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Revista do

Instituto
Arqueológico,
Histórico e
Geográfico
Pernambucano
REVISTA DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PERNAMBUCANO - IAHGP
Número 72. recife, 2019. iSSN 0103-1945
CAPA: maNuel de oliveira lima com fardão de miNiStro PleNiPoteNciário do
BraSil juNto ao goverNo da veNezuela, 1907. acervo iaHgP.
EDITORES
BruNo romero ferreira miraNda (ufrPe/iaHgP)
george f. caBral de Souza (ufPe/cNPq/iaHgP)
REVISÃO
carloS alBerto aSfora (iaHgP)
CONSELHO EDITORIAL
aNtôNio jorge de Siqueira (ufPe/iaHgP)
BruNo auguSto dorNelaS câmara (uPe/iaHgP)
erNSt vaN deN Boogaart (iaHgP)
joSé luiz mota meNezeS (iaHgP)
marcuS joaquim maciel de carvalHo (ufPe/iaHgP)
oNéSimo jerôNimo SaNtoS (iaHgP)
YoNY de Sá Barreto SamPaio (ufPe/iaHgP)
CONSELHO CONSULTIVO
acácio catariNo (ufPB)
aNa lúcia do NaScimeNto oliveira (ufrPe)
aNtôNio Paulo rezeNde (ufPe)
BrodwYN fiScHer (uNiverSidade de cHigago)
carla marY da Silva oliveira (ufPB)
celSo de caStro (cPdoc/fgv)
daNiel de Souza leão vieira (ufPe)
giSelda Brito Silva (ufrPe)
joSé maNuel SaNtoS (uNiverSidade de SalamaNca - eSPaNHa)
maria âNgela de faria grillo (ufrPe)
mariaNa de camPoS fraNçozo (uNiverSidade de leideN - PaíSeS BaixoS)
rômulo luiz xavier do NaScimeNto (ufPe/iaHgP)
Scott joSePH alleN (ufPe)
SeveriNo viceNte da Silva (ufPe)
SuelY creuSa cordeiro de almeida (ufrPe)
welliNgtoN BarBoSa da Silva (ufrPe)

Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP


Fundado em 1862

 rua do HoSPício, 130, Boa viSta, recife-Pe, BraSil. ceP 50.080-060


 55 81 3222-4952
@ arqueologico@iahgp.org
Revista do
Instituto
Arqueológico,
Histórico e
Geográfico
Pernambucano

Número 72
Recife, 2019
DIRETORIA DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PER-
NAMBUCANO – IAHGP PARA O TRIÊNIO 2019-2021

PRESIDENTE: SILVIO TAVARES DE AMORIM


1º VICE-PRESIDENTE: MARGARIDA DE OLIVEIRA CANTARELLI
2º VICE-PRESIDENTE: MARIA DE BETÂNIA CORRÊA DE ARAÚJO
3º VICE-PRESIDENTE: LUÍS JORGE LIRA NETO
1º SECRETÁRIO: REINALDO JOSÉ CARNEIRO LEÃO
2º SECRETÁRIO: DIRCEU SALVIANO MARQUES MARROQUIM
1º TESOUREIRO: ALBERTO NEVES SALAZAR
2º TESOUREIRO: MAURÍCIO BARRETO PEDROSA FILHO
DIRETORIA DE PATRIMÔNIO: FERNANDO ANTÔNIO GUERRA DE SOUZA

COMISSÃO DE ADMISSÃO DE ASSOCIADOS:


FERNANDA IVO NEVES
MARGARIDA DE OLIVEIRA CANTARELLI
NILZARDO CARNEIRO LEÃO

COMISSÃO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA:


CARLOS BEZERRA CAVALCANTI
MARCUS JOAQUIM MACIEL DE CARVALHO
JOSÉ LUIZ MOTA MENEZES

COMISSÃO DE ARQUEOLOGIA E ETNOGRAFIA:


JOÃO MENDONÇA DE AMORIM FILHO
JACQUES ALBERTO RIBEMBOIM
ANTÔNIO JORGE SIQUEIRA

COMISSÃO DE GENEALOGIA E HERÁLDICA:


RAFAEL HENRIQUES PIMENTEL DE PAULA
REINALDO CARNEIRO LEÃO
YONY DE SÁ BARRETTO SAMPAIO

COMISSÃO DE DIVULGAÇÃO E INFORMÁTICA


BRUNO ROMERO FERREIRA MIRANDA
FRANCISCO SALES DE ALBUQUERQUE
MARCELO CASSEB CONTINENTINO
CONSELHO FISCAL:
GEORGE EMÍLIO BASTOS GONÇALVES
JOSÉ LUIZ MOTA MENEZES
LUIZ DE GONZAGA BRAGA BARRETO

SUPLENTES:
ALÍPIO FERNANDES DURANS DA SILVA
HARLAN DE ALBUQUERQUE GADELHA FILHO
JACQUES ALBERTO RIBEMBOIM

ASSESSORIA ESPECIAL
ROBERTO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

ASSESSORIA JURÍDICA E INTERNACIONAL


ISNARD PENHA BRASIL JÚNIOR
RAMIRES COTIAS TEIXEIRA
ASSOCIADOS EFETIVOS ATIVOS E BENEMÉRITOS DO IAHGP EM 2019

EFETIVOS ATIVOS MARGOT DE QUEIROZ MONTEIRO


ALBERTO NEVES SALAZAR MARIA CRISTINA C. DE ALBUQUERQUE
ALEXANDRE FURTADO DE A. CORREA MARIA DIGNA PESSOA DE QUEIROZ
ALÍPIO FERNANDES DURANS DA SILVA MARIETA BORGES LINS E SILVA
ALUÍSIO JOSÉ DE VASCONCELOS XAVIER MAURÍCIO BARRETO PEDROSA FILHO
ANTÔNIO JORGE SIQUEIRA NILSE FONTES DE SOUZA
BRUNO AUGUSTO DORNELAS CÂMARA PAULO FREDERICO LOBO MARANHÃO
BRUNO ROMERO FERREIRA MIRANDA RAFAEL HENRIQUES PIMENTEL DE PAULA
CARLOS A. BARRETO CAMPELO DE MELO RITA DE CÁSSIA ARAÚJO
CARLOS ALBERTO LOPES ASFORA ROBERTO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
CARLOS BEZERRA CAVALCANTI ROBERTO MAURO CORTEZ MOTTA
CARMEN CARDOSO ROBIN DE ROOY
CIEMA SILVA DE MELLO RÔMULO LUÍS XAVIER DO NASCIMENTO
DIRCEU SALVIANO MARQUES MARROQUIM ROQUE DE BRITO ALVES
DIVA GONSALVES DE MELLO SÍLVIO TAVARES DE AMORIM
FERNANDO GUERRA DE SOUZA TÁCITO AUGUSTO DE MEDEIROS
FRANCISCO BONATO PEREIRA DA SILVA VALÉRIA AGRA DE OLIVEIRA
FRANCISCO CARNEIRO DA CUNHA
FRANCISCO SALES DE ALBUQUERQUE
GEORGE EMÍLIO BASTOS GONÇALVES
GEORGE FÉLIX CABRAL DE SOUZA BENEMÉRITOS
GILDA MARIA WHITAKER VERRI ANA MARIA PENHA BRASIL
HARLAN DE ALBUQUERQUE GADELHA FILHO FERNANDA IVO NEVES
JACQUES ALBERTO RIBEMBOIM FRANCISCO TADEU BARBOSA ALENCAR
JOÃO MENDONÇA DE AMORIM FILHO GUSTAVO KRAUSE GONÇALVES SOBRINHO
JOSÉ RAIMUNDO DE OLIVEIRA VERGOLINO ISNARD PENHA BRASIL JÚNIOR
LIMÉRIO MOREIRA DA ROCHA JOSÉ LUIZ MOTA MENEZES
LUÍS JORGE LIRA NETO MARCO ANTÔNIO DE OLIVEIRA MACIEL
LUIZ CLÁUDIO AGUIAR MARCOS VINÍCIUS VILAÇA
LUIZ DE GONZAGA BRAGA BARRETO NILZARDO CARNEIRO LEÃO
MARCELO CASSEB CONTINENTINO REINALDO JOSÉ CARNEIRO LEÃO
MARCUS JOAQUIM MACIEL DE CARVALHO TÁCITO LUIZ CORDEIRO GALVÃO
MARGARIDA DE OLIVEIRA CANTARELLI TANEY QUEIROZ E FARIAS
MARIA DE BETÂNIA CORREIA DE ARAÚJO YONY DE SÁ BARRETO SAMPAIO
Sumário

NOTA DOS EDITORES .........................................................................9

ARTIGOS

A QUEM SERVIAM AS ALDEIAS COLONIAIS? MISSÕES E OCUPA-


ÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA (PERNAMBUCO SÉCS. XVI-XVIII)
Mariana Albuquerque Dantas ..........................................................11

HOMENS DO MAR: O COTIDIANO DAS TRIPULAÇÕES NAS EM-


BARCAÇÕES DA COMPANHIA DAS ÍNDIAS OCIDENTAIS NO BRA-
SIL HOLANDÊS, 1630 – 1644
Manuel Silvestre da Silva Júnior ........................................................41

O ESCOLTETO NA ADMINISTRAÇÃO NASSOVIANA: OS CASOS DE


JOHAN LISTRY, JAN BLAER E PAUL ANTONIO DAEMS
Thiago Soares de Macedo Silva....................................................... 75

CARACTERIZAÇÃO DA ARGAMASSA DAS PAREDES DA IGREJA DE


NOSSA SENHORA DAS NEVES DO CONVENTO FRANCISCANO DE
OLINDA
Fernando Antônio Guerra de Souza .................................................93

REVIVALISMO E A ARQUITETURA NEOCOLONIAL DO RECIFE


Rodrigo Cantarelli........................................................................ 139

USINA BELTRÃO / FÁBRICA TACARUNA: RESGATE HISTÓRICO


Limério Moreira da Rocha............................................................ 163

ENSAIOS

REMINISCÊNCIAS DE UM LEGADO: 70 ANOS DE MORTE DE


OTHON LYNCH BEZERRA DE MELLO
Juliana Cunha Barreto ................................................................ 185
SANTOS DUMMONT NO RECIFE
Luiz de Gonzaga Braga Barreto .................................................. 191

DISCURSOS

DISCURSO PROFERIDO NA SESSÃO MAGNA COMEMORATIVA DOS


108 ANOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Margarida de Oliveira Cantarelli ................................................ 201

DISCURSO DE POSSE COMO ASSOCIADO CORRESPONDENTE


Josemir Camilo de Melo ................................................................ 207

DISCURSO PROFERIDO NO IHGES POR OCASIÃO DO ENCERRA-


MENTO DAS COMEMORAÇÕES DO BICENTENÁRIO DA REVOLU-
ÇÃO REPUBLICANA DE 1817
João Mendonça de Amorim Filho ................................................. 217

DISCURSO PRONUNCIADO NA SESSÃO MAGNA DO INSTITUTO


ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PERNAMBUCANO,
EM 28 DE JANEIRO DE 2019
Ricardo Leitão .............................................................................. 223

DISCURSO PROFERIDO NA SESSÃO MAGNA DO IAHGP DE 2019


George F. Cabral de Souza ........................................................... 229

DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA DO BRASIL

AS “NOTAS HISTÓRICAS E CURIOSAS” DE SALVADOR HENRIQUE


DE ALBUQUERQUE (3ª PARTE)
Tácito Luiz Cordeiro Galvão ........................................................ 233

POLÍTICA EDITORIAL E NORMAS GERAIS PARA A APRESENTA-


ÇÃO DE TEXTOS ....................................................................... 349
Nota doS editoreS

Um dos principais compromissos do Instituto Arqueológico, His-


tórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP, desde as suas origens, é
levar a cabo esforços para a divulgação das pesquisas sobre a história
e a cultura de Pernambuco. Esse objetivo continua guiando todas
as ações realizadas por este mais que sesquicentenário sodalício. A
Revista que o leitor tem em mãos nasceu com o Arqueológico no
século XIX. Seu primeiro número viu a luz em 1863. Desde então,
colaboradores e editores trabalharam para manter vivo o periódico
que é um marco incontornável da produção historiográfica brasileira.
Períodos de grandes dificuldades resultaram em longas pausas na
publicação da Revista, mas, ela jamais deixou de circular, sendo por
isso, um dos mais antigos periódicos de história em funcionamento
no mundo. É com muita alegria que chegamos ao ano 157 de existên-
cia do Arqueológico e que podemos anunciar a publicação de mais
um número da Revista.
O presente número da Revista do IAHGP traz um conjunto de ar-
tigos que se inicia pelo de Mariana Albuquerque Dantas sobre as al-
deias coloniais em Pernambuco entre os séculos XVI e XVIII. Em se-
guida somos levados por Manuel Silvestre da Silva Júnior para dentro
do cotidiano das embarcações holandesas entre 1630 e 1644. Thiago
Soares de Macedo Silva nos apresenta três estudos de caso sobre
a atuação dos escoltetos na época da administração nassoviana do
Brasil holandês. Os resultados das pesquisas sobre a construção da
estrutura do Convento Franciscano de Olinda são apresentados por
Fernando Antônio Guerra de Souza. Passando ao século XX de nossa
história, Rodrigo Cantarelli discute aspectos da arquitetura neocolo-
nial no Recife e Limério Moreira da Rocha nos apresenta a história da
Usina Beltrão/Fábrica Tacaruna.
Contamos ainda com dois ensaios. Juliana Cunha Barreto assinala
a passagem dos 70 anos da morte do industrial e mecenas pernamb-
cano Othon Lynch Bezerra de Mello. Luiz Barreto nos transporta
10

à movimentada passagem de Santos Dumont pelo Recife em 1903.


Reunimos neste número cinco discursos: o de Margarida de Oliveira
Cantarelli na solenidade comemorativa dos 108 anos da Universidade
do Porto; o de Josemir Camilo de Melo em sua posse como associado
correspondente do IAHGP; o de João Mendonça de Amorim Filho
no encerramento das comemorações do Bicentenário da Revolução
Pernambucana de 1817 no Insituto Histórico e Geográfico do Espí-
rito Santo; a oração escrita por Ricardo Leitão para a Sessão Magna
do IAHGP de 2019; e o discurso do Presidente George F. Cabral de
Souza proferido na mesma solenidade.
Encerrando o presente número, trazemos a terceira parte dos có-
dices intitulados Notas Históricas e curiosas referentes aos séculos 16º,
17º e 18º..., com índices onomástico e de assuntos organizados por
Tácito Luiz Cordeiro Galvão. Trata-se de um conjunto de cópias de
assentos eclesiásticos e cartoriais feito no século XIX e que é de suma
importância para a pesquisa histórica em Pernambuco, haja visto que
muitos dos originais desapareceram das igrejas e cartórios onde es-
tavam depositados.
A publicação desse número não seria possível sem a colaboração
dos associados do IAHGP e de pesquisadores de diversas institui-
ções que gentilmente submeteram seus trabalhos aos pareceristas do
nosso periódico. Desde já, registramos nossos mais sinceros agrade-
cimentos aos autores e ao confrade Carlos Alberto Asfora pela cuida-
dosa revisão dos textos. A circulação de um periódico não-comercial
como é o nosso depende, obviamente, de apoio material. Esta nova
fase da Revista do IAHGP jamais ocorreria não fosse o apoio incon-
dicional e constante da Companhia Editora de Pernambuco - Cepe.
Devemos um pleito de gratidão aos quadros dirigentes da Cepe que
nunca hesitaram em fazer valer o dispositivo constitucional estadual
que delega à imprensa oficial de Pernambuco o dever de produzir
a Revista do IAHGP. Agradecemos ainda aos quadros técnicos que
realizam de forma primorosa a confecção deste periódico.

Recife, dezembro de 2019.

Os Editores.
a quem Serviam aS aldeiaS coloNiaiS?
miSSõeS e ocuPação da américa PortugueSa
(PerNamBuco, Séc. xvi-xviii)

Mariana Albuquerque Dantas1

Resumo

Este artigo tem o objetivo de demonstrar a importância das aldeias


missionárias para a formação da sociedade colonial na América por-
tuguesa, tomando como casos para análise as aldeias do Una, de
Jacuípe e do Ararobá no século XVII, localizadas na capitania de
Pernambuco. O processo de formação dessas aldeias foi delineado a
partir dos interesses da Coroa portuguesa em associação com a Igreja
Católica. No entanto, as populações indígenas reunidas nessas novas
unidades territoriais se apropriaram dos novos espaços, reformulando
suas identidades coletivas e participando efetivamente da formação
da sociedade colonial.

Palavras-chave: aldeias; identidades étnicas; territorialização.

To whom did the colonial villages serve? Missions and occupation of Portuguese
America (Pernambuco, 16th-18th century)
Abstract

This article aims to demonstrate the importance of missionary villages


(aldeias) for the formation of colonial society in Portuguese America,
taking as cases for analysis the villages of Una, Jacuípe and Ararobá
in the 17th century, located in the captaincy of Pernambuco. The
formation process of these villages was based on the interests of the
Portuguese Crown in association with the Catholic Church. However,

1 Doutora em História, professora do Departamento de História da Universidade


Federal Rural de Pernambuco.
12 Mariana Albuquerque Dantas

the indigenous populations gathered in these new territorial units


appropriated the new spaces, reformulating their collective identities
and effectively participating in the formation of colonial society.

Keywords: colonial villages (aldeias); ethnic identities; territorializa-


tion.

As aldeias missionárias coloniais desempenharam importantes


funções desde a conquista da América até a consolidação do domínio
ibérico e a consequente implantação de um regime administrativo.
Maria Regina Celestino de Almeida demonstra o quadro complexo
de interesses e expectativas de diferentes sujeitos históricos em torno
dessas novas unidades territoriais, constituídas em contexto colonial
(ALMEIDA, 2003). Retomando no título a pergunta feita pela autora,
o objetivo deste artigo é apontar caminhos para repensar a narrativa
da ocupação da América portuguesa, recolocando aldeias missioná-
rias ao lado de sesmarias, engenhos de açúcar e fazendas de gado,
como elementos imprescindíveis à política portuguesa de domínio
do território. E, assim, demonstrar a centralidade da atuação das po-
pulações indígenas na formação da sociedade colonial. Como campo
de análise, iremos abordar a formação de três aldeias situadas na ca-
pitania de Pernambuco, Una, Jacuípe e Ararobá, e a importância das
populações ali reunidas nos processos de conquista e na constituição
de novas unidades de administração e de vivências coloniais.
Enquanto alternativa de sobrevivência diante do contexto colonial
de violências, as aldeias passaram a ser o espaço onde os indígenas
se adaptavam às novas condições, vivenciando um profundo e inten-
so processo de reorganização social e transformação identitária. Num
primeiro momento, a atuação de missionários de ordens religiosas se
centrou na transformação dos ritos, costumes, vida política e econômi-
ca dos indígenas, ainda que não previssem a sua assimilação completa
à sociedade colonial. Essa situação mudou com a política pombalina
na segunda metade do século XVIII devido à proposta assimilacionista
do novo governo português em pôr fim às diferenças entre os índios e
os demais súditos do rei. Outras mudanças nos territórios e na concep-
ção das aldeias, bem como nas identidades e culturas indígenas foram
impostas (ALMEIDA, 1997; LOPES, 2005; MAIA, 2010).

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A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
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Contudo, os grupos indígenas que passaram por tais mudanças


não as vivenciaram em função apenas dos interesses e das necessi-
dades da Coroa lusa e da Igreja Católica. Ainda que ocupassem um
lugar desprivilegiado na sociedade colonial, conseguiram se apro-
priar das legislações e dos termos da administração portuguesa que
lhes conferiam obrigações, mas também concediam direitos, sendo o
principal destes o acesso coletivo às terras das aldeias. Como sujeitos
históricos desses processos, os índios aldeados reelaboraram suas
identidades e culturas, chegando ao século XIX ainda defendendo
o seu direito sobre as terras dos aldeamentos (ALMEIDA, 2003: 257-
261). Dessa forma, as identidades de grupos indígenas têm estreita
conexão com os territórios concedidos pelo monarca português no
período colonial, sendo esses espaços coletivos a sua principal re-
ferência depois dos profundos processos de mistura vivenciados. O
sentimento de pertença e, em vários momentos, a defesa de inte-
resses coletivos (WEBER, 2009) informaram a construção das iden-
tidades indígenas em contexto colonial. As relações interétnicas, os
contatos, os fluxos culturais e as trocas (BARTH, 2000) também fo-
ram elementos constitutivos dessas identidades indígenas, o que nos
permite compreendê-las de maneira mais dinâmica e inseridas nos
processos históricos de construção da colônia.
Com essa perspectiva, torna-se importante compreender os mo-
vimentos de mistura vivenciados durante o processo de territoriali-
zação (OLIVEIRA, 2004: 22-24) ocorrido no período colonial para
visualizar as transformações identitárias e também para construir um
olhar crítico sobre a ideia institucionalizada no século XIX de que as
populações indígenas no Brasil iriam desaparecer ao se mestiçar com
a sociedade envolvente. Uma análise sobre a fundação das aldeias,
as mudanças acarretadas com a política pombalina, as legislações
que regulavam a administração das aldeias e de seus habitantes e
alguns dados demográficos do início do século XIX contribuem para
o entendimento dos processos de transformação das aldeias e das
identidades indígenas.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 11-39, 2019


14 Mariana Albuquerque Dantas

Expectativas e interesses na formação das aldeias indígenas


da capitania de Pernambuco

As aldeias do Una e de Jacuípe foram erigidas e se desenvolveram


em localidades com características muito parecidas por possuírem
condições geográficas, climáticas e de solo que propiciaram a ins-
talação de engenhos e a produção açucareira. Essas localidades es-
tão inseridas na região caracterizada por Manuel Correia de Andrade
como zona da mata (ANDRADE, 2011: 37-40), que compreende duas
subdivisões em Pernambuco, sub-região da mata seca e sub-região
da mata úmida. Nesta última, localizada ao sul, os rios mais volumo-
sos do que ao Norte, a exemplo do Una e do Ipojuca, o clima quente
e úmido e o tipo de solo contribuíram para o cultivo predominan-
te de cana-de-açúcar, (ANDRADE, 2011: 40) transformando a região
numa das mais importantes para o início da colonização portuguesa.
No século XVI, a capitania de Pernambuco, em conjunto com a da
Bahia, era responsável por cerca de três quartos do açúcar produzido
na colônia (SCHWARTZ, 2011: 34).
Ao norte de Alagoas, devido a uma diferenciação no terreno, hou-
ve o desenvolvimento de uma exuberante mata. Ainda que engenhos
de açúcar tenham sido instalados ali, as matas apenas seriam substi-
tuídas pelos canaviais de maneira definitiva em meados da década de
50 do século XX (ANDRADE, 2011: 41). Nas matas de Alagoas eram
encontradas as melhores madeiras para produção de navios a serviço
do rei, construídos em estaleiros na Bahia, em Pernambuco e em Lis-
boa. Essa região compartilhava com o sul de Pernambuco a grande
quantidade de rios e a qualidade de portos naturais, o que facilitava
o escoamento da produção açucareira e das madeiras extraídas das
matas (LINDOSO, 1983: 86-90, 106).
Já a missão ou aldeia do Ararobá estava situada na região atual-
mente denominada de semiárido. Nessa região, apesar de haver um
predomínio de fazendas de gado, havia a cultura de gêneros diver-
sos, tais como milho, feijão, batata, algodão e mandioca. Devido à
fertilidade da serra do Ararobá e das terras às margens dos rios,
principalmente do Ipojuca, também foram instalados engenhos de
produção de açúcar e engenhocas de rapadura. A serra se constituía
em um brejo de altitude, no qual predominava o clima ameno, com

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 11-39, 2019


A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
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índices pluviométricos parecidos com os da zona da mata, (ANDRA-


DE, 2011: 43) e tinha condições favoráveis ao desenvolvimento das
culturas citadas. Diante do clima seco e da escassez de chuvas carac-
terísticos da região, as terras da Serra do Ararobá e das margens dos
rios despertavam grande interesse dos colonos, sesmeiros e morado-
res da região, sendo objeto de conflitos com os indígenas aldeados
(SILVA, 2008: 114-118).
A partir da caracterização das localidades onde cada aldeia foi
criada e teve seu desenvolvimento é possível deduzir a centralida-
de que possuíam para o domínio português em sua colônia ame-
ricana. A escolha da localização de cada aldeia correspondia aos
posicionamentos estratégicos percebidos pelos colonos portugueses,
bem como dependia dos contextos políticos, econômicos e sociais
da capitania de Pernambuco e da colônia. Como veremos a seguir, a
aldeia do Una foi criada ainda no século XVI num momento no qual
estavam sendo erigidos os primeiros núcleos de povoado no litoral;
Jacuípe foi instituída após a repressão ao Quilombo dos Palmares,
atuando como uma defesa do governo português à constituição de
novos quilombos e para fazer frente às investidas de índios inimigos
ao projeto colonizador; enquanto a aldeia do Ararobá foi fundada
após a expulsão dos holandeses e diante da necessidade de con-
solidar o domínio português nos sertões de Pernambuco. Portanto,
podemos afirmar que o estabelecimento das aldeias em locais espe-
cíficos correspondia, em parte, aos interesses da Coroa portuguesa
na colonização das referidas regiões em face de circunstâncias polí-
ticas da realidade colonial. Convertidos em súditos católicos do rei
de Portugal, os indígenas reunidos nas aldeias cumpririam a função
de ocupar vastos espaços e de contribuir para a consolidação de nú-
cleos populacionais. Assim como ocorreu em Pernambuco, também
foram instaladas aldeias em outras regiões da colônia, reafirmando a
ideia de que as aldeias tinham papel estratégico fundamental para os
projetos da Coroa.
Apoiado pela Igreja Católica, o governo português incentivou a
atuação de missionários religiosos na catequese dos indígenas, sendo
de autoria dos jesuítas a concepção da aldeia enquanto espaço de
transformação dessas populações. Após os primeiros anos de tenta-
tivas e os resultados frustrados em relação à conversão de índios em

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 11-39, 2019


16 Mariana Albuquerque Dantas

missões itinerantes, na década de 1550 foi criada pelo jesuíta Manoel


da Nóbrega a ideia de aldeia fixa que englobava “o projeto religioso
inicial (ensinar a doutrina cristã aos índios) num amplo programa
de transformação social, política e econômica do índio” (L’ESTOILE,
2006: 116). Como demonstra Charlotte de Castelnau L’Estoile, para
os índios esse projeto significava a reunião no espaço determinado
do aldeamento e para o missionário, a passagem da itinerância no
trabalho catequético para a sua fixação. Nesse sentido, a aldeia mis-
sionária é uma especificidade do trabalho missionário no Brasil.
Havia, portanto, vários interesses, expectativas e necessidades em
jogo nos processos de constituição das aldeias, conforme argumen-
to de Maria Regina Celestino de Almeida (2003; 101-102). Levando
em consideração o processo violento de conquista e colonização, é
igualmente necessário perceber que tais unidades territoriais também
serviam às necessidades indígenas por melhores condições de sobre-
vivência. Assim, em muitas ocasiões eles conseguiram negociar com
o colonizador e os missionários as condições menos opressivas para
o seu aldeamento, originando relações de interdependência e reafir-
mando a necessidade de sua participação para o logro do projeto co-
lonial. Não obstante, eram frequentes as situações de conflito, violên-
cia, escravização e aldeamento forçado através de “guerras justas” e
resgates.2 Dessa forma, em função das expectativas e motivações dos

2 A modalidade de guerra justa foi criada em Portugal no contexto de retomada da


Península Ibérica e das lutas entre cristãos e mouros. Adaptada ao Brasil, a guerra
justa passou a justificar a escravização de indígenas que recusavam a se converter
à fé católica, impediam a sua propagação, ou cometiam hostilidades contra vassa-
los, missionários e aliados dos portugueses. A causa mais usada em documentos
coloniais para justificar a guerra justa era a hostilidade dos grupos indígenas em
relação aos colonos e religiosos. Embora essa modalidade de guerra tenha tido
muitas restrições legais, chegando em certos períodos a ser declarada apenas pelo
rei (em 1597 e em 1655), era largamente praticada pelos colonos movidos pelo
interesse de conseguir mão de obra escravizada. É importante ressaltar, como
afirma João Pacheco de Oliveira, que nos primeiros anos da colonização a escravi-
zação de indígenas era frequente e não possuía qualquer justificativa relacionada à
guerra justa. Outra forma de escravizar legalmente indígenas era o resgate. Nessa
modalidade, era legítimo resgatar ou comprar um indivíduo capturado por outro
indígena. Assim, o índio capturado seria “salvo” ao ser retirado de situação que o
levaria a ser comido em ritual antropofágico. Justificava-se o resgate pela neces-
sidade de salvar a vida e a alma do capturado. O índio resgatado deveria servir
àquele que o havia “salvo” de maneira a pagar a dívida contraída com os gastos

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 11-39, 2019


A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
17

diferentes sujeitos históricos envolvidos, as aldeias indígenas foram


se estabelecendo ao longo do território colonial. Os diversos grupos
indígenas, ainda que em situação de desvantagem e vulneráveis a
diversos tipos de violência, eram parte fundamental desse processo,
enfrentando ou negociando com o colonizador diante da situação
colonial (OLIVEIRA, 2014: 212-217).

Aldeia de São Miguel do Una

A aldeia de São Miguel do Una foi constituída através de transfor-


mações em seu território, de algumas mudanças em sua localização,
da alternância entre missionários de ordens diferentes e também dos
seculares na sua administração religiosa e temporal, e das reelabo-
rações identitárias e culturais protagonizadas pelos diversos grupos
indígenas reunidos em suas terras em diferentes momentos históri-
cos. Dos três aldeamentos aqui analisados, o do Una é o de criação
mais antiga.
Inicialmente, o aldeamento foi estabelecido entre os anos de 1590
e 1593 ao sul do rio Una por missionários franciscanos, sendo o seu
fundador o frei Melchior de Santa Catarina Vasconcelos (WILLEKE,
1969: 211). Denominada de Missão de São Miguel de Iguna ou Una,
a aldeia foi um dos primeiros estabelecimentos missionários na capi-
tania, sendo precedida apenas pela Aldeia de Escada, que fora cria-
da poucos anos antes. São Miguel do Una foi fundada a pedido de
Duarte Coelho para reunião dos índios Caeté e de outros grupos
que circulavam pela região (BELLO, 1967: 17-18). O donatário da
capitania de Pernambuco havia enfrentado muitos problemas nos
anos anteriores com os índios desse grupo, que realizaram várias
investidas contra os primeiros colonos, os núcleos populacionais e
também contra missionários, como no caso emblemático do Bispo
Sardinha. Em 1571, Duarte Coelho obteve sucesso no seu ataque ao
último foco de resistência dos Caeté nas proximidades do rio Siri-
nhaém. (VIEIRA, 2011: 71). É, portanto, possível inferir que a aldeia

do seu próprio resgate. A escravidão por resgate tinha, portanto, um tempo de-
terminado para ocorrer e impunha deveres àquele que havia realizado o resgate,
como proporcionar bom tratamento ao escravo, além de convertê-lo e civilizá-lo.
(PERRONE-MOISÉS, 2002: 123-124, 127-128; OLIVEIRA, 2014: 185-186).

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18 Mariana Albuquerque Dantas

de São Miguel do Una tenha sido constituída como uma estratégia


para manter esse grupo submisso e também como um núcleo do
domínio português na colônia. Segundo o franciscano Willeke, este
seria “o primeiro núcleo cristão entre os caetés” (1969: 218).
Estabelecidos numa região onde seriam instalados engenhos de
açúcar, não é difícil inferir que tivessem sua mão de obra disputada
entre os colonos, sendo utilizada também para os serviços internos
da aldeia. Nos momentos iniciais da colônia, o trabalho indíge-
na era largamente empregado, sendo essencial na implantação do
cultivo da cana e na sua transformação em açúcar nos engenhos,
(OLIVEIRA, 2014: 213) como ocorreu no recôncavo baiano no sé-
culo XVI (SCHWARTZ, 2011: 57-73). Ainda possuidores de poucos
rendimentos, os colonos percebiam nas aldeias um caminho para o
acesso à mão de obra em suas propriedades, para a composição de
tropas para defesa dos primeiros povoados coloniais ou para com-
por as expedições rumo ao interior das capitanias (ALMEIDA, 2003:
198). Dessa forma, os indígenas incorporavam novas ferramentas
e se inseriam em novos processos de trabalho (OLIVEIRA, 2014:
213-214). É importante ressaltar que a escravização indígena havia
sido proibida em 1570, tornando a captação legal de sua mão de
obra mais difícil, podendo ocorrer legalmente apenas nas já citadas
modalidades de “guerra justa” e resgate. Convém ressaltar que a
Coroa portuguesa tinha a expectativa de que as aldeias cumprissem
a função de fornecer mão de obra para os moradores, os missioná-
rios e os serviços do rei, principalmente no que se referia à defesa
(PERRONE-MOISÉS, 2002: 120, 126).
Em 1619, a aldeia do Una teve mudanças na sua administração
com a saída dos franciscanos, sendo suas tarefas assumidas por mis-
sionários do clero secular. Poucos anos depois, em 1624, os indígenas
do Una passaram a ser administrados por jesuítas, e os franciscanos
apenas voltariam a atuar na missão do Una na década de 1680 per-
manecendo até os anos de 1740 (WILLEKE, 1969: 40, 79).
Em meados do século XVII, a Missão do Una passou por ou-
tras mudanças além das realizadas na sua administração. Em 1636,
a aldeia sofreu um ataque proferido pelos holandeses, que poucos
anos antes haviam invadido a capitania. Nesse ataque, a aldeia foi
pilhada e incendiada, forçando índios, missionários e moradores a

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A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
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se refugiarem nas matas do rio Persinunga, no lugar chamado Pau


Amarelo (WILLEKE, 1969: 215). A aldeia foi restabelecida em data
desconhecida, embora saibamos que tenha ocorrido após a expulsão
dos holandeses.
Durante as guerras entre portugueses e batavos se destacaram ín-
dios das famílias Camarão e Arcoverde, provenientes dos grupos Po-
tiguara e Tabajara respectivamente, que passaram a se relacionar com
o espaço da aldeia do Una e os demais indígenas ali reunidos. Nos
primeiros momentos da conquista portuguesa do litoral americano,
os índios Potiguara estavam espalhados pelas capitanias de Itamara-
cá, Paraíba e Rio Grande do Norte, enquanto os Tabajara viviam pró-
ximos à foz do Rio São Francisco e também no litoral compreendido
entre o Rio Grande e o Ceará (SILVA, 2011: 73-75). As famílias Cama-
rão e Arcoverde consolidaram suas lideranças entre os grupos que
comandavam no contexto colonial3 e passaram a se relacionar com a
aldeia do Una de maneira mais próxima, comandando indígenas ou
ali vivendo, depois da expulsão dos holandeses em 1654.
Sobre as guerras desse período foi indispensável a contribuição
de Antônio Felipe Camarão, que conseguiu fazer várias embosca-
das contra os holandeses, obtendo tamanho sucesso que em 1633
recebeu o hábito da Ordem de Cristo em reconhecimento aos seus
feitos. Sobre essa mercê, Ronald Raminelli faz a ressalva de que não
há documentos comprobatórios relativos ao processo de concessão

3 Os Tabajara já haviam se posicionado ao lado dos portugueses no século XVI,


principalmente depois que uma das filhas de um principal Arcoverde, D. Maria do
Espírito Santo Arcoverde, como se chamou após ser batizada, se casou com Je-
rônimo de Albuquerque, cunhado do primeiro donatário da capitania de Pernam-
buco, Duarte Coelho (COSTA, Vol.3: 44-45). Já os Potiguara demoraram mais a
se convencer e apenas conferiram apoio aos lusos diante de uma iminente derrota
militar, estabelecendo a partir de então alianças e acordos. Dessa forma, muitos
índios Potiguara e Tabajara passaram a contribuir com a colonização portuguesa
não apenas militarmente, mas também como mão-de-obra em engenhos, fazen-
das e na construção de vilas. Convém lembrar que essa aliança não representava
o posicionamento de todos os Potiguara, tendo em vista os apoios e trocas esta-
belecidos entre alguns deles e holandeses na costa da Paraíba e de Pernambuco.
Havia cisões internas ao grupo, fazendo com que os acordos com não-índios
variassem. É emblemática a escolha de Antônio Paraupaba e Pedro Poti em se
aliar aos holandeses. Viajaram à Europa com seus aliados, onde se converteram ao
calvinismo e se tornaram firmes defensores do domínio batavo em Pernambuco
e suas anexas (RAMINELLI, 2011: 49-50; LOPES, 2003).

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do hábito. Não foram encontrados o processo de habilitação, a carta


de hábito, o alvará para ser armado cavaleiro, tampouco a dispensa
papal necessária já que Camarão tinha “defeito mecânico”. Raminelli
levanta a hipótese de que D. João IV, com a intenção de manter as
alianças estabelecidas pelos Áustrias, tenha confirmado as mercês
sem fazer os devidos registros oficiais (RAMINELLI, 2011: 63).
Posteriormente, Antônio Felipe Camarão resolveu se retirar com
os seus índios para Porto Calvo, na região de Alagoas. Entre 1639 e
1645, Felipe Camarão e os seus comandados andaram pelos sertões
entre o Rio Grande do Norte e Bahia empreendendo guerrilhas con-
tra o inimigo batavo. Nesse período, mais especificamente em 1641,
recebeu mais uma mercê, a comenda dos Moinhos de Soure. Felipe
Camarão também participou com sua força militar da vitória portu-
guesa em 1645 no Monte das Tabocas, a qual se deu início propria-
mente à guerra de restauração de Pernambuco que durou até 1654
(COSTA, 2004: 81-82). Nesse período de guerra, Felipe Camarão man-
teve contato com outro índio Potiguara, Pedro Poti. Diferentemente
de Camarão, Poti era aliado dos holandeses. Ambos foram importan-
tes líderes de seus grupos e estavam envolvidos nas lutas políticas
da época, escolhendo de acordo com suas necessidades, convicções
e expectativas qual colonizador seguir. No entanto, Felipe Camarão
esteve do lado vencedor da guerra de expulsão dos holandeses, pas-
sando o seu nome e seus feitos militares a comporem a história do
período como um “pernambucano célebre”, ao lado dos primeiros
colonizadores, grandes proprietários de terras e políticos.
Ao seu lado também se destacou Antônio Pessoa Arcoverde, que
havia se alistado no terço dos índios comandado por Antônio Felipe
Camarão, e teve uma atuação elogiada em várias batalhas, galgando
os postos militares dentro de sua divisão. Após as guerras da Restau-
ração, atuou no combate do Quilombo dos Palmares. Em 1683 foi
confirmado no posto de capitão-mor e governador dos índios das
aldeias de Pernambuco. Em reconhecimento aos seus serviços, foi
condecorado com o hábito de Aviz (SILVA, 2004: 166-167)
Após a retomada de Pernambuco pelas tropas luso-pernam-
bucanas e seus aliados, os indígenas das famílias Camarão e Ar-
coverde passaram a exercer várias funções nas aldeias e também
receberam patentes militares, como podemos ver da listagem pro-

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duzida por Geysa Kelly Alves da Silva (2004: 106), que aqui foi
transformada em quadro.

Lideranças Potiguara – Camarão


Nome Cargo/patente Período
Antônio Felipe Camarão capitão-mor 1633-1660
governador dos índios do Rio 1669
Grande
Diogo Pinheiro Camarão
governador e capitão dos índios da 1672-1683
capitania de Pernambuco
tenente 1683
Sebastião Pinheiro Camarão
governador e capitão dos índios 1694-1721
Antônio João Camarão capitão 1677-1682
capitão 1703
Antônio Domingos Camarão
último governador dos índios 1721-1732

Lideranças Tabajara – Arcoverde


Nome Cargo/patente Período
Agostinho Gonçalves Perrasco 4
1636-1674
tenente 1675-1683
Antônio Pessoa Arcoverde capitão 1683
governador dos índios 1683-1694
Domingos Pessoa Perrasco Arcoverde tenente 1698-1702
tenente 1703-?
Manuel Pessoa Arcoverde tenente e cabo da aldeia 1706-?
do Una
Antônio Domingos Camarão Arcoverde mestre de campo 1734

Como podemos perceber pelos quadros acima, líderes das duas


famílias e seus descendentes tiveram importantes cargos militares e

4 Existe certa divergência entre historiadores na transcrição do sobrenome desses indíge-


nas. Geysa Kelly Alves da Silva optou pela grafia “Perrasco”, enquanto Pereira da Costa
o escreveu como “Panasco”. Já Lorena de Mello Ferreira transcreveu o sobrenome de
Agostinho e Francisco Braz, índios de Barreiros no século XIX, como “Panacho”. Ao ler
os documentos produzidos pelo próprio Agostinho nas décadas de 1820 e 1830, optei pela
grafia “Panaxo”, que me pareceu a mais próxima da forma como ele mesmo o assinava.

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na administração dos demais indígenas, como demonstra a função


de governador dos índios, até meados do século XVIII. Ainda no
final do século XVII, tais líderes e seus comandados mantiveram sua
aliança com o governo português e deram apoio decisivo na re-
pressão do Quilombo dos Palmares. Por isso, em 1698 receberam
uma data de terras nas margens do rio Persinunga, onde haviam se
refugiado após a invasão holandesa na aldeia do Una. Assim, a re-
gião onde foi instalada a aldeia se tornou um baluarte de defesa das
matas e dos povoados próximos, contribuindo para a consolidação
do domínio português (FERREIRA, 2006: 12). Já na antiga aldeia do
Una, que posteriormente passou a ser conhecida como São Miguel
de Barreiros, viveram dois governadores dos índios de Pernambuco
citados no primeiro quadro: em 1710, D. Sebastião Pinheiro Camarão,
(PEREIRA DA COSTA, vol. 3, 2004: 54) e em 1728, D. Antônio Domin-
gos Camarão (WILLEKE, 1969: 218-219).
O retorno dos índios para as margens do rio Una, para o local
que passou a ser conhecido como aldeia de Barreiros no século XIX,
ocorreu provavelmente entre o final do século XVII e início do XVIII.
Há divergências entre alguns autores sobre a data em que essa trans-
ferência teria ocorrido. Pereira da Cosa assinala que a aldeia foi trans-
ferida para o local onde havia se originado, às margens do rio Una,
em 1728, devido a uma permuta de terras feita entre os índios e o
morgado do Cabo, João Paes Barreto, proprietário de terras na região
(COSTA, vol. 8, 2004: 44). Dirceu Lindoso, embora não indique uma
data, também afirma que houve uma permuta de terras entre índios
e o morgado do Cabo, com a intenção de que os primeiros ficassem
mais próximos do rio Una para pescar e caçar (1983: 188). Informa-
ção repetida por Lorena de Mello Ferreira, afirmando também que os
indígenas aldeados de Barreiros estariam retomando o ponto inicial
de sua história (2006:13). Por sua vez, Ruy de Ayres Bello afirma que
a troca teria ocorrido um pouco antes de 1681. Essa afirmação decor-
re da existência de documentos desse ano que tratam do pagamento
dos missionários da aldeia restabelecida no Una.
Levando em consideração que os indígenas receberam a sua data de
terras nas margens do Persinunga em reconhecimento aos serviços pres-
tados na repressão de Palmares em 1698, concluímos que não é possível
sustentar a data proposta por Bello para o retorno para as margens do

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(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
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Una em torno de 1681. Ao mesmo tempo, é interessante perceber que,


em 1710, D. Sebastião Pinheiro Camarão vivia na aldeia do Una, ou seja,
num período em que a aldeia ainda deveria estar nas margens do Persi-
nunga, de acordo com a informação de Pereira da Costa.
Da imprecisão das datas referentes ao retorno dos índios para o
antigo local de aldeamento e do estabelecimento de uma liderança
nesse espaço, podemos sugerir que havia dois aldeamentos, um no
Persinunga e outro no Una. É possível que após o ataque holandês
de 1636 alguns índios tenham permanecido no Una, enquanto outros
tenham se deslocado junto com os missionários e moradores para
um local mais seguro no Persinunga. Os dois rios estavam muito
próximos, de acordo com descrição feita por Dirceu Lindoso, o que
devia facilitar a circulação dos índios pelos dois lugares (1983: 189).
Se as duas aldeias existiram ao mesmo tempo, torna-se possível com-
preender que D. Sebastião habitasse a aldeia do Una em 1710, mes-
mo ela tendo sido oficialmente restabelecida apenas em 1728 com a
doação de terras do morgado do Cabo. Com isso, podemos afirmar
que os indígenas reunidos inicialmente no Una, depois estabeleci-
dos no Persinunga e, em seguida, transferidos para o primeiro local
de aldeamento, circulavam pela região composta pelos dois rios, e
possivelmente mais além. Através dessa circulação provavelmente an-
davam por fazendas de gado, matas, margens de rios diversos; esta-
beleciam contato com diversos sujeitos históricos, como missionários,
escravos africanos, índios de outros grupos e não índios; vivenciavam
trocas de fluxos culturais, constituindo-se tais relações e mudanças
como aspectos constitutivos de suas identidades, reelaboradas nessa
experiência específica dentro do contexto de colonização da região
litorânea e de produção açucareira.
Além das relações e trocas vivenciadas cotidianamente, os indí-
genas da aldeia do Una se envolveram nas contendas e rivalidades
políticas das elites provinciais, demonstrando sua intensa participa-
ção na formação da colônia. No início do século XVIII, algumas lide-
ranças indígenas consolidadas no contexto de repressão a Palmares
participaram da Guerra dos Mascates como no caso do supracitado
D. Sebastião Pinheiro Camarão. Líderes da causa olindense tenta-
ram convencê-lo a apoiar a nobreza pernambucana, recorrendo às
alianças dos seus antepassados que contribuíram para expulsar os

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holandeses, ofereceram-lhe engenhos e aos seus subordinados, far-


damentos e tecidos. D. Sebastião negou as ofertas. Geyza Kelly Alves
Vieira levanta a hipótese de que D. Sebastião aproveitou a oportu-
nidade construída pelas inimizades e pelos conflitos entre nobres e
mascates de Pernambuco para atacar os paulistas, principalmente os
liderados por Cristóvão Vieira de Mello, aliados aos nobres olinden-
ses. Segundo análise de Vieira, o governador dos índios D. Sebastião
perdeu terras, aldeias e homens do seu regimento para os paulistas
após a supressão de Palmares. Por isso, o conflito de 1710 era a opor-
tunidade de se vingar dos danos sofridos poucos anos antes, e nessa
rede de alianças, posicionar-se ao lado dos recifenses (VIEIRA, 2011:
86-87). Durante os conflitos, a aldeia do Una teve suas plantações in-
cendiadas e foi invadida devido à aliança realizada com os mascates
e, por causa disso, D. Sebastião teve que mudar seu aquartelamento
para Santo Amaro, em Alagoas, onde permaneceu até a aldeia ser
reconstruída (COSTA, vol. 3, 2004: 54; WILLEKE, 1974: 79). Apesar
de ter sofrido esse duro ataque, ele e seu terço contribuíram para a
vitória dos seus aliados. Ele foi ovacionado, junto com o capitão-mor
do Una que estava ao seu lado nos conflitos, quando passaram pelo
Recife e pelas freguesias aliadas após a vitória sobre os olindenses
(VIEIRA, 2011: 86-87).
Ainda no século XVIII a aldeia do Una sofreu um fluxo demográ-
fico mais intenso de indígenas. Em 1740, os aldeamentos do termo
de Sirinhaém foram reunidos na aldeia do Una como consequência,
segundo Willeke, da Guerra dos Mascates ocorrida em 1710 e da lei
de 1700 (1974: 79). Essa lei sobre a qual Willeke faz referência é o
Alvará Régio de 23 de novembro de 1700, no qual o rei de Portugal
ordena que seja concedida uma légua em quadra de terras para as
missões para sustento de índios e missionários, devendo cada aldeia
comportar o número de cem casais. As aldeias menores deveriam ser
reunidas até formarem o número estabelecido de casais e, à medida
que fossem crescendo, deveriam ser divididas para atender à condi-
ção relativa à quantidade de pessoas, sendo-lhe doada outra légua
de terras. As aldeias seriam localizadas de acordo com a vontade dos
índios, não devendo interferir nem sesmeiros nem donatários. Como
essas providências não foram tomadas imediatamente na capitania
de Pernambuco, uma ordem de 1705 ratificava a de 1700, ordenando

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(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
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que as terras fossem concedidas e as aldeias reorganizadas.5 Com


isso, mais índios de grupos diversos foram reunidos na aldeia do
Una, realizando mais um processo de mistura e de fluxos culturais.
Alguns anos depois, em 1749, a aldeia figura com um novo nome:
Missão de São Miguel de Barreiros (WILLEKE, 1969: 217).
Da participação de líderes das famílias Camarão e Arcoverde na
Guerra dos Mascates, na repressão ao Quilombo dos Palmares e na
expulsão dos holandeses, podemos afirmar que as duas famílias con-
solidaram seu poder de mando no Una e nas proximidades envol-
vendo-se nas disputas políticas provinciais e exercendo importante
função de chefia na região baseadas nas suas relações de apoio e
dependência mútua com a Coroa portuguesa. Apesar do terço dos
índios ter sido extinto em 1733, e com ele o cargo de governador dos
índios, as famílias Camarão e Arcoverde continuaram a participar das
desavenças e alianças locais.
Podemos afirmar que as famílias Camarão e Arcoverde, dos grupos
Potiguara e Tabajara, deram fundamental contribuição ao empreen-
dimento colonial, envolvendo-se em disputas das elites e conflitos
armados nos séculos XVII e XVIII. Alguns de seus líderes se instala-
ram na aldeia do Una, depois conhecida como aldeia de Barreiros,
comandando um contingente populacional indígena proveniente de
grupos variados e aldeados num espaço territorial restrito. Ainda que
constituída como uma unidade de concretização do projeto colonial,
a aldeia de Barreiros pode ter sido percebida pelos indígenas ali reu-
nidos como um espaço de proteção e refúgio, diante das constantes
investidas de colonos imbuídos de poderes militares e ávidos por
mão de obra indígena. Sob as ordens de suas próprias lideranças
e de missionários, os índios aldeados em Barreiros, ao inserir-se na
categoria de índios aliados, puderam ressignificar sua experiência
na situação colonial, ter acesso a terras, e receber alguma proteção
da legislação indigenista. Portanto, em face do contexto colonial, a
aldeia missionária adquiriu significados específicos também para os
indígenas aldeados.

5 Informação geral da capitania de Pernambuco, 1749. In: Anais da Biblioteca Nacio-


nal. Vol. 28. Rio de Janeiro: Officinas de Artes Graphicas da Bibliotheca Nacional,
1908, pp. 392-394.

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Aldeia de Jacuípe

A aldeia de Jacuípe, como já afirmamos anteriormente, foi criada


numa região muito próxima à de Barreiros, onde houve a instalação
de vários engenhos devido às condições naturais propícias à pro-
dução do açúcar. Ela foi fundada nas proximidades da região onde
existira o Quilombo dos Palmares, com o objetivo de evitar novos
ajuntamentos de escravos e outros indivíduos, bem como o de formar
uma barreira contra os índios inimigos da colonização portuguesa
que estavam no interior da capitania. A implantação de aldeias indí-
genas como barreira contra grupos hostis era uma prática recorrente
na colônia conferindo-lhes importância estratégica tanto militar quan-
to econômica, uma vez que possibilitava a consolidação do projeto
colonial (VIEIRA, 2011: 80-81). Tal função das aldeias era central em
várias regiões da colônia, como no Rio de Janeiro, onde foram ins-
taladas aldeias que serviram de defesa contra as investidas de fran-
ceses, holandeses, ingleses e de outros grupos indígenas (ALMEIDA,
2003: 82-86). Cientes de sua contribuição para o projeto colonial luso,
líderes indígenas conquistaram cargos junto ao governo português,
barganharam mercês em troca da obediência ao monarca e recebe-
ram terras para a criação das aldeias, a exemplo do que ocorreu com
Araribóia no Rio de Janeiro, e com as famílias Camarão e Arcoverde
em Pernambuco.
Conforme os objetivos citados, foram instalados alguns aldeamen-
tos na comarca de Alagoas na década de 1690, reunindo índios que
compunham os terços de Domingos Jorge Velho e de Christóvão
de Mendonça. Além dos índios dos terços, também foram aldeados
os que já viviam na região e eram aliados dos colonizadores lusos,
como os Caeté. Os índios que formavam os terços dos dois paulistas
eram provenientes de grupos variados, sendo reunidos sob as ordens
de ambos à medida que eles faziam investidas pelos sertões. Os co-
mandados por Domingos Jorge Velho, por exemplo, foram reunidos
principalmente no interior piauiense e, sob o comando do paulista,
atuavam como seus soldados nos momentos de guerra. De acordo
com Dirceu Lindoso, o terço era composto, principalmente, por ín-
dios cariris-oruases e cariris-cupinharós. Além desses, segundo Lin-
doso, outros grupos indígenas também fizeram parte do terço, como

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os jendoiz, os icós e os uriús.6 Esse contingente populacional foi con-


quistado de maneira violenta para atuar na “Guerra dos Bárbaros”7 e,
posteriormente, na repressão ao Quilombo dos Palmares (LINDOSO,
1983: 164-167).
Após o fim das guerras, foram destinadas terras para que os pau-
listas se estabelecessem com seu contingente militar. Em Alagoas as
tropas dos paulistas foram divididas em dois espaços, Atalaia e Ja-
cuípe, sendo essa uma decisão tomada pelo governador de Pernam-
buco em 1694, em decorrência das discórdias entre Domingos Jorge
Velho e Christóvão de Mendonça Arrais. O primeiro ficou com os
índios que comandava na região do antigo quilombo, e o segundo
nas imediações do povoado de Porto Calvo. 8
Assim, os dois arraiais instalados sob o comando dos supracita-
dos paulistas foram constituídos com objetivos militares específicos e
compostos por indígenas de grupos variados, sendo estes provenien-
tes tanto do interior piauiense, quanto do próprio local onde foram
aldeados. Esse mesmo processo de reunião de grupos indígenas dife-
rentes numa aldeia também ocorreu em outros espaços estabelecidos
no período colonial, a exemplo do que foi visto em Barreiros, com
o aldeamento de índios Caeté e o estabelecimento dos Potiguara e
Tabajara. Cabe, nesse momento, chamar a atenção para a constitui-
ção dos nomes étnicos e das categorias sociais no contexto colonial
brasileiro. Como ressaltou John Monteiro, é necessário tomar cuidado
com o processo de criação de etnônimos, engendrado por diferentes

6 Dirceu Lindoso fez extensa lista sobre os grupos indígenas que, possivelmente,
fizeram parte do terço de Domingos Jorge Velho e de outros paulistas. “[…] os
jendoiz, os icós, os uriús, os arayés, os acumez, os jaicôs, os goaratizes, os cupi-
nharooz, os beirtés, os bocoreimas, os beiçudos, os rodeleiros, os acuroás, os
corsiâs, os lanceiros, os abetiras, os precatiz, os aroachizes, os carapotangas, os
aroquanguiras, os cupequacas, os cupicheres, os aranhez, o corerás, os aitetus, os
arûas, os goaras, os ubatês, os meatans, o alongases, os anassúz, os nongazes, os
tremembés.” (LINDOSO, 1983: 165).
7 A denominação “Guerra dos Bárbaros”, que ficou conhecida em alguns estudos
históricos, é uma referência direta à forma como as autoridades portuguesas pas-
saram a classificar as diversas guerras ocorridas entre índios e colonos entre os
atuais estados da Bahia e do Maranhão entre o final do século XVII e início do
XVIII (PUNTONI, 2002: 77-80).
8 Fala à Assembleia Legislativa das Alagoas pelo presidente da província, Antônio
Alves de Souza Carvalho. 15/06/1862 (ALMEIDA, 1999: 45-70).

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28 Mariana Albuquerque Dantas

agentes coloniais, no intuito de conferir sentido e tornar compreen-


sível a diversidade de línguas e culturas encontradas por europeus
durante a conquista e a consolidação do projeto colonial, como pode
ser percebido através da dicotomia tupi e tapuia estabelecida por
Gabriel Soares de Sousa no século XVI (MONTEIRO, 2001: 18, 24).
Muitos dos nomes étnicos não fazem referência às identidades e às
diferenças existentes antes da conquista, mas foram construídas no
contexto colonial a partir das interações múltiplas entre os diferentes
agentes históricos. No momento de constituição das aldeias, com a
reunião de diversos grupos num único território com limites defi-
nidos, constitui-se o que João Pacheco de Oliveira denominou de
primeiro momento de mistura (OLIVEIRA, 2004: 25). Tal processo se
deu, muitas vezes, de acordo com os interesses e a atuação dos pró-
prios indígenas, a exemplo dos índios Temiminó, do Rio de Janeiro
colonial (ALMEIDA, 2003: 62-67).
É a partir dessa perspectiva que entendemos a instalação dos dois
arraiais comandados pelos paulistas Domingos Jorge Velho e de Ch-
ristóvão de Mendonça Arrais em Alagoas. A carta régia de 1703 es-
tabeleceu a criação do Arraial de São Caetano de Jacuípe (COSTA,
2004, vol. 5, 2004: 79). No entanto, em 1707, outra carta régia orde-
nou a criação das duas aldeias em Jacuípe e Atalaia, sinal de que a
ordem proferida quatro anos antes não havia sido cumprida. E em
1709 o governador de Pernambuco foi censurado pelo rei por não
as ter criado ainda, indicando que os dois chefes dos terços dos
paulistas haviam simplesmente se instalado na região sem a constitui-
ção oficial das aldeias. Inicialmente, o arraial militar comandado por
Domingos Jorge Velho foi chamado de Nossa Senhora da Vitória. A
aldeia indígena ali constituída herdou tal denominação, mas depois
passou a ser conhecida como Vila Nova do Arraial do Palmar e em
seguida, Real Vila de Atalaia de Nossa Senhora das Brotas (LINDOSO,
1983: 182-183).9
Já o Arraial de Jacuípe, sob o comando de Christovão de Mendon-
ça Arrais ganhou esse nome devido ao rio que corre próximo. O rio
Jacuípe nasce em Alagoas e passa pelas atuais cidades pernambuca-

9 Fala à Assembleia Legislativa das Alagoas pelo presidente da província, Antônio


Alves de Souza Carvalho. 15/06/1862 (ALMEIDA, 1999: 45-70).

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A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
29

nas de Quipapá, Palmares e Água Preta; com seus afluentes forma


o que era conhecido nas fontes dos séculos XVII e XVIII como as
Cabeceiras do Porto Calvo. Como já afirmamos, essa era uma região
propícia à construção de engenhos, e devido à abundância de água
e fertilidade do solo, eles alcançaram grande importância na região.
Entre os engenhos mais prósperos podemos citar o Ferricosa, o Pa-
pagaio, o Barra de Piabas, o Piabas do Bom Sucesso, o Imbiras, o
Majibura e o Massangano (ou Massangana). A situação de proximida-
de do Arraial de Jacuípe aos engenhos foi descrita pelo padre Miguel
de Carvalho em 1700, que informou estar a missão de São Caetano,
como era conhecido o Arraial, situada entre “engenhos e moradores
brancos em terra fértil e abundante” (LINDOSO, 1983: 91, 184, 186).
O Arraial e os engenhos do seu entorno foram se desenvolvendo em
conjunto, apoiados nas relações próximas entre seus habitantes indí-
genas e não indígenas.
Além das várzeas, da terra propícia e da proximidade com os por-
tos da região para o transporte do açúcar, os donos de engenho tam-
bém contavam com as madeiras provenientes das matas para as suas
caldeiras. Madeiras advindas das mesmas matas em Alagoas conhe-
cidas por fornecer madeira de lei excelente para construção de em-
barcações para a marinha real. Por isso, foi muito comum a invasão
de engenhos sobre as matas, tanto para extração de madeiras quanto
para o uso das terras, o que levou o rei a tombá-las como matas reais
no início do século XIX, no intuito de impedir sua destruição através
das derrubadas desordenadas. Com o tombo real, a Coroa se torna-
ria proprietária exclusiva das matas, dos rios e da costa por onde as
madeiras pudessem ser transportadas. Para fazer a patrulha das matas
foram indicados os índios da aldeia de Jacuípe, (LINDOSO, 1983: 99)
que se apropriaram da região, usando-a à sua própria maneira.
Após a experiência militar de trabalho forçado nas campanhas da
“Guerra dos Bárbaros” e da repressão ao Quilombo dos Palmares,
de viver em clima de tensão e conflitos armados, deve ter parecido
atraente para os indígenas dos terços dos paulistas se estabelecer em
terras férteis e deixar as guerras para trás. Instituída missão, com santo
padroeiro e com um missionário religioso atuando na sua administra-
ção, os indígenas podem ter passado a desfrutar de alguma proteção
das leis da época, principalmente das contrárias à sua escravização e

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 11-39, 2019


30 Mariana Albuquerque Dantas

regulamentação do seu trabalho. Ainda que tenham sido constituídas


para atender aos interesses dos paulistas, em reconhecimento à sua
central contribuição para o domínio português nos sertões, as aldeias
representaram importante espaço de ressocialização para os indíge-
nas dos terços provenientes de grupos variados e a sua inserção na
realidade colonial através de melhores condições de sobrevivência.
As matas do entorno de Jacuípe também tiveram função importante
nesse processo e ganharam significado especial para os indígenas
como espaço de refúgio e prática de seus costumes, tornando-se mo-
tivo de conflitos entre indígenas e não indígenas e no cenário para
os combates ocorridos nas décadas de 1830 e 1840.

Aldeia do Ararobá

Diferentemente das aldeias do Una e de Jacuípe instaladas em


região úmida e quente, repleta de mata atlântica e ocupada por
engenhos e aldeias, a aldeia do Ararobá foi constituída na região
atualmente conhecida como semiárido, no contexto de expansão e
consolidação do domínio colonial pelos sertões da província de Per-
nambuco. Após a expulsão dos holandeses de Pernambuco em 1654,
a região da serra do Ararobá sofreu um intenso impulso de povoa-
mento através da doação de sesmarias e da reunião de indígenas em
aldeamentos. Naquele mesmo ano, João Fernandes Vieira, que se des-
tacou na guerra contra os batavos, recebeu grande extensão de terras
na região, tendo as suas posses confirmadas em 1668 (BARBALHO,
1983, vol. 3: 236-237). Durante a década de 1660 circulavam por essa
área missionários oratorianos, incluindo-se entre eles o fundador da
ordem no Brasil, o padre João Duarte do Sacramento, amigo próximo
de João Fernandes Vieira e sua esposa Maria César e do então gover-
nador da capitania de Pernambuco, Francisco de Brito Freire (BAR-
BALHO, 1983, vol. 4: 63-65). O intuito de tais missionários era o de
entrar em contato com os diversos grupos indígenas que circulavam
e habitavam aquela região, conseguindo construir duas novas povoa-
ções com igrejas, em 1661. Numa primeira tentativa de contato com
os indígenas da serra do Ararobá, estes sofreram com uma epidemia
de bexiga e os sobreviventes foram reunidos com os do Capibaribe
(SILVA, 2008: 111; MEDEIROS, 1981: 54). Num segundo momento,

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A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
31

os Xucuru, habitantes do Ararobá, reunidos no Capibaribe, e sua


aldeia foram deslocados para mais próximo dos “homens brancos e
das terras que estavam povoadas”, havendo, portanto, uma segunda
mudança no local de seu estabelecimento (MEDEIROS, 1981: 55). De
acordo com Pereira da Costa, nessa região circulavam indígenas dos
grupos arorobá ou urubá, que deram nome à serra; cariri; parquiós
ou paratiós; e os xocurus ou chucurus, que teriam expulsado os uru-
bá da serra (COSTA, 2004, vol. 5: 161-171).
Há divergências relativas à data da fundação da Missão do Ararobá
entre autores que analisaram a sua criação. De acordo com Nelson
Barbalho, ela foi instituída pelos oratorianos em 1669. Já Maria do
Céu de Medeiros defende que a Missão do Ararobá foi fundada entre
os anos de 1671 e 1672 ficando, então, conhecida como a “porta do
sertão” pois servia como importante ponto de apoio para as cam-
panhas em direção aos sertões (MEDEIROS, 1981: 57). Diante da
proximidade entre os anos apontados pelos dois autores, podemos
concluir que a missão tenha sido criada entre o final da década de
1660 e início da de 1670.
Alguns anos depois, João Fernandes Vieira doou à Congregação
do Oratório o sítio Sapoti nas proximidades da Missão do Ararobá,
conhecida também como missão de Nossa Senhora das Montanhas,
sendo provável que a nova área tenha sido incorporada à aldeia
(MEDEIROS, 1981: 69). A aproximação entre o maior potentado da
região e os missionários oratorianos pode ser entendida, de acordo
com análise de Medeiros, a partir do contexto de consolidação do
domínio português após a expulsão dos holandeses. As ações dos
oratorianos no sentido de reunir e aldear indígenas que viviam dis-
persos ou que saíram das missões após a vitória sobre os batavos,
contribuía para a instalação de fazendas de gado. Mesmo tendo rece-
bido sua sesmaria em 1654, Vieira apenas tomou posse de suas terras
em 1666, no período em que os oratorianos já atuavam pela região.
Então, ainda que criticasse a ação dos missionários jesuítas, com os
oratorianos João Fernandes Vieira nutriu uma relação mais próxima e
de reciprocidade, mesmo que entre desiguais. Conforme o cronista e
membro da Congregação Ébion Lima, a missão do Araboá “deu lugar
a que todos estes sertões que ficam para esta parte se povoasse de
grandes fazendas de gado em muita utilidade destes povos” (MEDEI-

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32 Mariana Albuquerque Dantas

ROS, 1981: 70-71). No contexto de expansão do projeto colonial para


os sertões da capitania, a missão do Ararobá, assim como as aldeias
do Una e de Jacuípe no litoral, serviu como instrumento da política
colonial e consolidação de novos domínios. Podemos afirmar, em
acordo com João Pacheco de Oliveira, que as missões foram “unida-
des básicas de ocupação territorial e de produção econômica” para a
Coroa portuguesa (OLIVEIRA, 2004: 25).
Além das boas relações com proprietários da região, os oratorianos
souberam construir e aumentar as rendas e bens da Congregação ad-
quirindo sítios através de compras ou doações e implantando fazendas
de gado. Segundo Medeiros, é grande a probabilidade de os índios do
Ararobá terem sido empregados na lida do gado tanto nas fazendas da
Congregação, quanto dos proprietários vizinhos (1981: 74-75).
Além da Missão do Ararobá, os oratorianos criaram a aldeia de Nossa
Senhora da Apresentação do Ipojuca, em 1670; as aldeias de Ararota e
Limoeiro na freguesia de Santo Lourenço da Mata, em 1684; e no Ceará
a aldeia de Tapessurama ou Mãe de Deus, em 1679 (BARBALHO, 1983,
vol. 4: 65-69). Nelson Barbalho, apoiado em trabalho de Hoornaert, afir-
ma que a fundação das povoações pelos missionários de São Felipe Néri
veio como uma tentativa de retomada de aldeias instaladas por jesuítas
e franciscanos anteriormente ao período de governo holandês em Per-
nambuco. Portanto, segundo Barbalho, o padre João Duarte do Sacra-
mento e seus missionários estavam dando continuidade ao trabalho de
missionários que os antecederam, refundando algumas aldeias, como a
de Ararobá ou de Nossa Senhora das Montanhas.
No entanto, Cristina Pompa, cuja pesquisa foi realizada nos arqui-
vos das ordens e congregações religiosas, aponta que essa ideia de
retomada pelos oratorianos das aldeias fundadas por jesuítas e fran-
ciscanos parece pouco provável. Pompa aponta que não há informa-
ções sobre tais aldeias nos documentos das ordens religiosas citadas.
Além disso, afirma que há uma certa confusão em relação aos nomes
das aldeias, à sua localização e aos índios aldeados. Por outro lado,
seria possível concluir com algum grau de certeza que as aldeias do
Ararobá, do Capibaribe e de Ipojuca foram instaladas nas terras de
João Fernandes Vieira, com quem os missionários tinham relação
amigável. A reflexão final de Pompa sobre as aldeias administradas
pelos oratorianos é representativa sobre as expectativas indígenas

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A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
33

naquele momento em negociar e aceitar o seu aldeamento. Ela afirma


que nas várias aldeias fundadas na década de 1690 pelos oratorianos
os indígenas procuravam abrigo em relação aos descimentos reali-
zados pelos paulistas e à escravização feita por colonos e soldados
(POMPA, 2003: 334-335).
É importante ressaltar esse significado do processo de aldeamento
para os indígenas porque a instalação da missão do Ararobá ocorreu
no período final dos vários conflitos entre índios e colonizadores
portugueses nos sertões, mais conhecidos como a “Guerra dos
Bárbaros”. Nesse mesmo período foram feitas outras concessões
de terras na região, como a sesmaria doada a Bernardo Vieira de
Melo, em 1671, e o conjunto de doações que ficou conhecida como
Sesmarias do Moxotó conferidas a João Alves Pereira, Manoel da
Cunha Moreno, Amaro Fernandes Tinoco, Manoel Gonçalves e
Domingos Fernandes em 1688. Posteriormente, as terras das Sesma-
rias do Moxotó foram doadas à Congregação de São Felipe Néri (CA-
VALCANTI, 1983: 31-32).
Podemos afirmar que o final do século XVII foi marcado pela in-
tensificação do impulso colonizador português após a expulsão dos
holandeses através da instalação de sesmarias e o apoio às atividades
missionárias entre os indígenas, como ocorreu com os oratorianos,
franciscanos e capuchinhos, e pelos violentos conflitos entre indí-
genas, colonos e bandeirantes na já referida “Guerra dos Bárbaros”.
Há, inclusive, referências à participação de índios “sucurus” nesses
conflitos, possivelmente provenientes da aldeia do Ararobá (SILVA,
2008: 110-111). Diante desse contexto de violência nos embates ar-
mados e de captura e escravização de indígenas pelos bandeirantes
contratados para debelar tanto os vários levantes daqueles quanto o
Quilombo dos Palmares, torna-se possível afirmar, em concordância
com os estudos de Maria Regina Celestino de Almeida para a reali-
dade do Rio de Janeiro colonial, que as aldeias representariam uma
alternativa concreta de refúgio da violência nos sertões e de acesso à
terra (ALMEIDA, 2003: 102).

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34 Mariana Albuquerque Dantas

Aldeias coloniais e processo de territorialização

Com essas breves descrições sobre o processo de criação das al-


deias do Uma, de Jacuípe e do Ararobá podemos chegar a algumas
conclusões sobre as transformações identitárias vivenciadas por seus
habitantes e nas suas relações com o território. Como já afirmamos,
as aldeias tiveram papel estratégico central na política portuguesa de
domínio sobre sua colônia americana. Em conjunto com as sesmarias,
que comportavam principalmente engenhos de açúcar e fazendas de
gado, as aldeias ajudaram a concretizar o projeto colonial, povoando
os sertões e as áreas litorâneas de ocupação mais antiga. Administra-
dos temporal e espiritualmente por missionários, os indígenas esta-
beleciam relações reguladas por leis com não-indígenas, incluindo-
-se a utilização de sua mão de obra nas propriedades vizinhas e na
subsistência da própria aldeia. Ao mesmo tempo, podemos afirmar
que os indígenas aldeados construíram caminhos e estratégias para
se adaptar às novas condições advindas com a situação colonial, ree-
laborando sua relação com o território através do espaço limitado da
aldeia em busca de melhores condições de sobrevivência. Concorda-
mos com Maria Regina Celestino de Almeida na sua abordagem sobre
as expectativas indígenas em relação às aldeias:

Terra e proteção, ao que parece, foram os principais


atrativos para os índios aldearem-se, sobretudo, se
considerarmos que, com o desenvolvimento da co-
lonização, os sertões, além de se restringirem, ofere-
ciam-lhes, cada vez mais, menores possibilidades de
sobrevivência (2003: 102).

Mesmo constituindo-se como elemento imprescindível ao em-


preendimento colonial português, o espaço das aldeias também foi
apropriado pelos indígenas através de acordos, conflitos, pactos e
rivalidades, apresentando-se como sujeitos históricos fundamentais
na construção da colônia. Diante do contexto de violência viven-
ciado nos sertões, bem como nas relações com colonos, paulistas e
missionários, os indígenas aldeados conseguiram articular espaços de
manobra, ainda que inseridos em relações desiguais, para alcançar

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A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
(Pernambuco, séc. XVI-XVIII)
35

seus interesses próprios em relação à constituição das aldeias. Estas


podem ser entendidas como espaços de ressocialização dos indíge-
nas frente à nova ordem colonial, e não apenas como um lugar de
submissão e de perdas culturais.
O território, portanto, foi o aspecto central para a reformula-
ção de culturas e identidades indígenas e da elaboração do lugar
desses sujeitos históricos no processo de constituição da colônia.
As reconstruções identitárias vivenciadas pelos indígenas aldeados
podem ser compreendidas através do conceito de territorialização,
formulado por João Pacheco de Oliveira. Ressaltando a amplitude e
radicalidade da incorporação das populações indígenas do Nordes-
te a uma situação colonial específica, o conceito de territorialização
contempla as profundas mudanças nas experiências indígenas e
na constituição de suas identidades por meio da atribuição a uma
base territorial fixa. Enquanto movimento de reorganização social, o
processo de territorialização implica na transformação de um objeto
político-administrativo fruto de uma intervenção estatal, como as al-
deias, numa coletividade organizada possuidora de uma identidade
étnica diferenciada e reconstruída nesse processo, com novos meca-
nismos políticos de atuação e com uma cultura reelaborada, inclusi-
ve no que se refere ao seu universo religioso e à sua relação com o
passado (OLIVEIRA, 2004: 22-24). Oliveira argumenta, apoiado nas
elaborações de F. Barth sobre a constituição da individualidade dos
grupos étnicos em decorrência da interação social, que o processo
de reorganização social desencadeado pela territorialização é ela-
borado através da reconstrução de vínculos afetivos e históricos en-
tre os membros da nova unidade política e territorial. Tais vínculos,
refabricados num contexto histórico específico, contribuem para a
diferenciação do grupo em relação a outras unidades estabelecidas,
conferindo a todo processo uma participação muito singular aos
próprios agentes envolvidos em sua transformação. A reconstrução
de identidades coletivas e a reorganização social de amplas propor-
ções, compreendidas através do processo de territorialização, são,
portanto, também acionadas pelos próprios agentes que passam
pela imposição da nova unidade política e territorial. Ainda que im-
posto, o processo de territorialização é, portanto, atualizado pelos
próprios indígenas (OLIVEIRA, 2004: 24-28).

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36 Mariana Albuquerque Dantas

Ainda de acordo com Oliveira, no Nordeste ocorreram dois pro-


cessos de territorialização, o primeiro realizado entre os séculos XVII
e XVIII vinculado às missões, e o segundo no século XX e de caráter
antiassimilacionista promovido pelo órgão indigenista oficial do go-
verno brasileiro. No período correspondente ao primeiro processo de
territorialização, os indígenas aldeados passaram por dois movimen-
tos de mistura. A primeira mistura vivenciada nas missões religiosas,
índios de diferentes grupos foram reunidos na nova unidade territo-
rial das aldeias. Conforme Oliveira:

No caso das missões, que são unidades básicas de


ocupação territorial e de produção econômica, há
uma intenção inicial explícita de promover uma aco-
modação entre diferentes culturas, homogeneizadas
pelo processo de catequese e pelo disciplinamento
pelo trabalho (2004: 25).

Acompanhando esse argumento, entendemos que no processo


de criação e desenvolvimento inicial das aldeias do Una, de Jacuípe
e do Ararobá, os indígenas provenientes de grupos variados, como
vimos, reunidos em limites geográficos bem definidos de uma nova
unidade espacial de cunho político e administrativo, vivenciaram
esse primeiro movimento de mistura e reelaboraram suas identida-
des diante do contexto colonial. Ajudaram a transformar uma uni-
dade territorial imposta numa coletividade diferenciada que passou
por um profundo processo de reorganização social e identitária.
As aldeias e missões se tornaram seu referencial de reelaboração
identitária, bem como no estabelecimento das relações com ou-
tros grupos sociais. A compreensão desse processo de reelaboração
cultural, social e política apoiado na reconstrução de identidades
étnicas num contexto colonial, ajuda a analisar como os índios das
aldeias citadas chegaram ao século XIX enquanto grupos relaciona-
dos a um território muito específico.

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A quem serviam as aldeias coloniais? Missões e ocupação da América portuguesa
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HomeNS do mar: o cotidiaNo daS triPulaçõeS
NaS emBarcaçõeS da comPaNHia daS íNdiaS
ocideNtaiS No BraSil HolaNdêS, 1630-1644

Manuel Silvestre da Silva Júnior1

Resumo: O presente artigo pretende analisar a vida a bordo nas em-


barcações neerlandesas da Companhia das Índias Ocidentais (West-
-Indische Compagnie, WIC) no Brasil, desde sua chegada em 1630
até o fim da administração nassoviana, em 1644. Além de estudar as
origens sociais dos tripulantes que trabalhavam nos navios da WIC,
analisamos como era a dieta a bordo, como também as atitudes to-
madas pelos comandantes para manter a hierarquia e disciplina nos
navios, as punições impostas aos tripulantes e como estes se com-
portavam frente aos perigos dos mares e da navegação, o clima e as
batalhas navais.

Palavras-chaves: Cotidiano; Navegação; Brasil holandês.

Seamen: the daily life of the crew members on the vessels of the West India Company in
Dutch Brazil, 1630-1644

Abstract: This article aims to analyze the life on board of the Dutch
vessels of the West India Company (West-Indische Compagnie, WIC)
in Brazil, from their arrival in 1630 until the end of Nassau’s adminis-
tration in 1644. In addition to studying the social origins of the crew
who worked on WIC’s ships, we analyzed in what consisted the diet
on board, as well as the attitudes taken by commanders to maintain
hierarchy and discipline on the ships, the punishments imposed on
crew members, and how they behaved in the face of the dangers of
the seas and navigation, climate and naval battles.

Keywords: Daily life; Navigation; Dutch-Brazil.

1 Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).


42 Manuel Silvestre da Silva Júnior

Introdução

As viagens transatlânticas eram reconhecidas por oferecer dificul-


dades às tripulações das embarcações que navegavam pelos mares.
Nas Províncias Unidas, a criação das Companhia das Índias Orientais
(Vereenigde Oost-Indische Compagnie, VOC) em 1602, e de sua irmã
mais nova, a Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Com-
pagnie, WIC) em 1621, encheu os mares de navios neerlandeses, os
quais realizavam comércios com diversas localidades ao redor do
globo (BOXER, 1961: 13). Antes de entrarmos na discussão sobre
os homens que compuseram as frotas navais da WIC no Brasil, faz-
se necessário analisar como esta Companhia dirigiu sua atenção ao
território brasileiro.Segundo Jonathan Irvine Israel e Charles Boxer, a
WIC recebeu o monopólio de navegação e comércio neerlandês na
América e na África Ocidental, foi autorizada a manter guarnições e
navios de guerra, nomear os governadores das regiões conquistadas
e assinar alianças com os nativos, além de exercer funções adminis-
trativas e judiciais (BOXER, 1961: 27; ISRAEL, 1995: 326).
O Brasil seria o primeiro destino escolhido pela Companhia para
uma invasão aos territórios Ultramarinos Ibéricos. Jean Andries Moer-
beeck escreveu uma proposição para os Estados Gerais com 21 moti-
vos para empreender uma Armada ao Brasil e conquistá-lo, segundo
o cronista neerlandês, o quanto antes (MOERBEECK, 1942: 27). Era
de conhecimento dos neerlandeses que tanto a Bahia como Pernam-
buco eram as principais capitanias do Brasil (MOERBEECK, 1942: 30).
Moerbeeck informou que a conquista desses locais tornaria possível
à WIC o controle do território brasileiro.
Com a invasão à cidade de Salvador em 1624 e a consequente per-
da dela em 1625 por ação da Armada luso-espanhola de D. Fradique
de Toledo, a WIC só voltaria a ter méritos navais com a conquista da
Frota Espanhola da Prata pelo Almirante Piet Heyn, em 1628, ren-
dendo à Companhia, segundo Johannes de Laet, 11.509.524 florins
(LAET, 1911: 29). Entretanto, entre a perda de Salvador e a tomada de
Pernambuco em 1630, outras esquadras foram enviadas para o litoral
brasileiro com o objetivo de promover saques. É um período pouco
estudado pela historiografia. Hermann Wätjen cita dois combates na
baía de Todos os Santos em um período de três meses em 1627. Estes

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
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envolveram a frota neerlandesa liderada pelo Almirante Piet Heyn, o


qual conseguiu conquistar 2.700 caixas de açúcar de luso-brasileiros
da região (WÄTJEN, 1938: 91-92).
Naquele mesmo ano, 12 embarcações comandadas por Dirck
Dymonsz. Utytgeest navegaram pela costa do Brasil, combatendo
embarcações portuguesas entre o Cabo de Santo Agostinho e o
porto do Recife. Foram capturadas 1.500 caixas de açúcar e diversos
outros produtos, como tabaco e couros secos. No fim de 1627, a
WIC aprestou uma nova esquadra de 12 navios sob o comando do
Almirante Adriaen Jansz. Pater e o Vice-Almirante Marten Thijsz, os
quais entraram em combate com as forças luso-brasileiras na Bahia
e em Pernambuco, avistando o Cabo de Santo Agostinho e Olinda
(LAET, Livro V: 49). Essas expedições realizadas pela Companhia
auxiliaram a mesma a ter o conhecimento da navegação da costa
do Nordeste.
Segundo Johannes de Laet, as expedições realizadas entre 1626 e
1629 e os lucros obtidos com a captura de embarcações com carre-
gamentos que interessavam à WIC, principalmente a Frota Espanhola
da Prata, permitiram à Companhia debater qual território Ultramarino
Ibérico eles deveriam tomar de assalto, afirmando o seu diretor que
“várias regiões das América foram lembradas, mas depois de refletirem
bem, lançaram as vistas sobre o Brasil” (LAET, Livro V: 49). O Conselho
dos XIX não achou uma boa ideia atacar novamente a Bahia, porque
estariam prevenidos para um possível segundo ataque.2
De acordo com Laet, as razões para invadir Pernambuco estavam
associadas à rica produção do açúcar e do pau-brasil (LAET, Livro V:
49). Em 1623, uma relação da produção açucareira estava disponível
em um folheto nas Províncias Unidas, informando que “o principal
negócio de todo o Brasil consiste na cultura da terra e no estabele-
cimento dos engenhos” (MELLO, 2004: 19). O documento calculava
que a produção total de açúcar no Brasil chegava a 700.000 arrobas
em 35.000 caixas, podendo render 4.795.000 florins anualmente para
a WIC (MELLO, 2004: 16).

2 A política geral da WIC era determinada pelo Conselho Federal de Administração, os He-
ren XIX, o Conselho dos Dezenove ou Conselho dos XIX (DE ALBUQUERQUE, 2014:
129).

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44 Manuel Silvestre da Silva Júnior

Nesse contexto, reforça Laet que “algumas outras praças foram


então indicadas e não devemos mencioná-las, para não prevenir o
inimigo, podendo ser que Deus ainda forneça ocasião à Companhia
para pôr em execução esses projetos” (LAET, Livros VI: 49). Essas
outras praças deveriam ser o Rio da Prata e o Caribe, locais que os
neerlandeses já tinham conhecimento de navegação e produção de
mercadorias. Segundo José Honório Rodrigues e Joaquim Ribeiro,
“Pernambuco é um porto de escala mais apropriado para a nave-
gação às Índias Orientais. Daí poderiam interceptar os galeões das
Índias e iniciar o ataque às outras capitanias da América do Sul, prin-
cipalmente, ao Peru e ao Chile, que tanto os seduziam” (RIBEIRO;
RODRIGUES, 1940: 95).
Todos esses dados possibilitaram à WIC a conquista da Capitania
de Pernambuco, iniciando um período de 24 anos de domínio no
Nordeste, mas levaram também a um recrutamento em massa de
marinheiros e soldados para compor as fileiras navais da Companhia
neerlandesa. Acabaram por fazer surgir relatos desses homens que,
enviados para o Atlântico Sul, enfrentavam todas as situações que as
viagens transatlânticas poderiam proporcionar, incluindo fome, mo-
tins, tempestades e combates navais. O recrutamento e os imprevistos
a que as tripulações dos navios da WIC estavam submetidas no Brasil
durante a conquista (1630-1636) e sob o governo do Conde Maurício
de Nassau (1637-1644) é o que examinaremos a seguir.

Origens dos marinheiros e soldados nas Províncias Unidas

A boa reputação de pagadora da República ajudava no recruta-


mento de futuros marinheiros para as esquadras de excursão ao Ul-
tramar. Como escreveu Bruno Romero Ferreira Miranda, “além do
desejo de viajar, de se aventurar e de buscar prestígio em terras dis-
tantes, as expectativas de melhores situações de vida e a falta de
oportunidade, permanecem como motivações básicas para as via-
gens empreendidas pelos recrutados da WIC em diferentes momen-
tos” (MIRANDA, 2011: 103).
Ainda no século XVI, no início da guerra contra os espanhóis, a
frota neerlandesa era composta mais por homens das províncias cos-
teiras como a Holanda e Zelândia – muitos deles pescadores – do que

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
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por estrangeiros. Afirmou Simon Schama que a Marinha Neerlandesa


foi essencial na economia dessas cidades desde o início da Guerra dos
Oitenta Anos, pois foram os navios provenientes “das comunidades
pesqueiras existentes nas ilhas e nos portos de estuário de Zelândia
e de Holanda Meridional” que conquistaram as primeiras cidades sob
domínio espanhol, como em Den Briel (SCHAMA, 1992: 247).
Esses marinheiros oriundos das comunidades pesqueiras espera-
vam retornar às suas atividades após o restabelecimento da seguran-
ça nos mares. Entretanto, como a guerra contra os espanhóis dura-
ria até 1648, as frotas neerlandesas continuariam a receber homens
desses vilarejos para compor as tripulações das suas embarcações.
De acordo com Schama, a Marinha das Províncias Unidas receberia
“alguns marujos ‘a curto prazo’, que serviam de quando em quando
e voltavam para casa sempre que a situação econômica da família
requeria a sua presença” (SCHAMA, 1992: 247).
Conforme afirmou Schama, as frotas neerlandesas eram “quase
como se fosse uma milícia marítima” (SCHAMA, 1992: 247). Segundo
o autor, essa milícia, formada no início do conflito contra os Habs-
burgos, era composta por gente da pequena nobreza. Ganharam a
alcunha de Watergeuzen ou os Mendigos do Mar. No decorrer do
século XVII, a composição das frotas da Companhia das Índias Oci-
dentais que viajavam ao Brasil durante o período de ocupação no
Nordeste e até mesmo antes dela era de homens que, muitas vezes,
eram imigrantes, sendo alemães, franceses e escandinavos. Até ingle-
ses pertenceram às fileiras da WIC, estes últimos pelo menos até 1652
(BOXER, 2002: 130). De acordo com Bruno Miranda:

Tal fluxo de pessoas não foi gerado por acaso e tam-


bém não foi limitado a um curto período de tempo.
Entre 1600 e 1800, mais de 2 milhões de imigrantes
foram para regiões centrais no Oeste da República,
com o objetivo de residir, trabalhar temporariamente
ou servir em suas tropas, navios e colônias (MIRAN-
DA, 2011: 31).

Além dos marinheiros, os soldados foram fundamentais na for-


mação das Armadas de excursão às Índias Orientais e Ocidentais.

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46 Manuel Silvestre da Silva Júnior

Eram os soldados que desembarcavam dos navios em botes, para


atacar outra embarcação em alto mar ou conquistar territórios em
terra, apesar de, ocasionalmente, marinheiros serem desembarca-
dos para essa última função. Homens como Ambrosius Richshoffer,
Johan Gregorius Aldenburgk, Caspar Schmalkalden e Peter Han-
sen fizeram parte dessa presença neerlandesa no Ultramar, mais
especialmente no Brasil. O primeiro deles, Ambrosius Richshoffer,
nasceu na cidade de Estrasburgo, na França, em 1612. Seu avô foi
mercador na mesma cidade e participou de campanhas navais na
Europa. Juntou-se à WIC, em 1629, e lutou no Brasil a partir de
1630, até sua volta aos Países Baixos, em 1632 (RICHSHOFFER,
2004: 5-6).
Johan G. Aldenburgk nasceu em Coburgo, na Alemanha, em data
desconhecida. Chegou a estudar na Universidade de Iena, entretan-
to, ao tomar conhecimento da expedição neerlandesa com a recen-
temente fundada Companhia das Índias Ocidentais em direção ao
Brasil, em 1623, alistou-se voluntariamente na frota, como soldado,
permanecendo na Bahia até a expulsão dos neerlandeses em 1625
pela frota luso-espanhola comandada por Dom Fradique de Toledo
(ALDENBURGK , 1961: 17).
Caspar Schmalkalden nasceu em Friedrichroda, na Turíngia, em
data desconhecida, provavelmente entre 1616-1618. Era filho de Mag-
dalena e Liborius Schmalkalden. Este último chegou a ocupar o cargo
de prefeito da cidade. Veio ao Brasil, em 1642, em uma embarcação
da WIC batizada de o Elefante, permanecendo até 1646, ano em que
retornou à Europa (SCHMALKALDEN , 1998: 7). Ainda fez parte da
VOC durante seis anos e meio, como medidor de terras e cartógrafo,
viajando pela Batávia, Java, China e Japão (MIRANDA, 2011: 350;
SCHMALKALDEN , 1998: 13-14). Peter Hansen nasceu em 1624, na
pequena vila de Hajstrup, ao Sul da Jutlândia, na Dinamarca. Alistou-
se na WIC em 1644, partindo no mesmo ano ao Brasil, permanecen-
do no país até o seu retorno à Europa em 1654 (TEENSMA; MIRAN-
DA; XAVIER, 2016: 21-39).
Esse número de estrangeiros, tanto de marinheiros como de solda-
dos, foi fundamental para o crescimento da força naval neerlandesa
no além-mar. De acordo com o historiador sueco Jan Glete, os Países
Baixos tornaram-se no decorrer do século XVII:

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Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
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O maior mercado de trabalho concentrado para mari-


nheiros do mundo, e as marinhas mercantis, as Com-
panhias Orientais e Ocidentais atraíram um grande
número de estrangeiros, especialmente alemães e
escandinavos [...] comparado a outras marinhas euro-
peias, o sistema neerlandês foi uma conquista notável
para um Estado baseado em uma população limitada,
especialmente se for lembrado que o mesmo Estado
também manteve um dos maiores exércitos da Eu-
ropa por meio do recrutamento voluntário (GLETE,
2002: 58).

De acordo com historiadores, muitos dos marinheiros e soldados


das companhias neerlandesas eram das classes baixas da sociedade
europeia, principalmente aqueles pertencentes às baixas patentes. O
historiador alemão Herman Wätjen foi bastante crítico aos militares da
Companhia, “os aliciadores da WIC aceitavam qualquer um que fosse
capaz de carregar armas, quer se apresentasse espontaneamente, quer
fosse atirado em seus braços pelos caprichos do acaso. Às pessoas que
se comprometiam a ir para o Brasil nunca se perguntavam pelo seu
passado nem pelo seu meio de vida” (WÄTJEN , 1938: 382).
Bruno Miranda, quando estudou a origem social dos recrutas da
WIC, analisou os trabalhos de historiadores que rebatem essa posi-
ção depreciativa dos militares da Companhia neerlandesa como dos
exércitos de outras nações. Um desses historiadores é Frank Tallet, o
qual estudou os veteranos franceses das últimas décadas do século
XVII, mostrando que a maioria dos homens das tropas francesas era
originada na camada mais baixa da sociedade, mas fazia parte do
mercado laboral, trabalhando como pequenos artesãos, jornaleiros,
agricultores de subsistência, entre outras profissões. O próprio Johan
G. Aldenburgk e Casper Schamalkalden estudaram em universidades.
Entretanto, face às dificuldades geradas em tempos de crises econô-
micas e à falta de recursos, acabavam por se alistar nas forças milita-
res europeias (TALLET apud MIRANDA, 2011: 55).
Indo em consonância com o que diz Frank Tallet, nas Dagelijkse
Notulen percebe-se que muitos soldados e marinheiros eram contra-

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48 Manuel Silvestre da Silva Júnior

tados para outras funções na WIC no Brasil. Somente no dia 11 de


maio de 1635, nove militares da Companhia foram contratados como
assistentes de padeiro, com salários entre 13-14 florins por mês (Da-
gelijkse Notulen, 11/05/1635: 84-85). No mesmo dia, Jan Barentsen
foi contratado como padeiro chefe da Paraíba, ganhando 17 florins
por mês e Lambert Everts assumiu como mestre de padaria, em Ita-
maracá, pelo mesmo valor (Dagelijkse Notulen, 11/05/1635: 83-86).
Outros, após o tempo de contrato findar, tornavam-se cidadãos livres
e ocupavam funções que possuíam experiência.
Havia aqueles que vinham para o Brasil em embarcações não per-
tencentes à WIC, portanto não eram contratados dela, mas poderiam
vir a sê-lo no país. O marinheiro Frederick Fokkens, natural de Haar-
lem, era lotado na embarcação De Raeve (O Corvo) e foi contratado
como assistente pelo Comissário Gave, com salário de 12 florins por
mês (Dagelijkse Notulen, 27/04/1635: 76). Outro marinheiro que veio
para o Brasil sem contrato com a WIC foi David Raffels, o qual estava
embarcado no navio De Sonnebloem (O Girassol) da Câmara de Ams-
terdã. Posteriormente, foi contratado para o serviço na Companhia
por 6 florins por mês, pois era capaz de falar e traduzir um pouco de
português (Dagelijkse Notulen, 27/04/1635: 76).
Homens que conseguissem realizar um bom trabalho e ter o apoio
de comandantes renomados poderiam ter aumento de salário. Em
1635, Willem Cornelissen era antigo Capitão do navio Gele Son (O
Sol Amarelo) e foi promovido a Comandante dos “navios e embar-
cações em Paraíba, função que recebeu depois da conquista deste
lugar” (Dagelijkse Notulen, 14/09/1635: 120). Pela posição alcançada,
requereu um aumento de salário, e como tinha boas recomendações
do Conselheiro Servaes Carpentier, conseguiu um aumento para 108
florins por mês (Dagelijkse Notulen, 14/09/1635: 120).
Alguns marinheiros das camadas baixas da sociedade ascendiam
às posições hierarquicamente superiores. De acordo com Jan Glete,
as Províncias Unidas foram o primeiro Estado europeu onde mari-
nheiros de origem social humilde ascenderam na carreira naval e,
segundo Jonathan I. Israel, muitos chegavam a ser indisciplinados
no início da carreira (GLETE; 2002: 53; ISRAEL, 1998: 679). Simon
Schama escreveu que “os heróis navais geralmente pertenciam às
camadas populares e não à aristocracia, ou pelo menos assim se

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Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
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pensava” (SCHAMA, 1992: 248). Conforme Boxer, “a experiência e a


competência profissional (e não a genealogia e o status social) cons-
tituíam os critérios principais para a promoção” (BOXER, 2002: 128)
dos comandantes marítimos neerlandeses.

Dietas a bordo

As embarcações dos Países Baixos com destino às Índias Ociden-


tais e Orientais eram carregadas de víveres oriundos das mais diversas
partes do território neerlandês, principalmente de Amsterdã. Fernand
Braudel utiliza um relatório francês para indicar as vantagens que as
frotas neerlandesas tinham no tocante à alimentação em comparação
a outros países no tocante a alimentação a bordo dos navios:

É necessário para alimentação dos marinheiros


franceses, pão, vinho, biscoito de puro trigo que
seja bem branco, carne da fresca e da salgada,
bacalhau, arenque, ovos, manteiga, ervilhas, favas
e, quando comem peixe, é necessário que seja
temperado, e só o querem nos dias magros. Os
holandeses contentam-se com cerveja, pão e um
biscoito de centeio frequentemente muito escuro,
mas de gosto excelente, queijo, ovos e manteiga,
um pouco de carne salgada, ervilha, sêmola e
comem muito peixe sem ser temperado, todos os
dias, sem distinção de magros ou gordos, o que
custa bem menos do que a carne; os franceses, de
temperamento mais quente e mais ativos, fazem 4
refeições, os holandeses, de temperamento mais
frio, fazem 2, quando muito 3 (A.N., M 785, fich. 4, f ’
45, 1697 apud BRAUDEL , 2009: 174).

O relatório acima, entretanto, é bem diferente das descrições con-


tidas nos diários dos marinheiros e soldados que serviram a bordo
nas embarcações da WIC. A longa duração das viagens marítimas
muitas vezes estragava as comidas estocadas. Ademais, nem sempre
essas embarcações tinham espaço suficiente para o adequado acon-

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50 Manuel Silvestre da Silva Júnior

dionamento. Quando Ambrosius Richshoffer estava a bordo do De


Salamander, no porto de Texel, aguardando a partida ao Brasil em
1629, teve que esperar por víveres, os quais eram enviados em trans-
portes abarrotados para a embarcação (RICHSHOFFER, 2004: 10). Na
viagem, o mercenário descreveu a divisão das porções de alimentos
e bebidas entre os tripulantes:

Nesta data (10 de julho), começou no nosso navio, a


distribuição, pelos tripulantes, de víveres e bebidas
por porções, ou como costumavam chamar – rações
-, é da seguinte maneira. Cada tripulante recebia por
semana 4½ libras de biscoito, ½ libra de manteiga
e um pouco de vinagre. Oito homens colocavam-se
juntos para comer em volta de um fardo ou mesa, das
quais, porém, não havia uma só a bordo e, para isto,
nos servíamos do convés, sem termos toalhas e muito
menos guardanapos. Tínhamos por semana dois dias
de carne e um toucinho para o jantar, junto com um
prato redondo de favas, ½ libra para cada um; isto era
aos Domingos, Terças e Quintas-feiras. Nos demais
dias davam-nos um prato de aveia mondada, ou ce-
vada ou ervilhas, e algumas vezes bacalhau, porém,
de tudo tão pouco que dois homens com bom ape-
tite teriam devorado as rações dos oito. Diariamente
tínhamos uma medida de água, a maior parte das
vezes fétida, e cada tripulante recebia três grandes
queijos flamengos para toda a viagem (RICHSHOF-
FER, 2004: 13-14).

Pelo relato de Richshoffer, se constatou a dificuldade dos ma-


rinheiros e soldados de possuir uma boa alimentação durante as
viagens de longa distância. Como as embarcações viajavam lotadas
de produtos nos conveses inferiores, muitas vezes a comida trans-
portada não era suficiente para as necessidades alimentícias duran-
te o trajeto ao local de destino e, acima de tudo, a distribuição era
precária. Também não havia espaço nos navios para a tripulação se
alimentar. Caspar Schmalkalden relatou que a embarcação na qual

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
51

ele viajou para o Brasil estava sobrecarregada de abetos, madeira


importante para fabricação de papel (SCHMALKALDEN, 1998: 28).
A gente dividia o espaço com a carga. De acordo com Bruno Mi-
randa, “a comida era entregue a pequenos grupos de sete a oito
pessoas que cozinhavam em conjunto. Eles podiam se servir de
fornos coletivos ou fogareiros, a depender do tamanho da nau”
(MIRANDA, 2011: 126).
Os relatos de Richshoffer e Schmalkalden demonstraram que as
estruturas das embarcações não privilegiavam os homens de menor
patente na tripulação. Richshoffer relatou as condições precárias de
alojamento nas embarcações: “dormi sobre o duro convés entre os
canhões, prestando-me então o meu chapéu cinzento de Breda bons
serviços como travesseiro. Quanto ao mais, tenho a dizer que, se-
gundo o costume de bordo, fomos pessimamente alimentados, pelo
que dou graças ao Altíssimo por me haver com saúde outra vez” (RI-
CHSHOFFER, 2004: 123).
Segundo Charles Boxer, poucas restrições eram impostas à sede
e ao apetite na mesa do Capitão, localizada na grande cabine. De
acordo com o autor, “este contraste acentuado nos padrões de vida
entre oficiais e homens de menor patente não era, evidentemente,
pernicioso para os holandeses. Era uma característica geral nos na-
vios de todas as nações, principalmente nos navios da Marinha Real
e da John Company” (BOXER, 1990: 84).
O Padre João Baers presenciou algo diferente do que relatou Ri-
chshoffer. Tripulado na embarcação onde estava o Coronel Waer-
denburgh, informou o padre neerlandês que este era “muito sisudo,
de grande sobriedade e temperança, usando a bordo de muita mo-
deração na comida e bebida, e não só abstendo-se de excessos [...]”
(BAERS, 2004: 7-8). Os oficiais chegaram a reclamar com o Coronel,
afirmando eles que estavam mal alimentados durante a viagem, algo
negado por Waerdenburgh (BAERS, 2004: 10).
Johannes de Laet estimou que, de 1623 a 1636, a WIC tenha em-
pregado 67.010 homens na frota, distribuídos nas embarcações en-
dereçadas diretamente ao Brasil ou em missões no Atlântico. A partir
dos dados disponibilizados por De Laet, é possível estimar que desde
a frota de invasão ao Brasil em 1630 até o ano de 1636, 314 embarca-
ções foram enviadas ao Brasil pelas Províncias Unidas, contabilizan-

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52 Manuel Silvestre da Silva Júnior

do 11.576 marinheiros e 13.520 soldados (LAET, Livro VI: 49-58; Livro


VII, 79-88; Livro VIII, 203-228; Livro IX, 252; Livro X, 290-291; Livro
XI, 3-4; Livro XII, 80-81; Livro XIII, 136-137).
De acordo com o diretor da Companhia, alguns números das fro-
tas foram omitidos, sob a alegação que não se podia saber o número
exato de gente de mar e de terra, provavelmente para não revelar
às Coroas Ibéricas os reforços enviados à Capitania de Pernambu-
co. Além desses números, os gastos de mesa, calculados igualmente
para cada oficial, soldados, capitães de navios e marinheiros, perfazia
“cada um 10 stuivers e, portanto, cada um anualmente 184 florins
[...] e temos para mantimentos de boca a soma de 18.293.730 florins”
(LAET , Livro XIII: 194).
Para suprir a constante falta de comida, as escalas durante as via-
gens transatlânticas se tornaram cada vez mais presentes. Várias es-
quadras neerlandesas ancoravam próximas às ilhas no Atlântico para
reabastecimento. O Almirante Hendrick Loncq, no comando da frota
que invadiria a Capitania de Pernambuco em 1630, assistindo à sua
tripulação adoecer e morrer ordenou que alguns homens procuras-
sem provisões na Ilha de São Vicente. Nela foram encontrados pou-
cos cabritos, algumas tartarugas e peixes, todos logo consumidos pela
tripulação (LAET , Livro VI: 57). O mesmo comandante, em agosto
de 1629, ordenou que o navio Amersfoort e o iate Swaluwe fossem à
Grande Canária procurar água doce para a frota (LAET , Livro V: 51).
Johan G. Aldenburgk em passagem pela Ilha de São Vicente com a
frota que invadiria Salvador em 1624, relatou que muitos homens da
tripulação desembarcavam na ilha com redes de pesca, conseguindo
capturar inúmeros peixes das mais variadas espécies. O soldado regis-
trou ter visto “uns listrados de azul, branco e amarelo; outros de ver-
melho e amarelo [...] havia também grandes enguias, com longos bicos
de cegonha, ouriços marinhos, de corpo grosso e inçado de espinhos,
sem pés e com cauda de peixe [...]” (ALDENBURGK , 1961: 164).
Nem sempre era possível reabastecer nas escalas. Em 1632, o Ca-
pitão Cornelis Corneliszoon Jol foi enviado das Províncias Unidas
para o Brasil. Partindo do porto de Texel e navegando por diversas
ilhas, chegou finalmente à de São Vicente em 12 de maio. Entretanto,
como não conseguiu apanhar cabritos e coletar água, acabou seguin-
do viagem para o território brasileiro (LAET , Livro IX: 287).

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
53

De acordo com Richshoffer, a comida disponibilizada para a tri-


pulação variava entre os biscoitos, manteiga, vinagre, carnes e tou-
cinhos, como também uma boa variedade de frutas. Estas eram as
principais necessidades dos homens, expostos a doenças como o
escorbuto, haja vista a carência de vitamina C. Laranjas, limões e
maçãs eram as mais utilizadas pela tripulação. Na viagem da frota
ao Brasil em 1630, o soldado da WIC informou que dois iates foram
enviados pelo General Loncq à Ilha de Santo Antônio em busca de
frutas (RICHSHOFFER , 2004: 31).
Esse episódio narrado por Richshoffer, sobre o escorbuto, eviden-
ciou que as doenças foram a causa de diversas mortes nas embarca-
ções. Segundo Charles Boxer:

A importância de provisões frescas no combate ao


escorbuto só é percebida vagamente no início das
primeiras viagens portuguesas. Laranjas, limões e ma-
çãs eram transportados nas viagens as Índias, embora
a superioridade do limão como antiescorbútico sobre
todas as outras frutas cítricas não fosse compreendi-
da. Antes da fundação e do assentamento no Cabo da
Boa Esperança de uma estação de abastecimento para
as Índias Orientais, os comandantes das frotas faziam
esforços esporádicos para plantar árvores frutíferas e
vegetais em locais como a Ilha de Santa Helena e a
Ilha Maurício. Assim, aqueles que vinham depois po-
diam colher o benefício e plantar sementes por sua
vez. Essas duas ilhas eram excepcionalmente saudá-
veis e os tripulantes às vezes obtinham frutas frescas
e provisões, curando, portanto, o escorbuto com a
mudança da dieta; mas em outros lugares, como as
Ilhas de Cabo Verde, Serra Leoa e Madagascar, muitos
homens poderiam ser infectados com malária ou ou-
tras febres tropicais (BOXER . 1990: 84-85).

Em expedição enviada pela WIC à Ilha de Santa Helena, com o


objetivo de capturar as caravelas portuguesas que voltavam das Ín-
dias Orientais e ali estacionavam para reabastecer, o Vice-Almirante

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54 Manuel Silvestre da Silva Júnior

Joost van Trappen partiu da Capitania de Pernambuco em março,


chegando à ilha no início de maio. Após ancorar ao largo, o Vice-
-Almirante e o Conselho da Esquadra autorizaram alguns homens a
colher laranjas, limões e outros frutos (LAET, Livro VII: 89).
A pesca em alto-mar também fornecia comida para as tripulações
durante a navegação. Os diaristas evidenciam diversos tipos de ani-
mais aquáticos utilizados pelas tripulações como fonte de alimen-
to. Johan Nieuhof escreveu que, após uma tempestade, uma grande
quantidade de peixe foi pescada, principalmente das espécies bonito,
korenten e uma lampreia. Deste último, de acordo com o escritor,
“só aproveitamos os miolos, - que passam por ser excelente remédio
contra pedras na bexiga, - desprezando a carne, de sabor oleoso”
(NIEUHOF, 1981: 25).
Richshoffer afirmou que logo após sair do porto de Texel em
direção ao Brasil, muitos peixes do tipo cavala foram pescados. Na
Ilha de São Vicente, narrou o soldado, foram pescadas arraias para
a tripulação, além de tartarugas. Em outubro de 1629, muitos outros
peixes foram capturados e, conforme Richshoffer, “entre outros cita-
rei o peixe papagaio, de tão belas e variadas cores que parece pinta-
do; outros eram completamente chatos, com a boca torcida, e ainda
outros de tão esquisitas formas, que se não podem descrever todas”
(RICHSHOFFER , 2004: 34).
Johan G. Aldenburgk observou como era o processo de pesca de
tartarugas e tubarões em mar aberto:

Como não conseguem nadar depressa, delas (tarta-


rugas) se aproximam os botes, cujos tripulantes as
viram de barriga para cima, de modo a imobilizá-las,
atiram-nas dentro das embarcações e levam-nas para
terra onde lhes tiram os cascos. Sua carne é tão gor-
durosa que se costuma derretê-la, transformando-a
em azeite [...] de igual maneira, notavam-se ali tuba-
rões, perigosíssimo peixe de rapina, muito daninho,
como adiante se verá; não consegue pegar objeto al-
gum acima dele, sem que se deite de costas, por isso
que tem o focinho muito comprido, e a boca, armada
de dentes agudos, fica muito mais abaixo. Apanha-

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
55

mos os tubarões com correntes e resistentes anzóis


de ferro, encobertos por pedaços de carne; uma vez
fisgados, são içados com dificuldades para bordo e
mortos a machadadas. Esfolados, servem os menores
depois de cozidos, de alimento para a marujada, se,
porém, são grandes, cortam-nos em postas. A extre-
midade superior da cauda é muito mais comprida do
que a inferior, e do seu corpo pendem exteriormente
muitos filhotes (ALDENBURGK , 1961: 159-160).

Peter Hansen Hajstrup relatou que na viagem ao Brasil, foi apa-


nhado “um peixe grande, com cerca de seis pés de comprimento;
que em espanhol se chama taberau (tubarão) e hay no nosso ale-
mão” (TEENSMA; MIRANDA; XAVIER, 2016: 48). Navegando em alto
mar, Schmalkalden escreveu sobre a captura de dois tubarões pela
tripulação do navio em que se encontrava. Afirmou que foram reti-
rados os fígados dos animais, além do proprietário da embarcação
ter ficado com o cérebro de ambos os tubarões, secando-os ao Sol
(SCHMALKALDEN, 1998: 30). Como se observa, a pesca era de suma
importância para saciar a fome da gente do mar nas embarcações
durante as longas travessias e fundamental em uma esquadra com
uma grande tripulação.
A captura de navios de nações inimigas pela WIC era importan-
te para o reabastecimento nas viagens transatlânticas ao Brasil. As
embarcações inimigas poderiam conter carregamentos alimentícios
que serviriam para complementar os víveres dos navios neerlande-
ses, além de possibilitar lucro para a Companhia. Como exemplo,
no trajeto para invasão ao Brasil, o General Loncq encontrou-se com
a frota espanhola de D. Fradique de Toledo, ocorrendo um intenso
embate. Após a batalha naval, perto das Ilhas Grandes - Canária e Te-
nerife, um patacho espanhol foi apreendido pelos neerlandeses. Esta-
va carregado com vinho, alcaparras, aguardente, tinta, vinagre, óleo,
azeitona, seda e panos bordados a ouro e prata (LAET, Livro VI: 54).
Durante a ocupação no Brasil, a quantidade de alimentos envia-
dos das Províncias Unidas não era suficiente para manter as opera-
ções de guerra contra os luso-brasileiros, expondo a falta de planeja-
mento da Companhia, mesmo com os diversos avisos das principais

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56 Manuel Silvestre da Silva Júnior

autoridades no território conquistado. O Conselho dos XIX, em carta


datada de julho de 1630, responderia ao Conselho Político do Brasil
sobre as queixas desse acerca da quantidade de gêneros alimentícios
estragados enviados para o Brasil, pedindo informações para iden-
tificar o responsável pelo envio dos víveres sem condições de uso
(MIRANDA, 2011: 130).
Laet chegou a relatar que o ataque ao Arraial do Bom Jesus, em
1635, foi realizado mesmo com escassez de vitualhas e munições,
“causada pela demora da vinda de navios da República” (LAET, Li-
vro XII: 94). A WIC recorria aos cidadãos livres para obter vitualhas,
como mostrou Rômulo Nascimento: “as tropas neerlandesas, antes da
chegada de Mauricio de Nassau e do Alto Conselho, contavam com o
fornecimento de víveres também por parte dos Vrijeluijden quando
se fizesse necessário” (NASCIMENTO, 2008: 158-159).
Após a chegada de Nassau, a falta de víveres nos armazéns persis-
tiu. Em relatório apresentado ao Conselho dos XIX, em 1640, Adriaen
van der Dussen reclamou do comprometimento da Companhia em
enviar alimentos para o Brasil:

O prejuízo que a Companhia tem tido em todo este


tempo de carestia não é possível informar: se a Com-
panhia tivesse enviado víveres suficientes e mantido
os nossos armazéns abastecidos, teríamos vendido al-
guns de tempo em tempo, com o que a Companhia
teria feito um bom lucro, a nossa tesouraria estaria
com numerário e não teria sido necessário lançar
mão das rendas dos negócios, as quais teriam sido re-
metidas, com vantagem, para a Pátria, evitando-se as-
sim prejuízos para todos. Também, em consequência
disto, ocorreu sério risco para esta conquista da Com-
panhia, porque não somente não podíamos abastecer
os nossos fortes para fazer face a um ataque eventual,
como não possuíamos o suficiente para manter o Re-
cife (MELLO, 2004: 211).

A cada nova região conquistada no Nordeste, era feita uma redis-


tribuição das tropas e das embarcações, as quais deveriam circular

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
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com mais frequência pelo litoral para, além de prover as novas pos-
sessões com mantimentos, tentar capturar navios inimigos com ali-
mentos e bens que gerassem lucro para a WIC.3 Mais do que somente
patrulhar a costa, numerosas frotas saíam do Brasil, o qual virou
base de expedições predatórias da Companhia no Atlântico Sul em
direção às Antilhas e África, esvaziando os armazéns, pois teriam que
ser providas com os gêneros alimentícios guardados nesses locais
(MIRANDA, 2011: 119).
Como exemplo do abastecimento dos navios pelos armazéns, em
1635, o Comissário Crispijnsz. recebeu ordens da WIC para abastecer
cinco embarcações que sairiam em patrulha retirando provisões de
navios estacionados que ainda tinham provisões. Não foi informada
na documentação qual a localidade que estes navios iriam patrulhar,
se a costa do Brasil ou em outras regiões do oceano Atlântico (Dage-
lijkse Notulen, 21/04/1635: 71):

O navio De Salamander 74 cabeças


O navio Dordrecht 65 cabeças
O navio Enckhuijsen 68 cabeças
O navio De Mercurius 52 cabeças
O navio Mauritius 50 cabeças
______
309 cabeças

O mesmo Adriaen van der Dussen, no ano de 1640, lembrou que


o fornecimento de vitualhas aos navios que defendiam o litoral nor-
destino, como também daqueles que retornavam para a República
eram abastecidos pelos armazéns da Companhia (MELLO, 2004: 212).
As embarcações, mesmo carregadas com mantimentos nas viagens,
enfrentavam a aflição da fome. A alimentação dos tripulantes, consi-
derando todo o percurso dos Países Baixos ao Brasil, dependia quase
que exclusivamente dos víveres embarcados nos portos neerlandeses
na ida ou nos portos brasileiros quando da viagem de volta.
Johan Gregorius Aldenburgk narrou o desespero dos homens nas
embarcações na volta para a República após serem expulsos da Bahia

3 O Conselho Político redistribuiu as tropas em 1635, como um “plano de ocupação” do


território (NASCIMENTO, 2008: 167).

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58 Manuel Silvestre da Silva Júnior

pela frota luso-espanhola. A fome imperava principalmente quando


os navios estavam posicionados na Linha do Equador. De acordo
com Aldenburgk, “a tripulação teve que padecer de fome e sede, re-
duzindo-se a ração diária a seis colherinhas de farinha e uma quarta
d’água” (ALDENBURGK, 1961: 221). As chuvas ajudavam a amenizar
a falta de água, quando os marujos e soldados recolhiam a bebida
com panos e botijas. Ratos nos conveses inferiores das embarcações
eram pegos e assados para matar a fome constante, muitos homens
vendiam esses animais por quinze soldos cada um (ALDENBURGK,
1961: 221).
O mesmo Aldenburgk relatou o sofrimento pela falta de víveres na-
vegando em mares perto da Europa, afirmando que “estávamos preo-
cupados com os perigos de corpo e vida, pois nossas vitualhas e apa-
relhos de bordo se encontravam corroídos e estragados, e já não havia
provisão” (ALDENBURGK, 1961: 222). A Linha do Equador também
prejudicou a tripulação da embarcação onde se encontrava Ambrosius
Richshoffer: “pairávamos sob a Linha Equinocial (antigo nome da Li-
nha do Equador) onde, não só experimentamos grande calor e outros
incômodos, como também sofremos de uma sede intolerável, o que
nem tudo se pode descrever” (RICHSHOFFER, 2004: 51).

Hierarquia e disciplina

Hierarquia e disciplina eram dois fatores preponderantes na vida


militar-naval. Para os comandantes das embarcações, manter a ordem
na tripulação não era somente ter o respeito dos homens, mas tam-
bém o sucesso da viagem marítima. De acordo com Bruno Miranda:

Cartas-artigo emitidas pelos Estados Gerais ao longo


de dois séculos descrevem as regras de conduta que
os homens empregados nos navios a serviço dire-
to ou indireto da República deviam seguir. No caso
específico dos artigos emitidos pela WIC em 1640,
percebe-se que os mais diferentes aspectos para o
controle da vida diária foram abordados. Parte con-
siderável dos 142 artigos contidos na carta trata de
proibições, admoestações, punições e procedimen-

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
59

tos gerais, como a obrigação de ir às prédicas, o


cuidado com a linguagem utilizada, a precaução de
não pôr fora alimentos sem autorização de um co-
missário dos víveres, a manutenção da limpeza da
embarcação, o cuidado com o armamento forneci-
do, a parcimônia no consumo de bebidas alcoólicas
a bordo e em terra – durante as paradas –, a proi-
bição dos jogos de azar, do roubo e da saída não
autorizada da embarcação – quando ancorado em
algum porto (MIRANDA. 2011: 286).

O papel do comandante nas embarcações era fundamental para


manter os homens firmes, seguindo as regras citadas. A calmaria
dos mares poderia mudar logo para uma tempestade ou uma ba-
talha naval. Mortes por doenças, fome ou o resultado de uma ba-
talha, poderiam mudar o comportamento da tripulação, resultando
em motins dentro dos navios. De acordo com Angélica Madeira,
“um barco em alto mar é um palco bastante instável. O drama que
ali ocorre – como um páthos, uma luta de morte – provoca um
distúrbio nas hierarquias, uma confusão de suas marcas e da or-
dem prévia estabelecida, pelo menos em seus principais momentos”
(MADEIRA, 2005: 96).
Essa instabilidade foi relatada por Johan Gregorius Aldenburgk
que na viagem de volta do Brasil, quando estava perto de mares
europeus, a tripulação se encontrava sem provisões, o que acabou
afetando a relação com o comandante. Após passarem a noite anco-
rados perto da Inglaterra e Irlanda, foi decidido logo de manhã que
seguiriam viagem para a França, o que gerou protestos dos tripulan-
tes. Aldenburgk escreveu que “a isto se opuseram vivamente solda-
dos e marinheiros, não quiseram pôr mãos aos cordames, e ameaça-
ram o comandante, dizendo que se nós e o navio sofrêssemos dano,
isto lhe custaria o pescoço” (ALDENBURGK, 1961: 223).
Segundo Aldenburgk, um piloto inglês ofereceu ajuda para guiar
a tripulação pelo mar perigoso da região até uma cidade, a qual teria
bons gêneros alimentícios para compras. Entretanto, o serviço foi dis-
pensado. A tripulação tentou uma conversa pacífica com o superior,
mas percebendo que não cederia, o ameaçaram novamente. Acuado,

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“ele mandou disparar dois tiros de canhão, convidando o piloto a


voltar a bordo” (ALDENBURGK, 1961: 224).
O relato de Aldenburgk evidenciou a displicência do comandante
em manter unida e em ordem a tripulação. Almirantes como Michiel
de Ruyter e Piet Heyn ficaram conhecidos na Marinha Neerlandesa
por exigirem disciplina entre os subordinados. Situações como essa
evidenciam como o respeito entre comandante e a tripulação poderia
desaparecer. Manter-se vivo era mais importante para os homens do
mar e contrastava com o juramento solene feito para a Companhia
das Índias Ocidentais que estipulava, no caso de rendição a um ini-
migo, que se lançasse “fogo ao paiol da pólvora, a fim de ambos os
navios voarem pelos ares” (RICHSHOFFER, 2004: 8).
Johannes de Laet afirmou que o Almirante Loncq, estacionado
com a frota na Ilha de São Vicente, mantinha a ordem e disciplina
na tripulação, evitando a desunião entre soldados e marinheiros,
contando com o apoio do Major Enghelbert Shutte e, posterior-
mente, com o apoio do Coronel D. Waenderburgh, o qual manteve
rigorosa disciplina nas tropas, evitando-se um motim (LAET, Livro
VI: 57).
Laet descreveu uma situação na qual, numa esquadra sob o co-
mando de Jan Gijsberts Boogarten, começaram a faltar víveres, prin-
cipalmente o vinho. A cada nova embarcação que chegava da Re-
pública, o comandante redistribuía as provisões dessas para outras
que estavam há algum tempo no mar. A tripulação não aceitou e
Boogarten foi obrigado a trocar de navio, perdendo o respeito entre
seus comandados. Acabou decidindo regressar às Províncias Unidas,
temendo uma insurreição geral (LAET, Livro VIII: 203).
Manter unidos os soldados e marinheiros era difícil, à vista das
relações entre esses grupos. Richshoffer, como soldado, chegou a
chamar os marinheiros de “corja sacrílega e desonesta” (RICHSHOF-
FER, 2004: 178). Conforme Boxer, a rivalidade entre esses dois gru-
pos já era tradicional em muitos países. O motim e a insubordinação
ocorriam com mais frequência nas embarcações da VOC e da WIC
em comparação à Marinha Mercante neerlandesa. Segundo o histo-
riador inglês, as longas viagens realizadas para as Índias Ocidentais
e Orientais, assim como o número maior de estrangeiros nas frotas
dessas companhias, talvez explicasse a rebeldia dentro dos navios,

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
61

mas destacou que a opinião a esse respeito não é unânime entre os


pesquisadores (BOXER, 1990: 79). Afirmou Boxer:

Se os estrangeiros eram relativamente numerosos en-


tre os marinheiros, havia uma proporção ainda maior
deles entre os soldados, como veremos abaixo. A tra-
dicional rivalidade entre os dois grupos em todos os
países e climas estava muito em evidência a bordo
das embarcações neerlandesas. Eles se davam uns
aos outros apelidos e insultos, e apenas a rígida disci-
plina que era imposta a ambos os lados impedia que
eles chegassem a brigar com mais frequência do que
eles realmente faziam. Como um governador colo-
nial extrovertido escreveu para o Conselho dos XVII
(VOC) de sua nau capitânia em Table Bay em 1630:
“Eu vejo que a velha paixão ainda persiste e que os
marinheiros são inimigos mortais dos soldados” (BO-
XER, 1990: 81).

Pieter Marinus Netscher escreveu que os soldados seriam mais


propensos à rebeldia pela origem mercenária dessas tropas. Para o
autor, os marinheiros eram praticamente filhos do país, tendo mais
moderação e disciplina (NETSCHER, 1942: 265). Analisando os estu-
dos dos historiadores que apresentamos, o argumento de Nestcher
de que os marinheiros eram praticamente ‘filhos do país’ é infundada.
Tanto Boxer, Israel e Glete, afirmaram que muitos estrangeiros per-
tenciam às tripulações das duas Companhias. Mesmo que as Provín-
cias Unidas exigissem rígida disciplina nas embarcações, a rivalidade
entre soldados e marinheiros sempre persistia, independentemente
da nacionalidade.
O respeito entre comandantes também era fundamental na manu-
tenção da hierarquia nas esquadras da WIC. Em relato sobre a frota
do Almirante Pieter Adriaensz Ita, Laet afirmou que este ficou insatis-
feito com um Capitão da Companhia que navegava com uma única
embarcação no Atlântico, sem pertencer a nenhuma frota e que não
desejava se encontrar com o Almirante Ita, o qual enviou ordem ex-
pressa para o Capitão apresentar-se à esquadra (LAET, Livro VII: 93).

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62 Manuel Silvestre da Silva Júnior

O Regimento do Governo das Praças Conquistadas ou que Fo-


rem Conquistadas nas Índias Ocidentais trazia uma série de artigos
sobre as obrigações dos militares, tanto de menor quanto de maior
patente. O artigo 49 descreve obrigação do General, Almirante, Vice-
-Almirante, Sota-Almirante e Capitães de navios de conhecer os abu-
sos e delitos cometidos pela tripulação contra a ordem militar (RIAP,
número 30, 1886: 289).
O artigo 51 tratava sobre o julgamento dos delitos praticados por
soldados e marinheiros, mas no âmbito civil, que eram julgados pelo
“direito e as leis naturais, divinas e ordinárias [...] nos julgamentos
dos soldados ou gente do mar, intervirão respectivamente o General
e o Governador, bem como o Capitão ou Capitães, debaixo de cujo
mando se achem os soldados ou marinheiros, tendo os ditos oficiais
votos na matéria” (RIAP, número 30, 1886: 305).
Os soldados Johan Gregorius Aldenburgk e Ambrosius Richshof-
fer descrevem em seus diários alguns crimes e os respectivos casti-
gos em alto mar:

Em primeiro lugar, quando alguém pragueja ou usa


linguagem inconsiderada, bate-se-lhe com o traseiro
várias vezes de encontro ao mastro grande, de modo
tal que durante algum tempo ele não pode sentar-se
sem grandes dores.
Em segundo: quando alguém furta a outrem o seu
pão ou alguma peça de roupa, é trancado por alguns
dias ou mesmo uma semana no calabouço do talha-
-mar do navio, onde, quando o mar está agitado nin-
guém pode conservar-se enxuto, e é alimentado com
muito pouco pão e água. Este lugar, que é a prisão do
navio, serve também de latrina.
Em terceiro, e em seguida à condenação, deixa-se
o delinquente cair duas vezes ou três vezes do alto
do mastro no mar. Amarra-se-lhe em volta do corpo
uma corda que é passada por uma roldana presa à
extremidade da verga maior. Deixam-no então cair
e, se ao tocar na superfície do mar não leva bem
juntas as pernas pode suceder-lhe notável contusão.

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
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Em seguida é amarrado, assim molhado, ao mastro


grande, sendo-lhe aplicadas, segundo delito 30, 40 ou
50 pancadas com uma grossa corda, tanto pelos Srs.
Oficiais como pelos simples soldados e marinheiros,
a ponto de por muito tempo não poder sentar-se nem
ficar deitado sossegado.
Em quarto, quando um soldado ou marinheiro saca
para outro da espada ou da faca, prega-se-lhe esta
através da mão no mastro grande. Se ele quiser soltar-
se tem que lascar a própria mão.
Em quinto segue-se o perigoso castigo de passar o
criminoso para debaixo da quilha, o que é uma puni-
ção muito severa e próxima da morte. O condenado
é amarrado a um forte cabo; suspende-lhe na cintura
um grande preso e prende-se-lhe com uma das mãos
à boca um chapéu impregnado de alcatrão e azeite,
para que possa conter a respiração debaixo d’água.
Em seguida é mergulhado no mar à profundidade de
algumas braças, e passado, duas ou três vezes segun-
do merecer por baixo da quilha do navio (dos quais
alguns dos grandes calam para mais de trinta pés). Se
consegue conter a respiração tudo lhe corre bem, do
contrário ficará asfixiado e morrerá.
Em sexto e último lugar, quando alguém incorre na
pena última, ergue-se um poste furado, junto ao mas-
tro do tanque, onde o culpado é estrangulado e de-
pois atirado ao mar (ALDENBURGK, 1961: 167-168;
RICHSHOFFER, 2004: 159-161).4

As punições descritas acima não eram suficientes para fazer ces-


sar a criminalidade nas embarcações. Brigas, assassinatos, blasfêmia
e embriaguez eram assuntos recorrentes no cotidiano naval. Neste
último crime, Boxer afirmou que os tripulantes eram jogados no mar
atados ao corpo da vítima ou ao culpado. Apesar de não serem cita-

4 Tanto Richshoffer como Aldenburgk descrevem esses castigos, no entanto, foi escolhido o
texto do primeiro autor por estar mais atualizado em relação às regras gramaticais vigentes.

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64 Manuel Silvestre da Silva Júnior

das nos regimentos ou por alguns tripulantes, as punições poderiam


ser impostas juntamente com multas, atitude exercida principalmente
na VOC (BOXER, 1990: 79).
Executar algo sem ordem expressa poderia acarretar na punição
do “mergulho”. Segundo Schmalkalden, membro da frota neerlandesa
que saiu do Brasil em direção ao Chile em 1643, a tripulação de um
dos navios dirigiu-se à terra e, além de recolher porcos e carneiros
para a viagem, ateou fogo em casas de um pequeno vilarejo que, se-
gundo ele, não teria sido ordenado e foi desaprovado pelo comando
da frota, afirmando que “poderia facilmente leva-los à pena do mer-
gulho” (SCHMALKALDEN, 1998: 130).
Apesar do roubo de comida, segundo o relato de Richshoffer, le-
var o tripulante à prisão, o cotidiano de uma viagem poderia mudar
facilmente essa punição. Na viagem ao Chile, narrou Schamalkalden:

No dia 25 ainda prosseguia o mencionado vento e


por isso nos foi retirada água de nossa cota (diária),
de maneira que cada homem recebia por dia somen-
te uma caneca e meia. Também em todos os navios
foram afixadas resoluções, que (advertiam), sob pena
de morte, que ninguém deveria beber ou roubar a
água de outro (SCHMALKALDEN, 1998: 132).

No cotidiano das embarcações, não somente os soldados e mari-


nheiros de menor patente cometiam crimes, os oficiais também co-
metiam deslizes (BOXER, 1990: 79). Caspar Schmalkalden, voltando
para as Províncias Unidas, após passar certo tempo no Brasil, rela-
tou que o navio em que viajava, todos os oficiais inebriaram-se e
embriagaram-se, causando tumulto, injúrias e brigas. Os culpados
pela pancadaria foram punidos “encerrados na boia e no esporão”
(SCHMALKALDEN, 1998: 142). Em outro relato, Aldenburgk diz que
o Almirante Jacob Willekens reuniu o Conselho de Guerra para punir
vários homens que estavam presos no calabouço do navio Esperan-
ça, se alimentando somente de pão e água e amarrados por ferros e
correntes (ALDENBURGK, 1961: 167).

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Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
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Medo e coragem nos mares

As viagens pelo Oceano Atlântico nos navios da WIC em dire-


ção ao nordeste do Brasil proporcionam relatos de dificuldades
enfrentadas pelos marinheiros e soldados. Batalhas também testa-
vam os tripulantes. No primeiro caso, as ondas e os ventos maríti-
mos balançavam as embarcações, podendo resultar em naufrágios
e morte. Johan Gregorius Aldenburgk narrou algumas situações
onde navios e tripulações se mostravam frágeis diante da força
do oceano. De acordo com o diarista, o navio Tigre enfrentou um
furacão no Mar Hispânico, atingindo a galeria da embarcação e
arremessando o ordenança do Contra-Almirante no mar, onde foi
atirado com força na amurada, “que ali deixou grudados os mio-
los” (ALDENBURGK, 1961: 165).
Em outra noite, as embarcações Holandia e Sansão, ancoradas
próximas à Ilha de São Vicente, enfrentaram um violento temporal e
foram arrastadas para mar aberto. Segundo Aldenburgk, muitos peda-
ços de madeira dos mastros e cadáveres apareciam na costa da ilha,
acreditando a tripulação que os navios tivessem naufragado, inclusive
o comandante Van Doort (ALDENBURGK, 1961: 167).
Richshoffer informou que no dia 10 de junho de 1631, chegou ao
porto de Recife o navio De Donderkloot (O Corisco), o qual tinha esse
nome por ter sido atravessado por um raio, do convés superior até
a quilha (RICHSHOFFER, 2004: 118). Joan Nieuhof relatou diversas
tormentas durante sua viagem ao Brasil. Somente alguns dias depois
de partir do porto de Texel, “assaltou-nos violentíssima tormenta que
nos obrigou a arriar as velas grandes e se prolongou desde a manhã
até a noite, quando a fúria dos ventos se foi lentamente aplacando.
Verificamos, então, que os danos sofridos haviam sido insignifican-
tes” (NIEUHOF, 1981: 22).
O relato de Nieuhof evidencia que após as tempestades, ocorria
uma verificação nas embarcações, para saber se estavam em boas
condições de navegação, devido ao receio do acúmulo de água re-
sultar em naufrágios, o que poderia ter acontecido com o navio que
trouxe o Conde Nassau ao Brasil, o Zutphen. No início da viagem do
futuro Governador do Brasil, relatou Barléu que a frota teve bastante
dificuldade para sair dos mares ingleses, ordenando o Capitão que

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 41-74, 2019


66 Manuel Silvestre da Silva Júnior

ancorasse no porto mais próximo. Entretanto, o Conde ordenou a


continuidade da viagem, indo de encontro às ordens do Capitão.
Imperito no mar, cedeu Nassau ao temor dos passageiros de per-
derem a vida em um naufrágio em pleno oceano. Conforme Barléu,
“o Zutphen havia feito tanta água que mal emergia. Abalada pelas
ondas altas e o furor do vento, a nau estava em risco de encalhar nos
parcéis e rochedos das Sorlingas” (BARLÉU, 2018: 79-81). O próprio
Conde João Mauricio de Nassau, ao chegar no Brasil em 1637, enviou
a sua primeira carta aos Estados Gerais, nela, narra o Governador dos
maus tempos durante a viagem:

Senhores.
Para desobrigar-me dum dever quis, pela presen-
te, dar-vos conta do que ocorreu da minha viagem.
Como sem dúvida soubestes fui forçado a demorar-
-me cinco semanas na Inglaterra por causa do mau
tempo e do vento contrário; tendo me embarcado a 6
de Dezembro passado, prossegui na minha dita via-
gem até aqui (Brasil) com a possível presteza e sem-
pre com belo tempo e ventos favoráveis, não parando
em parte alguma a não ser na ilha de Maio, escala
prescrita, onde permaneci de 31 de Dezembro a 6 de
Janeiro e isto para fazer aguada e refrescar um pouco
as tropas (RIAP, 1902: 23).

A narração de Caspar Schmalkalden sobre como sobreviveu a


uma tempestade no Brasil é bastante interessante. De acordo com
o mercenário alemão, em fevereiro de 1644, recebeu ordens para
juntos com mais alguns homens navegarem em um barco grande
até a Paraíba e retirar madeiras de carpintaria para construção no
porto.5 Cumprida a ordem, informou Schmalkalden que ao chegar
próximo do forte Restinga (localizado na ilha homônima), inespe-
radamente irrompeu um “tufão” (provavelmente uma tempestade)
e começou a vazar água no barco, “surgindo entre nós lamentos e

5 Não é especificado o que vai ser construído, nem qual é o porto (SCHMALKALDEN,
1998: 156).

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 41-74, 2019


Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
67

aflição, e na pressa ninguém sabia o que fazer” (SCHMALKALDEN,


1998: 158). O desespero tomou conta dos tripulantes, os quais não
sabiam nadar. Muitos homens das companhias neerlandesas mor-
riam afogados, o que justificava o medo de naufrágios. Continuou
a narração o mercenário:

Eu e o anspeçada (posto militar) sentamo-nos no


mastro e nenhum de nós sabia nadar. Eu me levantei
e me segurei no mastro. Quanto mais profundamen-
te o barco afundava, mais eu tentava ir para cima, e
quando o barco afundou tão profundamente que não
mais pude alcançá-lo, a água me levantou. Tive que
me movimentar e comecei a afundar, suspirando ao
bom Deus, pois era-me proibido gritar [...] encontrei
o mastro com os pés, puxei-o e icei-me até poder
tirar a cabeça da água e tomar fôlego novamente [...]
no momento em que quis me recompor para que
pudesse me manter com os joelhos no mastro e com
os pés em ambos os lados do cordame (que segura o
mastro), o anspeçada, impelido pela água, veio pelo
meu lado esquerdo e puxou-me para baixo. Na ver-
dade, ele procurava alcançar a parte de cima, pondo-
me em perigo. No início temi isso, julgando que nós
dois não nos poderíamos nos manter no mastro, mas
quando ele deu por si, foi conveniente a ambos, pois,
enquanto Deus quis, pudemos consolar um ao outro
(SCHMALKALDEN, 1998: 158).

Após lamentos e lutas contra a maré e caranguejos que beliscavam


as pernas dos dois homens, um liberto que navegava pelo rio Paraíba
salvou-os do afogamento. Ao chegar na Ilha Restinga, descobriram
que um dos tripulantes fora salvo por um pescador e outros quatro
escaparam a nado (SCHMALKALDEN, 1998: 158). De acordo com
Schmalkalden, dos 14 homens que estavam no barco, 7 sobrevive-
ram. Das vítimas do naufrágio, apenas dois corpos foram encontra-
dos, um nos braços do outro, os 5 que faltavam, “sem dúvida alguma,
foram impelidos para o fundo do mar” (SCHMALKALDEN, 1998: 158).

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 41-74, 2019


68 Manuel Silvestre da Silva Júnior

Os comandantes também morriam vencidos pela força das águas.


Na batalha dos Abrolhos, a frota luso-espanhola liderada por D.
Oquendo enfrentou uma frota neerlandesa comandada pelo Almi-
rante Pater. Este último teve a almiranta Prins Willem tão atingida
por tiros de canhões que começou a incendiar-se, morrendo muitos
dos tripulantes, inclusive o comandante Pater, afogados. Um dos
sobreviventes da embarcação, Jacob Jansen Hes, discorreu sobre a
morte do Almirante neerlandês:

Abandonados a bordo do nosso navio em chamas, cer-


cados de inimigos, lançamo-nos à mercê das ondas,
sobre tábuas e paveses, cada qual como melhor pôde;
assim também o senhor General Pater postou-se sobre
o mastro do gurupés para se salvar; mas, estando este
mastro ainda em parte ligado pela cordoalha, não era
possível permanecer sentado nele por causa da agita-
ção das vagas e o senhor General afogou-se, e com ele
a maior parte da equipagem (HES, Arquivo Nacional
de Haia apud GUEDES, 1990: 125).

As tempestades não eram as únicas a julgar a coragem dos ho-


mens. As sangrentas batalhas navais poderiam encorajar ou amedron-
tar a tripulação. Eram realizadas preces para o sucesso dos combates
e os comandantes faziam discursos de encorajamento. Nos primeiros
dias de invasão ao Recife, o Almirante Loncq teve os navios tão bom-
bardeados pelos fortes próximos à entrada do porto que, segundo
Richshoffer, ficaram tão perfurados de bala que se podia ver através
dos dois costados. Muitos tripulantes perderam cabeças, braços e
pernas (RICHSHOFFER, 2004: 67).
O mercenário da WIC também presenciou a volta ao porto do
Recife dos navios comandados pelo Almirante Pater na batalha
dos Abrolhos, afirmando que “os navios estavam por dentro e por
fora tão salpicados de carne humana, miolos e sangue, que foi
preciso raspá-los com vassouras; o que foi horrível de ver-se” (RI-
CHSHOFFER, 2004: 126). Além disso, muitos homens ficavam in-
capacitados por ferimentos, como ocorreu com o Capitão Schaap,
que participou de uma batalha naval nas proximidades da baía de

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 41-74, 2019


Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
69

Todos os Santos. Ele e seus homens conseguiram capturar uma


embarcação portuguesa, no entanto, devido a uma ferida grave
oriunda da peleja, Schaap ficou aleijado, tendo que retornar às
Províncias Unidas (BARLÉU, 2018: 129).
A série de quatro batalhas que ocorreram no litoral nordestino em
1640, resultou em dezenas de mortos e feridos para a Companhia,
mais a perda de algumas naus. Barléu, ao escrever sobre esse con-
fronto, fez um resumo da violência que acometia as batalhas navais:

Batalhavam proas contra proas, popas contra popas,


pois se abalroando as naus, não tanto pelas balas e
pelouros, mas pelas lascas e estilhas rotas arrancadas
durante a batalha. Morriam afogados, eram captura-
dos ou, desconhecendo a fúria da guerra, eram truci-
dados nas águas. Tão intenso era o furor criado por
todos os lados pelos canhões que a fumaça escondia
o inimigo e até o próprio céu (BARLÉU, 2018: 237).

No segundo dia de confronto, entre Goiana e Cabo Branco, o


navio Geele Son foi destruído pela artilharia dos galeões espanhóis,
resultando no seu naufrágio e nas mortes do Capitão do navio, de
nome Mortamer, e de 44 soldados. Por sorte, o piloto e 34 marinhei-
ros conseguiram abandonar o navio numa chalupa. Os outros dois
dias continuariam com navios batalhando e soçobrando na costa
nordestina, com homens mutilados ou mortos por afogamento e
tiros de canhões.
Os combates navais foram responsáveis por ceifarem diversas vi-
das nos navios, uma forma de estimular a tripulação para as batalhas
seria oferecendo prêmios, como aconteceu com o Almirante Jol ao
prometer 1.000 florins ao marinheiro que tomasse a bandeira espa-
nhola na popa de um galeão (BARLÉU, 2018: 153). Segundo Barléu:

Nosso Almirante, vendo a vitória ao seu alcance, pro-


meteu um prêmio de mil florins ao marinheiro que
tomasse a bandeira espanhola à popa. Subira nela um
marujo, quando livraram o Vice-almirante e Contra-
-almirante espanhóis a capitânia adversária das nos-

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 41-74, 2019


70 Manuel Silvestre da Silva Júnior

sas balroas e começaram a demandar contra a nau de


Jol, que nos coagiu a abandonar a tomada da ban-
deira do inimigo e mandar sair do perigo iminente o
marinheiro intrépido (BARLÉU, 2018: 153).

Entretanto, o medo sempre era um inimigo. Na incursão ao Caribe,


Cornelis Jol teve diversos problemas com as tripulações dos navios
que comandava. Mesmo o discurso encorajador do comandante não
animou os marinheiros que temiam os galeões espanhóis, “lembrai-
-vos que são batavos, embarcai nestas naus, guiados pelo estandarte
da minha proa. Mostrai aos portugueses e aos espanhóis que não
são seus iguais, nem no mar nem na terra. Ou lutemos pela honra da
Companhia ou não houvéramos de ter vindo” (BARLÉU, 2018: 154).
Alguns oficiais recusaram as ordens, “hesitaram os inertes e medro-
sos Capitães, deixando a peleja ao Almirante e mais outros poucos”
(BARLÉU, 2018: 155). Afirmou Barléu que os tripulantes acusaram Jol
de irresponsável, pois a morte seria certa contra a força naval adversá-
ria. Como comandante da esquadra neerlandesa, fez Jol sua autoridade
ser cumprida, colocando como réus por má conduta e revolta os ofi-
ciais e praças que não quiseram lutar, substituindo-os por outros, rela-
tando que serviria de exemplo para futuros Almirantes e comandantes.
Jol acabou deixando para os Estados Gerais e ao Conselho dos XIX
decidirem as punições dos rebeldes (BARLÉU, 2018: 156-157).

Considerações Finais

As Províncias Unidas se tornaram um centro de admissão de ho-


mens do mar no século XVII e sua expansão marítima a diversos
lugares do mundo contribuiu para alcançar tal feito. Apesar de alguns
estudiosos da história militar afirmarem que os soldados e marinhei-
ros que serviram nas embarcações da WIC eram somente da classe
mais baixa da sociedade, esse argumento vem sendo questionado
por novos estudos sobre o tema. Jan Glete, Jonathan Israel e Bruno
Miranda evidenciaram que a Companhia abriu as portas para homens
das mais diversas nacionalidades e profissões.
Alguns recrutas chegaram a estudar em universidades, caso do
Caspar Schmalkalden, outros tinham origens mais humildes e eram

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 41-74, 2019


Homens do Mar: o cotidiano das tripulações nas embarcações da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil Holandês, 1630-1644
71

jovens indisciplinados, mas que alcançariam patentes mais elevadas


na Marinha das Províncias Unidas, como Michiel de Ruyter. Mesmo
com as rígidas disciplinas que os comandantes neerlandeses exigiam
no cotidiano das embarcações, tudo poderia acontecer. A vida a bor-
do nas embarcações não era das mais fáceis, a longa jornada da na-
vegação pelo Atlântico era cheia de surpresas.
Tempestades e calmarias eram impossíveis de prever. Qualquer
problema na embarcação poderia atrasar a viagem e mesmo contan-
do com alguns pontos de reabastecimento, nem sempre se provia de
víveres suficientes para completar o deslocamento. A insubordinação,
como ocorreu com o Almirante Jol no Caribe, poderia colocar em ris-
co todo o sucesso da missão. As doenças, muitas vezes ocasionadas
pela precária alimentação, fizeram a frota do comandante Loncq per-
der mais de 1.200 homens ao chegar a Pernambuco em 1630.
A perda humana que a Armada do Almirante Loncq sofreu mostra
que a fome imperava nas viagens transatlânticas que os navios da
WIC realizavam no Atlântico em direção ao Brasil, e mesmo com a
chegada ao território brasileiro, a má alimentação perdurava na vida
naval dos militares da Companhia, pois desde o início da ocupação, as
embarcações que patrulhavam a costa nordestina necessitavam serem
carregadas com víveres oriundos dos armazéns em terra, prática per-
durada no governo de João Maurício de Nassau. Mesmo com todos os
problemas, a Marinha das Províncias Unidas se tornou a mais poderosa
do século XVII, e muito disso deve-se aos seus homens do mar.

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o eScolteto Na admiNiStração NaSSoviaNa –
oS caSoS de joHaN liStrY, jaN Blaer e Paul
aNtoNio daemS

Thiago Soares de Macedo Silva1

Resumo: Este artigo tem por objetivo tratar do escolteto, cargo presen-
te na administração neerlandesa da Companhia das Índias Ocidentais,
durante o período do Conde Maurício de Nassau como governador do
território conquistado. Tal cargo, que teve sua criação já no Regimento
do governo das praças de 1629, só foi instituído com a chegada de
Nassau em 1637, e deveria ser responsável pela aplicação da justiça e
pela manutenção da ordem pública no Brasil holandês, bem como por
fiscalizar, prestar queixas, acusações e presidir a Câmara dos Escabi-
nos, órgão que veio substituir as Câmaras dos vereadores do período
de colonização portuguesa. Contudo, aqueles que ocuparam tal cargo
foram alvo de diversas críticas e acusações presentes em diversas fon-
tes, como relatórios de conselheiros, crônicas escritas por portugueses,
nas atas diárias e nas atas da Assembleia Geral de 1640

Palavras-chave: Escolteto. WIC. Brasil holandês. Administração.

The sheriff in the Nassovian administration – The cases of Johan Listry, Jan Blaer and
Paul Antonio Daems

Abstract: The main purpose of this paper is to investigate the Sheriff


(schout, in Dutch), an officer that acted at the Dutch Administration
of the West Indian Company, during the government of Count Johan
Maurits van Nassau-Siegen. This position, which was created by the
Government Statute of 1629, was only established after Nassau’s ar-
rival, in 1637. Sheriffs were also responsible for the justice enforce-
ment and for maintaining the public order in Dutch Brazil. They were
also responsible for the supervision, criminal charges and complaints,
and management over the Câmara dos Escabinos (Schepen Council),
an institution that replaced the Câmara dos Vereadores (Municipal

1 Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)


76 Thiago Soares de Macedo Silva

Council) during Portuguese Colonial era. However, those who oc-


cupied this position were subject of many criticisms, as observed in
sources such as governmental reports, chronicles written by Portu-
guese, Dagelijckse Notulen (Daily notes) and the 1640 General As-
sembly minutes.

Keywords: Schout. WIC. Dutch brazil. Administration.

Na tradição administrativa neerlandesa, desde tempos anteriores


ao governo da dinastia Habsburgo, o escolteto (schout) esteve pre-
sente no aparato governamental local. Na República das Províncias
Unidas dos Países Baixos, o escolteto exercia funções administrativas
e judiciais, com as funções judiciais ganhando proeminência com o
passar do tempo. Para muitos, nas Províncias Unidas, o escolteto de-
tinha o poder de polícia, se encarregando de executar as sentenças e
apreender criminosos (NAVARRO, 2015: 57).
Com a expansão atlântica neerlandesa e a conquista do Recife e
de Olinda no ano de 1630, a Companhia das Índias Ocidentais (Wes-
t-Indische Compagnie - WIC) iniciou um período de domínio que
durou 24 anos conhecido comumente como Brasil holandês. Com
o estabelecimento de um governo colonial neerlandês comandado
pela WIC tendo o Recife como centro administrativo, todo um apa-
rato administrativo teve de ser criado. E junto a todo esse aparato
estava previsto o estabelecimento do cargo de escolteto nos trópicos.
O período de domínio da Companhia é geralmente dividido em 3.
No primeiro momento – de 1630 a 1636 – o governo estava com
suas atenções voltadas para a conquista de territórios no interior; já
no terceiro momento – de 1645 a 1654 – o governo estava tentando
resistir à insurreição dos luso-brasileiros, que tinham reconquistado
boa parte da hinterland. Por esse motivo escolhi o segundo período
do Brasil holandês – de 1637 a 1644 – para realizar esta pesquisa:
apesar de não ter sido um período de bonança, foi o período em que
as instituições administrativas se consolidaram e melhor exerceram
suas funções, além de ter sido uma época de relativa paz nas relações
entre luso-brasileiros e neerlandeses, o que permitiu um florescimen-
to da cultura da cana e do comércio de açúcar tão abalado pela pri-
meira fase da guerra. Com a chegada de Nassau como Governador e
comandante em chefe das forças da WIC surgiu um novo alento para

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 75-92, 2019


O escolteto na administração nassoviana – os casos de Johan Listry, Jan Blaer e
Paul Antonio Daems
77

a constituição de fato das instituições que tinham como objetivo gerir


minuciosamente o território conquistado.
Para versar sobre o governo dos territórios conquistados os XIX
Senhores, o conselho diretivo da Companhia, criaram 3 regimentos –
o primeiro em 1629, o segundo em 1636 e o terceiro em 1644 - que
tinham como objetivo gerir a organização administrativa e política da
conquista. Através do direito de conquista, a WIC poderia substituir
todas as instituições de governo portuguesas na colônia pelas suas
próprias (TOL, 2019: 57). Contudo, no primeiro momento da presença
neerlandesa no Recife – entre 1630 e 1636 – algumas instituições por-
tuguesas permaneceram exercendo suas atividades, como as Câmaras
de Vereadores. Elas continuaram em funcionamento e só foram desati-
vadas com o estabelecimento das Câmaras de Escabinos por Maurício
de Nassau, já com o título de Governador-geral da conquista em 1637.
Nesse regimento de 1629 não há nenhuma menção ao estabelecimento
de uma administração local ou municipal para os territórios conquista-
dos. Vale lembrar também que nesse período ainda havia uma intensa
guerra pela supremacia das Capitanias do Norte, e que muito prova-
velmente grande parte da energia da administração neerlandesa estia-
va voltada aos empreendimentos militares. Por isso, a organização e
incremento do aparato jurídico e administrativo foram negligenciados
nesse primeiro momento (NAVARRO, 2015: 81).
Esse regimento de 1629 já estabelecia a presença do cargo de
escolteto na administração neerlandesa no Brasil. No seu artigo 53,
o escolteto é criado, um por cada jurisdição da conquista e sendo
escolhido pelo Conselho Político, órgão máximo na administração
nesse período.

Para prender os criminosos, promover a execução


das sentenças, assistir a mesma execução, velar so-
bre a observância das ordenanças e regulamentos
civis, que forem decretados tanto pela Companhia
como pelo Concelho, e fazer punir os transgressores,
o Concelho nomeará um escolteto ou substituto do
advogado fiscal, o qual terá às suas ordens três bele-
guins ou quadrilheiros (RIAP, 1886: 305)

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 75-92, 2019


78 Thiago Soares de Macedo Silva

Em 1636, a Companhia achou por bem modificar o sistema de


governo do Brasil holandês. Os grandes gastos gerados pelos anos
iniciais da ocupação não estavam se convertendo em lucro pela di-
minuição da captura de navios mercantes portugueses e com a difi-
culdade em reiniciar uma produção em grande escala do açúcar nos
engenhos da capitania. Sendo assim, os XIX Senhores enviaram um
governador, o Conde João Maurício de Nassau-Siegen, com amplos
poderes administrativos e militares junto com um novo Regimento
para guiar o governo na conquista (MARQUES, 2018: 69). Wätjen
escreveu sobre a situação da colônia quando da chegada do gover-
nador e do início de suas reformas administrativas:

Depois de sua volta para o Recife [da expedição con-


tra Bagnuolo], João Maurício tratou de estabelecer so-
bre bases solidas a administração da Nova Holanda,
ainda em seus primeiros passos. O governo frouxo do
Conselho Político, a permanente tensão de relações
entre as autoridades civis e as militares, bem como a
discórdia reinante entre os funcionários administrati-
vos, em conexão com a situação política, de aspecto
verdadeiramente ameaçador até o fim de 1636 – tudo
isso criou um estado de coisas, no Recife, a zombar
de toda e qualquer descrição. Cada um fazia o que
bem lhe aprazia: ordem e disciplina eram termos es-
tranhos; uma espantosa corrupção de costumes fazia-
-se sentir, particularmente nas tropas. Furto, roubo,
assassínios e homicídios, embriaguez e excessos de-
sordenados com mulheres faziam parte da ordem do
dia (WÄTJEN, 2004: 149).

Com a chegada de Nassau, esse novo Regimento entra em vigor


no Brasil holandês. A Instrução de 1636 foi promulgada com o intuito
de gerir e criar com maiores detalhes um modelo de governo a ser
seguido na conquista. A vigência dessa Instrução correspondeu prati-
camente ao governo de Nassau, um período de relações mais cordiais
entre portugueses, brasileiros e neerlandeses. A instrução, diferente-
mente do Regimento de 1629 que foi feito tendo como base todas

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 75-92, 2019


O escolteto na administração nassoviana – os casos de Johan Listry, Jan Blaer e
Paul Antonio Daems
79

as conquistas a serem realizadas pela WIC, foi feita especificamente


para o caso do Brasil. Tal instrução contava com 99 artigos sendo
muito mais longa e mais detalhada que o Regimento de 1629. Luize
Navarro vai afirmar ainda que a experiência dos anos da conquista
foi muito importante para a confecção dessa nova Instrução, criando
mecanismos condizentes com as necessidades do Brasil holandês,
trazendo inclusive minúcias sobre os procedimentos civis e criminais
(NAVARRO, 2015: 84).
Nesse Regimento de 1636 encontramos o estabelecimento do
cargo de escolteto na administração neerlandesa da conquista2.
O cronista da corte de Nassau, Gaspar Barléus, escreveu sobre o
dito cargo

Os escabinos constituíam câmaras semelhantes às


nossas câmaras municipais. A elas presidiam os escul-
tetos, que desempenhavam ainda funções de exato-
res fiscais, delegados da administração e promotores
públicos. (...). Nos casos ordinários, a justiça era ad-
ministrada tanto nas cidades como nas aldeias, pelos
escabinos (Schepenen), e para tal fim se nomeavam
sete e às vezes oito, com a diferença, porém, de que
na cidade os escabinos conhecem indistintamente de
todas as causas não somente cíveis e comuns, mas,
criminais, sendo o seu presidente ou principal oficial
o Sherif (Schout ou Esculteto). Este não é de fato Juiz,
mas executa os mandados dos juízes, convoca a corte
criminal, recolhe os votos, sustenta os direitos do país
nas causas públicas e atua como promotor e inquiri-
dor nos processos crimes (BARLÉUS, 1974: 374).

O cronista frei Manuel Calado, no seu Valeroso Lucideno, escreveu


um pequeno resumo sobre os objetivos desses escoltetos dentro da
administração da Companhia.

2 No Regimento de 1629 já era prevista a criação do cargo do escolteto, mas não há registro
algum de que tal cargo tenha sido estabelecido no primeiro momento de domínio neerlan-
dês (1630-1636).

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80 Thiago Soares de Macedo Silva

Para assolação de toda a Província inventaram, e ino-


varam várias diversidades de ofícios, a saber escolte-
tos, e financeiros, que nenhum outro cargo executa-
vam mais que arguir aos pobres moradores de tudo
aquilo, que lhe ditava a imaginação para condenarem
para si, usando de seus poderes com os maiores in-
sultos do mundo, (...), que tudo era patente aos do
Concelho, e em nada queriam prover pelas interes-
sadas conveniências que tinham com a maldade de
seus procedimentos (CALADO, 1985: 258).

Devemos sempre ter um olhar atento em relação aos relatos dos


cronistas, haja vista a grande carga ideológica existente nos seus es-
critos, além de que estes eram utilizados também como peças de pro-
paganda para respaldar os atos realizados para a expulsão dos neer-
landeses. Havia sim vários excessos praticados por uma boa parte dos
escoltetos encontrados, contudo, precisamos sempre tratar com cuida-
do esse tipo de relato. Boxer, por exemplo, afirmou que a corrupção
era algo bastante comum na colônia e que os neerlandeses não inova-
ram nessa prática.

(...). Sem ir mais longe, basta dizer que as casas em


Recife custavam de 5000 a 14000 florins, e os aluguéis
eram seis vezes mais elevados do que em Amsterdã,
ao mesmo tempo que os vencimentos mensais dos
empregos comuns eram apenas de cerca de sessenta
florins. Por tudo isso, a corrupção e o suborno eram
não somente inevitáveis, mas largamente praticados;
o que todavia não é nenhuma novidade no mundo
das colônias. Condições semelhantes se verificavam,
mutatis mutandis, em Goa, Batávia, Havana e Bom-
baim (BOXER, 1961: 102).

Os historiadores divergem sobre as funções desses escoltetos,


sendo comparados a Alcaides por Mario Neme (NEME, 1971: 37), a
Bailios por Charles Boxer (BOXER, 1961: 184), a Almotacés por Lui-

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O escolteto na administração nassoviana – os casos de Johan Listry, Jan Blaer e
Paul Antonio Daems
81

ze Navarro (NAVARO, 2015: 78) e sendo considerados “Promotor de


Justiça, exator da fazenda e Chefe de Polícia” por Hermann Wätjen
(MELLO, 2004, Vol. 2: 31). Os artigos 42, 43 e 45 do Regimento de
1636, que dizem respeito à figura do escolteto, relatam as atribuições
do dito cargo:

XLII – A justiça criminal será administrada pelo Colégio


do Conselho Político, com os conselheiros residentes
para organizá-la, ou Conselho Político e o subalterno
Conselho de Justiça nas respectivas capitanias e demais
lugares o substituirão, as tensões serão denunciadas
pelo Escolteto ou Fiscal, ou por seu substituto, com isso
o colégio acaba por consistir em pelo menos 5 pessoas
XLIII – Para a apreensão de criminosos, levar adiante
a execução de sentenças, para administrar e aferir o
cumprimento das ordenações, tanto dos XIX Senhores,
quanto do Governador e Alto Conselho, para corrigir
aqueles que as ultrapassarem, o Governador e o Alto
Conselho, aconselhados pelo Conselho Político, deverão
escolher um Escolteto, ou substituto de Fiscal, e, abaixo
deste, mais três servidores, e isso em cada lugar que
houver um tribunal de primeira instância ou em que
haja administração da justiça.
XLV – As penitências criminais devem ser anotadas pelo
Escolteto ou fiscal de acordo com a Instrução, exceto
no acontecimento de os XIX Senhores, pela interpreta-
ção e escrita, suprirem a atuação do Conselho Político
e possam dar provimento os casos a eles direcionados
(NAVARRO, 2015: ANEXO 1).

Utilizando as atas diárias do conselho político, os relatos descri-


tos por cronistas portugueses e neerlandeses, como o frei Manuel
Calado e Gaspar Barléus, e as atas da Assembleia de 1640, consegui
identificar 14 escoltetos atuando durante o período nassoviano. Cada
jurisdição deveria ter um escolteto escolhido pelo governador e pelo
Alto Conselho, e a única das jurisdições em que não foi possível
identificar o nome de algum escolteto foi na câmara do São Francis-

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82 Thiago Soares de Macedo Silva

co. No entanto, nas câmaras de Olinda (depois Maurícia), Sirinhaém,


Igarassu, Porto Calvo, Alagoas, Santo Antônio do Cabo, Itamaracá,
Paraíba e Rio Grande, ao menos um escolteto foi encontrado na do-
cumentação.

Escoltetos do Brasil holandês (1638-1654)


Escolteto Câmara Inicio no Cargo Última aparição
Abraham de Rouff Rio Grande 1638 1639
Allaert Holl Olinda 1639 1645

Cabo 1640
Arnout van Liebergen Alagoas 1639 1643
Cosmo de Moucheron Sirinhaém 1640 1645
De Roest Porto Calvo 1641 1641
Geraedt Craijesteijn Porto Calvo 1638 1641
Jacob Kien Alagoas 1642 1642
Jan Blaer Sirinhaém 1639 1645
Jan Hoeck Rio Grande 1644 1646
Jan Schaep Olinda 1639 1639
Johan Listry Itamaracá 1639 1654
Johannes Marichal Paraíba 1638 1639
Melchior Johannes Olinda 1639 1640
Staet
Paul Antonio Daems Igarassu 1639 1645

Maurícia 1641
IAHGP. Fundo José Higyno. Dagelijckse notulen.

São poucos os casos em que encontramos a nomeação do escol-


teto para seu cargo. A grande maioria das atas e documentos pesqui-
sados dá a entender apenas que em determinado momento a pessoa
recebeu o cargo e já está no exercício deste. Encontramos algumas
atas em que há pedidos para um melhor comportamento por parte
dos escoltetos, e até mesmo instruções para o bom exercício da fun-
ção, mas não sabemos se esses pedidos foram acatados.

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O escolteto na administração nassoviana – os casos de Johan Listry, Jan Blaer e
Paul Antonio Daems
83

Escolhi apresentar aqui o caso de três dos escoltetos encontrados


durante a pesquisa: Johan Listry, Jan Blaer e Paul Antonio Daems.
A primeira vez que encontramos Johan Listry na documentação
é em outubro de 1635, onde este trabalhou como commis3 do Co-
missário de Víveres do Recife Crispijnsz. O então commis pedia ao
Conselho Político para lhe pagarem um salário equivalente ao de
comissário, por estar exercendo este cargo temporariamente por en-
fermidade do comissário Crispijnsz; a petição foi aprovada e Listry
passou a receber o mesmo salário de seu chefe, 80 florins por mês
(Fundo José Hygino, Dagelijckse Notulen, 12/10/1635). Já em 1636,
o Conselho Político despachou ordem para que apenas Listry se
ocupasse das entradas e saídas dos víveres e que ele administrasse
os armazéns da Companhia, tendo em vista a enfermidade do Co-
missário geral dos víveres (Fundo José Hygino, Dagelijckse Notulen,
14/03/1636). Em abril de 1638, Listry é indicado à patente de oficial
de uma das companhias de civis existentes em Recife, denotando
que Johan conhecia um mínimo de vida militar para poder comandar
civis em exercícios e/ou batalhas (Fundo José Hygino, Dagelijckse
Notulen, 08/04/1638). Em janeiro de 1639, Johan Listry já é escolteto
da Capitania de Itamaracá, e aparece requerendo ao Conselho um
tratado e uma instrução para capitão do mato, informando que uma
pessoa deverá ser contratada para tal serviço (Fundo José Hygino,
Dagelijckse Notulen, 14/01/1639).
Após a chegada de Listry ao posto de escolteto, sua ascensão
é meteórica. Ainda em 1639 ele aparece como lavrador do Enge-
nho Ipitanga pertencente a Johan Wynants que também foi Commis
antes de 1635. Das 189 tarefas de cana moídas pelo engenho, o
escolteto Listry era responsável por 80 destas (MELLO, 2004, Vol.1:
165), equivalentes a 4 mil arrobas de açúcar.4 Wätjen afirmou que
os rendimentos brutos eram divididos entre senhor de engenho e
lavrador na proporção de 60% para o senhor e 40% para o lavrador,

3 Assistente do Comissário.
4 Uma tarefa equivalia à quantidade de cana que um moinho podia moer em 24 horas, sendo
assim, 80 tarefas de cana corresponderiam ao trabalho de 80 dias ininterruptos de moagem
no engenho. Para efeitos de comparação, para um partido de 40 tarefas, o lavrador neces-
sitava de no mínimo 20 escravos, de 4 a 8 carros para transportar e os animais para realizar
a entrega da cana de açúcar nos engenhos (WÄTJEN, 2004: 428).

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84 Thiago Soares de Macedo Silva

em alguns lugares chegando a 66,6% para o senhor e 33,3% para o


lavrador. Levando em conta o preço da arroba do açúcar também
informado por Wätjen no ano de 1639 e a dita proporção de 60/40,
Listry teria um lucro bruto de 13.440 florins com a venda – se o
açúcar fosse branco – e de 8.640 florins – se fosse mascavado5.
Mesmo com os descontos dos impostos do governo no Recife, im-
pressiona a rapidez com que um antigo auxiliar de comissário, que
recebia um salário de 80 florins por mês em 1635, chegou a ser la-
vrador de 80 tarefas de cana menos de 5 anos depois. Em 1640, Lis-
try aparece como comandante dos brasilianos, acumulando as duas
funções pelo que parece. Servindo como comandante dos brasilia-
nos, elogiado por muitos, Listry foi capturado na batalha de Casa
Forte em 17 de agosto de 1645. Por ser comandante dos brasilianos,
Listry pôde portar suas armas e insígnias militares depois da ren-
dição. Foi transportado para Salvador como prisioneiro (CALADO,
985: 102) e é descrito como major do exército da WIC por Wätjen
(2004: 281). Nieuhoff afirma que Listry foi enviado a Portugal como
prisioneiro. Diogo Lopes Santiago informa que provavelmente Lis-
try seguiu o caminho do coronel Haus, que após uma curta prisão
em Salvador e em Lisboa, retornou às Províncias Unidas e depois
ao Brasil, em 1647 (SANTIAGO, 1984: 281). Após o regresso, Listry
reassumiu seu cargo como comandante de todos os brasilianos nos
territórios da Companhia (MELLO, 2007: 218). Em 1649, Listry estava
em Itamaracá, exercendo o cargo de escolteto e comandante dos
brasilianos e sendo responsável por roçados equivalentes a 30 mil
covas de mandioca (MELLO, 2007: 162). Em 1652, ele se encontrava
na Aldeia de Schonenburg, no Ceará, e na altura da capitulação ele
continuava como comandante dos brasilianos, em Itamaracá.
Outro escolteto cuja vida no Brasil pôde ser parcialmente recons-
truída, foi Jan Blaer. Na eleição para o escabinato de Sirinhaém em
1639, Jan Blaer aparece como o escolteto encarregado de inscrever
os nomes dos escabinos eleitos para a próxima magistratura, bem
como receber o juramento destes, caso o coronel Kloin não esteja

5 Levando em conta a produção de 4 mil arrobas de açúcar anuais, o preço da arroba de


açúcar branco sendo 28 xelins e o mascavado 18 e com um xelim valendo 0,3 florins (WÄ-
TJEN, 2004: 437).

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O escolteto na administração nassoviana – os casos de Johan Listry, Jan Blaer e
Paul Antonio Daems
85

presente (Fundo José Hygino, Dagelijckse Notulen, 13/07/1639). Ain-


da em 1639, Jan Blaer recebeu uma patente de capitão de cavalaria
em Sirinhaém, devido às medidas protetivas tomadas pelo governo
do Recife com a chegada da armada do Conde da Torre (BARLÉUS,
1974: 161). Em 1640, Blaer aparece como lavrador do Engenho São
Braz, pertencente a Pero Lopes de Vera,6 responsável por 20 tarefas,
metade do total de tarefas moídas neste engenho. Na Assembleia Ge-
ral realizada por Nassau em agosto de 1640, os deputados da câmara
de Sirinhaém exortam ao governador e ao Alto Conselho para que es-
tes retirassem o cargo de escolteto de Jan Blaer, por incômodos deste
à jurisdição, o que foi prontamente aceito por Nassau e os Conselhei-
ros (MELLO, 2004, Vol. 2: 375). Em 1641, ele já não detém o cargo
de escolteto, aparecendo no relatório do conselheiro Bullestrate se
queixando de que algumas pessoas tinham ateado fogo em dezenas
de carros de lenha do engenho de seu sogro, que foi obrigado a
parar a moagem do açúcar (MELLO, 2004, Vol. 2: 155). Não sabemos
quem foi o sogro de Blaer, mas seu casamento com uma mulher da
terra evidencia uma prática relativamente comum no Brasil holandês;
o casamento de filhas de senhores de engenho com os invasores
batavos com o intuito de preservar seu patrimônio e ter um defensor
amigo da Companhia caso viesse a ser necessário. O fato de Blaer ser
lavrador de um dos engenhos de Pero Lopes de Vera pode sugerir
que este era o sogro do antigo escolteto, mas tal afirmação não pode
ser feita sem qualquer outro tipo de argumento.
No começo do ano de 1645, Blaer está liderando uma tropa de
soldados da Companhia e índios em um ataque contra mocambos
de Palmares. Não encontrando forte resistência dos palmarinos, que
fugiram para não dar combate aos neerlandeses, o capitão toca fogo
em várias instalações de um dos mocambos, como ficou registrado
em seu diário. Ainda em 1645, com os princípios da insurreição em
Pernambuco, o governo entrega a Blaer alguns soldados das guar-
nições e 100 índios para que este fosse para dentro da mata com o
objetivo de impedir grandes ajuntamentos de pessoas (MELLO, 2004,
Vol. 2: 248). Se reunindo às tropas do tenente coronel Haus, eles se

6 Era dito que Pero Lopes de Vera era judeu, inclusive sendo retirado da lista de eleitores de
Olinda por esse fato (NASCIMENTO, 2008: 230).

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 75-92, 2019


86 Thiago Soares de Macedo Silva

retiraram para o engenho de De With, onde esperaram por dema-


siado tempo, sendo alcançados pelas tropas luso-brasileiras. No dia
17 de agosto ocorreria o que ficou posteriormente conhecido como
a Batalha de Casa Forte. Como já citado anteriormente, Johan Listry,
comandante dos brasileiros, estava nessa batalha, e juntamente com
Blaer foi feito prisioneiro e enviado a Salvador (MELLO, 2004, Vol.
2: 298). Da mesma forma que Listry, Blaer, pela sua patente, pôde
portar suas armas e insígnias militares quando da rendição (CALADO,
1985: 102). Contudo, no caminho para a Bahia, Blaer foi assassinado
pelos portugueses. Gonsalves de Mello, citando o Valeroso Lucideno
do frei Manuel Calado, apontou Blaer como “o mais tirano homem
de sua idade”, demonstrando o quão odiado este era entre a comu-
nidade luso-brasileira e, de certa forma, justificando seu assassinato
(MELLO, 2004, Vol. 2: 384).
Mais um escolteto cuja vida pode ser recontada é Paul Antonio
Daems. Antes de se tornar escolteto, Paul Antonio Daems aparece
como eleitor7 em Itamaracá, sendo escolhido pelo Conselho Político
para completar a lista de eleitores desta capitania em 22 de junho
de 1639 (Fundo José Hygino, Dagelijckse Notulen, 22/06/1639). No
dia 26 já ocorre a escolha dos novos escabinos, e o nome de Daems
está contido na lista enviada ao governo no Recife para escolha dos
escabinos de Itamaracá durante o próximo ano; contudo, Daems não
é escolhido por Nassau e pelo Alto Conselho (Fundo José Hygino,
Dagelijckse Notulen, 26/06/1639). Em setembro de 1639, o governo
aponta Daems como escolteto de Igarassu (Fundo José Hygino, Da-
gelijckse Notulen, 30/09/1639), mostrando a rotação que aqueles que
prestavam algum tipo de serviço à Companhia tinham no território.
Já em 1640, o escolteto Daems aparece como lavrador do engenho
Tabatinga, em Igarassu, de Pieter Marissingh, responsável por 30 das
75 tarefas moídas no engenho (XAVIER, 2018: 120).
Aparentemente, Paul Antonio Daems circulava nos altos círculos
da política do Recife. Entre os luso-brasileiros considerados amigos
de Daems estão Antônio Cavalcanti e João Fernandes Vieira; este
último inclusive escreveu a Daems, seu bom amigo, explicando os

7 Os eleitores seriam os moradores mais probos e habilitados em matéria de lei. NASCI-


MENTO, 2008. P. 221

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 75-92, 2019


O escolteto na administração nassoviana – os casos de Johan Listry, Jan Blaer e
Paul Antonio Daems
87

motivos que o levaram a iniciar a revolta contra o domínio neerlan-


dês em 1645 (XAVIER, 2018: 120). Após ser eleitor e estar na lista do
escabinato de Itamaracá e ocupar o cargo de escolteto em Igarassu,
Daems aparece como escolteto na cidade Maurícia. Em 1641, houve
um protesto dos judeus perante o Alto e Secreto Conselho pois o
escolteto Daems queria expulsar Gaspar Francisco da Costa por este
ter se submetido a uma circuncisão, pedindo inclusive o confisco de
todos os seus bens (MELLO, 2007: 270), por se tratar de uma prática
não autorizada pelo consistório da Igreja Reformada (BOXER, 1961:
173). Diogo Lopes Santiago e o Frei Manuel Calado vão escrever uma
série de acusações contra o escolteto Daems. O frei citou em seu li-
vro um episódio onde o escolteto Daems mandou prender ao vigário
Gaspar de Almeida Vieira por ele ter casado dois portugueses em sua
casa, e não na Igreja, tendo o vigário que fugir para evitar a prisão, se
esconder na mata por alguns dias e pedir ao governo no Recife um
salvo conduto (CALADO, 1985: 131). Outro evento foi quando Daems
visitou a casa de Manuel de Oliveira por saber que o filho deste pos-
suía um cão de caça; ao perguntar sobre o cão e ser informado que
o animal havia sido vendido, o escolteto ordenou que a venda fosse
desfeita e que Manuel de Oliveira pagasse uma multa equivalente ao
valor da venda do animal – 12 mil réis – pois ele não era um fidalgo
para poder ter um cachorro de caça (CALADO, 1985: 275).
Os dois cronistas acima citados escreveram também sobre três
visitas de fiscalização realizadas pelo escolteto Daems. Ao chegar na
primeira casa, o escolteto pediu água para a moradora, que era uma
mulher pobre que vivia de esmolas. Quando a mulher trouxe a água
em um coco, por não dispor de outro objeto em que podia colocar
a água, o escolteto a indagou perguntando como alguém não tinha
um púcaro com o qual pudesse oferecer água ao “escolteto da ilustre
Companhia”, multando-a em 10 cruzados por tal “ofensa” (CALADO,
1985: 275).8 Na segunda casa, de um ferreiro que não tinha um es-
cravo pra lhe ajudar, o escolteto perguntou se este tinha em casa a
medida de meio alqueire, ao que o ferreiro respondeu negativamente
indagando a necessidade de ter tal medida se não compra a farinha

8 Um vizinho da mulher acabou pagando a multa para ela, já que esta não tinha como fazê-
-lo

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 75-92, 2019


88 Thiago Soares de Macedo Silva

que consome, e sim a recebe por serviços oferecidos aos lavradores


em troca de ferramentas. O escolteto disse então que era obrigação
deste ter uma medida para que ninguém o enganasse, o multando
em 6 mil réis. O ferreiro pagou a soma ao escolteto por medo dos
soldados que o acompanhavam. Por último, o escolteto foi à casa de
outro homem pobre, chamado Pedro de Bastos. Ao ver que o escolte-
to se aproximava, Pedro de Bastos junto de seu único escravo varreu
e arrumou o caminho pelo qual o escolteto andaria, e quando este
chegou o recebeu com um semblante alegre informando que não
havia motivos para o escolteto se preocupar com sua casa, pois o ca-
minho estava limpo esperando a sua chegada. Tinha o meio alqueire
de mandioca afilado para medição e não só plantou as mil covas de
mandioca como era obrigado pelo edital (por conta de seu escravo),
como plantara mil e quinhentas covas para ter uma reserva. Ao dizer
isso, o escolteto o indagou quem havia dado a permissão para que
ele plantasse mil e quinhentas covas e não as mil requeridas; não ha-
vendo resposta, o escolteto multou Pedro de Bastos em dez mil réis.
Ao final de sua fiscalização nessa freguesia (que os autores não de-
nominaram), o escolteto havia arrecadado mais de quinze mil cruza-
dos em multas (CALADO, 1985: 276). A última vez que encontramos
Daems foi no ano de 1643, na qualidade de escabino.
Escolhi esses três casos para exemplificar o quão diversos são
os casos encontrados durante a pesquisa. Enquanto não encontrei
críticas ao desempenho de Listry durante a pesquisa e, ao que tudo
indica, ele teve um bom desempenho nos cargos que ocupou, Blaer
e Daems foram alvos de diversas queixas e denúncias durante o exer-
cício do cargo de escolteto. Além disso, os dois deveriam ter boas
conexões dentro da Companhia, pois o primeiro, mesmo depois de
perder o cargo na Assembleia de 1640, recebeu comandos militares
importantes e o segundo ocupou vários postos na administração lo-
cal encerrando sua trajetória no Brasil – ao que tudo indica – como
escabino de Maurícia.
Com a pesquisa pudemos constatar a existência de várias quei-
xas contra muitos outros escoltetos que ocuparam o cargo durante
o governo de Nassau. No ano de 1640, tentando melhorar as rela-
ções da Companhia com a população luso-brasileira, o governador
convocou uma grande assembleia para discutir temas de interesse

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 75-92, 2019


O escolteto na administração nassoviana – os casos de Johan Listry, Jan Blaer e
Paul Antonio Daems
89

da comunidade local. Dentre os temas discutidos entre o governo


e os representantes luso-brasileiros estava a má utilização do cargo
pelos escoltetos. O próprio governo no Recife reconheceu que estes
escoltetos estavam cometendo abusos e estabeleceu um sistema para
tentar frear tais fatos, com a criação de um livro de delitos em cada
jurisdição que deveria ser remetido ao Recife a cada trimestre para
ser avaliado pelo governo. Tais livros não foram encontrados e não
sabemos se de fato foram instituídos e utilizados.
A instituição do cargo de escolteto não foi bem aceita pela socieda-
de luso-brasileira que habitava nos territórios sob jugo da Companhia
das Índias Ocidentais. Além de corresponder a um cargo inexistente
na tradição administrativa ibérica, esse cargo tinha como um de seus
objetivos fiscalizar a aplicação das regras e leis existentes, dificultando
em certo modo a liberdade que os senhores de engenho tinham no pe-
ríodo anterior à conquista. Os senhores acabaram perdendo boa parte
do seu poder político, que por tantos anos foi utilizado em seu favor.
Durante o domínio neerlandês, os senhores se viam acossados por
credores judeus, por regulações que os impediam de agir livremente,
como as ordens de não jogar o bagaço da cana nos rios ou de não
poder marcar seus escravos, e pela obrigação imputada diretamente
pela Companhia de plantar mandioca para alimentação dos escravos
(MELLO, 2007: 245). Aos senhores de engenho que tentassem resolver
suas querelas na justiça da Companhia, taxas, impostos, multas, extor-
sões e até mesmo as comissões do escolteto faziam com que as ações
judiciais se tornassem muito caras, sendo preciso gastar uma boa soma
para ter algum direito garantido (MELLO, 2007: 247). Talvez as diver-
sas críticas feitas aos escoltetos e os diversos pedidos para que o dito
cargo fosse suprimido tivessem como intuito maior a busca, por parte
dos senhores de engenho e da nobreza local, de reaver parte das suas
prerrogativas que lhes foram tolhidas pela conquista da Companhia
das Índias Ocidentais a partir de 1630 e pela subsequente instalação
de um molde de governo que tanto lhes era estranho.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 75-92, 2019


90 Thiago Soares de Macedo Silva

Referências Bibliográficas

BARLEUS, Gaspar. 1974. História dos feitos recentemente praticados


durante oito anos no Brasil e noutras partes sob o governo do
ilustríssimo João Maurício conde de Nassau. São Paulo: Edusp,

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caracterização da argamaSSa daS ParedeS
da igreja de NoSSa SeNHora daS NeveS do
coNveNto fraNciScaNo de oliNda1

Fernando Antônio Guerra de Souza2

Resumo: Neste texto apresentamos os resultados de pesquisas reali-


zadas sobre o material construtivo utilizado na edificação do Convento
Franciscano de Olinda, monumento cuja construção foi iniciada no sé-
culo XVI. São apresentados dados sobre a evolução histórica do monu-
mento, sua importância no contexto da arquitetura colonial brasileira
e sobre as conclusões alcançadas pela análise de amostras coletadas
nas paredes do Convento e analisadas no laboratório Beta Analytic –
radiocarbondating, (Miami, Flórida, EUA).

Palavras-chave: Convento Franciscano de Olinda. Datação por ra-


diocarbono. Arqueometria.

Characterization of the mortar in the walls of the Church of Our Lady of the
Snows of the
Franciscan convent of Olinda

Abstract: In this text, we present the results of the research conduc-


ted about the building material used in the Franciscan convent of
Olinda, a monument whose construction began in the 1500´s. We
present data about the historical evolution of the monument and its
importance in the context of Brazilian colonial architecture, as well
as about the conclusions that were reached through the analysis of
samples collected in the Convent´s walls and analysed by Beta Analy-
tic – Radiocarbondating (Miami, Florida, USA).

1 Este texto foi extraído do Relatório Final submetido ao Programa de Pós-graduação em


Arqueologia e Preservação Patrimonial, orientado pelo Dr. Paulo Martin Souto Maior em
preenchimento dos requisitos para a conclusão de estágio pós-doutoral em Arqueologia.
2 Professor Titular do Departamento de Arqueologia da UFPE. Sócio efetivo do IAHGP.
94 Fernando Antônio Guerra de Souza

Keywords: Franciscan convent of Olinda. Radiocarbondating. Ar-


cheometry.

O Convento Franciscano de Olinda, edificação iniciada no século


XVI, constitui, ao considerarmos as várias épocas de suas diferentes
intervenções, um notável exemplar de convivência de tempos e estilos,
adequando-se e relacionando-se com o ambiente paisagístico onde
se acha inserido, de forma e maneira indiscutivelmente harmoniosa.
A pesquisa, se debruçando para o registro e a qualificação desse bem
cultural e suas tecnologias construtivas ao longo dos anos, contri-
bui para a divulgação desse patrimônio também junto à população,
agregando o reconhecimento do bem cultural, sendo esse um forte
estímulo para a sua preservação.
No Convento de Olinda, quando das obras realizadas pelo Insti-
tuto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em 1945,
não foi possível materializar o resultado de uma análise da ossatura
das paredes ao longo dos diversos momentos construtivos do edifí-
cio, deixando-as à mostra, quando da retirada dos rebocos. Em Por-
tugal, tal procedimento, ou seja, o uso da Arqueologia na restauração
de monumentos, é fato consumado e é trazido ao conhecimento
do público através dos Boletins das Obras Públicas, da Repartição
dos Edifícios Monumentos Nacionais, responsável naquele país pelas
obras de conservação e restauração de monumentos.
Portanto, constituiu-se em um gratificante momento o procedi-
mento de coleta das amostras nas paredes do edifício do Convento
de São Francisco de Olinda. O material coletado nos revelou, após
análises no laboratório Beta Analytic – radiocarbondating, em Mia-
mi, Flórida, um resultado surpreendente em relação à confecção e à
utilização da argamassa, com uma datação de 1220 ± 30 BP, quando
da utilização de conchas bivalves na confecção da cal biológica e sua
aplicação nas paredes do Convento.

Aspectos históricos

A Igreja e o Convento de Nossa Senhora das Neves de Olinda,


o primeiro erguido pelos franciscanos em terras brasileiras, inscrito
no Livro do Tombo Belas Artes, Inscr. nº 189, de 22/07/1938 e tom-

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
95

bado pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, remonta aos


primeiros anos da colonização de Olinda no século XVI. O conjunto
arquitetônico está localizado na Ladeira de São Francisco, no Sítio
Histórico de Olinda, Pernambuco.
O Sítio Histórico foi declarado Monumento Nacional pelo Con-
gresso Nacional em 1980 e, em 1982, foi reconhecido pela UNES-
CO como Patrimônio Mundial. Inegavelmente, o Sítio Histórico de
Olinda apresenta uma harmonia entre os seus edifícios públicos
e privados que se integram com a exuberante paisagem, revelan-
do uma leitura urbana ainda retrato dos primeiros séculos da sua
colonização. Na composição arquitetônica da cidade destacam-se
os edifícios do Real Colégio dos Jesuítas com a sua Igreja de Nos-
sa Senhora da Graça, a Matriz do Salvador – a Catedral da Sé de
Olinda, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, a Basílica e Mosteiro
de São Bento, a Igreja de Nossa Senhora do Amparo, a Igreja de
Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, o antigo Palácio
dos Bispos, que hoje abriga o Museu de Arte Sacra do alto da Sé
e o Convento de São Francisco com a sua Igreja de Nossa Senhora
das Neves. Ainda as ruas, as ladeiras, os becos e os seus inúmeros
personagens formam e contam as histórias reais e românticas des-
sa cidade colonial.
A arquitetura religiosa no Brasil, dentre tantas criações manei-
ristas e barrocas, legou a mais original traça do período colonial
brasileiro, o grupo de conventos construídos pelos franciscanos
no Nordeste do País, que “pressupõe uma verdadeira escola de
construtores pertencentes à Ordem”, conforme nos revela G. Bazin
(1983). Devemos ao Frade Antônio de Santa Maria Jaboatão – cro-
nista da Ordem por volta de 1750 e autor do Novo Orbe Seráfico
Brasileiro – boa parte das informações sobre a história da Ordem
no Brasil e dos seus conventos, inclusive sobre o mais antigo ar-
quiteto da Ordem que atuou no Brasil, Frei Francisco dos Santos,
que é o autor do projeto do convento de Olinda (1585) e do con-
vento da Paraíba (1590).
Em 1975, foi publicada a Narrativa da Custódia de Santo Antônio
no Brasil (1584-1621), de autoria do Frei Manuel da Ilha, que “ocupa
o primeiro lugar entre os antigos manuscritos franciscanos do Brasil”,
em que ele revela ser o Convento de Olinda o primeiro da Ordem

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


96 Fernando Antônio Guerra de Souza

de São Francisco. O Frei Venâncio Willeke3, estudioso e autor de dois


excelentes trabalhos sobre a Ordem, declara que:

A iniciativa dos franciscanos de fundar sua primeira


casa do Brasil em Olinda resultou de um pedido do
governador de Pernambuco, Jorge de Albuquerque
Coelho, feito ao superior geral da Ordem Francisca-
na, Frei Francisco Gonzaga. Estando Portugal sob o
domínio da Espanha, houve a necessidade do apoio
do Rei Felipe II. No dia 13 de março de 1584, Frei
Gonzaga, ao presidir o capítulo provincial dos fran-
ciscanos de Lisboa, decretou a fundação da Custódia
de Santo Antônio, com sede em Pernambuco, no-
meando desde então como definidor o Frei Melchior
de Santa Catarina. A 1º de janeiro de 1585, embarcou
Frei Melchior à frente de seis confrades missionários
(Frei Francisco de São Boaventura, Frei Francisco dos
Santos, Frei Antônio da Ilha, Frei Afonso de Santa
Maria, Frei Manoel da Cruz, Frei Antônio dos Mártires
e Frei Francisco da Cruz). Não tardaram as provações
da viagem marítima, pois uma epidemia atacou todos,
com exceção do custódio, dando a este ensejo para
servir de enfermeiro aos súditos e demais doentes,
até que o mal prostrou também o bom samaritano,
exausto de tanta lida.

Os franciscanos chegaram a Olinda, em 12 de abril de 1585, sendo


recebidos solenemente por Felipe Cavalcanti e Catarina de Albuquer-
que Arcoverde, moradores da vila de Olinda. Enquanto os religiosos
estavam hospedados na residência do referido casal, duas moradas
estavam sendo adaptadas próximas à Santa Casa da Misericórdia, com
oratório e demais cômodos para acolherem os frades. No local, confor-
me Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, em seu Novo Orbe Seráfico
Brasileiro, diziam missa e celebravam os ofícios divinos, ainda que:

3 Willeke, Frei Venâncio. Franciscanos na História do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1977, pag.
04; Missões franciscanas no Brasil (1500-1975). Petrópolis: Vozes, 1974.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
97

Com menos cômodo, com muita perfeição guarda-


vam a formalidade do coro, tinham oração, disciplina
e todos os mais atos interiores e públicos de toda a
Religião; com tal asseio, modéstia e devoção se por-
tavam em todas as suas ações, assim dentro, como
fora, que começaram desde logo a levar as atenções e
arrebatar os afetos geralmente de todos, que já eram
tratados com respeito e veneração, buscados como
Mestres e admirados como mensageiros de Céu, uns
Anjos mandados a sua terra para alívio das misérias,
e remédio de suas almas.

Nessas moradas permaneceram os religiosos até o dia 4 de outu-


bro do ano de 1585 (dia em que é celebrada no mundo a solenidade
litúrgica do santo São Francisco). D. Maria da Rosa, devota da Ordem
e viúva do português Pedro Leitão “viera de Portugal em companhia
de algumas nobres e honestas mulheres e, antes de 1575, em Olinda,
ergueram uma capela e convento sob a invocação de Nossa Senhora
das Neves, onde viviam recolhidas com mais outras senhoras naturais
da terra, vivendo em hábito da Ordem Terceira do Patriarca São Fran-
cisco em que eram professas” (GALVÃO, 2009). Esse recolhimento de
mulheres e a pequena capela, sob a devoção de Nossa Senhora das
Neves, foram construídos na esperança de oferecê-los aos francisca-
nos, o que D. Maria da Rosa já havia tentado algumas vezes. Solene-
mente, portanto, em 27 de dezembro de 1585, conseguiu o seu in-
tento, doando-os aos religiosos, sendo representados na ocasião pelo
Frei Melchior, e iniciando, em seguida, o seu trabalho de assistência
religiosa às famílias da região bem como aos índios que ali habita-
vam. Consistia, então, tal oferta, além da casa de recolhimento e mais
a capela com todos os seus ornamentos e paramentos, uma extensa
área de terra – onde havia uma olaria - que estendia os seus limites
até a faixa de praia incorporando o fortim, sendo esta chamada por
longos anos de “praia de São Francisco”. Um trecho da Escritura de
doação nos revela que D. Maria da Rosa

pelo seu moto próprio e livre vontade, sem constran-


gimento, nem induzimento de pessoa alguma, dava,

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


98 Fernando Antônio Guerra de Souza

e doava à dita Ordem, de hoje para todo o sempre, a


dita casa assim como está, a Igreja com todos os seus
ornamentos e com todos os mais, prata, chão e terras,
que estão juntos com a dita Igreja, assim cerca, como
os que estão fora dela, em que está a Olaria até o
salgado, para se poderem meter na cerca, assim, e da
maneira que os ela tem e possui, com suas entradas
e saídas.

Imprescindível ressaltar que para a conclusão destes fatos foi de


profunda importância a participação da Irmandade de Nossa Senhora
da Conceição. Ela fora criada em Olinda antes de 1577, sendo das
uma das mais antigas irmandades de Pernambuco e do Brasil. Sua
sede funcionava numa capela da mesma invocação, erguida próxima
à Santa Casa de Misericórdia de Olinda, em excelente local, hoje co-
nhecido como o alto da Sé. A irmandade, juntamente com o senado
da vila, negociou com D. Maria da Rosa, Regente das recolhidas de
Nossa Senhora das Neves, a doação de sua capela e convento, a fim
de abrigar os padres franciscanos. Em troca, prometia aquela irman-
dade lhe doar as suas casas e terrenos, para ali, com a ajuda do Sena-
do, erguer um convento para as religiosas professas (GALVÃO, 2009).
O Convento de Nossa Senhora das Neves, teve como primeiro
guardião e prelado o irmão Frei Francisco dos Santos. Sob as suas
ordens, consoante risco acolhido, os frades iniciaram, em 1586, as
primeiras obras de ampliação daquelas antigas casas doadas. Elas
estavam destinadas à recepção de alguns noviços e à construção de
um seminário para acolhimento dos filhos dos índios e dos conver-
tidos, sendo concluídas tais obras em 1590.
Frei Jaboatão informa que:

Já neste tempo era entrado o ano de 1586 e os religio-


sos também em novos cuidados; porque era forçoso
receber a Ordem alguns noviços, tanto para minis-
tério da Casa, como para dar satisfação aos desejos
do povo, e não havia domicílio particular para este
efeito. Também se devia fabricar na cerca uma casa
suficiente, na qual se criassem dentro os filhos dos

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
99

índios, convertidos, como em Seminário, para que,


bem instruídos primeiro nos rudimentos da Santa Fé,
fossem depois pregadores de seus naturais; porque é
certo atrativo das vontades a semelhança da natureza
e a propriedade das línguas; e ambas estas casas se
concluíram com brevidade, e perfeição, com esmo-
las dos devotos e agência do prelado, que como tão
zeloso da tanta pobreza, em nada excederam estas
obras ao preciso do seu mister, nem regular do nosso
Instituto ( JABOATÃO, 1859).

Em 1596, “o padre custódio frei Braz de São Jerônimo iniciou


no Convento de Olinda um curso de Letras que, em 1606, tinha
como um dos seus professores frei Vicente do Salvador, que veio a
ser autor da primeira História do Brasil” (SILVA, 2008). Entre 1606
e 1609, na administração do custódio Frei Leandro de Jesus, acon-
teceram novas obras de ampliação nas dependências ou casas do
convento, estendendo as habitações e acrescentando os edifícios,
conforme Frei Jaboatão (1858-59). Acrescenta Pereira da Costa4
que anos mais tarde,

Outras obras e melhoramentos quer no convento quer


na igreja foram realizadas, cabendo enfim ao custódio
Frei Antônio dos Anjos (natural de Olinda), na sua pre-
latura (1627-1630), tudo concluir, ficando assim um edi-
fício de grandiosa e bela fábrica, como os próprios inva-
sores holandeses o referem.

Recorro mais uma vez a Silva (2008) quando ele revela que:

Ao descrever a Vila de Olinda, em 1630, o reverendo


Johanes Baers afirma que o Convento dos Francisca-
nos dispunha de um bonito pátio com uma bela fonte
onde o povo vai buscar água para beber, e estarem
as igrejas dos conventos ricamente ornadas com dou-

4 Pereira da Costa, F. A. Anais Pernambucanos, Fundarpe, 1983, volume 1º, pag. 546.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


100 Fernando Antônio Guerra de Souza

rados e muitos altares, mas sem quadros preciosos


nem outros. Essa fonte foi construída pelo custódio
fr. Antônio de Braga (1624-1627), e como a descreve
Jaboatão, era uma obra de valor pela sua arquitetura
e sólidos fundamentos, com seus registros, que caíam
em um poço, e um lavatório, tudo de forte abóbada,
proporcionando assim o abastecimento d´agua potá-
vel ao convento, que antes a mandava vir dos arrabal-
des da cidade em pipas e carros, e todo o serviço de
lavagem da roupa de casa.

Até 1630, quando ocorre a invasão das tropas da Companhia das


Índias Ocidentais, tiveram sequência as obras do convento, conforme
nos referimos. Os invasores escolheram as terras úmidas do Recife
como sede dos seus domínios no Brasil, talvez pela similitude de
sua tipologia do lugar de origem, ou por oferecer maiores condições
de segurança à sua permanência. O fato é que, na noite de 25 de
novembro de 1631, os invasores provocaram um grande incêndio
em Olinda, comprometendo vários dos seus templos e do casario.
Mesmo com a vila nitidamente atingida, o Convento permaneceu
atuando, funcionando e aberto, ainda ocupado por doze religiosos,
até o ano de 1639.
Revela-nos José Luiz Mota Menezes (1985) que os Franciscanos, “en-
quanto estavam trabalhando em Olinda também realizavam obras no
Recife. Em 1606, foi iniciado o Convento de Santo Antônio do Recife,
na Ilha de Antônio Vaz, por instância dos moradores, sendo edificado
no mesmo período das ampliações do de Olinda”, ilustrando o que di-
zia Germain Bazin (1983), quanto à existência de oficinas ambulantes,
entre os franciscanos, pela estreita similitude de algumas formas e ele-
mentos da modenatura. De fato, estes elementos decorativos – arcadas,
cercaduras, frisos, cimalhas, etc. – sempre aparecem ornamentando os
conventos da Ordem. Afirma José Luiz Mota Menezes (1985) que:
Os dois conventos, o de Olinda e o do Recife, guar-
dam certos aspectos comuns e decorrentes de um
mesmo momento de obras. Ambos têm as suas Ca-
pelas-mores em abóbada, um em berço e o outro em
meia esfera; as paredes de ambos apresentam uma

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
101

alvenaria de tijolos, de pedra (calcário), sendo neles


de época posterior o uso do arenito. A distribuição
interna dos cômodos, nos dois, guarda semelhança, e
é, de certo modo, decorrente da obediência à Regra
e mais ainda àquele carácter mendicante da Ordem.
Acreditamos serem os conventos de Olinda, do Re-
cife, de Ipojuca e de João Pessoa, enquanto orde-
namento do risco, isto é, da concepção do conjunto
arquitetônico, da lavra de Frei Francisco dos Santos,
que determinou suas partes e disposição no terre-
no e de Manoel Gonsalves Olinda a execução em
termos de pedra e cal, dos de Ipojuca e do Recife.
Não queremos dizer com isso que o pedreiro Manoel
Gonsalves Olinda não tenha interferido nas obras, no
que se refere à distribuição das partes, mas, que o
risco dos edifícios deve ter pertencido ao frade, desde
que ciente das necessidades da Ordem. Do Conven-
to de Olinda tem-se boa representação, em gravura,
anterior ao incêndio da vila. Trata-se de estampa que
ilustra o livro de J. Laet5, intitulada Marim d´Olinda.

A referida gravura teve a sua fidelidade comprovada por ocasião


das restaurações promovidas em Olinda pelo arquiteto José Luiz
Mota Menezes6, quando os detalhes de arquitetura representados,
de alguns edifícios, foram confirmados quando comparados com a

5 Laet, Joannes de. História ou Anais dos Feitos da Companhia das Índias Ocidentais, Tra-
dução e notas dos Drs. José Higino Duarte Pereira e Pedro Souto Maior, Rio de Janeiro,
1916/1925. A estampa encontra-se entre as páginas 232 e 233. O desenho, que serviu ao
gravador, deve ter sido realizado entre os anos de 1630 e 1631, uma vez que apresenta a
Vila de Olinda ainda não incendiada e o povoado do Recife com armazéns incendiados
por Matias de Albuquerque. Não se sabe a autoria do desenho da gravura, mas se tem
comprovado a veracidade da representação.
6 Menezes, José Luiz Mota. Sé de Olinda. Coleção Pernambucana, Volume XXI, Fundarpe,
1985, pág. 77. “Problema maior residiu na capela-mor. Alteada, teve a sua abóbada destruí-
da e não se tinha ideia se originalmente seria de berço ou em cúpula. Baseado em descri-
ções orais, na gravura Marim d´Olinda e em foto de 1870, aproximadamente, o arquiteto
propôs cúpula sobre pendentes esféricos. Ao se removerem os rebocos foram encontrados
os arcos formadores dos pendentes esféricos, confirmando-se, então, a cúpula e o traçado,
ao quadrado da ousia, em composição nitidamente do Renascimento”.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


102 Fernando Antônio Guerra de Souza

estampa. Os maiores exemplos foram verificados quando da restau-


ração da Sé de Olinda (1974-1978) e da Igreja de Nossa Senhora da
Graça, do antigo Colégio dos Jesuítas (1974-1978). No primeiro caso,
três detalhes revelados na estampa foram comprovados no edifício
da Sé: 1) as frestas, janelas ou seteiras de iluminação da nave central
que haviam sido fechadas foram localizadas, reabertas e restauradas,
restabelecendo uma luminosidade de feixes cruzados no interior da
nave; 2) a questão das duas torres quando na estampa aparece aque-
la do lado sul, a do mar, enquanto em uma intervenção no século XX
somente a do lado norte foi reconstruída. Posteriormente, mediante
pesquisas em arquivos, foi encontrado um documento (uma carta
do padre João Gomes de Mello, de 1669), enviada ao Rei de Portu-
gal comprovando a existência das duas torres; 3) A cúpula, acima
da capela-mor, foi outro elemento arquitetônico restabelecido, que
havia sido representado na referida estampa. Na Igreja de Nossa Se-
nhora da Graça, verificou-se a existência de três janelas na altura do
coro, na fachada frontal da igreja do século XX, que não aparecem
representadas na referida estampa. Após procedimentos realizados
quando da restauração verificou-se, no centro do frontispício, acima
da porta de acesso, a abertura de um óculo, semelhante ao existente
na Sé, que era aquela mancha escura retratada na estampa.
Em relação ao Convento de São Francisco, revela Mota Menezes
(1985) em uma análise da referida estampa que:

O convento e a igreja são construções que se situam a


meia altura, aproximadamente, em relação ao Colégio
dos Jesuítas e o nível do mar. Apesar de ser menor,
ao se comparar com a casa dos jesuítas, não é uma
construção tão pequena; o mesmo diríamos com re-
lação às dimensões da igreja matriz, a atual Sé. Pra-
ticamente, as medidas são bem próximas. Em altura,
o conjunto franciscano é bem modesto, parecendo
ter apenas dois andares e estes mesmos de pouco pé
direito; veja-se a altura da nave da igreja de Nossa Se-
nhora da Graça, a qual corresponde quase a dois an-
dares do convento. A torre sineira da igreja de Nossa
Senhora das Neves é lateral e na parte norte, alinhada

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
103

com a fachada do mesmo templo, assim nos parece.


A cerca do convento, em madeira, à maneira de uma
paliçada, demarca o limite com a ladeira e contorna
o conjunto conventual descendo até próximo à praia,
mas deixando um espaço, onde se encontra o fortim
que balizava a parte norte da defesa da vila. Esta cer-
ca deixa, também, todo um grande terreno na parte
sul, confirmando a existência daquela área onde se
encontrava a olaria, conforme a escritura de doação.
Do corpo do convento, talvez desde a igreja, uma
construção, de forma bem clara, avança em direção
ao sul e se destaca em primeiro plano, provavelmente
parte da quadra conventual. Diante da igreja, do lado
de fora da cerca, um cruzeiro está bem definido, à
maneira dos franciscanos.

Durante a dominação holandesa no Nordeste o governo do Bra-


sil Holandês, foram realizados numerosos estudos e mapeamentos
referentes à região. Dessa época, têm-se notícias de um excelente
cartógrafo, o senhor Cornelis Sebastiaanszoon Golijath, cujos traba-
lhos executados foram minuciosamente estudados pelo historiador
José Antônio Gonsalves de Mello, dos quais se destaca um datado de
1648, pertencendo ao acervo da Biblioteca Nacional de Viena, com
o título: Representação de três cidades no Brasil, como são Olinda de
Pernambuco, a Cidade Maurícia e o Recife. Revela-nos Mota Mene-
zes (1985) que:

No mapa de Olinda, de 1648, e naquele que se en-


contra ilustrando o livro de Gaspar Barleus7, os três
monumentos, Igreja de Nossa Senhora da Graça,

7 Barleus, Gaspar. História dos Feitos Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Bra-
sil, tradução de Claudio Brandão, prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello, Prefeitura
da Cidade do Recife, Secretaria de Educação e Cultura, Fundação de Cultura Cidade do
Recife, Recife, 1980. O mapa que deve ter dado origem à gravura nº 9, do livro de Barleus, é
titulado, “Civitas Olinda”, e é de autoria de Georg Maggravius, executado em 1637 e 1644.
Existe também uma planta de Olinda desenhada por Vingboons, e inserta em um Atlas que
pertence ao Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano.

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104 Fernando Antônio Guerra de Souza

Matriz do Salvador e Convento de São Francisco,


estão desenhados sem uma mesma escala. Compa-
rando as dimensões dos edifícios verificamos que o
convento não era tão pequeno quanto se tem dito
ou acreditado. Não é de se estranhar que tal ocorra,
uma vez que em Olinda, descrita pelo Padre Fernão
Cardim de final do século XVI, as construções des-
tinadas à religião, eram em medidas muito genero-
sas. Vejam-se, por exemplo, as dimensões da Igreja
de Nossa Senhora do Amparo, aquela anterior aos
holandeses, que deveriam ser pequenas, tudo leva
a crer, e que, durante restauração recente, confir-
maram-se bem maiores.

Quando comparamos as plantas dos três monumentos referidos,


a igreja da Sé, a igreja da Graça e o convento, e observarmos os re-
sultados conseguidos após as restaurações procedidas, sobretudo nos
dois primeiros, e assim ter conhecimento das suas dimensões no final
do século XVI, verificamos que o convento franciscano ainda man-
tém características daquele edifício conhecido pelos holandeses, fato
que pode ser constatado através da análise daquela gravura “Marim
de Olinda” e dos mapas referidos.
Tal constatação nos leva a acreditar que a igreja – a capela-mor e
a nave, excluindo-se a galilé, antecede a presença dos holandeses,
portanto antes do incêndio de Olinda e estando bem documentada
na referida gravura. Possivelmente sem o forro dos caixotões e de-
mais elementos decorativos estariam erigidos apenas com as paredes
compondo o seu espaço arquitetural. Em um segundo momento,
observamos que estas paredes teriam sido elevadas para receberem
o forro. Na gravura, observa José Luiz (1985), “não há indicação da
existência de uma galilé ou alpendre, como era de hábito em con-
ventos franciscanos”. Com relação ao espaço do convento, continua:

Podemos afirmar, baseado na existência da sala do


capítulo (esta certamente anterior a 1630) e na es-
tampa referida, que a parte leste da quadra, junto à
igreja, é aquela representada na gravura. Deveria ter

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
105

sido apenas térreo e primeiro andar, com pés-direitos


de aproximadamente três metros. Acreditamos terem
os franciscanos fechado a quadra, isto é, construído
de todo o convento, deixando o local do claustro. O
fato de se ter edificado uma nova portaria em 1754 e,
na ocasião, serem destruídas as obras anteriores coin-
cidentes, torna difícil qualquer conclusão definitiva.

Frans Post, pintor da comitiva de Nassau, no século XVII, realizou


inúmeras pinturas retratando o Recife e Olinda permitindo-nos, desta
forma, uma maior leitura da vila e do convento anterior a 1630. Em
uma destas gravuras para retratar Olinda conseguiu uma superpo-
sição entre a matriz e o convento, reproduzindo-a, posteriormente,
por diversas vezes. Germain Bazin (1983), em seu notável trabalho
“Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil”, a esse respeito comenta:

Dois quadros de Frans Post e uma estampa do livro


de Gaspar Barleus, (nº10), mostram o estado de ruí-
nas do convento, após o incêndio de 1631. Este con-
junto é de difícil interpretação, pois se confunde com
as ruínas da catedral, situadas atrás dele. Podemos ser
levados a interpretar as três arcadas vistas sob uma
face da parede como as de um pórtico, em uma dis-
posição análoga à encontrada em Ipojuca.

As arcadas, na verdade, observa Mota Menezes (1985):

As quais são fixadas pelo artista não são as de um pór-


tico, conforme sugere Bazin, e sim da parte de apoio
da antiga sacristia, aquela que existiu antes das obras
que chegaram aos nossos dias, estas já da fase de
reconstrução do convento, na segunda metade
do século XVII. Quando da restauração dessa
sacristia, realizada pelo Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (1º Distrito), ao
se reforçar as fundações, foi possível ainda
encontrar os pilares de tais arcadas.

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106 Fernando Antônio Guerra de Souza

Constatamos, pois, ao analisar as pinturas, que não poderia ser o


pórtico ou galilé, uma vez que a igreja do convento era voltada para
o poente, ou seja, frontal à ladeira de São Francisco.
A ocupação holandesa em Pernambuco provocou em Olinda dois
momentos de destruição na cidade. O primeiro decorrente do incên-
dio, em 1631, já mencionado; o segundo, em 1638, este com maior
intensidade por conta da retirada de materiais e elementos construti-
vos como soleiras, cercaduras, tijolos, portas, janelas e telhados intei-
ros, desfigurando inúmeros monumentos, materiais estes necessários
às obras de ampliação do Recife, realizadas a partir de 1639. Um fato
curioso e lamentável comentou Mota Menezes, quando da restaura-
ção da Igreja de Nossa Senhora da Graça, (1974-1978):

Por ocasião das obras, na parte da capela-mor, ao se


remover um altar recente, descobriu-se o que restou
do antigo e nele, por sobre uma das pedras de calcá-
rio, três dos responsáveis pelos desmontes, em 1639,
em prosa, assinalaram, com a ponta de um carvão, a
destruição lamentável de tantos e tão belos edifícios.

Em 1654, com a capitulação dos holandeses, os frades retorna-


ram de imediato ao convento de Olinda, encontrando-o bastante
arruinado. Em 1662 teve início o processo de restauração do edifí-
cio, prolongando-se por todo o restante do século XVII e primeira
metade do XVIII, conforme data assinalada sobre as duas janelas
do térreo do edifício da portaria: “Anno de 1754”. Observa Bazin
(1983) que:

O claustro contém uma pedra tumular do frei Joseph


de Santo Antônio, falecido em 1686. As arcadas do
claustro, não podem, devido ao seu estilo, remontar
além dos anos de 1700. Mas as construções que o cer-
cam são anteriores. A escada que dá para os dormitó-
rios, com seus azulejos de tapete azuis e amarelos e
seus pilares guarnecidos com almofadas, é nitidamen-
te do século XVII. A arcada que se abre para a edícula
(nicho) do lavatório da sacristia reproduz literalmente

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
107

arcadas da galilé de Ipojuca, o que indica a mesma


oficina e a mesma data, por volta de 1660.

Do primitivo convento encontramos, ainda, a graciosa Capela do


Capítulo, em frente ao claustro, com trabalhos de talha do “Nacional
Português”, um silhar de azulejos coloridos (do mesmo tipo daquele
da escada de acesso aos dormitórios), com teto em caixotões pinta-
dos e uma sepultura rasa onde se encontram os restos mortais do
capitão Francisco do Rego Barros e de sua mulher, Archangela da
Silveira, patronos desta capela, como informa a inscrição da pedra
sepulcral de mármore que contém também o brasão de armas do
capitão em baixo relevo, com data de 1656.
No Novo Orbe Seráfico Brasileiro, frei Jaboatão8, vai se referir à
sala capitular, assim expressa:

A Capela, que chamamos Capítulo em nossos claus-


tros, é neste uma das mais perfeitas e devotas que
tem hoje esta província, só se lhe acha o azar de ser
mais pequena do que devia, pois a deixou, quem tra-
çou o convento novo, na mesma forma em que estava
no antigo. Acha-se forrada toda, assim no teto, como
nas paredes, com bons painéis de molduras douradas
e de perfeita pintura, correspondente a alguns passos
da fuga para o Egito e Desterro da Senhora, objeto
compassivo, a quem é consagrada esta Capela, nas
três peregrinas imagens dos que executaram Jesus,
Maria e José, todas de perfeitíssima escultura e ter-
níssima devoção. Com um muito particular e grande
afeto, se juntam os Religiosos nesta capelinha todos
os sábados ao tocar a Ave Marias e ali se entoam por
eles, com a melhor suavidade, que se pode, a Salve
Rainha com seu Verso e Oração, que diz um Sacerdo-
te, revestido de sobrepeliz e capa, depois de incen-

8 JABOATÃO, Antônio de Santa Maria. Novo Orbe Seráfico Brasílio ou Chronica dos Fra-
des Menores da Provincia do Brasil, impressa em Lisboa em 1761 e reimpressa por Ordem
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Volume II. Typ. Brasiliense de Maximiano
Gomes Ribeiro, Rua do Sabão N. 114, 1858/1859. Rio de Janeiro. P. 173/174.

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108 Fernando Antônio Guerra de Souza

sado o Altar e Sagradas Imagens; ação devota, a que


assistem também alguns dos seculares mais piedosos
e muitos particulares, afetos a esta Senhora. Nesta ca-
pela, como Padroeiros seus, debaixo da campa de
mármore, bem lavrado de suas armas, tem sepultura
para si e seus herdeiros, Dona Archangela da Silvei-
ra, viúva do Capitão Francisco do Rego Barros, por
Escritura de nove de maio de 1656, com pensão fora
duzentos mil reis, que deu de esmola, de paramentar
perpetuamente o dito Capítulo, mandando trasladar
para ele os ossos do dito marido e os de seu pai,
dela, por serem já falecidos quando se concertou a
data desta sepultura. Esta mesma se havia dado muito
antes a Lopo Soares, marido de Dona Adriana Pessoa,
da qual fez desistência João Pessoa Baracho, seu her-
deiro, por uma Escritura de 19 de março do mesmo
ano de 1656, porquanto os holandeses, na tomada
de Olinda, queimaram as casas, que diz a Escritura,
valiam quatro mil cruzados e rendiam para o dito
Capítulo e juntamente porque o referido João Pessoa
Baracho não tinha herdeiros forçados, acrescenta ele
na sua Escritura, fazia esta desistência, não por falta
de brios, mas de posses, por ficar destruído pelos ho-
landeses. Era este homem sobrinho de Dona Adriana
Pessoa e morava na vila de Igaraçu, quando fez a
desistência desta sepultura, que transferida para os
novos Padroeiros, tem escrito em campa de mármore,
com brasão de Armas este letreiro: Sepultura do Capi-
tão Francisco do Rego Barros, e de sua mulher Dona
Archangela da Silveira e de seus filhos e herdeiros.

Mota Menezes (1985) assinala que, nessa etapa das obras, inicia-
das no século XVII, acreditamos tenha se definido a galilé que, ori-
ginalmente, era aberta também para os lados, conforme foi possível
se observar quando se realizaram trabalhos de conservação no seu
forro artesoado. Em sua fachada de frente, encrustada a uma das ar-
cadas da galilé, encontra-se uma cruz de pedra com uma inscrição:

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
109

Esta S. Estação representa o lugar onde poserão a cruz a costa/Anno


de 1700. Ainda nesta fachada, acima da galilé, certamente, teríamos
uma composição em frontão triangular, de acordo com a data de
construção do templo, no estilo Maneirista, com o seu campanário
recuado do plano da fachada. O que vemos hoje, um coroamento
com frontão escalonado em volutas, é obra, certamente, do século
XVIII. As obras da sacristia prolongaram-se por todo o século XVII,
e em uma das arcadas das edículas encontra-se o lavabo. Em relação
a este ambiente, Santos Simões9, impressionado com a sua traça e
decoração fez alguns comentários:

É o espaço mais notável de todo o Convento,


pelas dimensões e pela decoração. O teto
apainelado com motivos entalhados contém
15 pinturas de assuntos franciscanos, que são
das melhores que vi no Brasil. A aumentar o
interesse há 8 quadros mais pequenos com na-
turezas mortas e onde se pintaram frutas locais e
exóticas. O arcaz com seu espaldar em talha e es-
pelho, o armário encastrado na parede são outros
motivos do maior interesse artístico. Mas são os azu-
lejos, finalmente, que completam o conjunto de for-
ma impressionante. As paredes livres de portas, de
janelas e de mobiliário estão totalmente revestidas
numa altura de 25 azulejos. O esquema decorativo
é o do azulejo azul, figurado, com um alisar de 6
azulejos, acima do qual foram colocados, na pare-
de do lado nascente, dois grandes painéis de 17 de
altura por 16 ½ de largura, incluindo a moldura de
2 azulejos, aliás, extraordinariamente bem compos-
ta. Os painéis apresentam São Francisco recebendo
os estigmas e o menino Jesus aparecendo a Santo
Antônio. A pintura é magnífica e certamente execu-
tada por um discípulo de A. de Oliveira Bernardes,

9 SANTOS SIMOES. J. Miguel dos. Azulejaria Portuguesa no Brasil (1500-1822). Fundação


CalousteGulbekian, Lisboa, 1965.

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110 Fernando Antônio Guerra de Souza

o que se reconhece pela técnica, composição e até


pelos pormenores, como o do frade lendo (painel
de S. Francisco), onde se diria que houve interven-
ção do mestre. Aliás, pelo tipo de pintura, coloração,
composição – ainda muito clássica na moldura – e
presença de óvulos, esta obra parece poder ser de
cerca de 1717-20. No entanto a presença da restante
decoração do alisar referido – e a ornamentação de
arquitetura, formando pilastras com figuras atlantes,
é certamente de época vizinha de 1740. De notar é
o friso superior de 2 azulejos que corre em toda a
cornija e que julgamos poder afirmar ser coevo e de
mesma mão dos dois grandes painéis os quais não
há dúvida que foram feitas propositalmente para
este local (a explicação desta anomalia cronológica
– a dos azulejos inferiores serem mais recentes do
que os painéis da parte alta das paredes) – pode ser
tentada com a hipótese de, primitivamente – ainda
no século XVII – a sacristia ter tido silhar baixo de
azulejos padrão. Sobre estes teriam sido colocados
cerca de 1717-20 os painéis azuis atrás descritos e,
mais tarde, talvez por se ter reconhecido a discre-
pância cromática entre o alto rodapé e os painéis,
teria sido aquele substituído pelo alisar ornamental
azul que ora se vê. Foi também por então (cerca de
1740) que vieram os restantes azulejos desta sacristia
nomeadamente os do recesso do lavabo.

Portanto, a atual sacristia e os seus elementos tectônicos da


obra de arquitetura, conforme Germain Bazin (1983), “são obras
da segunda metade do século XVII”. Durante as obras de reconsti-
tuição da capela-mor, por volta de 1714, foi demolido um carneiro
de mármore encravado na parede, no local onde hoje se acha
uma porta que dá acesso ao corredor da Via Sacra, pertencente
ao capitão-mor D. Felipe de Moura. As obras continuaram por
todo o corpo da igreja, sendo desta época a execução do forro em
caixotões com pinturas da nave. Os painéis de azulejos, conforme

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
111

Santos Simões, são confecções de 1745. O frontão, já escalonado


acima da galilé, como nos referimos anteriormente, guarda um
nicho com uma imagem de pedra (raríssima) em estilo Barroco.
Na reconstrução da igreja que se deu após 1654, observamos o
aproveitamento de algumas paredes não destruídas pelo incêndio,
fato relacionado, por exemplo, a uma sepultura do senhor David
de Albuquerque Saraiva, de sua mulher e filhos, encontrada na
base do arco da capela-mor, datada de 1693.
No interior da nave da igreja, ao longo de todos esses anos e de-
vido a algumas intervenções, verificamos mudanças e acréscimos no
seu repertório decorativo, resultado de estilos de épocas e, também,
dependente dos recursos financeiros recebidos como, por exemplo,
a perda dos retábulos originais, destruídos pelos insetos (cupins). A
nave, portanto, recebeu um silhar de azulejos figurados (painéis de
azulejos) em toda a sua extensão, além de três novos retábulos, o da
capela-mor e dois outros colaterais ao arco cruzeiro, todos em estilo
Rococó, confeccionados no final do século XVIII. No final da nave,
no forro do coro, uma pintura em perspectiva ilusionista complemen-
ta a decoração do ambiente.
Um espaço arquitetural no Convento nos revela uma ansiedade
incomum, o claustro. Germain Bazin10 (1983) revela:

Excetuando a igreja, o único elemento do conjun-


to considerado digno de um verdadeiro tratamento
arquitetônico foi o claustro. Ele é composto de uma
galeria com arcadas, de ordem toscana, encimada por
outra galeria alta, onde as colunas sustentam direta-
mente o teto. Até o século XVIII, os arquitetos francis-
canos perpetuaram nos claustros o estilo da primeira
Renascença, como se havia manifestado em Portu-

10 Bazin, em relação aos claustros, nos revela que: O espírito clássico está sempre presente
nessas graciosas sequências de arcadas que se apoiam sobre fustes elegantes. Um claustro
do século XVI, como o da casa dos irmãos terceiros de Arrabidos de Santarém (Portugal)
nos mostra onde os franciscanos do Brasil puderam buscar seus modelos. A disposição das
duas galerias, a alta e a baixa, é absolutamente idêntica. A evolução das formas arquitetô-
nicas desses claustros, todos semelhantes, se encaixa entre o de Ipojuca, cuja simplicidade
de perfis nos obriga a considerar como o mais antigo, e o de Penedo, como traz inscrita a
data de 1783.

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112 Fernando Antônio Guerra de Souza

gal no fim do século XVI. Portanto, as arcadas desse


claustro não podem, devido ao seu estilo, remontar
além dos anos 1700.

No claustro de Olinda existe uma pedra tumular de frei Joseph de


Santo Antônio, falecido em 1686, conforme um costume religioso de
realizar sepultamentos neste local, já referido, e um revestimento de
azulejos em painéis figurados, representando cenas da vida de São
Francisco, aplicados, segundo Santos Simões, entre 1734 e 1745. Afir-
ma, pois, Bazin (1983), que “as construções que rodeiam o claustro são
anteriores àquela datação”.
A Capela da Portaria está situada no mesmo alinhamento da gali-
lé, na fachada frontal, cuja porta de acesso conduz o visitante a uma
grande sala onde se encontra o altar de Santana, decorado em estilo
joanino, com azulejos azul e branco em suas paredes que trazem, em
seus painéis, relatos da vida de Santana (assentados no século XVIII),
e um forro apainelado pintado em alegorias sobre a divisão do mundo:
Europa, África, Ásia e América. No andar superior, sobre a portaria,
nos deparamos com a biblioteca que ocupa espaçosa sala, repleta de
estantes antigas em jacarandá tomadas de livros, centenas de livros,
papéis e documentos demarcados, com pintura no teto e retábulos
também do joanino. Próxima à biblioteca, há outra sala do capítulo
com uma notável pintura de teto em compartimentos em estilo joani-
no, representando as figuras dos grandes sábios franciscanos.
Por volta de 1711, os irmãos terceiros franciscanos de Olinda ini-
ciaram a construção da sua capela, situada perpendicularmente em
relação à nave da ordem primeira, do lado do Evangelho, uma carac-
terística marcante nos conventos franciscanos do Nordeste. Germain
Bazin (1983), em relação à capela dos irmãos terceiros nos revela:

A igreja da Ordem Terceira, quando se construiu uma


perto do convento, geralmente era uma grande cape-
la fora da obra, perpendicular à nave central do lado
do Evangelho, e que se abria para esta através de
uma grande arcada. Essa disposição perpendicular é
bem antiga. Era assim no Rio, na igreja conventual de
1616, a situação das capelas dos Terceiros, inaugura-

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
113

da em 1622, como mostra a planta holandesa do Rio,


no Reys-boeck van het rijcke Brasilien, publicado em
Amsterdã em 1624.

Conforme Bazin (1983) foi no Nordeste onde houve a consagração


do modelo das capelas dos irmãos terceiros naquela posição. Portan-
to, a capela dos irmãos terceiros de Olinda, dedicada a São Roque,
abre-se para a nave da Ordem Primeira através de um grande arco
esculpido em estilo joanino. Nesta capela, destacamos o forro em
caixotões, semelhante ao daquela, dos mais antigos forros, ambos,
do Nacional Português. O altar de São Roque e os dois colaterais da
capela dos terceiros, em relação à modenatura utilizada, pertencem
ao mesmo período de execução dos três altares da Ordem Primeira,
ou seja, do final do século XVIII e de estilo Rococó. Os irmãos tercei-
ros construíram, ainda, uma Sacristia ao lado da capela, uma Casa de
Oração e um Consistório, todas estas construções estão próximas ao
campanário recuado, do lado do Evangelho.
No final do século XVIII – assim nos parece pelas suas caracterís-
ticas externas de modenatura – os franciscanos ampliam a sua antiga
quadra conventual com mais uma obra em direção ao sul, no sentido
do Recife. Observa José Luiz Mota Menezes (1985), com muita precisão
que, “tal construção é assentada em aterros e muros de arrimo para
conformá-la à declividade da ladeira. Pereira da Costa (1983), em seus
anais, nos informa “que de Maranguape se transportavam, em 1757,
pedras para uma obra no convento de São Francisco”. Por trás desta
obra, os franciscanos construíram uma grande cisterna, cuja cobertura
constituiu-se em um amplo terraço a céu aberto, revelando, ainda, em
um dos cantos com vista para o mar, um magnífico relógio solar.
Em relato dos mais sensíveis, Germain Bazin (1983) nos revela:

Unicamente o estudo da arquitetura dos conventos


franciscanos do Nordeste prova que os frades me-
nores tinham suas tradições próprias, que transpiram
em suas obras, incessantemente fecundadas por no-
vas contribuições... Esses estabelecimentos dos frades
menores estão entre as obras mais poéticas que o
espírito religioso inspirou na Colônia de Santa Cruz.

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114 Fernando Antônio Guerra de Souza

Período de abandono e a necessidade de intervenção

No século XIX, a Igreja Católica defendia abertamente a manu-


tenção dos Estados confessionais, situação pretendida como a união
da Igreja com o Estado. Em relação ao Brasil, os desapontamentos
não favoreciam a referida união, sobretudo no que diz respeito ao
desenvolvimento do catolicismo, comprometido através de pretensão
do governo de interferir na administração dos seminários episcopais
naquele período. Dois acontecimentos, entretanto, contribuíram lar-
gamente para culminar esses desencontros: o primeiro, o documen-
to emitido pelo Ministério da Justiça do Brasil (Ministro Nabuco de
Araújo), de 19 de maio de 1855, proibindo a entrada de noviços nas
Ordens Regulares sem prévia autorização, até quando fosse celebra-
da uma Concordata com a Santa Sé; o segundo, o projeto de Estatutos
para as faculdades de teologia que se queria criar, no qual o Governo
desejava intervir na escolha dos professores e dos compêndios.11 O
Documento de maio de 1855 ganhou reverberação nacional, por-
quanto atingiu a todas as Ordens Religiosas, promovendo o abando-
no, paulatinamente, daqueles edifícios religiosos no País.
Revela Mota Menezes (1985) que: “o último Provincial, Frei An-
tônio de Lellis, da Província de Santo Antônio do Brasil, nasceu em
Propriá, Sergipe, a 10 de agosto de 1820, sendo eleito em 1875”. Em
relação a este fato, Frei Bonifácio Mueller12 acrescenta:

Quando as fileiras dos companheiros iam enfraque-


cendo de um ano para o outro, e o número de reli-
giosos de 470 (no ano de 1764) baixaria a menos de
10, o pobre Provincial reconheceu que daqui mesmo
nada mais tinha que esperar. Diversos conventos es-
tavam abandonados, e os existentes, desde março de
1886, sob a jurisdição episcopal, por ordem da Santa
Sé. Enquanto o governo Imperial estava ansioso por

11 Ítalo Domingos Santirocchi (Anais do XVI Encontro Regional de História da ANPUH –


Rio: Saberes e Práticas Científicas) Rio de Janeiro, julho/agosto de 2014.
12 Mueller, Frei Bonifácio, O. F. M. Origem e Desenvolvimento da Província de Santo Antô-
nio 1584-1957, Provincialado Franciscano, Pernambuco, 1657, pag. 140.

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
115

enterrar o último frade para poder legalmente apode-


rar-se dos bens de mão-morta, lançando mão dos 14
conventos da Província, outros elementos à surdina,
estavam preparando a queda da monarquia.

Após a Proclamação da República (1889), retoma-se a liberdade de


culto e abrem-se as portas à entrada de religiosos estrangeiros, além da
valorização e restauração do patrimônio religioso do País. O convento
de Olinda estava, como os demais, no início do século XX, entregue
ao abandono e bastante arruinado. Os novos frades que ali chegaram
fizeram o que era possível para mantê-lo em precário funcionamento.
Em 1924, foi realizada a “Viagem do Descobrimento do Brasil”,
uma caravana formada por intelectuais como Mário de Andrade à
frente, que viajaram a Minas Gerais, como parte do Movimento Mo-
dernista em busca da formação de nossa identidade, do ser brasilei-
ro. Com o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, foi criado
o Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional - SPHAN, com
base no anteprojeto de Mário de Andrade, no qual se contemplam
todas as obras de arte pura ou de obra aplicada, popular ou erudita,
nacional ou estrangeira, cujos bens estavam representados nas ma-
nifestações culturais, nos instrumentos arqueológicos, nos objetos,
nas indumentárias, no folclore, nos monumentos históricos, nos mo-
numentos representativos e nas paisagens naturais. Em Pernambuco,
foi instalado o seu 1º Distrito, sendo responsável por todos os monu-
mentos considerados de vulto nacional e, certamente, o Convento de
Nossa Senhora das Neves estaria relacionado dentre estes.
Em 1945, já bastante deteriorado, tiveram início as obras de con-
servação do convento com intervenções nos telhados, nas paredes
aplicando-se novos rebocos e pinturas e nas esquadrias, tendo-se por
concluídas as obras, temporariamente, em 1949. Em um edifício dessa
magnitude arquitetônica e histórica é por demais dispendiosa e dificíli-
ma a sua inteira conservação, retratada, assim, em todos os edifícios da
Ordem. Em relação às obras, Mota Menezes (1985) comenta:

O que lamentamos, diante daquelas obras realizadas


pelo Distrito é, talvez, o desconhecimento em 1945,
do que representaria o resultado de uma análise da

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


116 Fernando Antônio Guerra de Souza

ossatura dos muros, diante dos diversos momentos


construtivos do edifício. É possível que isso tenha le-
vado a não se proceder a uma documentação com-
pleta daquilo que ficou à mostra, quando da retirada
dos rebocos. Em muito resolveria as dúvidas suscita-
das, no momento, sobre as diversas fases da constru-
ção do convento, até simples anotações a respeito.
Não acreditamos ter havido interesse em documentar
os muros sem os rebocos.

Um dos momentos mais importantes daquelas obras de conser-


vação foi quando da fixação do forro em artesoados da capela dos
irmãos terceiros. Este tipo de forro, também conhecido como caixo-
tões, é uma das características da primeira fase do Barroco, o Nacional
Português, aplicado nas primeiras igrejas barrocas, após o Maneirismo.
Após a conclusão das obras do forro, os técnicos iniciaram a re-
cuperação dos retábulos da capela, já em 1950, tendo como meta a
reconstituição de todas as partes danificadas pelo cupim, resultando,
portanto, em trechos do retábulo com uma coloração entre o dou-
rado e a cor natural do cedro. Em seguida, trabalharam nas pinturas
dos caixotões, removendo os vernizes oxidados, limpando-as e apli-
cando outros vernizes. Na capela dos irmãos terceiros existia um coro
alto situado na sua entrada, semelhante àquele existente na capela
do Recife, que ficava por trás e que interferia o arco cruzeiro que dá
acesso à capela, sendo, portanto, retirado e se restabelecendo as duas
tribunas laterais que haviam sido subtraídas quando da sua execução.
Este procedimento comenta Mota Menezes (1985):

Tinha amparo naquele em prática em Portugal, onde ao


se restaurar um edifício podia-se remover se necessário,
partes mais recentes que então prejudicavam a sua lei-
tura. Nos vários Boletins das Obras Públicas, editados
em Portugal, onde se descrevem as obras de restaura-
ção realizadas pela Direção dos Monumentos Nacionais,
esse tipo de procedimento é quase rotina. A igreja de
Cedofeita, no Porto, é um dos melhores exemplos. Nes-
ta igreja, removeu-se toda uma série de acréscimos que

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
117

ao longo do tempo se incorporaram ao edifício, voltan-


do-se, portanto, àquela fisionomia medieval da igreja.

Também foram realizadas obras de conservação na capela do ca-


pítulo, situada no claustro, na capela da portaria e, também, no claus-
tro, com o reassentamento dos azulejos e o preenchimento das la-
cunas com massa, não havendo, nesse momento, nenhum estudo ou
condições para a sua recomposição. Conforme Mota Menezes (1985),
“as obras acima descritas foram executadas em um longo período
de tempo, desde 1945 até 1980, com interrupções as mais variadas e
dependentes de recursos para tais fins destinados”.
No Convento de São Francisco de Olinda, ao longo daqueles anos,
foram executadas inúmeras obras como relatamos, mas um grave
problema verificado não pôde ser, de imediato, equacionado na sa-
cristia da igreja da Ordem Primeira: inúmeras rachaduras nas paredes
laterais e o afundamento do piso, que vinha se acumulando ano após
ano. Tal fenômeno foi esboçado, depois de várias análises e estudos
realizados, como “deslizamento nos morros de Olinda”, fato obser-
vado, também, na Igreja do Carmo e no Mosteiro de São Bento. O
professor José Luiz Mota Menezes (1985), que acompanhou as obras
de restauração desta sacristia, nos traz algumas revelações:

Consolidada a teoria a respeito de tais deslizamentos


foi apresentada uma última solução para o caso da
sacristia do convento. As fundações foram reforçadas
através de uma cortina de pequenas estacas engas-
tadas em profundidade no solo. Sobre as estacas se
passaram vigas e, destas, amarrações para o corpo
do Convento. Foi um trabalho dos mais interessantes
e, passados já alguns anos daquela intervenção, ne-
nhum movimento se observou no corpo da sacristia.

Além de consolidar o nivelamento de toda a sacristia, foi realizado,


em seguida, o reassentamento de todo o revestimento de azulejos, o
conserto do mobiliário existente, o repositório e o arcaz e, por fim,
a restauração das pinturas do forro em caixotões. Todo este trabalho
foi realizado pelo 1º Distrito (IPHAN), entre os anos de 1987 e 1989.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


118 Fernando Antônio Guerra de Souza

As intervenções de restauração e conservação realizadas no Con-


vento Franciscano de Olinda, mesmo sendo de consideráveis propor-
ções, não contribuíram diretamente para a elaboração ou um apro-
fundamento sobre a história do edifício. Sentimos a ausência das
prospecções arqueológicas que deveriam ter sido realizadas em suas
paredes, as quais nos forneceriam dados preciosos no que diz respei-
to aos materiais e técnicas empregadas em sua construção.

Análises arqueométricas no material construtivo

Realizamos dois tipos de análise no presente trabalho. A primeira


análise visa estabelecer a cronologia da edificação histórica através da
técnica de datação radiocarbônica usando aceleradores, e para isto
foi coletada uma amostra de argamassa da parede do prédio histórico
(C-14 por AMS). O segundo tipo de análise foi realizado visando a
caracterização mineralógica dos tijolos, argamassa e reboco usando
a técnica de difração de raios-X (DRX), a qual permitirá observar os
diferentes minerais que compõem as amostras.

Figura 1 - Planta baixa da Igreja de Nossa Senhora das Neves e do


Convento de São Francisco de Olinda, localizado em Olinda, Pernam-
buco. São mostrados os pontos de coleta das amostras analisadas por
C-14 usando AMS e as amostras para análise por DRX.

Fonte: O autor.

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
119

Para determinar a cronologia foi utilizado o método de datação


por radiocarbono, o qual foi desenvolvido na década de 1940, por
uma equipe de pesquisadores liderada por Willard F. Libby, que cal-
culou a taxa de decaimento do isótopo radioativo C-14 em amostras
de pó de carbono negro. Eles também explicaram o comportamento
desse isótopo na natureza e seu possível uso na datação; como teste,
Libby e colaboradores, coletaram amostras de madeira de sarcófa-
gos de dois faraós egípcios e as dataram; o valor obtido foi de 2800
BC ± 250 anos, enquanto as datações anteriores (principalmente os
registros de dendrocronologia) eram 2625 ±75 anos. Cientistas logo
descobriram o porquê desssas diferenças e desenvolveram métodos
mais precisos, incluindo uma data de calibração para 1950. Willard
Libby receberia um Prêmio Nobel de Química em 1960.
O princípio do método baseia-se em que o radioisótopo de C-14 é
formado constantemente na atmosfera devido à interação da radiação
cósmica com átomos de nitrogênio 14. Posteriormente ele sofre oxi-
dação e é absorvido em grandes quantidades, os átomos de C-14 são
incorporados ao CO2 atmosférico e assimilados no ciclo do carbono
dos organismos vivos. O conteúdo de C-14 nos tecidos orgânicos está
em equilíbrio com o conteúdo atmosférico, devido às trocas que se
efetuam durante toda a vida do organismo, porém, quando ele mor-
re, essas trocas deixam de existir e o C-14, presente no organismo,
começa a diminuir continuamente. O tempo para que o número de
átomos de um radioisótopo diminua para a metade é chamado de
meia vida, este valor foi calculado para C-14 em 5730 anos. Isto sig-
nifica que um organismo que morreu há 5730 anos tem, atualmente,
a metade do seu conteúdo original em C-14.
O próximo grande passo no método de datação por radiocarbono
seria a Espectrometria de Massa Acelerada (AMS), que foi desenvol-
vida no final da década de 1980 e publicou seus primeiros resultados
em 1994. Este foi um salto gigantesco na medida em que ofereceu
datas muito mais precisas para amostras muito menores. No AMS é
contabilizada a quantidade de átomos de C-14 na amostra ao invés
de esperar que o isótopo decaia. Isso também significa leituras com
maior precisão para datas mais antigas e a possibilidade de datação
de amostras como argamassas as quais não poderiam ser datadas
pelo método convencional.

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120 Fernando Antônio Guerra de Souza

A calibração dos resultados deste tipo de datação deve ser realiza-


da por vários motivos, entre eles:
Incorporação diferencial do C-14 pelas plantas. Um dos princípios
do método de datação pelo radiocarbono é que os vegetais assimilam
os diferentes isótopos do carbono nas mesmas proporções, mas este
não é sempre o caso. Isto varia de acordo com taxas do ciclo fotos-
sintético de cada espécie.
Variações do teor de C-14 na atmosfera. Um outro princípio deste
método é a premissa de que o teor de C-14 na atmosfera tenha se
mantido constante ao longo do tempo. No entanto, flutuações foram
detectadas. Elas são devidas a fatores como a variação da taxa de
produção do radiocarbono na atmosfera, a variação na taxa de troca
do radiocarbono entre os diversos reservatórios geoquímicos e a va-
riação da quantidade total de C02 na atmosfera, biosfera e hidrosfera.
O efeito reservatório. É o efeito de envelhecimento aparente
das datas radiocarbono, frequentes na datação de organismos ma-
rinhos vindos de águas profundas que podem ficar centenas de
anos sem ter contato com a atmosfera. Durante este tempo, a
quantidade de C-14 diminui.
O uso deste método de datação aplicado ao material construti-
vo argamassa já foi registrado, Marzaioli e colaboradores mostraram
a datação por C-14 usando AMS em diferentes sítios arqueológicos
como San Julian e Santa Basilisa di Aistra, Santa Maria di Zornotzegi
e a necrópole da Ponte della Lama. Neste trabalho é detalhado o pro-
cedimento do tratamento das amostras assim como os cuidados que
devem ser considerados. Os resultados consolidam a técnica como
uma nova forma de realizar a datação de prédios históricos.
Lindros e colaboradores mostram que argamassas não hidráu-
licas contêm carbonato aglutinante datável, com relação direta ao
tempo em que foi usado em um prédio, mas também contêm conta-
minantes que perturbam as tentativas de datação por radiocarbono.
Os contaminantes mais relevantes têm origem e idade geológica ou
podem estar relacionados à formação tardia de carbonato ou desvi-
trificação e recristalização da argamassa. Os modelos aqui estuda-
dos nos ajudam a interpretar os perfis etários dos C-14. O método
de datação foi implementado em argamassas medievais e jovens de
igrejas no Arquipélago de Åland, entre a Finlândia e a Suécia. Os

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
121

resultados são usados para desenvolver o método para um uso mais


geral e internacional.
Neste trabalho, foi realizada a datação usando o método de C-14,
usando aceleradores numa amostra de argamassa, em que partimos
de duas possibilidades: primeiro, que a cal da argamassa foi criada
pelo aquecimento de rocha calcária acima de 900º C, liberando o
dióxido de carbono e restando o óxido de cálcio; a outra alternativa
é a produção da cal a partir de conchas trituradas e levadas a altas
temperaturas, processo já relatado por Cybele Santiago (2012). O re-
sultado desta datação é mostrado na tabela a seguir:

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122 Fernando Antônio Guerra de Souza

Tabela 1- Resultado

Código Tipo de amostra Idade calibrada


ARG001 Argamassa (95.4%)

1160 - 1310 cal AD

Fonte: Henry Lavalle

Por outro lado, a difração de raios-X foi a técnica selecionada


para a caracterização mineralógica das amostras de tijolo, argamas-
sas e reboco. Trata-se de uma técnica barata e confiável e tem sido
utilizada frequentemente na identificação de fases minerais presen-
tes tanto em materiais da natureza, como ossos, quanto nos criados
pelo homem, como metais, cerâmicas, solos, pigmentos, gesso etc.
(SCHOENINGER et al., 1989; BALME; PATERSON, 2006; PIJOAN et
al., 2007; WESS et al., 2007; PIGA et al., 2009; ARTIOLI, 2010; RO-
GERS et al., 2010).
Os fundamentos desta técnica baseiam-se em que os compri-
mentos de onda de raios-X são aproximadamente iguais à distância
interatômica nos sólidos cristalinos ou minerais. Raio-X, produzidos
por uma fonte, interagem com a amostra, previamente preparada,
de tal forma que picos de difração de radiação com intensidades
variáveis são produzidos, e a posição onde cada pico de difração
irá aparecer obedece a lei de Bragg. Tal mecanismo permite então
que padrões de difração sejam adquiridos, que são característicos
de cada material, e ao compará-los com um base de dados que con-
tém padrões de difração de Raio-X, o material pode ser identificado.
(STUART, 2007).
A preparação das amostras das argamassas e do tijolo foi realizada
triturando tais amostras até atingir um pó muito fino, estas amostras
foram analisadas pelo equipamento de DRX localizado no ITEP (Ins-

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
123

tituto de Tecnologia de Pernambuco). Os difratogramas foram anali-


sados e processados usando o software Match!.
Neste trabalho foi utilizada a técnica de difração de raios-X (DRX)
com o intuito de caracterizar a composição mineralógica de amostras
de argamassa, reboco e um tijolo coletado na Igreja de Nossa Senho-
ra das Neves do Convento de São Francisco de Olinda. (ver figura 1).

Figura 2 - Difratograma da amostra de argamassa e sua indexação dos


principais minerais que a constituem, (c) calcita (~57%) e (Q) quartzo
(~43%).

8000 Argamassa
Q
7000

6000
Intensidade (u.a.)

5000

4000

3000
C
2000 Q

C Q
1000 QQ Q Q
CQ C Q
C C
Q C QC
0
20 40 60 80
Angulo (2θ)

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124 Fernando Antônio Guerra de Souza

Figura 3 - Difratograma da amostra de Reboco e sua indexação


dos principais minerais que a constituem, calcita (~37%) e quartzo
(~62%).

14000 Q Reboco
12000

10000
Intensidade (u.a.)

8000

6000

4000

Q C
2000 Q
C Q
Q C Q Q
C QQ Q Q
C
0
20 40 60 80
Angulo (2θ)

As figuras 2 e 3 confirmam a presença de duas fases minerais na


argamassa e no reboco, as quais são o quartzo e a calcita, destas duas
fases podemos observar que a proporção de calcita, produto que se
forma a partir do elemento Ca vindo da cal da argamassa, tem uma
proporção maior na argamassa histórica e este fato pode estar asso-
ciado à forma de produção da cal, ela pode ter vindo de vestígios
orgânicos tipo conchas e não de rochas do tipo calcário. Um outro
dado que reforça esta hipótese é a datação obtida. O fato de a idade
ser mais antiga do que os documentos históricos apontam, nos leva
a acreditar que datamos a formação e morte das conchas e não o
prédio histórico.

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
125

Figura 4 - Difratograma da amostra de tijolo e sua indexação dos


principais minerais que a constituem, basicamente o tijolo é com-
posto de quartzo, existem outros minerais, porém eles não são ob-
servados por estar na sua fase amorfa. Além do quartzo podem ser
observados traços dos minerais (K) caolinita e (C) calcita.

16000
Q
14000
Tijolo
12000
Intensidade (u.a.)

10000

8000

6000

4000
Q
Q
2000 Q
Q
c Q
Q Q
Q Q
K
0
10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80
Angulo (2θ)

A figura 4 mostra as fases cristalinas remanescentes, no tijolo, nes-


ta figura é possível observar a presença basicamente do quartzo e
pouquíssimos resquícios do argilomineral kaolinita, cuja presença
pode indicar no tijolo uma baixa temperatura de queima, já que
a argilomineral perde sua estrutura cristalina em aproximadamente
500º a 600º C, consequentemente não deveria de ser observado, no
difratograma, acima desta temperatura. Uma outra possibilidade é a
contaminação da amostra na sua preparação.

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126 Fernando Antônio Guerra de Souza

Considerações finais

A utilização da cal pelo homem remonta a um tempo bem distan-


te. Povos antigos orientais já faziam uso da cal em suas rudimentares
habitações. Na construção da Grande Muralha da China o Imperador
Qin Shihuang (259 – 210 a.C.) utilizara terra, pedras e argamassa de
cal. Nas terras ibéricas os celtibéricos, os cartagineses e os romanos,
povos que se estabeleceram na península por longos anos, também
utilizaram a cal. No Brasil, o uso de argamassas de cal surge entre o
primeiro e o segundo quartel do século XVI, quando das primeiras
construções na Colônia. Nessa época, as expedições enviadas por
Portugal eram compostas de profissionais que vinham desenvolver
os seus ofícios nas primeiras vilas erigidas, tais como marinheiros
de armas, carpinteiros, mestres-de-obras, caieiros, entre outros. Estes
últimos seriam os responsáveis pela produção das argamassas, con-
forme as técnicas utilizadas em Portugal, como o uso da cal obtida a
partir de rochas calcárias.
Em 27 de abril de 1542, dirige-se o donatário Duarte Coelho a El-
-rei D. João III sobre diversos negócios da Capitania. Em carta, como
cita Pereira da Costa (1983):

Deu ordens o donatário para se fazerem os engenhos


de açúcar que trouxe contratados de Lisboa, para o
que já havia grande soma de canas plantadas pelo
povo; que a tudo proporcionava os auxílios possí-
veis; que cedo se acabaria um engenho mui grande
e perfeito; e, enfim, que se tratava do começo de
outros. ...Esse engenho mui grande e perfeito, seria
o de Nossa Senhora da Ajuda, situado nos arredores
da vila de Olinda, fundado pelo fidalgo Jerônimo de
Albuquerque, cunhado do donatário... Assim chama-
do da padroeira de sua capela, com aquela invoca-
ção, foi a primeira fábrica de açúcar levantada em
Pernambuco pelo referido Jerônimo de Albuquerque,
em uma grande data de terra, de doação donatarial a
título de sesmaria, e daí a sua denominação vulgar de
Engenho Velho.

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
127

Tal Engenho Velho está situado no lugar a que se dá o nome de


Forno da Cal. Ainda Pereira da Costa (1983) comenta:

Abandonada no engenho a indústria do açúcar pela


do fabrico da cal, menos trabalhosa e de mais com-
pensadoras vantagens, e para o que dispunha a
propriedade dos necessários elementos, abundantes
jazidas de excelente pedra calcárea, fartura d’água
potável e extensas florestas para o fornecimento da
lenha necessária aos fornos de calcinação, foi assim
estabelecida uma grande caieira, vindo daí a deno-
minação de Forno de Cal dada à propriedade”... “em
1875, foi a localidade visitada, em explorações cien-
tíficas por uma comissão geológica, de incumbência
oficial, de que era chefe o competente profissional
Ch. Fred. Hartt, que em ofício dirigido ao governo
imperial em 16 de setembro daquele ano, diz que
no lugar denominado Forno da Cal, situado a pouca
distância a oeste de Olinda, encontrara um calcário
branco e compacto, com uma porção estratigrafica-
mente inferior às camadas de Olinda, e onde cole-
cionara alguns fósseis, principalmente gasterópodes
e dentes de tubarão; vendo-se assim, que sendo os
gasterópodes moluscos de água salgada, e o tubarão
(Squaluscarcharias, Linneo), grande peixe da mes-
ma água, que o mar em épocas remotas chegava até
aquela localidade, que apenas dista do litoral quatro
quilômetros.

Hoje, daquele antigo Engenho Velho de produção de açúcar trans-


formado, depois, em caieiras, resta apenas uma imensa área de terra
que mantém e preserva a denominação de Forno de Cal.
Diante de inúmeros estudos e análises realizados no Convento de
São Francisco de Olinda e, sobretudo pela sua relevância histórica no
âmbito do Patrimônio Histórico e Cultural brasileiro, pretendemos es-
clarecer, com um maior aprofundamento, algumas lacunas referentes
à história deste edifício, especificamente no tocante à composição de

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


128 Fernando Antônio Guerra de Souza

argamassas de cales, se estas foram provenientes de rochas calcárias,


corais ou conchas de moluscos bivalves, utilizadas na edificação da
capela-mor e dos terceiros.
Foram realizadas prospecções arqueológicas, nas quais, foram feitas
coletas de amostras de reboco, argamassa e tijolo para realizar estudos
de caracterização mineralógica e datação por C-14, o qual nos revelou
os materiais e as técnicas construtivas empregadas. Assim, em setem-
bro de 2017 realizamos quatro (04) procedimentos arqueológicos na
parede lateral (direita) da capela-mor e da capela dos terceiros do con-
vento. Foram quatro (04) coletas de argamassas retiradas e, uma das
quais, enviada ao Laboratório Beta Analytic – radiocarbon dating, em
Miami, na Flórida, EUA. A capela-mor foi escolhida, indubitavelmente,
por razões históricas e tectônicas, já referidas no desenvolvimento do
texto acima. As argamassas ditas antigas, em sua grande maioria, apre-
sentam uma composição de argila mais a cal, como aglomerantes, mais
água, largamente utilizadas nas mais diversas construções no Brasil
colonial, até o século XIX. As paredes em que fizemos as intervenções
no Convento de São Francisco, de Olinda, apresentam uma espessura
de mais de sessenta (60 cm) centímetros e são constituídas de alvenaria
mista, ou seja, tijolos de barro e pedra calcária.
Os resultados reportados das amostras estão credenciados nos pa-
drões ISO/IEC 17025:2005. Todo o trabalho foi realizado no Labora-
tório Beta Analytic. As idades convencionais de radiocarbono foram
calculadas utilizando a meia vida encontrada por Libby (5568 anos)
e foram corrigidas para os efeitos de fracionamento total e, quando
aplicável, a calibração foi realizada utilizando bancos de dados de
calibração 2013.
Depois de alguns meses de análise no referido Laboratório, o re-
sultado obtido nos revelou uma datação de 1220±30 BP, o que pode
estar associado com a presença de moluscos bivalves na composição
das argamassas de assentamento das paredes das capelas, o que suge-
re uma cal biológica proveniente da calcinação destas conchas, loca-
lizadas em áreas costeiras, próximas, certamente, à cidade de Olinda.
É possível que tal análise não nos forneça resultados absolutamente
exatos ou aqueles desejados (em que década, por exemplo, se deu
a construção da igrejinha de D. Maria da Rosa – 1560 ou 1570), mas
nos permite discutir ou avaliar a composição da argamassa utilizada,

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Caracterização da argamassa das paredes da igreja de Nossa Senhora das Neves do
Convento Franciscano de Olinda
129

embora se leve em consideração a maneira pouco desenvolvida ou


imperfeita no preparo das argamassas antigas.
Já os resultados das análises de amostras de argamassa, reboco
e tijolo usando a difração de raios X, mostraram as matérias primas
cristalinas remanescentes em cada uma das amostras analisadas. Ao
analisar o difratograma da amostra de argamassa (figura 2) usando
o software Match! para a indexação dos picos das fases cristalinas
encontramos a presença dos minerais quartzo e calcita nas porcenta-
gens de 43 e 57%, respectivamente. Já ao analisar o difratograma da
amostra de reboco e realizarmos o processo de indexação, foi obser-
vada novamente a presença dos minerais quartzo e calcita nas por-
centagens de 62 e 37%, respectivamente. A diferença nas concentra-
ções dos minerais quartzo e feldspato nos dá indícios para levantar a
hipótese de que a aplicação do reboco tenha sido feita em momentos
diferentes. Por outro lado, a maior concentração de calcita, quando
comparadas ambas as amostras, reforça a hipótese, levantada pelos
dados da datação, da presença de moluscos bivalves na composição
das argamassas de assentamento das paredes das capelas, o que jus-
tificaria a maior concentração de calcita (92%) nestas amostras.
Na análise de difração de raios X do tijolo foi possível observar
um único mineral remanescente, o quartzo, e pouco ou quase nada
dos argilominerais, empregados como matéria prima na fabricação
do tijolo. A partir do observado, considerou-se que estes tijolos foram
aquecidos a temperaturas muito altas que devem ter amorfizado as
estruturas cristalinas dos outros minerais contidos na matéria prima
original dos tijolos.
Este tipo de caracterização mineralógica torna-se muito impor-
tante, já que poderá trazer algumas informações do perfil técnico de
como foram elaboradas as argamassas e tijolos nesta época. A reali-
zação deste mesmo tipo de análises em outras estruturas arquitetôni-
cas históricas poderá nos permitir traçar o perfil tecnológicos e suas
prováveis mudanças no tempo.
Desta forma, com os resultados obtidos, uma vez conhecida gran-
de parte da literalidade histórica do Convento, pretendemos, através
da ciência e dos métodos científicos empregados, contribuir para am-
pliar o conhecimento histórico-cultural-tectônico deste monumento,
ao longo dos seus muitos anos de existência.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 93-137, 2019


130 Fernando Antônio Guerra de Souza

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Convento Franciscano de Olinda
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ANEXOS
ANEXOS

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136 Fernando Antônio Guerra de Souza

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Convento Franciscano de Olinda
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revivaliSmo e a arquitetura
NeocoloNial do recife

Rodrigo Cantarelli1

Resumo: A arquitetura Neocolonial foi um Revivalismo produzido


no Brasil, a partir da década de 1910, como uma primeira reação à
proliferação, no país, de estilos históricos europeus, que começaram
a se popularizar na arquitetura a partir do século XIX. Em âmbito na-
cional, já existem alguns estudos a respeito da importância do Neo-
colonial para a história da arquitetura brasileira, identificando edifí-
cios significativos em várias capitais do país, como São Paulo, Rio de
Janeiro e Belo Horizonte. No entanto, em Pernambuco, nenhum estu-
do foi feito a respeito da presença dessas edificações. Como capital, o
Recife, naturalmente, concentrou as principais edificações ligadas ao
Movimento Neocolonial e, ainda hoje, guarda um acervo significativo
desses edifícios, distribuídos tanto nas suas áreas centrais, quanto nos
seus subúrbios, consolidados no fim do século XIX e início do XX.
Lamentavelmente, a falta de estudos a respeito do Movimento Neo-
colonial no estado, mostrando o valor dessas construções, fez com
que muitas delas fossem destruídas ou descaracterizadas, hoje só
podendo ser conhecidas e estudadas através de plantas e fotos de ar-
quivos. Este artigo pretende, ao mesmo tempo que identifica algumas
das principais construções Neocoloniais do Recife, rever a trajetória
que as ideias do Movimento Neocolonial percorreram para chegar ao
estado, mostrando como, aqui, elas foram de pronto abraçadas pelo
poder público e por uma intelectualidade local, que via nessa arqui-
tetura a materialização de diversos dos seus anseios.

Palavras-Chave: Arquitetura Neocolonial, Regionalismo, Recife.

1 Arquiteto. Mestre em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do


Rio de Janeiro. Analista em Ciência e Tecnologia da Fundação Joaquim Nabuco.
140 Rodrigo Cantarelli

Revivalism and the Neocolonial architecture of Recife


Abstract: The neocolonial architecture was a Revivalism produced
in Brazil, starting in the 1910s, as a first reaction to the proliferation,
in the country, of European historical styles, which became popular
in architecture from the 19th century. On the national level, there are
already some studies about the importance of Neocolonial for the
history of Brazilian architecture, identifying buildings in numerous
capitals of the country, such as São Paulo, Rio de Janeiro, and Belo
Horizonte. However, in Pernambuco, no study has been done regar-
ding the presence of these buildings. As a capital, Recife naturally
concentrates the buildings linked to the Neocolonial Movement and,
even today, it keeps a significant collection, distributed both in its
central areas and in its suburbs, consolidated in the late 19th century
and early XX. Unfortunately, the lack of studies on the Neocolonial
movement in the state, showing the value of these constructions,
meant that many of them were destroyed or uncharacterized, and it
can only be possible to study them through plans and photos from
archives. This article intends, at the same time as identifying some of
the main Neocolonial buildings in Recife, to review the trajectory that
the ideas of the Neocolonial Movement traveled to reach the state,
showing how, here, they were readily embraced by the public power
and by local intellectuals, who saw in this architecture the materiali-
zation of their wishes.

Keywords: Neocolonial architecture, Regionalism, Recife.

Introdução

Os Revivalismos são uma característica marcante da arquitetura


ocidental ao longo do Século XIX, surgidos tanto a partir de um in-
teresse na arquitetura produzida no passado, quanto do avanço de
técnicas de arqueologia, que permitiram a realização de cópias idên-
ticas de edifícios antigos. Em muitas situações, alguns Revivalismos
passaram a ser vistos como o fruto de uma arquitetura de caráter
nacional, como, por exemplo, foi o caso do Neogótico na França e
do Neomanuelino em Portugal.
No Brasil, os primeiros movimentos em busca de uma arquitetura
nacional, inspirada no seu próprio passado, remontam aos anos 1910,
mais precisamente 1914, com a campanha de valorização da produ-

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Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 141

ção arquitetônica brasileira iniciada pelo arquiteto português, radi-


cado no Brasil, Ricardo Severo. Tal campanha resultou na produção
de uma arquitetura que ficou, posteriormente, conhecida como Neo-
colonial e a sua popularização se deu a partir da década seguinte,
majoritariamente devido à ação do médico e historiador da arte José
Marianno Filho. Naquele momento, os ânimos nacionalistas estavam
bastante acesos, em parte, em decorrência das comemorações do
centenário de independência do país, pois parte da intelectualidade
brasileira via no Neocolonial a manifestação de um estilo arquitetôni-
co verdadeiramente nacional.
Aqueles anos de 1920 foram, no Recife, um momento de extrema
agitação e disputas entre grupos de intelectuais. Alguns anos antes, a
cidade havia passado por uma grande reforma urbana na região por-
tuária, iniciada em 1909, que acarretou na demolição de quase todas
as construções do seu núcleo inicial, o Bairro do Recife. Tais transfor-
mações repercutiram na década seguinte, quando o Recife foi palco de
um rico debate entre grupos de intelectuais sendo um deles, o dos Re-
gionalistas, defensores dos valores e características do que chamavam
de arquitetura tradicional brasileira. Esses intelectuais viam com bons
olhos o movimento iniciado por Ricardo Severo e propagandeado por
Marianno Filho e, consequentemente, apoiavam e incentivam a cons-
trução de edificações Neocoloniais em Pernambuco.
Embora a cidade ainda guarde um conjunto significativo de edi-
ficações representativas do Movimento Neocolonial, distribuídas
tanto nas áreas centrais, quanto naquelas de subúrbio que se con-
solidaram no fim do século XIX e início do XX, como os bairros do
Derby, das Graças e da Madalena, essas construções – planejadas
por arquitetos de produção significativa em Pernambuco, a exem-
plo de Giácomo Palumbo e Heitor Maia Filho –, ainda são pouco
conhecidas e estudadas. Ademais, muitas dessas edificações foram
destruídas ou descaracterizadas e hoje só podem ser conhecidas
através de plantas e fotos de arquivos. O objetivo deste antigo é,
portanto, identificar a trajetória da chegada das ideias do Movimen-
to Neocolonial em Pernambuco e a sua recepção pela intelectuali-
dade local, além de identificar as edificações mais representativas
do Movimento na cidade do Recife, entre aquelas ainda existentes
e outras já demolidas e descaracterizadas.

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142 Rodrigo Cantarelli

Revivalismo e o Neocolonial no Brasil

O Revivalismo na arquitetura é um movimento, ou tendência, que


busca resgatar em novas construções os elementos característicos
abstraídos de obras antigas, sendo o gosto pessoal um grande deter-
minante na escolha dessas referências de passado utilizadas. Segundo
Luciano Patetta (1977), o surgimento dos Revivals está diretamente
relacionado ao crescimento do interesse pela história da arquitetura,
bem como a uma mudança na relação que se tinha entre o passado e
o presente, com o propósito de criar um estilo nacional, independen-
te de uma tradição clássica. Era ao mesmo tempo uma experiência
no campo das artes e uma redescoberta romântica na qual o arqui-
teto se apropriava da história, se iludia em relação a passagem do
tempo e se colocava na margem das transformações. Na produção
Revivalista não há limite para a utilização de referências historicistas
nas novas construções e todos os estilos em voga no passado eram
permitidos, inclusive os mais exóticos, o que acarretou o surgimen-
to de construções Neogóticas, Neomouriscas ou Neoegípcias, dentre
muitas outras. Muito popular ao longo do Século XIX, período de for-
mação dos Estados Nacionais, os Revivalismos, na maioria dos casos,
assumiram um caráter nacionalista, uma vez que buscavam valorizar
um determinado momento da história da arquitetura supostamente
representativo do período de formação da Nação.
No continente americano, eles chegaram ainda no Século XIX, na
mesma leva que popularizou o Ecletismo e o gosto Beaux-Arts, im-
portando modelos e estilos europeus sem se preocupar, num primei-
ro momento, com as características da arquitetura local e, em muitas
situações, substituindo os padrões construtivos tracionais dessas loca-
lidades. Segundo Benedict Anderson (2008), o Século XIX foi um pe-
ríodo favorável para o desenvolvimento de sentimentos nacionalistas
na América Latina, acentuados, no início do Século XX, com as co-
memorações dos centenários das independências desses países. Tal
sentimento fez também com que arquitetos desses países buscassem
criar um estilo que lhes fosse próprio, favorecendo o desenvolvimen-
to das estéticas revivalistas próprias da arquitetura do Novo Mundo.
No Brasil, os arquitetos buscaram se inspirar em obras já produzidas
no país, utilizando referências historicistas locais e se apropriando de

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Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 143

um vocabulário arquitetônico pré-existente. Os primeiros edifícios


seguindo essa tendência começaram a ser construídos a partir da
década de 1910 em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Foi o
começo de uma campanha de valorização da arquitetura tradicional
brasileira que ficou conhecida como Movimento Neocolonial. Segun-
do Carlos Kessel,

a produção construída do neocolonial ganhou visibi-


lidade a partir da Exposição Comemorativa do Cente-
nário da Independência, realizada em 1922 no Rio de
Janeiro. Vários pavilhões foram erguidos de acordo
com os cânones do estilo, que logo seria adaptado a
igrejas, escolas e residências e conquistaria posições
por meio de concursos públicos de projetos que bus-
cavam, sob a inspiração de José Marianno, recuperar
elementos presentes nas antigas casas senhoriais do
Nordeste e nas igrejas barrocas de Minas (1999: 65).

A Exposição de 1922 foi a grande responsável por apresentar, de


forma mais contundente, a estética neocolonial para o restante do
país. Os ornamentos e elementos arquitetônicos característicos das
igrejas barrocas e da arquitetura civil do período colonial passaram,
a partir de então, a fazer parte de um repertório estilístico que foi
usado nas mais variadas construções. Antes disso, porém, as bases
para a emergência do Movimento Neocolonial já haviam sido lan-
çadas na década anterior, em São Paulo, com a campanha iniciada
pelo engenheiro, arquiteto, arqueólogo e escritor português Ricardo
Severo, que havia se exilado no Brasil desde 1909.
Muitos autores adotam o ano de 1914 como o começo do Movi-
mento, uma vez que foi quando Severo deu início a uma campanha
que buscava debater a modernização da arquitetura no Brasil a
partir da valorização da produção arquitetônica oriunda do período
colonial, a que ele chamava de “tradicional”. Foi a partir da con-
ferência “A Arte Tradicional no Brasil”, realizada naquele ano na
Sociedade de Cultura Artística de São Paulo, que Severo passou a
defender “a valorização da arte tradicional como manifestação de
nacionalidade e como elemento de constituição de uma arte brasi-

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144 Rodrigo Cantarelli

leira” (SEGAWA, 2002: 35). Para ele, a produção colonial brasileira


de raízes lusitanas seria o verdadeiro estilo nacional, em contrapo-
sição ao Ecletismo e aos outros Revivalismos da época, estranhos à
tradição arquitetônica brasileira.
Na década de 1920, essa campanha é abraçada pelo médico e
historiador da arte José Marianno Filho, que se identificou fortemente
com ela nos anos seguintes, tendo um papel destacado na dissemi-
nação e consolidação do Movimento Neocolonial por todo o país.
Marianno Filho buscou aproximar os arquitetos brasileiros de um
repertório arquitetônico ligado ao período colonial e, com o intuito
de reunir imagens dessas edificações, chegou a patrocinar, em 1924,
as viagens de Lúcio Costa, Nereu Sampaio e Nestor de Figueiredo
para as cidades mineiras de Ouro Preto, São João del Rei, Congo-
nhas, Diamantina e Mariana. Eram ações que, em paralelo a diversas
outras, estimularam o interesse e motivaram os primeiros estudos
sobre a arquitetura produzida no país entre os séculos XVI e XVIII
e estão atreladas à emergência das primeiras iniciativas de preserva-
ção de um patrimônio arquitetônico nacional, sendo o Movimento
Neocolonial a “primeira iniciativa, em arquitetura, de valorização das
raízes brasileiras e de busca de uma identidade nacional” (Pinheiro,
2012: 16). Foi também nesse mesmo período que o Neocolonial foi
abraçado pelo Estado, que o adotou em diversas construções oficiais.
A partir da década seguinte, no entanto, intelectuais e artistas mo-
dernistas, se apropriando do olhar “passadista”2 que eles mesmos cri-
ticaram na década anterior, adotaram o período colonial como o de-
tentor da verdadeira brasilidade, ao mesmo tempo em que passaram
a ocupar um lugar destacado na política nacional. Com a proteção do
governo Getúlio Vargas, essas figuras tiveram uma influência consi-
derável e definidora na determinação da identidade cultural brasileira
e, com o fim do primeiro regime de Vargas, consolidaram, definitiva-
mente, o poder moral e político para moldar o debate nacional acer-
ca das artes, da arquitetura e das letras. A arquitetura moderna, até
então rechaçada pelos mais conservadores e vista como comunista,

2 Na década de 1920, os articuladores do Modernismo chamavam, pejorativamente, de


“passadistas” os intelectuais preocupados com a valorização das linguagens artísticas já
produzidas no país.

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Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 145

feia e de caráter não-nacional, deu um grande salto nesse período,


justamente por causa do apoio recebido do poder público, enquanto
isso, o Neocolonial passou a ser apenas tolerado, juntamente com as
outras manifestações.
Rechaçadas pela crítica arquitetônica a partir dos anos 1930, as
construções Neocoloniais chegaram a ser chamadas por Lucio Costa
de “elaborada cenografia” e “falso testemunho, exemplo de como
uma casa brasileira nunca foi” (COSTA apud PESSÔA, 2004: 283).
Durante muito tempo, essas obras ficaram numa posição de ostra-
cismo na historiografia da arquitetura brasileira, caso semelhante ao
que se observa com as obras do Ecletismo. Tal desprezo por essas
edificações foi o mesmo que causou a demolição daquela que foi,
talvez, a residência mais emblemática produzida pelo Movimento:
o Solar Monjope, localizado nas proximidades do Jardim Botânico,
no Rio de Janeiro. A “casa-manifesto” do Neocolonial, construída em
1923 para ser a residência de José Marianno Filho, assim como muitas
outras construções representativas do Movimento, distribuídas por
todo o país, se foram antes que tivessem a sua importância inserida
na historiografia da arquitetura brasileira. Embora, em âmbito nacio-
nal, o Neocolonial já possua um conjunto de estudos significativos,
voltados para a produção nas duas maiores cidades do país, Rio de
Janeiro e São Paulo, capitais de importância regional, como o Recife,
deixaram de lado estudos sobre essa produção privilegiando outros
tempos da sua arquitetura.

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146 Rodrigo Cantarelli

O Neocolonial no Recife

Abraçado, desde o seu surgimento, por uma intelectualidade lo-


cal e pelo próprio governo estadual, a popularização do estilo Neo-
colonial na arquitetura recifense se deu concomitantemente com o
resto do país. Ainda no início da década de 1920, Pernambuco pôde
presenciar a construção das primeiras edificações no estilo, como
a casa do industrial Othon Bezerra de Mello, localizada na Avenida
Rui Barbosa, 471, projetada pelo arquiteto Giácomo Palumbo, em
1922, o mesmo da Exposição Internacional no Rio de Janeiro, que
lançou a estética neocolonial para todo o país. O projeto consistiu
na reforma em um edifício pré-existente, datado do Século XIX, que
objetivou dar ao imóvel tanto uma nova feição, extremamente mo-
derna para a época, quanto atender aos novos padrões de higiene e
salubridade. Mesmo tendo conservado boa parte da volumetria pré-
-existente, o projeto de Palumbo trouxe diversos novos elementos,
como os terraços, que além de aumentar a área construída daquela
antiga chácara suburbana, conferiram-lhe uma nova roupagem, sen-
do também o suporte dos ornamentos neocoloniais que caracteri-
zam a edificação até hoje. Gilberto Freyre, no artigo 24, publicado
em 30 de setembro de 1923 no Diario de Pernambuco, ressaltou os
valores da “sóbria” arquitetura colonial brasileira e, referindo-se a
essa construção específica, destacou “a casa colonial3 do meu amigo
Sr. Othon Bezerra de Mello é outra casa assim: tem caráter. Recorda
essas nossas casas de engenho, vastas e boas, na sua repousada
brancura de cal. Faz sentir quatrocentos anos de vida pernambuca-
na - social e econômica (1923)”.

3 Naquele momento, a estética Neocolonial era conhecida apenas por colonial.

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Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 147

Residência de Othon Bezerra de Mello, Avenida Rui Barbosa, 471. Acervo pessoal.

A valorização do Neocolonial fica bastante clara nesse e em outros


artigos de jornal escritos por Freyre, que abominava o Ecletismo e
acreditava que os novos edifícios deveriam explorar características
locais e serem construídos inspirados na arquitetura tradicional brasi-
leira. Assinando com o pseudônimo de Jorge Rialto, Gilberto criticou
o ecletismo, chamando-o de “extravagante furor imitativo” (RIALTO,
1929), e defendeu que a arquitetura fosse mais adaptada aos trópicos
e relacionada às tradições locais. Raul dos Passos, outro pseudôni-
mo adotado por Freyre, comentando uma nova construção na Rua
Cardeal Arcoverde, no bairro das Graças, afirma que ela era “o mais
lindo dos “coloniais” em construção no Recife” (PASSOS, 1929). Já no
livro Nordeste, de 1937, ele afirma que

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148 Rodrigo Cantarelli

o Nordeste do massapê é ainda o mais brasileiro pelo


tipo tradicional de casa-grande e de sobrado de azu-
lejo e pelo de casa de palha ou de mocambo, que
aqui se desenvolveram de originais portugueses ou
africanos e indígenas e que constituem material de
primeira ordem e uma riqueza de sugestões e
de inspirações para uma arquitetura verdadeira-
mente brasileira, ou, pelo menos, regional [desta-
que nosso] (FREYRE, 1951: 44).

O passado que Gilberto Freyre pretendia valorizar estava ligado à


monocultura açucareira, à escravidão, ao latifúndio, a um Nordeste
de sobrados azulejados, casas-grandes e mocambos. Ao longo de di-
versos textos das décadas de 1920 e 1930, Freyre criticou duramente
a arquitetura produzida no Recife naqueles anos e, a fim de proteger
uma identidade regional, defendeu que a nova arquitetura estivesse
“impregnada” de um “espírito” regional e relacionada a uma tradição
local, promovendo uma valorização das construções antigas nos no-
vos edifícios, tal qual defendia o Movimento Neocolonial.

o Recife (...) vai se achando entre as cidades mais


inexpressivas da República, com os ricaços morando
em palacetes normandos e chalés suíços, com igre-
jas velhas do tempo da colônia transformadas em
igrejas góticas, com as ruas e os parques sombrea-
dos de fico benjamim e de eucalipto ou enfeitadas
de vitória-régia do Amazonas. Despareceu do Recife
todo um sentimento de expressão regional que teve
como poucas cidades na América. A sub-região cujas
casas-grandes, cujos sobrados de azulejo, cujos casa-
rões amarelos, azuis, verdes, vermelhos – todos tão
corajosos de sua cor – a marcenaria dos mulatos de
engenho ou aprendizes de franceses e alemães do
Recife encheu de bancos de vinhático tão bonitos, de
cômodas tão nobres de conduru, de sofás enfeitados
de cajus e maracujás, de santuários e de mobílias in-
teiras de jacarandá, é hoje uma das mais pobres de

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Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 149

cor, de jacarandá, de azulejo. Sem arquitetura caracte-


rística ou, simplesmente, de acordo com as condições
regionais de clima. Sem mobiliário sólido e feito com
as boas madeiras da terra (FREYRE, 1951: 258-259).

Ele acreditava que Recife havia perdido sua arquitetura caracterís-


tica em função da popularização do Ecletismo, que após a reforma da
região portuária se fez cada vez mais presente na cidade. As críticas
feitas por Freyre vieram se juntar às de Anníbal Fernandes, que, bem
antes, já criticava a não valorização das tradições locais e a populari-
zação do Ecletismo no estado.

(...) eu me refiro a maré montante do “pastiche”, do


“chiqué”, do francesismo, do artificialismo, da imita-
ção, na arte, no romance, no conto, na estética, em
todas as manifestações do espírito humano; no des-
prezo à nossa tradição, às nossas lendas, à nossa pai-
sagem, à nossa vida, para estar com os olhos fitos em
Paris, em falar de Paris, num “rastacuerismo”4 (sic)
idiota, no meio dessa imensa natureza onde há tanta
coisa inédita e forte e heroica e formidável (FERNAN-
DES, 1920a).

Anníbal tinha uma clara posição contrária à arquitetura eclética,


que se espalhava pela cidade, pontuando sobre o seu caráter duvi-
doso em diversos outros textos. Ele acreditava que se deveria buscar
na arquitetura, assim como nas outras artes, uma identidade nacional
que se alimentasse do passado e, em mais de uma ocasião, defendeu
a arquitetura Neocolonial.

Na Paulicéia, o renascimento arquitetônico guiado


pelo sr. Ricardo Severo e uma plêiade de distintos
construtores, vai encontrando entre os intelectuais e
alguns capitalistas esclarecidos o mais promissor aco-

4 Definição comumente utilizada no século XIX, o Rastaquouère seria uma figura


exótica e conhecida por ostentar um luxo de gosto duvidoso.

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150 Rodrigo Cantarelli

lhimento. Trata-se de criar para nós o nosso tipo de


habitação, como o possuem o espanhol, o francês,
o alemão, o inglês e o escandinavo, e libertar-nos
daquela imitação bárbara que se derrama, vencedo-
ramente, pelo contágio, através do país inteiro (FER-
NANDES, 1920b)

A defesa do Movimento Neocolonial era feita não só por Anníbal


e Gilberto, mas também por outros intelectuais ligados à causa Re-
gionalista, como o professor da Faculdade de Direito Odilon Nestor
e o médico sanitarista Amaury de Medeiros. Insatisfeitos com a ar-
quitetura vigente, influenciada pelo Ecletismo, os intelectuais regio-
nalistas passaram a promover discussões em busca da renovação da
arquitetura local. Guilah Naslavsky, ao estudar a modernização da
arquitetura no Recife naquele período, defende que:

as ideias de valorização de nossas raízes, nossa cul-


tura e nosso passado circulam nos meios intelectuais
e artísticos. A valorização de nossa arquitetura no
período colonial, fruto de uma série de debates so-
bre nosso patrimônio arquitetônico e sobre a riqueza
de nossas igrejas, gera polêmicas em torno da pre-
servação desses monumentos históricos. A de nos-
so patrimônio histórico e artístico se manifesta em
reportagens, ilustrações, desenhos em bico-de-pena
publicados em revistas e periódicos no final dos anos
20 (NASLAVSKY, 1998: 71).

Para os Regionalistas, o passado deveria ser a grande fonte de


onde se abasteceria a moderna produção arquitetônica brasileira,
tema discutido durante o 1º Congresso Regionalista do Nordeste,
realizado no Recife, em 1926. No programa-convite do evento, as-
sinado por Odilon Nestor e Gilberto Freyre, o encontro é apresen-
tado como uma grande afirmação das aspirações regionalistas,
cuja índole e orientação devem ser definidas pela convergência
dos melhores elementos intelectuais do Nordeste. Os debates do
Congresso, nos quais participaram intelectuais das mais diversas

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 151

áreas, giravam em torno da identidade regional, abordando temas


como literatura, cultura popular, culinária e arquitetura, inclusive
a preservação do patrimônio. Nestor de Figueiredo, conferencista
enviado pelo Instituto Central dos Arquitetos, sediado no Rio de
Janeiro, foi um desses defensores. O arquiteto, formado em 1917
pela Escola Nacional de Belas Artes, era um grande entusiasta do
Movimento Neocolonial e apresentou no Congresso uma tese inti-
tulada Urbanização e arquitetura das cidades, que, dentre outras
ideias, defendia que deveria ser mantido o espírito nacional nas
cidades brasileiras.
Amaury de Medeiros, então Diretor Geral de Saúde e Assistência do
Estado, entusiasmado com as ideias de Figueiredo, chegou a defender
uma prática que já vinha adotando nas construções levadas a cabo pela
Diretoria de Saúde e Assistência de Pernambuco: a adoção do estilo
colonial nos edifícios construídos pelo poder público. Gilberto Freyre
destacou, um ano antes do Congresso, as ações de Medeiros em prol
da arquitetura Neocolonial no artigo “Reação do bom gosto”, onde afir-
ma que aquelas eram iniciativas de “claro bom gosto”, além de virem
“animando a edificação pública, principalmente do seu departamento,
de um sentido de beleza que andava esquecido ou deliberadamente
desprezado” (FREYRE, 1925). No mesmo artigo, ele comenta as visitas
recentes feitas aos novos pavilhões do Hospital da Tamarineira e ao
Hospital Oswaldo Cruz. Sobre o último, comentou:

É ao meu ver o mais lindo colonial novo que hoje


possui o Recife. O mais lindo, o mais sugestivo, o
mais brasileiro, o mais pernambucano. Simples for-
te, elegante, doce, franciscanamente hospitaleiro,
todo claro e aqui e ali avivado pelos salpicos azuis e
amarelos de raro azulejo antigo; o telhado de beiral
arrebitado, vivamente vermelho; jarros de Santo An-
tônio do Porto, no pórtico e dos lados, a aligeirarem
a tranquila simplicidade do edifício de uma graça he-
ráldica. (...)aos que desejamos um Pernambuco que
se renove pernambucanamente dentro do espírito do
seu passado vivamente romântico e das sugestões de
sua paisagem, deliciosamente tropical, animam-nos

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


152 Rodrigo Cantarelli

de um vivo prazer esforços como o do sr. Amaury de


Medeiros. (FREYRE, 1925).

Além dessas construções, Amaury de Medeiros ainda foi responsá-


vel pela edificação de diversos outros edifícios filiados ao Movimento
Neocolonial pelo estado, como grupos escolares e escolas correcio-
nais, além do projeto, não edificado, para a Maternidade do Derby.
Naquele momento, as obras do governo estadual, sob sua respon-
sabilidade, assumiram uma linguagem marcadamente enraizada no
passado colonial brasileiro, uma iniciativa defendida no Congresso
de 1926, onde se procurou mostrar que:

(...) a conservação dos costumes tradicionais não


tem nenhuma incompatibilidade com os progres-
sos da arquitetura, com a higiene moderna, com
nenhuma das conquistas da civilização; vimos que
a casa colonial, conservando o seu caráter, pode
receber todo o conforto atual; (...) vimos que para
cuidar da conservação do nosso patrimônio artís-
tico tradicional não se precisa arruinar o país (1º
Congresso, 1926).

Ainda durante o Congresso, foram visitados alguns edifícios his-


tóricos, como as igrejas de São Pedro dos Clérigos, da Conceição
dos Militares e da Madre Deus, no Recife, e a casa-grande do en-
genho Megahype, em Jaboatão, como também os centros histó-
ricos de Olinda e Igarassu. Àquele momento, o Recife já possuía
um acervo arquitetônico Neocolonial significativo e, por essa
razão, complementando essas visitas, os participantes do evento
também foram levados para conhecer os novos edifícios públicos
já construídos aos moldes dessa estética revivalista. Com isso, se
incorporaram ao roteiro o Hospital Oswaldo Cruz; os Pavilhões de
Observação e Pesquisa Científica do Hospital da Tamarineira, hoje
ocupados pelo Centro de Prevenção, Tratamento e Reabilitação do
Alcoolismo da Prefeitura do Recife, ambos inaugurados em 18 de
outubro de 1925; o Grupo Escolar Amaury de Medeiros, projetado
por Manoel da Cunha Parahym, em 1924, e atual Escola de Referên-

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Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 153

cia em Ensino Médio Amaury de Medeiros, localizada na Rua São


Miguel, no bairro de Afogados.
Naquele momento, se encontrava em construção uma das prin-
cipais edificações neocoloniais de todo o estado, o novo edifício da
Escola de Medicina do Recife, no bairro do Derby, projetado pelo
arquiteto Giácomo Palumbo, em 1925. O prédio, hoje ocupado pelo
Memorial da Medicina de Pernambuco, foi inaugurado no dia 21 de
abril de 1927 e é, talvez, a mais expressiva manifestação que o Mo-
vimento Neocolonial alcançou em Pernambuco. A construção possui
um pátio interno com galerias circundantes em ambas as plantas à se-
melhança dos claustros de construções religiosas, apresentando uma
grande riqueza de ornamentos, com aplicação de painéis de azulejos,
balcões similares a tribunas de templos barrocos, além de colunas
torsas, telhados arrematados com pinhas, beirais aparentes e telhas
do tipo rabo de andorinha. Em relação ao programa arquitetônico,
ele estava distribuído ao longo dos dois andares da edificação, sendo
que no térreo do bloco principal funcionavam administração, porta-
ria, vestiários e biblioteca; já o andar superior era destinado às salas
de professores, de congregação e ao salão nobre; na parte posterior
do prédio estavam localizadas ainda as salas de aula, os gabinete de
odontologia e farmácia, laboratórios e um anfiteatro.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


154 Rodrigo Cantarelli

Antiga Escola de Medicina do Recife. Acervo pessoal.

A campanha promovida pelos intelectuais Regionalistas gerou


um certo efeito e, a partir de 1926, diversas outras construções
Neocoloniais foram executadas pelo governo estadual. Uma des-
sas obras foi a nova sede da Biblioteca Pública do Estado, que
veio ocupar o prédio da antiga Casa de Câmara e Cadeia do Reci-
fe. Inaugurada em 19 de maio de 1931, a obra consistiu na reforma
de um edifício datado de 1732, bem descrita num artigo publicado
por Mario Sette, no jornal A Província:

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 155

O prédio terá três pavimentos... O andar térreo ser-


virá para depósito de livros e periódicos, fechado
ao público. No primeiro andar, o hall com portaria...
Um elevador elétrico porá em comunicação o andar
térreo com o salão de leituras... iluminação farta e
amplas janelas. Haverá mais salões para estudos, con-
ferências, sala de diretor, de catalogação, secretaria,
salão de honra para exposição... A fachada do edifí-
cio será em estilo Neocolonial... (SETTE, 1930).

Enquanto internamente o edifício foi remodelado para receber o


novo uso, o seu exterior recebeu elementos decorativos neocoloniais
mantendo-se, no entanto, o partido arquitetônico anterior. Situações
onde a modernização de uma edificação antiga se dava através de re-
formas na qual eram incorporados elementos decorativos inspirados
na arquitetura tradicional brasileira, como o já citado caso da casa
de Othon Bezerra de Melo, foram uma prática bastante comum do
Movimento Neocolonial.
O Congresso Regionalista desempenhou um papel importante na
difusão das ideias Neocoloniais em Pernambuco. Contudo, dentre as
construções datadas de antes do evento, podemos destacar a cons-
trução do Mercado da Madalena, inaugurado em 19 de outubro de
1925, no local da antiga Feira do Bacurau, na Estrada Real da Torre,
e a residência de José Rufino Bezerra Cavalcanti Filho, localizada no
número 751 da Rua do Hospício, construída entre 1923 e 1926. Essa
residência é um exemplo primoroso do uso da ornamentação neo-
colonial, uma vez que nela encontramos os mais diversos elementos
característicos do movimento, tais como frontão curvilíneo, painéis e
bancos revestidos de azulejos, vitrais, colunas torsas, gradis de ferro,
beirais aparentes e telhas de rabo de andorinha. Tal residência é uma
amostra de como a produção residencial da arquitetura neocolonial
recifense foi vasta e incorporou os elementos mais característicos do
Movimento, a exemplo dos já citados, além de varandas com arcadas,
copiares, óculos, grades e muretas com telha serrada. Essa produção
está distribuída pelas mais diversas áreas da cidade, merecendo des-
taque os edifícios localizados na Avenida Rui Barbosa, números 779
e 317; na Avenida 17 de Agosto, número 1112; na Rua Gouveia de

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156 Rodrigo Cantarelli

Barros, número 73; bem como os números 17 e 73 da Praça do Derby


e o número 127 da Rua Marques de Amorim.
No entanto, não só das construções públicas ou da produção resi-
dencial viveu o Neocolonial no Recife, uma vez que o vemos repre-
sentado nas mais diversas tipologias edilícias encontradas na cidade,
como o antigo Portão de Entrada do Hospital Português, localizado
na Avenida Portugal, número 163; o anexo do Colégio Nossa Senhora
do Carmo, construído na Rua Visconde de Goiana, além da Igreja Ma-
triz do Espinheiro, que teve suas obras iniciadas em 15 de Dezembro
de 1940, já quando as primeiras construções modernistas se encon-
travam edificadas na cidade.

Residência na Rua Marquês do Amorim, 127, atual sede da Defensoria Pública de Pernambuco.
Acervo pessoal.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 157

Ainda é notória a construção da nova sede do Clube Internacio-


nal do Recife, projetada pelo arquiteto Heitor Maia Filho, cuja pedra
fundamental foi lançada em 7 de setembro de 1937. Inaugurado, em
26 de fevereiro do ano seguinte, num baile de carnaval que contou
com decoração do artista plástico Lula Cardoso Ayres, o edifício foi
resultado de uma reforma realizada num antigo sobrado existente
no local, que recebeu um frontão recortado por volutas, beirais de
telhas com acabamentos em rabo de andorinha, azulejos e cartelas
barrocas. A sede do Clube Internacional era o mais “moderno” exem-
plar Neocolonial da cidade e tido como um dos maiores clubes do
país. Foi construído no local vizinho ao ocupado pelo antigo edifício,
um novo dancing, completamente aberto, considerado o maior da
cidade e com um pé direito de 8 metros, atendendo “as exigências do
clima quente do Recife” (CLUB, 1938). O prédio existente foi adapta-
do para abrigar salas de jogos, concertos, bar e restaurante, enquanto
a área restante do terreno foi ajardinada e recebeu quadras de tênis,
basquete, vôlei, uma piscina e parque de diversões para crianças.
Com um programa arquitetônico distribuído ao longo de dois pisos,
no pavimento térreo, além do luxuoso hall de entrada com uma
escadaria em mármore e ao fundo um vitral do século XVIII, foram
alocadas salas de trabalho, como gerência e secretaria, além de salões
de jogos, fumoir, sala de pequenos bailes, restaurantes e pastelaria.
Já o pavimento superior ficou destinado aos salões de concertos e
conferências, salas de jogos, e um amplo terraço, voltado para o an-
tigo Largo do Benfica, reformado em 1935 por Roberto Burle Marx e
transformado na Praça Euclides da Cunha.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


158 Rodrigo Cantarelli

Sede do Clube Internacional do Recife. Acervo pessoal.

O Recife chegou ainda a possuir um outro edifício com o mesmo


uso, pertencente ao Clube de Engenharia de Pernambuco, localizado
na Rua Real da Torre, número 501. De composição mais simples,
aparentemente adaptada a partir de uma residência, essa edificação
foi demolida em 2011, em meio ao processo iniciado pela Prefeitura
do Recife a fim de preservá-lo. A destruição do acervo Neocolonial
recifense se intensificou a partir dos anos 1980, quando foram perdi-
dos exemplares singulares, como as casas existentes no número 778
da Rua da Hora e no número 80 da Rui Calaça, ambas no bairro do
Espinheiro, assim como a da Rua Heitor Maia Filho, número 496, na
Madalena, e a de número 1796, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva,
no bairro da Jaqueira. A mesma avenida, no seu número 322, ainda
guarda uma edificação Neocolonial, entretanto com algumas desca-
racterizações no seu espaço interno e a construção de elementos
destoantes do edifício encobrindo a sua fachada. Tal problema de
descaracterização também acometeu outras edificações, como, por

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 159

exemplo, a casa localizada no número 381 da Praça de Casa de Forte


que, embora aparentemente bem conservada, já perdeu suas telhas
do tipo rabo de andorinha, além de ter tido o seu interior inteiramen-
te modificado com remoção de paredes e do piso original, além das
alterações no muro e no jardim da edificação.
Entretanto, tais descaracterizações não se deram somente na arqui-
tetura residencial, alguns dos edifícios neocoloniais construídos pelo
Governo Estadual também perderam parte dos seus elementos carac-
terísticos, como o Grupo Escolar Amaury de Medeiros, em Afogados,
que, numa reforma realizada em 2011, teve suprimidos os seus frisos
de azulejos, o beiral e as telhas de rabo de andorinha. Além dele,
com o tempo e falta de um olhar valorativo, o Hospital Oswaldo Cruz
também foi descaracterizado e seus elementos neocoloniais, como os
que Gilberto Freyre destacou no artigo “Reação do Bom Gosto”, foram
subtraídos nas reformas feitas no prédio ao longo dos anos.

Considerações finais

Tendo surgido e se popularizado no mesmo momento que que


muitas ideias agitavam a vida intelectual e cultural de Pernambuco, o
Movimento Neocolonial se fez bastante presente na produção arqui-
tetônica do Recife já desde o início da década de 1920. Com o passar
dos anos, ele se popularizou e confirmamos isso não só através das
novas construções fiéis ao estilo como também em anúncios de jor-
nais, onde se anunciavam casas “modernas”, em bairros como Espi-
nheiro e Madalena, construídas em “estilo colonial” como uma forma
de valorização do imóvel. Em pouco tempo, o Neocolonial foi dei-
xando de lado o viés nacionalista do Movimento e passou a ser mais
uma das temáticas revivalistas que serviram de inspiração ao Ecle-
tismo,5 servindo de repertório compositivo e se mesclando aos mais
diversos estilos arquitetônicos, em especial, ao Missão Espanhola,
que havia surgido no sudoeste dos Estados Unidos, no final do Sécu-

5 Convém destacar que, para muitos arquitetos dessa geração, o Neocolonial representava
mais uma vertente estética, sem debates teóricos, a ser incorporada ao seu repertório arqui-
tetônico e usada como forma de agradar aos seus clientes. Arquitetos como Georges Mu-
nier e Giácomo Palumbo são uma prova clara disso, quando vemos, nas suas produções, as
mais variadas referências utilizadas de forma bastante livre.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


160 Rodrigo Cantarelli

lo XIX, nas localidades outrora pertencentes ao México, como Texas,


Arizona e Califórnia. O Mission Style, na sua denominação original,
era inspirado nas Missões Franciscanas construídas em finais do sé-
culo XVIII e princípio do XIX, naquela região, e foi introduzido no
Brasil pelo arquiteto carioca Edgar Vianna. A estética se popularizou
no Brasil a partir da década de 1920, se adaptando e, muitas vezes,
se mesclando ao repertório ornamental do Neocolonial, produzindo
construções que ora se aproximavam de um estilo, ora do outro.
Edificações Neocoloniais que receberam essa influência do
Estilo Missões também são encontradas no Recife, como, por
exemplo, o edifício sede da Empresa de Urbanização do Recife,
localizado no número 867 da Avenida Oliveira Lima, no bairro
da Soledade. Construído inicialmente como sede do Colégio
Eucarístico, instituição tradicional da cidade que data de fins do
século XIX, o edifício possui dois blocos bastante distintos. O
ocupado pela antiga capela do colégio, com uma ornamenta-
ção bastante Eclética, se contrapõe ao bloco maior, inaugurado
em 5 de setembro de 1936 e destinado às salas de aula, que
possui uma mistura bastante harmoniosa de elementos Neoco-
loniais e do Estilo Missões. Outras edificações onde encontra-
mos uma mesma associação das duas estéticas revivalistas são
a antiga residência localizada no número 320 da Avenida Rui
Barbosa, atual sede do Tribunal Regional Eleitoral, ou na resi-
dência de número 304 da Rua Amélia, ambos no bairro das Graças.
Era também um exemplar significativo desse momento da cidade, o
Edifício Caiçara, localizado na praia de Boa Viagem, que mesmo
tendo sido objeto de várias ações em prol da sua preservação,
foi completamente demolido em 2016.
Não se pode deixar de destacar que naquele momento não ape-
nas no Recife, mas também em Olinda e outras cidades do estado
passaram a ser construídos edifícios Neocoloniais. Essas construções
se proliferaram para fora da capital e as encontramos nas mais di-
versas regiões do estado e com os mais variados usos, comprovando
a popularidade que o Movimento obteve em Pernambuco. Dentre
essas construções merecem destaque o Aprendizado Agrícola de Pa-
cas, de 1936, em Vitória de Santo Antão, a Escola Arruda Câmara,
de 1934, em Itambé, a Igreja Matriz de São José da Coroa Grande e

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


Revivalismo e a arquitetura Neocolonial do Recife 161

a casa-grande do Engenho Boa Vista, no Cabo de Santo Agostinho,


edifícios que sugerem que ainda há muito o que se descobrir sobre
o Neocolonial em Pernambuco.

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Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 139-162, 2019


uSiNa Beltrão / fáBrica tacaruNa:
reSgate HiStórico

Limério Moreira da Rocha1

Resumo: O texto busca resgatar a memória histórica de dois em-


preendimentos industriais, que marcaram tanto a economia e a so-
ciedade pernambucanas, quanto a paisagem urbana entre Recife e
Olinda – a Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna, desde as suas origens
no séc. XIX até a declaração de zona de preservação e o tombamento
da edificação, como forma de tentar preservar o rico patrimônio que
restou no local.

Palavras-chave: Usina Beltrão. Fábrica Tacaruna. Indústrias. Histó-


ria. Patrimônio de Pernambuco.

Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: A historical rescue


Abstract: The text seeks to recover the historical memory of two in-
dustrial enterprises, which marked not only the economy and society
of Pernambuco, but also the urban landscape between Recife and
Olinda – Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna, since its origins in the 19th
century until the declaration of preserved zone and the protection of
the building by law, as a way to try to maintaining the rich heritage
that remained in the place.

Keywords: Usina Beltrão. Fábrica Tacaruna. Industries. History. Pat-


rimony of Pernambuco.

Quem transita entre Recife e Olinda, surpreende-se com o estado

1 Ex-professor universitário, membro efetivo do IAHGP; sócio correspondente do Institu-


to do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico) e do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte - IHGRN. Autor da obra Usina Beltrão/Fábrica Tacaruna: história de
um empreendimento pioneiro, publicada pela Cia. Editora de Pernambuco (CEPE) em 2012.
164 Limério Moreira da Rocha

de desolação e descaso de um prédio que, apesar do desleixo em


que se encontra, ainda esbanja majestade e beleza. Sua alta chaminé,
instigadora, a rasgar os céus, chama a atenção do transeunte que,
por certo, se não for aqui residente e estudioso da história local, não
saberá que o lugar já foi palco de dois importantes e arrojados em-
preendimentos da região.
Refiro-me à então inovadora refinaria de açúcar Usina Beltrão e à
famosa tecelagem Fábrica Tacaruna, que ali mesmo funcionaram em
períodos distintos, abrigando, entre suas espessas paredes, pesados
maquinários e grande número de operários, movimentando a econo-
mia e a sociedade pernambucanas.
A República, no Brasil, apenas começava, quando Antônio Carlos
de Arruda Beltrão e Pedro da Cunha Beltrão, filhos de proprietários
de engenhos em Vitória de Santo Antão, terra natal de ambos, uniram
capital, trabalho, esforço e determinação para organizar o que viria a
ser a Companhia Industrial Açucareira.
Antônio Carlos era engenheiro civil, formado pela Escola Politécni-
ca do Rio de Janeiro em 1879. Era tenente coronel da Guarda Nacional,
republicano ardente, havendo atuado, no início de sua carreira, na
capital carioca. Posteriormente, já em terras pernambucanas, dirigiu
o Engenho Central de Santo Inácio, na vila de Palmeirina, município
de Canhotinho. No Recife, ocupou os cargos de chefe de tráfego e
locomoção da Estrada de Ferro Central de Pernambuco e fiscal das
Estradas de Ferro do Recife a Caxangá e do Recife a Olinda e Beberi-
be. Permaneceu nesta ocupação até setembro de 1890, quando pediu
exoneração2 para se dedicar, inteiramente, ao que viria a ser uma das
maiores empreitadas de sua vida profissional, a Usina Beltrão.
Pedro da Cunha Beltrão, descendente direto do marquês de Ca-
daval e do duque da Beira Alta de Portugal, era bacharel formado
pela Faculdade de Direito do Recife em 1869 e doutor em Ciências
Jurídicas em 1871. Foi deputado geral por Pernambuco, no ano de
1876, e chefe da Comissão Diplomática Brasileira na França, em 1881,
por nomeação do Imperador Pedro II, para resolver questões políti-
cas e financeiras de interesse do Império em Paris. Por seu desem-
penho nessa missão, recebeu, em 1885, a presidência da Província

2 Boletins do Expediente do Governo – PE, 9.ix.1890, p. 54.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 163-183, 2019


Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 165

da Paraíba3, que exerceu de julho a setembro daquele mesmo ano,


exonerando-se para concorrer, novamente, ao cargo de deputado
geral por Pernambuco, para o qual foi eleito, sendo, ao término do
mesmo, nomeado para presidir a Província do Maranhão4. Com a
queda do Império, abandonou a política, passando a residir no Rio
de Janeiro, onde assumiu a presidência do Banco União, ocasião em
que foi convidado pelo primo, Antônio Carlos de Arruda Beltrão,
para constituírem a Companhia Industrial Açucareira.
Foi essa sociedade anônima a responsável pela criação da Usina
Beltrão. A formalização desse último empreendimento, entretanto,
foi precedida por intensas e árduas negociações do próprio Antônio
Carlos que, com seu prestígio e profundo conhecimento dos negó-
cios de açúcar, obteve do governo provincial de Pernambuco, ainda
em 1889, autorização de contratação, consoante Lei nº 2.126, que por
ser o primeiro documento relativo à Usina, transcrevemos na íntegra:

Manoel Alves de Araújo, do Conselho de Sua Ma-


jestade, o Imperador, Bacharel formado em ciências
sociais e jurídicas pela Faculdade de São Paulo, co-
mendador da Imperial Ordem da Rosa e Presidente
da Província de Pernambuco. Faço saber a todos os
seus habitantes que a Assembleia Legislativa Provin-
cial decretou e eu sancionei a Resolução seguinte:
Art. Único. Fica o Presidente da Província autorizado a
contratar com o engenheiro Antônio Carlos de Arruda
Beltrão, atenta a prioridade da ideia devidamente com-
provada, a fundação, nesta cidade, de uma usina para
produzir, diariamente, vinte toneladas (20.000 quilo-
gramas) de açúcar refinado tipo exportação e de con-
sumo interno, no valor de seiscentos contos de réis,
sendo-lhe dada a subvenção de duzentos contos de
réis, mediante as mesmas cláusulas e condições a que
estão sujeitas as concessões de engenhos centrais.
Revogam-se as disposições em contrário.

3 Apostila nº 1.883 do Ministério dos Negócios do Império, de 3.vi.1885


4 Apostila nº 2.873 do Ministério dos Negócios do Império, de 25.vi.1889.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 163-183, 2019


166 Limério Moreira da Rocha

Mando, portanto, a todas as autoridades, a quem o


conhecimento e execução da presente Resolução per-
tencer que a cumpram e façam cumprir tão inteira-
mente como nela se contém.
O secretário da Presidência desta Província a faça im-
primir, publicar e correr.
Palácio da Presidência de Pernambuco, 6 de novem-
bro de 1889, 68º da Independência e do Império5

Assim, firmado o contrato em 13 de novembro seguinte, com pare-


cer favorável do governador6, partiu aquele engenheiro para a Capital
Federal, onde foi realizada a assembleia geral de constituição da
Companhia Industrial Açucareira, com capital social de 4.000:000$000
(quatro mil contos de réis), distribuído entre 70 acionistas fundado-
res, com registro de seu Estatuto na Junta Comercial respectiva7.
Fundada em 21 de julho de 1890, tinha sede na rua dos Ourives
(atual, rua Miguel Couto), nº 37, no Rio de Janeiro. Sua direção foi
composta por Pedro da Cunha Beltrão, Presidente; Antônio Carlos de
Arruda Beltrão, diretor gerente; Miguel Lúcio de Albuquerque Mello
Filho, secretário; Cornélio de Sousa Lima, tesoureiro.
A notícia logo chegaria ao Recife, em nota publicada, a pedido do
diretor gerente da nova companhia, no Diário de Pernambuco8, que
tornou pública a criação da referida sociedade e seus fins de cons-
trução e exploração de refinarias de açúcar no Rio de Janeiro e na
capital pernambucana.
Não é novidade, no país, que nossa produção agrícola era e conti-
nua, em grande medida, a ser exportada, praticamente, in natura ou
sob rústica industrialização. No ramo do açúcar, não era diferente. A
ideia de construir uma refinaria no Recife animou os cultivadores de
cana. Partiu, então, Antônio Carlos a New York para adquirir o ma-
quinário necessário à nova usina, tendo comprado o mesmo da Com-
pagnie Fives Lille, empresa com sede na França, nascida na Primeira

5 Coleção de Leis Provinciais – PE, 1889, p. 239.


6 Boletim do Expediente do Governo de Pernambuco, 1888/1889, p. 198.
7 Registro nº 920 do livro nº 38 da Junta Comercial do Rio de Janeiro – Arquivo Nacional.
8 Diário de Pernambuco, 26.vii.1890, p. 2.

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Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 167

Revolução Industrial com o uso da engenharia a vapor. A empresa


existe ainda com o nome Fives, tendo-se tornado famosa não só pela
produção das primeiras locomotivas a vapor e máquinas destinadas à
indústria agrária, sobretudo de usinas de açúcar, como também pela
construção da famosa e bela ponte Alexandre III, na capital francesa,
dos elevadores da Torre Eiffel e da antiga estação de trem (hoje, mu-
seu) d’Orsay, na Cidade Luz.
Preocupado, ainda, com os métodos arcaicos de tratamento açu-
careiro no país, que davam perdas de 62% nas usinas e engenhos
centrais pernambucanos, quando comparados com outros no estran-
geiro, o engenheiro Antônio Carlos, também, não descuidou da pro-
dução. Ele tratou, pessoalmente, da compra dos direitos de utilização
exclusiva do que havia de mais moderno, à época, em termos de
refinação: o revolucionário processo de Carl Stephen, o rei do açúcar,
havendo contratado, na Europa, especialistas que lá aperfeiçoaram
seus estudos nessa modalidade de refino. O industrial não pensava
apenas no aumento da quantidade do produto, mas, também, em sua
superior qualidade, em menor tempo de processamento. Ao contrá-
rio dos dispendiosos, lentos e repetitivos cozimentos e turbinações,
que levavam meses, o novo processo permitia a obtenção de açúcar
extra branco em apenas 48 horas.
Com as encomendas do maquinário e dos técnicos já feitas, foram
iniciadas as obras de construção da Usina, tendo sido escolhido para
sua sede o Sítio Tacaruna, palavra de origem indígena (itacoaruna),
que significa pedra do buraco preto (GALVÃO, 1910). Trata-se de
antigas terras de um pequeno grupo de mesma denominação. Não
sabemos precisar se, na ocasião da aquisição pela Companhia Açu-
careira, pertenciam aos herdeiros do Barão de Tacaruna, detentor de
amplo terreno no local e falecido em 16 de dezembro de 18879. Im-
portante destacar que encontramos documentos de 1852, nos quais o

9 Manuel Antônio dos Passos e Silva, Barão de Tacaruna, por título imperial de 22.ii.1873,
olindense, juiz de paz da paróquia de sua residência, vereador e presidente da Câmara Mu-
nicipal de Olinda, onde era líder do Partido Conservador, suplente de deputado provincial
em duas legislaturas (1858 e 1861). Foi Capitão da 2ª Companhia do 1º Batalhão da Guarda
Nacional em Olinda, além de Tenente-Coronel da mesma Guarda. Comendador e Oficial
da Ordem da Rosa e Cavaleiro da Ordem de Cristo. Era sócio correspondente do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano - IAHGP.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 163-183, 2019


168 Limério Moreira da Rocha

prior e visitador do Convento do Carmo de Olinda, frei João Batista


de Santa Helena, requeria ao Imperador autorização para conceder,
em aforamento perpétuo, ao referido Barão de Tacaruna, terras do
quintal do mencionado convento, cujos limites, segundo os mes-
mos documentos, estendiam-se, ao sul, com a propriedade do Barão,
indo, do lado oeste, do oitão da Ordem Terceira de Santa Teresa ao
quintal do sobrado do pátio de São Pedro Apóstolo, pertencente aos
herdeiros de Silva Neves; ao leste, com o mar e, ao norte, com terras
do mesmo convento carmelita. 10
A área, ainda, é famosa por haver sido refúgio aos luso-brasileiros,
no período da invasão batava, em virtude de suas densas matas. Dali,
investiram, pela primeira vez, contra os flamengos, em emboscada,
sendo ferido o capitão Estêvão da Távora (RIO BRANCO, 2012 [1891]:
590). Também, foi local de importante presídio que, na ocasião da
Guerra dos Mascates, em 1710, tinha como comandante o sargento-
-mor Domingo Gonçalves Freire.
Iniciadas as obras, Pedro Beltrão encarregou seu irmão, o médico
Francisco da Cunha Beltrão, nomeado, então, gerente de produção
da Companhia em Pernambuco, para tratar com o governo local da
liberação da primeira parcela do auxílio financeiro estatal, previamente
acordado, no valor de cem contos de reis, necessários à continuação
da Usina. Francisco Beltrão apresentou ao governador o plano e o or-
çamento da empreitada, comunicando-lhe, ainda, em 12 de setembro
de 189111, que as ferragens e os maquinários já se encontravam no
prédio em construção e outra parte na alvarenga de Livramento & Cia.

10 Arquivo Nacional, cx. 928 – Negócios Eclesiásticos -Pac. 5 – docs. 154-167. Segundo os
Avaliadores do Conselho dos Prédios Urbanos e Rústicos, à época, as dimensões e estado
do dito terreno eram as seguintes: “(...) 556 palmos na sua frente, que deita para o pátio ou
confins do dito Convento; 598 palmos de fundo do lado do Oeste, principiado do oitão da
Ordem Terceira, em seguimento à Capela Mor até os alicerces do muro do lado da praia;
1.140 palmos, do lado do sol, principiando do fundo do sobrado do Pátio de São Pedro
Apóstolo, pertencente aos herdeiros do falecido Silva Neves; o qual faz uma curva que cor-
ta todos os quintais do mesmo pátio da rua do Paço do Casteliano, e, daí, em seguimento
do muro do Tenente-Coronel Manoel Antônio dos Passos e Silva até os já mencionados
alicerces, e 665 palmos do lado da praia que olha para o mar; o qual terreno apenas conten-
do 4 pés de coqueiros, um pé de cajazeira, avaliamos o dito terreno em 34 mil réis, o que
assinamos em fé da verdade. Cidade de Olinda, 27 de julho de 1852”.
11 Maço de papéis avulsos sobre “engenhos centrais e usinas”, não catalogado, existentes no
Arquivo Público Estadual de Pernambuco (APEJE).

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Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 169

O próprio governador, João Antônio Correia da Silva, com extensa


comitiva realizou visita oficial ao canteiro de obras da Usina, em 24
de outubro de 1891. Tomaram-se para tal fim, diversos escaleres no
Cais da rua Visconde do Rio Branco (hoje, rua da Aurora), especial-
mente enviados, na ocasião, pela Companhia Açucareira. O governa-
dor e comitiva foram acompanhados por banda de música da guarda
local até o Sítio Tacaruna. Os visitantes foram recebidos por Antônio
Carlos de Arruda Beltrão e Durand Breanhart, engenheiro contratado
para instalação da maquinaria.
A impressão causada não poderia ter sido melhor: na ocasião,
quase todo o material da fábrica já se encontrava na área, estando
em escavação a base da chaminé. De acordo com a planta original,
ela seria assentada em seis profundas estacas e teria altura de 55 m.
No entanto, a estrutura ficou com 62 metros12, sendo a mais alta da
região na época de sua construção. Foram, também, disponibilizadas
as plantas da obra e até amostras do açúcar refinado pelos novos mé-
todos de produção, obtidos de fábricas na Hungria, com o revolucio-
nário processo Stephen. O produto destacava-se não só pela alvura,
mas pela consistência, seca e cristalizada, permitindo a conservação
por mais longo tempo que o habitual.
Seguiu-se fausto e festivo almoço para 80 convidados, especial-
mente encomendado ao Grande Hotel Americano, com brindes de
champanha e trocas de afabilidades entre o governador e Arruda
Beltrão, tudo comentado nos mínimos detalhes pelos jornais locais.13
Não obstante, o prometido auxílio financeiro do Estado não viria. O
contrato de empréstimo estatal foi, inclusive, reformulado, por de-
creto de 4 de novembro de 1891, comprometendo-se o governo a
fornecer duzentos contos de réis em apólices, em quatro parcelas (as
três primeiras de sessenta contos e a última de vinte contos), com
juros de 7% a.a.
Como garantia para liberação da parcela inicial, exigia-se a hipo-
teca ao Estado da propriedade Tacaruna e exibição da documentação

12 Conforme dado fornecido ao autor por Rubem Leite, ex-diretor da Fábrica Tacaruna, que
mandou realizar a medição da referida chaminé.
13 A Província – PE, 25.x.1891, p. 1 e 2; Jornal do Recife, mesma data, p. 2; Diario de Pernambuco,
idem, p. 2.

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170 Limério Moreira da Rocha

comprobatória da encomenda de todo o material destinado à refi-


naria. A segunda parcela, somente quando as máquinas e aparelhos
estivessem no local e mediante compromisso de entrega dos mesmos
e do prédio ao Estado, no caso de a Usina não ser inaugurada em 18
meses. A terceira, com a conclusão das obras e a última, depois de a
fábrica estar em funcionamento por, no mínimo, 100 dias.14
Logo, cuidou-se da vinda do restante do material importado para a
obra, tanto que, apenas 6 dias após o referido decreto, já desembar-
cava a última remessa, composta por colunas, vigas, caldeiras e mais
máquinas pesadas. Ainda, no mesmo mês, fez-se a hipoteca da pro-
priedade e do maquinismo e aparelhos, sob o aval do engenheiro do
Estado, Francisco de Souza Reis. Mas, mesmo atendidos os requisitos
contratados, as parcelas devidas não foram liberadas.
A então Junta Governativa, no ano seguinte, invocava o descum-
primento pela empresa de outro decreto que, na verdade, se referia
aos projetos iniciais da Usina na então Colônia Suassuna, em Socorro,
Jaboatão dos Guararapes, que foram, como era do conhecimento
estatal, abandonados em detrimento da decisão de instalação no Sítio
Tacaruna. A máquina burocrática mostrava seu peso e suas garras,
tornando a continuação das obras da Usina Beltrão quase inviável,
porque desprovida dos recursos financeiros prometidos, que nunca
chegavam. Não fosse a tenacidade do engenheiro Antônio Calos Bel-
trão, provavelmente, o projeto teria parado por completo.
Assim, é que, em 23 de janeiro de 1893, já quase em fase de con-
clusão, a Companhia Açucareira celebrou contrato com a Intendência
de Olinda para o fornecimento de água à Usina, a partir do rio Be-
beribe, mais precisamente, no trecho de Peixinhos, comprometendo-
-se a pagar ao município a quantia anual de mil contos de réis e a
manter, às custas da empresa, nela laborando, 25 menores apren-
dizes, proporcionando-lhes sustento, vestuário, instrução primária e
profissional15.
Correndo para terminar as obras em breve tempo, ocorreu, em
2 de outubro de 1893, um grave e ruinoso imprevisto: nos testes de
carga das caldeiras com água, o excesso de peso fez desabar toda a

14 Boletins do Expediente do Governo – PE, 1891/1892, p. 124/5.


15 Livro nº 10 do Patrimônio da Prefeitura de Olinda, 1850/1906.

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Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 171

parte posterior do edifício central, danificando, seriamente, o maqui-


nismo que já estava instalado nos andares superiores.
Mesmo diante dos percalços financeiros e patrimoniais enfrenta-
dos, já em novembro de 1894, estavam concluídas as dependências
do parque industrial e o chalé de residência, onde passou a viver o
próprio Arruda Beltrão, sendo lançada, em 27 daquele mesmo mês16,
a pedra fundamental da capela da Usina, sob a invocação de Nossa
Senhora, que não chegou a ser construída, devida aos parcos recur-
sos disponíveis.
Apelando, mais uma vez, ao Estado, fez-se convite ao então go-
vernador Alexandre José Barbosa Lima para visitar a Usina, o que se
efetivou em 1º de fevereiro de 1895, causando boa impressão aos
convivas que desfrutaram, ainda, no chalé do diretor gerente, de
grandioso almoço17. Em março seguinte, o governador, atendendo
a pedido da Companhia Açucareira, reconheceu como de utilidade
pública os terrenos adjacentes à Usina, a fim de facilitar o aporte de
mais água ao empreendimento.
Com uma carga expressiva de máquinas e aparelhos, o prédio foi,
acertadamente, construído em concreto, novidade, então, no Brasil,
com paredes que atingem a espessura de 1.30 m. Concluído o comple-
xo, ainda no primeiro semestre de 1895, não houve festejos de inau-
guração, dado o crítico momento político por que passava o Estado.
Compunha-se das seguintes unidades: edifício da usina, com três
partes: central, sul e norte, dotadas, respectivamente, de cinco, três e
dois pavimentos; uma chaminé, no lado norte; um chalé; uma casa
para almoxarifado e oficinas; uma casa para destilaria; uma casa de
alvenaria para abrigar a bomba d’água; 14 casas de alvenaria conju-
gadas, para operários graduados; 3 casas de alvenaria separadas e 12
de taipas, para operários de categoria inferior e outros fins, além de
uma área de 50 m2, no lugar Fundão, com uma casa em pedra e cal
para abrigo das máquinas propulsoras de águas para a Usina18. Havia,
ainda, os trilhos, no lado sul do edifício central, que ligavam a fábrica

16 Jornal do Commercio – PE, 27.xi.1894, p. 3.


17 Diario de Pernambuco, 2.ii.1895, p. 2.
18 Livro nº 60/3, fls. 34 e ss. Tabelionato de Manuel Joaquim Batista (incorporado ao Cartó-
rio Paulo Guerra, Recife).

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172 Limério Moreira da Rocha

à estrada de ferro Recife a Olinda e Beberibe, via Campo Grande,


onde desembarcavam as canas de açúcar e o produto bruto das usi-
nas situadas nas proximidades da estrada de ferro central Limoeiro.
Os primeiros testes e a fabricação efetiva do açúcar refinado se
deram em junho de 1895. Era o mais requintado produto ofertado na
América do Sul. Naquele mesmo mês, vemos o primeiro anúncio da
produção da Usina Beltrão em jornal local, a seguir reproduzido19:

Açúcar refinado da Usina Beltrão. Joaquim Salgueiral


& Cia, vendedores a retalho, nesta cidade, dos açú-
cares da Usina Beltrão, participam aos seus fregueses
e ao público, que se acham desde já habilitados a
fornecer qualquer quantidade de açúcar daquela pro-
cedência, que lhe for requisitada.

Pela primeira vez, fabricava-se, em Pernambuco, o açúcar em ta-


bletes, só produzido, então, na Europa e nos Estados Unidos. E pen-
sar que, à época, o refino do açúcar era feito, pelas fábricas locais,
de maneira rústica, por intermédio de “batedores” que, na força bruta
das pauladas, quebravam os torrões.
As festividades pelo progresso da Usina Beltrão somente ocorrem
em 9 de fevereiro de 1896, quando Arruda Beltrão, após regresso do
Rio de Janeiro, ofereceu almoço para mais de cem pessoas na própria
fábrica20. Naquele mesmo ano, o empreendimento já dispunha de
depósito próprio, para distribuição do produto a retalho, na rua do
Imperador, nº 2, sendo as vendas a atacado feitas pela firma Pereira
Carneiro & Cia., na rua do Comércio, nº 2 (atual, rua do Bom Jesus).
O último anúncio da Usina foi registrado, em 26 de janeiro de
1897, no Jornal do Recife. A partir daí, há um silêncio sobre a em-
presa, sugerindo a existência de problemas. É que os empréstimos
estatais não foram cumpridos e a situação de endividamento dos
empresários envolvidos na Usina chegava ao limite. Em 26 e 31 de
janeiro de 1897, constam, na Fazenda Estadual, requerimentos da
Companhia Açucareira de pagamento da primeira parcela do contra-

19 Jornal do Recife, 22.vi.1895, p. 1.


20 Diario de Pernambuco, 10.ii.1896, p. 2.

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Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 173

to de 4 de novembro de 1891. A resposta só veio no ano seguinte e,


ainda assim, foi negativa. Era o início da derrocada da Usina Beltrão.
Financeiramente esgotado, o próprio Antônio Carlos propõe a ex-
tinção do cargo de diretor gerente, passando suas atribuições ao pri-
meiro secretário. Aquebrantado pelo trabalho e, principalmente, pelo
desalento, vendo seu sonho e empenho aniquilados pelo descaso
governamental, resolveu se mudar, em definitivo, com a família para
o Rio de Janeiro, para lá iniciar nova vida. Quem visita o imponen-
te Paço Imperial, naquela cidade, encontra traço de sua promissora
passagem na capital carioca: há uma placa alusiva à remodelação do
prédio, de sua autoria, quando, então, nele funcionava a Repartição
Geral dos Telégrafos.
A refinaria passou a ser gerida, por deliberação da Companhia
Açucareira, pelo Banco da República do Brasil, principal credor da
referida sociedade anônima, na oportunidade, representada, em Per-
nambuco, pela firma Pereira Carneiro & Cia. Por sua vez, a Compa-
nhia transfere sua sede para Recife e se instala na rua dos Guarara-
pes, nº 48, 1º andar (atual, rua Bernardo Vieira de Melo, no antigo
bairro do Recife)21.
Endividada, a Companhia teve, em 1899, de ceder ao Banco da
República do Brasil um prédio, em construção, no Rio de Janeiro,
amortizando, com isso pequena fração de seu débito. A parcela re-
manescente, orçada no expressivo montante de 1.513:718$220, foi
coberta com a hipoteca da Usina Beltrão. É de se concluir que, como
o Estado não havia cumprido sua parte no contrato de financiamen-
to, perdera a hipoteca da mesma. Nessa ocasião, a firma Cunha &
Gouveia, formada pelos sócios Delmiro Augusto da Cruz Gouveia e
José Maria Carneiro da Cunha, resgatou o débito da Companhia Açu-
careira junto ao banco, tornando-se, assim, única credora hipotecária
da Usina Beltrão.
Como o estado de conservação da Usina era precário, a Companhia
viu-se compelida a tomar novo empréstimo, no valor de 20:000$000
ao Banco Popular do Recife. E mal iniciara as obras de recuperação,
foi instada pela firma Cunha & Gouveia a quitar seu débito, sob pena
de execução da hipoteca, que findou por levá-la a juízo, consoante

21 Diário Oficial da União, 31.xii.1898, p. 6.547.

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174 Limério Moreira da Rocha

carta de sentença de 12 de abril de 1899, havendo a Cia. Açucareira,


por assembleia extraordinária, deliberado pela entrega da usina ao
seu credor, precedida de minucioso inventário, sob a coordenação
da Justiça Estadual.
Os bens foram avaliados em 631:916$600, distribuídos da se-
guinte forma:

. Imóveis 103:590$000
. Aparelhos e Máquinas 428:326$600
. Privilégios e benefícios 100:000$000

Vê-se que, mesmo com a entrega da Usina Beltrão, Cunha & Gou-
veia ainda eram credores da Companhia Açucareira que, sem pa-
trimônio, crédito e apoio financeiro, teve de ser liquidada, decisão
tomada na última assembleia da sociedade, ocorrida em 20 de junho
de 1899, extinguindo-se, com isso, os esforços de quase uma década
de existência.
Por trás daquela aquisição estava Delmiro Augusto da Cruz Gouveia
que vislumbrou, na Usina Beltrão, um ótimo negócio, já que tinha a
indústria açucareira como o sustentáculo da vida econômica regional.
Delmiro, de rara inteligência, tino comercial aguçado e imenso
dinamismo, cedo enveredou no ramo empresarial, no Recife: pri-
meiro como negociante de algodão, depois, no de couros e peles de
animais. Tornou-se representante de um grande curtume norte ame-
ricano – Keen Sutterly & Cia – para, em seguida, estabelecer com o
inglês J. Clemente Levy a firma Levy & Delmiro, destinada a negociar
com couro, sobretudo o de cabra. Assumiu, posteriormente, o em-
preendimento com a denominação Delmiro & Cia., juntamente com
o diretor gerente do Banco de Pernambuco, Antônio Carlos Ferreira
da Silva. Encampando concorrentes, financiando criadores do sertão
e entabulando vendas para empresas americanas, viu, rapidamente,
progredir seu patrimônio, chegando a ocupar a presidência da Asso-
ciação Comercial do Estado. É nessa época que forma sociedade com
José Maria Carneiro da Cunha e, juntos, adquirem a Usina Beltrão.
Delmiro estava disposto a recuperar o empreendimento açucarei-
ro, tanto que adquiriu da França, Inglaterra e Alemanha novos ma-

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Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 175

quinismos, contraindo vultoso empréstimo junto ao Banco Popular


do Recife e ao capitalista Thomas Comber, hipotecando a própria
Usina como garantia22. A empreitada demandou, ainda, a ampliação
do fornecimento de água para a fábrica, sendo realizado novo contra-
to com o Município de Olinda, para captação no Fundão, mediante o
pagamento anual de 4:000$00023.
O negócio, entretanto, não prosperou, por questões eminente-
mente políticas: Delmiro apoiava e tinha relações de amizades com
os opositores do então vice-presidente da República, Conselheiro
Rosa e Silva, e de seus correligionários pernambucanos, o governa-
dor Sigismundo Gonçalves e o prefeito Esmeraldino Bandeira que,
unidos, fizeram guerra cerrada aos empreendimentos do cearense
inoportuno. Assim, é que trabalharam, árdua e tenazmente, junto aos
usineiros e donos de engenhos, para que cessassem o fornecimento
de canas e açúcares brutos à Usina Beltrão.
Sem a matéria prima para seu pleno funcionamento e com as altas
despesas de manutenção era impossível prosperar. Não satisfeitos,
ainda estiveram envolvidos no incêndio do Mercado Coelho Cintra,
no Derby, um dos maiores investimentos de Delmiro na capital per-
nambucana. O empresário teve, assim, de abdicar do sonho de fazer
voltar a funcionar a Usina Beltrão e, decepcionado, mudou-se para
Pedra, em Alagoas, em novembro de 1902, onde iria implantar um
negócio grandioso no ramo de linhas.
Com o desfazimento da sociedade Cunha & Gouveia, em 1903,
Delmiro manteve, mesmo à distância, a Usina Beltrão, porém, sem
o interesse que antes o movera, dada a omissão em socorrer o em-
preendimento por parte das novas forças políticas estatais, agora sob
o comando do general Emígdio Dantas Barreto. Assim, em 1913,
tentou vendê-la à Companhia de Fiação e Tecidos de Pernambuco,
de propriedade da empresa Pernambuco & Barroca, resultando, en-
tretanto, infrutífero o negócio.
A situação só se agravava e, deficitária, a Usina Beltrão foi se
tornando um transtorno para Delmiro, mesmo porque logo o Esta-

22 Escritura da Hipoteca, de 20/5/1899 – Cartório Tabelião Manoel T. dos Reis Campelo


(incorporado ao 1º Ofício de Notas de Recife).
23 Livro nº 10 do Patrimônio da Prefeitura de Olinda, 1850/1906.

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176 Limério Moreira da Rocha

do começaria a cobrar débitos fazendários, negando ao industrial o


pedido de isenção tributária por ele feito junto aos cofres públicos.
Resultou que, em 1916, a Usina foi levada à hasta pública e adquiri-
da pelo grupo Mendes, Lima & Cia, conforme carta de arrematação
de 10 de março daquele ano, expedida pelo Juízo dos Feitos da
Fazenda do Estado.
Desconhecemos a forma como essa unidade produtiva passou ao
Estado, já que nada encontramos sobre o assunto, quer nos Boletins
de Expediente do Governo (1915), quer no Diário Oficial do Estado
(1916/1917) ou nos jornais de circulação da época.
Mendes, Lima & Cia já tinham experiência no ramo açucareiro,
já que eram proprietários da Usinas Trapiche e Ubaquinha, ambas
em Sirinhaém / PE, como, também, da Usina Catende, no município
homônimo, além do Armazém de Compradores e Exportadores de
Açúcar, na rua do Bom Jesus, nº 15.
A empresa adquirente tinha como principal sócio o Comendador Joa-
quim Lima de Amorim, português de Póvoa do Varzim, que aqui apor-
tou em 1872, dedicando-se ao comércio, chegando ao posto de diretor
tesoureiro da Companhia Industrial Comercial de Estivas, ingressando,
em 1901, em Mendes, Lima & Cia., importante estabelecimento de venda
de bacalhau, situado na rua Marquês de Olinda, nº 63, em Recife.
No entanto, provavelmente, por estarem os novos donos da Usina
Beltrão envolvidos com as unidades de produção acima e consi-
derando os altos custos na reativação da refinaria recém-adquirida,
praticamente, parada há anos, terminaram por deixar esta última im-
produtiva. Ao menos, não se têm notícias de reativação do negócio.
Assim é que a venderam, em 3 de outubro de 1924, aos irmãos
Luiz Lacerda de Menezes e Vicente Lacerda de Menezes, pela impor-
tância de 50:000$00024.
Interessados na solidez do prédio e em outro ramo de negócios,
qual seja, a indústria têxtil, os novos proprietários trataram de, em
1925, perfurar um poço artesiano para suprir o abastecimento de
água do empreendimento e, ainda, vender a primitiva maquinaria da
Usina, consoante jornais de 1926/1927.

24 Livro de Notas nº 228, fl. 16v/19v. do tabelião Manoel T. dos Reis Campelo (hoje, incor-
porado ao 1º ofício de Notas da Capital /Recife/PE).

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Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 177

Começava a desenhar-se, assim, no local, o que viria a se tor-


nar a Fábrica Tacaruna, como passaria a ser conhecido o negócio
da Companhia Manufatora de Tecidos do Norte, sociedade anônima
criada em 24 de dezembro de 192425, tendo por seu principal objeto
social a montagem e exploração de uma grande fábrica de tecidos,
adaptando, para tanto, as estruturas da antiga Usina Beltrão. A referida
sociedade tinha como principais acionistas os irmãos Menezes, que
integralizam sua parte no capital social por meio do sítio Tacaruna e
suas dependências, avaliados na expressiva soma de 1.236:850$000.
Coube a Luiz Lacerda de Menezes a presidência, ficando Vicente
Lacerda como diretor tesoureiro e Pierre Collier como diretor secre-
tário. O Conselho Fiscal era composto por Antônio Muniz Machado,
Manoel Simões e Othon Mendes Bezerra de Mello.
Luiz Lacerda era carioca, especializado em técnicas têxteis em
Massachusetts/ EUA, havendo assumido as funções do pai, em 1904,
como diretor gerente da Companhia Industrial Pernambucana, em
Camaragibe. Em sociedade com o irmão Vicente, criou Menezes Ir-
mãos & Cia, empresa metalúrgica, situada na rua Visconde de Rio
Branco (atual, rua da Aurora), nºs 1517-1553, em Recife, especializada
em consertos de navios, construção de engenhos, obras de caldeiras
e serviços para usinas, bem como construções metálicas, produção
de folhas de flandres e fundição de ferro e bronze. Na nova fábrica,
passou a residir no Chalé Tacaruna, empenhado no desenvolvimento
do negócio. Logo, adquiriu, na Europa, novas e modernas máquinas,
contratou e preparou operários e, pioneiramente, passou a utilizar
subprodutos do algodão, matéria prima, em regra, desprezadas pelas
demais indústrias do setor.
Em dez anos de atividade, o grupo já detinha um capital social
de 6.000:000$00, 2.760 fusos, 162 teares e 1.107 operários, sendo,
portanto, um dos grandes polos empregadores no Estado(PERES; CA-
VALCANTI, 1935: 82), havendo seus trabalhadores, inclusive, criado o
Tacaruna Futebol Clube – TFC, em 12 de abril de 1931.
A fábrica prosperou, tanto que, em julho de 1939, sua produção
era estimada em 1.200.000 peças, entre sacos de algodão, cobertores

25 Livro nº 141, fls. 8/17 do tabelião Adalberto Eugênio Maçães (hoje, incorporado ao Car-
tório Ivo Salgado).

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178 Limério Moreira da Rocha

marca Francês (conhecidos nacionalmente como cobertores Tacaru-


na), além daqueles de melhor qualidade, denominados Pajé, e as
afamadas colchas e flanelas, com preços acessíveis.
Falecendo, em 1955, Luiz Lacerda de Menezes, a direção da fábri-
ca passou a seu sobrinho, Antônio Carlos de Menezes, sendo diretor
comercial o bacharel em Direito Fernando Perez, diretor, também, da
firma de material elétrico Moura Perez, e, como diretor presidente,
Luiz Inácio Pessoa de Melo, então, gerente do Banco do Povo e pro-
prietário da COSINOR – Companhia Siderúrgica do Nordeste.
A diretoria, entretanto, logo se desfaria. Desentendimentos leva-
ram, em 1958, a saída de Antônio Menezes e Pessoa de Mello, ficando
a fábrica entregue a Fernando Perez, que convidou o engenheiro Ar-
naldo Rodrigues Barbalho para diretor industrial e colocou a esposa
como vice-presidente.
No ano seguinte, foi contratado como assessor da presidência Ru-
bem de Oliveira Leite, técnico de larga experiência da Companhia
Fábrica de Estopa, que, por seu dinamismo, logo assumiria a função
de diretor gerente em 1960 e a própria presidência da fábrica nas
ausências de Fernando Perez.
Com aquisição de máquinas mais modernas em Minas Gerais e
na Bélgica, a instituição fabril atingiu um auge de produção no iní-
cio da década de 1960, passando a fabricar cobertores de luxo, de
lã e sintético, vendidos rapidamente. O lucro foi tão expressivo que
permitiu ao grupo diversificar as atividades, inicialmente, adquirindo
a Companhia de Papéis e Celulose do Norte, no bairro de Afoga-
dos, vendida, entretanto, pouco depois, em 1968, ao grupo Aluízio
Pontes pela vultosa quantia de CR$ 1.200.000.000,00, para, logo no
ano seguinte, adquirirem o Cotonifício Moreno, vendido em 1971, a
Carlos Alberto de Menezes, seguido pela compra da Usina Salgado,
em Ipojuca, Pernambuco.
Modificações no prédio da fábrica ocorreram na década de 1970,
ocasião em que a fachada foi estendida até a chaminé, que passou a
ser envolvida pela construção. Houve, naquele momento, um louvá-
vel cuidado por parte do grupo em não descaracterizar a edificação
original, possibilitando se mantivesse até nossos dias mais ou menos
como fora projetada por Antônio Carlos Beltrão.
Falecendo Fernando Perez, em 1974, Rubem Leite assumiu a pre-

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 163-183, 2019


Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 179

sidência da fábrica até o ano seguinte, quando foi nomeado Hughes


Lacy Britton Jr, mantendo-se Rubem Leite como diretor gerente, jun-
tamente com Samoel da Silva Costa, como diretor secretário, e Ma-
noel Esteves, como diretor industrial.
O controle acionário do grupo foi transferido, em 15 de dezem-
bro de 1975, à Tecelagem Parahyba do Nordeste S/A, com sede em
Moreno, Pernambuco, sendo a transação orçada no montante de CR$
20.000.000,0026. Assumiu a direção Fagundes Altenfelder Silva e Sér-
gio Assis, sendo diretor adjunto Rubem Leite, que permaneceu no
cargo até 1979.
O ex diretor foi, em seu afastamento, inclusive, agraciado, por
seus esforços e dedicação à fábrica Tacaruna, com a doação do his-
tórico chalé e respectivos terrenos, onde já residia com a família des-
de 1960, desmembrando-se assim esta parte do complexo industrial.
Lembro-me de tê-lo visitado no grandioso e aconchegante imóvel,
avarandado, onde obtive informes preciosos para minhas pesquisas
sobre a fábrica.
Novas crises viriam na década de 1980, a mais expressiva entre
1983/1984, sendo o setor industrial têxtil do Nordeste um dos mais
afetados. Nessa ocasião, os cortes de pessoal foram expressivos, che-
gando a fábrica a deter apenas 60 trabalhadores, entre operários e
administrativos, altura em que já se iniciavam projetos para desativá-la.
Foi o caso da proposta do CONTUR – Conselho de Turismo de
Pernambuco e do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artísti-
co Nacional27, para transformar o espaço em área onde convergiriam
os museus da cidade, facilitando a organização dos roteiros turísticos,
com racionalização de tempo ao visitante.
Mas, a Tacaruna resistiu e o ritmo de produção foi retomado, es-
tando, já em 1985, em plena atividade, contando com 300 funcioná-
rios e se organizando para um terceiro turno de trabalho. Nessa fase,
deu ênfase a produtos de melhor qualidade e de maior aceitação no
mercado nacional. Famosa era sua chaminé iluminada no período na-
talino, que servia de referência a muitos pernambucanos e visitantes
nas festividades de fim de ano.

26 Escritura de Compra e Venda, Livro nº 573, fls. 1v/11v, Cartório Hélio Coutinho.
27 Diario de Pernambuco, 17.ix.1985, p. A-10.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 163-183, 2019


180 Limério Moreira da Rocha

A fábrica permaneceu ativa até 1992, sendo propriedade da Te-


celagem Parahyba, do empresário paulista Severo Fagundes Gomes,
ex-ministro da Agricultura do governo Castello Branco e da Indústria
e Comércio do presidente Geisel e senador por São Paulo, falecido
naquele mesmo ano de 1992, em acidente aéreo, juntamente com o
deputado Ulysses Guimarães. Aquele patrimônio passou, então, ao
domínio do Banco Econômico e, com a liquidação deste, ao controle
do Banco Central.
A imponência do prédio e a destacada posição do terreno que
ocupa fez com que o então Prefeito da Cidade do Recife, Gustavo
Krause, ainda em 1980, instituísse como Zona de Preservação Am-
biental - ZPA o Sítio Histórico da Fábrica Tacaruna, por meio do De-
creto Municipal nº 11.687, de 10 de outubro daquele ano.
Já após a publicação da 1ª edição de Usina Beltrão / Fábrica Ta-
caruna: um século de existência, em 1991, obra de nossa autoria, que
serviu de referência ao Conselho Estadual de Cultura28, foi o edifício
da antiga refinaria tombado, consoante Decreto Estadual nº 18.229,
de 16 de dezembro de 1994, no governo de Joaquim Francisco de
Freitas Cavalcanti.
Interessante destacar, no parecer do referido Conselho, que em-
basou o tombamento, o seguinte trecho, que estimulava o uso do
prédio, sublinhando sua versatilidade:

A Fábrica Tacaruna está, inquestionavelmente, incluí-


da entre os principais marcos do patrimônio ambien-
tal construído das cidades do Recife e de Olinda.
O reconhecimento da importância desse referencial
histórico-arquitetônico para ambas as cidades tem
sido permanentemente expresso através das respec-
tivas legislações de uso do solo e de proteção do
patrimônio cultural dessas localidades.
(...)Além de suas características excepcionais, essa
antiga fábrica apresenta outro valor, o da “adaptabili-
dade”, ou seja, a possibilidade de ajustar-se aos mais

28 Tombamento do conjunto fabril da Tacaruna – exame técnico e parecer conclusivo,


3.xi.1994.

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Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 181

variados usos e funções. A própria história da Fábrica


confirma essa hipótese: a primitiva refinaria foi trans-
formada com êxito em indústria têxtil que funcionou
durante longo tempo29

Dois anos após o tombamento, o então prefeito da Cidade do Re-


cife Jarbas Vasconcelos sancionou a Lei Municipal nº 16.176/96, que
estabeleceu normas relativas às obras de infraestrutura, urbanização,
reurbanização, construção, reconstrução, reforma e ampliação, inse-
rindo a Fábrica Tacaruna nas chamadas Zonas Especiais de Preserva-
ção do Patrimônio Histórico Cultural – ZEPH.
Somente no ano de 2000, o Estado, no governo Jarbas Vasconce-
los, adquiriu o histórico edifício, desembolsando a quantia de R$ 14,3
milhões na transação, em títulos públicos, trazendo, com isto, todo o
conjunto arquitetônico para o domínio estatal. A escritura pública de
aquisição foi assinada na penúltima semana daquele ano pelo vice-
-governador Mendonça Filho.
Como se encontrasse já em deterioração, nos anos de 2003 a 2005,
foram realizadas obras de recuperação do telhado do prédio central
e restauração da fachada frontal, com investimentos da ordem de R$
1,3 milhão. Uma segunda etapa se iniciou em 2006, com a pavimen-
tação da via local.
Muitos projetos para dar uma destinação ao prédio foram elabo-
rados sem, entretanto, saírem do papel. A área chegou a servir de
palco a espetáculos de toda ordem, desde prévias carnavalescas até
megaeventos, somente detidas pela ação corretiva do Ministério Pú-
blico e da Justiça do Estado.
Em 2009, passou a integrar a Secretaria da Criança e da Juventu-
de, sob a denominação de Centro de Cidadania Padre Henrique, em
homenagem ao ex auxiliar de D. Hélder Câmara, assassinado em
1969, com projeto de seu uso em atividades culturais, artísticas e de
ressocialização de menores de baixa renda que, entretanto, também,
não se concretizou.
Em um de seus últimos atos à frente do Estado, o então governa-
dor Eduardo Campos, em abril de 2014, assinou carta de intenções

29 Idem.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 163-183, 2019


182 Limério Moreira da Rocha

para implantação do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento, Inovação


e Engenharia Automotiva da Fiat Chrysler, no que seria, para a em-
presa, o quarto de sua espécie no mundo, após Turim/Itália, Auburn
Hills/EUA e Betim/MG. Também, não saiu da esfera das intenções.
Paredes sujas, portas e janelas quebradas, mato crescido, o oco
do relógio do frontispício, cuja máquina, há muito, desabou e jamais
foi reposta, o famoso letreiro que desapareceu, tornaram o local um
fantasma do glorioso passado, que insiste em sobreviver, em meio ao
caos que o domina. O prédio centenário, vandalizado e silencioso,
resiste à indiferença das autoridades governamentais e da sociedade,
que lhe viraram as costas e o entregaram à própria sorte.
De quase nada lhe valeram a declaração de zona de proteção ou
mesmo o tombamento, porque sozinhos estes instrumentos não são
suficientes para preservá-lo. Mister torná-lo útil, integrá-lo à paisagem
e ao tempo, mantendo viva a história de um passado ilustre que, aos
poucos, vai sendo apagada.
Dói-me, cada vez que passo em frente àquele monumento ao
empreendedorismo, ver a morte lenta de tão rico patrimônio per-
nambucano e a inércia de nossa gente. Triste, resigno-me a tentar
manter vivo o interesse pelo imóvel, resgatando-lhe a história, antes
que sucumba integralmente.

Referências Bibliográficas

GALVÃO, S. de V. 1910. Diccionário Chorographico, Histórico e Estatístico


de Pernambuco. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional.

PERES, A. e CAVALCANTI, M. M. 1935. Indústrias de Pernambuco. Recife:


Imprensa Industrial.

RIO BRANCO, Barão de. 2012 [1891]. Efemérides Brasileiras. Coleção


Obras do Barão do Rio Branco. Vol. VI. Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão.

ROCHA, L. M. 2012. Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: história de um


empreendimento pioneiro. Recife: CEPE.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 163-183, 2019


Usina Beltrão / Fábrica Tacaruna: Resgate Histórico 183

Fontes Primárias

Apostilas do Ministérios dos Negócios do Império (1885, 1889).

Boletins do Expediente do Governo de Pernambuco (1888, 1889, 1890,


1891, 1892).

Coleção de Leis Provinciais de Pernambuco (1889).

Diário Oficial da União (31.xii.1898).

Diário de Pernambuco (26.vii.1890, 25.x.1891, 2.ii.1895, 10.ii.1896,


17.ix.1985).

Escritura de Compra e Venda, Livro nº 573, fls. 1v/11v, Cartório Hélio


Coutinho.

Escritura da Hipoteca, de 20.v.1899 – Cartório Tabelião Manoel T. dos Reis


Campelo (incorporado ao 1º Ofício de Notas de Recife).

Jornal do Commercio – PE (27.xi.1894)

Jornal do Recife (25.x.1891, 22.vi.1895).

Livro nº 141, fls. 8/17 do tabelião Adalberto Eugênio Maçães (hoje,


incorporado ao Cartório Ivo Salgado).

Livro de Notas nº 228, fl. 16v/19v. do tabelião Manoel T. dos Reis Campelo
(hoje, incorporado ao 1º ofício de Notas da Capital /Recife/PE).

Livro do Patrimônio da Prefeitura de Olinda (n. 10, 1850-1906).

Livro de Registros da Junta Comercial do Rio de Janeiro (n. 38) – Arquivo


Nacional.

Livro do Tabelionato de Manuel Joaquim Batista (nº 60/3, fls. 34 e ss. ),


incorporado ao Cartório Paulo Guerra, Recife.

Negócios Eclesiásticos (Cx. 928, Pac. 5, docs. 154-167) – Arquivo Nacional.


Papéis avulsos de Engenhos Centrais e Usinas – APEJE.

Província, A – PE (25.x.1891).

Tombamento do conjunto fabril da Tacaruna – exame técnico e parecer


conclusivo, 3.xi.1994.

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remiNiScêNciaS legado:de um
70 aNoS de morte de otHoN lYNcH
Bezerra de mello1

Juliana Cunha Barreto2

Resumo: O presente texto faz uma breve abordagem biográfica do


empresário e mecenas pernambucano Othon Lynch Bezerra de Mel-
lo (1880-1949), destacando suas realizações familiares e econômicas,
bem como suas relações com as principais instituições culturais per-
nambucanas.

Palavras-chave: Othon Lynch Bezerra de Mello. Indústria têxtil. Ins-


tituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Acade-
mia Pernambucana de Letras.

Reminiscences of a legacy: 70 years after the death of Othon Lynch


Bezerra de Mello
Abstract: The present text aims to offer a brief biographical report
on Pernambuco-born Othon Lynch Bezerra de Mello (1880-1949), an
entrepreneur and patron/benefactor of cultural activities,  focussing
on his family-centered economic accomplishments, as well as on his
relationship with the main cultural institutions in Pernambuco.

Keywords: Othon Lynch Bezerra de Mello. Textile industry. Archaeo-


logical, Historical and Geographic Institute of Pernambuco.  Academy
of Letters of Pernambuco.

1 Palestra proferida na sede do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico


Pernambucano – IAHGP, aos 08 de junho de 2019.
2 Autora do livro Nos teares da história: entre fábrica e escola, uma restaura-
ção. 2015. Recife: Centro de Estudos de História Municipal/CEPE.
186 Juliana Cunha Barreto

A missa realizada por ocasião do falecimento de Othon Lynch Be-


zerra de Mello aconteceu na Igreja da Macaxeira. Era seu desejo em
vida. Ele queria que os operários o tocassem em gesto de gratidão, em
um último adeus. Como bem destacou Oscar Brandão, membro desta
célebre casa: “Muitos daqueles humildes trabalhadores choravam. O
respeito era absoluto”. A tristeza também. A certidão de óbito, assinada
pelo reconhecido médico e amigo da família, o doutor Trindade Hen-
riques, comprovava insuficiência miocárdica progressiva. No leito de
morte, esposa, filhos, genros, noras, netos e amigos, em Manguinhos,
no Recife. Recebeu a extrema-unção pelas mãos do Bispo de Maceió,
Dom Adelmo, na companhia do Padre Antônio Abranches, ambos ami-
gos da família. Pediu que fosse enterrado vestindo uma casaca, como
se estivesse pronto para uma festa solene. Nas mãos, um pequeno
crucifixo de cedro. No mausoléu por ele construído, no Cemitério de
Santo Amaro – cujo projeto era do premiado Humberto Cozzo, um dos
grandes escultores nacionais, diplomado pelo Liceu de Artes e Ofícios
de São Paulo –pode-se ver, ainda hoje, as insígnias dos familiares e
operários. A Panair do Brasil, principal empresa de aviação na época,
disponibilizou aeronaves para o translado de funcionários do Rio de
Janeiro ao velório. Carros e ônibus também foram colocados à dispo-
sição de operários e amigos, para o cortejo fúnebre.
Falar da vida de Othon Lynch Bezerra de Mello é um capítulo à
parte na história urbana, cultural, empresarial, social e literata de Per-
nambuco. Nascido em Limoeiro, uma vila distante do Recife onde seu
pai fora um conhecido comerciante de algodão, logo deu os primeiros
passos, ainda como aprendiz, no ramo algodoeiro e têxtil. Órfão aos 14
anos de idade, tinha à sua frente uma trajetória incerta até atingir a for-
tuna que lhe foi possível, acumulada em imóveis, investimentos, ações,
mas sobretudo nos laços familiares e em demonstrações de apreço
público por quem com ele conviveu, em seus 69 anos de existência.
Conta-se que seu nome descendera de uma obra literária fran-
cesa, cujo protagonista era um habilidoso arqueiro de um reinado
distante. Othon, o Arqueiro, de autoria de Alexandre Dumas, tinha
nas qualidades de seu protagonista o foco e a precisão - talvez algo
em comum entre os dois personagens, um, fictício, de um romance
de folhetim e o outro, um herói, que superou as adversidades e se
multifacetou em largos horizontes.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 185-190, 2019


Reminiscências de um Legado: 70 anos de morte de Othon Lynch Bezerra de Mello 187

Exaltado como humanista, Othon também reunia as característi-


cas de empreendedores de sucesso: visão de futuro, sensibilidade
estratégica e capacidade de inovação. Antecipava-se aos cenários de
ameaça ou de crise e conseguia sobreviver às mais insalubres dificul-
dades e arranjos políticos, com atitudes audaciosas, principalmente
nos períodos menos prováveis. De modo controverso ou pouco co-
mum a esse perfil, apreciava a leitura, sobre todos os assuntos, princi-
palmente os históricos e culturais das civilizações. Sua biblioteca era
vastíssima, muitos dos livros foram adquiridos nas viagens de volta
ao mundo, por ele realizadas mais de uma vez. Napoleão Bonaparte
e Delmiro Gouveia encabeçavam a lista dos seus heróis admirados.
Castro Alves era dos poetas preferidos, sabia recitar, de cor, as estro-
fes de Espumas Flutuantes e Cachoeira de Paulo Afonso.
Aprendeu a respeitar e a valorizar os costumes de cada povo, prin-
cipalmente de sua região de origem. Exaltava a cultura e a arte, nas
imprensas falada e escrita e nas ações filantrópicas. Suas residências
eram, ao mesmo tempo, palacetes e museus, sejam na imponência
da arquitetura ou nas peças genuínas, adquiridas em salões de artes,
leilões ou nas viagens excursionistas. Tornou-se um mecenas das
artes. Pernambuco, para Othon, era a terra sagrada, uma declaração
de amor. Não foi à toa que, morando no Rio de Janeiro, mas sentindo
a brevidade da vida lhe correr nas veias, voltou ao Recife para aqui
morrer e ser sepultado. Em seu mausoléu, pode-se ver gravada sua
assertiva, declarada anos antes: “Eu amo tudo em Pernambuco, e nele
espero repousar um dia e para sempre”.
A família, para Othon, era a base de tudo, cultivando-se os laços
no dia-a-dia, sendo a disciplina nos estudos e nas relações sociais
assuntos de primeira ordem. Conheceu Maria Amalia, sua esposa, na
igreja e se apaixonou pela sua voz. Enquanto ele morava na Rua do
Hospício, ela cantava no coro da Matriz da Boa Vista, era a casa de
oração preferida das duas famílias, os Bezerra de Mello e os Correia
de Britto. Portanto, estreitar os laços sociais pela via religiosa não foi
tarefa difícil. Com a esposa, constituiu um lar com onze filhos - Luiz,
Othon Junior, Alberto, Anna Lynch, Maria Amalia, Esther, Arthur, Ro-
berto, Renato, Paulo e Álvaro - por quem dedicou seu patrimônio afe-
tivo e material. Prioritariamente, os filhos homens foram preparados
aos meios de sucessão empresarial, enquanto às filhas mulheres foi

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 185-190, 2019


188 Juliana Cunha Barreto

reservado o cotidiano familiar. Era o estereótipo da sociedade aristo-


crática brasileira de início do século.
No campo empresarial, atingiu metas notáveis para a época. Des-
bravou territórios pouco explorados, levou esperança e sociabilidade
aos redutos mais carentes das cidades por onde estabeleceu suas fábri-
cas de tecidos, primeiro no Recife, seguido de Curvelo, Santo Aleixo e
Fernão Velho. Não se podia prever que um aprendiz de comerciante,
um caixeiro viajante pudesse construir um império. Dificuldades exis-
tiram, assim como para os grandes empreendedores que lhe antece-
deram ou lhe foram contemporâneos. Chegou a ser posicionado ao
lado do conde Francisco Matarazzo, quando da referência ao talento
industrial. Assis Chateaubriand e Severino Pereira da Silva, dois gran-
des nomes do jornalismo e da indústria, respectivamente, tiverem seu
primeiro emprego no balcão de cortar tecidos do armazém de Othon,
no Recife, ainda nos primeiros anos do século XX.
A clareza do pensamento era demonstrada em suas atitudes, no trata-
mento entre os amigos, o que lhe destacava entre os demais. Os inúme-
ros artigos de sua autoria publicados em jornais refletiam seu perfil culto
com inclinações à literatura. Portanto, nada mais coerente do que o seu
engajamento em instituições culturais. Deu seus primeiros passos nesta
seara no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.
Em 1919, foi homenageado pelo sodalício com o título de sócio benfei-
tor. Teve a mesma qualidade de engajamento, algum tempo depois, na
Academia Pernambucana de Letras, onde instituiu premiações literárias,
em um claro incentivo à cultura, em caráter de altruísmo. Eram os pre-
lúdios de sua biografia, predicativos pouco comuns para aqueles que se
voltavam ao ofício do comércio ou da indústria.
Não há constância da existência de uma pessoa de quem Othon
recebesse conselhos. Parece ter desenvolvido por ele mesmo o tino
próprio para os negócios e para o empreendedorismo. Talvez a re-
lação de parentesco desenvolvida junto ao sogro, Luiz Correia de
Britto, que acumulara uma larga experiência no campo da indústria
têxtil, oportunizada nos meios de influência social e política, tenha
despertado Othon para o lado profissional que fazia pulsar seu cora-
ção: a indústria de tecidos.
Prolongou a sua existência no patrimônio deixado. As fábricas, as
vilas, as edificações por ele construídas, assim como as companhias

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 185-190, 2019


Reminiscências de um Legado: 70 anos de morte de Othon Lynch Bezerra de Mello 189

e associações fundadas recebiam seu nome, sobrenome ou nome


de seus parentes, esposa e filhos, principalmente em suas vias e
parques. Por assim ser, a urbanização se desenvolvia através da di-
nâmica fabril, impulsionada e, em grande medida, patrocinada pelas
fábricas. Eram máquinas de conexões e logística, motorizadas pelo
capital privado. Aquelas que não fossem remodeladas, ficavam para
trás na concorrência, por isso sempre manteve a rotina de reformas
e ampliações, importação de maquinário e de mestres ingleses, além
de construções de casas operárias e de serviços assistencialistas, aos
moldes dos antigos falanstérios. Reuniu um patrimônio que serve
como registro histórico e fonte de inspiração. Também seus ensina-
mentos e trato com os funcionários permaneceram no imaginário da-
queles que lhe foram próximos, sobrevivendo, em memória afetiva,
pelas gerações. Criou famílias fabris. Chegou a confessar a Agamenon
Magalhães, em fins dos anos de 1930, que “as minhas empresas não
são minhas. São desses três mil operários, inclusive os meus filhos,
que se confundem com eles, são das famílias que vivem felizes com
o labor do Cotonifício. A minha felicidade está na felicidade dos que
trabalham e colaboram comigo”.
O contexto em que se deu a origem desse legado era daqueles
mais complexos. Famílias oligárquicas, casamentos de conveniência,
alianças familiares, universo político restrito de influência e interfe-
rência na dinâmica econômica. Iluminação pública ou esgotamento
sanitário foram benefícios urbanos que só chegaram algum tempo
depois. Os meios de comunicação eram as cartas ou telegramas. Te-
lefone existia, porém para poucos. A moeda em circulação era o mil-
-réis, transformada em cruzeiro nos anos de 1940, e o transporte das
mercadorias ao interior ou entre os estados ainda se dava por meio
das linhas férreas da Great Western.
Mas a agitação das negociações acontecia no Recife portuário,
era por onde chegavam as mercadorias e se aguardavam os desem-
barques de passageiros ilustres, no antigo Cais da Lingueta, depois
modernizado com a reforma do Porto. As viagens se davam por meio
de paquetes e demoravam pouco mais de um mês até os destinos
internacionais. Oceania, Highland, Monarch, Arianza, Flandria, Ari-
tana, Gelria, Asturias foram algumas das embarcações mais usadas
por Othon para a cabotagem ou os traslados entre os continentes.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 185-190, 2019


190 Juliana Cunha Barreto

De avião, pouco viajou. Evitava a via aérea para os deslocamentos,


pois ainda achava perigoso vencer as distâncias pelos céus. Também
era certo que pelos paquetes se podia transportar maior conteúdo
de bagagem, mais um motivo para sua preferência. A facilidade com
idiomas lhe permitia facilmente cruzar as fronteiras.
Seu empenho pessoal, perseverança, abnegação e objetividade no
projeto de vida e profissional demandavam a criação de uma rede de
relações altamente influente e confiável. Foi o que se viu: uma teia
muito bem articulada que Othon Lynch Bezerra de Mello costurou e
que, principalmente, refletia seu engajamento aos diversos campos
de atuação, nos mais distintos territórios geográficos. Eram conexões
múltiplas. Embora não tivesse pela política as maiores afeições, sabia
que dependia de boas relações com os chefes de estado para que
seus negócios pudessem prosperar. Eventualmente apoiava candida-
tos às eleições, participou como conselheiro municipal por alguns
anos e chegou mesmo a ser eleito deputado estadual, nos anos de
1920. Mas, terminado seu mandato, não buscou enveredar por esse
terreno, embora fosse figura certa nas missões especiais, eventual-
mente criadas pelos chefes de governo, para fins específicos.
Buscou deixar sua marca na história. Sua passagem, com certe-
za, merece ser registrada: os diversos artigos, as ações beneficentes,
os grandes empreendimentos. Sua popularidade e carisma até hoje
estão presentes em depoimentos e documentos que rememoram o
passado. Foi a visão empreendedora de Othon Lynch Bezerra de
Mello que lhe permitiu alçar os voos mais ousados, em cada período,
em cada território, em cada circunstância. Revelar sua múltipla per-
sonalidade, conectando os fatos isolados e os ressignificando à luz
das tramas geométricas dos tecidos do algodão é, sem medo de errar,
uma honrosa tarefa à qual me propus: revelar a sua costura de vida
em uma narrativa biográfica.
Portanto, finalizo essas breves palavras parafraseando o nosso no-
bre biografado, em seu leito de morte: “Morre o homem, fica a fama”.

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SaNtoS dumoNt No recife

Luiz Barreto1

Resumo: O texto narra a rápida passagem de Santos Dumont pelo


Recife em 27 de setembro de 1903, num momento no qual o inventor
já tinha alcançado imenso renome em Paris, tornando-se o primeiro
brasileiro a se tornar uma celebridade no exterior. Foram utilizadas
como fontes primárias as notícias publicadas pelos principais jornais
pernambucanos por ocasião do acontecimento.

Palavras-chave: Santos Dumont. História da Aviação. Recife.

Santos Dumont in Recife


Abstract: This text addresses the quick visit Santos Dumont paid to
Recife on September 27, 1903, at a time when he had achieved fame
and glory in Paris, as the first Brazilian ever to become a celebrity
overseas. All primary sources I used come from news items published
by the main Pernambuco dailies which covered the visit.

Keywords: Santos Dumont. Aviation history. Recife.

No ano de 1903 chegou ao Recife o inventor de balões Alberto


Santos Dumont, que já era celebrizado por suas criações na Europa
e cuja fama também havia chegado aos Estados Unidos. Santos Du-
mont partindo do Rio de Janeiro navegou pelos mares da nossa costa
no vapor “Atlantique” da Companhia “Messageries Maritimes”. Desde
muito antes, estava anunciada a passagem de Santos Dumont pelo
porto do Recife e sua visita à cidade.

1 Sócio efetivo do IAHGP. Membro Titular da Academia Pernambucana de Medicina.


192 Luiz Barreto

Santos Dumont. Centro de Documentação da Aeronáutica.

Por esse tempo, Santos Dumont morando em Paris, já havia construído


o seu primeiro balão, ao qual dera o nome Brasil. Era um pequeno equi-
pamento com pouco peso, 27 quilogramas, compreendendo a barquinha
e o aparelhamento, muito adaptado a Santos Dumont com sua pequena
estatura e o seu peso de apenas 50 quilos. A primeira ascensão desse ba-
lão aconteceu em 4 de julho de 1898, no Jardin d’Acclimatation, em Paris.

Santos Dumont faz ascensão com o balão Brazil no Jardin d’Acclimatation em Paris.
Foto do acervo do Musee de l’Air et de l’Espace, MA39568.

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Santos Dumont no Recife 193

Depois dessa experiência até 1903, quando visitou o Recife de


passagem para a Europa, o aeronauta brasileiro construiu uma série
de balões que ele denominou Santos Dumont de 1 a 10, sendo que
o último deles tinha capacidade para ascender com 14 pessoas. Os
protótipos nº 7 e nº 10, até aquele momento, não tinham sido ainda
experimentados na prática. Numa entrevista, ele considerou que o
balão Santos Dumont nº 10 era a sua melhor obra, até aquela data,
e que poderia alcançar uma velocidade de 35 km. Para não colocar
a vida de outras pessoas em risco, o nº 10 foi elaborado com muito
mais cuidado ainda, uma vez que até aquele momento somente ele,
com muitas aventuras, algumas vezes quase lhe custando a vida, fi-
zera a ascensão.

Santos Dumont contorna a Torre Eiffel com o balão n. 6, em


19 de outubro de 1901.
Bibliothèque Nationale de France.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 191-200, 2019


194 Luiz Barreto

Santos Dumont voando no balão n. 10. Cartão postal da Editora LL, Paris.

Em reconhecimento por seus experimentos, depois da ascensão do


nº 6, ele recebeu ‘uma das mais queridas homenagens’, que lhe fora
prestada em toda a sua gloriosa carreira. Sua alteza imperial a princesa
d. Isabel, condessa d’Eu, que morava em Paris, mandou lhe dizer que
tinha acompanhado as suas experiências com grande interesse e que
teria grande prazer em recebê-lo no seu palacete em Boulogne, a fim
de felicitá-lo de viva voz pelos seus repetidos triunfos.
Santos Dumont, indo agradecer essa gentileza, foi recebido do
modo mais cordial por sua alteza, que lhe disse: “Vendo as suas evo-
luções, comovida pela recordação do país que evoco com emoção
indizível, pensei no voo tão lento dos nossos grandes pássaros do
Brasil. Desejo que faça com a sua hélice o mesmo que eles fazem
com as suas asas, e espero que consiga feliz êxito para glória de nos-
sa pátria comum”.
Dias depois a princesa fez-lhe uma carta falando de suas proezas
e lhe enviando uma medalha de São Bento para protegê-lo contra os
acidentes. Santos Dumont usou essa medalha de ouro na sua carteira,
mas depois, mandou fazer um cordão de ouro e passou a usá-la pen-
durada no pulso. Dessa forma, mostrava aos que escarneciam dele

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 191-200, 2019


Santos Dumont no Recife 195

chamando-o de supersticioso, que a sua vontade prevalecia e fazia


pouco caso de semelhantes zombarias.

Santos Dumont era então aclamado por toda a Europa.

Era um domingo, 27 de setembro de 1903. Às 15h35 o telégra-


fo ótico fez sinal indicando a aproximação do paquete em que ele
viajava. Nas imediações do porto, logo uma salva de girândolas foi
lançada aos ares anunciando a visão do paquete.
O Recife se preparou por vários dias com uma intensa programa-
ção elaborada por uma comissão de recepção, para acolher o ilustre
brasileiro. Logo que o paquete em que ele viajava chegou ao Cabo
de Santo Agostinho, foram ao seu encontro o vapor “Beberibe” da
Companhia Pernambucana e o rebocador “Esperto” completamente
cheio de pernambucanos para acompanhá-lo. Ao se aproximar da
entrada do porto, as embarcações Amadeum, Albérico, Nené, Recife
e o Vinte e Quatro de Maio já o esperavam.
Em todos iam muitas senhoras e cavalheiros, levando também o
Beberibe a banda de música do 14º batalhão, o Recife uma banda de
música da Polícia, e o Vinte e Quatro de Maio, a banda de música do
Salesiano. Lanchas e escaleres foram também ao encontro do Atlanti-
que, todos repletos de pessoas.
Quando estas e as outras embarcações atracaram no Atlantique,
romperam as aclamações ao grande aeronauta. Com essas manifes-
tações, Santos Dumont segurando com uma das mãos o corrimão
da varanda do vapor, deitou o corpo para fora e saudou a multidão,
acenando com o seu Panamá. Em seguida, ele desceu para uma ba-
leeira, onde ouviu de pé o Hino Nacional executado pela Charanga
do Recife. Às 17h30 as embarcações chegaram ao cais e o Atlantique
aportou em frente à Associação Comercial.
Santos Dumont veio para a terra numa galeota da Companhia de
Serviços Marítimos rebocada pelo Amadeus; subiu a rampa às 18h30,
sendo recebido pelo governador do Estado, Dr. Gonçalves Ferreira e
uma grande comitiva. Ele trajava um terno de casimira azul listado,
de luvas amarelo-escuro, colarinho duplo muito alto, botinas de cou-
ro amarelo e uma gravata estreita ‘grenat’ presa por um alfinete com
pérola negra. Usava também o célebre chapéu de palha do Panamá.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 191-200, 2019


196 Luiz Barreto

Contava-se que, em tempo passado, com esse chapéu ele conseguiu


abafar um incêndio no seu dirigível número 8, quando de uma das
suas ascensões.
Uma salva de 21 tiros saudou o visitante, seguido pela apresen-
tação de uma banda de música. A Praça da Lingueta e as ruas por
onde se presumia que passasse o notável brasileiro estavam cheias
de gente, desde muito cedo.

Praça da Lingueta. Ed. Ramiro M. Costa.

A recepção foi indescritível, prestigiada por todas as classes sociais


e muitas associações. Com a chegada do navio ao entardecer, resta-
vam poucas horas para que Pernambuco gozasse, por mais tempo,
da honra de contar em seu seio com o grande homem que constituía
um dos maiores motivos de orgulho para o país.
Santos Dumont, em seguida, dirigiu-se à Associação Comercial em
meio a uma enorme onda humana que ameaçava asfixiá-lo, tal era o
entusiasmo e ansiedade do povo em vê-lo, o que fez o coronel Sam-
paio Ferraz, de braço com ele, dizer-lhe:

– Doutor, antes estivesse agora em seu balão...


– Certamente estaria melhor, respondeu-lhe Santos Du-
mont.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 191-200, 2019


Santos Dumont no Recife 197

O coronel Sampaio Ferraz foi seu companheiro de colégio duran-


te largo tempo, em Campinas, São Paulo, e com ele convivera anos
depois em Paris.
Decerto, o tempo disponível era muito curto para realizar todas
as atividades planejadas em atendimento ao ilustre visitante, pois
muitos foram os eventos cuidadosamente organizados pela comissão
de autoridades composta por João Borba, Raphael Fonseca, Antônio
Farias, J. Simeano das Mercês, José M. C. da Cunha, Francisco A. Rosa
e Silva Junior, João Pessoa e Clodomir Cardoso. Não foram poucas as
reuniões preparatórias realizadas no Palácio do Governo, na Escola
de Engenharia e em outros lugares.
O Recife seria o último local do Brasil em que Santos Dumont pi-
saria antes de regressar a Paris, motivo poderosíssimo, sobre todos os
outros, para que, sem solução de continuidade, ele levasse uma exce-
lente impressão das manifestações de gratidão do povo de sua pátria.
Foram inúmeras as instituições que se associaram para manifestar
gratidão e reconhecimento ao ilustre visitante. Entre outras, a Asso-
ciação Comercial Agrícola, Associação Comercial, Escola de Engenha-
ria, Companhia Pernambucana de Navegação, Diário de Pernambuco,
Escola Maciel Pinheiro, Livraria Francesa, Sociedade dos Artistas Me-
cânicos e Liberais, Faculdade de Direito, governo do Estado, estudan-
tes das diversas escolas da capital, etc. etc.
Mesmo com a hora avançada, realizou-se a sessão solene na Asso-
ciação Comercial Beneficente, instalada no porto do Recife. O salão
de honra da Associação Comercial apresentava ótimo aspecto, sendo
a beleza, as vestimentas, as joias e o sorriso das inúmeras senhoras
ali reunidas a nota de mais encanto.
Presidiu a reunião o barão de Casa Forte, que saudou o homenagea-
do e deu a palavra ao comendador José da Silva Loyo, representando as
três Associações. Fez em seguida a entrega a Santos Dumont do título de
‘Sócio Honorário’ e um cartão de ouro com um grande brilhante.
Na mesma ocasião, se fez representar o Instituto Ayres Gama, que
funcionava naquele tempo na Rua do Hospício, onde hoje é a sede
do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco,
por intermédio do jovem Gustavo Pinto, que usou da palavra e pre-
senteou o homenageado com uma aeronave de prata. Por último,
proferiu vibrante discurso o professor Symphronio Magalhães.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 191-200, 2019


198 Luiz Barreto

Seguiu-se uma passeata em direção ao Palácio de Governo. Santos


Dumont seguia de pé no carro que o transportava, que na realidade
era uma carruagem, um modelo landau, cedido pela Casa Agra, sen-
do aplaudido em todo o trajeto. Queria o povo que o acompanhava
desatrelar os cavalos da carruagem, para ele mesmo levar a carrua-
gem, o que ele não permitiu. Passava agora pela Rua do Imperador
em direção à Praça da República.
No palácio foi recebido pelo governador Dr. Gonçalves Ferreira
que o acompanhava, registrando assim sua passagem e recebendo as
homenagens da instituição. Em seguida ele se dirigiu à Escola de En-
genharia, onde teve de entrar por uma porta lateral, devido à enorme
aglomeração na frente da instituição.
A Escola de Engenharia foi criada em 1895, mas somente começou
a funcionar em 1896. Naquele tempo, essa Escola estava instalada em
um prédio que se localizava na mesma praça do Palácio do Governo,
nas imediações do que é hoje o prédio onde funcionou a secretaria
da Fazenda do Estado, na Rua do Imperador.
Dumont foi recebido pelo diretor, o engenheiro Vieira Boulitreau,
que saudou o grande brasileiro em nome da Escola de Engenharia.
O bacharelando Luiz Estevão falou em nome da mocidade acadêmica
e o senhor Olympio Galvão discursou em nome da Fábrica Lusitana.
Algumas senhoras serviram champanhe.
Vale registrar que ao final do ano de 1903, concluíram o curso
de Engenharia Civil naquela Escola, os engenheiros Theophilo Frei-
tas (irmão de Octávio de Freitas), do estado do Maranhão; Lafayette
Bandeira, da Bahia; e Philignezio Carvalho, do Pará. O paraninfo da
turma foi o engenheiro Borges de Mello.
Interessante transcrever, integralmente, uma narrativa do Jornal
Pequeno em sua edição de 28 de setembro de 1903, na página 1,
retratando um episódio relacionado com a visita de Santos Dumont
à Escola de Engenharia:

“Quando menos se esperava... Santos Dumont havia


desaparecido; o povo, julgando que ele tomara o car-
ro em que chegara, saiu acompanhando o veículo,
entre as mais ruidosas manifestações de entusiasmo,
indo também alguns estudantes a carro, precedido da

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 191-200, 2019


Santos Dumont no Recife 199

música do 2º batalhão.
No hotel de Londres estava um moço baixo, magro,
muito parecido com Santos Dumont.
- É ele, gritaram diversas pessoas. Viva Santos Du-
mont! Viva Santos Dumont!
E o levaram de rojo, em passeata, aclamando-o deli-
rantemente.
Na Rua Primeiro de Março o mestre de uma banda
chegou-se a ele, comovido pelo entusiasmo e lhe ofe-
receu um ‘dobrado’:
- Mas, mestre, eu não sou Santos Dumont...
E o mestre da música duvidou, julgando que Santos
Dumont estivesse fazendo pouco a sua oferta.
Não se tratava, com efeito, do querido aeronauta; era
um moço auxiliar do comércio, que fora tomar uma
cerveja no Londres e viu-se assim, graças a ser pa-
recido com Santos Dumont, alvo de manifestações
populares, durante um bom quarto de hora, porque
raspou-se: quisesse ele e talvez a esta hora ainda fos-
se tomado pelo rei dos ares, sem nunca ter subido em
um balão nem nada”.

No entanto, o que aconteceu mesmo relativo ao desaparecimento


de Santos Dumont da Escola de Engenharia, foi que ele estava preo-
cupado para retornar ao vapor Atlantique pelo seu desgaste físico na-
quelas manifestações e também porque o navio iria partir em horário
que ele não conhecia com precisão.
Fora então aconselhado por alguns amigos para se evadir da Es-
cola de Engenharia, saindo sorrateiramente, sem deixar que as pes-
soas percebessem. E assim o fez, e foi para a sua embarcação, sendo
acompanhado pelo comandante do distrito militar, pelo governador
do Estado, a comissão de estudantes e mais outras pessoas. Pon-
derando que seria impossível receber mais outras manifestações de
apreço, porque já se encontrava cansado, mas também porque a cada
momento crescia ainda mais o número de manifestantes.
Santos Dumont embarcou às nove horas da noite, “certamente
convicto de que o povo pernambucano o adorava”. Às cinco horas da

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 191-200, 2019


200 Luiz Barreto

manhã de 28 de setembro de 1903 o paquete Atlantique partiu para


a França, sendo Paris o seu destino.

Referências Bibliográficas

Jornal Pequeno (Recife), diversos números.

A Província (Recife), diversos números.

Diario de Pernambuco (Recife), diversos números

Relatório do Governo do Estado de 1903.

HOFFMAN, Paul. 2010. Asas da Loucura. Rio de Janeiro: Objetiva.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 191-200, 2019


diScurSo Proferido Na SeSSão magNa
comemorativa doS 108 aNoS da
uNiverSidade do Porto1

Margarida de Oliveira Cantarelli2

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo


de Sousa; Magnífico Reitor, Antônio de Sousa Pereira; caros Professo-
res e estudantes desta Universidade; Senhoras, Senhores,
É uma grande honra para mim que a voz que se ouve a celebrar
os 108 anos desta Universidade venha do outro lado do Atlântico e
no mesmo português da nossa língua comum.
E isto traz um conteúdo simbólico muito forte porque graças à
coragem e à capacidade desbravadora portuguesa – ó gente ousada
mais que quantas, bradava o Adamastor, podemos dizer desde o sé-
culo XVI – o mar nos une! E mais que o mar, nos une a cultura.
Se isto é uma verdade há mais de cinco séculos, é preciso refletir
olhando um pouco mais para trás para perceber a aguda ousadia e
senso de oportunidade do povo português. Dentre as suas muitas
qualidades, aponto duas que entendo devam ser mais largamente
enaltecidas pela relevância dos feitos para todo o mundo.
Sobre a primeira, ressalto que cheguei faz uma semana do Irão,
melhor dizendo, da velha Pérsia, onde fui fazer um trecho de uma
das Rotas da Seda – estive em Meybod, Kashan, Yazd, Shiraz, Es-
fahan, sem deixar de visitar Passárgada – numa homenagem ao poeta
recifense, Manuel Bandeira, e Persépolis – numa reverência à própria
História da Humanidade. As atuais estradas seguem exatamente os
caminhos do passado, atravessando os mesmos desertos, o que nos
permitiu conhecer diversas Caravanserai, pontos de apoio às Carava-

1 Proferido no Salão Nobre da Universidade do Porto, cidade do Porto, Portugal, em 22 de


março de 2019, com a presença do Excelentíssimo Senhor Presidente da República Portu-
guesa, Dr. Marcelo Rebelo de Souza e do Magnífico Reitor Antônio de Sousa Pereira.
2 Sócia efetiva do IAHGP. Desembargadora Emérita do Tribunal Regional Federal do 5ª
Região. Professora do Mestrado em Direito da Faculdade Damas.
202 Margarida de Oliveira Cantarelli

nas. Algumas simples no adobe da região, outras restauradas com o


esplendor e o fausto do seu tempo. Então, tive a exata noção do que
significou a interrupção desses caminhos pelos Otomanos e da opor-
tuna competência portuguesa de substituir as rotas terrestres pelas
Rotas Marítimas – contornando a África ou contornando o mundo.
Os livros escolares, pelo menos os do Brasil, são demasiado sim-
plistas limitando a busca de um novo caminho para as Índias como
a necessidade de aquisição de especiarias e que nesse afã, ocorreu
o nosso descobrimento. Isto é tão pouco diante do que realmente
existia: além de um comércio muito mais amplo, a partir da própria
seda e de diversificados e valiosos bens que vinham de muito mais
longe, deve ser enfatizado o intenso intercâmbio cultural que as Ca-
ravanas transportavam. Ficarei em leves traços do que encontrei - a
literatura persa – não só as Histórias das 1001 noites, mas os seus
poetas, Hafez, Sadi, Omar Khayan (também matemático e astrôno-
mo) com os versos do Rubayat que se popularizaram por toda parte!
Surpreendeu-me identificar traços góticos em Mesquitas e saber que
a cúpula do Duomo de Florença, construída por Brunelleschi, teve
como modelo a da Mesquita da Sexta-feira (KhajeNizamolMolk), em
Esfahan. Para não ir mais longe, inclusive na observação de símbolos
do século XIII que ressurgiram na Europa no século XX, lembremo-
nos simplesmente das nossas janelas, por onde até hoje o ar e a luz
passam ou são retidos através de persianas ou por venezianas! Pér-
sia ou Veneza! Era uma rota de encontro de dois mundos: oriente e
ocidente, de mundialização! E foi este o ponto fundamental que os
portugueses não deixaram se esvair – corajosos e safos – assumindo
por primeiro os meios de preservá-lo e de ampliá-lo! Foram às fontes:
Índia, Indochina, Taprobana, China, ilhas do Japão. Os descobrimen-
tos eram previsíveis e desejáveis – de Sagres, o Infante já começara a
rasgar os mares! Pois, se mais mundo houvera, lá chegara!
E vem a segunda qualidade. Estando no Oriente, tiveram os portu-
gueses a percepção de um futuro, que outros povos não se detiveram,
de que poderiam eficazmente mundializar algo mais permanente que
a seda, os tapetes ou a porcelana. Trasladaram para o seu Império
Atlântico, para o qual se voltariam, as plantas que lá encontraram,
mudando o cenário, a face e o destino de várias regiões, especial-
mente do Brasil.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 201-206, 2019


Discurso proferido na sessão magna comemorativa dos 108 anos da
Universidade do Porto
203

Não imagino o meu Pernambuco sem o farfalhar das verdes pa-


lhas dos seus canaviais; sem o açúcar que moveu por séculos a sua
economia e foi objeto de cobiça por povos que não levaram a cana
para lá. Pernambuco sem os Banguês, os Engenhos e as moendas,
sem as sinhás e os sinhôs, poderia até ser melhor, mas nunca seria o
mesmo porque faltaria o doce cristal que a nossa alma acalanta. Os
nossos pomares só teriam a graça dos cajueiros com cajus – amarelos
ou vermelhos, sem que se saiba o porquê! Mas lhes faltariam: as man-
gas perfumadas, de tantas variedades; o mamão; a jaca; a laranja; as
pencas de bananas! Sem graviola, sem sapoti, sem tantas delícias que
o açúcar e o coco pelas mãos brancas, negras ou nativas transforma-
ram em preciosa doçaria nas cozinhas das Casas Grandes. Gilberto
Freyre, no seu livro Açúcar, que este ano completa 80 anos da sua
primeira edição, já o cantava como uma das grandezas da nossa terra.
A História narra guerras, revoluções, alianças feitas e rompidas,
ambições descabidas, mas não enaltece suficientemente essa pacífica
e definitiva contribuição à Humanidade. A essas e as outras qualida-
des portuguesas, eu reverencio com profundo respeito.
Mas, vivemos um novo momento na História. Cruzamos várias
Idades – ultrapassamos a Modernidade, a Pós Modernidade e agora
entramos no que alguns chamam de Pós Verdade. Eu prefiro chamar
de Pós Certezas! É um momento de relativização de dois conceitos
que tínhamos como certos: TEMPO & ESPAÇO. Esse dualismo que
calcava muitas ciências, hoje nos foge qual a água entre os nossos
dedos, graças à própria tecnologia, às vezes, desconcertante.
E isto atinge fortemente a nós, pobres juristas, que ficamos pro-
curando substituições para o “quando” e o “onde” que nos permi-
tiam, com segurança, validar atos, contratos, negócios, fixar prazos,
responsabilidade, danos e muito mais. Até a assinatura como garan-
tia do cumprimento das obrigações pactuadas e a fidedignidade do
ato, agora é aposta eletronicamente por uma senha de algarismos
aleatoriamente escolhidos! Como amenidade, mas com um fundo
de verdade, digo aos amigos penalistas, que o Princípio da Territo-
rialidade em que tanto se apegavam, evaporou-se! O iter criminis
em muitos casos já não é mais possível traçar – o lugar do crime?
Nas nuvens, num mundo etéreo? Temos o resultado sem saber de
onde proveio o ato!

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 201-206, 2019


204 Margarida de Oliveira Cantarelli

Mas tudo isto vem a propósito dos 108 anos desta Universidade
que ora celebramos. Poderia parecer um tempo curto para que uma
Instituição de ensino e pesquisa fosse tão reconhecida nacional e
internacionalmente. Mas não o é. Exatamente pelo lado positivo do
manejo do binômio tempo & espaço. Pois, ao avaliarmos uma Ins-
tituição de tal grandeza é imprescindível inserir outros parâmetros,
além do seu caminho secular e luminoso, como: a qualidade e uti-
lidade do que faz e a interconexão com as congêneres. A pesquisa
compartilhada multiplica os resultados. A mobilidade e o intercâm-
bio discente alargam os horizontes. A superação do enclausuramen-
to pela cooperação gera um enriquecimento docente inigualável
o que não se cogitava no passado quando cada um pensava que
dominava completamente, do cimo da sua cátedra, todo o conheci-
mento na sua área.
Esta Universidade se adequou aos novos tempos e correspon-
deu com resultados palpáveis aos desafios atuais – os prêmios ora
concedidos são a prova disto! Parabenizamos efusivamente o Reitor
desta Casa, todos os dirigentes que formam a sua equipe – numa
real congregação de professores, alunos e funcionários em torno
dos mesmos objetivos. É assim que se contribui para um mundo
melhor onde os compromissos com o todo superam o individualis-
mo e o personalismo. À Universidade do Porto os cumprimentos e
a admiração de todos nós.
Mas, apesar de tantos desafios do mundo pós-certezas, há algu-
mas PERMANÊNCIAS posto que inerentes à natureza humana, como
– os SENTIMENTOS. E é, sobretudo, o sentimento que me move
nesta hora. Venho do Recife, cidade irmã do Porto, geminadas não
só por deliberação dos seus dirigentes há 35 anos, mas por vontade
de sua gente, desde sempre. Isto muito se deve à proveniência do
Norte de Portugal, da maioria dos portugueses que foi se plantar no
Recife, em Pernambuco. Usei propositadamente o verbo PLANTAR,
não disse se estabelecer, nem mesmo residir. Porque plantar é criar
raízes, é crescer, é dar frutos, inserir-se no ambiente com harmonia,
identificando-se plenamente. E vejam como uma palavra explica e
mostra a diferença. Quando nos referimos aos italianos ou japoneses
em São Paulo, dizemos que há uma grande Colônia Italiana, com
bairros quase exclusivos ou que a Colônia Japonesa comemorou há

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Discurso proferido na sessão magna comemorativa dos 108 anos da
Universidade do Porto
205

pouco os 100 anos do início da imigração; quando falamos no Para-


ná, podemos afirmar que no centro de Curitiba há Missas celeradas
em Polonês para atender à Colônia Polonesa ali residente. No Recife
não se diz assim – se fala na COMUNIDADE PORTUGUESA! Até
porque nos orgulha que a primeira mulher governante nas Américas,
tenha sido D. Brites de Albuquerque, esposa do donatário da Capita-
nia de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira. Considerada uma gran-
de administradora, na sua bagagem trouxe uma variedade de cana
conhecida na Índia sob o nome de “Puri” e que encontrou no nosso
“massapê, o solo ideal para a sua floração”, aumentando a produção;
que o primeiro Engenho pernambucano completo tenha sido instala-
do por Jerônimo de Albuquerque, seu irmão, no mesmo ano que lá
chegaram (1535)!
Orgulha-nos que daqui do Porto tenha ido Dias Cardoso lutar
contra o invasor holandês e que usou pela vez primeira na Batalha
do Monte das Tabocas, a estratégia hoje conhecida como guerra de
guerrilha, levando à derrota um Exército bem maior em número de
combatentes e mais forte em armamentos. Por tão extraordinário fei-
to, passou ao imaginário popular que a vitória fora de Santo Antão,
cuja devoção veio com o fundador da vila, Antônio Diogo de Braga,
natural da Ilha de Santo Antão, em Cabo Verde. Assim, reza a lenda,
que a figura encoberta que à noite distribuía saquinhos de pólvora
aos nossos soldados, só poderia ser o padroeiro Santo Antão! E por
firmemente acreditarem, foi acrescentada ao nome da vila, a palavra
vitória: Vitória de Santo Antão, como ficou denominada para sempre.
Orgulha-nos que depois da Faculdade de Direito do Recife, de
1827, foi o Gabinete Português de Leitura, de 1850, a Biblioteca
aberta ao público fora dos Conventos, permanecendo até os dias
de hoje e que muito contribuiu para a formação cultural dos estu-
dantes e pesquisadores locais. Que o Real Hospital Português de
Beneficência em Pernambuco, de 1855, que todos na cidade tratam
afetivamente apenas como “o Português”, seja o maior hospital do
norte e nordeste do Brasil.
Se as cidades do Porto e do Recife se assemelham pela forte
atividade portuária do passado e que as fez crescer; por terem
cada uma o seu rio: aqui o Douro, lá o Capibaribe, que as cortam
serpenteando entre suas margens, cruzados por pontes altas ou

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206 Margarida de Oliveira Cantarelli

baixas que ligam lugares e pessoas, como não estariam unidas por
suas Universidades?
E esta identificação que fortalece os sentimentos e os saberes, há
24 anos, dentro dos sonhos de alguns, levou a que se buscasse uma
rota inversa, criando uma Casa de Pernambuco na Universidade do
Porto. Projeto arrojado, grande entusiasmo no momento da Pedra
Fundamental. Mas, com o passar do tempo, mudaram os dirigentes e
a percepção do empreendimento; deterioraram-se as condições eco-
nômicas da nossa parte. E o Projeto teria caído no esquecimento se
não fosse a obstinação e o altruísmo do empresário Zeferino Ferreira
da Costa que tomou a si o encargo de concluir a obra.
Agora temos a Casa prestes a ser inaugurada. E há um excelen-
te projeto para a sua utilização e gestão, traçado pela competente
equipe do Reitor Antonio de Sousa Pereira. Embora se guarde a alma
original de Casa de Pernambuco, e assim o será, é de se ampliar o
seu escopo para abarcar um sonho maior e mais ambicioso, de tor-
ná-la um espaço compartilhado e dedicado à nossa mãe comum, a
LINGUA PORTUGUESA. Temos a consciência de mais esse grande
feito de espalhar o nosso idioma por todos os quadrantes da terra, e
que nós brasileiros contribuímos com 220 milhões de falantes. A Casa
será mais um ponto de estudos e difusão da unidade na diversidade
da nossa cultura lusófona. Os nossos autores, antigos e modernos, a
nova produção literária que vem se destacando por sua boa qualida-
de, tornar-se-ão mais acessíveis em livros físicos ou por outras mídias.
Será um espaço para a troca de saberes, de sonhos e de consolidação
de um legado. E assim, virá ao encontro do nosso destino comum -
que a LINGUA PORTUGUESA, como o MAR, nos unirá para sempre.

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diScurSo de PoSSe do aSSociado
correSPoNdeNte joSemir camilo de melo1

À historiadora Genny da Costa e Silva

Inicio saudando a mesa, na pessoa do confrade José Luiz Mota


Menezes, por dois motivos: ele foi membro de minha banca de Mes-
trado e, mais importante, fui colega de seu pai na Faculdade de
Nazaré da Mata, grande sábio, mestre Aloísio, que fazia questão de
enfatizar o ‘o’ aberto de seu nome, para não ser chamado de Aluísio!
Ser indicado e aprovado para esta instituição, como Sócio Corres-
pondente, não só é uma honra, mas um resgate de cidadania, cujo
passo inicial se deu com minha acolhida pelo Instituto Histórico,
Arqueológico e Geográfico de Goiana (IHAGGO), em 2016, como
Sócio Correspondente, por não morar no Estado. Uma dupla volta à
casa. No ano anterior, fora eleito Sócio Efetivo do Instituto Histórico
e Geográfico Paraibano (IHGP). Falo, aqui, de um duplo lugar, tanto
como Sócio Correspondente do IHAGGO, como deste, ainda que
virtual, posto de Sócio Correspondente do Instituto Arqueológico,
Histórico, e Geográfico de Pernambuco (IAHGP). Portanto, de uma
zona limítrofe, de um aparente não-lugar.
Recobro minha pernambucanidade, intercalada pelo nascimento,
como diz o poeta Caetano se, na barriga da miséria, me fiz brasileiro.
De pais camponeses emigrados de Itabaiana pela carência, nasci num
alagado, no Recife de Gilberto Freyre, quando meu pai escapara de
ser mandado como bucha de canhão para os campos da Itália, mas
foi forçado a plantar serviço na polícia, ele que largara a enxada em
Itabaiana, devido à exploração rural, e sonhava em ser motorneiro
da Pernambuco ‘Tramois’, como dizia o povo, da empresa de nome
inglês, a Pernambuco Tramways.
Sou um homem de vivências culturais interioranas e cosmopolitas,
e de pertinência geográfica a dois Estados, por meus pais serem da
Paraíba e os troncos de meus avós paternos e maternos parecerem vir

1 Tomou posse na Sessão Magna de 28 de janeiro de 2019.


208 Discurso de posse como Associado Correspondente

de Timbaúba, de onde partiu da área rural, Vicente Camilo de Melo,


conhecido como Vicente Brabo, que teria desafiado um cangaceiro.
Por essa razão, a família se mudou para perto de Itabaiana, buscando
trabalhos em fazendas.
É uma honra ocupar um posto de Sócio Correspondente que,
antes, pertencera a um personagem tão marcante da História da Pa-
raíba, cuja formação se deu na Faculdade de Direito do Recife, na
década de 1860: Irenêo Joffily ou, mais exatamente. Irenêo Ceciliano
Pereira da Costa. Mais honra, ainda, é estar na Casa que, também, um
homem de vivências limítrofes ajudou a construir, no seu alvorecer, o
historiador paraibano, Maximiano Lopes Machado. Estes dois bravos
historiadores paraibanos se formaram na Faculdade de Direito, um,
ainda, na de Olinda, Maximiano, turma de 1844; o outro, já na do Re-
cife, turma de 1866. O que estes dois têm em comum, além destes fa-
tos? Ambos se envolveram, exatamente, com a questão de limites en-
tre as Províncias do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Por
coincidência, ao assumir como Sócio Efetivo do IHGP, em novembro
de 2015, coube-me a Cátedra de Nº 14, cujo Patrono é José Gomes
Coelho, um estudioso dos problemas de limites entre os Estados com
o seu livro, Escorço de Chorographia da Parahiba, editado em 1919,
Para se ter uma noção da questão dos limites entre Pernambuco
e Paraíba, em 1915, uma Comissão fora instituída, para tratar de uma
representação feita pelos moradores de Serrinha (hoje, Juripiranga), e
dos de Ingá, que reclamavam contra a indébita intervenção de agen-
tes fiscais do Conselho Municipal de Itambé.
Senhoras e senhores, falar, pois, de Maximiano Lopes Machado,
como sócio desta Casa, e de Joffily, como sócio correspondente é
de grande responsabilidade, mas dada a restrição de tempo/espaço,
sintetizo algumas observações pertinentes. Joffily era ‘consócio’ deste
Instituto e como tal enviou, para esta Casa, material fóssil encontrado
na Serra da Borborema. O parecer da Comissão deste, da qual faziam
parte Maximiano Lopes Machado e Regueira Costa, emitido em 1889,
foi publicado na Revista desta Casa, no nº 36, de janeiro de 1890.
Joffily, além da transumância cultural (me refiro ao 2º lugar em
matrículas de paraibanos, na Faculdade de Direito, cerca de 1.275,
desde as origens do Curso, até começo dos anos 60, do século XX,
como nos aponta Deusdedit Leitão), Joffily transcendeu um certo

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 207-216, 2019


Josemir Camilo de Melo 209

mapa parental, já que era neto da pernambucana e goianense, Bár-


bara Maria da Pobreza, filha de Sebastião Gomes Correia e Maria
Gomes da Assunção, possuidores de sesmarias no Cariri, desde 1736
e terras no brejo, município de Alagoa Nova, e que se casara, em
segundas núpcias, com Joaquim Vieira da Costa, pai do tenente-co-
ronel, José Luiz Pereira da Costa. Neste mapeamento familiar, uma
incógnita não pertence ao campo da História. O historiador Irenêo
Ceciliano Pereira da Costa, nascido em 1843, quando estudante de
Direito, no Recife, inventou o sobrenome artificial (Irenêo Joffily –
Jo[seph] fily [filho]), publicizando no Diário de Pernambuco, em 1866.
Apesar de sua justificativa (e, aí, entraria a psicanálise, já que ele ale-
ga homenagem a seu pai, morto pelo cólera, em 1856, quando, pos-
teriormente, sua mãe se casa de novo e ele passa a ter um padrasto).
No entanto, pode-se observar que seu sobrenome original, Pereira da
Costa, coincide com o da família do futuro historiador e advogado,
Francisco Augusto Pereira da Costa, daí, a tentativa de evitar explica-
ções supostamente parentais. Há indícios de que uma filha se casara
com um filho do historiador pernambucano, Pereira da Costa.
Já, Maximiano Lopes Machado, filho de portugueses residentes na
cidade da Paraíba do Norte, diplomou-se em Direito, em Olinda, na
turma de 1844. Nomeado promotor público desta cidade, aí perma-
neceu até ser nomeado juiz municipal na recém emancipada cidade
de Areia, no brejo paraibano. Além disto, foi nomeado delegado da
cidade e eleito deputado provincial, quando lhe sobreveio a notícia
da rebelião Praieira e da morte de Nunes Machado. Saiu totalmente
do sistema, rebelou-se e junto com as forças que sobraram de praiei-
ros pernambucanos, escondidos na Paraíba, enfrentou a gente do
Partido Conservador. Preso, em Pernambuco, para onde tinha fugido,
com a malogro da revolta, em Areia, foi solto por habeas corpus e se
refugiou pelo interior do Rio Grande do Norte e da Paraíba. É sinto-
mático que Joffily, em suas memórias, relate que, quando criança, em
terras da fazenda do pai, viu passar a tropa derrotada dos praieiros,
sem no entanto, afirmar se Maximiano fazia parte da estropiada gente
(o que não impediu ilações de um cronista/historiador paraibano,
Epaminondas Câmara, de alegar que, tanto o líder pernambucano,
Machado, quanto o paraibano, Joaquim dos Santos Leal, lideravam
este troço de tropas rebeladas). Anistiado em 1852, Machado passou

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210 Discurso de posse como Associado Correspondente

a morar em Campina Grande, botando banca de advogado, onde


deve ter promovido seu livro publicado, um ano, antes, “Quadro da
Revolta Praieira”. Ali, cumpriu a segunda meta da vida liberal, deixou
um filho de igual nome. Permaneceu nesta, então, vila, elegendo-se
deputado provincial, em duas legislaturas. Mudou-se, em 1862, para
o Recife, para ensinar na Escola Normal e passou a escrever nos jor-
nais locais. Foi eleito deputado, dois anos depois de chegado, por
três legislaturas seguidas, voltando em 1878 e já membro desta egré-
gia Casa. Há notícias que, além da “História da Província da Paraíba”,
publicada em capítulos na Revista desta Casa, tenha também escrito
um romance, inédito, sobre os acontecimentos públicos, na década
de 1820, em Pernambuco. No entanto, sua obra mestra, permaneceu
inédita na Paraíba até 1912, quando o governador, seu sobrinho, Dr.
João Lopes Machado, autorizou a publicação.
Não se pode dizer que houve favorecimento, por Maximiano ser,
também, paraibano, pois antes, houvera uma polêmica sobre os limi-
tes da Paraíba, quando Joffily, percorrendo os sertões da Paraíba, a
cavalo, discordou do mapa de Cândido Mendes e Homem de Mello.
Maximiano o criticou, alegando que suas notas foram tomadas como
‘touriste’, que ele fizera um périplo a cavalo pelo interior da Paraíba,
baseado só na empiria. Era a polêmica da historiografia produzida
em gabinete e a pesquisada empiricamente. Quem analisou esta po-
lêmica, evitando se posicionar, foi Capistrano de Abreu em seu pre-
fácio ao livro de Joffily, “Notas sobre a Paraíba”, em 1892. Ora, com o
surto de cólera que atingiu sua família, vitimando o pai, Joffily, foi a
cavalo, viver e estudar em Sousa; depois, visitara Fortaleza, e por fim,
gostava de andar a cavalo, visitando lugares de disputas de limites,
chegando ao Pico do Jabre (Teixeira-PB), e limites com Pernambuco.
Machado publicara, em 1871, o “A Paraíba e o Atlas do Doutor Cân-
dido Mendes” e “Uma Carta Geográfica da Província da Paraíba”, do
Barão Homem de Mello. Irenêo Joffily, após suas viagens, foi um
dos que se insurgiram contra o que se propagava como mapa da
província. No entanto, Maximiano Lopes Machado não aceitou as
observações de Joffily. Segundo o historiador José Octávio, também
sócio correspondente desta Casa, Machado seria um historiador, ain-
da das ideias iluministas, enquanto Joffily seria do cientificismo.

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Josemir Camilo de Melo 211

*
Dentro dessa perspectiva dos limites, escolho uma polêmica his-
tórica resultante desta questão dos limites, o território, que durante
os tempos coloniais se tornara a ‘terra de ninguém”, uma cartografia
semovente, o território entre a freguesia de Taquara e Goiana; (onde
o limite: rio Goiana ou Abiaí?). Território maleável na expansão da
cana e das atrocidades contra nossos ancestrais nativos, com o fim
da capitania de Itamaracá, cujos limites interioranos frágeis, baseados
em contratos orais, tipo légua de beiço, para amatutar a cultura práti-
ca, levou estas querelas, no fisco, a controvérsias e a pequenos con-
flitos fiscais, chegando uma povoação a ser dividida em duas cidades:
Pedras de Fogo e Itambé; outra em dois territórios, cidade e distri-
to: Juripiranga (de meus ancestrais maternos), Paraíba, e Ibiranga,
Pernambuco. Território tão movediço, de tal forma, que a primeira
manifestação de pensamento livre surgiu, exatamente, neste enclave,
o Areópago de Itambé (ou de Pedras de Fogo? – Quem faz a Histó-
ria? Ou: os Geógrafos também fazem História). O fato é que, até a
partilha das terras da capitania de Itamaracá (com sua dissolução em
1756), como acentuou o confrade do IHAGGO, Dr. Josué Sena, entre
Pernambuco e Paraíba, Pedras de Fogo, que pertencia à Capitania de
Itamaracá, ficara sob jurisdição de Goiana. Se à época do Areópago,
não havia Itambé e, sim, Pedras de Fogo (já que Itambé – municí-
pio? - seria fundado por volta de 1860), então seria construção de
geógrafos, homens designados pelas duas províncias para ratificarem
e retificarem os limites, pergunta-se: a que Capitania/Província per-
tenceu o Areópago? O lugar do Areópago de Itambé (1796) teria sido
edificado em território pernambucano ou paraibano? Foram os geó-
grafos que, já dividiram o município em dois, arrastando ‹a primeira
loja maçônica› para PE, ou ‹naturalmente›, já era território da nossa
capitania? Questões lançadas para futuras digressões.

*
Apresento-me a esta Casa, senhoras e senhores, numa curta bio-
grafia, como historiador. Como antes, dedicara minha dissertação de
Mestrado, volto a fazê-lo: ao agricultor, Manoel Camilo de Melo que,
na época das estiagens, descia dos roçados em Itabaiana e, a pé com
parentes e amigos, a procurar emprego nos canaviais de Pernambu-

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212 Discurso de posse como Associado Correspondente

co; e a Joana Gomes de Melo, cabocla de Serrinha ( Juripiranga) que


também trabalhava a terra, em Itabaiana, a ambos, que desceram
num trem da Great Western, para o Recife, devo a vida.
Nasci no Recife, dois anos após o final da segunda guerra. Com
cerca de três anos, nos mudamos para a cidade de Goiana, onde mo-
rei até 1966 e fiz quase toda minha escolaridade. Fiz parte do ginásio
no Ginásio Manoel Borba e parte no seminário carmelita, em Ca-
mocim de São Félix, já que no ano em que entraria no convento do
Carmo, em Goiana, o seminário se mudara para o brejo. Em 1965, a
família volta a morar no Recife, onde fiz o Curso Clássico, no Colégio
Estadual de Pernambuco, o centenário Ginásio Pernambucano, em
pleno período das agitações estudantis. Entrei em 1970, na UNICAP,
no Curso de História, já que minha professora do Colégio Estadual,
Genny da Costa e Silva, me incentivara a fazer História. Tornei-me
professor em diversos colégios, e entrei para o Mestrado em Histó-
ria na UFPE (1975-78), com o projeto: “Ascensão e Queda de uma
Cidade Açucareira: Goiana”, de que tive de me desviar por razões
metodológicas e material de pesquisa, terminando por defender a
dissertação “A Lavoura Canavieira em Pernambuco e a Expansão do
Capitalismo Britânico, 1870-1890”.
Passei a lecionar na UNICAP, sendo escolhido, em 1978, paraninfo
geral da formatura; bem como me tornei professor de História da
Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata. Nessa
ocasião, a convite do prof. Itamar Vasconcelos, fiz a grade do curso
de história da Faculdade de Goiana, mas por razões políticas, meu
nome foi vetado para os seus quadros da Faculdade. Mistérios! Em
1979, convidado pela Universidade Regional do Nordeste, em Cam-
pina Grande, para ministrar um curso, de pós-graduação, fiz seleção
para a Universidade Federal da Paraíba (hoje, Universidade Federal
de Campina Grande), onde permaneci até minha aposentadoria em
2001. Em seguida, passei a lecionar na Universidade Estadual da Pa-
raíba, como professor visitante.
No Recife, durante os anos 1970, comecei a escrever nos jornais
recifenses, polemizando com setores, então dominantes da cultura
local e, ao mesmo tempo, criticando posições de esquerda stalinista;
um lado a ser revelado foi o dos carnavais, sendo um dos fundadores
da troça da rua 7 de setembro: “Nós sofre, mas nós goza” e autor da

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Josemir Camilo de Melo 213

letra do seu hino. Durante esse tempo, pude publicar algumas rese-
nhas críticas de história e de cultura, no Diário de Pernambuco, cau-
sando polêmicas com réplicas e tréplicas e fazendo crítica de cultura,
como me saudou o grande Jommard Muniz De Brito.
Na opção que fiz pelo ensino federal, em Campina Grande, brin-
cando, costumo dizer que voltei à Paraíba para pagar meu tributo, já
que descendo de paraibanos. Campina me acolheu muito bem, esta-
beleci família, fiz largos círculos de amigos e passei a colaborador da
imprensa, onde produzi mais de mil artigos, embora poucos de valor.
Para coroar a carreira acadêmica, tentei um doutorado na Inglaterra
que, por razões superiores, particulares e políticas (o presidente Collor
havia fechado a instituição de minha bolsa, a CAPES), não podendo
defender em Londres, a não ser a ‘qualify’, tendo concluído, na UFPE,
em 2000, com a tese: “Modernização e Mudanças: O Trem Inglês nos
Canaviais do Nordeste (1852-1902). Hoje, livro editado pela CEPE.
A experiência inglesa foi a mais alta etapa cultural de minha vida,
não só por visitar França, Portugal, Alemanha e Grécia, mas e, prin-
cipalmente, porque adorava ler os suplementos literários ingleses.
E, mais importante ainda, uma guinada em minha identidade, me
descobri latino-americano, ao conviver com gente do México, Gua-
temala, Colômbia, Peru, Porto Rico, Espanha, me dando a oportuni-
dade de praticar mais uma língua. Aí, também começaria meu desen-
canto com o socialismo, ao conhecer, através de colegas europeus,
a realidade da repressão, que, já estava em Soljenintsin e depois
corroborada por Milan Kundera, de quem fiz resenha em jornal.
Importante também por ter entrado em contato com intelectuais
estrangeiros, entre eles Eric J. Hobsbawm, a quem tive a ousadia de
entrevistar junto com outro amigo; conheci de vista intelectuais cuba-
nos, tanto os favoráveis como os críticos do regime. Mas, nada pode
se comparar aos ambientes de pesquisas, como Museu Britânico e
a British Library, bem como frequentar um dos melhores arquivos
públicos do mundo, o Public Record Office e. Estes, pois, senhoras e
senhores, são os meus créditos, ao adentrar tão honrosa Casa!

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214 Discurso de posse como Associado Correspondente

Goiana, terra sonhada

Sob este título, refiro-me à experiência cosmopolita, em que diver-


sas noites, na residência universitária, em Londres, sonhava, voltando
para Goiana, meu refúgio (Freud explicaria!). Como goianense ado-
tado, o pendor para a história ocorreu de forma sub-reptícia, como a
muitos conterrâneos e contemporâneos, fato só observável, quando
deixamos a cidade para residir fora. Para os da minha geração, o fator
telúrico conta bastante, pois vivemos em duas boas décadas, embora
de transição (hoje, notamos), mas tínhamos um ideário comum, que,
pouco a pouco a televisão foi alterando em nossa cultura. Goiana foi
minha formação cultural. A feira, as missas, os banhos de açude e
de marés, o canavial, os sítios e as frutas. Foi esta convivência com a
gente simples e minhas experiências de trabalho para ganhar alguns
trocados que gravaram em mim parte do que sou: um homem do
interior. Mas o que fica de Goiana, se se é ou foi católico, é a imersão
no barroco religioso, desde as, então, tradicionais missas em latim, e
a experiência, para alguns, de terem sido seminaristas carmelitas, ali,
na Praça Frei Caneca, bem como as procissões e as festas do Orago
e outras. Mas o espetáculo mental da presença das igrejas barrocas,
como que formando um círculo urbano, isto fica introjetado até em
nossas almas, mesmo quando somos cientistas.
Desde menino, a gente se acostumava a receber informações his-
tóricas, embora esparsas, ou ver, como víamos, a estela em homena-
gem ao praieiro, Nunes Machado, como andávamos pelo Beco Fun-
do, onde nascera Silvino Macedo, como frequentamos um convento
que fora parcialmente destruído nos combates da Revolta Praieira, e
como admirávamos, sempre que passávamos por perto, o belo cru-
zeiro do Carmo, em sua majestade.
Há duas maneiras, no mínimo, de se entrar na História: sofrendo
o parto da História, ou em certa equidistância, estudando-a. Passei
pelos dois crivos; um, alienadamente; outro, conscientemente, o que
me devolveu ao primeiro patamar. Refiro-me à surpresa do primeiro
de abril, meu aniversário, quando fardado, em plena Rua Direita, ao
ir para o Ginásio Manoel Borba, fui rendido por um oficial do 14 RI,
de João Pessoa, cuja guarnição havia invadido a cidade, e mandado
ficar em casa (quando volto à casa, vejo que foi meu pai, soldado,

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 207-216, 2019


Josemir Camilo de Melo 215

que ficara preso com todo o destacamento, na cadeia). O meu segun-


do momento, é quando entro para o Curso de História, na Universi-
dade Católica de Pernambuco (UNICAP); sem saber, eu já tinha uma
cota de mais-valia: a vivência numa cidade histórica.
Comecei meu contato com fontes historiográficas, quando, sendo
goianense, e já aluno de História, fui convidado pelo então presiden-
te (?) do Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana,
senhor Luís Gomes (in memoriam), sabedor de que começara a cur-
sar História, me solicitou ajuda para fazer o levantamento do acervo
daquela entidade, então depositado na Igreja de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos, onde tinha sua sede. O que cumpri, regularmen-
te, morando no Recife e indo a Goiana, aos sábados. Fazia a pesquisa
e visitava amigos. Tempos depois, estas rodas de amigos, na Praça 13
de Maio, originaram um drama político, sendo vários deles presos e
eu perseguido, até minha detenção (por 2 dias) e liberação posterior
dos amigos.
No IHAGGO, então, comecei a descobrir documentos interessan-
tes que revelavam um mundo meio estranho, como, por exemplo: o
que fazendas do sertão paraibano tinham a ver com a Santa Casa de
Misericórdia de Goiana? E, aí, movido por uma curiosidade que se
anunciava crítica, copiei todas as atas da Santa Casa para, em tem-
pos posteriores, estudar este vínculo entre essa instituição religiosa e
hospitalar colonial, e a formação do latifúndio pecuário sertanejo na
Paraíba. Até hoje, as notas estão me esperando para um ensaio.
Meu interesse pela história miúda, popular, e municipal já apare-
cia no mestrado em História da UFPE, onde, realmente, me dediquei
à pesquisa revisionista. Aliás, esta foi uma classificação que me foi
outorgada pelo mestre da historiografia holandesa no Brasil, Prof.
José Antônio Gonsalves de Mello Neto, quando fui seu aluno; sorrin-
do, ele teria dito que eu era ‘rodriguesista’ (seguidor de José Honório
Rodrigues). Talvez se referisse a meu primeiro artigo “Quilombos do
Catucá”, publicado pela Revista do Arquivo Público de Pernambuco,
em 1978, produzido para a cadeira do mestre Armando Souto Maior,
tornando-me pioneiro sobre esta luta épica do povo negro, princi-
palmente dos arredores de Goiana. Era, já, uma revisão do ‘proces-
so’ histórico da resistência negra no Brasil, mas não tão revisionista
assim, pois meu artigo já apontava um certo uso da dialética, e um

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216 Discurso de posse como Associado Correspondente

direcionamento militante, bem como trazia, à tona, as lutas popula-


res, e a tática de guerrilhas, já patente nas resistências quilombolas. É
interessante frisar, aqui, um sintoma de contradição em que viviam os
historiadores, no pós-1964, é que, se o trabalho fora produzido para
a cadeira de Armando Souto Maior, o tema havia sido indicado pelo
geógrafo e historiador, Manoel Correia de Andrade, sem eu saber, no
entanto, da rivalidade, quase ideológica, entre os dois. O artigo fora,
também, saudado por Amaro Quintas, quem me colocaria a par da
contradição entre os dois intelectuais.

*
Nos meus estudos da História, havia e, sempre, há o destaque
de Goiana e dos goianenses, desde os tempo das refregas contra os
holandeses, até a luta entre os habitantes e lideranças de Vila Velha
e de Goiana, para ser cabeça de Capitania de Itamaracá, passando
por respingos similares aos da Guerra dos Mascates. Depois, a luta
pela emancipação do jugo colonialista, desde o Areópago de Itambé,
com Arruda Câmara, até 1817, e a Junta de Goiana que, em breve, vai
completar seu bicentenário, em 1821; voltariam os goianenses, de um
lado, pela Confederação do Equador, enquanto que a luta popular,
estranha às elites e até contra elas, levou Goiana ao foco do quilom-
bismo do Catucá, na figura do lendário Malunguinho e tantos outros
líderes pela liberdade e terra. Goiana tornou-se adulta nessas lutas e,
hoje, dá lição de História, embora tenha de estar atenta ao seu patri-
mônio e à sua identidade frente ao fenômeno da globalização. Salve,
Goiana, dos malunguinhos e caboclinhos, do sangue derramado em
favor da libertação do colonialismo e por sua afirmação municipal!
Salve, Goiana!

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diScurSo Proferido No iHgeS Por ocaSião
do eNcerrameNto daS comemoraçõeS do
BiceNteNário da revolução rePuBlicaNa de 1817

João Mendonça de Amorim Filho1

Ilustres Membros da Mesa a quem saúdo na pessoa do Excelentís-


simo Senhor Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espíri-
to Santo, Dr. Getúlio Marcos Pereira Neves.
Minhas Senhoras, meus Senhores.
Sinto-me honrado em comparecer nesta Sessão Solene do Instituto
Histórico e Geográfico do Espírito Santo trazendo uma palavra de
amizade do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernam-
bucano, na pessoa do seu Presidente o Prof.Dr. George Felix Cabral
de Souza, e de todos os seus associados.
Ao lembrarmos hoje o dia 12 de junho de 1817, data do martírio
do nosso herói comum, Domingos José Martins, estamos em verdade,
as duas instituições, o IHGES e o IAHGP, encerrando as celebrações
do Bicentenário da Revolução Republicana de 1817. Nada melhor
que tal ocorra na terra do grande herói capixaba.
Incumbiu-me o Prof. Dr. George Cabral de dizer o seguinte:
O bicentenário de 1817 ensejou uma série de revisitas e releituras
ao movimento republicano iniciado no Recife em 6 de março, re-
sultando no lançamento de diversos produtos culturais em variadas
linguagens: publicações, exposições, música, cinema e teatro, entre
outras. O IAHGP realizou um grande esforço para congregar apoios
e cumprir um de seus mais caros objetivos: a rememoração e divul-
gação desses fatos de 1817, que são também capítulos importantes
da História do Brasil.
Em 6 de março de 1817 eclodiu no Recife, Pernambuco, uma revo-
lução republicana. Este movimento é um dos capítulos mais importan-
tes da história do Brasil. Além de Pernambuco, da Nova República fize-
ram parte também a Paraíba, o Rio Grande do Norte e parte do Ceará.

1 Sócio efetivo do IAHGP. Advogado.


218 João Mendonça de Amorim Filho

A Revolução Republicana de 1817 se destaca não só por ter sido


o primeiro movimento efetivo no sentido da independência do Brasil,
mas também por que foi a única insurreição anticolonial que con-
seguiu tomar o poder em toda história da monarquia portuguesa. O
novo País foi soberano durante 74 dias.
A Província de Pernambuco, por aquela época, se encontrava pe-
sadamente sobrecarregada de tributos. Boa parte do que se arrecada-
va no porto do Recife era transferido para cobrir os custos crescentes
da corte do rei Dom João VI, que havia se instalado no Rio de Janeiro
desde 1808. A monarquia absolutista era o alvo das críticas dos pen-
sadores iluministas.
As ideias libertárias da época já haviam detonado movimentos como
a independência dos EUA, a Revolução Francesa e a Revolução do Haiti,
todos com profundo impacto no cenário político do Novo Mundo.
Em Pernambuco, estas ideias chegavam com os estudantes univer-
sitários que retornavam da Europa ou em publicações que circulavam
clandestinamente. As Lojas Maçônicas funcionavam como difusoras
do ideário iluminista. O Areópago de Itambé e as Academias do Pa-
raíso e do Cabo eram alguns destes locais de reuniões secretas onde
se conspirava pela liberdade.
O movimento contava com articulações em diversas Províncias do
Brasil, inclusive na Bahia e no Rio de Janeiro, e também tinha conexões
com a Maçonaria na Grã-Bretanha, Portugal e França. Os planos vinham
sendo preparados há tempos e apontavam para um levantamento con-
junto a ser deflagrado na Semana Santa de 1817. Mas o início da insur-
gência foi precipitado por acontecimentos ocorridos no Recife.
O governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, após rece-
ber várias denúncias, resolveu decretar a prisão de alguns dos civis,
militares e clérigos apontados como cabeças da Revolução. Entre eles
podemos destacar Domingos José Martins, o Padre João Ribeiro Pes-
soa de Melo e os militares Domingos Teotônio Jorge e José de Barros
Lima, este conhecido por “Leão Coroado”.
No momento da prisão do Leão Coroado, no Quartel de Artilharia,
ele reagiu à ordem e matou o seu comandante, o Brigadeiro Barbosa.
Os militares então deixaram o quartel, libertaram os presos da Cadeia
Pública e no Forte das Cinco Pontas e saíram no encalço do Gover-
nador que se refugiou no Forte do Brum.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 217-221, 2019


Discurso proferido no IHGES por ocasião do encerramento das comemorações do
bicentenário da REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 1817
219

No dia 7 de março formou-se um Governo Provisório composto


por cinco representantes dos diversos setores da sociedade local:
Domingos José Martins (Comércio), Domingos Teotônio Jorge (Mili-
tares), Padre João Ribeiro (Clero), José Luís de Mendonça (Magistra-
tura) e Manuel Correia de Araújo (Agricultura). O Governo Provisório
tomou várias providências legais para garantir os direitos da cidada-
nia e as liberdades individuais. Enquanto não fosse possível reunir
uma Assembleia Constituinte, a República seria regida por uma Lei
Orgânica com 28 artigos. Essa lei definia os princípios básicos do
funcionamento do governo e dava, entre outras coisas, garantias da
liberdade de imprensa e de religião. A Nova República aboliu o uso
do pronome de tratamento “vossa mercê”, estabelecendo que os cida-
dãos devessem se tratar por “vós” ou por “patriota”. Os revolucioná-
rios de 1817 desejavam ainda abolir a escravidão gradualmente, uma
precaução necessária para um movimento que dependia do apoio de
grandes proprietários de escravizados.
O Governo Provisório enviou para os Estados Unidos um repre-
sentante diplomático, Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá. A mis-
são de Cruz Cabugá era adquirir armamentos e embarcações, recrutar
oficiais militares para comandar as tropas republicanas e conseguir
apoio do governo norte-americano. Num segundo momento, trataria
de encontrar meios para resgatar Napoleão Bonaparte do exílio na
distante ilha de Santa Helena. Os primeiros objetivos foram alcança-
dos, embora ao chegarem a Pernambuco, os reforços enviados por
Cabugá já encontraram a República derrotada.
Outra providência foi a criação de uma bandeira para o novo País.
Ela era composta por um fundo azul e branco. Sobre a faixa azul,
figuravam um arco-íris, símbolo da união, três estrelas representando
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte e o sol da liberdade. So-
bre a faixa branca, uma cruz vermelha relembrava o primeiro nome
de nossa terra: Santa Cruz.
Em 1917, no centenário, por sugestão do Instituto Arqueoló-
gico, Histórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP, a bandeira
revolucionária de 1817 foi adotada como bandeira do Estado de
Pernambuco, mediante Decreto do então Governador Manuel Bor-
ba, com uma pequena alteração, mantendo-se apenas uma das
três estrelas originais.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 217-221, 2019


220 João Mendonça de Amorim Filho

As falhas na organização da defesa militar do território e as pró-


prias contradições internas da Revolução, especialmente no que dizia
respeito ao destino das populações escravas, facilitaram a repressão
do movimento. Tropas oriundas por terra da Bahia e embarcações
enviadas do Rio de Janeiro bloquearam o Recife. A falta de alimentos
e os seguidos fracassos nos combates feriram de morte a Revolução.
No dia 19 de maio as forças realistas entraram no Recife. O Governo
Provisório dispersou-se. Os líderes e os participantes da Revolução
foram aprisionados. Os principais chefes foram executados com re-
quintes de crueldade no Recife e em Salvador. Quase todas as famí-
lias pernambucanas entraram em luto pela perda de entes queridos.
Os ideais de liberdade, da ética e a defesa dos direitos do cidadão
propugnados pelos revolucionários de 1817 continuam hoje vivos e
mais do que nunca são necessários.
Celebrar o Bicentenário da Revolução de 1817 é também relem-
brar a importância destes valores para os nossos dias.
Conhecer nossa História é essencial para a compreensão dos pro-
blemas atuais e para a construção de uma Nação melhor. Para tanto
é necessário conhecer o desejo que moveu esses líderes revolucioná-
rios a darem suas próprias vidas na luta pelos seus ideais.
Muito foi feito, mas ainda há muito a fazer para retirar dos escom-
bros do silêncio a memória daquele que foi o primeiro movimento
anticolonial a conseguir tomar de fato o poder em toda história da
monarquia portuguesa. No momento em que a conjuntura atlântica
se mostrava favorável à ruptura dos laços políticos dos povos do
Novo Mundo com a velha Europa absolutista, a Revolução Republi-
cana de 1817 apresentou ao Brasil o mais vanguardista projeto de
Nação, com chances reais de se concretizar.
Do Espírito Santo saiu um dos mais importantes líderes do movimento.
Domingos José Martins foi o grande articulador que permitiu que
fossem estabelecidas conexões entre as Lojas Maçônicas de Londres,
de Lisboa e do Brasil. No Recife, conseguiu congregar todos os que
ansiavam pela liberdade e pela construção de uma Nação mais justa
e progressista. Martins esteve presente em todos os lances cruciais do
movimento. Como vimos, integrou o Governo Provisório represen-
tando o comércio. Não hesitou em ir para o front combater as tropas
realistas enviadas da Bahia.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 217-221, 2019


Discurso proferido no IHGES por ocasião do encerramento das comemorações do
bicentenário da REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 1817
221

Sem experiência militar, acabou sendo aprisionado e levado para


Salvador. Após um julgamento sumário, foi fuzilado no Campo da
Pólvora, em 12 de junho de 1817, juntamente com o advogado José
Luiz de Mendonça e o Padre Miguelinho, no mesmo local onde tam-
bém já havia sido executado o Padre Roma em 29 de março do
citado ano. Foi exatamente para exaltar este herói brasileiro que Car-
los Xavier Paes Barreto, como bem sabem os senhores, fundou este
valoroso Instituto Histórico às vésperas do centenário da Revolução
Republicana, na data do seu holocausto.
Lançar um olhar contemporâneo sobre o movimento revolucio-
nário, manter viva sua memória e, sobretudo, divulgar entre os per-
nambucanos e capixabas em particular. e os brasileiros enfim, a sua
História, são algumas das razões para celebrar 1817 e por isso nos
juntamos àqueles que desde o século XIX vêm pelejando pelo seu
devido reconhecimento.
1817 não foi um levante contra a “derrama”, contra a cobrança
de impostos, tão somente. 1817 tinha conteúdo ideológico e político
bem definidos: era o sonho republicano e democrático contra a mo-
narquia absolutista.
A amizade e a colaboração entre instituições como o IAHGP e o
IHGES são essenciais para alcançarmos este objetivo. Sigamos em
frente na preservação e na divulgação de nossa História, pois só
conhecendo o nosso passado seremos capazes de atuar criticamente
sobre o nosso presente e construirmos uma Nação mais justa.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 217-221, 2019


diScurSo ProNuNciado Na SeSSão magNa
do iNStituto arqueológico, HiStórico e
geográfico PerNamBucaNo,
em 28 de jaNeiro de 20191

Ricardo Leitão2

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Associados.


Em 28 de janeiro de 1862, há 167 anos, era fundado o Instituto Ar-
queológico, Histórico e Geográfico. É o IAHGP o Instituto Histórico
estadual mais antigo do País, só superado, no plano nacional, pelo
instituto histórico e Geográfico Brasileiro.
O dia da sua fundação, a Data Magna, resulta de uma inspirada
escolha. Foi em 28 de janeiro de 1654, há 356 anos, que os pernam-
bucanos comemoraram, nas ruas do Recife, a vitória sobre as tropas
holandesas, derrotadas nas decisivas batalhas dos Guararapes.
A sessão solene que hoje reúne o Colegiado do IAHGP tem, por-
tanto, profundo significado: marca mais um ano de existência desta
instituição que ruma para o bicentenário e, rememora, ao mesmo
tempo, um heroico passado de lutas libertárias.
Maior honra, constitui para nós, Ricardo Melo e eu, nesta efe-
méride, sermos integrados, como Sócios Honorários, ao Colegiado
do IAHGP, por indicação de sua Diretoria e aprovação de seus
Associados.
O ano de 2019 começa com desafios renovados e ampliados,
especialmente para nós, jornalistas, profissionais da comunicação
social, inseridos – como todos que aqui se encontram – em um
mundo no qual o conceito de verdade vem dia a dia sendo revisto.
Sobre o valor da verdade, Hannah Arendt escreveu no ensaio “A

1 Texto lido na ocasião pelo jornalista Ricardo Melo, Associado Honorário do IAHGP e
Diretor Editorial da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).
2 Jornalista. Associado Honorário do IAHGP. Presidente da Companhia Editora de Per-
nambuco (Cepe).
224 Ricardo Leitão

mentira na política” que “o historiador sabe o quão frágil é a tessitura


dos fatos no cotidiano em que vivemos”.
A verdade, de acordo com a filósofa, “está sempre correndo o
risco de ser perfurada por uma única mentira ou despedaçada pela
mentira organizada de grupos, países ou classes, ou negada e distor-
cida, muitas vezes cuidadosamente acobertada por calhamaços de
mentiras, ou simplesmente autorizada a cair no esquecimento. Fatos
necessitam de testemunhos para serem lembrados, e de testemunhas
confiáveis para serem oficializados, de modo a encontrar um lugar
seguro para habitar o domínio dos interesses humanos”.
É importante ressaltar que estas palavras foram escritas em 1971,
mas que, espantosamente, soam como uma oportuna reflexão para os
dias atuais, dias de pós-verdades. Nem o mais criativo dos ficcionistas
poderia imaginar que estaríamos diante de uma rede tão intrincada
e volumosa de produção de notícias falsas, as chamadas fake news.
O descaso pelos fatos não se limita ao noticiário do dia a dia, mas
alcança em escala mundial e em proporções industriais os campos
da ciência e da história, através das redes e bolhas sociais. Estamos
diante de um imprevisível mundo novo, fugaz e inconsequente, que
implode reputações e embaralha episódios históricos.
Refletir sobre este novo mundo é uma sugestão que fazemos ao
Colegiado do IAHGP, certos de seus efeitos na vida dos pernambuca-
nos. É a História que está sendo vivida, e já mobiliza instituições de
pesquisa e governos em todos os continentes.
Refletir e provocar a reflexão é um dos papéis desta instituição,
pioneira na sistematização de estudos sobre a história de Pernambu-
co e seus vizinhos do Nordeste. É de sua responsabilidade estimular
a pesquisa e a análise de momentos singulares e marcantes como
o que no dia de hoje nos remete para o intervalo de um quarto de
século em que estivemos sob ocupação estrangeira, só encerrada ao
preço de muita luta e de violentos confrontos.
Ainda com o intuito de celebrar, lembramos que em 2019 haveremos
de registrar os exatos 160 anos da passagem do Imperador Dom Pedro
II pela capital e outras cidades do interior da então província pernambu-
cana, como parte do roteiro de visitas a outras províncias do Norte. Mas
por que lembrar dessa ilustre figura aqui nesta Casa e neste momento?
A visita da família imperial em 1859, cuja estratégia visava ao fortale-

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 223-228, 2019


Discurso pronunciado na sessão magna do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano,em 28 de janeiro de 2019 225

cimento da monarquia e à preservação da unidade nacional, não só fi-


cou marcada em nome de ruas e logradouros da capital pernambucana,
mas teve outras implicações. Procede a informação de que a presença
de Pedro II no Recife foi um dos estímulos à criação deste Instituto.
Sua erudição e curiosidade sobre registros históricos e científicos
era fato conhecido, reconhecido e comentado, e como era de se
esperar, foi o imperador lembrado na edição comemorativa dos 150
anos desta Instituição.
A Breve história ilustrada do IAHGP anota que Pedro II revelou,
em seu diário, sua decepção com a “ignorância” dos pernambucanos
em geral sobre a história gloriosa da província naquela época.
As frustradas tentativas de Pedro II de levantar informações satis-
fatórias sobre o período da ocupação holandesa o levou a sugerir a
criação de uma instituição nos moldes do Instituto Histórico e Geo-
gráfico Brasileiro, recomendação potencializada pelos esforços da
intelectualidade local que já vinha defendendo tal ideia desde 1837.
Era necessário tornar realidade o que já era aspiração de muitos que
aqui se preocupavam com a dispersão ou mesmo desaparecimento
de objetos e papéis importantes, registros valiosos de nossa história.
O papel desempenhado pela imprensa foi fundamental nesse proces-
so, em especial a cobertura de jornais como o Diario de Pernambuco e
o extinto Jornal do Recife. O movimento pela criação de uma sociedade
com objetivo de escrever uma história “propriamente nossa, propria-
mente pernambucana” tomou conta da opinião pública e culminou na
criação da Sociedade Arqueológica Pernambucana, em janeiro de 1862.
Entre seus 27 fundadores, registre-se a figura ilustre de Francisco
Muniz Tavares, que viria a assumir, em agosto do mesmo ano, a pre-
sidência da instituição, já com o nome alterado para Instituto Arqueo-
lógico e Geográfico Pernambucano.
Muniz Tavares foi autor da “História da Revolução de Pernam-
buco em 1817”, da qual foi personagem e testemunha. O livro se
mantém como uma das principais referências para historiadores, lei-
tura indispensável para compreensão daquele movimento. A quinta
edição dessa importante obra consolidou a parceria entre o Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e a Companhia
Editora de Pernambuco - Cepe.
A “História” de Muniz Tavares foi uma das sete publicações lança-

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 223-228, 2019


226 Ricardo Leitão

das pela Cepe, durante o ano de 2017, como parte das comemorações
dos 200 anos da Revolução Republicana de 1817, trabalho coordenado
pela Comissão do Bicentenário, com a participação do Governo do
Estado e instituições representativas da cultura e da memória pernam-
bucana. Assim, a chamada “Revolução das Revoluções”, movimento
antecipador da Independência, em 1822, ganhou novas interpretações
com a valiosa contribuição de associados deste Instituto.
Foi, igualmente, a relação cooperativa com o IAHGP que possi-
bilitou à Cepe, em 50 anos de existência – completados em 2017 –
lançar cerca de 200 livros sobre a História de Pernambuco – temática
que lhe é especialmente cara. O último deles, a reedição do clássico
de Gaspar Barléu, “História do Brasil sob o governo de Maurício de
Nassau”, cuja primeira edição é de 1647.
Agradecemos o gesto de todos e, de modo especial, ao Presidente
George Cabral, cuja brilhante gestão se conclui neste ano. Foi ele o
tecelão dos firmes laços que estreitam a relação entre o IAHGP e a
Cepe, empresa pública que dirigimos.
Temos certeza que essa parceria só irá crescer na presidência do
advogado Sílvio Tavares de Amorim, a quem saudamos nesta soleni-
dade. Estendemos nossas saudações aos atuais associados e damos
boas- vindas aos que hoje tomam posse.

****
A segunda questão, que pedimos licença para encaminhar, é uma
avaliação sobre os destinos históricos do Brasil. Não se trata de pro-
posição de um debate partidário. O IAHGP nunca foi um fórum para
tal tipo de discussão. E sim o reconhecimento de que o País inicia, em
2019, uma nova era, liderada por um governo liberal na economia,
conservador nos costumes e populista na política. Uma mistura inédita.
Qual o destino histórico que nos aguarda e aguarda as próximas
gerações de brasileiros e pernambucanos? As turbulências recentes
na política e na economia ainda são motivos de apreensão para todos
nós. A crise fiscal e a polarização partidária perduram.
Perigosamente, reitera-se que, caso a pacificação não seja logo al-
cançada, a democracia – pela qual tantos lutaram – estaria ameaçada.
Para evitar tamanho retrocesso, o poder da maioria teria então de
ser imposto, ao custo do sacrifício e sufocamento dos que compõem

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 223-228, 2019


Discurso pronunciado na sessão magna do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano,em 28 de janeiro de 2019 227

a minoria? Nossa resposta é não.


Sistemas políticos que dessa forma governam não são democrá-
ticos. A democracia não se limita à escolha, por voto livre e secreto,
de governantes. Também é o exercício da tolerância, do diálogo, do
respeito às diferenças e às minorias.
Na democracia, prevalece a escolha da maioria, o que não signi-
fica silenciar ou censurar a oposição, impedindo-a de se manifestar,
se organizar, apontar desvios e arbitrariedades. Ao contrário, deve
estimulá-la a se pronunciar.
Na democracia, a minoria também deve ser protagonista no pro-
cesso decisório, contribuindo para que, nas deliberações do Poder,
estejam presentes os direitos de todos, majoritários e minoritários. Di-
reitos previstos na Constituição brasileira, que no ano passado com-
pletou 30 anos de promulgação.
Ingressamos em 2019 vivendo em um País democrático. Chega-
remos ao final de 2019 vivendo em um País democrático? Em boa
parte, depende de cada um de nós. Maiorias são provisórias, mesmo
as inicialmente assentadas em milhões de votos. Da mesma forma,
as minorias, que podem ascender, até com rapidez, de acordo com
os acontecimentos. Não faltam inversões dessa natureza nos relatos
históricos, antigos e recentes.
É preciso ter coragem, determinação e unidade para defender
permanências e mudanças, dentro dos limites democráticos, em con-
juntura tão atribulada quanto a brasileira.
Ao longo de sua História de 500 anos, os pernambucanos – mes-
mo quando forçados a recorrer às armas – sempre souberam de-
fender suas posições. Bastam 1817 e 1824 para comprovar. Hoje as
armas são as da democracia: a proposta, o argumento, o voto livre e
secreto, o governo para todos.
Isso também foi provado na vitória sobre o invasor holandês. Con-
tradições dividiam os interesses dos brasileiros, portugueses, escra-
vos e índios que se uniram contra os flamengos. Contudo, eles foram
capazes de lutar e vencer o inimigo comum.
Este é o espírito – o espírito coletivo das grandes causas – que
torna tão glorioso o nosso passado e dá o norte do nosso futuro. As-
sim registram os documentos guardados pelo Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico Pernambucano. Assim serão os registros dos

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 223-228, 2019


228 Ricardo Leitão

anos à frente.
Honrados com nossa incorporação ao Colegiado do IAHGP, agra-
decemos a todos pela atenção.

Muito obrigado.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 223-228, 2019


diScurSo Proferido Na SeSSão magNa do
iaHgP de 2019

George F. Cabral de Souza1

Há exatos 157 anos, um pequeno grupo de 27 sócios fundadores,


reunidos pelos cinco senhores representados na principal tela expos-
ta neste auditório, deu início às atividades da Sociedade Arqueológi-
ca Pernambucana. Sua primeira reunião foi realizada na biblioteca do
Convento de Nossa Senhora do Carmo do Recife. Era uma ensolarada
manhã de sábado e diante da portaria do convento, uma guarda do
batalhão de linha fazia as honras ao ato e uma banda de música exe-
cutou o hino nacional quando foi declarada instalada a sociedade.
A fundação de uma associação cultural voltada para o cultivo da
história de Pernambuco havia muito era reclamada pelas cabeças
pensantes da província e se tornou mais necessária quando se perce-
beu que a história oficial ditada pelos cronistas da corte carioca rele-
gava Pernambuco a um papel secundário e essencialmente negativo,
mormente em decorrência de seus movimentos de contestação aos
poderes centrais e à própria monarquia.
A data escolhida para a fundação do sodalício remete ao dia da
entrada triunfal das tropas luso-brasileiras no Recife, após a oficiali-
zação da rendição das forças mercenárias da Companhia Holandesa
das Índias Ocidentais. Não obstante, a preocupação com a memória
das revoluções pernambucanas, especialmente a de 1817, era um
dos principais esteios da nova instituição. Mas como exaltar uma
revolução republicana dentro de um regime monárquico? Certamen-
te a prudência determinou que tenha sido a guerra da restauração
o mote para a fundação do grêmio, mas a escolha do Monsenhor
Muniz Tavares como primeiro presidente estatutário do Instituto Ar-
queológico não deixa margem a dúvidas: era a memória dos mártires
republicanos de 1817 o que cabia com urgência defender. Muniz

1 Presidente do IAHGP. Professor da UFPE. Sócio Correspondente do IHGB.


230 George F. Cabral de Souza

Tavares, vale ressaltar, participou do movimento e foi seu primeiro


historiador, publicando em 1840 a sua História da Revolução de Per-
nambuco em 1817. Ele ocupou a presidência do Instituto Arqueoló-
gico até a sua morte em 1875.
Desde então, contra vento e procela, o Instituto Arqueológico vem
se esforçando para cumprir seus objetivos fundacionais. As dificul-
dades são imensas, mas a responsabilidade deste mister fortalece o
ânimo de todos os que se aproximam desta casa. Há 157 anos somos
os guardiães das mais preciosas relíquias da história de Pernambu-
co e durante todo esse tempo, temos nos empenhado em tornar o
passado de nossa terra mais conhecido e admirado pelos próprios
pernambucanos, e mais respeitado pelos brasileiros.
As concepções historiográficas mudaram ao longo de nossa mais
que sesquicentenária existência, mas o senso de responsabilidade
social dessa casa não. Temos bastante claro que nossa função é a de
disseminar conhecimento. E é por isso que não poupamos esforços
para que o acervo conservado nesta instituição seja cada dia mais
acessível ao público – seja aos pesquisadores especializados, seja ao
visitante que percorre as salas de nosso museu, e que descobre ma-
ravilhado as preciosidades históricas aqui expostas.
Não poderíamos, entretanto, enfrentar esta tarefa sem o apoio dos
nossos associados e das instituições parceiras. Gostaríamos de des-
tacar o constante suporte oferecido pela Companhia Editora de Per-
nambuco para a impressão regular de nossa revista, além de outras
muitas ações; do Museu da Cidade do Recife, com quem temos rea-
lizado importantes iniciativas culturais; Agradecemos ao Governo do
Estado de Pernambuco, que mediante a Fundarpe tem dado suporte
às iniciativas para a celebração e divulgação do ciclo dos bicentená-
rios iniciado em 2017; nessa mesma seara, a Grande Loja Maçônica
de Pernambuco também têm apoiado iniciativas que se espraiam
por todo o estado. Somos gratos à Academia Pernambucana de Le-
tras pelo intercâmbio cultural que tem permitido aprimorar a nossa
prestação de serviço aos pernambucanos. Registramos nossa gratidão
ao Ministério Público de Pernambuco, sempre disposto a colaborar
com o que é possível para o bom funcionamento do Arqueológico.
Agradecemos também a Smart Networks, que nos permite dispor de
conexão de internet via fibra ótica.

Revista do IAHGP, Recife, n. 70, pp. 229-232, 2017


Discurso proferido na sessão magna do IAHGP de 2019 231

Os novos associados que hoje recebemos, estão desde já convo-


cados a somar esforços para que possamos ampliar a nossa atuação
e fortalecer nossa instituição no cumprimento de nossas tarefas. O
diploma que hoje vos foi entregue é um título de reconhecimento de
vossos méritos, mas é também, sobremaneira, um convite ao traba-
lho. Nossa messe é grande, e os trabalhadores são poucos.
Nessa noite, homenageamos também o empresário Ricardo Bren-
nand, cujo amor pela história se materializou na construção e ma-
nutenção de um dos mais importantes museus da América Latina
na atualidade, o instituto que leva o seu nome e se situa na Várzea,
como é sobejamente conhecido de todos. Oxalá possa o seu exem-
plo ser seguido, e que surjam novos mecenas em Pernambuco para
amparar as artes e a cultura de nossa terra.
O IAHGP encerra hoje o ciclo do biênio 2017-2019. A atual gestão
termina e uma nova Diretoria assumirá as funções nos próximos dias.
Procuramos nos últimos dois anos concentrar nossos esforços na ce-
lebração e divulgação do bicentenário da Revolução Pernambucana
de 1817. Com esse fito realizamos numerosos eventos no Recife e em
outras cidades do Estado, procurando levar aos pernambucanos a
importância da reflexão crítica sobre os fatos ocorridos aqui naque-
le que foi o verdadeiro movimento precursor da independência do
Brasil. Nossos associados se desdobraram para atender os chamados
de várias instituições, ministrando palestras, produzindo textos e par-
ticipando da produção de material audiovisual. Procuramos trazer o
público para o interior de nossa casa, mas também nos esforçamos
em romper as quatro paredes que nos cercam, buscando ofertar aos
brasileiros, especialmente os mais jovens, o conhecimento sobre a
vanguarda do pensamento político pernambucano no início do sécu-
lo XIX, vanguarda de pensamento e de ação.
Tudo feito com o senso de responsabilidade de quem reconhece
o papel da educação e do pensamento crítico na construção de uma
nação melhor, mais democrática, mais justa e com menos desigual-
dades. Aliás, não posso deixar de ressaltar a importância da ação
educativa das mulheres e homens de pensamento pois o mundo vive
um momento crucial. Os mesmos meios tecnológicos que nos permi-
tem ampliar exponencialmente a difusão de conhecimento têm sido
usados maciçamente para propalar a desinformação e a mentira, e

Revista do IAHGP, Recife, n. 70, pp. 229-232, 2017


232 George F. Cabral de Souza

lamentavelmente a História tem sido vítima constante e preferencial.


As tentativas de ocultar os efeitos nefastos de quase 400 anos de es-
cravidão negra no Brasil, por exemplo, são uma mostra destas ações
de desinformação.
Cabe às instituições culturais como os institutos históricos, onde se
reúnem homens e mulheres de pensamento, à margem das disputas
políticas e partidárias e dispostos a somar esforços pela educação,
combater a desinformação histórica com um trabalho sério de difu-
são de saberes empiricamente construídos.
Concluo minha breve intervenção reafirmando meus agradeci-
mentos a todos que apoiaram a gestão que se conclui e desejando
muito êxito ao presidente vindouro, o confrade Silvio Amorim e a
todos os que comporão a nova Diretoria.
Sigamos juntos! Viva a História! Viva a República! Viva a Democra-
cia! Viva Pernambuco!

Revista do IAHGP, Recife, n. 70, pp. 229-232, 2017


As “notAs históricAs e curiosAs”
de sAlvAdor henrique de Albuquerque
3ª Parte

Tácito Luiz Cordeiro Galvão1

Resumo: Continuação da transcrição das Notas Históricas e curiosas


referentes aos séculos 16º, 17º e 18º contendo assentos de batizados, de
casamentos, de óbitos, testamento, escrituras, cartas de sesmarias, doa-
ções e outros escritos, que se achavam dispersos em fragmentos quasi
destruídos e ininlegíveis; os quais vão aqui copiados, para se conservar
a memória do que elas continhão. A compilação é atribuída ao sócio
fundador Professor e Major Salvador Henrique de Albuquerque, Se-
cretário Perpétuo do Arqueológico. A seguir, daremos continuidade às
transcrições dos documentos restantes do códice em pauta.

Palavra-chave: Pernambuco. História. Testamento. Escritura.

The “Historical and Curious Notes” of Salvador Henrique de


Albuquerque
Part III

Abstract: Second part of the transcription of the codex entitled Histo-


rical and Curious Notes referring to the 16th, 17th and 18th centuries
containing seats of baptisms, marriages, deaths, testaments, deeds,
letters of sesmarias, donations and other writings, which were found
scattered in almost destroyed and unreadable fragments; which are
copied here, in order to preserve the memory of what they contain.
The compilation is attributed to the founding partner Professor Sal-
vador Henrique de Albuquerque, who was Perpetual Secretary of the
IAHGP. We will then continue the transcripts of the remaining docu-
ments of the codex listed.

Keywords: Pernambuco, History. Ecclesiastical seat.

1 Associado Benemérito e Diretor de Patrimônio do IAHGP.


234 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

“Cópia de Apontamentos Históricos”

“201. Nota Curiosa. Na Provedoria de Olinda existe o testamento


com que falleceu o Coronel João Ferreira Baptista aos 15 dias do
mez de dezembro de 1728 datado e feito na Cidade da Parahiba,
donde era morador o dito Coronel testador, o qual fora cazado tres
vezes tendo filhos do 1º e 2º matrimonio e nenhum do 3º e para es-
clarecimento deste ultimo matrimonio transcrevo a seguinte verba.
Declaro que sou cazado 3° vez com D. Joanna Baptista Acyoli, filha
legitima do Alcaide mor Gaspar Acyoli de Vasconsellos, e de sua
mulher D. Joanna Fernandes Vieira, que cazei por carta de ametade
e me prometerão quarenta mil cruzados, 16:000$000 de dote por
um papel assignado por seu pai e sua mai, o qual se acha no car-
tório Eclesiastico da Cidade de Olinda, de uma demanda que puz
ao testamenteiro de Salvador Curado, e no inventario que se conti-
nuou nesta Cidade perante o Dr. Ouvidor Geral, de minha sogra D.
Joanna Fernandez Vieira assim o declara o inventariante meu sogro
o Alcaide mor Gaspar Acyoli de Vasconcellos; e por conta dos ditos
quarenta mil cruzados só me tem dado o casco do Molinote invo-
cação N. Senhora da Agoa de Lupe, em doze mil e quinhentos cru-
zados (5.000$000) o qual Molinote reedifiquei de todo o necessário
por estar de fogo morto; e estando assim de posse delle reedificado,
moente e corrente.” (p. 135-136)
“202. Nota curiosa. D. Antonia Francisca Xavier, fez testamento em
5 de fevereiro de 1781, com as seguintes declarações: Que era natural
da Freguezia da Varzea, e filha legitima de Mariano de Almeida Go-
vêae de sua mulher D. Maria Izabel. Que havia sido casada com Ba-
silio Rodrigues Seixas Junior, de cujo matrimonio tivera onze filhos,
dos quaes são vivos os seguintes:

1 D. Antonia Maria de Jesus, casada.


2 Jose Rodrigues Seixas, solteiro.
3 Joaquim Rodrigues Seixas, casado.
4 João da Rocha Mata, solteiro.
5 Patricio Jose de Almeida Govêa, solteiro.
6 D. Maria de Jesus, casada.
7 Estolano Severo Rodrigues, solteiro.” (p.136-137 )

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 235

“203.Livro de baptisados da Freguesia da Luz. Afolhas 45v. Ao 1º


de Novembro de 1711 nesta matrizde N. S. da Luz baptisei e puz
os santos óleos a Francisco, filho legitimo de Diogo Velho Cardoso
e de sua mulher Anacleta Soares. Forão padrinhos o Capitão João
Rodrigues de Sá e sua mulher D. Jacinta Velho Romeira, todos desta
Freguesia de que para constar fiz este assento em que assignei. O
quadjuctor Thomaz Simões.” (p. 137 )
“204. Nota curiosa. O Capitão Diogo Soares de Albuquerque, foi
casado com D. Catharina Bezerra, filha de Pedro da Cunha Pereira e
de sua mulher D. Catharina Bezerra de Andrada. Este Capitão Dio-
go Soares d’Albuquerque, foi filho do Capitão mor Fernando Soares
da Cunha e de sua mulher D. Brites Manely. O dito Capitão Diogo
Soares de Albuquerque foi neto por parte paterna de Diogo Soares
da Cunha, e de sua mulher D. Izabel de Albuquerque, e por esta
Senhora era o mesmo Diogo Soares de Albuquerque segundo neto
de Fernando Soares e de sua mulher D. Catharina d’Albuquerque, a
qual era filha de Gonçalo Mendes Leitão e de sua mulher D. Anto-
nia de Albuquerque, filha esta do primeiro Albuquerque, que veio a
Pernambuco e delle foi Governador Jeronimo de Albuquerque por
autonomasiao torto e de D. Maria do Espirito Santo Arco Verde que
tão celebre e conhecida é na nossa historia dos primeiros tempos da
povoação do Brasil.” (p. 137-138)
“205. Verba do testamentocom que falleceo em Dezembro do
anno de 1679 o Mestre de Campo João Soares de Albuquerque, se-
nhor do Engenho Muribeca. Declaro que minha irmã D. Izabel de
Albuquerque, foi casada com Diogo Soares da Cunha, pai do Capitão
mor Fernão Soares da Cunha, a qual minha irmã levou em dote vinte
mil cruzados (8:000$000), dos quaes foi paga e satisfeita a contendo
do dito seu marido, e por morte de meu pai Fernão Soares, sendo
citado o dito Diogo Soares da Cunha, marido da dita minha irmã,
para ver a partilha, respondeu que não queria mais cousa alguma do
casal, mas que ficar-se com os seus vinte mil cruzados(8:000$000),
que tinha levado em dote, e se o dito meu sobrinho o Capitão mor
Fernão Soares da Cunha quizer alguma cousa da fazenda que ficou
por morte de minha Mãe D Catharina de Albuquerque, meus herdei-
ros o farão repor primeiro os ditos vinte mil cruzados, que o dito seu
pai Diogo Soares da Cunha levou em dote com minha irmã D. Izabel

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


236 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

de Albuquerque. Declaro que a Leonor Nunes, moça assistente em


casa de minha irmã D. Maria, meus testamenteiros lhe dêem 200$000
de minha fazenda que lhe devo porque mos mandou seu pai Manoel
Nunes Leitão, para seu casamento, e eu lhas não tenho dado até ago-
ra.” (p.138-139 )
“206. Nota curiosa”. Na pauta esquerda: ”Repetição por engano. Ve-
ja-se n° 180, pag 1142. O capitão Francisco Paes Tavares e sua mulher
D. Luiza de Vasconsellos forão paes de Nicolao Tavares de Mello que
casou com D. Thereza Maria de Jesus, filha do Capitão Manoel Pereira
Calheiros de Abreu e de sua mulher Luisa Soares de Mattos. Assento
do casamento de Nicolao Tavares de Mello. A 22 de Fevereiro de 1765
lancado no respectivo livro da Freguesia de Itamaracá.” (p.139)
“207. Thomé de Freitas Barbosa, filho de Manoel da Costa Pereira e
de sua mulher Thereza Maria de Jesus casou com D. Rozaura Tavares de
Vasconsellos, filha de Francisco Alvares de Vasconsellos e de sua mulher
D. Thereza Tavares de Mello – assento de casamento em 1º de março de
1751. A folhas 56 do livro da Freguesia de Itamaracá. Livro da Freguesia
de Itamaracá afolhas 56. Ao 1° dia do mez de março de 1751 nesta ma-
triz de tarde se receberão em facie da Igreja por marido e mulher com
banhos corridos sem impedimento em minha presença e de duas teste-
munhas abaixo assignadas. Thomé de Freitas Barboza, filho de Manoel
da Costa Pereira e de sua mulher Thereza Maria de Jesus e D. Rozaura
Tavares de Vasconsellos, filha de Francisco Alvares de Vasconsellos e de
sua mulher D. Thereza Tavares de Mello já defuntos ambos moradores e
naturaes desta Ilha de Itamaracá e receberão as bençaos nupciaes em 29
do mês de abril do dito anno tudo na forma do sgrado Consilio Triden-
tino por palavras de presente, de que fizeste assento, dia e era supra. O
vigário Francisco Luiz Nogueira Simão Alvares de Vasconsellos Rainal-
do Alvares de Vasconsellos’’. “Copia de uma petição de D. Maria Elena
Pessoa de Mello, ao Dr Juiz de Direito do Civil desta cidade do Recife,
pedindo para qualquer Tabelião, a quem fosse apresentada a Escriptura
de inventario do Engenho S. Pantalião do Monteiro, lhe certificar o seu
theor como abaixo se declara.” (p. 139-140)

2 Na verdade não há repetição do registro verbo ad verbum, pois o registro citado n° 180, é
muito mais completo do que este e não se refere a Nicolau Tavares de Mello, e sim, a seu
irmão Capitão João Tavares de Mello. Ao invés da mensagem de alerta “Repetição por en-
gano. Veja-se n° 180, pag 114”, é correto “Veja-se n° 071, pág. 48-50; e n° 075, pág. 57-58.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 237

“208. Diz D. Maria Elena Pessoa de Mello, que para bem de seu
direito precisa que qualquer tabelião a quem aprezentar a escriptura
de venda que fez Manoel Vas, a Jorge Camello do Engenho Monteiro,
da invocação, San Pantaleão, lhe certifique o seu theor; e para o que
pede ao Illmo Sr Dr Juiz de Direito do cível seja servido mandar passar
a certidão, requerida; do que receberá mercê. Certifique. Recife 7 de
dezembro de 1847. Silva Neves. Guilherme Patricio Bezerra Cavalcan-
ti, Tabelião público de notas, nesta cidade do Recife de Pernambuco,
e seu termo, por sua magestade o imperador a quem Deus guarde.
Certifico que por parte da supplicande me foi apresentada a escriptu-
ra de que faz menção e pede por certidão na petição supra, cujo
theor é da forma e maneira seguinte. Escriptura. Saibão quantos este
publico instrumento de venda e obrigação virem, que no anno do
Nascimentode Nosso Senhor Jesus Christo de Mil e quinhentos seten-
ta e sete, aos cinco dias do mez de dezembro, do dito anno, nesta
Villa de Olinda da Nova Luzitania, partes do Brasil, de que é Capitão
e Governador o Sr Duarte Coelho de Albuquerque, por El Rei Nosso
Senhor. Na rua desta Villa, nas casas de Morada de Henrique Leitão,
em presença de mim Tabelião Público, ao diante nomeado, e das
testemunhas ao diante escriptas, aparecerão partes, a saber: Manoel
Vas, morador na cidadedo porto estante nesta Villa, senhorio do En-
genho Invocação do São Pantaleão, que eu tabelião conheço, de uma
parte, e da outra Jorge Camello, morador nesta Villa de Olinda, e logo
pelo dito Manoel Vas foi dito que elle em seo nome e de sua mulher
Izabel Rodrigues, moradora na cidade do porto de que se obrigou a
dar sua outhorga dentro de seis mezes primeiros seguintes, vendia e
ora dava de venda deste dia para todo sempre ao dito Jorge Camello,
e a sua mulher Izabel Cardoza, o dito Engenho que estar no termo
desta Villa moente e corrente, com todas as casas do dito engenho, e
de caldeira, cobertas de telhas com seis caldeiras assentadas, e quatro
taxas, tres assentadas e uma bacia, e assim mais todos os cobres miú-
dos e necessarios; e assim uma caza de purgar de duzentos e cin-
quenta palmos de comprido, e quarenta de largo, coberta de telha,
com sua casa de pilheiras, sem furos, nem correntes; assim mais lhe
dava quatro milheiros de formas e quinhentos sinos; e assim lhes dá
a terra em que esta o dito engenho situado com toda as mais terra
que se achar da hida do dito engenho Sam Pantaleão para a banda

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


238 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

do mar ate dar no marco que esta no caminho que vai desta Villa e
toda a terra que se achar ser do dito Manoel Vaz, daseidada3 para o
marco, e assim para uma banda, como para a outra, ate onde chega-
rem as dadas como as tem por suas cartas que logo entregou a elles
compradores, assim lhe da a matta que tem João Malheiros de traz
dos oiteiros aonde lhe cahir, ou outra tao boa como ella, e assim mais
lhe da a terra que tem na varzea de Capibaribe que esta dada a par-
tido a André Gonçalves com todos os canaviais que deu dito André
Gonçalves, e Matta, e obrigação, a qual terra e maes se fará esta safra
que vem, somente nos Apipucos e no fim da safra ficará a obrigação
e terra, e canas aos ditos compradores com obrigação que o dito en-
genho tem a André Gonçalves, a qual elle Jorge Camello, comprara a
qual terra da Varzea te a do caminho que vai de casa de Henrique
Leitão para a casa de Luiz de Figueirôa de maneira que toda a terra
que se achar ser do dito Manoel Vaz deste caminho que vem de casa
de Luiz de Figueirôa para a casa de Henrique Leitão, ate vir contestar
com a terra de Francisco Mendes Loronha que ouve de Luiz Pirez;
toda esta terra que se achar lhe dá; com obrigação que um canaviá
que dentro na dita terra estar de Simão Vaz irmão de Manoel Vaz ti-
rará4as novidades que o dito canaviá der, e depois ficará a terra a elle
comprador; e assim será obrigado a lhe fazer a elle Simão Vaz as ditas
canasde meias, em quanto durarem; dando elle dito Simão Vaz ame-
tade das terras, e a cana toda cortada no canavial e assim lhe vende
mais quarenta peças de escravos machos e femeas, convem a saber
quinze de Guiné, e vinte cinco da terra em que entrão meia duzia de
Officiaes de Engenho e assim mais vinte juntas de bóis, convem a
saber, quinze manços e cinco novilhos, com dez carros; e o dito Ma-
noel Vaz se obrigou a dar o dito Engenho acabado moente e corren-
te, com as couzas atras declaradas no mez de setembro de setenta e
oito (ano, 1578) annos, e que faltando ao tempo que hé obrigado a
dar o Engenho preparado, faltando alguma cousa por faser se avalia-
ra e que for; e elle Manoel Vaz lhe pagará para o que elles compra-
dores o mandem fazer e acabar e assim se obriga elle Manoel Vaz a
dar a sudada segura pela primeira safra e dali em diante correrá o

3 Na pauta esquerda está escrito: “Deve ser açuidada. Codiceira”.


4 Na pauta esquerda está escrito: “ligumes: milho, feijão e xx. Codiceira”.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 239

risco delle comprador, o que tudo isto atráz declarado, lhe vendia por
preço e quantia de vinte mil arrôbas de assucar branco bom, e de
receber como de mercador a mercador, pagar na maneira seguinte;
convem a saber , duas mil arrôbas de assucar cada safra, que se co-
messarão deste setembro de setenta e oito annos(ano 1578) em dian-
te, convem a saber mil arrobas em dezembro do dito anno, e outras
mil em Março de setenta e nove annos (ano 1579) e por esta ordem
lhe hirá fazendo os pagamentosaté se acabarem que será dentro em
dez annos, que são dez safras que se acabarão na era de oitenta e
nove (ano 1589), no mez de Março que fazem as ditas vinte mil arro-
bas de assucar, que sahem duas mil arrobas de assucar cada safra o
qual assucar será do que se fizer no dito Engenho (branco) e de re-
ceber de mercador a mercador, e por assim ser, dava o dito Jorge
Camello por metido de posse do dito Engenho, terras, escravos e
boiada, para que seja seu de hoje para todo sempre, e que por esta
carta e sem mais Juiz nem justiça nem authoridade de Juiz possa to-
mar, e tome posse de toda a dita fazenda atraz declarada, raiz moveis
simoventes, que de hoje por diante lho há por metido de posse de
tudo e desiste de todo o direito Senhorio, acção real e pessoal que na
dita Fazenda tinha e por qualquer titulo, e nome que seja e tudo tras-
passava e cedia nos ditos compradores de hoje para todo sempre
para que seja para elles, e para todos seus herdeiros ascessores e
sucessores, ascendentes e descendentes e para todas as pessoas que
delles as houverem, a qual posse se abrigão sempre ter e manter, li-
vrar defender de quaes quer pessoas que lhe demandem, embar-
guem em parte ou em todo em juízo, ou fora delle, com obrigação da
mesma fazenda, e de todos os seus bens moveis, e de raiz havidos, e
por haver, e pelo dito Jorge Camello foi dito acceitava a dita venda
pelo dito preço e quantia, e se obrigava a pagar as ditas vinte mil
arrobas assucar, ou a seu certo recado nos tempos atrás declarados,
e se dava por entregue da escravatura e boiada e por impossado da
dita fazenda e obrigava seus bens moveis, e de raizhavidos e por
haver e a mesma fazenda a fazer os ditos pagamentos, e o dito Ma-
noel Vaz disse que transpassava os ditos pagamentos; e logo foi re-
querido por mim Tabellião a Graviel Daniel, procurador do Sr. Duar-
te Coêlho de Albuquerque, Capitão e Governador desta Capitania, a
quem o dito Engenho é foreiro a quatro por cento de todo o assucar

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


240 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

que nelle se fizer, se queria o dito Engenho pelo tanto para o Sr. Go-
vernador, e por elle foi dito que não, e somente que lhe pagasse sua
quarentena, e se deo logo por pago della por um assignado que elle
fizera e o dito Jorge Camello se obrigou a pagar o foro e pensão da
qui em diante ao Capitão e Governador desta Capitania, assim e da
maneira que o dito Manoel Vaz era obrigado, e ouve o dito Manoel
Vaz por desobrigado delle, e o procurador do dito Governador accei-
tou ao dito Jorge Camello por foreiro assim, e da maneira que o era
o dito Manoel Vaz, e declarou elle dito Manoel Vaz vendedor, que das
primeiras quatro mil arrôbas de assucar das primeiras duas safras
davão por quite e livre dellas aos ditos compradores, por se obriga-
rem por elle vendedor as paguem a Diogo Fernandes Camaragibe
por lhas dever elle dito Manoel Vaz, e que as deseceis mil arrobas
restantes se obrigavão elles compradores a pagarem a elle Manoel
Vaz, como atráz fica declarado. Em testemunho de verdade assim o
outorgarão e que desta nota lhe serão dados os translados que lhes
convierem, e o dito Manoel Vaz, se obrigou tanto que veis procura-
ção de sua5 outorga, sendo presentes por testemunhas Antonio Bar-
balho, Diogo Fernandes de Camaragibe, e Antonio Malla, moço da
Camera por El Rei Nosso Senhor, todos moradores estantes nesta
Villa, e eu Jorge Gonçalves Tabelião o escrevi = Jorge Camello = Ma-
noel Vas = Antonio Malla = Diogo Fernandes = Antonio Barbalho =
Graviel Daniel, e eu Antonio de Abreu, Tabelião Público de Notas
nesta Villa de Olinda e seus termos por sua magestade. Que esta es-
critura de venda fiz transladar do livro de notas do meu antecessor
Jorge Gonçalves, ao qual me reporto, e o subscrevir e assignei em
público6. Nada mais continha em dita escriptura que eu tabelião abai-
xo assignado fiz extrahir por certidão do trasladodos Autos de Libello
em que letigaram no anno de (1593) como autor Fernão Martins e
sua mulher Maria Gonçalves Rapouza Senhores do Engenho São Pan-
taleão, e como réos Leonardo Pereira e sua mulher, senhores do En-
genho Apipucos, por este privar de cahir no assude da quelle enge-

5 Entre linhas está escrito: “mulher a dar sua”. Na pauta esquerda está escrito: “Diz a emen-
da: mulher a dar sua outorga...” o amanuense João de Azevedo Soares Filho
6 Na pauta esquerda está escrito: Certidão do Libello de Fernão Martins contra Leonardo
Pera.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 241

nho do autor, os subeijos d’agua da ribeira do seu engenho Apipucos,


quando peijava e por dito Leonardo Pereira lhe lançar o bagaço de
cana do dito seu engenho no assude delle autor; e posteriormente
continuarão a letigar sobre este mesmo objecto a referida Maria Gon-
çalves Rapouza, como autora e como réo D. Jeronimo de Almeida;
cuja lide tão bem sustentaram Francisco Monteiro Bezerra, contra
Gaspar de Mendonça como sucessores daqueles; cujo trasladome foi
apresentado para delle extrahira referida escriptura que se acha nelle
incerta ao qual me reporto, e o reconheço verdadeiro de que dou fé,
e tornei entregar ao apresentante, com esta que fiz passar em virtude
do despacho retro que vai conferida e consertada subscripta e assig-
nada. Recife 7 de Dezembro de 1847. Subscrevir e assignei. Em fé de
verdade. Guilherme Patricio Bezerra Cavalcanti, Comigo Galdino Te-
mystocres Cabral de Vasconcellos. Vai por nos conferida e affirma-
mos ser fiel esta copia. Secretaria do Instituto Archeologico e Geogra-
phico Pernambucano, 19 de Outubro de 1876. Salvador Henrique de
Albuquerque, Secretario Perpetuo. José Domingues Codeceira = 2º
Secretario.” (p.141- 149 )
209. Na pauta esquerda: ”Repetição por descuido. Veja-se n° 83,
pag. 61”.
210. Na pauta esquerda: ”Repetição por engano. Veja-se n° 176,
pag 112”.
211. Na pauta esquerda: ”Repetição por engano. “Veja-se número
85, pag. 63.
“212. Livro de assentos de cazamentos da Freguesia do Rio Grande
do Norte afolhas 26v. em 28 de maio de 1703, nesta Parochia de N. Se-
nhora da Apresentação em minha presença se receberão com palavras
de presente. Lázaro de Barros Rego, filho de Manoel Pereira Viegas e
de sua mulher D. Izabel de Barros fregueses da Cidade de Olinda da
Santa Sé, com D. Anna do Rego, filha do Sargento mor Manoel da Silva
Vieira, e de sua mulher D. Gracia do Rego Barretto, fregueses desta
Freguesia: testemunhas Manoel Ferreira de Andrada, Manoel Rodri-
gues Taborda, D. Joanna de Barros Coutinho sua mulher, e D. Maria
de Barros mulher do Alferes Gonçalo Ferreira da Ponte; forão despen-
sados os banhos pelo Illmo. Sr. Bispo, em o 2º gráo em em que estavão
ligados em parentesco de consanguinidade. De que fiz este assento em
que me assignei. O Vigario Simão Rodrigues de Sá.” (p. 152)

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


242 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

“213. Nota Curiosa. Do casamento constante do assento que se


segue proveio o tronco da família dos Rapousos da Camera da Fre-
guesia do Rio Grande do Norte o qual está afolhas 34 e é o seguinte:
Em 6 de Outubro de 1709 nesta Parochia de N. Senhora da Apre-
sentação em minha presença se receberão com palavras de presente
Manoel Rapouso da Camara, natural da cidade da Ponta delgada da
Ilha de Sam Miguel da Freguesia do Martyr San Sebastião, filho do
Capitão Francisco Pereira do Amaral e de sua mulher D. Josepha da
Camara, com D. Antonia da Silva, filha do Alferes Antonio da Silva
de Carvalho e de sua mulher Suzana de Oliveira, fregueses desta
Freguesia; testemunhas o Capitão Manoel Gonçalves Branco o Alfe-
res Alberto Pimentel e sua mulher Francisca de Oliveira e D. Joanna
de Barros Coutinho. De que fiz este assento em que me assignei O
Vigário Simão Rodrigues de Sá.” (p. 152- 153 )
“214. Assento de cazamentos da Freguesia do Rio Grande do Nor-
te, afolhas 12. A 8 de Setembro de 1688 na Capella de N. Senhora da
Purificação do Engenho do Cunhaú em presença do RdoPe Eloy de
Freitas se receberão por procuração Salvador Quaresma Dourado,
Provedor da Fazenda real da Cidade da Parahiba, filho do Capitão
Luiz Quaresma e de sua mulher Maria Dourado, moradores na dita
Cidade da Parahiba e D. Barbara Izabel da Camara e Albuquerque, fi-
lha de Mathias de Albuquerque Maranhão, e de sua mulher D. Izabel
da Camara já defuntos, moradores que forão nesta Capitania. Teste-
munhas o Alferes Felippe da Silva e D. Izabel de Barros. O Vigário
Paulo da Costa.” (p. 153-154)
“215. No mesmo livro afolhas 21. Aos 4 de Novembro de 1696 se
receberão por palavras de presente em minha presença o Capitão
Domingos Gonçalves de Souza, filho do Capitão Mor João Gonçalves
já defunto e de sua mulher Maria Gonçalves, natural da Cidade de
Olinda, com Maria Leite Ferreira, filha de Domingos Vaz e de sua mu-
lher Seraphina Mendes já defuntos: Forão testemunhas D. Francisca
Ponce de Leon e o Sargento mor Manoel de Silva Vieira e D. Gracia
sua mulher. De que fiz este assento e me assignei. Paulo da Rocha de
Figueiredo.” (p. 154)
“216. Na mesma folha 21v está este outro assento: Em 20 de Abril
de 1697 se receberão por palavras de presente em minha presença
Gonçalo Ferreira, filho de Manoel Ferreira natural de Pernambuco

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 243

com D. Maria da Silva, filha do Sargento mor Manoel da Silva Vieira


natural da Ilha da Madeira e de D. Gracia do Rego natural da Cidade
de Olinda. Forão padrinhos D. Francisca Ponce de Leon, Bernardo
Vieira de Mello e Antonio Tavares de Mello, de que fiz este assento e
me assignei. Paulo da Rocha de Figuerêdo.” (p. 154-155)
“217. Mais abaixo na mesma folha está este outro assento de ca-
samento. Em 8 de Setembro de 1697 se recebeu por palavras de
presente em minha presença Manoel Rodrigues Taborda, natural da
Villa de Buarcos dando fiança aos banhos na Cidade de Olinda, filho
legitimo de ........ Maria de Sá, natural da dita Villa da Freguesia de
San Pedro, Bispado de Coimbra com D. Joanna de Barros Coutinho,
filha do Sargento mor Manoel da Silva Vieira e de D. Gracia de Barros
Rego moradores na Cidade do Rio Grande do Norte. Forão padrinhos
o Capitão mor Bernardo Vieira de Mello e Pedro da Costa Faleiro e
D. Catharina Leitão, de que fez este assento e me assignei. Paulo da
Rocha de Figueredo” (p. 155)
“218. Assento de Casamento. Em o 1º de novembro de 1698 cazou
no Rio Grande do Norte Violante Bezerra, da caza do Capitão mor
Bernardo Vieira de Mello com o Ajudante Luiz Real de Goveia. Forão
padrinhos o dito Capitão mor Bernardo Vieira e sua mulher D. Ca-
tharina Leitão.” (p. 155)
“219. Nota Curiosa. D. Joanna Neta, mulher de Jeronimo de Souza
Magalhaes, foi filha de Antonio Dias de Leão e de sua mulher D. Ma-
ria da Conceição e irmã de D. Luzia de Leão casada com o Coronel
José Cardoso Moreno, da dita D. Joanna Neta nasceu D. Ignez Neta
Pereira que casou com seu primo o Sargento mor Pedro Cardoso
Moreno filho de sua tia a dita D. Luzia de Leon e delles nasceu D.
Maria Francisca do Rozario que casou com José Cabral de Mello.” (p.
155- 156)
“220. A folhas 30 verso, de um livro da Freguesia de São Lou-
renço de Tejucupapo achei o assento de cazamento de Luiz Velho
Cardoso: - Eil-o. Aos 18 dias do mês de Outubro de 1739 na Capela
de N. Senhora do Rozario de Tejucupapo destricto desta Freguesia
de licença do Reverendo Vigario o Licenciado João da Costa e Souza
e em presença do Rdo Pe João Saraiva da Sva celebrarão matrimonio
por palavras de presente Luiz Velho Cardoso, filho legitimo de Aleixo
Rodrigues Lopes e de sua mulher Custodia Cardoso de Mello já de-

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


244 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

funtos moradores na Freguesia de Goianna e Thereza de Jesus filha


legitima de Manoel Borges de Paiva e de sua mulher Izabel da Rocha
moradores nesta Freguesia: cujo sacramento se fez sem impedimento
algum como consta por certidão de banhos em presença das teste-
munhas o Alferes Antonio Luiz de Crasto e João de Paiva e outras
desta Freguesia; de que fiz este termo em que assignei. O Coadjuctor
Alexandre da Silva.” (p. 156 - 157)
“221. Na pauta esquerda: ”Repetição por engano. Veja-se n° 203,
pag. 137.
“222. Nota curiosa. Vivia na era de 1737, na Freguesia da Luz,
como se vê do casamento de Antonio Tavelle com Anna Maria da
Perciucula afolhas 70, de um livro de cazamentos e baptizados dessa
Freguesia.” (p. 157)
“223. Na pauta esquerda: ”Repetição por engano. Veja-se n° 123,
pag. 86
“224. Livro de assento de casamento da Freguesia de San Lou-
renço da Matta a folhas 20 verso. Aos 7 dias do mez de Novembro
de 1740 na Cappela de San João desta Freguesia de San Lourenço
da Matta em presença do Pe Antonio Gomes da Silva e em presença
destas testemunhas Luiz Fernandes Leiria e João de Medeiros Simões
e guardada a forma do Sagrado Concilio Tridentino se receberão por
palavras de presente Pedro Sebastião de Souza, natural da Freguesia
de N. S. da Luz, filho legitimo de Ignacio de Souza e de sua mulher
Francisca de Almeida com D. Maria Manoela Cavalcanti de Mello,
filha legitima de Antonio Cavalcanti de Albuquerque já defunto e
de sua mulher D. Izabel Mendes de Vasconcellos desta Freguesia de
S. Lourenço da Matta o qual casamento se fez com licença minha,
de que fiz este termo que assignei com as testemunhas. O Vigário
João de Medeiros Furtado Luiz Figuerêdo Leiria - João de Medeiros
Simões. ” (p. 158- 159)
“225. Livro de assento de cazamento do Rio Grande do Norte.
Aos 9 de Setembro de 1711 na Capella de S. Antonio de Potegi em
minha presença se receberão com palavras de presente o Capitão
Antonio Gago de Oliveira, do terço Paulista, viúvo por morte de sua
mulher D. Lourença Rodrigues Paes natural de San Paulo com D. Si-
môa Gomes filha de Francisco Gomes e de sua mulher Maria de Sá;
testemunhas o Capitão José Porrate de Moraes Castro, e sua mulher

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 245

D. Margarida da Rocha o Tenente Coronel Antonio Dias Pereira e


sua mulher Maria Gomes; de que fiz este assento em que assignei O
Vigário Simão Rodrigues de Sá.” (p. 159)
“226. No mesmo livro afolhas 46. Em 23 de Novembro de 1716 na
Capella de San Gonçalo do Potegi, de minha licença em presença do
Pe Manoel Pinheiro Texeira, se receberão com palavras de presente
o Sargento mor Antonio Simões Moreira, natural da Villa de S. Paulo,
viúvo que ficou por falecimento de sua mulher Francisca Gracês com
D. Adriarta de Siqueira, filha do Sargento mor Manoel de Abreu Friel-
las, e de sua mulher D. Izabel Dornellas, fregueses desta Freguesia de
N. Senhora da Apresentação. Forão testemunhas o Sargento mor José
de Moraes Navarro o Capitão Jose Porrate de Moraes Castro; e D. Ele-
na Barboza de Albuquerque, mulher do Alferes Pasqual Gomes; de
que fiz este assento em que me assignei. O Vigário Simão Rodrigues
de Sá.” (p. 159 - 160)
“227. Assento de casamento afolhas 60. Aos 25 de Outubro de
1723, nesta Matriz de N. Senhora da Apresentação, em presença do
Reverendo Vigário o Dr. Mathias Florencio e do Alferes Vicente Dias
da Nova, o Capitão Pedro Gonçalves da Nova, D. Antonia da Silva
mulher do Capitão Manoel Rapouzo da Camara e Ignacia de Oli-
veira mulher do Cabo — José da Roza se receberão com palavras
de presente por marido e mulher Miguel Rapouso de Mello, filho
legitimo de João Cabral de Mello e de sua mulher Maria Pacheco,
todos naturaes e moradores na Cidade de San Sebastião, Ilha de San
Miguel, e Maria Jose de Oliveira, filha legitima do Ajudante Mathias
Quaresma, e de sua mulher Aguida de Oliveira de Vasconsellos, na-
tural desta Freguesia de N. Senhora de Apresentação, do Rio Grande
do Norte, e nella moradores; em virtude de um mandado do muito
Reverendo Vigario da Vara o Dr Bernardo de Paiva Freire, perante
o qual justificou o contrahente ser solteiro, livre e desempedido,
dando fiança aos banhos até virem corridos da sua pátria, sendo tam
bem corridos nesta Matriz, e guardando em tudo o mais a forma do
Sagrado Concilio Tridentino, e por verdade fiz este assento em que
assignei. João Gomes Freire, Coadjuctor.” (p. 160-161)
“228. Livro de assento de casamento da Freguesia de Taquara afo-
lhas 56 verso. Aos 24 dias do mez de Novembro de 1704 pela manhã,
nesta Igreja de N. S. da Penha de França, orago desta matriz da Ta-

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246 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

quára, em presença de mim Mathias Tavares de Crasto Vigário da dita


Igreja e sendo presentes por testemunhas o Sargento mor Christovão
Vieira e o Dr. Jose da Silva e Mello, se casarão por palavras de pre-
sente Francisco de Brito Bezerra filho de Domingos de Brito Bezerra
e de sua mulher Ignez de Brito Bezerra, moradores e fregueses da
Freguesia de Iguarassú com Anna de Crasto Tavares, filha de Thomé
de Crasto Tavares e de sua mulher Catharina dos Santos da Silva,
natural de Goianna e hoje freguesa desta Freguesia de N Senhora
da Penha de França da Taquara; de que fiz este assento em que me
assignei O Vigario Mathias Tavares de Crasto.” (p. 161 - 162)
“229. Livro de assento de casamento da Freguesia do Rio Grande
do Norte. Afolha 27 está o assento seguinte: aos 17 de Setembro de
1703 nesta Parochia de N. Senhora da Apresentação em presença do
Rdo Pe Coadjuctor o licenciado Diogo de Oliveira França com minha
licença se receberão com palavras de presente o Capitão José da Silva
Vieira, filho do Sargento mor Manoel da Silva Vieira, e de sua mulher
D. Gracia do Rego, fregueses desta Freguesia com D. Antonia de
Araujo da Silva, filha de Antonio de Araujo já defunto, e de sua mu-
lher Maria da Silva fregueses do Curato de N. Senhora dos Prazeres
de Goianninha. Fui eu testemunha e o dito seu pai Manoel da Silva
Vieira, D. Joanna Coutinho mulher de Manoel Rodrigues Taborda, e
Maria da Silva filha Manoel da Silva Queiros. Forão despensados pelo
Rmo Sr Bispo no 3º gráo de consanguinidade de parentesco. De que
fez este assento em que me assignei O Vigário Simão Rodrigues de
Sá.” (p. 162 - 163)
230. Na pauta esquerda: ”Repetição por engano. Veja-se n° 87,
pag 64”7. “Livro de assento de casamento da Freguesia da Taquara.
A folhas 55 verso, está o assento seguinte. Aos 21 dias do mês de
Outubro de 1707 a tarde na Capella de S. João desta Freguesia da
Taquara sita no Engenho de Abiay em presença de mim Matias Ta-
vares de Castro Vigário da dita Freguesia se casaram por palavras
de presente em face da Igreja sendo presentes por testemunhas o
Capitão mor Jerônimo d’Albuquerque e Lacerda, e o Capitão mor

7 Existe algumas divergências entre os dois registros (nos 087 e 230), por isso mantivemos a
transcrição deste de n° 230. Entre as divergências e ausências de palavras, podemos citar:
o dia, horário e local da cerimônia, e o nome do procurador.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 247

Luís de Mendonça, por procuração sendo procuradores o Capitão


Rodrigo de Souza Bacellar, como tal, em nome de seu constituinte o
Capitão Manuel Curado Garro de Sá, filho de Gaspar Correia de Sá
e de sua mulher D. Maria Curado Pereira de Sá, natural do Arcebis-
pado de Braga, recebeu por mulher a D. Isabel de Souza Bacellar,
filha do Capitão João Figueira de Freitas e de sua mulher Anna de
Freitas Bacellar, moradora nesta Freguesia, de que fiz este assento
em o mesmo dia e era que por verdade assinei. O Vigário Mathias
Tavares de Castro.” (p. 163)
231. Na pauta esquerda: ”Repetição por engano. Veja-se n° 86, pag
64”8. “A folha 56. Aos 27 dias do mês de Abril de 1704 a tarde em a
Capela de S. João Baptista sita nesta Freguesia de Nossa Senhora da
Penha de França da Taquara em presença de mim Mathias Tavares de
Castro Vigário da dita Freguesia e sendo presentes por testemunhas
o Tenente Coronel Francisco Cabral Marrecos, e o Tenente Coronel
Leandro Bezerra, se casarão por palavras de presente em face da Igre-
ja, Jerônimo Teixeira Ribeiro, filho de Balthazar Dornellas Valdiveso, já
defunto, e de sua mulher Maria de Castro Loba da Rocha, morador na
Freguesia de S. Lourenço de Tejucupapo, o qual o fez por procuração,
e foi seu procurador o Coronel José de Sá de Albuquerque, o qual
em nome do seu constituinte recebeu a Anna da Fonseca Catanho,
moradora nesta Freguesia da Taquara; de que fiz este assento que por
verdade assignei. O Vigário Mathias Tavares de Castro.” (p. 164)
“232.” Na pauta esquerda: ”Repetição. Veja-se n° 156, pag 100”.
“233. No mesmo livro de assento de baptisado da Freguesia do
Rio Grande do Norte está o seguinte assento. Em 30 de Setembro
de 1699, na Capella de N. S. do Ó da Aldeia do Meipibú com li-
cença minha, baptisou o Reverendo Padre Manoel de Jesus F. filho
do Sargento mor Bento Teixeira Ribeiro e de sua mulher Joanna
Camello Valcaçar. Forão padrinhos o Capitão mor Bernardo Viei-
ra de Mello e o Alferes Tenente André Vieira. Não tem os Santos
Oleos. O coadjuctor Antonio Rodrigues Frazão.” (p. 165)
“234. No outro livro de assentos de casamentos do Rio grande do
Norte, achei este outro assento. Aos 4 de outubro de 1694, se rece-

8 Os registros apresentam, divergências de datas e complementações de informações, por


isso foi mantido este assento de n° 231.

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248 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

berão por palavras de presente em minha presença Alberto Pimentel,


filho do Capitão mor Sebastião Pimentel já defunto e de sua mulher
D. Anna, naturaes de San Vercio, Bispado de Coimbra, com Francisca
Tavares de Mello, filha do Capitão Francisco de Oliveira Banhos e de
sua mulher Antonia Tavares, desta Freguesia do Rio Grande do Nor-
te, forão testemunhas o Capitão mor Agustinho Cezar de Andrada, o
Sargento mor Manoel da Silva Vieira, D. Gracia do Rego e Catharina
de Oliveira. De que fez este assento em que me assignei éra ut supra.
Basilio de Abreu e Andrada” (p. 165 - 166)
“235. Nota curiosa. O Capitão Braz de Araujo Pessoa, morador em
Paratibe, falleceu em Maranguape no dia 24 de fevereiro de 1698, dei-
xando por seus testamenteiros seus filhos o Padre Jose Tavares de
Araujo, e João Ribeiro Pessoa. Faleceu este Capitão Braz de Araujo
Pessoa, com a idade de oitenta annos, e foi sepultado no convento de
San Francisco de Olinda. O Capitão Felippe Tavares Pessoa, morreu na
Freguesia de Maranguape no dia 26 de junho de 1689 com .......... fez
testamento do qual forão testamenteiro o Padre José Tavares de Araujo
e João Ribeiro Pessoa e sua mulher D. Suzana de Mello.” (p. 166)
“236. Nota Curiosa. D. Laura Cadenna casada com o Capitão Mor
Agustinho César de Andrade faleceu no dia 3 de setembro de 1701,
com sessenta e cinco annos de idade, com o sacramento da peni-
tencia e não fez testamento. Foi sepultada na Matriz de Itamaracá. O
Cura Manoel Rodrigues Netto.” (p. 166)
“237. As declarações que posso fazer em Juizo com respeitoa crea-
ção ou reforma dos autos de Capella do Vinclo de Paratibe de Cima,
de que sou actual Administrador, são as que abaixo se seguem. 1°.
Que sendo administradora do supradito Vinculo a viúva D. Anna Ma-
ria do Ó e Mello, mulher que foi do Capitão Mor Francisco Camello
Pessoa, falecera, sem deixar filhos, no anno de 1835; 2°. Que em ra-
zão de ser o declarante parente daquella finada administradora, dera
na mezma época do seu fallecimento no Juizo de Capellas uma ha-
bilitação, em consequencia da qual tomara posse do referido Vinculo
no dia 13 de Maio do citado anno de 1835, como consta do auto de
posse que em seu poder existe em original e em cuja administração
sempre esteve o declarante. 3°. Que o Vinculo de que se trata fora
instituido em terras de Paratibe de Cima pelo Coronel Francisco Be-
renguer de Andrada, falecido no anno de 1716, sendo onerado com

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 249

o encargo pio de duas Capellas de Missas annuaes, offerecidas por


sua alma delle Coronel instituidor, dos seus pais e de seus irmãos
Feliciano Berenguer e Agustinho Cesar de Andrade, e de todos seus
filhos e netos. 4°. Que as duas Capellas de Missas retro mencionadas
forão reduzidas a 8 missas annuais pelo competente Juiz de Capellas,
fundado nas disposições da Lei de 9 de Setembro de 1769 §19 e Alv.
de 20 de Maio de 1796. 5°. Que finalmente o dito declarante cumprio
o seu dever de Administrador dando as suas contas até o anno de
1854 inclusive, como constadas sentenças de quitação que se lhe deo
e tem em seu poder por caução. 6°. Que deixou o declarante de dar
taes contas daquella época (1854 para cá, por Ter desaparecido do
Cartório os respectivos autos, ainda em o tempo do falecido Escrivão
José Antonio Serpa. Salvador Coelho de Drummont e Albuquerque.”
(p. 167/168)
“238. Luiz de Almeida Homem, e sua mulher D. Maria de Albu-
querque, filha de Gonçalo Mendes Leitão e de sua mulher D. Antonia
de Albuquerque, forão pais de D. Abade de Sam Bento de Olinda Fr.
Bernardo.” (p. 169)
“239. Para provar que Gonçalo Mendes Leitão foi casado com D.
Antonia de Albuquerque, filha de Jeronimo de Albuquerque (o tor-
to) e que moravão em Paratibe de Cima, tirei certidão do Livro da
Nobiliarchia Pernambucana que está em Sam Bento. Para reforçar a
prova de que foi referida D. Antonia de Albuquerque, casada com
o mencionado Gonçalo Mendes, tirei certidão dos autos que tenho,
onde vem uma escriptura de venda de terras, feita pela mesma D. An-
tonia, já viuva. Para reforçar a prova de serem os ditos moradores em
Paratibe tirei certidão dos autos que tem o Escrivão respectivo ..........,
onde está a dita das terras de Maciape, que foi concedida ao referido
Gonçalo Mendes, servindo esta certidão para mostrar tambem a ver-
dade do facto de confinarem as terras de Paratibe com as de Macaipe,
pois forão todos do mesmo Senhorio antigo. Tambem deve examinar
os titulos da Igreja antiga de Paratibe, onde, me dizem que vem a
historia da fundação dessa Igreja pelo dito Gonçalo Mendes Leitão
o qual foi o mesmo que tambem levantou o antigo Engenho d’ágoa,
nas terras de Paratibe de Cima, que pertencem ao Vinculo e a outros
eréos. Salvador Coelho de Drummont e Albuquerque.” (p. 169/170)
“240. O Capitão Diogo Cavalcante de Vasconsellos, e sua mulher

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


250 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

D. Catharina Vidal de Negreiros, venderão o Engenho San Francisco


da Varzea, no anno de 1689, ao Capitão Gonçalo Ferreira da Costa,
procurador dos Defuntos e Auzentes, Capellas e Reziduos. Este Enge-
nho havia sido comprado pelo Governador André Vidal de Negreiros,
pai da dita D. Catharina, no valor de quarenta e dous mil cruzados,
16:800$000, ficando excluídas as terras chamadas dos Cavalcantes e
as que forão da viúva de João Fernandes Vieira D. Maria Cezar. Ta-
bellião Luiz Ferreira da Cunha.” (p. 170)
“241. Escriptura de venda de uma sorte de terras quitação de pra-
ga que faz o Licenciado David de Barros Rego, ao Capitão Antonio da
Costa Leitão. Em nome de Deus amem. Saibam quanto este publico
instrumento de escriptura de venda e quitação, ou como para sua
validade melhor nome e lugar haja e dizer se possa virem, que no
anno do Nascimento de N. Senhor Jesus Christo de 1696, aos 16 dias
do mez de Janeiro do dito anno, nesta Cidade de Olinda Capitania
de Pernambuco em pousadas de mim Tabellião ao diante nomeado,
aparecerão partes presentes e outorgantes a saber de uma como ven-
dedor o Rdo Padre o Licenciado David de Barros Rego sacerdote do
habito de San Pedro, hora assistente nesta Cidade e da outra o com-
prador o Capitão Antonio da Costa Leitão morador no Araripe termo
de Iguarassú pessoas ambos que reconheço pelas próprias de que se
trata e pelo dito vendedor o Rdo Padre David de Barros Rego foi dito
em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas e assigna-
das que elle entre os bens de raiz que tem, e possui, e de que estava
de mansa posse, era bem assim de seis mil braças de terras, sitas no
Tapinuacú caminho antigo do outeiro do Pau Brasil, correndo pelas
terras do Caraú, demarcando as datas antigas das terras que forão de
Domingos Soares e Gonçalo Machado para a parte do Norte e para
o poente comessando nas cabaceiras, das datas de Francisco Vieira
de Barros de paga e quitação ou como constava da Carta de doação
que apresentou, as quaes terras houvera por titulo de doação que lhe
fizera seu Pai o Governador Christovão de Barros Rego, como cons-
tava da dita doação que também apresentou, as quaes terras, assim
confrontadas e demarcadas, assim e da maneira que elle vendedor
as possui ou como melhor em direito poder ser; excetuando um sitio
grande que o dito doador seu Pai, na referida doação, reserva para
si. E vendia com mais 12 peças de escravos chamados Gonçalo, Fran-

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 251

cisco e sua mulher Adriana, Alexandre, Lourenço, João, Domingos,


Maria Camara, Maria Banguella, Feliciana e seu marido Antonio Gus-
mão, para elle e seus herdeiros ascendentes e descendentes que após
d’elle vier tudo por preço e quantia de sete mil cruzados, (2:800$000)
da qual quantia confessou haver recebido em mão do Ajudante An-
tonio Nogueira de Figueredo (669$799 rs) de que lhe dava plenazia e
geral quitação para lhos não pedir mais em tempo algum do mundo,
e o resto que são (2:130$201 rs) lhe o pagava na maneira seguinte, a
saber: que no mez de Maio do anno de 1694 lhe pagará 150$000em
dinheiro de contado ou assucar como o dinheiro de contado, e no
dito mez de Maio 200$000, na mesma forma todos os mais annos
seguintes lhe pagará em dito mez de Maio a 200$000 cada anno, na
mesma forma até realmente ser pago dos ditos (2:130$000 rs)e por
estar assim havido e contratado disse elle vendedor que de si dimite
toda a posse e domínio que nas ditas terras tem e possa de presente
ou em algum tempo vir a ter; que tudo dava, cedia e transpassava na
pessoa do dito comprador, para que tudo logo goze como cousa sua
que por virtude desta Escriptura fica sendo; da qual poderá tomar
posse por si ou por autoridade de justiça; e quer a tome quer não,
desde logo lha havia por dada real e actual, civil e natural, e o havia
por empossado pela cláusula constitute, e se obriga por sua pessoa e
bens moveis e de raiz a fazer a dita terra e peças boas a todo o tempo
do mundo e defende-la de toda a pessoaou pessoas que contra ella
quiserem por, em parte ou em todo, e a tudose oppor, por autor a sua
custa propria e despesa de sua fazenda, e de lhes pagar toda a perda
e danno que ahi lhe resultar, e promete e se obriga por sua pessoa
e bens, a que por sua parte não ir, e outra escriptura com duvidas,
nem embargos; e vindo com elles, não quer ser ouvido nem admitido
a Juizo nem fora delle, de facto nem de direito, ainda que amateria
delles seja receptivel, por que o faz muito de sua livre vontade, sem
ser orbigado de pessoa alguma; e logo entregou o dito comprador os
titulos de que nesta escripturase faz menção; e pelo dito comprador
o Capitão Antonio Leitão foi dito que elle acceitava nesta escriptura
com todas as clausulas nella incertas e se obrigava por si e por sua
pessoa e bens a fazer os ditos pagamentos nos annos, insertos e de-
clarados sem a isso por duvida alguma; em testemunho de verdade
assim o disserão e outorgarão, pedirão e acceitarão, e eu Tabellião

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


252 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

o aceitopor quem tocar ausente sendo a tudo presentespor testemu-


nhas o Licenciado Francisco de Torres e Amaro d’Araujo Dantas, que
todos assignarão com elles partes e eu Domingos Ferreira, Tabellião
que o escrevi: E declarou elle comprador que especialmente obrigava
as ditas terras e peças aos ditos pagamentos sobre dito Tabellião que
o escrevi. Antonio da Costa Leitão. O Padre David de Barros Rego,
Francisco de Torres Amaro de Araujo Dantas.” (p. 170 - 175)
“242. Nota curiosa. No Cartório dos Orfãos em Olinda existem uns
autos contendo três inventários todos unidos uns aos outros. O 1º
mandado fazer pelo Juiz Ordinario Duarte de Albuquerque da Silva,
em o anno de 1685 dos bens que ficarão por fallecimento de D. Maria
de Lira casada que foi com Gaspar de Mendonça e Vasconselos, mo-
radores em San Lourenço da Mata, consta do mesmo inventário terem
ficado os filhos seguintes: Manoel, Antonio, D. Anna, Pedro, Francis-
co e Gaspar, todos menores. O 2º inventário foi mandado fazer pelo
Juiz ordinário João Carneiro da Cunha e 1687 dos bens que ficarão
por fallecimento de João Fernandes d’Araujo, casado que havia sido
com D. Maria de Mello, moradores também na mesma Freguesia de
San Lourenço da Mata. O 3º e último inventário foi mandado fazer
pelo Juiz ordinário Sargento mor Pedro Ribeiro da Silva, em 1693,
dos bens que ficarão por fallecimento do acima nomeiada Gaspar de
Mendonça e Vasconsellos, o qual depois de viúvo da dita D. Maria de
Lyra, cazara-se com a referida D. Maria de Mello viúva do supradito
João Fernandes d’Araujo, neste inventario figura como inventariante
a dita viúva D. Maria de Mello e como herdeira junctamente com os
seus inteados; filhos do fallado Gaspar de Mendonça dos quaes havia
falecido, o Antonio, antes de seu pae e logo depois de sua mae. Eis
aqui o que a respeito se acha lançado no rosto deste segundo inven-
tario da casa de Gaspar de Mendonça sobre seus filhos, inventario
que mandou fazer. Herdeira e inventariante a viúva D. Maria de Mello
filha do primeiro matrimonio de Gaspar de Mendonça e Vasconsel-
los, por não não os haver do segundo.
Manoel de Mendonça e Vasconsellos, edade 20 annos.
D. Anna de Mendonça, edade 17 annos.
Pedro Teixeira, edade 14 annos.
Francisco, edade 12 annos.
Gaspar, edade 10 annos

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 253

Consta dos mesmos autos que esta a 2º mulher de Gaspar de


Mendonça fora filha de Domingos Maciel Malheiros. Consta mais que
Gaspar de Mendonça tivera uma irmã chamada D. Anna de São José
casada com Salvador Coelho de Drumont e Albuquerque, o qual
era morador em Goianna donde viera justificar no inventario uma
divida de dinheiro de empréstimo que elle e sua mulher fizerão a
seu cunhado e dito irmão Gaspar de Mendonça. Salvador Coelho de
Drumont e Albuquerque.” (p. 175 - 177)
“243. Escriptura de dote que fazem o Sargento Mor Leonardo Be-
zerra Cavalcanti e seus irmãos Domingos Bezerra Monteiro e Pedro
Cavalcante Bezerra a Manoel de Araújo Cavalcante para casar com
sua irmã D. Brazia Cavalcanti. Em nome de Deus amem. Saibam
quantos este publico instrumento de Excriptura de Dote, para os
encargos do matrimonio ou como para sua validade, melhor nome e
lugar haja e em direito dizer-se possa, virem que sendo no anno do
Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil seis centos e oiten-
ta e nove, (1689) annos, aos 25 dias do mez de Outubro, do dito anno
nesta Cidade de Olinda Capitania de Pernambuco, em o Escriptorio
de mim Tabelião ao diante nomeado, aparecerão partes presentes
outorgantes e contrahentes, de uma como dotadores e Sargento mor
Leonardo Bezerra Cavalcanti morador na Praça do Recife, e bem
assim seus irmãos Domingos Bezerra Monteiro e Manoel Cavalcanti
Bezerra moradores no termo desta Cidade, e todas pessoas de mim
reconhecidas pelas próprias de que se trata e logo por elles dotado-
res todos junctos, e cada um em solidum, foi dito em minha presença
e das testemunhas ao diante nomeadas, e assiguadas que elles com
o favor de Deus, estarão contratados de dar o estado de casada, e
com effeito o querem fazer na forma do Sagrado Consilio Tridentino,
a dita sua irmã D. Brazia Cavalcanti, com o dito dotado Manoel de
Andrada Cavalcanti, e eu parente, e para este effeito tem elles ditos
dotadores empetrado sua despensação, e para o encargo do matri-
monio se abrigão elles dotadores a darem e entregarem aos ditos
[peditos] noivos tanto que se receberem em facie eclesie, na forma do
Sagrado Consilio Tridentino, para ajuda dos encargos e sustentação
do matrimonio, os bens nomeados e seguintes: a saber dez peças
de escravos chamados Sebastião Angola, Francisco Angola, Izabel
Angola, Maria Angola, Sebastião, João cabreiro, ou cincoenta mil reis

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


254 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

que é o vallor por que está empenhado reto aberto, e por que faltão
quatro peças dos ditos escravos para complemento das differentes
dez peças, esse obrigão elles dotadores de as dar e entregarem muito
a contento delle dotado, tanto que se chegar navio de Angola logo,
ou a quantia de 200$000 em dinheiro de contado, para elle dotado
as compras, como lhe pareces melhor, e outro sem a noiva amada
de seus vestidos de sêda para o recebimento e uso de casa com luzi-
mento, e branco como melhor poderem; e o seu enchoval de roupa e
mais paramentos possíveis; e assim mais oito bois manços e dous car-
ros. E por que por fallecimento do Pae delles dotadores e sogro delle
dotado, Cosme Bezerra Monteiro já defunto ficou sua mãe D. Lenarda
Cavalcante em posse e cabeça de casal de todos os bens, e por serem
muitas as dividas e as obrigações de filhos, se não fez inventario nem
partilhas, e está ainda a casal proindiviso, e se houverem feito outros
dotes: Disse elle dito doador que havendo-se de fazer dito inventario
se lançe d’elle e não quer partilhas nem a requerimento do dito casal;
e se da d’elle por pago entregue e satisfeito com este presente dote
que os ditos dotadores fazem a dita sua irmã por que lhes consta
ser a maior parte da própria fazenda delles dotadores; com a que
nesta forma se ajustarão com obrigação de que elle dotado haverá
e cobrará o resto deste dote e o que delle falta ao presente de qual
quer delles dotadores, posto que todos juntos se obriguem ou cada
um em solidum, por que de sua escolha fará elle dotado a elleição
para o cobrar, e isto sem que nem um delles dotadores terem nem
porem duvida alguma, nem em Juizo nem fora delle, e para comple-
mento deste dote, disserão todos juntos e cada um de per si só em
solidum que obrigão suas pessoas e o melhor, parado de sua fazenda
e todos seus bens moveis e de raiz, e por ventura se obrigão de não
virem nem irem com nenhum modo de regrado ou figura de Juizo
senão terem manterem comprirem e guardarem este escripturado tal
assim e da maneira que nelle, se contem e que para sua validade e
firmesa, disserão outro sim, renunciavao os Juízes de seu foro, Leis,
previlégios e liberdades, férias especiaes, e geraes que de nada se
queirão aproveitar, nem a terem senão em tudo e por tudo cumpri-la
e guarda-la, como nella se contem, e por estar, presente elle dito do-
tado, disse que elle acceitava esta escriptura da mais delles dotadores
com o dito dote com todas as clausulas e obrigações nella contidas

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 255

e declaradas e se obriga com o favor de Deus de receber por sua


legitima mulher a dita D. Brazia Cavalcante e de a ter e manter com
a graça do Senhor com todo o estado possível e de a amar como
sua fiel esposa e nesta forma se ajustarão convierão contratarão e
de tudo mandarão fazer este instrumento nesta nota que outorgarão,
pedirão e acceitarão, e eu Tabelião o acceito em nome de quem tocar
ausente como pessoa publica, estipulante e acceitante, que estepulei
acceitei e em fé e testemunho de verdade se assignarão sendo pre-
sentes por testemunhos. Domingos Ferreira Soares o Alferes Antonio
da Cunha Bandeira, Manoel Fialho de Carvalho e todos moradores
nesta Cidade e que conhecem a elles contrahentes pelas próprias de
que se trata, e com elles se assignarão todos nesta dita nota (diz a
entrelinha que se poz por verdade) oito bois manços e dous carros,
e se assignarão com as testemunhas Luiz Ferreira da Cunha Tabellião
o escrevi Domingos Ferreira Soares = Antonio da Cunha Bandeira =
Leonardo Bezerra Cavalcanti = Domingos Bezerra Monteiro = Manoel
de Andrada Cavalcante.” (p. 177-182)
“244. Escriptura de venda que faz a viúva D. Leonarda Bezerra
Cavancalte e seus filhos abaixo declarados por seu procuradora seu
filho e irmão o Capitão Antonio da Costa Leitão de Drumont, do En-
genho Caraú no terreno da Villa de Iguarassú da folha 41 verso; E em
nome de Deus amem. Saibão quantos este publico instrumento de
escritura de venda ou como em direito, para sua validade melhor
nome e lugar haja e dizer-se possa, virem, que sendo no anno do
Nascimento de N. Senhor Jesus Christo de 1781 aos 26 dias do mês
de Outubro do dito anno nesta Cidade de Olinda de Pernambuco,
com cazas de residência do Pe Salvador Coelho Serpa de Drumond,
onde eu Tabelião vim, e sendo ahi perante mim aparecerão partes
presentes e contrahentes, outorgantes, e acceitantes, a saber, de uma
como vendedor o Pe Jose Bezerra Cavalcanti, como Procurador de
sua mãe D. Leonarda Bezerra Cavalcante, viúva do Capitão Salvador
Coelho de Drumond, seu Irmão o Capitão Leonardo Bezerra Caval-
cante e sua cunhada D.Ignez Pessoa da Silva, mulher do dito, e de
seu irmão o Dr. Francisco de Brito Bezerra Cavalcanti de Albuquer-
que e sua cunhada D. Maria Cezar Bandeira de Mello mulher do dito
pelas procurações seguintes: Por esta por mim somente assignada
pelo effeito de acistir e assegurar a Escriptura que tenho tratado fazer

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256 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

a meo filho Antonio da Costa Leitão de Drumond, de venda das par-


tes que tenho neste Engenho Caraú da minha meação e que me foi
adjudicada no inventario de meo defunto marido o Capitão Salvador
Coelho de Drumont, para satisfação das dividas do casal, faço meo
Procurador bastante a meo filho o Reverendo Padre José Bezerra Ca-
valcanti, ao qualconsedo todos os poderes que em Direito me são
concedidos para por mim como se própria, assignar a dita Escriptura,
e dar quitação da parte que tenho recebido a conta das referidas
meações e dividas e para constar pedi a meo neto o Rdo Salvador
Coelho Serpa de Drumont, esta por mim fizesse, em que me assigno.
Engenho do Caraú 20 de Outubro de 1781 = Leoarda Bezerra Caval-
canti d’Albuquerque; como testemunha que o escrevi Salvador Coe-
lho Serpa de Drumond Reconheço ser a firma posta do pé da procu-
ração supra da viúva D. Leonarda Bezerra Cavalcante, e por ser visto
signaes seos da mesma forma Olinda em 26 de Outubro de 1781 o
Tabelião Estevão Velho de Mello = Por esta nossa procuração
bastante, por efeito de vender e assignar a Escriptura de venda que
temos feito a nosso irmão o Capitão Antonio da Costa Leitão, da parte
que temos no Engenho Caraú descontando o que temos recebido,
fazemos nosso bastante procurador a nosso irmão e cunhado o Rdo
Padre José Bezerra Cavalcanti de Albuquerque para que em nosso
nome como se próprios fossemos para fazer a dita venda e assegurar
a dita Escriptura para o que lhe concedemos todos os nossos poderes
em direito necessários. Itanhenga 18 de Outubro de 1781 Leonardo
Bezerra Cavalcante, D. Ignez da Silva Pessoa. Reconheço ser a letra e
firma da procuração supra do Capitão Leonardo Bezerra Cavalcante,
como tão bem ser a outra firma posta ao pé da mesma procuração
ser de sua mulher D. Ignez da Silva Pessoa, por ter [visto] letra e sig-
naes seus da mesma forma. Olinda 26 de Outubro de 1781 = O Tabe-
lião Estevão Velho de Mello, Francisco de Brito Bezerra Cavalcante de
Albuquerque bacharel formado nos sagrados Canones pela Universi-
dade de Coimbra, e sua mulher D. Maria Cezar Bandeira de Mello
pelo nosso presente Alvará de procuração bastante para se vender a
nosso irmão, o Capitão Antonio da Costa Leitão de Drumond, a parte
que nos tocou no Engenho Caraú, por morte de nosso pai o Capitão
Salvador Coelho de Drumond, fazemos nosso bastante Procurador a
nosso irmão o Reverendo José Bezerra Cavalcante de Albuquerque,

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 257

para que em nosso nome possa assignar a Escriptura de venda como


se próprios fossemos, para o que lhe concedemos todos os nossos
poderes em direito necessário. Recife 18 de Setembro de 1781 = Fran-
cisco de Brito Bezerra Cavalcante de Albuquerque. D. Maria Cezar
Bandeira de Mello. Reconheço ser a letra e signal da procuração su-
pra do Dr. Francisco de Brito Bezerra Cavalcante de Albuquerque, e
outro signal posto ao pé da mesma procuração ser de sua mulher D
Maria Cezar Bandeira de Mello por ter visto letras e signaes seus da
mesma forma. Olinda a 26 de Outubro de 1781 = O Tabelião Estevão
Velho de Mello. E mais se não continha em ditas procurações e reco-
nhecimentos; e da outra como comprador o Capitão Antonio da Cos-
ta Leitão de Drumond, ambos moradores no Engenho Caraú e pes-
soas reconhecidas por mim Tabellião pelas próprias de que se tratão,
do que fé; e pelo vendedor foi dita em minha presença e das teste-
munhas ao diante nomeadas, assignadas que seus constituintes erão
Srs. e possuidores de parte do Engenho Caraú sito na Freguezia de
Itamaracá termo da Villa de Iguarassú, que lhes tocou pelameiação e
legitimas que lhe provierão pelo fallecimento do dito seu marido e
Pai e juntamente para satisfação das dividas do casal constantes do
inventario, a que se procedeo pelo juízo de Orfãos da mesma Villa de
Iguarassú; as quaes partes do sobre dito Engenho em que se com-
preendem todas as suas matas, terras, aguas, logradoures, casas de
vivenda de sobradocapella imagens e assesórios desta; cobres tudo o
mais, e bemfeitorias ao mesmo pertencentes; estão os ditos seus
constituintes justos e contratados venderem como de fato vendem e
traspação ao dito comprador seo filho e irmão o Capitão Antonio da
Costa Leitão de Drumond, pelo preço de sua respectiva avaliação
abatendo no emporte de sua meação a sua constituinte mãe 400$000
a cada um dos seus constituintes irmão do emporte de suas legitimas
cem mil reis (100$000) por serem certas de que o sobredito Engenho
fora avaliado por mais de seu competente valor a cujas contas depois
de tirado o mencionado abate, confessou haver recebido a sua cons-
tituinte mai pelo que respeita a meação 114$420 e a conta das dividas
do casal que o comprador satisfez e se obrigou aos credores do mes-
mo 3:095$268 reis, e o seu constituinte e irmão o Capitão Leonardo
Bezerra Cavalcante de Albuquerque depois de tirado o mesmo abate
261$500 reis e o seu constituinte e irmão o Dr. Francisco de Brito

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258 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Bezerra Cavalcante, depois de tirado o sobedito abate haver recebido


4 caiscas de assucar branco e 50$000 reis em dinheiro das quaes tira-
da que seja a conta da sua importância pela inspecção e accrecimo
que tiverão dous dos ditos lhe levará em conta, e pelos ditos seus
constituintes das parcelas recebidas, dava ao comprador plenária e
geral quitação de paga para lhe não serem mais pedidos por elles, ou
seus herdeiros, em tempo algum, ficando elle comprador obrigado a
satisfazer o resta da meação a 100$000reis, em cada safra que se se-
guir da que está moendo, e a cada uma das legitimas aos dous cons-
tituintes pelo que respeita ao resto dellas 50$000 reis, na mesma
forma ficando juntamente obrigado a satisfazer aos credores do cazal
a quem não tem pago nem se tem obrigado pelo mesmo o resto da
parte que foi adjudicado para elles no mesmo Engenho conforme
com elles se compuser vindo a ficar desta sorte o sobre dito Engenho
avaliado e vendido pela quantia de 22 mil cruzados (8:800:000), por
assim haverem tratado vender seus constituintes, e desta forma não
ouvida elle vendedor tome o comprador pos se das mencionadas
partes de dito Engenho e suas pertenças e quer a tome quer não
pelos seus constituintes lha havia dada real, e actual civil e natural
corporal e pessoal, pela clausula constituinte; e promete não vir em
tempo algum contra esta Escriptura, podia fazerem os ditos seus
constituintes de suas livres vontades sem constrangimento de pessoa
alguma, e se obrigava pelas pessoas, e bens delles a fazer esta venda
boa, e de paz, e de tirar o comprador de qualquer duvida que se lhe
possa mover, e que renunciava qualquer lei ou previlegio que para o
contrario os possa favorecer, e ainda as de veliano que faz a favor das
mulher; e pelo comprador foi dito que elle aceitava a escriptura na
forma nella contemplada: Em fé e testemunho de verdade assim o
disserão pedirão, otorgarão, e acceitarão, e que fosse feito o presente
instrumento nesta nota, em que assignarão sendo presentes por tes-
temunhas o Pe José Mauricio da Conceição e Antonio Mendes de
Azevedo, que também assignarão depois de ser esta, lida perante
todos. O Tabellião Estevão Velho de Mello, o escrevi. Joze Bizerra
Cavalcante, Antonio da Costa Leitão de Drumond, José Mauricio da
Conceição, Antonio Mendes de Azevedo. (p. 182-190)
“245. Documento Curioso. Copia da Carta de doação que fez
Duarte de Albuquerque Coelho, Donatario de Pernambuco em 16 de

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 259

Março de 1613, de uma legoa de terra em quadro, a Pedro da Cunha


de Andrade, cujo original existe no archivo deste Instituto, bastante
estragado. Duarte de Albuquerque Coelho, Capitão e Governador
da Capitania de Pernambuco, das partes do Brasil, por El- Rei nosso
Senhor. Faço saber ao Sr. Alexandre de Moura, Capitão que hora é de
dita Capitania, em minha ausência, e ao Ouvidor, Juízes, Vereadores,
Procuradores e mais Officiaes da Camara da minha Villa de Olinda e
a todas as justiças d’ella, a quem esta minha carta com consalva for
apresentada, e conhecimento della com direito pertença; que a mim
fez petição Pedro da Cunha di Andrade, morador na dita minha Ca-
pitania dizendo nella: que eu lhe tinha feito mercê de uma legoa de
terra, e a carta de doação que lhe foi passada fora em uma caravela
que dizem ser roubada de inimigos, pelo que me pedia lhe mandasse
passar outra do registro d’ella e que lhe faria mercê; a qual petição
por mim vista mandei por nella o despacho seguinte: passa-se-lhe
com consalva como pede. Lisboa aos 16 de Março de 1613 annos. O
que tudo se continha na dita petição e despacho, e por virtude delle
se passou a presente que está registrada a folha 14, a qual de verbo
ad verbum é a que se segue: = Duarte d’Albuquerque Coelho, Capi-
tão e Governador da Capitania de Pernambuco, partes do Brasil, por
El-Rei nosso Senhor e. Faço saber ao Senhor Alexandre de Moura,
Capitão que hora é da dita minha Capitania em minha ausência, e
ao Ouvidor, Juizes Vereadores, Procuradores, e mais Officiaes da Ca-
mara da minha Villa de Olinda, e a todas as justiças d’ella, a que esta
minha carta for apresentada e ao conhecimento d’ella constar perten-
cer; que a mim me enviou a dizer por sua petição. Pedro da Cunha
d’Andrade morador na dita minha Capitania: que elle tinha um En-
genho Trapiche de bois na margem do Capibaribe, que sustentava
com grande gasto, e fazia muito assucar, pela muita fabrica eu nelle
tinha de que me fragava de penção a 3 por cento, e não tinha pastos
para os bois, sem que podesse sustentar dito Engenho, pelo que me
pedia lhe fizesse mercê de uma legoa de terra em quadro para pastos
no Tapicurá, junto a mata do Brasil, de uma banda e outra da lagoa
comprida e receberia mercê, a qual petição por nós vista, e havendo
respeito ao que nella diz o dito Pedro da Cunha de Andrade hei por
bem e me apraz, de lhe fazer mercê de uma legoa de terra em qua-
dro, na matta do Brasil, de uma banda e outra da legoa comprida,

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


260 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

para pastos, não servindo para outra cousa, com todas as lenhas,
pastos e mattas; resalvando a da pau brasil; e cahindo a dita legoa de
terra ou parte della no meu Reguengo, me pagará foro como os mais
Reguengueiros, e outro sim me pagará a 3 por cento, de toda sorte de
moenda que nella se fizer, de farinha de pau, ou outra qualquer que
seja, e a dita legoa de terra em quadro será medida com justiça e ver-
dade, e todas as confrontações necessárias tem as duas mil e quatro
centas braças em quadro de 10 palmos de vara, cada braça, em parte
que não prejudique aos outros providos; pelo que peço por mercê
ao dito Senhor Capitão e mais Officiaes e justiças acima declaradas
que tanto que esta minha carta lhe for apresentada, se fará escriptura
em que o dito Pedro da Cunha de Andrade, confesse e declare acei-
tar esta mercê obrigando-se a cumprir tudo que nella se contem; e
a pagar o foro da dita terra cahindo alguma no meu Reguengo, e de
tudo o que lavrar a 3 por cento, como fica declarado; e não pagando
quando for tempo de ser executado por via executiva; e depois disso
feito darão a posse ao dito Pedro da Cunha de Andrade, da dita legoa
de terra, sem duvida nem embargos alguns, que lhe a isto lhe serão
postos; e esta se registrará no livro em que se costumão registrar as
datas de terras, onde se porão verbas, do tempo em que se tomar
posse da dita legoa de terra, e da demarcação que d’ella se fizer; com
declarações do que houver no meu Reguengo, para o effeito do foro
que ha de pagar, e esta mercê e doação faço ao dito Pedro da Cunha
de Andrade, neste dia para todo sempre para elle sua mulher, filhos,
netos e descendentes; os quaes seus filhos e mais herdeiros serão
obrigados a pagar o dito foro e a cumprir as mais obrigações decla-
radas na carta que que lhe mandei passar por certeza de todo. Dada
em Lisboa aos 27 de Dezembro por mim assignada e sellada com o
sello de minhas armas. Francisco Antunes a fez, anno do nascimento
de N. Senhor Jesus Christo de 1612. E eu Ayres Tavares a fiz escrever
e diz a entre linhas a fez pelo que peço por mercê ao dito Sr. Capitão,
e mando as mais justiças acima nomeadas que tanto que esta minha
carta com consalva lhes faz apresentada, se dê a sua divida execução,
na forma contenda na que acima vai incorporada, não havendo feito
obra pela própria e por certeza de todo, mandei passar a presente,
dada em Lisboa a 29 de Março, por mim assignada e sellada como
sello de minhas armas. João Pereira a fez no anno no nascimento de

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 261

N. S. Jesus Christo de 1613. E eu Ayres Tavares a fiz escrever. Duarte


d’Albuquerque Coelho Ayres Tavares. Carta de doação com consal-
va por que V Sª. faz mercê a Pedro da Cunha de Andrade de uma
legoa de terra em quadro, no Tapicurá, junto a matta do Brasil, de
uma banda e da outra da alagoa comprida, para pasto: não servindo
para outra cousa com todas as lenhas, pastos e matas; resalvando as
do pau brasil e cahindo a dita legoa de terra ou parte d’ella em seu
Reguengo, pagará o foro como os mais Reguengueiros, e outro sim
pagará a 3 por cento, de toda sorte de moenda ou lavoura que se
fizer, de farinha de pau ou outra qualquer que seja, com as mais obri-
gações e clausulas necessárias. Para V. S. vêr. Registrada no 8º Livro
as folhas 32 na volta. Em Lisboa a 29 de Março de 1613 annos. Ayres
Tavares.” (p. 190-195)
“246. Escriptura de venda de umas casas térreas na rua da cadeia
que faz Leonardo Bezerra Cavalcante, e sua mulher D. Joanna Pereira
da Silva, a Joaquim de Almeida afolhas 150. Em nome de Deus amem.
Saibão quantos este publico instrumento de escriptura de umas cazas
térreas com seus chãos, ou como em Direito melhor nome e lugar
haja tudo ao diante declarado, virem, que no anno do nascimento de
N. S. Jesus Christo de 1688 annos aos 18 dias do mez de Junho do
dito anno, neste Bairro, de Santo Antonio do Recife termo da Cidade
de Olinda: Capitania de Pernambuco, em pousadas de Leonardo Be-
zerra Cavalcanti, onde eu Tabelião ao diante nomeado, vim e sendo
ahi presente mim aparecerão partes presentes outorgantes, e accei-
tantes, a saber, de uma como vendedores o dito Leonardo Bezerra
Cavalcante e sua mulher D. Joanna Pereira da Silva, e da outra como
comprador Joaquim de Almeida, todas pessoas de mim Tabelião re-
conhecidas pelas próprias de que se trata; e logo pelo dito Leonardo
Bezerra Cavalcante, e sua melhor D. Joanna Pereira da Silva, foi dito
em minha presença, e das testemunhas ao diante nomeadas e assig-
nadas, que entre os mais bens de raiz que tinhão e possuião, e de
que estavão de mança e pacifica posse erão bem assim umas casas
térreas com seus chãos que estão devididos entre moradinhas citas
na sua da cadeia indo da parte da não direita em que de presente
mora Manoel Matheus, official de sapateiro, e Feliciano Fernandes
[Sidraes], e um marceneiro a que não sabem o nome, que chegão de
rua a rua as quaes são suas livres e desembargadas, sem foro nem

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


262 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

pensão alguma mais que disimo a Deus, que as houverão de seu


antessessor e marido o Alferes Jorge Vieira de Azevedo, e o dito as
houve os chãos dellas por dote que lhe fez seu sogro e pai o Capitão
mor Antonio da Silva, e as bemfeitorias que são de tigollo as fez o
dito seu antecessor como tudo consta por uma escriptura de dote,
que logo apresentou feita no Cartorio que foi de Antonio Soares, em
20 de Novembro de 1672, e que ora tinhao contratado de vender
como de facto logo venderão deste dia para todo sempre, assim ben-
feitoria como chão ao dito Joaquim d’Almeida, por preço e quantia
de 475$000 rs pagos na forma seguinte, a saber 200$000 em dinhei-
ro de contado e 275$000 em assucar de pagamento, a qual quantia
assim de dinheiro como de assucar confessarão haver já recebido
nas ditas espécies da mão do dito Joaquim de Almeida, de que lhe
davão plenária e segurata quitação deste dia para todo sempre, para
que nunca mais lhe seja pedido cousa alguma, por si nem por seus
herdeiros, e que desde logo demetião e apartavão de si toda a posse,
ação, domínio e senhorio que tinhão e podião ter na dita proprieda-
de de casas, chãos e benfeitorias; davão sedião e transpassavão na
pessoa do dito Joaquim d’Almeida, para que as logre e possua como
cousa sua própria, que já hé e fica sendo em razão deste instrumen-
to, assim e maneira que elles vendedores os lograrão e possuirão e
melhor em direito poder ser; é não tem duvida que logo tome posse
dellas por si ou por autoridade de justiça, e quer a tome quer não,
desde logo lha davão, e havião por dada, real pessoal, e actual, civil,
e natural, pela Clausula Constitute, e prometem e se obrigão a fazer
sempre esta venda boa, firme e valiosa, de paz, para todo sempre e
de nunca pirem nem virem contra esta escriptura, em parte nem em
todo, em juízo nem fora delle, por si nem por outra interposte pes-
soa, antes desta, e mantela assim, e da maneira que nella se contem,
e querendo vir com alguma dúvida não queria ser ouvido em juízo,
sem que primeiro depositem o dito preço em mão do dito comprador
para o que o hão logo por abonado; e esta Clausula depositaria pús
eu aqui a pedido das partes, certificando-lhes 1º a Lei dos depósitos
em contrario, sem encargo da qual assim o pedirão e acceitarão; e
outro sim o prometem e se obrigão que havendo alguma pessoa ou
pessoas que ponhão alguma duvida, ou embargo a validade desta
escriptura darem-se em tudo por autores, e defensores a sua pro-

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 263

pria conta e despeza, respondendo em qualquer juízo para donde


o comprador os chamar, para o que se desaforarão do juízo de seu
foro, leis liberdades, feriasgerais, e especiais; e que para tudi assim
cumprirem e guardarem obrigavão suas pessoas e bens moveis e de
raiz, havidos e por haver, e o melhor parado delles; e logo pelo dito
Joaquim d’Almeida foi dito, que elle aceitava esta escriptura assim
e da maneira que nella se contem, e as ditas casas e chãos pelos
ditos 475$000 rs. Na espécie referida, e de como assim o dicerão e
outorgarão e acceitarão mandarão fazer esta escriptura nesta nota em
que assignarão sendo testemunhas presentes José Cardozo Moreno,
e o capitão Francisco Correa da Fonseca, e João Vieira da Silva, que
todos assignarão e eu Diego Cardozo tabelião, o escrevi. Leonardo
Bezerra Cavalcante, D. Joanna Pereira da Silva, Joaquim de Almeida,
Jose Cardozo Moreno, Francisco Correa da Fonseca, João Vieira da
Silva. No mesmo livro de notas a folha 134, esta uma escriptura de
doação de serviço feita por .......... de Siqueira ao capitão Duarte de
Siqueira, declarando serem ambos irmãos e filhos de Antonio de
Siqueira morador que foi na Freguezia de Muribeca, mais que elle
doador era filho natural e o doado filho legítimo do dito Antonio de
Siqueira, e que a razão que para fazer esta doação tinha era os muitos
benefícios que tinha recebido do doado e por ser casado com uma
mulher grave. Este documento não continua.” (p. 196-200)
“247. Cópia de uma provisão de S. M. que Deus Guarde passa-
da ao Dr. Ouvidor Geral José de Lima e Castro, na qual mandou o
dito Sr. continuar com a deligencia do Tombo. D. João por graça de
Deus Rei de Portugal e dos Algarves daquém e d’alem mar em Áfri-
ca, Sr. da Guiné. Faço saber aos que esta minha Provisão virem que
tendo consideração ao que me representarão os officiaes da Camara
da Villa do Recife sobre o prejuízo que recebião os seus morado-
res com o procedimento que com elles tinha o Dr. José Ignacio de
Arouche, como juiz do tombo das terras e propriedades pertencen-
tes a Camara da Cidade de Olinda de que eu o havia encarregado;
pedindo-me mandasse suspender na dita deligencia e resolver o
que devia tocar a Camara do Recife para o seu aumento permitin-
do-lhe os reguingos e foros do seu districto; e atendendo ao que
sobre este requerimento informou o Governador do Pernambuco,
ouvindo os oficiais da Camara de Olinda, e o que respondeo o meu

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264 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Procurador da Coroa, hei por bem, e mando ao Ouvidor Geral da


Capitania de Pernambuco continua com a deligencia do Tombo das
terras, rendas, e propriedades pertencentes a Camara de Olinda,
na mesma forma em que della estava encarregado José Ignacio de
Arouche e acaba com brevidade este tombo, levando os salários
constumados e os seus oficiais nos dias nos dias em que trabalha-
rem nas ditas deligencias, finda ella de-me conta do que resultar por
assim haver resoluto em 18 de junho do presente anno, em consulta
do meu Conselho Ultramarino; e esta Provisão se cumpra e guarde
como nella se contem sem dúvida alguma a qual valerá como Carta,
e não passará pela Cancellaria sem encargo da ordenação L° 2, tt. 39
e 40, em contrario; e se passou por duas vias El-Rei Nosso Senhor o
mandou por João Telles da Sva e Antonio Rodrigues da Costa, con-
selheiros do seu Conselho Ultramarino. Dionizio Cardoso Pereira, a
fez em Lisboa a 5 de julho de 1745. O Secretário André Lopes da La-
vra, a fez escrever. João Telles da Silva, Antonio Rodrigues da Costa,
segunda via registrada a folhas do Livro 5° das Provisões que serve
na Secretaria do Conselho Ultramarino. Lisboa 27 de março de 1716
André Lopes da Lavra. Cumpra-se e registre-se. Olinda em Camara
28 de maio de 1716. Pinto, Cavalcanti, Coelho, Leitão, Silva. E não
se continha mais em dita Procuração que eu Manoel de Miranda
d’Almeida, Escrivão da Camara o registrei. Manoel de Miranda de
Almeida – Esta Provisão está registrada a folhas 118v de um livro
muito desbaratado da Camara de Olinda.” (p. 201-203)
“248. A folha 156 de um livro de veriações do senado de Olinda
está um termo de vestoria, cujo conteúdo corrobora o que dispõem
a Provisão de 5 de julho de 1715 retro, isto é, que a Camara de
Olinda conservou sempre posse nas terras que lhe forão doadas
pelo primeiro donatário Duarte Coelho. Que as mesmas terras fo-
rão tombadas e demarcadas. O que muito lamentável, sem duvida
deve ser é, qur esse precioso documento, o Termo de demarcação
não esteja presente a actual Camara para em vista d’ella o [obviar-
-se] quaisquer duvidas que possão haver sobre os limites, de suas
terras. Eis o Termo de vistoria. Aos 9 dias do mez de outubro do
anno de 1773 nesta Cidade de Olinda no lugar detraz do Collegio
dos Padres de Jesus, e em terras do senado da Camara, da parte de
cima da estrada real que vai para Sebastião Lopes, onde eu Escrivão

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 265

da Camara ao diante nomeado, fui vindo com o Juiz Vereador do


mesmo Senado o Capitão Manoel Alves de Moraes Navarro Lins, e
mais Officiais da Camara, e o Procurador della, por ordem vocal do
Dr. Ouvidor geral e Corregedor desta Comarca José Theotonio Ce-
dro Luzarte, para se fazer vestoria em uns marcos que o tombador
das terras do mesmo Senado o Dr. José Ugnacio de Arouche, havia
metido para separação destas e das terras pertencentes a olaria
dos sobre ditos PP., que hoje possue o Capitão Manoel Pinheiro da
Fontoura, por arrematação que dellas fez na junta do Fisco, cujos
marcos se havião arrancado e sumido, como ao dito Ouvidor Geral
e Corregedor havião noticiado. E sendo ahi, mandarão notificar a
Antonio Borges da Fonseca, morador no dito lugar, foreiro antigo
do mesmo Senado, homem de sã consciência para vir a sua presen-
ça declarar se sabia dos mesmos marcos que dividião as taes terras;
o qual declarou que sempre vira e conhecera na quelle lugar desde
que nelle morava trez marcos de pedra, que distinguião as terras
dos referidos Padres das terras do Senado e corrião linha recta de
Sul a Norte; dos quaes marcos somente dous ainda se achavão e
que o outro havia poucos annos se havia arrancado; porem que
mostraria o lugar em que existia, e que disto também podião dar
noticia os moradores da quelle lugar que erão Antonio Rodrigues,
Ignacio Pereira e João Evangellista, doas quais mandarão vir a sua
presença o Juiz Vereador e mais Officiaes da Camara e declararão
o dito Antonio Borges da Fonseca, Antonio e Ignacio Pereira, que
no dito lugar havião visto 3 marcos de pedra que separavão as ditas
terras umas das outras, e o dito João Evangellista, disse nunca vira
os ditos marcos porem que seu sogro lhe dissera varias vezes haver
na quelle lugar vários marcos; e com as ditas testemunhas fomos vir
e examinar os referidos marcos, dos quais somente achamos dous
na extrema das ditas terras, um delles em pé com outra pedra junto
de si em igual altura com a marca dos ditos Padres, e o outro bas-
tante enterrado e quasi deitado, que somente tinha de fora da terra
pouco menos de um palmo, com a dita marca dos mesmos Padres;
e procurando-se o terceiro marco se não achou por se haver arran-
cado, porem as ditas testemunhas mostrarão o lugar em que elle
existia antes de si arrancar; roçado e aplantado com a mesma terra
do Senado pelo dito Capitão Manoel Pinheiro da Fontoura ou seus

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266 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

foreiros como terra pertencente a dita Olaria, e declarou o mesmo


dito Antonio Borges que destes três marcos desta vistoria muito
bem sabia o dito Capitão Manoel Pinheiro, por quanto sendo Escri-
vão da Camara, viera velas com o Procurador della José Alemão de
Cisneiro, o Meirinho Ludovico Pereira, e seu Escrivão e dellas toma-
rão clareza com papel e tinta os quaes marcos lhe veio mostrar elle
testemunha o que tudo declarão debaixo de juramento dos Santos
Evangelhos, que receberam, e mandarão fazer este termo em que
assignarão. Eu Luiz Manoel de Oliveira Brito, Escrivão da Camera o
escrevi. Navarro Lins, De Veras, Machado, Nobre, Antonio Borger da
Fonseca, Antonio Rodrigues d’Avilla. Cruz de Ignacio + Pereira João
Evangellista.” (p. 203-206)
“249. Foral da Camera de Olinda. Aos 20 dias do mez de Junho de
1710, nesta cidade de Olinda, em casas de morada do Dr Jose Ignacio
de Arouche, Juiz do tombo dos bens doados a camera desta cidade,
ahi pelo dito Juiz do tombo foi mandado a mim Escrivão, juntasse a
estes autos um translado do Foral dado a câmera desta cidade, pelo
Donatario que foi desta capitania e bem assim uma provisão do anno
de 1678, que andava junto com o mesmo Foral; e notificasse as pes-
soas mais antigas desta cidade e redores della, para virem dar suas
informações sobre o que lhes fosse perguntado; de que fiz este ter-
mo, eu Domingos Gomes Galvão, escrivão do tombo, o escrevi. Do-
mingos Gomes Galvão. Certidão. Domingos Gomes Galvão escrivão
do tombo dos bens doados a câmera desta cidade de Olinda, por S.
M. Fidelissima que Deus Guarde. Certifico que em um livro que os
officiais da camera desta cidade mandaram entregar ao Dr Jose Igna-
cio de Arouche, para continuar o tombo dos bens doados a camera;
este Foral, cujo teor de verbo ad verbum é o seguinte: Duarte Coelho,
Fidalgo da casa d’ ElRei nosso Senhor, Capitão e Governador destas
terras da nova Luzitania, por El Rei nosso Senhor. Fasso saber, a
quantos esta minha Carta de Doação virem, que anno Nascimento de
Nosso Senhor Jesus Christo de 1550 annos, aos 17 dias do mez de
Março deste anno, a requerimento dos Vereadores e Procuradores do
Conselho desta Villa de Olinda mandado tirar do Livro do Tombo e
Matricula, Carta de Doação das cousas que elle dito Senhor Governa-
dor tinha dado a esta Villa e moradores e povoadores della, as quaes
dadas por elle dito Senhor Governador na era de 1537; deu e duou o

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 267

Senhor Governador a esta sua Villa de Olinda, e para seu serviço e


de todo o seu povo, moradores e povoadores, as cousas seguintes: os
assentos deste monte e arrabaldes delle, para casarias e vivenda dos
ditos moradores e povoadores; os quaes lhes da livres de foros e
ixentos de todo direito para sempre; e as varzeas das vaccas e as de
Beberibe e as que vão pelo caminho que vai para o poço do Gover-
nador e isto para os que não tem onde pastem os seus gados, e isto
será nas campinas para passigo que os rebeleiros dos mattos, para
roças, a quem Conselho as arrendar, que estará das campinas para o
alagadisso e para as margens com quem confinão as terras dadas a
Rodrigo Alvares e outras pessoas. O rocio que esta defronte da Villa
para o sul ate o ribeiro, e do ribeiro té a lombada do monte que jáz
para os mangues do rio Beberibe, onde se ora faz o varadouro em
que se carregou a Galeota; porque da lombada para baixo o qual o
dito Senhor Governador alinhará para sua feitoria e assento della,
que é do montinho que esta sobre o rio té o caminho do varadouro,
e d’ahi para cima todo o alto da lombada para os mangues será para
casas e assentos de feitorias té um pedaço de matta que deu a Barto-
lomeu Rodrigues, que esta a beira do caminho que vai para todos os
santos. A ribeira do mar té o recife dos navios em suas praias, té o
varadouro da Galeota, subindo pelo rio de Beberibe a riba até onde
se fez um esteiro, que esta detraz da roça de Braz Pires, conjunta com
outra de Rodrigo Alvares; tudo isto será para serviço da Villa e povo,
té 50 braças de largo do rio para dentro para desembarcar todo o
serviço da Villa e povo della; e d’ahi para Villa e tudo o que poder
ser demais dos mangues, pela várzea e pelo rio a riba é da serventia
do conselho. Outro sim, d’ahi mesmo do varadouro, rodeando pela
praia ao longo do mar, té onde sahe o ribeiro de val de fontes, todo
mato dessa dita praia, té 50 braças a dentro da terra, tudo será ser-
ventia da dita Villa e povo; reservando que se não pode dar a pessoa
alguma; e da dita ribeira sainte de val de fontes té o rio doce, que se
chama Paratibe, tudo será para serventia do povo e Villa té as vár-
zeas, que será pouvo mais ou menos, 200 braças de largo, da praia
para dentro das várzeas. E porque do rio doce para a banda do norte
fica com o termo da Santa Cruz, outro tanto ao longo do mar 200
braças pela terra a dentro de arvoredo, para madeira e lenha do povo
da Villa da santa cruz, assim como atrás conteúdo, é para a Villa de

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268 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Olinda. O monte de Nossa Senhora do Monte, aguas vertentes para


toda parte, tudo será para serviço da Villa e povo della, tirando aquil-
lo que se achar ser da casa de Nossa Senhora do Monte, que é de 100
braças da casa ao redor de toda parte, e assim o vallinho que é da
banda do norte, rodea todo monte; pelo que té o caminho que vai da
dita Villa para val de fontes para o curral velho das vaccas, que isto
é da dita casa de Nossa Senhora do Monte. E que detraz do dito mon-
tinho, onde ha de fazer o Senhor Governador a sua feitoria ao vara-
douro da Galeota e ha-se de abrir o rio Beberibe e lançar ao mar por
entre as duas partes das pedras, como tem assentado o Senhor Go-
vernador entre o dito rio doce de novamente, e as roças da banda de
riba, a de Paulo Correa e a da Senhora D. Brites, e o mato que esta
adiante para ora é do senhor Geronimo de Albuquerque; que a de ir
uma rua de serventia ao longo do dito rio novo, para serventia do
povo, de que se possa servir de carros, que será de 5 a 6 braças de
largo e rodeira pelo que, do montinho té o varadouro da Galiota to-
das as fontes e ribeiros ao redor desta Villa dous tiros de besta, será
para serviço da dita Villa e povo della; falas-hia o povo a limpar e
corrigir as suas custas todos os mangues ao redor desta Villa que
estão ao longo do rio Beberibe assim para baixo, como para cima, té
onde estiver terra de arvoredo, de roçar ou fazendas pelo Senhor
Governador. Todos os ditos mangues serão para serviço da dita Villa
e povo. E assim os do rio dos sédros e ilha do porto dos navios, os
varadouros que estão dentro do recife dos navios, e os que estiverem
pelo rio a riba dos sédros e de Beberibe, e todo outro varadouro que
se achar ao redor da Villa e termo della, será para serviço seu e seu
povo. Isto foi assim dado e assignado e assentado pelo dito Governa-
dor; e mandado a mim Escrivão que disto fizesse assento, e foi as
pelo dito Governador, a 12 de Março de 1537 annos. E assim hei por
bem de lhe dar e confirmar para sempre; e assim mando que todo
povo se sirva e logre dos ditos matos e linhas e madeiras para casas
tirando; fazer roças que não fofaram; e assim arvores de palmo e
meio, desta e d’ahi ´para riba, nao cortarão sem minha licença ou de
meus officiais, que por mim a cargo tiverem; porque as tais arvores
são para outras cousas de maior substancia em especial sobre pena
em meu regimento; e assim resguardarão todas as madeiras e matos
que estão ao redor dos ribeiros e fontes. A qual carta foi tirada do

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 269

livro e matricula do livro do Tombo e terras della que o Governador


mandou fazer quando chegou a esta terra na era de 1535 a 9 de Mar-
ço do dito anno, quando tomou posse destas terras e governança
dellas, jurisdições liberdades, previlegios e alvarás de Sua Alteza dos
ditos previlegios e doações; Foral do dito Senhor tem para si e seus
herdeiros moradores e povoadores dellas, conforme as ditas doaçoes,
Foral e Alvarás; a qual foi tirada a requerimento dos ditos Vereadores;
e por mandado do dito Senhor Governador, aos 17 dias do mez de
Março de 1550 annos. Gaspar de Barros o fez, dia mez e era atrás
escripta; ausência de Bartolomeu Dias, Escrivão das datas e por man-
dado do dito Senhor Governador, dia, mez e era atrás escripta de
1150 annos a qual e assignada pelo dito Senhor Governador e sellada
do seu sello de suas armas. Pagou com nota trezentos reis pagou
nove reis cinquenta e quatro reis. Registrada nos livros dos registros
d’ElRei nosso Senhor, em que manda que se registrem todas as cartas
de sesmarias e datas das terras desta capitania. Por mim Heitor Car-
valho, Escrivão da Fazenda de S. Alteza nesta capitania, a folhas 166,
167 e 168. A requerimento de Simão Paiva Procurador do Conselho
desta Villa de Olinda, aos 4 dias do mez de Setembro, anno do nas-
cimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1557 annos. Heitor Carva-
lho. Pagou cinquenta reis. Foi consertado com a própria que esta na
caixa da câmera, por mim Duarte de Sá, Escrivão della com o Tabe-
lião abaixo assignado, bem e fielmente por que se fez na verdade em
Olinda, a trinta de Agosto de 1583 annos. Consertada por mim Escri-
vão Duarte de Sá e comigo tabelião Antonio Lopes. O qual translado
de doação e Foral, eu Jorge da Costa Calheiros, Tabelião publico do
judicial, nesta cidade de Olinda e seu termo, capitania de Pernambu-
co, por S. M. Que Deus Guarde, depois de feita a conferencia com os
tabeliães Gaspar da Serra Inojosa e Dionisio de Freitas da Cunha, no
Foral que me foi apresentado pelo Rdo Presidente deste Mosteiro de
São Bento Frei Bernardo de Jesus Maria; e com o Foral do Senado da
Camera desta cidade e com o translado do Foral que andava nos au-
tos e sentença contenda na petição atrás aos quaes nos reportamos
examinando com os ditos Tabeliões tudo como dito é; fiz transladar
bem e fielmente dos sobreditos translados de Forais e do Foral do
dito Mosteiro de São Bento que a tornei a entregar ao dito Rdo presi-
dente, que de como o tornou a receber, assignou aqui com os ditos

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


270 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Tabeliões conferir e consertei, subscrevir e assignei dos meus signais


rasos seguintes nesta cidade de Olinda, capitania de Pernambuco,
aos 25 dias do mez de Dezembro de 1709 annos. Em fé de verdade
Jorge da Costa Calheiros. Consertada por mim tabelião Jorge da Cos-
ta Calheiros, e comigo escrivão Gaspar da Serra Inojosa, e comigo
Tabelião Dionisio de Freitas da Cunha. Frei Bernardo de Jesus Maria.
E não se continha mais em o dito Foral que se transladei bem e fiel-
mente, e com o próprio este conferir e consertei, e com o official
abaixo assignado e vai sem cousa que dúvida faça, e por verdade o
escrevi e assignei, com os meus signais costumados, nesta cidade de
Olinda capitania de Pernambuco aos 23 dias do mez de Junho de
1710, annos. Domingos Gomes Galvão. Consertada por mim escrivão
Domingos Gomes Galvão, e comigo escrivão Jorge da Costa Calhei-
ros. Confirmação do Foral. Domingos Gomes Galvão, escrivão do
Tombo dos bens doados a Camera desta cidade de Olinda, por S.M.
que Deus Guarde. Certifico que em um livro que os oficiais da Came-
ra desta cidade, mandaram entregar ao Dr. Jose Ignacio de Arouche,
para continuar o Tombo dos bens doados a dita Camera; esta a pro-
visão, cujo theor de verbo ad verbum, é o seguinte: eu o Príncipe
regente e governador do Reino de Portugal e Algarve. Faço saber aos
que esta minha provição virem, que tendo com considereção aos
oficiaies da Camera da Villa de Olinda representarem, que com a in-
vasão dos holandeses fizeram no estado no Brasil, hostilidades que
padecerão por decurso de tantos annos, se desertando e perderão os
livros da Camera e entre elles todos os papeis importantes, e uma
doação que Duarte Coellho havia feito a mesma Camera, ficando
com esta perda sem clareza nas datas da dita Villa e pertences della
e dos oficiais, cujo proviemento pertence aquelle Senado; e pelas
diligencias que se fizeram acharão no cartório de San Bento, registra-
da a dita doação por onde constavão os ditos pertences e Foral, que
convinha-se confirmasse para o ajustamento delles, por quanto as
datas que os antecessores fizerão de terras de voluto, ficaram nulas e
se devião dar por arrendamento a os povos; pedindo-lhes mandasse
confirmar o dito Foral e doação, com a dita clareza, e por applicação
dos ditos foros dos desembarcadouros do Recife a maior parte as
fortificações em grande utilidade do meu serviço, tendo a tudo res-
peito e a informação que deo o Ouvidor geral da Capitania de Per-

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 271

nambuco, e ao que respondeo o procurador da Coroa a quem se deu


vista. Ei por bem de lhes fazer mercê confirmar a dita doação naquel-
les bens doados de que a câmera esta de posse, mais nao naquelles
que estão em mãos de terceiros, por estes senão poderem confirmar,
conforme o direito, e os deveres requeres via ordinária. Pelo que
mando ao meu Governador da Capitania de Pernambuco e mais Mi-
nistros a quem tocar, cumprão e guardem esta provisão e e fação
muito inteiramente cumprir e guardar, como nella se contem, sem
duvida alguma; a qual valera como carta sem embargo da ordenação
do livro 2° tit. 40, encontrario. E se passou por três vias. Antonio Ser-
rão de Carvalho, fez em Lisboa, a quatorze de Julho de 1678. O se-
cretario Manoel Barretto de Sampaio a fez escrever. Principe Conde
de Val dos Reis. Provisão porque V. Alteza fez mercê aos officiais da
Camera da Villa de Olinda confirmar a doação que Duarte Coelho
havia feito a mesma Camera daquelles bens doados de que ella esta
de posse, mais não naqueles que estão em mão de terceiro, por estes
senão poderem confirmar, conforme o direito, e os deveres, requerer,
via ordinária, como nesta se declara, que vai por três vias. Para V.
Alteza ver. Por resolução de S. Alteza, de 23 de Junho de1678, em
consulta do Conselho Ultramarino de 14 do dito mez e anno --- pa-
gou trezentos reis Gonçalo de Meireles Freire. Registrada nos livros
da Secretaria Conselho Ultramarino, a espaço f. 197v, em Lisboa 16 de
Setembro de 1678. André Lopes de Lavra. Registrado na Chancellaria
Mor do Reino e Corte, em o livro dos officios e merês a f. 168. Inno-
cencio Correa de Moura. Cumpra-se, como S. Alteza que Deus Guar-
de, mandada, e registre-se onde toca. Olinda 21 de Dezembro de
1682. D. João de Souza. E não se continha mais em dita provisão, que
transladei bem e fielmente, e com a própria este conferir e consertei,
e com o oficial abaixo assignado, e vai sem cousa que duvida faça. E
por verdade escrevir e assignei com os meus signais costumados,
nesta cidade de Olinda, capitania de Pernambuco aos 24 dias do mez
de Junho de 1710 annos. Domingos Gomes Galvão. Consertado por
mim escrivão Domingos Gomes Galvão e comigo escrivão Jorge da
Costa Calheiros. ” (p. 207-218)
“250. Copia da chronica do Cemitério público de Nossa Senhora
da Conceiçao da cidade de Olinda extrahida do respectivo livro que
existe na secretaria daquelle Cemiterio. A luz surgindo das trevas, a

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


272 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

bonança da tempestade; a abundancia da escasses; a saudade da en-


fermidade; e finalmente o bem do mau; tudo prova o poder e a sabe-
doria infinita, cujos arcamos não pode a humana creatura perscrutas.
A peste, esse meio mais terrível de que se serve o Ente Supremo para
castigo da humanidade, acarretando consequências tao terríveis, tras
muitas vezes um bem, a principio ignorado, e depois com eviden-
cia conhecido e apreciado. A muito que o progresso e a illustração
dos tempos modernos se clamaram a extinção do abusivo costume
das inhumação nos Templos; essa medida que a saudade publica
constantemente exigia; a religião o solicitava a bem do respeito e
docência devida aos Templos Sagrados; mais como não havia poder
humano que o conseguisse, pela inevitável apposição do fanatismo
de uns e perverso egoísmo de outros, permitiu Deus que o Cholera
transpondo o atlantico viesse invadir as plagas americanas, e depois
de ceifar tantas vidas preciosas nos obrigasse a tomar a providencia
que a muito ja devia estar adaptada. Foi pois esse terrível mal, essa
peste assoladora; a maior que viu o Brasil, que deu lugar a salutar
instituição dos Cemiterios, e que parece ir em pouco tempo tornar-se
geral por todo o nosso solo. Ja essa morte fera epidemia assolava o
Sul e o Norte do Império, quando esta Provincia resseando as Con-
sequencias de sua aparição se preparava com medidas sanitárias. Co-
missões de médicos nomeados pelo governo eram designadas para
diferentes partes e localidades, e instruções higiencias eram publica-
das pela impresa e enviadas as Câmeras Municipais para distribuir,
recomendando o governo da Provincia as mesmas Cameras todas
aquellas providencias que tivessem por fim, senão evitar tão cruel vi-
sita ao menos tornar o terrível hospede menos devastador. Foi nessa
conjuctura que a Camera Municipal desta cidade desenvolvendo todo
o seu zelo e atividade, propôs ao governo várias medidas preventi-
vas, figurando entre ellas a proibição das inhumações nos Templos,
e a fundação deste cemitério com a sublime invocação de Nossa Se-
nhora da Conceição. Sob o reinado pois do Senhor D. Pedro 2° sob
a Presidencia do Exmo Conselheiro Jose Bento da Cunha e Figueiredo;
sendo Prelado Diocesano o Exmo e Rmo Sr. D. João da Purificação Mar-
ques Perdigão; chefe de policia da província o Dr. Luiz Carlos de Pai-
va Teixeira, Juiz Municipal e de Orfãos o Dr. José Quintino de Castro
Leão, delegado de policia o Dr. Manoel Joaquim Carneiro da Cunha,

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 273

subdelegado desta cidade o Dr. Manoel Antonio dos Passos e Silva,


foi fundado este cemitério pela Camera Municipal no dia 12 de Feve-
reiro de 1856, procedeo-se a benção do mesmo no dia 18 do referido
mez pelas 5 horas da tarde cujo acto praticado por ordem do Exmo
Bispo, foi executado pelo Conego da Sé e cura interino Rmo Antonio
Jose de Souza Gomes. Servião então na Camera Municipal desta Ci-
dade, os seguintes vereadores. Presidente Coronel Comandante Su-
perior Joaquim Cavalcanti de Albuquerque. Tenente Coronel Manoel
Antonio dos Passos e Silva. Major Salvador Henrique d’Albuquerque.
Major João Baptista da Silva Manguinho. Major Miguel José Teixeira.
Capitao Francisco Luiz Viraes. Tenente Christovão Pereira Pinto. Te-
nente José Eustaquio Maciel Monteiro. E como Secretário o Capitão
Eduardo Daniel Cavalcanti Vellez de Guevara. Nomeada a comissão
que devia dirigir as obras do Cemitério, ficou ella composta dos se-
guintes: Vereadores Major Salvador Henrique de Albuqe, Capitão An-
tonio Joaquim de Almeida Guedes Alcoforado, Major João Baptista
da Sva Manguinho Capitão Francisco Luiz Viráes, Tenente Jose Eusta-
quio Maciel Monteiro. Aprovada pelo governo da província a medida
proposta da fundação do Cemitério, mandou entregar a Camera pelo
Cofre Provincial a quantia de um conto de réis (1:000$000) para as
despesas do mesmo. Escolheu-se este terreno pela sua posição e
vantagyns higienicas, e quando ja se trabalhava na derrubada dos
grossos e onnosos Cajueiros, mangueiras e outras arvores frondosas
de que era todo cheio, invadiu o cholera esta cidade pelo lugar dos
arrombados, onde atacando no dia 15 deste mesmo mez de Feverei-
ro ao preto forro Jose de Santa Rosa teve este de succumbir no dia
seguinte 16, e de ser inhumado neste Cemitério pelas 7 horas da ma-
nhã. Foi a primeira victima após da qual vieram até fins de abril cerca
de 700. Então do dia 18 de Fevereiro em diante tornou-se o trabalho
penoso, porque ao passo que se tratava de destocar o terreno, era
mister accudir com pronptidão inhumassões que constituirão-se mais
numerosas, havendo dias de inhumar-se 28 cadaveres. A consterna-
ção geral, o terror e o susto tornava quase impossível semelhante ser-
viço, mais os esforços da polícia e da comissão conseguirão aplainar
as dificuldades e concluir a limpa completa do terreno e o cercado
do cemitério. Em parte alguma por onde passava a devastadora peste
do cholera houve tanta economia, pois que custando a inhumação

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274 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

de 670 cadaveres (807$010) inclusive o trabalho conjuctamente feito


da derruba das grossas arvores veio a sair a despesa de cada inhu-
mação por 1$220 reis quando na capital so pela condução de cada
cadáver para o Cemitério se pagava 10$000 reis. cessando o furor
com que o cholera nos havia acometido, era mister tomar a resolução
de conservar a obra começada ou para melhor deze-lo, de promover
a todo o trouxe a prosperidade do Cemitério publico, aproveitando
a quadra oportuna sem a qual jamais se poderia levar a efeito tão
salustar medida de que acabavamos de colher conhecidas vantagens,
visto como é indubitável que se os estragos da peste tinhão deixado
de ser em maior escala, devia-se principalmente aos enterramentos
fora dos Templos, ao contrario terião estas alimentado o seu furor e
ella prolongado-se ceifaria muito mais número de vidas. Encarregan-
do-se a comissão de edificação da direção do Cemitério e de tudo
quanto lhe dissesse respeito, organizou-se o regulamento de 10 de
Abril de 1856, e propoz-se no orçamento as respectivas cotas para as
despesas ordinárias do costeio do estabelecimento, pediram-se lote-
rias, e promoveu-se a aquisição de donativos particulares que fossem
ajudando as contribuições públicas. No meio porém de todos estes
louváveis esforços da municipalidade, surgião contrariedades inespe-
radas. Muitos daquelles mesmos que havião cooperado para aquella
medida durante o terror e o susto; passada a tempestade e o perigo
voltarão-se abertamente contra a idéia e gritavam: – abaixo o Cemité-
rio, elle não é mais preciso; esquecidos completamente de que neste
Campo Santo jazião os restos mortais de seus concidadãos, amigos e
parentes, e que o não devião abandonar as injurias do templo e nem
ao pasto dos animais. E que esses sendo christaõs não cuidão senão
do seu próprio interesse; e eivados do torpe egoísmo, cegos por
vontade e ingratos por costume, nem agradecem o bem que se lhes
faz, nem fazem o bem que se lhes pedem. Lutar com o preconceito
do povo, alimentado por esses [Earypheos], foi o duplo e penozo
trabalho que coube a aturada constancia e robusto a finco da nobre
Camara Municipal e da Commissão de Edificações composta dos Ve-
riadores seguintes: Major Salvador Henrique d’Albuquerque, Capitão
Antonio Joaqm de Almeida, Guedes Alcoforado. A justiça da causa
porem, protegida pela Excelsa Padroeira, veio por fim a triunphar;
vencerão-se todos os obstáculos, e os inimigos da instituição arrearão

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 275

suas bandeiras; sendo certo que os restos mortais de algum delles se


acharão asylados dentro destes muros; assim estejão suas almas no
seio do creador como desejamos. ” (p. 219-225)
“251. Copia do Acto da Inauguração da Capella do Cemitério pú-
blico da cidade de Olinda. Anno do Nascimento de Nosso Senhor
Jesus Christo de mil oito centos e cincoenta e oito, trigésimo sétimo
da Independencia e do Imperio aos desecete dias do mez de ou-
tubro nesta Cidade de Olinda, no Cemitério publico, fundado pela
Camara Municipal atraz das barreiras de São João onde se achavão
pelas cinco horas da tarde do referido dia o Reverendissimo Senhor
Conego e Cura interino da Cathedral da mesma Cidade Joaquim Gon-
çalves Pereira da Cruz, nomeado pelo Exmo Sr. Bispo Diocesano
para a benção da pedra, a Camara Municipal a Comissão dos Se-
nhores ConegosVigarios João José Pereira e Antonio José de Souza
Gomes, nomeada pelo Rmo Cabido da referida Cathedral, varias Ir-
mandades e confrarias, e mais autoridades e pessoas gradas, para o
fim da Inauguração da Capella do mesmo Cemiterio, sob a sublime
invocação de Nossa Senhora da Conceição; procedem-se a benção
da primeira pedra com as ceremonias religiosas, e formalidades do
estilo, sendo padrinhos da referida Pedra os Senhores Negociantes
Aureliano Almeida Rodrigues Isaac, e José Antonio de Araujo por
seus procuradores o Comandante Superior da Guarda Nacional dos
Municipios de Olinda Igarassu Joaquim Cavalcanti de Albuquerque,
e Coronel Chefe do Estado Maior da mesma Guarda Nacional Fran-
cisco Joaquim Pereira Lobo, os quais conduzindo-a em uma salva de
prata do lugarda benção para o alicerse da mencionada Capella, ahi a
depositarão ao som da musica marcialdo 9º Batalhão de Infantaria da
G. N. desta mesma cidade que com uma Guarda de honra assistia a
este acto, sendo nesta ocasião acompanhado dos repiques dos sinos
das diferentes Igrejas, findando o acto com um brilhante discurso,
pronunciado pelo Sr. Dr. Antonio Rangel de Torres Bandeira. E para a
todo tempo constar mandou a Camara lavrar este auto em que assig-
no com as pessoas presentes; eu Eduardo Daniel Cavalcanti Vellez de
Guevara, Secretário da Camara o escrevi = O Conego Penitenciario
Joaquim Gonçalves Ferreirada Cruz, Cura interino. Joaquim Caval-
canti de Albuquerque, Prezidente. Francisco Joaquim Pereira Lobo,
Vereador da Camara Municipal. Manoel Antonio dos Passos e Sva,

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276 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Vereador da Camara Municipal. Salvador Henrique de Albuquerque,


Vereador da Camara Municipal. João Francisco da Lapa, Vereador da
Camara Municipal. O Pe. Joaquim da Assumpção, Escrivão da Camara
Episcopal. Antonio Rangel de Torres Bandeira, Professor de Lingua
Franceza no Gynasio. João Baptista da Silva Manguinho, Major Co-
mandante interino do 9° Batalhão da Guarda Nacional de Olinda. Ba-
charel Manoel Antonio dos Passos e Silva, Vereador da Camara Muni-
cipal. Pe. Tranquilino Cabral Tavares de Vasconcellos, Vice-Reitor do
Seminário. Pe. Francisco Alves Pequeno. Alipio Emiliano Cordeiro da
Cunha, Seminarista. Belizio Lins de Albuquerque Cabral, Seminarista.
Bernardo de Carvalho Andrade Jor, Seminarista. Auelio Marques da
Silva Guimarães, Seminarista. José Cyferiano de Mendonça Furtado,
Seminarista. Germinio Walfredo de Souza Gurjão, Seminarista. Anto-
nio Germano Barbalho Bezerra, Seminarista. Joaquim Emas Cavalcan-
te, Seminarista. Manoel Cavalcanti Bezerra de Menezes, Seminarista.
Pedro Soares de Freitas, Seminarista. Augusto da Costa Lyra, Semina-
rista. Candido Tiago da Costa e Mello, Seminarista. Francisco Candido
das Chagas, Procurador da Camara.” (p. 225-228)
“252. Escriptura de dote que faz o Capitão mor Antonio da Silva,
ao Alferes Jorge Vieira de Azevedo. Em nome de Deus amem. Saibão
quantos este público instrumento de dote, contrato e obrigação ou
como para sua validade melhor nome e lugar haja e dever-se possa
virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de
1672, aos 20 dias do mês de Novembro do dito anno neste Recife
termo da Villa de Olinda Capitania de Pernambuco nas casas de mo-
rada de Antonio Neto Bravo aonde eu Tabelião ao diante nomeado
fui, e sendo ahi perante mim apareceu o Capitão mor que foi do
Reino de Angola Antonio da Silva, morador nas salinas termo desta
dita Villa, pessoa de mim reconhecida, pelo próprio , e por elle foi
dito em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas e
assignadas que elle estava contratado e concordado de palavra de
presente, para com o favor de nosso Senhor dar estado a sua filha D.
Joanna Pereira da Silva, casando-a com o Alferes Jorge Vieira de Aze-
vedo que presente estava, e que para ajuda de sustentar os encargos
do matrimonio, queria e era contente de seu moto próprio e livre
vontade de lhe dar e doar ao dito Alferes Jorge Vieira de Azevedo
cinco mil e quinhentos cruzados (2:200$000) os quais fica obrigado

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 277

elle dito Capitão mor a lhe os entregar, tanto que receber por mulher
na forma do Sagrado Concilio, a dita sua filha, nos gêneros seguintes
a saber huma morada de casa de três sobradoscom paredes de tijollo
e seus chãos que tem nesta rua que chamão da Cadeia na entrada
della vindo da Igreja Matriz do Corpo Santo a mão direita, em que de
presente vive por aluguel Bartholomeu Rodrigues de Xeres, e partem
da parte do Norte com casas do Alferes Jeronimo Coelho de Alvaren-
ga, e para o Sul com casa da viúva Margarida Lopes, tudo em preço
de 2$500 cruzados, e assim mais lhe dá umas casas e seus chãos em
que algum dia houve fornos de cozer paes pelos Flamengos, e estão
nesta dita rua vindo da dita Igreja Matriz a mão esquerda, que partem
daquela parte com chãos que de presente não tem casas, e da banda
da agua com casas em que vive Jacinto d’Amorim Salgado, e occupão
de uma rua a outra, que pelas costas das ditas casas e chãos há a rua
que vai por detraz da dita Cadea e na mesma forma tão bem as ditas
casas já mencionadas e seus chãos é de uma banda e outra da rua
referida e sai para a rua da Senzala, e seguir das casas e chãos lhe dá
em preço de 300$000 rs, e tão bem lhe dava outro sim os chãos que
tem defronte destas cazas de rua a rua pegadas as ditas casas de Ja-
cinto d’Amorim e entestão da Igreja com a travessa desta rua que vai
para a referida de detraz da Cadea, e para o rio donde chamão a
senzala, em preço de 150$000 rs as quaes casas e seus chãos e isto
atraz nomeiados disse elle dito Capitão mor que era tudo seu, livre e
isento como constava do titulo que disse tinha, mas que para segu-
rança e firmesa desta doação prometia e se obrigava a fazer de hoje
para todo sempre boas estas propriedades assim benfeitorias como
chão ao dito Jorge Vieira e a todos, e a todos seus herdeiros ascen-
dentes e descendentes livrando-lhes e defendendo-lhes de todas e
quaisquer duvudas ou embargos que em qualquer tempo possão
acontecer ou por via dos Ministros de Sua Magestade que Deus Guar-
de, por alguma ordem sua para effeito de serem para a sua real co-
roa, ou para alguma duvida arguida pelos Flamengos, de sorte que
de qualquer maneira se obriga elle dito Capitão mor por sua pessoa
e pelo mais bem parados de sua fazenda a fazer estas propriedades
boas ao dito Alferes Jorge Vieira, para não pagar nunca foro, pensão,
nem tributo algum a nenhuma pessoa, se não serem suas livres e
isentas, e nesta forma dispor dellas como lhe parecer; e assim mais

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


278 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

lhe da dez peças com três crias, a saber: Julia, Angola com uma cria
por nome Antonio coriboca, Christina, ambaça com uma creolina por
nome Anna, Francisca, Angola, com uma cria por nome Maria, outra
negra por nome Francisca, outra negra por nome Mariana, Jacinta,
Gracia Conga, e sua filha Luiza, creola; Domingos, Angola, e um ne-
gro por nome Felippe, todas as dez peças e crias em preço de 500$000
reis, e que os 250$000 que faltão para se prefazerem os ditos cinco
mil e quinhentos cruzados, disse elle dito Capitão mor os pagaria da
feitura desta escriptura a um anno ao dito Alferes Jorge Vieira, em
dinheiro de contado sem a isso por duvuda alguma a cujo cumpri-
mento do mais aqui declarado disse obrigava sua pessoa e bens ha-
vidos e por haver; e declarou que neste dote dos ditos cinco mil e
quinhentos cruzados se incluía a legitima que poderia caber a dita
sua filha D. Joanna Pereira da Silva, dos bens que ficavão por faleci-
mento de sua mãe D. Maria Pereira com quem elle dito dotador foi
casado na foorma do sagrado Concilio, não entrando porem a terça
que a dita sua mulher deixara a esta dita sua filha D. Joanna por que
em qualquer tempo o fará como devedor a dita sua filha e genro fu-
turo dito Jorge Vieira de Azevedo; e declarou que já havia saptisfeito
o dote que prometera a seu genro o Capitão João Dourado por casar
com sua filha D. Catharina Pereira, e que tinha bastante cabedal para
prefazer a legitima de seu filho o Capitão Pedro da Silva Pereira, e
que nesta escriptura não assignava sua segunda mulher com quem
elle outorgante hoje estaca casado, D. Anna de Azevedo, por ser es-
cusada em razão de ter mais de cincoenta annos e não ter razão de
lhe pertencerem estes bens que são elles doador livres e desembar-
gados e por assim ser disse que desde logo demetia e apertava de si
todo o direito, posse, acção, e útil domínio, uso e fructo e rendimen-
tos que elle dito doador teve até o presente nas ditas propriedades, e
nas ditas pessoas, e pelo tempo em diante podesse haver por que
tudo desde logo transpassava, transferia, renunciava e outorgava na
pessoa do dito Jorge Vieira de Azevedo, para que como cousas suas
que que são e ficão sendo por bem desta escriptura as logre e possua
assim e da maneira que elle doador as possuio até o presente e me-
lhor si em direito melhor poder ser tanto que receber por sua mulher
a dita D. Joanna por que nesta forma lhe há desde já por dada a
posse, e nelle doador por incorporada pela Clausula constitute, e

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 279

pelo que mais dito fica, e que para firmeza e validade desta escriptu-
ra havia aqui por expressas e declaradas todos e quaisquer condições
que o direito podesse permitir e que não queria ir numa contra esta
escriptura em parte nem em todo por si nem por outrem e que fazen-
do-o não queria ser ouvido em juízo nem fora delle antes lhe fosse
denegado todo o remédio de Direito e acção que em seu favor alegar
possa, por que de nada queria usar se não ter e manter, cumprir e
guardar esta escriptura assim e da maneira que nella se contem; e
pelo dito Alferes Jorge Vieira de Azevedo, foi dito que elle aceitava
esta escriptura debaixo das clausulas e obrigações nella inserta, e que
prometia dando-lhe Deus vida, receber por sua legitima mulher a dita
D. Joanna Pereira da Silva; e prometia que enquanto fosse vivo o dito
seu sogro dito Capitão mor Antonio da Silva, lhe não poderia cousa
alguma do que deve e pertence a dita D. Joanna Pereira, da terça que
lhe deixou a dita sua mãe D. Maria Pereira, como fica já declarado; e
nesta forma cada qual na parte que lhe toca prometerão cumprir e
guardar esta escriptura; e ambos e cada qual por si renunciou domi-
cilio, lei, liberdades, férias capéras e tudo o mais que a seu favor
alegarpusessem para o que mandarão ser feito este instrumento nes-
ta nota em que assignarão pedirão, e acceitarão e eu Tabelião o acei-
to em nome de quem tocar auzente como como pessoa publica esti-
pulante e aceitante o estipulei e aceitei sendo presentes por
testemunhas João Estevão da Costa e Francisco da Ponte e Manoel
Froes moradores neste dito Recife que todos conhecem tão bem aos
ditos contraentes que aqui assignarão e eu Antonio Soares Tabelião,
que o escrevi = Antonio da Silva = Jorge Vieira de Azevedo = João
Esteves da Costa = Francisco da Ponte = Manoel Froes = Moreno.”
(p. 229-235)
“253. Nota Curiosa. Domingos de Sá, natural de Portugal viveu
em Pernambuco antes da entrada dos holandeses casou na fre-
guesia de Ipojuca com Izabel Alves da Costa, e deste matrimonio
nasceu Matheos de Sá que no anno de 1676 servio de Vereador
na Camara de Olinda, e de Juiz Ordinário da mesma Camara em
1683, casou nobremente com D. Maria Cavalcante, filha do Capitão
Bernardino de Araújo Pereira e de sua mulher D. Ursula Cavalcanti
d’Albuquerque, dito Bernardino foi filho de Amador de Araújo Pe-
reira, Capitão mor de Ipojuca em 1645, .......... e de sua mulher D.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


280 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Maria da Costa de Souza, filha de Alvaro Gonçalves de Luna, e de


sua mulher Izabel da Costa, e Amador de Araújo Pereira, foi filho
de Pedro Gonçalves, o novo, e de sua mulher Felippa de Araújo Pe-
reira, do matrimonio de Matheos de Sá, com D. Maria Cavalcante de
Albuquerque, nasceu = Francisco de Sá Cavalcante, que foi Senhor
da propriedade do Macaquinho, e serviu de Capitão de Cavalaria,
Sargento mor e Capitão mor da Freguesia de Ipojuca cazou com D.
Catharina Camello Pessoa, filha do Sargento mor Nuno Camello, e
de sua mulher D. Ignez Pessoa, e destes nasceo Nuno Camello de
Sá Cavalcante, que foi Senhor do Engenho de Arariba de cima na
Freguesia do Cabo onde servio de Capitão de Cavalaria, casou com
D. Maria de Caldas e Luna, filha do Alferes Faustino de Barros Rego,
e de sua mulher Felippa de Caldas e Luna, neta por via paterna de
Marcos de Carvalho natural de Portugal e de sua mulher Maria de
Barros, natural da Ilha de Itamaracá, e por via materna neta de Si-
mão de Araujo Caldas, natural de Portugal e de sua mulher Izabel
Alves de Luna, natural do Cabo. Deste Nuno Camello de Sá, e de
sua mulher nascerão Manoel Camello de Sá, Nuno Camello de Sá,
que morreo moço, Antonio Camello, que tão bem morreu moço.
Manoel Camello de Sá, casou com D. Luiza Lins da Rocha, filha de
Manoel Coelho Nigramonte, Sr. do Engenho da guerra de Ipojuca e
de sua mulher D. Adriana Wanderley, a qual era filha de João Mau-
ricio Wanderley, Cavalleiro da ordem de Christo e de sua mulher D.
Maria da Rocha, o dito João Mauricio era filho de Gaspar Wanderley,
Fidalgo hollandez, e Capitão de Cavalaria que foi casado com D.
Maria de Mello e a referida D. Maria da Rocha, foi filha de Clemente
da Rocha, Cavaleiro da Ordem de Aviz e Sargento mor da Comar-
ca de Pernambuco, marido de D. Maria Lins, filha de Bartholomeu
Lins, Alcaide mor do porto Calvo e de sua mulher Mecia da Rocha,
filha de André da Rocha Dantas, natural de Vianna. O dito Manoel
Coelho Nigramonte foi filho de Francisco Coelho Nigramonte, e de
sua mulher Brazia Monteiro, e o dito Francisco Coelho Nigramonte
foi filho de outro Francisco Coelho Nigramonte, natural do Porto, e
Brazia, filha de Alvaro Teixeira de Mesquita. (p. 235-238)
“254. Nota Histórica e Curiosa. Ascendencia de Jeronimo de Al-
buquerque. D. Affonso Sanches, filho natural de ElRei D. Diniz de
Portugal, casou com D. Thereza Menezes de Albuquerque, filha de

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 281

D. João Affonso e Albuquerque, e deste consocio nasceo: D. João Af-


fonso de Albuquerque, chamado o bom; o qual teve um filho natural
de nome: D. Fernando Affonso de Albuquerque, que casou com uma
filha de D. João Affonso Tello, Conde de Barcellos. Deste consorcio
entre outros filhos tiveram: D. Theresa de Albuquerque, que casou
com Vasco Martins da Cunha, o velho. Deste consorcio nasceo: D.
Isabel de Albuquerque, que casou com Gonçalo Vaz de Mello. Deste
consorcio entre outros filhos, tiveram: D. Leonor de Albuquerque,
que casou com João Gonçalves de Gomide, Senhor de Villa Verde,
Alcaide mor de Obidos, Torres Vedias e Alenquer, e Escrivão da Pu-
ridade d’ElRei D. João 1°. Este João Gonçalves de Gomide, era filho
de Gonçalo Lourenço de Gomido, neto de Nuno Martins de Gomide,
progenitor dos Condes de Villa Verde. Deste consorcio de D. Leo-
nor de Albuquerque com João Gonçalves de Gomide, nasceo: João
de Albuquerque, que casou com D. Leonor Lopes Gonçalves, filha
do Desenbargador Lopo Gonçalves. Deste consorcio nasceu entre
outros filhos: Lopo de Albuquerque, o qual casou com D. Joanna
de Bulhões, filha de Affonso Lopes de Bulhões, e viúva de João de
Mello, Mestre Sala d’ElRei D. João 2°. Este Lupo de Albuquerque era
irmão de Mathias de Albuquerque, Vice-Rei da India, que por não ter
successão, instituio herdeiro a seu sobrinho Manoel de Albuquerque.
Do consorcio de Lupo de Albuquerque, com D. Joanna de Bulhões,
nascerão os seguintes filhos:
1 Manoel de Albuquerque
2 Affonso de Albuquerque
3 Jeronimo de Albuquerque
4 Antonio de Albuquerque
5 D. Izabel de Albuquerque
6 D. Maria de Albuquerque
7 D. Brites de Albuquerque
1 Manoel de Albuquerque, casou com D. Maria, filha de Ruy de
Souza.
2 Affonso de Albuquerque, foi religioso Franciscano.
3 Jeronimo de Albuquerque, acompanhando seu cunhado Duarte
Coelho 1° Donatario de Pernambuco e sua irmã D. Brites de Al-
buquerque, vierão de Portugal para a conquista e povoação desta
Capitania. Machando Jeronimo de Albuquerque contra os índios Ta-

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282 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

baiarés de Olinda, perdeo um olho, por uma flechada que lhe derão;
e depois de renhido e encainiçado combate, ficou prisioneiro. A sua
salvação foi uma filha do Cacique-Arco-Verde apaixonar-se por elle,
e pedio ao pai que não o matasse pois que o queria para seu marido.
Annuindo o pai a esta supplica, foi Jeronimo de Albuquerque, segun-
do os ritos e costumes daquelea tribo, considerado como marido da
India Arco-Verde, de quem teve os seguintes filhos:
1 Jeronimo de Albuquerque
2 André de Albuquerque
3 Manoel de Albuquerque
4 D. Catharina de Albuquerque
5 D. Brites de Albuquerque
6 D. Simôa de Albuquerque
7 D. Maria de Albuquerque
8 D. Joanna de Albuquerque
1 Jeronimo de Albuquerque teve mais de outras mulheres os se-
guintes filhos:
1 Lopo de Albuquerque
2 D. Felippa de Albuquerque
3 D. Antonia de Albuquerque
4 D. Anna de Albuquerque
5 D. Luiza de Albuquerque
De vários destes filhos e filhas de Jeronimo de Albuquerque, proce-
dem os Albuquerque e ainda muitas outras famílias ilustres de Pernam-
buco. Pretendendo Jeronimo de Albuquerque, depois da aliança que
conseguira dos Tabaiares com os Portugueses, e da completa expul-
são dos Caetés, solemnizou o contracto de sua união com a Princesa
Arco Verde (então já baptizada com o nome de D. Maria do Espírito
Santo Arco Verde), segundo o rito da religião catholica, escreveu-lhe
a Rainha D. Catharina de Portugal, declarando que espeiava que elle
casasse com uma das filhas de D. Christovão de Mello, que vinha para
a Bahia de Governador geral do Brasil. Foi esta insinuação da Rainha
ou mesmo segundo outros, ordens suas positivas, effectuou-se a final
o casamento de Jeronimo de Albuquerque com D. Filippa de Mello,
filha de D. Christovão de Mello e de sua mulher D. Joanna da Silva. Do
consorcio de Jeronimo de Albuquerque cognominado o Torto, com D.
Felippa de Mello, nascerão os seguintes filhos:

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 283

1 Affonso de Albuquerque de Mello


2 João de Albuquerque de Mello
3 Duarte de Albuquerque de Mello
4 Christovão de Albuquerque de Mello
5 Jeronimo de Albuquerque de Mello
6 Jorge de Albuquerque de Mello
7 D. Maria de Albuquerque de Mello
8 D. Felippa de Mello de Albuquerque
9 D. Isabel de Albuquerque de Mello
10 D. Cosma de Albuquerque de Mello
11 D. Luiza de Albuquerque de Mello
Destes filhos de Jeronimo de Albuquerque com sua mulher D.
Felippa de Mello, procedem os Albuquerques Mellos. Jeronimo
de Albuquerque, o Torto, foi com razão denominado o – Adão
Pernambucano.
4 Antonio de Albuquerque, não deixou sucessão.
5 D. Izabel de Albuquerque, casou com D. Manoel de Moura. Des-
te consorcio houve descendencia.
6 D. Maria de Albuquerque, casou com Tristão de Mendonça Fur-
tado. Tiverão descendencia.
7 D. Brites de Albuquerque, casou com Duarte Coelho, 1° Dona-
tário de Pernambuco. Deste consorcio tiveram os seguintes filhos:
Duarte Coelho de Albuquerque e Jorge de Albuquerque. Duarte Coe-
lho de Albuquerque, foi o 2° Donatário de Pernambuco, e por sua
morte passou a Capitania a seu irmão. Jorge de Albuquerque, foi
o 3° Donatario de Pernambuco, e casou em Portugal com D. Anna
Coutinho. Deste consorcio nascerão: Duarte de Albuquerque Coelho
e Mathias de Albuquerque. Duarte de Albuquerque Coelho, foi o 4°
Donatário de Pernambuco, e casou com D. Joanna de Castro. Deste
consorcio nascerão: Jorge de Albuquerque Coelho e D. Brites Mar-
garida de Castro e Albuquerque. Jorge de Albuquerque Coelho, foi o
5° Donatário de Pernambuco, faleceu na Catalunha e por sua morte
passou a Capitania a sua irmã. D. Brites Margarida de Castro e Albu-
querque, foi a 6ª e última possuidora da Capitani de Pernambuco,
pois que em seu tempo foi que esta capitania passou ao domínio da
coroa em 1654. Foi casada com o Conde de Vimioso e não tiveram
sucessão. Mathias de Albuquerque, filho de Jorge de Albuquerque,

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


284 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

irmão mais velho do 4° Donatário Duarte de Albuquerque Coelho, foi


mandado para Pernambuco com o fim de preparar as fortificações e
de assumir o comando geral de todas forças que podesse reunir; para
oppor-se a invasão holandeza. De acordo com seu irmão, fez Mathias
de Albuquerque o que era humanamente possível, prestando ao seu
pais no decurso de cinco annos, os mais relevantes serviços; até a
época em que o Governo da Hespanha a quem estava Portugal sujei-
to na quelle tempo, ingrata e injustamente o fez retirão do comando
do exercito e seguio para a Europa, onde ficou sem recompensa
alguma. Mathias de Albuquerque, vingou-se de semelhante injustiça
assignalando-se na revolução de Portugal contra a mesma Hespanha.
Foi general no Alentejo e venceo heroicamente a batalha de Montijo,
cuja victoria decidio a contenda e fez D. João 4° subir ao throno de
Portugal em 1640. Mathias de Albuquerque, casou com a Marqueza
de Alenquer, mas não deixou descendência.” (p. 254-243)
“255. Nota Histórica e Curiosa. Pedro Gonçalves Cerqueira, natural
de Portugal e conhecido por – Pero-picú, faleceu em Olinda em 4
de junho de 1606. Foi sepultado na Igreja da Misericórdia daquela
cidade dentro da capella de Santa Catharina, por elle fundada e que
depois foi conhecida por – Capella dos Cavalcantis. Este Pedro Gon-
çalves Cerqueira, era casado com D. Catharina Lopes de Friélas, a
qual passou á segundas núpcias em 12 de junho de 1612, com o Dr.
Manoel Pinto da Rocha. Seria nesse tempo que as casas de Olinda
tinhão feixaduras de prata? Ou fosse nos dias de Pero-picú, ou alguns
annos depois, o que é verdade é que Olinda no século 17° chegou a
maior altura em opulência e riqueza. O luxo, a soberba e a deprava-
ção de custumes tocou a méta, e a embriaguez dos prazeres que seus
habitantes procuravão gozar fez com que o seu descuido encontrasse
o castigo profetizado do púlpito, na invasão em jugo hollandez que
não poderão evitar. Quanto as tradicionais feixaduras de prata, essas
só existirão nas casas dos ricos, onde esse metal brilhava com profu-
são em quase todos os moveis. Nos arreios dos Cavallos havia mais
prata do que a que talvez hoje contenha alguma dessas lojas de ouri-
ves da rua do Cabugá. Só as estribas pesavão quase sempre mais de
meia arroba de prata. Era tam barata na quelle tempo!” (p. 244-245)
“256. Escriptura de doação e patrimonio que faz o Snr. Governa-
dor João Fernandez Vieira e sua mulher D. Maria Cezar, a seu filho,

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 285

o Licenciado Manoel Fernandes Vieira. Em nome de Deus. Amém.


Saibam quantos este publico instrumento de escriptura de doação
e patrimonio, ou como em direito para sua validade melhor nome
e logar haja e dizer-se possa virem que no anno do Nascimento de
Nosso Senhor Jesus Christo de mil, seis centos setenta e nove annos,
aos vinte dias do mês de Maio do dito anno, neste sitio dos Maran-
guapes, termo da cidade de Olinda, Capitania de Pernambuco, nas
pousadas do Governador João Fernandes Vieira, Superintendente das
Fortificações e do Conselho de Guerra de Sua Alteza adonde eu Ta-
belião ao diante nomeado fui, e sendo ahi perante mim appareceo
o dito Governador João Fernandes Vieira e bem assim sua mulher
Dona Maria Cezar, pessoas de mim reconhecidas pelos proprios de
que se tracta; e logo pelo dito Governador João Fernandes Vieira e
pela dita sua mulher D. Maria Cezar, por elles ambos juntos e cada
um in solidum foi dito em minha presença e das testemunhas ao
diante nomeadas e assignadas que, elles entre os mais bens de raiz
e propriedades que tem e possuem e são de mansa e passifica posse
he um sitio na ponta do Pao Amarelo, Termo desta Cidade, que terá
um quarto de legoa de destricto, com casas e mais de cem coqueiros
de fructo, do qual sitio actualmente pagão de arrendamento em cada
um anno trinta mil reis, a qual propriedade houverão por titulo de
compra que della fizerão a Romão Leitão, como consta da escriptura
que disto tem, o qual sitio com casas, coqueiros e o mais a elle ane-
xo e pertencentes com todas as suas entradas, saidas e logradouros,
novos e velhos, tudo disserão, davão como de facto derão de hoje e
para todo sempre de pura e firme doação a seu filho delle doador o
Licenciado Manoel Fernandes Vieira, para seu patrimonio para se po-
der ordenar de Ordens Sacras e ser Sacerdote do habito de S. Pedro;
e poderá sem mais outra ordem ou figura de juizo, tomar posse da
dita propriedade, e quer a tome, quer não, elles doadores a hão por
dada nelle com todos os, digo, e nella por encorporado, pela clausula
contida nesta, por que cede o direito, posse, acção, pertenção e util
dominio usufruindo os rendimentos que elles ditos doadores tiverão
té o presente em dita propriedade, ou pelo tempo adiante podessem
haver, tudo disserão, davão, demittiam e aportavão, e tudo cediam,
transpassavam, transferiam, ractificavam e outhorgavão na pessoa de
dito doado o Licenciado Manoel Fernandes Vieira, para que tudo

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286 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

logre e possua assim e da maneira que elles doadores possuiam té


o presente e melhor se em direito melhor poder ser, com declaração
que sendo caso que fazendo-lhe elles doadores em qualquer tempo
outro patrimonio ao dito doado na cidade de Olinda, em caza de pe-
dra e cal com o mesmo ou mais rendimento lhe ficará esta proprieda-
de a elles doadores livre, mas não sendo assim a promettem sempre
cumprirem e guardarem dita escriptura de doação de patrimonio, e a
não virem contra ella em parte nem em toda, por si, nem por outrem,
e que fazendo não queirão ser ouvidos em juizo, nem fora delle,
antes que não, e erão contentes lhes fosse denegado todo o remédio
de direito e acção que em seu favor allegar possão, porque de nada
querem usar, se não em tudo e por tudo darem e montarem, cum-
prirem e guardarem esta escriptura como n’ella se contem. E em fé e
testemunho da verdade assim outhorgarão, pedirão e acceitarão; e eu
Tabelião o acceito em nome de quem requer ausente, como pessoa
publica adjudicante e acceitante que abroguei e acceitei para o que
mandarão fazer este nstrumento nesta nota em que assignarão; sendo
presentes por testemunhas João de Freitas Correia, cunhado delles
outhorgantes e o Ajudante Affonso Albertim Frazão, e o Padre Marcos
Pereira, que ambos assignarão. E eu Antonio Soares, Tabelião que o
escrevi. = João Fernandes Vieira = D. Maria Cesar = João de Freitas
Correia = Affonso Frazão = Marcos Pereira de Souza.” (p. 245/247)
“257. Auto de Demarcaçãoque foi feita a Felippe Cavalcante – no
anno de 1588. Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo
de mil quinhentos e oitenta e oito annos, aos doze dias do mez de
outubro do dito anno, fui Escrivão das datas e demarcações desta
Capitania com João Rodrigues, dado por demarcador, por o
demarcador Aleixo Gonçalves estar doente, ao engenho de Christovão
Lins, da invocação de Santa Apolonia, que está situado na Ribeira de
Arassuagipe limites do Cabo de Santo Agostinho, termo da Villa de
Olinda Capitania de Pernambuco de que é Capitão e Governador o
Senr Jorge de Albuquerque Coelho por ElRei nosso Senhor, e sendo
no dito engenho por Felippe Cavalcante morador na dita Villa, foi
requerido ao dito demarcador João Rodrigues e a mim Escrivão lhe
demarcassemos huma legoa de terra que lhe fora dada pelo Senr
Governador Duarte Coelho de Albuquerque, que está em gloria, para
o que mostrou huma Carta de doação que lhe fizera o dito Senr. Que

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 287

ao diante vai acostada com a petição do Senr. Licenciado Martim Lei-


tão do desembargo, há de ser do Dezembargo de ElRei nosso Senhor,
e seu Ouvidor Geral com alçada em todo este estado do Brasil, que
outro sim adiante vai acostado, em que os mandara lhe demarcásse-
mos a dita terra conforme a dita Carta, do dito Felippe Cavalcante, e
que sendo caso que lá viesse com alguns embargos não deixassem a
demarcação dita que naquela carta se contem dar o dito Senr.
Governador ao dito Felippe Cavalcanti huma legua de terra em
quadro pegado com terras de João Paes e ao longo da Ribeira de
Arassuajipe, tanto de uma banda da dita Ribeira como da outra como
mais largamente se contem na dita Carta, e para cumprimento da dita
Carta. Fomos ao marco do feixo branco que está pegado com a ca-
xoeira, o qual está no cabo da demarcação de Christovão Lins que
nos foi mostrado pelo dito Christovão Lins e João Paes, assim estava
metido outro marco de pedra guiado ao rumo do Sueste, com suas
testemunhas, e logo ahi mettemos outro marco de pedra guiado ao
dito rumo por onde fomos com a demarcação do dito Felippe Caval-
cante acostando-se a terra de Christovão Lins e João Paes a banda de
Oeste, Nordeste e Sueste, pelo qual rumo fomos correndo com mil
braças até darmos com o marco que estava na dita demarcação guian-
do o dito rumo do Sueste com duas testemunhas de pedra, o qual
marco foi metido pelo demarcador fazendo a própria demarcação
pelo dito rumo fomos achando outros muitos marcos guiando ao dito
rumo, onde deixamos a demarcação por falta do dia. Aos treze dias
do dito mez e anno atrás escripto foi o dito demarcador com o dito
João Paes ao tezo de um oiteiro pequeno aonde estavão umas arvo-
res grandes sendo nós lá pelo dito João Paes nos foi dito que aquellas
ditas arvores chegara a sua demarcação, e que dellas atravessara, e
hindo ou sendo o demarcador pelo rumo do Nordeste até dar com a
demarcação que fizemos o dia d’antes, o que o dito demarcador co-
meçou a fazer do pé de uma arvore a qual tinha uma cruz que pare-
cia ser feita havia muito tempo, ao pé della poiz o demarcador um
marco de pedra dia o dito rumo do nordeste por onde se foi com mil
setecentas braças até dar junto do marco aonde viemos o dia d’antes
afastado delle três braças pouco mais ou menos, pelo qual rumo me-
teu o demarcador as marcas seguintes, as duzentas e cinquenta bra-
ças além de uma ribeira num tezo de um oiteiro meteu o demarcador

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


288 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

um marco de pedra com suas testemunhas guiado ao dito rumo e as


setecentas e trinta braças atravessamos uma roça que foi de Jordão
Affonso no cabo dellas no caminho que vem para casa da mulher
que foi de Francisco Caldas meteu o demarcador outro marco guiado
ao dito rumo, e dahi se foi o dito demarcador com trezentas e trinta
braças atravessando huma várzea, ficando nella dentro nesta demar-
cação huma milharada que disseram ser de Gomes Martins até dar no
dito marco onde funcionou este rumo. Aos quinze dias do dito mês
atrás escripto tornou o dito demarcador comigo Escrivão as arvores
grandes aonde meteu o marco donde atravessou o rumo do Sueste e
delle foi correndo pelo dito rumo pelo sueste té as quinhentas braças
meteu o demarcador um marco de pedra com suas testemunhas de
pedra ao longo de huma ribeira ao pé de uma ladeira, e deste marco
fica um penedo com huma cruz obra de trez braças deste marco pou-
co mais ou menos e dahi se foi pelo dito rumo com mil duzentas e
dez braças pouco mais ou menos, e dahi se foi pelo dito rumo com
mil e duzentas e dez braças ao passar de um regato da banda do
suester achamos huma pedra no dito rumo, com outra da outra ban-
da que nos pareceu marco, e ali lhe posemos outro da outra banda o
qual por marco, e dahi se foi o demarcador pelo dito rumo como mil
e quinhentas braças aonde se acabou este rumopor quanto atrás ti-
nha-mos medido mil braças, e desta maneira fica este rumo com duas
mil e quinhentas braças, e no cabo deste rumo meteu o demarcador
um marco de pedra guiado ao rumo de sudueste, pelo qual se foi
com cem braças e no cabo dellas deixamos a demarcação por falta
do dia. Aos dezesseis dias (16 dias) do dito mês e anno atrás escripto
tornamos aonde acabamos as cem braças e dahi se foi o dmarcador
pelo rumo do sudueste as quinhentas braças, foi dar o demarcador
com um rio de nome Tabatinga Mirim que vai junto um caminho de
carro que dizem vir da casa de Pedro Dias e hir para a Tapera de
Sebastião Coelho o Velho, e antes de passar da banda do rio meteo
o demarcador o marco de pedra com suas testesmunhas da banda do
dito caminho e do próprio rio e da outra banda obra de duas braças
da banda de sudueste meteo outro marco de pedra, o qual fica sem
testemunhas e dahi se foi pelo dito rumo, e as oitocentas braças dei-
xou já demarcação por falta do dia. Aos dezessete dias do mês atrás
escripto tornamos aonde deixamos a demarcação e dahi se foi pelo

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 289

dito rumo ao sudueste pelo qual rumo se foi com trezentes e quaren-
ta braças e no cabo dellas demos com um rio por nome Tabatinga
que é o rio com que moe Pedro Dias da Fonseca, e da banda do sul
sudueste do dito rio, ao longo de um caminho que vai para casa de
Pedro Dias, que é de tirar madeiras, ficam dous marcos, convem a
saber um com duas testem unhas entre o dito ribeiro do dito caminho
e o outro ao pé de uma arvore da outra banda do dito caminho, ao
mesmo rumo guiado, o qual fica sem testemunha, e dahi se foi o
demarcador pelo dito rumo com centro e quarenta braças, onde se
acabou este rumo, e no cabo dellas meteo o demarcador dous mar-
cos de pedra, um que fica no cabo deste rumo guiado ao próprio
rumo do sudueste; e outro guiado ao rumo de noroeste, em mil e
trezentas braças, pelo qual rumo atravessamos muitas vezes o dito rio
Tabatinga; e não medimos mais este dia por não termos tempo. Aos
dezoitos dias do dito mês e anno atrás escripto, tornamos aonde aca-
bamos as mil e quatrocentas braças, e dahi se foi o demarcador pelo
ruomo do noroeste com trezentas e cinquentas braças aonde no meio
do rumo achamosuma pedra grande guiada ao dito rumo a qual fica
com uma cruz as quatrocentas braças meteo o demarcador um marco
de pedra com duas testemunhas todas brancas guiadas ao dito rumo,
ficando da banda esquerda obra de duas braças hum penedo pouco
mais ou menos, e fica uma cruz em uma arvore, e dahi se foi o de-
marcador pelo dito rumo. As seissentas braças poz o dito demarcador
em uma arvore, e dahi se foi o demarcador pelo dito rumo. As sete-
centas braças demos com um rio por nome Utinga antes de passar-
-mos da banda se sudueste do dito rio pozemos uma cruz em uma
arvore, e dahi se foi o demarcador pelo dito rumo e as mil e quinhen-
tas braças e em um oiteiro alto, e redondo, com duas arvores poze-
mos duas cruzes e dahi se foi pelo dito rumo as mil e cem braças,
demos com outro oiteiro grande e alto no cabo delle meteu o demar-
cado hum marco de pedra com suas testemunhas guiado ao noroeste
e outro grande ao rumo do nordeste, e estes marcos, ao marco que
metemos quando começamos este rumo do noroeste duas mil e
quinhentas braças e desta maneira o dito Felippe Cavalcanti fica
demarcado por três rumos, cada rumo de duas mil e quatrocentas
braças, que são: nordeste, - sudueste – e noroeste – sueste que são
os rumos que se querem, digo que se requerem no reguengo o Senr.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


290 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Governador e a própria adimação de Joao Paes declara que não


demarcamos o dito Felippe Cavalcanti ao longo da ribeira Arassuagipe
tanto de uma banda como da outra por não haver terra, por quanto
as terras da banda do norte do dito Rei são do Crhistovão Lins, as
quaes tem demarcadas, e disse serem cartas mais velhas que as do
dito Felippe Cavalcanti; e por a carta do dito Felippe Cavalcanti dizer
que se demarcaria a correria com o dito João Paes e terras suas, de-
marcamos ao longo das ditas suas terras e por elle nos foi mostrado
outro sim sua demarcação; e sendo no cabo desta demarcação pelo
criado de João Paes nos foi mostrado um protexto, o qual traslado é
o seguinte. = Senhores em prottesto da demarcação que fizer o Snr
Felippe Cavalcantti de correr mais acima e de enxertada a terra que
me faltar conforme as minhas cartas e outras que tem de Cosme Paes,
por quanto ter com Christovão Lins duvida na primeira légua, hoje 15
de Outubro de 84 – João Paes. – O qual translado digo, prottesto fica
em meu poder, e logo o dito Felippe Cavalcanti disse que elle aceita-
va esta demarcação, contanto que achando-se o dito João Paes ter
mais terra de poder com a sua demarcação mais abaixo ao longo das
ditas suas terras, aonde com direito lhe pertencessem por quanto a
sua carta assim dizia, e desta maneira aceitava esta demarcação, para
a qual foi requerido o dito João Paes em sua pessoa o qual disse que
elle se dava por entendido e sua mulher e se assignou o dito Felippe
Cavalcanti com o dito demarcador, o qual auto de demarcação eu
Manoel Alves transladei bem e fiel sem cousa que duvida faça, e as-
signei do meu signal que tal é, e consertei com o próprio com o ta-
belião abaixo, e declaro que transladei o próprio que fica em meu
poder assignado pelo dito demarcador e Felippe Cavalcanti, hoje
vinte e dous do mês de Outubro de mil quinhentos e quarenta e
quatro annos. = Manoel Alves, Escrivão das datas e demarcações des-
ta Capitania pelo Senr Governador o escrevi. = pagou nada = Manoel
Alves. Comigo e o Tabelião Manoel Alves – Cosme Colaço. Ao rumo
de sudueste 1ª 1280 – ou 2ª 1380 – ou 3ª 1880 Braças.” (p. 248-255)

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 291

“Figura”

“258. Carta do Governador Caetano Pinto de Miranda Monte Ne-


gro, dirigida ao Juiz de Fora, Presidente, Vereadores e Procurador da
Camara da Villa do Recife, em 1804. Há mais tempo teria eu participa-
do a Vmces o meu despacho para Governador e Capitão General desta
Capitania se me não tivesse servido de obstáculo a grande distancia
em que me achava na estremidade do Brasil, hua grave moléstia de
que fui atacado, e a trabalhosa derrota que escolhi, com o fim de hir
vendo hua parte da mesma Capitania, a qual bem suppunha não teria
sido vista pelas que antes de mim a tem governado. Estando porém
fora do meu arbítrio os dous primeiros motivos, e resultando o ter-
ceiro dos sinceros desejos que tenho de concorrer para a felicidade
de todos os que são confiados ao meu governo, lesongeio-me de que
Vmces mesmo relevarão a demora que tem havido, persuadindo-se de
que o bem publico de Pernambuco e particular obsequio, estimação
e apreço dos seus habitantes são desde o dia 6 de Maio do anno pas-
sado em que recebi a primeira noticia do meu despacho e os mais
vivos sentimentos que animam o meu coração. Segunda feira 23 do
corrente, depois de oito dias de descanso, continuo a minha viajem
pela estrada de Goyanna; e antes do fim do próximo mês espero
ter o gosto de chegar a essa capital. O dia da minha chegada, assim
como há de ser o mais agradável, sera também o mais venturoso de
minha vida, se eu nelle merecer a Real confiança em que S. A. me
honrou e o amor de um povo illustre, ao qual pela sua fidelidade e

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292 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

patriotismo a muito tempo respeito. Deus guarde a Vmces Arraial de


Flores 19 de Abril de 1804. De Vmces. Atto Ver Snr Juiz de Fora, Pre-
sidente, Vereadores e Procor da Camera da Villa do Recife. Caetano
Pinto de Miranda Montenegro.” (p. 256-257)
“259. Proclamação do Governador e Capitão General Caetano Pin-
to chamando voluntários para o Exercito. Caetano Pinto de Miranda
Montenegro, Governador e Capitão General de Pernambuco, aos ha-
bitantes da mesma Capitania. Pernambucano, a desgraçada revolução
da Europa torna a encommodar-nos neste novo Mundo. O Principe
Regente Nosso Senhor, apesar dos esforços e sacrifícios que tem feito
para conservar hua perfeita neutralidade, Manda por as forças desta
Capitania em estado respeitável para poderem com vantagem e con-
fiança de sucesso repellir gloriosamente qualquer ataque. E será pre-
ciso que para a defesa da Patria eu uze de coacção, com hum pôro,
cujo nome, fidelidade patriotismo se encontra tantas vezes nos Factos
Portugueses? Será preciso que depois de trez annos de, Eu lance mão
de meios violentos que tanto repugnão ao meu coração? Não, ás
vossas vistas estão sempre presentes os exemplos de nossos Maiores,
e este clima não deixa degenerar sentimentos transmitidos de pais a
filhos por hua tão gloriosa sucessão. Vinde pois alistar-vos volunta-
riamente no Real serviço, que em sessando a urgência das presentes
circunstancias, Eu vos deixarei recolher ao seio das Vossas Famílias,
quando dos que forem recrutados, não atenderei requerimento al-
gum em quanto não servirem os dez annos da Lei. Pernambucanos,
a voz da Patria, e do vosso Soberano vos chama e hum General que
respeita os seus deveres, e que vos ama, vos promete a vossa dimis-
são. Dado debaixo do signal e sello das Minhas Armas neste Quartel
General do Recife, aos trez de Dezembro de mil oitocentos e sete – (3
de Dezembro de 1807)” (p. 257-258)
“260. Escriptura de venda de um sitio a recto aberto que faz o
Coronel Francisco Berenguer de Andrade a Manoel Soares. Saibão
quanto este publico instrumento de escriptura de venda a recto aber-
to e quitação de paga de hum sitio com suas ternas ou como por
sua validade melhor nome e logar haja e disser-se possa virem que
sendo no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
seis centos e noventa e dois (1692) annos aos 2 dias do mês de janei-
ro do dito anno, nesta cidade de Olinda, Capitania de Pernambuco

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 293

nas pousadas do Coronel Francisco Berenguer de Andrade donde eu


Tabelião ao diante nomeado fui vindo e sendo ahi aparecerão partes
presentes e contrahentes, a saber de huã como vendedor o Coronel
Francisco Berenguer de Andrade e de outra como comprador o Aju-
dante Manoel Soares, todos pessoas de mim Tabelião reconhecidos
pelas próprias de que se trata; e logo pelo dito Coronel Francisco
Berenguer de Andrade foi dito em minha presença e das testemunhas
ao diante nomeadas e assignadas, que elle entre os mais bens de
rais que tem de que esta de mansa e pacifica posse he hum sitio em
que morou Manoel Serrão que esta junto ao rio da Miroeira que vai
correndo pelo dito rio e varzea da Miroeira acima ate hum corgo ou
nascente do dito rio antes de chegar ao sitio onde morou Sebastião
de Andrade (que nas ditas terras e limites a plantava suas rossas) e
que outro sim parte o dito sitio com a estrada que vai pelo alto da
dita Miroeira para Paratibe ate entestar com o mesmo corgo; o qual
se assim confrontando, vendia, como com effeito logo vendeo a recto
aberto ao dito Manoel Soares, por preço e quantia de vinte mil reis,
os que confessou logo ter recebido da mão do dito Manoel Soares
em dinheiro de contado moedas de prata corrente nestes Reinos de
Portugal, dos quais lhe da logo quitação com obrigação de que todas
as vezes que lhe der os ditos vinte mil reis lhe largara a ditarenda,
digo, a dita terra e sitio, e que desde logo poderá tratar da dita terra
e sitio como sua que he deste dia para todo sempre ate lhe tornar a
dar os ditos seus vinte mil reis; e que desde logo poderá tomar posse
as dita e quer a tome quer não, elle lh’a há por dada sivil, e natural
real e actual, e nella por incorporado pela clausula constitute. E logo
pelo dito Manoel Soares foi dito que elle aceitava esta escriptura de
venda de recto aberto da mão do dito Coronel que Berenguer de An-
drade, assim, e da maneira que nella contem, e se obriga a restituir
a dita terra toda as veses que o dito vendedor lhe der os ditos vinte
mil reis em dinheiro de cortado. Em fe e testemunho da verdade
assim o outorgarão, pedirão e aceitarão, de que mandarão fazer este
instrumento nesta nota donde assignarão. Eu Tabelião o aceito em
nome do ausente como pessoa publica estipulante e acceitantes que
o estipulei e aceitei, sendo a tudo presentes por testemunha, Antonio
Bizerra de Andrade e Francisco Bizerra, de que aqui assignarão. E
eu Diogo Cardoso, Tabelião que o escrevi. = Francisco Berenguer de

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294 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Andrade = Manoel Soares = Antonio Bizerra = Francisco Bizerra”. (p.


259-260)
“261. Escriptura de hypotteca que faz o Coronel Francisco Beren-
guer d’Andrade a Domingos Fernandez. Saibam quanto este publico
instrumento de escriptura de ipoteca, ou como para sua validade
melhor nome e logar haja e dizer-se possa virem que no anno do
Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil seis centos e no-
venta e tres (1693) annos aos vinte e dois dias do mez de Setembro
do dito anno nesta cidade da Olinda Capitania de Pernambuco em
pausada de mim Tabelião ao deante nomeado, apareceram partes
presentes, a saber o Coronel Francisco Berenguer d’Andrade e Do-
mingos Fernandez, Oficial de pedreiro, ambos pessoas de mim Ta-
beIião reconhecidos pellas proprias de que se trata, e logo pelo dito
Coronel Francisco Berenguer d’Andrade foi dito em minha presença
e das testemunhas ao diante nomeadas e assignadas que elle devia
a Sancta Caza da Misericordia desta cidade cento e vinte mil reis em
dinheiro da qual quantia pagava juros todos os annos de 6 ¼ por %
e que de prezente os irmãos da dita Santa Caza lhe pedião fiador a
dita quantia por quanto lhe não acomodava o que elle tem Ihe dado
e que elle pedira ao dito Domingos Fernandez o quisesse cersear da
dita quantia para com a dita Caza da Misericordia que elle a cobraria
e seguraria com a sua fazenda para que não tivesse falta nem hua;
do que o dito Domingos Fernandez lhe respondeo que sim seria seo
fiador se elle lhe hipothecasse fazenda bastante que cobrasse os ditos
120$000 reis e alguns juros se os devesse os deixasse a pagar pelo
tempo adiante; porque elle dito Francisco. Berenguer Andrade, entre
os mais bens de rais que tem e possui de que esta de mança e passi-
fica posse he uma sorte de terras em Paratibe de Cima que houve por
título de compra que delle fez com mais outras a D. Izabel Soares, a
qual parte se limita por hum corgo que atravessa a estrada que vai
de Miroeira para Paratibe e divisa as terras dos Padres da Recolheta
de Santo Amaro, e pela dita estrada hindo ate donde chamam dos ca-
marões e toda a terra que fica da estrada para a mão direita servindo
a estrada de partilha e pella outra parte as terras de Manoel Geraldo
ficando a venda e casa de vivenda dentro da tal terra, e demarcação
della, a qual terra assim confrontada disse que elle dito Francisco
Berenguer de Andrade fazia especial epoteca da dita terra ao dito

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 295

Domingos Fernandez e lhe obrigava para que sendo cazo que elle
dito Francisco Berenguer de Andrade não pague os ditos cento e vin-
te mil reis (120$000) com os juros delles, todos os annos, a dita Santa
Caza de Misericordia, e elle dito Domingos Fernendez por alguas das
ditas cousas os juros e o principal seja obrigado poderá ou della fazer
o que quiser, pera de seu valor pagar o que lhe for pedido pela dita
divida; e sendo cazo falte algua couza para isso por a dita terra não
chegar o seu valor poder vender, sendo elle dito Francisco Berenguer
de Andrade obrigado a lhe pagar o que se resta a dever vendida a
dita terra que por isso lhe fazia desde logo geral hyphoteca de todos
seus bens, sem que esta revogue a especial, nem a especial a geral. A
qual dita terra, assim confrontada como dito tem não poderá nunca
em tempo algum do mundo vender nem alienar, nem trocar, nem fa-
zer entre algum negocio com ella e que elle por si nunca virá contra
esta escriptura de hyphoteca em parte, nem em todo, em juizo, nem
fora delle, antes que é contente lhe seja denegado todo o remedio de
acção e pretenção, que possa em seu favor allegar, sem que primei-
ro desobrigue ao dito Domingos Fernandez da dita fiança que por
elle faz para o que se desaforava do Juizo de seu foro, previlegios,
leis, liberdades, ferias e esperas gerais e especiaes e de tudo quanto
possa allegar, que de nada se queriavaler, como dito, e para firmesa
de tudo, obriga sua pessoa e todos os seus bens assim moveis, como
de rais, havidos e por haver, e o mais bem para o delles e de todos,
lhe fazia geral hyphoteca, como dito tem. E logo pelo dito Domingos
Fernandez foi dito, perante as mesmas testemunhas que elle aceitava
esta escriptura de hyphoteca e obrigação da mão do dito Francisco
Berenguer e fez, digo, e se obrigava a fazer para elle a dita fiança a
Santa Caza de Misericordia, desta cidade de Olinda; e outro sim disse
o dito Francisco Berenguer de Andrade que sendo caso que faleces-
se da vida presente sem que tenha desobrigado o dito Domingos
Fernandez, da dita fiança, seos herdeiros não poderão entrar na dita
terra hyphotecada, sem que primeiro desobriguem ao dito Domingos
Fernandez da dita fiança, e se por isso for vendida, e não bastando
o seu valor lhe satisfaria da mais fazenda que lhe ficar primeiro que
tudo. Em fé e testemunho da verdade assim o outhorgaram, pediram
e acceitaram, do que mandaram fazer este instrumento em que se
assignaram; e eu Tabelião o acceitei em nome de quem tocar possa,

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


296 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

como pessoa publica estipulante e acceitante, que estipulei e acceitei,


sendo a tudo presentes por testemunhas o Padre Luiz Gomes Pinto e
José Cardozo, que todos aqui assignaram. = Diôgo Cardozo, Tabelião
a escrevi = Francisco Berenguer de Andrade = Domingos Fernandez,
o Padre Luis Gomes Pinto = José Cardozo.” (p. 261/264)
“262. Escriptura de data e doação pelo amor de Deus que faz
O Capitão Eusebio de Oliveira Monteiro e sua mulher D. Maria da
Cunha, ao Reverendo Antonio Manoel. Saibão quantos este publico
instrumento de escriptura de data de um sitio de terras em como por
sua validade melhor nome e lugar haja e dizer-se possa virem, que
no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e sete
centos e quatorze, aos quatro dias do mez de maio do dito anno,
nesta Villa de Santo Antonio do Recife, Capitania de Pernambuco e
casa de morada do Capitão Eusebio de Oliveira Monteiro onde eu Ta-
bellião ao diante nomeado fui, e sendo ahi, perante mim appareceu
o dito Capitão Eusebio de Oliveira Monteiro, pessoa que reconheço
pela propria de que se trata, e por elle foi dito em minha presença e
das testemunhas ao diante nomeadas e assignadas, por entre os mais
bens que possuem era um sitio de terras nas salinas a donde morou
Alferes Manoel Nunes Serra, o que consta pela parte do poente, pela
estrada que vai para a cidade de Olinda e por outra estrada que vai
para o sitio onde morou o Alferes Estevão Dias de Araujo, e as ouve-
rão por titulo de heranã de sua sogra mae da dita D. Maria chamada
Leonor da Cunha, o qual sitio consta de trezentos palmos de com-
prido pela dita estrada da cidade e de cento e cinquenta palmos de
largo, o qual se demarca por um cajueiro grande que fica detras da
casa do dito sitio que é da parte que fica para Ana de Mattos, o qual
sitio disse elle Capitão Eusebio de Oliveira e sua mulher D. Maria
que o doavão assim e da maneira que o possuião para se fazer hos-
pital dos pobres lasarinos com declaração que nao se fazendo o dito
hospital fica invalida esta escriptura, e de nenhum vigor se podera
assigna-lar com seus marcos e divisas como lhes parece, fazendo sua
capella prevendo a dita terra e elle doado, desejando gratificar tanta
obra a perpetuada memoria delles doadores e ter na dita capella duas
imagens uma da Virgem Maria Nossa Senhora da Conceição e do glo-
rioso Santo Eusebio, e assim mais lhe da elle doador uma sepultura
na capella mor para elles doadores e seus herdeiros, e lhe dira as

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 297

primeiras duas missas que se disserem na dita capella pelas tençoes


delles doadores e com este pretexto é que elles doadores fazem esta
doação ao Reverendo Padre Antonio Manoel como administrador da
obra do dito hospital, e como assim o disserão e aceitou elle Reve-
rendo Padre Antonio Manoel, e eu Tabellião o aceito em nome de
quem tocar ausente, como pessoa publica e estipulante e aceitante
que o aceitei, estipulei fazendo esta escriptura publica nesta nota em
que assignarão as testemunhas presentes, o Cabo de esquadra Diogo
Jacome e Bartholomeu Esteves e eu Manoel Paes Escrivão o escrevi.
Eusebio de Oliveira Monteiro = D. Maria da Cunha Fonseca = O
Padre Antonio Manoel = Diogo Jacome = Bartholomeu Soares = E
não se continha mais na dita escriptura que eu Miguel Alves Lima Ta-
bellião Publico do Judicial e Notas nesta cidade de Olinda e Villa de
Santo Antonio do Recife e seus termos, Capitania de Pernambuco por
Sua Magestade que Deus Guarde a fiz transladar fielmente da propria
e livro de notas de onde a lançou o Tabelião Manoel Paes que sendo
ausente desta praça, e por despacho do Doutor Ouvidor Geral destas
capitanias Franco Lopes de Carvalho, passei esta por mim subscripta
e assignada em publico e raso de meus signais seguintes aos 7 dias
do mez de Julho de mil e sete centos e vinte e quatro annos. Fiz es-
crever e assignei. Em fé de verdade Miguel Alves Lima.” (p. 264-266)
“263. Testamento do Padre Antonio Manoel. In nomine de Deus
Trino e Uno, e da Virgem Maria Mãi de Deus unica esperança de pe-
cadores e de todos os Anjos e Santos d’essa celestial patria: a todos
invoco, como verdadeiro fiel, e christão, e creio e confesso tudo
quanto tem, e crê e confessa a Santa Igreja Catholica de Roma, como
verdadeiro fiel e christão, e nesta fé espero viver e morrer, confessal-
-a com a bocca ate dar a vida por ella, se for necessário, e salvar
minha alma, não pelos meus merecimentos, mas pelos merecimentos
do preciosissimo sangue me meu Senhor Jesus Christo e sacratissima
Paixão de meu Deus, que vos amo mais, que a minha alma, e minha
vida, que meu coração. Eu pobre Antonio sou Enjeitado criado em
casa de Manoel Fernandes da Cruz e de sua mulher Leonor Antunes,
Maria Manoela sua filha me tomou a sua conta criou, e assim sou fi-
lho das ervas da freguesia de N. Senhora da Luz da Matta, Snr D. Frei
Francisco de Lima, me ordenou Sacerdote para assistir no Jacuipe
Arrayal de S. Caetano, para onde fui com animo limpo de assistir com

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298 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

os annos necessarios, mais a variedade do tempo, escrupulo das con-


fissoes me fizeram tal horror, que fugi como homem atonito, e louco
depois me mandou fazer patrimonio que me fez Jose Penhão de
Mattos, nunca tive na Igreja de Deus cargo nem dignidade algua,
ocupeim-e em fazer missões temeroso de faltar o para que me orde-
nei, fui por escrivão e uma visita e fazendo verdade, por meus peca-
dos me não faltaram encargos nella de algum vintem mais ou menos,
porque nenhum foi por peitas; seria algua cousa de estipendio dos
que estavão contados, porque com o Reverendo Mestre Escola João
Maximo visitamos faciamos tudo missão e dissa que se algum tivesse
dado algua cousa de peitas; fossem estas na visita e o dissessem, de-
pois dellas vindo de N. Senhora do Ó aonde a fisemos, vendo eu
tantos pobres Lasarinos pelos campos, como brutos; me resolvi a
procurar-les agasalho, e com effeito dei principio na Boa Vista, mas
tão fracos que parecia mais doudice, que obras, que se havia de per-
petuar aonde tive escondido, os primeiros; sabendo só disso Manoel
Maximo e Miguel Soares, depois me derão outra casa, aonde fui pre-
ciso manifestar-se, e com os annos se fez a cousa em termos, que esta
no estado em que hoje se vê. Manoel Maximo moço que criei e a
meu amigo Domingos Travasso peço amor de Deus queiram ser
meus testamenteiros para o que lhes dou os poderes que tem direito
missão concedidos e a cada um in solidum o dito direito, que posso;
porem sempre meu primeiro testamenteiro quero que prevaleça e
faça com conselho de meu amigo o que for necessario. Eu sou um
pobre e miseravel, os meus bens sao seis cadeiras velhas de encosto,
tres rasas, tres lençois de Amburgo, hua caixa de pau amarello, que
a dita caixa em vida de ao dito Manoel Maximo, dez tomos do Des-
pertador Christão, outros livrinhos mais, e o intinerario do Padre An-
drade, descadernado, que m’o deu o Capitão Simão Gomes dizendo
que lh’o dera o Reverendo Vigário Francisco da Fonseca e que nunca
mais o procurara. Se seus herdeiros ouverem por bem, fique, senão
lh’o entreguem, tenho uma loba velha, hua capinha muito rôta, huas
meias pretas velhas e hua sobre pelix e barrete, tudo velho, nesta me
amortalharão sem outra cousa algua e me sepultem ou nesse cemite-
rio, ou em algua Igreja, como seja N. Senhora da Conceição e me
levarão em uma alcatifa, chamando-se o Reverendo Padre Cura so-
mente com meus irmaos pobres me levarão a sepultura sem mais

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 299

outra cousa algua, pelo amor de Deus e nao quero cançar a meus
irmãos, isso peço hua e muitas vezes pelo amor de Deus. Esta casa
comprei por cinquenta mil reis do dinheiro das esmolas, do Snr. e
vinte e cinco meus, se se vender, os dará o meu testamenteiro a João
da Mata criolo forro de São Tomé ou remeterão a sua mulher. O mu-
lato Raphael he do dito Manoel Maximo, que lhe deixarão Maria
Manoela mae da minha criação, consta de hu papel seu, que ahi fica
eu lhe tenho pedido o venda, e do seu procedido faça o que lhe te-
nho dito; e demais também tenho uma colher de prata, também , que
se dará a Antonio Vaz que me fez duas, e lhe devo não sei se dez
tostões; tenho uma mesa pequena, nada mais. O que se puder vender
se venderá, e o meu testamenteiro mandará dizer de missa por tensão
de quem me deu o seu dinheiro para acudir a este hospital quando
nao tinha esmola de ninguem e o desejava conserval-o. Declaro que
das missas que tem vindo a este oratorio nao devo nehua. declaro
que devo sete capellas de missas de dous tostoes e meia pataca, que
me pareceu dissesse, e meus achaques nao permittião, esta é a ansia
do meu coração, vender-se ha o que se achar e for necessário, e Ma-
noel Maximo pedira esmolas pelos SS. Conventos para que me digão
alguas atendendo, a que vinha pobresa, foi a causa, e pouca saude,
e que o não gastei e, vaidades nem cousas illicitas senão com esta
casa e pobres: e assim mais meus testamenteiros pedirão perdão a
Veneravel Ordem Terceira por meu Pe São Francisco que me perdoe
e que la devo a Irmandade das Santas almas, e a Irmandade de N.
Senhora dos Remedios, isto peço pelo amor de Deus. Declaro que
uns livros, que acima faço mensão, como sejão os Despertadores
Christãos os vendi em minha vida declaro que devo a Domingos Dias
Ribeiro, vinte cinco mil reis que tem parente no Porto o qual foi
mercador, que o matarão no Cabo. Declaro que esta terra se deu por
escriptura para doação dos pobres, o Capitão Eusebio de Oliveira
para seu hospital e que esta Igreja, não digo também como a minha
indústria, se hia fazendo, porque sou um inutil de Direito Divino e
humano, se deve conservar o que recommendo a meu testamenteiro
que faça toda deligência para que os ditos povres estejam em meu
hospital, que é das ansias do meu coração esta hua, e no caso que
fosse supperior o contraste para não assistir em tal caso esgotado de
todo o modo possível se retire daqui e va buscar modo, com que me

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300 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

desencarregue a minha consciencia, e pague o dinheiro que lhes de-


rão para as ordens e se lembre que o criei sem mais até o tempo
presente, não se olvidando de mim condição dos vivos, e queixas
dos mortos, que estantemente lhe pede que como amigos se lembre
daqueles, nao reparando em má palavra que lhe devem quando pe-
dir esmolas para este pobre, roupa não tenho mais que um par len-
çois Amburgo. Declaro que tem a Senhora da Soledade o cordão, que
tem ao pescoço com tres voltas e bastante grossura, que presumo ter
mais de vinte oitavas, e uma joia que mandei fazer com o nome de
minha Senhora escripto, outra joia que deu um homem de Serinhaem
um anel grande de laço com sua pedra e furtarão, tem mais um calix
grande de prata com sua pathena, e que derão de esmola, que tem
vinte e um mil e tantos reis, este está em casa de Joçao Lopes que dei
para dourar, e tem duas memorias d’ouro a ponta disso; tem mais a
dita Senhora da Soledade dous cálices pequenos de prata, huma am-
bula dourada que tudo derão de esmolas, a qual ambula eu a mandei
a dourar, esta sagrada, tem mais dous topetes, e quatro alvas, tres
chans e cheia de rendas, quatro toalhas, dous ornamentos inteiros
com todo o necessario, purificadores, corporais, a mithos, dois man-
tos, e conservando-se esse hospital, ficará nelle: as Imagens do Se-
nhor Crucificado grande e pequeno e mais imagens, que são minhas
que m’as derão, se entregarão a algua Igreja pobre. Declaro que as
obras da Senhora, dellas se não deve nada até o presente e tem bas-
tante pedra, cal, e tudo o necessário. Declaro que meu compadre
Theodosio da Costa tem umas caixas de assúcar branco, de que a de
dar conta, abatendo-se trista e tantos mil reis que se lhe deve. Decla-
ro que Domingos Alves de Souza deve a Senhora da Soledade o que
consta do seu crédito, o qual tem o Padre João de Miranda Barbosa,
cujo crédito é de trinta e tantos mil reis que deu Maria Alves de es-
mola a dita Senhora e com effeito deu trinta e dous mil reis os quais
eu recebir, e o dito Padre tem o dito crédito, que o passamos no livro
das contas que se lhe dará recibo, de como fazer entrega; deu mais
Maria Alves um mandado que lhe deve Manoel da Silva de Carvão o
@ Manoel Coelho. Declaro que o dito padre deve mais uma capella
de missas de resto dos livros que lhe vendi. O Me de campo Domin-
gos Rodrigues Carneiro tem um livro de flos sanctorum novo, que lhe
emprestei; o coronel Luiz Domeliro, tem um livro Fernão Mendes e

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 301

meus testamenteiros cobrarão as ditas dividas para as obras da se-


nhora. Torno a declarar, que a minha alma é minha herdeira, por ser
assim minha ultima vontade, e meus testamenteiros ninguem lhes
pedirá contas porque meus bens sao poucos e seu amor e deligencia
lhe deverei o pedirem esmolas para mim desencarregar pedindo ao
Reverendo Vigário da Freguesia da Luz que me prometteu, Apolina-
rio Pereira de Vasconcellos, e o remanescente de minha fazenda,
pagos os meus legados e dividas, o que sobrar, os meus testamentei-
ros madarão dizer em missas pela minha alma: aqui findo e dou por
acabado o meu testamento o qual mandei escrever pelo Padre Ma-
noel Cardoso Netto Alvernas, conforme eu o ditei, e assignei e hei
aqui por derrogado outro qualquer testamento ou codecillo antes
deste ja feito, e que so quero, que este valha, e que o Reverendo
Padre Manoel Cardoso Netto o assignou como quem o escreveu.
Hospital dos Lazaros vinte e sete de Março de mil e sete centos e
dezoito annos. = Theotonio Martins = O Padre Manoel Cardoso Al-
vernas. Aprovação. Saibão quantos este publico instrumento e appro-
vação de testamento ultima e verdadeira, virem que no anno do
Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil sete centos e de-
zoito annos, aos dous dias do mez de Abril do dito anno, nesta Villa
de Santo Antonio do Recife e casa de morada de Domingos de Arau-
jo, donde eu Tabelião vim, e sendo hai, o achei deitado em uma
cama doente de doença que Deus foi servido dar-lhe ao Reverendo
Padre Antonio Manoel, mas em seu perfeito juizo e entendimento
segundo ao parecer de mim Tabelião e das testemunhas ao diante
nomeadas e assignadas, e logo da sua mão para a minha me forão
dadas duas folhasde papel com sete laudas escriptas que acabavão
donde esta approvaçã, dizendo-me era o seu solene testamento e
última vontade, o qual mandara escrever pelo Reverendo Padre Ma-
noel Cardoso Netto Alvernas, e depois de escripto lho lera, e por o
achar conforme elle testador o dictara e assignara, e que se cumpris-
se e guardasse como nelle se declara, e por elle revolga outro qual-
quer testamento que d’antes haja feito se declara codicillo porque
todos revolga e a por revogados como se feitos não fossem e so quer
que este valha e tenha força e vigor, e pede e requer as justiças de
Sua Magestade que Deus Guarde, eclesiasticas e seculares lh’o cum-
prão e guardem e façam muito inteiramente cumprir e guardar, e a

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302 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

mim Tabelião requeria lh’o approvasse, por quanto eu testador o


approvo e rectifico, e da mão do dito testador o achei que estava
escripto em duas folhas de papel com sete laudas escriptas, que aca-
bão onde eu principiei a sua approvação, e pelo o achar limpo, sem
vicio ou entrelinha algua, nem cousa que duvida faça o approvo e hei
por approvado tanto quanto em direito posso, e por razão do meu
officio sou obrigado, e de tudo fiz este termo em que assignou o
testador em fé de presentes por testemunhas Antonio de Almeida
Lobato = Francisco Dias = Eusebio de Oliveira, José da Silva Manoel
Rodrigues Ferreira, Antonio de Souza Coutinho; que todos assignarão
e o testador Eu Manoel Paços pelo Tabelião de Nottas da cidade de
Olinda e da Villa de Santo Antonio do Recife e seus termos por S.
Magestade que Deus Guarde, que este testamento foi feito em públi-
co e raso de meus signais seguintes. O Padre Antonio Mendes teste-
munho de verdade Manoel Paços, Antonio de Almeida Lobato =
Francisco Dias Ferreira = José da Silva = Antonio de Sousa Coutinho
= Manoel Rodrigues Ferreira = Eusebio de Oliveira.” (p. 267-276)
264. “Data que Diogo Dias pedio no Capibarybe-Merim nas ilhar-
gas da data de João Dourado. João Gonçalves, Capitão nesta Ilha de
Itamaracá, pela Senhora D. Jeronyma de Albuquerque e Souza. Faço
saber aos que esta miinha carta de data de umas terras virem, e o
conhecimento della com direito pertencer, como a mim me enviou a
dizer Diogo Dias, de Capibaribe por sua petição, que elle tem treze
filhos e os mais que Nosso Senhor lhe der; e porque era morador
nesta Capitania, quer que os ditos seos filhos fação fazenda nella,
para o que pede alguma terra; um delles se chama Boaventura Dias,
outra Maria Dias, outra Catharina Dias, e não tem terras em que fa-
ção fazenda, como diz, e me pedia que lhe doasse cinco mil braças
em quadro nas ilhargas da de João Dourado, que tem em Capibaribe
Merim, donde elle supplicante achar melhor, para elle e seus filhos; e
achando-a ser devoluto, que ninguem se aproveite della; e a tal terra
lhe será dada de sesmaria, porque tudo será proveito de El-Rei Nosso
Senhor, e a bem da Senhora D. Jeronima, dona da terra, e nobreza
delle; e sendo caso que hajão aguas na dita terra para engenho ou
engenhos, pagarão os sobreditos seus filhos; fazendo engenho, de
pensão á Senhora da terra á razão de dous por cento de todo o as-
sucar em pó que se fizer no engenho, ou engenhos de agua, a qual

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 303

terra e data, que pedem, será demarcada de norte ao sul, de leste a


oeste, e farão a dita medição da dita data, donde lhe melhor estiver,
correndo por qualquerrumo, que lhe bem parecer, que fique a dita
data em quadra; e poderão acrescentare tirar da largura, e po-lo em
comprimentoe tirar do comprimento, e po-lo na largura ou como
melhor vier aos supplicantes; e sendo-me apresentada dita petição;
e visto nella seu justo pedir, lhe puz meu despacho, que visto as
possibilidades dos supplicantes, e seu pai ter posses, para lhes ajudar
a tudo o que em sua petiçãodizer, hei por bem de lhes dar as ditas
cinco mil braças de terras em quadro, no lugar que pedem ou donde
lhe melhor parecer aos supplicantes; correndo pelos mesmos rumos
a dita data de norte a sul e de leste a oeste, até se prefazerem as ditas
cinco mil braças de terra em quadra, e tirarãoda medição ao tempo
que se demarcarem o que quizerem de largura, e pôrem em compri-
mento, e do comprimento em largura como mais lhe parecer; e ha-
vendo agua e querendo fazer engenho ou engenhos de agua, o farão,
pagando de pensão a senhora da terra de foro a dois por cento, a
qual terra lhe dou de sesmaria, estando devoluta, ou de qualquer sor-
te que seja; e sendo cazo que no tal lugar não possa haver a dita data
por alguma via, a poderão os supplicantes tomar aonde quer que
acharem, não tendo data até a factura desta, a qual data lhe dou, com
todas as madeiras, lenhas e aguas á dita data pertencentes, pelo qual
lhes manndei passar a presente minha carta, pelo que hei por bem
e me praz em nome da dita senhora, e pelos poderes que para isso
tenho de dar e doar aos ditos Boaventura Dias, Maria Dias e Cathari-
na Dias, filhas do supplicante Diogo Dias as cinco mil braças de terra
em quadra no lugar conthendo em sua petição pela maneira de meu
despacho, atraz declarado, a qual data lhe dou com todas as suas en-
tradas, sahidas, usos e logradouros para elles sobreditos; e para sua
mulher e filhos, herdeiros ascendentes e descendentes: forra, livre e
izenta, sem em algum tempo paragem outro fôro nem tributo senão
o que atraz é conhecido, convém a saber, á dita senhora da terra á
razão de dois por cento; e dos fructos que houverem, pagarão o di-
zimo a Deus; e assim elles como as pessoas que delles houverem a
tal data; a qual terra e data será medida e demarcada e della metidos
de posse real e actual, deste dia para sempre, e della poderão fazer
como de cousa sua propria, que é; e para certeza della, lhe mandei

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304 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

passar a presente minha carta e sesmaria, por mim assignada e sella-


da com o sello das armas da dita senhora que ante mim serve, hoje
o primeiro dia do mez de janeiro. Balthazar Gil da Cunha, escrivão
das datas a fiz = Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo
de mil e quinhentos e setenta annos = João Gonçalves = A qual carta
de terras eu Balthazar Gil escrivão aqui a registei do proprio original
que assignado vinha pelo dito capitão e sellado do sello que ante elle
serve em aos vinte dias do mez de Maio, anno de mil e quinhentos e
setenta. Balthazar Gil – o qual trazlado de carta eu Francisco Alvares,
escrivão da fazenda de sua Magestade, nesta capitania de Itamaracá
mandei trasladar do livro de registro bem e fielmente e o concertei
com o proprio registro e com o Senhor procurador com migo abai-
xo assignado em os sette dias do mez de Agosto de noventa e sete
annos. = Francisco Alvares. Concertado comigo Francisco Alvares e
comigo procurador.” (p. 276-280)
265. “Lopo Delgado, capitão e alcaide mor nesta villa de nos-
sa Senhora da Conceição, Ilha e Capitania de Itamaracá, partes do
Brasil, pela Senhora D. Jeronyma de Albuquerque e Souza, Capitoa
e governadora della por El Rei Nosso Senhor que Deus guarde etc.
Faço saber a quantos esta minha carta virem, e della o conhecimento
com direito pertencer, que á mim me enviou a dizer por sua petição
Boaventura Dias, filho de Diogo Dias, que vindo o Doutor Antunes
com alçada dera e confirmara ao dito seu pae na varze do norte do
Capibaribe Merim cinco mil braças de terras com alagoas e ribeiras,
que nellas houverem e a ribeira de Goianna nomeadamente, para
nella fazer os engenhos que pasesse; conforme dous por cento dos
assucares para o Capitão e Senhores; e para qual terra o dito seu pai
se passara da Capitania de Pernambuco, onde morava, com mais de
seiscentas pessoas da terra, machos e femeas, pondo por obra a fezer
o dito engenho, plantando canaviaes, e tirando levadas e as madeiras
necessárias, dispendendo e gastando sua fazenda em fazer fortale-
zas em defensa da Capitania contra o gentio Petiguar, de quem era
fronteiro, sustentando gente, pagando-lhe soldo, e gastando muito
em artilharia, polvora e munições necessarias contra o dito gentio,
e estando assim viera sobre elle muitas vezes o gentio Petiguar, e
sempre nos ditos conflictos sustentara, á sua custa, de todo o neces-
sario que o ia soccorrer, até que por fim se juntara o gentio do mar

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 305

e da terra com ajuda dos francezes e o vieram commetter e mata-


ram a elle dito seu pai, e a um irmão seu e duas filhas, e um filho e
cunhados, e um genro e tres netos, e outros muitos homens brancois,
mamelucos, e muita copia de escravatura, levando-lhe sua fazenda,
matando-lhe cavallos e eguas, e somente elle escapara vivo, e um
seu irmão menor por nome Pedro que estava no reino de Portugal,
entre os quaes a justiça fizera partilhas, e pelo muito perigo e aperto
em que a terra estava, somente se lhe dera posse de mil e duzentas e
cincoenta braças da dita terra, para encabeçando nelle com o mesmo
fôro, que a carta em nome d’El Rei tinha limittado naquella terra, e
depois se fora metter nella, ratificandoas ditas fortalezas para acabar
o dito engenho, do qual por se não atrever só a soffrer o impeto
do gentio dera a metade a Miguel de Barros, morador na Capitania
de Pernambuco, para lho vir ajudar a fazer, como viera; e estando
ambos na defensão da terra, fabricando dito engenho com muitas
despezas e empenhos, pelos grandes gastos que faziam de continua
guerra, que tinham com o gentio, sós, sem outra ajuda, e nem favor;
e socorro de pessoa alguma, viera sobre elles tanto impeto de gentio,
que depois de os ter recolhido, e mettido em uma fortaleza de taipa
de picum, por conselho e ardil dos francezes, que com sigo traziam,
lhes pozeram fogo aonde queimaram o dito Miguel de Barros com
suas irmães e mulher, e sobrinhas e sobrinhos que com elles esta-
vam, matando muitos cavallos e eguas e muitos homens brancos e
levando-lhes suas fazendas e vendo-se elle dito Ventura Dias empe-
nhado e individado, pobre e desbaratado, forçado da necessidade e
apertado das pessoas, a quem devia, lhes fora necessário vender a
metade das ditas terras, em que entrava o sitio aonde o dito engenho
estava principiado a um Francisco Mendes, visinho morador na villa
de Olinda e pedindo-me outhorga da dita venda para obrigação do
fôro, segundo o direito, lhe não quizera dar dizendo ter perdido as
ditas datas segundo a ordenação pela companhia que fizera com
Miguel de Barros de meio engenho, por cuja causa se não effectuara
a venda, porque elles estavam empenhados, e desbaratados e não
tinham com que pagar as dividas, que fizeram na defensão das ditas
terras, pedem com o que respeitando as ditas cousas necessidades e
despezas que tinham feitas em a metade das ditas terras por serem
suas, e as ter foreadas, e cultivadas em parte, lhe conceda licença a

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306 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

pedil-as vender a quem bem lhe pagar, ou lhe desse a reformação de


novo, qual melhor lhe estiver, dando-lhe a sua metade de duass mil e
quinhentas braças de testada e cinco mil de comprido na parte aonde
dito engenho estava, no que em tudo lhe fazia mercê, segundo que
tudo isto e mais compridamente na dita petição era conteudo, e se
continha ser como apresentada, e vista por mim, puz por meu despa-
cho, havendo respeito a tudo nesta petição contenda e ter disso in-
formação. Eu em nome da Senhora D. Jeronyma de Albuquerque que
hei por bem de dar ao supplicante Ventura Dias, filho de Diogo Dias,
que faleceo na defensão das terras, conteudas na petição, as quaes
terras, que seu pae tinha na varzea do norte do Capibaribe Merim,
medindo-se pelo rio, assim e da maneira que estão demarcadas, as
que são de uma e outra ametade se fará da mesma maneira que por
direito for á renda de Sua Alteza, e proveito da Senhora, e na ametade
que ora lhe dou se metterá a agua e ribeira de Goianna, e sitio do
engenho, que está principiado por Miguel de Barros e o supplicante,
e podendo-se com a dita agua e ribeira fazer outro engenho; na ou-
tra ametade que fica não poderá estorvar, com tanto se não desfaça
um por outro, e pagará a dita agua e ribeira á dita Senhora e a seus
herdeiros a trez por cento, posto que na carta de seu pai diga a dois
por cento, e lhe dou de novo as mais aguas que na dita sorte houver,
e será obrigado a aforal-as tanto que achar que são para moenda de
engenho. Declaro que trez por cento se entenderá de cem arrobas
trez e pagará logo, e havendo-se de vender, como diz emsua petição,
as não poderá vender sem primeiro de celebrada a venda, certo fazer
as obrigações, que é obrigado, e as venderá a pessoa que as possa
aproveitar, de que a Senhora será satisfeita em seu nome; porquanto,
não dei já outhorga na venda que tinha feito, por ter na Capitania
de Pernambuco um engenho, e outro começado, e a sua posse não
ser tal que podesse porear as ditas terras dando-lhe outhorga ficava
sendo notorio danno á Capitania e serviço de Sua Alteza e de sua
fazenda e perda da Senhora D. Jeronyma de Albuquerque e Souza.
Hoje desessete de Março de mil quinhentos e setenta e sete annos.
O escrivão lhe passe carta em forma. Lopo Delgado.” (p. 280-285)
266. “Caetano de Mello e Castro. Amigo. Eu El Rey vos envio mui-
to saudar. Havendo visto a conta que me destes da morte do negro
Zumbi; principal cabeçade todas as inquietações, e movimento das

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 307

guerras dos Palmares, entregue por um mulato seu valido debaixo


da palavra que se lhe deu em nosso nome, de se lhe segurar a vida,
por recear ver punido pelos graves crimes que tinha commettido, e
entendendo-se que com esta empreza se acabará (*) logo com os
Palmares. Me pareceu marcar-vos agradecer por esta e bem com que
neste particular e nos mais do meu serviço, vos tendes havido e nos
mais do meu serviço, vos tendes havido, e na consideração da im-
portancia deste negocio, e de se poder pôr termo as hostilidades tão
repetidas, quantas meus vassallos sentiram na extorção e violencia
deste negro Zumbi. Hei por bem de approvar o perdão que se deu
ao mulato que o entregou. Escrita em Lisboa a 25 de Agosto de 1696
= Rey. Para o G. Capam G. de Pernambuco. L° 4 Ordens Reais 1693 a
1698, p. 93.”
“(*) Na margem esquerda está escrito: O registro desta carta diz: se
acabara de todo = L° 5°, pag. 69. Codiceira”. (p. 285-285)
267. “Copia. Doação de chãos feita pelo Governo em 1590 a Gas-
par Dias. Felippe Cavalcanti, Capitão e Governador, loco-tenente nes-
ta Capitania de Pernambuco da nova luzitania, nesta villa de Olinda
nas partes do Brasil, pelo muito Illustre Senr° Jorge de Albuquerque
Coelho, Capitão e Governador desta Capitania por El rei N. Senhor.
Faço saber a quantos esta minha carta de doaçãofor mostrada, e o
conhecimento della com direitopertencer, que a mim me enviou a
dizer por sua petição Gaspar Dias, morador no Recife, que elle tem
uns chãos no dito Recife entre a caza onde vive e o paço de Fernão
Soares, nos quaes tem feito suas casas, e porque não acha a carta
dos ditos chãos, me pedio, que havendo respeito a ter beneficiado
os ditos chãos, e ser morador de muito tempo nesta Capitania, e a
ter mulher e filhos, lhe faça nercê de novamente lhe dar os ditos
chãos da maneira acima dita, no que receberá mercê. Ao que puz
por meu despacho: Passe Carta ao Suppe dos chãos que pede. Hoje
30 de junho de 1590 annos. Felippe Cavalcanti – O qual chão hei por
bem dar ao dito Gaspar Dias, por sesmaria, para elle e sua mulher,
filhos e netos, herdeiros, ascendentes e descendentes e para todas as
pessoas que após delles vierem, e delles o houverem, para que delle,
e em elle façam como de cousa sua propria, que ja é deste dia para
todo sempre, sem fôro nem tributo algum por ser area safia, que não
produz fructo nenhum porque assim me approuve de lhe mandar

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308 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

passar a presente doação nesta villa de Olinda, sob meu signal e sello
das armas do Senr. Governador, que ante mim servem, aos 17 dias
do mes de Dezembro – Gabriel Daniel, escrivão das datas das terras
e sesmarias, aguas e demarcações, de toda esta Capitania, pelo Snr.
Governador della, a fez anno de 1590 annos. Pagou desta e nesta
nada. Felippe Cavalcanti. Ao sello 20 reis. Figueiredo – Registre-se.
Vieira – Fica registrada no Livro dos registros das sesmarias, novo por
mim Antonio da Rocha. Escrivão da Fazenda e Almoxarifado, nesta
Capitania de Pernambuco pelo dito Senr. A fl. 31 até fl. 38 – Olinda 28
de Março de 1591 annos. Antonio da Rocha. Cumpra-se neste Recife
a 13 de Julho de 1602. O Governador.” (p. 286-287)
268. “Copia. Traslado do Foral que se pede. Duarte Coelho, Fidal-
go da Casa de El Rei Nosso Senhor, Capitão e Governador destas
terras da nova Lusitania por El Rei Nosso Senhor, etc. Faço saber a
quantos esta minha carta de Doação virem que no ano do Nascimen-
to de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e quinhentos e cincoenta
annos aos desessete dias de Março do dito anno a requerimento dos
Vereadores e Procuradores do Conselho desta Villa de Olinda foi
mandado tirar do Livro do Tombo e matricula carta de doação das
coisas que elle dito Senhor Governador tinha dadas a esta Villa, e
moradores e povoadores della as quaes forão dadas pelo dito Senhor
Governador na era de mil e quinhentos e trinta e sete, as quaes coisas
e dadas são as seguintes: No anno de mil quinhentos e trinta e sete
deu e doou o Senhor Governador a esta sua Villa de Olinda e para
seo serviço e de todo o seu Povo, moradores e povoadores della as
coisas seguintes. Os assentos deste monte e fraldas delle para casa-
rias e vivendas dos ditos moradores as quaes lhe dá livres foros
exemptos de todo o Direito para sempre e as vargeas das vacas e a
de Beberibe, e as que vão pelo caminho que vae para o Paço do
Governador, e isto para os que mão tem onde pastão seus gados e
isto será nas campinas para pasigo que as reboteiras dos mattos para
roça a quem o Conselho as arrendar, que estão dos capins para o
allagadiço e para os mangues com quem confinão as terras dadas a
Rodrigo Alves e outras pessoas. O Rocio que está defrtonte da Villa
para o Sul até o Ribeiro do Ribeiro até a lombada do monte que jas
para os mangues do Rio Beberibe, onde se ora faz o Varadouro em
que se corregio a Galiota; porque da lombada para baixo o qual o

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 309

dito Senhor Governador alimpou para sua feitoria, e assento della


que é do montinho que está sobre o Rio te o caminho do Varadouro,
e d’ahi para cima, todo sal da lombada para os mangues será para
casas e assentos de feitorias té hum pedaço de matto que deu a Bar-
tholomeu Rodrigues que está a baixo do caminho que vai para todos
os Santos. A Ribeira do mar dos arrecifes dos navios com suas praias
até o Varadouro da Galiota, subindo pelo rio de Beberibe arriba até
onde se faz um esteiro, que está detraz da roça de Braz Pires con-
juncta com outra de Rodrigues Alves, tudo isto será para serviço da
Villa e Povo té sincoenta braças do rio para dentro para desembarcar
e embarcar todo o serviço da Villa e Povo della onde diz sincoenta
braças. Outro sim d’ahi mesmo do Varadouro dodiando pela praia ao
longo do mar té onde são o ribeiro e Val de fontes, todo matto dessa
dita Praia té cincoenta braças a dentro da terra, tudo será serventia, e
para serventia da dita Villa e Povo, reservado que se não pode dar a
pessoa alguma etc. E da dita Ribeira sainte de Val de fontes té o Rio
doce que se chama Parabite, tudo será para serventia do Povo e Villa
té as vargeas que serão pouco mais ou menos dusentas braças de
largo etc. Da praia para dentro para as vargeas, por que do Rio doce
para a banda do Norte, fica com o terreno de Santa Cruz, outro tanto
ao longo do mar etc. Duzentas braças pela terra a dentro, d’arvoredo
para madeira e lenha do Povo da Vila de Santa Cruz, assim como
atraz contendo é para a Villa de Olinda etc. O Monte de Nossa Se-
nhora do Monte, aguas vertentes para toda a parte, tudo será para
serviço da Villa e Povo della, tirando aquillo que se achar ser da casa
de Nossa Senhora do Monte, que é cem braças da casa ao redor de
toda a parte, e assim o vallinho, que é da banda do Norte, rodeia o
dito Monte, pelo pé té o caminho que vai da Villa para o val de fon-
tes para o curralvelho das vacas que isto é da dita casa de Nossa
Senhora do Monte etc. E de por detras de dito montinho, onde ha de
fazer o Senhor Governador a sua feitoria ao Varadouro da Galiota ha
de se abrir o Rio Beberibe e lançar ao mar por entre as duas pontas
das pedras como tem assentado o Senhor Governador entre o dito
Rio, lançado novamente e as roças da banda de riba etc. A de Payo
Correa e a da Senhora Dona Brites, e o matto que está adiante, que
ora é do Senhor Jeronymo d’Albuquerque ha de ir uma rua de
serventia ao longo do dito rio novo para serventia do povo de que se

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


310 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

possa servir de carros que será de sinco a seis braças de largo, e


rodiará pelo pé do montinho té o Varadouro da Galiota etc. Todas as
fontes e Ribeiros ao redor desta Villa dous tiros de bestas são para o
serviço da dita Villa e Povo della, falos-ha o Povo alimpar e corregir
as suas custas etc. Todos os mangues ao redor desta Villa, que estão
ao longo do Rio Beberibe para baixo e para cima ate onde estiver
terra de arvoredo e as do rio do Cedros e Ilha do porto dos Navios.
Os Varadouros que estão dentro do Recife dos navios e os que esti-
verem pelo rio arriba dos Cedros e de Beberibe, e todo outro Vara-
douro, que se achar ao redor da Villa e termo della será para serviço
seu e do seu Povo. Isto foi assim dado e assignado e assentado pelo
dito Governador e mandado a mim Escrivão que disto fizesse assen-
to, e foi assignado pelo dito Governador a doze de Março de mil
quinhentos e trinta e sete annos. E assim hei por bem de lhe dar e
confirmar para sempre. E assim mando que todo o Povo se sirva e
logre dos ditos mattos, lenhas e madeiras para casas tirando, faser
roças, que nãi farão e assim arvores de palmo e meio de cesta e dahi
para riba não contarão sem minha licença ou de meus officiaes que
por mim o cargo tiverem porque as taes arvores são para outras cou-
zas de maior substancia em especial sob pena posta em meu Regi-
mento e assim resguardarão todas as madeiras e mattas que estão ao
redor de ribeiros e fontes; a qual carta foi tirada do Livro, e matricula
do Livro de Tombo das terras e coisas della, que o Governador man-
dou fazer quando chegou a esta terra na era de trinta e cinco, a nove
de Março do dito anno que tomou posse desta terra, Capitania e
Governança dellas Jurisdições, Liberdades, previlegios e Alvarás de
Sua Alteza dos ditos previlegios e doações foral que do dito Senhor
tem para si e seos herdeiros, moradores e povoadores dellas, confor-
me as ditas doações; Foral e Alvaraes, a qual foi tirada a requerimento
dos ditos Vereadores e por mandado do dito Senhor Governador aos
desessete dias do mes de Março de mil quinhentos e sincoenta an-
nos, Gaspar de Barros a fez, dia, mes e anno, atras escripto, ausencia
de Bartholomeo Dias, Escrivão das datas, e por mandado do dito
Senhor Governador, dia mez e anno atras escripto de mil quinhentos
e sincoenta, a qual he assignada pelo dito Senhor Governador, e
sellada com o seu sello de suas Armas = Duarte Coelho. Pagou com
notta trezentos reis – Pagou nove reis – Sincoenta e quatro reis – Re-

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 311

gistrada no Livro dos registros de El Rei Nosso Senhor em que man-


dou que se registrem todas as cartas de sismarias e dadas de terras
desta Capitania por mim Heitor Carvalho, Escrivão da Fazenda de Sua
Alteza nesta Capitania de Olinda e registrada a folhas cento e sessen-
ta e seis e a folhas cento e sessenta e sete e folhas cento e sessenta e
oito, a requerimento de Simão Paes Procurador do Conselho desta
Villa de Olinda aos quatro dias do mes de setembro – Anno do Nas-
cimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quinhentos cincoenta
e sete annos = Heitor Carvalho = Pagou cincoenta reis = Foi concer-
tada com a propria que está na Caixa da Camara por mim Duarte de
Sá, Escrivão della com o Tabellião abaixo assignado, bem e fielmente
com as entrelinhas que dizem arriba – sobre e rodeará = Seu porque
se faz na verdade. Em Olinda a trinta de Agosto de mil e quinhentos
e trinta e tres annos. Concertada por mim Escrivão Duarte de Sá e
comigo Tabelião Antonio Lopes. O qual traslado de Doação e Foral
eu Jorge da Costa Calheiros Tabelião Público do Judicial e Notas nes-
ta cidade de Olinda e seu Termo, Capitania de Pernambuco por Sua
Magestade que Deus Guarde etcetera. Depois de feita a conferencia
com os Tabelliães Gaspar da Terra e Nojosa, e Dionisio de Freitas da
Cunha no foral que nos foi apresentado pelo reverendo Padre Presi-
dente deste Mosteiro de S. Bento Frei Bernardo de Jesus Maria e com
o Foral do Senado da Camara desta cidade, e com os traslados dos
foraes que andão nos autos, e sentença contida na petição atras os
quaes nos reportamos e examinando com os ditos Tabelliães tudo
como delle é fiz trasladar bem e fielmente dos sobreditos traslado de
Foraes e do Foral do dito Mosteiro de S. Bento que o tornou a entre-
gar ao dito Reverendo Padre Presidente que de como o tornou a re-
ceber assignou aqui com os ditos Tabelliães, este traslado confere, e
concertei, e não faça duvida uma entre-linha que somente leva que
diz: e rodiará, o que tudo se fez por verdade subscrevi e assignei dos
meus signaes rasos seguintes nesta cidade de Olinda Capitania de
Pernambuco aos vinte e cinco dias do mes de desembro de mil sete
centos e nove annos. Em fé de verdade Jorge da Costa Calheiros =
Concertada por mim Tabelião Jorge da Costa Calheiros – e comigo
Escrivão Gaspar da Terra Nojosa e comigo Tabellião = Dionisio de
Freitas da Cunha Frei Bernardo de Jesus Maria = E mais se não con-
tinha em dita petição e Foral deste Senado que bem e fielmente fiz

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


312 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

copiar para este livro por mandado destre Senado e por mim confe-
rido e concertado nesta cidade de Olinda aos vinte e sete de Março
de mil oito centos e vinte e dous e eu João Antonio de Miranda Es-
crivão Secretario da Camara o subscrevi e assignei José Antonio da
Silva = João Gualberto Ferreira Guimaraes = Joaquim Jeronymo Serpa
= José Justino Fernandes Sousa = João da Costa Silva = João Antonio-
de Miranda. Eu o Principe = como regente e Governador dos reinos
de Portugal e Algarve etcetera. Faço saber aos que esta minha Provi-
são virem que tendo consideração aos officiaes da Camara da Villa de
Olinda me representarem que com a invasão que os Holandeses fize-
ram do Estado do Brasil e hostilidades que padecerão por decurso de
tantos annos se desctirão e perderão os livros da Camara e entre elles
todos os papeis importantes e uma Doação que Duarte Coelho havia
feito a mesma Camara, ficando com esta perda sem clareza nas dactas
da dita Villa e pertenções della e dos Officiaes cujo Provimento per-
tence aquelle Senado. E pelas diligencias que fizeram acharão no
Cartório de Sam Bento registada a dita doação por onde constavão as
ditas pertenças e foral que convinha se confirmasse para o ajusta-
mento dellas porquanto as datas que os antecessores fizerão de terras
devolutas ficarão nullas e se devião dar por arrendamento aos Povos
Pedindo-me lhes mandasse confirmar o ditto foral e doação com a
dita clausula e por aplicarem os ditos foros dos desembargadores do
Recife e a maior parte as fortificações em grande validade de meo
serviço. Tendo a tudo respeito e a informação que deo o Ouvidor
Geral da Capitania de Pernambuco e ao que respondeo o Procurador
da Coroa a que se deo vista. Hei por bem de lhes fazer mercê confir-
mar a dita Doação naquelles bens doados, de que a Camara está de
posse, mas não aquelles que estão em mão de terceiros por estes se
não poderem confirmar conforme a direito, e os devem requerer via
ordinaria. Pelo que mando ao meu Governador da Capitania de Per-
nambuco e mais ministros a que tocar cumprão e guardem esta pro-
visão e a fação muito inteiramente com digo e guardar como nella se
contem cem duvida alguma a qual valerá como esta sem embargo da
Ordenação do Livro segundo titulo quarenta em contrario e se pas-
sou por trez vias = Antonio Ferrão de Carvalho a fez em Lisboa a
quatorze de Julho de seis centos e setenta e oito = O Secretário Ma-
noel Barreto de Sampaio a fez escrever = Principe = O Conde de Val

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 313

de Reis = Provisão porque Vossa Alteza faz mercê aos Officiaes da


Camara da Villa de Olinda confirmar a Doação que Duarte Coelho
havia feito a mesma Camara naquelles bens doados de que ella está
de posse mas não naquelles que estão de em mão de terceiro por
estes senão poderem confirmar a direito, e as devem requerer via
ordinária como nesta se declara que vai por despacho de Vossa Alte-
za de vinte e trez de junho de mil seis centos e setenta e oito. Secre-
taria do Conselho Ultramarino de quatorze do dito mez e anno =
Carvalho = Vai por trez vias. Lisboa quatorze de julho de seis centos
e setenta e oito = Dom Sebastião Pereira = Registrada na Chancellaria
mor do Reino e Corte em o livro de officios e mercês a folhas cento
e sessenta e oito verso = Innocencio Correia de Moura = Registrada
nos Livros da Secretaria do Conselho Ultramarino a folhas cento e
noventa e sete verso de seis centos e setenta e oito = André Lopes da
Lassa – Cumpra-se como Sua Alteza que Deus Guarde manda e regis-
tre-se onde tocar. Olinda vinte e um de Dezembro de mil seis centos
e oitenta e dous. D. João de Souza – E mais se não continha em dita
Provisão Regia de Doação que bem e fielmente fiz copiar para este
Livro por mandado deste Senado e por mim conferido e concertado
nesta cidade de Olinda aos vinte e oito de Março de mil oito centos
e vinte e dous e eu João Antonio de Miranda Escrivão Secretario da
Câmara a subscrevi e assignei José Antonio da Silva = João Gualberto
Ferreira Guimarães = Joaquim Jeronymo Serpa = José Justino Fernan-
des Souza = João da Costa Silva = João Antonio de Miranda = Visto
estes autos. Pro-Sent visoens de Sua Magestade – Foral dado a esta
cidade e Camara della pello Donatario Duarte Coelho em Março de
mil quinhentos e trinta e sete confirmado por Sua Magestade no anno
de mil seis centos e setenta e oito. Livros que os officiaes da Camara
apresentarão e mais papeis que se axarão em alguns Cartórios titulos
que exibirão alguns particulares neste juizo por virtude dos Editais
postos. Vestorias por mim feitas no termo desta Cidade e Recife, tes-
temunhas perguntadas. E como por tudo se mostra ter dado o dito
Donatário aos oficciaes da Camara desta Cidade e Povo dela as terras
declaradas no dito Foral cujos limites se não conhecera em algumas
partes pelos nomes declarados no Foral nem dos titulos e Livros
apresentados delles constam nem com clareza delles deposeram as
testemunhas como sam a vargem das vacas o caminho que vai para

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


314 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

todos os Santos nem donde fosse o Passo do Governador a rossa de


Braz Pires e Rodrigo Ayres e Esteiro cujos nomes se devera supor
mudados com o curso dos annos. Consta porem de outros com cla-
reza e destinção asim como pelas confrontações do Foral, como pelo
que depoem as testemunhas e se alcança dos titulos que se tem visto
e posse em que está a Camara desta cidade pelos aforamentos que
os oficciaes antigos e Modernos tem feito despois de restaurada a
terra e antes da Invazão dos Olandezes, conservando-se algumas
datas na mam de alguns possuidores pelos Livros do dito tempo se
queimarem. Por tanto declaro ser a vargem de Beberibe a que hoje
conserva o mesmo nome e pega dos Arrombados desta cidade, e
Olaria della the ao dito rio conservando pello pe do Engenho Velho
a que se chama os Fornos da Cal theentestar com os oiteiros dos ci-
tios que foi de Pedro Camelo, ficando a Vargem do Conselho para a
banda do Norte do dito rio Beberibe. E outro sim pertencerem a
Canara desta cidade as vargens que com a abertura do rio se desala-
garão asim por estarem na parte confrontada no foral como também
por se encaminhar o rio que é navegavel, não naturalmente, mas por
trabalho dos homens como de facto proprio depoem as testemunhas
João Nunes de Freitas, e com este beneficio de desalagarem abrindo-
se o rio sem licença de Sua Magestade, termos em que atentos aos
direitos, e aos do Foral ao dito Senhor havia pertencer os desalaga-
dos como acessorios do dito rio, e a Camara pertence por virtude do
Foral e Doação que comprehende o dito rio Beberibe. E outro sim
declaro serem os capins do Conselho os citios das Salinas que pagava
fôro a Camara e forão por elle dados, e tão bem comprehender-se
dentro dos limites do Foral, a Povoação do Recife e bairro de Santo
Antonio que as testemunhas declarão ser a Ilha do Porto dos Navios
que esta cercado de maré e rio de mare aqui os antigos xamavão a
Ilha de Marcos Andre por lhe ser dada. Outro sim declaro ser o rio
dos Cedros em que o Foral fala o rio xamado Capibaribe que serca a
dita Ilha pella banda do Sul e desalagou pella primeira ponte que vai
para os Affogados por onde entra a mare que serca parte da dita Ilha.
Outro sim declaro ser o ribeiro Val de fontes declarado no Foral o rio
que hoje se apelida rio tapado, e como a Povoação do Recife e Ilha
de Santo Antonio se axava sercadas de mar e rios navegaveis e natu-
ralmente separadas termos em que conforme a direito sam desnessa-

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 315

rias marcos por naturalmente estarem divididos os ditos Lugares por


tanto não prosedo a mais demarcassão nas ditas partes que julgo
comprehenderem-se dentro dos limites do dito Foral e principal inte-
resse delle pellos muitos edificios que em huma e outra parte se
axam fundados. Em quanto a divisão das braças que o Foral dá pella
terra a dentro na costa do mar the o rio douce que se xama Paratibe,
por ora não defiro por nellas não haver duvida e na medissão que se
fizer das datas que ha na dita parte se fará a clareza necessaria, e tão
bem nas da Salinas, e outro sim julgo pertencerem a Camara desta
cidade por devolutas a costa do mar desde o rio douce, correndo
para a banda do Norte the o termo da Villa de Santos Cosme e Da-
mião de Iguarassu. E visto a posse e aforamento que de tempo im-
memorial tem feito a dita Camara na referida parte e assim mais as
terras das Curcuranas, Jangada, Nazareth e rio dos Afogados digo
Algodoaes e Ilha do Ferere de que a Camara esta de posse pelas da-
tas que se axão nos Livros della, e por esta forma Ey por deferida a
divisão dos limites e o Escrivam passará a rol as pessoas que tem
datas para apresentarem seos titulos e ver se estão conformes a dis-
posisão da Lei e se ir procedendo ao que Sua Magestade manda e o
dito Escrivão notifique esta sentença ao Procurador da Camara para
que tendo que requerer contra os injustos Possuidores que ocupam
sera titulo vallido o dito realengo e faça na forma do direito e ordens
porque me é cometida esta delligencia Olinda e Setembro vinte e trez
de mil sete centos e dez = José Ignacio de Arouxa. Está conforme
com o proprio original que fiz extrair do Livro de Tombo desta Ca-
mara do que dou fé. Secretaria da Camara 19 de Setembro de 18 digo,
de mil oito centos e sessenta e cinco, quadragesimo quarto da Inde-
pendencia e do Imperio. Eu Marcolino Dias de Araújo Secretario da
Camara subscrevi e assignei = Marcolino Dias de Araujo = Nº 6 Reis
1200 = Pg. Mil e duzentos reis de sello. Olinda 30 de Setembro de
1865. Figueira =” (p. 288-300)
269. “Carta. Illm° Senr. Jose Pedro da Costa Barradas. Tendo-me
vindo ás mãos um incurial e incivil – Cumpra-se – que VS, pôz em
ua precatoria que por mim lhe foi dirigida, vacilei por algum tempo
se lhe devia dar as merecidas palmatoadas como á criança buliçosa
e malcreada e advirtil-o de sua ignorancia e grosseria, ou se deveria
calar-me por não medir-me com tão despresivel campeão. Em favor

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316 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

do silencio estava a minha dignidade literaria que perde de sobejo


entrando em liça contra cavalheiro tão novel que demais mostra e
patenteia pelo nedio e obezo de seu aspecto, o vazio de sua cabeça,
aquem tem ainda a mais superficial noção das regras de Lavater, e de
Gall. A decencia porem, e a justiçame clamão que não devia dechar
inpune o seu desmascarado ordinario, e sobretudo a caridade me
instiga a mostrar-lhe os seus erros e aconselhal-o a não abalançar-se
a emprezas para que não é feito. Subjuga-se dever tão santo, dever
todas as considerações. Passo a analizar o seu celeberrimo despacho.
Affirma VS. redondamente no seu - ‘cumpra-se’ que mandou prender
sem culpa formada, é contra a lei, mas não declarou, e nem talvez
saiba contra que lei. Em verdade, na Ord. Do L° 5°, Tit. 119 cap. e § 2°
assim se determina em regra. Mas não lêo VS. a excepção desta na lei
da Reformação da Justiça a 6 de 10br° de 1612 Tit. 11? Se a leo veria
que o Juiz pode mandar prender antes de culpa formada em todos
os casos que provados merecem pena de morte natural e civil. Ora
creio que deve saber que na forma da Ord. do L° 5 Tit 6°inp. o furto
[mares] de prata e d’ahi para cima, tem pena de morte e neste caso é
claro que bem decretada foi por mim a prisão antes da culpa formada
contra homens acusados de rôbos de 600$, como da precatoria se vê.
Poderia VS contra isto arguir que tendo cahido em dezuso a pena de
morte nos crimes de furto, não pode aproveitar o § 14 da citada Refor-
mação da Justiça para justificar a prisão determinada. Mas todo o ju-
risconsulto portuguez não ignora que uzos contra a lei escripta, como
na presente theze, não são mais que abuzos, Lei de 18 de Agosto de
1769, e que as mesmas Ordenações a regulão a cada passo, como no
L° 1° Tit. 62, § 10, e em outros muitos lugares que seria tediozo nu-
merar. Demos porem que tal uzo tivesse vigor, máo grado ser contra
a lei, nem assim adeantaria VS um passo, porque sendo ampliado o §
14 da Lei da Reformação da Justiça de 1790, e estendida a permissão
de decretar-se prizão antes de culpa formada a todos os cazos que
provados mereção pena de açoutes ou degredo de mais de 6 annos,
é inegavel que sendo os furtos graves como de nossa questão, sem-
pre punidos com degredo de 8, 10 e mais annos, estão os accuzados
nos termos de poderem ser prezos antes de lhes formar culpa. Esta
doutrina poderia VS ver expendida em Paschoal Jose de Mello Freire,
Pereira e Souza 1as linhas do Processo Crim, Leitão, e Ferreira Pratica

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 317

criminal. Alvaraes de Executionibus etc. Ainda lhe caberia arengar


se para isso tivesse geito e viveza, que sempre para decretar prisão,
devia preceder processo informatorio, e não simples denuncia. Mas
além de que não ha texto d’onde tal se deduza, o contrario é deter-
minado na Lei da Reformação da Justiça, e Mello Freire o diz na Instit.
Crim Luzitana, vol. 5° ao § 5° nestas formaes palavras “Incriminibus
capitalibus... dilatos capere semiliter potext. Releva mais notar que a
VS não constava que ja se não estivesse em informações. Acresce que
devendo os juizes deprecados cumprir as precatorias, constando-lhes
os poderes dos deprecantes, e não podendo nunca VS disputar-me
o juz gladis, e suas consequencias que a todos os juizes deste Reino
são inherentes, devia VS cumprir puramente o meu precatorio, sem
se intrometter a opinar e decidir descortezmente sobre o abuzo ou
não abuzo que eu fazia deste direito. Talvez que embicace tambem
VS como animal manhozo na palavra – Prizão – parecendo-lhe não
ser propria, e só sim a de – custodia – para os casos em que se trata
de segurar uma pessoa que ainda não é réo. Mas que culpa tenho
eu de sua ignorancia e mandrieira? Esta palavra é uzada no mesmo
sentido e cazo pela citada lei da Reformação da Justiça e Alvaraes
novissimos: e a lingoagem legal não pode ser repugada com tanto
mais razão quanto é a mesma de todos os Levicongraphos – vide –
Moraes nas palavras prender – prizão. Antolha-se-me que o tenho
convencido da frioleira e temeridade de seu despacho, e só me resta
admoestal-o como collª e como homem que não se arrisque a sahir
de sua esphera, e que aproveite o saudavel conselho do epigramatico
latino – Continue a balançar-se na rede da indolencia, durma até o
meio dia, e saboreie todas as delicias e para aliviar-se do importuno
tempo, mate-se ao jugo ou a fisgar moscas a domiciano, sem nunca
lhe vir ao bestunto sacrificar sendo topeira aquem tem ao menos sem
olho. Embora se possa defender com a supracia toda observação de
Peter Tisdor que também burros guião homens, melhor lhe comiria
imitar a inausidão desse seu bom proximo. Sentirei que se lastime de
meu antidoto, é que lhe apprecio, e que nos botes que lhe dei tire em
vista o seu bem, e não defender o meu direito ultrajado e a minha tal
ou qual reputação literaria abocanhada em seu despacho, pois estes
por si se defendem e não podem ser desbotados pela oppressão de
VS e dos da sua estofa. Deus Guarde a VS muitos annos. Olinda 28

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318 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

de Outubro de 1815. De VS collega muito condoido = Antonio Carlos


Ribeiro Machado d’Andrada e Silva.” (fl. 301-302v)
270. “Funchal 24 de Novembro de 1875. Sobre o seu pedido de in-
dagações dos restos de João Fernandes Vieira, nada pude colher que
satisfaça, como verá João Gonsalves Zarco doou em 25 de Março de
1454 o chão junto á egreja de S. Paulo, para um hospital que se cons-
truiu a expensa do povo em 1469. Deste hospital nada resta; existe no
mesmo sitio a Capella de S. Paulo que foi reconstruida ultimamente
por esmolas. Este hospital foi transferido no fim de quinze, para a fre-
guesia de Santa Maria Maior, em terreno que Alvaro Affonso deixou
em 1483, com a clausula de se fazer um hospital com seis camas, e
por carta regia de D. Manoel, de 25 de Maio de 1507, se ordenou que
se conastruisse novo hospital, no terreno de Bartholomeu Malheiro,
que se julga foi encorporado ao antigo na mesma freguesia de Santa
Maria Maior. Destes hospitaes só resta a rua, com o nome de Rua do
Hospital Velho. Naturalmente foram destruidos pelo terremoto que
houve nesta Ilha na noite de 31 de Março de 1748, e em que natural-
mente foi destruído, digo, foi construido o jasigo de João Fernandes
Vieira, cognominado o Castrioto Lusitano, que foi para o Brasil em
1624, com onze annos de idade e ahi se fez celebre pela expulsão
dos hollandezes do Brasil. O edificio do actual hospital (invocação
de Santa Izabel), foi construido depois de 1686, e acabado por 1745.
Na sua capella não existe jasigo algum de João Fernandes Vieira, e
mesmo na pauta dos padroeiros desta Santa Casa, que data de 1511,
(tendo principio no hospital de Santa Maria Maior) não existe o nome
de João F. Vieira. Foi tudo o que pude colher, quer de informações de
meu amigo Felippe, presidente da comissão administrativa da Santa
Casa, quer das “saudades da terra” do Dr. Azevedo, livro valiozo para
a história da Madeira.” (fl. 303-303v)
271. “Funchal 23 de julho de 1876. Estou de posse de sua estimada
carta de 27 de Maio, e apontamentos relativos ao testamento de João
Fernandes Vieira. Foram infructuosas as pesquisas que se fizeram
nos archivos da Santa Casa de Misericordia de Funchal sobre os ditos
apontamentos. Onde se poderia colher alguma cousa, procurou-se,
e em quatro grossos volumes que eu vi e li os indices, onde estão
copiados todos os testamentos, legados, doações, foros, que foram
feitos á Santa Casa, desde 1200 a 1700 e tantos, não existeo nome de

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As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 319

Vieira, nem nada que lhe diga respeito. Além disto este hospital, foi
fundado, e a instituição dos orphaos depois de alguns annos da data
do testamento de Vieira, ou de sua morte. Como em Machico e Santa
Cruz, existem Casas de Mizericordia, mandei os apontamentos a um
amigo competente, para indagar nos archivos se existe lá alguma
cousa, pois como Vieira era do aniço, Conselho de Santa Cruz, pode
ser que fossem lá cumpridas as suas vontades, caso não se encontre
nada, farei indagar no Machico, que me dizem ser Mizericordia an-
tiquissima; mas hoje pouco mais que extincta ou abandonada (*)9”
(fl. 303v-304)
272. “Noticia sobre a extincta colonia allemã da Cova da Onça,
mais tarde officialmente denominada - Amelia, á mim prestada por
Anna Margarida Fildel, ultima das antigas colonas aqui existentes,
allemã de nascimento, [reiuna], com oitenta annos de idade, neta do
Mestre-escolla da Colonia, moradora no lugar Ferrar, que dista meia
legua do local onde existio a colonia. Os allemães que constituira
a colonia da Cova da Onça, que foi situada á duas leguas, mais ou
menos, desta capital, em local por onde corre o rio Paratibe, alli
estabeleceram-se em 1828 (**)10. Não trasiam destino a esta provin-
cia e sim á de Santa Catharina. Embarcaram com outras famílias da
mesma nacionalidade em Amsterdam, em dous navios hollandeses.
O primeiro destes navios seguiu para o sul, o segundo (e neste vi-
nham os que aqui ficaram), deixou parte de seus passageiros em uma
praia do Rio Grande do Norte, sob o pretesto de falta de viveres nem
ao menos deixando-lhes as bagagens. Os abandonados pelo capitão
hollandez foram parar ao Natal. D’alli, sob a protecção do encarre-
gado do consulado e com intervenção da autoridade brasileira, bus-

9 Trocamos este sinal por esta nota de rodapé. “Estas duas cartas pertencem ao Consocio
do Instituto Major Codeceira, que autorisou as copias neste livro”.
10 Trocamos este sinal por esta nota de rodapé. “A informante garante que a Colonia fun-
dou-se em 1828. A defficientes notas officiaes que existem, consideram-na estabelecida em
1829. Creio mais nas informações da velha allemã, que guarda com felicidade ate as nossas
datas nacionais de seu tempo. Talvez que as notas officiaesrefiram-se á legalização, ao reco-
nhecimento do que se havia feito; e neste caso é bem possivel que, os muitos meses depois
alguma cousa, que em todo o caso pouco valle, se escrevesse para o archivo; alem de que
a fundaçãopoder-se-hia ter dado nos ultimos meses de 1828. O casamento, já contractado,
da Princesa Amelia de Leuchtenberg com o 1° Imperador, explica a denominação dada
mais tarde á Colonia allemã da Cova da Onça”.

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320 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

caram Pernambuco. Chegados ao Recife as mulheres dedicaram-se a


lavagem de roupa, e poucos dias depois foram os homens procura-
dos por um Major Pluim, allemão que talvez estivesse ao serviço do
Brasil, o qual vinha de chegar da Ilha de Fernando de Noronha. Este
com socorros do governo da Provincia, os condusio para a Cova da
Onça, onde fundaram uma colonia agricola, destinada ao cultivo de
café, da mandioca e legumes. Prosperou a Colonia ate Setembro de
1831, tempo em que chamados os allemães que a formavam pela
autoridade superior para acodirem á ordem publicaalterada pela re-
volta da tropa, começou o seu infortunio. Os colonos ao comando
do mesmo Pluim brigavam com a soldadesca desenfreiada e depois
foram guarnecer a fortaleza do Brum, onde se demoraram por trez
meses. A falta dos homens da colonia, augmentando as difficuldades
de suas familias, fez com que estas, para acodirem mais prompta-
mente as urgencias da alimentação, começassem a fabricar carvao.
Depois de restabelecida a ordem publica, vieram os proprietários
de Apipucos e de Timbó embaraçal-os em suas plantações de modo
a intimidal-os. Então alguns se foram transferindo para o Ferraz,
porque alli ao menos pagariam direitos de propriedade somente a
aquelles e não também a estes. No Ferraz, em geral, abandonaram a
lavoura e dedicaram-se exclusivamente ao carvão. Não estava entre
tanto, extincta a colonia, por que ainda em Cova da Onça existiam
muitos allemães. A visinhança dos escravos foragidos e o massacre
da familia Christiani, assassinada para ser roubada, familia allemã, de
colonos, deu finalmente o signal de retirada dos que ainda no lugar
permaneciam. Vieram para o Recife, onde, seguindo suas profissões,
buscavam trabalho alguns, retirando-se a maior parte para o Porto
Alegre donde buscavam B. Leopoldo, levando a actividade allemã
para o sul. = A colonia contava aproximadamente duzentas pessoas.
Nos primeiros tempos de sua instalação, o governo manteve nella um
destacamento militar. Depois abandonou os allemães, entregando o
seu socego as proprias forças. A informante de prodigiosa memoria
em tão avançada idade, affirma commovida – que todos os allemães
estiveram até 1831 contentes com sua sorte, que o estado da colonia
era prospero – 20 de Março de 1888, Recife = Antonio Victor de Sá
Barreto.” (fl. 304-305)

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 321

Notas adicionais:
1- Até o item 263 são numerações originais. A partir do item 264 (p.
276) foi por nós acrescentado o sequencial 264 até 271.

2- A partir da página 301 a numeração passa a ser contada como


folha, seguindo o texto manuscrito até a folha 305.

3- Segue-se duas folhas contendo dois recortes de jornais colados,


sendo o da folha 306, com o título “Transcrição – Curiosidades
históricas – Uma evasão celebre Pedro Ivo”, cujo texto continua no
verso da folha. Neste mesmo verso (fl. 306v), junto a continuaçãp
do recorte antecedente, foi colado outro recorte com o seguinte
título “Transcrição – A republica no Brasil – Revoluções Históricas”,
datado e assinado de Campinas, 13 de Março de 92, Plutarco, que
termina na folha 307, os quais não foram transcritos para estas
notas.

4- Por fim, seguindo-se onze folhas (fls. 308-318) em branco e, em


seguida, a capa dura deste primeiro volume das “Notas Históricas
e Curiosas...”.

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


322 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

ÍNDICE ONOMÁSTICO

Nome Documento
ABREU
Antonio de 208
Manoel Pereira Calheiros de 206
ACIOLI, Joanna Baptista 201
ADÃO Pernambucano 254
AFONSO
Alvaro 270
Jordão 257
ALBUQUERQUE
Afonso de 254
André de 254
Anna de 254
Antonia de 204, 238, 239, 254
Antonio Cavalcanti de 224
Antonio de 254
Barbara Izabel da Camara e 214
Brites de 254
Brites Margarida de Castro e 254
Catharina de 204, 205, 254
Diogo Soares de 204
Duarte Coelho de 208, 254, 257
Elena Barboza de 226
Felippa de Mello de 254
Felippa de 254
Fernando Affonso de 254
Francisco de Brito Bez. Cavalcanti de 244
Geronimo de 249
Henrique de 208
Izabel de 204, 205, 254
Jerônima de 265
Jerônimo de 204, 239, 254, 268
Joanna de 254
João Afonso de 254
João de 254
João Soares de 205

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 323

Joaquim Cavalcanti de 250, 251


Jorge de 254
José Bezerra Cavalcante de 244
José de Sá de 231
Leonarda Bezerra Cavalcanti de 244
Leonardo Bezerra Cavalcante de 244
Leonor de 254
Lopo de 254
Luiza de 254
Lupo de 254
Manoel de 254
Maria Cavalcante de 253
Maria de 238, 254
Mathias de 254
Salvador Coelho de Drumont e 237, 239, 242
Salvador Henrique de 250, 251
Simôa de 254
Thereza de 254
Thereza Menezes de 254
Ursula Cavalcanti de 253
ALCOFORADO, Antonio Jm de Almeida Gue- 250
des
ALENQUER, Marqueza de 254
ALMAS, Irmandade das Santas 263
ALMEIDA
Antonio Joaquim de 250
Francisca de 224
Jeronimo de 208
Joaquim de 246
Manoel de Miranda de 247
ALVARENGA, Jeronimo Coelho de 252
ALVARES
Francisco 264
Rodrigo 249
ALVERNAS
Manoel Cardoso Netto 263
Manoel Cardoso 263
ALVES
Manoel 257
Maria 263
Rodrigo 268
Rodrigues 268

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


324 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

AMARAL, Francisco Pereira do 213


AMORIM, Jacinto de 252
ANDRADA
Agustinho César de 234, 236, 237
Basilio de Abreu e 234
Catharina Bezerra de 204
Manoel Ferreira de 212
ANDRADE 251
Bernardo de Carvalho 251
Antonio Bizerra de 260
Francisco Berenguer de 237, 260, 261
Pedro da Cunha de 245
Sebastião de 260
ANDRE, Marcos 268
ANTUNES 245
Francisco 245
Leonor 263
ARAÚJO
Antonio de 229
Domingos de 263
Estevão Dias de 262
João Fernandes de 242
José Antonio de 251
José Tavares de 235
Marcolino Dias de 268
ARCO-VERDE 254
Cacique 254
Maria do Espirito Santo 204, 254
AROUCHE

José Ignacio de 247, 249, 268


José Ugnacio de 248
ASSUMPÇÃO, Joaquim da 251
AVILLA, Antonio Rodrigues de 248
AYRES, Rodrigo 268
AZEVEDO
Anna de 252
Antonio Mendes de 244
Jorge Vieira de 246, 252
BACELLAR

Anna de Freitas 230

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 325

Izabel de Souza 230


Rodrigo de Souza 230
BANDEIRA
Antonio da Cunha 243
Antonio Rangel de Torres 251
BANGUELLA, Maria 241
BANHOS, Francisco de Oliveira 234
BAPTISTA, João Ferreira 201
BARBALHO, Antonio 208
BARBOSA
João de Miranda 263
Thomé de Freitas 207
BARRADAS, José Pedro da Costa 269
BARRETO
Antonio Victor de Sá 272
Gracia do Rego 212
BARROS
Francisco Vieira de 241
Gaspar de 249, 268
Izabel de 212, 214
Maria de 212, 253
Miguel de 265
BERENGUER
Feliciano 237
Francisco 261
BEZERRA
Antonio Germano Barbalho 251
Antonio 260
Catharina 204
Domingos de Brito 228
Francisco 260
Francisco de Brito 228
Francisco Monteiro 208
Ignez de Brito 228
Leandro 231
Manoel Cavalcanti 243
Pedro Cavalcante 243
Violante 218
BORGES, Antonio 248
BRANCO, Manoel Gonçalves 213
BRAVO, Antonio Neto 252

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


326 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

BRITO, Luiz Manoel de Oliveira 248


BULHÕES
Afonso Lopes de 254
Joanna de 254
CABRAL, Belizio Lins de Albuquerque 251
CADENNA, Laura 236
CALDAS
Caldas, Francisco 257
Caldas, Simão de Araujo 253
CALHEIROS, Jorge da Costa 249, 268
CÂMARA 213
Izabel da 214
Josepha da 213
Manoel Rapouso da 213, 227
Maria 241
CAMARAGIBE, Diogo Fernandes de 208
CAMELLO
Antonio 253
Jorge 208
Nuno 253
Pedro 268
CARDOSO
José 261
Netto, Manoel 263
Diogo Velho 203, 246, 260, 261
Luiz Velho 220
CARDOZA, Izabel 208
CARNEIRO, Domingos Rodrigues 263
CARVALHO
Antonio da Silva de 213
Antonio Ferrão de 268
Antonio Serrão de 249
Franco Lopes de 262
Heitor 249, 268
Manoel Fialho de 243
Marcos de 253
CASTRO
Caetano de Mello e 266
Joanna de 254
José de Lima e 247
José Porrate de Moraes 225, 226

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 327

Mathias Tavares de 228, 230, 231


CATANHO, Anna da Fonseca 231
CAVALCANTE
Brazia 243
Francisco de Brito Bezerra 244
Francisco de Sá 253
Joaquim Emas 251
José Bezerra 244
Lenarda 243
Manoel de Araújo 243
Maria 253
Nuno Camello de Sá 253
CAVALCANTI
Felippe 257, 267
Guilherme Patricio Bezerra 208
Leonardo Bezerra 243, 244, 246
Manoel de Andrada 243
Leonarda Bezerra 244
CERQUEIRA, Pedro Gonçalves 255
CÉSAR, Maria 240, 256
CHAGAS, Francisco Candido das 251
CISNEIRO, José Alemão de 248
CODECEIRA, José Domingues 208, 266
COELHO
Duarte 248, 249, 254, 268
Duarte de Albuquerque 245, 254
Jorge de Albuquerque 254, 257, 267
Manoel 263
Sebastião 257
COLAÇO, Cosme 257
CONCEIÇÃO
José Mauricio da 244
Maria da 219
CONGA, Gracia 252
CORREA
Paulo 249
Payo 268
CORREIA, João de Freitas 256
COSTA
Antonio Rodrigues da 247
Gonçalo Ferreira da 240

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


328 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Izabel Alves da 253


Izabel da 253
João Esteves da 252
Paulo da 214
Theodosio da 263
COUTINHO
Anna 254
Antonio de Sousa 263
Joanna de Barros 212, 213, 217
Joanna 229
CRASTO, Antonio Luiz de 220
CRUZ,
Joaquim Gonçalves Ferreira da 251
Manoel Fernandes da 263
CUNHA
Alipio Emiliano Cordeiro da 251
Balthazar Gil da 264
Diogo Soares da 204, 205
Dionisio de Freitas da 249, 268
Fernando Soares da 204
Fernão Soares da 205
João Carneiro da 242
Leonor da 262
Luiz Ferreira da 240, 243
Manoel Joaquim Carneiro da 250
Maria da 262
Pedro da 245
Vasco Martins da 254
CURADO, Salvador 201
DANIEL
Gabriel 267
Graviel 208
DANTAS,
Amaro de Araujo 241
André da Rocha 253
DELGADO, Lopo 265
DIAS
Bartholomeo 268
Bartolomeu 249
Boaventura 264, 265
Catharina 264

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 329

Diogo 264, 265


Francisco 263
Gaspar 267
Maria 264
Pedro 257
Ventura 265
DOMELIRO, Luiz 263
DORNELAS, Izabel 226
DOURADO
João 252, 264
Maria 214
Salvador Quaresma 214
DRUMOND

Antonio da Costa Leitão de 244


Salvador Coelho de 244
Salvador Coelho Serpa de 244
ESTEVES, Bartholomeu 262
EUSEBIO, Santo 262
EVANGELLISTA, João 248
FALEIRO, Pedro da Costa 217
FERNANDES 208
Diogo 208
Domingos 261
FERREIRA
Domingos 241
Francisco Dias 263
Gonçalo 216
Manoel 216
Manoel Rodrigues 263
Maria Leite 215
FIGUEIREDO
Antonio Nogueira de 241
José Bento da Cunha e 250
Paulo da Rocha de 215, 216, 217
FIGUEIRÔA, Luiz de 208
FILDEL, Anna Margarida 272
FLORENCIO, Mathias 227
FONSECA
Antonio Borger da 248
Francisco Correa da 246
Francisco da 263

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


330 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Pedro Dias da 257


FONTOURA, Manoel Pinheiro da 248
FRANÇA, Diogo de Oliveira 229
FRAZÃO
Afonso Albertim 256
Afonso 256
Antonio Rodrigues 233
FREIRE
Bernardo de Paiva 227
Gonçalo de Meireles 249
João Gomes 227
Paschoal Jose de Mello 269
FREITAS 214
Eloy de 214
João Figueira de 230
João Nunes de 268
Pedro Soares de 251
FRIÉLAS 255
Catharina Lopes de 255
Manoel de Abreu 226
FROES, Manoel 252
FURTADO

João de Medeiros 224


José Ciferiano de Mendonça 251
Tristão de Mendonça 254
GALVÃO, Domingos Gomes 249
GERALDO, Manoel 261
GIL, Balthazar 264
GOMES 250, 251
Antonio Jose de Souza 250, 251
Francisco 225
Maria 225
Pasqual 226
Simão 263
Simôa 225
GOMIDE
João Gonçalves de 254
Nuno Martins de 254
GOMIDO, Gonçalo Lourenço de 254
GONÇALVES
Aleixo 257

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 331

André 208
João 215, 264
Jorge 208
Leonor Lopes 254
Lopo 254
Maria 215
Pedro 253
GOVÊA 202
Mariano de Almeida 202
Patricio Jose de Almeida 202
GOVEIA, Luiz Real de 218
GRACÊS, Francisca 226
GUEVARA, Eduardo Daniel Cavalcanti Vellez 250, 251
de
GUIMARÃES
Auelio Marques da Silva 251
João Gualberto Ferreira 268
GURJÃO, Germinio Walfredo de Souza 251
GUSMÃO, Antonio 241
HOMEM, Luiz de Almeida 238
INOJOSA, Gaspar da Serra 249, 268
ISAAC, Aureliano Almeida Rodrigues 251
IZABEL, Maria 202
JACOME, Diogo 262
JESUS
Antonia Maria de 202
Manoel de 233
Maria de 202
Thereza de 220
Thereza Maria de 206, 207
JOSÉ, Anna de São 242
LACERDA, Jerônimo d’Albuquerque e 230
LAPA, João Francisco da 251
LAVRA, André Lopes da 247, 249, 268
LAZAROS, Hospital dos 263
LEÃO
Antonio Dias de 219
José Quintino de Castro 250
Luzia de 219
LEIRIA

Luiz Fernandes 224

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


332 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Luiz Figuerêdo 224


LEITÃO
Antonio 241
Antonio da Costa 241
Catharina 217, 218
Gonçalo Mendes 204, 238, 239
Henrique 208
Manoel Nunes 205
Martim 257
Romão 256
LEON
Francisca Ponce de 215, 216
Luzia de 219
LIMA
Francisco de 263
Miguel Alves 262
LINS
Bartholomeu 253
Christovão 257
Manoel Alves de Moraes Navarro 248
Maria 253
Maria de 242
LOBATO, Antonio de Almeida 263
LOBO, Francisco Joaquim Pereira 251
LOPES
Aleixo Rodrigues 220
Antonio 249, 268
Joçao 263
Margarida 252
Sebastião 248
LORONHA, Francisco Mendes 208
LUNA
Alvaro Gonçalves de 253
Felippa de Caldas e 253
Izabel Alves de 253
Maria de Caldas e 253
LUSITANO, Castrioto 270
LUZARTE, José Theotonio Cedro 248
LYRA, Augusto da Costa 251
MACHADO, Gonçalo 241
MAGALHAES, Jeronimo de Souza 219

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 333

MAIOR, Hospital de Santa Maria 270


MALHEIROS
Bartholomeu 270
Domingos Maciel 242
João 208
MALLA, Antonio 208
MANELY, Brites 204
MANGUINHO, João Baptista da Silva 250, 251
MANOEL, Antonio 262, 263
MANOELA, Maria 263
MARANHÃO, Mathias de Albuquerque 214
MARIA, Bernardo de Jesus 249, 268
MARRECOS, Francisco Cabral 231
MARTINS
Fernão 208
Theotonio 263
MATA
João da 263
João da Rocha 202
MATTOS 262
Ana de 262
José Penhão de 263
Luisa Soares de 206
MAURICIO, João 253
MAXIMO
João 263
Manoel 263
MELLO
Afonso de Albuquerque de 254
Anna Maria do Ó e 237
Antonio Tavares de 216
Bernardo Vieira de 216, 217, 218, 233
Cândido Tiago da Costa e 251
Christovão de Albuquerque de 254
Christovão de 254
Cosma de Albuquerque de 254
Custodia Cardoso de 220
Duarte de Albuquerque de 254
Estevão Velho de 244
Felippa de 254
Filippa de 254

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


334 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Francisca Tavares de 234


Gonçalo Vaz de 254
Izabel de Albuquerque de 254
Jeronimo de Albuquerque de 254
João Cabral de 227
João de Albuquerque de 254
João de 254
Jorge de Albuquerque de 254
José Cabral de 219
José da Silva e 228
Luiza de Albuquerque de 254
Maria César Bandeira de 244
Maria de Albuquerque de 254
Maria de 242, 253
Maria Elena Pessoa de 207, 208
Maria Manoela Cavalcanti de 224
Miguel Rapouso de 227
Nicolao Tavares de 206
Suzana de 235
Thereza Tavares de 207
MENDES
Antonio 263
Fernão 263
Francisco 265
Gonçalo 239
Seraphina 215
MENDONÇA
Anna de 242
Gaspar de 208, 242
Luís de 230
MENEZES, Manoel Cavalcanti Bezerra de 251
MESQUITA, Alvaro Teixeira de 253
MIRANDA, João Antonio de 268
MISERICÓRDIA, Santa Casa de 261, 271
MONTEIRO
Brazia 253
Cosme Bezerra 243
Domingos Bezerra 243
Eusebio de Oliveira 262
José Eustaquio Maciel 250
MONTENEGRO, Caetano Pinto de Miranda 258, 259
MOREIRA, Antonio Simões 226

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 335

MORENO
José Cardoso 219, 246
Pedro Cardoso 219
MOURA
Alexandre de 245
Inocencio Correa de 249, 268
Manoel de 254
NAVARRO, José de Moraes 226
NEGREIROS
André Vidal de 240
Catharina Vidal de 240
NETA, Joanna 219
NEVES, Silva 208
NIGRAMONTE
Francisco Coelho 253
Manoel Coelho 253
NOGUEIRA, Francisco Luiz 207
NOVA
Pedro Gonçalves da 227
Vicente Dias da 227
NUNES, Leonor 205
OLIVEIRA
Antonio Gago de 225
Catharina de 234
Eusebio de 262, 263
Francisca de 213
Ignacia de 227
Maria José de 227
Suzana de 213
PACHECO, Maria 227
PAÇOS, Manoel 263
PAES
Cosme 257
João 257
Lourença Rodrigues 225
Manoel 262
Simão 268
PAIVA
João de 220
Manoel Borges de 220
PEQUENO, Francisco Alves 251

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


336 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

PERCIUCULA, Anna Maria da 222


PERDIGÃO, João da Purificação Marques 250
PEREIRA
Amador de Araújo 253
Antonio Dias 225
Bernardino de Araújo 253
Catharina 252
Dionizio Cardoso 247
Felippa de Araújo 253
Ignacio 248
Ignez Neta 219
Joanna 252
João 245
João José 251
Leonardo 208
Ludovico 248
Manoel da Costa 207
Marcos 256
Maria 252
Pedro da Cunha 204
Pedro da Silva 252
Sebastião 268
PESSOA
Braz de Araujo 235
Catharina Camello 253
Felippe Tavares 235
Francisco Camello 237
Ignez da Silva 244
Ignez 253
João Ribeiro 235
PETIGUAR, Gentio 265
PIMENTEL v
Alberto 213, 234
Sebastião 234
Manoel 248
Pinto
Christovão Pereira 250
Luis Gomes 261
Luiz Gomes 261
PIRES, Braz 249, 268
PONTE

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 337

Francisco da 252
Gonçalo Ferreira da 212
QUARESMA
Luiz 214
Mathias 227
QUEIROS, Manoel da Silva 229
RAPOUZA, Maria Gonçalves 208
REGO 212
Anna do 212
Christovão de Barros 241
David de Barros 241
Faustino de Barros 253
Gracia de Barros 217
Gracia do 216, 229, 234
Lázaro de Barros 212
RIBEIRO
Bento Teixeira 233
Domingos Dias 263
Jerônimo Teixeira 231
ROCHA
Antonio da 267
Clemente da 253
Izabel da 220
Luiza Lins da 253
Manoel Pinto da 255
Margarida da 225
Maria da 253
Maria de Castro Loba da 231
Mecia da 253
RODRIGUES
Netto, Manoel 236
Antonio 248
Bartholomeu 268
Bartolomeu 249
Estolano Severo 202
Izabel 208
João 257
ROMEIRA, Jacinta Velho 203
ROSA
José da 227
José de Santa 250

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


338 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

ROSÁRIO, Maria Francisca do



Domingos de 253
Duarte de 249, 268
Gaspar Correia de 230
João Rodrigues de 203
Manoel Camello de 253
Manuel Curado Garro de 230
Maria Curado Pereira de 230
Maria de 217, 225
Matheos de 253
Nuno Camello de 253
Simão Rodrigues de 212, 213, 225, 226,
229
SALGADO, Jacinto de Amorim 252
SAMPAIO, Manoel Barretto de 249, 268
SANCHES, Afonso 254
SEIXAS
Junior, Basilio Rodrigues 202
Joaquim Rodrigues 202
José Rodrigues 202
SERPA

Joaquim Jerônimo 268


José Antonio 237
SERRA, Manoel Nunes 262
SERRÃO, Manoel 260
SIDRAES, Feliciano Fernandes 246
SILVA 220
Alexandre da 220
Antonia da 213, 227
Antonia de Araujo da 229
Antonio Carlos Rib. Machado de Andrada e 269
Antonio da 246, 252
Antonio Gomes da 224
Catharina dos Santos da 228
Duarte de Albuquerque da 242
Felippe da 214
Ignez Pessoa da 244
Joanna da 254
Joanna Pereira da 246
Joanna Pereira da 252

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 339

João da Costa 268


João Saraiva da 220
João Telles da 247
João Vieira da 246
José Antonio da 268
José da 263
Manoel Antonio dos Passos e 250, 251
Manoel da 263
Maria da 216, 229
Pedro Ribeiro da 242
SIMÕES
João de Medeiros 224
Thomaz 203
SIQUEIRA
Adriarta de 226
Antonio de 246
Duarte de 246
SOARES
Anacleta 203
Antonio 246, 252, 256
Bartholomeu 262
Domingos Ferreira 243
Domingos 241
Fernando 204
Fernão 267
Izabel 261
Miguel 263
SOLEDADE, Senhora da 263
SOUSA
Domingos Alves de 263
Domingos Gonçalves de 215
Ignacio de 224
Jerônima de Albuquerque e 264, 265
João da Costa e 220
João de 249, 268
José Justino Fernandes 268
Marcos Pereira de 256
Maria da Costa de 253, 262
Pedro Sebastião de 224
Ruy de. 254
TABORDA, Manoel Rodrigues 212, 217, 229

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


340 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

TAVARES
Anna de Crasto 228
Antonia 234
Ayres 245
Francisco Paes 206
Thomé de Crasto 228
TAVELLE, Antonio 222
TEIXEIRA
Luiz Carlos de Paiva 250
Miguel José 250
Pedro 242
TELLO, João Afonso 254
TERCEIRA, Ordem 263
TEXEIRA, Manoel Pinheiro 226
TORRES, Francisco de 241
TRAVASSO, Domingos 263
VALCAÇAR, Joanna Camello 233
VALDIVESO, Balthazar Dornellas 231
VASCONCELLOS
Águida de Oliveira de 227
Apolinario Pereira de 263
Diogo Cavalcante de 240
Francisco Alvares de 207
Galdino Temystocres Cabral de 208
Gaspar Acyoli de 201
Gaspar de Mendonça e 242
Izabel Mendes de 224
Luiza de 206
Manoel de Mendonça e 242
Reinaldo Alvares de 207
Rozaura Tavares de 207
Simão Alvares de 207
Tranquilino Cabral Tavares de 251
VAZ
Domingos 215
Manoel 208
Simão 208
VIEGAS, Manoel Pereira 212
VIEIRA
André 233
Bernardo 218

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 341

Christovão 228
Joanna Fernandes 201
João Fernandes 240, 256, 270, 271
Jorge 252
José da Silva 229
Manoel da Silva 212, 216, 217, 229,
234
Manoel de Silva 215
Manoel Fernandes 256
VIRAES, Francisco Luiz 250
WANDERLEY
Adriana 253
Gaspar 253
João Mauricio 253
XAVIER, Antonia Francisca 202
XERES, Bartholomeu Rodrigues de 252
ZARCO, João Gonsalves 270
ZUMBI 266

ÍNDICE TOPONÍMICO

Local Documento
África 247
Alenquer 254
Alentejo 254
Algarves 247
Algodoaes 268
Amsterdam 272
Antonio Vaz 263
Apipucos 272
Araripe 241
Arassuagipe 257
Arraial de São Caetano 263
Arrombados 268
Bahia 254
Bairro de Santo Antonio 246, 268

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


342 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Beberibe 249, 268


Boa Vista 263
Braga 230
Brasil 204, 245, 258, 265,
267, 270, 272
Cabo de Santo Agostinho 253, 257
Capela
da Aldeia do Meipibú 233
de N. S. da Purificação 214
de N. S. do Ó 233
de N. S. do Rozario de Tejucupapo 220
de Paratibe de Cima 237
de Santo Antonio de Potegi 225
de São Gonçalo do Potegi 226
de São João Baptista 231
de São João 224, 230
de São Paulo 270
Capibaribe 264
Capibaribe Merim 264, 265
Capitania

de Itamaracá 264, 265


de Olinda 268
de Pernambuco 243, 245, 246, 247,
249, 252, 256, 257,
260, 261, 262, 265,
267, 268
Caraú 241
Casa da Misericordia 261
Cedros 268
Cemitério de N. S. da Conceição 250, 251
Cidade
da Paraíba 201, 214
de Coimbra 217, 234, 244
de Lisboa 245, 247, 249, 266

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 343

de Olinda 201, 212, 215, 216,


217, 235, 238, 241,
243, 244, 246, 247,
248, 249, 250, 251,
262, 268
de São Sebastião 227
do Recife 207
do Rio Grande do Norte 217
Colonia

Alemã 272
Amélia 272
Convento de São Francisco de Olinda 235
Cova da Onça 272
Curato de N. S. dos Prazeres de Goianinha 229
Curcuranas 268
Engenho
Abiay 230
Apipucos 208
Arariba 253
Caraú 244
Cunhaú 214
da Guerra 253
de São Pantalião do Monteiro 207, 208
Muribeca 205
São Francisco da Varzea 240
Trapiche 245
Velho 268
Ferrar 272
Fornos da Cal 268
Fortaleza do Brum 272
Freguesia
da Varzea 202
de Goiana 220
de Igarassu 228
de Itamaracá 206, 207, 244

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


344 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

de Maranguape 235
de Muribeca 246
de N. S. da Apresentação (RN) 226, 227
de N. S. da Luz da Matta 203, 222, 224, 263
de N. S. da Penha de França da Taquara 228, 230, 231
de Santa Maria Maior 270
de São Lourenço da Matta 224, 242
de São Lourenço de Tejucupapo 231
de São Pedro 217
do Cabo 253
do Martir São Sebastião 213
do Rio Grande do Norte 212, 213, 214, 229,
233, 234
Funchal 270, 271
Goiana 228, 242, 258, 265
Guiné 208, 247
Igarassu 241, 251
Igreja
de N. S. da Penha de França 228
de São Paulo 270
Ilha
da Madeira 216
de Fernando de Noronha 272
de Itamaracá 207, 253, 264
de Santo Antônio 268
de São Miguel 213, 227
do Porto dos Navios 249, 268
Ferere 268
Índia 254
Ipojuca 253
Irmandade de N. S. dos Remédios 263
Jangada 268
Jucuipe 263
Macaipe 239
Macaquinho 253
Machico 271

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 345

Maciape 239
Maranguape 235, 256
Matriz
de Itamaracá 236
de N. S. da Apresentação 227
do Corpo Santo 252
Miroeira 260, 261
Molinote 201
Mosteiro de São Bento 239, 249, 268
N. S. da Ágoa de Lupe 201
N. S. da Conceição 251, 262, 263
N. S. do Monte 249, 268
N. S. do Ó 263
Natal 272
Nazareth 268
Nova Lusitania 208, 268
Óbidos 254
Olaria 268
Olinda 201, 208, 235, 242,
244, 247, 248, 249,
250, 251, 252, 253,
254, 255, 256, 260,
261, 262, 263, 267,
268, 269
Palmares 266
Pao Amarelo 256
Paratibe 235, 239, 249, 260,
261, 268
Paratibe de Cima 237, 239, 261
Paróquia de N. S. da Apresentação 212, 213, 229
Paulista 225
Pernambuco 247, 253, 254, 258,
259, 266, 272,
Porto Alegre 272
Porto Calvo 253
Portugal 247, 249, 253, 254,
265

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


346 Tácito Luiz Cordeiro Galvão

Povoação do Recife 268


Praça do Recife 243
Recife de Pernambuco 208
Recife 208, 246, 247, 259,
267, 268, 272
Ribeira
do Arassuagipe 257
do Goiana 265
Ribeiro do Val de Fontes 268
Rio
Beberibe 249, 268
Capibaribe 268
Doce 268
dos Afogados 268
dos Cedros 268
Grande do Norte 218, 225, 234, 272
Miroeira 260
Novo 268
Paratibe 272
Tabatinga 257
Tapado 268
Roma 263
Rua do Hospital Velho 270
Salinas 268
Santa Apolonia 257
Santa Casa 261
Santa Catharina 272
Santa Cruz 249, 268, 271
Santa Maria Maior 270
Santo Amaro 261
São Bento de Olinda 238
São Lourenço da Mata 242
São Paulo 225
São Tomé 263
Serinhaém 263

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 3ª Parte 347

Tabatinga 257
Tapicurá 245
Tapinuacú 241
Timbó 272
Torres Vedias 254
Val de Fontes 268
Varadouro da Galiota 268
Vargem
do Beberibe 268
do Capibaribe 208
Vila
de Buarcos 217
de Igarassu 244
de N. S. da Conceição 265
de Olinda 208, 245, 249, 252,
257, 265, 267, 268
de Santa Cruz 249, 268
de Santo Antonio do Recife 262, 263
de São Paulo 226
do Recife 247, 258
dos Santos Cosme e Damião de Igarassu 268
Verde 254

Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 233-347, 2019


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350

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referências aos autores deverão ser feitas no corpo do texto, entre
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4.2 Tabelas, gráficos e figuras deverão trazer referên-
cia logo abaixo em fonte Garamond 8 e espaço simples.
4.3 Todas as fontes de pesquisa deverão estar devidamente dispostas
no final do texto sob o título REFERÊNCIAS (Documentos manuscri-
tos, impressos, bibliografia, etc) e obedecer rigorosamente à norma
ABNT-NBR 6023, conforme o exemplo:

SOBRENOME, Nome. Ano. Título do livro em negrito: subtítulo.


Tradução. Edição. Cidade: Editora, p. ou pp.
SOBRENOME, Nome. Ano. Título do capítulo do livro entre aspas.
In: Título do livro em negrito: subtítulo. Tradução. Edição. Cidade:
Editora, p. xx-yy
SOBRENOME, Nome. Ano. Título do artigo. Título do periódico
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Revista do IAHGP, Recife, n. 72, pp. 349-350, 2019


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O papel utilizado para o miolo é o off-set 90g/m2
e para a capa é o cartão supremo 300g/m2.
Diagramação: Gildson Alves Figueredo
Companhia Editora de Pernambuco – 2021.

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