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A VERDADEIRA HISTÓRIA DE CANANÉIA

O Primeiro Povoado do Brasil

Autor: Ídolo de Carvalho, pesquisador.

Cananéia tem uma história rica e pouco divulgada e sua


importância nos remete a viagens pré-cabralinas.
O conhecimento do fato histórico é inversamente proporcional
ao tempo dele decorrido, isto é, quanto mais se recua no tempo,
menos se sabe e mais difícil se torna sua dedução e comprovação.
Nas últimas décadas, o trabalho dos modernos historiadores
luso-brasileiros trouxe à luz inúmeros detalhes de fatos históricos até
então pouco conhecidos ou de análise incompleta.
Foram criadas comissões bilaterais de estudiosos e realizadas
intensas pesquisas em todos os arquivos e bibliotecas do mundo,
inclusive no Vaticano. Documentos passaram a ser reavaliados
através de novas tecnologias, principalmente os cartográficos, diários
de navegação e cartas de marear, os dados foram cruzados nos
computadores com as posições astronômicas coevas. Os recursos e
os instrumentos de navegação conhecidos e existentes na época,
foram melhor avaliados e compreendidos.
Inúmeros trabalhos reveladores de fatos inéditos foram
publicados. O coroamento desse esforço foi comemorado no quinto
centenário da viagem de Cabral, culminando na efeméride “Brasil
500 Anos”, no ano 2000.
O insigne historiador cananeense Dr. Antonio Paulino de
Almeida, a partir de 1930, já na era moderna, nos revelou a
importância estratégica de Cananeia.
Ele deu a exata dimensão da grandeza e do valor deste torrão,
cujo brasão ostenta o lema Urbs Brasiliae Clara, ou seja, Cidade
Ilustre do Brasil, encravada na maior porção conservada da Mata
Atlântica, o Vale do Ribeira, formado pela Bacia Hidrográfica do Rio
Ribeira de Iguape.
Aproximadamente 70% da sua área está localizada na região
sudeste (litoral sul) do Estado de São Paulo e cerca de 30%, no leste
do Paraná, atingindo o total de 25.000 km², quase 10% de toda a
área do Estado de São Paulo. Tem como recurso hídrico maior, o rio
Ribeira, que nasce no estado do Paraná a uma altitude de mais de
1.000 m e tem 470 km de extensão total. É o maior aporte de água
doce da região estuarino-lagunar conhecida como lagamar.
Em razão da sua riqueza em microrganismos, a zona do
estuário é um dos grandes “berçários” do planeta. Várias espécies
comestíveis de peixes, crustáceos e moluscos passam no lagamar
pelo menos uma parte do seu ciclo de vida, pois aí se alimentam e se
reproduzem.
Foi aqui que começou uma das mais inflamadas e interessantes
controvérsias da nossa História: A saga do Bacharel, o primeiro
habitante branco conhecido do Brasil, que entrou para a História com
o cognome de Bacharel de Cananéia, encontrado nesta terra em
1531, por Martim Afonso de Sousa e definido como o mais
enigmático degredado por Eduardo Bueno, jornalista e pesquisador,
conforme seu livro “Náufragos, Traficantes e Degredados”, da
coleção “Terra Brasilis”.
Segundo se lê no livro “Cananeia – O Primeiro Povoado do
Brasil, A Verdadeira História”, do pesquisador Ídolo de Carvalho,
o início do povoado original deve ser atribuído ao desembarque desse
homem, um europeu de elevada cultura que se tornou conhecido
como o Bacharel de Cananeia.
Ele era português, foi degredado por Dom Manuel por motivos
políticos e trazido por Bartolomeu Dias da ilha de São Tomé, no Golfo
da Guiné, na África, onde era prisioneiro e servia como ouvidor. Foi
deixado na atual Ilha Comprida, antiga ilha Branca, no ano de 1499,
conforme documentos citados pelo historiador Dr. Jaime Cortesão no
livro “Os Descobrimentos Portugueses”, volumes I, II e III.
Esse homem se chamava Cosme Fernandes, era Bacharel e
Mestre, segundo o que se titulava na época na Universidade de
Salamanca, local provável de sua formação.
Localizada a 25° 00’ Sul de “ladeza”, isto é, latitude do Grande
Mar Oceano (oceano Atlântico) e demarcada segundo os cálculos
competentes de Dom Duarte Pacheco Pereira e do próprio Bartolomeu
Dias, Cananeia foi estabelecida como limite sul das terras
portuguesas no Brasil, antes mesmo do seu achamento, nos termos
do Tratado de Tordesilhas, de 1494.
Fazia-se, então, necessário marcar e manter esse ponto
consentido sem criar nenhum conflito com a Espanha, posto que se
tratava do reconhecimento e demarcação de uma terra ainda não
descoberta. Não poderia, portanto, ser um marco usual e visível de
pedra. Isso seria tarefa para um elemento de transição, um lançado,
ou seja, um colonizador português que, sem o auxílio de forças ou
tropas, pudesse se fixar no lugar, manter os costumes de sua terra e
servir de informante, isto é, um personagem limítrofe.
Somente um homem de engenho e valentia e, também,
letrado, saberia manter, diplomaticamente, a posse de um ponto que,
por certo, viria a ser disputado entre os dois reinos, e ainda com a
presença nem sempre pacífica do gentio. Com essa intenção foi o
bacharel deixado aqui em Cananeia em 1499.
A historiografia clássica registra versão diferente. O Bacharel
teria sido trazido pela expedição de 1501/1502, comandada por
Gonçalo Coelho, tendo como cartógrafo o florentino Américo
Vespúcio.
Ainda que possam existir dúvidas quanto à data exata da
chegada do Bacharel, é absolutamente certo que ele aqui estava em
1502.
Não se pode precisar quanto tempo demorou o início da
interpenetração cultural, social e de costumes entre o branco, recém
chegado, e o elemento autóctone. Tudo leva a crer que foi imediato,
posto que o Bacharel estava ali abandonado sozinho e, portanto, a
mercê dos cariós, sem outra alternativa senão a de aderir aos usos e
costumes de seusanfitriões, desde o primeiro bocado de alimento que
lhe deram.
Darci Ribeiro nos fala do velho costume indígena de incorporar
estranhos à sua comunidade, responsável pela formação do povo
brasileiro. Jaime Cortesão nos fala docunhadismo e da poligamia,
costume de entregar uma ou mais mulheres indígenas ao recém
chegado. Essas uniões resultavam em prole e estabeleciam
parentesco entre os membros da tribo.
Por outro lado, premido pela necessidade de comunicação e
pela facilidade de assimilação, o europeu foi absorvendo a língua, as
formas de saudação, gestos, maneiras de vestir, modos,
comportamentos e valores indígenas. A maior de todas as mudanças
se referiu aos hábitos de higiene, a América tropical ensinou ao
português o costume, no princípio considerado estranho e excêntrico,
do banho diário e das abluções, praticadas pelos índios.
Tendo impressionado positivamente, recebeu dos indígenas,
muito mais do que esperava, além de respeito e acolhida.
Contudo, o fator decisivo no sucesso dessa relação foi, sem
dúvida, a índole pacífica dos carijós, considerados o melhor gentio da
costa.
Sendo um homem preparado e já tendo vivido uma experiência
de sobrevivência em situação igualmente adversa na ilha de São
Tomé, é provável que o Bacharel tenha carregado consigo um baú
com sementes, apetrechos e ferramentas essenciais. Esta
probabilidade decorre da noção que se foi construindo ao longo do
tempo da colonização, de que o degredado teria mais chance de
sucesso se levasse consigo sementes e pudesse usar ferramentas
para realizar sua tarefa de povoador.
Esse foi o critério que levou D. Manuel, em 1516, a expedir um
alvará obrigando os feitores e oficiais da Casa da Índia a “...fornecer
sementes, enxadas, machados e toda as mais ferramentas a tais
pessoas que fossem povoar o Brasil”.
Muitos degredados, assim preparados, foram, lançados no
litoral brasileiro entre 1500 e 1532, sendo certo que a armada de
Martim Afonso de Sousa trouxe grande parte deles para testar as
possibilidades de implementação de uma produção agrícola lucrativa
para Portugal.
Mercê dessa interação que soube formatar e de mais alguns
náufragos e desertores europeus, que a ele vieram a se juntar
posteriormente, tornou-se, ao longo dos primeiros 30 anos do
descobrimento, grande senhor de terras e escravos. Estabeleceu um
verdadeiro entreposto para abastecer e reparar naus de todas as
bandeiras. Seus feitos extrapolaram de forma inimaginável o destino
cruel de um degredado, turgimão ou lançado qualquer.
A expedição de 1501/1502 objetivou o reconhecimento e
demarcação das novas terras. É inegável, portanto, que, com ou sem
a presença do Bacharel, o marco de pedra encontrado pelo Barão de
Capanema em 1866, na ponta do Itacuruçá, o marco histórico
deCananeia, foi lá colocado por Gonçalo Coelho.
Cananeia era habitada pelos guaranis das tribos carijós, carió
ou carichó. Eles jamais haviam visto uma nave tão grande que se
movia sobre a água, cheia de velas brancas, homens cobertos de
panos e pelos na cara, como os animais. Ficaram deslumbrados e se
referiam ao fato como mutupapaba, isto é, “coisa maravilhosa”.
Chamaram o marco deItacoatiara (ita = pedra e cuatiara = risco,
desenho, inscrição) ou Itacuruçá (ita = pedra ecuruçá = cruz).
De alguma forma o Bacharel conquistou a confiança dos
silvícolas, vindo a unir-se com a filha do cacique Ariró. Esse fato,
freqüente na época do descobrimento, resultava da associação pelos
nativos da figura do homem branco com os deuses ou chamãs. Eram
oscaraíbas, mencionado pelo padre José de Anchieta: “Caraíba quer
dizer coisa santa ou sobrenatural e, por esta causa puseram esse
nome nos portugueses, logo que vieram, considerando-os uma coisa
grande, do outro mundo, por terem vindo de tão longe sobre as
águas”.
Em 15 de janeiro de 1528, Diego Garcia, passando
por Cananéia, relata ter encontrado aquele a quem denomina: “um
Bacharel, que ali vive com seus genros há muito tempo, há bem 30
anos”.
A SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados define povoado como“lugar ou sítio no qual já se formou uma
pequena população ou um pequeno núcleo de habitantes”. Outros
autores, como o filósofo Aristóteles e os dicionários da língua
portuguesa, também definem povoado da mesma forma.
O primeiro povoado do Brasil surgiu de forma muito
espontânea. O elemento civilizado, uma vez introduzido no território,
prontamente se miscigenou com o elemento autóctone. Caso claro,
comprovado e documentado de Mestre Cosme Fernandes,
o Bacharel de Cananeia.
Filosoficamente, a partir daí, estava criado o primeiro povoado
do Brasil.
Embora presuma-se que outros degredados tenham sido
introduzidos em outros pontos, na mesma época, não há
comprovação que nenhum deles tenha feito história.
Desde a sua chegada a Cananeia o Bacharel deu guarida a
europeus de várias procedências, inclusive casando suas filhas com
alguns deles. Fez genros e alianças com os nativos, expandindo seus
domínios para muito além de Cananéia. Percorreu grandes distâncias
a pé e de barco pelo litoral e fundou outros povoados.
Começou a navegar pela costa, de forma cada vez mais
audaciosa, ampliando seus horizontes e limites, de Santos, SP, até
Laguna, SC.
Descrito por Eduardo Bueno, na pág. 157, do
livro “Náufragos, Traficantes e Degredados”, o Bacharel tornou-
se “uma espécie de rei branco vivendo entre os índios; que tinha pelo
menos seis mulheres, mais de 200 escravos e mais de mil guerreiros
dispostos a lutar por ele; que era temido e respeitado por todas as
tribos costeiras desde São Paulo até Laguna e que não havia quem
ousasse desafiar o seu poder ...”.
Este foi o quadro que em 1531 a expedição colonizadora de
Martin Afonso de Souza encontrou na comunidade de Maratayama,
como era chamada a antiga Cananeia, segundo consta no Diário de
Navegação da Armada de Pêro Lopes, irmão de Martin
Afonso. Segundo os tupinólogos, maratayama significa lugar onde a
terra encontra o mar ou terra do mar, detãma ou yãma = terra, pátria
e mara = mar, conforme o “Vocabulário Tupi-Português”, de Jorge
Hurley. Nome gravado na tradição oral, enraizado até hoje na cultura
do povo pela sempre presença guarani, basta perguntar para qualquer
caiçara onde é maratayama.
Tais provas indiscutivelmente colocam Cananeia como o
primeiro povoado surgido no Brasil, quiçá antes mesmo de sua
descoberta oficial.
A constatação disso está gravada pelos portugueses no
mármore do monumento existente em Lisboa, Portugal, chamado de
Padrão dos Descobrimentos, perto da Torre de Belém. Lá existe uma
rosa-dos-ventos contendo no centro um mapa-múndi, conforme
normas cartográficas da época. O contorno da costa do Brasil assinala
datas e pontos: 1500 – Porto Seguro, 1502 – Cananea e 1514 – Rio
da Prata.
A partir de 1502, Cananeia torna-se ponto de passagem de
armadas, expedições, piratas e corsários que transitavam até o Rio da
Prata, no Cone Sul, em busca dos tesouros existentes nos domínios do
rei branco, o El Dorado e da fantástica Potosi, montanha feita
inteiramente de prata, segundo as notícias que corriam na Europa.
A essa fascinação em busca do tesouro dos incas no Peru, deu-
se o nome de “feitiço do Peru”.
Contribuíam para isso a geografia em forma de abrigo natural
para os navegadores, sendo a ilha do Bom Abrigo o melhor exemplo,
bem como as exuberantes dádivas da natureza do lagamar, a água
doce, pesca, caça, frutas, lenha, animais de adorno, mulheres e língua
da terra, sempre sob a presença e liderança do misterioso Bacharel
de Cananeia, Cosme Fernandes que sabia negociar os produtos da
terra, o pau-brasil, informações e escravos.
A maior de todas as armadas que passaram por Cananeia, foi a
de Martim Afonso de Sousa. Era composta por duas naus, duas
caravelas e um galeão, tripulados por 400 homens que zarparam de
Portugal em 03 de dezembro de 1530. Depois de um longo périplo
pelas costas do Brasil e muitas escaramuças com corsários franceses,
Martim Afonso chega pela primeira vez a Cananeia em 12 de agosto
de 1531.
Aqui conhece o Bacharel e Francisco de Chavez, de quem ouve
relatos entusiasmados sobre as riquezas do Peru e que promete, caso
lhe fossem dadas condições para uma viagem por terra, via Peabiru,
“... voltaria com 400 escravos carregados de ouro e prata em 10
meses”. Confiante, ele indicou o próprio Chavez para guia e seu
capitão Pero Lobo Pinheiro para comandante.
Em 01 de setembro de 1531 a expedição partiu com 80 homens
brancos, sendo 40 besteiros e 40 espingardeiros, mais um grupo de
guerreiros índios. Jamais voltaram, foram todos mortos pelos
indígenas no rio Iguaçu, no Paraná. Assim terminou a primeira
bandeira organizada pelos portugueses no Brasil.
A missão de Martim Afonso também veio comprometida pelo
“feitiço do Peru”. Depois de ter permanecido em Cananeia, entre 12
de agosto até 26 de setembro de 1531, zarpou para o Rio da Prata em
busca do caminho para a riqueza. Nessa aventura perdeu homens,
navios e até naufragou. Por sorte, conseguiu retornar a Cananeia em
08 de janeiro de 1532, para consertar suas embarcações e se
recompor. Tendo zarpado após alguns dias, viajou por mais 4 até
chegar em São Vicente no dia 22 de janeiro de 1532.
O chamado “feitiço do Peru” paralisou toda a colonização
portuguesa e espanhola na“costa do ouro e da prata”, como era
chamada a costa sul que vai de Cananéia até o rio da Prata.
Enquanto isso, o Bacharel fazia História. Dando guarida a
europeus de várias procedências, principalmente espanhóis, e fazendo
alianças com os nativos, seus domínios se expandiram para muito
além de Cananeia, chegando até São Vicente, para onde se mudou.
Pouco antes de partir de volta a Portugal, Martim Afonso toma
conhecimento do infortúnio que se abateu sobre a expedição de Pero
Lobo. Intrigantes levaram Martim Afonso a acreditar que o massacre
tivesse sido planejado pelo Bacharel e pelos desertores castelhanos
que viviam em seus domínios.
Pesou sobre o Bacharel ainda a suspeita de que ele, na
verdade, não prestava obediência à Coroa portuguesa e negociava
livremente entre São Vicente e Cananéia por puro interesse
pecuniário. Dessa forma, Martim Afonso determinou que ele voltasse
ao seu lugar de degredo original, isto é, Cananeia.
Temeroso pela sua segurança e de toda a sua família, em seu
retorno ele vai para Iguape, onde se homizia com seu amigo espanhol
Ruy Garcia Moschera. Dá-lhe, então, ciência que Martim Afonso
estava prestes a enviar uma expedição, chefiada por Pero de Góis,
para obrigá-lo a prestar obediência ao rei de Portugal e desocupar em
30 dias as terras que, conforme o Tratado de Tordesilhas, não
pertenciam a Castela e foram usurpadas, sob pena de morte e
perdimento de bens.
Os desentendimentos territoriais entre portugueses e
castelhanos resultam numa disputa feroz pelo território. Ruy Moschera
aliado ao Bacharel, outros europeus descontentes e 150 índios
flecheiros, tomam um navio francês que se abastecia emCananeia,
apresam sua artilharia, constroem uma trincheira e organizam a
resistência em frente a barra de Icapara, local primitivo da fundação
de Iguape.
Feroz luta foi travada e cerca de 80 portugueses foram
dizimados e Pero de Góis foi ferido por um tiro de arcabuz. De posse
de mais uma nau, Moschera ataca São Vicente. Mediante ardil, tendo
o navio de Pero de Góis à frente, se fazem passar pela tropa
portuguesa de retorno e desferem violento ataque, invadindo,
saqueando e incendiando a Vila de São Vicente, fundada dois anos
antes por Martim Afonso.
A “Guerra de Iguape” foi o primeiro conflito armado entre
europeus e travado em solo americano. O episódio continua
virtualmente ignorado pela maioria dos estudiosos. Ruy Moschera
fugiu para Porto dos Patos e, depois, aventurou-se pelo Rio da Prata.
O Bacharelfoi provavelmente morto pelos próprios carijós em 1537.
Martim Afonso de Sousa, decepcionado por não ter conseguido
sucesso nas suas aventuras pela América, voltou para Portugal em
maio de 1533 e jamais retornou ao Brasil, mesmo tendo sido
aquinhoado com duas Capitanias Hereditárias, das quais sequer
tomou posse.
Em 1577 é construída a igreja de São João Batista
de Cananeia e inicia-se a transferência do povoado de Maratayama
da ilha Branca para a ilha de Cananeia, concluída no ano seguinte no
qual o povoado foi elevado à condição de vila, passando,
posteriormente, em 1587, a ser município.
A ilha Branca, hoje chamada de Ilha Comprida, foi parte do
município de Cananeiaaté se tornar politicamente independente em
05 de março de 1992.
O fracasso na busca da riqueza dos incas levou a coroa
portuguesa a adotar a colonização do Brasil como forma de manter a
soberania sobre a terra recém descoberta, porém, sem grandes
investimentos. A solução escolhida foi dividi-la em lotes: as Capitanias
Hereditárias; doadas a burocratas, militares veteranos nas guerras do
Oriente e ricos proprietários de terras, como Pêro de Campo Tourinho,
todos próximos ao trono.
A idéia não vingou, porém a capitania de São Vicente esteve
entre as poucas que obtiveram algum êxito, graças principalmente a
lavoura de cana. Cananeia pertencia a essa capitania.
Assim, no século XVII, se descortina a primeira vocação firme
de Cananeia: a agricultura, onde a mandioca, o arroz e a cana de
açúcar eram os principais produtos. Em seguida e por conseqüência,
instalações para beneficiamento do arroz, os engenhos de cana de
açúcar, as fábricas de farinha, as serrarias, os fornos de cerâmica e os
estaleiros navais. Surgiram grandes frotas para transportes, muitos
tinham seus próprios barcos e a carpintaria naval prosperava mercê
da madeira abundante na região.
Em 1711, foi construída uma armação para a pesca de baleias
na Ilha do Bom Abrigo e beneficiamento de seus derivados, entre
outros o óleo para a iluminação e aditivo na construção civil, pois que,
acrescentado à cal obtida pela trituração das cascas de moluscos,
resultava numa excelente argamassa.
Em 1747 são queimados, por uma desventurada ordem do
ouvidor geral Dr. Antônio Pires da Silva e Mello Porto Carreiro, os
livros e arquivos do Cartório, perdendo-se, assim, grande parte da
documentação sobre a Vila e talvez a última esperança de se conhecer
mais sobre o Bacharel.
Conforme o Livro de Tombo (da Prefeitura) em
1734, Cananeia era habitada pelos mais opulentos lavradores, cujas
fábricas de farinha de mandioca, produziam e transportavam o
produto em seus próprios navios, suprindo toda a cidade do Rio de
Janeiro e a Colônia até setembro de 1787.
Nessa data, por ordem do capitão-general Bernardo José de
Lorena, foi baixado um terrível édito pelo qual todas as embarcações
que zarpassem dos portos do litoral, ficavam obrigadas a escalar em
Santos. A ordem visava: arrecadar impostos, abastecer a Capital e
tirar Santos do seu isolamento e dependência material e econômica da
Capital.
A liberdade do comércio marítimo entre as várias praças,
principalmente a do Rio de Janeiro, deixou de existir e as
embarcações sumiram como por encanto. Sem o amparo do comércio
livre, as grandes fazendas foram sendo abandonadas, os canaviais
incendiados, os engenhos desarmados e a decadência instalada.
A miséria invadiu muitos lares. A pobreza da população chegou
a tal ponto que muita gente, não podendo comprar sal, cozinhava com
água do mar. Os estaleiros fecharam e grande parte da população
mudou-se para Iguape e Paranaguá ou se embrenhou pelos sertões
em busca de minérios, principalmente ouro, cuja ocorrência já era
registrada desde o fim do século XVI.
Juntamente com algumas outras cidades, Cananeia chegou a
ser considerada “uma das cidades mortas do litoral paulista”,
conforme: “A Decadência do Litoral Paulista”, de Antonio Paulino
de Almeida, Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
Esse foi o período mais difícil da História do município e
perdurou até a chegada da família real ao Brasil, em 1808, quando os
portos e o comércio entre eles foram novamente tornados livres.
Cananeia foi gradativamente, com muito esforço e denodo de
sua gente, retomando seus destinos.
A atividade principal torna-se a pesca. Foi a pesca e um pouco
de agricultura de subsistência que mantiveram viva a comunidade e o
sustento das famílias até então economicamente arruinadas.
Assim, crescendo em torno da pesca, por volta de
1872, Cananeia já contava com 16 estaleiros e mais de 200
embarcações construídas, tendo contribuído para isso a necessidade
de se transportar tropas e mantimentos para a consolidação das
fronteiras no sul.
Em 1889, é construído um cais de pedra para a movimentação
do pescado.
Em 1892, São João Batista de Cananeia é elevada a categoria
de cidade e, em 1905, passa a se chamar somente Cananeia.
Nesse período a pesca transforma-se na principal fonte de
renda da cidade, chegando a ser registrado, em 1920, a exportação
de 25 toneladas entre pescado, camarões, ostras e mariscos.
À partir de 1930, a vocação pesqueira se consolida e em
1936/7 é construído o Entreposto de Pesca.
Cananéia tinha um porto ativo até a 1960. Era freqüentado por
navios de aço, vapores que entravam e saiam livremente da barra,
cargueiros e mistos, que navegavam entre o Rio de Janeiro, Santos,
Iguape, Cananeia e Paranaguá, levando cargas e passageiros.
Embarcações como “Maria Luiza” e “Maria Celeste”, de mais de
60 m de comprimento, que carregavam 1.200 toneladas, eram
contratadas pela Cia. Serrana de Mineração para retirar minério do
terminal de Porto Cubatão e levar para o porto de Santos. Entretanto,
o transporte marítimo de minério, de custo mais alto, perdeu espaço
para o transporte rodoviário, de custo mais baixo, com a
inauguração, no começo de 1961, da BR 116, rodovia Régis
Bittencourt, além disso, houve forte assoreamento da barra
deCananeia, impedindo a passagem de barcos de maior calado.
Assim, depois dessa data, nenhuma outra embarcação desse porte
entrou no porto.
Ao se falar sobre a História de Cananeia, há que se mencionar
que na década de 40, a cidade tinha campo de pouso, localizado onde
hoje se encontra o bairro Retiro das Caravelas, tendo sido servida por
linhas aéreas regulares: a REAL – Transportes Aéreos, a Aerovias
BRASIL e a VASP – Viação Aérea São Paulo. Além disso, a
Marinha do Brasil operava o CAN – Correio Aéreo Nacional,
transportando malotes de correspondência aérea 3 vezes por
semana, em hidro-avião.

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