça que, tendo
em vista o perigõ a que estavam expostas as nossas tropas e que a con
servação da cidade do Recife dependia de sua segurança, deviam elas
para lá convergir a tôda pressa. Apenas 50 homens ficariam na casa de
De Wit, sob as ordens do Capitão Wiltschut, para controlar parte da
região adjacente e proteger a retirada das forças que enviássemos à
procura de gado, farinha e outras provisões.
Consoante esta resolução, o Tenente-Coronel Haus para lá se diri
giu a cavalo, no mesmo dia, com a idéia de executar a ordem naquela
noite, se possível, ou, o mais tardar, na manhã seguinte. Entretanto, ao
que parece, Haus descuidou-se ao ponto de retardar a marcha da tropa
não só aquela noite, mas, ainda, todo o dia seguinte, e, ao invés de reti-
rar-se em direção ao Recife, demorou-se no engenho, sem a menor infor
mação sôbre a aproximação do inimigo; de maneira que, a 17 de agosto,
surpreendido pelas forças de André Vidal, muito mais numerosas, teve sua
tropa destroçada antes que pudesse lançar mãos às armas. Avisado de
que o Tenente-Coronel Haus havia sido atacado pelo inimigo no engenho
do Sr. De Wit, o Conselho convocou a milícia da cidade, e o Sr. Bulles-
trate juntamente com o Sr. Bas dirigiram-se para a Casa Boa Vista
onde deveriam aguardar ordens. Doze mosqueteiros foram aí postados
para proteger a ponte sôbre o rio. Hendrik Hamel e os Conselheiros de
Justiça encarregaram-se da cidade do Recife. Tão logo fora o Conselho
informado da derrota de Haus e sua retirada para a casa de De Wit,
pertencente ao engenho, foi consultado sôbre se poderiam de alguma for
ma libertar o Coronel. A-pesar-da fraqueza da guarnição e da temerida
de da emprêsa, foi resolvido que se tentasse socorrer Haus com uma for
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 201

ça de 150 soldados e 100 voluntários. Entretanto, antes que o plano


fosse pôsto em prática, um brasileiro, que assistiu o embate e conseguiu
chegar ao Recife depois de trocar suas roupas com as de um português, O Coronel
Haus capi
trouxe-nos a inditosa notícia de que o Coronel Haus, com as forças sob tula incon
seu comando, havia capitulado incondicionalmente e entregue a casa do dicionalmen
engenho, mediante promessa de clemência. te.
Êsse desastre foi atribuído principalmente à incúria do Tenente-Co-
ronel Haus que só colocou seus homens em ordem de combate quando já
era demasiado tarde, suposição essa depois confirmada em depoimento
feito perante o Grande Conselho, a 6 de julho de 1646, pelo próprio ca-
pitão-tenente da Companhia do Coronel Haus, Willem Jacobsz.
Somente na noite anterior à derrota, foi que Haus recebeu notícias, Novo rela
por um negro prisioneiro; de que o inimigo partira de Muribeca com nu to da derro
merosa tropa. Na manhã seguinte, uma das nossas sentinelas informou ta de Haus,
pelo Capi
o Coronel que o inimigo estava atravessando o rio. Mais tarde um pouco
tão Jacobsz.
o peão do Coronel, que fora dar de beber a seu cavalo na mesma aguada,
voltou a todo galope, trazendo idêntica informação. Logo depois, ouvi
mos os primeiros disparos contra a nossa vanguarda que imediatamente
se retirou em direção ao grosso da tropa. O Coronel não chamou seus
homens às armas, nem deu alarme antes que o inimigo tivesse surgido à
nossa vista e carregado contra a nossa linha externa. Estalaram-se al
gumas escaramuças enquanto Camarão com sua tropa tentava cortar nos
sa retirada para o Recife, o que não conseguimos impedir, dada a infe
rioridade numérica de nossas tropas. Haus consultou o Capitão Wilts-
chut, Blaer e o Comandante Listry sôbre o que seria melhor fazer. O
capitão Wiltschut, porém, respondeu que fizesse o que melhor lhe pare
cesse, já que nunca lhe havia solicitado parecer anteriormente. Foi en
tão que Haus ordenou a retirada para a casa do Sr. De Wit e incumbiu
o Capitão Blaer, que não esperava clemência, de abrir caminho para o Re
cife. A casa foi defendida com bravura durante quatro horas. Final
mente, por falta de pólvora e balas — pois que a única meia barrica de
pólvora que possuíam estourou acidentalmente — os nossos entregaram-se
a André Vidal, sob a condição única de serem poupadas suas vidas e as
dos brasileiros que se achavam entre êles. Assinado o acordo por Vidal
e dois ou três dos principais chefes portugueses, foi o documento entregue
ao Coronel Haus. A-pesar-disso, porém, os brasileiros foram massacra
dos pelo povo, com o consentimento dos portugueses, tão logo os holandeses
abandonaram a posição que ocupavam. As mulheres brasileiras vendo
seus maridos assassinados atiraram seus filhos de cabeça contra a pare
de, para que não caíssem vivos nas mãos dos portugueses. Todos os ba-
202 JOAN NIEUHOF

tavos, em número de 250, entre os quais estava o próprio Tenente-Coronel


Haus, o Capitão Willem Blaer e Johan Listry foram feitos prisioneiros de
guerra e ficaram durante quatro ou cinco dias, no engenho de Hacq, quan
do João Fernandes Vieira e muitos dos moradores do lugar pediram a An
dré Vidal que entregassem os prisioneiros, para os matar. Vidal, porém,
a isso se recusou e remeteu-os imediatamente para a Baía, por terra. Os
prisioneiros foram tratados mais ou menos bem durante a caminhada,
mas, os que por moléstia ou acidente eram abandonados para trás, foram
massacrados, e igual sorte teriam os demais se não fosse a proteção da
escolta. Chegados à Baía, relacionaram-nos e designaram-lhes os luga
res onde deveriam permanecer, concedendo-lhes também 31-Vá soldos por
semana e um alqueire de farinha cada dez dias.
Com exceção do Tenente-Coronel Haus, Capitão Wiltschut e Co
mandante Listry que ficaram detidos em suas residências e não podiam
falar a ninguém senão mediante permissão especial, os demais tinham li
cença de passear pela cidade. O coronel Haus foi finalmente enviado
para Portugal, e, em junho de 1647, Wiltschut e Listry foram postos a
bordo de um navio com mais 230 prisioneiros holandeses. Cêrca de
60 ou 70 (297) dos nossos homens conseguiram serviço, mas os holan
deses natos eram recusados pelos portugueses.
O inimigo sentiu-se grandemente encorajado por êsses sucessos e
teve suas forças aumentadas diàriamente pelos portugueses residentes nas
capitanias de Paraíba e Goiana, (até então presos pelo novo juramento
de fidelidade ao Govêrno) que passaram a tomar armas contra nós. Por
isso julgou-se conveniente retirar dêsses lugares nossas guarnições.
O que suce Voltemos, porém, ao Cabo Santo Agostinho. Depois da capitulação
deu à guar da guarnição, foi ela conduzida para Santo-Antônio, onde teve que entre
nição do
Cabo Santo gar seu armamento. Entre os nossos, feitos prisioneiros, achavam-se
Agostinho. Isaac Zweers (298), que mais tarde foi feito vice-almirante da Holanda
e da Frísia Ocidental como homenagem a sua combatividade e honra,
Abranham Van Millingem e Johannes Broekhuizen, sendo que estes dois

(297) O tradutor inglês escreveu somente 60 (cf. p. 96, 2.a col., 2.° § da
ed. inglêsa e p. 135, l.» col. 2.° § da ed. holandesa).
(298) O tradutor inglês não foi fiel, pois omitiu "Frísia Ocidental, como
homenagem à sua combatividade e honra". Cf. p. 135, 1.° col., 6.° § da ed. ho
landesa e p. 96, 2.° col., 4.° § da ed. inglesa).
Sôbre as atribulações por que passou Isaac Zweers, vide XVI, p. 26-29. Foi
libertado a 31 de dezembro de 1645. Isaac Zweers deixou escritos documentos
importantes para o esclarecimento dos últimos anos de revolta, muito especial
mente a rendição da fortaleza do Cabo de Santo Agostinho. (Cf. VIII, p. 2 dos
Aditamentos de S. P. L'Honoré Naber).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 203

últimos ainda vivem na Holanda. O Major Hoogstraeten dirigiu-se a


êles na esperança de fazê-los aderir aos portugueses, acenando-lhes com
os postos de Capitão, Tenente e alferes, afirmando-lhes ainda que dispu
nha então de prestígio para promovê-los a postos muitos mais elevados.
Quando, porém, viu que recusavam sua oferta, jurou-lhes que haveriam de
se arrepender. Na mesma ocasião promoveu ao pôsto de capitão três ho
landeses, a saber: Winsel Smith, que tinha sido seu tenente, Alexander
Boucholt e Klaes Klaesz, naturais de Amsterdã. O último dêstes, sendo
íntimo amigo de Zweers e Broekhuizen, afirmou-lhe mediante juramento
que se tinha pôsto a serviço entre os portugueses com o propósito de con
seguir uma oportunidade de voltar a nós. Esses prisioneiros tinham li
berdade de ir para onde quisessem, mas sempre acompanhados de um
guarda que observava todas as suas ações.
Não muito tempo depois, o Provedor-Mor, português, mandou buscar
Johannes Broekhuizen, e, depois dos primeiros cumprimentos, disse-lhe
que se quisesse servir o Rei de Portugal na qualidade de Comissário Geral,
iria com êle para a campanha, receberia 100 florins por mês e seria seu
comensal. Se, por outro lado, recusasse sua oferta e ficasse na retaguar
da, correria perigo de ser assassinado pela populaça. Broekhuizen res
pondeu, entretanto, que, estando ligado à Companhia por juramento,
jamais o quebraria, ainda que sua vida corresse perigo. Então, — disse-
-lhe o Provedor — o Sr. prefere servir uma canalha de mercadores, a ser
vir um Rei? Estamos a ponto de levar a cabo um plano infalível; verá,
então, o sr. que a causa do Rei é mais justa e será bem sucedida. A seguir
ofereceu-lhe um copo de conhaque, e, depois do Sr. Broekhuizen ter toma
do um bom trago, retirou-se para junto de seus camaradas aos quais re
latou o que se havia passado durante a entrevista.
Entrementes, foram estes informados por alguns portugueses de
que o plano se relacionava com a Ilha de Itamaracá, e, certos de que o
Conselho não antevia tal perigo, estavam lançando mão de todos os meios
possíveis a-fim-de transmitir-lhe a informação; não tinham, porém, até
então, encontrado pessoa que pudesse se encarregar dessa missão. Final Um corne
mente Isaac Zweers, prometendo larga recompensa, conseguiu persuadir teiro ho
landês re
um corneteiro holandês, de nome Marten Stomp, de levar a informação ao
vela ao
Conselho e pedir a libertação dos prisioneiros holandeses que ainda exis Conselho
tissem em Santo-Antônio. Tudo combinado, o corneteiro despediu-se do os planos
Sr. Zweers e partiu por volta da meia-noite para sua viagem ao Recife, do inimigo
deixando mulher e filhos. Os srs. Zweers e Broekhuizen pareciam bas com rela
ção à Ilha
tante satisfeitos; contudo, em seu íntimo, preocupava-os bastante o re
de Itama
sultado da emprêsa. racá.
204 JOAN NIEUHOF

Procuravam frequentemente a mulher do corneteiro a-fim-de lhe


impor silêncio, tendo-lhe recomendado que se alguém perguntasse pelo
marido respondesse que fora para a Várzea, reúnir-se ao acampamento.
Um padeiro Decorridos alguns dias (299), foi ter com êles um certo Pieter Rit-
despachado saart, que estivera no Cabo de Santo Agostinho, como padeiro. Broe
com idênti
khuizen decidiu-se a interrogá-lo de algum modo e descobrindo, imediata
ca missão ao
Recife por mente, onde êle estava hospedado, interpelou-o com palavras brandas
Broekhui- (para entrar ao seu serviço), a-fim-de movê-lo a levar o mesmo recado
com o qual já havia partido o corneteiro, porque êles já estavam em
dúvida acerca do destino que o mesmo tinha levado.
Finalmente, conseguiu persuadí-lo a empreender a viagem: mas pe
diu um documento para mostrar que êle não tinha aceitado serviço do
Rei de Portugal. Assim, êle se aprontou para partir na primeira noite
escura.
Nessa mesma tarde, porém, os holandeses foram informados de que
Zweers e um italiano, Jacomo de Perugalho, tramava contra suas vidas, de maneira
Broekhuizen que Zweers e Broekhuizen, suspeitando, não sem razão, de que os portu
em perigo. gueses tinham tido conhecimento da partida do corneteiro e do padeiro,
acharam prudente não mais permanecer nesse lugar, e, por isso, pediram
licença ao Coronel Pedro Marinho Falcão para se retirarem para Al
godoais, de onde poderiam seguir com os demais presioneiros para a Baía.
A permissão foi prontamente concedida.
Nesse meio tempo, o padeiro, tendo aproveitado a primeira oportuni
dade que se lhe deparou, partiu para a sua viagem, mas encontrou dois
O padeiro portugueses no engenho Trapicha (300) , os quais, tendo-se apoderado do
• intercep certificado a que acima nos referimos, levaram-no prisioneiro para San-
tado. to-Antônio-do-Cabo. Lá chegando e submetido a torturas, fêz tal ba
rulho que o povo se levantou em armas gritando que não se acalmaria
enquanto não se trouxesse de Algodoais, Zweers e Broekhuizen e os redu
zisse a pedaços. Para isso conseguiu a populaça sete soldados de Pedro Ma
rinho e teria pôsto em prática seu plano se o Capitão Ley a isso não se ti
vesse oposto. Pois, por mero acaso aquêles militares se achavam então

(299) Êsse trecho: "Decorridos alguns dias..." até "...na primeira noite
escura.", foi traduzido do holandês. (Cf. p. 136, 1.» col. da ed. holandesa e p. 97,
l.a col. da ed. inglêsa).
(300) Em Vingbooms (XCVII, vol. II, mapa 47, referente a Itamaracá), en-
contra-se Tripicho; no mesmo autor (col. II, mapa 48, referente a Pernambuco),
encontra-se o engenho Tripicho, à margem do rio Salgado. Os engenhos Algodais
Velho e Algodais Novo, acima e abaixo, respectivamente, no citado mapa de Ving
booms, referente a Pernambuco, demoravam entre o rio Salgado e o Jangada.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 205

no engenho do Capitão, e o padeiro, a tudo resistindo corajosamente, nada


revelara nesse sentido. Na manhã seguinte o Capitão Ley foi ter com
eles e, relatando-lhes quanto havia se passado, perguntou a Broekhuizen :
O que quer dizer tudo isto? Êste, porém, não tendo confiança em Ley,
tudo negou com firmeza.
Entretanto, a 2 de outubro, por pouco que todo o plano não foi reve- Descoberta
lado pela imprudência da mulher do corneteiro, pois, tendo-se embebe- a viagem do
dado, contou a pessoas de suas relações que o marido havia partido para corneteiro.
o Recife. Foi então levada prisioneira para o Cabo Santo Agostinho,
onde a torturaram miseràvelmente, mas, sendo mulher resoluta, nada con
fessou. O Major Hoogstraeten, porém, aconselhou os portugueses a que
não deixassem mais os prisioneiros holandeses em Pernambuco, mas re
metesse para a Baía todos aquêles que se recusassem a prestar serviços.
Portanto, todos os prisioneiros batavos que então se achavam no Cabo e
em Santo-Antônio foram transferidos a 4 de agosto (301) para Algodoais,
onde o Coronel Pedro Marinho lhes perguntou se queriam servir ao Rei
de Portugal. Os que o não queriam foram imediatamente enviados à
Baía, por terra, viagem tediosa que lhes apresentava ainda o risco de
serem massacrados pelo caminho. Muitos, de receio, se prontificaram a
trabalhar, mas Zweers e Broekhuizen, novamente interrogados, respon
deram que preferiam antes morrer que tomar armas contra sua própria
pátria.
A 5 de outubro, todos os prisioneiros, escoltados por soldados e cam
poneses, foram enviados de Algodoais para Ipojuca. Aí, o Auditor man
dou os outros buscarem Isaac Zweers e levá-lo ao Cabo de Santo Agos
tinho e deitar com o pescoço no tronco, fazendo-o castigar severamen
te (302).
Todavia, apenas lá chegaram, Zweers teve ordem de voltar para o Zweers
Cabo Santo Agostinho onde foi torturado para que revelasse qual a torturado,
missão do corneteiro no Recife, o qual, como supunham, tinha revelado ao
Conselho o plano de ataque a Itamaracá. Entretanto, não conseguindo
dêle a menor revelação, enviaram-no para a Baía depois de cinco sema
nas de prisão.
Enquanto isso, Broekhuizen e os demais prisioneiros holandeses ti
nham sido forçados a caminhar dia e noite até o dia 28 de novembro de

(301) O tradutor inglês omitiu a data 4 de agosto (cf. p. 136, 2.a col., 4.° §
da ed. holandesa e p. 98, 1.° col., 1.° g da ed. inglêsa).
(302) O pequeno trecho referente ao Auditor foi omitido pelo tradutor in
glês. (Cf. p. 137, 1.° col., l.° § da ed. holandesa e p. 98, 1.° col., 2.c § da ed.
inglêsa).

15 I
206 JOAN NIEUHOF

Chegam à 1645, data em que chegaram a um castelo denominado Itapuã (303), no


Baía os litoral baiano, a cêrca de meia légua da cidade de São Salvador, após
prisio
neiros. longa e penosa caminhada. Foram, então, transportados em dez botes
para a zona fortificada da cidade, tendo os portugueses o cuidado de não
deixar que os batavos vissem as fortificações, do lado de terra. Por or
dem do Governador Antônio Teles da Silva, o Sr. Broekhuizen foi insta
lado, como prisioneiro, em uma casa particular, enquanto que os soldados
foram alojados nos quartéis. No dia seguinte os presos ouviram os tam
bores convocando voluntários e convidando a todos indistintamente, com
Zweers e exceção apenas dos holandeses, a servir o Rei de Portugal.
Broekhuizen A 18 de fevereiro (304) do ano seguinte, Zweers e Broekhuizen
interceptam interceptaram uma carta escrita por Hoogstraeten a Hondius, com re
uma carta. lação a diversos assuntos a serem comunicados aos Governadores, e tendo
o Capitão Ley sido informado de que essa correspondencia fora intercep
tada pelos mencionados holandeses, comunicou-se a 1.° de março (305)
com o Governador que, ameaçando-os com nada menos que as galés, ati-
rou-os incomunicáveis a uma imunda prisão, com ordens rigorosas de
não se lhes dar pena, papel e tinta. Quando o funcionário estava anotan
do seus nomes apareceu um capitão, e lhe disse, da parte do Governador,
que os presos eram os traidores que mantinham correspondência com os
holandeses no Recife e deu ordens para que pusessem sentinela à porta
São encar do cárcere a-fim-de evitar que o povo praticasse alguma violência contra
cerados. os mesmos, pois, quando os estavam transportando, a populaça fêz uma
algazarra tremenda gritando: Enforca os cachorros traidores (306).
Sofrem Ficaram nessa prisão durante cinco dias, sem alimento nem água para
falta de beber até que tiveram licença para representar por escrito ao Governa
víveres. dor, sôbre sua deplorável situação. Êste autorizou imediatamente que se
Fornecem- lhes desse de comer, o carcereiro português, receoso de que uma ali
-lhes ali mentação abundante pusesse suas vidas em perigo, teve o cuidado de mi-
mentação. nistrar-lhes primeiramente pedaços de pão embedidos em vinho, repetin
do a ração, um pouco aumentada, horas mais tarde até que, gradativamen-

(303) Nieuhof (p. 137, 1.a col., 3." §) escreveu Tapuao. Deve tratar-se de
Itapuã, como grafamos no texto.
(304) O tradutor inglês escreveu 18 de janeiro (cf. p. 137, l.a col., últ. §
da ed. holandesa e p. 98, 2.a col., 1.° § da ed. inglêsa).
(305) O tradutor inglês escreveu 1.° de fevereiro (cf. p. 137, l.a col. últ. §
da ed. holandesa e p. 98, 2-a col., 1.° § da ed. inglêsa). O Diário de Mattheus van
den Broeck (XLI, p. 26) dá o dia 20 de fevereiro como o da prisão.
(306) Nieuhof (p. 137, 2a col., 1." §) escreveu, textualmente: "Em forca
los caehiores treidores"; deu, também, tradução holandesa livre dessas palavras, a
qual foi utilizada pelo tradutor inglês (p. 98, 2.a col., 2.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 207

te, o estômago dos detentos readquirisse sua primitiva capacidade di


gestiva.
No último dia de fevereiro, o Governador deu audiência pública (o Tiveram
que se dava três vêzes ao ano) para libertação daqueles que se achavam audiência
do
encarcerados por ordem do Rei. Nessa ocasião, os nossos homens tive
Governador.
ram permissão de se acercar do Governador. Passaram por uma ante
câmara, guarnecida de soldados de ambos os lados e daí para o Salão de
Audiências, enfeitado com damascos de diversas cores pendentes das pa
redes. Aí encontraram o Governador ocupando uma cadeira de braços,
à direita da qual estava o trono real sôbre um estrado quatro degraus mais
alto que o do Governador e cercado de finíssima tapeçaria. Atrás do Go
vernador estavam seus secretários e alguns alabardeiros. De ambos
os lados estavam sentados vários Conselheiros e advogados, de cabeça
coberta, e atrás dêles os oficiais do exército, de cabeça descoberta.
Logo que o Governador viu os prisioneiros, fêz sinal para que se aproxi
massem. O Sr. Broekhuizen, então, de joelhos disse-lhe textualmente:
Supomos que V. Excia. não ignora que há um mês estamos detidos numa
miserável prisão, sem saber qual o crime que cometemos contra V. Excia.,
a menos que se trate da carta que interceptamos e da qual V. Excia. tem
conhecimento. Se é essa a nossa culpa, pedimos perdão a V. Excia.
E — respondeu o Governador — suponhamos que os srs. tivessem
feito isso na Holanda? Ao que Broekhuizen respondeu que S. Excia.
deveria lembrar-se de que se tratava apenas de uma carta particular que
não era endereçada ao Governador. Êste, depois de alguns momentos de
pausa, deu ordem para se retirarem ; daí por diante tiveram plena liberda Postos em
de de movimentos, mas precisavam ter o maior cuidado possível, pois o Uberdade.
povo mantinha constante vigilância sôbre êles.
A 7 de abril (307) Isaac Zweers e Johannes Broekhuizen foram en Enviados
viados para bordo de um iate denominado São Francisco a-fim-de serem para a Ilha
transportados para a Ilha Terceira, e, como eram os primeiros holandeses Terceira.
a serem enviados para essa ilha, todos imaginavam que se tratasse apenas
de um pretêxto para atirá-los ao mar. Em viagem, o tratamento que re
ceberam foi pior que anteriormente, pois tiveram que acionar a bom
ba durante todo o tempo e chegaram a passar fome a-pesar-de terem os
marinheiros pescado mais do que poderiam comer. Finalmente chegan
do à Ilha Terceira, a 28 dêsse mês, viram aproximar-se, uma hora depois,
um navio holandês que ancorou junto a êles. Acenaram para o navio até

(307) O tradutor inglês escreveu 7 de maio (cf. p. 138, l.a col., 7.° § da
ed. holandesa e p. 99, 1.» col., 3." § da ed. inglesa).
208 JOAN NIEUHOF

que o Capitão mandou alguns homens a bordo do São Francisco e os pri


sioneiros puderam transmitir suas reclamações. Ficaram satisfeitos por
saber que o Capitão do navio, Marten Pietersz Honing, era natural de
Nieuwendam, mas os portugueses não lhes permitiram ir ao navio ho
landês.
Quando êles, então, se achavam sós, a bordo, com o piloto (308) e
marinheiros, navegaram para a terra, por vontade própria, contra a or
dem do piloto, onde encontraram o barqueiro Marten Pietersz Honing,
que prometeu fazer com que pudessem sair daí. À tarde, o Provedor-
-Mor de tôdas as ilhas flamengas (que, como chefe das mesmas fixara re
sidência na Ilha Terceira) chamou Zweers e Johannes Broekhuizen e
disse-lhes da carta do Governador Antônio Teles da Silva ordenando que
os detivesse no castelo durante doze meses. Entretanto, o Governador
da Ilha declarou não se achar obrigado a obedecer tal ordem, porque êle
não dependia senão do Rei que, não estando interessado nessa guerra, ti
nha determinado que se remetessem para Portugal todos os prisioneiros
que viessem ter às ilhas. Disse-lhes que podiam ter confiança, e, para
De lá para poderem se sustentar até que houvesse navio para os transportar à Euro
Portugal. pa, mandou dar-lhes vinte e dois e meio florins de prata (309).
A 13 encontraram o capitão de um navio francês, que se prontificou
a transportá-los gratuitamente para Portugal, o que de bom grado acei
Chegam taram. Lá chegando, encontraram muitos de seus companheiros de pri
bem à
Holanda. são que imaginavam tivessem sido atirados ao mar pelos portugueses.
Nesse país permaneceram até o dia 10 de setembro quando o Sr. Zweers
e o Sr. Broekhuizen tomaram um navio de guerra de nome Prins Hendrik

(308) O trecho "Quando êles, então,..." até "...Governador" foi traduzido


do holandês, pela infidelidade da tradução inglêsa. (Cf. p. 138, 2.a col., 2.° § da
ed. holandesa e p. 99, l.a e 2.a cols. da ed. inglêsa). O tradutor inglês julgou que
Moor fosse o nome do governador, talvez pelo fato de haver Nieuhof escrito Pro
vidoor-Moor.
Quanto às ilhas Flamengas, trata-se, como se vê do próprio texto, das Ilhas
dos Açores. Realmente, as Ilhas dos Açores foram, durante muito tempo, conhe
cidos por Ilhas Flamengas. Afonso V doara a ilha do Faial a sua tia Isabel, du
quesa da Burgúndia e, desde então, houve um grande influxo de colonizadores fla
mengos. E isso, naturalmente, foi devido ao domínio que o Duque da Burgúndia,
Filipe-o-Bom, casado com Isabel de Portugal, exercia sôbre o Brabante e a Ho
landa, os quais adquirira por herança de sua mãe em 1433. A Ilha Terceira era
assim chamada, por ter sido a terceira a ser povoada.
Josua van den Berge, do condado de Bruges, foi encarregado da sua coloni
zação; e outro flamengo, Joost van Heurter, sogro de Martin Bahaim, colonizou uma
outra dessas ilhas. Sôbre essas ilhas, consulte-se J. Mees: "Histoire de la decouverte
des iles Azores et de Vorigine de leur denomination d'iles flamands". J. Lent 1901.
Cf. sôbre o nome A. Montanus, ed. 1671, p. 51 da Nieuwe en Onbekende Wereld.
(309) Nieuhof escreveu "9 rijsedaelders" (p. 138, 2.a col., 3." §). O nome certo
é rijkdaalders, moeda oficial de prata, valendo 2 e meio florins e em curso até
a invasão da Holanda pela Alemanha (1940).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 209

e, finalmente, a 4 de dezembro, depois de mil perigos e sofrimentos desde


sua partida do Brasil holandês, chegaram sãos e salvos em Mosa.
Voltemos, porém, ao Recife. A inesperada derrota do Coronel Haus
pôs todo o povo do Recife na mais profunda consternação. O Conselho,
porém, tudo fêz para colocar a praça, bem como todos os fortes adjacen
tes, em condições de oferecer vigorosa defesa, caso fossem atacados pelo
inimigo. E, para que tudo fosse executado da melhor maneira possível,
Pieter Bas foi nomeado comandante em chefe do Recife. O Almirante
Lichthart se encarregaria da artilharia; Hendrik de Moucheron era o Preparati
comandante da Cidade Maurícia e todos tinham o pensamento voltado vos do
para a defesa de suas respectivas praças, que pouco tempo antes conside Recife.
ravam inteiramente fora de perigo.
Constituindo não pequeno estorvo para o Forte Ernesto os estábu
los, senzalas, áleas e jardins da residência do Conde Maurício — além de
recear-se que, servindo-se dessas dependências, o inimigo desfechasse um
ataque de surprêsa contra o forte e a Cidade Maurícia — e também em
atenção aos insistentes pedidos do povo para que fossem demolidos os es
tábulos, abatidas as árvores e o mais que pudesse servir de embaraço para
a defesa do lugar, os Srs. Volbergen e Major Bayert, Comandante do for
te Ernesto, tiveram ordem de superintender o plano de demolição, tendo o
cuidado de ver que se estragasse o menor possível o prédio residencial.
Ordenou-se igualmente o arrasamento das construções vizinhas ao Forte
Bruin e o rebaixamento das cornas, a pedido do povo. Empregaram-se,
também, numerosos negros sob as ordens do Major Bex e do Capitão da
milícia municipal na demolição de tôdas as casas da Cidade Maurícia,
que estivessem muito próximas das novas trincheiras. Os prisioneiros
portugueses foram distribuídos pelos navios, e diversos voluntários que
praticaram violências no interior, e por isso estavam presos, foram pos
tos a trabalhar por três meses. Tendo se propalado a notícia de que 18
inimigos tinham chegado aos Afogados, organizou-se uma companhia de
civis para lhes dar combate. A informação, porém, era falsa.
No mesmo dia chegou ao Recife, proveniente de Mosa, de onde par Chega da
tira a 21 de abril (310) , o navio Orangeboom com 40 recrutas. Holanda o
navio Oran
Na cidade Maurícia, a guarda se revezava entre o Sr. de Wit e o geboom.
Sr. Raetvelt (além dos oficiais comuns) e no Recife entre os srs. Aldrich
e Volbergen.

(310) O tradutor inglês escreveu 21 de maio (cf. p. 319, 2.a col., 1.° § da
ed. holandesa e p. 100, l.* col., 2.° § da ed. inglêsa).
210 JOAN NIEUHOT

Balthazar Dortmont, Governador de Itamaracá, mandou avisar o


Conselho, a 17 de agosto, que Cavalcanti havia chegado, com forças, a
Iguarassú e tinha intimado os brasileiros a se reunirem à sua tropa den
tro de quatro dias, sob pena de morte.
O poro pede A 19 o povo apresentou uma petição demonstrando a necessidade de
a demolição se demolir a residência de Maurício, visto como tirava a vista do Forte
da casa de Ernesto, e, se fosse tomada pelo inimigo, êste poderia daí hostilizar tanto
Maurício.
o Forte como a cidade, com sua artilharia. Tendo conferenciado com os
srs. Walbeek, Almirante Lichthart, Aldrich, de Wit, Raetvelt, Mouche-
ron e Volbergen, o Conselho decidiu deferir por algum tempo a conside
ração dêsse pedido, na esperança de que o prédio fosse útil para a defesa.
Os srs. de Wit e o Secretário Hamel tiveram ordem de ir de casa em
casa da Cidade Maurícia e proceder ao levantamento de todos os negros
em condições de pegar em armas e equipá-los com mosquetes e piques.
Idêntica ordem foi dada ao Almirante Lichthart e ao Capitão Bartholo-
meus Van Keulen, com relação ao Recife. Todos os doentes que estavam
em convalescença no Castelo tiveram ordem de se armar para sua defesa
própria.
Expedição Respondeu-se também, ao Sr. Dortmont, dando-lhe ordem de reunir
de ordens o maior número possível de brasileiros na Ilha de Itamaracá bem como
ao sr. Dort- prover-se da maior quantidade de gado e farinha que pudesse obter pelas
mont.
adjacências. Entretanto, se não estivesse em condições de manter tôda
a ilha, nem ao menos a cidade de Schkoppe, devia retirar-se para o Forte
de Orange onde poderia ser abastecido por mar, e, consequentemente, ofe
recer enérgica resistência. Também o Sr. Carpentier foi avisado para
que se mantivesse de prontidão e se retirasse, em tempo, para a Ilha de
Itamaracá, com seus soldados e brasileiros, caso percebesse que o povo
estava disposto a tomar armas contra êle.
Na noite de 19 expediu-se uma patrulha de reconhecimento, mas não
encontrou o inimigo. Despacharam-se, também, alguns negros em dire
ção aos acampamentos adversários, a-fim-de ter idéia de sua força. Na
mesma noite, o Conselho recebeu, por intermédio do tenente Francisco
Mendes, uma carta de André Vidal de Negreiros em que êste se mostrava
disposto a preservar a paz e ao mesmo tempo reclamava contra as vio
lências cometidas pelos nossos soldados. Era o seguinte o teor dessa
carta :

CARTA DE VIDAL AO CONSELHO. (311)

Por intermédio do Tenente Manuel Antônio, já anteriormente infor


mamos Vs. Excias. de nossa chegada a esta Capitania, por ordem do
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 211

Governador Antônio Teles da Silva e a pedido dêsse Conselho, a-fim-de


restaurar a tranquilidade pelos meios mais eficientes que pudermos en
contrar. Representámos também a Vs. Excias. sobre os inomináveis des
mandos de que tivemos notícia através dos lamentos de diversas nobres
donzelas violentadas e das lamúrias do povo do Rio-Grande, onde quarenta
pessoas de destaque, entre as quais um sacerdote — e duas outras em
Salinas, há poucos dias — foram assassinadas a sangue-frio. Horrori-
za-me referir-me (e o respeito por todos devido aos lugares sagrados im-
pede-me de particularizar) às depredações perpetradas em imagens de
santos, especialmente na da Mãe de Deus e os sacrilégios cometidos pelos
soldados de Vs. Excias. Essas considerações, aliadas ao fato de termos
encontrado suas tropas em pé de guerra, levam-nos, num movimento de
defesa própria que nos vem do hábito de guerrar, a não deixar, à reta
guarda, nenhuma força armada que nos possa ser fatal antes de decidir
mos, juntamente com Vs. Excias., sobre quais as melhores medidas a se
rem tomadas para o restabelecimento da tranquilidade, objetivo único
de nossa vinda. Com êsse espírito pautámos a nossa marcha em dire
ção ao Recife, até chegarmos a Santo-Antônio onde, tendo posto João
Fernandes Vieira sob custódia de 12 soldados, surpreendeu-nos o elevado
número de crianças, mulheres e religiosos que, para escapar às violências
e assaltos contra eles cometidos pelo Capitão Blaer na Várzea, vieram pro
curar refúgio entre nós. Contaram-nos como o referido Capitão, não
satisfeito com ter saqueado suas residências, raptou três das mais nobres
senhoras da região, depois de tê-las maltratado miseràvelmente. O povo,
desesperado com tais violências, deixou (contra nossa vontade) o acam
pamento tão apressadamente que, por mais que acelerássemos a marcha
em seu encalço, não conseguimos evitar que se empenhasse em combate
com forças holandesas, no Engenho de Isabel Gonsalves, o qual teria sido
incendiado se o não impedissem os nossos homens, interpondo-se entre o
povo e o destacamento batavo e assim expondo-se às descargas de suas
armas de curto alcance cujos projetís, no geral, consistiam em balas parti
das em quatro. À medida que se renovavam as hostilidades contra as
nossas tropas, mais se acentuava a revolta popular. Não podemos, por
tanto, deixar de invocar a última Proclamação e a Ratificação da paz
entre nós, protestando em nome de Deus, de D. João IV, nosso Rei, dos
Estados Gerais e de todos os nossos aliados, para que Vs. Excias. não dei
xem a situação se encaminhar para uma ruptura, dando motivo para agir-

(311) A cópia do original português desta carta encontra-se na Rev- do


lnst Arq. e Geog. Pern., 1887, n. 35, p. 47-49.
212 JOAN NIEUHOF

mos de maneira hostil ou declararmos guerra contra Vs. Excias. Não


mais podemos ocultar a nossa opinião de que as reiteradas queixas do
povo podem, até certo ponto, servir de pretêxto, senão de justificativa,
para a ação de João Fernandes Vieira cuja primeira intenção sabemos
ter sido a de proteger os inocentes ameaçados de morte. Conquanto
dispusesse de força para tanto, preferiu ir-se retirando de um lugar para
outro a-fim-de evitar um encontro com as forças de Vs. Excias., até que
finalmente se viu forçado a repelir a força com a força. Pedimos a Vs.
Excias. que tomem na devida consideração esta nossa carta, de tão ele
vada importância para a segurança de ambas as partes, pois parece que
até os Céus se maguaram com o nosso proceder.

Deus guarde Vs. Excias.

Engenho de São João Batista da Várzea, 19 de agosto de 1645.

Andeé Vidal de Negreiros.

Pelo mesmo Tenente, o Conselho enviou sua resposta, no dia seguinte.

A RÉPLICA DO CONSELHO

Pela nossa resposta à sua carta datada de Serinhaém a 8 de agosto,


terá V. S. percebido claramente que, nem os protestos apresentados velo
Governador Antônio Teles da Silva nem os formulados por V. S. no que
respeita à manutenção da paz entre Sua Majestade de Portugal e os
Estados Gerais das Províncias Unidas, jàmais foram por nós considera
dos sinceros ou dignos de fé, desde que as suas ações nunca se conforma
ram com suas palavras. As propostas desleais feitas a um de nossos
deputados, para, através de vil traição, se apoderarem de uma de nossas
melhores fortalezas; o desembarque de força tão considerável em nossos
territórios, sem consentimento de nossa parte, pretextando uma interpre
tação deturpada de nossa carta a S. Excia.; a entrada em nosso porto,
de uma possante esquadra; a captura do forte de Serinhaém; o massacre
de tantos brasileiros nossos súditos, a sangue-frio; o ultimatum enviado
ao forte Santo Agostinho para sua rendição e o ataque de surpresa à
nossa tropa, que era obrigada a se manter em campo a-fim-de refrear
o povo rebelado; nada disso, afirmamos, poderá ser considerado por quem
quer que seja, dotado de imparcialidade, senão como infrações osten
sivas ao tratado invocado e, portanto, como atos de franca hostilidade.
Nós, de nossa parte, podemos declarar positivamente, sem a menor ofen
sa à verdade, que as nossas armas não visavam S. Majestade de Portugal,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 213

mas, sim, os rebeldes e seus apaniguados, tendo sido a isso forçados


diante da numerosa força armada que, atravessando o São Francisco, in
vadiu nosso território. O ataque de surpresa a embarcações nossas, em
Salgado; a captura da Casa Maracaipe e o aprisionamento de nossos
guardas, tanto lá como em Camboa e diversos outros lugares; os cárceres
construídos especialmente para intimidar nosso povo e induzi-lo a aderir
gos revoltosos; o assassínio de três pessoas em Ipojuca, a sangue-frio, e
o aprisionamento de diversos de nossos soldados e brasileiros enviados a
São Lourenço para buscar farinha; a pilhagem das residências e lojas de
vários comerciantes no interior, além de muitas outras violências seme
lhantes, cometidas pelos revoltosos antes de tomarmos armas e quando
ainda tentávamos, por meio de proclamações de anistia, mantendo-os em
tuas propriedades, evitar o perigo, — tudo isso, afirmamos, não pode
admitir outra interpretação senão a de atos francamente hostis.
Como se poderia supor que na situação em que nos achamos e depois
de tantas provocações e desprezo de nossos oferecimentos de clemência,
adiássemos por mais tempo o desembainhar da espada? O que quer que
se tenha feito, nesse ínterim, em desacordo com as leis de guerra, o foi
sem o nosso conhecimento ou assentimento, antes pela ação traiçoeira dos
revoltosos, e, consequentemente, deve ser considerado como crime a ser
punido e não como fases de uma guerra justa. Além disso, nem S. Excia.
o Governador Antônio Teles da Silva, nem V. S., nem ninguém tem di
reito, perante a lei, de nos pedir contas com relação à administração ou
punição dos súditos dos Estados Gerais, do mesmo modo que o Rei de
Portugal não nos viria prestar contas do que fêz, nesse sentido, em seu
reino e nos domínios.
Não podemos admitir, portanto, que V. S. nos venha lançar em rosto
os mencionados crimes e desmandos. Tanto não é verdade que tenhamos
instigado ou mandado os tapuias matar os portugueses, moradores de
Cunhou, que há diversos anos vimos tentando evitá-lo; pois, à vista dos
maus tratos que receberam dos portugueses, os tapuias se exasperaram
contra eles e teriam morto a maioria dos habitantes da Capitania se não
tivéssemos imposto a nossa autoridade e dado ordens para que a guar
nição os tomasse sob sua proteção. Quanto ao que diz V. S. sobre violên
cias praticadas contra mulheres, não só isso escapa ao nosso conheci
mento como ainda tomámos todo o cuidado possível a-fim-de evitá-las,
pelas proclamações que fizemos publicar nesse sentido. Todo o mundo
sabe que dispensamos a nossa especial proteção às mulheres do Engenho
do Sr. Arnau de Olanda. Quanto às senhoras que o Capitão Johan Blaer
prendeu, ao que fomos informados, isso foi feito com a única intenção
de permutá-las por sua mulher, ou pelo menos conservá-las como reféns,
214 JOAN NIETJHOF

pois soube que sua esposa estava sendo maltratada pelos lusos em Seri-
nhaém. Foram os rebeldes que iniciaram a série de roubos e assaltos
desde então cometidos também pelos nossos soldados, e que, entretanto,
não pode sofrer comparação com os embustes, fraudes e roubos cometidos
pelos rebeldes contra os credores de suas dívidas e mercadorias; a-pe-
sar-de tudo, dando garantias e outras providências, fizemos tudo quanto
estava ao nosso alcance para evitar essas violências.
O recente assassínio de moradores de Salinas foi cometido a 17, —
sem nosso conhecimento, e com grande consternação de nossa parte, —
pelos brasileiros fugitivos que, enfurecidos com o massacre de seus ir
mãos, homens, mulheres e crianças em Serinhaém, sem distinção de sexo
ou idade, aproveitaram-se da ocasião para se vingarem. Poderá, tam
bém, V. S. fàcilmente imaginar que os boletins distribuidos por Antônio
Cavalcanti em Iguarassú bastante contribuiram para êsse estado de
cousas.
Com respeito às balas que V. S. diz terem sido utilizadas no último
encontro, nós temos mais razões de queixa que V. S., pois recomendamos
continuamente que não se deixem de observar as leis da guerra em casos
semelhantes.
Reconhecemos o cavalheirismo demonstrado pelos seus homens, pou
pando e acolhendo os nossos soldados e estamos prontos a retribuí-lo em
idênticas circunstâncias, pedindo-lhes desde já que nos comuniquem sua
resolução sobre êste ponto, pelo mesmo tambor.
Sendo evidente, pelo que se alegou, que os passados desmandos de
vem ser imputados aos rebeldes — entre os quais tentámos, por todos os
meios, restabelecer a paz e a tranç/iiilidade — tendo eles persistido em
seus subversivos propósitos, merecem eles, das mãos de V. S., antes o
justo castigo que a menor indulgência. Por êsse motivo, protestando pe
rante Deus e todo o mundo contra o procedimento de Sua Excelência o
Sr. Antônio Teles da Silva e contra o que quer que tenha sido praticado
por V. S. contrariamente ao tratado celebrado entre Sua Majestade de
Portugal e os Estados Gerais das Províncias Unidas, não duvidando que,
ao receber a presente, V. S. retirará as suas forças para a Baía e porá
termo às violações do referido tratado.

Assim, à espera de sua resposta, permanecemos,


. De V. S.
Recife, 20 de agosto de 1645
etc. etc.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 215

Nessa mesma noite, ante o aviso de que tropas inimigas haviam Preparati
avançado até Olinda, expediram-se ordens a todos os fortes adjacentes no vos para en
sentido de prepararem uma vigorosa defesa, bem como de se erigirem frentar o
duas baterias por de-trás da senzala, de onde poderiam dominar as ave inimigo
que marcha
nidas que, ao longo do rio, correm em direção ao Recife. Numerosos contra o
voluntários recentemente chegados do interior foram agrupados em Recife.
uma companhia sob o comando do Secretário Hamel, no pôsto de Capitão,
e Jerônimo Heiman, como tenente. Dispuseram-se guardas avançadas,
sendo uma entre o forte Bruin e o forte Triangular e a outra entre êste e
a fazenda do Conde Maurício. A ponte Boa Vista foi parcialmente de
molida a-fim-de dificultar a passagem do inimigo, e, considerando-se a
importância do forte Triangular, foi sua guarnição aumentada com um
contingente de 26 homens tirados a várias companhias. Tomaram-se Na Cidade
idênticas precauções com relação à segurança da Cidade Maurícia, da Maurícia e
Ilha de Antônio Vaz, do Forte Ernesto, do Forte Quinquangular e de em outros
todos os demais. fortes.

O Major Bayert teve ordem de demolir as paredes remanescentes


dos estábulos do Conde Maurício, por impedirem a visão do forte Ernesto.
Hendrik Vermeulen foi incumbido de dirigir uma turma de 30 negros
encarregada de remover todo o entulho tanto da fazenda do Conde Mau
rício como dos fossos. O Major Bayert retirou as paliçadas do jardim
para instalá-las em torno de seu forte. O engenheiro Pistor recebeu a
incumbência de construir estacadas ao lado do forte Ernesto, olhando
para os jardins do Conde e prolongando-as até cêrca de 5 metros para
dentro do rio. Por cima da entrada do Forte Ernesto foi feita uma casa
de madeira pelo chefe de obras, para proteger o flanco dos dois lados,
porque esta fortaleza não tinha os flancos protegidos, ao longo do muro
junto ao rio (312). Além disso, não estando bem artilhado êsse forte,
o Comissário Stricht deveria nêle assentar dois grandes canhões pesados
então instalados ao pé da ponte, colocando em seu lugar duas colubrinas.
A entrada do canal da Cidade Maurícia foi também protegida com pali
çadas duplas. Os membros do Conselho, em companhia dos desembar
gadores, inspecionaram novamente os subúrbios da Cidade Maurí
cia a-fim-de decidir sôbre a conveniência de mantê-los ou abandoná-los.
Entretanto, adiaram qualquer resolução, para a manhã seguinte. Dois
grandes canhões foram instalados no forte Quinquangular, assestados
para o lado do rio, e, à vista da forte guarnição necessária para defender

(312) Êste pequeno trecho foi traduzido diretamente do holandês (cf. p. 143,
2* col., 8." § da ed. holandesa e p. 103, 1.» col., 2.° § da ed. inglêsa).
216 JOAN NIEUHOF

as cornas dêsse forte, seu comandante deu ordem para que os soldados,
os brasileiros e 100 negros as nivelassem. Mandou-se derrubar, pelos bra
sileiros que ali trabalhavam, o mato existente entre o forte e os Afogados,
e resolveu-se que se concentrassem as fortificações da Cidade Maurícia
num âmbito menor e se reparassem os muros em torno do Recife. Assim
foi que o Conselho, com seu infatigável cuidado, conseguiu pôr as forti
ficações do Recife e suas adjacências em tão boas condições de defesa, que
o inimigo, conquanto muito forte, não ousou tentar, então, qualquer ação.
O Sr. Dortmont tinha transportado para itamaracá cerca de 1400 pessoas,
das quais 700 mulheres e crianças, e, por isso, precisava de abastecimen
to de víveres. De resto, dispôs tudo muito bem na Ilha.
Cartas ao Por sua carta datada de Paraíba, 22, o Sr. Linge comunicou ao Con
Conselho selho que, depois da notícia que lhe fora transmitida da derrota do Co
vindas de ronel Haus, julgara conveniente remover a guarnição e o povo de Fre
Paraíba. derica para os fortes. Informava, ainda, o Sr. Linge, que os portugueses
continuavam calmos e que tôda sua força consistia em 400 soldados, 100
civís e 50 brasileiros, entre os quais havia bom número de doentes e fe
ridos. Dizia mais, que os tapuias haviam assassinado 12 ou 14 campo
neses. Não havia muito tempo que o Major Hoogstraeten, Ley e Hek
informaram o Conselho terem incendiado tôdas as casas, principalmente
o armazém e a igreja, fora do forte, para facilitar sua defesa e que o
inimigo se havia instalado no morro do Cabo e na Ilha que lhe ficava ao
sul.
A 25, após nova revista às fortificações da Cidade Maurícia, orde-
nou-se o seu imediato aperfeiçoamento.
No mesmo dia o Conselho recebeu cartas do Sr. Linge, datadas da
Paraíba, a 18 e 19 de agosto, via Itamaracá, dizendo que Willem Ba-
rentsz lhe havia comunicado que êle e Roelof Baro tinham, pronta para
nosso serviço, uma tropa de tapuias, e que tudo estava em calma nas vizi
nhanças. Que, entretanto, êsses tapuias se haviam apoderado de todo
o gado pertencente a Pieter Farcharson, fato êsse que provocara não pe
quena escassez de carne fresca nas redondezas.
O Conselho achou indispensável voltar suas vistas para a situação
Consulta
sôbre a re dos fortes do Rio São Francisco e Sergipe-d'El-Rei, os quais se achavam
moção de apenas escassamente guarnecidos e tinham interrompidas as comunica
diversas ções, tanto entre êles mesmos, como com o Recife, e, portanto, em grave
guarnições perigo de se perderem; concluíu por isso o Conselho que, depois da der
para o Re
cife. rota do Coronel Haus, forçoso era tentar a salvação dessas guarnições,
e, consequentemente, de todo o Brasil Holandês, removendo-as para o
Recife.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 217

No dia 24 de agosto (313), foi solicitado junto ao Assessor Wal-


beek, em nome dos Altos e Secretos Comissários, o aviso e aprovação do
alto Conselho de como se deveria proceder nestas circunstâncias, com a
fortaleza e os defensores de Pôrto-Calvo; (pois a fraca guarnição que
aí estava não era capaz de defendê-la contra uma grande maioria) ; e,
além disso, e já que haviam sido cortadas tôdas as comunicações por terra
e por mar e os mantimentos não chegariam para muito tempo, quando
estes terminassem, a fortaleza deveria entregar-se ao inimigo; se era
preciso retirar daí a guarnição, o que se julgava não ser possível fazer
sem perda de artilharia e sem o perigo de serem atacados no caminho ; ou
se deveria fazer com que ela defendesse o lugar até o fim, na esperança de
que ainda chegasse auxílio da pátria: com o qual poderiam pôr a salvo
essa fortaleza.
O mesmo se deliberou acêrca das fortalezas do Rio São Francisco e
Serg:ipe-d'El-Rei e sua guarnição.

RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE GUERRA


O Conselho de Guerra é de parecer que, considerando estar a capital
em perigo por falta de força militar e não estarem as guarnições dos
fortes em condições de oferecer resistência prolongada, sejam estas re
movidas para o Recife, transportando com elas a maior quantidade pos
sível de munição e artilharia. Com relação ao Forte de Pôrto-Calvo,
situado muito no interior do país, onde o rio é por demais estreito e raso,
as guarnições do Rio São Francisco e Sergipe-d'El-Rei deverão por lá
passar a-fim-de se reunirem e enterrar ou inutilizar os canhões.
Por ordem do Conselho de Guerra, 24 de agosto de 1645.
(Assinados) Kornelis Bayer,
Albertus Oostermans,
L. Van Harkema,
Jan Denning,
Samuel Lambertsz (314)
Hendrik Advocaet,
Frederick Pistor,
Haelmeister, Capitão,
René de Mouchy.

(313) O trecho "No dia 24 de agosto..." até "... Sergipe-d'El-Rei e


«na guarnição." foi traduzido diretamente do holandês (cf. p. 145, 1.» col. da ed.
holandesa e p. 104, 1.° col. da ed. inglêsa). Êsse trecho, na tradução inglesa, está
grandemente resumido.
(314) Nieuhof varia muito a grafia de Lambertsz: ora escreve Lambartz ora
Lambertsz, ora Lambertz, ora, ainda, Lambert ou Lambertszen. (cf. p. 145, 2.° col.
218 JOAN NIEUHOF

De acordo com o parecer acima, duas barcas tiveram ordem de de


sempenhar essa missão, no Rio São Francisco.
No último dia de agosto, o capitão de uma das duas barcas voltou e
disse que, tendo avançado pelo Rio São Francisco até cerca de uma milha
do dito forte, recebeu tão tremenda salva de tiros curtos, de um navio
português repleto de mosqueteiros, que se viu forçado a retroceder, já
que não poderia prosseguir rio acima. Disse ainda que, à vista disso, a
outra barca não quis se aventurar até Sergipe, achando melhor voltar com
o Zeelandia. Afirmou mais o capitão que, a menos que os nossos dis
pusessem de galeões ou iates bem guarnecidos, seria muito difícil levar a
bom termo uma tal missão.
À vista dessa informação, o Conselho deu ordem para que o iate
Spreeuw, e três outras barcas se reunissem ao Zeelandia, a-fim-de tentar
a execução do plano.
Alguns na Essas embarcações zarparam do Recife a 2 de setembro, sob o co
vios envia mando do capitão Willem Lambertsz. A primeiro de outubro, regressou
dos para o a Recife o capitão W. Lambertsz com o iate e o Zeelandia, tendo apresen
Rio São
Francisco tado ao Conselho o seguinte relato de sua missão :
sob o co A 22 de setembro, chegamos à distância de meia hora (315) do
mando de forte São Maurício, onde encontramos uma barca. Ante o disparo de
Willem uma de nossas peças a embarcação zarpou em nossa frente, rio acima.
Lambertsz. Enquanto a perseguíamos, avistamos uma caravela junto à barca de Joan
Hoen, ambas repletas de soldados. Vimos a primeira dirigir-se para a
Relatório margem e os seus soldados, ao desembarcar, empenharem-se em luta, com
da expe um destacamento contrário, para defesa da barca. O nosso iate, auxilia
dição. do pela artilharia, abordou a caravela com a intenção de incendiá-la, mas,
percebendo que estava carregada de bagagem, os nossos soldados puse-
ram-se a pilhá-la. Logo depois surgiu uma canoa, hasteando bandeira
branca e navegando a todo pano em direção aos dois barcos em luta. Nes
se navio estavam Papenheim, antigo comandante do forte São Francisco
e o Sr. Hoen, enviados pelo inimigo para nos dizer que se puséssemos fogo
à caravela, êles estraçalhariam todos os prisioneiros, mulheres e crianças.
Ante essa ameaça desistimos de nosso intento. Êsses dois oficiais nos in
formaram de que o forte fora obrigado a se render três dias antes, por
falta de lenha e provisões, depois de um cêrco de 26 dias. Que os por
tugueses aprisionaram um sargento e quatro soldados da guarnição de

2." §; p. 145, 2.» col. últ. §; p. 146, 1.» col. 2.° §; p. 146, 2.» col. 3.° §; e p. 148,
2.» col. l.<> §).
(315) O tradutor inglês escreveu meia légua, quando se trata de meia hora.
(cf. p. 146, 1.» col. 2." § da ed. holandesa e p. 104, 2.» col. 4.° § da ed. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO RRASIL 219

Sergipe, mataram as praças e fizeram voltar o primeiro com uma escol


ta de 200 homens para conduzir a guarnição que, já naquela ocasião, só
tinha víveres para quatro dias. Que cêrca de oito dias antes da rendição
do forte, o Tenente-Coronel Haus, o Comandante Listry e o Capitão Wil-
tschut, passaram por lá a caminho da Baía, de onde seguiriam para Por
tugal e Holanda, com os demais prisioneiros, consoante os têrmos da ca
pitulação, transportando com êles apenas as respectivas bagagens. In
formaram, ainda, os referidos oficiais que, não havia muito tempo, os
portugueses destacaram 200 homens para a Ilha de Belchior Álvares, es
perando poder cortar a retirada dos nossos; chegaram tarde porém,
pois a população já havia sido removida. Disseram que o inimigo havia
também ocupado o forte dos Afogados onde o Sr. Bullestrate fora feito
prisioneiro e se achava agora a caminho da Baía. Ouvindo tudo isso, o
Capitão Lambertsz achou melhor retirar-se em direção à desembocadura
de onde, após dois dias gastos no reparo de seus barcos, regressou ao
Recife.
Idênticos insucessos nos esperavam em Sergipe e Pôrto-Calvo, pois Forçadas a
tendo o Conselho enviado uma barca com provisões e reforços, ancorou capitular as
guarnições
esta à frente do Rio São Francisco — contrariamente às ordens recebi
dos três
das — onde foi aprisionada pelo inimigo. A guarnição de Sergipe, per fortes.
didas as esperanças de socorro, foi obrigada a capitular, depois de já ter
gasto todas as suas provisões. Após êsse desastre, não restava a menor
probabilidade de salvar a guarnição de Pôrto-Calvo, situada muito ao
interior, onde o rio é por demais estreito e raso. Além disso, estando o
inimigo de posse de tôda a região, em ambas as margens, a guarnição do
forte foi obrigada a se render por falta do necessário. Contràriamente
aos têrmos da capitulação, pelos quais estas guarnições deveriam ser
conduzidas ao Recife, foram elas transportadas prisioneiras, para a Baía. Transporta
Aquêles de seus componentes que não puderam seguir com elas, por esta das para a
Baía.
rem doentes ou feridos, foram executados pelos portugueses.
Muitos dos soldados pertencentes a estas guarnições bem como às
tropas do Tenente-Coronel Haus, temendo os perigos da viagem por
terra, à Baía, concordaram em lutar ao lado dos portugueses. Entretan
to, destacado o Capitão Klaes Klaesz, com 64 dêsses holandeses, para
Os portu
uma emboscada contra forças nossas, aproveitou a oportunidade e pas- gueses
sou-se de novo para o nosso lado. O fato exasperou de tal forma o inimi matam
go, que desarmou todos os holandeses então em suas fileiras e os execu todos os
holandeses
tou a frio. O mesmo fizeram com a população holandesa que tinha dei a seu
xado atrás de si, no campo. serviço.
220 JOAN NIEUHOF

Enquanto isso se passava, a Capitania da Paraíba, dada a habili


dade do Governador Paulus de Linge, permaneceu fiel, pelo menos na
aparência, até o dia 25 de agosto de 1645 quando, informado da derrota
do Tenente-Coronel Haus, da capitulação do forte de Santo Agostinho e,
alentado pelo reforço de cinco ou seis companhias da Baía (316) e abun
dantes remessas de armamento enviados de Pernambuco por André Vi
Revolta dal, o povo começou a tomar armas a-fim-de cortar a comunicação entre
na
Paraíba. a guarnição postada no Mosteiro de São Francisco, Frederica (lugar
não fortificado) e os fortes próximos ao litoral. Entretanto, tendo per
cebido a manobra, o Sr. Linge, com o consentimento da oficialidade, or
denou que o povo se recolhesse aos fortes com seus haveres e a mencio
nada guarnição, a-fim-de evitar que fossem surpreendidos pelos portu
gueses, bem como para auxiliar a defesa das praças de guerra. Por
idêntico motivo os brasileiros que com suas famílias habitavam a região
tiveram também ordem de se entrincheirar sob a bateria que servia de
defesa externa. Enfrentado por essa concentração de tropas e vendo
frustrados seus planos de conquista da Paraíba pela força, o inimigo re
correu à sua artimanha costumeira, certo de que poderia comprar os
fortes dessa Capitania como comprara a do Cabo de Santo Agostinho.
Com êsse fito, em setembro de 1645, despachou um tal Fernão Rodrigues
de Bulhões, Secretário da Justiça da Paraíba (317), levando uma carta
dirigida ao comandante em chefe Paulus de Linge, na qual lhe oferecia
a soma de 19.000 florins pela rendição do forte. A proposta, entretan
to, não logrou êxito. Por ordem de Linge o mensageiro foi feito prisio
O mensa neiro e enforcado no dia seguinte. Dessas ocorrências Linge enviou no
geiro foi
enforcado. tícias ao Conselho a 16 de setembro. Nesse ínterim, (de acordo com a
carta do Sr. Linge, datada de 16 de setembro) chegaram à Paraíba mais
cinco companhias inimigas que, reforçadas pelos mais valentes dentre os
civís, se colocaram perto do Tiberí onde tinham afixado uma proclamação
intimando todos a que reparassem seus engenhos, sob pena de perdê-los.
Achando-se muito exposta ao inimigo a passagem entre o forte dos
Afogados e o Quinquangular, onde pastava o rebanho destinado ao con
sumo do Recife (boa parte do qual já havia sido apreendida pelo adver
sário), ordenou-se a construção de uma pequena fortificação de madeira,
no ponto mais conveniente para a defesa das pastagens adjacentes.

(316) O tradutor escreveu 5 companhias (cf. p. 147, l.a col., 2.° § da ed.
holandesa e p. 105, 2.a col. 2.° § da ed. inglêsa).
(317) Sôbre as atividades de Fernão Rodrigues de Bulhões, convém ler «£
declarações por êle feitas e que se encontram na Rev. do Inst. Arq- e Geog.
Pern., 1888, n. 35, p. 50-51. Essa cópia é traduzida do holandês. Nieuhof escre
veu Ferdinando Rodrigues de Bulhans ou Bailloux. (cf. p. 147, 2.» col. 3.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 221

Havia já algum tempo, (precisamente a 26 de julho) que o Conselho


expedira instruções a Servaes Carpentier para desarmar o povo de Goiana.
Entretanto, ao ter conhecimento da ordem, os goianeses pediram ao Con
selho que os não privasse de suas armas, pois 37 portugueses desarmados
em Cunhaú pereceram nas mãos dos tapuias e êles tinham receio de que
o mesmo lhes acontecesse, enquanto os índios não fossem afugentados para
longe da povoação. O Conselho respondeu que o assassínio dos portugueses
fôra praticado sem seu conhecimento e contra as suas ordens; que, se
mantivessem fiéis, nada tinham a temer dos tapuias já que estavam sob
sua proteção; nem imaginassem que, com desarmá-los, o Conselho queria
torná-los prêsa fácil dos tapuias. A ordem visava não só a sua própria
segurança, como também fornecer-lhes motivo justo para evitar que
fossem, pelos rebeldes, compelidos a aderir à insurreição. Reforçou, o
Conselho, ao mesmo tempo a ordem dada a Servaes Carpentier, no senti
do de não deixar de desarmar os moradores de Goiana, a-pesar-de seu
pedido em contrário, e que tivesse o cuidado de ver que nem os soldados,
nem os brasileiros de Maruí lhes fossem pesados. O Conselho destacou
também o Sr. Astetten e o Capitão Willem Lambertsz, aos quais encar
regou de levar cartas a Janduí, rei dos tapuias, e Caracara, coman- Parlamen-
dante de outra tribu de tapuias, além de presentes a todos os outros tares envia-
chefes militares, a-fim-de persuadi-los a se reunirem a nós. Estes últi- dos aos
mos, porém, se queixaram por não terem sido presenteados como o fora taPulBS-
Janduí anteriormente. Assim foi que o Sr. Astetten e o Capitão Willem
Lambertsz, tendo-se despedido do Conselho a 28 de agosto, embarca
ram com destino à Paraíba a-fim-de seguirem daí para Cunhaú e se
porem em contacto com os tapuias.
Os desembargadores e os membros do Conselho de Guerra junta
mente com os magistrados, representaram ao Grande Conselho demons
trando a necessidade imperiosa de se demolirem as casas da Cidade Mau
rícia. À vista dessa representação, o Conselho fêz publicar, a toque de
caixa, no dia 29 de agosto, uma ordem determinando que, dentro de dois
dias, o povo procedesse à demolição das casas, sob pena de qualquer pes
soa ter autorização para fazê-lo em seu proveito. Só deveria ser pou
pada a casa de Jan Van Rechteren, que seria convertida em reduto, para
a defesa da planície adjacente. Nesse mesmo dia, Jan Denniger, que havia
servido como tenente sob o Coronel Haus, sucedeu o Capitão Blaer em seu
posto de comando, por ter êste último caído prisioneiro do inimigo. Nu
merosos negros se ofereceram para servir em uma companhia que seria
comandada por um capitão de sua escolha.
O 30 de agosto, o Capitão Willem Lambertsz regressou da Paraíba
ao Recife, com parte de suas forças, tendo apresentado ao Conselho o

16
222 JOAN NIEUHOF

seguinte relato sobre o desempenho da missão que lhe fora confiada:


Não sem grande dificuldade, conseguira, finalmente, do rei Janduí,
uma força de 200 tapuias, pois o rei fingia temer que, durante a ausên
cia de suas tropas, fosse vítima de alguma incursão de seus vizinhos para
massacrá-lo, juntamente com sua família, exigindo, ao mesmo tempo,
que todos os portugueses da Paraíba fossem passados a fio de espada.
Continuando sua informação diz Lambertsz que, marchando com êsses
tapuias para a Capitania de Paraíba, exterminaram êles todos os portu
gueses que encontraram no trajeto, em número de 100, aproximadamente,
tendo igualmente saqueado suas propriedades; entretanto, logo que os
selvagens perceberam que Lambertsz se dispunha a sanear a região, me
tade dêles voltou para as selvas, levando os negros aprisionados e o pro
duto da pilhagem. Continuando a marcha sôbre o Recife, através de
Goiana, desconfiados os demais de que encontrariam resistência no ca
minho, abandonaram as nossas fileiras e fugiram. À vista disso o Ca
pitão fora forçado a recolher-se a tôda pressa ao forte Margarida na
Paraíba, de onde regressara ao Recife por mar. Ciente do ocorrido, o
Conselho enviou, a 16 de setembro, cartas dirigidas ao rei Janduí no
Rio-Grande, bem como a Jacob Rabbi e Roelof Baro, exortando-os a
reunir suas forças com as nossas para defesa mútua bem como para ata
car os portugueses que para lá se dirigiam.
A 13 de setembro de 1645 (318), Jerônimo Serrão de Paiva, ex-al-
mirante da frota portuguesa (aprisionado na última batalha naval da
Baía de Tamandaré) compareceu perante o Conselho, e, interrogado sô
bre a intenção do Governador, ao despachar uma esquadra e desembar
car forças na Baía de Tamandaré, bem como sôbre a armada comandada
por Salvador Correia de Sá, recusou-se a dar qualquer resposta ou fazer
a mínima confissão, limitando-se a afirmar que tanto a frota como as
forças foram enviadas para nos auxiliar a reprimir a revolta. Pediu
também licença para enviar uma carta, por intermédio de um tambor, aos
coronéis Martim Soares Moreno e André Vidal, com relação à troca de
prisioneiros, inclusive de sua pessoa, permissão essa que foi concedida.
À vista de terem alguns cidadãos deixado transparecer a descon
fiança de que a situação difícil em que então se encontravam no Recife,
não fora suficientemente explicada ao Conselho dos XIX, na Holanda, o
Conselho achou melhor revelar-lhes o conteúdo das duas últimas cartas
para lá dirigidas.

(318) Na tradução inglêsa existe um êrro de imprensa, pois está escrito 1685
(cf. p. 107, 1.° col. 1° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 223

Cêrca do meio-dia de 19 de setembro tôda a nossa frota retirou-se


da Baía de Tamandaré para o pôrto do Recife, com dois navios de
guerra, uma caravela e um barco menor (319) apreendidos ao inimigo.
Há muito já me achava eu no Recife, pois deixara a esquadra logo
depois da batalha. Nessa noite fêz-se o entêrro de Servaes Carpentier
falecido no dia anterior. Também pela mesma ocasião foram despa
chados em missão de patrulhamento para o Cabo Santo Agostinho o
iate Ree e uma das caravelas tomadas ao inimigo, por nós denominada
Recife, a-fim-de impedir que o inimigo recebesse abastecimento das adja
cências, por via marítima.
Sabendo que o adversário fazia grande empenho em conduzir seus
rebanhos para lugares seguros, e também com o fim de impedir o trans
porte de lenha e pescado, o Conselho ordenou a organização de uma
Companhia de fuzileiros tirados de outras, que deveria ser confiada Organização
ao comando do Capitão Rembagh com a aprovação do Tenente-Coronel de uma com
Gartsman (320) e cuja missão seria a de vigiar constantemente as colu panhia de
fuzileiros.
nas volantes do inimigo. A 21 de setembro publicou-se a seguinte pro
clamação de indulto.

PUBLICAÇÃO DE ANISTIA

Sabendo o Grande Conselho do Brasil Holandês que muitos de seus


súditos feitos prisioneiros, receando a pena capital ou a deportação,
engajaram-se nas fileiras inimigas; sabendo-se que a maioria deles foi
enganada por seus comandantes e talvez esteja a ponto de cair de novo,
no mesmo erro, resolveu pelo presente anistiar a todos que retomarem
o nosso serviço, com a promessa de que terão a vantagem de voltar a
ocupar os mesmos postos que tinham anteriormente entre nós e que,
os que desejarem regressar aos seus países de origem, terão passaporte
para êsse fim. Deste indulto estão, entretanto, excluidos Dirk Hoogs-
traeten e outros traidores que na qualidade de comandantes de fortalezas
nossas, entregaram-nas ao inimigo, por traição.

Já então o inimigo tinha fechado tôdas as estradas que conduziam


ao Recife, na esperança de nos reduzir à fome, dispondo em forma de
meia-lua, de Olinda a Barreta, tanto as forças portuguesas chegadas da

(319) O tradutor inglês escreveu 2 homens de guerra e 2 pequenos navios


(a. p. 107, 1.° col. 3." § da trad. inglêsa e p. 149, 2.» col. da ed. holandesa).
(320) O tradutor inglês omitiu "com a aprovação do Tenente-Coronel Garts
man" (cf. p. 107, 1.° col. 4.° § da ed. inglêsa e p. 150, 1.° col. 2.° § da ed. holan-
desa).
224 JOAN NIEUHOF

Baía como as tropas rebeldes; construíram ainda, a meia légua do forte


de Afogados, uma trincheira guarnecida com seis peças de artilharia
pesada, trazidas de Pôrto-Calvo. Entretanto, sabendo que estávamos
preparados para resistir, o adversário não ousou nos atacar.
Por cartas dirigidas ao Conselho, o Sr. Dortmont frisou a neces
sidade de — a-fim-de velar pela segurança de Itamaracá e submeter
pela sua autoridade os brasileiros (1500 entre homens, mulheres e crian
ças) contra a propaganda de Camarão que tudo fazia para os atrair às
suas fileiras — ser para lá enviado um membro do Grande Conselho.
Atendendo a essa solicitação, o Sr. Bullestrate foi encarregado de tomar
conta dessa Província. Para lá partiu, portanto, a 23 de setembro, no
navio Deventer, e regressando ao Recife a 29 de setembro fêz a seguinte
comunicação ao Conselho.
Chegara à desembocadura do rio Maria Farinha, ao meio-dia. In
formado por Jan Vos, comandante de uma barca, que o inimigo havia
atacado duas vêzes a cidade de Schkoppe e ainda se achava postado à
frente da mesma, Bullestrate dirigiu-se ao forte de Orange, numa cha
lupa, com cinco ou seis marinheiros, mas a guarnição, tão logo o avistou,
pediu-lhe que não se aproximasse, pois ainda estava em contacto com
o inimigo, no morro, e era incerto o resultado do encontro. Despachou
então Bullestrate dois marinheiros com uma carta dirigida a Dortmont,
os quais, fazendo jus à recompensa de dois reais espanhóis, trouxeram,
na mesma noite, resposta informando que o inimigo havia sido rechaçado.
Ao raiar do dia 25 de agosto, o Sr. Bullestrate dirigiu-se à cidade
de Schkoppe numa chalupa e vendo que, fosse pela enérgica resistên
cia oferecida pela guarnição, fosse de receio do navio, o inimigo havia
abandonado não só a cidade como tôda a ilha, ordenou a imediata repa
ração das fortificações e a reorganização da defesa.
Percebendo a inutilidade de nos atacar no Recife, o inimigo enviou
contra Itamaracá, a 20 de setembro, forças consideráveis. Vigorosa
mente atacadas de surprêsa duas ou três vêzes, as nossas forças, que
se achavam entrincheiradas no morro próximo à cidade, (os nossos de
sertores foram os primeiros a atacar) foram obrigados a recuar, para
instalarem-se no entrincheiramento da igreja.
Mais ou menos três dias depois, isto é, a 23 (321), como já ficou
dito acima, o Sr. Bullestrate chegou no Deventer a-fim-de providenciar

(321) Nieuhof escreveu dois dias depois, isto é, 23 (p. 151, l.a col., últ §).
enquanto o tradutor inglês corrigiu, escrevendo três dias apôs. (p. 108, L» col-
3.° §).
MEMORÁVEL VIAGEM MAEÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 225

a defesa da praça e manter a disciplina entre os brasileiros. Trouxe


com êle alguns voluntários escolhidos entre os civís, pois a guarnição
do Recife estava já tão fraca que dela não se poderia retirar mais
soldados. Além disso, havia em Itamaracá cêrca de 400 brasileiros em
condições de pegar em armas. O Sr. Bullestrate havia recebido do
Grande Conselho e do Conselho de Guerra a incumbência de superin
tender tudo quanto se relacionasse com a defesa do forte Orange que
deveria ser mantido a todo custo, caso não fosse possível conservar tôda
a parte alta da ilha.
Logo que chegou, o Sr. Bullestrate julgou também indispensável
manter a cidade de Schkoppe, por ser aí que o forte se abastecia de lenha;
ademais, sua situação era tal, que, enquanto mantivéssemos o domínio
do mar, poderíamos assegurar a comunicação entre o forte e a cidade
Para garantir essa rota, o iate Gulde Ree teve ordem de ancorar entre
o forte de Orange e o morro. Voltemos, porém, ao cêrco da cidade.
0 inimigo desencadeou três vigorosos ataques contra as trincheiras do
morro, tendo sido rechaçado com a perda de 150 homens, a-pesar-de que,
conforme relatou um barbeiro desertor, o número de mortos entre os
portugueses atingiu a cifra de 450. Camarão e Hoogstraeten estavam
feridos, enquanto que do nosso lado tivemos apenas 15 mortos e 16
fsridos (322). Os brasileiros para lá transportados recentemente, de

(322) A idéia do ataque a Itamaracá foi devida a Dirk Hoogstraeten; como


explica Rafael de Jesús: êle era o mais moderno e a falar primeiro; "porém, com
ânimo tão fiel, e tão belicoso que foi seu parecer o último; imagina seu parecer e
afirma, finalmente: De sorte se ajustou este parecer com o juízo do Governador, e
dos Mestres de Campo que estes o confirmaram e aquele o aprovou (XLIV, p. 390-
392). Vide, também, Varnhagen (LXXIII, p. 302).
Os escritores brasileiros procuraram disfarçar essa derrota, contando-a de um
modo confuso (LXXIII, p. 302). Entre estes, pode-se citar Calado, que atribue a
vitória a 450 indígenas que, receosos de que se não lhes desse quartel, lutaram
furiosamente enquanto alguns soldados nossos, principalmente os vindos da Baia,
entregavam-se à pilhagem. (Calado, XVII, p. 268). O curioso é que, segundo Ca
lado, os holandeses perderam 300 homens (!), fora os índios, e os restauradores 25
soldados, 12 índios do Camarão e 30 estrangeiros do Mestre de Campo Hoogstraeten;
trouxeram, também, 35 feridos, entre os quais Hoogstraeten. Comparem-se êsses
dados com os de Nieuhof. Rafael de Jesús (XLIV, p. 390-399) não foi menos
exagerado em seus cálculos; assim é que afirma que os restauradores tiveram 70
feridos, 60 mortos, 14 portugueses, 12 índios do Camarão, 34 estrangeiros do têrço
de Hoogstraeten, enquanto os holandeses perderam 200 soldados e os feridos foram
tantos que se lhes não deu número. Deixou o assalto a todos os flamengos tão me
drosos. . .
Já os cronistas do outro lado calculam diferentemente. Assim, Moreau (LIX,
p. 85) avalia em 300 os brasileiros e portugueses que perderam a vida. O Diário ou
Breve Discurso acerca da Rebeldia (XXIX, p. 143) afirma que se encontraram no
campo 250 mortos, afora os que os portugueses levaram e enterraram, e que havia
mais de 400 feridos; entre os holandeses, morreram Bivelt, tenente do capitão Sluiter,
226 JOAN NIEUHOF

Abandonam Goiana, Iguarassú e outros lugares, portaram-se com extraordinária bra


de novo a vura, mas a chegada do Sr. Bullestrate abateu-lhes de tal forma o moral,
Ilha.
que abandonaram a ilha na noite de domingo para segunda-feira.
Novas con A 2 de outubro o Grande Conselho tratou novamente da defesa de
sultas sôbre Itamaracá, pois teve informação de que o inimigo tentara a última expe
a segurança dição contra aquela ilha, na esperança de ser auxiliado por certos ele
de Itaraa-
mentos de nosso lado, com os quais mantinha correspondência secreta.
racá.
Conquanto o Conselho não pudesse saber com segurança quem planejava
a traição, julgou resolver o problema da segurança da ilha, de lá reti
rando o Capitão Sluiter e a companhia sob suas ordens, substituindo-a
pela comandada pelo Capitão Willem Lambertsz, a quem também seria
confiado o comando supremo de tôdas as forças. Êsse plano foi posto
em execução nos dias seguintes. Os entrincheiramentos em torno da
igreja e do forte Orange foram reforçados com paliçadas. Com relação
ao primeiro dêsses entrincheiramentos e seguindo o parecer de Garstman
e Dortmont ordenei a construção de um contra-forte, atrás do qual seria
alojada uma companhia de brasileiros, com suas mulheres e filhos, sendo
os demais empregados na defesa do forte Orange. Quanto ao reduto que
dominava a praça e de onde provinha o abastecimento de água do forte,
dei ordem para que fosse fortificado, a-fim-de evitar um ataque de sur-
prêsa, pois sem êle o forte não poderia se manter por muito tempo, nem,
talvez, resistir ao embate do inimigo.
Mais ou menos por essa ocasião, o Conselho recebeu cartas de André
Vidal, por intermédio do Major Agostinho de Magalhães, datadas de 5
Vidal propõe de outubro, propondo a troca de prisioneiros. Dizia Vidal, em sua carta,
a troca de que, tendo o Almirante Serrão de Paiva pedido sua libertação, om duas
prisioneiros. cartas, desejava que o mesmo fosse trocado por outros soldados ou res
gatado por Antônio Teles da Silva, Governador da Baía. Queria mais,
que se fizesse um acordo pelo qual os prisioneiros civís portugueses
pudessem ser postos em liberdade mediante um resgate razoavel. A pro
posta não foi, entretanto, aceita pelo Conselho.
Nesse meio tempo, conforme cartas do Camandante do Forte no
Rio Grande e do esculteto Johannes Hoek, datadas de 6 de outubro, ao
Supremo Conselho, Jacob Rabbi, voltando da viagem com o pregador
Astetten, com uma pequena força de tapuias e auxiliado por brasileiros

Jacques Bellan, alferes do Tenente-Coronel, e que Winsel Smith, antigo Tenente de


Hoogstraeten, que se bandeara com êste para o lado dos portugueses, também morrera-
O Barão do Rio-Branco escreveu que o desembarque efetuou-se a 20 de setembro
e que a luta iniciou-se a 21 de setembro ( LXXV, p. 525, 528). Já o citado Diário
da Rebeldia (XXIX, p. 143) dá o dia 24 como o da luta e que por quatro vize*
foram repelidos.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 227

e mais 30 civís holandeses, ocuparam o sítio de João Lostão, onde assas


Quinze por
sinaram 15 ou 16 portugueses. Não foram, porém, tão bem sucedidos
tugueses
em casa de Fernandes Mendes, em Potigí, onde os rechaçaram, com mortos
algumas perdas, os 50 portugueses que a defendiam (323). pelos
Perdidas as esperanças de conquistar a Paraíba a traição, o inimigo tapuias.
concentrou todo o seu poderio em bloquear as comunicações do Recife,
na esperança de reduzir a praça pela fome. Essa operação ocasionou
muitas escaramuças, nas quais os brasileiros, que recebiam do interior
a maior parte de suas provisões, infligiram severos castigos ao portu
gueses. Para sua segurança, os lusos construíram um forte em Pernam
buco (como também o fizeram na Várzea, na Paraíba) próximo ao enge
nho de Jorge Homem Pinto (324) ; essa defesa, entretanto, era mal for
tificada e incapaz de resistir a um ataque enérgico. No Rio-Grande, os
tapuias bateram os portugueses, pois, como já disse anteriormente, entra
ram naquela Capitania, como de costume, em junho de 1645. Informa
dos de que os portugueses de Pernambuco estavam revoltados, os tapuias,
tomados de ódio inato para com os lusos, atacaram alguns dêles, a 16
de julho (325), no engenho de Cunhaú, matando todos os que lá encon-

(323) O tradutor inglês omitiu a referência ao prègador Astetten (cf. p. 152,


2.a col. 4.° § da ed. holandesa e p. 109, l.a col. 1.° § da ed. inglêsa) . V. nota 261.
(324) Nieuhof não especifica, aqui, qual dos engenhos de Jorge Homem Pinto.
Êste era judeu, rico proprietário na Paraiba dos engenhos do Tiberi às margens
do rio dêsse nome e do Santo André (cf. Breve Discurso sobre o Estado etc. (XV, p.
156). Os dois engenhos do Tiberi distam, entre si, obra de um tiro de mosquete. Os
portugueses chamam o de cima de engenho de Santa Catarina e o seu proprietário
é Jorge Homem Pinto. O outro São Filipe e Jacó, foi vendido por Manuel Caresmo
(Quaresma) Canero (Carneiro) a, D. Haen, que o vendeu a Jorge Homem Pinto.
Depois é que, seguindo o Tiberi, encontramos o S. André; é êste um dos principais
engenhos desta capitania; fica à margem do Paraíba; o seu proprietário é Jorge
Homem Pinto, Senhor do Tiberi (p. 251-252, XLI).
Jorge Homem Pinto era um dos grandes devedores da Companhia, não sendo,
porém, considerado como insolvável, por possuir muitos engenhos e por serem seus
fiadores bastante bons. (Cf. Bolsa do Brasil, trad. por Geraldo Pauwels, Rev. da
Soe. de Geografia, 1933, T. XXXVII, p. 46). A sua situação não se tornou muito
boa mais tarde. Possuía 9 engenhos (XCLI, p. 335) e tornou-se insolvável, o que
motivou o acordo com a Companhia, de que fala a Bolsa do Brasil.
Em 1645, libertou-se da responsabilidade contraída por esse acordo, passando-se
parados insurretos. (Bloom, XII, pp. 77 e segts.). No apêndice da obra de Bloom
se vê que Jorge Homem Pinto era devedor à Companhia da quantia de 1.245.160
florins, em 1661. (v. também, p. 139 e segts., XI).
Passou-se para as forças rebeldes por ocasião da proclamação de Vieira, quando
êste assegurou aos judeus os mesmos privilégios de que gozavam no período holandês.
(Bloom. XI, p. 140).
Em Vingboons, (XCVII) mapa da Paraíba, vol. II, menciona-se o engenho Tiberi.
(325) O tradutor inglês escreveu julho de 1645, quando se trata de junho de
1645 (cf. p. 153, 1.° col. 6.° § da ed. holandesa e p. 109, 1.° col. últ. § da ed. inglêsa) .
Nieuhof confirma, aqui, a retificação que Rodolfo Garcia fêz, ao mostrar que
a hecatombe de Cunhaú se verificara no domingo 16 de julho. (cf. Varnhagen,
LXXII, Tomo III, p. 34, nota 59).
228 JOAN NIEUHOF

traram, sem que os holandeses das redondezas conseguissem impedí-lo.


Daí os tapuias marcharam para Monpebú, Goiana e Potosí, localidades
essas também pertencentes ao Rio-Grande, onde, encontrando uma força
portuguesa entrincheirada em paliçadas semelhantes a palanques, força-
ram-na juntamente com alguns brasileiros a capitular sob condições de
serem poupadas as sua3 vidas caso não provocassem mais distúrbios.
Todavia, logo depois, alguns portugueses fugiram para Paraíba e os
tapuias tomando êsse ato como quebra do tratado que acabavam de fazer,
combinaram com os demais brasileiros executar os portugueses rema
Os tapuias nescentes onde quer que os encontrassem, o que logo fizeram, pois os
eliminam os brasileiros clamavam vingança pelo estrangulamento de 30 ou 40 de seus
portugueses camaradas, amarrados às paliçadas de Serinhaém por ordem de André
do
Rio-Grande. Vidal. O resultado de tudo isso foi que o Rio-Grande ficou inteiramente
expurgado de rebeldes, a exceção de uns poucos sôbre os quais os tapuias
não puderam lançar mão. Suas propriedades, inclusive gado, foram
depois vendidas, em benefício da Companhia e de seus credores e os
armazéns públicos foram supridos com boas reservas de carne em boa
hora recebidas. Sabendo os portugueses que recebíamos grandes abas
tecimentos daquela região, tentaram os nossos impedí-lo, para lá enviando
diversos expedicionários que, entretanto, foram todos forçados a se reti
rarem para a Paraíba, levando com êles todo o gado que conseguiram
apreender.
De acordo com o depoimento do Capitão Klaes Klaesz, a 15 do mes
mo mês (326), interrogado por ordem do Supremo Conselho pelo Asses
sor Walbeek, as quatro companhias holandesas aquarteladas na Várzea
eram:
Relação
das A Companhia do próprio Cap. Klaes Klaesz, com 63 homens, dentre
forças os quais 23 mosqueteiros; a Companhia de Alexander Bucholt com 43
inimigas. homens, dos quais 36 mosqueteiros; a companhia do Capitão Anthony,
que foi mortalmente ferido no último encontro, composta de 36 homens,
dentre os quais 32 mosqueteiros; a Companhia de Jan de Wit, com 40
pobres miseráveis, dentre os quais, apenas 12 mosqueteiros. Além dessas,
havia duas outras Companhias holandesas em Goiana, uma comandada
por Jorge Pietersz, com 17 homens armados de piques; a outra, sob as
ordens de La Cour, com 19 homens, quase todos também armados de pi
ques. Na Paraíba, tinham os lusos, mais duas, sendo uma delas coman
dada por Pierre Gendre, de 19 homens, quase todos com piques e a se-

(326) O tradutor inglês escreveu 12 de novembro (cf. p- 109, 2.a col., 2.° § da
ed. inglêsa e p. 153, 2.a col. últ. § da ed. holandesa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 229

gunda sob as ordens de Eduard Versman composta de 20 homens, entre


os quais havia apenas um mosqueteiro. Assim é que o total dessas oito
companhias não excedia de 257 homens. O Coronel era Hoogstraeten
e o Major, Francisco La Tour, ex-escabino de Serinhaém e inimigo decla
rado dos holandeses. A maior parte dos prisioneiros batavos via-se
na contingência de ingressar nas fileiras inimigas para não correr o risco
de serem executados a caminho da Baía, como já havia sucedido a 42 pri
sioneiros, voluntários e soldados apanhados no forte de Santo Agostinho,
mortos no Engenho Conjaú, próximo a Serinhaém. O capitão Klaesz de
clarou, ainda, que as forças inimigas de Várzea compunham-se de 700 ho
mens vindos da Baía, divididos em 9 companhias e bem armados com
mosquetes e arcabuzes. Além dêsses, dispunham êles de cêrca de 1000
homens (327) recrutados entre os portugueses, pois haviam obrigado a
todos os moços, desde o Sul de Una até São Lourenço, a pegar em armas ;
uns estavam armados de arcabuzes e outros de mosquetes tomados aos
holandeses. Eram, em sua maioria, mulatos e vagabundos indisciplina
dos, comandados por João Fernandes Vieira, no pôsto de Mestre de Cam
po e Antônio Dias (vindo da Baía) no de Sargento maior (328). Seus
capitães, muito estimados entre êles, eram Simão Mendes, Domingos Fa
gundes e João de Albuquerque. Camarão comandava 100 brasileiros ar
mados de bacamartes e Dias 200 negros (dos quais 50 eram nossos) pro
vidos de boas armas, e alguns tapuias. Cada soldado tinha, como ração
diária, meio quilo de carne e um pouco menos de meio litro de farinha
sem nada mais. Ganhavam 12 florins por mês. Um capitão vencia 120
florins, um alferes 42, um sargento 21 e um cabo 15 florins por mês.
Pagavam em dinheiro as tropas holandesas, enquanto que, com os por
tugueses vindos da Baía, só acertavam contas uma vez por ano. O ini
migo estava, por aquela época, ocupado na construção de um forte com
quatro pequenos bastiões e um paiol de pólvora, entre o Engenho Bierboom
e a Casa de Sobrado. Em cada bastião seriam montadas duas ou três

(327) O tradutor inglês escreveu 100 homens (cf. p. 110, l a col., 1.°' § da
ed. inglesa e p. 154, 2.» col., 1.° § da ed. holandesa).
(328) Nieuhof escreveu (p. 154, 2.a col., 3.° §) Coronel e Major. E' um
equivoco, pois tais postos não existiam no século XVII e sim os de Mestre de
Campo e Sargento-Mor (ver nota p. 290). Antônio Dias Cardoso era militar
de primeira linha do exército, com praça de soldado em 1624 (cf. Biografia da
A. J. Melo, Tomo I, p. 109). Foi para a Baía e lá voltou em 1645, com 45 sol
dados e logo foi nomeado sargento-mor de tôda a gente do bando da liberdade
(Calado, XVII, p. 188). Como escreveu Varnhagen (LXXIII, p. 260), Antônio
Dias Cardoso deve ser considerado como o verdadeiro orientador militar da cam
panha, até a chegada de André Vidal de Negreiros e, mais tarde, de Francisco
Barreto de Meneses.
230 JOAN NIEUHOF

peças de artilharia, sendo que 8 delas tinham sido trazidas de Pôrto-


-Calvo ; cinco eram de metal. Os soldados vindos da Baía estavam aquar
telados em tôrno dêste forte, com exceção da companhia sob o coman
do de João Magalhães que estava aquartelada em Barreta com quatro
companhias holandesas a saber: os holandeses que estiveram no engenho
de Bierboom, os comandados pelo Capitão Pedro Cavalcanti e Antônio
Jacomo; duas ou três Companhias de portugueses provenientes da Baía
estavam aquarteladas no Engenho do Brito (329). Os demais eram por
tugueses, mulatos e vagabundos que foram obrigados a acompanhar a
tropa, do Sul. Estes estavam, em sua maioria, armados de arcabuzes e
mosquetes; os demais com piques. André Vidal, João Fernandes Vieira
e o Major Hoogstraeten achavam-se então na Casa de Sobrado. Todos
êsses homens somavam, quando muito, 600. Próximo ao engenho de
João de Mendonça (330), estavam aquarteladas três Companhias; sendo
duas outras na casa de Sebastião Carvalho e mais duas no engenho do
Mengao. As demais estavam nas Salinas, em Barreta e na cidade de
Olinda. Algumas das tropas sob o comando de Camarão estavam no
Engenho de Van Schot e na casa de João Cordeiro de Mendonça à mar
gem do rio e constituíam a guarda avançada. Henrique Dias e sua tro
pa estavam aquartelados na casa do Sr. Lufselen. Os redutos de Olinda
estavam guarnecidos com 17 homens.
Em novembro, o Grande Conselho recebeu aviso da Paraíba, por
carta de Paulus de Linge, e por diversos desertores, de que o inimigo
havia enviado 400 homens, 200 dos quais eram soldados regulares, e os
demais, moradores do Rio-Grande e da Paraíba, para conquistar a região,
ou pelo menos para tanger todo o gado. Resolveu-se então, com o con
sentimento do Coronel Garstman, procurar impedir que o inimigo le
vasse a efeito o seu plano.
A 12 de novembro, o Capitão Klaes Klaesz, natural de Amsterdã,
Klaesz'**0 ve*0 *er conosco> no Recife, como já ficou dito atrás. Tinha estado en-
deserta o tre os prisioneiros do cabo Santo Agostinho e de lá levado para Santo
inimigo. Antônio, onde se pusera a serviço do inimigo com a intenção de deser
tá-lo na primeira oportunidade. Fôra então comissionado no pôsto de
Capitão, tendo sob suas ordens uma companhia de holandeses que, tendo
sido feitos prisioneiros, foram obrigados a servir nas fileiras inimigas.
Hoogstraeten e Albert Gerritsz Wedda determinaram, a 30 de outu-

(329) Na freguesia da Várzea existia o engenho de Francisco de Brito (cf.


Breve Discurso, XV, p. 150).
(330) O engenho de João de Mendonça estava situado na freguesia da Vár
zea (cf. Breve Discurso, XV, p. 150).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 231

bro (331) com o assentimento de Vidal e João Vieira, que Klaesz fosse
preparar uma cilada contra forças nossas, em Salinas, com uma força
de 60 holandeses, composta de elementos tirados das quatro companhias
de holandeses a serviço dos portugueses. Como reforço, destacaram mais
quatro Companhias da reserva. Tendo-lhe sido confiado o comando su
premo dessas forças, Klaesz aproximou-se o mais que pode do forte
Bruin, com seus soldados holandeses. Ao raiar da aurora aproveitou a
oportunidade para atravessar o rio passando com seus homens (todos
desejosos de o seguir) para o nosso lado, no dito forte. O Conselho resol
veu então confirmar Klaes Klaesz no comando de sua companhia, que
se dispôs a entrar para o nosso serviço. Entretanto, logo que o inimigo
percebeu que fora traído, desarmou todos os holandeses, a pretêxto de
enviá-los para a Baía, e passou-os todos a fio de espada, em caminho,
juntamente com suas mulheres e filhos.
A 2 de novembro, o Conselho recebeu aviso do Sr. Linge, datado de
1.° do mesmo mês (332), na Paraíba, no sentido de que André Vidal
tinha entrado naquela Capitania com 200 homens e que Camarão tinha
escrito a Pedro Potí insistindo para que desertasse do nosso serviço, com
seus brasileiros; recebera, também, porém, formal recusa. O Conselho
enviou-lhe, como recompensa de sua fidelidade, duas peças de fino linho.
Quando os portugueses começaram a se armar contra o Govêrno, procura
ram induzir, por meio de cartas repletas de promessas, os regedores ou co
mandantes dos brasileros a se reunirem a êles. Estes, porém, não
acederam, ao contrário, enviaram ao Conselho, sem abrí-las, as cartas en
viadas por Camarão e outros chefes revolucionários, a-fim-de evitar que
sobre êles pairasse a suspeita de manter correspondência com o inimigo.
Pedro Potí era parente próximo de Camarão. Desde então os referidos
chefes brasileiros se portaram tão corretamente e de tal forma atacaram
os portugueses, onde quer que os encontrassem, matando-os e pilhando-os,
que jamais tivemos ocasião de duvidar de suas sinceridades e intenções. . Os holande
O mesmo Sr. Linge informou a 4 de novembro que o inimigo nada ses batem
tentara até então. A 14 do mesmo mês, informou que 300 dos nossos, os portu
auxiliados por alguns brasileiros da Paraíba, se tinham empenhado em gueses.
luta com 800 inimigos, rechaçando-os depois de feroz embate, no qual
os portugueses perderam bom número de homens. Estimulados por essa
vitória os brasileiros percorreram tôda a planície, e, encontrando um
grupo de portugueses que festejavam a noite de São Martinho, no En-

(331) O tradutor inglês omitiu a data. (cf. p. 155, 2.a col., 2.° § da ed.
holandesa e p. 110, 2.a col., 3." § da ed. inglêsa).
(332) O tradutor inglês omitiu "de 1.° do mesmo mês" (cf. p. 155, 2.a col.,
nlt § da ed. holandesa e p. 111, 1> col., l.° § da trad. inglêsa).
232 JOAN NIEUHOF

Os tapuias genho de André Dias de Figueiredo, atacaram-nos tão furiosamente que,


depois de uma fraca resistência, foram todos massacrados, inclusive um
muitos por filho do tal Figueiredo e um padre, sem poupar ninguém, exceto uma
tugueses. linda moça. Esta, a-pesar-de quase ter perdido a razão ao assistir a
morte de seu pai e ver diversos parentes seus banhados de sangue, exerceu
tal influência sôbre o coração dêsses bárbaros, a ponto de conseguir que
a levassem prisioneira ao forte da Paraíba.
Os holande À noite de 21 de novembro, 160 soldados holandeses e 200 solda
ses atacam dos (333) provenientes do Recife zarparam em pequenos botes da Baía
os portu de Traição e seguiram viagem durante a noite sob o comando do Tenen
gueses te Van Berge, do escabino Hoek e do regedor Paraupaba, rumo a Cunhaú,
perto de
Cunhaú, a-fim-de atacar o inimigo recém-chegado ao Rio-Grande, procedente da
Paraíba. Entretanto, informado sôbre o nosso plano, o inimigo retirou-se
de Cunhaú para um entrincheiramento situado em zona pantanosa. Sen
do essa posição acessível apenas por um lado, os portugueses receberam
as nossas forças com intensa fuzilaria. Mesmo assim, porém, foram
obrigados a se retirar para o Castelo de Keulen, em parte para dar des
canso aos seus homens e em parte para evitar que penetrassem mais a
fundo no Castelo.
A 4 de dezembro resolveu-se mandar o navio Over-Yssel e o barco
Spreeuw para a Baía, a-fim-de ver se conseguiam saber qual a força na
val do inimigo e tentar fazer alguma prêsa.
Convocação A 5 de dezembro o Grande Conselho convocou todos os comandantes
dos chefes brasileiros para lhes informar que tinha recebido considerável forneci
brasileiros. mento de pólvora, balas e outras munições pelo navio Zwaen, que também
trouxera cartas da Holanda comunicando estar sendo preparada uma
grande esquadra de socorro. Os brasileiros ficaram muito satisfeitos
com a notícia. Os comandantes portugueses, porém, esforçavam-se por
persuadi-los de que nada disso se esperava da Holanda.
Na mesma noite, um desertor brasileiro declarou que todos os ho
Aviso de landeses foram mortos pelos revoltosos e que suas mulheres e filhos fo
que todos ram escravizados. O mesmo afirmou um negro desertor com respeito
os holan ao Capitão Boekholt, que, tendo estado a prestar serviço ao inimigo e de
deses foram pois suspeitado de traição, foi executado como o tinham feito aos demais
mortos pe
holandeses em suas fileiras, mortos a caminho da Baía.
los portu-
A 7 de dezembro de 1645, foi resolvido em Conselho que se organi
zassem mais 4 companhias de fuzileiros, pois a experiência indicava que

(333) O tradutor inglês escreveu: "360 soldados, dos quais 20 provenien


tes do Recife" (cf. p. 156, 2.» col., 1.° § da ed. holandesa e p. 111, 2.» col., 1.* §
da trad. inglêsa)
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 233

tais forças tinham mais utilidade na campanha. Para tanto, foram apro Organização
veitadas as Companhias do Coronel Garstman, Capitão Juriaen Rembar- de 4 compa
nhias de fu
gar, do Capitão Niklaes Niklaez e do Capitão Snijder, de preferência a
zileiros.
qualquer outra.
Ainda no mês de dezembro caiu prisioneiro dos brasileiros na Ilha de
Itamaracá um português de nome Gaspar Gonsalves que fora enviado
especialmente para persuadi-los de que os holandeses pretendiam entre
gá-los aos portugueses, mediante certa soma em dinheiro, e depois se re
tirarem com seus efetivos para a Holanda. Essa informação produziu
não pequena comoção entre os brasileiros, que começaram a dar crédito
ao informante. E, tendo Gaspar Gonsalves espalhado o boato um pouco
antes da chegada de Kaspar Honighuizen (que a 28 de agosto fora no
meado comandante em chefe dos brasileiros em Itamaracá em substitui
ção a Johan Listry, aprisionado pelo inimigo) não sabia êste como dissi
par êsse receio, pois que Jacob Rabbi, segundo carta de 11 de dezembro,
estava se preparando para fazer uma incursão de 80 milhas à procura
dos tapuias, a-fim-de solicitar-lhes auxílio. Entendeu-se finalmente com
Oype, genro do rei Janduí, que lhe prometeu, caso os de Ceará nos
enviassem suas tropas, tentar mobilizar o maior número possível de seus
vassalos; o rei Janduí escusou-se, porém, alegando que muitos de seus
combatentes haviam morrido de moléstia, no Sertão.
Na noite anterior a 27 de dezembro, o inimigo, servindo-se de uma
jangada, colocara duas bonecas com fogos de artifício, a bordo do navio
Zwaen. Logo, porém, que começaram a queimar, foram descobertas e
apagado o fogo sem causar dano algum à embarcação. O fato serviu,
entretanto, para que daí por diante se mantivesse uma vigilância cons
tante. Os portu
A 30 de dezembro, duas idênticas bonecas, encontradas em um pe gueses ten
queno bote junto ao Forte Bruin foram encaminhadas ao Conselho. Essa tam incen
diar os na
jangada, que sem dúvida fora para lá conduzida com o fim especial de vios holan
atar as bonecas aos navios, avistada pelas sentinelas, foi pelos seus deses.
ocupantes abandonada juntamente com as bonecas.
Em sua carta datada do Forte Margarida, na Paraíba a 30 de dezem
bro, e recebida a 31 (334), o Sr. De Linge dizia que certo negro deser
tado do inimigo em Santo-André declarara que os portugueses tinham
construído duas grandes barcas com capacidade para 300 homens cada
uma para com elas atacar o entrincheiramento de Pedro Potí, coman
dante dos brasileiros; que Camarão tinha se demorado cerca de três se
manas na Paraíba; que a tropa inimiga consistia em cêrca de 15 ou 16

(334) O tradutor inglês omitiu a data do re«ebimento da carta (cf. p. 158,


!•» col., 1.° § da ed. holandesa e p. 112, 1.° col., últ. § da trad inglêsa)
234 JOAN NIEUHOF

companhias, mas que havia muitos doentes por falta de recursos e que
tôdas as forças adversárias do Rio-Grande se haviam retirado.
A missão A 6 de janeiro de 1646, Pieter Bas, um dos membros do Grande
de Pieter Conselho, por ordem dêste, zarpou com duas caravelas — o Lichthart e o
Bas.
Recife — e uma barca denominada Blauwe Boer com destino às Capi
tanias de Paraíba e Rio-Grande. Levava instruções para consultar o
Sr. Linge, Comandante em Chefe da Paraíba e demais oficiais, sôbre a
maneira de pôr em boas condições de defesa os entrinchei ramentos e ou
tras obras dos brasileiros. Daí deveria ir para o Rio-Grande, onde faria
uma relação das propriedades de portugueses, as quais, por estarem
seus donos ligados aos rebeldes, deveriam reverter à Companhia. Cum-
pria-lhe também tentar recambiar para a Companhia as mercadorias que
pelo mesmo motivo se achassem escondidas ou sonegadas. Levava, ainda,
instruções no sentido de tomar tôdas as providências que julgasse con
veniente aos nossos interêsses, mas principalmente pela segurança da
Capitania. Assim, fora igualmente incumbido de exortar os habitantes
Informes a se consagrarem com firmeza ao cumprimento de seus deveres, sem des
sôbre as cuidar do cultivo da terra e da criação de gado.
intenções Pieter Duinkerken regressou à Paraíba a 12 de janeiro, depois de
do inimigo.
fazer um cruzeiro ao largo do Recife, no navio Hamel, trazendo uma car
ta do Sr. Linge, datada do Forte de Santa Margarida, a 11 de janeiro.
O Sr. Linge havia encaminhado ao Conselho o Sr. Pieter Steenhuizen,
que fugira ao inimigo quando êste iniciara a matança dos holandeses a
seu serviço. Êsse tal Steenhuizen trouxera notícias de que Camarão se
guira da Paraíba para o Rio-Grande, à frente de 500 soldados escolhidos,
para ocupar o interior da Capitania e assim impedir que as nossas guar
nições de lá recebessem gado e farinha. Informou também que o inimi
go já sofria escassez de carne, azeite, vinho, e outros gêneros mas, por
outro lado, o povo alardeava que, por falta de provisões, logo teríamos
que entregar os nossos fortes aos portugueses. Confirmada a informa
ção pelo Sr. Linge, em sua carta de 10 de janeiro, convocou-se um con
Conferên selho, a reúnir-se a 13 de janeiro, ao qual deveriam comparecer os Srs.
cia sobre Hendrik Hamel e Bullestrate, membros do Grande Conselho, o assessor
o caso. Walbeek, o Tenente-Coronel Garstman, os srs. Raets Vald, de Wit, Alrich
Volbergen e Lems, a-fim-de deliberar sôbre a situação. Considerou-se,
então, que, se o inimigo dominasse o interior e nos privasse do forneci
mento de gado e farinha do Rio-Grande, justamente numa ocasião em
que Itamaracá e Paraíba também estavam bloqueadas, ser-nos-ia quase
impossível manter a posse do Brasil Holandês, enquanto não chegassem da
Metrópole os socorros esperados. Discutiu-se, nessa reunião, se seria mais
fácil manter esta Capitania por meio de uma poderosa digressão ou se,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 235

ao contrário, seria melhor tentar a expulsão do inimigo. Sabendo-se,


porém, que o adversário estava tão forte, perto do Recife, na Paraíba e
em Itamaracá, a ponto de não se poder atacá-lo, nesses lugares, sem que
todo o Brasil Holandês corresse perigo iminente, resolveu-se que, para
tentar a libertação do Rio-Grande, se baixassem ordens ao Sr. Dortmont, Sua resolu
para que mandasse de Itamaracá para o Rio-Grande 60 soldados e 100 ção.
brasileiros sob o comando do Tenente Welderen, nas barcas especialmen
te remetidas para êsse fim. Na mesma ocasião determinou-se ao Sr. Lin-
ge, Comandante do forte Santa Margarida, na Paraíba, que enviasse
para o Rio-Grande igual número de homens sob o comando do Tenente
Bransma, a-fim-de encontrar com as demais forças. Tais tropas, com
postas de 120 soldados e 200 brasileiros, consideradas suficientes para
cercear os planos do inimigo no Rio-Grande, para lá zarparam a 19 de
janeiro.
Por carta de 15 de janeiro os srs. Dortmont e Willem Lambertsz co
municaram ao Conselho que haviam expedido um corpo de 60 soldados e
100 brasileiros até Aldeia, perto de Obú e daí para o Engenho Arari
pe (335), sem que encontrasse inimigo algum na região, a-pesar-de ter
sido a força alvejada por disparos de dentro do mato; por isso a tropa
regressara a Itamaracá, via Itapissuma.
Logo depois o Sr. Linge, por carta de 22 de janeiro, expedida do
forte Santa Margarida, na Paraíba, comunicou ao Conselho que Pedro
Potí com 150 brasileiros atacaram o inimigo — constante de 400 homens
Batidos os
— na Aldeia de Miageriba (336), matando 20 e ferindo muitos, com
portugueses.
perda de apenas um brasileiro.
A 29 de janeiro foi resolvido pelos Conselheiros Hamel e Bulles-
trate trazer para o pôrto do Recife os navios Elias, Orangeboom,
Deventer, Omlandia e Zwaen, onde deveriam ficar de prontidão para
qualquer eventualidade, caso o inimigo de novo aparecesse no mar.
Consoante sua carta escrita do Castelo de Keulen, no Rio-Grande,
a 23 de janeiro, ao Supremo e Secreto Conselho, devido a uma tempes-

(335) O engenho de Obú, situado no distrito de Araripe, pertencia a Fran


cisco Lugo Brito; o engenho Araripe de Baixo, sob a invocação cie Nossa Senho d°0'
pertencia a Francisco Lopes Osório; também existia o Araripe de Cima, sob a in
vocação do Bom Jesús, pertencendo ao mesmo Francisco Lopes Osório. Nieuhof não
precisa, aqui, qual dos dois Araripes. É preciso não confundir com o outro Araripe
de Cima, que pertencia a Gonçalo Novo de Lira e demorava em Iguassu (cf.
Breve Discurso, XV, n. 34. 1887, p. 155, e quanto ao segundo Araripe de Cima,
P- 152; nota 239).
(336) Nieuhof escreveu Magrebbe (p. 159, 2.a col.)- Pedro Potí era capitão
0& Aldeia Miageriba, na Assembléia dos índios reunidos em Itapesserica (cf. Souto
Maior, LXXXVIII, p. 416).
236 JOAN NIEUHOF

tade, o Sr. Bas não pôde desembarcar suas forças em Cunhaú a-fim-de
reuni-las às do Capitão Reinbergh. Só conseguiu efetuar o desembarque
nos dias 14 e 15 do mesmo mês, junto a Pirangí. Nesse ínterim, Ca
marão logrou romper através da Mata, e, surpreendendo várias pessoas
nas fazendas, massacrou-as, sem distinção de idade nem de sexo. Colo-
cou-se, depois, com suas forças compostas de 400 brancos, outros tantos
brasileiros e 80 tapuias sob o comando de Antônio Jácomo Bezerra, na
propriedade de Henrik van Hamme, situada em Monpebú com o propó
sito de interceptar nossos abastecimentos de gado e farinha. As forças
batavas, compostas de cêrca de 1000 soldados, brasileiros e tapuias, mar
charam para o sítio de João Lostão Navarro, a-fim-de atacar o inimigo e
forçá-lo a abandonar a Capitania do Rio-Grande. Além dessa tropa,
Jacob Rabbi e os filhos do rei Janduí com 60 tapuias passaram, a 19
daquele mês, pelo forte Keulen, sendo diariamente seguidos por outros que
vieram em nosso auxílio. O Sr. Bas solicitou o fornecimento de víveres,
de que estavam grandemente necessitados, pois havia cêrca de 1500 bra
sileiros, entre velhos, mulheres e crianças, alojados no Castelo. Pediu
também algum dinheiro, munições, linho e sedas com que presentear os
brasileiros e tapuias. Tudo isso lhe mandou o Conselho e mais algu
mas peças de fazenda vermelha.
Tomando em linha de conta êsse aviso, e sendo de recear que o ini
migo, não resistindo ao assalto no Rio-Grande, se retirasse para a Paraí
ba, ponderou-se, a 29 de janeiro, se seria aconselhável perseguí-lo, até a
Paraíba, caso êle para lá se dirigisse voluntàriamente ou impelido pelas
nossas tropas, tentando a seguir, desalojá-lo também daquela Capitania.
Entretanto, considerando que, dada a fraqueza de nossas guarnições, não
poderíamos mandar mais reforços do Recife, de Itamaracá ou da Paraí
ba, sem que as nossas tropas nesses lugares corressem grave risco; que,
ao contrário, ao inimigo não faltavam meios de reforçar as suas fileiras
com elementos das adjacências ; e mais, que esperávamos a qualquer mo
mento a chegada de socorros da Holanda, resolveu-se não arriscar, numa
emprêsa dessa ordem, todo o Brasil Holandês.
Expediram-se, por isso, instruções ao Sr. Bas e aos demais coman
dantes de nossas tropas, no sentido de agirem com todo o cuidado possí
vel, contentando-se com a recuperação da Capitania do Rio-Grande e não
perseguindo o inimigo até a Paraíba.
A 30 de abril (337), por ordem especial do Conselho, foi o Coronel
Garstman, pela segunda vez, enviado com alguma tropa para a Capitania

(337) O tradutor inglês escreveu 30 de março (cf. p. 160, 2.a col., 2." § da ed.
holandesa e p. 114, 1.° col., 2.° § da ed. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 237

do Rio-Grande, a-fim-de procurar saber se lá havia alguma força inimiga O Coronel


e qual o seu montante. Levava instruções para, tão logo tivesse infor Garstman é
mações sôbre o inimigo, reunisse tôdas as forças que pudesse e tentasse enviado ao
Rio-Grande.
impedir sua marcha. Se, porém, não se julgasse suficientemente forte
para lhe dar combate, que mandasse avisar o Conselho o mais de-pressa
possível, a-fim-de lhe serem remetidos reforços urgentes; e finalmente,
que tivesse todo o cuidado possível para que se não visse forçado a en
frentar o inimigo, antes da chegada de tais reforços. Caso encontrasse o
adversário já solidamente instalado e senhor da região, deveria concen
trar todo o seu cuidado na defesa do forte Keulen, bem como dos bra
sileiros, suas mulheres e filhos. E, desde que, estando o forte Keulen em
risco de ser atacado pelo inimigo, seria perigoso manter, abrigadas em
suas fortificações, mulheres e crianças, devido à possível falta de víveres,
foi-lhe cuidadosamente recomendado que as fizesse transportar com tempo
para algum lugar seguro, como Ceará, onde pudessem ser postas ao
abrigo do adversário. Garstman teve também instruções de, se possível,
quando de seu regresso para o Recife, examinasse, ao passar, as forti
ficações de Itamáracá e Paraíba, para informar o Conselho, sôbre o seu
estado.
Mas, voltando ao Sr. Bas. Dizia êle em sua carta de 30 de janeiro,
escrita do Forte Keulen, que o Capitão Reimbach e sua força tinham
atacado o inimigo diversas vezes forçando-o a se retirar de Monpebú e Os holande
Cunhaú para uma região pantanosa sem entretanto ter conseguido forçar ses atacam
as posições contrárias. Perdemos cêrca de 100 homens entre mortos e sem sucesso.
feridos e as nossas forças se retiraram para a casa de João Lostão com
ordem de obter algum gado que já se tornara bastante escasso pelas re
dondezas (338). As nossas forças vinham se alimentando quase que
exclusivamente de peixe, que apanhavam com auxílio de duas grandes
rêdes. Vinte e oito dos nossos feridos foram transportados para o Re
cife, na caravela Lichthart, juntamente com a notícia de que a-pesar-de ter
falhado o nosso ataque o inimigo se retirara para a Paraíba. O Sr. Bas
pedia também novas provisões de homens e munições a-fim-de perseguir

(338) O número de feridos varia muito em diversos cronistas. Em Calado


(XVII, p. 310 e 311), 74 holandeses mortos, 17 índios e 500 feridos, doa quais a
maioria morreu em caminho; do lado de Camarão, apenas 3 feridas. Rafael de
Jesus avalia em 115 mortos e no demais igual a Calado (XLIV, p. 447). Diogo
Lopes Santiago (LXXXII, p. 409-411) afirma que os índios de Camarão aproveita
ram da vitória para o abastecimento de armas e munições. Do lado holandês mor
reram o capitão comandante Reimbach, seu substituto Otto der Ville, e o sucessor
dêste no comando, Breentsma, que ficou ferido. Segundo Santiago e o Jornal de
Arnhem (XXIX, p. 125), o combate verificou-se a 27 de janeiro. Rio-Branco (LXXV,
p. 75), porém, assegura que se verificou a 26 de janeiro.

17

r
238 JOAN NIETJHOP

o adversário na Paraíba. Entretanto, a solução deste assunto foi defe


rida até que o Conselho recebesse novas notícias do Sr. Bas. A 7 de fe
vereiro, o Conselho resolveu, com aprovação do Tenente Almirante Li-
chthart, equipar os navios Hollandia e Zwaen, bem como o iate Vlught
e as caravelas Hamel, Bullestrate e Lichthart, para viagens de cruzeiro.
Informações A 11 de fevereiro, o Sr. Linge escreveu do forte Santa Margarida, na
do Sr. Paraíba, dizendo que, segundo o depoimento de um negro desertor, Ca-
Linge. marão tinha ido com tôdas as suas forças atacar os fortes da cidade de
Paraíba. O Conselho respondeu, imediatamente, dando as instruções
que julgou necessárias e despachou uma embarcação especialmente para
' levar a carta. Outro correio, enviado pelo Sr. Bas do Rio-Grande, infor
mou o Conselho de que êle ainda estava acampado com sua tropa junto
à propriedade de João Lostão, onde só a custo conseguia obter provisões;
o inimigo ainda estava em Mamanguape, vigiando todos os caminhos do
interior; êle (o Sr. Bas) havia despachado diversos espiões ar ver se con
seguia notícias sôbre a situação exata do inimigo.
A 17 de fevereiro o Zwaen e a caravela Bullestrate tiveram ordem
de partida; a 18 zarpou também, com idêntica missão, o iate Vlught e o
navio Hollandia a 20. Largou, ainda, nesse mesmo dia o navio Over-Yssel,
com o fim de patrulhar a costa da Paraíba.
A 21 de fevereiro os Conselheiros Hamel e Bullestrate receberam
comunicação do Sr. Linge, datada do forte Santa Margarida, a 18 do
mesmo mês, dizendo que nenhuma notícia mais tivera do inimigo. En
tretanto, queria que as forças enviadas ao Rio-Grande regressassem o
mais ràpidamente possível, para que pudesse empregá-las na defesa de
Destaca seus fortes, em caso de ataque. A 24 de fevereiro, despachou-se um desta
mentos camento sob o comando dos capitães Killiaen Snijden e Klaes Klaesz, em
despacha direção à ilha de Barreta, a-fim-de escoltar alguns prisioneiros, sem que,
dos sem entretanto encontrasse, no trajeto, pessoa alguma a não ser um homem,
resultado.
isso mesmo a grande distância. Outro destacamento que se dirigira para
Olinda e Braço de São Tiago teve sorte idêntica, pois o inimigo só apa
receu a distância considerável quando nossa força já voltava para o for
te Bruin. A 27 de janeiro (339) o adversário surgiu, numeroso, em
Salinas, mas, recebido a tiros de peça pelo forte Bruin, retirou-se sem
nada tentar.
Nesse ínterim, conforme carta do Sr. Linge, datada de 2 de março,
Notícias da três barcaças carregadas de soldados aportaram à Paraíba, procedentes
Paraíba. do Rio-Grande, de maneira que o restante das forças sob o comando do

(339) O tradutor inglês escreveu 27 de fevereiro (cf. p. 162, l.a col., 3.° § da
ed. holandesa e p. 115, 1.» col. 1." § da ed. inglêsa).
r
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 239

Sr. Pieter Bas, composta de 500 homens, poderia ser esperado no Reci
fe a qualquer momento. Informava ainda o Sr. Linge que não havia
avistado o inimigo ultimamente, mas, ciente de que em um vale, próximo
à Aldeia ou à vila de Miageriba, se achava acampada numerosa tropa,
para lá enviara 120 soldados e 100 brasileiros a-fim-de atacá-la e trazer
alguns prisioneiros. Com efeito, a 4 de março, chegava Bas ao Recife
com sua tropa, composta de 500 homens, procedente do Rio-Grande, e,
no dia seguinte, deu contas ao Conselho de sua expedição.
Na noite de 9 de março, três corpos inimigos surgiram junto ao Diversas
forte Príncipe Guilherme e dispararam diversas salvas de armas peque- escaram»-
nas. Entretanto, ante a pronta resposta de nossa artilharia, retiraram-se ças-
imediatamente. No mesmo dia despachou-se um destacamento de 50
homens sob o comando do Tenente Mos a-fim-de colher informações.
Tendo, porém, encontrado duas companhias inimigas, feriu-se vigoroso
embate após o qual as nossas forças se retiraram, para o forte Waerden-
burgh, sem grandes perdas, e o inimigo foi forçado a fugir ante as nos
sas descargas de artilharia. Por carta de 8 de março, datada do forte
Santa Margarida, na Paraíba, o Sr. Linge transmitiu ao Conselho a má
notícia de que, no Rio-Grande, o inimigo havia, por meio de uma retirada
simulada, atraído o Tenente Jan de Wale, com 48 soldados, a uma em
boscada, onde se perderam 30 homens, conquanto, pelo que informaram al
guns desertores que tomaram parte no encontro, também o inimigo ti
vesse sofrido pesadas baixas. Nesse combate estiveram presentes Cama
rão, André Vidal e outros oficiais portugueses. Mais ou menos na mesma
ocasião, 15 brasileiros surpreenderam cinco homens, seis mulheres e oito
crianças num entrincheiramento denominado Papecú e situado sete ho
ras (340) acima de Iguarassú.
Entrementes, os tapuias, que costumam descer das montanhas às cen
tenas, mais ou menos pelos meados do verão, atacaram a Capitania do
Rio-Grande, e, depois de se apoderarem de todos os animais que pude
ram encontrar, voltaram para suas tabas. O regresso dos índios foi
ótimo para nós, pois, sem nossas guarnições, não nos seria possível sub
sistir lá. Escasseando dia a dia as provisões do Recife, o Conselho de
cidiu a 6 de março mandar para Itamaracá os brasileiros engajados no
Rio-Grande, juntamente com uma companhia de fuzileiros, a-fim-de
transportar as reservas dos nossos armazéns e conseguir um pouco de
mandioca na ilha. Apresentaram-se então ao Conselho, os Majores Ba-
yert e Pistor para dizer que tendo tido conhecimento de que o povo co
meçava a murmurar contra o fato de se acharem êles em casa, a pretêxto

(340) O tradutor inglês escreveu 7 léguas, quando se trata de 7 horas. (Cf.


P. 162, 2.a col., 3 ° § da ed. hol. e p. 115, 2.a col., 1.° § da ed. inglêsa) .
240 JOAN NIEUHOF

Propostas de guarnecer os fortes — para cujo fim constava que o Almirante


para sair Lichthart havia oferecido 300 -homens, .— vinham oferecer seus
a campo.
serviços, declarando estar prontos para sair a campo com as poucas for
ças que lhes restavam das guarnições. Protestaram, ao mesmo tempo,
os oficiais não concordarem com a decisão aprovada dias antes, no sen
tido de que, devido à pequena força de que dispunham, a emprêsa seria
arriscada e não teria utilidade no sentido de trazer provisões para o Re
cife. Interrogado o Almirante Lichthart sôbre se havia feito qualquer
oferta dêsse gênero, declarou êle nada haver dito a êsse respeito e que
os seus navios estavam tão mal guarnecidos que jamais poderia dispen
sar homens para qualquer outra finalidade.
Na noite anterior a 13 de março, o inimigo apareceu do outro lado
do rio e sôbre o dique que conduz ao forte Bruin, até ao tribunal, descar
regando seus mosquetes e bacamartes e arcabuzes contra as sentinelas;
Os portu entretanto, à primeira salva dos nossos canhões êle se retirou. Fato
gueses ata idêntico ocorreu no forte dos Afogados. Nessa mesma noite, entre nove
cam um
forte de e dez horas, o inimigo desfechou um ataque contra a fortificação de ma
madeira deira, para defesa da planície, situada entre o forte dos Afogados e o
perto do Quinquangular. A investida durou uma hora. Os portugueses cortaram
Recife. parte da paliçada e tentaram amontoar, junto a ela, mato sêco a-fim-de a
incendiar; não o conseguiram, entretanto, sendo forçados a se retirar
com perda de alguns homens. De nosso lado tivemos dois mortos e qua
tro ou cinco feridos, entre os quais o Tenente Kaspar Ferdinandes van
Grol, que recebeu dois ferimentos graves. Na manhã seguinte foram re
paradas as estacadas estragadas, e deu-se ordem para a construção de
outra por fora da primeira, colocando-se ainda tôda a sorte de
obstáculos de permeio. No dia 17 de março a barca Paraíba procedente
de Ceará trouxe a informação de que os brasileiros tinham se deslocado
daquela localidade para Camocim, tendo recusado seguir para o Ric-Gran-
de, de receio que lhes fossem pedidas contas pelo assassínio de diversas
pessoas anteriormente cometido por êles.
Pela mesma condução, o Sr. Linge mandou aviso, datado de 14 de
março, de que o inimigo tinha aparecido em grande número perto da
fortaleza do Norte, mas já se havia retirado e que nada poderia dizer
com respeito ao Rio-Grande e a Santo-André. Os portugueses estraga
ram todos os mandiocais da Aldeia de Mirageriba e adjacências, de maneira
que, tendo de abastecer os brasileiros com as reservas armazenadas, Lin
ge pedia uma remessa de vinho e óleo. Despachou-se imediatamente
uma comunicação a Dortmont, Comandante em Chefe de Itamaracá, jun
tamente com alguma munição e 1000 florins em dinheiro. Também
para Linge, na Paraíba, remetemos idêntica importância em dinheiro,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 241

uma barrica com aveia, uma pipa de vinho, um barril com óleo e outra
com ervilhas sêcas, além de boa quantidade de munições. Dortmont
teve, também, ordem de remeter os brasileiros de volta ao Rio-Grande
para defender a Capitania e saber se o inimigo tinha para lá se dirigido, Boa remes
a-fim-de que se pudessem sustar os seus passos. sa de man
Enquanto isso o Almirante Lichthart (de conformidade com sua dioca trazi
da para
carta de 21 de março, para o Conselho) embarcara alguns soldados e Itamaracá.
brasileiros em Itamaracá, e, dirigindo-se à desembocadura setentrional
do rio, subiu-o até a ilha do Itapessoca (341), de onde conseguiu trazer
grande quantidade de mandioca para consumo dos brasileiros, em Itama
racá, e para abastecer os armazéns da ilha. Navios
A 30 de março, foi resolvido, com a aprovação do Almirante Lich despachados
thart, despachar os seguintes navios em cruzeiro ao largo da Baía: o em cruzeiro.
Vlissingen, o Ter Veer e os iates Hazewint, Heemstee, Spreeuw e Bui-
lestrate. A 6 de abril despacharam-se, em idêntica missão, ao largo de
Santo Agostinho as caravelas Hamel e Lichthart seguidas dos navios Zoe-
telandia e Vlucht que zarparam a 10 de abril.
A 31 de março, o Conselho recebeu cartas do Rio-Grande, datadas de
25 de março, informando que Paulo da Cunha e Camarão entraram em
Cunhaú com 800 homens, entre os quais havia 300 mosqueteiros, a-fim-de Notícias
levar para Paraíba todo o gado do lugar. do Coronel
Entretanto, de acordo com as cartas dirigidas ao Conselho pelo Co Garstman.
ronel Garstman, datadas de 4 de abril, o inimigo já havia abandonado o
Rio-Grande, sem nada fazer contra as nossas forças que consistiam em
30 ou 40 soldados e 200 ou 300 brasileiros (342) acampados junto à casa
de João Lostão; levou, porém, algum gado.
Mais ou menos pela mesma ocasião, o Conselho recebeu comunica
ção do Sr. Linge de que o inimigo tinha dado vários alarmes falsos junto
ao forte, sem, entretanto, tentar ação alguma. De fato, em junho, não Jacob Rabbi
mais apareceu pelas adjacências. traiçoeira
À meia-noite de 5 de abril de 1646, Jacob Rabbi foi traiçoeiramente mente
assassinado com dois tiros, perto de Potengí, a cêrca de três horas (343) morto.

(341) Nieuhof escreveu Tapesoque. Vingbooms (XCVII, vol. II, mapa refe-
xente a Itamaracá).
(342) O tradutor inglês escreveu 400 soldados e 300 brasileiros (cf. p. 164,
2° col. 2.° § da ed. holandesa e p. 116, 2.° col. 3." § da ed. inglêsa).
(343) O tradutor inglês escreveu 3 léguas ao invés de 3 horas. (cf. p. 164,
2.» col., 4." § da ed. holandesa e p. 116, 2.a col., 5." § da trad. inglêsa). A data,
secundo Alfredo de Carvalho, é 4 de abril. For evidente equivoco, no trabalho de
Alfredo de Carvalho está escrito 1647, tanto na edição da Rev. do Inst Arqu. e Geog.
Pern., 1912, vol. XIV, p. 657-667, (Um intérprete dos tapuias), como na edição
póstuma dirigida pelo Dr. Eduardo Tavares, sob o título "Aventuras e Aventureiros
no Brasil", Pongetti, 1930, coleção de vários trabalhos de Alfredo de Carvalho, entre
242 JOAN NIEUHOF

do Castelo de Potengí por instigação do Tenente-Coronel Garstman, quan


do regressava da casa de um tal Jan Muller, onde fora recebido essa noi
te em companhia daquele oficial. Conforme revelara a amigos seus,
havia já tempo que Rabbi suspeitava da traição de Garstman e, justamente
por êsse motivo, estava de partida para o Rio-Grande a-fim-de se refu
giar entre os tapuias. O Conselho chocou-se profundamente com essa
vilania, porque Jacob Rabbi era casado com uma brasileira e gozava de
grande estima entre os tapuias, sendo, pois, de se recear que o crime fizes
se com que tanto os tapuias como os brasileiros se revoltassem contra nós
Prisão de (344) . Por causa disso, Garstman foi prêso sob custódia, por ordem dos
Garstman. Altos Comissários da Justiça e Finanças aos 24 de abril e foi conduzido ao
navio Hollandia. Entretanto, o Major Bayert, ficaria no pôsto de Garst
man, Jacob Rabbi, outrora, fora encarregado de estar no meio dos tapuias,
comissionado pela Companhia, para manter os tapuias em amizade e boas
disposições para com êste govêrno; assim como êle já os tinha, por várias
vêzes, conduzido das montanhas (onde êles habitavam), em nosso auxí
lio. Êle morava no Rio-Grande, no forte Keulen, e era casado com uma
brasileira, embora fosse de ascendência alemã. Garstman voltou ao Re
cife no dia 19 e relatou aos Altos Comissários os seus feitos (345). Kas-

os quais "Um intérprete dos tapuias". Existe, também, uma separata, Recife, 1912,
17 pp-, 4.°. Na ed. de Aventuras e Aventureiros juntou-se o inquérito mandado
realizar pelo Supremo Conselho sôbre o assassinato de Jacob Rabbi (p. 177-204),
traduzido, também, por Alfredo de Carvalho, onde a data dos vários depoimentos é
1646. Moreau (LIX, p. 129-133) relata o caso e os protestos dos tapuias, mas não
precisa o dia. O Jornal de Arnhem (XXIX, p. 186, 187, 193) refere-se à chegada
de Garstman a Maurícia, aos protestos dos tapuias e a movimentos de soldados, com
o fito de libertar ou enforcar Garstman.

(344) Êste trecho de Nieuhof vem mostrar-nos que os holandeses distinguiam


entre brasileiros e tapuias. Aliás, já antes de Nieuhof, Marcgrave (LXX, p. 268)
distinguira entre os indígenas brasileiros — Os Tupinambás, Tabajaras, Petiguaras
e Tapuias — e entre estes diversos grupos. Os tapuias foram os mais estudados,
porque aliaram-se aos holandeses. Os Tupinambás, Tabajaras e Petiguaras são
tupis (cf. Estêvão Pinto, LXIX, p. 148; Rodolfo Garcia, XXXVII, p. 249); enquanto
que os tapuias janduís são carirís (id., XXXVII, p. 262 e LXIX, p. 151). Barlaeus
também os diferençou (cf. VII, p. 132, onde descreve os brasileiros e p. 260 os ta
puias de Janduí). Várias características culturais servem-nos hoje, para diferen
çá-los. Assim: 1) o uso da rêde, própria dos tupis (XXXIV, p. 40 e LXIX, p. 126);
2) a agricultura atrasadíssima dos tapuias (XXXIV, p. 41). Baro, (IX, p. 273)
ao referir-se à rêde, distingue, também, os tapuias dos brasileiros, ao afirmar qae
os tapuias, menos delicados que os brasileiros, deitavam-se na própria terra ou em
árvores, enquanto que os brasileiros usavam rêdes. Paulo Ehrenreich (XXXIV, p.
40-42), ao estudar os retratos de índios brasileiros, demonstrou a diferença entre os
dois grupos tribais. José Higino, ao traduzir o Diário de Mattheus van den Broeck
(XVI, p. 9, nota 2), escreveu "Tapoyas ende Brazilianen. Parece-me que os indí
genas, que o autor designa com o nome de Brazilianen para distinguí-los dos Ta
puias, eram os caboclos ou índios Petiguaras".
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASEL 243

par Honighuizen, comandante dos brasileiros em Itamaracá, morto no


último encontro havido na ilha, foi a pedido daqueles substituído pelo
Sr. Vicent van Drillenbergh, por nomeação do Conselho.
A 17 foram encaminhados ao Conselho alguns boletins distribuídos
pelo inimigo com o fito de desmoralizar nossa tropa. Em resposta, o
Conselho fêz publicar proclamações classificando de traidores os súditos
nossos que estavam a serviço do inimigo e exortando-os a retomar os
seus deveres. Decidiu também o Conselho dar a público cópia de uma car
ta dirigida pelo Rei, seu Senhor, aos Estados Gerais, em Haia, por inter
médio do Embaixador Português, e da respectiva resposta. Pois, uma
vez que o Rei de Portugal desaprovou a guerra e o procedimento de An
tônio Teles da Silva, enviando tropas para o Brasil Holandês, o Conselho
achava que assim abriria os olhos dos portugueses, para que estes não se
louvassem em vãs esperanças de auxílio proveniente de Portugal. Além
disso, esperava o Conselho semear a desconfiança entre êles e os coman
dantes portugueses da Baía.
A 24 de abril, duas companhias portuguesas comandadas pelo Capitão
Lourenço Carneiro e Pedro Cavalcanti, compostas de cêrca de 50 ho
mens (346) cada uma, partiram respectivamente de Várzea e de Olin
da, para Iguarassú. Encabeçavam essa força André Vidal e Hoogs-
traeten em pessoa, que foram informados de que o Almirante Lichthart
e Jan Klaesz haviam se dirigido a Itamaracá a-fim-de conseguir provisões
de mandioca. A 25 de abril, quando saíam de Iguarassú, certo cirurgião
alemão chamado Kristoffel Mars — que anteriormente foi por êles feito
prisioneiro — atrasando-se um pouco foi surpreendido por uma de nos Um tal
Mars feito
sas patrulhas, próximo a Itapissuma. Interrogado pelo Assessor Wal- prisioneira.
beek declarou que não muito tempo antes estavfrm aquarteladas em
Barreta, nos engenhos de Bierboom e Brito, nove companhias inimigas,
cada uma composta de 40 ou 50 homens, sem as tropas que estavam na
Seu depoi
Várzea. Que nas Salinas havia mais cinco companhias de igual número
mento.
de soldados, além de Henrique Dias com 200 mulatos e negros, acantona
dos em casa de Kaspar Kox. Disse, ainda, o cirurgião, que depois que
Klaes Klaesz voltara para o nosso lado com sua tropa, Martim Soares
Moreno havia feito executar uma companhia da milícia nacional, no

(345) O texto desde "Por causa disso..." até "... os >eus feitos" foi tradu
zido diretamente do holandês. Além de omissões, contém erros como o de escrever
24 de março ao invés de 24 de abril. (cf. p. 164, 2.a col. e 165, 1.» col. da ed. holan
desa e p. 116, 2.a col. da ed. inglêsa).
(346) O tradutor inglês escreveu 40 homens (cf- p. 165, 2.a col., 2." § da ed.
holandesa e p. 117, 1.» col., 3.° § da trad. inglêsa).
244 JOAN NIEUHOF

caminho da Baía, dentro da mata de Tabatinga, situada entre Sibiró


(347) e Deriba, 260 holandeses, tanto soldados como voluntários (entre
os quais cinco ou seis mulheres e duas crianças) (348), além dos que fo
ram mortos por sua ordem em outros lugares, num total de 300 pessoas.
Por essa época começou-se a sentir grande escassez de carne no Re
cife, e, a-pesar-disso, as guarnições das fortificações externas, bem como
os brasileiros de Itamaracá, suas mulheres e filhos, tinham que ser abas
tecidos pela Capital. A mandioca existente ou fora totalmente apreendi
Os holande da pelos nossos ou destruída pelo inimigo na ilha de Itamaracá. A-fim-de
ses saem à suprir essa urgente necessidade, o Conselho resolveu mandar um destaca
procura de
farinha, mas mento de 400 homens em barcas, para São Lourenço-da-Praia, ou Tejuco-
sem sucesso. papo, a-fim-de trazer farinha ou mandioca de lá. Êsse destacamento foi
composto da seguinte forma:

Da Companhia comandada pelo Capitão Klaes Klaesz 9 homens;


Do forte Quinquangular 25
Do forte dos Afogados 25
De Itamaracá (349), sob o Comando do Capitão Wíllem
Lambertsz 50
Voluntários de Itamaracá 30
Brasileiros 150

A 29 de abril, o Conselho foi informado por carta, de Itamaracá, que


a nossa força expedicionária havia expulsado o inimigo de dois ou três
entrincheiramentos e que, tendo concentrado suas forças retirantes em
outra fortificação cercada por um fosso, foi êle aí igualmente atacado
com grande vigor pelas nossas tropas, que, entretanto, foram forçadas a
retirar-se com perda de 17 mortos e 26 feridos entre os quais o Capitão
Willem Lambertsz e 2 tenentes. Também o inimigo (350) teve vários
mortos. Portanto, desejando o Sr. Dortmont, Comandante em Chefe de
Itamaracá, reabastecer de farinha os seus armazéns, quase vazios, o Con
selho para lá remeteu 20 barricas desse gênero, duas de aveia, duas de

(347) Havia, no século XVII, vários engenhos denominados Sibiró. Assim,


existia em Serinhaém o Sibiró de Baixo; em Ipojuca, o Sibiró de Baixo e o Sibiró
de Cima. (cf. Diário ou Breve Discurso, XV, p. 143, 145).
(348) O tradutor inglês omitiu "tanto soldados como voluntários" e escreveu
seis mulheres (cf. p. 165, 2.» col. últ. § da ed. holandesa e p. 117, 2.» col. 2." § da
ed. inglêsa).
(349) O tradutor inglês omitiu Itamaracá (cf. p. 166, l.a col., 3.° § da ed.
holandesa e p. 117, 2.» col. 4.° § da ed. inglêsa).
(350) O tradutor inglês escreveu 10 mortos e omitiu entre os feridos dois te
nentes (cf. p. 166, 1.» col. 4.° § da ed. holandesa e p. 117, 2.» col. últ. § da ed.
inglêsa) .
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 245

ervilhas secas, uma pipa de vinho, aguardente e 1000 florins em dinheiro


para os brasileiros.
A 3 de maio, o Conselho recebeu aviso do Diretor Dortmont, de Ita-
maracá, por carta da véspera, que o inimigo havia apreendido 6 negros,
do Sr. Seulijn, quatro de propriedade da Companhia e mais quatro de
particulares (351) e que os brasileiros, desmoralizados pela intriga, se
haviam retirado para as matas, recusando-se a se reunir novamente à
nossa tropa, a-pesar-de convocados por duas vêzes. Dizia, finalmente,
que, enviado o Sr. Apprisius, Pastor dos brasileiros, para reconduzi-los
ao dever, quer fosse por meios suasórios, quer por meio de ameaças,
conseguiu êle com sua argumentação, demover os 25 amotinados (352), Abafado um
trazendo-os pacificamente de volta e alegando, em sua defesa, que foram motim de
brasileiros.
obrigados a procurar as selvas, devido à escassez de alimentação. Pediu
então o Sr. Dortmont novos abastecimentos para os seus depósitos, uma
pessoa que dispusesse de autoridade para auxiliá-lo e a substituição da
companhia sob o comando do Capitão Van Vosterman, cujos homens es
tavam inclinados a se revoltarem.
Para resolver todas essas' dificuldades, foi decidido a 3 de maio (353) ,
que se despachasse imediatamente para lá o Sr. Bullestrate, membro O Sr. Bul
do Grande Conselho, com a missão de combinar com determinados parti lestrate
enviado
culares o fornecimento de peixe à guarnição, bem como de tomar qual
para
quer outra providência que julgasse conveniente para os interesses da Itamaracá.
Companhia.
O Sr. Bullestrate partiu a 4 de maio na fragata Hazewint e no
mesmo dia à tarde chegou a Itamaracá, de onde regressou ao Recife
a 10 daquele mês, depois de se ter desempenhado de sua missão. O Sr.
Bullestrate fêz ao Conselho o seguinte relato de seu trabalho: Inspe- Dá conta de
cionara a cidade de Schkoppe e o forte de Orange, tendo ordenado o re sua missão.
forço de ambos. Determinara igualmente a fortificação com paliçadas,
da velha casa de pedras, que era antigamente a Casa do Conselho, a-fim-
-de evitar qualquer ataque de surprêsa. Convocara todos os comandan
tes dos brasileiros e lhes assegurara que estávamos esperando, a qual
quer momento, poderosos reforços provenientes da Holanda, tendo-os
exortado a se manterem firmes em seus postos e a velarem pela discipli
na de seus comandados.

(351) O tradutor foi infiel neste trecho, (cf. p. 166, 2.a col., 2.° § da ed.
holandesa e p. 118, l.» col. l.° § da trad. inglêsa).
(352) O tradutor inglês omitiu o número de brasileiros amotinados. (Cf. p.
166, 2.° col. 2.° § da ed. holandesa e p. 118, 1.° col. 2.° § da trad. inglêsa).
(353) O tradutor inglês omitiu a data. (cf. p. 166, 2.a col. últ. Ç da ed. hol.
e d. 118, 1.° col. 2.° § da trad. inglêsa).
246 JOAN NIEUHOF

Presenteara, ainda, os comandantes com fazendas e os demais com


vinho e dinheiro, que aceitaram prazeirosamente. De passagem, vi
sitara a fazenda de Konraed Pauli onde encontrara cêrca de 160 co
queiros abatidos pelos brasileiros que, acossados pela fome, lançaram
mão dos cocos. O mesmo fizeram em diversos outros lugares. Disse
ainda o Sr. Bullestrate, que havia tentado contratar, com diversos par
ticulares, o fornecimento de pescado para o Recife, mas não o conse
guira, pois ninguém se dispusera a aceitar a encomenda, alegando que,
tendo os negros fugidos ou sido apanhados pelo inimigo, não mais podiam
pescar, e o pouco que apanhavam, vendiam prontamente na ilha, sem
despesa de sal e de transporte. O Sr. Bullestrate propôs, também, ao
regedor dos brasileiros, fornecer-lhes, de futuro, dinheiro ao invés de fa
rinha e três rêdes com que pescar para seu consumo próprio; ao que o
comandante respondeu que ia consultar sua gente, tendo-lhe dado espe
ranças de aceitar a oferta.
A-fim-de remediar a escassez de víveres, que se acentuava cada dia
mais em Itamaracá, Paraíba, Rio-Grande e Recife, — já que se as espe
radas remessas da Holanda não chegavam e estávamos bloqueados por ter
Desenvolvi ra — julgou-se conveniente estimular o mais possível a indústria da pesca.
mento da Com êsse fito em mira, dois membros do Conselho — Srs. Hamel e Bas
pesca.
— tiveram ordem, a 7 de maio, de comprar todo o fio de rêde que pudessem
encontrar, o que muito nos serviu mais tarde.
João Vieira Em princípio de maio (354), certo português criminoso de morte em
acusado de Angola, e refugiado no Recife, acusara João Vieira d'Alagoas, sendo êste
traição.
detido.
Êsse português declarou que o dito Vieira lhe havia entregue certo
pergaminho, escrito em linguagem cifrada, bem como uma caixa contendo
diversos outros papéis, para serem entregues ao inimigo, papéis êsses que
exibiu ao Conselho. Rejeitando sua culpabilidade, João Vieira foi sub
metido à tortura. Negou sempre, até que, encontrando-se entre os papéis
a chave do código, as cartas foram decifradas por um judeu. Nelas o
autor fazia, ao inimigo, completo relato de nossa situação e dava instru
ções para a conquista do Recife. Vendo-se descoberto, o acusado confes
Sua sou que havia escrito e entregue êsses papéis cifrados ao português, sendo
execução. por isso executado a 29 de maio.

(354) O tradutor inglês omitiu a data. (cf. p. 167, 2.a col-, 3." § da ed. hol.
e p. 118, 2.» col. 3." § da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 247

Visto (355) que os mantimentos dos armazéns se tornavam escassos


e o racionamento continuava em vigor, e dentro de algumas semanas aca
bariam os suprimentos- de farinha e carne, ficou resolvido, a 9 de maio,
pelos Altos Comissários Hamel e Bas (porque nem o pão nem batata po Ração
diam ser diminuídos sem que os soldados se revoltassem — e a carne, na de
pão.
quela época, podia ser poupada, porque se pegava muito peixe) , que se fi
zesse uma proposta aos Majores Bayert e Pistor de dar a cada soldado
6 soldos em dinheiro, em lugar de uma libra de carne, a razão fixada,
a-fim-de que, dêste modo, havendo, ainda, uma certa provisão de carne, se
mantivessem melhor os soldados. Os Majores, convencidos da necessidade
dessa medida, concordaram em fazer todo o possível para que a comida se
tornasse agradável e em dar-lhes 6 soldos em dinheiro, em lugar de uma
libra de carne.
E como a carestia se tornasse cada vez maior e os socorros continuas
sem a faltar, pelo que ficaram privados de tudo, resolveu-se, no dia se
guinte, fazer o pão à razão de uma libra por semana, em lugar de uma
libra e meia; e que cada burguês, assim como os Altos Comissários e
todas as pessoas ao serviço da Companhia só receberiam dois pães por
semana ; também os marinheiros só receberiam duas libras por semana, da
mesma forma que os capitães, tenentes e os porta-bandeiras ; mas todos os
soldados, bem como os sargentos, receberiam três libras como ração.
A 5 de maio (356) , o Sr. Linge comunicou, do Forte Santa Margarida,
na Paraíba, que o inimigo nada havia tentado contra os fortes e que um
destacamento de brasileiros se dirigira para Tapoa, na esperança de con
seguir prisioneiros. Mais ou menos ao mesmo tempo o Conselho recebeu
informação de que o Coronel Garstman, sem ordem daquele órgão adminis Garstman
convoca os
trativo, havia tentado, por meio de presentes, atrair os tapuias ao Rio-
tapuias sem
-Grande, sob pretêxto de mantê-los à-mão a-fim-de organizar uma confe ordem.
deração com os novos conselheiros esperados da Holanda. O Conselho
surpreendeu-se profundamente com êsse fato, pois a entrada dos tapuias
naquela Capitania iria privá-lo de considerável soma de abastecimentos de
lá provenientes. O Conselho mandou, por isso, recado a Roelof Baro para
não poupar esforços no sentido de reconduzir os tapuias às suas aldeias,
por meios suasórios, e que se êles quisessem enviar ao Recife alguns de
seus chefes, aí lhes seriam dadas tôdas as satisfações possíveis pelo assas-

(355) Êste trecho, . devido a omissões e lapsos foi traduzido diretamente do


holandês desde: "Visto que os mantimentos. . . " até "... receberiam três libras como
ração", (cf. p. 168, l.a col., 3.° e 4 o §§ da ed. holandesa e p. 119, l.a col. da trad.
inglesa) .
(356) O tradutor inglês escreveu 1.° de Maio (cf. p. 168, l.a col-, 1.° § da ed.
holandesa e p. 119, 1.» col. 2.° § da trad. inglêsa).
248 JOAN líIEUHOF

sínio de Jacob Rabbi. E, para mais conquistar as boas graças de Baro, o


Conselho enviou-lhe presentes de vinho, aguardente e quinquilharias de
Nuremberger, pois, à vista da situação, tornava-se absolutamente necessá
A impor rio que mantivéssemos o domínio do Rio-Grande, até a vinda dos socorros
tância do da Holanda. O grande número de brasileiros recolhidos a Itamaracá con
Rio-Grande sumiu tôda a sorte de víveres lá existentes, de tal forma que não só aquela
para os
holandeses. ilha não mais podia remeter provisões para o Recife, mas, ainda, a maioria
das mulheres e crianças de lá tinha que se valer das reservas acumuladas
nos celeiros. O Rio-Grande era, portanto, a única região de onde se rece
biam quantidades ponderáveis de farinha e gado que minoravam em parte
a escassez de gêneros reinante no Recife, cujo estado sanitário só devido
à orientação prudente do Conselho podia ser mantido em situação pas-
sável, enquanto não chegavam os socorros provenientes da Metrópole. De
outra forma teria sido humanamente impossível conseguir êsse estado de
coisas. E, sem dúvida, o Rio-Grande teria conseguido fornecer ainda por
muito tempo as guarnições do Sul, se não fosse o acidente que passamos a
narrar.
Detidos pelo inverno e pelos ventos contrários os socorros procedentes
da Holanda, os brasileiros de Goiana, que com suas mulheres e filhos se
haviam refugiado em Itamaracá, ficaram reduzidos à extrema penúria
por falta de alimentos. Depois de terem consumido tudo quanto a ilha
lhes poderia proporcionar para sua subsistência e com todos os caminhos
de terra interrompidos pelo inimigo, não dispunham de outros recursos
que não os provenientes dos armazéns. Estes, porém, estavam de tal ma
neira vazios que cada cidadão só tinha direito a uma libra de pão por
semana (e mesmo assim não tinham suprimento para mais que duas se
manas). À vista disso, o Conselho viu-se obrigado a propor aos brasi
leiros que se retirassem com suas mulheres e filhos (1200 ao todo) para
o Rio-Grande, onde poderiam subsistir por algum tempo com os recursos
da região. Nesse sentido, escreveu o Conselho ao Sr. Dortmont a 1.° de
maio e mandou para Itamaracá o Sr. Walbeek em pessoa, a-fim-de per
suadir os brasileiros a remeterem pelo menos 500 ou 600 (357) mulheres
e crianças, acompanhadas por alguns homens, para Ceará e Rio-Grande.
Era de cêrca de 1500 o número de brasileiros refugiados na ilha, entre
homens, mulheres e crianças. Dentre esses, 500 estavam em condições
de tomar armas sob o comando de Kaspar Honighuizen, mas sua alimen
tação consistia em uma única libra de pão por semana.

(357) O tradutor inglês escreveu 500 mulheres e crianças (cf. p. 169, L8 co!.
§ da ed. holandesa e p. 119, 2.° col. 2." § da ed. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 249

À vista da escassez de víveres, que se agravava a cada momento de Consultas


vido à demora dos socorros da Holanda, detidos além de qualquer espec- sobre a es
cassez de
tativa pelos ventos contrários, foi convocado um Conselho Geral para, provisões.
com a presença de três membros do Grande Conselho, Srs. Hendrik
Hamel, Bullestrate e Bas, além do Almirante Lichthart e os Majores
Bayert e o Pistor, discutir os seguintes pontos.
Em primeiro lugar, reputada inadiável a remessa dos brasileiros de
Itamaracá para o Rio-Grande, expediram-se ordens imediatas para se
aprestarem os necessários navios. Considerou-se, também, se não seria
possível reunir força suficiente das guarnições dos fortes para, juntamen
te com os brasileiros, atacar algum lugar de onde pudéssemos conseguir
abastecimento de farinha. A isso, porém, objetaram os Majores Bayert
e Pfstor, alegando que as guarnições não poderiam ser enfraquecidas
na mínima parcela, sem corrermos graves riscos. Além disso, seria mui
to difícil haver algum lugar onde se pudesse obter farinha, pois natu
ralmente o inimigo já a teria consumido, destruído ou transportado.
Assim, teríamos que expor os nossos homens a um risco certo sem pro
babilidade tangível de sucesso, pois, supondo que tudo corresse bem, a
quantidade de farinha que conseguiríamos não seria suficiente para man
ter nossas guarnições por tempo considerável. Concordou-se, entretan
to, em levantar uma relação minuciosa de todas as nossas guarnições,
a-fim-de ver se se poderia empreender alguma cousa no interesse do Es
tado. Tendo os Majores Bayert e Pistor apresentado ao Conselho, no
dia seguinte, uma lista dessas forças, concluíu-se não ser possível retirar
tropa alguma dos fortes, exceto do dos Afogados, onde, entretanto, era
pequena a guarnição. Ficou também resolvido, nessa ocasião, mandar o
Capitão Denniger, com sua Companhia e os brasileiros, para o Rio-
-Grande, tendo-se dado ordem para que o navio Omlandia e a fragata Ha-
zewint zarpassem imediatamente para Itamaracá a-fim-de os transpor
tar.
A 30 de maio o Conselho, o Almirante, e os dois Majores, reúni- No
ram-se novamente a-fim-de deliberar sôbre a possibilidade de atacar o debates so
inimigo e qual o ponto onde deveria ser desfechado o ataque. Contra bre a conve
êsse plano, alegou-se que a força principal se achava então na Várzea e niência de
atacar o
que, mesmo que assim não fosse, lá não se conseguiria farinha, porque
essa cidade recebia de longe os seus abastecimentos dêsse comestível;
que os campos onde se produzia farinha, mais próximos do Recife, es
tavam nas adjacências de São Lourenço, e a pelo menos cinco milhas de
distância. Para o lado do sul, as plantações mais próximas estavam per
to de Santo-Antônio e Muribeca onde, dada a força do inimigo e a grande
distância que teríamos de percorrer, não havia probabilidade de conse-
250 JOAN NIEUHOF

guirmos o nosso intento. Ao norte, perto de Ingariba, as plantações de


mandioca estavam também tão afastadas do litoral, que de nada nos po
deriam valer. Considerou-se, também, se de Itamaracá não se poderiam
retirar algumas forças, mas concluíu-se pela negativa, pois, uma vez
que os brasileiros estavam prestes a partir para o Rio-Grande, não era
aconselhável expor ao perigo o restante de nossas tropas da ilha. Depois
de cuidadosa consideração sôbre que forças poderiam ser desviadas dos
fortes (essas mesmas devendo ser substituídas por civís), concluíu-se
que os Afogados poderiam fornecer entre 70 ou 80 homens, o Forte Quin-
quangular e a Cidade Maurícia igual número, e o forte de Antônio Vaz
cêrca de 50, ao todo uns 280 homens. Considerando, porém, que a Mi
lícia Municipal do Recife consistia de apenas 6 companhias da burguesia,
de 70 homens, ou no máximo 80, e que era obrigada a montar guarda
tôdas as noites (pois que a praça não dispunha de guarnição), se núme
ro considerável dêsses homens fosse empregado nos fortes, a capital fi
caria exposta a sério perigo, já que constituía o objetivo principal do
inimigo. Nem os marinheiros, que mal somavam 250, poderiam ser em
pregados nesse serviço, a menos que deixássemos os nossos navios des
guarnecidos e inativos. Assim é que, depois de apresentados vários argu
mentos de parte a parte, resolveu-se adotar o caminho mais seguro, e, de
acordo com as ordens do Conselho dos XIX, na Holanda, esperar com
paciência pelos socorros da Metrópole, procurando, enquanto isso, au
mentar a segurança dos nossos fortes.
No dia em que se tomavam essas deliberações, o Conselho recebeu
cartas do Sr. Walbeek, comunicando que alguns brasileiros de Itamaracá
haviam desertado, à vista do boato, que entre êles se divulgou, de que era
intenção abandoná-los à mercê dos portugueses. Isso produziu grande
consternação entre êles, mas o Sr. Dortmont conseguiu persuadi-los
do contrário. Nesse meio tempo o Sr. Welbeek e o Sr. Dortmont haviam
feito ver aos brasileiros que, sendo êles numerosos, e, por isso mesmo,
muito mal providos de tudo, nessa conjuntura, seria melhor que fossem
Os brasilei para o Rio-Grande, por algum tempo. A princípio mostraram-se con
ros resol- trarios à idéia, pelo receio de que nós os abandonássemos. Todavia,
rem deixar
não só à vista da necessidade urgente em que se achavam de prover o seu
Itamaracá.
sustento, como também para demonstrar acatamento às ordens do O
vêrno, resolveram êles partir para o Rio-Grande, contanto que se lhes
fornecesse transporte adequado, víveres, alguma munição para sua de
fesa e 50 homens de tropa regular. Atendendo a novo pedido do Sr.
Dortmont, remeteram-se-lhe imediatamente algumas provisões (o sufi
ciente para 14 dias) bem como pólvora, mechas, e outras munições.


MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 251

Assim foi que, para mais de 1200 brasileiros, em sua maioria mulhe
res e crianças, cujos maridos e pais foram mortos em defesa da nossa
causa, embarcaram a bordo do navio Omlandia e de alguns iates, com a
ração de uma libra de bacalhau salgado, por pessoa, sem pão, durante a
viagem, de Itamaracá ao Rio-Grande. Quando lá chegaram tal era o
abatimento em que se achavam, que mais pareciam cadáveres que viven
tes. Atiravam-se avidamente a tudo quando encontravam na ânsia de
satisfazer seus estômagos famintos, e, dentro de pouco tempo, tinham
consumido tôda a farinha lá existente.
Em cartas de 2 e 5 (358) de junho, comunicou o Sr. Linge aò Con
selho que por essa época não se via o inimigo na Paraíba, mas, que dez
tapuias, vassalos do rei Janduí, chegados ao Rio-Grande, mostravam-se
muito aborrecidos com o assassinato de Jacob Rabbi, pelo que se decidiu
reconquistar as boas graças daquele rei para com nossa causa, presentean-
do-o com o seguinte:

200 florins em dinheiro corrente, Presentes


1000 varas de linho Osnabrugh, ao rei
400 canadas de vinho espanhol, Janduí.
2 barris de aguardente,
2 galões de óleo,
1 moio de vinagre e
uma barrica contendo carne (359).

Os brasileiros das guarnições dos fortes Bruin, Quinquangular e Os brasilei


outros, aborrecidos por estarem detidos há mais de oito meses, pediram ros deixam
ao Conselho, a 12 de junho, que os mandasse de volta para o Rio-Grande. os fortes
próximos
Ouvidos os dois majores, foram estes de parecer que, à vista de não ao Recife.
prestarem êles nenhum serviço extraordináirio nos fortes, poderiam
ser dispensados. Assim é que a 14 de junho, o Conselho resolveu pa-
gar-lhes os atrasados e enviá-los de volta à Paraíba e ao Rio-Grande, para
seus antigos aldeamentos.
No forte Quinquangular, a companhia de negros comandada por
Manuel de Barros teve ordem de montar guarda, em substituição aos

(358) Por engano de impressão ou do tradutor, está escrito, na edição inglesa,


25 de junho (cf. p. 171, 2.» col. 3." § da ed. holandesa e p. 121, 1.° col. 3." § da trad.
inglesa).
(359) O tradutor inglês foi inteiramente infiel na enumeração dos presentes
oferecidos a Janduí. Assim, escreveu: 1) 100 canadas de vinho espanhol; 2) omi
tiu 2 galões de óleo; 3) omitiu 1 moio de vinagre; 4) inventou 40 galões de óleo.
(cf. p. 171, 2.° col. 6.° § da ed. holandesa e p. 121, 1.° col. 3.° § da trad. inglesa».
252 JOAN NIEUHOF

brasileiros dispensados a 20 de junho. Nas noites de 11, 12, 13 e 14 de


junho, o inimigo atirou com violência contra o forte dos Afogados, contra
o reduto denominado Kijk e contra a Casa Boa Vista.
No dia 15, o Almirante Lichthart e os Majores Bayert e Pistor
propuseram-se, perante o Conselho, atacar o inimigo entrincheirado na
casa de Manuel Cavalcanti e em Barreta e Curcuranas com a seguinte
força :
A companhia do Capitão Killian de Snijder, composta de 40 homens;
e a companhia do Capitão Klaes Klaesz, com 70 homens, as quais deve
riam ser engrossadas com trinta homens sob o comando do Capitão Den-
niger, do forte Frederico, 10 homens sob o tenente Mos do forte Ernesto e
20, às ordens do tenente Katnar, do forte Príncipe Guilherme. Duzentos
homens ao todo.
Esperava-se reunir cêrca de 100 voluntários, dentre os civís, sob
o comando do Coronel Walbeek, além de Manuel de Barros, com seus cin-
coenta negros. Essas forças, somadas aos duzentos homens acima, for
mariam um corpo de 350 homens sob o comando supremo do Major
Pistor, o qual, pelo Almirante Lichthart, seria conduzido por via ma
rítima até os pontos de desembarque a saber: as tropas regulares ao sul
de Barreta e os negros ao norte da ilha, de onde convergiriam sobre os
Afogados, através dos pântanos e daí até a casa, do outro lado do rio,
onde deveriam distrair o inimigo, enquanto as forças regulares, desem
barcadas em Barreta, atacavam-no pela vanguarda. O Almirante, com
seus navios-transporte, deveria estar sempre pronto para receber de
volta tôda tropa a bordo e garantir a retirada.
O plano foi aprovado pelo Conselho, em parte para animar os nossos
militares e em parte para conseguir, pelo menos, algumas provisões para
os doentes. A execução do projeto foi marcada para o dia seguinte; en
tretanto, devido aos ventos adversos, e posteriormente, às marés que não
favoreceriam o desembarque da tropa, a tentativa foi abandonada, prin
cipalmente quando se verificou que em vez de 100 voluntários burgueses,
apenas 25 se apresentaram, a-pesar-de haver-lhes o Conselho prometido
tratamento idêntico ao dos soldados regulares, em caso de ferimento ou
outro contratempo qualquer.
Entretanto, tendo tido conhecimento, por alguns desertores de nos
so lado, que, com a partida dos brasileiros, as guarnições de Itamaracá
ficaram consideràvelmente enfraquecidas, o inimigo resolveu aprovei-
tar-se da oportunidade e desembarcar naquela ilha uma força tal que
jamais pudéssemos expulsar.
Ao raiar do dia 15 de junho o nosso navio patrulha Spreeuw foi sur
preendido, na entrada denominada Passo ou Marcos, por 3 botes e uma
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 253

jangada. O inimigo conseguiu aprisionar três dos nossos; os demais


escaparam com perda de dois homens.
O navio estacionado à frente de Itapissuma foi incendiado pelos
nossos que deixaram ao inimigo o galeote avariado, depois de terem re
colhido todos os tripulantes ao dogre Gvlde Ree, que estava ancorado
ao norte da entrada. Os portugueses desembarcaram cêrca de 2000 Os portu
homens, por meio de chalupas e outras embarcações, e, na mesma noite, gueses
André Vidal e João Fernandes Vieira escreveram a seguinte carta ao desembar
cam em
Sr. Dortmont, comandante em chefe de Itamaracá, a qual enviaram por
Itamaracá.
intermédio de um rapaz aprisionado a bordo do dogre Spreeuw.

CARTA AO SR. DORTMONT

Honrado e valente Senhor,


Sem dúvida V. S. está ao par da decisão em que se acham os habi
tantes dêste país, de recobrar sua liberdade. Para isso não lhes faltam
meios, nem força. Desejando, porém, o povo conseguir seu objetivo sem
efusão de sangue, achamos conveniente informá-lo que estamos prontos
para o atacar nesta ilha, com tôdas as nossas forças, a menos que V. S.
prefira chegar a um entendimento. Sabendo que para V. S. não há es
perança de socorro, sugerimos-lhe que trate conosco de acordo com as
normas da guerra em casos semelhantes, a-fim-de que, se depois as cousas
lhe correrem ao contrário de suas expectativas, dada a fúria da espada
conquistadora, não nos lance V. S. a culpa em rosto. Por esse motivo,
oferecemos aV.S.e aos demais comandantes todos os atrasados devidos
peta Companhia e esperamos sua resposta amanhã.

Do no8so acampamento, 15 de junho de 16U6.

André Vidal de Negrekos


João Fernandes Vieira.

A 17 de junho, o Conselho recebeu do Sr. Dortmont comunicação dò


desembarque de tropas e pedido de socorro imediato, sem o que êle não
poderia manter a ilha. Discutiu-se então a possibilidade de reunirmos
fôrça capaz de, sem muito risco, expulsar o inimigo de Itamaracá; en Examina-se
tretanto, concluíu-se pela negativa. Pois, sem expor ao perigo os fortes dade de so-
a possibili-
do Recife, não se poderia tirar de suas guarnições mais que 200 homens Itamaracá.
e esse número era insuficiente para enfrentar o inimigo que já se havia corro a

18
254 JOAN NIETJHOF

entrincheirado, com esperanças de êxito. Além disso, dada a necessidade


de se transportar essa força por via marítima, faltavam-nos os navios
(na ocasião só havia duas barcas no Recife) não só para o combóio como
ainda para cortar as comunicações do inimigo com o continente. Ainda
mais: a expedição precisaria de víveres para 14 dias pelo menos, caso o
inimigo resistisse, e, na situação em que nos achávamos, tal aprovisiona
mento seria de todo impossível a menos que deixássemos o Recife a ne
nhum. Não havendo possibilidade de se tentar socorrer a ilha, consi-
Se seria derou-se a seguir se as fortificações do morro poderiam ou não ser de
possível a fendidas. Contra isso objetou-se que, sem novos abastecimentos, o forte
defesa dos
fortes do não poderia resistir uma semana, principalmente porque o inimigo, cor
morro. tando a adutora que o abastecia de água, forçaria a guarnição a uma
rendição rápida. Além do mais, o adversário evidentemente se colocaria
entre o forte Orange e o morro, evitando assim que êsse recebesse qual
quer abastecimento do primeiro. Considerou-se, ainda, que sendo o mor
ro de grandes dimensões, a nossa força teria dificuldade em guarnecê-lo;
o forte era irregular e mal defendido, principalmente do lado em que o
muro da igreja, constituindo parte da cortina, não oferecia proteção con
tra a artilharia inimiga, e, consequentemente, exporia o forte inteiro e sua
guarnição, ao fogo dos contrários. Portanto, não havendo dúvida sobre
a possibilidade do inimigo interceptar as comunicações entre as fortifica
ções do morro e o forte Orange, ficou unanimemente resolvido que se aban
donassem ditas fortificações, retirando para o forte Orange a guarnição
bem como todos os víveres e munições que lá existissem, antes que lhe
fôsse cortada a retirada, pois era fora de dúvida que, se os nossos conse
guissem se manter no forte de Orange e dominar a região, poderiam re
conquistar o morro e toda a ilha.
O Conselho apressou essa resolução ao receber notícias de que o ini
migo, conhecendo a importância do forte de Orange, havia subornado,
Artilheiros por meio de presentes, alguns artilheiros e voluntários do forte, os quais
fazem-se se comprometeram a indicar-lhe o lugar mais fácil de atacar, bem como
traidores. de carregar os canhões apenas com pólvora a-fim-de facilitar o assalto.
Enforcados. A 23 de junho dois dos artilheiros foram enforcados por êsse ato de
traição; os demais bandearam para o inimigo. Portanto, para melhor
manter o forte, os nossos abandonaram as fortificações da montanha, a
21 de junho, e, logo depois, o inimigo lá instalou considerável porção de
suas forças.
O Conselho determinou, também, que o iate Heemstee patrulhasse
a entrada norte da ilha, a-fim-de mantér as comunicações com a nossa
guarnição e evitar que o inimigo recebesse socorros por ali. Enviaram-se,
ainda, provisões para a guarnição.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 255

Entretanto, enquanto as cousas se desenrolavam com fortuna vária


— no geral, porém, de maneira desfavorável para nós — e os socorros da
Holanda tardavam, a penúria se acentuava diàriamente no Recife; a tal
ponto que tudo quanto se considerasse comestível, quer nos armazéns,
quer na posse de particulares, era requisitado para uso comum. Con
tudo, não sendo de mais de uma libra, per capita, a ração semanal de pão,
muita gente morria de inanição. O indício de morte próxima consistia
na inchação das pernas. Os gatos e cachorros, dos quais tínhamos então
abundância, eram considerados finos petiscos. Viam-se negros desen- TerríTel
terrando ossos de cavalo, já meio podres, para devorá-los com incrível fome no
avidez. Nem era menos insuportável a falta de água potável, devido ao Recife,
rigor do verão e ao uso constante de carnes salgadas; todos os poços
que se abriam . minavam água salobra. Os miseráveis escravos que só
conseguiam a pior parte das sobras tinham o olhar tão esgazeado e o
queixo tão trêmulo, que causavam pavor mesmo aos mais destemidos.
Finalmente (a despeito de todos os cuidados do Conselho) a situação se
agravou de tal sorte que mesmo a ração de uma libra de pão por semana
foi suspensa ao povo, para ser concedida aos soldados que, induzidos pelos
portugueses e atraídos por uma ração dobrada (enquanto existissem re
cursos), começaram a desertar ràpidamente. Finalmente, quando tudo
já havia sido consumido sem que se encontrasse qualquer saída dessa si
tuação calamitosa, o Conselho propôs — e todos aceitaram unânimente
— que se preferisse a morte com bravura, à inanição e que, portanto,
se tentasse abrir passagem por entre as forças inimigas. Os soldados
regulares formariam a vanguarda; as mulheres, as crianças, os doentes
e inválidos, marchariam no meio, e, finalmente, os membros do Grande
Conselho e o povo defenderiam a retaguarda. Os judeus, mais que os
outros, estavam em situação desesperadora, e, por isso, optaram por
morrer de espada na mão ao invés de enfrentar seu destino sob o jugo
português: a fogueira.
Finalmente, quando já tínhamos atingido ao auge da penúria e de
vorado todos os cavalos, gatos, cachorros e ratos, e um alqueire de farinha
chegou a ser negociado à razão de 80 e 100 florins (360) cada um, sem
que a quantidade total fosse suficiente para mais que dois dias de consu
mo, finalmente, a 22 de junho (data de que jamais nos esqueceremos)
avistámos dois navios desfraldando o pavilhão do Príncipe, que rumavam
para o Recife a todo pano. Logo que lançaram ferro e deram o sinal
convencional de três tiros de peça cada um, para indicar que procediam

(360) O tradutor inglês escreveu: "um quarto por 80 a 90 florins", (cf. p.


175, 2.° col. l.o § da ed. holandesa e p. 123, 2.» col. 2." § da trad. inglêsa).
256 JOAN NIEUHOF

Chegada da Holanda, podia-se ler no semblante de todos nós o intenso júbilo que
de socorros. êsse socorro representava, chegando justamente no momento em que nos
achávamos na mais penosa situação. Ninguém mais se podia firmar
sôbre as pernas, tal a fraqueza a que nos reduzira a falta de alimentação;
mesmo assim, porém, todos se arrastavam até o cais onde, de longe, se
podia perceber que o povo chorava de alegria. Êsses dois navios, deno
minados Valk e Elizabeth foram fretados pela Câmara de Amsterdã e
haviam zarpado de Texel a 26 de abril. Trouxeram-nos a boa notícia de
que o restante do combóio chegaria a qualquer momento. O Capitão do
Elizabeth contou-me que, certo dia, percebendo vento à feição, disse à sua
tripulação : "tenho certeza de que estão sofrendo penúria no Recife. Deus
nos dê vento e tempo favoráveis, para que possamos socorrê-los a tempo".
Felizmente foi isso que se deu. Os capitães de ambos os navios receberam
medalhas de ouro com a seguinte inscrição : O Falcão e o Elizabeth salva
ram o Recife (361).
A 23 de junho, o Sr. Pieter Bas, membro do Conselho, foi enviado
O Sr. Bas
enviado a para Itamaracá a-fim-de auxiliar a defesa do forte. Por carta de 28 do
Itamaracá. mesmo mês, mandou dizer que o inimigo continuava em sua posição no
morro e que tinha despachado alguns espiões à cata de informação. A
7 de julho o Sr. Pieter Bas regressou ao Recife com as companhias
comandadas pelo Capitão Blauwenhaen e Koenraet Heit, deixando duas
companhias, a do Capitão Reinier Sikkema e Capitão Dignus Bysterman,
Os portu na guarnição. Dois dias antes os portugueses, depois de destruírem o for
gueses te do morro, deixaram a ilha levando consigo tôda a artilharia, inclusive
deixam
duas peças de bronze. Pois, quando viram que recebemos reforços da Ho
Itamaracá.
landa, em diversos navios, não acharam prudente continuar na ilha até que
cortássemos a retirada com nossa esquadra. Sabiam, também, os lusos
que, sem capturar o forte de Orange, não podiam esperar conservar a pos
se de Itamaracá, pois a entrada meridional era dominada por aquêle forte,
e a passagem Norte pela nossa frota.
A 29 de junho, o Conselho recebeu informação do nosso quartel-
-general instalado na casa de João Lostão, no Rio-Grande, dizendo que
lá haviam chegado dois filhos de Janduí, com 23 tapuias, enviados
pelo pai, a-fim-de nos assegurar de suas boas intenções e auxílio; que,
entretanto, se recusavam vi» até o forte Keulen, antes de falar com

(361) Sôbre isso, consulte-se "Moedas obsidionais cunhadas no Recife em 1645,


1646, 1654". Rev. do Inst. Arq. e Geog. Pern.. 1906-1907, vol. XII, p. 160-168. Esta
foi a primeira medalha batida no Brasil e precedida de pouco menos de um ano
pelas famosas moedas obsidionais, hoje das mais valiosas raridades numismáticas,
conquanto os pormenores da sua cunhagem até agora tenham permanecido quase
ignorados, (id., p. 161).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 257

Roelof Baro, que para isso fora enviado. Mais ou menos por essa época,
diversos comerciantes despacharam embarcações, mas, como isso não se
conseguia senão com grandes despesas e como havia poucos navios por
tugueses no mar, a emprêsa não produziu resultados, e, por isso, pouco
durou.
Mais ou menos por essa ocasião, deu-se comigo estranho acidente:
havendo os navios da Companhia apreendido uma barcaça carregada de
vinho, os marinheiros se embriagaram a tal ponto que, ao procederem ao
descarregamento, no Recife, mal podendo fazer o seu trabalho, deixaram
cair um barril de vinho, do que resultou a morte de um homem, ficando
vários outros feridos. Dirigí-me ao local, a-fim-de restabelecer a ordem
e impedir que bebessem durante o trabalho e para prevenir outras des
graças. Logo que entrei no navio, notei que todos os galões de prata do
meu casaco negrejaram e pouco depois fiquei inteiramente cego, para
minha grande aflição. Depois de alguns dias, a cegueira foi pouco a
pouco desaparecendo e recuperei a vista. Atribuo o fato à forte exalação
do vinho, que tinha estado fechado por muito tempo (362).
Por essa ocasião surgiu uma divergência entre oficiais do Exército
e da Milícia Municipal com relação ao comando supremo da Guarda do
Recife, que os da Milícia reclamavam para si a sua instituição.
Voltemos, porém, aos nossos demorados socorros.
As repetidas cartas dirigidas pelo Conselho do Brasil Holandês aos Uma esqua
Estados Gerais e aos diretores da Companhia, relatando a posição melin dra armada
drosa em que nos achávamos, causaram tal impressão nos círculos ofi para socor
ciais da Metrópole que aconselharam os diretores da Companhia a enviar rer o
Brasil.
um reforço de 5000 ou 6000 homens além de boa armada. Para tanto
os Estados Gerais forneceram 25 companhias de tropas regulares e deram
licença à Companhia para engajar outras tantas, perfazendo um total
de 4.000 soldados, sem contar os marinheiros e voluntários.
Essa frota, composta de numerosos e ótimos navios, estava pronta
para zarpar, em novembro de 1645, mas, devido a uma violenta tem
pestade de neve, ficou detida no pôrto de Vlissingen até fevereiro de
1646. Comandava-a o Sr. Bankert, Almirante da Zelândia, e os cinco
senhores adiante mencionados que também seguiam com a armada, pois
que foram nomeados diretores do Grande Conselho do Brasil Holandês,
em substituição aos que estavam em exercício. Eram êles o Sr. Walter
Schonenburgh, Presidente, Michil Van Goch, Pensionário de Vlissin
gen, Simon van Beaumont, Advogado Fiscal da cidade de Dordrecht,

(362) Êste trecho, desde "Mais ou menos por essa ocasião..." até "... por
muito tempo", foi traduzido diretamente do holandês, (cf. p. 176, 2.° col. 3.° § da
ed. holandesa e p. 124, 1.° col. últ. § da trad. inglêsa).
258 JOAN NIEUHOF

Hendrik Haecxs e o Sr. Trouwels, dois grandes comerciantes de Amsterdã,


aos quais fora ordenado que observassem os negócios da Companhia, além
do Sr. Heremijt, advogado de Dordrecht, que seguia na qualidade de
secretário dos novos diretores (363). O Sr. Sigemundt Schkoppe que,
anteriormente, no govêrno do Conde Maurício, detivera o comando geral
das forças de terra, do Brasil Holandês, foi novamente enviado para o mes
mo cargo. Era um militar de larga experiência, que mantinha sempre
disciplina exemplar entre os seus comandados.
Nenhuma outra frota jamais despachada da Holanda encontrou em
sua rota maior cópia de acidentes durante os seis meses em que esteve
no mar. Dois dias depois que a armada deixou a costa batava, foi
forçada a ancorar junto aos baixios fronteiros a Newport, onde perdeu
dois navios devido ao mau tempo. Três dias mais tarde, tendo se acal
mado um pouco o vento, a flotilha sob o comando do Sr. Van Goch
velejou de novo, mas, depois de apenas 48 horas de viagem, foi obrigada
a ancorar em Santa-Helena, na ilha de Wight (364). Três dias antes de
sua chegada, um magnífico navio holandês, avaliado em dois milhões de
libras, recentemente chegado do Brasil, despedaçou-se entre as rochas,
de tal forma que, de 300 passageiros, apenas 30 foram salvos. Aí, a
armada ficou detida pelo mau tempo e ventos adversos, durante sete
semanas, até que outro navio batavo, procedente do Brasil, por coinci-

(363) O cargo de Advogado ou Pensionário era da maior importância política.


Michiel van Goch era pensionário de Vlissingen e, portanto, sua influência era res
trita a êste Estado. Mas o Grande Pensionário era o diretor virtual e o árbitro da
política do Estado. Duas grandes figuras na história holandesa foram pensionárias
da República: Oldenbarneveldt e Johan de With (cf. XXXIII, p. 116). Heremijt
era filho do conhecido navegante holandês. (Moreau, LIX, p. 104, Varnhagen, XLI.
p. 48); (cf., também, nota 163). Nieuhof escreveu Wolter Schoonenburgh (p. 177,
1.° col. últ. §) e depois Walter Schonenburgh (p. 179, 2.° col. 1.° §). A relação pu
blicada em 1655 em Middelburgh e da autoria do mesmo traz escrito Wouter Scho
nenburgh.
(364) Nieuhof escreveu Nieuport e o tradutor inglês Newport (cf. p. 177, 2.a
col. 5.° § da ed. holandesa e p. 125, 1.° col. 1.° § da trad. inglêsa). Parece que se
trata de New Haven. Naturalmente, Nieuport tanto pode ser, em inglês, Newport,
como New Haven e, por isso, o tradutor inglês escolheu a primeira forma. Mas acon
tece que na costa atlântica da Inglaterra existem tanto Newhaven como Newport,
sendo que aquela demora um pouco para o norte da Ilha Wight, enquanto Newport
está situada na própria ilha. A cidade de Santa-Helena está situada no interior da
ilha; assim, não é possível que, vindo de Newport, alcançassem, dep.ois de 48 horas,
o mesmo Newport. Não há dúvida de que, na época, o pôrto conhecido sob êsse noms
era o que acabamos de apontar. Moreau (LIX, p. 182) confirma isso ao escrever:
Dix iours durant nous navigeasmes dans le grand canal entre la France & VAngle-
terre, & auprés de Visle de Vvicht, ou le defunt & dernier Roy d''Angleterre estoit
Iara detenu prisonnier dans la tour de la ville de Nieuport au milieu d'isle; e tam
bém o mapa de Janssonius, onde Newport está situada na ilha. Assim, parece-nos
que Newhaven é o primeiro pôrto de que fala Nieuhof; esta hipótese encontra apoio
na tradução da palavra, pois Nieuhof teria escrito Nieupoort para significar New
haven.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 259

dência lançou âncora junto a ela, tendo informado os nossos marujos


que os holandeses do Recife estavam passando as mais negras necessi
dades e que talvez já por essa época a cidade tivesse capitulado, pois
que, quando o navio partiu do Brasil, não tinham víveres para mais
que dois meses. À vista dessa informação resolveu-se continuar a viagem
com qualquer vento. Entretanto, nova tempestade apanhou a frota ho
landesa, ao largo de Portland, onde naufragou um navio escocês com 200
pessoas a bordo. Com muita dificuldade, a frota de Van Goch conseguiu
ancorar atrás de um penhasco, onde permaneceu até que diminuísse a
fúria da tormenta e pudesse prosseguir a viagem. Todavia, apenas a
esquadra deixara o Canal e começara a velejar pelo mar de Espanha,
surgiu uma desinteligência entre o Sr. Van Goch e o Sr. Beaumont,
com respeito à bandeira. Os Zelandeses (em Conselho de Guerra con
vocado para êsse fim) deram a precedência ao Sr. Van Goch. Os holan
deses, porém, pretendiam que a mesma pertencesse ao Sr. Beaumont,
mas, como o Sr. Van Goch insistisse a-pesar-de-tudo em reclamar a pre
cedência, o Sr. Beaumont deu um sinal aos navios holandeses para que
o acompanhassem e despediu-se do Sr. Van Goch. Êste, depois de uma
tediosa viagem, na qual perdeu muitos de seus homens por moléstia,
especialmente o escorbuto, arribou à meia hora de 14 de julho no pôrto
do Recife, sendo o primeiro dos cinco novos membros do Grande Con
selho a chegar ao Brasil Holandês. A 31 de julho de 1646, os navios
Blueuwen, Haen e Vlissingen, da Zelândia, chegaram também ao Bra
sil. No primeiro veio o Sr. Troirwels e no último, pela segunda vez,
o Coronel Sigemundt Schkoppe.
A 6 de agosto, o Coronel Sigemundt relatou aos membros do Con
selho como foi que, cumprindo as ordens de Hamel, Bullestrate, Bas
e Trouwels, havia avançado com 450 homens até o forte de Olinda,
para sondar o inimigo e capturar prisioneiros. Disse que os portugueses
fizeram menção de atacar sua força, mas, depois de algumas escara
muças ligeiras, retiraram-se, e, com apenas parte de sua força, marcharam
através do Braço de São Tiago, a-fim-de cortar nossa retirada. Entre
tanto, os nossos, mais uma vez, os forçaram a retirar-se com a perda de di
versos mortos e feridos. Do nosso lado, porém, só tivemos um ferido du
rante tôda a ação, além do próprio Coronel Schkoppe que recebeu leve
ferimento na perna.
A 8 de agosto surgiu ao largo do Recife um navio Het Wapen ran Mais navios
Dordrecht, no qual viajava o Alto Conselheiro Simon van Beaumont, chegam da
fiscal advogado de Dort. Foi comboiado com tôda a dignidade, para
dentro do pôrto.
Tarde da noite de 12, os Srs. Walter Schonenburgh, novo presi-
260 JOAN NIEUHOF

dente do Conselho, e Hendrik Haecxs chegaram ao Recife em uma barca,


procedente do Norte, tendo sido recebidos pelo povo e pelas forças
armadas. Haviam sido forçados a abandonar o navio Middleburgh à
frente da entrada Norte de Itamaracá, bem como o Dolfijn, ambos car
regados de víveres por conta da Câmara de Zelândia. Êsses dois navios
haviam sido avistados ao largo de Olinda a 31 de julho (365), mas,
forçados pelos ventos contrários a retroceder, o último dêles só ancorou
junto ao Recife a 13 de agôsto.
Nesse mesmo dia um negro desertor chegado ao Recife trouxe a
notícia de que o inimigo pretendia construir um forte no Passo de Bar
reia, a-fim-de impedir as nossas sortidas pelo interior. Resolveu-se
então, por consenso unânime do Presidente Schonenburgh e de todo o
Conselho, com aprovação do Coronel Schkoppe e do Tenente-Almirante
Lichthart, impedir que o inimigo levasse a efeito êsse plano, executando,
nós, a fortificação dêsse Passo que constituía a única saída por onde
poderíamos tentar a restauração do Brasil Holandês. As outras esta
vam fortemente guarnecidas pelo inimigo e não poderiam ser forçadas
sem grandes riscos.
O Coronel Nessa mesma noite o Coronel Schkoppe marchou com tôda a fôrça
Schkoppe que conseguiu reunir, tendo dado ordem para que as embarcações car
marcha para
regadas com o material necessário para a construção das fortificações
Barreia.
planejadas, seguissem com a maré seguinte. Logo após sua chegada,
o Coronel expulsou o inimigo e tomou posse da Casa da Barreta. Ime
diatamente mandou pedir instruções ao Conselho sôbre sé deveria per
manecer nessa posição a noite tôda. O Conselho, com a aprovação do
presidente Sr. Schonenburgh, para lá mandou o Sr. Bullestrate a-fim-
-de icspecionar o lugar e apresentar seu relatório. Êste regressou na
noite de 14 e informou o Conselho que encontrou os trabalhos já tão adian
tados e as fortificações em condições tais, que logo estariam em condi
ções de resistir aos ataques do inimigo.
A 13 de agôsto Roelof Baro, que como já relatámos, fora incumbido de
levar alguns presentes a Janduí, rei dos tapuias, trouxe uma carta
dêsse chefe indígena, datada de 1.° de julho, endereçada ao Conselho, na
qual agradecia os presentes e pedia que lhe enviasse armas de ferro,
pois estava em guerra com os Paiacús (366), e, logo que os tivesse
subjugado, marcharia com todas as suas forças contra os portugueses.

(365) O tradutor inglês escreveu 30 de julho (cf. p. 178, 2.a col., 4.° § da ed.
holandesa e p. 125, col. 3.° § da trad. inglêsa).
(366) Nieuhof escreveu Pojukus (p. 179, l.a col., l.° §). Trata-se de grafia
estropiada, pois o nome certo é Paiacús, do grupo Cariri. Os Paiacús dominavam
desde a ribeira do Jaguaribe até a fronteira do Rio-Grande-do-Norte, com a Pa
raíba, a serra Cirité. Revoltaram-se mais tarde várias vezes e no século XVIll
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 261

Por essa ocasião tendo o presidente, Sr. Walter Schonenburgh e de


mais membros do novo Grande Conselho chegados ao Recife, entregue os
títulos pelos quais Sua Alteza o Príncipe de Orange, os Estados Gerais
e o Conselho dos XIX os nomearam governadores conjuntos do Brasil
Holandês, os antigos conselheiros, Srs. Hendrik Hamel, Bullestrate e
Pieter Bas convocaram seus colegas e pessoas gradas para assistirem a
posse dos novos membros.
Reúniram-se, portanto, os conselheiros da Justiça e Finanças, em
seguida os escultetos, escabinos e comissários e mestres de órfãos da
Cidade Maurícia, depois os pastores e membros do Conselho Eclesiástico,
oficiais de terra e mar, os maiorais judeus e, finalmente, os guarda-livros
da Companhia. O Sr. Walbeek, fazendo uso da palavra, em nome do Con
selho, disse que os srs. Hendrik Hamel, Bullestrate e Pieter Bas haviam
convocado essa reunião a-fim-de, em presença de todos, transferir o poder
ao Sr. Walter Schonenburgh e demais conselheiros recentemente nomea
dos por Sua Alteza o Príncipe de Orange e pelo Conselho dos XIX, para
a suprema direção do Brasil Holandês. Exprimiu seus sinceros agra
decimentos a todos, pelos serviços prestados ao Govêrno, em seus respecti
vos setores, bem como pela constante lealdade demonstrada durante a
O antigo
comoção intestina, exortando-os a que se mantivessem fiéis ao novo Con Conselho
selho. Depois de receber os cumprimentos dos antigos conselheiros, bem transmite
como dos presentes, o novo Conselho, pela voz de seu Presidente, disse o Govêrno.
que, conquanto assumisse, daí em diante, a responsabilidade integral do
Govêrno, não deixaria de se aconselhar com os antigos membros enquanto
permanecessem, estes, no Brasil.
Para isso pedia que, a partir de 20 de agosto, comparecessem êles,
diariamente, à reunião das 8 horas a-fim-de, com o fruto de sua expe
riência, cooperarem para a boa marcha dos negócios da Companhia. A
19 de agosto, noite alta, falecia o Sr. Trouwels.
O dia 3 de setembro fora escolhido para uma revista geral das forças
que guarneciam os fortes, nas adjacências do Recife. O Sr. Haecxs e o Revista
comissário Zweers tiveram ordem de inspecionar as forças dos fortes Geral.
Ernesto, Waerdenburgh e Boa Vista; os srs. Beaumont e Moucheron as
dos fortes Antônio Vaz e da Cidade Maurícia ; os srs. Van Goch, Hamel e
Aldrich as do Recife e as das baterias; os srs. Raetvelt e Kraeyvanger,

ettavam aldeados em Jagnaribe. Alguns outros chamavam-lhes Baiacus (cf. Ro


dolfo Garcia, XXXVII, p. 265). Estêvão Pinto, no mapa da distribuição dos prin
cipais grupos indígenas do Brasil, localiza-os próximo dos Janduis, também Carirís
(cf. LXIX, entre as p. 150-151 e p. 151). Consulte-se sôbre as sublevações dêsses
indiog Pedro Carrilho de Andrade — Memória sôbre os índios do Brasil, tn Rev. do
Inst Hist. e Geog. do Rio-Grande-do-Norte, vol. VII, 1909. -
262 JOAN NIEUHOF

as de Barreta e adjacências; o Sr. Volbergen e o Comissário Stricht, as


dos fortes Guilherme e Frederico Henrique ; os srs. Bullestrate e de Wit
as dos castelos de Terra e Mar no forte Bruin.
Por consenso unânime do velho e do novo Conselho, concedeu-se, a
4 de setembro, uma anistia que foi comunicada ao inimigo, a 6 do mesmo
mês, por um tambor, o qual também levava uma carta aos comandantes
portugueses da Baía, pedindo que retirassem suas tropas.
Tendo-se realizado, a 10 de setembro, uma revista da milícia do
Recife e da Cidade Maurícia, constatou-se que se compunha ela de 700
homens. A milícia recebeu os agradecimentos do antigo Conselho, pelos
bons serviços prestados durante a presente guerra intestina e a corpo
ração, por sua vez, agradeceu ao Conselho a orientação prudente que
havia imprimido ao Govêrno.
A 13 de setembro, foi lida no Grande Conselho uma carta escrita
por certo Coronel português a 11 daquele mês, em resposta à nossa do
dia 6, repleta de inverdades e invencionices. Alegava que o povo im
pedia as forças portuguesas de se retirarem para a Baía; que precisavam
de navios para o seu transporte, pois que os seus estavam detidos na
Baía de Tamandaré, e, finalmente, que precisava aguardar ordens do
Rei, nesse sentido.
Tiveram também cuidado especial em exagerar sua força. A 12 e
13 de setembro, os portugueses distríbuíram diversas cartas escritas por
João Fernandes Vieira e dirigidas ao escabino Daems, a Matias Beck,
Baltasar da Fonseca, Duarte Saraiva e Gaspar Francisco da Costa (367).

(367) Sôbre as atividades de Matias Beck, como explorador, consultem-se os


"Diários da Expedição de Matias Beck ao Ceará em 1649", in Rev. Trimensal do
Instituto do Ceará, 1903, Tomo XVIII, p. 331-405, traduzido por Alfredo de Car
valho. Êsse trabalho foi publicado também no livro "Tricentenário do Ceará", 1903
(p. 333-417, com um mapa). Além disso, Alfredo de Carvalho, em Minas de Ouro
e Prata, in Estudos Pernambucanos, Recife, 1907, p. 31-34, ou in Aventuras e Aven
tureiros, Pongetti, Rio, 1930, p. 123-125, referiu-se às explorações de Matias Beck.
À p. 124, nota 1 deste trabalho, na edição de Aventuras e Aventureiros, afirmou
Alfredo de Carvalho ter adiantada a tradução da correspondência de Beck. Infe
lizmente, não sabemos se conseguiu terminar essa tradução antes de sua morte.
Consulte-se, também, Wãtjen (XCVI, nota 283, p. 210). Sem nenhuma importância
é o artigo de Alfredo de Carvalho "Jazidas Auríferas do Ceara", in Rev. Trimensal
do Ceará, 1905, Tomo XIX, p. 123. Nieuhof escreveu Matthias Bek (p. 180, 4." §)•
Baltasar da Fonseca era um engenheiro judeu. Na célebre polémica entre liber
dade de comércio e monopólio, Baltasar da Fonseca assinou, com outros judeus, urn
requerimento dirigido ao govêrno, pleiteando a liberdade comercial, (cf. Bloom, XI,
p. 127), Watjen, XCVI, p. 448-475). Foi o construtor da ponte que ligava o Recife
á Maurícia (cf. nota 44).
Duarte Gomes da Silveira era rico proprietário de engenhos. Não só na Des
crição da Paraíba de Herckmans (XXXIV, p. 265) como no Breve Discurso (XV, p-
157), fazem-se referências aos engenhos em Herckmans e ao engenho Inobi no Breve
Discurso. Na relação dos engenhos vendidos em 1637, (Rev. do Inst. Arq. e Geofr
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 263

Nessas cartas o autor exagerava, novamente, o número de seus homens e


se referia com desprêzo aos nossos. Dizia que se fossem forçados a
deixar o país, destruiriam tudo a ferro e fogo como já tinham feito em
certos lugares da Paraíba. Era o seguinte o teor dessas cartas.

CARTA DE VIEIRA A ALGUNS COMERCIANTES DO BRASIL HOLANDÊS

Os fatos, sem dúvida, já os devem ter convencido das razões que


nos levaram a empreender esta guerra, e o sucesso que vimos obtendo
prova à saciedade que a Deus aprouve infligir êsse castigo aos nossos ini
migos pelas muitas violências cometidas contra o povo dêste país. Êsse
sucesso, entretanto, pode ser, em grande parte, atribuido ao auxilio do
povo, que, sacudindo o jugo de seus opressores, espera de mim — que,
indigno embora, sou o chefe supremo desta guerra — apoio para sua
heróica resolução. Não quero que V. S. ignore o nosso poderio o qual,
comparado ao seu, excede a tudo quanto se possa imaginar. Direi apenas
que, com a evacuação das Capitanias de Paraíba e Goiana, as nossas fi
leiras foram consideravelmente engrossadas, e, assim, o povo prefere an
tes perder seus haveres que suportar por mais tempo as ignomínias que
pesam sobre ele e que constituiram a verdadeira causa de. sua insurreição
e não (como se faz crer entre os holandeses) porque não pudessem satis
fazer os seus credores, pois eles abandonaram mais do que seria necessá
rio para saldar seus compromissos (368). Todavia, se acontecesse que
o povo não se pudesse manter pela força das armas, estaria disposto a
deixar as outras capitanias na mesma desoladora condição.

Pem., 1887, vol. 6, p. 196-197) consta, também, várias vêzes o nome de Duarte da
Silveira como comprador. Assim é que comprou a Antônio Je Sá, em 17 de junho
de 1637, por 10.000 florins, o engenho Velho de Beberibe, mais tarde denominado
Eenkalchoven. (cf. também Pereira da Costa, O passo do Fidalgo, Rev. Inst. Arq.
Geog. Pern., 1902, n. 56, vol. X, p. 61). A 17 de junho, o engenho chamado Bom
Jesus ou do Tripicho, pertencente a D.» Isabel de Moura, foi por êle comprado por
60.000 florins e, finalmente, a 23 de junho, o engenho Novo, pertencente a Pais Bar
reto, por 42.000 florins.
Duarte Saraiva foi também um dos que assinaram o pedido para que Nassau
permanecesse no Brasil, no qual pedido se oferecia a Nassau o estipêndio de 7.000
florins anuais, (cf. Bloom, XI, p. 138).
Gaspar Franco da Costa foi um dos judeus que compraram carga de dois navios
espanhóis apreendidos pelos holandeses. Gaspar Franco da Costa comprou 338:2
florins, (cf. Bloom, XI, p. 134).
(368) Tudo leva a crer que seja exata a afirmativa de que João Fernandes
Vieira deixou-se levar muito mais pelas dívidas que lhe pareciam insolváveis do quo
pelo programa de idéias de liberdade divina. Depois da descoberta dos papéis iné
ditos relativos a fraudes e má fé de João Fernandes Vieira, feita por Alberto La
mego, ficou comprovado o interêsse econômico como causa principal de ter Vieira
264 JOAN NIETJHOF

Tendo pesado cuidadosamente os motivos que nos levam a esperar a


vitória, sentí-me na obrigação de avisá-lo, como amigo, que o nosso lado
— apoiado pela razão e pelo consenso de tantos milhares de pessoas —
conta com, pelo menos, 14.000 homens, além dos negros e tapuias, dis
seminados por diversas regiões do Rio-Grande, até o Rio São Francisco.
Camarão comanda 600 mosqueteiros, Henrique Dias 500 negros,
200 minas e 700 tapuias (369). Além disso, no sertão, todos estão do
nosso lado e apenas à espera de que os chamemos; mas, acima de tudo,
Deus está conosco. Sabemos que antes da chegada do Sr. Sigemundt van

se tornado restaurador. Depois de pôr na Baía em mãos de Antônio de Freitas da


Silva, quantidade de dinheiros, jóias, prata, ouro, convidou alguns homens nobret e
ambiciosos, devedores remissos da Companhia, a se levantarem contra o domínio
holandês. Os principais chefes são devedores da Companhia. Logo que assumiu o
poder militar, João Fernandes Vieira tornou-se um déspota. Explorava de maneira
pouco digna os moradores pernambucanos, fazendo-os trabalhar para êle, obrigan-
do-os a pagar para o sustento da guerra. (Cf. especialmente pp. 36 e 43 de LI).
Dêste modo tornou-se claro que Vieira fêz guerra para êle e para os de seu
partido; isto é os que queriam se libertar das dívidas assumidas.
Tôdas as deshonestidades de Vieira foram expostas por Pereira da Costa e po
demos resumi-las nesta frase: "Converteu sua banca de despachos em balcão de
bater moeda".
Varnhagen (LXXIII, p. 242) ; Oliveira Lima (Cartas aos papéis, inéditos, LI,
p. 21; Afonso Taunay, Anais do Museu Paulista, 1927, vol. II, F. Manuel de Mo
rais; todos foram unânimes em atribuir a João Fernandes Vieira intuitos de ganho
e não fé ou patriotismo. Aliás, comprova-se facilmente que a guerra foi, para
Vieira, um formidável roubo. Sôbre isso, Pereira da Costa publicou uma magní
fica e bem documentada monografia, onde estuda a fabulosa riqueza que logrou
acumular João Fernandes Vieira. Trata-se do estudo: "João Fernandes Vieira à
luz da história e da Crítica", in Rev. do Inst. Arq. e Geog. Pern., vol. XII, n. 67,
1906, p. 169-275. Sôbre as causas econômicas que levaram os senhores de engenho
à luta, vide nosso capítulo: "A queda do domínio holandês", p. 275-307, in LXXVII-
Vide, também, "Verbas Inéditas do testamento de João Fernandes Vieira", in Rev.
do Inst. Arp. e Geog., Pern., 1903-1904, vol. 11, p. 766-768, n. 25, p. 18-32; n. 26, p.
144-149 e Rev. do Inst. Hist. Geog. Bras., vol. XXIII, p. 387-398.
Sôbre atiyidades de Vieira posteriores à restauração, vide o artigo de Pereira
da Costa, onde se mostra como João Fernandes Vieira apropriou-se, no govêrno da
Paraíba e de Angola, de bens de ausentes, faltou ao pagamento de impostos, apodc-
rou-se de moradas de casas pertencentes à fazenda real (casas grandes, senzalas)
e finalmente deixou de pagar o imposto lançado pela Coroa para o pagamento esti
pulado no acordo entre Portugal e os Páíses-Baixos. Vide, ainda, "Deposição de Je
rônimo de Mendonça Furtado, Governador de Pernambuco, Ano 1666, Anais da Bib.
Nac. do Rio-de-Janeiro, 1935, vol. LVIII, 1939, p. 114. V., ainda, Carta dos mora
dores de Pernambuco ao Dr. Pedro da Silva Sampaio, Rev. do Inst. Arq. e Geog. de
Pern., n. 35, p. 32-34.
Do lado holandês, consulte-se o vol. III dos Documentos holandeses, in Inst
Hist. Geog. Bras., onde se encontram várias referências às dívidas e a João Fer
nandes Vieira; e também a Bôlsa do Brasil, onde se encontra estipulado o abati
mento feito pelo govêrno holandês às dívidas do mesmo (Rev. da Soe. de Geog. do
Rio-de-Janeiro, Tomo XXXVII, 1933, p. 50). Constitue documento importantíssimo
a carta escrita por Hoogstraeten a Hondius, depois de bandeado para os portugue
ses, e que se encontra traduzida em Mattheus van de Broeck. (XVI, pp. 24-25).
(369) O tradutor inglês escreveu 800 negros (cf. p. 181, 2.a col., 1.° § da ed.
holandesa e p. 127, 2.° col. 1.° § da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 265

Schkoppe, toda a sua força não ultrapassava 600 homens e que os socorros
por ele trazidos não vão além de 1200 homens, dos quais a maior parte
é constituida por adolescentes e os demais estão doentes ou já mortos.
Como vê V. S., estou bem informado de sua força, pois já abatemos ou
aprisionamos 2,600 de seus melhores soldados e 500 brasileiros, além
dos feridos que foram transportados para o Recife quando as nossas
tropas não dispunham de outras armas que chuços e cacetes. Êsses
feitos constituem verdadeiros prodígios do céu, pois se conseguimos fazer
tudo isso sem pólvora nem balas, o que se não poderá esperar de nossas
forças, agora que estão revigoradas por tropas de primeira e bem muni
ciadas ?
Dou-lhe a minha palavra em como tudo quanto disse não é senão
a pura verdade. E, não fora o respeito devido aos Coronéis vindos da
Baía e à Sua Majestade de Portugal, por esta época eu já estaria
senhor do Recife e de alguns dos fortes, ou pelo menos teria feito muito
maiores estragos. Entretanto, se as cousas não terminarem bem, estou
resolvido a agir como um desesperado e a não deixar nenhum engenho,
gado ou negro no país. Porei tudo em ruinas antes de ser de novo obri
gado a render obediência aos batavos.
Servindo a presente de aviso, espero que V. S. e os demais comercian
tes não se demorem em fazer conosco um acordo capaz de preservar seus
haveres. Devo lembrar-lhes que muitos engenhos estão atualmente em
tal estado, que não poderão ser utilizados pelos próximos 10 anos. A
Várzea não está em melhores condições que Paraíba e Goiana e o gado
(sem o que os engenhos não podem subsistir) destruido por quase toda
parte.
Supomos que o Coronel Sigemundt pretende manter o domínio dos
campos, como na última guerra. Desta vez, porém, verá que se enganou
redondamente, pois o povo não estará a seu lado, e, se eu souber de um
que lhe seja simpático, fá-lo-ei enforcar imediatamente. Os holandeses
alegam que nós somos vassalos das Companhias. Mas, quando foi uma
nação conquistada, tratada como fomos, pior que vis escravos? E disso
V. S. sabe tão bem quanto nós. Portanto, tendo sido forçados a romper as
correntes que nos prendiam, não lhes devemos mais obediência. Se não
tivéssemos agora esperanças, de há muito teríamos pedido auxílio ao
Rei da Espanha ou da França, e, se êsses falhassem, teríamos recorrido
aos turcos ou aos mouros. Peço-lhe que não atire fora esta carta porque
a experiência o convencerá da verdade que ela encerra, bem como de
que manteremos aqui os mesmos métodos empregados em outras para
gens. Não desejaria, portanto, que V. S. desse crédito a não ser àqueles
266 JOAN NIETJHOF

que vêm, em pessoa, dêsses lugares. Nada mais lhes disse que a pura
verdade e V. S. o constatará no seguinte: no prosseguimento desta guer
ra, espero que V. S. pondere de que lado está o seu interesse, no que
estou pronto a auxiliá-lo, pois, conquanto os seus governantes não diri
jam a mim sua correspondência, sou eu quem tem o comando supremo
da campanha; estão sob minhas ordens os Coronéis que vieram da Baía
e cuja autoridade não ultrapassa as tropas que com eles vieram.
Arraial do Bom Jesús, 11 de setembro de 1646.

A 10 deste mês os referidos Coronéis mandaram, por um dos nossos


capitães, resposta a uma carta que lhes fora dirigida pelo seu Conselho.
Diversas perguntas capciosas foram propostas a êsse oficial, com respeito
à presente guerra, e, não tendo, talvez, as suas respostas correspondido
às expectativas dos batavos, retrucaram estes, mais como bêbados co
vardes que como soldados. Se se dignarem eles a vir dizer essas cousas
a mim, teremos ocasião de ver se suas espadas são tão ligeiras como suas
línguas e, então, lhes ensinaremos a respeitar, como se deve, os mensagei
ros dos que aqui detêm o supremo comando. Isto, estou-lhes escrevendo
agora, mas oportunamente farei boas as minhas palavras à força da
espada cujos efeitos o seu povo sente cada vez que ousa sair fora dos
fortes. Rogo-lhes que não se deixem enganar, pois o Brasil não está
reservado para Vs. Ss.. Não há dúvida de que Deus abençoará as nossas
armas, mas, se morrermos, teremos perdido nossa vida em defesa de
nossa sagrada religião e de nossa liberdade. Todos aqueles que se recu
sarem a aceitar as nossas ofertas, pagarão com suas vidas, haveres e
créditos.
Arraial, 12 de setembro de 1646.

(assinado) João Fernandes Vieira

A 14 de setembro chegou ao Recife, depois de uma viagem de 14


semanas, o navio de guerra Ter Veer, armado pela Câmara de Zelândia,
a cujo bordo viajava o Coronel Hinderson.
A 24 de setembro, o inimigo fêz distribuir panfletos, prometendo em
têrmos enfatuados anistia e novo acordo sôbre suas dívidas, caso dei
xássemos a ilha.
Aos 24 dias do mesmo mês, foram feitas pelo inimigo proclamações
de anistia, em têrmos arrogantes, propondo um acordo acêrca das dí
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 267

vidas; e muitas outras indignidades, especialmente a de que os nossos


deveriam deixar o país.
A 27 de setembro o Coronel Schkoppe regressou da Goiana, via Ita- O Coronel
maracá, com alguma tropa. Eu não tinha ainda encontrado o inimigo, Schkoppe
mas os engenhos que visitei na primeira dessas localidades estavam todos regressa de
Goiana.
queimados. Entretanto os canaviais e as plantações de mandioca apa
rentavam boas condições. Soubemos mais tarde que os engenhos de
Goiana não estavam completamente incendiados.

A 27 de outubro realizou-se uma conferência entre os antigos mem Conferência


bros do Conselho e o Sr. Van Goch, tendo os primeiros dado seu parecer entre o
antigo
com relação a vários assuntos administrativos relativos ao Brasil Holan
Conselho e
dês, principalmente no que respeita ao plantio da mandioca e à matança o Sr. Goch.
de gado, que aconselharam fosse feito com a maior parcimônia, pois o
Brasil não poderia subsistir sem um grande número de bois, pois estes
eram constantemente empregados no transporte de cana, lenha e outras
cousas indispensáveis aos engenhos.

Quanto ao plantio de mandioca, propuseram que fosse feito em


Itamaracá, no Rio-Grande e na Paraíba, regiões essas que reputavam
suficientes para atender ao consumo de então, se as plantações fossem
procedidas antes de passar o tempo próprio.
Os holande
Nesse ínterim, o Coronel Schkoppe fêz diversas investidas infrutífe ses tentam
ras contra o inimigo, e, com isso, as nossas forças ficaram de tal forma a reconquis
reduzidas que não mais estavam em condições de tentar qualquer operação ta do Rio
São Fran
contra os portugueses, perto do Recife. Tal fato levou o Conselho a de cisco.
cidir que se tentasse a reconquista do Rio São Francisco, plano êsse cuja
execução foi confiada ao Coronel Hinderson. Nessa emprêsa as nossas
armas foram mais afortunadas, pois encontraram fraca resistência na
região.
Consoante essa resolução, a 24 de outubro zarparam para o Sul sob
o comando do Almirante Lichthart e do Coronel Hinderson os seguintes
navios: como capitânea, Graef Enno, como vice-capitânea, Loanda, Het
Wapen van Dordrecht, Schout by nacht, De blaeuwe Haen, Waekende
Hont, Hazewint, Arent, Ster, Heemstede, Vlucht, acompanhados por
oito barcas.
No dia 17 de novembro o Conselho recebeu notícias de que as nossas
tropas sob o comando do Coronel Hinderson desembarcaram em Cora-
sipa sem serem molestadas. Marchando daí para o Rio São Francisco e
268 JOAN NIEUHOF

o Forte São Maurício, não encontraram oposição do inimigo, que tinha


iniciado a demolição do dito forte. Depois de atravessar o rio nossas
tropas foram acompanhadas pelos navios menores, navegando rio acima.
Prosseguindo a marcha para Sergipe-d'El-Rei, deixaram para trás turmas
encarregadas de reformar o forte. Diziam mais, as notícias recebidas,
que quatro portugueses haviam solicitado anistia.
Enquanto as nossas forças operavam na região, tive ordem de para
lá seguir a-fim-de superintender ao aprovisionamento da tropa (e feliz
mente havia, então, grande fartura). Determinei o embarque da carga
que me fora confiada, a bordo do navio Bruinvisck comandado por Frans
Fransz.
O Sr.
Nieuhof re Zarpamos a 24 de novembro. Fomos levados por vento forte em duas
cebe ordem horas até ao pé da cadeia que o povo chama Serra da Cangalha, devido
de partir. à sua conformação. O litoral e as adjacências são cobertos de dunas de
areia branca. Cêrca de meia hora depois do sol pôsto, achávamo-nos ao
largo da Baía de Tamandaré, e, continuando a rota com vento à feição,
dois dias mais tarde ganhávamos a desembocadura do grande rio. É tão
larga a sua foz, que uma peça de grosso calibre não seria capaz de atra
vessá-la. A corrente ingressa suavemente no oceano; durante o inverno
suas águas são baixas; no verão, porém, aumentam de volume, talvez
devido ao degêlo que o sol ocasiona. A cêrca de 50 léguas de sua desem
bocadura, há uma enorme catarata circundada por muitas ilhas. Em
ocasiões de tempestade, é tão impetuoso o mar, na foz do rio, que mesmo
os mais experimentados marujos deixam-se tomar de pavor. A corrente
carrega, então, em seu dorso, grandes blocos de terra desagregada. Ven
cemos a desembocadura do caudal, mas, logo depois do pôr do sol, fomos
forçados a lançar ferro, pois o vento este, que nos deveria levar rio acima,
só começa a soprar por volta das três da madrugada. A região parecia
muito amena de ambos os lados, e, nas margens, conseguimos avistar
grande quantidade de animais selvagens bem como algumas cabanas fei
tas de palha. Ficamos detidos quase um dia em um banco de areia, e,
depois de o têrmos vencido, atingimos a vila denominada Penedos, a ca
valeiro de uma elevada montanha. Aí desembarcámos com auxílio de
nossos botes e encontrámos diversas casas reconstruídas pelos nossos; as
demais haviam sido incendiadas pelo inimigo em retirada. No tempo dos
portugueses existia no forte uma igreja que transformámos em arsenal,
era circundada por um bom muro junto ao qual o rio passava, ao norte,
onde a montanha é abrupta.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 269

A 30 de novembro o Almirante Lichthart foi acometido por violenta


Morte do
moléstia que contraiu por ter bebido grande quantidade de água fresca Almirante
quando estava com o corpo muito quente. O Almirante foi transportado Lichthart.
rio abaixo em um bote, com três soldados, sob o comando de um oficial,
mas logo ao início da viagem perdeu os sentidos e expirou em minha
presença. No dia seguinte, seu corpo foi colocado em um ataúde e trans
portado para bordo do Gulde Sterre. O féretro foi conduzido pelos ofi
ciais maiores e escoltado por quatro companhias, até a barranca do rio.
Aí, os soldados deram três salvas de mosquetes, o mesmo fazendo a arti
lharia do forte e dos navios (370).
O sr.
À noite, quando me dirigia para bordo, o bote em que eu viajava Nieuhof
virou devido à violência da corrente, e não fosse eu bom nadador, por por pouco
não se
certo ter-me-ia afogado. O capitão mandou atirar um cabo ao rio, com afoga.
cujo auxilio, e mercê de Deus, pus-me a salvo no navio.
Enquanto êsses acontecimentos se desenrolavam os nossos soldados
deram uma batida pelos arredores e conseguiram arrebanhar, para o
nosso acampamento, 700 reses e 300 bezerros que encontraram pastando
numa ilha fluvial, sob a guarda de alguns soldados. O gado não estava
lá muito gordo, mas a carne era bem passável. As tendas dos soldados
foram, em sua maioria, plantadas na face norte do morro; entretanto,
tendo sido construídas com galhos e folhas de árvores, incendiaram-se,
Incêndio no
acidentalmente, no dia 3 de dezembro, com tal fúria que, num quarto de
acampamen
hora, todo o acampamento estava em chamas, a-pesar-de que os tambores to.
e cornetas tocaram alarme imediatamente. Soldados que se estavam ba
nhando no rio perderam, no sinistro, tôdas as suas roupas. Foi bom que
o incêndio tivesse ocorrido durante o dia. À noite, ter-nos-ia rjôsto em
grande consternação, pois, segundo voz corrente, o fogo foi ateado pro
positadamente. Nos campos adjacentes havia, então, abundante safra
de tabaco que ainda não estava no ponto de ser colhida, pois a colheita
só se processa antes das regiões baixas se inundarem.

0 Coronel ordenou-me que fornecesse novas roupas aos que tudo per
deram, fazendo o desconto relativo em seus soldos. Respondí-lhe, po
rém, que sendo apenas um cumpridor de ordens, não poderia fazer tal

(370) Na manhã de 9 de dezembro de 1646 chegou do Rio São Francisco a


'ragata Sterre com o cadáver do Almirante Jan Cornelisz Lichthart, que morreu re
pentinamente a 18 de novembro, estando em seu iate, naquele rio. (cf. XXIX, p. 213).

19
I
270 JOAN NIEUtíOF

fornecimento sem autorização expressa do Conselho, pois alguns solda


dos pouco tinham a receber. A 25 de dezembro fomos informados de
que o inimigo começava a surgir em número considerável. À vista disso,
deu-se ordem às Companhias comandadas pelos capitães Kosin, Schut,
Gyseling, La Montagne e por um capitão brasileiro de nome Tomé, para
que fossem ao encontro do adversário, incendiassem suas cocheiras e
trouxessem todo o gado para o nosso acampamento. Na segunda-feira
seguinte, tivemos notícia de que as nossas tropas estavam tão estreita
mente cercadas pelo inimigo, que se receava fôsse ela completamente ani
quilada. Quando nos achávamos nesse estado de apreensão, sem saber
que resolução tomar, um brasileiro nos trouxe a má notícia de que tôda a
nossa força havia sido batida e dispersada, tendo os Capitães Schut, Ko
sin e La Montagne perecido no local. Mal tínhamos recebido essa lutuosa
informação, chegou um soldado alemão, ferido, que conseguira escapar
à carnificina, e confirmou tudo quanto nos havia sido dito pelo seu ante
cessor, acrescentando, porém, que o tenente da Companhia do Capitão
Gyseling, o Alferes do Capitão La Montagne e os de Schut e Kilmet, à
frente de 30 soldados tinham conseguido abrir caminho entre as linhas
inimigas, e logo chegariam ao acampamento. Por causa desta má con
dução da guerra e desta derrota, ter-se-ia dito que os nossos, contra a
ordem do Coronel Hinderson, aproximavam-se rapidamente do inimigo
e atiravam com os seus arcabuzes e, em seguida, atacavam com o punhal
na mão, lutando todos ao mesmo tempo, sem desfalecimento ; o que induziu
o inimigo, vendo a estúpida coragem dos nossos, a cercá-los e derrotá-los.
Ao anoitecer, ainda chegavam vários outros soldados ao quartel,
os quais, em geral, se encontravam feridos e atravessados por flechas.
Alguns, que tinham lançado longe a sua arma, deviam pagá-la com a
própria vida: o que aconteceu a um alemão e a um brasileiro. Mas
quando êles estavam amarrados ao tronco, para serem mortos, o Co
ronel deu-lhes graça. O Tenente que servia sob as ordens do Capitão
Gyseling, chegando ao forte sem suas armas, foi imediatamente enviado
ao Recife onde lhe partiram a espada sôbre a cabeça declarando-o indigno
do serviço da Companhia, conquanto a tivesse servido com lealdade du
rante nove anos (371).
Recebi então ordem de seguir para o Recife, e, depois de me des
pedir do Coronel e do Sr. Dames e outros amigos, embarquei a bordo do
Vleermuis, a 16 de dezembro, e, na mesma noite, impelido por uma brisa

(371) No Diário ou Breve Discurso sôbre a Rebeldia (XXIX, p. 215, 216)


consta que a 27 de dezembro deu-se o combate no qual morreram os Capitães Killian,
Snijder, La Montagne, os tenentes Jeronimus Halleman, Bailjaert de Flessinga, Cor
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 271

favorável e auxiliado pela correnteza, o barco deslizou em direção à foz.


Com uma noite esplêndida e um luar magnífico, conseguimos apanhar
grande quantidade de Zaggers, um peixe delicioso, e prosseguimos viagem
com forte vento à feição. Não muito acima da desembocadura, encon
trámos quatro navios holandeses que nos informaram estarem incumbi
dos de ir à cata de provisões. Entretanto, caso não fossem possível obtê-
-las, tinham ordem de regressar imediatamente ao Recife. No dia 18
avançámos pouco, e os navios se mantiveram à vista, próximo à foz; o Sr. Nien-
apanhámos, porém, mais peixe do que poderíamos consumir. A 20, es- hof volta
tivemos, também, em calmaria e observámos um eclipse lunar que durou ao Recife-
duas horas. No dia seguinte passámos tão perto de Santo-Antônio que
podíamos avistar gente andando na praia. À. noite divisámos Pôrto-Cal-
vo a cêrca de 30 milhas do Rio São Francisco. Imobilizou-nos várias
vezes a acalmia, mas apanhámos grande quantidade de peixe-rei e ba
calhau. Na costa avistámos fogo em vários lugares. A 24 de dezembro
chegámos perto do Cabo Santo Agostinho, tendo avistado cinco navios e
sete barcas a remo no pôrto. Poderíamos ter atingido com nossos tiros
os que se dirigiam para terra, não fora o banco de areia que nos impedia
de mais nos aproximarmos. Por volta do meio-dia chegámos à frente
do Recife, mas era tal a neblina, que mal podíamos perceber a linha
d'água. A-pesar-de tudo aventurámo-nos a entrar. Desembarquei ime
diatamente a-fim-de comunicar ao Sr. Schonenburgh os acontecimentos
do Rio São Francisco. Fui conduzido à presença do Presidente do Con
selho pelo Coronel Schkoppe, com quem me encontrei logo depois do
desembarque.

naus de Haya, e o Alferes Middelburgh de Swol; foram aprisionados Gyseling e o


pregador Astetten (Moreau, LIX, p. 143) ; entre os soldados mortos contam-se 19
da companhia do Capitão Schut; 34 da do capitão Koin; 14 da do Capitão Kiliaen;
22 da do capitão Gyseling; 14 da do Capitão La Montagne; dois índios e 9 oficiais,
sendo ao todo 114 as perdas holandesas nessa luta. O tenente Jan Jansz van Yssen-
dijck, da companhia do capitão Gyseling e Adriaen Mebus, alferes do Capitão Schut,
largaram as armas em campo e, por isso, a 29 de dezembro as armas lhes foram que
bradas aos pés e êles condenados, como desleais, a voltar para a Holanda.
Esta derrota é lançada à conta do comandante La Montagne, que a ocasionou
em razão da má ordem que deu. Os Alferes La Fleur, Cornelis van der Voorde e
Thomas Rames foram considerados como bravos pelas ações cumpridas.
O trecho desde: "Por causa desta má..." até "... o Coronel deu-lhes graça"
foi traduzido diretamente do holandês (cf. p. 185, 2.° col. 1.° § da ed. holandesa e p.
130, l.» col. 1." § da trad. inglêsa).
O tradutor inglês escreveu 7 anos (cf. id., id.). Nieuhof escreveu Lamontanje,
Lamontagne, (p. 185, l.a col.), e à p. 189, 1 L La Montagne, e o Diário sôbre a
Rebeldia, La Montagne. Varnhagen e Rodolfo Garcia seguindo o relato do Diário
adotaram a grafia La Montagne. Em face da variedade da grafia de Nieuhof
preferidos seguir a do Diário.
272 JOAN NIEUHOT

A 27 de outubro, o inimigo armou duas emboscadas no caminho do


forte Príncipe Guilherme, além do reduto Kijk. O adversário não se
moveu até que, pelo meio-dia, percebendo uma Companhia nossa que
marchava sôbre o dique, atacou-a tão bruscamente que matou 11, feriu
11 ou 12 e fêz três prisioneiros; mesmo assim, porém, o inimigo perdeu
alguns homens.
Enquanto isso, os tapuias, exasperados pelo assassínio de seu coman
dante, Jacob Rabbi, abandonaram-nos. O Conselho fêz o que pôde para
os acalmar aprisionando e desterrando Garstman, o autor do delito e con
fiscando seus haveres. Contudo, não se conseguiu persuadir os tapuias
que se reunissem a nós como antes.
A 18 de novembro, o Sr. Van Goch conferenciou com os membros
do antigo Conselho, sôbre se seria possível embarcar em nossos maiores
navios tôdas as forças de que pudéssemos dispor e tentar uma forte di
gressão, atacando o inimigo em algum ponto. O antigo Conselho, entre
tanto, foi unânime em apontar o perigo de semelhante tentativa, caso
falhasse, enquanto estivéssemos bloqueados no Recife; a discussão foi
transferida para o dia seguinte. Examinado novamente o assunto, su-
geriu-se que, se fosse possível reunir tôdas as nossas forças, talvez se
pudesse tentar algum golpe de envergadura, sem grande risco, pelo qual
se obrigasse o inimigo a retirar suas forças do Recife. Todavia, com
preendendo o Sr. Van Goch o grande perigo que correríamos, caso a
tentativa falhasse, nenhuma resolução foi tomada nessa ocasião.
Tendo-nos ensinado a experiência que as nossas promessas de perdão
haviam sido inúteis, perguntou o Sr. Van Goch se não seria melhor de
futuro negar anistia. A isso respondeu-se que muito raramente conce
díamos clemência, que fizéramos poucos prisioneiros e que o inimigo tam
bém havia executado a maioria dos nossos sôbre os quais tinha conseguido
lançar mão. Não achávamos, entretanto, conveniente recusar perdão a
todos, sem distinção, pois isso poderia induzir os que até então se haviam
mantido afastados da luta, a tomar armas também.
A 23 de novembro, armámos uma emboscada ao inimigo, junto ao
forte dos Afogados; para isso destacámos alguns de nossos homens, que
provocaram uma escaramuça. Perseguindo com energia os nossos sol
dados o adversário veio colocar-se sob as baterias do forte que sôbre êles
descarregou nutrido fogo, matando e ferindo diversos dêles.
A 12 de dezembro foi sepultado o corpo do Almirante Lichthart.
Nessa ocasião, uma companhia de burgueses e duas do exército prestaram
as honras fúnebres, dando três salvas de mosquete.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 273

Aos 28 de dezembro (372) , os senhores do antigo govêrno expuseram


a Van Goch que de há algum tempo tinham ouvido certas calúnias e
maledicências que os difamavam. Disseram que isso os admirava, pois Os antigos
êles bem sabiam com quanto zêlo e dedicação o Advogado Fiscal havia tra Conselheiros
lamentam-
balhado, como também outros, aos quais não competia fazê-lo. Tinha-se
-se a Van
chegado, até, a convidar essa gente em casa e feito promessas de pro Goch das
movê-los em cargos, e dar-lhes moratória, contanto que nada dissessem, calúnias ao
quanto ao antigo govêrno. E quando êles declaravam nada saber, eram sen govêr-
ameaçados, para que, assim, manifestassem alguma cousa. Tinha-se
também escondido essa gente em quartos, a-fim-de prestar atenção ao
que êles diriam. Além disso, uma pessoa tinha estado junto dos prisio
neiros portugueses para que êles falassem alguma cousa e quando êles
disseram de nada saber, foram igualmente ameaçados e intimados, pois
o novo govêrno fazia questão de tudo saber. Caso não o dissessem, a
isso seriam obrigados por meio da golilha. Declaram-lhes, igualmente,
que Rodrigo de Barros Pimentel já tinha sido inquirido e até castigado
dessa forma.
Van Goch respondeu-lhe que já tinha ouvido, muitas vêzes, tais
calúnias, mas que, até hoje, não tinham aparecido provas. Êle julgava
oportuno que fossem citados por meio de cartazes todos aquêles que pudes
sem fazer algum depoimento, para, dêste modo, chegar-se a uma solu
ção. Os senhores do antigo govêrno responderam que êles não eram obri
gados a isso e que nem sequer era necessário expô-los ao escárneo do
mundo; se, entretanto, alguém tivesse qualquer cousa contra êles, podia
depor e ser interrogado.
No dia 31, os senhores do antigo govêrno disseram a Van Goch que
tinham ouvido dizer que um certo Elbert Krispijnsz e Paulus Vermeulen
tinham dito, na noite passada, na praça, em companhia de Jacob, Quirijn
Spranger e outros que os altos comissários tinham deixado de prender
João Fernandes Vieira e outros ; que êles tinham mandado prender Vieira
por intermédio do Capitão Denniger, mas que, posteriormente, haviam
reformado a ordem, razão pela qual Vieira escapara.
E como fosse esta uma questão de grande importância e não pudesse
passar sem castigo, foi consultado pelo novo govêrno, a êsse respeito, o
Capitão Denniger, que respondeu que nunca ouvira falar tal cousa, mas

(372) O trecho desde: "Aos 28 de dezembro... até "... Jeronimus Hellemans"


foi traduzido diretamente do holandês, pois a tradução inglêsa omitiu duas colunas
emeia (p. 187, 1.» col. últ. § até p. 188, 2.» col. 1." § da ed. holandesa). Além disso,
o tradutor inglês cometeu erros de datas, de nomes e resumiu os trechos que tr:i
duziu (cf. p. 187, 1.» col. últ. § até p. 189, 1.» col., 1.° § da ed. holandesa e p. 131,
1.» col. últ. § e 2.» col., 1.° e 2° §§).
274 JOAN NIEUHOF

que êle e outros, conforme o relatório apresentado, tinham sido, várias


vezes, enviados para prender Vieira e outros, conforme a ordem que
lhes fora dada pelos altos comissários. Tinham, para êsse fim, aplicado
todo o zêlo e dedicação. Nunca, porém, os encontraram, embora os hou
vessem procurado em todos os lugares.
Ao amanhecer, Elbert Krispijnsz foi ter com Bullestrate e des-
culpou-se declarando que nunca falara sôbre isso, mas que se haviam
imaginado algumas discussões acêrca do modo de se proceder para com
êles nos debates; se se podia acusar essa gente sumàriamente. Disse,
também, que nunca tinha ouvido tal cousa do Capitão Denniger e o que
é mais, que não conhecia o mesmo nem jamais ouvira falar dêle. Em
seguida, foi intimado a perguntar ao Capitão Denniger e seu porta-ban-
deira Capitão Heit, ao Tenente Kattenaer, Capitão La Montagne, Major
Reyer e seu Tenente Hartsteen o que se passara.
Denniger tinha dito a êsse Krispijnsz, a 2 de janeiro de 1647, que
êle estava admirado pelo fato de se levantarem tão vis calúnias. Que
não somente êle com a suas tropas, mas ainda muitos outros oficiais,
tinham percorrido os campos e as florestas da região para investigar e
encontrar gente. Que êle, Denniger, testemunhava, assim como todos os
outros oficiais, que os altos comissários haviam feito todo o possível, cons
tantemente, para manter boa ordem em tudo e nunca haviam deixado de
precurar os rebeldes e de fazer todos o necessário para isso; êle e seus
oficiais estariam sempre prontos a prestar declarações, quando fossem
solicitadas. Isso declarou Denniger diante do notário Indijk, no Recife,
no ano de 1647, a pedido dos altos comissários Hendrik Hamel e Adriaen
Bullestrate.
Aos 30 de dezembro aportou ao Recife o iate d'Arent, vindo do Rio
São Francisco com cartas do mesmo mês, nas quais se dizia que numa
ilha pouco acima do forte havia desembarcado o Coronel Rebêlo, com
200 soldados procedentes da Baía. E que ainda esperava mais reforços
da Várzea. Dizia também a carta que, tendo os nossos se dirigido mais
para cima do rio, atacaram tropas inimigas, mas estas conseguiram fu
gir para o outro lado, deixando armas e bagagens. A 2 de janeiro do
ano de 1647, voltou ao Recife o Coronel Schkoppe, que tinha estado em
Goiana e em todos os lugares adjacentes, com cêrca de 300 arcabuzes e
que êles tinham procurado em todos os rios, mas em nenhuma parte ti
nham encontrado qualquer inimigo. No dia 5 do mesmo mês, o Conse
lho recebeu outra carta do Rio São Francisco que dizia: como a nossa
gente dali tinha enviado uma tropa de 5 companhias de brasileiros para
Orambú, para atacar uma tropa inimiga, que ali estava acampada;
dizia também que logo à chegada dos nossos, apareceu uma tropa inimi
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO RRASIL 275

ga de cerca de 100 cabeças, a qual foi atacada pelo nossos e fugiu. Mas
perto dêsse lugar, o inimigo tinha um acampamento com algumas cen
tenas de homens, que atacaram os nossos e fizeram com que recuassem,
deixando para trás cêrca de 150 homens, cinco capitães, três tenentes e
alguns outros oficiais, dos quais morreu um capitão. Os capitães prisio
neiros eram Samuel Lambert, La Montagne, Gerrit Schut, Kiliaen Sni-
jder, Daniel Koin; o tenente Joost Koyman, Antony Baliart, Jeronimus
Hellemans, com um porta-bandeira.
A 8 de janeiro o Sr. Van Goch, em nome do novo Conselho, comuni-
cou-se com os membros do antigo, no sentido de que, tendo ficado resolvi
da a remessa de numerosa força a Paraíba, em importante missão, o
novo Conselho desejava ser informado sôbre a atual situação daquela ca
pitania, bem como se as cidades de Paraíba e Santo-André poderiam ser
defendidas por pequena guarnição. Os membros do antigo Conselho res
Consultas
ponderam que a Cidade Frederica não dispunha de água potável, sendo
sôbre a
esta transportada de meio quarto de hora de distância. Nessas condi situação
ções, o seu suprimento poderia ser facilmente obstado pelo inimigo. O da Paraíba.
mesmo poderia acontecer com a passagem que conduzia à margem do rio.
Além disso não havia fortificações na cidade ; as que existiam pertenciam
ao mosteiro e não eram de grande monta; também a igreja de Duarte
Gomes havia sido fortificada pelo inimigo, durante a guerra. Quanto a
Santo-André, essa localidade nada mais era que um engenho de açúcar
situado na barranca do rio a quatro horas de viagem da cidade de
Paraíba. Disseram ainda que as comunicações entre essa localidade e o
forte Santa Margarida poderiam ser facilmente interceptadas pelo ini
migo, pois a distância entre a fortaleza e a cidade era de quase 4 horas
(373). Contudo a posição poderia ser socorrida sem dificuldade pelo rio.
O Sr. Van Goch prometeu apresentar um relatório ao Conselho.
A 12 de janeiro, o Conselho recebeu informação de que o inimigo
tinha invadido a Paraíba com poderosa força e tendo avançado até pró
ximo ao engenho de Santo-André, surpreendeu à noite cêrca de 50 holan
deses e brasileiros, entre os quais mulheres e crianças. Em sua fúria,
os soldados haviam aberto a barriga das mulheres.
No dia seguinte o inimigo fêz novamente distribuir panfletos dizen
do, em resumo, que, desde que o povo do Recife não mais tinha esperança
de reforços, o melhor seria chegar a um acordo, pois os portugueses
estavam dispostos a tudo tentar antes de abandonar seu objetivo. Se
porém o acordo não fosse possível, êles destruiriam todo o país antes

(373) O tradutor inglês escreveu 4 léguas (cf. p. 189, l.a col., 4." § da ed.
holandesa e p. 131, 2.» col. penúltima linha da trad. inglêsa).
276 JOAN NIEUHOF

de abandoná-lo. Os folhetos insinuavam ao povo que se não deixasse


enganar por pessoas ligadas à Companhia que os chamavam rebeldes.
A êles essa classificação não cabia melhor que aos próprios holandeses
cuja liberdade usavam contra o Rei da Espanha.
A 17, quatro negros de propriedade de Isaac de Rassier que haviam
sido aprisionados dias antes, na Paraíba, de lá vieram para o Recife,
informando que o inimigo depois de se demorar um pouco na Capitania,
onde matou cinco holandeses e alguns brasileiros, retirou-se finalmente.
Pelo alvorecer do dia 22 de janeiro, o adversário iniciou o seu ata
que ao forte de madeira próximo a Barreta, partindo de uma bateria
situada à margem meridional do rio. A ação prosseguiu durante o dia
todo e só cessou à noite. A guarnição dêsse forte foi reforçada, mais ou
menos ao meio-dia, por cinco companhias e alguma provisão, porque o
Sr. Hamel, um dos membros do velho Conselho, representou ao Sr. Van
Goch dizendo que, conquanto o forte em si não valesse a pena, não seria
aconselhável abandoná-lo justamente quando o inimigo iniciou o seu ata
que, para que isso não o estimulasse a atacar também outras fortifica
ções nossas. Pelo contrário enquanto o inimigo encontrasse forte resis
tência, não seria tão pressuroso em tentar o ataque dos outros. Além
disso tínhamos a vantagem de poder socorrer a nossa guarnição por meio
de botes, na mará alta, e, na baixa, por sôbre os bancos de areia. Podía
mos também atacar o inimigo em suas trincheiras, com nossas baterias de
bordo, como o tínhamos feito naquele dia.
Para melhor elucidar o Conselho, ordenou-se a confecção de um ma
pa do Recife e suas adjacências, até Barreta, mostrando os rios tortuosos
e pântanos.
Na manhã de 24 de janeiro, correu a notícia de que o inimigo tinha
levantado o assédio do forte de Barreta na noite anterior, retirando com
tôda sua artilharia, pois convencera-se de que enquanto pudéssemos ata
cá-lo da costa e reforçar diariamente a nossa guarnição com tropas fres
cas, não poderiam esperar senão sucesso relativo. Além de ter o nosso
povo de lutar contra o inimigo e a fome, era constantemente afligido com
novas deserções : muitos de nossos soldados, os próprios sargentos e alguns
oficiais bandearam para o inimigo quando já os navios Valk e Elizabeth
estavam à vista do Recife.
Os antigos membros do Conselho iniciaram, então, seus preparativos
para a viagem de regresso à Holanda, tendo já, em 24 de dezembro de
1646, (374) solicitado do Sr. Schonenburgh, novo Presidente do Conselho,

(374) O tradutor inglês omitiu a data 24 de dezembro (cf. p. 190, 2.a col., 2.°
§ da ed. holandesa e p. 132, 2.° col. 3.° § da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 277

que ordenasse o aprestamento de navios que os transportassem. Para isso


fora destacado o Vlissingen. Entretanto, como êsse barco não regressasse
da missão de que fora incumbido, os antigos conselheiros comunicaram-se
com o Sr. Van Goch a 25 de janeiro de 1647, alegando que não obstante
sua nomeação estipular que deveriam regressar à Metrópole em três anos, Os antigos
Unham permanecido no Brasil seis. O Sr. Kodde de fato tivera permis membros do
são para regressar, mais ou menos por aquela época, mas, não lhe tendo Conselho
pedem per
sido dado substituto, faleceu antes que pudesse regressar. Diziam, ainda, missão para
os antigos membros do Conselho que durante os três últimos anos haviam regressar.
insistido em seu pedido de permissão para regressar à Holanda, tendo-lhes
iido prometido, dois anos antes, que seriam substituídos. Essa promessa,
entretanto, não se havia efetivado senão poucos meses antes, com grandes
inconvenientes para êles e suas famílias. O Sr. Van Goch prometeu,
então, aos antigos conselheiros, providenciar para que fossem aprestados
os navios bem como ordenar que o Vlissingen voltasse a-fim-de que pudes
sem eles regressar à Metrópole.
No tempo em que o novo Conselho assumiu o poder e os antigos conse Relação doa
lheiros srs. Hendrik Hamel, Adriaen Bullestrate e Pieter Bas voltaram fortes em
à Holanda, os seguintes fortes (375) ainda se achavam na posse da Com mãos dos
holandeses.
panhia das índias Ocidentais:
0 forte Keulen, na desembocadura do Rio Grande, artilhado com 28
canhões de bronze e um de ferro.
O reduto de Santo-Antônio, do lado norte do Rio Paraíba, dispondo de
seis canhões de ferro;
O forte Restinga, situado na ilha do mesmo nome, no Rio Paraíba,
armado com quatro canhões de bronze e cinco de ferro ;
O forte Margarida> à margem meridional do Paraíba, guarnecido
com 14 peças de bronze e 24 de ferro;
O forte de Orange, na Ilha de Itamaracá, que contava com seis peças
de bronze e sete de ferro ;
A velha bateria de Nossa Senhora de Conceição, a cavaleiro do
morro de Itamaracá, com 2 peças de bronze e 8 de ferro;

(375) Na edição holandesa o autor enumera os fortes e a sua localização, e,


depois, enumera-os de novo, declarando, então, o seu equipamento. O tradutor in
glês, com o fito de evitar a repetição, enumerou-os, dando-nos a localização e o equi
pamento de uma só vez. (cf. p. 191, 1.» e 2.» cols. da ed. holandesa e p. 131, 1.» col.
da trad. inglêsa). Cometeu, porém, o tradutor inglês um equívoco ao escrever sobre
o forte Triangular que "o segundo era provido de 14 canhões de bronze", pois tal não
existe na ed. holandesa, (cf. p. 191, 2.» col. 2.» linha da ed. holandesa e p. 133, 1.»
col. 31.» linha da trad. inglêsa).
Encontra-se no Breve Discurso (XV, p. 179-189) outra minuciosa descrição dos
fortes em posse dos holandeses.
278 JOAN NIEUHOF

O reduto denominado Madame de Bruin, artilhado com 3 canhões;


O forte de Bruin, com 14 canhões de bronze;
O forte Waerdenburgh, e o Forte Triangular, situados entre a for
taleza de Bruin e o Recife; o primeiro provido de 4 peças de bronze e
cinco de ferro;
O Forte da Terra, aliás Forte São João, com 11 peças de ferro;
O Forte d'Água, na foz do Rio Recife, dispondo de 7 canhões de
bronze ;
O Forte Ernesto, artilhado com cinco canhões de bronze e três
de ferro, e o Forte Bateria, com 5 peças de bronze e 2 de ferro;
No Recife:
A cidade Maurícia, na Ilha de Antônio Vaz;
O forte Frederico Henrique, aliás, forte Quinquangular ;
O Reduto da Pedra, junto ao forte Frederico Henrique ;
O reduto Kijk, entre o forte Frederico Henrique e o forte Prín
cipe Guilherme;
O Forte sôbre o Rio Afogados.
Fortes em Os fortes conquistados pelos portugueses aos holandeses e então
mãos dos na posse dos primeiros eram:
portugueses.
Sergipe-d'El-Rei, Rio São Francisco e Pôrto-Calvo, reduzidos pela
fome, foram demolidos pelos portugueses cientes de que os nossos não
poderiam lá se manter sem construir novas fortificações o que não se
conseguiria sem grandes despesas. Junto a ponta de Tamandaré, onde
os portugueses procedentes da Baía primeiro desembarcaram seus homens
e mais tarde sua frota foi desbaratada pela nossa, o inimigo lançou as
fundações de um forte para defesa do pôrto onde navios de grande porte
podiam ancorar com segurança.
Conferência A 23 de janeiro o Novo Conselho determinou que o Sr. Beaumont
sôbre o Rio conferenciasse com os antigos conselheiros a respeito da situação do Rio
São Fran São Francisco, bem como sôbre o que seria melhor fazer lá. Os velhos
cisco
membros do Conselho responderam ao Sr. Beaumont da mesma forma
por que já anteriormente o haviam feito, isto é, como estava o forte,
pouco serviço poderia prestar e que, portanto, seria ocasião de conside
rar se a proposta que haviam feito por escrito deveria ou não ser posta em
e sôbre prática. Perguntou mais o Sr. Beaumont se não seria necessário cons
Barreta. truir um reduto de terra para a defesa de Barreta. A isto os do velho
Conselho responderam que, considerando a grande despesa a ser feita e
os parcos resultados que se podiam esperar dessa obra, seria mais conve
niente construir tal defesa em outro lugar que facilitasse a nossa passagem
para o interior. O Sr. Beaumont achava que assim o inimigo estaria im
pedido de avançar até o forte Quinquangular. Entretanto, os antigos
MEMORÁVEL VIAGEM MAEÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 279

conselheiros ponderaram que, a despeito de têrmos agora um forte em


Barreta, não poderíamos impedir que o inimigo penetrasse naquela ilha,
junto ao forte, a menos que para tanto mantivéssemos lá força conside
rável. Disseram mais que não deveríamos temer que o inimigo trans
portasse artilharia para essa posição, porque sua retirada poderia ser cor
tada na cheia ; nem poderia o adversário de lá hostilizar por demais o Re
cife, pois nem mesmo os tiros das nossas maiores peças instaladas no
forte Quinquangular (376) poderiam atingir aquela ilha.
Na mesma noite os srs. Van Goch e Haecxs informaram os antigos
conselheiros que o Hollandia e o Vlissingen — logo estariam prontos pa
ra conduzi-los à Holanda. De fato êsse último navio tinha tido ordem
de regressar imediatamente da Baía, para onde seguira em serviço de
patrulhamento.
Por essa ocasião o inimigo tinha já de tal forma apertado o cêrco O Recife
do Recife, por terra, que mal podíamos arriscar um olhar para fora dos rigorosa
mente blo
portões. Certo cidadão português havia nos preparado surprêsa ainda
queado.
pior, pois convidara todos os nossos chefes militares para o casamento
de sua filha, a-fim-de que, durante a cerimônia, o inimigo supreendesse
a cidade. Todavia, o plano foi descoberto em tempo por alguns portu
gueses e judeus que o fizeram frustrar.
Mais ou menos a 15 de outubro os portugueses iniciaram a recons Os portu
trução do forte Bom Jesus — que nós chamamos Altena — do outro gueses re-
lado do rio. Tivemos notícia do fato por intermédio de desertores; en constroem
um forte.
tretanto, não pudemos averiguar a verdade visto como, com os tiros de
suas peças, os portugueses nos impediam de aproximar do lugar que,
além disso, era todo cercado de matas. Logo, porém, que abateram a ve
getação, não só vimos o forte como sentimos os seus efeitos através do
trovejar contínuo da artilharia contra a cidade. O bombardeio causou
tal desalento no povo, que se torna difícil descrever. Muita gente che
gou a se esconder dentro de túmulos, para evitar a fúria do canhoneio
inimigo.
Foi então que tive ocasião de assistir uma cena horripilante : certa Medonha
cena.
moça, sobrinha do falecido Almirante Lichthart, quando em visita a uma
sua conhecida recentemente casada, teve ambas as pernas decepadas por
uma bala de canhão que, ao mesmo tempo, matou no lugar a recém-casada.
Aos primeiros gritos das vítimas, corrí ao local — pois morava nas vizi-

(376) O tradutor inglês escreveu Frederick William (p. 133, 2.a col., 2.° §) ;
não existiu forte algum com êste nome, pois havia o forte Frederick Hendrik ou
Quinquangular ou o Forte Prins Willem (Principe Guilherme). O autor escreveu
Vijfhoek, isto é, Quinquangular (p. 192, l.a col.).
280 JOAN NIEUHOF

nhanças — e presenciei o martírio dessas pobres criaturas. A moça agar-


rou-se às minhas pernas com tal fúria, que dificilmente consegui tirá-la.
Era um espetáculo compungente ver-se o soalho coberto de membros dila
cerados dessas pobres vítimas. A moça também morreu três dias depois.
Logo após essa impressionante ocorrência, por pouco escapei de idêntica
sorte, pois, conversando com algumas pessoas, quando estava de ronda,
duas delas foram atingidas por um tiro de canhão que as abateu imedia
tamente. Uma terceira teve ambas as mãos decepadas, no momento em
que acendia o cachimbo. Removemos do pôrto todos os navios, receando
que fossem os mesmos postos a pique. Por essa época o Coronel Schkoppe
havia conquistado e arrasado Itaparica de onde apenas 2000 portugue
ses conseguiram fugir. Contudo, os vários encontros mal sucedidos que
tivemos com os portugueses reduziam diàriamente as nossas forças, ao
passo que as dêles aumentavam. O Coronel Schkoppe teve ordem de de
terminar ao Coronel Hinderson que abandonasse o Rio São Francisco e
fosse se ajuntar a êle em Itaparica. Entretanto, de pouco valeu o expe
diente, pois logo tivemos que abandonar Itaparica para socorrer o Re
cife. Todo o nosso poderio militar consistia agora em 1800 homens, con
centrados no Recife, onde não haveria provisões para mais que sete me
ses. Pois isso discutiu-se várias vêzes sôbre o que seria melhor fazer em
tais circunstâncias. O Coronel Schkoppe e outros oficiais foram de opi
nião que se não arriscasse um novo encontro, pois as nossas forças eram
de tal forma inferiores às do inimigo, que deveríamos esperar por me
lhor oportunidade. Entretanto a maioria opinou que se experimentasse
Os holan- uma. sortida em massa, para libertar o Recife. O comando supremo da
deses ten- emprêsa foi confiado ao Coronel Brink, porque o Coronel Schkoppe ainda
tam ama se não havia restabelecido dos ferimentos recebidos durante o último en-
sortida contro. À noite as nossas forças marcharam até Guararapes (377), lu-
geral. gar que ja no ano anterior nos havia sido fatal pela derrota que as nos-

(377) Nieuhof deixou de relatar a primeira batalha de Guararapes, fazendo


apenas referência à derrota que, no ano anterior, haviam sofrido os holandeses. 0
tradutor inglês inventou, porém, a data de 15 de janeiro de 1647 (cf. p. 195, — está
195, mas deve ser 193 — 2.° col. 3.° § da trad. inglêsa).
A primeira batalha verificou-se no domingo da Páscoa, dia 19 de abril de 1648.
As forças" brasileiras compunham-se de 2.200 homens dirigidos por Francisco Bar
reto de Meneses e os holandeses, chefiados por Sigemundt Schkoppe, de 4.500
homens. Essa é a melhor cifra, aceita por Netscher (LXIII, p. 158) , Barão do
Rio-Branco (LXXV, p. 291), Wãtjen (XCVI, p. 264), Souto Maior (LXXXVin,
p. 382), Varnhagen (LXXII, p. 59, 61). Souto Maior (LXXXVIII, 382-391) mostra-
-nos que Haecxs calculou as forças holandesas em 5.000 e as nossas em 3.000. D«
With, em 5.500 as holandesas e as nossas em 2.350 (cf. Relatório do Presidente e
Conselheiros aos Altos e Poderosos Senhores, 22 de abril de 1648, Liassen Staten-
General Westindische Compagnie, Nr. 5775). O relatório de Haecxs foi publicado
por Naber (cf. Prefácio). Entre os nossos, Rafael de Jesús (XLIV, 569-570)
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 281

sas forças sofreram. Os campos adjacentes ainda estavam cobertos de


ossos de soldados holandeses. Logo que os portugueses perceberam o
movimento de nossas tropas, abandonaram o Forte Altena, que imedia
tamente ocupámos, arrancando assim um estrepe de nosso pé. Todavia,
o dia 16 de Abril foi, para nós, o pior de quantos no Brasil experimentá
mos em muitos anos, pois, a-pesar-da bravura com que o nosso exército
atacou o inimigo e da firmeza com que, durante algum tempo, sustentou

calcula em 7.400 soldados, 1.400 negros, 700 gastadores, ao todo, com escravos, etc.,
12 a 13.000 homens e os nossos em 2.500. Fernandes Pinheiro (LXVIII, p. 317)
calcula em 4.500 soldados e 150 tapuias da parte holandesa.
Variam, também, os cômputos dos feridos e mortos; mas o certo é, sem dúvida,
o dado por Varnhagen (LXXII, p. 62), isto é, 515 mortos e 523 feridos, sendo 74
oficiais fora de combate. Rodolfo Garcia confirmou a relação dada por Varnhagen,
ao transcrever o ofício do Supremo Conselho no Recife aos Estados Gerais, datado
de 22 de abril de 1648; êsse documento encontra-se entre os Documentos Holandeses
coligidos por Caetano da Silva na Holanda; encontram-se aí especificados os nomes
dos oficiais mortos e os soldados pertencentes às respectivas companhias (LXXII,
p. 75-79, nota VII de Rodolfo Garcia). O Barão do Rio-Branco aceita o mesmo
relato. Wãtjen e Netscher (XCVI e LXIII, pp. 264 e 158 respectivamente) cal
culam em 470 mortos e 523 feridos. Handelmann (XL, p. 247-248) avalia em 400
mortos e 500 feridos; finalmente, o sempre inexato e hiperbólico Rafael de Jesus
(XLIV, p. 594) em 1.200 mortos, entre os quais 180 oficiais. Entre os brasileiros,
84 mortos e 400 feridos (Barão do Rio-Branco, LXXV, p. 291). Rodolfo Garcia
(LXXII, p. 79, nota VII) baseou-se no relato oficial de Francisco Barreto (Rev. do
Inst. Hist. e Geog. Bras., 56, parte 1, 71/75). J. F. Pinheiro (LXVIII, p. 321).
Handelmann exagerou as nossas perdas, calculando-as em 500 brasileiros entre fe
ridos e mortos (XL, p. 248).
Quanto à segunda batalha de Guararapes, que Nieuhof datou de 16 de abril,
laborando em êrro, verifica-se que o tradutor inglês piorou o êrro, marcando-lhe a
data de 16 de maio (cf. p. 193, 2.» col. 4.° § da ed. holandesa e p. 134, 2.» col. 23.»
linha da trad. inglêsa). Sôbre essa segunda luta, variam também os cálculos sôbre
os efetivos e os mortos, parecendo-nos, porém, que os melhores foram os feitos por
Varnhagen e Rodolfo Garcia. Segundo o Barão do Rio-Branco (LXXV, p. 146, 147),
as nossas fôrças compunham-se de 2.750 homens e as dos holandeses de 4.200 ou,
segundo os escritores portugueses, 6.000. Rafael de Jesus (XLIV, p. 618) calcula
em 5.000 homens; as perdas foram em número de 1.800, contando com índios, preto3,
marinheiros e feridos; e os brasileiros 60 mortos e 250 feridos. Essas cifras de
mortos e feridos estão exageradas, pois, segundo Varnhagen (LXXII, p. 94), os
holandeses perderam 1.045 homens e os nossos 45 mortos e duzentos feridos. Ro
dolfo Garcia, nota II a p. 128-39) mostrou que as perdas holandesas montaram a
1.044 e as nossas êle as calculou no mesmo número que Varnhagen. Segundo do
cumento Lyate vande hoge ende lage Officieren mitsgaders de gemeene soldaten
deweleke in Batalie teghens de Portugiesen aenden Bergh van den Guararapes (3
mijl van't Recif) doot zijn gebleven op den 19 Februarius 16U9 (isto é Relação dos
Oficiais, sub-oficiais e soldados rasos que caíram mortos a 19 de fevereiro de 1649,
na batalha contra os portugueses no monte dos Guararapes (3 milhas do Recife),
existente na Bib. Nacional, Miscelânea, IV, 428, n. 139 do Catálogo da Exposição
Nassoviana, 1929, vol. LI, 1938, o número das perdas holandesas foi de 1.043. Do
lado holandês, deve-se, portanto, comparar esta lista (Anexo II) pela primeira
vez publicada, com a que se encontrava nos Documentos Holandeses, vol. 4, fls.
198-201, publicada por Rodolfo Garcia LXXII (note II a p. 128-139). Do lado
brasileiro, a Relación de la Victoria que los portugueses de Pernambuco Alcançaron
de los de la Compania dei Brasil en los Garerapes a 19 de Febrero de 16U9, Tra-
dueida dei Aleman, publicada en Viena de Áustria, Ano 16U9 (B. Nacional, IV-211,2,19
(3), 10 pp., publicada na Rev. do Inst Hist., Geog. Bras., vol. 22, p. 331-337; e noa
Anais da Bib. Nacional, vol. 20, p. 153-157.
282 JOAN NIEUHOF

a luta, o adversário, animado pelos últimos sucessos e confiante em sua


superioridade numérica, conseguira finalmente, com 2500 de seus me
lhores soldados, forçar nossas linhas. Obrigado a desistir da luta o exér
cito holandês bateu em retirada perseguido por 150 cavalarianos. Tan
to na luta como na fuga, as nossas perdas ultrapassaram de 1.100 ho
mens, entre os quais o Coronel Brink e quase todos os demais comandan
tes. Perdemos ainda 19 bandeiras bem como tôda a artilharia e muni
ção que havíamos levado. Somente depois de cinco dias conseguimos
permissão para enterrar os mortos que, já processos de franca putrefa-
ção, devido ao calor causticante do sol, exalavam um cheiro nauseabundo,
terrível.
Essa foi a última tentativa que poderíamos ter feito em campo aber
to. Todos os nossos cuidados futuros se concentrariam na manutenção
e defesa do Recife, a menos que recebêssemos novos reforços da Me
trópole. Entretanto, sendo assaz demorada a remessa de recursos, co-
meçou-se a recear que, se Deus Onipotente não nos enviasse algum alí
vio repentino, seríamos finalmente forçados a abandonar também aquela
praça à mercê do inimigo. O Grande Conselho atirou a responsabilida
de dos últimos desastres sôbre o Conselho de Guerra e êste, por sua vez,
alegou que a tropa estava mal equipada e há tempos não recebia sôldo.
Quanto a mim, vendo que as cousas iam de mal a pior, achei que o melhor
seria pedir um passaporte para voltar à Holanda, documento êsse que
só com grande dificuldade conseguí. Pus-me então a me preparar para
a viagem.
Entretanto, antes de deixar o Brasil, desejo dar ao leitor rápida no
tícia dos produtos do país.
Sendo rica a Capitania de Pernambuco e o Brasil, em geral, não só
em gado, mas, também, em diversas qualidades de ervas, árvores e fru
tos, daremos de tudo informação sucinta. Começaremos pela Manãiiba
e sua raiz, denominada mandioca, na qual os brasileiros têm o seu prin
cipal gênero alimentício. A maior parte da América desconhece até ago
ra o trigo ou qualquer outro cereal. A natureza, porém, lhes deu cer
to arbusto, cuja raiz, depois de sêca e assada, como fazemos ao nosso pão,
constitue o alimento comum aos habitantes da América. Êsse arbusto
viceja por tôda parte em quantidade e é chamado pelos brasileiros Mor
niiba e Mandiiba; à sua raiz chamam mandioca. Há diversas varieda
des dêsse vegetal às quais os brasileiros dão diferentes nomes. À raiz
de tôdas elas, porém, chamam mandioca. Suas folhas são pequenas, lon
gas e ponteagudas, desenvolvendo-se em compridas hastes ou ramos, ca
da um dos quais tem seis ou sete folhas agrupadas, lembrando o forma
[
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 283

to de uma estrêla, a que os brasileiros chamam Maniçoba (378). 0


caule, que se caracteriza por numerosos nós, não excede de uma pole
gada de diâmetro, mas atinge a seis e às vêzes sete pés de altura: daí
brotam diversos ramos que, por sua vez, produzem galhos mais finos de
onde nascem as folhas já descritas. A planta dá uma florzinha amarelo-
-claro, com apenas cinco pétalas, dentro das quais se notam tênues fila
mentos que, finalmente, se transformam em sementes. A raiz, mandioca,
assemelha-se ao nabo em formato, mas tem dois ou três pés de compri
mento e mais ou menos a grossura de um braço. Sua casca parece-se
com a da aveleira, mas sua polpa é branca e produz um suco que faz
mal aos animais. Essa planta prolifera em terreno sêco, adusto e are
noso, e tal é a sua natureza, que se torna necessário plantá-la somente
durante o verão, quando mais se beneficia do efeito solar. Para o seu
plantio, abatem o mato, tanto no morro como nas planuras, por meio
de queimadas, e depois preparam o solo. Essas plantações são deno
minadas, pelos brasileiros Co, pelos portugueses Roça ou Chokas e pelos
nossos Rossen. As plantações desenvolvem-se em montículos como os
que fazem as toupeiras; a êles chamam os portugueses Monte de Terra
Cavada, e os brasileiros Cujo (379). Êsses pequenos cômoros distan-

(378) Nieuhof não foi absolutamente original neste trecho referente à Man
dioca. Em alguns trechos se baseia em Marcgrave ou em Piso, e, em outros, copia
literalmente o que escreveram os mesmos. Os capítulos plagiados são: De Piso:
Capítulo II do livro IV — De Mandioca (p. 52-55) ; de Marcgrave: o capítulo IV do
livro II (p. 65-68). Indicaremos nos respectivos lugares os trechos plagiados. Não
sabemos o motivo que terá levado Wátjen (XCVI, p. 445) a afirmar que a melhor
descrição da Mandioca foi a feita por Nieuhof. O curioso é que êle não desconhecia
o trabalho de Piso e não ignorava a descrição de Barlaeus. Pondo de lado o traba
lho de Barlaeus, que se utilizou de material acumulado por outros, é de se admirar
tal afirmação, pois melhor do que a descrição de Piso, só a de Marcgrave. E isso admi
tindo ainda a originalidade de Nieuhof, que, como sabemos, é inexistente. Cabe,
ainda, acrescentar que a tradução alemã feita por Wãtjen da descrição da Mandioca
de Nieuhof, além de resumida, contém lapsos (cf. p. 283-284 da ed. alemã Das hollan-
dische Kolonialreich in Brasilien. Haia e Gotha, 1921, ou p. 445-446 da trad.
Brasileira, XCVI). Em Piso (LXX, 52), Maniiba & Mandioca: em Marcgrave
(LXX, 65), Mandijba & Maniiba, Mandioca; (Vide sôbre os nomes diferentes Hoene,
CHI, p. 205). Em Soares, Mandioca (LXXXVI, p. 186-188); em Gandavo (XXXVI,
p. 43 e 95); Cardim (XIX, p. 60). Em Abbeville (XXXVIII, p. 46), Manioch; era
Léry (LII, p. 112), Maniot; segundo Batista Caetano não é fácil explicar a etimolo
gia desta dicção, que se acha modificada em outras línguas; não resta dúvida que
vem do abafieenga; os vocabulários não a registam (III, p. 216, 127). Mandiiba
segundo o mesmo autor (XLVI, p. 216) é nome da árvore da mandioca; regista
também (III, p. 217) manib — como árvore de mandioca.
Maniçoba em Piso (LXXI, p. 116). Segundo Batista Caetano (III, p. 216),
mandiiçob ou maniçob = folha de mandioca.
(379) Em Marcgrave (LXX, p. 66) qui Brasiliensibus voeatur Co, Lusitani»
Roza. Cô, segundo o Dicionário Português-Brasiliano (XXX, p. 223), significa roça,
quinta, sítio.
Em Marcgrave (LXX, p. 66), Terra elaborata efformatur in montículos, Lusitani
vocant Monte de terra cavada, Brasilienses Cujo.

y
284 JOAN NIEUHOF

ciam-se cerca de dois pés e meio um do outro e têm mais ou menos


três pés de circunferência por meio de altura, de maneira . que as
águas pluviais se escoam fàcilmente. Em cada um dêsses montículos,
plantam-se, geralmente, três hastes de mandioca, de 9 ou 10 polegadas de
comprimento, ou mesmo de um pé, sem folhas. Essas hastes logo bro
tam e dão novas folhas, produzindo, finalmente, outras raízes que não
podem ser transplantadas, porque, tão logo são desenterradas, apodrecera
e cheiram mal. Cêrca de 10 dias depois de fincadas no chão, essas has
tes produzem tantos novos ramos quantos nós têm. Os novos galhos
têm o comprimento de um dedo e dêles brotam muitos outros menores,
arroxados. As plantações precisam ser capinadas três ou quatro vêzes
ao ano, pois o mato cresce em abundância no mandiocal, asfixiando-o an
tes que se desenvolva completamente. Os galhinhos e as folhas da man
dioca são, em geral, terrivelmente infestados de formigas. Também as
cabras, o gado, os cavalos e os carneiros apreciam as folhas da mandioca,
e, por isso, as plantações precisam ser cuidadosamente cercadas com
moirões e ramos de árvores. As abelhas e vários outros insetos brasi
leiros também atacam êsse arbusto que, entretanto, ainda mesmo quan
do totalmente despido de sua folhagem, nada sofre, desde que fiquem
intactas as raízes. Estas não atingem o seu desenvolvimento máximo
antes de um ano; entretanto em caso de necessidade, podem-se desenter
rá-las com seis meses de idade, mas, nesse caso, é reduzido seu rendimen
to em farinha. Cada pé produz duas, três, quatro e até vinte raízes
conforme a fertilidade do solo, e quando estão maduras conservam-se por
dois ou três anos em baixo da terra. Entretanto, ao cabo de um ano é
bom colhê-las, pois, caso contrário, muitas delas podem se deteriorar. Se
o ano for muito chuvoso, torna-se necessário desenterrá-las ainda que só
estejam meio amadurecidas. Depois de arrancada, a raiz não dura mais
que três dias, pois, a-pesar-de todo cuidado que se tenha com ela, deita
mau cheiro. Por êsse motivo, em geral não se colhe mais que a quantidade
necessária para se fazer farinha. A raiz chamada Mandybumam cres
ce e amadurece mais rapidamente que qualquer outra e produz a melhor
farinha. Prefere terreno arenoso e regiões quentes. Entretanto a va
riedade mais generalizada é a denominada Mandiikparata (380), que se
Preparação desenvolve em qualquer terreno. A farinha prepara-se da seguinte ma-
da farinha. neira: depois de colhida, a raiz é descascada e lavada em água limpa.
Aplica-se então a extremidade da mesma contra uma grande roda de qua
tro ou cinco pés de diâmentro, coberta por uma chapa de cobre ou de

(380) Em Marcgrave (LXX, p. 66) Mandiibimana e Mandiibparata.


MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 285

ferro repleta de furos com bordos cortantes, qual ralo para noz-moscada.
0 movimento contínuo da roda rala a mandioca em pequenas partículas
que vão caindo em uma gamela. Essa roda é chamada, pelos brasileiros,
Ibecém Babaca, e, pelos portugueses, Roda de Farinha (381). O reci
piente é denominado Meekaba, pelos brasileiros, e, pelos portugueses,
Cocho de ralar mandioca (382). Todavia, as pessoas mais pobres têm de
se arranjar com um ralo manual a que chamam Tapiti (383). A raiz,
depois de ralada, vai para um saco tecido de fibras vegetais, medindo
cêrca de quatro polegadas de largura a que os portugueses chamam Es-
premedouro de Mandioca (384). Depois de cheio o saco, é o mesmo colo-
lado em uma prensa onde a mandioca já ralada perde todo o sumo (dota
do de propriedades tóxicas), chamado Manipuera ou Manipueira pelos
brasileiros e água de mandioca (385) pelos portugueses. A próxima fase
do processo consiste em fazer a massa passar por uma peneira a que os
brasileiros dão o nome de Urupema (386). Daí a farinha vai para um
recipiente de cobre, ou forno, que é levado ao fogo. A farinha é então
constantemente revolvida com uma pá ou espátula de madeira, até secar
perfeitamente. A êsse algidar os brasileiros chamam Vimovipada, e à
espátula denominam Vipucuitaba. Antes de bem sêca, os brasileiros cha
mam a farinha Vitinga e os portugueses Farinha Ralada. Quando, porém,
já está completamente sêca e pronta para ser guardada, os brasileiros

(381) Em Marcgrave (LXX, p. 66) Rota haec vocatur Brasiliensibus Ibecem


Babaca Lusitanis Roda de farinha. Etim. talvez de Ibecê — aquilo que rala ou
lima (Batista Caetano, III, p. 188) + babáca, ger., revirando, ou>para revirar (B.
Caetano, III, p. 56) = aquilo que rala revirando.
(382) " Em Marcgrave (LXX, p. 66) Linter gui excipit rasurum vocatur Bra-
siliensibus Mieecaba LuMtanis Coche de ralar Mandioca. Deve ser cocho de ralar
mandioca. Em Batista Caetano (III, p. 265), Mêguâ = o que se introduz, s. o
receptáculo.
(383) Em Piso (LXX, p. 53), Tapiti. Em Staden (LXXXIX, p. 141), tippiti.
Em Soares (LXXXVI, p. 189), tapeti; segundo Varnhagen (LXXXVI, p. 458, nota
114), a pronunciação tipeti ou aportuguesadamente tipitim, temo-la por mais con
forme à dos indígenas do que a de tapeti, tapetim. Segundo Batista Caetano (III,
p. 529) tipiti = prensa.
(384) Em Marcgrave (LXX, p. 66) Miamiama dos Brasileiros e Espremedouro
de Mandioca dos Lusitanos. Em Batista Caetano (XLVI, p. 267), a etim. da pala
vra é miami, expremido, ordenado, daí miamiama, prensa, espremedouro de mandioca
em tupi.
(385) Em Marcgrave (LXX, p. 67) também Manipoera dos Brasileiros e
Agoa de Mandioca dos Lusitanos. Em Piso (LXX, p. 53), Manipuera. Em Schmie-
del, Mandeboere (in Hoehne, XLII, p. 70). Manipuera é o suco tóxico extraído da
mandioca ralada, quando se faz farinha. Segundo Batista Caetano (III, p. 216),
Handiopuera e mandípuera em tupi, vulgo manipuera.
(386) Em Marcgrave (LXX, p. 67) Vrupema dos Brasileiros e Joeira dos
Lusitanos. Em Soares (LXXXVI, p. 193) urepema "que é como joeira". No Di
cionário Brasileiro (XXX, p. 291) peneira; Varnhagen (LXXXVI, p. 458, nota
114) anotou outras grafias.
286 JOAN NIETJHOF

chamam-na Viata e Vicica, e os portugueses farinha sêca ou farinha de


guerra (387) por ser muito usada nessas ocasiões. Quanto mais sêca mais
tempo dura; entretanto, dificilmente se conserva por mais de um ano.
A mínima umidade estraga-a. Por êsse motivo tanto nós quanto os por
tugueses, seguindo o exemplo dos brasileiros, torramos a farinha em
cestos, sôbre brasas, para depois guardá-la. Bejús chamam-no os bra
sileiros (388).
O caldo que escorre da mandioca prensada, deixado a decantar, pro
duz, dentro de duas horas, um depósito a que os brasileiros chamam Ti-
pioja, Tipiaka e Tipiabika. Posto a secar, êsse resíduo constitue uma fa
rinha muito alva chamada Tipiocui com a qual preparam um bôlo assa
do a que chamam Tipiacika (389) e que tem tão bom paladar quanto
o pão branco. Êsse caldo pode ser cozido até adquirir a consistência de
uma papa que se pode comer ou usar para goma. Os portugueses adi
cionam a êsse angu, açúcar, arroz e água de flor de laranjeira preparan
do assim um doce delicioso. Chamam-no Marmelada de Mandioca (390).

(387) Em Marcgrave (LXX, p. 67), Vimovipada dos Brasileiros, e Forno de


Farinha dos Lusitanos. Em Batista Caetano (III, p. 553) ui moyípáb, forno de
farinha. Em Hans Staden (LXXXIX, p. 143), yneppaun. Teodoro Sampaio
(LXXXIX, p. 143, nota 118) explica a palavra, como significando forno. Dicion.
Bras. (XXX, p. 290), Vipucuitaba. Em Marcgrave (LXX, p. 67), a espátula Vi-
pucuitaba dos Brasileiros.
Vitinga — Em Marcgrave (LXX, p. 67). Vitinga dos Brasileiros, farinha
ralada dos Lusitanos. Segundo o Dic. Bras. significa Vitinga ou Uitinga, farinha
meio moída, branca. Batista Caetano (III, p. 553) regista uiti, farinha branca,
farinha torrada. Era, segundo Marcgrave, usada contra a úlcera.
Viata e Vicica. Em Marcgrave (LXX, 67) Viecacoatinga, integre autem sieca-
ta, ita ut durare possit vocatur Viata & Vicica, Lusitan. farinha Beca, farinha da
guerra. . . Hans Staden (LXXXIX, p. 142) registou V. y. than, que foi anotado
por Teodoro Sampaio: uitã — farinha dura.
A farinha de guerra foi descrita por Soares (LXXXVI, p. 194). Cardim (XIX,
p. 61). Gandavo (XXXVI, p. 44 e 95). A farinha de guerra não era somente
usada pelos índios quando faziam algumas jornadas, mas também como matalota-
gem pelos navios que da Baía seguiam para Portugal (LXXVIII, p. 38).
388) Em Staden byyu (LXXXIX, p. 142). Teodoro Sampaio (id., id-, nota
116) explicou que a palavra vem do tupi mbeyú, que quer dizer o enroscado, o en
rolado. Hoje, vulgarmente, beijú. Em Vicente Salvador (LXXVIII, p. 37), beijús
"que é muito bom mantimento e de fácil digestão". Em Soares (LXXXVI, p. 189):
afirma que é mantimento que se usa entre gente de primor, o que foi inventado peia»
mulheres portuguesas, que o gentio não usava deles. Gandavo (XXXVI, p. 44 «
95). Cardim (XIX, p. 62). Batista Caetano (III, p. 229) regista mbeyú, s. bolo
ou filó de farinha torrada. Existia uma espécie mais grossa, muito torrada de
beijús, que costumavam levar para o mar (LXXXVI, pz 195). Em Marcgrave (LXX,
p. 67), Beju.
(389) Êste trecho foi, talvez, copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67), que tam
bém regista: "Tipioja, Tipiaca & Tipiabica; Tipiocui".
(390) Marcgrave (LXX, 67) regista a Marmelada de Mandioca, feita com
adição de arroz e açúcar, enquanto que Nieuhof acrescenta ainda água flor de la
ranjeira. Piso (LXX, 54) fala também na flor de laranjeira. Isso faz crer que o
arroz fosse usado no nordeste no séc. XVIL
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 287

O caldo, Mandiga ou Manipuera (391), tem paladar adocicado; por isso


os animais o apreciam, mas, frequentemente, morrem depois de tê-lo
ingerido; é nocivo e tóxico mortal tanto para os homens como para os
animais. Conservado durante 1 dia ou 2, êsse caldo produz uns vermes
chamados Tapurú, pelos brasileiros (392). Entretanto, sabe-se por expe
riência, que êle perde as qualidades daninhas depois de 24 horas. Muitos
brasileiros fervem-no e o consomem livremente. Pode-se também cor
tar a raiz da mandioca em fatias, logo depois de colhida, e deixá-las de
infusão em água durante três, quatro ou cinco dias até começar a amo
lecer. Chamam-se então Puba, Mandiopuba ou Maniopuba (393). Os
selvagens que habitam os desertos e as florestas, torram na cinza essas
fatias e comem-nas, sem muito trabalho. A mesma Mandiopuba, torra
da ao fogo, é chamada Kaarima, e depois de moída em pilão de madeira
toma o nome de Kaarimaciu (394). Com esta farinha fazem uma papa
em água fervente que, temperada com um pouco de pimenta brasileira,
chamada Quiya ou flor de Nhambi, constitue delicioso prato, principal
mente quando servido com carne ou peixe, caso em que se chama Mingui-
pitinga (395) e é considerado pelos brasileiros uma de suas mais finas
iguarias. E' também muito saudável, pois essa Kaarima cozida junta
mente com flor Tipiaka (396) em água de flor da laranjeira e açúcar
até adquirir a consistência de um xarope constitue um bom antídoto. Fa
zem, também, uma espécie de goma, com a farinha chamada Kaarima,
a que dão o nome de Mingaupomonga (397) ; preparam, ainda, bolos
magníficos a ela adicionando água, manteiga e açúcar. Com os resíduos
da mandioca, ou raiz Mandiopuba de infusão na água, preparam uma
farinha semelhante ao miolo do pão, a que os brasileiros chamam Vipuba

(391) Êste trecho foi, talvez, copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67). Piso
(LXX, p. 54).
(392) Êste trecho é, também, copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67), que
regista: Tapurú.
(393) Êste trecho é, talvez, copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67), que
regista: Mandiopuba & Maniopuba. Piso (LXXI, p. 116) registou Puba; e (LXX,
p. 54), Mandiopiba.
(394) Êste trecho é, talvez, copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67), que
regista: "Mandiopuba; Caarimâ e Caarimâciu ". Piso (LXX, p. 54).
(395) Êste trecho referente ao Mingau é copiado de Marcgrave (cf. LXX, p.
67), que regista: "Quiya e Minguipitinga". Em Piso (LXX, p. 54), Mingau-pe-
tinga; Piso (LXXI, p. 116) regista a flôr Nhambi.
(396) Marcgrave (LXX, p. 67) não a menciona; Piso (LXX, p. 54) regista
Tipioca.
(397) Êste trecho foi copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67), que regista:
farinha de Caarima e Mingaupomonga.
288 JOAN NIEUHOF

e Viabiruru e os portugueses farinha fresca, e farinha d'água (398). E'


muito saborosa, mas, não dura mais que 24 horas. Se, entretanto, se
fizerem bolas ou rolos umedecidos, deixando-os depois secar ao sol, a
farinha d'água conserva-se por muito tempo. A esta última forma cha
mam Viapuã e Miapeteka. Os tapuias, e quase todos os outros brasi
leiros, preparam-na assim, e depois misturam-na com outra farinha cha
mada Viata (399), que lhe dá um paladar ainda mais agradável.
Prepara-se ainda a raiz de mandioca da seguinte maneira: depois
de lavada e cortada em fatias, são estas trituradas com uma "mão" de
madeira espremendo-se, em seguida, a pasta com as mãos a-fim-de ex-
trair-lhe o caldo ; depois de sêca, essa preparação chama-se Tina e Mixu-
kuruba (400).
Outra maneira de preparar a raiz da mandioca consiste em cortá-la
em pedaços de aproximadamente dois dedos de comprimento, por duas
polegadas de largura, e expô-los ao sol, sem espremê-los. Depois redu-
zem-se tais pedaços a pó, em um pilão de madeira. A êsse produto os
brasileiros chamam Tipirati e os portugueses dão o nome de farinha de
mandioca crua. Antes de reduzidos a pó, os pedaços de mandioca são
muitos alvos e podem ser usados como giz. Com essa farinha preparam
um ótimo pão branco e biscoitos chamados Miapeta, sendo que estes últi
mos são muito usados nos acampamentos, porque se conservam por mui
to tempo (401).
Da raiz Aipim macacheira, os brasileiros preparam agradável licor
esbranquiçado que se assemelha ao nosso sôro de leite e ao qual chamam
Kavimakaxera. A mesma raiz, mastigada e misturada com água, pro
duz outra bebida a que chamam Kaon Karaxu (402). Os bolos prepara-
rados com esta farinha, postos numa vazilha a fermentar com água, pro-
porcionam-lhes também uma espécie de cerveja forte.
Tôdas essas diferentes espécies de mandioca, se ingeridas ao natu
ral, são fatais ao homem, exceto a denominada Aipim macacheira que,
torrada, pode ser consumida sem perigo e tem bom paladar. Entretanto,

(398) Êste trecho foi, também, copiado de Marcgrave (f. LXX, p. 67), que
regista: Mandiopuba; Vipuba & Viabiruru; Farinha fresca & Farinha d agua-
Em Piso (LXX, p. 54), Vipeba.
(399) Êste trecho foi copiado de Marcgrave (cf- LXX, p. 67), que regista:
Viapuâ, Miapeteca e Viatâ.
(400) Êste trecho foi copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67) ; Tinâ & Mi-
xacuruba.
(401) Êste trecho foi copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67), que regista:
Tipirati ; Miapeatâ.
(402) Êste trecho foi copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67), que regista:
Aipimacaxera ; Cavimacaxera ; Caon Caraxu.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 289

todos os animais, domésticos ou não, alimentam-se tanto das folhas como


da raiz da mandioca que não só não lhes faz mal algum, mas ainda os
faz engordar bastante, a-pesar-de que o suco é tóxico, tanto para o ho
mem como para os animais (403). Os negros e os brasileiros trituram
as folhas em um pilão e, depois de cozê-las, adicionam-lhes gordura ou
manteiga e delas se servem como nós do espinafre. Os portugueses, e
até os holandeses, às vêzes usam êsse prato; preparam, também, uma
espécie de salada com essas folhas. Os brasileiros preferem o pão de
mandioca ao nosso, mas o europeu não se dá bem com êle, pois quando
usado longamente êsse pão faz mal ao estômago, aos nervos e corrompe
o sangue. Cêrca de meio alqueire (404) dessa farinha, que, às vêzes,
custa 4, 6, 8, 12 e mais florins por alqueire, basta para manter um ope
rário robusto durante um mês, e, quando plantada a mandioca da mesma
forma que o trigo, produz quatro vêzes mais. Existe uma variedade de
mandioca a que os brasileiros chamam Pitinga (405), cuja farinha cura
úlceras antigas. Essa raiz é igualmente encontrada na Ilha de São Tomé,
na de Hispaniola, em Cuba e nas ilhas vizinhas, bem como na maior
parte do continente americano, cujos habitantes chamam-na Yuka e Kas-
save. No México é conhecida por Quauhkamotli; ao pão feito com a fa
rinha, chamam Kazabis, Kazabi ou Kakavi. A raiz de mandioca é ori
ginária do Brasil; daí foi transplantada para outras regiões americanas
e para a África (406) . E' com sua farinha que os brasileiros bem como
portugueses, holandeses e negros crioulos fazem pão, que, depois do de
trigo, é de todos o melhor. Tanto assim que os nossos soldados preferi
ram receber em nossos celeiros sua ração em pão de mandioca a recebê-la
de trigo.
Desde a guerra de 1645, o prêço da farinha subiu para seis, sete,
oito, nove, dez ou onze florins por alqueire, e, como essa situação levaria
à ruína os engenhos, o Grande Conselho baixou ordens rigorosas para
que cada habitante da zona rural, de acordo com suas possibilidades, plan
tassem — sob penalidades severas —, cêrca de mil covas de mandioca
por ano. Assim foi que o prêço da farinha caiu a ponto de ser vendida

(403) Êste trecho foi copiado de Marcgrave (cf. LXX, p. 67) que regista:
Aipimacaxera.
(404) O tradutor inglês não foi fiel (Cf. p. 202, 2.a col. da ed. holandesa e
p. 138, l.* col. da trad. inglêsa).
(405) Trata-se da Vitinga, pois Marcgrave (LXX, p. 68) ao escrever sôbre
o uso da mandioca na Medicina afirma que a Vitinga sara as úlceras.
(406) Compare-se com o cap. VII, p. 68, de Marcgrave (LXX), onde êle dá
os diferentes nomes da planta em diversos países (Yuca, Cazave, Quauhcamotli) e
afirma que a planta é originária do Continente Americano. A mandioca é nativa
no Continente Americano e tem o seu centro no Brasil meridional e central. Cf-
Hoehne, p. 30, XLII.
290 JOAN NIEUHOF

no Recife à razão de quatro schellingen por alqueire, e por menos ainda


no interior (407).
Há, no Brasil, certa erva a que os naturais denominam Kaaeo e os
europeus chamam pelo nome latino Herba viva, (408) porque parece
murchar quando tocada; o mesmo acontece ao pôr do sol. Levaram-se
sementes dêsse vegetal para a Europa onde viceja perfeitamente.
Cabaças (409) são uma espécie de abóbora cuja casca, depois de
sêca, é tão resistente e forte que serve de vazilhame, como sejam, copos,
tigelas etc.. O admirável, porém, é que adquirem sempre formato di
verso; umas são redondas, outras ovais, umas grossas na ponta, outras
na extremidade. Essa planta floresce e frutifica uma só vez por ano.
A flor é amarela mesclada de verde; a polpa do fruto é branca a princí
pio, depois torna-se violácea. Seu paladar é passável, mas a fruta não
é saudável por ser muito adstringente.
A árvore a que os brasileiros chamam Imakaru, é de tamanho médio.
Tem o tronco redondo e a casca cinzenta e recoberta de pequenos espi
nhos. Os ramos crescem para cima e dêles brotam grandes folhas ova
ladas igualmente guarnecidas de espinhos. Existe ainda outra qualida
de de Imakaru, muito maior que a primeira, a que os brasileiros deno
minam Kaxabu e os portugueses chamam Kardon (410) ; cresce, ini
cialmente, no formato de uma grande folha octogonal, da qual saem
muitos espinhos; essa primeira folha produz outras iguais, tendo cada
uma três e às vêzes seis de comprimento e a grossura de um braço.
Aos poucos a primeira folha vai-se transformando em um corpo lenhoso,
esverdeado, mas um tanto esponjoso. As folhas que nascem dessa pri
meira, fazem as vêzes de ramos e produzem outras folhas. O tronco
dá uma única flor grande e o fruto, de formato oval, tem o volume de
aproximadamente dois ovos de galinha; sua côr é castanho-escuro e é
comestível. Êsse vegetal atinge grande altura. Há, ainda, outra va
riedade de Imakaru ou Kardon que se assemelha bastante a acima descri
ta, tanto no porte, como na flor e no fruto, diferindo apenas em que as
folhas são triangulares.

(407) O tradutor inglês escreveu três ou quatro florins por bushels; omitiu as
mil covas de mandioca e, mais adiante, escreveu dois shillings por três buaheU. (Cf.
p. 138, l.a col., l.° § da ed. inglêsa e p. 201, l.a col., 3.° e 4.° §§ da edição holan
desa). — Schelling: antiga moeda de prata, no valor de seis stuivers. O stuiver
vale 0,05 florins.
(408) Em Marcgrave (LXX, p. 73, cap. XII) Caaeo dos Brasileiros; Herba
viva do vulgo; Em Gandavo (XXXVI, p. 100-101). Em Cardim (XIX, p. 69).
(409) Nieuhof escreveu Kalabassen (p. 201, 2.a col., 1.° §).
(410) Em Marcgrave (LXX, 125) lamacurú (árvore de tamanho médio) e
(LXX, 126) Imacuru, árvore de grande tamanho, chamada pelos brasileiros Co*oi"
e pelos Lusitanos Cardon. Marcgrave (id., 23) regista também a planta.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 291

Prolifera ainda no Brasil um caniço a que os indígenas chamam


Paco Caatinga e os portugueses dão o nome de Cana do Mato (411). A Paco
haste é semelhante às dos outros caniços; tem cêrca de uma polegada de Caatinga,
diâmetro e sua polpa é adocicada. Suas folhas atingem oito ou nove
polegadas de comprimento, têm o formato de língua, e enquanto que de
um lado são verde-claro, lisas, de outro apresentam-se cobertas por
uma penugem branca. O fruto que essa planta produz não diverge muito
do abacaxi e mede cêrca de 10 polegadas de comprimento. Nasce no
tôpo da haste e é dividida em diversos gomos, os quais, abrindo gradati
vamente, exibem uma flor cinza-claro que esconde, por baixo, vinte ou
mais sementes pretas, brilhantes. O talo, mastigado, age como expecto
rante e dissolve as pedras da bexiga. É considerado, pelo Brasil todo,
excelente remédio contra a gonorréia, distúrbio que regulariza em oito
dias.
Por todo o território brasileiro, mas especialmente na Ilha de Ita-
maracá, floresce uma árvore chamada Cajui ou Cajú (412), que O pé e o
produz um fruto do mesmo nome. Suas folhas são verde-escuro, largas, fruto do
redondas e cortadas por numerosas nervuras. Êsse vegetal dá duas qua Cajú.
lidades de flores e de frutos : a flor branca que surge dos ramos inferiores
produz um fruto esponjoso, rico em sumo, que se assemelha à maçã e
tem qualidade altamente refrigerantes e adstringentes. Entretanto, a
flor vermelha do tôpo dá uma espécie de castanha. Os nativos tiram
largo proveito dessa árvore. Das maçãs, fazem uma excelente bebida
denominada Kasjouvi, de paladar um tanto acre; entretanto, adicionan-
do-se-lhe açúcar, assemelha-se a um agradável vinho do Reno; embe
beda rapidamente, mas o efeito é passageiro e não deixa consequências.
0 outro fruto come-se da mesma forma que a nossa castanha.

(411) Em Marcgrave (LXX, p. 102 a árvore e p. 48 a planta) Paco Caatinga


dos Brasileiros e vulgarmente Cana do Mato.
Nieuhof escreveu — emissão de sémen — ao invés de gonorréia e o tradutor
holandês escreveu emissão involuntária de sémen. (cf. p. 40, 2.» col. e p. 202, 1.»
eoL da ed. holandesa e p. 139, l.a col. da trad. inglêsa). V. nota 171.
Nieuhof extraiu êste trecho de Marcgrave (cf. LXX, 48), onde se verifica quo
a cana do mato era empregada contra a gonorréia ou esquentamento, como já era
chamada pelos portugueses, segundo afirma Marcgrave. Em Piso (LXX, 98), Paco
caatinga.
(412) Nieuhof escreveu Kasjoui ou Kasjou (p. 202, 2.a col.). Em Cardim
(XIX, 50). Em Soares (LXXXVI, 205). Em Marcgrave (LXX, 94), Acaiaiba &
Acaiuiba dos Brasileiros, cujo fruto chamam Acuiú e vulgarmente cajú. Em Piso
(LXX, 57), Acaju e Acayaiba: Em Léry (LII, 159), Acauí. Batista Caetano (III,
p. 21) regista acavu, por ser desconhecida no Sul só é registada nos Dicionários
tupis. Segundo Plínio Ayrosa (LII, p. 159, nota 382), provém de aká, caroço e jú,
sufixo, ou júm amarelo- Sôbre a expansão do fruto e do nome e os seus derivados,
vide Artur Neiva, Estudos da Língua Nacional, vol. 178, 1940, Brasiliana.
292 JOAN NIETJHOF

Entre os vegetais que proliferam tanto nas índias Ocidentais como


Pinoguaçú nas Orientais, acha-se o que os japoneses e holandeses chamam Papaia
on e os americanos apelidam Mamoeira e Pinoguaçú (413) ; os nossos às
Papaia. vêzes chamam árvore de melão dada a semelhança de seu fruto com o nos
so melão. Há duas qualidades dessa árvore: macho e fêmea. Cresce e
morre em curto espaço de tempo. Seu tronco é de tal forma esponjoso
que se pode cortá-lo com a mesma facilidade com que se corta um talo
de couve. As folhas são grandes e largas e assemelham-se às da videira,
desenvolvendo-se na ponta de longas hastes em torno do tôpo, onde pro
tegem os frutos, que nascem agrupados. Estes, verdes, quando novos,
tornam-se finalmente amarelos e têm o formato de uma pêra; seu porte,
entretanto, é o de um melão pequeno cuja polpa também lembra, tanto
em côr como em paladar, quando maduros. Quando verde, coze-se com
a carne a-fim-de dar-lhe certo gosto picante.
A pimenta vermelha, conhecida pelo nome de pimenta brasileira e
à qual os brasileiros denominam Chili Lada, cresce em hastes nodosas de
Chili Lada
ou pimenta cinco ou seis pés de altura. A casca é verde-escuro e ornada de anéis
brasileira, brancos; daí brotam pequenos galhos tortuosos de um palmo de compri
mento, dos quais surgem florzinhas brancas. Estas produzem um fruto-
zinho verde que, quando amadurece, se torna vermelho. Tanto o fruto
como sua semente são tão ardidos como a pimenta castanha, comum.
Nas índias Orientais preparam com a pimenta uma conserva a que cha
mam Aetzaer e usam-na no molho de peixe. No Brasil cortam duas ou
três pimentas verdes e misturam-se em azeite e vinagre ou caldo de limão
para servir de aperitivo; é, porém, muito quente para os que não estão
acostumados a êste molho, e para suavizá-lo adiciona-se certa quantidade
de sal. Esta qualidade de pimenta prolifera também nas índias Orien
tais, na Ilha de Java, na Bengala e em diversos outros lugares. Vi-a
também em alguns jardins, na Holanda. Há ainda um outro arbusto,
encontradiço das índias Orientais, que não difere muito do acima descri
to, tanto na conformação como no tamanho, e que produz flores amarelas;
os árabes chamam-no Halikakabus ou Alkekengi e é bastante conhecido
nestas paragens. A flor produz uma pequena vesícula que encerra o
fruto e as sementes. Não é tão grande quanto a nossa pimenta. Os in
dianos e chineses misturam-na com certa fruta a que os portugueses
chamam a Poma oVOro e Tamatas e os italianos Melansana; comem-na,
também, com pimenta brasileira. Os portugueses cortam a pimenta

(413) Em Marcgrave (LXX, 102-104), Mamaoeira dos Brasileiros, vulgarmen


te Papay, cujo fruto os Lusitanos chamam Mamão. Em Piso (LXXI, p. 159) se lê:
Utraque Pinoguaçu, Mamoeira Lusitana dicitur, vulgo Papay, cujos fructum Mamaon
voeant . . .
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 293

brasileira em fatias finas, a que adicionam óleo e servem como salada.


Êsse prato é considerado ótimo remédio para as convulsões estomacais,
tão comuns nessas paragens. Tanto os naturais do país como os holan
deses mastigam essa pimenta, pura, mas é um cáustico terrível para a
língua (414).
A cana de açúcar, a que os brasileiros chamam Viba, prolifera tão
bem nas índias Ocidentais quanto nas Orientais. No Brasil, dá em quan
tidade prodigiosa por todo o país, mas, especialmente na Capitania de
Pernambuco. São duas as variedades aí conhecidas: uma de folhas pe
quenas e outra de folhas maiores. A última, considerada a melhor, de-
senvolve-se em um longo caule da espessura de um braço de criança e as
folhas brotam tôdas no tôpo da cana, em forma de capucho ovalado e
de côr azul-escuro. A casca desta variedade distingue-se por certas jun
tas ou nós. A outra produz folhas desde baixo até em cima. A cana
de açúcar propaga-se pelos seus brotinhos que, plantados como a nossa
videira, crescem até atingir a altura de doze pés, quando lançados em
solo fértil e limpo. Seis meses depois de plantada a cana, aparece-lhe
no tôpo uma semente de côr castanha; está, então, no ponto de ser cor
tada, pois, se ficar mais tempo na terra, o caldo seca e azeda. Se ingerido
logo depois de extraído, o caldo de cana solta os intestinos. Os terrenos
baixos são muito mais convenientes que os morros para a cultura da
cana de açúcar. O ideal é plantá-las nas regiões ribeirinhas, fàcilmente
inundáveis por ocasião das enchentes. Existe um certo verme negro
alado a que os nativos dão o nome de Guirapeakoka e os portugueses
chamam Páo de Galinha, que infesta os canaviais (415). Quando o ter-

(414) Nieuhof cometeu um engano ao escrever que os brasileiros chamam a


pimenta de Chili Lada. Em Marcgrave (LXX, 39) Quiya dos Brasileiros, pimenta
dos Lusitanos. À pimenta malagueta chamavam de Quiyaqui. Marcgrave regista
4 espécies: a primeira, já citada acima; a segunda, Quiya cumari; a terceira,
Quiya apua; a quarta, Quiya uca, pimenta grande ou pimentões. Em Piso (LXX,
107), Quiya, ou pimenta da terra. Regista também Quiyagui, Malagueta dos Lusi
tanos; Quiya apua ou pimenta redonda; Quiya cumaci & Quiya-carapo; e a pimenta
dolce (sic).
Talvez do nome indígena mexicano Chili venha a confusão de Nieuhof. Aliás,
Piso, na "Mantissa Aromatica" (LXXI, p. 180), descreve a De Lada, aliis Molanga,
tive Pipere Aromatico Mare & Foemina (índias Orientais). Trata-se, portanto, de
uma confusão de Nieuhof, juntando Chili, nome que os mexicanos dão à pimenta e
Lada, nome indígena de Málaca, Java ou Sumatra.
Em Jacob Bontius (LXXI, p. 149), Halicabo ou Alke-kingi, nome árabe e Poma
d'oro dos Lusitanos; Piso (LXXI, p. 183) regista Acha e Marcgrave (LXX, p. 40),
Axi. Em Herckmans (XLI, p. 275), Achy. Soares (LXXXVI, p. 203-205) regista
cuihem, juquiray, cuihemoçu, cuieniá, sabãa, cuihejurimu, cumari. Em Batista Cae
tano (II, p. 438), quíyi — pimenta. No Dic. Pbrt. Bras. (XXX, p. 248), Kyynha;
Kyynha avi = pimenta malagueta, Kyynha cobaigoara = pimenta do Reino, Herck
mans (XLI, p. 276) descreve a Piger longum.
(415) Em Marcgrave (LXX, p. 82) : Vvbae & Tacomaree dos Brasileiros, Al-
feloa da Zuquere ou Cana d'azuquere dos Lusitanos. Piso (LXX, p. 50), Viba dos
294 JOAN NIETJHOF

reno é úmido, êsse inseto ataca e destrói as raízes. O açúcar provenien


te da cana não se consegue sem grande esforço e trabalho, e, no seu
fabrico, empregam-se numerosos escravos que trabalham sob às vistas
dos feitores a serviço dos senhores de engenho. Estes eram, na maioria,
portugueses, pois os holandeses jamais conseguiram se aperfeiçoar na
produção do açúcar. Na Capitania de Pernambuco foram instalados nu
merosos engenhos, ótimos, junto aos canaviais, especialmente para a pro
dução de açúcar. O número dêsses engenhos excede de 100, e os escravos
africanos que nelas trabalham montam a perto de 40.000. A produção
anual de açúcar, no Brasil Holandês, é calculada entre 200.000 e 250.000
cestos.
No ano de 1642, um tal Gillis Venant trouxe das ilhas das índias
fadigo. Ocidentais, para o Brasil, algumas sementes de índigo, e, tendo-lhe sido
designado um terreno perto do riacho Mercera e concedidas, por ordem
especial do Grande Conselho, todas as facilidades, fêz diversas plantações
de anil ou índigo. Vendo que as formigas devoravam a maioria das
folhas, o sr. Venant com auxílio de numerosos camaradas e negros deu-
-lhes tão eficiente combate, queimando-as e enterrando-as, que o solo fi
cou inteiramente livre dessa praga e o índigo atingiu à sua perfeição
máxima, tanto que diversos exemplares foram remetidos para a Holanda.
O Sr. Venant tinha feito um acordo com o Sr. Kristoffel Ayerschettel
para que o intruísse no processo de coagulação do índigo e já estava
em negociações com o Grande Conselho sôbre as terras onde plantá-lo
— havendo, portanto, probabilidade de se desenvolver consideràvelmente
essa cultura no país — quando a guerra intestina veio impedi-lo de pôr
em execução o seu plano.
O anil nativo, que se encontra em grande quantidade no Brasil,
tem bastante semelhança com o verdadeiro índigo, mas não proporciona
uma boa côr.
Há quem afirme ter visto também no Brasil uma espécie de cocho
nilha selvagem. As terras brasileiras poderiam também produzir
grande quantidade de algodão, mas o povo prefere a plantação de cana
de açúcar porque dela tira mais proveito.
Planta-se também no Brasil algum gengibre, mas não em quantidade
que dê para exportar. O mesmo se pode dizer da Mechoakanna, Radix

Brasileiros. Em Batista Caetano (III, p. 549) : Ubá em vez de uíb — á, s., cana;
e p. 553 — uíb — á, mais próprio uibae, s.. espécie de cana; uíbâ = uimâ — cana.
Em Marcgrave (LXX, p. 83) Guirapeacojâ dos Brasileiros e Páo de galinha dos
Lusitanos; Piso (LXX, 50) Guirapeacoca dos Brasileiros e vulgarmente Páo de
galinha.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL. 295

China e de outras raízes medicinais assim como da erva de cobra ou


erva de Nossa Senhora, esta considerada infalível no tratamento
de cálculos. Temos ainda a Ipecacuanha (416) que é o remédio gene
ralizado dos índios. Muitas outras plantas foram para lá transportadas
de outras paragens, tais como o gengibre, o tabaco, o arroz, o algodão,
o trigo turco, o anil ou índigo e a cana de açúcar que foi a primeira
cultura introduzida pelos portugueses, na Ilha das Canárias. As frutas
comumente usadas no Brasil são o ananaz, a banana, a mangaba o caju,
o aracú grande e pequeno, a goiaba, diversas qualidades de maracujá,
a ibapiranga, o mazaxanduba, o cajá, o ariticú, o guitakory, a beringela,
o mamão, o côco e diversas variedades de figos selvagens. As principais
raízes em uso são : a batata, o nhambi, o umbi, e as que os indígenas cha
mam Munduy, de delicioso paladar (417) .

(416) Em Marcgrave (LXX, 41) : Ieticucu dos Brasileiros, raiz Mechoacan,


Batata de purga dos Lusitanos. Em Piso (LXX, p. 93) Ieticucu ou Mechuacan;
Batata de purga ou Mechoacan dos Lusitanos e Iiticucu dos Brasileiros-
Em Herckmans (XLI, p. 276) Mechoacana: é aí tão abundante que ninguém se
dá ao trabalho de a secar; era empregada como purgativo.
Radix Chinae, em Piso (LXX, p. 99). Herckmans (XLI, 276): Radix china ou
a mesma raiz, posto que não seja da China, dá em abundância no Brasil, e certa
mente é tão vigorosa e própria para a cura da bexiga, para a purificação do sangue
e para combater outras moléstias quanto a da China. Tem-se-lhe dado o nome de
Radix Brasílica para distinguí-la da da China.
Paquoquanha como escreve Nieuhof é a Ipecacuanha (Marcgrave, LXX, p. 17).
Piso (LXX, 101), Ipecacuanha. Piso escreveu (LXX, 102): Quamobrem religioso à
Brasiliensibua reservatur, qui illius virtutes primi nobis revelarunt.
(417) Nieuhof escreveu novamente Akaju (p. 205, l.a col., cf. nota 412) ;
Marcgrave (LXX, p. 105) regista: Araca-iba dos brasileiros, cujo fruto chamam
Araca-guacfl, semelhante a Guayabo; e Araca-miri (fruto). Em Cardim, Araça
(XIX, p. 52). Os nomes iniciais conservam a grafia de Nieuhof.
Guaiaba em Piso (LXX, 75). Em Marcgrave (LXX, 104) guayaba, gfanaet
peeren dos Belgas. Em Herckmans (XLI, 273), Choabes.
Murucuja em Piso (LXX, 106-107), registando sete espécies silvestres: Mu-
rucuja satà, Eté, Mixira, Peroba, Piruna, Ternacuja, Vna; menciona ainda a Mu-
rucuja-guacu e, em capítulo especial (cap. LXXXIV, p. 107), Murucaja-mirim.
Em Marcgrave (LXX, 70-71), Murucuya ou flor das paixões. Murucuia guacu
& Guainumbi Acaiuba. Regista 4 espécies.
Ibapiranga- Em Marcgrave (LXX, 116) Iba Puruga.
Akaja. Em Soares (LXX, 211); em Margrave (LXX, 129), Acaja (no título),
e Acaia (no texto); em Piso (LXX, 68), Acaja.
Aratiku. Em Marcgrave (LXX, 93-94), Araticu dos Brasileiros; menciona
três especies: Araticu ponhe; Araticu pana; Araticu ape. Piso só regista Araticu
pana (LXX, 48). Cardim (XIX, 53) e Rodolfo Garcia anota (XIX, p. 107) que
o araticu pana é o Anona palustris, L.; de étimo incerto. Em Soares (LXXXVI,
217), Araticu. Em Abbeville (XXXVIII, p. 21), Araticou. Segundo Batista Cae
tano (III, p. 48), é nome genérico das anonas, de a — rati — cui = cuia ou vaso
de bagaço ou sabugo de frutas.
296 JOAN NIETJHOF

Fertilidade O solo brasileiro é todo êle extremamente fértil, agradável e irrigado


do BrasiL por muitos rios e lagos, a maioria dos quais procede das montanhas e
atravessa vastas planícies pantanosas (a que os portugueses denominam
várzeas) onde se encontram numerosas variedades de frutas, mas espe
cialmente cana de açúcar. Os prados e as pastagens não são tão agra
dáveis no verão como na estação chuvosa, época em que sua verdura
refulge. O trigo e o centeio desenvolvem-se rapidamente, em parte de
vido à natureza do solo e em parte ao calor do sol. Portanto, a-fim-de
evitar o crescimento excessivo, põe-se areia no solo ao invés
de estrume. O mesmo pode dizer-se com respeito a tôdas as outras
sementes alienígenas que precisam ser mantidas em baixo da terra por
tempo considerável. Em fevereiro e março, fim do verão, época das chu
vas e a estação úmida procedem-se às semeaduras à noite, não durante
o dia ou às últimas horas da noite (418). Tem-se o cuidado de não enter
rar as sementes fundo demais, pois tudo quanto escapa ao alcance dos
raios solares raramente produz frutos ; e isso o nosso povo aprendeu por
experiência. Há grande disparidade quanto à época de maturação das
diversas sementes e frutas produzidas em terras altas e as que
crescem nos pantanais. Contudo, o coqueiro e as palmeiras são
aquí transplantadas sem a menor consideração pelo tamanho, idade ou
estação e se desenvolvem bem. Quase todos os arbustos e árvores dão
flores durante o ano todo, de forma que se podem gozar ao mesmo
tempo os encantos da primavera, do verão e do inverno. O mesmo se
observa com relação à videira, à cidra, ao limão e outras árvores trazidas
de Angola pelos portugueses e com respeito a diversas raízes, hortaliças
e árvores frutíferas transplantadas pelos holandeses. Quem quiser obter

Guitokory. Em Marcgrave (LXX, 114), Guiti-coroya dos Brasileiros, outra


espécie guiti. Em Piso (LXX, 66), Guiticoroja; regista guetijs de várias espécies,
guetitoroba, guiti-miri e Gueticoroya. Em Soares (LXXXVI, 215), guti. Em
Ayres de Cazal (XXVI, p. 57 do 2.° vol.), Goyty. E Frei Vicente do Salvador
(LXXVIII, p. 32), gyitis.
Nhambi. Em Marcgrave (LXX, 49), Nhambi dos Brasileiros. Em Piso
(LXX, 89), Nhambi. Em Soares (LXXXVI, p. 224) nhamby;
Umbi. Marcgrave (LXX, 108), lua vumbu. Em Piso (LXX, 77) Umbu. Em
Cardim (XIX, 321). Soares (LXXXVI, p. 462, nota 127) regista as seguintes
variantes: ambu, imbú, ombú ou umbu. Hoehne (XLII, p. 335) escreve que ela
é o recurso dos viajantes do nordeste brasileiro e o mata-fome dos cearenses.
Munduy. Piso (LXX, 83) regista Munduy-guacu, Pinhões do Brasil dos Lu
sitanos. Em Marcgrave (LXX, 96) Mundubiguacu dos Brasileiros, Pinhones dos
Lusitanos e Nux cathartica do próprio Marcgrave.
(418) O tradutor inglês escreveu: "estação chuvosa e o inverno dêste clima"
(cf. p. 205, 2.° col., 2." § da ed. holandesa e p. 140, 2.» col. últ. § da trad. ingle
sa). Vide nota 425.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 297

uvas maduras durante o ano todo terá apenas que podar a vinha em
épocas diversas, conseguindo assim uvas excelentes e vinho tão doce
como o de Malvasia. Infelizmente, porém, as formigas atacam furiosa
mente as vinhas, sugando todo o néctar e deixando ao viticultor apenas
a casca. Diversas espécies de árvores frutíferas foram transplantadas
da Holanda para o Brasil, onde se desenvolvem perfeitamente e produ
zem frutos excelentes.
As águas paradas são, no Brasil, em sua maioria, cobertas de ervas
e arbustos, de maneira que mais dão a impressão de terra que de água
e alimentam tanto a fauna terrestre como a aquática. À entrada dos
rios (onde se encontra prodigiosa quantidade de ostras e caranguejos)
o terreno é de tal forma coberto por certa espécie de árvore chamada
pelos brasileiros Guaparaba, ou Mangue (419), que barram a passagem
ao viajante. Em resumo, todo o território brasileiro é rico em árvores,
arbustos e madeiras úteis, dificilmente encontrando-se um pedaço de chão,
seja nos vales, seja nas serras, que não produza algo de útil e em tal
abundância, que os portugueses, ao chegar, tiveram de abrir caminho
através do arvoredo, vencendo dificuldades tremendas e enfrentando des
pesas enormes.
As montanhas produzem, também, grande quantidade de certa ma
deira que exala aroma muito agradável e é usada em tinturaria; trata-
-se do pau-brasil usualmente exportado para a Europa.
t
O tronco dessa árvore é nodoso e dotado de agradável aroma, atin
gindo às vêzes a grossura de três toesas; suas folhas são verde-escuro e
levemente espinhosas nos bordos, desenvolvendo-se sôbre pedúnculos cur
tos. A casca, que tem a espessura de duas ou três polegadas, é geral
mente retirada do tronco antes de ser êste pôsto à venda. Essa árvore
brota de suas próprias raízes e não produz nem flores nem frutos. A re
gião onde prolifera está geralmente de 10 a 12 milhas do litoral. Aí é
abatida, despida de sua casca e transportada em carrêta para a costa
de onde é exportada, principalmente para uso dos tintureiros. Dada a
sua excelência os nativos chamam-na Ibirapitanga (420). Quando os

(419) Em Marcgrave (LXX, 118), Guapereiba ou Mangue vereadeiro (sic)


dos Lusitanos. Em Piso (LXX, 114), Mangue Guaparaiba (3.a espécie de Man
gue). Em Soares (LXXXVI, 241) Quaparaiva. Varnhagen (LXXXXVI, p. 466,
nota 139) escreve Guaparaiva.
(420) Em Marcgrave (LXX, 101), Ibirapitanga dos Brasileiros e Pao Brasil
dos Lusitanos. Em Gandavo (XXXVI, p. 99). Em Cardim (XIX, 60). Em
Barlaeus (VII, 134). Ibirá (Batista Caetano, III, 192), pau, madeira pitâ ou
pitang = pytang (III, p. 397), vermelho, rubro, sanguíneo.
298 JOAN NIETJHOF

holandeses conquistaram parte do Brasil, encontraram grande quantida


de dessa madeira já preparada e pronta para ser utilizada. Essas parti
das foram, porém, pelos portugueses, vendidas à Companhia holandesa.
Desde então tanto portugueses como holandeses passaram a cortar pau-
-brasil em larga escala, e tal foi a quantidade de madeira exportada em
1646 e 1647, que os membros do Grande Conselho do Brasil Holandês,
Srs. Hendrik Hamel, Bullestrate e Kodde, conhecedores dos ruinosos
métodos adotados no corte dessa árvore — e que com o correr do tempo
poderia acarretar o seu extermínio — fizeram publicar uma proclama
ção coibindo tais abusos. Existem outras madeiras de excelente qualidade
no Brasil, como as que os portugueses chamam Pau Santo, Gitayba, Pau
violeta, Massarandiba, cedro e tantas mais próprias para marcenaria
A árvore a que os lusos denominam Tatajiba, cuja madeira tem o nome
de Pau Amarelo, produz uma tinta dessa côr, para tinturaria. A casca
da Araíba é côr de cinza, mas, quando fervida, produz tinta vermelha. A
Jacarandá, gaturiba, ou cedro branco, bem como diversas outras árvo
res, fornecem material resistente e durável para construção. Os brasi
leiros fazem tochas e uma espécie de cânhamo, com a casca de certas
árvores (421).
Mesmo as zonas mais estéreis do Brasil produzem uma espécie de
O Timbo ou árvore chamada Timbo e Tipo (422) com a qual fabricam arcos, em razão
Tipo. de sua flexibilidade. Sua casca substitue o cânhamo na carpintaria
naval.
Combustí- Os naturais do país acendem fogo friccionando dois pedaços de cer-
vel- tas madeiras a que chamam Caraguatá Guaçu e Imbaiba (423) como fa
zemos com a nossa pedra de isqueiro. A primeira dessas é uma árvore
de natureza admirável. Seu tronco sobe a 14 ou 15 pés de altura, e,

(421) Em Marcgrave (LXX, 106), Arariba; refere-se à côr vermelha em


água fervida. Em Piso (LXX, 5) Tatajba ou Pao Amarello. Em Soares,
(LXXXVI, 249) Tatajiba e Varnhagen anota (LXXXVI, p. 468, nota 144) Tata
jiba ou Tatajuba (juba é amarelo). Em Marcgrave (LXX, 136), Icacaranda dos
Brasileiros. Em Cardim (IX, 60) jacarandá. Em Soares (LXXXVI, 253), ja
carandá. Batista Caetano (III, p. 565) menciona yacarandá = yacârâtâ. adj., o
que tem cabeça dura; também, talvez, o que é galho duro. Em Piso (LXX, 120)
Massarandiba. Em Herckmans (XLI, 273), Massaranduba. Em Soares (LXXXVI,
219) Maçarandiba. Em Frei Vicente do Salvador (LXXVIII, 32) Mussurunduba.
(422) Em Piso (LXX, 115) Timbo e tipi. Regista várias espécies Timbo-
guacu; timbo de cono; guaiana Timbo; e timbo ou cipo (LXX, 5). Soares
(LXXXVI, 258) Timbó. Batista Caetano (III, 527), tímbó = timbór = vara;
e (p. 529) tlpó do qual cipó.
(423) Em Marcgrave (LXX, 87) Caraguatá guacu; assim em Piso (LXX,
111-112). Em Soares (LXXXVI, 288) Embaiba. Varnhagen (LXXXVI. p. 464,
nota 133) regista as seguintes variantes: embaúba, imbaiba, ambaiba e ambayva.
De suas fôlhas se alimenta a preguiça. Batista Caetano (III, 31) averba
ambaib ~ embaíb, nome genérico das cecrópias, dado também a alguns ficus. Em
Frei Vicente do Salvador (LXXVIII, 30), Caragatá.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 299

tendo atingido o seu desenvolvimento total, produz uma flor amarela na


ponta e grande quantidade de folhas grossas e espessas. Os nativos uti-
lizam-se dos ramos para nêles pendurar suas flechas. As folhas, além
de segregarem um líquido untuoso que faz as vêzes de sabão, proporcio
nam ao pescador excelente fibra com que fabricar rêdes. As árvores,
e mesmo as matas brasileiras, jamais se mostram inteiramente cobertas
de folhagem; enquanto que umas derrubam as folhas outras brotam de
novo; chega-se mesmo a ver uma árvore coberta de folhas de um lado e
despida de outro. O Brasil é também rico em arbustos e trepadeiras,
algumas das quais estendem-se pelo chão enquanto que outras, enroscan-
do-se, galgam o tôpo das mais altas árvores, proporcionando uma linda
vista à distância e sombra agradável, tanto para os animais como para o
homem cansado do calor, da caça ou de qualquer outro exercício.
Entre outras frutas, o Brasil produz excelentes laranjas de diversas Laranjas,
qualidades. Os vegetais que, além da mandioca, servem para o sustento
de seu povo são arroz, milho, batatas, ananaz, bananas, melão, abóbora,
melão d'água, pepino, feijão, figo, maracujá, mangaba, araticú, ape (424),
couve, rabanete, alface, portulaca, cenoura, etc..
Nada é tão procurado entre os brasileiros como o cajú, espécie de o cajú.
maçã selvagem que lhes proporciona ao mesmo tempo alimento e bebida,
pois que é muito suculento. Essa árvore parece ter sido plantada no
Brasil para conforto de seus habitantes. Espalha seus ramos em grande
âmbito, mas não cresce tanto quanto as outras árvores. Sua madeira
é muito resistente e presta-se muito para construções navais; no verão
o caule segrega uma resina clara. Suas folhas vermelhas lembram as da
nossa nogueira, principalmente na primavera, quando novas. Despren
dem, porém, aroma muito mais agradável, o qual só perdem quando dis
tiladas. A flor tem cinco pètalazinhas e desenvolve-se em cachos de cêrca
de cem. Cada uma delas tem um pedúnculo com uma protuberância no
meio. Quando brotam, em setembro, são muito brancas, mas logo depois
adquirem côr rosada. São tão aromáticas a ponto de embalsamar o am
biente em redor. A árvore produz um fruto duplo, que consiste em
uma maçã e uma castanha. A maçã tem formato oval e é muito suculen
ta; sua polpa é esponjosa, cheia de caroços e de gosto picante. O caldo
deixa na roupa uma nódoa côr de ferrugem que se não pode tirar e que
se reaviva cada vez que a árvore floresce. O suco apresenta uma côr
esbranquiçada logo depois de espremida a fruta, mas, pela fermentação,
muda tanto de côr como de gôsto e torna-se muito forte. A casca da
maçã é finíssima, branca e pontilhada de vermelho. A castanha que se

(424) Em Soares (LXXXVI, 218) apé é "uma árvore do tamanho e feição


das oliveiras".
300 JOAN NIETJHOF

desenvolve muito em cima da maçã tem o formato de um rim de carneiro


e é coberta por uma película muito fina, sôbre a qual se forma uma
casca grossa, cinzenta, cheia de um óleo forte e quente que pega na
língua. Prepara-se a castanha torrando-a em cinza e depois quebrando-
-se a casca com martelo. Come-se a polpa cujo sabor é melhor que o
da castanha comum e conserva-se perfeita durante vários anos. Os bra
sileiros gostam tanto dessa fruta, que chegam a brigar por sua causa.
Acampam-se então entre as árvores e a menos que o inimigo os expulsem
daí não se afastam enquanto não consomem tôda a fruta da região.
Os nativos contam a idade por essa árvore que frutifica apenas uma
vez por ano; a maturação de seus frutos dá-se em fins de dezembro ou
princípios de janeiro. Depois de fevereiro não se encontra um só fruto
nos cajueiros de Pernambuco. Mais ou menos pela época em que o sol
volta do Trópico de Capricórnio, em geral chove no Brasil e, a êsse
fenômeno, os brasileiros chamam "as chuvas do caju" (425), pois,
se estas forem moderadas, haverá grande abundância da fruta. A cas
tanha do cajú é quente no segundo grau. Comida crua, com sal e vinho,
lembra a castanha, pelo sabor, mas, quando torrada e conservada em açú
car é verdadeiramente saborosa. O óleo retirado da casca é ótimo re
médio contra certos vermes; é quente no terceiro e quarto graus, sendo
frequentemente aplicado no câncer e em outras úlceras malignas. A re
sina, pulverizada e ministrada em veículo conveniente, cura as obstru
ções do útero. O caldo da maçã dá um bom refresco.
Palmeiras. Encontram-se no Brasil diversas espécies de palmeiras, algumas das
quais selvagens e outras cultivadas pelo homem. Dentre as primeiras, a
que os nativos chamam Pindoba é a mais conhecida. Cresce muito e.
no interior do país, há verdadeiras florestas dessa palmeira. Nos lugares
mais remotos e ermos existe outra a que os brasileiros chamam Caranaí-
ba e Anachekariri e os portugueses denominam Tamara (426) — pala
vra árabe — ou dedo que é o que a fruta lembra. A árvore cresce tanto

(425) Marcgrave (LXX, 95) registou êsse fato, ao escrever que a árvore
começa a florescer no fim do mês de agosto, atingindo o máximo em setembro.
Chove muito nos meses de agosto e setembro, quando caem as flores, e os frutos co
meçam a nascer em novembro e dezembro, atingindo em dezembro e janeiro o má
ximo de frutos maduros. Depois começam as chuvas e o aspecto das árvores i
triste. Marcgrave regista também o fato de os brasileiros contarem os anos pelas
castanhas de cajú. Piso registou, também, o mesmo fato (LXX, 58) ; e Morisot
(LIX, nota 9) cita a tábua astronômica de Marcgrave (LXX, 265-267), onde êle
afirma que em 1640, 41 e 42 a máxima de chuva foi atingida nos meses de feve
reiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto.
(426) Em Marcgrave (LXX, 133), Pindoba; em Piso (LXX, 61, 62). Pindova
Em Piso (LXX, 62), Caranaibam & Anachecariri dos Bárbaros e Tamar dos Lu
sitanos. Em Marcgrave (LXX, 130), Caranaiba e Ananachicariri dos Brasileiros.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 301

quanto a desta fruta; sua madeira é vermelha, muito sólida, mas, de


pouca utilidade. A casca é cinzenta e, desde o chão até certa altura,
caracteriza-se por grande quantidade de escamas que são grandes, rentes
ao solo e vão diminuindo até desaparecerem mais ou menos pelo meio
da árvore. Tais escamas, nada mais sendo que restos dos ramos que vão
caindo, espalham-se em tôrno do tronco como na datileira africana, muito
mais finas, porém. Os ramos têm cerca de 2 ou 3 pés de comprimento,
são achatados dos lados e cobertos de pequenos espinhos; desenvolvem-
-se até grande espessura. Na extremidade de cada ramo abre-se uma
única folha muito grande e verde, pregueada como um leque e que se di
vide mais ou menos pelo meio em diversas outras folhas, como a dati
leira; cada um destas últimas tem cêrca de 2 pés de comprimento. Entre
os ramos em que se desenvolvem as folhas, crescem outros com quatro e
cinco pés de comprimento, dos quais saem brotos brancos, onde se abrem
flores de três pétalas amarelo-claro. Estas produzem frutos do tamanho
de uma azeitona, verde, ardidos e que não são comestíveis. Quando êsses
frutos amadurecem, em fevereiro, ficam pretos. Os brasileiros chamam
Tirade (427) a essa fruta e comem-na crua; os nossos, porém, jamais
se afeiçoaram a ela. Os nativos cobrem suas cabanas com as folhas dessa
árvore e com elas fabricam cestos. A palmeira denominada Pindoba
tem, em lugar da casca, uma substância lenhosa que produz uma secre
ção esponjosa e sulfurosa com a qual os nativos preparam uma forte
bebida. De resto, esta árvore é de pouca utilidade, sendo principalmen
te usada para fins decorativos, por causa de sua altura e de seus ramos
dispersos que, entretanto, fornecem ao nativo folhas com que cobrir suas
cabanas e fabricar cestos. Os portugueses plantam-na nos logradouros
públicos e portos, bem como em volta das igrejas. As folhas dessa árvo-
se não ficam pendentes como as do coqueiro; antes conservam-se verti
cais. Junto a essas folhas brotam pedúnculos dos quais pendem cachos
de flores que, finalmente, produzem frutos do formato e do tamanho de
um ovo de galinha; são pontudos numa das extremidades e achatados do
lado do cacho, como o abacaxi. O exterior apresenta uma côr verde-ama-
relada, tocada a castanho e é formado por uma substância fibrosa como
a do côco, conquanto não tão espêssa e pouco mais grossa que a casca
de um ovo. Sob essa casca existe uma polpa amarela, insípida, que, en
tretanto, é usada pelos negros, com farinha. Dentro da polpa encontra-se

(427) Compare-se com o seguinte trecho de Piso (LXX, 62): Post floseulot
ittos provemunt fructus, figura & magnitudine olivae, primum viridea, amari, non
edules; mox maturi nigreseentes evadunt dulces mense Februario, & licet nostra-
tibus nullius usus, gentilibus tamen tam crudi quam praeparati in deliciis habiti,
Tirade nuncupantur. Tarde crescit haee Arbor.
302 JOAN NIETJHOF

um caroço resistente, ovalado, que não difere muito do côco, tem idêntica
espessura, mas não tem poros, e cuja polpa é tão clara como a da noz e
igualmente branca, mas não tão doce como a do côco. Êsse fruto é usado
tanto pelos naturais como pelos estrangeiros e dá durante o ano todo.
Os brasileiros chamam-no Inajámirim, isto é, coquinho. A polpa desta
castanha fornece também um óleo branco, refrigerante que tem a mesma
aplicação que o nosso óleo de rosas, e, enquanto fresco, pode ser utiliza
do para saladas, mas, depois de velho, só serve para iluminação. A
casca dá um óleo de natureza idêntica, mas não tão refrigerante. Do
tôpo da árvore corre uma resina fina e aromática, que pode ser usada
como goma-arábica. Daí tiram também uma espécie de medula que tem
o paladar da nossa noz, e usada com pão e sal constitue poderoso ali
Coqueiros. mento.
Há, também, no Brasil coqueiros a que os naturais chamam Inajá-
guacuiba; à fruta chamam Inajáguaçu (428). São, porém, muito dife
rentes da Pindoba que acabamos de descrever. Seu tronco raramente é
reto; apresenta-se em geral tortuoso e às vêzes de 7 a 14 pés de es
pessura e 50 de altura. Não têm galhos; apenas no tôpo há cêrca de
15 ou 20 folhas, cada uma com 15 pés de comprimento. Existe também
grande quantidade de tamareiras, tanto machos como fêmeas.
A prodigiosa quantidade de formigas que infesta o Brasil constitue
séria ameaça para tôda a espécie de produtos do solo. Dá-se combate
a êsse inseto pela água e pelo fogo. Observa-se também que alguns ani
mais e frutos na Europa considerados venenosos, são comestíveis no Bra
sil. Por outro lado, alguns dos animais e frutos que são venenosos no
Brasil, na Europa não o são. Há, por exemplo, certas variedades de
rãs e peixes tidas como extremamente venenosas; enquanto que algumas
qualidades de formigas, cobras, vermes e ratos silvestres são consumi
das pelos naturais sem nenhum inconveniente.
Alimentação
dos brasi- O alimento mais comum entre os brasileiros é a farinha de man
sileiros. dioca a que chamam Vi (429) e da qual já nos ocupámos largamente.
Além disso alimentam-se de diversos animais e aves selvagens, carangue
jos, frutas e ervas. A carne, quer seja cozida ou assada, consomem-na
quase crua. Cozinham em panelas de barro, por êles mesmo fabricadas,

(428) Em Piso (LXX, 63), o fruto da Pindova é a Inaia miri, que são cocos
pequenos; Inajaguacuiba as árvores (coqueiro) e Inajaguacu (ao fruto); em
Marcgrave (LXX, 138), Inaia Guneuiba (árvores) e Inajaguacu, (o fruto); e
acrescenta que no Congo chamam-na de Ejaquiambutu e aos frutos Quiti inça
quis.mbtu; os lusitanos chamam-no de coquiero (sic). Marcgrave não regista
Inaia-miri; Soares (LXXXVI, 221) Anajámirim.
(429) Marcgrave (LXX, 273) escreveu: Universale Brasiliensium alimentiim
est Vi, Lusitanis Farinha de Mandioca dieta.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 303

às quais dão o nome de Kamu (430) . Para assar carne, procedem da se


guinte maneira: cavam um buraco no chão, forram-no com folhas sôbre
as quais colocam a carne que vão preparar; cobrem-na com folhas da
mesma espécie e depositam sôbre uma camada de terra ou areia. Sôbre
essa arrumação acendem uma fogueira, que deixam arder até que presu
mam estar a carne suficientemente assada. Se acertam o ponto, a carne
fica excelente, melhor que a preparada por qualquer outro processo. A
êsse sistema de preparar chamam Biaribi. O peixe, quer seja assado ou co
zido, comem-no com Inquitaia (431), uma mistura de sal e pimenta.
Cozem-no, porém, em sal. Os peixes pequenos são enrolados em folhas
e postos a assar na cinza. Apanham a farinha de mandioca com três
dedos da mão direita e atiram-na para dentro da boca. O mesmo fazem
com feijão e outros alimentos semelhantes. Alimentam-se frequentemen
te, tanto de dia como à noite, pois não há horário para as refeições.
Raramente usam colheres; comem com a mão ou servem-se de conchas
ou outro utensílio qualquer. A carne de certos animais selvagens, como
por exemplo a dos vários porcos do mato, é muito apreciada pelos natu
rais. Êsse animal tem um calombo nas costas, qual o do camelo, e cuja
vianda é verdadeiramente saborosa.
A melhor bebida e a mais generalizada entre os nativos é a água de
fonte ou de rio que, pela sua frescura, constitue valioso refrigério para
quem está cansado. Isto pode dizer-se especialmente com relação à água
de fonte que, mesmo ingerida em grande quantidade, jamais produz có
licas intestinais ou qualquer outra perturbação. Ao contrário, abre o
apetite e é fàcilmente expelida pela transpiração.
As águas dos rios Paray Paratybi (432) são consideradas excelentes
remédios contra cálculos e gota. Isso explica porque muitas pessoas que
só bebem dessas águas, passam às vezes dos cem anos sem qualquer mo
léstia ou distúrbio. As pessoas de idade distinguem tão bem o paladar
dessas águas como os europeus o de seus vinhos e consideram inhábeis os
que usam qualquer água indiscriminadamente. Nascendo a maioria das
fontes, de que se servem os naturais, nas elevadas montanhas orientais,
não sofrem elas nem a influência do degêlo nem de substâncias metálicas,

(430) Marcgrave (LXX, 273) regista Camu, como as panelas redondas de


terra, onde se cozinha a carne.
(431) Em Marcgrave (LXX, 273), Biaribi (carne assada). Em Marcgrave
(LXX, 273), Inquitaya. Comiam peixe assado e caranguejos cozidos com Inquitaya. . .
eum simplice sale, vel Inquitaya, Lusitanis Sal-pimenta.
(432) Em Piso (LXX, 11) Paray paratybi. Afirma Pie? as propriedades da
água no combate aos cálculos e doenças das articulações.
304 JOAN NIEUHOF

e, constantemente purificadas pelos raios solares, suas águas são muito


límpidas e agradáveis. Entretanto, é preciso que se diga que durante os
meses de inverno, algumas águas não são tão leves e frescas como du
rante o verão, devido às chuvas. Os negros fazem, às vêzes, uma mis
tura detestável de açúcar preto e água, sem a mínima fermentação, à
qual dão o nome de Garapa (433). Bebida barata, os negros usam-na
em suas festas que chegam a durar 24 horas entre dansas, cantos e
beberagem. Só brigam, nessas ocasiões, por ciúmes. Às vêzes adicio
nam à garapa, folhas de cajueiro que, dada a sua natureza quente, torna
a bebida mais forte. Os portugueses e holandeses preparam um refres
co com água, açúcar e limão. Às vêzes põem de infusão certas ervas,
outras vêzes usam apenas água com limão. Além disso, os naturais
preparam bebidas com diversas raízes e frutas, que servem em suas
ruidosas festas. Dentre as frutas usadas para êsse fim contam-se princi
palmente Pacovas, Ananás, Mangaba, Genipapo, Caraguatá, etc. (434),
pois, conquanto a videira produza, no Brasil, três safras ao ano, a quan
tidade não é suficiente para o fabrico do vinho. Do fruto do cajú, os
naturais preparam uma bebida a que dão o nome de Cauim. Para fabri
cá-la trituram a fruta num pilão de madeira e espremem-na com as mãos
para tirar-Ihe o suco, que é coado depois de decantado. O caldo, a prin
cípio, parece leite, mas, dentro de poucos dias, descora. Depois de algum
tempo azeda e torna-se um bom vinagre. O vinho ou licor a que os
brasileiros denominam Aipy é fabricado por dois processos diferentes.
O primeiro consiste em cortar em fatias a raiz do Aipim macacheira (uma
variedade de mandioca). Essas fatias são mastigadas pelas velhas até
ficarem reduzidas a uma papa a que chamam Karaçu. Nesse estado, o ma-

(433) EmMarcgrave (LXX, 84); Piso (LXX, 51) diz em que consiste e à
p. 12 refere-se sôbre o uso entre os africanos e a mistura com fôlhas de cajú.
(434) Em Marcgrave (LXX, 137), Pacoeira dos Lusitanos; não é natural do
Brasil; no Congo chamam-na Quibuaaquitiba e ao fruto Quitiba; Pacobete dos Bra
sileiros e Paeoba dos Lusitanos. Em Cardim (XIX, 63), Facoba. Em Léry
(LII, 159), Pacoére e Pacó. Em Soares (LXXXVI, 207), Pacobeiras e Pacobas.
Segundo Plínio Ayrosa (LII, p. 159, nota 388), opá + oba = tudo fôlha.
Ananás. Em Piso (LXX, 87), Ananás, ou Nana. Em Cardim (XIX, 62),
Nana; em Soares (LXXXVI, 225), Ananaz. Segundo Rodolfo Garcia (XIX, 113),
na — nã, cheira cheira.
Em Marcgrave (LXX, 121), Mangabiba ou Mangaiba, fruto Mangaba. Em Pu»
(LXX, 76), Mangaiba. Soares (LXXXVI, 210). Cardim (XIX, 51). Segundo
Teodoro Sampaio (LXXXI, 138), manguaba, cousa de comer.
Em Piso (LXX, 67) Ianipaba. Em Marcgrave (LXX, 92), Ianipaba dos Bra
sileiros e Ienipapo dos Lusitanos. Em Cardim (XIX, 58), Genipapo. Soares
(LXXXVI, 214). Frei Vicente do Salvador (LXXVIII, 32), janipapos. Segundo
Batista Caetano yandípáb, s, genipapo (III, p. 569).
Sôbre Caraguatá, cf. nota 423. Sôbre Cauim vide Hoehne XLII, p. 145 e Lérj
LII, p. 118 e p. 105 nota 187 de Plínio Ayrosa.
r
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 305

terial é colocado numa vazilha e fervido com certa quantidade de água,


sendo continuamente agitado até atingir o ponto de ser espremido. Feito
isto temos o que denominam Kavikaraku e que se serve morno. O se
gundo sistema de fabricar essa bebida, consiste em tomar a raiz da
mandioca descascada e cortada em fatias, que a seguir é triturada e fer
vida em água, como ficou dito acima, produzindo uma bebida esbranqui
çada que lembra o sôro de leite. Também esta é servida quente e tem
paladar bastante agradável. Chamam-na Kacimacaxera, conquanto am
bas as bebidas sejam abrangidas pela designação comum de Aipy. »A
bebida denominada Pakoby é preparada com o fruto da árvore Pakobe-
te ou Pakobuçú. O que os portugueses chamam Vinho de Milho, é uma
bebida feita de cevada ou trigo turco, que os índios chamam Maiz. O licor
Nanâi também deriva seu nome da excelente fruta denominada Nana ou
Ananas e constitue a bebida mais forte dos nativos. Há outra espécie de
bebida chamada pelos portugueses Vinho de Batatas porque é preparado
com batatas.
Os nativos chamam-no Jetici. As bebidas chamadas Beeutingui e Ti-
jriaci são ambas de farinha de mandioca, ou seja do Beju e da Tepioja.
Os brasileiros são também grandes apreciadores do conhaque francês
ou do Reno, que chamam Kacitata, bebem-no com grande avidez quando
conseguem obtê-lo. Apreciam também o tabaco, cuja planta chamam
Petima, e Petimoaba (435) às folhas. Estas, depois de secas ao vento, são
expostas ao calor do fogo para ficarem melhor de cortar. Os naturais
fumam em cachimbos feitos de casca das castanhas chamadas Pindoba ou
Vrukuruiba ou Jogara, ou Aque, (436) etc.. Para isso fazem orifício
na extremidade da castanha, retiram a polpa, e, depois de polir a casca,
adaptam ao furo de um canudo de madeira ou pedaço de caniço. Os
tapuias usam cachimbos enormes, feitos de pedra, de madeira ou de barro,
e sua cavidade é tão grande a ponto de conter u'a mancheia de tabaco.
Às vêzes os brasileiros fazem uso dos nossos cachimbos europeus a que
chamam Amrupetuntuaba; os portugueses chamam Katunbaba Quebrada
a êsses cachimbos, e os holandeses Katgebouw. Quando os tapuias (prin
cipalmente os que moram nas aldeias e descendem dos tapuias chamados
Carirís) preparam seus licores Akavi e Aipii fazem-no simultâneamente.
Depois combinam uma reunião geral. Nesse dia reúnem-se pela manhã,
na primeira cabana da taba, bebem quase todo o licor e divertem-se dan-
sando. Feito isto passam para a cabana seguinte e assim sucessivamen
te até que não haja mais o que beber ou êles não possam ingerir mais

(435) Pety = petim, tabaco (III, p. 372). Cf. Plínio Ayrosa (LII, p. 163,
nota 400).
(436) Urucuri é nome dado a palmeiras (III, p. 569) e Iba, árvore (III, p. 184).
306 JOAN NIEUHOF

nada. Quando estão fartos de bebida, vomitam e põem-se a beber nova


mente, de maneira que aquêle que consegue lançar e beber mais é con
siderado o campeão (437).

NO LITORAL BRASILEIRO

Na costa Noroeste do Brasil existem várias salinas. A que fica


perto da casa denominada "Deserto" está a cêrca de 3 ou 4 milhas de dis
tância do Rio Aguarama, do qual um braço se estende para Leste e desa
gua nesta salina, nas altas marés, tão comuns em ocasião de lua nova.
Esta salina fica a cêrca de 500 ou 550 passos (438) da orla marítima e
não recebe água de qualquer outra fonte senão do Rio Aguarama. Não
existe, nas proximidades, qualquer baía ou pôrto ; apenas uma região onde,
por cêrca de meia légua, o fundo do mar é arenoso e chato e onde se pode
ancorar a três braças de profundidade. O terreal, que sopra constante
mente nessa região, cessa geralmente à noite, de maneira que os navios
aproveitam a calmaria para o embarque de sal. Tais salinas podem pro
duzir uma quantidade certa de sal por mês, desde que se tenha o cuidado
de fechar as comportas logo que estejam cheias, pois, caso contrário, a
maré alta que se seguir poderá inutilizar quanto se tenha conseguido
anteriormente. A leste destas salinas acham-se as famosas rochas co
nhecidas pelo nome de Baixos, que daí podem ser vistas durante a vazan
te. Essas pedras estendem-se por cêrca de três milhas, mar a dentro, mas
só começam a cêrca de uma milha da praia, deixando, assim, livre uma

(437) Êste é todo plagiado de Marcgrave (LXX, 274). Parece-nos tra-


tar-ae de tradução para o holandês do texto latino de Marcgrave. É necessário re
gistar pequenas diferenças de grafia: assim, Nieuhof escreve sempre com k quan
do Marcgrave usa c; com j (letra que não existe no tupi), o i de Marcgrave, com k
a inicial V; y final em vez de i. Além disso, notam-se as seguintes diferenças:
Nanai (Marcg.), Nanâi (Nieuh.) ; Tipiaci (Mare), Tipiaci (Nieuh.) ; Amrupe-
timbuaba (Mare), Amrupetunbuaba (Nieuh.); Acaui (Mare), Akavi (Nieuh.);
Aipii (Mare), Aipii (Nieuh.).
Soares (LXXXVI, 206), Cardim (XIX, 51) e Staden (LXXXIX, 145) refe-
rem-se à bebida, mas não a denominam. Em Léry (LU, 118), Cauim. Soares
(LXXXVI, 376) escreve que os Tupinambás usavam-na em suas festas. Segundo
Batista Caetano (III, 72) caú = v. beber vinho; e escreve: "como se tem u ds
comer e uí /arinha, é possível também caú, beber vinho e cawí, vinho.
Em Piso (LXX, 52), Macaxera é a nona espécie de Mandioca. Segundo Marc
grave (LXX, 66), aipi macaxera é uma das espécies de aipi, que por sua vez é
espécie de Mandioca.
Caracú em Batista Caetano (III, 68) é vinho de raízes de batatas; cavicaracú
deve ser formado de cui (B. Caetano, III, 72), beber vinho caracu (B. Caetano, 68),
vinho de batatas. Soares (LXXXVI, 199) refere-se ao vinho de milho. Cardim
XIX, 63) menciona o vinho de naná, e também Soares (LXXXVI, 226). O nome
indígena do milho é avati ou abati e não maiz como escreve Nieuhof. Cf- LII p. 115.
nota de P. Ayrosa e III, p. 16.
(438) O tradutor inglês escreveu 550 (cf. p. 213, 1.° col., da ed. hol. e p.
145, 2.a col. da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 307

passagem onde a profundidade é de dez pés na maré baixa. Mesmo nas


vazantes extremamente pronunciadas, essa passagem dá cerca de 8 pés
de calado, mas, quando sopra o vento Oeste-Sudeste, o canal atinge sua
profundidade máxima.
A cêrca de cinco ou seis milhas ao poente da casa denominada "De
serto", acha-se a grande salina Karwaratama, que recebe água do mar
e, retendo-a por meio de comportas, produz ótimo sal em três semanas.
Mais cinco léguas para o ocidente passa o Rio Maritouva, o segundo em
importância, nessa região ocidental; mesmo assim, porém, não dispõe de
mais que 12 pés de água, na cheia. Em sua extremidade oriental, a
cêrca de meia légua do desaguadouro, existe ótima salina. Ao que se
diz, aí trabalham 10 ou 12 brancos, 10 ou 12 negros e cêrca de 20 ou
30 brasileiros (439). Sua produção é de 2.000 toneladas de sal por ano,
podendo ser transportada, durante o verão, para tôdas as regiões do Bra
sil Holandês, em pequenas embarcações. A cêrca de meio caminho entre
Rio-Grande e Ceará, existe, ainda, diversas salinas junto ao Rio Wapa-
nien.
Os principais artigos brasileiros de comércio são açúcar, pau-brasil Comércio
e outras madeiras, tabaco, couros, conservas, gengibre e algodão nativo. brasileiro.
Antes de minha partida plantou-se também algum índigo, mas as mer
cadorias principais continuam sendo o açúcar e o pau-brasil. Desde que
a Holanda começou a importar tabaco das ilhas, descurou-se de seu plantio
no Brasil, pois, sendo excessivamente elevados os salários dos operários ru
rais, muito mais lucrativa era a produção de açúcar que, conforme as es
tatísticas, nos bons anos chegava a safra a 20.000 e 25.000 cestos, só
nos engenhos do Brasil Holandês.
A população do Brasil pode ser atualmente dividida em indivíduos População
livres e escravos. Entretanto, mesmo essas classes são compostas por brasileira.
indivíduos de diversas nações, tanto nativas como alienígenas. Os homens
livres do Brasil eram os holandeses, os portugueses e os brasileiros,
sendo estes últimos nativos do país. Os portugueses, porém, não só ex
cediam os demais, na proporção de pelo menos dez por um, durante mi
nha permanência no Brasil, mas ainda detinham a propriedade de todos
os engenhos de tôdas as terras com exceção das poucas em mãos dos
holandeses que se dedicaram ao plantio da cana. Estas mesmas, porém,
foram depredadas durante a guerra civil e seus proprietários obrigados
a abandoná-las. Além dos homens livres que se ocupavam do amanho Homens
da terra, havia muitos comerciantes, intermediários e artífices. Os co- livres.

(439) O tradutor inglês escreveu 10 a 12 negros, 10 cristãos e cêrca de 30


brasileiros (cf. p. 213, 2.» col. da ed. holandesa e p. 146, 1.» col. da trad. inglêsa).
308 JOAN NIEUHOF

merciantes, em geral, vendiam seus artigos com grandes lucros, e, sem


dúvida, teriam feito fortuna, se não tivessem vendido a crédito aos
portugueses, dispostos que estavam a não pagar suas dívidas, como o
provaram os acontecimentos. Os artífices conseguiam fazer três, quatro,
cinco e até seis florins por dia, e, portanto, diversos voltaram ricos para a
Metrópole. Os estalajadeiros e armadores fruíam também grandes lu
cros no Brasil e, portanto, acumularam grandes somas de dinheiro. Os
funcionários a serviço da Companhia, civís ou militares eram também
pontualmente pagos e isso fêz que muitos dos que para ela trabalharam,
no Brasil, antes da guerra, voltassem de novo ao seu serviço, já que se
lhes davam cargos condizentes com suas qualidades e antigas posições.
Entre os homens livres do Brasil, que não trabalhavam para a Com
panhia, os judeus se sobressaíam em número, vindos quase todos êles da
Holanda. Mantinham intenso comércio, e, por isso, conseguiram adquirir
engenhos de açúcar e construir suntuosas residências no Recife. Eram
todos comerciantes, o que teria sido um bom negócio para o Brasil, se ti
vessem se conduzido dentro das regras costumeiras do comércio e não ti
vessem chegado a tais excentricidades e excessos (440).
Os escravos eram negros ou nativos. Os indígenas cativos ou eram
comprados no Maranhão, dentre prisioneiros de guerra, ou adquiridos aos
tapuias que também os escravizavam ou executavam, segundo seus cos
tumes guerreiros. Logo após a entrada dos holandeses no Brasil, ficou
decidido que não se escravizassem os indígenas (salvo quando comprados
aos tapuias ou trazidos do Maranhão) ; por isso os naturais do país se es
tabeleceram em vilas a-fim-de desfrutar a liberdade que lhes era conce
dida sob certas reservas. Tiveram, então, licença para auxiliar os por
tugueses no trabalho dos engenhos e dos campos, mediante salários esti
pulados. Foi assim que diversas aldeias ou vilas, tanto na Paraíba como
no Rio-Grande, encheram-se de brasileiros, que, durante a vigência de
nosso govêrno, gozaram das doçuras de uma completa liberdade.
Grande quantidade de negros de diversas nações trabalhava, , tanto
no Recife como no interior, no amanho da terra e nos engenhos dos por
tugueses, que não os podiam dispensar, não só devido ao calor extremo,
mas, também, pela incrível resistência dos africanos. Assim é que, por

(440) O tradutor inglês não foi fiel (cf. p. 215, 2.° col. da ed. hol. e p. 148,
2.» col. da trad. inglesa).
Sôbre os excessos judaicos no comércio, cf. Wâtjen (XCVI, 365-376), especial
mente p. 371, onde se documentam os. absurdos das especulações dos mercadores
judaicos. Vide também o capítulo "A queda do domínio holandês", in Civilização
Holandesa no Brasil (LXXVII, 274, 307) e, finalmente, Bloom (XI, especialmente
pp. 128-144).
DANSA DE NEGROS
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 309

várias vêzes, o número de negros a serviço dos engenhos, entre o Rio


Grande e o Rio São Francisco, atingiu a perto de 40.000. A maioria
deles provém dos reinos do Congo, Angola e Guiné. A beleza dessa gente
resume-se em sua pele negra, lustrosa, nariz chato, lábios grossos e ca
belos curtos e encarapinhados. Os mais fortes e laboriosos eram, no
Brasil, vendidos, nas ocasiões de alta de prêço, por 70, 80 ou 100 e mais
"peças de oitava" e até mesmo 1 . 400 ou 1 . 500 florins, em casos excepcio
nais. Todavia, quando o comércio começou a decair, os escravos eram ven
didos a 40 "peças de oitava". Dificilmente se encontrava holandês de
algum recurso que não possuísse diversos escravos. Os cativos eram
brutal e miseravelmente tratados pelos portugueses, conquanto sejamos
forçados a admitir a necessidade de mantê-los em rigorosa disciplina, pois
são vadios, supersticiosos e macumbeiros ao extremo. Era comum pre
tenderem êles adivinhar quando chegariam os navios que haviam partido
da Holanda para o Brasil, embora estivessem ao outro lado do Equador.
Queriam também nos ensinar como rehaver mercadorias roubadas. Lem-
bro-me de certa vez em que me achava em casa de um amigo, quando vi
entrar pela cozinha um negro que vinha tratar de um escravo doente que,
segundo nos afirmou, havia sido vítima de feitiçaria. O curandeiro fêz
o doente levantar-se da cadeira, e, tomando um tição do fogo, mandou que
o escravo o lambesse três vêzes, justamente no ponto em que as brasas
mais brilhavam. Depois apagou o tição numa vazilha d'água e esfregou
nela o carvão até que ficasse negra como tinta. A seguir mandou que o
doente ingerisse a água dum trago. Sorvida a beberagem o escravo sen
tiu imediatamente uma ligeira dôr no ventre. Feito isso, o curandeiro
friccionou ambos os lados do paciente e segurando com a mão um pouco
de carne e gordura acima do quadril, aí fêz, com uma faca que trazia no
bôlso, uma incisão de duas polegadas de profundidade, de onde extraíu uma
massaroca de cabelo e trapos. Lavou a ferida com um pouco da água pre
ta que ainda restava, e logo depois a ferida estava fechada e o doente
curado. Os negros são muito hábeis em natação e mergulho. São capa
zes de trazer à tona uma simples moeda atirada ao fundo do mar. São
também ótimos pescadores, e, com isso, fazem bom dinheiro. Amarram
três pedaços de pau um ao lado do outro e, servindo-se de apenas um
remo, avançam longe, no mar, apanhando grande quantidade de peixe,
com anzol. Aconteceu, durante a minha estada no Brasil, que certo negro,
habilíssimo em pescaria, foi vendido duas ou três vêzes em curto espaço de
tempo; isso aborreceu-o tanto que, na primeira vez que saíu a pescar,
atou uma pedra aos pés e afogou-se. Outro negro, tomado de ódio pelo
senhor, degolou-o, arrancou-lhe a língua e entupiu-lhe a boca. Con
fessado o crime, o negro foi triturado vivo na roda, suplício que sofreu
310 JOAN NIEUHOF

com incrível firmeza. Ainda no meu tempo, uma negra deu à luz uma
criança cuja pele e cabelos não eram negros, mas vermelhos. Vi, também,
um garoto, filho de pais negros, que tinha pele branca, cabelos e sobran
celhas claros, mas, encaracolados, e nariz chato como o dos pretos. Tive
ocasião de ver negros velhos com longas barbas brancas e cabelos grisa
lhos, apresentando aspecto nobre.
Indígenas. Os nativos do Brasil agrupam-se em diversas nações, que se distin
guem pelos seus nomes próprios iTubinambás, Tobajaras, Petiguarás e
Tapuias e Tapuyers ou Tapoeyers (441). As três primeiras nações usam
a mesma língua que difere apenas nos dialetos. Todavia, a última se subdi
vide em diversas tribus que se distanciam tanto nos costumes quanto na
língua. Os brasileiros que viviam entre nós e os portugueses, eram de es
tatura mediana, fortes, bem conformados e espadaúdos. Tinham olhos ne
gros, bôca rasgada, cabelos pretos, encaracolados e nariz chato. Êsse acha
tamento não lhes é natural, mas, considerando-o traço de beleza, os pais
praticam-no nas criancinhas, quando ainda muito tenras. Os selvagens
pintam o corpo e o rosto de diversas côres, e, em geral, são imberbes, con
quanto alguns tenham barba preta. As mulheres têm igualmente estatu
ra mediana, membros bem torneados e não são feias. Também elas pos
suem cabelos pretos e não nascem escuras ; o sol é que lhes dá, aos poucos,
uma côr amarelo-bronzeada. Os aborígenes chegam logo à maturidade
e atingem a idades avançadas, em perfeita saúde. Também raramente
ficam grisalhos. Vêem-se, igualmente, europeus aí residentes atingi
rem a 100 e 120 anos. Atribue-se êsse fato à temperatura, à água, ao
clima que, de fato, é tão bom, a ponto de espanhóis, que não passavam bem
na Espanha ou nas índias Orientais, virem para o Brasil a-fim-de des
frutar o ar excelente e a água magnífica. É verdade que a maior parte
das crianças filhas de estrangeiros sofrem de moléstias prolongadas, a tal
ponto que, dificilmente, uma em três consegue sobreviver. Isso, porém,
não se atribue ao clima e sim à má alimentação. Poucos são os aleijados,
entre os aborígenes; são desempenados e ágeis, o que é realmente de
admirar, porque não costumam enfaixar as criancinhas — a não ser os
pèzinhos — por considerar pouco saudável.
Antes de os holandeses se firmarem no Brasil os portugueses haviam
escravizado os indígenas, pensando ser essa a melhor maneira de os ex
terminar, e, de fato, conseguiram realizar o seu intento com tal eficência

(441) Compare-se com Marcgrave (LXX, 268), donde Nieuhof tirou essa
classificação. Tabbajarás em Ayres do Cazal (XXVI, 198). Em Cardim, (XIX,
171) Potyguaras e Pitiguaras. Afora os cronistas portugueses, do lado holandês
o trabalho de Marcgrave é o mais importante. (V, cap. IV, De Incolis Brasiliae, p-
268-279, afora o texto de Rabbi e Herckmans).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 311

que, enquanto que há cêrca de 80 ou 90 (442) anos, só na Capitania do Rio-


-Grande, seria possível mobilizar 100.000 guerreiros, em 1645 e 1646, di
ficilmente se conseguiriam 300. Isso gerou, entre os naturais, um ódio
mortal aos portugueses. É preciso que se diga, também, que a última
guerra e as moléstias epidêmicas dizimaram grande número de selvagem.
Os sobreviventes viviam em aldeias ou vilas especialmente designadas.
Aí podiam êles fazer suas plantações e trabalhar para os portugueses me
diante salário mensal que lhes facultava a aquisição de roupas e outras
cousas de que necessitavam.
As aldeias dos brasileiros estavam em Goiana, Paraíba e Rio-Grande,
(embora uma estivesse perto de Iguarassú), onde êles tinham escolhido
lugares apropriados, perto dos rios (443). Suas cabanas são construí
das apenas de estacas, cobertas de folhas de palmeiras. Não suportam o
jugo da escravidão, nem qualquer fadiga por menor que seja. Vivem
muito quietos, a menos que bebam; nessas ocasiões cantam e dansam
dia e noite. A bebedeira avassala os indivíduos de ambos os sexos e dá
lugar a brigas, bem como a vícios abomináveis. Também apreciam mui
to a dansa, que chamam Guau; têm diversas maneiras de bailar, uma das
quais denominam Vrukapi. Em geral cantam enquanto dansam. As
crianças divertem-se com várias modalidades de jogos, por exemplo: o
Kurupirara, o Guabipaie e o Gjmibiguaibibuku (444). Às vêzes os ín
dios dormem dia e noite consecutivamente e só levantam quando sentem
fome. Perto de suas rêdes mantêm continuamente acesa uma fogueira.
Durante o dia é nela que preparam os alimentos e, à noite, serve para
aquecer o ambiente, mais frio aí que na maior parte do território euro
peu, pois o dia e a noite têm duração quase igual durante o ano todo.
Os selvícolas do interior andam completamente nus, tanto homens Vestes
como mulheres. Todavia, os do litoral, que mantêm contacto com os ho
landeses e portugueses, usam uma camisa de algodão ou linho. Durante
o tempo em que estive no Brasil, alguns dos principais aborígenes pro
curavam imitar os europeus na maneira de vestir. A mulher segue
constantemente o marido, onde quer que êste vá, mesmo na guerra. Ele
nada leva a não ser armas; entretanto, a pobre companheira vai carre
gada qual animal de carga. Além de um grande cesto que traz às costas

(442) O tradutor inglês escreveu 100 anos (cf. p. 217, l.a col. da ed. hol.
e p. 148, 1.» col. da trad. inglêsa).
(443) O tradutor inglês omitiu êste trecho (cf. p. 217, 2.» col., 3.° § da
ed. holandesa e p. 148, 1.» col. da trad. inglêsa).
(444) Em Marcgrave (LXX, 278) está escrito Guau, Urucapi, Curupirara.
Guaibipaie, Gnaibiguaibiabucu. Também neste trecho Nieuhof plagiou Marcgrave.
312 JOAN NIEUHOF

(ao qual chamam Patigua), leva outro à cabeça, com todos seus uten
sílios domésticos, ou então uma cesta enorme com farinha. Carrega, ain
da, várias outras vazilhas menores, pendentes de ambos os lados, nas
quais leva água para beber. A criança é transportada num pedaço de
algodão atado em tôrno do busto e pendente do ombro direito. O bebé
fica ali acomodado, com as perninhas abertas, uma esticada diante do
ventre materno e a outra sôbre o quadril. Como se tudo isso ainda não
bastasse, a índia leva um papagaio ou macaco empoleirado na mão e
puxa um cachorro atado a um cordel. Assim parte a família das selvas
para suas viagens, sem mais provisões que pequena reserva de farinha.
Os campos fornecem-lhe alimento; as fontes e os rios dão-lhe de beber.
Tambem o vegetal denominado Caraguatá, lhes alivia a sêde, pois con
serva sempre um pouco de água pluvial no recesso de suas folhas: ver
dadeiro refrigério para os viajantes que, em regiões estéreis, são às
vêzes forçados a percorrer 10 ou 12 milhas ou mais sem encontrar qualquer
espécie de água. À noite os aborígenes penduram suas rêdes em árvores
ou estacas, acendem fogo para preparar a comida e abrigam-se da chuva
com folhas de palmeiras. Quando estão em casa, o marido geralmente
sai pela manhã munido de arco e flecha para a caça, ou então vai pescar,
no mar ou no rio, enquanto a mulher se ocupa das plantações. Algumas
delas seguem seus maridos a-fim-de apanhar as presas. Dão caça aos
animais selvagens de diversas maneiras. Matam alguns a flechadas, apa
nham outros em covas feitas a propósito e disfarçadas com ramos e fo
lhas de árvore, dentro das quais colocam alguma carniça para atrair o
animal que pretendem apanhar. A essa armadilha chamam Petaku. Cotís-
troem também mundéus de madeira e empregam diversos métodos para
agarrar animais selvagens, a cada um dos quais dão nome diferente. Para
caçar pássaros, usam três qualidades de arapucas a que dão o nome de
Jukana. A primeira delas — a Jukanabiprara — segura as aves pelos
pés; a segunda prende-as pelo pescoço e é conhecida por Jukanajuprara;
e, finalmente, a terceira apanha-os pelo corpo e tem o nome de Jukanajn-
teraba. Matam os peixes com flechas ou pescam-nos com ganchos, usando
para isca vermes que chamam Kanduguaku, minhocas, caraguejos ou
peixinhos. Preparam o pesqueiro pondo na água folhas de Japikaj, Tim-
potiana, Tinguy ou Tinguirri. Outras vêzes empregam uma fruta cha
mada Kururuape, ou a raiz denominada Magui, ou ainda a casca da ár
vore Anda, a-fim-de obrigar o peixe a nadar pela tona, como morto; apa-
nham-no, então, com uma espécie de peneira denominada Vrupema, feita
de taquara ou caniços e, neste caso, chamam-na Vruguiboandipia. No
mar, pescam com anzóis de ferro e usam carne para isca. Afoitam-se
bastante no oceano, servindo-se apenas de três toras de madeira, atadas,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 313

a que chamam Igapeba e que os portugueses chamam Jangada. A ma


deira de que para isso se servem, é, geralmente, a Apeiba (445) . Os
brasileiros não possuem grande variedade de utensílios domésticos e seu
maior cuidado é com a rêde a que dão o nome de Ini. Estas são fabrica
das de algodão, tecido em malhas, e têm, em geral, de 6 a 7 pés de com
primento e quatro de largura. Quando vão dormir, amarram a rêde a Utensílios
duas traves de sua tenda, ou em duas árvores, ao ar livre, a certa altura doméstico*,
do chão, para evitar os animais daninhos e as exalações pestíferas da
terra. Os tapuias denominados Carirís fazem rêdes bem grandes, de
doze e quatorze pés de comprimento, capazes de conter quatro pessoas.
As portuguesas também fabricam lindas rêdes decoradas.
Em lugar de pratos e copos, os aborígenes usam Calabaças (cabaças)
cortadas ao meio e pintadas por fora com uma tinta vermelha a que dão
o nome de Uruku, e, por dentro, com tinta preta. Usam, também, ca
labaças, em lugar de latas, copos e canecas, a que dão os nomes de Kuite,
Jaroba e Kribuka. As maiores dessas calabaças têm capacidade para
30 ou 35 quartilhos ; a estas dão o nome de Kuyaba; quando, porém, são
cortadas ao meio, têm o nome de Kuipeba. Os indígenas mais atrasados
fabricam uma espécie de faca de pedra, chamada Ituque; fazem-na tam
bém de taquara e chamam Taquoaquia. Os mais desenvolvidos, porém,
usam facas holandesas. Fazem cestos de folhas de palmeira e chamam-
-nos Patigua; possuem também cestos feitos de taquara ou caniço a que
chamam Karamemoa. Confeccionam, ainda, grandes cestos de ramos e
juncos entretecidos ; a estes chamam Panaku e são principalmente empre
gados no transporte de mandioca. Em suas viagens, usam sempre o
Patigua, mas o Panaku é usado pelos negros e escravos do Recife, para
transporte de mercadorias (446).

(445) Êste trecho de Nieuhof desde: "A mulher segue constantemente o ma


rido... " até "... Apeiba" parece-nos ser uma tradução do texto latino de Marc
grave (LXX, 272-273). Como acentuamos na nota 437, há pequenas diferenças de
grafia.
Marcgrave escreve Timbopotiana e Nieuhof grafou Timpotiana; Apeiba (Mare)
e Apiba (Nieuh.). Em Soares (LXXXVI, p. 251) Apeyba.
O tradutor inglês omitiu o trecho "vermes que chamam Kanduguaku" (p. 149,
1.» col.).
Jucana (XXX, 246) o laço; (XXX, 246) jucanabipiára — o laço dos pés; juca-
naiurípiára — o laço do pescoço, jucanapiteréba, o laço do meio corpo.
Andá (XXX, 205), certa árvore. Segundo Batista Caetano tem diversas signi
ficações: contr. de anta, fruto duro, nome dado a vários frutos e côcos (III, p. 34).
(446) Êste trecho parece-nos ser também plagiado de Marcgrave (LXX,
271 e 272). As diferenças de grafia são, afora as citadas na nota 437, as seguin
tes: Itaque (M) — Ituque (N); Taquoaquice (M.) — Taquoaquia (N); Patiguâ
<M.); — Patigua (N) ; Kuite (N) — Cuieté (M); Kribuca (N) — Cuibuca (M).
O trecho de Nieuhof apresenta ordem diversa da de Marcgrave.
314 JOAN NIELHOF

Armas. As armas dos brasileiros resumem-se no arco e flecha e tacape.


Os arcos, chamados Guirapara e Vrapara, são feitos de madeira muito
dura denominada Guirapariba ou Virapariba. A corda é de algodão tor
cido e tem o nome de Guirapakuma. As flechas, Uba, são de taquara
silvestre, com pontas de madeira endurecida, dente de peixe Iperu, osso,
ou, ainda, de taquara ponteaguda. Algumas setas têm várias pontas;
outras têm apenas uma (447).
Como con- Não tendo a menor noção de aritmética, os aborígenes contam a idade
Um a idade. p0r mej0 da castanha do cajú a que chamam Acagnakaya, Acajuti ou
Itimabara. Essa árvore frutifica apenas uma vez por ano, entre dezem
bro e janeiro e os nativos guardam, então, uma castanha de cada co
lheita. Começam o cômputo da idade ao nascer de determinada estrêla
— Teixu ou estrêla da chuva — o que se verifica no mês de maio. Cha
mam o ano pelo mesmo nome (448).
Os nativos mais atrasados, no interior do país, pouca idéia fazem da
Religião. religião ou de um ente superior. Conservam noção remota de um grande
dilúvio e acreditam que, por essa ocasião, tôda a humanidade tenha pe
recido, a exceção de um homem e sua irmã que, estando grávida, aos pou
cos povoou de novo a Terra. Os indígenas não têm idéia de Deus, e,
por isso, não possuem, em sua língua, palavra com que exprimí-la, a não
ser Tupã, que significa alguma cousa melhor que tudo o resto. Assim é
que ao trovão, chamam Tupakununga, isto é, um ruído produzido pela
Excelência Suprema, pois a palavra Akunung quer dizer ruído. Não
têm noção do Céu, nem do Inferno, conquanto seja crença generalizada
entre êles que a alma não deixa de existir, com a morte do corpo; ao con-

No Dic. Brasiliano XXX, 272), Panacú — carro, cesto. Segundo Batista


Caetano (III, 362) Patigua contr. de patuá = pataná, s., cesto que as mulher»
traziam às costas amarrado à cabeça com os pertences da rêde. Cuieté (III, p.
80), s., vaso real, cuia grande ou capaz, cuia boa.
Taquíce (III, 484), faca de taquara cortante ou perfurante.
(447) Êste trecho parece-nos ser também plagiado de Marcgrave (cap. X:
De Armis Brasiliensium, & exercitiis illorum, p. 278). Marcgrave anota que os
portugueses chamam aos arcos nomeados pelos brasileiros Guirapariba & Vrapa-
riba, Páo d'arco. Em Batista Caetano (III, p. 549), Ubá = cana de flecha, cana,
caniço; (III, 205); Marcgrave escreveu Vúba (p- 278); íperú = peixe, tubarão.
(48) Êste trecho parece-nos plagiado de Marcgrave (LXX, 269, cap. V).
Marcgrave escreveu Acajú; Nieuhof Akaju. Acajúacaya (M.) — Akajuacaya
(N.) ; Acaiuti & Itemboera (M.) — Akajuti & Itimabara (N.) ; Ceixu (M.) -
Teixu (N.); o tradutor inglês escreveu Taku (p. 150). Em Morisot (IX, p. 276)
Ceixu. 3
Acajú — o ano (XXX, 156).
Acajucaia, a amêndoa ou a castanha do cajú.
Cejuçú — setestrelo, as Plêiadas (XXX, 220). Em Batista Caetano (III, p. 115)
êichú — nome dado à constelação das Plêiadas ou Setestrelo.
UM BRASILEIRO
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 315

trário, ou transforma-se em demônio, ou espírito, ou, então, vai desfrutar


existência feliz dansando e cantando em um prado delicioso, que acredi
tam estar situado além das montanhas. Essa felicidade está reservada
aos bravos — homens e mulheres — que, em vida, mataram e devoraram
muitos de seus inimigos. Ao contrário, os negligentes que jamais pra
ticaram atos de valor serão, noutra vida, torturados pelo demônio a que
dão vários nomes, como: Anhanga, Jurupari, Kurupari, Taguaiba, Te-
moti e Taubimama. Entretanto, os aborígenes têm, em suas tribus, uma
espécie de sacerdote, cuja função é sacrificar e predizer o futuro. Êsses
indivíduos são ^consultados principalmente antes de ser iempreendida
qualquer viagem ou guerra. A êles chamam Payé e Pay. Os nativos te
mem horrivelmente os espíritos a que chamam Kuripira, Taguai, Maca-
chera, Anhanga, Jurupari e Marangigoana, conquanto cada um dêsses
nomes tenha significação diversa. Por exemplo: Kuripira significa o
deus do espírito ou do coração; Macachera, o patrono das viagens; Juri-
pari e Anhanga significam o demônio ; e Marangigoana quer dizer manes,
ou os remanescentes da alma depois da morte. É tal o pavor que aos
brasileiros inspira êste último que se dão casos de morte repentina ante a
aparição imaginária dêsse espírito. Não rendem culto nem praticam ce
rimonial de qualquer espécie a tais espíritos; apenas indivíduos isolados
imaginam aplacar o ódio dêsses sêres por meio de presentes que deixam
pendurados em estacas fincadas no chão. Alguns dos brasileiros admi
tem o trovão como sendo o ente supremo, outros, a Ursa-menor, e, final
mente há, ainda, os que veneram outras estrêlas. A tribu dos Potiguaras
é tida como feiticeira a ponto de causar a morte a seus inimigos através
da magia. A tal prática chamam Anbanwmbikoab (449) . Os brasileiros
que viviam entre portugueses e holandeses seguiam, até certo ponto, a
doutrina cristã, mas de maneira tão tíbia, que poucos perseveravam em
seu zêlo até idades avançadas. Isso principalmente porque sòmente en
quanto crianças, longe de seus pais, aceitavam os artigos principais da

(449) Êste trecho parece-nos tirado de Marcgrave (cap. XI, p. 278-279 De


Brasiliensium religione). As diferenças de grafia são: Tupa (M) — Tuba (N);
o tradutor inglês escreveu Tubacununga (p. 150) e Akununga (p. 150), ao invés
de Tupakununga e Akunung, como estava na ed. holandesa (p. 221, 2,a col.). São
de se notar as diferenças de grafia com Marcgrave, que são as já observadas na
nota 437. Segundo o Dic. Brasiliano (XXX, 288), Tupã = Deus. Em Batista
Caetano (III, 544), tupã = Deus.
Acunúng (XXX, 173), fazer qualquer estrondo, troar, produzir som.
Anhanga — fantasma, alma que passa fugidia, o Diabo. Em Batista Cae
tano (III, 37), anang = aiang = anã, s., diabo, demônio.
Jurupaii (XXX, 247), o diabo, demônio, anjo mau.
Tembioti (III, 507) contr. de tetemoti = diabo; e taguaib ou taguaub (III,
472), fantasma, visão; taubímâ, s., fantasma, duende velho ou o velho das visões;
«n tupi taubimana (III, 490).
316 JOAN NIEUHOF

nossa Fé. Todavia, diversos ministros holandeses, notadamente o sr.


Doreslaer, e, mais tarde, o sr. Thomas Kemp — ambos versados na língua
dos selvagens — conseguiram converter muitos brasileiros, nas aldeias
onde prègaram. Destacaram-se, também, na catequese dos infiéis, Dio-
nisius Biskareta, velho e honesto castelhano, bem como o noviço Johannes
Apricius. Houve igualmente três mestre-escolas que se ocuparam em
ministrar as primeiras letras às crianças aborígenes, mas foram obri
gados a abandonar as aldeias durante a última comoção intestina provo
cada pelos portugueses.
Várias moléstias comuns na Europa são desconhecidas no Brasil.
Os nativos usam remédios muito simples e riem-se das nossas poções.
São muito hábeis em ministrar seus remédios, principalmente no que res
peita a antídotos. Praticam a sangria sugando através de um chifre
sôbre uma escarificação ou sôbre uma veia aberta. Em lugar de lan-
ceta usam o dente de certa lampreia chamada Kakaon, que todos trazem
consigo. Logo que algum conhecido cai doente, todos se reúnem para
oferecer o remédio que a experiência lhes ensinou ser bom. Põem-se,
então, a fazer incisões nas partes mais carnudas do corpo, quer com es
pinho de Carnaiba, quer com dente de peixe, até que tenham extraído do
doente quantidade de sangue que julguem suficiente. Sugam, também, a
ferida, com a bôca, pretendendo assim remover os maus humores da re
gião afetada. Provocam vômito introduzindo na garganta do paciente
folhas de Carnaiba torcida. Quando nenhum dêsses remédios dá resul
tado, não procuram outros, e, se depois de tentar vários tratamentos,
perdem a esperança de ver o doente restabelecido, abrem-lhe a cabeça
com o tacape, pois para êles é muito mais glorioso libertar dessa forma o
paciente de seus sofrimentos, que deixá-lo esperar pela morte até o úl
timo instante. Os selvagens praticam, com cadáveres de amigos, tantas
barbaridades quantas fazem com os dos inimigos; com os primeiros, por
amor, com os segundos por vingança, pois arrancam os pedaços com os
dentes e comem a carne humana como se fora saborosa vianda.
As mulheres são muito férteis, têm parto fácil e raramente abortam.
Logo que uma delas dá à luz, vai ao rio e lava-se, sem auxílio de ninguém.
Enquanto isso, o marido permanece deitado pelo menos por 24 horas, com-
penetrando-se tanto de seu papel como se estivesse de fato doente. As
mães lamentam a morte de seus filhos chorando e gritando durante três
ou quatro dias consecutivos.
Depois de uma longa viagem, recebem os amigos de braços abertos e
com lágrimas nos olhos. Batem com a testa no peito do recém-chegado
pretendendo assim recordar os sofrimentos por que passou durante sua
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 317

ausência. Conquanto se suponha que todos os brasileiros descendem de


raças antropófagas, devido ao contacto conosco bem como com indivíduos
de outras nações, muitos dos nativos abandonaram essas práticas bárba
ras e se tornaram tão afáveis e civilizados quanto a maioria dos europeus.
Os tapuias (450) habitam o interior, ao poente das regiões que se Tapuias,
acham sob o domínio dos portugueses e holandeses, entre o Rio Grande,
o Rio Ceará e o São Francisco. Dividem-se êles em diversas nações que
se distinguem tanto pela língua como pela denominação : os tapuiais que
viviam nos limites extremos de Pernambuco chamavam-se Carirís e eram
governados pelo rei Ceriou Keiou; seus vizinhos eram os Caririvasu cujo

(450) O trecho desde: "Os tapuias habitam o interior..." até "...Cua-


çumandiiba" pouco pertence a Nieuhof. Assim, desde "Os tapuias" até "Kara-
kara" o trecho é talvez inspirado em Herckmans, por intermédio de Marcgrave,
do pequeno resumo que êste deu do trabalho "Breve Descrição dos Costumes dos
Tapuias", in Descrição Geral da Capitania de Pernambuco. O texto de Herck
mans saiu no cap. XII, pp. 282-283, de Marcgrave: Alia quaedam de Tapuys ab
Elias Herckmanns descripta. O texto completo se encontra na Rev. do Inst. Arq.
e Geog. Pern., tomo V, 1886, p. 279 e sgts. O trecho desde: " . . .outras tribus. . . "
até "... Dremmenge" é tirado de Marcgrave (LXX, p. 269). O texto "Os sú
ditos ..." até "... é considerado entre êles como ornamento todo especial " é, tal
vez, igualmente, inspirado em Herckmans, (cf. p. 279-280 da Revista citada). O
trecho que vai de "Ambos os sexos..." até "... Guara ou Kaninde" é semelhante
ao de Herckmans (cf. p. 281 da referida Revista).
O trecho referente a trajos é tirado de Marcgrave — cap. VI, p. 270-271, De
Vestitio & Omatu Virorum, & Mulierem Brasiliensium — até a palavra Miapapa-
caba, com omissão do nome português dado por Marcgrave — Alpargatas (alperca
tas). Neste passo cometeu Nieuhof, ao traduzir, um engano, pois ao ornato que
consiste no ajuste dos corais com as penas, é chamado Papixoara e não Aracoya,
como êle escreveu. Marcgrave escreve (LXX, p. 271, linha 25): "Ligam, também,
muitas penas de Avestruz ou penas de Araras, formando quase um círculo, e reú-
nem-nas com um fio grosso, ajustando-as à região lombar e cobrindo com elas o
anus; e a êsse ornato, que pende quase até os joelhos, chamam Aracoaya". Nieuhof
descreveu o ornato Papixoara como se fora o Aracoaya, e omitiu a descrição dêste,
embora se encontre o nome Aracoya e esteja omitido o nome Papixoara.
O texto referente às armas é também copiado de Marcgrave — cap. X, p. 278,
De Armis Brasiliensium, & exercitiis illorum —. Finalmente o trecho sôbre ali
mentação é inspirado em Piso (LXX, p. 55, parte final do cap. II — De Mandihoca).
Afora as citadas diferenças gráficas já apontadas na nota 437, convém notar
os seguintes enganos e diferenças de grafia: Tararijou (N) — Tarairyou (M) ;
Arigpaygh (N) — Arigpoygh (M) ; Arara ou Kamud em Nieuhof (p. 223) —
Arara ou Caninde (M., p. 271); Kazinde (N., p. 223) — Carinde (M., p. 271);
Apiyati (N. p. 224) — Apiyatê (M., p. 271) ; Miapakabas (N., p. 224, 2.a col.) —
Miapapacaba ou Alpargatas (alpercatas) dos Lusitanos (M., p. 271): Nhum-
bugaku (N., p. 225) — Nhumbugoacu (M., p. 278) ; Meumbrapara (N., p-
225) — Membiapara (M., p. 278) ; Cuaçumandiiba (N. 225) — Cuacumandijba
(Piso, p. 55).
Os índios tapuias assim chamados pelos holandeses eram os Carirís. Os tupis
denominavam-nos tapuias, o que significa — estranhos à sua tribu, que não fala
vam o tupi. Os Janduís eram Carirís, assim como os Paiacús e as outras tribua.
Foram os indígenas que mereceram maiores cuidados dos estudiosos, como Marc
grave e Herckmanns, e dos aventureiros como Rabbi e Baro. Os Janduís habitam
os ribeiros do Assú, Mossoró e Apodi (cf. Rodolfo Garcia, p. 266). Pau' Ehren-
reich (XXXIV, p. 42), depois de um minucioso estudo baseado no material acumu
lado pelos cronistas holandeses e nos retratos que Wagner e Eckout deixaram,

22
318 JOAN NIEUHOF

chefe se chamava Carapoto; a seguir vinham os Caririjou e depois os Ta-


rarijou, muito conhecidos nossos. Seu rei era Janduí, não obstante
alguns dêles viverem sob a autoridade de um tal Karakara. Outras tri-
bus eram governadas por vários reis a saber : Prityaba, Arigpaygh, Wa-
nasewajug, Tsering e Dremenge. Os súditos do rei Janduí moravam
ao poente, além do Rio Grande, mas mudavam frequentemente de mo
rada. Entre os meses de novembro, dezembro e janeiro, quando o
cajú começava a amadurecer, êles vinham para o litoral, pois raros
dêles eram encontrados no interior. Os tapuias são altos e fortes, ultra
passando brasileiros e holandeses, tanto em força quanto em estatura.
Sua côr é morena escura, têm cabelos pretos pendentes sôbre as espá
duas, pois aparam-no apenas na testa, até às orelhas. Alguns cortam
os cabelos à maneira européia. De resto, arrancam todo o pêlo do corpo,
até mesmo as sobrancelhas. Os reis e as pessoas de destaque distin-
guem-se dos demais pelos cabelos e pelas unhas; os primeiros cortam os
cabelos em forma de coroa e conservam unhas longas nos polegares.
Entretanto, os parentes do rei e outros indivíduos de destaque na tribu
têm unhas compridas em todos os dedos, menos nos polegares, pois êste
detalhe é considerado entre êles ornamento todo especial.
Os tapuias são muito fortes. Certa vez o Príncipe Maurício, estan
do de bom humor, quis experimentar a força e a agilidade dos indígenas,
em luta contra um touro bravio. Mandou então que trouxessem o ani
mal para um recinto cercado, onde dois tapuias, para isso escolhidos, de
veriam enfrentá-lo. Houve grande afluência de curiosos para assistir o
espetáculo. Em dado momento surgiram os dois tapuias inteiramente
nus, sem outras armas que seu arco e flecha. Logo que o touro os per
cebeu arremeteu-se contra êles que, extremamente ágeis, esquivaram-se
das marradas e crivaram de flechas os flancos do animal. Urrando
horrivelmente e espumando de raiva, o touro lançou-se de novo com todo
furor, contra os indígenas. Mais uma vez os tapuias se esquivaram, es-
condendo-se atrás de uma árvore existente no meio da arena, de onde

chegou à conclusão de que os tapuias pertenciam ao grupo Gês. Mais tarde, no


trabalho "Etnografia" (Dic. Hist., XXXVII, p. 249-277), Rodolfo Garcia afirmava
à p. 261 que os tapuias deviam ser considerados como proto gês e, à p. 262, como
Carirís. O mesmo fêz Estêvão Pinto (LXIX), que à p. 127 afirma que os tapuias,
tão estudados pelos holandeses, eram gês, e à p. 451, na qual explica o mapa de
distribuição dos principais grupos indígenas, coloca os Janduís e Paiacús entre os
Carirís.
Trata-se, evidentemente, de lapso proveniente da grande confusão dos autores
da época, Nieuhof, Marcgrave, Herckmans falam em Cariri.
Sôbre os outros tapuias do Rio Grande e os do Rio São Francisco, consulte-se
Marcgrave — cap. IV, p. 268, especialmente a nota 2 de Morisot, que fala em 76
nações tapuias (cf. IX, p. 247).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 319

continuaram a atirar seus dardos contra a fera, até que, quando esta
já se esvaía em sangue, um dos bugres saltou-lhe sôbre o dorso e, to-
mando-a pelos chifres, atirou-a por terra. Ajudado por seu companhei
ro, matou o animal. A seguir prepararam a carne, assando-a enterrada,
segundo o costume selvagem, e com ela banquetearam-se em companhia
dos demais tapuias presentes.
Os tapuias de ambos os sexos, desde o chefe até o mais simples dos
selvagens, andam inteiramente nus. Os homens apenas escondem as par
tes íntimas, em uma espécie de saquinho ou cesto feito de casca de árvo
re, atando-o com um amarrilho. Quando precisam, retiram êsse estôjo, e,
nisso, mostram mais recato que alguns europeus. Hábito idêntico têm
os demais brasileiros que habitam o interior. As mulheres escondem
suas partes íntimas com um punhado de ervas ou com um ramo de ár
vore atado a um cordel que passam sôbre os quadrís. De idêntica ma
neira procuram velar as nádegas, mas fazem-no tão descuidadamente
que, tanto na frente como atrás, parte do que pretendem esconder con
tinua exposto. Os homens usam, ainda, uma espécie de coíja feita de
penas de Guara ou Kaninde, da qual pendem sôbre as costas penas da
cauda da Arara ou Kamud; alguns atam na mão um fio de algodão, no
qual amarram penas vermelhas ou azues; a êsse ornato chamam Akan-
buaçada. Os aborígenes têm também mantos tecidos com fio de algodão,
coroo rêde. Em cada furo enfiam uma pena vermelha de Guara, acom
panhada de penas pretas, verdes e amarelas de Aakukaru, Kazinde e
Arara, arrumando-as de maneira semelhante às escamas de peixe. Den
tro dessa capa existe uma espécie de boné que cobre a cabeça, deixando
que o manto caia sôbre os ombros e o corpo, de forma a cobrí-lo até mais
ou menos o meio. Assim é que êsse abrigo pode ser usado tanto para
ornamentar como para agasalhar, pois a chuva não o atravessa. Tal
capa é conhecida na língua dos selvagens pelo nome de Guara Abuku.
Os aborígenes colam, ainda, com mel silvestre sôbre a testa, a crista de
certas aves, e a êsse ornato dão o nome de Aguaria.
Se a um índio morre o pai ou a mãe, arranca êle todo o cabelo da
cabeça. No lóbulo das orelhas os aborígenes costumam fazer furos tão
grandes que nêles se pode introduzir um dedo. Em tais orifícios usam
atravessar um osso de certa espécie de macaco a que denominam Nam-
bipaya ou um pedaço de madeira coberto de algodão. No lábio superior
os homens fazem furos onde engastam pedaços de cristal, esmeraldas ou
jaspe do tamanho de uma avelã. A essa pedra chamam Metara, mas, se
for verde ou azul, seu nome é Metarobi; em geral preferem pedras verdes.
Os selvagens fazem também perfurações no rosto, de ambos os lados da
bôca; aí os casados usam um pedaço de madeira do tamanho e da gros
320 JOAN NIETJHOF

sura de haste de uma pena de ganso. Às vêzes usam nesse orifício uma
pedra chamada Tembekoareta. Nos furos que praticam nas narinas,
os selvagens usam também pedaços de madeira semelhantes aos que cha
mam Apiyati. Pintam todo o corpo com certo suco castanho extraído
do Genipapo; tal hábito estende-se às mulheres e crianças. Além disso,
colocam em diversas partes do corpo, com mel silvestre ou resina, penas
de várias côres que, a grande distância, lhes dão a aparência de aves.
Essa maneira de ornamentar chama-se, entre êles, Akamongui. Assim é
que adornam os braços com pulseiras de penas vermelhas e amarelas, dan
do a isso o nome de Aguamiranga. Às vêzes entremeiam corais com as
penas, e o ornato passa a chamar-se Arakoaya. Os selvagens fabricam
também braceletes com as sementes de um fruto denominado Aguay
os quais usam nas pernas para fazer barulho quando dansam. As san
dálias que adotam são feitas da casca de Kuragua e têm o nome de
Miapakaba. Algumas nações de tapuias não usam arco e flecha; limi-
tam-se a atirar seus dardos à mão; os Carirís, porém, trazem arcos. Os
tacapes são feitos de madeira muito dura e largos numa das extremida
des, onde também fincam agudos dentes e ossos ponteagudos. Enrolam
no cabo um cordel ou outra cousa qualquer e atam, na extremidade, um
punhado de penas da cauda da Arara; no meio, colocam mais uma or
dem de penas. A essa arma dão o nome de Atirabebe e Jatirabebe. As
trombetas, a que chamam Kanguenka, são feitas de ossos humanos ; toda
via, as chamadas Nhumbugaku, de tamanho muito maior, são de chifre.
Existe ainda outra modalidade de corneta feita de taquara e chamada
Meumbrapara. Os tapuias não são tão bons guerreiros quanto os de
mais brasileiros, pois quando a luta é dura êles fogem com incrível rapi
dez. Não semeiam nem plantam qualquer outra cousa que não a man
dioca, e sua alimentação usual é constituída de frutos, raízes, ervas,
animais selvagens e, às vêzes, mel silvestre, que colhem do ôco das árvores.
Dentre tôdas as outras raízes os nativos apreciam de maneira particular
uma variedade de mandioca nativa que atinge o porte de uma árvore
pequena. Seus galhos e folhas lembram os da mandioca comum, mas
nem de longe se lhe assemelha em qualidade. A essa variedade os bra
sileiros do interior chamam Cuguaçuremia e os do litoral Cuaçumandiiba.
Os aborígenes também comem carne humana. Se acontece de uma
mulher abortar, êles imediatamente devoram o feto, alegando que não
podem dar melhor túmulo à criança, que as entranhas de onde veio. Os
tapuias levam vida nômade como a dos árabes, conquanto permaneçam
sempre mais ou menos numa certa área dentro de cujos limites vão
mudando de morada, conforme as diferentes estações do ano. Vivem
de preferência no mato, alimentando-se de caça, em cuja atividade êles
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 321

talvez se avantajem aos de qualquer outra nação. Chegam a flechar uma


ave em pleno vôo.
Logo que u'a mulher concebe, afasta-se de seu marido. Quando dá
à luz vai para o mato onde corta com uma concha o cordão umbelical do
recém-nascido. Depois cose o umbigo juntamente com a placenta e come
tudo. Lava-se, juntamente com a criança, pela manhã e à tarde. En
quanto a mulher estiver amamentando, o companheiro a ela se não une a
menos que só tenha uma esposa. Se a mulher prevarica, o marido a
repudia ; mas, se os culpados são apanhados em flagrante, o esposo ofen
dido pode matá-los. As mães têm extraordinário cuidado em impedir
que se consume o matrimônio das filhas antes do primeiro catamênio.
Verificado o aparecimento do menstruo, a mãe da noiva informa o curan
deiro e êste ao rei que então dá permissão para que a moça e o noivo
cohabitem. Êste, então, agradece à sogra o cuidado que teve com a fi
lha. Se uma jovem em idade de casar não é cortejada por nenhum ra
paz, sua" mãe pinta-a com tinta vermelha em torno dos olhos e leva-a à
presença do rei que faz a moça sentar-se numa esteira e sopra fumaça
de tabaco sôbre o rosto. Depois deflora a rapariga e se esta perde san
gue o rei o suga, o que é considerado honra singular entre os selvagens.
De resto os tapuias são piores que todos os outros brasileiros e
ignoram tudo quanto se relaciona com Deus e a Religião. Também não
aceitam instrução de qualquer espécie. Há entre êles sacerdotes, ou
antes, feiticeiros que têm a pretensão de predizer os acontecimentos e in
vocar espíritos que, segundo afirmam, lhes vêm em forma de moscas
e outros insetos. Quando esses espíritos desaparecem, as mulheres gri
tam horrivelmente e se lamentam, nisso consistindo o seu principal exer
cício de devoção. Evitam viajar à noite com receio de cobras e outros
animais venenosos; também não viajam enquanto o sol não faz secar o
orvalho da manhã. Diversas nações tapuias, principalmente as que es
tavam sob a autoridade de Janduí, mantinham boas relações com os
holandeses com os quais prestaram bom auxílio em várias ocasiões, con
quanto se não submetessem a estes. Janduí ou Jan Duwy na época em que o
vi tinha 120 anos. Êle tinha cincoenta mulheres e sessenta filhos, a-pe-
-sar-de que às vêzes não tinha mais que quatorze mulheres. Os tapuias
alimentavam ódio mortal pelos portugueses e, por isso, onde os encon
travam, matavam-nos na certa.
0 que ficou dito acima sôbre costumes, modo de vida, indumentária
etc. dos nativos do Brasil, é o bastante. Passarei agora a descrever
minha viagem de regresso à Holanda.
Sabendo, como já disse anteriormente, que as cousas pioravam dià-
riamente do nosso lado, conseguí, com muito custo, permissão para par
322 JOAN NIEUHOF

tir. Assim é que a 23 de julho de 1649, embarquei na fragata d'Een-


draght, tripulada por 80 marinheiros sob o comando do Capitão Albert
Jansz, natural de Groeningen. Largámos velas no mesmo dia, em com
panhia do navio Blauwe Engel e de um iate denominado Brasiliaen.
Deixámos a cidade de Olinda à noite, rumando para sudoeste. A 25,
estavámos a 3°6' no rumo Nor-Norleste, tendo percorrido, naquele dia,
48 milhas (451). No dia seguinte, atravessámos o Equador com bom
tempo e vento à feição. A viagem descorreu sem incidentes dignos de
nota, até o dia 1.° de agosto quando, ao meio-dia, nos achávamos a 9°46',
tendo percorrido 29 milhas nas últimas 24 horas. Na mesma noite vimos
a Estrela Polar pela primeira vez, depois de têrmos atravessado o Equa
dor. No dia 2 fizemos 23 milhas com brisa fresca, tendo atingido 11°13\
Continuamos nossa rota com vento favorável até 16 de agosto, quando en
contrámos calmaria; até aquêle dia não tínhamos avançado mais que 6
milhas, estando então a 26°, latitude em que o calor era terrível (452).
A 20 de agosto, com um Sudoeste muito fraco, atingimos os 29°45\ mas
era tal o calor por falta do terreal, que ninguém podia pegar nas facas,
dentro da cabine, tão quentes estavam elas. Nem se podia tocar no
tombadilho com as mãos ou os pés descalços. Prosseguindo a viagem
atingimos, no dia 29, 38° 46', tendo feito cêrca de oito milhas aquêle dia.
A 3 de setembro, estando a 40° 18' avistámos as velas de um navio que,
depois, soubemos ser o Virginjes. À noite, fomos forçados a parar um
pouco porque o iate Brasiliaen havia perdido um dos mastros. No dia se
guinte divisámos a Ilha de Corfú, ou do Corvo, para a qual rumámos.
Corvo e Flores são duas das nove ilhas a que os portugueses cha
mam ilhas Açores e os holandeses chamam ilhas Flamengas. A maior
delas é a Terceira, que tem um perímetro de 16 léguas. É muito ro
chosa, mas, a-pesar-disso, produtiva, pois lá existe grande quantidade de
gado. E' rica, também, em canários e outros pássaros. Aí existe uma
fonte que transforma pau em pedra e diversas águas termais onde ee
pode cozer um ovo. Parece que o solo está cheio de concavidades, o que
explica os numerosos terremotos que destroem casas, homens e animais.
A ilha denominada Pico tem uma rocha que atinge às nuvens, ao que se
supõe, talvez seja comparável ao pico da Ilha das Canárias. Entre a
costa do Brasil e essas ilhas a bússola indica precisamente o Norte-Sul.
Tínhamos avançado oito graus mais para Leste do que pretendíamos.
Por volta do meio-dia, encontrávamo-nos a 40° 34'. Continuámos viagem

(451) O tradutor inglês escreveu "28 léguas" (cf. p. 154, 2." col. da ed-
inglêsa e p. 226, 2.° col. da ed. holandesa).
(452) O tradutor inglês escreveu "60 léguas" (cf. p. 226, 2.° col. da ed.
holandesa e p. 154, 2.° col. da trad. inglêsa).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 323

sem novidade até 16 de setembro quando supúnhamos não estar muito


longe de terra; de fato, avistamo-la, nessa mesma noite, a nornordeste do
navio. A 17 encontrámos calmaria e apanhámos mais peixes do que po
díamos comer. A 18 avistámos a Ilha de Wight ao Norte, e, por essas al
turas, um dos nossos navios se separou de nós. Logo mais divisámos a
ponte de Dover. A 19 passámos ao largo de Dunquerque e Ostende im
pulsionados por vento ligeiro, e, mais ou menos pelo meio-dia, entráva
mos a salvo na Baía de Vlissingen. Desembarquei imediatamente e, de
pois de um descanso de cinco dias, fui para Middleburgh, onde permaneci
por igual espaço de tempo. Daí, seguí viagem para Dordrecht, Roterdã,
Delft e Haerlem e, finalmente, Amsterdã, de onde, em 1640, havia ini
ciado a viagem para as índias Ocidentais. De Amsterdã fui para Zwol,
terra natal de meu pai Joan Nieuhof, e daí para o Condado de Benthem,
onde, depois de tantas fadigas de tão tediosa viagem, encontrei meus
pais com saúde. Quando estava aí em 1651, meu pai faleceu a 15 de
maio, com a idade de 85 anos. Seu passamento foi muito lamentado, da
das as altas virtudes de que êle era dotado.
Assim, depois de uma viagem transatlântica de algumas semanas,
voltei novamente do Brasil, o lugar mais abençoado do mundo, um ver
dadeiro paraíso terrestre que, agora, foi reduzido a estado deplorável de
vido ao incêndio da guerra. E desta forma, achei-me novamente na Ho
landa e, em seguida, na minha pátria (453).
Algumas pessoas, mal intencionadas e imperitas, atribuem a culpa
da decadência do Brasil Neerlandês aos Altos Comissários Hendrik
Hamel, Adriaen Bullestrate, Pieter Jansz Bas, os quais, no ano de 1647,
tinham partido daí com os navios Hollandia e VUssingen, chegando à pá
tria no mês de agosto. Entre as pessoas que faziam muitas acusações
aos Altos Comissários, encontravam-se, especialmente, Abraham de Vries,
Pieter Verhagen e Johannes Greving, outrora mordomo do Conde Mau
ricio, que lançavam mão, como homens desmiolados que eram, de tôda
sorte de indignidades, palavras baixas, calúnias e, em parte, de boatos.
As acusações que faziam aos Altos Comissários eram no sentido de
que estes, com louvável perícia, inventavam e realizavam contratos dos
quais resultavam para êles, como recompensa, não só grandes regalias,
como até vantagens pecuniárias. Diziam, também, que a Companhia
teria sido prejudicada pelos referidos contratos e que os contratantes, in-
dividados por causa disso, teriam pensado numa revolta ou pilhagem,

(453) Cf. nota 1. O trecho desde: "Assim, depois de uma viagem..." até
o fim foi traduzido diretamente do holandês, pois o tradutor inglês omitiu 12 pp. e
meia, ou sejam 25 colunas da ed. holandesa, resumindo-as em 2 colunas e um
têrço de coluna, ou sejam 1 p. e 1/3. (Cf. p. 228 a 240 da ed. holandesa e p.
155-156 da trad. inglêsa).
324 JOAN NIEUHOF

a-fim-de, assim, subtrair-se ao govêrno holandês, pagando pequena par


te de suas dividas ou nada e indo colocar-se sob a proteção da Coroa de
Portugal.
De Vries apresentou, como acusação aos Altos Comissários, em pri
meiro lugar, cópia de uma notícia que — conforme sustentava — lhe
fora entregue por João Fernandes Vieira, contendo exagerada e calunio
sa enumeração, ou uma lista de honrarias de que teriam gozado os Se
nhores Altos Comissários, por haverem realizado os contratos.
Com relação à referida notícia, os Altos Comissários, tendo já pas
sado" o govêrno, bem compreendiam que João Fernandes Vieira e alguns
holandeses que só procuravam alimentar o fogo da discórdia haviam in
ventado algumas injúrias com o fito de dar aparência de verdade às suas
palavras; daí proveio, finalmente, aquela notícia, sôbre a qual nenhuma
prova fora produzida nem poderia sê-lo.
Esta era a mesma notícia que passara por todos os colégios respeitá
veis do govêrno, que dela tinham tomado conhecimento e lhe haviam dado
a mesma interpretação que os Altos Comissários perante o Grande Con
selho do Presidente Schonenburgh e os novos comissários. Tal notícia
foi, mais tarde, levada ao Brasil pelo próprio Presidente e pelos citados
comissários, com ordem expressa do Conselho dos XIX de examinarem
esta e outras acusações semelhantes e de, em seguida, informá-lo a res
peito.
Chegou-se, mesmo, ao ponto de não deixar partir o Alto Comissário
Hendrik Hamel e os outros Altos Comissários, até que o Presidente e os
novos Comissários tivessem obtido instruções completas; após o que, se
encontrassem qualquer cousa contra êles, deveriam castigá-los, uma vez
provada a culpa.
A seguir, o Presidente e os Altos Comissários mandaram citar tôdas
as pessoas que — segundo tinham ouvido dizer — sabiam dêsses contra
tos, as quais depuseram sob juramento. Nada, entretanto, ficou apurado
contra êles, conforme se vê dos depoimentos prestados, a saber, no dia
6 de novembro de 1646 e no mês de fevereiro de 1647. Havia, até, pelo
contrário, várias pessoas que declaravam lhes terem sido feitos ofereci
mentos de honrarias, tendo sido, por isso, castigadas pelos Altos Co
missários.
Pode-se verificar, além disso, que os Altos Comissários não tinham
gozado de tais regalias, nem quiseram aceitá-las, mas que, em todos os
seus atos, se comportaram de acordo com os seus cargos e conforme de
veriam proceder. Uma dessas atas foi, até, assinada pelo próprio Vieira.
Por aí, pode-se ver que essa notícia foi exagerada e que está cheia de
inverdades. Em consequência, os Altos Comissários puderam voltar às
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 325

suas casas, livres e independentes, porque foram julgados inocentes, não


obstante todas as falsas acusações.
A prova, entretanto, de que os contratos haviam sido vantajosos para
a Companhia e não prejudiciais e danosos — conforme tinham afirma
do os citados caluniadores — está em que nas Nótulas Diárias de 21 de
novembro de 1645, feitas pelos Altos Comissários, vemos anotado que
havia probabilidade de se fazer, embora o Brasil Holandês continuasse
em ruínas, uma remessa especial de açúcar à Companhia, tanto dos en
genhos de Jorge Homem Pinto como dos dos outros contratantes. A re
volta e a sublevação dos residentes portugueses, primeiramente incitada
e mais tarde abertamente ajudada e incentivada pelo Rei dos portugue
ses, os impediu de fazê-lo.
Além disso, os próprios governantes consentiram e aprovaram, na
reunião dos XIX, conforme se diz, por extenso, nas pp. 83 e sgts., o con
trato com Jorge Homem Pinto, que, sozinho, importava quase na mesma
cousa que todos os outros contratos posteriormente feitos.
Os próprios portugueses não pretendem nem alegam, no manifesto
que publicaram — contendo, ao que dizem, as razões de sua revolta — os
contratos como motivo da mesma. Por outro lado, segundo ficou mais
tarde esclarecido, essa revolta havia sido pensada e planejada em Por
tugal, muito antes da feitura dêsses contratos.
Revoltas semelhantes haviam começado em Angola, na África, e
na Ilha de Ceilão, nas índias Orientais, mas ou menos na mesma época
em que começara a do Brasil, embora naqueles lugares não tivessem sido
feitos quaisquer contratos. Donde se pode concluir, claramente, que os
contratos não provocaram essas revoltas, de vez que as mesmas foram
pensadas e planejadas muito antes da feitura dos mesmos. Porque, do
contrário, não era possível que em seis ou sete meses, que mediaram os
contratos e a revolta, tivesse sido planejado e forjado um tal trabalho
e preparado tanta gente e tantas provisões, cousas necessárias, conforme
se evidenciou mais tarde. E isso ao mesmo tempo em todas as partes,
até mesmo nas índias Orientais, onde mal se podia chegar, indo de Por
tugal, em cinco ou seis meses.
Muitos poderiam admirar-se da coragem dos portugueses de se le
vantarem contra os nossos, não obstante as nossas várias fortalezas,
guarnecidas por tropas, e, por isso, atribuir aquêle levante antes à im
previdência e à má administração do govêrno do que ao poderio e à força
dos residentes portugueses. Mas, aos que pudessem admirar-se disso,
poder-se-ia responder e objetar que a fraqueza dos residentes portu
gueses era suficientemente fortalecida pelo grande socorro — em relação
aos que podíamos receber — que lhes vinha da Baía-de-Todos-os-Santos,
326 JOAN NIEUHOF

tanto de portugueses comandados por Martim Soares e André Vidal,


quanto de brasileiros dirigidos por Camarão e de negros chefiados por
Henrique Dias.
Os motivos e as causas que moveram os residentes portugueses a se
levantarem contra os nossos e a entrar novamente em guerra, diz-se
que são vários: entre os quais aquêles que, geralmente, movem e inci-
Razões da tam povos dominados a apoderar-se de seus castelos e quartéis e a li-
revolta dos bertarem-se. Acrescente-se a isso a diferença de religião, de língua e de
portugueses. costumes, que os nossos quiseram introduzir, não obstante a sua fraqueza
relativamente aos portugueses.
Estas causas, tomadas em conjunto com as outras, fizeram com que
êles não deixassem passar a ocasião de valer-se da fraqueza dos nossos,
principalmente porque estavam certos do auxílio de Portugal e do da
Baía. Além disso tinham a impressão não só de que o nosso Estado
se encontrava no fim de seus recursos, e impotente, portanto, para man
dar, durante mais tempo, alguns socorros ao Brasil, como a de que esses
ataques constituiriam motivo de alegria e satisfação para o nosso pais,
porque êste procurava livrar-se, com honra, do pesado fardo brasileiro.
Acresce também que. nenhum homem sensato poderia acreditar que
esta guerra (que foi feita aos nossos sem declaração ou aviso, mas, até,
contra várias promessas e declarações feitas pelo Governador da Baía
Antônio Teles da Silva aos nossos deputados, quebrando um tratado feito
tão solenemente entre o Rei de Portugal e os Altos Comissários) tivesse
começado sem o conhecimento e ordem expressa do Rei de Portugal,
pois que essas mesmas pessoas podem avaliar e compreender, suficiente
mente, que um governador, como Antônio Teles da Silva, não teria cora
gem de empreender tal cousa sob sua própria responsabilidade e auto
ridade.
Por aí se vê como alguns estavam grandemente enganados em acre
ditar que, prendendo e detendo uns poucos residentes portugueses, pode
ria ter sido evitada pelos Altos Comissários, daquela época, esta guerra
ou revolta.
A única vantagem que os portugueses conseguiram e obtiveram, de
pois da sua aberta revolta, sua apostasia e inimizade em relação aos nos
sos, de nenhum modo se originou da sua coragem e combatividade, mas
somente de que os socorros e auxílios enviados do nosso país para o Bra
sil aí chegavam num ritmo muito lento e separadamente, de tempos a
tempos.
De Vries e outros mal intencionados acusaram, também, os Altos
Comissários de terem enviado a João Fernandes Vieira a própria carta
da descoberta da traição, que lhes fora mandada por Sebastião de Car
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 327

valho. A falsidade dessa acusação resulta, claramente, da narração fei


ta às pp. 114 e sgts..
Os Altos Comissários, pelo contrário, empregaram todo o zêlo e
diligência com o fito de deter a própria pessoa de Vieira, se tal fosse
possível. Mas Vieira já se havia escondido e ocultado, previamente, como
antes relatamos por extenso, evitando mostrar-se em público, onde quer
que fosse, a-fim-de obstar a sua prisão.
Algumas pessoas mal intencionadas suspeitavam dos Altos Comissá
rios, dizendo que êles não tinham dado atenção aos avisos que lhes ha
viam sido feitos por várias pessoas e que, mais tarde, quando o fato se
tornou público, apenas deram mostra de querer prender o chefe da re
belião, denotando que o tivessem feito só aparentemente, devido não
tanto aos citados contratos quanto aos presentes que haviam recebido.
A prova, entretanto, de que nada faltou ao zêlo e à diligência dos
Altos Comissários de lançar mão de todos os meios para prender, a tempo,
os chefes da rebelião, se fosse possível, decorre do que se lê à p. 112.
Dizem, entre outras cousas, que Gaspar Francisco da Costa teria
solicitado uma audiência do Alto Conselho para denunciar a traição que
estava sendo tramada pelos portugueses e quais os chefes que deviam ser
presos, e que, no entanto, os Altos Comissários o haviam despedido com
palavras grosseiras e indecentes, sem dar a mínima atenção às suas de
clarações.
A prova de que isso é ficção e falsidade decorre do que se lê nas
Nótulas do dia 13 de dezembro de 1644, pois a acusação do citado Cos
ta e as dos seus dois confrades, todos êles anciãos da nação judaica, não
só mereceram a atenção dos Altos Comissários como foram, também,
por êles anotadas.
Além disso, disseram os citados três anciãos, em sua declarações de
30 de junho de 1646, de como os Altos Comissários os ouviram e interro
garam sôbre êste detalhe, conforme exigiam a importância e o valor do
fato. Acrescentaram que os Altos Comissários, como homens diligentes e
cuidadosos, tinham considerado e disposto tudo, de modo a poder assistir,
pessoalmente, a reforma das fortalezas, determinando também que elas
permanecessem de prontidão, embora o inimigo ainda não tivesse apa
recido em campo.
Declararam, igualmente, que êles lhes haviam recomendado que se es
forçassem por saber qual era a verdadeira intenção dos portugueses, de
que modo projetavam sua rebelião e apostasia e quais eram os seus chefes
e cabeças. Embora tivessem feito tudo que era de sua obrigação, jamais
conseguiram saber todas essas coisas de modo completo. E quando che
gava ao seu conhecimento algo do que se tratava secretamente, informa
328 JOAN NIEUHOF

vam disso os Altos Comissários, que agiam, então, em todos os casos, como
governantes cuidadosos e diligentes.
Além disso, a sala de conselho dos Altos Comissários estava sempre
aberta para êles, sem qualquer impedimento, atendendo os Altos Comis
sários as informações que traziam e aos projetos que faziam.
Ademais, para dizer a verdade, os Altos Comissários não eram tão
amigos dos portugueses, a ponto de não querer ver a revolta, de vez que,
neste caso, estes últimos não teriam planejado começar a execução de
seus desígnios e de sua revolta matando os Altos Comissários, agindo
como se fossem seus amigos, conforme mais tarde se soube.
Os portugueses ligavam, também, grande importância à morte dos
Altos Comissários e convidavam todos abertamente a fazê-lo, prometendo
uma recompensa de 6.000 florins àquele que tivesse coragem de iniciar,
executar e levar a têrmo êsse empreendimento.
De Vries e seus companheiros acusavam, igualmente, os Altos Co
missários, dizendo que êles não tinham intenção de punir devidamente
os culpados. Assim é que teriam restituído a liberdade a um certo João
Carneiro de Morais e a Francisco Dias Delgado, os quais, conforme se
dizia, sabiam da traição e logo que chegaram junto aos seus foram no
meados cabeças e chefes dos rebeldes. E que mesmo depois disso lhes
teriam sido vendidos escravos a prazo.
Isso, porém, parece ser contraditório. Pois se se tinha a intenção
de não punir convenientemente os culpados, não se teriam prendido e
detido os mesmos a-fim-de tornar a soltá-los depois, mas dever-se-ia tê-
-los deixado passar despercebidos. É certo que várias pessoas suspeitas, em
número de mais de trinta, foram detidas por ordem dos Altos Comissá
rios, sem que se possa provar que qualquer uma delas tivesse sido liber
tada sem estar inocente. Ao contrário, vários detidos, de diferentes lu
gares, considerados culpados no julgamento do Conselho da Justiça, fo
ram punidos com a morte de várias maneiras, cada um conforme mere
cia, segundo se vê pelos julgamentos enviados ao Conselho dos XIX,
pelo Advogado Fiscal.
Verdade é que João Carneiro de Morais e Francisco Dias Delgado
foram libertados depois de se ter verificado, num rigoroso inquérito,
que não eram culpados de traição ; mas, depois de libertados e de haverem
chegado junto aos seus, não foram nomeados, imediatamente, chefes e
cabeças dos rebeldes. E isso era tanto mais improvável, quanto os
mesmos eram considerados cristãos-novos, isto é, judeus, os quais, entre
os portugueses, não eram tolerados publicamente e muito menos mere
ciam confiança para ocupar algum cargo.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 329

Aliás, eram êles dos homens mais abastados que viviam em fazendas
desta região, e, das investigações procedidas, nada ficou apurado con
tra êles.
Naquela época, a revolta não atingira, ainda, várias regiões, como
o Rio-Grande, Paraíba, Goiana e outros lugares, cujos habitantes tinham
renovado, a 17 de julho de 1645, o juramento de fidelidade. Paulus de
Linge, da Fortaleza Frederica, situada na Paraíba, nos informara dêsse
juramento e de que, aí, tudo estava em paz e sossêgo, embora fosse difí
cil conservar a ordem entre os brasileiros das Aldeias, a-fim-de evitar que
os mesmos pilhassem os residentes portugueses. Informava, mais, que
para evitar essas pilhagens fizera tudo quanto lhe fora possível.
Diante disso, havia, então, esperanças fundadas de que, brevemen
te, se restabelecesse a ordem ou, pelo menos, de que o conflito se não
alastrasse.
A Companhia estava, então, em dificuldades, devido ao excesso de
escravos, e recebera ordem expressa do Conselho dos XIX de vendê-los
em três prestações, já que não se podia esperar vendê-los à vista, pois,
devido ao grande número de escravos, o seu prêço caíra de 100 oitavos
a 25 ou 26 oitavos.
Por conseguinte, não se podia imaginar o motivo pelo qual João
Carneiro de Morais e Francisco Dias Delgado haviam ido se reunir aos
rebeldes, de vez que eram ambos idosos, tinham sempre se mantido em
paz, haviam sido acusados falsamente por pessoas que, como outras,
não mereciam, então, mais confiança, e que costumavam vir comprar ne
gros. Neste momento, a Companhia precisava vender escravos, pois
não podia mantê-los sem grandes prejuízos, conforme ficou provado mais
tarde. Os negros não vendidos eram levados para as Ilhas Caraíbas,
livrando-se dêles, assim, a Companhia.
Reinavam grande preocupação e descontentamento entre a popula
ção e a burguesia do Recife, e os que acusavam os Altos Comissários
alimentavam êsses sentimentos com considerações sôbre a ruína e a de
cadência do Brasil Holandês.
Pode-se crer que alguns elementos da população se preocupassem
com os rumores que então corriam, vendo que seria difícil abafá-los.
Isso se evidenciou no dia 13 de outubro de 1645, quando alguns
comissionados escabinos e outros da milícia da burguesia, bem como al
guns dos principais burgueses, propuseram aos Altos Comissários, para
maior tranquilidade e contentamento dos burgueses, que alguns dos mais
importantes membros tanto do Colégio dos escabinos como da burguesia
fossem adidos ao Conselho dos Altos Comissários durante a crise, com
330 JOAN NIEUHOF

o fito de servirem de Conselheiros de todos os negócios e para prover à


proteção de todos e ao bem comum.
A isto responderam os Altos Comissários que êles sabiam de como,
em casos importantes, relacionados com a manutenção do Brasil Holan
dês, os Altos Comissários se tinham servido não somente do Conselho
dos Senhores da Justiça, das Finanças e do Alto Comando Militar, mas
também dos escabinos e da milícia burguesa ; e que êles estavam dispostos
a continuar êste uso e ouviriam de bom grado todos aquêles que propu
sessem algo para o bem dêste Estado.
Divulgou-se, também, que o comércio, em Angola e numa parte da
Guiné, assim como o envio dos alimentos necessários, tinham sido preju
dicados pelos citados contratos, embora isso fosse evidentemente falso e
invocado contra os Altos Comissários sem motivo algum e aparência de
verdade, de vez que todos os contratos foram feitos em fins do ano de
1644, enquanto que o referido comércio já decaíra anteriormente por
causa da guerra feita tanto nos quartéis da Baía como de Portugal.
Além disso, o comércio da Guiné não estava em piores condições
depois de feitos os contratos do que já estava há muitos anos.
E, também conforme dissemos longamente, é claro que Abraham de
Vries e seus asseclas procederam mal para com os Altos Comissários,
Hendrik Hamel, Pieter Bas e Adriaen Bullestrate, atacando sua reputa
ção e fama. Por conseguinte, os Altos Comissários foram mal recom
pensados por seus esforços dedicados e leais, que nunca deixaram de em
pregar no serviço da Companhia, quando, com a bênção de Deus e com
tão pouca gente (que tinha decrescido, no final, até o número de 1.692
cabeças, inclusive duas companhias de negros e tôdas as crianças e doen
tes no hospital), se mantiveram em 20 lugares. No comêço da guerra,
quando não tinham mais de 2.700 pessoas, inclusive crianças e doentes,
deviam ocupar cêrca de 160 a 170 milhas de comprimento, nas quais
havia de 28 a 30 lugares ocupados por guarnições e que deviam ser pro
tegidos contra o inimigo. Afora várias patrulhas que deviam ser em
pregadas, aquí e acolá, no interior, contra as tropelias de guerrilheiros.
Mais tarde, quando alguns residentes portugueses pegaram em ar
mas, juntamente com as tropas do Rei de Portugal, sob o comando de
Pedro Cavalcanti, Henrique Dias, Camarão e outros, — que, ocultamen
te, tinham vindo para esta região em junho de 1645, pelo Rio São Fran
cisco — nada conseguiram e foram rechaçados pela pequena força de
que os nossos podiam dispor e isso em várias ocasiões, como em Ipojuca,
Santo-Antônio, perto de São Lourenço, e em outros lugares.
Posteriormente, os portugueses da Baía chegaram a Tamandaré com
uma esquadra de navios a vela e aí desembarcaram 1.800 a 2.000 ho
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 331

mens, recebendo um auxílio dos residentes portugueses que, até esta


época, se haviam mantido em paz, mas que, agora, também se revolta
vam. Conseguiram, assim, reunir uma grande força, com a qual ataca
ram a Várzea, pondo em debandada o Coronel Haus, que comandava
700 soldados, tanto holandeses quanto brasileiros.
Esta derrota foi mais um terrível golpe para os nossos e muito os
prejudicou, porque não tinham gente para defender todos os lugares
por êles ocupados. Foram, por isso, obrigados a abandonar as regiões de
Sergipe-d'El-Rei, São Francisco e Pôrto-Calvo, para poderem reservar
a gente necessária à proteção das principais fortalezas em redor do Re
cife e de outros lugares de importância.
Não puderam reunir o pessoal necessário, porque as nossas belona-
ves e o navio para lá enviados a-fim-de buscar os soldados encontraram,
no caminho, o inimigo, com a sua esquadra, em Tamandaré, pelo que se
fizeram ao mar, no intuito de procurar o Almirante Lichthart, com os
navios por êle comandados e para informar do resultado.
Nessa parte foram felizes os nossos, pois, juntos, destroçaram in
teiramente a esquadra inimiga, detendo-se, porém, por tanto tempo que
chegaram com dois dias de atraso para buscar os soldados da fortaleza.
Não obstante, conseguiram manter, com a bênção de Deus, os 20
lugares, conforme já foi dito, e expulsar, depois de todas as perdas so
fridas pela Companhia, por duas vêzes, o inimigo da Capitania do Rio-
-Grande, da qual êle procurava apoderar-se. Ajudados pelos Altos Co
missários, repeliram o inimigo também de Itamaracá, onde êste tinha
desembarcado com cêrca de 3.000 homens, inflingindo-lhe graves perdas.
A verdade é que todo o Brasil Neerlandês deve reconhecer que os Altos
Comissários não pouparam fadigas nem trabalhos durante todo o tempo
de seu govêrno, estando presentes em todos os lugares, da mesma forma
que os simples soldados, e mantiveram-se firmes até não haver mais provi
sões e até estarem a tal ponto desfalcados, que não havia mais do que
1.700 homens, conforme foi dito, para a defesa dos lugares em redor
do Recife, Itamaracá, Paraíba e Rio-Grande.
Por aí se pode ver, claramente, que os Altos Comissários cumpriram
o seu dever e sempre empregaram extrema diligência e zêlo no combate
e impedimento da revolta e contra os levantes que, de tempos a tempos,
surgiam tanto no mar quanto em terra. Tudo isso, não obstante o peque
no número de guerreiros de que dispunha a Companhia, no Brasil, de
alguns anos para cá.
Em primeiro lugar, êles atenderam, muito diligentemente, à con
servação das fortalezas, como se vê claramente do que ficou dito por ex
tenso, pelas declarações de vários oficiais que ali serviam.
332 JOAN NIETJHOF

De igual modo, atenderam, em todos os lugares, tanto na Baía como


alhures, à conduta dos tapuias do Ceará e à dos brasileiros da Baía, que
pertenciam ao distrito de Camarão, assim como aos negros sob as ordens
de Henrique Dias, dos quais partiu a primeira suspeita de levante e
revolta.
Além disso, os Altos Comissários não pouparam trabalho, empregan
do todos os esforços a-fim-de mandar mensageiros à Baía, os quais, sob
o manto da amizade e de comissões, deveriam apurar, com certeza, qual
a força do exército e quais os navios que ali se encontravam, bem como em
outros lugares mais ao sul, e procurar saber de tudo quanto se relacio
nasse com a esperada revolta contra o nosso Estado. Deveriam, por ou
tro lado, prestar contínua atenção aos navios que chegavam da Baía à Ca
pitania de Pernambuco e outros lugares; procurar e perseguir as tropas
do inimigo ou de guerrilheiros, logo que lhes chegassem quaisquer no
tícias sôbre êles, nos Matos mais longínquos; vigiar, sempre, o mar; de
sarmar, também, os portugueses que moravam no interior; protestar
contra o Governador e fazer tudo que pudesse se relacionar com a re
volta.
Mas todas essas calúnias e maledicências de Abraham de Vries (que
era uma pessoa agitada e revoltosa) e seus asseclas quanto aos Altos Co
missários parecem ter se originado especialmente de uma vingança, em
razão de justas condenações e sentenças pronunciadas contra êles pelo
Comissário da Justiça no Brasil, pela sua grande perversidade, demons
trada contumazmente, contra seus superiores, visando desacreditar o
govêrno holandês no Brasil.
Os entendidos julgam que a causa principal da decadência do Brasil
Neerlandês foi a ocupação insuficiente das fortalezas e lugares fortifica
dos por tropas, a par da minguada população de holandeses e homens li
vres do território, de vez que, com uma população densa, o país ficaria,
de uma parte, assegurado contra o inimigo e, de outra parte, desobrigado
de manter fortalezas e guarnições, que causam grandes despesas ao
Estado e muitos impecilhos aos residentes.
É costume geral, usado por todos os povos, manter constrangidos e
dominados os povos vencidos, seja por meio de castelos e guarnições, seja
por intermédio de exércitos de ocupação, seja pelo estabelecimento de co
lônias e pelo povoamento.
Os Romanos, para manter o seu poderoso domínio, valeram-se tanto
de colônias quanto de exércitos de ocupação.
As colônias que êles levaram para vários países eram como que sen
tinelas vigilantes dos povos dominados, a-fim-de observar se êles plane
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 333

javam alguma revolta, e avisá-los a tempo de poderem providenciar, en


viando socorros.
O estabelecimento dessas colônias se fazia com grande extermínio
dos residentes dominados, pois estes, de-repente, eram despojados de suas
terras e obrigados a cedê-las aos soldados licenciados dos Romanos, sem
esperança alguma de, jamais, poder retomá-las.
Não se deve pensar, porém, que sòmente com tais colônias e com o
prestígio do nome romano, povos tão poderosos fossem dominados. Além
das colônias, os Romanos tinham, por tôda a parte, exércitos perma
nentes, que impediam levantes e revoltas. Jamais foi mantido um grande
Império sòmente com postos de vigilância e castelos, sem poderio militar
suficiente, com ou sem colônias.
Há, ainda, um outro modo de colônias ou povoações, diferente do
precedente, que oferece maior estabilidade e durabilidade, evitando o
estabelecimento de guarnições, com tôdas as despesas e incômodos daí
decorrentes, embora seja o mesmo contrário à religião cristã: a saber,
matando e expulsando, depois da vitória, a maior parte dos antigos re
sidentes, e estabelecendo-se nos mesmos países, povoando-os com colô
nias e populações próprias.
Os espanhóis e portugueses, depois do descobrimento da América,
(vendo que êste novo mundo de densa população e muito afastado de seus
próprios países, não podia ser subjugado de outro modo) adotaram
e puseram em prática esta forma bárbara e desapiedada de povoação,
exterminando os antigos residentes. Aniquilaram milhares de homens
na América, especialmente na Ilha de Cuba, Haiti e outros lugares, pela
espada, pelo fogo, pela força, pela fome, pelo trabalho nas minas, pelo
garimpo e por outros trabalhos.
Os portugueses não imitaram mal o exemplo dos espanhóis, senão
no povoamento, pelo menos no despovoamento, exterminando de tal modo
os residentes, que, onde antigamente havia alguns milhões de brasileiros,
entre o Rio São Francisco e o Rio Grande, agora se encontram, apenas,
alguns milhares. Assim, no meu tempo ainda viviam, aí, alguns portu
gueses, que se lembravam de quando a Capitania do Rio-Grande dispu
nha de 100.000 guerreiros. Contudo, os portugueses não seguiram bem
o exemplo dos espanhóis no tocante ao repovoamento do Brasil, porque
se fixaram apenas no litoral, sem dirigir-se para o interior.
Aos espanhóis é expressamente proibido estabelecer uma colônia no
litoral (exceto uma em cada distrito, perto do melhor pôrto do qual se
precisa para dirigir-se para o interior) , de um lado, para não estarem su
jeitos ao perigo do inimigo e para encontrar um clima salubre e, de outro
334 JOAN NIETJHOF

lado, porque estas populações do litoral não se prestam para a agricultura


e dificilmente são levadas à observância das leis.
Quem é versado nesse assunto sabe, perfeitamente, que as riquezas
das esquadras das índias Ocidentais não provinham do litoral, mas do
interior, razão por que os espanhóis tanto se dedicaram ao povoamento
do mesmo.
O fato de os portugueses não terem podido povoar devidamente o
Brasil, à moda dos espanhóis, deve-se à circunstância de que tinham
mais paixão e cobiça de procurar sua fortuna, com grandes frotas, nas
índias Orientais, (onde havia grandes terras e reinos e.onde podiam obter
maiores vitórias e maiores lucros por meio do comércio de especiarias,
pedras preciosas e outras raridades) do que de procurá-la no Brasil, onde
não se revelavam minas de ouro nem de prata e onde só se obtinha açúcar
com trabalho penoso; além do que, deviam manter sua navegação e seu
domínio nos países conquistados da Costa Ocidental da África, como
Angola, Guiné e outros.
Por isso é que sua colônia brasileira continuou falha de poderio, a
tal ponto, que, no ano de 1568, os brasileiros tiveram, ainda, coragem de
assediar a cidade de Olinda, sendo preciso que Dom Jorge de Albuquerque
viesse de Portugal, com um exército, para libertá-la (454) .

(454) Não é exata a afirmativa de Nieuhof. Os Caetés, índios tupis que


cohabitavam desde o São Francisco até a Paraíba (cf. Soares, LXXXVI, 34), levan-
taram-se contra os portugueses de Iguarassú, sitiando-os. Duarte Coelho Pereira
conseguiu dominá-los e em seguida partiu para o Reino. Em sua ausência, go
vernou Jerônimo de Albuquerque, irmão de D. Brites de Albuquerque, e cunhado
de Duarte Coelho. Outro levantamento verificou-se nessa época, e obtiveram, en
tão, os índios Caetés uma grande vitória no Cabo de Santo Agostinho, contra Je
rônimo de Albuquerque. A rainha D. Catarina apressou a vinda de Duarte Coelho
de Albuquerque, filho de Duarte Coelho Pereira e seu sucessor- Duarte Coelho
de Albuquerque chegou a Pernambuco em 1560, acompanhado do seu irmão Jorge
de Albuquerque Coelho e vários amigos e gente assalariada. Durante cinco anos
combateu Jorge de Albuquerque os Caetés, condenados anteriormente a perpétua
escravidão por um edito régio de 1557. Foi Jorge de Albuquerque favore
cido pelas lutas dos tupinambás e tupinaês confederados contra os Caetés, que
foram inteiramente desbaratados, e os mais tornados cativos. Destes cativos iam
comendo os vencedores quando queriam, fazer suas festas, e venderam, deles aos mo
radores de Pernambuco e aos da Baia infinidade de escravos a troco de qualquer
cousa, ao que iam ordinariamente caravelões de resgate, e todos vinham carrega*
dos desta gente, a qual Duarte Coelho de Albuquerque por sua parte acabou de
desbaratar. A 16 de maio de 1566 partia Jorge de Albuquerque para o Reino, um
naufrágio à costa, porém, salvou-o. A 29 de junho do mesmo ano partia e de lá
só voltaria em 1582, para suceder a Duarte Coelho. — Por êrro de revisão, mais
provàvelmente, ou por lapso, na 3.a edição da Frei Vicente do Salvador esta
escrito que Duarte de Albuquerque Coelho chegou a Pernambuco em 1560, e »•
se ocupou durante cinco anos em companhia de seu irmão, no exercido militar de
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 335

A Capitania da Paraíba só muito mais tarde foi subjugada e o Ma


ranhão só foi reconquistado aos franceses no ano de 1614 (455).
Mais tarde, os portugueses se fixaram, também, no Grão-Pará ou na
Amazônia.
Não sòmente poucos portugueses embarcaram para o Brasil, pelos
motivos citados, a saber, por paixão e cobiça das riquezas das índias
Orientais, como também é um fato que sòmente há poucos anos alguns
portugueses de certa importância nela fixaram residência; de modo que
ao tempo em que tomamos a cidade de Olinda, no ano de 1629 (456),
aí estavam até os portugueses mais respeitáveis, com exceção de alguns,
e outros que para aí tinham sido mandados, por causa de delitos cometidos.
Recentemente, antes da última revolta, aconteceu que navegando
três respeitáveis portugueses, num barco, do Recife para Olinda, certo
português perguntou a um importante judeu o que êle pensava daque
las pessoas e se as tinha por honestas; ao que o judeu, que assim as con
siderava, respondeu: É certo que estes três juntos não possuem mais de
2 orelhas — querendo dizer, assim, que a um dos três faltavam ambas,
faltando uma aos dois outros (457).
Do que ficou dito, vê-se claramente qual a razão por que, até o ano
de 1629, quando os nossos tomaram Olinda, existiam no Brasil tão poucos
residentes portugueses. De fato, êste só pôde ser habitado no litoral

luta contra os inimigos indígenas e que Jorge de Albuquerque partiu para o Reino
numa quarta-feira 16 de maio do ano de 1S63.
De qualquer modo, em 1568, já estava pacificada a capitania de Duarte Coelho
Pereira (cf. Frei Vicente do Salvador, LXXVIII, pp. 108-110, e pp. 184-186; Ga
briel Soares, LXXXVI, p. 34-36; Ayres de Cazal, XXVI, vol. II, p. 137-138).
(455) A suspensão das lutas no Maranhão verificou-se em 27 de novem
bro de 1614. Foi assinada por Ravardière, comandante dos franceses e por Je
rônimo de Albuquerque, comandante da expedição brasileira, que foi à reconquista
dessa ilha (cf. Barão do Rio-Branco, LXXV, 640 e 430; e João Francisco Lisboa,
XLIII, p. 302, 303, 306). A suspensão de armas vigoraria até fins de dezembro de
1615. A 31 de julho de 1615 foi assinado um acordo pelo qual Ravardière se
comprometia a evacuar a ilha dentro de 5 meses, e, como penhor do tratado, en
tregava o Forte de Taparí.
(456) Olinda foi conquistada a 16 de fevereiro de 1630. Nieuhof logo a
seguir insiste em escrever 1629 (cf. VI e LXXV, p. 132).
(457) Parece tratar-se de pena. Realmente, o ato de desorelhar era um
antigo suplicio que consistia em tirar ou tronchar as orelhas a um condenado. Os
bons dicionaristas, como Bluteau, Domingos Vieira e Moraes, registam desorelhar
e desorelhamento. Na Espanha, "El fuero real" aplicava essa pena ao autor de
roubo de casa ou de igreja. No antigo direito português, essa pena parece ter exis
tido. Afirma Pereira de Sousa, um dos maiores criminalistas e processualistas criminais
do século XVIII, que o cortamento das orelhas era muito usado nas leis dos anti
gos, principalmente contra os roubadores do Templo, e cita os Ordenações livro 6,
tít. LX, § 11 (LXVI, p. inum., vide Cortamento). Ora, o citado parágrafo
336 JOAN NIEUHOF

até 7 ou 8 léguas para o interior, a saber, enquanto havia possibilidade de


estabelecer engenhos de açúcar, de vez que, se os mesmos estivessem mui
to afastados, as despesas seriam demasiadamente grandes. Esta sua im
potência e fraqueza foi a causa da nossa vitória : pois que o nosso ataque
teria sido frustrado se o tivéssemos feito nas ilhas a sotavento das índias
Ocidentais ou em outros países populosos.
A-pesar-do nosso grande poderio, nada pudemos conseguir além da
ocupação da cidade aberta de Olinda e a fortaleza de pedras São Jorge, sem
se conseguirem outros progressos durante muito tempo, sob o ponto-de-
-vista do principal interêsse dêste Estado.
Aparentemente, pode-se verificar, pelas várias maneiras de povoa
mento usadas pelos espanhóis e pelos portugueses nas índias Ocidentais, a
razão pela qual os espanhóis, segundo cálculos humanos, eram, aí, invencí
veis, enquanto que os portugueses do Brasil puderam ser subjugados e
derrotados pelos nossos.
Os inglêses e franceses não foram negligentes quanto ao povoamento
das Ilhas Caraíbas e da parte norte da América, à moda dos espanhóis,
embora ali, com maior extermínio dos nativos do que aquí, tornaram-se,

diz: Que qualquer pessoa que for tomada cortando ou desatando bôlsa ou metendo
a mão em alguma algibeira, ora nelas se ache dinheiro, ora não, se for peão, seja
açoitado, e sendo em igreja, será mais degradado 2 anos para as galés. A pena do
do crime de roubo era, portanto, o açoite e, com a agravante de se verificar na
igreja, a de galés.
A pena de desorelhamento não consta explicitamente das Ordenações Filipinas.
Ela é cominada pelas Leis Extravagantes da época de D. Manuel. Chamavam-se extra
vagantes as leis não ordenadas.
Nas "Leis Extravagantes colligidas e Relatadas pelo Licenciado Duarte Nunez
do Liam per mandado do muito alto & muito poderoso Rei Dom Sebastião nosso
Senhor" (Com Privilegio Real. Em Lisboa per Antonio Goncalvez. Anno de
MDLXIX), à p. 120, Tit. II — Dos furtos & roubos, Lei I — Dos que eortão bolsas,
lê-se: "Determinou el Rei Dom Manuel em relação a 22 de Fevereiro de H99 que
qualquer pessoa, que fosse tomada cortando ou desatando bolsa, hora na bolsa it
achasse dinheiro, hora não, se fosse pião, fosse açoutado & desorelhado". (Foi. 115
do livro primeiro). Na Lei III do mesmo título, cominava-se a pena de desorelhamen
to aos escravos, nos seguintes termos: "Lei III. Dos que furtão vuas em Lisboa ou
riba Tejo, ou na corte. Ordenou o dito Senhor, q qualqr pessoa, q fosse tomada n»
termo da cidade de Lisboa, ou da banda dalê, ou riba Tejo, ou em qualqr lugar oná»
a corte stiuesse, cõ vuas furtadas, assi de dia, como de noite, se fosse pião, fosse
açoutado publicamente: & se fosse escrauo, ale da pena dos açoutes, fosse desore
lhado. . . . Per hu aluara de 8. de julio de 1521" (foi. 12 do liv. 3).
Pero Borges, em carta a D. João III, datada do primeiro ano de govêrno de
Tomé de Souza, de 7 de fevereiro de 1550, queixa-se de que "nom ay homens pers
serem juizes ordinarios nem vereadores e nestes hofficios metião degradados por
culpas de muita infamia e DESORELHADOS e ffazião outras cousas muito fura
de vosso serviço e rezão" (Cf. Pôrto-Seguro, LXXII, 1.° tomo, p. 233, nota X de
Rodolfo Garcia).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 337

em poucos anos, tão fortes, que não temiam nem o perigo interior nem
o exterior.
*
Os nossos, pelo contrário, depois da ocupação do Brasil, não somen
te não imitaram qualquer dessas quatro nações, povoando completamente
as novas terras conquistadas, a-fim-de assegurar, de uma vez por tôdas,
seu domínio sôbre elas, como, o que é pior, nos longos anos em que as
dominaram nem sequer conseguiram que os dois principais portos de
todo o Brasil Neerlandês, Recife e Paraíba, pudessem ser protegidos por
gente livre, além do exército. Da mesma forma, não conseguiram que,
em tão vasta região, se estabelecessem duas colônias particulares com
capacidade, embora as mesmas fossem necessárias e embora se tratasse
de manter subjugadas estas terras conquistadas, com castelos e guar
nições.
As causas que motivaram o retardamento e detiveram o povoamento
do Brasil por holandeses livres já se disse que foram as seguintes:
Primeiro: consentiu-se, por meio de um pacto, que depois da nossa Porque o
conquista do Brasil a maior parte dos portugueses continuassem na posse Brasil
não foi
dos seus engenhos de açúcar, com os mesmos direitos de que gozavam
povoado
antes, sendo os mesmos de tal ordem que, sem seu consentimento e licen pelos
ça, ninguém podia atravessar os limites de suas terras e muito menos aí nossos.
construir casas ou estabelecer fazendas para pastos de animais ou para
plantações.
Ora, acontecendo que a maior parte dos lugares favoráveis ao po
voamento, tais como Serinhaém, Ipojuca, Santo-Antônio e outros lugares,
se encontravam situados dentro de um engenho de açúcar de algum portu
guês, os nossos eram obrigados a comprar dêles, em primeiro lugar, êste
direito ou de conseguí-lo de outra maneira, ao que os portugueses, muitas
vêzes, se mostravam pouco dispostos, por inveja do nosso povo, procuran
do antes favorecer aos seus do que aos nossos.
Segundo: Os engenhos de açúcar e fazendas confiscados foram
vendidos sem distinção, tanto á portugueses, como a holandeses, de mo
do que os holandeses tiveram menos ocasiões de estabelecer engenhos e
fazendas.
Terceiro: Os engenhos e as fazendas foram vendidos aos holande
ses por um prêço tão alto, que ficaram arruinados todos aquêles que os
compraram. Razão por que, mais tarde, nenhum dos que tinham meios
quis comprar engenhos, partidos ou fazendas.
Quarto: Os bens móveis, tanto alimentos como produtos manufa-
turados e materiais de construção, pertencentes aos engenhos, especial-
338 JOAN NIEUHOF

mente o açúcar, único rendimento e produto de alguma importância do


Brasil, foram sobrecarregados de tal modo de despesas de transporte,
impostos e foros, que os residentes livres do nosso povo (que se não con
tentavam tão facilmente como os portugueses) não podiam subsistir sem
lucros fabulosos, que não podiam provir do açúcar, embora êste fosse
extraordinàriamente caro.
Quinto: O prêço elevado dos negros impedia as pessoas livres de
comprá-los, por faltar-lhes meios; e a maior parte dos que os compraram
ficaram completamente arruinados pela mortandade que começou a rei
nar entre os negros, nos anos de 1641 e 1642.
Sexto : Pouco auxílk» ou mesmo nenhum foi dado às pessoas livres ;
estes não foram socorridos nem com boas terras, nem com negros (com
os quais, no Brasil, se fazem todos os trabalhos agrícolas), por um pre
ço razoável ou a longo prazo, a-fim-de poderem iniciar tais trabalhos.
Os dispensados do serviço da Companhia não podiam conseguir, aí,
dinheiro à vista, por suas letras, para empregá-lo na compra de negros
ou de bestas, mas tinham que enviar essas letras à pátria, a-fim-de que
aí fossem descontadas ou, então, deveriam vendê-las com grande pre
juízo.
O Estado, pelo contrário, devia ter convidado as pessoas livres para
o mais pronto e melhor povoamento do Brasil Neerlandês, com títulos
honrosos, terras devolutas, favores e direitos de passagem, visto que o
perigo, para êles, no interior, era muito grande, devido aos guerrilheiros.
O povoamento era extremamente necessário para a diminuição das guar
nições costumeiras e para manter subjugados os residentes portugueses.
De maneira muito diferente procederam os espanhóis na América;
pois que o Conselho das índias, por ordem do Rei, publicou, no ano de
1563, uma ordenação em quco patrão de uma colônia de 30 famílias re
cebia, além de outras vantagens e dignidade, um título de nobreza para
si e seus descendentes, podendo usar o título da sua colônia e gozando de
todos os privilégios e honras de que gozavam os nobres e cavalheiros dos
ricos de Castela, segundo os costumes da Espanha.
Verdade é que os nossos ficavam privados e impedidos das mais pró
ximas terras, para canaviais e plantações, por causa da permanência da
maior parte dos portugueses nos seus engenhos e fazendas, não obstante
o desejo de nobreza e títulos e a esperança de obter, com o tempo, outras
vantagens que os teriam incitado, suficientemente, a fazer alguma cousa
relativamente ao povoamento se a isso fossem induzidos pelo Estado, me
diante publicação oficial. O fato é que tôda a Companhia de Sergipe-d'El-
-Rei, uma grande parte do Rio São Francisco, Rio São Miguel e os vastos
campos do Maranhão e outras terras mais distantes, especialmente a fér
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 339

til terra nova na Mata, sendo deshabitadas, estavam abertas para êles,
embora a maior parte delas não servisse para engenhos de açúcar, por
estar fora de mão. Em lugar, porém, de favorecer a colonização por
meio de benefícios especiais e de privilégios, deixando-os, por algum tem
po, sem a obrigação de pagar impostos ou outras taxas, o Estado, levado
pelos lucros, não só vendeu por preços muito elevados os engenhos con
fiscados aos portugueses, logo depois de apoderar-se do Brasil, como ain
da, em lugar de deixar as colônias, por algum tempo, livres de taxas,
impôs tais foros e outras obrigações a todos os bens importados e expor
tados, que as pessoas livres, com o seu trabalho no interior, não
podiam subsistir. Daí resultou que poucas pessoas partiram para o in
terior, a-fim-de se dedicarem à agricultura. Quase todos ficaram retidos
no Recife, onde se podia ganhar muito dinheiro: primeiro, porque era a
capital do Brasil Neerlandês, onde havia grande movimento, e segundo
porque, ganhando os feitores, a princípio, grandes fretes de ida, seus pa
trões empregavam, muitas vêzes, o dinheiro que daí provinha, na cons
trução de casas, por causa dos grandes aluguéis. Foi essa a razão por
que, procurando cada um completar a sua casa, para receber aluguel, tor-
nou-se difícil conseguirem-se pedreiros e carpinteiros. Porém, pouco
tempo depois, os patrões, não se contentando com as remunerações dos
fretes de volta, deixaram de mandar as cargas. E uma vez que, feito
o armistício com Portugal, não mais chegavam prêsas, os soldados e ma
rinheiros deixaram de gastar os seus recursos nas estalagens, porque
seus ordenados mal chegavam para seu sustento. Em consequência, o
comércio diminuía dia após dia. De modo que, em lugar de haver o au
mento de pessoas livres, estas voltavam para a pátria, diante do levante
e da revolta, porque não possuíam meios de subsistência. O que, final
mente, deveria ter péssimas consequências para êste Estado, conforme
teve realmente.
Assim como êste Estado não atendeu, convenientemente, à questão
das colônias (como se vê claramente pelo que ficou dito acima), para
segurança do Brasil Neerlandês, assim também parece não ter zelado e
vigiado suficientemente a-fim-de mantê-lo por meio de fortalezas e guar
nições.
No comêço do ano de 1641, o Conde Maurício confiava em que, para
ocupação das fortalezas e lugares do Brasil, não incluindo o Maranhão,
segundo uma lista em que vêm expressas as guarnições de todos os lu
gares, para manter subjugados os portugueses, seriam necessários 7.076
soldados. Com êste número de soldados, porém, ainda ficavam desguar
necidos totalmente todos os engenhos de açúcar, as vilas e passos. Pelo
que ficava aberto aos residentes mal intencionados o caminho para, sob
340 • JOAN NIEUHOF

a aparência de praticarem sua religião, se reunirem, sem dificuldades,


e forjar o seu plano juntamente com outros, em prejuízo dêste Estado.
E embora se tivesse recomendado aos burgueses a guarda do Recife e
da Cidade Maurícia, ficando, dêste modo, livres as guarnições daí e de
outros lugares, para poderem ser empregadas no interior, ainda assim,
conforme aquela lista, aí sempre deveria haver 3.406 soldados para a
ocupação, dos quais nem um só homem poderia ser empregado no in
terior.
Em lugar de aceitarem esta ordem do Conde Maurício e de se con
formarem com ela, êste Estado, confiando demasiadamente no sincero
pacto de armistício de 10 anos com Portugal, com o fito de poupar des
pesas, deu ordens aos Altos Comissários do Brasil, de manter apenas 18
companhias, cada uma de 150 cabeças, para o domínio do Brasil Neerlan
dês, desde Sergipe-d'El-Rei até o Maranhão (o qual fora ocupado pelas
nossas armas no ano de 1644), expressando o desejo de que as companhias
fossem reduzidas àquele número e reformados os demais oficiais.
Os Altos Comissários, vendo que êrro tão evidente era cometido pelo
nosso Estado, ordenando o enfraquecimento das guarnições, reduziram
as companhias somente ao número de 27, até segunda ordem. Entre
tanto, avisaram o Governo contra os aparentes perigos em que se cairia,
com uma maior redução das guarnições.
O Alto Governo do Brasil demonstrava, de tempos a tempos, ao nos
so Estado, de modo muito sério, que diminuía muito consideravelmente o
número de soldados, uma vez que, depois dos ataques contra Angola,
São Tomé e Maranhão, estes lugares deviam ser ocupados e protegidos,
e devido ao licenciamento dos soldados que, tendo servido muito mais
tempo do que era sua obrigação, não podiam ser retidos, acrescentando
que não eram enviados recrutas para o preenchimento de suas vagas.
Mas seja para evitar as grandes despesas que seriam feitas com o en
vio de novas tropas, seja porque se estava certo de que os residentes por
tugueses, sem o auxílio de Portugal, nada poderiam fazer (para o que
se providenciara, por meio do tratado mencionado), o fato é que nada
foi feito nesse sentido, de modo que o primeiro ataque lhes serviu de
aviso.
Além disso, para manter subjugado o interior (donde provinham os
produtos que deviam cobrir as despesas), era-se obrigado, por falta de
população suficiente, a manter guarnições em lugares distantes e im
próprios, que não podiam receber auxílio por mar. Quando, portanto,
os portugueses revoltosos, unidos com os da Baía, dominavam a situação,
os nossos deviam cair nas suas mãos, quando acabassem as provisões.
Tais lugares afastados eram o Rio São Francisco, Alagoas, Pôrto-Calvo,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE 'AO BRASIL 341

Una, Serinhaém, Ipojuca, Santo-Antônio, Muribeca, Iguarassú e a cidade


de Paraíba, lugares esses que, estando situados todos rio acima, podiam
ver cortado o seu acesso por mar. Por isso, tôdas as guarnições que não
puderam ser retiradas a tempo, tiveram que se render, por falta de pro
visões. Dava-se isso tanto mais facilmente, porque, naquele clima quen
te, não se podia ter um depósito de carne e toucinho e porque só poderiam
ser mandadas da pátria as necessárias provisões para tôdas as guarni
ções com grande dificuldade; pelo que estas puderam aguentar ainda me
nos. E embora o Recife, Itamaracá, as fortalezas de Paraíba e Rio-
-Grande tivessem tido o mar aberto, pelo que puderam recorrer ao peixe,
tanto para completar a refeição como em lugar do pão, a verdade é que
todos êsses lugares já estavam perdidos há muito tempo. Acrescentou-se
a isso a circunstância de que se estava no fim dos recursos, quando os
dois navios Valk e Elizabeth chegaram com socorros.
Igualmente se devia retirar o pão aos soldados, às mulheres e às
crianças para dá-lo aos soldados que do contrário ameaçavam passar-se
para o inimigo.
Depois da minha partida do Brasil os negócios da Companhia das
índias Ocidentais corriam de mal a pior : no ano de 1654 ela perdeu tôdas
as fortalezas e regiões.
Os portugueses, em dezembro de 1653 (458), começaram a cercar o
Recife com 60 navios por mar e em terra com um poderoso exército; por
essa razão, os Altos Comissários, assim como o Presidente Schonenburgh,
Haecxs e o Comandante Schkoppe, por falta de alimentos e munições, e
também pela pouca vontade dos soldados de lutar, foram obrigados a
entregar aos portugueses o Recife, com tôdas as fortalezas que o cercam.

(458) A 20 de dezembro de 1653 fundeava diante de Olinda a esquadra por


tuguesa, composta de 64 navios, inclusive os mercantes e comandada por Pedro Jac-
ques de Magalhães e Francisco Brito Freire. No dia 25 de dezembro, depois da
reunião do Conselho de Guerra, a esquadra começou o ataque às fortificações do
Recife, sitiando-o por mar. (cf. LXXV, 686, 697). Schonenburgh e Haecxs em seu
relatório escrevem 65 a 66 navios (cf. LXXXIII, p. 1). Sôbre o sítio, cf. LXXXIII
do lado holandês e do nosso lado "Relaçam Diaria do Sitio, e Tomada da forte
praça do Recife, recuperação das Capitanias de Itamaracá, Paraíba, Rio Grande,
Ciará, & Ilha de Fernão de Noronha, por Francisco Barreto Mestre de campo ge
neral do Estado do Brasil, & Governador de Pernambuco. — Lisboa. Cam licença.
Na Officina Craesbeeckiana. 165U".
A 23 de janeiro de 1654 era suspensa a luta e a 26 assinada a capitulação; a
28 entravam solenemente no Recife as fôrças restauradoras, tendo à frente o mestre
de campo Francisco Barreto de Meneses. A capitulação assinada em acordo foi pu
blicada na Relacion Verdadera de la recuperacion de Pernanbuco, sitio de su Re
cife, entrega suya, i de las Capitanias de Itamaracá, Paraíba, Rio-grande, Ciará, é
Isla de Fernando de Noronha, todo rendido a las armas Portuguesas regidas por
Francisco Barreto Maestre de canpo general dei Estado dei Brasil, i Governador
de Pernambuco. Lisboa. Com licêeia. En la Officina Craesbeeckiana. 165U; e no
342 J O A N NIEUHOF

Mas a perda de Recife não agradou aos governantes, que atribuíram


a culpa dêsse acontecimento aos citados Altos Comissários; como se êles
tivessem entregue ao inimigo um lugar bem fortificado, sem razão sufi
ciente. Motivo por que foram presos sob custódia, durante algum tem
po, em suas residências, por ordem dos Estados da Holanda e Zelândia, e
guardados por soldados, tendo sido, finalmente, porém, libertados (459).
Desde esta época o Brasil ficou completamente em poder de Por
tugal.
Os Estados Gerais fizeram mais tarde, por sugestão do Embaixador
Português em Haia (460) , a 6 de agosto do ano de 1661, um pacto de paz
com a coroa portuguesa. Os principais pontos dêste tratado foram os
seguintes :

Articulen end conditien gemaeckt by het overleveren van Brasilien. . . beslloten ÍS


january 1654 gedruckt te's Gravenhage bij Jan Pietersz. Os artigos da capitu
lação foram transcritos por D. Francisco Manuel de Melo (LVI, p. 410-411 — a
trégua — e p. 412-418 — os Assentos e condições; e por Biker no Suplemento à
Coleção dos Tratados de Borges de Castro, vol. IX, p. 122 — segundo Edgar Pres-
tage, LVI, contém essa cópia erros evidentes, como sejam índios em vez de judeus;
Varnhagen (LXXIII, p. 368-376) transcreve a capitulação e os Assentos.
Assinaram a capitulação André Vidal de Negreiros, Francisco Álvares Moreira,
Afonso de Albuquerque, Manuel Gonsalves Correia, confirmados por Francisco Bar
reto e por parte dos holandeses, Gysbert de Wit, Huybrecht Brest, Willem van de
Wal, W. Falloo. Assinaram, ainda, W. Schonenburgh, Hendrik Haecxs e Sigemundt
van Schkoppe. No citado "Articulen" falta o nome de Schkoppe, e na transcrição
de D. Francisco Manuel o de Brest.
(459) Walter van Schonenburgh e Hendrik Haecxs chegaram à Zelândia a
13 de julho, depois de uma viagem de 4 meses; e a 4 de agosto apresentavam um
relatório aos Estados Gerais. Nesse documento afirmavam que haviam frequente
mente informado os Estados da situação dos negócios no Brasil, pleiteando remediar
a falta de socorros e o abandono a que se viram deixados, e que pretendiam apre
sentar um outro relatório no qual a conduta dêles e de seus soldados seriam justi
ficadas, (cf. Histoire generale des voyages, Paris, Didot, MDCCLVII, Tomo 14, p.
206). Sôbre o relatório do Presidente e do Conselheiro, vide LXXXIII. Haecxs
escreveu um diário que vem citado no prefácio, nota 3. Souto Maior traduziu parte
dêsse diário, que vem publicado em LXXXVIII, p. 435-437. Schkoppe foi, por sen
tença do conselho de guerra de 20 de março de 1655, privado de seus soldos, (cf.
LXXIII, p. 386). É curioso, também, consultar as opiniões de Groot filho sôbre a
derrota dos holandeses, (cf. Observações sôbre a transplantação dos frutos da índia
ao Brasil de Duarte Ribeiro de Macedo, in Antologia dos economistas portugueses,
séc. XVII, Antônio Sérgio, Lisboa, 1924, p. 379-382).
(460) A luta e a restauração no nordeste brasileiro suscitaram muitos pro
blemas e questões para a diplomacia portuguesa. No quadro das relações diplo
máticas, muitas foram as missões enviadas a Haia e muitos os residentes cujos
trabalhos resumiam-se no ajustamento dos dois países.
Em agosto de 1651, D. João IV, por alvitre do Cônsul holandês em Portugal,
enviava a Haia um projeto de acordo, que não foi aceito. Sòmente de 1661 03
Estados Gerais dos Países-Baixos apresentavam ao embaixador extraordinário D. Hen
rique de Souza de Tavares, Conde de Miranda, um ultimatum, pelo qual o acorda
combinado com o Estado da Holanda deveria ser assinado dentro de 10 dias, ou então
êle teria de retirar-se. A 6 de agosto foi assinado e sòmente a 24 de maio de
1662 ratificado por D. Afonso VI, sendo proclamado apenas a 27 de abril de
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 343

A coroa portuguesa devia entregar a êste Estado 80 toneladas de


ouro, quer em dinheiro, açúcar, fumo e sal, quer em direitos aduaneiros,
exigidos nos portos portugueses.
Os lugares conquistados ficariam em poder dos que já estavam em
sua posse.
Foi concedido aos neerlandeses comércio livre com Portugal e com
os lugares e regiões da Africa e do Brasil, que pertenciam a Portugal,
com o privilégio de não pagarem direitos superiores aos que pagavam os
próprios portugueses.

1663. O tratado estipulava o pagamento de 4 milhões de cruzados dentro do prazo


de 16 anos, como indenização pela perda do Brasil e a restituição de tôda a arti
lharia que tivesse as armas da Holanda; o prêço pelo qual podiam comprar o sal
de Setúbal devia ser fixado anualmente por mútuo acordo; seria concedida liber
dade de comércio nas colônias, nas mesmas condições em que os inglêses dela goza
vam nessa época ou de futuro viessem a gozar; deviam cessar as hostilidades na
Europa dois meses depois da assinatura e fora dela depois da sua publicação; os
territórios e fortalezas ficariam em poder de quem ao tempo os ocupasse, mas qual
quer praça tomada posteriormente devia ser restituída; os negociantes holandeses
teriam um juiz conservador para tratar das suas questões comerciais, como tinham
os inglêses, e não estariam sujeitos a arrestos, a não ser por consentimento dos
Estados ou por virtude de crimes; nunca seriam obrigados ao pagamento de taxas
ou direitos de alfândega mais elevados do que os impostos de 1653, cópia duma
cláusula do pacto anglo-português de 1654; as reclamações dos holandeses a res
peito de bens móveis e imóveis nos domínios portugueses seriam resolvidas por três
comissários e em falta de conformidade seriam submetidas à arbitragem (LXXIV,
p. 250). Êste tratado injusto confirmava a "política que os holandeses haviam de
manter com Portugal — de paz na Europa, porque lhes era indispensável o sal que
iam adquirir a Setúbal; de guerra, nas restantes partes do mundo" (E. Frestage,
LXXIV, p. 195).
As estampas de Nieuhof
1
AS ESTAMPAS DE NIEUHOF

As estampas que ornamentam esta obra são ou reproduções das que se encon
travam na edição holandesa ou reproduções de estampas de outros trabalhos-
As primeiras foram gravadas segundo as que se encontram no livro de Marc
grave (LXX, p. 25). Segundo Ehrenreich, serviram de originais para as gravuras
representando Tupis e Tapuias às pp. 218 e 253 (é de notar-se que na edição
holandesa de 1682 não existe a p. 253; trata-se da estampa entre as pp. 244-225)
as xilografias de Marcgrave, adulteradas e modificadas.
Ehrenreich afirma que as estampas que se encontram em Marcgrave são cópias
toscas dos originais de Zacharias Wagner ou de Albert Eckhout, executadas sôbre
madeira, por um gravador pouco familiarizado com o seu oficio. Realmente, quem
fizer uma comparação entre as gravuras das pp. 270 e 280 de Marcgrave e as das
pp. 218 e 224 de Nieuhof, verificará a semelhança existente entre as mesmas. As
estampas que se encontram em Nieuhof foram gravadas a água-forte.
A solução do problema da autoria dos desenhos que serviram de originais às
xilografias que ornamentam a obra de Marcgrave resolveria, portanto, o da autoria
das estampas que se encontram em Nieuhof.
Zacharias Wagner, um dos autores a quem se atribuem os desenhos originais
que teriam sido copiados e gravados, chegou a Delft em 1641 e seus desenhos foram
feitos antes de 1641. (XXXIV, p. 23). Albert Eckhout, outro dos seis pintores
que trabalharam para Mauricio de Nassau, desenhou entre os anos de 1641 e 1643.
No primeiro momento parece, pois, que a Zacharias Wagner se deve atribuir a
autoria dos desenhos que, adulterados, serviram de modêlo para as gravuras de
Nieuhof. Acontece, porém, que o próprio Ehrenreich, reconhecendo a dificuldade
de tal problema, escreve: Não devemos coligir como certo que os desenhos de Wa
gner foram os primeiros e unicamente copiados do natural, não passando os quadros
de Eckhout de meras reproduções em escala maior. Mais provável será derivarem
uns e outros de esboços originais, que porventura se encontravam entre as pinturas
brindadas pelo príncipe. (XXXIV, p. 23).
Não se sentiu Ehrenreich, portanto, com elementos suficientes para resolver a
questão.
Thomas Thomsen, num estudo recente — Albert Eckhout ein niederlandischer
maler und sein gônner Moritz der Brasilianer, ein Kulturbil aus 17 jahrhundert,
Copenhagen, Ejnar Minksgaard, s/d. —, encarando o problema, afirma que os tipos
de nativos brasileiros de Eckhout foram reproduzidos em aquarelas por Zacharias
Wagner; considera Thomsen, portanto, que Wagner teiia plagiado Eckhout. Ba-
seia-se, para tirar essa conclusão, no estudo das evidências internas e da técnica
de pintura, mostrando que os outros desenhos de Wagner, que não os representando
nativos, copiados de Eckhout, são mais toscos e não apresentam a mesma habili
dade que a demonstrada nestes.
348 J O A N NIEUHOF

Segundo as conclusões do trabalho de Thomas Thomsen, consequentemente, as


estampas que se encontram em Nieuhof teriam sido gravadas tomando-se como mo
dêlo os originais de Eckhout.
Esses tipos nativos são os seguintes:
1) O quadro da dansa de negros. — Encontra-se tanto em Eckhout (XXXIV,
p. 21) como em Zacharias Wagner (cf. Alfredo de Carvalho, O Zoobiblon de Zacharias
Wagner, in Rev. do Inst. Arq. e Geog. Pern., vol. 11, 1903-1904, pp. 181-195, espe
cialmente, p. 191). Em Nieuhof, estampa entre pp. 214-215;
2) O quadro de um índio armado de arco e flecha, com uma tanga branca e
faca na cintura. — Encontra-se no Museu de Copenhague, assinado Eckhout, 1641,
e corresponde ao "Ornem brasileiro" de Zacharias Wagner (est. 92, cf. Alfredo de
Carvalho, ob. cit., p. 186). — Junto está uma índia tendo uma criança nos braços
e um cesto com cabaços na cabeça. — Encontra-se em Eckhout, 1641, e é idêntica
à "Molher Brasileira" de Wagner (est. 94 do Zoobiblion, cf. Alfredo de Carvalho,
ob. cit., p. 186) e à estampa da p. 270 de Marcgrave. Em Nieuhof está à p. 218.
Nessa estampa a índia segura, prêso por uma corda, um cão; e é curioso que
o cão aparece tanto nos trabalhos correspondentes de Eckhout como de Zacharias
Wagner; na estampa que logo se segue em Nieuhof, a da p. 224 aparece, também,
uma arara.
Cabe indicar, ainda, que se, nos retratos dos tapuias, em Eckhout, tanto o
homem como a mulher usam sandálias, em Wagner apenas o homem se acha cal
çado e em Nieuhof ambos acham-se descalços.
3) Um tapuia com flechas e prancheta de lanças. — Encontra-se à p. 224 de
Nieuhof e corresponde à da p. 280 de Marcgrave. É idêntico ao de Eckhout, 1641,
e ao de Wagner (est. n. 1, cf. XXXIV, p. 21, e Alfredo de Carvalho, ob. cit., p. 188).
— Ao lado, está uma índia carregando às costas um cesto e tendo uma arara na
mão. — Corresponde à estampa da p. 280 de Marcgrave, com a diferença de que,
em Marcgrave, Eckhout e Wagner (cf. XXXIV, p. 21 e Alfredo de Carvalho, ob-
cit., p. 189), a mulher tem na mão em lugar de uma arara uma mão decepada.
4) O brasileiro matando um pássaro em vôo. — Aparece na estampa que s*
encontra à p. 224 de Nieuhof; Ehrenreich afirma tratar-se de tupi, acusando o
desenhista de ter escrito, erradamente, um tapuia. (XXXIV, p. 25). Ora, está
escrito Brasiliaen, isto é, brasileiro. Além disso, o uso do arco, a ligadura do
penis e o avental de folhas não são, como quer Ehrenreich, características tupis,
pois, segundo o próprio Nieuhof, se "algumas nações tapuias não usam arco e
flechas", "os carirís, porém, trazem arcos"; e afirma, também, que os tapuias
escondiam o membro viril com a ligadura, tendo idêntico hábito os demais brasi
leiros. Temos, além do depoimento de Nieuhof, o de Léry (LU, p. 100-101), que
também fala no uso da ligadura do penis nos tupinambás.
As outras estampas que se encontram na presente edição de Nieuhof são tira
das das seguintes fontes:
1) As estampas com os títulos Pernambuco e São Salvador são reproduções
das que, sob os mesmos títulos, se encontram na seguinte obra: Reys-Boeck va*
het rijcke Brasilien, Rio de la Plata ende Magallanes, Daer in te sien is de ghele-
ghentheyt van hare Lanânc enae Xieden haren handel ende wandel met de vrueh-
ten ende vruchtbaerheyt der selver: Alles met copere platen uytgebeelt. Ale oock
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 349

De leste reyse van den Heer van Dort, met het ver-overen vande Baeye de todos
los Santos, tsamen ghestelt door N. G. Ghedruckt in't Jaer onses Heeren Anno 162U.
By Ian Comin. Registrado no Catálogo Nassoviano, in Anais da Biblioteca Na
cional do Rio-de-Janeiro, vol. LI, 1929, Rio-de-Janeiro, 1938, p. 20, n. 29 e catalo
gado na Bib. Nac. na Miscelânea 1-37 n. Res. 1-5.
2) A estampa com os títulos: "Marin D'01inda de Pernambuco" e "T* Recif
de Pernambvco", foi gravada a água-forte por anônimo, s/d. Encontra-se regis
tada no Catálogo da Exposição de História Nacional sob o número 16.871, vol. II,
1881, onde se afirma que a mesma é reprodução de estampa inserida em: "Johannes
De Laet — História ou Anais dos feitos da Companhia Privilegiada das índias
Ocidentais, desde o seu comêço até ao fim do ano de 1636, por Johannes de Laet,
Diretor da mesma Companhia. Traduzido do holandês pelo Bacharel José Higino
Duarte Pereira. Pernambuco, Tipografia do Jornal do Recife... 1874".
3) São tiradas da "Galerie Agreable du Monde" de Pieter van der Aa, Leyde,
tomo 65 (relativo à América), as seguintes estampas:

a) Trajes dos habitantes de Pernambuco no séc. XVII. Grav. a buril feita


por A. Meyer (1644- ?), gravador de Amsterdã da escola flamenga. Re
gistado no Cat. Nassov., (id. id-), p. 133, n. 127.
b) Le Château nommé PRINCE GUILIAUME, dans le Bresil. — Arx Prin-
eipis Guilielmi.
c) La Ville de MAURITIOPOLIS dans le Bresil.
d) La Ville de ITAMARICA, dans le Bresil.
e) La Riviere RIO GRANDE, et le Fort Cologne, dans le Bresil. Escrito no
brasão: "Fluvius Grandis".
f) Embouchure de la Riviere PARAYBA, en Bresil. — OSTIUM FLUMINIS
PARAYBAE.
g) Le Château nommée SIARA, dans le Bresil.

4) A estampa com o título: JOAN MAURITS, Prins van Nassouw, etc. foi
gravada a buril por Christian Hagens, da escola holandesa, Amsterdã, séc. XVII.
Está registada sob o n. 228 no Cat. de Salvador de Mendonça e sob o n. 753 em
F. Muller.
5) A estampa representando Nieuhof em busto foi gravada por anônimo,
s/d.. Encontra-se registada no Cat. da Exp. de Hist. Nac., sob o n. 17.775, onde
se declara que a cópia existente na Biblioteca é reprodução da existente na obra
enumerada sob o n. 1 da nossa Bibliografia de Nieuhof.
6) A estampa com o título: "Panorama de Serinhaém" é tirada do 14.° e
último tomo do livro registado sob o n. LXI da nossa Bibliografia das Notas. Esta
estampa encontra-se entre as pp. 96-97 do citado livro e, segundo Tiele, (XCI, p.
212) ela foi gravada por D. de Jong.

24
I
Bibliografia das Notas
I — Abreu, JoAo Capistbano de — Capítulos de Historia Colonial
(1500-1800). Rio. Briguiet, 1934.
II — Almeida, Cândido Mendes de — Codigo Philippino ou Ordenações e
Leis do Reino de Portugal. Rio-de-Janeiro, 14.a ed., 1870.
III — Almeida Nogueira, Batista Caetano — Vocabulario das palavras
guaranis usadas pelo traductor da "Conquista Espiritual" do Padre A.
Ruiz de Montoya. Rio, Tipografia Nacional, 1880.
IV — Almeida Nogueira, Batista Caetano — Pernambuco. Qual a sua
verdadeira ortographia e a sua etymologia correspondente. In Rev.
do Inst. Arq. e Geog. Pern-, n. 54, ano XXXVIII, vol. 9, p. 201-205, 1901.
V — Azevedo, JoAo Lucio de — Historia dos Christãos Novos Portuguezes.
Lisboa, Liv. Clássica Editora, 1922.
VI — Baers, Padre João — Olinda Conquistada. Narrativa do..., capel-
lão do Cel. Theodoro de Waerdenburch. Traduzida do hollandez
por Alfredo de Carvalho. Recife, Laemmert, 1898.
VII — Barlaeus, Gaspar — História dos feitos recentemente praticados
durante oito anos no Brasil e noutras partes sob o governo do ilus
tríssimo João Maurício Conde de Nanou etc., etc- Tradução e
Anotações de Cláudio Brandão. Rio-de-Janeiro, Serviço Gráfico do
Ministério da Educação, MCMXL.
VIII — Barlaeus, Gaspar — Nederlandsch Brazilie onder het bewind van
Johan Maurits Grave van Nassau, 1637-16UU. Tradução e Anotações
de S. P. L'Honoré Naber. 's Gravenhage, Martinus Nijhoff.
MCMXXV.
IX — Baro, Roulox — Relation du Voyage de Rotãox Baro, Interprete et
Ambassadeur Ordinaire de la Compagnie des Indes d'Occident, de la
part des Illustrissimes Seigneurs des Provinces Unies au pays des
Tapuyes dans la terre ferme du Brasil. Commencé le troisiesme
Avril 1647, & finy le quatorsiesme Iuillet de la mesme année.
Tratuict d'hollandoi en François par Pierre Moreau de Paray en
Charolois. Paris, Chez Augustin Courbé. M.DC.LI. Avec Privilege
du Roy.
X — Bethencourt, Cardozo de — Notes on Spanish and Portuguese Jews
in the United States, Guiana, and the Dutch and British West lndies
during the Seventeenth and Eighteenth Centuríes, in Publications of
American Jewish Historical Society, n. 29, 1925.
XI — Bloom, Herbert I. — The Economic Activities of the Jews of Ams-
terdam in the Seventeenth and Eighteenth Centuries. Williamsport,
Penna., The Bayard Press, 1937.
XII — Blomm, Herbert I. — A Study of Brazilian Jewish History (1623-
1654) based chiefly upon the finding of the late Samuel Oppenhevm
354 JOAN NIEUHOF

In Publications of the American Jewish Historical Society, T.


XXXIII, 1934.
XIII — Bon Voisin (Le), tfest a dire le Portugais: Rendez-lui, ainsi qu.'il
vous a fait, & luy payez au double; selon ses oeuvres. Apoca 18.6.
Imprimé Anno 1646.
XIV — Branneb, J. C- — Apontamentos sobre a fauna das ilhas de Fernando
de Noronha. In Rev. do Inst. Arq. e Geog Pern., vol. 9, n. 54, 1901.
XV — Breve Discurso sobre o Estado das Quatro Capitanias Conquistadas
de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio-Grande. In Rev. do Inst.
Arq. e Geog. Per., vol. 6, n. 34, pp. 139-194, 1887.
XVI — Broeck, Mattheus van den — Diario ou Narração Histórica. Tra-
ducção de José Higino Duarte Pereira — Pernambuco, Typographia do
Jornal do Recife, 1875.
XVII — Calado, Frei Manuel — O Valeroso Lucideno e Triumpho ãa Liber
dade. l.a Parte, composta por o P. Mestre.... Em Lisboa, Paulo
Craesbeeck, Anno do Senhor de 1648.
XVIII — Calógeras, PandiA — As Minas do Brasil e sua legislação. Bio,
Imprensa Nacional, 1927. »
XIX — Cardim, Padre Fernão — Tratados da Terra e Gente do Brasil. In-
troducções e notas de Baptista Caetano, Capistrano de Abreu e Rodol
fo Garcia. Brasiliana, vol. 168, 1939.
XX — Carvalho, Alfredo de — Aventuras e Aventureiros no Brasil. Rio,
Pongetti & Cia., 1930.
XXI — Carvalho, Alfredo de — Estudos Pernambucanos. Recife, A
Cultura Academica Editora, 1907.
XXII — Carvalho, Alfredo de — Um interprete dos tapuias. In Rev. do
Inst. Arq. e Geog. Pern., vol. XIV, 1912, pp. 657-667.
XXIII — Carvalho, Alfredo de — Minas de Ouro e Prata no Rio Grande do
Norte. In Rev. do Inst. do Rio-Grande-do-Norte, Tomo III, 1905,
pp. 147-165.
XXIV — Carvalho, Alfredo de — A primeira ocupação holandesa do Ceará
— 1637-1645. Em face de documentos novos. In Rev. da Acad.
Cearense, tomo IX, 1904, pp. 114-120.
XXV — Carvalho, Alfredo de — O tupi na Chorographia Pernambucana.
Elucidario Etymologico. Compilado por. . . Ed. do Inst. Arq. e Geog.
Pern., 1907.
XXVI —, Cazal, Manoel Ayres de — Chorographia Brasílica ou Relação Histo-
rico-Geographica do Brasil. Por. . . Nova Edição, correcta e emendada.
2 tomos. Rio-de-Janeiro, Gueffier e Comp., 1833.
XXVII — Darmasteter, A. e Adolpho Hatzfeld — Le seizième siècle en France.
Tableau de la Litterature et la langue suivi de Morceaux en
prose et en vers choisis dans les principaux écrivains de cette epo-
que. Paris, Librairie Dela Grave, 1923-
XXVIII — Derby, Orville — O nome Pernambuco nos Mappas Antigos. In
Rev. do Inst. Arq. e Geog. Pern., vol 11, 1903-1904, pp. 736-748.
XXIX — Diario ou Breve Discurso escrito por um holandês curioso. Tradu
zido por José Higino Duarte Pereira. In Rev. do Inst. Arq. e Geog.
Pern., n. 32, 1887, pp. 121-225.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 355

XXX Diccionario Portuguez-Brasiliano e Brasiliano-Portuguez. Reim


pressão integral da edição de 1795, seguida da 2.» parte até hoje
inedita, ordenada e prefaciada por Plinio M. da Silva Ayrosa. São
Paulo. Imprensa Official do Estado, 1934.
XXXI — Dozy R e W. H. Engelmann — Glossaire des mots espagnols et
portugais derives A'Arabe. 2.a ed. Paris, Maisonneuve & Cie., 1869.
XXXII Duarte Pereira, José Higino — Gedeon Morris de Jonge. In Rev.
do Inst. Hist. Geog. Bras. 1895, tomo 58, 1.° parte, pp. 237-319;
publicado, também, na Rev. Trimensal do Instituto do Ceará, Ano X,
Tomo X, 1896, pj». 46-95 e 286-318.
XXXIII — Edmundson, George — History of Holland. Cambridge, At the
University Press, 1922.
XXXIV — Ehrenreich, Paul — Sobre alguns antigos retratos de índios Sul-
Americanos. Trad. por M. de Oliveira Lima. In Rev. do Inst. Arq.
e Geog. Pera., vol. XII, 1907, pp. 19-46.
XXXV — Friedenwald, Herbert — Material for the History of the Jews in
the British West Indies. In Publications of the American Jewish
Historical Society, n. 5, 1897, pp. 45-101.
XXXVI — Gandavo, Pero de Magalhães — I. Tratado da Terra do Brasil.
II. Historia da Provinda Santa-Cruz. Por. . . (Com Nota Biblio
gráfica de Rodolfo Garcia e Introdução de Capistrano de Abreu).
Rio-de-Janeiro, Edição do Anuário do Brasil, 1924.
XXXVII — Garcia, Rodolfo — Etnografia Indígena. Dicionário Histórico-
-Geográfico e Etnográfico do Brasil. Rio-de-Janeiro, Imprensa Na
cional, 1922, vol. 1.°, p. 249-77.
XXXVIII — Garcia, Rodolfo — Glossârio das palavras e phrases da língua tupi
contidas na "Histoire de la Mission des Péres Capucins en L'isle de
Maragnan et Terres Circonvoisines " do Padre Claude D'Abbeville.
Rio-de-Janeiro, Imprensa Nacional, 1926.
XXXIX — Garcia, Rodolfo — Nomes de Aves em Lingua Tupi. In Boletim do
Museu Nacional, vol. 5, n. 3, 1929.
XL — Handelmann, Heinrich — Historia do Brasil — Por . . . Trad. Bra
sileira feita pelo Inst. Hist. e Geog. Bras., 1931.
XLI — Herckmans, Elias — Descrição Geral da Capitania da Paraíba. In
Rev. do Inst. Arq. e Geog. Pera., Tomo V, 1886.
XLII — Hoehne, F. C- — Botanica e Agricultura no Brasil no Século XVI.
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XLIII — Janssonius, Joannen — Nuevo Atlas o Teatro de Todo El Mundo
en el qual se contienen los Mapas, y Descriptiones de Espana, Asia,
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XLIV — Jesus, Raphael de — Castrioto Lusitano. Parte I. Entre presa, e
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XLV — Kadletz, Th eodor — Die alten Festungswerke von Pernambuco —
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XLVI — Kampen, N. G. VAN — Levens van Beroemde Nederlanders sedert
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356 JOAN NIEUHOÍ

XLVII — Kayserling, M. — Biblioteca Espanola-Portugueza-Judaica. Di-


ctionnaire bibliographique des Auteurs Juifs, de leurs ouvrages es-
pagnols et portugais, et des oeuvres sur et contre les Juifs et le
Judaísme. Avec une aperçu sur la litterature des juifs espagnols, et
une collection des proverbes espagnols. Strasbourg, Charles J. Triibner,
1890.
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XLIX — Laet, Joan de — Historie ofte jaerlijk Verhael van de Verrichten-
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L — Laet, Joan de — L'Histoire du Nouveau Monde ou Description des
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e Plinio Ayrosa. Biblioteca Histórica Brasileira, Liv. Martins, São
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cedidas de uma notícia biográfica pelo Dr. Antônio Henriques Leal
e seguidas de uma apreciação crítica pelo ilustre escritor Teófilo
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Henriques Leal, vol. I, Lisboa, Tip. Matos Moreira & Pinheiro, 1901.
LIV — Medeiros, Coriolano de — Dicionário Corográfico do Estado da Pa
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LV — Medeiros, Coriolano de — Paraíba. In Dicionário Histórico-Geo-
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MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 357
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MDCCLXXXIV — MDCCLXXVII. 14 vols.
LXII — Neiva, Artur — Estudos de Língua Nacional. Brasiliana, n. 179,
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LXIV — NiJHOFF, Martics — Books of the 17the and 18the Centuries. Cata
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LXV — Ortelius, Abraham — Americas eive Novi Orbis Nova Descriptio,
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LXVI — Pereira e Souza, J. J. C. — Esboço de hum Diccionario Jurídico,
Theorico e Practico, Remissivo às Leis Compiladas, e Extravagantes,
por . . . , Advogado da Casa da Suplicação. Obra Póstuma. Tomo
1.°: A-E. Lisboa, na Tip. Rolandiana, 1825.
LXVII — Pettinati, Francesco — O Elemento Italiano na Formação do
Brasil — São Paulo, Elvino Pocai, Editor, 1939.
LXVIII — Pinheiro, Fernandes — As batalhas de. Guararapes. In Rev. do
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LXIX — Pinto, Estêvão — Os Indígenas do Nordeste. Edição ilustrada
com 45 desenhos e mapas. Brasiliana, n. 44, São Paulo, 1935.
LXX — Piso, G. e G. Marcgrave — Historia naturalis Brasiliae. Lugduni
Batavorum, Elzevier, 1648.
LXXI — Piso, G. — De Indiae Utriusque Re Naturali et Medica Libri
Quatuordecim, Quorum contenta pagina requens exhibet. Aras-
telaedami. Apud Ludovicum et Danilum Elzevirios. A°. MDCLVIII.
(Junto vem a Historiae Naturalis & Medicae Indiae Orientalis de
Jacob Bontius e, também, a Mantissa Aromatica, de Piso).
LXXII — Põrto-Seguro, Visconde de — História Geral do Brasil, Antes de sua
Separação e Independência de Portugal. 3.a edição integral. 5 to
mos. São Paulo, Companhia Melhoramentos de São Paulo, s/d..
LXXIII — Pôrto-Seguro, Barão de — História das Lutas com os Holandeses
no Brasil, desde 1624 a 1664- Pelo Autor da História Geral do Bra
sil ... Nova edição melhorada e acrescentada. Lisboa, Tip. de Castro
Irmão, 1872.
LXXIV — Prestage, Edgar — As Relações Diplomáticas de Portugal com a
França, Inglaterra e Holanda, de 1640 a 1668. Por . . . Tradução
de Amadeu Ferraz de Carvalho. Coimbra, Imprensa da Universida
de, 1928.
LXXV — Rio-Branco, Barão do — Efemérides Brasileiras. 2.a ed. revista
por Basílio de Magalhães. Rio, Imprensa Nacional, 1938.
LXXVI — Rodrigues, José Honório — Arciszewski. O Coronel polaco a ser
viço da Companhia das índias Ocidentais. Jornal do Comércio, 19
de maio de 1940.
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no Brasil. Brasiliana, vol. 180, 1940.
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Companhia de Melhoramentos São Paulo, 1931.
358 JOAN NIEUHOF

LXXIX — Saint-Adolphe, J. C. R. MlLLIET de — Diccionario Geoçrapkico-


-historico e descriptivo do Imperio do Brasil. . . trasladado para o
português segundo o mss. inédito pelo Dr. Caetano Lopes de Moura.
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In Rev. do Inst. Arq. e Geog. Pern., vol. XI, 1903, 1904, pp. 30-36-
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LXXXIII — Schonenburgh, Wouter van — Hendrick Haecx e Sigismondus van
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delijck over-geven ende verlaten vande voornaemste Conquesten van
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Ghedruckt by Thomas Dircksz. van Brouwershaven. Anno 1656.
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I<XXXVI — Soares de Sousa, Gabriel — Tratado Descritivo do Brasil em 1587.
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LXXXVII — Souto Maior, Pedro — A Religião Cristã Reformada no Brasil no
Século XVII. Rio-de-Janeiro, Liv. J. Leite, s/d..
LXXXVIII — Souto Maior, Pedro — Fastos Pernambucanos. Com 40 Gravuras.
Rio-de-Janeiro, Liv. J. Leite, s/d..
LXXXIX — Staden, Hans — Viagem ao Brasil. Versão do texto de Marpurgo,
de 1557, por Alberto Lôfgren. Revista e anotada por Theodoro Sam
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Industrial Gráfica, 1930.
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et de Hulsius et dans les collections Hollandaises du XVII siècle et
sur les Anciennes Editions Hollandaises des journaux de Naviga-
teurs Etrangers; La plupart eu Ia possession de Frederik Muller.
A Amsterdam. Redigé par . . . Conservateur à la Bibliotheque d?
1'Université de Leide. Amsterdam, Frederik Muller, 1867.
XCI — Tiele, P. A. — Nederlandsche Bibliographie van Land — en Vol-
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XCII — Torres, J. C. Feo Cardoso de Castello Branco e — Memorias con
tendo a biographia do Vice-Almirante Feo e Torres. A historia dos
Governadores e capitães generais de Angola, desde 1575 até 1825,
e a Descripção Geographica e Politica dos Reinos de Angola e de
Benguela . . . Paris, Fantin, Livreiro, 1825.
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Itamaracá, Paraíba e Rio-Grande. Memória apresentada ao Conse
lho Político do Brasil por ... em 20 de Maio de 1630. Trad. de
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 359

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Jean Spix, écrite d'après les notes du voyageur par . . . Monachii,
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sobre o Estado das Alagoas em Outubro de 1643. Apresentado
pelo Assessor ... e por . . . diretor do mesmo Distrito e dos Distri
tos vizinhos, em desempenho do encargo que lhes foi dado por
S. Excia. e pelos nobres membros do Supremo Conselho. In Rev.
do Inst. Arq. e Geog. Pern., vol. 5, n. 33, 1886, pp. 152-165.
XCVI — WAtjen, Hermann — O Domínio Colonial Holandês no Brasil.
Um capítulo da história colonial do século XVII. Tradução de
Fedro Celso Uchoa Cavalcanti. Brasiliana, vol. 123, 1938.
XCVII — Wieder, F. C. — Mow.MOT.enia Cartographica. Reproductions of
unique and rare maps, plans and views in the actual size of the
originais; accompanied by cartographical monographs. Published
by Martinus Nijhoff, vol. II. 1926, vol. IV. 1932.
1

J
Crítica Bibliográfica
Joan Nieuhof empreendeu quatro viagens que podem, cronologicamente, ser
assim divididas: 1) Viagem ao Brasil, realizada em 1640—49 e cuja relação só
foi publicada em 1682; 2) Viagem à China, que começou em 1655 e foi até 1657,
pouco depois da sua chegada à Batavia (1654), onde fora para realizar a primeira
Viagem às índias Orientais. O Governador da Batávia, capital dos domínios
holandeses, Maetzuiker, recebera ordens para organizar uma Embaixada à China,
feita com o propósito de pleitear a liberdade de comércio e Nieuhof nela seguiu
como agente; a relação dessa viagem foi publicada em holandês e em francês, em
1665. 3) Viagem às índias Orientais, efetuada em 1659, quando chegou, pela se
gunda vez, à Batávia, de lá voltando em 1670. As observações da primeira via
gem (1654) e dessa segunda à Batávia foram recolhidas na obra publicada em
1682, em holandês, juntamente com a Viagem ao Brasil. 4) Viagem às índias
Orientais da África, no ano 1671, cuja relação é curta e imperfeita, publicada,
também, em 1682, juntamente com a Viagem ao Brasil e às índias Orientais,
segundo os diários trazidos e entregues pelo capitão Eeinier Klaesz a seu irmão
Hendrik Nieuhof.
Embora seja a Viagem à China a terceira empreendida por Nieuhof, foi a
primeira a ser publicada, e isso porque ao voltar, em 1658, a Amsterdã, da sua
primeira viagem às índias Orientais, entregou os originais de seu trabalho sôbre a
China a seu irmão, enquanto que os originais da Viagem ao Brasil e às índias
Orientais só mais tarde, em 1670, quando de volta da segunda Viagem às índias
Orientais (terceira, cronologicamente) é que ,foram entregues, como veremos
adiante.
Como a Viagem às índias Orientais foram publicadas juntamente com a
Viagem ao Brasil, o nosso comentário sôbre aquela viagem seguirá o da Viagem
ao Brasil, vindo só depois a Viagem à China.
A Viagem às índias Orientais da África, embora constitua um trabalho à
parte, foi publicada, sem destaque algum, junto com a Viagem às índias Orientais
e contém, tão somente, dados sôbre o desaparecimento de Nieuhof.

A Viagem ao Brasil foi publicada em holandês e em inglês. Desconhecemos


a tradução alemã de 1773, editada em Berlim, de que fala Oscar Canstatt em seu
Naehtrag zum Kritischen Repertorium. der Deutsch-BrasilianUehen IAteratur,
Berlin, 1905, p. 5. . A edição holandesa é a de 1682, pela Viúva Jacob van Meurs,
*m Amsterdã. Foi a obra dedicada a Nikolas Witsen, burgomestre da cidade
de Amsterdã, e que, em 1666, fizera uma viagem à Rússia, dela deixando impresso
um livro (1) cujas edições são bastante raras. A introdução é de Hendrik Nieu-

(1) Noord en Oost Tartarje ofte Bondigh ontwerp van eenige dier landen en volken. Zo ala
"xinnaels bckent sijn gewwecai etc, Amsterdam, 1692. (Tartária do Norte e do Oeste ou relatório
extenso de alguns países ou povos tal como eram, então, conhecidos.
364 JOAN NIEUHOF

hof, que editou a obra depois da morte de seu irmão. O privilégio concedido a
Jacob van Meurs é de 1671. Conforme afirma Tiele (2), parece que a obra
esteve muito tempo em preparo. Segundo se verifica na própria viagem de Nieu-
hof às índais Orientais, êle passou muito tempo com os manuscritos e desenhos
e sòmente por ocasião de sua volta à Holanda, em 1670, é que apresentou os
originais ao Conde Mauricio de Nassau e a Guilherme Piso, em uma reunião
em casa deste último; aí, então, é que resolveu publicar a Viagem ao Brasil. Além
disso, deve-se acrescentar outra causa da demora na publicação da obra, qual seja
a declarada por seu irmão Hendrik na introdução da edição holandesa: "Apre-
senta-se, finalmente, depois de longa demora essa última obra de meu irmão, pois
para completá-la foi necessário muito tempo, particularmente devido à grande
quantidade de projetos e desenhos que deviam ser artisticamente gravados". A
obra foi oferecida a N. Witsen, não só porque êle era o prefeito de Amsterdã, como
porque, sendo escritor e cartógrafo de nomeada, poderia apreciar o valor do tra
balho; e Hendrik Nieuhof afirma que o prefeito leu e deu parecer favorável à
obra, o que iria tornar maior o entusiasmo pela sua publicação e termina afirman
do: "Com o que V. S. se dignou favorecer o escritor e colaborador dessa obra
que é, para as almas bem formadas, imortal".
Vemos, assim, que embora fosse a Viagem ao Brasil realizada em 164049 e
que Nieuhof tivesse passado alguns anos de repouso na Holanda, onde facilmente
poderia escrever o trabalho, o fato é que sòmente depois de sua volta da segunda
viagem às índias Orientais, isto é, em 1670, é que foi a obra concluída, pois a
referência que fizemos acima é bem clara. Nieuhof declara (3) "que estando em
Amsterdã, nesse ínterim chegou o Conde Maurício de Nassau, em seu navio,, para
ir até a Zelândia e depois a Cléves. Tendo sabido de minha chegada, mandou-me
chamar e tive com êle uma longa conferência acerca do Estado do Brasil e das
índias Orientais e mostrei-lhe tudo quanto tinha projetado em escrito e desenho.
Além disso era seu desejo que eu, no dia seguinte, fosse jantar em casa do Sr.
Dr. Guilherme Piso, pois que várias pessoas de destaque (governadores) como
também altas personagens que estavam em sua companhia igualmente haviam
sido convidadas. Depois do banquete, quando o Conde se dispunha a partir,
despedí-me dêle". Por aí se vê que Maurício de Nassau, antes da publicação
da obra de Nieuhof, reviu-a e com o autor a discutiu, ouvindo-se, também, a opi
nião de Piso. Essa informação vem trazer um elemento ,novo ao juízo de valor
da obra de Nieuhof. Por ela vemos que submeteu os originais à apreciação de
Maurício de Nassau e de seu mais íntimo colaborador, o médico G. Piso, nm
dos autores da Historia Naturalis Brasiliae. Sem dúvida, não se trata de uma
relação como a que existiu entre Barlaeus e João Maurício. Esta já foi minucio
samente estudada na Holanda e certamente estava à altura da obra que preten
dia expor ao público a administração nassoviana e perpetuar o nome do príncipe
americano. Mas a existência de uma colaboração, por menor e mais rápida que
fôsse, entre Nieuhof e Nassau, ao que nos consta, não foi até hoje indicada. É
claro que foi mínima a intromissão de Nassau na obra de Nieuhof, mas êle não
deixou de discutir e criticar os originais da obra brasílica de Nieuhof.

(2) Nederlandsche Bibliographie over Land en volkerkunde, Amsterdam, Mttller, 1884, pp. 178-180.
(8) Zee en Jant Beize door verscheidene geweesten van Oost-Indien (Viagem às índias Orienta»),
p. 303, 1682, Amsterdam; na edição inglesa de Churchill (Osborne e Lintot), p. 302, o trecho eiti
resumido.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 365

Em inglês, foi a obra várias vezes editada, em diferentes coleções de viagens.


Algumas são devidas a Churchill. A 1.» edição saiu em 1703, da qual foram fei
tas separatas ainda há pouco anunciadas por Maggs Bros. (4). A Biblioteca
Nacional possue várias edições: a de John Walthoe e Thomas Osborne, 1732, a
de H. Lintot e John Osborne, 1746, e a de Pinkerton, de 1813. A edição de Pin-
kerton é excelente, bem impressa, tipos graúdos e claros, mas apresenta a desvan
tagem de ter impresso as várias viagens de Nieuhof separadamente, enquanto as
outras publicaram-se em um mesmo volume. Não se conhece o tradutor da edi
ção inglêsa. Teria a\ão John Ogilby (5), tradutor da Viagem à China de Nieu
hof, de Dapper e de Montanus? E' difícil que tendo chegado até nós a notícia
da tradução da Viagem à China e das obras de Dapper e Montanus por John
Ogilby não tivéssemos, também, a notícia da tradução por êle feita da Viagem
ao Brasil de Nieuhof. Foi a obra publicada em uma coleção de viagens editada
por J. Knox. É um resumo péssimo. Na edição de Knox, entre as pp. 421-448 da
Viagem às índias Orientais, encontra-se a descrição das crueldades praticadas pelos
holandeses contra inglêses, dizendo-se que embora Nieuhof não tenha feito referên
cia aos acontecimentos de Amboina foram êles descritos numa relação autenticada,
publicada pela Companhia das índias Orientais; na p. 448, volta-se à descrição de
Nieuhof. Trata-se, pois, de um pequeno resumo, contendo matérias estranhas à
viagem. Em 1786-1787, publicou-se em Amsterdã e Haarlem uma coleção de viagens
(Nederlandsche Reizen), em que se editou a Viagem ao Brasil (Vol. 14, 1787). É
como a de Knox, uma péssima edição. Admiramo-nos de que Netscher, em sua biblio
grafia, cite essa coleção como fonte de preciosas informações, quando há tão boas
edições da obra de Nieuhof e essa seja, apenas, um resumo mal feito.

• » »

Juntamente com a Viagem ao Brasil, foi publicada a Viagem às índias Orientais,


obras de excepcional vulto, tal o conjunto de informações que traz para o próprio
erudito brasileiro, pois ali se encontram dados sôbre a vida de Nieuhof e sôbre a
expansão da língua portuguesa no Oriente. É o resultado de suas duas viagens às
índias Orientais, pois somente depois de duas viagens é que escreveu a obra. Em
bora a Viagem à China alcançasse maior sucesso, a Viagem às índias Orientais é
muito mais importante, mesmo porque a Viagem à China é tão somente uma parte

(4) Churchill, Awnscham, livreiro, que com seu irmão John abriu uma casa editora de renome
na época. A publicação mais importante foi a Collection of Voyages and Traveis, etc-, 1703, 4
vols. foi.. Em 1732, foram editados os 4 primeiros vols., somente reimpressas as folhas de rosto
com mais 2 volumes. 8.* ed., 6 vols., 1744-46 ; e outra de Th. Osborne, 1752 : A Collection from the
Library of the Earl of Oxford; L. Th. Osborne, 1745-47, 2 vols., foi. e John Harris, 1744-48, 2
vols., foi., estão eomumente ligadas a Churchill porque os impressores publicaram-na por ordem da
Churchill. V. Dict. of Nat. Biography, The Oxford University Press, London, p. 807-8. Vol. IV.
(5) John Ogilby, escritor polígrafo, nasceu perto de Edimburgo, em Nov. de 1800. Teve no
meada em sua época, traduzindo autores gregos e publicando versos, até que começou a se dedicar à
geografia e à historia, alcançando o titulo de cosmógrafo e impressor do rei. Morreu em 4 de de
zembro de 1676. Traduziu Nieuhof (Viagem à China, 1665), 1) Atlas Chinensls, compilação da J.
Nieuhof, Dapper e Montanus ; 2) Atlas Japanensis, compilação de Montanus, 1670 ; 8) Africa 1870,
trad. de Dapper e observações originais; 4) América, 1671, trad. de Montanus; 6) Ásia, 1678, sendo
a segunda parte a Embaixada à China de Nieuhof.

25
366 J O A N NIEUHOF

da primeira viagem empreendida por J. Nieuhof às índias Orientais. As várias


edições dessa Viagem são as mesmas da Viagem ao Brasil, isto é, a edição de 1682,
as edições inglêsas, os resumos de Knox e da Nederlandsche Reizen (Vol. X), afora
outras edições holandesas e alemãs. Tiele (6) afirma que nunca viu uma edição
da segunda parte, com o ano de 1693, que é citada por Ternaux, Bibliotheca Asiâtica,
n. 2.326, dizendo que, provàvelmente, se entende por isso a 3.° edição da Viagem
à China. Há, aqui, um engano de Tiele, pois o número de Ternaux é o 2.650, "Zee
en landt reyse door Oost-Indien, Amsterdam, foi. 1693". (Viagem Marítima e Ter
restre às índias Orientais). Não se trata, portanto, da viagem à China. Estamos,
porém, como Tiele, duvidosos da existência dessa edição que ninguém afirma ter
compulsado. A Viagem à China é que foi editada pela terceira vez em 1693, em
holandês.
Em 1655, Maetzuiker, governador geral da Batávia e membro do Conselho das
índias, resolveu organizar uma "solene embaixada" à China, com o fim de pleitear
a liberdade de comércio com os chineses. Nieuhof foi convidado para seguir na em
baixada, como agente comercial. Como resultado de suas observações e para servir
de relatório, da Embaixada, ao Conselho das índias, escreveu Nieuhof a Viagem à
China. Nieuhof conta (7) que quando chegou, em 6 de julho de 1658, a Amsterdã,
de volta da Ásia, foi logo procurado, diàriamente, por vários amigos seus e de seu
irmão, em casa de quem se hospedara, os quais vieram indagar das cousas chinesas e ver
os desenhos que trouxera. Depois de ter permanecido três meses na Holanda, en
tregou o diário da Viagem à China a seu irmão Hendrik, com o propósito de que
êle a revisse e imprimisse, devido aos pedidos de diversas pessoas de qualidade. A
obra foi publicada em holandês, em 1655, por Jacob van Meurs, em Amsterdã.
O texto foi muito aumentado nessa edição e as gravuras não foram fàcilmente co
piadas. Isso pode ser verificado consultando-se o diário manuscrito de Nieuhof
que existe ainda hoje (8). No mesmo ano saía a edição francesa, traduzida por
Jean Baptiste Carpentier (9). Essa tradução está dividida em duas partes: 1) nar
rativa da embaixada em 290 pp.; 2) descrição geral da China, em 134 pp., além
do prefácio e da dedicatória a Colbert. A relação de Nieuhof parece ter servido,
porem, apenas como base dêsse grande trabalho, pois tôda a segunda parte é
uma adição. Em 1666, Thevenot publicava a relação de Nieuhof em sua famosa
coleção de viagens, abrangendo 60 pp. de in-folio. É seguida de um diário do cami
nho de Cantão a Pequim e da descrição destas duas cidades. Thevenot informa-nos,
no prefácio, que esta tradução foi feita de acordo com dois manuscritos holandeses,
um dos quais assinado por Nieuhof e de que era possuidor. Afirma, além disso, que
nunca mudou ou adicionou qualquer cousa de outros autores, julgando sempre errado
misturar a descrição das cidades com a relação de Nieuhof. As estampas da edição

(6) Nederlandsche Bibliographie, pp. 178-180. O n. 2.S26 de que fala Tiele ê "Descrição de
diferentes fortalezas das índias Orientais, particularmente de Goloonda e Pegu, Rotterdam, in-4.e, 1677."
(7) Zee en lant reyse door verschcidene gewesten van Oost-Indien, etc, p. 23, e Mr. J. Nteubofs
Hemarkable Voyages and traveis to the East Indies, p. 149-50, ed. de J. Osborne e H. Lintot, 1746.
(8) Vide M. Nijhoff, Catalogus over Japan, 1876, p. 120, in Tiele, Nederlandsche Bibliographie
over land en volkerkunde.
(0) J. Baptiste Carpentier. Historiógrafo c genealogista. Nasceu em Abscon, perto de DoHai
e morreu em Leide, em 1670. Padre agustiniano, abandonou o hábito e caaou-se.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 367

Thevenot são mais claras do que as de Carpentier. A Biblioteca Nacional não possue
o original holandês, mas tão somente as edições francesas de Carpentier e de The
venot. Carnus, que publicou o melhor trabalho crítico sôbre a coleção Thevenot,
afirma que a edição de Nieuhof nesta coleção é a melhor (10). O abade Prévost
(11), tradutor da Histoire Générale des Voyages (21 vols.), faz uma longa intro
dução onde se encontram notas críticas sôbre as diferentes edições de Nieuhof.
Considera, também, a de Thevenot como a mais exata, afirmando que em tôdas as
outras têm sido inseridas descrições que não são de Nieuhof. Critica acerbamente a
edição de Carpentier, com exceção das estampas. Quanto ao diário do caminho a
Pequim, Thevenot afirma, igualmente, ter traduzido de um manuscrito de Nieuhof,
tirando certas estampas que lhe pareceram suspeitas. Não é simplesmente um diá
rio do caminho, mas a descrição dos lugares pelos quais passou. Existe ainda hoje
um diário manuscrito dessa viagem de Nieuhof (12). (13) Em 1666, publicou-se
a primeira edição alemã; a segunda foi publicada em 1669 e a terceira em 1675;
tôdas em Amsterdã, por J. van Meurs. Em 1670, foi feita a segunda edição holan
desa e em 1682 foi novamente publicada a obra na edição de Le Carpentier, em Ams
terdã, por Jacob van Meurs. Em 1668, foi a obra traduzida para o latim por
Georgius Hornius, escritor e professor, polemista que discutira com Laet, Grotius
e Wagner a origem dos índios americanos (14). No prefácio da edição latina se
declara que Jacob Gollius pedira a G. Hornius que traduzisse a obra, o que êste fiz.
considerando não só a autoridade do mestre como a utilidade e raridade da ma
téria (15).
Em 1693, Waesberg publicava, em Amsterdã, a terceira edição holandesa. Aa
edições inglêsas são várias. Em primeiro lugar, há a tradução inglêsa feita por
John Ogilby em 1669, outra em 1673. Tôdas as edições posteriores são reedições da
tradução de J. Ogilby. Assim, Astley, em 1746, afirmando, porém, na introdução,
ter feito uso da segunda edição de 1673. Essa edição é excelente, pois possue ano
tações e comparações com a edição de Ogilby. Ternaux-Compans fala, também,
numa edição de 1670; essa edição, talvez, seja a de 1669, "Ásia" de Ogilby, que
junto à embaixada de Dapper traz a de J. Nieuhof. Depois da edição de Astley,
saiu ao do Abade Prévost, 1748, excelente edição em que se faz uso, também, da edi
ção de 1673, afirmando Prévost: "Na edição inglêsa Ogilby seguiu o título da edição

(10) Camus, A. G., Memoire «ar la oollection des Granas et Petits Voyages «t sur la roUeetioo
de voyages de Helefaiseder Thevenot. Paria, 1802, pp. 315-16.
(11) Prévost, A., Histoire Génerale des voyages, tomo V, p. 231, ed. in-4.\ tomo XVIII. p.
147, ed. in-12.
(12) Vide Catalogas over Japan, 1876, p. 120, de M. Nijhoff.
(13) Na Biblioteca Nacional existe a edição de Thevenot em 4 vols., 1696, in-4.» (V-16, 6, 6-8) :
em 2 vols., 1686, Paris (V-99, 2, 16-15) ; e em 3 vok., 1689, in-12. Paris (IV-249, 1, 21-23).
(14) G. Hornius. Êsse assunto empolgou os homens da época. G. Hornius escreveu De originibus
Americanis, 1652, Hagae commitis, (1669, Hemipoli) e Wagner, De Originibus Americanus Disser-
tatio, Lipsiae. 1669.
(16) Jacob Gollius era professor da Universidade de Leide; o mesmo a quem foram entregues,
por Laet, os originais de Harcgrave. Não pôde Gollius publicá-los porque se encontravam em código.
A edição latina representa uma homenagem à memória de Gollius, que acabava de falecer e que
fôra o grande incentivador da tradução para a língua universal, da obra de 'Joanne Nieuhovio, ba
tavo experimentadissimo".
368 JOAN NIEUHOF

de Carpentier e não da edição holandesa, embora seja incerto o original de que usou,
■e o holandês ou o francês; como, porém, não se encontra na edição inglêsa uma
porção de superficialidades que abundam na edição francesa, pode-se presumir que
Ogilby seguiu a cópia holandesa; suas estampas, que são as mesmas da tradução
francesa, estão longe de serem tão bem gravadas"; a explicação dos assuntos é feita
em língua inglêsa e holandesa. Essa coleção é excelente; deve-se consultar na Bi
blioteca Nacional o exemplar impresso por Pierre Hondt (FV-337, 6-14), em Ams-
terdã, e não o de Firmin Didot, de Paris, porque êsse se encontra em lastimável
estado. Em 1768, saiu essa mesma coleção de Prévost traduzida para o espanhol
por Don Miguel Terracina, onde se publicou também a Viagem à China; tudo igual
à edição de Prévost; até mesmo na introdução nada de novo se acentuou.
Em 1786 (Vol. XI), saía um resumo no Nederlandsche Reizen; em 1811, na
coleção Pinkerton, a viagem completa, e, finalmente, em 1816, La Harpe, num
Abregé de 1'Histoire Générale des Voyages, resumia a Viagem à China.
Afora essas edições que comentamos e de que damos, a seguir, a descrição exata,
vamos acrescentar edições indicadas por Petrus van der Aa e por Ternaux-Compans.
Essas edições não as pudemos consultar.
Petrus van der Aa distingue (16) duas impressões da Viagem ao Brasil pela
espécie de papel (groote papier — grani papier — e klein papier) e menciona uma
descrição de Malabar e Coromandel, Amsterdã, 1672, da Ásia, Amsterdã, 1672, Japão,
1669 (?) e da China, por Nieuhof e Dapper, Amsterdã, 1670 e 1693; índias Orien
tais e Ocidentais, Amsterdã, 1682, do Arquipélago, Amsterdã, 1688 e a edição fran
cesa da Viagem à China, 1666, Leide. A viagem a Malabar e Coromandel faz parte
da Viagem às índias Orientais. Quanto à Viagem à Ásia deve haver engano, pois a
Viagem à Ásia de Dapper foi publicada em 1673, em inglês, junto com a Viagem à China
de Nieuhof. Quanto à Viagem ao Japão, que faz parte da Viagem às índias Orien
tais, a referência à edição separada consiste, talvez, num engano, devido à Viagem
ao Japão (17) de Montanus, que foi publicada em 1669. A Viagem ao Arquipélago
é uma parte da própria Viagem às índias Orientais. Essas edições indicadas por
Petrus van der Aa nunca as vimos anunciadas nos catálogos holandeses, donde achar
mos que se trata de um engano do bibliógrafo, uma vez que algumas das viagens que
êle cita se encontram na Viagem às índias Orientais. Assim também as edições indi
cadas por Ternaux-Compans. Nunca as vimos anunciadas nos catálogos, nem as
bibliografias modernas e especializadas, como a de Tiele, que é a fonte mais segura e
mais exata, embora nem sempre completa, dêsses assuntos. Ternaux-Compans, entre
outras edições, de que já falamos, indica-nos, ainda: 1) Edição da Viagem à China,
1664, Haia; 2) Edição holandesa da Viagem à China, 1666, Amsterdã; 3) edição alemã
de 1668 da Viagem à China, Amsterdã; 4) edição francesa da Viagem à China,
1682. Nenhuma dessas informações vimos confirmadas pelos bibliógrafos modernos.
Cabe-nos, ainda, falar de edições de viagens de Nieuhof que tenham sido im
pressas juntamente com viagens de outros autores.
Em 1670, em Amsterdã, por J. van Meurs, foi editada a Gedenkwaerdige Bedrgf
der Nederlandsche Oost-Indisehe Maetsehappije op de Kuste en in het Keizerryk
van Taising of Sina...; A tradução inglêsa "Atlas Chinensis" dessa obra de Dap-

(16) Bibliotheca Esquisitíssima, Lugduni Batavorum, 1729.


(17) Gedenkwaerdige Gezantachappen der Oost-Indien Maatschappy in't Vereen. Nederland, aaa
de Kaizeren van Japan. Arnsterdam, Jacob van Meurs, 1669. ,
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 369

per foi publicada em 1673, juntamente com a Viagem à China de Nieuhof. Essa
obra de Dapper traz, no entanto, o nome de Montanus, enquanto que a Viagem à
América, de Montanus, na tradução alemã, tem o nome de Dapper. Tiele explica
que Ogilby, tradutor de tôdas essas obras, recebeu, provàvelmente, do mesmo editor
o texto e as gravuras desta obra, antes que fosse impresso o título e, por isso, julgou
que Montanus fosse o autor (18). E' por essa razão que o "Atlas Chinensis" consta
de duas partes. Meusel, na Bibliotheca Histórica, enganou-se ao afirmar que a co-
leção de Thevenot conteria uma tradução dessa obra; porque nela se encontra, como
já vimos, apenas a Embaixada à China de Nieuhof.
Na obra de Montanus "Oud en Nieuw Oost-Indien Amsterdam, Sander Wijbrants
Z. Jr., 1680, in-12.° (XIX) 529 e 33 fls., que é uma reedição das Maravilhas do
Oriente ou Descrição dos feitos guerreiros das índias Orientais (De Wonderen van
't' Oosten ofte de Besehrijving en Oorlogs — daden van oud en Nieuwe Oost-Indien
vervolgt tot op dese tijt, van de Sond-vloed. . ., Amsterdam, Jansz, 1651, in-lS.°) ;
o último capítulo é a descrição da viagem à China de 1655-57 de Nieuhof.
Ainda a tradução inglesa da Viagem à Ásia de Dapper, publicada em 1673, em
Londres, com o título Asta, contém, além de uma descrição da Pérsia, Grão-Mogol
e outras partes da índia, a viagem à China, de Nieuhof, em tradução, como sempre,
de John Ogilby.

(18) Tiele, Nederlandsche Bibliographie over land en volkerkunde. Muller, Amsterdam, 1884,
pp. 71-74.
O melhor trabalho nobre a autoria do "Nieuwe en Onbekende Weereld" é o publicado por Alfredo
de Carvalho — "Dapper versus Montanus" in Rev. do Inst. Arq. e Geogr. Pera., n. 77. p. 340.
J
Bibliografia de Nieuhof
1

*
1 — 1665- Het Gezantschap der Neerlandtsche Oost — Indische Compagnie
aan den grooten Tartarischen Cham, den tegenwoord. Keiser van China... Sedert
den J. 1657 . . . Beneffens steden, dorpen, regeering, wetenschappen, Lantwerken,
zeden enz.. Amsterdam, Jacob van Meurs... 1665, in-fol. (XII), 208, 258 e 9 fls.
(Papel especial — groot papier). [Embaixada da Companhia das índias Orientais
ao Grão-Khan da Tartária, o atual Imperador da China . . . desde o ano de 1655 até
1657, como também uma detalhada descrição das cidades chinesas de suas vilas,
governo, ciências, manufaturas, costumes, etc.].
A folha de rosto é gravada. Beschrijving van't Gesantschap etc. Depois do
título, retrato do autor e as armas de Speigel e Witsen, em páginas diferentes; em
seguida, a rota da viagem. 35 gravuras fora e muitas no texto, todas em cobre.
Em vários exemplares não se encontra a gravura que, conforme a indicação dos en
cadernadores, deve estar junto à pagina 193, (Paolinxi). Privilégio de 19-4-1664.
Parece que alguns exemplares trazem o ano na folha de rosto. Dessa viagem de
Joan Nieuhof ainda existe um diário manuscrito, com desenhos originais, pelos quais
se verifica que o texto foi aumentado de muito nesta edição e que as gravuras não
foram fielmente copiadas. (Vide Catalogus over Japan, Martinus Nijhoff, 1876,
p. 120). A Biblioteca Nacional não possue nenhum exemplar dessa edição holan
desa.
2 — 1665. L'Ambassade / De la / Compagnie Orientale / Des / Provinces
Unies / vers / L'Empereur / De la / Chine, / ou / Grand Cam / De / Tar-
tarie, / Faite Par les / Srs. Píerre de Goyer, & Jacob de Keyser, / Illustrée d'une
exacte Description des Villes, Bourgs, Villages, / Ports de Mers, & autres Lieux
plus considerables de la Chine: / Enrichie d'un grand nombre de Tailles douces.
/ Le Tout Recueilli Par le / Mr. Jean Nieuhoff, / M™. d' Hotel de 1'Ambassadei,
à present Gouverneur en Coylan: / Mis en François, / Orné, & assorti de mille
belles» Particularitez tant Morales que Politiques, par / Jean le Carpentier, Histo-
riographe. / Première Partie / A Leyde. / Pour Jacob de Meurs, Marchand Ld-
braire / & Graveur de la ville d'Amsterdam, 1665.
Dedicatória a Colbert por J. Meurs (4 pp. ins.) + 4 pp. ins.
Pref. + 3 pp. ins. de ind. + 1 p. Prev. + 1 cart. geog. + 290 pp. ns + 32 pp.
ins. + lf 1. contendo:
"Description / Generale / de / L'Empire / de la / Chine. / Ou il est traité /
succinctement / Du Gouvernement, de la Religion, des Moeurs, des Scien / -ces,
& Arts des Chinois; comme aussi des Animaux, des Poissons, des Arbres & Plantes
qui ornent / leurs Campagnes & leurs Rivieres: y joint un court Recit des der-
nières Guerres qu'ils ont eu contre les Tartares. / Seconde Partie. / 134 pp. + 1
fl. in. com o índice das ilust. A Bib. Nac. possue dois exemplares, catalogados
com as seguintes indicações: V-256,6,13 e V-52,8,2. 22,5 x 35 cms.
374 JOAN NIEUHOF

3 — 1666. Trad. alemã. Die Gesandtschaft der Oost-Indiachen Gesellschaft


in den Verein. Niederl. an den Tartar. Cham., etc., com as mesmas gravs. Amster-
dam, Jacob van Meurs, (Amsterdam, 1669, Amsterdam, 1675, in-fol.) A Bib. Nac
não possue nenhum exemplar dessa obra.
4 — 1668. Descriptio / Legationies Batavica / Societatis Indiae Orientalis /
Magnum Tartariae Chamum / Modernum Sinae Imperatorem / cura Previlegio.
Amstelodami. Apud Iacobum Meursium Calcographum et Bibliopolamin fossa
Caesarêa. A. 1668. (F.f.r.) F.r.: "Legatio Batavica / Ad / Magnum Tarta
riae Chaumum / Sungteium, / Modernum Sinae Imperatorem. / Historiarum Nar-
ratione, / Quae / Legacis in Provinciis Quantung, Kiangsi, Nanking, Xantung, /
Peking, & Aula Imperatoriâ ab Anno 1655 ad annum 1657 obligerunt, / ut 4
ardua Sinensium in bello Tartarico fortuna, Provinciarum / accurata Geographia,
urbium delineatione, / Nec Non Artis & Naturae miraculis ex Animalium, Vege-
tabilium, / Mineralium genere per centum & quinquaginla aeneas figuras passiia
/ illustrata & conscripta vernacule / Per / Joannem Nieuhovium, / Primum Lega-
tionis Aulae magistrum, Jam Coylanae Praefectum. / Latinitate Donata / Per
clarissimum Virum / Georgium Hornium, / Historiarum in celeberrimâ Lugd.
Batav. Acad. Prof. Amstelodami, / Apud Jacobum Meursium, in Fossa Imperatoriâ /
Cum S. Caesarêa Majestatis, Christianissimi Galliarum Régis, & Praepolentum Foe-
derati Belgii Ordinum Previlegio. Anno MCCLVIII (1668). (1 fl. soneto a 0.
Horni, por Johannes Christenius, Prof. de Jurisprudência, + 1 fl. Ao Leitor + 172
pp. + 8 pp. (índice). O exemplar da Bib. Nac. tem a seguinte indicação: V-289,4.16.
28,5 x 19 cms.
5 — 1669. Trad. inglêsa. The Embassy of Peter de Goyer and Jacob de Keyser
from the Dutch East Company to the Emperor of China in 1665. By John Nieuhof.
Steward to the Embassadors. Translated from the Dutch. London, 1669, in-fol. com
gravs. A Bib. Nac. não possue nenhum exemplar dessa obra.
6 — 1670. Outra impressão da Viagem à China, ed. holand. Amst Jacob van
Meurs, foi. (VIII — 208 — 258 — 9 pp). Também em papel especial. (Groot pa-
pier). Retr., gravs. e cartas da 1.» ed.. A Bib. Nac. não possue nenhum exemplar
dessa obra.
7 — 1670. Atlas Chinensis, Londres, John Ogilby traduziu. A Viagem à China
de Nieuhof é a 2.» parte do Atlas. A Bib. Nac. não possue nenhum exemplar dessa
obra.
8 — 1673. Trad. inglêsa de John Ogilby, com a Primeira Embaixada à China,
Nieuhof, sob o titulo: Asia, in two parts, The first part being an accurate description
of Persis, the empire of the Great Mogol and other parts of índia etc. . . Part II
containing an Embassy from the East índia Company of the United Provinces to
the Grand Tartar Cham, Emperor of China, delivered by . . . Peter de Goyer and
Jacob de Keyser, at . . . Pekin, Together with a general description of the empire
of China". London, 1673. 2 vols. in-fol. A Bib. Nac. não possue nenhum exemplar
dessa obra.
9 — 1693. Amsterdam, Wolfgang, Waesberg. Totalmente como a ed. holand.
da Viagem à China de 1670. Também nesta ed. foi omitida ou arrancada a grav. da
p. 193. A Bib. Nac. não possue nenhum exemplar dessa obra.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 375

10 — 1680. Oud en Nieuw Oost-Indien. . . Amst., Sander Wijbrants Z. Jr.


In-12.° XIV + 529 + 33 pp. O privilégio para C. Jz. Swool, livreiro de Amsterdã
e a dedic. de A. M. para Jacob van Hoorn são de 1680. Reedição aumentada das
Maravilhas do Oriente, sendo o último cap. a Viagem à China de J. Nieuhof. (De
wonderen van 't' Oosten ofte de Beschrijving en Oorlogs daden van Oud en Nieuwe
Oost-Indien vervolgt' tot op dese tijt, van de Sondbloed etc. etc. Amst. Com. Jansz,
1651, trad. — Maravilhas do Oriente ou descrição dos feitos guerreiros das índias
Orientais Antigas e Novas até o nosso tempo desde o dilúvio). A Bib. Nac. não
possue nenhum exemplar dessa obra.
11 — 1682. Johan Nieuhofs / Gedenkweerdige / Brasiliaense / Zee en Lant
— / Reize, / Behelzende / Al het geen op dezelve is voorgevallen. / Beneffens /
Een bondige beschrijving van gantsch / Neerlants Brasil, / Zoo van lantschappen, /
steden, dieren, gewassen, ais / draghten, zeden en godsdienst der inwoonders: / En
inzonderheit / Een wijtloopig verhael der merkwaardigste voorvallen / en geschi-
edenissen. die zich, geduurende zijn negenjarigh / verblijf in Brasil, in d'oorlogen en
opstant der Portugesen / tegen d'onzen, zich sedert het jaer 1640, tot 1649 / hebben
ioegedragen. / Door gaens verçiert met verscheide afbeeldingen, na 't leven aldaer
getekent. t' Amsterdam, Voor Weduwe van Jacob van Meurs, op de Keizersgracht.
1682. Memorável Viagem Marítima e Terrestre Brasileira. Abrangendo tudo
quanto aconteceu durante a mesma. Como também uma descrição minuciosa de
todo o Brasil Neerlandês, tanto no que se refere a panoramas, cidades, animais,
plantas, como vestuários, costumes e religiões dos íncolas. E em particular uma
extensa descrição da história e dos acontecimentos mais notáveis que se deram
durante sua estada no Brasil, de nove anos, desde 1640 a 1649, nas guerras e na
revolta dos portugueses contra os nossos. Em seguida, ornado com várias estampas
gravadas, conforme a realidade. Amsterdã. Viúva Jacob van Meurs. (XII) —
240 — (2 pp. ins.). G. papel.
Titulo grav. Joan Nieuhof. " Gedenkweerdige zee en Lant-reize / Door de vornaem-
schappen van / West en Oost Indien /). Segue-se depois, em títulos comuns, o
o título da primeira parte: (Gedenkweerdige Brasiliense Zee en Lant-Reize . . . ) .
Com armas, retr. do autor, 1 dístico de 6. 11. por D. Lingelbach. Carta do Brasil,
3 est., tôdas de gravs. em cobre, mesmo as do texto. 1 epíst. 1 f. in; retr. de Nieuhof
tendo, em baixo, um dístico com um poema assinado por D. Lingelbach e que assim diz :
"Aqui vedes Nieuhof retratado ao vivo; um herói, que obteve fama com suas ações;
um que é conhecido porque a luz do dia desponta e desaparece. Para um chefe,
embaixador cumulado de glórias. A sua vontade de viajar, sua inteligência esclare
cida, seu ânimo incansável, Patenteiam-se a todo aquêle que leia seus escritos: uma
Poesia Aen / Joan Nieuhof, / op Sijn West en Oost-Indische Reize Beschrijving. /
e um Poema feito por Joan Nieuhof sôbre os 12 meses do ano, aplicados à cidade de
Batávia, na ilha da Grande Java ( Saizoen-dight, / op de twalef maenden des Jaers.
Gepast op de lant streke der stad Batávia, op het eiland groot Java. Door den
Schrijver Joan Nieuhof. / O privilégio é assinado por Johan de Wit. Os vols.
da Bib. Nac., que consultamos, apresentam pequenas diferenças: assim, por ex.,
há um exemplar que tem 1.° a f.f.r., depois a f.r. + ded. + brasão + introd. +
poesia + privil. + poema -f retr. (V-287,5,11), e outro que tem retr. + f.f.r. -f
f.r. + grav. + brasão + ded. + poesia + privil. + poema + introd. (111-230,6,6).
O 1.° tem 31 x 20 cms.; o 2.°, 37 x 24,2 ema. Possue, ainda, a Bib. Nac. o de
376 JOAN NIEUHOF

n. 111-41,7-10 (exemplar em melhor estado), que é igual ao 11-230,6,6. Parece


tratar-se de duas impressões: uma em papel especial (groot papier, grand papier,
dos catai, holandeses e franceses), espêsso, e outro em papel comum, em formato
menor (V-287,5,11). O exemplar de formato menor está aparado. A Bib. Nac.
possue, assim, 3 exemplares da Viagem ao Brasil é às Índias Orientais, em holandês,
e 2 exemplares da Viagem à China, ed. franc., além dos exemplares de coleções de
viagens, que indicamos abaixo. Petrus van der Aa na Bibliotheca Esquisitíssima,
Lugduni Batavorum, 1729, fala em duas impressões tanto da Viagem ao Brasil
como da Viagem às Índias Orientais, distinguindo-as em "groot papier" e "klein
papier". A Viagem ao Brasil possue 3 ests. fora do texto, e 9 ests. no texto, e 1 mapa.
A 2.a parte tem os títulos em letras comuns: "Zee en Lant Reize door vers-
cheidene gewesten van Oost-Indien . . . en inzonderheit een wijtloopig verhael der etad
Batavia". (Uma viagem marítima e terrestre por várias regiões das índias Orien
tais... especialmente uma descrição extensa da cidade de Batávia). 42 gravs., 6
carta, 23 ilustrs. no texto. Algumas gravs. trazem o nome dos gravadores: Gilliam
van der Gounen, Henr. Canse, Kip, C. Decker. As vistas são da Batávia e a
grande grav. de Palembang. Existem vários poemas nas pp. iniciais desta viagem.
De Schrijver Joan Nieuhof, op de Stad Batavia en / de omleggende hooven en lan-
deryen. — J. Nieuhof. (Do escritor Joan Nieuhof sôbre a Cidade de Batávia e as
aldeias e terras adjacentes). Sonnet / Aen den Heer / Joan Nieuhof, / op sijn
Reis Beschrijving en vertrek van Batavia, / na 't Vaderland. / P. Ketting, 1670
in Batavia. (Soneto ao Sr. J. Nieuhof. Sua descrição de viagem e sua partida
para a Pátria). Op. de Stad Batavia, op 't eyland groot Java, Kunstig af getee-
kend, en geleerdelijk beschreven. / door Joan Nieuhof. Jacob Shendam. Batavia
den 24. van Wijnmaand, 1670. (Sôbre a cidade Batávia, na grande ilha de Java,
artisticamente representada e cientificamente descrita) (Outubro). Op- het Naeuw-
keurigh beschrijven en Teykenen van de Stad Batavia, op 't Eyland Java, in 't
Koninkrijk van Jacatra. Door den Ed. Joan Nieuhof Den 22, van Louwmaent 1671.
(Janeiro). Zackarias Kaheingh. (Sôbre a descrição e a representação da cidade de
Batávia na ilha de Java, no reino de Jacatra) . — Segue-se uma 3.a parte (geralmente
não se fala nessa 3.a parte, porque nada a separa das outras na ed. holand-) Derde /
Zee en Lant Reize / van Johan Nieuhof, / Met het schip de Pyl, na d'eilanden van /
Majotte en de Afrikaense Kust van / Mozambique. / Getrokken uit desselfs gehouden
journael, door den schipper Reinier Klaesz, te rugh gebracht, en aen zijnen broeder
Hendrik Nieuhof behandight /. pp. 304-308. O índice tem 4 pp. ins. /
12 — 1696. Relation / de Divers / Voyages / Curieux, / qui n'ont point egté
publiées. / Et qu'on a traduit ou tiré des Originaux des Voyageurs Fran / çois,
Espagnols, Allemands, Portugais, Anglois, Hollandois / Parsans, Árabes & autres
Orientaux, données au public par les soins de feu / M. Melchisedec Thevenot / Le
Tout enrichi de figures, de plantes / non décrites, d'Animaux inconnus à 1'Europe,
& de Cartes Geogra / phiques, qui n'ont point encore été publiées. / Nouvelle
Edition, / Augmentée de plusieurs Relations curieuses / Tome second. / Contenant
la III e IV partie. / Paris / Chez Thomas Moetti, Librairie, rue de la Bouclerie,
à Saint Aléxis / M DC XCVI / Avec Privilege de Sa Majesté. / Route du Voyage
des Hollandois a Pekin. 1 — 27. A Bib. Nac. possue essa ed. de 1696 em 4 vols.
(V-16,6,5-8) e outra de 1689 em 3 vols. (IV-249,1,21-23). No 1." vol., 2.» parte,
encontra-se a viagem à China. 31 — 68. Numerosas gravs. A Bib. Nac. possue 1
ed. da coleção de Thevenot: 4 vols., V-16,6,5-8).
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 377

13 — 1703. Mr. John Nieuhoff's Remarkable / Voyages & Travels into y* /


best Provinces of y« / West and East Indies. / London. Printed for Awnsham and
John Churchill / At the Black Swan in Pater Noster Row, 1708. / Tit. grav., tendo
antes o retr. de Nieuhof, com a seguinte inscrição: The Effigies of Mr. Jn. Nieu-
hofr. f.r.: Voyages and Travels, / into / Brasil, / and the East-Indies: / con
taining, / An Exact Description of the Dutch Brasil, / and divers Parts of the
East Indies; / Their Provinces, Cities, Living / Creatures, and Products: / The
Manners, Customs, Habits, / and Religion of the Inhabitants: / With / A most
particular Account of all the / remarkable Passages that happened during the /
Author's stay of Nine Years in Brasil; / Especially, / In relation to the Revolt
of the Portugueses, / and the Intestine war carried on there from 1640 to 1649. /
As also, / A most Ample Description of the most famous / City of Batavia, in the
East-Indies. / By Mr. John Nieuhoff / Both Adorned with Copper Plates, done
after the Life. / Translated from the Dutch Original. / Vol. II. / 2 pp. (aviso ao
leitor) + 156 pp. 8 ilusts. + 3 cart, e 3 gravs.
A primeira edição da coleção Churchill é de 1703. A Bib. Nac. não a possue;
não pudemos, assim, consultar essa primeira edição. Acontece que da coleção foi
feita uma separata que, ainda há pouco, os antiquários Maggs Bross anunciavam
à venda. O exemplar acima descrito é exatamente essa separata. A Bib. Nac.
também não a possue.
14 — 1732. A / Collection / of Voyages and Travels, / some / Now first
Printed from Original Manuscripts, / others / Now first Published in English. /
In six volumes. / With a General Preface, giving an Account of the / Progress of
Navigations, from its first Beginning. / Illustrated with a great Number of useful
Maps and Cuts, / Curiously Engraven. / Vol. I. London: / Printed by Assignment
from Messrs. Churchill. / For John Walthoe, over against the Royal-Exchange in
Cornhill; Tho Wolton, / at the Queen's Head and Three Daggers over against St.
Dunstan's Church, in Fleet- / Street; Samuel Birt, in Ane-Mary Lane, Ludgate-
Street; Daniel Browne, / at the Black-Swan, without Temple-Bar; Thomas Osborn,
in Gray's Inn; / John Schuckburg, at the Sun, next the Inner Temple — Gate, in
Fleet-sheet; / and Henry Lintot, at the Cross-Keys, against St. Duns tan's Church, /
in Fleet-sheet, MDCCXXXII (1732). Vol. II. Voyages and Travels /
in to / Brasil / and the / East. Indies. / Containing / An exact Description of the
Dutch Brasil, and divers / Parts of the East-Indies: their Provinces, Cities, Li
ving Creatures, and Products; the Manners, / Customs, Habits, and Religion of
the Inhabitants: with / A particular Account of all the remarkable Passages that
happened / during the Author's stay of nine years in Brasil; especially in Rela
tion / to the Revolt of the Portuguese, and the intestine war carried on there
from / 1640 to 1649. / As Also / most ample Description of the famous City of
Batavia in the East- / Indies. By Mr. John Nieuhoff. / Both adorned with Copper
Plates, done after the Life. Translated from the / Dutch Original. / p. 1 — 146
p. p. 146 — Mr. John Nieuhoff's / Remarkable / Voyages / and Travels to the /
East-Indies. / p. 324, exp. da Bib. Nac. 111-228,6,18.
15 — 1746. A / Collection / of Voyages and Travels, / some / Now fist
Printed from Original Manuscripts. / others, / Now first Published in English. /
In Six Volumes. / To which is prefixed, / An Introductory Discourse (supposed
to be written / by the Celebrated Mr. Locke) intitled, The / whole History of Na
378 JOAN NIEUHOF

vigation from its Original to this Time. / Illustrated with near three Hundred
Maps and Cuts, curiously / Engraved on Copper. / The Third Edition. / Vol. I /
London: / Printed by Assignment from Mssrs. Churchill, / For Henry Lintot;
and John Osborn, at the Golden-Ball in Pater Noster Row. / MDCCXLIV (1746).
1 concessão do rei William; 1 ret. de conf. — Pref. dos editores. Resumo dos
livros da coleção. 8 pp. ins. — XXIX pp. ins. (catai, e caráter dos livros de viagens;
latim, francês, etc.) — 4 pp. ins. (lista das est. em cobre) — IX (An Introductory
Discourse) — lxxii) — 668 pp. Indicação da Bib. Nac.: IV-331,7,2. Ret de Nieu-
hof — f. r. de Travels, etc. — 1 f. r. da coleção. 2 vols. (M.DCC.XLIV) 1) Voyages
and Travels to Brasil, p. 1-137- 2) Voyage to the EasUndies, p. 138-301. 3)
The Third Sea and Land Voyage of John Nieuhoff. Aboard the Arrow to the
isles of Majotte, upon the Africain coast of Moçambique. / Extracted from his
own journals, and brought over and delivered by Captain Reiner Klaeson to his
Brother Henry Nieuhof. p. 303-305. Exemplar da B. Nac.: IV-331,7,1,6.
16 — 1746. A / New General Collection of / Voyages and Travels, / Con
sisting / of the most Esteemed Relations, which have been / hitherto published in
any Language: / Comprehending everything remarkable in its kind, in Europe,
Asia, Africa, and America, / With respect to the / General Empires, Kingdoms,
and Provinces; their situation, Extent, Bounds and division, Climate, Soil and
Produce; their Lakes, Rivers, Montains, Cities, principal Towns, Harbours, Buil
ding, &c, and the gradual Alteration that from Time to Time have happened in
each: / Also the / Manners and Customs / of the / Several Inhabitants; their
Religion and Government, Arts and Sciences, / Trade and Manufactures: / So as
to form / A Complete System of Modern Geography and / History, exhibiting the
Present State of all Nations; / illustrated not only with / Charts of the Several
Divisions of the Ocean, and Maps of each Country, entirely new / Composed, as
well as new Engraved by the best Hands, from the latest Surveys, Discoveries,
and Astrono / mical Observations: But likewise with variety of Plans, and Pros
pects of Coasts, Harbours, and Cities; besides Cuts representing Antiquities,
Animals, Vegetables, the Persons and Habits of the People, and / other Curiosities;
Selected from the most Authentic Travellers, Foreign as well as English. / Publi
shed by his Magesty's Authority. / Vol. Ill / London, Printed for Thomas Astley,
in Pater Noster Row. M.DCCXLVI (1746). p. 399-431. Liv. I, T. III. Ind. da
Bib. Nac.: V-392,5,3.
17 — 1748. Histoire / Générale / Des Voyages, / ou Nouvelle Collection / De
Toutes les Relations de Voyages / Par Mer et Par Terre. / Qui ont été publiées
jusqu'à present dans les differentes Langues / de toutes les Nations connues: /
Contenant / ce qu'il y a de plus remarquable, de plus utile, à et de Mieux Averé
dans les Pays ou les Voyageurs / ont penetré, / Touchant leur situation, leur eten-
due, / leurs limites, leurs divisions, leur climat, leur terroir, leurs Productions, /
leurs lacs, leurs Rivieres, leurs Montagnes, leurs Mines, leurs Cites & leurs princi
pals villes, leurs Ports, leurs Rades, leurs Edifices, etc. Avec les Moeurs et les
Usages des Habitans. / Leur religion, leurs governement, leurs Arts et leurs scien
ces, / leur Commerce et leurs Manufactures; / Pour Former un Systême complet
d'Histoire et de Geographie Moderne, / qui representera 1'état actuei de toutes les
Nations: / enrichi / De cartes geographiques / Nouvellement composées sur les
Observations les plus autentiques, / De Plans et de Perspectives; de Figures d'Ani
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 379

maux, de Végétaux, / Habite, Antiquités, etc. / Tome Cinquième. / A Paris, Chez


Didot, Libraire, Quai des Augustina, à la Bible d'or. MDCCXLVIII (1748). Avec
Approbation et privilège du Roi. Livre I. Voyages dans l'Empire de la Chine.
Chapitre Premier. Voyage de Pierre de Goyer & Jacob de Keyser, Ambassadeurs
de la Compagnie Hollandoise des Indes Orientales, vers l'Empereur de la Chine-
pp. 229-283, 25,7 x 19,9 cms. (B.N.: V-307,5,8). Esta coleção não está, infeliz
mente, em tão boas condições quanto a mesma impressa por Pierre Hondt, em
Amsterdã.
18 — 1749. Histoire / Générale / Des Voyages, / ou / Nouvelle Collection /
De Toutes Les Relations de Voyages / Par Mer et Par terre, / qui ont été publiées
jusqu'à présent dans les différentes / langues de toutes les nations connues: /
Contenant / Ce qu'il y a de plus remarquable, de plus utile, & de mieux avéré, dans
les Pays où les Voyageurs ont pénétré, / Touchant leurs situation, leur étendue,
leurs limites, leurs division, leur / Climat, leur terroir, leurs productions, leurs
lacs, leur rivières, / leurs Montagnes, leurs Mines, leurs Citez & leurs principales
/ Villes, leurs Ports, leurs Rades, leurs edifices, etc. Avec les Moeurs et les Usages
des Habitants, / leur Religion, leur Gouvernement, leurs Arts et leurs / Sciences,
leur Commerce et leurs Manufactures; / Pour former un système complet d'histoi
re et / de Geographie moderne, qui representera / l'état actuel de toutes les nations:
/ Enrichie de cartes géographiques / Nouvellement composées sur les observations
les plus autentiques, / De plans et de perspectives, de figures d'animaux, / de
vegefciux, habite, Antiquitez, etc. / Nouvelle édition, / Revûe sur l'original anglois,
& où l'on a non seulement rétablie avec soin ce qui a été sup / primé ou omis par
le traducteur; exactement distingué ses Additions du reste de l'ouvrage, & corrigé
les Endroits où il s'est écarté du vrai Sens de son Auteur; / Mais même dont les
figures & les cartes ont été gravées par & sous la Direction / de J. van der Schley,
eléve distingué du célèbre P. le Romain. Tome Septième. A la Haye, / Chez
Pierre de Hond, MDCC.XLIX. (1749). Avec privilège de Sa Magesté Impériale,
& de Nos Seigneurs les Etats de Hollande, & de West Frise. — Livre premier /
Voyages dans l'Empire de la Chine. / Chapitre premier / Voyage de Pierre de
Goyer & Jacob De Keyser, Ambassadeurs de la Compagnie Hollandoise des Indes-
Orientales, vers l'Empereur de la Chine. Melhor edição, estando em étimo estado
o exemplar da Bib. Nac.. (IV-337,6,14).
19 — 1767. A New / Collection / of Voyages, / Discoveries and Traveis: /
Containing / Whatever is worthy of Notice, in / Europe, Asia, / Africa and Ame
rica: / In respect to / The Situation and Extent of Empires, Kingdoms, / and
Provinces, their Climates, Soil, Produce, &c. / With / The Manners and Customs
of the several Inhabitants; / their Government, Religion, Arts, Sciences, / Manu
factures, and Commerce / The whole consisting of such English and Foreign Authors
/ as are in most Esteem; including the Descriptions and Remarks / of some cele-
brated late Travellers, not to be found in any other collection. / Illustrated with a
variety of accurate / Maps, Plans, and elegant Engravings. / Vol. II / London:
.' Printed for J. Knox, near Southampton-Street, / in the Strand MDCCLXVII (1767).
Mr John Nieuhoff's Voyage to, and Account of Brasil, in South America, pp. 1-20.
Modern State of Brasil, pp. 20-35. Mr John Nieuhoff's Voyages to the East Indies,
pp. 419-473. A Bib Nac. possue dois exemplares desta coleção: V-298,4,7-13 e
IV-322,4,7-13.
380 JOAN NIEUHOF

20 — 1768. Historia General / de los Viages, / o Nueva Colección / De todas


las relaciones / de los que se han hecho por Mar, y Tierra, y se han publicado
hasta ahora en diferentes lenguas de todas / las Naciones conocidas: / Donde se
contiene / o mas notable, util y mas cierto de los Paises. / adonde han penetrado
los viageros, con las costumbres, Religión, Usos, / Artes, Ciencias, Comercio y Ma
nufacturas de sus Habitantes, / Obra traducida del Ingles al Frances / por el
Abate Anonio Francisco Prevost; y al Castellano / Por Don Miguel Terracina /
Aumentada con las Relaciones de los Ultimos Viages, que / se han hecho en cate
siglo. / Tomo Octavo con licencia. En Madrid: En la Imprenta de D. Juan An
tonio Lozano. Año de 1768. (Se hallará en la Imprenta del Real y Supremo
Consejo de las Indias, calle des Clavel, esquina à la de la Reyna. Primera Parte.
Viages Al Asia, Libro I. Viages al Imperio de la China. Capitulo I. Viage de
Fedro Goyer, y Jacobo Keyser. Embaxadores de la Compañía Holandesa de las
Indias Orientales, al Imperio de la China. Em pergaminho, pp. 1-61. (B. N.:
V-309,6,8).
21 — 1786. Nederlandsche / Reizen, / Tot Bevordering / van den Koophan-
del, / na de meest Afgelegene Gewes- / ten dea Aardkloots- / Doormengd met
vreemde hotgevallen, en menig- / vuldige gevaaren, die de Nederlansdsche Reizigers
nebben doorgestaan / Met Plaaten. / Tiende Deel. (Tomo X) / Te Amsterdam, /
By Petrus Conradi / Te Harlinge, / By N. van der Plaats. / MDCCLXXXVI (1786).
22,6 x 13,3 Nederlandsche Reizen / Joan Nieuhoff's. Gedenkwaardige Togt / Na
en door de Ooostindien. / Van het jaar 1653 tot 1671. pp. 123-165. 1 grav. — Elfde
Deel. (Tomo XI) MDCCLXXXVI (1786). Nederlandsche / Raizen / Pieter de
Goyer's / en Jacob Keizer's Gezantschap na China / In de Jaaren 1655, 1656 en
1657. pp. 52-85. — Veertiende of Laaste deel. (14 tomo) MDCCLXXXVII (1787).
Nederlandsche / Reizen / Johan Nieuhof's / Reizen / Na en Door Brazil; / In de
Jaaren 1640 tot 1660. pp. 86-103. 1 grav. Serinhaen Ind. da B. N.: III-196, 4,31.
22 — 1811. A / General Collection / of the / best and most interesting /
Voyages and Traveis / in all Parts of the World; / Many of which are now first
Translated into english. / Digested on a new plan / By John Pinkerton, / Author
of Modern Geography, &c. <£c. / ülustrated with plates. / Volume the seventh. /
London: / Printed for Longman, Hurst, Rees, Oune, and Brown, Paternoster-Row ;
and Cadell and Davies, in the Strand, / 1811. — The Embassy / of Peter de
Geyer and Jacob De Keyzer / From the Dutch East India Company to the Emperor
of China in 1656. / By John Nieuhoff, Steward to the Embassadors. / (Translated
form the Dutch.). pp. 231-270. 22 x 27,7. Vol. XIV. pp. 697-881. Voyages and
Traveis / into / Brazil / with / A Particular Account of all the Remarkable
Passages that Happened During / The Author's Stay of Nine Years in Brazil; /
Especially in relation to the Revolt of the Portuguese, and the intestine war
carried on there from 1640 to 1649. / By Mr. John Nieuhoff. Advertisement to
the Reader. (Hendrik Nieuhoff). Ótima impressão; o tipo grande facilita a
leitura. Essa edição não tem, porém, gravuras. Ed. bem conservada na B.N.:
IV-105, 4, 1-15 a 1V-106, 4, 1-2; V-380, 6, 20 a V-381, 5, 5-16.
23 — 1816. Abrégé / de / L'Histoire Genérale / des Voyages, / Contenant /
ce qu'il y a de plus remarquable, de plus utile et de / mieux avéré dans les pays on
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 381

les voyageur» ont pénétré; les moeurs des habitants, la religion, les / usages, arts
et sciences, commerce et manufactures. / Par J. F. Laharpe. Tome Sixième. /
A Paris. Chez Ledoux et Tenré, Libraires, Rue Pierre-Sarrazin, n. 8 / 1816. Cap.
II. Viagens, Negociações e Empresas dos holandeses na China. Resumo de Nieuhof.
pp.296-333. 12,5 x 19,9. Ind. da B.N.: X-380, 4,6.
, <

26
J
Anexos
ANEXO I
(Vide nota 201)

Wilhelmus
MARN1X VAN ST. ALDEQONOE
Bretã

1. WU . hel-mua van Nas - aou-we Ben ick vau


2. Myn achilt eo . de be - irov-wen Sijtghij.O

Jau a ji j j .n jji
Duyt- acben bloet, Den Va-der-lant ghe
Godt, mijo Heer I Op. U ao vul ick

trou-we Blijf ick tot in den doot Een


bou-ven, Verlaetmy nim - roer - meerl Dat

leia olugger

^msm'a rir m
prin-ce van O ran-jen Ben iok vrij on- ver-
tok doeb TTOom maoht blijven U die - naer tal - ler

Nog een ureinig vlugger


T- I J J:
veert ; Den Co van Hiv
stont, Die ty ran

Brteder

g=UJ I I J
pan-jen Heb iok ai . tijt ghe - —• eert
drij-ven, Die mij mija beit door .

r
anexo n
(vide nota 877)

LYSTE

Vande hoge etide lage Offieieren I mitsgaders de gemeene Soldaten deweleke t» Ba-
talie teghen* de Portugiesen aen den Bergh van de Guararapes (3 mijl van't Reeif)
doot tijn gebleven op den 19 Februarius. 16U9.

Van't Regiment vanden Hcor Co- J. Ginoaa. Lnytenanta.


lonel Brcnck Freder Borgers. J. Bousalere.
Adriaen Croser. Wild. Jaquea
Colonel Willem Aartaz. Jan Heyndericksz.
Vetive Planck. Pieter Bondren.
De Heer Brenck Lequire. Arent Hollaert
Van Loon, Capiteyn Lnytenant.
Lnytenant Colaacta Vandristu.
Matthijs Coentera. Vandrigha.
Bevinehnyae.
Dilieen. J. N. Hoendero. Vendrigh van Tomasue.
Rogier Glossier. Cornelis Goorn.
Major. Adam Heern. Wolf van Storasen.
Christoffel Cheringh. Heynderick SoufteTeyn.
Weaterfoort. Jan Vuchtere. Gerbrant Zas.
Jan Loran. La Bournje.
Captteyw. 19 Sergianten. 7 Sergianten.
Harckma. 1 Quartier Meester. 125 Gemeene Soldaten.
Scbolier. 248 Gemeene Soldaten. Vanden Heer Colonel Houltljn.
Adrlacn d'Mollot.
Koeck. Van den Heer Colonel van den Luytenant Colonel.
Cotter. Brande. Kloeck.
Palten. Major.
Swaesken. Lnytenant Colonel.
Bozel.
Barosken. Hautrive.
Van Capiteyna.
Major.
Wcea. Schrlck.
Lnytenanta. Lijseman.
Capltayni. Griffit.
Hans Gaara. Johan Mana.
Eyslenbergh. Van Reede. Vervoorn.
Niclaea Barnler. Nicolaes van Gondra.
AE. Jadegeerts. OnterkeL Loytenanta.
Herb'Hanningh. Capeller.
Benjamin Beveringh. Vander Mijl. Thomas ten Have.
Romija Romijnaz. Lifphart. Henderick Steenblat.
388 JOAN NIETJHOF

S Sergianten. 1M Gemeene Soldaten. Van Eck-


1 Chiruirijn. Van den Heer Colonel Keeweer. Plerre Honeondln.
163 Gemeene Soldaten. NeerkeateL
Van den Heer Colonel vau Elst.. Major. Eyeraehotel.
Cuper. 12 Sergianten.
Een Quartler-Ifeeater.
Capiterna. Capiteyna. 102 Gemeene Soldaten.
Van Berten. Havart.
Buckman. Lintlo. De gherangene xljn 95, daer oa-
Van Holat. Veraehoor. der den Luytenant Carpen-
Inaledel. Haequet. tier, Luytenant Cornelia Tas
Stockhem. Breroort. Anckeren, ende Capitern Mao-
riua. Capitern Hunninga yan
LarteaanU. Groeningen, heeft hem manne-
Reynier Vermeeren. liieken doorgealagen.
Van Voort. Moyse Gnerijn.
Willem MaxneL KoIaL Maaeqneert de Lijste raa de
Jochem Veater. Stuart Treyna-Peraonen, dia doodt gka-
Adrlaen Albrecht. Rudolf Coendera.
Van Heyde. bleven zijn, daer onder deae
Bfarten Beerens. notabele Peraonen ofte Ofíicie-
ren werden bevonden, deD
Vandrigha. Vandrigha Vlce-Admirael Matthija Gilliaea,
Lanrena Hansepit. Otto van Hovingh. Capi- tern Toelaat, Capitem
Bronckhorat. Nielaea van Piora. Cornelia KaU back, de Com-
Jan Boarion. Van Eyst. mandenr van de Artillerije
Van Oor. Jan Ollviera. Koeekman.
9 Sergianten. NleUea BUnekert.

In alies 151 Officieren, ende 892 Soldaten. De gequetste rijn vele. De Por-
tugiesen hebben desen aenval ende gevechtnyt een Embuscade gedaen.
MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE AO BRASIL 389

TRADUÇÃO DO TÍTULO:

Relação doe Oficiais, sub-oficiais e soldados rasos que caíram mortos a 19 de


fevereiro de 1649, na batalha contra os portugueses, no monte de Guararapes (a
três milhas do Recife).

TRADUÇÃO DO TEXTO:
Do Regimento do Senhor Coronel Branck; os postos militares são os seguintes:
Coronel, Tenente-Coronel, Major, Capitão, Tenente, Porta-Bandeira. (Vandrigh),
Sargento (Sergianten) , Intendente (Quartier Meetter), Soldados Rasos (Gemeene
Soldaten).
A tradução do texto que vai de : "De ghevangene zijn 95 ... " até "... aen vai
ende gevechtuyt een Embuscade gedaen." é a seguinte:
"Os prisioneiros são 95, entre os quais o Tenente Carpentier, o Tenente Cor
nelis van Anckeren, e o Capitão Hunninga van Groeningen, que se bateram cora
josamente".
Falta a Lista dos Artilheiros que morreram, entre os quais figuram essas no
táveis pessoas ou oficiais: o Vice-Almirante Matthijs Gillissz, o Capitão Toelast, o
Capitão Cornelis Kalback, o Comandante de Artilharia Koeckman.
Ao todo, 151 Oficiais e 892 Soldados. Os feridos são muitos. Os Portugue
ses terminaram êsse ataque e luta com uma Emboscada.
ÍNDICE

Introdução VII
Advertência ao Leitor XIX
As estampas de Nieuhof 346
Bibliografia das Notas 361
Critica Bibliográfica 861
Bibliografia de Nieuhof 870
Anexos 383
índice 391
*

TRABALHO COMPOSTO E IMPRESSO


NA
EMPRÊSA GRÁFICA DA "REVISTA DOS TRIBUNAIS" LTDA.
A
RUA CONDE DE SARZEDAS, 38 — SAO PAULO
PARA A
LIVRARIA MARTINS
EM
MAIO DE 1942
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