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CU60727683

928.1 P42 Diccionario biograph


928.1 P42
Columbia University
in the City of New York
CI

Library
RA

S
EOK

‫ית וס‬
BO

D
274
LD

CO
LL
GE E

ETEN
DIDO

GIVEN BY

Prof. Boas
1

DICCIONARIO BIOGRAPHICO
DE

PERNAMBUCANOS CELEBRES
POR

Francisco Jugusto Pereira da Costa


NATURAL DA PROVINCIA DE PERNAMBUCO

slbx . h . lapita‫ة‬n- slex . Naalger


Reputuna a

Não me mandas contar estranha historia ;


Mas mandas-me louvar dos meus a gloria .
Que não he premio vil ser conhecido
Por hum pregão do ninho meu paterno.
Camões.

Meife 18
Selman
Per
sutar ,
189 /
RECIFE
TYPOGRAPHIA UNIVERSAL
Rua do Imperador n . 50
1882
manneyr
. og

INDICE

A
PAGS .

Affonso de Albuquerque Mello .


Agostinho Barbalho Bezerra. 3
Agostinho Bezerra Cavalcante e Souza .
Alvaro Teixeira de Macedo . 12
André de Albuquerque . 21
André Dias de Figueiredo. 25
Anselmo Francisco Peretti. 29
Antonino José de Miranda Falcão 34
Antonio Affonso Ferreira . 37
mne
. oas

Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho. 40


Antonio de Albuquerque Maranhão . 46
Prop

Antonio de Andrade Luna 52


6.
B13
9.

Frei Antonio dos Anjos 54


Antonio Augusto de Araujo Torreão . 57
Antonio Cavalcante de Albuquerque. 59
Antonio Coelho de Sá e Albuquerque.
Antonio Correia Seára .
Antonio da Costa 72
Antonio da Costa Rego Monteiro . 74
D. Antonio Felippe Camarão . 78
Antonio Fernandes Padilha 86
Antonio Francisco Bastos . 89
Antonio Francisco de Paula e h. c. de Albuquerque 93
Artonio Gomes Pacheco . 98
Antonio Gonçalves da Cruz Cabagá . 100
Antonio Joaquim de Mello . 103
121
Antonio José Victorino. de Almeida e Albuquerque. 124
Antonio José ictorino Borges da Fonseca 129
1909

Antonio Manoel Felix . 134


Antonio Martins Bayão . 138
FEB

429749
6
II INDICE

PAGS .

Antonio Muniz Barreiros. 141


Antonio Pedro de Figueiredo 145
Antonio Pedro de Sá Barreto . 151
Antonio Peregrino Maciel Monteiro. 150
Antonio Pessoa Arco - Verde 166
Antonio Rangel de Torres Bandeira . 167
Frei Antonio de Santa Maria Jaboalão. 173
Antonio Vicente do Nascimento Feitosa . 177
Antonio Vieira de Mello . 184
Antonio Vieira da Silva . 186
Apolonio Peres Campello Jacome da Gama 189
Aprigio Justiniano da Silva Guimarães. 1992
Augusto Netto de Mendonça . 199

Barão de S. Borja . – V. Victorino José Carneiro Monteiro .


de Capibaribe. - V. Manoel de Souza Teixeira .
de Caruarú . - V . Francisco Antonio Raposo.
de Cimbres . - V. Domingos Malaquias de A. P. Ferreira.
<<
de Goyanna. - V . José Correia Picanço.
de Iguarassú .--V. Domingos Ribeiro dos Guimarães Peixolo .
de Itamaracá .-- V . Antonio Peregrino Maciel Monteiro .
de Villa -Bella . - V. Domingos de Souza Leho.
Bento José Lamenha Lins. 203
Bento Teixeira Pinto . 207
Frei Bernardino das Neves . 209
Bernardo José da Gama . 212
Bernardo Luiz Ferreira Portugal. 222
Bernardo Vieira de Mello 2:27
Braz de Araujo Pessoa . 234

Caetano Francisco Lumachi de Mello . 236


Caetano Maria Lopes Gama. 239
Carlos Ferreira . 243
D. Frei Carlos de S. José e Souza 240
Conde de Alegrete.- V. Mathias de Albuquerque Coelho.
da Boa Vista . - V . Francisco do Rego Barros.
<<
de Irajá .-- V . D. Manoel do Monte Rodrigues de Araujo.
D

D. Diogo Pinheiro Camarão . . 231


Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira: 253
Domingos Ribeiro dos Guimarães Peixoto . 256
Domingos Rodrigues Carneiro. 261
Domingos de Souza Leño. 264
Domingos Theotonio Jorge Martins Pessoa. 267
Duarte Coelho de Albuquerque . 273
INDICE III

PAGS .

Estevão José Carneiro da Cunha. .


276
Estevão Soares de Aragão 279

Felippe Bandeira de Mello . .


283
Felippe Nery Ferreira. 287
Felix Peixoto de Brito e Mello . 290
Fernão de Mello e Albuquerque. 296
Francisco Antonio Raposo . 298
D. Francisco Cardoso Ayres . 302
Francisco Correia Telles de Menezes 311
Francisco Ferreira Barreto . 315
Francisco Gil Ribeiro . 322
Francisco José Arantes 325
Francisco José Marinho . 329
D. Francisco de Moura Rolim . 330
Francisco Muniz Tavares 334
Francisco Nunes Franklin . 352
Francisco Paes Barreto . 353
Francisco de Paula Baptista. 358
Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque. 364
Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque . 369
Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque Lacerda. 372
Francisco de Paula Gomes dos Santos . 378
Francisco Rebello 380
Francisco do Rego Barros. 387
Frei Francisco de Santo Antonio . 391
Francisco Xavier de Moraes Cavalcante . 393
Francisco Xavier Paes Barreto . 396
Francisco Xavier Pereira de Brito . 403

Gervasio Pires Ferreira . 405

Henrique Dias . 410


Hermillo Peregrino David Madeira. 418

Ignacio Firmo Xavier. 422


IV INDICE

PAGS

Jacob de Andrade Vellosino . 424


Jeronymo de Albuquerque Maranhão . 425
Jeronymo Cesar de Mello. 430
432
Jeronymo Fragoso de Albuquerque . 433
Jeronymo Villela de Castro Tavares.
João Antonio Salter de Mendença. 443
445
Frei João da Apresentação Campelli 447
João Baptista da Fonceca
Frei JoãoBaptista da Purificação. . 451
João Barbosa Cordeiro 453
João de Barros Rego. 457
Frei Joãoda Conceição Loureiro. 462
João Evangelista Leal Periquito 465
João de Mello . 469
João Nepomuceno Carneiro da Cunha. 470
João do Rego Barros. 472
João do Rego Dantas Monteiro . 473
João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro . 477
Frei João do Rosario . 481
João Soares de Albuquerqne. 485
João de Souto Maior. 486
D. João de Souza 490
João Velho do Rego Barreto . 593
Frei Joaquim do Amor Divino Caneca . 495
Joaquim Jeronymo Serra . 506
Joaquim Nunes Machado 511
Joaquim Villela de Castro Tavares 519
Jorge de Albuquerque Coelho. 521
José Antonio de Figueiredo . 527
José de Barros Falcão de Lacerda . 531
José de Barros Lima. 535
José Camello Pessoa de Mello : 539
José Correia Picanço . 541
José Correia da Silva . 542
Jesé Gomes da Costa Gadelha . 546
José Ignacio de Abreu e Lima . O 549
José Ignacio Borges. 570
José Ignacio Ribeiro de Abreu e Lima 573
José Luiz de Mendonça. 577
José Mamede Alves Ferreira. 580
José Maria de Vasconcellos Bourbon . 585
José Marinho Falcão Padilha . 587
José Mauricio Wanderley. 589
José da Natividade Saldanha 591
José de O' Barbosa 598
José Paulino da Camara 601
INDICE

L
PAGS .

Laurentino Antonio Moreira de Carvalho . 604


Frei Leandro do Sacramento . 605
Leonardo Bezerra Cavalcante . 610
Libanio Augusto da Cunha Mattos . 612
Lino do Monte Carmello Luna 614
Luiz Alves Pinto . 617
Luiz Barbalho Bezerra . 620
Luiz Botelho do Rosario . 025
Luiz Ignacio Ribeiro Roma 626

Mamede Simões da Silva . 629


Manoel Antonio Vital de Oliveira 633
Manoel de Arruda Camara . 610
Manoel Buarque de Macedo 64
Manoel Caetano de Almeidae Albuquerque
Manoel de Carvalho Paes
051
653
de Andrade.
Manoel da Cunha Wanderley Lins. 603
Manoel Figueiroa de Faria . 668
Manoel Ignacio de Carvalho Mendonça 671
Manoel de Macedo . 673
Manoel Madeira . 675
Manoel Mendes da Cunha Azevedo . 678
D. Manoel do Monte Rodrigues de Araujo . 681
Manoel Pereira de Moraes . 687
Frei Manoel da Piedade . 689
D. FreiManoel de Santa Catharina. 6.92
Frei Manoel de Santa Thereza 694
Manoel de Souza Magalhaes 697
Manoel de Souza Teixeira . 699
Marquez de Olinda --V . Pedro de Araujo Lima.
do Recife -V . Francisco Paes Barreto
Martim Soares Moreno . 701
Mathias de Albuquerque Coelho. 704
Mathias de Albuquerque Maranhão . 717
Miguel Rodrigues Sepulveda . 720
Miguel do Sacramento Lopes Gama . 723

N
Nicoláo Paes Sarmento 727

Ovidio da Gama Lobo . 729


VI INDICE

PAGS .

Frei Paulo de Santa Catharina. 732


Pedro de Albuquerque. O
734
Pedro de Araujo Lima . 737
Pedro Correia Barreto . 744
Pedro Francisco dePaula Cavalcante de Albuquerque
Pedro Ivo Velloso da Silveira
746
749
Pedro de Moraes Magalhães 752
Pedro Ribeiro da Silva . 754
D. FreiPedro de Santa Marianna . 756
Pedro da Silva Pedroso 760
Pedro de Souza Tenorio 763

D. Rita Joanna de Souza . 768


Frei Ruperto de Jezus . 771

S
Sebastião Pinheiro Camarão . 772
Sebastião do Rego Barros . 774
Simão de Figueiredo 776
Simplicio Antonio Mavignier 778 .

T
Tabyra . 780
Thomaz da Cunha Lima Caniuaria : 783

Urbano Sabino Pessoa de Mello . 785

V
Venancio Henrique de Rezende. 788
Victorino José Carneiro Monteiro 792
Virginio Rodrigues Campello . . 795
Visconde de Albuquerque --V. Antonio F. de P. H.C. deAlbuquerque
(
de Azurara . - v João Antonio Salter de Mendonça.
de Camaragibe --V . Pedro F. de P. C. de Albuquerque.
de Goyanna. -V. Bernardo José da Gama .
de Mamanguape . - V. ( aetano Maria Lopes Gama.
de Suassuna. -V. Francisco de P. C de Albuquerque. 797
D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira .
Z
Zenobio Accioli de Vasconcellos . 802
DUAS PALAVRAS

O presente trabalho é um tenue tributo de homenagem á memoria dos


nossos illustres antepassados, pelos seus feitos e emprehendimentos, pelas
suas conquistas e victorias, e por suas virtudes e patriotismo.
Primus inter pares , Pernambuco occupa incontestavelmente um logar
de honra entre as suas irmãs, que formam a communhão do vasto e flo
rescente imperio da Santa Cruz ; e a sua historia , uma das mais explendi
das e monumentaes, é um codigo sublime de arrojo e patriotismo, de no
bilissimos commettimentos , e de gloriosas tradições.
Obtendo pela constancia e valor do seu heroico donatario, os mais as
signalados triumphos na empreza colossal da sua conquista e colonisação ,
logo após a sua fundação , em principios do seculo XVI , Pernambuco ele
vou - se e occupou uma posição distincta ; e quando a sorte era adversa á
conquista e estabelecimentos coloniaes de outras capitanias, aqui, a obra
regeneradora da civilisação firmava em solidas bases os fundamentos do
seu explendido monumento ; a vida, a actividade e o trabalho o encaminha
vam na senda do progresso , e em breve tempo a Nova Lusitania de hon
tem , o Pernambuco de hoje , constituia uma das mais ricas e forescentes
colonias portuguezas da America .
Descendentes de um povo que atirou - se intrepido ás mais arrojadas
conquistas que desvendaram ao velho mundo novos mundos, de um povo
que occupa na historia da civilisação um logar proeminente pelos seus
feitos e gigantescas emprezas, pelas suas arrojadas descobertas e viagens
por mares nunca d'antes navegados, na phrase de Camões, o inspirado
cantor das glorias portuguezas, os pernambucanos herdaram dos seus
illustres antepassados o seu genio audaz e emprehendedor, e assim o seu
nome se acha intimamente ligado á historia de todas as provincias do norte
do imperio, por sua iniciativa e arrojados commettimentos.
Mallogradas todas as tentativas dos diversos donatarios das capitanias
Kama

do norte no intuito de se levar a effeito as conquistas e colonisação daquellas


Prof.

capitanias, infructiferos todos os esforços tendentes a esse mesmo fim , de


pois da perda de innumeras vidas e de avullados cabedaes, o genio e inicia
,a

tiva dos generosos pernambucanos póde, emfim , conseguir com as suas


expedições o difficil e quasi impossivel desideratum : vencer todas as bar
reiras que se erguiam á sua frente, bater nào só os naturaes possuidores
do paiz, como aos aventureiros estrangeiros que delle se haviam apossadu,
1908
IV DUAS PALAVRAS
$

e firmar aqui e alli novos nucleos de civilisação que prosperaram e se desen


volveram , e hoje constituem as mais bellas capitaes e outras cidades das
provincias do norte .
Em 1581 , quando a capitania de Pernambuco contava apenas dez lus
tros , partiu de Olinda, sua florescente e já opulenta capital , uma expedi
ção sob o mando do capitão João Tavares, e lançou os fundamentos da
cidade da Parahyba, mais tarde consolidados por outras expedições per
nambucanas ao mando de Fructuoso Barbosa e D. Felippe de Moura .
Em 1597, Manoel Mascarenhas Homem parte para o Rio Grande do
Norte com cerca de mil homens, funda a cidade do Natal, e deixa á frente
do seu governo o intrepido e energico Jeronymo de Albuquerque.
No Ceará e Maranhão, fainda o elemento e iniciativa pernambucana fir
mam a conquista e fundam novos estabelecimentos : naquella, o mesmo
Jeronymo de Albuquerque, depois de bater os indigenas, lança os funda
mentos de uma cidade a que chamou de Nossa Senhora do Rozario , na
bahia das Tartarugas ; e nesta, batendo os francezes, arranca-lhes a posse
d'essa importante provincia , firma e consolida o dominio portuguez, tendo
em premio dos seus serviços a merecida honra de ser incumbido do seu
governo ; e o heroico restaurador do Maranhão, para perpetuar mais essa
gloriosa pagina da sua vida , addicionou ao seu nome o da terra conquis
tada, como outrora os dous Sipiões fizeram após as conquistas de Africa
e Azia .
A’ historia da fundação da capitania do Pará ligam-se o nome de um
pernambucano illustre, já glorificado pela sua attitude heroica na guerra
da restauração do Maranhão, Jeronymo Fragoso de Albuquerque, e os dos
bravos que partiram posteriormente d'alli sob o commando de Francisco
Caldeira Castello Branco ; e á da expedição e descoberta do Amazonas, o
do intrepido pernambucano Pedro da Costa Favella .
Em 1567, um punhado de pernambucanos, ao mando de Mem de Sá ,
fez parte da expedição que foi expellir do Rio de Janeiro os francezes alli
estabelecidos. Em 1624, por occasião de invadirem os hollandezes a Bahia,
muitos pernambucanos empenharam - se em prol da libertação d'aquella
provincia, e a um delles coube a honra de tomar parte em seu governo ,
até que foi incumbido desse cargo o bispo D. Marcos Teixeira ; e mais
tarde, quando em 1638 foi de novo a Bahia in vadida pelos hollandezes,
partiu a soccorrel- a uma expedição desta provincia, sob o mando do conde
de Bagnuolo . Em 1700, por occasião da guerra de Portugal com a Hespa
nha e com a França , marchou um corpo de tropas para o Maranhão. Em
1735, os pernambucanos seguiram para a colonia do Sacramento ; e nesse
mesmo anno expulsaram os francezes da ilha de Fernando de Noronha, como
anteriormente já haviam feito com os hollandezes. Em 1774 , partiu uma ex
pedição para Santa Catharina. Em 1775 , partiu uma outra para o Rio Grande
do Sul; notando - se ainda as expedições de Cayenna em 1809, de Montevideo
en 1817 , e a da restauração da Balvia em 1823, e finalmente as campanhas
DUAS PALAVRAS

de Cisplatina , da Confederação Argentina e do Paraguay. Em todas essas


expedições o nome pernambucano elevou- se ; a honra nacional teve nelles
dignos e esforçados defensores, que partilharam das glorias de todos esses
feitos, muitos dos quaes são delles, exclusivamente delles .
A historia da provincia de Alagoas , outr'ora comarca de Pernambuco,
é a propria historia d'esta provincia até a epocha da sua desmembração,
em 1817 , constituindo assim um padrão glorioso da nossa iniciativa e genio
emprehendedor.
E quando Pernambuco dispunha de taes elementos, collodando -se na
vanguarda do progresso e da civilisação do Brazil, elevando aqui e alli os
povos indigenas do estado de abatimento e selvageria em que viviam , cha
mando-os ao gremio da religião e da sociedade, empenhado sempre
nessas missões regeneradoras, não esquecia-se jamais do seu proprio en
grandecimento. As suas conquistas internas dilatavam -se por todos os an
gulos do seu vasto territorto . O seu commercio mantido pelos seus pro
ductos agricolas, era grandioso. Olinda, sua capital, apresentava o aspecto
de uma cidade europea, grande, extensa, faustosa e magnifica : era a pro
pria imagem do paraiso , na phrase de um de seus chronistas.
Soou porém a hora tremenda da provação - a guerra da invasão hol
landeza .
Abandonado aos seus proprios recursos , fracos para a sua defesa em
uma guerra desigual , Pernambuco acceitou intrepido o cartel de desafio
que lhe atirou uma nação poderosa, forte por seu nnmeroso exercito,
aguerrido e disciplinado. E se a sorte das armas nos foi adversa n'essa
pugna do fraco contra o forte , de um punhado de bravos a defender a sua
liberdade e a honra do seu paiz, usurpadas pelos poderosos invasores, seu
valor e heroismo, porém , teceram uma epopea magnifica e explendida de
feitos de arrojado e inexcedivel patriotismo.
Firmaram os hollandezes o seu dominio á força de armas , consolida
ram -no , e o estenderam desde Sergipe até o Maranhão. E mais tarde,
quando Pernambuco readquiriu suas forças, quando pelo correr do tempo
se multiplicaram seus recursos, então seus filhos, sentindo-se mais fortes,
e incitados pelo amor da patria, ergueram -se altivos e intrepidos. Soou o
grito da revolta . Lançaram mão das armas ; e as suas trombetas annun
ciaram por toda a parte a guerra patriotica, a guerra da liberdade. E sós,
entregues aos seus proprios meios de defesa , abandonados pela metropole
que lutava tambem pela sua liberdade, os pernambucanos puzeram a
guerra em campo ; bateram o inimigo em Tabocas, Casa Forte , Guarara
pes e em outros pontos, e após nove annos de lutas, e da mais heroica e
gloriosa pugna , a victoria veio coroar os seus esforços : a capitulação do
Toborda, firmada aos 27 de Janeiro de 1654, remata e coroa a obra expler :
dida que firmou a futura nacionalidade brazileira .
Já anteriormente a essas duas memoraveis epochas, o nome pernam
bucano se havia illustrado tambem em outros ſeilos no seu proprio lerrito
VI DUAS PALAVRAS

rio, senão tão explendidos como os das guerras da invasão e restauração


hollandeza, ao menos de tanto valor e de tanto patriotismo: a invasão dos
piratas inglezes e francezes no seculo anterior a dos hollandezes.
Cabe -nos agora mencionar a guerra e conquista da famosa republica
dos Palmares, essa Troya negra , na phrase de um historiador, em fins do
seculo XVII ; e mais tarde , em principios do seculo seguinte , a celebre
guerra dos Mascates, na qual os pernambucanos, em tremenda luta fratri
cida, sustentaram e defenderam os seus foros e tradições, por occasião da
pendencia entre Olinda e o Recife, quando este foi elevado a cathegoria de
villa .
1800 , a infructifera tentativa da proclamação de uma republica , soba
protecção de Napoleão Bonaparte ; 1817 , a proclamação da independencia
sob a forma republicana ; 1821 , as lutas constitucionaes e a guerra ao des
potico governo do capitão - general Luiz do Rego Barreto ; 1824, a proclama
ção da Confederação do Equador ; 1829, as lutas da liberdade contra o des
potismo, luta que se prolongou até 1831 , quando se deu o acto da abdicação
de D. Pedro I , causa immediata da guerra dos Cabanos, que enlutou por
muito tempo esta provincia; e finalmente a revolução liberal de 1848, sào
outros tantos feitos do nobre e elevado patriotismo do povo pernambucano,
do seu caracter altivo e independente , e do seu acrysolado amor ás liber
dades patrias e ás instituições livres.
Por meio seculo , pois , fui esta provincia o theatro da mais renlida e
sanguinolenta luta, luta que ainda mais realçou o brio e caracter de tão
nobre povo : 1800 é o prologo desse periodo de patriotismo e de martyrio ;
1848 é o seu epilogo , o marco que firma a derradeira iniciativa, o derradeiro
protesto erguido contra a tyrannia e a oppressão .
Até aqui a iniciativa pernambucana em sua provincia , no Brazil, na
America , em fim .
Agora em outros continentes .
Na Africa , por occasião da mallograda jornada de Alcacer -Kibir, no
seculo XVI , os dous irmãos , Jorge e Duarte de Albuquerque, illustraram
os seus nomes pelas suas façanhas , e portaram -se briosa e dignamente.
Duarte de Albuquerque , segundo donatario de Pernambuco , lá ficou esten
dido no campo da batalha, e Jorge de Albuquerque, mortalmente ferido ,
cahiu prisioneiro em mãos do inimigo. Ainda no mesmo continente, em
Angola , os pernambucanos que compunham as cinco expedições que
d'aqui partiram , prestaram valiosissimos serviços á causa portugueza.
Na Azia , entre muitos nomes, realça o de D. Francisco de Moura Ro
lim , encarregado da expedição e tomada da praça de Soar, na costa da
Arabia , occupada pelos mouros , cuja conquista franqueou ao commercio
portuguez das Indias a livre passagem das suas armadas por aquelle porlo .
Na Europa, porém , abre -se mais vasto campo ás glorias e renomedos
pernambucanos. Mathias de Albuquerque, o beroe da batalha de Montijo
e de outros feitos na guerra da restauração de Portugal do dominio da
DUAS PALAVRAS VII

Hespanha, o homem que na phrase do Sr. Pinheiro Chagas, cingiu com a


aureola da vtctoria a resurgida bandeira de Portugal ; André de Albuquer
que que morreu gloriosamente na batalha das linhas de Elvas, quardo in
vestia uma fortificação; Alexandre de Moura e Albuquerque , que muito
se distinguiu com o seu batalhão nas balalhas de Montes Claros e Amei
xial ; Jeronymo Fragoso de Albuquerque, cujos feitos importaram a con
ferencia do governo da praça de Tavira , e muitos outros pernambucanos
sagraram-se heroes pelos seus feitos na guerra da independencia da patria
commum , assim como nas da Hespanha e Flandres, e em outras occasiões
em Portugal.
Na magistratura , na alta administração do paiz, ainda mesmo nos
tempos obscuros da colonia , quando qualquer missão confiada a um bra
zileiro importava o seu merecimento e muita distincção, não só pelo atrazo
em que viviamos , victimas da mal entendida politica da metropole sobre
as suas colonias da America, como tambem pelo calculado systema de
coarctar o voo e aspiração dos brazileiros, muitos pernambucanos, a des
peito de tudo isto , occuparam logares elevadissimos e de muita confiança
na alta administração do paiz , tomando parte não só nos conselhos da
coroa , como em outras missões importantes, assim na metropole, como
nos governos das principaes praças e colonias da Azia, Africa e America ;
e na representação do paiz no estrangeiro, não menos se illustraram
alguns nas missões diplomaticas de que foram incumbidos .
Na hverarchia religiosa, vemos D. Frei Manoel de Santa Catharina,
bispo de Angola ; D. Frei Bernardo de Nossa Senhora, bispo de Meliapor ;
e o Padre Dr. Manoel Gonçalves que não acceitou a mitra do bispado de S.
Thomé; o conselheiro Dr. João Ribeiro Pessoa, monsenhor mitrado da
egreja patriarchal de Lisboa ; o Dr. Francisco José Arantes , deão da cathe .
dral de Coimbra, e muitos outros, não só em Portugal como n'esta e n'outras
provincias; e nos nossos tempos , o sabio bispo do Rio de Janeiro , Conde
de Irajá ; D. Frei Carlos de S. José , bispo do Maranhão ; D. Frei Pedro
de Santa Marianna, bispo de Chrysopolis ; D. Francisco Cardoso Ayres e
D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira , bispos d'esta diocese .
Na litteratura nacional, Pernambuco não só se tem distinguido assás ,
como ao nome de um seu filho cabe a gloria de abrir o prologo da historia
litteraria brazileira - Bento Teixeira Pinto, o primeiro brazileiro que illus
trou a sua patria com as producções do seu talento, poela e historiador,
constituindo assim , na phrase eloquente do Sr. Dr. Joaquim Manoel de
Macedo , o primeiro elo da immensa cadeia de litteratos do Brazil ,
O vasto campo das sciencias e das artes, ainda que modesto entre nós,
não é menos bella e interessantemente cultivado e exaltado pelos per
nambucanos. Os nomes qe Arruda Camara , de Frei Leandro do Sa
cramento , do Conde de Irajá, do Bispo de Chrysopoles, do Barão de Igua
rassú , e de muitos outros, principalmente na jurisprudencia e nas scien
Vill DCAS PALAVRAS

cias que lhe são relativas, são bem conhecidos e não precisamos fazer a
sua longa enumeração .
No parlamento brazileiro e na assemblea constituinte portugueza de
1821, Muniz Tavares, Araujo Lima, Ferreira da Silva , Maciel Monteiro,
Nunes Machado, Urbano Sabino , Mendes da Cunha, Paula Baptista, Fei
tosa , Ferreira Barreto , Lopes Gama, Venancio de Rezende, Sá e Albu
querque, Buarque de Macedo e tantos outros, conquistaram explendidos
triumphos pela eloquencia e inspiração da sua palavra, verdadeiros e con
sumados oradores parlamentares. A tribuna sagrada, exaltam-na Barreto ,
Caneca, Lopes Gama, Jaboatão, João Baptista da Fonseca, Ferreira Por
tugal , Abreu e Lima, Frei João do Rozario , Frei João Baptista da Purifi
cação, Frei Luiz Botelho do Rozario , Frei Manoel de Macedo e outros que
não só conquistaram applausos e renome no Brazil, como lambem em
Portugal e na Hespanha.
E' pois a memoração dos feitos de tantos heroes, a perpetuação de tan
tos nomes illustres e legendarios, o acrysolado patriotismo e as glorias de
tantos benemeritus pernambucanos, o que deu incentivo a grandiosa em
preza a que mettemos hombros, empreza sem duvida superior ás nossas
forças , -a publicação do Diccionario Biographico de Pernambucanos Ce
lebres .
Incompleto como é o nosso trabalho, incorrecto mesmo , sem as elegan
cias da forma e preceitos litterarios, encerra elle todavia um cabedal bem va
lioso de notas e apontamentos, que legamos aos futuros biographos que
d'estarte aqui encontrarão reunido o que andava esparso pelos nossos ar
chivos e jornaes , como tambem pelas diversas obras relativas as nossas
cousas, e por documenlos e informações particulares, tendentes a per
derem - se .
São, pois , fidedignas e authenticas as fontes em que fomos buscar as
informações do nosso trabalho. As pesquizas, o colleccionamento , a forma
imperfeita e incorrecta que tem , trabalhos de longas fadigas, vigilias e sacri
ficios, eis o que nos pertence, eis unicamente o que é nosso . E hoje , que
após sete longos annos de incessantes trabalhos, damos á luz da publici
dade o nosso Diccionario Biographico , é-nos grato render os nossos sinceros
agradecime: s ,e significar a nossa gratidão a todos os amigos que nos faci
litaram os meios da sua confecção , prestando -nos valiosos subsidios e in
formações, e sua constante animação na empreza que tomamos sobre
nossos hombros, e tambem a illustre e patriotica Assemblea Legislativa
Provincial pela värlosa coadjuvação que votou para a sua publicação.
A’ todos , pois , a significação da nossa mais sincera e immorredcra
gratidão .
Recife, Janeiro de 1882 .

F et. Peicia da Costa .


DICCIONARIO BIOGRAPHICO

А.

Affonso de Albuquerque Mello . Nasceu em prin


cipio do século XVII no engenho Rosario com Serinhaem , e
foram seuspacs Diogo Martins Pessoa e D ) . Felippa de Mello ;
foram seus avós paternos Fernão Martins Pessoa e D. Iza
bel Gonçalves da Camara , o maternos, Jeronymno de Albu
querque e D. Felippa de Mello , pertencentes ás mais illus
tres familias desta capitania.
Perdendo seu paiem 1612, ainda bem creança , recebeu
de sua mãi a mais esmerada educação, e abraçando a no
bilissima carreira das armas , o jovem Affonso de Albuquer
que conquistou pelos seus feitos , titulos de immorredoras
glorias.
A guerra travada nesta provincia por occasião da inva
são hollandeza, em 1630, encontrou -o já possuindo as dra
gonas de capitão , ( elle tomando parte nå acção heroica da :
tomada do forte de S. Jorge como um dos poucos e valen
tos cabos que o guarneciam , cobriu -se de louros nesse bri
Thante feito de armas, um dos mais notavet's dos annaes
guerreiros de Pernambuco . Rendendo - se o forte na ultima
extremidade, depois de um apertado cerco , quando as balas
inimigas haviam derrubado os seus parapeitos e desmon 16
tado as peças sobre elles assestadas, falto de marcharentos
" demeios possiveis de resistencia depois da mais heróica
defesa, o capitão Affonso de Albuquerque foi um dos pou
cos bravos que ficaram prisioneiros em pode" do inimigo,
após a capitulação, por não acceitar a condição imposta,
de não pelejar contra elle porespaço de seis mezes.
Recobrando a sua liberdade, Affonso de Albuquerque
l'eunio -se ao excrcito pernambucano, em 1631 encontra
mol-o já figurando como um dos capitāes a quem o general
I'm chefe incumbira do assalto do Pontal de Nazareth , cujas
primeiras trincheiras chegaram i ganlar.
2
2 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Affonso de Albuquerque occupando sempre um dos


primeiros lugares na historia desses feitos memoraveis,
figurou em todos os movimentos, viu cahir o unico baluarte
que podia oppor seria resistencia ao inimigo, e fez parte da
famosa jornada de Pernambuco á Bahia .
Estacionando o exercito em Villa -Formosa , Affonso
de Albuquerque foi incumbido de ahi ficar com outros com
panheiros á guarnecel-a, ao passo que o resto das forças
foi dividido sobre outros pontos que demandavam segu
rança, ficando ahi estabelecido o quartel general.
Os hollandezes marcharam a desalojar os pernambu
canos de tão importante ponto , e Affonso de Albuquerque
que occupava uma das guardas avançadas, é um dos pri
meiros que recebe o choque do inimigo em numero consi
deravelmente maior, mas sahindo immediatamente o resto
das nossas forças ao mando do intrepido general Mathias
de Albuquerque, os fez retirar.
Em 1635 marchou Affonso de Albuquerque com o resto
das forças que nos restava em demanda da Bahia . Então ,
já não era possivel cousa alguma tentar mais em prol da li
berdade desta terra, usurpada pelas tropas invasoras da
Hollanda .
Affonso de Albuquerque chegando finalmente á Bahia,
após uma longa e penosa travessia por terra, ali se conser
vou, até que , de novo foram reclamados os seus serviços
por occasião da guerra da restauração em 1645 .
Partindo immediatamente ao appello da mãi patria,
elle illustrou de novo o seu nome nessa segunda e memora
vel guerra, cuja victoria final depois de renhidos e gloriosos
combates, teve logar no memoravel dia 27 de Janeiro de
1654 com o acto da capitulação do Taborda, depois de uma
luta gloriosa de nove longos annos.
Restaurada esta provincia do jugo hollandez, o bravo
capitão Affonso de Albuquerque Mello recebeu do general
Francisco Barreto de Menezes a honrosa incumbencia de
ir á corte de Lisboa levar a El-Rei D. João IV a segunda via
da noticia de tão faustoso acontecimento :
Ouçamos agora um escriptor notavel, o Tenente- coro
nel Antonio José Victorino Borges da Fonseca , descrever
na sua Nobiliarchia Pernambucana, ainda que em largos
traços, a vida e os feitos do illustre capitão Affonso de Albi
querque Mello :
« Já no anno de 1630 em que os hollandezes vicram in
Pernambuco, o elle briosamento ficou prisioneiro , cra capi
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 3

tão , e com este mesmo posto serviu até a restauração , sem


que duas viagens que fez a corte de Madrid , fossem bastante
para podercontrastar a fortuna ordinariamente adversa aos
varões fortes . No assalto do forte do Pontal, no encanto
namento da Villa -Formosa de Serinhaem , e na sua defesa ,
e finalmente na marcha de Alagoas, cumpriu inteiramente
com as obrigações de um perfeito capitão, porque alem do
valor de que foi dotado , conseguiu geral applauso e vene
ração, o que sabia muito bem conciliar sua grande capaci
dade . »
Em outro logar da mesma obra , diz ainda Borges da
Fonseca :
« Affonso de Albuquerque Mello, a quem chamaram
o Colomin , foi um dos mais valentes cabos que viu a cam
panha de Pernambuco , assim na sua defensa, como na ex
pulsão dos hollandezes, de que resultou, que um poeta tão
satyrico como o que escreveu os primeiros encontros das
nossas armas com as dos hollandezes, não teve de que o
arguir , quando o seu intento cra increpar a todos, antes
entre todos o singularisou nos seguintes versos :
Albuquerque, a que lhamam Colomim
Hi:00, como bueno, alfin . ))
Affonso de Albuquerque falleceu em Portugal, esque
cido e desapreciado . Esta a sorte de um dos mais va
lentes cabos, cujos feitos tanto contribuiram á nova posse
de uma das mais ricas possessões á corôa de Portugal.
Agostinho Barbalho Bezerra . Nasceu em Olinda
segundo conjecturas, em principios do seculo XVII. Era
filho do heroico pernambucano Luiz Barbalho Bezerra, ori
undo de Antonio Bezerra Felpa de Barbuda, natural de
Ponte de Lima e sua mulher D. Maria de Araujo, os quaes
vieram para esta capitania no começo de sua povoação,
com o seu primeiro donatario Duarte Coelho .
Agostinho Barbalho Bezerra, bem jovem ainda, achou
se envolvido nas lutas marciaes da invasão hollandeza en :
Pernambuco , e nos campos da batalha não desmentiu o já
proverbial enthusiasmo e valor pernambucano.
Occupada esta provincia em 1630 pelo excrcito, hollan
dez, seu pae que então estava no começo de sua carreira
militar, apresentou -se ao general Mathias de Albuquerque,
com os seus escravos e criados, mantidos á sua custa e sem
1 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

remuneração alguma pelo estado, e offerece os serviços de


todos pela cauza da påtria ; e nessa mesma phalange , des
tacava -se o vulto de dous jovens soldados, imberbes ainda,
mas em cujas frontes resplendia o sol da liberdade, estrella
peregrina, phanal de heroicos feitos e assombrosos com
inettimentos.
Estes dous jovens soldados chamavam - se Agostinho,
c Guilherme Barbalho Bezerra , ambos filhos do intrepido
Luiz Barbalho Bezerra, que os conduzia a tenda do general
em chefe, para sagral-os defensores da patria.
Agostinho Barbalho Bezerra assentou praça no exer
cito como simples soldado ; mas ao lado de seu pac, inflam
mado do seu valor c heroismo, elle soube conquistar pelos
seus feitos, quer no Brazil, quer em Portugal na guerra da
restauração , titulos e postos honrosos, ( um nome que a
posteridade reverente proclama bem alto.
A heroica defesa do Arraial do Bom Jesus, os feitos da
Varzea do Capibaribe', de Serinhacm e outros, foram teste
munhas do valor de Agostinho Barbalho Bezerra . Cahindo
prisioneiro em poder dos hollandezes, por dous annos es
teve privado da sua liberdade; mas conseguindo -a , elle
apresenta-se de novo no exercito no anode 1639, então já
possuindo as dragonas de capitão de infantaria que lhe
conferira o Conde da Torre .
Na celebre jornada quedesta provincia para a da Bahia
fez por terra o exercito pernambucano, quando já não res
tava -lhe esperança alguma no resultado da guerra, Agos
tinho Barbalho muito assignalou -se nos encontros que em
tão penosa viagem teve com os inimigos, e supportou lie
roicamente todos os trabalhos que passaram por ca
minhos invios e mattas, em uma penosa marcha de mais
de quatrocentas legoas !
Em 1641 embarcou da Bahia comocabo de uma esqua
drilha composta de oito navios, destinada a comboiar uma
frota que d'alli partia para o reino, mas voltou logo , porque
a sua missão era pol-a fóra da barra, e livral- a por conse
guinte do alcance da esquadra hollandeza que então crusava
por esses mares . Em 1643 embarcou Agostinho Bezerra
para o Rio de Janeiro, acompanhando a seu pae o mestre
de campo Luiz Barbalho Bezerra, que despachado gover
nador dessa capitania, ia assumir á sua administração, e
no anno seguinte seguiu para Portugal como cabo da frota
clos assucares .
Estava então em Portugal travada a luta renlida com
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

a Hespanha . Agostinho Barballo sobe aos regios paços


de D. João IV , e offerece os seus servicos em defesa da
causa da liberdade portugueza. Parte sem demora para o
Alemtejo, acompanhado de criados e cavalleiros mantidos
á sua custa , e nos oito dias em que o Marquez de Torre
cusa teve sitiada a praca de Elvas, Agostinho Barbalho
achou -se em todos os combates que se deram .
Recebendo então a noticia do fallecimento de seu pae na
cidade do Rio de Janeiro , Agostinho Barbalho parte para
essa provincia , e ahi se demora por algum tempo residindo
na freguezia de S. Gonçalo , onde possui uma fazenda .
Em 1660, o governador Salvador Correia de Sá e Bene
vides, partiu para a capitania de S. Vicente, á inspeccionar
as minas que estavam a seu cargo , e com seu lugar deixou
no governo da capitania Thomé Correia de Alvarenga.
Poucos dias depois da partida de Sá e Benevides, amo
tinou -se o povo contra elle, negando- lhe obediencia , de
pondo e prendendo o seu delegado; e apoiado pela Camara,
proclamaram governador a Agostinho Barbalho. Elle
nega -se a annuir aos desejos dos revoltosos, refugia -se no
convento de S. Francisco , mas elle cra o unico homem que
merecia as sympathias e confiança do povo e do Senado
da Camara .
O povo procura - o, descobre-o afinal, insta para que
acceite o cargo que a sua confiança nelle depositava e elle
resiste ; mas esgotada a paciencia e os meios suasorios,
vom a ameaça, a força, ( Agostinho Barbalho, entre a morte
co governo , acceita por fim o mandato popular.
Recebendo Correa de Sá a noticia da revolta , em Santos,
onde se achava , manda publicar um bando perdoando aos
revoltosos, e reconhecendo a Agostinho Barbalho como
delegado seu, enão do povo , ordenando que , como tal con
tinuasse no governo ; mas isto não convindo a Camara , e
sem duvida não se prestando Agostinho Barbalho a reagir
contra a ordem do governador, foi deposto do governo pola
mesma Camara aos 8 deFevereiro de 1661, e dahi por diante ,
até a posse que deu ao mestre de campo João Correa de
Sá, ficou elle governando por si só a capitania .
Voltando Salvador Correia , e assumindo ao governo ,
remetteu presos para Lisboa Agostinho Barbalho e os an
tores do levante ; mas reconhecendo El-Reia sua innocen
cia , permittiu -lhe a volta para o Rio de Janeiro, e honrou -o
com a doação da capitania de Santa Catharina .
A prunciencia con que se houve Agostinho Barbalho no
6 DICCIONARIO BIOGREPHICO

seu cphemero governo , aquietou e serenou os animos popu


lares, correndo não poucas vezes a sua vida, grandes riscos
e perigos. No anno seguinte de 1662, já Agostinho Bar
balho achava -se de novo em Portugal militando na cam
panha do Alemtejo, acompanhado de criados e cavallos
mantidos á sua custa .
Tacs foram os serviços de Agostinho Barbalho Bezerra ,
que valeram -lhe a conferencia do foro de fidalgo da casa
real portugueza , e a mercė do cargo de administrador das
minas de Paranaguà em S. Paulo, por carta regia de 7 de
Dezembro de 1663 .
Alem destas mercès, lhe foi confiada a administração
das minas de esmeralda na capitania do Espirito -Santo,
com a patente de governador da gente que ia administrar,
por cujo cargo lhe foi mandado dar 6003000 de soldo, assim
como expédiu depois o governo ordem a Camara de Santos
afim de auxilial- o nesses descobrimentos.
Na guerra da invasão hollandeza em Pernambuco , e
na guerra da restauração de Portugal do dominio de Hes
panha, Agostinho Barbalho Bezerra conquistara titulos
tacs de benemerencia e de honra, que jamais o seu nome
deixará de figurar entre os homens illustres de um e outro
paiz .
Não foi somente com o valor do seu braço e abnegação
queelle conquistára taes titulos; o resumido quadro de sua
vida que acabamos de esboçar, mostra claramente que elle
não foi somente um soldado distincto, mas sim tambem um
homem patriota e generoso . Como governador do Rio de
Janeiro, déra exemplo de alta lealdade ao soberano, e do
proceder mais digno em grave revolta que rebentúra na
cidade desse nome, e por isso merecèra elogios e premios.
No Rio de Janeiro casara -se Agostinho Barbalho com
1 ) . Cecilia Barbosa , e ahi fallecendo , legou a sua esposa e
filhas fortuna tão mediocre, que apenas a salvava da po
breza . A data do fallecimento de Agostinho Barbalho Be
zerra , é desconhecida ; mas em 1675 elle já não pertencia
ao numero dos vivos, pois a 25 de Julho desse anno, sua
viuva D. Cecilia Barbosa deu comeco a fundação de um re
colhimento na ermida de Nossa Senhora d'Ajuda, na cidade
do Rio de Janeiro, para suas filhas, para si , e para donzellas
e senhoras que quizessem viver em clausura, e separadas
e desprendidas do seculo, consagradas exclusivamente á
Delis .
O convento d'Ajuda foi fundado no Rio de Janeiro , diz
DICCIOXIRIO BIOGRAPHICO 7

um illustre escriptor, á outros coube a gloria do maior tra


balho, e de mais patente e fructuoso empenho para realisar
com todas as suas condições indispensaveis a instituição
religiosa ; mas a idéa, que é a primeira pedra, pertence a
viuva, á mãi das filhas de Agostinho Barbalho Bezerra .
Balthazar da Silva Lisboa, tratando nos seus annaes
do Rio de Janeiro , de Luiz Barbalho Bezerra , consagrou
estas palavras a memoria de seu filho: Elle deixou a sua
imagem e semelhança em Agostinho Barbalho Bezerra , o
bravo debellador dos corsarios que infestavam as costas,
tendo logar distincto na apothcose entre os seus patricios
pelas suas virtudes, valor, generosidade, e acerto nos ne
gocios: serviu tambem de administrador geraldas minas,
" por seus bons serviços obteve alvará de commenda.
Agostinho Bezerra Cavalcante e Souza Nasceu
na cidade do Recife no anno de 1788 .
Homem de cor preta ,mas filho de familia honesta ,Agos
tinho Bezerra foi destinado por seus paes á seguir a nobi
lissima carreira das armas , e ainda bem criança , assentou
praça de soldado no batalhão dos homens pretos, denomi
nado dos Henriques, batalhão legendario , cujo titulo era
uma solemne perpetuação do nome do heroico soldado que
o instituira , o illustre Henriques Dias,
Na curta vida militar de Agostinho Bezerra, não se
offereceu occasião de illustrar-se nos campos da batalha ;
mas elle pelos seus serviços, pela sua dedicação e exem
plar conducta , em breve conquistou as dragonas de capitão
do 4.• batalhão de granadeiros dos Henriques. Na luta
politica de 1817 em prol da independencia da patria , não
encontramos o seu nome figurando entre os patriotas libe
laes, e nem o Padre Dias Martins o contempla nos seus
Martyres Pernambucanos ; no entretanto , foi elle uma das
victimas do esquecimento , e honorifica mensão do seu
nome na historia desse movimento generoso e patriotico .
Salvou, porem , o seu nome do total esquecimento, o seu
interrogatorio incerto na primeira parte do tomo XXXI da
Revista Trimensaldo Instituto Histórico Brasileiro,do anno
de 1868, á pagina 253. Por esse documento vemos, que
Agostinho Bezerra occupava em 1817 o posto de tenente do
batalhão dos Henriques, e exercia a profissão de alfaiate ,
que fòra preso em Maio ,cremettido para a Bahia onde ainda
se achava em Janeiro de 1819, quando ratificou o primeiro
auto de perguntas ou interrogatorio de que acima fallamos,
8 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Creado o batalhão de caçadores, no dominio da revolu


cão, Agostinho Bezerra foi elevado ao posto de capitão, e
ainda que fosse mui limitado o papel que representou
nesse movimento cujo fim era firmar a nossa emancipa
ção politica, comtudo, ao apello da patria elle corre presu
roso a prestar os seus serviços, ( a distincção que lhe con
ferira o governo provisorio olevando-o a posto superior,
elle corresponderà digna e honrosamente.
Restituida a sua liberdade, voltou para Pernambuco ; e
quando o general Luiz do Rego reorganisou o exercito , foi
The conservada a patente de capitão, e continuou a servir
no mesmo corpo .
Agostinho Bezerra começou então a tomar parte muito
activa em todos os movimentos politicos desta provincia ,
que tinham por alvo a firmeza dos seus fóros e liberdades.
Em 1822, figurando no movimento politico em reacção a
tropa sublevada em Olinda , cahiu preso da mesma a 19 de
Setembro, mas a 27 a junta do governo o pôz em liberdade,
quando restabelecida a ordem e apasiguado o motim .
Em 1824, quando Manoel de Carvalho Paes de Andrade
proclamou a Confederação do Equador, AgostinhoBezerra
achou -se a seu lado , e prestou reacs serviços quer a causa
liberal, quer a causa da ordem publica .
No dominio da revolução, então já clevado ao posto de
major, commandou Agostinho Bezerra o 1. batalhão de
artilharia dos llenriques, ei sua frente marchou para Ipo
juca com o governador das armas José de Barros Falcão,
l'onde voltou logo para o Recife com o seu batalhão, afim
de guarnecer o forte das Cinco Pontas.
Na commissão do commando do 4.º batalhão , o major
Agostinho prestou mui bons serviços, e pelo seu desempe
nho honrosamente correspondeu a esse mandato de con
fiança ; restabelecendo não só a disciplina do corpo, como
augmentando o numero de suas praças, e mantendo o seu
brio e garbo militar .
O major Agostinho Bezerra Cavalcante e Souza, era
incansave om empregar todos os meios, todas as forças
possiveis, na conservação e tranquillidade da ordem pul
blica . Vigilante atalaia, ole percorria todos os pontos da
cidade com patrulhas do seu batalhão , a noite multiplica
va -as, e os habitantes da cidade do Recife, quer nacionaes
quer estrangeiros, sobre quem estavam indispostos os ani
mos populares, clormião tranquillos, confiados no zelo
cordem que sabia manter a conservar o major \ gosti
nho Bezera .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 9

Bloqueado o porto do Recife pela esquadra imperial,


na noite de 21 de junho de 1824 os soldados da guarnição
dos seus navios cahiram sobre a barca do registro do porto ,
atacaram -na a ferro e fogo , e barbaramente assassinaram
alguns pernambucanos que ahi estavam de serviço . No
dia seguinte, sabido o facto , levantou -se o povo , armou -se
e correu a vingar -se de todas as pessoas que julgavam
desafectas a sua opinião, e assim foi praticando.
Então apresenta - se o major Agostinho Bezerra com o
seu batalhão , expede numerosas patrulhas com ordem de
accommodar os desordeiros, de tomar as armas dos paisa
nos, de prender os militares que se achassem no contlicto
e de os recolher á seus quarteis celle em pessoa percorre
todos os bairros da cidade, taes providencias deu ctar's
meios empregou, que conseguiu apasiguar o povo , que já
havia commettido varios desatinos, e longe se dispunha a
exercer os seus actos de morticinio e anarquia .
Avança porem o exercito imperial sobre a cidade depois
de vencer os obstaculos que lhe oppunha as forças per
nambucanas ao sul da provincia, saltam em terra as tropas
do bloqueio, e os patriotas viram perdida a sua causa , der
rubada a Confederação do Equador.
O major Agostinho como outros companheiros, pro
cura fugir a vingança e atrocidades das tropas invasoras,
refugia -se e parte para o interior da provincia, a ver sé
ainda seria possivel oppor alguma resistencia.
Trez mezes durou a penosa peregrinação de Agostinho
Bezerra; e depois de internar -se pelo centro desta provin
cia , passar a da Parahyba, e chegar a do Geará ,foi preso em
virtude da capitulação do exercito fugitivo aos 29 de Setem
bro de 1824, cno dia 1 de Dezembro partio para o Recife onde
entrou a 17 a uma hora da tarde . Agostinho foi apresen
tado assim como os seus companheiros ao general Fran
cisco de Lima e Silva ; mas este nem o quiz ver, e immedia
tamente mandou - o condusir para a cadeia, onde foi reco
Thido incommunicavel á um immundo, apertado e escuro
calabouço, que d'antes servia de armario de guardar as ca
becas dos enforcados !
No dia seguinte installou - s c a commissão militar, co
major Agostinho Bezerra foi um dos primeiros réos que
compareceram á barra deste terrivel tribunal, e cinco dias
depois , a 23 de Dezembro de 1821, lavrava -se a sentença que
o condemnava a pena de morte natural !
nercio ,
A favor do major Agostinho acudio logo ( comme
3
10 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

varias pessôas gradas, todas as quaes fizeram valer os ser


viços prestadospor elle a causa da ordem publica por occa
sião do motimpopular , e disto compenetrada a propria
commissão militar, não deu immediata execução a senten
ça , e o recommendou a clemencia imperial, « em attenção
(lo que o mesmo réo dedusio em sua defesa , e comprovou
com testemunhas, e vem a ser o relevante serviço que pres
tou á nação em o dia 22 de Junho em quepoude obstar por
meio das suas praticas e actividade que se não desenvol
vesse o furor do poco levantado em massa, e disposto al
assassinar nacionaes e estrangeiros, quejulgava terem tido
relações com o bloqueio , na occasião em que deste foram
expedidos alguns lanchões, que atacarani o registro do
Porto , onde mataram algumas pessoas. »
Mas a clemencia imperial despresando o mais santo,
bello e honroso attributo que lhe é conferido , não attendeu
as representações, e nem os serviços do major Agostinho,
e confirmou a barbara sentença que lhe fora imposta.
O que constituiria titulos de honra e de benemerencia
ao major do batalhão dos Henriques, Agostinho Bezerra
Cavalcante e Souza, se vingasse a causa da revolução, se o
norte do Brazil fosse hoje essa potencia que se chamaria
Confederação do Equador, constituio , por não haver trium
phado a causa dos pernambucanos, titulos de apoio para a
sua condemnação ! E D. Pedro I , que então era um heróe,
porque havia triumphado a causa da independencia, por
que havia triumphado a sua rebeldia contra sua patria,
contra seu proprio pai até, negava o perdão aomajorAgos
tinho , considerado traidor, infame, rebelde, porque foi de
bellada a causa pernambucana, titulos que sem duvida ca
beria a D. Pedro I , se a causa da independencia tambem
não triumphasse !
Foi pois Agostinho Bezerra condemnado por haver
assignado todasas actas do Conselho, para se não acceitar
o projecto da Constituição outhorgada por D. Pedro I ,
quando havia dissolvido a força de armas a Assembléa
Constituinte; a do ajuntamento quedepoza Camara Munici
pal do Recife, e a do conselho militar que deliberou atacar
em hostilidades a provincia de Alagðas; por ter sido o
commandante do corpo que marchou á resistir o exercito
imperial, por haver occupado a fortaleza do Brum , e final
mente por se haver encorporado e marchado com as tropas
para o interior, até que foi preso !
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 11

Taes foram asbases da barbara sentença fulminada pela


Commissão Militar contra o major Agostinho Bezerra
Cavalcante e Souza !
Amanhece o luctuoso dia 19 de Março de 1825 , o ultimo
de sua curta vida de trinta e sete annos .
O honrado e benemerito Agostinho , condemnado a igno
miniosa morte, foi exautorado das honras militares que lhe
pertenciam como major, e assim , deixou a honrosa farda
que tanto o distinguira, e que por elle tão honrada fòra , para
morrer como simples paizano.
Contam pessoas do tempo, e é constante essa tradição ,
que, Agostinho Bezerra sahio da cadeia para o patibulo,
trajando calça , collete e pallitot branco, chapéo de palha
branca com fita verde, gravata e sapatos da mesma cor,
tendo porem estes , laços de fita amarella. Todas as ruas
do lugubre trajecto, que comprehendia as do Collegio ,hoje
Imperador, onde era situada a cadeia, hoje tribunaldo jury,
Crespo, Queimado , Livramento , Direita, Terço, e Cinco Pon
tas , em cujo largo erguia -se a forca, estavam replectas de
povo .
Agostinho marchou como quecm triumpho, alegre, des
pedindo -se natural e prasenteiramente das pessoas suas
conhecidas, enternecidas e banhadas de lagrimas, quando
elle sorria , e accenava com o chapéo para as senhoras que
se achavam nas varandas dos sobrados, e assim chegou ao
patibulo . E elle sobe resoluto as suas escadas, volta -se para
o povo e dirigi- lhe com voz firme e segura um breve dis
curso, e dispensando os serviços do carrasco, representou
ao mesmo tempo o papel de victima e de algõz, e atirou -se
elle mesmo da escada abaixo ! ...
Perdia nesse momento a patria um filho honrado, illustre
e patriota , mas a historia inscrevia o seu nome de beneme
rito em suas paginas, sagrando - o martyr da liberdade, e as
muzas saudavam -no, crguendo hymnos e canticos á sua
memoria .

Morreu ! porem não morre na memoria


De illustre heroe, altas façanhas ;
Pela patria emprehendeu marcias campanhas
Alcançando -lhe as palmas da victoria .
12 DICCIOXARIO BIOGRAPHICO

De Dias descendente a quem a historia


Applicou á Pernambuco acções extranhas
Deixa o grande Agostinho, á patria ganhas
Mil grinaldas exalsas d’onra e gloria .
No seu scpulchro p'ra futura idade,
Pernambuco saudoso d’hoje em vante,
Este insigne epitaphio gravar ha de :
Aqui jaz um heroe, firme, constante,
« Um capitão da Patria e Liberdade,
« Agostinho Bezerra Cavalcante ! »
Alvaro Teixeira de Macedo . Nasceu na cidade do
Recife aos 13 de Janeiro de 1807. Foram seus progenitores
o sargento -mór Diogo Teixeira de Macedo e sua consorte
D. Anna Mattoso da Camara de Macedo, « senhora de rara
belleza , »
Alvaro Teixeira de Macedo, que foi governador da for
taleza da Conceição do Rio de Janeiro , onde creou a fabrica
de armas, e posteriormente servio de governador de Ben
guella , onde fallecen , foi seu avô paterno. O capitão -mór
Luiz Prates Mattoso da Camara, cavalheiro da ordem de
Christo , e familiar do Santo Officio , rarão que por sua aus
teridade de costumes e respeito, gozara a consideração de
chefe das tres familias de Macedos, Menezes e Camaras,
distinctus na colonia de Angola pelos seus serviços, riqueza
e posição, foi seu avô materno. Diogo Teixeira de Macedo
em sua viagem de Angola para Lisboa , tocou nesta pro
vincia, e d’aqui seguio para Portugal. Alli, porem , foi bem
pouco duradoura a sua permanencia , em virtude dos acon
tecimentos politicos da Europa, os quaes o fizeram emigrar
para o Brazil e fixar a sua residencia em Pernambuco ,onde
estabeleceu uma casa commercial.
E' , pois, devido a esses calamitosos acontecimentos
de que a Europa foi theatro ao alvorecer do presente se
culo , a essa numerosa emigração para o Brazil, quando o
velho Portugal se vio ameaçado pelas tropas invasoras,
que registramos na Galeria dos nossos pernambucanos
celebres o nome do illustre Alvaro Teixeira de Macedo .
Em 1809 seus pais seguiram para o Rio de Janeiro ;
Alvaro Teixeira de Macedo contava então os seus dous
annos de idade. Na capital do então reino do Brazil fez
elle o seu curso primario ,mas veio a Pernambuco estudar
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 13

o latim , pelo que matriculou - se nas aulas da Congregação


do Oratorio de S. Felippe Nery, ou da Madre de Deus, na
cidade do Recife, e onde esteve sob a recommendação de
seu padrinho o negociante Antonio da Silva. De Pernam
buco passou - se Alvaro Teixeira de Macedo á Londres, com
dous filhos de seu padrinho, e ahi entrou em um collegio
catholico , d'onde sahio depois de quatro annos habilitado
em todos os conhecimentos necessarios á vida commer
cial, para a qual era destinado .
Mas a sua nenhuma vocação para essa vida levou - o a
tentar abraçar o sacerdocio da medicina, e para esse fim
partiu para a França , e matriculou -se na Universidade
de Pariz. Em breve, porém , vê- se obrigado pelo seu es
tado de saude, que não o coadjuvava no estudo da medi
cina, a abandonal-o. Volta a Portugal, apresenta - se em
Coimbra, mas acclamando-se D. Miguel ao throno portu
guez , fecha -se a Universidade, e Alvaro Teixeira de Ma
cedo vê -se forçado a voltar ao Brazil.
Por esse tempo acabava - se de crear o Curso Juridico
de Olinda, e o nosso comprovinciano volta de novo a patria
em busca da sciencia, que se lhe negara n’um paiz o abso
lutismo de um rei, e no outro a debilidade de suas forças.
Em Março de 1829 matriculou - se Alvaro Teixeira de
Macedo no Curso Juridico de Olinda, quando contava os
seus vinte e dous annos de idade. E assim , diz um seu il
lustre biographo, depois de percorrer as capitaes mais ci
vilisadas da Europa, c enriquecido o seu espirito com o
estudo das linguas vivas que fallava e escrevia perfeita
mente, e com a illustração que transmittem as viagens,
vinha o mancebo pernambucano pela segunda vez procu
rar a sciencia c a instrucção na terra em que vio a luz !
Elle mesmo commemorava com ufania este resultado das
voltas do mundo .
Na Faculdade , encontrou Alvaro Teixeira de Macedo
entre os seus collegas que o apreciavam pelo seu trato
amavel e cavalheirosas maneiras, a seus dous irmãos
Sergio Teixeira de Macedo, depois conselheiro e ministro
de Estado, e Diogo Teixeira de Macedo, depois desembar
gador.
Na risonha e encantadora Olinda , nos seus lindos e
pitorescos bosques, nas ruinas dos monumentos do seu an
tigo luxo e opulencia, sob o formoso eexplendido céo que
a corôa, no deslisar das aguas do ameno Beberibe que lhe
banha as plantas, e no rumorejar das ondas do Oceano
14 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

que beija as suas praias bordadas de immensos coquei


raes, nasceu da alma do joven academico a poesia , porém
a poesia terna e encantadora, e a doce musica de sua alma
começou a se fazer ouvir .
Firmado ha bem poucos annos ainda, o facto da inde
pendencia politica do imperio , era o dia feliz anniversario
desse feito solemnisado enthusiasticamente com pomposas
festas. Tinham por costume alguns cidadãos desses bons
tempos de outr'ora , em que ainda existia o verdadeiro
patriotismo e civismo brazileiro de festejarem tambem o
anniversario da nossa separação de Portugal, a 7.de Setem
bro, com um lauto e profuso jantar na cidade do Recife,
para o qual convidavamas principacs pessoas desta capital.
Era o anno de 1829, diz o seu illtustre biographo o com
mendador Antonio Joaquim deMello, anno de lucta encar
niçada, entre a opinião liberal defensora da Constituição, e
a que se dizia , e bem o parecia , querel- a derribar. Convi
daram os patriotas festejadores os academicos de Olinda a
fazerem -se representar no jantar por quatro de entre elles .
Um dos escolhidos foi o nosso Alvaro Teixeira de Macedo ,
que recitou naquelle brilhante e politico regosijo nacional,
entre vivas e applausos, um elogio em versos hericos, a que
a imprensa deu logo publicidade.
Cinco annos depois concluio Alvaro Teixeira de Macedo
o seu curso academico, durante o qual lhe foi conferido por
diversas vezes honrosos e significativos premios e distinc
ções , e recebeu a carta de bacharel em sciencias juridicas e
sociaes, conferida pela Faculdade de Olinda,no anno de1833.
Laureado por um dos primeiros estabelecimentos
scientificos do Imperio, seguio Alvaro Teixeira deMacedo
para a corte do Rio de Janeiro , onde residiam seus pais ,e pro
cedendo - se por esse tempo a reforma da Alfandega dessa
capital , obteve a nomeação de primeiro escripturario .
As recordações das sumptuosidades e prazeresda so
berba filha de Agenor, continúa o seu biographo, certo
empenho, que elle quiz , e podia romper, e o dissabor do
estado politico do Brazil, o decidiram a solicitar um lugar
na classe diplomatica. Despacharam -no addido servindo
de secretario da Legação Imperial de Lisboa , para onde
havia sido nomesmo anno de 1834 nomeado chefe com o ca
racter de encarregado de negocios seu irmão mais moço
Sergio .
No anno de 1836 foi Alvaro Teixeira de Macedo promo
vido a secretario da legação de Londres.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 15

D'aqui por diante começou elle a soffrer as injustiças


do governo . Do que lhe valiam os seus serviços, a sua de
dicação e desinteresse, tantas e honrosas attestações de
tudo isso por consumados e abalisados estadistas, como
um Galvão, um Montezuma e um Marques Lisboa, sob
cujasordens servira ?
Sempre o triumpho dos protegidos da fortuna , sempre
as mediocridades a campear altivas, sempre o demerito
pelo merito ! Outros mais modernos do que elle, haviam já
passado a encarregados de missões. Outros, começavam
à sua carreira, confiando -se -lhes o desempenho de cargos
mais elevados ; Alvaro Teixeira de Macedo estava condem
nado a ser secretario perpetuo !
Essas magoas, esses dissabores que heroicamente
supportou, tantas injustiças e preterições que soffreu, fize
ram -no arrancar do peito essa queixa, tão magistralmente
desenhada no oitavo e ultimo canto do seu poema
A Festa de Baldo :
Já que os rijos boléos de má ventura
Até por fim a porta me encerram
Do Templo da Justiça, rasga ousado,
Engenho meu , caminha triumphanté
Por meio das fileiras indiscretas
Daquelles, que a fortuna caprichosa ,
Cega sem tacto, p'ra seus fins protege .
Eu, que de tal Senhora não recebo
Mil favores, que a vejo dar aos outros,
Que tão mal concebi suas promessas ,
Que lancei pelas geiras do futuro
Sem proveito somente d'esperanças ,
Pretendo que meu nome, ora esquecido,
Meu nome, que o Poder tão mal afaga,
Viva longo nas azas do Conceito ,
Talvez no coração da minha Gente
Viva sempre seguro na memoria
Daquelles que applaudirem meus esforços.
Eis a sorte feliz que tanto anhelo,
E o maior galardão porque trabalho.
Alvaro Teixeira de Macedo, quando secretario da Lega
ção Imperial de Lisboa, ahi casara - se com uma illustre se
nhora dessa capital.
Accommettido gravemente em Londres de uma moles
tia, effeitos ainda de uma febre intemittente que soffreu em
Olinda, quando estudante , determinaram -no a pedir uma
16 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

licença, e ir gozal- a em Lisboa . Em 1843 achava - se elle ahi


medicando -se em casa da familia de sua consorte, quando
recebeu ordem de partir para Vienna d'Austria , a tomar
conta interinamente do lugar de ministro daquella legação .
Apezar de enfermo, elle partio sem demora, e pela
rapidez da viagem não se fez acompanhar pela esposa . Em
Vienna, aggravaram -se consideravelmente os seus males
correndo sua vida eminente perigo ;mas pelos cuidados e
amizade de um generoso medico, cuja dedicação levou - o a
alojal- o em sua casa , elle foi salvo ; porém a sua saude
estava para sempre arruinada .
Quando Alvaro Teixeira de Macedo esperava do governo
um acto de justiça e de equidade, enviando- lhe a carta
imperial de sua nomeação effectiva para Ministro do Brasil
em Vienna, vio com pezar um outro ser o nomeado e elle
removido para Lisbôa, ainda como secretario daquella
Legação !
Finalmente, no ultimo quarquel da vida, quando a
morte já assomava nos umbraes do seu tugurio , foi elle
promovido em 1848 a encarregado dos negocios da Belgica,
para onde se transportou com sua familia .
Eis como o commendador Antonio Joaquim de Mello
descreve os derradeiros dias de sua existencia :
« Sua vida era um continuo soffrer ; o estomago era
atacado , e depois o cerebro. Soffriadores de cabeça ter
riveis ; perdeu a memoria dos factos recentes e actuaes,
posto que guardasse a dos antigos. Os medicos julgaram
haver tuberculos no cerebro . Tornou -se vesgo e quasi
cego , e aindą victima de frequentes syncopes, ou desmaios.
Nadá lhe valeram a sciencia dos primeiros medicos, e os
esmeros e desvellos de sua virtuosa consorte. Em 7 de
Dezembro de 1849 um dos costumados ataques, de que
cra atormentado , poz- lhe fima existencia . »
Os ultimos officios quelhc prestaram os seus compa
triotas alli residentes, e o governo junto ao qual estava
acreditado como Ministro do Brazil, foram solemnes e
pomposos, e repassado dessa tristeza e respeito que infun
dem as ceremonias dessa ordem . Eis como a gazeta
L'Independence Belge, de 10 de Dezembro de 1849, descreve
o seu funcral:
Hoje, a uma hora depois do meio dia , tiveram lugar
as exequias solemnes do Cavalheiro Alvaro Teixeira de
Macedo, encarregado de Negocios do Brazil junto ao
governo Bolga,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 17

« Dous batalhões do 5.º regimento de linha, sob o


commando do coronel Van Rode formavam a escolta.
A musica do 5.º abria a marcha executando árias funebres .
A casa do rei era representada por duas carroagens em
grande libré, occupadas pelo general Dupont, ajudante do
campo do rei e por um ajudante de ordens. No cortejo,
além do Sr. Heffschmid, ministro dos negocios estrangei
ros, e do secretario geral do Ministerio , notava - se o Nuncio
Apostolico , os Ministros Plenipotenciarios dos Paizes Bai
xos , e da Grã -Bretanha, da Prussia , da França e o do
Imperio Germanico. O Ministro da Sardenha por doente
fez - se representar pelo Secretario da Legação. Seguiam -so
o cavalheiro Amaral, encarregado dos Negocios do Brazil
em Pariz , o Ministro Residente da Dinamarca, os encarre
gados de Nogocios da Suecia, Estados-Unidos, Hespanha,
Turquia , e Portugal; os Secretarios e Addidos da Nuncia
tura e outras Legações ; os Vice -Consules do Brazil em
Antuerpia, Bruges, e Termonde ; todos os brazileiros resi
dentes na Belgica , e uma longa serie de carroagens occu
padas pelos amigos pessoaes do finado, e por outras
pessoas relacionadas com o seu paiz . »
« A familia do illustre finado era representada pelo
cavalheiro Siqueira, compatriota e antigo collega do Sr.
Macedo, assistido pelo Dr. Cumier. Ambos elles estreita
mente ligados com o finado , tem cercado sua viuva de uma
dedicação acima de todo o clogio nos terriveis trances
porque tem passado .
Os restos mortaes, precedidos do Clero, foram condu
zidos a igreja parochial de San - Josse -en -Nood, onde foram
celebrados os officios, e depois inhumados no cemiterio
daquelle municipio , com as honras prescriptas pelo cere
monial diplomatico. »
Tal foram as homenagens rendidas à memoria do
illustre morto .
Alvaro Teixeira de Macedo recebeu por consorte a
D. Anna de Macedo, filha de Roberto Lucas, negociante em
Lisboa , associado á primeira casa de commercio dos
vinhos de Portugal, oriundo de uma illustre familia ingleza ;
seu pai possuio o Deado de S. Paulo , um dos beneficios
mais consideraveis de Londres .
A unica felicidade que teve Alvaro Teixeira de Macedo
foi a do lar domestico .
Sua virtuosa esposa foi o injo das consolações que
18 DICCIONARIO BIOGRAPHUCO

Deus baixou sobre elle para suavisar e amenisar as agruras


de sua vida publica , e da molestia que o atormentava .
Esta vida de encantos e innocencia, cercada pelos
ternos rebentos de sua alma, essa fiel companheira que os
céos lhe destinara, esse dom inaprecia vel que só o sabe
bemdizer aquelles que gozam de taes encantos e felicidades,
elle o reconhecia, elle o bemdizia , e no seu poema- A Festa
de Baldo-, elle o proclamou bem alto no Canto VI, dessa
‫ܕ‬
maneira :

« Feliz eu que alcancei das mãos da Sorte


A Mulher que meu Baldo procurava !
Seu peito vai no rumo da Fortuna,
Complacente sorrindo a seus caprichos,
E gaita qualquer bem alto louvando .
Feliz eu , quealcancei das mãos da sorte
A Mulher que meu Baldo procurava ! )
No exercicio dos cargos que occupou, quer como secre
tario das legações de Lisboa e Londres , quer como Ministro
nas cortes da Belgica e Austria, encontraram os brazileiros,
e maxime os pernambucanos, seus comprovincianos, que
alli appareciam , a mais sincera dedicação, as maiores
attenções e urbanidades , e o mais affectuoso e attractivo
agasalho.
Alvaro Teixeira de Macedo , diz uma respeitavel auto
ridade, foi certamente um dos homens que na esphera
diplomatica, souberam sustentar na Europa a estimae dig
nidade do nome brazileiro : a pensão de 800 $, com que o
governo do Brazil e a assembléa geral em remuneração
dos seus serviços, agraciaram a sua viuva , assella esta
verdade . E se elle na rota diplomatica assim illustrou - se,
tambem no Parnaso, considerado o seu poema, o recebeni
contentes, e dão -lhe assento entre si , Gresset, Boileau ,
Pope e Diniz.
Além da poesia a Independencia que foi publicada no
Diario de Pernambuco de 13 de Setembro de 1829, repro
dusida neste nosso trabalho, no Jornal do Recife de 6 de
Dezembro de 1877 , e do poema -- A Festa de Baldo, - nada
mais consta que tivesse tido publicidade. No entretanto ,
quão numerosos foram os trabalhos que produzio Alvaro
Teixeira de Macedo, e que no circulo de alguns amigos,
delles fazia leitura ? Compoz um drama em verso em que
zurzia a um tempo os usurarios eis loureiras , traduzio
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 19

em verso a tragedia - Othero -- de Shakspeare, ee nos


ultimos dias de sua vida destruio uma grande parte das
suas elucubrações poeticas, que ainda não tinha aper
feiçoado .
O seu poema mixto em oito cantos, A Festa de Baldo,
foi publicado em Lisboa, em 1847 , em oitavo , contendo
noventa e.quatro paginas, e foi reproduzido depois no 3.°
volume das Biographias de alguns poetas e homens illus
tres da provincia de Pernambuco, pelo commendador
Antonio Joaquim de Mello .
A acção do poema passa - se em Pernambuco , na villa
hoje cidade de Goyanna. Clara , mulher do escrivão Cleto
Baldo, era de uma educação mediocre e filha de um mas
cate . Pelas prelecções ethrorias philosophicas deMestre
Berto , anthusiasmara -se muito e fallara já com certo des
embaraço com os vizinhos.
Nunca teve filhos ; e depois de quinze annos de casada
induzio a seu marido, homem esquisito e cheio dos antigos
preconceitos sociaes , a dar um banquete no dia anniver
sario do seu consorcio . A lucta que D. Clara sustentou
com seu esposo foi digna de uma secretaria da philosophia
de Epicuro, mas nada podera obter delle, que muito se
admirara dos seus progressos e conhecimentos.
Alvaro Teixeira de Macedo descreve magistralmente
este quadro interessante, quando Cleto sorpreso de tanta
sabedoria , exclama : .
Ah ! Clara, onde foi tua ignorancia ?
Onde o tempo em que tanto não sabias ?
Onde o tempo em que tu mais meiga e simples,
Mettendo colherada nas conversas,
Davas que rir ao nosso bom Ministro,
Sabio , que bem tolera poucas lettras,
Naquelles onde julga muito senso .
Lembras-te que uma vez lhe perguntaste,
Fallando elle em Catão, se esse bom homem
Não fòra juiz de paz da Boa Vista ? ...
Clara nada podendo obter de seu marido , abandonaa
casa , e segue o caminho dos lares paternos. O bom do
mascate corre a ter com o genro, e finalmente accordam
em dar -se a festa . Nesse dia nada faltou ; e ao romper
da aurora foram acordados pelos harmoniosos sons dos
20 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

instrumentos, sorpresa que lhes havia preparado o amigo


Berto . Era um concerto matinal.
Sòa a flauta da villa , e a guitarra ,
E a voz sincera, que a compasso offerta
Louvores mil, que aquella aurora inspira.
Em seguida se elevam as sonatas,
As árias maviosas d'outros tempos,
Que os peitos innocentes suavisam .
Finalmente no melhor da festa , quando todos sa
boreavam das suas delicias , todos fogem espavoridos,
abandonam o festim , no momento em que as tropas de
Manoel de Carvalho entravam pela villa de Goyanna .
Os principaes personagens deste poema são : Cleto
Baldo, D. Clara , o Mestre Berto e o Vigario : os mais são
personagens secundarias.
Eis como Alvaro Teixeira de Macedo descreve os dous
esposos :
Cleto Baldo era lhano de apparencia ,
Palido , magrosinho, calvo em frente,
E antes longo que baixo de estatura.
Seguia no trajar a moda antiga ,
Usava de rabicho e cabelleira ,
Fivella no sapato, calça curta :
Cincoenta annos contava já passados,
E assim mesmo as comadres sustentavam
Ser homem de feição, nada maricas,
Capaz de conviver em qualquer parte ,
Sem nunca traspassar as leis da honra .
D. Clara , morena , rosto alegre ,
Olhos pretos, altura além da marca ,
Affavel, servical, boa vizinha,
Era mulher que a todos agradava.
Seu pai homem de bem , föra mascate ,
E sem rival vendia pregoando
Quanta chita espantada vio Goyanna,
Quanta cassa , filó, ou seda verde
A gente de bom gosto alli trajava.
Nas missas, nos presepios luminosos,
Nos passeios, a fresca domingueiros,
Podia Guimarães, o Pai de Clara,
Dizer afoitamente e com vaidade -
Metade, ao menos , do esplendor me devem .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 21

Tal é em largos traços o bello e interessante poema do


nosso illustre pernambucano Alvaro Teixeira de Macedo ,
que tão justos louvores mereceu do immortal poeta por
tuguez Almeida Garret.
« Alvaro Teixeira de Macedo, diz Warnhagem na
introducção do seu Florilegio da Poesia Brasileira, era um
moço de saber e conhecedor profundo da lingua e littera
tura ingleza , e desta grande admirador. A Festa de Baldo,
apezar de seus defeitos, que consistem em faltas de desen
volvimento de certos pensamentos, e no prosaismo de
alguns versos, é o nosso primeiro poemo heróe-comico.
« A muita convivencia que, na qualidade de collega,
com Macedo tivemos, e a amizade que a elle nos ligava,
nos permittiram quasi que assistir a composição dos ulti
mos dous cantos do seu poema, ao qual a pedido nosso ,
o autor decidio - se dar côr mais americana na parte des
criptiva ; elastimamos que não desse ainda mais desenvol
vimento a este nosso pensamento nomeando as fructas, etc.
« A obra de Macedo ganhará talvez de dia para dia
mais popularidade, e d'aqui a menos de um seculo figurará
no paiz e na litteratura mais do que hoje. Nella nos legou
o autor uma verdadeira imagem na sua maneira sincera
de pensar em religião, em politica, em proceder social e
domestico, em tudo finalmente. Nella nos apresenta um
espelho do seu caracter, que conciliava a profissão de
principios serverissimos com um trato tão alegre egalho
feiro, quanto lh’o permittiam as queixas que tinha contra
a sorte , que pouco o favorecera na carreira que abraçara .
Essas queixas, reunidas a sua compleição debil, lhe que
brantaram a existencia aos 42 annos de idade . Falleceu
em Bruxellas, onde servia como representante do Brasil. »
André de Albuquerque. A naturalidade deste illus
tre pernambucano, foi posta em duvida pelo erudito
autor do Diccionario Bibliographico Portuguez , Inno
cencio Francisco da Silva, que a pag . 57 do tomo I dessa
obra , diz que André de Albuquerque nasceu em Cintra aos
21 de Maio de 1621 , e lhe accrescenta o sobrenome de Riba
fria . No entretanto , diz o conde de Ericeira no seu Portu
gal Restaurado, que elle falleceu com 39 annos de idade,
em 1659 , d'onde claramente se vê que o anno de seu nasci
mente , foi o de 1620 .
Este mesmo escriptor, que foi seu contemporaneo e
militára com elle, diz , que André de Albuquerque, come
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

gåra a sua carreira militar no Brazil como praça de soldado,


o que tambem diz Frei Francisco de Santa Maria , no seu
Ora, não consta de nenhum dos escriptores que larga
e minuciosamente trataram da guerra da invasão hollan
deza, que André de Albuquerque viesse de Portugal militar
no Brazil, mas sim , diz o autor da Nobiliarchia Pernam
bucand , a pag. 298 do v . III , obra criteriosa e escripta a
vista de documentos irrecusaveis , extrahidos dos archivos
publicos desta provincia , e de certidões parochiaes, « que
elle foi para Portugal, onde sercio e morreu honrada
mente na guerra da acclamação do Sr. Rei D. João o IV . »
Tambem o commendador Antonio Joaquim de Mello ,
diz mui positivamente, que elle era pernambucano, e que
servio em Portugal durante as guerras com Hespanha pela
acclamação de D. João IV .
Além disso accresce, que, seus pacs nunca sahiram de
Pernambuco . Dous irmãos mais que teve André de Albu
querque, tambem d'aqui nunca sahiram . O seu irmão
mais velho, Gonçalo de Albuquerque, foi baptisado na Sé
de Olinda aos 3 de Abril de 1616 , e o mais moço, sempre
viveu na patria , como tudo affirma o citado autor da Nobi
liarchia Pernambucana .
liar Cremos, pois , que, com a exhibição de todas estas
provas, não restará mais duvida alguma sobre a naturali
dade de André de Albuquerque, ser Pernambuco , e não
Cintra, como disse o autor do Diccionario Bibliographico
Portuguez, e assim , podemos dizer que elle nasceu nesta
provincia, na segunda dezena do seculo XVII, e que
foram seus paes Antonio Leitão de Vasconcellos, fidalgo
da Casa Real, e D. Catharina de Albuquerque e Mello.
Agostinho de Hollanda de Vasconcellos e D. Maria de
Paiva, foram seus avós paternos e maternos, André de
Albuquerque, fidalgo da casa real, alcaide -mór da villa de
Iguarassú e governador da Parahyba, e D. Catharina de
Mello .
Como vimos pelos autores citados, André de Albu
querque começou a sua carreira militarno Brazil, em praca
de soldado, e subio a todos os postos até o de general,pelos
degrúos do calor, não da calia .
Quando ainda bem jovem acabava de illustrar o seu
nome nos campos da patria, batalhando contra os seus
invasores, seguio para Portugal.
Lá o aguardaram novos triumphos, novos trophéos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 23

iam immortalisar o seu nome, na memoravel guerra da


restauração do dominio hespanhol.
Dado o grito da revolta no 1.º de Dezembro de 1640, e
acclamado Ď . João IV , achava-se André de Albuquerque
nas fileiras do exercito restaurador, e em 1642, quando
apenas contava vinte e dous annos de idade, já possuia as
dragonas de capitão .
Dessa época , até o dia em que cahio ferido pelo raio da
marte nos campos de Elvas, a vida desse heróe é uma serie
successiva de grandiosos feitos , de assombrosos commet
timentos.
Em 1646 recebeu a patente de capitão-general da arti
Tharia do Alentejo, occupando então o posto de mestre de
campo , achando- se desde 1644 a frente do governo da praça
de Campo -Maior.
« A eleição de André de Albuquerque, diz o conde da
Ericeira , ainda que muito acertada por ser digno o seu pro
cedimento de grandes occupações, occasionou desarra
soada queixa nos mestres de campo Luiz da Silva, João de
Saldanha e D. Sancho Manoel por serem mais antigos Fez
El-Rei toda a diligencia pelos socegar; porém Joãode Sal
danha veio por esta causa a largar o posto , e os dous não
se deram por satisfeitos sem maiores occupações, a que
passaram dentro de pouco tempo . »
Muito póde a inveja . De nada serve o valore o merito .
André de Albuquerque tinha tudo isso, porém os outros
eram mais antigos e tanto bastava !
As victorias da tomada do castello da Codeceira em
1646 ; de Salvaterra em 1651 : de Arronches em 1653, onde
foi ferido, e de cujo feito publicou a sua discripção ; de Oliva
em 1654 a derrota da cavallaria inimiga em Badajóze muitos
outros feitos que abrilhantam a coroa das glorias militares
da velha Lusitania , cabem exclusivamente ao heroico per
nambucano André de Albuquerque.
Elle não tomou parte em acção alguma, que deslus
trasse o seu nome de heróe, a sua gloria militar, e os seus
‫ܕ‬

honrosos e elevados postos que obteve com a conquista


de cada victoria ! E os seus feitos, a historia de Portugal
do periodo dessa guerra, prolama-os bem alto.
Em 1657 foi nomeado mestre de campo general do exer
cito do Além -Tejo , por proposta do Conde de Sourc ; « não
por ser seu affeiçoado , diz o historiador dessa guerra, mas
porque o seu valor é grandes virtudes o faziam merecedor
Los maiores empregos , »
21 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Neste mesmo anno de 1657, marchou André de Albu


querque de Elvas onde se achava acampado com cinco
batalhões, para Campo Maior ; porém encontrando a ca
vallaria hespanhola que havia passado Caia, e sendo o ini
migo em numero muito superior as tropas de que dispu
nha, e não querendo sacrifical- a inutilmente, retirou -se ;
mas no anno seguinte os louros da victoria coroaram de
novo as suas armas , com a derrota desta mesma cavalla
ria , perto de Badajóz , sendo ella commandada pelo Duque
de Ossuna .
A 14 de Janeiro de 1659, travou - se a sanguinolenta e
renhida batalha das linhas de Elvas. Commandava o exer
cito inimigo D. Luiz Mendes de Haro, eo portuguez o
Conde de Castanhede; André de Albuquerque occupava
então o posto de mestre de campo general, com o titulo de
primeiro, e com exercicio no generalato da cavallaria.
Foi nessa memoravel batalha, quando obrava os maio
res prodigios de valor, quando ia enfeixar mais esse louro
e conquistar a Mural coroa, e no momento em que indicava
com o seu bastão , a maneira de escalar a estacada de um
forte, parte uma bala , atravessa - lhe o peito , e ellle cahe
sem vida !
Finda a batalha, e quando o exercito entoava o hymno
da victoria , seguia o seu cadaver para a cidade de Elvas , e
lá o sepultaram .
André de Albuquerque contava apenas 39 annos de
idade, e dir -se -lia que, cada um delles era assignalado por
um feito gigantesco, por uma acção heroica .
Que o diga a sua patente de general, a commenda da
ordem de Christo,
lioso attestado subida e significativa honra, então
do merito e valor de quem as possuia , va
e a
alcaidaria -mór de Cintra .
André de Albuquerque achava-se justo em casamento
com D. Anna de Portugal, filha de D. José de Almeida,
quando a morte o sorprehendeu.
« André de Albuquerque, diz o conde da Ericeira ,
grangeou geralmente com todos os que teve trato , amor é
respeito, porque era igualmente affavel e severó. Teve
valor insigne e excellente discipação militar, e experiencia
toda a que se podia colher dos successos, que houve até
aquelle tempo na guerra do Além -Tejo. Tinha agradavel
gentileza, usando sem artificio do traje magnifico ; era ga
Thardo, de estatura proporcionada. »
O Padre Francisco de Santa Maria , depois de descrever
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 23

o brilhante feito de armas em que pereceu esse heróe, no


seu Anno Historico, v . I. pag. 99, consagrou -lhe as seguin
tes linhas :
« Foi André de Albuquerque um dos varões mais ex
cellentes deste appellido, e um dos capitães mais valerosos
do seu tempo. Desde a primeira idade, militou na Ame
rica , depois na Europa, è dos postos inferiores subiu aos
mais altos, pelos degráos do valor, não da valia . O largo
exercicio da guerra o fezinsigne na disciplina militar ; sabia
melhor que todos, mandar com acerto, e obedecer com
promptidão. Alternava extremos de affavel e severo , de
modesto e altivo, regulando os affectos a proporção dos
casos, das pessoas.
Amava com extremo aos soldados valerosos, não sof
fria aos fracos. Em todas as facções em que se achou , deu
singulares provas de valor. Na batalha das linhas de El
vas, se excedera a si mesmo. No maior furor della, vendo
que um dos nossos esquadrões que havia atacato um forte ,
começava a vacillar, se lançou adiante, e tocando com a
bengala nas estacas, advertiu aos soldados o modo de ar
rancal-as; então lhé acertou uma bala pelos peitos, de que
cahiu morto, mas será immortal nos annacs portuguezes a
gloria do seu nome. »

André Dias de Figueiredo . Nasceu na segunda me


tade do seculo XVII, assentou praça de soldado a 7 de
Janeiro de 1689, passou a sargento, a alferes de infantaria
paga, e a capitão, por patente do governador Francisco de
Castro Moraes, de 11 de Janeiro de 1704 .
Em 1690 seguio André Dias para a Bahia , em compa
nhia do ex-governador desta capitania Antonio Gonçalves
da Camara Coutinho, que ia tomar conta do governo geral
do Brazil, e regressando posteriormente, em 1697 fez parte
da guarnição de uma sumaca, que partiu á comboiar uma
náo da frota , ameaçada por dous navios de piratas, que
estavam á vista do porto do Recife, portando - se André
Dias nesta empresa com grande zelo do real serrigo.
Tendo de partir para Angola uma expedição de soc
corro , em observancia a ordem Regia de 15 de Junho de
1703 , o governador Castro Moraes ordenou ao comman
dante do batalhão em que servia André Dias, que lhe
indicasse um official habil para conduzir e commandar
dita expedição , crocahindo sobre elle tão honrosa indi
cação, pelo seu talento , prestimo e sufficiencia, recebeu
26 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

então do governador a respectiva nomeação, assim como


a promoção ao posto de capitão, em satisfação dos seus
serviços e merecimento, e por ser pessoa honrada com o
föro de fidalgo da casa de S. M.
Preparada a expedição , partiu do porto do Recife em
1704 , ob o commando de André Dias, o qual se houve no
decurso da viagem , dız El-Rei em uma Carta Regia , com
todo o bom tratamento e agasalho com os soldados, ata
lhando por todos os modos qualquer levantamento que
entre elles podesse haver, por serem mandados violenta
mente e contra a sua vontade, no que me fez particular
servico.
Terminando a sua missão de Angola, o capitão André
Dias de Figueiredo regressou á Pernambuco ,e pouco tempo
depois seguiu para Portugal. Na corte de Lisboa, o seu
merecimento e serviços conquistaram -lhe honrosas dis
tincções , e obteve por Patente Real de 6 de Agosto de 1709 a
confirmação do posto de capitão, a que o elevara o gover
nador de Pernambuco, sendo -lhe então designado para
servir, o terço de infantaria da praça do Recife. André
Dias parte então para esta provincia , assume ao exer
cicio do seu posto, e nesta posição achava -se já no anno
seguinte de 1710, quando rebenta a celebre guerra deno
minada dos Mascates .
Homem de nobres e generosos sentimentos, patriota
exaltado, em cujas veias girava o sangue de seus illus
tres antepassados, herdeiro das suas glorias e renome, o
capitão André Dias de Figueiredo representou um papel
distincto n’esta phase tremenda porque passou esta pro
vincia. Livre o governador Sebastião de Castro e Caldas
da sentença que lhe lavraram aquelles que foram feridos
por elle em seus brios , o capitão André Dias foi um dos
primeiros pernambucanos sobre quem recahiu immedia
mente todas as suspeitas da mallograda tentativa contra a
vida do odiado governador.
Preso, mettido no segredo de uma das fortalezas do
Recife, ahi gemeu até que o povo insurgido oppoz seria
resistencia aos mascates, demoliu o pelourinho e dissolveu
a nova camara do Recife, ponto da pendencia com Olinda,
que perdia assim os seus fóros, e obteve então a sua liber
dade. Marchando para Olinda , tomou parte no celebre
conselho convocado pela camara do senado, discutiu calo
rosamente, e foi um dos poucos que sustentaram a idéa
de Bernardo Vieira de Mello , de que Pernambucos e decla
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 27

rasse em republica ad -instar dos venesianos, cortando - se


assim todas as difficuldades.
Entrando o bispo diocesano D. Manoel Alvares da
Costa na governança do paiz, serenou um pouco os animos,
mas em meiados de 1711 accendeu -se de novo o facho da
revolta, as tropas pernambucanas poseram o Recife em
cerco, e o nosso heroe preso previamente pelos mascates,
poudé conseguir a sua evasão coadjuvado pela companhia
do seu commando, e marchou para os Afogados, onde
prestou assignalados serviços, tomando parte em todas
as proezas desse presidio , na phrase de um historiador.
Incumbido depois, da guarnição do sitio da Barreta ,
um dos pontos mais importantes e disputados pelosmas
cates , foi destacado para explorar os movimentos no Cabo,
tramados pelos inimigos, cuja missão foi coroada do mais
feliz resultado, conseguindo a prisão de um dos mais
adeptos partidarios dos mascates, cuja pessoa trouxe
como refen dos trahidores.
A incansavel actividade do capitão André Dias de Fi
gueiredo, os seus feitos de audacia e de arrojado patrio
tismo, haviam -no constituido o terror do inimigo encur
raladó no Recife. Mallograda a batalha de Sibiró , para
cujo campo partiu André Dias á frente de um auxilio de
trezentos homens, não chegando á tempo de tomar parte
na acção, fez alto no engenho Velho, e no outro dia voltou
em boa ordem para Olinda .
Foi então accordado o plano de marchar-se ao encontro
do inimigo em correrias no sul da provincia, e o bravo
capitão André Dias fazendo parte dessa briosa phalange
que partiu em demanda do inimigo, foi um dos bravos da
celebre batalha de Ipojuca , ferida aos 8 de Setembro de
1711 , cuja victoria afugentou os nossos contrarios, con
fusos e humilhados . André Dias teve a gloria de ser o
primeiro que investiu e rompeu as trincheiras inimigas,
tomando - lhes de assalto uma das casas que lhes ficava
mais perto, e d'onde com a tropa com que a guarneceu ,
lhes causou immensos damnos .
Acabava então de chegar o novo governador e capitão
general Eclix José Machado, e todos esperavam no pro
cedimento desse agente do governo , a necessaria justiça
e imparcialidade, quando em breve tempo , corrompido
pelos mascates, seus compatriotas , votou odio eterno aos
pernambucanos, calcou aos pés o direito e a rasão , e
28 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

constitui-se o terror desta terra, cujo nome tornou - se de


execranda memoria .
Abriu -se então o livro das perseguições e do martyrio .
( capitão André Dias de Figueiredo, que se constituira o
terror dos inimigos, que fòra um dos capitães mais arro
jados e de mais audacia n'essa quadra que atravessou
esta provincia , não podia escapar ás furias dos crueis e
implacaveis inimigos dos seus irmãos, e da justiça e equi
dade que assistia á sua causa . Tantos merecimentos, diz
o autor dos Martyres Pernambucanos, tratando de André
Dias ; tantos merecimentos não podiam deixar de attra
hir -lhe o odio dos tyrannos, e por isso, na devassa que
se abriu , foi logo um dos primeiros accusados e pronun
ciados .
Partiu então occultamente para Olinda, e refugiou -se
no collegio dos Jesuitas por não lhe ser possivel procurar
um outro abrigo , pela deligencia empregada para o pren
der, estando já divulgada a sua auzencia do Recife. Con
seguindo os mascates descobrir o logar em que se achava
o capitão André Dias , obliveram do governador uma ordem
de cerco para o collegio, correram -no duas vezes, e não
o encontrando foi determinado um cerco mais apertado ,
deitaram fóra do collegio os seus padres, foi publicado
um bando em que se o declarava inconfidente, c se offe
recia não só um premio a quem o descobrisse , como se
impunha a pena de inconfidente a quem o acoitasse. E
depois de um longo martyrio de treze dias na occasião
cm que os soldados davam uma nova busca, André Dias
rende -se em fim , quando já desesperado sahia do escon
drijo em que estava, quasi morto à fome!
Eis como um escriptor do tempo narra esse episodio :
capitão André Dins de Figueiredo foi preso com tanto
gosto e contento dos officiaes, quanto até ali tinha sido a
diligencia de o buscar. Entregue ao ouvidor João Marques
Bacalhão e ao juiz de fóra Paulo de Carvalho, com toda a
soldadesca, em seguimentomarchou para o Recife á correr
primeiro todas as ruas, para que as vozes do povo fari
zaico o acclamabsem , não vassallo confidente como era ,
mas desleal e sem fé , como pelas falsidades contra elle
levantadas, o suppunham . E depois do governador ter
satisfeito aos mascates e a mais plebe com este regozijo,
p mandou para o forte do Mar.
Dous annos jazeu o illustre martyr na mais immunda
e rigorosa prisão, até que, frustrado o projecto de ser execu
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 29

tado, embarcou para Portugal a 23 de Outubro de 1713 ,


com mais onze companheiros, victimas como elle da mais
barbara e nefanda tyrannia , entre os quacs figurava um
seu irmão o Licenciado José Tavares de Hollanda . Uma
de suas trez irmães viuvas, que ficaram ao desamparo e á
miseria, D. Lourença Tavares de Hollanda , «matrona de
grande nome e de talento » , valeu - se de alguns fidalgos e
outros homens notaveis de Lisboa, pintando em phrases
eloquentes e inspiradas a situação em que se achavam á
falta de seus irmãos, e intercedendo por elles, mas nada
obteve . André Dias assim como seu irmão e os demais
companheiros de infortunio , foram atirados aos carceres
da cadeia do Limoeiro , d'onde depois de algum tempo
seguiram degredados para as Indias Portuguezas.
O capitão André Dias de Figueiredo , foi uma das onze
victimas que nunca mais viram sua patria ! Morreu bem
longe da terra que lhe dera o berço, longe daquelles que
lhe eram mais charos pelos laços do coração, tragando o
pão negro do desterro, cheio de privações, c ao abandono.
Martyr pela mais justa e generosa idéa, por amor da mais
sublime das causas, a liberdade de sua patria, a firmesa
dos seus fóros e tradições, elle pagou bem caro o crime
da sua rebeldia !
Fique ao menos registrado o nome de tão illustre e
benemerito patriota aqui nestas paginas, como um tri
buto , como uma homenagem a grandeza de sua alma, ao
seu acrisolado patriotismo, como uma victima immolada
pela obscuridade dos tempos em que viveu , como um
martyr illustre, como uma das mais legitimas glorias
desta terra .

Anselmo Francisco Peretti Nasceu na cidade, então


villa de Goyanna aos 21 de Abril de 1812. Foram seus paes
o Dr. em medicina João Sebastião Peretti e sua mulher D.
Maria Joaquina de Castro .
Desde os seus primeiros annos dedicou -se Anselmo
Francisco Peretti aos estudos das letras, fez o curso de pre
paratorios, em 1831 matriculou - se na Academia Juridica de
Olinda , e em 1835 recebeu o grao de bacharel em sciencias
juridicas e sociaes. Por esse tempo seguiu Peretti para a
Europa, visitou diversos paizes, e demorando -se em Pariz
cursou as aulas da sua Universidade, a qual lhe conferiu o
gráo de bacharel em lettras .
Voltando ao seu paiz natal, entrou na vida publica ,
30 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

exerceu o cargo de secretario do governo das provincias do


Maranhão e Ceará, em 25 de Outubro de 1842 foi nomeado
presidente da provincia de Sergipe, de cuja administração
tomou posse a 28 de Setembro do mesmo anno , e dirigiu
até 17 de Fevereiro de 1844 ; a 27 de Novembro de 1843 foi
nomeado presidente das Alagôas, tomou posse a 1 deMarço
do anno seguinte e conservou -se na administração da pro
vincia até 1 de Julho do mesmo anno .
Posteriormente nomeado presidente do Piauhy, dirigiu
a sua administração por algum tempo, e em Pernambuco,
na qualidade de seu primeiro vice -presidente, teve occasião
de assumir a sua administração , de 1 de Dezembro de 1864
a 20 de Janeiro seguinte. A provincia do Piauhy elegeu - o
seu deputado á camara temporaria, honroso mandato a que
soube corresponder dignamente pelo seu zelo e inteireza,
contribuindo efficazmente para prosperidade e bem estar
do paiz . No Ceará recebeu Anselmo Francisco Peretti a
nomeação de seu terceiro vice-presidente, por seus habitan
tes foi eleito supplente á deputação geral, vindo a tomar as
sento na camara temporaria nesta qualidade. Exerceu
tambem por algum tempo o cargo de vereador da Camara
Municipal do Recife, intérinamente o de procurador Fiscal
da Thesouraria de Fazenda , e da presidencia da provincia
recebeu a nomeação de professor de geographia e historia
do Lyceu , cargo este que não chegou a exercer.
Por esta simples enumeração de cargos e datas, vê-se
o grao de consideração e conceito que gosáva o Dr. An
selmo Francisco Peretti, não só do governo imperial, como
tambem dos seus conterraneos.
Até aqui, temos somente tratado do Dr. Anselmo Fran
cisco Peretti em relação a sua vida politica e administrativa;
agora o magistrado, em cujo sacerdocio conquistou uma
posição notavel e elevada, por sua intelligencia e illustra
ção, por seu zelo e honradez, por sua jamais maculada re
putacõmo magistrado exerceu o Dr. Anselmo Francisco
Peretti os cargos de juiz de direito do crime das comarcas
do Brejo, de Goyanna, Limoeiro e Victoria, e o de primeiro
juiz de direito especial do commercio da comarca do Recife,
por cujos serviços a Associação Commercial Beneficente
mandou tirar o seu retrato e o collocou no salão de honra
do seu edificio . Nomeado dezembargador da Relação desta
provincia , serviu como fiscale depois como presidente do
Tribunal do Commercio , cargo este que occupou não só
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 31

emquanto esse tribunal exerceu as funcções administrati


vas e judiciarias, como quando somente passou a exercer
as administrativas. Deixando a presidencia do Tribunal
do Commercio , passou a occupar a da Relação em cujo
cargo conservou-se até a sua morte .
Creando-se a irmandade da Santa Casa de Misericordia
do Recife , mereceu o Desembargador Anselmo Francisco
Peretti dos membros desta corporação beneficente , na sua
{ primeira eleição de 1860, ser escolhido seu provedor, cargo
este que successivamente occupou até 1872. Durante o
longo espaço de doze annos em que occupou a provedoria
deste estabelecimento, o Desembargador Peretti foi incan
savel em promover a prosperidade de tão util quão humani
taria instituição. Pelo seu zelo, pelos immensos serviços
que prestou, contribuindo efficazmente para collocal-a no
gráo em que hoje se acha, muito deve a Santa Casa de Mi
sericordia do Recife a memoria do seu primeiro provedor,
cuja gratidão attesta o acto que deliberou collocar o seu re
trato no salão de honra deste estabelecimento, na galeria
dos seus bemfeitores.
O Desembargador Anselmo Francisco Peretti , por tan
tos e immensos serviços prestados ao paiz, foi agraciado
pelo governo imperial como officialato da Ordem da Rosa,
depois foi-lhe conferida a commenda da mesma ordem e a
de Christo e posteriormente a carta de Conselho. Taes são
os traços da vida de tão illustre e honrado magistrado , cuja
existencia finou -se aos 9 de Outubro de 1877 , na idade de
sessenta e cinco annos .
A phase da vida publica do Conselheiro Anselmo Fran
cisco Peretti, deixa ver á evidencia que era credor da con
sideração, distincção e accolhimento que sempre gosou ,
não só do governo, como de todos aquelles que sabem pre
zar e apreciar o merito e honrar os nobres e elevados carac
teres. Mas o que principalmente illustrou Anselmo Fran
co Peretti , na phase de orador do Instituto Archeologico e
Geographico Pernambucano, tecendo o seu elogio funebre
na sessão magna de 27 de Janeiro de 1878, a cuja instituição
pertencia, não foram essas elevadas posições que alguns
teem occupado sem igual merecimento ; foi sim a par de
úma intelligencia vigorosa e illustrada, uma honestidade e
regidez de caracter raras e admiraveis .
Ouçamos agora o que sobre a vida e crenças politicas
do Conselheiro Anselmo Francisco Peretti, disse o Sr. Dr.
Antonio Epaminondas de Mello num discurso que recitou
32 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

no Cemiterio Publico do Recife, na occasião da inhumação


dos seus restos mortaes .
« Os meritos do finado são conhecidos.
« Vimol-o na primeira phase de sua vida publica , unido
aos liberaes , combatendo o governo que arvorara , como
principio, a preponderancia de familia . Então fóra élle um
dos collaboradores do periodico Pedro II, que com José
Tavares Gomes da Fonseca, Agostinho da Silva Neves, e
outros, arcaram contra o despotismo daquellas eras.
« Deste primeiro passo , atirou -se á carreira politica,
durante a qual foi cleito deputado geral e provincial,
nomeado secretario e presidente de provincia, cargo que
exerceu diversas vezes .
« A vida de sua paixão , porém , era a de juiz : desta
tirava o modelo para aquella. O politico cra quasi o ma
gistrado ; queria a liberdade, mas sobretudo queria a lei ,
queria na administração a frieza do juiz, a calma que o
direito prescreve ; a estabelidade e a ordem preocupavam
lhe o espirito, e modificando - lhe as convicções, arrasta
ram -no para o scio do partido conservador .
« Desconhecia ou temia a audacia eos commettimentos
dos revolucionarios, e custava acceitar a temeridade con
que os estadistas rompem pelo passado, quebram a rotina.
e innovam situações fecundas que transformam a socie
dade para melhor, e para a prosperidade.
« O liberalismo do finado baseava -se nos principios,
mas na forma de applical-o, cahia elle nas illusões que
dominam e matam os homens excessivamente moderados,
ou amigos da paz é todo o transe .
« Evitava o ardor e enthusiasmo que dá coragem ao
crente, e ao patriota, e que leva o homem a praticar herois
mos ; fugia da fascinação da liberdade, com receio das
grandes vertigens sociacs, que podem levar o paiz a
abysmos medonhos.
« Tinha muita intelligencia para acceitar os principios,
mas não tinha vocação para pol-os em pratica. Na theo
ria podia dizer -se um liberal; na pratica estacava como
um conservador. Tal o motivo porque isolou -se dos par
tidos : não era militante, nao éra politico de acção .
«« A legalidade era o espelho predilecto em que se
mirava.
« Peretti accreditava , ou suppunha possivel que a
sociedade se podesse reformar sem nenhum abalo , ou
agitação, e com a mesma placidez e socego de espirito,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 33

qual elle empregava, em seu gabinete, na reforma de um


despacho judiciario .
« Todavia ,na sua carreira politica, jamais divorciou -se
da senda da honestidade . Nós os liberaes não somos
intolerantes, á conservadores da sua tempera , de tamanho
merecimento, jamais negaremos o culto que a justiça
impõe.
Neste mesmo discurso, depois de tratar ligeiramente do
jornalista e do politico como vimos, do deputado, do admi
nistrador e do provedor, o Sr. Dr. Epaminondas de Mello
tratou do magistrado, do jurisconsulto, em cujo sacerdocio
« absorveu, attrahin todas as glorias desse multiplo mereci
mento , e das suas peregrinas qualidades pessoais. » Seja
nos licito, pois, fazermos echo das palavras de tão autori
sado juiz , e as trasladarmos aqui porque ellas são o mais
fiel cexacto caracteristico de tão illustre pernambucano .
Eis pois as suas palavras, cis pois o magistrado
segundo esse competentissimo juiz.
« Anselmo Francisco Peretti, foi um modelo , um pro
totypo na elevada missão de julgador.
" A severidade da sua indole ,poz termo á rapina mercan
til , e ás fraudes dos bancarroteiros e estellionatarios. Na
cpocha em que começou a executar - se o Codigo Commer
cial, Anselmo Peretti teve a vantagem , e a satisfação de
reerguer o Fôro á alta moralidade que lhe é precisa.
« Em toda a sua vida de magistrado, foi sempre o
amparo e protector da liberdade individual . O habeas
corpus merecia -lhe mais veneração, do que talvez mereceu
aos inglezes humanitarios que o crearam .
« Nunca o recusou ao opprimido, qualquer que fosse o
poder, ou influencia do oppressor.
« Nos autos crimes , civeis, e commerciaes, e nas dis
cussões do Tribunal , derramava torrentes de luz que con
venciam o auditorio , ou leitores .
« Vasto era o conhecimento que tinha do direito ,
profundo o conhecimento dos homens. Para pintal-o como
juiz, tomarei o que escreveu o muito illustre Beranger,
magistrado da França :
« O cuidado do processo, o estudo das formas, cujo
habito de emmaranhal-as na legislação recebemos do
direito romano , occupam mui exclusivamente nossos mo
dernosmagistrados ; não lhe resta descanco para entrega
6
34 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

rem - se à meditações mais elevadas, e todos seus esforços


parecem limital-os ao papel de habeis procuradores. Nossa
magistratura assemelha-se ao ancião , cuja caducidade
morosa e afflicta , accusa a brilhante virilidade dos seus
contemporaneos. Ella se arrasta após o seculo que se
adianta sempre, maltrata-o , castiga-o ; porem o seculo
mais esclarecido, deixa - a atraz de si, zomba dos seus
juizos, e prosegue em seu caminho.
« Em geral, a sciencia da philosophia, que o sabio
d'Aguesseau, recommendava aos magistrados com im
mensa solicitude, parece que lhes é extranha; e como
desconhecem os homens, ignoram a arte de dar aos espi
ritos uteis direcções . Só sabem lutar contra o podor ou
poder da opinião, em vez de collocarem -se à frente, para
guiarem -n'a melhor, e della constituirem -se orgáos. »
« Como queria o illustre Beranger, que fosse o magis
trado , assim o foi Anselmo Francisco Peretti.
« Eis o seu elogio ,elogio magnifico queo colloca acima
de muitos dos seus collegas . Varios o igualam no glorioso
estadio ; nenhum o excedeu .
« Peretti era primus inter pares pela presidencia do
Tribunal, mas era tambem primus inter pores pela intelli
gencia, e pela illustração juridica, e litteraria . »
Antonino José de Miranda Falcão . Nasceu a 10 de
Maio de 1798 .
Aos 25 annos de idade, Antonino Falcão recebêo a
nomeação de professor da cadeira de primeiras letras do
Tren Nacional, hoje Arsenal de Guerra , por Portaria da
Junta do Governo de 27 de Novembro de 1823, vencendo
o ordenado de 300 $ 000 l's . annuaes , pagos por quartel. No
anno seguinte por Portaria de 20 de Julho, foi nomeado di
rector da Typographia Nacional, então existente, vencendo
o honorario de 4809000 rs .
Antonino Falcão , prestou então , quer no caracter de
director da imprensa nacional, quer como cidadão, valiosa
coadjuvação a proclamada Confederação do Equador,por
cuja adhesão e opiniões politicas, foi demittido quando o
general Francisco de Lima e Silva restaurou o governo
imperial em Pernambuco, preso e processado pela alçada,
como rebelde e réo de alta traição. Conseguindo a sua
liberdade depois de algum tempo de prisão, posterior
mente , em 1829 envolveu -se em novos movimentos poli
ticos, cujas opiniões sustentou na imprensa em diversos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 33

escriptos, e foi de novo arrastado ás prisões da fortaleza


do Brum onde gemeu por espaço de 14 mezes , como in
plicado na rebellião de Santo Antão.
Logo que foi solto, Antonino José de Miranda Falcão
seguiu para a Europa , onde demorou -se algum tempo visi
tando diversos paizes, e regressando depois para o Brazil
estabeleceu -se no Rio de Janeiro, onde montou uma typo
graphia que girou sob a firma de Miranda & Carneiro.
Antonino Falcão occupa um logar de honra na historia
do jornalismo e da imprensa do Brazil, não só pela sua
iniciativa e empresas , como tambem pelos seus escriptos ,
interesses e trabalhos em prol da firmeza e engrandeci
mento da sua causa . Estabelecido com uma typographia
em Pernambuco no anno de 1825, sob a firma social de
Miranda & Companhia , Antonino Falcão fundou neste
mesmo anno o Diario de Pernambuco, em formato menor
que uma folha de papel almaço , com quatro paginas , e duas
columnas de composição em cada uma dellas, sahindo
neste anno apenas 43 numeros cuja collecção forma um
volume de 141 paginas.
O Diario de Pernambuco , que hoje conta 57 annos de
existencia, impresso em grande formato, contendo 8 pa
ginas cada numero, é um dos mais antigos e conceituados
jornaes do Brazil ; e Antonino Falcão dirigiu a sua em
presa até o anno de 1837, quando passou a ser dirigida
pelo finado Commendador Manoel Figueiroa de Faria .
A' par da direcção da sua typographia e da empresa do
seu jornal, Antonino José de Miranda Falcão desempe
nhou diversas commissões, entre ellas , em 1826, a de
confeccionar os mappas da população da provincia para
serem enviados ao governo imperial, assim como mais
tarde o cargo de official da Secretaria do Governo para o
qual foi nomeado por Portaria de 20 de Agosto de 1834,
cargo este que deixou posteriormente ; á 23 de Abril de
1842 foi de novo interinamente nomeado para o mesmo
cargo , passando á effectividade por Portaria de 2 de Julho,
e a 22 de Novembro do mesmo anno foi nomeado archi
vista , sendo especialmente incumbido da missão de or
rganisar, classificar e ordenar chronologicamente todos
os seus documentos, proporcionando -se-lhe uma gratifi
cação de 200 $ 000 rs .
Em 1846, tendo terminado esta ultima commissão,
assim como exercido o cargo de secretario da presidencia
36 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

da provincia de Sergipe, quando presidente o Senhor Con


selheiro João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú , seguio
de novo para o Rio de Janeiro, sendo então nomeado pelo
Visconde de Albuquerque administrador da Gazeta Offi
cial, em cujo logar se conservou até a extincção daquella
folha .
Nomeado pelo Conselhereiro Eusebio de Queiroz di
rector da Casa de Correcção da corte do imperio em 1849,
Antonino José de Miranda Falcão estudou e pôz em pra
tica o systema penitenciario no Brazil, e deixando esse
logar em 1832 por ter de partir para os Estados Unidos
na qualidade de consul geral do imperio, sendo ao mesmo
tempo incumbido pelo governo de estudar o systema pe
nitenciario daquelle paiz, cujos estudos foi depois aper
feiçoar e terminar na Europa.
De volta ao Brazil em 1853, foi pela segunda vez occupar
o cargo de director da mencionada Casa de Correcção, em
cujo estabelecimento pòz em pratica todos os melhora
mentos até então conhecidos, merecendo então os seus
serviços, e particularmente o satisfatorio cumprimento da
sua missão , como comprova o minucioso e luminoso rela
torio que apresentou ao governo imperial, a conferencia
do Officialato da Ordem da Rosa, e posteriormente a com
menda da mesma Ordem .
Pedindo e obtendo em 1861 a exoneração desse cargo,
em 1863 seguiu para a provincia do Rio Grande do Sul, na
qualidade de official de gabinete do Conde da Boa Vista,
que ja dirigir a administração daquella provincia , termi
nando esta missão no anno seguinte, quando o mesmo
Conde deixou a dita administração .
Já avançado em annos, lutando sempre com as adver
sidades da fortuna, e sem meios de subsistencia o Com
mendador Antonino Falcão acceitou a nomeação de um
officio de partidor e distribuidor na mesma provincia do
Rio Grande do Sul, cargo este quepor pouco tempo exerceu.
Regressou então para o Rio de Janeiro, e foi empregado
na redacção do Diario Official, na qualidade de traductor
das noticias e correspondencias estrangeiras, mas em
meiados de 1878 se viu privado desse ultimo recurso que
The restava, recebendo acintosa e cruel demissão !
0 Commendador Antonino José de Miranda Falcão,
morreu na mais extrema penuria, no dia 9 de Dezembro
de 1878, em idade superior a 80 annos, na corte do Rio de
Janeiro . Homem probo e honrado, cidadão distincto pelos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 37

seus serviços e merecimento , intelligente e dotado de illus


tração e conhecimentos variadissimos , martyr pela idéa
generosa da liberdade e independencia patrias, jornalista
distincto e um dos seus patriarchas, Antonino Falcão
viu -se mal apreciado, despresado, e no fim da vida, quando
era justo colher os fructos de tanta dedicação e serviços
em prol do engrandecimento e lustre da patria , depois de
tantos esforços e sacrificios,vê-se privado do unico e parco
recurso que o abrigava da fome e da miseria , e morre
ralado de desgostos , no meio das maiores privações, na
mais extrema penuria ! E assim terminou os seus dias o
patriota illustre e distincto, o funccionario honrado e bene
merito, o jornalista intelligente e laborioso , o Commen
dador Antonino José de Miranda Falcão . Sirva ao menos
a inserção do seu nome nestas paginas, condemnado
talvez a um total esquecimento , de um protesto da poste
ridade aos erros dos contemporaneos.
Antonio Affonso Ferreira. Nasceu na cidade do
Recife aos 15 de Março de 1812. Foram seus pais o Dr.
Francisco Affonso Ferreira, desembargador aggravante
da Casa da Supplicação da Côrte, e sua consorte D. Mar
garida Maria Miquilina Ferreira. O coronel Domingos
Affonso Ferreira foi seu avô paterno ; e materno, o capitão
de mar e guerra Miguel José Fernandes.
Destinado por seus pais á carreira das letras encetou
Antonio Affonso Ferreira em 1824 os seus estudos prepa
ratorios , e os concluindo, matriculou - se em 1830 nas aulas
do primeiro anno do Curso juridico de Olinda, cuja aca
demia conferiu -lhe aos 18 de Outubro de 1834, o grao de
bacharel em sciencias juridicas e sociaes.
No curso dos seus estudos quer preparatorios, quer
superiores, Antonio Affonso gosou sempre dos fóros de
optimo estudante, não só pela sua applicação e intelli
gencia , cujos resultados eram o seu aproveitamento e
progressos, como tambem pelo seu caracter, costumes e
moralidade.
No anno seguinte ao de sua formatura, em 1835, foi
despachado, juiz municipal e de orphãos da cidade do Re
cife, por portaria de 26 de Janeiro e neste mesmo anno
occupou interinamente o cargo de chefe de policia. Em 11
de Julho de 1836, foi nomeado juiz de direito da comarca
do Rio Formoso , cargo que exerceu por espaço de 7 annos,
deixando - o em 1843, quando por mesquinhas vinganças
38 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

politicas, foi removido para a comarca de Jacobina, na


provincia da Bahia .
Em 1844, por carta imperial de 8 de Junho , foi o Dr.
Antonio Affonso Ferreira nomeado chefe de policia desta
provincia, cujo cargo exerceu com intelligencia, zelo , hon
radez e justiça , até 24 de Maio de 1848 , dia em que foi
demittido, em virtude de haver sido apeado do poder o
partido liberal em cujas fileiras militava .
Eleito deputado à assemblea geral na legislatura de
1845 a 1848, por esta provincia , assim como por vezes a
Assembléa Provincial, o Dr. Antonio Affonso Ferreira des
empenhou todas estas commissões ou mandatos popu
lares, de uma maneira nobre e condigna com o seu caracter
desinteressado, justiceiro
Subindo o partido epatriotico.
conservador ao poder em 1848, ad
diada as camaras Antonio Affonso volta a Pernambuco ,
e rebentando a revolta praeira, elle abraça a sua causa , e
em 31 de Dezembro parte para o Sul da provincia com os
seus companheiros de deputação , deixando assignada com
elles, uma proclamação aos pernambucanos, chamando-os
as armas, cuja proclamação foi destribuida em grande
escala entre o povo . O Dr. Antonio Affonso Ferreira , acom
panhou todo o movimento revolucionario ; marchas, assal
tos, combates, correspondencia com os chefes de outras
localidades, dedicação a causa que sustentava, patriotismo,
em tudo figurou, tudo isso o caracterisava.
Na columna que aos 2 de Fevereiro atacou a cidade
pela Boa Vista , achava -se Antonio Affonso ; trava - se re
nhida luta , pelejam heróicamente atacantes e atacados,
mas a perda de Nunes Machado fez arrefecer o combate,
a morte do illustre chefe desanimou os corajosos comba
tentes, e elles deixam o campo , partem , conduzem aos
seus braços o corpo da illustre victima, depositam -no na
capellinha de Belem , e dispersam -se.
Debellada a causa da revolução, occultou -se o Dr.
Antonio Affonso Ferreira , mas foi como os seus compa
nheiros processado e pronunciado. Os trabalhos e soffri
mentos dla revolta , fizeram reapparecer e aggravarem -se
os seus antigos padecimentos. Occulto em casa de sua
familia , ( seu medico assistente o fallecido Dr. Moraes
Sarmento aconselha -lhe como unico remedio á recobrar a
perdida saúde, uma viagem a Europa. Elle resigna -se, e
aos 23 de Junho de 1850 parte para Lisboa a bordo do bri
guc Turujo I, e d’ahi seguiu para a Ilha da Madeira por
DICCIONAR 10 BIOGRAPHICO 39

conselho dos medicos de Lisboa ; mas aumentando- se


consideravelmente os seus padecimentos, falleceu aos 20
de Dezembro de 1850 na cidade do Funchal, e foi sepultado
no cemiterio das Angustias em sepultura perpetua.
Morreu na terra do exilio , diz um jornal desta pro
vincia , pobre, talvez cercado de necessidades, e na mais
pungente saudade por não mais vêr a sua querida familia,
seus amigos e patricios, a quem tanto amava, e pelos
quaes tanto se sacrificou . Sua vida foi toda honrosa , sua
morte é toda cheia de gloria , porque elle morreu, póde-se
assim dizer, martyr da liberdade de seu paiz , pela qual
tanto propugnou com sua penna nos jornaes, e com seus
esforços no campo da honra, quando a revolução de 1848
para alli o chamou .
A Revolução de Novembro, cm seu numero de 4 de Se
tembro de 1852, consagrou algumas palavras a memoria
do illustre Dr. Antonio Affonso Ferreira ; e em phrases
repassadas de sentimentos, assim teceu a merecida coroa
de suas glorias e patriotismo, assim abriu -lhe as portas
do templo da immortalidade.
« Pernambuco se deve ufanar de ter sido seu filho o
Dr. Antonio Affonso Ferreira.
« Esse martyr da revolução de Novembro, curtido de
desgosto, ralado de saudades da patria , da esposa e dos
filhos ; morreu em terra estranha !

« Era um pernambucano illustre , de grande mora


lidade, e de acrisolado patriotismo, digno em tudo de alto
renome.
« Era um desses caracteres antigos, que sempre me
receram a veneração dos povos.
« Era um desses homens raros, cuja austeridade os
torna celebres.
« Era de um coração leal , e de uma alma justa.
« Os seus cuidados pela moralidade da revolução, re
vellaram sua grande virtude, sua dedicação patriotica.
« Não era guerreiro mais cra firme.

« Pernambuco não pode nunca esquecer filho tăo res


peitavel.
40 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho .


Nasceu na segunda metade do seculo XVII. Era filho de
Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que foi go
vernador da Guarda e do Maranhão, e de sua consorte D.
Ignez Maria Coelho, e neto de Francisco Coelho de Car
valho, primeiro governador e capitão general do estado
do Maranhão e Grão -Pará, descendente de Pedro Coelho ,
senhor de Filgueiras, e D. Luiza de Góes.
Os primeiros passos da vida de Antonio de Albu
querque Coelho de Carvalho são pontos obscuros, pelas
omissões dos chronistas do tempo , e falta de documentos a
tal respeito. Sabemos apenas que seguiu a carreira das
armas , e segundo a phrase do autor da Nobiliarchia Per
nambucana , serviu com grande valor na guerra da grande
liga , e foi sargento -mór de batalha, posto correspondente
hoje a marechal de campo , governador da Beira Baixa e
da praça de Olivença . Como militar, foram estes os unicos
dados de sua vida que encontramos; como administrador
porem , são mais conhecidos os seus actos nos diversos
governos que dirigiu , cujos serviços o nobilitaram , e me
receram dos historiadores honrosa mensão .
Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, nos pri
meiros annos de sua mocidade seguiu para o Pará em
companhia de seu pae, de onde partiu para Portugal ;
e voltando a essa capitania, foi incumbido do governo das
de Tapuytapera c Cametá, de que era seu pae donatario ,
até que recebeu a nomeação de capitão -mór do Grão -Pará,
e a 25 de Julho de 1685 apresentando a patente regia de
sua nomeação entrou em exercicio .
Vagando em 1690 o cargo de governador dos estados
do Maranhão e Grão -Pará, mereceu Coelho de Carvalho do
governo a nomeação do mesmo, e a 17 de Maio tomou
conta do bastão, que lhe foi entregue pelo seu ante
cessor Arthur de Sá de Menezes, ainda no Pará . Para
melhor dirigir o governo dessas duas capitanias, Coelho
de Carvalho residia ora n’uma, ora n'outra , e tão solicito
se mostrou no desempenho da sua missão, que angariou
a estima e consideração dos seus governados.
Em 1692, achando -se no Pará , afim de expedir os na
vios da frota real, as camaras de S. Luiz e de Belem ,
muito satisfeitas com o seu governo , enviaram ao throno
suas representações, para que fossé elle conservado por
tempo mais largo . Com tudo, esperando o seu successor
voltou á S. Luiz ; mas a metropole ouviu o pedido das
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 41

camaras, e para lhe dar mais evidentes provas de que


reconhecia o seu perecimento , acompanholl tambem estri
merce com uma generosa ajuda de custo. »
Em 1695, empreendendo Coelho de Carvalho uma expe
dição , afim de examinar por si proprio os vastos sertões
do cabo do Norte e o famoso Amasonas, partiu a 9 de
Dezembro , terminando as suas explorações em 1697. Ao
regressar, soube da noticia da occupação da fortaleza de
Macapá , pelas tropas do marquez de Ferrol, governador
de Cayena; e recebendo com despreso o seu commandante ,
que deixou - a calir em poder dos francezes, sem oppor a
minima resistencia , sem disparar um só tiro, deu todas
as providencias, expediu forças, e traçou o plano da em
presa restauradora, a qual glorificada pelo seu resultado,
pela victoria ganha sobre os inimigos, assegurou de novo
aos portuguezes a posse desse ponto invadido pelos sol
dados francezes .
A fortalesa do Cabo do Norte, sob a invocação de S.
Antonio de Macapá, föra por elle proprio fundada em 1988,
quando capitão-mór do estado do Grão -Pará, aprovei
tando para isso as ruinas e materiaes da fortificação de
Camamú, que seu tio Feliciano Coelho havia demolido
em 1632, depois de tomada aos inglezes.
Na vida activa e trabalhosa que sempre teve Coelho
de Carvalho, contrahiu molestias, que não poude debellar;
cra necessario retirar - se , e em outros climas recobrar -se
das perdidas forças. Envia pois um requerimento pedindo
a sua demissão ; instou pela vinda de um successor , e
não foi attendido, nem n'uma, uem n'outra supplica e por
fim , enviou um outro requerimento, solicitando ao menos
uma licença ; e sendo-lhe esta concedida por tempo limi
tado , o monarcha reconhecido pelos seus servicos , abriu
o cofre das graças , e conferiu - lhe a commenda de l'al de
Telhas da Ordem de Christo, a alcaidaria -mór de Sines, e
o Senhorio do Couto de Util, e o dos Fornos da Judiciaria
e rua dos Cavaleiros da villa de Setubal. Nessa mesma
occasião recebeu a communicação official de que havia
condicionalmente cessado as pretencões da França , rela
tivas as usurpações do marquez de Ferrol, na questão de
limites, pelo tratado de 4 de Março de 1700 .
Coelho de Carvalho portiu então des . Luiz para o Pará ,
afim de cuidar da sua viagem , e chegando a Belem a 22 de
Maio de 1701, O Senado da camara intentou detel-o com
42 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

uma larga representação da orphandade, em que deixava


todos aquelles povos .
Mas elle era forçado a partir, a deixar os seus gover
nados, e sensibilidade por tantas demonstrações de apreço
e consideração, e para corresponder a todas essas mani
festações
voltaria
e para os esperança
, continuar r, assegurou -lhes, que breve
governo
a o seu .
Por mais de 11 annos governou Antonio de Albu
querque Coelho de Carvalho, o estado do Maranhão e Grão
Pará , e passando a administração ao seu loco - tenente
Fernão Carrilho, que os ministros e outros amigos da
côrte para mais facilitar a concessão da solicitada licença ,
o enviaram como tal em 1699 para S. Luiz, embarcou para
a Europa aos 11 de Junho de 1701.
Coelho de Carvalho demorou -se algum tempo em Por
tugal; e sendo depois despachado governador e capitão
general de todo o estado do Sul do Brazil, partiu para o
Rio de Janeiro, e aos 11 de Junho de 1709 tomou posse do
seu novo cargo . A Capitania de Minas-Geraes, sujeita
então a sua jurisdição, estava em agitação por alguns mo
vimentos politicos ; Coelho de Carvalho parte immediata
mente para Minas, disfarçado, sem apparato algum , e
consegue com a sua politica sagaz e moderada, acalmar
os movimentos dessa capitania .
Aproveitando-se do ensejo que lhe proporcionava esta
viagem , Coelho de Carvalho visitou todas as povoações de
Minas, erigiu villas, creou comarcas, levantou milicias, e
assegurou na obediencia as leis e ao governo aquelles
subditos, já por meio da paz que entre todos implantou,
como pela tranquilidade publica que resultou das salutares
e acertadas medidas que tomou, das providencias que
deu, com o estabelecimento de autoridades que vigiassem
no cumprimento das leis e de suas ordens.
Concluida essa tarefa , passou- se Coelho de Carvalho á
capitania de S. Vicente afim de applacar a desordcm dos
paulistas; mas encontrando -os em sua marcha, comman
dados pelo celebre Amador Bueno, em direcção á Minas
Geraes, aventurou - se a persuadil-os que desistissem de
sua temeraria empresa, porem foi desattendido e até
ameaçado com prisảo. Coelho de Carvalho, forçado então
pelas circumstancias, sem dispor de elemento algum de
resistencia , acompanhado apenas de quatro officiacs e
dez soldados, regressou ao Rio de Janeiro .
Ahi, soube que os paulistas realmente haviam invata
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 43

dido o territorio de Minas -Geraes, levado a desordem por


toda a parte , causando immensos damnos e destruições.
Coelho de Carvalho reassumindo a administração da
capitania , despede immediatamente para Minas duas com
panhias de linha sob o commando do mestre de campo
Gregorio de Castro Moraes, e dirigindo -se aos revoltosos
paulistas por meio de uma carta , enviando -lhes ao mesmo
tempo um retrato do soberano, significando que daquella
maneira os visitava, assegurou -lhes o regio perdão e a sua
protecção, se melhor avisados fizessem terminar as des
ordens, restabelecendo -se a paz e tranquilidade dos
estados confiados ao seu governo .
Desanexando -se as capitanias de S. Paulo e Minas
Geraes da do Rio de Janeiro, foi Coelho de Carvalho incum
bido do seu governo, por carta regia de 23 de Julho de
1709, facultando -se -lhe a escolha do logar de sua resi
dencia. Deixando o governo do Rio de Janeiro em 30 de
Abril de 1710 , seguiu para a villa de S. Paulo , e aos 18 de
Junho do mesmo anno toma posse do governo. Antonio
de Albuquerque Coelho de Carvalho, diz um historiador,
esquecendo-se do que com elle proprio praticaram os pau
listas, tratou com muita brandura e prudencia aquelles
povos, praticando o mesmo que já tinha feito em Minas
em bem e proveito de todos, sendo o primeiro governador,
que fez respeitar n’aquelles logares o seu nome e as auto
ridades constituidas em nome d'El-Rei.
Em 21 de Setembro de 1711 , recebendo Coelho de Car
valho a noticia da invasão do Rio de Janeiro pelos fran
cezes, commandados por Duguay Trouin , reuniu a toda a
pressa um exercito de mil homens, e partiu immediata
mente ; mas ao chegar a serra do Tingoá, soube da noticia
da fugida do respectivo governador Francisco de Castro
Moraes, e logo após, a da capitulação dos franceses. Se
guindo para o Rio de Janeiro, e existindo na respectiva
camara do senado uma carta regia datada de 26 de No
vembro de 1709, a qual determinara, que, se por qualquer
motivo fosse Coello de Carvalho aquella cidade, se lhe
entregasse a administração do seu governo, em conse
quencia disso , passou elle a dirigir o governo da dita capi
tania, até que foi substituido por D. Francisco Xavier de
Tavora , aos 7 de Junho de 1.13 .
Do Rio de Janeiro partiu Coelho de Carvalho para Por
tugal ; mas em sua viagem veio visitar Pernambuco , a sua
patria , ausente della por tantos annos. Em 12 de De
41 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

zembro de 1713, saltou no porto do Recife, e esperando


encontrar os seus patricios, parentes e amigos, no goso
de suas propriedades e dos seus bens, á sombra da paz e
da justiça, encontrou -os perseguidos, foragidos, e exter
minados, por essa guerra cruenta chamada dos Mascates,
fructos das recompensas desse governo a quem os seus
antepassados se submetteram , ao firmar pelo seu valor e
patriotismo a capitulação do Taborda, que marca a era
la expulsão dos hollandeses do Brazil !
Depois de uma pequena demora de dezoito dias em
Pernambuco , partiu para Portugal, sendo portador de
muitas petições dirigidas ao rei, por aquelles miseraveis
que jaziam atirados aos carceres das fortalezas, victimas
da atroz e barbara perseguição dos Mascutes, da
primeira parte da historia dessa guerra, escripta pelo
Padre Antonio Gonçalves Leitão, da segunda via dos
summarios que se haviam feito em ordem a desmentir
as calumnias que contra o bispo diocesano D. Manoel
Alvares da Costa, e a nobresa foram levantadas, alem de
muitas cartas e outros documentos justificativos.
A 30 de Dezembro de 1713partiu Antonio de Albuquer
que do porto do Recife em demanda de Lisboa, e nesta
viagem teve occasião de mais uma vez assignalar-se e illus
trar o seu nome, já tão vantajosamente reputado. Accom
metlida inopinadamente a nio em que seguia, por tres na
vios de piratas mouros, trava -se então renhidissima peleja ;
mas defenóleu -se com tanta bisarria, que, sendo abordada
por vezes , e em todas lançando -lhe o inimigo gente dentro,
em nenhuma (1 venceu , e pelo contrario uma das tres núos
inimigas metteul a pique ; e a todas fizera o mesmo, se as
outrus na fugida não cuitassem a sorte da primeira.
Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho chegando
a Lisboa, não se esqueceu da missão que lhe confiaram os
seus compatriotas, antecipando-se-lhea occasião de sobre
semelhante incumbencia fallar ao monarcha, a narração
que lhe devia fazer do combate que sustentára contra as
náos corsarias e da victoria que obtivera , dispondo de for
case elementos tão desiguacs.
D. João V ouviu com attenção o que sobre o estado la
mentavel de Pernambuco e dos seus naturaes The expuzera
Antonio de Albuquerque ; e admirando-se por lhe parecer
que o regio perdão que liavia expedido sortiria os devidos
cffeitos, mandou examinar todo o negocio , e rimetteu aos
Conselhos as queixas que de novo se lhe fizeram do gover
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 45

nador e dos ministros syndicantes, reconhecendo - se nesta


occasião, que a nota remettida pelo ministerio ao syndi
cante para proceder a devassa, achava -se viciada, tal o su
bnrno, tal a influencia dos Mascates, ainda mesmo nas se
cretarias de estado do reino !
A generosa missão de Antonio de Albuquerque, o seu
empenho em promover o bem estar de sua patria oppri
mida por vis e audaciosos inimigos, obteve resultados im
mediatos e incalculaveis. D. João V.dirigindo-se ao gover
nador, estranhou - o severamente do seu procedimento,
assim como aos ministros syndicantes , prohibiu espressa
mente de proseguirem a devassa, mandou restituir a liber
dade a todos os presos, não só os que se haviam remettido
para Lisboa, como os que se achavam nesta provincia ; c
mais tarde foi demettido o governador, e restabeleceu -se
a paz, a provincia entrou de novo nas lides dos trabalhos
pacificos, reconquistou o seu brilho e esplendor, e surgiu
o progresso , a prosperidade e o engrandecimento, á som
bra da oliveira pacifica.
Pernambuco cobriu -se de galas ao chegar as suas pla
gas tão faustosas noticias. Festas, luminarias, banquetes,
manifestações de alegria , tudo celebrou -se com expansão
e com indizivel prazer e regosijo ; manifestações estas que
se foram prolongando pelo interior da provincia, a propor
cão que tão grata noticia se ia derramando, e que a todos se
tornava conhecida. As chronicas do tempo não nos trans
mittiu os votos de reconhecimento e de gratidão dos gene
rosos pernambucanos, íquelle que havia tão zelosa e dedi
cadamente advogado a sua causa perante a magestade do
Rei Fidelissimo , mas elles sem duvida não se esqueceram
de tributar ao seu heroico e benemerito compatriota , a sig
nificação de sua gratidão e reconhecimento pelo grandioso
serviço que lhes prestara : e se o não fizeram , a posteri
dade que representa de juiz no tribunal do passado, cum
pre um dever em tudo isto patentear, e de render á memo
ria dos feitos nobilissimos de Antonio de AlbuquerqueCoc
Tho de Carvalho, mas esse preito de admiração e de louvor.
Antonio de Albuquerque demorou -se em Portugal até
principios de 1722, quando recebendo a patente regia de sua
nomeação de governador e capitão general de Angola , sc
guiu para o seu destino, e ahi chegando tomou posse do
governo da colonia aos 22 de Março do mesmo anno de
1722. Curto como foi o seu governo, facto algum notavel
teve logar durante elle, a não ser a rebellião das sóvas do
46 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

sertão de Benguella , e a creação dos logares de juiz de fóra,


de ouvidor e de auditor de guerra, reunindo este ultimo as
funcções de juiz de orphãos .
O autor do catalogo dos governadores de Angola, in
serto no tomo III das Noticias para a historia das nações
ultramarinas, tratando do seu governo consagrou -lhe
estas palavras : « Não teve successo extraordinario ; todo
se applicou ao bem dos povos, e fez um governo brando,
suave e recticissimo. Elle foi o primeiro que trouxe o soldó
acrescentado a quinze mil cruzados, vedando -se-lhe, e a
seus successores o commercio , quedesde o principio da
conquista até seu antecessor havia sido permittido. »
Neste governo de Angola terminou os seus dias Anto
nio de Albuquerque Coelho de Carvalho, aos 25 de Abril de
1725, depois de uma administração de quasi dous annos,
sendo os seus restos mortaes inhumados na egreja dos
Padres Capuchinhos da cidade de S. Paulo de Loanda.
A simples enumeração dos serviços prestados por
este illustre e benemerito pernambucano, quer particular
mente ao Brazil na qualidade de governador das capitanias
de S. Paulo , Minas, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará como
á coroa portugueza, já como administrador, já como mili
tar, nada mais é licito dizer em seu louvor, porque elles
proprios, mais que tudo, proclamam o seu merito , a sua
grandeza e heroismo, em remuneração do que, foi agra
ciado com os titulos de fidalgo da casa real portugueza, de
commendador de Santo Ildefonso na ordem de Aviz, é de
Santa Maria de Cea e de villa Cova na de Christo , alem de
outras mercês quejá deixamos mencionadas. Antonio de
Albuquerque Coelho de Carvalho era tambem donatario de
Santa Cruz de Cametá , e de Santo Antonio, no extincto es
tado do Maranhão e Grão -Pará .

Antonio de Albuquerque Maranhão . Filho de Jero


nymo de Albuquerque o illustre conquistador do Maranhão
e de sua mulher Catharina Pinheiro Feio , nasceu na opu
lenta villa deOlinda em fins do seculoXVI; foram seus
avós paternos Jeronymo de Albuquerque, cunhado do pri
meiro Donatario Duarte Coelho e um dos colonos mais es
forçados na conquista e povoação d’esta capitania, e a in
dia D.Maria do Espirito Santo Arco Verde, e maternos,
Antonio Pinheiro Feio , que acompanhára seu pae á con
quista do Maranhão na qualidade de feitor -mór da armada,
e sua mulher D. Leonor Guardez .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 47

Antonio de Albuquerque Maranhão tambem acompa


nhou a seu pae na conquista do Maranhão, para cuja em
preza se offereceu voluntariamente , e foi- lhe então confe
rida a patente de capitão, commandando uma companhia
de sessenta homens ; e partindo com a expedição no dia 1
de Junho de 1613, alli chegando e depois dos primeiros fei
tos de armas , foi nomeado pelo governador geral Alexan
dre de Moura, commandante do forte de S. José de Itapari,
com 50 homens de guarnição.
Se a conquista da provincia do Maranhão do poder des
francezes, é uma pagina brilhante da vida do heroico per
nambucano Jeronymo de Albuquerque, é tambem da de
seu filho Antonio de Albuquerque que o acompanhou
passo a passo em todos os episodios dessa arriscada e glo
riosa empresa , e cujo governo, por morte de seu pae cm
1618, lhe foi confiado .
A nascente cidade de S. Luiz do Maranhão, sepul
tou -se em profundo pezar com a morte do seu fundador e
primeiro governador ; e tamanha foi a falta , como diz Ber
redo em seus Annaes, que a não substituil- a a sua propria
imagem na pessoa de Antonio de Albuquerque, seu filho
primogenito, a quem deixou encarregado do governo, seria
inconsolavel tão justa magoa .
Ferido pelejando com os inimigos na conquista do
Maranhão , como reza a Carta Regia de 9 de Agosto de 1622,
sellando com o seu sangue facto tão grandioso, herdeiro
das glorias e renome de seu pae ,que nada tendo para legar
a essa terra a que tanto amava, deixou - lhe uma parte de
sua existencia e de sua alma no governo , Antoniode Albu
querque assumiu as redeas da administração da capitania
com geral applauso dos seus habitantes, como digno suc
cessor d'aquelle, cujo nome lhes era tão caro.
Jeronymo de Albuquerque no intuito de dar maior ga
rantia á gerencia dos negocios publicos, tanto a seu filho,
que era o chefe, como aos seus governados, nomeou mais
dous adjuntos para o ajudar a dirigir a náo do estado , e
foram elles os capitães Bento Maciel Parente e Domingos
da Costa Machado .
Bento Maciel, diz um historiador, conhecendo mui de
perto a capacidade de Antonio de Albuquerque, descançou
nelle inteiramente o peso do governo , e circumscreveu seus
cuidados á recdificação do forte de S. José de Itapari ;
Domingos da Costa , porem , permaneceu sem exercicio no
comprego de adjunto . De tal sorte se ia dirigindo Antonio
48 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de Albuquerque, sem mais assistencia que a do seu bom


juiso, que principiou a ganhar applausos até dos seus pro
prios emulos, o que excitando a inveja em Bento Maciel,
que havia sido o primeiro em sua approvação, desgostou - sé
de não lhe tocar parte dos applausos do povo.
Bento Maciel dissimulando a principio os seus senti
mentos, manifestou, depois, queixas que o governador até
desculpava, e afinal rompeu francamente em hostilidades,
dizendo a Antonio de Albuquerque, que, tudo o que elle
obrava sem o seu parecer co do capitão Domingos da Costa
reputava como muillo , e assim lhe negava obediencia .
N’estas circumstancias, Antonio de Albuquerque, em
bora tão prudente como ruloroso, o mandou prender na
fortaleza de S. Felippe, e quatro mezes depois o remetteu
para Pernambuco sob a guarda do capitão Domingos da
Costa, que vinha aqui tomar passagem para Portugal. Li
vre assim de um adversario impertinente, Antonio de Al
buquerque applicou -se todo á prosperidade e desenvolvi
mento da terra cujo governo estava confiado aos seus
cuidados , e entre os serviços que prestou no exercicio
desse cargo, nota - se a expedição contra os indios Tupi
nambás, que levantados procuraram unir-se com outros
gentios da mesma tribu na provincia do Pará, conseguindo
internal-os pelas mattas onde se abrigaram .
Antonio de Albuquerque apezar de merecer do gover
nador geral D. Luiz de Souza , a confirmação da nomeação
que d'elle fez seu pai, vill-se porem desconceituado e fe
rido em seus brios por esta mesma autoridade, que , não só
absolveu a Bento Maciel Parente , como o encarrregou da
guerra contra os Tupinambás.
Dando por adjunto a Antonio de Albuquerque o mesmo
capitão Domingos da Costa, com a derlaração de que nào
concordando com o seu roto nas materias mais grace's serie .
decisivo o de Luis de Madureira, ouvidor e cucitor geral
da capitania , o governador geral conheceu sem duvida que
elle não se sujeitaria a tantas humilhações, e para prevenir
desagradaveis consequencias, lavrou outra patente de ca
pitão -mór a Domingos da Costa Machado, para servir no
caso de se realisar as suas previsões.
Recebendo Antonio de Albuquerque a patente que lhe
entregára o capitão Costa Machado , «occultou seu justo
resentimento dizendo que , não acceitava , porque ,quando
deu conta ao ministerio de Madrid , da morte de seu pare
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 40

pediu logo a sua demissão , pela urgencia que tinha de sua


presença as necessidades de sua casa .)
Quatorze mezes , diz Berredo em seus Annaes, gover
nou Antonio Albuquerque a capitania do Maranhão, de que
já tinha sido um dos primeiros conquistadores debaixo
das ordens de seu pae ; e natural herdeiro das suas virtu
des, regulou de sorte todas as suas acções pela doutrina
dellas , que muito apezar das saudades d'aquelles morado
res, passou a Portugal , onde se attendeu bem o seu mere
cimento e aos serviços de seu pae, que lhe pertenciam , no
prompto despacho da capitania -mór da Parahyba, com a
mercê da commenda de Santo André de Ervedal da ordem
de Christo , e cinco legoas de sesmaria na conquista do
Maranhão .
Governando a capitania do Maranhão por bem pouco
tempo como vimos, a sua honra e o seu brio impelliram -no
a renunciar o seu governo , e entregando - o ao capitão -mór
Domingos da Costa Machado, seguiu para Portugal no
anno de 1619, em cujo governo encontrou a reparação das
desattenções de que foi victima, sendo bem significativas e
assás honrosas à sua pessoa, as palavras seguintes da
Carta Regia de 20 de Maio de 1622 que lhe conferiu a com
menda de Christo ; por benemerito e digno de ser remune
rado na dita ordem e ajudado nos bens della .
Nomeado governador da capitania da Parahyba, por
patente regia de 9 de Agosto de 1622 , com o posto de capi
tão-mór, Antonio de Albuquerque voltou ao Brazil, e tomou
posse do governo que lhe fòra confiado , e posteriormente
pelos serviços prestados no desempenho desseservisse cargo,
El-Rei lhe fez mercê de 100 $000 annuaes em quanto
no dito geverno,por Alvará de 10 de Junho de 1627, indepen
dente do ordenado que lhe era relativo, sem embargo da
Ordenação do livro segundo, titulo quarenta , que dispõe o
contrario .
Governava já Antonio de Albuquerque a capitania da
Parahyba a doze annos, quando os hollandezes resolvem
a sua tomada, pela vantagem e conveniencia que resul
taria, por ficar entre o Rio Grande do Norte e Itamaracá,
já então sob o seu dominio ; e para esse fim parte do porto
do Recife uma frota composta de 29 navios, tendo a seu
bordo 2354 soldados, e a 4 de Dezembro de 1634 apparece
em frente do Cabo- Branco e já com a tropa prompta para
o desembarque. A's lanchas e barcaças tripoladas pela
tropa, seguindo -as um patacho, tomaram a direcção do
8
50 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ponto em que se achava Antonio de Albuquerque á frente


das suas tropas; mas o patacho em vez de as acom
panhar, entra na enseada de Jaguaribe, e começa a dis
parar sobre a terra , emquanto as outras embarcações
seguiam direito o seu rumo, o que vendo a gente da
enseada corre á reunir -se ao governador.
Mas de repente cessa o fogo do patacho, e a um signal
convencionado as lanchas e barcaças voltando a proa
para a enseada effectuam o desembarque, e quando An
tonio de Albuquerque conhece do estratagema, e volta á
impedir- lhes o passo, já achou as tropas inimigas for
madas em trez columnas, tendo á frente de cada uma dellas
uma peça de campanha .
Antonio de Albuquerque faz alto com a sua gente,
cujo numero constava apenas de 500 homens, e destaca
uma companhia para observar pelo matto os movimentos
do inimigo; mas em breve se ve atacado, e apesar da des
igualdade das forças de que dispunha, os nossos soldados
sustentaram bizarramente o fogo por algum tempo , até
que viram-se forçados a abandonar o campo em retirada.
Antonio de Albuquerque concentrou então toda a
gente que poude reunir na fortaleza do Cabedello , forti
ficou - se convenientemente, e tomou outras providencias
necessarias á situação .
Assediada a fortaleza pelo exercito inimigo, cahe em
seu poder doze dias depois, e vencidos os outros pontos
fortificados que oppunham resistencia á marcha para a
cidade, os inimigos occupam-na finalmente a 24 de
Dezembro de 1634 .
Antonio de Albuquerque, partindo da ermida da Guia ,
onde se achava acampado , para a capital afim de a defen
der como podesse, recebe em caminho a noticia da sua
occupação pelos hollandezes , e então resolvendo firmar - se
em algum ponto que pela sua posição os podesse encom
modar, acampou perto do engenho de Duarte Gomes da
Silveira , mas no dia seguinte parte em demanda de um
outro ponto que melhor se prestasse aos seus intuitos, e
esta ultima tentativa fez elle no engenho de Antonio de
Valadares, que ficava dez legoas pela terra á dentro, o
qual convenientemente fortificado offerecia uma optima
posição .
No entretanto, dispondo de pouca gente , sem meios de
defesa e resistencia ao inimigo , vendo perdidas todas as
suas posições, encontrando má vontade da parte dos mo
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 51

radores em o ajudar, Antonio deAlbuquerque viu-se obri


gado a evacuar o paiz, e no dia 31 de Dezembro de 1634
põe-se em marcha para Pernambuco, seguido do resto
do seu pequeno exercito e de algumas pessoas que não
se quizeram sujeitar ao dominio hollandez.
Dirigindo o governo da capitania da Parahyba por
espaço de doze annos, em cujo cargo os seus serviços
foram innumeros e grandiosos , quer como administrador,
quer como militar, Antonio de Albuquerque vê -se forçado
pelas circumstancias a abandonar o seu posto de honra,
quando se haviam esgotado todos os recursos ou outro
qualquer meio de que podesse lançarmão. Partindo para
Pernambuco , em longa travessia d'ahi até ao Cabo de
Santo Agostinho, reuniu -se ao nosso exercito sob o com
mando de seu primo o general Mathias de Albuquerque,
tomou parte nos ultimos movimentos que se deram , e
depois em 1635 , seguiu para a Bahia , d'onde embarcou
para Portugal .
Emprehendendo uma viagem á Hespanha, ahi se
acha va em 1640, quando os portuguezes deram o grito de
independencia .' Regressando a Portugal em Agosto de
1648 , achou embargado o rendimento das suas commendas,
attribuindo - se-lhe sentimentos pouco generosos como
partidario da causa da Hespanha, mas justificando-se ple
namente, pôz a salvo a sua reputação, e conseguiu a resti
tuição das suas rendas por Alvará de 12 de Maio de 1649.
Fixando-se definitivamente na cidade de Lisboa , ahi
casou com D. Joanna Luiza de Castello Branco , filha de
D. João de Castello Branco, da opulenta e illustre casa dos
merinhos móres do Reino . Do seu consorcio teve Antonio
de Albuquerque dous filhos ; D. Antonia Maria de Albu
querque, que falleceu sendo religiosa do mosteiro da
Madre de Deus de Xabregas, e Affonso de Albuquerque ,
que embarcando em 1671 para o Brasil em companhia
do governador Affonso Furtado de Mendonça , falleceu na
altura desta provincia.
Antonio de Albuquerque Maranhão falleceu em avan
çada idade na cidade de Lisboa, pelos annos de 1667, rico,
conceituado e nobilitado pelos seus serviços á causa pu
blica , e pelos seus feitos na vida militar, tendo por padrão
das suas glorias , a conquista do Maranhão do poder dos
francezes , e a guerra da invasão hollandeza na Parahyba
e em Pernambuco, por cujos serviços, teve como premio
o fôro de fidalgo cavalleiro da casa real , as commendas
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de Santo André de Ervedal e da ilha de Porto Santo , da


Ordem de Christo, e os titulos de conselho e cavalleiro
dessa mesma ordem , em cujo gráo professou, além de
algumas doações de grandes lotes de teria, nas con
quistas do Maranhão e Rio Grande do Norte .
Antonio de Andrade Luna . Natural da freguezia da
Bòa - Vista, filho legitimo de Francisco de Salles Rego e D.
Francisca Xavier de Andrade, nasceu fóra das grandezas
que ostentam os eleitos da fortuna , mais no seio da mais
honrada pobreza .
Educado modesta e cuidadosamente segundo as cir
cumstancias de seus paes , dedicou -se á vida ecclesiastica ,
professou a regra da religião de S. Francisco no convento
da villa de Iguarassú, e fez os estudos do seu noviciado
no collegio da sua Ordem , assumiu ao sacerdocio , e tomou
o nome religioso de Frei Antonio da Conceição .
Acabava então de ser decretada a Lei da creação dos
Cursos Juridicos de S. Paulo e Olinda, e no anno de 1828
quando este começou a funccionar, Frei Antonio da Con
ceição foi um dos trinta e oito primeiros estudantes matri
culados, e a par de Euzebio de Queiroz , Ferreira de Aguiar,
Nunes Machado, Loureiro, Padre Rodrigues de Araujo ,e
outros que subiram depois ás mais altas posições, cursou
os cinco annos da academia ; e recebeu em 1833 a laurea
de bacharel em sciencias juridicas e sociaes , e posterior
mente defendendo theses dessas mesmas sciencias, lhe foi
conferida a borla e o campello de doutor.
Annos decorridos, e por motivos que lhe sobrevieram ,
viu -se forçado a deixar o claustro da sua ordem , e seculari
sou - se , passando então a uzar de novo do seu nome primi
tivo , Antonio de Andrade Luna.
Dedicando -scinteiramente ao estudo da jurisprudencia ,
dotado de um talento superior, illustrado em gráo elevadis
simo , o Dr. Andrade Luna conquistou tão grandiosos titulos
de saber, que era apontado como um dos mais notaveis
jurisconsultos do imperio.
Fazendo uma viagem ao Rio de Janeiro, o seu mereci
mento e o seu talento deram ainda maior realce ao seu
nome, e mereceu o honroso despacho de inspector da The
zouraria de Fazenda da provincia das Alagoas, em cujo
emprego, « elle desenvolveu a toda a prova o seu raro
talento, e desempenhou com intelligencia, circumspecção
e inteireza as funcções que lhe eram inherentes. »
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Assaltado infelizmente de uma terrivel molestia , arrui


nada seriamente a sua saude, o Dr. Andrade Luna vê - se
forçado a deixar o exercicio do seu cargo, e parte para a
sua terra natal em busca de alivio aos seus males, e aqui
foi recebido com as attenções e provas de affeição condignas
do seu caracter e elevados merecimentos.
Recobrando nos ares da patria e no seio da familia e dos
amigos a sua saude tão seriamente ameaçada, obtem consi
deravel melhora em seus padecimentos, pedio demissão do
cargo que exercia , fixou residencia no Recife abriu banca
de advogado, em cuja profissão o seu robusto talento e pro
fundos conhecimentos, conquistaram -lhe um nome respei
tavel e merecida fama, fama esta que o apregoava um dos
ornamentos mais brilhantes do fôro desta cidade .
Não era, porem , a jurisprudencia o exclusivo estudo a
que se dedicava o Padre Dr. Antonio de Andrade Luna .
As bellas lettras, a litteratura e a poesia ,mereceram tambem
o culto da sua dedicação e aprofundados estudos. Mas o
que nos resta dos productos do seu talento , dos fructos
dos seus estudos e locubrações, e dos seus numerosos
trabalhos quer sobre direito , quer sobre litteratura ?
Em 1824, ainda religioso , vivia o Dr. Andrade Luna no
seu convento do Recife, quando rompe a revolução patrio
tica que proclamou a republica separatista sob a denomi
nação de Confederação do Equador, e ainda que não fosse
elle um dos activos batalhadores dessa idéa , fazia votos
pela liberdade de sua provincia, que elle suppunha amea
çada . » Venceu porém , a despeito do nobre e generoso
esforço dos patriotas pernambucanos, a causa imperialista ,
e viram -se rolar do alto dos patibulos, as cabeças dos mais
illustres martyres da liberdade brazileira.
E depois dos vencedores entoar os hymnos da victoria,
e de tingir as suas mãos no sangue dos seus irmãos venci
dos , não se pejaram quasi todos, de ornar os peitos das
suas fardas, com as insignias das nossas mais honrosas
condecorações, conferidas em remuneração aos serviços
de tão nobre empresa! Então, o illustre patriota Frei Anto
nio da Conceição vibra indignado a sua lyra , e mimosea a
esses brazileiros com estes versos :
Quando os sec’los das trevas dominavam ,
Das cruzes os ladrões se penduravam ;
Hoje domina o seculo das luzes,
Pendentes dos ladrões andam as cruzes .
Eis , pois , o que nos resta do muito que produziu nos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

diversos ramos dos conhecimentos humanos o Dr. Anto


nio de Andrade Luna , cujos trabalhos, se os tivesse dado
publicidade, se ao menos existissem e se soubesse do seu
destino , constituiria um monumento mais solido ás suas
glorias e ao seu nome, e muito contribuiriam á maior
riqueza e esplendor da nossa litteratura patria .
O Dr. Andrade Luna, ainda que obtivesse melhora
consideravel dos males que o affligiam , ficou porem com
a sua saude seriamente compromettida, e por bem pouco
tempo gosou dos fructos que lhe prodigalisava a nobilis
sima profissão de advogado, porque reapareceram os seus
antigos soffrimentos, e tão fortemente o acommetteram que
o prostrou no leito de dores . Então, recolheu -se de novo ao
convento da sua Ordem , e pelo amor que lhe consagrava
deixou o seculo em que vivia, e quiz morrer nos claustros
do convento de Santo Antonio do Recife, servindo-lhe de
mortalha e habito do grosseiro burel dos seus religiosos.
E poucos dias sobreviveu nesta habitação de paz e de
contemplação, porque o mal zombando de todos os cuida
dos da medicina e dos de seus irmãos religiosos, tão rapi
damente se desenvolveu, que o prostrou sem vida . O Dr.
Antonio de Andrade Luna , sabio e virtuoso sacerdote,
morreu aos cincoenta annos de idade , e os seus escriptos , o
seu nome, e o seu amor á liberdade, victimas da ingratidão
dos seus contemporaneos, jazem com elle no tumulo . O con
vento de S. Antonio do Recife , guarda os restos mortaes de
tão illustre quão benemerito varão .
Frei Antonio dos Anjos. Natural da cidade de Olinda ,
professou no instituto da Ordem Franciscana no convento
de Nossa Senhora das Neves, da mesma cidade , no anno
de 1599 .
Varão de eminentes virtudes e illustração , Frei Anto
nio dos Anjos gosava na sua ordem dos creditos, renome
e acatamento que inspiram semelhantes predicados, em
consideração do que, no capitulo da sua ordem , celebrado
na provincia de S. Antonio de Lisboa, a 7 de Setembro de
1626, mereceu a eleição de Custodio do Brazil , de cujo e
elevado cargo tomou posse em fins do anno seguinte.
Investido de semelhante dignidade, um dos primeiros
cuidados de Frei Antonio dos Anjos foi visitar todos os
conventos da jurisdicção da sua Custodia, attendendo, quer
como virtuoso sacerdote, quer como exemplar prelado, a
tudo que era conveniente á perfeição religiosa e fiel obser
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 53

vancia da instituição. Em 1627 abriu um curso de estudos


no convento de Olinda, o qual por motivos da invasão hol
landeza foi terminado no da Bahia, e empregando todos os
meios á seu alcance no intuito de elevar a sua ordem ao
maior gráo de explendor e prosperidade possiveis, promo
veu a fundação de novas casas conventuaes afim depropa
gar e desenvolver a religião catholica , e teve a gloria de ver
os seus esforços coroados do mais auspicioso exito , fun
dando em 1629 o convento da Villa Formosa de Serinhãem ,
e em 1630 o de Sergipe do Conde no Reconcavo da Bahia.
No meio porem da sua obra, « quando seu coração se
possuia de acrysolado prazer pelos progressos que ia al
cançando a sua ordem com a fundação de novas casas ,uma
tempestade medonha veio interromper os seus anhelos,
trazendo a turbação e os perigos aos seus religiosos .) A 15
de Fevereiro de 1630 surgio em frente ácidade de Olinda a
armada hollandeza , na noite deste mesmo dia desembarcam
em Páo Amarello as tropas invasoras, em numero conside
ravel, e na manhã seguinte à velha capital pernambucana
cahia sob o poder do audacioso inimigo,
Frei Antonio dos Anjos, á frente da sua phalange de
religiosos, abandona o seu convento de Olinda e procura no
refugio um asylo mais seguro ; mas acompanhando ao
exercito, em combate travado com o inimigo, não foge ao
perigo que o ameaçava de todos os lados , e acompanhado
dos seus religiosos, afronta todos os perigos, vôa aos pon
tos em que se travava a mais renhida peleja, anima os com
batentes, falla -lhes em nome de Deus e da patria , presta
lhes os ultimos soccorros da religião, e assim conquista ás
suas virtudes e saber, um nome heroico pelo seu patrio
tismo e civismo, cujo nome passou á posteridade pela ho
norifica menção da historia .
Immensos e grandiosos serviços prestou Frei Antonio
dos Anjos a causa da patria e da humanidade na quadra
afflictissima porque passou esta provincia por occasião da
invasão hollandeza . Seguido sempre de seus companhei
ros de claustro , acompanhou o exército em todas as suas
evoluções de guerra, e jamais o abandonou no extremo
perigo em que se vio .
o General Mathias de Albuquerque, commandante em
chefe das forças pernambucanas, em um documento fir
mado aos 20 de Agosto de 1635, narra nas seguintes pala
vras os serviços , dedicação e heroismo desses soldados da
milicia de Christo :
56 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

« Certifico que vindo no mez de Fevereiro do anno de


1630 sobre o porto e villa desta capitania de Pernambuco ,
uma mui poderosa armada hollandeza, o Padre Custodio
de S. Francisco , Frei Antonio dos Anjos,que era então, com
muitos religiosos de sua ordem , acudiram á praia , as trin
cheiras e aos baluartes a confessar e animar os soldados
e gente da terra, para que sustentassem as ditas trinchei
ras e baluartes, onde assistiram até de todo serem rendi
das . E vindo nós para o Recife, vieram tambem os reli
giosos da dita ordem , alguns dos quaes foram assistir no
forte do Mar á confessar, e no de terra ( S. Jorge) fizeram o
mesmo officio até de todo serem rendidos : e fazendo eu ar
raial no sitio de Parnameirim , para nelle formar uma for
tificação, como formei , em que me defendesse do inimigo,
os ditos religiosos se retiraram , e dentro do forte fizeraní
um oratorio , no qual sempre assistiram de seis religiosos
para cima , dizendo missa no dito oratorio e administrando
os Sacramentos da confissão e sagrada communhão, e
fazendo sermão quando era necessario , com muita pon
tualidade ; e tres annos contínuos os ditos religiosos foram
dizer missa ás estancias dos Afogados e Salinas e todas as
mais , e nellas administrando os sobreditos Sacramentos
com a mesma pontualidade e deligencia : e em todos os re
bates e assaltos que tivemos com os inimigos se acharam
presentes os ditos religiosos, em companhia dos nossos
soldados , animando aos sãos e confessando os feridos
com mui grandes trabalhos e riscos, e assistiram no seu
oratorio e no arraial, prestando os mesmos officiosaté o dia
9 de Junho de 1635 em que se rendeu o dito arraial. »
Frei Antonio dos Anjos acompanhou então a sorte dos
vencidos, a sorte da adversidade. Depois de immensos
trabalhos e sacrificios,dos tormentos porque passou,vendo
sangrar-lhe o coração a cada momento pelo supplicio emar
tyrio de seus companheiros, victimas do odio e do ferro
cruento dos inimigos, e quando viu ,apezar da heroica dedi
cação e tenaz resistencia dos seus compatriotas, o inimigo
assenhoriado da terra da patria, seguiu para Portugal, re
colheu -se ao convento de S. Antonio de Lisboa, e pouco
tempo sobrevivendo, ahi terminou os seus dias.
Frei Antonio dos Anjos foi o 11.º Custodio que teve a
religião Serafica no Brazil, titulo que nessa cpocha confe
rido a um brazileiro, significava eloquentemente o seu me
recimento as siias virtudes e a sua sabedoria.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 557

Antonio Augusto de Araujo Torreão . Nasceu aos


25 de Março de 1845, e era filho legitimo do Dezembar
gador Basilio Quaresma Torreão, um dos martyres da
revolução de 1817 , e de sua consorte D. Josepha deAraujo
Torreão.
Acompanhando seu pae, então juiz de direito , remo
vido para a provincia do Rio Grande do Norte, ahi estudou
primeiras letras o jovem Araujo Torreão, e passando-se
depois com seus paes ao Maranhão encetou o curso de
humanidades, o qual foi aperfeiçoar e concluir na cidade
do Rio de Janeiro, para onde seguiu em companhia de
seu avô , com o fim de matricular-se na Academia de
Marinha, sendo reconhecido aspirante a 28 de Fevereiro
de 1861 , aos dezeseis annos de idade.
Araujo Torreão , na phrase de um seu biographo, cul
tivava com amor as bellas letras e a muzica ; mas sua
vocação ardente era a marinha ; no curso da respectiva
escola distinguiu -se, conquistou louros e á 26 de Novembro
de 1863 foi promovido á guarda marinha em Dezembro
do mesmo anno seguiu para a Europa na corveta Bahianna
em viagem de instrucção, e de volta em Outubro de 1864,
fez exame da pratica de navegação, completando assim
os seus estudos regulares de official de marinha.
Promovido a guarda marinha, rico de instrucção, alma
ardente e enthusiasmada, Araujo Torreão terminou os
seus estudos em uma epocha que abria largos, vastis
simos horisontes á conquista de glorias e renomes de
fama e de immortalidade ; o Brazil acabava de apanhar o
cartel de desafio que lhe arremeçára a republica do Pa
raguay :
o Brazil invocando o patriotismo dos seus filhos , a
honra e a dignidade nacionaes ultrajadas pelo despota
Solano Lopez, bradavam vingança, e os brios nacionaes
pediam a sua desafronta . A guerra estava chamando os
bravos á peleja, o governo apanhado de improviso pela
guerra do Paraguay, sem exercito nem marinha, começou
à improvisar um exercito de voluntarios, e a organisar
uma armada empregando os seus velhos e arruinados
navios , e assim abriu a serie de brilhantes operações dessa
guerra famosa , cujos feitos de arrojado patriotismo e va
lentia, tanto exaltou e nobilitou o seu nome.
Quando o vapor de guerra Mearim partio do porto
do Rio de Janeiro, Araujo Torreão, radiante e enthusias
9
58 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mado sonhando já os louros da victoria, partiu a se encor


porar á esquadra brazileira em operações no Rio da Prata .
Chegou o dia terrivel de Riachuelo, na phrase de um
historiador ; terrivel, mas de heroicidade e de gloria para
a marinha brazileira. Na madrugada do dia 11 de Junho
de 1865 , desce de Humaytá a esquadra paraguaya composta
de oito vapores e oito chatas, bem guarnecidos e arti
lhados, e pela manhã surgem em Riachuelo onde se achava
fundeada a esquadra brazileira .
A esquadra paraguaya descendo rio abaixo, toma
posição favoravel, cercam os nove vasos de guerra de
que se compunha a nossa frota, contra os quaes quarenta
peças de artilharia assestadas na barranca do rio , arrojam
à destruição e a morte .
Atacados os nossos vapores com furor e desespero ,
desconcertados os paraguayos por vel-os ahi postados á
impedir-lhes o passo, trava -se horrivel e sanguinolenta
batalha , a mais horrivel, porem a mais notavel e sangui
nolenta das que se tem ferido sobre as aguas do Paraná.
E'horrorosa a batalha diz o Sr. Dr. Joaquim Manoel
de Macedo : o Jequitinhonha encalhado fez -se alvo de
torrente de balas : 0 Parnahyba tem seu tombadilho inun
dado de sangue e coberto de cadaveres de heróes, e antes
que o Amazonas em um inaudito arrojo venha decidir a
acção quasi perdida, os outros vapores brazileiros batem -se
desesperados contra tentativas de abordagem .
No pequeno vapor Mearim o commandante, os off
ciaes , e a guarnição ostentava galharda valentia e habil
manobra , pelejando brilhantemente, e livrando - se da abor
dagem ; mas no meio de tantos bravos distingue - se o
jovem guarda marinha Araujo Torreão pelo enthusiasmo
e pericia, com que commanda uma peça de artilharia ;
impavido, quasi risonho , e com olhos flammejantes, sua
voz sôa firme e electrisadora , gritando -- fogo !.. ,
A peleja continua horrivel e heroica , o Purnahyba
abordado, offerecia um espectaculo de horrivel carnificina,
brazileiros e paraguayos, batem -se como heróes, como
leões, quando Barroso, aprôa a corveta Amazonas sobre
os vasos inimigos, trez vão a pique, aprisiona uns e os
outros deixam o campo da batalha destroçados e fogem
agua acima.
E nessa peleja, o Mearim 10 seu posto de honra,
hatia -se galharda e intrepidamente ; e no furor da luta ,
cale aos pés do bravo Torreio , morto por uma bala ini
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 59

miga, o chefe da peça que elle commandava . Torreào


lança -se immediatamente sobre ella , substitue aquelle ma
rinheiro que acabava de cahir sem vida na defesa da honra
de sua patria , e no momento em que tapava o ouvido da
peça para nova carga, võa outra bala dos navios para
guayos, decepa- lhe a mão e o fere mortalmente.
O bravo Torreão na phrase inspirada do illustre Dr.
Macedo, cahe sobre a culatra da peça , bradando ainda
fogo !... seu sangue cahe em jorro das arterias, e pouco
depois expira, murmurando: - Patria ..... Nem teve a
consolação de saudar a grandiosa victoria da patria en
Riachuelo .
Assim morreu heroica e gloriosamente o bravo guarda
marinha Antonio Augusto d Araujo Torreão, aos vinte
annos de idade, bem jovem ainda, quando começava
a desvendar - se ante seus olhos, um futuro esplendido,
immensamente grande. Nio ouviu o entoar dos hymnos
festivos da patria victoriosa, mas a patria agradecida tece
lhe a epopea de heroe, e inscreve o seu nome immortale
glorioso , nas paginas dos seus annaes .
Antonio Cavalcante de Albuquerque. Nasceu em
Olinda, a velha capital de Pernambuco, Manoel Gonçalves
Cerqueira, cavalleiro do habito de Christo e sua esposa D.
Isabel Cavalcante, foram os seus progenitores. Era neto
paterno de Pedro Gonçalves Cerqueira, fundador da capella
de Santa Catharina da Misericordia de Olinda, e D. Catha
rina Friellas ; e materno de Antonio Cavalcante de Albu
querque e D. Isabel Gonçalves, todos de nobre ascenden
cia, e da mais illustre familia de Pernambuco.
Antonio Cavalcante de Albuquerque, era sem duvida
muito creança ainda na epocha da invasão hollandeza
nesta provincia em 1630, pois o seu nome não figura na
historia dessa guerra cruenta e gloriosa ; mas o troar dos
canhões e da mosquetaria, e os hymnos das victorias , em
balaram sem duvida o berço daquelle que mais tarde devia
ser a alma, o iniciador dessa revolta patriotica e audaz, que
libertou o solo da patria da occupação estrangeira.
Ao governo benefico, illustrado e animador do conde
Mauricio de Nassau , succedeu o despotismo cas persegui
ções de toda a sorte praticadas pela soldadesca desen
freiada e apoiada pelo obscuro governo que a tão illustre
administrador succedera. Concebe- se o plano da revolta ,
a esperança fagucira da liberdade da patria , a santidade
60 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dessa causa , a todos illumina e alenta. Mas, quando ape


nas predispunham -se os animos, e traçava -se o plano da
revolta, uma denuncia é enviada ao governo hollandez ,
declinando os nomes dos conspiradores, o plano adoptado,
tudo finalmente .
Na noite de 12 de Junho de 1645, partem furtivamente
do Recife diversas partidas de tropa hollandeza com o fim
de cercar as casas dos principaes conjurados indigitados,
que eram Antonio Cavalcante, João Fernandes Vieira e
outros, todos moradores e proprietarios de diversos enge
nhos da freguezia da Varzea, e prendel-os, para assim abor
tar aconspiração que, segundo a denuncia dada ao Supremo
Conselho Hollandez,devia romper no dia seguinte.
Auxiliados pela escuridão da noite chegaram os hol
landezes ao seu destino, procederam a minucioso varejo ,
mas Antonio Cavalcante assim como os seus companhei
ros de rebellião não foram encontrados, porque conhecedo
res da denuncia , refugiaram -se nasmattas.
Descobertos pelos hollandezes, pozeram - se os revolto
sos em campo , e reunidos em S. Lourenço da Matta , aos 13
de Junho de 1845 no engenho de Luiz Braz Bezerra, deram
o grito da revolta que restaurou o paiz do dominio hol
landez.
Antonio Cavalcante, foi um dos chefes proclamados
por seus companheiros. Tres dias depois, dentro das mat
tas , no oiteiro do Bezerra , fez-se a resenha da tropa, e ape
nas achou - se cento e trinta homens, bem mal armados !
D'ahi partiu Antonio Cavalcante a frente do seu exer
cito para Camaragibe, onde acampa , afim de expedir -se
communicações aos demais conjurados, e organisar -se a
tropa mais regularmente.
Fernandes Vieira, adoptou então para si o titulo – de
capitão -mor e governador da guerra, e as vezes du liber
dade dicina ; Antonio Cavalcante nada reservou para si ,
senão a gloria de ver em breve restaurada do jugo estran
geiro a sua cara patria, e embora alguns escriptores ten
tassem marear a sua gloria , indigitando -o como cabeça de
uma revolta contra Fernandes Vieira ,comtudo , o seu nome,
os seus esforços pela causa da patria , põe-no a salvo de
qualquer duvida.
Na primeira batalha ferida nos montes Tabocas, o pro
logo dessa guerra gloriosa, esplendida pagina de nossa
historia, Antonio Cavalcante foi um dos heróes desse feito
de armas, conquistou immorredouros louros.
DICCIONARIO BIOGRAPINICO 61

Depois de tão esplendida victoria, o exercito restaura


dor deixou os montes das Tabocas, e seguiu para o sul, e
então , unindo-se as tropas de Henrique Dias e Camarão , foi
accordado entre os chefes que se destacasse uma parte da
força para o norte e do seu commando foi incumbido o ca
pitảo-mór Antonio Cavalcante, que gostosamente sem du
vida acceitou esta commissão , por se achar em desharmo
nia com Fernandes Vieira .
Antonio Cavalcante partiu do engenho Gurjaú , onde
então acampou o exercito com uma força de 150 homens.
Chegando a Iguarassú, ahi deteve - se algum tempo, e
depois seguiu para Goyanna, onde terminou os seus dias,
mysteriosamente. Os amigos de Vieira , diz Varnhagem ,
chegaram a accusar a Cavalcante de intenções perfidas,
como a de haver pretendido descartar -se delle por qual
quer meio , sem omittir o da propinação de veneno ; mas o
que é sem duvida, é que foi Cavalcante quem logo depois
de separar-se, perdeu a vida, em Iguarassú ; e as crueis
accusações que lhe fizeram ainda depois da morte, os seus
inimigos, deixam essa morte envolvida em certo mysterio .
E' que Fernandes Vieira temia -se de Antonio Caval
cante, pelo prestigio de sua numerosa familia , pelos seus
titulos de nobreza, por sua fortuna e ascendente, que lhe
offuscasseso seu brilho,e oppozesse diques aos seus planos
ambicioso , de elevação e de grandeza.
E' um ponto duvidoso da historia , digno de ser eluci
dado ; a intervenção de Vieira na iniciação, no plano, na
idéa da restauração de Pernambuco do dominio hollan
dez . Antonio Cavalcante, firmando -nos nas duvidas de
alguns historiadores, e na affirmação clarissima de um es
criptor consciencioso e decriterio , Antonio José Victoriano
Borges da Fonseca , é incontestavelmente sobre quem re
cahe toda a gloria dessa nobre e gigante empreza .
Ouçamos este escriptor na sua Nobiliarchia Pernam
bucana :
« Antonio Cavalcante de Albuquerque, a quem chama
ram o da guerra, e a cuja idea devemos a restauração de
Pernambuco, da qual foi executor João Fernandes Vieira,
ou por mais rico, ou por mais feliz, o que digo por ter visto
varios documentos antigos que me tiraram do embaraço
que poderá causar a posteridade e lisonja, que ditou mui
tos periodos do rustico ainda que Valeroso Lucideno, e a
maior parte do Castrioto Lusitano, chegando a dependen
62 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cia até onde podia chegar o odio no caracter que lhe fize
ram estes autores. »
Em outro logar, diz ainda esse escriptor o seguinte,
tratando de Antonio Cavalcante :
« Foi um homem de grande juizo , e aos seus pruden
tes conselhos deveu João Fernandes Vieira a resolução de
restaurar Pernambuco, supposto que por particulares ra
zões, se desuniram , e em obsequio deste , fizeram os criti
cos da nossa terra menos gloriosa a sua memoria .)
A morte de Antonio Cavalcante, envolve- se em um in
sondavel mysterio ; a sua memoria amesquinhada, o
nome de traidor que lhe dá Frei Raphael de Jesus no seu
Castrioto Lusitano, obra escripta sob as inspirações de
Vieira, na qual é endeosado, tudo isto é expressivo, é sig
nificativo mesmo, digno de um estudo serio e escrupu
loso .
Fique pois registrado o nome desse pernambucano
illustre, cujas glorias usurpadas lhe serão um dia restitui
das pelos rectos juizes do tribunal da posteridade, procla
mando -o - v heroico iniciador da generosa e magnanima
idéa da restauração de Pernambuco do dominio hollandez .
Antonio Cavalcante de Albuquerque morreu obscura
mente ém Agosto de 1645, sem ver raiar a almejada aurora
da liberdade no horisonte de sua patria . Os historiadores
que escreveram apaixonada e parcialmente sob as inspi
rações de Fernandes Vieira, nem ao menos uma palavra
de sentimento dispensaram a memoria desse patriota e
distincto cidadão, que pelos seus serviços mereceu o fôro
de fidalgo da casa real; pelo contrario, Frei Raphael de Je
sus, tratando de sua morte , ainda que sem mencionar o seu
nome, diz que — « uma pontada The tirou a vida, porque
morresse da malignidade de que a traição se alimentava
em seu peito , successo que adiantamos ao tempo, por não
deixarnos a ponta deste fio sem nó . )
Sim , o tempo reivindicará as glorias e o renome desse
illustre pernambucano, tão vilmente usurpadas!
Antonio Coelho de Sá e Albuquerque . Filho legi
timo do commendador Lourenço de Sá é Albuquerque e
D. Marianna de Sá e Albuquerque, nasceu na freguezia de
Muribera, no engenho Guararapes propriedade de seus
paes, aos 18 de Outubro de 1821 .
Recebendo dos mesmos esmerada educação, fazendo
com aproveitamento e vantagem o curso preparatorio , Sii
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 03

e Albuquerque já aos 17 annos o havia concluido , e matri


culando - se na Academia Juridica de Olinda em 1838,5 annos
depois recebeu o premio das suas lides academicas, con
ferindo- lhe a mesma Academia o gráo de bacharel em
sciencias juridicas e sociacs no anno de 1842.
Genio iniciador e perspicaz, laborioso e intelligente,
estudioso cujos fructos asseguravam o gráo de illustração
que ainda tão moço ostentava, Sá e Albuquerque atirou -se
á vida publica com interesse e actividade, desenvolvendo
em todas as missões de que fora incumbido, a sua intel
ligencia e illustração , o seu genio laborioso e investigador.
Nomeado interinamente procurador fiscal da Thesouraria
Provincial por portaria da presidencia de 26 de Fevereiro
de 1844, foi posteriormente incumbido do cargo de director
geral da instrucção publica por portaria de 14 de Novembro
de 1853, dizendo então um jornal que por esse tempo se
publicava nesta capital , que os seus reconhecidos talentos,
à sua illustração e probidade, eram garantias mais que
sufficientes da excellente escolha que acabava de fazer o
governo para tão importante cargo .
Ainda que por pouco tempo exercisse o cargo de di
rector geral da instrucção publica desta provincia, pois
em Abril de 1836 pedio e obteve a sua exoneração, com
tudo , prestou valiosissimos serviços no desempenho desse
importante ramo de serviço publico confiado ao seu zelo
e patriotismo, deixando no relatorio que em 30 de Janeiro
de 1854 apresentou á presidencia , o qual corre impresso,
uma prova incontestavel de tudo isso, pelas suas theorias,
pelo desenvolvimento e vantagem da propagação e derra
mamento da instrucção por entre o povo , pelas novas ideas
e reformas que propoz, e pelos subsidios estatisticos que
apresentou do estado em que então se achava o ensino
publico nesta provincia .
Em 1853 Sá e Albuquerque mereceu dignamente dos
seus conterraneos a conferencia de um logar no seio da
representação nacional, e occupando honrosa e patrioti
camente no parlamento uma cadeira de representante da
sua provincia natal, o seu merecimento e serviços con
quistaram -lhe successiva eleição desde aquella legislatura
até 1864, quando lhe foi conferido um outro mandato mais
honroso e significativo, a inclusão do seu nome em uma
lista triplice offerecida a corôa para a escolha de um se
nador pela provincia de Pernambuco ; a recabindo sobre
61 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

o seu nome a escolha imperial por Carta de 18 de Outubro


de 1864 , tomando posse no dia seguinte.
Na'alta administração do paiz , Sá e Albuquerque re
presentou um papel importantissimo, não só pelas diversas
e honrosas missões de que foi incumbido pelo governo
imperial, como pelo seu desempenho sempre cercado do .
mais satisfatorio e cabal resultado, apregoando os seus
merecimentos de administrador zeloso e intelligente , as
presidencias das provincias do Pará , Maranhão, Ceará,
Parahyba, Alagoas e Bahia, e finalmente nomeado para
a do Rio Grande do Sul, deixou de acceitar por haver sido
incumbido da direcção da pasta do ministerio dos Estran
geiros por acto de 27 de Outubro de 1866.
Occupando anteriormente a pasta do ministerio da
Agricultura por nomeação de 24 de Maio de 1862, o conse
Theiro Sá e Albuquerque conquistou novos titulos deme
recimento , e exaltou o seu nome e as suas glorias de
estadista no desempenho do novo cargo de ministro dos
Estrangeiros que lhe confiára o governo imperial, bas
tando para immortalisar o seu nome a gloria que lhe coube
de representar o memoravel Decreto de 7 de Dezembro
de 1866, que abriu a todas as nações amigas a navegação
dos rios Amasonas, Tocantins, Tapajós, Madeira, Negro e
S. Francisco, cuja abertura solemne teve logar no dia 7 de
Setembro do anno seguinte .
O conselheiro Sá e Albuquerque na administração das
provincias que lhe foram confiadas, empenhou -se espe
cialmente sobre o desenvolvimento de dous dos mais
excensiaes elementos da nossa vida e engrandecimento :
a agricultura e a instrucção publica. Promovendo os
seus mais palpitantes melhoramentos materiaes, desen
volvendo idéas e projectos relativos a sua pratica nos di
versos relatorios apresentados as respectivas Assembléas
Provinciaes, percorrendo o interior das provincias, para
vêr por si proprio o que era preciso providenciar, recto
e zeloso do cumprimento e desempenho dos cargos que
dirigia, o conselheiro Șá e Albuquerque conquistou a con
sideração e gratidão dos seus governados, cujo nome ve
neram , cuja memoria exaltam e engrandecem .
Os Alagoanos , diz a Camara Municipal do Penedo em
uma felicitação que lhe dirigiu em 18 de Dezembro de 1854 ;
os Alagoanos rendem graças a Providencia por ter illumi
nado o governo imperial na escolha que fez da pessoa de
V. Exc. para presidente desta provincia , resta comarca
05
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

anhela seja a administração de V. Exc . por duradouros


annos .
O grande incremento que deu a agricultura quando
presidente da Parahyba, é expressado por estas palavras
de gratidão e reconhecimento que lhe foram dirigidas em
uma felicitação : a V. Exc . coube a gloria de arrancar-nos
da antiga rotina tão defeituosa e nociva, a l'. Exc . coube
ainda a gloria de melhorar outros ramos da agricultura ,
como o fez, introduzindo no fertil solo parahybano os
arados de ferro para a cultura da canna , mandando buscar
á outras provincias mais puras sementes agricolas. A
V. Exc . pois, deverá sempre a agricultura desta provincia
os grandes beneficios que acaba de receber, e folgamos
de asseverar, que, os nossos comprovincianos bem dirão
sempre o nome de V. Exc.
Não menos honrosas e significativas foram as provas
de distincção e gratidão que lhe prodigalisaram as outras
provincias que dignamente dirigiul, c a successiva nomea
ção de uma para outra, a missão elevadissima de ministro
da coroa, exercendo os cargos de ministro da agricultura
e estrangeiros, a sua escolha senatorial, os titulos de con
selho e commendador da Ordem da Rosa , e outros que
The foram conferidos, são assás eloquentes, e manifestam
o seu elevadissimo merecimento , os seus grandiosos ser
viços e o zelo e patriotismo que caracterisavam todos os
seus actos no desempenho dos mandatos que lhe foram
confiados .
Dirigia o conselheiro Sá e Albuquerque a pasta dos
negocios Estrangeiros, quando terrivel enfermidade o
acommetteo. Obtendo permissão do governo imperial para
ausentar-se da corte , veio procurar melhora dos seus
soffrimentos em sua provincia natal, mas infelizmente não
poude vencer a sua distancia, e veio a succumbir a bordo
do vapor Paraná que o transportava , ainda em meia
viagem , em frente á provincia da Bahia . Apenas fundeado
o vapor, e chegada a terra a noticia do seu fallecimento ,
o presidente da provincia mandou dar a salva que ir cil
thegoria do' illustre finado demandava, e a fortaleza do
Mar incumbida desse mister , salvou de quarto em quarto
de hora , até a sahida do paquete ; fecharam -se as ropar
tições publicas, os navios surtos no porto , casas consu
Jares e outras estações estavam com os pavilhões em
funeral, e como que um véo de tristeza cobriu a cidade de
S. Salvador da Bahia .
66 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Embalsamado o seu cadaver, veio para esta provincia,


e foi sepultado no cemiterio publico do Recife, sendo -lhe
tributadas todas as honras inherentes aos seus titulos e
elevada posição. O conselheiro senador Antonio Coelho
de Sá e Albuquerque, falleceu aos 22 de Fevereiro de 1868,
aos 47 annos de idade , e no exercicio do cargo de ministro
e secretario de estado dos negocios estrangeiros, victima
do seu dever, pois a sua vida foi totalmente consagrada
ao serviço do seu paiz, e o seu passamento foi uma perda
sensivel para esta provincia, pois era um de seus filhos
mais distinctos, e cujo caracter honesto grangeára apreço
e geral estima.
Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, diz o Jornal do
Recife em um artigo edictorial, desce á campa fria ador
nado de grandes e bons serviços ao paiz . O Decreto de 7
de Dezembro de 1866, que consagrou o principio da liber
dade dos rios, só por si bastaria para immortalisar - lhe o
nome ; mas elle não se recommendava somente como
estadista perspicaz e atilado, como administrador escla
recido, zeloso e incansavel ; era tambem um bello caracter
generoso , affavel, cheio de pundonor, de altivez e digni
dade . Sá e Albuquerque teve uma alta e quiçá penosa
missão de cumprir, e cumprio - a de um modo honroso, tão
honroso , nobre e cavalheiroso, em verdade, que nem
mesmo o inimigo politico o mais sanhudo e rancoroso
ousaria exprobar- lhe com fundamento um acto se quer
que a moral reprove ou condemne, e não lhe tenha sido
ditado pelas conveniencias publicas. Aquillo que a rasão
de estado lhe prescrevia , elle o praticava embora lhe pe
sasse o coração. Nós, filhos desta terra , cujas entranhas
parecem de certo tempo a esta parte eivadas de esterili
dade, cerquemos todos o tumulo de um pernambucano,
por algum tempo ainda estava destinado a retardar a
decadencia da provincia. Choremos o fallecimento pre
maturo de um patricio , que, mesmo estendido no leito
da dôr, dava a sua provincia natal todos os seus pensa
mentos .
No decurso do seu longo e cruel padecimento, os seus
primeiros cuidados, quando do Rio de Janeiro chegavam
os vapores do norte, não se voltavam para a familia au
sente , para os amigos que tanto queria, a sua primeira
pergunta era : quantos soldados enviou Pernambuco para
os campos de batalha ?... Era esta então a preocupação
de todo o paiz ; e para desafronta dos ultrages que ibe
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 67

cuspiram , o mais ardente desejo de Sá e Albuquerque, era


que nenhuma provincia excedesse a Pernambuco no em
penho glorioso de debellar o inimigo do Brazil . E’que elle
nascera junto aos montes Guararapes, e nas veias cor
ria - lhe o sangue dos Albuquerques.
Antonio Correia Seàra . Nasceu aos 2 de Janeiro de
1802 ; quem foram seus paes , e em que localidade desta
provincia viu elle despontar a luz da vida, a tradição his
torica não nos transmittiu os seus nomes, e nem nos indi
cou tal logar ; legou -nos porem a legenda dos seus feitos
marciaes, a sua bravura e heroismo no campo das lutas
em prol da independencia e da honra do Brazil , e a enu
meração dos seus serviços prestados ao paiz, não só como
militar, senão como cidadão .
Em 1817, quando Antonio Correia Seára abandonando
a paz das escolas cursava as aulas de latim , rethorica e
philosophia, e o general Luiz do Rego Barreto, governador
desta provincia reorganisava o seu exercito, já creandono
vos corpos, como implantando a mais severa disciplina
militar, e instruindo -os com repetidos e apparatosos exer
cicios no manejo das armas, despertou -se noanimo do me
nino estudante a tendencia pela vida militar, e dominado
por esta enthusiastica resolução, no primeiro de Agosto
desse mesmo anno assentou praça como voluntario na di
visão do general Luiz do Rego. Antonio Correia Seára, diz
um seu biographo, não errou a sua vocação : o brilho que
circunda o seu nome, participa dos clarões da aurora de
nossa emancipação .
De simples soldado voluntario , galgou Seára o posto
de Alferes, e em 1821 , quando contava apenas quatro annos
de praça e dezenove de idade, passou a tenente em virtude
dos serviços prestados á independencia, no primeiromo
vimento politico que se deu nesta provincia nesse mesmo
anno em Goyanna, afim de se fazer jurar as bases da decre
tada constituição . No anno seguinte o Brazil sacudindo
o jugo de Portugal, firma a sua independencia, e para con
solidal- a foi necessario lutar em algumas provincias. Mas
o Brazil lutava pela sua liberdade, venceu , triumphou a sua
causa, porque a causa da liberdade jamais será subjugada.
A provincia da Bahia , ainda em poder das tropas portu
guezas, reclamava o auxilio de suas irmães a libertarem -na
do jugo que a prendia ; e ao seu reclamo ellas não foram
08 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

surdas, e da divisão que partiu desta provincia fazia parte


o joven tenente Antonio Correia Seára .
Os campos de Pirajá na Bahia, diz o seu biographo,
viram -no desenvolver o seu genio militar, e a patria apon
tou para elle comoum dos seus filhos, de que mais tinha a
esperar. Por observancia á ordem hyerarchica, o posto
de capitão lhe foi conferido ; por observancia á ordem
hyerarchica, dizemos nós, porque depois da batalha de 8 de
Novembro de 1822 ficou patente, que, de posto muito mais
elevado era elle capaz . A um tal soldado, porem , os pos
tos se não deviam fazer esperar; e assim aconteceu.
Em 1824, quando Manoel de Carvalho Paes de Andrade
proclamou em Pernambuco a Confederação do Equador,
Seara já possuia a patente de major, e achava -se no com
mando do batalhão 17 de caçadores. Mostrando -se adverso
a causa separatista proclamada por Manoel de Carvalho,
prendeu - o por occasião do conflicto travado entre elle e o
morgado do Cabo Francisco Paes Barreto , depois marquez
do Recife, quando um e outro disputavam a posse da pre
sidencia desta provincia. Reintegrado Manoel de Carva
lho em sua liberdade, Seára seguiu para a Barra Grande á
frente das tropas que se conservaram fieis á causa do mor
gado, e foi incumbido do seu commando em chefe . Tra
vam - se diversos combates , Seára ostenta uma coragem e
valor inescediveis , sahe victorioso dessa luta ingloria ,desse
verdadeiro fratrecidio, mas, com uma ferida , que ameaçou
a sua vida .
Em 1826, declarada a guerra do Rio da Prata , Seára re
cebeu a nomeação de ajudante general do exercito do Rio
Grande do Sul ; acabava então de ser elevado ao posto de
tenente -coronel. Incumbido depois do commando do ba
talhão 13 de caçadores, em cuja commissão reuniu á glo
ria de austero e habilissimo disciplinador, a já adquirida
reputação de bravo e perito militar, Seára conquistou então
novos titulos de admiração pelo seu valor, conseguindo os
seus esforços reerguer essebatalhão do abatimento em que
se achava, julgado até perdido para o exercito. Na cam
panha mereceu Seára a nomeação successiva de ajudante
de ordens dos generaes marquez de Barbacena, visconde
da Laguna ,e Browon ,durante o commando em chefe desses
generues na campanha do Rio da Prata , porque « nelle vi
ram sempre estes generaes um companheiro , a quem por
sua pericia e luzes podiam proveitosamente consultar; foị
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 69

Seára um ajudante, que não ajudou somente a expedir or


dens , ajudou também a confeccional-as .»
Seara passou depois a commandar o batalhão 14 de
caçadores , cuja missão constitue uma das paginas mais
brilhantes da vida deste illustre militar.
1831, achava -se com o seu batalhão na corte do Rio de
Janeiro , nessa epocha de maiores couvulsões politicas por
que tem passado o Brazil. Rebentando a revolução de 7
de Abril que motivou o acto da abdicação, Seara conser
vou - se firme em seu posto de honra, não sahiu do seu
quartel, e o seu batalhão foi o unico que não adheriu , ou
antes não contribuiu para o esplosão revolucionaria. Ras
gos dessa fidelidade, esclama o seu biographo, dessa fide
lidade céga , porem sublime, do soldado ao seu imperador:
se D. Pedro I tivesse querido reagir contra a revolução ,teria
achado o tenente coronel Scára e o seu batalhão ... Mas, o
imperador cedeu ; abdicou em seu filho , a ordem de cou
sas mudou , co tenente coronel Seára, recebendo ordem de
ir reunir -se aos seus companheiros, e obedecendo como
obedeceu , obedeceu ainda á vontade do imperador : pas
sava ao filho a fidelidade, que votára ao pae, porque o pae
assim o quizera ...
Quando todos em acinte ao ex -imperador haviam re
negado as condecorações, que d'elle haviam recebido, o
tenente coronel Seára apresentou -se com as suas, o que
deu azo , a que contra elle se levantassem em altas vozes
de ameaça mesclada de escarneo . Mas, aquellas conde
corações haviam sido ganhas com o seu sangue, haviam
sido dadas pelo imperador, a quem ainda n'aquella occa
sião obedecia , curvando -se ao decreto da abdicação ; c,
pois o tenente coronel Seára, firme com o seu batalhão,
impoz silencio , honrou a si , honrou D. Pedro I , honrou a
seu filho, conservando isoladamente naquelle dia o lustre
das insignias que haviam partido das imperiaes mãos !
Que magia tem a força de caracter!
O batalhão commandado por Seara, passou a ser para
o governo que acabava de assumir ao mando do estado ,
um penhor e garantia da ordem e tranquillidade publicas.
Designado á fazer as honras por occasião da solemnidade
do acto da abertura da primeira reunião da assemblea ge
ral legislativa, deu -se um episodio que revella a indepen
dencia , sobranceria e nobreza de caracter do tenente coro
nel Seára. Postado com o seu batalhão em frente ao edi
ficio da assembléa , ao chegar a regencia não lhe fez con
70 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tinencia alguma; censuram -no, intimam-no mesmo em


forma a quea fizesse, mas elle responde que não, porque al
sua missão, as suas órdens, eram fazer as honras á Nação,
acima da qual nada havia : e a continencia exigida não foi
feita !
Em 1834, quando a provincia do Pará achava -se revo
lucionada, nessa epocha tumultuosa em que se achou en
volvida , Seara recebe a nomeação de seu commandante
das armas . No anno seguinte é substituido, assim comoo
presidente da provincia , porem accende-se de novo a re
volta, uma e outra autoridade cahem victimas dos revolto
sos , e reapparece a anarchia , consequencias do acto do
governo exonerando a Seara do cargo de commandante das
armas, ea Machado de Oliveira do de presidente, nomeando
para este o deputado Lobo de Souza , e para aquelle o ma
jor Santiago; porem só o máo fado dessa provincia , diz
um historiador, teria concorrido para semelhantes nomea
ções .
Ronpendo em 1837 e revolução republicana da Bahia,
que chegou a tomar um caracter bem assustador para o
governo, Seára seguiu para alli , então jà elevado a coro
nel, commandando o batalhão 3 de caçadores. Na Bahia
commandou Seára a primeira brigada do exercito em ope
rações, e recebeu um ferimento em um dos combates que
alli se deram . Acabada em 1838 a revolta da Bahia , e no
meado brigadeiro , a cujo posto subiu por distincção, seguiu
para o Rio Grande do Sul, e foi incumbido do commando da
primeira divisão . Os combates do banhado de Inhatheum ,
do Passo de S. Borja e Estancia do Meio, o ataque ás forças
rebeldes de Capané , inteiramente derrotadas, deixando
grande numero de presioneiros, e outros encontros que
teve com os rebeldes, tecem a corôa das glorias militares do
intrepido brigadeiro Seára, conquistada na campanha do
Sul. Depois passou ao commando em chefe das forças
em operações no Rio Grande, commandou as armas na
mesma provincia , e substituido pelo marquez depois duque
de Caxias, este, publicando a sua ordem do dia ao tomar
posse desse cargo , disse, que- « o vacuo deixadopelo ge
neral Seura no exercito do Sul não se podia encher .»
A’ revolta de 1844 da provincia das Alagoas, prestou
tambem o brigadeiro Seára immensos serviços á causa da
ordem publica. Nomeado commandante em chefe das for
cas em operações nessa provincia, atacou os rebeldes que
occupavam a villa de Atalaia e ficou senhor do acampa
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 71

mento. Em 1856, já possuindo o bastão de marechal , e


achando - se na inspectoria do quarto districto militar, foi
elevado a patente de tenente general, depois passou a ins
pector do terceiro districto militar de infantaria , segundo a
organisação dada ás inspecções ,cargo este que deixou para
tomar assento no conselho de guerra . « Èil- o no ultimo
gráo da escala militar, cheio de merecidas honras e distinc
ções . »
Alem de todas estas commissões , cada qual mais hon
rosa á vida do illustre general Seara, por tres vezes com
mandou as armas em Pernambuco ; a primeira vez, tomou
posse a 13 de Dezembro de 1844, a segunda a 14 de Feve
reiro de 1850, e a terceira finalmente , a 20 de Setembro do
anno seguinte .
Por duas vezes mereceu o general Seára dos seus com
patriotas , a honrosa missão de deputado á assembléa geral
legislativa ; a primeira , na legislatura de 1834-1837 pela
provincia do Pará, e a segunda na de 1853-1856 pela de Per
nambuco . A sua provincia natal, devia - lhe um testemu
nho em manifestação de apreço ao renome e glorias de seu
illustre filho, e deu - lh'o sendo lembrado , e o primeiro vota
do; a provincia do Pará , grata pelos serviços que lhe pres
tára na epocha calamitosa que atravessou , testemunhou
assim o seu reconhecimento e gratidão . Vejamos porem
como um seu biographo traça o perfil do illustre general,
como representante da nação :
« Por algumas vezes occupou a tribuna . No orador
advinhava - se o soldado afeito à rudeza dos combates ; mas
via -se bem claro o esmalte do homem de juizo recto , de en
tendimento esclarecido . Como deputado por Pernambuco,
fez parte da opposição denominada – parlamentar, e em
opposição conservou -se até a entrada do marquez de Ca
xias para o ministerio. Militar, nunca degradou, nem de
longe, a dignidade do seu posto ; e o deputado não se es
queceu do soldado.”
Antonio Correia Seara, tenente general, conselheiro de
guerra , dignitario das ordens do Cruzeiro é da Rosa , com
mendador da de S. Bento de Aviz ,condecorado com a insig
nia de ouro pelo imperador « aos mais bravos» , e com diver
sas medalhas commemorativas de campanhas, e de dis
tincção em combate, falleceu na cidade do Rio de Janeiro,
em Maio de 1858, aos cincoenta e seis annos de idade .
O Diario de Pernambuco de 7 de Junho , noticiando o
seu passamento, consagrou á memoria do illustre general,
72 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

um artigo em que resumidamente discreve a sua vida, que


é como que uma serie successiva de feitos nobilissimos e
de grandiosos serviços prestados á causa de sua patria . O
general Seára, extractamos desse artigo, foi um dos filhos
mais illustres de Pernambuco,que sem familia ,sem recom
mendação ou protecção, tudo deveu a si mesmo; foi filho
das suas proprias obras. O sangue do general Seára sem
pre regou a arvore da nossa liberdade politica por diversas
vezes, desde o primeiro momento em que no solo da Santa
Cruz soou o grito prestigioso da independencia. Poucos
foram os gloriosos feitos de armas que a nossa historia
contemporanea refere, em que o distincto pernambucano
não desembainhasse a sua espada, e a palma mais bri
Thante do triumpho sempre lhe pertenceu . A tradição dos
seus relevantes serviços está tảo viva na mente de todos,
que não é possivel esquecel-a.
Eis em resumo a vida publica do general Seara ; na
qual, fazendo nossas as palavras do seu biographo, repe
timos, « ha gloria mais que bastante para um homem só,or
gulho para nós brazileiros, muito orgulho para nos per
nambucanos . »
Antonio da Costa. Homem de cor preta , descen
dente de africanos, nasceu em principios do seculo XVII,
assentou praça de soldado no terço de Henrique Dias a 27
de Maio de 1645 quando Pernambuco evocou o patriotismo
de seus filhos por occasião da revolta contra o jugo hollan
dez, e empenliando-se na luta heroica e resolutamente e
com essa intrepidez que tanto destinguiu os filhos e descen
dentes da ardente Africa , Antonio da Costa nobilitou - se por
seus feitos , e conquistou um nome glorioso que a historia
reverente exalta e proclama.
Soldado, cabo de esquadra, alferes e capitão do terço
dos homens pretos sob o commando do heroico e legenda
rio Henrique Dias, Antonio da Costa figurou em todas as
jornadas da guerra da restauração de Pernambuco, e con
stituiu principalmente a coroa dos seus feitos militares, os
combates da força de Afogados, das Cinco Pontas, da Casa
Forte da Asseca , as duas batalhas dos Guararapes, tomada
do forte da Villa , e força das Salinas, c finalmente a tomada
das forças do Recife, o unico baluarte que restava aos hol
landezes, cabendo - lhe a empresa honrosa do seu reconhe
cimento, e á frente da sua companhia « pollojou sempre ha
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 73

vanguarda com muito valor á vista do seu governador,


matando e ferindo a muitos dos inimigos. »
Terminada a guerra cm 1654 após nove anos de luta
incessante, Antonio da Costa que iniciára a campanha em
praça de soldado, viu terminal-a já elevado ao posto de
capitão, mas os serviços que prestara , o valor e coragem
que tanto os distinguiam , tiveram justa remuneração, e
mais tarde, foi elevado ao posto de' sargento -mór do seu
terço por patente régia de 11 de Junho de 1657.
Se a honra e o valor foram os nobres caracteristicos
deste illustre capitão nos tempos calamitosos da guerra , o
foram tambem quando após a luta patriotica da guerra da
restauração, entrou o periodo da paz. Sempre zeloso no
cumprimento dos seus deveres , conquistando cada vez
mais novos titulos debenemerencia, o seu nome e o seu
merecimento não foram ovildados, é uma nova distincção
+
Os veio exaltar.
Determinando o regimento desta capitania que os seus
governadores proveriam todos os postos militares da orde
nança sem dependencia alguma, « e convindo ao serviço
real prover o posto de coronel da gente parda, e preta forra
destas capitauias em pessoa de valor, pratica e experiencia
nas cousas da guerra ; » o governador por patente de 9 de
Novembro de 1671 proveu no dito posto ao mestre de campo
Antonio da Costa, « tendo respeito á que na sua pessoa con
corriam todas estas qualidades, e à particular satisfação
com que se houve no exercicio do mesmo posto, alem do
bem que tem servido ao estado nesta capitania , desde o
anno de 1645, em praça de soldado, cabo de esquadra, alfe
res, capitão , sarjento mór por patente real e depois mestre
de campo do terço de Henrique Dias; procedendo com
satisfação em todas as occasiões de guerra de maior im
portancia que se lhe offreceram , particularmente nas duas
batalhas dos Guararapes, sahindo ferido na segunda, e na
restauração destas praças com empregos muito assi
gnalados, >>
Estas significativas e honrosas palavras que o gover
nador desta capitania Fernào de Souza Coutinho escreveu
na patente que lavrou conferindo o posto de coronel ao
illustre Antonio da Costa , encerram por si sós todo o mere
cimento deste bravo militar, e a synthese da sua vida glo
rificada por tantos serviços, por tantos feitos de abnegação
e de patriotismo.
A guerra dos Palmares, abriu ainda ao coronel Antonio
74 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

da Costa ensejo á conquista de novos triumphos em sua


vida militar. Uma meia duzia de escravos fugidos acastel
lados na Serra da Barriga em Alagoas , desde os tempos da
dominação hollandeza,haviam -se constituido pelo andar do
tempo em uma republica, que segundo alguns historiadores
attingiu a uma população de vinte a trinta mil homens,
depois de meio seculo de existencia . O governador desta
capitania Caetano de Mello e Castro de accordo com o
governador geral da Bahia fez marchar contra os Palmares
um corpo de tropas de sete mil homens, a que os negros
resistiram rigorosamente, porem tiveram de render - se
depois de um rigoroso assedio.
O coronel Antonio da Costa , ainda que velho, vergado
ao peso dos annos e dos serviços rigorosos da vida militar,
foi um dos cabos que mais se distinguiram n'esse feito de
armas cuja victoria importou a destruição da celebre repu
blica dos Palmares, serviços que lhe valeram a graça de uma
tença mensal, por Carta Régia de 21 de Março de 1684, « por
se achar nas entradas que se fizeram aos Palmares, encon
tros que se teve com os negros delles por varias vezes, nas
investidas, assaltos, pelejas e queimas de povoações, com
que procedeu com valor. >>
Éscassos como são estes apontameutos da vida do
coronel Antonio da Costa, deixam , porém , realçar o seu
merecimento , e constituem assim mesmo duas paginas
brilhantes da vida de tão heroico quão modesto militar.
Homem de cor preta , vivendo em uma epocha de pre
juizos e de obscurantismos, em uma terra em que os
homens da sua raça eram olhados com despreso e indiffe
rentismo, sujeitos a mais barbara e nefanda escravidão,
gemendo sob um jugo despotico e cruel, o merecimento
e virtudes de alguns filhos dessa raça como que maldita
e condemnada , fizeram realçar o merito e eleval-os ao
gráo de apreciação e respeito a que tinham incontestavel
direito, e o coronel Antonio da Costa foi um desses homens
cujos meritos elevaram- no a uma posição superior, cujos
serviços foram distinguidos condignamente, e cujo nome
a posteridade vem tirar do esquecimento de dous seculos ,
e proclamal-o um patriota benemerito digno de respeito e
admiração .
Antonio da Costa Rego Monteiro . Nasceu na ci
dade do Recife aos 14 de Agosto de 1805 ; foram seus paes
José da Costa Rabello Guimarães e sua consorte D. Sera
fina da Costa Bezerra .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 75

Recebendo de seus paes cuidadosa e esmerada edu


cação, fez com aproveitamento os estudos de alguns pre
paratorios, e ainda bem jovem , com pouco mais de 17
annos , mereceu da Junta Provisoria do Governo desta
provincia a nomeação de amanuense da secretaria do Go
verno, por portaria de 26 de Janeiro de 1823, com o orde
nado de 100 $ 000 rs , annuaes . Elevado estes vencimentos
a 200 $000 rs. pelo presidente Manoel de Carvalho Paes de
Andrade, no anno seguinte, com a nomeação de escriptu
rario que obteve, foi confirmado nesse cargo pelo General
Francisco de Lima e Silva por portaria de 20 de Setembro
do mesmo anno de 1824, em attenção a sua honra e intel
ligencia , bem como a sua decidida adhesão pela causa da
independencia e da integridade do imperio que elle tem
sempre praticado com o mais louvavel fervor.
Estas honrosas palavras exaradas na propria portaria
de confirmação do seu cargo, pelo General Lima e Silva ,
demonstram que Rego Monteiro foi contrario á causa sepa
ratista proclamada porManoelde Carvalho, e talvez justi
fique a demissão que lhe foi dada em 1834 pelo mesmo
Manoel de Carvalho quando presidente desta provincia.
Os serviços de Antonio da Costa Rego Monteiro pres
tados nessa quadra, em prol da integridade do imperio,
manifestando as mais pronunciadas tendencias liberaes,
como haviam sido proclamadas em a nossa constituição
politica, mereceram -lhe a conferencia do habito da Ordem
de Christo por Decreto de 23 de Fevereiro de 1825 (a unica
condecoração que acceitou) e nesse mesmo anno foi esco
lhido pelo General Lima e Silva para secretario do seu
serviço particular, resolvendo o encarregar desse cargo,
pela sua intelligencia , actividade e selo no cumprimento de
seus deveres, como consta da portaria de sua nomeação .
Demittido em 1834 como vimos, dous annos depois,
por portaria de 14 de Outubro de 1836, foi nomeado pri
meiro escripturario da contadoria da Thesouraria Provin
cial, aposentando -se em 1841 por motivo de molestia , com
o tempo proporcionalque contava de exercicio . Rego Mon
teiro dedicou -se então a vida commercial, e em 1845 teve
carta de matricula de negociante de grosso trato , que lhe
conferiu o Tribunal do Commercio desta provincia em
data de 20 de Maio .
Liberal por idéas e convicção, politico influente e pres
tigioso , Rego Monteiro mereceu dos seus conterraneos a
distincção do mandato de representante desta provincia
76 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

no parlamento nacional em 1836 , e tomando assento na


camara, ostentou toda a independencia e patriotismo digno
do seu caracter, e na sessão de 1838 distanciou -se dos seus
collegas de Pernambuco, sendo o unico deputado que ma
nifestou - se em opposição ao ministerio . Em 1810, de novo
eleito deputado, Rego Monteiro tomou parte nuito activa
na campanha parlamentar da maioridade, contribuindo
com todas as suas forças para a cessação dessa interini
dade regencial, que ameaçava perigar as instituições do
paiz.
Em 1812 Rego Monteiro foi um dos encarregados pelo
centro liberal do Rio de Janeiro da creacão de uma so
ciedade secreta nesta provincia , afim de sustentar as
idéas de ordem constitucional contra a influencia de uma
olygarchia que caminhava á usurpação de toda a influ
encia politica da provincia , e desta associação nasceu o
partido praeiro, e Rego Monteiro um dos seus patriarchas,vil
ainda os seus serviços galardoados com a conferencia de
uma cadeira no gremio da representação nacional na le
gislatura de 1844 ; c cm 1848 sustentou a renlidissima
eleição que teve logar, no intuito de afastar dous candi
datos adversarios, o que constituia então uma questão de
honra para o partido praeiro.
• No mesmo anno de 1848 rompe a revolução praeira,
Rego Monteiro um dos seus chefes, manteve -se firme
no seu posto de honra , figurou dignamente em todas as
suas phases prestando ao seu partido os mais eminentes
servicos. Mällograda a revolta, emigrou para o Rio da
Prata e foi residir na cidade de Buenos Ayres, onde se
conservou até que lhe foi concedida a amnistia, sendo o
seu comportamento no exilio o mais cheio de dignidade e
o mais conforme com os brios que herdára de seus ante
passados.
Regressando em 1851 aos seus lares, depois de 2 annos
de exilio , o incansavel lidador achou organisada a Sociedade
Liberal Pernambucana, com o fim de proseguir na reali
sação das ideas de ordem constitucional, pelas quaes se
havia sacrificado, apressou - se logo em tomar assento
entre os seus membros, e prestou os mais relevantes ser
viços, não poupando sacrificios e contribuindo para a boa
direcção dos negocios com os seus conselhos cheiosda
mais consumada prudencia . Em 1854 Rego Monteiro as
sumiu a direccao da sociedade, e neste cargo a que o
collocára a confiança dos seus amigos e correligionarios,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 77

desenvolveu uma actividade admiravel e prestou serviços


de ordem tal , que foi investido da chefia do partido Li
beral d'esta provincia.
Homem de tino , reflectido e calmo, Rego Monteiro
mostrou na renhidissima eleição de 1856, que sabia com
prehender a altura e dignidade da sua posição. Os man
cebos, diz um artigo necrologico á seu respeito , admi
ravam nelle essa força de vontade, essa paciencia de ferro,
essa actividade sempre constanté com que o digno chefe
procurava centralisar a acção de um grande partido, que o
poder, abusando dos seus meios de força por tão grande
espaço de tempo, havia procurado desmembrar, despe
daçar .... A moderação e bom senso , a affabilidade , a
gravidade, a dedicação, a lealdade, a constancia e o verda
deiro amor ao povo , faziam de Antonio da Costa Rego
Monteiro um verdadeiro democrata amado, respeitado ,
estimado de todos, e ainda mesmo dos seus adversarios
politicos.
Não foi somente como homem politico que Rego Mon
teiro conquistou os fóros e o nome de um cidadão notavel,
prestante e benemerito. No desempenho de diversas com
inissões que lhe foram confiadas , como na de outras de
que fez parte, nos cargos de eleição popular, tacs como os
de juiz de paz, deputado provincial e geral em diversas le
gislaturas, sendo que nesta ultima camara foi distinguido
pormais de uma vez com a eleição de presidente, na quadra
afflictissima porque passou esta provincia, por occasião
da epidemia do cholera morbus, em que na qualidade de
inembro da commissão da freguezia de S. José, prestou
valiosissimos serviços, e em muitas outras occasiões
ainda, Rego Monteiro ostentou - se um homem prestimoso,
delicado e patriota .
Homem de merecimento real, de serviços relevantis
simos, modesto e despretencioso, as honras e grandesas
não o seduziam , e conquistando titulos honorificos que
mais realce davam ainda ao seu merito e serviços, jamais
procurou tirar os respectivos diplomas de taes condeco
rações, usando apenas, e bem raras vezes, do habito de
Christó com que o governo o agraciára em 1825. Consul
da republica da Bolivia em 1843, socio do Instituto Histo
rico e Geographico Brasileiro em 1845, estes titulos ainda
mais confirmam o bom conceito que gosava .
Antonio da Costa Rego Monteiro falleceu aos 34 annos
de idade, no dia 1 de Agosto de 1859, e foi sepultado no
78 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Cemiterio Publico do Recife . A' sua morte, a provincia e


o partido Liberal soffreram uma grande perda , pois fi
nára-se um patriota que consagrára toda a sua vida ao
serviço do paiz.
D. Antonio Felippe Camarão. Qual Homero, o inspi
rado cantor da glorias de Troya e de Ulysses, é a honra do
berço desse heroe, disputada não por sete cidades, mas
por tres provincias tão grandes ou maiores que muitas
nações do Globo .
Mas hoje, acham -se vantajosamente destruidas as
ambiciosas pretenções do Ceará e Rio Grande do Norte , e
Pernambuco já tão rico de brilhantes tradicções, já tão
ennobrecido pelas glorias e triumphos de seus filhos, acaba
de revindicar para si a honra de ter sido o berço de um
heroe tão grande, como o indio D. Antonio Felippe Camarão.
Ao commendador Antonio Joaquim de Mello, esse
venerando zelador das glorias patrias, coube a gloriosa
tarefa de haver restituido á Pernambuco a honra usurpada
de ser a patria do illustre Camarão .
0 commendador Mello, nessa patriotica empreza ,
provou clara e evidentemente, exibiu provas tão irrecusa
veis e documentos tão comprobatorios, bateu tão vantajo
samente as idéas contrarias, apresentadas pelos Srs. Fran
cisco Adolpho Varnhagen, ( Visconde de Porto Seguro ),
Basilio Quaresma Torreão e o Dr. Pedro Theberge, que
jamais se poderá conscienciosamente dizer que Pernam
buco não é a patria do illustre Camarão .
Esse importante e bello trabalho do commendador An
tonio Joaquim de Mello encontra -se publicado no Diario de
Pernambuco de 4 de Abril e 18 de Maio de 1860 e 25 de No
vembro de 1861 .
D. Antonio Felippe Camarão nasceu na Taba dos
Pytiguares nos sertões de Pernambuco , e recebeu de seus
paes o nome de Puty , que quer dizer – Camarão -- .
A ' voz eloquente do Evangelho, pregado pelos missio
narios jesuitas, não foram surdos os seus ouvidos. Ella o
attrahiu ao gremio do christianismo, e elle o abraçou .
Quando os padres Diogo Nunes e Gaspar de S. Peres,
partiram de Pernambuco para a sua aldeia do Cerra Mirim ,
e deram começo a sua missão, achava -se então o indio Puty
ou Camarão como principal' da aldeia do Igapó no Rio
Grande do Norte .
DICCIO NARIO BIOGRAPHICO 79

Camarão com o seu prestigio muito auxiliou os missio


narios e a causa da civilisação muito lhe deve.
Instruido nos mysterios da Religião Catholica , as aguas
lustraes do baptismo o encaminharam ao seu seio e esse
acto foi um dosmais solemnes e pomposos que se celebrou
sob o esplendido céo do Brazil , no meio das suas immensas
selvas .
Camarão como principal, diz o padre José de Moraes ,
era a pessoa mais abalisada naquelles sertões; pediu elle
approvaram os missionarios, que o seu baptismo se
fizesse com aquella solemnidade que pedia o seu caracter e
era preciso para conciliar mais respeito, assim ao Sacra
mento como ao cargo que entre os mais o distinguia .
Recolhidos os padres á povoação e marcado o dia , foi
Camarão solemnemente baptisado na sua aldeia de Igapó,
na dominga da quinquagesima do anno de 1612, a qual
segundo calculos provados, cahiu a 4 de março . Camarão
recebeu o nome de Antonio, addicionou depois o de Felippe,
em lembrança das honras que recebeu do Rei de Hespanha
e Portugal, é a esses dous juntou o seu primitivo nome
indigena, Camarão .
Conjecturando porem o Sr. Varnhagen , que o baptismo
de Camarão tivera lugar em 1580, diz o seguinte :
« Reflectindo nos seus dous nomes, Antonio e Felippe,
e rastejando as praticas daquelles tempos de ser conferido
o nome do soberano reinante aos chefes selvagens impor
tantes que se baptisaram , ou aos seus descendentes, pro
pendemos a acreditar que o nosso Camarão seria baptisado
em 1580 quando ainda lutavam em Portugal pela corôa , o
Prior do Crato D. Antonio e Felippe II, e o Brazil esperava
o resultado da luta, para saber a quem devia proclamar ; ou
antes que lhe deram o nome de Antonio quando pensavam
que seria acclamado o Prior do Crato , e lhe acressentaram
o de Felippe para depois de algum modo remediar o
engano. »
Aos reclamos da patria , por occasião da invasão hol
landeza em 1630, o illustre Camarão como principal de sua
aldeia e de outras que lhe eram subordinadas, marcha do
sertão á frente de um pequeno exercito , apresenta -se ao
general Mathias d’Albuquerque, e aos 16 de Fevereiro,
achava -se ás margens do Rio Doce com uns duzentos indios
tendo por interpretes João Mendes Flores e Antonio Pereira ,
e incorporado ao exercito, intrepido esperou o inimigo.
D'ahi marca a serie não interrompida dos feitos de
80 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Camarão, feitos tão grandiosos, que immortalisando o


seu nome, immortalisarão tambem o de Pernambuco, sua
patria .
Refugiado o exercito no campo do Bom Jesus, Camarão
á frente de seus indios, era incansavel nas sortidas contra
os hollandezes. Quando as tropas do general Henrique
Lonck seguiam pelo isthmo para Olinda, recebem de im
proviso o choque dos indios de Camarão, fere-se o com
bate, os hollandezes soffrem perdas consideraveis, e o pro
prio general ferido no hombro, deve a vida á ligeireza de
seu cavallo.
Já o illustre Camarão havia conquistado um nome
honroso nas emboscadas de Agua Fria, quando os hollan
dezes marchavam para o Arrayal, e tanto se tinha illus
trado pelos seus feitos guerreiros, que tres annos depois
da invazão por Carta Regía de 14 de Maio de 1633, El- Rei
The conferiù o habito da ordem de Christo , carta de
brazão de armas, quarenta mil réis de soldo e a patente
de capitão -mór dos indios.
A victoria obtida em 18 de Agosto de 1633, quando os
hollandezes commandados pelo general Sigismundo ten
taram se apoderar do Campo Real, deve -se ao valor e
intrepidez de D. Antonio Felippe Camarão. O seu nome
era respeitado e o seu braço temido pelos hollandezes,
que eram os proprios a reconhecer o seu valor e a pu
blicar os seus feitos.
O general Arcizcuski, batido por Camarão no ataque
de Goyanna exclama : ( Ha mais de quarenta annos que
milito na Polonia , Allemanha e Flandres, occupando sem
interrupção postos honrosos, só o indio brazileiro Camarão
veio abater -me o orgulho. »
Este trecho de ouro que registra os annaes de nossos
feitos, basta para ajuizar do seu merito e valor militar ;
e as honrosas distincções que recebeu de Felippe IV ,
taes como o fôro de fidalgo da casa real, o titulo de Dom
e a cruz do habito de Christo, são significativas e solemnes
provas de tudo isso .
Frei Raphaelde Jesus, historiando esta façanha de 1 ) .
Antonio Felippe Camarão, assim se exprime :
« Basta saber-se que se o flamengo excedia no poder,
o Camarão o avantajava no valor e na industria . llouvé
dia , em que nossa espada lhe degollou cincoenta hollan
dezes ; tão receiosos dos assaltos com que em toda parte,
e a toda hora o investia , já em campo raso , já em carros
DICCIONARIO BIOGRIPIUCO SI

portateis, com que igualava as suas fortificações, que


desatinado o inimigo dizia assombrado , que só um indio
tivera poder para lhe cortara fortuna e confundir a opinião. »
« Resolvendo Camarão retirar -se para Porto -Calvo ,
recolheu os moradores que o quizeram seguir, que comi
suas familias fizeram o numero de mile seiscentas pessoas,
muitas das quaes ficarão mortas; abriu caminhos pelos
sertões em distancia de quarenta leguas, caminho seguro
para a marcha, mas falto de todo o necessario para a
vida ; e veio entrar no Porto -Calvo , onde foi recebido
pelo conde e pelo presidio com palmas e vivas, igual
mente devidos ao que destruiu e ao que conservou . »
No ataque da Matta Redonda em 1636, temerariamente
revolvido pelo general Roxas y Borja , tudo se perderia
como elle proprio , e o sacrificio do exército seria immenso ,
seCamarão não obstasse as consequencias de uma com
pleta derrota , desenvolvendo habilissimas manobras.
Camarão era infatigavel; sonhava com os louros e con
quistas da victoria. A guerra era o seu principal elemento.
A’ frente dos seus soldados, formando pequenas guer
rilhas, elle percorria todo o extenso territorio desta provin
cia em direcções diversas, varrendo com a sua espada tudo
o que encontrava, destruindo tudo o que pertencia aos
inimigos até que em 1639, quando se achava no Rio Grande
do Norte, seguiu por terra para a Bahia, pelo interior do
paiz , encorporado á divisão de Luiz Barbalho Bezerra .
D'essa epocha até 1645 , permaneceu D. Antonio Felippe
Camarão na provincia da Bahia , e depois passou - se á de
Sergipe, d'onde partiu para Pernambuco a encorporar-se
ao exercito libertador, quando a patria reclamou os ser
viços dos seus filhos á sacudir o jugo inimigo.
De posse os hollandezes do paiz houve uma especie de
treguas, e o nosso heroe foi descansar á sombra dos louros
colhidos , e esperar pelo dia em que de novo devia desem
bainhar o sua laureada espada pela liberdade de sua patria.
Esse momento não se fez esperarmuito . O acto impo
litico da retirada do principe Mauricio de Nassau ,foi o grito
da revolta que se fez ecoar.
D.Antonio Felippe Camarão não foi surdo ao appello
da mãi patria. A sua espada cra uma eloquencia muda
que se erguia em prol das suas liberdades.
Restaurado Portugal do dominio da Hespanha, El-Rei
D. João IV reconhecendo os seus servicos, lhe fez merceda
commenda dos Moinhos de Soure , por carta de 3 de Marco
12
82 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de 1641 , dispensando Sua Santidade por um Breve, a condi


cão exigida de serviços na Africa , então indispensáveis aos
que tinham de ser agraciados na ordem de Christo, com
commendas lucrativas .
E ' que o rei de Portugal não considerava as honrosas
distincções, que já lhe havia conferido o rei de Hespanha,
sufficientes para galardoar tanto valor e merecimento de um
indio brasileiro, que, na phrase autorisada do autor do
« Valeroso Lucideno, » era o seu mais fiel vassallo da Ame
rica, e mais amigo dos portuguezes , do que todos os que
até então tinham tido e tinham no Brazil , e o mais valeroso
e ardiloso na guerra que todos os de sua nação .
Proclamada a l'evolta e recebendo a carta de convite
de João Fernandes Vieira, Camarão parte immediatamente
de Sergipe d'El-Rei para Pernambuco a frente dos seus in
dios, e encorpora-se ao exercito libertador de sua patria ,
no engenho Covas onde o mesmo se achava acampado.
Em sua passagem pelas Alagoas e outros lugares,
excitou o pronunciamento da revolta, e assim foi durante a
sua viagem de Sergipe a Pernambuco , preparando os ani
mos e encorajando todos os moradores a pegarem armas
e unir - se á causa sagrada da restauração da patria .
O glorioso feito dos montes de Tabocas aos 3 de Agosto
de 1645, foi a primeira victoria que conquistou as armas per
nambucanas, o prologo dessa famosa e memoravel guerra
de 9 annos que restaurou Pernambuco e as demais capita
nias do Brazil , do dominio hollandez .
Ena galeria dos heróes d'esse brilhante feito d'armas ,
o vulto do indio D. Antonio Felippe Camarão, ergue-se alta
neiro com a fronte a lampejar pormais esse louro que en
ramou sobre ella , entre muitos que já tanto o ennobre
ciam .
A subsequente batalha da Casa Forte, foi como que a
sancção do feito de Tabocas . Os hollandezes curvam -se
de novo ao poder das armas pernambucanas, e de novo o
valente Camarão ergue mais um monumento ás suas glo
rias, ás glorias de sua patria .
A’ defeza dos habitantes da Parahyba e Rio Grande do
Norte, elle vôa com o seu terço pelo interior da provincia, e
ás vantagens da victoria , envia ao exercito de Pernambuco ,
consideraveis mantimentos, cuja falta já era bem sensivel .
De volta dessas difficeis e honrosas missões, Camarão
encorpora - se ao exercito c continua a prestar os seus ser
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 83

viços , e a trabalhar ardentemente em prol da liberdade da


patria .
A victoria do ataque do Arraial Novo pelas tropas hol
landezas commandadas pelo general Sigismundo, lhe é
unicamente devida ; esses louros lhe pertencem . Dado o
rebate, foi elle quem primeiro se apresentou em campo ,
cahiu sobre o inímigo é tão heroica e inopinadamente, que
elle abandonou o campo deixando grande numero de mor
tos, todas as suas armas , e tudo quanto havia pilhado,
para mais facilmente aligeirar o passo, e assim o perse
guiu até a Barreta .
O proprio general Sigismundo, viu -se em eminente pe
rigo, promettendo até um grande premio a quem pozesse á
salvo sua pessoa .
Mas, com a conquista de cada victoria, ia o illustre Ca
marão terminando o desempenho do brilhante papel que
representava .
O grandioso feito dos montes Guararapes aos 19 de
Abril de 1648, foi o ultimo episodio de sua vida . Foi o sello
dos brilhantes feitos de sua carreira militar.
O Conego Dr. J. C. Fernandes Pinheiro, referindo os
feitos desse illustre guerreiro , diz o seguinte :
« Encheriamos volumes se quizessemos historiar todos
os recontros em que o intrepido caudilho se avantajara so
bre nós, dizer que não houve uma só acção em que se plei
teasse a causa da liberdade , em que não sentissem os bata
vos o peso de seu braço ; impalledecendo ao ouvir seu
nome aquelles mesmos que nas aguas do Zuiderzee ha
viam submergido os brazões de Castella . Diga-o Cunhaú ,
onde capitaneando 350 indios e 250 portuguezes, pôz em
completa debandada os inimigos arrazando as trincheiras
que com tanto afan haviam construido, e juncado o campo
de mortos e feridos : digam - o finalmente os montes Guara
rapes, essas Termopylas Pernambucanas, que a 19 de Abril
de 1648, contemplaram o denodo com que, pelejando na ala
direita do exercito libertador, fez fugir diante de seus Cari
jós, os aguerridos soldados de Sigismundo, tecendo com
suas heroicas mãos, a grinalda da victoria nesse dia depo
sitada no altar da patria .)
Como o heróe thebano, pouco sobrevivea o heroico go
vernador dos indios a esse explendoroso feito d'armas, a
primeira batalha campal que se ha ferido nos campos do
Brazil .
Quatro mezes depois, accommettido por uma febre, foi
84 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

recolhido ao Arraial da Varzea , e succumbiu dentro de


poucos dias, sem ver raiar o sol da liberdade, que rasgando
is espessas nuvens que o occulta vam , já começava a des
pontar dourando os horisontes da patria .
O seu cadaver foi dado á sepullura na Igreja matriz da
Varzea com toda a solemnidade e honras militares a que
tinha direito .
O historiador Netscher descrevendo a primeira bata
Tha dosGuararapes diz : « La perte des insurgés futcompara
tivement trés minime; mais ils eurent a regretter la mort
d'un de leurs chefs le plus destingué le vaillant Camaram . »
D. Antonio Felippe Camarão, commandante em chefe
dos indios do Brazil, Fidalgo da Casa Real, cavalheiro da
Ordem de Christo e commendador dos Moinhos de Soure,
foi um destes heróes, um destes cabos de guerra tão dis
tinctos, que pelos seus feitos, valor e heroicidade, não nos
deslumbram as glorias , nem os brilhantes feitos dos solda
dos da antiga Roma.
Queo diga, não Pernambuco , que o proclama um dos
seusmaiores heróes, e ufana -se de ser o seu berço ; mas o
Ceará na expulsão dos francezes ; o Rio Grande do Norte ,
a Parahyba , as Alagôas , Sergipe é Bahia nas guerras con
tra os hollandezes,os quaes o chamavam o « anjo do exter
Educado pelos padres jesuitas, recebeu D. Antonio
Felippe Camarão, uma educação firmada nos solidos prin
cipios de uma pura e sã moral e da religião catholica . Os
mesmos padres ensinaram -lhe a ler, escrever e alguma
cousa do latim , e aprendeu tambem com muita facilidade
a lingua hollandeza ; mas era tão modesto que quando ti
nha necessidade de fallar, era sempre por intermedio de
nim interprete .
A par da gloria e renome de D. Antonio Felippe Cama
rão, resplende o nome de sua illustre consorte D. Clara
Camarão .
Ella o accompanhara em todos os combates e expedi
ções e teve parte em todas as suas victorias. Porto Calvo
foi o seu primeiro feito d’armas, e do seu valor e exemplo,
seguiram as senhoras desse lugar, e d’ahi partiu D. Clara
Camarão, á frente de seu exercito feminil, para a Magda
lena, depois para o Penedo e finalmente para Sergipedonde
se passou para a Bahia em 1634 .
Dessa heroina , que bem se pode chamar a Artemisia
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 85

brazileira, pelos seus feitos guerreiros, pelo seu patrio


tismo, bem pouco sabemos .
O seu nome figura na galeria do Theatro Heroino , e o Sr.
José Norberto de Souza e Silva , consagrou - lhe algumas pa
ginas nas suas- Brasileiros Celebres .
Tambem não sabemos se morreu antes do esposo ou
se sobreviveu á sua morte . Os nossos antepassados nada
nos legaram a tal respeito .
D. Antonia Felippe Camarão não teve filhos , e porisso
The succedeu no commando do terço dos indios, um seu
sobrinho .
Frei Raphael de Jesus, no seu « C'astrioto Lusitano,
tecendo a grinalda de louros de suas victorias e glorias mi
litares , descreveu -as com firmes traços, elevou o seu nome
ao pinaculo do pantheon das nossas glorias nacionaes.
E quando um dia a patria agradecida erguer esse mo
numento consagrado á memoria dos nossos heróes,quando
pagar essa divida de honra e gratidão, grave sobre a base
da columna consagrada ás glorias do illustre D. Antonio
Felippe Camarão, as seguintes palavras desse escriptor:
« D. Antonio Felippe Camarão foi um varão grande de
nação humilde. Nasceu indio , porem entre os indios , o
mais nobre . O nascimento lhe deu o nome de Poty, que na
lingua do gentio é o mesmo que Camarão, o baptismo lhe
deu o de Antonio . No tempo de Mathias de Albuquerque
era já respeitado entre os seus por maioral de muitos ; e
com muitos auxiliares veio soccorrer e servir a nação,
quando o nosso poder se alojava no Arraial Velho chamadó
de Parna -Mirim : illustre prova de fidelidade e amor, com
queservia a nação eo principe; offerecer-lhea espada quando
os perseguia a fortuna. A mesma adversidade, de que o
mais gentio fez causa para a rebeldia , fez o Camarão mo
tivo para a aliança . Em servir a igreja e a coroa ganhou
luzido credito de soldado e religioso ; e tão observante de
suas obrigações, que nunca o viu destrahido quem sempre
o venerou soldado . Para sahir aos rebates e para entrar
nas batalhas, primeiro se fortalecia com os sacramentos
que com as armas. Em quanto soldado, não houve capi
tão mais amado, nem mais obedecido, porque não houve
capitão que achasse mais imperio na affabilidade que no
dominio do que este valeroso capitão.
« As emprezas o esperavam sempre com as victorias, e
ganhou tantas quantas foram as occasiões em que pelejon .
Para o seu genio, era o ocio martyrio , e o trabalho, des
86 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

canço. Avaliava a penalidade por deleite e as occasiões


por dita. Seu nome, como memorial de suas proezas, se
ouvia entre os nossos com espanto ; e dilatou - o de sorte a
fama , que chegou aos ouvidos de seu rei tão distante quanto
o apartavam os dilatados mares que dividem a America da
Europa ; sem petição o despachou seu merecimento.
« Deu -lhe El-Rei Felippe o habito de Christo, o titulo
de Dom e o posto de governador e capitão general de todos
os indios da America.
« Zelou o decoro que se devia ao posto que occupava ,
com toda a circumspecção que lhe ensinava o seu claró
juizo . Na arte da milicia foi insigne, na do governo, claro .
Com os seus era facil no trato ; com os superiores, grave
na conversação ; com estranhos affavel no agasalho ; mas
tão medido com todos que obrigava a maior reverencia .
Intacto quasi do chumbo e do ferro , sahiu de innumeraveis
combates e batalhas, e entregou o espirito ao seu Creador,
poucos mezes depois da dos Guararapes, em sua propria
cama, para que não faltasse a sua morte, o parecer somno.
Deu - se -lhe sepultura na Igreja do Arraial com a funeral
pompa que costumava a piedade e a milicia e com aquelle
concurso a que obrigava o amor e o respeito . »
Antonio Fernandes Padilha . Nasceu na ilha de Ita
maracá no anno de 1797 , e foram seus paes Manoel da As
sumpção
Padilha.
Padilha e sua consorte D. Francisca Fernandes
Como seu pae, Antonio Fernandes Padilha seguiu a
carreira das armas, assentando praça de soldado volunta
rio a 2 de Setembro de 1817 , aos vinte annos de idade ; e
em 1822, tomando parte na campanha da independencia da
provincia da Bahia, mereceu pela sua distincção e brioso
comportamento a condecoração honorifica conferida aos
bravos que expelliram daquella provincia as tropas portu
guezas.
Terminada a campanha da Bahia , e rompendo em Per
nambuco a revolta que proclamou a Confederação do Equa
dor, no anno de 1824, Padilha encorpora -se ao exercito
imperialista da Barra Grande, toma parte em todos os mo
vimentos da guerra civil, recebendo então como premio
dos seus servicos a medalha de constancia concedida ao
exercito cooperador da bộa ordem , e por Decreto de 15 de
Junho de 1825 foi promovido ao posto de alferes , tendo já
exercido todos os postos inferiores até essa palente .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 87

Dous mezes não eram passados ainda, quando uma


nova distincção veio dar maior lustre ao seu merecimento ,
intrepidez egrandeza de animo, e por Decreto de 2 de Agosto
do mesmo anno foi promovido ao posto de tenente , qua
renta e oito dias depois de lavrado o que o promovera ao de
alferes. Capitão por Decreto de 5 de Fevereiro de 1827 ,
dez annos depois marchava para a rebellada provincia do
Rio Grande do Sul , com um contingente que mais tarde
foi encorporado ao 5.º batalhão de caçadores. A attitude
do illustre capitão Padilha na campanha do Rio Grande ,os
serviços que então prestou á causa da integridade do im
perio , mereceram -lhe a immediata promoção á patente de
major graduado , por Decreto de 20 de Agosto de 1838.
Em 1839, quando se achava acampado em quarteis de
inverno, marchou em uma expedição para o Rio Cama
quam , á effectuar a tomada de uns lanchões rebeldes ahi
fundeados, e o resultado dessa empreza assim como o de
muitas outras que lhe foram confiadas, foi tão satisfatorio,
que por Decreto de 2 de Dezembro foi-lhe dada a effectivi
dade do posto de major, e por outro de 19 do mesmo mez
e anno foi condecorado com o habito de S. Bento de Aviz ,
Tomando parte no celebre ataque do Taquari, a 3 de Maio
de 1840, o major Padilha «revellou a maior intrepidez e va
lor, e portou - se com admiravel coragem , derramando o
sangue e expondo a vida com decisão e bravura , até que
soffreu um grave ferimento e foi recolhido ao hospital . »
Restabelecido depois de um longo e desvellado trata
mento, em 20 de Dezembro de 1841 embarcou para o Rio de
Janeiro incumbido de uma commissão de confiança , e alli
ainda se achava o major Padilha, quando lhe foi conferido
em 30 de Maio de 1842 o officialato da imperial ordem do
Cruzeiro, da qual já era cavalheiro desde 2 de Dezembro
anterior, pelos serviços que prestára na campanha do Rio
Grande do Sul, sendo tambem despachado tenente coronel
graduado por Decreto de 7 de Setembro do dito anno , com
antiguidade de 18 de Julho de 1841. O governo imperial
não podia olvidar, nem deixar de aproveitar os serviços e
merecimentos de tão illustre e distincto official, e assim ,em
4 de Maio de 1844 foi elle nomeado commandante do 1.º ba
talhão de fuzileiros da corte, e a 23 de Julho do mesmo
anno foi lavrado o decreto que lhe conferia a effectividade
do posto de tenente coronel.
Obtendo cxoneração do commando do 1.º batalhão de
fuzileiros em Novembro de 1816, em Março de 1848 foi o te
88 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nente coronel Antonio Fernandes Padilha nomeado com


mandante do 2.º batalhão da mesma arma, sendo poste
riormente removido para o commando do 3.º de infantaria .
Commandava elle o 2.º de fuzileiros, quando teve de res
ponder a um conselho assim como mais nove officiaes,por
motivo de um desfalque de dinheiros que se deu no respec
tivo cofre, e que a má vontade de alguns officiaes do bata
Thão , manifestada em seus depoimentos, como que apre
sentava indicios remotos de haver elle tido parte em seme
Thante desfalque.
Felizmente, porem , a honradez e probidade do illustre
commandante, mostrou -se illesa e limpa de toda a mancha,
e foi reconhecida pelo general Francisco Xavier Calmon da
Silva Cabral, então commandante das armas da corte, que
em luminoso parecer ou informação, muito honrosa ao ca
racter do tenente coronel Padilha, informou ao governo
imperial, que, somente houvera falta de regularidade no
andamento do conselho administrativo do batalhão, falta
esta que era attenuada pelo estado em que elle se achava
anteriormente, o que confirmava a circumstancia de estar
ainda em processo o seu precedente commandante, por
causa d'aquella mesma irregularidade.
Saindo -se honrosa e airosamente dessa intriga mesqui
nha e pequenina que lhe teceram , pouco tempo depois foi
o tenente coronelPadilha nomeado commandante do 3.º ba
talhão de infantaria , de cuja commissão foi dispensado em
Julho de 1851, passando para o estado maior de segunda
classe por Decreto de 2 de Agosto do mesmo anno . NO
meado commandante da fortaleza de Sant'Anna na provin
cia de Santa Catharina, em principios de 1854 seguiu para
essa provincia e entrou no exercicio do seu cargo , no qual
se conservou até o anno de 1857 , quando o governo impe
rial resolveu que aquella fortaleza passasse á disposição
do ministerio
da marinha , afim de servir de quartel á com
panhia de aprendizes marinheiros.
Em 1858 exerceu o illustre veterano o cargo de assis
tente interino do ajudante general do exercito, e nomeado
commandante da fortaleza da Barra do Sul entrou em exer
cicio em Março de 1860 e conservando -se nesse cargo até
fins do anno de 1862, o seu zelo e assiduidade, e o rigor
disciplinar que a si proprio impunha, não olharam as con
dicões insalubres do logar e outras circumstancias que o
tornavam nocivo á saude, e até ameaçador da propria vida;
e desde então, o illustre militar, vigoroso e cheio de vida,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 89

sentiu alterada a sua saude, e começou a soffrer sensivel


mente .
Em 2 de Dezembro de 1864, foi promovido ao posto de
coronel , por antiguidade, porem desenvolvendo - se o mal
que o affligia, requereu uma inspecção medica, deixou o
commando da fortaleza da Barra do Sul, e seguiu para a
cidade do Desterro, capital da provincia . Não conseguindo
melhoras, e vendo-se inhibido de continuar a prestar ao
paiz os seus serviços, o coronel Padilha solicitou do go
verno a sua reforma, a qual lhe foi concedida no posto de
brigadeiro, com o respectivo soldo, por Decreto de 20 de
Julho de 1864 .
Gravemente doente como se achava o brigadeiro Padi
lha, ainda assim , recebeu mais uma prova da confiança do
governo imperial,nomeando - o por Aviso de 27 de Fevereiro
de 1865 inspector da colonia militar de Santa Thereza na
mesma provincia , commissão esta que o illustre enfermo
renunciou em vista do estado em que se achava. O gene
ral Antonio Fernandes Padilha, o veterano da independen
cia , o bravo e illustre militar, falleceu na capital da pro
vincia de Santa Catharina, aos 7 de Agosto de 1865, con
tando sessenta e oito annos de idade, e quarenta e sete de
vida militar. O unico legado do bravo soldado á sua familia,
alem de um nome honrado e glorificado pelos seus servi
ços e por seus feitos, a sua ultima recommendação, foi que
remettessem á sua familia em Pernambuco a sua espada
e o officialato do Cruzeiro , « legado summamente precioso ,
não somente por ser a ultima vontade de um pac extre
moso, ausente e moribundo, como porque elle despertará
sem duvida a grande consideração de que aquella espada
foi por muitas vezes desembainhada com honra e vanta
gem em prol da patria e do throno, e que, aquella insignia
condecorou um peito, onde a coragem e o patriotismo se
união ás mais acrisoladas virtudes . »
Antonio Francisco Bastos . Nasceu em meiados do
seculo passado . Sobre a sua filiação e data do seu nasci
mento , noticias da sua infancia e outros dados relativos a
sua vida, nada encontramos. Sabemos apenas, que , dedi
cando - se a carreira das letras, föra educado em Portugal,
e que se graduara Dr. em mathematicas na universidade
de Coimbra .
Quando já em fins do seculo passado começaram as
reformas, e se adoptou o regimem das instituições libe
13
90 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

raes proclamadas pela revolução franceza, e o governo


portuguez começou a olhar para as suas colonias da Ame
rica, e conferindo- lhe mais amplas liberdades e curando
do desenvolvimento intellectualdo povo propagando e der
ramando a instrucção entre elle , crearam -se varias escolas
nesta provincia, não só primarias como de algumas
linguas e sciencias . D'entre estas, foi creada por Decreto
de 1 de Agosto de 1795 uma cadeira de geometria na
villa da Recife, e a sua regencia coube ao Dr. Antonio
Francisco Bastos, vencendo o honorario de 480$000
annuaes, e gosando dos privilegios de lente da universi
dade de Coimbra .
O Dr. Antonio Francisco Bastos , gosava já então ,
de credito e renome dignos do seu merecimento. Regres
sando de Portugal para esta provincia em 1796, entrou
no exercicio da regencia da sua cadeira , e nesse mesmo
anno , por Patente Regia de 9 de Fevereiro, teve praça
de capitão de artilharia, aggregado a primeira plana da
còrte, vencendo mais 240 $000 de soldo.
Demorando-se aqui por algum tempo, seguiu em
1802 para Portugal, e ahi se achou na phase tremenda
por que passou este paiz por occasião da invasão fran
cesa , no periodo da qual foram valiosissimos e gran
diosos os serviços que prestou a patria commum , d'onde
só voltou em 1813. quando já tinha deixado as plagas
lusitanas o exercito invasor. Voltando de novo á Pernam
buco, o Dr. Bastos assumiu ao exercicio de sua cadeira ,
e em 1815 já se achava elevado á patente de sargento-mór,
vencendo não só o soldo desta como o da de capitão , além
de uma pensão de mais 300 $ 000 annuaes, « em attenção
aos seus serviços e reconhecido merecimento litterario. »
Incumbido pelo governador Cactano Pinto de Miranda
Montenegro da organisação de um plano sobre os estudos
de humanidades e philosophia , afim de ser submettido á
approvação regia , para depois ser posto em execução ,
elle o apresentou convenientemente , mas nada encon
tramos sobre o seu resultado, assim como sobre uma
outra incumbencia que tivera de organisar e regular o
curso mathematico dos estudantes de engenharia e arti
lharia .
Dedicado inteiramente ao seu magisterio, derramando
e infundindo os seus conhecimentos por entre o povo ,
crguendo o espirito publico desta provincia pela propa
gação e desenvolvimento da instrucção, o Dr. Antonio
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Francisco Bastos representa um vulto elevado e proemi


nente nesse periodo de grandeza pela elevação e cultura
do espirito, nessa epocha em que a instrucção publica de
Pernambuco firmando as bases do seu edificio, ergueu - se
e elevou -se, cujas conquistas demonstram o espirito patrio
tico e illustrado dos martyres de 1817 e 1824.
Regendo cumulativamente a cadeira de geometria cle
mentar com a de calculo integral, mechanica e hydrody
namica, creada pelo Decreto de 7 de Março de 1809, diri
giu -as até o anno de 1822, quando passou a reger a ca
deira de phronomia ; porem em 1824 por portaria de 20
de Fevereiro, foi de novo incumbido da regencia da cadeira
de calculo por determinação do presidente Manoel Car
valho Paes de Andrade.
O Dr. Antonio Francisco Bastos, na phrase autori
sada do venerando commendador Antonio Joaquim de
Mello , gosava de grandes creditos em mathematicas ; era
engenheiro hydraulico: Frei Joaquim do Amor Divino
Caneca o chamava seu mestre sapientissimo. Lembro
me, continua o commendador Mello, de vel- o na cadeira
circumdado de muitas pessoas adultas e respeitaveis,
seus discipulos, entre os quaes o nosso Frei Joaquim do
Amor Divino Caneca que o substituiu na cadeira de
geometria , Frei Carlos, depois bispo do Maranhão, Frei
Leandro do Sacramento, o celebre naturalista, Frei José
Maria, todos ha muito já presbyteros, e ate muitos
moços que davam geometria .
No entretanto, o Dr. Antonio Francisco Bastos , notavel
por tantos titulos, encanecido no estudo das sciencias e
na sua vulgarisação na cadeira de mestre, possuindo
honrosos precedentes e uma posição digna dos seus
merecimentos e serviços, viu - se mal apreciado pelo gover
nador Caetano Pinto , e preterido até por um homem
muito inferior aos seus titulos e merecimentos ; mas o Dr.
Bastos nasceu pernambucano, e era quanto bastava !
Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, tratando em um
dos seus escriptos politicos sobre a preterição dos brazilei
ros em suas aspirações nos tempos da metropole, diz o
seguinte sobre as injustiças de que foi victima o illustre
mestre da mocidade pernambucana : Ainda Deus conserva
os dias ao Dr. Antonio Francisco Bastos para prova da
opposição, que os europeus faziam aos pernambucanos, e
preferencia que sobre elles davam aos seus europeus; por
que vindo despachado em tenente de engenharia civil desta
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

praça Antonio Bernardino Pereira do Lago, só com um


exame de geometria elementar no collegio dos nobres, e
certidão de matricula do segundo anno de mathematicas,
foi promovido rapidamente pelo governador Caetano Pinto
de Miranda Montenegro em capitào, sargento -mór, e final
mente graduado em tenente - coronel de engenheiro, afim
de que por este titulo tivesse a preferencia ao dito Dr. Bastos ,
que era sargento -mór engenheiro hydraulico , e tivesse a
a direcção das obras das pontes, como teve, das quaes
deitou abaixo a formosa ponte do Recife, que ainda (1824)
se achava porconstru'r desde 1815, para perpetu . memoria
da sciencia daquelle engenheiro protegido pelo governo ,
contra a direito e a justiça do outro .
Em que democracia, por mais platonica , interroga Frei
Caneca em outro logar desse mesmo escripto, Antonio
Bernardino Pereira do Lago, havia de ser não só nivelado,
mais ainda preferido ao Dr. Antonio Francisco Bastos, lente
da universidade de Coimbra, o primeiro geometra do Brazil,
o mais sabio da Nova Lusitania, engenheiro hydraulico , e
sagento -mór do corpo de engenheiros ? Qual seria o magis
trado mais democrata , que fizesse o que fez Caetano Pinto
de Miranda Montenegro, que pisou aos pés a lei, a razão e
a justiça, para atrazar Bastos e adiantar Lagos ?
Coarctaro vòo dos brazileiros nos dominios da sciencia ,
preterir os militares á não attingir a postos elevados, res
tringir finalmente a uma posição limitada e media , todos
quantos se intregavam a esta ou aquella profissão, sem se
levar em conta o merito c as distincções, tal a sorte dos
brazileiros que ousavam erguer -se um pouco e procurar
sahir da esphera commum a que estavam condemnados
pela absurda politica dos nossos dominadores.
E o Dr. Antonio Francisco Bastos foi uma destas victi
mas , o que mais ainda se evidencia pela correspondencia
official de Caetano Pinto , onde se encontram alguns officios
que lhe foram dirigidos, repassados de indirectas e insul
tos, desattenciosos e indignos do caracter do governador
de uma capitania como Pernambuco. Mas o seu nome revive
na posteridade, circundado pela aureola do talento e dome
recimento .
Fallecendo em uma idade avançada, nobilitado pelos
seus serviços, não só no apostolado da instrucção dos seus
conterraneos, como naquelles que requeriam a firmesa da
mais justa e generosa idea do seu tempo, a independencia
e liberdades patrias, o Dr. Antonio Francisco Bastos desceu
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 93

á campa coberto de bençãos, honrado e respeitado ; e hoje ,


que a posteridade vem salvar do esquecimento as victi
mas dos erros politicos de outr’ora, inscreve o seu nome
nos annacs da gratidão nacional, conferindo assim a sua
memoria , aquillo que em vida não logrou da justiça dos
homens : as honras e as distincções que inspiram a sabe
doria, a honra, o talento co patriotismo.
Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti
de Albuquerque . (Visconde de Albuquerque).
Nasceu a 21 de Agosto de 1797. Foram seus paes o
capitão -mór Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquer
que, agricultor e rico proprietario , e sua consorte D. Maria
Rita de Albuquerque Mello ; seus avós paternos o coro
nel Francisco Xavier Cavalcanti de Albuquerquee sua mu
Ther D. Felippa Cavalcanti de Albuquerque ; e maternos o
tenente coronel Antonio de Hollanda Cavalcanti de Albu
querque e sua mulher D. Maria Manoela de Mello .
Hollanda Cavalcanti assentou praça no exercito , em 1 de
Agosto de 1807, aos dez annos de idade, e começou a ven
cer tempo , e a 3 de Novembro desse anno sendo reco
nhecido cadete, foi servir no regimento de artilharia do
Recife, e passou a 2.º tenente por patente de 5 de Março
de 1813 .
Em 1816 obtendo licença do governo, partiu para o Rio
de Janeiro, e d’ahi seguiu para Africa , na qualidade de aju
dante de ordens do governador e capitão general de Mo
çambique, José Francisco de Paula Cavalcanti de Albu
querque .
Regressando ao Rio de Janeiro, foi promovido ao posto
de major por decreto de 20 de Abril de 1819, e por aviso de
12 de Junho do mesmo anno , foi nomeado lente do segundo
anno da escola real de pilotos, em Macáo, e ao mesmo
tempo foi designado á servir no batalhão do principe re
gente, pertencente aquella mesma praça . Em 1824 voltou
Hollanda Cavalcanti para o Brazil, e tocando em Parnam
buco, encontrou a provincia conflagrada pelo grito separa
tista da Confederação do Equador, e unindo -se então as
tropas do morgado do Cabo, Francisco Paes Barreto ,depois
marquez do Recife, « prestou -se com toda a honra e desin
teresse em defender os direitos de Sua Magestade Impe
rial , da independencia e integridade do imperio, não só na
praça , como acompanhando a tropa cooperadora para a
Barra Grande, dando toda a prova do quanto se interessava
94 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

no serviço do mesmo augusto senhor » , segundo attestou


o proprio Paes Barreto.
Por decreto de 18 de Novembro de 1824, passou Hol
landa Cavalcanti a servir no estado maior do exercito , foi
elevado ao posto de tenente coronel em 20 de Março de 1827,
e neste mesmo posto obteve a sua reforma, em 9 de Novem
bro de 1832. Em sua carreira militar, Hollanda Cavalcanti
não teve occasião de illustrar - se ; ella comprehendeu um
periodo de esterilidade para elle, não só por se achar fóra
do paiz, durante a luta da independencia, como depois
disso, em diversas commissões que o trasiam afastado do
campo das lutas tanto no proprio paiz, como no estran
geiro . No entretanto, possuia elle estudos especiaes da
arma de artilharia, e outros da arte militar, assim como
de humanidades .
Até aqui o militar; agora o homem politico , o parla
mentar, o estadista .
Em 1826 seguiu Hollanda Cavalcanti para o Rio de Ja
neiro , tendo sido eleito deputado a assembléa geral legis
lativa, por esta provincia; honra esta que continuou a
merecer até que incluindo o seu nome em uma lista offere
cida a corôa, foi escolhido senador por esta mesma pro
vincia, por decreto de 7 de Fevereiro de 1838 .
Desde 1826, diz um seu biographo, elle frequentou a
tribuna, embora lhe faltassem alguns dos principaes dotes
que se exigem ao orador : não tinha o dom da palavra
fluente ; ao contrario , esta muitas vezes lhe acudia difficil,
obrigando - o a hesitar e parar em quanto procurava a me
Thor expressão para a idéa : nos seus discursos nem ha
via brilhantismo, nem arte na ordem dos argumentos, c
menos na disposição das partes oratorias ; mas Hollanda
Cavalcanti obrigava a attenção pela sua franqueza caracte
ristica, e as vezes rude. Subia a tribuna para dizer o que
pensava, e dizia -o com simplicidade, e com certa altivez
propria de quem fallava sem jamais calcular com o agrado
ou com o desagrado de quem quer que fosse. Foi liberal
desde 1826 até o ultimo dia de sua vida ; mas sempre com a
mais absoluta independencia de idéas e sem jamais respei
tar disciplina de partido. O primeiro que no Brazil reque
reu accusação formal de ministros de estado , foi Hollanda
Cavalcanti, propondo na camara a accusação de Lucio Soa
res Teixeira de Gouvêa, e de Joaquim de Oliveira Alvares ,
ministros, o primeiro da justiça, e o segundo da guerra.
A 3 de Novembro de 1830, subiu Hollanda Cavalcanti
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 95

ao ministerio , occupando a pasta dos negocios da fazenda.


Representando elle nesse gabinete o principio liberal,
achou -se em desintelligencia com o marquez de Paranaguá
e com algum outro , sobre a direcção politica da marcha
dos negocios. Recomposto o ministerio, a 18 de Março
de 1831, em virtude do espirito de nacionalidade justamente
irritado pelos insultos dos portuguezes praticados nas ce
lebres noites das garrafadas, na capital do Rio de Janeiro ,fi
cára predominando então o elemento liberal , imposto pe
las circumstancias em que se achava collocado D. Pedro I ,
Hollanda Cavalcanti continuou a occupar a mesma pasta
da fazenda , até 5 de Abril, quando foi demittido o ministe
rio . Dous dias depois rebenta a revolução, D. Pedro I
abdica, a regencia assume ao poder, e no anno seguinte,
dado o golpe de estado de 30 de Julho, á que ardentemente
se oppuzera, é chamado novo ministerio ao poder, Hol
landa Cavalcanti é incumbido das pastas do imperio e da
fazenda, c a 13 de Setembro deixa o poder com os demais
collegas desse ministerio, chamado pela sua ephemera
duração, -o ministerio dos quarenta dias.
Por esse tempo , a marcha que tomava os negocios po
liticos do Brazil, fizera transparecer a idéa da proclamação
da maioridade do Senhor D. Pedro II .
Em sessão do Senado de 13 de Maio de 1840, Hollanda
Cavalcanti, pronuncia um discurso, em que desenvolvendo
as vantagens da proclamação da maioridade, concluiu
apresentando o respectivo projecto. Foi immensa a sen
sāção causada por esse discurso, e dahi por diante feriu - se
a mais renhida luta parlamentar, até que afinal passou o
projecto, e S. M. o Imperador foi declarado maior aos quinze
annos de idade, por decreto de 23 de Julho de 1840 .
Em 1852 Hollanda Cavalcanti apresentou no Senado
um projecto para que a capital do imperio fosse transfe
rida para o interior do Brazil, no Rio S. Francisco, funda
mentando-o e desenvolvendo as immensas vantagens que
resultariam de semelhante resolução ; mas o seu projecto
cahiu , e essa idea de um grande alcance ficou esquecida, e
alem do illustre Visconde de Porto Seguro que sobre esse
assumpto escreveu um primoroso trabalho, bem poucos
propugnadores tem encontrado. No entretanto o germem
ficou plantado, e um dia talvez, a idéa do venerando Vis
conde de Albuquerque seja aproveitada .
Extrenuo propugnador do acto damaioridade,Hollanda
Cavalcanti foi incumbido da pasta dos negocios da mari
96 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nha, no primeiro ministerio organisado pelo jovem mo


narcha, e conservou -se no governo até 23 de Março de 1841 ,
quando o passou aos seus adversarios chamados ao po
der. Em 1844 sobe de novo aos conselhos da coroa, occu
pando outra vez a pasta da marinha a 23 de Maio ; e llollanda
Cavalcanti conservou- se no ministerio até 29 de Abril de
1847, desempenhando nesse periodo interinamente o cargo
de ministro da guerra , e depois apasta da fazenda effectiva
mente. Em 1862 emfim , voltou ainda ao poder, como mi
nistro da fazenda do gabinete de 30 de Maio, organisado
pelo marquez de Olinda, cujo cxercicio foi interrompido
pela morte que o feriu no anno seguinte.
Alem dos cargos que deixamos ennumerados, tanto
da vida politica e parlamentar de Hollanda Cavalcanti,como
da vida militar, exerceu o de conselheiro de estado estraor
dinario, para o qual foi nomeado em 14 de Setembro de
1850, passando a ordinario em 20 de Agosto de 1859. Alem
desses cargos, Hollanda Cavalcanti occupou outros, e no
desempenho de todos elles, é proverbialo seu zelo , honestida
dee independencia ,predicados estes quesempreo distingui
ram ; e morreu pobre, mas honrado, respeitado e vene
rado. Em 20 de Agosto de 1840, S. M. o Imperador confe
riu - lhe o titulo de gentil homem da imperial camara , e por
carta de 13 de Julho de 1855 , o de visconde de Albuquerque,
com as honras de grandeza, possuindo alem destes titulos
o habito da Ordem de Christo , ca dignitaria do Cruzeiro,
Quando em 1862 fòra convidado pelo marquezde Olinda
para fazer parte do ministerio , achava -se então o velho e
venerando visconde de Albuquerque soffrendo grave e
adiantada affecção do coração , mas não hesitou em tomar
parte no gabinete, acceitou a pasta da fazenda, luta e em
constante com o trabalho, despresando a marcha progres
siva da molestia , por amor do desempenho do seu man
dato , tudo affrontando pelos restrictos cumprimentos dos
seus deveres, no fim de onze mezes de soffrimentos e de
sacrificio pessoal, falleceu aos 14 de Abril de 1863, e no dia
seguinte foi sepultado no cemiterio de S. João Baptista .
As manifestações de sentimento que foram tribuladas
a memoria do venerando visconde de Albuquerque por oc
casião do seu fallecimento, quer publicas quer particula
res , traduzem a estima e conceito que na capital do impe
rio gosava esse illustre e benemerito servidor do estado .
Treze annos depois de sua morte , a marinha brazileira
ergen um monumento á memoria dos creadores do corpo
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 97

de imperiaes marinheiros e da companhia de aprendi


zes, monumento este levantado por iniciativa de umdos
seus mais illustres chefes, o Sr. barão de Iguatemy, na ilha
de Villegaignon , cuja inauguração teve logar solemne
mente, no dia 16 de Dezembro de 1876. O monumento, cons
tante de uma bella columna de ferro da ordem corinthia ,
sobre um pedestal de granito , assentado em uma base ele
vada de cantaria, orlado por um gradil preparado com
gosto e ornamentado de ancoras, pilhas de balla e coroas
delouro, « é um tributo de reconhecimento da corporação da
armadá » erguido á memoria do general Salvador José Ma
ciel, creador do corpo de imperiaes marinheiros em 1836 ,
e do senador visconde de Albuquerque, creador da pri
meira companhia de aprendizes marinheiros em 1840,
quando ministro da marinha.
Os nomes desses dous illustres cidadãos, gravados
nos espelhos da base desse monumento , recordam os ser
viços que prestaram ao paiz ; e a briosa corporação da ar
mada imperial, cumpriu assim um dever de honra e grati
dào . E ' que nunca é tarde para retribuir aos benemeritos
da patria com o galardão merecido pelos serviços que pres
taram ; assim começou o seu discurso o Sr. Barão de Igua
temy, na solemnidade inaugural desse tão modesto quão
significativo e honroso monumento . Pernambuco tambeni
honrou a memoria do seu illustre filho o visconde de Albu
querque, denominando a Camara Municipal do Recife as
ruas que se estendem pelo oitão da matriz de Boa Vista ,
rua do Visconde de Albuquerque.
O Sr. Dr. Joaquim Manoel de Macedo, no seu Anno
biographico bruzileiro, consagrou algumas paginas á me
moria deste illustre e benemerito cidadão , e com o talento
e mestria que lhe são proverbiaes, esboçou ainda que em
ligeiros traços o seu perfil, deixando porem transparecer
todas as phases de sua vida,encarando-a portodos oslados,
e assim deixou bem patente o cidadão,o militar,o funcciona
rio e o parlamentar. Eis pois os topicos mais caracteris
ticos do visconde de Albuquerque, traçados pelo Sr. Dr.
Macedo :

« Sua franqueza ,suaindependencia caracteristicas e sua


fidelidade aos principios liberaes eram por todos respeita
das. O visconde de Albuquerqve tinha na tribuna do Se
nado desde alguns annos ( xaltado aquellas virtudes da
14
98 DICCIONARIO BIOGRAPHUCO

franqueza e da independencia pessoal á tal ponto e com


dizeres tacs , que em vivos epigrammas, e em idéas que se
afiguravam excentricas, ennunciava grandes verdades to
madas por ironias ou por paradoxos. Em 1846 por exem
plo , alludindo claramente a falsificação do systema eleito
ral, ousou declarar que os ministerios podiam governar
sem maioria de votos na camara , chamando artificiacs as
maiorias parlamentares.
« Fóra do governo exclamou um dia no senado : - não
ha no Brazil duas cousas que se pareçam mais uma com a
outra do que um liberal com um conservador.
« Em uma discussão financeira, em que se tratava de
acudir a falta de recursos do Estado, o visconde de Albu
querque disse aos ministros : -- dinheiro temos nós de so
bra, o que nos falta é juizo . Combatendo a creação de uma
nova repartição ministerial, e a idea de que os serviços de
cada uma das antigas seis pastas ministeriaes já eram de
masiado peso, e tarefa quasi impossivel de bem desempe
nhar -se, o visconde de Albuquerque zombava dos minis
tros, atacando as novas e grandes despezas, que se exigiam
do thesouro , e clamava : - acham excessivo o trabalho ?...
pois eu não penso assim : estou prompto á tomar sobre
mim o desempenho de todas as seis pastas ministeriaes .»
« Em outra occasião dizia : « Senhor Presidente ! o paiz
vai mal, co seu estado não melhorará, em quanto se não
enforcar algum ministro .» Sempre que tomava a palavra no
Senado lançava algumas dessas proposições incisivas,
que envolviam em certa exageração e fórma um pouco ori
ginal, fundo de verdade inegavel.
« Foi em toda a sua vida parlamentar energico defensor
da liberdade da imprensa. Na administração era activo e
economico , zeloso e honradissimo. Cidadão benemerito e
de probidade tão reconhecida que nunca uma simples sus
peita ousou insinuar -se contra elle , o visconde de Albuquer
que morreu pobre, co governo do Estado honrou seus ser
viços e bella memoria, decretando bem merecidas pensões
para suas filhas. »
Antonio Gomes Pacheco . Nasceu na ilha de Itama
racá , e foi baptisado, na capella do engenho do Meio da
mesma freguezia, aos 15 de Janeiro de 1742, ministrando
o padre João Manoel Carneiro.
Seus pais foram o capitão Manoel da Costa Gadelha, e
D. Manoela Izabel de Barros Pacheco . Pelo lado paterno
DICCIO VARIO BIOGRAPHICO 99

era neto do coronel Jorge da Costa Gadelha e D. Marianna


Teixeira da Silveira ; e pelo materno do capitão -mór Antonio
Gomes Pacheco e D. Maria Coello de Reboredo, todos
naturaes de Pernambuco .
Deliberando Antonio Gomes Pacheco abraçar a carreira
ecclesiastica , seguiu para a villa de Iguarassú , onde cursou
a aula de latim do professor publico Diogo velho Cardoso
e concluindo no Recife e Olinda o curso necessario a esse
estado, e recebendo por sentença do Dr. Provisor Antonio
Pereira de Castro a súa habilitação de ordens datada de 18
de Fevereiro de 1763, ordenou - se presbytero.
Foi o padre Antonio Gomes Pacheco, diz o venerando
commendador Antonio Joaquim de Mello , um dos clerigos
Brazileiros, que por sua instruccão, e virtudes, honram a
sua jerarchia. Discorria sobre os conhecimentos agrada
veis, litteratura amena, deleite dos bons espiritos, com tal
facilidade, abundancia e gosto , que encantava .
Como seu irmão o padre José Gomes da Costa Gadelha,
era tambem poeta o padre Antonio Gomes Pacheco , porem
das suas producções bem pouco nos resta .
0 commendador Mello nas suas Biographias de
alguns poetas e homens illustres da provincia de Pernam
buco - , depois de um ligeiro traço biographico do padre
Gomes Pacheco, dá apenas cinco poesias suas que custosa
soneto , duas decimas,
mente pôde obter, sendo ellas eumuma
duas glosas de quatro versos de um verso , cujos
motes são os seguintes :
Jesus para nosso bem

Eu bem posso querer bem ,


Sem mostrar dopeito a chamma ;
Fingindo que quiero mal,
Obrando como quem ama .

Pergunta corta Senhora ,


Sem presumir mal algum ,
Se um beijo em sexta -feira
Farú quebrar o jojumi.
100 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Este segundo mote é alheio ; e a glosa do terceiro, é em


forma de dialogo, entre um padre mestre e seu discipulo .
No entretanto alem destas poesias do padre Antonio
Gomes Pacheco possuimos outras que até aqui não viram
a luz da publicidade.
Celebrando- se em Pernambuco aos 19 de Marco de 1775,
dia do anniversario natalicio do governador José Cezar de
Menezes, uma festa litteraria em seu louvor, o padre Gomes
Pacheco foi dos que tomou parte nella, recitando una Ode,
uma glosa e um romance joco -serio .
O padre Gomes Pacheco, incumbiu -se de colleccionar
todas as peças recitadas nesse certame poetico , e depois de
obtidas dos seus autores, organisou um bello album , com
o titulo de Collecção das obras feitas aos felicissimos annos
dlo Ilm . e Exm . Sr. José Cezar de Menezes governador e
capitào general de Pernambuco na sessão academica de 19
de Março de 1775, offerecida por Antonio Gomes Pacheco ,
presbytero secular .
Precede esta collecção mais duas poesias do padre
Gomes Pacheco, como dedicatorias ; são dous bellos sone
tos, um ao governador José Cezar de Venezes, e um outro
110 leitor -
O album que tivemos em mãos, e que benignamente
nos foi confiado por um amigo, é em manuscripto ; mas de
um trabalho tão delicado e primoroso, que a primeira vista
tomamos
viram
por impresso , e assim todas as pessoas que o
.
E por isso , e pela sua luxuosa encadernação, pensamos
que fôra este o proprio album offerecido a José Cezar de
Menezes, por occasião da festa litteraria que em seu louvor
fòra celebrada ; c d'entre as mais bellas flores desse primo
roso ramalhete, notam -se as que foram offertadas pelo
padre Antonio Gomes Pacheco .
Antonio Gonçalves da Cruz (Cabuga) . Illustris
simo pernambucano de 1817 na phrase de um escriptor,
natural do Recife, herdeiro de uma casa opulentissima,
Antonio Gonçalves da Cruz em consequencia de uma re
nhida demanda viu -se forçado a deixar Pernambuco,
viajou bastante, e cahindo prisioneiro dos franceze's revo
lucionados, instruiu -se com elles nos principios democra
ticos, e voltou á patria tão enthusiasmado por taes idéas,
que li menor fuisca o cxaltara , pondo- o em combustùo.
Instruido convenientemente, não só por sua educação
como pelo que vira e aprenderá em suas viagrus, rico e
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 101

generoso, ardente e enthusiasmado patriota, José Gon


çalves da Cruz foi logo procurado pelos conspiradores que
promoviam a obra da nossa emancipação politica, ini
ciou -se nos clubs secretos ; fez parte das academias do
Cabo e Paraiso , e por fim , a sua propria casa situada na
rua que tem por nome o seu appellido – Cabugá, foi con
vertida em um outro centro de reuniões, e na sua magni
fica quinta do Manguinho alternava os trabalhos de sua
casa do Recife, com profusos, explendidos e delicados
banquetes.
Na sua casa da cidade, chamada pelos portuguezes
capella de baptisados maconicos, ostentava - se o luxo e a
riqueza, nas suas salas viam -se primorosos quadros com
os retratos dos vultos mais salientes das revoluções fran
( eza e ingleza, e na sua bibliotheca encontrava -se uma
escolhida collecção de livros sobre assumptos politicos, es
pecialmente sobre os principios democraticos, e outros
sobre a historia das suas iniciativas e resultados. Este
pernambucano, diz Muniz Tavares, tinha viajado na Eu
ropa, e possuia consideravel fortuna ; a sua casa era o
receptaculo dos brazileiros mais conspicuos attrahidos
pela sua affabilidade . Os portuguezes somente por esta
razão o detestavam , co apontavam como um dosmaiores
revolucionarios.
Apontado como conspirador, alvo do despeito e da
maledicencia, e querendo em tempo subtrahir -se á perse
guições, Cabugá resolveu fixar -se nos Estados Unidos,
vendeu todos os seus bens, e obteve passaporte pare New
York . Nesse interin , é o governador informado da conspi
ração , è no conselho que reuniu na manhà debde Março ,Ca
bugá foi um dos primeiros condemnados á prisão, da qual
se encarregou um seu amigo o marechal José Roberto Pe
reira da Silva. Mas o immediato rompimento da revolta
nesse mesmo dia, não deu tempo a effectuar - se a sua prisão,
e elle corre á se reunir com os patriotas, toma parte em
todos os movimentos desse dia e do subsequente, e só os
deixou depois de effectuada a capitulação da fortaleza do
Brum , levando para a sua casa a gloria de ter sido um dos
fundadores da liberdade de sua patria .
No dia 8, na primeira reunião do governo provisorio ,
Cabugá recebe a nomeação de presidente do Erario Na
o alvitre de se enviar aos Estados
cional, mas deliberado
Unidos um agente diplomatico na qualidade de encarre
girdo de negocios, a escolha recahiu em Cabugii por acto
102 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de 11 de Março , dando -se - lhe como secretario e interprete


da embaixada o patriota Domingos Malaquias de Aguiar
Pires Ferreira. A missão de Cabugá tinha por objecto pro
mover o reconhecimento formal da nova republica pelo
governo dos Estados Unidos, sendo ao mesmo tempo en
carregado de engajar alguns officiaes francezes alli emi
grados, para servirem no exercito de Pernambuco ; de
comprar armamentos e petrechos de guerra , de que muito
se necessitava; e que fizesse quanto antes transportar tudo
ao porto do Recife, ou a algum outro das provincias limi
trophes no caso de bloqueio , para o que lhe foi entregue a
quantia de 60 :000 $000.
No dia 24 de Março de 1817 partiu a embaixada do
porto do Recife, acompanhando -a os votos dos patriotas
pelo bom exito da sua missão . Cabugá chegando em Bal
limore, satisfez promptamente a segunda parte da sua
incumbencia, e fazendo remessa de tudo para Pernam
buco, seguiu para Washington á tratar do primeiro e prin
cipal negocio da sua embaixada. Mas o mallogro da revo
lução , cuja noticia lhe chegou rapidamente, « não lhe deu
tempo para desenvolver os seus grandes talentos diplo
maticos, nem se aproveitar da preciosa coadjuvação de
Domingos Malaquias, secretario e interprete da legação .»
Livre a sua pessoa da perseguição e martyrio votados
aos infelizes patriotas, pela garantia que lhe offerecia a
sua ausencia , vingaram - se porem , confiscando- lhe todos
os seus bens, e incluindo o seu nome na lista dos pros
criptos; mas, accusado perante a Alçada « por prestar a
sua casa para ajuntamentos, render os seus bens nas
vesperas da revolução, ter despendido muito dinheiro com
a mesma, ter gente armada em sua casa na noite de 5 para
6 de Marco por esperar ser preso , dizer que ha muito se
tratava da revolução e por isso ter excluido do segredo aos
mações europeos , figurar nomotim do dia 6 entre os mais
rebeldes, e por ser embaixador na America ingleza, onde
tem feito serviços distinctos á rebellido ) , e apesar de se
não obter provas de todos estes pontos de accusação,
comtudo foi condemnado á pena de morte !
Na impossibilidade de prestar os seus serviços á causa
da patria, Cabugá passou-se para Philadelphia , onde pres
tou -se immenso aos poucos de seus patricios que con
seguiram emigrar para os Estados Unidos. Em 1826 veio
elle a Pernambuco, foi ao Rio de Janeiro , tornou a esta
provincia , e d'aqui seguiu para America em virtude da
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 103

nomeação que recebeu do governo imperial, incumbindo - o


do consulado geral do Brazil nos Estados Unidos.
Até aqui chegaram as noticias que a respeito de tão
illustre patriota podemos obter. Outras particularidades, o
papel que desempenhou depois da independencia, os seus
serviços de então, onde e quando terminou os seus dias,
são pontos desconhecidos, sobre os quacs nada obteve as
nossas indagações e pesquisas.
Antonio Joaquim de Mello. Nasceu aos 2 de Feve
reiro de 1794 no bairro de S. Antonio do Recife. Era filho
legitimo de Ignacio Correia Gomes de Mello e D. Anna
Francisca das Chagas Alves Marinho.
Bem cedo revelou Antonio Joaquim de Mello a sua
grande intelligencia , e o bello talento com que o dotára a
natureza. De seus pais , apenas recebeu a instrucção pri
maria ; mas, pelo seu amor e dedicação ás lettras, con
seguio conquistar tantos conhecimentos, accumular um
tão subido grao de instrucção, que admirava como tanto
podera conseguir comsigo mesmo, tal era o seu estudo,
dedicação e força de vontade.
Ainda bem joven , entrou para o cartorio do tabellião
de notas desta cidade, Miguel Peres Correia Gomes, na
qualidade de escrevente ; mas bem pouco tempo perma
neceu neste emprego .
Em 1813, os seus amigos, c aquelles que o conheciam
e louvavam a sua dedicação e amor pelos estudos, e que
apreciavam as suas qualidades e honroso proceder obti
veram do governador e capitão general desta capitania ,
Caetano Pinto de Miranda Monte -Negro a sua nomeação
para o officio de tabellião do judicial e notas e escrivão do
civel e crime da cidade do Recife.
A obtenção deste emprego para Antonio Joaquim de
Mello, é a mais honrosa é significativa prova de seu me
rito , e honrosos precedentes. Tendo por norte apenas as
qualidades e os dotes do nomeado, o general Caetano Pinto
ultrapassara as exigencias da lei , a determinação de que
para taes cargos só fossem nomeados os casados e maio
res de 25 annos !
E ' que o generalCaetano Pinto comprehendia que não
é o estado e nem a idade que dão as habilitações e que
constituem o real e verdadeiro merito , as qualidades cos
dotes necessarios aos individuos para o exercicio de qual
quer emprego ,
104 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Vivia, pois, o joven Antonio Joaquim de Mello entregue


aos labores da vida forense, e nas horas de descanso e re
pouso entregava - se ao estudo. Em intima convivencia com
alguns homensnotaveis pelas suas lettras e sciencias, taes
como Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque, João
Nepomuceno da Silva Portella, Antonio Joaquim de Abreu ,
Francisco Ferreira Barreto , José Marianno Falcão Padilha ,
frei Carlos de S. José, depois bispo do Maranhão , e outros
mais, que, como elle, tornaram -se celebres na historia
politica e litteraria do nosso paiz , a elles apresentava as
suas lucubrações, as primicias do seu engenho.
Mas Antonio Joaquim de Mello , não era sómente um
enthusiasta das bellas lettras, um dos seus mais dedicados
cultivadores. Naquelle generoso e nobre coração, estava
gravado o verbo patriotico da liberdade e independencia
do seu paiz . E foi assim que, moço e ardente como era,
associou -se logo áquelles benemeritos varões, aquelles
illustres patriotas, que conceberam o arrojado plano de
derrubar o imperio do depotismo e proclamar a patria
livre !
Rompe a revolução aos 6 de Março de 1817 ; Antonio
Joaquim de Mello não calcula os perigos a que se expunha,
tudodespreza, e corre a se unir com os patriotas nas bar
ricadas da liberdade, e não duvida até em derramar o seu
proprio sangue por amor da patria , dessa patria que tanto
amou, cujas glorias e tradições tanto o orgulhava e enso
berbecia .
Emquanto outros patriotas prestavam os seus ser
viços á causa sacrosanta da liberdade, empunhando a
arma do soldado nos campos da batalha, elle , no gabinete
dos governadores provisorios, era o agente infaligavel das
correspondencias e officios , e de todo o expediente do
governo .
Teve, pois, por campo de batalha o terreno da intel
ligencia e por armas a sua penna , essa mesma penna que
ao depois immortalisára os nomes de tantos illustres e
benemeritos pernambucanos.
Cahe a republica, ergue-se de novo o imperio da rea
leza, sacrifica -se ao seu capricho e tyrannia innumeras
victimas e Antonio Joaquim de Mello escapa felizmente dos
algozes da sua patria . Mas no anno seguinte, quando de
novo accendeu -se o furor dos canibacs, prendem - o, en
carceram - 0 na cadeia desta cidade, em à noite de 6 de
Abril de 1818, por haver sido accusado pela alçadas, com
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 105

elle muitos outros patriotas, cujas prisões fizeram debu


lhar em lagrimas mais de 60 familias pernambucanas,
vendo -se desamparadas de seus chefes , e elles ameaçados
dos mais barbaros e atrozes supplicios!
Porém bem curta foi a detenção do illustre preso ,
porque valeu -lhe o primeiro decreto de perdão de 6 de Fe
vereiro de 1818 .
Depois dessa epocha demittio -se Antonio Joaquim de
Mello do officio de tabellião e escrivão, e seguiu para o
centro da provincia á exercer a nobre e independente pro
fissão de advogado, occupando tambem no sertão o lugar
de thesoureiro dos ausentes. Na segunda viagem que fez
ao sertão casou-se em Garanhuns com D. Maria Magda
lena de Mello , natural de Tacaratú , mas 3 annos depois a
terna companheira dos seus dias o deixou na viuvez, le
gando-lhe dous filhos. Eis como elle proprio descreve a
felicidade do seu consorcio e como lamenta a perda da
esposa, quando na biographia do illustre pernambu
cano Alvaro Teixeira de Macedo trata da sua felicidade
conjugal :
« Eu tambem fui ditoso ! Mas o anjo de ternura e con
solação, que o sereno céo dispensou -me, o céo m’o revocou,
apenas passados trez annos. Ainda agora, na viuvez me
lancolica de 34 invernos, a sua lembrança me é tão viva e
tão penetrante !... Tào saudosa ! ... Quão poucos instantes
brilha o dia escasso da nossa vida ! »
Depois de 4 annos de residencia no interior da pro
vincia regressou para esta capital, quando a liberdade já
assomava nos horisontes da patria . Proclamada a inde
pendencia do Brazil, foi Antonio Joaquim de Mello no
meado procurador fiscal da Thesouraría de Fazenda desta
provincia, por decreto imperial de 18 de Novembro de 1822,
A elle coube a honrosa missão de ser o installador
desta repartição, e no desempenho deste cargo , que lhe
fòra confiado pelo governo, se conservou por espaço de 32
annos , quando recebeu o decreto de sua aposentadoria ,
em data de 11 de Março de 1854 .
Em 1823 foi Antonio Joaquim de Mello , eleito para o
cargo de vereador da Camara Municipal do Recife e no
anno seguinte rompendo a revolução que proclamou nesta
provincia a Confederação do Equador, elle liberal firme e
de convicção, amante da liberdade e das instituições livres,
võa ao campo dos revoltosos, esposa a causa da revo
lução , e nessa opposição e pugna politicas que os pernam
15
106 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

bucanos levantaram intrepidos, elle já como particular, e


já officialmente , prestou grandiosos serviços, foi um dos
baluartes e sustentaculos do novo governo .
« O movimento politico ou revolução em 1824, diz um
escriptor, tão generoso e grandioso como o que hou
vera em 1817, era um protesto energico, eregido em nome
da soberania nacional contra a permanencia da monarchia
absoluta, que se desfarçava em uma forma constitucional
representativa ; era o meio proprio da reivindicação de di
reitos conculcados; era uma verdadeira revolução no ter
reno da verdade, porque os principios justos e exactos
eram por elle proclamados e sustentados . »
Debellada a revolução, rasgou - se o immenso scenario
das perseguições, e muitas foram as victimas sacrificadas
em holocausto nó altar da patria ; os abutres da tyrannia
estavam sedentos de sangue, e só o sangue dos illustres
patriotas lhes saciava a séde.
Antonio Joaquim de Mello para escapar aos furores e
perseguições dos agentes do rei , abandona a sua residencia ,
occulta -se, e vive foragido por algum tempo, lutando com
as maiores privações, molestias, trabalhos e fadigas.
Estava elle no Brejo da Madre de Deus, quando The
chegou a noticia de que se preparava em Portugal uma ex
pedição militar contra o Brazil ; então, tomando mão da
Īyra patriotica, vibrou as suas cordas de ouro, e produzio
uma bella e inspirada cantata nacional — Os Cahétes,
que depois inserio no seu livro de versos publicado em
1847, e a pagina 100 do segundo volume das suas Biogra
phias de alguns poétas e homens illustres da provincia de
Pernambuco .
Depois regressou ao centro da provincia , e acolheu -se
a uma casa no lugar denominado Bongi, proximo a esta
cidade. Ahi, compareciam accidentalmente outros com
promettidos politicos , e se entretinham muitas vezes ,
como era natural , sobre a recente revolução , e a terrivel
conducta do obsecado e atroz poder triumphante. Alli ,
conta elle proprio , vinham a balha até os despotismos é
crueldades dos primeiros colonisadores sobre os Incolas,
de inculpada selvageria , senhores naturaes do Brazil . A
pobre familia hospedeira, nutria honestos principios li
beraes , e os attrahia e excitava mesmo as vezes a taes
discussões e contos . Nesse abrigo e circumstancias , que
não foram sem sustos em diversas occasiões , compoz
Antonio Joaquim de Mello o seu idyllio Itaé, que depois cor
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 107

regio e ampliou ; e em 1845 pessoalmente o offereceu em


manuscripto a S. M. o Imperador, que se dignou benigna
mente acolhel- o, cuja poesia encontra - se nas mesmas
obras que acima fallamos.
Debellada a revolução, e em virtude do decreto de 7 de
Março de 1825 , concedendo amnistia aos revoltosos , voltou
Antonio Joaquim de Mello do seu homisio , e entrou no
goso de seus direitos e beneficios.
Mas, novas perseguições o aguardavam em 1828. A
influencia e o prestigio que elle tinha sobre o corpo elei
toral , fizeram -no timido, e então os seus inimigos politicos
lançaram mão dos meios de o afastar do seu partido, da
sua direcção , embora esse meio fosse uma infamia . Fazem
pasquins contra o governo de D. Pedro I, publicam-no ,
fixam -no pelas esquinas das ruas e vão depois denunciar
a Antonio Joaquim de Mello e outros, como autores de tão
infame procedimento .
Antonio Joaquim de Mello é preso e recolhido á forta
leza do Brum em Fevereiro de 1829, e ainda em Fevereiro
do anno seguinte, requeria ao desembargador ouvidor
geral do crime, que nomeasse um outro escrivão para o
seu barbaro processo, afim de não soffrer outro anno de
prisão, sem ser julgado por falta de juizo, o que certo
aconteceria si o mesmo escrivão continuasse nos traslados,
porque antes que os acabasse, iriam para as cortes osmi
nistros deputados, e para a Bahia o desembargador Mon- .
teiro de Barros, e continuariam então os seus inimigos a
rirem -se da sua oppressão ; o que só lhe foi concedido
quasi um mez depois !
Treze mezes permaceu preso Antonio Joaquim deMello ,
victima dessas inquisitorias devassas depasquins e da cha
mada rebelliño, até que foi solto por accordão da Relação .
Ainda em 1838, foi de novo submettido a processo , por
haver dito em um officio que dirigio ao presidente da pro
vincia, em resposta a um outro que recebera, que, uma
phrase por elle usada, fôra escripta com muita precipi
tação e leviandade !! E por isso foi denunciado pelo pro
motor José Thomaz Nabuco de Araujo Junior, em 8 de
Junho de 1838, como incurso na metade da pena estabe
lecida no art. 237 & 2.° pela disposição do art. 238 do Codigo
Criminal, no gráo maximo por se haver dado as circum
stancias aggravantes dos numeros 4, 7 e 8 do art. 16 do
mesmo Codigo !
Porém , Antonio Joaquim de Mello triumphou ; os seus
108 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

inimigos politicos viram quebrarem -se as armas mesqui


nhas quehaviam forjado contra elle. E ' que a justiça não
conhece altos nem baixos, e nem sempre serve de joguete
a vinganças pequeninas.
A revolução patriotica de 7 de Abril de 1831, cujo
fructo foi a abdicação de D. Pedro I e a sua partida para a
Europa, extremara dous partidos; um , envidava todos os
mcios, empregava todas as suas forças pela restauração
do governo do primeiro imperador: o outro, porém , sus
tentava a abdicação, e além de luctar com os seus adver
sarios, luctava tambem com a influencia portugueza, que
então ainda tinha algum valor.
Antonio Joaquim de Mello, tendo passado já duas vezes
pelos cadinhos do martyrio, patriota extremado, liberal de
ideas e firmes convicções, soldado amestrado nas luctas
das liberdades patrias, pertencia ao partido moderado,
isto é , ao partido que sustentava a abdicação, e foi o seu
chefe em Pernambuco .
O partido contrario havia creado para centro de suas
deliberações uma sociedade secreta denominada - Co
lumna do throno e do altar -- , e Antonio Joaquim de Mello
para centro de acção e necessario orgão de defesa, insti
tuio e presidio a sociedade Patriotico -harmonisadora, e
redigio um periodico orgão da sociedade e do partido, ao
qual denominou - Harmonisador, o que extraordinaria
.mente contribuio , não só para que se firmasse a generosa
e patriotica idea do partido, como para o restabelecimento
da ordem publica , quando rebentou nesta cidade a sedição
militar conhecida na historia por Setembrisada, nos dias
14 , 15 e 16 de Setembro de 1831, cuja associação não só poz
a disposição do governo as pessoas dos seus membros,
como tambem os seus haveres.
Com a abdicação de D. Pedro I , tambem nasceu a idéa
da reforma constitucional, e no meio das oscilações do
espirito publico, das diversas opiniões que se apresen
taram , surgiu a idéa da reforma da constituição no sen
tido federativo .
Entre outras provincias onde mais se havia desen
volvido a idéa federativa, a Parahyba do Norte apresentava
serias difficuldades ao governo, pelo progresso que havia
feito os seus partidarios.
Era pois de urgente necessidade enviar a Parahyba,
um homem de confiança e prestigio, que assumisse as
redeas da sua administração ; e esse homem pelos seus
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 109

precedentes, pelas suas opiniões, serviços e dedicação, foi


Antonio Joaquim de Mello .
Nomeado pela Regencia por carta imperial de 10 de
Dezembro de 1832, seguiu para a Parahyba, e aos 16 de
Março do anno seguinte, prestou juramento e assumio as
redeas da administração da provincia. Porém , por bem
pouco tempo se conservou nessa difficil e melindrosa
missão, pois aos 6 de Janeiro do anno seguinte entregou
à sua administração, e seguio para o Rio de Janeiro, a
tomar assento na camara geral como deputado por Per
nambuco, cuja eleição conseguira achando -se ausente
d'aqui, tal o seu prestigio e o merito que lhe reconheciam
possuir os seus comprovincianos.
Os serviços prestados por Antonio Joaquim de Mello
na presidencia da Parahyba, á ordem publica e a manu
tenção das nossas instituições politicas, foram inumeros,
foram relevantissimos.
A entrada de Antonio Joaquim de Mello no parlamento ,
como representante de sua provincia natal, foi um novo
horisonte que rasgou - se explendido ós suas conquistas, á
exhibição do seu talento e dos seus dotes parlamentares.
Antonio Joaquim de Mello , diz um seu biographo , fez
então prodigio de valor parlamentar, tomando parte muito
activa na confecção do acto addicional, sustentando e in
sinuando as theses politicas mais sães e verdadeiras, que,
adoptadas, se lèem hoje na reforma da nossa Constituição
e que fariam o bem e a prosperidade de nossas provincias,
se lei interpretativa e mais tarde os actos do poder central
não cerceassem os germens da discentralisação politica e
administrativa , que essa liberrima lei encerra ; e em tão
arduo e afanoso, quão patriotico trabalho, luctou , até com
alguns dos seus proprios collegas, deputados por esta
provincia , que se oppunham á qualquer reforna na Consti
tuição .
Quando terminou a sessão legislativa, o governo instou
para que elle voltasse a Parahyba á exercer o cargo de
presidente que lhe havia sido confiado ; mas elle instou
tambem pela sua demissão , a qual a muito custo lhe foi
dada já em 1835, agradecendo - lhe então o governo da re
gencia em um honroso documento, os valiosos serviços
que elle prestara a causa da sustentação das nossas insti
tuições politicas , da ordem e tranquilidade publica.
Nas seguintes legislaturas, não se apresentou candi
dato a deputação geral; e apezar das publicas declarações
110 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

que fizera , e de tanto se recusar a acceitar tão honroso


mandato, alegando modestamente que, haviam outros mais
aptos do que elle para os altos cargos de eleição, no en
tretanto foi ainda por varias vezes honrado com o suffragio
popular, e por isso, ante o mais sagrado dos deveres, o
da gratidão, vio -se por muitas vezes obrigado a corres
ponder a honrosa confiança dos seus amigos, acceitando
uma cadeira de deputado no parlamento nacional .
Ahi, sempre que se aventavam questões de magno
interesse para o bem estar do paiz, sempre que se apre
sentava um projecto de reforma ou de melhoramentos ten
dentes ao seu engrandecimento e prosperidade, erguia - se
o vulto do illustre patriota, e a sua voz fazia - se ouvir, e na
fileira dos baluartes dos defensores dos nossos interesses,
dos sustentaculos da nossa honra e dignidade nacional,
lá se destacava o vulto proeminente de Antonio Joaquim
de Mello .
Não tentamos enumerar os serviços prestados ao paiz ,
por esse illustre pernambucano no parlamento nacional ;
sirva -lhe apenas de brasão das suas glorias parlamen
tares , a brilhante attitude que tomou na confecção do acto
addicional, e a grande parte que tomou na elaboração do
Codigo Commercial, de cuja commissão fez parte, e da qual
foi talvez a cabeça pensante.
Além dos cargos de eleição popular que lhe confiaram
os seus conterraneos, taes como os de vereador da Camara
Municipal do Recife, da qual foi presidente, conselheiro do
governo e da provincia, juiz de paz e deputado a assem
bléa legislativa provincial, e geral em quatro legislaturas,
exerceu tambem cargos de magistratura, como os de juiz
de fóra e de orphãos pela lei , e o de ouvidor.
Ha um facto na vida de Antonio Joaquim de Mello , que
por si só, basta para mostrar a autoridade do seu elevado
caracter, o brio e a dignidade desse illustre pernambu
cano . Para a legislatura provincial de 1844 a1845, foi eleito
deputado ; mas o classico costume das falsificações de
actas, excluiram-no e deram-lhe o diploma de terceiro
supplente !
Mas o dever de honra e dignidade do homem que se
prcza, fizeram -no devolver o diploma a Camara Municipal,
fazendo - o incluso em um officio datado de 17 de Abril de
1844, no qual dizia que, a obrigação de concorrer, quanto
lhe permittissem as suas tenuissimas forças, para a mo
ralidade e bem da sua terra , não lhe permettia ser tao in
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 111

dulgente com o roubo que se lhe fez do lugar de membro


effectivo, ou do numero da Assembléa, por meio da sabia
falsificação da acta do collegio de Iguarassú, que chegasse
comparecendo, servir na qualidade em que o chamavam
de terceiro supplente, e dar assim por sua parte effeito e
rigor a impunida falsificação.
Por cinco vezes foi este illustre patriota votado para
senador do Imperio , e por tantas vezes excluido da hon
rosa missão de representar a sua provincia no Senado .
A primeira vez, na eleição de 1837, por fallecimento do
senador José Joaquim de Carvalho, foi Antonio Joaquim de
Mello o primeiro votado (273 votos) . A segunda, em 1838,
pela vaga do marquez de Inhambupe, foi o terceiro votadó
(206 votos) . A terceira, em 1839, por fallecimento do senador
José Ignacio Borges, foi tambem o terceiro votado (370
votos) . A quarta, em 1845 , por morte do senador Manoel
Caetano de Almeida e Albuquerque, foi ainda o terceiro
votado . (509 votos) . A quinta , em 1850, por fallecimento dos
senadores Antonio Carlos Ribeiro de Andrade Machado e
Silva e José Carlos Marink da Silva Ferrão, foi da lista sex
tupla o segundo votado (930 votos ).
Em 1863, os seus amigos lembraram-se de o apresentar
candidato a vaga que se deu no senado . Envidaram todos
os esforços, pedem , rogam, publicam no Diario de Pernam
buco de 9 de Outubro um bello artigo descrevendo todos os
seus serviços , tiram - se em avulso , espalham -no para todos
os eleitores com cartas de recommendação, mas tudo foi
baldado, tudo foi inutil, e desta vez, o patriota illustre enca
necido nas lutas das liberdades patrias, o cidadão prestante
e virtuoso, o escriptor fecundo que com a sua penna tanto
exaltara e engrandecera a sua provincia, nem ao menos
conseguio entrar na lista triplice !!
Ainda em 1868, quando se tratou da eleição de um
senador nesta provincia, alguem inserio um artigo no
Diario de Pernambuco de 19 de Maio sob o pseudonimo –
() justiceiro, lembrando o seu nome, e o apresentando para
ser incluido na lista triplice, dizendo, que era chegada a
occasião de reconhecimento e gratidão que deviamos ter
em pagar uma divida que por cinco vezes a provincia tinha
querido ver realisada , fazendo ao mesmo tempo a apologia
dos seus meritos, do seu talento e illustracão, e dos servi
cos que havia prestado ao paiz nas mais calamitosas épocas
porque havia passado, desde os tempos coloniaes .
Mas tudo foi improficuo , nada se ohteve, senão uma
112 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

eloquente e modesta replica a esse artigo, firmada por elle


proprio no Diario de Pernambuco de 25 de Maio domesmo
anno de 1868.
« Não sou essa illustração, e sabio, que a sua sympa
thia imagina ; apenas tenho desejado e procurado ser
patriota desinteressado, independente representante da
nossa provincia , quando esta honra me foi conferida; aus
tero e bemfazejo , sempre acatando, mas nunca rastejando
ante o poder : a prova incontesta vel disto são estas cinco
vezes, de que falla o Sr. Justiceiro . Apenas serviços hei
prestado a patria ; e persistirei em prestal-os sempre que
o possa . Mas é este um dever de todos nós , dever que se
desnatura e avilta , se põem fito seu ganho de interesses
pessoaes . O exposto porém não basta , maxime no pre
sente, para attingir a sublimidade da posição , a que allude
o Sr. Justiceiro, e a que só os grandes talentos, e virtudes
devem aspirar. »
A estaseloquentes palavras, repassadas de patriotismo
e modestia, não nos é Îicito accrescentar uma só palavra.
Ellas por si só, bastam para realçar o que havia de grande
naquelle homem , a austeridade do seu caracter , e a altivez
e independencia que sempre ostentara .
Eogovernotão prodigo em certas occasiões,tão solicito
em distinguir até a mediocridades, que nada valem por si ,
contentou -se em remunerar os serviços de Antonio Joa
quim de Mello , depois da maioridade, conferindo -lhe o
diploma de commendador da ordem de Christo ,e o offlcia
lato da Rosa, titulo este que não tirou ; e foram essas as
unicas distincções que recebeu do governo durante a
sua vida .
Mas Antonio Joaquim de Mello tinha um grande defeito ;
não sabia insinuar - se, não sabia fazer praça e apregoar, e
encarecer os seus serviços, encommendar ou fazermesmo
artigos elogiando - se a si proprio, render culto a gregos e a
troyanos .
E quando outros solicitam nomeações para os grandes
cargos, elle recusava -se de acceitar varias presidencias,
entre ellas a desta provincia, as pastas de ministro da ma
rinha e imperio, e outros elevados cargos da representação
nacional.
E pela sua independencia de caracter, e pela sua abne
gação e desinteresse, viveu esquecido, pobre retirado á
sua modesta habitação, mas trabalhando, tirando do pó do
esquecimento salvando do indifferentismo e aniquilamento
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 113

as nossas glorias e tradicções brilhantes, os vultos proe


minentes dos heróes desta legendaria terra , de cujas glo
rias foi elle o mais enthusiasta e dedicado zelador.
O seu nome ainda resplende nos annaes de duas das
mais utilissimas instituições que possue esta provincia.
Sim ; não esqueçamos nenhum dos actos de tão illustre
quão prestimoso cidadão, cuja memoria esta terra que lhe
dera o berço guarda reverente.
A creação da Bibliotheca Publica e do Thesouro Pro
vincial, deve -se ao illustre patriota Antonio Joaquim de
Mello , quando deputado provincial.
Além de outras propostas todas de magno interesse ao
engrandecimento desta provincia, propoz que se mandasse
tirar cópias na Torre do Tombo e em outros archivos pu
blicos de Portugal, dos documentos relativos a historia e
geographia de Pernambuco. Veio uma discripção desta
provincia , que para na Secretaria da Presidencia quasi
inutilisada pelo cupim , e um outro trabalho que, nem ao
menos inutilisado existe .
Em 1859,S. M. o Imperador lembrou - se de Antonio Joa
quim de Mello como pessoa competente, para colligir na
Thesouraria de Fazenda os documentos antigos e mais im
portantes que existissem sobre a historia de Pernambuco.
À presidencia em officio de 20 de Novembro desse mesmo
anno, lhe mandou communicar tal indicação ; mas nada
sabemos sobre o resultado desta incumbencia .
Até aqui temos rapidamente esboçado o vulto do pa
triota illustre, do cidadão prestimoso e cheio de dedicação,
desinteresse e abnegação , do homem publico em fim . Pas
semos agora ao litterato , ao cultor das musas, ao biogra
pho, ao zelador das nossas glorias e tradicções.
As musas embalaram o berço do commendador Anto
nio Joaquim de Mello, e imprimiram em sua fronte um
beijo de inspiração. Bem joven ainda, já didilhava uma
lyra, cujas modulações poeticas, apresentava a um pe
queno circulo de amigos, todos como elle, dedicados cul
tores das bellas lettras.
Ainda que os seus empregos, e o desempenho das di
versas commissões de que fora incumbido absorvessem a
sua attenção, comtudo , nunca deixou por falta de cuidado
emmurchecer as bellas florinhas que havia cultivado, e de
vez emquando, á brisa fagueira do descanso, ellas despren
diam das suas petalas o mais agradavel perfume.
Retirando -se á vida privada e concentrada, quando já
16
114 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

asua fronte alvejava ao peso da corôa da velhice, abatido


por molestias e injustiças, elle então dedicou -se exclusiva
mente a cultura das lettras , cujas producções honram e en
riquecem a nossa litteratura .
Em 1847, colleccionou algumas das suas poesias e
deu-as ao prelo nesta provincia.
Fernando Wolf na sua obra o Brazil litterario, men
ciona o seu nome, e tratando do seu idyllio Itaé, diz que
elle muito interessa pela côr local. Além de varias produc
ções poeticas que publicou nos jornaes desta provincia ,
n'alguns folhetos e nas suas Biographias, deixou muitas
outras ineditas, todas interessantes pelo assumpto e pela
forma .
De todos os trabalhos publicados pelo commendador
Mello , notam - se os tres volumes das Biographias de alguns
poetas e homens illustres da provincia de Pernambuco , aqui
impressas em 1856-1858-1859.
Nessa galeria figuraramos vultos deJoão Nepomuceno
da Silva Portella, padre Manoel de Souza Magalhães,
padre José Gomes da Costa Gadelha, Felippe Bandeira de
Mello, Pedro de Albuquerque , Manoel Caetano de Almeida
e Albuquerque, padre Felippe Benicio Barbosa, vigario
Francisco Ferreira Barreto, Luiz Barbalho Bezerra,padre
Antonio Gomes Pacheco , Luiz Francisco de Carvalho Couto,
Jeronymo de Albuquerque, Alvaro Teixeira de Macedo é
João Antonio Salter de Mendonça .
Esta obra , se prima pelo seu estylo pomposo e elegante,
pela erudição e variados conhecimentos que ostenta o seu
autor e pela noticia que dá de tantos vultos proeminentes,
condemnados ao esquecimento, e os seus nomes ignora
dos , e as suas acções e composições sem serem co
nhecidas e apreciadas, prima também pela rica e variada
cópia de documentos historicos que vem appensos, todos
ineditos , todos de grande valor e interesse historico.
E essa obra que tanta luz tem trazido á nossa historia,
que tanto illustra a nossa nascente litteratura, que conquis
tára um nome immorredouro ao seu autor, e que tão sau
dada e encomiada tem sido por escriptores não só nacio
naes como estrangeiros, acaba de ser amesquinhada, não a
obra, porque felizmente não a podia ser, mas sim a memo
ria dos biographados, por um escriptor do Rio de Janeiro,o
conego Fernandes Pinheiro !
Eis o que elle dizno seu Resumo de Historia Litteraria,
vol. 2. p . 173 ;
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 115

« Biographias de alguns poetas e homens illustres da


provincia de Pernambuco, tal é o titulo que para a sua obra
escolheu o Sr. Antonio Joaquim de Mello, imprimindo- a
na cidade do Recife (em 3 vol.de 8. ' grs .) entre os annos de
1858-1860 . )
« Acreditamos que ás affeições particulares mais do que
aos grandes interesses da historia attendeu o Sr. Mello nas
suas biographias a que nos estamos referindo. A excep
ção de tres a quatro vultos todos os outros são inteiramente
desconhecidos fóra da provincia , e seus feitos de tal sorte
secundarios que foram precisas assiduas pesquizas e inda
gações (a que aliás se entregou o autor) para explicar -lhe a
razão da existencia . )
« Como auxiliar historico não é destituida de valor o
trabalho do biographo pernambucano, que se recommenda
pela abundancia de documentos, tão raros como authenti
cos . O estylo é fluente e de grande correcção .»
A essa opinião parcial e injusta do conego Fernandes
Pinheiro relativa aos biographados, muito tinhamos que
oppor; basta -nos, porem , para salvar a reputação do illus
tre pernambucano, o que sobre essa mesma obra, disse
ram alguns escriptores, todos notaveis, assim pela sua il
lustração, como pela sua autoridade e imparcialidade.
Innocencio Francisco da Silva , no supplemento do seu
Diccionario Bibliographico, diz, que, « é uma collecção
dobradamente interessante , na qual se incluem subsidios
de maior proveito para os que de futuro tiverem de occu
par-se da historia politica e litteraria do Brazil , com refe
rencia em particular á provincia de Pernambuco. »
Fernando Wolf, no seu Le Bresil Litteraire, diz, que,
« 0 commendador Antonio Joaquim de Mello muito me
receu dos seus compatriotas, publicando as suas Biogra
phias de alguns poetas e homens illustres da provincia de
Pernambuco, e queinfelizmente esta obra lhe chegou muito
tarde para que podesse se utilisar della em seu livro . )
o Dr. Antonio Rangel de Torres Bandeira, em um ar
tigo publicado na Aurora Pernambucana , n . 89 de 1859,
disse o seguinte :
« 0 Sr. Mello veio corresponder a uma necessidade
tanto mais eminente e clamorosa, quando é certo que nada
tinhamos antes que podesse satisfazer esse desideratum . »
« Quando se houver de fallar, daqui por diante, nos
engenhos brazileiros que mais se nobilitaram pela sua de
116 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dicacão ao culto das musas, ha de se dizer que o digno


autor das Biographias de alguns poetas e homens illustres
da provincia de Pernambuco, foz quanto lhe era possivel
para salvar do esquecimento as memorias de muitos delles ,
a respeito dos quaes a posteridade encontrará ahi muitos
elementos para seu juizo regular e desapaixonado. »
Poderiamos ir muito mais além na exhibição de opi
niões de outros escriptores, sobre a obra em questão ; mas
para destruir a parcialiadde e injustiça do conego Fer
nandes Pinheiro , bastam apenas as que vimos de apre
sentar.
0 commendador Mello, publicando essa obra, não
parou , nem julgou que tivesse pago a divida de honra que
havia imposto a si mesmo.
Nesse atanoso e difficil trabalho, já despendendo quan
tias superiores ás suas posses, com a cópia de documentos
e outras informações, já empregando -se exclusivamente
a isso , quando a sua avançada idade reclamava repouso
e descanso, compozainda as biographias de Gervasio Pires
Ferreira, José da Natividade Saldanha, João do Rego
Barros, José Correia Picanco (Barão de Goyanna), Joaquim
Jeronymo Serpa , brigadeiro Joaquim Ignacio de Lima ,
Agostinho Barbalho Bezerra e Luiz Alves Pinto.
Todas estas biographias, assim como as demais, são
importantes e valiosos subsidios , á historia politica e lit
teraria desta provincia e comprehendem todos, se não a
maior parte dos trabalhos, quer publicados, quer ineditos
dos biographados, collegidos com immenso trabalho, es
mero e cuidado .
A custo de muito esforco , difficuldades e até mesmo de
desgostos, conseguiu o commendador Mello vender os
seus trabalhos a provincia, mas por quantia tal, que certa
mente não o remunerou do valioso e inaprecia vel serviço
que prestára ao seu paiz, com essa grandiosa empreza
que emprehendera, e que, graças ao seu amor , dedicação
e patriotismo, poude conseguir leval- a ao termo.
Fazendo entrega do seu trabalho a provincia , a presi
dencia o remetteu a uma commissão composta do Mon
senhor Francisco Muniz Tavares e Drs . Joaquim Pires
Machado Portella e José Soares de Azevedo para dar o
seu juizo sobre o mesmo, cujo parecer ella apresentou em
data de 29 de Outubro de 1868, concebido nestes termos :
« A commissão nomeada pela presidencia da provincia,
em 23 de Junho do corrente anno , para nos termos do art.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 117

1.º da lei provincial n . 831 de 22 de Maio do mesmo anno,


dar o seu parecer acerca do merecimento das Biographias
de algunspernambucanos illustres, escriptas pelo commen
dador Antonio Joaquim de Mello , leu com a mais acurada
attenção as de Gervasio Pires Ferreira, Dr. José da Nati
vidade Saldanha, Brigadeiro Joaquim Ignacio de Lima ,
Capitão -mór João do Rego Barros, Agostinho, Barão de
Goyanna, José Correia Picanço, Joaquim Jeronymo Serpa e
Luiz Alves Pinto , cujos authographos lhe foi confiado ;
entende que o trabalho commettido a sua apreciação é de
um grande valor historico, não só pela diligencia com que
o escriptor averigua os factos e pelo espirito de justiça
com que os julga, mas pela somma de peças curiosas e
importantes que adduz a cada biographia, colhidos esses
documentos á força de paciencia , de perseverança e de
muito dispendio pecuniario ; e é por isso a commissão de
parecer que está o biógrapho no caso de se lhe fazer effec
tiva á disposição da primeira parte do citado art.1.º da
lei n . 831. )
Além destes trabalhos, compoz tambem a biographia
de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, addicionando
uma grande copia de documentos relativos a sua vida , que
são valiosissimos para a nossa historia politica, e todas
as suas producções, assim como nas mesmas circum
stancias à do vigario Francisco Ferreira Barreto , cujos
trabalhos sendo vendidos á provincia, foram mandados
publicar pela presidencia, em virtude da autorisação de
uma lei provincial. Estas obras tem por titulo :
Obras religiosas e profanas do vigario Francisco Fer
reira Barreto . Recife, 1876-1877 , 2 vol. in . 4.°
Obras politicas e litterarias de Frei Joaquim do Amor
Dicino Caneca. Recife, 1876-1877 , 2 vol. in . 4."
Resta pois ainda a publicação das outras obras, que
se acham archivadas no Thesouro Provincial. A sua pu
blicação é de urgente necessidade, e de magno interesse
para a historia e litteratura, que é por assim dizer a pro
pria historia dos notaveis acontecimentos politicos desta
provincia de 1817, 1821 e 1824, acontecimentos que consti
tuem gloriosas paginas da historia desta provincia.
Como poeta, o commendador Mello deixou o seu nome
immortalisado em varias composições que correm im
pressas nos jornas desta provincia , nas suas obras, e nos
dous folhetos que tem por titulo :
Versos de Antonio Joaquim de Mello , Pernambuco,
118 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

1847, in . 8.º Consta da dedicatoria , de 1 idyllio, 3 cantatas ,


3 odes , 5 sonetos e 15 anacreonticas.
O Postilhão Olindense. Idyllio offerecido ao senador
Honorio Hermeto Carneiro Leão . Pernambuco, 1848.
Além de todos estes traballios, existem muitos outros
em poder da familia do illustre patriota e distincto litte
rato , notando -se entre elles a biographia de Manoel de
Carvalho Paes de Andrade, e outras diversas e impor
tantes producções cm prosa e verso .
Em quanto ao merito das producções litterarias do
commendador Antonio Joaquim de Mello , e do seu juizo
critico, nada podemos dizer, porque nos confessamos in
competentes para isso ; venha porem em nosso auxilio
o que a esse respeito disse o illustrado Dr. J. J. Tavares
Belfort, no seu discurso biographico , lido em sessão
magna e anniversaria do Instituto Archeologico e Geo
graphico Pernambucano, aos 27 de Janeiro de 1875 :
« Como vēdes, Srs ., na prosa o commendador Mello
escreveu de preferencia n'um dos mais difficcis generos
de litteratura – á biographiu e o mesmo fez no verso, pois
a ode era a forma poetica de sua particular predilecção.
« Quem lê as biographias dos pernambucanos illustres,
escriptas pelo não menos illustre pernambucano o com
mendador Mello, se extasià perante a belleza de tal tra
balho , admira o talento e gosto na investigação de tão
difficeis e esparsos materiaes para a historia patria, ap
plaude a critica sincera e conscienciosa dos homens e de
suas producções.
« O commendador Mello não se limitou nas biogra
phias, que escreveu , a traçar com minudencia c escrupulo
a vida particular e publica dos individuos, apreciou a
historia desses tempos, os acontecimentos em que os
biographados tomaram parte, juntando judiciosas consi
derações a taes factos e provando -os com os mais cu
riosos documentos, laboriosamente obtidos de nossos
empoeirados e despresados archivos.
« As biographias escriptas pelo commendador Mello
não são somente a exposição de factos externos das
vidas, que biographara, são tambem a exposição dos
factos intellectuacs e moraes da vida dos biographados,
e mais ainda das paginas da historia, isto é, descripções
conscienciosas, exactas e verdadeiras das epochas em
que os biographados viveram .
« Assim um conhecimento perfeito da vida dos ho
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 119

mens illustres, que biographara ; uma luminosa apre


ciação das epochas em que elles viveram e das inflúen
cias, circumstancias, condições e relações no meio das
quaes fallaram e obraram ; um grande amor da verdade
e escrupulo na sua investigação e prova ; uma corajosa
imparcialidade nos conceitos e juizos, taes são os carac
teristicos do merito intrinseco de taes trabalhos, que pela
forma tambem se recommendam , pois o estylo e proprio,
correcto, claro, elegante, energico, elevado, harmonioso,
com cores proprias,e movimentos adaptados ao assumpto .
« A linguagem é , Senhores, o interprete da alma, diz
um distincto escriptor; c em uma certa associação dos
sentimentos e das idéas com as palavras, que não são se
não os signaes dos mesmos sentimentos e idéas que se
deve achar com verdade o principio de todas propriedades
do estylo .
« Conhecedor perfeito da nossa lingua e daquella de
onde ella deriva e das que lhe são irmães ; litterato de gosto
apurado e fino até ao atticismo ; o commendador A. J. de
Mello deixa como prosador, no genero de litteratura em
que mais se avantajou , monumentos dignos de figurarem
ao lado dos trabalhos de igual natureza, feitos emtodos os
paizes c em todas as epochas e que mais successo obti
Veram .
« E esses brilhantes predicados, que ornavam o illus
tre commendador Mello, como prosador, se revelaram
tambem exhuberantemente nas suas producções poeticas ,
especialmente no genero lyrico a que mais particularmente
se dedicára .
« Como sabeis, Senhores, na ode o poeta exhala , ex
pande, patenteia os sentimentos os mais intimos e profun
dos de sua alma ; manifesta em explosões do mais ardente
enthusiasmo as emoções as mais sinceramente apaixona
das da admiração, da alegria e da dor ; pinta aquillo que de
repente enflamma a sua imaginação – os assumptos da
ode são , pois, de ordem a mais elevada , da natureza a mais
sublime ; a inspiração deve ser então completa , real , viva ,
mas instantanea, de subida duração e é incontestavelmente
á forma de poesia em que mais e com razão se exige o es
pirito poetico.
« 0 commendadorMello escreveu muitas odes , quer re
ligiosas (hymnos), quer heroicas, quer didacticas e neste
genero especialmente odes philosophicas, quer finalmente
odes politicas primou pela variedade dos assumptos ; e
120 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

em todas essas producções a correcção da fórma, a regu


laridade da expressão ,a pureza do estylo, a originalidade
da expressão , a melodia do rhythmo, a harmonia e sonori
dade dos versos, o colorido das figuras, a pompa das ima
gens, a precisão das palavras , rivalisam com o enthusiasmo
poetico a verdadeira inspiração, a sublimidade dos concei
ios , o arrojo das concepções, a graça e magestade dos as
sumptos e finalmente a sabedoria das idéas.
« A ode, Senhores, depende do julgamento do ouvido ,o
mais soberbo de todos , diziam os antigos -- Judicium au
rium superbissimum ; - e de certo a harmonia nas odes do
commendador Mello é completamente perfeita , está sujeita
a todas as suas severas leis .
« Apenas é de sentir que nas odes politicas, onde são
cantados grandes heróes, ou grandes feitos, ou grandes
acontecimentos, cedendo aos impulsos da amizade, algu
mas e raras vezes barateasse seus cantos a quem não me
recia por si e por seus factos ser tratado em tal genero de
poesia .
« E tambem é de sentir que pela grande e aturada lei
tura dos antigos, especialmente de Horacio e Pindaro , o
commendador Mello se esquecesse de vez em quando de
que era um poeta christão, para a imitação dos seus mo
delos emestres tanto fazer seara pela fabula e a mythologia .
« Na tribuna parlamentar, que abordava com arrojada
intrepidez e na qual fallava sempre com o accento da ver
dade e a consciencia do direito ; na grande tribuna univer
sal , a imprensa o commendador Mello foi um typo com
pleto de orador e de escriptor - convicção robusta nas
opiniões, sanidade nas idéas, concisão na sua exposição ,
enthusiasmo reflectido na sua manifestação , correcção no
estylo , precisão e justiça nos enunciados, facilidade de
dicção e de elocução, elevação no pensamento, sciencia do
que tratava, vigor na expressão, dialectica subtil e logica
cerrada, tudo, emfim , era bom e proprio do meio e modo
por que fallava ou escrevia .»
0 commendador Antonio Joaquim de Mello succumbiu
aos 8 de Dezembro de 1873, as oito horas da manhã , vic
tima de um ataque de paralysia, de que um anno antes fùra
accommettido, e foi sepultado no dia seguinte no Cemiterio
Publico do Recife .
Tal foi a vida do patriola illustre, do litterato insigne,
do cidadão prestante , o commendador Antonio Joaquim de
Mello .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 121

Antonio Jorge Guerra . Sacerdote respeitavel, pa


triota illustre e dedicado, orador cloquente e inspirado, o
Padre Antonio Jorge Guerra é um dos muitos pernambu
canos benemeritos sobre cuja vida bem pouco se poderá
dizer pela escacez de dados á seu respeito.
Mas o curto periodo em que se assignalou, a Guerra
dos Mascates, constitue a explendida coroa das suas glo
rias, inscreveu pelo patriotismo e valor que ostentou nessa
crise tremenda porque passou a terra que lhe dera o berço,
o seu nome, o nome de heroc, nos annaes dessa luta .
Dado o grito da revolta em 1710, preso e deposto o
governador, é eleito para o substituir o bispo diocesano D.
Manoel Alvares da Costa , Antonio Jorge Guerra abandona
o Recife, parte para Olinda, line -se ao partido da nobresa,
e promove efficazmente o cerco que se lançou a rebelladá
villa do Recife, que pretendia abater os fóros da altiva ci
dade de Olinda, promovendo a sua elevação à capital.
Terminada a tarefa do cerco do Recife , o Padre Guerra
oferece - se ao bispo -governador para gratuitamente servir
o lugar de capellão do presidio ou estancia da Boa Vista ,
cujo offerecimento sendo acceito , elle parte a desempenhar
o mandato do seu patriotico offerecimento , prestando ze
losa e dedicadamente aos feridos e moribundos os maiores
cuidados, todos os soccorros necessarios, quer corporacs,
quer espirituaes.
O bispo edificado de tanta virtude, diz o autor dos Mar
tyres Pernambucanos, entregou ao zelo do Padre Guerra,
a imagem de Santo Amaro, eleito protector dus armas per
nambucanas, a qual sendo transferida de sua igreja foi
collocada em uma capella de palmas, provisoriamente er
guida no arraial da Boa Vista.
Chegada a noticia da victoria da batalha de Sibiró ,
ganha pelos contrarios, espalhou -se pelas fileiras do exer
cito da causa dos pernambucanos, o desalento, e terror
geral se ia manifestando no animo de todos. Então o
Padre Antonio Jorge Guerra ergue a sua voz eloquente e
cheia de inspiração , faz -se ouvir em todas as partes, vôa a
todos os acampamentos, inflamma, electrisa todos os
animos, offerece - se para a sua frente affrontar todos os pe
rigos, é no momento do maior enthusiasmo gerado pela
cloquencia de sua palavra , mil guerreiros correm aos Afo
gados sob o commando do Jogo de Barros Rego, e vôam
ao encontro do audaz inimigo .
17
122 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Com essa falange de bravos, marchou tambem aquelle


que a havia levantado, no caracter de seu capellão. Che
gados em Afogados, partem de novo ao encontro do ini
migo que se achava intrincheirado no engenho Garapú em
Ipojuca, e aos 8 de Setembro de 1711, rompe o fogo das
fileiras em assalto as trincheiras inimigas. O cambate foi
geral e a victoria disputada pelos dous exercitos em tre
menda luta por todo o dia , até que no seguinte os inimigos
abandonaram o seu posto, e fugiram em debandada, dei
xando no campo todo o seu material de guerra .
No cambate de Ipojuca , o Padre Antonio Jorge Guerra,
elevou - se , ennobreceu -se, é obrou taes prodigios de valor,
escudado no poder e eloquencia de sua palavra, e tanto
exaltou , a ponto que o successo correspondeu plenamente
as esperanças, na phrase do Plutarcho dos Martyres de
1710 , o Padre Dias Martins .
Conquistados os louros da victoria de Ipojuca, voltou
o Padre Jorge Guerra para a sua occupação da capellania
da Boa Vista , e na pratica constante dos deveres desse
cargo perserverou até a paz, ou vinda do novo governador
Felix José Machado , quando, para elle , assim como para
os seus demais companheiros, abriu -se uma nova phase,
uma nova vida, a perseguição, o martyrio e a morte.
Aberta a devassa por ordem do governador pelo
ouvidor João Marques Bacalháo, o Padre Antonio Jorge
Guerra foi um dos primeiros sobre quem lançaram logo
as suas vistas os perfidos mascates. Assim , elle refugia -se
nas mattas de Tracunhem , em cujas immediações tinha
sua casa e ricas plantações.
Ahi , promoveu em vista das correrias, perseguições
e assassinatos que constantemente eram praticados, uma
liga para resistir a oppressão dos agentes do governador,
que se havia constituido parcial dos Mascates, até que El
Rei melhor informado dos acontecimentos que deram logar
a revolta , mandasse pôr termo a semelhante perseguição
e selvageria dos seus agentes .
Feito o ajuntamento do povo nas mattas , cuja reunião
é conhecida na historia pelo nome de – Liga de Tracu
nhem , o Padre Jorge Guerra entregou o seu commando a
Leão Falcão d’Eça ; e não só pelo nome e fama do seu
promotor, como tambem pelo d'aquelle que no caracter
militar era o seu chefe , em breve se viu em numero supe
rior de 100 bomens, todos aguerridos e valentes, for
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 123

nando-se tão assustadora ao governador e seus parciaes ,


que poseram em movimento todos os meios possiveis
para destruir a Liga de Tracunhem .
Mas esse centro de apoio , essa garantia ás vidas da
perseguida nobresa, ou partidarios da causa dos pernam
bucanos, em breve desapareceu , pela infamia e sedução
dos Mascates. O governador, em Junho de 1712, faz partir
uma expedição sobre a Liga de Tracunhem , e despreve
nidos sem duvida, foram vencidos. Dous irmãos do Padre
Guerra foram presos, e elle não sendo encontrado, con
tentaram - se os vencedores, sedentes como se achavam ,
em arrasar a sua casa , e destruir todas as suas lavouras.
Então, se viu o Padre Guerra obrigado a errar fugi
tivo pelas mattas por espaço de dous annos, á escapar
dos tormentos e torturas porque estavam passando os
seus amigos . Eis em poucas palavras os tormentos, os
trabalhos que passou esse martyr do patriotismo, victima
do odio e perseguição dos barbaros vencedores, segundo
Fernandes Gama nas suas Memorias Historicas da Pro
vincia de Pernambuco :
« Fugiam de recolhel- o seus parentes, e só fiava dos
amigos , occulto por bosques e retiros , dando-se-lhe o sus
tento as escondidas , e nas mudanças de um por outros
logares, para furtar os motivos de suspeitas : passou noites
tenebrosas por caminhos horrendos, lameiros e rios cheios ,
com riscos evidentes a cada passo, molhado, frio, e mal
alimentado, a pé descalço, sem forma de sacerdote, para
que assim podesse ter disfarse ; e sobretudo falto de saude,
e a ponto de morrer ao desamparo por lhe ser impossivel
o curar-se . Mas, como a fortuna , permittindo -o Deus ,
ajuda os animos, foi-se a Araripe em uma noite occulta
mente como andava ,e o Licenciado Manoel de Faria , lhe fez
a graça de remedios, que foi tomar ao engenho Penedo em
casa do Padre Antonio Dias Vilella, e supposto lhe foram
necessarios dous resgardos, em tempo que só um era
custoso, tanto de medicamentos como de alvitreiros , como
ambos os tivesse vigilantes, sahiu d'ahi são para a cam
panha a encher o curso do seu fado, que para completar
ainda faltava .)
Assim conseguiu o Padre Antonio Jorge Guerra, es
capar aos furores e perseguições dos seus inimigos, reser
vando-o a Providencia para com sua elegante pena defender
os desgraçados prisioneiros e homisiados.
o Padre Antonio Jorge Guerra, não prestou somente
124 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

serviços reaes e relevantes á causa dos pernambucanos


nos campos do combate, como tambem aquelles que ge
mião na oppressão, nas escuras e infectas masmoras. Em
nome delles, em nome das matronas e donzellas pernam
bucanas, dirigiu maviosissimas cartas a El-Rei, ao duque
de Cadaval, e a outras personagens da corte, relatando a
justiça da causa que sustentavam , as perseguições dos
vencedores, o odioso espirito de vingança que respiravam
os agentes do governo ảs infelizes victimas. Estas cartas,
cscriptas em linguagem amena e agradavel, mas ao mesmo
tempo energica e conveniente, acham -se transcriptas nas
Memorias Historicas de Pernambuco , como um padrão,
como um attestado dos seus meritos litterarios, do seu
amor e patriotismo ; e se ellas não motivaram o perdão
geral, certamente muito para isso contribuiram , e coroou
a fortuna os generosos votos do Padre Guerra permit
tindo - lhe ver terminada a perseguição dos seus amigos,
muito embora ficassem as victimas cobertas de dolorosas
e indeleveis cicatrises, fructo infalivel das revoluções.
Tal foi uma das phases da vida do Padre Antonio Jorge
Guerra , a unica que nos ligou a historia, mas grandiosa,
quo sagrou heroe esse illustre sacerdote, que por suas
virtudes religiosus, por sua eloquencia e patriotismo hon
rava o clero pernambucano.
Antonio José Victoriano de Almeida e Albuquerque,
Nasceu em fins do seculo passado . Manoel Caetano de
Almeida e Albuquerque e sua consorte D. Anna Francisca
Eufemia do Rosario , foram seus paes , Pelo lado paterno ,
foram seus avós o tenente coronel Francisco Antonio do
Almeida e D. Josepha Francisca de Mello e Albuquerque,
e pelo materno, o tenente coronel Antonio José Victoriano
Borges da Fonseca, pernambucano distincto , autor da
Nobiliarchic desta provincia, e D. Joanna Ignacia Fran
cisca Xavier.
Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque, litterato e
poeta distincto, empenhou -se em dar a seus filhos uma
oducação esmerada, e para cultivar -lhes o espirito , e asse
gurar -lhes um futuro promettedor e prospero, desvellou -se,
e não se eximiu a sacrificio algum . E elle teve a felicidade
de vel-os corresponder aos seus esforços e empenhos ele
vados a altas posições, e gosando de grandes creditos e
considerações. Antonio José Victoriano, levado pela vivesa
do seu genio e por uma natural inclinação, dedicou -se a
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 125

vida militar, assentando praça de soldado no regimento


de linha de Olinda em 1800, e foi reconhecido cadete , tendo
ainda bem poucos annos de idade.
Organisando - se o regimento de artilharia , foi esco
lhido dos corpos existentes, uma officialidade luzida e dis
tincta , e Antonio José Victoriano entrando nessa escolha,
teve a patente de segundo tenente . Declarada a guerra
aos francezes, pelo Manifesto de 1 de Maio de 1809, foi em
prehendida uma expedição sobre a pequena colonia
Guyana Franceza , cuja expedição devia organisar-se
no Pará. Designado um dos corpos da guarnição de Per
nambuco á marchar fazendo parte da expedição , Antonio
José Victoriano levado pelo enthusiasmo da gloria , offe
rece - se voluntariamente, segue para o norte, e reunido as
outras tropas no Amasonas, transpõe as fronteiras da
possessão franceza. Os invasores apoderam -se logo de trez
pontos principaes, e a 12 de Agosto de 1809, era firmada
pelo governador da Guyana o termo de capitulação . No
dia seguinte entravam as tropas portuguezas na vencida
cidade, arvoram em seus muros a bandeira nacional, sa
hindo a guarnição franceza com todas as honras da guerra,
a seguir caminho da França.
Antonio José Victoriano bem de pressa se fez dis
tinguir entre os seus companheiros, não só pelo valor
que ostentou, como pela indiffurença com que soffreu as
maiores privações e as inclemencias de um clima a que
não estava acostumado. Estacionada as tropas portu
guezas em Cayenna, até que pelo congresso de Vienna foi
deliberada a sua entrega e determinada a demarcação dos
limites do Brazil com as possessões francezas, voltou An
tonio José Victoriano para Pernambuco depois de uma
ausencia de mais de 6 annos, tendo conquistado pelo seu
merecimento a patente de capitão .
Regressando aos patrios lares , tornado ao seio de sua
familia, lhe foi reintegrado o seu posto de official do re
gimento que havia abandonado, quando se offereceu á
marchar para Cayenna. Em epocha propicia ao seu genio
patriotico e emprehendedor, voltára Antonio José Victo
riano para Pernambuco. Encontrando os seus patricios
empenhados no plano da revolta que devia proclamar a
liberdade e independencia de sua patria, elle associou -se
logo a esses illustres patriotas, e foi um dos operarios
mais distinctos dessa crusada da liberdade, cuja exis
tencia foi tão curta como o perpassar de um meteoro. Eis
126 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

possivel
salvar-se ; assim começa o autor dos Martyres Pernam
bucanos o artigo consagrado a Antonio José Victoriano de
Almeida e Albuquerque. Nobilissimo pernambucano de
1817 , continua o mesmo escriptor, consocio dos patriarchas
da liberdade, adepto profundissimo e membro distincto
das duas Academias - Paraiso , e Suassunas, era capitão
do regimento de artilharia , alma das juntas preparatorias
da liberdade, excedendo a todos em prudencia antes da
explosão,
livre
e em magnanimidade, em pugnar pela patria
.
Recebendo ordem do brigadeiro Manoel Joaquim Bar
bosa de Castro, quando fòra denunciada a conspiração ,
afim de prender e conduzir á fortaleza das Cinco Pontas o
seu collega capitão Domingos Theolonio Jorge cumpriu as
ordens do superior ; mas apenas soube da morte do bri
gadeiro , e da proclamação da revolta, foi reunir -se aos
seus companheiros, e nessa tarde e dias seguintes prestou
immensa coadjuvação, « sabendo admiravelmente alliar o
homem , o cidadão e o soldado .
Antonio José Victoriano, por suas virtudes sociaes , e
por seus conhecimentos na sciencia militar, havia-se con
stituido na phrase de um escriptor contemporaneo o idolo
do governo, do povo e dos soldados. Convertido o seu
regimento em batalhão, no dominio da revolução, quando
se deu uma nova organisação ao exercito , foi elle elevado
ao posto de major, merecendo esse acto do governo una
nime applauso. Nos dias criticos da republica, quando as
tropas reaes já transpunham os limites de Pernambuco
em demanda da capital , os patriotas marcham ao seu en
contro a embargar -lhe os passos e a sustentar a causa da
proclamada liberdade.
Antonio José Victoriano recebe então a patente de co
ronel e o commando de uma pequena força de cem homens,
tirados de todos os corpos , inclusive escravos alistados.
A vista de similhante tropa, diz um historiador, seria pre
ciso ser Victoriano para não esmorecer ! Porem com ella
marchou intrepido à encorporar-se as tropas do general
Suassuna, e sob suas ordens foi encontrar os realistas já
postados em linha de batalha no engenho Utinga ,no dia 2
de Maio de 1817. Trava - se então renhida peleja ; Antonio José
Victoriano dirige a artilharia, ostentando durante a acção
muita coragem e intrepidez, desenvolvendo toda a pericia
de habilissimo artilheiro; mas a sorte das armas foi adversa
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 127

aos patriotas , tocou -se a retirada, « c o nosso bravo com


mandante da artilharia viu - se obrigado por disciplina a
abandonar a victoria e o campo, e a retirar-se com o resto
dos seus bravos . »
No dia 15 de Maio encontram - se os dous exercitos no
engenho Guerra em Ipojuca, e ás 2 horas da tarde começa
uma tremenda canhonada , com pouca vantagem porem
para qualquer dos lados, cabendo ainda ao coronel An
tonio José Victoriano dirigir a artilharia ; a pericia e acerto
com que dirigiu -se no combate, fazendo com dexteridade
e justesa » laborar a artilharia , seria , segundo os proprios
generaes inimigos, o golpe mortal dos seus planos, a pro
pria perda da batalha. Mas a questão da preferencia do
commando entre o general Suassuna e Domingos José
Martins , e depois a desintelligencia entre um e outro sobre
a marcha do combate, opinando aquelle pela capitulação
e este pela sustentação da peleja até que a sorte das armas
decidisse da victoria, tudo isso deu causa de ganho aos
inimigos , os patriotas perderam a acção, e com ella a pro
clamada liberdade da patria .
Antonio José Victoriano vendo pela segunda vez esca
par-se a victoria , derribada a causa da independencia ,
recusa-se a acompanhar o exercito em retirada do campo
da honra ; alli fica entre mortos e feridos, sentado sobre
uma peça de artilharia, resoluto a não sobreviver a liber
dade, e espera impavidamente o seu fim . Chegam as tropas
vencedoras ao local em que se achava, e tocado o inimigo
por essa audacia , coragem e abnegação do illustre patriota ,
pergunta -lhe quem era . Eu, lhe responde Antonio José
Victoriano, sou um pernambucano livre, que commandei
estas peças em nome da patria independente !
O generalinimigo admirou o jovem official republicano,
e o tratou com a devida consideração a um tão illustré
prisioneiro . Antonio José Victoriano acompanhou o exer
cito vencedor em sua marcha sobre a capital, e chegando
ao Recife, foi atirado ao porão de uma sumaca de guerra,
que dentro de poucos dias levantou ancoras em demanda
da Bahia , condusindo a seu bordo as primeiras victimas
da tyrannia .
Condusido á cadeia da Relação, ahi mostrou quanto
cra superior aos trabalhos e privações de uma prisão im
munda, e ás barbaridades exercidas sobre as victimas
illustres da mallograda tentativa da independencia da pa
tria, até que depois de um martyrio de mais de 4 annos,
128 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

o grito de rebellião que retumbou em 1820 na cidade do


Porto , lhe veio abrir as portas do carcere , conferindo -lhe
por um Decreto de amnistia geral, a perdida liberdade.
Antonio José Victoriano fixou - se então na cidade da
Bahia , casou - se , e recebeu a nomeação de commandante
da fortaleza da Barra, cargo que exerceu até 1831 , em cuja
epocha segundo cremos, regressou á Pernambuco. Aqui
The foi confiado o commando do batalhão de artilharia , e
rompendo a revolução dos Cabanos, partiu para o interior
da provincia, não obstante o seu mảo estado de saude,
prestando pelo seu jamais desmentido valor e pericia mi
litar, relevantissimos serviços a causa da pacificação desta
provincia. Terminando os seus trabalhos da revolta, foi
nomeado commandante da fortaleza do Brum , cargo que
lhe foi bem fatal pelo local desta fortificação, augmen
tando a molestia e padecimentos que soffria .
No intuito de obter melhora dos seus soffrimentos,
emprehendeu uma viagem ao Maranhão , mas a mudança
de clima não operou resultado satisfactorio . Voltando á
Pernambuco, naufragou perto do Ceará, obrigando - o este
revez a partir por terra para esta provincia, e nesta longa
quão penosa viagem , foram immensos os seus trabalhos,
incalculaveis os incommodos e privações porque passou.
Antonio José Victoriano terminou finalmente a serie de
serviços prestados ao paiz, acceitando a prefeitura da villa
do Bonito , por nomeação da Presidencia de 30 de Outubro
de 1837 , onde tudo lhe foi adverso. Esquecido dos homens,
mál olhado pelo governo, victima do seu amor e patrio
tismo empenhando-se pela regeneração e independencia
de sua patria em 1817, viu os seus serviços mal apreciados,
sem remuneração alguma, e depois de tanta dedicação é
sacrificios, de tantos annos de serviços, ser -lhe apenas
conferido ó habito da Ordem de Aviz, isto não como graça ,
mas por lei , e a patente de tenente coronel graduado ; e
quando a morte já The batia á porta, foi nomeado com
mandante das armas da provincia do Piauhy, cargo que
não chegou a exercer !
Antonio José Victoriano de Almeida e Albuquerque,
falleceu em Abril de 1843, ralado de privações e desgostos,
victima illustre votada ao sacrificio pelo seu patriotismo. Of
ficial distincto , pela sua coragem , actividade e intelligencia ,
benemerito pelos serviços prestados ao paiz, martyrisado
por amor da liberdade e independencia de sua patria,
heroe pelos seus feitos na guerra de Cayeuna, e nas re
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 120

voltas de 1817 e dos Cabanos, Antonio José Victoriano não


logrou gosar do premio e galardão de tantos serviços e
dedicação, e morreu esquecido e obscuro, e sepultado os
seus restos na egreja da Soledade , nem ao menos uma
simples inscripção sobre o seu sepulchro, indica o logar
em que descançam as cinzas de tão illustre quão bene
merito cidadão ! Esta a sorte do patriota , esta a recompensa
daquelles que bem souberam honrar e illustrar a terra
em que nasceram , a terra da patria ! E' que o merito de
qualquer individuo, diz Goldsmith tratando do valente
Holfe, só é verdadeiramente apreciado, no momento ter
rivel em que a humanidade para sempre o perde.
Antonio José Victoriano Borges da Fonseca . Nasceu
na cidade do Recife, a 26 de Fevereiro de 1718 e aos 9 de
Maio deste mesmo anno foi baptisado na igreja matriz de
S. Frei Pedro Gonçalves.
Era filho de Antonio Borges da Fonseca, natural de
Portugal, mestre de campo de infantaria de Olinda , fidalgo
da Casa Real e cavalleiro da Ordem de Christo , e de sua
consorte D. Francisca Peres de Figueirôa, natural de
Pernambuco .
Ainda bem jovem assentou praça no exercito, e logo
depois, em 1736 , quando apenas contava 18 annos de idade,
seguio para a colonia do Sacramento , fazendo parte da
expedição de soccorro que enviou esta provincia, e foi
commandando uma das companhias de que se compunha
aquella expedição.
Voltando a Pernambuco, já graduado no posto de
tenente, foi logo depois promovido ao de capitão, posto
este bastante honroso para elle, porque o havia conquistado
pelo seu valor e merecimento .
Restaurada a ilha de Fernando de Noronha, do poder
dos francezes que a occupavam , mandou o governo por
ordem régia de 26 de Maio de 1737 que o governador de
Pernambuco fizesse guarnecer aquella ilha por um desta
camento da força desta praça, e que se fizessem as
necessarias fortificações.
Em consequencia desta ordem , mandou o governador
e capitão general desta capitania Henrique Luiz Vieira
Freire de Andrade presidil- a com tropa , e em 1741 nomeou a
Antonio José Victoriano Borges da Fonseca para seu
commandante .

18
130 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Terminando a sua commissão, durante a qual se


construiram as fortificações desta ilha, voltou á Pernam
buco, e em 1744 seguio para Lisboa .
Nessa corte, Borges da Fonseca obteve do governo o
posto de ajudante de tenente de mestre de campo general,
e o fòro de fidalgo cavalleiro da Casa Real . Além dessas
honras, obteve o titulo de familiar de Santo Officio, por
carta patente do cardeal D. Nuno da Cunha de 27 de Agosto
de 1744, e a 16 de Junho de 1745 foi armado cavalleiro da
Ordem de Christo na real igreja de Nossa Senhora da
Conceição e neste mesmo dia professou na igreja do
convento de Nossa Senhora da Luz.
Regressando de Lisboa á Pernambuco, encorporou-se
ao seu regimento ; e chegando -lhe depois a patente de
sargento -mór, foi designado pelo governador desta ca
pitania, para servir de seu ajudante de ordens, commissão
esta que terminada em 1754, quando passou a servir no
regimento do Recife, sendo ao depois por patente régia de
27 de Outubro de 1755, elevado ao posto de tenente - coronel.
Todos estes postos e honrosas distinções , que, na idade
de 37 annos já possuia Antonio José Victoriano Borges
da Fonseca , não eram graciosos, e nem prodigalisados
pelo patronato e protecção . Elle era um official distincto
pelo seu valor e merecimento, intelligente, e muito versado
em hamanidade e litteratura ; era mestre em artes pelos
estudos geraes do collegio da Companhia de Jesus da cidade
de Olinda , e academico de numero da Academia Brazilica
dos Renascidos.
Em 1765, o governo o distinguio com a honrosa nomea
ção de governador e capitão general da capitania do Ceará .
Recebendo a patente de sua nomeação, prestou jura
mento no palacio das Torres do Recife aos 27 de Março
do mesmo anno de 1765, nas mãos do governador de
Pernambuco D. Antonio de Souza Manoelde Menezes,
conde de Villa Flòr, e seguindo para o seu destino, tomou
posse do governo da capitania a 25 de Abril.
Antonio José Victoriano Borges da Fonseca foi na
ordem chronologica, o trigesimo sexto governador e
capitão general do Ceará, e depois de um sabio governo de
dezesete annos e dezeseis dias ,o entregou ao seu successor,
aos 11 de Maio de 1782, e voltou para Pernambuco .
O Sr. Conselheiro Alencar Araripe, tratando do governo
de Borges da Fonseca, na sua Historia do Ceari, diz o sc
guinte ;
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 131

« O capitão -mór Borges da Fonseca, administrando a


capitania com zelo por espaço quasi de 16 annos, mereceu
o amor dos governados e a confiança do governo da
Metropole, de sorte que, sendo já velho, por cançado deixou
o encargo d'administração. Aquelle, alem de premiar os
seus serviços com a reforma do posto e soldo de coronel,
deu- lhe por aviso de 3 de Junho de 1780 faculdade para
continuar na capitania o tempo que quizesse : mas a sua
idade e sobretudo os seus negocios os chamavam a
Pernambuco. Borges da Fonseca, usando da régia per
missão, solicitou do governo de Pernambuco competente
successor, e no fim do anno de 1781 deixou o governo da
capitánia nas pessoas designadas por lei para os casos de
substituição provisoria. »
« Borges da Fonseca , diz um outro escriptor, prestou
relevantes serviços na administração do Ceará. Escreveu
uma generalogia das principaes familias da capitania,
documento que por alguns tempos existio no mosteiro de
S. Bento de Olinda, e do qual não resta noticia actualmente .
Tinha por habito dirigir longos conselhos ás autoridades
subalternas e fazer de monitor, de sorte , que podia
chamar - se o Simão de Nantua dos capitães-móres. »
« Era este capitão-mór, diz ainda o conselheiro Araripe,
homem activo é animado de bons desejos. Chegando á
capitania , logo reconheceu a falta de organisação da
autoridade publica sem agentes e meios, com que podesse
levar a effeito as suas ordens e pensamentos. Portanto ao
governador de Pernambuco expoz a palpitante necessidade
de crear agentes do poder e regularisar a marcha da
administração ; e antes de findo o primeiro anno do seu
governo, competentemente autorisado , havia elle creado
em todas as freguezias da capitania « um commandante, a
cujo cargo estivesse o bom governo e quietação dos mora
dores e execução das ordens reaes . »
Foi um dos seus primeiros cuidados percorrer a
capitania , prestando especial cuidado ao aldeiamento dos
indigenas, os quaes mandou recolher nas aldeias já
estabelecidas e chamou á aldeia de Monte-mor- velho a
tribu dos Baiacús , então crrantes pela ribeira do Choró .
Durante o seu governo desentranhou das brenhas e
admittiu nas aldeias mais de 4 mil indigenas ; e tanto se
empenhava pela prosperidade destas que no decurso da
sua administração passava nas aldeias de Arronches,
Monte -mor e Mécejana grande parte do tempo ,
132 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Annualmente visitava as 11 villas, então existentes na


capitania, percorrendo muitas vezes nessas excursões
mais de 400 leguas.
Muitas pessoas vindas das visinhas capitanias vaga
vam internadas no sertão sem domicilio nem industria .
Depredar o gado alheio e colher os frutos silvestres era a
sua unica occupação . Para melhor civilisar essa gente
obteve ordem para reunir os vagabundos em povoações de
50 fogos, destribuindo-lhes as terras adjacentes, sob pena
de serem tratados e punidos como salteadores: muitos
foram chamados aos povoados, e fixaram - se com os seus
estabelecimentos .
Este capitão -mór empenhou -se em animar a pequena
agricultura da capitania, e com esse fim empregava
dinheiro da real fazenda na compra de generos , que
remettia para Pernambuco , onde eram vendidos por conta
da mesma fazenda ; só em resina de Jatobá empregou elle
mo anno de 1771 mais de 1 :600 $ 000 réis .
Durante o seu governo fez -se o quartel da tropa de 1.º
linha, o qual subsistiu até que foi substituido pelo que se
está acabando de construir , e era na verdade uma obra já
notavel para o Ceará em tempos de tanto atrazo e de tão
minguados recursos . >>
Não findam ainda os serviços prestados por esse
illustre e benemerito varão no governo da capitania do
Ceará . Inaugurou na capital um hospital militar,procedeu
em 1775 um arrolamento da população da capitania, e creou
as seguintes freguezias : de Almofala em 1766, de Arneiroz
em 1767 , e a do Aracaty em 1780, e elevou a povoação de
Curuahứ , a cathegoria de villa, em 1776, sob o nome de
Granja, e para as freguezias que creara , organisou um
regimento para os seus commandantes. Em 1768 escreveu
e remetteu para Pernambuco um trabalho sob o titulo
Estatistica da capitania do Ceará - , e em 1778 uma
chronologia da mesma capitania, cujos trabalhos julgam -se
perdidos.
Sobre a importancia desse primeiro trabalho – a Esta
tistica do Ceará, assim se exprime o Conde de Pavolide,
governador e capitão general de Pernambuco, em uma
carta que lhe escreveu em data de 13 de Setembro de 1768 .
« A noticia que vm . me enviou com a carta de 2 de
Junho, em que descreveu debaixo das graduações de
longitude e latitude o terreno que se comprehende nessa
capitania, individuando villas, freguezias é fazendas nella
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 133

estabelecidas, como tambem o numero dos seus habitantes ,


e rendimento que tem a Fazenda de S. Magestade nos
dizimos reaes ; me foi estimavel pela distincção e claresa
com que se faz comprehensivel a substancia do seu todo,
depois de resumida explicação das suas partes , motivos
que fasem mui recommendavel a importancia deste papel ,
que deve á direcção de vm . um distincto louvor. »
Alem destes escriptos, e da generalogia das principaes
familias da capitania do Ceará , de que já tratamos, escreveu
um outro sob o titulo : Nobiliarchia Pernambucana, que
contem as memorias genealogicas das familias mais
distinctas, com a noticia da origem , antiguidade e successão
de cada uma dellas.
Esta obra inedita consta de quatro grossos volumes in
folio e tem por epigraphe estas sentenças: Et super his
omnibus benedicto Bominun qui fecit te. Ecclesiast. cap . 32,
17. Non ministerüs illus æstimabo, sed moribus, sive quis
que dat mores, ministeria casus assignat. Senec. epist. 47.
Consta esta obra de quatro grossos volumes in folio,
sendo o primeiro escripto em 1771 e o quarto em 1777.
« A Nobiliarchia Pernambucana, diz o commendador
Antonio Joaquim de Mello , é uma obra difficilima, e de
interminaveis diligencias, e trabalho, qual, a posto que
incompleta, é todavia digna de apreço por nos dar a con
hecer, e conservar as generalogias de muitas familias da
provincia . »
A Nobiliarchia , cuja propriedade pertence ao mosteiro
de S. Bento de Olinda, é uma obra de grande importancia
e utilidade ; não pelo valor genealogico, que é de pouco
interesse, mas sim , pela grande copia de informações e
noticias historicas que contém , documentos , subsidios
biographicos, e noticias sobre a fundação de capellas,
engenhos e muitas outras importantes, e todas de grande
interesse historico .
Nessa obra , ostenta o seu autor uma erudição e
conhecimentos profundissimos. E ' admiravel o numero e
exactidão das suas citações e tão minuciosas, que além de
indicar as obras que tratam das pessoas mais notaveis
desta provincia, indica o volume, o capitulo e até a pagina .
Antonio José Victoriano Borges da Fonseca , escre
vendo a Nobiliarchia Pernambucana, prestou um grande
serviço á historia da nossa provincia , e é digno, pois , da
honrosa menção do seu nome no livro dos nossos heróes.
134 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

O Illustre e benemerito coronel Antonio José Victoriano


Borges da Fonseca , além dos titulos que deixamos enume
rados, era alcaide-mór da villa hoje cidade de Goyanna, e
da villa de Iguarassú .
Foi casado com D. Joanna Ignacia Francisca Xavier ,
natural do Recife , cujo consorcio foi celebrado aos 17 de
Julho de 1736, e do qual existe numerosa descendencia.
Antonio José Victoriano Borges da Fonseca, falleceu
aos 9 de Abril de 1786, na idade de sessenta e oito annos , e
foi sepultado no claustro do mosteiro de S. Bento de Olinda,
e sobre o marmore que sella os seus restos mortaes,
gravou - se o seguinte epitafio :
S.a do Cor.el de
Infantr .& pa
ga, e Gov.or q .
foi do Ceará
Gr.de Ant.o José
Victr .° Borges
da Fon.ca Ca
valr .° profes
so na ordem
de Chr. Fal. ° A
9 de Abril de 1786 .

Antonio Manoel Felix. Nasceu na segunda metade


do seculo XVII na freguezia de Nossa Senhora da Luz,
comarca de Páo d’Alho .
Filho de paes incognitos, de nascimento humilde, foi
ingeitado em casa de uma familia honesta que o tomou á
sua conta e deu -lhe a conveniente educação . Dotado de
uma boa indole, de costumes puros e exemplares, seus
paes adoptivos encaminharam -no á vida sacerdotal, sua
mais ardente e nobre aspiração.
Ainda bem jovem , lutando com mil difficuldades para
manter -se nos estudos necessarios ao presbyterato, Anto
nio Manoel atirou - se ao trabalho, e com o pouco cabedal
de illustração que possuia então, obteve do governador e
capitão general desta capitania D. Fernando Martins Mas
carenhas de Lencastre, em 26 de Maio de 1699, provisão de
advogado nos auditorios da capitania de Itamaracá, assim
como nos de Olinda e Recife , visto ter intelligencia suffi
ciente para isto .
Assim , em luta constante com a pobreza e falta de re
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 135

cursos em que vivia , perseverou e encarou resoluto todas


as difficuldades que se apresentavam em sua vida , até que
viu coroados os seus esforços, e nobremente conseguida a
idéa fixa que visava : ser padre.
Recebendo ordens sacras das mãos do virtuoso bispo
desta capitania D. Frei Francisco de Lima, e obtendo o
respectivo patrimonio que lhe fez um amigo, cantou a sua
primeira missa, e foi logo incumbido da capellania do ar
raial de Jacuipe, em S. Caetano, em cuja missão se conser
vou bem pouco tempo.
Delegando o bispo diocesano, em principios do seculo
passado, ao Reverendo Mestre-escola Padre João Maximo
de Oliveira para visitar algumas freguezias deste bispado,
nomeou para secretario dessa missão o Padre Antonio
Manoel Felix, já bem conceituado pelas suas virtudes e
saber. Percorrendo elle em sua missão diversas fregue
zias, estacionou finalmente na de Nossa Senhora do O'de
Ipojuca, a ultima em que teve logar a ordenada visita .
Neste logar offerecia -se então um espectaculo triste e deso
lador .
Erravam pelos campos miseraveis lasaros, cobertos
de ulceras, disformes immundos, a implorar em vão a ca
ridade publica ; mas todos fugiam do seu contacto, á sua
aproximação .
A miseria, o desespero , a morte finalmente, era tudo
que cabia em partilha å esses reprobos da sociedade. O
Padre Antonio Manoel foi o amparo dessas infelizes crea
turas, que a Providencia enviou para as soccorrer , para
estender - lhes a caridosa mão, sem temer o seu contacto, o
contagio da terrivel molestia que os affligia ; e qual Christo,
despresando as temerosas advertencias do povo para que
não se aproximasse do irmão da piedosa Martha , elle pro
cura a todos os enfermos, abriga -os em sua casa , confor
ta-os, e amenisa- lhes com a maxima piedade evangelica os
seus ultimos dias .
Terminados os seus trabalhos da visita em Nossa Se
nhora do O', o Padre Antonio Manoel parte para o Recife,
e traz em sua companhia os doentes que alli recolhera, e
installa -os em sua propria casa no bairro da Bòa-Vista ,
então quasi deserto e despovoado ; e desse segredo, da
existencia dos lasaros em sua casa, ninguem mais sabia ,
a excepção de dous amigos e confidentes.
O Padre Antonio Manoel Felix era pobre , mas cheio de
resignação e heroismo, apostolo dedicado da caridade, um
136 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

verdadeiro sacerdote , em fim . Era pois , necessario recor


rer á caridade publica, para sustentar os seus doentes,para
pensar das suas feridas, e a caridade publica não foi surda
ão generoso appello do virtuoso sacerdote, em prol dos mi
seraveis lasaros.
Depois, quando já não era mais necessario guardar
aquelle religioso silencio, porque as grandes, nobilissimas
e generosas acções resplendem onde quer que sejam prati
cadas ainda que, por mais reservadas e occultas que sejam ,
e qual o perfume subtil de certas flores, ainda que não vis
tas, se exhalam em ondas embriagadoras, patenteando
assim a sua existencia occulta , divulgou -se o seu procedi
mento , todos o louvaram e contribuiram para a realisação
de um hospital e a formação de um patrimonio para o seu
sustento .
O Padre Antonio Manoel não desanimou diante das
maiores difficuldades que a cada passo surgiam , enca
rou -as de frente com animo firme e resoluto, e teve a gloria
de ver meia realisada a sua empreza . Obtendo a doação
de uma casa no mesmo bairro da Bôa Vista , fez as acom
modações necessarias, erigiu um modesto oratorio ,e sobre
o seu altar collocou um painel de Nossa Senhora da Sole
dade , padroeira do hospital.
Installando provisoriamente nesse predio os seus en
fermos, cuidou da fundação de um edificio apropriado á
esse fim , e obtendo por escriptura publica lavrada a 4 de
Maio de 1714 a doação de um sitio que lhe fizera o capitão
Euzebio de Oliveira Monteiro e sua mulher D. Maria da
Cunha, para a fundação de uma capella e hospital, o ve
nerando sacerdote metteu hombros á sua nova empreza , e
coadjuvado pelos moradores do logar com algumas doa
ções , não só em dinheiro como em materiaes, tratou de
obter a necessaria licença para a fundação do estabeleci
mento, cuja pedra fundamental foi lançada com toda a so
lemnidade, no dia 28 de Setembro de 1716.
O Padre Antonio Manoel, começando os trabalhos da
nova egreja, sob a invocação de Nossa Senhora da Sole
dade, tencionava depois de a concluir tratar da fundação do
hospital, ao lado da mesma egreja .
Mas elle não teve a gloria de ver coroados os seus es
forços, de colher os fructos de tanta fadiga , dedicação e
trabalho .
A morte o sorprehendeu quando elle lanto se empe
nhava em levar ao fim a grandiosa e humanitaria obra
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 137

que emprehendeu e quando já tão proximo via a sua termi


nação . Sacerdote vasado nos moldes dos apostolos do
Evangelho, elle tinha por divisa a maxima divina da cari
dade e do amor do proximo; era illustrado e generoso , era
humilde, mas dessa humildade que eleva e engrandece.
Fazendo o seu testamento em 27 de Março de 1718, elle
nada occulta , nada deixa envolto nas trevas da incerteza, e
expõe com a maxima franqueza a sua origem , a humil
dade do seu nascimento , a sua vida , tudo finalmente ! E'
um documento tão valioso e tão grande pela modestia que
resplende , que damosem substancia a sua integra ,somente
em relação à sua vida e a fundação do hospital.
« Eu pobre Antonio sou engeitado, criado em casa de
Manoel Fernandes da Cruz e de sua mulher Leonor Antu
nes Maria Manoella ; sua familia me tomou á sua conta ,me
creou , e assim sou filho das ervas da freguezia de Nossa
Senhora da Luz da Matta. O Senhor bispo Frei Francisco
de Lima me ordenou sacerdote para assistir em Jacuipe
arraial de S. Caetano, para onde fui com animo limpo de
assistir com os annos necessarios, mais a vaidade do
tempo , escrupulo das confissões me fizeram tal horror, que
fugi como atonito e louco .
« Depois memandou fazer patrimonio que mefez José
Pinhão de Mattos . Nunca tive na egreja de Deus, cargo
nem dignidade alguma; occupei-me em fazer missões te
meroso de faltar o para que me ordenei.»
« Fui por escrivão de uma visita e fazendo verdade por
meus peccados, me não faltaram encargos nella de algum
vintem mais , ou menos, porque nenhum foi por peitas.
Depois dellas, vindo de Nossa Senhora do O’onde a fize
mos, vendo eu tantos pobres lasarinos pelos campos como
brutos, me resolvi procurar -lhes agasallio, e com effeito dei
principio na Boa Vista , mas tão fracos, que parecia mais
doudice que obras que se haviam de perpetuar, onde tivo
escondidos os primeiros ; depois me deram outra casa,
onde foi preciso manifestar- se, e com os annos se pôz as
cousas no estado em que hoje se acham . »
Os successores do Padre Antonio Manoel terminaram
não só a egreja da Soledade como tamqem o hospital que fi
cou medindo cercadeonze metros quadrados. Com o andar
do tempo foi deca hindo pouco a pouco a instituição do
hospital dos Lasaros , e a sua casa tomada para o recolhi
mento de freiras Ursulinas, ficaram elles de novo sem
19
138 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

abrigo, até que, em fins do seculo passado o governador


D. Thomaz José de Mello fundou o hospital de Santo Amaro
das Salinas .
Não cabe pois ao governador D. Thomaz a gloria de
instituidor de tão util quão humanitario estabelecimento,
como asseveram Abreu e Lima, Fernandes Gama e outros
historiadores . Os documentos que encontramos na secre
taria da Camara Episcopal, e que nos serviu de base não
só para estes ligeiros traços da vida do illustre e beneme
rito Padre Antonio Manoel Felix, como para uma Memoria
sobre a instituição do hospital dos Lasaros, que lemos no
Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, em
sessão de 27 de Junho de 1878, são incontestaveis e de
muito valor e autoridade .
Cabe, pois, ao benemerito Padre Antonio Manoel Felix
a gloria de instituidor desse generoso e humanitario esta
belecimento. Elle já existia deste o alvorecer do seculo
passado como vimos, eo nome do seu verdadeiro institui
dor tem permanecido desconhecido até hoje. O nome res
peitavel desse varão , é o do venerando Padre Antonio Ma
noel Felix , a cuja gloria junta a de fundador da egreja de
Nossa Senhora da Soledade, e a de um homem dotado de
um coração magnanimo, e ornado das mais eminentes vir
tudes .

Antonio Martins Bayão. Nasceu em principios do


seculo XVII no Rio de S. Francisco, territorio que então
pertencia a esta capitania , e subdividido hoje,pertence parte
å provincia da Bahia, e parte a das Alagoas.
Homem rico e conceituado, influencia legitima no logar
do seu nascimento e domicilio, patriota energico e exal
tado, Martins Bayão foi um dos poderosos agentes da cons
piração tramada contra a dominação hollandeza, e o chefe
do movimento n'aquella localidade ; prudente e cauteloso,
vivendo cercado de inimigos, nunca suspeitaram da sua
iniciativa , os seus planos eram reflectidos e criteriosos, e
as observações e communicação com o centro revoluciona
rio do Recife não as confiava as eventualidades do papel e
portadores, e pretextando qualquer negocio á capital, vi
nha elle proprio trazer as suas observações e noticias, ex
por a marcha da propaganda e conferenciar sobre o caso ,
ainda que expondo - se a grandes trabalhos e perigos, e a
viagens longas e encommodas.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 139

Capitão de uma companhia de auxiliares do Rio S. Fran


cisco, ao grito da revolta em 1645 elle põe em campo os
seus soldados,sustenta -os á sua custa ,convoca os morado
res do logar, improvisa um pequeno exercito que pouco a
pouco se vae augmentando, e vae buscar o inimigo em Ca
juipe, bate-se valerosamente, mas a victoria custou- lhe um
ferimento gravissimo que recebeu na luta. Mal cicatrisa
das as suas feridas, Martins Bayão põe - se de novo a frente
dos seus soldados, então já em numero respeitavel , e vae
desalojar os hollandezes que haviam levantado uma casa
forte na Ilha grande para guarda de gados e outros manti
mentos, põe-se de emboscada , e após a derrota de quatro
batalhões de infantaria inimiga, apodera- se do ponto forti
ficado , e de 2500 cabeças de gado e 400 cavallos .
Em um outro combate com um esquadrão inimigo, a
victoria vem ainda coroar as armas do intrepido Martins
Bayão, custando ao inimigo mais de 300 mortos, em cujo
numero contavam -se tres capitães , além dos prisioneiros
que ficaram . Partiu então a buscar duas companhias que
o governador geral da Bahia mandava secretamente á coad
juvar os revoltosos, e unindo-se a ellas, entrou na villa
hoje cidade do Penedo no dia 10 de Agosto de 1645, onde se
achava o campo dos independentes. D'ahi partiu o exer
cito a render a fortaleza Principe Mauricio, já sitiada pelos
lados do sul e oeste , e nesta marcha superior a cento e
vinte legoas, por logares quasi intransitaveis, sob rigoroso
inverno, passando rios cheios e obrigado a se internar no
matto para evitar algum encontro que o demorasse, gastou
treze dias . Cabendo então o commando ao capitão Nico
láo Aranha, official de linha, começaram as hostilidades , e
a 19 de Setembro de 1645 rendia - se a fortaleza com toda a
sua artilharia e munições, e 260 hollandezes que a guarne
ciam , após um cerco de mais de um mez.
Á tomada da fortaleza Principe Mauricio na phrase de
um historiador, foi de tão grande utilidade para os nossos ,
como de perniciosissima consequencia para o inimigo. Era
ella a chave da fronteira sul, é a porta principal que nos
abriu commoda communicação com a Bahia. Acrescia
alem disto que a margem meridional do Rio S. Francisco
era abundantissima de gado, e esses campos, que até en
tão constituiam o principal deposito que mantinha o exer
cito hollandez, passaram a ser o deposito do exercito inde
pendente . A utilidade, pois , da tomada da praça , foi a to
140 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dos os respeitos grande para nós, e nenhuma victoria


nesta longa guerra mereceu mais applausos, e tambem
nenhuma outra se alcançou com menos custo.
Depois desta victoria, notabilissima não só pelas van
tagens materiaes, como pela influencia moral que produ
ziu, o bravo capitão Antonio Martins Bayão partiu para as
Alagoas á soccorrer os seus moradores pelo risco em que
se achavam , soffrendo durante a viagem trabalhos immen
sos pela aspereza dos caminhos, e chegou exactamente a
tempo de impedir o desembarque de tropas inimigas que
vinham em seis embarcações, pelejando á peito descoberto
até que frustrou - lhes inteiramente o intento .
Martins Bayão mantendo a estabilidade da indepen
dencia pernambucana nessa importante e immensa região
do sul da capitania, não acompanhou a marcha da guerra
nos outros pontos, mas o credito do seu valor e a confiança
que inspirava aos chefes independentes era tal , que só elle
bastava para manter firme tão importante localidade, o
centro dos viveres e fornecimentos do nosso exercito .
Quando nenhum perigo ameaçava e tudo estava tran
quillo, eil-o em marcha pelo interior, subindo até ao alto
sertão, animando aos tímidos que se haviam refugiado
nessas immensas regiões para voltar ás suas casas , e le
vantando tropas que enviava aos nossos arraiaes, ou en
tão escoltando o gado e mantimentos que enviava aos nos
sos campos, e dessas escurçõe em muitas teve de lutar
com o inimigo que tentava arrancar - lhe das mãos vi
das e mantimentos .
Assim viu passar nove longos annos de guerras, de
trabalhos immensos e um cem numero de privações, até
que a victoria propicia as nossas armas, trouxe -nos a
liberdade, a paz e o bem estar de todos. Martins Bayão
foi colher então no santuario da familia as glorias e o re
nome que conquistou nas lutas da liberdade de sua patria
escravisada a estrangeiros por vinte e quatro annos .
Surge então uma outra luta, a guerra dos Palmares, e
o velho soldado deixa de novo os commodos de sua casa ,
abandona as suas fazendas , e parte para as Alagoas a desa
lojar os negros ahi aquilombados, cuja população cres
cente já offerecia serias e futuras consequencias funestis
simas. «Martins Bayão , resa um documentoque temos sobas
vistas, obrou em tudo com tanto valor, que chegou a ir ao
interior do sertão on le estava o governador das armas , e
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 141

avançando por varias partes mataram grande quantidade de


negros fazendo despenhar muitos por um rochedo, e vol
tando a refazer -se do necessario para o sustento dos sol
dados ; foi terceira vez em demanda dos negros que se ti
nham augmentado, estabelecendo - se o nosso arraial nas
suas lavouras, apresionam n'esta occasião duzentos e qua
renta, além de mortos e feridos, obrando como bom e hon
rado soldado . ”
Antonio Martins Bayão começou a vida militar em
praça de soldado, passou a alferes , ajudante, capitão de uma
companhia de auxiliares das ordenanças do Rio S. Fran
cisco , sendo depois elevado a patente de sargento-mór,
havendo -se nestes tempos, como resa um documento offi
cial, côm bom procedimento, assim como na occasião do le
vantamento e liberdade desta capitania , porque na villa do
Rio S. Francisco tomou armas contra os hollandezes que
estavam senhor della, fiando-se da sua pessốa todo o se
gredo quando se tratáva do dito levantamento, vindo de sua
casa a levar e trazer os avisos para com mais certeza se
rem sabidos, com grande trabalho e risco de sua pessoa . »
O sargento-mór Antonio Martins Bayão falleceu em
avançada idade aos 15 de Fevereiro de 1688. Homem de
merito e de prestigio , um dos mais ardentes apostolos da
causa da restauração de sua patria do dominio hollandez,
nobilitado pelos seus serviços e dedicação, Antonio Mar
tins Bayão viu-se mal apreciado, os seus serviços e sacri
ficios sem remuneração alguma, e até o seu proprio nome
esquecido pelos nossos historiadores ; e ficaria mesmo
condemnada a um total esquecimento a sua memoria, se
não a salvasse a Carta Regia de 15 de Dezembro de 1715 á
seu neto Amaro Bezerra, pela qual lhe foi conferido o offi
cio de tabellião do termo da villa de S. Francisco, cujos ser
viços julgados por sentença recahiram em beneficio do dito
seu neto . Sirvam ao menos estas linhas para exaltar a me
moria de um homem honrado e benemerito, illustre e
magnanimo.

Antonio Muniz Barreiros. Nasceu em fins do se


culo XVI , e provavelmente na villa de Olinda, a antiga
e opulenta capital de Pernambuco. Seu pae chamava -se
tambem Antonio Muniz Barreiros , era natural de Portugal,
e morador nesta capitania ; e posteriormente foi provido
142 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

no cargo de provedor-mór da fazenda real, sob a condição


de fundar dous engenhos ou fabricas de assucar na ca
pitania do Maranhão.
Incumbido por seu pae de realisar alli a obrigação
condicional que tomara, Antonio Muniz Barreiros partiu
para o Maranhão, sendo ao mesmo tempo incumbido de
uma outra missão, pois fôra despachado capitão-mór, e
encarregado do governo da capitania , sendo que a unica
censura que teve esta nomeação, como refere um escriptor,
foi o ser Muniz Barreiros muito jovem ainda para tomar
conta de governo tão importante. Porem querendo des
truil- a, o governador geral Diogo de Mendonça Furtado
The impôz « a obrigação de se aconselhar nas materias
mais graves com o Padre Luiz Figueira, da Companhia
de Jesus, de tantas letras como virtudes. »
Em companhia do Padre Figueira , partiu Muniz Bar
reiros de Pernambuco , e chegando ao Maranhão, tomou
posse do governo a 20 de Abril de 1622, governo este que
não foi muito feliz nos seus primeiros dias, porque os ha
bitantes do Maranhão , senhores absolutos dos indios, não
podiam ver os jesuitas partilhando do poder, sem os con
siderar como meio de embaraço à sua fortuna particular.
Porem Muniz Barreiros procedendo de modo a conquistar
a estima e confiança geral, conciliou os animos, fazendo
os jesuitas assignar um termo, « de que nunca se intro
metteriam com os indios domesticos , sob pena de exter
minio e perda de todos os seus bens. »
Um dos primeiros cuidados de Muniz Barreiros, foi dar
cumprimento a obrigação que contraira seu pae, e começou
logo a construcção dos dous engenhos, escolhendo para
assental-os as margens do rio Itapicurú, satisfasendo assim
a condição do cargo a elle conferido , sendo estes os pri
meiros engenhos de assucar que se fundaram no Ma
ranhão .
capitão-mór Antonio Muniz , diz Berredo nos seus
Annaes, tinha continuado no exercicio do seu ministerio
com uma geral aceitação daquelles moradores , que pelas
zelosas deligencias do seu grande cuidado se augmen
tavam muito todos os dias, assim no bom commodo das
suas vivendas da cidade, multiplicando -se os seus edifi
cios, como tambem na cultura dos campos para o seu
sustento e grangearias, de que já abundāvam ; e depois
de dirigir o governo dessa capitania por mais de 3 annos,
passoul-o a seu successou no dia 3 de Setembro de 1625 .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 143

Terminado o seu governo, Muniz Barreiros continuou


no Maranhão, .entregando -se a agricultura na direcção de
de seus engenhos, e mais tarde foinomeado procurador um
da fazenda naquella capitania, até que a invasão hollan
deza veio dar nova occasião de illustrar o seu nome,
perpetuando - o nas feitos que se deram nessa luta de pa
triotismo e liberdade .
Invadido o Maranhão pelos hollandezes em 1641, ven
cido pelo poder das suas armas, assenhorearam -se da
capital, e foram estendendo o seu dominio por toda a capi
tania , levando o terror e a miseria a todos os seus habi
tantes , com as violencias, extorções e roubos que prati
cavam . Os ricos proprietarios dos engenhos de Itapicurú ,
viram as suas propriedades passar ao dominio dos inva
sores, guardadas por escoltas de soldados, e redusidos a
humilhante condição de feitores ; e toda a população sof
frendo , uns em seus haveres, outros em sua honra.
Os soffrimentos eram inauditos, muitos os opprimidos ,
eultrajados em seu patriotismo e em sua honra, e assim re
solveram libertar - se do jugo que os opprimia , conspiram
um levantamento geral , e elegem por chefe da insurreição a
Antonio Muniz Barreiros, o mais conceituado e rico colono,
aquelle que mais confiança merecia dos seus concidadãos .
Aprasado o rompimento para a noiie de 30 de Setembro
de 1642, foram atacados os engenhos de Itapicurú, tomados
de assalto, e na manhã do dia seguinte rendia -se o forte
do Calvario, e marchavam os patriotas em caminho de S.
Luiz, e em fins de Novembro estava Muniz Barreiros acam
pado com suas forças a 3 legoas distante da cidade .
Fazendo avançar um pequeno destacamento até o rio
Cotim , ahi se emboscou, e quando appareceram os hollan
dezes á descoberto, foram totalmente derrotados. Com esta
victoria , que ministrou aos sublevados armas e muni
ções, animou -se Muniz Barreiros á ir sitiar a cidade .
Assim iniciada a guerra regenedora do Maranhão, diz
um escriptor, Antonio Muniz Barreiros , chefe dos insur
gentes , não teve mais descanço : habil e energico , embora
mal auxiliado ; porque apenas recebeu fracos soccorros
da capitania do Pará , glorificou -se na luta não só diri
gindo - a como se fòra amestrado general, ora batendo-se
em pessoa, como intrepido soldado.
O reforco enviado do Pará em auxilio dos maranhenses
empenhados na empresa da libertação de sua patria do
poder dos hollandezes, tardou demasiadamente å poder o
144 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

heroico Muniz Barreiros levar a effeito ojá resolvido ataque


ao centro das fortificações inimigas , e quando chegou,
cruel enfermidade o havia prostrado no leito da dor. Con
fiado o commando a Antonio Teixeira , não lhe coube a
dita de saudar a regeneração da patria , porque a morte
apanhou-o no meio da gloriosa e difficultosa guerra, em
que á frente da sua cohorte de patriotas combatia contra
soldados aguerridos.
Atacadas as tropas patrioticas pelas hollandezas, con
seguiram então obter algumas vantagens ganhando os
postos avançados , porem encontrando nas trincheiras do
Carmo irresistivel barreira , travam tremendo combate, e
depois de 2 horas de porfiada luta, debandaram em reti
rada , deixando o campo alastrado de 160 mortos e 200
feridos. Entre os canticos da victoria , refere um escriptor
maranhense, misturou -se profundo desgosto , porque im
mediatamente depois della falleceu Muniz Barreiros co
berto de tal gloria , que nunca morrerá seu nome, visto estar
escripto com a penna da posteridade nas paginas da his
toria .
Assim terminou a gloriosa luta da expulsão hollan
deza no Maranhão, sem que o seu maior heroe, o illustre
e intrepido Antonio Muniz Barreiros, « o primeiro e deno
dado chefe da insurreição regenerсdora do Maranhão, »
podesse saudar com os hymnos da victoria a gloriosa
restauração e liberdade da patria.
O Sr. Dr. Cesar Augusto Marques, pagando um tributo
de admiração em homenagem a memoria de tão illustre e
preclaro varão, no seu Diccionario historico-gcographicó
do Maranhão, consagrou estas palavras á sua memoria ,
palavras dignas de quem as escreveu , e daquelle cujos
feitos proclamam :
« O seu governo começou na noite de 30 de Setembro
de 1642, em que, como chefe dos conspiradores, os guiou
heroicamente ao campo da honra, onde derrotando os ini
migos da patria, colheo para si e para seus valorosos
companheiros muitas palmas da victoria, e muitas coroas
de gloria, que são conservadas perpetuamente pela his
toria, que se orgulha quando conta tão grandiosos feitos.
« Entretanto, quando faltava tão pouco para ver ter
minar as suas fadigas, falleceu na noute de 16 de Janeiro
de 1643, porem ignora-se o logar onde descançàm essas
cinzas , e infelizmente, porque a gratidão nacionalnão pode
sobre ellas levantar um soberbo monumento , que atteste
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 145

aos vindouros um facto notivel... E morreu Muniz Bar


reiros quasi embalado pelos ruidos das acclamações de
tão estrondosa victoria , parecendo, no dizer de Berredo,
que as suas virtudes só esperavam pela gloria deste dia ,
para encaminhal- o á eternidade. »
Antonto Pedro de Figueiredo . Nasceu aos 22 de
Maio do anno de 1822 , na historica e Leal villa de Iguarassú .
Filho de paes desherdados de bens da fortuna, e cujos
nomes não nos foi possivel obter, nascendo por conse
guinte em leito humilde e pobre, dotara - o porem a natu
reza com a riqueza do talento , com os dons inapreciaveis
da intelligencia ; c condemnado cedo a não fruir as delicias
das existencias ociosas e opulentas, por gosto e urgente
necessidade arrojou-se á carreira litteraria com ancia,
com força , com energia suprema.
Pobre, lutando com immensas difficuldades, sem mes
tres que o encaminhassem , sem livros que lhe servissem
de guia na grande róta litteraria a que o seu genio o impe
lira a transpor, Antonio Pedro de Figueiredo deixa o ninho
paterno ainda bem jovem , domicilia -se no Recife, mais
largo campo ás suas aspirações, e atira -se sem tregoas e
sem descanso ao mais laboriosó trabalho, aos mais assi
duos estudos.
Em 1843, quando apenas contava os seus vinte e um
annos de idade, publica Antonio Pedro de Figueiredo a tra
ducção do Curso da historia da Philosophia por V. Cousin ,
na typographia de M. F. de Faria , comprehendendo ape
nas o primeiro volume, que trata da introducção a historia
da philosophia; no seguinte, o segundo volume e no im
mediato , o terceiro, terminando assim uma arrojada em
preza para elle, que sem meios a ella se aventurara, em
uma terra em que são carissimos e difficultosos os meios
de publicidade, onde não ha cdictores , não ha mercados,
nem consumidores para tal genero de producção.
E ' uma verdade acceita por todos os pensadores, diz
elle proprio nas duas palavras que precederam a esse im
portante trabalho, que a civilisação é obra da philosophia ,
a qual, sendo ao mesmo passo um dos elementos desta
mesma civilisação, é o elemento por excellencia que illu
mina e desenvolve todos os outros, donde se segue que a
civilisação se não pode dar nos paizes aonde a philosophia
é ignorada e despresada.
20 )
146 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

A traducção dessa obra , dedicada a mocidade brazi


leira, a vulgarisação desse monumento de sabedoria do il
lustre philosopho francez, « o Platão da nossa idade», foi
um grandioso serviço á causa da instrucção e da civilisa
cão do Brazil, c o generoso accolhimento que teve esse tra
balho, e as palavras de saudação e de animação que ao in
terprete de Cousin enviára a imprensa, bem traduzem o
seu valor e o seu merito .
A Estrella , om seu numero de 4 de Novembro de 1843 ,
num juizo que publicou acerca desse trabalho, disse o se
guinte sobre o seu traductor, depois de geralmente tratar
sobre a excellencia do livro : - Se cedessemos á tentação
que temos de indicar ao publlco todo o valor do livro de que
hoje damos conta , iriamos sem duvida mui longe . O Sr.
Victor Cousin encontrou no Sr. A. P.de Figueiredo um tra
ductor fiel, e um amigo cheio de dedicação . O jovem pro
fessor de Pernambuco é uma das mais vicosas esperanças
do paiz ; e nós não duvidamos que dentro em pouco elle
realise o generoso desejo que o anima de ir a Europa visitar
os seus mestres, e colher, com as viagens que tenta fazer,
um novo cabedal de variada sciencia . Queira elle no en
tanto acceitar esta homenagem que hoje lhe rendemos em
nome da philosophia e da litteratura nacional, como um
testemunho não suspeito de gratidão publica.
Esta apreciação foi secundada por uma outra escripta
pelo Dr. Antonio Rangel de Torres Bandeira, e publicada
no Diario Novo de 28 de Novembro de 1843, na qual assim
ajuizou do'merito da traducção da obra de V. Cousin : - A
excellente obra do grande philosopho francez dos nossos
dias, achou no Sr. Figueiredo um traductor fiel é exacto ,
que, unindo á linguagem de Camões as preciosidades
daquella lingua tão culta, em que estão concebidos seus
pensamentos, notando os idiotismos, e evitando os perni
ciosos galecismos que desgraçadamente tanto vogam nas
versões portuguezas, soube dar ao publico brazileiro uma
prova de que muito se interessa pela prosperidade moral de
seus concidadãos.
Taes foram as saudaçõss e os protestos de encoraja
mento e animação , que entre outros foram tribulados ao
jovem litterato pernambucano, ao atirar a luz da publici
dade, ás primicias do seu talento , o primeiro fructo dos
seus estudos e esforços; tal foi a sua estréa no mundo litte
rario .
Em 1814, por portaria da presidencia de 11 de Abril,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 147

obteve Antonio Pedro de Figueiredo a nomeação de pro


fessor adjunto da cadeira de Geometria do Lyceu do Recife ,
de cujo cargo foi exonerado em 30 de Junho de 1846. Du
rante esse exercicio, elle regeu cumulativamente , por im
pedimento dos respectivos professores, as cadeiras de in
glez, lingua nacional e philosophia .
Em 1849 entrou de novo para o Lyceo, incumbido da
regencia da cadeira de lingua nacional; e cm 1855, por por
taria de 16 de Agosro, foi nomeado professor da segunda
cadeira de historia e geographia do Gymnasio Pernambu
cano, merecendo durante o seu magisterio, ser designado
examinador, por muitas vezes , dos alumnos do curso de
preparatorios, annexo á Faculdade de Direito .
Em 1846 encetou Antonio Pedro de Figueiredo a pu
blicação do Progresso, revista social, litteraria e scienti
fica, sendo coadjuvado por collaboradores distinctos, entre
os quaes notavam -se os Drs.José Soares de Azevedo, Maciel
Monteiro, Torres Bandeira e outros . Mas esta interessante
publicação, atravessando os annos de 1846 e 1847, terminou
no anno seguinte, ficando incompleta esta ultima parte .
Comtudo, a collecção do Progresso forma um bom volume,
e de todas as revistas até hoje publicadas nesta provincia,
quiçá no imperio, ella occupa um logar distincto, como uma
das mais importantes publicações litterarias .
Mais tarde , o nome de Antonio Pedro de Figueiredo
inscreveu-se entre os redactores do Diario de Pernambuco
e por muito tempo foi elle um dos seus mais illustres col
laboradores, cuja penna só largou para cahir sobre o leito ,
no qual poucos dias depois cerrou os olhos á luz do mundo .
Dentre os numerosos trabalhos litterios que publicou nas
columnas do decano da imprensa pernambucana, por es
paço de doze annos, alem das criticas lltterarias, revistas
de theatro, contos, lendas e tradições, sciencias e ar
tes, notam-se os seus artigos e correspondencias tradu
zidos do inglez e francez , do Annuario dos dous mun
dos, da Revista de Paris, da Revista dos dous Mundos, e
de outros jornaes da Europa. Occupa porém , um logar
distincto entre os seus artigos do Diario de Pernambuco,
a serie de folhetins, publicação semanal , sob o titulo – A
Carteira - firmados com o pseudommo Abdalah - cl-Kratif.
E' admiravel a illustração, os dotes e conhecimentos va
riadissimos que revella ó seu autor nessa interessante
serie de folhetim . A historia, a philosophia, a litteratura ,
148 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

as artes, tudo finalmente teve o seu logar de honra na Car


teira, tudo foi tratado com proficiencia e criterio , a par de
um estylo correctissimo, e de uma linguagem pura e ge
nuinamente portugueza .
Um artigo que temos sob as vistas, publicado no Pro
gressista de 6 de Maio de 1863, tratando desses mesmos fo
Thetins, diz o seguinte, mencionando apenas tres, dentre
a sua immensa serie, que colleccionada e impressa, forma
ria alguns volumes :
« A Caricira do 1.º de Agosto de 1858. e que tem por
epigraphe - Uma vingança de nova especie motivada por
umamulher - é um conto phantastico cheio de incidentes
chistosos,pedaços descriptivos de um poetar natural e gra
cioso , ancias de mortal desasocego, um escripto em fim
que refocilla o espirito, e faz rir e chorar ao mesmo tempo .
i Carteira que trata da naturesa e a sociedade relati
vamente a igualoade, não é sómenos i citada ; não só
merece attenção como pagina lucida, scientifica c littera
ria , como tambem comopagina formosa da mais sāa ecos
mopolita philosophia . Outro tanto acontece com a Car
teira de 15 de Agosto de 1858, onde o passado e o presente ,
constitue um apreciavel escripto de estylo mimoso e natu
ral, emquanto aquelle outro se recommenda pela resenha
engenhosa dos contrastes sociaes, juntas as compensa
ções providenciaes,que invisiveis, arranjam o homem e a
sociedade para seus fins immortaes .)
Em 1848, publicou Antonio Pedro de Figueiredo , nesta
provincia, na Typographia Imparcial, o seguinte trabalho ,
traduzido do francez : Da soberania do poco e dos princi
pios do governo republicano moderno. Lições pronuncia
das na faculdade de Direito de Pariz , por M. Ortolan, pro
fessor na mesma Faculdade. E cm 1851 , na Typographia
Commercial, publicou as suas Noções abreviadas de philo
logia, acerca da lingua portuguesa .
Precedeu a estas produccões, a publicação que fez em
1847, da traduccõo do romance deGeorge Sand, As sete cor
das da lyra, precedida de um prefacio, no qual em poucas
em
linhas, o traductor descrevendo o estado de miseria
que nos achamos acerca de litteratura , demonstrou a ne
cessidade de aguçarmos o gosto por meio das traducções
dos primores d'obras estrangeiras.
Em 1852 sustentou Antonio Pedro de Figueiredo uma
renhida questõe com o Dr. Pedro Autran da Matta e Albu
querque, sobre o Socialismo ; os seus artigos publicados
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 149

no Diario de Pernambuco e na Imprensa , e os do seu il


lustre contendor na União, podem facilmente serem com
pulsados pelos entendidos no assumpto, e á vista de um
estudo criterioso sobre um coutro batalhador, formarem o
seu juizo á respeito . Nós porém , á vista da nossa incom
petencia em semelhante assumpto, contentamo-nos ape
nas, mencionando este facto da vida litteraria de Antonio
Pedro de Figueiredo, em indicar as fontes necessarias
áquelles que quizerem ter conhecimento mais particular
dessa justa litteraria,
Antonio Pedro de Figueiredo, fadado a gosar de uma
existencia bem pouco duradoura , e essa mesmo cheia de
trabalhos e privações, bem cedo terminou os seus dias de
peregrinação por este mundo, bem cedo se lhe desvanece
ram com a molestia que o accommetteu, a qual pela sua
gravidade patenteara - lhe a sua morte prematura, todos os
seus planos , as suas nobres e generosas aspirações.
Vergado ao peso de grave molestia , sem poder traba
Thar, substituira -lhe na incumbencia de folhetinista do
Diario de Pernambuco, o seu amigo e collega de trabalho
Dr. Torres Bandeira. Depois de dez longos mezes dos mais
acerbos soffrimentos, Antonio Pedro de Figueiredo sen
tiu-se melhorado dos seus encommodos, atirou-se a sua
banca de trabalho, escreveu um folhetim , foi publicado, e
poucos dias depois, recahindo dos seus soffrimentos, con
sequencia talvez de sua imprudencia, a morte o arrebatou
á vida da eternidade, aos trinta e sete annos de idade, no
dia 21 de Agosto de 1859 .
Os derradeiros dias da trabalhosa existencia de Anto
nio Pedro de Figueiredo.,são assim descriptos pelo autor do
artigo do Progressista , que ha pouco citamos :
« Que agonia atroz a do talento, que, depois de produ
zir tanto , se vê a braços com a miseria, á fome, a morte ?
Victima de cruel enfermidade, curtido de dores, se havia
erguido, á hora tardia , a compor o seu derradeiro escripto .
O anjo da inspiração adejara -lhe em torno, nas azas fulgu
rantes das agitações da tempestade, nos céos abrasados, e
nas torrentes de harmonia de um piano ao longe, na sotur
nidade da terra , em notas do coração, como o delle , atro
phiado por desditas tantas. O esforço que fizera o enfermo,
prostrando - o instantes, accordou - o logo depois a scentelhá
electrica da musica terna, suave , commovedora, dolorida,
como os sentimentos de uma saudade, como o golpear de
uma agonia , profunda e atroz . )
150 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

« O genio de Figueiredo, seguindo as evoluções atmos


phericas nos céos, á par das commoções musicaes na terra,
como chamma immortal, crepitou, scentilhou, e despediu
clarões vivissimos e fulgurantes. »
« A prostração instantanea de Antonio Pedro de Figuei
redo, era -lhe o perpassar na mente do abandono dos ami
gos e da patria : era a lembrança dos astros opacos que
recebiam -lhe a luz ; era a dôr rememorativa dos especula
dores do talento delle ; era o espectaculo da solidão, da
tristeza, da ingratidão , que cercavam -no ; e que, nos lam
pejos do genio, pela intuição, as claras lhe indicava tantos
vultos opulentos em ouropeis e cabedaes, quantos abjectos
em grosserias e mesquinhezas. E' por isso, que, o derra
deiro escripto de Antonio Pedro de Figueiredo nos pare
cerá borrifado de lagrimas, a principio, de indignação no
meio, de gracioso perdão no fim .»
Agora é o proprio Antonio Pedro de Figueiredo que
falla, e assim ,já com os pés ás bordas do sepulchro, come
çou a sua derradeira producção litteraria , publicada a 16
de Agosto de 1859.
« No leito da dôr, a que temos estado preso , ha dez
longos mezes ; no meio de aturados e intensos soffrimen
tos ; cercados das constantes e peniveis preoccupações de
uma existencia quo o destino tecera mesquinha e sombria ,
e a molestia viera ainda mais anuviar e torturar ; um sen
timento havia que nos ralava o coração mais do que os pa
decimentos; que nos acabrunhava o espirito mais do que
as preoccupações; que nos pungia á alma mais do que o
esquecimento e abandono de alguns que reputavamos ami
gos sinceros e dedicados; era a saudade acerba das horas
as vezes tão melancolicas e tão de enfado , que consagra
vamos a rapida e imperfeita, mas sempre grata tarefa de
compor e escrever este folhetim , fundado por nós , e tão
generosamente abrigado ao res de chauseées do grande
orgão da publicidade do norte, orgão que se multiplica
quatro mil vezes por dia, instrue, deleita, lisongeia e cas
tiga diariamente tanta gente avida de prazer, de lisonja e
de advertencia . ») .
Assim , abandonado de todos, até daquelles que repu
tava amiyos sinceros e dedicados,na maior penuria ,lutando
com toda a sorte de privação, ás mãos da indigencia, suc
cumbiu Antonio Pedro de Figueiredo, esse homem tão rico
de talentos, tão opulentado por seu genio e illustração, que
tantas produccões do seu engenho nos teria legado, se ou
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 151

tra fosse a sua sorte, se mais propicia estrella servisse de


phanal aos passos de sua vida, se melhor aproveitado
fosse por aquelles em cujas mãos susteem o cofre das gra
ças , quasi sempre bem mal destribuidas! Sorte fatal do
genio ! Despreso, indifferentismo e esquecimento dos con
temporaneos, até que a posteridade o venha reabilitar, er
guer do abatimento a que fòra condemnado, e conferir- lhe
o logar de honra a que tem juz !
A imprensa pagára a memoria de Antonio Pedro de
Figueiredo, o merecido tributo de saudade, abrindo -lhe
logo após a sua morte, as portas do Pantheon , legando
assim o seu nome a posteridade. E esse homem que no
leito da morte achara - se abandonado, que fora despre
sado, ao cerrar os olhos pelo sopro gelido da morte, ao
dar - se sepultura ao seu cadaver, no Cemiterio Publico do
Recife, tributara-se -lhe honras que na vida não o julgaram
digno de merecel-as ; a concurrencia , quer de homens de
lettras como de pessoas gradas, que em testemunho do
apreço que consagravam á intelligencia e ás bellas qualida
des do illustre finado , foi immensa : e no acto de ser dado á
sepultura o seu cadaver, os Drs. Torres Bandeira e Fran
klin Doria, e HermenegildoCoutinho, recitaram discursos ,
repassados de sentimento ,derradeiro tributo á memoria de
tão illustre, quão desditoso litterato pernambucano !
A provincia perdeu em Antonio Pedro de Figueiredo,
diz o Dr. Torres Bandeira, um dos seus homens de lettras
que muito a ennobreciam : - as lettras perderam nelle um
dos seus mais zelosos cultores.-- Se , como homem , elle
tivera defeitos, cumpre a Deus julgal- o e aprecial-o : como
cidadão sabia cumprir o seu dever, como mestre era digno
do logar que occupava, como amigo era credor de toda a
confiança e estima . Viveu e morreu pobre , é verdade ;
mas a riqueza é de um dia, e a intelligencia e a gloria não
se somem na poeira de um cemiterio ... N'isto, ao menos ,
está a elevação do talento : não podem contestal-o, porque
o livro em que se le o necrologio de um homem de me
rito real, é aquelle mesmo em que se escreve a sua memo
ria para a posteridade.
Antonio Pedro de Sa Barreto . Nasceu na fregue
zia de S. Amaro de Jaboatão, no engenho Macugé, aos 31
de Janeiro de 1801 , e foram seus paes o tenente -coronel
Francisco Antonio de Sá Barreto , um dos patriotas do
movimento emancipador de 1817, e sua mulher D. Jo
152 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

sepha Thomazia Telles de Menezes, senhores do engenho


Jardim daquella mesma freguezia. Foram seus avós
paternos o mestre de campo Bento Correia de Sá e sua
consorte D. Joanna Francisca Xavier de Albuquerque
Barreto , ricos agricultores, senhores do engenho Garapú
do Cabo ; e maternos, o capitão Ignacio de Barrros , e
sua mulher D. Laura Thereza Ornellas de Barros,
tambem agricultores, e senhores do engenho Macugé.
Em 1817 , quando Antonio Pedro de Sá Barreto havia
completado os seus dezeseis annos de idade, e o gover
nador e capitao general Luiz do Rego Barreto reorgani
sava o exército desta capitania, elle assentou praça , e
justificou primeiro cadete .
Quando em 1820 occorreu o lamentavel cerco e ataque
da serra do Rodeador no Bor to , onde um numero con
sideravel de camponios fanaticos e ignorantes, levados
de superstições è chimeras, alli se reuniram , em puro
fanatismo religioso, Luiz do Rego fez marchar uma ex
pedição com o fim de dispersal-os , julgando ser aquillo
um estratagema politico . Os sitiados foram cruel e bar
baramente atacados, e ainda que lutando com forças
desiguaes, ostentaram uma coragem raramente vista,
mas foram derrotados, mortos e feridos em grande nu
mero, as habitações e lavouras foram arrasadas e incen
diadas, e os prisioneiros conduzidos ao Recife em um
estado lastimoso e miseravel.
Sá Barreto , então cadete graduado official,
fez parte
desta expedição, viu cahir ao seu lado compatriotas e
irmãos , victimas da mais atroz e barbara tyramnia, e
em vez das conquistas dos louros da victoria, colheu
maguas pela sorte dos seus compatriotas, forçado a ba
talhar contra elles por força das circumstancias mili
tares e ordens superrores , e no meio desta horrivel
matança viu succumbir um seu irmão, commandante
em chefe das forças milicianas de Santo Antão .
Em 1821 , quando os pernambucanos oppozeram ir
resistivel barreira as tyramnias do governador Luiz do
Rego, e pozeram em campo a propaganda constitu
cional, quiça das liberdades e independencia patrias,
Sá Barreto foi um dos muitos brazileiros que incor
reram no odio dos portuguezes, e a consequencia das
suas aspirações, das aspirações mais nobres c gene
rosas que pode ter o subdito de um paiz, calcado pela
oppressão e fyramnia, foi o desterro, foi a deportação.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 153

Livre da prisão e desterro fulminado pelos oppres


sores de sua patria, þá Barreto viu finalmente o Brazil
livre e independente do jugo portuguez. Em 1824, dis
tanciando -se d'aquelles de seus compatriotas que oppoze
ram um protesto energico ao impolitico e violento acto da
dissolução da constituinte brazileira, pondo em campo
a guerra separatista , e proclamando depois a Confede
ração do Equador, Sá Barreto, já elevado ao posto de
capitão, seguiu partido contrario , e foi prestar os seus
serviços nos arraiaes daquelles que sustenta vam a inte
gridade do imperio .
Marchando para a Barra Grande onde acampavam -se
as forças imperialistas, cahiu prisioneiro da revolução,
e de Serinhaem marchou escoltado para o Recife, e foi
encerrado preso na sala livre da cadeia desta capital .
Ahi prisioneiro até a chegada do brigadeiro Fran
cisco de Lima e Silva a frente das suas tropas, cujo
primeiro acto foi immediatamente abrir -lhe as portas da
prisão , Sá Barreto recebeu então a incumbencia do
commando da 1. " e 2." companhias do seu batalhão, c
marchou á reforçar o corpo do exercito estacionado na
Bôa -Vista , onde ia ferir -se a batalha decisiva, da vida
ou morte da proclamada republica.
Nessas lutas fratricidas, em guerra entre compa
triotas e irmãos , não brilham os louros da victoria , as
acções as mais heroicas, os feitos de maior valor e intre
pidez, são eclipsados e obscuros; mas realça sobre tudo
isso o valor calmo e reflectivo que ostentou o capitão
Antonio Pedro de Sá Barreto, á par dos actos de huma
nidade e confraternidade que praticou para com OS
feridos depois do combate, e depois desses dias luctuo
sos o quanto foi util, o quanto prestou -se á salva -guar
dar a muitos de seus companheiros de armas , que
vencidos, erravam aterrados e homisiados, victimas da
sua iniciativa e adhesão á esse pronunciamento político.
Sá Barreto foi então condecorado com a medalha
que devia destinguir aquelles que mais se haviam nobi
litado no serviço da campanha, mas elle agradece ao
general Lima e Silva essa distincção, e posteriormente
apresentado a S. M. o Imperador pelo mesmo general,
respondeu -lhe sobre a sua recusa o mesmo que já havia
dito em Pernambuco á tal respeito . Então o general fez
a S. M. a historia de Sá Barreto, desde o começo até o
21
154 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
fim da guerra , e essa historia valeu -lhe muito honrosas
palavras do Imperador, que acabou por dizer-lhe :
Louvo -lhe o procedimento e os escrupulos ; tem , porem ,
incontestavel direito, como bravo e leal, ao uso da me
dalha que conferi. Sá Barreto agradeceu respeitosa
mente tão honrosas palavras , porem perseverou em não
usar semelhante condecoração !
Rompendo pouco tempo depois a guerra da Cispla
tina , e marchando as tropas do norte para a campanha ,
Sá Barreto foi encorporado ao seu batalhão, tomou
parte em todos os combates, e mereceu pelo seu me
rito e valor militares, a estima e confiança dos seus
superiores, especialmente do general Brow , um dos
mais distinctos e illustres dessa famosa campanha.
Sá Barreto foi um dos heróes da infeliz mais glo
riosissima jornada de Ituzaingo , a 20 de Fevereiro de
1827 , na qual encorporado ao legendario batalhão 18
de Pernambuco, sob o commando do intrepido La
menha, sustentou a honra e dignidade do Brazil ; e
quando a adversidade feriu -nos de chofre, e o seu
batalhão marchou em quadrado com o 13 da Bahia ,
nesse famoso quadrado sobre o qual vinha em repe
tidas cargas a cavallaria inimiga , sem jamais conseguir
vantagem alguma, marchou em retirada, mas em reti
rada gloriosa, soberba e irresistivel.
Sá Barreto acompanhou todos os movimentos, e
tomou parte em todos os feitos da guerra Cisplatina.
De Ituzaingo passou com o exercito á Caçapava, e d'ahi
á diversas posições , e depois á villa do Rio Pardo onde
acampou em quarteis de inverno. Assim entrou o anno
de 1828, quando pela intervenção da Inglaterra foi ajus
tado um armisticio . Mesmo assim , ainda pela desleal
dade dos argentinos, os brazileiros em represalia a um
ataque pelas fcrças do coronel La Torre, cahiram sobre
o acampamento geral do exercito inimigo, e o levaram
de vencida.
Terminada a guerra , e reconhecida a independencia
da provincia Cisplatina, sob, o nome de Estado Oriental
do Uruguay, Sá Barreto foi chamado á côrte do Rio de
Janeiro, e incumbido de organisar em Pernambuco um
corpo militar especial . Firmado o acto da abdicação de
D. Pedro I em 1831 , e se achando o nosso exercito em um
estado de decadencia e descredito, Sá Barreto solicitou
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 155

e obteve uma licença, e entregou -se a vida agricola ,


recolhendo - se então ao engenho Jardim em Jaboatão ,
de propriedade de seus paes .
Qual Cincinato, trocou a espada pela charrúa, e intei
ramente segregado, e entregue aos labores da vida
agricola , viu succederem -se alguns annos , até que,
passados os ahalos e convulções politicas da abdicação,
foram de novo exigidos os seus serviços, ao que elle
promptamente acudiu. Foi- lhe então confiada a ins
pecção da Guarda Nacional desta provincia , que recen
temente creada , entrava em organisação.
Nomeado commandante das armas desta provincia,
por portaria da presidencia de 17 de Novembro de 1837, em
virtude de autorisação do governo imperial para tal fim ,
tomou posse e entrou em exercicio aos 13 de Dezembro
do mesmo anno. Os serviços que prestou o major Sá
Barreto no desempenho dessa missão , apregoam mais
que tudo o tempo de sete annos em que se demorou no
exercicio desse cargo, pois isso importa a mais plena e
cabal confiança que lhe depositava o governo imperial , e o
bom desempenho que dava a essa honrosa incum
bencia , sobre cuja importancia falla bem alto um artigo
biographico publicado por occasião da sua morte, no
Diario de Pernambuco : Era bem ardua aquella tarefa
então : succediam - se as insubordinações nos corpos ,
habituados as revoltas militares d'aquelles tempos cala
mitosos, e explorados pelos partidos politicos, que se
disputavam ao poder. O velho illustre que acaba de
succumbir, prestou então ao paiz os mais relevantes
serviços, sempre com sua calma habitual, com sua
justiça nunca desmentida.
Tal foi a épocha em que lhe foi confiado o com
mando das armas desta provincia, taes foram os seus
serviços, até que o entregou ao seu successor a 7 de
Setembro de 1844. Em 1847, obteve a sua reforma no
posto de coronel, após trinta annos de vida militar, tendo
como premio dos serviços que prestára ao paiz durante
as situações mais criticas desse ultimo periodo da
nossa historia politica, o habito e depois a commenda
de S. Bento de Aviz . Em 1849 por occasião da revolta
praieira, o governo confiou -lhe o commando do corpo
de voluntarios da freguczia de Jaboatão, e em 1862 foi
chamado pelo governo imperial para occupar o lu
156 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

gar de presidente do conselho de fornecimento militar


na provincia, cargo que occupou até a sua extincção.
Votado inteiramente aos interesses da vida agricola
que novamente abraçára , o coronel Antonio Pedro de
Sá Barreto viveu ainda muito tempo , inteiramente afas
tado da vida publica, e assim , pouco mais de dous mezes
depois de contar os seus oitenta annos de existencia ,
falleceu no povoado da Torre, aos 3 de Abril de 1881 .
Venha ainda em nosso auxilio o citado artigo bio
graphico, e realce as seguintes phrases, o merito, os
serviços e as virtudes desse illustre e benemerito ser
vidor do estado :
« Como cidadão, como soldado, amigo, marido e pai ,
o coronel Antonio Pedro de Sá Barreto , foi um espelho,
no qual reflectiram - se em todos os tempos as mais edi
ficantes virtudes. Homem de principios rigidos, de velha
tempera, era o que, no rigor da expressão , se chamaria
em tempos que vão longe, um homem de bem . O venc
rando cidadão que acaba de sumir -se na eternidade,
que está no seio de Deus, com o qual viveu e morreu,
deixa larga descendencia composta de dez filhos , trinta
e sete netos e quatro bisnetos. Por expressa dispo
sição sua , em seus ultimos momentos, honras militares
The não foram prestadas, nem pompa alguma cercou o
seu feretro até a derradeira morada de seu corpo . Mo
desto na morte, como na vida, conservando até o fim
o uso de suas faculdades , teve a morte do justo. Era
uma reliquia pernambucana, ou antes nacional. O patrio
tismo nelle nunca se extinguiu sob os zelos da idade.
Não ha muitos annos ainda, quando a leviandade jac
tanciosa de um ministro argentino ousou, em nota diplo
matica , atirar -nos indirectas offensivas de nossa honra
nacional, o nobre e modesto veterano de Ituzaingo , cheio
de patriotica indignação, fez publicar pela imprensa,
nesta provincia , a historia da famosa batalha, a maior de
quantas até agora se havia ferido em terras da America
do Sul. »
Tal foi a vida do illustre veterano da nossa emanci
pação politica, o honrado e illustre soldado Antonio
Pedro de Sá Barreto .

Antonio Peregrino Maciel Monteiro (segundo barão


de Itamaracá ). Nasceu aos 30 de Abril de 1804; foram
seus progenitores Manoel Francisco Maciel Monteiro , ba
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 157

charel em canones pela universidade de Coimbra, capitão


commandante dos auxiliares desta capitania de Pernam
buco , d'onde era natural e de D. Manoela Lins de Mello .
Dedicando-se Maciel Monteiro á carreira das lettras e
das sciencias, fez o seu curso preparatorio em Olinda, e
seguiu para a França ; e matriculando-se na universidade
de Pariz, recebeu ainda bem joven o gráo de bacharel em
Lettras aos 16 de Novembro de 1824 , o de bacharel em
Sciencias , aos 8 de Abril de 1826 , e o de Doutor em Medi
cina aos 19 de Maio de 1829.
Apezar de joven , deu Maciel Monteiro na universidade
as mais sobejas provas do seu bello talento e dedicação
pelos estudos.
Voltando á sua patria , laureado aos 25 annos com o
titulo de Doutor em Medicina , e com as cartas de bacharel
em Lettras e Sciencias , começou a exercer a profissão me
dica nesta cidade, onde bem cedo o seu talento e proficien
cia deram - lhe fama e numerosa clinica .
Em 1833, transpoz o limiar da politica , e por varias le
gislaturas quer geral, quer provincial, mereceu o suffragio
dos seus comprovincianos. Na tribuna parlamentar, o
seu verbo sempre inspirado, a sua palavra autorisada e
arrebatadora eloquencia, conquistaram - lhe tantos applau
sos , e um nome tão respeitavel como orador parlamentar,
que o Brazil guardará saudosa e grata memoria .
« Elle tinha voz sonora , diz o Dr. Joaquim de Macedo,
mas não efeminada, palavra fluente e jamais interrompida
pela mais leve hesitasão, pureza de estylo, eloquencia ar
rebatadora , e gesto moderado e agradavel: nunca faltou a
um seu discurso a belleza da forma, e todos os seus dis
cursos se affiguravam preparados com trabalhoso esmero .
« Completa illusão !... Maciel Monteiro frequentava
apaixonado os theatros, os bailes, as sociedades dos cir
culos mais elegantes , e elle proprio era o typo da mais exi
gente e caprichosa elegancia , no trajar sempre rigorosa
mente á moda, e no fallar sempre em mimos de delicadeza
e de refinada cortezia em que sem pretenção nem demasia
seu espirito subtil e sua imaginação de poeta radiavam
suave e encantadamente .
« Após longas horas passadas em saraos, em compa
nhias aristocraticas, em sociedades e excellentes amigos,
ou nos theatros, Maciel Monteiro dormia a somno solto até
as 10 horas da manhã seguinte : lembrava -se então ás ve
158 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

zes de que devia fallar na camara, e pensava no seu dis


curso em quanto apurava cuidados no seu vestir esmerado .
« Logo depois a camara ouvia eloquente discurso , lin
dissimo na forma, com perfeito plano na ordem das ideas,
pujante na argumentação, e revelador da illustração de
quem o proferia. O auditorio convencia -se do laborioso e
longo estudo a que se dera o orador, que apenas acabava
de improvisar.
« Talento maravilhoso, que teria feito , e que teria sido
no seu paiz Maciel Monteiro, se menos se deixasse arreba
tar pelos gosos licitos e honestos, mas tão inebriantes
como vãos da vida de festas, de fulgentes salões , e de aris
tocraticos enlevos ?...
« Essa fraqueza, innocente defeito de Maciel Monteiro ,
privou a patria de um grande estadista , ou de um dos seus
primeiros poetas .»
São estas palavras, os traços mais fieis e mais firmes,
que se poderia traçar sobre Maciel Monteiro, e deixam bem
ver, a mestria de quem as escreveu .
Geralmente conhecido e reputado, e desempenhando
sabia e satisfactoriamente todos as seus mandatos, e tal o
seu merecimento, que foi chamado em 1837 a fazer parte
do gabinete de 19 de Setembro, o primeiro e o mais notavel
gabinete do partido conservador, confiando -se-lhe a pasta
dos negocios estrangeiros.
No ministerio occupou - se Maciel Monteiro especial
mente da questão do Oyapock com a França , revelando
tanta habilidade, reflexão e proficiencia nesta melindrosa
questão internacional, que dir - se -hia um velho e profundo
esta dista .
Demittido em 1839 o gabinete 19 de Setembro, Maciel
Monteiro, tomando assento no parlamento, defendeu - o e
justificou -o em um tão bello c eloquente discurso, que só
esse discurso bastaria para sua gloria parlamentar.
Na legislatura de 1850 não frequentou a tribuna como
dantes, porque digna e esclarecidamente occupou a ca
deira de presidente da camara.
Voltando do Rio de Janeiro depois da demissão do ga
binete de que fizera parte, foi-lhe confiada a directoria do
Curso Juridico de Olinda, por decreto Imperial de 18 de Ju
lho de 1839, assignado pelo regente Pedro de Araujo Lima,
depois Marquez de Olinda.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 159

Dous annos depois, foram os serviços que havia pres


tado , remunerados com a conferencia do titulo de Conse
lho , por Carta Imperial de 17 de Setembro de 1841 .
Estabelecendo -se por esse tempo nesta cidade a Socie
dade de Medecina Pernambucana, foi o conselheiro Maciel
Monteiro acclamado presidente , e no dia da sua installação
aos 4 de Abril de 1841 , proferiu um discurso inaugural,que
corre impresso na revista desta associação – Annaes da
Medicina Pernambucana .
Poucos annos depois, deliberando seguir a carreira
diplomatica, partio em 1853 para Lisboa, em cuja córte foi
acreditado como Enviado Extraordinario e Ministro Pleni
potenciario do Brazil . Durante a sua vida diplomatica, sem
pre gosou das mais subidas e significativas honras,respeito
e consideração .
Grandes foram os serviços prestados pelo conselheiro
Maciel Monteiro a sua patria nessa difficil e melindrosa
missão, especialisando -se os que prestou contra a nume
rosa quadrilha de moedeiros falsos, que de Lisbôa infesta
vam o Brazil , e por cujo serviço teve em remuneração o ti
tulo de Barão de Itamaracá, com as honras de grandeza.
Maciel Monteiro não só era grande e eloquente orador,
medico distincto , politico consummado e habilissimo diplo
mata, como tambem elegante, mavioso, e inspirado peota .
« Talento descommunal, intelligencia clara e feliz, diz
o Dr. Joaquim Manoel de Macedo, competentissimo juiz
para o julgar, Maciel Monteiro cultivou as lettras e a poe
sia , e não foi um dos primeiros poetas da lingua portu
gueza no seu tempo, somente porque não quiz sel-o . )
« O Barão de Itamaracá nascera com os mais superio
res dotes para ser grande poeta e grande orador. Na tri
buna parlamentar, e em numerosas, mas fugitivas compo
sições poeticas, pela maior parte perdidas ; algumas, po
rém , felizmente conservadaslampeja e fulgura o seu prodi
gioso talento .»
« Mas elle poetava, como pronunciava discursos , im
provisando sempre !...
« E em seus discursos como em seus versos , embora
uns eoutros improvisados, aprecia -se em gráo distincto a
elegancia e a belleza da fórma, cujo cuidado foi a outros
respeitos a fraqueza desse homem rico de faculdades para
ser gigante nas republicas das lettras !...))
m ha , porém , que não conheça os bellos , mimosos
e maviosos versos de Maciel Monteiro ?
160 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Purismo e elegancia de phrases ,pensamento arrojado,


sublime inspiração, voos altivos , tudo resplende nas suas
bellissimas composições poeticas .
Pena é, que andem dispersas essas mimosas produc
ções da sua lyra , e que bem difficil seja colleccional-as.
0 commendador Antonio Joaquim de Mello , consagrou
algumas paginas das suas Biographias de alguns poetas e
homens illustres da provincia de Pernambuco, a algumas
das poesias de Maciel Monteiro .
Um nosso illustre comprovinciano, Antonio Pedro de
Figueiredo, hoje fallecido,sob o pseudonymo de Abdalah - el
Kratif, publicou no Diario de Pernambuco de 3 de Maio
de 1858 um bello artigo sobre essa obra ; então disse o se
guinte a respeito dos versos de Maciel Monteiro :
« O nosso distincto comprovinciano, o Sr. MacielMon
teiro, tambem occupa varias paginas das « Biographias »
com diversas das suas producções. Entre estas produc
ções do Sr. Maciel Monteiro, encontramos uma, que não
podemos resistir á tentação de trasladar para aqui ; é uma
das mais sympathicas composições poeticas que conhece
mos ; é dedicada a um anniversario, celebrado no dia 25
de Março de 1849 :

Trôa o canhão terribil, que apregoa


Os patrios foros em marcial linguagem :
Eis o dia , Senhora, de pagar - vos
O anno feudo da minha vassalagem .

Mais uma vez o Astro soberano


Seus dominios correu no firmamento :
Hoje assente em seu throno, eil-o que espalha
Graças de luz ao vosso nascimento .
Balançando -se n'haste voluptuosa,
Quão linda gala trajam hoje as flores !
Dir-se -hia, para gloria de enfeitar-vos,
Qu'orvalhou -as na aurora a mão d’Amores.
As aves, que na selva a alva saudam
Com seus molles cantares á porfia ,
O perfume nas rosas aspirando
Os ares embalsamam de harmonia .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 161

O sol tem mais fulgor, a flor mais mimos,


A ave mais doçura em seu trinado ;
Ah ! como a Creação dobrou seu fausto
Neste dia, Senhora, abençoado !
Tudo , tudo obedece á voz do Eterno
Rendendo cultos a belleza tanta !
Só o Bardo na lyra , envolta em crepe,
Se emprehende cantar, geme, não canta !
Muda a lyra , na qual sagrei outrora
Tanlos hymnos de amor á formosura :
Se do prazer dedilho as cordas d'ouro,
Vibrar a corda sinto da amargura .

Mas já que em vosso gyneceo risonho


Não pode o canto meu ser hoje ouvido;
Dai, Senhora, que aos echos da alegria
Ao menos se misture um meu gemido.
Ah ! se em pomposo altar a Divindade
Insenso , flores, canticos aceita ,
O orar do infeliz tambem acolhe
E as lagrimas do afflicto não regeita.

A mesma urna, que no Tabernaculo


o
Tambem , modesta aos votos de humildade,
A oblação recolhe da indigencia.

Pequeno é meu tributo : cil-o qual passo .


Qual me é dado pagar- vos reverente :
Não é o dom opimo do Opulento ,
E ' sim a escassa offrenda do indigente.

« Esta inspiração tremula de emoção e de enthusiasmo,


é um dos reflexos mais brilhantes do grande pocta em toda
excepção do vocabulo, é um dos brados mais sympathi
cos do cantor pernambucano, que com as suas melodiosas
c divinas producções tem encantado a sua geração, desde
a morada humilde até as residencias mais opulentas .»
22
162 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Séja -nos, pois , tambem permittido trasladar duas das


suas mais lindas poesias,não menos bellas , e cheias de ins
piração e harmonia ; uma, feita ao embarque e partida de
uma senhora , e a outra um soneto .

UM SONHO

Ella foi- se !... E com ella foi minha alma


Na asa veloz da Briza sussurante ,
Que ufana do thesouro , que levava ,
la ... corria ... e como vai distante !

Voava a brisa , no atrevido rapto


Frisava do Oceano a face liza :
Eu que a brisa acalmar tentava insano,
Com meus suspiros alentava a briza !
No horisonte esconder -se anuviado
Eu a vi ; e dous pontos luminosos
Apenas onde ellà ia me mostravam :
Eram elles seus olhos lacrimosos !
Pouco, e pouco empanou - se a luz confusa,
Que me sorria la dos olhos seus ;
E d'além ondulando uma Aura amiga
Aos meus ouvidos repetio -- adeus — !
Nada mais via eu , nem mesmo um raio
Fulgir a furto de esperança bella ;
Mas meus olhos illusos descobriam
N’uma amavel visão a imagem della .
Esvaio - se a visão , qual nuvem aurea
Ao baſejar de vespertina aragem :
Se aos olhos eu perdia a imagem sua ,
No meu peito cu achava a sua imagem .
Ella foi-se !... E com ella foi minha alma
Na aza veloz da briza sussurante .
Que ufana do thesouro que levava,
Ia ... Corria ... e como vai distante !
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 103

SONETO

Formosa, qual pincel em tela fina


Debuchar jamais pode, ou nunca ousara ;
Formosa, qual jamais desabrochara
Em primavera rosa purpurina :
Formosa, qual se a propria mão divina
Lhe alinhara o contorno e a forma rara ;
Formosa , qual jamais no céo brilhara
Astro gentil, estrella peregrina :
Formosa , qual se a natureza, e arte ,
Dando as mãos em seus dons, em seus lavrores,
Jamais soube imitar no todo , ou parte :

Mulher celeste, oh ! anjo de primores!


Quem pode ver - te, sem deixar de amar -te !
Quem pode amar - te, sem morrer de amores !
Além dos seus versos originaes , correm impressas no
Progresso , revista que se publicou nesta cidade nos annos
de 1846 a 1848, algumas poesias traduzidas do francez, de
Lamartine . E essa revista, ao inserir em suas columnas
essas producções, disse o seguinte:
« Hoje começamos nós a publicação da serie de pocsias,
devidas a elegante penna do nosso comprovin ciano, o Sr.
Conselheiro A. P. Maciel Monteiro .) « Medico habil, esta
dista distincto, o Sr. Maciel Monteiro ha sabido juntar ao
renome de sabio pratico e aos triumphos de eloquente
orador as palmas da poesia .» « As duas peças, que damos
aqui, são traducções de duas meditações de Lamartine.
De feito , uma secreta sympathia devia necessariamente ar
rastar o nosso illustre consocio para os trabalhos do poeta
francez com quem tem o Sr. Maciel Monteiro muitos pon
tos de semelhança, e que á maneira do cantor de Jocelyn,
tambem não julgou que os triumphos litterarios fossem
incompativ eis com as graves preoccupações do homem
deestado .»
Tal foi o inspirado vate , o melodioso poeta Antonio Pe
regrino Maciel Monteiro . Estas producções da sua musa
que acabamos de apresentar, bastam por si sós, para con
ferir -lhe um lugar distincto na galeria dos nossos poetas.
164 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Depois de haver tão assignalados serviços prestado a


sua patria ,c tão digna e honradamente ,morreu longe della,
na cidade de Lisboa aos 5 de Janeiro de 1868 .
Embalsamado o seu cadaver , foi dado á sepultura aos
8 do mesmo mez, no cemiterio dos Prazeres, com toda a
pompa e magnificencia devida a tão illustre personagem .
Eis como um jornal de Lisboa discreveu o ceremonial
do seu sabimento :
« O prestito funebre, que foi o mais pomposo possi
vel, como se devia a tão illustre representante, sahio da
igreja dos Martyres pela 1 hora da tarde, depois do Libe
l'e -me, por musica vocal e instrumental.
« Concorreram a esta ceremonia o corpo diplomatico,
presidido pelo nuncio apostolico, ministros, pares, deputa
dos, titulares, altos dignitarios, funccionarios publicos,
muitos subditos brazileiros e os camaristas e officiaes ás
ordens de suas magestades el-rei D. Luiz e D. Fernando.
« As carruagens particulares tomaram lugar na frente ,
precedendo o carro funerario, o trem em que ia a corôa, co
berta de preto e quatro coches de tres parelhas, conduzindo
os ecclesiasticos : logo em seguida ia um coche da casa
real conduzindo o parocho, de cruz alçada, levando o fere
tro outro coche igual, rodeado de creados do paço com
brandões accessos, e dous estribeiros, fechando o cortejo o
regimento de lanceiros n . 2. Todas as tropas da guarnição
da capital, e tres baterias de artilharia, formaram no cemi
terio afim de prestar as ultimas honras ao finado diploma
tico, dando as descargas do cstylo . Salvou tambem um
navio de guerra .
« A falta do Sr. Barão de Itamaracá tem sido bastante
sentida, porque era um cavalleiro muito apreciavel e go
zava excellente reputação não só pelas suas boas qualida
des, mas como orador illustre do parlamento brazileiro.»
Dous annos depois, foram os seus restos mortaes trans
portados para a cidade do Recife, a bordo do brigue portu
gacz Bella Figueirense, o qual aportou á mesma cidade aos
21 de Setembro de 1870 .
Na manhã do dia 1.º de Outubro foram elles traslada
dos de bordo para a matriz da Boa Vista , com uma pompa
e solemnidade edificantes ; e assim , deram os pernambu
canos mais uma prova do apreço e respeito devidos a me
moria de um dos seus mais illustres irmãos.
E a 6 de Dezembro de 1872, foram elles depositados em
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 163

um bello monumento de marmore , no cemiterio publico ,


mandado erigir pela Camara Municipal, do Recife, sobre o
qualse lè a inscripção seguinte :
A ' memoria
Do conselheiro
Antonio Peregrino Maciel Monteiro
2. ° Barvo de Itamaracá
Mandou levantar este modesto
Monumento
A Camara Municipal do Recife
24 de Agosto de
1872

Åssim tiveram os seus restos mortaes um monumento


digno da sua gloria, do seu talento e illustração ; e desta
vez ao menos, nắo foram os pernambucanos indifferentes
á memoria de um heróe, homem notabilissimo, de que
tanto se deve orgulhar e ufanar !
Antonio Peregrino Maciel Monteiro, segundo Barão de
Itamaracá, exerceu os cargos de vereador da Camara Mu
nicipal, provedor da Saúde do Porto, director do theatro
publico em 1850, presidente da commissão medica para
estudar e apresentar as medidas tendentes a prevenir a fe
bre amarella em 1851, membro da junta medica, medico
da guarda nacional e director da Instrucção Publica ( 1852 ),
além das diversas missões que deixamos consignadas.
Em 1841 , foi agraciado com o officialato do Cruzeiro ,
cm 1854 com a grande dignitaria da Rosa e a gră -cruz de
Christo de Portugal, em 1855 com a gră -cruz de S. Grego
rio Magno de Roma e posteriormente com a de uma das
ordens da Suecia . Era membro de varias sociedades lit
terarias e scientificas nacionaes e estrangeiras, e entre
ellas a Arcadia de Roma.
Terminamos este rapido esboço da vida de um tão il
lustre pernambucano, com as seguintes e elegantes pala
Vras , com que o Illm . Sr. Dr. Aprigio Guimarães terminou
tambem o seu bello discurso, recitado na matriz da Boa
Vista, quando ahi se depositavam os seus restos mortaes:
« Para os olhos do espirito, enthusiasta e patriotico,
o nome de Maciel Monteiro encerra thesouros, que só a
posteridade saberá apreciar devidamente .
« Os nossos netos , estudando a historia de hoje, acha
rão, entre os mais distinctos : na linha dos medicos, M.
166 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Monteiro ; na linha dos oradores parlamentares, M. Mon


teiro ; na linha dos poetas, dos jornalistas, dos diploma
tas, M. Monteiro ! Sempre grande! De cada vez uma glo
ria immorredoura para Pernambuco e para o Brazil !
« Ao Creador a sua alma !
« A posteridade o seu nome!»
Antonio Pessoa Arco - Verde. Nasceu no primeiro
quartel do seculo XVII, era filho de Agostinho Gonçalves
Panasco, e pertencia a nação dos indios Tabayrés.
Em 1636 se alistou nas fileiras do terco dos indios
commandados por D. Antonio Felippe Camarão, e
galgou todos os postos já nos campos da batalha du
rante a guerra hollandeza, e já depois da restauração,
por outros serviços e pelo seu merecimento e aptidão.
Fez parte da jornada de Goyanna, achou -se no
reducto do Capibaribe, na tomada da Casa -Forte ,
nas duas batalhas dos Guararapes, na expugnação
das praças do Recife, e em outros combates com
os inimigos, procedendo em tudo com satisfação , como
diz a Carta Regia de 12 de Abril de 1683.
Depois de terminada a guerra da restauração do
dominio hollandez, não foi Antonio Pessoa Arco - Verde
descansar á sombra dos louros que havia conquistado
nos campos da batalha .
Reclamando a patria os seus serviços por occasião
da guerra dos Palmares, elle corre pressuroso, e não
obstante já ser velho toma parte em todas as entradas
quc se fizeram , bate o inimigo, e enrama a sua fronte
com mais estes novos e fulgentes louros.
Foi em virtude de tão assignalados serviços, que
a Carta Regia de 17 de Novembro de 1683, confirmou -o
no posto de capitão -mór e governador dós indios das
aldeias de Pernambuco, no qual o havia interinamente
provido o governador e capitão general desta capitania
D. João de Souza , a 12 de Dezembro de 1682, « por ser
pessoa benemerita , e haver servido com muita fidelidade
nas guerras do Estado do Brasil, procedendo sempre
em todus ellas com o valor e satisfaçāo de mui honrado
soldado , particularmente na armada do conde da Torre,
no sitio que o conde Nassáu poz a cidade da Bahia , e
nas mais occasiões de peleja , que no decurso daquella
guerra suicrederam , como foi nas batalhas dos Guara
rapes, e nus da restauração das praças de Pernambuco,
2
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 167

occupando os postos de alferes, ajudante, e capitão no


mesmo terço, e ultimamente estar servindo o posto de
tenente ha trinta e quatro annos com toda a satisfação,
governando as suas aldeias, e acudindo para as occa
siões dos Palmares em todas as entradas que se fiseram
áquelles sertões, não faltando ús obrigações do dito
posto com mui honrado selo do meu serviço. »
Taes são as honrosas palavras que a respeito desse
denodado heroe, consignou El-Rei D. Pedro II de Por
tugal, na dita Carta Regia. Ainda em premio dos seus
serviços, foi Antonio Pessoa Arco -Verde condecorado
com o habito de Aviz . Pela folha de sua tença exis
tente no almoxarifado da antiga Fazenda Real , consta
que o capitão -mór Antonio Pessôa Arco - Verde, falleceu
no dia 15 de Outubro de 1692. Foi cazado com D.
Catharina Fernandes, de cujo consorcio nasceu o capitão
Domingos Pessoa Panasco .
Antonio Rangel de Torres Bandeira. Nasceu na
cidade do Recife aos 17 de Outubro de 1826. Foram
seus paes Antonio Ignacio de Torres Bandeira , escrivão
de appellações do foro desta capital, e modesto cultor
das lettras, e sua consorte D. Manoela Margarida de
Souza Rangel.
Manifestando em sua infancia intelligencia clara e
precoce , amante dos livros e do saber , inteiramente
applicado aos estudos, seus paes esforçaram-se em
dar -lhe uma educação esmerada, encaminharam -no á
carreira das lettras, e Torres Bandeira soube corres
ponder aos exforços e sacrificios de seus paes . Aos
dezoito annos já havia concluido o curso de prepara
torios, e matriculando-se na antiga Academia de Olinda,
foi graduado bacharel em sciencias juridicas e sociaes,
aos 16 de Outubro de 1848 .
No anno seguinte recebeu Torres Bandeira por
portaria da presidencia de 14 de Abril, a nomeação de
lente substituto das cadeiras de geographia e rethorica
do Lyceu Pernambucano . Depois da extincção deste
estabelecimento, passou a reger a cadeira de francez
do Gymnasio Provincial, por portaria de 17 de Agosto
de 1855, e em 1859, á seu pedido, foi transferido para a
de geographia e historia antiga, cargo esse que desem
penhou até poucos dias antes do seu fallecimento, com
seus
intelligencia , zelo e notavel aproveitamento dos
discipulos.
168 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Na sua vida publica Torres Bandeira exerceu tambem


o cargo de 5.0 supplente do Juizo Municipal da primeira
vara do termo do Recife , em 1851; de delegado de po
licia em 1852, substituindo por varias vezes, como en
carregado do expediente, o respectivo chefe ; de inspector
interino do primeiro circulo litterario em 1853 ; de
membro substituto do conselho director da Instrucção
Publica de 1855 a 1867 ; eo de deputado a Assembléa
Provincial, na legislatura de 1862 à 1863, e como sup
plente na de 1854 .
Bem jovem ainda começou Torres Bandeira a sua
vida litteraria . A datar das lides academicas até que
chegou a hora fatal de pagar a morte o tributo da vida,
todo esse espaço de tempo que comprehende um periodo
de quasi trinta annos, foi consagrado ao estudo, ao
ensino, ao trabalho e a publicação de seus productos
litterarios, não só em livros , como nos diversos jornaes
desta e outras provincias, e n'alguns de Portugal. Bem
poucas das producções de Torres Bandeira foram pu
blicadas em livros, avultando assim as que tiveram
publicação em jornaes, e algumas outras que deixou
ineditas.
D'entre os diversos jornacs em que assidua e dedi
cadamente collaborou Torres Bandeira, notam -se os
seguintes entre outros : Diario de Pernambuco, Diario
do Rio , Jornal do Commercio , Jornal do Recife, Atheneu
Pernambucano , União, Recreio, Revista Brasileira,
Revista Unwersal Lisbonense, Progresso, Academico do
Norte, Revista Popular, Oito de Dezembro, Futuro, Echo
Pernambucano, Aurora Pernambucana , Yris Academico ,
Correio da Tarde, Jornal dos Domingos, Revista Catho
lica, Phyleidemon, Polymatico, Jornal do Instituto Pio
e Litterario, Ordem , Liberal Progressista, Amigo do
povo, Opinião Nacional, Oriente, Madresiloa.
Os artigos de Torres Bandeira publicados em todos
estes jornaes sobre assumptos diversos , comporiam
alguns volumes preciosos, pela sua riquesa e variedade,
principalmente sobre litteratura, assumpto em que era
versadissimo; e entre os seus escriptos que foram pu
blicados em livros, notam - se os seguintes, hoje bem
raros : Oblação ao christianismo , o cremita de Jaffa,
Um elogio dramatico, Um suspiro á Deus, Harmonias
romanticas e Cancioneiro christão.
Torres Bandeira , quer como professor, quer como
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 169

litterato , prestou immensos e grandiosos serviços as


lettras e a instrucção. Além do ensino de historia e
geographia que professava no Gynınasio Provincial, elle
tinha aberto em sua casa um curso das seguintes ma
terias : francez , inglez, latim , allemão, rethorica, geo
metria, philosophia, geographia, historia e
sendo que nas quatro ultimas disciplinas, segundo o
conceito de um illustre litterato, era mestre profundo,
sabio e inimitavel.
Que serviços devem as lettras a Antonio Rangel de
Torres Bandeira ? interroga o illustre litterato Dr. José
Soares de Azevedo . A esta pergunta não serei eu quem
responda. A sua corôa litteraria de prosador e de poeta
ennastram-na quantos homens competentes hão com
pulsado os seus trabalhos , quer no Brazil quer em
Portugal. A Aurora Pernambucana, de que Torres Ban
deira fòra o principal redactor em 1859, é um reposi
torio importante de politica doutrinaria , de critica e de
litteratura variada, em que a nossa mocidade tem muito
que estudar e que aprender. Os archivos e jornaes reli
giosos do Rio, da Bahia e do Maranhão, a Revista Bra
sileira do Rio , Revista Universal de Lisboa, a Revista
Popular da mesma cidade, todos esses orgãos de publi
cidade se honram com os escriptos succulentos de
Torres Bandeira .
Os limites a que me devo circumscrever no presente
discurso, continua o Dr. Soares de Azevedo, não me
permittem analysar um a um os rasgos de engenho do
nosso illustre poeta e prosador ; mas as suas tenta
tivas de Critica litteraria, o seu curioso Eremita de
Jaffa, honram a sua memoria : se a cultura da poesia
será nociva ao progresso das sciencias, e a sua these
economica sobre a inconveniencia da propriedade irrdi
vidual ser substituida pela propriedade collectiva, seriam
por si sós bastantes para lhe dar um lugar de mere
cida honra entre os melhores pensadores do Brazil . A
feição caracteristica do seu estylo, é a amenidade e a
correcção : tudo The vem tão simples e tão natural, a
sua musa inspira -o com tal castidade, que, se a minha
opinião é de algum valor nesta materia, elle veio renovar
entre nós a graciosa e singella expressão de Bernardim
Ribeiro .
Torres Bandeira já com a palavra, já com a penna,
era o mais estrenuo animadur da mocidade, em suas
23
170 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

conquistas e emprehendimentos no campo das sciencias


Jamais empresa alguma litteraria foi
e da litteratura .
bater as portas de Torres Bandeira solicitando o seu
nome, a sua coadjuvação, que sahisse de mãos vasias,
que não fosse por elle animada e encorajada . E foi
assim , que em 1870, já quando bem pouco tempo lhe
restava de vida , contribuiu para a publicação da Madre
silva, o ultimo jornal em que collaborou. N’um dos
seus numeros transcrevendo o Sr. Dr. Aprigio Guima
rães uma poesia de Torres Bandeira, consagrou-lhe
estas« palavras:
Tambem este mestre das lettras, um dos poucos
litteratos de cunho que restam a Pernambuco, que já
tão rico foi delles, veio offerecer a sua mimosa florá
Madresilva . O companheiro estimavel de Marques Ro
drigues, Galvão, Fontenelle, e toda a pleiade dos moços
poetas de seu tempo ; o moco profundamente estimado
por D. Thomaz de Noronha, é discipulo sempre dis
tincto do vigario Barreto, do padre Marinho, do padre
Miguel , e de Soares de Azevedo; o poeta mais de
uma vez animado por Maciel Monteiro e tão apreciado
pelos Castilhos – summos sacerdotes das lettras por
tuguezas , o Dr. Torres Bandeira será sempre bem vindo
nestas paragens modestas , em que se cultiva a Ma
dresilva.
Torres Bandeira , essa Academia em miniatura, na
phrase do Dr. Raposo de Almeida, foi um dos muitos
litteratos brazileiros, victimas do indifferentismo e des
favores do governo . Viveu lutando com a pobresa ,
trabalhando constantemente para manter -se digna e
honradamente, já como professor do Gymnasio Per
nambucano, já como advogado, já entregando- se ao
ensino preparatorio no curso que tinha aberto na casa
de sua residencia , cujas materias deixamos enume
radas . Nem uma commissão ao menos lhe confiára
o governo, nenhum emprego rendoso lhe fóra dado,
nem ao menos uma simples condecoração, hoje tão
liberalmente prodigalisadas, tão barateadas mesmo, lhe
foi conferida ! Correu por diversas vezes nesta cidade
que havia sido nomeado presidente de provincia ; vagos
e simples boatos !
Possuia, porem , Torres Bandeira titulos bem hon
rosos e significativos; titulos que não se dão gracio
samente , que não teem altas nem baixas e nem cota
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 171

ções, porque se conquistam , e só ao merito são con


feridos. São , pois , estes os titulos que entre outros
possuia Torres Bandeira : socio correspondente do
Instituto Historico Geographico e Etnographico Bra
zileiro, do Instituto Episcopal Religioso e da Socie
dade Propagadora das Bellas Artes do Rio de Janeiro,
do Instituto Litterario Maranhense e do Instituto His
torico da Bahia , socio honorario do Gabinete Por
tuguez de Leitura de Pernambuco
Pernambuco e do Maranhão ,
do Instituto Pio e Litterario, e fundador do Instituto
Archeologico e Geographico Pernambucano, e primeiro
secretario do Conservatorio Dramatico desta provincia.
Antonio Rangel de Torres Bandeira falleceu aos
quarenta e seis annos de idade, no dia 11 de No
vembro de 1872, e foi sepultado no Cemiterio Publico
desta cidade. A immensa concurrencia de amigos e
admiradores do illustre litterato pernambucano, no acto
do seu sahimento da egreja do convento do Carmo
para a sua derradeira morada, as palavras que foram
pronunciadas á beira de sua sepultura, a solemni
dade de uma sessão funebre celebrada a sua me
moria pelo Club Popular do Recife, o tributo de sen
timento e homenagem que lhe rendeu a imprensa e
os seus collegas e alumnos do Gymnasio , alem de
outras manifestações de pesar, não menos honrosas
e eloquentes, fallam bem alto de seus meritos, bem
traduzem o que valia , o que significava a perda de
Antonio Rangel de Torres Bandeira.
Antonio Rangel de Torres Bandeira, acaba de ter
um monumento digno das suas glorias e meritos lit
terarios. Um seu discipulo, amigo e comprovinciano,
um desses moços em cujo coração palpita a veia pa
triotica , enthusiasta das glorias e tradições desta pro
vincia, Henrique Capitulino Pereira de Mello, o autor
do mimoso livrinho Pernambucanos illustres, publicou
em 1878 um estudo biographico sobre Torres Bandeira,
em cujo trabalho , não realçam Somente o merito é
valor que tem , mais tambem o duplo fim que levou o
seu autor a o emprehender : consagrar um monumento
mais duravel á memoria de Torres Bandeira , e re
servar o seu producto á educação de uma sua filhinha.
N’este trabalho, alem da biographia de Torres Ban
deira , vem appensa uma resenha dos seus escriptos
publicados em diversos jornaes , em folhetos, em vo
172 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

lumes e ineditos, assim como uma outra dos juizos


criticos, e outros escriptos sobre esse illustre litte
rato pernambucano. Indicando esse tão primoroso quão
trabalhoso escripto do Sr. Henrique Capitulino, temos
dons fins ; rendermos um tributo de louvor ao seu
autor, e evitarmos o trabalho de enumerar OS es
criptos de Antonio Rangel de Torres Bandeira , tão
minuciosamente ahi mencionados.
Longa seria a transcripção, ainda que succinta , dos
escriptos c juizos criticos relativos a Torres Bandeira,
em cujo numero, entre outros, figuram os dos Conse
lheiros Antonio Feliciano de Castilho e José Feliciano
de Castilho , Innocencio Francisco da Silva , Commen
dador Antonio Joaquim de Mello , e Drs. José Soares
de Azevedo, Aprigio Guimarães e Francisco Manoel
Raposo de Almeida. Ouçamos pois, dentre todos estes
litteratos, cada qual mais competente por suas luzes ,
conhecimentos e autoridade, a Soares de Azevedo , nos
seguintes topicos da sua bella oração academica, pro
nunciada no Gymnasio Provincial, por occasião da
sessão funebre, celebrada pela congregação deste esta
belecimento , ao terminar a solemnidade do acto reli
gioso :
« Antonio Rangel de Torres Bandeira, o incansavel
cultor das lettras, o energico defensor da honra e dos
direitos dos fracos nos tribunaes, extrenuo propug
nador da liberdade regrada na tribúna e na imprensa ,
o socio querido de tantos institutos , o douto professor
do Gymnasio Provincial de Pernambuco, o lume que
fazia parte da bellissima constellação de poetas brazi.
leiros no actual seculo , desappareceu do horisonte da
terra, e foi sentar-se n'um céo mais limpido, no meio
de estrellas fulgentissimas e mysteriosas, cujo centro
d'attracção é a substancia increada !
« Abre-se a manhã da vida por uma aragem bene
fica, que desabrocha a planta , é a convida a inhalar
a seiva que a sustenta ; chega ao meio dia da vida no
meio de sombras irrealisaveis, correndo atraz de
sombras que nos fogem ; fecha -se a noite da vida cres
tada a planta flacida, porque a não orvalha o amor dos
contemporaneos, antes é acoutada pelos ventos desa
bridos dos dissabores. Porem se a vida do que vegeta
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 173

na terra é a de um desses espiritos privilegiados que


conversam com Deus, que querem encaminhar as crea
turas para as altas verdades espirituaes ; que sabem
escrever algumas paginas ungidas, como são as de
João Gerson ; que se apoderam do psalterio, como o
Propheta Rei, e d'ahi desprendem alguns suspiros ini
mitaveis ; que, arrebatados a uma esphera superior, de
lá nos enviam algumas notas melancholicas , como as
de Millevoie, ou torrentes d'estro inspirado , como o de
Virgilio e de Felinto , ai ! então não é a planta que des
fallece e curva a corolla resequida ; - é o martyr das
lettras, que se vota em sacrificio a uma existencia con
tinua de dores . O poeta de um coração é como o facho
temperado de resinas aromaticas , acceso no meio do
sanctuario ; faz ver alli muitas maravilhas, levanta pen
samentos altissimos , patenteia o que quer que seja da
Divindade, mas vae ardendo ... vae-se consumindo ...
vae - se dissipando : – cada particula de fragrancia , de
claridade ou de calor que derrama, é uma particula que
desbarata do seu ser: – é um momento, e ás vezes
são annos, que desperdiça da sua duração . Depois , e
d'ahi a pouco, apaga -se ... extingue- se ... desapparece.
« Tal foi a vida c tal a morte do illustrado collega,
cuja perda deploramos no meio desta funebre solem
nidade ..... >>

Antonio de Santa Maria Jaboatão . Nasceu na fre


guezia de Santo Amaro de Jaboatão, hoje villa e séde da
comarca desse nome, no anno de 1695 .
Ainda bem moço , e tendo deliberado abraçar o Insti
tuto Seraphico , seguio para a Bahia , e foi admittido no con
vento de Santo Antonio de Paraguassú. Nessa casa fez
elle o seu noviciado, e professou aos 12 de Dezembro de
1717, quando contava os seus vinte e dous annos de
idade .
Concluindo os seus estudos em 1725 e recebendo as
ultimas ordens, voltou para Pernambuco e entregou -se ao
ministerio da predica pelo longo periodo de trinta annos.
Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão, pelo seu ta
lento, illustração e virtudes, occupou na sua ordem os lu
gares de mais importancia, taes como os de Mestre dos
Noviços , no convento de Iguarassú , de Guardião por duas
vezes no convento da cidade da Parahyba, Secretario do
174 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Capitulo , Prelado Local no convento de Santo Antonio do


Recife, Definidor em 1755, eo de Chronista -Mór da Pro
vincia .
Em sua mocidade cultivou Frei Antonio de Santa Ma
ria Jaboatão a poesia ; e algumas das suas bellas produc
ções , que apresentou na Bahia , conquistaram -lhe reputa
ção, applauso e renome.
Mas as sciencias ecclesiasticas, em que era versadis
simo, os deveres dos seus cargos, e especialmente os seus
estudos e composições oratorias, as quaes com a subli
midade e inspiração do seu verbo, e pela pompa do seu
estylo tanto illustraram o pulpito ' brazileiro, fizeram -no
abandonar as musas, e da sua afinadissima lyra não nos
resta um só dos seus harmoniosos cantos.
Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão tambem era his
toriador e historiador profundo, imparcial, minucioso e
justo . O seu Novo Orbe Seraphico Brazileiro, ou Chronica
dos frades Menores da Provincia do Brasil, é uma obra
prima, de incontestavel merito e valor, e unica no seu ge
nero.
Esta obra divide -se em duas partes ; a primeira foi pu
blicada em Lisboa em 1761 , e a segunda inedita , que se
julgava perdida , sendo offerecida ao Instituto Historico do
Rio de Janeiro, foi publicada por sua ordem em 1858–1862,
assim como reimpressa a primeira, que se tornara raris
sima. E no parecer, que sobre a sua importancia, valor e
utilidade deu o illustrado conselheiro Diogo Soares da
Silva Bivar, em 5 de Setembro de 1840, o qual vem inserto
a pag. 370 do tomo 2.º da revista do mesmo Instituto , disse
o seguinte :
« O estylo do autor pecca algum tanto no máo gosto dos
seissentistas ; e se bem que a sua dicção seja portugucza,
no que guardara escrupulosa castidade, força é confessar
que de tal arte a trata elle com periodos extencissimos e
phrases mal cadentes, que na leitura cança e descom
passa : a sua piedade o faz acreditar por sobre natural o
que talvez não é, e todavia póde dizer -se que não mostra
superstição, mas antes christandade, para explicar-me
em referencia ao nosso respeita vel autor, com as mesmas
palavras de que usara um sabio academico fallando do ve
neravel Anchieta .E ' cm summa, a obra do padre Jaboa
tão, como quer que seja , destinada a consagrar os factos
da Orden de Santo Antonio no Brazil, abraça no seu com
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 175

plexo tantos factos e noticias interessantes para a historia


geral do nosso paiz, que o seu autor tem um direito incon
testa vel entre os seus mais graves escriptores .»
Como orador sagrado , tambem Freí Jaboatão occupou
um lugar distincto. A sua collecção de sermões, Jaboatão
Mystico , conquistou grandes e merecidos louvores . Na
censura lavrada aos9 de Junho de 1758, por Frei Timotheo
da Conceição e Frei João de S. Thomaz, qualificadores do
Santo Officio, confessaram , que, é tal a crudição, a fecun
dia , e a formalidade, com que o autor escreceu este livro ,
que isso só bastava para o acreditar de insigne Escriptor,
e para o dar a conhecer na palestra litteraria pelo Sol dos
Escriptores.
« O autor deste livro, diz o padre Frei Antonio do Amor
de Deus, unindo nelle a utilidade com a doçura , o delineou
com idéas tão singulares, assumptos tão proprios , reparos
tão agudos, conceitos tão elevados, e estylo tão elegante,
que se bem em uma só linha, que tirava Apelles, expres
sava a valentia do seu pincel, o reverendo autor neste livro
todo seu , cm poucas clausulas ostenta na suavidade de
suas palavras, e na utilidade da materia a singularidade
de sua elevada penna, fazendo- se em cada uma das cor
rentes, em quedívidio este seu Jaboatão Mystico, norte dos
Oradores Evangelicos, idéas de santos costumes, thesouro
da melhor eloquencia , e argumento de muitas noticias,
pois sem faltarás pontualidades do Sagrado texto uniu
com as humildes persuasões da moralidade as mais altas
maximas de uma Catholica politica , admirando os seus
discursos Evangelicos , e aproveitando com as suas pon
derações , e politicas observações, e persuadindo com tão
seletas doutrinas a seguir as mais solidas virtudes, com
palavras tão mellifluas, que cxccutando -as com gosto o
sentido, refundem n'alma um grande aproveitamento.»
Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão foi socio da
Academia dos Esquecidos, erecta na cidade da Bahia , onde
apresentou algumas producções, e academico de numero
da Academia Brazilica dos Renascidos, tambem da mesma
cidade. O dia do seu fallecimento é ignorado, porem cre
mos que foi pelos annos de 1763, porque, estando a sua
obra concluida, apenas publicou a primeira parte, ficando
inedita a segunda .
Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão é um dos per
nambucanos illustres, que tem passado ignorado e desco
nhecidamente . Rasguemos, pois , o expesso veo que por
176 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mais de um seculo o encobre, e ergamos o busto desse


heroe, desse orador distincto e historiador nota vel, no
templo das nossas glorias ,no Pantheon dos nossos heróes ,
cujo lugar de honra conquistou com a sua penna, com a
sua eloquencia, com as suas virtudes .
Dos numerosos trabalhos de Frei Antonio de Santa
Maria Jaboatão, bem poucos nos restam alem do Orbc Se
raphico. Os seus ineditos , que deviam ser numerosos e
de muita importancia, desappareceram ; temos porem no
ticia de um sob o titulo - Catalogo Genealogico das fami
lias brazileiras – cujo trabalho menciona o Sr. Felner na
sua Memoria sobre o nome verdadeiro de João Fernandes
Vicira, e diz possuil- o : os publicados são os seguintes,
alem ja
Discurso historico, geographico, genealogico, politico e
encomiastico, recitado em a nova celebridade, que dedica
ram os pardos de Pernambuco ao santo de sua còr o B.
"Sermão de Santo Lisboa
convento do Recife.
, odia do Corpo de Deus, no
Antonio ,em
1751.
Josephina Regio - equivoco -- panegirico, Tresprati
cas e um sermão do glorioso Patriarcha S. José, offereci
dos ao Serenissimo Rei D. José I , pregados na igreja ma
triz da Parahyba. Lisboa 1753 .
Gemidos Seraficos etc. Exequias celebradas pela Pro
vincia de Santo Antonio na morte do fidelissimo rei D. João
V. Lisboa 1755 .
Jaboatão Mystico, em correntes sacras dividido. Cor
rente primeira , panegyrico e moral. Lisboa 1758. Esta
obra foi offerecida ao governador José Correia de Sá , e
consta de dez sermões.
Sermão de S. Pedro Martyr', pregado na igreja do
Corpo Santo do Recife. Lisboa 1751 .
Sermão da Restauração de Pernambuco, pregado na
Sé de Olinda em o anno de 1731 , Lisbòa 1752.
Sermão da Rainha Santa Isabel de Portugal. Lisboa
1662 .
Alem destas obras compoz mais as seguintes, que não
foram impressas :
Jaboatão Mystico :
Corrente II. Panegyrica, e Moral. Consta de sermões
em solemnidades de varios santos.
Corrente III. Serafica , e Panegyrica . Contem ser
mões dos Santos e varias solemnidades da Ordem .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 177

Corrente IV. Moral e Ascetica . Sermões de Qua


resma , penitencia e doutrina.
Corrente V. Sermões em diversas solemnidades e
Titulos da Senhora .

Antonio Vicente do Nascimento Feitosa . Nasceu


na cidade do Recife aos 10 de Junho de 1816 . Era filho
legitimo de Vicente Ferreira do Nascimento Feitosa e D.
Anna Maria do Nascimento Feitosa .
Tão rico de talento , como seus paes pobres de for
tuna , foi por elles destinado á vida ecclesiastica, porem ,
depois de fazer os seus estudos de humanidades, matri
culou -se no Curso Juridico de Olinda em 1833, e em 1837
recebeu o grao de bacharel em sciencias juridicas e so
ciaes, trez annos depois , em 1840, defendendo theses pe
rante amesma Academia , lhe foi conferido o grao de doutor.
Em 1838 abriu o Dr. Feitosa escriptorio de advogado
na cidade do Recife , cuja profissão exerceu até os ultimos
dias de sua vida , constituindo-se pelo seu elevado talento,
illustração e proficiencia , um dos ornamentos e notabili
dades do nosso föro . Nos primeiros annos de sua vida
publica , exerceu o Dr. Feitosa o cargo de promotor pu
blico da capital , interinamente o de procurador fiscal da
Thezouraria Provincial em 1841 , de supplente da 1. " vara
de juiz municipal da capital em 1842, e por algum tempo
regeu a cadeira de philosophia do antigo Lyceu Pernam
bucano , para a qual fòra nomeado em 1841, e de cuja sci
encia era profundissimo e abalisado mestre.
Desde a sua mocidade abraçára o Dr. Feitosa a causa
liberal, e foi um dos seus mais denodados campeões .
Em 1848 figurou no movimento politico desta pro
vincia, e desde o dia em que se alistára nas phalanges do
partido liberalaté a sua morte, foi, já pela sua dedicação
e sacrificios, já com a sua penna habilissima e palavra
eloquente e arrebatadôra, um decidido e intrepido hata
lhador em prol das liberdades patrias, um dos vultos
mais proeminentes do partido liberal.
A sua vida laboriosa de advogado , não o absorvia no
todo . Sobrava -lhe tempo para tambem figurar nos com
bates do circo da politica, e em sua arena, era um dos mais
valentes e distinctos gladiadores. Mas não era somente
na vida do fôro e da politica em que o nome respeitavel do
24
178 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Dr. Feitosa tanto resplendera ; as sciencias , a litteratura


e a jurisprudencia , tambem o tiveram no seu templo como
sacerdote do seu culto .
Ahi estão como vivissimo attestado de tudo isso, as
columnas de muitos jornaes publicados nesta capital, no
meadamente o Diario Novo, Argos Pernambucano, Cons
titucional Pernambucano, Progressista, Cidadão, o Di
reito,
bucano
Themes Pernambucana, Oriente e Liberal Pernam
.
E o tempo chegava - lhe para tudo isso ; mas não ficava
ahi somente o trabalho do Dr. Feitosa , esse talento multi
forme na phrase do Dr. Aprigio Guimarães ; em quasi
todas as festas de associações litterarias e beneficentes,
lá estava o Dr. Feitosa occupando a tribuna, pronunciando
bellissimos e eloquentes discursos . A jornada patriotica
do partido liberal, todos os annos emprehendida em honra
a Nunes Machado, a nenhuma faltou o Dr. Feitosa , em
nenhuma deixou de pagar o seu tributo de saudade, a
memoria desse martyr da idea liberal .
E mais ainda trabalhava o Dr. Feitosa ; mais alem
vão os productos desse homem privilegiado, desse talento
possante e gigante. Deixou mui adiantadas as traducções
de Monsabré e de Heineccio, e quasi concluido um tratado
sobre letras de cambio, uma traducção do sermão de
Bossuet sobre o mysterio da Santissima Trindade, e frag
mentos de um escripto sobre o Apocalypse, que se ignora
se é original ou traducção, e muitos outros talvez desco
nhecidos.
Dos escriptos politicos, litterarios e scientificos do Dr.
Antonio Vicente do Nascimento Feitosa , alem dos publi
cados nos jornaes que deixamos enumerados, um ou outro
trabalho juridico ou discurso, viram a luz da publicidade
em livros ou folhetos; mas em todos os jornaes em que
collaborou, é grande, riquissimo e variado o seu numero ,
alem de muitas e correctissimas traducções .
Como orador, possuia o Dr. Feitosa incontestaveis
dotes . O seu verbo sempre inspirado, a sua palavra har
moniosa , eloquente e arrebatadôra, conquistou- lhe ap
plausos e renome.
Em 1863 foi o Dr. Feitosa eleito deputado á Assemblea
Geral Legislativa pelo primeiro destricto desta provincia ,
e logo após incluido em duas listas triplices para a escolha
de um senador em cada uma dellas, mas em ambas foi
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 179

esquecido pela corôa ; deram- lhe porem o officialato da


Ordem da Rosa, a unica distincção que dos poderes pu
blicos recebeu durante a sua vida !
Eleito deputado geral , seguiu para o Rio de Janeiro eo
seu embarque foi um dos mais explendidos que tem teste
munhado esta capital ; foi uma digna manifestação do
povo aquelle que do seu seio, do seu nada , se havia er
guido e conquistado pelo seu incontestavel merecimento
o mandato honroso de seu representante. No parlamento
Feitosa exhibiu - se o mesmo orador pujante, arrojado e
eloquente ; mas a linguagem da verdade, certas questões
encaradas por este lado e não por aquelle, como ditavam
os interesses politicos, sem curvar-se a prescripções ex
tranhas, sem receber o santo e a senha dos pseudos chefes ,
foi sacrificado, votado ao esquecimento e ostracismo, vic
tima da politica , cuja causa , cuja idéa, fôra sempre um
culto para elle, votado desde a sua infancia com sacrifi
cios enormes, trabalhos incessantes, dedicação extrema
e desinteresse sem limites. Mas a politica, como diz um
historiador, é um combate de forças egoistas e cegas ; os
sentimentos só mais tarde acordam na posteridade, e a
gratidão dos povos só se define passadas as crizes , er
guendo estatuas e creando festas .
Socio effectivo e fundador do Instituto Archeologico e
Geographico Pernambucano, e seu orador consecutiva
mente eleito desde a sua fundação em 1862, o Dr. Feitosa
prestou relevantissimos serviços a essa patriotica insti
tuição, e os seus discursos quer os recitados no seu pro
prio recinto, quer em diversas festas litterarias em que
honrosa e brilhantemente o representava , figuram digna
mente em suas revistas .
O Dr. Antonio Vicente do Nascimento Feitosa , falleceu
aos 29 de Março de 1868, na idade de cincoenta e dous
annos, incompletos ainda , e foi sepultado no Cemiterio
Publico de Santo Amaro , onde em tumulo privativo des
cançam os seus restos mortaes . O seu funeral e sahimento ,
foi um dos mais solemnes, pomposos e concorridos, que
tem visto esta capital, não obstante as chuvas torrenciaes
que cahiram nesse dia . « Era o povo pernambucano le
vando o pernambucano illustre ao templo da nossa glo
riosa historia . »
Advogado distintissimo, quer na banca quer na tri
buna, philosopho profundo, jurisconsulto consumado, lit
terato de aprimorado gosto, jornalista illustre, talento ro
180 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

busto, illustração profunda, o Dr. Feitosa deixou um nome


illustre nos annaes da sciencia e da litteratura , legou a
terra em que abriu e cerrou os olhos, um nome que sempre
ao pronunciar -se, dirá a posteridade: – foi um grande
homem , um pernambucano distinctissimo.- O Dr. Feitosa
nasceu pobre, lutou com a pobresa que o recebeu noberço ,
porem foi um homem que elevou-se por seus talentos, só
e só por seus talentos. E foi com a sua penna e com o
seu verbo por longos annos , uma gloria desta terra,
quando ella já era pobre de glorias.
A'sua memoria rendeu devido preito a imprensa desta
e de outras provincias, até mesmo aquella que lhe era ad
versaria por principios politicos. Na Assembléa Provin
cial, ergueu um seu adversario politico , o Sr. Dr. Gaspar
Drumond, e pronunciou este curto mais espressivo e sen
tido discurso, que não só honra a memoria do illustre
morto , como tambem ao seu autor, e aquelles que apoiaram
á sua nobre e generosa idéa :
« Senhor Presidente. Proponho que esta Assembléa
suspenda hoje os seus trabalhos em signal de sentimento
pela morte do illustre Dr. Antonio Vicente do Nascimento
Feitosa. # Senhores : um nome illustre foi riscado do
livro da vida . Já não existe o Exm . Sr. Dr. Antonio Vi
cente do Nascimento Feitosa !! As lettras perderam um
dos seus mais dedicados cultores !! a jurisprudencia um
dos seus mais dignos sacerdotes !! Pernambuco um dos
seus filhos distinctos !! O illustre finado, Senhores, era
membro proeminente do partido liberal, pugnou sempre
por essa idéa , sacrificou-se por ella , e não vae mui longe
a epocha, Senhores, em que elle vos deu a prova mais so
lemne de sua abnegação pelo fastigio do poder. Não é ,
Senhores, senão o cumprimento ou reconhecimento de
uma divida sagrada o que hoje vos peço . A approvação
do meu pedido é testemunho solemne que presta a As
sembléa Provincial de Pernambuco a memoria de um cida
dão distincto . Pela minha parte , Senhores, cumpro um
duplo dever ; pago á amizade o ultimo tributo , rendo um
preito de veneração ao illustrado cidadão que se legou a
pobresa a sua familia , legou á patria um nome immorre
douro !! »
Assim , ouvido esse discurso , constantemente inter
rompido por manifestações de apoio , a Assembléa sus
pendeu os seus trabalhos em signal de sentimento e pesar
por tão lamentavel e sensivel perda .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 181

O Instituto dos Advogados , o Instituto Archeologico e


Geographico Pernambucano, é o Gabinete Portuguez de
Leitura, tambem acompanharam , e significaram o seu sen
timento pela perda de tão prestimoso e illustre consocio .
O Instituto Archeologico, grato a memoria do seu ora
dor, daquelle que sempre soubera elevar e engrandecer os
seus fóros, rendeu significativo preito de homenagem a
sua memoria , celebrando uma sessão funebre, a qual teve
lugar no dia 27 de Abril de 1868. Esse acto, celebrado
com toda a solemnidade e pompas funerarias , foi concorri
dissimo, comparecendo alem de grande numero de pessoas
da sociedade selecta pernambucana, as autoridades civis
e militares da provincia, tecendo o elogio funebre do
finado, o illustrado Dr. Francisco Manoel Raposo de Al
meida.
O Dr. José Soares de Azevedo, « a estrella polar dos
litteratos pernambucanos » no relatorio que na qualidade
de Secretario perpetuo do mesmo Instituto, apresentou a
27 de Janeiro seguinte, consagrou estas palavras a me
moria do Dr. Feitosa :
« Ao alvorecer do anno academico que hoje termina,
veio uma grande e inopinada perda cobrir-nos a todos de
luto , e abrir um vasío insonda vel nesta patriotica Insti
tuição, O homem que os nossos suffragios haviam esco
lhido desde que nos constituimos para ser o interprete de
nossos pensamentos e a atalaya de nossos Estatutos,
pendeu n’um instante para a terra , como a palmeira do
deserto , que o nordeste desarraiga . Aquella bocca , que
tantas vezes aqui se abrira para nos arrebatar em vôos
altissimos, seccou de repente, como a fonte de Sanir, c
deixou -nos a todos humilhados ante o decreto imprevisto
da Providencia ! Aquelle peito generoso, que ha hoje ex
actamente um anno e a esta mesma hora aqui se exhalou
em ais, e tantas flores desfolhou sobre a memoria do va
lente que nos pertencia , e que a morte ceifára nas aguas
do Paraguay , deixou de bater dous mezes depois dessa
memoravel inspiração elegiaca ! Aquelle espirito de es
colha que a todos assombrava pela vastidão de suas luzes
como publicista, pela habilidade e zelo com que defendia
os direitos de tantos clientes , como seu patrono, e pelos
immensos recursos de sua erudição como homem de
lettras, deixou de pertencer á terra em 29 de Março ! Todos
vós sabeis quanto estas abobadas o prantearam em uma
sessão melancholica e solemne, consagrada á sua memo
182 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ria, e com quanta pompa a piedade de alguns amigos in


timos dirigiu as suas exequiasno templo contiguo, onde se
achou presente quanto ha ahi de notavel em nossa cidade ,
sem distincção de crenças . >>
Tambem o Dr , Aprigio Guimarães, digno orador que
succedeu ao Dr. Feitosa, teceu no discurso que nessa
mesma sessão recitou , de envolta com o quadro brilhante
de sua vida , a justissima e explendida corôa de suas glorias ,
Seja -nos licito pois, terminarmos o presente artigo
com alguns extractos desse primoroso trabalho, inserto
nas revistas do mesmo Instituto, á pagina 525 do 2.° vo
lume .
(
Contemplemos o advogado .
« E' de maravilhar a actividade desenvolvida pelo Dr.
Feitosa nesse ramo das suas occupações . Os que o co
nheceram no escriptorio, diariamente, por muitas horas
respondendo a um grande numero de clientes , accedendo
verbalmente e por escripto ás exigencias da politica , não
sabem explicar como e quando se faziam esses brilhan
tes e innumeros arrasoados , de que estão cheios os carto
rios do Recife, escriptos por sua propria mão , com esmero
e gosto , e o que mais é, enriquecidos com o resultado da
lição dos melhores autores de direito, com o estudo pa
ciente e reflectido das nossas leis ! Para o Dr. Feitosa a
profissão de advogado era uma verdadeira paixão . Os
arrojos da sua alma eram os mesmos, ou com a penna na
solidão do gabinete, ou fallando electrisando no tribunal
dos jurados, perante o numeroso auditorio que sempre
acudia a ouvir a sua palavra . E quando pensaveis, que
isto era alimento sufficiente para um espirito altivo e no
bremente ambicioso, ieis encontrar a mesma arrojada
actividade no politico, a mesma paciente reflexão no phi
losopho, a mesma tenacidade e gosto no litterato , os mes
mos aturados labores nos estudos historicos e religiosos.
Fosse outro , fosse amplo, e não tal qual elle teve e nós
o conhecemos, o centro que a sorte houvesse destinado
ao Dr. Feitosa , e os raios daquella vasta intelligencia te
riam porventura illuminado o mundo !
« Como politico teve um erro que o honra, que será
sempre o erro dos nobres caracteres : confiar sempre de
masiado na linha recta, em Deus e no direito. Não podia
deixar de fallir na epocha sinuosa, tristemente sinuosa que
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 183

atravessamos ... Como philosopho a questão da liberdade


de Deus, foi no meu humilde entender, a mancha do sol
daquella intelligencia, aliás tão chegada ás verdadeiras
grandezas do Christianismo, tão bem temperada da su
blime humildade da philosophia Christã !
« Predominava no Dr. Feitosa a paixão pelo fòro . A
independencia inherente á profissão, a liberdade que é o
seu principal condimento, apontaram -lhe a bandeira poli
tica, sob a qual alistou-se, e por honra da qual batalhou
tanto , que por fim já maravilhava- a tempera das armas
e a força do braço . Um dia pareceu resurgir a aurora
da liberdade no Brazil ... O Dr. Feitosa acreditou, muitos
como elle acreditaram ... Esta cidade viu embarcar para
a corte o deputado Feitosa, ao estrepito, ao mais alegre
alarido de ovações de despedida : o povo honrou no seu
illustre irmão o triumpho esplendido do merecimento pes
soal , fazendo -se valer por si só. Era o merecido galar
dão da mais nobre dedicação pela mais nobre das cau
sas a causa da liberdade, que é a causa do futuro, que é
a causa do Christo ! Quem diria então, que dentro em
pouco deveriam ter applicação as palavras de fina ironia e
elevado atcismo, que acabava de escrever o Sr. Senador
Octaviano : - Feliz aquelle que teve a prudencia de jamais
sacrificar -se por causa alguma nobre ! O Dr. Feitosa, em
sua volta da corte, foi friamente recebido, como quem não
havia correspondido ás amplas esperanças nelle deposi
tadas !
«Onde não imperavam largas ideas de patria e liber
dade, onde se enthronisava o calculo do sophisma e das
rasteiras ambições, era preciso impor silencio ao altivo fi
lho do povo, que suppunha um dever na tribuna parlamen
tar como na forense, a franca enunciação do pensamento
em procura da verdade ... Valeram-se da sua inexperiencia
parlamentar, e procuraram asphyxial-o ! Aquelle grande
espirito vacillou com o inexperado golpe; e, aos poucos
retrahindo-se, procurou visivelmente as solidões do gabi
nete d'advogado, recusando francamente, em nome da
liberdade, um logar na deputação pernambucana. Dava
costas ao combate ? - Acredito que não . Era muito no
bremente ambicioso aquelle espirito, para que tal fizesse !
« Com as lições da experiencia politica (amarga expe
riencia) elle ia procurar no estudo e na meditação armas
adaptadas no combate da nossa politica ; sem perder de
184 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

vista a recta da liberdade, ia prescrutar os segredos das


curvas machiavelicas da politica do Brazil, reparando ao
mesmo tempo os estragos domesticos causados por sua
devotação á infeliz causa liberal brazileira . Deus não
quiz ; arrebatou -o nesta phase nova e difficil de sua traba
lhosa vida ! Mas, assim como as manchas do sol não lhe
empanam o brilho, Feitosa, apezar de tudo, será para as
futuras gerações pernambucanas o symbolo illustre da
força do talento e do estudo ; o mais nobre exemplo , legado
aos filhos do povo ; do prestigio, do merecimento pessoal.»
Antonio Vieira de Mello . Nasceu na freguesia de
Muribeca , aos 14 de Abril de 1669; seus paes foram o co
ronel Bernardo Vieira de Mello, rico proprietario rural , e
D. Maria Camello de Mello .
Recebendo por herança páterna as fazendas de Ara
robá, para lá seguiu em 1698, e dedicou - se inteiramente a
colonisação e cultura das suas terras . Era por esse tempo
inteiramente desconhecido todo esse immenso territorio.
Concedido a seu pae e outros por titulo de sesmaria pas
sado em Olinda em 23 de Dezembro de 1671 pelo gover
nador Fernão de Souza Coutinho, pormuito tempo esteve
todo esse terreno por explorar. O rio Una não se conhecia
perfeitamente, e Garanhuns era ainda um deserto sertão.
Antonio Vieira de Mello , fixando a sua residencia em
Jupy, em breve tempo, devido a sua actividade e immenso
labor, estendia se por aquelle immenso deserto, uma rica
fazenda, cortada de estradas, contendo logradouros , e cam
peando aqui e ali importantes propriedades. A par de todo
esse afanoso trabalho , do incremento que rapidamente ia
tomando esse nucleo de civilisação quese erguia no centro
da nossa provincia ,a religião ia tambem fazendo as suas con
quistas ; e assim , Antonio Vieira funda a sua custa no alto
do Jupy no centro da povoação, uma modesta capella dedi
cada a N. S. do Rosario, e em breve alvejava o seu campa
nario por entre os arvoredos que a cercavam .
A fasenda do Jupy, pertenceu antigamente a freguesia
de S. Antonio de Garanhuns, depois foi desmembrada da
mesma e hoje pertence a de S. Bento . Conhecida dos ne
gros aquilombados nos Palmares foi a nascente povoação
por mais de uma vez atacada por elles. Antonio Vieira de
Mello teve de sustentar por muito tempo , com as armas nas
mãos, uma luta terrivel; mas finalmente poude conseguir
fase-los procurar os seus acampamentos na serra da Bar
riga em Alagoas,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 183

Vieira de Mello foi tambem um dos soldados que mi


litaram na campanha dessa famosa guerra , e só voltou aos
campos de sua propriedade quando a republica dos Pal
mares foi totalmente aniquilada. Militou no terço do mes
tre de campo Domingos Jorge Velho, havendo-se com
valor e procedimento, que ficou ferido em uma perna ,
como attesta o mestre de campo do terço dos Palmares
Luiz Mendes da Silva , em 20 de Março de 1741 .
Terminada a guerra , Vieira de Mello recolhcu - se a sua
propriedade, e tratou de reparar os males causados pelos
negros ; e proseguindo no seu trabalho, preveniu -se de
maneira a evitar a formação de novos quilombos, deu
maior desenvolvimeuto ás suas explorações, abriu uma
espaçosa estrada de suas fasendas ao arraial de Jacuipe,
empreza gigantesca que tendia a convidar e attrahir novos
povoadores, ao mesmo tempo que expellia os negros bra
vios que se achavam acoitados naquellas cercanias.
Não foram por certo tão grandiosos serviços prestados
por esse benemerito pernambucano, a causa da civilisação
e progresso de sua provincia, esquecidos pelo soberano.
El-Rei , alem do foro de cavalleiro fidalgo de sua casa, e da
patente de capitão mór que lhe concedera, fez-lhe doação
de uma data de terras, como um dos benemeritos da campa
nha dos Palmares . Quando porem o capitão -mór Vieira
de Mello, esperava passar tranquillamente os derradeiros
dias de sua vida , veio feril -o um golpe acerbo, que apres
sou -os consideravelmente .
Mal visto, cremos que por motivos da revolta dos Mas
cates, foi denunciado e preso em uma das fortalezas do
Recife, onde esteve até que de Lisboa lhe foi enviada uma
ordem regia de soltura . Vieira deMello sahiu do carcere
já bastante abatido pelo peso dos annos, pelos desgostos e
pela molestia que o consumia , e bem pouco tempo gozou
da liberdade que lhe concederam os seus cruentos inimi
gos ; elle falleceu na idade de noventa e cinco annos e meio ,
aos 22 de Outubro de 1764, e o seu cadaver foi sepultado no
jazigo de sua familia , junto ao altar de N. S. da Conceição
na Igreja do convento de S. Antonio da cidade do Recife.
O capitão -mór Antonio Vieira de Mello, é um dos
muitos pernambucanos cuja memoria tem passado des
conhecidaaté hoje . Apostolo devotado da civilisação, corre
aos sertões , arranca os indios bravios de suas tabas, e os
conduzá vida social; activo e emprehendedor,transformaos
campos incultos em ferteis pastagens e inicia a agricwlura,
23
186 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

estabelece fazendas de creação , e por toda a parte erguem - se


nucleus dehabilitações, nasce a vida e o trabalho , e com elle
a prosperidade , o bem estar e a riqueza. Abastado de bens
da fortuna, elle soube tirar vantajoso proveito dos seus ha
veres, e tornou-se benemerito pelos serviços que prestou
a sociedade e a humanidade ; e sabiamente conciliando os
seus interesses com os de sua provincia, muito contribuiu
para o seu desenvolvimento agricola é commercial, e o
pouco que deixamos consignado, são titulos sufficientes
para o qualificarmos - um homem distincto e emprehen
dedor, um devotado apostolo da causa da civilisação .
Antonio Vieira da Silva. Filho de Jorge Vieira de
Azevedo, nasceu na villa do Recife em fins do seculo XVII ,
assentou praça de soldado a 26 de Abril de 1685, passou a
cabo de caçadores , sargento, alferes ajudante e a capitão
do terço de infantaria de Olinda em 1725 por Patente a,
subindo a todos estes postos por ser o mais capaz, havendo
sc, com bom procedimento em tudo deembarcou
que foi encarregado.
em uma su
Em 1696 Antonio Vieira da Silva
maca que levantou ancoras do porto do Recife em perse
guição de uma balandra de piratas que infestavam as costas
desta e outras capitanias,roubando os navios, e nesta cm
preza em que prestou mui valiosos serviços, percorreu
toda a costa do Norte a Sul .
A guerra dos Palmares tambem o contou no numero
dos seus heroes, para onde partiu acompanhado de trez
escravos, armados, municiados e sustentados durante toda
a campanha á sua custa.
Por ser um official intelligente, de prestimo, verdade,
zelo e muito entendido na arte militar, Antonio Vieira da
Silva foi nomeado adjunto examinador dos pretendentes pe
rante a corôa, e acompanhou o governador Caetano de Mello
e Castro a Páo Amarello, afim de levantar a planta topogra
phica do local em que se tinha de construir uma fortaleza
para a defesa da barra, por ter grande actividade e intelli
gencia para semelhantes trabalhos.
Por occasião da guerra dos Mascates em 1710, Antonio
Vieira da Silva mostrou -se alheio a uma e outra parciali
dades, ostentou -se em fim o typo do verdadeiro militar.
Fazendo parte da guarnição do Recife encorporado ao seu
regimento, a obediencia aos seus superiores, o zelo e leal
dade que manifestou em todo o serviço de que foi encarre
gado, sem hostilisar os seus patricios, nem trahir aos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 187

seus deveres de soldado, tal foi a posição e norma de pro


ceder a que se impoz. Forçado pelas suas circumstan
cias á manter -se firme no seu posto , e querendo sahir
briosamente dessa difficil situação, conseguiu afastar-se
do Recife, e em 1711 achava - se no commando da fortaleza
de Tamandaré; porem cercada esta fortificação pelas tro
pas pernambucanas, Vieira da Silva se houve na peleja
como valeroso soldado até o dia em que se levantou o cerco ,
o qual durou perto de um mez .
Nomeado então , nesse mesmo anno de 1711 , para com
a sua companhia guarnecer a fortaleza do Ceará , tomou o
rumo do seu destino , mas naufragando o barco que o con
duzia , na barra do Rio Grande do Norte, conseguiu apenas
salvar com grandes riscos e difficuldades a tropa de seu
commando, e durante o tempo em que ahi esteve a espera
de novas ordens, fora a tropa sustentada a sua custa .
Permanecendo então no Rio Grande, e rebellando - se os
gentios, Vieira da Silva offereceu -se ao capitão -mór para
ir ao seu encontro , á evitar os perigos que estavam emi
nentes sobre os habitantes, e marchando á frente de suas
tropas e de outras que pode reunir na localidade, conse
guiu afugental-os batendo -os completamente
Em 1713 já Antonio Vieira da Silva se achava na capi
tania do Ceará no desempenho da sua missão, quando
sublevam - se os indios, commettendo toda a sorte de insul
tos e damnos sobre os moradores, roubando, matando e
destruindo as fazendas e plantações dos colonos. Nomeado
commandante em chefe de uma expedição composta de
quinhentos homens, marchou com toda a brevidade em
seguida dos indios, é nesta viagem difficil e perigosa, atra
vessa caminhos asperrimos, serras inhabitaveis e cober
tas de bosque, abrindo picadas para a passagem da tropa,
esperimentando todo o genero de encommodos e privação
pela falta de recursos e esterilidade daquelles sertões . En
contrando-se afinal com os indios, trava -se renhida peleja
e depois de porfiada luta ,ganha com a victoria todos os des
pojos que elles conduziam , fructos dos roubos que com
metteram ; e proseguindo em sua marcha após a victoria ,
Vieira da Silva conseguiu internar os indigenas em tal dis
tancia , que a capitania respirou livre de taes inimigos ; e
em toda esta marcha, diz El-Rei D. João V em uma Carta
Regia, fez grande despesa de sua fazenda com os indios
mansos e soldados que o acompanharam , tratando (los On
fermos com muita caridade.
188 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Voltando desta empreza trazendo o asseguramento da


paz e da tranquillidade dos habitantes, livres então dos
ataques e correrias dos indios, Vieira da Silva entregou -se
de novo ao exercicio do seu cargo, e na ausencia do capitão
mór do Ceará, coube-lhe o governo da capitania, que por
algum tempo dirigiu . Ainda no Ceará, e entre outros ser
viços que prestou , nota - se o da fundação da villa de Aqui
rás, desenvolvendo o seu genio activo e emprehendedor
nas obras da egreja matriz, cadeia e casa da camara do
senado .
Terminando a sua missão do Ceará , Vieira da Silva re
gressou á esta provincia , e em 1716 foi nomeado comman
dante da fortaleza da Barra , em cujo cargo permaneceu
pelo tempo de um anno. Em 1718, arribando ao porto do
Recife uma núo que seguia viagem para a capitania da Ba
hia , o governador de Pernambuco D. Lourenço de Almeida
ordenou ao mestre de campo do terço em que servia Anto
nio Vieira da Silva que o designasse para seguir com a sua
companhia para aquella praça afim de conseguir o resta
belecimento da sua tranquillidade e socego, por lhe constar
o seu talento e ser a dita sul companhia a que sempre an
dava completa de soldados, pela sua deligencia em procul
rar para amesmaos mais capases, obrigando-se perante o
almoxarifado da fazenda reál pelo seu fardamento ,por não
o ter ainda vencidos, expondo-se apagal-os da sua fazenda .
De volta da Bahia, em 1719, e por occasião da subleva
ção dos moradores de Porto Calvo, S. Bento e Camaragibe,
por não quererem acceitar os capitães-móres nomeados ,
Vieira da Silva seguiu com uma força de quinhentos ho
mens, e executando promptamente as ordens que rece
bera , conseguiu apasiguar os amotinados, deu posse aos
capitães -mòres dos seus respectivos cargos,sem a minima
alteração, devendo-se o bom exito desta deligencia ao seu
valor, zelo e honroso procedimento, gastando nesta em
presu grande somma de seus cabedacs . Em 1724 marchou
com quatrocentas praças á apasiguar os soldados de Ipo
juca, revoltados contra o seu capitão -mór, conseguindo
não só o restabelecimento da ordem como o respeito a au
toridade constituida.
Em 1726, quando pelos seus serviços e merecimento
já se achava elevado ao posto de capitão, Vieira da Silva
foi de novo nomeado para com a sua companhia guarnecer
a fortaleza do Ceará, onde conseguiu apasiguar as desor
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 189

dens que lavravam não só na capital, como na villa de


Aquirás, em cuja missão se houve com valor e prudencia,
deixando os moradores em tranquillidade.
Nesta commissão, diz um documento official, o capitão
Antonio Vieira da Silva houve - se honradamente, prestou
grandes serviços a ordem e socego publico, gastou libe
ralmente da sua fazenda, e creou duas irmandades na ma
triz da villa da Fortaleza .
Promovido ao posto de sargento -mór do terço de Olinda
por Patente Regia de 12 de Janeiro de 1733, quando contava
quarenta e oito annos de praça e mais de sessenta de
idade, Antonio Vieira da Silva em todo esse decurso de
tempo prestou immensos e valiosos serviços a sua patria ,
e elevou-se pelo seu merecimento e bravura, pelos seus
feitos e heroismo. Sem podermos acompanhar os actos
de sua vida daqui pordiante até o seu fallecimento, por nos
faltar os dados precisos, o que fica dito , porém , ministrado
unicamente pela Patente Regia que o promoveu ao posto
de sargento -mór, a qual enumerando os seus serviços
transmittiu -nos assim a memoria dos seus feitos, basta
para conferir ao nome de Antonio Vieira da Silva um lugar
de honra entre aquelles de nossos patricios, que engran
decendo e elevando o nome da patria pelos seus feitos de
patriotismo e de valor, engrandeceram e elevaram tambem
o seu nome, ao qual a posteridade rende justos e mereci
dos cultos .

Apolonio Peres Campello Jacome da Gama. Nas


ceu na cidade do Recife a 9 de Fevereiro de 1830 ; foram
seus paes Galdino de Oliveira Jacome e D. Anna Peres Cam
pello Jacome da Gama.
Em 1846 Apolonio assentou praça na companhia de
cavallaria, seguiu para o Rio de Janeiro e matriculou - se
na Academia Militar.
Interrompendo os seus estudos em 1848, veio a Per
nambuco, figurou na campanha, e foi então promovido a
2.º tenente por merecimento. Seguindo depois para a
corte, e continuando os seus estudos , teve ainda de os in
terromper em 1852, quando partiu para a campanha do
Uruguay. Promovido a 1.º tenente, e recebendo a patente
de capitão ao terminar os seus estudos, postos estes que
The foram conferidos por merecimento, foi nomeado direc
tor do Arsenal de Guerra de Matto Grosso , cargo este, que
apezar de sua pouca idade, desempenhou zelosa e digna
190 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mente, por cujos serviços, ainda por merecimento, lhe foi


conferida a patente de major, sendo -lhe então designado o
lugar de ajudante da directoria do Arsenal de Guerra de
Pernambuco .
Rompendo a guerra do Paraguay, promovido a tenente
coronel, e nomeado commandante do 2.º corpo de Volunta
rios da Patria , este acto do governo mereceu unanime ap
plauso, e patrioticamente aceita esta incumbencia , Apolo
nio foi alvo de uma explendida manifestação popular sobre
a sua nomeação , assim como de uma outra por parte dos
empregados do Arsenal de Guerra .
A 22 de Junho de 1865, Apolonio embarcou para o Pa
raguay á frente do 2.º corpo de Voluntarios , o qual na cam
panha passou a ter o numero 30. O batalhão composto de
511 praças, teve um embarque explendido, e esse dia foi o
de uma verdadeira festa nacional. Depois de pequena de
mora no Rio de Janeiro, S. Catharina e Porto Alegre , Apo
lonio estacionou com o seu batalhão no Paço de S. Lou
renço ,e d'ahi seguiu para Uruguaiana. Atravessou depois o
Paço da Restauração na republica Argentina, continuando
a sua marcha até que em Abril de 1866 entrou no territo
rio paraguayo .
No dia 2 de Maio teve lugar a acção de Estero Bellaco, e
o batalhão 30 nesse brilhante feito de armas tanto se distin
guiu , tal foi a bravura e valentia que ostentou, que foi elo
giado em ordem do dia , 133 de seus officiaes e praças fo
ram condecorados, cabendo então ao seu illustre e digno
commandante a commenda da ordem de Christo . Depois
passou Apolonio com o seu batalhão para serviço das li
nhas de vanguarda, as quaes foram feitas sob o seu plano
e direcção, merecendo o seu trabalho, eozelo e pericia com
que executou tão arriscada e difficil empreza, os mais sig
nificativos elogios do general em chefe do exercito .
A batalha de 24 de Maio , as avançadas de 28 de Junho,
os reconhecimentos de 16 e 17 de Julho no Potrero Pires, e
outros feitos de armas da campanha do Paraguay , são pa
ginas brilhantes da vida do illustre tenente coronel Apolo
nio, porque em todos esses feitos elle ostentou muito va
lor e intrepidez , e conquistou tantas glorias , que inscreveu
o seu nome honrosamente nos annaes de tão memoravel
campanha. Apolonio tomou parte ainda em muitos outros
movimentos, figurou nas acções deTujucué e Parecuė, e em
fim atacado o cercado em suas linhas avançadas,conseguiu
graças a sua coragem e intrepidez, e ao arrojo com que fez
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 191

manobrar o seu batalhão , debellar o inimigo, salvar a si e


aos seus, conquistando assim uma victoria immensa , vic
toria que ainda mais veio realçar o seu merecimento , e os
creditos de valentia e intrepidez que dignamente gosava o
30 de Pernambuco .
Assaltado infelizmente por grave enfermidade, veio
por prescripção medica procurar alivio aos seus males na
terra da patria, e chegou a Pernambuco em Junho de 1868 ;
porem já era tarde, e a 6 de Novembro elle era cadaver. É
assim passou os umbraes da eternidade, depois de uma
vida sem mancha, e de uma carreira militar bastante hon
rosa, quer no serviço da paz, quer no da guerra . « Era
mais um dos membros dessa pleiade distincta, que acudiu
aos reclamos da patria ultrajada, que se foi deixando aos
seus um nome honrado, e a sua provincia uma grata re
cordação >>
Militar brioso e intelligente, diz um jornal por occasião
do seu fallecimento, cidadão prestimoso e honesto , filho
dedicado e bom amigo, foi um dos que presurosos correu
á campanha do Paraguay a desaffrontar a honra da nação
que seriamente se achava compromettida. Com 38 annos
de idade, occupava um lugar distincto no exercito , no
commando do segundo corpo de Voluntario da Patria ,
tendo sido sempre considerado pelos seus companhei
ros de armas, que sabiam bem aquilatar o merito. For
mado em mathematicas, pertencendo ao estado maior de
primeira classe, onde tinha a patente de tenente coro
nel, tendo sido director do Arsenal de Guerra de Matto
Grosso, bem como ajudante da directoria do de Pernam
buco, deu provas de sua reconhecida probidade e honra
dez. No exercicio do commando do 2.º corpo de Volunta
rios,soube bem desempenhar sua commissão , pelo que foi
condecorado com o officialato da Rosa e com a commenda
de Christo. Zeloso no desempenho de seus deveres, Apo
lonio era infatigavel em promover o bem estar dos seus
commandados, que nelle tinham antes um amigo, que um
chefe, de modo que, no exercito era um dos typos de ver
dadeiro commandante. A ' sua morte perdeu Pernambuco
um dos seus melhores filhos , o exercito um dos seus mais
bravos e distinctos soldados, e sua familia uma das mais
fortes columnas que lhe servia de arrimo .
O tenente coronel Apolonio Peres Campello Jacome da
Gama, foi sepultado no Cemiterio Publico do Recife, e hoje
Os seus restos se acham encerrados em um modesto tumu
192 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

lo na egreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares,


sobre o qual se vê gravada esta inscripção : Da familia dó
tenente coronel Apolonio Peres Campello Jacome da Gama,
commendador da ordem de Christo , official da Rosa , caval
leiro de S. Bento de Aviz, condecorado com as medalhas
da companhia do Uruguay e Paraguay. Nasceu a 9 de
Fevereiro de 1830, e falleceu a 6 de Novembro de 1868.
Lembranca de sua mãe e irmãos.
Aprigio Justiniano da Silva Guimarães. Nasceu na
cidade do Recife aos 3 de Janeiro de 1832, e foram seus
paes o general José da Silva Guimarães e D. Francisca
Marcolina Guimarães.
Os primeiros resplendores do robusto talento de Apri
gio Guimarães, foram apparecendo desde os primeiros
preparatorios e estudos academicos. Em 1847 matricu
Tou -se no Curso Juridico de Olinda, e atravessando bri
Ihantemente o estadio academico , aos 19 de Novembro de
1851 , recebeu o grao de bacharel em direito , não tendo
ainda completos os seus vinte annos de idade.
D'essa epocha por diante, diz um seu biographo, co
meça a sua carreira gloriosa . As portas da sociedade
abriram - se de par em par ao mancebo , que em breve havia
de occupar posições , a que só outros attingem n’uma
cdade em qne o talento está mais amadurecido pela re
flexão . E ' que elle reunia então esses dous preciosos pre
dicados, que raro se encontram juntos em tão verdes
annos .
Indo ao Ceará em 1830, ainda estudante, Aprigio Gui
marães collaborou no Pedro II, e voltando á esta provincia
afim de concluir os seus estudos academicos, foi aqui o
correspondente daquella folha. Deixando no Ceará muitas
relações e um nome geralmente acatado e festejado, obteve
a nomeação de secretario da presidencia daquella provin
cia , cargo que exerceu de 1851 a 1853, sacrificando -o por
amor da confiança nelle depositada pelos seus amigos que
o incumbiram da redacção do Pedro II, em opposição ao
presidente da provincia Dr. Joaquim Villela.
A’este sacrificio heroico , á esta lealdade e dedicação
do jovem Dr. Aprigio Guimarães, correspondeu digna e
briosamente a provincia do Ceará , conferindo- lhe um logar
na Camara dos Deputados, em cuja camara tomon assento
cm 1854, 1855 e 1856. Longe de emmudecer, Aprigio Gui
marães occupou a tribuna por diversas vezes em cada
sessiin , honrando assim o mandato quellie förd confiado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 193

pelos cearenses ; c entre os diversos discursos que pro


feriu , nota -se um combatendo um projecto de reforma ju
diciaria apresentado pelo finado conselheiro Nabuco, pro
jecto que elle julgava em parte attentatorio á liberdade de
imprensa, e um outro apresentando um projecto sobre a
propriedade litteraria, o qual mais tarde entrou em dis
cussão
Ainda occupando uma cadeira ro parlamento nacio
nal, a sua provincia natal conferiu - lhe um lugar na sua
Assembléa Provincial, na legislatura de 1854 a 1853 , e
mais tarde na de 1863 a 1864.
Em 1856 defendendo theses perante a Faculdade de
Direito do Recife, foi approvado plenamente, e a 20 de De
zembro recebeu o grảo de Doutor em direito . Vagando
uma cadeira de lente dessa mesma Faculdade, o Dr. Apri
gio Guimarães apresenta -se candidato , mas foi infeliz ; c
após quatro concursos quasi consecutivos, obteve a alme
jada cadeira, por Decreto de 20 de Agosto de 1859, e a 24
de Setembro teve entrada na Faculdade como lente suh
stituto , cabendo - lhe logo a regencia da cadeira de economia
politica .Fallando pela primeira vez aos seus discipulos ,
o jovem e talentoso mestre em um arroubo de inspiração
e eloquencia, desenha o quadro da luta heroica e perseve
rante que sustentára por trez annos para conquistar uma
cadeira na Faculdade, e assim disse :
(
Cheguei, Senhores. Cheguei, porem , feitas as de
vidas distincções, como Silvio Pellico de volta das suas
prisões : a fadiga ia consumindo-me o corpo, o scepticismo
ia devastando -me o espirito . .. Mas, Deus quiz que eu
chegasse, e cheguei. Esta cadeira , que era o meu sonho
dourado, este dia de que eu pretendia fazer o marco mil
liario de minha vida lítteraria , este momento que eu espe
rava como um dos mais jubilosos de minha vida, tudo
agora me aterra e me confunde! Assim são as pobres
aspirações terrestres , no cabo sempre a desillusão , a rea
lidade só no seio de Deus ! Ha trinta e quatro mezes , Se
nhores, dispuz -me á uma batalha intellectual. Quão longe
estava eu então de pensar, que montaria tantas vezes a
brecha sem resultado ! .... Não me queixo, nem faço rc
criminações ; converso com os que vão ser meus disci
pulos, consigno aqui um exemplo : foi uma lição fertilis
sima para mim , pode ser uma lição aproveitavel para
muitos.... Affeito à longa benevolencia em vinte e uma
provas de minha vida de estudante, eu vim encontrar na
20
194 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

22.", e pela primeira vez, volos de reprovação . Não desa


nimei, apresentei-me em concurso, regeitaram-me. Eu
havia lido um escripto de um dos nossos sabios bispos ,
que – um quasi contracto com os chamados a concurso,
para que o provimento se faça no mais digno, e, quando taí
não aconteça, ha obrigação de restituir. E ' que os
meus juizes, disse eu commigo , ainda fóra das trevas do
inquisitorial escrutinio secreto, teem rasões valiosas para
me declararem não digno .... E se assim não for, quem
me fará a restituição ? Eu mesmo, tendo por patronos o
trabalho e a persevera . E se por ventura em mim pos
nça
tergou -se a justiça , o que haverá ahi para admirar ? Data
de velhos tempos o máu resultado dos concursos : Davezan
e dous outros doutores foram regeitados pela Universi
dade d'Orleans , para admissão de outro candidato, que
acceitava as theorias do dia ; mas então , embora no seculo
XVI, de que zomba o das luzes , interposeram os regei
tados seu recurso para o parlamento de Pariz , e o escan
dalo não vingou . A mim , porem , só me restava trabalhar ....
« Apresentei-me em segundo concurso , achei-me só,
c retirei-me. Em terceiro já fui mais feliz, coube -me o
segundo lugar. Em quarto mantiveram -me n'esse posto .
Afinal, depois de tão longa fadiga , a justiça imperial coroou
meus esforços, como eu esperava, porque nunca della du
videi. Eis-me no começo de realisação do meu sonho dou
rado. Do alto d'esta cadeira seja meu primeiro brado so
lemne, uma acção de graças a Deus, que me ajudou, uma
fervorosa supplica , para que me continue seu auxilio ! »
O Dr. Aprigio Guimarães occupou diversas cadeiras
na Faculdade até 1870 quando foi provido cathedratica
mente na de direito civil, e no anno seguinte na de econo
mia politica , a qual regeu até a sua morte. Dedicado
preceptor da mocidade, verdadeiro apostolo do magisterio ,
o Dr. Aprigio Guimarães correspondeu digna e honrosa
mente o alto cargo que lhe fòra confiado, foi um dos orna
mentos do corpo cathedratico de nossa Faculdade , e um
dos seus professores por quem os seus discipulos sentiam
o mais vivo enthusiasmo, e um dos poucos a quem foram
tributadas as mais eloquentes provas de estima e dis
tincção pelo corpo academico, e entre estas manifestações
nota - se a que teve lugar em 1871 , por occasião de lhe ser
offerecido o seu retrato a oleo, pelos estudantes do 5.º
anno, tendo logar então uma festa explendida e memora
vel nos annaes da Academia Pernambucana.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 195

Advogado distincto do fôro do Recife, o Tribunal do


Jury desta capital era o seu verdadeiro Capitolio, e alli , a
sua palavra eloquente, os dotes oratorios que em alto gráo
possuia, impondo -se a todos que o ouviam na tribuna,
conquistaram- lhe applausos calorosos, verdadeiros tri
umphos. Na tribuna popular defendendo a causa demo
cratica que idolatrava , e em todos os comicios litterarios,
scientificos e politicos, sempre o vulto sympathico do Dr.
Aprigio Guimarães, sempre a sua palavra em prol da
causa da patria , das lettras e da humanidade. Orador
pormuitos annos do Instituto Archeologico e Geographico
Pernambucano, os fóros desta terra , as suas glorias e tra
dições, e a memoria dos seus feitos e emprehendimentos,
tiveram no Dr. Aprigio Guimarães um propagador estre
nuo , elle tinha um verdadeiro culto por tudo isso, e quando
os homens do Sul procuravam amesquinhar o nome legen
dario de Pernambuco, desvirtuando os nossos commetti
mentos, eil-o em campo reivindicando as nossas glorias,
firmando a verdade historica, e elevando cada vez mais os
nossos fóros e tradições.
Como jornalista , não occupou lugar menos distincto o
Dr. Aprigio Guimarães , e os seus escriptos quer politicos
como litterarios publicados nos diversos jornaes d'esta
provincia , entre elles o Diario de Pernambuco, Jornal do
Recife, Provincia, Liberal, Atheneu Pernambucano, Pro
gresso, e Opinião Nacional que redigiu de 1867 a 1870, são
testemunhos bem solidos , e proclamam bem alto os seus
dotes e merecimentos de escriptor e jornalista .
Litterato distincto, de uma illustração elevada , deixou
producções recommendaveis, e sem incluir os seus diver
sos escriptos nos jornacs d'esta e outras provincias, os
seus discursos academicos e outros trabalhos scientificos,
litterarios e politicos, que dariam muitos volumes, notam
se os seguintes :
Propriedade litteraria . Historico e sustentação d'um
projecto a respeito, apresentado á Camara dos Senhores
Deputados em 14 deAgosto de 1856. Recife, Typ. Acade
mica, 1859.
Lições sobre a infallibilidade e o poder temporal dos
Papas. Recife, Typ . Commércial, 1860.
Estudos sobre o ensino publico. Recife, Typ. Com
mercial, 1860 .
Discursos e dwersos escriptos. Recife, Typ . Mercon
til , 1872 .
196 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Jesuitismo e catholicismo.
1873 .
Recife, Typ . Mercantil,
Jesuitismo em Pernambuco . Penambuco , Typ . Com
mercial, 1873.
Nunes Machado . Ensaio Dramatico . Recife , Typ .
Commercial, 1874 .
O Nunes Machado levado a scena em 11 de Abril de
1874, pela primeira vez, foi uma festa brilhante, patriotica
e litteraria , co seu autor o alvo das mais explendidas
ovações. Em 1877 o Dr. Aprigio escreveu um outro drama
- Joảo de Souto Maior ou o delirio do Patriota , e o leu
perante uma concorredissima assemblea , no Club Po
pular.
Homem incansavel no trabalho, as suas funcções de
lente e de advogado, não o impediam do cultivo das lettras ,
das justas jornalisticas e politicas, e prestou em todas as
manifestações da sua vida, os maiores serviços, e foi de
uma probidade e desinteresse proverbiaes. O Dr. Aprigio
Guimarães nada teve dos poderes publicos que o distin
guisse como homem de merito e de talento superiores, como
um dos mais zelosos e prestimosos cidadãos, alem
daquillo que elle pelo seu merecimento e esforços indivi
duaes poderia conquistar ! A minha unica distincção , e
a garantia do parco pão de meus filhos , diz elle proprio
em um dos seus escriptos, é o lugar de lente, depois de tres
annos de uma luta infernal, em que ficou por uma vez com
promettida a minha saude, depois de uma quasi repro
vação na defesa de theses, depois de quatro concursos por
entre um cento de sacrificios, que não devem sahir da
arca das tradições do meu pobre lar .
Em um outro escripto, diz ainda esse martyr do indif
ferentismo : Só tenho uma ambição, e aliás outra não é
licita á minha fraquesa : que um dia , quando me lançarem
a ultima pá de terra, possão todos dizer : Foi soldado da
Liberdade, a quem faltou o braço, mas nunca o animo ....
Foi um hohican que nada fez, desejando sempre fazer muito
pelo. homem e pela patria ....
Agora algumas palavras sobre a sna vida politica, e
sobre o papel que representou na phase da questão reli
giosa , palavras estas que se fizeram ouvir da mesma tri
buna e no mesmo dia em que tantas vezes fallára o Dr.
Aprigio : é um trecho do interessante discurso pronun
ciado pelo Sr. Dr. João de Oliveira, na sessão magna e an
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 197

niversaria do Instituto Archeologico, a 27 de Janeiro de 1881 :


« A sua vida de homem publico, a evolução sempre
luminosa e progressista de seu espirito, as suas lutas de
liberal e de pensador livre - occupariam um espaço de
que não disponho.
Póde -se assegurar que poucos homens no Brasil
foram tão legitimamente orgãos de uma geração, e poucos,
como elle, gosaram do prestigio e da reputação que de
norte a sul o acompanhavam .
Conservador, nos primeiros annos de sua vida, como
nunca negou , á sua intelligencia pareceu que no campo
liberal poderia empregar melhor os bons desejos de
cidadão , e em 1860 vemol- o já alistado nas fileiras ditas
liberaes. Seguio - se o periodo confuso das ligas e fusões,
periodo do qual a posteridade nunca terá conhecimento
completo, taes são as contradições e mysterios que o
cercam . Liberaes e conservadores, por ordens partidas
do sul , deram -se as mãos , sem saber porque, e marcharam
juntos, sem saber para onde. O Dr. Aprigio Guimarães
deveria notar a falta de seriedade que n'isto havia, e desde
então as suas vistas politicas tinham necessariamente de
se alargar. Não que elle estivesse fóra da contenda ;
filiara -se no grupo á que chamavam genuino, denominação
que aliás merecia o mesmo valor da de progressista.
A luta entre os dous grupos foi ingloria, como sõem
ser entre nós todas da mesma natureza; O Dr. Aprigio
Guimarães entendeu que se devia fallar de ideas liberaes,
de compromissos, e para este fim creou o jornal– Opinião
Nacional, cujo fim era a implantação do liberalismo a que
este distincto cidadão chamava radical em todas as ordens
e relações da vida civil e politica.
A consequencia , todos o sabem , foi um degredo
perpetuo, uma proscripção, que inutilisou para sempre o
futuro do imprudente rebelde.
Substituida a scena do quadro em 1868, o Dr. Aprigio
Guimarães teve de ver o congraçamento dos genuinos e
dos progressistas ; e tanto fallou -se n’esse tempo em
liberalismo, que realmente o proscripto tomou esperanças.
Em 1872 surgio a questão religiosa, e com ella uma
nova phase na vida do Dr. Aprigio Guimarães.
Um sacerdote corajoso, em nome de um dever superior,
atirou a luva á uma ordem de cousas que elle, com toda a
198 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

razão, julgava offensiva á pureza do dogma ; de outro


lado, uma geração robusta , educada no ideal moderno,
acceitou a luta em nome de principios, que alguns
occultavam no enleio de uma reconciliação já impossivel,
e outros proclamavam em toda a sua extenção .
Momentos tristes esses em que se despedaçam os
corações e sentem - se no vacuo os espiritos ; durante os
quaes o meio termo é a bandeira da hypocrisia e da
cobardia, ou , quando muito , o arrimo da ingenuidade.
O Dr. Aprigio Guimarães não deu tréguas ao que elle
chamava a invasão ultramontana ; na tribuna popular e na
imprensa, na cadeira de mestre é nas conversas diarias ,
elle atacava o inimigo valentemente ; e se , no calor da
discussão, a sua imparcialidade soffria e'o adversario
recebia golpes demasiado duros, era que o liberal ame
drontára-se extremamente e o cidadão extremecia, sobre
tudo pela independencia da patria.
Foi notavel a progressão do espirito do Dr. Aprigio
Guimarães durante a questão . As novas doutrinas philo
sophicas de Comte e Spencer apresentaram -se -lhe como
um raio de verdade e de justiça em meio da violencia e
exclusivismo das opiniões . Em questões sociologicas os
livros de Spencer eram os seus guias, e em seus discursos
e em suas conversas, o nome de philosopho inglez rema
tava constantemente um modo de ver .
Terminado o coflicto religioso, o Dr. Aprigio Guimarães
volveu á vida de mestre. Começava já à esquivar-se da
politica, desilludido de quaesquer esperanças . O desanimo
invadirá -lhe a alma, e aquella intelligencia robusta só
apparece nas prelecções de sua cadeira e nos discursos
academicos.
( anno de 1878 foi fatal ao distincto liberal. O orador
festejado dos tempos da opposição, não foi achado digno
de representar o seu partido .
E basta n'este assumpto .
O Dr. Aprigio Guimarães tinha uma elevada intuição
patriotica ; mostrou - o diversas vezes n'este Instituto ,defen
dendo os heróes da historia da provincia, e reivindicando
os seus brios affrontados pelos escriptores aulicos.
Devo terminar . Deste cidadão, que agitou a intelligencia
de uma geração, restą hoje um nome puro, como reconhe
cem agora os que ainda hontem tanto concorreram para a
sua morte .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 199

Homem de coração liberal, que acreditou de mais ,


orador primoroso, publicista adiantado, e pernambucano
da velha tempera - eis os titulos do Dr. Aprigio Guimarães
ao preito da posteridade . )
O Dr. Aprigio Justiniano da Silva Guimarães, falleceu
no dia 3 de Setembro de 1880, e depositado o seu cadaver
na matriz da Bôa - Vista , d’ahi teve logar o sahimento
para o Cemiterio Publico . Extraordinariamente concorrido,
formava o prestito a quasi totalidade dos estudantes da
Faculdade de Direito , o corpo docente da mesma, e grande
numero de pessôas deSobre
as classes sociaes.
todos oosataúde
credosviam-
politicos e de todas
se a borla e o
capello de doutor em sciencias juridicas e sociaes , e condu
zido á mão até a capella do Cemiterio, foi depositado
depois da encommendação, no tumulo de seus parentes.
Antes, porem , de ter logar este ultimo acto , fallaram os
seus alumnos representando cada um dos cinco annos do
curso da Faculdade, o Sr. Dr. Paulo José de Oliveira, por
parte do Club Popular, Dr. Henrique Capitulino Pereira de
Mello em nome dos Bachareis de 1879, o Sr. Conselheiro
João José Ferreira de Aguiar, o academico Izidoro Martins
Junior, e os oradores da sociedade Certamen Litterario e
Pugilato das Lettras , depositando os dos cinco annos da
Faculdade e o do Club Popular , corôas funerarias sobre o
tumulo do illustre mestre e distincto tribuno pernam
bucano .
Sirvan ao menos estas manifestações posthumas, esta
como que apotheose tributada ao homem que acabava de
morrer pobre, cansado , esquecido e quasi descrente, de
reparação da posteridade aos erros dos contemporaneos.
Augusto Netto de Mendonça. Nasceu na freguezia
de Santo Antonio da cidade do Recife aos 4 de Agosto de
1834. Foram seus paes Felippe Lopes Netto e D. Veridiana
de Mendonça.
Aos quatorze annos de idade seguiu Augusto Netto de
Mendonça para o Rio de Janeiro, e por Aviso de1 de Agosto
de 1848 assentou praça de aspirante á guarda-marinha.
Em todo o curso da escola de marinha, conquistou Augusto
Netto pelo seu aproveitamento e intelligencia, inequivocas
provas de distincção , tanto de seus mestres como de seus
condiscipulos; e embarcando -se em viagem de instruc
ção , e tocando em Lisboa, conquistou titulos de subida
200 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

consideração na corte portugueza, entre os quaes do pro


prio monarcha D. Pedro V , que lhe conferio o habito da or
dem de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa.
De volta de sua viagem de instrucção ,cujos triumphos
tão brilhantemente encetaram a sua carreira militar, um
destes acontecimentos, que a mão da fatalidade tantas ve
zes lança como que obstaculos sobre o caminho da vida do
homem , veio escurecer o seu horisonte, tão claro , tão bri
Ihante e promettedor.
Um dia, um impertinente official, de patente superior
a sua , ousou insultar ao jovem marinheiro, atacando em
face os seus brios; e elle sem reflectir, « porque não se re
flecte quando se é injuriado » com todo o ardor e impetuo
sidade dos seus vinte e tres annos de idade, repelle a af
fronta , o insulto que atirára -lhe o seu companheiro de ar
mas, e na luta ferem -se reciprocamente ; mas a severa
disciplina militar condemna -o a prisão. Augusto Netto
resigna-se, cumpre a sentença, sentença injusta , porque
o seu dever, sagrado dever de honra o impelliu a lavar a af
fronta que recebera ; mas ao abrirem -lhe as portas do car
cere, o seu primeiro impulso foi pedir a sua demissão do
posto que occupava na armada imperial, passo que a
tempo felizmente, pode ser embargado pelos amigos.
« Era o destino, que já então traçava no quadro da vida os
feitos gloriosos de Augusto Netto de Mendonça, e lhe re
servava a mais in vejavel de todas as mortes, a morte pela
patria . » Augusto Netto submette -se a imposição dos ami
gos , continua no serviço da armada, e incumbido pelo go
verno imperial de diversas commissões, quer no Brazil
como da Europa , em todas corresponde a sua altura, me
recendo louvores pelo seu resultado e apresentação dos
seus trabalhos.
Declarada a guerra do Estado Oriental, e logo depois a
do Paraguay, Augusto Netto foi um dos primeiros officiaes
da marinha brazileira que receberam o baptismo de sangue
nessas lutas gigantes, nas quaes o Brazil conquistou um
nome glorioso , inscrevendo pelo valor dos seus heroes,
brilhantes paginas nos bellicos annaes do universo . Nó
bombardeio e tomada da praça de Paysandü ,em 1865,muito
se distinguiu o jovem official Augusto Nettó de Mendonça ,
merecendo elogios e louvores do vice-almirante comman
dante em chefe das forças navaes, pelo modo com que se
condu : ill no sitio e tomada de Paysuindï ; e por Aviso de 25
de Fevereiro de 1865, foi mandado elogiar', vino so polo ralor
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 201

que mostrou no combate contra a dita cidade, como pela


energia e perseverança com que resistio as ordens coni que
quizeram arrancar do seu poder os prisioneiros, a quem
desarmaru, compromettendo -se a salvar -lhes a vida, o que
cumpriu por honra sua e da bandeira nacional.
Depois da victoria da rendição de Uruguayana, e da
marcha do exercito alliado para Corrientes, Augusto Netto
ficou naquelle ponto commandando uma canhoneira ; po
rem , contrariado, impaciente mesmo por se achar longe do
theatro da guerra, solicita e obtem uma licença de tres
mezes, freta á sua custa um barco , sobe ao Paraná, e apre
senta -se ao Visconde de Tamandaré, commandante em
chefe das forças navaes , e pede o seu lugar, o lugar que a
sua honra reclamava entre os demais combatentes. Com
mandando a canhoneira Greenhalgh, assistio aos 16 de
Abril de 1866, a passagem do exercito alliado para oterrito
rio Paraguayo, á margem do Paraná, e no dia seguinte en
trou em combate contra uma bateria inimiga , por cujo
comportamento foi elogiado em ordem do dia. Tomou
parte tambem nos bombardeamentos e combates das for
lificações de Curuzú e Curupaity, e em diversas occasiões
commandando então o encoraçado Maris e Barros, muito
se distinguiu . Tompsom , na sua Historia de la guerra
del Paraguay, juiz insuspeito como inimigo que fòra do
Brazil, fazo elogio do capitão de fragata Augusto Netto e de
um outro official seu companheiro ,ambos dejaleco branco ,
que no Maris e Barros permanecerrim durante os combates
sobre suas casamatas. Os officiaes do jaleco branco diz o
Dr. Joaquim Manoel de Macedo, tinham nomeada entre os
paraguayos de Angustura.
Abre -se agora a ultima pagina dos brilhantes feitos do
valente capitão de fragata Augusto Netto , ultima pagina
de sua vida sim , vida curta sem duvida, mas ennobrecida
por altaneiros feitos, a primeira da vida da immortalidade,
da vida desses homens que nunca morrem , da vida dos
heroes .
Aos 9 de Dezembro de 1868, foi ordenado um reconhe
cimento ás terriveis fortificações de Angustura . O enco
raçado Mariz e Barros, rompia a marcha da esquadra , e
Augusto Netto, impavido a peito descoberto , dirigia já a
manobra do navio, como o fogo ás baterias das fortificacoes
inimigas, quando uma balla certeira fractura -lhe a lan
reada cabeça, e elle cale sem vida sobre o tombadilho do
27
202 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

navio . Assim acabou gloriosamente o capitão de fragata


Augusto Netto de Mendonça cuja patente conquistára pelo
seu valor e heroismo em defesa da patria , na conquista de
suas glorias e esplendores. E elle contava apenas trinta e
quatro annos de idade, mas as suas duas últimas paten
tes, conquistara-as por merecimento e actos de bravura
na campanha do Paraguay, assim como pelo seu mereci
mento tambem obtivera o officialato das Ordens do Cru
zeiro e Rosa , o habito de Christo , e da Conceição de
Villa Viçosa pelo governo portuguez, c diversas medalhas
de campanha.
O Correio do Sul, folha de Porto Alegre, tecendo a co
rồa das glorias e renome desse illustre pernambucano, diz
o seguinte :
« Uma carta de Humaytá dá alguns pormenores curio
sos a respeito desse distincto e mallogrado official de mari
nha . Unido em estreita amizade com outros dous officiaes
dos mais notaveis, o bravo Mariz e Barros co modesto
Montaury, chamavam -lhes os tres mosqueteiros, adequan
do - lhes os nomes dos heróes de Dumas ás qualidades es
peciaes de seu caracter. Augusto Netto de Mendonça era o
Artagnau da campanha ; e quando vio ir - lhe fugindo um
após outro os dous amigos , manifestára mais de uma vez o
desejo de se lhes ir reunir em breve , cahindo n'um novo
Riachuelo . Fez -lhe Deus a vontade , fornecendo - lhe glo
riosa morte no meio de um combate , senão de uma bata
lha ; e mais feliz que os outros, cahio no meio da epopea
magnifica, que acaba de coroar os sacrificios da nação com
uma esplendida victoria .
Moutaury definhou-o a febre, e onze mezes depois da
tomada de Paysandú espirava n'um hotel de Montevidéo,
desembarcando do navio que o conduzia da côrte para a
esquadra , quando já a morte lhe não tolerava firmar a planta
no seu tombadilho. Mariz e Barros mal preludiou as glo
rias da armada nas aguas paraguayas, succumbindo de
fronte de Itapirú no primeiro desastre que ensanguentou
um dos nossos encoraçados . Netto de Mendonça cahio
mettendo audaciosamente o seu navio sob os canhões de
Angustura, para realisar o reconhecimento de que se acha
va encarregado. » O capitão de fragata Augusto Netto de
Mendonça, diz o Dr. Joaquim Manoel de Macedo , era homem
de excellente coração e de caracter o mais generoso ; de
genio muito alegre ainda no ardor dos combates, em que
mostrou sempre tanta bravura como serenidade, conser
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 203

vando sempre a sua caracteristica jovialidade. No mo


mento em que recebeu a bala e cahio morto , estava sor
rindo . Era enthusiasta da honra e da gloria de sua patria
e morreu heroicamente combatendo por ellas .

Bento José Lamenha Lins . Nasceu na villa de Seri


nhaem , no engenho Quilebra no anno de 1801 .
Assentando praça em 1817, em 1821 figurou no movi
mento politico deGoyanna em prol da nossa independencia ,
e desembainhando pela primeira vez a sua espada para
livrar a sua patria do governo oppressivo do general Luiz
do Rego, muito se distinguiu o jovem Lamenha , e teve em
premio dos seus serviços o posto de alferes . Marchando
depois para a provincia da Bahia na divisão do general La
batut, afim de assegurar a sua independencia tenazmente
guerreada pelos portuguezes, Lamenha notavelmente dis
tinguiu -se, foi um dos bravos do combate de Pirajá , foi
condecorado e teve um posto de accesso , tomou parte em
todos os movimentos da campanha, e no memoravel 2 de
Julho de 1823 entrou na capital commandando uma brigada
de tropas bahiannas, que occupavam o ponto do Ca
brito. Lá estão os campos de Pirajá, disse Feliz Peixoto
em um discurso pronunciado na Camara dos Deputados,
quando Lamenha foi accusado pelos acontecimentos que
se deram nesta provincia a 26 e 27 de Junho de 1848, la
estão os campos de Pirajá, que foram testemunhas do seu
valor, desse nota vel combate de Novembro em que o exer
cito bahiano retirou-se em derrota , e Lamenha com outros
pernambucanos sustentaram o ponto de Pirajá, combate
tão glorioso, que serve de ornato aos festejos que se
fazem na Bahia no anniversario de 2 de Julho .
Lamenha voltou então para Pernambuco glorificado
pelos serviços prestados a causa da independencia da
Bahia , e começou a figurar nos movimentos politicos que
por esse tempo agitavam a sua provincia. Nomeado em 2
201 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de Janeiro de 1824 commandante do 1.º batalhão de caça


dores, e travada a pendencia entre Manoel de Carvalho e
Francisco Paes Barreto, sobre a presidencia da provincia ,
Lamenha toma o partido deste, prende em um conflicto a
Manoel de Carvalho, mas revoltando -se a guarnição da
fortaleza do Brum onde foi elle recolhido, e sendo reinte
grado na presidencia, dividiu -se a tropa, e retirou -se a que
tinha tomado parte na prisão de Carvalho, e foi acampar na
Barra Grande .
Poroccasião desse facto que teve lugar em 20 de Março ,
já havia Lamenha sido demittido do commando do 1.º ba
talhão de cacadores, e então Manoel de Carvalho fez mar
char para o Cabo uma divisão afim de bater as tropas con
trarias e dissolver as corpos que Lamenlia e Seara levan
tavam no sul da provincia. Trava -se então renhida peleja,
Lamenha toma parte em todos os movimentos da cam
panha, e quando a revolução foi debellada e as tropas im
perialistas entraram na cidade do Recife, foi elle nomeado
commandante da expedição do norte, pacificou as provin
cias da Parahiba, Rio Grande do Norte eCeará, apresionou
as tropas fugitivas, a cujos compromettidos prodigalisou
immensos favores praticando actos de humanidade e cava
Theirismo, e recolhendo -se então ao Recife, foi logo man
dado para o Rio de Janeiro com o seu batalhão, onde re
cebeu do imperador D. Pedro I as mais significativas
provas de estima e consideração .
Lamenha occupava então o posto de major em com
missão, assim como tinha exercido todos os outros até
este, tambem em commissão, tendo porem conquistado
todos elles por sua intrepidez e bravura nos campos da
batalha ; e assim , teve em remuneração dos seus serviços
a confirmação no posto de tenente do batalhão 18 de caça
dores por Decreto de 8 de Março de 1825, foi confirmado no
de capitão por Decreto de 15 de Junho, no de major com
mandante do mesmo batalhão por Decreto de 2 de Agosto ,
e foi em fim promovido a tenente -coronel por Decreto de 12
de Outubro , todos do mesmo anno de 1825, contando apenas
vinte e quatro annos de idade, e oito de serviço militar.
Abre -se agora a pagina mais brilhante e explendida
da vida do bravo Lamenha ; a campanha do Sul, a guerra
da Cisplatina ; mas, sobre o que poderiamos dizer sobre
esse periodo, falla eloquentemente o seguinte topico de um
discurso pronunciado na Camara dos Deputados pelo Sr.
Aragão e Mello ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 205

« Entre os feitos brilhantes que a nossa historia militar


registra até então, nenhum havia superior ao que praticára
o então tenente -coronel Lamenha a 20 de Fevereiro de 1827 ,
nos campos de Ituzaingo. Nesta batalha a sorte das armas
nos foi adversa, e o nosso exercito teve de retirar - se acos
sado pelo general Alvear. O inimigo , que com todo o peso
e prestigio de um exercito victorioso contava aniquilar -nos,
viu quebradas suas furias ante um punhado de bravos que
cobrindo a retaguarda do nosso exercito, lhe garantia a
retirada.
« Esses bravos, que por muitas horas embarga vam o
passo ao exercito inimigo, eram Lamenha com o seu ba
talhão . Gravemente ferido, nunca abandonou seu posto .
Vendo rarearem - se as fileiras do seu batalhão á cada carga
inimiga, continuou sempre impassivel a sua gloriosa ta
refa . E quando, ja pela tarde, cortados pelo ferro, e exte
nuados pela fadiga, esses bravos mal se podiam suster,
descobrem uma divisão inimiga que manobrava para cor
tar-lhes a retirada ; era Lavaleja que surgia com tropas
frescas . Lamenha julgou - se perdido; porem impavido
continuou a marchar como d'antes.
« Aqui, meus Senhores, seja -nos licito render uma ho
menagem ao bravo Lavaleja, o general inimigo soube apre
ciar a heroicidade do adversario infeliz ; e tomado de admi
ração pelo valor de Lamenha, longe de o aniquilar como
podia , e lhe permittiam o direito e usanças da guerra, con
servou immovel a sua divisão ; e quando Lamenha lhe
passou em frente, em vez de accommetter, corteja - o com
ä espada ! Apraz-me memorar o cavalheirismo desta
acção do general inimigo, que por ella teve de responder a
conselho de guerra em seu paiz. Apraz -me ainda consig
nar a explicação que elle deu do seu procedimento : Nus
circumstancias seria uma covardia atacal-os ; disse Lava
leja . »
Ainda na guerra da Cisplatina, entre outros feitos em
que o bravo Lamenha immortalisou o seu nome, nota -se a
acção de Santa Maria , em que salvou o exercito brazileiro,
commandando então uma brigada, quando haviam ge
neraes sem commando. Lamenha teve então promoção
ao posto de coronel por Decreto de 12 de Outubro de 1827.
Terminada a campanha, foi despachado commandante
militar do Rio Grande do Sul, passou depois a commandar
armas em S. Catharina, e nomeado para igual cargo em
Pernambuco, entrou em exercicio a 5 deMaio de 1830. No
206 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

anno seguinte após o acto da abdicação, esta provincia foi


theatro das maiores commoções politicas. A 5 de Maio
rebenta uma sedição militar com o fim de depôr Lamenha
do commando das armas, e a 14 de Setembro rebenta outra
e mais tremenda sedição, que se prolongou até o dia 16,
mas, que, foi suffocada com exito, ainda que se tivesse de
lamentar a perda de muitas vidas.
Lamenha passando então a fazer parte do grupo que
trabalhava pela restauração do governo de D. Pedro I. ,
cahiu no desagrado do governo, foi demittido e a 3 de No
vembro de 1831 deixou o cargo de commandante das armas .
Perseguido, mal apreciado, e cançado de soffrer as injus
tiças de seus inimigos politicos , e retirado inteiramente a
vida privada , tendo em consequencia gasto grande parte
de sua fortuna, retirou-se em fim para o seu engenho em
1835 , d'onde só voltou em 1848. Nomeado de novo com
mandante das armas desta provincia por Decreto de 24 de
Maio de 1848, entrou em exercicio em 18 de Junho, e o
deixou a 28 de Setembro do mesmo anno, cabendo -lhe
então o encejo de prestar um grandioso serviço a causa da
ordem publica, por occasião do motim popular de 26 a 27
de Junho .
Reformado em 1838 no mesmo posto de coronel que
havia conquistado aos vinte e seis annos de idade, em 1827,
victima do esquecimento , indifferentismo e perseguição
dos seus inimigos, esse golpe o veio ferir sensivelmente ;
e mesmo assim, jamais negou os seus serviços sempre
quese os reclamava. Em 1844 serviu no cargo de comman
dante superior da guarda nacional do municipio do Cabo ,
em 1849 foi nomeado supplente de juiz municipal e de or
phãos do mesmo municipio, e depois passou a occupar o
lugar de presidente do conselho administrativo do Arsenal
de Guerra . Coronel reformado do exercito , dignitario da
imperial ordem do Cruzeiro, commendador da Rosa, cava
lheiro de S. Bento de Aviz, e condecorado com as medalhas
da guerra da independencia da Bahia, da campanha de
Pernambuco de 1824, ambas de prata , é com a de ouro da
guerra da Cisplatina, conferida - Aos bravos entre os
mais bravos, sendo que esta ultima lhe foi collocada no
peito pelas proprias mãos do imperador D. Pedro I , eis os
titulos que traduziam o valor, o merecimento e a bravura
do illustre Lamenha .
Bento José Lamenha Lins falleceu a 15 de Maio de 1862,
foi sepultado no Cemiterio Publico do Recife, prestando
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 207

se-lhe todas as honras a que tinha direito por sua patente


e condecorações , e nesse mesmo dia lavrou o general
commandante das armas desta provincia a seguinte ordem
do dia , communicando a guarnição da praça o fallecimento
do benemerito Lamenha:
« O general commandante das armas é obrigado a cum
prir o penoso dever de annunciar á guarnição desta provin
cia o passamento de um dos veteranos do exercito , do Sr.
coronel reformado Bento José Lamenha Lins, que hontem
pelas 11 e 1/2 horas da noite foi Deus servido chamal- o á si .
Distincto lidador da independencia em Pirajá na Bahia , pro
pugnador da ordem publica e integridade do imperio na
Barra Grande, nesta provincia , e nas campanhas do Rio
Grande do Sul , onde verteu o seu sangue ; foi esse bene
merito official pelos seus relevantissimos serviços, afferro
á monarchia e as instituições do paiz , sempre acatado
pelos seus companheiros d'arınas, que ora lamentão a sua
morte , e dirigem fervorosas preces ao Creador pelo eterno
repouso de sua alma. »
Bento Teixeira Pinto . A tradição popular assigna
la como berço do nascimento de Bento Teixeira Pinto, a
freguezia de Muribeca , situada a quatro legoas ao Sudues
te da cidade do Recife, e a um dos celebrados montes Gua
rarapes, e o Sr. Conselheiro Pereira da Silva nos seus Va
rões Ilustres do Brasil, fixa a epocha do seu nascimento
no anno de 1545 .
Foi Bento Teixeira Pinto o primeiro brazileiro que cul
tivou a litteratura e principalmente a poesia ; e segundo
uma competente autoridade, o mesmo Sr. Conselheiro Pe
reira da Silva , foi elle um poeta distincto e escriptor de
gosto . Elle passou a flor da sua mocidade engolphado no
cultivo da poesia , historia e sciencias naturaes, e no estudo
dos classicos latinos e hespanhóes, cujas linguas lhe erão
familiares como se deprehende dos seus escriptos. Pelo
seu tempo, bem insignificantes ou quasi nenhuns, eram os
meios que proporcionava a nascente colonia de Pernam
buco, a quem tinha desejos de possuir conhecimentos su
periores , e de adquirir um certo gráo de illustração ; e
Bento Teixeira avido de possuir essa illustração que so
mente na metropole se adqueria , emprehendeu uma via
gem a Portugal.
Aos 16 de Maio de 1565, quando talvez contasse os seus
vinte annos, partiu Bento Teixeira á bordo da náo Santo
208 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Antonio, em companhia de Jorge de Albuquerque Coelho ,


terceiro donatario de Pernambuco, a quem era muito dedi
cado, e sob cujos auspicios talvez tivesse emprehendido
essa viagem ; mais estando contraria a maré, e os ventos
ao rumo que levava o navio , arrastaram -no de encontro
aos baixos de Olinda . Grandes avarias e damnos resultou
disto ; e pela demora da necessaria reparação do navio , so
mente se effectuou de novo a partida aos 29 de Junho do
mesmo anno . Com prosperos ventos e em bonançosos
mares, navegou os primeiros dias em sua róta a náo Santo
Antonio . Mas pouco depois, enfureceram -se os mares e
os ventos , que tudo ameaçavam destruir e finalmente
para cumulo de maiores desgraças, cahiu presa dos corsa
rios, que a deixaram roubada e desmantellada, e sem po
der mais governar - se, e assim continuaram passageiros e
tripolantes os ultimos dias de sua tormentosa e atribulada
viagem . O que soffreu Bento Teixeira e os seus compa
nheiros de viagem , - a núo a sossobrar a cada momento ,o
ataque dos corsarios franceses que de todo a roubaram , e
o lamentavel estado em que estes os deixaram , até que,
extenuados , e quasi mortos surgiram á vista do cabo da
Róca , arrastados pelas correntes, prestes a dar á costa , se
uma cara vela portugueza não lhes passasse um cabo , con
duzindo a náo ao porto de Cascaes, - é descripto pelo pro
prio Bento Teixeira, no seu escripto Relação do naufru
gio que fez Jorge de Albuquerque, vindo de Pérnambuco
em ni náo Santo Antonio emo anno de 1565, - impressa em
em Lisboa em 1601, e appensa a um outro escripto seu , a
Prosopopéa .
Aportando Bento Teixeira a Portugal, foi com os seus
companheiros de viagem em romaria á egreja de Nossa
Senhora da Luz, cumprir os votos solemnes que haviam
feito, quando de envolta com os elementos enfurecidos, lu
tavam com os corsarios, como elle proprio descreve na sua
Prosopopéa . Algum tempo demorou -se em Lisboa Bento
Teixeira , mas em 1583 já estava de volta cm Pernambuco ,
pois n'esse anno tinha a seu cargo em Olinda, a cobrança
dos dizimos, e em 1591 dirigiu uma expedição contra os
indios Pitiguares,por haverem dado um assalto nas mattas
de páo -brazil, e morto alguns colonos .
Em Pernambuco entregou -se á vida agricola , foi se
nhor de um engenho de assucar, ensaiou a plantação e cul
tura do trigo, e descobriu a malagueta . in 1599 seguiu
de novo para Portugal, e ahi esteve até 1607 ,quando regres
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 209

sou á Pernambuco , e julga -se pelos seus escriptos, que


por algum tempo esteve nas possessões portuguezas das
Indias. Alem destes apontamentos da vida do illustre
Bento Teixeira , que pudemos colher, nada mais nos foi
possivel obter ; a data do seu nascimento , morte e outras
circumstancias de sua vida, ludo é ignorado, e se não fora
os seus escriptos impressos, e a mensão de um outro ine
dito , por Barbosa Machado na Bibliotheca Lusitana, talvez
até o seu proprio nome o fosse tambem .
Alem da Relação do naufragio, « interessante pela
narração de tantas desgraças a par de tanta resignação
para supportal-as, » publicou Bento Teixeira um poema sob
Prosopopéni -- , offerecido a Jorge de Albuquer
o titulo – Prosopopea
que , terceiro Donatario de Pernambuco , o qual foi impresso
em Lisbôa em 1601 , e reimpresso no Rio de Janeiro em
1873, conservando - se o mesmo formato, typo , orthogra
phia e cuidadosamente reprodusidas as suas gravuras.
Um outro trabalho de Bento Teixeira, sob o titulo : Dialogo
das grandezas do Brasil, que se conserva inedito , ainda
que parte tenha sido publicada, é interessantissimo pelas
variadas noticias historicas e geographicas que dá de todas
as capitanias do Brazil. Encontra-se ainda de Bento Tei
xeira algumas poesias na Phenix renascida, periodico que
se publicou em Lisboa pelos annos de 1716 a 1720, como
sejam : sonetos , eclogas e cantatas pastoris.
Bento Teixeira Pinto na ordem chronologica dos escrip
tores brazileiros occupa o primeiro logar, e as suas obras
são o ponto de partida da nossa historia litteraria , e elle
constitue na phrase do Dr. J. M. de Macedo, o primeiro elo
da immensa cadeia de litteratos do Brazil. Pernambuco
pois , a sua patria , ufana - se da primasia que occupa no
pantheon dos nossos homens celebres, dos nossos escrip
tores, tão dignamenterepresentado pelo inspirado antor
Prosopopea
da - Bento Teixeira Pinto .

Frei Bernardino das Neves . Nasceu em Olinda em


meiado do seculo XVI, e foram seus pais o capitão João
Tavares, primeiro conquistadore provocador da Parahyba,
e D. Constancia Dias.
Abraçando a vida de religioso, Sebastião Tavares,
como então se chamava, deixou este nome, por occasião
da sua profissão religiosa no convento de S. Francisco de
Olinda, a qual teve logar no dia 28 de Janeiro de 1588, e
28
210 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

então tomou o nome religioso de Frei Bernardino de Nossa


Senhora, cujo sobrenome substituiu depois pelo das Neves .
Frei Bernardino das Neves occupa um logar distincto na
historia da conversão dos nossos indigenas ao gremio da
religião e da civilisação. Genio propenso para o serviço da
egreja, zeloso pela conversão do gentio , perfeito conhe
cedor da sua lingua, bom entendimento, prudencia e
capacidade para qualquer missão , recebeu logo após a sua
ordenação sacerdotal, provisões de pregador e confessor,
e foi incumbido da catechese dos indios.
Neste emprego, diz o Padre Jaboatão, foi notorio o
grande fructo que fez naquelle gentilismo, concorrendopara
o bom effeito da sua conversão em muitos , a abraçarem
com mais facilidade a doutrina que lhes pregava, alem do
espirito e fervor com que lh'a propunha, e a claresa e
propriedade das phrases com que lhe fallava na sua
propria e natural linguagem . Foi então a sua habitual
residencia no seio das fiorestas , nas aldeias e doutrinas
dos indios, especialmente nas que se iam erigindo,
servindo ora de interprete de seus companheiros incum
bidos de outras missões, ora de seus guias, passando
depois a ser o reitor geral de todas ellas .
Pela sua familiaridade com os indios , pelo zelo e
cuidado com que os tratava, tornou-se tão venerado e
obedecido por elles, que nas empresas de maior difficul
dade era sempre elle o escolhido por seus prelados, cujo
acerto correspondia o pleno resultado que sempre obteve
em suas missões. D'entre estas nota-se a da capitania do
Rio Grande do Norte em 1599, cujo resultado foi a conquista
daquelle territorio , e a fundação da cidade do Natal, sua
capital . Versadissimo na lingua dos indios, grande pre
gador, missionario zeloso e estimado, na phrase de um
historiador, Frei Bernardino das Neves com a palavra , e
Jeronymo de Albuquerque com o braço , foram os dous
apostolos dessa missão de paz e civilisação, cujo resultado
coroou os trabalhos e fadigas desses dous heroes, após
dous longos annos de vigilias e cuidados .
N'essa empresa deu-se um facto interessante, e de
tal importancia, que pôz termo aos seus já prolongados
trabalhos , em cujo cpisodio Frei Bernardino das Neves
representou o principal papel. Frei Jaboatão refere-o assim
na sua obra Orbe serafico :
« Estava preso no forte um indio chamado Ilha grande,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 211

tido por seus companheiros por grande feiticeiro, o qual


foi aprisionado em um dos assaltos. Entregaram -no a
Frei Bernardino como bom lingua desta gente , para o
persuadir a que fosse tratar a paz com os seus, e que para
isso lhe conferiam a sua liberdade. Ilha grande acceitou o
partido de boa vontade, e depois de bem instruido na
embaixada e pratica que havia de fazer aos seus, deixa
ram -no partir . Chegando a primeira cerca, os seus o
receberam mui alegres, e muito mais, quando souberam
o negocio a que ia . D'aquella o remetteram ás demais,
assim da ribeira do mar, como as da serra vizinha, onde
assistiam dous maiores e principaes de todos elles,
chamado um Páo Secco, e o outro Sorobabé . A estes e á
todos os mais , soube o indio embaixador compor um tão
bem e efficaz arrasoado, que os obrigou a acceitar a paz, e
á marchar com elle todos os principaes afim de effectual- a
no forte com Jeronymo de Albuquerque. Representando
Frei Bernardino das Neves o papel de interprete, promet
teu-lhes da nossa parte uma paz e amisadě firmes, como
se havia feito na Parahyba, e ainda com muitos Putiguares
da mesma capitania e seus parentes . Assim se ajustaram
tambem com muita solemnidade, festas e alegria , entre uma
e outra parte , com assistencia do ouvidor geral,de todos os
demais cabos do forte e maioraes do gentio, e do Padre Frei
Bernardino das Neves, de quem elles já tinham noticia e
faziam estimação . >>
Concluida esta missão, regressou o illustre missionario
para esta provincia e recolheu - se ao seu convento de Olinda,
exausto de forças pelas fadigas e trabalhos da tão longa é
perigosa jornada, mas com a consciencia tranquilla de bem
haver cumprido o seu dever, e com a fronte radiante por
tão grandes quão assignalados serviços.
D'essa epocha por diante o nome de Frei Bernardino
das Neves, desse homem cujo curso de vida foi todo uma
continua é perigosa palestra, sem dar tregoas ao corpo ,
na phrase de um antigo historiador, desappareceu das
narrações desses emprehendimentos em prol da causa da
civilisação, sem duvida por grave omissão dos seus
escriptores ; porém bastam estas linhas para ennobrecer
a sua memoria , digna de honras e louvores pela sua
abnegação, heroismo e grandeza dos seus assignalados
serviços. Frei Bernardino das Neves falleceu no seu con
vento de Olinda, de cuja ordem fòra elle o primeiro religioso
212 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

que entrara nesta provincia , em avançada idade, nos


primeiros annos do seculo XVII , « deixando boa opinião
e fama, adquiridas nos annos em que viveu . »
Bernardo José da Gama . ( Visconde de Goyanna. )
Nasceu na cidade do Recife aos 20 de Agosto de 1782, e
foram seus paes o coronel Amaro Bernardo da Gama e D.
Francisca Maria da Conceição , ambos oriundos de uma
nobilissima familia de Portugal.
Estudando nesta provincia a lingua portugueza e ad
quirindo algunsconhecimentos de humanidades, Bernardo
José da Gama embarcou para Portugal a 1 de Outubro de
1801, á completar a sua educação, e aos vinte e cinco annos
de idade tinha concluido os seus estudos, recebendo a
carta de bacharel em direito pela Universidade de Coimbra,
ao tempo em que Napoleão ameaçava Portugal, Junot batia
ás portas da sua capital e a familia real emigrava para o
Brazil. No dia 29 de Novembro de 1807 , quando larga va
do Tejo a esquadra portugueza que conduzia ao Rio de Ja
neiro o principe regente e sua familia, em um de seus navios
Bernardo José da Gama tomava o rumo da patria , rico de
saber, e laureado pelo primeiro estabelecimento scientifico
de Portugal.
Em 1808, no mesmo anno de sua chegada ao Brazil,
foi nomeado juiz de fóra do Maranhão, e nessa qualidade
coube-lhe exercer interinamente quasi todos os cargos da
capitania , ganhando elevado credito de rectidão e probi
dade desde que se observou a firmeza e prudencia com que
castigou os officiaes da alfandega, fazendo recolher ao
zouro sommas enormes até então extraviadas . Dirigindo
então o governo da capitania D. José Thomaz de Menezes,
um dos capitães generaes que pelos seus desatinos, abusos
e imprudencias tornou -se tão odiado á ponto de abandonar
o posto que lhe fòra confiado, Bernardo José da Gama
foi um dos membros do governo provisorio que o substi
tuiu, na qualidade de Juiz de fóra é ouvidor interino da ca
pitania.
Tomando posse do governo a 24 de Maio de 1811 , con
servou -se até 29 de Novembro do mesmo anno, e nesse
pouco tempo conseguiu apasiguar a capitania das invasões
dos indios, aldeou -os em duas povoações que denominou
Carará e Monção , e descobrindo -se nessas correrias um
rio a que se chamou Guajaú , rodeado de mattas e impor
tantes terrenos para cultura, elle a promoveu , apresentando
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 213

um trabalho em que demonstrava as vantagens daquelles


novos estabelecimentos, serviços dignos de honrosa re
muneração, que mereceram justos elogios de Henrique
Koster nas suas viagens, e que no entretanto foram pelo
governo merecedores de censura !
· Mas a opposição que Bernardo José da Gama fizera ao
despotico governo de D. José de Menezes, protegido na
côrte, contando dous parentes no ministerio, não podia
ficar impune ; e então , vencida a intriga e o despeito dos
amigos do ex -governador, lavrou -se em 1812 a demissão
do illustre magistrado ; e só trez annos depois lhe foi dada
a ouvedoria de Sabará, onde foi obrigado a servir desde
Setembro de 1815 até Dezembro de 1818. Prestando no
exercicio desse cargo importantes serviços, Bernardo José
da Gama fez edificar um sumptuoso templo , confeccionou
um mappa geographico da comarca, que mereceu do via
jante Anderson incluil- o na sua obra Viagem ao Brazil,
com elogios de Spix e Martius, e construiu um elegante
theatrinho em Sabará a que deu o titulo de S. Pedro de
Alcantara, fazendo pintar no pano de bocca as novas armas
do Brazil , então elevado a cathegoria de reino, e sobre ellas
voando a imagem da fama , embocando uma trombeta da
qual sahiam estes versos de sua composição :
Aos astros lecare d'outro hemispherio
O brilhante pendão do novo Imperio.
cstas circumstancias produziram serias desconfianças
quando rompeu a revolução de Pernambuco de 1817 ; e a
sua qualidade de pernambucano, o comprometteu ainda
mais , sendo então lembrada a medida de o deportar para
Portugal, para o que foi despachado a 6 de Fevereiro de
1818 corregedor do crimedo bairro da Rua Nova de Lisboa .
Dous annos passaram-se trabalhando para evitar essa de
portação, e nada conseguiria se a revolução constitucional
de 1820 não vingasse , e o Brazil não entrasse em uma nov
phase politica, sendo então nomeado desembargador da
Relação de Pernambuco a 4 de Abril de 1821 .
Naquella epocha de enthusiasmo, em que a nossa
emancipação politica ia dando já os primeiros passos, Ber
nardo José da Gama procurou então suggerir ao povo os
primeiros traços da independencia, e escreveu uma Memo
ria sobre as principaes causas por que deve o Brasil reas
sumir os seus direitos e reunir as suas provincias, e offere
cendo -a em pessoa ao principe regente, mereceu do futuro
imperador tanto apreço, que immediatamente a mando
214 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

imprimir a custa do governo e espalhar por todo o Brazil.


Por esse mesmo tempo, quando os negocios de Pernam
buco tomavão uma attitude seria, e parecia, que de alguma
fórma se queria oppor obices aos seus generosos intentos,
Bernardo José da Gama, escreveu a Memoria sobre as prin
cipaes causas por que deve o Rio de Janeiro conservar a
união com Pernambuco, e publicando -a, prestou assim um
duplo serviço, quer ao Brazil em geral, quer particular
mente a sua provincia natal.
Tendo de partir para Pernambuco á tomar conta do
cargo de desembargador da Relação desta provincia , e pro
mulgado o Decreto convocando uma assembléa constituinte
brazileira, o Senado da Camara do Rio de Janeiro officiou
as camaras das provincias para se empenhar na execução
do dito Decreto , e resolveu enviar um agente a esta provin
cia para conseguir a sua tão desejada união e cooperação
á grande causa do Brazil . Para esse effeito , diz o Visconde
de Cayrú, fez optima escolha no desembargador Bernardo
José da Gama , de conspicuo patriotismo e saber, que não
só já se havia distinguido em uma Memoria cheia de fieis
sentimentos e elevados principios constitucionaes, mas
tambem foi um dos collaboradores do projecto da instal
lação, e attribuições da sobredita assembléa geral.
Chegando a esta provincia no dia 2 de Julho de 1822,
tratou de dar immediata execução do seu mandato, ao
mesmo tempo, que, com os seus collegas tratava da instal
lação do Tribunal da Relação, acto que se verificou com
toda a solemnidade a 13 de Agosto seguinte. Encontrando
alguma resistencia da parte da Junta do governo proviso
rio, relativa a missão que lhe fora confiada, Bernardo José
da Gama teve de sustentar renbida luta , ao mesmo tempo
que se empenhava em desvanecer as prevenções contra o
governo do Rio de Janeiro . Rompendo então a luta , extre
maram -se os partidos, a junta provisoria foi deposta , e elle
nomeado então para o governo que devia substituir o dis
solvido , patenteou o maior desinteresse e abnegação recu
sando -se formalmente, pois o seu maior empenho e inte
resse era livrar a sua patria do aviltante jugo das cortes
constituintes de Portugal, o que importava reduzir o Brazil
ao antigo regimem colonial.
Serenado os animos e voltando a paz e a tranquillidade
publica, e celebradasas festasda acclamação de D.Pedro
İ , procedeu -se em 1823 a eleição dos deputados á assemblea
constituinte Brazileira, e Bernardo José da Gama um dos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 215

que mereceram a conferencia desse honroso mandato, os


tentou na camara as suas idéas, foi liberal, mas sem aspi
rações exaltadas ; o seu typo era principalmente o espirito
zeloso da nacionalidade brazileira : fez parte da commissão
da organisação dos trabalhos internos da camara , e depois
foi eleito membro da commissão de legislação , cujos tra
balhos e pareceres deram realce aos seus talentos e conhe
cimentos , e incubido finalmente de organisar o projecto de
lei sobre a liberdade de imprensa, desempenhou essa in
cumbencia tão sabiamente , que o seu projecto com peque
nas alterações foi convertido em lei .
Dissolvida a Assemblea constituinte, e arvorando - se
em Pernambuco a bandeira da revolta que proclamou a
Confederação do Equador, recebeu então do ministro da
justiça, ordem para partir em demanda desta provincia ;
e einbora mostrasse que isso importava entregal-o inermé
nas mãos dos inumeros inimigos que tinha contrahido
nesta provincia por occasião da sua missão de 1822, e outras
razões alem do perigo a que se expunha, em nada foi atten
dido, e foi mesmo violentado não só a embarcar, como
tambem a apresentar -se de uma maneira hostil nas fra
gatas destinadas para reforço do bloqueio, que então aqui
se achava .
Chegado ao porto do Recife a 23 de Março de 1824, Ma
noel de Carvalho lavrou neste mesmo dia uma portaria in
timando-o á regressar para o Rio de Janeiro no primeiro
navio que selheofferecesse,recolhendo - o entretanto á forta
leza do Brum , até que chegasse essa occasião, apesar das
ordens imperiaes que trazia para continuar no cargo de
desembargador. Propostas vantajosas e amigaveis, ame
aças aterradoras lhe foram feitas para que reconhecesse
como legitimo presidente a Manoel de Carvalho, porem
Bernardo José da Gama tudo regeitou, a nada cedeu , e da
propria prisão expediu circulares ás camaras municipaes
para que não o reconhecessem como tal, e fez tudo quanto
Îhe foi possivel para alentar o esmorecido partido constitu
cional imperial.
Transportado então para bordo dafragata Nictheroy,
que commandava o bloqueio do porto do Recife, Bernardo
José da Gama tomou a resolução de ir para a provincia da
Bahia onde chegou a 27 de Maio ; porem novas compli
cações foi ahi encontrar, não só pelo receio que reinava de
uma nova invasão portugueza ao Brazil, como tambem
pela revolta do batalhão de Periquitos, é assassinio do
216 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

commandante das armas . Sabida a sua prisão em Per


nambuco e as ameaças que soffreu , assim como as des
considerações da côrte á seu respeito, os rebeldes da Bahia
supposeram que elle facilmente se colligaria com elles , e
enviarão -lhe uma commissão offerecendo - lhe todas as van
tagens possiveis para o chamar ao seu partido, mas elle
tudo regeitou, respondendo, que, só tinha entrado em uma
revolução em toda a sua vida, que fóra a da independencia
com uma constituição monarchica, e nunca em revoluções
de poleiro.
Em uma provincia estranha, inactivo por força das cir
cumstancias em que se achava, Bernardo José da Gama
esperava ancioso o fim da guerra de Pernambuco para
tomar conta do seu cargo, quando a 14 de Junho recebeu
ordem do ministro da Justiça para servir na Relação da
Bahia . Rebentando em principios de 1826 outra insurrei
ção popular com a noticia de haver D. João VI reconhecido
à nossa independencia, porem mantendo para si o titulo
honorario de imperador do Brazil, este acto de tal sorte ir
ritou os animos do povo , que sublevado ostentou - se furioso
e medonho . Nessà crise revolucionaria , Bernárdo José da
Gama recebe uma mensagem militar para assumir a presi
dencia da provincia, mas de modo algum querendo accei
tal-a , occulta -se, e d'est'arte a tropa que via nelle o objecto
de seus planos, esmoreceu, ca furia revolucionaria se foi
acalmando .
Conseguida esta vantagem , e se tendo o presidente re
fugiado á bordo de uma fragata , Bernardo José da Gama
tomou então á si a tarefa de tranquillisar os animos com
medidas persuasivas, escrevendo uma carta pseudonyma
descrevendo os mal fundados receios , a qual duas vezes
impressa produziu tão salutar effeito, que raiou o mais com
pleto socego , como se tal commoção não se tivesse dado .
Lord Stuart , testemunha de todo o acontecimento, não ces
sava de prodigalisar ao illustre patriota os maiores elogios
pela sua attitude energica e pacificadora.
No entretanto , o resultado de tão grandioso serviço que
prestára, foi ser chamado para a casa da Supplicação no
Rio de Janeiro, como um homem perigoso naquella provin
cia. Em vão o povo bahiano, grato aos serviços que lhes
havia prestado , dirigiu ao Imperador uma petição para
que elle fosse dispensado de ir para a corte, porque muito
confiavam da sua rectidão , porque a elle a Bahia era deve
dôra do seu socrgo e prosperidade; mas era mister obe
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 217

decer, mostrar uma moderação superior á emulação dos


governistas e aos desvarios dos governados, e no mesmo
navio que trouxe a ordem , Bernardo José da Gama embar
cou para o Rio de Janeiro .
Nessa viagem , feita no brigue americano Ontario , teve
ainda de soffrer; ena altura do Cabo Frio foi o navio atacado
pelos piratas argentinos, que de accordo com o comman
dante não só saquearam o navio como tambem despojaram
os passageiros de tudo quanto possuiam . Apresado porem
o corsario argentino pela nossa esquadra, foi posto em
arrematação para indemnisar os passageiros do Ontario,
mas o seu producto foi depositado no thesouro, e os pre
judicados nada receberam !
Baldados todos os esforços do povo bahiano para con
servar entre si o illustre dezembargador B. José da Gama,
aguardaram occasião opportuna para significar -lhe os
seus sentimentos de gratidão e reconhecimento ; e pela
morte do Visconde de Caxias que abriu no Senado uma
vaga entre os representantes da Bahia , encontraram então
essa opportunidade; incluiram o seu nome na lista triplice,
e elle obteve uma maioria absoluta de votos sobre os seus
dous companheiros, o Dr. França e o Dezembargador Duque
Estrada ; e não obstante isso, não obstante os seus gran
diosos serviços, foi preterido, outro foi o escolhido.
Nomeado chanceller e regedor das justiças, voluntaria
mente tomou á si a incumbencia de organisar um projecto
de codigo do processo civil e criminal, composto de quin
hentos e quarenta e seis artigos, os mais convenientes e
adaptados as circumstancias do Brazil, trabalho este de
tanta importancia e merecimento , que o governo o enviou á
camara dos deputados, por proposta do ministro da Justiça ,
onde foi submettido a uma commissão que o approvou e
mandou imprimir como o melhor que então existia ; mas
ficou nisto , cahiu em esquecimento , e depois appareceram
os seus artigos publicados como resoluções ministeriaes !
Nomeado presidente da provincia do Pará em 1830, teve
de retardar a sua partida, mas depois dos acontecimentos
de 13 e 14 de Março de 1831 , conhecidos na historia por
Noutes dasgarrafadus, em que na cidade do Rio de Ja
neiro muitos portuguezes revoltantemente insultaram a na
cionalidade brazileira, D. Pedro I chamou ao ministerio
homens que não eram chefes do partido Liberal, que não
saliam da camara para o governo, mas que ao menos po
29
218 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

diam merecer a confiança dos liberaes , e dos brazileiros


em geral, e Bernardo José da Gama foi incumbido da pasta
dos negocios do Imperio.
Organisado o ministerio em 20 de Março, a 5 de Abril
já era substituido por outro de manifesto caracter de re
acção anti- liberal. Rompeu então, no dia seguinte tre
menda revolução, Bernardo José da Gama recebe um
Decreto que o nomeava para o mesmo ministerio a reque
rimento do povo ; na madrugada de 7 D. Pedro I abdica a
corôa, nesse mesmo dia foi nomeada a regencia proviso
ria , e os membros do ministerio decahido voltaram de novo
ao governo . Bernardo José da Gama protestou então que
se acha coacto pela ameaça de ser havido por traidor se
não condescendesse com o enthusiasmo e vontade popular,
e que supportaria o sacrificio somente para soccorrer a in
fancia de D. Pedro II , que se achava desamparado de seu
pae, e forçosamente entregue á generosidade dos brazilei
ros ; mas, que, apenas as tropas depuzessem as armas , no
mesmo instante deixaria o cargo .
Bernardo José da Gama, dirigindo -se para S. Chris
tovam á dar as necessarias ordens para ser respeitado e
acatado o paço imperial, teve então occasião de exercer as
funcções de tutor interino do jovem monarcha c de suas
irmães , e foi o primeiro brazileiro que prestou-lhes as pri
meiras consolações pela ausencia de seu pae,e no acto da
acclamação e reconhecimento do Sr. D. Pedro II , tenra cre
ança de pouco mais de cinco annos, foi elle quem o sus
pendeu em seus braços durante esse tocante e solemne
acto. Serenados os animos, despersas as tropas , e conse
guido o fim que o tinha levado ao ministerio , Bernardo José
da Gama deu a sua demissão, e eleita em 17 de Junho pela
Assembléa geral a regencia permanente, organisou-se
então o novo ministerio .
O acto da abdicação de D. Pedro I excitára nas provin
cias reacções liberaes, e com ellas perturbações da ordem
publica. No Pará, onde predominava no governo o ele
mento conservador á despeito das exigencias liberaes ,
predominava tambem o elemento portuguez representado
pelo commandante das armas Francisco de Souza Soares
de Andréa, então brigadeiro e depois Barão de Caçapava.
Tendo a regencia de pór á frente da administração da per
turbada provincia do Pará , um homem superior e de ele
vado merecimento e prestigio , essa nomeação recahiu na
pessoa de Bernardo José da Gama por Decreto de 17 de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 219

Maio de 1831 , para o que já havia sido nomeado por D. Pedro


I em 23 de Dezembro do anoanterior . Acceitando esta es
pinhosa commissão , partiu para a provincia do Pará , e to
cando em Pernambuco contialiiu matrimonio com sua so
brinha D. Izabel Ursulina de Albuquerque Gama, e no dia
seguinte do seu consorcio seguiu para o porto do seu des
tino. Alli foram os recentes noivos encontrar todas as ter
riveis privações que a celebre e sanguinolenta revolução
daquella epocha lançava sobre o paiz, privações que a
jovem senhora arrostou heroica e resignadamente com o
caracter varonil de que era dotada.
Bernardo José da Gama, então galardoado com o titulo
de Visconde de Goyanna que lhe conferira D. Pedro I apóz
a dissolução da constituinte em 1823, como premio dos ser
viços que benemeritamente prestára, tomou posse da pre
sidencia do Pará a 19 de Julho de 1831, e empenhou -se logo
em dar apoio e influencia nos negocios da provincia ao par
tido liberal e anti-lusitano, mas, apenas decorrido vinte e
um dias depois de sua posse, rebenta uma sedição militar
em que tomou parte o commandante das armas, foi deposto
do governo e viu - se coagido a embarcar para o Rio de Ja
neiro .
Exigindo o commandante das armas a frente das suas
tropas rebelladas a prisão do arcypreste João Baptista Gon
çalves Campos, e dispondo o Visconde de Goyanna de
força sufficiente para conter os amotinados por aquella
audaciosa aggressão , quiz antes perder a presidencia do
que derramar o sangue brazileiro, ou prender um cidadão
sem culpa formada. Deposto do governo, fretou um pata
cho para o transportar ao Maranhão, e quando já havia
embarcado todos os seus moveis e bagagens, á ultima hora,
foi intimado para embarcar na fragata Campista que seguia
para a córte , recebendo o seu commandante ordem de tra
tal -o, como preso , destinando -lhe uma pequena parte da
antc -camara do navio, sem o recato e decencia indispen
savel para o transporte de sua familia . Obrigado então a
fazer um novo contrato com o mesmo patacho, não para o
Maranhão, mas sim para Pernambuco, pela quantia de
2 :4008000, alem da importancia do primeiro fretamento ;
desta sorte, depois de insultos pessoaes, roubos e tudo
quanto pôde occorrer a sanha brutal da força armada, o
Visconde de Goyanna seguiu preso para a corte, ao passo
que a sua familia tomava o rumo de Pernambucó.
Já então começava a apparecer a reflexão , a tropa co
220 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nhecendo as enganosas promessas dos seus chefes, come


çava a desertar, desmascararam -se os fins dos revolucio
narios, veio finalmente o arrependimento, mas já era tarde.
O Visconde de Goyanna foi demittido insultuosamente do
cargo de presidente, a sua prisão foi dilatada, e tiraram - lhe
até o cargo de chanceller que exercia , sob o futil pretexto
de o haver renunciado, desde que acceitou a presidencia do
Pará . Em vão as camaras municipaes paraenses dirigi
ram energicas representações ao ministerio reclamando a
restituição dos seus creditos usurpados, e ao presidente in
justa c acintosamente deposto, por uma revolta infame e
de sorpresa, tramada por homens de nacionalidade extra
nha a do paiz.
Conhecendo o povo paraense a obstinação e injustiça
do governo, arrependido e envergonhado do erro que com
mettera, achou motivo para patentear ao illustre patriota o
seu reconhecimento, dando -lhe uma demonstração do ele
vado conceito em que o tinham , mas que algum tempo , il
ludido e de olhos vendados desconheceu tudo isso ; con
fere- lhe então o honroso mandato de seu representante no
parlamento nacional, no qual tomou assento em 1834, do
minado somente do generoso intuito de salvar os paraen
ses das injustiças e desconsiderações do governo .
O nobre Visconde de Goyanna, frequentou então, com
assiduidade e valentia a tribuna parlamentar. Era orador
de agradavel fluencia , diz um escriptor, de voz alta e firme,
discutidor illustrado e energico, è distinguindo -se muito
menos por arroubos de eloquencia academica, do que pela
simplicidade do enunciado e pela franqueza, em que ás
vezes chegava a ser aspero . Em maxima parte os seus
discursos deixaram de ser publicados pelo Jornal do Com
mercio, que então sem contracto com a camara e só por
conta propria dava na imprensa as discussões parlamen
tares. " Queixoso com fundamento ou não de adulterações
de suas fallas, o Visconde de Goyanna declarou na tribuna ,
que preferia que as não publicassem , e o Jornal do Com
mercio d'ahi por diante as omittiu como resentido .
Apparecendo nessa epocha um projecto do codigo
commercial brazileiro, em que a influencia portugueza ,
ainda predominant , havia conseguido odioso privilegio
em seu favor, excluindo todas as garantias aos nacionaes
que se dedicassem á vida commercial, o Visconde de Goy
ama ergue a sua palavra no parlamento, analysa seme
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 221

lhante trabalho, mostra a falta de dignidade e patriotismo


que o ditou , reprova - o finalmente , e neste voto do illustre
patriota, toda a camara o acompanhou . Depois , quando
se tratou das bases do tratado do commercio entre o Brazil
e Portugal, em cuja questão os portuguezes procuraram
corromper o caracter nacional, o Visconde de Goyanna fez a
opposição que exigiam a autoridade do seu caracter e a sua
lealdade e fidelidade de representante da nação. Advertido
então á moderar a sua opposição e as suas phrazes, por
estar no anno da eleição , respondeu , que, pouco lhe impor
tava o ficar excluido da urna eleitoral para sempre, com
tanto que salvasse sua patria, que era a maior gloria á
que podia aspirar um representante do povo . E com ef
feito, nãofoi reeleito !
O Visconde de Goyanna, foi um dos muitos brazileiros
victimas da influencia portugueza, mas injustamente. Ou
em parte resentimentos hereditarios de pernambucano
avesso á influencia de portuguezes , na phrase do Sr. Dr.
Macedo, resentimentos que em Pernambuco datavam da
guerra civil chamada dos Mascates, em principios do seculo
XVIII, ou arrebatamentos e enthusiasmo patrioticos pela
causa da independencia da patria, Bernardo José da Gama
foi, desde 1822, tido em conta de exaltado ante - lusitano, e
em toda a sua vida o acompanhou essa prevenção injusta ,
com que no Brazil os portuguezes sempre o olharam . Era
falso juiso : Bernardo José da Gama não foi inimigo e per
seguidor de portuguezes ; foi enthusiasta da independen
cia do Brazil , e depois de proclamada esta , e fundado o
imperio , só se extremou em nobilissimo zelo nacional, re
pulsando toda e qualquer influencia estrangeira, e portanto
a influencia lusitana nos negocios politicos do imperio do
Brazil ; o seu typo era principalmente o espirito zeloso da
nacionalidade brazileira . Homem de honra , de energia, e
de franqueza talvez rude, mas nobre, o Visconde de Goy
anna foimais que tudo escrupuloso e exaltado campeão do
nacionalismo brazileiro .
Desgostoso das injustiças de que foi o alvo e vilipen
diado por todas as formas, e ralado de desgostos e atormen
tado de molestias , o Visconde de Goyanna resolveu reti
rar -se da vida publica, lançou mão do ultimo recurso que
The restava, e pediu a sua aposentadoria com as vantagens
que lhe tocavam por lei , mas negaram -nas todas . Instou,
secundou o seu pedido por mais duas vezes, e afinal foi la
222 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

vrado o Decreto de sua aposentadoria , não com o augmento


da reforma, mas com o pequeno vencimento do extincto
cargo de chanceller .
Em 1846, ainda o visconde de Goyanna tomou assento
na camara como supplente por esta provincia , apresentan
do então um projecto para a creação de uma universidade
no Brazil , acompanhado dos estatutos necessarios, o qual
foi approvado pela camara. Nomeado por Decreto de 14
de Novembro de 1846 , inspector geral da caixa de amorti
sação da corte, em cujo cargo serviu até 1849, foi então
nomeado por Decreto de 14 de Novembro director do Curso
Juridico de Olinda, hoje Faculdade de Direito do Recife, des
pacho este que lhe agradou assáz, porque o trazia a sua pro
vincia natal, á sua familia, e ao seio de uma mocidade espe
rançosa , cheia de vida e enthusiasmo.
Aggravando -se porem os seus padecimentos, sem mais
poderfrequentara Academia , o Visconde de Goyanna pediu
a siia aposentadoria , instou por mais duas vezes enviando
de novo igual pedido allegando mesmo, que, não con
vinha dar-se-lhe um ordenado por serviços que não po
dia prestar ; e quando llic chegou a sua tão almejada apo
sentadoria, e tantas vezes reclamada, poucas horas depois
expirava esse honrado e benemerito cidadão.
O Visconde de Goyanna falleceu no dia 3 de Agosto de
1854, contando setenta e dous annos de idade, e foi sepul
tado no cemiterio publico do Recife, onde descançam os
seus restos mortaes em tumulo privativo.

Bernardo Luiz Ferreira Portugal . Nasceu na cidade


então villa do Recife no ano de 1753 ; foram seus paes
José Lopes dos Santos e D. Eugenia Escolastica Joaquina.
Seguindo para Portugal, matriculou - se na universidade
de Coimbra, onde recebeu os gráos de doutor em canones
e em direito civil, e depois ordenou -se sacerdote. Em 1786
o Dr. Ferreira Portugal já havia concluido os seus estudos,
e se achava em Pernambuco exercendo a profissão de
advogado . Moco , talentoso e illustrado, esthusiasta dos
grandes commettimentos, patriota exaltado, aspirando ver
o seu paiz livre e independente do governo da metropole,
desde essa epocha começou a trabalhar com outros com
panheiros na obra da regeneração politica de sua patria .
Foi perseguido, e accusado pelo vigario geral do bispado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 223

como perturbador do socego publico, foi-lhe imposta a pena


de degredo para a capitania do Pará, por ordem regia de 18
de Novembro de 1795.
Assignando um termo perante o Juizo Ecclesiastico de
não voltar mais á esta capitania , sob pena de ser degredado
por toda a vida para Angola , foi removido do Aljube de
Olinda para a fortaleza do Brum ; mos representando o seu
commandante que ahi não havia prisão segura para se
conservar um preso de tanta ponderação, foi então recolhido
á fortaleza das Cinco Pontas, d'onde seguiu para o seu des
terro em Março de 1796 , indo para o Maranhão, e d'ahi
então seguiu para o Pará, e conseguindo não sem difficul
dades a sua liberdade, voltou emfim do ostracismo e reco
Theu - se a sua provincia .
Em 1802 obteve o Dr. Ferreira Portugal uma cadeira na
cathedral de Olinda , e aos 11 de Fevereiro de 1811 foi elevado
ao seu deado, em cujo caracter fez parte do governo do
bispado, na ausencia de D. Frei Antonio de S. José Bastos ;
e nesta posição o encontrou a epocha memoravel de 1817 ,
quando a 6 de Março rompeu a revolta.
Este dia memoravel, diz um escriptor, não podia ser
inesperado pelo principal ornamento das duas academias
do Cabo e Paraizo, e de todas as mais sociedades patrioticas;
e não faltou quem dicesse com muita probabilidade, que,
nellas depositára desde a sua chegada a Pernambuco, os
preciosos secretos da revolução abortada em Minas Geraes.
Seja como for, é certo que ninguem ostentou naquelle dia
tão ardente enthusiasmo, porque apenas rebentou em
Olinda o grito do Recife, corre ao seu palacio, abre as
portas, dá vivas a liberdade, abraça os primeiros mensa
geiros, offerece -lhes quanto possue, e logo á noite do dia 6
de Março, foi ao quartel general dos patriotas e arsenal
das armas e munições que existiam em Olinda . Abi foram
reunir -se nos dias seguintes todas as miliciase ordenanças
do Norte, que foram agazalhadas, mantidas e regaladas
pela generosa liberalidade do dono da casa . Foi somente
quando a patria ficou tranquilla pela capitulação, embarque
e partida do ex-generalCaetano Pinto ,que o Deáo licenciou
o exercito dos seus hospedes, accumulando - o de novas
generosidades, e dirigindo-lhes uma proclamação bem
digna de ser orignal nos fastos das nações livres.
o illustre deão da cathedral de Olinda Dr. Ferreira
Portugal, é uma das figuras mais salientes dessa quadra
historica de Pernambuco. A sua assiduapresenca nas ses
224 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

sões do inaugurado conselho d'estado, as suas discussões


e medidas propostas , a sua attitude, o seu patriotismo, os
seus votos pela consolidação da independencia da patria,
constituem -no um heroe, um patriota illustre e benemerito .
Adoptado o novo laço e bandeiras nacionaes da proclamada
republica, coube-lhe a honra de ministrar no acto da sua
consagração, acto este que teve logar com toda a pompa e
solemnidade no dia 2 de Abril de 1717, no campo da Honra ,
hoje das Princezas. Terminada a solemnidade, o Dr. Fer
reira Portugal dirige -se ao povo, alça um dos estandar
tes , e voltando -se para a tropa ergueu a sua voz eloquente
e pronuncia esta breve mas energica e patriotica allocução.
« In hoc signo vinces ! O nosso pae que está nos ceos ,
creou livres todos os homens ; o espirito das trevas in
troduziu gaz infernal na alma dos malvados: estes ligaram
os braços dos seus irmãos, armaram - se de azorrague, e
chamaram -se principes absolutos. Desde então , a creatura
não poude mais erguer as mãos ao firmamento para
supplicar o Creador, a sua face contristada abaixou -se á
terra, chorou ! O scellerado manifestou desde o principio a
reprovada sua origem , e abertamente provou que era filho
de Satanaz: reunindo a hypocrisia á iniquidade occultou
debaixo de uma coroa a marca de Caim , impressa sobre a
sua fronte, ungiu com o santo Chrisma os seus cabellos, e
disse : Eu venho da parte de Deus . Blasphemia ! O Senhor
fallou a Samuel: esta será a rasão do rei: se apoderará dos
vossosfilhos e filhas,dos vossoscampos, das vossaslavouras;
e accrescentou : um dia vós gritureis por causa do vosso
rei, e eu não vos ouvireiporque o tendes eleito. Os escravos
voluntarios pesam ao mundo e a Deus. Nós não elegeremos
princepes, nós os combateremos, os perseguiremos até que
entrem no inferno ,d'ondeoantigo inimigo do genero humano
o extrahiu. Se as provincias deste vasto continente vos
abandonarem , (o que o Omnipotente não permitta) será
inteira a vossa gloria ; inteira a infamia dos cobardes, que
vos abandonaram ; é quando nos inexcrutaveis arcanos
da Providencia , fosse decretado que succumbissemos, será
explendido o nosso sepulchro, porque ultimos cedemos,
porque sós ousamos resistir. In hoc signo rinces ! Do alto
gritou a voz a Constantino imperador, e lhe foi mostrada a
Cruz resplandecente nos céos como documento de victoria :
in hoc signo vinces ! Exclamo cu tambem apresentando -vos
este sacrosanto estandarte , e confiando - o nas vossas mãos :
segu - o ; elle voseonduzirá no caminho da honra , da inde
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 223

pendencia e da liberdade. Não vos excitarei a ser valorosos;


vós já o sois ; o mundo vos conhece. Duas cousas somente
vos recommendo- disciplina e união ; a disciplina é origem
dos grandes feitos ; a união é a fonte de todos bens , e o vehi
culo exclusivo da força dos estados . »
Terminado este succinto discurso, dirige-se o Dr.
Ferreira Portugal aos officiaes a quem tinham de ser con
fiados os estandartes , entrega -os, c pronuncia ainda estas
palavras : « Patriotas, escudados por estas bandeiras, não
tenhais medo nem dos escravos do Norte, nem dos sevan
dijas do Sul. Eu mesmo, se vos faltar chefe, eu serei a
vossa frente, tendo -me por mais feliz morrer com homens
livres, do que viver com vis escravos ! »
No intuito de fazer desaparecer do animo das almas
timidas a duvida da adhesão á causa proclamada, e mesmo
não estando em sua indole ver a marcha lenta e vagarosa
do pronunciamento a favor da independencia por toda a pro
vincia , compoz uma eloquente e patriotica pastoral dirigida
aos seus diocesanos, e obtendo as assignaturas dos seus
dous companheiros do governo do bispado, do qual rigo
rosamente fallando, na phrase de um escriptor contempo
raneo , era elle o unico governador, foi publicada a pastoral,
nella mostrou aos timoratos aferrados religiosamente ao
governo realista , que estavam desligados das primitivas
obrigações dos seus maiores e lançou mão de argumentos
taes, que produziu ella um effeito prodigioso, acima mesmo
de toda a espectativa .
Mas os pernambucanos achavam -se isolados; as outras
provincias compromettidas abandonaram a sua causa no
momento supremo, era forçoso ceder a lei da força , a
republica baqueou, a realeza foi proclamada, mas sobre os
cadaveres de victimas illustres, sagrados martyres no
altar da patria . Quando a capital cahiu em poder das tropas
invasoras, achava -se o Dr. Ferreira Portugal em Olinda, e
julgando -se ahi mal seguro, toma o caminho do Recife. Mas
quando seguia em direcção do Varadouro para embarcar,
é preso por um pelotão de marujos , conduzido ao Recife, é
carregado de ferros atirado ao porão do navio Carrasco,
o qualpoucos dias depois levantou ancoras em demanda
da Bahia .
No dia 10 de Junho entrou a illustre victima da tyrannia
nos carceres da cadeia da relação, e no dia seguinte com
pareceu perante a Commissão militar. Nella se apresentou
O venerando Deão com aquella arrogancia , diz o Padre
30
226 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Dias Martins, que é propria dos francos republicanos, e


com tanto sangue frio que percebeu rapidamente as vistas
benignas do conde presidente. Lembra -se no mesmo
instante de recorrer a coacção com que o constrangeram
a parecer rebelde no exterior, porém , quanto ao interior
fôra sempre realista, dando em provas documentos, e um
testamento feito no calor da revolução, e guardado no
convento de S. Francisco de Olinda, no qual se declarava
vassalo fiel do rei D. João VI , instituindo - o por herdeiro.
Este documento, sem duvida calculadamente escripto,
salvara o Dr. Ferreira Portugal da morte ignominiosa que
soffrera alguns de seus companheiros ; mas elle perma
neceu preso por quatro annos , e só obteve a sua liberdade
em 1821, quando por influencia da revolução do Porto,
foram os patriotasde Pernambuco declarados innocentes.
Livre das cadeias que o atormentaram por quatro
longos amos de prisão e martyrio , o Dr. Ferreira Portugal
não se deu pressa em voltar á patria querida, e demorou -se
na provincia da Bahia. Estava então travada a luta entre
o governo da regencia do Brazil, e as cortes constituintes
portuguezas, luta que apressou a declaração da nossa
emancipação politica. Todas as provincias estavam em
effervescencia , a idéa das liberdades patrias era o voto
universal dos brazileiros , e os patriotas de 1817 ainda com
as feridas mal saradas dos tormentos do carcere, fizeram-se
de novo conspiradores.
O Deão Dr. Ferreira Portugal permanecendo na Bahia,
não ficou inactivo, o mesmo fervor patriotico , o mesmo
interesse pela causa do Brazil , a mesma dedicação, tudo
isso ostentava o illustre patriota. A junta do governo sus
peitando da sua conducta , recebendo denuncias que vieram
reforçal-a, temeu do seu prestigio e influencia . Julga-o
implicado nas tramas patrioticas da independencia nacio
nal, intima -lhe despejo peremptorio, é obedecida; mas o
balanço já estava dado, diz um escriptor do tempo, e as
novas eleições distituindo todos os antigos membros do
governo, lhes mostrou com evidencia que andavam cegos
de orgulho, quando comparavam as suas curtas vistas
européas com a esphera e talento de um brazileiro nascido
para regenerar e immortalisar a sua patria.
Voltou então á Pernambuco o Dr. Ferreira Portugal , e
entrou no goso do seu beneficio ecclesiastico, e nas lides
da advogacia. A idéa da emancipação politica do seu paiz,
já havia sido consumada, os seus serviços em prol de sua
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 227

causa , o seu tributo de brazileiro já haviam sido pagos.


Agora era a administração do paiz , a sua elevação e engran
decimento, que reclamavam a attenção daquelles que tanto
haviam se empenhado e trabalhado na obra de sua eman
cipação ; e de novo revellou -se o Dr. Ferreira Portugal o
mesmo homem , o mesmo patriota.
Alem dos cargos inherentes ao seu caracter sacerdotal ,
taes como o de vigario geral do bispado , juiz dos casamen
tos , commissario do Santo Officio , coutros que já deixamos
mencionados, exerceu os cargos de procurador fiscal da
Thezouraria de Fasenda, o de conselheiro do governo, co
de vice-presidente da provincia, em cujo caracter assumiu
a sua administração de 4 de Setembro a 14 de Novembro
de 1832.
Cavalheiro professo na ordem de Christo pelos seus
serviços e merecimentos, o Deão Dr. Bernardo Luiz Ferreira
Portugal, não só pela sua illustração como pelo seu talento,
e pelos seus serviços e patriotismos, é um vulto distinctó
do primeiro reinado, notavel pela sua posição nas lutas da
independencia. Bem poucos dados podemos obter á accres
centar ao que relativamente a tão illustre patriota, registra
a historia comtemporanca ; mas o que fica dito, é sem
duvida por demais sufficiente á perpetuar a sua memoria, á
abrir -lhe as portas do templo dos benemeritos da patria .
Bernardo Vieira de Mello . Nasceu na freguezia de
Muribeca , na segunda metade do seculo XVII . Foram seus
pais o capitão de ordenanças Bernardo Vieira de Mello,
fidalgo cavalheiro da Casa Real , e sua consorte D. Maria
Camello de Mello, ambos naturaes da mesma freguezia .
Era neto paterno de Antonio Vieira de Mello, sargento
mór, cavalheiro fidalgo da Casa Real, naturalde Catanhede,
em Portugal , e de sua mulher D. Margarida Muniz , na
tural da ilha da Madeira ; e materno, de Belchior Alves Ca
mello, instituidor do Morgado das Alagoas , e D. Joanna
Bezerra .
Bernardo Vieira de Mello abraçou a carreira das armas ,
exerceu os postos de capitão de infantaria, tenente coronel
de ordenanças, capitão-mór de Iguarassú, por carta Regia
de 17 de Novembro de 1691 ; e passou a capitão -mór do
terço dos Palmares, por Carta Regia de 25 de Setembro
de 1709 .
Estabelecida a celebre republica dos Palmares, desde
os tempos da dominação hollandeza, ia tomando tacs pro
228 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

porções pelo seu augmento e fortificações, e pelo numero


crescente de sua população, a qual se elevou a mais de
20 :000 almas, que , as suas excursões e as suas rapinas
iam tomando tambem proporções assustadoras.
Os governadores destà capitania contentavam -se ape
nas em remetter pequenas porções de tropas para bater os
negros aquilombados em Palmares , mas nenhum resul
tado se obtinha .
Tomando conta da administração de Pernambuco Cae
tano de Mello e Castro, foi um dos seus primeiros cui
dados emprehender a destruição dos Palmares . Para esse
fim , formou um corpo de exercito de 3 :000 homens, com
gente voluntaria de todas as villas e povoações desta pro
vincia e de algumas companhias dos dous terços de infan
teria paga do Recife. « Nesta expedição , diz o historiador
Sebastião da Rocha Pita , figuravam muitas pessoas ricas
que voluntariamente quizeram ir , impellidas do proprio
valor e da vingança que esperavam tomar daquelles ini
migos, pelos damnos que lhes haviam causado . »
Bernardo Vieira de Mello residia então em sua fazenda
de Pindobas, em Ipojuca , na qual possuia um engenho
com esse mesmo nome, e constando-lhe essa resolução do
governador, partio para o Recife a frente de um grande nu
mero de homens armados, e offereceu -se para fazer parte
da expedição .
Acceitando o governador o seu offerecimento , nome
ou -o para chefe da expedição, e conferiu -lhe o posto de
capitão -mór. Elle era um homem nobre e valoroso , diz o
citado historiador, esperimentado na guerra dos negros ,
havendo logrado algum tempo antes o feliz successo do
um choque , em que degolou e captivou um grande troço
delles em uma das estancias em que estivera , para repri
mir as suas invasões ; causas pelas quacs Caetano de
Mello e Castro o elegeu para governar aquella empreza .
Preparada a expedição , partiu Bernardo Vieira de
Mello a sua frente, quando ao mesmo tempo partia de Ala
gôas, Penedo, S. Miguel e S. Luzia do Norte outras tropas
em numero de 1,500 homens, á se encorporar com as suas ,
e formando ao todo um corpo de exercito de mais de cinco
mil homens, marcharam sobre as fortificações exteriores
dos Palmares .
« Bernardo Vieira atacou a porta central , Domingos
Jorge a do lado direito, e Sebastião Dias a dó esquerdo;
outros officiaes foram encarregados de diversos pontos da
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 229

estacada , onde se puzeram escadas levadas por prevenção ;


mas quantos por ellas subiam , foram victimas do valor dos
negros, sendo rechaçados com armas , frechas e até com
agua fervendo. Os sitiantes, conhecendo que não podiam
escalar a estacada, recorreram ao governador de Pernam
buco pedindo -lhe ' mais soldados e artilharia , sem a qual
diziam ser impossivel poderem romper o intrincheira
mento ; e poucos dias depois da partidados seus correios,
lhes chegaram os viveres que tinham exigido das villas
de Alagoas, Penedo e S. Miguel ; mas os negros , a queni
já faltava a polvora, vendo de sua atalaia o consideravel
reforço que chegava aos sitiantes, desanimaram .
« Sebastião Dias a força de machado conseguiu abrir
a porta que lhe tocava , e acontecendo o mesmo a Bernardo
Vieira, aos quaes logo se uniu o paulista Domingos Jorge,
apezar da distancia em que se achava no seu ponto, todavia
pequena resistencia soffreram , porque o Zumbi e seus prin
cipaes companheiros, julgando infallivel a sua captura , sc
precipitaram corajosamente do alto da collina, preferindo
essa morte á escravidão ; e os outros, vendo -se entre o
pranto e excessivos clamores, foram levados a Pernam
buco, onde tirados os quintos pertencentes a fazenda pu
blica, se repartiram os restantes pelos chefes e soldados da
expedição , conforme as presas que fizeram quando entra
ram na fortificação, em a qual nada de precioso se achou,
súperabundando somente o armamento ; e os escravos de
quem se temiam que outra vez fugissem , e se rebellassem ,
foram distribuidos por outras provincias, ficando apenas
em Pernambuco as mulheres e crianças. »
Terminada a campanha, Bernardo Vieira de Mello vol
tou para as suas fazendas, havendo prestado valiosissimos
serviços, procedendo com tanto valor e distincção, que
mereceu justa e valiosa menção dos seus feitos por Sebas
tião da Rocha Pita , na sua Historia da America Portu
gueza . Elle foi então incumbido de uma expedição a Ara
robá , onde bateu os tapuias, fundou um arraial, e assistiu
por quatro annos, sustentando toda a gente que o acompa
nhava .
Alem das recompensas que o governo conferio a Ber
nardo Vieira de Mello, taes como o foro de Cavalheiro Fi
dalgo da Casa Real , e o posto de capitão -mór da villa de
Iguarassú, por tão assignalados serviços, confiou -lhe a
administração da capitania do Rio Grande do Norte, com o
230 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

titulo de Governador e Capitão-mór , por Carta Regia de 8


de Janeiro de 1695. Bernardo Vieira de Mello parte para o
Rio -Grande do Norte, toma posse do governo, e durante o
espaço que o dirigio , muito contribuiu para o seu augmento
e prosperidade. Dentre os serviços prestados a essa capi
tania, conseguiu subjugar os indios sublevados, que por
muito tempo lhe causou grandes males, pelas destruições
e damnos que faziam , fez augmentar as rendas da fazenda
real, e fundou o presidio do Assú .
Terminada a sua commissão em 1701 , voltou á Pernam
buco, e foi nomeado commandante do terço de linha do Re
cife. Bernardo Vieira de Mello já achava - se empossado do
seu novo cargo, quando chegou á Pernambuco Sebastião
de Castro e Caldas na qualidade de seu governador e ca
pitão -general , de cuja administração tomou posse a 9 de
Junho de 1707 .
Desde os fins do reinado de D. Pedro II de Portugal, os
mascates ou mercadores portuguezes estabelecidos no
Recife, selembraram de oelevar a categoria de villa, e trans
ferir para aqui a capital, como um meio de fazer decahir a
opulenta Olinda, onde dominava inteiramente a nobreza
pernambucana, que os excluia de todos os empregos e repre
sentação, plantando -se então o germem da discordia entre
brazileirose portuguezes . Os mascates lançam mão de todos
os meios a seu alcance para fazer triumphar a sua causa ,
corrompem , intrigam , accusam aos pernambucanos de
quererem dar o grito de independencia , de tudo finalmente
lançam mão . O governador Sebastião de Castro e Caldas,
portuguez , acerrimo e apaixonado partidario dos mascates,
tornou -se odiado dos pernambucanos, aos quaes tudo era
negado, até o sagrado direito da justiça ! Já cansados de
o soffrer, tentam contra a sua existencia, mas erram o
golpe, e elle foge para a Bahia . Estava , pois , plantada a
revolta, abria -scoimmenso livro dessa guerra, cujas paginas
foram escriptas pelos portuguezes com o sangue nobre e
generoso dos pernambucanos.
Dado o grito deguerra , Bernardo Vieira de Mello unio - se
com o seu terço aos patriotas, demule o pelourinho que se
havia levantado no Recife, já com a categoria de villa , e
marcha para Olinda onde o senado da Camara e a nobreza
deliberavam sobre a forma de governo a se adoptar. Ber
nardo Vieira de Mello toma parte no congresso, e propõe
queos pernambucanos dêem o grito de republica ad instar
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 231

dos venezianos, « cortando todas as difficuldades com a


pintura dos recursos que haviam , assim para resistirem ,
como para se retirarem em caso de desgraça, sem lhe es
quecerem os mesmos Palmares do recente Zumbi , de que
brevemente se havia de aproveitar ; concluio afinal, ser
melhor em caso de desgraça entregar -se aos polidos e guer
reiros francezes, do que servir aos grosseiros, malcreados
e ingratissimos Mascates. >>
A discussão durou longo tempo, diz o autor dos Mar
tyres Pernambucanos, mas a pluralidade aturdida com a
magnitude e audacia do projecto, e estremecendo das con
sequencias, decidio que se chamasse o bispo D. Manoel
Alvares da Costa , e se lhe entregasse o governo em nome
de El-Rei, e assim se fez. Assumindo o bispo o governo
da capitania aos 15 de Novembro de 1710, Bernardo Vieira
pela sua influencia e prestigio, e pela sua dedicação á causa
da patria , ficou sendo um dos sustentaculos da nova ordem
de cousas, porem mortalmente odiado pelos humilhados
Mascates, os quaes juraram a sua perda na primeira re
acção de vingança, a qual não se fez por muito tempo es
perar .
Rompe finalmente a revolta a 18 de Junho de 1711 , pela
1 hora da tarde. Prévenidos, sáem em grande numero
pelas ruas do Recife, gritando que os pernambucanos se
queriam rebellar, dando vivas a D. João V , e morras aos
traidores ! A este rumor, comparecem immediatamente o
bispo governador e o ouvidor geral, que em vão clamavam
aos amotinados, que lhes indicassem os traidores para os
punir .
Correm á casa de Bernardo Vieira de Mello, e elle igno
rando o que se passava , chega á janella e recebe dous tiros
que felizmente não lhe acertaram . Tentam invadil - a e o
o assassinar, mas contiveram-se com o apparecimento
do ouvidor Dr. José Ignacio de Aroche, que lhes bradou ,
que, o traidor cra seu preso, e que somente elle podia é
promettia punil -o, o que realmente fez, conduzindo- o preso
para a cadeia, d'onde depois foi transferido para a forta
leza das Cinco Pontas .
Continúa, pois, o imperio dos mascates. O ser per
nambucano, era para elles titulo bastante para toda a sorte
de perseguições e barbaridades. Depõem o governador, e
nomeiam para o substituir ao capitão João da Motta e ao
preto mestre de campo do terço dos henriques ; desrespei
232 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tam o venerando prelado, prendem -no, humilham -no, e


praticam sobre os vencidos o que ha de mais infame e de
mais atroz.
Neste interim , chega a esta provincia o governador
Felix José Machado de Mendonça Eça Castro e Vascon
cellos , e delegando os mascates os seus governadores,
elle lhes respondeu que entregassem o governo ao bispo,
legalmente constituido, de quem somente o receberia. ' D.
Manoel Alvares da Costa assume ao governo em 8 de Ou
tubro de 1711 , e foi um dos seu primeiros actos mandar sol
tar a Bernardo Vieira de Mello e aos seus companheiros,
victimas dos implacaveis e sanguinarios mascates .
Dous dias depois tomou posse da administração o novo
governador, e então começaram as perseguições e o mar
tyrio dos pernambucanos. Bernardo Vieira de Mello pre
vendo claramente que o horisonte politico ameaçava tol
dar -se pela parcialidade das novas autoridades, e conside
rando no fim que lhes aguardavam , propoz que se refugi
assem nos Palmares , onde mais facilmente podiam oppor
barreiras, e resistir á tyramnia dos mascates.
Porem não foi acceito o seu alvitre, e então deliberou elle
partir somente em companhia de seu filho o alferes André
Vieira de Mello . Alli chegando foi cordialmente recebido
por seu amigo Miguel de Godóes , o qual se poz á sua dispo
sição e efficazmente o coadjuvou na execução do plano que
pretendia realisar.
Emquanto Bernardo Vieira de Mello, envidava todos os
esforços para fazer triumphar a causa dos Pernambucanos,
abria -se à devassa no Recife, os seus irmãos cram insulta
dos, perseguidos e levados ao martyrio. Elle, pois , o mais
dedicado á causa da patria , e o mais odiado desse punhado
de illustres patriotas, não podia deixar tambem de ser uma
das victimas.
Foi , pois , Bernardo Vieira de Mello condemnado na
devassa pelo ouvidor João Marques Bacalhau, e sendo ao
mesmo tempo accusado por se haver evadido, foi pros
cripto , assim como seu filho e parentes, incorrendo na
mesma pena, todos quantos lhe dessem asvlo .
No dia 27 de Fevereiro de 1712, foi publicado no Recife
um bando no qual se declarava os nomes dos condemna
dos, e as penas em que haviam incorrido. Este bando não
só offerecia um premio a quem descobrisse certos pronun
ciados, como impunha a pena de inconfidente a quem os
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 233

asylasse. E entre esses, Bernardo Vieira de Mello , era um


dos comprehendidos, e reclamada pelos mascates ou a
sua pessoa, ou a sua cabeça .
Estas noticias, diz o autor dos Martyres Pernambu
canos, fizeram com que o nosso heróc estremecesse pela
primeira vez ; não por si , mas principalmente pelo seu ge
neroso amigo e companheiro, e chcio de generosidade per
nambucana, determinou ir-se offerecer aos tyramnos vic
tima voluntaria pela salvação dos innocentes.
Bernardo Vieira deMello parte dos Palmares, quando ao
mesmo tempo partiam do Recife tropas em diligencia para
o capturar, c dirigio -se para Porto Calvo, e procurando o
capitão-mór dessa villa, José de Barros Pimentel, se entre
gou á prisão, para que, como a primeira autoridade do lugar
désse conta ao governador, c do termo com que se sujeitava .
José de Baros Pimentel remette immediatamente Bernardo
Vieira de Mello para o Recife, sob a guarda de uma forte
escolta, e aqui chegou aos 20 de Março de 1712.
« E' incrivel o alvoroço, diz o padre Dias Martins, com
que os ferozes mascates, os barbaros governador e ouvidor,
receberam o terrivel Mello ! e muito mais incrivel a feroci
dade com que era pedida em altos gritos a sua morte de
forca ! Com effeito , dis !ou della uma linha, porque o go
vernador, persuadido de que uma junta de justiça presidida
por elle , poderia sentenciar e fazer executar nelle e nos ou
tros cumplices, a pena contra os réus de lesa -magestade,
fez convocar os ouvidores de Alagoas e Parahyba, para
com o de Pernambuco e juiz de Fora Carvalho, consuma
rem a tragedia ; porem juntos em primeira sessão de Julho
de 1712, estremeceram todos os juizes da responsabilidade
para com o Rei , e decidiram finalmente, que se esperasse
por insinuação régia. »
Bernardo Vieira de Mello ,apenas chegou ao Recife, foi
encerrado nos carceres dá fortaleza do Brum , e ahi perma
neceu até que concluida a syndicancia, foi novamente pro
nunciado, e remettido para Lisboa, com seu filho André
Vieira de Mello, emais nove companheiros. Ahi chegando,
foi recolhido á cadeia do Limoeiro, mas bem poucos dias de
vida lhe restavam . Doente e abatido, consumido de des
gostos, tormentos copprobrios, a luz daquella grande alma
foi pouco a pouco se amortecendo, até que esgotado o ulti
mo alento , apagou -se para sempre !
Bernardo Vieira de Mello, a unica consolação que en
controu no exilio , foi a terna companhia de seu idolatrado
31
234 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
filho, nos braços do qual exhalou o ultimo suspiro. E
assim obscuramente acabou esse illustre e benemerito per
nambucano longe da patria, por amor da patria .
« Bernardo Vieira de Mello, diz o padre Dias Martins,
foi um heróe talhado pela natureza para digno libertador da
patria , porem atravessado de malignas circumstancias,
cahiu victima arrastrando a patria , parentes e amigos, ao
mais doloroso , se bem que muito illustre martyrio . »
Que o sangue desses illustres martyres da liberdade,
que abundantemente regaram o sólo desta terra legendaria ,
possa fazer brotar e fructificar um dia a explendida arvore
da Liberdade !

Braz de Araujo Pessoa . Nasceu em Olinda no anno


de 1618. Era filho do capitão Antonio Martins Ribeiro
Pessoa , natural de Portugal, rico proprietario, senhor do
engenho Garça - torta em Alagoas, onde fundou a matriz de
Santa Luzia da Lagôa do Norte, hoje Maceió , e de sua
mulher D. Branca de Araujo, natural de Pernambuco, falle
cida em Olinda aos 10 de Janeiro de 1622.
Braz de Araujo Pessoa , era neto materno de Fernão
Velho de Araujo, natural de Ponte de Lima em Portugal,
senhor do engenho Garça -torta em Algoas , o qual herdára
sua mãe, e de sua mulher D. Francisca Paz, filha de Simão
Paz e sua mulher D. Leonor Rodrigues, ambos naturaes
de Leiria , em Portugal, e dos primeiros colonos que acom
panharam ao Donatario Duarte Coelho á esta Capitania.
() capitão Braz de Araujo Pessôa, é um dos heroes
da guerra hollandeza, cujo valor e patriotismo, conquista
ram -lhe tantos louros e renome, que a historia reverente
mente consagra -lhe um logar de honra no pantheon da
patria.
Abraçando a carreira militar, nobilissima carreira a
que antigamente se dedicava enthusiasticamente a moci
dade ávida de gloria e renome, assentou praça de soldado,
no começo da guerra hollandeza . Braz de Araujo Pessôa,
refere o autor da Nobiliarchia Pernambucana, contava
pouco mais de dose annos quando os hollandezes invadi
ram Pernambuco ; mas como era brioso procurou ter parte
na restauração de sua patria . Tinha sete annos de serviço
no de 1647, em que foi provido no posto de ajudante do terço
do mestre de campo Martim Soares Moreno por patente do
governador da guerra de 1 de Setembro do dito anno ; e
como o sell valor e applicação era igual a sua nobreza
DICCIOXARIO BIOGRAPHICO 235

passou com brevidade ao posto de ajudante do numero por


patente de mestre de campo general Francisco Barreto de
Menezes, de 23 de Abril de 1648 .
No campo da batalha, galgou Braz de Araujo Pessôa
os postos do exercito ; e vagando o commando da compa
nhia de infantaria , do terço do mestre de campo André Vi
dal de Negreiros, « c convindo provel- a em pessoa de valor,
pratica na disciplina militar, e de muita cxperiencia ná
guerra, foi elle nomeado para esse posto , por patente de
22 de Agosto de 1654, passada pelo Conde de Atoguia, gover
nador geral do Estado do Brazil, « em consideração ao bem
que todas estas qualidades concorrem na pessoa de Bras de
Araujo Pessoa , e a satisfação com que me consta haver
servido a S. Magestade de muitos annos a esta parte nas
guerras deste Estado, e em particular na daquclla campan
ha em praça de soldado, cilferes, e ajudante do numero do
mesmo terço que actualmente exerce, achando-se em muitas
occasiões de peleja , que se offereceram , e ultimamente na
dafelice restauraçãodo Recife, eprocedendo em todas com
muita opinião, por cujo respeito o propos o governador
mestre de campo general deste Estado Francisco Barreto,
esperando dello, que d'aqui por diante se haverá em rodus
as suas obrigações com a mesmapontualidade, e em tudo o
mais que lhe tocar muito conforme ao seu vencimento » ;
vencendo a tensa mensal de quarenta crusados ( 16 $000. )
Alem deste vencimento , obteve tambem o capitão Braz
de Araujo Pessôa , mais um escudo de vantagem sobre
outro qualquer soldo, por Provisão de 6 de Dezembro de
1654, passada pelo general Francisco Barreto de Menezes e
os mestres de campo João Fernandes Vieira e Francisco de
Figueiroa, occupando então o posto de ajudante do terço
que passára depois a commandar, « em attenção ao bem
que servira, valor e satisfação com que procedeu nas occa
siões da recuperação de Pernambuco. »
Em 1655 cmprehendeu Braz de Araujo Pessôa uma
viagem a Portugal, a tratar de negocios de summa impor
tancia, e requerendo a respectiva licença ao governador
desta capitania o general Barreto de Menezes, este l'ha
concedeu a 4 de Maio do mesmo anno , « tendo respeito i
justiça desta causa , e ao bem que tem servido o dito capitão
Bras de Araujo Pessoa a S. Magestade de muitos annos (1
esta parte nas guerras deste Estado do Brazil, e em parti
cular nas desta capitania de Pernambuco, e na recuperação
della . ;)
236 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Quando se procedeu a reforma geral das tropas que


haviam servido na guerra hollandeza, por disposição da
real ordem de 11 de Dezembro de 1663, Braz de Araujo
Pessoa solicitou a sua reforma, o que obteve por Alvará
do conde de Obidos, vice -rei do Estado do Brazil, em data
de 14 de Outubro de 1664.
Dessa data por diante, nada mais encontramos sobre
a vida do capitão Braz de Araujo Pessoa ; cremos que reti
rou -se á vida particular e recolheu -se á sua propriedade
de Paratibe, onde falleceu aos 24 de Fevereiro de 1698, na
idade de oitenta annos, e foi sepultado na igreja do con
vento de S. Francisco da cidade de Olinda . O capitão Braz
de Araujo Pessoa, foi cazado com D , Catharina Tavares da
Costa .

Caetano Francisco Lumachi de Mello . Nasceu na


freguezia de S. Frei Pedro Gonçalves do Recife aos 27 de
Novembro de 1773, e foram seus pacs Giacomo Lumachi,
Capitão de milicias, natural de Liorne e sua consorte D.
Maria da Conceição de Mello Barroso natural desta pro
vincia , e descendente de Antonio Feijó de Mello , illustre
capitão nas guerras da restauração de Pernambuco do do
minio hollandez.
Assentando praça ainda bem jovem , no 2.º regimento
da armada real de Lisboa, justificou cadete, mas deixando
depois a carreira militar, obteve por alvará de 31 de Ja
neiro de 1799 a mercê da serventia vitalicia de escrivão da
mesa grande da alfondega desta provincia, cargo que exer
ceu com intelligencia e probidade por espaço de 28 annos.
Obtendo baixa do exercito, Lumachi de Mello entrou
no exercicio do seu novo cargo, e mais tarde lhe foi con
ferida por patente regia a nomeação do posto de sargento
mór das ordenanças formadas na commenda de Trossos e
Rossos da sagrada religião de Malta, com licença illimi
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 237

tada para residir em Pernambuco, assim como o habito


de Santiago da Espada, em cuja ordem professou, e mais
tarde transmutou - se para a de Christo.
0 governador Luiz do Rego Barreto , informando cm
officio de 14 de Outubro de 1818 a sua pretenção relativa a
passagem que requeria, da Ordem de Santiago para a de
Christo , escreveu estas palavras : « Caetano Francisco Lu
machi de Mello é um dos empregados da alfandega desta
villa, que tem sempre gosado de uma reputação honrosa ;
serve ha muitos annos com exactidão e assiduidade, e já
teve a honra de servir a S. M. no extincto 2.º regimento da
armada real, e me consta que desde este tempo tem tido
sempre uma conducta irreprehensivel, pelo que me parece
muito digno da graça que implora. )
Mais tarde, o mesmo governador Luiz do Rego infor
mando uma outra sua pretenção, dizia , servir elle sempre
com muita distincção e com muito zelo . Lumachi de Mello
representa incontestavelmente o typo dofunccionario intel
ligente e honrado, e foi na phrase do Commendador An
tonio Joaquim de Mello, um cidadão reconhecidamente
homem de bem , e merecedor da geral estima e respeito , de
que inalteravelmente gosou ,
Lumachi de Mello não distinguiu -se somente como
funccionario ; homem intelligente , recebendo uma educa
ção cuidadosa e esmerada, possuindo um optimo cabedal
de illustração, o seu nome figura na lista dos escriptores
publicos desta provincia, que vem appensa á obra do Dr.
Francisco Soares Mariz – Historia Ecclesiastica Pernam
bucana ; mas dos seus escriptos , das suas lucubrações
litterarias, nem ao menos noticia podemos obter.
Em 1810 Lumachi de Mello publicou um opusculo em
Londres, relativo ao rendimento da alfándega desta pro
vincia em 1808, acompanhado de um mappa demonstra
tivo da sua importação e exportação , acto este que o fez
merecer severa censura do governador Caetano Pinto, por
ser inconveniente demonstrar -se aos estrangeiros, maxime
dos ingleses, o estado do nosso commercio, cos dúdos esta
tisticos relativos !
Dirigindo por trez annos a administração da nossa
alfandega, de 1822 a 1824, Lumachi de Mello publicou por
esse tempo um outro opusculo nesta provincia, documento
valioso á sua estatistica commercial, no qual vem minu
ciosamente demostrada a importação relativa á esse pe
238 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

riodo, o rendimento da alfandega , o numero de embarca


ções entradas e sahidas do porto do Recife, e outros dados
estatisticos não menos interessantes.
Ao deixar o cargo de inspector da alfandega, ou juiz
como se chamava então, logar este que interinamente
exerceu , Lumachi de Mello mereceu os mais justos e me
recidos louvores pelo modo porque se houve no desem
penho dessa missão , e d'entre os officios que então lhe
foram dirigidos , notam -se os dos consules da Grã-Bretanha,
da Suecia e Noruega, dos Estados -Unidos e da França ,
louvores estes que traduzem particularmente o seu merc
cimento , por serem tributados por competentes e insus
peitas autoridades ; e d'entre estas manifestações dirigi
das ao intelligente e honrado funccionario, seja-nos licito
transcrever o officio que lhe foi enviado porMr. Augusto
Mahalin , consul da França, datado de 24 de Novembro
de 1824 :
« O vivo e sincero sentimento, que tenho da noticia de
V.S. deixar o tão melindroso como importante emprego ,
que, no meio de todas as commoções politicas da provin
cia , no meio das mais difficeis circumstancias ; no de
curso de trez annos consecutivos, soube com tanta firmeza
e imparcialidade ; tanta integridade e acerto desempenhar;
faz que não possa deixar de dar ao menos a V. s . um
testemunho particular, não direi da minha gratidão, sim
de toda a minha nação : não pelos favores , mas pela jus
tiça com que sempre foi servido tão exacto, como bene
volo e justo, tratar os meus compatriotas.
« Cessou pelo momento a administração de V.S., mas
fica em nossa lembrança a memoria d'ella ; e se o meu
modo de vêr podesse se tornar um titulo para V. S. , não
hesitaria a lh'o dar publico , não cessarei de repetir á todos
a expressão da nossa commum gratidão .
« Passa a gratidão dos serviços, fica porem a lem
brança do bem que se tem feito. E' assim , que, entre
muitas outras cousas , a conta da importação e da expor
tação, ou o balanço do commercio nesta provincia que V.S.
talvez o primeiro neste imperio deu ao publico em mappas
tão uteis como satisfatorios e instructivos, é um exemplo
que V. S. deixa aquelles que hão de o seguir na difficil
estrada das suas laboriosas obrigações, e lhe merecerão
sempre a gratidão geral do governo, a quem mostrou os
verdadeiros recursos da provincia e do ponto á que podiam
elles chegar; do povo que fez sabedor da sua posição mer
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 239

cantil com as outras nações, e do meio de a melhorar,


dos estrangeiros emfim , a que deve a justa proporção do
seu respectivo commercio .
« Queira, Illm . Snr ., acceitar as homenagens da sin
cera estima e perfeita consideração com que preso me dizer,
de V.S. o attencioso venerador e criado, Augusto Mahelin ,
Este valioso documento,, franco e sincero pelas suas
expressões, e firmado por uma autoridade estrangeira deixa
bem traduzir o merito e os serviços daquelle à quem foi
dirigido .
Caetano Francisco Lumachi de Mello falleceu no anno
de 1827, contando 54 annos de idade , e a sua morte foi no
ticiada pelos jornaes desta provincia, com muitas expres
sões de sentimento , e bem merecidos elogios í sua con
ducta publica e vida particular. Militar na sua infancia ,
funccionario publico no decorrer da sua vida, por espaço
de 28 annos em que occupou um cargo elevado na admi
nistração da alfandega desta provincia , elevou -se no con
ceito publico pela regidez do seu carater, pela sua intelli
gencia e probidade, por seus serviços e dedicação. Homem
de merito , a posiçãomedia que occupou na sociedade, não
permittiu -lhe deixar mais solidos e elevados documentos
do seu merecimento, e os seus escriptos , que muito con
correriam para maior gloria e realce do seu nome, estes
mesmos desappareceram no pó do tempo .
Fique assim registrado o nome modesto de Caetano
Francisco Lumachi de Mello , como um homem de letras ,
e como um funccionario publico que fazia da sua profissão
um verdadeiro sacerdocio , e como um cidadão reconhe
cidamente homem de bem .

Caetano Maria Lopes Gama. ( Visconde deMaran


guape.) Nasceu na cidade do Recife em fios do seculo
passado ; foram seus paes o Dr. João Lopes Cardoso Ma
chado, e D. Anna Bernarda do Nascimento Gama, seus
avós paternos o capitão -mór José Lopes Cardoso e D.
Agueda Maria de Souza Machado, ambos portuguezes, e
maternos , o sargento-mór Pedro Fernandes Gama e D. The
reza Maria de Jesus , naturaes desta provincia , descenden
do pelo lado materno do fidalgo Ayres da Silva Coutinho ,
morgado de Azurara, e D. Margarida da Gama, filha de D.
Vasco da Gama, terceiro marquez de Niza .
Caetano Maria Lopes Gama encetou a sua educação
240 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

litteraria no mosteiro de S. Bento de Olinda, onde foi ad


mittido como noviço , no anno de 1805 , em observancia ao
Aviso Regio de 4 de Março daquelle anno , e, depois de ter
estudado alli o curso de humanidades, deixou os claustros
da ordem , atravessou o Atlantico , matriculou -se na univer
sidade de Coimbra , e em 1819 voltou á terra natal graduado
em direito .
Dedicando -se a carreira da magistratura foi juiz de
fóra da villa do Penedo, na provincia das Alagoas, por no
meação de 4 de Abril de 1821 , deixando porem este lugar
no anno seguinte para tomar conta da ouvidoria da mesma
provincia e comarca das Alagoas. Surgiram então os pri
meiros movimentos da independencia do Brazil, e abi re
percutindo, o jovem Lopes Gama arrojou-se á essa patrio
tica cruzada com tanto fervor e dedicação, tomou em todos
os seus movimentos parte tão activa , e tanto se distinguiu
entre os que mais trabalharam na obra grandiosa da nossa
emancipação politica , que, constituido o governo proviso
rio das Alagoas, em 1822 foi eleito seu presidente. Con
vocada a assemblea constituinte brazileira, a provincia das
Alagoas galardoou os serviços do illustre patriota elegen
do-o seu representante , em 1823, i aquella camara, cuja
manifestação, não menos honrosa do bom conceito em que
era tido entre os seus concidadãos, foi por elle correspon
dida dignamente .
No dia da coroação de D. Pedro I , foi agraciado com o
habito da imperial ordem do Cruzeiro. Dissolvida a as
sembléa constituinte, Caetano Maria Lopes Gama recebeu
a honrosa incumbencia da administração da provincia de
Goyaz, por Decreto de 25 de Novembro de 1823, e tomou
posse do governo a 14 de Setembro do anno seguinte,
dirigindo- a até 24 de Outubro de 1827, quando partiu para
o Rio de Janeiro á tomar assento na camara dos deputados
como um dos representantes de sua provincia natal. Na
administração da provincia de Goyaz, Lopes Gama dedi
cou - se á trabalhos notaveis sobre a navegação fluvial , es
pecialmente sobre a do rio Tocantins, assim como mere
ceram -lhe especial cuidado a catechese e civilisação dos
indios, ao mesmo tempo que regulava a administração do
governo e fundava o hospital de caridade de S. Pedro de
Alcantara, em cujo salão de honra se vè collocado o seu re
trato , ahi inaugurado depois da sua morte, como um tri
buto da mais justu e louvável gratidão.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 241

Nomeado desembargador da Relação de Pernambuco ,


em 1828, auditor geral da marinha no mesmo anno , e em
1829 desembargador da Relação da Bahia, com exercicio na
Casa da Supplicação, foi nesse mesmo anno nomeado pre
sidente do Rio Grande do Sul, por Decreto de 4de Setembro ,
e tomando posse da administração a 19 de Novembro, diri
giu - a até 11 de Julho de 1831. Intendente geral da policia da
corte em 1830, corregedor do crime no seguinte ejuiz con
servador dos inglezes em 1833, Caetano Maria Lopes Gama
foi em fim ministro aposentado do Supremo Tribunal de
Justiça, « havendo sempre gosado a mais bem fundada re
putação de juiz recto c integro . »
Era, porem , tão reconhecida a sua bella intelligencia e
o seu profundo civismo, diz um seu biographo, que nem o
monarcha, nem o povo, podiam deixar de aproveitar esse
illustre varão em altas funcções politicas e administrativas.
O nome de Lopes Gama tornou - se tão caro á provincia de
Goyaz, que em 1829 se apressou ella a elegel-o seu depu
tado á Assembléa Geral, pelo que houve elle de deixar a
provincia do Rio -Grande do Sul, de cuja presidencia se
achava então encarregado ; c trinta e quatro annos mais
tarde, ao chegar alli a triste nova do passamento do illustre
brazileiro, foram geraes a dôr e o luto, e não faltaram
honras funebres aquelle que a quasi sete lustros deixára
aquella nobre provincia. Semelhantes factos honram ao
povo de Goyaz e não menos ao habil administrador, cujo
talento e prudencia ninguem jamais poz em duvida, e que
na verdade tiveram alli o tempo necessario para se demons
trar em proveito do paiz.
Alagoas, Pernambuco e Goyaz, tinham -se disputado a
gloria de serem representadas por Lopes Gama na Camara
dos Deputados ; e em 1839 o Rio de Janeiro offerecer em
uma lista triplice para senador o nome dessedistincto varão,
que , escolhido por Carta Imperial de 19 de Abril do mesmo
anno, foi sentar- se entre os anciãos da patria.
Entrando nesse mesmo anno para o ministerio sendo
encarregado da pasta dos negocios estrangeiros, « soube
sustentar com vigorosa logica os direitos do Brazil na
questão do Oyapock, » em 1847 foi ministro da justiça, no
ministerio de 4 de Maio de 1857 occupou de novo a pasta
dos estrangeiros, memorando o seu nome notaveis tratados
e ajustes celebrados com a republica oriental do Uruguay
e com a confederação Argentina, e no gabinete de 30 de
242 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Maio de 1862 tomou parte ainda na alta administração do


Estado, sendo - lhe confiada pela segunda vez a pasta da
justiça, em cujo desempenho falleceu .
Nomeado presidente das Alag ôas por Carta Imperial
de 12 de Novembro de 1844, quando essa provincia atraves
sava a crise da revolução armada dos Lisos e Cabelludos,
que rompera na administração do seu antecessor Bernardo
de Souza Franco, Lopes Gama parte para o seu destino,
toma posse do governo a 9 de Dezembro, e entregando -ó
em Março do anno seguinte, coube-lhe a gloria de haver
onseguido a sua pacificação, restabelecendo a ordem pu
con
blica c o imperio da lei; cumprindo notar, que, partindo
para as Alagoas, recebera por ordem do governo a quantia
de 20 :0008000, que poderia dispender muito a seu arbitrio
na obra da pacificação da provincia, terminando a sua
missão e regressando ao Rio de Janeiro, recolheu aos cofres
publicos a quantia de 19:500 $000, dispendendo apenas 500 $
em uma diligencia importante e indispensavel. Distin
guido já pelos seus serviços em 1831, recebendo então a
carta de conselho, em 1841 agraciado com o officialato da
imperial ordem dá Rosa , e por Decreto de 5 de Fevereiro do
anno seguinte nomeado Conselheiro de Estado , a honrosa
incumbencia da pacificação das Alagoas, e os serviços que
então prestára conseguindo bom exito em sua missão , ti
veram condigna remuneração, e a 23 de Fevereiro de 1845 o
Imperador premiava esse serviço extraordinario, dando a
Lopes Gama a grande dignitaria da imperial ordem da
Rosa ; c mais tarde, por Decreto de 2 de Dezembro de 1854,
conferia - lhe o titulo honorifico de Visconde de Maranguape,
com as honras de grandeza.
Fazendo parte do ministerio de 30 de Maio de 1862, occu
pando a pasta da justiça, « o Visconde de Maranguape
pôde apenas acudir á voz do Imperador, que o honrava
com a sua confiança ; na mesma hora em que o novo mi
nisterio apresentava o seu programma a camara tempora
ria, o veterano da independencia , o velho patriota, o leal ,
honesto e infatigavel servidor do estado, cahia em uma das
salas contiguas ao recinto do parlamento atacado de uma
apoplexia, como um guerreiro no campo da batalha. »
Caetano Maria Lopes Gama, Viscondede Maranguape,
senador e grande do imperio, conselheiro de estado ordina
rio, fidalgo cavalheiro da casa imperial, grande dignitario
da imperial ordem da Rosa, commendador da de Christo ,
official da do Cruzeiro , gran -cruz da ordem de S. Januario
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 243

de Napoles e imperial ordem turca de Medjdié de primeira


classe, membro honorario da Academia de Archeologia da
Belgica , do Instituto historico e Sociedade Auxiliadora da
Industria Nacional, do Rio de Janeiro , c de outras associa
ções scientificas e litterarias nacionaes c estrangeiras, fal
leceu no Rio de Janeiro aos 21 de Junho de 1864, e foi sepul
tado no dia seguinte no cemiterio de S. João Baptista , com
todas as honras devidas aos altos cargos que occupava e
aos titulos honorificos que possuia .
Depois de ter subido ao mais alto gráu da magistratura,
depois de ter sido quatro vezes eleito deputado, quatro vezes
chamado ao ministerio , trez vezes ao governo de provin
cias, depois de ser senador do imperio e conselheiro de es
tado, o Visconde de Maranguape, na phrase do Sr. Dr. Joa
quim Manoel de Macedo, morreu sem deixar um inimigo.
Integro, severo no cumprimento dos deveres dos cargos e
empregos que occupou , era bom , ameno , e cheio de bene
volencia em suas relações particulares : nenhum amigo
mais fiel , nenhum coração mais dedicado. E ainda mais :
depois de ter fruido todas essas grandezas sociaes, depois
de ter subido tanto quanto póde um simples cidadão, o Vis
conde de Maranguape morreu pobre. Olençol da pobreza
é uma mortalha sublime quando cobreo cadaver dohomem
que foi um dos grandes do imperio. E assim passou á
posteridade o nome respeita vel e sympathico de Caetano
Maria Lopes Gama ; era um dos ultimos paladinos que nos
restavam da gloriosa phalange da independencia ; o baque
mortal de cada um desses nobres representantes da epocha
heroica, é sempre repetido em doloroso echo no coração
da patria agradecida .
Carlos Ferreira . Nasceu na segunda metade do se
culo XVII , e assentou praça de soldado a 19 de Dezembro
de 1677. Por occasião da guerra dos Palmares, em 1683,
Carlos Ferreira marchou como cabo de uma esquadra de
vanguarda , e foi incumbido de cercar e bater os negros
aquilombados pelas hostilidades que faziam aos morado
res de Porto Calvo e Alagoas , conseguindo desalojal- os da
posição fortificada que occupavam no oiteiro da Barriga.
Prestando mui valiosos serviços nessa expedição ,
assim como no arraial que se levatou no sitio de Mandahú,
foi depois nomeado cabo de uma força de vinte e cinco ho
mens para atacare se apossar de um sitio em que os negros
tinham uma roca, c , apesar de marchar até ahi apenas
244 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

com cinco por ter sido abandonado pelos outros em meio


caminho, sustentou briosamente uma luta desigual, em
numero , com os negros que guarneciam o dito silio , cujo
numero constava de quarenta, conseguindo vencel-os pela
superioridade das suas armas e valentia dos poucos sol
dados que o acompanharam .
No ataque da serra da Barriga , Carlos Ferreira foi um
dos primeiros assaltantes que conseguiram chegar ao por
tão da estacada, saltaram dentro , desalojaram os negros e
lançaram fogo em sua fortificação. Terminada a guerra
da republica dos Palmares, Carlos Ferreira fez parte da
expedição incumbida das obras de fortificação da Parahyba
Merim , onde esteve por espaço de cinco annos, e foi por
diversas vezes incumbido de descobrir o campo . Depois,
fez parte da expedição da serra do Jacaré no alto sertão
desta capitania , e recolhendo -se então ao Recife, foi incum
bido de outras commissões , entre ellas perigosas e difficeis
diligencias , para effectuar a prisão de criminosos, o que
satisfez com distincção e grande risco de vida .
Em 1694 embarcou com o soccorro de tropas que o
governador desta capitania Marquez do Monte Bello man
dou ao mestre de campo do terço dos Palmares, Domingos
Jorge Velho, e no seguinte tornou a embarcar em demanda
de uma balandra de piratas que infestavam a costa desta
capitania , seguindo logo em 1699 para o reino de Angola
commandando uma leva de soldados que daqui marchou
em soccorro daquella praça , servindo-os a sua custa , e
havendo-se quer na viagem como em tudo o mais, com zelo
e honrado procedimento.
Por taes serviços, pela sua dedicação e merecimento ,
Carlos Ferreira de simples soldado, foi subindo aos postos
de sargento, alferes, tenente e finalmente ao de capitão de
infantaria do terço da praça do Recife, por patente Regia
de 22 de Janeiro de 1700. Mais tarde, em 1710, quando
rompeu a guerra dos Mascates, Carlos Ferreira occupava
ainda o mesmo posto de capitão , e servia então no terço de
infantaria de linha da cidade de Olinda. Valente pernam
bucano, diz o Padre Dias Martins, leal e dedicadamente
seguiu a causa da patria e da nobreza nas suas querellas
contra os Mascates e o seu protector o governador Sebas
tião de Castro e Caldas, e no levante que fiscram em 18 de
Junho de 1711, foi elle a causa de muitos triumphos da
nobreza sobre os mesmos .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 245

Atacado inopinadamente o presidio da Bôa -Vista pelos


Mascates em 27 de Junho, conseguindo elles fazer alguns
prisioneiros, e derramando -se então geral pavor, foram
intrepida e corajosamente batidos por Carlos Ferreira.
Seguia elle do seu arraial para a cidade de Olinda, quando
em meio caminho ouve as descargas do combate , e imme
diatamente volta em soccorro dos seus companheiros; c
quando elles por um lado oppunham seria e heroica resis
tencia aos mascates, Carlos Ferreira por outro ataca-os
com tanta intrepidez e bizarria, que o inimigo collocado
entre dous fógos, retirou -se em vergonhosa debandada,
perdendo na acção sessenta homens. Carlos Ferreira , a
quem coube os louros da victoria, recebeu então a nomea
ção de commandante do arraial da Boa Vista, assim como
das estancias annexas de Olarias, Sacco e Conceição. Um
outro feito que immortalisou o nome de Carlos Ferreira,
teve logar a 9 de Agosto de 1711. Atacado o arraial de
Santo Amarinho nesse dia por uma força de quatrocentos
homens, e quando no fervor da peleja a victoria apresen
tava um aspectro duvidoso ás armas pernambucanas,
appareceu o intrepido Carlos Ferreira á frente de suas
tropas , accommette o inimigo e o obriga a deixar o campo
abrigando - se imediatamente sob as baterias da fortaleza
do Brum , com perda de varios mortos e feridos.
Por estas e outras proesas, diz o autor dos Martyres
Pernambucanos, bem merecia Carlos Ferreira, alem da
estima geral da nobreza , o amor e a admiração de seus
patricios,melhor premio da fortuna ; todavia, por occasião
da invasão dos tyrannos, foi dos primeiros punidos e
punido duas vezes. A primeira, e mais dolorosa para o
brio pernambucano, foi ver -se obrigado a demolir com os
seus bravos soldados as trincheiras da Bòa- Vista , monu
mento da sua gloria ; a segunda, ser pronunciado na
devassa do syndicante Cotia , preso e lançado nos carcercs
das Cinco Pontas.
A humilhação imposta a Carlos Ferreira para com os
seus soldados desmanchar a trincheira da Bòa - Vista , foi
um dos primeiros actos do parcial governador Felix Jose
Machado, logo que assumiu as redeas da administração da
capitania, lançando mão deum aleive, quando sò tinha por
fim ser agradavel aos Mascates e abater os brios dos
soldados pernambucanos.
A 14 de Janeiro de 1714, quando as prisões e persegui
ções estavam no seu auge , Carlos Ferreira cahiu nas mãos
246 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dos seus crueis inimigos, co remetteram para a fortaleza


das Cinco Pontas, onde iam parar todos os presos, por ser
esta prisão a mais rigorosa, estreita e abafada, sendo o
numero dos presos muito superior ás suas proporções,
mais ahi recolhidos afim de que assim , uns aos outros ser
vissem de aperto e de tormento .
Notificado para embarcar, em um dos navios da frota
que estava á partir em viagem para Portugal , Carlos
Ferreira seguiu para bordo acompanhado de muitos outros
companheiros de martyrio e infortunio , todos em grilhões
feitos á molde de tormento, porque não tinham mais de
um palmo para impedir o andar, sendo o ferro quadrado
e farpado para ferir, e os élos tão justos que fasiam
inchar as pernas. Chegando porem antes de partir a frota
um navio de Portugal trazendo o decreto de perdão aos
compromettidos na revolta , Carlos Ferreira obteve a sua
liberdade, e entrou na posse dos seus bens, fóros e regalias.
Sem mais outros dados sobre a vida e feitos de tão
illustre e benemerito patriota, o que deixamos consignado
constitue sem duvida titulos de illustração e benemerencia ,
e um nome honroso aquelle que tão briosa e heroicamente
os praticou .
D. Frei Carlos de S. José e Souza . Nasceu na cidade
do Recife, aos 4 de Novembro de 1777, foram seus proge
nitores Carlos José de Souza e D. Maria Machado Freire .
Frei Carlos fora destinado por seus pais á carreira das
armas ; e quando apenas tinha concluído o seu curso de
rhetorica e latim , elles o coagiram a assentar praça no
exercito. Mas a sua nenhuma vocação para essa carreira ,
o seu ardente desejo de pertencer a uma outra milicia , a
milicia de Deus, triumpharam por fim , e seus pais acce
deram em dar o seu consentimento a que elle abraçasse
a vida sacerdotal .
Aos 4 de Dezembro de 1797, entrou o jovem Carlos nos
claustros da Ordem Carmelitana, no convento do Recife , c
vestio o habito do seu instituto ; e depois de haver termi
nado o seu curso, feito não só neste convento , como no
Seminario Episcopal de Olinda, recebeu ordens sacras e
cantou a sua primeira missa na igreja do mesmo con
vento . Entre as sciencias a que mais se dedicou Frei Carlos,
nota va -se a geometria, a philosophia e a historia natural;
e nesta tanto se aperfeiçoou e tão insigne se tornou , que
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 247

não duvidou responder conclusões publicas na igreja da


Congregação da Madre de Deus, merecendo grandes ap
plausos, justos e merecidos louvores .
Dotado de vigoroso talento e de illustração não vulgar,
foi-lhe incumbida em seu convento a regencia da cadeira
de philosophia e depois a de theologia moral.Que profundos
conhecimentos não mostrou o padre Frei Carlos, diz um
seu contemporaneo , que erudição não apresentou aos seus
discipulos, não só religiosos, como seculares ! Que immen
sidade de pessoas não beberam delle as maximas philoso
phicas e geometricas !
Na sua ordem , occupou Frei Carlos os cargos de mais
confiança e importancia, justa, merecida e honrosa dis
tincção conferida por seus irmãos, como homenagem ás
suas virtudes e sabedoria . Frei Carlos conquistara taes
triumphos, adquirira tanta fama pelos seus meritos scien
tificos, que tornara-se grande de mais para o pequeno e
limitado espaço dos claustros . Bem como o perfume das
flores denunciam da sua existencia, ainda que occultas ,
assim resplandecian os meritos e as virtudes de Frei Car
los , por sobre a sua excessiva modestia e retrahimento.
Quando o Nuncio Apostolico Arcebispo de Nissibi teve
de nomear um visitador da Ordem do Carmo, em Pernam
buco , Frei Carlos foi um dos religiosos indicados como na
altura de bem desempenhar tão importante cargo e me
receu as honras da nomeação por Breve de 6 de Novembro
de 1809. A sua intelligencia e inteireza no desempenho deste
arduo emprego ainda mais saliente tornaram o quilate do
seu merecimento , e tanto que por diversas vezes mereceu
elogios daquelle arcebispo, que não era prodigo em te
cel -os.
Frei Carlos foi tambem um orador distincto, e por mui
tas vezes occupou a tribuna sagrada , e em que se distin
guiu como um dos principaes oradores do seu tempo , elo
quente e arrebatador, por sua expressão suave e fluida,
fervida e brilhante ao mesmo tempo, que a si mesmo infla
mava , c ao auditorio , que admirado o ouvia . Ainda se lem
bram os seus contemporaneos, diz um seu biographo, da
mysticidade e uncção de seus sermões quaresmaes, em quc
sabia tão bem casar a colera de um Deus justiceiro com
a bondade de un pai misericordioso ; c ainda se não es
queceram de seus arroubos, quando tecia o panegyrico de
sua excelsa padroeira a Virgem do Carmelo, em cuja occa
sião, nadando -lhe os olhos em lagrimas, com a voz tre
248 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mula co corpo agitado pelo enthusiasmo, enchia de firme


crença ao seu auditorio, que extasiava com a narração
das sublimes qualidades da Măi de Deus e dos homens.
Então era a sua linguagem , de ordinario, pausada e macia ,
fluida, fervida e brilhante , o seu accento imponente , o seu
todo insinuante.
Quando em principios de 1832, D. João da Purificação
Marques Perdigão, bispo eleito desta diocese, seguio para
o Rio de Janeiro afim de receber a sua sagração episcopal,
Frei Carlos foi um dos trez sacerdotes escolhidos por esse
prelado, para em sua ausencia reger a diocese de Olinda,
em cujo governo com os seus dous collegas os padres Do
mingos Affonso Germano Regueira e Francisco José Ta
vares da Gama, se conservou até o anno seguinte, quando
voltou o bispo D. João .
Frei Carlos não só gozou de consideração e honrosas
distinções por parte dos seus prelados, como tambem do
governo. Elle occupou com disvelo e sabedoria o cargo de
directer do Collegio dos Orphàos de Olinda , para o qual
foi nomeado a 2 de Abril de 1835 e na reforma que fez o go
verno no plano dos estatutos do Lyceu do Recife no anno
de 1841, foi incumbido da regencia da cadeira de philoso
phia, e depois, em 1843, passou a assumir a direcção desse
mesmo estabelecimento . Frei Carlos tambem exerceu o
cargo de examinador synodal do bispado, cargo de grande
importancia pelos conhecimentos e illustração que requer
da pessoa que o desempenha, sobretudo em theologia,
sciencia em que elle era versadissimo.
Eis , pois, o sacerdote virtuoso c exemplar, o sabio pre
ceptor da mocidade, o orador cheio de eloquencia e inspi
ração, o theologo e philosopho profundo, que, vagando a
diocese do Maranhão pela morte do seu prelado D.Marcos
Antonio de Souza , mereceu do governo imperial a honrosa
distincção de ser apresentado ao Summo Pontifice para
bispo daquella diocese. o Diario de Pernambuco dando
noticia da apresentação de Frei Carlos para bispo do Mara
nhão, disse o seguinte em artigo edictorial:
« O Rvd . Snr. Frei Carlos de S. José, digno irmão do
Exm . e Rvm . Bispo de Chrysopolis, é um dos ornamentos
da Ordem dos Carmelistas do Brazil e occupa um lugar
mui distincto entre os ecclesiasticos de todo o imperio :
elle honra esta ditosa provincia que o vio nascer e tem
testemunhado a brandura de coração e a prudencia com
que este illustrado ministro da religião se fonte tanto no
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 249

governo interino do bispado, como na direcção do Collegio


dos Orphãos, onde plantou a economia , a instrucção , a
ordem e a obediencia, sem faltar aos infelizes educandos
com os desvellos de um carinhoso.pai. Por consultar ao
bem de sua saúde viu -se obrigado a deixar aquelle esta
belecimento , acceitando a cadeira de logica do Lyceu desta
cidade : seus talentos e virtudes o chamaram ao lugar de
director do mesmo Lyceu , que teve de sentir tão depressa
a sua falta . O governo de S. M. o Imperador não podia dar
á igreja maranhense um prelado mais digno. O bem de
que ella vai gozar, indemnisará a provincia de Pernambuco
da ausencia deste ancião venerando , que tão bons serviços
lhe prestava . »
A eleição de Frei Carlos para bispo da diocese de S.
Luiz do Maranhão, foi unanimemente saudada e applau
dida por todos que o conheciam e que sabiam apreciar os
seus mcritos, o seu talento e illustração, e as suas emi
nentes virtudes e qualidades. Eleito por Decreto Imperial
de 13 de Maio de 1843, apresentado por Carta de 3 de Ou
tubro do mesmo anno e proclamado em Consistorio de 22
de Janeiro de 1844, foi dous dias depois confirmado por
Bulla do Summo Pontifice Gregorio XVI .
Placitadas as Bullas de sua confirmação por acto do
governo Imperial de 16 de Março de 1844, recebeu D. Frei
Carlos o oleo santo da sua sagração episcopal,ministrado
pelo bispo desta diocese D. João da Purificação Marques
Perdigão e assistido pelo bispo resignatario D. Thomaz de
Noronha e por Frei João de Santa Isabel Pavão, provincial
da sua ordem , aos 2 de Junho de 1844, na igreja do con
vento de Nossa Senhora do Carmo do Recife . Foi esse acto
solemnissimo, não só pela pompa do seu ceremonial e
pelas galas que ostentava o templo , como tambem por ser
o primeiro e unico até esta data , que testemunhou os ha
bitantes desta capital.
Partindo de Pernambuco com destino a sua diocese
aos 19 de Junho de 1844, aportou ás plagas maranhenses
no dia 25 do mesmo, e trez dias depois fez a sua entrada
solemne na cidade episcopal de S. Luiz, tomou posse do
governo do sua diocese e no fim deste acto concedeu 40
dias de indulgencia . Bem curto , porém , foi o governo de
D. Frei Carlos na igreja do Maranhão. Apenas por 3 annos
recebeu o seu rebanho a direcção espiritual de tão cari
nhoso e sabio pastor. « Mas, se curta foi a sua estada no
33
250 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

meio do rebanho, diz o padre Peixoto de Alencar, grandes


foram os bens espirituaes que lhes deixou pelo exemplo
edificante de suas virtudes e desuas lettras . »
Conta - se, não sei com que fundamento, diz o mesmo
padre, um facto ácerca deste prelado, que, a ser exacto ,
mostra bem a delicadeza de sua consciencia. Correu, que
elle, não sei porque equivoco, ordenara a um religioso de
Pernambuco, talvez do seu mesmo convento , faltando al
guma das formalidades exigidas pelos canones, o que
reconhecendo elle depois do acto da ordenação, deu -se
immediatamente por suspenso, e assim permaneceu por
tempo de 1 anno . Seja ou não verdadeiro o facto , a ver
dade é, que elle por algum tempo não se quiz prestar a
ordenar os diocesanos de outros bispados, que iam com
demissorias para elle , e que eram então ordenados pelo
bispo resignatario , D. FreiJoaquim , Conde de Arganil, que
alli já se achava desde o tempo de D. Marcos .
Velho e alquebrado, curvado ao peso de gravissima
molestia, o illustre e venerando septuagenario volta áos
patrios lares , a recobrar as perdidas forçasem clima mais
accommodado aos seus males, e deixa para sempre a sua
diocese, o seu querido rebanho. Obtendo a necessaria li
cença do governo, por 6 mezes, parte D. Frei Carlos do
Maranhão, e aos 23 de Julho de 1847 aporta á cidade do Re
cife e recolhe-se ao seu convento . E os seus males cada vez
mais se agravando, a morte o sorprehende, e elle exhala
o derradeiro suspiro aos 3 de Abril de 1850. Os seus irmãos
religiosos fizeram -lhe as suas solemnidades funebres, e
no dia seguinte inhumaram os sens restos mortaes em
uma sepultura na parede da capella -mór da igreja do con
vento do Carmo do Recife , no lado do Evangelho, sobre a
qual collocou em 1864 o Rvm . Provincial D. Frei Jorge de
Sant'Anna Locio, uma pedra de fino marmore, corôada por
uma mitra, onde também se ostenta o baculo e a cruz pas
toral, na qual se gravou esta inscripção :
Aqui jas
D. Frei Carlos de S. José e Souza
Religioso Carmelita deste convento
E depois bispo da diocese do Maranhão
Nasceu a 4 de Novembro de 1777
Falleceut ( 3 de Abril de 1850 .
Mandado prigir por seus irmãos religiosos.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 251

D. Frei Carlos de S. José e Souza, morreu aos 73 annos


de idade, dos quaes 47 se passaram em vida religiosa e 6
no episcopado . A sua livraria, 4 :000 $ 000 de rs., e mais
objectos, legou ao Seminario Episcopalde S. Luiz ; 300 $ 000
rs ., e o producto dos moveis e roupas do seu uso , para os
pobres da sua diocese ; e ao convento do Carmo do Recife,
além da quantia de 1 :000$ 000 de rs ., legou a sua cruz pas
toral , para que nos dias da festividade de S. Elias lhe ser
visse de ornato . Na vida desse illustre e virtuoso prelado,
deram - se coincidencias bem singulares relativas ao seu
convento do Recife . Na capella -mór da sua igreja, tomou
o habito de religioso ; nella professou ; nella cantou a sua
primeiramissa ;nella sesagrou bispo ; nella conferio ordens
de Presbytero ; e nella finalmente foram sepultados os
seus restos mortaes !

D. Diogo Pinheiro Camarão. Nasceu no primeiro


eruartel do seculo XVII . Era filho de Francisco Pinheiro
Camarão e sobrinho do magnanimo neróe D. Antonio f'e
lippe Camarão , tão celebre nos annaes da guerra hollan
deza .
D. Diogo Pinheiro Camarão , pertencia a raça indiana,
e seguiu a carreira militar, e como seu tio, foi um cabo de
grande merecimento e distincção. A guerra da restaura
ção desta provincia do dominio batavo foi o theatro do seu
heroismo e das suas façanhas, pelas quaes galgou todos
os postos até o de capitão-mór governador dos indios .
Os serviços prestados por D. Diogo Pinheiro Camarão
acham - se consignados na Carta Régia de 22 de Junho de
1672, сm attenção aos quaes confirmou El-Rei a patente de
seu filho D. Sebastião Pinheiro Camarão, pela qual vê -se,
que, tomara elle parte na guerra hollandeza « eparticular
mente na briga do Rio S. Francisco, e tomada da força em
que o inimigo estava retendo, afóra outras que ajudou a
render ; nas entradas que se fizeram pelo sertão, é assalto
252 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

do districto da Parahyba ; e nas duas batalhas dos Guara


rapes se assignalou de maneira a ser dos que primeiro in
vesturam , que foiaccrescentado ( 10 posto de capitão -mór do
terço ; e se achou outro sim na recuperação das Fortalezas
do Recife, fazendo juntamentemuitas entradas na campan
ha do Rio -Grande, em que teve rarios recontros com o ini
migo, procedendo com tanto valor, que na occasiūo em que
se recuperou Pernambuco se lhe fez mercê de uma commenda
de lote de 60 $. »
E aquelle que tantos serviços prestára, como reconhe
cia o proprio monarcha, e que conquistára o glorioso nome
de heróe nos campos da batalha, via -se pouco tempo depois
do acabamento da guerra sem meios de subsistencia !
Em 1661, requereu D. Diogo e o seu tenente Antonio
Pessoa ao governador e capitão-general desta capitania,
Francisco de Brito Freire , que, como pai e supremo senhor
os favorecesse,pondo os olhos nos serviços que elles tinham
feito a S. Magestade, visto estarem passando algumas mi
serias, á falta de cabedal, e para remediarem de vestir as
suas mulheres e filhos, lhes pédia mandar -lhes livrar o que
fosse servido para os remediarem . Eis como se remune
rava os heróes da guerra hollandeza, que acabavam de doar
a Portugal a mais rica e importante joia que fugurou em
sua corða !
Henrique Dias morreu na miscria e o seu enterro fói
feito por esmola á custa da fazenda real ! Aos officiaes e
soldados não pagavam os seus soldos, e a alguns que im
pertinentemente requeriam os seus pagamentos, recebiam
não cm dinheiro , mas em fazendas, e isto mesmo não cor
respondia ao que se lhes devia ! Vejamos , porem , o des
pacho que á petição de D. Diogo deu o governador Brito
Freire em data de 23 de Maio de 1661 : « Convindo ao ser
viço de S. Magestade conservar os indios que tem o capi
tão-mòr D. Diogo, para cujo effeito é necessario fazer -lhe
os favores possiveis, como tambem para que dê os indios
que bastarem para formar uma aldeia no districto da villa
de Serinhaem , para opposição dos negros levantados, que
continuamente salteiam aquelles moradores, foi ordenado
que se dê ao dito capitão -mòr 100 cruzados em fazendas,
ao seu tenente 60 cruzados e ao ajudante do tenente 25 cru
zados, por conta de seus soldos. »»
Em 1648 , por morte de seu tio D. Antonio Felippe Ca
marão, foi D. Diogo promovido do posto de sargento -mór
ao de capitão-mór commandante do terço dos indios. O
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 253

capitão-mór D. Diogo Pinheiro Camarão, gozava pelos seus


merecimentos, de grande nomeada e confiança do monar
cha ; e foi assim que elle em carta de 21 de Julho de 1672
recommendou ao governador geral do Brazil que orde
nasse ao governador de Pernambuco que não propozesse
para as aldeias official algum , sem que precedesse primeiro
informação de D. Diogo. Tal foi em largos traços a vida
desse heróe que tanto illustrou com o seu valor e patrio
tismo o nome dessa provincia que lhe dera o berço . A his
toria celebra os seus feitos guerreiros e tece a corôa das
suas glorias, e perpetúa a memoria do seu nome em seus
annaes. D. Antonio Felippe Camarão teve em seu sobrinho
o capitão -mór D. Diogo Pinheiro Camarão, um digno suc
cessor e tão illustre quanto elle . D. Diogo Pinheiro Cama
rão falleceu no anno de 1677 .

Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira,


Barão de Cimbres. Nasceu na villa hoje cidade do Reci
fe aos 3 de Novembro de 1788, sendo seus progenitores
José Estevão de Aguiar, natural de Lisboa, e D.Maria do
Sacramento Pires Ferreira, natural desta provincia.
Tendo por primeiro preceptor seu proprio pae, que
exercia a profissão de negociante na praça do Recife, Do
mingos Malaquias aprendeu com elle o portuguez, e já aos
10 annos de idade sabia ler, escrever e contar corrente
mente, de tal sorte que então o ajudava escrevendo nos li
vros de sua casa commercial. · Attingindo, porém , a idade
de principiar os seus estudos secundarios, entrou no Se
minario Episcopal de Olinda a 4 de Fevereiro de 1804, e no
decurso de trez annos em que frequentou esse estabeleci
mento litterario , obteve instrucção solida e variada, estu
dando o francez, grego e latim , rhetorica, philosophia e
geometria , dezenho e musica.
Terminando em 1807 o tirocinio de sua carreira litte
raria, Domingos Malaquias seguiu para Portugal, e matri
culou -se na faculdade de mathematicas da universidade de
Coimbra. Coincidindo porém , a epocha dos seus estudos
academicos com a invasão franceza em Portugal, e fechan
do- se por esse motivo a universidade, Domingos Mala
quias que então cursava o segundo anno vê - se forçado a
interromper os seus estudos e a voltar para Pernambuco.
Não obstante esta difficuldade, elle não desanimou , e em
1811 tomava de novo o rumo da Europa á continuar o seu
curso mathematico na Inglaterra ; porém ahi encontrou
254 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

um obice ainda mais insupportavel---differença de religião.


E assim , não podendo matricular - se em nenhuma das uni
versidades da Inglaterra, regressa a esta provincia, e pou
co tempo depois da sua chegada é incumbido pelo gover
nador Caetano Pinto de Miranda Monte Negro de impor
tante trabalho, em cuja commissão se occupou por alguns
mezes na secretaria do governo, negando -se a receber a re
muneração que lhe fóra offerecida .
Descontente pelas insuperaveis difficuldades que en
controu no caminho de sua vida academica , Domingos Ma
laquias dedicou-se a vida agricola, e foi trabalhar de lavra
dor nas terras do engenho Macahú, porém recebendo em
1816 a nomeação de adjunto do administrador da estiva da
alfandega desta provincia, cargo este que exercia seu tio
materno o Dr. João de Deus Pires Ferreira, deixou a char
rua de lavrador, e veio tomar conta do cargo que lhe fóra
confiado. Rebentando no anno seguinte a revolução de 6
de Março, Domingos Malaquias adheriu a sua causa, e no
meado secretario e interprete da legação ou embaixada
mandada aos Estados Unidos á entabolar negociações e
comprar armamentos, elle abandonou o seu logar, c reti
rou -se para America. Ahi deinorando - se um anno , via
jando e instruindo -se, e não podendo voltar á Pernambuco
em virtude da perseguição votada aos patriotas compro
mettidos na revolução, partiu para a Inglaterra, e depois
seguiu para a França , onde fez o curso de sciencias natu
raes no Collegio de França e no Jardim das Plantas.
Em 1820 já Domingos Malaquias estava de volta em
Pernambuco , e recebeu então por consorte a sua prima D.
Joaquina Angelina Pires Ferreira, filha de seu tio o Dr. João
de Deus Pires Ferreira . Decretadas as cortes constituin
tes de Portugal , e procedendo -se a eleição dos deputados
por esta provincia no dia 7 de Maio de 1821 , Domingos
Malaquias foi um dos que recebeu a significativa honra de
tão alta missão, tendo já recebido outra não menos impor
tante, qual a de eleitor pelo circulo do Recife, na respecti
va eleição celebrada em 31 de Abril do mesmo anno . Se
guindo para Portugal com os seus companheiros de depu
tação, Domingos Malaquias tomou assento no congresso
de Lisboa , d'onde voltou em 1823 com a consciencia de não
ter poupado esforços para bem desempenhar o honroso
mandato que lhe fòra conferido, encontrando então a sua
patria constituida em nação independente, e livre da tutela
de Portugal.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 255

Dando-se uma nova organisação administrativa ás pro


vincias do constituido imperio , Domingos Malaquias foi
incumbido da presidencia das Alagôas por Decreto de 25
de Novembro de 1823, cargo que não acceitou , e nomeado
no anno seguinte inspector da Alfandega desta provincia,
cujo cargo passou a exercer, deixando - o pouco depois ,
e seguiu para o Rio de Janeiro na qualidade dedeputado a
assembléa geral legislativa, em cuja camara, a integridade
de caracter, prudencia e tino politico predominaram no
distincto parlamentar. Nomeado por portaria de 11 de Abril
de 1837 director do troco do papel moeda pelas notas do
nosso padrão, emprego este, que requeria illibada cons
ciencia , fidelidade e prudencia na pessoa que o exercesse,
Domingos Malaquias, possuindo todos estes requisitos e ó
exercendo sem remuneração alguma, « portou -se de um
modo condigno com o alto apreço que delle se fazia, sahin
do airoso e limpo de um tão espinhoso emprego, cujas
funcções foram prognosticadas como causa de muitos tro
peços e deslustre. »
Nomeado por duas vezes vice -presidente desta pro
vincia , a primeira em 7 de Janeiro de 1842, em quarto lo
gar, a segunda por Carta Imperial de 2 de Junho de 1848,
em primeiro, por duas vezes tambem exonerou -se desse
cargo ; em 28 de Junho de 1847 e em 1855 ; e durante esse
periodo, teve occasião de dirigir a administração da pro
vincia por uma vez , servindo de 17 de Junho a 15 de Julho
de 1848, « e nesta occasião empenhou -se para não decahir
do alto pedestal a que o tinham elevado sua illibada conduc
ta e reconhecido merito. Se tropeçou , foi involuntariamen
te e arrastado por circumstancias imperiosas, que não es
tavam em seu poder adivinhal-as. » Foi na sua curta ad
ministração que se deu o lamentavel acontecimento da rua
da Praia ,hoje Pedro Affonso, nos dias 26 e 27 de Junho de
1848, motivado pelo ferimento de um estudante do Lyceo
Pernambucano, feito por um portuguez morador naquella
mesma rua , cujo facto deu logar aos conflictos e desordens
desses dias, em cuja situação, a attitude e prudencia de
Domingos Malaquias , as suas ordens e providencias, con
seguiram o restabelecimento da ordem e tranquillidade
publicas ; e ao deixar a presidencia, a Associação Com
mercial dirigiu -lhe um honroso officio de agradecimento e
felicitação, pela sabia e prudente maneira com que se por
tou em tal situação.
Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira mere
256 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ceu pelos seus serviços e elevado merecimento, inequivo


cas e honrosas manifestações de distincção e apreço , quer
do governo imperial , como dos seus conterraneos. Conde
corado com a commenda da ordem de Christo em 20 de
Outubro de 1829 e com o officialato da Rosa em 20 de Abril
de 1849, foi galardoado com o titulo de Barão de Cimbres
por Decreto de 2 de Outubro de 1855, sendo -lhe concedida
as honras de grandeza por Decreto de 2 de Dezembro do
anno seguinte , possuindo entre outros titulos o de socio
honorario da Associação Commercial desta provincia e os
de effectivo da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacio
nal, e da Instrucção primaria , ambas do Rio de Janeiro.
O Barão de Cimbres falleceu aos 10 de Dezembro de
1859, na idade de 71 annos, honrado e respeitado pelos seus
serviços, e coberto das honras e grandezas que inspiram
os grandes feitos de patriotismo, distincção é civismo. O
que foio Barão de Cimbres, os titulos de nobresa e magna
nimidade que engrandeciam e exaltavam o seu vulto, o seu
merecimento e as suas qualidades, os seus eminentes ser
viços e dedicação á causa da patria , resumem e exaltam
este bello soneto que lhe foi offerecido ainda em sua vida,
e publicado no Diario de Pernambuco de 6 de Outubro
de 1849 :
Prudencia , rectidão , saber, candura ,
Valor, religião, patriotismo,
Altas virtudes proprias do heroismo,
Exhornam com primor tu'alma pura .
Teu coração heroico só se inspira
Em a patria salvar do negro abysmo,
Dar -lhe mais esplendor, mais brilhantismo,
E seu nome elevar á inmensa altura .
Malaquias preclaro, ufano cxulta !
De tão nobres acções ingente gloria
Da fama nos annaes brilhante avulta !
Teu nome adorna do Brazil a historia ;
E o tempo que voraz o bronze insulta ,
Submisso acatará tua memoria !

Domingos Ribeiro dos Guimarães Peixoto , Barão de


Iguarassú. Nasceu aos 14 de Agosto de 1790. Luiz Ribeiro
dos Guimarães Peixoto e sua consorte D. Josepha Maria
da Conceicao Peixoto , foram seus paes .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 257

Em Pernambuco fez Luiz Ribeiro dos Guimarães Pei


xoto o curso de humanidades, e tendo de seguir o sacerdo
cio da medicina, carreira de suas aspirações e vocação,
começou a praticar nos cursos de cirurgia dos hospitacs
desta capital , até que em 1810 partiu para o Rio de Janeiro,
matriculou -se na escola medico - cirurgica, e entrou como
alumno interno no hospital militar da corte. Na escola
ostentou Guimarães Peixoto todo o vigor do seu talento ,
pelo gosto e dedicação nos estudos das sciencias que com
punham o curso de medicina, e tal foram as provas,
aproveitamento e distincção que obteve no curso de anato
mia e phisiologia, que apenas concluindo -o foi designado
por seus mestres para leccionar estas materias aos pen
sionistas que o principe regente D. João mandára vir das
possessões da Africa. Guimarães Peixoto servio zelosa e
gratuitamente o honroso mandato que lhe fôra confiado ,
representando comulativamente o papel de mestre e de
discipulo , quando aos 12 de Maio de 1812 a escola lhe con
ferio a carta do cirurgião .
Formado em cirurgia , novo horisonte rasgou -se
immenso ante seus olhos, e os creditos e fama conquis
tados na escola, foram cercados pelos mais explendorosos
successos, pelas mais disputadas victorias no immenso
campo das sciencias medico -cirurgica. Mas elle achava
pequena e insignificante a somma dos conhecimentos que
possuia , queria penetrar e devassar todos os segredos da
sciencia, conquistar novos titulos, enthesourar mais rique
za , e já gozando de promettedôra posição, 1.º cirurgião
militar, medico da casa real em 1817, elevado em 1820 a
cirurgião da real camara , lente da escola medico -cirurgica,
clinico de muita nomeada , parte em conquista de novos
louros, atravessa o Atlantico, e o mestre, vai assentar - se
nas bancadas dos discipulos da Faculdade de Medicina da
Universidade de Pariz . Mas, não eram somente esses os
titulos que possuia o alumno da Universidade de Pariz .
Em 1821 foi- lhe conferido o habito da Ordem de Christo ,
em 1824 o foro de fidalgo cavalleiro , mezes depois o titulo
de conselheiro, em 1825 a commenda de Christo, todos
esses titulos proclamavam bem alto o merecimento de tão
illustre brazileiro .
Obtendo licença do Imperador aos 10 de Setembro
de 1827, ea pensão do governo de cincoenta mil réis mensaes
durante o tempo necessario para os seus estudos, seguio
34
258 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

para a França . Em Pariz, além do curso da Universidade,


Guimarães Peixoto frequentou os hospitaes, adquirio
reputação elevada, e foi recebido e estimado pelos mais
celebres mestres da sciencia medica . Porem no meio dos
seus trabalhos, n'essa afanosa colheita de novos louros,
n'essa serie successiva de honrosos e significativos trium
phos para si,mas que em grande parte revertiam em renome
para o Brazil, o governo por um d'esses zelos de excessiva
economia, suspende-lhe a pensão, tira -lhe o lugar de
cirurgião -mór do imperio , e assim o seu ordenado ! Porém
D. Pedro I por um d'esses rasgos de generosidade e de
justa indignação , abre o seu bolsinho, e o conselheiro Gui
marães Peixoto recebe regularmente oitocentos mil réis
annuaes, até completar os seus estudos.
Em 1830 concluindo o seu curso apresenta a Faculdade
as suas theses, defende-as, e como prova escripta este tra
balho : Dissertation sur les medicaments bresiliens quelon
peut substitueraux medicaments exotiques dans lapratique
de la medicine an Brezil, cujo trabalho foi impresso em
Pariz em 1830, in 4.° constante de 152 paginas.
Recebendo o grao de doutor em medicina pela Univer
sidade de Pariz , Guimarães Peixoto corre em 1831 á apre
sentar -se ao ex -Imperador D. Pedro I, que acabava de
chegar do Brazil em virtude do acto da abdicação , e a
bordo da fragata Volage abraça o augusto protector ao
protegido sábio , e dos olhos de um e outro desprendem -se
copiosas, ardentes e significativas lagrimas.
O Dr. Guimarães Peixoto volta então á patria, e depõe
nas aras do templo da sciencia o rico thesouro que con
quistára , e de envolta com os reflexos do brilhante nome
que deixára na capital da França a sua nacionalidade de
brazileiro, conquistára tambem para sua patria, uma gloria,
um renome. Um dos primeiros cuidados do Dr. Guimarães
Peixoto ao chegar a corte do Rio de Janeiro, foi a creação
de uma escola de medicina, afim de prodigalisar aos brazi
leiros, no seio de sua patria, todos os estudos das sciencias
necessarias a um medico, de conformidade com o plano
dos mais adiantados estabelecimentos d'essa ordem quena
Europa havia observado . Deve -se pois, em grande parte,
aos esforços e trabalhos do Dr. Guimarães Peixoto , a crea
cão da escola de medicina da corte , mandada installar por
decreto de 3 de Outubro de 1832, cujos estatutos foram por
elle confeccionados, e a sua custa mandados publicar na
Typographia Nacional em 1836 .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 259

Não podia o governo deixar de significar ao illustre


brazileiro Dr. Guimarães Peixoto , de umahonrosa e expres
siva maneira, senão conferindo -lheadirectoria d'esse esta
belecimento , e assim o fez por Decreto de 31 de Maio de 1833 ;
mas elle não deixou a sua cadeira de mestre , a qual tão illus
trada porelle fôra . Na cadeira de lente de phisiologia , dizo
Sr. Dr. Joaquim Manoel de Macedo; sua lição esclarecida,
eloquente, lucifera corria com a suavidade da voz, com a
inexcedivel fluencia da palavra, com a profusão de idéas
que lhe dava o profundo conhecimento da sciencia , com a
clareza da exposição e com a pureza da linguagem ás vezes,
como arroio suave à deslisar-se por entre flores, as vezes
como rio caudaloso á precipitar- se arrebatado.
Como medico da imperial casa do Brazil, coube-lhe a
honra de prestar os maiores serviços. Fallecendo o prin
cipe D. Carlos a 4 de Fevereiro de 1824, foi o Dr. Guimarães
Peixoto escolhido para o embalsamar; a 11 deMaio seguinte,
assistio a proxima futura imperatriz do Brazil no acto do
nascimento da princeza D. Januaria, a 2 de Agosto de 1824
recebeu ao nascer a princeza D. Francisca, e a 2 de Dezem
bro de 1825 o principe D. Pedro actual Imperador do Brazil.
N'esta occasião, foi o Dr. Guimarães Peixoto abraçado pelo
Imperador D. Pedro I em presença de toda a córte , o qual
convida com palavras repassadas de enthusiasmo, a sua
augusta consorte a exaltar o sábio medico com igual e
significativa honra .
Em 1833, accommettido S. M. o Imperador de grave en
fermidade, que ameaçava a sua vida, o Dr. Guimarães Pei
xoto teve a felicidade de salval - o . A rcgencia agradeceu ao
illustre facultativo tão grandioso serviço e offereceu -lhe uma
remuneração pecuniario, mas elle recusa -se, acceitando
porem o titulo de 1.° medico do Imperador e da familia im
perial . Ainda em 1845, aos 23 de Fevereiro, Guimarães
Peixoto o mesmo que havia recebido em seus braços ao
nascer S. M. o Imperador o Sr. D. Pedro II , recebeu tambem
o seu augusto filho o principe D. Affonso ; e então, o titulo
nobiliario de Barão de Iguarassú , foi a merecida distincção
com que foi galardoado por S. M. o Imperador.
Mas, curta peregrinação n’este mundo estava reservada
ao sabio facultativo Barão de Iguarassú . A sua vida tra
balhosa de medico , o immenso estudo a que se dava, não
só para o enriquecimento de seu espirito, como para dar
aos seus discipulos cada dia novos thesouros de sciencia
e de sabedoria , alteraram - lhe a saude, aggravaram -n'a , e
260 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

na idade de cincoenta e seis annos , a morte arrebata - o deste


mundo,quando ainda por muito tempo tão util seria elle as
sciencias e a humanidade soffredôra. O Dr. Domingos Ri
beiro dos Guimarães Peixoto , Barão de Iguarassú , do con
selho de S. M. o Imperador, membro da Academia de Pariz
e outros estabelecimentos scientificos da Europa , fidalgo
cavalleiro , commendador da imperial ordem de Christo,
official da Rosa , medico da imperial camara, official-mór da
casa imperial, ex-cirurgião -niór do Imperio, ex-director da
escólade medicina e lente jubilado da mesma, falleceu na
cidade do Rio de Janeiro aos 28 de Abril de 1846, e os seus
restos jazem na capella da Ordem Terceira do Monte do
Carmo.
O sabio medico Barão de Iguarassú, que segundo o Dr.
J. Segaud muito se assemelhava com o celebre Bordeu, pela
viva sensibilidade do caracter, pelo amor profundo da sua
arte, pela fé nos agentes therapeuticos e pelo estudo predi
lecto da physiologia, que tão robustos monumentos pode
ria ter-nos deixado se escrevesse as suas observações, as
suas conquistas no campo das sciencias ; apenas legou -nos
além da sua dissertação apresentada na Universidade de
Pariz, uma Memoria sobre o encephalocele, que foi publi
cada no Archivo medico brazileiro , tomo 3.º relativo ao
anno de 1846 .
O Annuario politico, historico e estatístico do Brasil, do
anno de 1846, na sua secção nechrologica, consagrou algu
mas palavras em honra á memoria do sabio e benemerilo
Barão de Iguarassú, de cujo artigo trasladamos os seguin
tes periodos, os quaes realçam os seus meritos, e muito
dizem do quanto valia :
« O Exm . Sr. Dr. Domingos Ribeiro dos Guimarães Pei
xoto já não existe ! Este benemerito cidadão , este grande
e illustrado medico que tanto se desvelou em promover o
bem da humanidade, cujos males com tanto amor e cari
dade procurou sempre remediar no exercicio de sua nobre
profissão, este incomparavel professor de cirurgia da es
cola de medicina do Rio de Janeiro , de cuja bòca emanaram
jorros eloquentes de recondita erudição com quearroubava
seus discipulos, quando se assentava na cadeira domagis
terio, ou a cabeceira do doente expunha a sua opinião ; de
pois de longa e penosa enfermidade, sereno e placido como
verdadeiro catholico temente a Deus, e com a fé robusta de
um christão, viu chegar o termo de sua existencia na idade
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 261

pouco avançada de 56 annos . Deixou em triste orphan


dade sua numerosa e inconsolavel familia , falta dos bens
da fortuna, porem rica e opulenta do nome illustre que lhes
legou, e que elle por seu vasto saber e inclytas virtudes, por
sua probidade exemplar, soube grangear, assim entre os
nacionaes quc o admiravam e a quem era em extremo af
feiçoado, como na Europa , onde gosava de credito e fama
justamente merecidas. N'elle perdeu o Brazil um cidadão
amante de suas instituições e zeloso de sua grandeza, o
monarcha um leal servidor, e amigo extremoso ; a medi
cina nacional o seu luzeiro brilhante, e o mais illustrado
membro d'essa numerosa corporação ; sua familia o seu
arrimo e protector ; seus discipulos um sabio mestre ; e
seus amigos o mais candidoe o melhor dos amigos . Sua
vida foi um grande livro de virtudes e sabedoria ; sua
morte tão bella e calma como prova sua vida innocente e
pura . »

Domingos Rodrigues Carneiro . Homem preto , na


tural da villa do Recife, filho de José Carneiro e Joanna
Carneiro, africanos ou descendentes dos filhos daquelle
continente , Domingos Rodrigues Carneiro nasceu em con
dição humilde, ainda bem jovem assentou praça de solda
do no terço da gente preta de que foi mestre de campo
Henrique Dias , e pelos seus serviços, conducta e mereci
mento , foi subindo a todos os postos , ate ao de mestre de
campo, commandante do mesmo terço e governador dos
pretos desta capitania . Os serviços de Domingos Rodri
gues Carneiro, serviços estes que illustraram o seu nome
e o tornaram digno de honrosa mensão na historia , datam
de 13 de Maio de 1680, do proprio dia em que teve praça de
soldado nas fileiras do exercito desta capitania. Promo
vido a alferes em 1681 , passou a capitão em 1684, foi ele
vado a sargento -mór em 1688 , e finalmente por Patente
Regia de 12 de Janeiro de 1694 foi nomeado commandante
do terço dos Henriques com a patente de mestre de campo .
Em 1680, quando se emprehendeu a destruição da ce
lebre republica dos negros dos Palmares, e teve de se crear
um corpo de tropas necessarias á este fim , Domingos Ro
drigues Carneiro acompanhando ao capitão Jorge Luiz
Soares incumbido de levantar uma companhia de homens
pretos forros , muito o auxiliou nessa empresa em que hou
ve grande trabalho. Seguindo então para a campanha, em
1681 tomou parte no ataque da serra da Barriga, onde se
262 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

achavam os negros bem fortificados, cuja victoria impor


tou a rendição desse ponto, destruindo -se -lhe as fortifica
ções , casas e armazens de mantimento .
Conquistando na campanha o posto de alferes, Domin
gos Rodrigues Carneiro ainda permaneceu nos Palmares
por mais 6 mezes para manter as posições tomadas e evi
tar a reunião de novos grupos dos negros dispersos que
ainda vagavam por aquellas sercanias . Em 1686, já pro
vido no posto de capitão , marchou sob o mando do capitão
Fernão Carrilho para os sertões de Porto Calvo para dis
truir um mocambo que os negros haviam levantado , o que
conseguiram , lançando -os fóra de suas fortificações e des
truindo-as depois. Coube então a Domingos Carneiro o
commando de uma força destacada em perseguição dos
fugitivos, conseguindo fazer grande numero de prisionei
ros, andando oito meses e meio nesta entrada , animando
aos seus soldados, e sahindo fóra do seu arraial á buscar
a trilha dos negros .
Emprehendendo em 1687 uma viagem á Portugal, El
Rei D. Pedro II devidamente apreciou os seus serviços,
conferiu -lhe a patente de sargento mór, e por Carta de Pa
drão de 23 de Abril de 1688, fez -lhe a mercê de dezoito mil réis
effectivos pagos nos disimos de Pernambuco . Regressando
a esta provincia nesse mesmo anno , o sargento -mór Do
mingos Carneiro entrou no exercicio do seu posto , o qual
exerceu com grande selo e cuidado , assim ne conservação
como na bôa disposição em exercitar aos officiaes e solda
dos do seu commando .
Rompendo a guerra dos indigenas no Rio Grande do
Norte, Domingos Carneiro que então se achava no com
mando do terço dos Henriques recebeu ordem demarchar
para o Assú , fez toda a campanha, e muito auxiliou a ca
pitania do Ceará tambem ameaçada, enviando -lhe soccor
ros e prestando -lhe outros serviços. Depois de um anno
de estada no Rio Grande do Norte, regressou para Per
nambuco, deixando aquella capitania pacificada e os seus
habitantes livres das correrias e assaltos dos indios.
Novos titulos de distincção e benemerencia conquis
taram então os serviços desse distincto soldado, e a con
ferencia do posto de mestre de campo governador dos
pretos desta capitania, e o commando do terco dos Henri
ques que lhe foi confiado por Patente Regia de 12 de Janei
ro de 1694 , forão o galardão e o premio dos seus serviços,
dos seus titulos de distincção e de patriotismo.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 263

Domingos Rodrigues Carneiro conquistando esses ti


tulos e assumindo a essa dignidade, entrando em um pe
riodo de paz e tranquilidade, tomou então á si a empresa
da construcção da nova capella de Nossa Senhora das Fron
teiras na Estancia de Henrique Dias, onde tinha quartel o
terço do seu commando .
A capella da Estancia , edificada por Henrique Dias em
acção de graças pela victoria que obtivera no combate tra
vado nesse mesmo logar em 15 de Agosto de 1648 contra as
tropas hollandezas, não é somente um monumento religio
so , é tambem um memoravel monumento dos nossos feitos
e gloriosas tradições. Edificada no decorrer da campanha,
no mesmo local em que se havia ferido essa gloriosa bata
Tha, Henrique Dias não pode dar -lhe vastas e solidas pro
porções, e apenas ergueu urna modesta capella de barro,
aguardando melhores tempos para erguer um monumento
mais duravel.
Fallecendo Henrique Dias sem lhe ser possivel empre
hender a obra da nova capella , teve por successor ao mes
· tre de campo Antonio Gonçalves Caldeira que tambem na
da emprehendeu sobre isso ; mas succedendo -lhe o mes
tre de campo Jorge Luiz Soares, tomou então á si a nobi
lissima empresa da obra desse monumento, porém foram
improficuas todas as suas tentativas. E ' que esta gloria,
a erecção desse monumento que memora um dos feitos
mais notaveis da guerra hollandeza, estava reservada ao
mestre de campo Domingos Rodrigues Carneiro.
Dirigindo um requerimento ao monarcha, pedindo um
auxilio da fazenda real para a obra emprehendida, alle
gando , que, pela pobresa com que fóra a capella fabricada ,
estava no chão , por ser de terra e barro, e quenella esta
vam sepultados os corpos d'aquelles valerosos soldados,
que, com tanto clo, valor e lculdade deram suas vidas e
sangue pela coroa ; mesmo assim , depois de muita demo
ra , foi lavrada a Carta Regia de 11 de Outubro de 1707 man
dando reedificar a capella velha, em observancia á ordens
anteriores, mas que não foram executadas pela má von
tade dos governadores.
Vencidas todas as difficuldades Domingos Carneiro
deu mãos á obra, e conseguiu eleval-a a um estado bem
adiantado, quando a morte vem interrompel- o no meio da
sua afanosa e patriotica tarefa . A obra continuando sob
a direccão dos seus successores, terminou finalmente, e
ainda hoje, a Imperial Capella de Nossa Senhora das Fron
264 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

teiras , que elle deixára meio acabada, é um monumento


que recorda um dos mais notaveis feitos de armas da nossa
provincia, e os nomes dos seus heroicos fundadores .
Domingos Rodrigues Carneiro, se como soldado pres
tou grandiosos serviços e por elles se nobilitou , não menos
digno é o seu nome da gratidão da posteridade, pela me
moria que legou-nos de uma das mais brilhantes paginas
da nossa historia : o modesto monumento da Estancia que
memora o feito de armas de 15 de Agosto de 1648.
Domingos de Souza Leão, Barão de Villa Bella . Nas
ceu na fazenda Genipapo pertencente a antiga comarca de
de Cimbres, a 16 de Dezembro de 1819, tendo por proge
nitores o tenente -coronel Domingos de Souza Leão e D.
Thereza de Jezus Coelho de Souza Leão, descendentes de
uma dasmais antigas e principaes familias desta provincia .
Ainda que destinado por seus paes á seguir a vida agri
cola , comtudo, foi encaminhado nos estudos necessarios
a obtenção de um titulo scientifico, e assim , concluiu os
seus estudos preparatorios, em 1835 matriculou -se no Cur
so Juridico de Olinda, e em 1839 recebeu o grao de bacha
rel em direito . Durante algum tempo o Dr. Domingos de
Souza Leão dedicou -se exclusivamente aos labores da
vida agricola, convivendo em companhia de seus paes,
então estabelecidos na actual comarca de Jaboatão , mas
o seu espirito eminentemente patriotico e emprehendedor,
fizeram -no sahir da vida retrahida em que permanecia, e
atirar-se a vida publica. Filiou-se ao partido conservador,
e cm 1842 tomou assento na Assemblea Provincial, « onde
por sua moderação e criterio grangeára a nomeadá de ho
mem de governo . »
Dissolvida a camara temporaria em 1848 pela subida
do partido conservador, o Dr. Domingos de Souza Leão
foi eleito como supplente aquella camara, e teve occasião
de nella tomar assento em 1850 na vaga do conde da Bôa
Vista , escolhido senador do imperio ,e mais tarde tomou
ainda assento , como deputado conservador, nas legislatu
ras de 1853 a 1856 e de 1857 a 1860.
Inaugurado o gabinete de 30 de Maio de 1862 sob a pre
sidencia do venerando Marquez de Olinda, dissolvida no
anno seguinte a camara dos deputados, e nascendo desta
situação o partido progressista, com o seu programma ex
plendido de ideas e reformas, ao lado do grupo conserva
dor que adheriu ao novo partido, em que destacavam - se
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 265

Zacharias, Nabuco, Saraiva , Paes Barretto e tantos outros,


figurava tambem o Dr. Domingos de Souza Leão, « que
por suas tendencias havia muito se distanciava de seus
correligionarios. »
Nomeado então vice-presidente desta provincia, teve
elle occasião de dirigir nessa qualidade a sua administra
ção, de 13 de Janeiro a 1 de Dezembro de 1864 , e depois no
meado presidente, tomou posse do governo a 10 de Maio de
1867 c o entregou a 23 de Julho de 1868. Na sua primeira ad
ministração, notam -se os serviços que prestou promovendo
o adiantamento da grande lavoura ,desenvolvendo e comple
tando a viação publica, propondo a creação de uma fazen
da -modelo , cujo plano apresentou no seu relatorio a As
sembléa Provincial, e o incremento que procurou dar a ins
trucção publica , objecto tambem dos seus cuidados, ca
bendo -lhe a gloria de installar a Escola Normal creada pela
Lei Provincial de 19 de Maio de 1864, á qual deu regulamen
to em 28 de Junho do mesmo anno .
Voltando de novo á administração da provincia, então
jà agraciado com o titulo de Barão de Villa Bella, todo o seu
interesse e actividade foram completamente absorvidos
pelas urgencias da guerra que sustentavamos com o Para
guay, « desenvolvendo a mais diligente actividade em obter
e enviar contingentes para o exercito e armada, e nesse
sentido prestou relevantissimos serviços, sem que deixas
se de proceder com espirito de justiça e moderação, » ao
mesmo tempo que promovia a creacio da Sociedade Pro
tectora das Familias dos Voluntarios da Patria, da qual
foi eleito presidente , cujos fins humanitarios e patrioticos
revellam à sua propria denominação.
Subindo ao poder o partido conservador em 1868, o
Barão de Villa Bella deixou a presidencia, e longe de reco
Ther -se á vida privada e de continuar nos seus labores de
agricultor,tudo abandonou , e dedicou todos os seus esforços
ein unir e consolidar o partido liberal, e encaminhal- o na
luta tremenda da opposição, o qual em signal da confian
ça e apreço que elle The merecia, o clegen presidente do
directorio central e o reconheceu por seu chefe.
Em 1868, quando ainda na presidencia de Pernambil
Co , o Barão de Villa Bella recusou tenazmente a inclusão
do seu nome na lista triplice que para o preenchimento de
uma vaga senatorial elegeu a provincia do Amazonas, sen
do que expontaneamente importantes chefes liberaes da
Côrte e daquella provincia se lhe dirigirum , offerecendo - lhe
35
266 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

com instancia os seus valiosos serviços, para o fazerem


triumphar nas urnas . No entretanto não acceitou, apezar
de nessa mesma occasião não poder propor - se por sua
provincia natal , pela incompatibilidade que tinha, na qua
lidade de seu administrador.
Não é este o unico exemplo, exemplo rarissimo em
nossos dias , que de seu desinteresse e abnegação nos offe
rece em sua vida o Barão de Villa Bella . Concluindo um
tratado com a Hespanha, quando occupou a pasta de mi
nistro dos estrangeiros, elle deu mais uma prova do seu
desapego ás honras, recusando altas condecorações hono
rificas que lhe foram conferidas pelo governo hespanhol,
pedindo então que taes honras fossem dadas aos empre
gados da sua secretaria que collaboraram naquelle impor
tante trabalho. Em 1866 , renunciou uma cadeira de depu
tado que lhe foi offerecida , assim como recusou ser con
templado na chapa em 1876, quando o directorio liberal or
ganisou a chapa do terço com que o partido pleiteou em
opposição, e ainda em 1878 teria declinado da honra de re
presentar a sua provincia, se não occupasse o cargo de mi
nistro, como declarou, cargo este que tambem reluctou
acceitar.
Investido como vimos da chefia do partido liberal de
Pernambuco, o Barão de Villa Bella prestou a sua causa
grandiosos e innumeros serviços durante o longo ostracis
mo de dez annos que elle atravessou . Emprehendendo
uma viagem a Europa, percorreu diversos paizes, e ao re
gressar em 1875 foi dignamente recebido por seus amigos ,
que entre outras manifestações o honraram com um ex
plendido banquete nos salões da Associação Commercial, e
nesse mesmo anno resolvendo o directorio liberal abrir
uma serie de conferencias publicas, realisou -se a primeira
a 18 de Julho, cabendo -lhe pronunciar o discurso de aber
tura .
Eleito presidente do Instituto Archeologico e Geogra
phico Pernambucano em 1876 , esta associação mereceu
tambem os seus cuidados, trabalhando não só pelo seu
engrandecimento , como tambem procurando enriquecer o
archivo e bibliotheca com manuscriptos e obras interessan
tes , algumas das quaes foram remettidas nos ultimos dias
de sua existencia .
Com a subida do partido liberal ao poder e organisa
ção do gabinete de 5 de Janeiro de 1878, lhe foi confiada a
pasta dos negocios estrangeiros, e embora o seu primeiro
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 267

impulso fosse não acceital-a , não obstante cedeu as exi


gencias dos amigos, ponderando que, homem publico
como era , não se pertencia, senão aos elevados interesses
de seu partido e de sua patria. Ainda que breve a sua.es
tada no ministerio , não foi esteril a sua administração . No
intuito de reduzir as despezas do estado, supprimiu algu
mas legações, e além de varios accordos e tratados de ex
tradicção que promulgou , concluiu uma convenção consu
lar com a Hespanha, « a qual comparada com as que se
concluiram com Portugal e a Italia , apresenta notavel dif
ferença em pontos essenciaes para o fim de obviar inter
pretações nocivas aos legitimos interesses do imperio. »
Retirando-se honrosamente do gabinete, e sacrificando
o elevado cargo de ministro ás suas crenças e convicções
firmes , elle justificou cabalmente a sua retirada perante a
Camara dos Deputados, na qual tinha assento como repre
sentante de sua provincia, limitando -se então, « a negar
somente o seu voto ao governo, quando a coherencia não
Ih'o permittisse dar. »
Poucos mczes depois, ás 2 horas e 20 minutos da ma
drugada de 18 de Outubro de 1879 cahia fulminado pelo
raio da morte o nobre Barão de Villa Bella . Conselheiro ,
commendador da Ordem da Rosa e da de N. S. da Concei
ção de Villa Viçosa de Portugal, deputado, eminente chefe
politico, o Barão de Villa Bella attingiu pelo seu mereci
mento e prestigio a elevada posição social e legou a histo
ria politica do seu paiz um nome immaculado que será
sempre respeitado... Homem energico e muito prudente,
typo dos chefes politicos que mais apreço deviam ter, go
zando de influencia em sua provincia, de educação finis
sima, perfeito cavalheiro , de grande modestia ... taes foram
os honrosos qualificativos com que tão acertadamente ca
racterisou o illustre e benemerito Barão de Villa Bella, um
dos mais conceituados jornaes do Brazil, O Globo, quando
elle assumiu aos altos conselhos da coroa, dirigindo a pas
ta do ministerio dos estrangeiros.
Domingos Theotonio Jorge Martins Pessôa . Nas
cido no ultimo quartel do seculo passado , pertencente a
uma das mais illustres familias desta provincia, Domingos
Theotonio recebeu toda a instrucção que então era possi
vel aqui se obter, seguiu a carreira das armas , e teve praça
no regimento de artilharia do Recife .
268 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
Fazendo o curso d'armas nas aulas do seu regimento,
Domingos Theotonio adquiriu illustração e conhecimentos
especiaes, tornou - se um militar muito instruido, foi des
pachado segundo tenente do mesmoregimento , por Paten
te Regia de 7 de Novembro de 1808 foi promovido a 1.º te
nente, e por Patente de 14 de Outubro de 1814 passou a
capitão.
Pernambucano illustrissimo, na phrase do Padre Mar
tins, dotado de raras virtudes politicas e religiosas, mili
tar instruido , e benemerito pelos seus grandes serviços ao
Estado, as diversas commissões militares de que foi in
cumbido comprovam o seu merecimento , bastando men
cionar entre ellas a do commando da companhia de artifi
ces do seu regimento , por Decreto de 12 de Outubro de
1815, e a de inspector do Trem Real, hoje Arsenal de Guerra ,
por portaria do governador Cactano Pinto , em 28 de Janeiro
de 1817 .
Patriota distincto , inflamado no ardente desejo de ver
melhorada a sorte de sua patria, Domingos Theotonio foi
um dos iniciadores do generoso movimento emancipador
de 1817 , e um dos membros proeminentes dos clubs demo
craticos sob os nomes apparentes de Academias do Cabo e
Paraizo . Trabalhava clle dedicada e ardentemente nos
planos da consecução da obra emprehendida,quando a porta
à esta provincia o illustre patriota Domingos José Martins,
ao qualse ligou intimamente, e começou desde então aquella
heroica união que só a morte pôde extinguir. Concertado
entre si, e logo apresentado no club, o plano do futuro
destino de Pernambuco, brevemente se separaram os dous
amigos em missão tendente a se tratar dos meios neces
sarios á esse fim , tocando a Domingos Theotonio a missão
do sul.
Em 1815 acompanhando Martins á provincia da Bahia ,
onde se iniciou na Maconaria , alli deixou o seu compa
nheiro que depois partiu para a Europa, c elle tomou o
rumo do Rio de Janeiro á entender -se com os mações da
quella côrte, que muito dissimulada tinham a sua officina
em uma casa à rua do Regente . Estabelecido o seu accordo
com a Maçonaria do Rio de Janeiro , Domingos Theotonio
regressa á Bahia , e após curta demora , deixando combi
nados os planos, parte para esta provincia, onde já se acha
va de volta da Europa o seu amigo Martins.
Domingos Theotonio que obtivera explendido resultado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 269

nas suas missões da Bahia e Rio de Janeiro , veio coroar


os seus triumphos em Pernambuco com a conquista do
refractario Amaro Gomes da Silva Coutinho, tão celebre
nos annaes patrioticos de 1817 , na Parahyba, pelo seu he
roismo e dedicação a causa da patria.
Começou então a conspiração republicana com mais
ardor e interesse, c contando então com a coadjuvação da
Maçonaria que nessa epocha contava já em Pernambuco
uma Grande Loja Provincial e quatro officinas filiacs, com
posta de pessĝus distinctus por sciencias e virtudes, ainda
mais se activaram os seus trabalhos, e cada dia que suc
cedia -se importava um novo triumpho á causa da liber
dade brazileira .
Denunciado o plano da conjuração ao governador Cae
tano Pinto , e tomadas em conselho de generacs que con
vocára , medidas tendentes á evitar o pronunciamento revo
lucionario , na manhà de 6 de Março de 1817 ,Domingos Theo
tonio recebe ordem de prisão do commandante do seu re
gimento e é condusido á fortaleza das Cinco Pontas, sem
oppor a minima observação e nem resistencia . Sóa porém
o grito da liberdade no mesmo instante talvez em que se
abriam as portas do carcere para receber o illustre Domin
gos Theotonio , rompe a revolução, e posto logo em liber
dade, reune-se aos seus companheiroa, marcha para o
quartel, e tomando o commando da tropa parte para o cam
po do Erario, hoje das Princezas, e faz alto na extremidade
do muro do convento de S. Francisco .
Domingos Theotonio conhecendo a falsa posição que
occupava o marechal commandante da tropa alli postada,
e querendo evitar o derramamento de sangue, mandou um
parlamentario intimal-o á render -se, o que acceitou o ini
migo, sendo então enviado o mesmo para a fortaleza do
Brum , e as tropas do seu commando reunidas as patrioti
cas. Concertado, na noite do dia 6 , o plano de ataque á for
taleza do Brum , onde se refugiára o governador, no dia
seguinte movia -se um corpo de exercito composto de perto
de 4,000 homens de todas as cores e uniformes, sob o com
mando de Domingos Theotonio , a quem os seus compa
nheiros haviam cedido as honrós da primazia, e tomando
posição junto a egreja do Pilar, manda um parlamentario
intimar å rendição da praça .
Acceita as propostas e evacuada a fortaleza, volta o
exercito triumphante ao campo do Erario , procede-se a
eleição dos novos membros do governo , e a Domingos
270 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Theotonio coube a iucumbencia dos negocios da guerra ,


sendo por Decreto do dia seguinte nomeado general em
chefe das tropas republicanas. Festas explendidas succe
deram - se então em regozijo ao acto da proclamada eman
cipação da patria , a alegria, o enthusiasmo eo contenta
mento , divisavam -se em todos os semblantes, e é indizivel
o regozijo e indiscriptivel a pompa e magnificencias das
solemnidades em honra a liberdade, em homenagem aos
seus illustres eheroicos propugnadores. Mas esse periodo
de felicidade, de alegrias e de festas, foi bem curto, em
breve se converteu em lagrimas e em luto .
Falhou o promettido concurso da Bahia, e pelo con
trario d’ahi marchou a primeira expedição militar contra
esta provincia ; as Alagoas pronunciando -se em reacção
ante republicana ao aproximar -sc as tropas bahianas, e a
falta de recursos do governo provisorio para manter a es
tabelidade da republica, contribuindo assús para tudo o
prematuro rompimento da revolução, tudo isto deu causa
para a sua decadencia e total aniquilamento.
No extremo da revolução, quando os patriotas se ba
tiam no sul da provincia com as tropas realistas em prol
da causa da patria, Domingos Theotonio sendo o militar
mais instruido e reconhecidamente bravo, jámais sahiu do
Recife; o governo provisorio reconhecendo que a sua
assistencia e presença nesta praça era tão essencial á se
gurança publica, nem mesmo no auge do perigo da patria ,
accommettida por todos os lados, the permittiram desen
volver nos campos da batalha os seus talentos e bravura
militares, e assim , o general das armas da revolução sub
metteu -se a não commandar e não bater -se uma só vez .
Perdida a batalha de Pindoba, e recolhido ao Recife o
resto do exercito do general Suassuna, e apresentado o
ultimatum do commandante do bloqueio, negando- se a en
trar em negociações, allegando, que, tinha em seu facor a
razão, a lei ca forçá arnada tanto terrestre comomariti
ma, para poder entrar no Recife com a espada na mão,
afim de castigar a todos muito a sua vontide; então, jul
garam os membros do governo signatarios da repudiada
capitulação, que fazia -se absolutamente necessario em taes
circumstancias o sacrificio temporario dos seus direitos
individuaes, e assim cederam todo o poder ao governador
das armas Domingos Theotonio , investindo- o da autoridade
de dictador.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 271

Nomeado no dia 18 de Maio governador civil e militar


do partido da independencia em Pernambuco, pela dissolu
ção do governo provisorio, Domingos Theotonio tentou
ainda uma nova proposta , mas a vanguarda do exercito
realista marchava sobre o Recife, ameaçando atirar - se aos
patriotas como a lobos, segundo a letra da proclamação
do Conde dos Arcos, e os moradores mergulhados em des
animo e terror, viram na tarde do dia 19 desfilar as tropas
para Olinda ; mas a resposta que trouxe o emissario era
affrontoso escarnco aos patriotas, um insulto digno dapes
soa que o proferia, estava tudo irremissivelmente perdido.
Domingos Theotonio seguindo com o exercito para
Olinda , dali tomou a estrada de Paulista e acampou no en
genho desse nome. No dia seguinte, contristado com o
suicidio do Padre João Ribeiro , recebe a noticia da occupa
ção do Recife, e da marcha de uma columna em persegui
ção dos fugitivos; foi então geral o esmorecimento e des
animo, e a fuga foi o unico meio de salvação que pareceu
poder - se abraçar.
Debandando - se o exercito no engenho Inhamă, Domin
gos Theotonio foge desfarçado , interna -se pelas mattas,
onde com alguns companheiros passa por algum tempo
vida errante, faminta e desesperada, até que, atraiçoado,
é descoberto e preso , arrastado ao Recife , e sendo alvo de
toda a sorte de insultos e injurias dos portuguezes, atiram
no ás enxovias da cadeia, comparece perante a Commissão
Militar, a qual summariamente o condemnou a morte por
sentença de 8 de Julho de 1817 , sentença esta dois dias
depois executada.
No dia 10 de Julho, diz o autor dos martyrez Pernam
bucanos, appareceu logo de manhã cedo, armada , no meio
do campo da Honra ou do Erario, uma alta forca, que, so
mente vista , espantava e despedaçava os corações. Quatro
mil homens de guerra foram postados em alas pelas ruas,
desde as Cinco Pontas até a forca ; pelas 9 horas sahiram
daquelle quartel quasi oitocentos soldados desarmados,
restos dos dous antigos regimentos de Pernambuco, e ao
som das suas musicas militares marcharam para o campo
da Honra e foram postados em roda da forca, ficando cer
cados de um parque de artilharia com murrões accesos,
e pela cavallaria da Balia ; as alas se foram unindo na re
taguarda e reuniram -se por fim no mesmo campo. Sahiu
então da cadeia Domingos Theotonio , vestido de alva, acom
272 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

panhado do sacerdote exhortante e pia irmandade da Mise


ricordia, como é costume entre os portuguezes. Chegando
ao campo, subiu intrepido o patibulo, ehavendo -se recon
ciliado com o confessor, fallou intrecortadamente e disse
em substancia : Peço perdão dos meus patricios e a todos
os circumstantes, dos escandalos e mules que lhes tenho
causado, e particularmente aos camaradas presentes de
tudo quanto soffrem por minha culpa. Tenho um filho por
nome Domingos, a quem só lhe deixo a benção de Deus, e
lhe rogo, que, de ora em diante se chame Domingos da Pro
videncia , a quem o entrego .
A’estas palavras, recolhidas pelo Padre Dias Martins,
accrescenta est’outras Muniz Tavares : Meus patricios, a
morte não me aterra ; aterra -me a incertesa do juizo da
posteridade. Eu deixo um filho em tenra idade; elle é vosso.
Não o abandoneis, ensinae - lhe o caminho da viriude e da
honra . Domingos Theotonio ia ainda fallar, mas o algoz
aperta o laço , arremeça -o fóra da forca , c elle fica suspenso
nas convulsões da morte. Sõa então os gritos de Viva
El Rei o Sr. D. Joào VI, o hymno realista execulado pelas
muzicas regimentues e acompanhado pela tropa, e assim
terminava a lugubre e apparatoza ceremonia de cada exe
cução. Jogam então o cadaver sobre a terra, decepam -lhe
a cabeça e as mãos, aquella mandam -na fincar em um alto
poste no pateo da Soledade, e estas pregam -nas no quartel
do seu regimento , co tronco do cada ver, arrastado á cauda
de um cavallo bravio, percorre as ruas da cidade, e depois
deste lugubre e selvagem espectaculo atiram -no ás portas
da matriz de S. Antonio, em cujo quintal lhe deram sc
pultura.
( ) capitão Domingos Theotonio Jorge Martins Pessoa,
diz um escriptor hodierno, era soldado, e em face das leis
militares a sua pena cra a de morte. Entretanto, preciso é
dizer, que durante o dominio da revolução republicana a
sua autoridade, e a sua influencia pessoal pouparam Olinda
e principalmente o Recife, e ainda muito particularmente
os portuguezes, á perturbações da ordem , e aos maiores
dannos ameaçadores da propriedade e da segurança pes
soal. O capitão Domingos Theotonio Jorge foisoldado cri
minoso , revolucionario victima de suas idéas ; mas antes
durante a revolução homem generoso e de bém .
Eis , pois, o juizo da posteridade sobre o illustre e be
nemerito patriota Domingos Theotonio Jorge Martins Pes
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 273

sòa , cuja incerteza , tanto o atterrára , a elle, que não se


atterrou ante o lugubre e apparatoso espectaculo da sua
execução .
Duarte Coelho de Albuquerque . Nasceu em Olinda
pelos annos de 1537. Foram seus pacs Duarte Coelho, pri
meiro Donatario de Pernambuco, e sua consorte D. Brites
de Albuquerque, ambos nobres e de illustre familia .
Duarte Coelho de Albuquerque, ainda bem joven seguiu
para Portugal, afim de receber uma culta e esmerada edu
cação, cujos recursos não podia então possuir a nascente
colonia de Pernambuco . Fallecendo seu pai em 1554, sua
mãi em virtude de uma verba testamentaria assumiu ao
governo da colonia , em seu nome, pois a donataria de Per
nambuco passava para si , por direito de successão .
Estava D. Brites de Albuquerque dirigindo a náu do go
verno, quando rebentou uma sublevacão dos indios Cahe
tés , que ameaçou aniquilar a nascente colonia ; os indios
moveram uma guerra tão cruenta, que por vezes Olinda se
achou exposta a imminentes perigos , sendo necessario pe
dir - se soccorros a metropole . Recebida em Portugal a no
ticia do estado em que se achava Pernambuco , e de que os
inimigos ameaçavam aniquilar todo o estabelecimento , cau
zando nos lugares dos seus districtos muitos e grandes
damnos , mortes, destruições de engenhos e lavouras, sen
do tal o terror, que os moradores de Olinda, não se atreviam
a avançar a mais de duas leguas de distancia, a rainha D.
Catharina ordenou então a Duarte de Albuquerque, que par
tisse immediatamente para Pernambuco, afim de tomar
conta do governo de sua possessão, attendendo que nas
debeis mãos de uma senhora, não havia energia e dispo
sição necessaria para domar os selvagens. Parte, pois ,
Duarte de Albuquerque para Pernambuco, acompanhado
de seu irmão Jorge de Albuquerque que tambem se achava
em Portugal, trazendo alguma força e munições de guerra ,
e aportando na villa de Olinda, encontrou toda a população
aterrorisada dos indios.
Empossado do governo em 1560, Duarte de Albuquer
que convoca em conselho as principaes e nobres pessôas
de Olinda, assim como aos padres jesuitas , e assentaram ,
entre outras medidas que tomaram , que para a guerra e con
quista dos indios fosse nomeado para dirigil-a Jorge de Al
buquerque; acceito o parecer, principiou a guerra, e com
36
274 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tal ardor, que em breve tempo estava Pernambuco livre de


seus cruentos inimigos, e cinco annos depois, estava toda
a costa eo interior do paiz de quinze a vinte leguas, livre do
ataque dos indios, e ganha esta vantagem , nunca mais se
perdeu .
Nesta capitania despendera o seu primeiro donatario
Duarte Coelho avultadissimas quantias para o seu estabe
lecimento , mas fòra bem empregado todo esse dinheiro ,
pois que somente da renda das pescarias e dos engenhos
de assucar, percebia agora seu filho, para mais de dez mil
cruzados. Como diz Southey, continha Olinda por esse
tempo, setecentas familias, não contadas as casas disper
sas , nem os engenhos, cada um dos quaes tinha de vinte a
trinta moradores. Podiam por -se em campo trez mil ho
mens, dos quaes quatrocentos de cavallos. De quatro a
cinco mil escravos africanos, alem dos indigenas, se em
pregavam nesta capitania onde se contava mais de cem
colonos cuja renda orcava de mil a cinco milcruzados, alem
de alguns que a tinham de oito a dez mil. A educação do
povo estava confiada aos padres jesuitas, que ensinavam
em seu collegio os elementos rudimentares de instrucção
primaria , o latim cleitura sobre casuistica . Tambem aos
seus cuidados, e proximo a villa de Olinda, tinha uma aldeia
de indios convertidos, que não contava menos de mil almas.
Todos os annos vinham a Pernambuco quarenta e cinco
navios, mais ou menos, a carregar assucar e páu -brazil,
que era o da melhor qualidade, e o arrendamento ou im
posto da sua exploração á corôa, andava por vinte mil cru
zados. E esta prospera e importante capitania estava des
provida de obras de defesa .
Eis , pois, o estado de Pernambuco, no tempo do go
verno do seu segundo donatario Duarte Coelho de Albu
querque, cujo genio iniciativo e emprehendedor, tanto o fi
zera desenvolver e prosperar . A agricultura , auxiliada
pelos braços e emprezas de uma numerosa corrente de emi
gração que affluia para aqui, desenvolveu - se e progrediu
rapidamante, nascendo por conseguinte um grande com
mercio pela troca dos productos, e crescendo prodigiosa
mente a sua população.
Mas Coelho de Albuquerque não cuidava somente no
desenvolvimento material da sua capitania. A creação de
um corpo de exercito , a sua disciplina, mereceram -lhe tam
bem particular cuidado, e foi assim , quecm 1567, fez partir
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 275

uma pequena expedição militar para ajudar o governador


geralMem de Sá , a expellir os francezes do Rio de Janeiro,
conforme as ordens recebidas do governo da metropole.
Por sua vez tambem , já havia Pernambuco sido inva
dido pelos francezes, que se apoderaram do Recife e o for
tificaram convenientemente . Mas Olinda , capital de Per
nambuco , diz um escriptor, estava mui proxima do Recife ,
e Duarte Coelho de Albuquerque, segundo donatario , que
a governava, tinha valor bastante e soldados aguerridos.
Apenas, pois, os francezes se apoderaram do Recife, ( entào
aqui apenas haviam algumas cabanas de pescadores, e
dous ou trez armazens de receber utencilios dos navios )
Coelho de Albuquerque a frente dos pernambucanos atacou
tão vigorosamente os francezes, que estes não tiveram on
tro remedio senão embarcarem -se acceleradamente, e com
bastante prejuizo . Um dos francezes, antes de tornar a
embarcar, exprimiu o seu pezar relativamente ás desgraças
de seus compatriotas no brazil , gravando sobre uma pedra
estas palavras que o historiador Rocha Pita nos conservou
com a mesma orthographia : Le munde vă de pis am pi.
Restabelecida a paz e a tranquillidade pelo interna
mento dos indios, e pela expulsão dos francezes, e deixando
a marcha dos trabalhos da colonia em prospero estado,
passou as rédeas da sua administração a D. Brites de Al
buquerque, sua mãi, a quem para este fim déra plenos po
deres em uma procuração que lhe passara em 22 de Julho
de 1572, cujo documento achá-se registrado nolivro do ponto
do mosteiro de S. Bento de Olinda. Governou, pois , o se
gundo donatario de Pernambuco Duarte Coello de Albu
querque a sua capitania, de 1560 a 1572, e retirou - se para
Portugal.
Publicado o Decreto de El- Rei D. Sebastião, em que
chamava os seus subditos as armas para a expedição da
Africa , afim de restabelecer no throno de Marrocos o seu
alliadó Muley Moamet, que havia sido deposto por seu avô
Muley Abdelmelck Coelho de Albuquerque foi um dos pri
meiros fidalgos portuguezes que se alistou naquella påtri
otica phalange, cujo successo foi tão infeliz .
Prompta á expedição, sahiu barra fóra de Lisboa aos
25 de Junho de 1578, tendo levantado ancoras com cincoenta
vasos de guerra , cinco galeras e um grande numero de
transportes, conduzindo a seu bordo um exercito de quinze
mil homens de infantaria , e mil de cavallaria . Este exer
cito, fraco, composto de recrutas de differentes nacões e de
276 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

inexperientes e moços fidalgos , continha em si mesmo o


germen da sua ruina no rigoroso luxo que ostentava e nos
excessos dos officiaes e na inexperiencia do seu chefe, o
rei D. Sebastião .
Chegando a Tanger, salta o exercito e marcha sobre
Arzila , onde acampou. D'ahi, e contra o parecer dos gene
raes , D. Sebastião levantou acampamento , e avançou para
Larache, pelo interior do paiz, deixando o litoral. Julga
vam , pois, que o exercito inimigo estivesse em posição de
fensiva, e quando chegam a Alcacer -kibir, encontram -no
formidável, e tão superior em disciplina, e em numero ao
portuguez, que contava quarenta e seis milhomens, inclusive
trinta e seis mil de cavallos. Encontram - se, pois , os dous
exercitos, e aos 4 de Agosto de 1578 fere - se renbidissima e
sanguinolenta batalha, e depois de um pelejar titanico , o
exercito portuguez é destroçado, morto o seu rei, e alas
trado os campos de Alcacer -kibir por oito mil combatentes
portuguezes mortos na acção .
Duarte Coelho de Albuquerque, o primeiro pernambu
cano que illustrou pelas armas o nome da patria , fóra da
patria , foi um dos heroes, um dos bravos soldados desta
mallograda batalha, uma das victimas do enthusiasmo, e do
amor da gloria . Elle lá ficou ao lado dos seus companhei
ros de armas e infortunio, e cabiu morto, como assevera o
insuspeito juizo da historia , « quando obrava prodigios de
valor. » Duarte Coelho de Albuquerque morreu aos qua
renta e um annos de idade, solteiro e sem descendencia, e
por sua morte passou a donataira de Pernambuco a seu
irmão Jorge de Albuquerque um dos seus companheiros
da jornada de Alcacer -kibir.

Estevão José Carneiro da Cunha . Natural da cidade


do Recife, nasceu na segunda metade do seculo passado,
eera filho legitimodo sargento -mòr João Carneiro da Cunha.
Assentando praça no regimento de artilharia da guar
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 277

nição do Recife, Estevão José Carneiro da Cunha em 1801


já havia attingido ao posto de 2.° tenente, por patente de 12 de
Julho de 1808 foi elevado a capitão , promovido a sargento
mór effectivo com a graduação de tenente coronel com
mandante do batalhão de infantaria paga da provincia da
Parahyba, por Decreto de 24 de Junho de 1810 e patente de
17 de Julho do mesmo anno , tendo já recebido como ga
lardão dos seus serviços o habito da ordem militar de s .
Bento de Aviz .
Residindo na provincia da Parahyba em virtude da
commissão que lhe fòra incumbida do commando das tro
pas que a guarneciam , ahi casou com uma estimavel e
digna senhora , irmà do illustre martyr Amaro Gomes da
Silva Coutinho. As suas relações com seu cunhado, os
seus sentimentos de patriotismo, e o seu amor e enthusi
asmo pela causa das liberdades patrias, levaram o illustre
tenente coronel Carneiro da Cunha á iniciar -se no trama
revolucionario , e á noticia inesperada do seu rompimento
em Pernambuco, a 6 de Março de 1817, ainda que a sua
prudencia lhe fizesse lamentar intimamente esse prema
turo acontecimento, presagiando dolorosamente o seu
tragico desfecho, com tudo, recebeu-a enthusiastica e
alvorocadamente , e a attitude heroica de Amaro Gomes o
fez tomar parte activissima no pronunciamento e adhesão
da Parahyba á causa pernambucana.
Em face das circunstancias desfavoraveis em que se
achava para fazer firmar a proclamada independencia, em
face das tropas que rapidamente marcharam da Bahia
sobre Pernambuco, e do não pronunciamento das demais
provincias , o seu enthusiasmo arrefeceu, c viu perdida a
generosa idéa que tão exaltada e patrioticamente esposára.
Entretanto , Carneiro da Cunha envidou todos os seus es
forços e actividade, e trabalhou com todo o zelo para que
a provincia ficasse acoberta de todos os perigos, mas a
escassez dos meios, a falta de munições de guerra , a fome
que opprimia o povo, todos estes obstaculos atravessa
vam as suas mais activas diligencias, e ainda mais cresce
ceram , quando rompeu a contra- revolução no Rio Grande
do Norte e no Ceară , restaurando a autoridade real , de
cujas provincias partiram tropas que começaram a hosti
lisar a Parahyba pelo norte e pelo centro .
Amaro Gomes que se achava á frente do movimento ,
partiu então para Pernambuco , á solicitar soccorros, mas
foi infeliz na sua empresa , e em taes apertos Carneiro da
278 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Cunha não pôde desempenhar os ardentissimos votos que


fazia pelo triumpho da liberdade. Elle tomou então o unico
partido que lhes restava , o da prudencia , e quando rom
peu a contra -revolução , seu voto foi, que se cedesse ás
circumstancias, afim de se evitar a inutil effusão de sangue
entre irmãos e concidadãos, voto que verificou -se, cele
brando -se a 6 de Maio de 1817 o acto da capitulação entre
os chefes patriotas e realistas .
Debellada a revolta , por terra o memoravel monu
mento da liberdade parahybana erguido heroicamente por
tão illustres patriotas , começaram os actos da mais bar
bara perseguição , e abriu -se o livro das tyrannias e do
martyrio . Carneiro da Cunha, vendo -se descoberto em seu
asylo por seus crucis inimigos, deveu a sua salvação á cora
gem varonil de sua digna consorte, que ajudada por uma
sua irmã o arrancou das mãos dos soldados no momento
de o prenderem . Frustrada essa tentativa , elle procurou
mais seguro asylo, metteu -se pelo interior da provincia , e
depois de algumas penosissimas peregrinações, partiu
para Pernambuco, donde conseguiu embarcar para a In
glaterra, e onde se conservou até que rompeu a revolução
de Portugal de 1820 , depois da qual obteve a sua absolvição
pela relação da Bahia, e regressou á sua patria.
Entrando de novo no exercito com a mesma patente
de tenente coronel, em 1824 passou a coronel, e batalhou
em prol da integridade do imperio , profundamente abalada
pela revolta separatista de Pernambuco, apoiada pelas pro
vincias da Parahyba, Rio Grande do Norte e Ceará . Fa
zendo parte do governo provisorio da Parahyba, comman
dando as suas forças expedicionarias estacionadas em
Goyanna, batendo -se galhardamente. Estevão José Car
neiro da Cunha portou -se honrosa e briosamente, e os
seus serviços foram narrados do seguinte modo pelo pre
sidente da provincia , Alexandre Francisco de Seixas Ma
chado, quando deu conta ao governo imperial da pacifi
cação da Parahyba, cm officio de 16 de Novembro de 1824 :
« Se não tem sido continuado o serviço militar do co
ronel Estevão José Carneiro da Cunha, tem comtudo a qua
lidade de ter sido presidente do extincto governo provi
sorio e não se ter manchado no vicio daquelle governo.
Prestando -se a servir debaixo da presidencia do meu ante
cessor, commandou em chefe a acção de Itabaiana, que
decidiu da primeira fortuna dos insurgentes. Na instal
lação do conselho entrou á servir de conselheiro, e quando
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 279

os inimigos ameaçavam ao norte com tropa que marchava


da provincia do Rio Grande, foi estabelecer o acampamento,
e se conservou até o desengano dos contrarios. Na occa
sião de marcharem as tropas desta provincia que foram
occupar a villa de Goyannā, tomou o commando de todas
ellas, e se achou no commando em chefe da guarnição
daquella villa e suas visinhanças, debaixo das ordens'do
brigadeiro general de Pernambuco . »
Estevão José Carneiro da Cunha, prestou tambem im
mensos serviços no periodo das lutas constitucionaes e da
independencia na provincia da Parahyba, a qual reconhe
cida e grata por tantos titulos, o elegeu deputado, e na
primeira eleição para a organisação do Senado incluio o
seu nome na lista dos senadores apresentados á corôa ,
merecendo elle ser escolhido por Carta Imperial de 22 de
Janeiro de 1826. Homem de merecimento e de prestigio ,
patriota distincto , militar brioso , Estevão José Carneiro da
Cunha illustrou o seu nome pelos seus feitos de abnegação
e patriotismo, foi vulto notavel, e deixou veneranda e grata
memoria entre os parahybanos. Senador do imperio, bri
gadeiro, distinguido por outros titulos e condecorações,
Estevão José Carneiro da Cunha falleceu em avançada
idade, aos 12 de Outubro de 1832.
Estevão Soares de Aragão . Capitão de ordenanças
da freguezia do Cabo de Santo Agostinho, procurador da
camara do senado de Olinda, a unica phase que encontra
mos da vida de Estevão Soares de Aragão , desse heróe per
nambucano, na phrase do Padre Dias Martins, foi o papel
que representou na crise tremenda por que passou esta
provincia nos annos de 1710 a 1715, tảo celebre na historia
sob o nome de guerra dos Mascates.
Desenvolvendo -se consideravelmente a povoação do
Recife, e conseguindo os habitantes portuguezes, inteira
mente entregues a vida commercial, ajuntado grossos ca
bedaes , trataram de conseguir do governo a sua elevação
a cathegoria de villa, mas a isso tenazmente se oppuzeram
os pernambucanos, porque seriam elles os membros da
justiça e governança , e por conseguinte juizes e partes ao
mesmo tempo ; e sendo a agricultura o principal ramo de
negocio dos pernambucanos, os portuguezes taxariam as
suas producções pelo preço que lhes conviesse, no entre
tanto que os generos por elles fornecidos já eram por um
preço duplamente elevados .
280 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

A oppressão não se fez esperar . Os senhores de en


genho viram -se obrigados para satisfazer os seus com
promissos, a entregar o seu assucar pelo baixo preço de
400 réis a arrúba , o qualera exportado a razão de 1 $400, e
no fim de cada safra, fosse qual fosse a sua abundancia ,
o agricultor ficava consideravelmente alcancado .
No entretanto , os portuguezes do Recife, a quem os
pernambucanos chamavam de mascates, porque assim
começavam a sua vida , foram tomando uma attitude hostil,
e foram pouco a pouco conquistando terreno, e consegui
ram finalmentedo governo a Carta Régia de 19 de Novembro
de 1709, que desmembrou o Recife de Olinda, elevando - o a
cathegoria de villa .
Suscitou -se então uma nova questão, questão esta que
bem patenteava ofirme proposito dos portuguezesde levaros
pernambucanos á um completo exterminio ; a divisão do
termo da nova villa . O ouvidor era de parecer que não ti
vesse maior termo que o comprehendido na freguezia , o
governador porem , compromettido com os mascates em
redusir o termo de Olinda a um pequeno circulo, era de
opinião que o termo do Recife excedesse muito ao da fre
guezia , que então comprehendia o Recife, S. Antonio, Bòa
Vista é Afogados .
A consequencia de tudo isso foi terrivel para Pernam
bnco . A'inauguração da villa surgiu a reacção, tentou - se
contra a vida do governador Sebastião de Castro e Caldas,
elle abandonou o seu posto e fugiu para a Bahia ; o pellou
rinho foi arrasado , os novos membros do senado da camara
forão humilhados, e após todos estes movimentos os per
nambucanos partem para Olinda, reunem - se em camara,
e elegem governador o bispo diocesano D. Manoel Alvares
da Costa .
Tudo então pareceu acalmado, o novo governo tomou
o seu curso regular, sem comtudo prever nem acautelar- se
de qualquer reincidencia. A’sombra desta imprevidencia
trabalhavam surdamente os mascates, e então surgiu a
represalia , a guerra finalmente foi posta em campo. Em
1711 , acclamaram por governador a Sebastião de Castro e
Caldas , o bispo refugia -se em Olinda, reune -se a camara , e
então os pernambucanos pelo orgão do procurador do se
nado Estevão Soares de Aragão,chamam os capitães -móres,
chefes das milicias, e pozeram o Recife em apertado cerco .
Nestas circumstancias, o bispo renunciou o temporal
do governo ao senado da camara de Olinda , e coube a Este
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 281

vão de Aragão na qualidade de membro dessa corporação,


tomar parte também no governo do paiz. Feito governa
dor, nestas circumstancias, foi o seu primeiro cuidado for
tificar os presidios do cerco e reforçar as guarnições, por
que constava, que, grandes soccorros vinham do interior
auxiliar os mascates, recolheram -se á Olinda todas as mu
nições de guerra que se encontraram nas fortalezas de Ita
maracá, Páu Amarello e Pitimbú, e logo se publicou un ma
nifesto em que os mascates foram declarados traidores ao
soberano .
A luta começou então com igual ardor entre um e outro
partido. Ora vencedores, ora vencidos, os pernambuca
nos batalharam firmes e decididos em defesa dos seus fóros
e regalias, com aquelle brio eintrepidez que tanto os carac
terisavam , até que em Outubro de 1711 chegou o governa
dor Felix José Machado, e tomou posse, serenando -se então
todos os animos á espera do procedimento e dos actos do
novo governador.
Estevão Soares de Aragão, entregando o governo , pre
cisamente o ponto, que é segundo a phrase de un escrip
tor, d'onde principalmente data a gloria desse heróc, ficou
assim como os seus companheiros somente com as atribui
ções ordinarias de membro da camara . Porem a parciali
dade, a guerra cruenta votada aos pernambucanos pelo
novo governador, não se fez esperar muito. Parcial deci
dido dos mascates, assalariado por elles, votado inteira
mente ao seu partido, começou então a mais atroz persc
guição aos pernambucanos, abriram -se os carceres, e elles
foram victimas de toda a sorte de miserias e torturas, de
atrocidades e martyrio .
Terminando os membros da camara do senado de Olin
da o seu mandato , entregaram a direcção dessa corpo
ração aos seus successores, celebrando estrondosas festas
em honra ao novo governador, festas estas que foi por
assim dizer, a vespera do martyrio daquelles mesmos que
as haviam promovido. Mas elles previam já a ingratidão
e procedimento do governador, a realisação dessa conjec
tura não se fez esperar, e elles aguardavam -na heroica c
resignadamente .
Aberta por sua ordem a devassa juridica dos passados
acontecimentos, Estevão Soares de Aragảo, o membro
mais activo e intrepido do governo provisorio da camara de
Olinda , não podia escapar aos odios e ferocidade dos mas
37
282 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cates , o seu brio, a sua honra e heroismo, indicavam -no


precisamente um daquelles sobre quem recahiria de prefe
rencia todas as perseguições e atrocidades.
Vulto proeminente da revolução, desse acontecimento
memoravel que a historia registra em suas paginas sob o
titulo de Guerra dos Mascates, Estevão Soares de Aragão
foi um dos primeiros condemnados em 17 de Fevereiro de
1712, procurado com interesse, e preso na freguczia do Cabo
onde se achava . Restituida a sua liberdade pouco mais de
dous mezes depois , a 25 de Abril, foi de novo submettido a
processo e preso segunda vez a 4 de Janeiro de 1713, na
freguezia da Varzea , foi mettido nos carceres da fortaleza
das Cinco Pontas .
A’ nova da prisão de Estevão Soares de Aragão, exul
taram os mascates, e festejaram -na como um aconteci
mento notavel e grandioso. Já a bordo do navio que o tinha
de levar para a terra do exilio , com mais cincoenta e cinco
companheiros de desgraças e martyrios, foi salvo á tempo,
felizmente, antes de a frota dar a véla, pelo perdão régio con
cedido por graça do qual obteve a sua liberdade.
Pernambucano heroico, patriota requintador, flagello
eterno, irreconciliavel e mais tremendo que tiveram os mas
cates, segundo a phrase do autor dos Martyres Pernam
bucanos, Estevão Soares de Aragão, capitão de ordenan
ças , e membro do governo provisorio da capitania , mereceu
pelos seus feitos de patriotismo e heroicidade, as maldições
dos inimigos da grandeza e prosperidade de sua patria,
mas hoje a posteridade engrandece o seu nome illüstre é
respeitável, e o registra no pantheon dos seus heróes. Sem
mais outros dados á registrar sobre a vida de Estevão Soa
res de Aragão, basta a phase da guerra dos mascates, em
que o seu nome occupa um logar proeminente , para nobi
litar e engrandecer a sua memoria .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 283

Felippe Bandeira de Mello . Nasceu na villa de Olinda,


ao alvorecer do seculo XVII. Foram seus pais Antonio
Bandeira de Mello , e sua mulher D. Jeronyma de Mesquita
Azevedo. Felippe Bandeira de Mello e D. Maria Maciel de
Andrade, foram seus avós paternos, e maternos, Matheus
de Freitas Azevedo, fidalgo da casa real portugueza, Alcaide
mór de Olinda, e D. Maria Eanes, honrados e conceituados
povoadores da nascente colonia de Pernambuco .
Felippe Bandeira de Mello seguiu a carreira das
armas, e foi um militar muito distincto por sua illustração
e por seus feitos. As lutas navaes em que se achou quando
serviu nas armadas reacs, as guerras do Brazil, Flandres
e India, e as das fronteiras do Algarve, Beira e Almeida,
por occasião da restauração de Portugal do dominio Hes
panhol, exaltam o nome de Felippe Bandeira de Mello como
distincto e valente militar.
Mas elle não possuia somente o valor e a coragem ,
distincções que elevam e ennobrecem o militar ; elle reunia
a tudo isto, « a indispensavel instrucção e tino para a admi
nistração civil e politica. » E assim , lhe foi confiada a
administração da capitania de Porto Seguro ; em 1644 , foi
nomeado por El-Rei D. João IV governador civil e militar
da praça de Almeida, e especialmente encarregado da sua
defesa ,o que prova o grao de instrucção militar que possuia .
A situação politica de Portugal por aquelle tempo, era gra
vissima ; do resultado da guerra, pendia a consolidação
da sua liberdade, e os ferros da escravidão que a Hespanha
The forjava accesa em guerra, só o valor e heroismo dos
seus filhos os podiam quebrar.
Gravissima e arriscada era por tanto a situação de
Felippe Bandeira de Mello, e não menos o encargo que
sobre elle pesava ; mas D. João IV incumbindo -o dessa
importantissima missão, não se enganára quando lavrou
o acto de sua nomeação , porque elle soube corresponder
284 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

a regia confiança com muita honra e distincção. A praça


militar de Almeida, era a segurança , a chave de toda a pro
vincia da Beira ; ganbal-a antes que as fortificações que
levantava Felippe Bandeira de Mello , ainda mais difficul
tassem a sua tomada, foi plano assentado peloshespanhoes ;
caos 21 de Janeiro de 1646 ,um exercito de cinco milinfantes
e quatrocentos cavallos, investiram a praça de Almeida .
Mas as atalaias do illustre soldado , correm ao avisar, e
quando o inimigo avança seguro de que não o esperavam ,
recebe o castigo de sua audacia e á repetidas cargas, são
forçados a deixar o campo, partindo com grandes perdas ;
e as hostes portuguezas victoriosas, entoam o hymnó
do triumpho .
Agora é a propria patria escravisada pelo dominio
estrangeiro , que vae ser o theatro das glorias militares do
nosso heroe. Accordára o governo considerando o resul
tado que obteria a sua politica europea, com a evacuação
dos hollandezes do Brazil, em enviar soccorros aos insur
gentes de Pernambuco, e ao mesmo tempo um general que
pela sua pratica e habilidade, dirigisse a emprehendida
companha restauradora , exclusivamente posta em campo
pelo esforço e patriotismo pernambucano.
Foi pois nomeado mestre de campo general do exercito
de Pernambuco, Francisco Barreto de Menezes, quemuito
se havia distinguido nas guerras da restauração de Portui
gal , e para tenente general junto a sua pessoa , foi nomeado
Felippe Bandeira de Mello , por patente regia de 20 de
Dezembro de 1846, « em consideração dos seus serviços e
merecimentos, pelo tempo de quinze annos que serria (l,
corôa nas armadas do reino, nas guerras do Brazil, Flan
dres, Indias, enus fronteiras das provinciasdo Alentejo e da
Beira, occupando os postos de capitão ( le infanturiu, capi
tìo-mór da capitaniu de Porto seguro e governador da
praça dle armis du villa de Almeida, procedendo no de
curso do tempo referido com satisfação e calor, assim no
exercicio dos postosapontados, como nus occasiões depeloja ,
em que se assignalou, e por esperar (lelle e de su qualidade
que da mesma maneiru procederiu dahi por diante. » Tacs
são as honrosas e textuaes palavras empregadas por El Rei
D. João, ao conferir a Felippe Bandeira de Mello, o posto
de tenente general.
Partindo do porto de Lisboa com duas pequenas
embarcações, conduzindo alguns petrechos, e um soccorro
de trezentos homens, sobre as suas ordens immediatas,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 285

nesta mesma occasião embarcou tambem o general Bar


reto de Menezes; mas encontrando na altura da Parahyba,
uma esquadra hollandeza, teve de acceitar o combate, ape
sar da desigualdade de forças, tanto pela inferioridade
numerica de embarcacoes como de combatentes, e ferida a
peleja, cahem prisioneiros, Felippe Bandeira e Barreto de
Menezes, depois de mortos parte dos soldados que os
acompanhavām , e quando já não era possivel resistir por
mais tempo .
Retido prisioneiro de guerra na praça hollandeza do
Recife, Felippe Bandeira obteve escapar -se, e vôou aos
acampamentos do exercito pernambucano, e dahi por
diante foi elle um dos possantes collaboradores da obra
restauradora de sua patria do dominio da Hollanda. A 19 de
Abril de 1648, trava - se renhida peleja nos memoraveis
montes Guararapes .
O exercito inimigo commandado por Sigismundo
Van Scoop, compunha -se de mais de seis mil homens,
quinhentos marinheiros, cinco boccas de fogo, bem mun
ciados e mantidos, ao passo que as nossas forças eleva
va - se apenas ao numero de dous mil e duzentos homens ;
mas apesar dessa inferioridade, a coragem e bravura dos
combatentes da honra e liberdadespatrias,auxiliadospelas
posições estrategicas que occupavam , venceramopoderoso
inimigo, sahiram victoriosos e essa jornada dos Guarara
pes, cobriu de louros as armas pernambucanas, e consti
tue uma das glorias dentre as muitas que illustram os
nossos bellicos annaes .E Felippe Bandeira de Mello foi
um de seus heroes, e a gloria de que cobriu - se as armas
pernambucanas, cobriu tambem aquelles que a conquis
taram .
Consideravel foi a perda doinimigo ; mais de milmortos,
em cujo numero contavam -se trez coroneis, dezoito capi
tācs, nove tenentes e dezescis alferes, que alastravam o
campo , alem de quinhentos e vinte e trez feridos, em cujo
numero entrava o proprio general em chcfe ; ficando em
poder dos vencedores, duas peças de bronze, grande quan
tidade de armamento , munições, mantimentos, trinta e
duas bandeiras co estandarte general, o que constituiu os
tropheos dessa gloriosa batalha; ao passo que a nossa
perda foi de oitentamortos,e quatro centos feridos. Os hol
landezes humilhados por esse revez, rencidos por um
punhado de soldados, quando dispunham de numero duas
vezes maior, aguerridos e disciplinados, bem armados e
286 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

municiados, intentam uma segunda jornada sobre os mes


mos Guararapes, onde levantára barracas de acampamento
o nosso exercito ; e segunda vez são derrotados, segunda
vez os louros da victoria coroam as nossas armas !
O coronel Brink , nomeado commandante em chefe da
empresa incumbida de reerguer os brios abatidos das
armas hollandezas, escolhe cinco mil homens de infanta
ria , trezentos homens do mar, toma seis peças de artilharia ,
e marcha sobre os Guararapes, como que inebriado das
ovações que o aguarda ao voltar triumphante ! Fatal
engano !
Aos 19 de Fevereiro de 1649, trava - se renhida a segunda
batalha dos Guararapes. Assaltanteseassaltados, batem -se
como leões, e depois de porfiada lucta , o anjo da victoria
baixava sobre as phalanges pernambucanas, entoava - se
unisono o hymno triumphal! O general em chefe do exer
cito hollandez, ao lado demais de dous mil soldados, jazia
por terra, assim como o almirante da esquadra hollandeza,
que commandava a arthelharia ; grande numero de feridos
e prisioneiros, dez bandeiras, o estandarte general, toda a
artilharia , e grande quantidade de armas, munições e vive
res , taes foram os despojos que deixara-nos os inimigos.
E o tenente general Felippe Bandeira de Mello foi tam
hem heroe nesse novo e brilhante feito de armas . O conde
da Ericeira no seu Portugal Restaurado, historiando a
segunda batalha dos Guararapes, a todos os seus heroes
rende homenagens e não suspeitos louvores. » Os mestres
de campo referidos, diz elle, o tenente general Felippe Ban
deira de Mello, e os mais officiacs e soldados, se particu
larisaram com acções tão assignaladas, que não é possivel
individualisal-as, nem encarecel -as. »
Depois de tanto se haver assignalado na guerra da
conquista da liberdade patria, recebe do generala incum
bencia de ir a corte de Lisboa afim de expor a El Rei D.
João IV as circumstancias em que se achava a provincia de
Pernambuco , e desempenhando a sua missão, volta de
novo a tomar o seu posto de honra entre os seus compa
nheiros de armas. Felippe Bandeira de Mello , trouxe por
carta do monarcha de io de Abril de 1652, dirigida ao
governador geral do Brazil , ordem para que se lhe entre
gasse o commando do terço do mestre de campo Francisco
de Figueiroa, que se achava com licença em Lisboa, utė
se lhe consultar, e o prover, ou lhe fazer a merco que houl
resse logar.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 287

Porem nada disso se verificou , e em 1653 achavam -se


ambos em Pernambuco, e tomavam parte no conselho que
aos 25 de Dezembro convocara o general Barreto de Mene
zes, afim de se deliberar o ataque geral do Recife; e assim ,
vê-se que Felippe Bandeira de Mello tomou parte ainda nos
ultimos combates que restauraram sua patria do dominio
hollandez, sob o qual gemeu por vinte e quatro annos.
Dessa epocha por diante , nada mais se encontra rela
tivamente a vida aventurosa desse illustre militar, que
segundo concludentes rasões apresentadas pelo commen
dador Antonio Joaquim de Mello, falleceu em Pernambuco
aos 24 de Outubro de 1655 .
Tal foi a vida desse heroico pernambucano, que por
galardão de seus feitos e patriotismo, recebeu do soberano
honrosas demonstrações de apreço e confiança , titulos e
postos que o nobilitavam , taes como a elevada patente de
general, o fôro de fidalgo da casa real, eo habito da Ordem
de Christo. « Honra portanto ao cidadão intrepido ! Gloria
ao capitão valente ! Transmitta a patria agradecida perpe
tuamente de paes a filhos, o nome de Felippe Bandeira de
Mello , uma das glorias militares do Brazil ainda no berço. »
Felippe Nery Ferreira . Nasceu na freguezia de S.
Frei Pedro Gonçalves do Recife, aos 20 de Junho de 1783, e
foram seus paes o capitão -mór Domingos Affonso Ferrei
r'a , e D. Maria Damianna de Lima Ferreira.
Seguindo a vida commercial, Felippe Nery Ferreira
estabeleceu -se na praça do Recife, e foi um dos negocian
tes do seu tempo que gosaram de mais credito e conceito ;
e passando a servir no exercito de segunda linha desta
capitania, logo nos seus primeiros annos, chegou ao posto
de tenente do regimento velho de milicias do Recife, no
qual foi confirmado por patente regia de 16 de Janeiro de
1815 .
Iniciado nos planos do movimento separatista le
se mallogrou em 1817, elle foi um dos eleitores do governo
provisorio e no dominio da revolução, tomando sempre
parte em todas as reuniões e assembléas, e prestando ou
tros serviços, representou papel muito importante nessa
quadra revolucionaria porque passou esta provincia . Sen
do escolhido, pelo seu zelo e firmesai, juiz ordinario do
crime e policia da villa e termo do Recife, exerceu este
cargo tão dignamente que, até dos seus proprios adversa
rios politicos, recebeu os mais significativos louvores, con
288 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

fessando elles ter encontrado em Nery Ferreira muito mais


docura e humanidade, do que podiam esperar em tempo de
tal crise.
Felippe Nery Ferreira que, segundo o autor dos Mar
tyres Pernambucanos, tinha por synonimos - liberdade, ci
vilidade, humanidade, virtudes religiosas, e todos os prin
cipios do republicanismo em fim , não encontrou , pelo seu
criterio, imparcialidade e justiça de seu modo de proce
der, um só accusador, e nem foi perseguido, quando foi
restabelecida a autoridade real em Pernambuco ; mas foi
preso pela alçada e enviado á Bahia , onde resignadamen
te soffreu todos os tormentos até o termo da sua prisão
em 1821, não sem magoas de amigos e inimigos.
Restituido á sua terra natal, os seus compatriotas de
ram - lhe logo uma prova do quanto sabiam apreciar as suas
virtudes e patriotismo, elegendo -o membro da primeira
junta do governo provisorio , estabelecida após a deposi
ção do governador Luiz do Rego. Em Fevereiro de 1822,
estando no exercicio do cargo que lhe tinha sido confiado,
em 27 de Outubro do anno anterior, os seus collegas o in
cumbiram de visitar as villas de Goyanna, Iguarassú, Li
moeiro e Páo d’Alho, afim de convocar as camaras e o
povo no intuito de firmar -se a causa constitucional, dissi
par os discordias, chamar todos ao fiel cumprimento
dos seus deveres e tomar qualquer providencia que para
tudo isso fosse necessario .
Em Junho do mesmo anno foi deputado pela mesma
junta para ir ao Rio de Janeiro, e em seu nome beijar a
mão do principe regente, renovar perante elle os seus pro
testos de amor, fidelidade e obediencia, e ao mesmo tem
po representar e requerer tudo que julgasse de utilidade
immediata para a provincia ; mas, deposta a junta pela
sedição de Pedroso, ficou sem effeito tal incumbencia ; e
rompendo ainda um outro motim , em Olinda, por motivos
politicos, elle cahiu prisioneiro da tropa amotinada, em 19
de Setembro de 1823, sendo solto no dia 27 pela nova junta
do governo, logo que foi restabelecida a ordem publica .
Proclamada a independencia, agraciado com o officia
lato da Ordem do Cruzeiro , após a creação da mesma or
dem , e mais tarde elevado á dignitario, e nomeado presi
dente da Parahyba por Carta Imperial de 25 de Novembro
de 1823, seguiu para aquella provincia, e tomou posse da
administração a 9 de Abril do anno seguinte. Nery Fer
reira foi encontrar, então, na sua administração os maio
DICCIONARIO BIOGRAPNICO 289

res embaraços e difficuldades por causa da onda revolu


cionaria que por esse tempo tinha invadido parte das pro
vincias do Norte, e entre estas aquella cujo governo lhe ti
nha sido confiado.
Tomando conta da administração da provincia , foi um
dos seus primeiros cuidados tratar da reunião dos eleito
res , afim de proceder -se a eleição do conselho do governo,
mas as camaras do Brejo d’Areia , Villa Nova da Rainha é
Pilar mostraram - se hostis a essa determinação, assim
como a sua propria posse do governo, pois, quando foi elle
nomeado presidente, já la vrava a preparação revoluciona
ria . Nery Ferreira procurando por meios suasorios cha
mal- os ao terreno da legalidade, viu baldados todos os seus
esforços ; a reacção rompendo terrivel e ameaçadora a
revolução , o emprego da força era o unico recurso que
The restava , o que fez constrangidamente, recommendando
porém , terminantemente, ao commandante das forças ex
pedicionarias, « de não fazer effectivo uso das forças do
seu commando, senão nas extremidades, ou de resistencia
aberta , ou de ataques imprevistos ; e que assim mesmo
intimasse muito expressamente á qualquer agente, seu ex
pedicion ario . »
Nesse entretanto , recebeu Nery Ferreira uma porta
ria do governo imperial pela qual suspendia o bloqueio
nos portos do norte, vistas as noticias de uma proxima
invasão portugueza . Esta medida completamente o des
alentou, e , figurando -se que a sua permanencia no gover
no, contra o qual tanto clamavam os dissidentes, seria
d'alli em diante impolitica c damnosa á causa publica,
quando o imperador appellava para os sentimentos de bra
zileirismo e união dos proprios sublevados, renunciou a
autoridade no dia 21 de Julho de 1824, perante um conse
lho composto dos funccionarios superiores da provincia .
Nery Ferreira deixou então a provincia, mas com a
consciencia tranquilla de haver exacta e fielmente cumpri
do o seu dever, sentimentos estes que foram honrosamente
attestados ao governo imperial por seu successor, em offi
cio de 16 de Novembro, no qual diz : Faltaria certamente
á justiça, se avaliasse em pouco os serviços que prestára
o seu antecessor ; ... que elle se achou firme e resoluto
contra o partido levantado ; ... persistindo firme, provi
dente e corajoso, contra todas as machinações, rompimen
to e avançadas ... Mesmo assim , Nery ferreira fo ub
38
290 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

meltido á processo por haver abandonado a presidencia ,


porém foi plenamente absolvido por accordão da Relação,
de 13 de Janeiro de 1825.
Nery Ferreira achava - se já então no Rio de Janeiro, e
regressando posteriormente á Pernambuco serviu como
membro no conselho geral da provincia, e depois como
conselheiro do governo, e procedendo -se a primeira elei
cão de senadores, o seu nome figurou na lista offerecida a
coroa. Felippe Nery Ferreira falleceu aos 51 annos de ida
de, no dia 2 de Setembro de 1834, e foi sepultado na igreja
matriz da Bộa - Vista .

Felix Peixoto de Brito e Mello . Nasceu na freguc


zia de S. Antonio do Recife a 24 de Agosto de 1807. Felix
José de Abreu Peixoto e D. Antonia Maria de Macedo c
Mello foram seus paes, Antonio Teixeira de Abreu Peixoto
c D. Anna Rosa Rodrigues seus avós paternos e mater
nos Manoel Bento Alves de Macedo e D. Anna Izanel Ber
narda .
Depois de adiantar-se em alguns estudos de humani
dades, Felix Peixoto preferiu a carreira das armas, assen
tou praça como voluntario , justificou cadete, e logo em
1822 partiu para a provincia da Bahia na columna expedici
onaria commandada pelo bravo José de Barros Falcão de
Lacerda, e foi receberoseu baptismode sanguenos campos
de Pirajá e Cabrito, pela causa gloriosa da independencia
de sua patria . Batendo -se nos campos da batalha com as
hostes disciplinadas da antiga metropole, Felix Peixoto os
tentou valor e patriotismo inexcediveis, e por sua bravura
e heroismo conquistou aos quinze annos de idade o posto
de alferes e a medalha da campanha da independencia.
Firmada a causa da liberdade na provincia da Bahia,
cuja data memoravel relembra o valor dos intrepidos per
nambucanos que muito contribuiram para o feliz exito de
tão grandiosa empresa, Felix Peixoto voltou para esta pro
vincia com os seus camaradas da victoriosa expedição.
Em 1824, quando Pernambuco protestou com armas nas
mãos contra a politica oppressora do primeiro reinado e
proclamou a Confederação do Equador, Felix Peixoto tomou
parte nesse movimento, e quando debellada a revolução,
occultou -se para escapar dos furores do vencedor .
Pacificada i provincia e podendo apparecer, Felix Pei
xoto abandonou a vida militar, reformou -se no posto de
alferes, e dedicou -se ao commercio , entrando de caixeiro
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 291

na casa de um negociante portuguez. Posteriormente,


com a creação do Curso Juridico de Olinda, resolveu matri
cular - se, e concluindo os preparatorios que lhe faltavam
entrou na academia , e em 1834 tomou o grau de bacharel
em direito .
Felix Peixoto abandonando a vida commercial para
seguir a carreira das letras , viu - se sem recursos, e teria
mesmo retrocedido se não encontrasse generosa coadju
vação da parte de alguns parentes e negociantes desta
praca que entre si subscreveram - lhe uma mezada . Li
quidando depois a sua reforma, e passando a perceber o
soldo mensal de 22 $ 000, agradeceu então aos seus amigos
a coadjuvação pecuniaria que lhe davam , continuando
porem a acceitar até a sua formatura a de trez amigos que
se recusaram em deixar de continuar, cujos nomes é
digno de mensão : Henrique Foster, João Matheus e João
Severino Cavalcanti de Lacerda .
Seguindo a carreira da magistratura, foi nomeado juiz
municipal e de orphãos do Brejo da Madre de Deus por Pro
visão de 13 de Junho de 1835, juiz de direito da mesma co
marca a 20 de Abril do anno seguinte, juiz do crime do Re
cife, interinamente, por Portaria de 2 de Maio de 1838, e fi
nalmente juiz do civel da mesma comarca do Brejo por De
creto de 17 de Setembro do mesmo anno .
Em 1835 qnando se abriu a Assembléa Provincial de
Pernambuco, e Felix Peixoto acabava de deixar os bancos
da Academia , tomou assento como deputado na qualidade
de supplente, c de 1836 a 1842 como deputado . Correspon
dendo digna e honrosamento o mandato que lhe fora con
fiado , Felix Peixoto mereceu pelos seus dotes e talentos a
eleição de deputado a Assembléa Geral em quatro legisla
turas consecutivas até a de 1848, quando a camara foi dis
solvida . De 1845 a 1848, diz o Sr. Dr. Macedo, pertencen
na camara temporaria a pleiade ardente da deputação per
nambucana de que fazia parte Urbano, a logica ; Nunes
Machado, o enthusiasmo; e outros igualmente illustres ;
na tribuna parlamentar, que aliás não frequentou assiduo,
mostrou - se orador vigoroso, e exaltado na sustentação da
poltica de seu partido.
Nomeado presidente da provincia das Alagoas em 12
de Agosto de 1847 , dirigiu a sua administração até 24 de
Abril do anno seguinte , em virtude de seguir para a côrte
como deputado por Pernambuco. Na presidencia das Ala
goas, Felix Peixoto dedicou - se inteiramente em promover
292 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

o seu engrandecimento e bem estar, e entre os seus traba


Thos são dignos de mensão, os dados que recolheu para
formar uma estatistica da provincia, o cdificio da cadeia
publica cuja primeira pedra assentou em 2 de Dezembro de
1847 , as obras do quartel das tropas, a officina de espin
gardeiro que montou ; as obras de fortificação do serro
onde se acha o paiol da polvora, e estabeleceu -se uma ba
teria de artilharia, constituindo assim o melhor ponto de
defesa interna da capital; a companhia que organisou para
o abastecimento d'agua potavel á capital, conseguindo a
subscripção de grande numero de acções para o seu capi
tal ; a publicação que mandou fazer do expediente do go
verno ; e em appenso ao relatorio que apresentou ao passar
a sua administração, juntou um mappa circumstanciado
de todas as autoridades que tem governado aquella pro
vincia desde a sua creação até o seu antecessor, illustran
do-o com muitas notas e reflexões historicas, afim de servir
no futuro de subsidio á historia civil e politica da provincia.
Tomando assento na camara, e subindo ao poder o
partido Conservador a 29 de Setembro de 1848, Felix Pei
xoto que fazia parte da grande maioria liberal pronunciou -se
logo em opposição, até que em principios deOutubro a ca
mara foi adiada . Os deputados de Pernambuco, narra um
escriptor, todos liberaes ou como se chamava na provincia
- praieiros -- , retiraram -se da côrte ; antes porem de o
fazer assentaram em reunião secreta do partido, que se
empenhariam em manter a ordem , e impedir pronuncia
mentos illegaes . Os deputados das outras provincias to
maram na mesma reunião omesmo empenho, mas em Per
nambuco onde os animos já se achavam em ardentissima
agitação, era muito difficil conter os impetos da revolta.
Chegando aqui os deputados, esforçaram - se durante mais
de um mez no desempenho do accordo tomado no Rio de
Janeiro ; de um lado porem as intrigas dos adversarios a
fazerem passar por menos leaes ao partido praieiro e de
intelligencia com o presidente da provincia, e de outra parte
urgidos pelos correligionarios politicos mais exaltados já
victimas da apaixonada reacção, e já em alguns bandos
declaradamente levantados , tomaram a direccão do movi
mento illegal, e em Dezembro de 1818 , ostentosamente as
signados em manifesto dado á luz da imprensa assumiram
a responsabilidade da Recolta Pruicira que tomou grandes
proporções.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 293

Felix Peixoto , uma das victimas da apaixonada reacção


pela remoção do seu lugar de juiz de direito, pôz -se então á
frente da revolução, e como antigo militar, deputado e ho
mem esclarecido, foi o principal chefe das forças rəvolto
sas . Partindo para o sulda provincia deixando assignada
com os seus companheiros uma proclamação impressa
com data de 31 d3 Dezembro, foi desembarcar pa Praia
de Gamellas, nas Alagoas, d'onde escreveu aos seus ami
gos , pedindo-lhes que reunissem forças, e as encaminhas
sem para Agua -Preta .
Organisado o exercito revolucionario , Felix Peixoto foi
investido do cargo de commandante geral das tropas libe
raes, e mais tarde quando em Agua -Preta se organisou o
governo provisorio, creando -se um Directorio, foi elle eleito
presidente do mesmo. Apóz diversos combates no inte
rior, em que a sorte das armas nem sempre foi adversa as
forças liberaes, foi deliberado em fim o ataque da capital.
Investida a cidade do Recife no dia 2 de Fevereiro de 1849,
por trez pontos diversos, a columna principal que estava
confiada a Felix Peixoto, e que atacou pela Bòa - Vista não
poude penetrar no Recife pela resistencia que encontrou .
A morte de Nunes Machado e outros revezes, deu ganho de
causa as forças do governo, ante as quaes överam de re
cuar as tropas liberaes .
Esse golpe tremendo não fez comtudo morrer a revolu
ção. Felix Peixoto retiroll -se para o interior, mas sem
meios de seria resistencia, vendo já presos alguns dos de
putados chefes da revolta e completamente perdida a sua
causa, poude conseguir escapar ás deligencias da autori
dade, passou -se para as Alagoas , e dahi embarcou para a
Europa. Fixando -se em Lisboa, tragando o pão amargo
do exilio , Felix Peixoto soffreu resignado a sua sorte. Du
l'ante o meu exilio, diz elle proprio em um dos seus escrip
tos, conservei-me resignado, sem dirigir um sò queixume
aos meus amigos e concidadãos ; uma alma generosa
houve em Lisboa que me adoçou a vida e me alimentou
quando faltaram os poucos recursos de que podia dispor.
Nesse triste decurso de minha vida, demonstrei por mais
de uma vez , que existiam inteiros em meu coração os sen
timentos do amor da patria, e em sua defesa foram minhas
palavras publicadas nos jornacs de Lisboa, quando a vi
desacreditada e ultrajada .
A vida politica de Felix Peixoto de Brito e Mello , termi
nou em 1849 com a revolução liberal-pernambucana. Fi
294 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

xando - se em Portugal, ahi casou - se, e nem mesmo depois


de concedida a amnistía que abria-lhe franca as portas do
imperio regressou á patria, e pouco depois obtendo o cargo
de consul geral do Brazil na Hespanha, para ahi se passou ,
e « depois veio duas vezes matar saudades da terra mãe,
visitando o Rio de Janeiro, e saudando a sua querida pro
vincia . »A segunda vez foi em 1877, partindo de Lisboa a
bordo do paquete Orenoque, no qualtambem vinham para
o Brazil Ss . MM . Imperiaes, sendo o motivo de sua vinda
uma longa auzencia de 17 annos e o desejo demostrar a
terra da patria á sua unica filha, nascida na Europa.
Em meia viagem , no dia 17 de Setembro, Felix Peixoto
convidou todos os passageiros para se reunirem no salão
do paquete, e dirigindo-lhes algumas palavras desenhando
o quadro tristissimo da secca das provincias do norte, ter
minou invocando os seus sentimentos de caridade, abriu
uma subscripção que attingiu a 3,670 francos para a qual
contribuiu com 500, alem da quantia de 2:0003000 subscripta
por SS . MM . Depois de alguma demora no Rio de Janeiro ,
veio visitar o seu muito amado Pernambuco, dirigir-lhe as
suas saudosas despedidas no ultimo quartel da vida, e que
as recebesse tão sinceras e verdadeiras, como eram o amor
e dedicação que lhe consagrava ; ao mesmo tempo que con
vidava os velhos amigos e parentes para darem -lhe um
abraço, porquc em nove dias de sua demora não pederia
procural-os pessoalmente, fazendo votos para que Pernam
buco se engrandecesse e prosperasse, e que os pernambu
canos nunca se olvidassem de suas honrosas tradições.
Estas palavras escriptas em 10 de Janeiro de 1878 e pu
blicadas nos jornaes d'esta capital, foram como que um
presentimento, e a sua vinda a esta provincia uma como
que fatalidade ou destino . Robusto e cheio de vida, não
pensava elle que em lugar de deixar para sempre o solo
querido da patria , nelle ficaria eternamente dormindo o der
radeiro somno . Sentindo pela manhã do dia 13 uma pe
quena febre. que momentos depois se manifestou pernici
osa , foi accommettido ao mesmo tempo por uma congestão
pulmonar, que tomando rapido desenvolvimento , ao anoi
tecer já estava moribundo , vindo a fallecer poucosmomen
tos depois, as oito horas da noite. Felix Peixolo de Brito
e Mello falleceu aos setenta e um annos de idade, a 13 de
Janeiro de 1878 .
Nas differentes phases de sua vida, como soldado, como
magistrado, como politico, como revolucionorio, e final
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 295

mente como funcionario publico , Felix Peixoto elevou -se


pelo seu merecimento, prestou valiosissimos serviços ao
seu paiz, foi um patriotā distincto , um homem verdadeira
mente nota vel. Bacharel em direito, do conselho de S. M.
o Imperador, dignitario da ordem da Rosa , commendador
da de Christo , de Nossa Senhora da Conceição da Villa
Viçosa de Portugal e de Carlos III da Hespanha, entre outros
titulos, estes fallam bem alto do seu merecimento , eleva
dissimos dotes e grandiosos serviços. Sua actividade, seu
talento, sua illustração, servindo -nos das phrases de um
escripto á scu respeito, estiveram sempre ao serviço do paiz
que soube illustrar por seus nobres feitos, como os seus
recursos particulares estiveram sempre á disposição dos
que o procuravam , ou mostravam precisar do seu auxilio .
Parlamentar distincto, sua palavra foi muitas vezes o verbo
inspirado que apontava ao governo o caminho da legali
dade e levantava barreiras insuperaveis ás pretenções do
despotismo, naquelles tempos agitados e vertiginosos em
que a liberdade vacillava, as instituições politicas estreme
ciam e o voto nacional estivera a ponto de succumbir.
Magistrado, poderia servir de modelo á nova geração
pela rectidão de suas decisões , pelo estudo consciencioso e
acurado, que fazia, dos feitos que tinha de julgar; e jamais
teve a justiça melhor sacerdote, nem as leis melhor inter
prete .... Escriptor notavel e selecto , sua penna teve os
mesmos encantos e arrojos que a sua palavra .... O con
selheiro Felix Peixoto de Brito e Mello não foi só official,
deputado, presidente e juiz de direito : quando depoz a cs
pada, a toga e a farda de parlamentar e de administrador,
quando a intolerancia politica o afastou dos comicios popu
Jares, o grande tribuno, o infatigavel patriota , vendo que
seus profundos e variados conhecimentos não podiam ser
utilisados no paiz , demandou á plaga estrangeira, onde foi
procural- o a sabedoria imperial para aproveital-o na car
reira diplomatica . Nomeado consul geral do Brazil no
reino de Hespanha, continuou a prestar importantes e rele
vantissimos serviços ao seu paiz, que nunca foi impune
mente menoscabado e offendido em sua presença .
Não ha quem ignore com que enthusiasmo fallava o
illustre finado de sua patria e de seus concidadãos : era
que naquelle corpo , que os insultos do tempo não conse
guiram vergar, se aninhava um espirito sảo e energico ;
era que naquella fronte altiva, e cmbaixo das venerandas
cães, que coroavam -lhe como de uma aureola a cabeça pri
296 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

vilegiada, pullulava em taes occasiões um unico pensa


mento : o amor da patria. E ella que sabe quanto lhe deve,
saberá tambem honrar a memoria do grande cidadão que
já entrou nos dominios da historia, derramando sobre o
seu leito de granito, lagrimas, preces e flores. E esta divida,
sagrada por mais de um motivo, deve ser paga principal
mente pelo partido liberal, a quem cumpre recolher as tra
dições honrosas do passado, e prestar homenagem e preito
as virtudes do eximio patriota, do distincto pernambucano,
do grande vulto liberal, que tivera em vida o nome de Felix
Peixoto de Brito e Mello . »

Fernão de Mello e Albuquerque . Nasceu no come


co do seculo XVII ; era filho legitimo de Diogo Martins Pes
sòa e de sua consorte D. Felippa de Mello, neto pelo lado
paterno de Fernão Martins Pessoa e D. IzabelGonçalves
da Camara, e pelo materno de Jeronymo de Albuquerque
e D. Felippa de Mello .
Fernão de Mello e Albuquerque teve sem duvida por
berço a villa de Serinhãem , pois ahi possuia seu pae a rica
propriedade do engenho Rozario, que fundára . Perdendo - o
bem creança ainda, pois falleceu elle a 8 de Janeiro de 1612,
Fernão de Mello recebeu de sua mãi a educação necessa
ria a encaminhal- o na vida do dever e da honra, e chegan
do á idade em que tinha de desprender -se do lar paterno e
seguir uma carreira qualquer, elle dicidiu -se pela profis
são das armas, e assentou praça no exercito , quando as
legiões daHollanda já ameacavam cahirsobre Pernambuco .
Em 16 de Fevereiro de 1630, quando o exercito hollandez
saltou em Páo Amarello, e commandado pelo general Theo
doro Van Demburg poz-se em marcha sobre a villa de Olin
da, Fernão de Mello e Albuquerque já era um dos ames
trados defensores da honra e liberdade da patria . De 1630
a 1636 , por seis annos consecutivos pois, Fernão de Mello
achou -se pelejando peito a peito com o inimigo, em todos
os encontros e batalhas que se deram dentro desse perio
do; e fazendo parte da guarnição do forte de Porto Calvo,
quando cahiu elle em poder dos hollandezes, ficou prisio
neiro, e participou da sorte de seus companheiros de ar
mas , sendo com elles remetlidos para as Indias Hespa
nholas .
D'ahi passou -se Fernão de Mello á Porlugal, possuindo
então a patente de alferes, e seguiu logo para Flandres,
em cuja guerra serviu por espaço de cinco annos. Estará
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 297

militando ainda nessa campanha nas fileiras do exercito


hespanhol, quando recebeu a noticia de haver Portugal sa
cudido o jugo de Castella, dado o grito de independencia, e
acclamado rei a D. João IV ; Fernão de Mello abandona
então o exercito hespanhol, persuade e consegue conduzir
alguns soldados portuguezes, parte para a cidade de Haya,
affronta os maiores perigos e difficuldades, e ahi chega fi
nalmente depois de immensos trabalhos, e apresenta -se ao
embaixador portuguez, commandando umameia duzia de
bravos desertores, a todos os quaes sustentára a sua custa
durante essa longa viagem emprehendida por terra.
Da capital da Hollanda parte Fernão de Mello para Por
tugal, offerece os seus serviços a D. João IV, e võà ás fron
teiras de Elvas, une-se ao exercito portuguez, e batalha
contra aquelles mesmos de cujas fileiras acabava de deser
tar. Os serviços de Fernão de Mello e Albuquerque, na
guerra da restauração de Portugal, patriotica e gratuita
mente prestados á causa da liberdade e independencia da
metropole de sua patria , a parte que tomou em 1644 na de
feza do cerco de Elvas, e outros feitos, são titulos que nobi
litam o seu nome, que perpetuam a sua memoria .
Achava -se Fernão de Mello empenhado na luta de Por
tugal com a Hespanha, quando rompe em Pernambuco a
guerra da restauração, e elle vem unir -se aos seus compa
triotas, deixa Portugal e parte em demanda do Brazil .
Nessa occasião, tendo tambemn de partir das ilhas adjacen
tes quatro companhias de infantaria sob o commando do
mestre de campo Francisco de Figueiroa, D. João IV por
patente datada de 17 de fevereiro de 1646, elevou Fernão
de Mello ao posto de capitão , havendo respeito al muitas
occasiões de pelejas nas guerras de Pernambuco em que
procedeul com calor, na guerra de Flandres com satisfil
ção, pelo cuidado e selo portugues com que tratou de recu
lher - se ao reino por occusião de sua acclamação, e por con
sideração ao mais.
Os seus serviços, as glorias e louros colhidos em qua
tro campanhas, a da invasão de Pernambuco pelo exercito
hollandez, a guerra de Flandres em que serviú no exercito
hespanhol, a da restauração de Portugal, e finalmente a da
restauracão de Pernambuco do dominio hollandez , consti
tuem os titulos de celebridade do capitão Fernão de Mello
e Albuquerque. Dessa ultima phase da vida de tão illustre
pernambucano, nada sabemos de positivo ; e aqui veio a
terminar os seus dias, segundo cremos, vendo
39
despontar
298 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nos horisontes da patria a suspirada e explendida aurora


de sua liberdade, a qual surgiu depois de heroicos e as
sombrozos feitos, no memora vel dia 27 de Janeiro de 1654.
Finda a guerra , e quando Portugal entrou na posse
dos ricos dominios do Brazil, reivindicados aos hollande
zes, em maxima parte , pelos esforços, valor e patriotismo
dos seus naturaes, abriu -se o cofre das graças, mas os ser
viços , a dedicação e os feitos de muitos daquelles heroes
que tanto contribuiram para a sua restauração, foram com
pletamente esquecidos ! Fernão de Mello e Albuquerque,
que tanto se distinguira, quer nas guerras do Brazil, como
nas de Flandres e de Portugal, foi sem duvida uma destas
victimas, e sobre elle apenas encontramos a mercè que
The fizera o governador de Pernambuco general Francisco
Barreto de Menezes, de dous escudos de tantagem sobre
qualquer soldo cada mez, aos 21 de Novembro de 1654, em
virtude da Provisão Regia de 29 de Abril do mesmo anno ,
« havendo respeito ao bem que tem servido Fernão de Mello
e Albuquerque, e ao valor e satisfação com que procedeu
em as occasiões desta recuperaçāo em que o valor do dito
capitão correspondeu beni á obrigação de seu cargo , e pelo
animo, satisfação e talento com que se prestoul.... e assig
naladamente pela occasião da dita recuperação de Per
nambuco ,»
Tal foi em largos traços a vida do heroico soldado, do
illustre pernambucano Fernão de Mello e Albuquerque;
tal os feitos que praticou nas campanhas da America e da
Europa ; tal a recompensa, a paga de tanta dedicação e pa
triotismo: -- dous escudos de vantagem sobrequalquer sol
do cada mes !!

Francisco Antonio Raposo, Barão de Caruarú. Nas


ceu a 24 de Novembro de 1877 , e foram seus paes Miguel
Francisco Raposo e sua mulher D. Joaquina Maria de
Lemos .
Inspirado por sua vocação á seguir a carreira de en
genheiro militar, Francisco Antonio Raposo seguiu para
o Rio de Janeiro , e assentando praça em 2 de Dezembro
de 1838, quando contava 21 annos de idade , matriculou -se
no anno anterior
completo
naEscolaMilita
de engenhari
r da corte,
a civil e militar, obtendo
curso
e fez osempre
pelo seu aproveitamento e dedicação, as mais distinctas
approvações.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 299

Promovido a segundo tenente por Decreto de 2 de De


zembro de 1839, a primeiro tenente graduado em 4 de Marco
de 1844, effectivo em 3 de Julho de 1846, capitão em 7 de
Setembro de 1847, major em 13 de Julho de 1856, tenente
coronel em 2 de Dezembro de 1858 , coronel em 19 de Março
de 1864 e brigadeiro em 28 de Dezembro de 1872, o Dr. Frau
cisco Antonio Raposo conquistou todos estes titulos um
após outros pelo seu merito e distincção , cujas datas são
assaz eloquentes para isso traduzir.
Servindo por muito tempo na repartição do Archivo
Militar, como encarregado da direcção dos trabalhos da
officiná hythographica , em 1844 foi designado para reger a
cadeira do 5.° anno da Escola Militar, e depois a do 6.°
anno . Nomeado lente substituto da mesma escola por De
creto de 15 de Junho de 1845, e tomando o gráo de Dr. em
mathematicas a 20 de Setembro de 1847 , foi promovido a
lente cathedratico da cadeira de physica por Decreto de 15
de Janeiro de 1849.
Possuindo então a patente de capitão, e graduado com
o titulo scientifico de Dr. em mathematicas, Francisco An
tonio Raposo , havia já conquistado um nome honroso e
titulos de subido apreço e consideração, e o seu merito
traduz - se nas missões de que fora incumbido, cujos resul
tados importavam justos e merecidos louvores dos seus
superiores e do governo imperial.
Nomeado cm 1848 director da fabrica de ferro de S.
João de Ipanema, dirigiu este estabelecimento até 1855, e
por Aviso do ministerio da marinha de 9 de Fevereiro desse
mesmo anno, foi nomeado engenheiro civil e militar da
repartição da marinha, sendo posteriormente nomcado
lente das cadeiras militares da Escola Militar por Decreto
de 1 de Março de 1858 .
Exercendo ainda em 1861 o cargo que desempenhava
junto ao ministerio da marinha, assim como o de membro
do conselho naval, pediu e obteve a sua exoneração , pas
sando então a servir como membro effectivo da commissão
de melhoramentos do material do exercito . Passando á
Europa cm 1860, incumbido pelo ministerio da Guerra da
commissão da compra de material de guerra para o nosso
exercito, ahi se demorou até 1865 , sendo- lhe então incum
bida a direcção do Arsenal de Guerra da Corte , em uma
cpocha anormal pelo rompimento da guerra com o Para
guay, e nesse cargo se houve com o maior zelo c intelli
300 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

gencia possivel, sendo mais tarde encarregado da orga


nisação do regulamento dos arsenacs de guerra, missão
esta que desempenhou plena e satisfatoriamente, pela ap
provação e louvores que mereceu o seu trabalho, do go
verno imperial.
Passando em 1865 do serviço do corpo de engenheiros
para o do estado maior de artilharia, por Decreto de 28
de Março de 1867 nomeado para servir na secretaria de es
tado -maior dos negocios da guerra, na qualidade de chefe
da directoria do material de guerra, deixou esta incum
bencia em 1870, para assumir as redeas da administração
da provincia de Matto Grosso, onde tambem desempenhou
o cargo de commandante das armas . Deixando Francisco
Antonio Raposo a administração da provincia em fins de
1870, voltou para o Rio de Janeiro, e foi nomeado quartel
mestre general do exercito .
Jubilando -se no lugar de lente cathedratico da escola
militar, por contarmais de 20 annos de bons e relevantes
serviços no magisterio , passou depois a exercer o cargo
de director da Escola Polytechnica, em substituição do
Visconde Rio Branco, sendo o Decreto da sua nomeação
lavrado em 1 de Julho de 1879, desistindo elle patriotica e
generosamente dos respectivos vencimentos, attendendo
a crise financeira que então atravessava o paiz.
Funccionario zeloso e honrado, intelligente e illus
trado , prestimoso e benemerito pelos seus serviços e de
dicação, o governo imperial soube devidamente galardoar
e distinguir a Francisco Antonio Raposo, já contiando -lhe
cargos e missões elevados e honrosissimos, como confe
rindo -lhe litulos assaz significativos por traduzirem muita
distincção e merecimento, como a dignitaria da Ordem da
Rosa, e as commendas das de Christo e S. Bento de Aviz ,
e depois os titulos de conselheiro de guerra , e de Barão de
Caruarú .
Membro adjunto da commissão de melhoramentos do
material do exercito, quartel mestre general, vogal do con
selho superior militar de justiça, encarregado por diversas
vezes pelo ministerio da agricultura de examinar com os
Drs . Francisco Primo de Souza Aguiar, Ricardo José Gomes
Jardim e José Carlos de Carvalho, os trabalhos de construc
ção e contas da receita e despesa da estrada de ferro D.
Pedro II , membro da commissão incumbida da confeccão
do regulamento das escolas militares do imperio , e ulti
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 301

mamente director da Escola Polytechnica, o general Barão


de Caruarú distinguiu - se não só como militar, mais tam
bem como mathematico abalisado e homem publico .
O Barão de Caruarú falleceu na corte do imperio ás 3
horas da madrugada do dia 23 de Março de 1880, na idade
de 63 annos incompletos, e o seu cadaver foi sepultado no
cemiterio de S. Francisco Xavier, comparecendo ao seu
enterro o ministro da guerra, Visconde da Gavea ajudante
general, diversos officiaes generaes e superiores, e grande
numero de amigos, sendo depositadas sobre o ataude al
gumas coroas de saudades, entre ellas uma offerecida pela
directoria do Arsenal de Guerra da corte .
Inequivocas provas e manifestações de sentimento fo
ram prestadas á memoria do illustre e benemerito Barão
de Caruaríi , pela geral estima que gosava entre os seus
camaradas cos empregados com quem servira. Os da
repartição do quartel mestre general, em signal de pro
fundo sentimento pela morte do seu chefe, tomaram luto
por 15 dias , assim como os empregados da Escola Poly
technica ; co ministro da guerra tendo em alto apreço as
eminentes qualid : des do benerito servidor do estado, man
dou fechar a secretaria da guerra , no dia do seu falleci
mento .
O chefe e mais empregados da repartição do quartel
mestre general do exercito , gratos á sua memoria , collo
caram na sala do expediente da mesma repartição, o seu
retrato , assim como foi inaugurado um outro no dia da
installação do Centro dos Engenheiros Brasileiros, no Rio
de Janeiro, um signal de homenagem da engenharia bra
sileira.
O Barão de Caruarú legou á sua patria um nome puro
e a memoria das suas virtudes e serviços incontestaveis.
Um jornal do Rio de Janeiro, a Gazeta de Noticias, notici
ando o seu passamento , disse em duas palavras o que era
co que valia tão illustre varão : « () exercito perde na pes
soa do general Raposo uma das suas mais bellas e com
pletas illustrações. Militar brioso, mestre abalisado em
diversos ramos das sciencias militares, administrador ze
loso, honesto e methodico , amigo dedicado e cidadão cheio
de santo patriotismo. »
E se um dia , quando a patria tiver de prestar home
nagem á memoria dos seus filhos mais charos, a memoria
dos seus heroes, daquelles que souberam respeitar e en
grandecer o seu nome, erigir un monumento que eucerre
302 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

as cinzas do illustre pernambucano Francisco Antonio


Raposo , Barão de Caruarú, grave como epitaphio as tran
scriptas palavras, dignas da sua memoria e dos seus gran
dissimos serviços.
D. Francisco Cardoso Ayres. Nasceu na freguczia
de S. Frei Pedro Gonçalves da cidade do Recife aos 18 de
Dezembro de 1821 , e recebeu as aguas do baptismo na
cgreja matriz da mesma freguczia a 16 de Janeiro seguinte ;
era filho legitimo do capitão João Cardoso Ayres , natural
de Abrantes em Portugal e D. Maria Cardoso Vivas, natural
de Pernambuco , senhora de illustre origem .
Destinado por seus paes a vida commercial, apenas
sahiu da escola primaria regida pelo professor Manoel
Joaquim do Paraizo, foi ajudar a seu pae na sua loja de
livros, situada á antiga rua da Cadeia do Recife , hoje do
Marquez de Olinda, em cujo predio nascera. Em 1831 ,
emprehendendo seu pae uma viagem a Portugal, mandou -o
depois buscar , c para ahi seguindo, a 11 de Maio desse
mesmo anno desembarcou na cidade de Lisboa .
Ahi, frequentou o jovem Cardoso Ayres não só o
commercio, como tambem algumas aulas de instruccão
scientifica é artistica , c pelo seus progressos, applicação
e intelligencia, muito aproveitou, merecendo de seus
mestres estima e consideração, um dos quacs graciosa
mente o chamava — o esperancoso brasileiro. Voltando seu
pae para Pernambuco em 1837, Cardoso Ayres o acompa
nhou, e deixando Lisboa a 22 de Outubro , desembarcaram
no porto do Recife a 24 de Novembro do mesmo anno.
Aqui, por algum tempo ainda,continuou Cardoso Ayres
a occupar -se no commercio , até que resolvendo proseguir
nos seus estudos, matriculou -se no Lyceu Pernambucano,
onde estudou a lingua latina, cujos conhecimentos chegou
a possuir em grao elevadissimo, com o profundo latinista
Padre Joaquim Raphael da Silva, geographia e historia
com D. Francisco do Coração de Jesus Cardoso Castro ; o
com o Dr. José Soares de Azevedo, estudou philosophia.
Sob a direcção de taes mestres, Cardoso Ayres, enriqueceu
o seu espirito, illustrou -se, e fez rebentar a paixão dos
estudos superiores; nessa quadra, no viço da mocidade,
Cardoso Ayres cultivou a litteratura, ensaiou algumas
composições dramaticas, e foi poeta.
De suas composições poeticas , publicou algumas no
periodico () Philcidemon , que figuram iis paginas 31 e 151
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 303

da collecção de 1846 , e uma opistola dirigida a João Lustosa


da Cunha Paranaguá, hoje senador do imperio , a qual foi
impressa nesta provincia em 1844.
Concluido o curso das disciplinas secundarias,Cardoso
Ayres prestou exame na Academia Juridica de Olinda, e
merecendo plena approvação em todas as materias, delibe
rou fazer os seus estudos superiores na Europa . Então, já
havia abandonado a vida commercial, e já aos vinte e cinco
annos ia executar uma outra, a vida ecclesiastica, e partio
a alistar -se nas phalanges da milicia divina, onde procu
rando a humildade pobreza e obscuridade, encontrou as
honras, a dignidade e a grandeza de principe da egreja , a
o
A 19 de Abril de 1846, a bordo do navio genovez Bri
fronte, partiu para Europa , e a 17 de Julho, depois de uma
pequena demora em Genova, saudou Cardoso Ayres a
Roma pagā dos Cezares, a Roma christã dos Summos
Pontifices. Matriculando -se na Universidade da Sapiencia,
na faculdade de Utroque jurc, apenas por dous annos
frequentou as suas aulas, em virtude da revolução que
rebentou a 23 de Novembro de 1848, que motivou não só
fechar -se a universidade, como a partida do Santo Padre
para Napoles.
Achava-se então em Roma por esse tempo, D. Antonio
Rosmine Serbati, fundador do Instituto da Caridade, e com
elle travando relações, sentiu - se inclinado a abracar a vida
de religioso naquelle Instituto . Assim determinado, partiu
para a cidade de Strezza no Lago -maior, então reino do
Piemonte, onde fasia -se o noviciado, sendo recommendado
ao reitor desse estabelecimento D. Francisco Puecher
Passavali, em cuja carta , com expressões enthusiasticas
lhe encarecia as virtudes e dotes do seu recommendado,
dizendo finalmente, que lhe enviava um anjo . O reitor
respondeu, que, de bom grado recebeu o seu recommen
dado, mas que achava cxagerados os louvores que lhe libe
rulisava. Não passaram -se porem cinco semanas, quando
monsenhor Passa valli recebe nova carta de seu irmão na
qual dizia : não hesitava em escrever que tinha achado de
facto, inferiores á verdade, os encomios que ao Cardoso
tributura .
Ahi, diz D. Lourenço Gastaldi, bispo de Saluzo, entrou
elle no caminho de abnegação e de sacrificios com tamanho
zelo, que bem depressa veio a constituir -se a admiração
não só de todos os seus companheiros, que nelle julgavam
304 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ter um Luiz de Gonzaga, como aos demais sacerdotes e


irmãos da casa , de sorte, que, era para todos commum o
dizer que, o irmão Francisco jà não era um noviço , mas
sim um homem ha muito consumado na virtude ... E por
isso , em seu regresso da inglaterra, onde era superior
provincial das diversas casas do Instituto , aquelle distincto
mestre e escriptor ascetico , que foi o Padre Pagani, nas
vistas de tirar alguns irmãos da Italia e leval-os á trabalhos
naquelle campo , que a Providencia tornava cada vez mais
amplo, e apreciando as raras virtudes de Cardoso Ayres,
esforçou-se por tel-o consigo ; e afinalconseguindo , não
sem grande difficuldade da parte do abbade Rosmine, que
como fundadorera o superior geral, a autorisação de leval-o,
teve o santo jovem de partir para a Grã -Bretanha em 1850,
por entre as lagrimas dos irmãos e padres, que não sabiam
quando Deus os edificaria com um semelhante exemplo tão
perfeito de virtudes religiosas .
Cardoso Ayres acompanhando o Padre Pagani, foi
residir na casa central da ordem em Inglaterra , que era
então no collegio de Ratcliffe, no condado de Nottingham ,
eahiconcluindo oseunoviciado eo curso theologico,recebeu
ordens de diacono das mãos do bispo diocesano. Passan
do -se depois para a casa de Rugby, em principios de 1852,
leccionou uma das cadeiras do seu collegio, c ahi recebeu
ordens de presbytero aos 5 de Junho desse anno, das mãos
do bispo de Birmingham D. Bernardo Ullatorne, e cinco
dias depois, cantou a sua primeira missa.
Cardoso Ayres havia assim tocado ao fim de sua
humilde aspiração : era religioso da ordem de S. Estanisláo
Scott. Regressando ao Piemonte, ali demorou -se algum
tempo ; mas em 26 de Junho de 1859 voltava de novo a
Inglaterra com outros companheiros, e mereceu logo de
seus superiores a nomeação de Sub -reitor da casa de
Santa Maria de Upton, no condado de Cork na Irlanda, para
onde seguiu . Cardoso Ayres na sua missão de religioso,
modesto, humilde, virtuoso e retrahido, em vão occultava
os thesouros de sabedoria que possuia. Longe da patria ,
separado della por mares immensos, por legoas sem conta,
o seu nome, os seus talentos e as suas virtudes, chegaram
a patria ; e a patria lembrou - se desse homem , de quem
fallando monsenhor Mac -Cabe, disse não haver encontrado
um outro tào notavel por sua evangelica simplicidade e
prudencia , e em 1860 offereceu -lhe a mitra de uma Slias
dioceses; porem o sentimento de profunda humildade que
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 305

o digno sacerdote tinha no coração, diz monsenhor Passa


valli, repugnava a tudo que tem côr de honra e dignidade
aos olhos do mundo .
Cardoso Ayres recusa acceitar tão honrosa quão espi
nhosa missão, e supplica ao Santo Padre para que a isso
não o obrigasse , e o deixasse no seu retiro , mas em 1867,
o Decreto de 6 de Abril apresentando - o para bispo da
diocese de Olinda, vae de novo sorprehender o virtuoso
religioso na humildade e pobreza de sua cella .
Ao receber esta noticia , Cardoso Ayres parte para o
reino do Piemonte, e implora do geral de sua ordem que lhe
dispense da acceitação de tão elevado cargo : mas o Geral
responde que isso só o podia fazer o Summo Pontifice .
Elle toma então o caminho de Roma e chega ahi a 26
de Junho ; mas a cidade eterna estava coberta de galas,
celebrava -se o centenario no martyrio do principe dos
Apostolos , e só Santidade.
a 11 de Julho lhe foi possivel obter uma
audiencia de S. responde
Pio IX ouvi- o , e -lhe
que brevemente daria a resposta de sua resolução, e effecti
vamente a deu oito dias depois, por intermedio do monsc
nhor Franchi, secretario dos negocios ecclesiasticos, com
a terminante ordem de que deveria acceitar a mitra : c
neste mesmo dia , em virtude da palavra decisiva de S. San
tidade, Cardoso Ayres officiou ao ministro do Brazil junto a
a Santa Sé, participando que acceitava a nomeação.
« O alegre semblante, diz elle proprio em sua primeira
carta pastoral saudandó os seus diocesanos; o alegre
semblante, desde então assumiu um aspecto grave, ao
fallar entorpeceu as vezes a lingua, os olhos não poucas
lagrimas verteram . E quando foi mister dar finalmente
um passo , commoveram -se em nós os varios sentimentos
d'alma ; eo coração meditando, veio a resolução de evitar,
quanto em nós coubesse , aquelle voto magnanimo, como
que trazia comsigo uma responsabilidade sobre os passos .
Conseguintemente viemos de proposito a Roma, para apre
sentar encarecidos rogos prostrando -nos aos pés do Santo
Padre Pio IX , o Vigario de Jesus Christo, afim de que hou
vesse por bem tirar esta alma da sua afflicção . Aomesmo
tempo não nos dispensamos de conservar dia e noite um
coração humilhado em supplicas a Deus ; nem deixamos
de tomar a Immaculada Virgem Maria que nos dera por
mãi, qual nossa advogada em circumstancias tão impor
tante . Mas invocamos tambem como intercessores os
santos doutores Thomaz de Aquino, e Bernardo, assim
40
306 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

como S. Bernardino de Senna e S. Felippe Nery, para que


nos soccorressem na difficuldade, da qual outr'ora elles
mesmos tão felizmente se eximirain . >>
« D'outra parte alguns sacerdotes das nossas plagas,
e por esse tempo de estada ou passagem em Roma, vindó
a saber do nosso intento , não cessavam de incitar -nos a
ceder a vontade de S. M. o Imperador ; entre os quaes con
tavam - se alguns dos dignissimos prelados da igreja nossa ,
então chegados para visitar o tumulo dos Apostolos, recor
rendo a festa centenaria do martyrio dos mesmos Santos
Apostolos . Pois bem , estes , um ornamento do episcopado
brazileiro, abraçaram -nos com bondade, e prorompendo
como apostolos em doces expressões, procuraram persua
dir -nos, que esta nossa era uma indubitavel vocação para
um tão importante serviço de Deus. Uma tal opinião man
tinham além delles outras pessoas bem acceitas assim da
ordem ecclesiastica, como da sociedade civil. »
« Em fim deixou -se ouvir a voz do Pastor Supremo. »
A nomeação de D. Francisco Cardoso Ayres, para bis
po da dioceze de Olinda, foi recebida com unanime applau
so e enthusiasmo. Ha quasi dous seculos que então con
tava de existencia o bispado de Olinda, depois de haver
occupado o seu solio dezenove prelados, era esta a primei
ra vez que um pernambucano ia empunhar o baculo de
pastor da propria igreja pernambucana, depois de tantas
nomeações, depois de tanto tempo ; co nomeado era digno
de tal nomeação, pois possuia as qualidades raras vezes
reunidas, do talento, illustração e virtudes. Um jornal que
então publicava -se nesta capital , A Opinião Nacional, disse ,
noticiando a sua eleição : « Nomeações como esta , honram
a quem as faz , e põe se é possivel, mais em relevo o mere
cimento daquelles, que dellas se constituem dignos na so
ciedade. »
Aos 12 de Setembro de 1867, baixou pela secretaria dos
negocios do Imperio , a carta de sua apresentação ao Sum
mo Pontifice, ca 20 de Dezembro reunindo - se o Sacro - col
legio, foi D. Francisco Cardoso Ayres preconisado pelo
Santo Padre Pio IX , bispo da diocese de Olinda, e a 15 de
Março de 1868, na Igreja Nova, onde começára a sua vida
religiosa como irmão externo do oratorio , recebeu a sagra
ção episcopal,das mãos do cardeal principe de llohenlohe,
tendo por assistentes monsenhor Passavale , arcebispo de
Iconio, e monsenhor Franchi, arcebispo de Thessalonica.
E foi esse um dia de singular alegria para muitos ecclesi
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 307

asticos e seculares que o conheciam , diz o bispo de Saluzzo ;


alegria que se prolongou na visita que depois fez a varias
casas do Instituto na Italia , em Franca e na Inglaterra, onde
seus antigos condiscipulos de noviciado exultaram de vel-o
ornado da mitra episcopal, parecendo -lhes ver nella como
que uma aureola bem merecida por tão eximias virtudes.
No dia da sua sagração, datou D. Francisco Cardoso
Ayres, fóra da Porta Flaminia , a sua primeira carta pastoral
saudando os seus diocesanos, escrevendo -as nas linguas
latina e portugueza, em cada uma das quaes, e em edições
differentes, publicou - a na mesma cidade de Roma cm 1868.
Nesta carta , a par da modestia e da humildade, brilha e ma
nifesta -se a sua illustração ; ahi, a gratidão, o amor, o res
peito e o reconhecimento, dão-se as mãos, e as confissões
ingenuas de sua timidez, de sua incapacidade para tão alta
dignidade, tudo eleva e sobresalie ; finalmente, com um elo
quente Salve, ao clero, a nobresa e ao povo de sua dioceze,
termina a sua carta de saudação. Mas elle subdividiu estas
trez grandes classes, fallou -lhes directamente particulari
sando -as, de nenhuma esqueceu -se, e até esses proscriptos
da sociedade que se chamam escravos — , tiveram o
seu lugar. « E se , por inevitavelcondição , alguns ha que
estejam sotopostos ao senhorio, diz o illustre prelado diri
gindo -se aos homens em geral, não julguem -se elles indig
nos de um Deus. Pois que o filho de Deus,movido do amor
de todos nós, de nenhum outro modo exinanin -se, que to
mando a forma de servo, Elle que éo mesmo poder de Deus,
o rei dos reis, o senhordos senhores. Visto o que, igual
menie a vós , hoje embora escravos dos homens, mas pela
eternal vocação filhos de Deus, como a filhos nossos ca
rissimos de bom grado mandamos esta mesma saudação. »
Aos 14 de Abril de 1868, partiu D. Francisco Cardoso
Ayres de Roma em demanda do Brazil ; mas sua viagem
prolongou -se, porque de passagem , visitou os mais nota
veis monumentos religiosos da Italia , Franca , Inglaterra e
Portugal, e embarcando - se em Lisbộa a 13 de Junho, atra
vessou o Atlantico, com destino ao Rio de Janeiro, a 28 to
cou nesta provincia, e chegando a corte, comprimentou a
S. M. o Imperador,e d’ahi partindo, chegou a Pernambuco,
a sua diocese, a sua patria, aos 27 deJulho, e foi recebido
com as mais vivas demonstrações de jubilo por toda a po
pulação do Recife .
S. Exc. Revm . saltou na rampa do cáes 22 de Novembro ,
e recebendo as devidas honras militares, seguiu a pé entré
308 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ondas de povo á igreja do Espirito Santo , afim de assistir


ao solemnissimo Te -Deum , cantado em accão de graças
pela sua feliz chegada as plagas de sua diocese ; e no do
mingo 2 de Agosto de 1868, fazia a sua entrada solemne na
cidade episcopal de Olinda ; c em seguida deu -se o acto
da posse, na sala do Cabido, precedido pela leitura das bul
las de confirmação e do beneplacito in perial.
A solemnidade do acto da entrada na cidade episcopal,
a posse, co Te- Deum na Cathedral, tudo isto constituiú
uma festa explendida e pomposa. As ruas da velha capi
tal de Pernambuco, percorridas pelo prestito estavam vis
tosamente embandeiradas, as varandas dos predios cober
tas de colchas, e quando ao desfilar do prestito, composto
das irmandades e confrarias, seminaristas, clero e cabido,
passava o ilustre prelado revestido das vestes pontificaes,
debaixo do pallio cujas varas conduzia a Camara Munici
pal, as primeiras autoridades e pessoas gradas, nuvens
de flores cahiam sobre elle, girandolas de fogueles subiam
aos ares , os sinos de todas as igrejas repicavam festivos.
Tres dias depois, a 5 de Agosto , era de novo D. Francisco
Cardoso Ayres, o alvo de novas manifestações de sympa
thia, de respeito e de enthusiasmo. Os parochianos da fre
guczia de S. Frei Pedro Gonçalves, celebravam um TeDeum
em acção de graças pela sua elevação ao solio episcopal de
Olinda, na sua igreja matriz do Corpo -Santo, em cuja fre
guezia nasceu , sob cujas abobadas recebeu as aguas do
baptismo. Foi um acto solemne e pomposo , pelo cerimo
nial, pela concurrencia e apparato , pela riqueza e primor
das ornamentações do bello e magnifico templo .
« D. Francisco Cardoso Ayres, diz um illustre prelado,
começou sob os mais felizes auspicios os trabalhos admi
nistrativos de sua vasta diocese , fazendo - se tudo a todos
para ganhar todos a Jesus Christo . Animado de senti
mentos verdadeiramente paternaes, a todos acolhia e dava
audiencia com a maior affabilidade e paciencia , a qualquer
hora do dia , amando e fazendo o bem que podia a cada um ,
sem distincção de partidos. » Um dos seus primeiros cui
dados, foi a reforma do Seminario Episcopal de Olinda,
dando -lhe novo regulamento , ampliando o curso dos estu
dos, e reformando o corpo docente. »
No curto governo de pouco mais de um anno do seu
episcopado, alguns factos deram -se que fizeram -no tragar
á largos sorvos o calice da amargura. A denegação da se
pultura no Cemiterio Publico, ao cadaver de uma dasmaio
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 309

res glorias de Pernambuco , o general José Ignacio de


Abreu e Lima, c o retiro espiritual imposto ao clero, no
convento de S. Francisco do Recife, com a leitura do ca
thecismo todos os dias feita por padres estrangeiros, e a
subsequente prohibição ao publico de assistir a esses actos,
fizeram amortecer aquelles animos que tanto se manifesta
ram de amor e enthusiasmo, á sua nomeação , a sua che
gada a Pernambuco ; extremaram -se os partidos, a im
prensa manifestou a sua opinião pró e contra, e os exal
tados foram injustos para com o illustre prelado, e até com
as cores politicas se tentou revestir os seus actos . « Esta
mos promptos a todo o sacrificio que requerer o bem estar
do nosso paiz, escreveu elle proprio na sua Pastoral de 28
de Abril de 1869, mas alimentar partidos, não . Nós vol-o
declaramos francamente na consciencia de nos sentirmos
immune de ter jamais praticado acto algum em o nosso
episcopal ministerio, tendente a servir a um partido, e na
firme l'esolução estamos de perseverar em nossos princi
pios para o futuro , em quanto estiver em nós e nos auxi
liar a graça divina . »
Mas a obra executada pelo seu antecessor D. Emma
nuel de Medeiros, e seguida por elle, ia ser interrompida
pela morte. Ao chamado do Summo Pontifice Pio IX para
assistir ao concilio ecumenico do Vaticano, que se tinha
de celebrar a 8 de Dezembro de 1869, partiu D. Francisco
Cardoso Ayres para Roma aos 29 de Setembro desse anno ;
e a 14, do mesmo mez , deu uma carta pastoral de despedi
da aos seus diocesanos, e foi esta a ultima vez que a elles
se dirigiu .
Em Roma, hospedou -se D. Francisco na casa dos Phi
lipinos. O pouco tempo de vida que lhe restava, não per
mittiu -lhe chegar a epocha em que se tratou das mais im
portantes questões no concilio ;mas nesse mesmo pouco
tempo, elle revellou- se o homem quedevia assumir uma po
sição brilhante nesse congresso ecclesiastico ; e sobre essa
ultima phase de sua vida, assim expressa -se o bispo de
Ardasch , n’uma carta dirigida ao Exm . bispo do Pará, D.
Antonio de Macedo Costa : « Coube-me o prazer de estar
junto delle na sala conciliar até que approuve a Deus cha
mal-o á eterna felicidade. Portanto , desde o dia 8 de De
zembro de 1869 até os primeiros dias de Maio de 1870, tive
amiudadas occasiões de conhecer o bispo de Pernambuco.
Affirmo, sem hesitação, que a opinião que delle formara
quando era ainda elle simples sacerdote, confirmou - se
310 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

quando o conheci bispo. A caridade, lhanesa e humildade


que o distinguia quando padre, nelle brilhava com maior
explendor uma vez por Deus elevado á dignidade episco
pal. Cada dia elle assistia as reuniões, apesar de frequen
les encommodos que padecia, escutava com a maior atten
ção tudo quanto se dezia ; tomava notas com extremo cui
dado, comprehendia o alcance de cada questão, e pesava
todos os argumentos com extraordinaria perspicacia. Fa
ziam -me impressão suas virtudes em todas as occurren
cias, e admirava sua profunda crudição e recto juizo . Sua
humildade, porém , encobria estes raros dotes å todos os
que não o conheciam tão intimamente como eu , antes e
durante o concilio . Eu admirava - o como um bispo santo,
sabio e extremamente prudente ; amava - o como um irmão
que sempre foi bom , sempre meigo em suas maneiras,
sempre prompto a servir a todos os que pediam sua as
sistencia. Ora venero sua memoria como a de um santo
prelado e choro como um amigo querido que deixou-me. »
Na manhã de 9 de Maio de 1870, foi D. Francisco ac
commettido de uma enfermidade que a principio não apre
sentava caracter assustador ; mas desenvolvendo -se ra
pidamente, foram inuteis todos os meios empregados a
salval- o ; e poucos dias depois era cadaver. D. Francisco
Cardoso Ayres, falleceu aos 14 de Maio de 1870, tendo com
pletos 48 annos de idade, dos quaes 27 de vida religiosa ,
18 de sacerdocio e dous de episcopado.
Grande concurso de prelados de todas as nações, entre
os quaes se distinguiam os arcebispos de Buenos-Ayres,
de S. Francisco da California , de Iconio , de Valencia , va
rios bispos da America, França, Inglaterra, Irlanda, Ocea
nia e Africa, e os do Brazil, tendo a sua frente o arcebispo
metropolitano, o ministro plenipotenciario do Brazil junto
a Santa Sé, e um crescido numero de outros ecclesiasticos
c seculares, enchiam as naves da Igreja Nova dos Philipi
nos, onde foram rendidas as ultimas honras ao cadaver do
illustre prelado de Olinda , no dia 16 de Maio . « Coube -me
a mim , diz o Exm . bispo do Pará, no impedimento do nosso
digno metropolitano , o piedoso dever de cantar a missa
pontifical; o que fiz com profunda emoção, sendo o es
plendor do acto realçado pelos tocantes accentos da musi
ca da Capella Pontificial que enchia a alma de solemne e
religiosa tristeza . Depois de ter assistido ao santo sacri
ficio , fez as asperções da liturgia e deu a ultima benção ao
feretro S. Eminencia o Sr. Cardeal Corei,arcebispo e primaz
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 311

de Piza , revestido dos habitos e insignias pontificaes, com


o que terminou a funebre ceremonia. No mesmo dia á noite
foi o venerando corpo trasladado á capella dos Padres da
Caridade, na rua Alexandrina, e no dia seguinte pela ma
nhã encerrado no tumulo subterraneo que fica por traz do
altar, e ali esperará a final resurreição dos pastores fieis ,
se acaso a diocese de Pernambuco, não reclamar estes
despojos sagrados como uma reliquia preciosa que por
tantos titulos lhe pertence .»
Mas estas reliquias ali estão abandonadas, e em breve
desconhecidas e difficil de reconhecel-as para o futuro, se
acaso forem reclamadas pela diocese de Pernambuco. Em
1876 , quando o nosso particular amigo o Revd . Padre
Doutor José Affonso de Lima e Sá achava -se em Roma,
pedimos -lhe nos remettesse uma copia da inscripção tu
mular de D. Francisco Cardoso Avres ; e esse amigo em
uma carta que nos escreveu, disse o seguinte : « Quanto
a inscripcão tumular de D. Francisco, fui logo a via Ales
sandrina, n . 6, casa dos Padres da Caridade, onde elle se
acha scpultado, e não encontrei epitafio algum . Um padre
conduziu -me a uma capella subterranea, mostrou -me nella
uma grande quantidade de urnas de madeira, dizendo -me
que estavam dentro dellas os ossos dos padres da ordem ,
e depois chegando-se comigo para um grande caixão de
zinco, disse -me: - Aqui está o seu bispo. Distingue-se o
logar onde elle está de todos os outros, por causa do caixào
ser de forma e especie diversa , accrescentou o padre . Pro
curei por toda a volta do caixão, e com effeito não vi ins
cripção alguma. Eis tudo . »
Eis tudo , pois, accrescentamos tambem , o que resta
do piedoso bispo de Olinda, D. Francisco Cardoso Ayres,
cuja diocese um dia, quando se lembrar de reivindicar á si
a guarda dos seus despojos, nada encontrará .
Cisco Corrêa Telles de Menezes . Nasceu na
cidade de Olinda pelos annos de 1745 , e era filho legitimo
do licenciado Manoel Correa Telles e D. Rosa de Vascon
cellos Saraiva .
Retirando - se com seus paes para os sertões do Apodi,
alli passou a sua infancia e fez os seus primeiros estudos
guiado por seu pae. Quando já se achava preparado para
entrar no curso superior dos estudos necessarios á vida
sacerdotal que aspirava, perdeu seu pae, o que fez retardar
por algum tempo a sua carreira ecclesiastica, mas depois
312 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

veio para Pernambuco, e em Olinda encetou os seus es


tudos, e ao terminal-os recebeu ordens sacras das mãos
do bispo diocesano D. Francisco Xavier Aranha .
Contava então o Padre Francisco Corrêa Telles de Me
nezes 27 annos de idade . Ordenado sacerdote , vendo co
roados os seus mais ardentes desejos e aspirações, seguiu
para o Apodi onde residia sua familia, e alli cantou a sua
primeira missa . Voltando depois a Pernambuco á visitar
uns parentes, e de passagem em Olinda, foi comprimentar
o sabio bispo desta diocese D. Thomaz da Encarnação
Costa Lima , e nesta occasião solicitou -lhe a graça de uma
provisão de confessor, ao que negou - se o prelado. O Padre
Telles de Menezes não objectou -lhe cousa alguma; reti
rou - se , seguiu para o interior do Ceará, e d'alli escreveu
uma carta a D. Thomaz da Encarnação, carta tão notavel,
que o bispo ao terminar exclamou : Quando aquelle Padre
se me apresentou, julguci-o um tolo ; enganei-me. E pas
sou provisão por trez annos, quando a solicitada era apenas
de um .
O Padre Telles de Menezes percorreu os vastos e in
vios sertões do Ceará, Rio Grande do Norte e Parahyba,
pregando a palavra de Deus, e chamando ao gremio da
egreja catholica aquellas almas transviadas pelo crime e
pelo pcccado, prestando assim grandiosos serviços não
só a causa da religião, como tambem a causa da civili
sação. Em suas viagens, nessas longas travessias, elle
costumava trazer em sua bagagem um altar portatil, e
todos os paramentos sagrados, e em qualquer lugar que
chegava, erguia o seu altar, e celebrava o incruento sacri
ficio da missa, pregava o Evangelho, doutrinando os povos
e exercendo outros actos da nossa religião.
Estando uma occasião em Olinda, no tempo do sabio
e venerando bispo D. José Joaquim da Cunha Azevedo
Coutinho , foi elle apresentado a esse prelado por seu primo
o conego Dr. José de Almeida Nobre, sendo então offere
cida uma cadeira no seminario ao Padre Telles de Me
nezes , distincção esta que elle não acceitou.
Homem illustrado emodesto , o Padre Francisco Correa
Telles de Menezes era um patriota distincto , a causa da
independencia de sua patria teve nelle um apostolo dedi
cado e notavel, e a historia registra o seu nome como um
dos martyres desses tempos em que os homens affron
tavam a iyrannia i peito descoberto , sem temer conse
quencia alguma, escuados no mais sagrado dos direitos,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 313

no amor da patria , na causa da sua liberdade. Foi assim


que entrou na revolução de 6 de Março de 1817 , e no seu
occaso, quando de novo a tyrannia reergueu o seu throno,
foi preso e martysado. marti[y ] rizado,
Não foi somente á causa da religião, da patria c da ci
vilisação , que o Padre Francisco Correa Telles de Menezes
presiou innumeros e grandiosos serviços ; elle foi tambem
um apostolo da sciencia , e se os seus trabalhos não podem
ser apreciados, uns por se terem perdido, e outros por
estar ineditos ainda, e bem poucos publicados em frag
mentos , comtudo, o seu nome, co merecimeuto das suas
investigações, são titulos de benemerencia assis valiosos
á illustrar a sua memoria , esquecida e desconhecida por
tanto tempo .
Nas suas longas e constantes viagens pelos nossos
sertões, compoz o Padre Telles de Menezes uma obra em
quatro volumes sob o titulo : Lamentações brasilianas ás
cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Christo, offerecida a
D. Thomaz de Noronha, a qual entregára a um seu irmão
nesta provincia, para remetter a D. Thomaz, com destino
a D. João VI. D'esta obra, notavel pelas muitas informa
ções e outros factos historicos relativos ao ultimo periodo
da nossa vida colonial, resta apenas o quarto cultimo vo
lume no Instituto Archeologico e Geographico Pernum
bucano, de cuja obra foram publicados alguns artigos nos
jornaes do Ceará, e transcriptos nos desta provincia.
Escreveu tambem uma obra sobre a lingoa dos nossos
aborigenes, e uma outra sobre a nossa riquesa vegetal, a
qual foi suscitada pelas seccas que assolam os sertões
deste paiz , tratando larga e desenvolvidamente da car
nauba, do chique - chique e de muitos outros vegetaes. Mais
duas outras obras não menos interessantes e valiosas, es
creveu tambem o Padre Telles de Menezes ; uma sobre
genealogia , em que tratava da linhagem das mais notaveis
e distinctas familias desta capitania ; e outra finalmente
sobre mineralogia , na qual tratou especialmente do ouro ,
prata , carvão de pedra , pedra hume e muitos outros mi
neraes, assim como da cochinilla vegetal e do ouro em pó
que descobrira nos diversos ramos em que abundam a na
turesa do rico e prodigioso solo deste paiz, tambem me
receram especial mensão nesse trabalho, dedicando -lhe
artigos cheios de interesse .
Muitos dos manuscriptós do Padre Telles de Mene
314 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

zes, foram parar ás mãos do senador Francisco de Brito


Guerra, um dos homens mais conceituados da provincia
do Rio Grande do Norte, que isto mesmo declarou a um
seu irmão ; a estes manuscriptos, especialmente os his
toricos, « e dignos de serem decorados como lendas em
que se decantam feitos memoraveis, » addicionou o se
nador Guerra muitas anotações e merecidos elogios ao
seu autor ; mas hoje ignora -se em mãos de quem param ,
e julgam -se mesmos perdidos.
A ’ falta da imprensa no seu tempo, deabsoluta prohi
bição nos tempos coloniaes, não pode o Padre Telles de
Menczes publicar os seus trabalhos cinvestigações scien
tificas, e de envolta com a irreparavel perda de taes monu
mentos, ficaram esquecidos o seu nome e a sua memoria .
Ministro do evangelho, verdadeiro sacerdote pelo seu
zelo e dedicação, apostolo infatigavel da causa da emanci
pação patria e da nossa civilisação, zelador dos nossos
feitos e tradições, escrevendo sobre epochas memoraveis
da nossa historia , e propagador da riquesa e prodigios
do nosso solo , escrevendo irabalhos sobre botanica emi
neralogia , o Padre Telles de Menezes cujo nome é inteira
mente desconhecido, porque desconhecidos são os seus
trabalhos e locubrações, é um desses homens a quem a
posteridade vac tirar do esquecimento para apresentol-os
MOS COCvos, e tributar -lhes as honras a que tem incontes
tavel direito por seus serviços e merecimentos.
Ao terminar estes ligeiros traços sobre a vida de tão
illustre e virtuoso varão, extrahidos de um incompleto tra
balho sobre a sua vida, que existe em manuscripto no ar
chivo do Instituto Archeologico, faremos nossas as pa
lavras com que o seu autor o terminoli, c aqui as consig
nanios :
« O Padre Francisco Corrèa Telles de Menezes, falleceu
em uma avançada idade de quasi 100 annos, na villa da
Princeza, e jaz sepultadɔ na matriz de S. João da ciadde
do Assú . Foi um homem venerando pelo seu culto aos
dogmas da religião ; foi uma alma purificada pelo sol da
divindade, a quem os sacrificios da vida não poderam
desesperar; foi finalmente um caracter probo e zeloso pelo
magisterio importante que occupava , è digno emulo de
muitos, que, como elle abrilhantaram a aurora litteraria
d'aquella epocha. A taça do martyrio, elle bebeu a longos
tragos , a esperança foi o unico santelmo que embellesou a
sua existencia, e missionario angusto pelos sacrificios que
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 315

experimentou, o Padre Telles de Menezes conquistou uma


coroa que resplende em sua fronte. O patheon da historia
tem mais este vulto proeminente , esse heroe que tanto
alentou as conquintas da sua epocha, o Padre Francisco
Correa Telles de Menezes.

Francisco Ferreira Barreto . Nasceu no bairro de


Santo Antonio do Recife, então villa, aos 5 de Abril de
1790 ; foram seus legitimos progenitores, Vicente Ferreira
Barreto , e D. Adriana de Messias Barbosa . Francisco Fer
reira Barreto, ajudante de um dos regimentos milicianos
do Recife, e sua consorte D. Caetana Maria do Espirito
Santo, foram seus avós paternos ; e maternos, Gonçalo de
Azevedo Cartciles e D. Joanna Maria .
Concluindo Francisco Ferreira Barreto os seus estudos
primarios, encetou, nas aulas da Congregação dos Padres
de Felippe Nery, os seus estudos secundarios, assim
como os superiores necessarios á dignidade sacerdotal,
para cujo ministerio , encaminhou - o a sua tendencia e vo
cação. Desde os seus primeiros estudos, diz um seu bio
grapho, fez - se elle notável por sua imaginação fogosa e
brilhantes expressões, e pela perspicacia e dedicação com
que se absorvia e primava nas lettras; distincção que lhe
valeu da parte de seus discipulos a antonomasia de Doutor,
com que passou a ser geralmente indicado .
Terminados os estudos necessarios á ordenar -se, fez
The patrimonio para o estado sacerdotal, D. Joaquim Ma
ria Pereira Vianna, e recebendo ordens sacras das mãos
do bispo D. Frei Antonio de S. José Bastos, celebrou a sua
primeira missa aos 29 de Junho de 1813.
Ainda minorista, Ferreira Barreto ensaiou no pulpito ,
occupando a cadeira evangelica de pequenas festividades,
o seu bello e possante talento ; e desde então , a sua pala
vra facil e eloquente, o primor de seus discursos e as galas
que ostentava , attrahiram - lhe ouvintes e applausos. Elle
tivera por mestre de declamação profana e sagrada, a João
Nepomoceno da Silva Portella , cuja aula era no consisto
rio da egreja de S. José de Riba -Mar, e sob as lições e ex
crcicios dirigidos por tão abalisado professor, Ferreira Bar
reto cultivou o seu espirito, adquiriu todos os preceitos c
regras da arte concionatoria, e conquistou os foros de
grande orador, cuja fama é ainda hoje proverbial.
Ordenado bresbytero, acccitou Ferreira Barreto o lo
gar de capellão do engenho Aldeas ; mas por bem pouco
316 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tempo exerceu essa capellania , porque tornou ao Recife


afim de assumir a coadjutoria da freguezia de Santo Anto
nio , que lhe confiara o bispo D. Frei Antonio de S. José
Bastos. Moço como era então, o padre Ferreira Barreto
não gosava somente de conceito pelas suas virtudes e dotes
oratorios ; elle cra poeta lambem , e de sua lyra afiradissi
mahavia produzido canticos cheios de inspiração, belleza
e harmonia. Na poezia sacra, era o padre Ferreira Barreto
de tanta elevação, inspiração e primor, que até hoje só
constitue nesse ramo digno emulo seu , na phrase de um
litterato pernambucano, o padre Antonio Pereira de Souza
Caldas ; e nos outros ramos não o cra menos . Na poezia
satyrica, o espirito, a graça, e o epigramma, davam - se as
mãos, e pena é , que de taes producções tão pouco nos reste .
No tempo do governador Caetano Pinto , viveu entre nós o
tenente Deodato Pinto , seu commensal, que versejava, po
rém mediocremente . Tomaram -no então a sua conta , o pa
dre Ferreira Barreto e Frei João Baptista da Purificação , e
com elle arcaram em versos . () padre Ferreira Barreto di
rigiu -lhe trez sonetos ; mas destes apenas resta -nos um ,
que engraçada e espirituosamente termina em forma de
epitaphio, eneste mesmo genero epigrammatico, restá -nos
tambem um outro, não menos bello e interessante.
Em 1817 , a epocha da patriotica e ephemera republica
de Pernambuco, esse brado da liberdade e independencia
patrias, não actuou porém no animo do padre Ferreira
Barreto, como no de outros tantos sacerdotes como elle .
Os seus temores pela segurança, diz o commendador An
tonio Joaquim de Mello , o scu caracter mais propenso a
estabilidade e força governamental, do que á mobilidade
livre e ingerencia popular, o contiveram nos limites de es
pectador ; se nào publico applaudinte estrondoso, tambem
não expresso e nocivo reprovador.
E ' que o padre Ferreira Barreto tinha idéas adversas
á forma do governo proclamado pelos patriotas de 1817, c
assim , desappareceu o seu temor e indifferença com o grito
da independencia , adoptando -se a monarchia constitucio
nal; e já anteriormente, muito se havia empenhado na luta
constitucional, e após a deposição do general Luiz do Re
go , pela eleição da Junta Governativa, escreveu o periodico
Relator Verdadeiro, valiosissimo documento em susten
tação á nova ordem de cousas.
Consumada a independencia , convocada a Assembléa
Constituinte em 1923, o padre Ferreira Barreto mereceu de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 317

seus conterrancos os votos para supplente de deputado,


em cuja camara tomou assento por não comparecer o de
putado Francisco de Carvalho Paes de Andrade.
Na corte do nascente imperio , colheu o padre Ferreira
Barreto novos louros pela sua palavra eloquente e arreba
tadoura . Na capella imperial, en presença do imperador e
de toda a córte, pregou um sermão tão magnifico em arre
batamentos hyperbolicos do seu estylo , que arrancou ap
plausos e conquistou renome; o Imperador mandou - o con
primentar, e cobriu - o de graças, taes como o habito de
Christo cm 22 de Fevereiro de 1823, o do Cruzeiro em 10 de
Junho, o titulo honorifico de pregador da capella imperial
em 12 de Agosto, e ainda a 26 do mesmo mez, lavrou - lhe o
decreto de nomeação parochial da freguczia de S. Frei Pe
dro Gonçalves do Recife.
Dissolvida a Assemblea Constituinte, voltou á Pernam
buco, e tomou conta do seu beneficio da cgreja matriz de S.
Frei Pedro Goncalves. A conferencia desse beneficio e dos
titulos honorificos com que o agraciara o Imperador, tor
naram -se para o vigario Ferreira Barreto motivos de amar
gos dissabores, pelas constantes increpações dos seus ad
versarios partidarios, como a paga de uma humilhação in
digna e aviltante do representante do povo a Assembléa
Constituinte. Mas o vigario Barreto , diz o commendador
Mello, que foi sempre homem do governo, conservou -se
inativo e silencioso quanto á politica , entregue todo ás obri
gações da sua egreja ; menos a respeito da invasão de tro
pas portuguezas no Brazil, em que se fallava e sobre o que
o Imperador pozera de accordo as provincias; porque so
bre este assumpto Ferreira Barreto não poupava, arreba
tado, razões e estimulos, para que fosse a presumida in
vasão heroicamente repellida.
Estabelecida cm 1829 na cidade do Recife , a sociedade
secreta Columna do Throno, tornou - se logo , sob bem fun
dados argumentos, suspeita de promover o governo abso
luto. Como seu orgão , appareceram então na arena jorna
listica , os periodicos Cruseiro e Amigo do Povo, dos quacs
era voz publica ser o vigario Barreto um dos seus collabo
radores ; batiam porén , ás suas idéas () Diario de Por
nambuco co Constitucional, co vigario Barreto tornou -se
o alvo de ataques dos contrarios, de epigrammas pican
tes , de apodos e injurias, o que muito o amargurava e con
trariava .
Porém elle jamais desmereceu do credito, conceito e
318 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

justissima consideração de que gozava , e os pernambuca


nos bem sabiam distinguir o homem honesto e ilustrado,
o padre virtuoso e exemplar , do politico retrogrado e apai
xonado, e assim , vemos a Camara Municipal do Recife ,
nesse mesmo anno de 1829, distinguindo - o , confiando - lhe
a honrosa missão de em seu nomee no de seus municipes,
ir ao Rio de Janeiro felicitar ao Imperador, por occasião
de suas segundas nupcias com a princeza D. Amelia de
Leuchtemberg .
Cumprindo o vigario Barreto a sua missão no Rio de
Janeiro, voltou á Pernambuco ; porém a sociedade secreta
Columna do Throno tomava assustadora attitude, a opi
nião publica manifestava -se já contra ella , o commandante
das armas representa contra a sua existencia, e o governo
viu - se forçado a mandar abrir conhecimentos judiciaes, e
até a suspender algumas das garantias constitucionaes, e
assim baqueou a columnata . O vigario Barreto achava -se
então em uma posição melindrosa e critica ; opprimido de
desgostos e contrariedades, os seus adversarios politicos
indispostos contra si, o povo em agitação, uma revolução
em fim , prestes a rebentar, resolveu então deixar por al
gum tempo a patria, e embarcou para Lisboa em 1831 .
Na capital do reino portuguez , foi o Vigario Ferreira
Barreto digna e honrosamente recebido, e gosou de muita
consideração e estima. Os seus amigos instam , e forçam
no por fim a fazer ouvir a sua palavra ; porem era neces
sario para , isso submetter -se a um rigoroso exame; mas
elle presta -se a isso , o Nuncio Apostolico designa para
seu examinador o prior de Santos, Antonio Joaquim Pe
reira Coelho, e em presença de numeroso auditorio elle
exhibe as provas do seu talento, da sua illustração varia
dissima, e recebe a plena approvação cum laude.
Obtendo a respectiva provisão do Cardeal Patriarcha
de Lisboa, subiu aos pulpitos dos templos da metropole
portugueza, e tanta fama e renome adquiriu , que em breve
cra convidado para pregar nas festividades mais solemnes
e pomposas . Não foi somente a cidade de Lisboa o thea
tro de seus triumphos oratorios no velho Mundo ; outros
lugares de Portugal o foram tambem , assim como algu
mas provincias de Hespanha, e em todas essas occasiões,
as palmas cos louros triumphos, eram conquistados, e a
sua fama subia , a proporção que novas occasiões lhe eram
proporcionadas.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 319

Pregando uma occasião na capella do palacio da illus


tre litterata portugucza a Condessa de Oyenhomssem , ficou
ella tão verdadeiramente apreciadôra do merito do Vigario
Barreto, tão agradada do orador, que mandou -lhe offerecer
um priorado , graça que elle recusou acceitar, assim como
a guardamoria da Torre do Tombo que lhe offerecera D.
Miguel, e em todas estas manifestações de apreço, c cm
todos os convites que recebeu para ficar em Portugal, a
renuncia era sempre ditada pelo mais nobre sentimento,
pelo amor da patria ; e mais que tudo isso, elle presava -se
de ser brazileiro , fóros que perderia se acceitasse qualquer
dos offerecimentos que lhe fizeram .
Em Lisboa , diz Innocencio Francisco da Silva , fre
quentou o Vigario Francisco Ferreira Barreto , a sociedade
dos mais extrenuos realistas daquella cpocha, aos quaes
erão tão bem acceito , que um dos mais notaveis, o Dr. M.
P. Coelho Cotta , dizia delle ser um excellente homem , em
quem não podera descobrir a menor imperfeição.
Não foi somente como orador, que o Vigario Barreto
conquistou em Portugal fama e merecidos louvores ; elle
os conquistou tambem como poeta , publicando alguns so
netos offerecidos a D. Miguel, e outros a morte de D. José
Agostinho de Macedo .
Em 1831, acalmados os animos, serenada a tempestade
politica do Brazil que o levou a voluntariamente expatriar
se, voltava aos lares patrios o Vigario Barreto. Em via
gem , no dia de seu 44.° anniversario , a 5 de Abril, tomou da
sua lyra, e magoado da injustiça que soffrera , compoz um
sentidissimo e terno soneto , clamando contra a guerra que
The votara o despotismo, c a intriga, lastimando a perda de
amigos ternos, da patria e da familia , o seu ostracismo de
trez annos, concluindo que os mares, que o abysmo, fos
sem a sua patria, fossem o seu sepulchro, já que os não ti
nha em terra .
Porem os mares não ouviram a sua supplica, e elle
aportou a salvo, ás plagas da terra que lhe dera o berço , e
de novo entregou - se zelosa e dedicadamente ao ministerio
do seu vicariato ; ca patria sabia presar o seu merecimento,
não o despresou, e elle se viu logo rodeado de amigos, de
admiradores, applaudido, recebendo quer do governo , quer
do seu prelado e de seus conterraneos, inequivocas provas
de apreço e distincção. E assim , em 18.1.1 foi nomeado di
rector do Lyceu Pernambucano, em 1847 con decorado com
320 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

a commenda da ordem de Christo, em 1848 membro da


commissão encarregada de rever o Ensaio estatistico ciril
e politico da provincia organisado pelo Dr. Jeronymo Mar
tiniano Figueira de Mello , o cargo de examinador synodal,
o de vice-presidente da Associação da Propagação da Fé,
e depois o de seu presidente por morte do bispo D. Thomaz
de Noronha, e finalmente a eleição de deputado provincial
em duas legislaturas.
Em 1839, adoeceu gravemente de uma affecção pulmo
nar, e desenganado de recobrar a perdida saude,resigna -se,
conforta - se com os soccorros espirituacs da religião Chris
tă , e ao receber o sagrado Viatico, desprende de sua lyra,
como que o ultimo canto do cysne, uin tocante sonelo á
Jesus Crucificado ; mas os desvellos e cuidados emprega
dos, poderam -no crguer do leito da morte , ca muito custo
encaminhando -se para a saudarel villa de Flores, a mar
gem do rio Pageú , conseguiu recobrar a arruinada saude
que gosava , e dous annos depois tornou ao gremio dos seus
amigos, de sua freguezia ; mas sempre abatido, fraco e sof
frendo quasi sempre, cerrou os olhos á luz da vida, aos 25
de Fevereiro de 1851 ; e tão pobre , que os gastos do seu en
terro e honras funebres, foram feitos por alguns morado
res de sua parochia , e outros seus affeiçoados e amigos .
0 Vigario Francisco Ferreira Barreto, morreu pobre,
mas legou a posteridade um nome tradicional, rico de glo
rias e de renome. O seu cadaver foi depositado na cgreja
da Madre de Deus, em cuja casa educou -se, e onde o seu
genio bebeu as primeiras inspirações. No dia seguinte
teve lugar o seu sahimento, notavelmente concorrido, e o
seu cadaver foi levado à sua egreja matriz, coberto de ben
ços pela numerosa pobresa que soccorria , cahi recebeu
o seuderradeiro asylo .
Não é hoje somente a tradição os unicos attestados do
seu genio, e dos seus dotes como orador, theologo e pocta.
Ahi corre as suas obras collecionadas pelo commendador
Antonio Joaquim de Mello, e publicadas em dous volumes
in - 4.° cm 1874 , em virtude da Lei Provincial N. 647 de 20 de
Março de 1866, sob o titulo - Obras religiosas e profanas do
Vigario Francisco Ferreira Barreto- , as quaes constam de
scis orações apologeticas e quatro funebres, nove allocul
cocs cleitoraes, e quatro composições diversas, que for
mam o primeiro volume inclusive a sua biographia ; e o
segundo contem as suas producções pocticas, constante
de vinte e oito sonetos, uma ode, um clogio , lima anacre
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 321

ontica , trez hymnos, dous officios religiosos , quatro para


phrases dos psalmos de David, trez composições theatraes
e nove diversas .
Mas não foram estas somente as composições do Vi
gario Barreto ; elle deixou muitas outras ineditas, e entre
ellas figuravam varias dissertações sobre differentes ques
tões, memorias , discursos e sermões ; uma obra quasi con
cluida sobre a reforma do clero, dedicada ao episcopado
brazileiro, e outra já terminada, contendo todas as obje
ções levantadas contra o catholicismo.
A maior parte das producções litterarias do Vigario
Barreto que formam a collecção de suas obras, foram im
pressas separadamente em diversas epochas ; e os seus
Îindos poemas, A creação do primeiro homem e da primeira
mulher, o hymno da Conceição e do Messias, e as para
phrases de alguns psalmos de David , são afamados, e con
stituem asmais custosas joias da sua corôa de poeta . Em
1842 publicando nesta provincia o seu poema -- A crcação
do primeiro homem e da mulher - , foi logo nesse mesmo
anno reimpresso em Lisboa, trazendo appenso uma apre
ciação publicada no Diario de Pernambuco de 4 de Março,
que deve ser do illustrado litterato Dr. José Soares de Aze
vedo, não só pelo estylo como pelas iniciaes que o sub
screve S. d'A .
A Creação do homem e da mulher, diz o autor dessa
apreciação , é uma pequenina epopea sui generis ; é um ra
minho de nardos aromaticos, que ainda conservam toda a
frescura do paraiso . Os meninos nas escolas deviam co
meçar a ler versos por este livrinho cheio de fragrancia, e
o seu autor devia continuar a dar -nos as suas inspirações
sublimes, senão por amor de si , ao menos por amor daş
lettras e das boas artes.
O Vigario Francisco Ferreira Barreto , diz o Commen
dador Antonio Joaquim de Mello , não foi somente uma glo
ria do clero pernambucano por sua instrucção ; era tambem
por seu desinteresse e caridade . Nunca o orphão desva
fido e a viuva consternada recorreram á sua piedade, que
com elle não partisse , ou lhes desse o pouco mesmo de
que se não podia dispensar.
Innocencio Francisco da Silva , Antonio Pedro de Fi
gueiredo , o Dr. Antonio Rangel de Torres Bandeira, o Com
mendador Antonio de Mello, e outros litteratos, teceram a
corôa de suas glorias, e bem alto proclamaram o seu me
recimento como sacerdote, como orador e como poeta . Ou
42
322 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

çamos pois o Dr. Torres Bandeira, n’um artigo publicado


na Aurora Pernambucana . n . 89 de 1859, sobre o tomo 2.º
das Biographius de alguns poetas e homens illustres da
provincia de Pernambuco, pelo commendador Antonio Joa
quim de Mello, no qual dignamente figura o illustre Viga
rio Ferreira Barreto .

« Nenhum dos talentos poeticos , de que se faz menção


neste volume, é superior ao insigne Cantur do Primeiro
Homem , da Primeira Mulher, ao excellente e sublime pa
raphrasta de alguns psalmos de David ; e não seremos in
justos se affirmarmos que nenhum delles lhe é igual. »
« O Sr. Mello soube comprehender e apreciar devida
mente o merito poetico do vigario Barreto , que, em nosso
humilde juizo, foi o mais perfeito imitador do incomparavel
Elmano, tanto pelo arrojo e sublimidade do estro, como
pelo primor e harmonia do rythimo.
« Sem que nos seja necessario entrar aqui em largas
explanações criticas sobre omerito relativo das duas esco
las poeticas portuguezas, de Filinto e de Bocage, que outros
já tem cabalmente julgado , e que o Sr. Castillio tão magis
tralmente apreciou , bastá -nos consignar a idea de que
nenhum outro poeta dos que conhecemos na litteratura
classica portugueza e brazileira , soube reunir tantos dotes
de espirito e de engenho á tanta formosura e explendor de
phrase como o vigario Barreto , »
« Não lhe faltava creação , nem lhe escasseava a phan
tasia nas composições tão bellas e brilhantes com que en
riqueceu a sua e nossa patria. »
« Como homem , era distincto ; como parocho, pode-se
dizer que ninguem o excede ; como poeta era digno de fi
gurar na pleiade dos mais eminentes e abalisados ; e como
orador sagrado podia muito bem competir com os Caldas ,
Sampaios, Junuarios, Mont'Alverne e outros. »

Francisco Gil Ribeiro . Nasceu em meiados do seculo


XVII, e assentou praça a 26 de Fevereiro de 1675 .
Promovido ao posto de alferes, Gil Ribeiro fez parte da
expedição das Alagoas que foi em soccorro das tropas
empregadas na guerra dos Palmares, depois marchou para
o Rio Grande do Norte quando os Indios Papuyás a invadi
ram , praticando toda a sorte de atrocidades sobre os seus
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 323

moradores, e tomou parte em todos os episodios que tiveram


logar, taes como a marcha até ao sitio da Capellinha a des
alojal-os de Camaragibe e Pedra Branca, o combate ferido
em Mipibú, cuja peleja durou um dia inteiro, conseguindo
desalojar o inimigo que fugio em retirada deixando grandes
despojos de guerra e as suas bagagens, e na peleja de
Potengi em que tambem foram derrotados e destruidos,
deixando no campo mais de cem mortos e prisioneiros.
Ainda no Rio Grande, Gil Ribeiro assumiu á direcção
da sua companhia no impedimento do respectivo com
mandante, e apparecendo na costa dessa capitania uma
balandra de piratas que havia apresado e roubado uma
embarcação e feito encalhar uma outra, embarcou em sua
demanda, percorreu a costa em toda a sua extenção, prote
gendo os navios e conduzindo -os ao porto , livres dā per
seguição dos piratas.
Promovido ao posto de ajudante, e exercendo as func
ções de instructor, em cujo exercicio muito se esmerou em
preparar os seus soldados no manejo das armas e manobras
militares , passou a capitão do terco de infantaria do Recife
por Patente Regia de 21 de Janeiro de 1698 ; e nessa qua
lidade, tendo o governador e capitão general desta capita
nia D. Fernandu Martins Mascarenhas de Lencastre, de
nomear para capitão -mór do Ceará a pessốa de valor, ser
viços e experiencia ,e tendo respeito a que tudo isso concor
ria na do Capitão Francisco Gil Ribeiro, o nomcou para
o dito cargo por Portaria de 30 de Junho de 1699, no qual
entrando em exercicio nesse mesmo anno , dirigiu a admi
nistração da capitania até o anno pe 1703.
Em 1710, já elevado á patente de ajudante de tenente
general, esse veneravel ancião repousava das suas fadigas
militares no seu sitio das Sabinas, quando rompe a guerra
dos Mascates. Convidado pelo governo provisorio para
se incumbir da guarnição e defesa do forte de Itamaracá,
cujo ponto estava ameaçado pelos revoltosos de Goyanna,
pela confiança que inspirava a suabem conhecida fidelidade
e coragem , Gil Ribeiro apesar de velho e enfermo acudiu
ao reclamo da patria e marchou para Itamaracá em Julho
de 1711. Tomando conta do commando de tão importante
fortificação, em poucos dias conseguiu aprisionar nove
barcos do servico dos Mascates, porém uma commissão
mais importante e urgente o chamou á Olinda, recebendo
então a incumbencia do commando do cerco do Recife.
Gil Ribeiro , entrou logo no exercicio do seu novo cargo ,
324 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

e a 9 de Agosto teve occasião de illustrar o seu nome,


quando os sitiados forçaram o cerco pela Bôa - Vista é
Santo Amaro com uma força de 400 homens ; mas foram
heroicamente repellidos nesta acção, graças as acertadas
providencias e honrosa attitude que manteve o illustre
commandante das forças pernambucanas. Partindo para
a povoação de Goyanninha á castigar os rebeldes, Gil
Ribeiro ataca -os vigorosamente a 23 de Agosto, e consegue
afugentar o inimigo, deixando os moradores em paz e
tranquilidade.
Tantas vantagens obtidas por este veneravel heroe,
narra um historiador, custaram bem caras na campanha
de Sibiró, onde, em 18 de Agosto de 1711 , hia se perdendo o
exercito pernambucano. o governo e a nobreza ficariam
talvez descaroçoados com este revez, se lhe não restasse
ainda o Ribeiro, a quem fiseram vir correndo de Goyanna
para ir suspender a marcha triumphante de Camarão, com
as tropas que o insigne João de Barros Rego ajuntára no
engenho Velho. Gil Ribeiro obdecendo promptamente a
esta ordem , partiu immediatamente, deixando Goyanna
segura á causa pernambucana, tendo executado o sargento
mór dos rebeldes, e trasendo prisioneiro a Jeronymo Paes,
procurador e parcial dos mascates.
Chegando a Olinda e recebendo as necessarias instruc
ções do governo, partiu para o sul da provincia a 3 de Se
tembro, e no dia seguinte se reuniu ao exercito, o qual o re
cebeu com enthusiasmo geral pelas suas recentes proezas,
e pela confiança que infundia o seu merecimento e presti
gio . Gil Ribeiro ainda mais conquistou as sympathias do
exercito, ainda mais realçou a sua grandeza de animo e de
patriotismo, por um acto de excessiva modestia e abnega
ção . Apresentando a provisão de sua nomeação, protestou,
que, reconhecendo em todos maior capacidade para com
mandar o exercito e acabar gloriosamente a campanha
emprehendida, elle se offerecia como soldado voluntario
para obdecer as suas ordens. Este rasgo,este protesto do
velho soldado, produsiu o mais bello effeito, e o exercito
acclamou - o general e protestou inteira obediencia .
No dia 7 Gil Ribeiro á frente das suas tropas, partiu em
demanda do inimigo ; e o encontrando entrincheirado no
engenho Garapú, em Ipojuca, delincou o plano da batalha,
e no dia seguinte pela manhã assalta as suas trincheiras.
Trava -se renhido combate ,ea luta prolonga-se até as 4 horas
da manhã seguinte , quando os inimigos se retiraram em
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 325

debandada , abandonando as sus trincheiras e deixando


todo o material do seu exercito . O governo e a patria feste
jaram condigna e enthusiasticamente esta dicisiva victoria ,
e sensivel e honrosamente agradeceram ao illustre general
que a havia conquistado, e no auge do enthusiasmo por
tão explendido triumpho ordenou -lhe que a completasse
marchando á tomar a fortaleza de Tamandaré.
Bem quizera o illustre general perseguir os inimigos em
sua fuga, mas era preciso obedecer, e partiu para a nova
empresa . No dia 19 de Setembro de 1711 Gil Ribeiro sitiou
rigorosamente a fortaleza, mas não poude immediata
mente effectuar a sua tomada, pela falta de artilharia, o que
prolongou o sitio , até a chegada do novo governador Felix
José Machado, que, aliciado pelos Mascates , logo lhe orde
nou que o levantasse e se recolhesse á sua casa .
Francisco Gil Ribeiro sugeitando -se a esta ordem sem
replicar, regressou ao Recife, e veio ser testemunha ma
goada e inconsola velda fria recepção com que o governador
remunerou os seus serviços e os seus feitos; da injustiça
atroz com que o obrigou a restituir a seus primeiros possui
dores as presas que fizera em Itamaracá , presas estas , que
legalmente já lhe haviam sido adjudicadas ; do despreso
com que foi tratada a nobresa ; a privança dos mascates,
finalmente a creação do Recife em villa , acto que teve logar
em 21 de Novembro de 1711 .
O velho e valente soldado não poude resistir a tanta
humilhação , e succumbiu ralado de magoas e de desgostos.
Tantas causas juntas, dizemos finalmente, fazendo nossas
as palavras de um historiador, foram mais que bastantes
para consumir um venerando heroe, que nunca deveria
morrer ; mas foi a altissima Providencia que quiz poupar
lhe outras mais horrorosas injustiças dos tyrannos.
Francisco José Arantes. Nasceu na cidade então
villa do Recife, aos 30 de Novembro de 1783, de legitimo ma
trimonio de Felix José d'Arantes e D. Thereza Joaquina
dos Santos.
Na Congregação do Oratorio de S. Felippe Nery desta
cidade, teve ingresso Francisco d'Arantes, e na mesma
Congregação fez os seus estudos de humanidades, reve
lando pela sua applicação e progressos um talento muito
promettedor, e merecendo de seus mestres a distincção da
escolha para ler a cadeira de Vesperas, e logo depois a
designação para mestre dos noviços.
326 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Nesse estabelecimento de religião, sciencia e caridade,


que tão bons e reaes serviços prestou a esta provincia,
recebeu Francisco d'Arantes, para assumir ao sacerdocio ,
todas as ordens necessarias, e ordenou - se presbytero.
Padre , possuidor já de muita illustração relativa a sua
pouca idade , gosando de um nome e reputação entre os
seus mestres, collegas e todos aquelles que o conheciam ,
Francisco d'Arantes visa mais largos e vastos horisontes ,
ambiciona possuir outros thesouros de sciencias, e parte
para Portugal , deixa a patria querida, e a 21 de Outubro
de 1814 matriculou-se na Faculdade de Theologia da Uni
versidade de Coimbra. Durante o tempo dos seus estudos
academicos , Francisco d'Arantes recolheu -se ao Collegio
da Pedreira , e concluindo -os, recebe depois de apresentar
e defender as suas theses, a borla co capello de Doutor em
Theologia , aos 29 de Junho de 1820. Pouco tempo depois,
vagando uma das cadeiras da Faculdade que cursára, o
Dr.Francisco d'Arantes inscreve - se no concurso respectivo,
e tão brilhantes provas apresentou, tanto brilhára, que me
receu do governo a escolha entre os demais candidatos ; e
por Carta Regia de 19 de Agosto de 1823 recebeu o diploma
de lente substituto da Faculdade de Theologia , e a 19 de
Setembro prestou juramento e tomou conta da sua cadei
ra. Mas em resultado da intolerancia politica motivada pela
luta de D.Miguel, que por tantos annos ensanguentou Por
tugal, foi o Dr. Francisco d'Arantes em 1834, assim como
outros « ornamentos da Universidade » , excluido da re
gencia de sua cadeira .
O Dr. Francisco d'Arantes, enthusiasta cultor das
sciencias, especialmente da theologia , e muito dedicado
ao estudo das bellas lettras, não se esquecia que tambem
era padre ; e assim como soube honrar os titulos scienti
ficos que possuia , soube tambem honrar o humilde habito
de sacerdote que trajava. Elle occupou a cadeira de cone
go doutoral da cathedral de Fóra no Algarve, por titulo de
15 de Janeiro de 1831 passou a occupar a cadeira de chan
tre da cathedral de Coimbra, e em 14 de Maio de 1856 , foi
elevado a dignidade de deão da mesma cathedral, cujo car
go occupou até a sua morte .
Por differentes vezes , foi o Dr. Francisco d'Arantes
cleito provedor da Santa Casa de Misericordia da cidade
de Coimbra, prestando a essa instituição de caridade ser
viços extraordinarios, desempenhando zelosa e cuidado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 327

samente esse trabalhoso cargo . D'entre as muitas mani


festações de apreço que recebeu do governo portuguez, e
do povo de Coimbra , recebeu tambem dos seus collegas do
Cabido da cathedral conimbricence , por mais de uma vez, o
honroso mandato de vigario capitular desse bispado .
O Dr. Francisco d'Arantes , depois de uma longa exis
tencia de 87 annos, empregada no serviço da egreja, da
sciencia e da humanidade , falleceu aos 27 de Outubro de
1870 na cidade de Coimbra, legando a sua patria adoptiva
os thezouros de sua sciencia e illustração, muitos bens aos
seus estabelecimentos pios , e a sua terra natal , a gloria
de tudo isso , sobre a qual reflecte os esplendores de seus
louros , a fama de suas virtudes e o nome que deixou na
republica das lettras .
Como homem de lettras , deixou o Dr. Francisco d'A
rantes soberbos monumentos de sua proficiencia e illus
tração , em mais de um ramo dos conhecimentos humanos,
quer ineditos , quer publicados, e destes , encontramos no
ticias sobre os seguintes :
Refutação da « Voz da razão do doutor José Anasta
cio da Cunha, lente de mathematicas da Universidade de
Coimbra, » ou a verdadeira voz da rasão . Coimbra, na
Imprensa da Universidade, 1824.
Esta obra, segundo Innocencio Francisco da Silva, no
seu Diccionario Bibliographico , são quasi as proprias qua
dras do opuschlo refutado, produzidas em sentido contra
rio, e convertidas em exposição e confirmação dos dogmas
e da moral do Christianismo; e segundo um jornal de
Coimbra, mereceu geral applauso dos cruditos e das pes
soas religiozas.
Compendio de Chronologia Mathematica e historica ,ex
trahida dos melhores autores. Coimbra, na Impr. da Uni
versidade, 1825. Esta obra foi impressa com mais augmen
to e correcção, em 1826 , na Imprensa Imperial e Real de
Lisboa .
Sermão sobre a Conceição Immaculada de Maria San
tissima, pregado a 8 de Dezembro de 1824, na capella da
Universidade. Coimbra , 1825, Impr. da Univ.
Sermão da Senhora da Bốa Morte, pregado na cathe
dral de Coimbra a 14 de Agosto de 1853. Coimbra, 1853 .
Sermão sobre a definição dogmatica da Conceição puru
e immaculada da Santissima Virgem , não recitado na ca
thedral de Coimbru em 10 de Junho de 1855 , por doença
328 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

grave que sobreveio ao autor. Lisboa, typ . de G. M. Mar


tins, 1855. Este sermão foi reimpresso no tomo 2.º do Ser
monario Selecto, publicado por A.da Silva .
Sermão do patrocinio do glorioso S. José, pregado na
capella da Universidade. Porto, 1826.
Resposta ao annuncio que naGazeta n. 79, a pagina
352 mandou publicar o Dr. João Thomas de Souza Lobo .
Coimbra , na Impr. da Universidade, 1824.
Em 1857 , havendo o conego Antonio Lobo Correia de
Castro, pregado na cathedral de Coimbra, um sermão na
festa de Nossa Senhora da Bôa Morte , o qual em seguida
foi impresso , vem a campo rebater as suas idéas o Dr.
Francisco d'Arantes, pois sustentava proposições contra
rias a doutrina catholica, e tambem em seguida publica as
--Breves reflexões acerca do sermão pregado na Sé de
Coimbra , na festividade da Senhora da Bộa-Morte, na se
gunda dominga de Agosto de 1857.
Ainda em 1867, apezar de já contar os seus 84 annos,
demonstreu evidentemente que não havia decahido dos
seus conhecimentos scientificos e litterarios. Havendo o
Dr. Motta Veiga feito uma publicação acerca - Da residen
cia coral dos conegos da sé, professores do seminario e len
tes da Universidade , o Dr. Francisco d'Arantes, apresenta
se ainda em campo , e oppõe a esse escripto, umas - Bre
ves reflexões em resposta ao Dr. Motta Veiga ; e neste tra
balho, mostrou que ainda conservava perfeito conhecimen
to das sciencias ecclesiasticas que durante muitos annos
professara na Universidade.
A bôa acceitação desse trabalho, diz um jornal de
Coimbra, d'onde temos extrahido estas ultimas notas, fez
que, com a sua permissão fosse no mesmo anno reim
presso ; e na supposição de que o Dr. Motta Veiga viesse
contestar- lhe, compoz um outro trabalho mais desenvol
vido sobre esse ponto, o qual deixou em manuscripto.
Alguns outros trabalhos publicou tambem o Dr. Fran
cisco d'Arantes, entre os quaes encontramos noticia de um
sermão da Epiphania e outro de Santo Antonio.
Deão da cathedral de Coimbra , lente de sua Universi
dade, orador eloquente e profundo, o Dr. Francisco d'Aran
tes é um dos muitos pernambucanos que têm illustrado a
patria longe da patria, com os seus talenlos, illustração ,
virtudes, e escriptos, titulos, sem duvida, eloquentes e va
liosos á memorar o seu nome .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 329

Francisco José Marinho . Nasceu no anno de 1795,


e foram seus paes Francisco Marinho de Souza Ramos é
D. Anna Francisca do Rego Barros .
Em 21 de Janeiro de 1823 foi nomeado alferes da com
panhia de guerrilha de Afogados denominada – Defen
sores da Patria, e rebentando no anno seguinte a revolta
da Confederação do Equador, tomou parte nesse movi
mento politico , pelo que foi perseguido , sendo para notar
se , que, a circumstancia de ser cunhado do illustre Frei
Caneca, ainda mais influiu no animo dos seus inimigos
para exercer sobre elle maiores perseguições.
Homem pobre e laborioso, Marinho aprendeu o officio
de carpinteiro , mas procurando adquirir conhecimentos
inherentes a sua profissão, e dotado de bastante intelli
gencia, tornou - se um official perito. Em 1832 já exercia o
logar de mestre da officina de carpinteiro do Arsenalde
Marinha, e nesse mesmo anno foi nomeado fiscal das
obras da ponte do Recife. Por portaria de 10 de Maio de
1838 foi nomeado arqueador do Consulado, sendo confir
mada a nomeação por Decreto de 27 de Novembro de 1840 .
Francisco José Marinho exerceu tambem o cargo de
constructor do Arsenal de Marinha, mas sendo conside
rado dispensavel esse logar, foi ordenada a sua exone
ração por portaria de 25 de Setembro de 1843. O cuter Es
perança , os brigues -escunas Guararapes e Olinda, e o
brigue Capibaribe, « foram obras deste pernambucano, que,
sem protecção, e em algumas occasiões arteira e maligna
mente guerreado por invejosos do seu merecimento , che
gou a adquerir bem fundada reputação na arte de construir
navios, em que mereceu a admiração mesmo de estran
geiros, que, ao verem suas obras, eram informados de
nunca haver elle estudado uma semelhante arte , e que
tudo , que de bom nella fazia , era unicamente devido ao
seu espirito emprehendedor, e ao talento não vulgar de
que era dotado. »
Exercendo com habilidade e pericia o cargo de con
structor do Arsenal de Marinha , muitos outros e impor
tantes trabalhos foram feitos sob o seu risco e direcção ; e
deixando preparado todo o trabalho necessario á construc
ção do brigue -barca Itamaracá , o governo o comprou a
sua viuva , e por elle foi feita tóda a obra desse vetusto
vaso da nossa marinha. Ao cahir n’agua o brigue -escuna
Olinda, o Diario de Pernambuco de 23 de Fevereiro de 1843
43
330 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

publicou uma ligeira discripção desse navio, e disse : « Não


é elle a primeira obra do Sr. Marinho, mas é segundo os
entendedores a mais perfeita ; prova de que o nosso con
structor ganha em experiencia e sabe dar desenvolvimento
á sua intelligencia. >>
Sem educação profissional , guiado somente por sua
dedicação e perseverança e pelos elementos que comsigo
proprio pôde adquirir , pela sua intelligencia © á força de
muito estudo e trabalho, Marinho foi um constructor naval
de muito merecimento, e no cargo de arqueador do Con
sulado mereceu sempre a mais inteira confiança.
Como homem politico, como patriota, não foi secun
dario o papel que representou. Em 1823, foi elle um dos
fundadores da Sociedade Carpinteira, associação secreta
que trabalhava pela consolidação da nossa independencia ,
e pelo bem estar do paiz ; em 1824, envolveu -se na revo
lução , e muito soffreu por amor da sua idéa ; e mais tarde,
em 1831 , por occasião da Setembrisada, ei-lo encorporado
ao batalhão academico na fortaleza do Brum e batendo as
tropas sublevadas no bairro do Recife . E assim , o func
cionario, o artista, o homem e o patriota , legou -nos titulos
que assás recommendam o seu nome e a sua memoria .
Francisco José Marinho falleceu a 29 de Julho de 1846 ,
e o periodico O Nazareno, em seu n . ° 39 do mesmo anno ,
consagrando algumas palavras á sua memoria, por essa
occasião, disse o seguinte : « Patriota puro e sem mancha,
durante as vicissitudes de nossa mesquinha e insignifi
cante politica, sempre esteve resignado; e era tamanha a
sua resignação, que se o viu deixar o compasso de mestre
para pegar no machado do official, quando assim o quiz a
tyrannia, sem que elle posesse o menor reparo nesta mu
dança. Era senão o primeiro constructor do nosso paiz,
ao menos igual aos melhores. E' uma fatalidade nossa ;
um a um dos nossos homens prestimosos se vae acabando,
e sem que nos advirtamos de tão consideraveis perdas ....
Um sentimento geral o acampanha. Uma flôr, uma lagrima
sobre o tumulo do pernambucano genuino, que sempre
amou a sua patria , somente pelo prazer e gloria que tinha
de animal-a , e que todas as suas forças empenhou para
elevar e dar importancia a esta provincia, que se uſana, que
se honra de ter -lhe dado o berço . »
D. Francisco de Moura Rolim. Nasceu na cidade
de Olinda no anno de 1580 , e foram seus paes D. Felippe
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 331

de Moura , natural da cidade de Lisboa , e D. Genebra Ca


valcanti, natural de Olinda . Pelo lado paterno foram seus
avós D. Manoel de Moura e D. Izabel de Albuquerque, irmă
de D. Brites de Albuquerque, mulher do primeiro Donata
rio desta capitania Duarte Coelho ; e pelo materno, Felippe
Cavalcanti, fidalgo florentino , e D. Catharina de Albuquer
que, filha de Jeronymo de Albuquerque e da india D. Ma
ria do Espirito Santo Arco Verde.
D. Francisco de Moura Rolim , ainda bem joven seguio
para Portugal, ahi completou a sua educação encetada em
Pernambuco, e entrou nas fileiras do exercito portuguez,
e pela sua intelligencia, valor e pericia militar, occupou os
cargos de mais alta graduação do exercito .
O nome desse distincto pernambucano , os seus rasgos
de heroicidade, a sua bravura e intrepidez, illustram os
annaes dos tres mundos : Asia , Europa e America. Elle
era considerado um general distincto , e no ardor das pe
lejas, bravo e de serenidade admiravel. Militou com ap
plausos e honrosas menções na India , em Flandres e no
Brazil, tomando parte nas guerras do principio do seculo
XVII, a que a Hespanha levou Portugal dominado, ou a
que sob a Hespanha, Portugal defendeu seus antigos do
minios .
Em 1616 achava - se D. Francisco de Moura Rolim nas
Indias. Occupada a cidade de Soar na costa da Arabia
pelos Mouros, sob o governo do Xeque Mahamet, muito
embaraçava é difficultava as relações e commercio das
praças portuguezas de Mascate e Ormuz, e assim , foi deli
berada a tomada da praça de Soar, e D. Francisco de Mou
ra Rolim encarregado dessa missão . Preparada a expedi
ção , partio da cidade de Gòa, marchando como general da
artilheria D. Vasco da Gama. Chegando a expedição ás
fronteiras de Soar, desembarcaram as tropas, e atacaram
os mouros. Logo na primeira investida, o Xeque Maha
met cahio morto, mas os inimigos não desanimaram , e
defenderam - se com todo o ardor e intrepidez. Fere - se re
uhida peleja , e em poucas horas de heroico batalhar, o ex
ercito portugez entòa os hymnos da victoria.
Os louros desta victoria, cuja conquista franqueou ao
Commercio portuguez das Indias a livre passagem das
suas armadas por aquelle porto, coube ao illustre general
D. Francisco de Moura Rolim . Terminadas as guerras da
India e Flandres, recolheu - se à Lisboa, e foi nomeado go
vernador do Cabo Verde, para onde seguio e tomou posse
332 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

do governo, o qual dirigiu de 1618 a 1622, quando termi


nou a sua missão .
Não tardou , porém , a occasião de se assignalar ainda
mais pela conquista de novos triumphos, e dessa vez, cou
be ao Brazil, ser o theatro das suas façanhas, o campo em
que colheu os mais fulgurantes louros que compõem a sua
corôa de guerreiro. Os hollandezes já haviam experimen
tado o seu valor na Europa, vinham agora de novo experi
mental- o na America .
Invadida a Bahia em 1624 pelos hollandezes , cahio fa
cilmente sob o seu poder, pelo fraco estado de defesa em
que se achava . Quando essa noticia chegou á Europa, o
governo da Metropole tomou immediatamente as necessa
rias providencias para restaurar aquella provincia do po
der dos hollandezes, enviando uma expedição respeitave!
pela sua força , e D. Francisco Rolim , como mui entendido
na guerra , foi escolhido para ficar por chefe das tropas da
Bahia , com o titulo de capitão -mór do Reconcavo .
Emquanto se aprestava a expedição restauradora, par
tio elle do porto de Lisboa com trez caravellas, e tocando
em Pernambuco, seguiu para a Bahia com alguma tropa e
munições que aqui recebeu, e mais trez embarcações. Foi
aportar na Torre de Garcia d'Avilla, e d’ahi seguiu para o
acampamento do Rio Vermelho, e tomou posse do com
mando das tropas aos 30 de Novembro de 1624, até então
commandadas por Marinho d’Eça . Chegando D. Francisco
de Moura a Bahia, diz o historiador Rocha Pitta , « conti
nuou as facções com a disposição e valor que lhe adquiri
ram a experiencia e o nascimento . » Melhorou a linha de
sitio, dividindo - a em districtos e fazendo occupar algumas
estancias importantes, cujas fortificações incumbiu a Ma
noel de Souza d’Eça . Igualmente organisou para dar pro
tecção aos engenhos do Reconcavo, uma flotilha de lan
chas e barcos canhoneiras, e nomeou para a dirigir a João
de Salazat. Preparado tudo isso, e reforçado o exercito
bahiano com o pequeno contingente que trouxera , e com
outros que de Pernambuco , Rio de Janeiro e Espirito - Santo
já haviam sido enviados , continuou a guerra contra os
hollandezes com mais actividade, até que, com a chegada
da esquadra Hespano-Portugueza, sob o commando de D:
Fradique de Toledo, e com o seu auxilio, entraram os por
tuguezes na posse da cidade no dia 10 de Maio de 1625, com
a capitulação dos hollandezes.
No dia 2 de Agosto partiu a esquadra para a Europa ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 333

e D. Francisco de Moura assumiu as redeas do governo


geral do Brazil , cuja nomeação régia trouxera D. Fradique
de Toledo . Esta commissão o contrariou de alguma forma.
Elle , que pelos grandiosos serviços que havia prestado, e
que pelos seus brilhantes triumphos tanto havia concorri
do na conquista dos mais custosos louros que adornam a
corôa das glorias militares do exercito Hespano -Portuguez,
foi certamente bem mal remunerado, e disto queixou -se
amargamente ao proprio monarcha,' em carta de 10 de
Maio de 1625, escripta da Bahia, dessa maneira :
« Senhor. - Em 28 de Março passado chegaram as ar
« madas que V. M. foi servido mandar de soccorro a esta
« cidade do Salvador de todos os Santos, e foi o successo
« da restituição della tão honrado, como será notorio , e os
« generacs D. Fradique de Toledo, e D. Manoel de Menezes
« devem avisar a V. M. De sua Real grandeza esperava
« differentes favores e melhoramento de lugar em seu Real
« Serviço, do que tive pela carta que em companhia destas
« armadas recebi de V. M. por mão dos Governadores ; po
« rém conforme á obrigação de Vassallo , cumpri as Ordens
« que se me deram , lembrando a V. M., que neste em que
« estou, o não posso servir com o zelo, e pontualidade que
« costumo e assy na conformidade da licença que pedi a
« V. M. antes que me partisse, que restaurada a cidade,
« me podesse recolher a minha Comenda aonde estava ,
« em companhia desta armada o detrimino fazer, desobri
« gando-me primeiro do que até agora tive a meu cargo ;
« V.M. o deve assi aver por bem , e mandar vêr esta causa
« com justiça, pois tenho servido com satisfação, em espe
« rando de V. M. as mercés que costuma fazer a semelhan
« tes benemeritos, me vejo tão atrazado . Deus guarde a
« catholica pessoa de V. M Bahia 10 de Maio de 1625.-D.
« Francisco de Moura .
Foi elle o decimo quarto governador geral do Brazil, e
nessa posição se conservou até o anno de 1626 , quando en
tregou as redeas da administração ao seu successor D.
Diogo Luiz de Oliveira conde de Miranda. Durante o curto
periodo da administração de D. Francisco de Moura, acon
tecimento algum notavel se deu na Bahia . Lamenta -se,
porém , o que teve lugar a 27 de Janeiro de 1625 ; n'uma
casa fóra da cidade, onde se haviam recolhido os Padres
da Companhia , a morte do seu reitor o Rvd . Padre Fernão
Cardim , escriptor de bastante merito , e mestre do Padre
Antonio Vieira .
334 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Pelos serviços prestados por D. Francisco de Moura,


por occasião da restauração da Bahia , contentou -se apenas
El rei de Hespanha em mandar aos governadores de Por
tugal pela Carta Régia de 7 de Agosto de 1625, que se lhe
agradecesse pelo que havia feito em suas obrigações !! e
isto mesmo, por se lhe haver consultado a tal respeito, e
tambem sobre outros ! Cremos que depois desta commis
são seguiu D. Francisco de Moura para Portugal, pois não
figura em nenhum dos acontecimentos que tiveram lugar
no Brazil depois disto ; e lá falleceu no anno de 1657 , na ci
dade de Lisboa ,contando 77 annos de idade, solteiro e sem
descendencia .
Este pernambucano valente e amestrado na arte da
guerra , como lhe chama Accioli de Serqueira nas suas Me
morias Historicas da Provincia da Bahia , foi um general
illustre, distincto e brioso, cujo nome resplende nos an
naes guerreiros da India, de Flandres e do Brazil. Pelos
grandiosos serviços prestados nestas duas primeiras cam
panhas, El-Reio agraciou com o senhorio da ilha Gracio
sa , no archipelago dos Açores. Elle teve mais quatro com
mendas , e occupou o alto cargo de conselheiro de Estado.
Tal foi em largos traços a vida do illustre pernambu
cano D. Francisco de Moura Rolim , em cuja fronte brilham
os louros da triplice corôa das suas glorias militares, con
quistadas pelo seu heroismo e valor, nos campos da Asia,
da Europa e da America .
Francisco Muniz Tavares. Nasceu aos 16 de Feve
reiro de 1793, na freguezia de S. Antonio do Recife, e foi
baptisado na egreja matriz da mesma freguezia a 27 do
dito mez e anno . Era filho legitimo de João Muniz Tava
res, natural da ilha de S. Miguel, e D. Rita Soares de Men
donça , natural de Pernambuco ; neto paterno de Manoel
Muniz e D. Barbara de Rezende, e materno de Euzebio
Soares e D. Joanna Correia de Jesus.
Destinado por seus pacs a vida ecclesiastica, Muniz Ta
vares fez os seus estudos philosophicos e theologicos na
Congregação dos Padres da Madre de Deus, e aos 2 de
Abril de 1808 obteve a respectiva sentença de habilitação
para ser admittido a ordens menores e sacras . Muniz Ta
vares conclue exactamente os estudos necessarios á assu
mir ao presbyterato, quando D. Frei Antonio de S. José
Bastos, bispo de Pernambuco, acabava de partir para o
Rio de Janeiro ; e assim , ancioso de obter logo a sua orde
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 335

nação sacerdotal, seguiu para a Bahia, e aos 25 de Março


de 1816 , recebeu das mãos do arcebispo D. Fr. Francisco
de S. Damaso de Abreu Vieira, a uncção sacerdotal , na
capella do palacio archiepiscopal, e veio para Pernambuco
celebrar a sua primeira missa, cuja licença lhe foi conce
dida porprovisão de 18 de Maio do mesmo anno.
Muniz Tavares, creança ainda , e no estadio escolas
lico, já apresentava o typo do homem circumspecto , grave
e previdente. Intelligente, estudioso, zeloso cumpridor
dos seus deveres, sectario das idéas patrioticas predomi
nantes nesses tempos, elle conquistára a estima e consi
deração dos seus mestres e condiscipulos. Já em 1810,
quando os patriotas pernambucanos conspiravam no plano
da regeneração politica do Brazil , Muniz Tavares era re
commendado pelo illustre botanico Arruda Camara , em
uma carta politica escripta ao seu amigo o Padre João Ri
beiro , um dos seus mestres, como um dos rapazes com
quem se devia ter todo o cuidado no seu adiantamento .
Logo depois de ordenado, entrou Muniz Tavares no
exercicio do cargo de capellão da agonia do hospital do
Paraiso, exercendo conjuntamente o de secretario da res
pectiva administração, e em 1817 achava -se no exercicio
interino da sua regencia , cargo que era desempenhado por
seu mestre e amigo o Padre João Ribeiro Pessoa . Era o
hospital do Paraiso, sob o titulo apparente de Academia ,
o ponto de reunião dos conspiradores politicos de 1817 , e
ali recebeu Muniz Tavares a sua iniciação , e começou a
collaborar na grande obra da mallograda tentativa da re
generação de sua patria .
O espirito publico achava - se então em exaltação . O
feliz exito dos esforços das colonias inglezas e hespanholas
da America, na obra da sua independencia , animava e en
corajava aos pernambucanos, e a cada triumpho que a
causa da' liberdade obtinha sobre a ferrenha tyramnia que
atormentava a esses povos, elles crgviam -se cheios de ani
mação, e redobravam de esforços. Trabalhavam pois os
obreiros da suspirada liberdade, tudo dispondo e prepa
rando para o asseguramento e consolidação da generosa
idea que promoviam , quando um acontecimento inespera
do veio accelerar o rompimento da revolução, em epocha
que para isso ainda muito tempo e trabalho eram necessa
rios .
Mas os compromettidos patriotas não olharam a res
ponsabilidade, não recuaram ao grito inesperado da pro
336 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

clamação da liberdade, acceitaram o acto, e pela sua con


solidação se empenharam e sacrificaram -se. Foi pois a
6 de Março de 1817 , que echoou na cidade do Recife, o grito
da independencia , o grito da liberdade, grito unisono, que
retumbou por toda esta provincia, e pelas da Parahyba,
Rio Grande do Norte e Ceará, com enthusiasmo e unanimes
acclamações. A revolução, proseguindo na sua marcha,
achou firme em seu posto o jovem Padre Muniz Tavares,
e nelle encontrou, na phrase de um historiador contempo
ranco, uma dessas poucas almas originaes, talhadas pela
natureza para grandes e altos destinos.
A prematuridade do rompimento da revolta , quando
ainda muito havia que preparare prevenir, foram as causas
da sua ephemeridade , e o templo da liberdade firmado
sobre bases tão pouco solidificadas, abateu e desmoro
nou - se ! Veio então a reação, tremenda e implacavel , abri
ram -se de par em par as portas dos carceres , forjaram -se
pesados grilhões, e ergueram -se medonhos cadafalcos,
donde rolaram as cabeças das victimas compromettidas.
Mas o movimento politico de 1817,não foi infructifero . 0
germem da liberdade estava lançado no fertil e immenso
solo brazileiro, e mais tarde, em 1822, fructificou nas mar
gens do Ypiranga .
A revolução de Pernambuco em 1817, diz o proprio
Muniz Tavares na historia desse acontecimento , bem que
muito pouco durasse , fará sempre epocha nos annaes do
Brazil : tempo virá talvez, em que o dia 6 de Março, no qual
foi ella effectuada, será para todos os brazileiros um dia de
festa nacional. Pernambuco já tinha -se illustrado na san
guinolenta luta , que por longo decurso de annos , despro
vido de meios , abandonado a si só, valorosamente susten
tara contra uma das mais potentes nações maritimas da
Europa, defendendo á sua honra, o seu territorio , a des
peito das reiteradas ordens do timido Bragança . Então,
continua ainda Muniz Tavares, por circumstancias peculi
ares, não soube obter mais do que a admiração e o respeito
dos tyramnos ; com a revolução indicada conquistou im
prescriptiveldireito a veneração dos amigos sinceros da
liberdade. Estes não poderão esquecer jamais que foi
essa provincia , quem primeiro deu o signal ao Brazil de ter
chegado o momento tanto suspirado de entrar no goso dos
bens immensos , que a cobiça dos portuguezes por espaço
de trez seculos extorquia ; foi ella quem apresentou -lhe a
grandeCarta da emancipação civile politica, e mostrou com
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 337

o exemplo a maneira de possuil-a . Desgraçadamente não


foi seguida, e succumbiu ; mas não pereceo germem planta
do e regado com o sangue dos seus martyres : em tempo
opportuno fructificou e não deixará de crescercom vigor. »
Estava pois debellada a revolução patriotica de 1817 ;
ia descortinar-se aos olhos do immenso auditorio desse
espectaculo, a scena final do grande drama da liberdade, a
scena do martyrio ; mas os tyrarnos esqueciam - se que
depois do desempenho dessas scenas, segue-se umamuta
ção, a apotheose dos heróes. E os heróes de 1817 tiveram
a sua apotheose em 1822. Ao apagar-sco syrio da liber
dade, os patriotas ficaram envolvidos nas trevas cerradas
da tyramnia , cahiram victimas dos liberticidas. Muniz Ta
vares, sacerdote dos templos do christianismo , cra - o tam
bem dos templos da liberdade, o que queria dizer nesse
tempo em que a tyramnia havia reconquistado o seu poder,
criminoso de lesa -magestade.
Rodrigo Lobo desembarcando no Recife, e começando
á serie de perseguições exercidas sobre os infelizes patrio
tas , não tardou muito que Muniz Tavares cahisse em suas
mãos . Preso , é immediatamente atirado ao porão da corveta
Mercurio , seguiu para a cadeia da Bahia , até que a Alçada
de Pernambuco disposesse da sua sorte. Na cadeia, diz
um escriptor contemporaneo, tomou logo o partido, que
unicamente convinha a um sacerdote ; que foi resignar-se
christāmente ás ordens da Providencia, e applicar -se
continuamente ás sciencias politicas, presagiando o quanto
ellas se lhe fariam necessarias no futuro . Depois das mais
atroses perseguições exercidas sobre os infelizes patriotas,
começaram elles a respirar um pouco, e a gosar de algu
mas concessões, entre ellas, mediante avultado ganho para
o carcereiro, as do uso de papel, penna e tinta, e com
maior custo ainda obtiveram algumas novellas e livros de
viagens, que ambiciosamente passavam de mão em mão.
Um dia , porem , disse Muniz Tavares : si nos hacemos de
entreter com essas novellas, que corrompem antes do que
moralisam , porque não mandamos vir lioros de instrucrào,
que utilisando -nos, matam o tempo que possamos na ocio
sidade ?
Unanimemente acceita a indicação de Muniz Tavares,
começou a entrar nas prisões dos patriotas, uma alluvião
dediccionarios francezes, Telemacos,Fabulas de Lafontaine
e outros classicos francezes, e logo após outros livros de
338 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

linguas e sciencias, convertendo - se assim a cadeia como


que n'uma universidade, onde Muniz Tavares, Antonio
Carlos, Frei Caneca, Mena Calado , Pedroso , Villela Tavares
e outros, diffundiam o estudo das lettras é das sciencias ,
cabendo a Muniz Tavares, « que muito utilisou a mocidade »
a regencia da cadeira de Logica.
Individuos houve, que entrando para a cadeia quasi
analphabetos, sahiram possuindo alguma instrucção litte
teraria, comoWencesláu Miguel Soares Carnevina, depois
tenente -coronel commandante do corpo de artilharia de
Pernambuco, que entrara mal sabendo ler e algumas defi
nições de geometria, e sahiu sabendo bem mathematicas
puras, adquerindo pelas copias das defesas dos collegas
presos, uma caligraphia admirada por todos. Em fim ,
diz Antonio Joaquim de Mello, todo o mundo estudava, a
habitação das trevas transformou -se em asylo de luz .
Muniz Tavares, intelligente, dotado de um espirito
penetrante, acompanhando e pesando com criterio e racio
cinio a marcha dos acontecimentos do tempo , previu e
augurou mesmo a revolução de Portugal que rebentou em
1820, a que muitas vezes chamava em palestra amistosa
com os seus companheiros, - a necessaria ordem de cou
sas- . E assim , ensinando é aprendendo ao mesmo tempo ,
se foram consumindo os seus quatro annos de martyrio ,
até que rebentou a prevista revolução, que lhe abriu as
portas do carcere em 1821 .
Muniz Tavares como muitos outros dos seus compa
nheiros de prisão, sahiu dos carceres sabendo muitomais
do que quando entrara ; mas elle possuia a nobre ambição
da riqueza do saber, e para elle essa medida do ter ainda
senão havia enchido. Preferiu pois , deixarde voltarembar
cado para Pernambuco, áseguir por terra, emprehendendo
assim uma longa e uncommoda viagem , por sertões aridos
e estereis , somente com o fim de visitar nesta immensa
travessia , algumas pessoas notaveis por suas luses e con
hecimentos, que por esse tempo residiam nessas locali
dades, de cuja convivencia tirou grandes fructos, como
elle proprio confessou mais tarde nos salões das cortes
constituintes de Lisboa .
Recolhendo - se á Pernambuco , Muniz Tavares recebeu
do governador e capitão -general Luiz do Rego , a nomeação
de professor regio da cadeira de latim da villa do Cabo, por
provisão de 27 de Março de 1821 , vencendo o ordenado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 339

annual de 2409000, pago em quarteis, cargo esse que elle


acceitou contente , por dar-lhe occasião de bem dirigir e
educar a mocidade .
Por esse tempo, convocadas as cortes constituintes de
Lisboa , ia -se proceder em Pernambuco a eleição dos res
pectivos deputados aquelle congresso, a cuja deputação,
na phrase do autor dos Martyres Pernambucanos, « cabé
a gloria da independencia imperial, o que talvez não tivesse
logar, se de Pernambuco não fossem por deputados ao
congresso de Lisboa,aquelles respeitaveis varões;» eonome
de Muniz Tavares, apresentado e acceito em uma reunião
para esse fim convocada, mereceu no acto da eleição os
suffragios dos seus comprovincianos, e foi elle um dos sete
deputados de Pernambuco áquelle congresso , e um dos
mais distinctos que alli tomaram assento .
Terminado o processo eleitoral e recebendo o seu
diploma, partiu Muniz Tavares para Lisboa a bordo da
corveta Princesa Real, e aos 29 de Agosto de 1821 , depois
de approvado o parecer da commissão de verificação de
poderes, tomou assento na camara .
Muniz Tavares contava apenas vinte e oito annos de
idade ; era bem jovem ainda quando foi destinguido por
seus compatriotas, com esse mandato tão honroso quão
difficile cheio de responsabilidade. Mas a essa prova de
estima, consideração e confiança, elle soube digna e hon
rosamente corresponder, soubeelevar -se elevando os foros
dos seus patricios, conquistar applausos e renome, con
quistando os seus direitos e prerogativas, merecer as ben
çãos da patria, pelo merecimento dos seus serviços,
sempre em luta em prol da liberdade; e quando já nada lhé
era possivel obter, da parcialidade da deputação portugueza,
em maioria absoluta, quando ao Brazil não podia mais ser
util, elle resigna o seu cargo, abandona os salões do con
gresso , e retira -se de Portugal, sem trahir o seu mandato ,
com a consciencia tranquilla de bem o haver desempe
nhado .
Em quanto Muniz Tavares pugnava pelos direitos do
Brazil, ameaçado pela constituinte , de voltar ao antigo cs
tado colonial, extinguindo -se todos os seus tribunacs e re
partições , coartando toda a sua iniciativa politica , todos os
seus passos na senda do progresso , grave e ameaçador
era então o estado de cousas em Pernambuco. O general
Luiz do Rego , que desde 1817 achava -se a testa do seu go
verno , tornara - se por seus actos impoliticos, repassados
310 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de infamias e crueldades, o alvo do odio popular. A des


honra e a prostituição por elle levadas ao seio das fami
lias, a horrivel matança da serra do Rodeador, no Bonito ,
a sua tyrannia mandando açoutar até os homens livres
nas grades da cadeia , as suas invasões no poder judicia
r'io , mandando pôr na calceta pelas ruas desta cidade um
moco de familia, por não querer assignar um termo de ex
ponsaes, mandando prender a muitas pessoas por dividas
que não pagavam por falta de meios, à sua politica iniqua
einquisitorial, rebaixando os caracteres, aniquilando todos
os sentimentos generosos, e mais que tudo , os seus actos
de reacção e barbaridade, praticados em 1817, ao triumpho
da tyrannia, conduziram os pernambucanos á vingança de
tantos crimes e crueldades, e foi assim que João de Souto
Maior tomou a si a tarefa de lavar com sangue a sua des
honra , a quebra dos seus brios e dignidades .
Ferido Luiz do Rego por Souto Maior, na noite de 20
de Julho de 1821 , no meio da ponte da Boa Vista , morto este
novo Curio , como lhe chama o padre Dias Martins, este
vingador da honra e dignidade dos seus patricios, os odios,
a vinganca e crueldades, cahiram de chofre sobre infini
dades de pessoas, alheias sem duvida ao acto de Souto
Maior. As prisões enchem - se de suppostos comprometti
dos, uns seguem deportados para a ilha de Fernando de
Noronha, e outros tomam o rumo de Lisboa, atirados ao
immundo porão do brigue Intriga, sem mantimentos suf
ficientes para a viagem , em um navio arruinado, que por
immensa felicidade os conduziu com vida aquelle porto.
Abre - se a sessão do congresso , cos deputados de Per
nambuco que ignoravam a chegada dos seus patricios, ou
vem surprezos , finda a leitura da acta , a menção do offi
cio de Luiz do Rego, em que participava o horrivel atten
tado contra a sua pessoa, a remessa dos maiores inimigos
da ordem publica, sobre os quaes recahiram graves sus
peitas de proclamarem novamente a republica, e o estado
de desordem e inquietação em que declarava ficar a pro
vincia ! Terminada a leitura desse officio , reinou o mais
profundo silencio , a gravidade do assumpto, impunha cal
ma e reflexão , todos interrogavam com o olhar a deputa
ção de Pernambuco, como que pedindo uma explicação do
faeto, e a deputação de Pernambuco não foi indifferente a
este appello , a esta muda mais eloquentissima interpella
cão, e não se fez demorar, e pelo orgão eloquente de Muniz
Tavares, assim fallou :
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 341

« Sr. Presidente.-No dia mesmo em que tive a honra


de tomar assento neste augusto recinto , depondo respeitos
humanos e pensando unicamente no desempenho do car
go que tinha -me sido confiado, representei que convinha
prover sem demora as precisões da interessante provincia
de Pernambuco ; disse que uma nova machina não se po
dia bem mover com velhas rodas ; repeti o que todo o mun
do sabe ; que Luis do Rego Barreto avezado a exercitar
com furor o regimen despotico , havendo no inteiro curso
da sua vida, e em particular no governo que ainda occupa ,
dado mui evidentes provas do seu affèrro a abominada
monarchia absoluta ; era quasi impossivel que cordial
mente abraçasse o systema liberal, que prostrava o seu
orgulho insensato e destruia os ambiciosos planos, que
em sua cabeca havia concebido .
« Accrescentei que elle dizia - se, ora constitucional
para cobrir com essa capa a deformidade das suas acções.
Boa fé não o guiava .
« A minha voz felizmente foi ouvida ; as Cortes recom
mendarão ao Governo a immediata remoção daquelle ge
neral; o Governo adherio . Oxalá que aquella resolução ti
vesse chegado ao seu destino dous mozes antes ! A minha
muito amada patria não traria hoje novo luto . Luis do Rego ,
ainda impudentemente protesta ser constitucional! Vos
vèdes, illustres deputados, a singular confirmação da sua
constitucionalidade. Um desesperado, que talvez teria mo
tivo de desaffrontar-se de injuria privada, tenta assassi
nal- o ; c eis que toda a provincia é indistinctamente caluni
niada e perseguida ; os melhores Pernambucanos garro
teados sem nenhuma forma de processo , e não é tudo ; são
forçados a abandonar as suas propriedades, e deixar na
miseria as suas familias, a atravessar o occano em alge
mas sem que se lhes aponte legalmente o delicto !
« Estão já ancorados no porto desta capital. Vòs aca
bais de ser informados. E ' constitucional Luis do Rego ?
Monstro ! Que maior attentado podia commetter contra
Deus e os homens ? Elle vos insulta Senhores, pretendendo
associar - vos á sua ignominiosa conducta ; insulta os pode
res constituidos ousando enviar - lhes as victimas do seu
caprixo, da sua tyrannia . Não temais que Pernambuco ar
vore o estandarte da rebellião contra as sabias reformas
que para o bem geral da humanidade intentaes fazer ; vos
engana o tyranuo ; crê que com esta vaga accusação vos
incutirá terror.
342 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

<< Conheço a fundo os sentimentos dos meus honrados


compatriotas; elles só querem um governo justo, um go
verno liberal : um tal governo é garantido com a constitui
ção que vai- se organizar e que anciosamente todos espe
rão . Toca a este respeitavel Congresso reparar a injustiça,
ou mais propriamente fallando , vingar a injuria feita as
leis. Sejão postos immediatamente em liberdade os mise
ros pacientes, que a vós por meu orgão recorrem ; e sejão
restituidos a sua patria a custa do Thesouro Nacional, pois
que obrigal -os ao pagamento das despezas de uma tam
longa viagem , seria impor- lhes pesada multa, que de certo
não merecem . Tome-se estricta conta ao despota, quando
voltar, e renove -se a ordem para o seu solicito regresso.
Si assim obrardes, Senhores, unireis mais e mais os Bra
zileiros a causa que tam heroicamente haveis proclamado :
a justiça é a unica solida base dos governos. »
Terminado este breve, mais conciso e eloquente dis
curso , Muniz Tavares por exigencia do presidente do Con
gresso , mandou á mesa uma proposta concebida nos ter
mos da sua ultima parte, a qual foi unanimemente appro
vada sem discussão alguma, mandada immediatamente
executar, e em breve, aquellas victimas da tyrannia e op
pressão de Luiz do Rego, estavam em liberdade, e toma
vam o caminho da patria, livres pelo patriotismo e elo
quencia de Muniz Tavares.
Este discurso , os seus actos no Congresso , a sua pro
posta para que os desterrados de Pernambuco na costa
d'Africa, coutros prezos na propria provincia, por serem
constitucionaes, e promoverem a installação da junta pro
visoria , fossem postos em liberdade, e que gozassem da
amnistia concedida aquelles que se achassem comprehen
didos em algum crime de opinião politica, propostas estas
immediatamente approvadās, prova o alto e merecido cre
dito que entre os seus collegas do Congresso gosava Muniz
Tavares . Elle recebeu então, provas irrecusaveis e signifi
cativas dos seus patricios, de quanto o presavam , e do seu
reconhecimento , pelos serviços prestados no Congresso
portuguez, em prol da causa do Brazil e dos brazileiros.
Entre estas manifestações, é -nos agradavel mencionar uma
felicitação que lhe foi dirigida pelos maranhenses, firmada
por um grande numero dos mais distinctos cidadãos da
quella provincia, em 20 de Janeiro de 1822, e ao mesmo tem
po transcrever estas palavras :
« 0 Discurso pelo qual V. S. no meio do Augusto Con
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 343

gresso da Nação, em sessão de 30 de Agosto do anno pas


sado, declarou os puros sentimentos dos seus compatrio
tas, é de todos os Brazileiros em geral , é seguramente digno
do reconhecimento de todos , e especialmente dos desta
Provincia do Maranhão, em que habitamos . O que nos
obriga de commum accordo por meio desta , segurar a V.
S. a nossa gratidão ; esperançados de que o patriotismo,
que brilha nas expressões de V. S. em justificação e bene
ficio dos Portuguezes do Brazil , haja de coadjuvar os Be
nemeritos deputados desta nossa Provincia, não só para
o particular interesse della , como para a face da commum
Patria e de todo o Universo patentcar a nossa espontanea
adhesão, e justo e sempre desejado afinco do Systema Li
beral, que, dos prezentes e vindouros promette as maio
res felicidades. Tributando a V. S. este publico, e sincero
testemunho da nossa gratidão, ficamos ao mesmo tempo
rogando a Deus, que prolongue a sua preciosa vida , e ani
me o seu espirito dos sentimentos patrioticos , que tem
manifestado, para gloria do Brazil , honra da sua Patria, e
terror do despotismo, que tem pesado sobre as Provincias
de Pernambuco e Maranhão (dignas certamente de melhor
sorte ) pela união de sentimentos ante -constitucionaes dos
seus dous oppressores , sobre os quaes nunca será inutil
toda a vigilancia ; pelos incontestaveis principios que elles
teem mostrado de uma decidida opposição ao Systema
Liberal. »
Por esse tempo, um jornalde Pernambuco tecia a apo
logia do illustre Muniz Tavares , e assim saudava - o :
« O Sr. Munis Tavares, é um jovem patricio digno sem
duvida, de entrar no catalogo venerando dos campeões da
liberdade . Contando apenas 27 annos de idade, tem dado
ao mundo dos homens livres, provas decididas de patrio
tismo e firmesa de caracter. Genio singelo e docil, espirito
perspicaz, franco e sem reserva no seio dos seus amigos ;
sobranceiro a calumnia ; emprehendedor e intrepido; apa
ziguado e tranquillo no meio das afflicções e dos desas
tres; inimigo jurado da oppressão e dos despotas ; livre
nos carceres, livre nas angustias do ferro ; homem de mol
de para o seculo das constituições.
« Elle se tem conservado de olhos fixos sobre os des
tinos de sua patria ; nem duvidaria renovar por ella o sa
crificio honroso de Codro, Meneceo, Cursio, Regulo e Catão,
seus mestres e modelos. Embora a intriga de mãos dadas
com a malevolencia o arrancasse barbaramente da patria,
314 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

para o entregar por quatro annos successivos ao oppro


brio dos grilhões e aos horrores da fome; talvez por isso
mesmo, máu grado de muitos, nós o vemos hoje no circui
lo respeita vel dos paes da patria, na assembléa suprema
e legisladora da nação portugueza, organisando com ella
o codigo politico e liberal; monumento raro na historia da
philosophia ! »
Estava, porém , Muniz Tavares a findar a sua missão .
O Congresso começava a tomar uma attitude hostil sobre
os negocios politicos do Brazil, os deputados portuguezes
atiravam -se insultuosamente sobre os brazileiros, e até as
proprias galerias, sem que fossem contidas, atirava -lhes in
sultos. Os debates cada vez mais se acaloravam , Muniz
Tavares bate - se vantajosamente com alguns deputados
portuguezes, entre os quaes o audaz e insolente Girão , ne
ga -se a assignar a constituição portugueza , e quando nada
mais lhe era possivel fazer em prol dos interesses do Bra
zil , resolve deixar Portugal, e com alguns companheiros
deixa Lisboa, onde já se expunham os deputados brazi
leiros ao furor da plebe, embarca-se occultamente, e che
gando a Falmouth , firmou com elles o celebre manifesto
de 22 de Outubro de 1822, e parte para o Brazil.
Muniz Tavares, assim como os seus companheiros,
ignoravam os ultimos acontecimentos do Brazil, partiram
em demanda da colonial patria , cencontraram -na livre, in
dependente , o imperio proclamado pelo grito da liberdade
nas margens do Ypiranga , e convocada a constituinte bra
zileira . Muniz Tavares encontrou nos seus patricios, as me
recidas e mais significativas provas de reconhecimento
pelos serviços que prestára a causa da liberdade, a causa
dos brazileiros, no congresso portuguez ; e elles souberam
manifestar o seu reconhecimento, elegendo-o deputado a
constituinte brazileira, e ao proprio monarcha não foi in
differente o patriotismo e serviços do illustre Muniz Tava
res, galardoando-os com a conferencia da Dignitaria da
Imperial Ordem do Cruzeiro, por decreto de 1 de Dezem
bro de 1822 .
Na assemblea constituinte brasileira, Muniz Tavares
recebeu dos seus collegas inequivocas provas do conceito
e apreço que lhe tributavam , taes como a sua eleição para
secretario, de membro da commissão de poderes, e da in
cumbida de redigir o projecto da constituição ; c elle soube
digna e honrosamente corresponder a toda essa confi
anca, e como na constituinte portugueza, na brasileira
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 343

clevou - se a altura dos maiores oradores, dos mais insignes


patriotas. As discussões da Coustituinte, diz o Sr. Con
selheiro Homem de Mello , provou exuberantemente , que
havia nella a somma de luzes suficientes para a confecção
de uma constituição sabia e bem ordenadu. Algumasma
terias foram ali tratadas com grande crudição, entre outras
a da liberdade religiosa , em que tomaram parte os depu
tados Silva Lisboa , Carvalho e Mello , Antonio Carlos, Bispo
Capellão -mór, Maciel da Costa, Muniz Tavares, J.J. Car
neiro de Campos, Vergueiro e Carneiro da Culia .
Por esse tempo publicava -se no Recife o periodico
Sentinella da liberdade na guarita de Pernambuco , redi
gido por Sypriano José Barata de Almeida, periodico de pro
paganda politica, de idéas exaltadas e incendiarias. “ No
seu n .° 54 de 1823, estampou a Sentinella em suas columnas
um artigo contra Muniz Tavares, pelo qual se tratava de
convocar os cleitores da provincia para se cassarem os
seus poderes de deputado á Constituinte. Nesse tempo , em
que a imprensa era soberana, e sabia , mantendo - se na de
vida altura de sua missão, infundir respeito, e firmar opi
nião, Muniz Tavares assim atacado em sua honra, julgou
não dever jamais por titulo algum representar uma pro
vincia, onde um dos seus habitantes apresentava uma
idéa tão indigna, tão revoltante . Mas a imprensa fallava ,
a soberana do universo pronunciou o seu verbo , era quanto
bastava . Muniz Tavares recebendo esse numero do allu
dido jornal, immediatamente enviou Camara um reque
rimento pedindo a sua demissão do cargo de deputado, 10
qual dizia, que:
« Embora, fazendo justiça ao caracter constante, e
brioso dos meus constituintes, eu possa lisongear-me, de
que não se realisará o pretendido aitentado, e ainda reali
sando -se eu esteja persuadido, de que actos de tal natureza
sempre são irritos, e nullos, por isso que não cabem nas
attribuições da pessoa, que os pratica ; todavia a conside
ração somente, de que já não poderão ser uteis os meus
esforços a bem da causa do Brasil, pela confiança que os
mal intencionados de proposito procurão insinuar à meu
respeito, obriga -me a requerer com a maior instancia a
esta augusta assembléa a minha demissão, e espero que
m'a concederá attento o motivo allegado, que merece todo
0 peso . »
A Assemblea Constituinte não acceitou a honrosa es
c'usa pedida por Juniz Tavares, cumprindo assim o seu
316 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
dever ; e então, continuou elle a frequental- a, até que por
um acto de prepotencia e arbitrio do imperador, foi ella
dissolvida .
Na sessão de 22 de Maio , diz um seu biographo, foi
Muniz Tavares o deputado que apresentou o projecto au
torisando o governo a fazer sahir do imperio no praso de
3 mezes a todos os portuguezes suspeitos de não adhe
rirem a independencia . Esse projecto se affigurou a ex
pressão simi-official da politica de reacção anti- lusitana do
ministerio Andrada ; cahiu combatido pelos moderados e
por alguns dos mais ardentes liberaes , e determinou em
breve tambem a quéda do ministerio da independencia ;
d'ahi o primeiro ponto da discordia , e depois os graves
erros de uma politica opposta , que finalmente causou
aquelle abysmo de 12 de Novembro de 1823, a dissolução
da constituinte .
Muniz Tavares volta então á Pernambuco , e aqui, com
mais 6 companheiros, assignou o Manifesto de 13 de De
zembro , apresentando aos seus concidadãos os motivos
que os impediram de continuar no exercicio do honroso
mandato que lhes haviam confiado . Pernambuco , a esse
acto de violencia imperial, protestou com as armas nas
mãos, pôz em campo a revolução e proclamou a Confede
ração do Equador. Porém Muniz Tavares não adheriu a
sua causa , hostilisou -a mesmo, e a esse seu proceder
occupou - se o Typhes Pernambucano de 15 de Abril de
1824 , transcrevendo e commentando algumas cartas que
dirigira a diversas pessoas desta provincia, bem pouco
lisongeiras na verdade, aos seus actos de abnegação e
patriotismo, anteriormente praticados. E ' que os nobres
e generosos intentos do illustre Muniz Tavares, visavam
somente um alvo ; a independencia da patria, e depois de
attingir a esse alvo, queria unicamente a sua prosperi
dade, e bem estar. Não sigo partidos, disse elle n'uma
dessas cartas, só quero a ordem e tranquilidade daminha
patria .
: Tavares, resolveu então partir para a Europa :
Muniz
estavamos em mciado de 1824. Em Pariz matriculou -se
nas aulas da Universidade, e por diploma de 26 de Março
de 1825, foi-lhe conferido o grao de bacharel em theologia ,
e depois defendendo theses, conquistou a laurea doutoral.
Em 1826 já estava de volta no Rio de Janeiro , e por Decreto
de 18 de Maio , foi nomeado secretario da legação brasi
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 347

leira em Roma. Seguindo de novo para a Europa, entrou


no exercicio do seu cargo a 23de Outubro do mesmo anno,
no qual conservou -se até Maio de 1832, quando obteve a
sua exoneração. Neste cargo , durante o qual coube-lhe
por duas vezes dirigir interinamente os negocios da le
gação junto Santa Sé, Muniz Tavares gosou unanime con
ceito e geralestima entre as dignidades da corte pontificia,
e dalli partindo, deixou gratas recordações.
Terminada as suas funcções diplomaticas, Muniz Ta
vares recolheu - se á Pernambuco, retirou -se inteiramente
por algum tempo da vida publica, e começou no silencio
da sua Thebaida, a erguer um monumento aos martyres
de 1817, a essa gloriosa pagina dos annaes pernambuca
nos, e escreveu a Historia da Revolução de Pernambuco
de 1817, obra que foi impressa nesta provincia na Typo
graphia Imparcial de L. I. R. Roma, em 1840. Na His
toria da revolução de 1817, diz o Dr. Aprigio Guimarães,
Muniz Tavares recommendou á execração das idades os
algozes da liberdade pernambucana. O que disse, disse, o
que escreveui, escreveu . Foi bello de ver-se ! Mais de um
terço de seculo sobreviveu ao seu livro, e delle não retirou
uma palavra ; e guardou o mais solemne silencio ante as
impugnações, mesmo quando vinham de estafados histo
riadores imperiaes, fallando burlescamente em tom de pa
lavra de rei ; e como se tanto não bastasse, ainda á beira
do tumulo tornou a assignar o seu precioso livro , legan
do-o ao Instituto Archeologico e Geographico Pernambu
cano .
Em 1841 occupou Muniz Tavares o cargo de secretario
da presidencia desta provincia , durante a administração
de Manoel de Souza Teixeira .
De 1815 a 18.17 occupou Muniz Tavares um lugar de
honra na Assembléa Geral , como deputado por esta pro
vincia, e a camara temporaria, em grande maioria liberal,
o elegeu seu presidente, e como tal, figura o seu retrato
na respectiva galeria . Em 1846 , recebeu um novo titulo de
distincção dos seus comprovincianos, qual o de deputado
a assembléa legislativa provincial, e dos seus collegas de
deputação , a eleição de vice-presidente .
Nestemesmo anno, por carta imperial de 15 de Novem
bro , recebeu a nomeação de monsenhor da cathedral e
capella imperial do Rio de Janeiro , de cujo beneficio foi
acceita por decreto de 23 de Setembro de 1850 a renuncia
348 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

que fez, conservando, porém , as honras e prerogativas a


elle inherentes, a em 1847, por Carta Imperial de 9 de Fe
vereiro , recebeu o titulo de conselheiro .
Deste anno por diante , Muniz Tavares afastou -se intei
ramente da vida publica , e recolheu -se á vida privada . (
recolhimento profundo daquelle espirito intelligente des
cancando sobre o tiesouro de suas experiencias accumul
ladas, diz um seu biographo, o afastamento completo do
movimento politico em seu paiz, elle , que amou a patria ,
que sonhou com a liberdade, que tinha forças para com
bater e soffrerpor ellas !.. Sobresalta -me o espirito, quan
do, sobre isto meditando, tenho em merte aproximar-me
do'sacrario mysterioso daquella alma. Estaria despovoada
de fé ? ... A descrença amarga teria sido , depois de tão
longa e momentosa luta , o premio dos seus esforços e şof
frimentos ?... Basta ; não profanemos o recondito sagra
do ; respeitemos a inviolabilidade do sacrario ...
Sim ; aquella alma estava despovoada de fé ; a des
crença amarga depois de um lutar incessante , em prol da
causa da liberdade, e dos direitos e interesses de sua pa
tria, desde os tempos coloniacs, foi o premio dos seus es
forcos e soffrimentos; elle foi uma das victimasimmoladas
pela ingratidão dos partidos. Muniz Tavares em toda a
sua vida, tinha uma unica aspiração ; era possuir uma ca
deira no senado brazileiro, como representante de Pernam
buco. Entrou uma unica vez u’umalista offerecida a coroa ,
mas outro foi o escolhido. A esperança de o conseguir
tinha-a perdido, dizia elle proprio em conversa intima com
alguns amigos, porque, quando o partido Liberal estava no
poder, só clegia filhos de outras provincins, (allusão a elei
ção de Chichorro e Ernesto ) e quando governacu o Con
servador, só eram escolhidos os Caralcantis.
Do seu retiro de Parnamerim , saliu em 1833 para pre
sidir a administração dos estabelecimentos de caridade,
em cujo cargo se conservou até Julho de 1860, quando pe
diu a sua exoneração , em virtude do accordo autorisado
pela presidencia, entre esse estabelecimento e os herdeiros
do marquez do Recife, relativo ao hospital do Paraizo e seus
bens, accordo csse com que não se conformou, por julgal-o
lesivo aos interessos humanitarios. Por espaço de sete
annos cmqueachou -seáfrente da administracaodesestabe
lecimentos de caridade, Muniz Tavares foi incansavel em
promover o seu augmento e prosperidade, já regularisan
do com methodo e economia i sua marcha , já melhorando
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 349

o seu patrimonio e finanças, como prodigalisando aos in


felizes recolhidos aos diversos estabelecimentos, uma vida
mais commoda e confortavel, empregando activamente o
maior cuidado e desvello . A esse tempo, o governo em
premio de taes serviços, lhe havia conferido a commenda
de Christo por decreto de 2 de Dezembro de 1858, e a da im
perial ordem da Rosa , por decreto de 14 de Março de 1860.
Muniz Tavares protestou de novo jamais sahir do seu
aprasivel retiro de Parnamerim . Mas elle esquecia -se que
o seu patriotismo ainda não se havia arrefecido, e que em
seu peito ainda ardia a pyra do enthusiasmo das glorias e
tradições patrias. Meia duzia de homens em quem as
tendencias destruidoras do seculo encontravam nelles fir
mes esteios para amparar o seu embate, mcia duzia de
homens siosos e enthusiastas das glorias e feitos dos fi
lhos desta terra legendaria, cheia de brilhantes tradições
de heroismo, abnegação e patriotismo, conceberam a ge
nerosa e patriotica idéa da fundação de uma associação,
que perpetuasse, celebrassee propagasse tudo isso, e dessa
idea nasceu o Instituto Archeologico e Geographico Per
numbucano, installado aos 28 de Janeiro de 1862 .
A essa idéa associou - se logo a de collocar a frente da
nascente instituição , o vulto venerando e respeita vel de
Francisco Muniz Tavares, e elle correu pressuroso a pre
sidir os destinos do Instituto, e a 21 de Setembro tomou
posse do seu novo cargo , o qual só o deixou poucos dias
antes de fallecer. Todavia, força é confessar que muito
mais lucrarieis, disse elle modestamente no seu discurso
no acto da posse, se a vossa testa houvesseis collocado
outro mais habilitado que eu ; á borda do sepulchro, pouco
ou nada se faz ; quando muito, contempla -se com acata
mento religioso algum vaso cinerario dos nossos infortu
nados indigenas, que a mão sacrilega do conquistador, ávi
do de ouro, por acaso tiver poupado. Creio que não olhas
tes para a minha idade, continua o illustre ancião, e sim
para meus bons desejos; agradeço, certificando - vos que
sempre em tudo cedi a méus illustres compatriotas, menos
em amor da patria ; ninguem mais do que eu ( iligo -o com
orgulho ), deseja o engrandecimento e a prosperidade de
Pernambuco ; ainda no fundo do meu retiro, não cessarei
de fazer votos para que o Instituto Archeologico e Geogra
phico Pernambucano floresça, obtenha o fim grandioso a
que se propõe. »
Sim ; era bello de fer -se a assiduidade, a importancia
350 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

que Muniz Tavares ligava ao engrandecimento do Instituto ,


os seus esforços em promover o seu augmento, tudo final
mente que a isso se prendia. Velho, octogenario, arrima
do ao braço de um amigo, transpunha o recinto do fusti
tuto, e por falta do seu comparecimento, jamais deixou de
haver uma unica sessão , por espaço de quatorze annos, tal
o seu amor e patriotismo, tal a sua dedicação !
Já no fim da vida, com o corpo á borda da sepultura,
procurou Muniz Tavares associar o seu nome já notavel
por tantos titulos, a uma instituição nobre, generosa , e re
generadora - O'asylo das Convertidas --, e em 1868 lan
çou em Santo Amaro das Salinas, os seus fundamentos.
No anno seguinte achava-se já concluido o estabelecimento ,
medindo 50 palmos de frente sobre 100 de fundo, dotado de
todas as necessarias dependencias e accommodações, e
plantado em um grande sitio , todo murado. Muniz Tavares
depositou n'um estabelecimento bancario a necessaria
quantia para patrimonio da sua instituição, mandou vir da
Europa às alfaias e paramentas necessarias á capella, e
um bello quadro a oleo, de Santa Maria Magdalena, padro
eira da casa , emandou fazer alguns moveis.
Tudo assim preparado, e já pela sua idade avançada,
não lhe sendo possível dirigir esse estabelecimento , vai
offerecer a sua guarda, á protecção do bispo D. Francisco
Cardoso Ayres, e elle recusa -se em acceitar a guarda e
protectorado desse estabelecimento ! Morre D.Francisco,
é nomeado D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, Mu
niz Tavares vai fazer ao novo bispo o mesmo offerecimen
to , e D. Frei Vital recusa - se ! Descrente do mundo e dos
homens, lança mão da quantia depositada para patrimo
nio , assim como do asylo , faz doação dos objectos que
mandara vir da Europa, a diversas igrejas desta capital,
e assim ficamos privados de tão util instituição.
Este facto contristou - 0 sobremaneira ; era a ultima
experiencia da descrença em sua longa vida, quando ella
já estava a extinguir - se. No dia 17 de Outubro de 1876,
quando celebrava em sua capella de Parnamerim o sacri
ficio da missa, foi assaltado do mal que o levou a sepul
tura, e tão fortemente, que nem poude terminar o acto .
Seis dias depois, no dia 23, era cadaver.
Cumprindo -se as suas disposições testamentarias, foi
o seu cadaver depositado na capella do capitulo do conven
to do Carmo do Recife, alli embalsamado, e exposto em
camara ardente até o dia 27 , e no seguinte, transportado ao
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 351

soberbo catafalco erguido na sumptuosa igreja desse con


vento , toda coberta de luto e de custosa ornamentação fune
raria , e depois de celebrar -se o officio solemne, foi o seu
cadaver conduzido ao cemiterio publico, acompanhado por
immmenso acompanhamento, e terminadas as honras mi
litares a que tinha direito por seus titulos e condecorações,
foi dado a sepultura em jazigo proprio .
Peza -nos profundamente mencionarmos tudo isso,
esse apparato , essas solemnidades e pompas funerarias,
prescriptas pelo proprio Muniz Tavares, elle um octogena
rio, um philosopho christão, um sacerdote em fim ! Fra
gilidades humanas, vaidades desta vida ! Mas o amor da
verdade, a nossa missão, impede -nos a isso mencionar.
Não é este o unico senão da vida do assaz illustre e vene
rando Muniz Tavares ; elle era homem , e como tal pagou
o seu tributo ás fragilidades humanas. A verdade sempre,
diremos fasendo nossas as palavras de um illustre publi
cista , a verdade sempre , principalmente junto aos tumulos:
o parce sepultis , em quanto não se abre a historia, pode
significar que não se apontem as manchas do sol , mas
não que o sol não tem manchas, ou que as manchas são
pontos luminosos de outra cor ... Mas deixemol - o em paz
na vida da eternidade, não vamos profanar as suas cinzas
venerandas, não vamos abrir a lagem de um sepulchro
para revolver os restos d'aquelle, que, como homem , na
via sacra desde mundo, tambem deu as suas quedas.
Tal foi a vida de Francisco Muniz Tavares. Elle viveu
oitenta e um annos, e morreu coberto das honras e gran
dezas da terra ; Doutor, Monsenhor, Conselheiro, Digni
tario da imperial ordem do Cruzeiro , Commendador das de
Christo e Rosa, socio do Instituto Historico Geographico e
Ethnographico Brazileiro, e Presidente do Instituto Arche
ologico e Geographico Pernambucano, taes foram ellas.
O Instituto de Pernambuco, pagou o seu tributo de ve
neração e sentimento á sua memoria, celebrando em sua
honra uma solemne e tocante sessão funebre, e collocando
o seu retrato na sala de suas sessões, e o do Rio de Janeiro ,
pelo orgão do seu orador, o Sr. Dr. Manoel Joaquim de
Macedo, na festa anniversaria que seguiu - se á suamorte,
tecendo seu elogio funebre, terminou com estas bellas e e
loquentes palavras :
« Francisco Muniz Tavares viveu oitenta e um annos ;
a maduresa da idade e o inverno da velhice poderam mo
dificar o exaltamento de suas ideas politicas; nunca po
332 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

rém , mudar -lhe a natureza : liberal desde a juventude era - o


ainda um momento antes da agonia que precede a morte ;
o amor da liberdade foi suave , congenita harmonia de sua
alma, semelhante a simples e doce musica da balada, em
que a ternura maternal encanta e faz adormecer o filhinho,
e que se imprimepara sempre no coração e na mente deste,
demodo que sua memoria ainda lhe repete o canto da pri
meira infancia, no meio das melancolias e dos soffrimentos
da velhice. Sua firmesa de principios politicos, que não
vacillou nem em face das altas posições sociaes nem no
theatro das ambições e nem depois na abstenção da vida
publica activa, attesta que a alma de Muniz Tavares era sa
crario puro da idéa a que rendeu sessenta annos de culto . »
Francisco Nunes Franklin . Nasceu na freguczia de
S. Frei Pedro Goncalves do Recife aos 23 de Julho de 1778.
Assentando praça no exercito de primeira linha desta
provincia, e depois de algum tempo de serviço deu baixa,
e seguiu para Portugal. Fixando -se em Lisboa, partiu
depois para Coimbra com o intuito segundo consta , de for
mar - se em medicina, o que não conseguindo por ter aban
donado os seus estudos, voltou para Lisboa em 1802, tendo
cursado segundo parece as aulas de philosophia e mathe
maticas.
Em Lisboa obteve Nunes Franklin ser empregado no
Archivo da Torre do Tombo, e por fallecimento doChronista
da Casa e Estado de Braganca , Antonio Ribeiro dos Santos,
obteve a nomcacão desse importante e difficil cargo ; e
essa distincção importava a remuneração dos serviços
que, com tanto zelo e illustração, havia prestado, cujo alvará
de nomeação foi lavrado aos 21 de Junho de 1821 .
Vagando em 1833 o logar de Guarda -Mór do Archivo ,
foi interinamente provido nesse logar em Agosto desse
anno ; porem bem pouco tempo ( occupou, porque foi sor
prehendido pela morte aos 2 de Dezembro desse mesmo
anno de 1833 , na idade de cincoenta e cinco annos .
Francisco Nunes Franklin cra dotado de uma bella
intelligencia , e somentepelo seu talento chegou a conquistar
uma honrosa posição em Portugal. Dedicado ao estudo
das cousas antigas,emcujo emprego tinha á sua desposição
os mais ricos e importantes subsidios para os trabalhos
que tencionava amprehender, muito trabalhou , e infeliz
mente muito pouco produziu .
Para mais facilitar aos seus irabalhos, dedicou - spao
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 353

estudo da paliographia tendo por professor João Pedro


Ribeiro . Os titulos de socio da Academia Real das Sciencias
de Lisboa , e de Chronista da Casa de Bragança , que lhe
foram conferidos, são tão honrosos e significativos , que por
si sós bastam para dar uma idéa do seu merecimento ,
talento e illustração.
Alem dos trabalhos que publicou , apresentou a Aca
demia , uma Chronica do primeiro Duque de Bragança, e
deixou inedito um breve Catalogo dos Chronistas de Por
tugal.
Francisco Nunes Franklin , que tão util poderia ser a
sua patria , dispondo de tantos recursos intellectuacs (
materiaes, tendo a sua disposição o importante archivo da
Torre do Tombo , esse riquissimo repositario dos mais
raros documentos, não escreveu uma só linha a seu
respeito !
Serviu de titulo para a sua admissão de socio na Aca
demia , um bello trabalho que tem por titulo : Memoria
Breve'de D. José da Costa , Cardeal de Lisbộa, vulgarmente,
o Cardeal d'Alpedrinha. Esta memoria foi inserta no tomo
VIII, parte I das Memorias da Academia .
Por ordem da mesma Academia e em sua lypographia,
foi em 1816 publicado um seu trabalho que tem por litulo :
Memoria para servir de indice dos Forues das terras do
reino de Portugal e seus dominios.
Em 1825 foi publicada a segunda edição desta memoria,
com mais augmento e correcção.
Francisco Paes Barreto , Marquez do Recife. Nasceu
no engenho Velho, na comarca do Cabo , aos 26 de Maio
de 1779 ; foram seus paes o mestre de campo Estevão José
Paes Barreto , e D. Maria Izabel Pacs Barreto, e seus avós
paternos o capitão -mór João Paes Barreto e D. Maria Luiza
de Mello , c maternos, Felippe Pacs Barreto e D. Maria Iza
bel Barreto .
Francisco Paes Barreto herdando de seus pacs avul
tada fortuna, e recebendo esmerada educação, abraçou a
vida da agricultura, como seus antepassados. Entrando,
por morte de seu pai, na posse e administração do mor
gado dos engenhos Velho , Santo Estevão, Ilha e Guerra,
dedicou -se com ardor ao trabalho, dotou as suas fabricas
dos melhoramentos introduzidos nesse ramo da agriculti
ra , e notando a inconveniencia que havia nas immensas
terras occupadas por esses engenhos, sem que podessem
46
354 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ser melhor aproveitadas, conseguiu que nas mesmas se


levantassem os engenhos Campo Alegre, S. José, Cara
murú, Junqueira e Camassari, e assim avultou ainda mais
a herança paterna.
Rico, circumspecto, homem de caracter e nobres e pa
trioticos sentimentos, Francisco Paes Barreto reunia a tudo
isso o prestigio e influencia local, por sua liberalidade, por
seus rasgos de patriotismo e desinteresse. A epocha glo
riosa da revolução de 1817 , esse preludio da independencia
nacional, fel- o martyr, engastou -o nessa cadeia de heroes,
hontem cobertos de opprobios e levados aos cadafalsos
reaes, hoje cobertos de bençãos, e elevados ao pantheon
das glorias patrias.
Num dos salões do hospital do Paraizo, fundado por
seus antepassados , de cuja instituição era elle adminis
trador por direito de successão, fundou , sob o nome appa
rente de Academia do Paraiso, um club conspirador, onde
discutia -se e traçava -se o plano da independencia da patria .
Francisco Paes Barreto tornara-se então um decidido apos
tolo das idéas democraticas, filiara -se a academia Suassuna,
trabalhou incessantemente; ea tanta altura chegou em prin
cipio, diz o padre Dias Martins, que só elle era capaz de
fazer e conduzir uma grande revolução. E oxalá fora elle
o unico autor do dia 6 de Marco ! Então a sua grave pru
dencia faria amadurecer no segredo o grande plano, elle
buscaria e seguraria meios aptos e infalliveis ; sua liberali
dade directa sem o dezar de estrangeiro lhe attrahiria a
multidão descontente de quem já era idolo pelas suas no
bres virtudes , a liberdade em fim , sem os espeques da im
postura marcharia magestosamente sem jamais ser as
sassinada por aquelles mesmos covardes que mais o de
viam cemental- a .
Mas os factos precipitam o acontecimento, rompe ines
peradamente a revolução, era necessario apoial- a. Fran
cisco Paes Barreto , na qualidade de capitão-mór comman
dante das ordenanças da villa do Cabo, reune immediata
mente as suas tropas, e encorporando -as ao batalhão au
xiliar dos Suassunas, põe -se em marcha, e ao amanhecer
do dia 7 de Março acha -se na cidade do Recife, onde reu
ne -se as tropas patrioticas, encaminhando -se para o asse
dio da fortaleza do Brum , e pela sua influencia e prestigio
muito concorreu para a capitulação e entrega dessa forti
ficação ; e voltando com o exercito ao Campo da Ilonra ,
hoje das Princezas, afim de tomar parte na cleição do go
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 353

verno provisorio, e quando o publico esperava que o gran


de Barreto fosse um dos directores dos seus novos desti
nos, diz um autor contemporaneo, soube-se com magoa
que elle se retirara para o Cabo, onde fòra esconder os seus
talentos, e talvez a dôr da ingratidão dos seus consocios :
todavia não deixou de prestar os maiores serviços á liber
dade da patria .
Mas no auge do perigo, quando o brilho do sol da re
volução começava a empaledecer, e os exercitos reaes
marchavam sobre o Recife, elle esquece a ingratidão dos
patriotas pela salvação da patria, reune -se de novo aos seus
companheiros; porém a perda da batalha de Pindoba apa
gára as ultimas esperanças dos patriotas, e elle vendo so
mente como unica e honrosa salvação a capitulação, apre
senta a sua idea , porém sendo ella recusada, deixou de
acompanhar as tropas que partiram para o interior, ficou
no Recife, e foi uma das primeiras victimas que cahiram
cm mãos dos inimigos. Preso , arrastado ao porão do na
vio Carrasco, seguiu para a provincia da Bahia, e foi ati
rado aos carceres da cadeia da Relação, passando pelas
maiores privações, mal e escassamente alimentado, no
meio de escravos e malfeitores, sem que lhe fosse permit
tido receber de sua familia cousa alguma. Assim passa
ram - se quatro annos , até que em 1821 lhe foi restituida a
liberdade .
Mas o martyrio não apagára a chamma patriotica da
quelle generoso peito . Paes Barreto encontra a patria op
pressa pelo jugo atroz e ferrenho de Luiz do Rego, o algoz
dos seus companheiros immolados em 1817 ; abriu as por
tas de sua casa aos patriotas, ahi reuniam -sé, lamentavam
as desgraças que pesavam sobre a patria, e talvez não
aventurassemos uma falsa proposição, se dissessemos que
novos planos de regeneração ahi se concertasse, em face
dos acontecimentos .
João de Souto Maior, tenta vingar as affrontas da pa
tria , mas erra o golpe; accende-se de novo a tyrannia , os
prezos que voltaram da Bahia , são indigitados como con
spiradores, e Paes Barreto tido como um dos seus chefes.
Espalham-se então os agentes de Luiz do Rego, prendem
ao menor indicio 41 cidadãos , e sem mais examenem pro
cesso são remettidos á bordo do brigue Intriga e seguem
para Lisboa .
Paes Barreto foi uma dessas victimas da tyrannia de
Luiz do Rego. Trabalhosa e perigosa viagem sofreu com
336 DICCIONARIO BIOGRIPITICO

os seus companheiros, até que chegaram a Lisboa, des


embarcaram , e seguiram para as prisões do Castello . A
noticia dos acontecimentos de Pernambuco , das violencias
de Luiz do Rego, e da chegada dos prezos em Lisboa, Mu
niz Tavares, deputado por esta provincia ás cortes consti
tuintes, protesta na camara por tudo isso, pede a liberdade
dos prezos, e a sua immediata restituição á patria, por
conta do estado ; e approvado o seu requerimento, so
elles postos em liberdade, e saudam de novo a terra na
tal. Paes Barreto voltava ainda o mesmo patriota , a atti
tude da constituinte portugueza despertira os animos bra
zileiros, Pernambuco expulsa Luiz do Rego do governo , e
installa a junta provisoria. Na luta suscitada entre o com
mandante das armas Pedro da Silva Pedroso e a junta
provisoria, da qual então fazia parte, prestou elle grandio
sos serviços a causa da ordem e tranquilidade publicas,
desenvolveu muita actividade animando aos esmorecidos
collegas da jumta , e com elles retirando -se para o Cabo,
organisou um pequeno exercito, voltou ao Recife, supplan
tou o motim , restabeleceu a ordem , e mereceu os maiores
louvores , não só dos nacionaes, como dos estrangeiros,
cujas vidas achavam - se ameaçadas pelos facciosos.
Acabava então de ser dissolvida a constituinte brazi
leira , e chegavam a Pernambuco os seus respectivos de
putados. Um dos seus primeiros actos, foi a apresenta
rão de um manifesto á junta do governo, da qual ainda fa
zia parte Paes Barreto , concluindo por um projecto sobre
uma nova forma na organisação do governo. A junta reu
UC - sc , apresenta a sua demissão, procede-se a nova elei
ção, e sahe eleito presidente Manoel de Carvalho Paes de
Andrade; porém o governo imperial não approva essa elei
ção, e nomeia para presidente da provincia a Francisco
Paes Barreto , por Decreto de 23 de Fevereiro de 1824.
Extremaram -se então as opiniões, os eleitores mantem
o seu voto, sustentam a Manoel de Carvalho, c dirigem uma
representação ao governo imperial, pedindo a confirma
ção do seu acto ; o governo insisté, e assim foram mar
chando os acontecimentos, até que Manoel de Carvalho
proclama a Confederação do Equador.
Francisco Paes Barreto firme na legalidade do seu
mandato, retira -se ao seu engenho do Cabo, e mais tarde
vão -se lhe unir as tropas que adheriam a sua causa, e a
sua frente marcha para a Barra Grande, e ahi fortifica - se ,
e por mais de 6 mezes fora toda ella mantida à sua custa .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 357

E quando mais tarde lhe fòra pedida a conta das despezas


da guerra, elle respondeu- que nada queriu , e essa im
portancia elevava -se a mais de 30 :0003000 ! Além dessa
quantia, os inimigos deram -lhe consideraveis prejuizos em
suas fazendas e engenhos, damnos que terminaram com a
juncção das suas tropas com as que enviara o governo afim
de restabelecer a ordem publica, e quando terminou essa
luta sangrenta entre irmãos. Paes Barreto abdicára então
de suas crenças republicanas. O seu intento e aspirações
eram a independencia da patria : e proclamada ella sob o
regimem monarchico , elle a abraçou enthusiasta , foi um
dos seus mais extrenuos e dedicados sustentaculos. E foi
por isso que não adheriu a Confederação do Equador, em
bora pareça que o seu amor proprio ferido pela tenaz re
sistencia que oppuzeram a sua nomeação de presidente da
provincia , fosse o movel de pensamento e idéas contrarias.
Restabeleceu -se, pois, a autoridade imperial, a Con
federação do Equador foi como que um meteoro que pas
sou ligeiro pela atmosphera politica do Brazil, e ás perse
guições e aos cadafalsos que se ergueram em punição aos
apostolos que haviam pregado o evangelho da republica,
o monarcha abriu o cofre de suas graças em premio e re
compensa áquelles que haviam sustentado a sua sobera
nia, assegurado a sua coroa nessa grande parte do Brazil
revolucionada, independente e republicana.
E assim , lhe foi conferida a Gran -Cruz da Imperial Or
dem do Cruzeiro, o titulo de Conselho, e a mercé do titulo
de Visconde do Recife, com as honras de grandeza , a 4 de
Maio de 1825. A conferencia deste titulo , diz a respectiva
carta imperial, cra - um testemunho publico do quanto lhe
foi agradarelo seu serciço pela proca inequivoca que deu
de fidelidade (i su pessou, amor a sua patria e sincero in
teresse pela integridade e consolidação do imperio ; e a da
Gran -Cruz do Cruzeiro, cra, um publico testemunho de re
conhecimento por tão éxtraordinarios serviços, que o ele
cam gloriosamente i classe dos primeiros benemeritos da
patria.
Emprehendendo Paes Barreto uma viagem ao Rio de
Janeiro , afim de apresentar pessoalmente ao Imperador
os seus protestos de agradecimento, solicitou a respectiva
permissão, a qual lhe fôra concedida dizendo officialmen
te o ministro do imperio , que, S. M. mandava -lhe partici
par, que, seria muito agradavel que elle comparecesse quan
to untes, não só porque desejará conhecer o benemerito ci
358 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dadão que tem prestado tão uteis serviços ao Estado, e dado


tantas provas de fidelidade e amor ú sua augusta pessoa ;
mas tambem para conseguir circumstanciadas informa
cões da provincia de Pernambuco .
No Rio de Janeiro, recebeu Francisco Pacs Barreto
honroso acolhimento do Imperador, o titulo de armeiro
mór do imperio , e por carta imperial de 12 de Outubro de
1825, foi elevado as honras de marquez .
Dessa epocha por deante , afastou -se o marquez do Re
cife da vida publica e de todos os negocios politicos da
provincia, e entregou -se exclusivamente aos seus negocios
particulares e dos cuidados do seu hospital do Paraizo. A
simplicidade , a modestia, a accessibilidade, a sua bolça
sempre aberta em favor de quantos recorriam a sua gene
rosidade, e os seus serviços prestados ao paiz desde os
tempos coloniaes, taes são os titulos que o tornam grande
e benemerito aos olhos da posteridade. O marquez do Re
cife falleceu aos 26 de Setembro de 1848 , aos 69 annos de
idade, e foi sepultado no dia seguinte, nó carneiro subter
raneo da cgreja do seu hospital do Paraizo .
Francisco de Paula Baptista . Nasceu na cidade do
Recife aos 4 de Fevereiro de 1811, e foram seus paeso ci
rurgião Antonio Baptista da Conceição , natural de Belmon
te, cm Portugal, e D. Maria Theodora de Jezus Baptista,
naturaldesta provincia, e filha do capitão -mór Manoel An
tonio Ribeiro e D. Thereza Maria de Jezus Ribeiro .
A phase politica porque passou esta provincia em 1821
quando começou a despontar 3 aurora da nossa emanci
pação politica , levou seu pae a emigrar para Portugal, com
os seus haveres, no intuito de alli estabelecer-se, e voltar
depois para conduzir toda a sua familia. Mas no anno se
guinte falleceu elle em Belmonte, deixando apenas a roupa
de seu uso , e assim ficou o jovem Francisco de Paula Bap
tista orphão aos 11 annos de idade , e a fortuna de sua fami
lia bem reduzida .
Paula Baptista estudava então a lingua latina na con
gregação de S. Felippe Nery, mas sobrevindo -lhe grave
molestia, e posteriormente rompendo a revolução de 1824,
teve de interromper os seus estudos, os quaes só poude
continuar no anno seguinte , indo depois concluir o seu
curso preparatorio no antigo Lyceo Pernambucano. Paula
Baptista logo que encetou a serie de seus estudos, revellou
uma intelligencia rara , e todo o vigor do bello é elevado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 359

talento de que era dotado . Perdendo seu pae ainda bem


crcança , e ainda que sua mãe se visse quasi que sem re
cursos, comtudo não poupou esforços e sacrificios no in
tuito de fazel- o proseguir em seus estudos, cumprindo
assim aquillo que seu esposo tão ardentemente desejava
ver ; e assim , já em 1829 Paula Baptista os havia concluido,
conquistando em todas as disciplinas plena approvação,
e então matriculou - se na Academia Juridica de Olinda.
Nos exames preparatorios, diz um escripto á seu res
peito, Paula Baptista demonstrou publicamente a grandeza
do seu talento e o vantajoso proveito de seus estudos . A
intelligencia tem seus orgulhos , e orgulhos nobres ; sem
pre que se pode elevar, não se curva à indifferença da me
diocridade . O talentoso jovem , que tinha conhecimento do
poder de seu merecimento, recusou formalmente o tempo
que tinha por lei para estudar no exame de latim o ponto
que lhe tocasse por sorte, e com esta renuncia pediu a
seus examinadores que o arguissem de momento , e isso
The fòra concedido com applausos de todos ; assim como
analysou, á contento dos examinadores de rhetorica, as
orações de Cicero-pro Catilina, que de prompto lhe foram
apresentadas. Firmou -se portanto o credito de Paula Bap
tista como estudante, que brilhantemente estava recom
mendado para continuar a colher louros nos estudos su
periores.
Na academia , ainda mais o jovem estudante ostentou
todo o brilho do seu pujante talento , e procurando por meio
de um rigoroso estudo cada vez mais firmar a sua bem
merecida reputação de estudante verdadeiramente distinc
to, conquistou , em todos os annos do curso, approvação
plena e merecidos premios, e assim , quando em 1833 pres
tava o seu ultimo exame, no quinto anno, recebeu a lau
rea debacharel em sciencias juridicas e sociaes, que lhe
conferiu a academia de Olinda .
Laurcado pelo primeiro estabelecimento scientifico da
provincia, rico de talento e de sciencia, mas pobre de bens
da fortuna e de protecção, Paula Baptista dominado das
mais nobres aspirações, avido de saber, ambicioso de
gloria e renome, quiz o grau de doutor, e em Abril de 1834,
poucos mezes depois da sua formatura, a mesma Acade
mia lhe conferiu esse honroso e almejado titulo , depois de
haver brilhantemente defendido as suas theses. Nesse
mesmo anno Paula Baptista entra em concurso para o
provimento de algumas cadeiras vagas na mesma Acade
360 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mia , e em Abril de 1835 recebe o Decreto que o nomeava


lente da segunda cadeira do quinto anno ; e assim , pouco
depois de haver deixado os bancos da Academia, se viu
collocado na cadeira de mestre, conquista honrosa, filha
dos seus proprios recursos, victoria explendida, ganha
pelo vigor do seu talento .
No intervallo do concurso á nomeação de lente, o Dr.
Paula Baptista exerceu interinamente o cargo de juiz mu
nicipal do Recife, assim como tambem o de chefe de poli
cia . Creada a Assembléa Provincial, e procedendo -se nesta
provincia a respectiva eleição, Paula Baptista foi um dos
seus primeiros representantes na legislatura de 1835 a
1836 , honra esta que lhe coube por mais 8 vezes, sendo a
ultima a legislatura de 1864 a 1865 .
Em 1843, na administração do Visconde da Boa Vista ,
Paula Baptista redigiu o jornal A Estrella , cuja missão era
mostrar os grandes males das lutas pessoaes dos partidos
politicos, assim como a necessidade de dar desenvolvi
mento a industria , as artes e outras emprezas necessarias
ao progresso e felicidade da provincia , sustentando ao
mesmo tempo os actos da dita administração, e defenden
do -a da forte opposição que lhe fazia o Diario Noro e outros
orgãos da opinião liberal.
Em 1848, quando subiu ao poder o partido conserva
dor, e rompeu nesta provincia à revolução liberal, Paula
Baptista appareceu em campo com os seus bellos escrip
tos, combatendo a resistencia armada. Vencida a revolu
cão cm 1849, c tomando de novo assento na Assemblea
Provincial, combateu energicamente os que procuravam
justifical-a, sobre cujo assumpto proferiu um brilhante e
eloquente discurso , digno ainda hoje de ser lido como um
dos melhores productos oratorios. A attitude de Paula
Baptista na Assembléa Provincial, a distincção e a honro
sa maneira porque se conduziu esse illustre pernambuca
no no desempenho do seu mandato, abriram -lhe as portas
de uma scena mais vasta e elevada, e os seus comprovin
cianos julgando como que um dever mandal- o como seu
representante á Assembléa Geral, o elegeram deputado, e
em principios de 1850 tomava assento no parlaniento na
cional.
cionCom o talento que lhe era peculiar, com a vasta illus
tração que possuia, Paula Baptista desempenhou então
um brilhantissimo papel no seio dos representantes da
nação. Proferindo alguns discursos com aquella belleza
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 361

oratoria, vigor de logica e estylo fluente e elevado, com


bateu o recrutamento e estigmatisou os excessos de am
bos os partidos; clamou contra a impunidade dos crimes
favorecidos pelo espirito partidario, defendeu o commer
cio a retalho como um direito nacional, declarou - se final
niente, homem de ordem eigualmente de justiça e liberdade .
o brilhante papel que representou na questão da na
cionalisação do commercio a retalho, conquistou -lhe uma
explendida manifestação dos bahianos, quando em prin
cipios de 1851 passou por aquella provincia em viagem
para o Rio de Janeiro, sendo recebido pelo povo com en
thusiasmo e delirio, por occasião do seu desembarque, ha
vendo entre outras manifestações um explendido baile que
The foi offerecido. Tomando assento na camara , Paula
Baptista defendeu ainda a nacionalisação do commercio á
retalho, prestou decidido apoio ao governo, combateu a
propaganda da constituinte e defendeu a tolerancia politi
ca, como indispensavel condicção para o desenvolvimento
e progresso do paiz.
No entretanto , nesta phase mais brilhante da vida de
Paula Baptista , quando talvez as mais honrosas e eleva
das posições sociaes The teriam de ser conferidas, pelos
dotes, pelos talentos e illustração que revelára, a sua atti
tude politica começou a decahir, o seu procedimento apre
sentou contradições tacs, que ficou estacionario , esqueci
do, e finalmente arredado da vida politica. Diversas tra
ducções, diz o artigo citado, temos ouvido dar - se ao seu
procedimiento, e muitas recriminações hūo pesado sobre
elle. Uns o tem accusado de tibio e frouxo , incapaz de le
var até o fim a realisação de uma idéa grande e generosa ;
outros de versatil; outros delle se haver vendido ao gover
no , e finalmente outros de utopista e visionario. Quanto
não vae ahi de máo e injusto ! Explicando o procedimento
do illustre pernambucano na questão do commercio á re
talho, servimo-nos da completa explicação que elle pro
prio deu no Constitucional de 20 de Setembro de 1861, que
então se publicava nesta cidade :
« Homens mal inspirados apossaram -se desta idea ,
misturaram -na com prejuizos e rivalidades, e moviam a
credulidade popular, mais do que se suppunha na côrte.
Qual fòra nessas circumstancias mel crime ? Arranquei
esta idea da precipitação e perigo, e expurgada de odios,
colloquei- a, placida, no terreno legal. Eo que vi então ?
302 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Contra os que somente confiam na politica de contradições


e viva compressão, vi então o que já d’antes sabia , isto é,
que as vezes ceder a uma effervescencia popular, tanto
quanto mude as situações, basta para apagal- a. Em pre
sença da propaganda de uma constituinte era puro conser
vador, e devia fortificar o governo dos conservadores. »
é,
que, depois que o illustre brazileiro dominou aquella idéa,
todos os enthusiasmos por ella morreram .
Em 1852, quando arrefeceu a idéa da constituinte , e o
orgão do partido liberal desta provincia a abandonou in
teiramente, Paula Baptista começou na tribuna a mostrar
se inclinado ás opiniões liberaes, sustentando tambem a
conveniencia da representação das minorias, a de respei
tar - se todas as aspirações pacificas com a moralidade de
seus principios, e fortemente mostrou a conveniencia da
tolerancia politica, como uma condicção inherente ao bem
do paiz .
Reeleito deputado geral na legislatura de 1853 a 1856,
ao mesmo tempo que occupava uma cadeira na Assemblea
Provincial, Paula Baptista tomou assento na camara tem
poraria e fez parte da opposição parlamentar, « e tratou de
importantes questões, ligado sempre a principios e doutri
nas, sem importar-se com pessoas, mostrando ao mesmo
tempo suas tristes apprehensões a respeito da opinião
vencida de abandonar o campo eleitoral pela compressão
que soffria, e de haver o governo imposto sua vontade den
tro do circulo dos seus , para a eleição de is, e exclusão
de outros. Abri os annues das sessões da camara tempo
raria do 1853, que encontrareis discussões importantissi
mas do profundo orador, que se occupou das mais serias
questões que alli se aventára, tratando igualmente de ana
lysar todos 6 relatorios dos respectivos ministros que en
tão compunham o gabinete. »
Subindo então ao poder o novo ministerio prezidido
pelo marquez do Paraná , Paula Baptista adheriu e apoiou
a politica de conciliação adoptada pelo novo ministerio, até
o fim da legislatura que terminou em 1856 .
Em 1855 Paula Baptista deu á luz da publicidade o seu
Compendio de theoria e pratica do processo civel para uso
das Faculdades de Direito do Imperio, a primeira obra que
neste genero se publicou no Brazil, e em 1860 publicou um
Compendio dle hormeneutica juridica, obras estas que re
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 363

velam o seu merito e talentos superiores, e que foram re


cebidas pelo mundo illustrado como uma verdadeira pre
ciosidade.
Condecorado com o officialato da imperial ordem da
Rosa, em 1861 teve o titulo de conselho por haver comple
tado 25 anos de serviço do magisterio, em cujo exercicio
coube - lhe por mais de uma vez dirigir o cargo de director
da Faculdade, assim como tambem , na qualidade de dirigir
mem
bro do conselho superior da instrucção publica,
essa repartição interinamente .
Conservador nos primeiros annos de sua vida publi
ca , Paula Baptista modificou as suas idéas, e filiou -se fi
nalmente ao partido liberal. Fazendo parte da redacção
do Constitucional, orgão domesmo partido, e apparecendo
o Diario do Recife, jornal conservador, o nome ou antes a
pessoa de Paula Baptista foi o alvo sobre que se atiraram
os seus adversarios, accusando - o de transfuga, e chaman
do-o de politico especulador e interesseiro. Tomando en
tão a sua defesa no mesmo Constitucional, Paula Baptista
a fez vantajosamente, e concluiu dizendo franca e con
scienciosamente : « Fui conservador, fuiconciliador, fui to
lerante, e sem perder nenhum desses predicamentos son
hoje liberal. E nisto faço constituir a minha gloria, que o
Diario do Recife tão deshumanamente me quer roubar.
Fique -se elle com a felicidade de obedecer a obstinação,
em viver do passado, e deixe - que me fique a infelicidade
de viver das aspirações do futuro ; fique-se com a honra
de obedecer ao odio , e deixe que me fique o desar de obe
decer a logica . »
Retirado da vida politica , inteiramente dedicado aos
labores de sua vida de mestre e de advogado, Paula Bap
tista jubilou -se como lente da Faculdade de Direito em 1881,
contando 46 annos de magisterio , e nesse mesmo anno,
pouco depois de receber o Decreto da sua jubilação, falle
ceu a 25 de Maio , no povoado de Caxangá, e no dia seguin
te , foi sepultado no cemiterio publico do Recife.
Homem distincto por seu talento e saber, na phrase de
um jornal desta capital , o conselheiro Francisco de Paula
Baptista honrou a provincia que lhe deu o berço, e que
nobremente representou na Assembléa Geral e provincial,
deixando n'um e n'outro parlamento luminosos tracos de
sua passagem , sendo em ambos geralmente apreciado
como distincto orador, pelo vigor de sua logica , pela recti
dão de seu raciocinio , pela belleza de sua rhetorica , em
364 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

fim , por sua eloquencia commovedora e insinuante . O


conselheiro Paula Baptista deixou de si immorredoura me
moria, como um dos homens mais illustres do seu paiz
na vida do magisterio a que se dedicou . Dotado de um
caracter bondoso, de um genio allavel, de caracter sincero
e maneiras Thanas, gosava de uma grande estima e de um
grande respeito .
Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque.
Nasceu em meiados do seculo passado, era filho legitimo
do coronel de milicias Francisco Xavier Cavalcante de Al
buquerque, e D. Felippa Cavalcante de Albuquerque, am
bos parentes e originarios dos mais nobres e conceituados
colonos que vieram para esta capitania no começo da sua
povoação, em principios do seculo XVI.
Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, nas
cendo rico c opulento, recebeu uma esmerada educação de
seus paes, e constituiu -se pela sua generosidade, franque
za de caracter e idéas altamente livres e democraticas,
um dos homens mais conceituados e populares, do ultimo
periodo da nossa vida colonial. Genio perspicaz e empre
hendedor, cabeça inflammada pelas ideas predominantes
da epocha, a liberdade dos Estados-Unidos e da França fi
zeram -lhe conceber planos altamente generosos e patrio
ticos sobre a sorte de sua patria, elle iniciou ou filiou -se
ao plano de uma conspiração que tinha por objecto formar
de Pernambuco uma republica sob a protecção de Napo
leão ; mas a idéa abortou, foi denunciada ao governo, e elle
preso em 1801 como autor da conspiração, foi recolhido a
fortaleza das Cinco Pontas em um apertado carcere , recom
mendando o governador ao commandante da fortaleza, na
portaria quelhe dirigiu em 10 de Junho, para o recolher, que:
tivesse todas as precauções necessarias para a sua devida
segurança, sem communicação com pessoa alguma de
dentro da mesma fortaleza ou de fóra, com excepção ape
nas do medico ou cirurgião que se fizesse necessario por
molestia, assistindo comtudo elle commandante as respec
tivas visitas, ou o seu immediato , assim como o assistisse
por occasião da comida ; que trouxesse sempre sentinella
á porta de sua prisão , escolhendo para isso soldados da
melhor nota , e que elle seria responsavel por qualquer
falta para se proceder como fosse de justiça segundo a
gravidade do caso.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 365

Por portaria de 15 de Junho, o governador determinou


ainda ao administrador do Correio que, por se fazer pre
ciso ao bem do real serviço, que as malas das cartas dos na
vios quechegassem a este porto rindas do reino se abrissem
na súapresença , assimocłecutasseemquanto nãofosseman
dado o contrario ; tal a gravidade do facto .
A' sua prisão que se prolongou até o anno seguinte,
sendo acompanhada do immediato sequestro de todos os
seus bens, teve um resultado satisfatorio, viu -se finalmente
recobrado da sua liberdade, mólas reacs e secretas fizeram
correr sobre o crime cortinas impenetraveis, e rios de di
nheiro correram em seu favor ; e uma Ordem Regia deter
minou que lançando - se perpetuo silencio sobre a denuncia
que resultou a sua prisão , se levantasse o sequestro dos
seus bens, e se o pozesse em plena liberdade, pelo que foi
ordenado ao ouvidor geral da comarca por portaria de 26
de Maio de 1802, perante quem fòra elle denunciado, que
mandasse levantar a fiança prestada e o referido seques
tro, sustando todas as execuções intentadas no seu juiso
contra elle .
Privado do cargo de commandante da freguezia do
Cabo, no qual prestou immensos serviços, já fardando á
sua custa todos os soldados da sua companhia , como
prestando os seus escravos á trabalhar gratuitamente na
fundação do forte de Gaibú, apenas foi solto entrou no ex
ercicio desse cargo, c no goso de todos os seus bens e pre
rogativas. Nomeado capitão de ordenanças da freguezia
de Jaboatão por patente de 28 de Abril de 1804, no anno sc
guinte foi nomeado capitão -mór das ordenanças de Olinda,
cujo titulo foi confirmado por patente regia de 4 de Setem
bro de 1805, não occupando já igual posto na villa do Recife,
porque se achava preso , quando a respectiva camara pro
cedeu a eleição desse cargo em 1801, a qual disse em offi
cio de 17 de Novembro de 1802, dirigido a junta do governo
provisorio, que o teria feito como a quem constantemente
assiste as qualidades recommendadas por Sua Alteza Real,
illustre de nascimento, abastado de bens, e assistente no dis
trict ), seal horrorosci calumnia de um aleiroso famatico e
baixó intrigante, não pretendesse eclipsar a sua fidelidade e
de seus progenitores.
Em 1804, quando o governo fez um appello á genero
sidade dos seus subditos para occorrer a enormes despe
zas do estado, elle contribuiu com 5 :0003000, e por tacs
serviços lhe foi conferido o habito de Christo , bem honroso
366 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

e significativo nessa epocha, e cm 1808 teve o fôro de fi


dalgo cavalheiro da casa real, por seus merecimentos e ser
viços, como diz o proprio diploma.
Mas os titulos que lhe foram conferidos, os cargos de
que o encarregaram á desempenhar, e os serviços que
prestava, nada disso havia apagado a idéa altamente pa
triotica que o dominava, a idea da emancipação da sua pa
tria , a constituição de um estado independente. Fran
cisco de Paula Cavalcante de Albuquerque conspirou de
novo , e depois daquella incomprehensivel epocha de gloria
e de ruina, na phrase do autor dos - Martyres Pernam
bucanos- , o publico se admirou vendo o grande Suassu
na cada vez mais infatigavel, se bem quemais circumspecto,
em cultivar e propagar a sciencia occulta da liberdade.
O seu engenho Suassuna, nome esse pelo qual cra elle
pessoalmente conhecido, converteu -se sob o nome appa
rente de Academia , em uma escola democratica, onde os
iniciados e adeptos não só nacionaes como estrangeiros,
achavam luz, agasalho e subsidios. Não julgando suffici
ente somente esse nucleo democratico, promoveu com todo
o ardor e enthusiasmo a creação da bibliotheca do Paraiso ,
no Recife, e entregou a sua direcção ao illustre patriota o
Padre João Ribeiro Pessòa de Mello Montenegro .
Estava pois a idéa em evolução, cram satisfatorios os
progressos que se ia obtendo, e a propaganda marchava
à passos agigantados, quando appareceu Domingos José
Martins. Então assentou -se o plano de preparar os espi
ritos fóra da provincia, e enquanto Martins partia para
Londres a liquidar os seus negocios, Domingos Theotonio
seguiu para a Bahia e Rio de Janeiro, o coronel Suassuna
a pretexto de molestia partiu para o norte, e visitou as
provincias do Ceará, Parahyba e Rio Grande,d'onde voltou
á reunir -se aos seus companheiros na cpocha ajustada.
Rompe a revolução inopinadamente a 6 de Março de
1817 , e apezar da prematuridade desse acontecimento , o
coronel Suassuna reune á noite desse mesmo dia as orde
nanças e milicias do Cabo, arma os seus escravos, e mar
cha à sua frente para o Recife, e reune - se as tropas patrio
ticas .
Após a capitulação da fortaleza do Brum , onde se re
fugiára o governador Caetano Pinto de Miranda Montene
gro, voltou o coronel Suassuna para o campo do Erario ,
e promovendo a eleição do governo provisorio, de que foi
um dos eleitores, mereceu depois a eleição de general de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 367

divisão, cargo este a cujo desempenho se entregou total


mente, e partiu immediatamente para o Cabo, designado
quartel general da sua divisão. O zelo do general Suassu
na, diz o padre Dias Martins, sua actividade , seu patriotis
mo, e singularmente seu enthusiasmo pela liberdade , eram
centelhas electricas, que se communicavam rapidamente
á quantos o escutavam , fazendo - lhes conceber as mais
venturosas esperanças . Mas a tempestade subita, que
desde a Bahia começou logo a trovejar sobre Pernambuco,
resfriou em parte os ardores populares, e o mesmo Suas
suna começou a vacillar sobre a coadjuvação dos bahia
nos , que Domingos José Martins promettia com tanta in
fallibilidade ! Todavia preparou -se marcialmente para o
futuro, mostrando em todas as medidas a sciencia de um
general experimentado.
Começava então a eclipsar -se a estrella dos destinos
pernambucanos. Sábida a noticia da revolta, quer na Ba
hia como na corte do Rio de Janeiro , foram tomadas as
mais severas providencias no intuito de suffocal- a e de
manter - se a todo o custo na posse de Portugal tão rica e
importante possessão. Partiù pois uma esquadra á blo
quear o porto do Recife, e um exercito por terra a passos
largos se encaminhava sobre Pernambuco. A ' noticia de
que o exercito marchava victorioso desde as Alagoas, o
general Suassuna reune as suas tropas, e apezar de conhe
cer o esmorecimento dos seus soldados pelos revezes dos
combates parciacs com os realistas, vae ao seu encontro ,
tomaNo
posição, e fortifica-se no engenho Guerra, em Ipojuca.
dia 15 de Maio avistam -se os dous exercitos, am
bos iguaes na força numerica, mas superior o realista,
pela ordem e disciplina , e as 2 1/2 horas da tarde começa
uma terrivel canhonada , porém com pouca vantagem para
ambos os partidos. As 5 horas destaca -se Domingos José
Martins com 300 homens, e vae cortar a linha inimiga, mas
sahe -lhe á encontro as milicias do Penedo, trava -se a luta,
e Martins sahe vencido. E quando o general Suassuna fir
me no seu posto batia - se como um heroe, aquelle revez deu
causa de ganho aos contrarios, elles redobram no seu fu
ror, a victoria foi adversa á causa dos patriotas, e á noite
Suassuna reune os seus soldados, abandona o campo , e
marcha para o Recife , unico ponto que então podia oppor
seria resistencia .
Sobre o encontro e batalha travada entre estes dous
exercitus, la um ponto historico de grande alcance e in
368 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

teresse á averiguar. Constou que o general Suassuna, por


ordens superiores, entabolára certas negociações com o
commandante das forças realistas, no intuito de fraterni
zar os dous exercitos, e unidos cooperarem em sustenta
ção da causa da independencia, o que elle aquiescera, mas
que fòra contrariado por dous officiaes, os quaes de seu
motu -proprio atacaram os patriotas. Seja como fôr, diz o
padre Dias Martins, o general Suassuna, ou surprehendi
do contra a fé da convenção, ou irritado com as orgulho
sas pretenções do governador Domingos José Martins,
perdeu naquelle dia com a batalha, todas as esperanças.
Somente no fim da acção chegou o marechal Mello,
commandante em chefe das forças realistas, e a sua atti
tude, o seu procedimento, são revellações importantes,
porque só então, quando aquelles dous officiacs acabavam
de ganhar a victoria , e quando elle mais nada podia fazer,
foi fama, de que só então mandára o desengano de não po
der fazer nada mais em beneficio de Pernambuco, do que
dar o tempo preciso para capitularem com o bloqueio.
Recolhendo -se ao Recife, o illustre general Suassuna
veio testemunhar as desgraçadas scenas que se deram ao
terminar a sua existencia politica, a proclamada republica
pernambucana . As forças do bloqueio saltando e se apos
sando da capital, cunidas com as que vieram por terra da
Bahia , enlutaram a cidade, e derramaram o terror por toda
a parte .
O heroico Suassuna, resignado nos destinos da Pro
videncia , viu - se em breve arrancado do asylo em que se
achava, preso por ordem de Rodrigo Lobo, e entre ludi
brios horrorosos da plebe amotinada, meitido no porão
do brigue Carrasco , em cnjo bordo seguiu para a Bahia
em companhia de mais 71 victimas, e companheiros de
martyrio. Ahi chegando , foi atirado aos carceres da Re
lação , onde sempre em vesperas de ser executado, em luta
constante entre à morte e a vida, foi soffrendo as maiores
privações e tyrannias dos seus oppressores, até que, de
pois de um martyrio de 4 annos, recobrou a sua liberdade.
Voltando á Pernambuco cm 1821 , abatido pelas mo
lestias e privações da rigorosa prisão que soffren, bem
poucos dias de vida lhe restaram . Dir - se -hia que a Pro
videncia vellára sobre a sua vida, para que a terra da pa
tria abrisse o seu seio para receber o cadaver de um dos
seus mais illustres e benemeritos filhos, e 8 dias depois
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 369

que chegára, em Junho de 1821 , falleceu este preclaro va


rão , martyr pela liberdade, victima da mais barbara e ne
fanda tyrannia .
Tai foi a vida de Francisco de Paula Cavalcanti de Al
buquerque, tal foi o destino do grande e beuemerito Suas
suna, cujo nome memora o de uma das mais bellas ruas
da cidade do Recife .

Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, Vis


conde de Suassuna. Nasceu na cidade então villa do Recife,
aos 10 de Junho de 1793 , e era filho primogenito do capi
tão -mór Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, tào
celebre na historia pelo nome de Coronel Suassuna, e sua
consorte D. Maria Rita de Albuquerque Mello , oriundos das
mais nobres e illustres familias desta provincia.
Assentando praça no exercito de primeira linha, em
1807, serviu no regimento de artilharia de Olinda, foi promo
vido a 2.º tenente por patente real de 16 de Março de 1813,
a 1.º tenente da companhia de bombeiros do mesmo regi
mento por patente de 20 de Junho de 1816, e posteriormente
deixando o servico militar de 1." linha passou a servir na
2.", foi nomeado tenente - coronel commandante do batalhão
de caçadores numero 54 por Decreto de 13 de Julho de 1827 ,
passou a coronel graduado em 1829, a effectivo em 1835),
reformando -se depois em brigadeiro.
Em 1817 , já occupava elle o posto de 1.º tenente do
regimento de artilharia do Recife, como vimos, e quando
rompeu a revolução de 6 de Marco, iniciado como estava
na propaganda desse generoso movimento emancipador,
Cavalcanti de Albuquerque achou -se á frente de toda a
marcha revolucionaria , tomou parte em todos os seus mo
vimentos, combateu ao lado de seu pae em defesa da patria,
e quando de novo se restabeleceu a autoridade real, foi
preso, e seguiu para a Bahia, onde gemeu por quatro annos
nos mais crueis e apertados carceres .
Livre da prisão em 1821 , voltou á esta provincia, c re
admittido no exercito, elevado não só nos postos a que
attingira pelos seus serviços e merecimento, como tambom
no conceito e consideração dos seus conterraneos, prestou
immensos serviços na quadra revolucionaria da nossa
emancipação politica em 1822, e como em 1817 , foi um dos
patriotas mais notaveis dessa nova phase revolucionaria
Tenente -coronel, e conselheiro do governo mais votado ,
45
370 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

e primeiro vice -presidente desta provincia, coube -lhe diri


gir as redeas da sua administração, no impedimento de
José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, cujo acto de posse
teve logar no dia 12 de Abril de 1826 , conservando -se no
governo até 30 de Janeiro do anno seguinte . Em 1832 assu
miu ainda ao governo da provincia, no impedimento de
Francisco de Carvalho Pacs de Andrade, dirigindo - a de 28
de Fevereiro a 20 de Março, e na qualidade de presidente,
nomeado por Carta Imperial de 15 de Abril de 1835 , tomou
posse do governo no 1. de Junho do mesmo anno , e con
servou -se na sua administração até 1 de Fevereiro de 1837.
Um dos serviços que mais realçam nesta administração
de Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, foi a sua
tenacidade e empenho na terminação da cruenta guerra
dos Cabanos, que assolava esta provincia ha quatro annos,
e conseguiu finalmente ver os seus esforços coroados do
mais feliz resultado, pois cm Novembro de 1830 terminou
esse sorvedouro de milhares de vidas nas constantes lutas.
Ainda mais uma vez coube -lhe a honra de dirigir o
governo desta provincia , na qualidade de vice -presidente
nomeado em 8 de Abril de 1837 pela Assembléa Provincial ,
na forma do art. 6 da Lei de 3 de Outubro de 1834, substi
tuindo ao presidente Francisco do Rego Barros, na sua
primeira ausencia, que mediou de 12 de Maio a 30 de
Outubro de 1838.
Deputado a assembléa provincial em varias legislatu
ras, assim como a geral, eleito senador do imperio por esta
provincia e escolhido por Carta Imperial de 29 de Outubro
ile 1839, tomou assento a 11 de Abril de 1840, e nesse
mesmo anno , a 21 de Junho, fez parte do ministerio , occu
pando a pasta dos negocios da guerra, a qual dirigiu até
233 de Março do anno seguinte .
Em 1841 o governo imperial conferiu a Francisco de
Paula Cavalcanti de Albuquerque o titulo de Barão de
Suassuna, elevando - o depois ao de Visconde, e conferindo
lhe depois outros não menos honrosos, remunerava assim
os serviços de tão illustre quão benemerito patriota , O Vis
conde de Suassuna foi um dos homens de mais influencia
e prestigio do seu tempo, até 1849, quando abandonou a
vida publica, entregando-se completa e exclusivamente
aos interesses de sua vida particular. Então, mais nada
aspirava, havia representado um papel importante quer
na historia politica do seu paiz, quer na direcção de impor
tantissimos e elevados cargos, era senador do imperio, do
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 371

conselho de S. M. o Imperador, fidalgo cavalheiro da casa


imperial, dignitario da imperial Ordem do Cruzeiro e bri
gadeiro reformado.
Dessa épocha á sua morte , o Visconde de Suassuna
entregou -sea uma quasi completa obscuridade, segregou - se
inteiramente dos seus amigos, não frequentou mais o se
nado, e nem mesmo ás publicas solemnidades comparecia .
Homem energico, de tempera antiga, desses que que
bram mais não torcém , o Visconde de Suassuma cahiu
muitas vezes, mas sempre para se erguer á maior altura e
mais nobresa, sempre á fazer vingar um principio salutar,
uma idéa util generosa Dotado
e . de nobres e generosos
sentimentos, honrado c magnanimo, foi um dos mais dedi
cados e fervorosos apostolos da causa da liberdade e
engrandecimento do seu paiz , e particularmente da sua
provincia natal, por cuja causa a tyrannia fez delle um
martyr, ca patria um heroe .
O seu afastamento da vida publica foi tal, que nas
perturbações politicas desta provincia de 1848 á 1849, já
havia decrescido de tal maneira o seu prestigio, a ponto
de escapar - lhe das mãos o bastão de chefe do partido
conservador, que aliás havia sido empunhado por elle com
o maior tino e criterio possiveis.
Assim passou -se a ultima quadra da vida de Francisco
de Paula Cavalcanti de Albuquerque, Visconde de Suassu
na, até que, depois de longos annos de padecimentos phy
sicos, veio a succumbir em seu palacio do Pombal, onde
se havia votado a uma especie de clausura , as duas horas
da madrugada de 28 de Janeiro de 1880, na avançada idade
de oitenta e sete annos, sepullando - se neste mesmo dia o
seu cadaver no cemiterio publico do Recife, prestando-se
The todas as honras a que tinha direito por seus titulos e
condecorações.
O Diario de Pernambuco noticiando o seu fallecimento ,
e commemorando os seus serviços, em um artigo nechro
logico que publicou após a sua morte, terminou com estes
periodos , que transcrevemos por conter mais algumas par
ticularidades e outros dados sobre a vida de tão egregio
varão :
« A vida de Francisco de Paula Cavalcanti de Albu
querque, morto Visconde de Suassuna, titulo que não data
de mais de vinte annos, dividiu -se em duas phases distinc
tas : a primeira de lutas incessantes, de constantes aspira
ções e triumphos, foi por assim dizer a sua phase evolutiva,
372 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

em que lodas as suas energias foram postas em actividade


por uma vontade de ferro ao serviço de uma intelligencia
perspicaz ; a segunda, de repouso, de apasiguamento, de
plenitude de gosos licitos, foi ao contrario, a sua phase de
declinio, consequente á plethóra politica, que lhe marcou
o ponto culminante, phase em que, com as energias da
vontade, abateram -se tambem os voos da sua intelligencia .
« Na primeira phase, que por assim dizer, começou -lhe
na infancia, pois que, já em 1813 cra elle segundo tenente
de artilharia , Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquer
que, embora envolvendo -se activo e energicamente nos
movimentos politicos, como occorreu em 1817, em que foi
elle preso e remettido para a Bahia , onde permaneceu até
1821 , não se descuidou de curar dos negocios do seu casal,
e em parte ajudado pelo que levou -lhe em dote sua prima
D.Maria Joaquina Cavalcanti Salgado, a quem deu elle a
mão de esposo cm 1813, conseguiu juntar cabedaes, que
pouco a pouco foram crescendo, ao ponto de tornal- o um
abastado capitalista , e um rico agricultor.
« De feito, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquer
que, que foi opulento e faustoso ; e embora se tenha res
sentido sua fortuna do quasi abandono em que elle mantere
suas propriedades urbanas e agricolas na segunda phase
de sua vida, ainda assim deixa elle grande copia de bens,
que em pouco foram desfalcados pelas deixas que em tes- ·
tamento fez sua finada consorte .
« () cadaver do finado Visconde de Suassuna, foi depo
sitado na cgreja matriz da Boa Vista , onde foram resados
os ultimos suffragios por sua alma, sendo depois levado i
carro para o cemiterio publico , onde foi sepultado no
tumulo de sua familia, assistindo a esse duplo acto grande
numero de amigos seus e de sua illustre familia . »
Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque La
cerda . Filho do capitão -mór Ignacio Cavalcante de Albu
querque Lacerda, rico e abastado agricultor, nasceu em
Goyanna em fins do século passado, no seio da opulencia
e de uma das mais preclarase illustres familias desta pro
vincia .
Albuquerque Lacerda recebeu uma educação esme
rada e cuidadosa, e apenas a sua rasão principiou a des
envolver -se como diz o eloquente pregador Frei João Ca
pistrano de Mendonça, na oracão funebre das suas exc
quias, seu illustre pai o mandou para o Seminario Episco
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 373

pal da cidade de Olinda , onde estudou as aulas de humani


dades, desenvolvendo não vulgar talento , e causando admi
ração a seus mestres, que mutuamente se congratulavam
de ver fructificar assim as bellas sementes que ellos cuida
dosamente semcavam nos campos de seu coração e do seu
espirito ; e só para servir a patria, quando a patria de seus
serviços careceu, só para sustentar a liberdade do seu paiz,
é que elle deixou essa morada da sabedoria e da virtude
para ir tomar parte nos gloriosos movimentos que aqui ti
veram lugar no dia 6 de Março de 1817, e que foram os glo
riosos preludios da nossa emancipação politica.
Militar revolucionario , jovem e enthusiasta, a causa
das liberdades patrias teve em Albuquerque Lacerda, um
dos seus mais fervorosos e dedicados apostolos. Acom
panhando a seu pac, um dos mais distinctos patriotas
dessa generosa iniciativa, em todos os movimentos que se
deram durante a vida ephemera, mas gloriosa, da procla
mada republica, batalhando a seu lado pela firmeza e con
solidação da independencia e liberdades patrias, elle dis
tinguiu -se pelos seus serviços e dedicação, pelo enthusias
tico fervor quc ostentou , e ainda no verdor dos annos teve
de soffrer os mesmos tormentos e os mesmos ferros, que
seus companheiros soffreram , quando o despotismo pode
abafar esse grito de liberdade, que foi tambem a verdadeira
expressão do patriotismo.
Livre das cadeias que lhe forjaram o despotismo, em
cujo martyrio ostentou a constancia e resignação de uni
verdadeiro heroe, Albuquerque Lacerda , o soldado revo
lucionario, assentou praca no exercito libertador em 1821 ,
e nessa quadra de luta e de patriotismo em prol da procla
mação do regimem constitucional, queveio a terminar com
a deposição do governador Luiz do Rego, elle serviu com
honra, intrepidez e denodo sob as ordens de seu pae, um
dos patriotas mais notaveis desse movimento politico, que
por assim dizer, marca a cra da independencia desta pro
vincia .
Proclamada a independencia do imperio, e apóz o acto
impolitico da dissolução da assembléa constituinte, surge
a pendencia entre Manoel de Carvalho comorgado do Cabo
Francisco Pacs Barreto, sobre a posse da presidencia destil
provincia, e finalmente a proclamação da Confederação do
Equador em 1824 ; e então, Albuquerque Lacerda seguiu a
causa do morgado do Cabo, a causa da integridade do im
374 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

perio, seriamente abalada por esse movimento politico, que


tinha por fim formar das provincias do norte uma repu
blica federativa.
Albuquerque Lacerda, sem olhar aos graves dispen
dios de sua fortuna particular, prodigalisados em prol da
causa que sustentava, marcha para o sul da provincia onde
se haviam fortificado as tropas imperialistas, e une -se aos
defensores da integridade do imperio , cuja causa era para
elle um dogma de inabalavelfé politica ; e tomou parte em
todos os movimentos que se deram até a total pacificação
da provincia , e tantos e tão relevantes foram os seus ser
viços, que o governo imperial o agraciou em 1825 com o
officialato da ordem do Cruzeiro .
Era então Albuquerque Lacerda sargento -mór do ex
ercito , e apenas pacificada a provincia, mereceu do gene
ral Lima e Silva a nomeação do commando da policia do
Ubú e Atapús, por portaria de 15 de março desse mesmo
anno , por concorrer na sua pessoa todos os requisitos ne
cessarios para bem desempenhar as obrigações inherentes
( l um cargo de tanta ponderação.
Militär brioso o distincto, Albuquerque Lacerda, que
poderia ter conquistado pelo seu merecimento, postos ele
vados e titulos honrosos, abandonou a carreira militar tão
nobre e heroicamente encetada, reformou - se no posto de
major de primeira linha, c entregou - se a vida agricola. Fi
dalgo cavalheiro da casa imperial, official da ordem da
Rosa , titulos que lhe forào conferidos por occasião do acto
da sagração e coroação de S. M. o Imperador em 1841 , pelos
serviços que prestára em prol du ordem e causa publica
durante o periodo da menoridade, cidadão sempre presti
moso e conceituado, foi nomeado coronel commandante
superior da Guarda Nacional do municipio de Goyanna, por
occasião da sua creacio , cargo este que exerceu por muitos
annos , até a sua morte, com esclarecido zelo e dedicação.
Ilabitando então na comarca de Goyanna onde pos
suia duas grandes c ricas propriedades, os engenhos Ita
pirema e Ubú, e conhecendo que a agricultura é o princi
pio mais solido da prosperidade e grandeza das nações, e
que os seus interesses são fixos, e que devian os seus des
cendentes antes pedir o pão á terra pela sua cultura , que
aos homens pelo commercio, Albuquerque Lacerda entie
gou -se inteiramente a vida agricola, sem com tudo aban
donar o publico serviço, e sem esquecer - se dos deveres
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 375

que pesam sobre todos os cidadãos que se empenham he


roica e patrioticamente pela prosperidade e grandem de
sua patria .
É no meio da grandeza e opulencia em que vivia , no
bilitado por tantos e honrosos titulos de distincção que con
quistára pelo seu merecimento e patriotismo, no meio de
tudo isto, pois , na phrase eloquente de Frei Capistrano de
Mendonça, Albuquerque Lacerda nunca se esqueceu de que
era homem , e que no seio da sociedade os outros homens
eram seus irmãos e tinham direito a seus beneficios. Affavel
com todos , igual com os grandes, igual com os pequenos,
era o homem sem apparato, e queria que a igualdade que
a natureza dá a todos, não se destruisse nem em seus ges
tos, nem em seus trages, nem em suas palavras. Foi uim
homem nimiamente caritativo, mas sem ostentação, e tal
como manda a religião christà , escondendo a mão esquer
da o que liberalisa a direita ; ouviu a lei evangelica e co
nheceu a indole da caridade, e innumeras familias victi
mas da indigencia , e tantos outros feridos pela mão da mi
seria, encontraram em sua casa abrigo e pão, e lenitivo
aos males que os affligia.
Surge porem uma quadra afflictiva para esta provin
cia, a revolução liberal de 1848. O coronel Cavalcanti de
Lacerda, membro proeminente do partido conservador, e
seu chefe na comarca de Goyanna, era ali um dos primei
ros baluartes do governo e da ordem , convoca a Guarda
Nacional sob o seu cemmando, e põe -se a sua frente a op
pôr scria resistencia ao partido revolucionario .
A columna liberal do norte , suppondo que o governo
havia resolvido concentrar na capital todas as forças de
que podesse dispor, para pol-a a coberto de qualquer ag
gressão imprevista , foi postar-se na estrada de Iguarassú
no lugar denominado Maricota, afim de atacar as tropas
do governo quando se dirigissem para a mesma capital .
Deu - se então uma pendencia entre o coronel Albuquerque
Lacerda e o commandante das forças do governo em ope
rações na villa de Iguarassú, o coronel José Vicente de
Amorim Bezerra , onde também se achava Albuquerque
Lacerda com as suas tropas de guardas nacionaes. Este,
opinando que a tropa sob o seu commando regressasse
para a cidade de Goyanna afim de livral- a de qualquer
sorpresa das forças liberacs, e querendo o coronel Amorim
Bezerra que ella lomasse posição nas mattas de Beberibe,
conforme determinára a presidencia , resolveu então o co
376 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ronel Albuquerque Lacerda vir pessoalmente representar


a esta os inconvenientes de semelhante ordem , e partiu
por terra para o Recife, apenas acompanhado de duas or
denanças e um pagem .
Este alvitre do coronel Albuquerque Lacerda, esta via
gem precipitada, por caminhos em que se achavam posta
das as tropas liberaes, foi de uma temeridade sem limites,
de um arrojo incontestavel, mas que lhe foi bem fatal ; e
ao chegar á Maricota , foi gravemente ferido pelo fogo ' de
uma guerrilha ou guarda avançada que se achava embos
cada naquelle ponto, d'onde com muita difficuldade regres
sou para Iguarassú, graças aos cuidados e dedicação das
pessoas queo acompanhavam .
Conhecida assim a posição das forças liberacs, o coro
nel Amorim Bezerra partiu immediatamente a atacal -as
com toda a tropa do seu commando em numero de 400
praças, deixando apenas umas 30 em Iguarassú para de
fesa do coronel Albuquerque Lacerda que ali ficara pela
gravidade do seu ferimento .
Quatro dias depois do ataque de Maricóta, entrava no
porto do Recife um vaso de guerra nacional, conduzindo a
seu bordo os feridos, entre elles o coronel Albuquerque
Lacerda, cuja sorte inspirava o mais vivo interesse, por
cuja salvação se faziam os mais fervorosos votos. Mas
todos os cuidados prodigalisados quer pela medicina, quer
pela familia , foram improficuos, e elle veio finalmente a ex
pirar na noite de 7 de Dezembro de 1848 .
Figueira de Mello, consagrando algumas paginas da
sua Chronica dla rebellino praeira, a memoria do illustre
coronel Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque La
cerda, que acabava de morrer victima da causa que defen
dia , escreveu estas palavras sobre as manifestações de
pezar que lhe foram tributadas, e sobre os seus meritos,
virtudes e serviços : Os seus despojos mortaes tiveram
jazigo nas catacumbas do convento do Carmo do Recife, e
as suas exequias foram celebradas no meio de um con
curso numeroso das pessoas mais gradas, que silenciosas
e tristes viam desapparecer um cidadão prestimoso aos
amigos, summamente benefico para com os que recorriam
a sua generosidade, utilissimo i patria , então cercada de
perigos eminentes, e necessitando de defensores. Fize
ram - se -lhe as honras que se deviam ao seu elevado posto
de coronel commandante superior, e que a causa de sua
morte tornava ainda mais solemnes e mais significativas,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 377

recitando o distincto orador Frei João Capistrano de Men


donça uma eloquente oração funebre, em que foram com
memoradas todas as virtudes e serviços do illustre finado,
e apresentadas como exemplo aos ouvintes.
Cidadão importante pela posição eminente que occu
pava , continua o citado historiador ; pela fortuna que pos
suia em bens territoriaes ; pela distincta familia a que per
tencia , e sobre tudo pelos relevantes serviços que tinha
prestado á causa publica , em cuja defesa perecia, a sua
morte tão inesperada como dolorosa, foi deplorada por to
dos os cidadãos, e sentidissima a sua falta pelos amigos da
ordem , principalmente em Goyanna , onde por sua fortuna,
circumspecção e intelligencia ; pelo conhecimento que ti
nha doshomens e dos seus interesses ; por esse nobre en
thusiasmo que dirige os entes dedicados a uma causa ou
principio , oppunha constante barreira aos seus adversa
rios , e ajudado por alguns outros cidadãos eminentes do
lugar, era ahi o laço que unia os defensores da constitui
ção em um só corpo, era a luz que os guiava no meio dos
obscuros enigmas da politica ; era o amigo que os susten
tava e consolava em todos os trabalhos que tiveram de
soffrer .
Deus quiz formar no coronel Francisco de Paula Caval
cante de Albuquerque Lacerda, falla agora o eloquente ora
dor Frei João Capistrano, um homem benemerito da patria ,
da religião e da humanidade; elle tudo fez bom na carreira
de sua vida , e conheceu que era um dom de Deus ver o ho
mem como rezultado e fructo de seu trabalho . Em relação
com Deus, teve virtudes christães; em relação com sigo
mesmo engrandeceu-se pelos caminhos da justiça, e diri
giu-se por esta na estrada da gloria ; em relação com a pa
tria , elle foi um dos cidadãos mais uteis e mais beneme
ritos : foi brazileiro e verdadeiramente pernambucano, em
cuja defesa recebeu o golpe que o privou da existencia ....
Seu merito nunca se obscureceu , nem pelos tiros da ca
lumnia , nem pelos ardís da inveja ; elle bem serviu a sua
patria , e se como rico derramou em seu seio grande porção
de ouro, como guerreiro derramou por ella o seu sangue é
por ella deu a sua preciosa vida .... Martyr dos seus de
veres, perfeito cidadão , corajoso e intrepido militar, elle
antepoza morte ao captiveiro , dando a Deus o que era de
Deus, e a Cezar o que era de Cezar, e á sua morte, perdeu
a patria um valentē cidadão e um dos seus melhores de
fensores.
49
378 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Francisco de Paula Gomes dos Santos. Nasceu em


Goyanna em 1783, e seguiu a vida agricola .
Rico proprietario ,senhor de um dos melhores engenhos
cm Goyanna, Francisco de Paula Gomes dos Santos foium
dos compromettidos na revolução de 1817, deixou todos os
commodos pela causa da patria , e ás perseguições que
seguiram -se após a queda da proclamada independencia,
viu -se pobre, privado dos seus bens, recorrendo então a
advogacia para manter- se com honra e probidade.
Na phase politico -constitucional porque atravessou
esta provincia em 1821 , Gomes dos Santos representou um
papel proeminente, e foi o chefe da crusada liberal per
nambucana. Após o acto da eleição dos deputados á con
stituinte de Lisboa, em que elle tomou parte como eleitor
pelo collegio de Olinda, segiu -se a luta contra o despotismo
e obstinação do governador desta capitania , luta que obri
gou áquelle governador , por capitulação negociadā, a reti
rar - se para Portugal.
O governo oppressor de Luiz do Rego , na phrase de
um escriptor, pesava sobre Pernambuco desde 1817 ; mas
em 1821 chegando a noticia da revolução que em 1820'havia
rompido em Portugal, esse governador poz-se à frente do
movimento liberal, colligando -se secretamente com os
chefes militares portuguezes, e sem consulta nem apreço
dos naturaes do paiz, de modo, que, a 11 de Julho pro
clamou e fez jurar as bases da futura constituição portu
gueza , e em obediencia ás ordens da regencia revolucio
naria de Lisboa mandou proceder á eleição dos sete
deputados que a mesma regencia determinára para repre
sentar Pernambuco na Constituinte. Os pernambucanos
consideraram o procedimento de Luiz do Rego, como
calculado manejo para conservar o poder, e muitos delles
foram reunir - se em Goyanna, para onde marchou logo
grande parte da tropa do paiz , e allí crearam a 20 de Agosto
um governo provisorio, do qual foi presidente Francisco de
Paula Gomes dos Santos .
Em quanto se estabelecia em Goyanna o governo pro
visorio, Luiz do Rego creava tambem no Recife a junta con
stitucional governativa de que se fez presidente . Regula
risado os negocios do governo de Goyanna, e contando
com a adherencia geral da provincia , Gomes dos Santos
deliberou o ataque da capital, e de outros pontos, e final
mente após combates parciaes foi celebrada a convenção
de Beberibe a 6 de Outubro de 1821 .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 379

Elegendo -se então a primeira junta provisoria do


governo, Gomes dos Santos patenteou o maior desinteresse
e abnegação, recusando -se a acceitar um logar que lhe foi
reservado, contentando-se com a gloria que lhe restava do
patriotico pronunciamento de Goyanna, no qual a sua dedi
cação e patriotismo conquistaram -lhe logar distincto nos
annaes pernambucanos.
Em 1822, quando as tropas e povo do Recife e de Olinda
romperam contra a junta provisoria , e deposeram -na a 16
de Setembro , para crear-se então um governo mais deci
dido as circumstancias do paiz e favoravel á causa da inde
pendencia da patria , Gomes dos Santos foi honrado pela
confiança popular com a eleição de presidente da nova
junta, como um cidadão que havia conquistado geral con
fiança , e a quem se recorria nos dias de mais perigo.
Gomes dos Santos tomando posse do Governo no dia 17 ,
dirigiu a administração até 23 do mesmo mez, quando os
eleitores de Olinda e do Recife nomearam nova junta, da
qual sahi cleito presidente Affonso de Albuquerque Mara
nhão , e Gomes dos Santes simples vogal; mas elle não se
resentiu desse acto , não recusou os seus serviços, e pelo
contrario, acceitou o cargo que lhe foi confiado, como su
bida honra e consideração .
Em 1823, ainda cm effervescencia o periodo reaccio
rio , Gomes dos Santos foi pronunciado pela devassa dos
acontecimentos de Fevereiro de 1822, с a junta do governo
provisorio, em attenção a ser elle um dos seus membros,
o convidou a ir ao Rio de Janeiro justificar - se e defender -se
desse crime , visto ser menos decente ao geverno ser elle
conduzido debaixo do apparato de prisão. Esta ordem ,
porem , ficou sem effeito , ca 21 de Maio de 1823 , nove dias
depois da intimação querecebera para ir ao Rio de Janeiro,
officiava-lhe a junta , para que, de conformidade com a
Provisão Imperial de 10 de Abril, fosse tomar assento na
mesma junta na qualidade de seu membro, regendo in
stantemente o seu effectivo cumprimento , pois que, a inge
rencia dos sabios e prudentes pareceres de S. S. nos
negocios da administração publica , affiançavam que, não
só prevaleceriam , mas levariam a subir ao maior auge de
prosperidade o bem geral desta provincia e a causa da
independencia brazileira. »
Gomes dos Santos, retirando-se da vida publica, redu
sido a extrema pobreza, pelo sacrificio dos seus avultados
bens em prol da causa da liberdade de sua patria, viu - se
380 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ao mesmo tempo mal apreciado, esquecido, e sem remu


neração alguma os grandiosos e patrioticos serviços que
prestára nas lutas constitucionaes de Pernambuco, e nas
da independencia do Brazil.
Abrindo banca de advogado, talentoso e illustrado,
homem de caracter e probidade, Gomes dos Santos con
quistou os foros de advogado notavel, e era reputado um
dos ornamentos do foro desta cidade , e retrahido, ralado
de desgostos pelo indifferentismo de que era victima, pas
sando mesmo algumas privações, viu assim passar o resto
dos annos de sua vida .
« Patriota sem ambições, modesto e nobre, Francisco
de Paula Gomes dos Santos depois de prestar tão notaveis
serviços á independencia do Brazil, e å união do imperio ,
desappareceu da scena politica e morreu em socegado
retiro ,» aos 24 de Agosto de 1845, e foi sepultado no cemite
rio da matriz de S. Antonio do Recife.

Francisco Rebello . Eis um pernambucano illustre,


um valente e heroico cabo de guerra, de quem a historia ,
alem dos seus feitos nobilissimos e altaneiros, prati
cados na memoravel guerra da invasão hollandeza, nada
mais nos legou a seu respeito .
Francisco Rebello, vulgarmente conhecido pelo nome
de Rebellinho, pela sua pequena estatura , donde lhe veio o
deminutivo do sobrenome, foi grande porem , no valor e
heroismo.
Quando as cohortes da Hollanda pisaram invasoras o
sólo pernambucano, já Francisco Rebello achava -se nas
estacadas dos arraiaes patrioticos , de arma á cara, em de
fesa da causa santa da religião e da liberdade. Um dos
primeiros feitos de Rebellinho memorados pela historia,
teve lugar no campo das Salinas, em Santo Amaro , aos 13
de Julho de 1632. Em 28 de Novembro armam os hollan
dezes uma emboscada á nossa gente na ponte do Varadou
ro, em Olinda , e surtindo prodigioso effeito, Francisco Re
bello, que fez parte da nossa tropa , cahiu prisioneiro, e
foi arrastado á bordo de um navio de guerra, como mais
segura prisão .
Mas o intrepido Rebellinho illude a vigilancia das sen
tinellas, lança - se ao mar na noite de 13 de Abril de 1833,
luta com as ondas por muito tempo, chega a terra, atra
vessa o campo e as fortificações inimigas, e na manhã do
dia seguinte chega inesperadamente á fortaleza do Campo
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 381

Real do Bom Jesus, onde é recebido com grande contenta


mento e significativas provas de apreço de seu general e
camaradas.
Em 15 de Julho achava -se Rebellinho commandando a
guarda da estancia do engenho de Pedro da Cunha e An
drade, na Varzea, quando é accommettido por uma forte
columna hollandeza, composta de 400 homens. Era insig
nificante o numero dos nossos, em relação ao inimigo, mas
travou-se renhida peleja, e antes da chegada do soccorro
enviado do Forte do Arraial, o inimigo retira -se sem con
seguir se apossar desse ponto, deixando no campo 18
mortos e feridos .
Em 12 de Janeiro de 1635 é Goyanna occupada pelos
hollandezes, e recebendo o general Mathias de Albuquer
que essa noticia, ordena ao capitão Rebellinho e a outros
que marchassem a obstar- lhe o passo. Rebellinho parte
com os seus companheiros, queimam os cannaviaes, reti
ram todos os indios das aldeias daquellas cercanias, e tra
vam batalha em Mussurepe, e nesse feito recebe um feri
mento o intrepido Rebellinho. Poucos dias depois , a 29,
trava de novo luta com o inimigo, e recebe ainda mais dous
ferimentos .
Em Janeiro de 1636 achava -se Rebellinho em Alagoas ,
quando constando ao general em chefe D. Luiz de Roxas é
Borja que os hollandezes se achavam em Porto Calvo, e
que haviam deitado um bando intimando a todos os mora
dores, sob pena de morte, a submetterem - se ao seu gover
no até o dia 12, fez Rebellinho immediatamente marchar
afim de intretel-o até que chegasse elle com o grosso do
exercito para dar o ultimo golpe.
Rebellinho parte, occupa os caminhos principaes ,mata
alguns soldados que encontra e prende o secretário do ge
neral hollandez, e teria mesmo conseguido feliz resultado se
maior fosse o número de soldados que tinha ás suas ordens ;
pois o inimigo sabendo que era perseguido levantou acam
pamento e partiu para outra direcção. Mas Rebellinho
conhecendo a sua fuga, parte em seu encalço, e apenas
consegue destroçar uma companhia de cavallaria , da qual
matou 28 soldados, occupando a praça na tarde de 15, onde
encontrou muita munição e abastecimento .
No dia 18 de Janeiro trava - se a renhida batalla da
Matta Redondo, a qual nos foi adversa, pela pertinacia do
general em chefe em acceitar o combate, pagando com a
vida o seu desmesurado orgulho. Francisco Rebello foi
382 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

um dos capitães vencidos pela sorte das armas, porem mais


uma vez conquistou virentes louros pelo valor é coragem
que ostentou .
Depois desse mallogrado feito, Rebellinho partiu para
Porto Calvo, donde a 14 de Fevereiro sahiu a frente de 400
homens afim de atacar as fortificações que os hollandezes
tinham em Barra Grande ; porem sabendo elles de sua ap
proximação , abandonam o forte e tomam o caminho da
Villa Formosa de Serinhaem . Rebellinho arrasa as forti
ficações e torna para Porto Calvo , lamentando apenas a
perda de dous homens.
Um mez depois, o general conde da Bagnuolo encarre
ga -o do commando de 450 homens, á fazer uma correria,
que se terminasse tão auspiciosamente como principiou,
teria sido de grande effeito.
Necessario é advertir, diz um escriptor, que estas éx
cursões se fasiam com excessivo trabalho e risco, porque
a gente tinha de marchar pelo interior, abrindo caminho
por entre mattas virgens, e algumas leguas mais acima
onde houvesse moradores : porquanto, como o inimigo
havia deitado bando com pena de morte contra os que sou
bessem , e não revellassem as excursões dos nossos, ou
lhes dessem qualquer especie de coadjuvação, trata vam de
fazel-as com grande segredo, levando cada soldado o man
timento ás costas, segundo os dias que suppunham demo
rar-se, e os indios conduziam a polvora e as munições.
Com tal recato marchavam até sorprehender o inimigo no
lugar em que sabiam estar elle mais descuidado, porque a
despeito dos seus bandos, e do rigor com que os executa
vam , não faltavam moradores que avizassem e até dessem
mantimentos aos nossos.
Por caminhos invios e escabrosos, chegou Rebellinho
ao engenho Velho do Cabo, onde se achavam 70 hollande
zes , os quaes defendendo -se retiraram - se á igreja . Rebel
linho accommette -os, mata a 30, e aprisiona os 40 que res
tavam .
A audacia do intrepido Rebellinho chegou a ponto tal,
que avançou até a povoação de S. Lourenço da Matta, á 5
legoas de distancia do Recife , e cerca de 50 de Porto Calvo,
d'onde havia sahido ; mas alacado vivamente pelo inimi
go , em breve voltou para ahi, com perda não só do
que tinha feito, como do que podéra fazer, se a sua pru
dencia igualasse ao seu valor, na phrase deum historiador.
Mas em breve esse revez foi coroado da mais explen
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 383

dida victoria . Aos 16 de Outubro de 1636, partiu Francisco


Rebello da villa do Bom Successo, a frente de 200 homens,
com ordem de avançar até o territorio da Parahyba, em
cuja viagem gastou 19 dias para andar 80 legoas , em virtu
de das voltase caminhos que teve de abrir, afim de não ser
presentido pelo inimigo.
A 5 leguas da cidade da Parahyba, no engenho de Ma
noel Paes Correia, achava-se o governador hollandez com
uma força de 200 homens, promovendo a moagem da can
na e fabrico do assucar. Accommettido inesperadamente
pelas forças de Rebellinho, não lhe restou senão o tempo
para retirar-se ás casas do mesmo engenho , onde muito
resistio, mas finalmente viu -se obrigado a sahir ao campo,
por terem os nossos soldados lançado fogo ás habitações ,e
travando então renhida luta , o governador, um capitão c
mais 40 soldados e 19 indios de sua força, cahiram mortos,
além de 7 prisioneiros que se fizeram .
Francisco Rabello envia immediatamente uma parte
ao general em chefe, dando- lhe sciencia deste aconteci
mento, e pedindo ao mesmo tempo um reforço de tropa
para continuar as suas operações . Extremaram -se então as
opiniões ; uins, eram do parecer que se ordenasse a sua
volta, não só pelo embaraço que lhe causariam os feridos ,
como porque irritado o inimigo pela morte do governador,
entre elles muito considerado, o havia de buscar com for
ças numerosas ; outros, porém , opinavam que se envias
se o reforço pedido, a cuja opinião e parecer annuio o con
de de Bagnuolo, general das nossas forças .
Partiu, pois , o capitão Sebastião de Souto com 100 ho
mens, c o capitão Henrique Dias com 80 pretos do seu ter
ço , e no dia 17 de Novembro, unidos com a tropa de Rebel
nho, travou -se renhido combate com a tropa hollandeza
que vinha vingar a morte de Ippo Eyssens, governador
das praças do norte .
Mais de 2 horas durou o fogo, apezar da desigualdade
do numero ; porém sendo o do inimigo muito mais cresci
do, tiveram os nossos que bater em retirada . Vendo que
não podiam permanecer mais por aquelle districto, onde o
inimigo tinha agora forças superiores , Rebello e Souto re
solveram tornar para a villa do Bom Successo, onde che
garam com demasiado encommodo por causa da conduc
cão dos feridos.
Na batalha de Porto Calvo, ferido aos 18 de Fevereiro
de 1637 o capitão Francisco Rebello foi um heroe, obrou
384 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

prodigios de valor. A Carta Regia de 28 de Junho do anno


seguinte , concedeu -lhe o habito de qualquer uma das or
dens militares que escolhesse , o foro de fidalgo , quarenta
cruzados de soldo por mez, e a promessa de uma com
menda, pelos serviços relevantes que prestúra, bravura e
denodo que mostrara naquelle feito .
A sorte das armas, adversa a causa do Brazil , o exer
cito sem meios mais de sustentar a campanha contra a in
vasão hollandeza em Pernambuco , teve de emigrar de Ala
gôas para Sergipe, e d'ahi para a Bahia ; foi uma peregri
nação dolorosa, por meio de mattas, brenhas, lamaçaes c
rios, lutando -se até com as proprias féras .
Francisco Rebello acompanhando a sorte de seus com
provincianos, acompanhou -os tambem á Bahia . Mas, do
tado de um genio ardente e bellicoso , ahi não ficou inati
vo . Commandando uma guerrilha de 60 homens, corre os
campos, persegue o inimigo, vencendo para isso distancias
consideraveis , e quando voltava a capital era conduzindo
riquissimos despojos, gados e muitos generos ; somente
deuma vez conduziu 200 cabeças de gado, e de outra 1,000.
Devido aos seus esforços, se viu a Cámara do Senado
da Bahia obrigada a fazer alguma demonstração de grati
dão para com os soldados de Pernambuco, a qual consis
tiu em dar-lhes um pagamento , que montou à 2 :400 $000,
declarando que, fusta aquillo sem que lhes descontasse nada
do que El-Rei lhes devia.
Francisco Rebello , então já elevado ao posto de mes
tre de campo , conquistára pelo seu valor e heroisino, um
nome legendario , titulos que immortalisam a sua memo
ria . Acompanhar todos os feitos de sua vida, enumeral-os,
e enramar assim todos esses louros que constituem a ex
plendida corôa de suas glorias marciacs, seria escrever a
chronologia da propria guerra da invasão hollandeza em
Pernambuco .
Os feitos de sua vida , contém episodios riquissimos,
dignos de um poema ; a sua morte, no campo da honra ,
na conquista de novas glorias e novos triumphos, é digna
de uma epopća .
Em Fevereiro de 1647 partiu do porto do Recife uma
esquadra hollandeza , conduzindo uma respeitavel força
sob o commando do general Segismundo Van Schkoppe,
com destino á Bahia, á tentar a sua posse, e desembarcan
do o inimigo na ilha Itaparica, ahi fortificou-se . O governa
dor geral da Bahia Antonio Telles da Silva, tendo de desa
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 385

lojar o inimigo , que ostentava -se audaz e poderoso, con


vocou um conselho afim de assentar-se no plano dessa em
preza, e entre os cabos que o compunham , occupava o pri
meiro lugar o mestre de campo Francisco Rebello.
Exposta pelo governador a sua resolução c o plano
que lhe parecia conveniente , foi impugnado pelo mestre de
campo Rebellinho ; e fallando, na phrase de frei Raphael
de Jezus, -como conselheiro prudente e como soldado ex
perimentado, foi de parecer diverso do governador, e alle
gou fortes razões para confirmar o seu dito . Ouviu o go
vernador o discurso do Rebellinho, continúa o mesmo es
criptor, e considerando que osmais cabos haviam de se
guir o seu parecer,atalhou a conferencia , confirmando -se em
seu primeiro intento , do qual se seguiram irreparaveis
damnos. Pozo governador os olhos no Rebelinho, a
quem encaminhava a pratica, e disse que, se naquelle con
gresso havia quem buscava desvios para fugir ao choque,
que se ficasse em casa , e não quizesse desviar a empresa ;
que as mais difficultosas cram as que apeteciam os cora
ções grandes, e que só em vencer os inconvenientes con
sistia o vencer ; e porque conhecia bem os animos dos que
tinha presentes, lhes não queria dilatar a occasião da vic
toria ; que ao outro dia se havia de dar o assalto ; e que se
a fortaleza se ganhasse, seria de todos a gloria, c quando
se não conseguisse, só a elle se havia de pôr a culpa.
Rebellinho comprehendendo o alcance de taes pala
vras, respondeu altivamente, « que nunca temera hollan
dezes, quem como elle contava as victorias por occasiões ;
porém , que, apontava os inconvenientes da empreza e as
consequencias de uma e outra proposição, para demons
trar se converia mais ao estado vencer sem perda, ou per
der sem fructo ; e para que o seu zelo e experiencia não se
traduzissem por fraqueza, saberia mostrar que não pou
pava a vida, quem não temia a morte, e que o successo
diria o como sabia morrer por saber aconselhar. »
Inflamado nos estimulos de sua honra, brios e digni
dade, sahiu Rebellinho do conselho, escolhe 1,200 homens,
e ao romper da manhã seguinte avança á fortaleza inimi
ga ; por entre nuvens de balas, Rebellinho rompe as palis
sadas, sóbe as trincheiras, e trava -se renhido e sanguino
lento combate. E ' indiscriptivel o desespero, a confusão, o
furor e a luta entre assaltantes e assaltados, e no maior
calor da luta , um raio de morte parte das linhas inimigas,
50
386 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

e vem ferir o peito do intrepido Rebellinho, martyr da hon


ra e do dever, victima sacrificada pelo orgulho, obstinação
e impericia do governador geral.
A morte do intrepido Rebellinho, trouxe o desanimo,
a derrota , a retirada emfim , do exercito , acossado ainda
por nuvens de ballas, que ainda mais augmentou a derrota .
« Perdemos neste assalto , diz um historiador do tempo ,
500 para 600 homens : damino que serviu de medida ao des
atino. Não bastou que sua fama o coroasse de humana
gloria, para que sua falta deixasse de causar a todos inten
sa pena. Os companheiros o choravam saudosos, os do
povo timidos, o governador confuso, e todos arrependidos,
ainda que não todos culpados. Para fazer a perda lamen
tavel, sobejava a do mestre de campo Francisco Rebello ,
cujo nome com o diminuitivo de Rebellinho, foi em todo
tempo merecedor de sua fama e de melhor fortuna. Era
seu valor igual á sua industria, e a sua disciplina maior
que a sua industría e que seu valor. Em sua gineta acha
vam os soldados muros, e em sua espada lição ; defendia
ensinando, e ensinava ferindo : cm fim , foi para nossas
armas irreparavel a perda deste varão, porque se conten
tou aquella idade com dar um só Rebellinho . )
Frei Francisco de Santa Maria , no seu Anno historico
Portugues, assim discreve o heroico mestre de campo
Francisco Rebello , assim tece a coroa de suas glorias,
assim inscreve o seu nome no Pantheon da Patria :
« Foi o mestre de campo Francisco Rebello, facilmen
te igual aos famosos capitães do seu tempo, em valor e em
prudencia, virtudes que rara vez se costumam achar juntas
em um sugeito . Chamavam - lhe, como por antonomasia, o
Rebellinho, por ser de menos avultada estatura ; mas nella
e nos espiritos, era um novo Alexandre. Podemos dizer,
que todo elle era coração, e correspondiam ao coração as
forcas ; occasião houve, em que apcrtando nos braços a
cum hollandez, sem uzar de outra arma, lhe expremeu e ar
rancou a alma do corpo . O seu nome (ainda em diminuiti
vo ), augmentou sempre o alento dos seus soldados, e foi o
terror dos inimigos. Com 60 homens rompeu 200 inteira
mente ; quantas vezes pelejou, tantas venceu, e pelejou
vezes sem numero, já em campanha aberta, já soccorrendo
pracas sitiadas, já defendendo outras de perigosos sitios .
Era igualmente valeroso e liberal; amava e favorecia aos
benemeritos, e de todos cra bem quisto. Morreu no dia 8
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 387

de Fevereiro de 1647 á violencias de uma ordem intempes


tiva, de uma resolução temeraria , mas nunca terá fim á
fama e memoria do seu nome. »

Francisco do Rego Barros, Conde da Boa Vista . Nas


ceu aos 3 de Fevereiro de 1802, no engenho Trapiche,
freguczia do Cabo de S. Agostinho ; foram seus pais Fran
cisco do Rego Barros, coronel do regimento miliciano da
quella villa e fidalgo cavalleiro da casa real, e sua consorte
Đ . Marianna Francisca de Paula . Pelo lado paterno era
neto de Sebastião Antonio de Barros e Mello , fidalgo ca
valleiro , professo na Ordem de Christo, e coronel da caval
laria miliciana do Recife, e de D. Maria de Albuquerque
e Mello ; e pelo materno, do coronel Francisco Xavier
Cavalcanti de Albuquerque e D. Felippa Cavalcanti de Al
buquerque.
Francisco do Rego Barros assentou praça em 1817, e
julgado por sentença do Conselho de Direcção, de 17 de
Outubro do mesmo anno, estar conforme o seu processo
de justificação, foi reconhecido cadete, e continuou a ser
vir no 2.º batalhão da divisão dos Voluntarios Leacs de El
Rei, em que havia tido praça de soldado.
Dahimarca o tirocinio da brilhante carreira de Fran
cisco do Rego Barros. Em 1821, quando o governador Luiz
do Rego procuroil opprimir esta provincia , os pernambu
canos colligaram -se c oppuseram barreiras aos actos im
politicos do inconsequente governador.
Tendo - se mallogrado a tentativa do patriota Souto
Maior, e Luiz do Rego escapo do golpe, multiplicaram -se
os ultrages e os insultos. Francisco do Rego Barros, então
já graduado no posto de alferes, foi uma das victimas dos
caprichos e desmandos de Luiz do Rego, foi deportado
para Lisboa, e atirado aos carceres da fortaleza de S. Ju
lião da Barra .
Livre da prisão, pela iniciativa heroica de Muniz Ta
vares, e obtendo licença para estudar em Portugal, se
guio para Coimbra, e matriculou - se na universidade.' Dei
xando Coimbra em 1823, partio para a França, matri
culou -se na universidade de Pariz no curso de mathema
ticas e recebeu ao termina-lo o grao de bacharel.
Ahi, nessa moderna Athenas, conquistou Francisco
do Rego uma reputação honrosa pelos seus talentos e il
lustração, ainda mais abrilhantados pela suas distincções
e triumphos da vida academica .
388 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

De volta aos patrios lares, não preso e humilhado como


havia sahido , mas sim com a fronte enramada pelos lou
ros da sciencia, e quando a patria já estava livre e inde
pendente, alistou - se no exercito brazileiro, no qual con
quistou pelo seu talento e merecimento o posto de briga
ceiro em que se reformou .
Na segunda legislatura da imperio de 1830 a 1833, foi
eleito deputado 1 assembléa geral por esta provincia,
sendo então capitão do estado maior de primeira classe.
D'ahi por diante mereceu sempre o suffragio dos seus com
provincianos, deixando unicamente de representar a sua
provincia na legislatura de 1848 a 1851. Porém sendo as
camaras dissolvidas pelo decreto de 19 de Fevereiro de
1849, foi reeleito na seguinte legislatura :
Procedendo - se por esta occasião a eleição de dous se
nadores nesta provincia, foi Francisco do Rego Barros
incluido na lista sextupla , e por Carta Imperial de 6 de
Abril de 1850 foi escolhido senador, caos 4 de Junho desse
mesmo anno tomou posse dessa cadeira que por espaço
de 20 annos tão honrada foi por elle.
Por duas vezes occupou o presidencia desta provincia.
A primeira, de 2 de Dezembro de 1838 a 3 de Abril de 1841,
sendo nomeado por Carta Imperial de 16 de Outubro da
quelle anno ; a segunda, de 7 de Dezembro de 1841 o 13 de
Abril de 1814, sendo nomeado por Carta Imperial de 17 de
Novembro daquelle mesmo de .
A nenhum outro administrador como Francisco do
Rego, deve tanto Pernambuco. Nenhum como elle promo
veu tantos melhoramentos e foi tão util ; eo seu vulto er
gue - se altivo no templo dos benemeritos desta provincia
ao lado dos governadores D. Thomaz José de Mello e llen
rique Luiz Vieira Freire de Andrade.
As melhores vias de communicação desta provincia,
foram começadas por elle ; o antigo edificio do Erario Pu
blico, transformou no actual palacio do governo ; do aban
donado convento da Madre de Deus, fez a actual e espa
çosa alfandega , e abriu a rua desse nome, demolindo parte
do mesmo convento para esse fim ; o bello theatro Santa
Izabel, foi obra sua ; construiu a antiga ponte pensil do
Caxangá a unica desse genero que possuio o Brazil ; e o
caes Pedro II ou do collegio, tambem foi obra sua, e o seu
nome memora uma modesta pyramide que se ergue no
centro da pequena saliencia que forma a rampa de desem
barque desse cacs .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 389

Montou a repartição das Obras Publicas, dotando -a de


engenheiros de reconhecido merito, que mandou contrac
tar na Europa ; reconstruiu a velha ponte da Boa Vista , e
foi elle finalmente quem contractou as obras do encana
mento d'agua potavel para o abastecimento da cidade do
Recife com a companhia de Beberibe .
Só esta serie de importantes melhoramentos por elle
emprehendidos, e varios outros de menos importancia,
são de mais para que esta provincia guarde uma grata
memoria sua , e o proclame um dos seus filhos mais illus
tres e benemeritos.
As artes mechanicas e liberacs, tambem muito lhe
devem ; e o alto grao de perfeição é adiantamento a que
tem attingido, são fructos da sua generosa e patriotica
iniciativa de mandar buscar artistas estrangeiros habili
tados que aqui se estabeleceram e derramaram as suas
luzes.
E os pernambucanos não foram indifferentes a tão
grandes e assignalados serviços, o deixando victima da
ingratidão e do indifferentismo. Em 1841 o corpo do com
mercio desta cidade construiu e offereceu -lhe o palacete
da rua da Aurora, em que residia , cm homenagem aos re
levantes serviços que prestara em prol do desenvolvimento
commercial da provincia. Tambem o governo imperial
não foi menos solicito em premial-o . E no anno de 1840
agraciou - o com o titulo de "Barão da Boa - Vista ; em 2 de
Dezembro de 1854, conferiu - lhe as honras de grande do
imperio ; em 2 de Dezembro de 1838, deu -lhe o titulo de
Visconde; em 14 de Março de 1860, nomeou - o Veador de
S. M. a Imperatriz cem 7 de Setembro de 1866 conferiu -lhe
o titulo de Conde .
Além de todos esses titulos, tinha o Conde da Bộa
Vista o fùro de fidalgo cavalheiro da Casa Imperial, era
condecorado com a grande dignitaria do Cruzeiro, como
habito de S. Bento de Aviz , e com a commenda da Ordem
de Christo portugueza ; era brigadeiro reformado e com
mandante superior da Guarda Nacional do municipio do
Recife. Ainda como uma prova significativa dos seus ser
viços, recebeu do corpo do commercio da Bahia uma ri
quissima espada de ouro cravejada de brilhantes, por
haver daqui enviado soccorros e tropas áquella provincia,
o que muito concorreu para debellar a revolução conhe
cida na historia por Sabinada, que alli rebentúra.
390 DICCIONARIO BIOGRAPINICO

Já no ultimo quartel da existencia, depois de uma vida


inteiramente dedicada ao bem do seu paiz, e quando fruia
no seu retiro o descanço e a paz depois de um tão longo
trabalhar, foi sorprehendido em 1865 por um decreto do
governo imperial, que o nomeava presidente e comman
dante das armas da provincia do Rio Grande do Sul. Era
por esse tempo essä сommissão muito espinhosa e de
grande importancia, por estar o Brazil seriamente empe
uhado com a guerra da republica do Paraguay, e ter de
passar por essa provincia , e mesmo della partir a major
parte da tropa que formou o nosso exercito de operações.
Conde da Boa Vista parte para o Rio Grande do Sulem
1865 , toma posse da sua commissão, porém volta no anno
seguinte por ter pedido exoneração desse cargo , que,
certamente, já não era para um homem de sua idade e
curvado pelo peso de tantos serviços que havia prestado.
Voltando á Pernambuco, bem poucos tempos de vida
The restavam ; e as 5 horas da manhã do dia 4 de Outubro
de 1870 , falleceu o Conde da Bôa - Vista, e no dia seguinte
foi o seu cadaver sepultado no cemiterio publico do Re
cife , no tumulo de seu irmão o conselheiro Sebastião do
Rego Barros.
O Conde da Bôa - Vista é um destes cidadãos, que pelos
seus serviços, patriotismo, desinteresse, sabedoria c vir
tudes, são credores de uma divida de honra , que Pernam
buco um dia pagará, quando melhor souber prestar ho
menagem á memoria dos seus heróes. Não basta que o
nome de uma rua faca lembrar o do pernambucano illus
tre, que tanto trabalhara no augmento e grandeza de sua
provincia. Roma conferia aos seus heroes as honras do
triumpho , e decretava corôas para elles . Os obeliscos do
Oriente são a historia viva dos feitos dos seus filhos. O
Conde da Boa Vista era um destes caracteres vasados
nos moldes da antiga Grecia . No exercicio dos seus cargos
jinais maculou a sua reputação ; soube collocar-se na al
Tura de um cidadão que sabe prezar a sua honra e digni
dade. E por isso morreu pobre, legando a seus filhos além
do seu nome, o engenho que herdára de seus pais ! eo
palacete que lhe déra o corpo commercial de Pernambuco !
O nome desse illustre pernambucano, jámais se apagará
da mente daquelles que amam deveras a sua patria , e que
são zelosos das suas glorias e tradições brilhantes. E a
posteridade honrando c venerando a sua memoria , cum
prirá o seu dever.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 391

Frei Francisco de Santo Antonio . Nasceu no anno


de 1609, e era vulgarmente chamado 0 – Pretinho- , por ser
de cor preta .
Em sua mocidade, abraçou Frei Francisco de Santo
Antonio a carreira das armas , e serviu no terço da gente
de sua côr, sob o commando do valente Henrique Dias , e
batalhou em prol da liberdade de sua patria na guerra da
restauração do dominio hollandez . E na galeria dos heroes
dessa guerra, destaca -se o seu vulto , cujas feridas diver
sas recebidas nos combates dessa pugna homerica, dessa
lucta da liberdade contra a escravidão, são o attestado dos
seus feitos ingentes e patrioticos.
« Restaurada a terra, diz Frei Jaboatão , e cançado da
milicia do mundo, e com desengano claro do pouco que
mereceram para com os reis da terra os seus trabalhos e
serviços, deixando o quartel que lhe tocava no acampa
mento dos exercitos, onde tantas vezes havia posto a pe
rigo a vida e o corpo as balas, buscou nos claustros da re
ligião um quarto para descanço d'alma , e segurança do
espirito : c assim , depois de repetidas instancias , suppli
cas e provas, foi admittido para elles, e lhe lançaram o ha
bito de irmão donato . »)
Não consta o tempo de sua admissão á ordem francis
cana , no convento de Olinda ; mas segundo o chronista
dessa mesma ordem , era de uma vida em tudo religiosa, e
mui servical nos officios interiores da casa, humilde, peni
tente, de muita abstinencia e summamente caritativo .
Por mais instancias, por mais diligencias que fizesse
o irmão Francisco para ser admittido a profissão, não lhe
foi possivel obter dos religiosos essa graça. E ' que os pre
juizos e preconceitos já dominavam nesses bons tempos
de outrora , sendo para admirar que eram apoiados pelos
apostolos do Evangelho, desse codigo sublime em cujas
paginas resplende os mais salutares preceitos da igualda
de e fraternidade, pregados pelo Homem Deus !
Porém o bom preto não abandonou a sua empreza , não
deixou de lançar mão de todos os meios possiveis para
alcançar o seu almejado Am . Esgotados todos os meios
de que podia dispòr, e vendo que em Pernambuco não obti
nha dos seus superiores ser frade professo, tomou cami
nho de Portugal, á valer -se do monarcha .
Porém novos trabalhos lhe estavam reservados para
supportar ; era a difficuldade de ser admittido em audien
cia real. Finalmente, depois de muito tempo errar pelos
392 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

corredores e ante - salas do paço , depois de soffrer com he


roica resignação as grosserias e motejos dos aulicos e da
criadagem , achou quem se interessasse por elle, quem o
introduzisse a presença de El-Rei D. Pedro II ; o monarcha
o ouve benignamente , e attendendo aos serviços que pres
tara comosoldado , e aos da religião, e as boas informações
da sua vida no estado de donato, ordenou aos religiosos de
Pernambuco que o admittissem a profissão .
O bom preto beija reverente às mãos do monarcha,
inunda -as com lagrimas de jubilo e agradecimento , e em
barca - se tomando o rumo da patria ; e aqui chegando, apre
senta a ordem real, e terminado o necessario processo en
tra no noviciado, é aos 2 de Agosto de 1689 professa na
igreja do convento de S. Francisco de Olinda, quando já
contava 80 annos de idade, e seis annos depois , celebra a
sua primeira missa, no dia 1 de Agosto de 1795.
Porém bem pouco tempo logrou Frei Francisco de
Santo Antonio o estado sacerdotal, que, com tantas diffi
culdades lutara para o conseguir. A 25 de Agosto de 1695,
desse mesmo mez e anno, e vinte e quatro dias depois que
celebrara a sua primeira missa, a morte o sorprendeu,
vendo, porém , satisfeitos os seus desejos, e deixando a todos
cdificados , completou o dilatado curso da rida com opi
nào universal de virtude e fama de santidade.
Foi elle o primeiro homem de cor preta que logrou ser
admittido como frade professo no Brazil, e até a data em
que se determinou que cessassem as profissões, lendendo
isto á total extincção das ordens religiosas, não nos consta
que outro qualquer homem de côr, lograsse semelhante
honra . Mas elle supportou heroicamente toda a opposição
que lhe moveram , todos os embaraços que se lhe apresen
taram , mas viu coroados os seus intentos, e vio triumphar
a causa da igualdade e da fraternidade, a despeito dos
prejuizos da época, dessa desigualdade que se procurou
manter nas ordens religiosas.
Frei Francisco de Santo Antonio , morreu na avançada
idade de 86 annos ; e toda essa longa vida, föra empregada
no serviço de Deus e da Patria . Cinge, pois , a fronte desse
heróe uma dupla coroa. A de soldado conquistada pelo seu
valor e intrepidez nos campos da batalha, pela causa da li
berdade , e a de religioso, pelas suas virtudes evangelicas,
tendo por fanal a caridade, cuja coroa fora tecida poraquel
les a quem levava o conforto, o alivio, a consolação, quan
do se debatiam nas ancias da fome e da miseria ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 393

« Não são as armas ou as lettras , diz o general Abreu


e Lima, em um ligeiro esboço biographico de Frei Francis
co de Santo Antonio, que emobrecem o homem , mas sim
as virtudes que ellas geram , porque o sabio é naturalmente
virtuoso como aquelle que tem por timbre defender a sua
patria : as virtudes são por tanto a origem de toda a no
breza, c aquelle que as possucem gráo heroico e eminente,
é muito nobre e digno de memoria. Ora pelas armas tam
bem foi digno e benemerito o irmão Frei Francisco de
Santo Antonio , porque defendeu a sua patria do jugo dos
estrangeiros, e por ella derramou o seu sangue muitas
vezes com valor e bizarria, e como homem de eminentes
virtudes não pode ter melhor padrão de gloria do que mor
rer com fama de santidade, porque para ser santo é mister
possuir todas as virtudes . >>
Francisco Xavier de Moraes Cavalcanti . Nasceu
na freguezia de S. Frei Pedro Gonçalves do Recife em fins
do seculo passado, e era filho legitimo do Dr. Manoel de
Araujo Cavalcanti, procurador da real corôa e fazenda
desta capitania , e D. IzabelThereza de Moraes Lins ; neto
paterno do capitão Pedro Coelho Pinto e D. Romualda Ca
valcanti de Albuquerque, e materno do mestre de campo
Manoel Alvares de Moraes Navarro e D. Thereza de Jesus
Lins.
Oriundo de uma das mais distinctas familias desta
provincia, nascendo na abastança e na riqueza , educado
cuidadosamente por seus paes, Moraes Cavalcanti seguiu
a vida agricola e se estabeleceu em Iguarassú , de cuja villa
foi nomeado capitão -mór, e mais tarde condecorado por El
Rei D. VI com o habito da Ordem de Christo , distincções
estas que escrupulosamente concedidas naquella epocha,
tradusiam o merecimento e os serviços d'aquelles a quem
eram conferidas.
Moraes Cavalcanti, homem de fortuna e de prestigio,
dotado de nobissimos epatrioticos sentimentos, foi um dos
mais illustres adeptos da causa emancipadora de 1817 .
Além de associado aos tramas revolucionarios das aca
demias do Paraiso e Suassuna , a sua casa , magnifica vi
venda em Iguarassú, constituia um outro centro supple
mentar, ao norte da provincia , onde tinha logar concorri
dissimas assembléas eexplendidosbonquetes, condequasi
sempre, na phrase de um chronista, fundia oraculos o ila
51
394 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mustre Antonio Carlos de Andrade Machado e Silva , aindat


que nem sempre com a precisa discripção.
Foram das numerosas e frequentes reuniões da casa
do rico capitão -mór de Iguarassú, que sahio o celebre re
querimento em nome da camara do senado da mesma
villa , contra os novos e vexatorios tributos decretados por
um Álvará de 1812, requerimento este que tanto encommo
dou ao governador Caetano Pinto , e que tantos elementos
lhe proporcionaria para suffocar, se quizesse, a trama revo
lucionaria dos patriotas pernambucanos; assim como eram
notorios os calorosos discursos contra a tyrannia e os op
pressores, ahi pronunciados em plena assembléa ou ban
quetes, desacautelada e imprudentemente, inconvenien
cias estas, que sem duvida contribuiram para o inopinado
rompimento e mallogro da causa da independencia.
Deixemos estas considerações que pertencem ao do
minio da historia , e passemos a tratar da attitude do illus
tre patriota Moraes Cavalcanti no dominio da revolução.
Apenas divulgou-se em Iguarassú a noticia do rompi
mento, Moraes Cavalcanti convocou as tropas de milicias
e ordenanças, fallou-lhes em nome da patria e da indepen
dencia, e no auge do enthusiasmo põe-se em marcha for
çada sobre a cidade de Olinda na noite do proprio dia 6 de
Março, e ao amanhecer de 7 entrava á frente de uma força
respeitavel em auxilio da causa da patria , a qual nesse
mesmo dia , jurou eterna e desinteressada fidelidade.
Passado o primeiro movimento, assentados os negocios
publicos , e já em marcha a organisação provisoria do es
tado é sombra da paz e da harmonia, Moraes Cavalcanti
recolheu -se a sua casa, e despresadas todas as antigas e
odiosas distincções, começou a dar os mais edificantes e
expressivos exemplos da vida e conducta republicanas,
Redobrou então de trabalhos e actividade na obra da
consolidação da independencia da patria, os seus esforços
e sacrificios foram innumeros e energicos, para vencer os
obstaculos e os escrupulos que se antolhavam , pela falta
de tempo para preparar e dispôros animos, que despre
venidos viram romper a revolução e proclamar -se a re
publica, em uma epocha de cegueira é fanatismo, pros
crevendo a monarchia enraisada á quasi trez seculos, e
desapparecer a pessoa do rei, acatada, in viola vel e sa
grada. E quando foram presentes a camara do senado de
Iguarassú , as leis organicas do governo do Recife, teve o
dissabor de vel-as repudiadas em plena camara , apesar de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 395

todas as suas deligencias e dos seus esforços, tão nobre


mente coadjuvados por dous illustres companheiros, os
intrepidos patriotas Francisco Pedro Bandeira de Mello e
João Nepomuceno Carneiro da Cunha .
Mas o illustre capitão -mór Francisco Xavier de Moraes
Cavalcanti não succumbiu nem desanimou , e nos aper
tados transes em que brevemente se viu a causa da liber
dade, elle presta-lhe novos e relevantissimos serviços .
Quando o general José Marianno de Albuquerque Caval
canti foi incumbido pelo governo provisorio de ir bater os
revoltosos de Páo d'Alho , e seguiu para Iguarassú, ape
nas acompanhado por 60 praças, ahi á esforços do ca
pitão-mór Moraes Cavalcanti organisou um corpo de tropa
de 400 soldados, que reforçado por duas companhias de
cavallaria miliciana de Goyanna, partiu para aquella loca
lidade.
Moraes Cavalcanti viu succeder-se um á um todos os
dias do ephemero imperio da liberdade de sua patria, a
marcha progressiva da sua ruina, e sem ao menos poder
obstar a sua queda ; mas elle de nada temcu , não se oc
cultou e afrontou impavido as iras dos seus crueis e im
placaveis inimigos . Preso em sua propria casa , e trazido
entre opprobios á presença do governador Rodrigo Lobo,
foi mettido em ferros nos porões da corveta Mercurio, e
nella seguiu com os seus companheiros de martyrio. e in
fortunio para a provincia da Bahia, e foi atirado aos car
ceres da cedeia da Relação, onde jazeu por 4 annos, até
que em 1821 lhe foi restituida sua liberdade
Moracs Cavalcanti ainda figurou nas lutas constitu
cionaes, em 1821, e foi um dos propugnadores do governo
estabelecido em Goyanna, o qual firmou -se no Recife com
a capitulação do governador Luiz do Rego Barreto, e mais
tarde, em 1824, foi um dos patriotas da tambem mallo
grada tentativa republicana, que proclamou a Confedera
ção do Equador.
Achando-se então os corpos de ordenanças em um
total estado de relaxação por falta de um chefe zeloso,
activo , intelligente, de reconhecida probidade e dedicado
patriotismo que reorganisasse os ditos corpos, e possuindo
estas qualidades o capitão -mór Francisco Xavier de Mo
raes Cavalcanti, o presidente Manoel de Carvalho o 10
meoil por portaria de 29 de Agosto commandante geral
clas ordenanças desta capital, cujo districto comprehendia
as freguczias de S. Frei Pedro Gonçalves, S. Antonio e
396 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Boa Vista ; em consequencia do que, ficou autorisado a


crear os respectivos corpos, tudo consta da dita portaria.
Fazendo -se de novo revolucionario em prol da idea
republicana, Moraes Cavalcanti teve de soffrer ainda as
consequencias do seu patriotismo, mas não tão barbara e
cruelmente como em 1817. Desapparecendo em 1824 da
scena politica de sua provincia, entregue inteiramente aos
negocios de sua casa , cuja fortuna encontrára arruinada
e empolgada por mãos alheias quando voltou do exilio em
1821, o illustre e benemerito patriota falleceu desconhe
cido e ignorado , mas o seu nome, os seus feitos em prol
da causa emancipadora do seu paiz , o seu merito, as suas
virtudes e os seus serviços repassados da mais alta abne
gação e patriotismo, realçam a memoria do seu nome,
como um dos vultos legendarios da historia das nossas
lutas da liberdade e independencia patrias.
Francisco Xavier Paes Barreto . Nasceu na villa de
Cimbres, aos 17 de Setembro de 1821 , e foram seus paes
o capitão-mór Francisco Xavier Pacs de Mello Barreto,
rico proprietario e agricultor, e sua consorte D. Anna
Victoria Coelho da Silva. Perdendo seus paes ainda em
tenra idade, recebeu zelosa e esmerada educação de sua
tia D. Rita Zeferina Coelho da Silva Leite, que alli mesmo
o encaminhou nos primeiros passos a seguir na carreira
das lettras, sua mais ardente e decidida vocação.
Em 1831 , aos dez anos de idade, deixou Paes Barreto
a casa de seus paes na villa de Cimbres, de tão amargas
recordações pela infelicidade e desgraças de que foram
victimas, e encaminhou -se para o Recife á completar a sua
educação alli encetada. Seis annos depois, inteiramente
consagrados ao estudo, venceu elle as primeiras difficul
dades da vida academica, havia completado o seu curso
de humanidades, c em 1838 matriculando-se no Curso
Juridico de Olinda e recebeu em 1842 a carta de bacharel
cm dircito .
A vida academica de Paes Barreto foi um completo
triumpho, foi uma das phases mais notaveis da sua
existencia. Estimado por seus collegas pela sua natural
benevolencia e affabilidade, louvado por seus mestres
pela sua applicação e comportamento , nunca teve nota mi,
nem deu motivos a minima observação de mestre algum ;
e coadjuvando a sua intelligencia com uma applicação é
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 397

estudo dignos de louvor, elle conseguiu nos sete exames e


cinco actos que precederam á sua formatura plena appro
vação em todos elles .
Laureado como titulo scientifico de bacharel em direito,
Pacs Barreto incetou a sua vida na carreira da magistra
tura, pelo modesto logar de supplente de juiz municipal de
Goyanna, passando depois a exercer o cargo de promotor
publico da comarca do Recife, por nomeação de 25 de
Abril de 1848 .
Elevado a juiz de direito, foi-lhe confiada a comarca
do Limoeiro, por Decreto de 16 de Janeiro de 1854, depois
foi transferido para a de Santo Antão a 22 de Janeiro
de 1855, para a do Rio Formoso em 1857 e em 1862 para a
de Olinda, todas ellas nesta provincia . Honrando a toga de
magistrado , juiz energico, justiceiro e honrado, caracter
probo, intelligencia esclarecida por um rigoroso estudo sem
tregoas, elle tornou -se digno do geral apreço , seu nome
era por todos respeitado, e os seus dotes e virtudes digna
mente apreciados.
Foi assim que mereceu do governo imperial a incum
bencia de honrosas e difficeis missões, foi assim que o
despacharam chefe de policia da provincia do Piauhy, em
uma epocha difficil e arriscada , quando era crescido o
numero dos crimes perpetrados contra as pessoas , e os
criminosos impunemente percorriam o extenso territorio
da provincia, levando o terror, o crime e a miseria ; elle foi
incansavel na repressão e na punição do crime, e a este
respeito os seus serviços no Piauhy foram verdadeira
mente relevantes.
Não menos importante foi o desempenho de igual
missão que lhe foi confiada na provincia das Alagôas. Os
serviços que ahi prestou a causa da ordem e tranquilidade
publica, a justiça e equidade que presidiam todos os seus
actos foram taes, que atravessando no periodo dessa com
missão algum tempo, nunca os seus adversarios politicos
o atacaram , e pelo contrario, quando o faziam aos dous
presidentes em cujas administrações serviu, as mais
significativas provas de gratidão e homenagem eram tri
buladas ao chefe de policia, pela sua rectidão e beneficos
esforços .
À’taes serviços, ao digno e honroso desempenho de
taes missões, outras mais importantes lhe foram confiadas;
e assim , em 1854 foi nomeado presidente da provincia da
Parahyba, em 1855 passou á dirigir a administração do
398 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Ceará, em 1857 a do Maranhão, e finalmente a da Bahia em


1858. Na administração da provincia da Parahyba, o seu
principal cuidado, o empenho em que mais se esmerou,
foi a repressão e a punição do crime, e tamanha foi a ener
gia , e os bens que ella produziu foram tantos, que a gratidão
parahybana honrou dignamente ao illustre magistrado que
dirigia os seus destinos , chegando até a formar -se o pro
jecto de erigir um monumento que recordasse aos vindou
ros o seu nome e os seus serviços.
Na administração do Ceará,porém ,foram ainda maiores
os serviços que prestou, distinguindo -se mais particular
mente pelo lado economico e material. Deu grandeimpulso
a estrada que liga a capital á comarca do Baturité , um dos
centros de maior producção da provincia ; fundou um
edificio para collegio dos orphãos desvallidos, que até
então não tinham abrigo e meios que ministrassem a sua
educação; assim como um outro para educandos menores;
dividiu a provincia em circulos eleitoraes, cujo plano não
só foi approvado pelo governoimperial, como não mereceu a
minima censura de nenhum dos partidos existentes; alem
de outros serviços não menos importantes.
Na provincia do Maranhão, onde naufragavam todos
os presidentes, pela intriga e mesquinha luta dos partidos,
Paes Barreto sahiu respeitado e cheio de prestigio , e na
administração da Bahia, se bem que fosse curta a sua
presidencia , desenvolveu muito tino e actividade rela
tivamente a situação financeira em que se achava, vencendo
todas as difficuldades não só por uma bem entendida e
severa economia , como por meio de uma arrecadação
moralisada, cuja falta era a difficiencia dos recursos e dos
meios de face á enormissimas despesas. D'entre os bene
ficios materiaes com que dotou a provincia, nota -se o con
tracto da illuminação à gaz, e as obras do passeio publico
da cidade, onde a gratidão baianna inscreveu o seu nome
em um pequeno monumento que alli erigin .
Por mais de uma vez a provincia de Pernambuco con
fiou - lhe o honroso mandato de seu representante à assem
blea geral legislativa, e de 1849 a 1855 dignamente occupou
uma cadeira na assembléa provincial; e se como orador
faltavam -lhe os rasgos de eloquencia , e a vehemencia no
estylo , manifestava porem em seus discursos em lingua
gem placida, correcta e singela, a pobresa das suas inten
ções, a pratica e familiaridade nos negocios publicos; e a
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 399

utilidade, o bem , prosperidade e realce de sua patria, eram


o seu alvo, eram o ponto culminante a que elles attingiam .
Na organisação do ministerio de 10 de Agosto de 1859,
Pacs Barreto occupou a pasta dos negocios da marinha.
Ali , diz um seu biographo , como em todos os importan
tes cargos que havia exercido, a justiça e o bem publico
foram sempre a norma dos seus actos. Suas decisões
contra os dissipadores da fazenda nacional, e os obices
que oppunha ás manobras clandestinas, daquelles que por
canaes tortuosos sabem chegar ao defraudamento dos
cofres publicos, suscitaram -lhe poderosas desaffeições ,
que desabafavam pelos diarios ou em publicações particu
lares, maltratando - o com a impudencia ordinaria de réos
de policia convertidos em juizes de seus repressores, de
homens chegados ao pinaculo da corrupção constituindo-se
de sua propria autoridade censores publicos da moralidade
estranha .
A’ frente da alta administração do paiz , o conselheiro
Paes Barreto , não só no ministerio da marinha, como pos
teriormente no dos negocios estrangeiros , em 15 de Janeiro
de 1864, elle soube elevar - se no conceito publico, e todos ,
quer gregos quer troyannos ,eram unanimes em tributar -lhé
devidos louvores, em exaltar os seus meritos , abnegação,
desinteresse e patriotismo. Ahi estão as suas resoluções ,
os importantes regulamentos que deixou, quer no minis
terio, como nas provincias que presidiu, e o papel distincto
que representou no conselho dos ministros. Como se fora
sua bộa sina deixar em todas as administrações, a que pre
sidira, vestigios honrosos e provas certas de verdadeiro
patriotismo, diz o citado biographo, nas poucas semanas
que a molestia lhe permettira consagrar á gerencia dos ne
gocios estrangeiros, organisou o notavel Aviso em que
determinou o sentido genuino das condições consulares
celebradas pouco tempo antes ; Aviso este digno do esta
dista que se presava , e que , sem faltar de modo algum ao
promettido, soube zelar a dignidade do seu paiz.
Em 1863 foi o conselheiro Paes Barreto nomeado
inspector da alfandega do Rio de Janeiro , como homem
talhado de molde para uma missão excencialmete morali
sadora , como então esta requeria, e por Carta Imperial de
22 de Fevereiro de 1864 foi escolhido senador pela provincia
de Pernambuco , attingindo assim a mais alta, honrosa e
nobilissima posição à que pode aspirar um brazileiro,
400 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

possuindo elle alem dos titulosjá consignados, o habito da


Ordem de Christo, e o officialato da Rosa .
Conservador no começo da sua carreira , modificando
depois as suas ideas politicas, elle viu -se atacado na Camara
dos Deputados sobre esse ponto, quando fazia parte do
ministerio, e teve de justificar -se ; mas não lhe foi dada a
occasião precisa para isso , elle succumbiu poucos dias
depois, porem deixou começado o seu discurso , as suas
justificações posthumas ; eis alguns topicos desse impor
tante escripto politico :
« Não sou liberal , nunca declarei que deixava de ser
conservador ,dizonobre deputado. Acamara e o paiz sabem
que desde 1853, epocha em que o partido conservador per
deu a rasão de ser, eu deixei de acompanhar os chefes
desse partido .
« Fiz parte da opposição parlamentar de 1853, e sus
tentei com todo o meu fraco apoio a politica de conciliação,
que nunca mereceu a completa approvação dos conserva
dores. Em 1857 , quando aquelle partido se levantou contra
o ministerio, de que faziam parte os Srs . Marquez de Olinda ,
e Conselheiros Souza Franco e Jeronymo Coelho, eu sus
tentei aquelle ministerio, descrevi o que devia ser conser
vador, e voteicom os liberaes que se achavam neste recinto .
« Fiz parte da opposição que em 1859 combateu o mi
nisterio de 12 de Dezembro de 1858 por mostrar tendencias
claras e bem positivas para voltar aos antigos excessos .
« Em 1861 fui um dos primeiros que se ergueram nesta
casa em opposição ao ministerio Caxias. Em 1862 fiz parte
da liga que se opperou no parlamento, e da qual resultou
a situação actual.
« De volta á minha provincia, promovi a fusão dos
dous partidos liberal e conservador moderado, o que já
se realisou publica e solemnemente, denominando - se par
tido progressista.
« Já vê a camara que o meu procedimento não tem sido
mysterioso nem occulto. Tenho marchado á luz do dia, c
por caminhos conhecidos. O nobre deputado acha que
as palavras valem mais do que os actos; cu sigo a opi
nião contraria .
« Já sabe , pois , o nobre deputado a que partido per
tenço : o meu partido é aquelle de quem foi candidato o
nobre deputado, e por quem foi eleito ; é o partido progres
sista , é o partido da maioria desta camara . »
Estas palavras que bem se pode chamar a sua auto
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 401

biographia politica, encerram e justificam assús a modifi


cação lenta e depois completa mudança de suas idéas po
liticas, o que longe de ser um motivo de censura, é pelo
contrario um objecto digno de louvor, porque elle alme
java o bem geral, a prosperidade e o engrandecimento do
seu paiz , o que só se opperaria por meio de reformas be
neficas e efficazes, o que o partido conservador fiel ao seu
programma e idéas, jamais realisaria .
Occupando a pasta dos negocios estrangeiros no mi
nisterio organisado em 15 de Janeiro de 1864, e escolhido
senador do imperio no mez seguinte , o conselheiro Fran
cisco Xavier Paes Barreto subia assim de distincção em
distincção, para em breve tempo cahir fulminado pelo raio
da morte, quando ainda muito esperava de si o paiz, quando
ainda eram necessarios os seus serviços e dedicação á
nova phase politica que se ostentava no poder, da qual foi
um dos apostolos mais dedicados e zelosos.
Accommettido de uma molestia que rapidamente se foi
desenvolvendo, em breves dias terminará o conselheiro
Paes Barreto a sua peregrinação por este mundo ; e no dia
28 de Março de 1864, na capital do imperio , desprendeu -se
a sua alma do envolucro da materia , e voou ás alturas do
infinito, após quarenta e trez anos de lutas e trabalhos ,
mas de honrada e assignalada esistencia , por feitos que
immortalisam a sua memoria .
A ' sua morte, perdeu o Brazil um vulto respeitavel e
proeminente, e Pernambuco, a provincia queo viu nascer,
e que se engrandecia pelo seu renome, um dos filhos de
quem muito ainda esperava, e um d'aquelles que sabia ze
lar e conservar com religioso respeito à gloria do seu nome,
e as tradições brilhantes dos seus illustres antepassados.
O marquez de Olinda, esse venerando patriota, con
correndo ao seu enterro, exclamou com os olhos arrasados
de lagrimas, e ferido do mais profundo sentimento , 10
momento en que se fechava o ataúde que encerrava o seu
cadaver : dhi rue encerrado o resto do thesouro que eu
esperava deixar á ininha prorinciu .
( illustrado Dr. José Joaquim de Moraes Sarmento ,
epilogando as virtudes, os feitos e serviços do conselheiro
Francisco Xavier Paes Barreto , assim descreve os seus ul
timos dias, o seu caracter e as virtudes que o ornaram :
« O cidadão honesto que assim procedia , tinha gusto ,
para exercer com dignidade os importantes cargos que oc
alipára, tudo quanto lalia herdado de seus paes ; e não
) )
402 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

obstante sua muita sobriedade, notoria economia , e gastos


poucos dispendiosos, foi vendendo pouco a pouco cinco
enta e tantos escravos , e todo o seu patrimonio . Onde
tantos teem descoberto o caminho da riqueza, elle só en
controu o da mais completa pobresa . Ministro, já mori
bundo, para executar a prescripção dos medicos, que o
mandavam para um dos suburbios do Rio de Janeiro, não
tinha dinheiro algum . Foi preciso que um parente fizesse
a despesa necessaria ,e á hora do passamento, o filho do
rico capitão -môr de Cimbres , do senhor de mais de tre
zentos captivos e demuitasleguas de terra, não possuia
um só escravo, não dispunha de seis palmos de terra para
adosepultura,
funeral.
não deixava um só vintem para as despesas
« Para esta absoluta, mas gloriosa pobresa , mil vezes
mais honrosa do que a maior parte das riquezas que abi se
ostentam tão orgulhosas, contribuiu bastante a commise
ração, talvez demasiada, que lhe inspirava o aspecto do
infortunio , da necessidade, da miseria . Ultrapassando os
limites da caridade , dava aos desvalidos emquanto tinha
que dar ....
« Singelo no trato, ouvia com affabilidade e admiravel
paciencia os numerosos pretendentes ou solicitadores que
o procuravam . Dava sem arrogancia do mesmo modo
que recebia com dignidade . Antes de fallar, já a expres
são agradavel das suas feições tinha prevenido os ouvintes
a seu favor, e contribuido para lhe ganhar os corações .
Prudente e reflectido, sua intelligencia era rapida na con
cepção da exequibilidade dos negocios e dos meios de os
realisar. Contra o que succede ordinariamente aos cida
dãos que entram de pouca idade na gestão dos negocios
publicos, nunca foi homem de utopias e de arrebatamen
tos . Suas ideas foram sempre praticas, e em todas ellas
se revela o tino administrativo, a severa puresa da convic
ção intima....
« Feliz o cidadão, que depois de subir todos os degraus
do poder social , chega ao apice das grandezas , morre des
apegado das glórias mundanas , e, na derradeira phase que
precede á morte, confessa as vães chimeras deste mundo !
Caracteres desta tempera foram sempre raros , e hoje são
rarissimos . Pacs Barreto não é só o explendor da sua fa
milia, é tambem uma das glorias da provincia , e honra ao
imperio todo. Onde quer que venha a chegar a fama de
suas grandes virtudes, se a religião do dever ainda ahi ti
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 403

ver altares, seu nome será venerado, como o de um dos


homens mais puros do nosso seculo nas altas regiões do
poder.... »
Francisco Xavier Pereira de Brito . Nasceu na fre
guczia de Santo Antonio do Recife , aos 17 de Novembro
de 1786, e foram seus paes João Pereira de Brito, nego
ciante desta praça, e sua consorte D. Anna Carneiro da
Cunha .
Em 1802, quando contava apenas 16 annos de idade,
Francisco Xavier Pereira de Brito seguiu para Portugal,
completou o curso de humanidades encetado nesta provin
cia, e matriculou -se na Faculdade de Medicina da Univer
sidade de Coimbra. Por occasião da guerra da invasão
franceza, em 1808, o jovem estudante abandonou tempo
rariamente os seus estudos, fez - se soldado e pelejou em
prol da honra da patria commum , e quando de novo se
abriu a Universidade e continuou o seu curso , recebeu o
gráo de doutor em medicina, e regressou á sua patria em
1810 .
Medico distincto e illustrado, « possuindo grandemas
sa de luzes e conhecimentos universales » , o Dr. Pereira de
Brito pela dedicação e cuidado que consagrava aquelles
que confiavam do seu zelo e proficiencia, e mais que tudo,
pela felicidade das suas curas, por suas maneiras e cava
Theirismo, conquistou merecida fama, immensa clientela
e grande popularidade.
Liberal, patriota distincto c exaltado , a revolução de
1817 contou no jovem medico um dos seus heroes, e por
sua generosa iniciativa nesse movimento politico , soffreu
resignado o martyrio votado pela tyrannia a todos os com
promettidos. Accusado de rebelde, victima das suas ideas
pelo odio realista , os seus inimigos foram além , pois até
The accusaram de oppor -se a que seusfilhos fossem bapti
sados segundo o rito da egreja catholica , accusação essa
ue naquella epocha de fanatismo, era gravissima, calum
nia atrocissima , pondera o autor dos Martyres Pernambu
canos, incompativel coin a religiosidade de sua jovem es
posa e parentes, e com o respeito religioso de que lhe vi
mos
1820
dar muitas provas , quando de perto o tratamos em
.
Accusado perante a alçada , e pronunciado depois,
foi uma das victimas das prisões nocturnas de 6 de Abril
de 1818, as quaes fizeram debulhar em lagrimas mais de
60 familias pernambucanos, que se viram desamparadas
404 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de seus chefes, aos quaes se ameaçavam dos mais atrozes


supplicios. Recobrando a sua liberdade em 10 de Outubro
de 1818 , em virtude do Decreto de perdão de 6 de Fevereiro
do mesmo anno, o Dr. Pereira de Brito viu - se livre das
atrocidades e perseguições de seus inimigos, e continuou
nos labores da sua profissão, cuja vida era para elle um
verdadeiro sacerdocio .
A revolução separatista de 1824 , contou ainda no Dr.
Pereira de Brito um dos seus mais dedicados apostolos,
batalhou mais uma vez em prol da causa da liberdade, e
de novo foi pagar o crime da sua rebeldia is mãos ensan
guentadas dos oppressores de sua patria . Mas lutas da
nossa emancipação politica , em todos os movimentos que
se deram em prol da sua causa , figura tambem o nome
do Dr. Pereira de Brito , lle foi um dos seus apostolos, e
lim dos brazileiros que mais se distinguiram em todos os
acontecimentos que se deram em prol de tão nobre e gran
diosa empresa .
Nomeado medico do Tribunal du Relucio desta pro
vincia , por provisão de 26 de Outubro de 1822, e , a 5 de
Abril de 1826, segundo medico do hospital militar, o Dr.
Francisco Xavier Pereira de Brito serviu tambem os car
gos de almotaci , juiz de fóra pela lei, juiz de orphos por
trez vezes, vereador da Camara Municipal do Recife, presi
dente do governo no tempo da revolta Pedroso , delegado
nesta provincia de physico -mór do imperio , a membro do
conselho do governo provincial por muitos annos.
Deputado á Assembléa Provincial desde a creação
dessa corporação em 1833, até 1814, quando falleceu, o Dr.
Pereira de Brito mereceu ainda dos seus conterrancos ( )
honroso mandato de deputado a Assembléa Geral na legis
latura de 1830 a 1833, e em 1842 recebeu a nomeação de
vice -presidente da provincia , mostrando sempre esse dis
dincto pernambucano, em todos os cargos que exerceu ,
inabalavel honradez e probidade, decidido interesse pela
cansa publica e sincero amor pelas instituições do paiz,
sempre moderado em suas accoes e liberal distincto e con
ceituado .
Ilomem de merito superior pelo seu talento, medico
distincto , patriota illustre , o Dr. Pereira de Brito preston
immensos e grandiosos serviços ao seu paiz, quer como
cidadão, quer como funccionario , serviu honrosa e dedica
damente a causa da liberdade e independencia de sua pa
tria , e deixou pelo merecimento dos seus feitos de dedica
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 405

ção e patriotismo um nome respeita vele illustre, uma me


moria digna dos lovoures da posteridade, cujos serviços
mereceram -lhe a conferencia da commenda da imperial
ordem de Christo em 1843 .
O Dr. Francisco Xavier Pereira de Brito falleceu aos
58 annos de idade, cm 31 de Julho de 1844, victima de uma
molestia proveniente dos encommodos e privações que
soffreu durante as suas prisões politicas de 1817 e 1824.

Gervasio Pires Ferreira . Nasceu no Recife aos 26


de Junho de 1765 , e foram seus paes Domingos Pires Fer
reira e D. Joanna Maria de Deus, pertencentes a uma das
mais illustres e opulentas familias desta capitania .
Recebendo de seus paes, esmerada e cuidadosa edu
cação , Gervasio Pires encaminhou -se para Lisboa nos
seus primeiros annos , onde atirou -se a vida commercial,
casoli e cstabeleceu uma grande casa , cuja fortuna e pros
peridade deram -lhe grandes cabedaes e riquezas. Invadi
do Portugal pelos francezes, em 1808, Gervasio Pires re
gressou para Pernambuco no anno seguinte, c aqui esta
beleceu a sua casa, a qual pelos seus fundos e creditos, tor
nou -se uma das primeiras e mais importantes desta praça.
Iniciado o movimento revolucionario -emancipadordes
ta provincia , o qual rompeu prematurameute em 1817 , Ger
vasio Pires foi um dos conspiradores da causa das liber
dades patrias,mas a sua prudencia e reserva foram tacs,
que ninguem jamais suspeitou dos seus sentimentos, e sé
não fòra a intempestiva explosão de 6 de Março, na phrase
de um historiador do tempo, ainda ogora os olhos profa
nos não veriam em Gervasio Pires, senão um denodado e
sempre honrado realista , prudencia esta que o acompa
nhou no dia da revolução, e nos que immediatamente lhe
Succederam .
Rompe, porém , a revolução, e então , Gervasio Pires
apresentou -se sem rebuço , saudou radiante a proclama
406 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ção da independencia da patria , e tornou - se pelo seu pa


triotismo, experiencia e generosidade, um dos sustenta
culos e esteios da nova ordem de cousas . Delegando o
governo provisorio a Antonio Gonçalves da Cruz, para ir
aos Estados-Unidos á entabolar negociações e á comprar
armamentos, Gervasio Pires offereceu generosamente o
seu navio Espada de Ferro, e a quantia de 25 :000 $ 000 para
um e outro fim , offerta esta que foi acceita e applaudida
por todos os patriotas que dirijiam os destinos da procla
mada republica.
No dia 11 de Março recebeu Gervasio Pires do gover
no provisorio a mais solemne prova de appreço e confian
ça, pela sua eleição para o importante cargo de presiden
te do Erario Nacional, em substituição a Antonio Gonçal
ves da Cruz, despachado nesse mesmo dia embaixador de
Pernambuco nos Estados-Unidos ; e logo após foi eleito
conselheiro de estado , e quer n'um como n'outro cargo,
Gervasio Pires prestou tão importantes serviços, revellou
se um homem tão superior, que sem o seu parecer, sem
elle finalmente , nenhuma medida ou providencia eram to
madas e nada se fazia então sem o seu voto .
Mas foram ephemeros, estavam contados os dias da
existencia politica da proclamada republica , e da indepen
dencia da patria, que sob tão bons auspicios fòra iniciada,
e que com tanto patriotismo e enthusiasmo fòra procla
mada. De nada valeu a dedicação e o heroismo de tantos
e illustres patriotas, porque o prematuro rompimento da
revolução tudo sacrificou e aniquilou . Os serviços de Ger
vasio Pires , a sua dedicação e generosidade, resaltam a
cada passo na marcha ephemera desse acontecimento, que
se não vingou, muito contribuiu porém no animo dos bra
zileiros para despertar-lhes o amor da independencia e li
berdades patrias , quatro annos depois proclamadas.
Gervasio Pires, si patenteou na prosperidade da repu
blica o seu espirito calmo e reflectido, e um admiravel pa
triotismo, não o patenteou menos na adversidade, quando
as tropas realistas já batiam as portas do Recife. A' reti
rada do governo da capital, elle, que com os seus collegas
baldadamente se esforçou para obter do almirante portu
guez Rodrigo Lobo algumas condicções favoraveis de ca
pitulação, recolheu - se desenganado ao seio de sua familia ,
esperando resignadamente a sorte que o aguardava.
Preso , e mettido em grilhões a bordo do navio Car
rasco , seguiu para a Bahia , e ahi gemeu por quatro annos .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 407

Na adversidade, privado da sua liberdade, ainda o mesmo


homem magnanimo e generoso, o mesmo patriota , o mesmo
liberal . Gervasio Pires abriu a sua bolça em favor de seus
infelizes companheiros, a quem a fortuna fôra duplamente
adversa , soccorreu -os, prodigalisou -lhes beneficios, e men
salmente distribuia uma certa quantia aquelles mais po
bres e necessitados .
Assim passaram-se quatro longos annos de martyrio
c de soffrimentos, até que em 1821 , por effeito da revolução
constitucional de Portugal, em 1820, elle e seus compa
nheiros saudaram felizes a liberdade e a terra da patria .
Gervasio Pires , que desde a crise tremenda da quadra
da republica protestou guardar o mais absoluto silencio,
continuou ainda neste firme proposito, por algum tempo
depois que chegou á Pernambuco, e de tal maneira, que
sómente por escripto, recebia e agradecia parabens, fazia
perguntas e dava respostas. Com effeito , observa o autor
dos Martyres Pernambucanos, se isto era capricho, sau
dades ou penitencia da extincta liberdade, em que tanto fi
gurára, agora tornava-se virtude nas terriveis marulha
das, em que achava sua patria, pela raivosa luta em que
andava com o antigo despotismo .
Jurada a constituição secretamente por Luiz do Rego
e os seus parciaes, os pernambucanos oppuzeram resis
tencia a esse acto do governador, e triumphando pelo acto
da Convenção do Beberibe, foi eleita a primeira junta do
governo provisorio de Pernambuco, no dia 26 de Outubro
de 1821 , sahindo presidente o venerando patriota Gervasio
Pires, que tomou posse na Camara de Olinda no dia imme
diato . Chegava assim a occasião de pagar - lhe os seus con
terraneos tantos serviços e patriotismo, e a patria assim
restituiu -lhe o uso da falla ; e Gervasio Pires eleito por nu
merosos votos, foi o primeiro presidente constitucional
que viu o Brazil , segundo o Decreto das cortes constituin
tes de Lisboa .
No desempenho dessa missão, elle desenvolveu im
mensa capacidade, mereceu geraes applausos e confiança ,
não só das cortes como dos seus compatriotas . Mas em
pouco, á creação de alguns partidos, começou uma guerra
desabrida e implacavel, as circumstancias da epocha
eram difficeis e criticas, e fosse esta ou aquella a attitude
da junta governativa, encontraria sempre um partido á
oppor-lhe serios embaraços, e a mover -lhe a mais deci
dida opposição. As cortes de Lisboa, attribuiram -lhe vis
408 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tas republicanas, os regeneradores paulistas lhe imputa


vào vistas constitucionaes, e os pernambucanos divididos
e descontentes pozeram em campo uma sedição militar, e
no dia 16 de Setembro de 1822, Gervasio Pires viu - se elle
apeado do seu cargo, e obrigado a refugiar- se em um navio
inglez, por tentarem contra a sua vida, e a seguir para o sul.
Tocando o paquete na Bahia , e sabida a noticia da pas
sagem de Gervasio Pires, o. general Madeira que a frente
das tropas portuguezas mantinha a posse daquella pro
vincia á coroa de Portugal, não poude perdoar -lhe o crime
do seu patriotismo, o seu acto de acclamar, como presiden
te da junta do governo de Pernambuco, a 2 de Junho de
1822, o principe D. Pedro, chefe do poder executivo inde
pendente de Portugal, exigiu a entrega de Gervasio Pi
res , e immediatamente o remetteu preso para Lisboa, onde
foi recolhido a cadeia de Limoeiro.
Corria ainda o seu processo, quando rebentou em Lis
boa a contra -revolução de 5 de Junho de 1823, e mandando
El-Rei D. João VI restituir- lhe a liberdade, Gervasio Pires
se apresou em tomar o caminho do Brazil e embarcou para
o Rio de Janeiro . Justificado do seu procedimento , recon
quistando a estima e confiança dos seus concidadãos, e
depois de tantas vicissitudes e tormentosa vida, voltou
para o seio de sua provincia e familia , e passou tranquillo
e dedicado sempre ao serviço e engrandecimento da pa
tria, a ultima phase de sua vida.
Ainda preso , Gervasio Pires publicou um folheto em
sua defesa , contestando um outro que apparecera atacan
do - o pelos seus actos de Pernambuco, ao qual deu por
titulo : Considerações sobre o folheto intitulado Varrução
historica da conducta politica de Gervasio Pires Ferreira.
Os pernambucanos que na raiva dos partidos foranı
injustos no julgamento dos actos de tão illustre patriota,
repararam então a sua falta, e Gervasio Pires foi occupar
pelos seus suffragios uma cadeira no parlamento nacio
nal, nas duas primeiras legislaturas do imperio . Na cama
ra , segundo un escripto que temos sob as vistas, elle mos
trou -se em todas as circumstancias - liberal moderado, e
na tribuna foi orador sem pretenção de eloquencia , mas
discutidor intelligente, conciso e claro .
Na tumultuosa sessão de 1832, Gervasio Pires repre
sentou um papel importantissimo pelo seu caracter e as
cendencia , e bästa mencionar a commissão especial de que
fez parte com Francisco de Paula Araujo , Candido Baptista
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 409

de Oliveira , Manoel Odorico Mendes e Gabriel Mendes dos


Santos, a qual foi incumbida de estudar de prompto o as
sumptó da demissão da regencia trina, e dos ministros de
Estado, propondo igualmente as medidas que consideras
se adaptadas as circumstancias, parecer este que foi lido
as 4 horas da tarde .
Gervasio Pires exerceu por muito tempo o cargo de
conselheiro do governo desta provincia , sempre dedicado
e infatigavel no trabalho, sempre apresentando ou apoian
do as medidas de maximo interesse, e entre aquellas que
foram especialmente apresentadas por si , basta lembrar
o projecto do melhoramento do porto do Recife, projecto
grandioso, cujo resultado era de grande alcance e interes
se para esta provincia. Mas infelizmente não foi executado,
e ainda hoje o melhoramento do porto desta capital e um
problema difficil de resolver - se .
Após uma longa existencia de 71 annos, notavel pelos
serviços prestados em prol da independencia politica do
seu paiz, nobilitado pelos seus feitos de patriotismo, Ger
vasio Pires Ferreira morreu aos 9 de Março de 1836, legan
do a sua patria um nome legendario, e a memoria do mais
puro e acrysolado patriotismo.
O seu cadaver foi sepultado na egreja de N. S. do Rosa
rio da Bôa Vista , e sobre o marmore que sella os restos
mortaes desse illustre e benemerito varão, lê-se este epi
taphio :
Aqui jasem
Gervasio Pires Ferreira
Filho de
Domingos Pires Ferreira ,
E D. Joanna Maria de Deus
Bom marido e pai,
Nascido aos 26 de Junho de
1765 ,
Deixando para sua memoria
Des filhos, e vinte e um netos ,
E sua neta
Emilia Carolina Gonçalves da Silva ,
Nascida aos 15 de Outubro de
1831,
E ambos fallecidos
Aos 9 de Marco
de
1836 .
53
410 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

НГ

Henrique Dias. Homem de cor preta , mas clarissi


mo por suas acções, filho de africanos , liberto talvez, ou
filho de liberto, tendo por descendentes os filhos escravi
sados das livres regiões africanas, Henrique Dias nasceu
nos primeiros annos do seculo XVII, sem duvida na caba
na da propriedade agricola de algum rico colono, fóra da
capital, ou na senzala de algum engenho no meio dos es
cravisados compatriotas de seus paes .
A sua vida começa , pode-se assim dizer, em 1633,
quando sua patria já por trez annos gemia sob o jugo dos
invasores hollandezes, cm cuja epocha abre -se o livro das
suas epopeas, e começou a immortalisar o seu nome.
Ilenrique Dias parte do centro da provincia á frente de
um punhado de homens de sua côr, penetra no Campo
Real do Bom Jesuis , c offerece a sua espada e os seus ser
viços para combater em defesa da patria ; e o general Ma
thias de Albuquerque, acceitando os seus serviços, deu -lhe
a gineta de capitão e cabo de muitos minas e creoulos, que
com animo intrepido e fiel se alistaram para servir na
guerra . Antes demimaminha patria , exclamaHenrique Di
as , por ella ,por meu Deus e por meu Rei, serão meus braços
coliimnas de ferro para sustentar tão charos objectos. Que
importa morrer . Quando assim seju, a liberdade bem
dira meu tumulo , e o meu sangue regando a terra servirá
de fonte que para o futuro brotará mil fructos.
A 8 de Setembro de 1633, Henrique Dias á frente de 35
pretos bate-se com os hollandezes, que seguiam em soc
corro da villa de Iguarassú, que cahira em seu poder ; foi
terrivel a peleja , o capitão dos pretos portou -se com enex
cedivel bravura é foi ferido por dous mosquetaços ; e desse
tempo , até a rendição do forte do Bom Jesus , em 1635, de
cujos defensores foi Henrique Dias um dos mais illustres,
tomou elle parte em diversos combates parciaes, e cada dia
conquistava novos titulos de consideração, pelo seu valor
e distincrão .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 411

Henrique Dias cahiu então prisioneiro de guerra, mas


os hollandezes ignorando do seu valor e prestigio, e mais
pelo accidente da côr, não ligaram - lhe nenhuma conside
ração, e deixaram -no partir livremente ; e em Abril do anno
seguinte elle võa as Alagoas onde se achava o acampa
mento pernambucano, interna -se pelas mattas capitane
ando os poucos pretos que restavam da sua phalange, reu
ne - se ao exercito em Porto Calvo , e a 9 de Junho mede de
novo as suas armas em combate travado com os hollande
zes, e conquista nesse feito de armas novos triumphos.
A’ fama dos feitos de Henrique Dias , crescia o numero
dos seus soldados, e ao seu valor e disciplina , desenvol
viam -se elles, e tornavam -se heroes. Tomando parte na ba
talha de Porto Calvo , ferida a 18 de Fevereiro de 1637, bateu
se a frente de 80 pretos que então contava a sua compan
hia ; a sorte das armas nos foi adversa mas elle ostenton
tanta intrepidez e valentia, que na phrase de Frei Raphael
de Jesus , deve ser posta em parallelo com o que a historia
nos rofere de mais assombroso . No calor da peleja, recebe
Henrique Dias um ferimento de bala de mosquete na mão
esquerda que lhe interrompia os movimentos ; võa as bar
racas da ambulancia do exercito, manda immediatamente
fazer amputação da mão, e apenas terminada a operação,
volta de novo ao combate dizendo : Basta -me uma só mão ,
para servir a meu Deus e a meu Rei ; cada um dos dedos
desta outra , me fornecerá os meios de melhor vingar -me.
A fama de tão heroica façanha, diz Fernandes Pinheiro,
transpoz o Atlantico, e o governo de Madrid quiz recom
pensal- o conferindo -lhe o habito de Christo , e dando-lhe o
foro de fidalgo, que naquellas eras parecia mais estimado
do que hoje .
Dous annos depois , por patente do governador geral
D. Fernando de Mascarenhas, datada de 4 de Setembro de
1039, mereceu Henrique Dias a confirmação do seu posto e
commando, em virtude da mercê que lhe fizera Sua Mages
tade, para que, com mais lusimento e commodidade conti
nuassse no seu serviço ; em satisfação ao honrado procedi
mento com que o servit na guerra de Pernambuco, pelejan
do em muitas occasiões como valente soldado .
Com a queda de Porto Calvo, terminou o primeiro pe
riodo da guerrra da invasão hollandeza em Pernambuco .
O Conde de Bagnuolo , commandante em chefe do nosso ex
ercito , atravessou o S. Francisco, e foi levantar os seus
acampamentos no territorio bahiano. Ilenrique Dias o
412 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

acompanhou com os seus pretos, e logo depois teve de


medir as suas armas por occasião da invasão da provincia
da Bahia .
Conseguindo os hollandezes a conquista de Pernambu
co , mallograda a da Bahia , houve uma especie de armis
ticio ; mas os soldados pernambucanos não ficaram inna
tivos. Henrique Dias, à frente dos seus pretos, mette - se
pelo interior do paiz, e leva o exterminio aos campos das
plantações e fazendas hollandezas. Do Rio Grande do
Norte à Bahia , por terra , pelo interior do paiz, sempre em
marcha, sempre em destruições e combates, ora aqui , ora
alem , trazia Henrique Dias os inimigos em completo sobre
salto , sem que elles o podessem perseguir, pois apenas
conseguida a victoria do assalto de um lugar, embrenha
va -se pelas mattas, e no dia seguinte já outro era assaltado.
« Tenham por certo , disse elle em uma carta dirigida
aos hollandezes ao terminar um destes celebres encontros;
tenham por certo que desse Arrecife onde nossas armas os
tem acurralado, lhes não fica mais sabida que para Hollan
da ; e se atiram a outro alvo , basta os meus negros para
The o fazer errar. E dado o caso que pretendam vencer
nossa constancia com sua perfidia , lhes poremos a terra
em estado que lhes não possa dar mais que a sepultura ;
porque saberemos queimar -lhes em uma noite, tudo quanto
plantarem em um anno ; e para que não duvidem desta
verdade, tenham entendido que é Henrique Dias o que es
creve, pegando na penna com a mesma mão que pega na
espada. »
Tal foi a sua attitude emquanto não soou a hora em que
os pernambucanos deram o grito da revolta, que restaurou
esta provincia do dominio hollandez ; e quando essa hora
chegou, elle parte do rio Real, atravessa o S. Francisco, e
chega aos arraiaes do exercito restaurador. Empenhado
como se achava Portugal em luta com a llespanha pela
proclamação da sua independencia, temeroso por conse
guinte de uma guerra com a Hollanda, se francamente apoi
asse e coadjuvasse a revolta, ostentava publicamente a sua
reprovação, ordenava o exacto cumprimento das treguas
assignadas , mandava mesmo perseguir os revoltosos ; e
assim , apparecem alguns documentos que poriam em du
vida os nobres e generosos sentimentos de Henrique Dias,
se não fosse sabida a politica simulada do governo portu
guez relativa a guerra da restauração ; isto é , publica
mente condemnando -a, e parlicularmente promovendo-a.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 413

Acoimado como desertor, perseguido simuladamente


por tropas que despedira em seu alcance o governador ge
ral da Bahia, para acobertar aos hollandezes a politica do
governo portuguez, Henrique Dias mette - se pelo inte
rior do paiz , inflamma o pronunciamento da revolta em
Alagoas, e faz juncção com João Fernandes Vieira e o ca
pitão Antonio Dias Cardoso, que se achavam á frente da
insurreição.
A batalha da Casa Forte, e o ataque das fortificações
hollandezas entre o forte de Afogados e o das Cinco Pon
tas , foram os primeiros tropheos que conquistára Henri
que Dias na guerra da restauração . Em fins de 1647 quan
do os chefes da revolta resolveram atacar a forte posição
dos hollandezes no Rio Grande do Norte, confiaram esta
empreza ao valente Henrique Dias; elle parte a frente do
seu regimento , reforçado com algumas companhias dos
indios de Camarão, e em principios do anno seguinte, deu
começo as suas operações. No sitio denominadoGuarairas,
diz Fernandes Pinheiro , onde o inimigo se havia entrin
cheirado, favorecido pela optima posição topographica,
ostentou coragem e pericia dignas da inveja dosmais es
forçados capitães de que resaa historia. Instigados pelo
seu nobre exemplo, arrojam -se os soldados ás agoas do
lago que moldurava a fortaleza, e mergulhados até a cen
tura escalaram -na á ponta de baioneta.
A este feito , seguiu -se logo outro no dia immediato em
Cunhaú. Achando -se neste ponto os inimigos fortificados,
Henrique Dias marcha sobre elle e intima aos inimigos
que se rendão. O chefe hollandez para ganhar tempo,
responde com palavras equivocas, inas conhecendo elle
qual era o seu fim , ordena o ataque, vence os inimigos,
apresiona -os, toma as suas munições de guerra, arsasa as
fortificações, e volta victorioso ao seu acampamento .
Nessa epocha de 1648, tão propicia ás armas pernam
bucanas, procuraram os hollandezes obter com ardis ,
aquillo que não obtinham com as armas em luta franca e
leal nos campos do combate. Espalham pelos caminhos e
estradas, innumeras copias de um amplissimo perdão ,
pelo qualpromettiamoesquecimento deculpas, e offereciam
premios a todos aquelles, que, arrependidos, viessem para
o Recife, no prazo de 10 dias, receber salvo conducto e
prestar juramento de fidelidade. Aos chefes do nosso exer
cito, dirigiram -se directamente por cartas, incluso ás quaes
rcmetteram o tal perdão, pedindo -lhes resposta em certo
414 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

prazo . Henrique Dias , recebendo uma destas cartas e o


respectivo perdão, não tardou em responder aos hollan
dezes, e assim o fez :
« Esta variedade e multidão de papeis que os meus
soldados acham pelos caminhos, e que Vv. Ss . mandam
deitar nelles, são folhas de que sempre conhecemos a flor.
Não lhes tem ensinado a experiencia que o negro nem re
cebe outra côr, nem perde a que tem ? Para que gastam a
sua tinta, pintando o seu desejo nestas cartas, se as car
tas se dão a conhecer pela pinta ? O que Vv . Ss . imagi
nam suborno nestes cartazes de perdão, é para cada um
dos meus negros cartel de desafio . Matar- se- hão facilmen
te com quem lhes fallar em dominio hollandez ... »
De quatro nações se compoc este regimento : Minas,
Ardas, Angolas e Creoulos ; estes são tão malcreados, que
não temem nem devem ; os Minas tão bravos, que aonde
não podem chegar com o braço , chegam com o nome; os
Ardas tão fogozos, que tudo querem cortar de um só golpe ;
os Angolas tão robustos, que nenhum trabalho os cança ;
considerem agora se romperão a toda a Hollanda, homens
que tudo rompem . O poder da gente, armas e munições
que Vv. Ss . repetem para lhes causar temor, servem de
os alvoroçar. A crueza dos tapuias não podia fazer im
pressão em soldados, que por natureza são nús e crús...
E assim lhes aconselho que se valham da força : convi
dem -nos com uma pendencia que, pelo interesse de se ve
rem vestidos e calçados, se metterão nella a todo o risco ;
mas tambem lhes asseguro que, sem os matar a todos,
nunca se hão de ver livres de contrarios, >>
Estas palavras de Henrique Dias, as cartas que os
outros chefes dirigiram sobre o assumpto, e o despreso
dos soldados ás offertas propostas, tudo isso fez compre
hender aos hollandezes, que, somente a sorte das armas
decidiria da posse do territorio occupado.
No intuito de pôr a cidade do Recife em um apertado
cerco, crearam - se diversas estancias ou pontos fortifica
dos nas principaes entradas e salidas para o campo , ca
bendo a guarda de um destes pontos ao intrepido llenri
que Dias. O lugar da estancia que lhe fòra confiada, cha
mava -se então sitio de João Velho Barreto , e hoje ainda
conserva o nome de Estancia , recordando assim , os feitos
heroicos que alli tiveram logar.
Marchando Henrique Dias a tomar posição no posto
que lhe fòra confiado , estabeleceu o seu quartel em umas
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 415

casas que encontrou abandonadas, pertencentes ao hol


landez Giles Var Ufel. N’uma destas casas , havia uma
especie de torre ou minarete alto , de cujo cimó descortina
va-se não só o Recife, como tambem as suas cercanias ;
era por tanto a Estancia de Henrique Dias um magnifico
ponto, não só estrategico, como de observação .
Por sua vantajosa posição, cra esta estancia o ponto
que mais encommodava aos hollandezes, e elles no intuito
de o tomar, por mais de uma vez o atacaram, mas sem
pre sem resultado algum . Entre as suas tentativas nota - se
à de 15 de Agosto de 1648, em cuja acção Henrique Dias ele
vou - se á altura de um grande capitão, e sempre firme, jamais
os hollandezes poderam se apossar da sua Estancia.
As duas batalhas dos Guararapes, sãomais dous trium
phos , mais duas paginas gloriosas da vida de Henrique
Dias, conquistadas pelo seu valore heroismo. Acompanhar
chronologicamente todos os feitos desse illustre guerrei
ro , seria acompanhar todos os feitos da guerra da restau
ração hollandeza. O Sr. Dr. Joaquim Manoel de Macedo ,
em duas palavras assim os recapitula : « De 1645 a 1654
Henrique Dias tomou parte em numerosos combates, com
mandou por alguns dias as forças que cercavam o Reci
fe, emquanto os outros chefes tentavam a conquista de
Itamaracá . Cobriu -se de gloria nas duas batalhas dosGua
rarapes , e em 21 annos de guerras ou de guerrilhas, em
que sempre entrou, com excepção feita da capitulação
honrosissima do Arraial do Bom Jezus, em 1636 , nunca
foi vencido ou derrotado , e sempre fulgurou vencedor, ou
guerrilheiro retirou -se feliz e garboso , tendo causado ao
inimigo graves damnos. >>
Na sanha dos combates, nos lances apertados e duvi
dosos, elle arremeçava o bastão do seu commando ás cer
radas columnas dos inimigos, ou sobre as muralhas de
suas fortificações, e bradava aos seus soldados : A’espa
da, filhos ; ou haveis de restituir a insignia do meu mando,
ou aquificaremos todos sepultados. E assim estimulados
os seus soldados, redobravam de esforços , arrojavam -se
impetuosos sobre os inimigos, e com a victoria restituiam
The a insignia do seu mando.
Terminada a guerra , Henrique Dias entrou em trium
pho na vencida cidade do Recife a frente do seu regimen
to de heroes ; e depois , quando reaes mercês foram pro
digalisadas sodre aquelles que menos do que elle traba
Tharam pela restauração das provincias do Brazil, elle fi
416 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cou esquecido, ninguem mais fallou em Henrique Dias , e


ninguem sabe como se deslisou a honrada velhice do Sce
vola brazileiro ! E' de crer , conclue um escriptor, que a
consumisse reclamando o pagamento de atrasados soldos,
pedindo indemnisações que nunca chegaram e deixando a
sua mulher e filhos por unico legado , a herança do seu
nome .
E realmente, Henrique Dias, o illustre soldado das
guerras da invasão e da restauração hollandeza, morreu
pobre, que os funeraes do seu enterro, foram feitos pelos
cofres da fazenda real, por ordem do governador Brito
Freire, cujas despezas importaram em 48$720 !!
As unicas recompensas que teve depois da guerra , fo
ram : uma data de terras feita pelo governador Barreto de
Menezes por provisão de 26 de Setembro de 1656, em vir
tude do Decreto de 29 de Abril de 1654, que mandava re
partir pelos soldados as terras, que , de qualquer maneira
podessem partencer a coroa , nas capitanias do Norte que
occuparam os hollandezes ; e nesta conformidade, em res
peito ao muito merecimento, que o governador Henrique
Dias tinha grangeado em servir a corôa de Portugal nas
guerras deste Estado, foi-lhe dada as casas que foram do
flamengo Giles Van Ufel, as olarias que foram de Gaspar
Coque, e todas as terras annexas as mesmas, junto ao rio
Capibaribe, até a ilha de Santo Antonio , e bem assimo
terreno em que estava o cemiterio dos judeus : dous escu
dos de vantagem por mez, sobre qualquer soldo, por acto
do mesmo governador, de 12 de Setembro de 1654, em vir
tude da Provisão regia de 29 de Abril do mesmo anno, em
respeito ao bem que tem sercido nesta guerra , e ao valor e
satisfação com que procedeu em as occusiões desta recupe
ração de Pernambuco, em que o seu valor correspondeu
bem a obrigação do seu cargo, e pelo animo, satisfação e
talento com que se portou : e por Carta Regia de 20 de Mar
co de 1658, foi elevado ao posto de mestre de campo ad ho
noren ! Taes foram as recompensas dos serviços prestados
pelo benemerito Henrique Dias !
Em vão requereu elle o pagamento dos soldos atra
zados que se lhe devia , e para receber uma insignificante
quantia, foi preciso ir a Portugal reclamar o seu direito , e
a rainha, em virtude de rir de novo do Brasil a continuar
no serviço, e ser muito pobre, ordenou por carta de 26 de
Novembro de 1657 , que se fosse pagando o seu soldo venci
do , e mesmo assim , só em 28 de Fevereiro de 1660, obteve
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 417

despacho definitivo do governo geral da Bahia para lhe ser


pago do soldo que alli vencera , cuja importancia orçava
cm 513$727 réis , porém não lhe foi possivel receber então
dita quantia , porque não havia dinheiro nos cofres da real
fazenda !
Pela data de terras concedida a Henrique Dias, ficou
elle de posse do mesmo terreno, onde estabeleceu a sua
Estancia , cuja defesa heroicamente manteve, cuja con
quista obtivera pelo seu valor e patriotismo.
Ainda no calor da guerra , depois que alcançára a vic
toria de 15 de Agosto de 1618, dia em que a egreja celebra
a festa da Assumpção de Nossa Senhora, ergucu Henri
que Dias, em acção de graças uma pequena e modesta
capella dedicada a mesma Senhora , no sitio em que se
travára a peleja, e onde os inimigos foram derrotados, cujo
terreno para este fim obtivera por doação de D. João IV .
Henrique Dias edificára apenas , uma pequena capella de
taipa , esperando para depois da terminação da guerra le
vantar um monumento mais duravel; porém a morte arre
batou -o antes da realisação desse projecto , e legando aos
seus fieis soldados essa divida, esse compromisso a eleva
ção desse monumento que recordaria as suas glorias e
renome, elles cumpriram o legado de honra do velho sol
dado , e ainda hoje, se ve erguida e respeitada pelo tempo,
a imperialcapella de N. S. da Assumpção, nas fronteiras
ou Estancia de Henrique Dias.
Assim morreu esquecido e pobre, o homem que tanto
contribuira , que tanto trabalhára, pela restauração de sua
patria, o illustre Henrique Dias, aos 8 de Julho de 1662. O
governador Brito Freire tomando a si a iniciativa dos seus
funeraes, ordenou ao provedor da Fazenda Real , o pa
gamento da importancia do seu enterro ; este porém o im
pugnou, por ser contra a forma do regulamento ; mas
sem embargo da duvida apresentada pelo provedor, Brito
Freire ordenou que se desse cumprimento ás suas ordens,
visto o muito que deve o serviço de Sua Magestade, eo Es
tado do Brasil á memoria do (lefunto mestre de campo .
Henrique Dias foi sepultado no convento de S. Antonio
do Recife, em local hoje ignorado ; mas conjecturamos,
que existindo já por esse tempo a confraria de S. Bene
dicto , crecta nesse mesmo convento , irinandade da gente
de cor preta, talvez a ella pertencessc Henrique Dias , e
como tal, fosse sepultado no logar reservado aos irmãos
54
418 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dessa confraria, o qual segundo Jaboatão no seu Orbe Se


rafico , era na quadra do claustro, em que fica a capella de
S. Boaventura, a qual pertence hoje a dita confraria.
Henrique Dias teve 3 filhas, das quaes houve legitima
descendencia por casarem duas ; uma, D. Benta Henri
ques, casou com o capitão Amaro Cardigo, e outra, com
Francisco Rodrigues Freire. Existem , pois, os descendentes
deste heroe, entre nós, porém talvez sem conhecerem a
sua nobilissima ascendencia .
Comovimos ,fòra Henrique Dias um dos heroes dasguer
ras da invasão é da restauração de Pernambuco, que me
nos recompensa tivera dos serviços que prestára . Quando
outros tiveram commendas lucrativas, lotes de terras im
mensos, titulos de fidalguia, elevação de postos, e outras
graças, elle relativamente nada obtivera ; augmento de 2
escudos no soldo que recebia, as honras de mestre de
campo , e um pequeno lote de terras, cis a remuneração
dos seus servicos ! 0 habito de Christo que possuia , não
The fòra conferido pelo governo portuguez, mas sim pelo
hespanhol, quando o Brazil acompanhando a sorte da me
tropole, a elle ficou sugeito . Felippe IV , diz um escriptor,
dera em relação à Henrique Dias, lição de justiça que D.
João IV não soube aproveitar.
Tal foi a vida do illustre Henrique Dias, que na phrase
de um escriptor, deu provas de lealdade sò igual a sua
bravura, e mostrou -se homem tão grande pelo valor, como
pela honra . Ignorante , quasi rude, revelou capacidade mi
litar e recursos estrategicos que ninguem esperava delle .
Era homem de cor preta , e pela côr amesquinhado ; mas
pela sua intrepidez, pelo seu merecimento, pelos seus ser
viços e brilhantes feitos, mostrou -se a par de Vidalde Ne
greiros, de Camarão e de Fernandes Vieira. Foi verdadeiro
heroe. Expulsos os hollandezes, todos os chefes pernam
bucanos foram merecida e amplamente galardoados e pre
miados ... menos elle. No Brazil perpetuaram sua mais que
alva, fulgurante memoria , dando o nome de Henrique Dias
ao regimento de homens pretos.
Hermillo Peregrino David Madeira. Filho do Padre
João David Madeira um dos martyres da revolução de 1817,
nasceu a 30 de Abril de 1831 , no sitio Canoas , em terras
do engenho Catolé , freguezia de Maranguape.
Na idade de 3 annos, David Madeira veio para o Recife ,
e aqui começou com applicação e aproveitamento os seus
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 419

estudos primarios, e ao depois ossecundarios, aprendendo


o portuguez, latim e francez. Entrando posteriormente no
Seminario Episcopal de Olinda com o fim de proseguir nos
seus estudos e ordenar -se, e quando já havia conseguido
prestar alguns exames, e já tinha encetado o estudo de
algumas das materias scientificas do curso, teve de aban
donar tudo isso, e fixou - se em Agua Preta na propriedade
de seu pac, á ajudal- o na vida agricola , pois elle era o filho
mais velho, e contava então os seus 15 annos de idade.
Não obstante ter deixado os seus estudos em tào ver
des annos , quando rarissimo apparece o desejo do saber
co amor ás letras , não obstante ainda a vida laboriosa
que abraçára, mesmo assim , o seu gosto e dedicação aos
estudos não o levaram a abandonal-os de todo, e nas suas
horas de ocio se entregava a leitura de quanto livro The
chegava ás mãos, conseguindo assim um certo grao de
bem soffrivel instruccão no que muito lhe coadjuvou os
seus conhecimentos da lingua franceza, na qual era ver
sado .
Exercendo o primeiro cargo policial em Agua Preta,
David Madeira prestou valiosos serviços, não só a ordem
e tranquillidade publicas, como tambem por occasião da
construcção da via ferrea de S. Francisco , mostrando -se
sempre independente, energico e justiceiro. Na politica ,
embora local, foi o que havia sido como autoridade; mili
tando nas fileiras do partido liberal, intransigente com os
seus principios, David Madeira nunca attendeu a conve
niencias locaes ou pessoaes, quando mais convinha tratar
das geraes, e nessa posição se viu algumas vezes inteira
mente só, e mesmo em opposição aos seus proprios ami
gos politicos .
Patriota , altivo e exaltado, o mais acrisolado amor da
patria o inflammava ; e quando o governo imperial sor
prehendido pela atrevida empresa do Paraguay convidou
os brasileiros para a defesa da honra nacional, e Pernam
buco mostrou que não tinha amortecido o seu enthusi
asmo de gloria , que é um dos nobres caracteres que o dis
tinguem , alguns cidadãos não desmentindo os bríos que
enobrecem os seus antepassados , ergueram o espirito pu
blico por meio do exemplo , offerecendo -se voluntaria
mente , e mostrando ao Brasil que em Pernambuco havia
gente que não trepidava em sacrificios ante a defesa dos
brios e da honra da patria ; e dentre esses cidadãos, no
lava - se o vulto de Hermillo Peregrino David Madeira .
420 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

No goso de uma vida abastada e independente, consi


derado em sua localidade, senhor do engenho Santa Fé em
Agua Preta , eleitor dessa parochia, vice -presidente da ca
mara municipal da villa desse nome, á frente dos negocios
de sua familia, David Madeira abandona a todas as suas
conveniencias particulares, deixa os commodos e confor
tos de sua vida, e levado por esse nobre enthusiasmo de
propugnar pelos brios de sua patria e pela defesa dos sa
grados direitos dos seus concidadãos, parte para o Recife,
e a 27 de Fevereiro de 1865 se offerece voluntariamente á
marchar para a guerra do Paraguay.
E ' coin verdadeiro desvanecimento e ufania , dizia no
dia seguinte um conceituado jornal desta capital, que no
ticiamos ao publico factos como este, que tão bellamente
concorrem para por em alto relevo os sentimentos de sin
cero patriotismo desta heroica provincia , cuja historia
nol-a mostra sempre fertil em actos de dedicação patrio
tica e grandeza de animo, todas as vezes que se trata dos
brios e dignidade nacionaes,
Recebendo a patente de capitão, por portaria da Presi
dencia de 20 de Março de 1865, no dia 27 de Abril embar
cou David Madeira fazendo parte do 1.º batalhão de Vo
luntarios da Patria , que partiu desta provincia , o qual pas
sou a ter no exercito o n.º 11. Em 1 de Agosto escrevia
elle de Ayuy, no Uruguay, junto a villa da Concordia , uma
carta em que dizia : “ Já me chegou a vez de fazer piquete,
sendo tirado com 50 bayonetas para o piquete chamado da
frente, que é a guarda do exercito ;... posso dizer que dis
puz, por espaço de 24 horas dos destinos de uma grande
parte do exercito. Tive a felecidade que nada houvesse,
soffrendo porém chuvas desde as 8 horas da manhã até
ao meia dia, hora em que cheguei no abarracamento .
Em Março de 1866 já se achava em Corrientes, e a 23
de Abril escrevia do acampamento do forte de Itapyrú :
« No dia 16 pelas 9 da manhã, effectuou o general Osorio a
passageira da primeira divisão do exercito a qual pertence
0 11.0 ; o inimigo fez pouca resistencia ... Entraram nesta
façanha soldados do 2.° de linha e voluntarios, c 6 praças
do 11.º, gente esta que desembarcou em primeiro logar, e
que commandados por mim , levamos o inimigo debaixo
de fogo até quasi neia legoa, onde se debandaram , e
tambem onde por duas vezes recebi ordem para não avan
çar mais . Esta gloria foi immensa para mim , embora
não se trate de uma acção renhida; todavia , fui o primeiro
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 421

brasileiro e Voluntario da Patria , que repelliu o inimigo


em seu proprio territorio ;... e ainda mais, porque indo
officiaes de linhana minha frente no começo do fogo, no
calor do combate , porém , achei-me quasi só, sendo eu
mesmo que apresentei-me em frente dos soldados, quando
os inimigos fugiam . >>
O capitão Hermillo Peregrino David Madeira, acompa
nhando todo o movimento do exercito, figurou digna e
honrosamente ern todos os combates é batalhas. Ferido
gravemente na celebre batalha de 24 de Maio, na qual des
envolveu uma bravura digna de imitação, assumiu depois
ao commando do batalhão, na qualidade de official mais
antigo, no impedimento do respectivo commandante e do
major do mesmo corpo , feridos e fóra de cambate. Par
tindo para Corrientes , em virtude de um outro ferimento
que recebeu em combate, escrevia d’ahi em 8 de Agosto :
Agora escrevo sem ter nada á accrestar ; communico
apenas que vou partir para o exercito , e talvez que em breve
tenha de voltar, porque estou com uma perna bastante
doente . »
Apenas restabelecido, David Madeira voltou de novo
ao campo da batalha, e tomando parte no combate de 22
de Setembro de 1866 , e quando tecia com o seu heroismo
uma das paginas mais gloriosas dos annaes guerreiros
do Brazil, depois de haver já perdido dous dedos, recebe
um ferimento de metralha que lhe offendeu a espinha dor
sal , gravissimo ferimento que poz esse valente soldado
fóra de combate, e do qual veio a fallecer no dia 8 de Ou
tubro .
Pernambucano distincto, arrojado e Valente, Hermillo
Peregrino David Madeira pela estreitesa do tempo de cam
panha não pode attingir å postos e titulos elevadissimos,
que ainda mais realçassem o seu merecimento e valor ;
deixou porém a sua memoria enobrecida por actos de bra
vura e heroismo, deixou o seu nome estampado na his
toria patria em caracteres indeleveis, deixou finalmente
aos contemporaneos e aos vindouros um exemplo nobre
e elevado, que sempre lhes despertará os brios e o patrio
tismo . Inhumado o seu cadaver no cemiterio da Santa
Cruz em Corrientes, foi lavrada sobre a sua sepultura a
seguinte inscripção, que é uma verdadeira homenagem ao
seu allo merecimento : Aqu jazem os restos mortues do
Capitão do 11.º corpo de Voluntario da Patria Hermillo
Peregrino David Madeira. Respeitem as cinzas de umbravo .
422 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Ignacio Firmo Xavier . Nasceu na freguczia de S.


Antonio do Recife, em 10 de Junho de 1825, e foram seus
paes Ignacio Firmo Xavier, feitor conferente da Alfandega
desta provincia, e D. Maria Gertrudes de Jesus Xavier.
Terminando os seus estudos de humanidades em Per
nambuco, Ignacio Firmo seguiu para o Rio de Janeiro, e
matriculou - se na Escola de Medicina, mais veio concluir
os seus estudos na Bahia , onde doutorou - se em 13 de De
zembro de 1850 ; versando a these que apresentou a aca
demia , sobre o homem e o medico .
Regressando para Pernambuco logo depois da sua
formatura, foi nomeado medico da freguezia de S. José,
afim de prestar -se gratuitamente as pessoas pobres ata
cadas das febres reinantes ; por Decreto de 18 de Agosto
de 1852 foi nomeado cirurgião -mór da Guarda Nacional do
municipio do Recife, e neste mesmo anno foi nomeado
medico do Hospital Militar, e no anno seguinte passou a
servir no Hospital de Caridade, hoje Pedro II , na quali
dade de 2. " medico ; e em 3 de Dezembro recebeu a no
meação de secretario da Junta de Hygiene Publica, na
qual já servia como adjunto, sendo posteriormente no
meado inspector da sande publica. Em 1856, quando rei
nou de modo devastador o colera morbus, o Dr. Ignacio
Firmo prestou relevantes serviços, já como encarregado
do serviço clinico da freguezia de S. José e do hospital
provisorio, já como medico da enfermaria do Carmo.
Tambem serviu como medico do Hospital dos Lazaros,
Collegio das Orphãs, Hospicio dos Alienados em Olinda,
e do Gymnasio Pernambucano .
Eni 1848, ainda estudante, foi nomeado medico gra
tuito do batalhão de voluntarios, merecendo por seus ser
viços, especialmente pelos que prestou por occasião da
epidemia do colera, a condecoração do habito da Ordem da
Rosa em 1858, sendo depois agraciado com o de Christo .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 423

Si no exercicio da medicina, quér nos diversos cargos


que exerceu, quer em sua clinica particular, o Dr. Ignacio
Firmo Xavier conquistou os fóros de um profissional dis
tincto, não menos se distinguiu como homem de letras .
Modesto, sem fazer alarde do que sabia, alguns escriptos
que publicou revelam o talento e a illustração que possuia.
Dos que podemos colligir, sem contar as suas pro
ducções esparsas pelos jornaes do Rio de Janeiro , Bahia e
Pernambuco, principalmente poesias, encontramos os se
guintes :
Um gemido, folheto em verso . Pernarnbuco , 1849.
O homem e 'o medico . These apresentada a Academia
de Medicina da Bahia em 1850.
Reflexões sobre a educação physica e moral da infan
cia . Recife, 1854.
Brere memoria sobre as casas de maternidade e sua
utilidade no Brasil. União (Pernambuco ) de 17 de Março
de 1855 .
As epidemias (artigo historico) Diario de Pernambuco
de 11 de Agosto de 1855.
Discurso proferido no jantar que em 4 de Outubro de
1855 , os fradesfranciscanos desta cidade deram aos po
bres , no refeitorio do convento, por occasião da festa do
seu padroeiro. Diario de Pernambuco de 11 do mesmo mez
canno .
Além destas producções, e de outras que se encon
tram nos jornacs desta provincia, Rio de Janeiro e Bahia ,
publicou uma poesia anonyma sob o titulo Immaculada
Conceição, umas poesias e um hymno á SS . MM . II . em
1839 , e outras por occasião dos funeraes da rainhas de Por
tugal D. Maria II e D. Estephania .
Cultor apaixonado da arte dramatica , escreveu entre
outras composições, um drama sob o titulo Independen
cia do Brasil, que foi levado á scena no theatro Santa Iza
bel a 7 de Setembro de 1855, e mais algumas comedias que
foram apresentadas no Conservatorio Dramatico, do qual
fazia parte, e depois representadas.
O Dr. Ignacio Firmo era um homem nimiamente ar
tista ; o theatro, a musica e a pintura, tinham nelle um
cultor dedicado é apaixonado, e se, bem pouco produsiu ,
comludo, por varias vezes o publico desta cidade teve oc
casião de apreciar as suas composições, principalmente
theatraes e musicaes.
424 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

O Dr. Ignacio Firmo Xavier falleceu aos 45 annos de


idade, no dia 7 de Novembro de 1870, e foi sepultado no
dia seguinte no Cemiterio Publico do Recife.

Jacob de Andrade Vellosino . Nasceu no anno de


1639, na epocha do maior auge do dominio hollandez, sob
o governo do principe Mauricio de Nassau . Seu pai era
hollandez ; mas o seu sobrenome -- Andrade, indica que
sua mãi era pernambucana, ou talvez portugueza.
Enganadamente dizem alguns escriptores que Vello
sino nascera cm 1659, c que se retirara para Amsterdam
depois da restauração de Pernambuco do dominio hol
landez , como Barbosa Machado e o conselheiro Pereira
da Silva , sem ao menos attenderem que a expulsão dos
hollandezes foi em 1654, 3 ou 4 annos antes da epocha que
assignalam ao seu nascimento !
Aos 15 annos de idade, passou -se Vellosino para a
Hollanda em companhia de seu pai, quando os seus com
patriotas foram obrigados a sahir desta provincia em 1654
depois da capitulação do Taborda, e foi residir na cidade
de Amsterdam , ahi continuou os seus estudos encelados
no Recife, e formou -se em medicina.
Bem cedo os talentos e illustração do joven medico
deram -lhe reputação e nomeada ; e dedicando -se tambem
ao estudo das sciencias naturaes, publicou varias memo
rias coutros trabalhos scientificos, em hollandez, os quaes
mereceram louvores dos sabios e escriptores de sua pa
tria adoptiva . Tambem em medicina foi insigne e como
diz o autor da Bibliotheca Lusitana, mereceu grande fama
pela suas curas.
Dos trabalhos publicados pelo Dr. Jacob de Andrade
Vellosino, de bem poucos temos noticia, sendo apenas
conhecidos os seguintes :
Theologo religioso. Consta que é uma invectiva contra
DICCIONARIO BIOGRAPIIICO 425

o livro do judeu portuguez Bento Spinosa, que tem por


titulo – Thcologo politico.
Messias Restaurado. Esta obra é uma refutação ás
Dissertações do Messias, do ministro calvinista Jaquelot.
Além destas obras corrigio , expurgou cannotou a
obra Epitome de la verdad de la ley de Moysós, de R. Mor
teira , e escreveu além de suas obras de medicina, inte
ressantes memorias sobre o Brazil, das quaes, segundo o
Sr. Conselheiro Pereira da Silva, ainda no seculo passado
existiam diversas em manuscripto nos archivos de Por
tugal .
O Dr. Vellosino residiu não só na cidade de Amsterdam ,
como tambem nas de Haya e Flandres, e em todas ellas
firmou ainda mais os seus creditos de grande medico e
celebre naturalista . O Dr. Jacob de Andrade Vellosino fal
leceu no anno de 1712, aos 73 annos de idade, e a Hol
landa, a nova patria dessa illustre pernambucano, guarda
reverente os seus restos mortaes, e celebra o seu nome
incluindo - o merecidamente em o numero de seus mais il
lustres heroes.

Jeronymo de Albuquerque Maranhão . Nasceu na


cidade de Olinda cm 1548. Foram seus pais o velho capi
tão portuguez Jeronymo de Albuquerque, cunhado do 1.º
donatario desta capitania Duarte Coelho e parente do gran
de Affonso de Albuquerque, o heróe das Indias, c D.Maria
do Espirito -Santo Arco -Verde, filla do indio Arco - Verde,
cacique ou chefe da tribu dos Tabayares .
Nos seus primeiros annos, cursou Jeronymo de Albu
querque as aulas do collegio dos jesuitas de Olinda e exer
citou -se no manejo das armas nas luctas que os colonisa
dores sustentaram com os indigenas para os subjugar.
Aos 20 annos de idade, figurou Jeronymo de Albuquer
que dignamente na occupação do porto da Parahyba, e
pelo seu valor e procedimento, foi escolhido pelo governa
dor de Pernambuco Manoel Mascarenhas Homem , para
commandar as tropas destinadas ao Rio -Grande do Norte
e que deviam acompanhal-o nesta empreza .
Parte a expedição de Pernambuco e aos 18 de Dezem
bro de 1597 desembarca no Rio Grande e funda a cidade do
Natal, hoje capital dessa provincia .
Retirando -se Manoel Mascarenhas, ficou Jeronymo de
Albuquerque só em campo ; e pôde conseguir em pouco
tempo impedir aos francezes o trafico do páo -brazil e redu
53
426 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

zir a obediencia os indios Potyguares sublevados, que sub


missos vieram a frente de um dos seus chefes chamado
Sorobabé depôr aos seus pés as suas armas de guerra em
signal de paz e allianca.
Tão grandiosos serviços não podiam passar desaper
cebidamente. A fama das suas conquistas, o seu valor e
heroismo, na reivindicação dos dominios da coroa portu
gueza, usurpados por invasores estrangeiros , chegaram
até ao monarcha ; e elle, como galardão dos seus feitos,
conferio -lhe por patente de 9 de Janeiro de 1603, o fôro de
fidalgo de sua Real Casa e o provimento do governo do
Rio Grande do Norte, pelo tempo de seis annos.
Occupando os francezes engajados em Diepe pelo ar
mador Jacques Riffiault, as terras do Maranhão, desde
1594, despertou finalmente a corte de Madrid , que ordenou
ao governador geral Gaspar de Souza , que tratasse de os
expellir, devendo, para maior facilidade das expedições ,
fixar a sua residencia em Olinda .
Por informações de Gaspar de Souza , mandou El-Rei
que se nomeasse para chefe dessa empreza a Jeronymo de
Albuquerque, « varão recommendavel por seu caracter e
serviços e já na idade de 65 annos, apparentado por sua
mãi com os indigenas, de quem sabia o dialecto e entre os
quaes gozava estima e exercia influencia . >>
A sua provisão de nomeação foi lavrada aos 29 de
Maio de 1613, c em virtude do cargo que lhe foi conferido,
ficou vencendo annualmente 200$ , sendo metade em di
nheiro e metade em fazendas, pagos no almoxarifado da
dita conquista , a contar do 1.º de Junho seguinte.
Mas Jeronymo de Albuquerque, diz o commendador
Mello , não foi honrado só com a nomeação de capitão , com
mandante em chefe do descobrimento e conquista ; coube
The mais a gloria de receber carta directa e particular do
monarcha, empenhando -o á empreza aventurosa, honra
extraordinaria e grande que os principes rarissimo dispen
sam aos seus vassallos ou subditos .
Aprestada a expedição , partiu Jeronymo de Albuquer
que do porto do Recife em 1 de Junho de 1613, e depois de
chegar ao Maranhão, desembarcou no lugar denominado
Buraco das Tartarugas, fundou a fortificação de N. S. do
Rosario , guarneceu - a é voltou á Pernambuco por terra , a
solicitar novos auxilios, temendo arriscar - se em lance tão
desigual, onde não havia soccorro algum .
De novo nomeado ou confirmado por patente de 17 de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 427

Junho de 1614. pelo governador Gaspar de Souza, para a


conquista do Maranhão, « pela confiança que delle tinha, e
ser experimentado nas guerras deste Estado e pela satis
fação que tinham de sua pessoa os indios » , partiu de Per
nambuco, e depois de innumeros trabalhos e soffrimentos
por que passou nessa penosa viagem da Parahyba para o
norte, e muitas arribadas ao Rio Grande e Ceará , foi apor
tar á bahia de S. Marcos, no Maranhão .
Saltando á terra , fundou em Guaxenduba o arraial de
Santa Maria e se fortificou convenientemente .
Já então havia Jeronymo de Albuquerque tomado posse
daquellas terras em nome da coroa de Portugal, como seu
procurador « autorisando o acto e o documento com o sig
nal publico de nossa redempção, que mandou logo levan
tar com as devidas solemnidades e com a pompa que as
circumstancias permettiam . »
Não tardou muito , que avisado Ravardiere da occupa
ção daquelle ponto por Jeronymo de Albuquerque, viesse
atacal- o nas suas fortificações com mais de 400 francezes
e 4,000 selvagens, no dia 19 de Novembro de 1614, tendo
11 tomado duas das suas maiores embarcações e
já no dia pequenas
uma das .
Ao amanhecer daquelle dia , desembarcaram os fran
cezes ; fere -se o combate, e depois de 6 horas de um renhi
do batalhar, são elles derrotados, abandonam o campo , é
o deixam juncado de cadaveres. No dia 22 pediu Răvar
diere uma suspensão de armas, e no dia 27 assignaram os
dous chefes os artigos pelos quacs deviam cessar as hos
tilidades até o ultimo de Dezembro de 1615 , tempo suffi
cientemente necessario para as duas cortes resolverem a
respeito da posse da ilha do Maranhão.
Assignadas as treguase expedidas as necessarias com
municações á Pernambuco, ao governo de Madrid e ao em
baixador hespanhol em Pariz, Jeronymo de Albuquerque
em acção de graças ao Todo Poderoso, deu começo a con
strucção da igreja de Nossa Senhora da Ajuda; porém ,
sendo a tregua que celebrara desapprovada pela corte de
Madrid, por serem ellas concluidas com piratas, El-Rei or
denou que marchasse sobre o Maranhão uma outra expe
dição , que acabasse quanto antes com a sua conquista, e
que apoiada pelas tropas que lá já existisse, expellisse im
mediatamente os francezes.
( mando dessa expedição foi confiado a Alexandre de
428 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Moura,
guer
com a dignidade de capitão da armada, e general
da ra. « Jeronymo de Albuquerque, diz um historia
dor, á vista de tão notavel injustiça , ferido o seu amor
proprio, esquecidos os seus longos serviços, desprezada
à sua tão notavel experiencia, mostrou -se superior a todos
os desgostos , e usando de toda a grandeza de sua alma tão
nobre, resignou-se, sugeitou - se aos revezes da fortuna e
obedeceu . Em 30 de outubro, já sob o commando de Ale
xandre de Moura, aquartelou junto a Fonte das Pedras,
para perseguir o inimigo acastellado no Forte do Bularte :
edos
em francezes
2 de Novembro foi a capitania arrebatada do poder
. >>
No dia 31 de Outubro de 1615 , Jeronymo de Albuquer
que moveu as suas tropas sobre a fortaleza de S. Luiz, c
no dia 1 de Novembro entrou naquella Bahia a armada de
Alexandre de Moura , e a 2 foi lavrada e assignada a capi
tutação, pela qual Ravardicre obrigava -se a entregar o
forte e toda a ilha , e a retirar - se com os seus compatriotas.
Comparando-se estas datas, vê -se claramente, que Ale
xandre de Moura nenhuma peleja teve, nenhuma acção di
rigiu, e nem um só tiro disparou. Cabe, pois, exclusiva
mente a Jeronymo de Albuquerque, a gloria do grandioso
resultado dessa arriscada empreza, cujas palmas do trium
pho e hymnos de victoria, fizeram lhe esquecer as priva
ções, os incommodos, os perigos e tantas outras difficul
dades que hieroica e resolutamente affrontou este illustre e
venerando ancião .
Jeronymo de Albuquerque foi constituido por Alexan
dre de Moura, em virtude dos seus plenos poderes, capitão
mór da capitania do Maranhão, premio condigno ao muito
que nella havia trabalhado, e começou a governar todo
o Estado , que então comprehendia o Pará e Amazonas.
Desse dia por diante, Jeronymo de Albuquerque addiccio
nou ao seu nome o de Maranhão, em commemoração do
termo da sua gloriosa empreza .
Eis como o Sr. Vadhagem aprecia este facto em uma
Memoria lida no Instituto Historico Brazileiro :
« Asseguro - vos, Senhores, que estremeci de alegria e
de enthusiasmo quando pela primeira vez attentei na nobre
audacia que o heróe pernambucano, com uma sem cere
monia quasi selvagem , e bem natural a um chefe de in
dios, lavrou para assim dizer por si mesmo alvará, intitu
lando -se, pela primeira vez, Maranhão ao sellar com a sua
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 429

assignatura a capitulação feita com o chefe francez inimigo


Ravardiere. »
« Oh ! que coração robusto não devia ser aquelle do tal
pernambucano para ousar ir adoptando esse cognome, ar
rostar as satanicas risotas dos contemporaneos, e até as
hostilidades dos seus emulos. » « Mas ainda bem ! esse
martyrio momentanco lhe valeu o estarem ainda hoje per
petuando seu grande feito todos os seus descendentes,
todos os que se appellidam Albuquerque Maranhão . »
Confiado ás suas mãos as rédeas da administração da
quelle Estado, e quando ja não era preciso desembainhar a
sua espada, J. de A. Maranhão entregou -se afanosamente
a fundação e edificação da capital, dando-lhe nova forma
e ordem , segundo as instruccões da côrte de Madrid.
Chamou a obediencia os indios da ilha de S. Luiz, man
dou explorar as riquezas do Pindaré, protegeu aos indige
nas, cuidou dos negocios da administração organisando
os convenientemente , e a nada se popou e a nada se eximio
para dar prosperidade e engrandecimento áquella terra
que havia conquistado palmo a palmo com a sua espada,
com o seu valor.
Porém no curto espaço que sobreviveu á restauração,
não pode Jeronymo de Albuquerque colher os fructos das
suas fadigas e labores; dir -se-hia que o Autor dos Mun
dos lhe havia somente concedido o tempo necessario para
ajuntar a sua gloria de guerreiro , a de fundador de uma
das mais bellas cidades do Brazil, a de S. Luiz do Mara
nhão. « Dous annos mais e alguns dias , diz o padre Ja
boatão, governou Jeronymo de Albuquerque o Maranhão,
como seu capitão -mór, conquistador e novo povoador da
quella colonia, que a custa de trabalhos e varias guerras,
que ainda teve com os gentios, especialmente em um le
vantamento que fizeram ahi no anno de 1617, ao mesmo
tempo que se haviam levantado tambem ao do Grão -Pará,
defendeu , conservou e augmentou com grandeza de ani
mo, esforço de capitão e liberalidade de principe. »
E assim , no sabbado 11 de Fevereiro de 1618 , falleceu
Jeronymo de Albuquerque Maranhão, o heroico conquista
dor das terras dessa provincia, o seu primeiro governador,
e fundador da cidade de S. Luiz, sua capital.
Ennumerar todos os serviços prestados a causa da ci
vilisação e da patria, por Jeronymo de Albuquerque Mara
nhão, seria necessario escrever dia por dia os anos des
430 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

sas conquistas, a sua propria historia emfim . Sò um Plu


tarcho poderia fielmente descrever a vida e os gloriosos
feitos deste illustre pernambucano. Os seus proprios ini
migos reconheciam a nobreza e generosidade daquella
grande alma . Ravardiere, aquelle que pelo peso das suas
armas , vio-se forçado a evacuar o Maranhão, comparou a
sua clemencia , o seu cavalheirismo, ao do grande Affonso
de Albuquerque, o heróe das Indias, um dos seus illus
tres ascendentes. A gloria desse heróe, que orgulha e en
nobrece o nome pernambucano , é a gloria dessa provin
cia , a qual legou os seus restos mortaes, e da qual como
os irmãos Scipões , depois da conquista da Africa e Asia ,
tomou o seu nome, o nome de Maranhão.
Jeronymo Cesar de Mello . Nasceu pouco mais ou
menos no meiado do seculo XVII. Era filho do coronel
Agostinho Cesar de Andrade e D. Laura de Mello , neto pa
terno de Francisco Berenguer, e materno de Jeronymo La
dena, fidalgo da Casa Reale D. Maria de Mello .
De sua vida e educação, nada encontramos ; cremos
porem que se dedicou á vida agricola , pois foi senhor de
varios engenhos, e capitão-mór das ordenanças de Maran
guape , onde sempre viveu. Foi tambem administrador do
Vinculo de S. Miguel, instituido por seu cunhado o Rvd .
Dr. Manoel Fernandes Vieira, vigario da freguezia de Ita
moracá .
Jeronymo Cesar de Mello assentando praça de soldado
no exercito de segunda linha desta capitania, subiu a todos
os postos, e já em 1698 recebia a patente de tenente coronel
de infantaria das ordenanças de Itamaracá , lavrada pelo
governador Caetano de Mello e Castro . Restaurando o
governador e capitão general D. Fernando Martins Masca
renhas de Lencastro o posto de capitão -mór da freguezia de
Nossa Senhora dos Prazeres de Maranguape, mereceu Jc
ronymo Cesar de Mello ser provido nesse posto pelo mes
mo governador, por patente de 24 de Junho de 1699 pela
sua qualidade, prudencia e valor, no qual foi confirmado
por Patente Régia de 27 de Setembro de 1700, por hacer
servido em praça de soldado sete annos, assistindo na for
taleza do Brum com bớa satisfação , e depois com o posto
de capião de cavallos passar ao de' tenente coronel de in
fantaria de ordenanças, e no dito posto proceder com sin
gular zelo do real seroico, e da mesma maneira nos cargos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 431

que occupou , servindovarias vezes de vereador e juis com


igual inteircza e rectidão na justiça que administrava ; como
reza a mencionada patente régia .
A revolta de 1710, conhecida na historia por Guerra
dos Mascates, encontrou no capitão -mór Jeronymo Cesar
de Mello, um dos seus mais illustres heróes . Að brado da
nobreza contra os Mascates ou mercadores do Recife, cor
reu pressuroso da sua habitação dos Maranguapes á ci
dade de Olinda , fez parte do congresso da Camara do Se
nado , onde se pronunciou contra a proposta do capitão
Bernardo Vieira de Mello para que se desse o grito de re
publica, votando porem pela proposta da eleição do bispo
diocesano D. Manoel Alvares da Costa, para assumir ao
governo da capitania, em virtude de haver fugido para a
Bahia o respectivo governador Sebastião de Castro e Caldas.
Por occasião do levantamento dos mascates do Recife,
diz o autor dos Martyres Pernambucanos, « mostrou
quanto se escandalisára, acudindo logo com as suas orde
nançaspara o assedio geral ; na distribuição dos presidios,
tocou - lhe a mais importante das estancias qual era Olinda ,
pela multidão dos pontos que era necessario guarnecer :
desempenhou os seus deveres, sempre com applausos pu
blicos até a vinda do governador Machado : então se reti
rou para a sua residencia , sem chegar a nossa noticia a
razão de não ser prezo, sendo cumplice, accusado e de
vassado , »
O tenente - coronel Antonio José Victoriano Borges da
Fonseca , tratando de Jeronymo Cesar de Mello na sua No
biliarchia Pernambucana, diz que a natureza dotou-o de
um animo generoso e de muitas prendas ; que teve grande
propensão para as sciencias philosophicas , e que foi excel
lente poeta .
No entretanto nenhuma das composições poeticas de
Jeronymo Cesar de Mello , ou qualquer outro trabalho litte
rario , chegaram aos nossos dias ! E assim perdeu talvez
a nossa historia litteraria bellas e valiosas paginas, pela
incuria e desamor dos homens, que só vivem do presente,
e para o presente .
Porem podemo -nos firmar no competente juiso do eru
dito Borges da Fonseca, que o chama - excellente poeta .
Pelos seus serviços e honrosos precedentes, alem da
patente de capitão-mór das ordenanças de Maranguape, foi
condecorado como habito da Ordem de Christo e recebeu o
fôro de fidalgo da Casa Real .
432 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Jeronymo Cesar de Mello falleceu no anno de 1738 , foi


casado com D. Maria Joanna Cesar, filha de João Fernan
des Vieira e de Cosma Soares, de cujo consorcio deixou
numerosa descendencia .
Jeronymo Fragoso de Albuquerque. Nasceu em
Olinda em fins do seculo XVI, sendo seus paes o capitão
Alvaro Fragoso , natural de Lisboa, e D. Joanna de Albu
querhargador
Foramdaseus
Casaavós
da paternos o Dr., Braz
Supplicação Fragoso,
e D. Maria de
"
Mello ; e maternos, Jeronymo_de Albuquerque, fidalgo
portuguez, e a india D. Maria do Espirito Santo Arco Verde.
A 5 de Outubro de 1615 seguiu Jeronymo Fragoso para
o Maranhão fazendo parte da expedição que partiu de Per
nambuco para a conquista daquella provincia do poder
dos francezes, tocando -lhe o commando de um dos navios
que conduzia dita expedição. Jeronymo Fragoso, toman
do parte em todas as operações militares da conquista do
Maranhão, distingniu -se por seus feitos, e nobilitou -se por
suas acções de valor e patriotismo.
Terminada a campanha, e passando aos dominios da
coroa portugueza a rica capitania do Maranhão usurpada
pelos francezes , o commandante em chefe da expedição,
Alexandre de Moura, ao retirar - se com a sua armada para
Pernambuco, despachou para Portugal a Jeronymo Fra
goso , incumbindo -o de communicar ao governo o resulta
do da sua empresa, a noticia da restauração do Maranhão .
Jeronymo Fragoso parliu para Lisboa em principios
de 1616, e cumprindo a sua missão , voltou despachado go
vernador do Pará, em 1619 , e tocando em Pernambuco SC
guiu para o seu destino, em 16 de Marco, ca 6 de Abril
aportava na capitania do Maranhão. Jeronymo Fragoso
de Albuquerque, fidalgo da casa real, diz Berredo, que nas
occasiões de maior honra se havia feito merecedor de
grandes empregos , tinha chegado ao Maranhão com o de
capitão mór do Grão Pará, e continuando a sua viagem
até a cidade de Belém , tomou posse delle nos ultimos de
Abril, com uma geral satisfação daquelles moradores.
Jeronymo Fragoso voltando todo o seu animo bellicoso
para o castigo dos Tupinambás, a promptou logo uma ex
pedição de quatro embarcações de quilha e muitas canoas,
com a equipagem de 100 soldados alem de grande numero
de indios, ca 4 de Junho partindo em direção ao sitio do
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 433

Iguapé deu - lhes tão vigoroso ataque, que os deixou intei


ramente derrotados. Passando depois á bater os indios
Guanapus e Carapys, voltou de novo ao Iguapé, e tomando
outras direcções sempre em demanda dos mesmos indios,
conseguiu afinal derrotal-os e internar, os poucos que res
tavam , pelo centro do paiz.
Chegando , por esse tempo, a cidade de Belém , o capi
tão Bento Maciel Parente, com a expedição que levantára
em Pernambuco, para a guerra dos Tupinambás, foram
taes os seus actos de barbaridade e exterminio , e com tanto
excesso de escravidão e de tormento de milhares de sel
vagens, que Jeronymo Fragoso viu-se forçado, pelos mais
generosos sentimentos, a ordenar que não mais se prose
guisse na obra da vingança e do terror, embora Maciel Pa
lente no seu phrenesi devastador não o obedecesse.
Sem forças necessarias á manter as suas ordens, Je
ronymo Fragoso viu -se forçado pela prudencia a dissimu
lar, e recolheu -se a capital de Belém , assegurando a paz e
o socego da colonia pelas suas conquistas sobre os indios.
Jeronymo Fragoso de Albuquerque, quando ia iniciar a serie
de trabalhos necessarios ao bem estar da capitania, então
livre dos ataques dos indios, foi accommettido de aguda
molestia, que lhe tirou ( i cidi, quando a tinham feitomere
cedora demaior durução as suas virtudes.
Jeronymo Fragoso de Albuquerque, capitão -mór e go
vernador do Parà , fidalgo da casa real, falleceu no ultimo
de Agosto de 1619, em mcia jornada da vida, mas deixou o
seu nome nobilitado pelos seus serviços na campanha da
restauração do Maranhão, cnas guerras indigenas da ca
pitania do Pará.
Jeronymo Vilella de Castro Tavares . Nasceu no
Recife aos 8 de Oulubro de 1815. Foram seus paes o Dr.
Jeronymo Vilella Tavares, e D. Rita Maria Theodora de
Castro Tavares ,
Jeronymo Vilella chegára a sua adolescencia no periodo
em que a carreira das letras 110 Brazil, pela creação dos
cursos juridicos e outras faculdades, offerecia aos jovens
brazileiros a vantagem de no seu proprio paiz encontrar de
portas abertas esses tabernaculos da sciencia que se cha
mam academias. Haviamo-nos emancipado da tutella poli
tica da metropole ; emancipamo-nos tambem da tutella
scientifica, com a creação dos cursos de instruccão supe
rior, nacionalisando assim o estudo das sciencias.
56
434 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Vivacidade de espirito, talento precocimente revellado,


Jeronymo Vilella quer ne estadio da instruccão primaria ,
quer no da secundaria , começou a dar inequivocas provas
dos dotes immensos com que a natureza o enriquecera,
pela sua applicação, desenvolvimento e progressos . Con
siderado e distinguido por seus mestres, entre elles o Padre
Lopes Gama, e Frei Carlos de S. José, elles ufanavam - se de
tal discipulo , havendo -lhe leccionado entre outras mate
rias, rhetorica e poctica, philosophia racional e moral.
Terminando aos 15 annos a serie de preparatorios
necessarios ao curso de direito , matriculou - se Jeronymo
Vilella na Academia Juridica de Olinda, no ano de 1831.
Ahilogono primeiro anno,dizu seu biographo, conquistou
uma brilhante reputação sobresalindo entre os seus mais
distinctos collegas -- por sua applicação, e conhecimentos,
que com ella adqucriu , e por su honrosu conducta , a ponto
de ter sido premiado com uma medulha de ouro aos 19 de
Outubro de 1833 ; sendo que o respectivo certificado de me
rito ( contendo as supraditas palavras) era assignado pelos
seus dignissimos lentes os Dis, Manoel José da Silva Porto
e João José de Moura Magalhães, cuja austeridade não pode
sercontestada pelas pessoas quebemos conheceram . Alem
disto, cumpre observar, que, pelos Estatutos que então re
giam os Cursos Juridicos do Imperio, a concessão de taes
premios, era dependente de diffices pror ( s, e sobretudo -
ila unanimidude de rotos da respectiva Congregação ;
entretanto , Jeronymo Vilella teve justos titulos de beneme
rencia para conquistarmui nobremente todos esses suffra
gios dos seus illustres mestres .
Alem de tudo isso falla tambem eloquentemente o
resultado obtido em todos os seus exames, e honrosos
attestados despidos dessa graciosidade commum , entre
outros os dos Drs . Pedro Autran da Vatta e Albuquerquee
Pedro Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque,
depois Visconde de Camaragibe, e do Padre Miguel do
Sacramento Lopes Gama, director do Curso Juridico.
O anno de 1835), foi para Jeronymo Villela de explen
didos e honrosos triumphos ; elle contava então 20 annos
de idade. A 11 de Novembro , recebeu a carta de bacharel
em sciencias juridicas e sociaes ; a 20 de Dezembro, depois
de brilhantemente sustentar as suas theses, recebeu o gráo
de doutor; e ainda neste mesmo anno , apresentoil-se ao con
curso para a substituição de uma cadeira vaga , na mesma
Faculdade, mas a idade legal a que ainda não havia at
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 435

tingido, não lhe permittiu concorrer a essa justa scienti


fica. O Dr. Jcronymo Villela porém , não desanima capre
senta -se a um segundo concurso , mas é preterido ; em
1842, de novo apresenta -se a concurso, e desta vez o seu
merito ctalento não foram postos de parte para dar passa
gem a mediocridades protegidas quasi sempre, e mereceu
da respectiva congregação o ser proposto ao governo im
perial para o preenchimento da vaga. Obstaculo immenso ,
apresenta -se então á nomeação do Dr. Jeronymo Villela .
Filho de um patriota decidido, liberal, por cujas ideas de
emancipação föra arrastado aos carceres da cadeia da Ba
hia, nascendo em uma epocha em que Pernambuco lanca
va as bazes do monumento da liberdade, emballado pelos
hymnos festivos e marciars, e pelo troar do canhão sau
dando a regeneração da patria em 1817, despertado em
1824 pelo grito patriotico da Confederação do Equador, o
Dr. Jeronymo Villela nascera patriota , era liberal.
Adversa politica, dirigia então o timão da náo do go
verno ; nesta provincia, reinava a familia Rego Barros e
Cavalcante, o Dr. Jeronymo Villela estava nos arraiacs da
opposição, batia a situação dominante na imprensa e na
tribuna ; eis o seu crime; cis o obstaculo á sua nomeação.
Na imprensa, na opposição, destacava - se o vulto do
Dr. Jeronyino Villela . Pocta, satyrico , era essa a arma que
de preferencia manejara nas lutas politicas, era esse o es
calpello com que arrancava as podridões do corpo social.
Ainda hoje, quando já tantos annos são passados depois
dessas lutas em que ello tomou parte, quando já se vão
perdendo as amargas allusões de factos e pessôas, são
apreciados os escriptos politicos do Dr. Jeronymo Villela ,
por sua graça e colorido, que até aos proprios adversa
rios a quem (liziam respeito, faziam rir de envolta com o
seu enfurecimento ; e como caracteristico de sua lyra ho
moristica, basta citar esta quadra chistosa, que tornou - se
então como sentença ou proverbio :
Quem viver em Pernambuco,
Dere estar desenganado ;
Ou ha de ser Caralcante,
Ou ha de ser carulgado.
Por mais de dous annos jazeu atirada aos archivos
da secretaria do ministerio do imperio , a sua proposta
para lente da Academia de Olinda, sem que fosse possivel
obter do governo a respectiva nomeação. E que nesta
436 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

terra de tudo se faz politica ; até o direito de conquista nas


justas scientificas, não é mantido e respeitado ; seja qual
för a situação que a dirija, a cousa é a mesma, a mesma
uniformidade é mantida e seguida, quer por gregos , quer
por troyannos. O mal é antigo, e males antigos tornam - se
chronicos, não se curam , soffrem - se .
Raia porém , uma nova aurora no horisonte politico do
Brazil ; subia ao poder a 7 de Junho de 1844 o partido libe
ral , e occupando a pasta do ministerio do Imperio , o con
selheiro José Carlos Pereira de Almeida Torres, despachou
immediatamente a proposta da congregação da Academia
Juridica de Olinda, nomeando seu lente substituto ao Dr.
Jeronymo Villela de Castro Tavares.
Bem cedo ficára elle privado de seu pae, e bem cedo
tomára sobre os seus hombros, o peso da enorme fami
lia , unica riquesa que lhe ficára . Com a salida do cada
ver de seu pae para a sepultura, entrara -lhe pela porta as
privações e a necessidade. O Dr. Jeronymo Villela constitue
se então o arrimo de sua mãe, e de seus irmãos menores ,
ainda por educar. Mas o que poderia elle fazer, quando a
sua propria carreira litteraria ainda não havia terminado ?
Entretanto, obteve por portaria da presidencia de 22 de
Agosto de 1834 , o cargo de vice -director do Collegio dos
Orphâos de Olinda, no qual entrou em exercicio a 3 de Fe
vereiro do anno seguinte, e apesar da sua idade, desem
penhou as respectivas funcções mui satisfactoriamente,
como attestou o director desse estabelecimento , frei Carlos
de S. José, depois bispo do Maranhão .
No anno seguinte ao de sua formatura, foi nomeado
aos 18 de Abril de 1836 , promotor publico da comarca do
Bonito , cargo esse que desempenhou até a sua suppressio
pela lei provincial de 19 de Agosto do mesmo anno; e pos
teriormente occupou os cargos de secretario da presiden
cia da Parahyba, nomeado por titulo de 11 de Junho de
1838, do qual foi exonerado a seu pedido a 3 de Abril se
guinte ; o de promotor publico da comarca do Rio Formo
so, por portaria de 26 de Fevereiro de 1840 ; e sendo remo
vido para a de Garanhuns em 12 de Janeiro do anno se
guinte, não assumiu ao exercicio desse cargo ; finalmente
serviu como secretario da presidencia desta provincia por
titulo de 18 de Dezembro de 1847 , até 1 de Abril seguinte,
quando foi exonerado, e além destes cargos , exerceu inte
rinamentcode director geral da instrucção publica, cm 1859.
Tomando conta da sua cadeira de lente em 1814, o Dr.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 437

Jeronymo Villela absorveu -se inteiramente no cultivo das


sciencias, diffundindo - a largamente aos seus discipulos,
até que em 1848, feridos os brios do partido liberal, a revo
lução o veio arrancar desse templo , do qual era um dos
seus mais dignos e illustres sacerdotes.
O Dr. Jeronymo Villela occupava dignamente uma ca
deira no parlamento nacional como representante de sua
provincia , quando subiu ao poder o partido conservador;
foi então dissolvida a camara dos deputados, e elle voltou
á Pernambuco. Aqui, como politico moderado que era , e
sectario das idéas de reformas effectuadas pelos meios re
gulares e pacificos, oppoz -se tenazmente aos planos da re
volução; mas , quer elle, como muitos outros liberaes, não
foram attendidos ; uns vagos rumores de traição que já se
fazia ouvir, arrastaram -nos assim aos campos da revolu
ção ; e elle a tudo affrontou em defesa e ostentação da causa
liberal. A sorte das armas foi adversa aos liberaes ; o go
verno dispondo de todos os elementos e recursos, de tudo
lançou mão, e sahiu triumphante. Os compromettidos ou
rebeldes, como então se chamavam , são arrastados as
presigangas e aos carceres das fortalezas, acorrentados
como vis malfeitores; e condemnados, vão comer o pão
amargo do desterro na ilha de Fernando de Noronha .
O Dr. Jeronymo Villela foi um dos martyres da revo
lução de 1848. Preso no dia 3 de Fevereiro de 1849, atirado
ao porão da corveta Euterpe, condemnado á prisão perpe
tua com trabalho, gráo maximo do artigo 110 do codigo
criminal, como cabeça de rebellião, seguiu a sorte dos seus
companheiros, e partiu para o exilio. Ali, ás privações,
perseguições, soffrimentos, e tyrannias de que foi victi
ma, e as saudades da terra natal e da familia , e á perda da
liberdade, achou lenetivo na poesia, e tudo isso cantou na
vida do desterro, mas em pallidos versos, cheios de me
lancolia, repassados de tristeza , saudades e sentimenta
lismo. Os versos do Dr. Jeronymo Villela , esses cantos
que trouxe do desterro, foram colleccionados e impressos
nesta provincia em 1850, por um seu amigo e patricio, e
tornaram -se popularissimos ; e algus postos em musica
pelo proprio Dr. Villela Tavares, apaixonado amador da
arte dos Bellini e Mercadante, e outros nomeadamente pelo
velho compositor Lima Cantuaria, cujo talento musical a
propria Europa apreciou, tornaram - se as delicias da so
ciedade pernambucana em suas reuniões familiares , onde
taes modinhas eram a porfia executadas ao piano e violão .
438 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Na poesia O meu passado, canta o exilado de Fernando


de Noronha, o tempo das passadas alegrias , a perda da
liberdade, os acerbos rigores de sua vida , e descreve a
transformação do seu physico, pelas agruras e privações
do degredo . São bellas e expressivas estas estrophes, ver
dadeiras inspirações, pelo sentimentalismo, da lyra de La
martine :
Priscos tempos já não voltam ,
Emmurcheceram meus dias,
Das passadas alegrias,
Só a lembrança me resta :
O sol a fronte me cresta ,
Os cabellos ' stão pintando,
Longa barba cobre o rosto
As faces vão se enrugando .

Perdi patria e liberdade,


Perdi tudo quanto tinha ;
Minha vida se definha
Nos mais acerbos rigores:
Vivendo vida de dores
Tão longe de minha terra
Tudo que é triste no mundo
Meu coração só encerra .

A poesia a Sorte do patriota, é uma synthese perfeita


do fim desses apostolos da causa do bein publico ao tri
umpho da tyrannia ; é uma exposição suscinta, mas re
vestida de cores brilhantes e expressivas ; o inferno de
martyrios em que elle viveu , a par de malfeitores, as priva
ções, a sede e fome, todo esse conjuncto formam o todo de
um bello quadro : € por colorido final , termina essa poesia
com uma apostrophe bellissima, repassada de patriotismo
e resignação.
S'tou preso , s'tou condemnado
A' prisão perpetuamente ;
Um inferno de martyrios,
Minh'alma agora só sente ;
Perdi minha liberdade ,
Ando a par de malfeitores,
Cheio de susto e d'horrores ;
Quanta perfidia e maldade !
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 439

Ser livre é todo o meu crime ,


Foi um monstro o meu processo ,
Loucura o meu julgamento
O meu juiz um pocesso !
Foi meu destino, meu fado
Por um algoz resolvido ;
Como s'eu fôra um bandido
Vim para aqui desterrado !

Desterrado sem soccorro


Da lei , nem d'autoridade,
Soffro os reveses da sorte,
Passo afflicto a mocidade :
Supportando sede e fome,
Ouvindo os roncos do mar,
Sempre na patr’a scismar
Minha vida se consome.

Que sorte a do patriota,


Como é recompensado,
De andrajos, vive coberto
Come um pão amargurado.
Arrasta ferreos grilhões,
Soffre um labéo affrontoso
Como réo e criminoso
Passa a vida nas prisões.
Qu'importa ? eu despreso os ferros ,
Não m'intimida o desterro ,
S'errei, querendo ser livre,
Quero viver neste erro :
Nunca aviltei minha terra ,
Soffro por minha vontade,
Por amor da liberdade
Aos tyrannos faço guerra .
Assim foi a vida do Dr. Jeronymo Villela , no seu des
terro da ilha de Fernando . Ali , assaltado por uma grave
enfermidade, obteve voltar para Pernambuco em Novem
bro de 1850, no brigue Legalidade, e foi recolhido á forta
leza do Brum . Quasi 3 annos viu passar o Dr. Jeronymo
Villela , á sombra dos carceres , até que a munificencia im
440 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

perial houve por bem perdoar -lhe da pena de prisão per


petua que lhe fòra imposta, cao mesmo tempo decretou a
reintegração da sua cadeira delente da Academia de Olinda
que havia perdido, por Decreto de 28 de Novembro de 1851 .
Quatro annos depois, por Decreto de 23 de Maio de 1855,
foi nomeado lente da primeira cadeira de direito civil do
4. ° anno, e por Decreto de 1 de Agosto do mesmo anno , foi
transferido para a de direito ecclesiastico do 2.º anno. O
Dr. Jeronymo Villela, foi um dos lentes da nossa academia ,
que pelo seu talento e illustração deram brilho e realce a
esse estabelecimento . Elle regeu a sua cadeira , diz um seu
collega , « com todo zelo , dedicação e assiduidade, a par
de muita proficiencia , geral admiração e applausos dos
seus discipulos, e mais pessoas que o ouviram , » até as
vesperas de sua morte .
Em 1853 publicou o Dr. Jeronymo Villela o seu Com
pendio de direito ecclesiastico. A acceitação que teve esta
obra, merecendo ser approvada e premiada pelo governo
imperial, como consta do Aviso de 17 de Agosto de 1858,
assim como mandado adoptar para o ensino em ambas
as Faculdades do imperio, os subidos elogios que lhe te
cera o sabio bispo Conde de Irajá e outros do Brazil e Por
tugal , e os mais illustres lentes da Universidade de Coim
bra, tudo isso prova por demais do valor e merito do seu
trabalho ; e tal acccitação teve , que em 1862, era publicada
uma segunda ediccão , mais desenvolvida é consideravel
mente augmentada.
O Dr. Jeronymo Villela foi deputado a assembléa geral
legislativa, em 4 legislaturas, como representante de sua
provincia, e em uma á assembléa provincial. Como depu
lado, occupou o Dr. Jeronymo Villela lugar proeminente
no parlamento nacional, honrou as bancadas da deputação
pernambucana. A saa physionomia era habitualmente
tranquilla, diz um seu biographo, mas, quando fallava, pa
recia de repente outro homem . Um novo fogo brilhava de
improviso nos seus olhos, como se estivera inspirado.
Era - sem duvida alguma - consumado orador. Por isso
mesmo sua palavra naquelle angusto recinto dos repre
sentantes da nação sempre foi ouvida, e considerada como
muito eloquente e autorisada. A leitura dos seus lumi
nosos discursos sobre os diversos ramos da administra
cão publica demonstra á toda a luz o seu subido merito .
Como escriptor publico , como jornalista, era o Dr. Je
ronymo Villela um dos campeões da imprensa pernambu
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 441

cana , um dos seus mais denodados e illustres batalhado


res, quér na arena da sciencia, quer na arena politica , e
tudo isto proclamam os diversos jornaes que redigiu , e
outros em que collaborou, nomeadamente a Regeneração,
Aurora, o Guarda Nacional, a Tempestade, Vapor da Ca
lifornia , Diario Novo, e outros muitos ; « sendo que por
uma logica vigorosa , estylo agradavel e critica sublime
alcançava pulverisar os adversarios , e esmagar os rui
dosos zoilos . >>
Sempre que se aventava alguma questão, principal
mente as que disiam respeito aos negocios e disciplina da
egreja, em cuja sciencia era versadissimo, o Dr. Jeronymo
Villela era um dos primeiros batalhadores que empunha
vam as armas dessas lutas pacificas, a penna, ostentando á
luz da sciencia o vigor do seu talento e a vastidão de sua
erudição e illustração. E assim , bateu-se com o sabio
arcebispo Marquez de Santa Cruz D. Romualdo Antonio
de Seixas, acerca do parecer de S. Exc. sobre a seguinte
consulta : Se os parochos podem ser processados e puni
dos pelo poder temporal, quando violam as obrigações
mixtas, é a lei do Estado, escrevendo no Diario de Per
nambuco uma serie de Cartus, que depois foram impres
sas em folheto em 1862 ; discutiu a questão a respeito da
posse por procuração do fallecido bispo desta dioceze D.
Emmanuel do Rego Medeiros, sem o beneplacito impe
rial, e finalmente, a da denegação de sepultura ecclesias
tica, ao cadaver do general José Ignacio de Abreu e Lima ,
alem de outras questões de menor transcedencia .
O Dr. Jeronymo Villela , era tambem um distincto advo
gado, « um dosmais brilhantes ornamentos do Fôro desta
capital. » Como advogado, diz uma autoridade compe
tente, a causa do infeliz sempre foi para elle sagrada
Res est sacra miser. – Só curvava a fronte ao imperio da
lei , e sabia com toda a independencia e coragem , na defesa
dos seus clientes profligar os excessos, as injustiças
prepotencias, que lhes fasiam os infractores da mesma lei .
Tal foi a vida do Dr. Jeronymo Villela , como professor,
parlamentar, litterato , jornalista ,Jurisconsulto, advogado,
e politico. A causa da sciencia , da educação da mocidade,
a causa da patria em fim , prestou grandiosa coadjuvação,
com os seus serviços e trabalhos, com o seu amor, dedi
cação e desinteresse. Elle morreu pobre, mas legou um
nome respeitavel, que a posteridade proclama reverente,
em face dos monumentos de sabedoria que nos legou ,
57
442 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

embora nem todos vissem a luz da publicidade ; mas os


seus discursos academicos e parlamentares, que foram
impressos , as suas obras que deixamos já mencionadas,
e os seus artigos quer scientificos , como litterarios e po
liticos, insertos nos jornaes desta provincia, e da côrte do
imperio, ahi estão como que proclamando a posteridade,
un nome illustre e respeitavel. E em premio de tantos e
valiosos serviços que ao paiz prestára, apenas lhe fóra
conferido o officialato da imperial ordem da Rosa, por De
creto de 17 de Abril de 1860 ! Mas elle presava mais os
seus titulos scientificos e academicos, porque importavam
uma conquista do talento , e assim , aos 20 annos de idade
conquistara o titulo de Doutor, conferido pela Academia
Juridica de Olinda, assim como pelo seu merito e illustra
ção os de membro correspondente do Instituto Historico
e Geographico Brazileiro, de honorario do Instituto Epis
copal do Rio de Janeiro, e o de effectivo da Imperial Socie
,
dadeO Dr. Jeronymo Villela , falleceu aos 25 de Abril de 1869,
contando de idade 53 annos omezes e 17 dias, e foi sepul
tado no Cemiterio Publico do Recife . Depositado o seu ca
daver na egreja de Nossa Senhora do Carmo, d’ahi teve
lugar o sahimento do funebre cortejo para o cemiterio no
dia seguinte, sendo numerosissima a concurrencia de pes
soas de todas as classes ejerarchias, dos seus collegas e
discipulos , que a mão o condusiram até a sua derradeira
morada . Depois , foram os seus restos mortaes trasla
dados para o antigo cemiterio da egreja matriz de Santo
Antonio do Recife, e ahi depositados em um tumulo de
marmore, onde foi gravada esta inscripção :
Deus, Patria e Liberdade.
Urna funeraria
Das venerandas cinzas
do
Doutor
Jeronymo Villela de Castro Tavares,
Lente cathedratico
Da Faculdade de Dereito do Recife.
Offerecida pelos Lentes e Academicos
Do 1.º anno da mesma Faculdade
спі
i 1869
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 443

João Antonio Salter de Mendonça, ( Visconde de


Azurara.) Nasceu no engenho Goyanna Grande, perten
cente a comarca de Goyanna , no anno de 1746. Foram
seus paes o Dr. Jorge Salter de Mendonça, e D. Antonia
Francisca Pessoa de Luna.
Seu pae tendo exercido na Parahyba o cargo de ouvi
dor geral , passou -se á Pernambuco , casou -se em Goyan
na , e ficou residindo em Itamaracá . Nomeado posterior
mente desembargador da Relação de Gôa , partiu para ahi
com sua familia , e depois passou -se para Portugal, á ex
ercer igual cargo na Relação do Porto . Salter de Mendon
ça acompanhando seus paes em toda essa digressão, con
cluiu a sua educação em Portugal, cursou com distincção
a Universidade de Coimbra , formou -se em direito, e dedi
cou-se a magistratura, exercendo então os seguintes car
gos : auditor do Regimento da Marinha em 1763 ; desem
bargador da Relação do Rio de Janeiro, onde foi tambem
procurador da corôa e juiz da fazenda , em 1772 ; desem
bargador da Relação do Porto em 1779 ; procurador fiscal
da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto
Douro , em 1783 ; juiz conservador da mesma companhia
cm 1788 ; dembargador da Casa da Supplicação em 1789 ;
deputado da Junta da Administração do Tabaco , procura
dor fiscal e juiz conservador, em 1794 ; procurador da co
rou em 1799; deputado e chanceller da casa de Bragança ,
em 1801 ; desembargador do Paço em 1802 ; secretario da
regencia dos reinos de Portugal e Algarves, em 1807 ; chan
celler da Casa da Supplicação em 1812 ; guarda-mór da
Torre do Tombo em 1813 ; alem dos cargos de regedor da
justiça da Casa da Supplicação, e presidente da commissão
para o exame dos foraes e melhoramentos da agricultura.
D'entre todos estes cargos, cada qual mais elevado ,
bastaria para caracterisar o merecimento e elevados dotes
do Dr. Salter de Mendonça , o de membro da regencia do
reino , pela grande confiança que n'elle tinha, e pela sua
larga experiencia nas cousas do governo, como diz o pro
prio principe-regente no Decreto de sua nomeação ; e o de
Regedor da Justiça da Casa da Supplicação, para o qual,
segundo a lei , se requeria um - homem fidalgo, limpo de
sangue, são de consciencia, prudente, de muita autoridade
e letrado, de inteireza e abustado de bens.
O Dr. Salter de Mendonça , fazendo parte da regencia
do reino, no momento em que a familia real abandonava
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

as plagas portuguezas, e as hostes de Napoleão já tran


spunham as fronteiras da Beira, prestava ao soberano e ao
paiz um serviço grandiosissimo, um verdadeiro e heroico
sacrificio ; e quando Junot entrou em Lisboa, declarou ces
sar a casa de Bragança de reinar em Portugal, ficando o
paiz sob a protecção e governo do imperador Napoleão, e
exigiu que as primeiras corporações e tribunaes do reino
lhe fossem render homenagem do seu reconhecimento e
submissão á seu soberano, e quando geralmente foi obede
cida esta sua imposição , solicitando muitos portuguezes
um outro rei, houve um homem de energia e patriotismo
elevadissimos, que repelliu tudo isso indignado, houve
um vassallo fiel e altivo que não renegou o seu soberano
ausente ; o procurador da coroa João Antonio Salter de
Mendonça !
Evacuado Portugal, foi reconstituida a regencia por
Decreto de 2 de Janeiro de 1809, e o Dr. Salter de Mendonça
foi um dos conservados. Ainda por mais trez vezes tentou
Napoleão a posse de Portugal, mas teve de ceder ante o
patriotismo portuguez e o valor do exercito anglo -luso .
Nenhum escriptor daquelles acontecimentos, diz o com
mendador Mello, deixa de reconhecer e elogiar o animo he
roico, a actividade incansavel, e as providencias energicas
de todo o genero , em que abundou a regencia. E apesar de
tantas calamidades e pobreza do thezouro publico, reforma
vam - se abusos escandalosos introdusidos na administra
ção, e os interesses materiaes do paiz não foram abandona
dos. Aagricultura recebeu especial protecção, repararam - se
muitas estradas, e construiram -se novos edificios commo
dos para estabelecimentos publicos. Muitas dessas pro
videncias foram inspirações, e obras do sabio e honrado
secretario João Antonio Salter de Mendonça. Elle tinha á
seu cargo as repartições do reino, justiça e fazenda, e al
gumas vezes accumulou o expediente das da guerra e es
trangeiros , nos impedimentos do seu collega, alem de
outros encargos, e sem coadjuvação alguma.
Salter deMendonça que foi por assim dizer o primeiro
vulto da regencia , occupou particularmente uma posição
elevadissima por occasião da guerra da restauração do
poder dos francezes , e conseguida esta, a gratidão nacio
nal manifestou -se dignamente, os seus grandiosos e he
roicos serviços tiveram condigna remuneração e elevadis
simos cargos lhe foram confiados. Permanecendo na re
gencia até 1820, quando foi proclamada a monarchia con
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 445

stitucional representativa, Salter de Mendonça então já ele


vado ao titulo nobiliarchico de Visconde de Azurara, dei
xou o governo ; e convidado, por seus amigos á tomar
parte na nova ordem de cousas, escusou -se tenazmente:
estava velho e cansado , já havia attingido aos 74 annos
de idade, era preciso descansar das fadigas e trabalhos de
uma vida inteiramente consagrada aos serviços do Estado .
Eram cntão mui precarias as fontes de renda do paiz,
e enormissimos os compromissos á realisar ; a situação
financeira por conseguinte, era muito grave. O Visconde
de Azurara, abre mão então, dos seus recursos particula
res , e offerece ao governo o quartel de todos os ordenados
que venceu até o anno de 1807 , a tença de 308000, entrando
os vencimentos futuros, os quinze annos de atrasados que
se lhe devia, o montepio que venceu uma de suas irmães,
e o terço dos seus ordenados de desembargador do Paço ,
e da Casa da Supplicação, em quanto durasse as urgencias
do Estado .
O conselheiro João Antonio Salter de Mendonça, Vis
conde de Azurara, commendador da Ordem de Christo e de
N. S. da Conceição da Villa - Viçosa, fidalgo da casa real,
e membro da Academia Real das Sciencias de Lisboa,
morreu naquclla cidade a 14 de Junho de 1825, e foi sepul
tado na egreja do Salvador. A Gazeta de Lisbộa em seu
numero de 27 do mesmo mez noticiando o passamento do
illustre e benemerito Visconde de Azurara, consagrou
estas palavras á sua memoria : « Os distinctos talentos
deste illustre magistrado , as suas virtudes, o seu acriso
lado patriotismo, o seu zelo incansavel, a sua constancia,
a sua inabalavel fidelidade ao soberano, a solida piedade,
e um coração puro sem affectação, o tornarão saudoso aos
seus amigos e compatriotas. A inveja, esta paixão baixa,
e cruel, que algumas vezes perdôa ás virtudes , mas nunca
aos talentos ; a inveja mesma não lhe poderá disputar a
gloria destes bellos titulos, que ornarão tão conspicua
mente o Exm . Visconde de Azurara na sua vida, e que
depois da sua morte inscreverão o seu nome no Pantheon
dos illustres portuguezes deste seculo. »
Frei João da Apresentação Campelli . Nasceu na
freguezia de Santo Antonio do Recife , no anno de 1690 .
Foram seus pacs João Baptista Campelli escrivão da
Fazenda Real desta capitania, e D. Brites Bandeira de
Mello .
4.46 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Fazendo em sua provincia natal os seus estudos pri


marios, seguiu para a Bahia, matriculou-se no collegio ou
Seminario de Belem , estudou os primeiros rudimentos de
latinidade e humanidades, e entrou depois no collegio da
Companhia de Jesus , onde por dois annos estudou as
sciencias philosophicas.
Deliberando seguir a vida religiosa , abandonou o Se
minario , e entrou nos claustros da ordem Seraphica, e aos
20 de Novembro de 1708 recebeu o habito no convento de
Santo Antonio de Paraguassú, e a 21 do mesmo mez do
anno seguinte fez a sua solemne profissão.
Bem cedo começou o jovem pernambucano a colher
as palmas dos seus triumphos. O pulpito, a cadeira de
mestre , e a penna de escriptor, tecem a laurea de Frei João
da Apresentação Campelli .
Da Bahia , passou - se para Pernambuco , ditou theologia
no convento de Olinda, e artes no do Recife.
Frei João da Apresentação Campelli , diz o Padre
Jaboatão no seu Orbe Seraphico, foi pregador de fama, e
grande theologo, e por este respeito mereceu, entre os sa
bios e doutos, distincto logar, e o teve muito especifico no
grande conceito do illustrissimo bispo de Pernambuco D.
José Fialho, elegendo-o para examinador do bispado, theo
logo das suas juntas e consultas , e companheiro das suas
missões, que fazia nas visitas da sua dioceze ás suas ove
lhas, e em outras occasiões, nas quaes pregava igualmente
com sua illustrissima . Com elle , continua o Padre Jaboatão ,
sendo elevado a cadeira metropolitana da Bahia , passou
para esta cidade, e d’ahi para o reino, quando tambem
passou para bispo da Guarda, donde por fallecimento deste
prelado voltou á Bahia. Nesta derrota, que fez ao reino,
levou tambem a incumbencia de ir votar Pro-Ministro ao
Capitulo Geral, celebrado em Valladolid no anno de 1740.
Voltou a côrte, e conseguiu do Tribunal do Santo Officio o
ser seu Qualificador. Passou a Bahia , e na congregação
de 1745 , o fizeram commissario de Terceiros, que exerceu
até 18 de Fevereiro de 1751 , em que conpletou a carreira
dos dias . Foi sugeito com applicação , é genio dado aos
estudos theologicos, moraes, expositivos e da historia, e
nestes com bastante pratica é maior applicação aos predi
cativos. Destes deixou copiosos fructos em muitos livros,
e quadernos de folio, que nós vimos em sua mão .
Alem dos cargos citados por Jaboatão , occupou
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 447

tambem Frei João da Apresentação Campelli o de peniten


ciario geral da sua ordem , e o de lente de theologia moral
do clero da diocese da Guarda , em Portugal .
O nome deste illustre pernambucano, é celebrado por
varios escriptores, entre os quaes, Barbosa Machado na
sua Bibliotheca Lusitana . No entretanto, diz Innocencio
Francisco da Silva no seu Diccionario Bibliographico, que
Barbosa Machado desconheceu a sua existencia , pois delle
não fez menção !
Frei João da Apresentação deixou varias obras em
manuscripto ,das quaes cremos, que somente foi impressa ,
a vida de D. Frei José Fialho.
D'entre as suas producções apenas foram encontradas
as seguintes por Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão, no
archivo do convento da Bahia, as quaes enumera na sua
obra Orbe Serafico, e são ellas :
Epitomeda vida,acções,e morte do Illustrissimo Reve
rendissimo Bispo de Pernambuco, Arcebispo da Bahia, e
Bispo da Guarda , D. Frei José Fialho.
Tractatusprolusorios ad Sacrum Scripturam intelligen
dam , et ad Verbi Dei Præcones, et Pædicatores erudiendos,
in duas partes destributus. A primeira parte desta obra
estava concluida, e a segunda apenas começada.
Respostas sobre o facto de um homicida, queem fragante
adulterio, mas de caso pensado, com outras circunstancias
de mais consideração, matou a um Ecclesiastico ; se incor
reu , ou não, na censura do cap . SIQUIS SUADENTE , que sendo
resolvido por varios Theologos ,quenão ,e absolto pelo Bispo;
foy a Resolução do Author, que sim , em um largo, douto e
composto tratado. Manuscripto in folio.
bem Approvação ao livro Letras Symbolicas.
Carta ao Author do Discurso pregado na nova cele
bridade do Beato Gonçalo Garcia , impressa na mesma .
João Baptista da Fonseca. Nasceu na freguezia da
Bôa - Vista no anno de 1790 ; era filho legitimo de Francisco
Rodrigues Ramos .
Fazendo em Pernambuco os seus estudos de humani
dades seus pais mandaram -no depois para Portugal , afim
de matricular-se na Universidade de Coimbra , nas aulas
do curso de theologia , mas, pouco depois, é Portugal inva
dido pelos francezes, fecha- se a Universidade, e elle se vê
obrigado a interromper a sua carreira litteraria, e regres
sar á Pernambuco .
448 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Aqui , por obediencia e respeito a vontade paterna, ain


da que contrariando a sua vocação e legitimas aspirações,
João Baptista da Fonseca dispõe-se a seguir a vida eccle
siastica , partiu para a Bahia , ordenou -se presbytero, re
cebendo das mãos do arcebispo D. Frei José de Santa Es
colastica a unção sacerdotal, e logo que regressou á Per
nambuco, foi nomeado coadjuctor da freguezia da Boa
Vista .
Estavamos então em uma epocha de effervescencia e
exaltação politica . Nos clubs, nas academias, nas lojas
maçonicas, nos saráos, jantares e festas campestres, por
toda a parte em fim , erguiam -se altares á liberdade, ardia o
fogo sagrado do patriotismo, e traçava - seo plano da revolta
que devia proclamar a independencia da patria .
O padre João Baptista da Fonseca, votando -se ao mi
nisterio da igreja, seu espirito não arrefeceu do fogo sa
grado do amor e liberdades patrias. A causa da revolução
que havia de conferir ao Brazil a carta da sua liberdade,
desprendendo - o dos laços de união com Portugal, achou
no padre João Baptista da Fonseca um apostolo dedicado,
um dos seus mais illustres coripheus.
Rompe a revolução no dia 6 de Março de 1817 , e o pa
dre João Baptista na occasião suprema do perigo, não de
sanimou, não desmentiu do seu patriotismo, do seu amor
e empenho pela causa da liberdade brazileira. Mas quão
ephemero foi o seu imperio ... e pouco tempo depois, é o
padre João Baptista preso por ordem de Rodrigo Lobo, ar
rastado ao immundo porão do navio Mercurio , levado á
Bahia , e atirado aos carceres da cadeia da Relação.
« Digno e virtuoso sacerdote, diz o autor dos Martyres
Pernambucanos, não sabemos que o seu enthusiasmo pas
sasse de alguns louvores excessivos á liberdade ; algumas
declamações temerarias contra o rei e sua familia , algu
mas ameaças violentas contra os europeus na crise, ou
proximas da liberdade, e da constante frequencia com que
assistia a todas as grandes e pequenas sessões patrioti
cas, banquetes e saudes; taes foram os delictos que lhe
attrahiram a raiva do tyranno Rodrigo Lobo, por cuja or
dem foi preso . »
Na cadeia da Bahia , em carceres immundos, onde es
cassamente penetrava a luz do dia , lutando com privações
horriveis, coberto de insultos e maldições da populaça
rude, gemeu esse illustre martyr da liberdade, por espaço
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 449

de 4 annos ; mas em 1821 , a revolução do Porto abriu - lhe


as portas do carcere, em virtude da geral amnystia conce
dida pelas cortes de Portugal, e elle sahiu abatido da pri
são, soffrendo de uma gastro -interite, que adquerira , da
qual veio a fallecer depois .
Nomeado capellão do 3.º batalhão de caçadores , exer
ceu por algum tempo esse cargo , até que foi nomeado len
te da cadeira de philosophia de Goyanna, em 15 de Abril
de 1824 ; e nesse mesmo anno , serviu de secretario do go
verno provisorio da Parahyba, no dominio da revolução,
para o que fora requisitado pelo respectivo presidente.
De 1817 até o dia em que cerrou os olhos a luz da vida ,
foi a peregrinação do padre João Baptista da Fonseca um
livro aberto de perseguições e martyrios, pelos notaveis
acontecimentos politicos de que foi thcatro esta e outras
provincias do imperio . Ao voltar a Pernambuco, em 1821 ,
encontrou a luctā travada com Luiz do Rego ; depois a da
independencia ; após , a revolução republicana de 1824,por
cujo compromettimento expatriou -se , e foi condemnado a
morte pela commissão militar, e finalmente a luta que deu
em resultado o acto da abdicação em 7 de Abril de 1831 .
E o padre João Baptista da Fonseca, já com a penna,
já nos comicios politicos erguendo a sua voz, era um con
stante e extrenuo propugnador dos direitos do povo , da
causa do Brazil emfim ; e esta força d'alma que tanto o
elevou nas crises por que passou , tambem o animava nos
revezes de sua vida particular.
Espirito indagador, ambicioso de saber e de possuir
immenso cabedal de illustração, desejoso de alargar e des
envolver a esphéra de sua illustração , e de tornar -se assim
mais util a sua patria , elle saudou radiante o memoravel
decreto de 11 de Agosto de 1827, creando os cursos juri
dicos de Olinda e S. Paulo, e no anno seguinte quando
abriram -se as suas aulas, foi elle um dos primeiros 38 es
tudantes matriculados no curso de Olinda .
Com immensos sacrificios, matriculou -se; mas a pro
tecção de alguns amigos, e animado das mais lisongeiras
esperanças , encetou a vida academica , já aos 38 annos de
idade, quando bem pouco tempo restava - lhe de vida .
Na academia de Olinda , ostentou todo o viço de sua
intelligencia e illustração, já desenvolvida pelos annos e
pelo aturado estudo das sciencias do direito a que se entre
gou ; e havendo cursado e feito acto até o terceiro anno ,
58
450 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

não chegou a matricular- se no quarto, porque aggravando


se a sua molestia , falleceu no dia 1.º de Fevereiro de 1831 .
Poeta distincto , philosopho, sacerdote notavel por suas
virtudes, talentos e illustração, espirito forte que não sos
sobra ante a ameaçadôra borrasca da morte, o padre João
Baptista conhecendo que já não lhe era possivel resistir ao
mal que ha tantos annos o atormentava, convoca os seus
amigos mais intimos, declara - lhes as suas ultimas dispo
sições, e com a serenidade de Socrates, prepara -se para
receber o golpe final. E assim , acabou sein ver a sua fron
te ,já laureada pela poesia , laureada pela sciencia do direito .
Como poeta, além de varias producções ineditas e ou
tras publicadas nos jornaes desta capital,deixou o seguinte
poema que teve publicação posthuma :
A victima dil ( misude, poema em um canto , feito em
1820. Rio de Janeiro , 1832.
Este poema , segundo uma nota do editor, foi dedicado
ao coronel Joaquim José do Rego Barros, um dos seus
companheiros de martyrio na Bahia onde compoz o seu
poenia, de cujo original foi extrahida a copia para a im
pressão .
Das publicações que fez dos seus trabalhos o padre
João Baptista da Fonseca, apenas encontramos informa
cões veridicas dos seguintes :
Oração de acção de graças, recitada na igreja de S.
Pedro no dia dos annos do Sr. D. Pedro I, imperador con
stitucional e perpetuo defensor do Brasil, oferecida ao
mesmo augusto senhor. Pernambuco, typ. do Diario-- 1829 .
Poezius, dedicadas as senhoras brasileirus. Pernam

bucorreção de acção de graças,recitada na igreja de s.


Oração
Pedro no dia 25 de Março de 1830, anniversario do jura
mento de Sua Magestade o Imperador á Constituição . Per
nambuco, typ. do Diurio - 1830 .
Encontramos tambem algumas poesias do padre João
Baptista da Fonseca, no seguinte trabalho publicado em
fasciculos por Luiz Pereira Vianna, n’esta provincia , pelos
annos de 1852: Collecção de poesias patrioticas liberaes
brasileiras, recapituladas dos jornaes desde o unno de 1826
até 1851; assiin como uma ode feita na Bahia em 1820,
quando ainda preso, e offerecida ao governador Conde da
Palma, a qual foi impressa pela primeira vez em seguida a
este artigo, na publicação que fizemos na Provincia de Per
nambuco, em seu numero de 4 de Setembro de 1879.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 451

Frei João Baptista da Purificação . A data do seu


nascimento e morte, e outros dados de sua vida, são igno
rados ; apenas sabemos que nasceu na cidade do Recife,
e que João da Silveira Borges e D. Josepha Maria da Silva
foram seus paes .
Inclinado á vida religiosa , entrou de noviço no conven
to de Santo Antonio do Recife, professou a regra Francis
cana , e concluindo o curso necessario recebeu ordens sa
cras e assumiu ao presbyterato.
Por muitos annos regeu Frei João Baptista a cadeira
de theologia dogmatica do convento do Recife, e bem cedo
pelo desenvolvimento e cultura do seu talento conquistou
um nome honroso e respeitavel como orador.
Frei João Baptista tornara -se então o orador predilecto
e escolhido para todas as solemnidades religiosas celebra
das quer no Recife quer em outras localidades da provincia,
tal a fama e celebridade que conquistára os seus bellos e
eloquentes panegyricos. Mas esses trabalhos primorosa
mente acabados ficaram ineditos , perderam - se por conse
guinte, e o unico monumento, o unico, attestado de suas
glorias e triumphos oratorios que nos resta é o— Discurso
pela faustosa acclamacio d'El Rei nosso senhor, que no
plausibel dia 13 de Maio recitou em a matriz do Recife, cujo
trabalho foi impresso no Rio de Janeiro em 1818 .
Mas a posteridarle não rende somente justos tributos
de homenagem á memoria de Frei João Baptista como um
orador notavel; as musas cingiram tambem a sua fronte
com os louros fulgentes do Parnaso, e tocaram -na com as
luses da inspiração.
Padre Lino, na sua Memoria historica e biographica
do clero pernambucano, consagrou a Frei João Baptista,
como poeta, estas palavras :
« Dotado de uma imaginação viva e arrebatadoura,
elle sabia dar as formas da linguagem a maior delicadesa
e elegancia, cexprimia os pensamentos com incomparavel
brilho e magestade. Seu cstylo fazia lembrar o de Bocage,
á cuja escola notavel pela fluidez e harmonia do rythmo,
pertencia irrecusavelmente ; disto dão provas os bellos,
bem que mui poucos escriptos, que delle nos restam . O
estro desabroxou -lhe desde a primeira idade; e ainda
nesses ensaios da musa novel e principiante, se denun
ciavam as subidas qualidailes, que, para essa divina arte
The prodigalisára a natureza . Poctava com extrema facili
452 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dade, e fazia divisar nos improvisos, que , segundo referem


pessoas entendidas daqelle tempo , eram obras primas
de gosto e de belleza artisticas. »
Como poeta, rarissimos tambem são os pruductos da
lyra afinadissinia e melodiosa de Frei João Baptista; res
tam -nos apenas a noticia de dous sonetos impressos em
Lisboa ; um que finalisava uma Neniaao passamento de uma
senhora desta provincia, e outro dedicado ao poeta portu
guez Antonio Joaquim de Abreu , que por algum tempo
aqui esteve, e uma Ode tambem dedicada ao mesmo poeta,
o qual inseriu -a no seu livro de versos publicado em Lis
bôa no anno de 1815 .
Esta ode , bellissima e de feliz inspiração , « esse ener
gico producto de sua imaginação , na phrase de Abreu ,
que apesar da rapidez com que foi concebido , conserva
uma harmonia tão regular e ajustada, que não deixa du
vidar da naturesa e do genio de seu autor, » constitue por
si só a reputação de poeta desse illustre religioso ; e alem
da publicidade que lhe deu Abreu no seu livro de versos ,
vem tambem .
inserta na citada obra do Padre Lino
Antonio Joaquim de Abreu no seu já referido livro ,
dedicou ao religioso poeta Frei João Baptista da Purifica
ção, diversos sonetos, significativa manifestação do seu
raro talento ; e ao mesmo teceram justos e merecidos en
comios, o Padre Francisco Ferreira Barreto , Conego Mi
guel do Sacramento Lopes Gama e o Padre José Marinho
Falcão Padilha, competentes e autorisados juizes .
Frei João Baptista, em cuja fronte resplendia uma tri
plice corôa , a coroa de poeta , de orador e de theologo, era
tambem um sacerdote respeitavel por suas virtudes evan
gelicas, um religioso exemplarissimo, de uma vida pura,
jamais maculada pelo mais leve acto que a deslustrasse.
Elle morreu ignorado, e nem ao menos é sabida a epo
cha em que cerrou os olhos á luz do mundo, e vôou á eter
nidade. Mas o nome do sacerdote virtuoso, do poeta in
spirado e mavioso, do orador eloquente e arrebatador, e do
theologo profundo, ficou ; e a posteridade inscreve - o reve
rente no Pantheon da patria , porque lhe sobram titulos
para nelle dignamente figurar.
Frei João Baptista da Purificação , morreu no convento
de Santo Antonio da cidade do Recife, cujo claustro guarda
os seus restos mortaes, em lugar infelizmente ignorado ;
e ao terminarmos estas linhas consagradas á sua memo
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 453

ria, permita - se -nos inscrever o seguinte soneto , bellissima


poesia do illustre Vigario Francisco Ferreira Barreto , de
dicada ao não menos illustre Frei João Baptista:
Vate assombroso , de assombroso encanto ,
Que, ornada a fronte de Apollineo louro ,
Grandiloquo, embocando a tuba d'ouro ,
Dás aos Numes prazer, a terra espanto !
Muito embora rouqueje o negro canto
Do mocho piador de infausto agouro :
Fétido, immundo, rosnador bisouro
Não voléta no cume sacrosanto .
E apenas travejaste embravecido
(Empunhando o fulgente , o Delio sceptro )
Contra o Mevio ruaz e desabrido :

Oh ! mudança ! oh ! milagre ! oh ! vate ! oh ! Plectro !..


Calou -se, immudeceu , fugiu vencido ...
Graças , meu Jonio , graças ao teu metro .
Este soneto como se vè, tem um duplo valor ; a um
tempo, Ferreira Barreto vulto proeminente do.templo das
Musas, confere honorifico titulo ao nosso poeta, fazendo - o
subir ao alto do Parnaso , chamando - o
Vate assombroso , de assombroso encanto ,
e igualmente, celebra uma victoria, explendida victoria que
conquistára na luta travada na arena do Parnaso com o Tc
nente Deodato Pinto que viveu em Pernambuco no tempo
do governador Caetano Pinto, pois , graças ao seu metro,
empunhando o fulgente, o Delio sceptro, contra o Mevio
ruaz e desabrido, culou -se, immudeceu fugiu vencido.
Tal foi em ligeiros traços, Frei João Baptista da Puri
ficação.
João Barbosa Cordeiro . Nasceu em Goyanna em
1792, e era filho legitimo de Manoel Barbosa Cordeiro e D.
María José de Menezes.
Abraçando a vida ecclesiastica , ordenou - se sacerdote,
e foi nomeado vigario da freguczia de Porto Alegre, no Rio
434 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Grande do Norte, onde já se achava quando rompeu a re


volução de Pernambuco, de 1817 .
O padre João Barbosa, sem duvida iniciado nos pla
nos de independencia de sua provincia, partiu para a cida
de do Natal, promoveu a adhesão do Rio Grande, « e com
o seu exemplo conquistou muitos proselitos.» Voltando
depois para a sua freguezia, divulgou -se a noticia de que o
governo provisorio, estabelecido na capital, The mandava
por commandante o capitão -mór Antonio Ferreira Caval
cante, homem geralmente antipathisado, e então oppoz -se
a sua nomeação , e reunido com outros patriotas estabele
ceu uma junta provisoria , da qual sahiu eleito membro .
O padre João Barbosa Cordeiro prestou immensos ser
viços a causa da liberdade de sua patria, e fez quanto lhe
foi possivel para mantel-a ; mas a 25 de Abril era de novo
restabelecida a autoridade real na cidade do Natal, e pouco
depois igual sorte experimentou a freguezia de Porto Ale
gre. Elle occultou - se então, passou -se para a Parahyba,
onde foi preso a 11 de Junho, e em Agosto veio para Per
nambuco, « por ser um dos membros do governo proviso
rio da villa de Porto Alegre e serra do Martins, etào obsti
nado, que por occasião da restauração não quis assignar
o seu auto, ficando em casa ; e fugiu á buscar soccorro nas
visinhanças do Caiacó, que suppunha pelos insurgentes, »
como declara a nota relativa ao seu nome, na lista dos pre
sos remettidos da Parahyba.
De Pernambuco seguiu para a Bahia, foi condemnado
a 5 annos de degredo em Angola, mas permaneceu em pri
são naquella provincia até 1821 , quando recobrou a sua
liberdade.
Surgindo a epocha da independencia, representou um
papel muito saliente pelos seus feitos, e logo após, em
1824, na quadra revolucionaria de Pernambuco , quando
proclamou -se a separação do Norte, cuja adhesão esten
deu-se até a provincia do Ceará, o padre Cordeiro envol
veu - se na revolução , foi enviado pelo governo provisorio
da Parahyba para tratar de negocios politicos com o pre
sidente de Pernambuco , Manoel de Carvalho, mas por occa
sião da restauração do governo imperial cahiu preso, e foi
condemnado a 10 annos de degredo no Rio Negro.
Permanecendo em Pernambuco, e transferido da ca
deia para o hospital, por motivos de molestia, conseguiu
evadir-se, e refugiou -se no interior da provincia , em Pes
queira , em casa do capitão -mór Manoel José de Siqueira ;
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 455

e tomando o nome de João Patricio Leal , dedicou-se ao


ensino primario e secundario, foi professor dos filhos do
dito capitão -mór, e dos de outras familias, e consta até que
se vira constrangido a casar -se, pois andava disfarçado
para fugir da perseguição dos seus inimigos politicos.
Em 1826 já se achava o padre Cordeiro de volta do seu
exilio , quando é injusta e aleivosamente accusado e perse
guido como cumplice da morte de Domingos Lourenço
Vaz, em Goyanna, pelo que foi pronunciado na devassa
procedida . Mas justificou -se, appareceu a verdade,e a pro
pria viuva do finado, por uma escriptura desistiu de toda a
accusação. Por esse tempo, quando de novo luctava com
o infortunio , escreveu um bello soneto, que , por ser intei
ramente desconhecido, aqui o consignamos.
Quarenta e duas vezes accusado ,
Foi o grande Catão , grande em virtude !
Por sentença a beber lethal segude
Foi Socrates prudente, condemnado !
Milciades, heróe sempre lembrado
Em ferros espirou !... Oh ! sorte rude !!!
Jezus , filho de um Deus, que não se illude ,
N’uma cruz , como réo, foi pendurado !!!
Neste quadro fiel, que ao mundo ostento,
Verá quem reflectir, que premio alcança
A virtude, a rasão , merecimento !
Do retorno do bem que dá esperança ? !
Valor ! genios sublimes, soffrimento
Recompensa eternal, Deus affiança .
Mas a serie de perseguições de que foi victima o padre
Cordeiro, ainda não se havia terminado ; e em 1827, achou
se de novo preso no hospital militar, por motivos politicos,
sem duvida . Obtendo posteriormente a vigararía da fre
guezia da Granja, no Ceará , regeu - a por muito tempo , mas
permutando - a em 1848 com a de N. S. dos Prazeres, em
Maceió, para ahi seguiu em 1850, e entrou em exercicio .
Eleito deputado geral por sua provincia natal, tomou
assento na camara na legislatura de 1834 a 1837, e ' « como
representante da nação, correspondeu bem á confiança,
que nelle se depositou, e no recinto do parlamento deu in
256 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

concussas provas do seu talento . ) No Rio de Janeiro, co


meçou o padre Cordeiro a publicar em 1834 o periodico
Bussola da Liberdade, cuja publicação continuou em Per
nambuco no anno seguinte , e prolongou-se poralgum tem
po . A Bussola da Liberdade tinha por epigraphe:
Da liberdade o norte mostrarei
A despeito de tudo quanto é vão,
Ou com ella vencer como Aristides,
Ou com ella morrer como Catão.

Em 1843, escreveu em Pernambuco o periodico politi


co -- Chora Menino, e em 1852 começou a publicar em Ma
ceió 0 --Propugnador Catholico, jornal dedicado aos inte
resses da religião, por elle redigido, e sustentado pelo clero
daquella capital. Quer nos jornaes citados, por elle redi
gidos, quer em outros das diversas provincias em que re
sidiu , encontram -se innumeros trabalhos do padre Cordei
ro, não só religiosos, sobre o que escreveu muito e sus
tentou grandes polemicas, como tambem litterarios e po
liticos, além das obras que publicou, das quaes apenas
encontramos noticia das seguintes :
Imploração Parahybana. Ceará , typ . Nacional, 1824.
E ' um escripto politico dirigido a José Pereira Figueira .
O bramane viajante ou a sabedoria popular de todas
as nações, por Fernando Deniz . Maranhão , typ. da Tempe
rança, 1841, ( trad ).
Logica Popular, por M. Ad . Leconte, romanciada da
2." edicção de Pariz, e extrahida da Bibliotheca Popular.
Ceará , typ. de J. A. d'Oliveira. 1847, (trad .)
Arte de fallar e escrever, ou tratado de rhetorica ge
ral, por Augusto Ilusson . Pernambuco, 1848, (trad .)
Homenagem poetica á Sua Santidade o muito liberal
e magnanimo Pio IX . Pernambuco , typ . da União , 1848 .
Arco Verde, ou a gloria dos Tabayares. Drama his
torico -nacional, 1850 .
Chronica escandalosa do Sr. D. João da Purificação
Marques Perdigão, desde a sua cega nomeação para bispo
de Pernambuco em 1829 até o presente. 1862 .
Sobre estes dous ultimos escriptos, do primeiro não
encontramos noticia do lugar em que foi impresso ; e do
segundo, ainda que não traga o nome do autor e nem o lo
gar da impressão, é comtudo sabido que é de sua compo
sição, e que foi impresso em Pernambuco.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 457

O padre João Barbosa Cordeiro, foium sacerdote dis


tincto pelos seus conhecimentos, dotado de um bello ta
lento, bom poeta , e um dos homens que mais figuraram
nas lutas politicas do Brazil em prol da sua independencia
e liberdade, a cuja causa serviu patriotica e dedicadamente,
prestou immensos serviços, soffrendo por amor de suas
idéas, ora o martyrio em rigorosas prisões, ora a mais
desabrida e tyrannica perseguição ; morreu em avançada
idade, sendo vigario da freguezia de N. S. dos Prazeres
em Maceió, possuindo as insignias de conego e o habito
da Ordem de Christo .

João de Barros Rego. Nasceu na cidade de Olinda


na segunda metade do seculo XVII , e foram seus paes
André de Barros Rego e D. Adriana de Almeida Vander
ley, seus avós paternos Arnáu de Hollanda Barreto e D.
Luzia Pessoa , e maternos, Gaspar Vanderley, capitão do
exercito hollandez e D. Maria de Mello .
João de Barros Rego seguindo a carreira das armas,
em 1688 já occupava o posto de capitão de cavallaria de
ordenanças da freguezia de S. Lourenço, por patente do
governador João da Cunha Souto Maior, datada de 5 de
Março do mesmo anno, por ser pessoa de merecimento e um
dos homens nobres e principaes desta capitania , cujo acto
foi confirmado por Patente Régia de 13 de Dezembro tam
bem do mesmo anno, por haver servido nas occasiões em
que foi occupado para as guerras dos Palmares, concor
rendo com o que lhe foi possivel com bộa satisfação e por
esperar que com a mesma se haveria d'ahi por diante em
tudo que se lhe encarregasse conforme a confiança que
fazia de sua pessoa .
Em 1668 Barros Rego exerceu o mandato de vereador
da camara do senado de Olinda, em 1691 o cargo de juiz
ordinario , e depois o de provedor da fazenda real, no qual
se achava em 1710, assim como no de capitão -mor da ci
dade de Oliuda .
Condecorado pelos seus serviços e merecimento com o
habito de Christo , em cuja ordein professou a 22 de Março
de 1693 , nas mãos do bispo diocesano, D. Mathias de Fi
gueiredo e Mello, que lhe sagrou o habito na cathedral de
Olinda, bemfeitor da Santa Casa de Misericordia da mesma
cidade, de cuja instituição foi provedor por muitas vezes,
e onde em 1702 instituiu uma collegiada, a qual foi inau
gurada a 9 de Julho desse mesmo anno, mandando cele
59
458 DICCIONARIO BIOGRAPHUCO

brar ás suas expensas uma festa solemnissima em acção


de graças, e fazendo o patrimonio necessario para a sua
sustentação ; João de Barros Rego, pois, illustre por seus
serviços e merecimento, pela distincção e nobresa de sua
familia e pelos honrosos e elevados cargos que exerceu ,
assim como pelos de provedor da fazenda real e de capi
tão -mór de Olinda que desempenhava na epocha em que
vamos entrar, occupava uma posição elevada na socieda
de, era um homem de prestigio e influencia, de caracter
honradissimo, rico , abastado e nimiamente liberal e bem
fasejo ; e ainda mais vieram realçar todas estas qualida
des e elevar o seu nome, a cruenta guerra dos Mascates
que devastou esta provincia em principios do seculo pas
sado, cujos feitos repassados de patriotismo e abnegação
tornaram -no benemerito e immortal.
O capitão -mór João de Barros Rego, foi um dos primei
ros pernambucanos que oppuseram tenaz resistencia a
pretenção dos portuguezes do Recife para elevar a nova
povoação a cathegoria de villa e capital da capitania , ape
nas respirou este plano. Pertencendo por laços de paren
tesco ás principaes familias de Olinda, membro da nobresa
como então se chamava, homem independente , de caracter
firme e resoluto, patriota decidido é zeloso das glorias e
tradições da legendaria Olinda , jamais as lisonjas e politica
do governador Sebastião de Castro e Caldas, e as vanta
gens e offertas dos corruptores mascates o fiseram afastar
se do seu posto de honra , bandear -se com elles, apoiar os
seus projectos , cooperando assim para a queda de Olinda ,
o que importava a propria queda dos brios e dignidade
dos pernambucanos.
Rompendo a guerra e reunida a camara do senado de
Olinda para deliberar sobre quem recabiria o governo da
capitania pela deposição do governador Sebastião de Cas
tro, e mesmo sobre a forma do governo á adoptar-se, Bar
ros Rego foi um dos que apoiaram a opinião de Bernardo
Vieira de Mello , para que se desse o grito de republica ad
instar dos venesianos, mas resignou -se com a maioria da
camara para que se entregasse o governo ao bispo dioce
sano e se mantivesse obediencia i metropole.
Com esta deliberação, os mascates mostraram - se acal
mados , mas apparentemente ; e a 18 de Junho de 1711 re
bellam -se de novo, prendem o bispo e o ouvidor, e quando
Barros Rego marcha sobre o Recite á frente das tropas do
seu commando, recebe a notica da fuga do bispo para Olin
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 459

da, o que deu lugar á fazer entrar os rebeldes nos limites


do seu dever sem effusão de sangue, sendo então delibe
rado um rigoroso assedio no Recife. Assim , coube ao in
trepido capitão -mór Barros o commando do presidio de
Afogados, como o mais importante e perigoso , e a 22 de
Junho ahi já se achava acampado com as suas tropas, e
conseguindo descobrir o fim dos sediciosos pela franquia
que deu aos almocreves de conduzir a povoação os seus
generos e mantimentos, e por fim , depois de esgotados to
dos os meios de brandura e persuasão, veio a estabelecer
absoluta prohibição da passagem dos mesmos generos.
João de Barros Rego desempenhou essa missão com
tanta galhardia e satisfação, que o bispo resolveu demittir
se do governo militar, e o nomeou general em chefe de
todas as forças , as quaes reunidas e em numero de 1000
praças, no dia 11 de Julho marcharam ao encontro de uma
força rebelde, que vinha do interior romper o assedio do
Recife e soccorrer os mascates. No sitio dos Prazeres, em
Guararapes, foram encontradas as tropas inimigas em nu
mero de 800 praças , e immediatamente cercadas e corta
das as retiradas ; e os seus chefes vendo - se então perdi
dos, lançaram mão do expediente de assegurar que, lon
ge de ser um soccorro aos mascates, pelo contrario eram
amigos do partido da nobreza, e que sob palavra de honra
podiam contarse lhe uniriam no outro dia; mas á noite fu
giram em debandada, sendo necessario seguir -lhes pela
mạnhà.
O bispo notando a grande falta do illustre capitão -mór
João de Barros Rego no commando do arraial de Afogados,
a chave do assedio do Recife, o incumbiu de novo do com
mando desse ponto, mas em breve elle parte a procura do
insolenteinimigo ; porem a esperança da patria ficou sepul
tada nos campos da batalha de Pindoba. No desalento
geral elle não esmoreceu , proclama aos briosos pernam
bucanos, aos seus amigos e parentes, e viu-se cercado de
mil combatentes á cuja frente marcha á se offerecer á vin
gar o ultrage, a castigar os inimigos e arrancar - lhe as pal
mas e o orgulho da victoria .
A proclamação que então dirigiu Barros Rego , é um do
cumento memoravel, repassado de patriotismo, dignidade
c altivez, « Que opinião é a nossa ? interroga o velho solda
do . Deixal-os triumphar do nosso nome, da nossa fé e da
nossa lealdade ? Até onde chega, e para quando se guarda
o valor pernambucano que deu realce ao braço portuguez
400 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

em todo o mundo ? Que determina, que espera ? Consentir


que em vil escravidão nos ponha aquelle infame canalha ? »
Depois de increpar aquelles que se bandearam pelo ouro
dos mascates, Barros Rego falla da trama contra a sua
vida, e assim termina 'a sua proclamação : « Não quero
persuadir-me a que coubesse acção tão odiosa , em ani
mos que se dispõe para emprezas que os acreditem ; e
quando para incentivo dos que me vèem e me acompa
nham , não baste o meu zelo, e de alguns o temor, ou con
veniencia objectiva os desanime, para que me desampa
rem , fugindo ou passando -se para o inimigo , constará ao
mundo que sacrifico a minha vida nas aras desta campa
nha, satisfazendo por credito da minha patria as obriga
ções com que nella nasci, e de quem sou , para não a ver
no abatimento em que a malicia intenta lançal- a ; e ver
me-hão mais facilmente rendido ao impulso de uma bala ,
do que a copia de mil cruzados com que me fizeram tiro
de bem perto . »
Acceito o offerecimento patriotico que fizera o capitão
mór Barros Rego, o governo ordenou -lhe que partisse, e
que acampasse no engenho Velho do Cabo á espera de no
vas ordens. Depois seguiu para Ipojuca em busca do ini
migo, e tendo de ferir a batalha, elle generosa e desinte
ressadamente abdicou o generalato em favor do general
Francisco Gil Ribeiro , offerecendo -se e sugeitando - se a
marchar sob as suas ordens, sem que ambos ambicionas
sem outra gloria, que não fosse a da salvação e lustre da
patria. Ganha a batalha de Ipojuca, depois de uma luta re
nhidissima durante um dia inteiro , na qual o nosso heróe
ostentou - se briosa e dignamente , voltou para o acampa
mento do Cabo, e ahi, as suas praticas e patriotismo, as
suas virtudes e generosidade, conseguiram dissipar uns
restos de rebeldia, e chamar á causa pernambucana um
cem numero de proselitos.
Aporta então a esta provincia o novo governador Felix
José Machado, e Barros Rego corre apressadameute para
Olinda, e ignorando a parcialidade do governador para com
os mascates, pede ao bispo para entrar com as suas tro
pas no Recife, castigar os inimigos, e assim dar maior
realce não só ao triumpho da nobreza, como tambem ao
do delegado do governo da metropole; mas recebe em res
posta, que immediatamente levantasse o cerco e debandas
se as suas tropas ! Contrariado com esta ordem , e com a
certesa da soltura dos prisioneiros, principalmente dos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 401

seus mais implacaveis inimigos, vendo então a predilec


ção e acatamento com que eram tratados os mascates, pre
viu facilmente o futuro e as adversidades que o aguarda
vam , e aindamais o esmoreceram , a entrada triumphal de
Camarão no Recife, o agasalho pomposo que lhe deram
no convento dos Padres da Madre de Deus, e a solemne
ereccão da villa do Recife.
Barros Rego abandona então a cidade, interna -se pelos
bosques, e aberta a devassa foi condemnado como chefe
de rebellião, banido por ausente, confiscada toda a sua ri
queza, e declarados inconfidentes todos quantos lhe pres
tasse asylo ou auxilios. Forma-se então a liga de Tracu
nhâem , com o fim de resistir a oppressão defendendo-se
da tyrannia dos mascates, até que o governo da metropo
le melhor informado mandasse por termo as perseguições,
e Barros Rego para ahi se retira ; mas, descoberto o seu
asylo por um seu confidente barbaramente violentado para
o indicar, aos 28 de Maio de 1712 cabe em mãos dos seus
crueis inimigos.
Conduzido ao Recife, é alvo das maiores injurias e in
sultos dos mascates, e depois de percorrer as ruas da po
voação, o illustre prisioneiro foi atirado aos carceres da
fortaleza do Brum . "Tão applaudida pelos mascates a pri
são de João do Rego Barros, quão sentida pela nobreza, o
seu zelo, o seu talento eo seu valor , tornavam -no charo a
esta e detestavel áquelles. Acostumado á vida commoda e
confortavel de sua casa , opulenta e abastada , ao trato e
convivencia de amigos, no meio da abastança e da riqueza ,
ás privações do carcere, o opprobio e ludibrio dos seus
inimigos, as humilhações porque passava , e a falta de trato
aos seus encommodos de saude , aggravaram -nos sensi
velmente, e depois de um martyrio de sete mezes , cheio de
resignação e heroismo, viu approximar -se a hora tremenda
do seu passamento , e assim acabou esse insigne e heroico
pernambucano, victima da sua lealdade e patriotismo, cer
rando os olhos a 28 de Dezembro de 1712.
A' morte do benemerito Barros Rego , foi um signal de
alarma, de regosijo e de festas entre os mascates, porém
mesmo assim, ainda duvidavam e não se julgavam segu
ros do seu braço . Não criam que morrera, e quando muito
que algumaccidente
vimentos o assaltára
vitaes, mandaram . Vendo-o
examinar então sem
se respirava mo
, se real
mente estava morto ; e o ultimo exame com que termina
ram as suas duvidas e profanações, foi o acto barbaro de
462 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cravarem -lhe os pés com um sovelão que passou de um a


outro lado , tal a duvida da sua morte, o receio de que isso
fosse um plano de fuga, o temor que lhes inspirava o valor
e a fama de tão illustre capitão.
João de Barros Rego foi sepultado na capella de N. S.
do Pilar, em Fóra de Portas, no jazigo dos seus antepas
sados, sem pompas e solemnidades apparatosas, não só
porque todos os seus bens estavam confiscados, como para
comprazer aos seus inimigos.
« Assim se sepultou para sempre este memoravel An
nibal, Scipião famoso, diz o contemporaneo historiador da
Guerra dos Mascates , mas não se sepultaram as memo
rias de seu nome, que nas de seus naturaes viverão eter
namente recordadas, com aquelles applausos das prero
gativas que teve em sua vida, de nobre, rico, liberal é alen
tado, cavalheiro professo na Ordem de Christo , provedor
da fazenda real e da Santa Casa de Misericordia de Olinda.

Frei João da Conceição Loureiro . Nasceu na cidade


do Recife; mas a epocha , o nome de seus paes, e os pri
meiros actos de sua vida, tudo esqueceu -se, tudo é intei
ramente ignorado.
Abraçando a vida ecclesiastica, professou á ordem de
S. Francisco, foi lente de theologia , e em 1817, achava -se
na guardiania lo convento de Santo Antonio do Recife.
Pernambucano por nascimento, religioso por vocação,
Frei João da Conceição Loureiro alimentava em seu peito
o fogo sagrado do patriotismo, sonhava com a independen
cia da patria.
Concebido o plano da revolta que devia proclamar
a independencia da patria , Frei João foi um dos primei
ros pernambucanos que se iniciarão no apostolado dessa
grandiosa propaganda ; e nos clubs, ou academias do
Cabo e Paraiso , tornara -se pelas suas ideas, pela sua de
dicação e enthusiasmo, um dos primeiros vultos desses
mysterios democraticos. Desposou -se pois fogosamente
com a liberdade, diz um escriptor contemporaneo, a qual
se consagrou totalmente, mas portando -se com tal tino,
que, durante o curso pacifico da revolução, jamais perdeu
a estinia, que suas virtudes lhe haviam grangeado no pu
blico .
Rompendo a revolução a 6 de Março de 1817 , Frei João da
Conceição Loureiro, prestou a causa patriotica os mais assi
gnalados serviços ; no seu caracterdesacerdote, encontrou
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 463

immensas vantagens para accelerar aqui e alli o pronun


ciamento da causa liberal; o pulpito, o confeccionario , a
cella de religioso, as palestras amistosas, em tudo era elle
o dedicado apostolo da liberdade, tudo isso offerecia - The
vastissimos campos a semear o germem da independencia .
Elle convoca os religiosos seus governados e exulta -os a
acompanhar o pronunciamento ; com a palavra inspirada
do patriotismo, com vivissimas cores, elle pinta a imagem
da liberdade de um lado, e do outro a da escravidão, com
o seu funebre cortejo de tyrannias, inspirando -os no santo
amor da patria ; mas o illustre guardião dos franciscanos
nada poude obter dos seus religiosos : elles tremem , va
cilam , e por fim deixam -no só em campo .
E quando a revolta regeneradora pendia para o ani
quilamento, quando as tropas reacs pisavam o solo per
nambucano á restaurar a autoridade real, Frei João aban
dona tambem os seus religiosos, despede- se de gover
nal-os, e lança -lhes em rosto a negra ingratidão com que
pagavam a esse generoso povo , que tão caridosamente os
alimentava com suas esmolas, que tantos favores e obze
quios lhe havia prestado .
Partia pois para o interior o exercito patriota . Frei
João, resoluto a morrer ou conquistar na campanha contra
os realistas os louros da victoria , ergue a sua voz, e ao
seu appello forma-se um numero soffrivel de patriotas,
despe o burel de religioso , enverga a farda do soldado,
constitue - se commandante desse punhado de bravos, e
parte a sua frente, na columna com que o governador Do
mingos José Marlins foi reforçar as tropas do general Su
assuna .
Deixando o habito pela farda Frei João deixou tambem
o seu nome religioso , è d’ahi por diante adoptou o nome
de - Cachico ; - em meio caminho, porém , ieve de retro
ceder por ordem superior, para encorporado a tropa sob
o cominando de Manoel Correia de Araujo ir castigar os
traidores de Santo Antão ; mas estando tramada a mais
infame perfidia, elle cahiu prisioneiro .
Preso, estando já Rodrigo Lobo de posse do Recife, é
Frei João enviado para aqui, e atirado ao porão do navio
Carrasco, com mais 70 companheiros de martyrio, e segne
para a Bahia , « onde, entre molestias habituacs, a feroci
dade dos carcereiros e o despreso geral dos seus padres e
do povo, foi morrendo lentamente , até que a revolução de
464 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Portugal adoptada na Bahia em 1821 , Ihes restituiu a honra,


vida e liberdade, dando a patria um heroe que bem de
pressa vae vingal-a das injurias de Portugal. »
Frei João da Conceição Loureiro, volta então á Per
nambuco , em uma epocha em que a súa patria reclamava o
amor e patriotismo de seus filhos , em prol das regalias
constitucionaes, que Luiz do Rego a despeito das ordens
da Assembléa Constituinte Portugueza, teimava em não
fazer jural- a, vindo a final a fazel-o secretamente,colligado
com os seus camaradas, sem consultar a nenhum dos
filhos do paiz , nem esperar ordens do Rio de Janeiro .
Frei João não envolveu-se logo nos primeiros movimen
tos dessa epocha; doente, curvado ainda ao peso e sof
frimentos do longo martyrio de 4 annos, contentou - se em
applaudil -os. O movimento de Goianna que depoz Luiz do
Rego, a eleição do governo provisorio, o pronunciamento
de S. Paulo a favor do principe regente, a sua deliberação
de pôr - se a frente dos brazileiros, tudo isto applaudiu esse
patriota religioso .
Mas, vendo ao mesmo tempo , « a negligencia do go
verno provisorio e os pretextos com que parecia querer e
dever retardar em Pernambuco a suspirada independen
cia , » brilha então o fogo do seu patriotismo, conspira de
novo, une - se immediatamente ao partido que promovia o
reconhecimento de D. Pedro como chefe do poder execu
tivo independente de Portugal, e desenvolvendo-se o espi
rito publico, proclama- se a 2 de Junho de 1822 a D. Pedro ,
erguia -se o brado da independencia, negando -se obedi
encia ao governo portuguez.
Porém os actos da Junta nesta questão , e os subse
quentes ao seu desideratum , não satisfasiam as patrio
ticas ambições de Frei João. Trabalha pois com todo o ar
dor e perseverança pela deposição dos membros da Junta,
afim de se eleger outros dotados de mais nobres intuitos,
e a 16 de Setembro rebenta a revolta , a Junta é deposta,
no dia seguinte crea - se um governo temporario , e no dia
23 estava eleita a nova Junta .
E Frei João havia com os seus esforços, trabalhos,
amore patriotismo, contribuido em grande parte para tudo
isto . Estavam completos os seus desejos , satisfeitas as
suas ambições de brasileiro, a terra que lhe dera o berço
já não tinha que reclamar delle cousa alguma em prol da
causa da liberdade. Mas o Ceará gemia ainda sob o jugo da
escravidão e tyrannia, e convidado por Felippe Mena Ca
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 465

lado da Fonseca e Antonio Francisco Carneiro Monteiro ,


não duvidou associar-se a tão illustres patriotas, partiu para
o Ceará , desembarca 10 Aracaty , e começa a sua missão
pregando com eloquencia, ardor e enthusiasmo patrioti
cos, a extrema necessidade de se organisar tropas ligeiras,
á expulsarem do seio da patria os seus oppressores.
As suas palavras foram ouvidas com enthusiasmo, e
o seu effeito foi explendido, maravilhoso. Frei João da Con
ceição Loureiro reune tropas, põe - se em movimento, os re
fractarios são castigados, o governo expulso, creado outro,
e declarada a independencia imperial .
Frei João estava ufanoso e satisfeito do bom exito da
sua missão ; mas a sua saude estava seriamente compro
mettida . Volta á Pernambuco, recolhe- se ao seu convento,
e pouco tempo depois, no anno de 1823, o raio da morte
fere - o implacavel. Frei João da Conceição Loureiro, sacer
dote virtuoso, orador eloquente e fogoso , foi um patriota
illustre, um apostolo sincero e dedicado á independencia e
liberdades patrias, e martyre das suas idéas ; um heroe a
cuja memoria a posteridade curva -se reverente, pelos seus
feitos de patriotismo e abnegação. Morreu , mas a indepen
dencia da patria já estava firmada, e adormeceu, ouvindo
ainda os liymnos patrioticos da victoria, da liberdade, de
cuja idéa foi um dos seus mais illustres apostolos, um dos
seus martyres.
João Evangelista Leal Periquito . Nasceu na cidade
de Olinda a 27 de Dezembro de 1797, e foi baptisado na ma
triz de S. Pedro Martyr a 21 de Janeiro do anno seguinte;
o sargento -mór Antonio Gomes Leal e sua mulher D. Ma
rianna dos Santos e Miranda Motta , foram seus paes .
Entrando no Seminario Episcopal em 1808, cursou
todas as suas aulas, e em 1817 já havia concluido a serie
de estudos necessarios ao sacerdocio . João Evangelista
Leal Periquito recebeu a prima tonsura na egreja da Madre
de Deus, a 3 de Abril de 1813, ministrada pelo bispo de Ma
laca D. Frei Alexandre da Sacra Familia , que aqui se
achava de passagem , e seguindo para o Rio de Janeiro,
ahi recebeu ordens de sub -diacono,ministradas pelo bispo
capellão -mór D. Caetano da Silva Coutinho, a 7 de Abril de
1821, na capella do palacio da Conceição , de diacono a 15
de Abril, e de presbytero a 22 do mesmo mez e anno, am
bas ministradas pelo bispo do Pará D. Romualdo de Souza
Coelho , então de visita no Rio de Janeiro .
60
466 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Durante esse periodo Leal Periquito serviu na cathe


dral de Olinda, de moço de côro extra -numerario em 1811 ,
de capellão em 1813, e numerario em 1817 ; foi mestre de
ceremonias em 1818, escrivão do crime e civel do juizo
ccclesiastico de Olinda e escrivão da camara episcopal por
esse mesmo tempo .
Ainda no Rio de Janeiro quando se deram os primei
ros movimentos da nossa emancipação politica, Leal Pe
riquito offereceu o seu concurso em prol da causa da pa
tria , e quando a divisão auxiliadora portugueža pretendeu
obrigaro principe regente á seguir para Portugal , em obser
vancia aos Decretos das cortes constituintes, e os brazilei
ros se uniram para manter a permanencia do principe no
Brazil, elle assentou praça de soldado no 2. batalhão de
linha de caçadores da corte , pelas 11 horas da noite de 11
de Janeiro de 1822, e não olhou a sua dignidade de sa
cerdote, prestou os seus serviços gratuita e patriotica
mente em prol da independencia, os quaes constam de
uma attestação honrozissima, firmada pelo marechal de
exercito Barão da Barra Grande, então tenente -coronel e
commandante do corpo em que se alistou.
Quando se consolidou a obra da independencia do im
perio, e terminaram as suas lutas , Leal Periquito regres
sou para Pernambuco, e celebrou a sua primeira missa
na egreja do recolhimento de N. S. da Conceição de Olin
da , a 8 de Dezembro de 1823. Apresentado vigario da fre
guezia de N. S. da Bôa - Viagem de Pasmado , por Carta de
23 de Junho de 1823, e examinado e approvado pelo tribu
nal da Mesa de Consciencia e Ordens, foi collado na mesma
egreja a 5 de Abril de 1824, sendo este acto celebrado na
cathedral de Olinda .
Neste mesmo anno , por occasião da proclamação da
Confederação do Equador, o padre Periquito fez parte de
uma commissão enviada ao Rio de Janeiro afim de advo
gar perante o imperador a causa da provincia, sendo elle
representante do clero, por designação do cabido de Olin
da, tendo por companheiros Bazilio Quaresma Torreão, re
presentando a classe militar, e João Francisco Bastos Ju
nior a civil; missão esta que não correspondeu aos seus
generosos fins pela má vontade do imperador, e cujo resul
tado é assim narrado por um jornal contemporaneo, o Ty
phis Pernambucano , em seu numero 23 de 1824 :
« A 2 de Maio chegaram á côrte do Rio de Janeiro os
nossos deputados, e acharam S. M. fóra da cidade; e depois
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 467

de sua volta , houveram dous conselhos de estado sobre o


destino, que se daria a deputação . Era fóra de toda a ex
pectativa o que constou dos votos, que la appareceram !
Uns opinaram , que fossem presos os deputados ; outros,
que semandassem retirar sem audiencia ; outros, que fos
sem sim ouvidos , mas sem o caracter de deputados; afi
nal venceu-se , que fossem ouvidos como taes, porém , em
uma audiencia ordinaria , depois do despacho dos requeri
mentos . »
« Teve , com effeito, lugar esta audiencia no dia 14 de
Maio , e S. M. não se dignou attendel -os com aquelle bom
gasalhado, que costuma liberalisar a todos, e que era de
esperar da magnanimidade e generosidade de um principe.
Respondeu -lhes, que, já se havia determinado a final sobre
os negocios de Pernambuco, do qual só a cidade do Recife
lhe era desobediente ; e querendo um dos deputados fallar
a este proposito, o mandou S. M. calar de uma maneira que
dá azos á acrimonia e maledicencia do Portuyuez. Roga
ram então os deputados licença de se retirarem , e S. M.
Thes tornou no mesmo theor : Quanto antes. O que fize
ram d’ahi a cinco dias, passando por todos aquelles despa
chos e gastos, que são do estylo para com homens parti
culares . »
Agraciado pelo imperador com o habito de Christo a 13
de Maio de 1824, e no dia seguinte, como vimos, mal aco
lhido pelo mesmo imperador, como membro da deputação
pernambucana, o padre Periquito retirou - se para Pernam
buco com os seus companheiros, sem obter resultado algum
na missão que os levou á côrte do imperio ; e logo queche
gou publicou com elles um Manifesto dando conta aos
seus constituintes do resultado da sua missão, no qual
vem narrado minuciosamente todo o occorrido .
Fazendo opposição á vigario da egreja de N. S. da Con
ceição da villa de Flores , em 1834, foiapprovado e propos
to em primeiro lugar pelo ordinario , « em attenção aos seus
muitos serviços ecclesiasticos e civis, a sua morigeração e
conducta , e a um grande abaixo assignado dos povos da
villa de Flores , que o pediam para seu parocho » ; mas o
presidente da provincia determinou em seu conselho que
fosse nomeado o terceiro proposto, apesar da provisão que
havia sido passada ao padre Periquito . A’esta resolução
do presidente, os parochianos de Flores empenharam -se,
e enviaram - lhe uma representação a favor do padre Peri
quito, mas nada obtiveram da sua tenacidade, e no anno
468 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

seguinte de 1835, a Camara Municipal em officio de 25 de


Fevereiro apresentou a Assembléa Provincial uma repre
sentação do povo de Flores, firmada por 530 pessoas recla
mando a sua restituição , em cujo officio se lè estas honro
sissimas palavras sobre o merecimento e serviços do padre
Periquito :
« Chegando a esta parochia de Flores , o Revd. vigario
Periquito , para tratar de sua saude, e residindo aqui por
espaço de trez annos, prestou valiosos e importantes ser
viços aos habitantes desta villa. Administrou em todo esse
tempo, apesar do seu penivel estado physico , os Sacra
mentos aos povos, coadjuvando assim o parocho em todos
os trabalhos espirituaes da egreja ; e isto não só com o
maior desvello e caridade, como tambem com o maior de
sinteresse. Elle dirigiu as eleições de Flores com toda a
prudencia e circumspecção , e recitou nessa occasião a ora
ção , não querendo por este serviço mais do que prestar
aos seus concidadãos, e utilisar a esta Camara, a qual
aconselhou e dirigiu por muitas vezes em suas operações .
Rompendo a revolução de Pinto Madeira, elle compoz a
primeira proclamação que se ouviu no acampamento de
Macapá , e foram organisadas por elle todas as correspon
dencias officiaes, que tiveram lugar entre as autoridades
civis e militares da dita villa, e as do Ceará e mesmo para
as desta provincia, durante a guerra do Cariri Novo, e or
ganisou a guarda nacional do municipio de Flores, pres
tando -se sempre voluntariamente, com zelo e patriotismo.
Estes e muitos outros serviços que omittimos, grangearam
ao Revd . Periquito a estima geral ; e fallecendo o parocho
desta villa , os seus freguezes rogaram ao mencionado pa
dre, que houvesse de fazer opposição aquella egreja , por
isso que desejavam que lh’es administrasse o pasto espi
ritual; e assim instado prestou - se a concurso e foi appro
vado. )
Nesse interim , o padre Periquito foi nomeado vigario
da vara , por provisão de 27 de Agosto de 1834, e em 1837 e
1838 foi autorisado pelo bispo diocesano para administrar
o Sacramento da confirmação nas freguezias de Flores ,
Piancó e Fazenda Grande, nas quaes chrismou 18,123 pes
sôas. Supprimida a freguezia de Pasmado, da qual era vi
gario collado, foi apresentado na de Flores, por acto da
presidencia de 6 de Outubro de 1837, e assim viram os pa
rochianos dessa freguezia entre si o benemerito sacerdote
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 469

que conquistára o seu amor e confiança, cuja noticia foi


recebida entre as maiores demonstrações de alegria .
O vigario Periquito regeu conjunctamente a freguezia
do Senhor Bom Jezus dos Afflictos de Fazenda Grande, e
em 1842, simultaneamente com a de Flores, a freguezia de
N. S. da Penha da Serra Talhada. Deputado provincial na
legislatura de 1838 e 1839, presidente da Camara Municipal
de Flores cm 1841 , delegado da Associação da Propagação
da Fé na mesma localidade, o vigario Periquito quer como
sacerdote, quer como cidadão, prestou serviços taes , que
tornou recommendavel o seu nome a honrosa menção dos
posteros .
Homem intelligente e laborioso , dos seus escriptos
nenhuns chegaram ao nosso conhecimento, a não ser as
suas proclamações e correspondencia official das guerra
de Pinto Madeira e Cariri Novo , e uma discripção da fre
guesia de Pasmado , citada por Figueira de Mello no seu
Ensaio sobre a Estatistica civil e politica da provincia de
Pernambuco .
O vigario João Evangelista Leal Periquito, falleceu a 7
de Novembro de 1851 .

João de Mello . Nasceu no anno de 1706. Foram seus


paes João Fernandes da Silva e D. Izabel Gomes de Fi
gueiredo.
Os jesuitas reconhecendo o seu bello talento , diz o Dr.
Joaquim Manoel de Macédo no seu Anno Biographico,
attrahiram o jovem João de Mello para o scio da Compa
nhia, e disso em breve se applaudiram , vendo realisarem
se todas as suas esperanças .
Sendo o sacerdocio a sua vocação , seus paes confia
ram -no aos padres da Companhia de Jezus, e elle seguiu
para a provincia da Bahia, e no respectivo collegio rece
beu a roupeta de Jesuita aos 12 de Fevereiro de 1721 , quan
do contava os seus 15 annos de idade . Ahi , diz Barbosa
Machado , estudou lettras humanas em que sahiu sufficien
temente versado, assim como na poesia latina e vulgar.
Assumindo ao sacerdocio , o padre João de Mello tor
tou - se em breve tempo um dos luminares da ordem dos fi
lhos de Loyola, pelas suas virtudes, pela sua sabedoria,
pelos triumphos do pulpito e pelo primor e bellezas de suas
producções poeticas.
Escassos como são os apontamentos que podemos
encontrar do padre João de Mello, nenhuma de suas com
470 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

posições quer oratorias quer poeticas podemos obter. O


abbade Diogo Barbosa Machado, na sua Bibliotheca Lu
zitana, apenas cita uma glosa joco-seria a oitava de Ca
mões, da egloga 5 da primeira parte das suas rimas que
começam com estes versos :

A vós se dêem a quem junto se ha dado


Quatro decimas , e um romance

Estas duas producções foram publicadas em Lisboa


em 1742, em applausos do Dezembargador Ignacio Dias
Madeira, ouvidor geral da Bahia . Eis, pois, o pouco que
podemos obter da vida desse veneravel sacerdote, desse
illustre filho das muzas .
O padre João de Mello , diz o Dr. Joaquim Manoel de
Macêdo, foi poeta e litterato notavel. Elle honrou a Compa
nhia de Jezus pela sua vasta illustração, e por seus servi
ços na predica e nas missões . Escreveu poezias em por
tuguez e em latim , sendo nestas reputado distincto é de
superior merecimento . O abbade Diogo Barbosa Machado
na sua Bibliotheca Lusitana e outros criticos louvam as
poezias do padre João de Mello pela puresa da lingua, e
pelo fino gosto .
João Nepomuceno Carneiro da Cunha. Nasceu no
engenho Araripe de Cima , na freguezia de Iguarassú, aos
16 de Maio de 1767, e foram seus paes Sebastião Carneiro
da Cunha e D. Maria Francisca de Jesus, ricos proprieta
rios e senhores do mencionado engenho .
Carneiro da Cunha começou a sua educação litteraria
em Iguarassú, continuou-a em Olinda, onde estudou o la
tim , e veio depois para o Recife, applicou -se aos estu
dos de philosophia racional e moral, e a theologia, por ser
vontade de seus paes que abraçasse o estado ecclesi
astico ; mas elle que não se sentia inclinado para isso, de
dicou -se á vida commercial , e constituiu um pequeno ca
pital para começar o seu negocio, vendendo os seus livros
de estudos e outros que formavam a sua pequena biblio
theca .
Homem laborioso , economico e criterioso , Carneiro da
Cunha perseverou no seu trabalho, venceu as primeiras
difficuldades de sua vida commercial, e, depois de alguns
annos, conseguindo accumular um soffrivel capital , desen
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 471

volveu as suas transações commerciaes, adquiriu fortuna,


e a sua casa tornou-se uma das mais importantes e con
ceituadas da praça do Recife.
De instrucção não vulgar, com a intelligencia cultivada,
de genio emprehendedor e de vistas largas como se cos
tuma dizer, Carneiro da Cunha era um dos assiduos fre
quentadores da casa do Dr. Antonio Carlos de Andrade e
Silva, onde se davam largas conversações, planos e dis
cussões sobre a idea assente do movimento emancipador
do Brazil, e tendo sobre tudo a vantagem de ser seu disci
pulo provecto, envolveu -se na conspiração, fez parte das
Academias do Cabo e Paraiso, e quando a revolução rom
peu em 1817, fez serviços eminentissimos á causa da liber
dade, e pode-se dizer, que grande parte das proezas do in
signe capitão-mor de Iguarassú Francisco Xavier de Mo
raes Cavalcanti , a elle são imputaveis, e por isso mereceu
a autonomasia publica de - Braço direito do dito capitão
mor : todavia , seus esforços e fanatismo republicano não
poderam salvar a liberdade, servindo somente de o fazer
réo no tribunal dos tyramnos.
Preso e remettido aos carceres da Bahia , Carneiro da
Cunha foi accusado pela alçada de- tratar da revolução ha
muito tempo, de beneficiar para isto o povo, de prestar -se
em sua casa o juramento de fidelidade ao governo rebelde,
de escrever cartas para soccorro da rebellião, de fazer pro
clamações, de segundo commandante do exercito que mar
chou para Pau d'Alho ; e como tal foi condemnado a dez
annos de degredo para Matto Grosso .
Restituido a sua provincia natal em 1821, Carneiro da
Cunha foi um dos principaes motores do movimento poli
tico de Goyanna, foi eleito membro do governo provisorio
alli installado , e tão patriota , como cheio de abnegação e
desinteresse , não acceitou este cargo que a confiança dos
seus amigos lhe conferiram , assim como regeitou no anno
seguinte, 1822, identico cargo quando teve lugar na capital
a eleição da nova junta do governo, declarando, que seria
mais util fóra, que dentro do governo.
E na verdade, João Nepomuceno Carneiro da Cunha
foi um patriota distincto, prestou immensos serviços á
causa da emancipação politica do seu paiz , e possuindo
avultada fortunna , ganha em sua vida commercial , e aug
mentada pela sua actividade nos trabalhos da agricultura
a que depois se entregou , como proprietario dos engenhos
Mūssupe e Caraú , em Iguarassú , a sua generosidade ac
472 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

companhou sempre os seus rasgos de liberalidade e pa


triotismo; e ainda que não tomasse parte no movimento
separatista de 1824, comtudo auxiliou immenso os patri
otas compromettidos.
Perseguido em 1829 por motivos politicos, elle abste
ve-se desde então de qualquer iniciativa, retrahiu -se e in
teiramente se absorveu nos seus negocios particulares;
e poucos annos depois, a 29 de Novembro de 1833, falleceu
no seu engenho Caraú , em Iguarassú , legando um nome
venerando e respeitavel, por suas virtudes e patriotismo,
tão bellamente memorados em um artigo editorial do Dia
rio da Administração Publica de Pernambuco, em seu nu
mero de 23 de Dezembro de 1833.
João do Rego Barros . Nasceu na villa de Olinda
em principios do seculo XVII, e foram seus pacs o capitão
Francisco do Rego Barros, fidalgo da casa real e cavalleiro
de S. Thiago, e D. Archangela da Silveira de Moraes ; Luiz
do Rego Barreto e D. Isabel de Góes , foram seus avós pa
ternos, e maternos, Domingos da Silveira e D. Margarida
Gomes da Silva, ambos naturaes de Vianna em Portugal.
Ainda bem creanca, em 1635 , quando talvez contasse
os seus dez annos de idade, pois seus paes casaram - se em
1623, João do Rego Barros acompanhou -os á provincia da
Bahia, quando as tropas invasoras da Ilollanda lograram a
posse total de Pernambuco. Ao grito da revolta em 1615,
elle alistou -se nas fileiras do exercito restaurador de sua
patria, como praça de soldado, porem brevemente passou
à alferes de infantaria, e tomou parte nas acções mais im
portantes da campanha, nas quaes procedeu com valor e
dignidade; e como remuneração dos serviços da campanha
teve um escudo de vantagem , e a promoção ao posto de ca
pitão do terço de infantaria do mestre de campo André Vi
dal de Negreiros, por nomeação do general Francisco Bar
reto de Menezes, de 26 de Fevereiro de 1632, e patente do
governador geral conde de Castello Melhor, a qualfoi con
firmada por patente régia de 17 de Junho de 1655.
Depois da restauração de Pernambuco e mais dominios
cio poder dos hollandezes, por cujos serviços merecera ain
da João do Rego Barros, a conferencia do habito da Ordem
de Christo e o foro de fidalgo da casa real, foi nomeado ca
pitão -móra governador da capitauia da Parahyba, a qual
governou de 1663 1620 .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 473

Homem de educação esmerada , intelligente e circum


specto, e nobilitado pelos serviços que prestou ao estado,
quer como militar, na guerra da restauração de Pernam
buco, quer como administrador no governo da Parahyba,
João do Rego Barros gosou de merecidas honras e concei
to , não só do soberano, como tambem dos diversos gover
nadores desta capitania , sob cujas ordens serviu ; rece
bendo como ultimo galardão o provimento no importante e
elevado cargo de provedor proprietario da fazenda real
desta capitania de Pernambuco, por Carta Régia de 19 de
Julho de 1675, cargo este que desempenhou com distinc
ção e dignidade.
Como Vidal de Negreiros, Dias, Vieira , Barreto de Me
nezes, e Christovão do Rego e D. João de Souza, seus
companheiros de campanha, João do Rego Barros legou
nos tambem iim monumento perduravel, que ainda hoje
recorda o seu nome illustre e a memoria dos seus feitos :
a capella de N. S. do Pilar, em Fóra de Portas, a qual dotou
com magnificencia , e instituiu o vinculo desse nome.
Obtendo por carta de sesmaria do governador desta
capitania Ayres de Souza Castro , de 31 de Maio de 1679,
uma data de vinte e cinco braças de terra , no local em que
esteve o forte de S , Jorge, João do Rego Barros edificou a
capella de N. S. de Pilar sobre as reliquias desse glorioso
baluarte, aproveitando ainda em sua construcção grande
parte do material existente, e dando começo as obras en
1680 , quando voltou de uma viagem a Portugal, teve o pra
zer de as ver concluir , e de collocar a imagem da padro
eira, que trouxera de Lisboa.
João do Rego Barros falleceu em avançada idade no
anno de 1697, e foi sepultado na capella -mór da sua igreja
de N. S. do Pilar, na parede do lado da epistola. Capitão
mór, provedor da fazenda real, fidalgo da casa real, caval
leiro do habito de Christo e provedor da Santa Casa de
Misericordia de Olinda por duas vezes , João do Bego Bar
ros nobilitou -se por seus serviços e merecimento ; foi mi
litar distincto, administrador zeloso e funccionario honrado.
João do Rego Dantas Monteiro . Nasceu na cidade
do Recife cm 1774 .
Seguindo a carreira das armas, assentou praça de
soidado, foi promovido a alferes da quinta companhia do
regimento de linha da guarnição da praça do Recife, por
61
474 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Patente Regia de 24 de Setembro de 1808, e a primeiro aju


dante do regimento de infantaria de linha por Patente de 2
de Setembro de 1816.
Iniciado nos tramas revolucionarios da emancipação
da patria , membro activo da Academia do Paraiso , frequen
tando a casa e os banquetes politicos de Domingos José
Martins , João do Rego Dantas Monteiro foi um dos primei
ros compromettidos na revolução de 1817, e um dos seus
martyres quando a tyrannia reergueu ó seu imperio.
Denunciado ao governador Caetano Pinto os planos da
revolta, e tomadas todas as providencias para impedira sua
marcha, no dia 6 de Marco Dantas Monteiro recebe ordem
do commandante do seu regimento , o brigadeiro Luiz
Antonio Salazar Moscoso, para que, acompanhado do seu
companheiro Manoel de Souza Teixeira seguissem á uma
hora da tarde para a fortaleza das Cinco Pontas, e que espe
rassem pelas ordens que lhes seriam transmettidas, o que
executaram promptamente, sem queambos soubessem que
se tratava de prisão.
Quando o brigadeiro Salazar prudentemente assim
obrava para conseguir a prisão dos seus officiaes, o briga
deiro Manoel Joaquim Barbosa de Castro reune um conse
Tho de officiaes, increpa-os do seu procedimento com
epitetos injuriosos, e ao dar-lhes ordem de prisão cahe
ferido pela espada de José de Barros Lima, e no meio da
geral confusão os officiaes formam a tropa, salvam os seus
amigos já em prisão , a proclamam a revolução, a liberdade,
a independencia da patria.
Dantas Monteiro livre da prisão e firmenas suas idéas,
unc - se logo com o seu corpo ao regimento de artilharia,
e no dia 7 marcha com o exercito para a fortaleza do Brum
onde se havia refugiado o governador, assiste a capitula
ção, e volta para o campo do Brario, chamado então pelos
patriotas Campo da Honra - , e toma parte na eleição
do governo provisorio da nascente republica.
Merecendo plena confiança do governo, Dantas Mon
teiro tomou parte muito activa em toda a marcha dos nego
cios publicos, prestando -lhe decidido apoio e coadjuvação.
Quando começaram os primeiros rumores de descontenta
mento no Sul da provincia e o sol da republica começou a
eclipsar -se, e apromptou -se rapidamente umaforte divisão
para reforçar Tamandaré, e embarcou um reforco de cem
valentes veteranos, coube o seu commando ao intrepido
ajudante Dantas Monteiro.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 475

Confiado ao seu zelo e patriotismo, partiu a expedição


contra os rebeldes do Sul, mas a reacção tinha -se espalhado
com rapidez tal, que ao passar por Ipojuca Dantas Monteiro
já não encontrou nos habitantes acolhimento benigno, e
nenhum desejava tomar parte nos seus trabalhos apesar
de lisongeiras promessas. Alli vei ) elle a saber do desas
tre das forças republicanas em Porto de Pedras, e reconhe
cendo a inutilidade da sua marcha com uma tão pequena
força por entre povoações hostis, em condições que não lhe
permittiam avançar, tomou a deliberação de se fortificar na
Barra Grande, logar menos sujeito a emboscadas ou sor
presas , informando o governo do que havia feito e obser
vado, e requerendo as ordens necessarias.
Extendendo -sea contra -revolução das Alagoas às mais
proximas localidades da cidade do Recife, o capitão João
do Rego isolado na sua posição e firme no seu posto, estava
ameaçado por todos os lados, e corria o risco de succumbir
ou de fazer deshonrosa retirada, se energicas e efficases
providencias não fossem tomadas.
Ao perigo material a que este capitão estava exposto,
refere Muniz Tavares, ajuntou -se outro, que , para rechas
sal-o não bastava a força das baionetas ; requer-se firmesa
de caracter e probidade inteira ; veio então assaltal- o a
seducção com o engodo das honras e a segurança da
preservação de males eminentes. Figurava na contra -revo
lução de algumas das villas da comarca do Recife, o capitão
de milicias Barroso , sogro de Dantas Monteiro, velho por
tuguez ,abastado e emprehendedor,que sujeitou -se como os
demais a nova ordem de cousas , e que seria um bom repu
blicano se a fortuna sorrisse aos brazileiros. A variação
das Alagoas, o triumpho dos libertecidos e o bloqueio do
porto do Recife, o decidiram a pugnar pelo partido repu
tado mais seguro; amava o genro porque não o podia
detestar, julgon -o perdido e interessava -se em salval- o .
Correspondendo -se secretamente com Rodrigo Lobo,
commandante do bloqueio , de quem recebeu a permissão
de enviar a Dantas Monteiro um mensageiro com carta
sua e de outros amigos, descrevendo o lamentavel estado
dos patriotas, cadvertindo -o a salvar-se quanto antes com
a gente que commandava, e vir prestar os seus serviços
em prol da monarchia assegurando-lhe, se assim proce
desse, a vida e larga recompensa, e que, se o contrario
fizesse, não só arruinaria a si proprio como a sua esposa e
filhos. As cartas foram entregues, mas o honrado cida
476 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dão ferido em seus brios e dignidade, deu esta breve, ener


gica e patriotica resposta : Prefiro a morte com todos os
seus horrores, a mancha indelevel de traidor du Patria .
O sentimento de familia , bem que altissimo, perde todo o seu
calor, quando è posto em contacto com o dever patriotico ,
a salacao du Patria .
De tão penosa e difficil situação o veio tirar o capitão
mór Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, que
reconhecendo o perigo da posição que occupava, ordenou
The que na melhor ordem possivel se retirasse para o
engenho Velho do Cabo , o que foi habilmente executado.
Dantas Monteiro teve então occasião de figurar na batalha
de Ulinga, na qual pelejou heroica e briosamente, assim
como na de Pindoba, cujo revez fez perder todas as espe
ranças da salvação da patria e da liberdade.
Nada mais restava então aos patriotas, a causa da
republica estava completamente perdida; retirando -se para
o Recife, no momento em que as tropas invasoras tomavam
conta do vencido baluarte, e se restaurava a decahida auto
ridade real, Dantas Monteiro não tardou em cahir nas mãos
dos seus inimigos, porque a sua mesma fama o trahiu,
na phrase de um historiador do tempo.
Preso por ordem de Rodrigo Lobo, cm 30 de Maio , e
mettido em ferros á bordo do brigue Mercurio, seguiu para
a Bahia , e atirado aos carceres da cadeia da Relação, gemeu
por quatro annos, até que, em 1821 The foi restituida a pa
iria e a liberdade.
Entrando no gôso dos seus direitos e das perdidas
prerogativas, nesse mesmo anno , por Portaria de 10 de
Dezembro, a junta do Governo Provisorio lhe conferio o
commando militar da villa e termo de Serinhaem . Em 1822,
Dantas Monteiro já se achava elevado ao posto de capitão
e foi incumbido do commando militar de Una, merecendo
pelos seus serviços e dedicação honrosos louvores da Junta
Provisoria porofficio de 21 de Fevereiro, pela sua prudencia,
welo e interesse que tomou pela paze socego dessa villa, uma
das localidades mais notaveis desta provincia .
Nesse mesmo anno de 1822, seguiu para o Rio de Janeiro,
incumbido de uma deputação ou commissão por parte do
governo provisorio , e nesta occasião , solicitou e obteve it
sua reforma no posto de capitão que exercia . Regressou
então para esta provincia, e recolhendo -se á vida privada
bem pouco sobreviveu ; e a 24 de Setembro de 1824, quando
as tropas republicanas da Confederação do Equador, se
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 477

batiam com as forças imperiaes na Ponte dos Carvalhos,


esse illustre e benemerito patriota exalava o derradeiro
suspiro . João do Rego Dantas Monteiro falleceu no enge
nho Buranbem , na villa do Cabo, e jaz sepultado na capella
do mesmo engenho.
João Ribeiro Pessôa de Mello Monte Negro. Nasceu
na freguezia de Tracunhaem aos 28 de Fevereiro de 1766 ;
foram seus paes Manoel de Mello Monte Negro e sua mu
lher D. Genebra Francisca Pessoa, ambos naturaes desta
provincia ; seus avós paternos o capitão Domingos deMello
Monte Negro e D. Thereza Maria de Mello, e maternos o
capitão mór João Ribeiro Pessoa e D. Genebra de Vascon
cellos Castro .
Dos primeiros passos da educação de João Ribeiro
nada sabemos ; cremos porém que ella foi bem limitada
pelas circumstancias de seus paes, sendo mesmo condem
nado a viver sem gloria e morrer' sem nome, se o illustre
naturalista Dr. Arruda Camara , não conhecesse é culti
casse o talento do jovem Jojo Ribeiro, seu visinho e amigo.
Desde então ficou elle sob direcção de Arruda Camara, e
o acompanhando sempre nas viagens, que , na qualidade
de naturalista do estado, constantemente fazia pelo inte
rior do paiz, começou a desenvolver o seu talento, e a
adquirir um grande cabedal de illustração .
Dedicando -se tambem ao estudo de dezenho, em que
fez muitos progressos, o Dr. Arruda Camara incumbiu - o
de dezenhar os objectos das suas investigações de natu
ralista, principalmente de botanica, sciencia em que eter
nisou o nome do seu discipulo , denominando Riberia Ser
bilis a planta vulgarmente conhecida por mangabeira, e já
descripta por Linneu sob o nome de Achras-Zapota.
Determinando abraçar a vida ecclesiastica, João Ri
beiro deixou as suas excursões scientificas, veio para o
Recife e entrou no convento de N. S. do Carmo. Passan
do-se depois para o Seminario de Olinda , na qualidade de
professor da cadeira de dezenho, continuou ao mesmo
tempo o curso dos seus estudos, porém desejoso de se
aperfeiçoar na bella arte a que se dedicára, assim como
com o fim de obter maior somma de instruccão, deliberou
seguir para Portugal, e chegando a Lisboa matriculou -se
no Collegio dos Nobres.
Regressando á Pernambuco , e já investido da digni
dade sacerdotal, entrou o Padre João Ribeiro no exercicio
478 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

da sua cadeira no Seminario , cabendo -lhe ao mesmo tempo


a regencia de outras na falta dos seus respectivos lentes.
Por esse tempo começou em Pernambuco a lavrar a
a idéa separatista, a idéa da independencia, e o Padre João
Ribeiro em cujo coração ardia a pyra da liberdade, patriota
distincto e dominado dos mais nobres e generosos senti
mentos, « poude catechisar, persuadir e conquistar, não
só os que propendiam para taes idéas, senão ainda muitos
dos maiores refractarios; todavia , era sempre o Seminario
a sua principal campanha e por elle cultivada com tanto
zelo e assiduidade , como convinha a quem bem conhecia
quanto valem , e quanto duram as primeiras lições e im
pressões. » Neste interim chega a Pernambuco Domingos
José Martins. Por esse tempo já se achava estabelecida a
Maçonaria pernambucana , crearam -se as academias do
Cabo , Suassunae Paraiso, cassím semultiplicavam os clubs
em que discutiam - se os planos da futura independencia.
Então, diz um escriptor, a sociedade pòz em movimento
as mais possantes molas , para se transferir de Olinda para
o Recife a cadeira de dezenho com o seu professor, e tudo
se conseguiu, dando -se -lhe a administração do hospital do
Paraiso, para novo e mais proprio lyceo dos amigos da
patria , incumbindo -se - lhe a doutrina occulta com os fas
cinantes titulos de aula de dezenho e bibliotheca publica.
Já anteriormente a essa deliberação havia o Padre João
Ribeiro, coadjuvado por alguns amigos, dado começo a
formação de uma bibliotheca particular na casa de sua
residencia, que a todos era franqueada. E assim iam os
patriotas trabalhando na obra da regeneração da patria,
quando uma denuncia dada ao governador fez accelerar o
rompimento, transtornar todos os planos, mallograr em
fim a sua tentativa .
O Padre João Ribeiro apontado como um dos chefesda
revolução , foi em vista da denuncia designado á prisão ,
mas os acontecimentos de 6 de Março que fez inopinada
mente romper o movimento , livrou - o de ser preso . No dia
seguinte, quando capitulou o general Caetano Pinto , e a
fortaleza do Brum cahiu em poder dos patriotas, voltou o
exercito ao campo da Honra, procedeu -se a eleição dos
membros do governo provisorio , e coube ao Padre João
Ribeiro a imcumbencia dos negocios ecclesiasticos, e in
stallando - se no dia 8 o novo governo, tomou elle posse da
repartição á seu cargo .
« Nenhum como elle, diz um escriptor contemporanco,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 479

era capaz de desempenhar a sua commissão, porque invo


cando sempre a Deus com Te-Deum e outras festas da
egreja , ninguem sabia resistir-lhe. Nós , continua o mesmo
escriptor, o ouvimos rodeado de parochos e ecclesiasticos
de toda a ordem , assim como de capitães-móres, juizes e
vereadores, e grande affluencia de outros muitos que vi
nham sugeitar-se, exclamar : Olhe! olhe ! quem chama
tanta gente, tão grada ! tão religiosa ! é Deus, é Deus cer
tamente que protege a nossa causa !... E logo abraçava e
beijava a quantos seapresentaram , derramando lagrimas
copiosissimas. Era tambem um espectaculo novo , de que
só elle era capaz, vel- o todos os domingos e diassantos,
posto á frente de todas as tropas desarmadas, marchando
do campo da Honra ao templo do collegio dos Jesuitas, e
nelle dizer missa devotamente, e recolher-se novamente,
fazendo gala de ser capellão dos patriotas . Sem jámais de
cahir da sua immensa popularidade, se conservou no go
verno até o fim , sem haver resolução de momento , em que
não fosse escutado . >>
Por occasião do solemnissimo Te- Deum celebrado em
acção de graças, na matriz de Santo Antonio a 21 de Mar
ço , pretendia o respectivo vigario receber debaixo de um
riquissimo pallio os novos governadores , e conduzil -os ao
altar como objecto divino, guiando -se sem duvida , como
diz um historiador, pelo antigo habito das adulações, que
os idolos do dia costumavam arrogantemente exigir. O pa
dre João Ribeiro conhecendo a baixeza desse acto , sem
mais demora dirige -se ao vigario , e lembra- lhe que, segun
do o antigo rito catholico, o pallio devia ser exclusivamen
te reservado ao Deus Sacramentado, e o recusou formal
mente ; acto este que mereceu dos seus companheiros in
teira approvação, e as mais estrondozas acclamações do
povo em calorosos vivas.
Porém a republica já tinha tocado ao zenith da sua
gloria , e caminhava para o occaso . As tropas reaes mar
chavam em demanda do Recife , e os patriotas reduzidos ás
suas unicas forças, viram com maxima dôr obscurecer o
sol da liberdade, e de novo restabelecida a autoridade real .
Chegando a noticia dos desastres do exercito patrioti
co no sul da provincia , o governo e a pequena tropa que
guarnecia a capital marcharam para Paulista, onde ainda
se lhe offereciam alguns recursos, e o padre João Ribeiro
acompanhou -os á pé, com um sacco ás costas e uma es
pingarda aos hombros.
480 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Para qualquer lado que volviam os olhos, diz um es


criptor do tempo , não viam senão perigo difficil de supe
rar -se, concordavam nas suspeitas que os soldados, que
ora os rodeiavam , não tardariam a abandonal-os, e que
talvez, para justificarem - se, não duvidariam garroteal-os
e entregal-os nas mãos dos delegados do rei. Desta idea
fixa deduziam que o unico meio de salvação era a occul
tação e immediata fuga ; mas ponderaram que este mesmo
mcio apresentava grandes embaraços; unidos não podiam
caminhar, porque mais facil seria a descoberta, e nulla a
defeza em razão do pequeno numero comparado com aquel
le que os perseguia , divididos, havia alguma probabilida
de de poder senão todos, ao menos um ou outro evitar a
perseguição. A probabilidade antolha -se com certesa nos
casos desesperados. Elles por tanto resolveram subtra
hir -se quanto antes a presença dos soldados, e cada um
em trages desconhecidos seguir a vereda, que mais adop
tada parecesse . ( padre João Ribeiro assistiu a essa im
perturbavel sessão procurando inspirar a aquelles amigos
à calma da sua alma bem formada. Abandonando a cida
de com a tropa , não foi sua intenção evitar a crueldade dos
realistas ; vinha tomar parte nos perigos, a que via expos
tos tantos cidadãos benemeritos, e ao mesmo tempo con
fortal-os . Quando ouviu a resolução da fuga vergonhosa,
certificou -se que era abraçada; perdido o resto da espe
rança, que até então nutria de ver mais tarde a republica
triumphante, enfastiado dos homens, desgostoso da exis
tencia , determinou finalisal- a . Comsigo trazia uma porção
de veneno, e a este recorreu sem effcito : parece que a Pro
videncia comprazia -se em manter tão preciosa vida, e que
fòra compellida a ceder na luta do homem retinente ; elle
lancou mão de uma corda , e ligando - a ao pescoço , expirou.
Sepultado o seu cadaver na capella do engenho Pau
lista , e sabido esse acontecimento pelos realistas , tres dias
depois parte um troco de tropas por ordem do marechal
Mello, invade a capella, procede a exhumação do cadaver
já em adiantado estado de putrefacção, mutilam -no, sepa
ram - lhe a cabeça do tronco, e trazem -ua em triumpho para
o Recife , percorrem as ruas da cidade mostrando - a como
um tropheo da sua victoria, e por fim expuzeram -na no
Pelourinho, fincada em um poste !
Um escriptor francez , Mr. Ferdinand Deniz , tratando
da execução de alguns chefes da revolução de 1817 , diz o
seguinte sobre o padre João Ribeiro : Entre estes homens,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 481

a quem falleceu a prudencia, mas nunca o valor, ha um ,


que merece por certo mais que os outros as sympathias do
historiador : é o padre João Ribeiro ... Homem instruido ,
mas não favorecido da fortuna , tinha uma philosophia pra
tica sufficiente para se contentar com a posição em que a
sorte o collocára . Como outros muitos ecclesiasticos da
America meridional, havia -se applicado á leitura dos phi
losophos do ultimo seculo, e como elle mesmo dizia , ama
va em extremo a liberdade. As obras de Condorcet tinham
principalmente influido no seu espirito ; elle puha , se
gundo dizem , a maior confiança nos progressos do espi
rito humano . Sua imaginação corria inais veloz que o seu
seculo , e sobretudo muito mais que o genio dos seus com
patriotas... Confundido na presença de tanta miseria hu
mana e de tantos desenganos da vida, diz agora Varnha
gem na sua Historia do Brazil, o honesto e sizudo padre
João Ribeiro perdia o juizo, e vendo baldada a tentativa de
envenenar-se, busconi a morte enforcando - se . Fim triste,
e na verdade digno de lastima, do mais bello caracter que
apresentou a mallograda revolução pernambucana de 1817 .
Frei João do Rosario . Nasceu na villa hoje cidade
do Recife, no anno de 1726 .
Ainda bem jovem seguiu para a provincia da Bahia,
entrou de noviço no convento de S. Antonio de Paraguaçú,
e professou a regra daquella ordem a 8 de Março de 1742.
No curso dos seus estudos, ostentou o jovem religioso o
seu talento, não só nas materias relativas ao que era ne
cessario á vida monastica, como tambem no estudo da lit
teratura amena, da poesia ; com a profunda e bón intelli
gencia que tinha da logica e suas partes, diz o Padre Jabo
atão, juntavu a agudesa e cadencia para us musas, assim
na poesia latina comona vulgar, e não menos para a predica .
Quando em 1750 chegou á Bahia , a noticia do falleci
mento de El-Rei D. João V , Frei João do Rosario compoz
uma bella elegia , a qual foi impressa em Lisboa em 1753,
com as demais producções não só relativas a morte d'esse
monarcha, como também as que foram recitadas nas so
lemnes exequias mandadas celebrar na cathedral metro
politana pelo arcebispo D. José Botelho de Mattos.
Não foi somente essa elegia o tributo rendido por Frei
João do Rosario á memoria de D. João V. Compoz mais
um epitaphio acrostico, e uma inscripcão tambem acros
tica , im versos latinos, 9 epigrammas sobre 02
algumas vir
482 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tudes moraes e outras circumstancias notadas por occa


sião da morte do mesmo monarcha, 6 sonetos ao mesmo
assumpto e uma oitava ou epitaphio a sua memoria, cujas
poesias foram impressas na obra sob o titulo - Gemidos
Seraphicos, assim como a elegia de que já fallamos.
Seja -nos licito pois, apresentar como caracteristico do
seu talento e merecimento poetico, assim como dos seus
conhecimentos da lingua latina, os seguintes versos d'en
tre os que acabamos de mencionar :
-nclitus exanimis -acet sub hac sede sepulchr
crbes Rex ingens clim memorabile mundo
zbsque pari exemplo cides virtute stupenda >
zumine retrice zortus, lapsis que levame z
Zorma et virtutis Zutrix , pacisque nutrimenz
usolio ad solium Erectus, pacisque quiet
uydera subpeditans vapiens dominabitur astris
Como vimos, estes versos heroicos, começando e aca
bando pela ordem das sete letras que compõe o nome la
tino Joannes, e alem disto, com outra ordem das mesmas
letras no meio de cada verso, constituem um trabalho pri
moroso , pela sua belleza e curiosidade, e revellam não só
os dotes e engenho poeticos do seu autor, como tambem o
perfeito conhecimento da lingua em que estão escriptos .
A inscripcão acrostica que se segue, não é menos bel
la , interessante e curiosa, se não mais difficil , porque co
meçando cada verso pelas mesmas letras do nome latino
Joannes, constam de cinco dicções, as quaes tambem co
meçam pelas letras relativas ao mesmo nome, deste modo :
-ngemat -nteritu oanncs -actitet -mbres
Omnis clysipo cfliciossi brutus orbis
stipuletur quis ssitat merica > manter
Zecnon Zaiandum zutum zonnulla Zegare
Zolit Zobiscum Zunc Zotificare Zecesse
extium est Cuge sflugiant Epicedia podon
Uuccedat vubiit cupremus . wydera valvus .

Depois de conquistar um nome respeitavel na velha


capitaldo Brazil, pelas suas virtudes, pelo seu talento po
etico e pelos seus triumphos na tribuna evangelica, voltou
Frei João do Rosario á Pernambuco pelos annos de 1754,
e em 1760 foi nomeado lente da cadeira de theologia e pri
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 483

ma do convento de S. Francisco de Olinda , por delibera


ção do capitulo de sua ordem , de cujas materias, assim
como das demais que compunham o curso dos estudos, já
havia dado exuberantes provas do seu saber, quando na
Bahia, logo depois do seu presbyterato , pois exerceu o car
go de pascante ou sustituto das cadeiras do curso do
convento de Paraguaçú .
No primeiro de Janeiro de cada ano, ataviava -se e co
bria -se de gollas a antiga capella do Senhor Bom Jesus
das Portas , erguida sobre os gloriosos baluartes do forte
desse nome, pelo general André Vidal de Negreiros, quan
do governador e capitão general de Pernambuco . Em
1755 , quando ia celebrar- se a costumada festa , a capella
regorgitava de povo , a belleza das ornamentações, a har
monia dos canticos sagrados, o respeito e devoção tão
proverbiaes nesses bons tempos de outr'ora , tudo prendia ,
tudo dominava ; mas a hora da oração panegyrică da so
lemnidade, era esperada com anciedade .
E ' que a fama, o nome do pregador que devia occupar
nesse dia a tribuna sagrada, havia ecoado pelos quatro
angulos da florescente villa do Recife ; é que esse orador
sagrado era o sabio religioso franciscano Frei João do Ro
sario. Chega a hora, elle sobe ao pulpito , e profundo e re
ligioso silencio reina na capella , só interrompido pelo rul
mor das ondas a quebrarem -se de encontro a muralha do
fórte do lado de Leste .
Dos labios do orador, ungidos pela sabedoria, despren
dem -se as primeiras palavras, recita o texto latino do evan
gelho do dia, entra no exordio do discurso, e assim pas
sando ás diversas partes divisorias, elle foi gradualmente
subindo, elevando -se, até a peroração, soberba e eloquente ,
cheia de crença e de fé, verdadeiro primor de eloquencia ;
e desce da tribuna sagrada, deixando extasiados e arreba
tados todos quantos o ouviram .
Este discurso em que Frei João do Rosario ostentou
todo o brilho e esplendor de sua illustração e eloquencia ,
foi impresso em Lisboa em 1755, sob o titulo : Sermão pre
gado na capellinha do Bom Jesus, que chamam das Portas,
no Recife de Pernambuco ; é este o unico dos seus traba
Thos oratorios que podemos obter, sobre cujo merecimento,
entre os diversos juisos ou informações que deram o pre
lado de sua Ordem , o Tribunal do Santo Officio, o Ordina
rio e o Desembargo do Paço , o que era indispensavel á im
484 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

pressão de qualquer obra nesse tempo , apresentamos em


substancia as dos dois ultimos, juisos estes que muito di
zem do valor e primor de tal trabalho, e do talento e illus
tracão do seu autor.
« Considerando eu , diz o Ordinario, que este egregio
sermão era primicias da sabedoria do seu autor, admiran
do - se nelle tanta elegancia no cstylo, e tanta propriedade
no modo de provar, parece que se lhe podia accommodar
sem lisonja o que Salomão deixou escripto no livro da sa
bedoria Attingit a fine usque ad finem : tão especioso é
o talento e engenho do seu autor, que, já no principio dos
seus escriptos parece chegar ao fim dos seus estudos : e se
estes são os seus principios, quaes virão a ser os seus
progressos ? Para illustrar e engrandecer a sua Ordem , na
qual tem florescido tantos varões iminentes em letras, bas
tava o autor deste sermão com este e outros escriptos ;
mas tudo cede em credito, honra e applauso da provincia
de que dignamente é filho , que assim tanto se illustra com
um engenho tão sublime, com um orador tão eminente ... »
Neste sermão , falla agora o censor do Paço, não
se acha regra que não esteja respirando eloquencia , nem
pagina, em que se não entre em um mar de erudição sa
grada e profana. O seu cstylo é breve e claro ; a accom
modação das escripturas a mais natural, e obvia, e sobre
tudo o assumpto proprio, bem dedusido e cabalmente des
empenhado ; me parece pois muito digno de se dar ao pre
lo, para que todos admirem a fecundidade e doçura deste
novo engenho brasiliense ... >>
Estas palavras, sobre o merito de uma das primeiras
peças oratorias que produzia Frei João do Rosario , ainda
bem jovem , quando acabava desahir dos claustros do con
vento de Paraguaçú , são os seus titulos de illustração e
sabedoria , a conferencia dos louros que enramam a sua
corôa litteraria, cujos titulos conquistaram -lhe um nome e
reputação lonrosissimas.
O Padre Jaboatão, escrevendo o seu Orbe Seraphico,
impresso em 1761, consagrou umaparte da sua obra áme
morar os nomes dos religiosos mais illustres e notaveis de
sua ordem , e assim , mencionando o de Frei João Rosario,
apenas tratou de sua vida até essa epocha, apenas menci
onou os trabalhos que até então publicou .
Tal foi a phrase conhecida da vida do illustre francis
cano Frei João do Rosario, cis pois em rapido escorço o
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 485

que elle foi -- um poeta distincto, latinista illustre e aba


lisado, orador arrojado , eloquente e consumado, uma das
glorias em fim desta terra que lhe dera o berço.
João Soares de Albuquerque . Filho de Fernão Soa
res da Cunha, juiz de orphãos de Olinda, e de D. Catharina
de Albuquerque, nasceu em principios do seculo XVII .
Tendo -se dedicado á agricultura, foi proprietario do
engenho Muribeca , adquiriu fortuna, figurou muito em sua
epocha, principalmente no movimento restaurador do do
minio hollandez.
Rompendo a revolta em 1645, João Soares de Albuquer
que, que figurava como um dos patriotas iniciadores da
conspiração, foi eleito capitão do districto de Muribeca,
afim de reunir a gente necessaria para a guerra , pôz em
campo a revolução , e sahiu de seu engenho para o acam
pamento de Covas á frente de uma companhia de 20 ho
mens de sua casa , e de todos os moradores do logar, todos
armados e convenientemente preparados.
Tomando parte na batalha de Tabocas, muito se dis
tinguiu acudindo com a sua gente os pontos mais dispu
tados , principalmente no combate parcial de Tapacurá,
onde muito se distinguiu . Homem de bem , zeloso e valen
te, na phrase de Frei Raphael de Jezus, promoveu a revolta
em Serinhãem , formou uma companhia de 49 mancebos,
tomou as armas de todos os visinhos para que não cahis
sem ellas em poder dos inimigos, metteu a pique 3 barcos
que elles tinham no porto curregados de mantimentos, e
promptos a seguir para o Recife , e causou immensos dam
nos aos hollandezes.
A subsequente batalha da Casa Forte, que foi , por
assim dizer, a sancção da victoria de Tabocas, foi tambem
um feito em que o capitão João Soares conquistou immor
redoura fama pela sua attitude briosa e distincta. Elle fez
parte do Batalhão de capitães briosos, formado por Dias
Cardoso, para que , depois das primeiras cargas sobre um
esquadrão inimigo, e no calor do combate , se arremecasse
de espada e dardo sobre o mesmo, afim de o desbaratar.
E quando os soldados se atiraram sobre um monte de le
nha, e encherem os baixos e contornos da casa em que se
haviam fortificado os hollandezes, e lançaram fogo sobre
a mesma, e o inimigo tentava salir por uma escada, João
Soares avança á impedir -lhe o passo , ? foi dos primeiros
que com o seu exemplo, abrirum caminho a todos os mais,
486 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

para semelhante hostilidade, por meio da qual fizeram -se


senhores da casa, adiantando -se a todos o capitão João
Soares, á impedir ao inimigo a serrentia da escada, se
guindo -se a esta heroica determinação outros muitos capi
tões e soldados, igumes no valor, ainda que segundos no
exemplo ,
João Soares de Albuquerque figurou tambem nas duas
batalhas dos Guararapes, combatendo na segunda como
capitão de infantaria do terço do mestre de campo João
Fernandes Vieira, tendo então já recebido a confirmação
do seu posto, por patente de 2 de Fevereiro de 16-19 ; e an
teriormente coubc- lhe o commando do forte do Arraial
Novo do Bom Jezus, quando Vidal de Negreiros e Fernan
des Vieira sahiram á levantar uma fortificação que oppo
zesse resistencia a que o inimigo havia construido na Seca.
Soldado distincto, vulto grandioso da guerra da res
tauração , João Soares de Albuquerque viu emfim a sua
patria livre do jugo estrangeiro , e os seus serviços digna
mente apreciados ; foi depois coronel das ordenanças do
Recife, S. Amaro e Varzea, por patente do governador D.
Pedro de Almeida, de 4 de Setembro de 1674 , e posterior
mente foi promovido ao posto de mestre de campo de in
fantaria .
João de Souto Maior . Nasceu na freguezia de S.
Lourenço de Tejucupapo, sendo seus paes illustres e hon
rados .
Ao brado da patria aos 6 de Março de 1817, chamando
seus filhos a libertal-a do jugo que a opprimia , João de
Souto corre ao seu reclamo, e para firmar a sua liberdade,
não conhece perigos nem obstaculos.
Porém , bem pouco durou a famosa republica pernam
bucana, e sendo de novo proclamada a autoridade real,
João de Souto foi preso pelo exercito do marechal Mello ,
posto a ferros a bordo da corveta Mercurio, e em compa
nhia de mais 29 patriotas segiu para a capital da Bahia a
disposição do conde dos Arcos, donde voltou para Pernam
buco cm 1821 , em virtude da geral annistia concedida pelas
côrtes de Lisboa.
Na Bahia teve João de Souto a immcusa dòr de ver pe
recer á mizeria , em seus braços, dous de seus irmãos, tam
bem como elle compromettidos na revolução ; o padre An
tonio de Souto Maior e João Roberto da Cunha Souto Maior.
Chegando a Pernambuco com seu irmão Manoel Anto
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 487

nio da Cunha Souto Maior, arruinados de fortuna e sem


recursos, foram viver na sua propriedade de Tejucupapo,
unico bem que de seus paes restava, e ahi, com seu irmão
entregou -se a vida agricola.
Ainda não estavam terminados os trabalhos e soffri
mentos de João de Souto , pois que , uma facção capitanea
da pelo vigario da freguezia Manoel Alves Calheiros, mui
dedicado ao governador e capitão general desta capitania
Luiz do Rego Barreto ,e monarchista exaltado, não deixara
de perseguir os irmãos Soutos, cujos vandalismos e insul
tos , conquistavam graças e favores do general.
O arrojo desse padre chegou ao ponto de, em um do
mingo deixar de celebrar a missa conventual a que era
obrigado, somente porque os irmãos Soutos se esqueceram
de tirar as esporasdas botinas, por chegarem justamente
na occasião da nissa ; e então o padre declarou ao povo
que deixava de dizel-a naquelle dia, porque os patriotas
João e Manoel de Souto estavam de esporas dentro da igre
ja, e que todo o patriota era judeu , etc.
João de Souto dirige- se ao vigario , explica -lhe o mo
tivo de estar com esporas na igreja, e com aquella ener
gia e audacia que lhe eram peculiares , obriga-o a celebrar
a missa ! « O vigario Calheiros, homem de máos instinctos
e vingativo, protestou acabar com a vida dos dous irmãos
Soutos , somente pelo facto de ser constrangido a dizer
missa, estando presentes dous patriotas de 1817 !!!»
E realmente ; tempos depois acabava ás mãos dos si
carios mandatarios do vigario Calheiros, seu irmão Ma
noel, assassinado a bacamarte, em pleno dia, em Tejucu
papo , cuja sorte tambem estava reservada a João de Souto,
se tivesse tido a infelicidade de acompanhar seu irmão
naquella occasião .
Sete dias depois desse acontecimento , João de Souto
vinga a morte de seu irmão , e então dirige-se para a cidade
do Recife, onde uma grandiosa missão o chamava, e para
a qual verdadeiros, illustres e desinteressados patriotas
pediam o seu valioso concurso em prol da causa da mãi
patria, ameaçada e injuriada pela tyrannia de Luiz do Rego .
João de Souto chegára sedento de vingança, e encon
trando a geral indignação contra Luiz do Řego, associou
se logo a conspiração que era geralmente sabida .
Luiz do Rego foi um dos governadores que exerceu
mais pressão, e mais tyrannias sobre esta provincia. Man
dou enforcar os infelizes pernambucanos compromettidos
488 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

na revolução de 6 de Março de 1817 , cortar mãos e cabeças ,


pregal-as em postes, e arrastar os seus cadaveres á cauda
de cavallo ; mandou assassinar os fanaticos da serra do
Rodeador, no Bonito ; incendiar as suas habitações e la
vouras , e com ellas até gente ; e os miseraveis que esca
param foram por sua ordem conduzidos para o Recife, im
mundos e quasinús ; mandou tocar um rebate falso , para
que um pernambucano militar se encorporasse ao seu ba
talhão, emquanto elle occupava a sua casa ; suspeitando
porém o official, volta a ella , e é assassinado pelos capan
gas do general! Nem os conventos das freiras foram res
peitados, senão o de Goyanna, por defesa de João de Souto.
Não finda aqui os crimes e os actos de selvageria e
barbaridade praticados por Luiz do Rego : a historia bem
poucos os enumera, porém a tradição , e alguns contem
poraneos ahi estão para contal-os.
Neste lastimoso estado a que tinha chegado esta pro
vincia, ospernambucanos congregam -se, e conspiram con
tra Luiz do Rego : muitos destes galgaram elevadissimas
posições no actual imperio.
João de Souto que havia tentado contra Luiz do Rego
em seu proprio palacio , o que não conseguira porque o seu
amigo o padre Venancio de Rezende lançara vinagre nas
pistollas, foi o escolhido para salvar a patria , e quebrar o
jugo da tyrannia, arrancando á vida daquelle que a trazia
na oppressão.
A noite de 21 de Julho de 1821 , foi a designada, e então
os conspiradores, temendo a quebra do segredo se fosse
confiado a gente de baixa esphera , fizeram elles mesmos a
emboscada, no meio da ponte da Bôa - Vista , logar em que
certamente passaria Luiz do Rego. Dirigia -se pois Luiz do
Rego a cavallo , para a sua casa no Mondego, acompanha
do por mais duas pessoas, quando ao passar pela ponte ,
desfecha -lhe João de Souto um tiro, a queima- roupa.
Luiz do Rego sentindo -se ferido, e não podendo se
guir para a sua casa, alojou -se na de seu amigo o capitão
mór Antonio de Moraes e Silva ( o autor do Diccionario Por
tuguez) morador á rua Nova, hoje do Barão da Victoria , e
ahi esteve por espaço de 15 dias, onde despachava todos
os negocios administrativos da provincia.
Antes de João de Souto tentar contra a existencia de
Luiz do Rego , pelos reclamos da patria , os ouvidores de
Olinda e do Recife , tiravam devassas e summarios vagos
por ajuntamentos sediciosos, premeditação de assassi
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 489

nios , e positivos contra o major Antonio Joaquim Guedes,


e mais individuos seus adherentes empenhados em trans
tornarem a ordem publica e contra o tenente -coronel Fran
cisco de Albuquerque Mello . Dadas as pronuncias, já se
haviam capturado umas 8 ou 10 pessoas , quando teve lugar
o mallogrado plano contra Luiz do Rego.
Então multiplicaram -se as perseguições, os insultos
e as prisões : treze dos presos foram deportados para o pre
sidio de Fernando de Noronha, e 42 embarcaram para Lis
boa no brigue Intriga , sem processo algum ca despeito
da legislação, que prohibia reinetterem -se do ultramar para
Portugal presos alguns, sem culpas, que aqui deviam ser
formadas, e sem primeiro haver ordem expressa do rei .
Luiz do Rego, para ver se descobria o chamado assassino,
mandou, por officio de 23 de Julho de 1821 , dirigido ao Dr.
desembargador e ouvidor geral da camara do Recife , An
tero José da Maia e Silva , que publicasse um edital promet
tendo 1 :0003000, e alforria, sendo escravo , á pessoa que
descobrisse o autor d'aquelle attentado, o que seria promp
tamente feito, obrigando por isso a sua palavra .
João de Souto errando a pontaria, e vendo -se perse
guido, lança- se ao rio ; porém , ou não podendo lutar com
o elemento das aguas, ou cahindo sobre alguma pedra,
veio a succumbir, e no fim de tres dias é encontrado o seu
cadaver já bastante desfigurado e comido dos peixes.
Fez-se o que foi humanamente possivel para saber-se
quem era ; sentaram -no em uma cadeira sobre a calçada
da matriz de Santo Antonio , postaram uma guarda , e per
guntavam com interesse a quem passava se o conhecia ,
fazendo -se os offerecimentos que já vimos ; porém , muitos
conhecendo o cadaver de João de Souto, nada diziam a esse
respeito , nada revellaram .
Assim acabou o infeliz João de Souto Maior, esse digno
emulo de Brutto , esse novo Curio , na phrase de um escrip
por pretender salvar a patria, unindo -se a conspira
ção, e tentando contra a vida do general Luiz do Rego.
Segundo o auto de exame e achada do cadaver de João
de Souto , elle representara ser um homem ainda moço,
« de 25 até 30 annos, branco, claro , de altura mais que me
diana, refeito de corpo e bem proporcionado, cabello pre
to , de gadelhas á moda, suicas raspadas, dentes brancos,
iguaes e sem falta alguma, é uma cicatriz na testa , acima
do nariz, fazendo um angulo para a parte esquerda : tinha
vestido uma camisa de panninho encorpado de collarinhos
63
490 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

á moda e casas nos pulsos, calças de riscadinho com ris


cos miudos e pardos, suspensorios de algodão branco e
jaqueta de chita vermelha com riscas brancas fingindo en
trançado, e raminhos verdes e amarellos, mostrava ter chi
nelas que se haviam perdido n’agua, pois se achou des
calço , tendo os pés e mãos mimosas, que mostravam não
ser de homem de trabalho. »
D. João de Souza . Nasceu nos primeiros quatro lus
tros do seculo XVII ; cra filho de D. Luiz de Souza e de
sua consorte D. Catharina Barreto . Pelo lado paterno, fo
ram seus avós o commendador D. Francisco de Souza ,que
foi governador geral do Brazil, e D. Violanta Henrique; e
pelo materno João Paes Barreto, um dos mais ricos e con
ceituados colonos de Pernambuco , fundador do hospital
da Santa Casa de Misericordia de Olinda, e de sua consorte
D. Ignez Guardez.
De 1633, datam os serviços prestados por D. João de
Souza a causa da patria , nas epochas calamitosas das
guerras da invasão e restauração hollandeza, assentando
praça por esse tempo, como simples soldado. Em 1635 ,
quando os pernambucanos emigraram desta provincia
para a de Alagoas, e d’ahi para a da Bahia, por occasião
da total occupação do nosso territorio pelos hollandezes,
D. João de Souza fez parte dessa caravana de martyrio com
sua mãi; mas já era orphão, seu pai não existia , pois na
lista dos principaes emigrantes que menciona o marquez
de Basto nas suas Memorias Diarias da Guerra do Brasil,
figura e nome de D. Catharina Barreto , sua mãi, viuva de
D : Luis de Souzu .
Dado o grito da guerra da restauração, D. João de Souza
vôa aos arraiaes patrioticos, empunha de novo as suas
armas, bate -se carajosamente, e em 1649 já possuia a pa
tente de capitão deinfantaria, e como tal assistiu a segunda
e gloriosa batalha de Guararapes, a 19 de Fevereiro desse
anno, na qual ostentou muito brio , valor e distincção .
Não foi somente a batalha dos Guararapes o theatro
das maiores glorias de D. João de Souza , durante a guerra
da restauração ; Rio da Jangada,Cabo de Santo Agostinho,
povoação do Pontal e outros feitos, o foram tambem ; e
depois de haver recebido o baptismo de sangue na guerra
da restauração, seguio elle para a Bahia, com seu primo o
valente Luiz Barbalho Bezerra, e ostentou sempre o mesmo
brio e intrepidez que o distinguiram na campanha de Per
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 491

nambuco , merecendo os seus novos feitos a honrosa


menção do seu nome nas paginas da historia d'aquella
provincia .
Fazendo parte da tropa pernambucana que foi soccor
rer a Bahia , caminhando nessa penosa viagem emprehen
dida por terra, mais de quatrocentas leguas a pé, foi depois
mandado pelo marquez de Montalvão , vice-rei do estado
do Brazil, a desalojar o inimigo em Sergipe de El-Rei ; e
tomando parte do combate da ilha de Itaparica, sahiu leve
mente ferido na perna direita .
Da Bahia voltou D. João de Souza para Pernambuco ,
onde ainda tomou parte nos ultimos combates que liberta
ram sua patria do jugo hollandez , e a 27 de Janeiro de 1654
entrava em triumpho com o exercito libertador na vencida
cidade Mauricia , onde já tremulava o pavilhão das Quinas.
Os valiosos serviços que prestára a causa dapatria ,
aquella bravura e intrepidez , aquellas fadigas e trabalhos
que affrontou nessa guerra cheia de privações, somente
dominado pelo sentimento patriotico, mereceram do mo
narcha a devida remuneração. E foi por taes serviços, que
El - Rei D. João lhe fez mercê por carta regia de 16 de Setem
vago
bro de 1664, do posto de mestre decampo que ficáraEl-Rei
por promoção a André Vidalde Negreiros, esperando
que elle --- mui a seu contento the serviria em tudo aquillo
que o encarregasse, conforme a confiança e estimação que
de sua pessoa fazia .
Terminando a guerra e livre Pernambuco do dominio
hollandez, que soffreu por 24 annos, D. João de Souza foi
incumbido do commando do regimento de infantaria do
Recife, e poroccasião do conflicto entre o governador André
Vidal de Negreiros e o governador geral do Brazil Francisco
Barreto de Menezes, foi elle nomeado para assumir ao go
verno de Pernambuco, o que não se verificou, porque Vidal
de Negreiros desistiu das suas pretenções, executou todas
as ordens e decisões do governador geral , o qual revogou
então o seu alvará de suspensão. Depois, com a prisão e de
posição do governador desta capitania, Jeronymo de Men
donça Furtado, promovida e effectuada pela camara do
senado de Olinda em 31 de Julho de 1666, foi D. João de
Souza um dos trez nomeados para o governo provisorio,
cujo triumvirato governou a capitania daquella data , a 24
de Janeiro do anno seguinte, quando entregou a adminis
tracão ao general Vidal de Negreiros, de novo despachado
governador de Pernambuco .
492 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

A'par da gloria militar e dos serviços prestados ao


estado por D. João de Souza , nota-se a da instituição de uma
obra philantropica ememoravel, qual a fundação da egreja
e hospital de N. S. do Paraiso e S. João de Deus, no bairro
de Santo Antonio do Recife, para cujo patrimonio, elle e
sua consorte D. Ignez Barreto de Albuquerque vincularam
avultados bens, sendo a escriptura, não só da doacção das
terras para a edificação da egreja e hospital, como a dos
bens em terras, predios, dinheiro e dividas á receber, para
constituir o patrimonio do estabelecimento , lavrada no
engenho Jurissaca em 31 de Outubro de 1684 , pelo tabellião
José Cardoso de Moreno, servindo de testemunhas, o Padre
Gonçalo Ramos de Alvin, Manoel Lopes Teixeira e Gonçalo
Barbosa .
Lançando os fundamentos dessa instituição, como obra
meritoria a bem dos pobres enfermos e desamparados, D.
João de Souza proseguiu na sua obra, em 1686 já estava
levantada a egreja cuja data se conserva n'uma pedra collo
cada no centro do frontão da porta da entrada; mas não
The estava reservada a satisfação de vel- a concluida.
A data de sua morte é desconhecida, mas em 1689 já
não existia, pois a 19 de Agosto desse anno, foi lavrado o
alvará regio de confirmação da instituição do hospital do
Paraiso, como requerera D. Igncz Barreto de Albuquerque,
viuca de D. João de Souza . Segundo uma verba testamen
taria de sua consorte, evidencia -se que falleceu elle em seu
engenho Algodoaes, na comarca do Cabo , que fôra sepul
tado na capella de S. Francisco do mesmo engenho, e que
depois foram os seus restos trasladados para o tumulo
subterranco da egreja do Paraiso, em cuja pedra estão
gravadas as suas armas.
Foi pois D. João de Souza um varão illustre e destincto,
e dotado de uma alma inteiramente bemfazeja e caridosa ,
de cujos sentimentos legou -nos um robusto padrão, que
ainda hoje campea attestando a sua grandeza e generosi
dade d’alma, não só pela instituição em si , como pelos a
vultados bens que legou para a sua sustenção.
Como soldado illustre e valente, conquistou D. João de
Souza pela sua bravura e heroismo nos campos da batalha,
os postos suceessivos de simples soldado a mestre de
campo, as commendas de Santo Eurico e S. Fins, da ordem
de Christo , e o fôro de fidalgo cavalleiro da casa real ;
como cidadão, como homem virtuoso, constante na mais
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 493

bella das praticas evangelicas, a caridade, conquistou as


bençãos dos contemporaneos, que hoje a posteridade con
verte em louvores .

João Velho Barreto do Rego . Nasceu em Olinda em


principios do seculo XVII . Luiz do Rego Barreto, natural
de Vianna em Portugal, e D. Ignez de Goes e Vasconcellos,
natural de Olinda, foram seus progenitores : e seus avós
paternos, Affonso de Barros Rego e D. Maria Nunes, e
maternos, Arnáo de Hollanda, natural de Ultrech , e D. Brites
de Vasconcellos, natural de Olinda .
Fazendo João Velho Barreto do Rego os seus estudos
em Olinda, seguiu para Portugal, onde foi admittido no Real
Collegio de S. Paulo aos 15 de Junho de 1628, e cursando
depois as aulas da faculdade de Theologia da universidade
deCoimbra, recebeu a borla co capello de doutor em Cano
nes .
Fixando a sua residencia em Portugal, o Dr. Barreto
do Rego assumiu aos mais importantes e elevados cargos ,
quer da magistratura , quer da politica e da administração
do paiz, cujas nomeações são provas robustissimas do seu
merito , são attestados incontestaveis do seu talento , illus
tração' e criterio, porque segundo as judiciosas palavras
de um escriptor, - Durante os tempos do governo colo
nial, o adiantamento e distincção de um brazileiro em
qualquer carreira dependente da acção official, cram pro
vas irrecusaveis do mais incontestavel merecimento ; e se
algumas excepções houve desta regra , só se explicarão
pela linhagem dos protegidos pertencentes a nobres e ricas
familias da metropole .
O Dr. João Velho Barreto do Rego occupou successi
vamente os cargos de dezembargador da relação do Porto ,
do Paço , da Casa da Supplicação e dos Aggravos , Juiz da
Corôa , conselheiro e secretario de El-Rei D. Pedro II , e
chanceller-mór do reino, para cujo cargo foi nomeado em
1668. Como chanceller -mór do reino , o seu nome figura no
Repertorio das Ordenações, no cathalogo que traz dos chan
celleres-móres, cujo cargo , pela sua importancia, pela sua
elevação e exigencias, e pelo gráo de confiança que requer,
tudo traduz, tudo patenteia : o merecimento , a illustração
e o criterio do douto varão que o exerceu . O Titulo 2, do
Livro 1 das Ordenações, tratando do cargo de chanceller
mór, terminantemente prescreveu, que, sendo um officio de
grande confiança , e de muita parte da justiça, deve-se esco
494 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

lher para elle pessoa que seja de bôa linhagem e de bom


entendimento, virtuoso, letrado e de bom acolhimento ás
partes , e de tão bons costumes e autoridade, que sejamere
cedor do logar .
O Dr. Barreto do Rego representou um papelmuito im
portante na celebre questão suscitada para nullificar o ca
samento entre a rainha D.Maria Francisca Isabel de Saboia
e seu marido El-Rei D. Affonso VI cujo vinculo foi dissol
vido judicial mas tumultuariamente, a requerimento da dita
rainha, que veio a casar-se com seu cunhado o infante D.
Pedro , depois acclamado rei , pela deposição de seu irmão
o infeliz D. Affonso VI que terminou os seus dias nos mais
apertados carceres .
Conseguida a nullificação , e privado D. Affonso da
corôa, extremaram -se os partidos ; uns pela elevação do
principe D.Pedro aothrono,outros pela investidura do cargo
de governador do reino , assentando então a nobreza com
assentimento do principe, ainda que, com decidida opposi
ção do clero , que, antes de se deliberar sobre tão importante
assumpto , etomar uma resolução qualquer ,sedevia mandar
communical- a aos letrados, theologos e juristas, que fossem
avaliados por mais doutos, por ser esta questão tanto de
consciencia como de direito ; e assim , entre nove pessoas
escolhidas para esse fim , polas suas luzes e sabedoria,
figura o nome respeita veldo douto conselheiro João Velho
Barreto do Rego.
Reunindo - se os membros desta commissão, de cujas
luzes e deliberação ia depender a solucção de uma tão me
lindrosa e importante questão, foi decidida a conferencia
do titulo de governador ao principe D. Pedro, votando uni
camente contra , e por conseguinte pela sua clevação ao
throno, o Dr. Barreto do Rego.
Assumindo o principe D. Pedro ao governo do reino,
chamou para junto de si o Dr. Barreto do Rego , conferin
do- lhe o cargo de secretario e conselheiro de estado. Elle
foi então o seu braço direito ; o seu talento , clevada illus
tração e grande pratica dos negocios da alta administra
ção, imprimiam em todos os seus actos o cunho da
sabedoria, da equidade e da justiça ; e o soberano grato
por tantos serviços, por tanta dedicação, conferiu -lhe o
titulo de fidalgo de sua real casa , e o de prior da ordem de
S. Bento de Aviz , cargo que elle não acceitou .
Tal foi o Dr. João Velho Barreto do Rego, o theologo e
jurista profundo, que deixou o seu nome immortalisado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 495

nos annaes da jurisprudencia portugueza, um varão illus


tre e respeitavel, uma gloria e renome para a sua patría ,
cuja luz da vida apagou-se no anno de 1680, na cidade de
Lisbôa.
Antonio José Victoriano Borges da Fonseca, assim ter
mina o artigo que lhe consagrou na sua obra inedita -
Nobiliarchia Pernambucana, – assim apregoa e realça o
merito de tão illustre pernambucano :
« O Dr. João Velho Barreto do Rego , foi um varão egre
gio , de grande erudição e litteratura, de integerrimos cos
tumes, incorruptivel; pelo que foi geralmente applaudido ,
venerado dos grandes, estimado dos principes, e muito
particularmente do Senhor Rei D. Pedro II, que nos casos
de maior importancia mandava ouvir o seu voto . »
Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Nasceu em
Fóra de Portas, bairro de S. Frei Pedro Gonçalves do Re
cife, em Agosto de 1779, e foram seus paes Domingos da
Silva Rabello e D. Francisca Maria Alexandrina de Siquei
ra . Na sua genealogia, que elle proprio apresentou em um
de seus escriptos, em contestação a injustas arguições
que lhe fizeram , traçou minuciosamente o quadro desua
ascendencia ; esse escripto tem por titulo : O caçador ati
rundo segunda vez á Arara Pernambucana.
Frei Joaquim do Amor Divino Rabello , cujo ultimo no
me substituiu pelo de Caneca , nome hoje legendario e tra
dicional em Pernambuco , em virtude da arte de tanoeiro
que professava seu pae, por cujo motivo o vulgo deu -lhe o
apellido de Caneca, não exhibiu nesse trecho genealogico
de sua polemica, titulos de nobreza e fidalguia, brazões e
pergaminhos honorificos, mas sómente o nomé plebeu de
seus avós, e tão plebeu como o que elle acabava de tomar.
Porém nessa burguezia , nessa origem a que muita gente
chamará talvez baixa e humilde, havia muita grandeza , e
constituia essa grandeza o culto que se tributava ás virtu
des , á honra e ao patriotismo. Não corar do nomede seu
pae, diz Lamartine, é a nobreza do plebeu ; e Frei Caneca
tomando esse nome do baptismo popular de seu pae, con
quistava essa nobreza .
Admittido como noviço no convento do Carmo do Re
cife , tomou o habito aos 8 de Outubro de 1796, e no anno
seguinte fazendo a sua profissão, e terminados os neces
sarios estudos, ordenou -se em 1801 , contando apenas 22
496 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

annos, para o que foi necessario impetrar -se do Nuncio


de Portugal a respectiva dispensa apostolica da idade,
afim de poder receber as ultimas ordens.
No curso do seu noviciado, nos estudos necessarios
ás ultimas ordens, manifestou Frei Caneca o seu talento,
adquiriu muita erudição, accumulou muito cabedal scien
tifico, e apenas deixou as bancadas do aprendisado, rece
beu a patente de leitor em rhetorica e geometria , em 1803,
e com applausos leu a cadeira de philosophia. Na sua or
dem occupou Frei Caneca o cargo de definidor, e em 1809
foi nomeado secretario de Frei Carlos de S. José e Souza,
depois bispo do Maranhão, incumbido da missão de visi
tador da mesma ordem .
Passando -se Frei Caneca ás Alagoas, em virtude do
provimento que teve da cadeira de geometria, voltou de
pois a Pernambuco, e aqui foi posteriormente provido em
igual cadeira na cidade do Recife, em 19 de Janeiro de 1822 .
Abrindo um curso publico e gratuito de rhetorica e poetica ,
philosophia racional e moral, e geometria , por 5 annos lec
cionou essas materias com geral aproveitamento de seus
discipulos.
Já sacerdote e mestre, Frei Caneca deixava a sua ca
deira , e ia assentar -se nas bancadas dos discipulos do Dr.
Antonio Francisco Bastos, e com elles tomar licções de
mechanica e calculo . O estudo assiduo a que se entregava,
a sède de sabedoria que o dominava, impelliam o mestre i
fazer -se discipulo, e é por isso que as suas obras, varia
dissimas pelos assumptos, resplendem raios de sabedo
ria , pela ostentação de seus conhecimentos, pela riqueza
de sua illustração ; e quem as ler, admirará o genio desse
homem , educado numa simples colonia, onde a instrucção
ia pouco além da primaria, pobre, sem recursos , tudo cen
tralisado pela metropole, e então, não opporá duvidas ao
titulo de sabio que lhe confere um de seus biographos, o
commendador A. J. de Mello .
Iniciado nos planos do movimento separatista, mem
bro da Academia do Paraiso , lim dos clubs conspiradores,
quando a revolução rompeu no dia 6 de Março de 1817,
Frei Caneca apresenta -se aos arraiacs patrioticos, saúda a
aurora regeneradora de sua patria, e quando a sua idéa
perigava em Alagoas e no centro da provincia, e o governo
provisorio fazia uma expedicão militar afim de sulfocar as
sublevações, elle marcha voluntario e vai por -se à frente
dos revoltosos, e não recua ante o perigo, e affronta a vida
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 497

nas diversas refregas e combates que se travaram . Muniz


Tavares, na sua Historia da Revolução de 1817, assim des
creve essa phase patriotica da vida de Frei Caneca : « Foi
no engenho Velho do Cabo, que essa tropa expedida do
Recife sereuniu : para alli encaminhou- se também o chefe
acompanhado por dous religiosos carmelitas, Frei Joaquim
do Amor Divino e Frei José Maria Brayner, ambos excel
lentes patriotas, sobresahindo o primeiro ao segundo pelos
seus conhecimentos em litteratura , e particularmente, em
mathematica , requesito que o habilitava a exercer o posto
de conselheiro , entretanto que o Brayner servia de secre
tario e de capellão. »
Ephemera vida estava porém , reservada á patriotica
iniciativa dos pernambucanos ; a liberdade annuviava -se
no horisonte da patria, a republica caminhava para o seu
ocaso , triumphava mais uma vez a causa do absolutismo
lyrannico, mas esse triumpho foi tambem ephemero, teve
apenas a existencia de um lustro .
Foi terrivel a reacção ; ás saudações enthusiasticas do
patriotismo, pelo nascimento da liberdade, surgiram as
perseguições , o martyrio e a morte . Frei Caneca havia re
presentado um papel compromettedor, a sua adhesão á
causa republicana , á causa das liberdades patrias, attrahi
ram - lhe as iras dos realistas ; é preso e remettido aos car
ceres da cadeia da Bahia . O acto do embarque dos presos,
teve o apparato e solemnidade de uma procissão, trium
phal; dir -se-hia que haviamos voltado aos tempos do bar
barismo feudal. Os patriotas marcham em filas de tres ,
unidos pelos braços presos por cordas, com a cabeça des
coberta e pesada gargalheira ao pescoço. Alas de soldados
guardavam os flancos do prestito ; abria-o uma banda mi
litar como que a convidar a população a testemunhar tão
lugubre quadro , que cra fechado por grossa escolta . De
pois de percorridas assim as principaes ruas da cidade ,
foram os presos mettidos a bordo do brigue Mercurio ;
atiraram -nos ao fundo do porão , e ahi, sobre as alcatroa
das taboas permaneceram deitados e abatidos pelos pesa
dos grilhões que lhes prendiam os pés, e pelas gargalheiras
que, unindo estreitamente o pescoço de todos, cravavam
as suas extremidades nas cavernas do navio .
Frei Caneca , assim marchou para o desterro, assim
foi transportado á cidade da Bahia , onde entre as vaias e
apupos da desenfreada populaça, foi arrastado aos carce
64
498 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

res da cadeia da Relação . O que ahi soffreram os patriotas


pernambucanos, o quadro de miseria e de horrores que
ás suas vistas desenrolou a tyrannia , comprehende -se,
mas não se pinta . No meio, porém , de todas essas atroci
dades , veio em auxilio dos miseraveis proscriptos o anjo
da caridade. As freiras requereram ao Conde dos Arcos ,
a graça de conceder -lhes repartir com aquelles famintos a
porção de pão que lhes tocava e de prestar os seus piedo
sos serviços aquelles maldictos da realeza .
Foram attendidas, e d’ahi por diante o auxilio e cari
dade dessas almas candidas e virtuosas, desses anjos de
ternura , retirados do mundo por amor do mundo, melho
raram a vida de miserias e privações que passavam esses
proscriptos da patria . Frei Caneca de tudo isso gozou com
os seus companheiros de infortunio , e então , o reconheci
mento e a gratidão brotaram de todos aquelles generosos
corações ; a lyra dos poetas emmudecida, vibrou então
com reconhecimento, e FreiCaneca, inspirando -se em tudo
isso fez -se poeta , e em ternissimas estrophes cantou as
virtudes e generosidade de suas bemfeitoras.
No carcere compoz elle, entre outras producções, a
seguinte quadra melancolica e sinistra, na phrase de um
poeta , como que presagiando o fim que o aguardava, nos
ultimos versos da glosa que a acompanhou :
Não posso cantar meus males,
Nem a mim mesmo em segredo ,
E' tào cruel o meu fado ,
Que até de mim tenho medo.

Dous annos depois de rigorosa prisão, melhorou a


condição dos infelizes prezos. O carcereiro da cadeia que
no dia em que alli chegaram e nos subsequentes dirigia
lhes mil injurias, bradando com ufania que era o governa
dor daquelle castello e desejaru ser o carrasco para enfor
car a todos, infames rebeldes ; cujos insultos por muito
tempo continuaram , curvara -se então, porque a familia
dos presos foi permittida a correspondencia , e o ouro co
meçou então a gyrar em todos os carceres . A par da vida
e conforto que ia penetrando naquellas sombrias aboba
das, penetrou tambem a luz, e em breve estavam conver
tidas em diversas aulas, e a Frei Caneca coube as cadeiras
de geometria e calculo ; elle compoz uma grammatica da
lingua portugicza , enviando - a a una das freiras, sua bem
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 499

feitora, á proporção que ia escrevendo, pedindo -lhe o con


sultasse em alguma duvida ; cassim aprendeu ella a gram
matica, longe das lições e das explicações do mestre.
Assim permaneceu Frei Caneca nos carceres da ca
deia da Bahia por quatro annos. Consumidos os dous pri
meiros nas atrocidades do despotismo , os dous ultimos
passou -os ensinando e aprendendo, até que em 1821 os
seus irmãos de Portugal, rebeldes como elle , mas victo
riosos, reunidos em assembléa constituinte, decretaram
uma amnistia geral, c elle recuperou a liberdade, e saudou
os lares patrios.
O mesmo homem da liberdade, zeloso do bem e gran
deza de sua provincia patal, Frei Joaquim do Amor Divino
Caneca , diz o commendador Mello , continuou a tomar
parte, quanto lh’o permittiam decentemente o seu estado
e occupações, nos negocios e vivissitudes politicas da pro
vincia de Pernambuco, sempre com honra e entrepidez, e
geralmente mui acatado e estimado.
E' que o martyrio jamais apaga a chamma patriotica
que incende e lavra nos nobres e generosos peitos , quando
a patria geme oppressa, e sôa a hora da liberdade.
O governador Luiz do Rego capitula á frente de um
exercito aguerrido e disciplinado com um punhado de pa
triotas que haviam constituido em Goyanna um governo
provisorio , e embarca para Portugal; a liberdade já asso
mava nos horisontes da patria , Pernambuco havia con
quistado um governo puramente pernambucano, pura
mente nacional, e no anno seguinte era proclamada a inde
pendencia do Brazil, e a 8 de Dezembro tinha lugar na ci
dade do Recife a solemnidade do acto da acclamação do
Imperador D. Pedro I.
Neste mesmo dia celebrou -se um solemne Te - Deum
em acção de graças por tão faustoso motivo, na egreja do
Corpo Santo , ca Frei Caneca coube a honra de subir a tri
buna sagrada, donde, fiel interprete dos sentimentos pa
trioticos dos pernambucanos, ergueu a sua voz cheia de
eloquencia, e pronunciou uma bella oração gratulatoria ,
que logo foi impressa no Rio de Janeiro .
Patriota ardenteeexaltado, mas conciliador, elle jamais
deixou de envidar todos os esforços , afim de conservar a
união entre a familia brazileira e a portugueza; o Brazil já
estava independente, os odios e rivalidades deviam acabar
se ; e, dominado por esse nobre e generoso sentimento,
afim de terminar essas rivalidades , publicou em 1823 um
500 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

interessante trabalho com este titulo : Dissertação sobre o


que se deve entender por patria do cidadão e dos deveres
de cada cidadão para com a mesma patria .
Navegava então a náo do estado em tormentosos ma
res . D. Pedro I acabava de dissolver violentamente a As
semblea Constituinte, e os effeitos desse acto arbitrario, e
das subsequentes medidas do governo , abalaram a paz e
tranquilidade que reinavam no Brazil.
A junta do governo de Pernambuco exonera -se do seu
mandato ; procede-se a nova eleição, e Manoel de Carvalho
Paes de Andrade é eleito seu presidente ; mas o Imperador
nomeia para dirigir o governo da provincia a Francisco
Paes de Barreto . Frei Caneca convidado a dar o seu pare
cer no conselho convocado para deliberar se se devia dar
ou não posse ao novo presidente, apresentou um bello e
luminoso parecer, no qual concluia - que não, « dizendo
com a franqueza propria do seu caracter aquillo que sentia
naquella questão, sem que se propuzesse a lizongear ao
povo, ou ao monarcha, para com a mascara do liberalismo
ou servilismo fundar a sua fortuna precaria sobre as rui
nas da patria . >>
Ainda em mais dous conselhos convocados sobre os
negocios politicos de Pernambuco, Frei Caneca foi convi
dado a dar o seu parecer, e os apresentou encarando as
questões por todos os lados, discutindo -as perfeitamente,
analysando -as á face da historia, do direito e da philoso
phia ; e perante a sua logica , e a luz das suas conclusões,
triumphava a sua opinião : esses trabalhos, primorosas
dissertações sobre os assumptos propostos, acham -se col
leccionados em suas obras, e constituem provas do seu
talento e de sua variadissima illustração .
Trava -se então terrivel lucta entre a tyrannia imperial
e a liberdade ; e Frei Caneca , que em prol da causa da pa
tria já havia escripto a Resposta ás calumnias e falsidades
da Arara Pernambucana, o caçador atirando segunda vez
á Arara Pernambucana e as famosas Cartas de Pitia al
seu amigo Damão , obra prima que tanto fez soar os prelos
pernambucanos, na phrase do padre Dias Martins, come
çou a escrever o Typhes Pernambucano, cujo primeiro nu
mero sahiu a 25 de Dezembro de 1823, terminando a sua
publicação a 12 de Agosto seguinte, imprimindo durante
esse periodo 29 numeros . Este periodico, diz o commen
dador Mello , interessa não só á litteratura da nossa pro
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 501

vincia, pelo bem que é escripto, como a sua historia, por


muitas noticias e factos que da mais importante epocha
consagra á perpetua memoria dos vindouros.
Annuncia D. Pedro I por um Decreto, uma invasão de
tropas portuguezas no Brazil, suspende algumas das ga
rantias constitucionaes, e expede um corpo de exercito
sobre Pernambuco ; então, Manoel de Carvalho, vendo a
provincia invadida, por um lado e por outro, a ameaça de
uma proxima invasão portugueza, e descarregada sobre
a cabeça dos seus patricios a espada da tyrannia pela sus
pensão das garantias, proclama a Confederação do Equa
dor aos 2 de Julho de 1824.
Porém os dias de existencia da Confederação foram
curtos, tão curtos como o da republica proclamada em
1817. Bloqueado o porto do Recife, as tropas imperiaes
marchando sobre a cidade, cabia por terra o imperio da
democracia , e reerguia -se o imperio da tyrannia . Èstavam
perdidos os patriotas e a causa da liberdade. Os dias de
Frei Caneca estavam contados, a sua sentença já estava
lavrada ; procurou pois, como outros companheiros, a sal
vação na fuga, e partindo para o interior da provincia,
atravessa a Parahyba, e chega até o Ceará .
« A fuga do réo, diz elle proprio em sua defesa , nasceu
do temor de ser preso ; e o ser achado entre a força que
fugia , foi uma fatalidade, que não estava em suas forças o
evital -a . O rèo havia ha muito recebido cartas do Rio de
Janeiro , em que se dizia que elle havia de ser preso pelo
seu periodico, e que vinham ordens taes para Pernambu
co : estas noticias lhe foram confirmadas por uns officiaes
do Pará , que ouviram -nas do intendente geral de policia
daquella corte ; e quando V. Exc . , Sr. Presidente, chegou
a Maceió , houve quem dissesse ao réo, que V. Exc . trazia
recommendações a seu respeito, porque logo pedira ao
morgado do Cabo uma collecção do Typhes.»
É realmente, tão calculadamente parece que se tratou
da perda de Frei Caneca, que a commissão militar munio
se até dos poderes necessarios, delegados pelo bispo do
Rio de Janeiro a um dos capellães da brigada, afim de se
proceder ao acto pontifical da degradação canonica daquel
les ecclesiasticos de ordens sacras, que desgraçadamente
houvessem de soffrer a pena de sangue pelo crime de re
bellião e de lesa magestade ! E ainda mais autorisa essa
crença , o facto de ter confessado o bispo que isso lhe fóra
ensinuado por parte de S. M. o Inperador !
502 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
Os dias de Frei Caneca, a sua missão de luz e patrio
tismo sobre a terra , tocavam ao seu termino ; foram dias
tristes , trabalhosos e afflictos, exclusivamente emprega
dos no serviço e bem da patria , na melhor boa fé e total
desinteresse. O Itinerario que fez e escreveu , e acha - se
hoje publicado em suas obras, é interessante e constitue
a ultima phase da historia da Confederação do Equador.
As tropas imperiaes partem em perseguição das tropas
patrioticas ; alcançam -nas, firma-se a capitulação, e Frei
Caneca e seus companheiros cahem em poder dos algozes ,
illudidos pela perfidia de lisongeiras esperanças.
No dia 17 de Dezembro de 1824, chega Frei Caneca ao
Recife, e foi atirado aos carceres da cadeia, incommuni
cavel em um calabouço , que d'antes servia de armario de
guardar as cabeças dos enforcados, escuro , immundo e
apertado. No dia seguinte foi logo installada a commissão
militar, é conduzido á presença desta , e exhibe elle pro
prio a sua defeza ; mas a vontade da clemencia imperial
era enoxoravel.
A 10 de Janeiro de 1825 ouviu calmo, sem a menor per
turbação, a cruelissima sentença de morte que lhe vota
vam os sanguinarios membros da commissão militar ; e
immediatamente foi conduzido ao oratorio . Ha dias em
que o mais alto lugar do mundo é o cadafalso, diz Lamar
tine; e Frei Caneca ia chegar a esse dia , ia conquistar, e
subir a altura desse lugar, corôa de martyrio, monumento
de immortalidade, que só a tyrannia sabe levantar em hon
ra de suas victimas.
Contando por minutos os trez unicos dias de vida que
lhe restavam , ellejámais abatera -se, jámais perdera aquella
severidade e calma que só os heróes sabem ter,ainda mesmo
na hora suprema do sacrificio , dos perigos e do martyrio.
Quando os seus amigos enternecidos abraçavam-no, sem
poder conter as lagrimas que desprendiam -se de seus
olhos, Frei Caneca animava -os , e sorrindo transmittia -lhes
um legado de honra , o de velarem pelas liberdades patrias .
Nesses momentos, nessas horas de amargura , em que a
propria natureza impõe abatimento, elle como que tocado
por uma força superior, mostrava - se indifferente ás sce
nas desse drama em que representava de protogonista .
As cartas que nessa situação escreveu ás suas afilhadas ,
digamos mesmo, as suas filhas, animando -as, aconselhan
do-as no bem , insinuando -as que recorressem á protecção
DICCIOXARIO BIOGRAPHICO 503

Divina, são bellas e ternissimas, cheias de unção evange


lica , de amor e de patriotismo. Elle toma de sua lyra , de
dilha pela ultima vez as suas cordas ; e como o cysne, adi
vinhando o termino de sua vida canta e morre, assim elle
desprendeu este canto repassado de melancolia, amor e
patriotismo :
Entre Marilia e a patria
Colloquei meu coração ;
A patria roubou -m'o todo ;
Marilia que chore em vão .
Quem passa a vida que eu passo ,
Não deve a morte temer ;
Com a morte não se assusta
Quem está sempre a morrer.
A medonha catadura
Da morte feia e cruel ,
Do rosto só muda a côr
Da patria ao filho infiel .
Tem fim a vida da quelle
Que a patria não soube amar ;
A vida do patriota
Não pode o tempo acabar.
O servil acaba inglorio
Da existencia a curta idade :
Mas não morre o liberal
Vive toda a eternidade .

A sentença cruel fulminada a Frei Caneca, cobrira de


dôr e sentimento a todos os pernambucanos.
O cabido de Olinda , paramentado e de cruz alçada, e os
religiosos de todas as ordens, dirigem-se encorporados a
palacio, afim de pedir á commissão militar que suspendes
se a execução da sentença, até que viesse resposta de uma
supplica que iam dirigir ao Imperador. Nem ao menos
foram admittidos e receberam ordem de se retirar brusca
e grosseiramente á porta do palacio . E sendo isto com
municado ao ministerio, respondeu approvando a repulsa ,
por ser tal pretenção louca é incurial !
No dia 13 de Janeiro de 1825, partiu Frei Caneca para o
504 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
patibulo ; e nesse dia, o ultimo de sua vida, dormiu tão so
cegadamente, que, chegando a hora fatal, foi acordal-o o
seu provincial Frei Carlos de S. José, depois bispo do Ma
ranhão, que o confessara , e ministrara -lhe no dia anterior
o Sagrado Viatico .
Parte o funebre cortejo . A' porta da igreja do Terço é
Frei Caneca exautorado , e caminha depois para o largo das
Cinco Pontas, onde erguia -se a forca , cercada por grossa
tropa . Mas nenhum dos designados executores da vontade
imperial prestaram-se a exercer semelhante officio . São
forçados, impellidos a couces de armas e espaldeiradas até
junto da forca, mas não se abateram á villesa a que os que
riam violentar !
Avisada a commissão militar desse embaraço , orde
nou verbalmente que o réo fosse fuzilado, sem ao menos
reformar a sentença que prescrevia a pena de forca, tal
avidez e interesse havia em riscar do numero dos vivos,
esse apostolo da liberdade.
« O varão forte ejusto, ensinou elle mesmo ao alcaide
perplexo e tremulo, o modo como o havia de amarrar a um
dos esteios da forca . ) Parte a escolta executora , e posta
se á frente da victima ; um dos soldados, reconhecendo- a,
cahe fulminado por uma syncope . Sôa a descarga, e o san
gue do illustre martyr jorra de suas feridas pela mão ty
rannica dos verdugos da patria, nesse mesmo lugar onde
outr'ora os seus maiores derramaram -no tambem em pról
da mesma causa sagrada que elle defendia - a liberdade.
E em quanto a victima debatia -se nas ancias da morte e
exhalava o derradeiro suspiro, os suissos do rei que guar
davam a forca, ergueram vivas a S.M.o Imperador, á Cons
tituição e á Independencia do Brazil, e cantaram , acompa
nhados da musica militar, o hymno nacional!

Morreu ! tinha os seus dias consagrado


Em prol da patria , em prol da humanidade,
Satellite fiel da Liberdade ,
Caro a Pallas, das musas embalado .
Marcando ora do globo o espaço dado,
Sábias lições dictava á mocidade,
Ora destro piloto em tempestade
Guiava afoito ao porto a náo do Estado .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 503

Deixa , Olinda, correr o triste pranto :


Perdeste um sabio ; as vistas eclipsaram
Nesse dia fatal de chorar tanto .

Té mesmo os insensiveis se abalaram ,


O dia se vestiu de negro manto
Gemeu natura ; as Pallas trovejaram !
Assim foi saudado Frei Caneca no dia de sua execução.
Quatro calcetas pegaram no cadaver da illustre victi
ma, depõem- no em um esquife, conduzem -no á igreja do
Carmo, e achando - a fechada , largam -no á porta ; recolhi
do então por seus irmãos religiosos , ahi foi sepultado e
ahi descançam os seus restos .
Frei Joaquim do Amor Divino Caneca , victima de seu
patriotismo, do seu amor a liberdade, é um dos vultos ho
mericos desta terra legendaria , quer o encaremos como
patriota, quer como homem de lettras. Os seus feitos, a
sua dedicação á causa da liberdade, constituem hoje uma
como que legenda nacional. As suas obras, collecciona
das pelo commendador Antonio Joaquim de Mello e im
pressas nesta provincia em 1875, em virtude da Lei n.º 900
de 25 de Junho de 1809, formam dous volumes, que são um
monumento consagrado á sua memoria pela posteridade.
Esta riquissima collecção, compõe-se de bellas poe
sias, tres pareceres sobre os negocios politicos de Per
nambuco, a sua defesa , e o seu itinerario desta provincia
á do Ceará ; um compendio de grammatica portugueza,
um tratado de eloquencia, taboas synopticas de rethorica,
uma dissertação politico- social, duas orações sacro-apolo
geticas, tres artigos em resposta á Arará Pernambucana,
Cartas de Pitia a Damão, e finalmente o Typhes Pernambu
CANO .
Alem dos trabalhos de que consta essa publicação,
outros muitos escreveu o sabio patriota Frei Caneca, que
ficaram ineditos, hoje sem duvida perdidos , e outros de
publicação posthuma por seu irmão Januario Caneca , em
1846 no periodico Annunciante, que não figuram em suas
obras, por motivos allegados pelo commendador Mello
na biographia que a precede . Relativamente aos primei
ros , encontramos noticias sobre os seguintes : Historia
da provincia de Pernambuco até o tempo do governador
Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Bibliotheca per
nambucana, Notas á logica de Genuensé e um Compendio
65
506 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de chronologia, além de suas composiçõesoratorias. E re


lativamente aos segundos, são estes: Catalogo dos bispos
de Pernambuco e dos governadores que existiram no mesmo
tempo, Espelho das mulheresformosas, ou arte de realisar
por meio das graças os encantos da formosura, ( trad . fran
cesa ), e a Historia da Fran -maçonaria , traduzida da En
cyclopedia Igleza , em 1813, trabalho cuja publicação não
foi concluida . Tal foi a existencia de 46 annos incompletos
ainda, desse martyr da patria , existencia toda consagrada
á causa da civilisação e da liberdade.
« Vai-te, alma heroica e bella , exclama Antonio J. de
Mello , n’um transporte de eloquencia, no final de sua bio
graphia : vai-te alma heroica è bella , vai-te em paz deste
mundo injusto e ingrato ; descança no seio da Eternidade,
prototypo maravilhoso de todas as virtudes publicas ! E
pois que foi alvo constante de todos os teus dias trabalho
sos amar e servir ao Brazil, nossa patria ; si lá na immu
tavel bemaventurança pode haver memoria deste valle de
lagrimas, conservando por este Brazil o antigo amor ar
dente e exemplar, que entre nós e no mundo illustrado im
mortalisa o teu nome, confiamos que não cesses de implorar
a divina misericordia em favor dos brazileiros, que sen
tem todo o horror do teu assassinio , e todo o peso e des
ventura de tua perda. >>

Joaquim Jeronymo Serpa. Nasceu na cidade do Re


cife aos 13 de Setembro de 1773. Filho de um babil ci
rurgião , foi destinado a seguir a mesma profissão de seu
pae, estudou o curso de humanidades nesta cidade, e ulti
mados os seus trabalhos preparatorios, seguiu para Lis
bòa, e matriculou -se na escola de cirurgia do Hospital Real
de S. José ; e posto que fosse muito limitada a instrucção
medica que dava esse estabelecimento , comtudo , obser
vador e intelligente como era , tornou -se por si só tão illus
tre e insigne nas sciencias medicas, que ainda hoje o seu
nome é vantajosamente citado e respeitado .
Obtendo o seu diploma de cirurgião voltou para Per
nambuco, e em 1808, por Decreto de 13 de Maio, conseguio
a nomeação de cirurgião-mór do regimento de artilharia
da cidade de Olinda .
Serpa foi um dos denodados paladinos da cruzada
republicana de 1817. O acreditado cirurgião Serpa , diz o
autor dos Martyres Pernambucanos, seguio o grande
resultado do formoso 6 de Março , para o qual estava pro
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 507

fundamente iniciado , sendo adepto dos secretos democra


ticos, e em perfeita fraternidade com todos os chefes da
revolução : na quéda da liberdade foi denunciadoaos tyran
nos, e a Alçada pronunciando -o o fez prender ( a 6 de Abril
de 1818 ) e o remetteu aos carceres da Bahia , onde gemeu
até que a amnistia das cortes, em 1821 , o restituio à sua
patria , honra e familia .
Pelo longo espaço de quatro annos em que jazeu nos
carceres da cadeia da Bahia , Serpa não esteve sem
aproveitar esse tempo. Foi alli, entre as privações e os
inevitaveis dissabores de uma rigorosa prisão que elle
aperfeiçoou e concluiu o primeiro trabalho que publicou.
A revolução do Porto de1820 dera -lhe a liberdade; foi solto ,
e aportou ás plagas de sua terra natal, mas tão pobre e tão
onerado de compromissos, que somente depois de largos
annos, poucos mezes antes de failecer, é que veio a termi
nar o pagamento das obrigações contrabidas durante a sua
prisão !
Em 1834, foi Serpa provido por concurso na cadeira de
botanica e agricultura do Jardim Botanico de Olinda , pas
sou em 1835 a exercer interinamente o cargo de director
desse estabelecimento , e em virtude da Lei Provincial n . 49
de 17 de Junho de 1837 foi provido effectivamente, perce
bendo o ordenado de 800 $ annuaes.
A insufficiencia dos compendios adoptados nas aulas
do Jardim Botanico, que infelizmente desappareceu, graças
ao máo entendimento , zelo e economia do governo, induzi
ram -no a claborar um resumido compendio da obra de
Richard, que modestamente intitulou : Compendio de Bota
nica para o uso dos alumnos que se quiseram
dedicar (10
estudo desta sciencia . Pernambuco, na typographia de M.
F. de Faria . 1835 .
A vida de Joaquim Jeronymo Serpa foi inteiramente
dedicada ao sacerdocio da medicina cás sciencias naturaes,
que por elle foram tão zelosa e cuidadosamente cultivadas
e propagadas . Alem dos Elementos de Botanica, compoz
varios trabalhos scientificos, alguns dos quaes foram pu
blicados nos Annaes da Medicina Pernambucana, taes como
uma Lista dos vegetaes que servem para o uso caseiro dos
habitantes desta provincia de Pernambuco, que já havia sido
publicada na 'Revista Medica Fluminense , e um outro sob o
titulo — Topographia da cidade do Recife, tambem já publi
cado na mesma Revista .
« A posição da cidade, os perniciosos effeitos dos pan
508 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tanos e lagoas das visinhanças , as inuteis tentativas que por


vezes fez o autor para induzir as autoridades a seccar o
pantano mais nocive , as molestias endemicas da provincia ,
e os remedios indigenas vulgarmente usados, dizo Dr. Sar
mento , estão resumidamente descriptos com exactidão e a
simplicidade encantadora de todos os escriptos de Serpa.»
Além destes trabalhos, apresentou a Sociedade de
Medicina de Pernambuco , da qualera socio correspondente,
uma interessante memoria sobre a molestia vulgarmente
chamada – bobas — , a qual porém não foi publicada em
sua Revista , e no Diario de Pernambuco de 12 de Maio de
1837 publicou um bello artigo demonstrando a utilidade dos
jardins botanicos.
Tambem no periodico - A Quotidiana Fidedigna, de
14 de Maio de 1834,11. 161 , publicou um artigo demonstrando
a vantagem de se propagar nesta provincia a creação das
bichas ou sanguesugas medicinaes. Neste mesmo artigo
propoz tambem elle que se propagasse a cultura da Althea
(Althea officinalis ), e a plantação da piassava ; e submet
tendo todas estas propostas a consideração da Camara
Municipal de Olinda, da qual fazia parte, foram todas
approvadas , porém cremos que não passou de projecto a
execução de taes medidas .
Já anteriormente a todos estes trabalhos havia elle pu
blicado nesta provincia , em 1828 , na typographia do Diario
de Pernambuco, uma interessante obra por titulo – Tra
tado da educação physico -moral dos meninos, extrahido
das obras de Mr. Gardien , e ampliado com illustrações ex
trahidas dos melhores autores .
« Serpa, diz o Dr. Moraes Sarmento, não quiz imitar
os autores , que, não juntando uma só idéa propria ao
fundo commum dos conhecimentos em alguns ramos das
sciencias, chamam suas as producções que nem pelo es
tylo differem das que já existem . Limitou - se ao modesto
titulo de traductor das obras de Gardien ; mas logo , nas
primeiras paginas da sua dedicatoria ás mães de familia,
nos faz sentir que não quizesse por demasiada modestia
dar o cunho do seu estylo á moeda corrente da sciencia .
Sem educação ( diz Serpa ) a moral não é fructifera, as leis
são freios impotentes para as paixões desenvoltas ; os cos
tumes desapparecem , e um povo que a não teve não offerece
mais do que uma horda de selvagens sem virtudes, discor
des entre si mesmos, e inimigos de visinhos. As notas
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 509

que o traductor faz ao texto francez mostram que, se não


quiz passar por autor original, nunca perdeu occasião em
que podesse ser util ao leitor. Com esta traducção Serpa
fez um serviço incontestavel a provincia, e provera a
Deus que ella fosse mais lida pelas mães de familia, as
quaes, pela maior parte, nem della teem noticia, em quanto
que com repetidos annuncios se lhes inculca agora (1843)
um escripto sobre o mesmo assumpto, que em verdade
nada excede ao do nosso Pernambucano. »
Serpa não só era habilissimo cirurgião e botanico, como
tambem insigne desenhista . Em 1834 enviou á Academia
de Medicina do Rio de Janeiro , da qual era socio correspon
dente, dous volumes de desenhos de anatomia humana,
feitos por si; e o relatorio apresentado pela commissão
incumbida de dar parecer sobre esse importante trabalho
é o mais lisongeiro e significativo possivel.
No meio dos seus afanosos trabalhos, já soccorrendo a
pobre humanidade comomedico, já encaminhando a moci
dade pernambucana nos mais difficeis segredos da sciencia
comoprofessor, não se esquecia ,e nem tudo isso o impedia,
de tentar novas investigações enriquecendo assim com os
seus trabalhos as sciencias que tão sabiamente professava.
Conhecendo da absoluta necessidade do uso da lingua
grega nos estudos scientificos , aprendeu por si só esse
bello idioma, quando já se achava em uma idade avançada.
Bem raros, porém , são os poucos e importantes traba
Thos de tão insigne botanico, que viram a luz da publicidade;
e grande devia ser o numero dos seus ineditos, que hoje
infelizmente se ignora onde param e talvez mesmo nem
mais existam . A Academia de Medicina do Rio de Janeiro
deve possuir uma grande copia delles , alguns dos quaes
foram publicados ainda em sua vida .
Serpa estava escrevendo um compendio de agricultura,
apropriado ao clima desta provincia, em cujo manuscripto,
diz o Dr. Moraes Sarmento, mostra espirito observador e
não vulgar lição, quando foi accommettido por uma ascitis ,
symptomatica de alteração organica do figado , que o pros
trou no leito e da qual veio a fallecer aos 17 de Julho de 1842.
« Este facultativo , que honra a Pernambuco, seu paiz
natal, diz o illustre Dr. Simplicio Mavignier, tinha bastante
instrucção, era dotado de talento, e mui curioso e investi
gador. A morte rapida que em tão pouco tempo arrebatou
o Sr. Serpa do meio dos seus collegas, que o respeitavam ,
e dos amigos que o presavam , será sempre sentida ; ella
510 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

privou a Sociedade de Medicina das interessantes produc


ções que elle elaboravacmeditava . Ovasio que o Sr. Serpa
deixou , não será tão cedo por certo occupado por outrem
de tanto merito . »
Joaquim Jeronymo Serpa, segundo discreveu o illustre
padre Miguel do Sacramento Lopes Gama , em um artigo
necrologico publicado no Diario de Pernambuco de 2 de
Agosto de 1842, « era dotado de um genio jovial , a sua con
versação era adubada de graciosas facecias, de ditos sen
tenciosos, que a todos regosijavam e a ninguem offendiam .
Homem de palavra, amigo fiel e seguro, honrador de todos ,
compadecido das fraquezas humanas, tolerante, generoso,
a todo mundo afagava , a todos mettia no coração ; final
mente, Joaquim Jeronymo Serpa era dotado de todas as
virtudes que constituem um cidadão honrado e prestante :
su'alma, pura e sincera, não conhecia as artimanhas da
traição e da perfidia , em summa elle sabia guardar a digni
dade de homem ; mas como tal devia pagar o irrevogavel
tributo de nascido , e de desapparecer da face da terra , sim ,
porém não da memoria de seus amigos e de innumeras
pessoas, a quem tanto beneficiou. O seu nome passará
a posteridade de parceria com os nomes dos mais prezados
e dignos filhos de Pernambuco . »
Serpa viveu sempre pobre, retirado a sua habitação na
velha e pittoresca Olinda, sem ambicionar honras nem
representações, e morreria mesmo desconhecido, se a
grandeza do seu merito e sabedoria e os seus importantes
trabalhos não fossem ainda hoje os pregoeiros da sua fama.
E' que os livros , na phrase do Samuel Smiles, têm alguma
cousa de immortaes, porque são os productos mais dura
douros do esforço humano .
« Embora em tão prestante cidadão não achassem seus
coetaneos meritos para cargos publicos ; embora acabasse
seus dias na solidão e na pobreza ; quem negará, diz o Dr.
Moraes Sarmento , que Serpa foi até hoje o pernambucano,
que mais se esmerou na cultura das sciencias naturaes ?
A indifferença, a injustiça para com os homens uteis, não
impedirá o nome de Serpa de radiar glorioso na posteridade.
Quando tantos homens, que na imperfeição de nossas
organisações sociacs, astuciosa, ou nocivamente usurpam
funesta celebridade, e adquirem fama, que nenhuma inten
cão honrada justifica ; quando esses homens tiverem des
cido á sepultura, nenhum vestigio deixarão na memoria
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 511

dos vindouros : mas ao pé da sepultura de Serpa dirão


todos com justiça : Aqui jaz um cidadão que manifestou o
seu amor á patria , não com palavras vãs, muitas vezes dissi
muladoras do mais abjecto egoismo,mas expondo -se a peri
gos reaes, trabalhando até na cadeia em escriptos úteis,
prestandoconstantemente aos pobres soccorros da sua pro
fissão, publicando varias obras necessarias e dando, no
meio da corrupção geral, o exemplo das virtudes antigas. »
A egreja de N. S. do Guadalupe em Olinda guarda os
restos mortaes de tão illustre quão benemerito varão.
Joaquim Nunes Machado . Nasceu aos 15 de Agosto
de 1809, na cidade de Goyanna, e foi baptisado no dia se
guinte na igreja do convento do Carmo, e foram seus paes
Bernardo José Fernandes de Sá . e D. Margarida de Jesus
Nunes Machado .
Filho de paes abastados, gosando sua familia de me
recida estima e influencia, Nunes Machado recebeu uma
educação esmerada ; a sua intelligencia fecunda, mani
festou- se logo na vivacidade de sua infancia , e no estudo
das disciplinas preparatorias conquistára louvores e ap
plausos de seus mestres e condiscipulos.
Nunes Machado terminou exactamente o seu curso
preparatorio, quando o governo imperial lavrava o decreto
de i1 de Agosto de 1827 , creando os cursos juridicos de
S. Paulo e Olinda ; e no anno seguinte abrindo - se as suas
aulas, foi elle um dos primeiros estudantes matriculados
na academia de Olinda.
Cursava Nunes Machado o seu 4. ° anno em 1831, quan
do rebentou a 14 de Setembro a sedição militar conhecida
na historia por Setembrisada, commettendo a tropa desen
freada, senhora da cidade, os mais barbaros attentados,
roubos e toda a sorte de crimes, durante 3 dias . O povo
arma - se , e reune -se a milicia para occorrerem a commum
defesa , os academicos de Olinda, improvisam de repente
um batalhão patriotico , marcham para o Recife, e muito
concorreram para suffocar a terrivel sedição; e na phalange
d'esses filhos de Minerva, lá estava o menino patriota Joa
quim Nunes Machado de arına á cara, em defesa da honra ,
vida e bens dos habitantes do Recife. No anno seguinte,
em 1832, a academia confere - lhe o grao de bacharel em
sciencias juridicas e sociaes; e no immediato ,promulgado
o codigo do processo, recebe elle a nomeação de juiz de
512 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

direito de Goyanra, e depois , em 1835 , passou a juiz da


primeira vara criminal do Recife, e como tal , exerceu o
cargo de chefe de policia,
A phase da vida de Nunes Machado que agora segue,
uma das mais bellas de sua vida , é assim descripta por
um dos mais possantes talentos de Pernambuco , o Dr. An
tonio Vicente do Nascimento Feitosa, em um discurso que
recitou aos 2 de Novembro de 1863, em homenagem a sua
memoria e de seus companheiros de infortunio, na revo
lução de 1848 .
« Corria o anno de 1836 quando a provincia de Per
nambuco se achou , por causa de actos legislativos filhos
de circumstancias especiaes, enfeudada a uma familia que
se queria constituir a unica arbitra de seus destinos. Ci
dadãos respeitaveis , cheios do sagrado sentimento da li
berdade e da independencia pessoal, souberam protestar
bem alto, e em nome dos imprescriptiveis direitos que a
lei fundamental outorga ao cidadão brasileiro , contra o
aviltamento que de semelhante ordem de cousas resultava
para á provincia. Em 1842 esse poder feudal se achou al
liado ao despotismo central que resultava das leis incon
stitucionaes então promulgadas pelo principio que havia
assumido o governo do paiz em 1837 e se havia consoli
dado em 1841.
« Então o elemento popular de Pernambuco se achou
horrivelmente comprimido , quer pelo poder central, quér
pelo feudalismo provincial. Quem ergueria um brado em
favor d'este povo tão torturado tão martyrisado ? Quem de
fenderia os seus direitos com denodo proporcionado ao
desespero da situação ? Quem seria o Oconnel d'estes po
bres irlandezes, votados ao despreso e á exclusão dos di
reitos constitucionaes ? Era mister um homem que unisse
uma grande alma a um grande coração ! Pois bem ! o de
sembargador Joaquim Nunes Machado foi esse homem ,
que, sabendo identificar -se com os soffrimentos do povo,
foi o incansavel athleta d’esses direitos que a mais feroz
das oligarchias tão tyrannamente conculcava.
« Sua vida parlamentar desde 1842 a 1848 foi uma luta
incessante, na qual o povo pernambucano foi o objecto
exclusivo do seu culto . E ' cousa admiravel ver como esse
homem dominando todas as causas de dissolução lançadas
á porfia no meio da população, ora levava o povo aos tri
umphos eleitoraes, ora sabia refreial-o quando o via arre
batar-se por instigações de falsos amigos. Os ultimos an
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 513

nos desse periodo foram uma série de actos heroicos, e


estes em tal gradação que tiveram por coroamento o maior
dos sacrificios . >>
Creada as assembléas provincias, e installada a de Per
nambuco, Nunes Machado toma assento como deputado
logo na primeira legislatura, merecendo ainda depois , a
honra de ser reeleito . A sua attitude na assemblea pro
vincial, o interesse particular que tomava em todas as
questões de magno interesse, o seu amor e empenho pela
prosperidade e progressos de sua provincia, a sua palavra
eloquente , sempre erguida em prol dos direitos populares,
tudo conquistou -lhe applausos e reconhecimentos , e na le
gislatura da assembléa geral , que principiou no anno de
1838, Nunes Machado recebe o diploma de deputado á ca
mara temporaria , e em outras legislaturas, os seus com
provincianos ainda o distinguiram comoseu representante
no parlamento nacional.
Então, Nunes Machado cra o chefe do partido popu
lar, e aqui , como no Rio de Janeiro, era acatado, venerado
mesmo, e respeitado por todos. Nunes Machado, diz o Dr.
J. M. de Macedo, reunia com effeito as condições mais no
taveis para sêl -o : no parlamento, bem que pronunciasse
alguns discursos eloquentes e vigorosos, nunca foi tido em
conta de orador de primeira ordem ; mas, nas assembleas
populares era tribuno arrebatador : de elevada estatura,
agradavel presença , olhos cheios de fogo , tinha voz que se
prestava a todos os tons, desde a doçura da amabilidade
alliciadora, até o rugido do leão : fallava com facilidade e
energia : dispunha degrande força physica e de cora
gem inabalavel : além d'isso era generoso e beneficente, e
nenhum como elle sabia tanto mover o povo .
A 29 de Setembro de 1848 o partido liberal é apeado do
poder, e sobe ao governo o partido conservador. Em Per
nambuco estavam então os animos em combustão ; con
flictos e desordens já se haviam dado em alguns pontos
da provincia , quando é publicado o acto do governo adı
ando a reunião das camaras. Resolvido em numerosa reu
nião de senadores e deputados liberaes na côrte do im
perio , que, cada um se empenhasse em suas provincias
no arrefecimento dos animos exaltados, Nunes Machado
apoia e applaude muito esta medida, mas teme comtudo
de voltar á Pernambuco, prevendo o rompimento da re
volta , apezar de todos os esforços em contrario .
$ 6
514 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Os amigos de Pernambuco reclamam a sua volta , elle


resiste, mas afinal parte , confiado porém em sua immensa
e merecida influencia e popularidade. Incapaz de dissimu
lação, diz o autor da Apreciação da Revolta Prueira, por
toda a parte foi manifestando os fins pacificos de sua via
gem precipitada : chegando ás Alagôas , achou a noticia do
rompimento . Tão puras eram suas intenções, tanto estava
a revolta fóra de suas vistas e esperanças, que nos asso
mos da sorpreza lançou imprecações contra seus amigos
e alliados, e partiu na firme resolução de fazer desarmar
o partido .
A 17 de Novembro de 1848 chegou á Pernambuco o
desembargador Nunes Machado , a bordo do vapor Bahi
anna, e immediatamente com outros companheiros, dedi
cada e afincadamente se entregou com todo o ardor de
seu caracter ao desempenho de sua missão pacificadora
e patriotica. Mas, a desattenção da presidencia ás suas
proposições, adversarios politicos adrede fazendo espa
Îhar que Nunes Machado e seus collegas sc tinham ban
deado, vendendo -se ao governo, a desconfiança que então
começava a lavrar entre seus proprios amigos, e o epitheto
de trahidor que já lhe davam , arrastaram -n'o ao campo , a
revolta, ao sacrificio ; eu bem annunciei que vinha ser cic
tima ! disse então aos seus collegas de deputação, cou
sèl-o ! E partiu do Recife, e pòz-se a frente das tropas re
beldes como seu chefe.
Em 31 de Dezembro de 1848 partiu Nunes Machado para
o sul da provincia , vaí ás Alagoas, dirige e encaminha to
dos os negocios , atravessa para Pernambuco, e percorre
differentes pontos ; mas reclamando a marcha dos acon
tecimentos a sua presença no Recife, voa a esta cidade, e
occulta-se, e depois de terminado o fim de sua missão,
parte de novo para o campo. Depois de diversos ataques
e combates, em que o desembargador Nunes Machado
dir -se -hia um soldado corajoso e valente, affeito as lides
das campanhas militares, foi resolvido dar -se o ultimo
golpe, o ataque da capital.
Aos 2 de Fevereiro de 1849, ao romper da aurora, as
columnas rebeldes chegam as portas da cidade do Recife ;
uma ataca pela Bôa-Vista , a outra pelos Afogados, com
cerca de 2,000 homens. A' columna do sul penetra na ci
dude, e occupa os bairros de São José e Santo Antonio,
mas a columna da Boa Vista encontra sérios obstaculos .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 515

Chegando até a Soledade sem difficuldade alguma, ahi


achou porém a sua frente tomada pela tropa estacionada
no quartel d'essa localidade.
As tropas rebeldes entrincheiram - se no sitio e casa
fronteira ao quartel; rompe o fogo , e Nunes Machado to
mando a temeraria resolução de expôr-se á animar as tro
pas, e dirigil-as ao assalto , ao sahir da casa em que se
achava a observar o posto inimigo, vôa o raio da morte
sobre a sua cabeça e elle cahe morto .
O que valia o desembargador Joaquim Nunes Machado
entre os seus companheiros, o seu prestigio , a coragem eo
animo que infundia em todos , disse - o bem alto a conse
quencia de sua lamentavel morte . A tropa se apoderou
do maior desanimo, dissolveu - se em grupos fugitivos , e
conduzindo o cadaver do chorado chefe, o foram depositar
na capellinha de Belém .
No dia seguinte, marcha por ordem da presidencia, o
chefe de policia a frente de 50 praças de primeira linha e
de muitos voluntarios, á conduzir para o Recife o cadaver
da illustre victima. Chegam a Belém , acham a capella fe
chada, procuram o guarda, e não o encontrando porque
havia elle se occultado, vão ter á sua mulher ; mas ella
negando - se a entregar a chave, pretextando que não a ti
nha , foi seviciada , presa e conduzida ao quartel do corpo
de policia .
Arrombadas as portas da capella , jazia o cadaver de
Nunes Machado sobre o ladrilho do corredor, em umarede,
e n’esta mesma conduzem -n'o para o Recife. « Muitas ve
zes teve o funebre cortejo de parar em caminho, diz Fi
gueira de Mello , já para que podessem descançar os car
regadores da triste victima, já porque muitos cidadãos se
arrojavam á rêde em que vinha, para a reconhecerem e las
timarem . O chefe de policia, (é o proprio Figueira de Mello)
e toda a força que o seguia , ou porque lamentassem o pas
samento de um cidadão, que em epocha futura ainda po
dera ser util a patria , - ou porque certo das grandes peri
pecias da voluvel roda da fortuna, conhecessem que nin
guem pode considerar -se isento de desgraças taes , mos
travam - se tristes, e communicavam estes sentimentos a
todos quantos os acompanhavam . »
« De distancia em distancia, falla agora Urbano Sabino,
parava o impio prestito, para se expôr o corpo, e mostrar
que era do proprio desembargador Nunes Machado ! e toda
516 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

essa infame profanação era acompanhada de gritos desen


toados - Viva o imperador! – viva o presidente ! morram
os cabanos ! »
Quér segundo Figueira deMello , quer segundo Urbano
Sabino, ambos historiadores d'essa mesma revolta que en
sanguentou e enlutou a provincia de Pernambuco, e que
por tantos annos impedio o seu augmento e prosperidade,
foi conduzido o cadaver de Nunes Machado, e sepultado
no cemiterio do Convento de S. Francisco , depois de feito
um auto de vistoria, verificando -se que, « tinha uma ferida
penetrante de arma de fogo na região temporal direita, in
teressando o musculo é osso respectivo e a massa cerebral,
de profundidade de 6 pollegadas, do que lhe resultou im
mediatamente a morte. »
Assim acabou o desembargador Joaquim Nunes Ma
chado, essa alma « generosa e pura, amigo leal e dedicado,
patriota eximio , coração elevado, sempreincendido no amor
da patria . »
Joaquim Nunes Machado , diz o Dr. Joaquim Manoel de
Macedo , morto a 2 de Fevereiro de 1849 em campo armado,
em revolta contra o governo legal, em acção criminosa , e
peior do que isso em gravissimo e lamentavel erro politico
expiado longamente pelo seu partido em todo o imperio,
foi em todo o imperio chorado . O retrato de Nunes Machado
multiplicou -se em milhares de cópias, ou de estampas, e
ainda hoje se vê conservado em muitas casas , principal
mente sob o tecto modesto ou pobre de gente do povo. Joa
quim Nunes Machado, homem de probidade inatacavel,
typo de generosidade e de dedicação, leal até o sacrificio,
corajoso até a bravura, morreu , sendo realisada a sua pre
visão, quasi prophetisa : se eu fôr para Pernambuco, serei
victima.
Um quarto de seculo depois, a 2 de Fevereiro de 1874 ,
era assignalado o lugar em que por 24 horas jazeu o ca
daver de Nunes Machado na capella de Belém , assentan
do -se uma lapida commemorativa. Foi uma solemnidade
modesta, mais bem significativa , um acto tocante , uma
romaria patriotica e concorredissima, em que se fizeram
ouvir os Drs. Aprigio Guimarães, José Austregesilo, José
Avelino, Albino Meira , Clodoaldo de Souza, Maciel Pi
nheiro e os Srs . Romualdo de Oliveira , Pelino Guedes e
Jersey . Sobre a lapida, lê-se gravada a seguinte inscripção :
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 517

JOAQUIM NUNES MACHADO


No chão que defronta com esta lapida
Foi depositado
Aos 2 de Fevereiro de 1849
O cadaver do grande pernambucano
cada Que não poude ter sepultura
por mão amiga
E no dia seguinte violentadas as portas
desta capella
Foi condusido como tropheo de victoria
para a cidade do Recife
e depois de ostentosa victoria
entregue (los religiosos franciscanos.
Admiradores do grande cidadão
collocaram esta lapida
aos 2 de Fevereiro de 1874 .

Honra ao heroico Pernambucano .

O desembargador Joquim Nunes Machado, não era


sómente um orador eloquente e inspirado, tribuno ardente
e arrebatador, magistrado intelligente e honesto, integro
e circumspecto ; era tambem litterato de gosto aprimo
rado, e modestó cultor das musas . De suas inspirações
poeticas, restam apenas dous sonetos, cheios de ternura
e sentimentalismo ; damol- os pois, e por elles, julguem os
entendidos .
A PAIXÃO DE CHRISTO

Que negra scena , lugubre e sombria ,


A Santa madre Igreja commemora !
De luto com as roupas traja agora
E vai tocando os dobres d'agonia !
Lembra quando Jesus da Cruz pendia ,
Entre angustias passando a extrema hora !
A paixão sacrosanta se deplora
Do predilecto filho de Maria .

Caso cheio de horror ' atroz supplicio !


Jesus victima nobre e generosa
Entregou - se por nós ao sacrificio !
518 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Ah ! prasa ao Céo, que a raça criminosa,


De todo abandonando o torpe vicio,
De Deus a luz abrace fervorosa .

Em tudo grande e cheio de bondade,


De Ser Supremo o filho não trepida ;
Missão tremenda acceita de co'a vida
Remir da culpa a triste humanidade
No Céo fica de Deus a qualidade,
O homem baixa a terra corrompida,
E sua voz soltando esclarecida,
Do erro contrafaz a escuridade.
Tido como impustor, é prisioneiro,
E ' coberto de opprobrio , atropellado,
E ' sujeito a morrer sobre um madeiro !

Morreu !!!... Mas , oh ! prodigio sublimado !


Ressuscita sem mancha o Deus cordeiro ,
O vencedor do crime e do peccado !
O nome do desembargador Joaquim Nunes Machado,
é hoje um nome legendario , pertence ao dominio da his
toria. A penna do escriptor, a lyra do poeta , hão perpe
tuado a sua memoria . E encheria volumes, aquelle que se
entregasse a patriotica torefa de colleccionartudo que se
ha escripto sobre esse nome legendario , todos os monu
mentos que se hão levantado á sua memoria no Brasil in
teiro desde 2 de Fevereiro de 1849, dia em que morreu para
o mundo , e abrio -se de par em par as portas do pantheon
da immortalidade.
As maiores notabilidades politicas e litterarias de Per
nambuco , quiçá do Brasil , hão pago a memoria de Nunes
Machado o seu tributo de homenagem , inscripto o seu nome
com indeleveis caracteres, nas paginas dos seus annaes.
São passados mais de 30 annos depois de sua morte,
e ainda assim a romaria patriotica de 2 de Novembro, an
nualmente celebrada em sua honra, em sua memoria, não
arrefeceu a constancia dos peregrinos, que vão depór so
bre a urna que encerra as suas cinzas, corôas de goivos
e saudades.
O Dr. Antonio Rangel de Torres Bandeira , foi um dos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 519

peregrinos d'essa romaria patriotica , que jámais deixou


de pagar o annuo feudo de sua vassallagem a memoria de
tão 'illustre e benemerito pernambucano ; e assim , na apo
theose aos martyres de 1848 que recitou no anno de 1868,
consagrou estes versos ao mais illustre d'entre todos os
martyres, o desembargador Nunes Machado :

D'entre os martyres de então que todos eram


Nossos irmãos no popular conflicto,
Um - embora cahisse -- entre os mais nobres
Era um heróe invicto .

Alma romana, espirito altaneiro,


Coração magnanimo elevado,
Intelligencia audaz ... um patriota !
Era Nunes Machado !

Joaquim Vilella de Castro Tavares. Nasceu na ci


dade do Recife a 2 de Fevereiro de 1816 , e foram seus paes
o Dr. Joronymo Vilella Tavares e D. Rita Maria Theodora
de Castro Tavares .
Privado de seu pae ainda bem criança, sem protecção
nem herança, tendo apenas encetado os seus estudos,
Joaquim Vilella somente com os seus esforços e dedicação
pôde vencer todas as difficuldades, matriculou -se no Curso
Juridico de Olinda , e em 7 de Novembro de 1836 recebeu o
gráo de bacharel em direito ; e logo depois defendendo
theses e obtendo plena approvação , viu emfim terminados
os seus trabalhos, e enramou a sua fronte com os louros
da sciencia , recebendo a borla doutoral.
Vagando posteriormente umacadeira de lente dessa
mesma Academia , o Dr. Joaquim Vilella oppoz-se em con
curso , obteve completo triumpho, e o governo imperial
fazendo- lhe justiça , nomeou-o lente por Decreto de 11 de
Agosto de 1841 , contando elle apenas 23 annos de idade.
Dotado de vigorosa intelligencia, enriquecendo o seu espi
rito com aprofundados estudos, d'ahi marca o começo da
gloria e do renomeque elle soube conquistar, não só sobre
os seus discipulos que o ouviam com attenção, respeito e
enthusiasmo, como tambem sobre todos em geral , que
sabem distinguir o verdadeiro merecimento e prestar o
devido culto á sabedoria .
520 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Na sua vida de mestre, coube ao Dr. Joaquim Vilella


leccionar varias materias , entre ellas o direito ecclesiastico ,
em cujo ramo adquiriu profundos conhecimentos pelo par
ticular estudo a que se entregou, e compoz uma obra que
por si so bastava para tornar illustre o seu nome, e recom
mendal- o a posteridade ; obra esta constante de dous volu
mes e que tem por titulo : Instituições de direito publico
ecclesiastico, precedidas de uma introducção em que se
explicam os fundamentos da religião christà, impressa no
Recife em 1856 .
Um consumado theologo , diz uma autoridade compe
tente, não expenderia melhor doutrina da egreja romana ,
mãe e mestra de todas as egrejas. Passando em 1855 a
lente cathedratico e cabendo - lhe então a regencia da cadeira
de direito commercial, que, com a sua costumada modes
tia , dizia que estava estudando, o Dr. Joaquim Vilella não
se limitava aos estudos das materias do seu magisterio ;
elle se dedicava a outra serie de estudos , principalmente
sobre direito administrativo .
Amante da liberdade, segundo um escripto a seu res
peito, odiava a licença, amigo da monarchia, detestava a
tyrannia ; a constituição era o seu evangelho civil e politico ;
o engrandecimento, a prosperidade do Brazil, o termo de
seus votos . Neste sentido escreveu em varios jornaes,
nunca pregou a anarchia , nunca occupou -se com indivi
duos ; fez por algum tempo opposição sem ser exagerado,
e muito menos injusto ; seus compatriotas souberam apre
ciar o seu merito elegendo- o deputado provincial em varias
legislaturas, e em uma coube-lhe a honra de ser deputado
a assemblea geral legislativa. Ahi tomou sempre parte nas
discussões mais importantes, e seus collegas o ouviam
com attenção .
Nomeado presidente da provincia do Ceará em 21 de
Março de 1853, « para ahi partiu com o proposito firme de
fazer justiça a todos, e promover o melhoramento moral e
material dessa porção do territorio brazileiro, que lhe cum
pria bem administrar. » Mas o partido dominante vendo
frustradas as suas exageradas pretenções rompeu em hos
tilidades, as quaes mais se accenderam á proporção que o
recto e consciencioso administrador apresentava maior
firmesa e dignidade nos seus actos. A deputação cearense
na côrte exige a demissão do illustre presidente, intima até
() ministerio de lhe negar o seu apoio se isto não fosse deli
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 521

berado, e afinal , aquelle mesmo ministerio que havia offi


cialmente approvado a conducta desse seu delegado, vê - se
coagido a demittir um fuccionario que tão dignamente exer
cia o alto cargo que lhe fôra confiado .
Eis o fuccionario publico , o cidadão . Como homem
particular, não menos virtudes o distinguiram . Litterato
distincto, poeta de gosto aprimorado, ahi correm os seus
escriptos, as suas poesias, mimosas composições, princi
palmente as satyricas e joco-serias, em cujos generos pos
suia dotes elevadissimos ; e cultor apaixonado da sciencia
do direito , foi mestre abalisado e legou -nos um monumento
que perpetuará o seu nome: as Instituições de direito pu
blico ecclesiastico .
O Dr. Joaquim Vilella de Castro Tavares falleceu aos
quarenta annos de idade no dia 11 de Março de 1858. Homem
subido merecimento, talento superior, illustração pro
funda, a sua curta existencia não lhe permittiu deixar mais
solidos e copiosos movimentos do seu saber. Os seus disci
pulos que o ouviam com enthusiasmo, e que lhe dedicavam
verdadeira affeição, receberam a noticia do seu passamento
com indisiveis provas de sentimento , e foram prestar no
acto do seu enterro , as suas derradeiras homenagens de
saudade e condolencia, externando o sentimento dos estu
dantes da Faculdade, os academicos Gomes Coimbra e
Franklin Doria .
Dr. em direito, deputado geral e provincial , presidente
de provincia, lente da Faculdade de Direito, official da Ordem
da Rosa, e presidente da associação academica Atheneu
Pernambucano, a qual inaugurou em 1855, eis os titulos que
possuia o illustre Dr. Joaquim Vilella de Castro Tavares.
Os seus discipulos da Faculdade erigiram a sua memoria
um modesto mausoléo no Cemiterio Publico do Recife, alli
depositaram os seus restos mortaes, e no marmore que os
sella gravaram esta inscripção : O corpo Academico de
Pernambuco mandou fazer para receber os restos mortaes
do Dr. Joaquim Vilella de Castro Tavares , nascido a 2 de
Fevereiro de 1816 e fallecido a 11 de Março de 1858. Teste
munho de respeito, gratidão e eterna saudade .
Jorge de Albuquerque Coelho . Nasceu em Olinda
aos 23 de Abril de 1539. Foram seus paes Duarte Coelho,
primeiro donatario de Pernambuco, e D. Brites do Albu
querque .
Jorge de Albuquerque abraçou a carreira das armas ,
67
522 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

e fez a sua educação em Portugal, para onde seguiu ainda


bem jovem .
Fallecendo seu pai em 1554, e assumindo sua mãi o
governo da colonia , bem depressa se viu sem recursos, e
e em viva guerra com os indios . Partindo seu irmão para
Pernambuco, então constituido seu donatario, Jorge de Al
buquerque o acompanhou, e logo que aqui chegou foi no
meado capitão e general da guerra e conquista dos Indios,
contando apenas a idade de 21 annos.
Jorge de Albuquerque partiu para o interior do paiz,
chegou até ás margens do rio S. Francisco, d'onde de volta
para o norte , bateu os indios e afugentou -os, e no fim de
5 annos de um constante batalhar, de continuos trabalhos
e penosas fadigas, estabeleceu -se a paz e a tranquilidade
da colonia .
Jorge de Albuquerque nessa campanha dos indios su
blevados, sustentou a sua custa alem dos seus escravos e
familiares, a todos que o acompanharam . Igualmente re
partiu os despojos da guerra, comprehendendo até os pro
prios indigenas prisioneiros , e nada reservou para si.
Terminada à sua missão, no desempenho da qual os
tentou muito valor e heroicidade, deliberou partir para
Portugal e aos 16 de Março de 1565 embarcou com destino
a Lisboa. Mas, sendo o navio arrojado atravez dos bai
xios de Olinda e soffrendo grandes a varias, foi preciso con
certarem -no, e de novo partiu aos 29 de Junho. Deste dia ,
á 4 de Outubro, quando aportou em Cascaes, menos porem
os seis primeiros em que navegou com bonança, toda a
mais viagem foi um continuo naufragio ; e para cumulo
de maiores desgraças, foi o navio no meio da sua tormen
tosa derrota , preso pelos corsarios francezes que o rou
baram completamente, deixando - o a mercê das ondas
pelo máu estado em que se achava. O mar invadindo o
convéz do navio , desarca as pipas d'agua e todos se viram
privados desse elemento, e mortos a sêde . A tempestade
enfurecendo, arranca- lhe as velas , mastros e leme ; priva
dos de todo o alimento, miseravelmente sustentou - se a tri
polação e passageiros, por espaço de 17 dias. Alguns já
estavam quasi mortos á fome e sède, e os mais extenua
dos pela miseria e trabalhos ; desde o sexto dia de viagem ,
que o navio fazia agua, e chegando a altura do cabo da
Roca , ia levado pelas correntes, e daria mesmo a costa , se
The não acode uma caravela que passou -lhe um cabo e
( ) conduziu ao porto de Cascaes.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 323

Jorge de Albuquerque, diz Frei Jaboatão, repartindo


por suas proprias mãos o pouco ou quasi nada que havia
de sustento, ficava sempre menos provido, sendo elle o
primeiro que era para tudo e o quemais trabalhava e cui
dava de todos. Bento Teixeira Pinto que tambem ia de
passagem no navio , escreveu a historia de tão lamentavel
acontecimento , e elle refere , que a constancia e o animo de
Jorge de Albuquerque pouparam os mais lamentaveis de
sastres, já acalmando aquelles que desesperados tentavam
matar -se , e já incitando os brios da tripolação, que, quasi
enlouquecida pretendia commetter barbaridades, e nem se
queria empregar na manobra do navio .
Chegando Jorge de Albuquerque a Portugal, diz Pe
reira da Silva, entregou -se ao exercicio das armas, que era
a profissão da nobreza : chegou ao posto de general: teve
entrada no paço ; fazia -se na côrte considerar tanto pelo
seu valor, ardideza e sangue, como pela generosidade do
seu caracter; pelo povo grangeara sympathias pelas suas
acções caritativas e briosos procedimentos.
Por espaço de oito annos, demorou -se elle em Portu
gal , até que á pedido de Duarte de Albuquerque voltou á
Pernambuco , c em Janeiro de 1573 tomou posse do governo
da capitania , o qual dirigiu até 1576 ; seguiu de novo para
Portugal, entregando então as rédeas da administração da
colonia a seu tio Jeronymo de Albuquerque.
Dous annos e alguns mezes iam correndo, diz Frei
Jaboatão , que na côrte gozava Jorge de Albuquerque Coe
Tho entre os applausos de heróe, as estimações de grande ,
quando se lhe offereceu acompanhar ao rei D. Sebastião na
infausta jornada da Africa , por enfermeiro -mór do exercito .
Desde os seus primeiros annos, havia Jorge de Albuquer
que revellado um genio audaz e emprehendedor. Bem
jovem ainda , achou -se envolvido nas lūtas militares, e der
ramando o seu proprio sangue em varias expedições que
emprehendera contra os tamoyos e os francezes que infes
tavam os portos do Brazil, e sempre a sua bravura e intre
pidez conquistaram -lhe fulgentes louros.
Igual ou maior bravura do que aquella que já tinha
admirado a America , conquistando -lhe um nome honroso,
ostentou elle na celebre guerra da Africa , para onde seguiú
em 1578 com o rei D. Sebastião, na qualidade de enfer
meiro-mór do exercito. Ahi , na grande batalha de Alca
cer -kibir, ferida aos 4 de Agosto de 1578, Jorge de Albu
querque portou -se heroicamente ; e depois de mortalmente
524 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ferido , encontrou - se com El-rei D. Sebastião no momento


em que o exercito portuguez estava já inteiramente derro
tado, e pedindo -lhe o monarcha o seu cavallo, pois havia
perdido o que montava, elle promptamente lh'o deu , afim
de acudir com mais presteza os pontos ameaçados, e ver
se ainda seria possivel salvar tão fatal calamidade.
Esse cavallo comprara Jorge de Albuquerque em Evo
ra por subido valor ; era mui lindo e de raça arabe . D.
Sebastião quando o viu, mostrou - se muito desejoso de o
possuir, mas Jorge de Albuquerque recusou -se cedel- o,
dizendo ao monarcha que o queria para o seu proprio ser
viço quando fosse occasião, mas que então não podia se
desfazer delle, porque era o unico que possuia, emquanto
S. Alteza o conseguiria tantos, quanto fosse de sua von
tade. Effectivamente, na desastrosa batalha de Alcacer
kibir, em que D. Sebastião sacrificou comsigo a liberdade,
independencia e glorias da patria , e quando El-reijá havia
perdido o seu cavallo e corria eminente perigo , apresenta
se-lhe Jorge de Albuquerque, apeia -se, e The offerece o ca
vallo , dizendo : « Senhor, é agora a occasiūo. Aqui está o
meu cavallo : monte V. Alteza, e salve Portugal e o meu
Brazil. » Este facto, nenhum interesse e importancia his
torica tem ; damol- o apenas como uma curiosidade, como
uma particularidade da vida de Jorge de Albuquerque.
Ferido , e atropellado pela cavallaria inimiga, cahiu pri
sioneiro , e foi condusido quasi agonisante em um carro á
cidade de Féz, soffrendo para ser curado do ferimentos que
recebeu , dolorosa operação, do que resultou andar quatro
mezes arrimado sobre duas moletas. Frei Jaboatão des
crevendo os feitos de Jorge de Albuquerque, diz, que a
elle aconteceu , entre os alfanges e lanças dos mouros, o
que a uma forte e levantada torre, quando combatida de
abrasadores raios, que, como alli acham mais resistencia
nella causam maior estrago.
Fallecendo seu irmão Duarte de Albuquerque, nessa
mesma batalha de Alcacer-kibir, passou a Jorge de Albu
querque a Donataria de Pernambuco , e d’ahi por diante
todos os seus governadores foram por elle constituidos,
mediante a competente carta de confirmação dos seus ti
tulos, pelo rei de Hespanha, a quem Portugal ficou sujeito.
Jorge de Albuquerque, como afamado cabo de guerra,
não sabia somente manejar a espada. Elle tambem foi
escriptor, e como tal, a sua habilissima penna produziu
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 525

varias obras, que infelizmente não viram a luz da publici


dade ; porem o abbade Barbosa Machado as enumera
na sua Bibliotheca Lusitana, e diz que existiam na livraria
do Marquez de Valença ; são ellas as seguintes :
Falla que fes clos governadores e defensores destes rei
nos de Portugal aos 19 de Julho de 1580,cassim aos procu
radores dospovos que estavam juntos em Setubal para
começarem a fazer cortes .
Dita em o dia que veio a nova que o campo e exercito
de El-Rei Felippe de Castella entrava por este reino de Por
tugal, sem querer esperar que se julgasse quem era herdeiro
destes reinos.
Conselho e parecer que deu a alguns parentes e amigos
seus, e aos criados de sua casa .
Reconciliação, protestação e supplicação feita a Nosso
Senhor Jesus Christo, e a Virgem Maria Nossa Senhora ,em
o dia dos trez reis magos, era de 1558 annos, na Sédesta
cidade de Lisbôa na capella do SS . Sacramento o dia em
que o recebeu .
Como vemos pelas duas primeiras destas obras , Jorge
de Albuquerque era orador , e tomou parte na luta que
alguns principes portuguezes sustentaram sobre a succes
são ao throno, depois da morte do cardeal rei D. Henrique,
e ainda mais, que nessa época ( 1580) já se achava livre em
Portugal do seu captiveiro de Marrocos.
Jorge de Albuquerque casou duas vezes ; a primeira
em 1583 com D. Maria de Menezes, sua prima, filha de D.
Pedro da Cunha e D. Auna de Menezes, de quem teve uma
filha , e passou a segundas nupcias em 1587, com D. Anna
de Menezes filha de D. Alvaro Coutinho. Deste consorcio
nasceram : D. Brites de Albuquerque, Marquez de Bastos ,
Conde e senhor de Albuquerque, gentil-homem da camara
de Felippe IV de Hespanha , e do seu conselho, quarto do
natario de Pernambuco, Mathias de Albuquerque, que
nasceu em Olinda, e Paulo de Albuquerque Coelho.
Passando a herança da capitania de Pernambuco a
Jorge de Albuquerque, elle independente de governal-a
por seus agentes, e fóra d'aqui , della não se esquecia , pois
ella era a sua patria, a terra que lhe déra o berço .
Por suas instancias e intervenção, fundaram -se os
conventos de S. Francisco de Olinda, para o que fez grandes
doações, o do Carmo da mesma cidade, o de S. Francisco
da villa de Iguarassú, e o de S. Bento de Olinda, doando
526 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

lhe o terreno necessario , e alguns bens, e quando gover


nou esta capitania por parte de seu irmão, fundaram os
padres Jesuitas o seu collegio de Olinda .
Jorge de Albuquerque introduziu o theatro em Per
nambuco, e inaugurou -o, levando - se a scena em Olinda, em
1575, O Rico Avarento e o Lasaro Pobre, cujo effeito muito
produzio .
Por esse tempo Olinda contava cerca de 700 casas de
pedra e cal, varios edificios publicos, principalmente tem
plos e conventos , primando pela magnificencia da sua con
strucção o Collegio dos Jesuitas , onde havia aula de bellas
lettras e de humanidades. O Recife já começava a ser
regularmente povoado, a capitania contava mais de 20 en
genhos, Iguarassú, S. Lourenço e Nazareth, haviam attin
gido a um estado de muita prosperidade, e contavam -se
já estabelecimentos mais ou menos consideraveis desde
Olinda até o Rio S. Francisco . Progredia a agricultura ,
desenvolvia - se o commercio , e Pernambuco caminhava
na senda do progresso e da prosperidade .
Tal era pois , o estado a que havia chegado a capitania
no tempo do governo do seu terceiro donatario, notando -se
apenas um revez, que foi a ephemera occupação do Recife
por Jayme Lancaster e João Venner, em 1595.
A época do fallecimento de Jorge de Albuquerque, não
è assignalada por nenhum dos escriptores ou chronistas
portuguezes que trataram de sua vida ; mas cremos que
elle morreu em 1596 , pois neste anno nomeou para gover
nador desta capitanio a Manoel Mascarenhas Homem , e no
anno seguinte o governador geral do Brazil lhe ordenou que
entregasse a administração da capitania ao bispo D. Anto
nio Barreiros que então se achava em Olinda, e ao vereador
mais velho da Camara do Senado da mesma cidade, afim
de seguir para a conquista do Rio Grande do Norte, de cuja
expedição o havia encorregadd enomeado commandante por
ordem de El-Rei D. Felippe II. Vemos , pois , o governador
n'um anno constituido por Jorge de Albuquerque, unica e
competente autoridade para isso , e no anno seguinte esse
mesmo governador retirado, e substituido por outros , não
por ordem delle, mas pelo governador geral do Brazil , e
por ordem real; á vista do que, parece -nos justificada a
época de 1596 que demos do seu fallecimento.
Depois da campanha da Africa, Jorge de Albuquerque
apenas veio uma vez a Pernambuco, e fixando -se em Lis
bồa, ahi, sem duvida, teve lugar a sua morte .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 527

Guerreiro illustre, soldado coberto de cicatrizes, visi


veis attestados do seu valor e heroismo na America e na
Africa, elle foi bem malremunerado ; e ainda hoje devem
existir as petições que dirigio a El-Rei Felippe, o prudente,
sobre o despacho dos seus serviços, as quacs eram mui
extensas, e se conservavam todas colleccionadas em um
volume in folio, na livraria do Marquez de Valença, em Por
tugal, cujas peças trariam muita luz a historia da sua vida ,
e quiçá a historia do Brazil, se fosse possivel obtel-as.
« Jorge de Albuquerque Coelho, diz o Sr. Conselheiro Pe
reira da Silva , morreu general reformado do exercito por
tuguez , guerreiro coberto de cicatrizes e de gloria , e litterato
conceituado pela sua erudição e pelos seus talentos. »
José Antonio de Figueiredo. Nasceu na villa do Cabo
a 15 de Dezembro de 1823, e foram seus paes Antonio José
de Figueiredo e D. Rosa Maria da Conceição Figueiredo.
José Antonio de Figueiredo começou os seus estudos
preparatorios na cidade do Recife, e revelando logo o ele
vado talento de que era dotado conseguiu optimos resul
tados ; matriculou -se na Academia Juridica de Olinda, e
depois de um brilhante tirocinio de 5 annos , recebeu a 22
de Outubro de 1845 o grao de bacharel em sciencias juri
dicas e sociaes . Ainda no 5.° anno da Faculdade Figuei
redo apresentou-se em concurso ao prehenchimento de
uma vaga das cadeiras de philosophia e geometria do Col
legio das Artes, foi approvado plenamente, regeu por al
gum tempo interinamente uma dellas, mas a nomeação
recahiu sobre um outro pretendente. Dedicou -se primeira
mente a profissão de advogado ; foi nomeado official de
gabinete da presidencia por portaria de 14 de Abril de 1847,
mas pouco tempo depois pediu a sua exoneração, e foi
então nomeado promotor da comarca de Páo d’Alho, cargo
que não aceitou .
Em 1849 tomou assento na Assembléa Provincial , na
qualidade de supplente, e foi tão heroica e grandiosa a atti
tude que manteve, elle só e Mendes da Cunha, em luta
constante com a maioria conservadora, ainda exaltada dos
seus triumphos sobre os infelizes liberaes que haviam ou
sado erguer o grito da revolta , que, ás glorias e os louros co
lhidos na tribuna da Assembléa, conquistou amigos , sym
pathias e geral consideração. « Moço, sem compromissos
politicos, sem fortuna, dotado de talento , quando podia
528 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ambicionar um brilhante futuro alistando -se nas phalan


ges de Cezar, preferiu a melicia pompeana, já destroçada
e vencida . » E ao mesmo tempo que defendia a causa li
beral na Assembléa , elle escreveu para o Diario Novo até
que foi interrompida a sua publicação por ordem da pre
sidencia ; e passou então o Macabeu com outros compa
nheiros.
Por este tempo abriu banca de advogado, depois foi
agricultor e trabalhou no engenho S. Paulo, exerceu por
algum tempo a regencia da cadeira de philosophia do Se
minario Episcopal, foi presidente da Sociedade Liberal Per
nambucana, e nomeado lente substituto da Faculdade de
Direito por Decreto de 26 de Abril de 1855, cuja nomeação
deu - lhe jus ao titulo de doutor, entrou no exercicio de sua
cadeira a 23 de Junho do mesmo anno .
Eleito deputado a Assembléa Geral pela provincia do
Ceará, teve assento na legislatura que comprehendeu os
annos de 1864 a 1866, e fez a sua estréa parlamentar n'uma
das primeiras sessões , pronunciando um brilhante dis
curso sobre as eleições desta provincia . Occupou ainda a
tribuna fallando sobre varios assumptos, e em 1865, na
sessão de 26 de Maio , fallou acerca da falla do throno, na
de 5 de Julho justificou um projecto que apresentou sobre
a creação de asylos ruraes de orphãos , expostos e meni
nos desvalidos ; em 1866 , cm sessão de 19 de Junho fallou
sobre as estradas de ferro desta provincia , na de 23 de Ju
lho sobre ex- informata conscientia , fallando ainda na ses
são seguinte sobre o mesmo assumpto, e finalmente nas
sessões de 22 e 29 de Agosto sobre a navegação de cabo
tagem , e assim cumpriu o seu mandato parlamentar muito
digna e honrosamente .
Se o Dr. José Antonio de Figueiredo conquistou na ca
mara dos deputados os fóros de parlamentardistincto pela
attitude brilhante e honrosa que manteve, não menos se
distinguiu como lente, como publicista e como advogado.
Como lente, foi um dos ornamentos da Faculdade de Di
reito, gosava de grande conceito pela sua elevada illustra
ção e talento, e de grande estima pelas suas qualidades
pessoaes; como publicista, os seus numerosos artigos nas
columnas do Diario Novo, Macabeu , Atheneu Pernambu
cano, Opuniìo Nacional, Diario de Pernambuco, Ameri
cano e Provincia , o seu escripto sobre a eleição directa , a
sua memoria academica relativa ao anno de 1855, os seus
discursos parlamentares e na Assembléa Provincial, e on
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 529

tros trabalhos quér scientificos quer politicos, são attes


tados muito eloquentes do seu merecimento ; como advo
gado em fim , elle foi um dos mais distinctos do foro do
Recife .
Lente da Faculdade, o Dr. Figueiredo regeu as cadeiras
de Direito Natural e Direito Romano ca de Direito Publico e
e Constitucional, e nomeado lente cathedratico por Decreto
de 4 de Setembro de 1858, a 13 de Outubro tomou posse da
sua cadeira de Direito Natural e de Direito Publico . Con
decorado em 1874 com a commenda da Rosa por seus ser
viços e antiguidade no magisterio, os seus discipulos a
pressaram -se em offerecer - lhe a respectiva venera, mas
elle agradeceu -lhes reconhecidamente, dizendo que não
aceitava a condecoração que o governo lhe conferira.
O Dr. José Antonio de Figueiredo falleceu a 18 de Abril
de 1876. O partido liberal de Pernambuco, que o tinha como
vice -presidente de seu directorio, a imprensa, e os seus
amigos e discipulos, pagaram o merecido tributo ao ta
lento ao merito, a probidade e aos serviços do illustre
morto , de uma maneira honrosa e condigna, e no seu fu
neral celebrado no 30.º dia do seu fallecimento , coube en
tre outros, fallar o Dr. Aprigio Guimarães, o qual em desen
volvido e eloquentissimo discurso, consagrou -lhe estas pa
Javras :
« O Dr. José Antonio de Figueiredo foi ao mesmo tempo
um homem da sciencia e um homem da politica. Que duas
tarefas esmagadoras, quando se é homem de bem , quando
se professa a religião das proprias convicções !
« O homem da sciencia foi-se todo no tumulo : nem
uma monographia, nem uma prelecção impressa : apenas
os cchos de sua voz poderosa e convencida, que hào de
ser sempre repetidos pelas centenas de discipulos dos
seus 20 annos de magisterio .
« Para que mais ? ( Dizia -me elle meio sarcastico , e
meio indignado, naquellas oscillações nervosas que lhe
eram habituaes .) Para que mais ? Não fazem caso de nós...
« Aquelle talento vigoroso, aquelle coração de homem
de bem , como que sceptico, parece que sempre tinha pressa
de acabar...
« Mestre, estudava hoje, aguçava as potencias do seu
talento, dizia brilhantemente amanhã, e no dia seguinte
não lhe acharicis , nem ao menos , uma nota marginal no
compendio ...
08.
530 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

« Legislador (elle dizia -me), aperta vam -n'o os amigos


em nome de tristes e enganadoras conveniencias politicas,
celle nunca chegou ao meio do seu caminho...
« Jornalista (eu tive a honra de contal- o por meu col
laborador ), jornalista, eile atirava a barra muito longe, e
de repente estacava .
« Era um defeito do espirito , era falta de coragem ? -
Não, que pela sua coragem falla muito alto a sua entrada
na vida publica, quando fez-se , elle só, entre os phariseus
da Assembléa Provincial de Pernambuco, um baluarte dos
infelizes liberacs pernambucanos, trucidados a ferro bruto
nas ruas do Recite, votados friamente a um calculado ex
terminio !
« Era , sim , severidade catonica : se envelhece , elle
acabaria com a ardente cabeça involta na fria toga da in
differença, como o gigantesco e mallogrado general Abreu
e Lima... Era , devo dizel- o , um desespero pelos publicos
negocios do paiz, desespero que elle mal disfarçava nos
intermittentes e arrojados tentamens de sua propaganda ...
« O Dr. J. A. de Figueiredo protestou sempre, com a
sua resistencia activa ou passiva, quer como professor,
quer como politico .
« Professor, deixou o campo aberto aos escrevinha
dores da corte, que se baptisam no Instituto, que merca
dejam com cartilhas e compendios improvisados, fazendo
monopolio de pontos, programmas e livros, firmando um
cortezanismo scientifico e litterario , e segundo o material
eo moral das pobres provincias.
« Sempre de lança em riste contra a centralisação, o
Dr. Figueiredo, quando quebrava o silencio, dava tremen
dos botes... Que pena , que o gigantesco Achilles se reco
Thesse asinha a sua tenda !
« Mas, a sua resistencia, quasi toda passiva, foi um
servico immenso do mestre e do cidadão ...
« Cidadão, mestre, homem particular, sempre um vulto
credor da nossa agradecida admiracão !
« O homem era digno e chào : o mestre era altiloquo
e modesto : o cidadão era inflexivel com a ideia e ameno
com o proximo !
« Foi um raro mixto de harmoniosas contradicções :
cordeiro na apparencia e lcão no arrojo, expansivo no riso
e imponente no tonitruante do verbo , aquimodesto como
uma douzella e alli altivo como um athleta na arena ...
DICCIONARIO BIOGRAPINICO 531

« Foi uma não de nobres dedicações ideaes encalhada


h’um recife de materialistas e indifferenças: forcejou, fez
agua , foi a pique...
José de Barros Falcão de Lacerda . Nasceu na fre
guezia da Bộa - Vista , do Recife , a 23 de Dezembro de 1775 ,
e foram seus pacs o tenente José de Barros Falcão de La
cerda Cavalcanti de Albuquerque, natural de Goyauna, e
juiz almotacel dessa mesma villa , c sua mulher D. Ursula
Maria de Abreu e Lima.
Assentando praça de soldado voluntario no extincto
regimento de infantaria do Recife, em 22 de Fevereiro de
1788, passou a anspeçada em Dezembro desse mesmo
anno, foi reconhecido cadete em 18 de Abril de 1792, passou
a alferes em 13 de Maio de 1797, a tenente de granadeiros
cm 9 de Novembro de 1799 e a capitão em 13 de Maio de 1808 .
Seguindo com um destacamento para a ilha de Fer
nando de Noronha, em Agosto de 1797, José de Barros
prestou immenso serviço, conseguindo apasiguar a tropa
e presidiarios levantados contra o respectivo commandan
te , por falta de pagamento de seus vencimentos e prender
os cabeças da revolta , serviço este que espontanea e cora
josamente prestou, quando a ilha se achava em um com
pleto estado de desordem e anarchia , c entregue ao furor
dos amotinados, pois o dito commandante e outros officiaes
se tinham encerrado em seus quarteis, donde não ousa
vam sahir pelo terror de que se achavam possuidos. Re
gressando de Fernando em 1799, coube-lhe seguir de novo
para o mesmo presidio na qualidade de commandante, para
onde embarcou em Janeiro de 1811 , e terminando a sua
commissão no anno seguinte regressou para o Recife.
Em 1815, quando constou ao governador Caetano Pinto
os preparativos para uma revolta ou insurreição de escra
vos em toda a capitania, José de Barros partiu por sua
ordem para as Alagoas com lima companhia do seu regi
mento , pois dizia -se ser aquella comarca o centro da revol
ta . José de Barros seguiu em Agosto para as Alagoas, e a
sua presença foi bastante para conter todo o plano assen
tado, conservar em socego a comarca , e fazer desappare
cer os atterradores boatos que corriam .
Em 1817 , já elevado a patente de capitão, e condecorado
com o babito da Ordem de Aviz,José de Barros tomou parte
na revolução de 6 de Marco, a qual sustentou com maio
forte, unindo -se briosamente no regimento de artilhariu , e
532 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

trabalhando em commum com os demais chefes até o em


barque do governailor Cnetuno Pinto . José de Barros que,
segundo o padre Dias Martins, fòra um dos grandes adep
tos dos principios democraticos, socio effectivo das aca
lemias do Cabo e Paraizo, e de tantas prendas e talentos ,
foi então promovido ao posto de major , e incumbido pelo
governo provisorio de partir para a ilha de Fernando, á tra
zer toda a guarnição , armamento e munições de guerra que
alli encontrasse.
Cumprindo a sua missão, e não podendo entrar em
Pernambuco por achar o porlo bloqueado pela esquadra
da Bahia, voltou para a Paralyba e foi desembarcar na
Bahia da Traição ; mas, rompendo naquella provincia a
contra -revolução, José de Barros foi preso, renettido para
Pernambuco, e daqui seguiu para a Bahia, onde gemeu
por 4 annos, exposto a todas as privações e rigores, até
que em 1821 conseguiu a sua liberdade.
José de Barros Falcão e o vigario Cavalcante Lins, re
fere o padre Martins, foram dos primeiros presos que sal
taram em Pernambuco ; é -nos impossivel descrever o al
voroço geral do povo com que foram recebidos: o mesmo
generalLuiz do Rego , já bracejando com a liberdade, che
gou á estremecer! O destemido José de Barros começou a
desafogar francamente as chammas da liberdade que lhe
incendiaram o peito , e querendo ensaiar a opinião , decla
rou - se chefe da guerra ecclesiastica entre os dous vigarios
da freguezia do SS . SS . de Santo Antonio , e conseguit , que
triumphasse o seu collega e amigo o padre Cavalcanti Lins,
contra o intruso realista , vigario Ignacio Patriarcha.
Preso novamente em Julho de 1821 , como suspeito na
conjuração contra Luiz do Rego, José de Barros seguiu
para Lisboa, porém sendo solto por deliberação das cor
tes constituintes, voltou immediatamente para Pernambu
co , onde logo que chegou foi nomeado, a 20 de Janeiro de
1822, commandante da policia do bairro de Santo Antonio,
passando depois a commandante geral da policia de toda
a provincia, por nomcação de 16 de Agosto do mesmo anno .
Nessa cpocha, José de Barros prestou immensos ser
viços á causa da integridade do Brazil, oppondo - se com
todas as forças a separação desta provincia da do Rio de
Janeiro, para o que seriamente se trabalhava, concorrendo
e promovendo até com escriptos seus que circularam im
pressos, a união de Pernambuco com a corte do Rio de
Janeiro .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 533

Nesse mesmo anno de 1822, José de Barros marchou


para as Alagoas commandando um batalhão, afim de de
fendel- a de qualquer invasão hostil pela Bahia , ainda cm
poder das tropas portuguezas. Requisitadas as suas for
cas pelo general Labatut em operação contra os portugue
zes, José de Barros seguiu para a Bahia poucos dias depois,
no dia 2 de Novembro chegou ao quartel- general do Enge
nho Novo , no dia seguinte foi nomeado commandante da
brigada da direita, composta de algumas tropas da Bahia
que guarneciam o ponto de Pirajá, e das que tinha con
duzido de Pernambuco, e no dia immediato tomou posse
do seu novo commando.
Atacado no dia 8, quando ainda descançava das fadigas
de uma viagem de 240 legoas , e tratava da organisação e
disciplina da sua brigada, José de Barros não esmoreceu
ante o numero superior das aguerridas tropas que o ataca
ram , lançou -se intrepido no combate, bateu -se briosamen
te, e dirigiu a acção com tanto acerto c heroismo, que o ini
migo foi batido completamente; e este memoravel e ex
traordinario feito, que cobriu de eterna gloria os bravos
pernambucanos em Pirajá , decidiu no mesmo campo dos
futuros destinos deste vasto imperio, salvou a Bahia do
dominio portuguez, e assegurou ao Brazil o complemento
da sua independencia e integridade.
Em consequencia da gloriosa victoria alcançada na
quelle dia contra as melhores tropas portuguezas sob o
commando do general Madeira, dizo general Abreu e Lima,
victoria devida as tropas de Pernambuco e ao seu illustre
commandante, como asseverou em ordem do dia o gene
ral Labatut, foi o major José de Barros feito tenente -coronel
no campo de batalla pelo referido general, para isso auto
risado pelo Imperador do Brazil. O feliz combate de Pirajá ,
arrojando os portuguczes para dentro do recinto da cidade,
foi apenas o preludio de outras victorias, com que se cobrin
de gloria a expedição de Pernambuco e seu illustre chefe
o tenente - coronel José de Barros, nos dias 3 e 29 de Dezem
bro de 1822, e 15 de Fevereiro de 1823, indo procurar o ini
migo em seus proprios entrincheiramentos.
( general Labatut, dirigindo - se agradecidamente ao
governo de Pernambuco sobre os servicos e bravura das
suas tropas, diz o seguinte em officio de 16 de Dezembro
de 1822 : “ por quanto já experimentaram o valor dos per
nambucanos no dia 8 de Novembro, no qual os lusitanos
deixaram no campo mais de 200 mortos, e os seus hospi
534 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

taes cheios de feridos ; e fallando com ingenuidade, o feliz


succesro deste dia, deve -se quasi exclusivamente aos he
roicos filhos do ameno Pernambuco. Elles soffreram com
apurada paciencia as operações que lhes fizeram os pro
fessores de saude, e beijavam as suas feridas ... Tal é a
justa reacção de um povo , que tanto soffreu da tyrannia
Lusitana ! O triumpho do dia 3do corrente , é devido tambem
aos filhos de Olinda . Eu poderia dizer, como disse Pyrro
vendo e bravura dos romanos, ainda depois de mortos:
com taes soldados cu scruirencedor de todo o mundo . »
Não foi só como soldado que se distinguiu o tenente
coronel José de Barros, diz o general Abreu e Lima, mas
tambem como cidadão, amparando e protegendo as fami
lias que procuravam o seu campo, acossadas de fomee de
miseria, c para quem a sua bolsa e os seus minguados re
cursos estavam sempre á disposição, e ainda mais depois
de entrar na cidade, onde a sua intervenção salvou por
mais de uma vez o commercio do furor popular, grangean
do por sua docilidade e Ibaneza immenso prestigio entre
o povo. Assim foi que o nome do tenente - coronel José de
Barros ficou sendo classico na Bahia por mais de um prin
cipio depois da guerra da Independencia . Em virtude da
prisão do general Labatu , a cujo acto de indisciplina elle
sempre se recusou , ficou o tenente -coronel José de Barros
mandando o exercito como adjunto do coronel José Joa
quim de Lima e Silva .
Promovido a coronel, condecorado com o officialato da
Ordem do Cruzeiro , e nomeado commandante das armas
de Pernambuco , por Decreto de 12 de Outubrode 1823, José
de Barros partiu para esta provincia com as tropas do seu
commando, entrou em exercicio a 13 deDezembro do mesmo
anno , e começou a dirigiras funeções do seu elevado cargo
com geral applauso dos seus concidadìos.
No anno seguinte de 1824 , adherindo a causa separa
tista da Confederação do Equador, José de Barros repre
sentou importante papel, e foi um dos vultos mais salien
tes desse movimento liberal. Terminada a luta pelo trium
plo das armas imperiacs, José de Barros tere de abando
har esta provincia , pela qual elle acabava de sacrificar todo
o seu futuro, o seu elevado posto , os seus immensos ser
viços, a sua fortuna , e até a sua propria familia . Emigrar
do para os Estados Unidos, mesino assim elle foi alvo das
maiores perseguições e calumnias, e condemnado á morte ;
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 530

e regressando em 1829, e vivendo occultamente para esca


par da furia dos seus inimigss, pode emfim apparecer li
vremente em 1831, quando foi amnistiado.
José de Barros que deixára então de ser perseguido ,
teve de lutar d'ahi por diante com o indifferentismo, injus
tiças e ingratidão ; e desgostoso, desilludido de todas as
suas esperanças e aspirações, elle preferiu antes a sua re
forma do que passar pela humilhação de se ver preterido
até por aquelles mesmos contra quem combatera nas trin
cheiras da Bahia, e reformado no mesmo posto de coronel,
que havia conquistado pelo seu heroismo nos campos da
batalha, quando lhe competia o de brigadeiro, deixou as
fileiras do exercito , a que tanto soubera honrar e respeitar.
Mesmo assim , José de Barros continuou à prestar os
seus serviços ao paiz ; em 1831 , por occasião da Setembri
zuda, foi incumbido pela presidencia da direcção de um gru
po de cidadãos á bater os revoltosos; em 1842 foi nomeado
administrador fiscal das obras publicas, e depois promo
vido ao de inspector, cargo que exerceu até 1850, desempe
nhando ainda entre outros os de vereador da Camara Mu
nicipal do Recife, cuja presidencia lhe coube dirigir interi
namente, de provedor da saude do porto e o de presidente
dos estabelecimentos de caridade.
Coronel reformado do estado -maior do exercito , offi
cial da Imperial Ordem do Cruzeiro, cavalheiro da de S.
Bento de Aviz, e condecorado com a medalha de distincção
da campanha da Bahia, José de Barros Falcão de Lacerda
falleceu aos 77 annos de idade, no dia 22 de Julho de 1851 .
A ’ simples exposição da sua vida, feitos e serviços nada
nos parece licito accrescentar, porque elles por si sós, clo
quentemente traduzem todo o seu merecimento, toda a
sua grandeza, heroismo, serviços e dedicação á causa da
patria, da liberdade e da independencia do seu paiz .
José de Barros Lima. Nasceu em mciados do seculo
passado . Seguindo a carreira das armas, em 11 de Abril
de 1783 foi despachado alferes porta -bandeira do regimen
to de linha do Recife, e posteriormente dando baixa do ser
viço militar, foi nomeado director da aldeia de indios do
Limoeiro, por portaria do governador D. Thomaz José de
Mello, de 10 de Dezembro de 1794, em cujo cargo se con
servou até Outubro de 1796 .
Barros Lima entrou de novo no serviço do exercito,
conservando a sua pitente de alferes, c requerendo ao go
536 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

verno da metropole a sua elevação ao posto de tenente, e


informando a junta do governo provisorio desta capitania
o seu requerimento em officio de 23 de Junho de 1800, diz
serelle, um official de bôa conducta , e que sempre foi promp
to nas obrigações do real serviço , em que se empregou com
honra e satisfação dos seus officiaes, o que tambem faz
certo pelas attestações que ajunta, nas quaes mostra ter sido
alumno da aula de geometria e que fes exame publico de
arithmetica, trigonometriu, algebra e fortificações, frequen
tando além disso a aula repentina reguda pelo lente da aca
demiu de marinha Manoel Jacintho Nogueira da Gama ; )
e fazendo de novo valer a procedencia da sua pretenção,
a mesma junta informou ainda em 27 de Setembro do mesmo
anno , dizendo que elle pela sua bộa conducta c merecimento ,
era digno da graça que solicitatu.
Nada obtendo, apezar do seu merecimento , serviços e
honrosos attestados dos seus superiores, como pelos seus
conhecimentos relativos a arte militar, elle partiu para Por
tugal, e matriculou -se em Lisboa no curso de mathemati
cas, obtendo então entrar no regimento de artilharia que
se acabava de organisar em Pernambuco , sendo despa
chado 2º tenente por patente regia de 8 de Setembro de
1801 : foi promovido a 1.º tenente por patente de 9 de No
vembro de 1808 e a capitão por patente de 12 de Abril de 1813 .
Em 1815 jún Barros Lima possuia como vimos as dra
gonas de capitão, e aspirando á posto superior, o gover
nador Caetano Pinto informou a sua pretenção, dizendo,
que, « cra um official muito digno, e que, conformando -se
com a informação do chefe do seu regimenta ,julgara estar
nas circumstancias de ser graduado no posto de sargento
mór, como o mesmo chefe lembraca na sua propostu .»
() mesmo governador remettendo para a corte em offi
cio de 4 de Abril de 1816 o plano da nova organisação do
exercito , e conjuntamente um requerimento de Barros Lima
pedindo accesso de posto , diz ainda : o capitão José de
Barros Lima é digno da Real contemplação de Sua Altesa,
pela sua bon conducta ciril e militar e pelos seus conheci
mentos; accrescendo mais, ser presentemente substituto de
aula do seu regimento, sem gratificação alguma.
Nesse mesmo anno , por Patente Regia de 31 de Agos
to , foi o capitão Barros Lima nomeado commandante da
companhia de cavallos, annexa ao mesmo regimento .
Vamos agora entrar na ultima, mas ephemera e glo
riosa phase da vidla ( lo illustre capitão José de Barros Lima,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 537

phase em que se immortalisou nos annacs da historia das


lutas em prol da independencia e liberdades patrias, a re
volução emancipadôra de 1817 .
Barros Lima, já pelos seus variados conhecimentos,
como pelo seu espirito patriotico e liberal , foi um dos cons
piradores, e um dos mais ardentes apostolos da causa
emancipadora da patria.Intrepido, bravo até á temeridade,
valente e destemido, Barros Lima, o Leão Coroudo, alcu
nha que a sua affoutesa nos perigos lhe havia bem mere
cido, foi um dos conspiradores contra o estado, e como tal
ordenada a sua prisão, sendo della encarregado o com
mandante do seu regimento brigadeiro Manoel Joaquim
Barbosa de Castro .
Effectuada a prisão de Domingos Theotonio , em con
selho de officiaes, convocado pelo mesmo brigadeiro, diri
giu - se elle a Barros Lima, e dá - lhe tambem ordem de prisão .
Exaltado porém , indignado com a reprehensão geral, ferido
nos seus brios pelos qualificativos de infamia e traição,
o seu commandante designára os brazileiros, Barros Lima
com que levanta -se, e lhe pergunta audazmente a causa do
seu castigo . O brigadeiro exproba -lhe a insurreição, e co
meçava a atirar -lhe as mais afrontosas injurias, quando
Barros Lima arranca da espada, ergue -se com a veloci
dade do raio , e lh'a embebe no peito pronunciando estas
palavras : pois morre infame.
Assim rompia prematuramente a revolução a 6 de
Março de 1817 , assim o capitão José de Barros Lima lavava
com sangue a afronta atirada aos brios e a honra pernam
bucana. Morto o brigadeiro banhado em seu proprio
sangue, Barros Lima manda immediatamente tocar a re
hate, solta e arma os soldados presos no calabouço , e ex
pede o capitão Pedroso contra o general, e fica no quartel
reunindo os conjurados, que a proporção que iam chegan
do, beijavam a ensanguentada espada, come um juramen
to inviolavel de vencer ou morrer pela patria .
Sabida a fuga do governador, e á liberdade daquelles
patriotas cujas prisões já haviam sido effectuadas, Barros
Lima marchou com a sua tropa á reunir-se com as outras,
e seguiu então para o campo do Erario , cuja capitulação
se effectuou á tarde desse mesmo dia . No seguinte , 7 de
Março, Barros Lima segue encorporado ao exercito, e mar
cha em direcção á fortaleza do Brum , onde o general se
havia fortificado, e capitulando elle, e evacuada a fortaleza ,
desarmada a tropa, e substituida pela dos patriotas,
69
Barros
538 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Lima ficou no commando dessa importante fortificação ;


e reorganisado o exercito, e convertido os dous antigos
regimentos de artilharia e infantaria em dous batalhões da
primeira arma, Barros Lima foi elevado ao posto de coro
nel commandante do primeiro, por decreto do governo pro
visorio de 26 de Março .
Em todos os actos, em todos os movimentos do ephe
mero imperio da liberdade, Barros Lima representou um
papel superior, e ostentou-se um dos patriotas mais illus
tres e distinctos . Não lhe permittindo a segurança da pa
tria sahir do Recife, pela confiança que inspirava e pela
direcção que lhe coube da guarnição da praça, elle não teve
occasião de bater-se nos campos da batalha, em que he
roica e briosamente se disputou a honra e a liberdade da
patria ; mas prestou innumeros serviços, e só deixou o
seu posto na ultima extremidade, quando o Recife ia ser
presa das tropas reaes que já lhe batiam ás portas, e quan
do nenhuma negociação admittiu o commandante do blo
queio , em frente do porto.
Barros Lima seguiu então a sorte dos seus infelizes
companheiros, e na ultima contenda abandonou o Recife,
e marchou encorporado ao exercito para o engenho Pau
lista , ao Norte da provincia, e ahi acampou. A’ deserção
dos soldados á approximação das tropas reaes, quando
se viram baldos de recursos, sem armas e munições, res
tando apenas 60 artilheiros, foi resolvido o abandono do
campo , e cada qual seguiu caminho diverso .
Descoberto por traição, depois de errar por algum tem
po pelas mattas, soffrendo todas as privações , faminto e
sem recursos, Barros Lima foi preso, remettido para o
Recife, e a 6 de Julho recolhido em segredo na cadeia, e
dous dias depois condemnado a morte pela commissão
militar, por ser o motor, e dar principio ao desenvolui
mento da rebellião. »
No dia 10 de Julho de 1817 , foi elle executado, pagou
na forca o crime de tentar libertar a sua patria do jugo que
a opprimia ; e cortadas as sua cabeça e mãos, estas foram
pregadas no quartel, e aquella fincada em um poste na
cidade de Olinda ; e o seu cadaver atado á cauda de um
cavallo , foi arrastado ao cemiterio, e sepultado .
Assim terminou a vida o illustre patriota José de Barros
Lima, o Leão Coroado, martyr pelo patriotismo, victima
da tyrannia , mas sagrado heróe pela patria, cujo nome
glorioso, honra c exalta .
DICCIONARIŲ BIOGRAPHICO 539

José Camello Pessoa de Mello. Filho do capitão


mór Francisco Camello Pessôa e D. Anna Maria do O'c
Mello , nasceu no seculo passado. Foi militar e serviu no
regimento de linha da praça do Recife até 1814, quando
deu baixa do serviço do exercito, occupando já o posto de
tenente ; e nesse mesmo anno , por Patente Real de 15 de
Outubro foi nomeado sargento -mór do regimento de caval
laria auxiliar da villa de Goyanna .
Quando rompeu a revolução democratica de 1817, o
sargento -mór José Camello abraçou - a com ardor e en
thusiasmo, e na attitude que manteve revellou-se homem
illustrado é de idéas adiantadas. Tomando a si a adhesão
da villa de Goyanna ao pronunciamento do Recife, teve de
travar luta com o commandante do seu regimento e com o
uiz de fóra da villa , porem triumphou a sua causa, a li
berdade foi proclamada, o governo provisorio reconheci
do , e o novo estandarte da patria livre tremulou por toda
a parte .
Quando a sorte das armas, e mais que tudo, as circum
stancias em que se achavam os patriotas pelo antecipado
rompimento, trouxeram -nos os revezes da adversidade,
José Camello consegue reunir parte do seu regimento, jun
ta -lhe a companhia do valente Henrique Poppe Girão, e
tomando o commando dessa força marcha para a campan
ha e vae reunir -se ao exercito do general José Mariano de
Albuquerque Cavalcante, contra os rebeldes de Pau d'Alho.
Mas as desgraças da patria , a retirada do governo da ca
pital do Recife, e os infortunios que pesaram sobre esta
provincia, apagaram -lhe as glorias do seu triumpho, elle
resignou - se e recolheu -se ao seu domicilio de Goyanna.
Cahindo em mãos dos seus inimigos, preso e remet
tido á alçada do Recife, foi pagar o crimeda sua rebeldia
nos carceres da cadeia da Bahia, onde gemeu por 4 annos,
até que , em 1821, restituiram -lhe a suspirada liberdade.
Regressando á Pernambuco, e achando -o sob a pressão do
governo despotico do general Luiz do Rego , José Camello
uniu -se logo á briosa phalange que tramou é conseguiu li
vrar a sua patria do jugo ferreo que a opprimia.
Frustrada a tentativa contra a vida de Luiz do Rego ,
este protestou vingar -se com o geral exterminio dos pre
sos de 1817 que voltavam da Bahia , attribuindo -lhes esse
attentado . Elles, porem , refugiam - se em Goyanna, reunem
o povo e cream um governo temporario que velasse pela
540 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

salvação do paiz ,e o livrasse do despotico governo de Luiz


do Rego. Organisando -se simultanca e repentinamente
um exercito de milicianos e paisanos , e o illustre José Ca
mello investido do cargo de general em chefe , poz-se logo
em movimento , e apesar do numeroso cortejo de tropas
com que se achava guarnecido Iguarassú, Olinda e outros
pontos, avançou intrepido sobre o Recife.
Quando chegou a Iguarassú, e achou esta villa fortifi
cada e guarnecida por dous batalhões de caçadores, o bra
vo patriota não esmoreceu. Penetra elle só nas linhas
avançadas , proclama aos soldados , os quaes selhe reunem
c fasem causa commum com as suas tropas, e marcham
todos sobre a cidade de Olinda .
Fazendo alto a duas leguas de distancia , José Camello
reune então os officiaes em conselho, e decidiu o simulacro
de um ataque sobre a povoação de Afogados, emquanto se
marchava á tomada de Olinda, estabelecendo -se o quartel
general como ponto de apoio na povoação de Beberibe,
onde tambem ficaram os membros do governo provisorio .
No dia 21 de Setembro de 1821 , foi a cidade de Olinda
atacada pelas sete horas da manhã, dirigindo a acção o
intrepido general José Camello Pessoa de Mello . Dado o
signal do combate, e cmquanto em Afogados se entretinha
a divisão da Bahia alli estacionada, José Camello dispõe as
suas tropas em numero superior a 3000 homens, ataca- a
por todos os lados e trava - se renhido combate até a noite,
cabendo a victoria as valentes tropas patrioticas, victoria
explendida que decidiu da causa pernambucana, e obrigou
a Luiz do Rego acceitar as clausulas humilhantes que lhe
foram impostas, as quaes eram : pagar pelo Erario as des
pesas da guerra e o soldo das tropas, despedir immedia
tamente as tropas da Bahia, ficar elle no governo do Recife
somente emquanto as cortes não decidissem o contrario,
ouvindo os dous procuradores, que por parte de uns e ou
tros partiriam immediatamente para Lisboa.
Firmada a convenção do Beberibe a 6 de Outubro de
1821, e ratificada por Luiz do Rego no dia 9, José Camello
ficou guarnecendo Olinda, o theatro das suas façanhas e
heroismo, e quando veio a decisão das côrtes e foi eleita il
junta do governo provisorio , recebeu della os mais lison
geiros elogios á frente dos seus bravos soldados, e reco
Theu - se á Goyanna onde teve recepção estrondosa e trium
phal. Vieram depois as lutas da independencia, e o velho
soldado já glorificado por tantos feitos do mais acrysolado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 541

patriotismo, por tantas acções da mais inexcedivel bra


vura e heroismo, atira-se de novo na crusada patriotica
da liberdade, e vê firmada a sua independencia, e o nome
do Brazil traçado no mappa das nações como estado so
berano e independente ; e após essa phase gloriosa da sua
vida, investido do cargo de commandante das armas desta
provincia, do qual tomou posse a 2 de Maio de 1823, pres
iou ainda valiosissimos serviços á causa da ordem publica ,
ainda alterada pelas commoções politicas por que acabava
de passar o Brazil .
O illustre soldado da liberdade, o valente patriota José
Camello Pessoa de Mello morreu encanecido pelos annos ,
e legou a posteridade um nome legendario e memoravel,
por seus feitos de patriotismo, por sua bravura e distincção
e pelo seu acrysolado amor da patria.
José Correia Picanço, Barão de Goyanna. Nasceu
na villa , hoje cidade desse nome, a 10 de Novembro de 1745 .
Estudando na villa do Recife os primeiros rudimentos
de humanidades, e dedicando -se ao estudo da cirurgia, foi
nomeado pelo governador conde de Villa Flor, em 30 de
Dezembro de 1766, cirurgião -mór do corpo avulso dos offi
ciaes da ordenança das entradas e reformados, por concor
rer nelle todos os requisitos necessarios, por seu honrado
e distincto procedimento, e um dos de melhor nota desta
praça . Correia Picanço dirigiu - se depois para Portugal,
frequentou o curso de cirurgia do hospital de S. José de
Lisboa , e desejando alargar a csphera dos seus conheci
mentos profissionaes, seguiu para a França afim de ouvir
as lições dos grandes mestres, foi discipulo dos celebres
Dasault e Sabatier, e doutorou - se em medicina na Univer
sidade de Montepellier .
A sua demora em Pariz, e as relações de amisade que
contrahiu com o Dr. Sabatier, deram - lhe ingresso no seio
da familia deste distincto professor, e se affeiçoando a uma
sua filha, pediu-a em casamento, e se alliou á ella. Regres
sando então para Portugal, mereceu, pelos creditos de que
já gosava , não só como habilissimo anatomico, mas tam
bem como medico notavel, a conferencia do capello de dou
tor em medicina, offerecido pela Universidade de Coimbra,
assim como a nomeação de lente de anatomia e cirurgia
da mesmaUniversidade, em substituição ao professor Cic
chi; e coube-lhe a gloria de pôr em pratica , no ensino da
542 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

sua cadeira , as novas theorias , aperfeiçoando e desenvol


vendo a sciencia medica , e creando ao mesmo tempo na
Universidade um amphitheatro anatomico , o primeiro que
houve em Portugal.
Nomeado conselheiro, primeiro cirurgião da casa real,
e cirurgião -mór do reino , acompanhou em 1807 a familia
real ao Brazil . Aportando á Bahia com o principe regente
D. João, suggeriu -lhe a idéa da creação de uma escola de
cirurgia no HospitalReal , o que aceito pelo principe, foi
dirigida uma Ordem Regia ao Conde da Ponte, governador
da Bahia , e assignada por D. Fernando de Portugal e Cas
tro, a qual diz que, « o principe regente annuindo á pro
posta que lhe fez o Dr. Jose Correia Picanço , cirurgião
mór do reino, e do seu conselho, sobre a necessidade que
havia d'uma escola de cirurgia no Real Hospital da mesma
cidade, para instrucção dos que se destinassem ao exerci
cio da dita arte, tinha commettido ao dito cirurgião-mór a
escolha dos professores que não só ensinassem a cirurgia
propriamente dita , como tambem a obstetricia , tão util como
necessaria. »
Lente jubilado da Universidade de Coimbra , socio da
Academia Real das Sciencias de Lisboa , os seus serviços
mereceram a graça de uma pensão de 6003000, por Decreto
de 23 de Abril de 1816 , e por occasião do nascimento do
principe da Beira , teve o titulo de Barão de Goyanna, por
Decreto de 26 de Março de 1821 , e depois foi elevado as
honras de grandeza, por Decreto de 22 de Janeiro de 1823 .
O Barão de Goyanna falleceu no Rio de Janeiro aos 10
de Outubro de 1823. Medico distincto e illustrado, elle foi
uma das celebridades do seu tempo , conquistou honrosos
e elevados titulos pelo seu merecimento e distincção, e
deixou o seu nome intimamente ligado á historia , quer da
phase progressiva do estudo da medicina em Portugal,
como na da sua propagação no Brazil. Homem de talento
superior, e de illustração variadissima , acompanha a fama
proverbial do seu nome, muitos de seus trabalhos scien
tificos, entre elles um de muito interesse, que publicou
no Rio de Janeiro em 1812, com o titulo : Ensaio sobre o
perigo das sepulturas nas cidades e seus contornos.
José Correia da Silva. Nasceu no Recife no anno de
1746, e foram seus paes o capitão Francisco da Silva Cor
reia e D. Maria de Abreu e Lima. Antonio da Silva Cor
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 543

reia e D. Agueda Barbosa , foram seus avós paternos ; e


maternos, o capitão Antonio Teixeira Peixoto e D. Luiza
da Veiga Cabral.
Destinado por seus paes á carreira militar, Correia da
Silva assentou praça de soldado voluntario aos 14 de Ju
nho de 1760, passou a cabo de esquadra em 3 de Abril de
1763, a furriel a 11 de Junho de 1774, a sargento de grana
deiros a 8 de Janeiro de 1776 ; finalmente quando contava
19 annos de praça e 33 de idade, cingiu a banda de official
do exercito , sendo nomeado alferes de granadeiros do re
gimento de infantaria paga do Recife, por patente do go
vernador José Cesar de Menezes , de 8 de Maio de 1779.
Em 1777 achava -se Correia da Silva em Santa Catha
rina, para onde havia marchado em 1774 com o regimenlo
de infantaria do Recife, a que pertencia , quando appareceu
a esquadra hespanhola ; e a sua vista foi tal o terror que
se apoderou dos principaes cabos de guerra portuguezes
quando viram o inimigo prompto á romper em hostilida
des , que o commandante da praça general Antonio Carlos
Furtado de Mendonça, a entregou por indigna e vergonho
sa capitulação ao general hespanhol D. Pedro Cevallos, a
27 de Fevereiro, apezar de estar a ilha bem provida de
gente e munições, e por conseguinte em estado de oppôr
seria resistencia aos invasores .
Mas o estandarte real, o simbolo da honra e do patrio
tismo do regimento do Recife, foi arrojada e heroicamente
salvo das mãos dos inimigos . Quando os hespanhoes des
embarcaram e marchavam á tomar posse da praça , Cor
reia da Silva corre ao quartel do seu regimento, toma o seu
estandarte , cinge-se com elle, passa da ilha ao continente,
occulta -se e demora -se por dous dias á espera das conse
quencias da capitulação, e quando soube que os hespa
nhoes haviam firmado a conquista da praça, parte a 2 de
Março em demanda de Pernambuco, a pé, em longiqua e
perigosissima viagem , atravessa os invios sertões de Mi
nas Geraes e S. Paulo , affronta e vence os maiores obsta
culos e perigos, e chega finalmente a Pernambuco , e vae
depôr nas mãos do governador a glorificada bandeira do
seu regimento : e assim cumpria heroica e nobremente o
seu dever de soldado, assim salvava a honra e a dignidade
do nome e do estandarte portuguez .
Mas o audacioso soldado que assim tão arrojadamente
havia sabido manter os brios e as tradicçõesde sua patria ,
como havia praticado outr'ora João Fernandes Vieira sal
544 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

vando o estandarte portuguez que tremulára nas mura


lhas do forte de S. Jorge , nenhuma recompensa teve por
esse feito de audacia e patriotismo, nem ao menos um sim
ples accesso de posto !
Alferes como vimos em 1779, foi nomeado quartel mes
tre do seu regimento por patente do governador José Cezar
de Menezes , de 28 de Setembro de 1786 , e capitão por pa
tente regia de 29 de Maio de 1793, vencendo o soldo mensal
de 19 $700. D. Thomaz José de Mello, na informação que
deu ao governo da metropole, em 15 de Dezembro de 1788,
da conducta, antiguidade e merecimento dos officiaes do
seu regimento, disse o seguinte em observação ás datas de
praça e postos de José Correia da Silva : este officialémuito
cuidadoso na sua obrigação, serve com honra e virtude.
Correia da Silva que na vida militar fôra um dos ho
mens de merecimento, e um daquelles que pelos seus ser
viços e obrigações, era digno de mais significativas dis
tincções , foi uma das victimas do esquecimento, as remu
nerações e distinções não o alcançaram , e depois de muitos
annos de serviço, e de uma dedicação e honestidade a toda
a prova , a par de uma intelligencia não vulgar, chegou até
ao posto de sargento mór . O governador Jose Cesar de
Menezes o elevou a tenente, diz um escripto que temos sob
as vistas , e logo depois a tenente ajudante do regimento de
granadeiros ; e como José Correia se distinguisse pormuito
intelligente, e escrevesse com lettra admiravel, foi encar
regado de organisar os mappas estatisticos , que seguida
mente se remetteram para Lisboa, recommendados não
só pela precisão , claresa e importancia, como pelo esme
rado trabalho caligraphico.
José Correia da Silva tendo direito pelos annos de pra
ça e serviços prestados, á conferencia do habito da Ordem
de Christo, abriu mão desse mesmo direito em favor de seu
entiado o padre José Ignacio Ribeiro de Abreu e Lima, um
dos inartyres mais illustres da revolução de 1817 ; e assim ,
o unico premio que por lei lhe era destinado, reverteu em
favor de seu entiado , o que realça o seu caracter, e prova
evidentemente o seu desinteresse.
Nomeado commandante do Forte do Mar sobre os ar
recifes, pelo governador D. Thomaz José de Mello, cuja
nomeação foi confirmada por Patente Regia de 29 de Maio
de 1793, « em attenção aos seus serviços, louvurel proceeli
mento, capacidade e prestimo, dandó provas do sua intel
ligencia tanto nas occasiões de guerre, sendo destacado o
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 545

seu regimento para a capital do Rio de Janeiro, como em


todas as ordens de que foi encarregado na dita praça » ; e
em 1787 encarregado da policia da villa e termo do Recife,
Correia da Silva prestou tão assignalados serviços a causa
da ordem e tranquillidade publicas, que ainda hoje são elles
proverbiaes, e relatados com admiração pelas pessoas
antigas.
Era enormissima a ultima tarefa , diz o escriptor de uns
ligeiros traços sobre a sua vida . Abundavam ladrões e as
sassinos : as noites eram de cuidados e de apprehenções
no Recife e seus proximos bairros : José Correia , que não
se recommendou pela estricta legalidade de seus actos po
liciaes, e que arbitrariamente foi prendendo e soltando, ou
mandando para a ilha de Fernando faccinoras conhecidos,
e homens suspeitos e de envolta com elles talvez alguns
innocentes, procedeu com energia tal, que no fim de um
anno de seu absolutismo official, os habitantes do Recife
dormiam tranquillamente, e seguros sem mais receio de
perturbação de seu somno, e de algum descuido na segu
rança das portas. José Correia atravessou quatro governos
da capitania , dirigindo á contento geral por mais de 20 an
nos a policia do municipio do Recife. "A's vezes arbitra
rio ; mas sempre bem intencionado, foi a amada garantia
da vida e da propriedade, e por isso mesmo elemento ci
vilisador proprio e adequado àquella epocha.
José Correia, a quem o povo denominou 0 - Onça , pela
energia e actividade que desenvolveu no exercicio desse
cargo , e a promptidão com que se achava em todos os
conflictos, quando menos o esperavam , constituiu - se um
elemento de ordem e confiança , e o terror dos criminosos
e vadios a quem não dava tregoas . Envolvido em um ca
pote , empunhando uma espada, em cujo jogo era ames
trado e insigne, rondava toda a noite, ea confiança era tal,
que os moradores em diversas ruas, para refrigerarem a
calma do dia, dormiam de portas abertas.
José Correia Onça , como geralmente foi depois conhe
cido, diz um chronista, era homem de estatura mais que
ordinaria, robusto e de uma coragem a toda a prova , e co
ragem que elle mostrou por mais de uma vez em prender
criminosos que ostentavam de valentes.
Depois de uma longa vida publica , já como militar, já
como agente policial do Recife , na qual consumiu 50 annos
de serviços, cada qual mais valioso e importante, apenas
70
5-16 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

attingira ao posto de sargento -mór para o qual foi nomeado


por Patente de 11 de Julho de 1808, e morreu em Julho de
1811 , contando 65 annos de idade. José Correia da Silva,
no horisonte modesto de sua vida se distinguira e se ex
altára tanto, na phrase de um escriptor, que tem direito á
honorifica menção na historia da patria .
José Gomes da Costa Gadelha . Nasceu na povoação
de S. Lourenço de Tejucupapo, e foi baptisado na capella
de N. S. do Rosario da mesma povoação , aos 30 de Julho
de 1743 ; o capitão Manoel da Costa Gadelha e D. Manoela
Isabel de Barros Pacheco, foram seus pacs , seus avós pa
ternos o coronel Jorge da Costa Gadelha e D. Mariana Tei
xeira da Silveira, e maternos o capitão -mór Antonio Gomes
Pacheco e D. Maria Coelho de Roboredo, todos naturaes
de Pernambuco .
Gadelha dedicou - se á vida ccclesiastica , fez os seus
estudos em Olinda, e habilitado para ordens sacras, em
1768, foi ordenado presbytero pelo bispo diocesano D.Fran
cisco Xavier Aranha. Dotado de talento não vulgar, es
pirito illustrado pelo mais acurado estudo, poeta distincto,
de imaginação viva , egenio perspicaz e indagador,o Padre
Gadelha emprehendeu uma viagem pelos nossos sertões,
como declara em una de suas poesias; e depois , com o
fim de cultivar ainda mais o seu espirito visitando outras
plagas, c ver, na phrase de Camões
Varias gentes, e leis , e raris manhas,
embarcou de capellão de um navio mercante, visitou di
versos paizes , e assim conseguiu o seu intento .
Em suas viagens compoz o Padre Gadelha dous poe
metos joco -serios : Amarujada, ou cida maritima, com
posto de 127 quintilhas, e Os suspiros da aletria pelo seu
amado assucur, de 29 oitavas, ambos publicados pelo com
mendador Mello em suas obras. Bellezas poeticas, e não
poucas, encerram os Suspiros da alctria , segundo aquelle
escriptor. Quantos seres não animou a imaginação do poeta
nessa linda composição ! Como lhes deu , com a mais bri
Thante propriedade, linguagem e acção !... E ainda que
não particularisasse a Marujada, diz comtudo, o mesmo
escriptor, que em ambos os poemas nos parece haver,
além da originalidade, imaginação fecunda e gravissima,
erudição , linguagem castica, harmonia, poesia en fim . »
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Na Marujada descrevendo as suas viagens maritimas,


assim refere com estas cxactas e poeticas imagens, os ris
cos e os trabalhos de um proximo naufragio :

Mostra o tempo alegre o rosto,


Apparece o vento amigo,
Solta-se o panno com gosto ;
Porem não tarda o desgosto ,
Quando está perto o perigo.
De repente a embarcação
Por parte occulta se arromba :
Que triste situação !
Pedem todos confissão,
Grita o Mestre : A ' bomba ! A ' bomba !

Uns na bomba a repuchar,


Outros a brecha buscando ,
O licor a borbulhar,
O navio a se agachar,
e a morte caminhando .

Eas tempestades, a furia dos elementos, assim as pinta :


Roucos aquilões berrando,
Pelas enxarcias zunindo ,
Muras, escotas quebrando,
Duras vergas mastigando
Rotas velas engulindo .
O mar convulso de ira ,
Meneando a verde trança,
Contra todos se conspira ;
Ao abysmo aqui se atira ,
A's nuvens ali se avança .

Descrevendo o perigo dos incendios, a escassez de


vento, e por fim o ataque dos piratas mouros, correndo
risco o christão
De lèr o torpe Alcorão
Em Berberia ou Argel,
548 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

trata em fim das calmarias , e assim conclue estes bellis


simos quadros:
Se deste perigo escapa,
Cahe nas podres calmarias,
E seja rei, seja papa ,
Ali fica posto á capa
Oito, quinze, e vinte dias .
Não menos bello e interessante são estes versos sobre
o celebrante á bordo :
Vae o padre a celebrar :
E que tenha devoção,
Não a póde conservar ;
Pois por força ha de dansar
Pelo tom da embarcação .
Alem dos dous poemetos do Padre Gadelha, recolhidos
e publicados pelo commendador Mello, consta que havia
elle colleccionado os seus versos para os publicar, o que
talvez não realisou. Nós porem , encontramos duas bellis
simas poesias suas,ineditas ainda, as quaes foram reci
tadas na sessão academica celebrada em Pernambuco no
dia anniversario natalicio do governador José Cesar de Me
nezes, em 19 de Março de 1775, as quaes publicamos no
Jornal do Recife de 13 de Janeiro de 1876. Constam estas
composições, de uma Ecloga em louvor ao prudente go
verno de José Cesar, sob o nomede Montano, e em que
são interlocutores Frondelio, Eulino e Urbuno , constando
de 289 versos, terminando por um soneto ; e de mais um
outro soneto, sob a epigraphe : Nada assegura mais o go
verno publico, que a affabilidade para com os subditos.
Poeta distincto, de uma indole prazenteira, de uma con
versação e companhia amavel e encantadora, o Padre Ga
delha foi ao mesmo tempo um sacerdote de eminentes vir
tudes; mas aquelle que havia reconhecido e passado pelos
riscos da vida maritima, e protestado abandonal-a, na ul
tima quintilha da sua Marujada, não pode evitar o cruel
destino de acabar desgraçadamente sobre os mares.
O Padre José Gomes da Costa Gadelha falleceu na al
tura do Cabo Frio , em viagem de Angola para o Brazil , ter
minando os seus dias o golpe de uma verga sobre a ca
beça, por occasião de um temporal. « O oceano foi o seu
tumulo . )
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 549

José Ignacio de Abreu e Lima. Nasceu aos 6 de


Abril de 1794 ; seu pai foi o padre José Ignacio Ribeiro de
Abreu e Lima, descendente de preclara linhagem . Era neto
paterno do capitão Francisco Ignacio Ribeiro de Abreu e
Lima e D. Rosa Maria de Abreu Grades.
Os seus titulos de nobreza, são por elle proprio apre
sentados em uma luminosa questão que sustentou, sobre
as Biblias Falsificadas , quando o seu contendor The cha
mou filho de Agar. Disse elle : « Fomos 4 irmãos cadetes ,
2 em tempo do rei velho (quando eram senhores cadetes)
e 2 primeiros cadetes depois da lei de 1820, que alterou o
Alvará de 1757. Ora , não sendo nosso pai major de linha
e d’ahi para cima , está claro que para serem cadetes era
mister que tivessem 4 avós nobres, e quem tem avós nobres
tem pais conhecidos ; portanto ahi tendes 4 processos e 4
julgamentos , provando não só a legitimidade donosso nas
cimento, como a nobreza da nossa familia . Bem vêdes ,
pois, que não posso ser filho de Agar escrava porque nasci
nobre. » Aléni disso, consta por fonte autorisada , que seu
pai , na viagem que fez a Roma , obteve da Santa Sé um Breve
Apostolico, pelo qual foram seus filhos reconhecidos legi
timos , por terem nascido antes delle haver recebido ordens
sacras .
Abreu e Lima recebeu uma acurada educação . Nesta
provincia estudou elle o latim , philosophia, rhetorica, fran
cez e inglez, e depois de concluir esses estudos prepara
torios , começou em 1811 , ainda em Olinda , o curso regi
mental de artilharia , ao mesmo tempo que cultivava com
seu pai a litteratura e delle recebia as primeiras noções
do grego. Em 1812 embarcou para o Rio de Janeiro e ma
triculou - se no 1.º anno na Academia Real Militar .
Ahi, pelo precoce desenvolvimento do seu bello e ro
busto talento , muito distinguiu -se, e a obtenção de premios
em todos os annos do curso de mathematicas, foi a aureola
conferida por seus mestres ao seu aproveitamento e dis
tinccão.
Em 1816 concluindo os seus estudos, foi-lhe conferida
a patente de capitão de artilharia, quando apenas contava
20 annos, e logo despachado lente do seu regimento, e pos
teriormente designado para servir em Angola.
Em Dezembro desse mesmo anno chegou a Pernam
buco ; mas veio feril -o um acontecimento, que bastante o
contristou . Dotado de um caracter energico , altivo e in
550 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
1

dependente, não sabemos porque motivo, foi pronunciado


logo depois da sua chegada pelo ouvidor de Olinda, por
crime de « assuada , resistencia e ferimentos ! » Abreu e
Lima foi preso, mas aggravando da pronuncia, acompa
nhou o aggravo para a provincia da Bahia, em principios
Fevereiro de 1817 , e logo que ahi chegou o Conde dos
Arcos o mandou recolher a fortaleza de S. Pedro .
Ahi estava, quando rompeu em Pernambuco a revolu
ção de 6 de Março de 1817. Seu pai, um dos vultos mais
proeminentes dessa cruzada liberal, tendo sido enviado á
Bahia no caracter de commissario dos pernambucanos,
foi denunciado, e logo que saltou foi preso e condemnadó
a morte. No dia 28 de Março, a pedido do infeliz patriota,
Abreu e Lima sahiu da fortaleza para a cadeia, e ahi, ba
nhado em lagrimas, abraçou seù idolatrado pai, que no
dia seguinte foi arcabusado no campo de Sant'Anna; e para
maior ostentação dessa scena tristissima, obrigaram no
joven Abreu e Lima a assistir a lugubre festa da tyrannia ,
a execução de seu pai!!
« Facil é de comprehender-secomo uma mão de ferro ar
rancava o coração traspassado de vivissima lor de Abreu
e Lima, na sua propria phrase, quando elle, debulhado em
copioso pranto, foi arrancado para sempre dos braços de
seu querido pai para dar-se começo ao sacrificio desse
martyr da liberdade, dessa victima do puro enthusiasmo
pela emancipação politica da patria. Esta lugubre scena
impressionou tão intimamente oseu espirito que protestou
naquella solemne occasião do barbaro sacrificio de seu
prezado pai, que, a exemplo dell', por suas vencrandas
cinzas, d’abi por diante tudo arriscaria, até a propria vida
- pela liberdade de seu paiz, ou de outro qualquer, onde a
sorte o conduzisse .
Depois desse horrivel transe, Abreu e Lima ainda pas
sou alguns mezes na cadeia , em companhia de um seu
irmão e deoutros patriotas que eram remettidos presos de
Pernambuco. Em Outubro de 1817, conseguiu ser solto
com seu irmão , e obtendo da Maçonaria o auxilio de us
100 pesos em moeda, abandonaram a patria e embarcaram
se para os Estados Unidos, onde chegaram em Fevereiro
de 1818 .
Nos Estados -Unidos, Abreu e Lima procurou a Anto
nio Gonçalves da Cruz Cabuga, commissionario da revolu
cão pernambucana ; mas diz elle proprio em ligeiros apon
tamentos autobiographicos, que esse enviado se negou a
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 551

prestar-lhe o menor soccorro , quando dispunha de bastan


te dinheiro. Neste ponto Abreu e Lima foi injusto . Cabugá
já não possuia bastante dinheiro. Partindo de Pernambu
co, na qualidade de embaixador do novo governo, levou
comsigo a quantia de 60 :000 $ para a compra de armamen
tos e munições de guerra, e apenas chegado a Baltimore,
satisfez essa incumbencia e fez remessa dos objectos para
Pernambuco, onde infelizmente bem tarde chegaram ! De
Baltimore partiu para Washington a tratar da sua missão
diplomatica, mas logo depois recebeu a infausta noticia da
quéda da liberdade. Cremos, pois, que esse heroe, pintado
pelo autor dos Martyres Pernambucanos com tanto patrio
lismo, com tanta dedicação, já nada possuia quando foi
procurado por Abreu e Lima, e que isso mesmo talvez lhe
assegurando , elle não o acreditasse !
Bem pouco tempo permaneceu Abreu e Lima nos Es
tados Unidos. Em Abril de 1818 seguiu com seu irmão
para a ilha de S. Thomaz , e o deixando como caixeiro de
uma casa commercial em Porto Rico , seguiu para Vene
zuela, onde depois de adversa fortuna e grandes contrarie
dades, chegou em Novembro , quando o general Bolivar
voltava da sua mallograda campanha de Caracas. Então
elle offerece-se e é admittido ao serviço de Venezuela no
mesmo posto de capitão de artilheria com que havia sahi
do da escola, e foi addido ao estado -maior do exercito .
Luctavam então as possessões hespanholas da Ame
rica do Sul pela sua liberdade, contra o jugo da metropole.
Abreu e Lima foi um dos heróes dessa guerra, foi um dos
patriarchas da liberdade Sul- Americana. A elevada pa
tente de general, as suas condecorações e outros titulos
nobilissimos, tudo são attestados, tudo isso falla bem alto
do seu merito, do seu valor e intrepidez.
Não lentamos enumerar e descrever os seus feitos ,
nessa longa e gloriosa guerra da independencia dessa
parte da America. Venha elle proprio em nosso auxilio e
conte -nos essa pagina brilhante da stia vida, esses feitos
gigantes e immorredouros, que tanto ennobrecem o seu
nome, nos seguintes periodos de uma carta que em 18 de
Setembro de 1868 dirigiu ao general J. A. Paez:
« Ha 43 annos que o não vejo , e separei-me de V. bem
descontente. Eu cra embaraço para os intrigantes de Ve
nezuela por causa da intimidade que eu gozava junto de
Vque
.; portanto intrigaram -me com V.equando suppuzeram
V. me havia abandonado , se arrojaram sobre mim ;
DICCIONARIO BIOGRAPHICO
porém eu estava tão irritado, tão irado , que commetti a
loucura de acutilar o primeiro canalha que me provocou.
O que eu soffri então, sabe V. melhor do que ninguem ...;
porém aquelles infames não triumpharam de mim .
« Separei-me de V. , levando uma chaga no coração, e
quasi com a certeza de que Colombia desappareceria pela
gangrena de Venezuela. E porém quer V. saber uma cousa
muito importante ? E' que briguei em Bogotá com Santan
der por causa de V., em fins de 1826 ou principios de 1827 !
V. , meu General, não conhecia , nem nunca pode conhecer
a Santander pelo que li nas suas Memorias. V. sabe que
eu tive com elle intimidade, e lhe juro que o conheci per
feitamente em Botogá ; e posso assegurar -lhe, que nunca
conheci um intrigante e um perverso tão subtil , tão fino e
tão astucioso . Elle foi a causa primaria da sua accusação
ante o senado ;elle concorreu para a desmoralisação e re
volta do exercito de Columbia no Perú e em Bolivia : assim
como para o attentado de 25 de Setembro em Bogotá ; e
deixou plantado o germen da revolução de Cordova em Me
dellim , e do assassinato de Sucre ; porque elle estava em
immediatas relações com Lopes e Obando-Lopes que V.
conheceu tanto e serviu com V. de 1821 a 1823 .
« V. sabe que fui para o Zulia cumprir a sentença do
conselho de guerra, que se fez na sua propria residencia
em Caracas ; mas todo esse artefacto desabou e eu fui logo
nomeado chefe do E. M. do Zwia para servir com Urda
neta . Dalli me enviou Urdaneta a Bogotá a entender-me
com Santander por certas desavenças entre os dous.
« Aplanei tudo, mas conheci a Santander, por occa
sião dos grandes successos de Venezuela - e nessas cir
cumstancias se revellou elle tal qual era . Então V. era o
alvo de quanta injuria , de quanta infamia podiam assacar ;
e eu não o podia tolerar. Um dia tive tão calorosa disputa
com o proprio Santander a seu respeito, que me obrigou
a pedır minhas lettras de retiro , e voltei para o Zulia ; mas
logo tornei a Bogotá com Urdaneta e a divisão do Zulia á
chamado do libertador. Chegando a Bogotá em 1827, eu
não quiz ficar alli por causa de Santander, nem ir para o
sul, preferindo ir como chefe do E. M. para o departamen
to de Magdalena, onde servi até 1831 ; indo entretanto duas
vezes ao Bogotá , uma em 1829 ou 1830, quando o general
Bolivar me encarregou , á vista de todos os seus documen
tos , que pôz á minha disposição, de escrever um esboço
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 553

da sua vida publica para mandar ao Abbade de Pradt que


acabava de defendel- o na Europa de uma tremenda accu
sação de Bemjamin Constant.
« V. não faz idéa como o libertador me ficou agrade
cido por esse trabalho, e do que fez por mim antes de mor
rer. E ' a elle a quem devo o meu posto de general, cujo
diploma foi expedido por Urdaneta. Saiba V. que conser
vo todos os meus diplomas, attestados, cartas particula
res, com poucas que se perderam ; e que de V. conservo
muitos documentos honrosos.
« General ! ninguem sabia quem eu era ; ninguem sa
bia que eu pertencia á uma das mais distinctas familias
deste paiz ; que tinha nascido rico, que tinha tido uma edu
cação de principe ; que possuia varios titulos scientificos ;
que tinha sido capitão de artilharia na idade de 18 annos ;
e ultimamente que tinha sido victima da primeira revolu
ção, que se fizera no Brazil ( 1817) pela independencia deste
paiz ; em que meu pai fôra fuzilado , e eu escapei por mi
lagre, da cadeia da Bahia . E sem embargo servi em Co
lombia com os mais distinctos chefes ; e apezar de muitas
intrigas de que fui victima, adqueri a reputação de um chefe
valente, illustrado e muito fiel- acompanhei a Colombia
até á sepultura ! Então eu não tinha patria, e fiz de Colom
bia a minha patria. Eu vi nascer Colombia nas Queceras
del Medio ; eu vi a V. com 150 homens arrojar todo o exer
cito de MURILLO ; eu vi fugir a cavallaria hespanhola diante
dos pelotões de V .;eu vi a infanteria inimiga recuar até a
orelha do monte--tudo vi em companhia dos Generaes
SOUBLETTE E BOLIVAR da margem direita do Arauca ; e fui eu
quem escreveu o bolletim dessa jornada. A nossos pés
vinham cahir as ballas da artilharia hespanhola , ou pas
savam por sobre nossas cabeças . »
« Tambem assisti á infancia de Colombia na Nova Gra
nada . Sou dos poucos de Vargas, de Topaga , dos Molinas ,
e ultimamente de Boyacá ! Ainda conservo a mesma me
dalha , que me deu SANTANDER do seu uso com a esmeralda
de Muzo pelo arrojo com que passei a ponte com os guias,
creio que de Mugica. De bogotá vim com SOUBLETTE para
o norte, como seu chefe do E. M. - bati-me em Cucuta , e
salvei nesse dia a divisão, que se havia embriagado com
aguardente . D’ali vim ao Águere, estive com V. em Acha
gues, e mi fui com SOUBLETTE ao Oriente buscar a legião
irlandeza. Ali me abandonaram muribundo ; e por um mi
lagre dos céus vim para Angustura mais morto que vivo.
534 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Porém , apezar de ser Edecan o secretario de SOUBLETTE,


logo que me restabeleci, fui expontaneamente para o An
guere a servir com V.; e lhe tomei tão grande amisade que
preferia ser seu ajudante de campo a ser chefe do E. M.de
Venezuela e Aguere, ou qualquer commando de armas . »
« E ainda quando eu tivesse outras commissões , vol
tava sempre ao seu quartel general. Eu lhe era tão dedica
do, que me batia por V. como se fosse meu pai e não meu
chefe . Carabobo , onde verti o meu sangue, Savana de la
Guardia, Porto Cabello, me viram sempre de lança em pu
nho como o mais simples Panero ; porque V. era tudo para
mim , eu o adorava. »
( A V. eu devia a minha carreira ; os postos de tenente
coronel e de coronel foram -me dados por proposta sua.
Eu vivi no centro da sua familia , a quem devo mil obse
quios , mil favores; não esqueço , general, de BARBARITA,
da bôa e sympathica BARBARITA, de sua irmã D. LUIZA, de
suas sobrinhas ; emfim não me esqueço ACHAGUES, VA
LENCIA E MARACAY . Porque, pois , me separam de V. os in
trigantes ? General, quando me lembro de NARINO, CARA
BANO, GUSMAN, LANDER , PEDRO P. Dias e outros, tenho
gana de fazer a todos o que fiz a GUSMAN, a esse miseravel
que V. diz nas suas memorias, que se jaclava de ser seu
inimigo ; canalha ! »
« Quando me recordo essa série de successos, das
Queceras del Indio á Boyacá , de alli a Porto Cabello ; de
alli á expedição do Perú e a missão aos Estados Unidos,
(ainda me lembro da nossa despedida em Porto Cabello) ,
e que ainda tive parte no ultimo successo de armas no
Portete de Tarqui ; que servi com os mais distinctos gene
raes da America , com BOLIVAR, com Paez, com SOUBLETTE,
com URDANETA , com MONTILLA (MARIANO) , com Sucre, e
que todos me prodigalisaram os mais subidos elogios ;
quando me recordo que B. me distinguia com o titulo de
guapo - guapo na sua bocca era o maior elogio que se po
dia fazer em Colombia a um chefe ! declaro formalmente
que tenho orgulho de haver servido a Colombia . Quando
um official era designado por V. como valente, todos lhe
abaixavam a cabeça ; e essa reputação de bravura a adqui
ri eu debaixo de suas ordens. Creia V. , general, que con
servo todas as minhas patentes de Colombia, todas as mi
nhas condecorações - que me desvaneco de ter sido gene
ral na velha republica de Colombia . Tenho orgulho de
chamar -me um dos libertadores de Venezuela é dos da
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 555

Nova Granada, e sem usor das minhas veneras. Faço gar


bo das minhas cruzes de Boyacó e de Porto Cabello , e do
meu nobre escudo de Carabobo . Tenho e conservo o busto
de ouro do libertador, que elle mesmo me deu como um
diploma muito honroso .
« Saiba mais que nunca pretendi entrar para o quadro
do exercito do Brazil; que nunca acceitei nem solicitei em
prego, condecoração ou missão alguma, quer em mando
de provincias ou em missões diplomaticas; que apenas o
poder legislativo por duas declarações a meu favor ; uma
de que estava no gozo dos direitos de cidadão brazileiro ;
outra do gozo e uso do meu titulo de general com todas
as honras inherentes . A isto seguiu -se a permissão de
usar das minhas condecorações, unicas de que tenho uza
do e uso no paiz . A ultima vez que vesti farda foi no anno
de 1840 para comprimentar o imperador pela sua maiori
dade - d'ahi por diante enterrei a farda , e apenas uso uma
ou outra vez da placa dos libertadores de Venezuela .
« General , nasci rico , e estou pobre ; mas vivo inde
pendente do governo e de todo o mundo com um pequeno
capital, que pude accumular pelo meu trabalho - vivo ge
ralmente estimado em todos meus amigos e os meus pa
rentes - vivo no meio da classe mais distincta - e sempre
lembrando -me de Colombia e de Caracas . Diga-me : o que
é feito dessas familias com quem eu mantive as mais es
treitas relações, como da familia BOLIVAR (D. MARIA ANTO
NIA e suas filhas, D. JOANNA e BENIGNA) de BENIGNA de quem
fui tão amigo, e por quem soffri por alguns annos aquella
furiosa intriga com o tio ? Mas desde 1826 o libertador co
meçou a tratar-me com muita amizade e carinho (é que
BENIGNA já estava casada com o seu protegido BRISENO
MENDES) a ponto de dar-me asmaiores provas de amizade
e de consideração , vindo
ta , logo que soube que de Baranquilla
eu havia para
desbaratado Santa Mar
os rebeldes de
Rio Macha . Desgraçadamente poucos dias viveu em Santa
Martha onde morreu a 17 de Dezembro de 1830. Quer V.
saber uma muito galante do general BOLIVAR a meu res
peito ? Fallando -se um dia diante delle de officiaes e chefes
valentes, elle disse que eu era um dos mais distinctos ,
porque o general Paez lhe havia dito, depois da batalha
de Carabobo , que eu era mui guapo ? Isto quer dizer que a
autoridade de V. era decisiva nesse assumpto ; e para ser
valente era mister ter a sua approvação ...
« General, como diabo tiveram aquelles canalhus a
556 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

habilidade de me separarem de V. ? E ' que elles sabiam


que eu tinha por Colombia todo o amor de patria , e que
morreria pela sua integridade ; sabiam das minhas rela
ções com SANTANDER ; e talvez suppuzeram que eu fosse
um obstaculo para seus planos; mas essa gente não igno
rava que ácima de tudo eu idolatrava a V., e que por V.
estava prompto a dar a vida . E' verdade que eu faria tudo
pela integridade da republica ; é verdade que sempre fugi
da guerra civil ; mas uma fatalidade inexoravel me acom
panhou sempre em Colombia, e afinal não me pude esqui
var de cahir nella .
« Estava em Bogotá , quando se dissolveu a Conven
ção de 1830, e o general BOLIVAR não consentiu que lhe
dessem um voto para presidente - elle queria sahir do paíz
-elle via já que Colombia se ia desmoronar e temia suble
vações no Magdalena para onde se queria retirar á fim de
embarcar alli para a Europa ; e me mandou adiante para
ter mão as facções como chefe que eu era alli muito con
ceituado . Assisti , portanto , as ultimas agonias de Colom
bia, assisti a sua morte, fiz tudo por ella - despedacei as
facções, esmaguei Carujo em Rio Hacha, bati -ine com os
Goagiros corpo á corpo , libertei Santa Martha , mas não
pude livrar Carthagena da traição do general LUQUE , e abi
succumbiu o general MONTTLA, e eu com elle. Eu porém ,
estava preparado para essa funesta eventualidade.
« Logo que morreu BOLIVAR , pedi ao governo minhas
lettras de quartel, e licença para ir aos Estados Unidos, a
Europa e o Brazil pelo tempo que me conviesse, e com o
competente passaporte de ida e de volta . Assim que entrou
LUQUE na praça apresentei-lhe esses documentos , e em
barquei para os Estados -Unidos. Se durante 13 annos que
servi naquelles paizes , contando com as commissões fóra,
tive muitos desgostos, soffri muitas intrigas como estran
geiro ; por outro lado nenhum official mereceu nunca as
distincções e amizade de tudo quanto havia de mais grado
no paiz como eu - essa amizade foi sempre tão distincta
entre os homens, como entre as mulheres. General , ainda
conservo o relogio que V. me deu , depois da batalha de
Carabobo, ha 47 annos !! poderia eu esquecel-o nunca ? »
Esta importante carta, esse testemunho de recordações
de meio seculo, como elle proprio disse, é um documento
valioso , é a propria historia de sua vida nas memoraveis
campanhas da independencia de Venezuela e da Colombia .
O Novo Mundo, publicando tão valioso documento de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 557

pois da sua morte, precedeu -o de algumas lisongeiras pa


lavras á memoria desse illustre pernambucano, e entre
ellas disse o seguinte : « Não é, porém , como historiador,
mas como guapo soldado que o seu nome merece -nos
maior respeito. Como se sabe, elle tomou parte activissi
ma nas luctas que estabeleceram a independencia da Ve
nezuela e da Colombia . Elle batalhou sob o general J. A.
Paez, o primeiro presidente de Venezuela e o braço direito
de Bolivar, de quem este disse uma vez que lhe devia os
louros dessas luctas. »
Da sua posição e influencia , aproveitou-se o general
Abreu e Lima , para ser util a dous brazileiros que alli se
refugiaram , abandonando sua patria , pelo comprometti
mento na revolução de 1817, e mais tarde, o foi tambem do
infeliz poeta José da Natividade Saldanha.
A patente de general, o titulo de libertador da Nova
Granada , e o de membro da Ordem militar dos libertadores
de Venezuela , as importantes missões diplomaticas que
The foram confiadas junto ao governo dos Estados -Unidos,
o cargo de secretario geral na vice -presidencia do governo
de Angustura, exercida pelo general Soublette, de quem
foi ao mesmo tempo ajudante de campo, e outros titulos,
distincções e condecorações , taes foram os louros colhidos
por esse illustre brazileiro fóra da patria , dessa patria que
pelo despotismo dos seus algozes , vivia fóra della !
Fallecendo o general Bolivar em 1830, Abreu e Lima
deixou a Colombia , e seguiu para os Estados Unidos,onde
recebeu a noticia da abdicação de D. Pedro I , e dalli partiu
para a Europa. « Na Europa, diz elle proprio, contrahi
com o Imperador muito boas relações, e suppuz que talvez
conviesse ao Brazil a sua volta ; porem , Deus o levou antes
da realisação desse plano ; e desde então assentei de re
nunciara politica. » Abreu e Limavisitou alguns paizes,
e demorou -se por algum tempo em Pariz, onde foialvo das
maiores distincções , até do proprio rei Luiz Felippe, que
recebia - o em seu palacio, e conferiu -lhe a honra de o ad
mittir á sua meza .
Em 1832 Abreu e Lima toma o caminho da patria , e
fixa a sua residencia no Rio de Janeiro . Mas elle tinha
perdido os seus direitos de cidadão brazileiro, por haver
acceitado honras e mercès de uma nação estrangeira, sem
consentimento do governo . Requereu elle a Assembléa
Geral o goso dos seus direitos, e lhe sendo conferido, a re
gencia sanccionou esse acto do poder legislativo em 23 de
558 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Outubro de 1832, e por portaria de 12 de Novembro do mes


mo anno, lhe foi permittido o uso de todos os titulos e dis
tincções que lhe haviam sido conferidos pelos governos
de Venezuela e Colombia .
Em 1833, Abreu e Lima ligou -se no Rio de Janeiro ao
partido Caramurú , cuja bandeira era a restauração do go
verno de D. Pedro I, e foi então um dos mais denodados ba
talhadores em prol dessa ideia sustentando uma viva e ar
dente lucta com Evaristo Ferreira da Veiga . Já em 1832,
ao voltar á patria , « horrorisado pelo cynismo, ( diz elle
proprio ) pela impudencia, com que se calumniava torpe
mente o Sr. D. Pedro I de gloriosa memoria , alcei a voz , e
oppuz uma barreira de bronze contra semelhante torrente
de iniquidade. Sim , eu fui o primeiro que, depois de 7 de
Abril , gritei a uma facção immoral e corrompida - parai
e ella parou : eu fui o primeiro que gritei -ingratidão in
famia - eo povo me ouviu , porque o povo era sincero e
agradecido , e os Januarios recuaram . Trez annos depois ,
em 1835 , ainda fui eu o unico , que alcei a voz, que me lan
cei na arena da imprensa para defender o Sr. D. Pedro II ,
ameaçado de uma nova proscripção ; ahi estão os Mensa
geiros de Nictheroy e o Bosquejo historico, politico e litte
rario do Brazil. »
Em 1833, o conego Januario da Cunha Barbosa , que
pertencia ao partido opposto a restauração , recitou na loja
Commercio e Artes, da qual era Veneravel, um fogoso dis
curso, em que tratava a D. Pedro I por vil traidor, e por
fratricida, abominavel, perjuro e monstro ; e no anno se
guinte ventilou -se na Camara dos Deputados a questão do
projecto de banimento do imperador. Então , Abreu e
Lima oppõe pela imprensa a tudo isso , uma brilhante Re
presentação, a qual, diz elle proprio : « foi tida e havida
por tudo quanto ha de illustrado no paiz , como uma bri
Ihante dissertação de direito publico constitucional e como
um desaggravo do povo brazileiro contra a injuria de in
gratidão, que lhe irrogavam os Januarios daquelle tempo. »
Em 1836, manifestou-se no Rio de Janeiro uma vivis
sima opposição ao regente do imperio Padre Diogo Anto
nio Feijó , e rompendo a luta , manifestou -se logo entre os
dous poderes um antagonismo flagrante, aggravado de
mais a mais pela dura tenacidade, com que o regente tra
tava o corpo legislativo. Abreu e Lima procura então os
arraiaes do partido contrario , e em opposição ao governo
do regente, publica 0 Raio de Jupiter, pregando a ideia de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 539

passar a regencia do imperio á princeza D. Januaria ; e tal


foi a opposição, e tão renhida a peleja, que o regente deu -se
por vencido e retirou -se do poder, dirigindo em 19 de Se
tembro de 1837 um Manifesto aos Brasileiros.
Em 1840 trabalhava elle na sua Historia do Brasil, e
mesmo assim occupava - se na collaboração de alguns jor
naes, entre elles o Maiorista, e publicando depois aquelle
trabalho, Abreu e Lima prestou um grandioso serviço á
sua patria , pois constitue a primeira historia que o Brazil
possuiu, restando -lhe tambem a gloria de ser o primeiro
brazileiro que offereceu ao seu paiz um corpo de historia,
senão perfeito como era de desejar, segundo suas proprias
palavras, ao menos escripto conforme as regras da chro
nologia, e o mais completo de quantos existiam até então
(1844 ).
Depois de haver illustrado o seu nome na côrte do im
perio, e de firmar uma reputação honrosa e invejavel, par
tiu para Pernambuco, e aqui aportou em 1844, depois de
27 annos de ausencia .
Abreu e Lima foi recebido pelos seuscomprovincianos,
com esse enthusiasmo que só a religião do saber e do he
roismo sabe conquistar. E nem era possivel que os per
nambucanos fossem indifferentes ao fixar-se entre elles o
vulto legendario de Abreu e Lima, que na phrase do Dr.
Moreira de Azevedo , « tornou-se no Brazil o homem do ga
binete e do estudo : que fez da penna o seu gladio, e dos
livros seus companheiros das fadigas, das vigilias, dos
trabalhos e das lutas, mas lutas de paz, lutas do espirito ;
que illustrou as letras patrias e dedicou-se ao estudo da
historia, e que deixou um nome que a patria ha de per
petuar. »
Nesta provincia, além dos trabalhos litterarios e scien
tificos em que trabalhava , tomou conta por esse tempo da
redacção do Diario Novo, orgão do partido liberal , e foi um
dos baluartes na imprensa politica desse partido, chama
do naquelle tempo praeiro , por ser a typographia do seu
jornal situada na rua da Praia , hoje de Pedro Affonso ; e
em 1848 escreveu o periodico A Barca de S. Pedro .
Logo que aqui chegou, diz elle proprio, « aproxima
va-se o momento critico para os partidos, isto é, a inter
venção popular nas eleições, era a fôrça publica e o povo
em lucta ; eu tinha passado dous mezes nessa espectativa ,
Julho e Agosto ; era mister tomar parte no conflicto, e to
mal -o só de palavras e não de vias de facto ; cedi por fim
560 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

a instancias repetidas, e decidi-me a escrever no dia 3 de


Setembro : 20 días depois tinha triumphado completamente
a imprensa opposta ; estava senhor do campo . Estabeleci
algumas idéas, excitei os sentimentos populares , creei no
vos interesses, e houve uma explosão, que deu um com
pleto triumpho aos praeiros. » Rompe a revolta praeira
em 1848, mas Abreu e Lima não acompanha os seus cor
religionarios aos campos da batalha, e ficou no campo da
imprensa , batendo-se denodadamente sustentando com a
penna as ideas liberaes .
Debellada a revolução em 1849, abre - se o livro da ty
rannia , e o nome do general Abreu e Lima não foi esque
cido ; é só pelo crime de ser o redactor do orgão do par
tido ' liberal, sem haver sido rebelde, foi preso, arras
tado pelos seus perseguidores aos immundos porões de
um navio de guerra, depois á fortaleza do Brum , e fi
nalmente remettido para o presidio de Fernando, aos 18
de Outubro de 1849 ; e submettido a processo , foi pronun
ciado por crime de rebellião, e comparecendo no tribunal
do Jury, foi condemnado, mas o presidente Dr. José Tho
maz Nabuco de Araujo, appellou ex -officio da decisão desse
tribunal para a Relação, « submettendo -lhe mui doutas e
juridicas razões desse seu recurso, onde triumphou por
fim aquella causa da justiça opprimida . »
« Ainda bem me recordo das honrosas palavras, diz
o Dr. Menezes de Drummond, em um discurso lido junto
ao seu tumulo, que ouvi do eximio Marquez do Paraná a
respeilo do alto conceito, que elle fazia, do subido juizo so
bre o merecimento moral e scientifico, que elle reconhecia
no general José Ignacio de Abreu e Lima, quando lhe fui
fallar para não o enviar a ilha de Fernando . E' bem sabido,
que o austéro Marquez do Paraná não thuriferava a quem
quer que fosse, nem prestava immerecidamente elogios ; e
por conseguinte suas palavras valerão sempre comoa pro
pria verdade . Bem frescos , ainda ahi estão na memoria de
todos os valiosos serviços por elle prestados, depois da
sua absolvição, para obter a libertação das victimas da
quella revolta de 1848 , seus companheiros de infortunio , e
sobre tudo para pacificação desta provincia , que havia
sido impellida ao abysmo de uma revolução medonha por
occasião da execução da lei censitaria . Para esses factos
muito deverão valer os testemunhos dos honrados presi
dentes desta provincia naquellas epochas os Exms. Srs .
Drs. Victor de Oliveira e José Idelfonso de Souza Ramos. »
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 561

Em um artigo publicado no Diario de Pernambuco de


28 de Abril de 1857, diz elle proprio em um topico que trata
das lutas politicas desta provincia : desde 1817 até hoje,
eu , meu pai, meus irmãos e até meus sobrinhos temos
participado dessas lutas horrorosas; eu fechei o circulo
de ferro começado em 1817 na cadeia da Bahia , e concluido
nas presigangas de Pernambuco em 1849.
Dessa epocha por diante, o general Abreu e Lima ab
steve-se inteiramente de todos os negocios politicos do Bra
zil . Só , isolado, e recolhido ao seu gabinete de estudo, elle
dedicou-se inteiramente aos seus trabalhos litterarios e
scientificos , cujas producções são soberbos monumentos
de erudição, e de verdadeiro merito e valor.
Para nós, descrever o vulto proeminente de tão illustre
e distincto cidadão, seria empreza superior as suas forças,
tamanha é a grandeza do assumpto. Venha pois em nosso
auxilio , um amigo dedicado de Abreu e Lima, uma auto
ridade competentissima, o mesmo Dr. Drumond, que no
discurso citado, esboçou com traços firmes, com vivissi
mas côres, e com pincel de mestre, o vulto immenso do
general José Ignacio de Abreu e Lima.
« Recolhido ultimamente a vida particular, estava pa .
cifico considerando -se prejudicado nas difficeis épocas , em
que se occupou dos negocios publicos, e até lastimando o
seu precioso tempo assim perdido, e fazia delles total ab
stenção . Pouco sahia do seu lar domestico . Evitavamesmo
achar - se em reuniões, porque preferia absolver o seu tempo
em tenacissima applicação, ardentes aspirações scientifi
cas, estudos laboriosos e sérias meditações. De espirito
atilado, perspicaz, e indagador, de amplas concepções re
creava -se em colher novos productos para robórar sua
intelligencia, e adquirir instrucção não superficial, que só
pode ser adaptada as mediocridades.
« Apenas elle procurava o circulo dos seus mais inti
mos amigos , e ahi sempre era accolhido com a mais subida
consideração, e particular estima; a que lhe davam justos
titulos - sua importancia social , seu reconhecido merito,
seus honrosos precedentes ; tratamento este tão benevolo,
que elle não cessava de confessar cheio de acrisolada gra
tidão .
« Era tambem visitado por esses mesmos seus parti
culares amigos, a quem elle recebia sempre com indisivel
satisfação , ou com os braços abertos, na boa phrase por
tugueza ,
72
562 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

« A gravidade do seu porte ; suas maneiras delicadas


e insinuantes ; sua vida simples e irreprehensivel ; seus
sentimentos nobres ; sua vasta illustração; suas virtudes
civicas ; as venerandas cães , que coroavam -lhe a cabeça ,
grangeavam -lhe as affeições e os respeitos de todos aquel
les, qne o conheciam ; aos quaes elle do mesmo modo re
tribuia , e por isso e elles tambem se consideravam felizes.
Beati qui te viderunt et in amicitia tua qui decorati sunt.
« Ás suas poucas desaffeições nunca procederam de
defeitos, e vicios pessoas ; mas sim das pungentes provo
cações que immerecidamente lhe faziam uma aluvião de
ingratos, e emulos, que avultam na sociedade.
« Respeitado na vida, mas já sentindo -se desfallecido ,
e proximo da sepultura, sorria-se calmo perante o grande
numero de pessoas, que o visitavam .
« Com toda a placidez de um espirito pacifico, de uma
cia pura – elle nesses ultimos instantes agradecia
fervorosamente as manifestações de apreço , que lhe pres
tavam .
« Em verdade, caracteres dessa tempera sempre foram
rarissimos , sempre foram dignos de admiração, e respeito
geral: bem como a sua perda sempre foi deplorada com
vivissima saudade por todos os homens de bem .
« O general Abreu e Lima era sem duvida alguma o
perfeito typo do amigo leal , dedicado, sincero e desinte
ressado.
« O maior prazer, que elle poderia ter era achar - se em
occasião, que deveria prestar seus serviços, e fazer mesmo
qualquer sacrificio em prol de um seu amigo, como por
vezes testemunhei. Nesses momentos era elle incançavel,
pressuroso, exforçado.
<< Como cidadão era tambem um verdadeiro modello ;
respeitador das leis , não se apartava da observancia dellas
um sò apice, cumpria á lettra todos os seus deveres . Era
filho obediente, extremoso e abençoado ; parente desvel
lado ; patriota exemplar. De caracter austero , incorrupto
e independente elle nunca pedio, nem deveu cousa alguma
a quem quer que seja ; accrescendo, que poucos dias an
teriores a sua morte inutilisou todos os titulos dos que lhe
deviam .
« Era o protector nato das lettras ; o arrimo dos indi
gentes que a ellas se dedicavam ; em uma palavra – o ani
mador do merito desvalido .
« Sobrio, quanto era possivel, e assaz economico,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 563

procurava viver fóra de precisões adstricto somente aos


rendimentos do seu peculio, e fazendo com todo o recato
os beneficios, que podia, porque considerava que a reve
lação e á jactancia delles fazia perder -lhes o valor, como
o ar faz perder os aromas das flores.
« Chão, e modesto a toda prova elle parecia inteira
mente esquecido do fastigio de sua elevada posição; antes
a todos tratava com affabilidade e benevolencia , a todos se
tornava mui accessivel.
« O amor da patria, e das sciencias eram as suas duas
unicas , e douradas idéas, e a par disto era o symbolo da
honra, de uma alma pura, de um coração bondadoso . »
Como homem , como patriota , como cidadão, e como
escriptor, por todos os lados que se encare o general Abreu
e Lima , encontrar- se -ha sempre um vulto proeminente, il
lustre, e grande . As suas obras , correm apreciadas e en
carecidas e o seu nome respeitado e citado em todo o im
perio e no estrangeiro . Vapereau no seu Diccionario dos
Contemporancos, Netscher, na sua obra Os Hollandezes no
Brasil, Innocencio Francisco da Silva no seu Diccionario
Bibliographico, o Dr. Macedo no seu Anno Biographico
Brasileiro, e muitas outras obras de reconhecido merito ,
mencionam seu nome, consagram -lhe paginas, e tecem a
coroa das suas glorias politicas, militares e litterarias.
Não pequeno é o numero das obras que publicou, cujas
cdições acham -se esgotadas, tal o seu merito e valor, e a
avidez com que eram procuradas. Eis a sua enumeração :
Bosquejo historico, politico e litterario do Brasil, ou
analyse critica do projecto do Dr. A. F. França offerecido
cm sessão de 16 de Maio a Camara dos Deputados, redu
zindo o systema Monarchico Constitucional, que felizmente
nos rege, á uma Republica democratica : seguida de outra
analyse do Projecto do Deputado Raphael de Carvalho , so
bre å separação da Igreja Brazileira da Santa Sé Apos
tolica . Cidade de Nictheroy, 1835, in - 4 . °
Manifesto da M. : . Aug. e Resp . : . Loj.: . Constit.:. do
Rit. . Esc. . Ant. . e Acc . : . para o Imp . : . do Brasil. Rio de
Janeiro, typ . Fluminense 1835.
Compendio da historia do Brasil, desde o seu desco
brimento até o magestoso acto da coroação e sagração no
Sr. D. Pedro II . Rio de Janeiro, typ . Universal, 1843, 2 vol .
in 4.° com 7 retratos .
Desta obra ba uma edição resumida, em um só volume.
564 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Resposta ao conego Januario da Cunha Barbosa ou


analyse do primeiro juizo de Francisco Adolpho Varnha
gem acerca do Compendio da Historia do Brazil. Pernam
buco, typ. de M. F. de Faria , 1844.
Historia universal desde os tempos mais remotos até
os nossos dias ; relatando os acontecimentos mais nota
veis em todas as epochas, e os feitos dos homens mais
celebres de todos os povos. Composta sobre o plano de
Gabriel Gottofredo Bredofil. Rio de Janeiro , 1846—1847 , em
5 vols. ornados com 24 estampas a buril.
Esta obra, assim como outras, não traz o seu nome;
diz apenas que foi escripta por um brazileiro : mas lhe é
geralmente attribuida a sua autoria e Vapereau no seu
Diccionario dos Contemporaneos as menciona .
Synopsis ou dedução chronologica dos factos mais no
tavcis da historia do Brasil. Pernambuco , typ . de M. F.
de Faria , 1845 .
A Cartilha do Povo. Pernambuco, typ . da Viuva Roma
& Filhos, 1849 .
O Socialismo. Recife, typ . Universal, 1855.
As Biblias falsificadas ou duas respostas ao Sr. conego
Joaquim Pinto de Campos. Recife, typ . Commercial, 1867 .
O Deus dos judeos e o Deus dos christãos. Terceira
resposta ao Sr. conego Joaquim Pinto de Campos. Per
nambuco, typ . Commercial, 1867.
Além destas obras, Abreu e Lima publicou no Correio
Official da corte do ano de 1838 , e na Revista Medica Flu
minense, do mesmo anno , um trabalho sob o titulo : Memo
ria sobre a elefancia, e nesse mesmo volume um outro
Memoria sobre a planta conhecida na republica da Colon
bia pelo nome generico - Guaco --propria das regiões equi
nociacs ; e sobre suas principaes virtudes: offerecida e de
dicada a Sociedade deMedicina de Bogotá .
A redacção da Revista Medica Fluminense, inserindo
estes trabalhos em suas columnas,disse o seguinte rela
tivamente a primeira : « Esta memoria , versando sobre um
objecto de summo interesse para a Medicina Brazileira e
pelos factos curiosos que contém , publicados em uma pura
e clara linguagem , merece bem ser lida por todos os pra
ticos do Brazil, e por isso nos apressamos em a inserir na
Revista Medicí. O seu autor, posto que não seja homem
da arte, é pessoa todavia, que pela vastidão dos seus co
nhecimentos, acha - se bem nas circumstancias de fazer um
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 565

tal trabalho, que sempre será considerado como um dos


melhores até hoje publicados á este respeito, pelo que a
humanidade lhe deve ser sempre mui grata . >>
Abreu e Lima deixou preparada a segunda edição do
Socialismo, escreveu uma obra sob o titulo de Mulher Ca
tholica Brasileira, e uma outra sobre direito criminal. Esta
ultima, submeitei elle ao juizo do Dr. Antonio Vicente do
Nascimento Feitosa, competentissima autoridade para isso ,
o qual ao devolvel- a, escreveu -lhe uma carta datada de 15
de Setembro de 1853, na qual se lê o seguinte :
« Obedecendo á ordem que me transmitte em seu bi
lhete de hoje, remetto as notas do Codigo Criminal, sem
faltar a folha avulsa.
« Li com muito cuidado esse trabalho, que suppõe
uma grande paciencia e uma preciosa precisão de espiri
to , não só pela combinação de tantos actos legislativos e
regulamentares, como pelo apanhamento do verdadeiro
sentido da legislação, que é exposto em phrase resumida
e clara. Ha muitos artigos sobremaneira interessantes pela
philosophia e fina critica que a elles presidiram .
« E ' portanto , em minha humilde opinião, um grande
serviço prestado ao nosso Direito Criminal a publicação
deste trabalho consciencioso, producto de uma das nossas
mais respeitaveis illustrações.
« Muito augmentaria o merito da obra uma introduc
ção contendo os prolegomenos da sciencia do Direito Cri
minal.
« Se quizer honrar -me com a communicação do seu
indice, far-me-ha um grande obsequio .
« Creia , que foi para mim de immenso preço a cultura
de sua amisade : o conhecimento de um grande coração
unido a uma grande cabeça.
« A minha nullidade não me permitte dispor do menor
prestimo ; mas como nada ha neste mundo, que não sirva
para alguma cousa , se o meu amigo descobrir em mim
cousa em que possa servil-o , achar -me-ha prompto a pôr
tudo á sua disposição com o prazer que resultará de haver
merecido tão distincta honra . »
Tratando especialmente das Notas do Codigo Crimi
nal, o Dr. Feitosa refere- se a um Indice, que sem duvida
será uma outra obra sobre direito , mas que nenhuma in
formação podemos obter.
Além de todos estes trabalhos que vimos de enume
rar, a imprensa periodica teve em Abreu e Lima um dos
566 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

seus mais denodados e illustres campeões . Nesta provin


cia , o Diario de Pernambuco, Diario Novo, Barca de S. Pe
dro, Jornal do Recife e muitos outros, illustraram as suas
columnas com artigos seus, todos de subida importancia
pelos variados assumptos de que tratavam .
Ainda encontramos de Abreu e Lima na collecção dos
-Discursos recitados no acto da installação solemne do
hospital portugues provisorio em Pernambuco, em 16 de
Setembro de 1855,-um discurso seu, pronunciado nessa
solemnidade ; e no livro que em 1862 publicou o Ilm . Sr.
Dr. Antonio Herculano de Souza Bandeira, sobre a eleição
directa , um artigo seu sobre tal assumpto , escrevendo o
Sr. Dr. H. Bandeira nas palavras que precedem esta col
lecção de escriptos sobre a eleição directa, o seguinte so
bre Abreu e Lima :
« Constava -nos que o muito distincto e illustre Sr. ge
neral José Ignacio de Abreu e Lima tinha sobre esta ques
tão algum trabalho de alta importancia, como sôem sem
pre ser todos os que sahem de sua penna, principalmente
na parte relativa aos meios praticos para a realisação de
tão desejada reforma nos limites da Constituição. Procu
ramos pois o nobre general, e ainda por esta vez não des
mentiu elle o amor e patriotismo, com que se dedica a
fazer sempre o bem que pode ao seu paiz, concedendo-nos
promptamente os seus escriptos para os publicar. »
Dos seus trabalhos litterarios na America hespanho
la, apenas consta um esboço da vida publica do general
Bólivar, escripto em 1830, para ser enviado ao abbade de
Pradt, que acabava de defendel- o na Europa de uma tre
menda accusação de Benjamim Constant, e o boletim que
escreveu da jornada de Colombia .
Em 1826 , o governo de Colombia o encarregou de es
crever umamemoria sobre os limites entre o Brazile aquel
la republica, para o que teve de estudar a materia é de
procurar esclarecimentos por toda a parte, além dos im
mensos e preciosos documentos que se achavam nos ar
chivos do vice - reinado da Nova Granada.
Não agradando porém , esta memoria ao general San
tander, vice -presidente encarregado do poder executivo,
« porque, diz o proprio Abreu e Lima, era contraria ás
instrucções, que havia dado ao ministro plenipotenciario
daquella republica, residente na corte do Rio de Janeiro,
sem embargo de modificar as referidas instrucções por
avisos posteriores, em virtude da mesma memoria, com
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 567

tudo mandou -se archivar com muito cuidado. Eu porém


possuo hoje (1844) a memoria original, obtida por mim em
1830, quando estive em Bogotá em companhia do Sr. Con
selheiro Luiz de Souza Dias, nosso plenipotenciario, acre
ditado junto ao Libertador Bolivar. »
Para esse trabalho, além de varias obras que consul
tou , Jayme Henderson, que por esse tempo occupava o
cargo de consul geral da Inglaterra, na republica de Co
lombia , lhe proporcionou a sua historia do Brazil, impres
sa em Londres em 1821 ; e como Abreu e Lima notasse
nella muitos erros de historia e de geographia e muita má
vontade aos brazileiros, aos quaes tratava como selva
gens, escreveu uma analyse e refutação a essa obra e a
dedicou ao general Santander .
Estas notas bibliographicas minuciosas e já um pouco
extensas , não comprehendem porém t, odos os seus traba
lhos, quer publicados, quer ineditos. Estes, devem ser nu
merosos e preciosissimos, pois os ultimos trinta annos de
sua vida , foram exclusivamente consagrados a vida litte
raria .
Em 1844, estava revendo e extractando duas memo
rias importantes , escriptas no fim do seculo passado , uma
sobre os nossos limites pelo Oyapoch e a outra sobre a
antiga colonia do Sacramento e sobre os nossos primei
ros estabelecimentos no Rio da Prata, provando que os
portuguezes foram os primeiros, que fundaram um esta
belecimento em Montevidéo no anno de 1723 .
E toda essa riqueza , quem sabe se não estará perdida ?
Em mãos de quem parará ? Não menos importante era a
sua collecção de documentos historicos e não menos rica
a sua bibliotheca , quasi toda composta de livros rarissi
mos e de subido valor bibliographico.
Na sua resposta ao conego Januario, impressa em
1844, falla Abreu e Lima desse thesouro e diz já nessa épo
ca, que era precioso e rico pela qualidade dos documentos.
« Muitas pessốas, diz elle , me tem dado manuscriptos pre
ciosos , outras m'os tem confiado para extractar ou copiar ;
e ultimamente até uma pessoa muito ligada ao padre Ja
nuario , deu -me um documento tão importante para o acto
da nossa independencia, que me sorprehendeu pela sua
originalidade e desconliecida existencia . Tenho manus
criptos preciosos sobre a provincia de Matto -Grosso e seus
limites occidentaes e meridionaes ; tenho tambem um do
cumento official do descobrimento de uma mina de prata
568 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

em Santa Catharina, extrahido do gabinete d'el-rei D. João


VI , e outros varios sobre acontecimentos mui notaveis em
diversas capitanias e épocas ; uma memoria sobre a fun
dação da capitania de S. Vicente e seus administradores,
desde que se retirou Martim Affonso e por ella se vê que
estão em erro quasi todos os escriptores até frei Gaspar
da Madre de Deus , que não é mais exacto que os anterio
res ; possuo finalmente documentos preciosos sobre a ca
pitania de Pernambuco . »
E toda essa riqueza immensa, que sem duvida devia
estar consideravelmente augmentada na época de sua mor
te , pode se considerar perdida e a historia privada de todos
esses importantes subsidios. Ha homens, cujos thesou
ros não deviam passar aos seus parentes, muitos dos quaes,
as vezes , não os sabem apreciar; e considerando-os como
verdadeiras inutilidades, einconscientes do seu valor, dei
xam -nos perder e inutilisar ! Entendemos, que os her
deiros de semelhantes riquezas, devia ser o estado, por
que o bem que dellas resulta, é geral e não individual; e
mesmo, quando o governo não as podesse vulgarisar, ao
menos ellas seriam cuidadosamente guardadas em um
estabelecimento publico e não condemnadas a ficarem
perdidas para sempre !
Eis pois o que foi o benemerito pernambucano gene
ral José Ignacio de Abreu e Lima, como patriota, como
soldado e como homem de lettras .
Accommettido de uma grave enfermidade, ainda mais
complicada pelo peso dos annos, falleceu aos 8 de Março
de 1869. No seu cadaver, vingaram - se os seus inimigos e
obtiveram arrancar do bispo diocesano D. Francisco Car
doso Ayres, uma ordem que negava-lhe um pedaço de
terra no Cemiterio Publico desta cidade! Foi elle pois se
pultado no Cemiterio Inglez, e ahi descançam ainda os
seus restos mortaes.
Esse acto deu lugar a uma grande questão agitada
nesta provincia, na corte e outras mais. Nós , porem , hu
milhados pela nossa obscuridade não ousamos dizer cousa
alguma sobre esse assumpto , contentamo - nos apenas em
trasladar para aqui as seguintes palavras do Dr. Antonio
de Vasconcellos Menezes de Druniond, contidas no discur
so que pronunciou no septimo dia do seu fallecimento ,
junto ao seu tumulo :
« Está na consciencia dos homens de bem e destitui
dos de quaesquer prevenções, daquelles que não tem espi
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 569

rito elernamente rancoroso , ou não são inimigos d'alem tu


mulo, que o illustre general José Ignacio de Abreu e Lima,
embora fosse condemnado á separação do asylo ultimo,
e commum dos catholicos , o que aqui não nos cumpre
apreciar, não baixou a sepultura, como o perverso com a
sua memoria conspurcada, sem esperanças de remissão
- Nulla redemptio .
« Não, mil vezes não ; elle não desceu a campa ralado
dos remorsos inherentes aos scelerados , ou transgresso
res, nem perseguido pela execração publica. Neste lugar
não pode obscurecer -se quem na vida não foi obscuro pela
pratica de suas acções meritorias . - 0 sepulchro não é o
inteiro esquecimento da vida, porque o dojusto é um tem
plo erigido a virtude .
« Senhores, o tumulo é sempre cercado de uma at
mosphera de luz, que lhe é propria.
« Ha uma especie de aurora, que precede á Eternidade.
« A que circumda o leito mortuario do verdadeiro he
róe, por certo fascina e exalta .
« Mas, a que acompanha o cadaver do homem virtu
oso, sobretudo infunde respeito, veneração e saudade a
todos que o cercam .
« Feliz , e bem feliz quem assim pode despedir-se deste
mundo de illusões, tendo cumprido nelle a sua espinhosa
missão e voar a morada dos justos, a melhor recompensa
por Deus decretada para os que na terra nunca praticaram
o mal,mas somente o bem que lhes foi possivel.
« E ' para mim mais acerba esta dôr, quando penso que
daquella tão rigorosa pena foi victima aquelle brazileiro e
verdadeiro catholico que foi o unico em 1835, que escreveu
e publicou uma luminosa obra , sob o titulo de Bosquejo
Historico, Politico e Litterario contra o desgraçado, irre
ligioso projecto, ou aliás indiscreto e absurdo, como qua
lificou o venerando marquez de Olinda , então presidente da
camara temporaria, em cuja sessão de 6 de Março daquelle
anno foi offerecido-para a separação immediata da igreja
do Brasil da Santa Sé, para romper o precioso vinculo da
unidade do catholicismo, ficando incluido o supremo sacer
docio no governo !... contra aquelle verdadeiro catholico,
que por longo tempo escreveu nesta cidade o periodico in
titulado a Barca de São Pedro , cujo titulo, e cujas doutri
nas por si só bastam para demonstrar plenamente suas
profundas convicções, seu espirito orthodoxo, em uma pa
73
570 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

lavra contra aquelle verdadeiro catholico e nosso illustrado


concidadão , que entre muitos dos seus brilhantes escriptos
inedictos, que legou , deverá apparecer um que elle preten
dia sob o título de Mulher Catholica Brasileira, dar a es
tampa, e offerecer a uma matrona , nossa patricia, e digna
de todos os respeitos, por enxergar nella principalmente a
distincta qualidade de - orthodoxa-, como por vezes me
disse em confiança , mostrando -me até de tão sublime obra
-alguns trechos; em uma palavra contra aquelle verda
deiro catholico, que nos seus ultimos instantes deu ine
quivocas provas desses seus sentimentos profundamente
arraigados, já pedindo que se conservassem sempre acce
zas as velas junto as imagens do Crucificado , e de Nossa
Senhora, proximas do seu leito ; já repetindo até que ces
sou -lhe a voz , inesperadamente, que ninguem acreditava
mais do que elle na religião, que ellas symbolisavam ; já
pedindo aos seus amigos que o seu corpo tivesse na ca
pella do cemiterio publico uma encommendação rezada, e
sem pompa, já mandando alforriar uma escrava alheia que
The servira de enfermeira , alem de outros factos bem co
nhecidos, e significativos das crenças religiosas, que elle
sempre seguiu , e defendeu com toda dedicação.
« Isto posto, não émuito natural que quem assim pro
cedeu no longo periodo de quasi oitenta annos de idade,
venha nos ultimos momentos da vida, quando a resignação
do philosopho christão estava bem patente em seu rosto,
quando elle só aspirava a eternidade, como unica realida
de de improviso , deslisar-se dessa exemplar conducta .
« Nemo repentè pessimus .
« Por isso com todo criterio dizia um Varão Santo no
leito de um moribundo - tambem de alta gerarchia social:
Partirei deste mundo com aprofunda convicção, de que não
é mesmo possível - que um Christão -- nos seus últimos mo
mentos torne-se infiel a sua religião, traia a seu Deus, mor
ra em peccado mortal... »
José Ignacio Borges. Nasceu em fins do seculo pas
sado, e assentou praça no regimento de infantaria do Re
cife, passando depois a servir node artilharia .
José Ignacio Borges seguindo a carreira militar, ele
vòu - se por seu merecimento e distincção. Fazendo o cur
so completo da arma de artilharia , é especialmente o de
mathemathicas, foi promovido a ajudante por Portaria do
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 571

governo provisorio de 22 de Outubro de 1801, passou a ca


pitão por Patente de 7 de Junho de 1808, e a sargento -mór
em 31 de Outubro de 1810 .
Nomeado ajudante de ordens do governador Caetano
Pinto , por Decreto de 12 de Setembro desse mesmo anno ,
e promovido a sargento -mór, foi dispensado do serviço do
seu regimento para continuar no exercicio de ajudante de
ordens. O mesmo governador informando uma sua peti
ção ao governo da metropole, em officio de 16 de Maio de
1814, diz o seguinte : José Ignacio Borges é um official de
merecimento , e tanto no regimento de artilharia em que
primeiro serviu, como no actual exercicio das ordens deste
governo, tem desempenhado com louvor os seus deveres .
Elevado a patente de tenente - coronel, e nomeado go
vernador da capitania do Rio Grande do Norte, tomou posse
do governo a 16 de Novembro de 1816. Rompendo em
Pernambuco a revolução republicana de 1817, a causa da
liberdade e independencia patrias proclamada no Recife,
foi ecoar no Rio Grande do Norte, mas José Ignacio Borges
julgando prematuro esse pronunciamento, e mais que tudo,
sendo militar e delegado do governo portuguez, manteve -se
fiel no seu posto , e não adheriu a causa revolucionaria .
Preso e deposto do governo a 23 de Março , foi mettido em
escolta e remettido para Pernambuco, onde apenas chegou
foi atirado aos carceres da fortaleza das Cinco Pontas, pro
testando previamente pelos imprescriptiveis e inalienaveis
direitos do soberaro, pelos armamentos e numerario dos
cofres publicos, e pelas vidas e fazendas dos habitantes
da capitania .
Debellada a revolução , e restaurada a autoridade real
em Pernambuco, José Ignacio Borges obteve a sua liber
dade em 20 de Maio , e sendo muito conveniente ao real ser
viço e bem commum dos povos da capitania do Rio Grande
do Norte que fosse tomar conta daquelle governo, que S. M.
tão dignamente lhe confioul, segundo lhe communicou o
chefe de divisão, Rodrigo Lobo, então no governo desta
capitania , em officio que lhe dirigiu em 12 de Junho, foram
dadas as necessarias ordens para a sua partida, e a 17 do
mesmo mez José Ignacio Borges desembarcou na cidade
do Natal, entre vivas e actos do mais justo jubilo praticados
por todos os rassallos de Sua Magestade.
Um dos primeiros actos de José Ignacio Borges, foi es
crever uma Memoria resumida dos acontecimentos politicos
que soffreu a capitania do Rio Grande do Norte no presente
572 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

anno de 1817, a qual remetteu ao general Luiz do Rego Bar


reto governador de Pernambuco em officio de 18 de Julho ;
trabalho notavel e de grande valor historico, não só pela
verdade da narração dos factos, como pela preciosa col
lecção de documentos que ao mesmo addicionou, cujo tra
balho se conserva em original no archivo da secretaria
do governo desta provincia.
José Ignacio Borges obteve por instancias suas, o des
membramento da capitania do Rio Grande do Norte da
de Pernambuco, por Decreto de 3 de Fevereiro de 1821, fi
cando assim com governo proprio e independente, sendo
então estabelecidas uma alfandega, inspecção e junta de
fazenda ; creou o Trem Militar, e deu regulamento para o
estabelecimento do correio , e depois, quando o congresso
de Lisboa mandou adoptar a nova constituição do estado,
e se elegeu a junta do governo provisorio , José Ignacio
Borges entregou a administração da capitania, na qual
deixou memoria veneranda e respeitada pela sabedoria e
justiça do seu governo, e pelo seu empenho em prol do
engrandecimento e progresso do paiz .
Condecorado pelos seus serviços com o habito da or
dem de Christo, José Ignacio Borges figurou dignamente
no periodo da nossa emancipação politica , e mais tarde,
quando se creou o Senado, foi um dos seusmembros como
representante de sua provincia natal , sendo escolhido por
Carta Imperial de 19 de Abril de 1826, e tomando assento a
4 de Maio do mesmo anno .
Em 1824 José Ignacio Borges foi nomeado comman
dante das armas do Pará , e sendo -lhe negado o acto de
posse pelo estado anormal em que se achava aquella pro
vincia , emigrou para a Europa, percorreu diversos paizes,
e no anno seguinte regressava ao Brazil . Fazendo parté
do ministerio de 7 de Abril de 1831 , após o acto da abdica
ção de D. Pedro I, occupando a pasta da fazenda , na qual
se conservou até 3 de Junho, entrou de novo no ministerio
e occupou a pasta do imperio de 5 de Fevereiro a 3 de Junho
de 1836, e interinamente a dos estrangeiros, nesse mesmo
periodo.
Reformando -se em 1831 no posto de marechal de cam
po, conselheiro, senador e grande do imperio, José Ignacio
Borges subiu á elevadissimas posições sociaes do paiz ,
conquistando -as pelo seu merecimento e elevados dotes.
Um jornal do Rio de Janeiro , que se publicava em 1839, o
Despertador, escrevendo algumas linhas sobre o passa
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 573

mento desse illustre e benemerito cidadão, disse estas pa


lavras sobre o seu caracter politico e dotes parlamentares :
« Jose Ignacio Borges apresentava com franqueza a
sua opinião e a defendia com coragem ; o seu estylo, ainda
que incorrecto, era quasi sempre energico, e algumas ve
Durante o pouco tempo, que
zes tocava á raia do sublime .
podemos ouvil -o nas discussões parlamentares, por vezes
nos pareceu um pouco mais caustico de que cumpria , e
deixando -se arrastar, em prejuiso da discussão, daqueſlle
prurido de fallar que é a molestia dos velhos. Nunca se
declarou de partido nenhum ; onde quer que divisasse a
verdade e a justiça , fosse do lado direito ou do esquerdo,
para lá tendia como necessitado, do mesmo modo que o
iman para o ferro. A sua maxima , era a de ser constante
em seus principios : nunca seguiu o deplora vel systema de
accommodal- os á força das circumstancias ... >>
Tal foi em breves traços a vida de José Ignacio Borges ,
a qual se finou aos 6 de Dezembro de 1838.

José Ignacio Ribeiro de Abreu e Lima . Nasceu na


cidade do Recife, no anno de 1768. Foram seus paes o ca
pitão Francisco Ignacio Ribeiro de Abreu e Lima, e D.
Rosa Maria de Abreu Grades. Era neto paterno do coronel
Lourenço Gomes de Abreu e Lima e D. Ignacia Ribeiro de
Abreu e Lima .
Na cidade do Recife encetou Abreu e Lima os seus es
tudos de humanidades, mostrando notavel intelligencia e
caracter independente e um pouco aventuroso ; e delibe
rando seguir a vida religiosa , abraçou o instituto carme
litano, e professou no convento de Goyanna em 1784, to
mando o nome religioso de Fr. José de Santa Rosa.
No intuito de adquirir maior somma de illustração e
sabedoria solicitou licença dos seus prelados , e a expen
sas de seus paes seguiu para Portugal , e matriculou -se no
curso de theologia , em cuja sciencia recebeu a laurea de
bacharel que lhe conferiu a Universidade de Coimbra.
Terminando os seus estudos, passou-se de Portugal
para a Italia , e na capital do mundo catholico , recebeu or
dens sacras das mãos do Eminentissimo Cardeal Ludo
visio Bernabé Chiaramonti, o qual subiu depois a cadeira
de S. Pedro sob o nome de Pio VII. Em Roma gosou Fr.
José de Santa Rosa de estima e consideração bem honro
sas, por seu merito e illustração, e deliberando então , dei
574 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

xar a vida de religioso, obteve do Summo Pontifice breve


de secularisação, voltou a Pernambuco, e tratando do pro
cesso da nullidade de sua profissão religiosa, isso obteve
no anno de 1807, por sentença dos tribunaes ecclesiasticos
desta provincia.
Estes apontamentos, extrahidos cuidadosamente dos
archivos da Ordem , pelo Padre Lino do Monte Carmelo
Luna, são de uma authenticidade incontestavel ; no entre
tanto, diz o autor dos Martyres Pernambucanos que elle
apostatou e desappareceu por uns tempos, e voltando a
patria , disse que fora a Roma e conseguira do Papa secu
larisar-se e ordenar -se de sacerdote, porém , que, não apre
sentou certidões !
A viagem do Padre Abreu e Lima pela Europa, e prin
cipalmente a sua estada em Roma muito lhe aproveitou .
Obteve um grande cabedal de illustração ; sabià perfeita
mente o latim , conhecia o grego e até mesmo outras linguas
vivas, estudo este de sua predilecção ; sendo que, a sua
estada na cidade eterna, e o enthusiasmo com que della
fallava, deram origem ao nome de Padre Roma, com que
era geralmente conhecido .
Em Pernambuco, abriu banca de advogado na cidade
do Recife, e seriamente dedicando - se a vida judiciaria , era
apontado como um dos mais insignes advogados, com
muita clientella e fundada reputação e estima : occupou o
carge de promotor de ausentes e capellas , e era condeco
rado com o habito da Ordem de Christo.
Quando chegou a Pernambuco a noticia da vinda da
familia real portugueza ao Brazil, o Padre Abreu e Lima
convoca os seus amigos e lhes propõe que se não rece
besse o principe regente D. João, sem que elle se prestasse
a outorgar uma constituição politica ; porém essa idea de
grande alcance e importancia, não foi aceita .
Mais tarde, Abreu e Lima uniu -se á conspiração que
trabalhava pela independencia e foi elle um dos patriotas
mais ardentes e enthusiastas dessa generosa idéa ; e quér
pelas suas qualidades pessoaes, quír por seus talentos e
illustração, foi elle um dos patriotas que mais se distingui
ram napropagação da idéa e nos meios da sua realisação .
Rompendo a revolução em 1817 , o Padre Abreu e Lima
não desmentiu os seus creditos e o seu conceito . Elle fi
gurou em todos os movimentos, fez parte da expedição
que reduziu capitular a fortaleza do Brum , foi um dos elei
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 575

lores do governo provisorio, e finalmente escolhido pelo


seu generoso offerecimento , para encarregado da difficile
perigosa missão do sul .
A commissão destinada para a Bahia, diz Muniz Ta
vares, apresentava muitas difficuldades ; requeria -se por
conseguinte na pessoa para ella nomeada, dotes muito
mais relevantes, isto é , desprezo da vida, patriotismo ar
dente , e entendimento sagaz ; taes dotes possuia o Padre
José Ignacio Ribeiro, por antonomasia Roma.
Aceita a commissão , e munido de cartas credenciaes
e proclamações, partiu com destino ás Alagoas. Em todas
as villas por onde passava, diz um historiador contempo
raneo , não occultava o seu caracter nem o fim a que se
propunha ; aos parochos e aos demais sacerdotes , acon
selhava que se valessem do seu santo ministerio para in
struir os fieis no odio a monarchia ; com fogosos discur
sos estimulava as autoridades municipaes, e aos cidadãos
mais conspicuos, amanifestarem sentimentos patrioticos :
na villa de Serinhãem elle mesmo appareceu no pulpito
prégando as vantagens da revolução .
Em Maceió freta uma balsa e segue para a Bahia , onde
já sendo sabida a noticia da revolução e da sua missão, o
esperavam . O conde dos Arcos toma todas as providencias
necessarias, destaca patrulhas pelo litoral, ordenou que
se examinasse cuidadosamente todas as pessoas que sal
tassem a terra, e fazendo dar os signaes caracteristicos do
enviado republicano, ordenou que apenas apparecesse o
prendessem !
Cegamente nevegava o Roma, diz o historiador da re
volução de 1817 , presumindo encontrar nos bahianos a
mesma disposição liberal , que havia observado por todos
os lugares por onde passara . Elle tinha sempre ouvido
fallar com reverencia dos personagens que trabalhavam
alli na regeneração do Brazil, e pouco, ou nenhum apreço
fazia do conde dos Arcos , que mais dedicava- se aos pas
satempos feminis do que aos negocios do estado . A balsa
em que embarcou -se, distinguia -se como todas as de Per
nambuco pela forma da vela ; este distinctivo em tal occa
sião o atraiçoava, qualquer que apparecesse no litoral da
Bahia , não podia deixar de excitar suspeita , e ser sugeita
a rigorosa busca. Outra circumstancia particular concor
reu a fixar ainda mais a attenção ; a patrulha collocada
na barra de Itapoam viu bordejar aquella balsa na tarde
de 26 de Março hesitando em aproximar-se a terra . A esta
576 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

vista os soldados puzeram -se alerta , e ao escurecer da


noite quando aquella dava fundo, elles a invadiram , apo
deraram - se dos individuos que ahi encontrarain , e os le
vam a cadeia da cidade .
No dia seguinte entrou o Padre Abreu e Lima para o
carcere, onde foi insultado pelos portuguezes que emigra
ram do Recife, e que o iam reconhecer para attestarem ao
governador ser aquelle mesmo o enviado de Pernambuco !
Os bahianos compromettidos na revolução, tremeram ao
saber de tão triste e lamenta vel acontecimento ; porém o
illustre patriota teve uma especie de presentimento, a feliz
resolução de lançar ao mar toda a correspondencia e de
mais documentos compromettedores aos bahianos, quando
viu-se irremissivelmente perdido.
Grandioso rasgo de abnegação e patriotismo !
E os bahianos em vez de darem o grito de liberdade e
livrar aquelle que por elles se ia sacrificar, humilham -se,
acobardam-se e lançam -se servilmente aos pés do conde
dos Arcos , affiançando -lhe extremosa dedicação pelo mais
querido dos reis !!
O conde dos Arcos tinha já em seu poder o corpo de de
licto, que era a acta da eleição do governo provisorio de Per
nambuco , na qual o seu nome figurava em segundo lugar .
Verificada a identidade da pessoa, compareceu alge
mado o illustre patriota perante o tribunal ou commissão
militar, presidida pelo conde dos Arcos, patenteando um
valor e coragem admiraveis . Protestou contra a incompe
tencia do tribunal a que o submetteram , nada negou a res
peito da sua missão , e instado para que declarasse a que
pessoas eram dirigidas as cartas e papeis que lançara ao
mar, nada revelou, a ninguem comprometteu !
Grandioso rasgo de heroicidade e abnegação, que a
historia bem poucas vezes registra em seus annaes !
Não tendo o illustre réo nada que allegar em sua de
fesa, sobre os acontecimentos de Pernambuco e Alagoas,
e do objecto de sua missão , a commissão militar o con
demnou á pena ultima.
O Roma, diz um historiador, ouviu a sentença sem
mudar de côr ; encarando com fronte altiva os ferozes al
gozes, pareceu annunciar -lhes em tom prophetico que bem
cedo seria vingado. Transferido ao oratorio da cadeia, re
cebeu com edificação exemplar os soccorros da religião.
Com seguro passo, sem pronunciar queixa contra pessoa
alguma, communicando familiarmente com os ecclesias
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 577

ticos que o rodeavam , caminhou para o campo de Sant


Anna, rogou aos soldados apontando - lhe o peito que lhe
poupassem as agonias da morte . Os bahianos viram como
morreu um homem livre ; a lição devia ficar- lhes impressa.
Seu filho, o general José Ignacio de Abreu e Lima, que
se achou presente a lugubre e barbara execução de seu
pai , assim descreve os derradeiros momentos de sua exis
iencia.
O seu porte em presença do conselho , no oratorio e
durante o trajecto para o lugar do supplicio , foi sempre o
de um philosopho christão, corajoso, senhor de si, mas
tranquillo e resignado . Suas faces não se desbotaram se
não quando o sangue que as tingia correu de suas feridas,
regando o solo onde, seis annos depois, se firmou para
sempre a independencia da sua patria.
E assim terminou a existencia esse martyr da patria,
esse generoso apostolo da liberdade, na tarde de 29 de Mar
ço de 1817. A sua morte foi ignominiosa, o seu nome foi
coberto de maldições pela tyrannia real; rebelde, infame
etrahidor, taes foram os qualificativos que lhe deram , mas
a posteridade o engrandece, chama -lhe de martyr, heroe
e benemerito , e a patria o perpetua abrindo -lhe honroso
espaço nas paginas dos seus annaes; e a lyra dos poetas
o tem celebrado em helissimas e cadenciaes estrophes.
O Padre Abreu e Lima, não só tem direito pelos seus
feitos e patriotismo, valor e abnegação a honorifica men
ção nas paginas da historia patria, como tambem pelos
seus meritos, illustração e sabedoria .
Como orador sagrado, deixou um nome respeitavel ;
e ainda que bem poucas vezes subisse å tribuna em virtu
de dos seus labores da vida forense, mas naquellas occa
siões em que se fez ouvir, sorprehendia o auditorio com
sua eloquencia, sua voz poderosa e harmoniosa , e o esty
lo claro e elegante com que adornava os seus panegyricos,
tudo isto os constituia, verdadeiros primores de eloquencia
sagrada .
O Padre José Ignacio Ribeiro de Abreu e Lima deixou
muitos manuscriptos, principalmente sobre melhoramen
tos de agricultura, e tambem um commentario ás Ordena
ções do Reino, considerado por uma autoridade compe
tente, um dos melhores expositores do direito patrio , po
rém infelizmente todos estes trabalhos desappareceram .
sé Luiz de Mendonça . Nasceu na segunda me
74
578 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tade do seculo passado. Assentando praça num dos cor


pos milicianos desta provincia , foi promovido a alferes,
passou a tenente por Patente Regia de 19 de Agosto de
1802, servindo então no regimento de cavallaria auxiliar de
Olinda, e foi elevado a capitão do mesmo regimento por
Patente de 13 de Janeiro de 1814 .
Homem de talento e de força de vontade, espirito pe
netrante e avido de illustração, Jose Luiz de Mendonça ati
rou -se aos estudos, seguiu a profissão de advogado, e sem
sahir de sua provincia adquiriu taes conhecimentos, que
tornou - se um dos maiores litteratos de sua epocha, versa
dissimo na sciencia do direito e particularmente em nego
cios forences, conquistando tanta reputação e renome, que
todos davam por segura a causa de que elle se incumbisse.
Iniciado nos planos revolucionarios da independencia
de sua patria , o seu talento e illustração, e o seu conceito
e popularidade, tornaram -no o homem necessario por ex
cellencia, e elle constituiu -se como que a cabeça pensante
dos clubs democraticos, onde exercia verdadeira influen
cia e gosava immenso prestigio, occupando ao mesmo
tempo lugar elevadissimo. Autor da idéa da creação de
dous centros de acção fora da capital, as academias do
Cabo e Suassuna, e fundador da do Paraiso no Recife, elle
era como que o oraculo dos patriotas; porém foi inteira
mente alheio as imprudencias que fizeram precipitar o
rompimento da revolução na manhã de 6 de Março de 1817,
mas dado o passo, ainda que lamentasse a inopportuni
dade, elle não abandonou os seus amigos, atirou -se intre
pido na revolução e começou a figurar distinctamente .
Occupando o cargo de juiz de fóra da comarca, corre
ao toque de rebate que annunciava a morte do brigadeiro
commandante do regimento de artilharia , e com o pretexto
de acalmar o tumulto popular na qualidade de juiz da po
licia, não temeu expôr-se ao furor dos partidos dirigindo
se a fortaleza do Brum á conferenciár com o governador
Caetano Pinto ahi refugiado ; e pintou de tal modo as con
sequencias de qualquer resistencia, que fez dissipar seme
Thante idéa, julgando -se até, que chegou a accordar com
o governador a capitulação do dia seguinte, compromet
tendo -se porém , a encaminhar as cousas que ficassem
salvas todas as apparencias, attenuando assim a fraqueza
de Caetano Pinto , que aliás dispunha de meios de resis
tencia .
No dia seguinte quando os patriotas avançaram sobre
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 579

a fortaleza do Brum , e fizeram alto nas suas immediações,


José Luiz de Mendonça é nomeado parlamentar para inti
mar a capitulação, segue para a fortaleza, apresenta as
bazes da mesma, e aceitas e firinadas volta aos seus com
panheiros e parte com elles para o Campo da Honra á to
mar parte nas eleições do governo provisorio, do qual
sahiu eleito membro, como encarregado dos negocios da
justiça .
No intuito de melhor se fixar o systema de governo
adoptado, e a proclamada independencia, José Luiz de
Mendonça propoz em uma das primeiras sessões do go
verno , que muito convinha á segurança da causa arvorar
de novo a bandeira real, e que remettendo - se para a côrte
o governador Caetano Pinto, se remettesse igualmente ao
rei um memorial expondo os justos motivos que haviam
forçado os pernambucanos a ultrapassar os limites da
obediencia, pedindo-lhe a abolição de alguns impostos, e
melhores leis que reprimissem a arbitrariedade do poder
dos capitães generacs, concluindo que lhe parecia de gran- ,
de alcance protestar-se então fidelidade ao monarcha, em
quanto se ia instruindo o povo no regimen democratico ,
creando -se um exercito conveniente e tomando outras me
didas, o que se obteria durante o tempo necessario áquel
las negociações.
Mas as suas palavras foram mal interpetradas, e elle
teria sido mesmo victima,se os seus companieiros não o
livrasse do arrojo inconsiderado de um exaltado patriota .
Como justificativa da sua dedicação e patriotismo, Men
donça publicou no dia 10 de Maio um escripto sob o titulo
--Preciso, em que relata em phrases enthusiasticas e ar
dentes os motivos do rompimento e a marcha revolucio
naria até o dia antecedente, escripto avidamente devorado,
primeiro fructo da imprensa então estabelecida , cuja vida
Îhe déra a revolução .
A marcha da revolução, certo desalento que se foi no
tando, a fraqueza de meios pelo inopinado rompimento e
outras circumstancias, e finalmente o bloqueio do porto e
marcha de uma columna de tropas sobre Pernambuco ,
preoccuparam -no assaz, e presentiu logo o eminente pe
rigo em que se via a causa da independencia. José Luiz
de Mendonça foi um dos patriotas que acompanhou as
forças republicanas á Paulista , quando o exercito realista
já batia ás portas da cidade do Recife. Ahi despersado em
a noite de 20 de Maio , elle volta immediatamente para a
580 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

capital c se occulta em casa de um amigo que se atreveu


a recebel- o. Apparece então um bando proscrevendo as
victimas e aquelles que lhe dessem asylo , e Mendonça não
querendo comprometter as pessoas que o receberam em
sua casa , determinou -se ao sacrificio , mettendo - se n'uma
cadeira, fez-se conduzir ao pateo de palacio, e chegando em
frente a casa da guarda, sahe de repente, deixa cabir o
capote e o chapéu, abre os braços e grita para os solda
dos : Camaradas ! Eu sou o proscripto José Luis de Men
donça ; atirae se quiseres, e matae-me !
Preso e conduzido a presença de Rodrigo Lobo, « este
teve a baixa covardia de mandal-o immediatamente agui
Thoar e mettel-o a bordo do navio Carrasco, no qual partiu
para a Bahia , e onde chegou a 9 de Junho . Mo dia seguinte
entrou para o oratorio onde fez a sua confissão e os seus
embargos a commissão militar, mas estes foram despre
sados, e indignado exclamou no momento em que seguia
para o patibulo : Juises malvados, cegos e vis instrumentos
da tyrannia, cu vos emprazo para os infernos. 60 réos de
pena ultima tenho livrado da forca sem allegar um só fac
to, que tivesse meio pezo dos muitos dos meus embargos :
Juizes... eia continuar, quando o Padre Miguelinho volve
os olhos para elle e diz - lhe enternecidamente : Queri
do amigo ; fuçamos e digamos unicamente aquillo para
que temos tempo. E dizendo estas palavras, ajoelhou dian
te do crucifixo e começou a recitar o Miserere. Mendonça
não pronunciou mais palavra, ajoelhou -se, perdoou aos
seus inimigos, e marchou para o supplicio alternando com
aquelle desditoso amigo os versos do Miserere, e chegan
do ao Campo da Polvora foi arcabuzado. Esta data , mar
ca o dia 12 de Junho de 1817 , dia de luto e de tristeza , mas
que abriu -lhe as portas da immortalidade, conferindo -lhe
a palma do martyrio e o nome de heróe .
José Mamede Alves Ferreira . Nasceu no Recife a
17 de Agosto de 1820 , e foram seus paes o Dr. Antonio José
Alves Ferreira e D. Izabel Ribeiro Pires Ferreira .
Encetando ainda bem creança os seus estudos pri
marios, aos 10 annos de idade José Mamede já os havia
concluido, e começando a estudar os preparatorios neces
sarios á matricula nos cursos superiores, no fim de 3 an
nos achava-se habilitado a prestar os respectivos exames,
o que fez de alguns, obtendo approvação plena no Curso
Juridico de Olinda .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 581

No intuito de seguir a profissão de medico , embarcou


para Portugal em 1838, e desembarcando no Porto , seguiu
depois para Coimbra, onde novamente prestou exame dos
preparatorios, e foi admittido á matricula na Universidade,
no curso de medicina. Conhecendo porém que a sua vo
cação era para as sciencias exactas , e que de preferencia
devia seguir o curso de mathematicas, passou para este.
Logo no primeiro anno começou José Mamede a distin
guir -se, é a Universidade conferindo -lhe o merecido pre
mio , teve ainda de galardoal-o nos terceiro e quarto annos ,
até que em 9 de Junho de 1843 terminou os seus estudos
e recebeu o gráo e bacharel formado em mathematicas.
Rico de talentos e illustração, possuindo um titulo
scientifico que abria - lhe as portas á mais brilhante car
reira, José Mamede ainda não estava satisfeito dos seus
triumphos; queria conquistar novos titulos, devassar mais
largos horisontes, ver as obras dos grandes mestres e es
tudar nos monumentos da velha Europa o que havia de
mais arrojado e prodigioso na profissão de engenheiro.
Neste intuito o Dr. José Mamede partiu da cidade do Porto
para o Havre em Julho de 1843, e no mez seguinte chegou
a cidade de Pariz, onde fez o curso de engenharia na Esco
la de Pontes e Calçadas. Terminando os seus estudos, du
rante os quaes visitou alguns paizes da Europa, em fins
de 1845 se retirou para o Brazil, e chegou á Pernambuco
no 1.º de Janeiro do anno seguinte.
O Dr. José Mamede consumindo em seus estudos aca
demicos e na sua peregrinação scientifica pela Europa o
espaço de 8 annos , muito aproveitou , porque enthesourou
avultado cabedal scientifico, e a sua illustração e mereci
mento conquistáram - lhe logo um lugar de engenheiro na re
partição das Obras Publicas, por expontanea nomeação
da presidencia , acto muito honroso para si , mas que, agra
decidamente não aceitou . Nomeado em 1847 membro da
commissão incumbida de estudar e dar parecer sobre o
projecto da creação de uma penitenciaria nesta provincia ,
e posteriormente fazendo parte da commissão incumbida
do projecto da Casa de Detenção, ao Dr. Jose Mamede cou
be o trabalho de apresentar o plano desse edificio , que
approvado e executado no começo sob a sua direcção , con
stitue não só o primeiro monumento que neste genero pos
sue o Brazil, como tambem uma gloria para o distincto en
genheiro que o projectou e executou .
Em Março de 1846, quando a administração dos estabe
582 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

lecimentos de caridade, emprehendeu a fundação de um


grande hospital nesta capital, o Dr. José Mamede offere
ceu -lhe um projecto, acompanhado do respectivo orçamen
to, desenhos e detalhes, cujo plano foi acceilo, approvado
e posto em immediata execução sob a sua direcção, sem
receber por todo esse trabalho remuneração alguma; e
hoje o hospital Pedro II, pela sua elegancia , disposições
e solidez, é um dos melhores edificios priblicos da provin
cia , e um valioso attestado do merecimento e aptidão do
illustre engenheiro que o projectoni e dirigiu a execução
das obras .
Nomeado em 1848, membro da commissão encarrega
da de rever a estatistica da provincia , organisada pelo Dr.
Jeronymo Martiniano Figueira de Mello, assim como enge
nheiro da commissão que tinha de confeccionar o projecto
do melhoramento do porto do Recife, ainda nesse mesmo
anno foi eleito deputado a Assembléa Provincial. Como
deputado provincial, apresentou diversos projectos de leis
de utilidade publica, como fosse o do desecamento do pan
tano de Olinda e outros, os quacs foram approvados, e mais
tarde executados.
Fazendo parte da commissão incumbida de estudar o
porto do Recife, o Dr. José Mamede entregou -se aos mais
serios e acurados estudos sobre o assumpto, e se o resul
tado dos seus trabalhos, e se a gloria que obteve no desen
penho dessa importante missão, não lhe cabe exclusiva
mente, porque o seu nome vem associado aos seus dous
companheiros de commissão , comtudo, é sabida a sua
iniciativa, os seus esforços, e o interesse que ligou no es
tudo necessario , e bem conhecidos os seus trabalhos pro
fissionaes, trabalhos que foram approvados pelo governo
geral , executados sob a sua direcção até 1859. Sir John
Hawkshaw , notavel engenheiro inglez que veio em 1875 dar
parecer sobre as obras á executar para o melhoramento
domesmoporto, ao apresentar o seu relatorio ao governo
Imperial , disse estas palavras sobre os trabalhos da com
missão de 1848, juizo honrorissimo para o engenheiro que
fez parte da commissão : estes senhores, diz elle referindo
se aos seus membros, tratarum cabalmente do assumpto ,
fizeram esmerado estudo e escreveram um relatorio .
Organisou ainda o Dr. Mamede o plano do Cemiterio
Publico do Recife, trabalho notavel pela sua disposição e
gosto, e especialmente pela sua elegante capella gothica,
cuja cupula, fechada em abobada , acompanhando a fórma
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 583

do edificio , que é de uma cruz grega, é uma obra arrojada


e elegante , trabalho que fez gratuitamente á Camara Muni
cipal . Encarregado em Fevereiro de 1850 da conclusão das
obras do theatro Santa Izabel, realisou em pouco tempo
esta incumbencia, e em 18 de Maio do mesmo anno teve
lugar a inauguração do theatro que desde então começou a
funccionar.
Nomeado engenheiro encarregado das obras do porto
do Recife em 1849, e no anno seguinte incumbido da direc
ção da repartição das Obras Publicas, o Dr. José Mamede
dirigiu os trabalhos desta repartição até Fevereiro de 1856,
quando pediu a sua exoneração ; e no desempenho desse
ultimo cargo deu largas ao seu genio activo e emprehen
dedor, constituindo a sua curta administração, periodo
nota velnos annaes desse importante ramo de serviço da
provincia. Para dar uma idéa resumida da sua adminis
tração, basta o seguinte topico do officio quc dirigiu a pre
sidencia em 2 de Agosto de 1855, e que sahiu publicado no
Diario de Pernambuco : « No entanto , duas epochas bem
distinctas separam o seguimento e execução das obras pu
blicas nesta provincia : ao estudo dellas convidaria eu os
que quizessem apreciar os trabalhos dos actuaes enge
nheiros. Compare- se o que se fez em 13 annos, de 1837 a
1850 , despendendo -se mais de 1 :600 contos de réis, com o
que se ha feito em 5 annos, de1850 a 1855, despendendo-se
menos de 1.000 contos de réis ; apreciem -se as obras de
ambas estas epochas. Na primeira, achar -se -ha 29:500 bra
ças correntes de estrada feita , a ponte do Caxangá, a pon
te sobre o Jaboatão, a da Bôa -Vista , a ponte e aterro do
Bujary. Na segunda encontrar - se -ha 25 : 183 braças de es
trada executada e mais 18,943 em execução ; a obra da casa
de Detenção , o Hospital Pedro II, 700 braças de caes nesta
cidade, diversas pontes novas, além de outras em substi
tuição de antigas, varias obras pelo interior da provincia ,
etc., não fallando na obra do Cemiterio Publico e sua ca
pella, feitas a custa da Camara Municipal, e outros traba
Thos preparatorios de valor. São taes obras, que um dia
no futuro, cu o espero , hão de responder a esse espirito de
maledecencia que se ha manifestado no presente . »
Nesse mesmo anno de 1855 , o Dr. José Mamede entre
outros trabalhos, apresentou diversos projectos de uma
ponte que ligasse os bairros de Santo Antonio e do Reci
fo , e os discutiu pela imprensa, e o de um edificio para
584 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
1

Academia, assim como organisou o plano do Gymnasio


Pernambucano, que foi approvado , dirigindo elle a sua
execução até que se demittiu da directoria das Obras Pu
blicas, no anno seguinte. Nota -se ainda a publicação de
um seu importante trabalho, a Planta da cidade do Recife
e seus arrabaldes, assim como em 1856 a do Mappa de
monstrativo das distancias entre as freguesias de Pernam
buco pelos caminhos mais curtos.
O Dr. José Mamede occupou lugar distincto entre os
engenheiros brazileiros, sempre esteve prompto a discu
tir , e discutiu na imprensa todas as questões relativas a
sua profissão, e em que elle tomou parte. As columnas
do Diario de Pernambuco, registram muitos dos seus tra
balhos, e os relatorios que annualmente apresentava ao
governo da provincia sobre a marcha da repartição á seu
cargo , são trabalhos que attestam o que acabamos de dizer.
Em Agosto de 1859 deixou a direcção das obras do
porto , como havia solicitado desde Maio do anno anterior,
e durante o tempo que as dirigiu, tiveram ellas grande
encremento , executando -se a maior porção dos caes que
bordam a cidade, o dique do Nogueira, tomadas das bre
chas dos arrecifes, e excavações do porto, de cuja epocha
data a regularidade deste serviço.
O Dr. José Mamede contractou em 1859 a construccão
das estradas de rodagem em direcção do norte e a de Na
zareth, trabalhos que nas discussões da Assembléa Pro
vincial tomaram a denominação de Empresa Mamede. Elle
realisou a construccão das estradas contractadas satisfa
toriamente, principalmente no que diz respeito as obras de
arte, e pouco faltava para a conclusão do seu contracto ,
quando fallereu .
Nomeado em Outubro de 1862 primeiro supplente de
director da Caixa Filial do Banco do Brazil, nesta provin
cia , coube-lhe exercero cargo de director por não ter acei
tado este lugar o nomeado , até que foi exonerado.
Official da Ordem da Rosa pelos serviços que prestou
cm 1851 poroccasião da grande enchente do rio Capibaribe,
engenheiro distincto, empregado publico solicito, zeloso
e honesto , cidadão prestimoso, caracter circumspecto, o
Dr. José Mamede Alves Ferreira legou titulos tão recom
mendaveis e honrosos, que a inclusão do seu nome nestas
paginas é um merecido Tributo á sua illustre e veneranda
memoria .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 585

José Maria de Vasconcellos Bourbon . Natural do


Recife, recebendo de seus paes esmerada educação litte
raria , intelligente e estudioso, José Maria de Vasconcellos
Bourbon, sem sahir de sua terra, com os seus proprios
recursos, adquiriu variados conhecimentos, e foi um dos
primeiros discipulos da aula de mathematicas regida pelo
Dr. Antonio Francisco Bastos , que tanto o distinguia e
tanto merecimento reconhecia nelle , que costumava pôl-o
á frente de todos os seus discipulos.
Dominado das mais nobilissimas aspirações, e do de
sejo de illustrar o seu espirito com maior somma de conhe
cimentos, Vasconcellos Bourbon atravessa o Atlantico com
destino a Coimbra, mas circumstancias imprevistas não o
permittiram passar de Lisboa, e falhados os seus planos
de cursar a universidade, voltou á Pernambuco , e aqui veio
concluir os seus estudos.
Intelligente e illustrado, possuindo solidos conheci
mentos quer artisticos quer litterarios e scientificos, e go
zando de geral estima e conceito, Vasconcellos Bourbon
obteve provimento regio da cadeira de geometria da villa
do Recife, emprego que a revolução de 6 de Março de 1817
veio prival-o do respectivo exercicio.
Recolhendo -se à Pernambuco na epocha em que tra
mava- se o movimento separatista, as suas luzes e as suas
theorias sobre as ideas democraticas da França , começa
ram a eleval-o no conceito publico, eextremando - se os dous
partidos que então nasceram pela invasão dos francezes
na peninsula hespanhola , elle não tardou em pôr- se á testa
do grupo ante -europeu. Associado ás duas academias, ou
centros democraticos, do Cabo e Paraiso, Vasconcellos
Bourbon apenas ecoou o prematuro rompimento de 6 de
Março, foi um dos primeiros patriotas queacudiram arma
dos ao grito da liberdade.
Tomando parte muito activa em todos os episodios que
se deram até o acto da capitulação do governador Caetano
Pinto, voltou encorporado ao exercito para o campo do
Erario, e na immediata eleição que se procedeu foi um dos
eleitores do governo provisorio . Prestando no curto pe
riodo de vida que teve a nascente republica, consideraveis
serviços , realçou o seu patriotismo e coragem , offerecen
do -se para ser o embaixador da arriscada inissão de ir ao
Rio de Janeiro á tratar negociações com o governo portu
guez, o que não sendo aceito pela temeridade da empre
75
586 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

za , nem por isso arrefeceu o ardor e patriotismo que ma


nifestou no serviço da patria , nem por isso deixou de ser
vir a causa da liberdade emquanto ella pôde suster -se.
Restaurada a autoridade real, e mallograda a tentativa
da independencia da patria, Vasconcellos Bourbon não se
occultou aos primeiros impetos da vencedôra tyrannia.
Preso e mettido em ferros no porão de uma sumaca , que
levantou ferros e seguiu para a Bahia a 28 de Maio de 1817
levando as primeiras victimas ao sacrificio, e condemnado
a galés perpetuas e a cumprir o seu degredo em Angola
nas inhospitas regiões dos riosdeSena, permaneceu porem
nos carceres da cadeia da Relação da Bahia , até que foi
decretada pelas cortes constituintes de Lisboa a amnistia
geral aos compromettidos politicos de 1817, e em Junho de
1821, após 4 annos de martyrio regressou á esta provincia.
Vasconcellos Bourbon veio encontrar Pernambuco em
luta com o despotico governo do general Luiz do Rego, e
a tentativa contra a sua existencia deu -lhe encejo de exér
cer ainda mais a sua pressão e tyrannia sobre o opprimido
povo . Multiplicaram -se então os insultos e os ultrages, e
à sua ira recahiu especialmente sobre os patriotas de 1817,
que acabavam de chegar do seu desterro da Bahia. Trese
presos seguem deportados para Fernando de Noronha, e
quarenta e dous mettidos á bordo do brigue Intriga, se
guem para Lisboa, sem processo e culpa formada, á des
peito das mais terminantes disposições de leis , e neste nu
mero figurava o vulto respeita velde Vasconcellos Bourbon .
A 21 de Agosto de 1821, dous mezes apenas, depois
que chegára da Bahia, seguia de novo para as terras do
degredo, soffrendo na tormentosa e perigosa viagem in
descriptiveis encommodos e privações; mas a 27 de Ou
tubro, a attitude dos deputados pernambucanos no con
greso de Lisboa, restituiram -lhe a liberdade, e apenas solto
partiu de novo para Pernambuco , queo recebeu com pom
pa e solemnidades triumphaes.
« A 13 de Dezembro, diz um jornal desta provincia, de
1821 , narrando a chegada do illustre patriota , descobriu -se
pelas duas horas da tarde uma vela no horisonte ; era o
navio Incomparavel , que depois de 42 dias de viagem che
gava a este porto. Pernambuco se abala , todos voam ao
lugar do desembarque ; esperam e veem um proscripto
pelo despotismo, e outró degredado pela injustiça ; esque
ce - se o mal, quando se goså de tanto bem ... Povo im
menso coalha as ruas e acompanha os martyres até o Pa
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 587

lacio , querendo todos fazer honra aos seus. Foguetes e


musicas, annunciavam a geral alegria ; e voluntariamente
se illuminaram muitas casas, e a noite que fecha a porta
á dor, desta vez a fechou bem tarde ao contentamento .
O preso que foi restituido ao seu paiz natal, é José Maria de
Vasconcellos Bourbon ...
Tal, foi a condigna recepção que teve em sua patria o
illustre martyr da liberdade. Entrando no goso de seus
bens sequestrados em 1817, Vasconcellos Bourbon reti
rou - se á vida privada, foi ser agricultor e entrou na admi
nistração de um seu engenho de assucar. Em 1824, ser
vindo no cargo de conselheiro do governo, não adheriu o
movimento democratico da Confederação do Equador, e
prestou valiosissimos serviços a causa da integridade do
imperio . Desta data por diante o nome de José Maria de
Vasconcellos Bourbon desappareceu da scena politica, elle
retraiu -se e morreu mesmo ignorado, mas os seus serviços
a causa da independencia , os seus feitos de patriotismo,
e o seu martyrio pela generosa ideia da liberdade, recom
mendan -no a posteridade, e nós cumprimos um grato
dever registrando nestas paginas o seu nome illustre e
benemerito .

José Marinho Falcão Padilha. Nasceu na fregue


zia de S. Lourenço da Matta, e foi boptisado a 8 de Julho de
1787. Antonio Fernandes Padilha e D. Josepha Teixeira
de Lyra , foram seus paes.
Fazendo os seus estudos no Seminario de Olinda, re
cebeu ordens de presbytero, e abraçando assim a vida
ecclesiastica, viu satisfeita a sua mais nobre aspiração,
chegando ao estado a que o inclinara a sua vocação, os
seus mais intimos desejos.
Nomeado por provisão do general Luiz do Rego, de
17 de Maio de 1820, lente da cadeira de rethorica e poetica
da villa do Recife, vencendo 203000 mensaes , entrou em ex
ercicio , passou depois a reger a mesma cadeira no Lyceu
Pernambucano, por nomeação da presidencia de 14 de
Abril de 1826, na qual foi confirmado lente pelo governo
imperial. Em 1834 foi incumbido de visitar as escolas de
instrueção elementar da provincia , do que apresentou ao
governo um minucioso relatorio ; por portaria de 23 de
Abril de 1839 foi nomeado secretario do Lyceu , e exerceu
o cargo de director interino do mesmo estabelecimento ,
por nomeação de 2 de Outubro de 1846 .
588 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Sacerdote illustrado, respeitado pelo seu merecimento


e por suas virtudes, o Padre José Marinho Falcão Padilha
distinguiu -se não só como homem de letras, mas tambem
como homem publico pelos seus serviços, especialmente
na quadra da independencia.
Serviu de secretario da junta do governo provisorio de
1823, da qual foi presidente Affonso de Albuquerque Mara
nhão, e os seus serviços valeram -lhe a conferencia do ha
bito da Ordem do Cruzeiro, condecoração esta que bem
poucas vezes usou .
De talento raro , erudição profunda, sacerdote de um
caracter severo , porem affavel e caridoso , sem ambições
nem vaidades, o Padre Marinho gosava de subida estima ,
à sua dedicação e zelo no magisterio que lhe fôra confiado
cram immensos, e só depois de muitos annos de serviços,
já com ospés á beira da sepultura, recebeu a sua jubilação
por acto de 3 de Junho de 1848 ; e pouco mais de um anno
depois , a 3 de Julho de 1849, falleceu o Padre Marinho esse
ornamento do cleropernambucano, e foi sepultado na egreja
de S. Pedro do Recife .
Litterato , legou -nos o Padre Marinho um optimo com
pendio de rhetorica, que foi impresso e adoptado no Lyceu ,
e muitas composições poeticas , porem esparsas e de dif
ficil obtenção. Atacado pelo Padre Lopes Gama no seu
poema Columneida, porque era clle um dos membros do
partido da columna, creado em Pernambuco em 1831 , em
cujo poema, elle e o Padre Ferreira Barreto eram os proto
gonistas, escreveu em resposta a Migueleida, no qual, por
sua vez , era protogonista o Padre Miguel do Sacramento
Lopes Gama. Porém inutilisou - o á hora da morte , e foi
essa a prova de reconciliação com o seu antagonista litte
rario e politico . Poeta excellente, escrevendo sobre as
impressões instantaneas do sentimento , era uma torrente,
mas esgotado o sentimento callava - se a lyra . As festas
campestres, e a commemoração do natal que entre nós tem
uma feição muito particular e caracteristica dos nossos
costumes, concorria immenso com as suas producções,
escrevendo canticos e dramas pastoris, distinguindo-se
entre estes o que foi representado no theatro Natalencia,
que trabalhava na hoje reconciliada egreja do Espirito
Santo .
Escreveu tambem o Padre Marinho um Officio de Santa
Rita que corre impresso, e que no genero poetico-religioso
é tido como um dos melhores; e das suas poesias avulsas
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 589

encontramos dous hymnos ao anniversario natalicio de S.


M. o Imperador, publicados no Diario de Pernambuco de 2
de Dezembro de 1840, uns versos gravados nas pyramides
e arcos dos festejos da coroação de S. M. que fiseram -se
no quartel do corpo de policia, e publicados a 29 de Julho
de 1841 na mesma folha, e a traducção de um soneto do
poeta francez Debarreaux, publicado tambem na mesma
folha em seu numero de 30 de Março de 1857. E o Diario
de Pernambuco ao publicar esse trabalho, precedeu-o des
tas palavras, que são o mais fiel e exacto caracteristico dos
elevados dotes e virtudes do illustre PadreMarinho :
« Uma das illustrações de Pernambuco, d'aquellas que
só lhe pertencem hoje por uma recordação, foi, na verdade
o Padre José Marinho Falcão Padilha . Homem de costu
mes rigidos , de um caracter severo mas affa vel e caridoso ;
singularmente desambicioso para commodidades em que
o luxo vem á insinuar -se, e tambem para honras em que a
vaidade gosta de apascentar-se, elle juntava a essas excel
lentes qualidades moraes um talento superior que não ti
nha uma só face , que não era de alguma especialidade,
porque palpitava com a mesma força por todas as voca
ções, porque emfim era , por assim dizer, um talento cos
mopolita, dando-se em todos os climas da litteratura .
« Como ministro do altar, que foi somente por amor
da egreja de Jesus Christo, o Padre Marinho foi mestre
theologo, profundo e atilado explicador das materias dog
maticas. No ensino da arte dos oradores , elle não tinha
quem o rivalisasse, que tamanha era a vantagem de seu
saber. Como poeta , não era muito menos que o grandi
loquo Barreto, que nesta parte, segundo temos para nós,
foi o mais brilhante genio que Pernambuco tem visto . »
José Mauricio Wanderley. Natural da villa de Se
rinhãem , filho do sargento-mór Christovão da Rocha Wan
derley, sacerdote de eminentes virtudes e exemplar vida,
o padre José Mauricio Wanderley, foi um homem distincto
pelo seu merecimento e elevado patriotismo.
Na luta politica de 1710, aos prenuncios da revolução ,
ás perseguições dos Mascates contra os pernambucanos,
o padre José Mauricio Wanderley pronunciou -se decidida
mente pela causa de sua provincia , prestando patriotica e
dedicadamente valiosos serviços. Travada a luta, ferida
a batalha de Sibiró, o padre Wanderley tomou parte nessa
heroica peleja na qualidade de capellão do terço do mestre
590 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de campo Christovão de Mendonça Arraes , assim como


tambem figurou no combate de Ipojuca , sem desamparar
o seu posto, arrostando mesmo os maiores perigos .
Marchando do interior um corpo de tropas para refor
çar o cerco do Recife, o padre Wanderley abandona as
suas propriedades e os seus commodos, e faz parte desta
expedição, e durante a marcha distinguiu -se pelos servi
ços que prestou , especialmente naquillo que dizia respeito
ao seu caracter sacerdotal.
Quando terminou a luta e o governador Felix José
Machado fez recahir toda a responsabilidade sobre os per
nambucanos, e exerceu sobre elles a mais desabrida per
seguição, o padre Wanderley condoido da sorte que aguar
dava aos prezos remettidos à Lisboa , victimas do odio dos
Mascates , promove uma subscripção afim de se mandar
um procurador para tratar de advogar a causa dos infeli
zes desterrados , e ao mesmo tempo offerecendo -se para
se incumbir dessa missão, abre uma outra subscripção
em Porto Calvo e Serinhãem , entre os seus parentes e ami
gos , afim de effectuar a sua viagem .
Esse acto de patriotismo e philantropia que praticára
o padre Wanderley, fez recahir sobre si a parcialidade do
governador, que instigado pelos Mascates fez - lhe soffrer
crueis e amargos dissabores. Queixando -se o governador
ao provisor e governador do bispado, do padre Wander
ley, servindo -lhe de motivo a subscripção que promovia ,
e pretextando frivolas razões, qualificando esse acto de
perturbador da paz e da tranquillidade publica, e tanto in
fluiu no animo do provisor, que pode conseguir uma or
dem de prisão para esse respeitavel sacerdote.
Preso no dia 18 de Março de 1714, como réo de lesa ma
gestade , e mettido entre uma escolta de soldados de orde
nanças, o padre Wanderley veio de Serinhãem conduzido
pelos officiaes de justiça, e foi recolhido no seguro da ca
deia de Olinda . A'pretexto de offerecer pouca segurança
essa prisão , poucos dias depois foi transferido para a ca
deia do Recife, soffrendo então os maiores insultos do sar
gento que o conduzia , que até ousou erguer mãos violen
tas sobre elle , deixando - lhe sobre o corpo visiveis sgnaes
da sanha brutal que o dominava.
Victima da mais atroz violencia , calcado aos pés de
seus inimigos, injuriado e soffrendo os encommodos e
privações do carcere, pagando as culpas do seu patriotis
mo, e expiando o crime de promover os meios de patroci
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 591

nar a causa dos seus infelizes conterraneos degredados


em Lisboa, o padre Wanderley dirige uma carta ao provi
sor, na qual protestou pela sua prisão, demonstrando com
expressões energicas e quixosas , o quanto era irregular,
senão injusto o seu procedimento, ouvindo e accolhendo
as insinuações hostis do governador, carta que a chronica
do tempo nos transmittiu, e se acha transcripta nas Me
morias Historicas de Pernambuco , por Fernandes Gama .
Não satisfeito ainda, o governador, do martyrio que
supportava heroica e resignadamente o padre Wanderley,
quiz dar mais expansão ás suas perseguições , e ordenou
The então o desterro para a capitania do Ceará .
Curvado á ordem superior , elle seguiu para o seu des
terro, e alli chegando in queriu do mestre do barco que o
conduzia das ordens que recebêra a seu respeito , o qual
respondeu que apenas a de o botar em terra . Indagou tam
bem do capitão-mór e de outras autoridades da capitania
se haviam recebido communição e ordens sobre o caso,
tirou certidões em que todos diziam não constar cousa
alguma que impedisse o seu regresso, e munido destes
documentos, partiu por terra, e em longa e penosa tra
vessia, veio chegar a Pernambuco em principios de Feve
reiro de 1715. Um mez depois , divulgado o regresso do
padre Wanderley, foi immediatamente ordenada a sua pri
são, e em principios deMarço apresenta -se-lhe o capitão
mór de Serinhãèm , Pedro de Mello Falcão , com uma es
colta de ordenanças, prende- o e leva-o para a cadeia da
mesma villa, e depois de alli detel-o por algum tempo, em
satisfação dos seus inimigos, manda-o para o Recife.
O padre José Mauricio Wanderley soffreu crueis tor
mentos e longos padecimentos, e só pôde conseguir a sua
liberdade depois que Felix José Machado deixou o gover
no , e assumiu ás redeas da administração desta capitania
o seu successor D. Lourenço de Almeida, em Julho de
1715. Sacerdote respeitavel por suas virtudes , e por seu
acrysolado patriotismo, o padre Wanderley nobilitou-se
por sua attitude honrosa e patriotica na quadra da guerra
dos Mascates, ea barbaridade exercida sobre elle por seus
crucis inimigos, e os soffrimentos que supportou, sagra
ram -no martyr no altar'da patria .
José da Natividade Saldanha. Nasceu a 8 de Setem
bro de 1796. Foram seus pais o vigario João José Salda
uha Marinho e a parda Lourença da Cruz .
592 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Saldanha fez os seus estudos de humanidade no Se


minario de Olinda , e tendo de seguir pela vontade de seus
pais a vida ecclesiastica, a sua entrada no Seminario,
era já o primeiro passo dado para isso : mas a sua voca
ção era outra. Elle aspirava a laurea de bacharel em di
reito . Saldanha assim conta -nos os primeiros passos da
sua vida e educação , e os seus primeiros conhecimentos,
no seguinte soneto , que em 1818 compoz e dedicou a Se
bastião do Rego Barros :
Em Setembro nasci, no mesmo dia,
Em que nasceu do Eterno a Filha pura ;
Soube aos cinco fazer qualquer leitura ,
E aos dez annos a muzica aprendia.
Aos dez annos uma rabeca eu já tangia ,
E mil versos compunha com doçura ;
Aos quinze do latim tomei tintura,
E aos dezoito estudei philosophia .
Estudei com prazer Quintiliano
Em desenho empreguei a mocidade,
Quiz da să theologia entrar no arcano .
Eis , ó Rego) eis em que posteridade,
Já tem gasto o Saldanha de anno em anno ,
Vinte e dous que hoje tem de idade.
Conseguindo em fim tratar da realisação dos seus de-.
sejos, Saldanha encetou os estudos necessarios ao curso
de direito , e depois seguiu para Portugal, e matriculou - se
na Universidade de Coimbra, em 1819.
A vida academica do joven poeta , foi um completo tri
umpho, e o premio de accessit , que obteve e que segundo
os estatutos da Universidade elle os recebeu em dinheiro,
( 4008000 rs . cada um ) é o mais solemne attestado da sua
applicação e do seu merito ; e a 2 de Julho de 1823, depois
de 4 annos de curso, fazia Saldanha o seu ultimo acto , o
sendo approvado nemine discrepanti, recebeu a carta de
bacharel in utroque jure .
Saldanha não sò havia conquistado reputação como
estudante, mas tambem se havia celebrado como poeta
mavioso é inspirado . A patria e os seus heroes, os ami
gos, as amenas e pitorescas quintas das Lagrimas, Lipa
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 593

dos Esteios e Penedo da Saudade, lugares já tão celebra


dos pelos mais illustres poetas portuguczes , tudo o inspi
rava, e as dôces vibrações da sua lyra, e os seus trium
phos academicos, compõem a mais bella pagina da sua
vida .
Em 1822, quando cursava o terceiro anno , colleccionou
e publicou em Coimbra todas as suas poesias , e deu -as ao
prelo sob o titulo – Poesias offerecidas aos amigos aman
tes do Brasil ; - este livro foi impresso na typographia da
Universidade, consta de 42 sonetos, 16 odes, 4 anacre
onticas, 2 cantatas, 2 dithyrambos , 2 idilios, etc., etc.
O que resta de Saldanha, no seu voluminho de versos ,
diz o Dr. Torres Bandeira, é um cofre de joias inestimaveis,
bem superiores, sem duvida alguma, a muitas composi
ções poeticas, a que em nosso mundo litterario, se tem
querido á fortiori emprestar o nome de inspirações, e im
pôr o baptismo de creações d'arte.
No mesmo anno da sua formatura , em 1823, voltou á
patria , e a recepção , e os testemunhos de apreço que re
cebeu dos seus comprovincianos, foram dignos de um
moço já tão vantajosamente conhecido pelo seu talento e
illustração, e laureado pelo primeiro estabelecimento sci
entifico queentão possuiamos. Saldanha foi logo nomeado
auditor de guerra, porém em breve deixou este cargo e
abriu escriptorio de advogado na cidade do Recife .
Por esse tempo, Pernambuco havia chegado a um tal
estado de desenvolvimento em idéas democraticas, que
custosamente se tolerava os actos e desmandos do go
verno. Saldanha bem cedo familiarisou -se com os mais il
lustres patriotas , e conquistou tal reputação, que no mesmo
anno em que regressou a Pernambuco , procedendo -se á
eleição de um secretario em junta governativa de 13 de De
zembro, elle sahiu eleito ; e proclamada a confederação do
Equador em 1824, elle continuou a exercer o cargo de se
cretario do governo, com aquelle zelo e proficiencia que
The eram peculiares. Grandes serviços prestou então ao
novo governo, e pelas suas idéas, talento e tino era con
sultado, e ouvido em todos os negocios e questões que se
agitavam .
« O pernambucano, em cujo coração se ateavam tan
tos sentimentos patrioticos, diz Torres Bandeira, era um
insigne poeta, já conhecido na metropole, onde fizera a
publicação de suas primeiras inspirações, e onde estava
ainda bem viva a impressio exercida pela escola de Bo
76
594 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cage , a que elle irrecusavelmente pertencia. José do Nati


vidade Saldanha, pertenceu a essa geração eminentemente
Jiberale generosa , que, a partir de 1817, e ainda de alguns
antes, inscrevera seu nome illustre no martyrologio do
paiz. Era dessa pleiade de mancebos enthusiastas das
grandes causpiciosas idéas, lançadas ao mundo, atravéz
( las velhas gerações, pelo espirito regenerador de 1789 ; C
se algum excesso acaso lhe notavam os mais exagerados
d'entre os inimigos politicos, era o ultra liberalismo, que
em todo o caso significava lima nobre paixão, nunca, po
rém , um defeito sensivel no homem publico . »
Com a restauração do governo imperial, Saldanha pre
vendo o fim que lhe aguardava, abandona a patria em No
vembro de 1824, e refugia -se na liberrima republica dos
Estados unidos ; e no dia de sua partida, elle enviou á pa
triu o seu derradeiro adeus pela linguagem da poesia .
Quando as tropas imperiaes entraram na cidade do
Recife, procedeu -se a um rigoroso varejo em casa dos com
plicados na revolução ; e a casa de Saldanha, situada á rua
das Trincheiras, foi varejada; e como não o encontrassem ,
contentaram -se em damnificar os seus moveis, e em ras
gar á ponta de baioneta um bello retrato seu , que pendia
da parede da sala de visita !
Dos Estados -Unidos, passou -se á França logo depois .
« Muito mecustou aqui não trazer passaporte, diz elle em
uma carta á sua irmá, escripta do Havre a 13 de Janeiro
de 1825, e valeu -me conhecer eu de Coimbra um filho do
consul portuguez, que me deu passaporte, e foi preciso ir
a Pariz para de lá me vir a licença.
Da França passou-se a Inglaterra, e a 28 de Março de
1825, escrevendo de Liverpool á sua irmū, pedia que lhe
remettesse os seus dous livros em manuscripto que tra
tavam das guerras de Pernambuco, um folheto tambem
em manuscripto intitulado Noticia dos limites do Brasil,
Os seus versos, umas cartas em hespanhol, e mais um
outro escripto que estava em casa de um amigo, e uma
cantata a D. Ignez de Castro.
Em 1826 , já o illustre expatriado se achava em Caracas,
capital da republica de Venezuela. A sua vida nessa capi
tal, é narrada por elle proprio em uma carta á esta mesma
sua irmã, em data de 24 de Agosto de 1826 :
« Eu estou vivendo em um convento , pois não posso
ainda pagar casa, e o general com quem vivia se mudou
para um sitio distante daqui.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 5595

« Já me concederam licença para advogar, fazendo


cxame; porém , tenho estado muito doente, e por isto não
me tenho examinado .
« Cada vez tenho menos meios de passar, e vendi já
um relogio que aqui tinha comprado , e até camisas, porque
com a minha molestia não tenho podido trabalhar. »
Já em Agosto de 1825, sc achava Saldanha em Cara
cas, quando recebeu a noticia de que havia sido condem
nado à morte, e chegando ao seu conhecimento a sentenca
contra elle dada pelo Dr. Manoel Pedro de Moraes Mayer,
na qual por escarnco o tratara de mulato, Saldanha justa
mente indignado pelas grosseiras expressões desse seu
collega, escreve -lhe uma carta em data de 3 de Agosto
e com a altivez c nobreza de caracter de que era dotado,
lembra -lhe quc, esse tal mulato Saldanha, era o mesmo
que adquirira premios, quando ille Mayer tinha appro
rução por empenho, e quando o tal mulato recusara 0
lugar de auditor de guerra em Pernambuco , elle o alcan
çava por bajulação, etc, etc .; c nesta mesma carta lhe on
viou um soneto não menos altivo e repassado de odio e
indignação, odio eterno e de guerra .
Nessa mesma occasião , remetteu Saldanha uma pro
curação ao seu collega o Dr. Thomaz Xavier Garcia de Al
meida, um dos juizes que tomou parte na sua condemna
ção, a qual sendo um documento bastante curioso, a tran
screvemos: « Pela presente procuração, por mim feita e
assignada, constituó por meu bastante procurador na pro
vincia de Pernambuco ao meu collega o Dr. Thomaz Xa
vier Garcia de Almeida , para em tudo cumprir a pena que
för imposta pela commissão militar, podendo este morrer
inforcado, para o que lhe outorgo todos os poderes que
por lei me são conferidos. Caracas, 3 de Agosto de 1825. –
José da Natividade Saldanha .
A commissão militar o condemnou á morte , e man
dou affixar editaes, l'acultando a quem o encontrasse de o
matar !
Em Venezuela encontrou Saldanha o seu comprovin
ciano general Abreu e Lima, que servia no exercito da
quelle paiz, o qual muito o recommendou ao general Es
calona . Cremos que é esse o general de que falla Salda
nha em uma carta a sua irmã, como já vimos .
Dessa épocha em diante melhorou de vida, adquiriu
fama e reputação comohomem de lettras, e foi professor
de humanidades em Bogotá .
596 DICCIONARIO BIOGRAPIIICO

Em 1830, segundo uns apontamentos do general Abreu


e Lima, ainda vivia este infeliz emigrado e desditoso poéta ;
e neste mesmo anno , quando em um dia de grandes chu
vas recolhia -se á sua casa alla noite, cahio na valla da
rua por onde seguia , e morreu afogado. Esta noticia do
general Abreu e Lima, é corroborada pelo Sr. conselheiro
Felippe Lopes Netto , quando ministro plenipotenciario do
Brasil na Bolivia, o que lhe foi referido pelo consul geral
de Venezuela, que fóra discipulo de Saldanha, e que, alli
se achava quando se deu o lamentavel acontecimento da
perda de seu mestre, de quem ainda se lembrava e fallava
com enthusiasmo.
No entretanto , essa noticia que para nós merece o
maior credito, por ser ministrada por duas respeitaveis
autoridades, é porém constestada por alguns amigos, que
asseveram ter ouvido dos fallecidos senador Manoel de
Carvalho Paes de Andrade, e coronel José de Barros Fal
cão de Lacerda, companheiros de Saldanha, que, tendo
elle na qualidade de advogado de fazer uma defeza no tri
bunal, a sua fama attrahira grande concurrencia , e que ahi
comparecendo e não lhe sendo possivel fazel-a, retirou-se,
desappareceu, e nunca mais sehouve delle noticia alguma !
Seja porém esse ou aquelle o fim do desventurado
poeta , sempre guiado pela fatal estrella da iufelicidade , á
sua morte perdeu Pernambuco um dos seus mais illustres
filhos, o inspirado cantor das suas glorias e dos seus he
roes. O proprio Saldanha conhecia as desventuras de sua
vida , o triste caminhar por entre espinhos, e no soneto –
A inconstancia da sorte , – elle pintou com traços firmes e
com as mais bellas figuras , as desventuras de sua vida .
De José da Natividade Saldanha, apenas resta o livro
de versos que publicou em Coimbra em 1822, e uma ou
outra poesia avulsa. Os seus manuscriptos desaparece
ram , a Noticia dos Limites do Brasil, des Guerras de Per
nambuco, dous volumes de versos, tudo em manuscripto ,
e mais outros trabalhos, de cousa alguma existe a menor
noticia !
Graças, porém , á patriotica iniciativa de um nosso
comprovinciano o illustrado e talentoso Dr. José Augusto
Ferreira da Costa, o nome de Saldanha é repetido, e os
seus versos lidos com avidez e enthusiasmo.
Esse moço, verdadeiramente pernambucano, e incan
savel obreiro do explendido edificio das nossas glorias e
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 597

tradições, coadjudo pelo concurso de um editor que não


vive somente do calculo e pelo calculo, o Sr. João Wal
fredo de Medeiros, a um e outro devemos a reproducção
dos versos de José da Natividade Saldanha, cujo livro foi
nitidamente impresso em Lisboa em 1875.
Não foi tarde, porém , o pagamento dessa divida de
honra e gratidão que deviam os pernambucanos ao illus
tre cantor das suas glorias , o inspirado poeta José da
Natividade Saldanha, a cujo merecimento , as mais com
petentes autoridades tem tecido a merecida corôa das suas
glorias litterarias.
O Sr. conselheiro Pereira da Silva, chama-lhe litterato
de gosto fino e poeta brilhante ; Fernando Holf , no seu Bra
sil Litterario , exalta os seus meritos, e transcreve alguns
de seus versos ; e Varnhagem , Torres Bandeira, Innocen
cio Silva e Joaquim Norberto de Souza e Silva , cada qual
que se avantage mais em memorar e exaltar os seus me
ritos , e em conferir- lhe o honroso lugar que lhe compete
como poeta lyrico .
« Hardido como Pindaro, diz este ultimo, patriotico
como Ecouchard Lebrum , magestoso como Diniz, abalan
cou - se à elevada e pomposa poesia pindarica e empare
Thou com Pindaro na hardidez, com Ecouchard Lebrum
no patriotismo, com Diniz na magestade e pompa da ver
sificação e deixou -nos quatro bellas odes pindaricas. – A
primeira dirigida a Vidal de Negreiros, brasileiro illustre
è laureado pela victoria em algumas batalhas, parece ter
sido o primeiro vôo do poeta , mas nem por isso Îhe falta a
energia nos versos , a nobreza nos pensamentos e essa
bella desordem , que requer similhante casta de poesia.
Na segunda ao grande Camarão, tomando azas de aguia,
mais e mais se remonta . – Na terceira a Henrique Dias é
ainda mais pindarica, seus pensamentes são nobres e seu
estro encendeia - se com furor. – Na quarta tudo cresce ;
as acções do immortal Rebelinho inflammam a mente do
Pindaro brasileiro, que com elle se arroja ao meio dos pe
lejadores : - o sonido das armas, - o sibilar das balas, -
os gritos dos guerreiros,-os trovões da guerra lhe reti
nem nos versos ! » ...
« Não menos para prezar -se são os seus sonetos, suas
odes horacianas e anacreonticas, seus dithyrambos e suas
cantatas, que encerram grande copia de elegancias e bel
lezas poeticas . ) ...
« E longe da patria , carpindo seus males viveu en
598 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

volto cm gloria e miseria e assim terminou existencia tão


aprecia vel. »
«« Esse o destino de nossas notabilidades. »
« Não somos nós netos de Albuquerqueraçade Lusos?»
José do O’ Barbosa. Homem pardo, natural do Re
cife, e capitão do regimento miliciano dos homens de sua
côr, foi um dos heróes -martyres da revolução regenera
dôra de 1817. Assentando praça em fins do seculo passa
do, foi promovido a alferes pela governador D. Thomaz
José de Mello, a tenente pola junta do governo provisorio,
cujo posto lhe foi confirmado por Patente Régia de 29 de
Outubro de 1802, em attenção a uchar-se erercendo o posto
de alferes com honrado procedimento , zelo , prestimo, ca
pacidade e distincção, e a capitão da nona companhia do
regimento demilicias dos homens pardos da praça do Re
cife , por Patente de 15 de Dezembro de 1811 .
Sem fazer parte dos clubs revolucionarios em que se
tratava da causa da independencia e liberdades patrias,
ignorando mesmo os projectos e inciativa dos seus com
patriotas , tendentes á realisação de tão nobre e generoso
commettimento, o seu prematuro e fatal rompimento no
dia 6 de Marco , foi um acontecimento imprevisto para o
capitão José do O Barbosa ; mas elle era um patriota exal
tado, as suas idéas, o seu amor pelo engrandecimento de
sua patria fizeram -no immediatamente unir -se a aquelles
que haviam proclamado a sua independencia , e a causa da
sua liberdade encontrou nelle um apostolo dedicado e en
thusiasmado ; e prestou consideraveis serviços no exer
cicio do seu posto, enthusiasmando com persuasiva e na
tural eloquencia os seus soldados e homens da sua côr á
acompanhal- o, e á prestar os seus serviços em prol da
obra dla regeneração da patria .
A'par dos serviços que prestou como militar brioso e
patriota, realçam tambem os que desinteressada e dedica
damente prestou como artista . Exercendo a profissão de
alfaiate, de cuja arte era mestre peritissimo, segundo um
historiador do tempo , José do ( Barbosa foi convidado
pelos membros do governo provisorio para se incumbir
dla execução do plano das bandeiras nacionaes da procla
mada republica , assim como do uniforme dos seus embai
xadores, incumbencia esta que perfeitamente executou
ajudado por seu irmão o capitão Francisco Dornellas Pes
sòa, trabalhando ambos desvellada c gratuitamente.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 599

A descripção das bandeiras nacionaes da republica


pernambucana proclamada em 1817, que os historiadores
nos transmittiram , composta de duas cores paralella e ho
risontalmente dispostas, azul no alto e branco em baixo,
ostentando-se na parte superior uma estrella representan
do Pernambuco, cujo numero se iria augmentando á pro
porção que outras provincias fosse adherindo a causa da
independencia, em baixo o arco -iris com as côres brilhan
tes de que se compoc, e no semi-circulo formado, o sol
ostentando os seus fulgores das regiões tropicaes, e final
mente em baixo, na parte branca uma cruz vermelha,
symbolisando a liberdade, todo este trabalho feito em seda ,
composto de pequenas partes desta fazenda para repre
sentar não só o colorido como o dezenho de todos os em
blemas de que se compunha o estandarte, requeria muita
habilidade e pericia da parte do artista cuja execução lhe
foi confiada ; e o capitão José do O ’ Barbosa executou - o
com a pericia e mestria de um bom artista , e com o zelo e
dedicação de um verdadeiro patriota, sem receber remu
neração alguma, contentando -se com a gloria de ser obra
sua, de sabir de suas mãos , o symbolo da nacionalidade
de sua patria, o penhor da sua liberdade e independencia.
Sem nos restar outros documentos que attestem a sua
pericia na arte que professava, basta o primoroso trabalho
da confecção das bandeiras nacionaes, em numero de trez,
cuja benção solemne teve lugar no Campo da Honra, hoje
das Princezas, no dia 2 de Abril de 1817 , as quaes foram
destinadas aos trez corpos militares que então guarneciam
a praça do Recife .
Artista peritissimo, executando perfeitamente o plano
das nossas bandeiras patrioticas, na phrase do autor dos
Martyres Pernambucanos, militar brioso, patriota que se
distinguiu pelo ardor e enthusiasmo com que se identificou
ao movimento regenerador de sua patria, « estes e outros
serviços lhe conciliaram um odio tão entranhavel da parte
dos tyrannos, quando vencedores, que custa a concordar
com a popularidade e estima, e mesmo amisade fraternal
que todos lhe tinham antes da revolução ; os europeus se
singularisaram em accusal-o de blasphemias publicas pro
nunciadas contra o rei e a familia real, e contra tudo que
era da Europa ; de ameaças sanguinolentas e mil outras
provocações com que os aviltava , ainda mesmo nos paro
Xismos da liberdade expirante >>
Possuindo o capitão José do O ' Barbosa um unico es
600 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cravo de nome Melchior, a sua cloquencia inflammou-o


no heroico amor da liberdade, e sem duvida por influen
cia sua, foi elle um dos primeiros escravos que correram
á alistar-se voluntariamente, quando no extremo perigo
da patria o governo os chamou invocando os seus servi
ços em prol da causa da liberdade, o que importaria as
suasproprias liberdades individuals.
Taes foram os serviços que prestou o benemerito ca
pitão José do O'Barbosa á causa da independencia da sua
patria, tal foi a sua attitude e o papel que representou na
quadra ephemera mas notabilissima em que foi ella procla
mada, para attrahir sobre si todos os odios, e paramere
cer da vencedora tyrannia a perseguição e os horrores do
martyrio votados aos infames rebeldes, como então quali
ficavam aquelles que ousaram emprehender a patriotica e
nobilissima idéa da regeneração e independencia do seu
paiz , que por tantos annos gemia sob o peso da oppressão
dos Cezares do poder.
Preso, quando as tropas patrioticas evacuaram a ci
dade do Recife , e o exercito realista se apoderou do ven
cido baluarte , o capitão Barbosa foi atirado aos carceres
da cadeia, e apesar de todas as torturas e barbaridades de
que foi victimă, quizeram e perseveraram até em applicar
The a pena cruel de o acoitar nas grades da cadeia, pena
esta de que já havia sido victima o seu fiel escravo ! Avi
sado porém dessa infamia, valeu -lhe o expediente de con
servar-se sempre fardado com o seu uniforme de capitão,
uniforme este que jamais despiu nem mesmo para dormir;
e assim , não offerecendo aos seus inimigos occasião em
que podessem descarregar o golpe, livrou -se da pena cruel
e infamante que lhe estava reservada !
Homem brioso , de caracter firmee resoluto , o capitão
José do O'Barbosa perseverou heroicamente em ser an
tes condemnado a morte por um conselho de guerra , uni
co tribunal competente para o julgar na sua qualidade de
militar, do que viver a troco de ser acoitado publicamente,
e passar o resto de sua vida deshonrado e infamado. Com
a chegada do novo governador o general Luiz do Rego, os
seus amigos obtiveram livral- o da commissão militar, e
aguardar o seu julgamento pela Alçada que se tinha de
abrir posteriormente, o que pouco melhoraria a sua con
dição , se não fosse publicado o Decreto de perdão de 6 de
Fevereiro de 1818 lavrado por occasião do acto da cxalta
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 601

ção de D. João VI ao throno portuguez, em virtude do qual


obteve a sua liberdade, depois de um anno de prisão , de
tormentos e martyrios.
O capitão José do ()'Barbosa, sahiu da prisão abatido,
humilhado e sensivelmente envergonhado das atrocidades
e despresos de que foi victima, e mais que tudo, pela infa
me tentativa dos acoites publicos . Despiu então a farda de
capitão, a cujo posto bavia attingido pelo seu merecimento ;
abandonou as fileiras do seu regimento , deixou a sua offi
cina e a arte que professava ; e metteu - se pelo interior da
provincia exercendo o officio demascate ou negociante vo
lante , e assim acabou os ultimos dias de sua existencia ,
desconhecido e occulto ás vistas daquelles em cujo scio
tinha nascido , vivido feliz e respeitado.
O capitão José do O'Barbosa na esphera limilada en
que viveu na sociedade, pobre e laborioso artista, condem
nado as agruras de um incessante trabalho para manter
se honesta e honradamente , foi un pernambucano dupla
mente illustre e patriota. Como homem , consagrando o
seu braço co seu peito ao serviço da patria, quando ella
reclamou a generosidade e patriotismo de seus filhos, e
como artista contribuindo com o seu trabalho na obra do
symbolo da sua nacionalidade e independencia , elle con
quistou um nome digno da memoria dos posteros, nome
ainda mais charo pelo martyrio que soffreu, victima das
suas idéas, do seu patriotismo e dos serviços que preston
a causa da liberdade .

José Paulino da Camara . Nasceu no engenho Queluz,


freguezia de Ipojuca aos 31 de Julho de 1838 , e foram seus
paes o coronel Bernardo José da Camara e D. Maria Eu
Talia Nobre da Camara , depois barão e baroncza de Pal
mal'cs .
Fazendo o curso preparatorio , no qual patenteou a
sua intelligencia lucida, e desenvolveu grande applicação ,
José Paulino da Camara prestou os respectivos exames,
matriculou - se na Faculdade de Direito do Recife em 1858,
e merecendo sempre a nota de distincção entre os seus
contemporaneos, e terminou os seus estudos academicos
em 1862, quando recebeu o grao de bacharel em sciencias
juridicas e sociacs.
Começando a sua vida como promotor publico desta
capital, por nomeação de 10 de Maio de 1864, Paulino Ca
mara cortou a sua carreira tão brilhantemente encetada,
602 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

por um acto do mais acrisolado patriotismo, que tornou


o seu nome popular, que immortalisou a suamemoria e o
recommendoli á honrosa missão da historia .
O Brazil acabava de declarar guerra ao Paraguay, e
publicado o celebre Decreto chamando os brasileiros as
armas e creando os corpos de Voluntarios da Patria , Pau
lino Camara foi o primeiro pernambucano que alistou-se
voluntario , e a esse nobilissimo e patriotico exemplo, segui
ram - se muitos outros, e d'ahi o'enthusiasmo que fez en
corporar 5 batalhões de Voluntarios, que marcharam á
vingar a honra nacional tão vilmente ultrajada pelo Pa
raguay.
No dia 24 de Fevereiro de 1 € 65, Paulino Camara apre
senla - se ao presidente da provincia, pede a sua exoneração
do cargo de promotor publico, e se alista voluntario no
corpo que então se organisava ; segue então para o enge
nho de seus paes , reune uma companhia de 74 praças ,
composta em grante parte de parentes e amigos seus , volta
para a capital, e a 20 de Março recebe a nomeação de ca
pitão da 1.4 coinpanhia do 1.o corpo de Voluntarios da Pa
tria . O Sr. Dr. Camara, diz um jornal desta capital noti
ciando o acto do seu offerecimento voluntario, começou
aqui a sua carreira publica sob os mais brilhantes auspi
cios. Moço distincto por sua intelligencia e caracter illibado,
fiiho de um agricultor abastado e muito considerado de
nossa provincia, elle faz a sua patria o sacrificio mais hon
roso e patriotico de todos esses dons, com que approuve
a fortuna miroseal- o . O seu acto, é um desses feitos de
generoso e nobilissimo enthusiasmo, acima de todo o elo
gio , um desses actos que bastam por si sós para nobilitar
a quem quer que os pratica , e que recommendam seus au
tores ás sympathias e ao amor dos seus considadãos. Em
uma palavra ; o Dr. Paulino Camara honrou com este acto,
o nome pernambucano que recebeu em seu berço .
No dia 25 de Março , foi o Dr. Paulino Camara alvo de
uma explendida e significativa demonstração por parte de
seus collegas bachareis em direito . Pelas 11 horas apre
sentou -se no quartel uma commissão, e em nome dos seus
companheiros lhe offereceram uma chapa de ouro , de con
formidade com a mandada usar pelo Decreto que creou os
corpos de Voluntarios da Patria , tendo no alto a corôa im
perial circundada por uma canna de assucar, e um ramo
de café , entretecidos na extremidade por uma fita , em cuja
largura estavam gravadas as palavras; Voluntario da Pa ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 603

tria, sendo todo esse trabalho em alto relevo, e levantado


a cinzel, com a maxima perfeição possivel, tendo porém no
verso esta inscripção aberta a buril : Deus, Patria, Impe
rador. 25 de Fevereiro, 25 de Março de 1865. Offerecida ao
Bacharel José Paulino da Camará, por alguns de seus col
legas e amigos.
Ao ser - lhe entregue este valioso e significativo pre
sente, foram pronunciadas algumas palavras repassadas
de enthusiasmo e patriotismo, e cheias dos mais merecidos
louvores ao brioso Voluntario da Patria ; elle respondendo
as commovida e agradecidamente, pronunciou entre ou
tras , estras palavras dignas e memoraveis:
« Empunhando as armas , e deixando a cadeira de or
gão da justiça publica, corro aos campos onde se pro
pugna pelos direitos e dignidade do Brazil . Tenho simplis
mente cumprido um dever que reputo sagrado. Offere
ceste -me a chapa que distingue o Voluntario da Patria ,
trazendo a eloquente inscripção : Deus, Patria , Imperador ;
trindade magestosa que reunindo o infinito e ó finito, o su
blime e o grandioso, resumem tambem una multidão de
idéas e sentimentos, cada qualmais nobre, mais tocante
e mais veneravel !... Deus ! Patria ! Imperador ! Deus ! Ser
dos seres , a justiça da causa in voca a vossa protecção ;
protegei o Brazil. Patria ! Mãi commum de todos os brasi
leiros, acceitai o meu sangue; contente ve terei em rossa
defesa . Imperador ! Senhor, vós , que collocado na cupula
do poder social, imprimis o movimento ao grande corpo
brasileiro, e velaes no destino do vasto imperio da Santa
Cruz, acceitai o fraco contingente da pessoa de um vosso
fiel subdito , que se vos offerece em defesa da patria . »
No dia 27 de Abril de 1865, quando seguiu para o sul
01.º corpo de Voluntarios de Pernambuco, embarcou tam
bem o Dr. Paulino Camara ; o trajecto do batalhão, lusida
e garbosamente preparado , composto de quasi 800 praças,
desde o quartel do Hospicio até o ponto do embarque no
Arsenal de Marinha, foi o de um verdadeira marcha tri
umphal, e constituiu uma festa explendida, magnifica e im
ponente.
Paulino Camara tomando parte nos primeiros movi
mentos da campanha, esteve no acampamento da Concor
dia , e depois seguiu com o exercito até o de Talá -Corá, na
margem esquerda do Paraná, onde chegou adoentado de
molestias peculiares á esses inhospitos climas. Em vão
instaram para que deixasse otheatro da guerra á tratar de
604 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

sua saude, mais a idea de deixar os seus companheiros,


principalmente aquelles que havia alistado, a quem pro
testára acompanhal-os sempre, levaram -no a esperar; mas
a molestia progredia rapidamente, e quando se decidiu a
partir, chegou a Corrientes e d’ahi se transportou a Buenos
Ayres, já era tarde.
Recolhido ao hospital, e sob os cuidados do nosso mi
nistro o Sr. Conselheiro Octaviano Rosa , nada lhe faltou ;
porém baldados esforços , a 10 de Junho de 1866 apagou
se a luz daquella grande alma, e em apparatosa solem
nidade foram os seus restos mortaes entregues à sepul
tura . A Camara Municipal do Recife deliberou então que
se officiasse ao ministro brasileiro residente em Buenos
Ayres, para enviar os seus restos mortaes para Pernam
buco afim de se mandar erigir um mausoléo no Cemiterio
Publico para os receber, mas chegando elles em 1870, fo
ram depositados na egreja do Espirito Santo, achando - se
ainda por satisfazer aquella deliberação da Camara .

Laurentino Antonio Moreira de Carvalho . Nasceu


na cidade do Recife em fins do scculo passado, e foram
seus pacs Laurentino Antonio Moreira de Carvalho e D.
Izabel Francisca Cesaria .
Entrando na Congregação do Oratorio de S. Felippe
Nery, ahi fez todos os seus estudos, ordenou -se presbyte
ro , e permaneceu nesse instituto religioso até a sua ex
tincção cm 1831. Homem de talento e de reconhecido saber,
o padre Laurentino leu theologia em uma cadeira do curso
da mesma Congregação, e por nomeação da presidencia de
12 de Agosto de 1825, foi provido na cadeira de geometria
do Recife. Creado o Lyceu Pernambucano, o padre Lau
rentino foi nomeado seu director, installoui- o solemnemen
te no dia 10 de Setembro de 1827 , e continuou a funccionar
na cadeira de geometria , até que, por portaria de 9 de Mar
ço de 1841 , recebeu a sua jnbilação.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 605

o padre Laurentino foi um patriota que muito figu


rou e distinguiu -se no movimento emancipador de sua pa
tria . Deputado pela Camara da villa do Cabo , elle tomou
parte no conselho celebrado na povoação de Beberibe, em
5 de Outubro de 1821, no qual se tratou da capitulação do
general Luiz do Rego , e da installação da junta constitucio
nal, mandada crear pelas cortes portuguezas, e na eleição
dos seus membros celebrada a 26 do mesmo mez, o padre
Laurentino ficou fazendo parte da mesma junta, exercendo
o cargo de secretario . Por portaria de 15 de Dezembro
desse mesmo anno, foi elle nomeado membro da commis
são incumbida de estudar o estado cconomico de todas as
repartições da provincia , e de propôr os melhoramentos
que lhe cram necessarios, assim como as novas fontes de
receita e despeza da sua fazenda, fórma da sua arrecada
ção e escripturação, afim de ser remettido o respectivo re
Tatorio ao congresso de Lisboa, para serem tomadas as
convenientes medidas.
O padre Laurentino aceitando esta incumbencia , de
sempenhou -a dignamente, e prestou muitos e valiosos ser
vicos nos trabalhos da secretaria a seu cargo , pela sua in
telligencia e perspicacia, pelo seu patriotismo e abnega
cão . Membro do conselho do governo, deputado provin
cial em diversas legislaturas, o padre Laurentino Antonio
Moreira de Carvalho exaltou o seu merecimento , nobilitou
se pelos seus serviços e patriotismo, e legou -nos um nome
venerando e respeitavel .
Frei Leandro do Sacramento . Nasceu na cidade do
Recife no ano de 1778. Jorge Ferreira da Silva e D. The
reza de Jezus, foram os seus progenitores.
O convento dos Carmelitas Reformados o recebeu em
seu seio, e aos 5 de Maio de 1798, aos 20 anos de idade ,
professou a sua regra . Frequentando com grande apro
veitamento as aulas do curso do seu convento , Frei Lean
dro revellou um talento robusto , e precocemente adquiriu
um grande cabedal de instruccão. Recebendo as ultimas
ordens, havia elle tocado ao termino da escala dos co
nhecimentos que ministrava o seu convento ; mas para
a quella grande alma, sedenta de illustração é sabedoria,
era pequenino, insignificante mesmo, o limitado circulo
em que se achava .
Novos e mais vastos horisontes rasgam - se ante os seus
606 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

olhos. Solicita dos seus superiores a necessaria licença


para deixar o seu convento , e parte para Portugal e matri
cula-se no curso de philosophia da Universidade de Coim
bra, e o concluindo, apresenta a Faculdade a sua these sob
o titulo : Theses cx philosophia naturali, a qual lhe con
quista o titulo academico de licenciado .
Em 1806 já estava Frei Leandro do Sacramento de volta
á Pernambuco , laureado pela Universidade de Coimbra .
A fama dos seus dotes e illustração precedera -o, e elevou
se ainda mais , quando se lhe offereceu occasião de exhi
bir-se, principalmente na especialidade dos seus grandes
conhecimentos de sciencias naturaes, a botanica ; e assim ,
que em 1808 foi incumbido pela Junta do Governo de es
crever uma Memoria sobre as nitreiras naturaes ou artifi
ciaes deste pais, o que executou, trabalho este que foi re
mettido ao ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho , em offi
cio de 22 de Abril do mesmo anno .
Pouco tempo depois de aqui chegar, Frei Leandro do
Sacramento emprehende uma viagem ao Rio de Janeiro,
onde chegando, sem que o pensasse e ainda menos pedis
se, é sorprehendido com um Decreto do governo, nomean
do-o lente de botanica da Academia Medico -cirurgica.
Exercendo o magisterio , diz o Dr. Joaquim Manoel de
Macedo , Frei Leandro não só leccionava no edificio da
Academia , como costumava ir fazel- o em um dos dous an
tigos pavilhões ou mesmo passeando pelas alamedas do
Jordim Publico da cidade do Rio de Janeiro . Tão abalisado
lente, como homem virtuoso , tão profundo como eloquente
em suas lições, tão affa vel como attractivo em suas manei
ras, Frei Leandro era por todos venerado, e com os seus
discipulos muitas vezes se ajuntavam , para ouvil-o no
Passeio Publico , varões já de esclarecida nomcada.
No Rio de Janeiro, além das funcções de lente de bo
tanica da Academia Medico -cirurgica, foi tambem Frei
Leandro do Sacramento , procurador geral da sua ordem ,
e Director do Passeio Publico, até que em Maio de 1824 foi
nomeado director do Jardim Botanico da Lagoa de Ro
drigo de Freitas, de cujo estabelecimento, dizem alguns
escriptores, fòra elle o fundador.
Foi este o ultimo cargo que exerceu Frei Leandro , e os
estudos e os trabalhos que ahi fez, deram - lhe um vome
respeita vel , que lhe conquistou fama e renome não sú en
tre os seus, como tambem no estrangeiro. A Sociedade
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 607

Real de Agricultura e Botanica de Gard , o Instituto Co


lumbiano, a Academia Real de Sciencias de Munich, e Or
ticultural de Londres, a Academia da Russia , e outros es
tabelecimentos scientificos da Europa, inscreveram o seu
nome nos quadros dos seus associados ; e Guiseppe Raddi ,
celebre botannico italiano, que em 1817 visitou o Brazil ,
perpetuou o seu nome na historia da Botanica, propondo
o genero Leandra , na ordem das melastomaceas.
Frei Leandro do Sacramento , prestou ao estabeleci
mento do Jardim Botanico , acertadamente confiado à sua
direcção, os mais importantes serviços, e quando se pre
parava para executar o plano de grandes reformas e me
Thoramentos, que traçara, aggravaram-se os males de uma
affecção pulmonar que o aftligia , e no dia 1 de Julho de
1829, aos 50 annos de idade, apagou -se a luz daquella
grande alma, naquelle mesmo Jardim Botanico, onde ha
bitava .
Este illustre Brazileiro, diz o Dr. Macedo no seu Anno
Biographico Brasileiro, escreveu pouco, ensinou muito , e
sabia muito mais . Escreveu pouco e infelizmente não dei
xou documentadas em obra dada ao prelo numerosas plan
tas medicinaes, que fez conhecidas e applicadas no trata
mento de molestias : na pbitologia não igualou, não pode
ter o renome de Frei Velloso, o autor da Flora Brasileira
Fluminense ; mas poderia tel- o acompanhado de perto, se
houvesse escripto a historia de suas conquistas phitologi
cas, e se menos doente e debilitado, pudesse ter-se dado
ás laboriosas explorações botanicas, que poude effectuar
aquelle sabio franciscano .
Mas o sabio brazileiro Frei Leandro do Sacramento ,
não era somente versadissimo em botanica ; a chimica é
outros ramos das sciencias naturaes, tinham nelle tam
bem dispertado os seus conhecimentos. Quando a Acade
mia Militar desejou obter uma collecção de conchas e de
agathas orientaes, afim de enriquecer o seu gabinete mine
ralagico, e a obteve , o sabio carmelita foi um dos incum
bidos de a examinar, e dar o seu parecer.
Incumbido tambem , em virtude da Portaria de 7 de
Janeiro de 1825 de preparar collecções de sementes de chá ,
cravo e outras plantas afim de serem remettidas as pro
vincias do imperio, o illustre naturalista Frei Leandro do
Sacramento não se limitou somente a isto executar . Es
creveu uma Memoria economica sobre a pluntução, cultura
608 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

e preparação do chú, a qual foi impressa no Rio de Janeiro


no mesmo anno de 1825, e a fez acompanhar com a re
messa das sementes dessa planta .
Saudado e respeitado, conhecido na Europa como um
sabio, como um illustre brazileiro, mereceu sempre o cullo
e preito que só a sabedoria e as virtudes sabem infundir e
conquistar. Martius, S. Hilaire, Raddi e outros sabios do
velho mundo, renderam - lhe os merecidos louvores, e apre
goaram o nome desse sabio e illustre brazileiro que o con
quistando, não o foi sómente para si , mas tambem para
sua patria.
St. Hilaire ,quetão deperto o conheceu e apreciou ,assim
teceu a coroa das glorias e sabedoria desse illustre brazi
leiro , nas suas Viagens pelo interior do Brasil :
« O padre Leandro do Sacramento , professor de botani
ca , director do Jardim das Plantas do Rio de Janeiro, cul
tivava com vantagem a sciencia que o encarregaram de
ensinar, e possuia conhecimentos de chimica e zoologia .
Deve -se a elle a analyse das aguas mineraes d’Araxá, ob
servações botanicas impressas nas Memorius da Acade
mia de Munich , e uma memoria sobre as Archimedias ou
Belanophoreas que segundo espero, será publicada breve
mente . Leandro era um homem de costumes brandos, ac
cessivel, cheio de candura e de amabilidade. Acolhia os
estrangeiros com benevolencia ; e, cumpre dizel-o , nem
sempre foram reconhecidos para com elle. Como justifica
ção das queixas que os brazileiros teem dos habitantes da
Europa, basta citar o modo pelo qual foi tratado o padre
Leandró. Communicou as suas collecções aos nossos na
vegantes ; enviou plantas seccas ao muzeo de Pariz ; man
dou seis caixas com plantas ao governo francez com des
tino á colonia de Cayenna, e foi em vão que, por muito
tempo, eu e o consul de França no Rio de Janeiro solicita
mos umasimples carta de agradecimento a duas de nossas
administrações.
« Os sabios que, amando ás sciencias, deveriam ani
mar por todos os meios possiveis aos americanos, dos
quaes ha tanto a esperar, os sabios, digo, não foram per
feitamente justos para com o padre Leandro. Como se
houvesse a idéa de fazer desapparecer até a memoria deste
homem recommendavel, destruio -se um genero que elle
formou em uma das suas memorias; para explicar esta
suppressão, diz - se , é verdade, que o genero existia já em
manuscripto, porém jamais leveriamos perder de vista
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 609

esta regra sabiamente estabelecida por M. Candolle na ad


miravel Theoria Elementar, a saber : que por prioridade
não é necessario ter em linha de conta os trabalhos ine
ditos . »
Conversava um dia St. Hilaire e Frei Leandro sobre
botanica, especialmente sobre a acclimação das plantas,
quando St. Hilaire volta -se para elle mostrando -lhe uma
planta dizendo : Eis uma plontu dle vosso pais , que não é
oista senão no Rio de Janeiro, e d'ahi até a prooincia de
Santa Catharina . Frei Leandro toma- a , examina - il, e re
plica com vivacidade : Esta especie, ou outra que muito
se assemelha, vive no Rio Doce, e eu mesmo encontrei- a na
provincia de Pernambuco, onde colhi ama para o meu her
vario. St. Hilaire deixa ver em um gesto involuntario as
duvidas que oppunha ; e Frei Leandro isto divisando, exa
mina attenta e rapidamente as plantas seccas da ordem das
Leguminosas, provenientes de Pernambuco, e com expres
sões radiante o alegre, apresenta a que procurava ao sabio
St. Hilaire e diz -lhe: a amostra que possuo não estii classi
ficada ; mas é identica (10 00880 Sophora littoralis. Collo
quei- a no meu heroario com o nome vulgar de Feijão da
Pruin . Annos depois publicava o sabio europeo a descrip
cão desta planta, notando yue o sabio brazileiro ü havia
descoberto em Pernambuco .
Frei Leandro do Sacramento trabalhou muito , mas in
felizmente dos seus traballios bem poucos viram a luz da
publicidade, c por isso, além dos que se dedicam ao estudo
das sciencias naturaes, e do conhecimento daquillo que
nos diz respeito, bem poucos o conhecem .
O maior e mais perfeito monumento erguido á memo
ria deste sabio brazileiro, teve por architecto o illustre Dr.
José Saldanha da Gama, cujo nome é o maior garante da
perfeição desse trabalho . E uma extensa e luminosa bio
graphia, apresentada ao Instituto Historico e Geographico
Brazileiro, inserta no vuluine 38 de sua revista , na qual
vem enumerados todos os trabalhos de tão sabio quão
virtuoso varão, e do qual extractamos as seguintes infor
mações, a elles relativas :
« Leandro do Sacramento começou a escrever a sua
monographia relativa üs Bulanophoreas, plantas parasi
tas das raizes das arvores, mas não se sabe até que ponto
chegou elle em suas discripções.
Escreveu umamemoria interessante acerca da cul
Tura do chá , processos da preparação das 78folhas, toman
610 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

do por base as experiencias feitas durante sua administra


cão no Jardim Botanico da corte .
« Nos jornacs scientificos da Europa, appareceram
diagnoses suas de especies novas de flora brazileira, algu
mas das quaes foram acceitas e outras apenas como sy
nonymias.
< Nada menos de oito generos foram creados por elle
para plantas do Brazil ; destes adoptaram as Botanicas le
gisladoras apenas o Funifera, ficando os outros prejudica
dos pelo direito de prioridade. D'entre as especies por elle
descobertas, figura em primeiro lugar a embira branca,
Funifera utilis.
« Raddi perpetuou o nome de Leandro na historia da
Botanica propondo o genero Leandru, na ordem das me
lastomaceas. Diversas especies classificadas na Europa
trazem a dedicatoria á memoria do illustre brazileiro . O
Jardim das plantas de Pariz possue bom numero de spe
cies de plantas seccas enviadas pelo sabio americano, das
suas arborisacões.
« Saint Hilaire faz menção destes notaveis serviços á
França, quando rememora os laços de amisade que uni
ram -no a Leandro na capital do Brazil.
« Professava sabiamente a sciencia das plantas e a
ensinava com applauso dos ouvintes no Passeio Publico .
« Conhecia a sciencia dos minerais e tanto assim que
existe registrada uma nomeação do punho do conde da
Barca para que Leandro fizesse parte da commissão en
carregada de dar o preço e estudar a collecção que o Esta
do desejava comprar.
« Do Archivo da antiga Academia Medico -Cirurgica
extrahimos provas comprobatorias de seu curso e das li
ções que dava sobre agricultura e botanica, e até com refe
rencia ao modo porque elle organisára os pontos para os
exames de seus discipulos.
« E mais teriamos achado sobre o mesmo assumpto
si o incendio havido no morro do Castello não houvesse
consumido maior numero de documentos . >>
Sobram titulos portanto , diz o Dr. Joaquim Manoel de
Macedo, para que Frei Leandro do Sacramento figure dis
tinctamente na galeria dos benemeritos e varões illustres
do Brazil.

Leonardo Bezerra Cavalcante . Filho legitimo de Cos


mc Bezerra Monteiro e D. Leonarda Cavalcante de Albu
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 611

querque, neto paterno de Domingos Bezerra Felpa de Bar


buda e D. Antonia Rodrigues Delgado, e materno de Anto
nio Cavalcante de Albuquerque, o da guerra , e D. Marga
rida de Souza , Leonardo Bezerra Cavalcante nasceu na
segunda metade do seculo VXII, no meio da opulencia e
da grandeza , c , por sua riqueza e influencia de sua familia,
uma das mais antigas e distinctas desta provincia , occu
pou subida posição social, elevando -se ainda mais pela
franqueza e generosidade do seu nobre e elevado caracter.
Coronel honorario, e morador na freguezia da Varzea ,
onde possuia ricas propriedades agricolas, em 1710, quan
do os pernambucanos oppozeram barreiras ás pretenções
dos Mascates, elle representou papel proeminente, e com
direito de ser chamado o primeiro pernambucano livre, so
a primaria podesse nascer da precedencia e soffrimento
pela liberdade. Patriota exaltado , homem de teinperamen
to forte e contumaz , Leonardo Bezerra publica e franca
mente não cessava de fustigar os inimigos, até que cahiu
em suas mãos e foi arrastado á uma prisão; mas, rompendo
a revolta após a tentativa contra a vida do governador Sc
bastião de Castro e Caldas, o povo entrando tumultuosa
mente no Recife livrou - o da prisão .
Partindo para Olinda e tomando parte no conselho ce
lebrado pela camara do Senado , Leonardo Bezerra foi um
dos que apoiaram a idea da independencia pela fórma re
publicana, porém , conformou -se com a maioria, approvan
do a eleição do bispo D. Manoel Alvares da Costa para go
vernador interino da capitania. Rebellando - se os Masca
tes contra o governo do mesmo bispo em 18 de Junho de
1711 , Leonardo Bezerra foi um dos primeiros e mais intre
pidos patriotas que correram para sitiaro Recife, « em cujo
assedio fes tres serriços ( patria e a nobresa , que o seu no
me era o terror dos Mascates, que o imaginavam ver em
qualquer sombra . »
Chegando, porém , o novo governador Felis José Ma
chado , e tomanito posse do governo da capitania, rompeu
tremenda reacção contra os pernambucanos, e os Masca
tes conseguiram a ractificação da crecção da villa do Re
cife e da eleição da nova camara do senado celebradas em
1710. Perdida inteiramente a causa que tantos sacrificios e
dedicação , á par de tanto heroisino, custaram aos valentes
pernambucanos, cresceu a insolencia dos Mascates, e Leo
nardo Bezerra foi tomado por alvo dos seus insultos. Os
ditos burlescos e injuriosos ferviam sobre elle logo que
612 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

apparecia em publico, ditos que o fizeram desesperar a tal


ponto, que subiu furioso as escadas de palacio , penetrou
no gabinete do governador e gritou : V'. Exc. castigue estes
Mascates ; se não, esta espada... e empunbou -a com tal
movimento , que o governacior estremeceu. Este facto deu
se no dia 17 de Fevereiro de 1712 ; mas ao descer as esca
das de palacio, sahe -lhe ao encontro o ouvidor Bacalháo
seguido de numerosos esbirros , prendem -no á ordem de
El-Rei, e conduzem - 110 para bordo de um navio onde este
ve por trez dias mettido na arcada da bomba, concedendo
se -lhe então um camarote, onde permaneceu por algum
tempo.
Transferido depois para as enxovias da fortaleza das
Cinco Pontas, foi reinettido no dia 9 de Outubro para bordo
de um dos navios da frota , e acompanhado por seus dous
filhos e outros companheiros de murtyrio seguiu para Lis
bôa e foi encerrado na cadeia do Limoeiro . Condemnado
a degredo por 10 annos para cumpril- o nas possessões
portuguezas da India , Leonardo Bezerra cumpriu resig
nado o martyrio que lhe foi votado, e depois de 13 annos
de prisão obteve a sua liberdade, leve ordem de voltar para
o Brazil, mas não para Pernambuco .
Leonardo Bezerra fixou - se então na provincia da Ba
hia, e ainda magoado das tyrannias e insultos de que foi
alvo , da oppressão exercida sobre a sua patria e os seus
conterrancos, escrevia aos seus parentes de Pernambuco,
dizendo : não corteis um só quiridas muttas ; tratai de po
pal-os para em tempo opportuno quebrarem -se nas costas
dos marinheiros ; epitheto applicado por escarneo aos nas
cidos em Portugal; expressio de odio que as chronicas
do tempo nos transmittiram , é que a consignamos somen
te como uma homenagem a verdade historica e caracte
ristica da cpocha.
Leonardo Bezerra Cavalcante acabou os seus dias no
scu degredo da Bahia , em avançada idade, triste pela ce
gueira senil que sobreveio - lhe, ralado de saudades da terra
natal, e com o coração magoado das injustiças de que foi
victima.

Libanio Augusto da Cunha Mattos . Nasceu na ci


dade do Recife aos 2 de Outubro de 1818 ; seus paes, foram
o marechal de campo Raymundo José da Cunha Mattos,
distincto militar e escriptor, e D. Maria Venancia de Fon
tes Pereira ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 613

Acompanhando seu pae ao Rio de Janeiro, lá enrique


ceu o seu espirito com o estudo das lettras, e ainda bem
jovem , em 1836 , obteve entrada na secretaria do Ministerio
da Guerra como addido , sem perceber vencimento algum .
Trez aunos depois , cm 1839 , foi nomeado primeiro official
da mesma secretaria .
Em 184-1 foi Cuula Mattos nomeado chefe de secção,
em 1849 oflicial maior e em 1860 foi elevado a cathegoria
de director geral, aposentando -se em 1861 depois de haver
prestado ao paiz, por espace de 25 amos , grandes e valio
sos serviços, em remuneração dos quaes o governo o agra
ciou com o officialato da Imperial Ordem da Rosa .
Os ministros da guerra conselheiros Antonio Manoel
de Mello, João Paulo dos Santos Barretto , Manoel Felisar
do de Souza e Mello , Pedro de Alcantara Bellegarde co
seu comprovinciano Sebastião do Rrgo Barros, aprecian
do - o devidomente, e distinguindo-o pela sua capacidade e
dotes que possuia, o tomaram por official de gabinete du
rante o tempo que occuparam o lugar.
Libanio Augusto da Cunha Mattos entre outras pro
vas de apreco aos seus talentos e trabalhos, recebeu do
governo o titulo de Conselho, co Instituto Historico e Geo
graphico Brazileiro, e a Sociedade Auxiliadora da Indus
tria Nacional, o receberam em seu gremio , c em ambas
estas associações prestou tantos e valiosos serviços, que
o tinham como um dos seus mais prestimosos e beneme
ritos confrades ; c a provincia de Goyaz o elegen deputado
a Assembléa Geral, e como tal tomou assento na camara ,
na legislatura de 1857 a 1860 .
Depois de uma curta existencia de 48 annos, porém
assignalada por tanta abnegação e trabalho , pelo seu ta
lento e illustração, a morte o sorprehende, e exhalou o der
radeiro suspiro aos 29 de Agosto de 1866.
Para completar o esboço da vida de tão illustre e dis
tincto pernambucano, bastam as seguintes e eloquentes
palavras do Dr. Joaquim Manoel de Macedo, proferidas na
qualidade de orador do Instituto Historico, no discurso da
sessão anniversaria do mesmo Instituto , em 1866 :
« Repertorio vivo dos negocios da repartição da guer
ra , actividade infatigavel, que não marcava as horas do
trabalho, e confundia a noite com o dia no desempenho
delle; memoria feliz que ia diante ao caso pedido aos ar
chivo do passado ; pratica d’um quarto de seculo na admi
nistração militar ; methodo que poupa o labor e duplica o
614 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tempo, intelligencia que dá luz, modestia que ignora o que


vale ; eis o que Libanio Augusto da Cunha Maltos era na
secretaria, onde começou no mais humilde e acabou no
mais elevado lugar. Pobre e abatido , o nosso consocio
passou seus ultimos annos em melancolico retiro ; ainda
assim consagrou horas longas e nobres vigilias á patria,
escrevendo um indice da legislação militar, que ofereceu
gratuitamente ao governo em 1864, sendo ministro da guer
ra o Sr. conselheiro Dr. Francisco Carlos de Araujo Buar
que. Os desgostos apressaram -lhe o passamento : serviu
vinte e seis annos ao paiz ; morreu esquecido ; em seu
tranze de agonia houve lagrimas arrancadas pela lembran
ça da esposa e dos filhos deixados em penuria, sua ulti
ma oração foi talvez ao anjo da caridade. »
Lino do Monte Carmello Luna . Nasceu na freguezia
de S. Antonio do Recife aos 23 de Setembro de 1821 ; foram
seus paes o negociante portuguez José Joaquim de Mello
e D. Maria Francisca de Luna .
Começando a sua vida como escrevente do cartorio de
Guilherme Patricio Bezerra Cavalcante , e sentindo -se com
irresistivel vocação para o estado sacerdotal, e trocando
a vida civil pela religiosa, entrou como noviço no convento
do Carmo do Recife no 1.º de Fevereiro de 1842, e fez a sua
profissão solemne no anno seguinte, nas mãos de Frei
Carlos de S. José, depois bispo do Maranhão, de quen
fôra discipulo e depois amigo e confessor. Preparado com
os estudos proprios que fez no mesmo convento , subiu ao
gráo de presbytero, e no dia 8 de Dezembro de 1844 cantou
a sua primeira missa. Foi logo eleito, em capitulo, mestre
de noviços, e as eminentes qualidades que ornavam o dis
tincto religioso elevaram -no depois a gráos mais subidos,
e assim exerceu os cargos de sub -prior do convento do
Recife , no mesmoanno de 1844 ; em 1848 foi designado para
lêr na cadeira de Dogma no collegio do mesmo convento,
e exercendo effectivamente o magisterio, recebeu ein 1830
a patente de Leitor em Theologia . Exerceu tambem o cargo
de secretario da provincia Carmelitana no Brazil, e o de
provincial da mesma ordem , por Breve da Nunciatura A
postolitica de 8 de Junho de 1850, sendo elle o primeiro
religioso do tempo do seu noviciado que chegou a taes
dignidades, cujo zelo, bom desempenho e serviços á sua
ordem mereceram condigna remuneração da Santa Sé, que
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 615

The conferiu os privilegios de uso de soli-deo e anel, por


Breve de 26 de Setembro de 1854.
Em 1856, por circumstancias imperiosas , e principal
mente pela necessidade de cuidar de sua mãi e familia ,
Frei Lino obteve a sua secularisação por Breve de 6 de
Outubro . Por Decreto de 14 de Março de 1855 foi nomeado
pregador da capella imperial; e por portaria da presiden
cia de 6 de Junho de 1859 foi nomeado bibliothecario da
Bibliotheca Publica Provincial de Pernambuco . No exer
cicio desse cargo conseguiu dar uma nova organisação ao
estabelecimento , transferil- o de uma acanhada sala do Col
legio das Artes para local mais commodo e adequado, fa
sendo a sua inauguração com toda a solemnidade a 25 de
Marco de 1860 .
Nomeado cavalleiro da Ordem de Christo em 14 de
Março de 1860, conego honorario da cathedral de Olinda
por Decreto de 17 de Junho de 1872, exerceu tambem o
cargo de promotor deste bispado de 1869 até o começo do
episcopado de D. Frei Vital, sendo por este exonerado, por
motivos, que muito honram o demittido.
Dedicando-se desde o tempo religioso ao ministerio do
pulpito, o conego Lino « gosou dos creditos de orador dis
tincto , e fez ouvir a miudo a sua voz nos templos desta
diocese, principalmente no anno de 1856, em que a epide
mia do cholera -morbos invadiu esta provincia, pregando
por esse tempo numerosos sermões, para exhortar o povo
å penitencia, e prestando outros serviços proprios do seu
estado, sem mais interesse que o de acudir quanto nelle
era possivel aos males que pesavam sobre seus conci
dadãos . »
Das producções oratorias do conego Lino, algumas
viram a luz da publicidade, entre ellas: Sermão pregado no
Te-Deum Laudamos, celebrado na egreja matriz do Cabo,
por occasião da visita de S. M. o Imperador aquella villa,
em 1859; Discurso pronunciado na abertura da Bibliotheca
Publica Provincial no dia 25 de Março de 1860 ; Oração fu
nebre recitada nas solemnes exiquias celebradas por alma
do bispo de Chrysopoles, em 1864; Oração funebre pro
nunciada na cathedral de Olinda nas exequias do bispo
D. Manoel do Rego Medeiros, em 1866 ; a do funeral do
general Flores, e das exequias da princeza Duqueza de
Saxe, em 1871.
Como socio effectivo e fundador do Instituto Archeolo
gicn e Geographico de Pernambuco, o conego Lino prestou
616 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

a esta associação immensos serviços, e enriqueceu as pa


ginas das suas revistas com cstes trabalhos de sua com
posição : Memoria sobre o monte dus Tubocus e a cgreja
de N. S. da Luz ; Biographia do Marque: do Recife ;
Memorial sobre a verificação do lugar chamudo Boqueirão
nos montes Guararapes ; Memoria sobre os montes Gua
rarapes e a egreja de N. S. dos Prazeres, edificada sobre
um delles. Também socio do Instituto Historico Brazileiro ,
o conego Lino compoz um trabalho sob o titulo : Galeria
dos Bispos Brasileiros, que lhe offereceu , e uma Biogra
phia de D.Frei Paulo de Mouril, que vem nas revistas da
quelle Instituto .
Em 1852 publicou uma Fxposição sobre a devoção do
santo escapulario de N. S. do Carmo, e uma Noticia con
cisa dos factos mais nota veis da vida de Santa Thereza de
Jesus ; e em 1855 uma Breve noticia do culto á immacu
lada Conceição de Maria , e da definição deste mysterio
dogmamente firmado em 8 deDezembro de 1851; alem de va
rios artigos publicados no Diurio de Pernambuco, Progres
so e Jornal do Instituto Pio e Litterario , dos quaes alguns
foram depois reproduzidos emoutras folhas do paiz. Porém
de todos os trabalhos do conego Lino , occupa primeiro
logar a sua Memoria historica e biogruphica do Clero Per
nambucano, impressa em 1837 nesta provincia, e que tão
merecidos louvores recebeu do erudito bibliographo por
tuguez Innocencio Silva , assim como do Diario de Per
nambuco, do Jornal Ecclesiastico do Maranhio, do Correio
Mercantil do Rio, e de outras folhas do paiz . « E ' sem du
vida o trabalho mais importante e valioso até agora publi
cado por seu erudito autor, diz aquelle escriptor, elabo
rado tão acurada e exactamente quanto é possivel em uma
primeira tentativa de tal natureza . »
Vè- se, pois , por esta succinta enumeração dos cargos
que exerceu, e dos trabalhos litterarios do conego Lino,
que elle foi um homem util e aproveitavel, por seus servi
ços ao paiz, áreligião e ás letras. O conego Lino do Monte
Carmello Luna falleceu a 23 de Junio de 1874, na idade
de 53 annos, e foi sepultado no Cemilerio Publico desta ca
pital. O Jornal do Recife, no dia seguinte consagrou estas
palavras á sia memoria : « Homem de lettras, distincto
orador sagrado, o que lhe valeo o titulo de pregador da
imperial capella, membro installador e muito prestimoso
do lustituto Archeologico e Geographico desta provincia,
chonorario de mutas outras is si circies literarias ; Si
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 617

cerdote que soube sempre respeitar o altar sem mentir,


nem negur a face á sociedade; sua morte deve pungir
acerbamente no coração desta provincia, que lhe foi berço
e lhe vae ser tumulo , e para a qual foi elle luzimento em
vida , e depois de morto honrosissima recordação. Eis uma
sepultura, a do Rvm . conego Lino do Monte Carmelo Luna,
sobre a qual corre á imprensa o dever de depor uma co
rôa de cypreste. Era um operario tão modesto , quão cs
forçado da civilisação . Pranteamol- o . >>
Luiz Alves Pinto . Nasceu na freguezia da Boa Vista
da cidade do Recife, pelos annos de 1719 , e foram seus paes
os pardos Bazilio Alves Pinto e sua mulher D. Euzebia
Maria de Oliveira .
Demonstrando muita vivacidade e talentos nos seus
estudos de primeiras lettras, seus paes, bem que pobres,
empenharam - se em dar -lhe uma educação esmerada, e
elle cursou com aproveitamento as aulas de latim , philo
sophia e rhetorica. A'par desses estudos, Luiz Pinto se
applicou especialmente á musica, em cuja artese lhe admi
ravam os prenuncios de um gento luminoso. Terminando
os seus estudos, alguns amigos solicitos no aproveitamen
to do seu talento, prestaram -se a facilitar -lhe os meios de
estudar em Portugal, principalmente quanto a musica ; e
elle seguiu para Lisboa, e estudou a arte de composição ou
contra -ponto, do que fe's solemne exame, com approração
e louvores mui lisongeiros .
Ainda no tirocinio dos seus estudos começaram a es
cacear os supprimentos de Pernambuco, e por fim privado
de todo o auxilio, viu -se obrigado pelas circunstancias, á
lançar mão dos seus proprios recursos, e passou a exercer
a profissão de musico. Começou então a trabalhar, foi
admittido na capella real , tirava copias, compunha alguma
cousa , e em fim , dedicando -se ao ensino, geralmente bem
quisto, gosando de nomeada por sua habilidade profissio
nal; e suas maneiras e educação, foi admittido á ensinar
em algumas casas da primeira nobreza do paiz , e assim
permaneceu por algum tempo na corte de Lisboa sem ser
pesado a ninguem , conseguindo até formar um pequeno
peculio para regressar a Pernambuco.
Aqui chegando, Alves Pinto abriu uma aula de musica
e de primeiras lettras , empregando -se tambem no ensino
destas materias suas duas filhas; elle no primeiro, e ellas
79
618 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

no segundo andar da casa de sobrado, ultima da rua Es


treita do Rosario, lado do norte, caminhando de nascente á
poente .
Luiz Alves Pinto teve praça de soldado no batalhão
dos homens pardos da praça do Recife, subiu a todos os
postos, e chegando a capitão commandou por algum tem
po o terço de infanteria auxiliar dos mesmos pardos do
Recife, trazendo o seu terço bem disciplinado e mostrando
se muito activo e destro nas operações militares ; e promo
vido em fim ao posto de sargento -mór pelo governador
conde de Pavolide , foi confirmado por patente Regia de 15
de Novembro de 1778 , no qual se reformou , percebendo o
respectivo soldo.
Musico e compositor distincto, Alves Pinto gosou de
fama e merecida reputação, foi mestre de capella da egreja
de S. Pedro do Recife, e foi elle, por assim dizer, o funda
dor da escola musical de Pernambuco . Ainda que se tenha
perdido em grande parte as suas composições, ou que exis
tam sem se saber que foram producção do seu engenho ,
comtudo muitas nos restam , taes como as dos trez hymnos
á N. S. da Penha e do de N. S. Mãe do Povo, poezias do
padre Souza Magalhães ; a do officio da Paixão , a das ma
tinas de S. Pedro e S. Antonio e muitas novenas, missas,
Te-Deuns, ladainhas e sonatas, notando-se, que tudo qué
cra concernente á musica, que então se tocava ou cantara
em Pernambuco , cra producção sua.
Mas elle não inscreveu sómente o seu nome nos an
naes musicaes desta provincia . Intelligente, espirito mais
ou menos cultivado pela pequena educação litteraria que
teve , elle foi professor regio de primeiras lettras, e em 1784
publicou em Lisboa um trabalho seu sob o titulo : Diccio
nario pueril para o uso dos meninos, ou dos que principiam
0 A B C, ea soletrar dicções . Cultivando tambem a litte
ratura, elle foi poeta, e escreveu alguns disticos e epigram
mas latinos, algumas glozas de quadras suas e alheias,
sonetos e uma comedia sob o titulo-- Amor mal correspon
dido, em tres actos, a qual foi representada no theatro pui
blico do Recife pelos annos de 1780 .
O assumpto do Amormal correspondido, segundo A.
J. de Mello , cra este : Florisbello e Celauro, alliados de Clo
rinda, marcham contra Troante, tyranno da Grecia, com
forças suas e de Albania , á vingarem esta das correrias,
e devastacões de Troanté nas fronteiras. Avistam -se os
exercitos, e fere -se a batalha, mas suspende -se para que
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 619

se decida pelo duello singular de Florisbello, e Troante, no


qualeste é morto por aquelle, que faz o seu reino tributa
rio de Albania . Tudo isto é só narrado. De volta os prin
cipes em Albania, namoram - se de Clorinda, que procuram
tornar sensivel á sua ternura ; incobrindo - se ambos elles
principes, reciprocamente , a sua paixão. Clorinda decla
ra - se em favor de Florisbello , a quem assegura fidelidade ;
mas depois captivam -naosmodos, e sympathia de Celau
ro, e despede a Florisbello do reino. Sahe este por causa
da sua despedida, a tempo que já Celauro também sciente
da versatilidade de Clorinda, que delle procura fazer en
tender o seu amor, a detesta . Clorinda se quer tornar a
Florisbello ; mas este , presente Celauro, lhe exprobra o vil
procedimento. Então Celauro por principios de cavalhei
rismo a defende, do que resulta irem as armas, e em cam
panha vencer Florisbello a Clorinda, e a Celauro , e obrigar
à estes a casarem - se . Ve-se deste modo em várias rela
ções o amor mal correspondido, o que melhor manifesta
o todo da peça. Um annel que Clorinda deu a Estojo, e um
collar dado por Celauro a Lanceta , são a fonte das jocosi
dades e risos da lacaiada . Tem uma especie de côro figu
rado pela musica uma só vez , a qual canta á Florinda esta
quadra :
Tristes lugrimas cançadas,
De amor mal correspondidas,
Se umar promette acabar -me,
Prude, prirae os meus dius .
() Amor mal correspondido, segundo A. J. de Mello , é
a primeira comedia composta por brazileiro, que se repre
sentou em theatro publico do Brazil ; toda em verso, e não
irregular, mormente medida pelo gosto então dominante
nos theatros portugliezes, onde frequentemente se repre
sentavam as operas de Metastasio e outras, traduzidas e
postas ao gosto portuguez . O autor do Amor mal corres
pondido, não era um abalisado litterato ; era muito estu
dioso e apaixonado da poesia , mormenté dramatica , e las
timova -se de que os poetas seus contemporaneos e patri
cios não compuzessem para o theatro . Sim ; não é a sua
comedia uma obra primo, o interesse é pequeno, o enredo
poderia ser mais forte, e talvez mesmo não haja toda a
conveniencia relativa aos caracteres dos altos personagens;
mas não é absolutamente sem merito : em sua marcha e
incidentes não perde o autor o fito de attingir, e verificar
620 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

o amor mal correspondido ; é toda em versos, toantes e


consoantes , notando -se alguns de harmonia imitativa ; e a
fabula é de pura invenção do poeta, empreza custosa , e
arriscada, do que nos avisa Horacio : Difficile est propria
communia dicere. E não é benemerito de louvor a memo
ria daquelle, que primeiro e só a impulsos do amor das
bellas artes, na arena destas se abalança a uma nota diffi
cil , que os genios do seu paiz temerosos evitam , e de modo
que lhe permittem as proprias forças preenche a carreira ,
e consegue dobrar a meta ? Sem duvida ; e seja tão nobre
coragem poderoso estimulo aos genios de hoje, que mais
robustos e galhardos vençam o devoluto estadio .
Luiz Alves Pinto escreveu tambem uma pequena arte
de musica que foi traduzida em França, e uma outra mais
desenvolvida, não menos apreciada pelos entendedores.
o sargento -mór Luiz Alves Pinto falleceu aos 70 annos de
idade, no anno de 1789 e foi sepultado na egreja de N. S.
do Livramento do Recife.

Luiz Barbalho Bezerra. Nasceu em Olinda ao alvo


recer do seculo XVII, e foram seus paes Antonio Barbalho
Felpa de Barbuda e D. Camilla Barbalho ; Antonio Bezerra
Felpa de Barbuda, natural de Ponte de Lima, em Portugal,
e D. Maria Angela, que vieram para Pernambuco com o
primeiro Donatario Duarte Coelho, foram seus avós pater
nos , Braz Barbalho, um dos mais conceituados colonos
desta capitania, pelos seus haveres e nobilissima ascen
dencia , foi seu avô materno .
Luiz Barbalho Bezerra , assentando praça no exercito
pernambucano em 1614, servindo gratuitamente, era já um
militar distincto em 1630, quando teve de medir as suas ar
mas com o aguerrido exercito hollandez que invadiu esta
capitania . Ao brado de guerra , quando a patria afflicta in
vocou o patriotismo de seus filhos, Luiz Barbalho correu
ao seu appello não só com a sua pessôa, mais tambem
com os seus filhos , escravos e criados, mantidos por si ,
sem estipendio e indemnisação qualquer do estado.
Tomando parte nos primeiros encontros dos dous ex
ercitos, coube-lhe pela bravura que ostentou o commando
de uma das mais arriscadas posições , quando o general
Mathias de Albuquerque levantou o Arraial do Bom Jesus,
e estabeleceu uma linha de fortificações no intento de a
pertar o inimigo nos limites da povoação do Recife.
Quando os hollandezes emprehenderam o ataque do
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 621

Arraial , e marcharam com 800 homens de Olinda, Luiz


Barbalho foi um dos capitães que sahiram ao seu encon
tro em Agoa Fria, fazendo -lhes 40 mortos e muitos feri
dos ; assim como foi o commandante da força que accom
melteu a hollandeza que se dispoz á passar o Recife, cau
sando -lhe grande numero de mortos e feridos, e foi ainda
o commandante de um destacamento de 200 homens, que
accommetteu á noite a forticação do Brum , que os hollan
dezes levantavam , conseguindo assenhorenhar -se della , e
depois de bastante a damnificar retirou - se á sua trincheira .
Assaltado no seu ponto por 1,500 homens, Luiz Bar
balho defende -se heroicamente com a pequena força de
que dispunha, mas quando carregou o grosso do exercito
inimigo, viu -se obrigado ao desamparar. Reunindo - se -lhe
então a gente dos postos visinhos e um contingente do Ar
raial, Luiz Barbalho volta sobre os inimigos, e no mesmo
dia arranca do seu poder a conquistada estancia.
Os hollandezes no intuito de previnir os damnos con
stantes que lhes causavan a estancia de Luiz Barbalho,
pela magnifica posição que occupava, resolveram levan
tarmais um reducto e deram começo aos seus trabalhos.
Luiz Barbalho investe-o arrojadamente, desfaz todas as
obras, deixa mortos 30 hollandezes que guarneciam o lo
cal , e retira - se por não poder manter a sua posse, não só
por ficar situado entre as linhas inimigas, como tambem
por ser garantido pelos fortes do Recife.
No ataque das trincheiras que cercavam a povoação do
Recife , no qual Luiz Barbalho avançou pela frente, ga
nhou - a e entrou na povoação, e nos diversos feitos que
se deram no correr de tão memoravel campanha, realça
o nome de tão valente guerreiro , e resplende a gloria dos
seus heroicos feitos .
No combate de Tigipió e no do reducto da sua estan
ciu , atacada em 21 de Dezembro de 1633 por 1,800 soldados,
« fulgurou tambem victoriosa a espada de Luiz Barbalho
Bezerra, ajudado no ultimo destes combates de mais 5 ca
pitães , não tendo todavia todos mais de 50 soldados.»
Promovido ao posto de mestre de campo pelo general
em chefe, foi-lhe confiado o commando e chefia do Arraial
do Bom Jesus, em cujo posto bateu por duas vezes o ini
migo em vigoroso ataque. Posteriormente destacado com
o seu terço para a povoação de S. Lourenço, Luiz Barba
Tho guarneceu diversos pontos com pequenas partidas, á
impedir o passo ao inimigo quando se dispózesse a conti
622 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nuar a conquista do interior do paiz ; e conservando com


sigo apenas 100 homens, partiu immediatamente sobre
Muribeca quando soube que os hollandezes se apossaram
desse ponto , reunindo -se -lhe alguns morador es e mais 200
homens commandados por D.Fernando de Riba Aguero ;
porém vendo ambos que não dispunham de força suffici
ente para abertamente atacar o inimigo, seguiram para
Serra d'Agua , onde andava um troço a saquear, deram
sobre elle com ardor, e já tinham obtido grande vantagem ,
quando appareceu um esquadrão de reforço que fez mudar
a situação, obrigando os nossos a forçada retirada.
Luiz Barbalho acompanhado de alguns indiginas to
mou o caminho de Sapupema , e inesperadamente dando
de rosto com uma partida inimiga, viu -se cercado e inti
mado á render - se ; mas salvou - o a sua coragem e a sua
intrepidez, e dias após fez pagar bem caro esse revez, ba
tendo essa mesma força em umaemboscada perto do Cabo
Incumbido do commando da fortaleza de Nazareth ,
conjunctamente com o sargento -mór do Estado, Pedro Cor
rea da Gama, Luiz Barbalho para manter a defesa desse
ponto , teve de bater - se com os inimigos por muitas vezes ;
e posto finalmente no mais rigoroso assedio , e quando a
fortaleza estava completamente arruinada, sem tropas, e
a penuria era tão extrema que os seus valentes defensores
cahiram extenuados á fome, viu -se forçado a capitular, 4
mezes depois do assedio, porém com as maiores honras
que em taes circumstancias se podem obter.
Luiz Barbalho Bezerra cahindo em mãos dos seus ini
migos, ficou prisioneiro com sua mulher e filhas, sendo
elle logo depois mandado para a Hollanda. Mas em pouco
tempo consegue a sua liberdade, volta para a Hespanha, e
ahi chegando ao tempo em que se levantava um terço em
Lisbôa para reforço do exercito do Brazil, foi nomeado seu
commandante, e a 16 de Agosto de 1037 a porta á cidade da
Bahia conduzindo dita tropa, apenas composta de 250 sol
dados. Um dos primeiros cuidados de Luiz Barbalho foi
tratar da restituição de sua mulher e filhos prisioneiros no
Recife, ao que generosa e cavalheirosamente accudiu o
principe Mauricio de Nassau, apressando - se em mandal-os
para a Bahia .
Em 1638 , quando os hollandezes com forças numero
sas atacaram a cidade de S. Salvador da Bahia, Luiz Bar
balho distinguiu -se como heroe, e rechaçados os inimi
gos , recebeu no anno seguinte, premio conferido pelo rei, e
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 623

deixou seu nome perpetuado en importante forte que con


struira. » Agora vamos entrar na phase mais brilhante da
vida do heroico e valente Luiz Barbalho , acontecimento
tão notavel, de tanta audacia , abnegação e patriotismo,
que bastaria para immortalisar o seu nome, e para confe
rir - lhe as honras de um heroe, setantos outros não fossem
por demais para isso .
Em 1639, relata um escriptor, chegára a Bahia com
poderosa armada o conde da Torre, e quasi no fim de 1
anno pondo em execução um vasto plano de campanha,
deu á vela com numero excedente à 80 navios, levando
forças de desembarque e os principaes chefes brazileiros ,
entre os quaes Luiz Barbalho. Todo o plano do conde da
Torre falhou : as tempestades o contrariaram , e a esqua
dra hollandeza em combates e batalhas navaés deixaram
muito duvidosa a sua capacidade militar. Depois dessas
crueis contrariedades o conde da Torre poz em terra na
povoação dos Touros , 14 legoas ao norte do Rio Grande
Luiz Barbalho com a gente do seu commando, e fez - se ao
mar. Era quasi um sacrificio barbaro . Luiz Barbalho assim
abandonado com algumas centenas de valentes á quem o
conde da Torre déra apenas ração para dous dias , ou ti
nha de entregar -se prisioneiro com os seus camaradas,
ou atravessar o Rio Grande, a Parahyba e Pernambuco, 3
capitanias sob o dominio hollandez, e ainda Sergipe , sem
pontos de apoio e completamente exposto ás forças ini
migas.
Luiz Barbalho não hesitou : preferiu a retirada quasi
impossivel á render-se ao hollandez. Elle commandava
cerca de 1,000 soldados e alguns bravos capitães: fallou
lhes com energia, e deu principio a retiradā, sahindo de
um verdadeiro deserto : avançando para o sul, procurou
de proposito as povoações, naquellas que não tinham guar
nições hollandezas recebeu accolhimento e soccorro ali
menticios, nas outras occupadas pelo inimigo entrou á
força , tomou o necessario, e incendiou o que não podia
levar. Depois de mil trabalhos e difficuldades chegou a
villa de Goyanna, onde os hollandezes tinham 530 soldados,
Luiz Barbalho atacou -os , e em furente peleja os venceu , e
mandou passará espada os prisioneirospornãopodel-os le
var comsigo . 3,000 hollandezes divididos em 3 columnas sa
hiram do Recife em perseguição de Luiz Barbalho, cuja reti
rada tornou - se mais aspera e tremenda. O impavido mestre
de campo viu -se forçado a marchar, fazendo grandes ro
624 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

deios,á internar- se pelos sertões aridos e desertos, a abrir


caminho atravez das florestas , a transpor alguns rios en
grossados pelas cheias, e outros em todo o tempo mais ou
menos caudalosos: as vezes urgido pela fome e pelas pri
vações despedia partidas ligeiras em busca de alimentos :
as vezes apparecendo á descoberto opportunamente, ba
tia-se , e forçando á recuar a columna inimiga que de mais
perto o perseguia, de novo penetrava nas mattas, e illudindo
com marchas falsas os hollandezes, continuava a sua he
roica retirada .
Por fim Luiz Barbalho chegou á margem do S. Fran
cisco , e atravessando, fez alto da parte do sul, dando des
canso e allivio a seus admiraveis soldados e não poucos
cmigrantes de ambos os sexos que fugindo ao jugo es
trangeiro os acompanhavam . O hollandez não ousou per
seguil-o além do S. Francisco , e Luiz Barbalho depois de
alguns dias de repouso , proseguiu em sua retirada, atra
vessou Sergipe, entrou na Bahia, e foi chegar á cidade de
S. Salvador no fim de 4 mezes de marchas calculadas em
mais de 300 legoas , tendo combatido muitas vezes sempre
com vantagem . Foi este o feito talvez mais portentoso de
toda a guerra hollandeza . A retirada de Luiz Barbalhome
receu o louvor insuspeito de escriptores hollandezes ; os
portuguezes a compararam a dos 10,000 , e a elle chama
ram o novo Xenofonte.
Pouco depois da sua chegada á Bahia , Luiz Barbalho
recebeu ordem de marchar å desalojar o inimigo que se
havia fortificado no rio Real; atacou - o , rompeu as suas
fortificações, e conseguiu desbataral-o e pol-o em fuga , de
pois de Thematar mais de 300 homens, e com esta esplen
dida victoria terminaram as tentativas de invasão na Bahia
pelos hollandezes, e ainda com ella coroou o illustre Luiz
Barbalho os brilhantes feitos da sua vida militar.
Permanecendo na Bahia, Luiz Barbalho fez parte do
governo do Estado quando foi deposto o vice -rei Marquez
de Montalvão, e o dirigiu por mais de anno , terminando a
sua missão quando tomou posse do governo Antonio Te
les da Silva . Preso e remettido para Portugal, victima
das intrigas e dolo do Padre Villena que tramára a de
posição do Marquez de Montalvão, Luiz Barbalho justifi
cou - se, e teve como premio dos seus serviços, a nomeação
de governador da capitania do Rio de Janeiro por Patente
de 21 de Fevereiro de 1642. Diligente e infatigavel, Luiz
Barbalho entregou - se aos cuidados e inspecção pessoal
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 623

dos concertos c trabalhos das fortificações , c ostentou no


governo confiado ao seu zelo e patriotismo, toda a sua
actividade e acção administrativa zelosa e energica, illus
trando ainda mais o seu nome no honroso desempenho
desse cargo; e após 2 annos de governo, elle succumbiu
victima da molestia que contrahiu no desempenho dessa
missão .
Luiz Barbalho Bezerra falleceu em 15 de Abril de 1644,
e jaz sepultado na capella-mór da egreja dos Jesuitas no
Rio de Janeiro. Mestre de campo, commendador da Ordem
de Christo e fidalgo da casa real, « o nome de Luiz Bar
balho Bezerra perpetua-se magnifico em 3 grandiosos mo
numentos, as 3 provincias principaes do Brazil, Pernam
buco, Bahia e Rio de Janeiro, theatros immortaes do seu
patriotismo, do seu valor e de suas virtudes. »
Frei Luiz Botelho do Rozario . Nasceu na freguezia
de S. Antonio do Recife, a 25 de Agosto de 1695, e foram
seus paes João Baptista Campelli, escrivão da fazenda rcal
desta capitania , e D. Brites Bandeira de Mello .
Estudou humanidades no collegio dos Jezuitas, e na
idade de 17 annos entrou para os claustros do convento
dos carmelitas observantes, da cidade de Olinda, onde re
cebeu o habito a 26 de Dezembro de 1713 e professou a 27
de Dezembro do anno seguinte. Ordenado sacerdote, Frei
Luiz Botelho seguiu para Portugal, e passou a frequentar
as faculdades de philosophia e theologia da Universidade
de Coimbra, com tunto disvelo e capacidade, que mereceu
ser laureado na de theologia , em 1722, como diz Barbosa
Machado .
Regressando então para o Brazil, o Dr. Frei Luiz Bote
lho do Rosario, foi residir no seu convento da provincia
da Bahia , onde foi incumbido da regencia da cadeira de
theologia, fazendo patente o seu raro talento e a sua grande
erudição. Sacerdote respeita vel por seu saber e mereci
mento, elle occupou na sua ordem elevados cargos, sendo
director dos estudos do collegio d'aquelle convento , qua
lificador do Santo Officio , membro do capitulo geral da sua
ordem celebrado em Ferrara em 1726 , primeiro definidor
residente dos estudos, presidente do capitulo da Ordem do
Carmo, e seu chronista especial.
Orador sagrado de reconhecidos dotes, dos muitos ser
mões que escreveu e recitou, apenas publicou os seguin
tes : Sermão panegirico da intenção da Santa Cruz, Lisboa,
80
626 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

1740 ; Sermão nas exequias dos sacerdotes irmãos de S.


Pedro da congregação dos clerigos da Bahia , 1740 ; um
outro sermão sobre o mesmo assumpto, impresso no anno
seguinte ; Sermão panegyrico na solemnidade da canoni
sução de S. Francisco Regis, 1741 ; um outro sermão ainda
sobre as exequias dos padres irmãos de S. Pedro, em
1742 ; e o Sermão moral, historico e panegyrico no dia eni
que o bispo D. José Botelho de Mattos recebeu a investidu
r'a do pallio archiepiscopol, impresso em Lisboa, em 1743.
o Dr. Frei Luiz Botelho do Rosario gosou de grandes
creditos como homem de talento e como sacerdote illus
trado e virtuoso. Seu nome figura dignamente na Biblio
theca Lusitana de Barbosa Machado, nos Varões illustres
do Sr. conselheiro Pereira da Silva, na Memoria historica
e biographica do clero pernambucano do padre Lino, e no
Anno Biographico do Sr. Dr. J. M. de Macedo, que assim
ajuizou de tão respeita vel varão : Gosou reputação de gran
de pregador, e muita consideração entre os carmelitas...
Foi homem sabio, rarão de grandes virtudes, orador sa
grado famoso .
Luiz Ignacio Ribeiro Roma. Nasceu em Maio de
1797 e era filho do padre José Ignacio Ribeiro de Abreu e
Lima.
Estudando todas as disciplinas que então se ensinava
cm Pernambuco, obteve provisão para advogar nos tribu
naes desta provincia no anno de 1815, e em 1817 acompa
nhando seu pae á Bahia , enviado emissario para tratar alli
da adhesão ao movimento separatista de Pernambuco, viu
mallograda a sua empresa,e foicompanheiro e testemunha
do cruento sacrificio do autor de seus dias , ficando então
em misera orphandade, e entregue a todos os horrores da
prisão a que o condemnaram .
Seis mezes depois Luiz Roma conseguiu escapar das
mãos do governador Conde dos Arcos, e em fins do mesmo
anno de 1817 emigrou para os Estados- Unidos, em com
panhia de seu irmão o capitão José Ignacio de Abreu e
Lima, d'onde partiram ambos para Venezuela, que então
Jutava pela sua independencia . Abreu e Lima passou a
servir no exercito e combateu pela liberdade venezuelana,
Luiz Roma, porém , dedicou -se ao commercio, a fortuna
foi -lhe propicia e reuniu soffrivel riqueza.
Sem jamais se esquecer da sua terra natal, patriota
ardente c estremecido , Luiz Roma deixou Venezuela, cem
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 627

principios de 1827 chegou a Pernambuco ; seguiu depois


para a Bahia, começou a figurar nas questões politicas que
então se agitavam , e por fim cahindo sob as vistas da po
licia como autor de uns pasquins incendiarios, foi preso
e sem a minima forma de processo , deportado para a In
glaterra. Voltando occultamente para Pernambuco em
1828, accommetteu por si só uma daquellas emprezas , que
costumam trazer grandes consequencias pela magnitude
dos seus resultados. De feito , na noite de 1 de Fevereiro
de 1829, pôz em campo a revolta em Afogados, seguiu de
pois para Santo Antão, onde pretendeu formar um governo
rebelde, mas não encontrou o apoio que esperava ; o pre
sidente da provincia fez immediatamente marchar tropas
sobre os revoltosos, elles se viram forçados a uma deban
dada , e cada um procurou refugiar -se pelo interior do paiz.
Luz Roma entranhando -se pelos sertões da provin
cia , chegou em fim a Sergipe, onde foi preso e remettido
para Pernambuco em Julho do mesmo anno de 1829, e só
obteve a sua liberdade depois do acto da abdicação, em
meiados de 1831. Complicado na revolução que rebentou
no Recife a 14 de Janeiro de 1834, capitaneada pelos irmãos
Carneiros, Luiz Roma foi preso e remettido para Fernan
do de Noronha, mas foi absolvido pelo jury em · Abril do
anno seguinte. Ainda accusado em 1833 como cumplice no
crime de tentativa contra a integridade do imperio, consti
tuição e throno de S. M.o Imperador, foi unanimente absol
vido pelo tribunal do jury.
Desses dous processos, em que teve por companhei
ros dous de seus irmãos, e cuja defesa foi confiada ao Dr.
França Leite, publicou Luiz Roma um folheto contendo a
mesma defesa, e precedendo -a de uma ligeira introducção
em que narra os soffrimentos e as perseguições de que
foi victima, escreveu estas palavras que deixam ver os mo
tivos de taes perseguições, e os da tranzição de sua vida
politica :
« Nós aproveitamos a occasião para declarar , que tc
mos em nossos mais verdes annos seguido os principios
republicanos, e que por esse systema perdemos nosso pai
no cadafalso da Bahia , e todos os nossos bens e proprie
dades, que hoje outros estão de posse, e desfructarão, em
quanto nós procuravamos em paizes estranhos um azylo.
Passados esses tempos, em que as paixões não represen
tão , senão imagens de uma felicidade perfeita em syste
mas imaginarios, nos reconhecemos, que só a monarchia
628 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

representativa convinha ao caracter, e costume do nosso


povo, e que esse deveria ser o governo do nosso paiz ; com
estes sentimentos o dia 7 de Abril, cujos funestos effeitos
a Nação de dia em dia vai conhecendo, não nos podia ser
lisongeiro, tanto mais quanto nós viamos figurar nelle
aquellas mesmas figuras, que mais tinhão representado
na nossa scena politica contra a liberdade do povo. Não
vimos nelle senão traição, e acostumados a odiar traido
res , nós não podiamos amar o fructo delles. »
Nomeado solicitador dos feitos da coroa, soberania e
fazenda nacional por portaria de 27 de Agosto de 1835, ex
crceu este cargo por bem pouco tempo , e nomeado a 4 de
Novembro commissario pagador da brigada expediciona
ria desta provincia, que foi pacificar o Pará, seguiu para
alli e voltou em 1820 ; e cm 1815 foi nomeado thezoureiro da
administração do patrimonio dos orphãos.
Luiz Roma dedicou -se então exclusivamente ao com
mercio, montou uma typographia e um estabelecimento
de livros, e em 1842 fundou o Diario Noro, publicação esta
que se prolongou por muito tempo.
Homem de uma constancia à toda a prova , segundo
um artigo á seu respeito, de grande intelligencia, e de uma
tenacidade admiravel, tudo conseguia á força de trabalho ,
de perseverança, e de uma probidade incorruptivel. Ames
trado pela dura experiencia de tantas revoluções, elle pre
vira a que rompeu em 1848, ainda que fosse sorprehendido
pela presteza de um movimento , que desejára ver retar
dado . Patriota decidido, elle sonhava com as venturas da
patria, e deplorava ao mesmo tempo tanta cegueira da
parte de todos os governos, que se tem succedido desde
1840 até o presente. Victima da tyrannia, a liberdade foi
sempre o seu idolo , e por ella viveu e morreu como o mais
resoluto patriota. Em 1842 foi elle o primeiro , que come
cou essa opposição, que afinal tomou o corpo gigantesco
de um partido politico; a sua typographia deu o nome ao
partido praieiro, cujas ideas, doutrinas, e principios for
mão, por assim dizer, a bandeira politica do partido libe
ral em todo o Brazil.
A ultima phase da vida de Luiz Roma foi ainda a re
volução. O seu jornal era o orgão do partido da Praia,
a sua casa um dos centros do movimento revolucionario
de 1848 , Adoecendo gravemente, prostrado sobre o leito
de dores , viu a sua casa cercada é varejada pela policia,
e isso com aparato e estrondo militar, chegando o insulto
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 629

a tal ponto , que arremeçam - se sobre o leito, descobrem


bruscamente o enfermo, tudo é minuciosamente examina
do , e a indignação causada por esse choque, por esse in
sulto, apressaram a marcha da molestia ; desde então per
deu o uso da falla, soffreu horrivelmente por muitos dias,
até que a morte veio cortar - lhe a existencia a 19 de De
zembro de 1848.
Não deixem cahir a Praia ; quero que a minha typo
graphic continue ai ser o orgão das idéus do partido....;
assim fallou elle aos seus amigos pela ultima vez. No meio
de uma numerosa multidão de liberaes, recebeu a sepul
tura o cadaver de Luiz Ignacio Ribeiro Roma, na egreja
matriz de S. Antonio do Recife, e nesse acto téve honras
militares como major, que era da guarda nacional.

Mamede Simões da Silva . Nasceu a 17 de Agosto


de 1824, e foram seus paes Francisco Simões da Silva e D.
Catharina de Jezus .
Perdendo seu pae ainda creança , recebeu de um seu
tio a animação e os recursos necessarios para completar
os seus estudos preparatorios, afim de matricular-se na
escola de marinha, carreira que pretendia abraçar por sua
vocação.
Assentando praça aos 15 de Fevereiro de 1840 , na com
panhia de aspirantes, a 9 de Dezembro de 1843 foi promo
vido a guarda -marinha, sahindo então da Academia para
a viagem de instrucção , a qual fez nas fragatas Paraguassú
e Euterpe. Com o fim de exercitar -se nos constantes cru
zeiros ao longo do nosso littoral, Mamede Simões recebeu
ordem de embarcar - se na charrúa Carioca, sendo depois
transferido para o brigue -escuna Olinda, c voltando outra
vez para a fragata Paraguassú .
Estacionando então nas aguas do Brazil uma divisão
naval americana composta das fragatas Raritan , Congress
030 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

e corveta Neipsic , sob o commando do almirante D. Thur


ner , o ministro da marinha, V. de Albuquerque, achou
conveniente instruir alguns officiaes modernos da nossa
armada nas praticas e disciplina navaes de um paiz, cuja
armada se apresentava pelo seu denodo e aperfeiçoamento
como modelo á seguir - se, e o guarda -marinha Mamede Si
mões foi um dos escolhidos entre os muitos que aspiraram
essa honrosa commissão , e por Aviso de 22 de Agosto de
1845, foi designado pelo ministro para embarcar na fragata
Raritan, afim de adquirir conhecimento dos melhoramen
tos praticos a bordo de taes navios .
Mamede Simões fez parte então de duas commissões
que á Bahia fez a fragata americana, e ao recolher -se ao
Rio de Janeiro, um novo ensejo se lhe offereceu a prose
guir nos seus estudos e instrucção profissional, pela via
gem que ia emprehender ao Pacifico , pelo Cabo da Boa
Esperança, a não americana Colombus e a corveta Lecant,
sob o mando do almirante Beadle. Todos os officiaes e
guardas -marinhas que haviam tomado parte na expedição
do almirante Thurner, solicitaram e obtiveram do governo
fazer parte desta empresa, e Mamede Simões embarcando
na corveta Levant, partiu do Rio de Janeiro em meiados de
Novembro de 1845. A sua vivacidade e ardor no serviço , foi
logo motivo de um desgosto , que poderia trazer-lhe mais
funestas consequencias do que felizmente teve : ao suspen
der ferro, a corveta americana foi de encontro a um navio
que lhe ficova pela popa, e na inevitavel rascada que se se
guiu a este successo , procurando dar arrhas de si o guar
da-marinha brazileiro, feriu -se gravemente em uma perna,
o que o obrigou a guardar a macca durante uma grande
parte da viagem .
Mamede Simões visitou n'esta expedição alguns por
tos da India , China e Japão, e d’ahi atravessando o oceano
Pacifico tocou á California ; mas havendo -se declarado a
guerra entre os Estados -Unidos e o Mexico, e não poden
do os officiaes brazileiros fazer parte dos estados -maiores
dos navios da esquadra americana, pela neutralidade guar
dada pelo Brazil nesta questão, o almirante Bealde dieter
minou embarcar a todos na corveta Lerunt, que em viagem
para New - York pelo cabo de Horn , os deixo , no Rio de
Janeiro . Terminando a sua viagem de circumnavegação,
encontrou a sua promoção ao posto de segundo -tenente,
em 1847 foi mandado embarcar na corveta Januaria , no
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 631

anno seguinte na União, da estação naval do Rio da Prata,


e desta passou para o brigue-escuna Eólo, como imme
diato .
Estara Mamede Simões no desempenho desta ultima
commissão , quando em 1830 deu - se o desastre da náo por
tugueza l'asco da Gama , em frente a cidade do Rio de Ja
neiro, e largando em soccorro o vapor nacional D. Affonso,
elle se offereceu para tomar parte em tào arriscada em
preza , e portou -se tão briosamente, que mereceu do go
verno portuguez a venera da Conceição de Villa -Viçosa.
Em Setembro desse mesmo anno seguiu para Santa
Catharina á bordo do Eólo, e depois recebeu ordem para
se encorporar á divisão naval do Rio da Prata, e tomando
parte na campanha contra o ditador Rosas, muito se dis
linguiu, especialmente na celebre passagem de Tonelero ,
por cujos serviços teve a condecoração commemorativa
desse glorioso feito da nossa armada , e a promoção a pri
meiro - tenente, por merecimento . Terminada a campanha,
recolheu -se ao Rio de Janeiro, e então foi-lhe dado o com
mando do Eólo , designado á estacionar no Rio da Prata ,
onde prestou immensos serviços, commandou depois ó
brigue Cearenseeo hiate Capibaribe, e em fim , completan
do os seus 20 annos de bons e continuados serviços, foi
condecorado com o habito de Aviz , por Decreto de 14 de
Junho de 1861.
Em 2 de Dezembro do mesmo anno , então incumbido
do commando do vapor Viamão, foi promovido por mere
cimento ao posto de capitão -tenente. Mamede Simões pas
sou depois ao commando do Jequitinhonha, foi transferido
para o da Mage, eno rompimento da guerra do Paraguay,
foi incumbido, nos primeiros mezes de 1865, do transporte
de tropas das provincias do norte para a corte, até que em
Junho seguiu com a Magé para o Rio da Prata e reuniu -se
a esquadra, recebendo ordem do almirante Barão de Ta
mandaré, de encorporar - se a divisão bloqueadora do Pa
raguay, sob as ordens do chefe Barroso , hoje Barão do
Amazonas.
A 12 de Agosto Vlamede Simões toma parte na passa
gem de Cuevas, « e d'ali por diante a Magi anda associa
ila a quasi todas as operações em que se distinguiram os
navios de madeira . Ao mover -se a esquadra de Corrientes
para as 'Trez -Boccas, foi a Margó que primeiro entrou e ex
plorou o rio Paraguay, Cao Sell commandante ficou por
632 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

muito tempo commettido o commando da divisão de obser


vação na confluencia do Trez Rios, até a passagem do ex
ercito alliado para o territorio inimigo. “ No combate de
Curupaity, a 16 de Setembro de 1866, era o terceiro navio
da linha dos navios de madeira, que fundeando abaixo da
estacada, bateram a posição inimiga pelo lado do rio , ao
tempo em que as nossas tropas assaltavam -na por terra .
Esses serviços do capitão- tenente Mamede Simões foram
pouco depois recompensados com o officialato do Cruzeiro
e o posto de capitão de fragata. »
Mamede Simões passou então a commandar o encou
raçado Herval, tomou parte na passagem de Curupaity, e
ficou collocado em frente aos terriveis bastioes de Humai
tá , valendo - lhe a bravura e intrepidez que ostentou esse
distincto marinheiro na jornada de Curupaity, as dragonas
de capitão de mar e guerra e a commenda da Ordem da
Rosa . Obrigado por sua nova patente a ausentar -se do
centro das operações, em virtude da sua nomeação de
commandante da divisão do Alto Paraná, foi logo chama
do c incumbido do commando da 1. " divisão de encoura
çados abaixo de Humaytá, arvorando a sua insignia na
fragata LimaBarros, em cujo posto tomou parte no reco
nhecimento dessa famosa fortificação, assim como foi in
cumbido do bombardeio de Tebiquary e campo de S. Fer
nando, e do reconhecimento das baterias de Angustura.
Terminada a guerra , Mamede Simões regressou ao
Rio de Janeiro, e obtendo uma licença partiu para Per
nambuco , onderecebeu o Decreto de sua nomeação de chefe
de divisão, sendo depois nomeado commandante da divi
são naval do 2.º districto. Trez annos depois desta com
missão, foi transferido para a chefia do 3.º districto naval,
cargo que desempenhou de Maio de 1872 a fins de 1873, por
ser nomeado inspector do Arsenal de Marinha da Bahia ,
mas não aceitando este cargo, foi de novo incumbido do
commando do 2.º districto , onde se conservou até 1878 .
Solicitando a sua reforma, que lhe foi concedida por
Decreto de 2 de Março desse mesmo anno , no posto de chefe
de esquadra , regressou para Pernambuco, e aqui veio pas
sar os derradeiros dias de sua vida .
Mamede Simões da Silva falleceu na cidade do Recife
a 7 de Julho de 1880, contando 36 annos de idade, 38 de ser
viços militares , e 2 de reforma.
Um seu illustre companheiro de armas , o Sr. capitão
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 633

tenente M. Pinto Bravo, prestando a derradeira homena


gem do seu profundo affecto e respeito filial,á memoria do
chefe de esquadra Mamede Simões, desse bravo entre os
mais bravos da porfiada campanha do Paraguay, na phra
se de um conceituado jornal desta capital, escreveu a sua
biographia, e estampou - a nas paginas da Revista Mariti
ma Brasileira , cujo trabalho serviu -nos de guia neste ar
tigo, e assim ajuizou do merecimento de tão distincto e
benemerito cidadão :
« Era sempre a justiça que guiava o seu proceder ; o
desinteresse que o inspirava e influia nos seus menores
movimentos ; o amor da familia , o qual só sacrificava ao
amor da patria, que lhe accendia no peito as mais ternas
effusões ; inaccessivel a inveja, ao odio , como a todos os
ruins sentimentos, generoso , franco e cheio do respeito de
si proprio, tal cra elle, alma grande e homem puro , se
jamais o houve ...
« Como militar, alimentava no mais subido gráo o
culto do dever... Como commandante de navio e na posi
ção de chefe a que o ergueram os seus serviços na paz e
na guerra, soube, com pasmoso tacto, conciliar a estima
eo respeito de seus subordinados com as exigencias mul
tiplas da sua responsabilidade militar. Elle realisa va uin
typo de official, difficil de ser reproduzido, porque tantos
predicados que nelle se reuniam , raramente se encontram
juntos e vão - se sumindo hoje no triste conflicto de perso
nalidades egoistas. »
« Bravo, mas d'essa calma bravura que mede o perigo
eo affronta sem temor. Imperturbavel nas maiores crises,
o seu animo sereno estava sempre na altura dos mais im
previstos accidentes. Em Tonelero e em toda a campanha
do Paraguay, a sua espada brilhou com bravura diante dos
inimigos de seu paiz e contribuiu para o renome da mari
nha de guerra d'este Imperio, d’esta sua patria que elle
estremia com intenso amor.
« Hoje, ei- lo ferido pela lei fatal da morte que nol- o
roubou d'entre nós, seus companheiros d’armas, ao affe
cto , á reverencia, á consideração que todos lhe deviamos.
Mas a sua vida é um precioso legado que nos deixou e
que merece ser narrada para exemplo e lição da moderna
geração de officiaes que são a esperança da nossa marinha
de guerra. »
Manoel Antonio Vital de Oliveira . Nasceu na ci
81
634 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dade do Recife a 28 de Setembro de 1829, sendo seus paes


Antonio Vital de Oliveira, e D. Joanna Florinda de Gusmão
Lobo Vital.
Estudando em Pernambuco as linguas nacional, latina,
franceza cingleza, e philosophia e rethorica , em cujas ma
terias obteve plena approvação, Vital de Oliveira seguiu para
o Rio de Janeiro em Dezembro de 1842, e matriculou -se na
Escola de Marinha em 1 de Março do anno seguinte. Logo
nos primeiros tempos dos estudos superiores começou a
distinguir -se pelo seu aproveitamento e desempenho de
suas obrigações escolares, e no primeiro anno do seu curso
foi louvado em ordem do dia, na qual se lê o seguinte tre
cho : 0 Ilm . Sr. commandante manda louvar o Sr. Vital
pela qualidade de bom estudante, ebom comportamento , e
espera que, segundo o seu exemplo, todos os desta classe
se esforcem para prestar -se ao exame com bom exito.
Promovido a guarda -marinha em 12 de Novembro de
1845, pouco depois fez a sua primeira viagem de instruc
ção , para Pernambuco, no brigue de guerra Calliope, e
ganhando reputação como estudante talentoso e applicado,
era pontado como exemplo de disciplina, admirado e lou
vado pela sua constancici e pela sua aptidão selosa no tra
ballo, e 2 annos depois da sua primeira promoção , passou
a 2.° tenente , por Decreto de 2 de Dezembro de 1847.
De volta de uma de suas viagens de instrucção a Eu
ropa, Vital de Oliveira achou -se em Pernambuco, e tomou
parte no cambate de 2 de Fevereiro de 1849, do que teve o
habito de Christo pelos serviços que prestoni. Em 2 de De
zembro de 1854 foipromovido a 1.0 tenente. Nomeado com
mandante do hiate Parahybano, emprehendeu trabalhos
importantes, como seja , Discripção da costa do Brasil, de
Pitimbú á S. Bento, e de todas as barras, portos e rios do
litoral da provincia de Pernambuco,seguidode um roteiro
para se demandar as mesmas barras, acompanhando a
planta geral da costa , trabalho este que publicou no Re
cife em 1855. Tirou a planta dos baixos das Rocas , das 2
lagoas do norte e sul da provincia das Alagoas, e fez as
explorações e estudos necessarios para se estabelecer a
navegação a vapor naquelles logares.
Em 1862 Vital de Oliveira publicou, em 5 mappas, as
cartas maritimas das provincias do Rio Grande do Norte
ás Alagoas, desde o rio Mossoró até o S. Francisco, tra
Dalho, que, impresso no Rio de Janeiro na lythographia
de Ed . Rensburg, mereceuimmensos louvores da imprensa
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 635

e do governo . Nesse mesmo anno , dirigindo o commando


do vapor Jaguarão, procedeu a exames e estudos para o
reconhecimento de certos pontos da costa do sul, de Santa
Marta , no Rio Grande do Sul ; verificou e determinou a po
sição da pedra denominada Hermes, existente nas costas
septentrionaes de Cabo Frio ; encarregado pelo ministerio
do imperio em 1863, examinou e sondou o rio Mirity, ajun
tando ao respectivo relatorio uma planta desse rio ; foi o
presidente da commissão encarregada de averiguar e es
timar o computo dos prejuisos que haviam soffrido os pro
prietarios e interessados nos cascos , apparelhos e carre
gamentos dos navios apresados pelo almirante inglez War
ren , a titulo de represalias, e de terminar os pontos onde
se effectuaram os apresamentos, afim de reconhecer se ti
nham sido feitos nas aguas do imperio , sendo elogiado
por Aviso do ministerio dos estrangeiros, de 19 de Julho
de 1863, pela intelligencia e selo com quese houve no desem
penho de tão melindroso dever ; cm 1864 forincumbido pelo
mesmo ministerio de dar parecer sobre uma carta de todo
o curso do rio Amasonas, na parte pertencente ao Brazil,
levantada pela commissão encarregada de demarcar e re
conhecer a fronteira do Brazil com o Perú ; commandando
a canhoneira Ypiranga , encetou e continuou por mais de
2 annos o levantamento da carta geral da costa do sul do
Rio de Janeiro ; e em 1864 começou a impressão do seu
Roteiro da costa do Brasil, do rio Mossoró ao rio de S.
Francisco do Norte, a qual foi concluida em 1869, depois
de sua morte .
Promovido a capitão - tenente em 2 de Dezembro de
1862, e agraciado anteriormente com o officialato da ordem
da Rosa, pelos seus importantes trabalhos scientificos, Vital
de Oliveira havia altamente honrado a terra do seu berço
e conquistado um nome illustre entre os seus compatrio
tas e no proprio estrangeiro. Geographo profundo , segundo
um juiso competente , nenhum mais que elle conhecia o
Brazil debaixo do ponto de vista da geographia physica,
nem sabemos de outro que tanto como ello achasse luz
para resolver na comparação de denominações antigas e
modernas de pontos do litoral do imperio problemas es
curos e duvidosos : podemos dizel-o , è damos testemunho
de que nas pobrezas da nossa ignorancia mais de uma vez
recebemos rica esmola da sua sabedoria . Abalisado hy
drographo, os raios da sua sciencia brilhavam não só
mente no seio da patria , mas no velho mundo : seus tra
636 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

balhos e estudos da costa do Brazil foram as bases con


fessadas da obra do hydrographo francez M. Muchez, e os
governos da França , Italia e Portugal assignalaram o seu
merecimento, condecorando -o com o habito da Legião de
Honra , com o de S. Mauricio e S. Lasaro e com a com
menda da Ordem de Cristo .
Incumbido por Aviso de 21 de Fevereiro de 1865 do com
mando do vapor de guerra S. Francisco, por varias vezes
o condusiu a diversas provincias do norte, até a do Mara
nhão, afim de transportar para o sul os primeiros bata
lhões de voluntarios da patria ; e exonerado dessa com
missão, partiu para Bordeaux em 8 de Fevereiro de 1866,
afim de tomar conta do commando do encouraçado Ne
mesis , co trazer ao Brazil. A tarefa era ardua , elle desem
penhou -a dignarente ; a travessia do Nemesis constitue
um triumpho da navegação hodierna, uma pagina brilhante
da vida do intrepido marinheiro que a emprehendeu , cujo
periodo de mais heroismo assim foi narrado por um seu
biographo :
« Com effeito, não fôra Vital de Oliveira um habil ma
rinheiro, não fora elle digno daquella banca de commando
que acabava de ser-lhe confiado , e o encouraçado Nemesis
não faria parte da nossa esquadra, porque teria sosso
brado aos contratempos que sobre elle investiram , atra
vessando o Atlantico. E houve um dia , que não podemos
deixar de mencionar, porque é o romance da vida de nosso
maritimo.
« Era na altura de Pernambuco, e os negrumes da
tempestade tinham -lhe completamente cerrado o horisonte
de sua terra natal ; Eólo desenfreára os ventos, que pare
ciam dispostos a destruirem em suas furias todo o ferro
das couraças do Nemesis , o mar bramindo ao longe por
ter sido esmigalhado nas quebradas dos recifes, espu
mando raivoso investia o navio em ondas montuosas, que
no meio da bruma da tormenta semelhavam monstros fa
mintos dispostos a engolil- o ; e o trovão com o seu ri
bombo convulçando a natureza, dava vida a essas aguas,
dava vida a essas nuvens, que pareciam outros tantos
monstros, a moverem -se n'essa scena de horrores ; e o
raio rompendo em fitas de fogo a immensidade das trevas ,
mostrava o aspecto da morte no fundo de um abysmo illu
minado pelos fuzis, que de espaço a espaço se accendiam .
« No fim do terceiro dia , o commandante com aquella
serenidade que caracterisa o homem do mar, no tombadi
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 637

Tho dirigia a manobra, e encarava a tormenta ; mas de re


pente uma nuvem de disgosto veio perturbar a impossi
Îidade daquella physionomia , enrugar -lhe a fronte, e em
palidecel- a ... E ' que elle vira a magnitude do perigo e
certa a morte d'aquella pobre gente a quem conduzia ...
Escaleres aomar ! 'Ordenou por fim , e fez com que todos
se destribuissem em justa proporção, para em caso extre
mo soltarem as talhas e salvarem -se. Só elle queria ficar,
e mais alguem que se resolvêra a partilhar de sua sorte ;
era sua esposa D. Adelaide Calheiros da Graça Vital. É
essa moça pallida e convulsa pelo terror da morte, desgre
nhada pela afflição, de joelhos aos pés de seu esposo , sem
querer abandonal- o, e invocando o céo em suas preces ,
representava o anjo da dedicação, ou a estatua do amore
do dever lacrymosa sorrindo ao sacrificio.
« As orações dos anjos sobem ao céo com o incenso
das offerendas recebidas ! A tempestade acalmou -se, e uma
estrella espiando no orisonte veio denunciar aos nave
gantes afflictos, que era chegada a bonança com o seu
prestito de luz e de encantos .
“ A portou -se a Pernambuco, e foi preciso ficar ahi 8
dias para concertar o navio dos estragos do temporal ; em
compensação a tantos contratempos gozou o nosso heróc
dos abraços e bençãos maternas, e saudações de seus pa
rentes e comprovincianos ; e para que fosse mais completa
a felicidade e a gloria dessa familia pernambucana , que
sem o saber aperta va pela ultima vez em seu seio o filho
quirido de suas entranhas, teve a lisonjeira noticia de que
Vital depois de uma viagem feliz chegára ao Rio de Ja
neiro a 11 de Setembro de 1866, e que poucas horas depois
de ancorado fôra comprimentado pelo almirante dos Es
tados - Unidos, que então commandava alguns vasos d’a
quella nação surtos neste porto, ouvia delle estas expres
sões : é um triumpho para a navegação ter -se atravessado
0 Atlantico em um nacio encouraçado da construcção do
Nemesis , que só é proprio para navegar rios.
« A este elogio, que vale uma corða, não só para o in
dividuo, como para a nação a que elle pertence, o governo
juntou os seus louvores em aviso de 29 de Outubro do re
ferido anno. »
Recebendo o Nemesis o nome de Silcado, Vital de Oli
veira seguiu com elle para o theatro da guerra, onde rece
beu o Decreto de sua promoção a capitão de fragata , por
merecimento, em 21 de Janeiro de 1867.
638 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

A 2 de Fevereiro, ao romper da aurora, a esquadra


imperial disposta em 3 divisões atacou a fortificação de
Curupaty e as trincheiras inimigas penetrando na lagoa
Pires . A's 6 horas, ao signal do navio chefe, rompeu o fogo
da esquadra sobre Curupaity, e entre os encouraçados se
ostenta o Siloado, galhardo e feroz, sobre cuja escotilha
se erguia o vulto impavido e severo de Vital de Oliveira,
trajando rigorosamente á militar, com o seu grande uni
forme, ostentando em seu peito todas as suas condecora
ções, oculo em punho , dirigindo já a manobra do navio ,
já a direcção do cambate . Vital de Oliveira, diz o Dr. J.M.
de Macedo em um brilhante rasgo de eloquencia, sobre a
escotilha, desafiando as balas paraguayas, offerecendo -se
como alvo, provocando -as, sereno em face da morte, firme
como estatua de bronze, Vital de Oliveira esquece o in
stincto da conservação, o amor da esposa , o esplendor do
futuro, e, só lembrado do pundonor brazileiro , vae alem
da bravura, e com impavidez sublime dá nessa guerra mais
um exemplo de acções famosas, para as quaes é preciso
crear, um nome nas linguas, porque audacia indica vai
dade, e nos sacrificios sorprehendentes, sublimes dos nos
sos heroes , ha abnegação patriotica, que exclue aquella
condição em que a audacia se amesquinha. Bravura é
pouco, audacia é injustiça : oh ! inventae, dai-nos um nome
na nossa lingua que exprima idéa tão magestosa, como
são magestosas essas acções dos nossos guerreiros.
Aquelle vulto homerico de Vital de Oliveira, continua
ainda o mesmo escriptor, aquella firmeza de cavalleiro de
ferro , immovel, indifferente aos vomitos de flammas e ba
las da artilharia paraguaya , aquella surdez sublime ao es
tampido dos canhões, e sublime cegueira á chuva de bom
bas e de horrores, aquella figura impavida, inabalavel,
que era de homem vivo , porque levantava o braço bran
dindo a espada refulgente, e porque tinha voz que bra
dava - fogo ! Aquelle assombrode intrepidez serena mos
trou -se ao inimigo, não como simples heroe, sim como
heroica fortaleza ; o inimigo fez honra a Vital de Oliveira,
julgou preciso duplicar a morte para poder matal- o, e com
2 projectis a um su tempo feriu duas vezes mortalmenie o
heroe e derribou o colosso . Vital de Oliveira cahiu e expi
rou nos braços de um companheiro, de um outro bravo
dessa phalange maravilhosa que escreveu com o seu san
gue a epopea da herocidade dos brazileiros.
No dia seguinte, 3 de Fevereiro de 1867, ás 10 horas da
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 639

manhã, o cemiterio da Cruz , da cidade de Corrientes, re


cebeu em seu seio o cadaver do heróe, e teve elle sepultu
ra entre os tumulos de mais dous heroes : Mariz e Barros
de um lado , e Muller do outro .
E coincidencia notavel! A 2 de Fevereiro de 1849, diz
0 Jornal do Commercio , da corte, combatia o então 2.6 te
nente Vital de Oliveira contra uma revolução que queria
erguer o seu collo , nesse mesmo dia recebia elle um feri
mento de bala , e era condecorado com a ordem de Christo .
« A 2 de Fevereiro de 1867 nas aguas do Paraguay o
bravo Vital de Oliveira cahia ferido e espirava batendo - se
com um inimigo ousado .
« A 2 de Fevereiro de 1849 servia o capitão -tenente Vital
de Oliveira sob as ordens dos chefes conselheiro Joaquim
José Ignacio e Eliziario Antonio dos Santos. A 2 de Feve
reiro de 1867 dirigia a esquadra no Paraguay o mesmo con
selheiro, e era chefe do estado -maior o capitão de mar e
guerra Elisiario .
« A 2 de Fevereiro de 1849 tinha elle por companheiros
o capitão -tenente Antonio Manoel Fernandes, hoje secre
tario do almirante, e o curava do seu ferimento o então 2.º
cirurgião Dr. Carlos Frederico , hoje chefe de saude da es
quadra , e a 2 de Fevereiro de 1867, estes companheiros de
armas, depois do combate, conduziam seu cadaver á Cor
rientes c o levavam a sua ultima morada. >>
Vital de Oliveira, foi, na phrase do conselheiro Dias da
Motta, o peregrino que, depois de longa viagem , depoz o
bordão para descançar, e olhando para o céo, voou á reu
nir - se aos seus companheiros de gloria ; e segundo o illus
tre almirante, morreu pela pairia, legou-lhe o nome de mais
um heróe !
Os restos mortaes de Manoel Antonio Vital de Oliveira ,
o heróe de Curupaity, repousam hoje no seio da terra que
The serviu de berço , e jazem no Cemiterio Publico do Reci
fe , em um modesto e elegante tumulo de marmore , sobre o
qual se lê este epitaphio :
Aqui jazem os preciosos restos
do
Capitão de Fragata
Manoel Antonio Vital de Oliveira
Nascido ( 1 28 de Setembro de 1829

morto no combate de Curupaity


(1 ? de Ferereiro de 1867.
640 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Manoel de Arruda Camara . Nasceu em 1752, e fo


ram seus paes Francisco de Arruda Camara, depois capi
tão -mor e commandante da nova villa do Pombal, na Pa
rahyba, e sua consorte D. Maria Saraiva da Silva .
A 23 de Novembro de 1783 professou a regra dos Car
melitas calçados, no convento de Goyanna, e tomou o nome
religioso de Frei Manoel do Coração de Jezus. Seguindo
depois para Portugal, matriculou -se na Universidade de
Coimbra , mas não podendo concluir os seus estudos em
virtude das medidas rigorosas empregadas contra os es
tudantes que se mostravam affeiçoados as doutrinas pro
clamadas pela revolução franceza, deixou em meio caminho
os seus estudos de philosophia é medicina, emigrou para
a França, e foi concluil-os na escola de Montpellier, onde
recebeu o gráo de doutor em medicina .
Obtendo por esse tempo da Curia de Roma o breve de
sua secularisação, partiu para Lisboa, foi eleito socio da
Academia Real das Sciencias, e foi logo nomeado pelo go
verno, e por indicação da mesma Academia , para acom
panhar ao Dr. José Bonifacio de Andrada e Silva na sua
excurção scientifica pela Europa , como naturalistas e pen
cionistas pelo Estado.
Arruda Camara deixou Lisboa em 1790 , mas não acom
panhou a José Bonifacio em toda a sua peregrinação scien
tifica pela Europa, regresson ao Brazil, e em 1796 já se
achava em Pernambuco, entregue ao exercicio da medicina .
Na serie de seus estudos, Arruda Cara havia particu
larisado os das sciencias naturaes e com especialidade a
botanica, e com tanto amor e dedicação, que continuando
a cultival- as no Brazil, ganhou logo bem merecida repu
tação, sendo aproveitado pelo governo em diversas com
missões scientificas, quer no Rio de Janeiro, quer em Per
nambuco .
Por Ordem Regia de 10 de Novembro de 1796 , foi en
carregado do exame e indagações das nitreiras naturaes
desta provincia ; e posteriormente, querendo o governo
possuir noticias exactas e circumstanciadas dos mineraes
desta mesma provincia , foi elle incumbido dessa missão,
e ao mesmo tempo de ir a Jacobina, na Bahia, e ao rio S.
Francisco, afim de examinar as minas de cobre daquelle
lugar, e as salitreiras descobertas em tempos anteriores,
neste outro, arbitrando -se -lhe uma pensão de 4008000 por
amo e 200 $000 de ajuda de custo , o que consta do officio
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 641

que lhe dirigiu o governador D. Thomaz José de Mello, em


12 de Julho de 1797. Já anteriormente á esta commissão ,
havia elle sido encarregado de obter productos naturaes e
artefactos indigenas, para serem enviados ao museu real
e jardim botanico de Lisboa , assim como de indagar se
havia aqui a arvore da quina, para o que recebeu uma des
cripção acompanhada de um desenho da planta .
Arruda Camara consumiu largo tempo em todas estas
excursões scientificas , mas conseguiu reunir uma riquesa
inestimavel em documentos sobre a mineralogia e botanica
desta provincia. Passando - se ao Rio de Janeiro , foi eleito
membro da nova academia , creada no tempo do vice - rei
Luiz de Vasconcellos e Souza, e fez parte da commissão
de naturalistas incumbida de dar parecer e aperfeiçoar a
Flora Fluminense, por Frei José Mariano da Conceição
Velloso , tendo por companheiros o bispo de Anemuria e
o Dr. João da Silveira Caldeira.
Em 1802 Arruda Camara se achava em Pernambuco,
pois neste anno arrematou perante a camara de Olinda, a
marchanteria das carnes, por 3 annos, comprehendendo a
cidade de Olinda, villa do Recife, Serinhãem , Iguarassú e
Goyanna.
Arruda Camara trabalhou muito, quer nas suas inves
tigações scientificas , como escrevendo o resultado dellas,
e se nem todos os seus trabalhos vieram a luz da publici
dade, ao menos consignemos a enumeração daquelles de
que podemos conseguir informações exactas , sendo, a este
respeito, o mais importante documento, uma carta do pro
prio Arruda Camara, escripta ao padre João Ribeiro Pes
sôa , em 2 de Outubro de 1810, de Itamaracá, onde então se
achava gravemente doente, carta esta que não é sómente
de interesse para a sciencia, mais também um importante
documento para a historia politica desta provincia, pois
deixa ver claramente que existia assentado o plano da
mallograda revolução de 1817. Eis pois a sua integra :
« JOÃO.- A morte se me aproxima a passos largos. Por
temer de ahi chegar vivo , faço -te esta bem attribulado, pois
conheço o meu estado .
Avisa ao Tinoco de ir morrer em sua casa , caso lá
chegue vivo. Estas linhas são escriptas por cautella, para
depois de minha morte saberes mais Tinoco , o que devem
fazer quanto algumas alfaias que ficam . Não ignoras a
demasiada ambição de meu mano Francisco , que tudo ha
de praticar para não ter effeito minha ultima vontade. O
82
642 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nosso amigo João Fernandes Portugal nunca fique em es


quecimento de você. A minha Flora de capa encarnada
que Francisco tem em vistas , chama a ti com tempo . A
minha obra secreta manda com brevidade para a America
ingleza ao nosso amigo N. por nella conter cousas impor
tantes , que não convém ao feroz despotismo ter della me
nor conhecimento, e por ter então muito que perder os da
tua familia do ramo do general André Vidal de Negreiros,
que padre Mathias Vidal de Negreiros, e marquez de Cas
cacs não despojados dos bens do dito general furtivamen
te . Tem toda cautella na minha miscelanea , onde estão
todos os apontamentos das importantissimas minas. Se
succeder algum desar, em que vires perigo á tua existen
cia , faz sciente alguem de tua familia do ramo de Negrei
ros, ao amigo da America ingleza para prevenir tudo, e
nunca sujeitarem os meus papeis à ingratos , embora fi
quem por tempos privados dos seus bens.
Tambem não devem esclarecer aquelles que os tem de
fraudado . Estou fallando sobre os herdeiros roubados do
ramo do general Negreiros. Os bens ficam a disposição dos
meus testamenteiros, tu, Tinoco, e João Fernandes Portugal .
Conduzam com toda a prudencia a mocidade em seus ins
piros para que nenhuma provincia a exceda. Tenham
todo o cuidado no adiantamento dos rapazes Francisco
Muniz Tavares, Manoel Paulino de Gouveia , José Marti
niano de Alencar, e Francisco de Brito Guerra , como assim
acabem com o atrazo da gente de côr, isto deve cessar
para que logo que seja necessario se chamar aos lugares
publicos haver homens para isto , porque jamais póde pro
gredir o Brazil sem elles intervirem collectivamente em
seus negocios, não se importem com essa acanalhada e
absurda aristocracia cabundá, que ha de sempre a presen
tar futeis obstaculos .
Com monarchia ou sem ella deve a gente de côr ter in
gresso na prosperidade do Brazil. A conhecida probidade
de Caetano Pinto não deve ser constrangida. Tú és o meu
escolhido . As fazes porque tem de passar o Brazil mos
trarão em que deve ficar o seu governo sobre represen
tante da nação. Sou dos agricultores que não colherei os
fructos de meu trabalho, mas a semente está plantada com
boas batatas. D. Barbara Crato devem olhal- a como he
roina. Remette logo a minha circular aos amigos da Ame
rica ingleza, e hespanhola, sejam unidos com esses nossos
irmãos americanos, porque tempo virá de sermos todos
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 643

um ; e quando não for assim sustentem uns aos outros .


Como ainda não pode o Brazil com grandes obras , falla
no entretanto a Caetano Pinto para mandar por via dos
commandantes de ordenanças abrir essas estradas até
cincoenta leguas a machado e foices com o que muito lu
crará o commercio e agricultura. Não trato de abrir ca
naes, porque sustentem os que ha feito pela natureza , não
val a pena o serviço que com elles se despender. Mauri
cio situou mal o Recife, sem ter ancoradouro e em cima
de bancos de areia inestinguiveis . - Adeus. - Itamaracá, 2
de Outubro de 1810.
P. S. Se ainda vires Frei Gaifundo dize a esse frade
que não levo queixas delle, pois tudo lhe perdôo. »
Alem dos trabalhos mencionados nesta carta, Arruda
Camara deixou muitos outros, como consta de um officio
do governador Caetano Pinto dirigido ao juiz de fóra de
Goyanna, em 3 de Abril de 1811, determinando que sem
perda de tempo lhe remettesse todos os manuscriptos dei
xados por Arruda Camara, os quaes segundo as informa
ções que tinha eram os seguintes : 1.° Flora Pernambu
cana , com estampas e desenhos. 2. ° Tratado de agricul
tura . 3.° Traduccão da obra de Lavoizier. 4.° Tratado sobre
a logica . 5.° A sua Insectologia, ou collecção de desenhos
sobre insectos .
Além dos seus numerosos e importantes trabalhos ine
ditos, hoje perdidos na sua maior parte, Arruda Camara
publicou os seguintes :
Aviso aos lacradores sobre a inutilidade da supposta
fermentação de qualquer qualidade de grìo ou pevides,
para augmento da colheita . Lisboa, 1792.
Menioria sobre a cultura dos algodoeiros. Lisboa,
1799 .
Discurso sobre a utilidade da instituição dos jardins
nas principaes prorincius do Brasil. Rio de Janeiro, 1810.
Dissertação sobre as plantus do Brasil que podem dar
linhos proprios para muitos usos e supprir a falta do canha
mo. Rio de Janeiro , 1810 .
Alguns de seus trabalhos tiveram publicação posthu
ma no Archico Medico Brasileiro, em 1845 , assim como
se encontra um outro - Memoria sobre as plantas de que se
pode fazer a barrilha, nas Memorias Economicas da Aca
demia Real das Sciencias de Lisboa ; e o Diccionario de
Botanica do pharmaceutico Joaquim de Almeida Pinto ,
teve como poderoso auxiliar os trabalhos de Arruda Ca
644 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mara . A parte notavel que tem os escriptos daquelle ve


nerando naturalista n’este Diccionario , diz uma autoridade
competente, constitue o seu maior titulo de merecimento ,
e pelo qual mais se recommenda a sua leitura a todos
quantos presam e cultivam o estudo de botanica .
Em muitas ordens de plantas da Flora Brasileira, diz
o Dr. J. M. de Macédo, depara -se ora com especies, ora
com generos mencionados como homenagem à memoria
deste botanico brazileiro, além das notas relativas á parte
util e industrial de varios vegetaes da flora brazileira .
Saint Hillaire perpetuou o nome do botanico brazileiro
creando o genero Arrudea na familia das Guttiferas .
Henry Koster, visitando Arruda Camara em 1810, por
occasião de sua primeira viagem ao Brazil, diz o seguinte
no livro que escreveu á tal respeito : Era um homem esti
mavel , e estava então em Goyanna muito doente de um
ataque de hydropesia, causada pela sua residencia em um
lugar sugeito á febres. Elle cultivava a botanica, de cuja
sciencia era enthusiasta. Um governo previdente que cal
cula todos os serviços que pode prestar um homem de um
talento tão superior, em um paiz sem cultura, mas que faz
alguns progressos rapidos, não podia deixar de o acco
lher com enthusiasmo.
O Dr. Manoel de Arruda Camara falleceu na cidade do
Recife , em fins do anno de 1810, e deixou nome distincto e
apreciado pelos naturalistas sabios do velho mundo, em
cuja sciencia, segundo Varnhagem , disputou a palma ao
illustre botanico Frei José Marianno da Conceição Velloso .
Manoel Buarque de Macedo . Nasceu na cidade do
Recife, em 1 de Março de 1837 , e foram seus paes o com
merciante Manoel Buarque de Macedo Lima e D. Lourença
Buarque de Macedo Lima.
Começando a sua educação litteraria em Pernambuco,
foi terminal- a no Rio de Janeiro, matriculou - se na antiga
Escola Central, hoje Escola Polytechnica, e em 1856 rece
beu o grao de bacharel em mathematicas, quando contava
apenas 19 annos de idade . Em 1855, ainda estudante, Buar
que de Macedo serviu o cargo de repetidor no Imperial
Collegio D. Pedro II, e seguindo depois para a Europa,
frequentoua Universidade de Bruxelſas, a qual lhe confe
riu em 1859 o diploma de doutor em sciencias politicas e
administrativas.
Nomeado por esse tempo, addido de primeira classe
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 645

á legação imperial de Pariz , demorou-se na Europa algum


tempo, passou-se depois para o Brazil, e exerceu o cargo
de engenheiro ajudante da estrada de ferro de Pedro II no
Rio de Janeiro, e nomeado em 1860 engenheiro fiscal da
estrada de ferro do Recife ao S. Francisco , regressou para
Pernambuco e entrou no exercicio do seu novo cargo, onde
prestou immensos serviços até fins de 1873, quando ao ser
reorganisada a secretaria de estado dos negocios da agri
cultura, commercio e obras publicas, foi nomeado com
honrosa espontaneidade, chefe da directoria de obras pu
blicas .
Já então Buarque de Macedo tinha um nome conheci
do, havia representado um papel muito importante como
deputado á Assembléa Provincial de Pernambuco , por di
versas vezes , e uma vez á de Alagoas, e como deputado a
Assemblea Geral Legislativa, representando sua provincia ,
na legislatura de 1867, mandato que recebeu ainda em 1878,
quando subiu ao poder o partido liberal. Nomeado para
um cargo elevadissimo por seus adversarios politicos, esse
acto traduz o merecimento e conceito de que gosava , e na
phrase do Jornal do Commercio, da côrte, constitue uma
honra para a situação conservadora, ter chamado por
occasião da reorganisação da secretaria da agricultura,
este adversario , e pelo acto de 31 de Dezembro de 1873
tel- o encarregado da direcção technica dos mais difficcis
trabalhos do paiz ; e foide certo o seu incontestavel mereci
mento que o elevoll, e nunca maior dedicação, mais incan
savel esforço correspondeu a uma previsão intelligente e
generosa .
Membro proeminente e prestimoso do partido liberal,
e um dos mais assiduos collaboradores do orgão do parti
do em Pernambuco, A Provincia , ao partir para a corte,
em Fevereiro de 1874, este jornal inseriu em suas colum
nas um artigo de despedida, no qual entre outras phrases ,
assim ajuizou do merecimento e serviços de Buarque de
Macedo :
« O politico, o mathematico, o financeiro, o parlamen
tar assisado, o'escriptor, o engenheiro, o estadista, o pa
triota illustrado e sincero, orador de idéas elevadas, de
elocução facil, de estylo correcto e puro , de vigor de logi
ca , elegante, érudito e eloquente, que sempre sabe apro
fundar as questões , e aciaral-as ao nivel de qualquer intel
ligencia e comprehensão ; encontraram no talento, dotes ,
saber e feitos do Dr. Buarque, um fiel representante. Era
646 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

um dos nossos mais activos e constantes collaboradores


da imprensa ; no Liberalprimou elle em toda a variada re
dacção que exibia aquelle orgão do partido, sobresahindo
sempre em seus artigos ; na Provincia continuou a primar,
mostrando - se cada vez mais amestrado e senhor na arte
difficil de fazer opposição .
Não foi somente por seus trabalhos publicados no Li
beral e na Provincia , que Buarque de Macedo conquistou
os foros de escriptor notavel; por muito tempo as colum
nas do Jornal do Recife abriram espaço a artigos seus de
variados assumptos, especialmente sobre aquelles que en
tendiam com as sciencias de sua predilecção, e na corte
do Imperio, continuou na Reforma a serie dos seus acura
dos trabalhos, notando -se principalmente os seus artigos
politicos e economicos, e sobre o desenvolvimento mate
rial do paiz.
Em Pernambuco, os serviços do seu cargo , a sua acti
vidade politica, e os seus trabalhos na imprensa, não o
absorviam de todo ; e jamais recusando os seus serviços
e o seu concurso a administração da provincia, por se
achar a cargo de adversarios, elle desempenhou diversas
e importantes commissões , principalmente na presidencia
do conde de Bacpendy, notando- se dentre ellas as de algu
mas exposições industriaes e agricolas, como commissa
rio do governo, quer em Pernambuco, quer no Rio de Ja
neiro .
Com a subida do partido liberal em 1878, Buarque de
Macedo teve um assento na Camara dos Deputados ; re
presentando sua provincia natal, e durante a dupla sessão
legislativa de 1879 elle discutiu quasi todos os dias , e so
bre todas as questões importantes que foram assumptos
de debates parlamentares, elle manifestou a sua esclare
cida opinião na tribuna ; e foi tal a sua attitude e os seus
serviços, especialmente como membro da commissão de
orçamento, que o seu nome se impoz para o lugar de mi
nistro do gabinete que subiu em 27 de Março de 1880 : e
dando copia na tribuna da mais solida preparação do seu
espirito, seguindo um jornal da côrte, pode dizer -se, que
foi dalli, daquella bancada da deputação pernambucana,
que elle conquistou verdadeiramente a posição de minis
tro da coroa .
« O que foi na qualidade de ministro o conselheiro Buar
que de Macedo, não é preciso recordar e o publico que tão
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 647

de perto pôde admirar a indefessa actividade, a rigidez de


caracter, o profundo conhecimento dos negocios, a honro
sa docilidade co respeito pela opinião que captáram para
o joven ministro applausos e sypathias muito geraes . Vi
mol- o incessantemente applicado ao trabalho, dia por dia ,
hora por hora ; repartindo ingenhosamente a attenção por
multiples negocios ; acudindo com providencia á qualquer
fundada reclamação; explicando-se e defendendo-se com
exemplar moderação, ou retocando e completando os seus
actos , se o mereciam ; cortando por praticas abusivas
e substituindo -as ; colligindo cuidadosamente materiaes
para as diversas reformas que trazia em mente ; preoccu
pando-se das grandes e das pequenas questões; impri
mindo a todos os ramos do serviço uma direcção activa e
energica ; projectando o que não podia realisare realisan
do o que lhe permittiam os meios postos á sua disposição.
« Será difficil apontar um só dos numerosos serviços
da repartição da agricultura em que o ministro Buarque
de Macedo não haja deixado claros vestigios da sua labo
riosa administração. Reviu tudo, examinou tudo , e tudo
procurava melhorar. Nem sempre o terá conseguido, mas
nunca melhores intenções influirão o espirito de um admi
nistrador. Só por si seria titulo de merecimento para o
ministro Buarque de Macedo trazer de tal modo em dia o
enorme e variado expediente da sua pasta , que, ao seguir
para S. João d’El Rei, pôde declarar que ficavam despa
chados todos os papeis sujeitos á sua apreciação. Foi esta
extraordinaria actividade que lhe arruinou a saude até
cortar o fio de existencia tão util :-util para a sua gloria ,
para a patria, e para a esposa e filhos , a quem ficou por
unica riqueza a valiosa herança de um nome immaculado
e laureado . >>
No dia 26 de Agosto de 1881 seguiu Buarque de Macedo
com a commitiva imperial para assistir a inauguração da
via - ferrea do Oeste da provincia de Minas Geraes, e accom
mettido no comboio pela fatal molestia que o arrancou
deste mundo, falleceu na manhã do dia seguinte em S.
João d’El Rei. S. M. o Imperador, que não cessou de pro
digalisar o maior interesse na dolorosa situação em que
se achou o seu illustre ministro, logo depois de assistir
aos seus ultimos momentos, retirou -se ao palacio onde se
achava hospedado, e participou que dispensava os festejos
que lhe estavam preparados, conservando - se encerrado
648 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

todo o dia , e só recebendo no seguinte as pessoas que o


desejavam comprimentar.
« O infatigavel trabalhador estava morto ; para elle só
havia uma vida , a da gratidão da posteridade . Uma porta
abriu-se para ascenção do seu nome á memoria popular :
a da mais indefectivel probidade. Os amigos foram correr
lhe os bolços para inventariar- lhe os papeis e os haveres .
Acharam -lhe uma carteira, abriram -n'a , percorreram -lhe
os escaninhos e encontraram somente - 49000 em notas do
thesouro e alguns nikeis. Nunca houve testemunho mais
eloquente da honradez de um homem ! O pequeno pedaço
de couro da Russia fallava por um archivo de economia e
de honradez ; era o Pantheon glorioso da probidade do
morto . »
No dia 30 chegou o cadaver á cidade do Rio de Janei
ro , e foi dado á sepultura com todas as honras e pompas
funerarias a que tinha direito o illustre finado , sendo col
locadas sobre o caixão grande numero de coroas, pela fa
milia , pela imprensa , associações e emprezas , parentes e
amigos.
Foi indisivel o geral sentimento e pezar manifestados
em todo o paiz á noticia da morte do conselheiro Buarque
de Macedo. O ministerio , a imprensa , repartições publi
cas , associações scientificas e litterarias, artisticas e bene
ficentes, corporações municipaes, commerciaes, agricolas
e industriacs, por toda a parte em fim , levantavam - se ma
nifestações de pezar e condolencias, e á sua familia que fi
cára pauperrima, accudiu o governo concedendo -lhe uma
pensão, e os seus amigos e admiradores formando um pa
trimonio que subiu a uma quantia avultada.
Deputado, ministro, conselheiro, bacharel em mathe
maticas, doutor em sciencias politicas e administrativas,
commendador das ordens da Rosa, Legião de Honra , Con
ceição de Villa Viçosa, e de S. Mauricio e S. Lazaro , mem
bro de varias associações scientificas e litterarias, entre
ellas o Instituto dos Engenheiros Civis de Londres , Ma
noel Buarque de Macedo foi um homem que subiu e nobi
litou - se pelo seu elevadissimo merecimento , que deixou
um nome memoravel por seus serviços á causa publica , c
a cuja memoria , a gratidão nacional manifestou - se imme
diatamente, decretando-lhe um monumento na corte do
Imperio , collocando o seu retrato em diversos estabeleci
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 649

mentos publicos, e estampando -o diversos jornaes nacio


naes e estrangeiros, e dando o seu nome a diversas ruas ,
e por fim a uma das pontes na cidade do seu nascimento .
O conselheiro Buarque de Macedo , diz o Diario de
Pernambuco, destacava -se do vulgo , do commum dos ho
mens, quér pela sua intelligencia , prompta e facil, quér
pelo seu trabalho, sério e esforçado , quer pela riqueza de
conhecimentos adquiridos mediante aquelles outros ele
mentos ; e tudo isso elle pozera boamente ao serviço do
seu paiz , e mais particularmente ao serviço de Pernambu
co , como filho estimado desta terra , como membro dis
tincto da communhão brazileira, para a qual sonhava elle
um mundo de venturas no seio de uma prosperidade sem
limites.
« Eis um homem que , sem nenhuma hyperbole, falla
agora o Jornaldo Commercio, da côrte, pode ser apontado
como victima da sua dedicação pelo bem geral . " Em lão
curta vida não ha brazileiro que se lhe tenha avantajado
em serviços á patria. A sua tảo prematura morte abre na
alta administração um grande vacuo, difficil de ser preen
chido. A uma intelligencia prompta c lucida Buarque de
Macedo reunia grande cabedal de conhecimentos especiacs
que o tornaram em pouco tempo um dos maiores minis
tros que o Brazil tem visto passar na importante reparti
ção a cuja frente se finou . A honradez e o amor do traba
Tho eram -lhe qualidades caracteristicas. Estava -lhe com
certeza reservado grande futuro no scenario da vida poli
tica . O Brazil perde nelle um estadista. »
« Buarque de Macedo, diz o Diario da Bahia, foi um
desses homens , que os povos rijos do norte chamam filhos
de si mesmos, obra da sua propria força, creação do seu
proprio caracter.
« Pertencia á estirpe dos athletas. O seu destino não foi
nunca o desses que se insinuam , e cortejam , mas o dos
que se impõem , e conquistam .
« Toda a sua existencia , porém , está resumida na ul
tima phase della . Trabalho, fecundidade, abnegação, fir
mesa : eis, em quatro palavras, a sua administração das
obras publicas, do commercio, da agricultura. Nenhum
ministro dessa secretaria o excedeu , e quasi nenhum o
egnalou . As opiniões mais hostis curvaram -se diante dos
seus serviços, que só a ignorancia e a malevolencia des
conheceram . »
« Buarque de Macedlo, diz em fim o Cruzeiro, era uma
83
030 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

força e uma esperança . O paiz desenganado de promessas


e programmas, indifferente ás questões politicas e ás agi
tações partidarias, teve um momento de enthusiasmo, sen
tio - se remoçar ao influxo da palavra perenne, do pensa
mento sempre activo de seu reformador. E ' que o joven
estadista não tinha somente a cloquencia da phrase, pos
suia outra mais convencedora, mais poderosa, a dos actos.
A sua fé politica estava exarada nos diuturnos esforços pelo
bem da patria. Encontrára o povo gelido, descrido, sceptico ,
sorrindo os mais altas promessas da administração e mos
trou -lhe em poucos mezes que um ministro, sem o pres
tigio de longas e repetidas victorias parlamentares, podia
pelo simples prestigio do trabalho arrancar da apathia as
forças latentes do paiz.
« Buarque de Macedo foi, portanto , um eloquente
apostolo do trabalho, e o foi perantenós que tantas vezes
desanimamos diante das difficuldades da iniciativa parti
cular. Dava - nos o exemplo da actividade continua , da atten
ção directa , do exame prescrutador, e , em vez de aspirar
i omnipotencia do Estado, aconselhava aosparticulares
que empregassem a propria iniciativa, deixando ao gover
no apenas o auxilio indirecto . Era um ministro da verda
deira escola constitucional. Estadista moderno, aprovei
tava a cooperação popular para o andamento dos negocios
publicos. Tinha amenidade, o desprendimento do fausto,
á lhaneza democratica e o trato facil e accessivel. Sentar
Se -hia , sem constrangimento, entre os proceres ao traba
Tho, que a força da opinião leva ao Capitolio da União Ame
ricana. Tinha a mesma indole aberta a todas as idéas, a
mesma infatigabilidade, a mesma indifferença pelos pe
quenos e mesquinhos obstaculos ....
« Buarque de Macedo tocou de perto os limites que
approximam o homem superior dos engenhos excepcio
nacs que se chamam Stein , Pombal, Colbert, Chatam ou
Paraná , e imprimem a uma nação o cunho immortal de
suas idéas . Foi um precursor, mas mostrou -nos no pres
tigio que cercou o seu ministerio e no sentimento que ro
deia o seu funeral, o que póde entre nós o homem de bem
e de intelligencia, que appella para a abnegação e civismo
do povo . Diante desse verdadeiro patriota depuzeram as
armas os partidos e viram em seu gesto eloquente a ima
gem da patria appellando para seus filhos. »
Eis in justa apreciação dos principies orgãos da im
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 651

prensa do paiz, sobre os serviços e merecimento do illus


tre e preclaro conselheiro Manoel Buarque de Macedo.
Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque . Nasceu
na cidade do Recife aos 11 de Novembro de 1753, e foi filho
do tenente coronel Francisco Antonio de Almeida e de sua
mulher D. Josepha Francisca de Mello e Albuquerque ;
neto paterno do coronel Francisco de Almeida Catanho é
de D.Izabel Gomes Correia , e materno, do capitão -mór da
villa do Recife Manoel da Silva Ferreira e de D. Josepha
Francisca de Mello e Albuquerque, predendo -se a sua ge
nealogia , quer por um como por outro lado, ás mais illus
tres familias desta provincia .
Educado desveleda c esmeradamente, Manoel Caetano
de Almeida e Albuquerque obteve um certo gráo de illus
tração na altura das nossas circumstancias coloniaes, e
preparou - se convenientemente no latim , francez, inglez ,
geometria, philosophia , poetica e musica. Nomeado capi
tão do regimento miliciano do Recife, denominado dos no
bres , succedeu a seu pae no officio de escrivão dos defum
tos e ausentes, capellas e residuos, por acto do governa
dor de 1 de Julho de 1787 , passando á vitalicio por Carta
Regia de 12 de Maio de 1815 , distinguindo - se pela sua in
telligencia, pleno desempenho e honradez. Litterato e poeta,
homem de amena e attractiva sociabilidade, na phrase de
um seu biographo, sempre civil e respeitoso, eis os dotes
que lhe conquistaram as attenções e amisade de todos os
seus superiores e de muitos personagens da provincia.
Casando - se a 7 de Janeiro de 1780 com uma filha do
tenente coronel Antonio José Victoriano Borges da Fon
seca , litterato distincto e autor da Nobiliarchia Pernambu
cana , teve do seu consorcio 18 filhos, 9 de cada sexo , oc
cupando os homens elevada posição na sociedade, pois ,
2 foram senadores do imperio, 2 deputados, 2 desembar
dores , 1 ministro de estado, 1 commandante das armas do
Piauhy e outro presidente do Rio Grande do Norte . Poucos
paes terão tido tal fortuna !
Almeida e Albuquerque illustrou tambem o seu nome
adherindo ao pronunciamento emancipador de 1817 , cuja
causa abraçou com enthusiasmo e serviu constantemente .
Elle mostrou um alvoroco tão estrondoso, diz o autor dos
Martyres Pernambucanos, que custava a combinar com a
sua idade octogenaria. Celebrou nas suas lyras ou versos
de toda a sorte o imperio da liberdade, elevando poetica
652 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mente até ás estrellas as futuras vantagens da patria livre.


Foi continuo assistente e comparsa sempre activo em to
das as festas e assembléas, que, tinham por objecto cele
brar e exaltar a liberdade e destruir a tyrannia . Nada , po
rém , póde comparar -se ao enthusiasmo que ostentou na
solemnidade da benção e juramento das bandeiras patrio
ticas , na qual recitou hymnos a liberdade e a felicidade da
patria ; e alem de muitos outros factos que realçam a sua
dedicação e adhesão a causa emancipadora, compoz elle
muitos outros versos, entre os quaes notam -se a seguinte
quadra, que distribuiu uma tarde no pateo da egreja ma
triz de S. Antonio :

Sem grande corte na côrte,


Não se gosa um bem geral;
Que o corte é quem nos faz bem ,
A côrte é quem nos faz mal.
Tacs foram os crimes porque foi denunciado perante
a alçada, arrancado de sua familia , privado do seu officio ,
e atirado aos carceres da cadeia da Bahia , onde gemei
por 4 annos, mas sem se abater ante os revezes da sua
sorte, e pelo contrario, sempre alegre e jovial, calmo e re
signado ; e nesta vida de martyrio e contemplação, elle
afinou as cordas de sua lyra , e escreveu mimosas com
posições , entre ellas umas quadrinhas dedicadas a duas
senhoras bahianas, que foram por algumas noites tocar e
cantar de fóra da cadeia aos presos pernambucanos, e
uma outra que continha esta quadra, que tornou - se mui
popular e proverbial em Pernambuco :
Não ha ventura
Como ser tolo ,
Que o ter miolo
E ' mal sem cura .

Recobrando a sua liberdade, restituido a sua patria em


1821 , Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque « ainda
chegou curvado de annos, virtudes e heroismo, abenço
ando com versos harmoniosos a causa do seu martyrio. »
Nas suas poucas poesias recolhidas e publicadas pelo com
mendador Antonio Joaquim de Mello nas suas obras, dei
xou -nos Almeida e Albuquerque primorosos modelos do
seu genio poetico, alem de muitas composições que tinha
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 053

colleccionado para publicar, na maior parte sonetos , de


cimas, epithalamios , lyras, um dithyrambo e algumas
odes, mas , infelizmente não chegaram a ser impressas e
perderam -se .
Em 1813 compoz uma tragedia em verso sobre o as
sassinato do administrador do vinculo do Monteiro , « am
pliando e disfarçando a verdade historica com verosimi
Ihanças poeticas, nomes e local suppostos, no intuito de
difficultar a transparencia do verdadeiro facto . » A Justiça
da ilha dos Lagartos, é tambem uma mimosa composição
sua , entremez em prosa, escripto ao correr da penna, cujo
original possuia o commendador Mello, assim como um
dithyrambo dedicado ao Marquez de Inhambupe, quando
ouvidor de Pernambuco e membro do governo interino em
1788, composições ineditas e talvez perdidas.
Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque falleceu
em avançada idade em 11 de Janeiro de 1834, e foi sepul
tado na egreja da Ordem Terceira do Carmo do Recife, e
despediu -se deste mundo pela linguagem da poesia, es
crevendo a Oração universal do Christianismo, « que foi
o ultimo perfumado bocejo desta musa encanecida.»
Homem de alma nobre e independente, na phrase do
commendador Mello, nunca se arrastou em humilhações
e supplicas ao poder ou a opulencia. Delle cabe dizer como
outr'ora Marmontel de Du Ryer : Tinha uma qualidade
muito preciosa em todos os estados , e mais essencial no
dos homens de letras, a de saber ser pobre ; qualidade sem
a qual não ha nada solido, nem na firmeza do espirito ,
nem na honestidade dos costumes. A estreita mediocri
dade em que vivia não o amargurava nem o humilhava ,
porque elle não conhecia nem o orgulho ,que se irrita con
fra å má fortuna, nem a vaidade, que della se envergonha.
Manoel de Carvalho Paes de Andrade . Nasceu a 21
de Dezembro em um dos annos decorridos entre os de 1774
e 1788, e foram seus paes Manoel de Carvalho Paes de An
drade, e D. Catharina Eugenia Ferreira Maciel Gouvin .
Seu pae pertencia a casa dos Paes de Mangualde em Por
tugal, e veio para Pernambuco com o governador José
Cezar de Menezes, na qualidade de secretario do governo ;
era filho do sargento -mór Braz Ferreira Maciel e D. Ca
tharina Bernarda de Oliveira Gouvin , filha do general João
de Oliveira Gouvin , oriunda de familia hollandeza.
Em principios do presente seculo, partiu Manoel de
634 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Carvalho para Portugal á instancias de seu tio paterno o


ouvidor José Januario de Carvalho Paes de Andrade ; mas
em consequencia da invasão franceza, passou -se para a
ilha da Madeira , e dahi voltou á Pernambuco, e entregou
se a vida commercial, e logo envolveu -se na conspiração
da independencia .
Admittido nos clubs secretos, Manoel de Carvalho sou
be sempre dirigir -se com muito tino e prudencia , ejamais
se suspeitou de sua influencia politica. Relacionado pela
sua vida commercial com os estrangeiros, muito adquiriu ,
muitas idéas e illustração obteve sobre a forma e governo
republicanos ; e rompendo inesperadamente a revolta aos
6 de Março de 1817 , Manoel de Carvalho ainda que lamen
tasse essa precipitação, mostrou -se superior ao que se
julgava, praticando em publico as grandes idéas que mui
tas vezes apresentára aos seus associados nos clubs se
cretos .
« Manoel de Carvalho Paes de Andrade, illustrissimo
pernambucano de 1817, diz o Padre Dias Martins, foi sem
pre indefectivel, mas sempre prudentissimo nos couse
İhos, sessões e mais factos da ephemera liberdade ; em fa
vor della , foram sempre os seus votos, e terrivelmente se
assanhou, quando o governador José Luiz de Mendonça
de accordo com Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Ma
chado e Silva, propoz que, se submettessem ao rei e lhe
pedissem Constituição. Republica e só republica, grita Ma
noeldeCarvalho , e morra pura sempre a tyrannia real!
Porem máo fado presidira o nascimento da indepen
dencia da patria . Os pernambucanos viram -se sós, com
pletamente sós, no momento supremo do sacrificio, e de
novo firmou -se o governo da escravidão e tyrannia.
Manoel de Carvalho, como muitos outros patriotas,
procurou escapar -se, e refugiou -se nas mattas do enge
nho Santa Anna da freguezia de Jaboatão , até que lhe foi
possivel embarcar -se furtivamente para os Estados Uni
dos. ( Dr. Bernardo Teixeira de Carvalho, presidente da
alçada de 1817 , primo de Manoel de Carvalho,muitas vezes
insinuou a sua mãi que solicitasse o perdão de seus filhos ;
mas ella respondia -lhe sempre com altivez espartana : quo
seus filhos não tinham de que pedir perdìo, porque não era
crime pugnar-se pela liberdade da patria !!
Manoel de Carvalho mesmo ausente, espatriado, ater
ravá com o seu nome os portuguezes europeos e ao pro
prio governador Luiz do Rego . O terror que este monstro
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 053

concebera deste grande Andrade, diz o autor dos Martyres


Pernambucanos, lhe fez acreditar, que sob o nome de cor
sario lhe andava devastando a costa de Pernambuco , rou
bando os navios de commercio , e fornecendo de armas os
rebeldes do Bonito . E houve testemunhas que isto affir
maram , e por milagre se desvaneceu uma terrivel tor
menta que esteve a desabar sobre sua innocente familia !
Entretanto, tudo prova o respeito que se tinha ao nome do
nosso heroe !
Decretada em 1821 a amnistia geral , voltou Manoel de
Carvalho do seu voluntario desterro para Pernambuco, e
recebeu então da Junta do Governo Provisorio a nomeação
para o cargo de Intendente da Marinha por Portaria de 11
de Janeiro de 1822, assim como depois a da presidencia da
Junta da Fazenda ; mas em breve um outro acontecimento,
ou por outra um erro politico do primeiro reinado, o veio
lançar de novo nos braços da revolução.
Dissolvida em 1823 a Assembléa Constituinte, voltaram
á Pernambuco alguns de seus deputados, e publicaram
então um manifesto sobre esse violento acontecimento , o
que produsiu exaltações populares, de sorte que, a junta
do governo se viu em breve sem forças e recursos para
manter -se no seu posto ; e assim , perante um grande con
selho que convocou, e se reuniu a 13 de Dezembro, isso o
declarou, e pediu que se lhe acceitasse a demissão que
dava do governo . Acceita a exoneração , procedeu -se im
mediatamente a nomeação do novo conselho, e Manoel de
Carvalho sahiu eleito presidente .
Ratificada a sua eleição , assim como a de alguns dos
membros eleitos da nova junta, pelo corpo eleitoral de
Olinda e do Recife a 8 de Janeiro de 1824, reunido sob a
presidencia da Camara de Olinda , foi elaborada e remetti
da ao Imperador uma respeitosa bem que energica repre
sentação , na qual pedia desculpa deste passo, de que es
perava decidida approvação, vistas as circumstancias me
lindrosas da provincia, cujos males se exacerbariam si se
verificasse a nomeação do presidente da provincia a Fran
cisco Paes Barreto , que se dizia estar feita, visto ser elle
um dos membros que compunham a junta demittida, que
se reconhecera sem força moral para continuar no governo.
Verificando -se porém a nomeação de Paes Barreto,
Manoel de Carvalho reunio um grande conselho para con
sultar se devia ou não dar posse ao presidente nomeado,
656 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

o que teve lugar a 7 de Abril de 1824. Expõe então o pre


sidente do conselho o Padre Venancio de Resende, qual
o seu fim , e depois de haver fallado os delegados das Ca
maras, e de corporações ecclesiasticas , civis e militares ,
e considerada sufficientemente discutida a materia , foi de
cidido, que, devia ser conservado na presidencia Manoel
de Carvalho Paes de Andrade, « primeiro por ser uma
pessoa de publica confiança pelo seu decidido patriotis
mo e bom governo que tem feito , segundo porque o eleito
por S. M. Imperial, pelos passos anarchicos e subversivos
que tem dado , promovendo a insubordinação de parte da
tropa, accudindo a guerra civil e derramando o sangue
pernambucano, a despeito das resoluções de muitos con
selhos, que se esperasse a resolução de S. M. Imperial ,
tinha perdido a opinião publica , e contrahido o odio e ge
ral execração da provincia , que de nenhum modo pode ser
senão desgraçada com o seu governo . )
A este conselho, assistiu tambem um delegado do
commandante da divisão naval ancorada no porto do Re
cife, o qual declarou que o fim desta expedição, era o em
possamento de Paes Barreto na presidencia da provincia ,
reconhecendo -se assim , que as representações dirigidas
ao Imperador não haviam chegado ao seu conhecimento ,
e por isso foi accordado tambem , que se mandasse uma
deputação ao Rio de Janeiro para apresentar a S. Magesta
de uma exposição de todos os acontecimentos havidos em
Pernambuco sobre esse assumpto, rogando-lhe que hou
vesse de confirmar o acto popular da eleição de Manoel
de Carvalho, « como aquelle que mais merecia a confiança
publica, »
Accordou finalmente o Imperador em nomear a José
Carlos Marink da Silva Ferrão para presidente da provin
cia , por acto de 24 de Abril de 1824. Manoel de Carvalho
apenas recebe a carta imperial em que participava essa
nomeação, officia a Marink pedindo que designasse o dia
para tomar posse do governo. Marink responde no mesmo
dia, dizendo que assentúra logo ao receber o decreto de sunt
nomeação, em pedir a sua demissão, ao que Manoel de Car
valho replicou ainda no mesmo dia , dizendo -lhe que não
tinha autorisação para acceitar a sua demissão .
Longa seria a cnumcracão dos officios trocados entre
Manoel de Carvalho e Marink . Aquelle, mostrando a conve
niencia em não demorar um só instante a execução das
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 657

ordens de S. M. o Imperador, esse a protestar em não


acceitar a nomeação , allegando continuadamente, que Ma
noel de Carvalho devia continuar no governo da provincia .
Estavam então os animos em combustão. Todas as
provincias do sul, haviam aceitado a consequencia da
dissolução da Assembléa Constituinte, e jurado a Consti
tuição outorgada por D. Pedro I , mas os pernambucanos
ergueram -se altivos, e protestaram não jural-a . Já a 20 de
Março haviam travado um conflicto , de que resultou a pri
são e deposição de Manoel de Carvalho , mas a guarnição
da fortaleza do Brum , onde o recolheram , revolta -se a seu
favor, soltam-no , e em poucas horas é reintegre da pre
sidencia . Mas a tropa divide -se em opiniões, e as que se
guiam o partido de Paes Barreto , marcharam a sua frente e
foram acampar na Barra Grande.
Manoel de Carvalho, jamais em acto algum dessa ephe
mera administração, quiz que somente prevalecesse a sua
opinião. Elle não era um despota , diz Antonio Joaquim de
Mello, que impunha ás camaras é a outras quaesquer in
fluencias governamentaes legitimas, os caminhos que se
deviam tomar, e seguir na marcha politica da provincia;
o impulso de todo o andamento politico desta, elle o rece
bia da opinião publica e do jogo e manifestação dosoutros
instrumentos do poder : não forçou , não se insinuou á ne
nhuma corporação ou pessoas, para este ou aquelle com
mettimento ou empreza : é esta a pura verdade. Seja isto
aqui dito de passagem em contraposição e rebate á inexa
tidão, com que alguns historiadores superficiaes lhe im
putam o contrario , por meras supposições ou phantasias.
Além dos actos de prudencia ja mencionados, que
constituem uma prova evidente do que vimos de apre
sentar, outros realçam ainda mais esta qualidade de Ma
roel de Carvalho . Estacionada uma forca no limite desta
provincia com a de Alagoas, deram - se algumas deserções,
e os dissidentes se haviam com estes fortificado no terri
torio daquella ; e Manoel de Carvalho podendo por si só
mandar invadir a provincia de Alagoas e destruir as forti
ficações que se haviam feito, convocou um conselho para
deliberar sobre esse fim .Sabendo - se ou conjecturando
com bons fundamentos que a Camara Municipal do Recife
se dispunha a jurar e fazer jurar o projecto de Constitui
ção de D. Pedro I , por influencia sua são depostos pelo
povo os seus vereadores, e eleito outros, affixou -se editaes
convidando o povo de todas as classes, para em reunião
81
058 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

darem o seu voto sobre a execução do decreto que manda


va jurar a Constituição, o que verificando -se venceu - se
que, se não devia receber nem jurar o projecto ; 1.º por
ser illiberal, contrario a liberdade, independencia e direi
tos do Brazil, e apresentado por quem não tinha poder para
o dar, e 2.° por involver o seu juramento perjurio ao jura
mento civico, em que se prometteu reconhecer e obedecer
á assembléa brazileira constituinte e legislativa.
Estavam pois os negocios politicos de Pernambuco
neste estado, quando surge o decreto de 11 de Junho de
1824, annunciando que uma esquadra portugueza se apres
tava no Tejo , contra o Brazil ; foi o grito da revolução . Ma
noel de Carvalho põe -se a frente dos pernambucanos li
vres, e proclama aos 2 de Julho de 1824, aos povos do Norte
convidando -os a ligarem -se por um pacto , que se chama
ria - Confederação do Equador, e assim terminou esse ce
lebre e memoravel documento , depois de demonstrar que
a salvação da honra , da patria, é da liberdade, reclama
vam em sua defesa, e os actos de impolitica e perjurio e
as perseguições e tyrannias do governo, reclamavam pela
sua affronta, a demonstração do valor e patriotismo dos
brazileiros :
« Os pernambucanos já costumados a vencer os van
dalos, não temem suas bravatas : doze mil baionetas ma
nejadas por outros tantos cidadãos soldados da primeira
e segunda linha, formam hoje sua muralha inexpugnavel;
em breve teremos forças navaes, e algumas em poucos
dias. Segui , oh ! brazileiros, o exemplo dos bravos habi
tantes da zona torrida, vossos irmãos, vossos amigos,
Vossos compatriotas ; imitacos valentes de seis provincias
do Norte, que vão estabelecer seu governo debaixo do
melhor de todos os systemas representativos. Um centro
em lugar escolhido pelos votos dos nossos representantes,
dará vitalidade e movimento a todo nosso grande corpo
social. Cada estado terá seu respectivo centro ; e cada um
destes centros, formando um annel da grande cadeia , nos
tornará invenciveis . »
« Brazileiros ! Pequenas consequencias só devem es
torvar pequenas almas ; o momento é este , salvamos a
honra, a patria e a liberdade, soltando o grito festivo
Viva a Confederação do Equador ! »
O fraco enthusiasmo com que foi recebida a proclama
ção da Confederação do Equador, não correspondeu porém
o effeito que se esperava, e á revolta succedeu uma tre
DICCIONARIO BIOGRAPINICO 639

menda reação. A columna de infantaria que Manoel de


Carvalho tinha enviado contra os dissidentes de Barra
Grande, diz Abeu e Lima, apenas serviu para por á prova
o valor pernambucano, combatendo quasidiariamente uns
contra os outros sem nenhuma vantagem de parte á parte .
Em Agosto chegou á Barra Grande o brigadeiro Francisco
de Lima e Silva , vindo do Rio de Janeiro com uma brigada,
e dahi marchou sobre a capital de Pernambuco, servindo
The de vanguarda a tropa dissidente desta provincia.
Bloqueiado o porto do Recife , occupando o sul da pro
vincia pelas tropas imperiaes, as provincias de Alagoas e
Paralıyba a hostilisar-nos cada uma por seu lado, come
çou a sentir -se falta de suprimentos de guerra e bocca, e
em breve voltavam as tropas pernambucanas, e acampão
se nas fraldas dos memoraveis montes Guararapes.
Aos 11 de Setembro, pelas 6 horas da manhã, rece
beu Manoel de Carvalho uma intimação do brigadeiro
Lima e Silva, datada já do engenho Garapú, do dia ante
rior, para que lhe entregasse a cidade e depuzesse as ar
mas. Manoel de Carvalho parte sem demora para o acam
pamento dos Prazeres, toma comsigo 300 hemens, e dirige
se a reforçar o unico posto por onde poderia passar o bri
gadeiro Lima e Silva em sua marcha sobre o Recife, mas
logo em caminho soube que se havia já effectuado a passa
gem . Tornou - se então impossivel å Manoel de Carvalho
unir -se ao grosso de suas tropas, e nesta situação os seus
amigos aconselhão -no, e instam para que pozesse a salvo
a sua pessoa . Manoel de Carvalho resiste, procura um jan
gadeiro que o conduzisse a lugar de poder reunir - se ao
exercilo , mas não encontrando nenhum que se quizesse
prestar, por tener o fogo continuo que reinava em todos
esses lugares, recolheu -se em ultimo recurso a bordo da
fragata ingleza Tweed , no dia seguinte.
Apezar da ausencia de Manoel de Carvalho, houve
ainda resistencia ás tropas invasoras, e os combates da
Ponte dos Carvalhos, aterro dos Afogados e Bòa - Vista ,
patentearam o valor é intrepidez das tropas republicanas;
è aos 12 de Setembro de 1824, o brigadeiro Francisco de
Lima e Silva entrava na vencida cidade do Recife . Manoel
de Carvalho tentou ainda realisar uma capitulação honro
sa e em forma a garantir de alguma maneira a sorte dos
patriotas compromettidos nesse generoso movimento con
tra os primeiros ensaios do despotismo de D. Pedro I ;
nias nada pôde conseguir.
600 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Partiu, pois, Manoel de Carvalho, deixando a patria,


familia e bens, tudo entregue ás mãos dos seus inimigos,
e seguiu para a Inglaterra . Em 1817 , no governo do abso
lutismo, todos os seus bens foram sequestrados em nome
da lei, pelo seu compromettimento na revolução ; em 1824,
no governo chamado constitucional, as tropas imperiaes
invadiram sua casa, saquearam -na, e causaram -lhe con
sideravel prejuizo ! Manoel de Carvalho, exilado, longe da
patria , almejava a sua volta ; mas os annos succediam -se,
e elle continuava espatriadó. Rompe porém a patriotica
revolução de 7 de Abril, D. Pedro I ve -se coagido a abdi
car, succede -lhe o governo da regencia , e o exilado de 1824
sauda esse arrojado feito de patriotismo que abrira -lhe de
novo o seio da patria,
Depois de uma auzencia de mais de 7 annos, Manoel
de Carvalho volta á patria , e aos 11 de Dezembro de 1831
pisa terras pernambucanas ; e então o povo mostrou que
não lhe eram indifferente os feitos e patriotismo dos gran
des homens, e o recebeu enthusiastamente, e no dia se
guinte ao seu desembarque, renovaram -se as festas, e por
muitos dias ainda foi elle o alvo das saudações e applausos
populares ; e logo depois , os seus suffragios elevaram -no
como seu representante ao seio do parlamento nacional.
Mas não chegou a tomar assento na camara temporaria ,
porque fora eleito senador pela provincia da Parahyba, e
escolhido por carta da regencia de 11 de Janeiro de 1834.
Nesta epocha, occupara Manoel de Carvalho o cargo
de conselheiro do governo, quando lhe coube tomar conta
interinamente da presidencia da provincia de Pernambuco,
e continuou a dirigil- a effectivamente em virtude do acto
da Regencia de 22 de Fevereiro de 1834, que lhe confiou
dito cargo, do qual tomou posse aos 4 de Junho. A sua
nomeação para a presidencia de Pernambuco, no estado
de agitação em que se achava pela guerra dos Cabanos,
foi um acto acertadissimo da Regencia, pois em taes cir
cumstancias só o zelo e patriotismo de Manoel de Carvalho,
e a sua actividade e empenho pela manutenção da ordem
publica, diz um jornal desse tempo, seriam capazes de le
var a effeito a terminação dessa luta, que tantos e incalcu
laveis males havia causado.
Esse grandioso serviço prestado por Manoel de Carva
Jho a causa publica, fizera ainda mais elevada a justa esti
ma e consideração que o povo lhe tributava. A Camara
municipal do Recife dirigiu -lhe uma felicitação, por esse
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 661

faustoso successo, festejos esplendidos foram celebrados,


o Theatro Nacional trajou -se de galas , e levou a scena um
elogio dramatico sob o titulo -- O Brasil Triumphante, tendo
por heróes Manoel de Carvalho e o presidente da provincia
das Alagoas, em fim Pernambuco ergueu -se festivo, sau
dando a terminação da guerra, e áquelle que tanto para
isso contribuira .
« Dous annos havia decorrido, disse a Camara em sua
felicitação , que essa orda de abjectos bandidos, seduzida
por inquietos noveleiros principiou a hostilisar -nos, rou
bando e assassinando sem piedade, nem respeito a sexo ,
idade ou condição, sob principios virtiginosos, e que só a
demencia ou interesses pouco honestos, podiam inventar ;
e desde então que medidas de vigor se empregaram para
repremil -a ; mas da maiorpublicidade é, que infelizmente
se malograram , augmentando - se a ousadia da aggressão ,
como o numero dos aggressores ; o descaroçoamento de
nossos agricultores e proprietarios daquelles contornos, a
perda de vidas, e o dispendio dos dinheiros publicos que
cram todos absorvidos nessa guerra desastrosa . Mas,
apenas V. Exc. tomou as redeas do governo desta provin
cia, e a resolução heroica de ir pessoalmente pôr -se a fren
te de nossas briosas tropas, que se limitava a defensiva
dos poucos pontos que occupavam , apenas V. Exc. apre
sentou -se a dirigir pessoalmente os planos de ataque, c a
partilhar as fadigas e encommodos da guerra, entrando
com nossos soldados nos ataques, vimos mudar de face
nossa affligente situação, nossas bravas tropas recobra
rem energia e coragem ; os agricultores e proprietarios
dos importantes estabelecimentos daquelles pontos da
provincia, desassombrarem -se, e não mais desampararem
suas lavouras e propriedades, as despezas diminuirem e
cconomisarem -se, e os revoltosos, como feridos do raio ,
confundidos e em desaccordo, recuarem das hostilidades,
deixarem de aggredir, e por ultimo com as armas na mão,
não saberem mais fazer uso dellas, e entregarem -se. »
« A V. Exc. pois, cabe a gloria de haver acabado com
essa dessoladora guerra que de mui perto ameaçava nosso
socego e tranquilidade, e a posteridade um dia bem dirá
aquelle que, se não abateu as orgulhosas tropas de Nassau,
se não libertou a patria do dominio do atrevido belga, se
as aguas do Tapacurá , se os escarpados montes Guarara
pes não testemunharam suas victorias, venceu e aniquilou
uma facção desorganisadora que no seio da patria crava o
662 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

punhal matricida, e tramava contra suas liberdades e ga


rantias ; e testemunhas indeleveis, e eternos serão desse
serviço do verdadeiro brazileiro, do patriota sincero, O
impenado Jacuipe , e os embrenhados Castelhanos, Brejo,
Tigre, Frio e Barro -branco, guaridas do crime, da traição
e aleivosia, e os mesmos vencidos, para os quaes não es
queceu a V. Exc. a maxima que, se a justiça urge o castigo
do delinquente, a humanidade exige a protecção do inno
cente, e do incapaz por seu estado de vontade livre e de
accommetter crime . »
Ainda na sua presidencia, rompeu uma pequena su
blevação conhecida por Carneirodu , mas que não tomou
serias proporções. Deu -se porém um interessante episo
dio quando Antonio Carneiro Machado Rios intimou -lhe
para deixar a presidencia . Carneiro diz -lhe que deixasse
o governo , por ser Carvalho madeira celha ; mas elle re
turque-lhe a queima- roupa : Carvalho é madeira relha,
mas cozinha bem um Carneiro !
Tendo de tomar assente no Senado, Manoel de Carva
lho deixou a presidencia e embarcou para o Rio de Janeiro,
coberto de bençãos e de applausos do povo pernambuca
no . Quando no Senado discutia - se a amnistia dos Cabanos,
attribuindo -se exclusivamente ao Bispo D. João da Purifi
cação Marques Perdigão o acabamento da revolta , Manoel
de Carvalho pede a palavra, e pondéra que, era grave in
justiça referi o apasiguamento da recolta ao Bispo, pois
que estando ella nos ultimos paroxismos, elle não huria
feito mais do que todos os padres, que fuem preces para
chorer em tempo de chuca !
Travada en 1840 a campanha parlamentar sobre a
maioridade de S. M. o Imperador D. Pedro II, o Senador
Hollanda Cavalcante, depois Visconde de Albuquerque,
convida e insta com Manoel de Carvalho para unir - se ao
partido que sustentava a maioridade ; Manoel de Carvalho
cede afinal, mas diz - lhe : tenho entrado em reroluções para
derrubar, mas não para levantar reis. Assim o querem ,
eu os acompanho; mas talvez tonhum de arrepender-se.
Manoel de Carvalho Paes de Andrade, falleceu no Rio
de Janeiro aos 18 de Junho de 1835, sendo Senador do Im
perio e coronel de legião da Guarda Nacional, unicos titu
los que possuiu em sua vida ! E essa elevada posição a
que chegou , deveu - a unicamente ao seu patriotismo, a sua
probidade politica e honestidade. Viveu sempre abraçado
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 663

á bandeira republicana que seguira desde os seus princi


pios, e por ella pugnando sempre, apezar de 11 annos de
exilio e da perda da maior parte de sua fortuna.
Em 1824, embarcou Manoel de Carvalho um carrega
mento de páo -brazil, então monopolio do estado, e na quali
dade de presidente da Confederação do Equador, destinou o
seu producto para compra de materiaes de guerra. O ple
nipotenciario de D. Pedro I , em Londres, exigiu dos con
signatarios do navio , a entrega do páo -brazil; mas elles
recusam -se, e declaram que só entregariam a mercadoria,
ou o seu valor, ao remettente, ou a sua ordem . Estava en
tão Manoel de Carvalho na Inglaterra, e nobre e desinte
ressada manda entregar ao ministro o carregamento , de
clarando que não era propriedadesua, mas do governo da
decahida Confederação do Equador. Entretanto, o páo
brazil produziu cerca £s . 200 :000, quantia de que , se qui
zesse, ter-se -hia apoderado !
Manoel de Carvalho era um homem dotado de grande
intelligencia , perspicacia e vivacidade, mas de pouca illus
tração e conhecimentos ; elle tivera a infelicidade de perder
seu pae ainda bem creança, e então , a sua educação correu
descuradamente. Altivo , impetuoso ,decidido republicano,
achava - se um dia no Paço com seu tio o Dr. José Januario
de Carvalho Paes de Andrade, quando passa D. João VI ;
seu tio beija a mão de El-Rei, mas elle recusa -se ; e expro
bado pelo tio por esse procedimento, responde-lhe : Não
beijo il mão de homem como eu , além disso muito porco e
repugnante, pois não tira a mão do alçapão das calças. E
sempre coherente com os seus principios, morreu , apezar
de senador, sem possuir uma unica condecoração !
Manoel de Carvalho Paes de Andrade, é um vulto proe
minente e legendario nos annacs da independencia do
Brazil; e enastram a sua coroa de glorias, o patriotismo,
a honra, a dedicação e os sacrificios em prol da causa da
liberdade e da patria.
Manoel da Cunha Wanderley Lins. Nasceu em Se
rinhõem em 1820, de familia pobre e desconhecida.
Começando a sua vida militar em 1836, como soldado
do corpo de policia, passou depois para o exercito como
praca voluntaria em 27 de Junho de 1839, e em Setembro
deste mesmo anno marchou para as Alagoas, quando re
bellada ; cm Janeiro de 1870 seguiu para o Maranhão, fez
664 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

toda a campanha até a pacificação daquella provincia em


1841, e foi então promovido ao posto de alferes por Decreto
de 16 de Junho .
Wanderley Lins fez a campanha do Sul em 1844, as
sistiu á sorpresa feita ao exercito inimigo em Porangos,
foi promovido a tenente, e marchou para a campanha do
Estado Oriental em Junho de 1851. Durante o periodo de
um anno , em que se prolongou a guerra, assim como
no decorrido desde a campanha das Alagoas , Wander
ley Lins foi por diversas vezes honrosamente elogiado,
« pelos valiosos serviços que, com todo zelo , bravura, tino
e honradez prestou á causa da ordem e da integridade do
paiz, » quer pelo governo Imperial, como por muitos com
mandantes das armas e presidentes de diversas provincias.
Por Decreto de 29 de Julho de 1852 foi promovido a ca
pitão. Acha va-se em Pernambuco servindo no 2. • batalhão
de infantaria quando rompeu a guerra com a republica
Oriental e ao depois com a do Paraguay marchou para a
campanha com o mesmo batalhão, fez parte da 3.º brigada
da 1.4 divisão ligeira, que seguiu para as pontas do Ibi
rocay, e passando depois para a 5. brigada, marchou em
observação ao inimigo, para a cidade de Uruguayanna , si
tiando a mesma, sendo por seu honroso procedimento di
gnamente elogiado pelo general em chefe conde de Porto
Alegre, em ordem do dia de 19 de Setembro de 1865 , e de
pois, por Aviso do ministerio da guerra, cordem do dia do
commandante em chefe do exercito de 23 do mesmo mez ,
foi tambem elogiado por S. M. o Imperador « pela sua ot
titude, enthusiasmo è pericia , testemunhadas pelo mesmo
senhor na marcha para o inimigo, » assim como condeco
rado com a medalha de prata commemorativa da rendição
d'aquella praça .
Em 1866, promovido por merecimento ao posto de ma
jor, por Decreto de 22 de Janeiro, passou o Rio Paraná
com a 1. " divisão a 16 de Abril, e heroicamente tomou parte
no combate de 17 junto ao forte de Itapirú , sendo elogiado
em ordem do dia do commando em chefe do 1.º corpo,
pela actividadee bravura que patenteou durante o dito com
bate, e por Aviso de 2 de Junho foi louvado em nome de
S. M. o Imperador, pelo brilhante feito de armas da pas
sagem do Paraná. A 2 de Maio tomou parte no ataque de
Estero Bellaco , no qual patentcou muila intrepidez e va
lentia , assistiu ao combate de 20 , tomando as trincheiras
inimigas no Passo da Cidra, a 24 tomou parte na grande
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 665

batalha de Tuyuty, no centro da linha do exercito, sendo


louvado em ordein do dia de 28, pelo seu valor, calma, c
sangue frio com que sempre dirigiu o seu batalhão, e neste
mesmo dia assistiu ao ataque do inimigo sobre esse mes
mo ponto ; e a 9 de Junho , achando-se com o seu batalhão
nas linhas de frente da vanguarda, resistiu briosamente
ao ataque do inimigo, e durante 2 horas de fogo e da mais
porfiada luta , brigou com o maior denodo e a mais impas
sivel calma , sustentando a fama de seu nome, já tão glo
riosamente respeitado por todo o exercito e temido pelos
inimigos .
Wanderley Lins passou então a fazer parte do exer
cito alliado , e sempre na vanguarda, assistiu aos bombar
deios de 14 e 19 de Junho, quando foi gravemente ferido, e
mal restabelecido ainda, apresentou -se no acampamento ,
tomou parte nos diversos recontros que se deram , pelo
que mereceu honrosos elogios do commandante da 14."
brigada, e pelo seu brioso comportamento, foi depois elo
giado offialmente pelo commandante em chefe do exercito
alliado D. Bartholomeu Mitre, pelo heroismo e valor com
que portou -se no ataque de 28 de Maio, e por um outro of
ficio do mesmo general, foi tambem elogiado pelo denodo
e sanguefrio que mostrou nas 5 horas do bombardeio no
dia 14 de Junho.
Agraciado com o habito do Cruzeiro em attenção aos
importantes serviços prestados nos combates de 16 e 17 de
Abril, e 2 e 24 de Maio, foi promovido a tenente coronel
por actos de bravura, por Decreto de 22 de Setembro , e en
fechou os seus louros colhidos em 1866 , assistindo na van
guarda ao bombardeio de 17 de Outubro.
Wanderley Lins comecou o novo anno de 1867 assis
tindo ao bombardeio de 19 de Janeiro, á frente do seu ba
talhão, de guarnição ás linhas dos morteiros da vanguarda
do exercito . Embarcando depois no Passo da Patria , pro
tegeu a passagem do 3.º corpo do exercito no alto Paraná ,
e passando a commandar uma brigada, foi elogiado pelo
general marquez do Herval , pelos importantes serviços que
prestou em Tuyuty e Tuyucué.
Assintindo na vanguarda do exercito , onde sempre se
achou , ao bombardeio de 19 de Fevereiro de 1868, Wan
derley Lins foi elogiado pelo duque de Caxias general em
chefe de todas as forças, por ter cumprido satisfactoria
mente os seus deveres, provando mais uma vez , por modo
muto distincto e honroso, a justiça com que adquiriu o
85
666 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nome de valente e brioso . Muito se distinguindo no com


bate de 21 de Março , foi depois destacado nas linhas a
vançadas em sitio a fortaleza de Humaytá, tomou parte
nos successivos bombardeios de quasi todo o mez de Ju
nho, e nos do mez seguinte até o dia 16, quando a viva
força atacou essa importante fortificação no combate tra
vado em suas trincheiras , merecendo pelo arrojo e valen
tia que ostentou nesse brilhante feito de armas , ser elo
giado de uma maneira muito honrosa e significativa pelo
general Marquez do Herval.
Wanderley Lins ficou então fazendo parte das linhas
que sitiaram os fugitivos de Humaytá, onde permaneceu
até 15 de Agosto, quando se renderam ; foi elogiado pelo
commandante em chefe pelo empenho, valor e dedicação
com que trabalhou para o bom exito dessa operação, e de
10 de Agosto a 24 de Setembro fez as marchas contra as
fortificações de Tybiquary, S. Fernando e Palmas . Em 1
de Outubro tomou parte no reconhecimento e combate das
trincheiras de Angustura, e foi elogiado pela coragem ,
galhardia e calma com que se portou ; fez a marcha de
flanco na vanguarda do 3.º corpo do exercito . tomando
parte no combate de Lambaré, em 6 de Dezembro, e a 11
inscreveu ainda o seu nome no livro dos heroes, tomando
parte na batalha de Avahy, feito memoravel, cujo episodio
constitue uma epopea nacional, e no qual elle combateu na
vanguarda , intrepida e valentemente . E notavel coinciden
cia ; quando Wanderley Lins conquistava mais um louro
para a sua coroa de heroe, quando batia-se valentemente
nos campos de Avahy, e quando cahia gravemente ferido
por uma bala de fuzií , nesse mesmo dia , e talvez nessa
mesma hora, lavrava -se o Decreto que o elevava ao posto
de coronel, por actos de bravura !
Wanderley Lins teve então a medalha de merito mili
tar pelos seus reiterados actos de bravura e heroismo, e
foi comprehendido nos louvores feitos por S. M. o Impe
rador e pelas Camaras do Parlamento, pelos seus impor
tantes serviços na campanha.
O anno de 1869 abriu ainda novos horisontes á vida me
moravel de tão illustre e valente soldado . Depois de di
-versas e penosas marchas entre Luque, Taquaral, Passo
de Pirahyu , tendo flanqueado as posições inimigas pela
sua esquerda até o desfiladeiro de Sapucahy, abriu uma
picada, pela qual penetrou e tomou a fortificação inimiga
com toda a sua artilharia , e na tarde desse mesmo dia em
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 667

reconhecimento ás fortificações da estrada de Valenzuela , e


depois de um renhido combate tomou ditas fortificações,
desalajou o inimigo que em sua fuga deixou sobre o campo,
mortos, prisioneiros e armamentos; marchou então, sobre
a villa e deixando seguro esse ponto avançou sobre a praca
de Peribebuy.
Wanderley Lins avançou na mesma noite sobre Bar
reiro Grande, atacou depois as fortificações inimigas e to
mando-as de assalto, pol-os em debandada até que elles
se renderam , sendo por este heroico feito de armas elo
giado pelo commandante do 2.º corpo do exercito e pelo
general em chefe conde d'Eu, pela bravura, calma, é pe
ricia com que animou e guiou as forças sob o seu com
mando, que foram as primeiras de todo o exercito a sc
arremessarem e tomarem a dita praça . Dahi marchou
em direcção a Cacupè , contra -marchou depois com a bri
gada sob seu commando para Barreiro Grande, afim de
cortar a retirada do inimigo vindo de Ascurra, onde assis
tiu a batalha que ahi se travou .
Commandando as forças que na vanguarda atacaram
e heroicamente tomaram as fortificações da matta de Ca
quijurú , foi de novo elogiado pelo general em chefe pela
sua intrepidez e decidida bravura, ainda desta vez pro
vada diante de tão feroz inimigo. Sem descançar, seguin
do em perseguição do inimigo fugitivo , acampou em fim
na villa de Caraguatahy ; marchou depois com a brigada
para Ibitimy, passou pelas villas de Barreiros, S. José e
Valenzuela , seguiu para Caaguazu por villa Rica e villa de
Itapé, cortando assim a retirada do inimigo que se achava
em S. Joaquim , tudo em dias do mez de Setembro .
Estava pois terminada a guerra ; o anno de 1870 que .
marcou o seu termo, em 1 de Março, foi apenas de perse
guição aos restos disimados do exercito paraguayo, e Wan
derley Lins recolheu -se a sua patria ennobrecido pelas glo
rias dos seus feitos, eo seu nome foi comprehendido nos
agradecimentos da Assembléa Provincial do Rio Grande
do Sul, pelos extraordinarios e importantes serviços pres
tados em toda a campanha, no elogio feito pelo generalem
chefe conde d’Eu , por S. M.o Imperador e pelas camaras
legislativas, foi em fim agraciado com uma medalha pelos
serviços prestados na campanha, e com o officialato do
Cruzeiro , pelos combates de Dezembro de 1868, e pelos das
Cordilheiras.
Wanderley Lins voltou para o Brazil commandando o
668 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

14.° corpo de linha, e foi servir na guarnição da provincia


da Bahia, onde teve occasião de commandar as armas in
terinamente. Promovido a brigadeiro por Decreto de 10 de
Abril de 1871, dirigiu por algum tempo o commando das
armas do Pará , até que foi nomeado para o de Pernam
buco por Decreto de 22 de Fevereiro de 1873, em cujo cargo
entrou em exercicio a 10 de Abril do mesmo anno . No anno
seguinte, a 16 de Maio, esta capital foi theatro de um acon
tecimento em consequencia da dissolução de uma reunião
politica , em que elle tomou parte principal , do que resul
tou -lhe amargos e crueis dissabores ; e pode -se affirmar,
marcou o termino de sua vida triumphal.
Exonerado por Decreto de 23 de Fevereiro de 1878, pas
sou o commando das armas a 28 de Março, afastou -se in
teiramente dos negocios publicos, dedicou-se a vida agri
cola , não vestiu mais a sua farda, a qual lh'a vestiram de
pois para ser com ella enterrado.
O General Manoel da Cunha Wanderley Lins falleceu
a 12 de Julho de 1881 na sua chacara á estrada de Bebe
ribe, proxima ao Fundão, e foi sepultado no dia seguinte
no Cemiterio Publico do Recife, prestando-se-lhe todas as
honras inherentes á sua patente de brigadeiro. Era digni
tario das ordens da Rosa e Cruzeiro, tinha o habito de A
viz, a medalha de merito e bravura militar com os passa
dores ns . 5, 11 , 21 e 27 ; medalha da campanha do Para
guay com o passador n . 5 ;medalhas das duas campanhas
do Uruguay de 1852 e de 1864, e a da batalha de Jatahy,
com a qual o distinguira o governo da republica Argentina.
Manoel Figueiroa de Faria. Nasceu em Dezembro
de 1801 ; foram seus paes Manoel Figueiroa e D. Thereza
Figueiróa de Faria .
Perdendo o amparo paterno na idade de 8 annos , sua
familia que fora residir em Olinda, o collocou no Seminario
Episcopal, onde cursou differentes aulas ; mas não poden
do continuar os seus estudos pela falta de recursos em que
ficára , dedicou -se á vida commercial, entrando para a casa
de seu tio Domingos Antonio de Faria , onde adquiriu não
só a pratica necessaria ao meio de vida que abraçára ,como
tambem um pequeno capital , com o qual estabeleceu uma
casa de negocio a retalho, até que por fim fez acquisição
da typographia do Diario de Pernambuco em 1830 , d'onde
data a quadra auspiciosa para a imprensa desta provincia ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 669

Em 5 de Agosto de 1818 Manoel Figueirôa assentou


praça n'um dos corpos de 2.a linha da guarnição do Recife,
passou a alferes quartel-mestre do 3.º batalhão de caçado
res por patente de 27 de Junho de 1826 , foi promovido a
capitão por patente imperial de 16 de Janeiro de 1830, e
reformou -se no posto de major em 1856, por patente impe
rial de 3 de Marco .
Em 1831–1832 por occasião das commoções politicas
porque passou esta provincia, na quadra afflictissima do
colera -morbus em 1856, e em outras occasiões quer ante
riores á esta , como posteriores, Manoel Figueiroa muito
se distinguiu pelos serviços que prestou , e foi agraciado
com o hobito de Christo , posteriormente com o officialato
da Rosa , e em fim com a commenda daquella ordem , pelos
serviços que prestou por occasião da exposição agricola e
industrial de 1862 .
Como jornalista, porém , fazendo acquisição da typo
graphia do Diario de Pernambuco, Manoel Figueirôa foi
entre nós o continuador das tradições da imprensa, soube
eleval- a vantajosamente, foi um operario intelligente e per
tinaz, um dos patriarchas da imprensa jornalistica desta
provincia , deixando assim um nome honroso, e que assás
se prende á sua historia . Desenvolvendo e dando incre
mento á sua empresa, procurando por todos os meios ele
val-a convenientemente, trabalhando, lutando, sacrifican
do-se mesmo, foi heroica a sua perseverança, ingentes os
seus esforços, immensa a sua dedicação ; porém viu a sua
empresa florecer, chegar ao termo das suas aspirações, e
o Diario de Pernambuco tornar -se indisputavelmente a pri
meira empresa jornalistica do norte do imperio.
Não menos serviços prestou Manoel Figueiroa ao de
senvolvimento das lettras, e não menos contribuiu para a
sua elevação e engrandecimento. No seu jornal encontrava
a mocidade estudiosa, columnas francas para a publicação
dos seus trabalhos, é nelle proprio, animação e encoraja
mento para novos commettimentos. Não foi somente por
esse lado, que tornou -se benemerito pelos serviços pres
tados ás lettras ; são innumeras as edições que fez em sua
officina, innumeras tambem as obras que reimprimiu ou fo
ram traduzidas , sobre os assumptos de mais interesse e
transcendencia , divulgando-as assim , e derramando por
conseguinte novas e vivificantes luzes por entre a popula
ção ávida de aprender e instruir -se.
Deixando assim um nome respeitavel por serviços que
670 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

um dia serão melhor julgados pela historia da imprensa


e da litteratura pernambucana, Manoel Figueirôa falleceu
no dia 1.º de Agosto de 1866 , legando um nome honroso,
illustre e veneranda memoria . Membro installador do Ins
tituto Archeologico desta provincia , honorario das Asso
ciações Commercial Beneficente, Artistas Mechanicos e
Liberaes, Atheneu Maranhense, Soccorros Mutuos, União
Beneficente dos Alfaiates , Typographica Fluminense e Per
nambucana ; bemfeitor do Hospital Portuguez de Benefi
cencia ; protector da Beneficente Maritima, e correspon
dente do Instituto Historico da Bahia e da Sociedade Litte
raria do Rio de Janeiro , estes titulos dão ainda mais realce
ao nome e serviços de Manoel Figueiroa.
Concorridissimo o seu enterro, prestando - se -lhe todas
as honras militares a que tinha direito, fallaram á beira do
seu tumulo os Srs . Dr. José Bento Filho, por parte do Ins
tituto Archeologico, Leopoldino Lobo e V. Palhares ; e
aquelle primeiro fazendo a apologia do finado e syntheti
camente memorando os seus serviços, pronunciou estas
palavras, que constituem , por assim dizer, um resumido
e fiel traço sobre a vida de Manoel Figueirôa de Faria .
« Uma das infelicidades que - de certo tempo para cá
-tem pesado sobre os destinos do paiz, são as perdas
mui frequentes e profundamente sensiveis de seus filhos
benemeritos . A lousa do sepulchro acaba de occultar aos
nossos olhos mais um desses vultos historicos. O com
mendador Manoel Figueiroa de Faria , foi por assim dizer
o principal fundador da imprensa pernambucana. O jorna
lismo que creára em epocha remota , elle o foi augmentan
do com esforços sempre perseverante até ao ponto de tor
nal- o o mais collossal do imperio , e capaz de emparelhar
com os maiores do mundo inteiro. Em outros espiritos
esse grande empenho podia ser apenas um calculo de am
bição politica ou mercantil. Para o illustre finado , quasi
que não havia mais que uma aspiração patriotica . Elle
revia-se contente na sua grande empreza, porque a consi
derava um symbolo do progresso de sua terra natal...
« Lhano e dotado de uma modestia bem rara , nunca
se impoz, como podéra fazel-o com successo , á mercê do
prestigio immenso que lhe assegurava um grande orgão
de publicidade. Desde que elle conseguia salvar as exigen
cias de seu proprio pondonor, que tão extremamente zela
va ; desde que suppunha satisfeitos os reclamos do bem
publico, ficava-lhe a unica ambição de entregar - se com
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 671

aferro proverbial a esse trabalho sem tregoas, que apezar


da regularidade de sua vida, cavou -lhe tão cedo a sepul
tura ...
« Cercado ás vezes de difficuldades urgentissimas, não
arrefecia nelle o anhelo constante de manter a regulari
dade e credito de sua empreza , e ser prestirnoso aos seus
amigos, com quem parecia em certas occasiões preoccu
par-semais que de si proprio ... 0 commendador Figuei
rôa foi um desses homens que se fazem por si mesmo,
que tudo devem a si e ao seu trabalho, sem auxilio de
ninguem . A ' sua familia deixou elle não sómente um no
me honroso e tradicional, mais ainda um bello exemplo
digno de geral imitação . »
Manoel Ignacio de Carvalho Mendonça. Nasceu
no Recife, no anno de 1795, e foram seus paes o tenente
coronel José Xavier de Mendonça e D. Anna Victoria de
Mendonça .
Assentou praça no regimento de artilharia do Recife,
foi reconhecido cadete em 16 de Dezembro de 1811 , fre
quentou as aulas do curso do mesmo regimento, e passou
depois a servir no 2.º batalhão de fuzileiros dos Volun
tarios Leaes de El- Rei, por se haver dissolvido o regimen
to de artilharia . De 1818 a 1820 , Carvalho Mendonça ser
viu de ajudante de ordens do commandante militar de
Olinda, e nomeado alferes da 1.º companhia do corpo de
linha da provincia de Sergipe, por Decreto de 12 de Outubro
de 1820, ahi serviu por algum tempo.
Por occasião da guerra da independencia,já se achava
elle em Pernambuco, acompanhou ao engenheiro Niemeyer
no serviço de fortificação da costa do sul desta provincia ,
em cuja commissão desenvolveu grande aptidão e intelli
gencia, em 1822 foi promovido a 1.º tenente, e logo no
anno seguinte passou a capitão, distincções estas que re
cebeu em premio dos seus serviços na quadra da inde
pendencia .
Em 1824 Carvalho Mendonça acompanhou omovimen
to revolucionario da Confederação do Equador, prestou
muitos serviços a sua causa , e valendo -lhe a resolução de
não acompanhar o exercito liberal em sua marcha para o
interior da provincia, foi incumbido do commando da for
taleza de Tamandaré, e depois seguiu para o Ceará como
ajudante de ordens do commandante das armas. Carvalho
Mendonça fez toda a campanha do Ceará em fins de 1824,
672 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

e em 1826 , quando o norte da provincia estava á braços


com os corsarios que a infestavam , elle foi incumbido de
commandar e fortificar a costa , e pouco depois da organi
sação de um corpo de caçadores, do qual foi nomeado
commandante.
Em fins de 1828 Carvalho Mendonça seguiu para o Rio
de Janeiro , no anno seguinte matriculou - se na Academia
Militar, c em 1834 recebeu a carta de engenheiro geogra
pho e do curso de artilharia, havendo -se distinguido entre
os seus companheiros pelos seus talentos e applicação, o
que conquistou-lhe um premio no segundo anno do curso.
Neste periodo, de 1831 à 1833, serviu elle no batalhão de
voluntarios da corte, prestou valiosos serviços na quadra
revolucionaria da abdicação, e só deixou as suas fileiras
quando foi restabelecida a ordem publica, recebendo então
por taes serviços, um voto de agradecimento dado pela
Assemblea Geral.
Em 1834 veio á Pernambuco, organisou um corpo de
artilharia a pé, e foi incumbido do seu commando . Promo
vido a major por Decreto de 2 de Dezembro de 1839, a te
nente -coronel graduado em 1841 , teve então a commenda
de Aviz, de cuja ordem já era cavalheiro ; e sendo nomeado
inspector das fortificações da provincia, propôz ao gover
no os melhoramentos necessarios as mesmas , e apresen
tou um plano geral de defeza da costa .
Em 1845 desempenhou interinamente as funcções de
inspector do Arsenal de Marinha, em 1847 foi de novo no
meado commandante das armas por Decreto de 20 de Se
tembro, entrou em exercicio a 9 de Outubro , e terminou
esta commissão em 19 de Abril de 1848, quando partiu de
novo para a côrte .
Carvalho Mendonça representou honrosa e dignamen
te a sua provincia na Assembléa Geral Legislativa, duran
te os annos de 1838 a 1848, sendo que , na legislatura que
começou em 1842, teve assento na Camara na qualidade de
supplente.
Official intelligente e illustrado , contando em sua vida
immensos serviços ao paiz, quer scientificos como milita
res , e tambem como deputado, além de muitos outros, viu
se mal apreciado e preterido constantemente, e victima dos
odios politicos por suas idéas liberaes, foi esquecido, sof
freu injustiças, e depois de 40 annos de praça e de serviços
ao paiz, atravessando nesse longo periodo a quadra revo
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 673

lucionaria de Pernambuco e Ceará , e as lutas da indepen


dencia e da abdicação, e a campanha parlamentar da maio
ridade, tinha chegado apenas a tenente - coronel !
Manoel Ignacio de Carvalho Mendonça falleceu no Rio
de Janeiro , fora da cidade , a 13 de Abril de 1851, e foi sepul
tado na capella da imperial fazenda da Santa Cruz.
Frei Manoel de Macedo. Nasceu em Olinda no anno
de 1603. Foram seus paes , o Dr. Cosme Rangel, desembar
gador da Relação do Porto, e sua consorte D. Joanna Ca
valcante, oriundos de illustre e distincta familia .
Bem jovem ainda, deixou Manoel de Macedo os lares
patrios , seguiu para Portugal, ahi completou a sua educa
ção litteraria , e começou logo a engrandecer -se no pul
pito, conquistando os fóros de pregador notavel : entrou
no convento de S. Domingos de Lisboa , da ordem dos Pre
gadores, e terminando o curso da regra dominicana, foi
elevado ao presbyterato e graduado Dr. em Theologia . Ta
lento robusto , litterato distincto , orador eloquente e arre
batador, Frei Manoel de Macedo grangeou subida estima
e respeito, justissima homenagem que somente ao genio
e ao talento, as virtudes e sabedoria , são rendidas e tri
butadas.
Por esse tempo, gemia Portugal debaixo do jugo de
Hespanha, mas o fogo sagrado do amor e independencia
da patria ardia em lodos os peitos portuguezes, e as suas
chammas incendia vam , espalhavam - se e iam tomando
volcanicas proporções . A corte de Madrid , empenhada
summamente na posse e conservação de tão ricos domi
nios, attrahia , seduzia mesmo á sua causa , todos quantos
se apresentavam dotados de talento e illustração, e que
podiam exercer tal ou qual influencia sobre o animo e ten
dencia dos portuguezes ; e tão brilhante reputação tinha o
Padre Manoel de Macedo, que a côrte procurou attrahil - o ,
e assim- recebeu da duqueza de Mantura, D. Margarida
d'Austria, governadora então do reino de Portugal, a no
meação de seu capellão e pregador, honrando -o ao mesmo
tempo com a maior estima e consideração .
Quando rompeu a revolução patriotica , em 1640, que
deu o grito de liberdade e independencia da pataia, procla
mando rei a D. João IV , Manoel de Macedo achava - se em
Lisboa ; mas as suas relações com altas personagens e
ministros hespanhocs, os favores e as honras que rece
86
674 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

bera da corte de Madrid, tornaram -no suspeito ; e vingada


a revolução, foi arrastado ás barras do tribunal da incon
fidencia .
Manoel de Macedo, injustamente accusado, como au
tor da precipitada fuga de alguns fidalgos portuguczes
como partidarios da Hespanha, em 1641, gemeu largo tem
po nos carceres, e finalmente, depois de rigorosa prisão ,
de superar graves incommodos, privações e dissabores,
foi desterrado para as inhospitas regiões das Indias por
tuguezas. D. Antonio Caetano de Souza, na sua Historia
genealogica da casa real portuguesa , tratando deste facto ,
não affirma a intervenção de Frei Manoel de Macedo ; diz
apenas que era fuma, que os interessados deste negocio,
serviram -se da autoridade de Frei Manoel de Macedo , « re
religioso dominico de grande discripção, e com grande
applauso da nobreza. »
Achava - se pois Frei Manoel de Macedo desterrado nas
Indias, victimă innocente dos triumphos e louvores que
os seus talentos conquistaram dos hespanhóes, quando
a verdade dos factos fez reconhecer a sua innocencia, á
despeito de miseraveis intrigas ; e D. João IV , com a prova
nas mãos da injusta prisão e desterro do illustre domini
cano, ainda no calor da contenda , quando o exercito hes
panhol já se movia em marcha sobre Portugal, confere a
graça ao exilado de voltar ao reino, restitue -lhe a liberdade ;
e naturalmente ao reconhecimento da innocencia , diz o Dr,
Macedo, ajuntou-se a explendida fama do eloquente e pro
fundo orador sagrado para apressar a sua volta da India .
Mas os dias desse brasileiro distincto e celebre esta
vam contados . Recebendo o real decreto da restituicao de
sua liberdade, Frei Manoel de Macedo parte da India em
um navio com destino á Lisboa, e arribando a Angola, ahi
falleceu no anno de 1645 , longe da patria , mais defronte da
patria , e com os olhos no horisonte, em cujo fundo escon
dia -se a terra que lhe déra o berço, enviara o seu ultimo
adeus, as suas derradeiras despedidas, cerrando os olhos
á mesma luz do sol que saudara ao seu nascimento . Ter
minando a sua vida, aos 42 annos de idade, « digna pelos
dotes de que era ornado de ser mais feliz e prolongada , »
quando ante ella rasgava - se largo e explendido horizonte,
Frei Manoel de Macedo, o sabio e eloquente orador cujo
verbo inspirado conquistara applauso e renome, morreu
sem duvida ralado de desgostos, victima da injustica dos
homens
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 675

Mas os proprios contemporaneos lavaram a nodoa que


sobre elle lançaram , e a posteridade ergue monumentos as
suas glorias, sabedoria e virtudes. Autoridades compe
tentes, como Barbosa Machado, Conde da Ericeira e Frei
Pedro Monteiro, são pregoeiros dos seus talentos, tecendo
honrosos louvores ao seu merecimento , aos seus dotes e
virtudes .
Das producções de Frei Manoel de Macedo, apenas uma
é conhecida, escripta em hespanhol, lingua predominante
naquelle tempo, cujo trabalho tem por titulo :
Politica religiosa, y carta de un padre a um hijo. Sara
goça 1633 in 16 .
Esta obra foi traduzida em portuguez por Frei Manoel
de Lima, e impressa em Lisboa. Segundo Barbosa Ma
chado, consta de uma instrucção que dá um pae a seu filho,
do modo como se ha de huver com os religiosos, dos quaes
vac ser companheiro.
Manoel Madeira . Nasceu aproximadamente no pri
meiro quartel do seculo XVII. Homem de cor preta , de
humilde nascimento , mas nobre por suas acções, e por
seus feitos, Manoel Madeira conquistou na guerra da res
tauração de Pernambuco do dominio hollandez, um nome
honroso e illustre ; mas a sua memoria , como a de tantos
outros heróes, tem passado esquecida, porque a historia
celebrando os feitos gloriosos , essas cpopías de um povo ,
esquece quasi sempre os nomes de muitos d'aquelles que
os praticaram .
Devemos estas linhas consagradas a memoria de Ma
noel Madeira, á inclusão do seu nome em um documento
relativo ao mestre de campo Domingos Rodrigues Carnei
ro , em cujo documento vem uma succinta exposição dos
seus serviços, os quaes , julgados por sentença do Juizo
das Justificações, recahiram em favor do dito mestre de
campo Rodrigues Carneiro , seu sobrinho, por elle não ha
ver logrado a justa e merecida remuneração, a que por
tacs serviços tinha incontestavel direito .
A phase da vida de Manoel Madeira que tanto o nobi
litou , resume- se, pode-se assim dizer, na historia dessa
epopća pernambucanachamada - guerra da restauração do
dominio hollandez . Proclamada a revolta em 1645 , Manoel
Madeira reune uma companhia de homens pretos, marcha
aos acampamentos do exercito libertador, e penetrando na
tenda de João Fernandes Vieira que se achava á frente dos.
076 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

revoltosos , offerece os seus serviços e os daquelles que o


acompanhayam , recebe a patente de capitão, e assume ao
commando da companhia que havia reunido.
Na batalha de Tabocas, Manoel Madeira bateu -se com
as tropas hollandezas sob o commando do general Henri
que Hus ; pouco tempo depois tomou parle no combate do
encontro do rio Capibaribe, e logo após na batalha da Casa
Forte, em cujo feito cabiu prisioneiro o commandante em
chefe das forças hollandezas,
Uma noite, por ordem do seu mestre de campo, Ma
noel Madeira parte do acampamento, atravessa as linhas
inimigas, penetra dentro dos muros da fortaleza das Cinco
Pontas, agarra a um soldado hollandez, põe -no sobre os
hombros, e parte immediatamente ; porém cahindo sob as
vistas das sentinellas inimigas , é perseguido até ao Capi
baribe, e elle, sem largar a sua presa, lança -se ao rio, atra
vessa-o a nado, e consegue ganhar a margem opposta ,
ainda que ferido em uma perna. Este feito de coragem e
de audacia que praticou Manoel Madeira , foi-lhe de graves
consequencias ; o ferimento que recebeu , aggravou -se e
elle correu eminente perigo, mas salvou - se, ainda que alei
jado .
Esta aventura de Manoel Madeira, tem alguma cousa
de romanesca, e não parece indicar um plano de ordem
militar, mas sim a satisfação de alguma contenda com os
seus camaradas, na qual dicesse ter a coragem de ir a for
taleza inimiga, agarrar a um hollandez, pol- o ás costas e
trazel-o vivo ao seu acampamento. Seja como før, o facto
é real , e imprime no caracter daquelle que o praticou , uma
coragem immensa, um arrojo inaudito , e ao mesmo tempo
a sua temeridade, em desafronta talvez do seu brio posto
cm duvida .
Apezar de defeituoso em uma perna, cujos movimen
tos seriam sem duvida penosissimos, Manoel Madeira ain
da illustrou- se em outros feitos de armas ; e assim , elle foi
um dos heróes dos dois assaltos que os hollandezes deram
á Estancia de Henrique Dias, do combate da Campina do
Taborda, do encontro de Muribeca, da primeira batalha dos
Guararapes, e de outros feitos que são comoque estrophes
brilhantes d'essa soberba epopea que se chama - guerra
da restauração de Pernambuco .
Não finda ainda aqui a serie dos serviços prestados a
causa da patria por Manoel Madeira. Elles foram mais
além , e só terminaram quando Pernambuco entoou o hym
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 677

no da victoria pela terminação da guerra, e quando após a


capitulação do Taborda as tropas victoriosas marcharam
em triumpho pelas avenidas da vencida Mauricéa, a capi
tal do imperio batavo da America .
Manoel Madeira illustrou-se ainda na marcha que se
fez á ilha de Itamaracá e no rendimento da força que alli
havia ; na pendencia do sitio Imbiribeira ; no encontro dos
Afogados, e na peleja que houve em outro lugar do mesmo
sitio, em cuja occasião recebeu no hombro o ferimento de
um pellouro, do que muito soffreu, correndo a sua vida emi
nente perigo. Incumbido ainda uma vez de buscar nos
acampamentos inimigos um hollandez para servir de lingua
ou interprete do nosso exercito , Manoel Madeira com a
intrepidez e audacia que o caracterisava, atravessa os ar
raiaes contrarios, agarra a um hollandez , amarra - o, e en
tra com elle no seu acampamento ! Fazendo estas acções
e outras semelhantes na bateria e rendimento da força do
Rego, diz o documento de que nos servimos, apertando o
inimigo de sorte que se rendeu a partido, largando as for
ças do Buraco de Santiago, Barreta e Afogados, e tres casas
fortes cercadas de trincheiras e estacadas; passando noite
e dia com as armas nas mãos até se renderem as praças
do Recife, obrando tudo com satisfação, assim foram pre
enchidos por Manoel Madeira os ultimos dias da guerra
hollandeza, assim elle rematou o tecido da corôa de suas
glorias e façanhas militares .
Firmada a paz, livre Pernambuco do dominio hollan
dez , Manoel Madeira não continuou no serviço militar ;
mas em 1656 entrou no quadro do exercito , onde serviu
até 1 de Julho de 1683, em cujo dia falleceu . Soldado do
Terço de Henrique Dias, não sabemos até que posto che
gou ; no entretanto no tempo da guerra occupava o de ca
pitão ; assim como tambem ignoramos as recompensas
que tiveram os seus serviços prestados por essa occasião.
Homem de côr preta, vivendo em uma epocha de pre
juizos e preconceitos sociaes , talvez o seu merito e os seus
serviços de nada valessem áquelles de quem dependiam as
remunerações e recompensas dos esforços, dedicação, va
lor e heroismo; e realmente,Manoel Madeira nada obtive
ra de tantos e valiosos serviços que prestara , não só no
glorioso periodo da guerra da restauração, como depois
no serviço do exercito por mais de 31 annos, o que demons
tra a Carta Regia de 23 de Abril de 1688, que reconhecia os
678 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

seus serviços, e por elles galardoava a um seu sobrinho,


o mestre de campo Domingos Rodrigues Carneiro, 5 annos
depois do seu fallecimento .
Eis pois em largos traços a vida de um homem illus
tre e arrojado, bravo e audacioso , cujo nome, cujos feitos
a historia calou. Salvou - o porém do esquecimento a Carta
Regia de que fallamos acima, unico documento que serviu
nos de guia para traçarmos estas linhas em homenagem
á sua memoria .
Manoel Mendes da Cunha Azevedo . Nasceu a 2 de
Dezembro de 1797, e foram seus paes José Manoel Mendes
de Azevedo e D. Maria Placida da Conceição Mendes .
Concluindo os seus estudos primarios, estudou o la
tim , philosophia, rhetorica, geographia e geometria , se
guiu para Lisboa em 1824, e no anno seguinte matriculou
se na Universidadede Coimbra . Mas as commoções politi
cas de que Portugal foi theatro por esse tempo, e o acto do
governomandandofechar a Universidade, decidiram Men
des da Cunha a partir para a Italia , á terminar os seus estu
dos ; e matriculando - se na Universidade de Bolonha, rece
beu em 1830 o grao de doutor em Direito e em Canones.
Mendes da Cunha visitou então os principaes estados
da Europa , e dispondo do conhecimento de varias linguas,
especialmente da franceza, italiana e hespanhola, adqui
riu grande somma de conhecimentos, que ainda mais real
çaram a sua bella intelligencia, e o seu espirito já bastante
cultivado ; e resolvendo regressar ao Brazil após um anno
de viagem pela Europa , aportou a Pernambuco em 1831
com sua esposa , cujo consorcio contrahira na cidade do
Porto, em 1825 .
Mendes da Cunha foi logo nomeado guarda -mór da
alfandega desta cidade, o que não aceitou, e posteriormen
te foi despachado juiz municipal e de orphãos do Rio For
moso em 16 de Julho de 1835, juiz de direito da mesma co
marca em 20 de Abril de 1836, e em 7 de Setembro do mesmo
anno foi removido para a cidade do Recife , sendo effecti
vamente nomeado por Decreto de 17 de Setembro de 1838.
Magistrado rigido, justiceiro e independente , os seus
despachos e sentenças eram revestidos de erudição e lo
gica profundissimas ; e a honestidade de seus costumes,
a sua sabedoria e rigidez de caracter, e por conseguinte
sua justeza e imparcialidade, tornaram -se proverbiaes no
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 679

Brazil , e o seu nomeconsiderado e respeitado . Tendo por


maxima de que os juizes deviam ser fracos para com os
fracos, e forte para com os fortes, « nunca pactuou com o
potentado nem com o capricho ; punio sempre o delin
quente, attendendo ao crime, despresando a pessoa. Nin
guem em occasião alguma ousou peital-o nem corrompel- o,
porque sua rigidez era tão notoria que fazia recuar o mais
atrevido e intrepido. >>
Removido para a comarca do Ipú , no Ceará , em 1849,
por suas idéas politicas contrarias á situação dominante,
Mendes da Cunha não se curvou a humilhação de uma re
moção accintosa, permaneceu avulso , até que em 23 de Ju
lho de 1853 foi aposentado como desembargador da Relação
do Recife .
Representante de sua provincia no parlamento nacio
nal em trez legislaturas, e em muitas da assembléa pro
vincial de Pernambuco, Mendes da Cunha se ostentou ora
dor imponente, de logica profundissima, e de elevadosme
recimentos. Era timido, diz um seu biographo. A fortaleza
da sua logica , a sua elevada intelligencia, e mais que tudo
a independencia de seu caracter, eo seu genio um pouco
indocil, eram qualidades que o faziam respeitar; e ainda
hoje os seus eloquentes discursos parlamentares, são
apontados como modelos de logica e erudição .
Tratando da reintegração dos conventos da Gloria do
Rio de Janeiro , como dos de S. Bento e Carmo, e tambem
do hospicio dos Capuchinhos do Recife ,aos seus respectivos
religiosos, Mendes da Cunha pronunciou então um discurso
tão importante e honroso, que a Santa Sé, conferiu -lhe o ti
tulo de pregador evangelico, o primeiro com que foi honra
do um brazileiro . Na assembléa provincial , elle ostentou -se
vulto elevadissimo e proeminente, principalmente na ses
são de 1849, quando após a revolução liberal, sustentou e
defendeu intrepida e valentemente a causa do seu partido
e dos seus amigos politicos.
Desinteressado, de uma abnegação a toda a prova ,
sem vaidades e ambições, nunca usou do titulo honorifi
co que lhe conferiu a Santa Sć, não aceitou a chefatura de
policia desta provincia, que lhe foi offerecida, nem a sua
presidencia, assim como a do Maranhão, nem tão pouco
a pasta da justiça que lhe offereceu o Marquez do Paraná ,
na formação de um dos seus gabinetes. Ainda mais ; esco
lhido para a commissão da falla do throno, por occasião
da acclamação do actual Imperador, não aceitou as conde
680 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

corações das ordens de Christo e da Rosa com que foi agra


ciado, assim como não aceitou a commenda daquella ordem
que lhe foi conferida em 1855 .
Jurisconsulto de nomeada, qualificado mesmo um dos
mais profundos do paiz , já no fim da vida subiu a cadeira
de mestre, e foi lente da Faculdade de Direito do Recife, no
meado por Decreto de 23 de Abril de 1855. A 28 de Maio
teve lugar a inauguração da cadeira de direito romano , e
ao illustre professor o Dr. Mendes da Cunha, coube a hon
ra de, com o seu nome, marcar a era do ensino publico do
direito romano entre nós, pronunciando nesta solemnida
de um eloquentissimo discurso, no qual , a prudencia do
ancião, a sabedoria do mestre e a religiosidade do catholi
co formam o seu todo . Mendes da Cunha, diz um contem
poraneo, era ouvido como oraculo , considerado e respei
tado como sabio ; julgavam -no 0 – Justiniano brasileiro.
Mendes da Cunha publicou os seguintes trabalhos :
Conducta dos governos da Europa nas suas relações
exteriores. Rio de Janeiro, typ. de R. Ogier, 1834.
Rasões de appellação interposta pelo Dr. Felippe Lopes
Netto da decisão do jury para a Relação do districto, com
obseroações sobre o accordam que confirmou a decisão
appellada. Rio de Janeiro, typ . de F. de Paula Brito, 1850.
O Codigo Penal do Brasil, com observações sobre al
guns de seus artigos. Recife, typ. Commercial, 1851.
gunsObservações sobre varios artigos do Codigo do Proces
so Criminal, e outros da Lei de 3 de Dezembro de 1811. Per
nambuco, typ. da Viuva Roma, 1852.
Alem destes trabalhos, encontram - se mais os seguintes
que foram publicados no Diario de Pernambuco : diversos
discursos recitados por occasião da abertura da sessão do
Jury nas comarcas do Recife e Olinda , em os numeros de
26 e 29 de Julho e 28 de Setembro e 6 de Outubro de 1837 ,
27 de Agosto e 23 de Outubro de 1838, e 13 de Setembro de
1842 ; Discurso recitado na Faculdade de Direito por occa
sião da abertura da aula de Direito Romano, 30 de Maio de
1855 ; e uma poesia sob o titulo O caminho da Morte, e mais
um soneto , em 19 de Julho de 1842.
Mendes da Cunha trabalhava em uma obra de Direito
Romano , em dous volumes, em latim e portuguez, impor
tantissima obra que vinha reformar as Instituições de Wal
deck que servem de compendio na nossa Faculdade, quan
do a morte o sorprehendeu em 13 de Julho de 1858.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 681

Magistrado, parlamentar, jurisconsulto ,litterato e mes


tre , eis os titulos que engrandecem e nobilitam a memoria
desse vulto homerico, que honrou a toga de magistrado e
as bancadas da representação nacional, que foi juriscon
sulto notavel, escriptor distincto, e mestre abalisado, elo
quente e proficiente. « Meia duzia de homens como ó Dr.
Manoel Mendes da Cunha Azevedo, faziam a felicidade do
Brazil, se fossem comprehendidos. »
D. Manoel do Monte Rodrigues de Araujo , Conde
de Irajá . Nasceu na freguezia da Boa Vista a 17 de Março
de 1798, e foram seus paes João Rodrigues de Araujo e D.
Catharina Ferreira de Araujo.
Manoel do Monte Rodrigues de Araujo , que de simples
padre subiu a dignidade de principe da egreja da capital do
imperio, titular e coberto dasmaiores honras e dignidades,
nasceu em berço humilde e pobre, lutou com difficuldades
immensas, mas perseverou , vencen todos os obstaculos
que se lhe opposeram , e viu coroados todos os seus es
forços , satisfeitas as suasaspirações.
Perdendo seu pae ainda bem creança , sua mãe to
mou então o seu posto. Mulher dotada de animo heroico
e varonil, não desanimou ante a difficultosa situação em
que se viu, atirou -se ao trabalho, resignada e corajosa
mente, fez -se quitandeira, e assim conseguiu educar seus
filhos na mais honrada pobresa. Sim , não esqueçamos ne
nhuma destas particularidades da vida do principe da e
greja, do titular, e mais que tudo do sabio , porque isso
constitue mais uma grandeza, mais uma gloria para o va
rão illustre que somente por seu saber e virtudes subiu
do nada ás sumidades da grandeza . E o bispo Monte, o
Conde de Irajá , a todos repetia a humildade da sua origem ,
as lutas que sustentára para ser padre, o seu mais ardenté
desejo, a sua unica aspiração.
Sem meios e recursos, sem poder encetar a serie de
estudos necessarios ao sacerdocio, apenas concluiu as pri
meiras letras foi ser escrevente de um cartorio de tabel
lião, e á par dos trabalhos do seu pequeno emprego en
tregou -se aos estudos com uma dedicação heroica, com
uma perseverança in vejavel. Estudou philosophia com os
padres da Madre de Deus, geometria e mathematicas com
Frei Pedro de Santa Marianna, depois bispo de Chrysopo
lis , e ao mesmo tempo que se aprofundava nos conheci
87
682 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

mentos do latim , passou a estudar o francez, inglez e itali


ano e depois o grego .
Em 1817 entrou no Seminario de Olinda , repetiu alguns
estudos que já havia feito , e apenas concluiu o curso de
theologia moral , foi incumbido da regencia dessa mesma
cadeira de que acabava de ser discipulo. Concluindo os
seus estudos ao tempo em que se achava vaga a sé de 0
linda , partiu para o Rio de Janeiro , recebeu o presbyte
rado das mãos do bispo D. José Caetano da Silva Couti
nho , em 17 de Fevereiro de 1822, e veio celebrar a sua pri
meira missa em Pernambuco , consagrando assim esse ac
to, o mais solemne da vida do padre, á sua patria e á sua
familia .
Vagando por esse tempo a cadeira de theologia mo
ral do Seminario e posta à concurso , o Padre Monte a
presentou -se, foi o primeiro classificado e proposto, e no
meado pelo governo . Sequioso de illustrar -se ainda mais ,
apenas abriu - se o Curso Juridico de Olinda foi elle um
dos primeiros estudantes que se matricularam ; mas de
pois de cursar dous annos em que foi o primeiro premi
ado no acto dos exames, ao entrar no terceiro, foi cons
trangido a deixar a Academia , abandonando em meio os
seus estudos de direito tão brilhantemente encetados. Mas
elle continuou a estudar comsigo mesmo, e adquiriu taes
conhecimentos, que um dos ornamentos do fôro do Rio de
Janeiro disse ser elle não só um eminente theologo e cano
nista , mais tambem um abalisado jurisconsulto que lhe cau
sava muita inveja .
Inteiramente consagrado ao ministerio do ensino, e
aos seus estudos de direito e theologia, completamente re
tirado ao silencio de seu gabinete, o Padre Monte graças
a sua dedicação e ao bello talento que possuia, conseguiu
reunir avultado cabedal scientifico, e apesar da sua mo
destia e timidez , o seu nome era apontado como um dos
homens de mais sabedoria do seu tempo . D. Thomaz de
Noronha , um dos prelados mais illustres da diocese de 0
linda , dizia já nesse tempo do illustre sacerdote : 0 Padre
Mestre Monte, é um monte de sabedoria e de bondade.
Em 1837 os seus comprovincianos o sorprehenderam
com a eleição de deputado a Assembléa Geral. O Padre
Monte obedeceu, e tomou assento no parlamento nacional.
Sabio de gabinete, padre exemplar e patriota sincero, diz
o Dr. Raposo de Almeida, taes foram os traços de sua
physionomia politica quando appareceu no parlamento .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 683

A sua vida parlamentar, teve por principio politico defen


der a autoridade, e principio pessoal defender a religião .
Se ahi não brilhou pelo prestigio da palavra como seu il
lustre collega D. Romualdo, prestou com a sua variada
instrucção importantes serviços nas commissões de que
era membro. Ď. Romualdo com a palavra fallada, e D. Ma
noel do Monte com a palavra escripta, prestaram no par
lamento relevantes serviços á egreja brasileira , de que fo
ram os dous primeiros luminares .
Se , porém , o illustre deputado pernambucano não pô
de chegar á craveira do illustre metropolita D. Romualdo ,
continua o mesmo escriptor, nem por isso deixou de legar
paginas preciosas aos annaes do parlamento de então, um
dos mais gloriosos que temos tido no Brazil . Por occasião
de discutir-se a resposta à falla do regente, que pretendia
effectuar a confirmação dos bispos independente da auto
ridade exclusiva do pontifice romano, proferiu um dis
curso, que só por si é bastante a fazer uma reputação lit
teraria : esse discurso é substancial de doutrina , e bri
lhante de erudição .
Eleito bispo do Rio de Janeiro por Decreto de 10 de Fe
vereiro de 1837, quiz a principio recusar a mitra allegando
a falta de capacidade e a sua inexperiencia administrativa,
masimpellido por seus amigos á aceitar, foi preconisado a 23
de Dezembro do mesmo anno, e logo que as Bullas de sua
confirmação tiveram o beneplacito imperial, entrou no go
verno da diocese a 27 de Abril de 1840. A 24 de Junho do
mesmo anno recebeu D Manoel a sua sagração episcopal
na capella imperial, sendo consagrante o bispo de Cuyabá
D. José Antonio dos Reis , acto solemne a que assistiu a
familia imperial, membros de uma e outra casas do par
lamento, corpo diplomatico e immenso auditorio.
O Sr. D. Manoel do Monte, diz um seu biographo , foi
o homem providencialmente talhado para a diocese do Rio
de Janeiro.... Por suas altas virtudes , e sobre tudo pelas
da resignação e paciencia , pela sua illustração que nin
guem contestava, e pelo seu trato de uma affabilidade pro
verbial, tornou -se uma das glorias da nossa egreja , um
dos nobres orgulhos da sua provincia natal, e uma das ma
ximas honras do Brazil : o seu nome era sempre repe
tido ao par do nome immensamente illustre do Sr. D. Ro
mualdo.
Em 1845 D. Manoel acompanhou a S. M. o Imperador
a provincia do Rio Grande do Sul , e de volta visitou a de
684 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Santa Catharina, e por toda a parte recebeu inequivas pro


vas de consideração e acatamento, deixando entre todos
as mais gratas recordações das suas virtudes e proverbial
affabilidade
Porém durante o seu longo cpiscopado, duas ques
tões encheram -no de amarguras e dissabores, a primeira,
a competencia entre elle e o arcebispo da Bahia sobre a
sagração de S. M. o Imperador, e a segunda, a questão
Kerte, escrevendo sobre a primeira um folheto que publi
cou no Rio de Janeiro em 1841 sob o titulo : Opusculo so
bre a questùo que tivera o Exm . Arcebispo da Bahia e me
tropolitano do Brazil D. Romualdo Antonio de Seixas, com
o bispo Capellão-mór do Rio de Janeiro a respeito do mi
nistro a quem competiu fazer a ceremonia da benção eco
roação de S. M. o Imperador do Brazil.
Preterido em seu direito , D. Manoel submetteu a ques
tão ao conhecimento da Santa Sé, que a decidiu a seu fa
vor, ainda que resolvesse que tal decisão não fosse publi
cada durante a vida de D. Romualdo.
Tempos decorridos, escrevendo o arcebispo as suas
Memorias, disse o seguinte sobre esta questão : « Releva
declarar, que nunca tive a menor intenção de offender o
meu collega e antigo amigo ; e que nada me havia mais
sensivel do que o rasaibo ou rescentimento, que parece
haver deixado em seu , aliás tão generoso coração, essa
triste occurrencia, privando-me assim dos soccorros, que
eu me lisongeava de receber da sua interessante corres
pondencia, c coadjuvação de seus profundos conhecimen
tos , que sempre tive no mais subido apreço. » D. Manoel
tratando em sua obra Direito Ecclesiastico, do acto da sa
gração, disse apenas estas palavras : « () principal minis
tro da ceremonia , a que assistiram outros bispos , foi o
Arcebispo da Bahia , que S. M. o Imperador resolveu fosse
o consagrante, como metropolitano do Brazil. »
Eleito deputado pelo Rio de Janeiro, D. Manoel esqui
vou-se dessa honrosa incumbencia , inteiramente alheia
ás suas inclinações e desviadoras de sua missão pastoral .
Ainda em Pernambuco e simples padre, D. Manoel pu
blicou em 1837 o seu Compendio de Theologia moral para
uso do Seminario dle Olinda, em 2 volumes, obra esta que
pela sua importancia foi adoptada em Portugal, onde conta
diversas edições, independente das que tem tido no Bra
zil . Mas tarde publicou os Elementos de Direito ecclesias
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 685

tico publico e particular, em relação ú disciplina geral da


egreja, e com applicação aos usos da egreja do Brazil, em
3 volumes, impressos no Rio de Janeiro em 1857 – 1859.
Homem ornado de eminentes virtudes, era nimeamente
caritativo e zeloso do engrandecimento do povo pela in
strucção, e como tal mereceram -lhe especial cuidado o Se
minario Episcopal , e os estabelecimentos de educação e be
neficencia . A sua congrua, os rendimentos da mitra, e os
seus bens particulares, tudo consagrou á caridade e á bene
ficencia . Fallecendo seu irmão o conego João Rodrigues de
Araujo , herdou toda a sua fortuna, e em pouco tempo desa
pareceúella , e ninguem soube em que tinha sido empregado
o seu producto porque nada respirou . Mas depois de sua
morte, os hospitaes de Santa Catharina e da cidade de Cam
pos, e o Seminario, faziam publico a doação dos bensque
recebera . Por occasião da epidemia que assolou o Rio de Ja
neiro em 1856, deu tudo quanto tinha, e quando nada mais
The restava , sahe á esmolar o obulo da caridade publi
ca , e a somma que arrecadava passava logo ás mãos dos
pobres.
No seu episcopado de 23 annos, na sua vida de 65 an
nos, o amor das sciencias , o amor dos pobres, foram os
dous unicos nortes para onde se encaminhavam todas as
suas vistas. Sciencia e caridade, eis a sua unica missão
sobre a terra .
Conselheiro, capellão-mór do imperio, Conde de Irajá,
grande dignitario da ordem da Rosa , grã -cruz da do Cru
zeiro, e commendador de Christo , titulos estes conferidos
pelo governo imperial, tinha ainda a gră - cruz das ordens
de S. Januario e de Francisco I das Duas Sicilias, a gra
cruz de Santiago da Espada , de Portugal, e os titulos de
prelado domestico de S. Santidade e o de bispo assistente
ao solio pontificio .
D. Manoel do Monte Rodrigues de Araujo , falleceu a
11 de Junho de 1863 , e embalsamado o seu cadaver e re
vestido das vestes pontificaes , foi exposto por 3 dias na
sala do docel do seu palacio, convertida em camara ar
dente, sendo depois sepultado na capella do mesmo pala
cio, prestrando-sc-lhe honras e funeraes solemnissimos.
« Exclusivamente dedicado ao governo espiritual da
sua diocese, diz um seu biographo, o venerando bispo D.
Manoel do Monte não foi sempre feliz nesse grandioso mas
arduo ministerio . 'A's vezes um só defeito compromette , e
apouca o poder das mais preciosas qualidades. O unico
686 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

defeito de D. Manoel do Monte foi a sublime exageração


da sua bondade, e da sua admiravel humildade. Sabio, ca
ridoso até o extremo, tão modesto que vivia á arreceiar - se
da sua supposta ignorancia , humilde, timido, bom como
um anjo , com a innocencia de uma virgem á acreditar nas
informações de qualquer padre, que o quizesse enganar,
exemplo de todas as virtudes, e á julgar os homens sem
pre com indulgencia e com credulidade como que infantil,
na pureza das intenções de quem o procurava, homem
santo , o bispo D. Manoel do Monte compromettia todas as
suase singulares
gia e veneraveis
de acção severa e forte. qualidades
) pela falta de ener
« Elle foi a victima dos máos padres e de alguns dos
empregados da administração da sua diocese. Quando al
gum amigo, e algum padre de seu alto ministerio franca
mente lhe diziam que elle se deixava cahir em ardiz de
hypocrisia ou por exagerada credulidade em perfidos ma
nejos , o santo bispo respondia as vezes chorando : Como
hei depensar que alguem toma o trabalho de subir a ladeira
da Conceição só com o empenho abominavel de me enga
nar !... Não é presumwel tanta maldade!... mas eu pre
firo ser enganado á expor -me a julgar injustamente mal
daquelles que procuram o seu bispo. »
« A sua virtude, a sua moral transluz em breves pala
vras por elle proferidas um dia . Subindo a ladeira do morro
da Conceição para recolher -se ao seu palacio , D. Manoel
do Monte viu de longe dezenas de pobres mendigos senta
dos nos degraos , e enchendo a entrada principal do edifi
cio : surriu - se docemente, e disse aos padres que o acom
panhavam , apontando para a multidão de pobres : Eis alli
a guarda de honra do bispo. Eo bispo D. Manoel do Monte,
que viveu sempre com o mais modesto tratamento , sem
luxo algum e sempre restricto á mesa tão limitada , que era
quasi mesquinha para si , tinha as mãos cheias do pão da
caridade, e de ouro para soccorrer familias desafortuna
das, e a sua guarda de honra . »
« Quaesquer que fossem suas fraquezas, sua inconve
niente indulgencia, seus erros de bondade angelica no bis
pado do Rio de Janeiro, fôra indisculpavel ingratidão, che
garia a ser revoltante, criminosa injustiça não render cul
tos de admiração á memoria desse bispo, Manoel do Monte,
a quem poucos igualaram , e nenhum o excedeu em sabe
doria, e em virtudes sem jaça . Se não foi bispo, foi padre
modelo : no seu unico defeito como bispo , exaltou -se, apu
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 687

rou - se sua virtude como padre, e como homem . Mas o sa


bio não levou egoista , ou indolente sua sabedoria para a
sepultura . O sabio escreveu, e suas obras perpetuam seu
nome, á cuja gloria bastava aliás a santidade de sua vida
na terra . Obispo D. Manoel do Monte deixou a sua patria ,
e as sciencias ecclesiasticas , obras que os theologos mais
eminentes louvam , citam e applaudem . »
Manoel Pereira de Moraes . Nasceu no engenho Ca
rauba, freguezia de Tracunhãem , aos 20 de Janeiro de 1803,
e foram seus paes o capitão de ordenanças Manoel Pereira
de Moraes Campello e D. Anna Maria Rosa.
Em 1821 , ainda bem jovem , mas enthusiasmado no
santo amor da patria , Manoel Pereira de Moraes prestou
voluntariamente os mais relevantes serviços em prol da
liberdade e novo regimen constitucional, marchando en
corporado ás forçasde Goyanna contra Luiz do Rego, sem
que por taes serviços tivesse remuneração alguma. Em
1824, por portaria de 12 de Junho, foi incumbido de orga
nisar uma companhia de guerrilha em Pindoba , e nomea
do commandante da mesma; e concluindo a sua missão ,
marchou para o Recife, prestou grandes serviços á causa
da liberdade no ephemero periodo da Confederação do
Equador, merecendo sempre ser considerado pela sua dis
tincção, patriotismo e desinteresse .
Envolvendo -se em 1835 nos movimentos politicos que
tiveram lugar nesta provincia, o presidente Vicente Tho
maz Pires de Figueiredo Camargo lavrou uma portaria em
29 de Março, mandando - o prender e trazer ao Recife com
muita segurança, por ter - se revoltado contra o governo,
tomando armas epondo-se em campo e unindo-se aos sedi
ciosos Antonio e Francisco Carneiro Machado Rios.
Retirado inteiramente á vida privada, cuidando parti
cularmente dos trabalhos de seu engenho, mesmo assim
Manoel Pereira de Moraes jamais se eximiu de prestar os
seus serviços sempre que foram reclamados ; e exerceu
differentes cargos de policia em Iguarassú, foi juiz de paz
e vereador da Camara Municipal ; e entrando no serviço
da Guarda Nacional foi nomeado capitão da quarta com
panhia do batalhão daquelle municipio , em 1837, reforman
do-se no posto de tenente -coronel commandante do mesmo
batalhão em 13 de Março de 1848, e a 22 de Abril do mesmo
anno, foi nomeado coronel chefe da segunda legião da
Guarda Nacional de Olinda e Iguarassú .
688 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

No movimento politico de 1848, Moraes representou


um papel importante e foi um dos seus chefes . Rompendo
a revolução , elle foi um dos primeiros que se pôz à sua
frente, desempenhou a commissão de chefe de divisão, di
rigiu o commando das forças que atacaram Goyanna, em
13 de Dezembro, o combate de Cruangy, o do engenhó Ca
maragibe, em Serinhữen, e foi um dos chefes do assalto
do Recife em 2 de Fevereiro de 1849. Moraes fez parte do
Directorio da revolução, e depois do revez do dia 2, seguiu
com as forças para o interior da provincia, passou -se de
pois á Parahyba, e vendo perdida a causa que defendia,
voltou occultamente para o Recife e embarcou para os Es
tados -Unidos .
Durante a quadra revolucionaria, Manoel Pereira de
Moraes soffreu todas as vicissitudes e privações de uma
guerra desigual, sem preparos e sem recursos, mas sem
desanimar e encorajando a todos com o seu exemplo. In
trepido, corajoso, dotado de nobres e generosos sentimen
tos, são innumeros e tão notaveis os seus actos de cava
Theirismo e humanidade, que o proprio adversario escre
vendo a historia desse movimento , referindo um daquelles
actos, rende louvores ao homem corajoso e sensivel, que
resistiu aos seus para cumprir um dever de humanidade e
religiùo . Concluida a luta , e quando nenhum recurso mais
The restava, elle resigna -se a emigrar, e então dirige uma
carta a Borges da Fonseca justificando -se perante os ami
gos desse seu acto , pelo desamparo em que se viu , e protes
tando a sua lealdade e dedicação, lamentando a perda da
causa , mas que em taes circumstancias a permanencia do
movimento armado era reprovado e infructifero, e que elle
proprio estava compenetrado desta verdade, e que não se
sacrificassem inutilmente.
Manoel Pereira de Moraes permanecendo nos Estados
Unidos por algum tempo, passou depois para Portugal,
d'aili voltou ao Maranhão, e regressou então por terra para
Pernambuco , emprehendendo assim uma viagem extensa
e arriscada, em que soffreu crueis privações e trabalhos
immensos. Chegou em fim a terra querida da patria em
1852, foi amnistiado, e proseguiu na sua vida de agricul
tor, reparando as perdas que soffrera em sua fortuna du
rante o periodo revolucionario , mais abalada ainda pela
sua ausencia de trez annos . Accommellido de grave en
fermidade, deixou o seu engenho Inhamam , em Iguaras
sú , recolheu -se ao Recife, raqui falleceu a 20 de Abril de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 689

1858. O coronel Manoel Pereira de Moraes , foi um patriota


illustre e distincto , generoso e magnanimo , um homem de
virtudes eminentes, um cidadão prestimoso e de incontes
tavel merecimento .

Frei Manoel da Piedade. Nasceu em Olinda no anno


de 1572. O capitão João Tavares, um dos conquistadores
e fundadores da Parahyba, e sua mulher D. Constancia
Dias , foram os seus progenitores.
Manoel Tavares, pois era esse o seu nome no mundo
profano, entrou de noviço no convento de S. Francisco de
Olinda , professou aos 13 de Março de 1598 , e tomou nessa
occasião o nome religioso de Frei Manoel da Piedade .
Ordenado sacerdote, pouco depois fez parte da expe
dição da conquista do Maranhão do poder dos francezes,
dirigida pelo intrepido capitão Jeronýmo de Albuquerque.
« Com as virtudes e dotes da graça, que na sua alma re
luziam , diz um historiador, era elle adornado de outros
particulares da natureza , douto , sabio , e muito intelligen
te e versado na lingua brazilica do gentio . Por isso , além
de outras varias emprezas, em que era escolhido para pre
gador, e interprete desta gente, foi tambem enviado a já
referida do Maranhão ; » e assim , ao lado dos soldados da
milicia do rei, seguiam dous soldados da milicia divina :
Frei Manoel da Piedade e Frei Cosme de S. Damião .
Os Capuchos de S. Antonio , diz Berredo nos seus An
naes, parece, que já prognosticavam ao gremio da egreja
os muitos interesses que lhe grangeou esta expedição, por
que offereceram para ella dous religiosos, sorte que coube
aos Padres Frei Cosme de S. Damião e Frei Manoel da
Piedade ; o primeiro, que havia sido guardião no seu con
vento da Parahyba ; e o segundo da principal nobreza do
Brazil, e grande theologo ; e sendo ambos de uma vida
exemplar, e illustrados das maiores virtudes, deixaram
bem canonisado, por todos os principios, o acerto da es
colha .
Aos 23 de Agosto de 1614, partiu Frei Manoel da Pie
dade para o Maranhão, encorporado a expedição destina
da á sua conquista , e depois de uma longa e penosa jor
nada, chegou ás plagas maranhenses.
Grandes e valiosos serviços prestou este illustre sa
cerdote á causa que defendiam os portuguezes, e na pri
meira batalha ferida, portou-se briosa e heroicamente. Ber
redo , depois de enumerar os nomes dos principaes heróes
88
090 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
desse feito de armas, diz que « tambem grangearan a im
mortalidade da memoria em todas as funccoes do seu mi
nisterio , os dous religiosos de S. Antonio Frei Cosme de
S. Damião e Frei Manoel da Piedade, com novos creditos
das suas virtudes no constante despresó dos maiores pe
rigos.
A esse feito de armas, em que, por assim dizer, föra o
nosso beroc o commandante do esercito indigena, seguiu
Se una suspensão de armas por alguns dias, em cujo es
paço se empregou nos exercicios religiosos do seu minis
terio .
Temendo os francezes que os indios scus alliados,
se levantassem contra elles, não só pelo alcançamento ( la
victoria pelos nossos, como pela paz celebrada , suspeitan
cio que isto redundava em seu prejuizo, no seu captiveiro,
o general em chefe do exercito francez , solicitou de Jero
nymode Albuquerque o Padre Frei Manoel da Piedade, afim
de os conter © persuadir, pela fama que gosava não só
entre os indios, como tambem entre os proprios francezes.
Partiu pois Frei Manoel da Piedade para o campo dos
francezes em companhia do sargento-mór Diogo de Cam
pos, afim de persuadir aos indios de que nada receiassem .
foran na ilha bem recebidos, diz Berre :lo, primeiro no
forte de S. José que ficava defronte do nosso Guaxenduba
011 Santa Maria , é bem hospedados pelos francezes, onde
se detiveram todo aquelle dia , com parte no seguinte na
reduccio dos indios, sobre a desconfiança da presente
Tregoa ; e conseguida com felicidade, continuaram ambos
a sua jornada pelo continente.
Assim obtida mais esta victoria pacifica, voltou Frei
Manoel ao acampamento portuguez, e terminada a cam
panha, pela conquista e posse do Maranhão á coroa de
Portugal, regressou por terra á Pernambuco, onde já se
achava em 1617. Elles caminharam a longa distancia de
mais de 200 legoas de terra, diz Jaboatão , por caminhos
asperos, despidos de povo , e só habitados de varias na
coes de gentios, sem estrada , e vereda cerla , sem mais
provisão que, a quelhes ministrarão as herras que colhiam
e animaes que matavam os soldados e indios que os acom
panharam .
Neste mesmo anno de 1617, Frei Manoel da Piedade
foi eleito , em capitulo , guardião do convento de Ipojuca ,
cargo que exercel por 3 annos, passando em 1620 ao con
vento de Olinda, em virtude de haver sido incumbido da
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 091

regencia da cadeira de philosophia do mesmo conveuto ,


a qual deixou em 1627 , afim de tomar conta da sua guar
diania .
Neste cargo se conservou Frei Manoel da Piedade por
quasi 3 annos , até que viu - se forçado a abandonar o seu
convento em 1630, em virtude da invasão hollandeza.
Na luta ferida em Olinda entre hollandezes e portugue
zes, Frei Manoel da Piedade achou - se sempre nos lugares
demaior perigo, animando os nossos a pelejurem .
Vencedores os hollandezes, estava firmada a posse da
rica e opulenta villa de Olinda ; e então , despojados os re
ligiosos do seu convento , partem para o do Recife ,tendo a
sua frente o seu venerando prelado o Padre Manoel da Pie
dade, e aqui se installam .
Poucos dias depois, cabe a nascente povoação do Re
cife igual sorte a de Olinda . A queda do forte de S. Jorge ,
onde hoje campèa a modesta capella de N. S. do Pilar, lir
mada sobre os seus gloriosos baluartes, abriu as portas
do Recife ao exercito invasor; e então se viram os religio
sos privados desse novo abrigo que buscaram .
Frei Manoel da Piedade abandona então esta provin
cia e parte para o seu convento da Parahyba , « theatro
que lhe tinha o cio destinado para ultima prova do seu es
pirito, e coroa dos seus merecimentos. » Ao depois em
prehendem os hollandezes a conquista da Parahyba, e no
assalto que deram na fortaleza do Cabedello , em 11 de De
zembro de 1031, entre os herócs que a historia commemo
ra , destaca - se o vulto do heroico e venerando Padre Frei
Manoel da Piedade.
O Sr. José de Vasconcellos, descrevendo nas suas Da
tas celcbres do Brasil, esta pagina da historia da invasio
hollandeza, assim termina : « Por muito tempo durou it
pugna até que os hollandezes cedendo mais á súa fraquesa
que ao valor dos nossos, foram abandonando o campo,
sendo então metralhados pela artilharia do forte á propor
ção que se separavam da nossa gente . Este renhido com
bate custou ao inimigo 140 homens mortos, perdendo a
nossa gente 35 e ficando 42 feridos . Entre os primeiros
estavam os capitães D. João de Xereda , Sebastião de Pala
cio , D. Aleixo d'Aza e Belchior de Valadares, o alferes D.
Nicoláo de Placaola , e o Padre Frei Manoel da Piedade,
franciscano descalco. O seu fervor era tamanho , que an
don sempre no meio dos combatentes com um crucifixo
nas mūos animando os nossos . »
692 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Frei Manoel da Piedade, foi pois , com o seu exemplo ,


com o seu heroismo e com a sua abnegação , um dos he
róes desse feito d’armas, e no calor do combate, quando
uns e outros esforçavam -se e batalhavam denodadamente
em defeza da patria , inscrevendo com o seu sangue os seus
nomes de heróes nas paginas da historia, e quando o com
bate tornou -se em campo raso , a arma branca , um hollan
dez embebe nos peitos do heroico frade uma alabarda , c
tirando - a com força , descarrega sobre a sua cabeça novos
golpes, estendendo - o moribundo .
Serenado o combate, retirado o inimigo, Frei Manoel
da Piedade foi transportado ao convento , e dias depois,
aos 18 de Dezembro de 1831 , vôou aos céos aquella alma
piedosa, cheia de virtudes e patriotismo, « á gosar daquelle
premio, que por tantas obras de piedade, beneficio do pro
ximo, e virtudes christães era merecedôra. »
O convento de S. Francisco da cidade da Parahyba,
guarda os restos do illustre e virtuoso varão, Frei Manoel
da Piedade .
D. Frei Manoel de Santa Catharina . Natural da ci
dade de Olinda, filho de Antonio Cavalcante de Albuquer
que e D. Izabel de Gôes , D. Frei Manoel de Santa Cathari
na recebeu de seus paes condigna educação , abraçou a
vida religiosa , e entrou de carmelita observante no conven
to do Carmo de Olinda, onde fez a sua profissão.
Intelligente e illustrado, insigne theologo e excellente
pregador, na phrase do autor da Bibliotheca Lusitana, me
receu pelo seu merecimento e virtudes a nomeação do car
go de provisor do bispado, que lhe foi dado pelo bispo
diocesano D. Manoel Alvares da Costa , correspondendo
digna e honrosamente a essa distincção que lhe conferiu o
zeloso prelado.
Nas guerras dos Mascates que rompeu em 1710, D.
Frei Manoel prestou immensos e grandiosos serviços á
causa de sua patria. Celebrando o povo de Olinda uma so
lemnissima festividade a N. S. do 0', implorando o seu pa
trocinio afim de aplacar o mal que se julgava iminente, D.
Frei Marocl pregou com muita unção e eloquencia em todas
as novenas que precederam á essa solemnidade, e se dis
tinguiu por muitos outros actos nessa quadra afflictissima
porque passou esta provincia .
Quando o bispo D. Manoel Alvares da Costa teve de
ceder aos caprichos dos Mascates que obtiveram do go
DICCIONARIO BIOGRAPINICO 693

verno da metropole chamal- o á côrte , o illustre prelado


confiou á sabedoria e criterio de D. Frei Manoel de Santa
Catharina o governo da sua diocese em 1715, cargo que
acceitou pela gratidão e dedicação que lhe consagrava, e
que esmaltou com acertos e virtudes . Investido dessa au
toridade, narra um escriptor, D. Frei Manoel teve de lutar
com a indignação dos mesmos Mascates, c superou gran
des difficuldades, porém cumprindo briosamente as func
ções do logar eminente que occupava. Não pode todavia
escapar de ser, como foi, accusado injustamente na devas
sa do ouvidor Bacalháo , e conseguintemente perseguido ;
mas nunca foi preso, e a sua innocencia e os seus servi
ços tiveram depois justo reconhecimento, triumphando
assim das intrigas e violencias dos seus inimigos.
Deixando o governo do bispado de Pernambuco, D.
Frei Manoel seguiu para Portugal, exerceu o cargo de exa
minador synodal do bispado de Angra , e posteriormente
o de provisor do de Angola e Congo. Homem de elevado
merecimento por suas virtudes e sabedorias, pelos seus
serviços e honrosos precedentes, mereceu a honra de ser
eleito bispo da diocese de Angola , e apresentado por El-Rei
João V a S. Santidade em 20 de Maio de 1720, foi confirma
do e recebeu a sua sagração episcopal na egreja patriar
chal de Lisbôa a 14 de Julho do mesmo anno, sendo um
los assistentes o bispo que fòra de Pernambuco , D. Ma
noel Alvares da Costa, celebrando o acto o cardeal patriar
cha de Lisbộa .
Elevado a esta dignidade de bispo de uma das mais
importantes possessões portuguezas, D. Frei Manoel de
Santa Catharina partiu para Angola, fez a sua entrada so
lemne na cidade episcopal de S. Paulo de Loanda, e to
mou posse do governo da sua diocese no mesmo anno de
1720. Bispo , que honrou por suas virtudes e santidade a
mitra que cingiu em sua fronte nobre e esclarecida, gran
de theologo e pregador eloquentissimo, D. Frei Manoel foi
tambem escriptor de nota , mas a sua obra inedita Suave
harmonia sobreas cinco vozes ou palavras que fallou Maria
Santissima Senhora Nossa, obra que segundo informações
se conserva em manuscripto e se tem em muita estima,
talvez tenha desapparecido. Resta , porém , um seu traba
lho em resposta a uma carta do conselheiro de estado
Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 30 de Maio de
1722, na qual pedia informações sobre as missões do Con
go , em virtude de uma queixa dada pelos Capuchinhos
094 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

contra os padres das mesmas ; trabalho extenso , energico


e de argumentação logica, e que destruiu as queixas pro
duzidas pelos referidos missionarios. E este o unico tra
balho que nos ficou da penna do sabio bispo de Angola, e
que se encontra na obra do Visconde de Paiva Manso
Historia do Congo .
D. Frei Manoel de Santa Catharina falleceu no anno de
1737, e foi sepultado na cathedral de S. Paulo de Loanda,
deixando entre os seus diocesanos grata e veneranda me
moria, e um nome respeitavel e benemerito como bispo,
escriptor, theologo e orador sagrado.
Frei Manoel de Santa Thereza . Natural da cidade do
Recife , filho legitimo de Manoel Correia de Araujo e D.
Thereza de Jesus, Frei Manoel de Santa Thercza professou
a regra da Ordem Carmelitana, no convento de Goyanna,
a 14 de Fevereiro de 1744, e fazendo os seus estudos re
gulares no respectivo collegio , foi-lhe conferida a patente
de leitor de theologia .
Homem de talento superior e de reconhecida illustra
ção, Frei Manoel de Santa Thereza occupou os logares de
secretario da provincia no anno de 1799, e o de prior do
convento da Parahyba, eleito no capitulo celebrado em
1763. Neste cargo, prestou Frei Manoel importantes e reaes
serviços a religião e particular.nente a sua Ordem , e du
rante o longo espaço de 15 annos em que dirigiu o prio
rado da Parahyba, conseguiu fazer de novo a egreja do
seu convento , em cuja obra empregou a maior solicitude
possivel, despendendo não pequena somma de dinheiro
do convento, avultados donativos que pode adquirir entre
os moradores do logar, assim como o que obteve de seus
paes , bastantes favorecidos de bens da fortuna .
Concluindo a obra da egreja do convento da cidade da
Parahyba no anno de 1778 , exactamente quando deixou o
seu priorado, Frei Manoel de Santa Thereza legou -nos um
bello e magestoso monumento, uma obra de subido gosto
e valor artistico. E ' com effeito bella a egreja , que o Padre
Santa Thereza fez surgir das ruinas em que se achava,
segundo um escriptor ; ella é hoje apontada naquella pro
vincia como um dos seus magnificos templos, tornando- se
recommendavel, e tendo preferencia aos demais, pela sua
moderna architectura, elegancia e bom gosto , e sobretudo
por ser toda de pedra a sua construccio, até mesmo a talha
i relevo dos altares, columnas, nichos e tudo o mais que
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 693

concerne a belleza e disposições de um tal monumento, pri


mando ainda o polido do dourado sobre as mesmas obras,
o que tudo l'evela o apurado gosto artistico do seu fun
dador.
Recebendo dos seus superiores, dignos e merecidos
elogios, pelo reconhecimento e importancia dos serviços
que prestara, gosando em sua Ordem merecida estima e
subido conceito, Frei Manoel de Santa Thereza teve a hon
ra de ser escolhido visitador geral e reformador de sua or
dem , na provincia de Pernambuco, por Breve do Nuncio
Apostolico de Lisboa , de 20 de Fevereiro de 1799, e inves
tido desta subida dignidade, desempenhou com acerto e
intelligencia tão espinhosa quão importante e elevada in
cumbencia ; e no capitulo celebrado a 10 de Maio de 1781,
a unanime volação dos seus irmãos religiosos, elevaram
no a dignidade de provincial da Ordem .
Nomeado, porBreve de S. Santidade o Papa Pio VI, o
Dr. Frei José Caetano de Souza , religioso carmelita de Lis
bòa, visitador e reformador apostolitico da Ordem Carme
litana em todos os dominios da corôa portugucza, com po
deres illimitados de delegar a visita de alguns conventos
á outros religiosos, o Dr. Frei Caetano de Souza nomeou
seu delegado visitador e reformador o Padre Frei Manoel
de Santa Thereza , em 12 de Setembro de 1781 , não só da
provincia carmelita de Pernambuco, como especialmente
da provincia carmelita da observancia da Bahia, em vir
tude das grandes questões sobre jurisdicção que ahi se
suscitavami. Incumbido dessa importante commissão, Frei
Manoel deu começo aos seus trabalhos em Pernambuco,
e passando - se depois á Bahia á concluir os seus trabalhos,
desempenhou -os tão plena e cabalmente, que apresen
tando ao referido Dr. Frei José Caetano o relatorio da sua
commissão , recebeu merecidos encomios, e o mesmo vi
sitador apostolico passando-lheuma patente lionorifica em
3 de Outubro de 1782, dispensou -lhe estas palavras, que
bem revellam o seu merecimento co alto apreço em que
era tido entre os prelados superiores da sua Ordem :
« E attendendo muito mais aos relevantes serviços,
que o dito Rvm . Sr. Padre Mestre Provincial tem feito á Re
ligião, não só fazendo no convento da Parahyba uma egreja
desde os seus fundamentos, não só adornando -a toda , mas
tambem proximamente incumbindo -se da visita e reforma
da provincia da Bahi:, que lhe commettemos, e desempe
6.96 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nhou com zelo, prudencia e religião, do que somos plena


mente informados por alguns religiosos da mesma pro
vincia da Bahia ; portanto , esperando no Senhor lhe remu
nere todos estes serviços, somos servidos fazer e consti
tuir o Rym . Padre Mestre Frei Manoel de Santa Thereza,
actual Provincial e nosso delegado, como com effeito pela
presente o fazemos e constituimos perpetuamente con
ventual do nosso convento do Carmo do Recife .
Frei Manoel havendo desempenhado na suaOrdem os
cargos de mais elevação e confiança , coberto de honra e
dignidade, venerado e respeitado por tantos titulos de il
lustração, serviços e caracter religioso, teve de tragar no
ultimo quartel da sua vida o calix de amarguras, e tanto
teve de illustre e gloriosa a carreira de sua vida religiosa,
como de lastimosa e fatal o seu fim .
Deram -se na sua ordem scenas desagradaveis , narra
um escriptor, e houve uma epocha em que a paz do claus
tro foi alterada em virtude da celebração do capitulo, que
o Padre Santa Thereza, na qualidade de provincial, tinha
de convocar para eleger os novos prelados . Em 1784, um
Breve expedido pela Nunciatura apostolica de Portugal, e
impetrado pela rainha D. Maria , e com o seu beneplacito
regio, foi apresentado ao capitulo, em cujo Breve se desi
gnavam os religiosos para as respectivas prelasias, e dado
pelos Padres por subpreticio, procederam segundo as con
stituições claustracs no capitulo que celebraram a 6 de
Maio de 1784. Chegando este acto ao conhecimento da corte
de Lisboa , foi considerado como uma formal desobedien
cia , e immediatamente solicitado um outro Breve, foi este
expedido pela Nunciatura, contendo a nomeação dos no
vos prelados, e declarando nullo e irrito o mesmo capitulo .
Uma carta do ministro de estado dirigida ao governa
dor de Pernambuco ordenou -lhe, que, sem perda de tempo
se dirigisse em companhia do ouvidor geral ao convento
de Goyanna , fizesse reunir o capitulo e desse execução ao
dito Breve, o que teve logar em 13 de Setembro de 1785 .
Entretanto uma provação bem dolorosa aguardava aquel
les religiosos que haviam dado o referido Breve por sub
preticio e em virtude de uma Ordem Regia foram con
siderados desobientes, e como taes deportados para os
conventos de outras provincias ; e o Padre ex -Provincial
e Visitador geral FreiManoel de Santa Thereza seguiu para
o da Bahia, que lhe fôra designado para o seu desterro , o
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 697

mesmo convento onde outr'ora fôra recebido com todas as


honras e dignidades no seu caracter de Visitador Aposto
lico e Reformador da sua Ordem !
No fim de sua vida, ferido pelo raio do infortunio , exi
lado e cheio de desgoslos, Frei Manoel resignou - se á sua
sorte, e soffreu com humildade verdadeiramente christă o
seu desterro . Terminado este , não voltou a Pernambuco ,
e no convento da Bahia passou os seus derradeiros dias
de vida , e ahi falleceu em idade adiantada esse bemerito
soldadó da milicia divina, « que havendo fruido por suas
qualidades e talentos, as mais altas dignidades e subidas
honras na sua ordem , deixou murchar o vico dos louros
que conquistára , por lima dessas fatalidades.»
Manoel de Souza Magalhães . Nasceu na freguezia
da Sé da cidade de Olinda , e foi baptisado nessa mesma
egreja no dia 19 de Novembro de 1744, e foram seus pacs
o Dr. Antonio de Souza Magalhães e D. Maria José de Jesus.
Dotado de talento , cuidadosamente educado por seus
paes Manoel de Souza Magalhìes fez rapidos e brilhantes
progressos em seus estudos, e não menos no cultivo da
litteratura, a que se dedicou particularmente . Depois de
residir por algum tempo no Rio Grande do Norte , voltou
para Pernambuco, e fixando -se em Páo d'Alho, abriu um
curso de latim , e ahi residiu por 3 annos , desde 1768 até
1771 , e ao depois passou - se para a cidade de Olinda, onde
continuou no ensino da mesma disciplina por espaço de
7 annos
Em 1776 Manoel de Souza Magalhães resolveu abraçar
a vida ecclesiastica, fez o curso necessario , e os seus exa
minadores o declararam sempre muito digno , e sufficien
tissimo ; e na informação que deu a seu respeito o Padre
Manoel do Espirito Santo Saraiva, coadjutor da freguczia
de S. Pedro Martyr, o declara de estatura mediana, de cor
clara, olhos pardos e rasgados, cabello crespo ; é muito
bem procedido.
Ordenado presbytero em 1778 pelo bispo diocesano D.
Frei Diogo de Jesus Jardim , o Padre Manoel de Souza Ma
galhães, foi nomeado capellão do presidio de Fernando de
Noronha, por provisão do governador José Cesar de Me
nezes , de 9 de Outubro de 1780 ), risto ter o merecimento pre
ciso é necessario . Recommendando -se logo pelo seit ta
lento e por outros titulos de distincção, o Padre Magalhães
frequentou o pulpilo com muita acceitação e applausos .»
89
698 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Cultor apaixonado da litteratura, adquiriu solido e bri


Thante erudição, e foi poeta desde a sua mocidade, e as
suas composições, ainda que em numero limitadissimo,
recolhidas e publicadas pelo commendador Mello , consti
tuem o apanagio dos seus fóros de poeta .
Constam ellas de 3 canticos á N. S. da Penha e um
hymno a N. S. do Carmo, 4 sonetos, 2 glosas, e umas de
cimas em numero de 17 , offerecidas ao governador D. Tho
maz José de Mello, de quem , e do seu antecessor José Ce
sar de Menezes, gosou o Padre Magalhães particular es
tima e amisade ; cujas decimas desenvolvem este argu
mento :
Refutam - se os fundamentos
De alguns homens entendidos,
Que ralhão dos instruidos
Em outros conhecimentos :
Mostrão -se os merecimentos ,
E excellencias da poesia :
Que qualquer sabedoria
( Se não abusamos della )
A nossa ventura assella,
A nossa fama avalia .
Refere -se como causa dessas Decimas, diz A. J. de
Mello, a pouca consideração, senão claro despreso, com
que perante o governador se expressaram sobre a poesia,
descahindo um pouco no poeta ausente, alguns figurões ,
que alias por suas profissões e caracter, não deveriam
assim comportar-se . Nos versos de N. S. da Penha, diz
ainda o mesmo escriptor, parece-nos , que os leitores en
tendidos acharão com prazer um hymno sacro sublime.
Os gregos, cuja orelha era tão sensivel e delicada para o
numero, tinham reservado o pé dactylo para os poemas
heroicos: e he o que fez o Padre Magalhães empregando-o
em maior quantidade nessa primorosa composição. Os
similes, as mysticas e bellas alegorias, a riqueza dos ter
mos, e expressões, fortes e imitativas, a doçura e harmonia ,
o fogo e a unção desses poucos versos caracterisam a su
blimidade do seu cstylo ; pois que este, segundo D'Alem
bert, é o que faz reinar a nobreza , a dignidade e a mages
tade em uma obra, na qual todos os pensamentos são ele
vados, todas es expressões graves, sonoras e harmoniosas.
Alem dos versos recolhidos pelo commendador Mello,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 699

o Padre Lino do Monte Carmello Luna, na sua Memoria


historica e biographica do clero pernambucano, offerece
nos mais um soneto do Padre Magalhães feito ao natalicio
da rainha D. Maria I , em cujo dia se festejaram conjuncta
mente em Pernambuco os casamentos dos infantes de Por
tugal e Castella .
Sem contar com essas poucas , porem mimosas pro
ducções do Padre Magalhães, compoz elle duas obras, que
infelizmente perderam -se : O Monte de mirra , e uma tra
ducção em portuguez das Noites Clementinas , esta , como
declarou elle proprio em seu testamento feito 2 dias antes
da sua morte , fôra entregue ao Padre Congregado Manoel
José de Goes, para a fazer imprimir em Lisboa, e aquella
já estava á imprimir -se na officina de Galhardo, na mesma
cidade ; porem quer de uma como de outra, não ha noticia
alguma.
O Padre Manoel de Souza Magalhães falleceu aos 11
de Novembro de 1800 , e jaz sepultado na egreja de S. Pedro
do Recife .

Manoel de Souza Teixeira, Barão de Capibaribe.


Natural da cidade do Recife, oriundo de uma familia im
portante , rica e abastada, Manoel de Souza Teixeira seguiu
å vida militar, e foi promovido a alferes de caçadores do
regimento de linha do Recife por patente de 20 de Outubro
de 1808, e passou a segundo ajudante do mesmo regimento
por patente de 7 de Novembro de 1815 .
Em 1811 Souza Teixeira fez uma viagem à côrte do Rio
de Janeiro, e voltando começou a tomar parte nos planos
do movimento separatista que rompeu em 1817. As suas
idéas, o seu patriotismo, e as suas relações intimas com
Domingos José Martins, Padre João Ribeiro e outros pa
triotas, deram causa á ser preso no dia 6 de Março . Atira
do na fortaleza das Cinco Pontas, o rompimento da revo
lução abriu -lhe as portas do carcere, e elle começou a fi
gurar distinctamente nesse generoso movimento , que tinha
por fim a liberdade de sua patria.
Mallograda essa tentativa, preso e mettido em ferros á
bordo do brigue Carrasco , foi elle uma das primeiras victi
mas que seguiram para a Bahia ; e condemnado á degre
do perpetuo na costa d'Africa , foi-lhe commutada essa
pena, e permaneceu em prisão naquella mesma provincia,
até que a amnistia geral das cortes de Lisbôa, em 1821 ,
permittiu - lhe voltar a sua provincia .
700 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Souza Teixeira começou de novo a servir no exercito ,


c em 1830 se reformou no mesmo posto de ajudante do ex
tincto regimento de infantaria, por Decreto de 21 de Outu
bro ; e posteriormente passando a servir na Guarda Nacio
nal, reformou -se no posto de tenente - coronel commandante
do 5.º batalhão do municipio do Recife, por portaria de 14
de Dezembro de 1843 .
Nomeado presidente de Pernambuco por Carta Impe
rial de 18 de Fevereiro de 1841 , em consideração do seu
distincto merecimento , patriotismo e adhesìo a causa sa
grada da independencia do imperio, e mais qualidades re
commendaveis que concorriam na sua pessốa , tomou posse
da administracão a 3 de Abril, e dirigiu - a até 7 de Dezem
bro domesmo anno . Na qualidade de vicc -presidente, di
rigiu ainda o governo da provincia por duas vezes , sendo
a primeira de 5 de Junho a 11 de Julho de 1815 , e a segunda
de 19 de Abril a 27 de Maio de 1818 .
Administrador zeloso e consciencioso, honesto e dili
gente, Manoel de Souza Teixeira prestou valiosissimos
serviços a sua provincia, e ao deixar a sua primeira admi
nistração em 1845, um acreditado jornal desta capital inse
riu eslas palavras em suas columnas, louvando - o pelos
serviços que acabava de prestar: « Quem attentamente
tiver observado o estado desta provincia, não pode por
certo deixar de louvar os relevantes servicos do Exm . Sr.
Manoel de Souza Teixeira, cobril - o de bençãos, e recom
mendal- o a gratidão de Pernambuco, e do Brazil todo, ven
do que a sua vice -presidencia foi o balsamo consolador,
que veio cicatrizar todas estas feridas que se achavam
abertas, foi o iris de paz que veio remover a inquietação,
o susto, e a consternação, que já se ião apoderando dos
espiritos menos fortes, foi o sol radiante, que veio dissipar
o espesso nevoeiro, que ameaçava desabar sobre nossas
cabecas . »
Tal foi uma das situações em que lhe coube dirigir o
governo desta provincia , e tal o honroso desempenho que
The deu . Agraciado com o titulo de Barão de Capibaribe, com
as honras de grandeza, por Decreto de 2 de Dezembro de
1819, fidalgo cavalheiro da casa imperial, commendador da
ordem de Christo , e tenente - coronel daGuarda Nacional, es
tes titulos resumem o merecimento e patriotismo de tão dis
tincto cidadão, e a justa apreciação do governo aos serviços
que prestára ao seu paiz ; assim como o do reconhecimento
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 701

popular, as eleições de vereador da Camara Municipal do


Recife, cuja presidencia occupou , de deputado provincial
e de senador do Imperio . Manoel de Souza Teixeira falle
ceu a 11 de Agosto de 1861.
Martim Soares Moreno . Bem poucas informações
podemos obter sobre a sua vida, e absolutamente nada rela
tivamente as epochas do seu nascimento e fallecimento ,
filiação e outros dados de sua vida. Como ponto de par
tida, encontramos apenas, que, em 1603, ainda bem crean
ça, foi mandado na expedição de Pedro Coelho de Souza,
afim de aprender a lingua dos indigenas, expedição esta
que tinha por fim a descoberta do El Dorado. Mariim Soa
res partiu para a Parahyba, e dalli seguiu pelo interior do
paiz até a serra do Ibiapaba, no Ceará ; e conduziu -se tão
acertadamente, e conquistou de tal maneira a confiança e
affeição dos Tapuias, que tornou - se estimado e conceitua
do, á ponto de não consentirem na sua volta .
Pedro Coelho retirando - se sem nada conseguir, e desa
creditado mesmo pelas suas barbaridades e reprehensivel
comportamento , Martim Soares ficou , e manteve as rela
ções que conquistou dos indios, o que mereceu a sua no
meação de tenente da fortaleza do Rio Grande do Norte .
Servindo com distincção nas guerras de Ibia paba,moço de
espirito , « Martim Soares depois da retirada do capitão -mór
Pedro Coelho, sustentou sempre o credito com aquelles
Tapuias, e com ustaes respeitos, que até o seu principal
Jacaúna lhe chamava filho . >>
Incumbido em 1610 pelo governador geral D. Diogo de
Menezes , de fundar um estabelecimento colonial no Ceará ,
que servisse de avançada para outras fundações, porque
bastando o merecimento pessoal para qualificar o acerto
da escolha, concorrio nelle tambem a circumstancia tão es
pecial das attenções com que era tratado de todos os in
dios, » Martim Soares teve então a patente de capitão -mór,
deixou o Rio Grande e partiu para o Ceará, apenas acom
panhado de dous soldados, para não infundir no espirito
dos indios a idéa de guerras e hostilidades.
Escolhido o local apropriado á fundação da nova colo
nia, Martin Soares deu começo a fundação de uma egreja
sob a invocação de N. S. do Amparo, e ao mesmo tempo a
de um forte, obras estas que avultaram em poucos dias de
trabalho , pelo auxilio que lhe prestou o chefe Jacaua, o
702 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

qual apenas soube da sua chegada, e do objecto da sua


empreza , veio com a sua tribu e estabeleceu a sua aldeia
no sitio onde se achava Martim Soares .
Assim ficaram lançados os fundamentos da hoje cida
de da Fortaleza , capital do Ceará.
Por esse tempo appareceu alli um navio hollandez, e
Martim Soares reunindo um certo numero de indios, met
teu - se entre elles , tingiu o corpo com genipapo para se as
semelhar á côr delles, partiu com uma flotilha de canoas,
e foi abordar o navio . Os hollandezes não suspeitando do
ardil, foram tomados de sorpresa , e Martim Soares apode
rou-se do navio, tirou toda a sua artilharia , munições e
mantimentos , deixando - o partir depois.
Eternisou Martim Soares a sua fama , diz Berredo, e
ao mesmo tempo a reputação das armas portuguezas, nas
acclamações daquella victoria, que se fez ainda muito mais
importante pelas consequencias, pois esta noticia afugen
tou um outro navio hollandez que se achava perto .
Martim Soares viu - se completamente abandonado pelo
governo , e teria mesmo naufrado a sua empreza , se não
The valesse a ascendencia que tinha sobre os indios, a van
tagem de corresponder- se com elles em sua propria lingua,
co completo conhecimento dos seus uzos e costumes ; e
só muito tempo depois é que chegaram -lhe os primeiros
soccorros, que deviam ter seguido immediatamente a sua
partida, como se havia convencionado.
Em 1613, quando a expedição do Maranhão tocou no
Ceará, Martim Soares offereceu -se para fazer o reconheci
mento de toda a costa e pelo rio Maranhão acima, afim de
prestar informações exactas das posições occupadas pelos
francezes ; e quando terminou a sua missão e vinha expor
as suas observações, o seu navio foi arrastado á outro ru
mo pelos ventos e correntes, e foi arribar as Indias Hes
panholas. Martim Soares seguiu depois para a Europa,
deu conta da sua missão ao governo de Madrid , e em meia
dos de 1614 escrevia de Lisboa dizendo, que alli se acha
va , e informando que havia descoberto á colonia dos fran
cezes e reconhecido bem a sua força, e ministrando outros
dados, e relatando os obstaculos que encontrou á sua volta .
Em 1615 Martim Soares chegou a Pernambuco , e par
tiu para o Maranhão encorporado a expedição aqui or
ganisada pelo governador Gaspar de Souza , tomou parte
nas ultimas operações da conquista daquella capitania,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 703

tocando - lhe na distribuição dos pontos fortificados, o com


mando do districto de Cumá.
Nomeado governador da capitania do Ceará em 24 de
Maio de 1619, repelliu vigorosamente os hollandezes quan
do em 1624 tentaram a sua posse. No anno seguinte fize
ram ainda uma outra tentativa , e de novo Martim Soares
oppoz heroica resistencia, obrigando -os a retirarem-se bas
tante damnificados.
Em 1634 Martim Soares militava na campanha da in
vasão hollandeza em Pernambuco , tomou parte nocomba
te de Iguarassú em 25 de Janeiro, em 1 de Março foi assal
tar a povoação do Recife, empreza perigozissima, que não
surtiu o fim desejado, porque faltou - lhe o resto da tropa
que lhe fôra confiada, e em Dezembro marchou para o Rio
Grande afim de bater os indios Janduis ; mas acampando
no engenho Cunhaú, e constando -lhe que o inimigoia atacar
a Parahyba, não julgou prudente adiantar-se, e demorou -se
então, pela conveniencia que havia em sustentar aquelle
ponto. Sabendo porém da invasão da Parahyba,contra -mar
chou immediatamente seguido dos moradores daquella lo
calidade, e de um reforço de indios, e fez alto em Maman
guape, afim de impedir a passagem do inimigo que vinha
em sua demanda .
Depois partiu para o forte do Cabedello, conseguiu
passar por entre o estreito sitio em que o tinham os hollan
dezes, e deu as providencias necessarias á sua defesa .
Rendida a cidade, marchou com as tropas do seu com
mando para o interior, e acompanhou toda a marcha e
movimentos do exercito até que forçado pelas circumstan
cias emigrou para Pernambuco. Em Janeiro de 1635, quan
do o inimigo tomou a villa de Goyanna, foi elle um dos
capitães nomeados para o bater, e inutilisar todos os re
cursos de que podesse lançar mão ; e depois da rendição do
forte Bom Jezus seguiu com o exercito para as Alagoas , e
foi incumbido de diversas e difficeis commissões, taes como
a de occupar o posto do rio Una, percorrendo todas as pro
ximidades até Rio Formoso .
Tomando parte em todos os movimentos do exercito
em sua retirada para a Bahia, ahi permaneceu até que
rompeu a guerra da restauração, quando veio de novo mi
litar em Pernambuco . Martim Soares foi logo incumbido
do sitio da fortaleza de Nazareth, a qual se rendeu em 8 de
Setembro de 1645. Em Janeiro do anno seguinte coube-lhe
o commando da fortaleza do Arraial do Bom Jezus, e fi
704 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

gurou briosa e dignamente na primeira phase da guerra,


até que por ordem regia deixou o campo e seguiu para
Portugal.
Daqui por diante a historia não menciona mais o nome
de Martim Soares Moreno . Cremos que tomou parte ainda
na guerra da restauração de Portugal do dominio da Iles
panha, e lá terminou os dias de sua vida, vida glorificada
pelos seus feitos de mais grandioso valor e patriotismo.
Mathias de Albuquerque Coelho . Nasceu em Olinda
em fins do seculo XVI, e foram seus paes o do 3.º donatario
desta capitania , Jorge de Albuquerque Coelho , e D. Anna
de Menezes ; e seus avós paternos Duarte Coelho e D. Bri
tes de Albuquerque, e maternos D. Alvaro Coutinho e D.
Brites da Silva .
Mathias de Albuquerque seguiu a careira das armas,
em 1620 foi encarregado por seu irmão Duarte de Albu
querque , 4. ° donatario de Pernambuco, do governo desta
capitania, o qual dirigiu até 1620, quando seguiu para Por
tugal, cabendo - lhe ao mesmo tempo dirigir o governo ge
ral do Brazil , quando em 1624 a Bahia foi invadida pelos
hollandezes, e cahiu prisioneiro o respectivo governador
Diogo de Mendonca Furtado.
Por este tempo havia a capitania de Pernambuco al
tingido a um estado prospero e vantajoso, e Olinda a sua
capital, era uma cidade rica , luxuosa e opolenta , mas ao
mesmo tempo sem meios de defesa, e á par do seu explen
dor e magnificencia reinava a desorganisação social, e im
perava todos os vicios.
A Hollanda que acabava de firmar a sua independen
cia , atirou -se aos mares, e procurondo cortar todos os re
cursos da Hespanha, e assim concorrer para o seu abati
mento, lançou as suas vistas sobre as colonias portugue
zas debaixo do seu dominio , e o Brazil foi então o alvo dos
seus calculos politicos e commerciaes.
Não se ignorava na Ilollanda o estado em que se a
chava Pernambuco, sem meios de defesa e resistencia, a
sua marcha e desorganisação social , a depravação dos
costumes , tudo finalmente , assegurando por conseguinte
a sua empreza uim feliz resultado. Alem disto, os judeus
que haviam abraçado o Christianismo, e que por cautella
se refugiaram aqui, para se livrarem das tyrannias da in
quisição, sabendo que este horrivel tribunal vinha seres
tabelecido em Pernambuco , julgaram -se perdidos, e então
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 705

tomaram a desesperada resolução de auxiliar aos hollan


dezes, sob cujo governo se veriam livres da inquisição , e
no goso de suas crenças religiosas .
Mathias de Albuquerque achava-se em Portugal, quan
do ahi chegou a noticia de que se preparava na Hollanda
uma grande armada contra esta provincia, por ser, como
diz o conde da Ericeira , « a mais facil empreza pela debi
lidade das fortificações do Recife e da villa de Olinda , e pe
lo descuido dos portuguezes, a quem o paroxismo da lar
ga servidão havia suffocado o alento, e entorpecido os
braços . »
Recebeu pois Mathias de Albuquerque amisão de go
vernar Pernambuco, « por ser o mais capaz de se lhe fiar
esta empreza , porque além do seu valor e largas experi
encias , era Pernambuco de seu irmão mais velho Duarte
de Albuquerque Coelho, e aqui senhor de uma grande for
tuna » ; dando-se -lhe o titulo de superintendente na guerra
e visitador e fortificador das capitanias do Norte com total
independencia do governo geral da Bahia.
Mathias de Albuquerque par
Aceitando a commissão,
tiu para Lisboa, com ordens francas para que se lhe desse
toda a infanteria e munições necessarias; porém ahi che
gando, todas as suas vistas e diligencias foram frustradas,
e apenas pôde conseguir 3 caravellas equipadas por pouca
gente, e bem mal municiada.
Mathias de Albuquerque ao receber tão diminuto soc
corro para um paiz ameaçado, « protestou aos ministros
a perda e damnos que succedesse, diligencia inutil na fe
licidade e na desgraça dos que tomam por sua conta gran
des empregos ; porque, se se logram , não serve, e se não
conseguem não val. » Sem embargo, partiu de Lisboa sú
mente com uma caravella aos 12 de Agosto de 1629, acom
panhando - o apenas 27 soldados, e aos 18 de Outubro apor
tou a Pernambuco ; e apenas tomou posse do governo, co
meçou a dar as providencias necessarias, não perdendo
um só momento, um só instante . Percorreu os presidios ,
examinou as fortificações e achou tudo em tal estado de
ruina e desmantelo , « que se arrependera do posto que ac
ceitara se não fora maior o seu animo que todas as diffi
culdades . »
Porém este lamentavel estado não o desanima ; conti
nuou as obras de defesa do porto, attendeu á disciplina e
armamento da tropa, organisou mais duas companhias de
gente de mar, ordenou que todos os homens de armas do
90
706 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

interior da capitania e das visinhas e assim aos indios , es


tivessem preparados para acudirem onde se mostrasse o
inimigo ; e todas estas providencias e todo esse afanoso
trabalho a que se entregou foi impotente ante o poder da
fôrça inimiga. Mathias de Albuquerque, diz um escriptor,
dispoz tudo o que julgou util para a defensa ; porém como
havia de animar 60 leguas de costa , em que se contavam
26 portos capazes de desembarcarem nelles os hollande
zes , e a gente era pouca e mal disciplinada ? Não foi possi
vel que o effeito correspondesse a diligencia . »
Existia então para defender a praça uma guarnição de
130 homens, poucas armas e artilharia e mesmo assim
desmanteladas ; quatro companhias em Olinda , com 550
homens, outra no Recife com 100 e as do interior estavam
desarmadas e sem nenhuma disciplina. Luctando com to
das estas difficuldades, sem meios de fortificar -se para
oppôr -se a já sabida invasão , e sem elementos de outra
qualquer ordem , não era possivel que pudesse resistir a
um numeroso exercito, aguerrido e bem provido.
No entretanto Mathias de Albuquerque tem sido cla
marosa e injustamente accusado ; porem o juiso auto
risado de alguns contemporaneos taes como Brito Freire e
o Conde da Ericeira , vem restabelecer a verdade, pois elles
são accordes em asseverar que Mathias de Albuquerque
fez então tudo quanto estava a seu alcance .
« Já passou felizmente o tempo , diz Warnhagem , de
serem os escriptores obrigados a inventar falta aos agen
tes do governo para desculpar os erros destes . Quando
appareceram os desastres, não deixou de haver quem por
elles increpasse unicamente a Mathias de Albuquerque, e
ainda em nossos dias varios escriptores o teem censurado
de haver perdido tempo festejando com disparos de arti
Theria a noticia do nascimento de um infante ; como se
ainda assim fosse, não pudesse desse mesmo apparato
bellico resultar um protesto para o alardo de toda a mili
cia . A verdade em todo o caso é que o novo governador
nos cinco mezes menos quatro dias que esteve no seu pos
to, antes de se apresentar á esquadra inimiga , fez quanto
podia. »
Estavam pois , as cousas neste estado , quando chega
a esta provincia um patacho de Cabo Verde trazendo a no
ticia de que alli havia tocado uma poderosa armada hol
landeza , é que por intermedio de alguns soldados que sal
taram a terra, se pôde colher que o seu destino pra sobre
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 707

Pernambuco, aviso este que, em vez de produzir o desejado


effeito , serviu de argumento contrario ; e então conjectura
ram : Se esta frota se tivesse dirigido para o Recife, não
chegaria ella primeiro do que o patacho, que partio depois
della de Cabo - Verde ?
Entretanto , Mathias de Albuquerque, convoca em con
selho as pessoas que mais interesse deviam ter na de
fesa do paiz . Neste conselho deliberou-se que, nenhum
morador tirasse da villa pessoa alguma de sua familia,
nem cousa que pertencesse á sua fazenda. Consideraram
que sendo igualmente de todos o interesse, seria tambem
de todos o dever do empenho na defeza , e dos seus meios .
Alguns, porém , foram de opinião contraria, dizendo que,
cada qual pozesse a salvo o mais precioso e mais estimado
de suas familias, para que na occasião da defeza e do pe
rigo se empenhassem somente em sustental-a. Mas pre
valecendo a primeira opinião ,Mathias de Albuquerque pu
blicou um edital em nome de El-Rei, no qual ordenava aos
habitantes que se não ausentassem , e que nenhuma de
suas fazendas e haveres tirassem de suas casas . No en
tretanto , apezar desta terminante prohibição , foi tal a des
confiança, que os habitantes secretamente conduziram para
o interior a melhor parte das suas riquezas .
Oito dias depois da chegada do patacho, surgiu na
altura do cabo de Santo Agostinho a armada hollandeza .
Então, odesanimo, o temor e a consternação se espalharam
immediatamente, e pintavam - se em todos os semblantes .
Mathias de Albuquerque, porém , não desanima , acti
va os meios de defesa, encoraja aos timidos inspirando -lhes
a confiança com a sua presença em toda a parte, e arman
do a todos que estavam nas circumstancias de tomar parte
na defesa do paiz , chegou a formar um corpo de exercito de
2,000 homens e 100 cavallos, guarnecendo e fortificando
todos os pontos .
No dia 15 de Fevereiro de 1630, a armada hollandeza,
composta de 64 vasos, surge em frente do Recife, vistosa
mente embandeirada , e com todo o pano demanda a sua
barra . Tenta entrar no porto , mas não lhe sendo possivel,
destaca 16 vasos , e as suas tropas desembarcam em Páo
Amarello , marcham sobre Olinda, tomam -na de assalto , e
no dia 1.0 de Março estavam no Recife, com a quéda do.
forte de S. Jorge .
Mathias de Albuquerque envida todos os meios para
708 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

impedir o passo aos inimigos, combate à frente de suas


tropas, mas o numero e a disciplina dos hollandezes tudo
conseguiram . Com o intuito de cortar a communicação do
inimigo com o interior do paiz , fundou a fortaleza do Ar
raial do Bom Jezus , e fez outras fortificações, porém tudo
depois de longa e heroica resistencia , cahiu em poder dos
inimigos, e em breve tempo ficou Pernambuco possessão
hollandeza !
Obrigado pelas circumstancias, depois de uma lucta
heroica e de immensos sacrificios, Mathias de Albuquer
que abandona o campo ao inimigo , e concentra as suas
forças em Alagoas , onde se lhe offereciam mais vantagens
e meios mais faceis de proseguir na guerra ; levanta o
acampamento, e com todo o exercito e povo que o acom
panhava, embrenha -se pelo seio das mattas em penosa
peregrinação ás Alagoas.
Tal foi a ultima phase da guerra da invasão hollande
za no territorio pernambucano.
Mathias de Albuquerque, nesta guerra de infortunios
e privações , conquistou um nome immorredouro, o nome
deheróe. Cada pagina da historia da guerra da invasão
hollandeza, é uma pagina gloriosa da vida desse illustre
general pernambucano. Abra -se esta historia, e na dis
cripção dos seus mais brilhantes e notaveis episodios , en
contrar -se -ha a narração dos seus feitos heroicos e gigan
tescos. Mas sempre o infortunio a perseguil-o, sempre
guiado por uma funesta e má estrella .
El-rei Felippe de Hespanha o apreciava devidamente,
e lhe dirigia honrosissimas cartas , entre ellas a seguinte,
em data de 26 de Janeiro de 1631, quando em remuneração
dos seus serviços, e como galardão dos seus feitos, lhe en
viou o titulo de conselheiro de guerra : « Em consideração
« ao zelo e cuidado com que sempre me haveis servido, e
« do bem e do valor com que ultimamente procedestes na
« occasião da invasão de Pernambuco , em submergir e
« queimar os navios ; hei tido por bem fazer-vos mercè de
« nomear -vos do meu conselho de guerra , esperando que
a em tudo cumprireis com as vossas obrigações, como até
« aqui o haveis praticado ; do que vos hei querido advertir
« para que assim o tenhaes entendido. »
Bem bastavam por certo as singulares expressões desta
carta , diz o Marquez de Bastos nas suas Memorias Diarias
da guerra do Brasil, a honra e o premio que ellas invol
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 709

vem , para classificação do procedimento de Mathias de


Albuquerque neste successo ; mas ao odio e á emulação,
nada é sufficiente .
Não foi sómente com os inimigos que Mathias de Al
buquerque teve de lutar ; além da insufficiencia do nu
mero dos seus soldados , da sua disciplina , e do completo
abandono em que estava Pernambuco , outras circumstan
cias bem poderosas o inquieta vam bastante :--- a traição .
Lutando com o abandono da metropole, com a supe
rioridade do numero , e com a deslealdade daquelles que
tanto o deviam auxiliar, não era possivel que pudesse im
pedir o passo a um inimigo poderoso, que apoiado pelo
seu governo , cada vez mais audaz se ostentavā .
Em vão tentava Mathias de Albuquerque conter a in
vasão dentro dos limites das trincheiras erguidas ; priva
do de tudo, e sem poder receber auxilio algum pelo litoral ,
que era dominado pelos hollandezes, em breve a fome in
vadio os arraiaes pernambucanos.
A miseria entre os nossos chegou a ponto tal, que mui
tas vezes se deu de ração aos soldados uma espiga de mi
lho ! Para prevenir essa calamidade,Mathias de Albuquer
que mandou plantar mandioca , milho e varios ligumes .
A falta de polvora, era tambem extraordinaria , assim como
de balas para arcabuzes, sendo que, para remediar esta
ultima, lançou -se mão do chumbo das redes de pescaria .
Grandes por certo , foram os serviços prestados por
Mathias de Albuquerque, esse martyr da dedicação e do
patriotismo. Mas elle não era sómente um general illustre
ē distincto, um bravo e valente cabo de guerra ; possuia
outras qualidades que ainda mais o nobilitavam . Magna
nimo, caridoso , humanitario e generoso, abandonava o seu
quartel general, e quando se devia entregar ao repouso
depois das batalhas, elle entrava no abarracamento do
exercito , curava os feridos e enfermos , animava -os , pro
via-os de mantimentos e outros soccorros , tudo á sua cus
ta ! Para essas despezas, deu aos officiaes da fazenda real
4,000 ducados que lhe emprestaram , de que passou letras
sobre os seus bens, e com esse dinheiro suppriram -se al
gumas faltas das muitas que se sentiam , e deu ordem para
que se lançasse mão das fazendas que se encontrassem de
seu irmão, o donatario desta capitania.
A estes rasgos de magnanimidade e heroismo, varios
proprietarios vieram offerecer as suas fazendas, e os mais
proximos do acampamento, levavam para as suas casas
710 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

os feridos e enfermos, onde com mais cuidado e commo


didade eram tratados, do que no hospital do Arraial . Neste
lugar, escapou Mathias de Albuquerque de morrer suffo
cado, na occasião em que temeraria e corajosamente lan
çou-se a apagar uma bomba impregnada de materias ve
nenosas, que havia sido lançada pelos inimigos.
Eis pois o lamentavel estado de abandono em que se
viu . Em vão Mathias de Albuquerque reclamava para a
côrte, expondo as circumstancias, e pedindo soccorros
instantemente . Mas eram surdos aos seus reclamos, tudo
era baldado. Estavam pois as cousas nesse estado, quan
do foi sorprehendido por uma absurda ordem para que
entregasse o commando das forças e partisse immediata
mente para Lisboa !
Em Novembro de 1635 , chega a esta provincia uma
grande esquadra hespanhola e portugueza , a qual condu
zia um consideravel reforço, afim de activar a guerra, cujo
fim teria conseguido , se desembarcassem as tropas e mar
chassem sobre o Recife, apenas guarnecido por 200 ho
mens ! Mathias de Albuquerque ao receber a noticia da che
. gada desse poderoso auxilio, sentira por certo um prazer
immenso ; porém , quão estranhas eram as instrucções ré
gias que trazia o commandante daquelle reforço ?
Quando esperava marchar em defesa do patrio torrão,
usurpado pelo poderio da força inimiga, El-Reipor influen
cia e insinuação do seu ministro, o conde-duque de Oliva
res , arrancava o bastão de general das mãos daquelle que
por mais de 5 annos havia prestado os mais relevantes ser
viços ao estado , sacrificando -se, conquistando um nome
heroico c immorredouro , defendendo denodadamente a
causa da liberdade de sua patria !
Este procedimento inqualificavel, mereceu a reprova
ção geral não só aqui como em Portugal e Hespanha. Para
justificar-se, ousou o perfido ministro ajuntar a calumnia
ao insulto : fez circular que havia assim procedido, porque
Mathias de Albuquerque só desejava augmento de força
para , debellando os hollandezes, tornar - se independente,
e formar em Pernambuco um estado soberano !
Era pois necessario cumprir -se a ordem real , entregar
o commando a D. Luiz de Roxas e Borja, nomeado mestre
de campo general para o substituir, e partir para a Europa .
Desejou Mathias de Albuquerque seguir na mesma esqua
dra portadora da sua demissão, afim de evitar as fadigas
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 711

de uma penosa viagem por terra á Bahia ; mas a precipi


tação da sua partida não lh'o permittiu , e por isso vio -se
forçado a emprehendel-a, e caminhar para mais de 100
leguas por caminhos invios e escabrosos.
« Deixou este conspicuo chefe o exercito em 16 de De
zembro de 1635, diz Warnhagen , depois de haver milita
do com tanta constancia e firmeza no Brazil , durante 6
annos. O sentimento geral que se observou na sua partida,
serviria de fazer - lhe esquecer alguns desgostos anteriores.
Não cobrara jámais ordenados, e grangeára sempre mere
cida reputação por sua honradez e prudencia. " A julgar
pelas geraes demonstrações de sentimento que neste dia
appareceram , diz um escriptor contemporaneo, o marquez
de Basto ,podia elle com razão dar por bem empregados
tantos trabalhos e privações que nesta guerra supportou
pelo decurso de 6 annos , nos quaes procedeu do modo
que se pode inferir da leitura destas memorias, conforme
se vê de varios documentos, que de certo merecem mais
fé que os emulos inimigos, os quaes nisto o foram mais
capitaes do serviço de El-Rei que os proprios hollandezes ;
porque negando aquelles a verdade, estes confessavam ,
dizendo constantemente, que emquanto Mathias de Albu
querque lhes fez a guerra com esses poucos meios que
possuia , lhes fizera perder mais de 16,000 homens , sem
poupar sua pessôa aos maiores perigos nas occasiões em
que o conde Bagnuolo e outros lhes faziam protestos sobre
os riscos a que expunha tudo , expondo -se tambem a si ;
julgando difficultoso achar quem o substituisse se elle che
gasse a faltar . >>
« Devido somente aos seus esforços e actividade, muito
despendeu e soffreu o inimigo, antes de chegar a se asse
nhorear do paiz. Grangeara sempre merecida reputação
por sua honradez e prudencia, e o seu desinteresse e pro
bidade eram exaltados por seus proprios inimigos. Nunca
recebeu o soldo a que tinha direito , ficando o estado a de
ver - lhe mais de 36 mil ducados, e da sua immensa fortuna
muito gastou , e tanto que ficou empenhado. Não é menos
qualificada a prudencia com que governou por 6 annos tão
longe da Hespanha , em uma guerra tão licenciosa , e sem
pre com tanta falta do necessario para animar os solda
dos, mantendo a maior união entre nações tão bellicosas
e opiniosas , como hespanhoes , portuguezes, italianos, ma
melucos, indios e negros , sem que nunca apparecesse o
menor descontentamento . Certo ministro e conselheiro de
712 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

estado , de grande experiencia na guerra , quando isto lhe


chegou á noticia, louvou - o summamente como cousa mui
rara . »
Partiu , pois , Mathias de Albuquerque para a Europa,
e lá chegando, não foi gozar du premio dos seus serviços ,
e readquirir a vida quasi exhausta pelos soffrimentos e fa
digas dessa penosa guerra , lutando sempre com o infortu
nio e com a adversidade. Esperavam -n'o as sombrias pri
sões do castello de S. Jorge em Lisboa, onde logo que
chegou o encarceraram ! « Punia - se como crime o infor
tunio,'echamava -se impericia do general ao que fora apenas
desleixo do governo .»
Em observancia á carta regia de 31 de Janeiro de 1640 ,
a Mesa de Consciencia lhemandou tirar devassa pela perda
de Pernambuco , e por todo o seu procedimento como go
vernador desta capitania, a qual foi incumbida ao Dr. Fran
cisco Leitão ; e ainda em fins desse anno sé dava anda
mento no juizo dos cavalheiros ao processo que lhe ins
tauraram , quando rompeu a revolução de 1 de Dezembro
de 1640, e lhe abriu as portas do carcere .
Mathias de Albuquerque sahiu do carcere abatido por
tantos revezes e injustiças, mas fremente de vingança .
Apresenta - se a D. João IV proclamado rei de Portugal, offe
rece a sua espada em defesa da liberdade desse povo opri
mido, e aceito o seu offerecimento , elle vae organisar as
fortificações do Além Tejo e instruir o exercito dessa pro
vincia no exercicio das armas.
Mathias de Albuquerque parte para Elvas, e reconhe
cendo que esta praça estava em bastante estado de defesa ,
passa para Olivença, onde era mui necessaria a sua presen
ça , por ficar exposta além do Guadiana, a invasão dos
hespanhóes.
Deu começo ás obras de fortificação escolhendo os
pontos mais dominantes, e coadjuvado pelos moradores,
em poucos dias já estavam mui adiantadas, e os baluar
tes em sufficiente altura. Deixando as suas instrucções
para a continuação da marcha dos trabalhos, passou-se
para Elvas, deu andamento ás obras de fortificação, as
quaes terminadas, ficou estabelecida uma via de commu
nicação entre essa cidade e a de Olivença . Passou -se depois
para Campo Maior, approvou o plano das suas fortificações,
e para ainda maior defesa, accrescentou o baluarte de s .
Sebastião.
Quando voltou a Elvas, já achou formadas algumas
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 713

plataformas, montou a artilharia, e deu principio á fabrica


dos cavallinhos de friza, de que usou em muitās occasiões
de combate, com muita vantagem para a infantaria contra
a cavallaria hespanhola .
Em 1641 , D. João IV o nomeou Conselheiro de Estado
e quando rompeu a guerra , foi nomeado governador das
armas da provincia do Além Tejo . O primeiro rompi
mento teve lugar na cidade de Elvas onde elle se achava :
mas a sua disposição , o seu valor e a sabia execução de
suas manobras, conquistaram os louros da vicloria, co
briram de gloria as armas portuguezas.
Foi , pois, o heroico pernambucano Mathias de Albu
querque, o homem que na phrase do Sr. Pinheiro Chagas,
primeiro cingiu com a aureola da victoria a resurgida ban
deira de Portugal!
Porém os infortunios e os soffrimentos desse heroe,
ainda não estavam terminados.
Quando se descobriu a conspiração antipatriotica do
marquez de Villa Real e do arcebispo de Braga, as sus
peitas de D. João IV pela simples e ominosa informação
de um só homem , recahiram tambem sobre Mathias de
Albuquerque, apezar do absurdo dessa áccusação, indigi
tando como cumplice dos hespanhóes aquelle que fora
victima delles.
Constava apenas que o conde de Vimioso em uma
conferencia que tivera com o arcebispo de Braga, indiscre
tamente lhe perguntara se Mathias de Albuquerque entra
va na conspiração inferindo-o da co-relação que tinha com
o marquez de Villa Real . O arcebispo respondeu affirma
tivamente, sem mais motivos que lembrar-lhe, que Ma
thias de Albuquerque tinha em Madrid seu irmão Duarte
de Albuquerque Coelho , e que constava mais, que deter
minavam os conjurados mandar o bispo eleito de Malaca
a sondar -lhe o animo: falsos e pequenos indicios na ver
dade, diz um escriptor, para proceder -se desattenciosa
mente com um homem tão grande, tão leal e lão generoso ,
como era Mathias de Albuquerque !
No dia 28 de Julho de 1611 são presos esses dous per
sonagens e mais outros conjurados, e no mesmo dia man
dou El-Rei a Estremaz Manoel Lobó da Silveira , onde en
tão se achava Mathias de Albuquerque, afim de observar
o effeito que produzia nelle a noticia da descoberta da con
juração e da prisão dos seus cumplices, e que se informas
91
714 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

se em grande segredo de pessoas de maior confiança do


seu procedimento , « por ser mui pequenas as provas que
havia contra elle, e mui grande os seus merecimentos. »
Chegando Lobo da Silveira a Extremaz , procura infor
mar - se do procedimento de Mathias de Albuquerque, mas
ouvindo de preferencia aos seus inimigos estes sempre o
julgaram culpado em alguma cousa , e dando credito a to
das as falsas e apaixonadas informações, e sem esperar
por Martim Affonso de Melio nomeado para substituir Ma
ihias de Albuquerque no governo das armas, dirige-se a
siia casa, apresenta - lhe a ordem regia, e dá-lhe a voz de
prisão, infringindo desta maneira as instrucções que lhe
foram dadas, as quaes determinavam que , no caso de não
encontrar indicios bastantes contra elle, aguardasse a vin
da de Martim Affonso, porque ficando Mathias de Albu
querque privado do governo das armas , desappareceriam
todos os receios.
Sorprehendido ao receber semelhante ordem , Mathias
de Albuquerque não fez a mais leve opposição, e conhe
cendo a sua procedencia obdeceu ,e entregou todos ospapeis
e as chaves do archivo da repartição a seu cargo . A noite
partiu escoltado em uma liteira para Setubal, mas insul
iado, injuriado, coberto de maldições e de opprobios por
esse mesmo povo , que pela fama de suas gloriosas acções,
poucas horas antes lhe permittiam as honras do trium
pho ! Chegando a Setubal, foi encerrado na torre de Outao ;
mas foram taes e tão desordenadas as manifestações e in
sultos do povo , que o governo o transferiu para a torre de
Belém .
Porém , por bem pouco tempo permaneceu privado da
sua liberdade. Processados e condemnados todos os con
jurados, e executados no dia 29 de Agosto de 1641 o mar
quez de Villa Real, seu filho, Duque de Caminha , o Conde
de Armamur e D. Agostinho Manoel, examinaram -se as
culpas dos que foram presos, e não se encontrando provas
bastantes do seu compromettimento, foram todos postos
em liberdade: Mathias de Albuquerque, que havia sido
preso, não por sua infidelidade, mas sin victima de vis
inimigos, é escudado nos seus direitos e na sua honra ,
procurou que se investigasse rigorosamente o seu proce
dimento, o seu processo , tudo finalmente, e então com a
altivez da innocencia , ferido na sua honra é nos seus brios,
exigio que por justiça, e não por favores e graças, lhe res
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 715

tituissem o goso dos seus direitos , a sua honra e a sua


dignidade, e os titulos que pela sua dedicação, valor e he
roismo havia conquistado .
Fizeram - se então as maiores diligencias e pesquizas ;
especularam até as mais leves circumstancias, e a misera
vel calumnia e intriga dos seus vis inimigos cahio impo
tente, e Mathias de Albuquerque sahiu do carcere trium
phante, ea sua honra e fidelidade lustrosamente apuradas.
Entrou, pois , Mathias de Albuquerque no goso da sua
liberdade, e em 1643 já vemos o monarcha entregando em
suas mãos o bastão de general, « com grande satisfação
dos soldados, de quem era summamente amado, porque
nelle tinham um amigo e um protector, que não cessava de
prodigalisar -lhes todos os cuidados e commodidades . »
Empossado do cargo do commando do exercito e de
pois de diversas escaramuças, marcha a 29 de Setembro
de 16/3 sobre Arconchel e occupa o alto de um elevado
monte, e no dia seguinte ferindo batalha com o exercito
hespanhol, os louros da victoria coroaram as suas armas.
Antes de deixar Arconchel, manda reconhecer Figueira de
Fragas, e rendida esta praça, marcha sobre a Villa Nova
del Fresno, acampa em uma eminencia, e passa depois a
outros pontos.
Em 1644 parte Mathias de Albuquerque de Lisboa onde
se achava, a tomar conta do seu governo do Além Tejo ,
onde a guerra estava eminente e mostrava indicios de ser
disputada vigorosamente de parte a parte. Chegando a Es
tremoz, preparou tudo que era necessario para a futura
campanha ; neste interim , o castello de Ouguella foi ata
cado pelos hespanhóes, e quando Mathias de Albuquerque
soube desse acontecimento em Estremoz , marchou para
Elvas, destacou um corpo de exercito sob o commando de
D. Rodrigo de Castro a occupar e incendiar a villa de Mon
tijo , com seguida despede a D. Nuno de Mascarenhas á
queimar Membrulho.
Depois de todas estas disposições , Mathias de Albu
querquemarchou sobre Villar del Rei, praça grande e rica ,
entra nella facilmente, e a manda incendiar; e o mesmo
soffre Puebla e Roca de Mansancte. Dahi passa a Mon
tijo , lugar de grande estrategia , acampa e espera o inimi
go por 2 dias, e como este não o procurasse, segue para
Campo -Maior.
Neste mesmoanno
de Montijo, em terras da de 1614, feriucontra
Hespanha, -se a ocelebre
Barão batalha
de Mol
716 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

lingen . Nesta explendorosa pagina da historia portugueza ,


nesta famosa batalha, correu o illustre general Mathias
de Albuquerque grandes e iminentes perigos, aos quaes
afrontou com heroico denodo. Acode aos pontos de mais
renhida peleja , võa em toda a linha do exercito, e neste
desespero heroico perde o seu cavallo , e os inimigos lan
çam - se sobre elle. Então, vem em seu auxilio um dos seus
officiaes, Henrique Lamarte, valente francez, defende- lhe
a vida as cutiladas, e heroicamente despresando a sua ,
desmonta - se e offerece - lhe o seu cavallo . Revive a sanha
do combate, peleja -se corpo a corpo, braço a braço, e o
exercito hespanhol é derrotado, e a victoria vem coroar
as armas portuguezas.
« A victoria de Montijo, diz o Sr. Pinheiro Chagas, teve
uma influencia incalculavel, porque deu aos portuguezes
confiança em si mesmos , é foi a bellicosa sanção do mo
vimento de 1.º de Dezembro . »
Chegando a Lisboa a noticia dos feitos de Montijo , a
cuja gloria se associava o nome do illustre pernambucano
Mathias de Albuquerque, foi ella festejada com pomposas
e solemnes festas , e tal foi a importancia desta victoria das
armas portuguezas, que El-Rei D. João IV a noticiou a to
das as nações amigas, ufano de tão grande e explendido
triumpho, e lavrou um decreto conferindo a Mathias de Al
buquerque, o heróe de Montijo, o titulo de conde de Alc
grete, « como galardão do seu valor »
Neste mesmo anno de 1644, Mathias de Albuquerque
passa -se a Olivença e a fortificou ,c em 1646 foi pela terceira
vez nomeado governador do Alemtejo, com a patente de
capitão -general.
Terminou em fim a celebre guerra da restauração que
firmou o throno e a independencia portugueza, e Mathias
de Albuquerque fatigado, cansado e exausto de forças, pe
dio uma licença ao governo e recolheu -se a sua casa.
Bem pouco tempo, porém , logrou elle desse repouso
nutriente e vivificador, a sombra dos louros de tantas e
famosas victorias que alcançára. O ferro e a balas inimigas,
sempre o respeitaram , e vinham submissas cahir a seus
pés ; mas accommettido de uma gravissima molestia , ante
a qual todos os cuidados, todos os recursos da medicina
foram improficuos, succumbiu este famoso heróe, honra
e lustre desta terra aos 9 de Junho de 1047 , na cidade de
Lisboa .
O seu cadaver foi sepultado em um jazigo na egreja da
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 717

Trindade, co seu funeral foi celebrado com toda a pompa


e solemnidade, prestando -se -lhe todas as honras inheren
tes ao seu titulo de conde, a sua patente de general e as
suas condecorações e outros titulos.
Mathias de Albuquerque é um vulto monumental na
historia do Brazil e de Portugal . « Elle mecereu a opinião
que conseguiu , diz o conde da Ericeira no seu Portugal
Restaurado, porque era valeroso sem jactancia , entendido
sem desvanecimento , liberal por natureza e prudente por
esperiencia ; e logrou no Brazil e em Portugal valerosas
acções, com menos encarecimento do que mereceram . »
Mathias de Albuquerque Maranhão . Nasceu em
Olinda . Era filho de Jeronymo de Albuquerque Maranhão
e D. Catharina Pinheiro Feio, filha de Antonio Pinheiro e
D. Leonor Guardez ; pelo lado paterno era neto de Jerony
mo de Albuquerque, è da india D. Maria do Espirito Santo
Arco Verde .
Mathias de Albuquerque seguiu a vida militar, foi um
dos voluntarios da expedição do Maranhão, acompanhou
a seu pae, batalhou a seu lado, e como elle conquistou um
nome que a historia honrosamente menciona. Datam pois
os seus serviços de 1614, quando partiu para o Maranhão.
Levada a effeito a restauração dessa capitania do poder dos
francezes, Mathias de Albuquerque alli permaneceu em
companhia de seu pac, que ficou dirigindo - a na qualidade
de governador.
Em 1617 achava -se Mathias de Albuquerque no gover
no das aldeias de Cuma, pouco distante de S. Luiz, pos
suindo então a patente de capitão de infantaria. Ao tomar
conta desse cargo, encontrou elle o aldeiamento em com
pleta desordem , o trabalho sem regularidade alguma, e os
indios com muita altivez e assaz desconfiados da amisade
dos portuguezes, por se lembrarem das sinistras praticas
dos seus primeiros hospedes , na phrase de um chronista .
Procurou elle reduzil-os com suavidade á merecida
confiança, diz Berredo nos seus Annaes, e o conseguiu
com grande fortuna. Mandou levantar egrejas com a de
cencia que lhe foi possivel, e os indios penetrados da ver
dade catholica, não só publicamente reconheciam as con
veniencias que tinham grangeado na mudança da sua sii
geição, mas tambem se inclinavam com taes demonstra
ções ao culto divino, que cada dia davam maiores espe
718 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

ranças do seu amor ao christianismo; e vivendo tão con


formes, se emprega vam todos na cultura do campo com
geral utilidade . Obtido este resultado , ganha estas vanta
gens, e sem mais receiar dos indios, partiu para S. Luiz a
chamado de seu pae para tratar de negocios importantes,
deixando 30 soldados guarnecendo a aldeia .
Em sua ausencia , porém , levantaram - se os indios,
mataram todos os soldados, e resolveram passar a Tapuy
tapera, sublevar os indios d'ahi, e seguir depois á S. Luiz,
onde com os Tupinambas sorprehenderiam a cidade, e a
reduziriam a cinzas . No entretanto terminando Mathias
de Albuquerque os seus negocios em S. Luiz, voltava para
Cuma, e já se achava em Tapuytapera , quando chegam os
indios revoltosos. Immediatamente atacou -os com a pouca
tropa que trazia , obrigando -os a retroceder em vergonhiosa
fuga ; e com os soccorros que recebeu, marchou á perse
guil -os, e em seu alcance caminhou 50 legoas, « com um
nobre despreso das asperezas do caminho, » conseguindo
batel-os completamente ; e então voltou embarcado para
S. Luiz, á dar conta dessa inesperada empresa .
Em 1618, quando já não existia seu pae, e assumira ao
governo da capitania seu irmão Antonio de Albuquerque,
levantaram -se os indios Tupinambas, e caminhavam já
pelo rio Gurupy a unir -se com os de sua tribu no Pará ,
quando chegou a S. Luiz a noticia desse facto ; tomou en
tão o governador a resolução de os atacar em sua marcha,
« com a esperança de que venceria toda a difficuldade a boa
diligencia ,maiormente quando por acclamação universal
a encarregou a seu irmão Mathias de Albuquerque. »
A 24 de Agosto partiu a expedição, composta de 650
homens, e foi tal a sua marcha, « que venceu mais de 150
legoas pelas asperesas do sertão em tão pouco tempo ,
que até pareceu que não cabia nelle a mesma brevidade,
quando se reguava pela conta dos dias. » Perto do Pará
encontrou Mathias de Albuquerque o inimigo, e cabindo
sobre elle destroçou - o completamente, salvando -se os poul
cos que abandonaram o campo da peleja e internaram
se pelos bosques ; assim terminada à sublevação dos in
dios, depois de uma penozissima campanha de 4 mezes ,
l'egressou a cxpedição.
Deixando seu irmão o governo da capitania do Mara
nhão e seguindo para Portugal, Mathias de Albuquerque
partiu para o Pará, e em 1619 assumiu ao governo dessa
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 719

capitania, por occasião do fallecimento do respectivo go


vernador Jeronymo Fragoso, scu primo. Mathias de Al
buquerque tomou posse do governo e o dirigiu sem duvidas
nem reclamação alguma nos primeiros dias de Setembro ;
porém 20 dias depois depozeram- no , sob o futil pretexto de
que não era valida uma provisão do primo depois de sua
morte, a qual conferia -lhe o direito de o substituir em sua
falta .
Dessa epocha até 1630, nada encontramos relativo a vida
de Mathiasde Albuquerque; então achava-se elle na Para
hyba com seu irmão o governador Antonio de Albuquerque,
quando chegou a noticia da invasão de Pernambuco pelas
tropas hollandezas. Antonio de Albuquerque envia imme
diatamente um reforço em soccorro desta provincia , c no
meia commandante a Mathias de Albuquerque. Partiu
pois o pequeno reforço para Pernambuco ,e aqui chegando
foi aquartellado na ermida de Santo Amaro de Agua Fria ,
perto de Olinda , cuja estancia lhe foi determinada . A 6 de
Janeiro de 1831 , teve Mathias de Albuquerque occasião de
medir as suas armas com os hollandezes, no lugar chama
do então Olariras, e hoje Santa , a meia legoa de Olinda,
conseguindo vantajoso resultadó.
Distinguindo -se já no Maranhão, como em Pernam
buco , Parahyba e Itamaracá, Mathias de Albuquerque se
retirou para Portugalapós as conquistas dos hollandezes
no Brazil, e depois voltou para o Rio de Janeiro, onde che
gou em 1643, prestando ainda immensos serviços, como
se vê do Alvará de 26 de Maio de 1649, confirmando a pro
messa , que, da comienda de S. Vicente da Figueira, do
Mestrado de Christo, The havia feito El-Rei , « por haver
assistido a tudo o que se offereceu, acompanhado de cria
dos, desde 16 de Agosto de 1643, em que chegou aquella
capitania, alé 22 de Julho de 1616 ; e proceder sempre com
satisfação. »
Mathias de Albuquerque se conservou no Rio de Ja
neiro até 1655, e muitos concorreu para o apresto da arma
da que dalli partiu para a restauração de Angola, já com
o donativo que fez de 400 crusados, como tambem por
outros serviços que prestou , os quaes foram remunerados
com o nomeação de governador da capitania da Parahy
ba, por carta patente de 20 de Agosto de 1056 .
Partindo do Rio de Janeiro com destino a Parahyba ,
tomou posse do governo no dia 17 de Outubro de 1657, é
720 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

governou até o anno de 1663. Mathias de Albuquerque foi


na ordem chronologica o 12.º governador e capilão general
da capitania da Parahyba, e um dos que mais contribuiu
para o seu augmento e prosperidade. A administração
da justiça, a fortificação da praça , e o desenvolvimento
da agricultura , mereceram -lhe particular interesse ; e em
quanto a esta ultima parte , basta dizer, que, achando ape
nas na praça dous engenhos de assucar, quando deixou a
administração da capitania, elevava -se já esse numero a
42, e isso no curto espaço de 5 annos .
Daqui por diante nada mais sabemos da vida desse
heróe; cremos, porém , que retirou -se á vida privada , e
recolhendo-se ao seu engenho Cunhaú , no Rio Grande do
Norte, ahi terminou os seus dias em 1685, já em avançada
idade : Mathias de Albuquerque Maranhão , era fidalgo ca
valheiro da casa real , commendador da commenda de S.
Vicente da Figueira , da Ordem de Christo, e cavalheiro
professo de S. Bento de Aviz .
Miguel Rodrigues Sepulveda. Nasceu na villa de
Iguarassú e recebeu as aguas do baptismo na capella do
engenho Novo da mesma villa a 21 de Abril de 1699 ; foram
seus paes Carlos Teixeira de Azevedo, fidalgo cavalheiro da
casa real, e sua mulher D. Catharina de Faria .
Fidalgo cavalheiro como seu pac, rico e abastado , cdu
cado digna e esmeradamente, Miguel Rodrigues Sepulveda
desprendeu -se de todas as grandezas do mundo, despresou
elevadas posições a que podia attingir, foi ser padre, e
foi sacerdote de virtudes singulares, e de uma vida a toda
a prova exemplar. Passando o padre Antonio Fialho em
missão pela villa de Iguarassú , as suas palavras e o seu
exemplo, tocaram tão intimamente o coração do Padre Se
pulveda , que foi espontaneamente unir - se aos Padres Ma
noel David dos Passos, André de Souza Sepulveda e Sera
fim de Souza , que inteiramente segregados do mundo for
maram uma especie de retiro, onde se entregavam a todos
os actos de piedade, cuidando do serviço de Deus e do
bem espiritual do poro.
A resolução desses padres, os seus exercicios de de
voção e piedade , e particularmente as suas virtudes, leva
ram algumas senhoras a formar uma especie de congre
gação religiosa em suas proprias casas, tendo como con
fessores e directores de sua vida espiritual, aquelles mes
mos sacerdotes. Após 5 annos da mais exemplar vida pra
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 721

ticada por essas senhoras, o Padre Sepulveda emprehendeu


fundar uma casa apropriada em que ellas podessem viver
em communidade, e assim melhor empregarem -se no ser
viço religioso a que se haviam votado.
Communicando o seu projecto ao Padre Gabriel Mala
grida, missionario jesuita, incumbido da fundação de novos
recolhimentos no Brazil, e recebendo a necessaria appro
vação e consenso para a sua empresa, o Padre Sepulveda
espontanea e generosamente firmou uma escripturação de
doação de todos os seus bens, constantes de varios pre
dios e escravos, uma grande propriedade perto da villa de
Iguarassú e uma fazenda de gados no sertão.
Não sendo sufficientes os bens que doúra, quer para
a fundação do recolhimento como para formar o seu pa
trimonio, o Padre Sepulveda unido com os seus compa
nheiros resolveu acompanhar o Padre Malagrida em mis
são aos sertões desta e de outras capitanias, afim de a
genciar donativos para coadjuvação da obra. Difficeil e
trabalhosa foi a jornada do Padre Sepulveda, mas elle su
perou heroica e resignadamente todas difficuldades, e de
pois de 1 anno de peregrinação voltou á Iguarassú, deu
começo as obras do recolhimento , e no dia 1.° de Março de
1742, estavam ellas concluidas, cas senhoras faziam a sua
entrada religiosa nesse novo monumento erguido a virtude
ca piedade christà .
A solemnidade desse acto, narra um escriptor, foi so
bremodo tocante . Formadas em communidade, acompa
nhadas do Padre Sepulveda, se dirigiram á egreja matriz
dos Santos Cosme e Damião, confessaram e communga
ram , ouviram uma pratica analoga ao acto , recitada pelo
Padre Antonio Luiz de Sena Cavalcante, e depois segui
ram em numero de 20 com o protector e fundador de sua
nova casa, com os Padres companheiros do mesmo Se
pulveda, com o vice- Vigario da freguezia , o Padre Jono
Pereira Lima, e mais povo do logar, e assim entraram e
tomaram conta da sua casa .
Vendo assim coroados os seus esforços, satisfeito por
vér realisada parte da sua empresa, o Padre Sepulveda to
mou á si a direcção do estabelecimento, confeccionou os
seus estatutos, prescrevenu regras para o bom regimem do
claustro, e prodigalisou outros beneficios. Pouco tempo
depois, os creditos da casa deram -lhe grande affluencia de
recolhidas, e em tão grande escala , que as suas modestas
proporções já não permettiam accommodação para tanto .
92
722 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

O Padre Sepulveda tratou então da construcção de uma


nova casa mais commoda e espaçosa , obteve avultadas
esmolas, e no andamento da obra, elle proprio , acompa
nhado de seus escravos, ia as pedreiras, tirava com suas
mãos as pedras necessarias, e no silencio da noite as con
duzia para o recolhimento ; e depois de 5 annos de fadigas
e trabalhos, sem despresar os cuidados da direcção do es
tabelecimento, a idéa e realisação de uma outra empresa
o absorvia inteiramente : a fundação de uma egreja para
o mesmo recolhimento .
Passando a sua direcção aos cuidados dos seus com
panheiros, os preditos Padres, Sepulveda parte de novo
para o sertão , agencia avultados donativos, conclue a si
tuação de uma fazenda de creação, que havia começado o
Padre Malagrida, e após 2 longos annos de trabalhos con
sumidos nessa peregrinação volta a Iguarassú , dispõe os
materiaes para a obra , e em 1747 o bispo diocesano D. Frei
Luiz de Santa Thereza lança a primeira pedra fundamen
tal da nova egreja, sob a invocação do ss . Coração de
Jesus.
Nomeado vice- Vigario da egreja parochial de Goyanna ,
o Padre Sepulveda obedeceu a determinação superior, par
tiu para alli, porém jámais se esqueceu de prodigalisar as
religiosas todos os seus beneficios, e até os seus proprios
benesses elle os remettia para sustento do refeitorio . Ter
minando o seu vice-vicariato de Goyanna, o Padre Sepul
veda regressa á Iguarassú , dedica -se todo á construcção
da sua egreja, vel-a finalmente concluida, e a 30 de Janeiro
de 1758, o bispo diocesano D. Francisco Xavier Aranha
celebrava o acto solemne da sua sagração .
Assim , viu o respeitavel e virtuoso sacerdote, coroada
a grandiosa empresa da fundação da egreja e recolhimento
do SS . Coração de Jesus da villa de Iguarassú. Poucos ho
mens tem tido uma dedicação tão pronunciada, e um zelo
tão fervoroso no serviço de Deus, como o Padre Miguel
Rodrigues Sepulveda, segundo um escripto á seu respeito.
Na fundação da egreja e do recolhimento, elleconsumiu os
seus bens, suas forças e sua vida em fim , para receber de
Deus a avultada recompensa, reservada aquelles que assim
praticão.
Em 1768 falleceu o benemerito e virtuoso Padre Se
pulveda , a sua sepultura foi regada de lagrimas e a sua
memoria abençoada e santificada por todos aquelles a
quem havia prodigalisado toda a sorte de beneficios, e
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 723

especialmente pelas recolhidas, que sentiram á sua mor


te, a perda irreparavel de um bom pae, e generoso pro
tector
.

Miguel do Sacramento Lopes Gama. Nasceu na ci


de do Recife aos 29 de Setembro de 1791 . Foram seus
paes o Dr. João Lopes Cardoso Machado e D. Anna Ber
narda do Sacramento Lopes Gama.
Dedicando-se a vida ecclesiastica, entrou em 1805 como
noviço no mosteiro de S. Bento de Olinda , e depois seguiu
para a Bahia , onde continuou o seu noviciado no mosteiro
de S. Bento, ahi professou, e foi logo nomeado lente substi
tuto de uma das aulas do curso daquelle mesmo convento .
Demorando - se algum tempo na Bahia depois de rece
ber as ultimas ordens religiosas, regressou então á Per
nambuco, e recolheu -se ao mosteiro de sua ordem na ci
dade de Olinda. Frei Miguel dedicou-se ao ministerio da
predica, para o qual a natureza enriquecera - o de todos os
dotes. Figura elegante, alto, bella physionomia, olhar ra
diante, palavra facile eloquente, gesticulação e transportes
naturaes, taes eram os dotes que distinguiam -no ; e a tudo
isso unindo a sua intelligencia vigorosa, e a illustração
que ostentava em seus discursos , tornou - se um orador
sagrado de primeira ordem , conquistou louvores e reno
me, e o titulo honorifico de pregador da Capella Imperial .
Em 1817 Frei Miguel do Sacramento recebeu do go
vernador Luiz do Rego a nomeação de lente da cadeira de
rhetorica do Seminario de Olinda, o que foi confirmado por
Carta Regia de 20 de Setembro de 1821, e depois passou a
ler a mesma cadeira no Collegio das Artes, na qual con
servou - se até o anno de 1839, quando foi jubilado.
Nomeado em 1823 pela junta provisoria redactor do
Diario do Governo, ficou dispensado do exercicio da sua
cadeira ; em 1824 foi nomeado director da Typographia Na
cional , e pedindo a sua exoneração no anno seguinte, o
governo respondeu - lhe em officio de 6 de Agosto , que sen
tia não poder elle continuar na direcção da typographia, ú
prestar ao publico os uteis serviços que eram proprios do seu
patriotisnio, selo e saber ; e em 1826 foi nomeado visitador
das aulas primarias e secundarias da capital , e director do
Lyceo .
De 1829 a 1831, Frei Miguel empenhou -se na sustenta
ção das liberdades publicas, defendendo com toda a elo
721 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

quencia que lhe era propria, na gazeta - O Constitucional,


a monarchia constitucional representativa, contra as ideas
absolutas de uns, e as democraticas de outros.
Terminada a luta dos partidos que então agitavam o
Imperio , com a abdicação de D. Pedro I , dissolveu - se a so
ciedade absolutista do Recife- A Columna, e Frei Miguel
do Sacramento tomando por assumpto a sua iniciativa po
litica , escreveu um interessante poema em quatro cantos,
intitulado - A Columneida , em estylo heroi-comico, e abre
viada, mas engraçadamente, historiou a vida da Columna ,
discrevendo ao mesmo tempo os seus filiados. O Padre
Marinho Falcão, escreveu então um poema rebatendo a
Columneida, e denominon -0 – Migueleida, no qual, segun
do informações de pessoas dessa epocha, exclusivamente
se occupou de Frei Miguel; mas não publicou o seu poe
ma, e consta mesmo que o lançára ás chammas dias antes
de sua morte.
A instrucção publica teve em Frei Miguel um apostolo
dedicado e zeloso. Como mestre, elle sabia infundir aos
seus discipulos o respeito eoamor, e em jorros de eloquen
cia , inflammava -os e transmittia - lhes claramente toda a
riqueza de sua proficiencia nas materias que leccionava ;
e como escriptor, ahi corre como padrão de seu amor e
dedicação pelo magisterio , as suas obras, variadas em as
sumptos, bellas na forma e contextura .
Além dos seus trabalhos para o magisterio, a educação
em geral, mereceu -lhe tambem particular attenção, assim
como o estudo das sciencias e litteratura ; e na propaga
ção dos bons costumes e da moral, e no combate do vicio
e dos crimes, elle foi incansavel, manejando então a arma
do ridiculo muitas vezes , á crilica quasi sempre .
Tornado o ultimo arrimo de sua familia, Frei Miguel
impetrou da Santa Sé breve de secularisação , e deixou o
habito de religioso benedictino . Recebendo em 10 de No
vembro de 1839 a sua jubilação da cadeira de rhetorica,
occupou depois varios cargos, taes como a vice -directoria
do Curso Juridico de Olinda, em 1841 foi nomeado profes
sor da cadeira de eloquencia nacionale litteratura do Ly
ceo do Recife, passou em 1843 a reger a de lingua nacional,
e em 1848 foi removido para a de rhetorica ; em 1850 foi no
meado director do mesmo Lyceo ; em 1834 foi nomeado di
rector do Collegio dos Orphos, e em 1851 , director geral
dos estudos. Em todos estes cargos, Frei Miguel foi sem
pre o typo do empregado zeloso e intelligente, prestou a
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 725

causa da instrucção publica serviços reaes e valiosissimos,


mas em todo esse àfanoso trabalho, consagrava ardente
culto ús lettras , e os productos do seu trabalho fallam bem
alto do seu merecimento .
Deputado á assembléa provincial de Pernambuco, elei
to em 1852 representante da provincia das Alagoas no par
lamento nacional, o Padre Lopes Gama não desmentiù do
honroso mandato que lhe fôra confiado , e correspondeu
plenamente a sua missão de representante do povo.
No Rio de Janeiro, publicou no Marmota Fluminense,
do anno de 1852 , uma serie de artigos sob o titulo- Ophi
losopho provinciano na côrte a seu compadrena provincia,
artigos estes muito applaudidos e apreciados. Os primei
ros, tratam da cidade do Rio de Janeiro, seus usos e cos
tumes, civilisação, etc.; e os ultimos, da litteratura , espe
cialmente sobre a questão do classismo e romantismo, e
sobre o theatro, ostentando nesse trabalho uma riquesa
de erudição e conhecimentos immensos ; e no mesmo jor
nal, publicou tambem algumas producções poeticas, sob o
pseudonymo -- O Solitario , e um artigo sob o titulo-- A mu
lher e o seu caracter .
Nas columnas do Diario de Pernambuco, muito escre
veu , c entre os seus artigos ahi publicados, notam -se, uma
Traducção da 7." meditação de Lamartine-Bonaparte, em
o numero de 11 de Outubro de 1841, e sob o titulo Littera
tura , uma serie de artigos litterarios, em os numeros de
8 de Junho a 17 de Setembro de 1836. Dos seus trabalhos
publicados, encontramos os seguintes :
Memoria sobre quaes são os meios de fundar a moral
de um povo. Trad . do francez do Condé de Destutt de
Tracy. Pernambuco, typ . Fidedigna, 1831.
A Columneida. Poema heroi-comico em quatro cantos.
Pernambuco , typ. Fidedigna, 1832 .
Refutaçdo completa da pestilencial doutrina do interes
se, propalada por Hobbes, Hobac, Helvecio, Diderot, J.
Bentham , e outros Filosofos sensualistas e materialistas,
ou introducção aos principios do Direito Politico de Hono
rio Torombert, (trad .) Recife, typ . de M. F. de Faria , 1837 .
Principios geraes de Economia Publica e Industrial, em
forma de conversações,por P.H. Susanne. (trad .) Pernam
buco , typ. de M. F. de Faria, 1837 .
Á religião christă demonstrada pela conversão e apos
tolado de S. Paulo, por Lytelton. ( trad .) Pernambuco , typ .
de M. F. de Faria , 1839.
726 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Novo curso de philosophia redigido segundo o novo


programma para o bacharel em lettras. Trad. do francez
de E. Geruzez. Pernambuco , typ . de M. F. de Faria , 1840 ,
(2.a edic.)
Codigo criminal pratico da simi-republica de Passa
mão na Oceania, organisado segundo os principios dopro
jecto da Constituição - republico -demagogico - do Dr. Mar
che-marche. Pernambuco, typ . de M. F. de Faria , 1841.
Este escripto não traz o seu nome, mas geralmente
lhe é attribuida a sua autoria .
A pharpeleida, ou principio, meio efim das filhas de
Jeruzalem , com seus visos de poema. Pernambuco, typ .
Imp. de L. I. R. Roma , 1841 .
Este escripto está nas mesmas condicções que o an
tecedente .
Lições de eloquencia nacional. Rio de Janeiro, typ. Im
parcial, 1846 , 2 vol.
Desta obra ha uma segunda edicção impressa em Per
nambuco, na typ . de Santos e Comp ., em 1851.
Observações criticas sobre o romance do Senhor Eu
genio Sue, o Judeu errante. Pernambuco , typ . de Santos
e Comp . , 1850.
Huma lição academica sobre a pena de morte. Trud .
do italiano de Carmignani. Pernambuco, typ . de M. F. de
Faria , 1850 .
Dos deveres dos homens. Discurso dirigido a um man
cebo. Trad . do italiano de Silvio Pellico. Pernambuco, typ .
de M. F. de Faria , 1852. (2.a ediç . )
Selecta classica para leitura e analyse grammatical nas
escolas de instrucção elementar, e para analyse oratoria c
poetica nas aulas de rhetorica. Pernambuco , typ . de San
tos e Comp., 1866, 2.a ediç.
Estes trabalhos que vimos de enumerar, os seus arti
gos de collaboração nos diversos jornaes desta provincia
e da córte do Imperio, e o seu jornal - 0 Carapuceiro, são
titulos que bastam á conferir ao illustre sacerdote, lugar
muito elevado entre os litteratos e jornalistas do Brazil. o
seu jornal O Carapuceiro, cuja publicação começou a 7 de
Abril de 1832, é um dos periódicos mais interessantes que
tem sido publicado nesta provinca. Pequeno, constando
apenas de 4 paginas, e sahindo uma vez por semana, o Ca
rapuceiro era lido com interesse e avidez, pelos seus va
riadissimos artigos sobre politica e litteratura , primando
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 727

os de educação , moral e critica, além de uma secção de


variedade, constante de poesias, anedotas, contos e ou
tros escriptos desse genero.
Consagrou, pois, o Padre Lopes Gama a sua vida que
attingiu a idade de 65 annos , as lettras, a educação da mo
cidade, a patria e a humanidade. Não cabe no resumido
espaço do plano adoptado nesse nosso trabalho, particu
larisar todos os actos de sua vida ; procuramos de pre
ferencia tornar mais saliente os de sua vida publica , e os
seus trabalhos litterarios, isto é, simples datas e sua enu
meração .
E o que lhe coube como galardão de tantos serviços,
que premios, que remuneração teve esse apostolo da ins
trucção publica, esse litterato distincto , esse sacerdote e
pregador illustradissimo? Viver na mais excessiva pobre
za , e com as honras de conego e pregador da Capella Im
perial, e a commenda da Ordem de Christo !! ...
O Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama , falleceu
aos 9 de Dezembro de 1852, e o seu cadaver foi sepultado
no Cemiterio Publico da cidade do Recife.

Nicolao Paes Sarmento . Nasceu na villa do Cabo de


S. Agostinho, em meiado do seculo XVII. Foram seus paes
Francisco Paes Sarmento e D. Maria Francisca Coelho .
Fazendo em Pernambuco os estudos necessarios á vida
ecclesiatica , ordenou-se sacerdote, seguiudepois para Por
tugal, matriculou -se na Universidade de Coimbra, douto
rou - se em canones .
Crcando - se por esse tempo o bispado de Pernambuco ,
foi o Dr. Sarmento investido da dignidade de deão da ca
thedral de Olinda, exercendo tambem os cargos de provi
sor do bispado, de vigario geral e visitador.
Rompendo a guerra dos Mascates em 1710, e subindo
ao governo da capitanta o bispo diocesano D. Manoel Al
vares da Costa , tornou -se o alvo das injurias dos masca
728 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

tes , que pretendiam erigir o Recife em villa . Nestas cir


cumstancias, o deão Dr. Sarmento convoca o clero , e pro
põe -lhe a creação de um batalhão sagrado para a guarda
e defesa do prelado, e aceita a idéu , foi creado o batalhão ,
e elle investido da dignidade de coronel commandante .
O Dr. Sarmento pelo seu talento e illustração, e por sua
influencia e criterio, tornou - se o braço direito e conse
Theiro do bispo. A ' frente de seu batalhão composto de to
dos os clerigos, com seus escravos , e de grandeparte das
principaes pessoas desta capitania, deste batalhão que na
phrase do padre Joaquim Dias Martins, tanto electrisou as
tropas seculares da nobresa , e que a elle deve-se em grande
parte os triumphos daquella guerra, dir -se -hia que o Dr.
Sarmento era um homem affeito as lutas marciaes, e nào
um sacerdote.
Ao romper a guerra, o bispo delegou o Dr. Sarmento ao
campo dos Mascates no Recife, pedindo-lhes que depuzes
sem as armas ; mas os inimigos prendem o emissario , c
depois fazem -o voltar a Olinda, sem nada decidirem .
« Orador terrivel, diz o padre Dias Martins, mas fecun
dissimo, da patria e nobreza ; flagello infatigavel de Mas
cates e curopeos ; compositor do primeiro volume das me
morias daquella guerra, e do violento manifesto, appenso
ao mesmo volume, diz finalmente a tradicção que em todo
o restante da sua vida, erguia -se de madrugada, accendia
velas, e , olhando do alto de Olinda para o Recife, o excom
mungava, depois da imprecação - maldito, ainda não es
tás submergido nas entranhas do abysmo: – tal era a per
petua indignação deste sublime pernambucano. »
Nicoláo Pacs Sarmento era incansavel em cm
O Dr.
pregar todos os meios a seu alcance, para terminar essa
lucta de sangue, que por tantos annos enlutou e devastou
esta provincia. O seu braço , a sua pena , a sua eloquencia,
taes foram os meios que empregou nessa lucta que suis
tentou. Mas, viu a causa pernambucana por terra, co tri
umpho dos mascates, e o martyrio dos seus irmãos, victi
mas do odio dos seus inimigos.
A historia da guerra dos Mascates, ainda está por es
crever , mas o que nos legou o Dr. Nicoláo Paes Sarmento
nas suas memorias, co pouco que existe escripto , é suffi
ciente , é demais, para tornar execranda, para cobrir de
maldições a memoria dos verdugos que tanto nos marty
risaram conservando -nos sob o jiigo do mais atroz despo
tismo.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 729

Renunciando a sua dignidade de deão da cathedral de


Olinda, entrou na ordem carmelitana, e professou no con
vento do Recife aos 24 de Fevereiro de 1724 tomando o
nome religioso de Frei Nicoláo de Jesus Maria José .
Illustre e respeita velsacerdote, foi elle o primeiro deão
da nossa cathedral , e um dos mais sabios e virtuosos que
tem exercido esse cargo . Dez annos depois de professar,
falleccu esse Inminar do clero pernambucano, esse varão
illustre, esse martyr da patria , no dia 1.º de Maio de 1734 ,
sendo sepultado nos jazigos do convento de Nossa Senhora
do Carmo do Recife .

Ovidio da Gama Lobo . Nasceu na cidade do Recife


em 29 de Setembro de 1836. Foram seus paes o coronel
João Baptista Pereira Lobo e D. Maria Thomasia Nunes
da Gama Lobo .
Encetando os seus estudos preparatorios ainda bem
creança , Ovidio da Gama Lobo revellou -se uma verdadeira
esperança para as lettras, não só pela sua applicação e pro
gressos , como pelos fructos que já apresentava da sua in
telligencia e amor ao trabalho, fazendo muitas traducções
para o Diario de Pernambuco, escrevendo artigos littera
rios para pequenos jornaes que corriam entre os estudan
tes , e publicando a traducção de um opusculo de Charmá
sobre o somno . Matriculando -se na Faculdade de Direito em
1854, atirou - se dedicadamente aos estudos, fez brilhantes
progressos, e conquistou não só a estima é consideração
dos seus condiscipulos, como tambem dos seus mestres,
principalmente dos Drs. João José Ferreira de Aguiar, Braz
Florentino Henriques de Souza e Joaquim Villela de Cas
tro Tavares, que não duvidavam receber o jovem acade
mico á uma verdadeira e intima convivencia litteraria .
Em quanto seguia o curso academico, Ovidio da Gama
entregou - se a outra serie de estudos, cujas producções deu
publicidade. Foi por esse tempo que elle traduziu do fran
93
730 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cez uma obra de direito criminal, sobre a qual lhe escre


veu uma honrosissima carta o Sr. conselheiro Aguiar, a
quem offereceu esse trabalho, ao mesmo tempo que escre
via para os diversos jornaes academicos, entre elles o
Atheneu Pernambucano e Ensaio philosophico , a eujas as
sociações pertencia ; e tratava com outros companheiros
da fundação de um Monte Pio Academico, que se propu
nha manter a um certo numero de estudantes pobres ; e
collaborava com assiduidade no jornal catholico O Pro
gresso , merecendo por seus bellissimos escriptos do sabio
arcebispo D. Romualdo, marquez de Santa Cruz, e do ve
nerando bispo de S. Paulo , D. Antonio Joaquim de Mello,
honroso acolhimento e animação , externados em estreita
e continuada correspondencia .
Assim , entregue inteiramente aos seus estudos, e aos
mais acurados trabalhos litterarios e scientificos, passou
elle os 5 annos do curso de direito , e ao terminal-os, quan
do os seus collegas de anno tiveram de eleger um d'entre
elles que representasse a nova pleiade de bachareis na
solemnidade da collação do gráo , na forma dos estatutos
então em vigor, o seu nome foi quasi que aclamado. Accei
ta essa honrosa incumbencia dos seus collegas, Ovidio
Lobo recebeu com elles o grao de bacharel em direito, aos
28 de Novembro de 1858, e o nota vel discurso , que por
essa occasião proferiu e corre impresso na Aurora per
nambucana , em seu numero 15 desse mesmo anno, dá tes
temunho do modo porque se houve no ckesempenho desse
honroso mandato .
Poucos dias depois de formado, a 5 de Dezembro, foi
nomeado pela presidencia , para interinamente exercer as
funcções de promotor publico da comarca da capital, e no
curto espaço que desempenhou este cargo, « fez -se bem
conhecido na tribuna judiciaria, pelas accusações que teve
de sustentar perante o Jury , as quaes forani modelos de
bom senso , de justa moderação e de consciencioso escru
pulo no exame e apreciação das provas. » Nomeado dele
gado de policia da capitalem 15 de Janeiro do anno imme
diato , 1859, pouco tempo exerceu esse cargo, porque o De
creto de 31 desse mesmo mez, nomeou - o secretario da pre
sidencia do Ceará , seguindo em breve á tomar conta do
seu novo cargo . Renovido por Decreto de 27 de Agosto
de 1859, para igual emprego na provincia do Maranhão,
entrou em exercicio, e pelo longo espaço de 12 annos que
dirigiu os trabalhos da Secretaria da presidencia daquella
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 731

provincia, o Dr. Ovidio revellou -se funccionario integro e


illustrado, gosou da inaltera vel confiança de quantos admi
nistradores se succederam , e se recommendou pelos seus
serviços, circumspeção e elevado merecimento .
Jornalista imparcial e de merito superior, redactor de
uma das principaes folhas da provincia 0 Publicador Ma
ranhense, « traduzia a sua linguagem na imprensa os dotes
singulares do seu coração, nunca foi impetuoso, arreba
tado e severo, e sabia revestir a censura em fórmas de ex
trema delicadesa , evitando cuidadosamente descer do do
minio dos principios e das ideas para o campo estreito das
recriminacões pessoaes . »
Cidadão prestante e patriota, o seu interesse era im
menso em tudo que tendia ao bem estar e desenvolvimen
to do paiz, e por occasião da guerra do Paraguay, consa
grando o jornalque redigia á iniciar, estimular e promover
o generoso movimento da desaffronta dos brios nacionaes,
deve -se - lhe em muito o nobre enthusiasmo com que a po
pulação do Maranhão correu á alistar-se nas fileiras dos
defensores da honra e do brio nacionaes ; e quasi que aos
seus esforços, a fundação da associação emancipadora
Vinte e oito de Julho .
Se como funccionario publico, cidadão e jornalista
occupou o Dr. Ovidio da Gama Lobo lugar muito distincto ,
não menos se recommendou como escriptor, como attes
tam os seus numerosos trabalhos em uma curta vida de
35 annos . Deixando de parte os seus escriptos nos diver
sos jornaes em que collaborou, os quaes mencionamos,
publicou elle as seguintes obras :
O somno , por A. Charmá. ( trad .) Pernambuco , 1854 .
Metaphysica da sciencia das leis pendes , por Luiz Zup
petta . ( trad.) Recife , 1856.
Os Jesuitas perante ci historia . Maranhão, typ . Consti
tucional, 1860 .
Indice alphabetico das leis, decretos, arisos e consultas
do Conselho de Estado sobre as Assembléas Provinciaes .
Maranhão, typ. do Frias, 1861.
Direitos e deveres dos estrangeiros no Brazil. Mara
nhão , 1864 .
Honrosamente acolhido os seus trabalhos por toda a
imprensa do paiz , merecendo bellissimos artigos enco
miasticos, elle ainda tiuha muito que fazer, trabalhava iu
cessantemente, quando a morte o sorprehendeu ainda cheio
de vida . O Dr. Ovidio da Gama Lobo falleceu na cidade de
732 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

S. Luiz do Maranhão , aos 19 de Setembro de 1871 , e o ge


ral sentimento que acompanhou o seu cadaver á ultima
jazida, as manifestações de apreço que prestaram a sua
memoria os empregados da sua secretaria, não consentin
do que as despezas do seu funeral corressem por conta da
familia , e tomando luto por 8 dias, os quaes em sua vida
The haviam offertado o seu retrato a oleo em riquissima
moldura , e os artigos que por essa occasião teceu a im
prensa , lamentando a sua perda e fazendo justiça ao seu
merecimento, serviços e virtudes, são eloquentes teste
munhos do que valia e prestava o illustre Dr. Ovidio da
Gama Lobo .

Frei Paulo de Santa Catharina . Nasceu na cidade


de Olinda em 1574, e foram seus pacs D. Felippe de Mou
la , que foi capitão -mór e governador de Pernambuco, e D.
Genebra Cavalcante ; pelo lado paterno era neto de D. Ma
noel de Moura e D. Joanna de Bulhões, e pelo materno de
Felippe Cavalcanti, fidalgo florentino, e D.Catharina de Al
buquerque , todos de mui nobre e illustre geração.
Na idade de 20 annos, Frei Paulo de Santa Catharina,
que então chamava - se D. Paulo de Moura, contrahiu ma
trimonio com sua prima D. Brites de Mello, de cujo con
sorcio teve uma unica filha. Dous annos depois perdeu a
esposa , e esse golpe fatal o feriu tão sensivelmente, que
desvaneceram -se -lhe as illusões da vida e as aspirações
do seu futuro ; e elle tudo sacrificou a sua dôr, e procurando
um retiro, e inteiramente isolado,passou assim os primeiros
tempos da sua viuvez . Quando appareceu , viram -no en
caminhar os seus passos para o convento de S. Francisco
de Olinda, e no dia 29 de Setembro de 1596, o jovem fidalgo
D. Paulo de Moura , fazia a sua profissão religiosa, toman
do o nome de Frei Paulo de Santa Catharina .
Elle não havia attingido ainda os seus 22 annos de ida
de. Moço, abastado de bens da fortuna, ligado as mais im
DICCIONARIO BIOGRAPINICO 733

portantes familias da capitania , principalmente aquella


que dirigia os seus destinos, a dos donatarios, elle tudo
sacrificou, mocidade, nobresa, fortuna e posição social
em fim . Mas este passo ainda não satisfez a medida dos
seus desejos , elle foi mais além , deixou a terra da patria,
parentes e amigos, embarcou para Portugal e se recolheu
á casa capitular da sua ordem , em Lisboa . Foi então ad
mitlido ao collegio , fez os seus estudos regulares, assu
miu ao sacerdocio, e pouco depois, attendendo os seus su
periores os seus merecimentos e virtudes, confiaram -lhe
å guardiania do convento de N. S. da Conceição de Catanhe
de, e depois a do de S. Antonio da Merciana.
No capitulo celebrado pela Provincia a 14 de Janeiro
de 1617, Frei Paulo de Santa Catharina sahiu eleito custo
dio da Provincia do Brazil, e assim , depois de uma ausen
cia de mais da 20 annos , voltou á Pernambuco e entrou no
exercicio do elevado cargo que lhe fòra confiado. Frei Pau
lo começou então a visita da custodia , « cuidando dos
subditos com exacta vigilancia e religioso desvelo , mas
dirigindo tudo com prudencia , mansidão e acerto, e ao
mesino tempo que mostrava para com todos em geral um
natural agrado, urbanidade, cortezia e attenção, sabia fa
zer -se respeitar e obedecer. Abriu um curso de estudos
em 1617, cuidando do bem espiritual de sua ordem , do aper
feiçoamento material dos conventos eespecialmente do que
respeitava ao culto , e reedificou a capella -mór da egreja
de S. Francisco de Olinda. Concluindo com acerto , pruden
cia e religião o seu governo, diz Frei Jaboatão, nem a pa
tria, nem as estimações o poderam persuadir a que ficas
se na custodia, c entre os seus , antes com estranha reso
lução se embarcou para o reino, entregando -se resignado
ás contingencias de tão incerta e perigosa viagem . »
Chegando a Portugal, e quando foi tempo de premiar
os seus trabalhos e justo merecimento, elegeram -no guar
dião do convento de S. Antonio de Castanheira, onde en
tregou -se ao infadonho trabalho de organisar o cartorio
do convento , o que lhe valeu a patente de chronista da sua
ordem . Frei Paulo de Santa Catharina falleceu no anno de
1620 , e foi sepultado no mesmo convento de Castanheira ,
onde ainda exercia as funcções de guardião .
Além de ter sido um dos famosos pregadores do seu
tempo, na phrase do Padre Jaboatão, foi ao mesmo tempo
um religioso de vida exemplar, pelas suas qualidades pes
soaes e pela austeridade de sua vida ; como subdito, foi o
734 DICCIONARIO BIOGRAPUTICO

typo da obediencia , da humildade e da modestia , e como


prelado, o da caridade, complacencia e urbanidáde, edifi
cando com o bom exemplo e exercicio de obras meritorias,
e governando com prudencia, acerto e rectidão.
Frei Paulo de Santa Catharina foi um dos nobres as
cendentes do Marquez de Pombal, pois de sua filha D. Ma
ria de Mello , casada com Francisco de Mendonça Furtado ,
nasceu D. Mayor Luiza de Mendonça , a qual casou com
1). João d’Almada de Mello , de cujo consorcio nasceu D.
Thereza Luiza de Mendonça, que casou com Manoel de
Carvalho de Atayde, paes de Sebastião José de Carvalho
e Mello , Conde de Oeiras e Marquez de Pombal, o celebre
estadista e ministro de El -Rei D. José I.

Pedro de Albuquerque . Nasceu com principios do se


culo XVII, e foram seus paes Pedro de Albuquerque e D.
Catharina Camello .
Pedro de Albuquerque assentou praça em 1626 , cquar
do os hollandezes invadiram esta provincia em 1630, já
elle occupava o posto de capitão da villa de Serinhaem ,
donde partiu para o Recife com uma pequena força que
pôde reunir, em numero de 50 homens, e veio tomar parte
na guerra ; e começou logo a manifestar tão briosamente
o seu merecimento e bravura militar, que em 1632 foi in
cumbido do commando do forte do Rio Formoso, que aca
bava de ser construido .
Tão importante fortificação pela posição que occupa
va , destinada não só a defender o porto e a villa , como
tambem á impedir a continuação dos ataques e presas aos
navios e outras embarcações por aquelle lado, ia de encon
tro aos interesses dos inimigos, e assim deliberaram logo
a sua tomada, e para isso aprestaram uma esquadrilha
de 10 navios e 15 lanchas, conduzindo 500 homens sob o
mando do general Segismundo l'an Schkoppe.
No dia 6 de Fevereiro de 1632 fundcou a esquadrilha a
uma legua ao sul da barra do Rio Formoso , desembarcou
parte da tropa, e guiada por Calabar marchou a atacar o
forte por terra , em quanto a esquadrilha partiu para o in
vestir por mar .
o forte era uma insignificante fortificação, e tão imper
feita, que segundo Brito Freire servia antes de atalaia , que
de defesa ; era artilhado por 2 pequenas peças de ferro
de calibre 4 e 6 , e guarnecido por 20 bomens sob o com
mando do capitão Pedro de Albuquerque.
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 735

Na madrugada do dia 7, em plena escuridade, atacam


inopinadamente o fraco reducto . Pedro de Albuquerque
ve -se cercado por todos os lados, sem esperança alguma
de receber soccorro, e dispondo apenas de 20 homens, ba
te-se heroicamente, repelle o inimigo muitas vezes , mata
Thes 80 soldados e quando cahia por terra o seu ultimo
soldado, e quando elle proprio achava - se ferido mortal
mente, cessa a resistencia do forte , entram os hollandezes !
« Jamais houve soldados que cumprissem melhor o
seu dever, do que este punhado de bravos, diz Netscher,
historiador hollandez ! Intimado para render - se o intre
pido commandante respondeu que defender -se -hia até o
ultimo alento , e com effeito resistiu a 4 assaltos consecu
tivos. Dos 20 soldados que tinha 19 fizeram -se matar ; o
vigesimo, ainda que ferido, atravessou o rio a nado, ees
capou assim aos vencedores, que encontraram no forte o
commandante Pedro de Albuquerque estendido ao lado de
seus 19 bravos : tinha recebido um tiro de mosquete no
peito . Os nossos , assombrados e commovidos de tanto
heroismo, prodigalisaram -lhe soccorros, aos quaes esse
official deveu o seu restabelecimento .
« Não sei eu quando a fidelidade portugueza se viu
mais apurada, diz Frei Raphael de Jesus, nem quando a
paciencia militarmais soffrida; nunca o valor dos homens
sobresahiu mais esclarecido que nesta occasião. Tudo
quanto a antiguidade nesta materia nos deixou escripto
para assombro , chegará quando muito a ser sombra do que
Cscrevemos .
« A defesa foi heroica , diz Varnhagem , e constitue
entre nós uma lenda, semelhante a do passo das Termopi
las entre os gregos . ))
A tamanho rasgo de valor e heroismo, não foram in
differentes os vencedores. Pedro de Albuquerque, quejazia
agonisante estendido sobre a praça do forte , ao lado de
seus companheiros, foi cuidadosamente transportado para
o Recife, onde foi desveladamente tratado pelos hollande
zes, « e assim lhes veio elle por derradeiro a dever a sal
vacão da vida. »
Salvo e completamente restabelecido, foi mandado
para as Indias, sob a palavra de não tomar armas contra
à Hollanda . Das Indias seguiu para a Hespanha, e d'ahi
passou -se a Portugal, cujo resgate valeu - lhe o bellicoso
feito do Rio Formoso, patenteando desta maneira El-rei D.
736 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

João IV, o seu reconhecimento e homenagem aquelle que


immortalisando e nobilitando o seu nome, immortalisára e
nobilitára tambem o de sua patria.
Em Portugal foi Pedro de Albuquerque encorporar -se
ao exercito , e tomou parte na famosa guerra da restaura
ção, e batalhando em varios encontros e ataques contra
os hespanhóes, deu novas e brilhantes provas do seu va
lor e intrepidez .
De Portugal partiu Pedro de Albuquerque comman
dando uma companhia que marchou em soccorro do Rio
de Janeiro, alli permaneceu algum tempo, e seguiu depois
para a metropole , donde ainda voltou à mesma capitania
conduzindo tropas, na qualidade de almirante dos navios
que trouxeram o governador do Rio de Janeiro, onde se
demorou em serviço anno e meio . Nomeado capitão-mór
de uma frota de 28 navios que d'alli partiu para Portugal,
Pedro de Albuquerque seguiu para a Europa , recebendo
então de El-Rei D. João IV , a incumbencia do governo ge
ral do estado do Maranhão e Grão-Pará , que acabava de
ser creado, por Carta Regia de 4 de Setembro de 1642, « por
folgar por todos os seus serviços de lhe fazer honra, acres
centamento e merce, » assim como tambem conferiu - lhe o
habito da Ordem de Christo , e depois o fôro de fidalgo de
sua real casa .
Foi , pois , o nosso illustre comprovinciano o primeiro
nomeado para o governo do novo estado, a cuja honra se
juntava a confiança da missão de expellir os hollandezes e
recuperar aquelle estado do seu poder.
Aos 29 de Abril de 1643 partiu Pedro de Albuquerque
de Lisboa em demanda do Brazil e a 13 de Junho avistou
terras do Maranhão, mas não conseguindo entrar no porto
por falta de pratico , fez proa para o Pará, onde pelo mes
mo motivo foi encalhar na restinga de um banco de arcia .
Lançaram -se ao mar o escaler e a lancha, refere um
escriptor, e acudio com duas canoas, em que andava á pes
ca na vizinhança do banco , Pedro da Costa Favella . Fez
Pedro de Albuquerque embarcar 33 pessoas, entre as quaes
algumas muheres e religiosos, com ordem de desembar
cados na primeira praia , voltarem incontinente as quatro
embarcações para proseguirem na conducção da restante
gente . Mas o furor das ondas com a enchente da maré ti
nha crescido tanto que na volta uma das canôas não po
dendo rompel-as, arribou á terra , e a outra embatendo, e
arrombando- se por varias partes no costado do navio, a
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 737

desampararam os remeiros. Comtudo chegaram a lancha


e o escaler, e em ambos embarcando Pedro de Albuquer
que e as pessôas que couberam , salvaram -se com elle 40 .
Tudo o mais pereceu lastimosamente. Recolhido á ilha do
Sol , onde descançou alguns dias, fez d'ahi a sua entrada
solemne na cidade de Belem , onde tomou posse do go
verno no dia 31 de Julho do predito anno, com reaes ap
plausos dos seus habitantes.
Pedro de Albuquerque, diz Berredo, chegou a cidade
de Belém tão opprimido, que mal podia sustentar o peso
do governo em uma conjunctura tão cheia de occurrencias
as mais trabalhosas pela visinhança das armas inimigas;
porém excedendo ás suas mesmas forças, mostrava bem
nas promptas providencias, assim politicas , como mili
tares, as louvaveis virtudes queo habilitaram para aquelle
emprego ; e sem que faltasse á correspondencia que se
entretinha ainda com os hollandezes do Maranhão, na con
formidade da primeira proposta do seu governador, acu
diu logo a necessidade do capitão -mór Antonio Teixeira
de Mello com differentes soccorros, principal objecto do
seu grande cuidado .
Porém bem pouco tempo lhe restava de vida. Conhe
cendo pelo seu estado de saude que se aproximava o termo
da sua existencia , Pedro de Albuquerque nomcou para
The succeder no governo a Feliciano Corrèa , tendo por ad
junto o sargento -mór Feliciano Coelho de Carvalho, e no
dia 6 de Fevereiro de 1644 tendo apenas de governo pouco
mais de 6 mezes , exhalou o derradeiro suspiro. A pompa
e honras funebres que lhe tributaram os paraenses, foram
dignas do heróe que pranteavam ; o seu cadaver foi sepul
tado na capella -mór da egreja do convento do Carmo.
Pedro de Araujo Lima, Marquez de Olinda. Nasceu
no engenho Antas, em Serinhaem , aos 22 de Dezembro de
1793, e aos 3 de Março do anno seguinte recebeu as aguas
do baptismo na capella do engenho Goyanna, pertencente
a mesma comarca . A data do seu nascimento tem sido um
ponto controverso entre os seus biographos; mas a que
vimos de apresentar, é de uma autenticidade incontesta
vel, pois consta da sua propria certidão de baptismo, pul
blicada no Diario de Pernambuco de 16 de Julho de 1870.
Filho do capitão Manoel de Araujo Lima, commandan
te do districto de Serinhãem , e D. Anna Teixeira Cavalcanti,
neto paterno do sargento -mór Antonio Casado Lima e D.
94
738 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Margarida Bezerra Cavalcanti, e materno, do coronel Pedro


Teixeira Cavalcanti, e D. Luiza dos Prazeres Cavalcanti, o
Marquez de Olinda, segundo o Sr. Dr. Mello Moraes, des
cendia em linha recta da nobilissima familia dos Barbo
sas Correia de Araujo , de Ponte de Lima, na provincia do
Minho em Portugal, que se passaram para Pernambuco
com o donatario Duarte Coelho , e que, trazendo comsigo
os seus haveres, se foram estabelecer nas terras das Ala
goas, hoje provincia do mesmo nome, sendo elles os seus
primeiros povoadores, e onde ainda existem os ramos des
ia antiguissima familia , que se espalhou nos primeiros
tempos do Brazil, por Pernambuco e pela Bahia .
Destinado á carreira das lettras, fez os seus estudos de
humanidades em Olinda , seguiu para Portugal em 1813 ,
matriculou - se na Universidade de Coimbra, e em 1816 re
cebeu o diploma de Doutor in utroque jure, e em 1820, foi
despachado ouvidor da comarca de Paracatú, em Minas
Geraes ; mas não chegou a tomar posse desse cargo , em
virtude do mandato de deputado as cortes constituintes de
Lisboa, como representante de Pernambuco .
Tomando assento na assembléa em 1821 , Araujo Lima
« defendeu com vigor os direitos do Brazil ; mas desde
esse tempo distinguindo -se pela moderação e pelo respeito
obediencia ao poder legal, assignou como outros illustres
deputados brazileiros a constituinte portugueza, não acom
panhando aquelles que mais melindrosos e ardentes em
seu patriotismo negaram - se a fazel-o , ou se retiraram da
constituinte e de Portugal. >>
Em 1823 embarcou para a Inglaterra, donde voltou para
o Brazil, e chegando ao Rio de Janeiro em 30 de Abril,
achou -se eleito deputado a constituinte brazileira , e a 3 de
Maio tomou assento na camara.
O mesmo ardor e dedicação pela causa do engrande
cimento do Brazil, que ostentara o deputado portuguez, os
tentava agora o deputado brazileiro . A sua attitude na as
sembléa , as suas ideas politicas moderadas, a lealdade de
seu caracter, as suas luzes e prestigio, revellaram o ho
mem de governo; e assim , dissolvida a constituinte, foi
chamado ao ministerio com a pasta do imperio . Araujo
Lima recusa, protestando a sua mocidade e inexperiencia
dos negociospublicos e administrativos, c a falta de conhe
cimentos politicos e luzes necessarias; o Imperador in
siste , elle accila por fim , mas 3 dias depois apresenta a sua
demissão .
DICCIONARIO BIOGRAPINICO 739

Desgostoso do acto violento da dissolução da consti


tuinte, afastado dos negocios politicos, emprehendeu uma
viagem á Europa, visitou alguns paizes, e voltando em 1827 ,
tomou assento na camara e occupou a cadeira de presiden
te. Araujo Lima foi então chamado ao ministerio, e occu
pou a pasta do imperio de 15 de Novembro de 1827 a 15 de
Junho do anno seguinte .
Reeleito deputado a assembléa geral na segunda e ter
ceira legislaturas, occupou de novo a cadeira de presidente
da camara em 1829 e em 1837, e por vezes foi eleito seu
vice-presidente. Nesse anno deixou a sua cadeira de de
putado, em virtude de haver sido escolhido senador pela
provincia de Pernambuco , por carta imperial de 5 de Se
tembro de 1837, havendo já em 1832 feito parte do ministe
rio chamado dos quarenta dias , organisado depois de frus
trado o golpe de estado de 30 de Julho. Araujo Lima occu
pou então a pasta dos negocios estrangeiros, e interina
mente a da justiça, e como encarregado da primeira, con
seguiu restabelecer novas relações com a França e com os
Estados Unidos .
A ' bracos a regencia Feijó com a revolução do Rio
Grande do Sul, em luta decidida com a grande opposição
da camara , tornou - se então impossivel a sua permanen
cia no governo. Feijó resigna o seu mandato, e occupando
Araujo Lima a pasta do imperio, coube -lhe assumir a re
gencia, em virtude das prescripções constitucionaes, e
assim , interinamente a exerceu de 18 de Setembro de 1837
até 22 de Abril do anno seguinte, quando foi eleito regente
em nome de S. M. o Imperador, cessando desde então a sua
interinidade.
Calamitosa quadra atravessava então o Brazil, oneroso
encargo pesava por conseguinte sobre a regencia . As re
voluções da Bahia, Maranhão e Rio Grande do Sul, rom
peram quasi ao mesmo tempo ; estas trez provincias amea
cadas pelos revoltosos, occupando quasi que as extremi
dades e o centro do imperio, reclamavam forças sufficien
tes para as aniquilar é restabelecer a paz , sugavam por
conseguinte toda á seiva do estado. Mas a actividade e
energicas providencias tomadas pelo regente Araujo Lima,
fizeram triumphar a causa da ordem publica, as revoltas
da Bahia e do Maranhão foram suplantadas, e a do Rio
Grande do Sul que não podera ser aniquilada no seu gover
no , ficou porém bastante combatida, e do governo que o
740 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

sliccedeu não coube senão a gloria de ligar o seu nome ao


acto de sua pacificação .
Taes foram no interior os serviços de Araujo Lima, no
exercicio da regencia do imperio ; e aos que ao mesmo se
ligaram no exterior, figura entre outros a terminação da
questão com a Santa Sé Apostolica; e descendo do poder para
o entregar ás mãos de S. M. o Imperador o Senhor D. Pedro
II , declarado maior pela assemblea legislativa , o ex -regente
Araujo Lima, foi então occupar a sua cadeira no Senado.
Em 1841, por occasião do acto da sagração e coroação
de S. M. o Imperador, foi agraciado com o titulo de viscon
de de Olinda, com grandeza, sendo elevado a marquez em
1854. Ministro de estado em 1823, 1827, 1832 e 1837 , orga
nisou o illustre marquez de Olinda, e presidiu os gabinetes
de 29 de Setembro de 1848, de 4 de maio de 1857, de 30 de
Maio de 1862 e de 12 de Maio de 1865, tomando sempre
parte activa na politica e em todos os negocios importan
tes, já como parlamentar, já como ministro ou Conselheiro
de Estado, desde 1812, cargo que exerceu até os ultimos
dias de sua vida ; e foi elle um dos mais illustrados mem
bros do conselho de estado, um dos seus mais activos
trabalhadores .
Os seus discursos em ambas as casas do parlamento,
os seus actos como ministro, e os seus pareceres no con
selho de estado, « são documentos authenticos da illustra
ção , grande intelligencia, alto criterio e amor ao trabalho
dessa longa existencia, inteiramente devotada a carreira
politica, e que nunca conheceu o desanimo nem o cansaço . »
Ao começo de sua vida politica, alistara -se o marquez
de Olinda sob a bandeira do partido conservador; porém
modificando as suas idéas, comecou a distanciar - se delle ,
até que na crise parlamentar de 1857, ao chamado da co
roa, organisou o gabinete liberal de 4 de Maio , do qual foi
presidente, ministerio que firme em seu posto , l'esistiu por
quasi 2 annos a decidida opposição do partido conserva
dor. E ainda em 1862, em consequencia de outra crise par
lamentar, foi elle o organisador do gabinete de 30 de Maio ,
chamado gabinete dos celhos, porque velhos era a quasi
totalidade dos seus membros .
No governo desse gabinete , sobreveio a celebre ques
tão Christie, ou o insultuoso e violento abuso da prepoten
cia ingleza, eo gabinete Olinda extremou -se na defeza da
honra nacional,e em 1863 recebido no parlamento hostil
mente pelos conservadores, dissolveu a camara, e creando
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 741

a nova situação, que se denominou Progressista, e ainda


por outros Liberal, entregou -lhe o governo em Janeiro de
1864 em face da nova camara temporaria.
Em 1865 veio o marquez de Olinda a Pernambuco, á
sua terra natal, ausente por tantos annos, a 4 de Janeiro
saltou no Recife, ca 11 de Abril retiroui- se de novo para o
Rio de Janeiro, recebendo então as mais significativas e
honrosas manifestações de apreço . A camara municipal
do Recife, e as de Goyanna, Ipojuca, Rio Formoso, Naza
reth , Villa Bella , Olinda, Iguarassú , Flores e Ouricury, en
viaram -lhe mensagens de felicitação ; Pernambuco cobria
assim de louvores o filho illustre , que tanto o honrava e en
grandecia, pelos seus feitos, pelos seus triumphos. Em
1866 veio de novo a Pernambuco, e foi esta a ultima vez
que saudou a terra natal.
Durante o governo do gabinete de 30 de Maio , uma
illustrada e prestigiosa fracção do partido conservador se
passara para as fileiras do partido liberal. Em 1865 , não
estavam bem apertados ainda os laços de alliança entre os
novos e velhos liberacs, quando deu -se a queda do gabi
nete Furtado . Fazem -se algumas tentativas de organisa
ção do novo gabinete, não são levadas a effeito , omarquez
de Olinda é em fim chamado , e a 12 de Maio apresenta - se á
frente do novo gabinete.
O marquez de Olinda presidindo o conselho de minis
tros, tomava nessa epoca sobre os seus hombros pesado
encargo . A guerra do Paraguay, por si só, absorvia todos
os cuidados do novo gabinete ; o Brazil atravessava uma
epoca difficil e melindrosa. A 5 de Junho de 1865, annun
ciou o marquez de Olinda ás camaras, a partida de S. M.
o Imperador ás provincias invadidas pelos inimigos, e
pouco depois annunciava ao Brasil a rendição da praça de
Uruguayanna .
No anno seguinte , a 2 de Agosto , deixou o poder o ga
binete Olinda, apoiado e louvado sempre que se trata va
de medidas relativas á guerra , ainda que vivamente guer
reado quanto á politica interna. O marquez de Olinda, diz
um seu biographio, incansavel e extraordinariamente assi
duo no traballio, enfraquecido pela idade, abatido por mo
lestias, mas conservando vigorosa, så e admiravel intelli
gencia, vio subir ao governo em Julho de 1868 o partido
conservador ; em 1869 ainda occupou a tribuna do senado,
pronunciando-se em opposição ; no anno seguinte ainda
até os primeiros dias de Junho de 1870 se mostrou em sua
7422 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cadeira na camara vitalicia ; mas a 7 desse mez pelas 4


horas da madrugada expiron victma de uma congestão ce
rebral aos 77 annos incompletos de idade.
A ' noticia do seu fallecimento , reunido o senado e a
camara dos deputados, suspenderam uma e outra camara
as suas sessões em signal de sentimento , merecido tributo
á memoria do illustre patriota que acabava de morrer le
gando um nome honroso e illustre ao seu paiz. No senado
a voz eloquente do seu presidente o visconde de Abaeté, e
a dos senadores Saraiva e Octaviano Rosa , ergueram -se
em homenagem a sua memoria, e na camara dos deputa
dos, a do ministro do imperio .
Eis as palavras do venerando Visconde de Abaeté ao
communicar ao Senado a noticia do fallecimento do bene
merito marquez de Olinda :
« Senhores, confrange -se -me o coração ao ter de com
municar -vos uma infausta noticia .
« Acaba de fallecer nesta corte, hoje pelas quatro ho
ras da madrugada, na casa de sua residencia , um dos
nossos mais illustres collegas.
« E'o Sr. Marquez de Olinda, senador pela provincia
de Pernambuco, nomeado para este logar por carta impe
rial de 5 de Setembro de 1837 .
« A sua voz sabia e eloquente começou a ser ouvida a
favor e em defesa dos direitos do Brazil nas cortes consti
tuintes da nação portugueza em 1821 .
« Essa voz continuou a ouvir -se, cada vez mais per
suasiva e energica, nos tribunacs de uma e outra camara
do Imperio defendendo com firmesa os sãos principios da
liberdade, da ordem e do progresso .
« Nunca deixou o illustre finado de ter, como nenhum
brazileiro deve deixar de ter , uma fé viva nas instituições
da nossa patria, para fazer triumphar aquelles principios.
« Poucos dias antes da sua morte nós todos o vimos
fazer - se transportar ao senado quasi muribundo, como
lord Chatham , e assentar - se na cadeira que tanto honrou e
illustrou .
« Já retirado dos negocios publicos, como o estadista
inglez, combateu sempre, como elle, todas as medidas que
The pareciam contrarias á justiça , ou aos interesses da sua
patria. Foi conselheiro de estado, e no exercicio deste car
go o seu conselho e os seus trabalhos attestarão quando
se publicarem , a sua prudencia, a sua previsão e os seus
profundos conhecimentos em politica e administração .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 743

« Foi ministro por vezes no primeiro e segundo rei


nado , e prestou ao Estado serviços que recommendam o
seu nome e a sua memoria ao louvor e ao reconhecimento
dos seus concidadãos.
« Foi regente duas vezes , a primeira como ministro
do imperio que era , quando renunciou aquelle eminente
cargo o Sr. Diogo Antonio Feijó ; a segunda, por eleição
popular.
« E'este, senhores, o cidadão que acabamos de perder.
« Unamo-nos hoje em um só sentimento -- o då dôr
por tel-o perdido ; e oremos, para que pelos bens caducos
e pelas honras vãs da terra , obtenha elle no céo a bem
aventurança eterna. >>
Embalsamado o seu cadaver, foi sepultado no dia se
guinte, no cemiterio de S. Francisco de Paula, com todas
as honras e pompas funerarias inherentes aos seus titulos .
O marguez de Olinda foi um dos homens que « subio
no Brasil até onde era licito subir. » Regente do imperio,
8 vezes ministro, occupando os pastas do imperio, justiça,
estrangeiros e fazendā, presidente do conselho de minis
tros em 4 gabinetes, conselheiro de estado por mais de 27
annos, deputado, senador, grande do imperio , marquez,
official do Cruzeiro , Gră -Cruz das ordens de Christo do
do Brazil, de Santo Estevão da Hungria , da Legião de Hon
ra , de S. Mauricio e S. Lazaro da Italia , de Medjedie da
Turquia e de N. S. do Guadelupe do Mexico, taes eram os
seus titulos honorificos, além de muitos outros litterarios
e scientificos, como o de doutor in utroque jure, socio fun
dador e depois honorario do Instituto Historico e Geogra
phico Brasileiro, e membro de outras associações littera
rias e scientificas, tanto do Brasil como do estrangeiro.
O marquez de Olinda, na phrase de um jornal do Rio
de Janeiro , não era somente uma gloria pernambucana. O
Brasil inteiro se desvanecia.com rasão de contal- o á frente
de seus homens mais eminentes, e disso deu testemunho
a imprensa de todos os partidos no conceito unanime acer
ca do finado, ao noticiar o seu infausto passamento .
Um outro , a Reforma, disse o seguinte :
« O illustre morto era um dos ultimos restos da pleia
de de talentos notaveis que figuraram nas lutas da inde
pendencia e da fundação do imperio . A sua longa existen
cia foi toda consagrada ao serviço da patria, e quasi não
ha uma data historica do Brasil independente, a qualnão
ande ligado o nome do venerando estadista ....
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

<< Durante uma carreira tão longa e tão prehenchida,


como outra não ha que se lhe compare, nunca o preclaro
varão, tendo por vezes de atravessar periodos dos mais
difficeis e agitados de nossa historia, desmentio a pruden
cia e a moderação de que sempre deu provas.
« Era o nestor de nossa politica.
« Os documentos de sua vida publica , acham -se co
piosamente accumulados nos discursos proferidos por elle
nas duas casas do parlamento, nos luminosos pareceres
do conselho de Estado, e nos actos dos seus differentes
ministerios. »
Honra , pois, o marquez de Olinda pelos seus feitos o
nome brasileiro, e constitue uma das glorias de que mais
se ufana Pernambuco, a terra que lhe dera o berço, cujos
filhos com a confiança dos seus suffragios, abriram -lhe
as portas da constituinte portugueza, do parlamento e do
senado brasileiro, por onde conduzio -se ao pantheon das
glorias nacionaes, esse templo da immortalidade.
Pedro Correia Barreto . Illustrissimo pernambucano
de 1710, na phrase de um escriptor, capitão -mor de Ipoju
ca, nobre pelo posto e por sua ascendencia, Pedro Correia
Barreto ainda bem moço alistou -se nas tropas de ordenan
ças desta capitania. Serviu primeiramente como soldado ,
passou a alferes, e por patente do governador D.Fernando
Martins Mascarenhas de Lencastre, de 8 de Maio de 1699,
foi promovido ao posto de capitão de ordenanças da fre
guezia de Ipojuca, e posteriormente, por patente do gover
nador Francisco de Castro Moraes, de 7 de Selembro de
1703 , foi servir no terço de infantaria de Goyanna , “ por ser
um dos homens nobres e principaes da terra, como pelo
bem que tem servido a S. M., em praça de soldado, alferes
e capitão de uma companhia de infantaria de ordenanças,
procedendo com muita satisfação, zelo e cuidado em suas
obrigações. »
Nomeado capilão-mór da freguczia de Ipojuca por pa
tente do governador Sebastião de Castro e Caldas, de 23
de Novembro de 1707 , é notavel o seguinte topico desse
documento , consignando o merecimento e serviços de Pe
dro Correia Barreto : « por ser um dos homens nobres,
principaes e afazendados desta terra, como pelo bem que
tem servido a S. M., no posto de alferes c capitão de orde
nanças , e destes passar ao de capitão de cavallaria da fre
guezia de Itamaracá , que então esercia, havendo - se em to
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 745

dos com grande zelo do real serviço, accudindo prompta


mente a tudo que era da sua obrigação, tendo sempre os
seus soldados bem disciplinados e promptos para qual
quer necessidade que podesse haver, como bem mostrou
em duas occasiões que tocaram a rebate nas fortalezas de
Pitimbú e Catuama, por occasião de apparecer alguns na
vios de que se não tinha conhecimento, acudir prompta
mente ao posto da marinha que lhe foi consignado com
sua companhia ; e sendo levantado o forte de Pitimbú por
ordem do meu antecessor, assistir aos seus trabalhos com
toda a sua companhia e mais 4 escravos, durante 12 dias,
sustentando a todos a sua custa, no que despendeu de
sua fazenda : e por esperar delle , que d'aqui em diante se
haverá da mesma maneira, e muito conforme a confiança
que faço do seu procedimento. »
Em 1710, quando surgiram as ambiciosas pretenções
dos Mascates , cujo fim era emanciparem -se de Olinda e
lançarem os fundamentos da sua dominação, o capitão
mór Correia Barreto uniu -se logo aos seus compatriotas e
com elles oppoz todas as forças afim de coarctar os planos
do inimigo . Mallograda a primeira tentativa dos Mascates,
tramaram elles uma outra , e a 18 de Junho de 1711 rom
peram em tremenda reacção.
Correia Barreto , apenas recebeu a noticia do aconte
cimento , e vendo feridos os brios de sua patria pelos desa
catos e insultos commettidos contra o bispo -governador,
ouvidor da comarca e camara de Olinda , reune as tropas
do seu commando, e marcha de Ipojuca para o Recife.
Calcando e despresando as seducções insidiosas, com
que pretenderam corrompel-o alguns de seus degenerados
compatriotas e parentes do Cabo, unidos á causa dos Mas
cates , chegou finalmente a Olinda, e apresentando -se ao
bispo e a camara, pediu que lhe permittissem tomar parte
no assedio do Recife, sendo-lhe mesmo confiadas as po
sições de mais risco e importancia. Incumbido de guar
necer a estancia da Barreta, marchou immediatamente,
tomou posição e levantou os seus quarteis, e logo, a 22 de
Julho, atacado fortemente por uma força de 500 Mascates,
repellit:-os intrepidamente, e ainda que perdesse na acção
numero superior de soldados, entre elles o bravo sargen
to -mór Fernão Bezerra Monteiro, « que valia por muitos
centos, comtudo os triumphos e as honras da victoria
The couberam , repellindo o inimigo e mantendo o posto
que dignamente lhe föra confiado .
95
746 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

O seu enthusiasmo, os seus serviços , e a confiança


que inspirava ao governo, fizeram -no firme no posto da
Barreta , e embora solicitasse instantemente a gloria de
medir as suas armas nas batalhas campaes contra o ini
migo , embora quizesse tomar parte nas jornadas de Si
biró e Ipojuca , jámais o governo o consentiu , e assim se
conservou sempre na guarda e defesa da Barreta , cuja
posse tanto almejava o inimigo.
Quando chegou o governador Felix José Machado, e
entrou na administração da capitania, foi levantado o as
sedio do Recife, e parecia terminada a luta, o capitão -mór
Pedro Correia Barreto se recolheu á sua propriedade de
Ipojuca, lamentando em breve tempo as perseguições, que
rapidamente se foram praticando sobre os seus infelizes
compatriotas, victimas do odio dos Mascates e da parciali
dade do novo governador. Correia Barreto conseguindo es
capar ás primeiras furias do inimigo, buscou seguro asylo,
abandonou as suas propriedades e fazendas, mas veio a
ser descoberto e preso a 13 de Dezembro de 1713, « como
cabeça de facinorosos ; » foi então recolhido aos carceres
da fortaleza das Cinco Pontas, e logo remettido para bordo
do navio que o tinha de conduzir á Lisboa ; mais, publi
cado o Decreto de perdão, antes de partir a frota , Correia
Barreto obteve a sua liberdade em virtude desse acto de
clemencia real. Eis os unicos dados que encontramos so
bre a vida do illustre capitão -mor de İpojuca, Pedro Cor
reia Barreto .

Pedro Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquer


que, Visconde de Camaragibe Nasceu a 19 de Abril de
1806 , e foram seus paes o capitão-mór Francisco de Paula
Cavalcanti de Albuquerque é sua mulher D. Maria Rita de
Albuquerque Mello .
Fazendo em Pernambuco o curso de humanidades, Pe
dro Cavalcanti seguiu para Portugal em 1821 , onde estu
dou 2 annos na universidade de Coimbra, e passando- se
depois para a Allemanha, fez o curso de direito na univer
sidade de Goettingue, na qual se doutorou em 1827.
Voltando para o Brazil no tempo da creação dos Cur
sos Juridicos do imperio, o Dr. Pedro Cavalcanti foi no
meado lente da Academia de S. Paulo , por Decreto de 9 de
Fevereiro de 1829, mas não chegou a tomar posse desse
cargo, porque foi logo removido para a cadeira de direito
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 747

civel da Academia de Olinda , por Decreto de 17 de Dezem


bro de 1830, a qual regeu por algum tempo , jubilando -se
depois sem vencimento algum . Quando pela reforma de
cretada em 1854, o Curso Juridico de Olinda passou a ser
Faculdade de Direito do Recife, o Dr. Pedro Cavalcanti foi
nomeado seu director, cargo que exerceu por muitos an
nos, e no qual se jubilou por Decreto de 20 de Novembro
de 1875, dispensando a percepção do honorario a que tinha
direito .
Deputado a Assemblea Geral Legislativa em 6 legisla
turas, eleito por esta provincia, tomou assento na camara
pela primeira vez em 1832, como supplente , e nessa occasião
foi um dos que votou pela vitaliciedade do senado. O Dr.
Pedro Cavalcanti foi tambem por diversas vezes eleito
membro da Assembléa Legislativa Provincial, cuja presi
dencia sempre lhe foi confiada. Eleito senador do imperio ,
e escolhido por Carta Imperial de 25 de Maio de 1869, dei
xou a presidencia da Assembléa Geral que então occu
pava, e tomou assento no Senado no dia seguinte ao de
sua escolha.
Agraciado pelo governo imperial com o titulo de Barão
de Camaragibe por Decreto de 30 de Novembro de 1855, em
1860 foi elevado a Visconde com as honras de grandeza,
Na qualidade de 1.° vice -presidente desta provincia, o
Visconde de Camaragibe por duas vezes dirigiu a sua ad
ministração ; a primeira de 13 de Abril a 2 deMaio de 1844,
e a segunda de 29 de Abril a 15 de Outubro de 1859.
Homem de bem , dotado de um caracter nobre e cir
cumspecto , o Visconde de Camaragibe mereceu sempre
a consideração com que o acatavam , e como chefe do par
tido conservador de Pernambuco, gosava de influencia e
prestigio não só na provincia como na corte do imperio .
0 Visconde de Camaragibe falleceu no dia 2 de Dezem
bro de 1875, e na manhã do dia seguinte foi sepultado
no Cemiterio Publico do Recife . Victima de uma con
gestão cerosa, quasi repentina como foi a sua morte , essa
inesperada noticia causou profunda sensação e sentimento.
Transmittida á côrte do imperio pelo telegrapho, o Sr.
Conde de Baependy dirigiu um telegrammaa sua familia,
testemunhando por parte de S. M. o Imperador os senti
mentos de pezar e de condolencia do mesmo Augusto Se
nhor, pelo fallecimento do Visconde de Camaragibe.
Senador e grande do imperio , Visconde, fidalgo cava
Theiro da casa imperial, do consello de S. M. o Impera
748 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

dor, grào -cruz da Ordem de Christo, e commendador da


de N. S. da Conceição de Villa Viçosa de Portugal, o Vis
conde de Camaragibe attingiu os mais elevadas posições
sociaes, foi um homem respeitavel, e occupou na politica
do paiz logar distincto ; e sobre o seu merecimento falla
bem alto um jornal insuspeito, a Provincia, orgão do par
tido liberal de Pernambuco, dando noticia do seu falleci
mento . Eis as suas palavras :
« Diante do tumulo do nosso adversario , esquecemos
a divergencia politica que delle nos separava , para apre
ciar e prantear o homem , e respeitar a dor que assalta e
dominä seus parentes, amigos e alliados. O Visconde de
Camaragibe representou papel importantissimo na poli
tica de sua patria ... Na epocha da Maioridade, o Visconde
de Camaragibe apoiou o ministerio liberal dos Andradas .
« Foi uma phase curtissima..., e depois tal posição
assumiu , tanta força concentrava em suas mãos, que na
provincia natal era oraculo, e o apontavam , no partido
conservador como o chefe mais considerado em todo o
norte do Brazil, pela influencia que ahi exercia . Homem
sizudo, de palavra, de trato severo, mas accessivel, era
tambem dotado de perspicacia, intelligencia, sobresahindo
em seu caracter a energia de vontade, e a tenacidade na
execução de seus planos politicos . Abstrahindo das ideas
politicas , não recusamos a confissão de que nos diversos
cargos que occupou , prestou serviços a provincia e ao im
perio , notando -se que por sua não pequena fortuna , en
trou como accionista em varias emprezas uteis , e assim
concorreu efficazmente para o melhoramento e progresso
da sua terra .
« A biographia politica do Visconde de Camaragibe
não nos compete fazer. Registramos somente nestes tra
ços necrologicos, o facto incontestavel de que o nobre
Visconde de Camaragibe, figurou e primou no seu partido
tanto quanto a ambição do politico pode exigir, e subio até
onde o permittiram as nossas leis constitucionaes , e as
condições socias do seu tempo. Seu criterio revelou -se mais
de uma vez . Não se julgando orador parlamentar, homem
da discussão que dá vida ao systema representativo , re
cusou fazer parte dos ministerios, sempre que o convida
vam para isto . Honra o seu nome esta recusa, que é uma
gloria para a sua memoria. Pelo passamento dos homens
politicos que occuparam elevadas posições , com justiça
toma pesado luto o paiz em que elles nasceram ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 749

Pedro Ivo Velloso da Silveira . Nasceu em Olinda


no anno de 1811 ; foram seus paes o coronel Pedro Antonio
Velloso da Silveira e D. Helena Perpetua da Silveira , e seus
avós paternos Pedro Ivo Velloso da Silveira , conhecido
por - Pedro Ivo Redivivo, e D. Thereza Francisca de Albu
querque.
Aos 10 annos de idade Pedro Ivo assentou praça no
regimento de artilharia do Recife, e foi militar brioso e dis
tincto , valente c arrojado, patriota exaltado c politico de
idéas firmes e intranzigentes.
Pedro Ivo era liberal , em 1848 já era capitão de arti
Tharia , e achava -se commandando o destacamento militar
de Agua Preta , quando o seu partido foi apeado do poder,
e elle demittido daquella commissão .
Pedro Ivo demorou-se em Agua Preta , obtendo uma
licença para isso, mas rompendo a revolta , e o governo
querendo subtrahir o destacamento á sua influencia, e ao
mesmo tempo chamar Pedro Ivo á capital, deu as necessa
rias providencias, mas nada conseguiu para que elle se
retirasse daquella localidade .
Pedro Ivo atirou-se a revolução com toda a impetuo
sidade do seu genio altivo e bellicoso, ostentou em todas
as acções em que tomou parte muita coragem e valentia,
conquistando pelos seus feitos no campo da batalha a sua
elevação ao posto de brigadeiro , sendo ao mesmo tempo
nomeado commandante da 2." divisão do exercito , com
posta de 2 brigadas, por acto do Conselho Director de 23
de Janeiro de 1849 .
No ataque do Recife, que teve lugar no dia 2 de Feve
reiro, Pedro Ivo commandou a divisão que atacou pelo sul,
e rompeu em batalha até o bairro de Santo Antonio, tomou
as ruas principaes e quando chegou ás mais proximas ao
palacio da presidencia , cuja tomada era o seu alvo, encon
trou seria resistencia, travando-se então renhidissima pe
leja á impedir-lhe o passo. Não conseguindo ir além , des
alojado mesmo da magnifica posição que occupava na rua
do Sol , e proximo ao palacio, Pedro Ivo contramarchou e
foi tomar posição nos largos do Carmo, Livramento e Pe
nha e rua Estreita do Rosario, onde de novo travou -se a
peleja ; e no meio de uma luta incessante e renhida, quan
do talvez a victoria ia pronunciar-se pelas tropas liberaes,
entra na cidade , pelo lado da Bòa - Vista, uma forte colum
na sob o commando do general José Joaquim Coelho , e
750 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

assim decidiu -se a victoria em favor do governo , já muito


adiantada mais ainda não segura .
Tentando ainda alguma resistencia nas ruas da Penha,
Ribeira , Concordia , Augusta e adjacentes, foi nestes pon
tos mais do que em todos os outros, renbido e sanguino
lento o combate ; e na ultima extremidade, quando viu -se
completamente perdido, abandonou o campo, rodeou o Ca
pibaribe pela ilha de Anna Bezerra, e ganhou o interior.
No dia 7 de Fevereiro, quando se reuniram as tropas
liberaes e o Conselho Director deu nova organisação ao
exercito, Pedro Ivo foi nomeado commandante da 2. di
visão composta de 4 batalhões e das forças do Verde e Agua
Preta .
Occupando posições vantajosas no sul da provincia,
perseguido sempre pelas forças do governo , Pedro Ivo pas
sou-se para as mattas e acampou em terras do engenho
Verde. Posta a premio a sua pessoa, marcando o governo
8 :0008000 réis a quem a apprehendesse, e 4:000 $000 réis se
acaso fosse elle morto no acto da prisão, Pedro Ivo resis
tiu heroicamente, e nesse difficil empenho, sem recurso
algum , lutou, e lutaria até morrer, se não fora a interven
ção de seu pae, que lhe garantiu a amnistia , o que elle já
havia regeitado pelas condições humilhantes em que tinha
sido proposta.
Pedro Ivo passou -se então para as Alagoas , d'ahi par
tiu para a Bahia e depois de alguns dias de demora se
guiu para o Rio de Janeiro, onde logo que chegou foi re
colhido á uma fortaleza, sob sentinellas e immensas pre
cauções. Dias depois apresentaram -lhe o Decreto de am
nistia, com a clausula porém , de assignar termo de resi
dencia por 6 annos fóra do Imperio e em lugar approvado
pelo governo, ao que regeitou , allegando as condições me
İhores que lhe proposera a presidencia de Pernambuco, e
mesmo por não ser o que se havia tratado, pois largou as
armas sob promessa de amnistia geral.
Pedro Ivo permaneceu na mais rigorosa e estreita pri
são cerca de 1 anno, mas conseguiu evadir -se a 20 de Abril
de 1851 ; e abatido pelos soffrimentos e privações do car
cere, pouco sobreviveu á sua fuga. Foi corrente a versão
de que elle foi victima de um assassinato, e ainda hoje
muita gente o acredita ; no entretanto conseguimos a veri
guar este ultimo periodo da vida de Pedro Ivo , graças as
diligencias de um nosso particular amigo o Illm . Sr. Dr.
Vicente Ferrer de Barros Wanderley Araujo, como se vê
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 751

das seguintes informações que dignou -se ministrar-nos:


« Satisfazendo, quanto possivel , seu estimavel pedido ,
passo a referir - lhe o que ouvi dos Srs . João Baptista Frei
re, morador na cidadede Rezende, provincia do Rio de Ja
neiro , Dr. José Manoel Freire , morador na fazenda S. Theo
doro, comarca de Queluz, provincia de S. Paulo, e Pedro
Fagundes morador em S. José dos Campos d'essa ultima
provincia, acerca do distincto patriota Pedro Ivo Velloso
da Silveira .
« Evadindo -se da prisão em que se achava recolhido
na bahia do Rio de Janeiro, Pedro Ivo desembarcou em
companhia de seus cumplices de evasão (um cabo e um
furriel) no caes do Pharoux, e immediatamente seguiu para
a fazenda Marambaia , do commendador Breves, e d'ahi
para a fazenda Pao d’Alho, em S. Anna dos Tocos , do co
ronel João Ferreira , distincto revolucionario de 1842 e tio
dos Srs . Freires. Nessa fazenda esteve Pedro Ivo algum
tempo cercado de todas as attenções, não só pelo coronel
João Ferreira , como tambem pelos seus numerosos paren
tes e correligionarios que a porfia procuravam amenisar
os amargurados dias do illustre foragido , já soffrendo muito
e extremamente pallido, como attestam duas testemunhas
oculares, D. Anna Freire, irmã do coronel Ferreira e mãi
dos Srs. Freires , e Pedro Fagundes que então comparti
Thava a hospedagem do mesmo coronel.
« Da fazenda Pao d’Alho partiu Pedro Ivo, separando
se de seus companheiros de evasão , para o litoral; e , de
vido a influencia do commendador Breves, embarcou num
navio portuguez, com destino á Europa ; mas aggravando
se- lhe os padecimentos, falleceu em viagem sendo o seu
corpo lançado ao mar.
« Embora , pelas condições especiaes em que se acha
va Pedro Ivo , não podesse seu passamento ser verificado
de um modo legal , comtudo o commandante do navio scien
tificou do occorrido o respectivo consignatario , que por
sua vez, o participou ao commendador Breves, constando
até aos meus informantes existir em poder do mesmo com
mendador a carta que mencionou o passamento do pa
triota pernambucano.
« Nesta cidade disse-me o Dr. Joaquim de Aquino Fon
ceca, cunhado de Pedro Ivo, que o fallecimento tivera lugar
na altura desta provincia, e confirmou -me os relevantes
serviços então prestados a seu distincto cunhado, pelo com
mendador Breies.
752 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

« São estas as informações que posso prestar -lhe, af


fiancando a idoneidade dos informantes. »
Eis em ligeiros traços a vida de Pedro Ivo Velloso da
Silveira , eis a ultima phase da vida desse valente e brioso
militar, desse patriota illustre e benemerito .
Pedro de Moraes Magalhães. Nasceu na villa do
Recife em fins do seculo XVII, assentou praça de soldado
a 26 de Junho de 1709, passou a alferes de granadeiros e
tenente de cavallos, ajudante de infantaria do terço da
guarnição de Olinda, por Patente de 13 deJunho de 1723 ,
ajudante de numero do mesmo terço a 13 de Setembro de
1742, ajudante de tenente -general da praça de Pernambuco
por Carta Patente de 25 do mesmo mez e anno , sargento
mór de infantaria do Recife a 29 de Novembro de 1743, e a
tenente - coronel commandante do regimento de infantaria
de Olinda por Patente Regia de 6 de Outubro de 1753.
Seguindo para Portugal, occupando ainda no exercito
o posto de official subalterno, Moraes Magalhães tomou
parte na guerra contra a Ilespanha , achou -se no rendimen
to da praça de Balaguer, nas batalhas de Almenara e Sa
ragoça, foi incumbido da expedição da tomada de um com
boio que os hespanhóes haviam apresado, havendo nesta
occasião não só o dito comboio como tambem mais de 100
cavallos, que muito serviram para o augmento da cavalla
ria , assim como figurou digna e honrosamente em todos
os feitos e operações de guerra, até a entrada do exercito
portuguez na cidade de Madrid, servindo com bôa satisfa
ção, distincção e honrado procedimento em todas as occa
siões que se lhe offereceram , mostrando sempre o selo e
valor de bom soldado, como diz El-Rei D. João V em uma
de suas patentes .
Nessa campanha o illustre capitão Pedro de Moraes
Magalhães , cahiu prisioneiro em mãos do inimigo, mas
foi resgatado pelo governo portuguez, voltou á Lisboa quan
do terminou a guerra, e d'ahi veio para esta provincia em
cuja praça passou de novo a servir.
Em 1726, por occasião do levantamento da tropa do
Recife por falta do pagamento do seu soldo, em considera
vel atraso , Moraes Magalhães prestou immenso serviço a
causa da ordem publica, e conseguindo ao mesmo tempo
trazer os soldados da sua companhia em bôa ordem , foi
com elles guarnecer a fortalesa do Brum , impedindo assim
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 753

a que os revoltosos se apossassem desta fortificação, im


portantissima pela sua posição .
Fazendo parte da guarnição de Olinda , quando se su
blevaram os moradores do Cabo de S. Agostinho, veio de
guarnição para a praça do Recife, onde esteve semprepromp
to a tudo que se offereceu e se o encarregou , sendo por
varias vezes mandado á reforçar a guarnição da fortaleza
de Itamaracá .
Occupada a ilha de Fernando de Noronha por uma ex
pedição francesa organisada pela Companhia Oriental, o
governo da metropole immediatamente ordenou ao gover
nador e capitão general desta capitania que fizesse mar
char sobre Fernando um corpo de tropas á desalojar os
francezes ahi estabelecidos, e aos 6 de Outubro de 1737
partiu do porto do Recife uma expedição sob o mando do
tenente -coronel João Lobo de Lacerda, da qual fez parte o
intrepido capitão Moraes Magalhães.
Com poucos dias de viagem chegou a expedição ao
porto de Fernando, desembarcou, e facilmente rendeu o
inimigo , que, sem meios de defesa alguma , não oppoz
resistencia séria , e então começaram -se as obras da sua
fortificação , que ficaram concluidas dentro de 8 mezes .
Rendida a tropa expedicionaria por um destacamento
que partiu desta provincia , Moraes Magalhães regressou
então á Pernambuco a 11 de Julho de 1738, mas no anno
seguinte portiu de novo para Fernando incumbido do com
mando da praça , onde se demorou por 5 mezes.
Voltando do commando de Fernando de Noronha, o
capitão Pedro de Moraes Magalhães partiu para a capita
nia do Ceará em missão do governo, em cujo desempenho
revellou o seu zelo e valor de bom soldado, como diz Èl-Rei
D. João V em uma das patentes que lavrou em remunera
ção dos seus serviços.
Conquistando pelo seu merecimento e brioso procedi
mento militar os diversos postos do exercito , elevado em
1753 a patente de tenente - coronel commandante do regi
mento de infantaria de Olinda , em 1744 já possuia as dra
gonas de coronel, quando teve de marchar para a colonia
do Sacramento .
Invadida essa possessão portuguesa pelas tropas hes
panholas, o governador desta capitania José Cesar de Me
nezes, em cumprimento de ordem da metropole, fez mar
char o regimento de infantaria do Recife sob o commando
do coronel Pedro de Moraes Magalhães, o qual embarcou
96
754 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

no dia 10 de Dezembro de 1774, com destino á Santa Ca


tharina, afim de se reunir a outras tropas, e dahi marchar
para a colonia do Sacramento .
Conseguindo as tropas portuguezas a posse da colo
nia , alli ficaram de guarnição, até que em 1776 mandando
o governo da Hespanha uma poderosa armada, a 27 de Fe
vereiro do anno seguinte foi a colonia rendida vergonho
samente a discripção, pelo terror panico que se apoderou
dos principaes cabos de guerra portuguezes , á vista do
inimigo, apezar de estar a ilha bem provida de gente emu
nições, e em estado de resistir por muito tempo.
O coronel Moraes Magalhães, ousando censurar a co
bardia do general portuguez que não se quiz bater com os
hespanhóes, entregando -lhe vergonhosamente o posto que
The fòra confiado, sem oppor a mais insignificante resis
tencia , foi preso , remettido para Lisboa , atirado aos carce
res de uma fortaleza , e alli falleceu obscuramente em uma
rigorosa prisão, sem que nunca se lhe nomeasse o conse
lho de guerra que requerera para justificar-se !
Assim na obscuridade, victima da cobardia de seus
inimigos, falleceu o bravo e illustre coronel Pedro de Mo
raes Magalhães, na côrte do reino portugez, cujo monar
cha, tantas vezes, nas patentes que lavrara conferindo - lhe
postos e distincções, louvara e exaltara o seu merecimen
to , o seu zelo , dedicação, bravura e heroismo.
Pedro Ribeiro da Silva . Rico e abastado agricultor,
capitão -mór da villa de S. Antão, hoje cidade da Victoria ,
homem de patriotismo e sentimentos nobres c elevados,
Pedro Ribeiro da Silva foi um dos vultos proeminentes, e
occupou logar distincto na luta travada em principios do
seculo passado, luta conhecida na historia por - Guerra
dos Mascates.
Alistando -se bem jovem ainda nas tropas de ordenan
ças desta capitania , o governador Marquez de Monte Bello
o proveli no posto de sargento -mór do regimento de in
fantaria da freguezia de Nossa Senhora da Luz, no qual
foi confirmado por Patente Regia de 30 de Dezembro de
1692, « por ser pessoa nobre e estar serrindo no mesmo
posto com satisfação e com a mesma se ter harido no cargo
de procurador do conselho da camara da cidade de Olinda
eno de juis de orphijos que exerceu com particular selo ,»
posteriormente foi nomeado capitão -mór da freguezia de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 753

S. Antão pelo governador Caetano de Mello e Castro, por


Patente de 4 de Agosto de 1698 .
Quando surgiram as pretenções do Recife e começa
ram os tramas reaccionarios de Olinda, o capitão -mòr Ki
beiro da Silva pôz-se a frente do movimento , e na phrase
de um historiador, ostentou - se tão bravo atleta e fogoso
campeão da patria, que bem pode chamar -se o Domingos
José Martins de 1710. Mallograda a tentativa contra a vida
do governador Sebastião de Castro e Caldas , Ribeiro da
Silva foi alvo de todas as violencias , de cujas persegui
ções quiz livrar-se resistindo a mão armada .
Estabelecendo o governador um presidio em S. Antão
sob o commando do capitão João da Motta, com o fim de
trazer seguro o capitão -mór Ribeiro da Silva , elle convoca
todos os conjurados, arma as suas tropas, prende o com
mandante do presidio e marcha para o Recife. Ribeiro da
Silva faz o governador abandonar o seu posto e fugir para
a Bahia , demule o pelourinho da nova villa, castiga os in
trusos membros do senado da camara servindo - se das
suas mesmas bengalas e cabelleiras, e recolhe -se á cidade
de Olinda onde foi recebido triumphalmente e entre uni
Versacs applausos.
Este acto de audacia e valentia do capitão Pedro Ri
beiro da Silva marca o rompimento da celebre guerra dos
Mascates,quede tão graves consequencias foi para esta pro
vincia.Convocado ogrande conselho no paçoda municipali
dade de Olinda , afim de tratar - se da direcção dos negocios
publicos e fórma do governo,Ribeiro da Silva, opinou como
sincero e zeloso patriota, concluindo, que, os pernambu
canos se governassem a si mesmos, porque só assim fica
ria a patria livre do risco porque acabava de passar. Po
rém , rasoaveis ponderações mudaram -no de opinião, con
cordou finalmente com a maioria sobre chamar-se o bispo
diocesano para tomar conta do governo da capitania, com
a clausula de que : em nome de El- Rei olhasse o passado
como innocente desforço da nobresa e povo opprimido.
Com tal deliberação dissolveu -se a reunião , ficando a
camara do senado imcumbida da direcção do governo, até
que o bispo diocesano regressasse da Parahyba á tomar
conta desse novo cargo, que a saberania popular lhe aca
bava de confiar. Porém os Mascates preparam tremenda
reacção, armam -se convenientemente , abastecem o Recife
de generos e mantimentos, e tão a seu salvo levaram á ef
feito todos os seus planos, que o bispo -governador veio a
756 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

cahir prisioneiro em suas mãos , e elles levantam o estan


darte da revolta, e rompe a guerra com todo o seu ardor.
O capitão-mór Ribeiro da Silva, que então se achava
em sua propriedade de S. Antão, vôa á Olinda , reune-se
aos patriotas, e concertado o plano de pôr-se o Recife em
apertado cerco , elle pediu que se lhe confiasse a estancia
de Afogados, a mais importante pela sua posição, tendo
em vistas não só reduzir os sitiados á maior penuria ve
dando a entrada de generos por aquelle ponto , como tam
bem para impedir -lhes a communicação com os seus par
ciaes do Cabo . A 22 de Julho de 1711 , Ribeiro da Silva
acampava no ponto que lhe fôra confiado, e pelo seu he
roismo e arrojado patriotismo, teve elle sempre no decurso
da campanha, grande parte e decidida influencia.
Quando a adversidade da sorte feriu os pernambuca
nos , e triumphou a causa dos Mascates , Ribeiro da Silva
fez parte da liga de Tracunhem , cujo fim era fazer- se forte
nas mattas, e resistir a oppressão , defendendo - se mutua
mente das tyrannias do novo governador Felix José Ma
chado, até que o governo da metropole melhor informado,
mandasse pôr termo as perseguições de que eram victi
mas os pernambucanos. A liga de Tracunhem que tornou
se respeitavel e terrivel, resistiu briosamente a todos os
meios de destruição que lhe movera o governador, e só
depôz as armas quando foi publicado o perdão geral con
cedido por El- Rei D. João V.
O capitão -môr Pedro Ribeiro da Silva, póde então re
colher -se em paz ás misera veis reliquias da sua passada
e avultada fortuna,em idade adiantada, quando tinha de co
lher os fructos do seu trabalho em vida descansada e fe
liz , viu - se arruinado e pobre, mas resignado por haver
cumprido o seu dever, sacrificando -se por bem da patria .
D. Frei Pedro de Santa Marianna . Nasceu no Re
cife a 30 de Dezembro de 1782. Foram seus paes Carlos José
de Souza e D. Marianna Machado Freire.
Aos 14 annos de idade entrou no convento do Carmo da
mesma cidade do Recife, recebeu o habito a 17 de Feve
reiro de 1797 e professou a 7 de Fevereiro de 1799. Fez com
distinccào o curso dos estudos de seu convento , distin
guindo-se especialmente no de philosophia e theologia ,
passou depois a cursar as aulas do Seminario de Olinda,
e dedicando-se particularmente a geometria, estudo de sua
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 757

predilecção, obteve ao prestar o respectivo exame appro


vação cum laude. Frei Pedro cursouainda a aula de ma
thematicas regida pelo Dr. Antonio Francisco Bastos, e
esgotando -se então os meios de instrucção que offerecia
esta provincia, elle volveu os olhos para mais largos hori
sontes , embarcou para Portugal, e em 1805 recebeu o pres
byterado das mãos do bispo paulopolitano D. Frei Miguel
na capella de Bemposta , e no anno seguinte matriculou
se na Academia Real de Marinha, ou collegio dos nobres
em Lisboa, onde conseguiu approvação plena e foi consi
derado pelos seus profundos conhecimentos.
Frei Pedro gosava então de subida reputação , e das
considerações que a sabedoria e as virtudes sabem in
fundir .
No convento do Recife, quando ainda corista, conquis
lou a patente de leitor de geometria e gosou dos fóros e
isenções de mestre abalisado, e na academia « avantajou
se de tal sorte a tantos illustres collegas, que chamou logo
a attenção de seus mestres, recebendo os mais justos en
comios e o laurel academico, digno premio de seu merito,
verdadeira recompensa das lucubrações e tentamens scien
tificos do esforçado lidador. »
Não foi sem difficuldade que Frei Pedro conseguiu ma
tricular - se na Academia de Marinha . Instituição pura
mente militar, unicamente reservada á instrucção de uma
classe, foi recusada a admissão do religioso brazileiro.
Mas fazendo - se ouvir um dia sobre geometria entre os es
tudantes, em uma das occasiões em que se achou na Aca
demia como visitante , attrahiu tal attenção, patenteou tão
vantajosamente o seu talento e os seus conhecimentos, que
foi calorosamente applaudido, e os proprios lentes que tão
obstinadamente se oppunhão á sua admissão, foram então
os proprios em concorrer á que se abrisse uma excepção,
a favor de Frei Pedro .
Concluindo os seus estudos academicos ao tempo que
se acabava de crear no Rio de Janeiro a Academia Militar,
foi- lhe offerecida a cadeira de mathematicas, em 1813 es
treou o magisterio como lente substituto, em 1818 teve
effectividade, e em 1833 foi jubilado com elogio do governo
pela dignidade e zelo com que desempenhara o seu mandato.
Escolhido pelo tutor do então principe imperial e loje
Imperador do Brazil , para o honroso encargo de dirigir a
educacão scientifica e religiosa do principe, o governo da
758 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

regencia confirmou a escolha feita , e no mesmo anno de


1833 o ministerio do Imperio lavrou o Decreto de sua no
meacão .
Vagando posteriormente a mitra do bispado do Rio de
Janeiro , foi designado para a prehencer, « mas foram hal
dados todos os esforços dos amigos, e a vontade imperial
encontrou obstaculo invencivel na consciencia excessiva
mente escrupulosa do distincto mestre, que alta e solem
nemente se reconhecia humilde, pequeno e incapaz de
exercer e receber tão alto ministerio . » Entretanto , for sor
prehendido poucos mezes depois quando lhe apresentaram
as bullas de confirmação de bispo titular de Chrysopoiis,
as quaes foram impetradas da Santa Sé sem a sua inter
venção e sciencia, e teve então de ceder ao nobre impulso
do reconhecimento e da gratidão .
Confirmado bispo por Bulla de 6 de Maio de 1841, re
cebeu a sagração na capella do Paço Imperial da Bòa - Vista
a 13 de Junho do mesmo anno , sendo bispo consagrante
o da diocese do Rio de Janeiro D. Manoel do Monte Rodri
gues de Araujo, seu comprovinciano e discipulo, e assis
tente o bispo de Olinda D. João da Purificação Marques
Perdigão , e o de Anemuria D. Frei Antonio de Arrabida.
Nessemesmo anno recebeu D. Frei Pedro a commenda
da ordem de Christo , e depois foi nomeado esmoler -mór do
Imperio , e recebeu o grao de doutorem mathematicas, quan
do o governo concedeu semelhante titulo aos lentes effec
tivos e jubilados da Academia Militar ; em 1843 recebeu do
Santo Padre Gregorio XVI os titulos de seu Prelado Do
mestico , Bispo assistente ao solio pontificio e Conde Pala
tino , titulos estes os mais elevados na Curia Romana e com
os quaes os pontifices honram as pessoas de sua particu
lar estima, sendo que foi elle o primeiro brasileiro a quem
se conferiu a dignidade de Conde Palatino.
D. Frei Pedro de Santa Marianna depois de gozar digna
e honrosamente dos mais elevados cargos e dignidades
da egreja, falleceu no Rio de Janeiro aos 6 de Maio de 1864
na avançada idade de 82 annos .
Ilabitando no paço de S. Christovão, a familia Impe
rial acercou - se do seu leito e prodigalisou -lhe os maiores
cuidados, attenções e disvellos; S. M. o Imperador acom
panhou os seus restos mortaes ao ultimo jazigo, pegou em
uma das argolas do feretro , assistiu a todos os officios e
exequias, recommendando até aos prelados respectivos,
que nenhum acto comecasse sem a sua presença . “ A rea
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 759

leza tomou luto em demonstração de sentimento profundo


pelo passamento do venerando carmelitano !»
A morte do sabio e virtuoso bispo de Chrysopolis, a
imprensa pagou o seu tributo de homenagem e respeito a
sua veneranda memoria , innumeros artigos biographicos
The foram consagrados, e sobre a sua sepultura naegreja
dos religiosos carmelitas, no largo da Lapa, inscreveu -se
um extenso e eloquente epitaphio , memorando as suas vir
tudes, a sua sabedoria e os seus elevados titulos e datas
de sua vida ; e dentre os escriptos que lhe foram consa
grados, extractamos os seguintes topicos da biographia
que escrevell o Sr. Dr. José Tito Nabuco de Araujo, ter
minando assim com o seu autorisado juiso o presente ar
tigo .
« A sua vida illibada , a pureza de seus costumes , a inex
cedivel severidade de sua moral sempre seguida de acções
de beneficencia e caridade, sobretudo uma nunca desmen
tida modestia a par do absoluto despreso para as grande
zas da terra e o luzir do mundo, cada vez mais realçava
a fama preclara de que gozava proclamando - o um sabio
philosopho, um genio transcendente e um santo varão ! ...
« No espaço de 31 annos que tantos habitou o veneran
do bispo o paco Imperial, nem um só momento deixou elle
de ser o humilde, modesto e virtuoso monge carmelitano
Frei Pedro de Santa Marianna ...
« Na verdade é para admirar que um simples monge,
que se ve exaltado ás mais altas posições sociaes, pre
ceptor do soberano, seu esmoler -mor, conde palatino, pre
lado domestico, assistente ao solio pontificio, commenda
dor e doutor em sciencias exactas , gosando da privança
dos augustos imperantes, e de effectiva residencia no paco
Imperial, nunca em um só instante, por um só momento
procurasse exercer a minima influencia no espirito do seu
Imperial discipulo, ou se envolver por qualquer modo nos
negocios do estado ....
« Sabia exercer a caridade, qualidade que muito o dis
tinguia a par de sua inalteravel modestia ; nunca a sua
bolsa se fechou para o pobre e infeliz necessitado, e jamais
a viuva e o orphao desvalido deixou de encontrar o bal
samo da consolação , o obulo do crente derramado de sua
alma bem formada é eleita para a immortalidade. Ele re
partia sempre com seu proximo desventurado, e não po
dia ouvir o gemido de seu semelhante afflicto , sem que
voasse en seu auxilio, levando -lhe a paz e o repouso .
760 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

« Era uma alma angelica, um coração bem formado, um


seio que rescendia os perfumes do paraiso. Frei Pedro
por mais elevado que fosse, acercado de todas as honras
e gloria , na maxima grandeza social , respeitado pela som
ma de conhecimentos e virtudes que tanto o distinguiam ,
nunca se lisongeava nem com seus brazões, nem com o
sen saber por todos proclamado ; e jamais ostentava as
graças que recebera da munificencia imperial!
« Era um prototypo de virtude, um modelo de abnega
cão e de modestia sem par ....
« A hora extrema ia soar ; o cansado caminheiro sobre
ergueu - se, e depositou nas augustas mãos de S. M. o Im
perador a sua biblia , cruz e annel; elle transmittiu as in
signias do episcopado ao soberano principe de quem tinha
recebido tão elevadas honras.
« Era a ultima lembrança repassada de nobreza, reco
nhecimento e saudade .
« Estava tudo consumado '.... »
Pedro da Silva Pedroso. Nasceu em fins do seculo
passado ; assentou praça de soldado no regimento de ar
tilharia da praça do Recife, foi sargento , passou a segundo
tenente por Patente de 13 de Julho de 1808, foi promovido
a primeiro tenente da nova companhia de artilharia a ca
vallo do regimento de Olinda por Patente de 15 de Junho
de 1813, eacapitão do regimento do Recife por Patente de
3 de Fevereiro de 1816 .
Militar instruido e brioso , iniciado nos tramas revolu
cionarios da nossa emancipação politica , Pedro da Silva
Pedroso foi o principal heroe militar do prematuro rompi
mento de 6 de Março de 1817. Condemnado á prisão pelo con
selho de guerra convocado pelo governador, Pedroso põe - se
á frente do movimento que rompeu após a morte do com
mandante do seu regimento, manda tocar a rebate, posta
se á frente do quartel, e faz cahir morto o ajudante de or
dens do governador que vinha indagar do acontecimento.
Seguido por alguns soldados e com 2 peças de artilharia
foi apoderar -se do governador, mas sabendo da sua fuga
para a fortaleza do Brum , contra -marcha e vae fazer alto
em frente a cadeia publica. Pedroso solta immediatamente
a Domingos José Martids e a todos os presos alli recolhi
dos, e reforçadas as suas tropas, marcha para o Erario e
se apodera desse ponto . No dia seguinte Pedroso toma
parte na capitulação do Brum , distingue -se briosamente
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 761

em todos os movimentos e trabalhos do novo estado de


cousas, principalmente na reorganisação do exercito, e teve
condigna remuneração no posto de coronel commandante
de um batalhão, e sendo - lhe então confiada a incumbencia
de completar com milicianos os novos corpos creados,
commissão delicadissima que exccutou com rara pruden
cia . Os serviços de Pedroso , a sua dedicação e a confi
ança que o corpo do seu commando inspirava ao governo
eram taes , que sempre o fizeram permanecer na capital,
sendo o seu batalhão o unico de que se não destacaram
soccorros para os diversos pontos ameaçados, nem mus
mo no maior auge do perigo da patria .
Perdida a batalha de Pindobas, e com ella a causa da
proclamada liberdade, Pedroso acompanhou o dissolvido
governo até o engenho Paulista, onde se debandou o exer
cilo e cada qual seguiu caminho diverso . Cahindo priosi
neiro das avançadas do exercito realista, foi remettido
para o ‘Recife e logo que chegou a cadeia metteram -no em
um estreito segredo onde os raios do sol não penetravam ,
e como não bastasse um tal supplicio , despiram -no com
pletamente, e alli o deixaram com grilhões aos pés e cor
rente ao pescoço .
Remettido depois para a Bahia com os seus compa
nheiros de martyrio e infortunio , Pedroso resignou -se á
sua sorte , e entreteve -se em diffundir os seus conhecimen
tos entre os presos menos illustrados, ensinando -lhes ari
thmetica e algebra .
Sem lhe valer a amnistia concedida, pelas côrtes de
Lisboa aos compromettidos na revolução de 1817 , porque
a relação o exceptuou como humicida qualificado, eo con
demnou a degredo perpetuo nas fortalezas de Momulgão
nas costas da Asia, foi remettido para Portugal á bordo da
fragata Principe D. Pedro, soffrendo na viagem grande
trabalhos, encommodos e privações.
Chegando a Lisboa, foi recolhido as prisões do Cas
tello, e a 10 de Abril de 1822 foi intimado pelo regedor das
justiças, para embarcar na manhã do dia seguinte para
o seu desterro . Porém em sessão das cortes constituintes
desse mesmo dia, o deputado pernambucano João Fer
reira da Silva apresentou uma indicação implorando a
munificencia do soberano congresso , para decretar o seu
perdão e mandar sobre-estar o embarque, o que sendo at
tendido em parte , foi immediatamente communicado ao
ministro da justiça. Dous mezes depois , em sessão de 12
97
762 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

de Junho , um outro deputado apresentou de novo a mes


ma indicação, e procedendo -se a votação depois de alguma
discussão, foi approvada a concessão do perdão, e no mes
modia foilavradaumaportaria do governo dirigida ao chan
celler da Casa da Supplicação para dar execução a ordem ,
e Pedroso entrou no goso da sua liberdade.
Restituido á Pernambuco, Pedro da Silva Pedroso ser
viu distincta e dedicamente a causa da constituição e da
independencia, e quando a 17 de Setembro de 1822, creou
se nesta provincia o governo temporario pela deposição
da junta governativa, elle sahiu eleito governador das ar
mas . No anno seguinte, já elevado ao posto de tenente co
ronel, e ainda no exercicio do commando das armas , Pe
droso pôz-se em conflicto com a junta do governo, e che
gou ao excesso de cercal-a em palacio com tropa e arthi
Iharia, subindo as desordens a ponto de sahir a junta do
governo da capital, e ir estabelecer a sua sede na villa do
Cabo, ficando a cidade sem governo algum por sete dias
consecutivos. Cedendo em fim á instancias da camara mu
nicipal, Pedroso resignou o commando das armas, em
bem da tranquilidade publica , e foi embarcado para o Rio
de Janeiro , onde permaneceu preso por algum tempo.
Voltando a Pernambuco durante o periodo revolucio
nario da Confederação do Equador, que teve logar em 1824,
serviu briosamente a causa da integridade do imperio .
Desembarcando na Barra Grande, marchou commandando
uma força, de intelligencia com outras , contra a capital, e
effectuando a entrada do exercito imperial no Recife, Pe
droso poucos dias se demorou, e regressou para o Rio de
Janeiro, onde viveu muitos annos tranquillo e inteiramente
afastado da politica e da vida publica.
Em 1834, quando se disse que José Bonifacio fôra quem
dera o primeiro grito da nossa emancipação politica, Pe
droso fez publicar, na Bussula da Liberdade de 20 de Se
tembro, estas palavras em contestação : « Não pude ouvir
a sangue frio que o Sr. Dr. José Bonifacio fosse o primeiro ,
que desse o grito da independencia do Brazil : esta gloria
só a mim pertence, porque eu é que fui o primeiro que na
cidade do Recife de Pernambuco , a 6 de Março de 1817 pe
las 2 horas da tarde, fiz soar esta palavra magica , que ao
depois foi ecoada em 7 de Setembro de 1822 pelo Sr. Dr.
José Bonifacio de Andrada nos campos do Ypiranga . Per
doe -me ! O seu a seu dono. »
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 763

O coronel Pedro da Silva Pedroso falleceu no Rio de


Janeiro , adiantado em annos, e em epocha que não pode
mos verificar .

Pedro de Souza Tenorio . Nasceu na fregueria de


Santo Antonio do Recife, aos 29 de Junho de 1779, e foi
baptisado na matriz da mesma freguezia aos 14 de Julho
seguinte ; seus paes foram Manoel de Souza dos Santos,
e D. Brazida Tenoria dos Santos.
Tenorio fez os seus estudos primarios nesta provincia ,
e deliberando abracar a vida ecclesiastica , seguiu para
Portugal, e em Lisboa concluio o seu curso . Não sabe
mos , porém , se ordenou -se em Portugal ou em Pernambu
co ; no entretanto , lá se achava quando no juizo ecclesias
tico desta diocese corria o processo De Genere et Moribus,
para assumir ao presbiterato, o qual foi julgado por sen
tença de 18 de Setembro de 1799 .
Voltando a Pernambuco, foi nomeado vigario collado
da freguezia de Itamaracá , e como tal,logo depois foi con
decorado com o habito da Ordem de Christo . Sobre o des
empenho da sua missão de pastor, ouçamos o testemunho
de um estrangeiro illustre , que visitou -nos em principios
deste seculo :
« A parochia de Itamaracá , diz Henrique Koster, gosa
ha alguns annos da felicidade de possuir por cura ao Pa
dre Pedro de Souza Tenorio . Seu merito foi reconhecido
pelo governador, de quem foi capellão, e que solicitou do
principe regente o lugar que este digno sacerdote ora exer
ce. Seu zelo pelo bem estar da freguezia que tem sob a sua
administração, é infatigavel. Incumbiu -se do trabalho de
explicar aos agricultores a utilidade de novos methodos
de cultura , das machinas para os engenhos de assucar, e
todos os melhoramentos da mesma natureza praticados
com successo nas colonias de outras nações ; e tudo quanto
é innovação não se adopta sem o seu parecer ; porém não
lhe tem sido facil destruir os velhos prejuizos dos habi
tantes . Affavel com as gentes das classes inferiores do
povo, eu o ouvi por diversas vezes , empregar palavras
persuasivas, e pedir a muitos de seus parochianos, de quem
tinha conhecimento dos seus costumes desregrados, para
que mudassem de conducta . Os sermões sobre alguns
pontos de moral, pronunciados no pulpito , com uma voz
grave e sonora , por esse homem , de uma figura imponen
764 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

te , revestido da batina preta , vestimenta habitual dos ho


mens de sua classe, produsiam uma vivissima impressão.
Elle emprega os maiores esforços no aperfeiçoamento da
civilisação em sua parochia, em prevenir as discordias en
tre os habitantes, em os persuadir a abandonar esses pre
juizos sobre a relação entre os senhores e seus escravos,
o que é ainda mui geral, e os obriga a instruir seus filhos ,
a trazel-os bem vestidos assim como a suas familias, e a
conservarem suas casas em asseio . E' um excellente ho
mem , que comprehende os seus deveres. e que se esforça
para cumpril-os o melhor que é possivel. »
Surge porém a revolução de 1817, o governo dirige - se
ao vigario Tenorio, não só pedindo a coadjuvação dos seus
serviços, como recommendando-lhe particular vigilancia
sobre o juiz de fóra daquella villa, e casualmente , achan
do-se este em sua casa quando lhe foi entregue a carta,
Tenorio começou então a fallar da revolução, afim de me
Thor penetrar as intenções do seu recommendado ; mas
elle retirou-se precipitadamente, e sem nada responder.
Tenorio suspeitou então da organisação de algum plano
que podesse embaraçar o movimento revolucionario, e
nestas circumstancias decidiu - se a proclamar a revolta
quanto antes.
Esquecendo-se da humilde profissão que exercitava ,
em vez do breviario empunhou a espada ; ao escurecer
do dia ajuntou e armou do melhor modo que pôde aquelles
dos seus freguezes com os quaes contava, e marchou a ex
ecutar o seu plano. Postando -se a pequena distancia da
fortaleza, a frente do numeroso povo armado, delegou o
vigario Tenorio o padre Ignacio de Almeida Fortuna, ca
pellão da mesma fortaleza, para reduzir o commandante a
entregal- a . O enviado, porém , nada pôde obter ; o com
mandante declarou formalmente que só trataria com o pro
prio parocho. Este porém , refere Muniz. Tavares, confia
do na dignidade do seu ministerio té então respeitado com
servilismo, não attendeu ao perigo ; vôou á fortaleza só, e
armado occultamente de duas pistolas, previnio que se
dentro de duas horas não visse alli içada a bandeira bran
ca , tratassem de o livrar. Tanto tempo não intermediou a
apparição daquelle signal, que foi acompanhado com sal
vas de artilharia. O commandante pertencia a numerosis
sima caterva dos mediocres nascidos para serem comman
dados, e incapazes de obrar accão estrondosa ou em rela
ção ao bem ,ou ao mal; a guarnição era pernambucana , os
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 765

pernambucanos no momento não faziam senão um só voto ,


liberdade e independencia da patria . »
Os serviços prestados pelo vigario Tenorio, no desem
penho de tão arriscada e difficil empreza, não foram esque
cidos por aquelles a quem a patria havia confiado os seus
destinos. O governo provisorio chamou para junto de si o
illustre patriota , co encarregou do cargo de ajudante se
cretario .
Durante a curta, porém gloriosa marcha da republica ,
não deixou o vigario Tenorio um só dia de assignalar -se
por mais um rasgo de abnegação, por mais um grandioso
serviço prestado á causa santa da liberdade de sua patria ;
e quando o sol da republica começou a empallidecer, ellé
abandonou o theatro das suas glorias , e seguiu com os
seus companheiros para Paulista, onde separaram -se, e
cada um seguiu caminho diverso .
Em breve , porém, foi o padre Tenorio descoberto em
seu asylo, por Antonio Correia Calheiros, por cuja prisão
recebeu o premio de 400$000 , determinado aquelles que
realizassem a prisão dos réos de alta traição, pelo Bando
de 12 de Junho, e sem demora foi remettido para a fortaleza
das Cinco Pontas , donde foi transferido para a cadeia , a 6
de Julho, e posto em segredo.
O padre Tenorio , diz Muniz Tavares, prevendo que lhe
seria impossivel affrontar com heroismo a morte ignomi
niosa , que se lhe preparava, resolveu suicidar - se. Não po
dendo por falta de meios violentos executar essa resolu
ção, obstinou -se em regeitar os alimentos, preferindo assim
muito mais dolorosa morte. A rigida abstinencia produziu
febre, esta o sustentou . Luiz do Rego, informado, apressou
a commissão, perante a qual obrigou o enfermo a compa
recer em estado cadaverico. Este estado , produzindo de
bilidade mental , o fez saltar a barreira da defesa natural ;
elle disse : « Ser injusta a parcialidade, com que o trata
yam , pois que se merecia a pena de morte por ter sido aju
dante do secretario do governo provisorio José Carlos Ma
rink , que pena merecia o mesmo secretario ? Entretanto
achava -se este solto , e exercitando o emprego, que antes
e depois da revolução occupara ; a prisão do juiz de fóra de
Goyanna ter- lhe sido commandada, e coadjuvada por todo
o povo da sua parochia , a quem este juiz tinha -se tornado
insupportavel. »
Por sentença lavrada aos 8 de Julho de 1817 foi co
demnado a morrer enforcado por haver : 1." accommetlido
766 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

com uma pistola , e despojado do seu poder e insignia o


juiz de fóra de Goyanna quando entrava na fortaleza de
Itamaracá : 2.º por ter arvorado com os seus sectarios a
bandeira da liberdade na mesma fortaleza , gritando entre
salvas de artilharia - viva a religião e a patria ; 3. ° por ter
sido ajudante do secretario do governo provisorio !
O illustre patriota Pedro de Souza Tenorio subio ao
patibulo aos 10 de Julho de 1817 , e depois de executado, a
sua cabeça e mãos foram cortadas. Estas conduzidas e
pregadas n'um poste na villa de Goyanna, nelle estive
ram por espaço de seis mezes , até que corrompidas pelo
tempo se desprenderam e foram enterradas na capella-mór
da igreja da misericordia da mesma villa ; a cabeça foi con
duzida em triumpho para Itamaracá, é fincada em um
poste ; c o tronco do seu cadaver, depois de arrastado á
cauda de cavallo , foi sepultado no cemiterio da matriz
de Santo Antonio do Recife !
Eis como Fernando Diniz discreve a solemnidade da
execução dos patriotas de 1817, e particularmente do Pa
dre Tenorio :
« Os habitantes de Pernambuco ainda não perderam
a lembrança desta terrivel execução, de que vamos referir
as circumstancias principaes. Foi no mez de Julho que se
pronunciou a sentença . Os condemnados, com o baraço ao
pescoço , largo tempo aguardarom que se reunisse à co
mitiva, que devia acompanhal-os. Os soldados, que faziam
parte da referida comitiva, marchavam como nos funeraes.
Segundo o antigo uso , as confrarias chegaram a passos
lentos, umas após outras, levando pendões , que ante os
padecentes successivamente apresentavam . Um ministro
vestido de capa e volta , appareceu montado n'um cavallo
preto e precedido d’um alcaide vestido de encarnado, tam
bem a cavallo, tendo na mão uma vara amarella : um mo
mento se presumiu que se ia ler a sentença de morte; po
rém novas deputações do clero foram chegando, e recita
ram as orações das quarenta horas ante o portal da cadeia .
O acompanhamento poz-se em fim em marcha e atraz
delle caminhavam os executores da alta justiça ; estes eram
dous pretos condemnados a morte, aos quaes se havia
perdoado o ultimo supplicio para que prestassem á justiça
o seu terrivel ministerio . Chegado que foi ao sitio da exe
cução, o cura de Itamaracá , o Padre Tenorio , vestido d'al
va , pôde apenas dar alguns passos para a forca ; estava
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 767

debilitado por uma enfermidade. Frades franciscanos o


sustinham , e um benedictino o acompanhou até junto da
fatal escada . O padecente não podia fallar; porém a voz
do benedictino se fez ouvir . - Com a vida satisfaz a divida
que contrahiu para com a sociedade ; além da morte vede
nelle um irmão . - Os verdugos, derramando lagrimas, cum
priram o seu terrivel dever. »
« Este varão insigne, diz o autor dos Martyres Per
nambucanos, ser-nos-ha eternamente saudoso, porque
sympathisando ambos desde a primeira juventude, con
discipulos nas mesmas aulas e faculdades, e conservando
indissoluvel amizade, tivemos tempo e proporções para co
nhecer a sua bella alma; bella em principios da mais su
blime philosophia , bella na pratica de todas as virtudes
civis e religiosas , este nosso elogio poderia ser suspeito,
se não fosse confirmado pelo testemunho irrecusavel do
inglez Henrique Koster, na historia das suas viagens, e
ousamos affirmar que o nosso elogio seria hoje o grito
universal, se a causa da liberdade não succumbisse, le
vando - o de rojo comsigo. Amante da liberdade, desde que
soube reflectir, mas talvez ignorando em que ella consis
te ; inimigo implacavel da tyrannia , sem querer desculpar
os seus erros , mesmos os necessarios e involuntarios ,
sabia comtudo ser tolerante na pratica , vivendo em per
feita harmonia com os seus amigos concidadãos, e com o
genero humano . Era o idolo das suas ovelhas, a quem in
fatigavelmente desabusava sem escandalisal-as ; n’uma
palavra , chegou o dia 6 de Março de 1817 , dia em que bri
Īhando como campeões da liberdade quasi todos os seus
mais favoritos amigos, pouca duvida houve de ser elle um
dos mais profundos adeptos dos mysterios democraticos ,
segredo que sempre nos occultou tenacissimamente, é
para tirar toda a duvida sobre o seu credo politico, decla
rou -se tambem do numero dos campeões, fazendo muitos
mais serviços á liberdade, do que são enumerados nos ar
tigos da sua condemnação. »
Tal foi o illustre patriota padre Pedro de Souza Teno
rio ,martyr da mais santa e grandiosa idéa - a da liberda
de da sua patria , e por ella sacrificada pelos seus despoti
cos e tyrannos opressores.
O nome de uma das ruas do bairro de S. Frei Pedro
Gonçalves do Recife , (rua do Vigario Tenorio) memora o
desteilllustre e benemerito pernambucano.
768 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

D. Rita Joanna de Souza. Nasceu em Olinda a 12 de


Maio de 1696 , e era filha do Dr. João Mendo Teixeira .
A philosophia, a historia, a geographia e a pintura, te
cem a coroa de gloria dessa illustre pernambucana .
« Pernambuco, a provincia heroica , patria de tantos
filhos bencmeritos, diz o Sr. J. Norberto de S. e Silva , deve
ufanar - se de poder contar entre os nomes das senhoras
illustres, que ha produzido, o da joven Rita Joanna de
Souza , que muito honrou as bellas artes e lettras . Nas
cida sob aquelle formoso c esplendido céo, entre aquellas
encantadoras e rizonhas paisagens, ante todas aquellas
bellas e inspiradoras scenas da cidade de Olinda, no anno
de 1696, quando Gregorio de Mattos expirava com a poe
sia do arrependimento nos labios co canhão annunciava
o aniquilamento da republica africana de Palmares, passou
ella a sua mocidade alegre e ruidosa no entretenimento
proprio da pintura e quando depunha os seus pinceis , o
tento e palheta , era para se entregar ao estudo da histo
ria e da geographia, que faziam os seus encantos, e sobre
o que escreveu algumas investigações, que talvez ainda
se conservem sob a poeira dos annos, ou tenha, o que é
mais certo , levado o descaminho, que tem tido tanta ri
queza litteraria , graças ao nosso descuido e incuria, e o
nenhum apreço das nossas cousas. »
D. Rita Joanna de Souza , recebeu de seus paes uma
desvelada e esmerada educação .
Se attendermos a que nos tempos coloniaes, o derra
mamento da instrucção, e diffusão das sciencias não pas
savam além das portarias dos conventos, e se atterdermos
tambem , a que somente na Metropole se poderia colher
certos conhecimentos de outros ramos das sciencias, lit
teratura e bellas artes , D. Rita de Souza somente pelo seu
bello talento , pela sua vocação e amor aos estudos, e guiada
por seu illustre pac , pôde conseguir sem haver salido de
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 769

Pernambuco tamanha somma de illustração , que pelos


seus trabalhos, pelas suas locubrações mereceu applausos
de Damião de Froes Perim , no Theatro Heroino, do abbade
Barbosa Machado na Bibliotheca Lusitana , de Ferdinand
Diniz no Resumé de l'histoire du Brezil do conselheiro Lis
bòa nas suas Notus Biographicas, de José Marcelino P. de
Vasconcellos na Selecta Braziliense, de Souza e Silva nas
Brasileiras Celebres, e de Macedo no Anno Biographiro
Brasileiro .
Nada porém nos resta dos trabalhos de D. Rita Joanna
de Souza ; nenhum desenho ou quadro , nenhuma das suas
memorias e trabalhos de investigações historicas, chega
ram aos nossos dias !
Resta - nos porém á stia memoria , a honrosa menção,
e o preito de homenagem de tantos e notaveis escriptores,
ao seu talento , a sua illustração .
Naturalmente os desenhos e quadros da juvenil pin
tora , diz o Dr. Macedo, os escriptos sobre historia da no
vel e candida philosopha se resentiriam de sua idade,rosa
em botão maldesabrochada , e de sua inexperiencia de in
nocente donzella , mas em uns e outros brilhariam lampe
jos do genio , que a fama, infelizmente não documentada ,
apregoou por longos annos.
A este juizo do Sr. Dr. Macedo, antepomos o de Da
mião Froes Perim , autor contemporaneo . Eis o que elle
( liz no seu Theatro Heroino :
<< D. Rita Joanna de Souza se fez recommendada na
posteridade pelas obras de seu juizo e engenho. Na arte
da pintura os mestres que não excedeu , igualou. Na phi
losophia natural escreveu diversos tratados, e na lição da
historia foi tão applicada que revolveu as de llespanha e
Franca . >>
Pernambucana e artista , continúa o Dr. Macedo, o que
significava patriota e inspirada, D. Rita de Souza floresceu
em epocha notavel para sua capitania, e cujos aconteci
mentos necessariamente deviam influir em seu espirito :
a guerra dos Palmares e a relação da morte pai orosa, do
suicidio buonaresco do Zumbi e dos principaes chefes dos
negros foram as historias que sem uvida ouviu em sua
infancia, e a guerra (los mascutes lão excitacora dos brios
e dos ardores pernambucanos terminada tresloucadamente
por violenta e tyrannica perseguição, tormento e desterro
de seus irmãos pela patria, forçosamente impressionaram
sua primeira juventude.
98
770 DICCIONARIO BIOGRAPHICO
Mas destino fatal do genio , os seus dias estavam con
tados, amorte a sorprende na quadra mais risonha da mo
cidade, quando apenas 23 primaveras adornavam o cyclo
da sua existencia , em Abril do anno de 1718 .
D. Rita Joamna de Souza , segundo apontamentos an
tigos, era uma donzella tão sábia e virtuosa como modesta
e formosa ; morreu em Olinda ; a sua perda foi chorada
por todos é o seu cadaver foi levado á sepultura coberto
de flores.
D. Rita Joanna de Souza não foi um talento commum ,
uma illustração vulgar. Duas coroas, cada qual mais bri
Thante, cada qualmais rica de explendores, adornavam a
sua fronte . E as honras que tributam á sua memoria , e a
especial menção que fazem do seu nome autores contem
poraneos , como Damião de Froes Perim , Frei João de S.
Pedro e o abbade Barbosa Machado, quando ainda exis
tiam os documentos comprobatorios dos seus meritos ar
tisticos e litterarios, são attestados incontestaveis e pro
vas bem robustas de tudo isso.
Tivessemos a imprensa, fosse ao menos conservada
uma pequena typographia que se estabeleceu em Olinda
mo anno de 1706 , que a nossa historia politica e litteraria
não teriam de lamentar a perda de tantas producções,
de tantos e importantes documentos, uns pela mão impla
cavel do tempo, outros pela incuria e desamor a objectos
de tamanha importancia !
« Que culpa tem a joven e candida donzella inspirada ,
interroga o Dr. Macedo, que no seu tempo nem houvesse
seus escriptos, nem
no Brazil typographia para publicarlitterarios
ao menos zelo e ainor de thesouros e artisticos
em seus contemporaneos !...
« Flor que perfumou os jardins de Olinda, meteóro que
passou rapido , suave harinonia que pouco a pouco se ex
tinguio no espaço , rica legataria de quem se destruio por
barbara incuria do espolio precioso, donzella formosa e
pura que encantou 22 annos Olinda e anjo subio para
téo, D. Rita Joanna de Souza tem direito à suave, grata e
maviosa lembrança na historia da patria .
« Foi arbusto mimoso que em lettras e arte de pintura
produziu fructos apreciaveis e louvados.
« Os fructos se perderam .
« Fique ao menos no altar da patria por ornamento o
sell nome -- 1 ) nome da flor, »
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 771

Frei Ruperto de Jesus. Nasceu na villa de Igniarassú


aos 9 de Agosto de 1644 e foram seus paes Manoel de Souza
e sua mulher D. Maria dos Santos.
Abraçando a vida religiosa, professou no Institutode
S. Bento da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, onde
regeu algumas cadeiras com bastante aproveitamento para
os seus discipulos. Passando -se depois á Portugal, Frei
Ruperto de Jesus cursou a universidade de Coimbra, e re
cebeu a borla e o capello de doutor em canones.
Homem de merito, de illustração e virtudes, o Dr. Frei
Ruperto de Jesus occupou na sua ordem os cargos mais
elevados, e assim exercen os de qualificador do Santo Of
ficio , de provincial e visitador geral.
Pregador notavel, de grande litteratura, dos muitos
sermões que pregou com applauso, segundo o autor da Bi
apenas os seguintes viram a luz da
publicidade : Sermão de Santa Theresa , impresso em Lis
bôa, em 1699 ; Sermão de S. Bento , em 1700 ; Trez Sermões
de S. Agostinho ; Sermão do Santissimo Sacramento ,man
dado imprimir pelo mestre de campo Antonio Guedes de
Brito ; e o Sermão de S. Pedro Martyr, mandado impri
mir pelos familiares do Santo Officio, sendo todas essas
peças oratorias proferidas nas diversas egrejas da cidade
de's. Salvador da Bahia , e impressas em Lisboa no mesmo
anno de 1700 .
O Dr. Frei Ruperto de Jesus morreu no mosteiro de S.
Bento da Bahia a 9 de Agosto de 1708 , na idade de 64 annos,
Foi um varão douto e virtuoso, e ó seu nome figurando
com louvor na Bibliotheca Lusitana do abbade Barbosa
Machado , no Diccionario bibliographico portugues de In
nocencio Francisco da Silva, nos Várões illustres do Brasil
do Sr. Conselheiro Pereira da Silva, na Memoria historica
e biographira do Cleropernambucano pelo conego Lino do
Monte Carmello Luna, e em outros escriptos, é assás bon
roso a sua memoria , é una homenagem digna dos seus
merecimentos e virtudes .
772 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

D. Sebastião Pinheiro Camarão . Nasceu pouco mais


Oll menos em meiados do século XVII. Era filho de D.
Diogo Pinheiro Camarão , governador geral dos indios
desta capitania , e neto de Francisco Pinheiro Camarão .
Abraçando a nobilissima carreira das armas, conquis
tou bem cedo pelo seu valor e merecimento , os mais altos
postos do exercito, datando os seus serviços de 1673, quan
do teve praça. Se D. Sebastião Pinheiro Camarão não se
illustrou na homerica e gloriosa campanha da restauração
de sua patria do dominio hollandez , porque talvez ainda
não podessemanejar uma arma, enem mesmo fosse nas
cido ainda , illustrou -se porém na celebre campanha dos
Palmares, na qual pelo seu valor c heroismo, patenteou
que o sangue do legendario D. Antonio Felippe Camarão
que lhe girava nas veias, não se havia degenerado. D ) . Se
bastião Pinheiro Camarão fez parte tambem da campa
nha do Rio Grande do Norte, contra os indios rebellados,
na qual portou -se briosamente, e em 1693 achava -se no
xercicio de uma commissão militar na fronteira de S. Mi
guel de Araripe , na mesma capitania .
D. Pedro II de Portugal, na Carta Regia de 13 de Março
de 1988, em que pelos seus serviços The concedeu uma
tença de 48 $000 rs . annuaes , declara que elle « havia pro
cedido com grande disposição e valor, sendo muito obe
diente e sujeito ás ordens que recebia, exercitando os seus
officiaes e soldados com toda a boa forma, muito cuidado
so no culto divino, sem agravar morador algum das Ala
guas onde assistiu , antes l'eprehendendo os indios que re
conhecia culpados; e nas guerras dos Palmares , se haver
como fiel vassallo, sendo dos primeiros no acudir com a
sua infantaria aos rebates de guerra, e nas entradas com
dilatadas assistencias no sertão , supportando os trabalhos
e fomes com valor e constancia, empenhando-se sempre
110 apasiguamento do povo . »
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 773

Tambeni o governador desta capitania D. João de Sou


za muito louvára a D. Sebastião Pinheiro Camarão por tão
assignalados serviços que prestára, e El-Rei os reconhe
cendo, galardoou ao illustre soldado com o fôro de fidalgo
de sua real casa , e com o habito de Santiago , em cuja or
dem professou .
Por morte de seu pae, foi D. Sebastião Pinheiro Cama
rão nomeado pelo governador Marquez de Monte Bello para
o substituir no governo geral dos indios, cuja jurisdicção
comprehendia todo o territorio que se extendia do rio S.
Francisco ao Ceari , recebendo ao mesmo tempo a nomea
ção do commando do terço de infantaria dos ditos indios.
Confirmado no posto de governador e capitão -mór dos
indios desta capilania, por Patente Regia de 5 de Março de
1694, são memoraveis e dignas de menção, as palavras
com que El- Roi justificou esse acto , e assás honrosas
pessoa do aggraciado : por ser pessoa pratica e com ex
periencia na disciplina militar, haver servido com praça
de soldado, capitão -mór, sargento -mór e tenente dos mes
mos indios, com toda a satisfação, sem faltar a tudo o que
The foi encarregado, assim nas occasiões das guerras dos
Palmares em que se achou por muitas vezes, como parti
cularmente na guerra do gentio barbaro da capitania do
Rio Grande do Norte, onde assistiu por cabo de algumas
companhias do seu terço , na campanha do Assú emquanto
curou a guerra com os tapuias, e nella se haver com as
signalado valor was occasiões de maior importancia, pele
jando muitas vezes com o inimigo, fazendo -lhes conside
laveis damnos, indo em seguimento por aquelles sertões
os perseguindo, tomando -lhes muitos despojos e bagagens
que haviam deixado, assistindo depois na aldeia de Ara
ripe governando os indios muitos annos, havendo - se nesta
occupação com honrado zelo e trazendo os ditos indios
mui bem doutrinados. >>
D. Sebastião Pinheiro Camarão morreu nos primeiros
annos do seculo XVIII em avançada idade, legando i sua
patria um nomehonroso e respeitado, pelos seus serviços
e merecimento. Fidalgo da casa real, cavalheiro de Sam
tiago, capitão -mór e governador geral dos indios desta ca
pitania e suas annexas, estes titulos são assás eloquentes
para conferir á sua memoria merecidos louvores da pos
teridade, porque significam a sua distincrão , o seu valor e
O seul crecimento ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Sebastião do Rego Barros . Nasceu a 18 de Agosto


de 1803 ; foram seus paes o coronel Francisco do Rego
Barros é D. Maria Anna Francisca de Paula Cavalcante de
Albuquerque.
Destinado á carreira militar, teve praça de cadete em
Setembro de 1817 , interrompendo assim os seus primeiros
estudos, e no anno seguinte marchou para o interior da
provincia acompanhando a força que tinha de aquietar os
espiritos revoltosos, e manter a ordem então perturbada.
Terminado o serviço expedicionario, recolhendo-se á
capital com um ferimenlo querecebeu em combate, em 1819
passou a servir sob as ordens do tenente - coronel Francisco
de Albuquerque Mello, e em 1821 pagou nobre tributo ás
idéas liberaes excitadas pela revolução de Portugal, sendo
preso e remettido para Lisboa por ordem do governador
Luiz do Rego. Conseguindo a sua liberdade pouco tempo
depois , Sebastião do Rego obteve licença do governo para
cursar as aulas de sciencias mathematicas e philosophi
cas na Universidade de Coimbra, porém deixou os seus
estudos em 1823 pelas rivalidades entre os estudantes bra
zileiros e portuguezes por motivos da nossa independen
cia , Foi então concluir os seus estudos na Franca , cm 1823
fez uma viagem á Allemanha e no anno immediato recebeu
o grao de bacharel em mathematicas na Universidade de
Gottingen , tendo cursado em Pariz a escola pratica do es
tado -maior do exercito .
Regressando ao Brazil em fins de 1826 , foi ao Rio de
Janeiro, e obteve passagem do corpo de caçadores a que
pertencia para o de engenheiros, foi promovido a capitão,
e regressando então i Pernambuco, os seus comprovin
cianos distinguiram -no com a eleição de deputado a Assem
bléa Geral.
Tomando assento no parlamento nacional em 1830 , em
cpocha difficil e melindrosa, prestou immensos serviços il
causa brasileira outão em luta contra o antagonismo por
lugnez, e não querendo aceitar a pasta da marinha do mi
nisterio organisado depois da abdicacio , recebeu a nomca
ção de commandante geral das guardas municipacs da
corte, cargo este muito difficile de muita confiança na si
tuação, e que muito digna e honrosamente desempenhou.
Pedindo a sua exoneração depois de passado o perigo
da situação e quando o espirito publico se tinha acalmado,
Sebastião do Rego emprchendeu uma viagem a Mouteri
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

déo , em 1834 foi a Buenos -Ayres, as provincias de Santa


Catharina , Rio Grande do Sul , S. Paulo e Minas Geraes ,
donde veio pelo centro até o rio S. Francisco , e dahia até o
Recife .
Reeleito sempre, á excepção das legislaturas de 1845
e 18:18 , Sebastião do Rego teve assento no parlamento como
represeitante de sua provincia, foi um dos mais influentes
deputados de Pernambuco, e ainda que não por notaceis
condições para brilhar na tribuna, era, quando fallaca,
conciso e energico, e sempre ourido com attenção.
Subindo ao ministerio, no gabinete de 19 de Setembro
de1837, c occupando a pasta da guerra, Sebastião do Rego
cuidou especialmente da organisação e disciplina do exer
cito, conseguiu a pacificação da provincia do Maranhão
em grave rebellião, e foi pessoalmente no Rio Grande do
Sul sobre os negocios da campanha, animando com a sua
presença a forças em operações, que a sua frente chega
ram até além do rio Piratinin .
Regressando a corte cachando dissolvido o ministe
rio , foi instado á continuar na pasta que occupava , negoli
se a isto , e a 5 de Março de 1839 entregou -a ao seu succes
sor. Terminando a sessão parlamentar, Sebastião do Rego
voltou a Pernambuco, em 1810 emprehendeu uma viagem
a Europa c.ali demorou -se até 1843 visitando Londres, Pa
l'iz, Irlanda, Escossia , Italia, republica de S. Marinho, os
Alpes, Saboia , os cantões Suissos, Sachafousse, Basilea,
Belgica, Hollanda e Liverpool, donde voltou a Pernambuco.
Em 1848 foi incumbido do commando do batalhão de
voluntarios creado para guarnecer a praça do Recife, quan
do esta provincia se viu á braços com a revolta praeira.
Em 1850 seguiu para a corte como deputado, e sendo in
cumbido pelo governo imperial da commissão de contra
tar tropas estrangeiras, partiu para a Europa, conseguiu
em poucos mezes desempenhar a sua missão e em Julho
do anno seguinte 2 :000 homens de boa tropa desembarca
lami no Rio Grande do Sul. Sebastião do Rego aproveitou
então o ensejo de se achar na Europa , e visitou a Suecia
Noruega, Russia , Polonia e toda i Hespanha, voltando
dali para o Rio de Janeiro .
Foi-the então oferecida uma pasta no gabinete Para
ná , o que recusou, aceitando porem a presidencia da pro
vincia do Parí, cuja posse teve Jogar a 16 de Setembro de
1851. Voltando depois a corte, foi-lhe offerecida a presi
dencia do Rio Grande, mas não aceitou essa nomeação,
776 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

regressou ao Pori , e continuou na sua administração até


1857 , quando a entregou ao seu successor, partindo então
para os Estados Unidos, visitando depois a ilha de Cuba
eo Canadá .
Em fins de 1857 partiu de novo para a Europa,demo
rou -se em Constantinopla , seguiu para a Terra Santa , vi
sitou Smirna, Rhodes , Chyppe, Beyruth , Damasco , ruinas
de Balbeck , Alexandria , Cairo , o mar Fermelho, e ilhas
Jonias, Sicilia , Malta e Napoles.
Voltando ao Brazil em 1859, tomou assento no parla
mento , e a 10 de Agosto entrou de novo po ministerio , OCCI
pando a pasta da guerra até 2 de Março de 1861, nolando
se entre outros serviços que prestou, o regulamento orga
nico das escolas militares do imperio , e a impressão que
fez das Provisões do Supremo Conselho Militar e de Jus
tiça, dos annos de 1823 a 1856 .
Cançado pela idade e pelos trabalhos, e soffrendo da
vista por duas cataratas que o tornaram quasi cego, partin
de novo para a Europa , submetteul -se a uma operação na
Allemanha conseguindo recuperar a vista, mas voltando
a Pariz foi gravemente atacado de uma gastro -hepatite, re
gressando então para Pernambuco aconselhodosmedicos .
Porém o mal perseverou, e sobrevindo -lhe um desarranjo
nos orgãos do coração , falleceu na cidade do Recife a 7 de
Março de 1863 .
Conselheiro, bacharel em mathematicas, tenente- coro
nel reformado , commendador de S. Bento de Avize official
cia Rosa , Sebastião do Rego Barros nobilitou - se por sens
servicos, e deixou - nos a gloriosa memoria de seu nome
tão merecedor de nossa admiração. Politico , parlamentar
e administrador, elle esforçou -se não só pelo zelo e inte
resse de bem corresponder as missões de que foi encarre
gado , como tambem em contribuir individualmente em
tudo que interessava ao progresso do paiz .
Sebastião do Rego Barros deixou os seguintes escrip
tos:
Cartas de um americano sobre as rantagens do gorer
no federatiro ( trad .) Rio de Janeiro), 1833.
Noções elementares dus sciencias aplicadas al agri
cultural. (trad .) Pernambuco , 1848 .
Simão de Figueiredo . Sacerdote respeitare por suas
virtudes e patriotismo, Simão de Figueiredo foi militar no
primeiro periodo in cuia vida, poselnome figura liigua
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 777

mente entre os mais esforçados batalhadores que deixa


ram , por seus feitos e bravura, um nome immortal nos
annaes da guerra da invasão hollandeza .
Em 1630, quando Pernambuco viu em suas plagas as
hostes inimigas, c o general Mathias de Albuquerque, no
intuito de guarnecer diversos pontos, fez uma divisão da
tropa sob o seu commando, creando 22 esquadras, e con
fiando -as ao commando de diversos cabos de reconhecida
coragem e intrepidez , aos quacs conferiu a patente de ca
pitão de emboscada, Simão de Figueiredo foi um dos com
prehendidos na escolha do general em chefe .
Batendo -se heroicamente pela causa das liberdades
patrias, um dos seus primeiros feitos foi a heroica defesa
do posto que lhe tinha sido confiado, encarando o inimigo
com dignidade e valentia . A 16 de Outubro de 1630, 400 .sol
dados hollandezes de infantaria , com 14 batedores a ca
vallo , que durante a madrugada tinham sahido da villa de
Olinda, atacaram de sorpreza a estancia do Rio Doce com
mandada pelo capitão Simão de Figueiredo ; mas elle es
tava prevenido e vigilante, e apresentou tal resistencia,
que o inimigo vendo frustrada a tentativa da posse d’a
quelle ponto, e tendo já perdido grande numero de sol
dados marchou em retirada , sendo perseguido até as pro
ximidades de Olinda .
Figurou ainda em muitos outros feitos dessa guerra
memoravel, mas que a historia esqueceu de mencionar o
seu nome. Quando se firmaram as tregoas e Pernam
buco entrou em um periodo de paz , embora sob o jugo
dos bata vos invasores, o capitão Simão de Figueiredo des
piu a farda que tanto havia honrado pela sua intrepidez e
valentia, e deixando a milicia de Marte, alistou -se na mi
licia de Christo , e devidamente preparado recebeu ordens
sacras ; e dando dest'arte toda expansão aos seus mais
ardentes desejos, tornou - se um sacerdote zeloso e dis
tincto , e por muito tempo exerceu dignamente o cargo de
vigario de Olinda.
Apesar de sacerdote, e inteiramente consagrado ao
exercicio do seu ministerio , comtudo não se apagara de
seu peito a scentelha patriotica, e no padre dominava ainda
os mesmos generosos sentimentos, o mesmo fervor een
thusiasmo, que na vida militar o fisera heroe. A retira da
do principe Mauricio de Nassau , e a subsequente perse
guição religiosa votada aos pernambucanos, coutrosmeios
de oppressão exercidos sobre o povo , deram causa
99
aorom
778 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

pimento da guerra da restauração, o Padre Simão de Fi


gueiredo alliou -se aos conspiradores, foi nomeado capitão
do posto de S. Lourenço, e quando o exercito independente
occupou o monte Tabocas e feriu -se a porfiada batalha , a
sua attitude, a sua coragem , e a tatica militar que desen
volveu, ennobreceram ainda mais o seu nome, tão hon
rosamente mencionado na historia .
Frei Raphael de Jesus descrevendo, no Castrioto Lulzi
a batalha de Tabocas, diz : Entre os capitães que
se acharam no conflicto ... O Padre Simão de Figueiredo ,
sacerdote e capitão, igual no selo de encaminhar as al
mas, ao valor de esgrimir as armas . E mais adiante tra
tando dos sacerdotes que tambem tomaram parte na ac
ção, diz : O Padre Simão de Figueiredo, já mencionado
entre os capitães, e agora nomeado de novo, porque o fi
seram duas vezes conhecido a dignidade e oposto.
D'aqui por diante a historia não mais menciona o no
me do Padre Simão de Figueiredo, desse sacerdote que
foi «um astro luminoso » do clero pernambucano, desse pa
triota illustre e distincto , que soubera honrar e bem servir
a sua patria, quer como padre cultivando zelosamente da
vinha do Senhor, quer como soldado afouto e valente ba
talhando em prol da causa da liberdade de sua patria .
Simplicio Antonio Mavignier . Nasceu na cidade do
Recife no anno de 1800 ; era filho legitimo do negociante
desta praça Joaquim Ignacio Mavignier, e D. Cordula Ma
ria das Virgens Mavignier.
Fazendo os seus estudos de humanidades no Semina
rio de Olinda, Simplicio Mavignier seguiu para Portugal
em 1818 , e matriculou -se na Universidade de Coimbra , no
curso de mathematicas, o qual frequentou até o quarto
anno , não o concluindo porém , para não ir de encontro
aos desejos de seus pacs . Seguiu então para Pariz, matri
culou - se na escola de medicina, e terminando emfim os
seus estudos, nos quaes muito se distinguiu entre os seus
collegas, apresentou a Faculdade a sua these, que versou
sobre o Clima de Pernambuco, sustentou - a brilhantemen
te, revelando muito talento e aprofundados conhecimentos,
ca 30 de Maio de 1829 recebeu a laurea de doutor em me
dicina .
De volta á sua patria e começando a exercer a sua pro
fissão , o Dr. Mavignier « deu prova do seu talento, empe
uhando - se sempre no progresso civilisador desta provin
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 779

cia , e se aqui, como medico não gosou de toda a reputação


a que tinha direito por sua instrucção, ninguem deixava
de reconhecer nelle um facultativo illustrado e conscien
cioso . »
Em 27 de Abril de 1831 , foi nomeado segundo medico .
do Hospital Militar ; em 24 de Janciro do anno seguinte,
cirurgião -mór do corpo de guardas municipaes volunta
rios do Recife ; em 6 de Abril de 1835, presidente da admi
nistração do patrimonio dos orphãos ; em 19 de Dezembro
do anno seguinte , lente de physica do Lyceo ; em 22 de
Janeiro de 18.11 , lente da cadeira de obstrecticia ; cm 2 de
Março de 1830, membro da administração geral dos esta
belecimentos de caridade ; no anno seguinte, membro da
commissão incumbida de estudar e prevenir a propagação
da febre amarella , e em Novembro de 1855 recebeu a sua
jubilação de lente de physica do Lyceu .
O Dr. Simplicio Navignier, além de todos esses car
gos que exerceu , occupou dignamente uma cadeira na As
sembléa Provincial na sua primeira legislatura de 1835 a
1836 , sendo reeleito por varias vezes até 1848. A' sua ini
ciativa como deputado, deve - se entre outras resoluções a
que autorisou o abastecimento d'agua á cidade do Recife,
e muitas outras tendentes ao desenvolvimento moral e ma
terial da provincia.
Nomeado lente da cadeira de obstetricia do extincto
Lyceo , diz o Sr. Dr. Aquino Fonseca em um artigo nechrc
logico á seu respeito, quando já era conhecido pela sua pe
ricia operatoria, tornou-se um dos mais distinctos parteiros
desta cidade e o mais conhecido ; e como membro da So
ciedade de Medicina , da qual era redactor em chefe, publi
cou em seus Annaes, un mui bem elaborado artigo acerca
da constituição medica desta provincia , em que sobresa
hia o seu talento, e esse golpe de vista apreciador que não
é dado a todos, e elle era um desses poucos medicos cuja
instrucção ultrapassava os limites da sciencia de Hyppo
cratis , e que só pode ser adquirida dentro dos de outras
sciencias.
Além do seu trabalho Constituição Medica ou molestias
reinantes, inserto nos Annaes de medicina pernambucana,
publicou em 1829, em Pariz, um importante escripto sob
o titulo : Rapide examen des principales eaux de Pernam
buco, o qual já havia inserido nas columnas do Journal de
chimie medicale et de toxicologie, da mesma cidade; e em
780 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

1834 traduziu do hespanhol por incumbencia da Camara


Municipal do Recife a seguinte obra , que nesse mesmo
anno foi publicada : Tratamento therapeutico, e preserva
tivo da cholera espasmodica, por D. B. Hordas e Valbuena.
Tal foi a vida desse facultativo intelligente e illustrado,
desse lidador incansavel na róta da sciencia , desse homem
firme na honradez e nos preceitos da caridade e do amor
do proximo , desse cidadão benemerito que soube fazer da
sua profissão um verdadeiro sacerdocio , o Dr. Simplicio
Antonio Mavignier. Elle deixou um nome respeita vel e ve
nerando como homem de sciencia, um nome honrado e
puro como homem publico, e como medico, e como homem
particular, a memoria das suas peregrinas qualidades,
do seu caracter franco e leal, e de um coração bondoso
e nimiamente generoso . O Dr. Simplicio Antonio Mavignier
falleceu idade
na annos,
de 56 aos 2 de Agosto de 1856 , e
foi sepultado no Cemiterio Publico do Recife .

Tabyra. Filho da nobre e valente tribu dos indios Ta


bayares , nasceu pouco mais ou menos ao alvorecer do se
culo XVI , e pelo seu valor e heroismo , bem cedo conquis
tou uma das insignias de chefe de sua tribu .
Logo depois do desembarque de Duarte Coelho, pri
meiro donatario de Pernambuco, ás praias de Iguarassú e
da posse desse lugar, os indios Tabayares contrahiram al
liança com os portuguezes.
Duarte Coelho fortificando Iguorassú , depois da sua
conquista , seguiu para o sul, expellio os Cahetés da mag
nifica e aprazivel collina que habitavam , a que chamavam
Marin , e fundou sobre ella a villa de Olinda, tão celebre
depois pela sua opulencia e grandeza.
Os Cahetés cederam ao poder da força, porém , em breve
tempo vieram lavar a affronta que haviam soffrido. Os ata-
ques a nascente povoação, por essa tribu barbara e selva
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 781

gem , eram constantes ; mas em 1535 foram elles tão fortes


e tão grande o numero de combatentes indigenas , que
Duarte Coelho vio -se em grandes perigos e teria mesmo
succumbido, se não fosse um general tão habil, e se não
tivesse a coadjuvação de cabos tão valentes como elle .
Foi nesses ataques e emboscadas dos indomaveis Ca
hetés, que Tabyra desenvolveu toda a sua pericia e saga
cidade e patenteou os grandes talentos de que era dotado
na arte da guerra .
Tahyra era o terror dos inimigos selvagens, principal
mente dos Cahetés que o temiam e respeitavam .
Elle mesmo ia espial-os nos seus arraiaes , para des
cobrir os projectos que porventura quizessem por em pra
tica , aproveitando-se para esse fim , da vantagem de fallar
a mesma lingua. Armava emboscadas, dispanha com ha
bilidade immensa, innumeras ciladas , atacava os inimigos
pela noite, e era tal a sua actividade em os perseguir, que
os trazia em continuo sobresalto .
Os Cahetés, já cansados de soffrer tantos revezes, cau
sados somente pelo valente e intrepido Tabyra , reunem
todas as suas forças, marcham sobre elle, cercam-no, e
atacam -no inopinadamente. No maior furor da peleja, quan
do uns e outros disputavam palmo a palmo o terreno que
defendiam , uma flecha parte do bando dos Cahetés e vai
cravar-se certeira no olho de Tabyra. Elle, porém , longe
de abandonar o campo da batalha e de curvar-se a dôr im
mensa daquelle revez, e sem a menor alteração, arranca a
setta e com ella a pupilla do olho e applicando no golpe cer
ta herva que fez estancaro sangue , volta -se para os seus
companheiros e lhe diz : Tabyra com um só olho, vê quan
to é bastante para bater seus inimigos.
Gonçalves Dias, o principe dos poetas brazileiros,
assim descreveu esse heroismo selvagem de Tabyra , nas
suas poesias americanas .
Tem um olho d'um tiro frechado !
Quebra as settas que os passos lh'impedem ,
E do rosto em seu sangue lavado ,
Frexa e olho arrebata sem dó !
E aos imigos que o campo não cedem ,
Olho e frecha mostrando extorquidos
Diz, em voz que mais eram rugidos :
- Basta , vis, por vencer - vos um só !
782 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

E com furia tão grande arremettem ,


Com desprezo tão nobre da vida ;
Tantos golpes, tão fundos repetem ,
Que senhores do campo já são !
Potiguares lá vão de fugida,
Inda á fera mais torva e bravia
Disputando guarida d’um dia .
No mais fundo do vasto sertão ...

E pouco depois de tão renhido combate, apczar do nu


mero superior dos Cahetés, Tabyra entrava em triumpho
na villa de Olinda, e depunha nas mãos do donatario os
louros dessa explendida victoria que acabava de conquis
tar, a qual foi considerada como uma das mais famosas
daquelles tempos.
« Tabyra , diz o padre Simão de Vasconcellos na sua
Chronica da Companhia de Jesus, era um capitão de va
lor, esforço e arte. Venceu batalhas, e fez taes proezas em
armas , que só com Tabyra sonhavam . O mesmo era sa
ber que vinha no exercito, que dar a empreza por perdida . »
Gonçalves Dias, nas suas poesias americenas, consa
grou um canto a Tabyra , canto esse , que é por assim dizer
a propria apotheose desse illustre guerreiro selvagem .
E' Tabyra guerreiro valente,
Cumpre as partes de chefe e soldado ;
E' caudilho de tribu potente,
— Tobajaras -- o povo senhor !
Ninguem mais observa o tratado ,
Ninguem menos de p'rigos se atterra,
Ninguem corre aos acenos da guerra
Mais depressa que o bom lidador !

Já dos Luzos o troço apoucado,


Paz firmando com elle traidora ,
Dorme illeso na fé do tratado,
Que Tabyra é valente e leal.
Sem Tabyra dos Luzos que fora !
Sem Tabyra que os guarda e defende,
Que das pazes talvez se arrepende
Já feridas outr'ora em seu mal !
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 783

Nada mais sabemos a respeito desse illustre filho das


selvas pernambucanas, desse guerreiro audaz e distincto ,
que tanto facilitou a conquista e colonisação desta provin
cia . No entretanto, cremos que veio a fallecer pouco de
pois do anno de 1535, quando sua fronte já pendia ao peso
de tantas coroas que conquistára nos campos da batalha .
Thomaz da Cunha Lima Cantuaria . Nasceu aos 29
de Dezembro de 1800. Dedicando - se desde a sua mocidade
ao estudo da musica , passou a servir na banda de um dos
regimentos de linha do Recife, e começou logo a revellar
o bello talento artistico de que era dotado .
Nas revoluções republicanas de 1817 e 1824, Cantuaria
muito se distinguiu , e soffreu pelos seus principios demo
craticos todos os rigores que pesaram sobre a maioria
dos seus correligionarios. Em 1821 , nas lutas constitucio
naes, e em 1822,no movimento politico -emancipador, Can
tuaria ainda tomou parte e muito se subresahiu pelos seus
serviços e patriotismo, quer n'uma quér n'outra phase po
litica .
Homem de bem , honrado filho do povo , volveu á vida
laboriosa quando a patria não mais precisava do concurso
do seu braço em prol da causa da sua liberdade, entre
gou -se inteiramente a sua profissão, e por annos servili
como mestre da banda de musica de um dos corpos da
guarnição desta provincia . Apresentando -se ao concurso
aberto para prehenchimento da cadeira de musica vocal e
instrumental do collegio dos Orphãos , foi plenamente ap
provado, e nomeado por portaria de 17 de Agosto de 1837,
vencendo o ordenado de 600 $ 000 rs . Cantuaria regeu a sua
cadeira com muito zelo , proficiencia e interesse de seus
discipulos, e em 1868, depois de 31 annos de serviços re
cebeu a sua jubilação .
Geralmente respeitado, quer pelo seu caracter pessoal,
quér pelo seu merecimento artistico, as suas numerosas
composições tanto sacras como profanas, ainda hoje de
vidamente apreciadas, grangearam -lhe fama e merecida
reputação . De 1838 a 1850, exerceu o cargo de mestre de
capella e organista da cathedral de Olinda, desempenhan
do -o com zelo e dedicação , o que tornou sobremodo sen
sivel a sua retirada, quando alquebrado, mais pelos tra
balhos do que pela força dos annos, teve de deixal-o. Em
1854 o Summo Pontifice Pio IX digna e merecidamente
conferiu - lhe o titulo de cavalleiro da ordem de S. Gregorio
784 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Magno, titulo que o illustre e honrado artista nunca usou


por lhe faltarem os meios de satisfazer ao governo impe
rial as despesas necessarias, afim de obter a precisa li
cença para aceitar e usar tão honrosa condecoração !
Volvendo á vida intima e privada, permanecendo em
sua residencia de Olinda, Cantuaria passou os derradeiros
dias de sua vida na mais honrosa pobresa, mas conside
rado e estimado ; e se como artista de merito e de reconhe
cido talento , legou -nos um nome illustre, como homem ,
porém , as suas virtudes e o seu caracter pessoal , honraní
sobremodo a sua memoria ; e depois de Luiz Alves Pinto ,
cujo vullo, por assim dizer, abre o prologo da historia mu
sical de Pernambuco, elle incontesta velmente occupa logar
immediato .
Se como musico propriamente dito , Cantuaria era uma
verdadeira notabilidade, como compositor não o era me
nos, e as suas numerosas producções o attestam vanta
josamente, e aínda que desconhecidas, ou mesmo perdi
das as suas composições profanas, subsistem porém as
sacras, e d'entre ellas as seguintes i 2 grandes missas (S.
Salvador e S. Thereza ); 1 grande Te-Deum (Imperial) ; di
versas antiphonas de Nossa Senhora, e uma de S. Braz ;
uma Regina Cæli, e dos Santos ; 3 vesperas solemnes, e
uma antiphona a Me generes surrexit Dominus; diversos
hymnos religiosos, 4 matinas grandes de Nossa Senhora ,
SS . Sacramento , S. Bento e Santa Thereza, e diversos mi
nuetes. Das suas musicas profanas restam -nos apenas
uma collecção de quadrilhas, e copias de umas walsas que
offereceu a S. M. o Imperador, do que teve agradecimento
muito honroso em seu nome, por intermedio da mordomia
da casa imperial. Em 1836 Cantuaria publicou a sua Pe
quena arte demusica , geralmente adoptada por todos os
professores, e com lal aceitação que foram successivas
suas reimpressões..
Thomaz da Cunha Lima Cantuaria faileceu a 4 de Se
tembro de 1878 , na cidade de Olinda , e transportado o seu
cadaver á egreja do Livramento , alli tiveram logar as exe
quias do seu sahimento. Foi um acto solemne, uma ho
menagem digna do merecimento do illustre artista . A or
chestra composta de mais de 60 artistas, na quasi totali
dade seus discipulos, o concurso de confrarias cirmanda
des religiosas a que pertencia, de clerigos tanto seculares
como regulares, entre estes os missionarios Capuchinhos,
em virtude do segrio de cavalleiro de S. Gregorio Magno ,
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 785

uma commissão da Imperial Sociedade dos Artistas Me


canicos e Liberaes, que apesar de não ser elle membro da
associação, foi enviada como uma excepção honrosa, e
grande numero de convidados, prestaram assim o derra
deiro tributo de respeito e admiração a memoria do illus
tre e venerando artista .
A imprensa consagrou -lhe os mais bellos artigos ao
consignar o seu passamento, ao mesmo tempo que memo
rava os seus serviços, o seu nome e as suas glorias de
artista , e o Diario de Pernambuco assim teceu a coroa das
suas glorias e renome artisticos : « Thomaz da Cunha Li
ma Cantuaria cra um homem modesto, mas uma verda
deira notabilidade na arte a que se dedicoli, e a que sou
be dar lustre, conquistando louros para si e para a terra
de Pernambuco, que lhe foi berço . Sua arte musical, que
até hoje não pode ser supplantada por nenhuma das tan
tas publicadas depois della, é um verdadeiro florão que
fará perdurar sua memoria aliás aureolada por muitas pro
ducções musicaes, sacras e profanas, em que o artista
revellou todo o seu sentimento do bello , de par com o mais
requintado conhecimento das regras da dívina arte. Com
o desapparecimento de Cantuaria, perdem os seus collegas
pela mòr parte seus discipulos, um verdadeiro amigo e um
mestre digno deste nome, e Pernambuco um filho presti
moso , cuja vida , entretanto , como a de tantos outros ta
lentos de pulso, quasi que passou desapercebida no meio
dos arruidos deste seculo , tão cheios de grandes aconte
cimentos, como coberto de lantejoulas. »

Urbano Sabino Pessôa de Mello . Nasceu no anno


de 1811. Era filho legitimo do brigadeiro José Camello Pes
soa de Mello .
Fazendo com distincrão os seus estudos de humani
dades, Urbano Sabino matriculou -se no Curso Juridico de
Olinda, c cm 1834 tomou o grao de bacharel em direito .
100
786 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Ainda estudante, Urbano Sabino foi nomeado profes


sor de philosophia e geometria do Seminario de Olinda,
em 29 de Abril de 1831, e no anno seguinte teve o titulo de
professor vitalicio pelo governo imperial.
Deixando o magisterio pouco depois da sua formatu
ra, foi nomeado juiz municipal e de orphãos de Goyanna
em 13 de Juho de 1833, juiz de direito da mesma comarca
em 20 de Abril de 1836, passou depois para a do Recife, e
contrariado por uma caprichosa remoção para a comarca
do Assú , no Rio Grande do Norte, abandonou a magistra
tura em 1849, « deixando merecida reputação de juiz inte
gerrimo e de superior intelligencia . »
Magistrado e homem politico, a politica arrancou - o á
magistratura para dar -lhe completa independencia do go
verno na banca de advogado .
Em 1836 , na primeira legislatura provincial de Pernam
buco , Urbano Sabino teve assento na Assembléa , ceribio
logo notavelmerecimento como orador. Eleito deputado a
Assemblea Geral, representou sua provincia natal nas le
gislaturas de 1838 a 1841 , e na seguinte de 1843 a 1844 que
terminou por dissolução. Reeleito na de 1845 a 1848 , dei
xou neste anno as bancadas do parlamento pela subida do
partido conservador, e só voltou de novo á camara em
1864, na qual representou ainda importarte papel, unido
ao grupo dos liberules historicos, em vigorosa opposição
dos ministerios então chamados progressistas, de 1865 a
1866. em que terminou por assim dizer, a sua vida parla
mentar e politica.
Membro proeminente do partido liberal, ou praeiro,
como se chamava entre nós, e um dos seus principaes
chefes, Urbano Sabino após a subida do partido conser
vador em 1848, e das medidas tomadas em reunião dos
deputados e senadores liberaes na corte do Imperio , sobre
å attitude que deviam manter em suas provincias, princi
palmente na de Pernambuco, onde havia receios de um
l'ompimento revoltoso , resolveu ficar no Rio de Janeiro, e
( começou a exercer a advogacia , ganhando credito e no
meada, que justamente o collocaram entre os primeiros
advogados da capital do Imperio . »
Rompendo a revolução em Pernambuco e ainda que
não tomasse parte no movimento armado, comtudo, Ur
hano Sabino prestou immensos serviços á causa do seu
partido, mostrou - se alliado fiel e dedicadissimo, e foi na
imprensa da corte assiduo e energico defensor das ideas
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 787

liberaes, e da causa dos seus correligionarios em Pernam


buco ; e mais tarde, após á sua derrota, foi generosa e es
forçadamente o advogado de muitos daquelles que foram
victimas do odio e pressão dos seus inimigos politicos.
Urbano Sabino manteve a sua crusada politica nas co
lumnas do Correio Mercantil, em periodo que comprehen
de parte dos annos de 1848 e 1849, e neste ultimo publicou
um livro sobre a Revolta praeira, « historia desse pronuu
ciamento armado , cheia de interessantes noticias e escla
recimentos, mas sem duvida eivada de suspeições , e mui
tas vezes apaixonada . »
Urbano Sabino, homem de talento superior e de apro
fundada illustração, magistrado, parlamentar, politico e
jornalista , « foi um homem verdadeiramente grande, foi
mais uma victima illustre das injustiças e ingratidões dos
contemporaneos, que baixou envolto na immensa grande
za da mais admiravel modestia ; foi um gigante de talento
e assombrosas virtudes, amesquinhado pela sanha das
mediocridades e dos tartufos !... E Pernambuco, que não
quiz nunca engrandecer - se, elevando - o ? !... >>
Em 1863 Urbano Sabino foi candidato á senatoria por
esta provincia, mas não logrou essa honra que tanto al
mejava , elle, á quem sobravam os mais significativos titu
los para bem desempenhar o mandato , pois reunia á sua
grande intelligencia é sabedoria, o mais acrisolado patrio
tismo e probidade exemplarissima.
Deputado tantas vezes, havia revellado o que seria o
senador, pois « na tribuna da camara foi sempre orador
muito estimado pelos seus notaveis dotes : elle tinha voz
agradavel e insinuante , palavra facil e prompta , força po
tente na argumentação , e energia no ataque : parecia sem
pre empenhado em nostrar -se mais logico, do que rhe
ihorico . »
O Dr. Urbano Sabino Pessoa de Mello falleceu na corte
do Imperio aos 7 de Dezembro de 1870. A imprensa pagou
á memoria do illustre patriota o justo preito de saudade e
homenagem a que tinha jus por tantos titulos, e o Club
Popular Pernambucano celebrou nma sessão funebre em
sua honra, em 17 de Fevereiro de 1871 , na qual foram me
morados os seus feitos e os seus servicos. Foi uma mo
desta manifestação, mas bem honrosa á memoria daquelle
que em vida só encontrou ingratidões e indifferentismo !
DICCIONARIO BIOGRAPINICO

Venancio Henrique de Rezende . Nasceu na villa de


Serinhãem no anno de 1784, e foram seus paes José Hen
rique de Rezende e D. Maria de Nazareth da Graça .
Fazendo em Pernambuco o curso das disciplinas ne
cessarias á vida ecclesiastica, seguiu para a Bahia em 1811 ,
e recebeu ordens sacras das mãos do arcebispo D. Frei
José de Santa Escolastica .
Ordenado presbytero , regressou para esta provincia ,
e em 1813 foi nomeado coadjutor pro-parocho da freguezia
do Cabo, onde se conservou até 1817. Sacerdote dignissi
mo, diz o autor dos Martyres Pernambucanos, e coadjutor
do insigne João Cavalcante de Albuquerque, quando rom
peu a revolução de 6 de Março, para seu completo elogio
talvez fosse bastante dizer, que, entre elle e o seu vigario ,
era tanta a semelhança na causa da liberdade, que seria
difficil julgar, qual dos dois era modelo ou copia ; todavia ,
devemos acrescentar, que a vasta comprehenção meta
phisica , a singular eloquencia e o enihusiasmo marcial do
coadjutor diffiria immenso da do vigario. Defendeu em
consequencia a estimavel liberdade com a penna, lingua e
espada, em quanto foi possivel sustentar- se.
Invadido o territorio de Pernambuco , o Padre Venan
cio de Rezende acompanhou as tropas patrioticas destina
das á bater o exercito realista, mas a batalha de Pindobas
foi adversa a causa dos pernambucanos, elle cahiu prisio
neiro, marchou para o Recife , e foi immediatamente remet
lido para a Bahia, donde voltou em 1821 , em virtude da
amnistia concedida pelas cortes de Lisboa.
Obtendo a reintegração da sua coadjutoria do Cabo , o
Padre Venancio começou de novo a exercel-a com o mes
mo zelo e dedicação, mas sobrevindo nesse mesmo anno
a tentativa contra a vida do governador Luiz do Rego, a
unica circumstancia de ser amigo dos irmãos Soutos Maior,
seus companheiros de martyrio nas prisões da Bahia, fel-o
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 789

suspeito da conjuração, foi preso e remettido com outros


companheiros para Lisboa, desembarcou a 19 de Outubro
de 1821 mettido entre numerosa escolta , e marchou para as
prisões do Castello .
Obtendo a sua liberdade e voltando para Pernambuco
nesse mesmo anno, no seguinte de 1822 quando foi convo
cada a assemblea constituinte brazileira, o Padre Venan
cio recebeu dos seus comprovincianos o honroso mandato
de represental-os nesse congresso .
Mas o Padre Venancio era republicano, e nos jornaes
Maribondo e Gazeta Pernambucana pregava as suas dou
trinas e vantagens, e por isso fizeram - se reclamações á
camara apuradora de Olinda, como contrario a causa do
Brazil, promovendo o systema republicano, e a camara não
The conferiu o respectivo diploma. O Padre Venancio ap
pella então para a assemblea constituinte fazendo valer o
seu direito , a sua petição é enviada a respectiva commis
são, e esta , em luminoso parecer datado de 12 de Maio de
1823, opinou que se lhe desse assento na camara, o que
effectivamente teve no dia 17, depois de renhidissima dis
cussão, naqual tomaram parte os Andradas, Araujo Lima,
Pinheiro de Oliveira, Souza Mello, Alencar, Muniz Tava
res , Pereira da Cunha e outros vultos.
Nessa mesma occasião , o deputado Carneiro da Cunha,
exaltou os meritos do illustre patriota o Padre Venancio
Henrique de Rezende; tornou saliente todos os actos de
sua vida, expoz todos os serviços que prestára a causa da
patria nos momentos mais criticos e perigosos, o seu mar
tyrio, soffrimentos e perseguições, a sua constancia, amor
e patriotismo, e de todos esses louros compoz a coroa de
suas glorias civicas e patrioticas.
O Padre Rezende tomando assento na assemblea con
stituinte, não desmentiu da honrosa missão de seus com
provincianos; elle desempenhou - a digna e illustradamen
te, ostentando muito saber e eloquencia, muito civismo e
patriotismo, e muita independencia de caracter a despeito
de alguns embaraços.
Dissolvida a constituinte, o Padre Venancio regressou
á Pernambuco , e ao lado de seus compatriotas oppoz ener
gico protesto aos actos do Imperador, e esse protesto foi
o grito da revolta, foi a proclamação da Confederação do
Equador. O Padre Venancio ostentou -se então o mesmo
patriota de 1817 e 1821 , e o seu enthusiasmo e patriotismo
deixou bem traduzido em diversas proclamações, das quaes
790 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

resta -nos uma que figura no processo de Frei Joaquim do


Amor Divino Caneca, como sendo de sua composição, mas
que , segundo o commendador Mello, foi escripta pelo muito
honrado patriota e sempre homem de bem Padré Venancio
Henrique de Resende, o que assevera por declaraçùo pes
soal do proprio escriptor.
Debellada a revolução, o Padre Rezende espatriou -se
em 1825 , seguiu para os Estados Unidos, visitou o Mexico
e outros paizes da America, e de volta em 1829, recebeu o
diploma de deputado a assembléa geral, como represen
tante de sua provincia.
Nessa legislatura, e em outras em que tomou parte
como deputado, muito se distinguiu , foi um dos mais de
cididos propugnadores da reforma constitucional, e muito
concorreu para a resolução do acto addicional. Em 1833
apresentou a camara um projecto de banimento a D. Pedrol,
que por muito poucos votos cahiu ; occupou dignamente
à cadeira de presidente da assembléa, em 1843 foi ainda
eleito deputado, sendo que, somente em duas legislaturas
até essa data, deixou de ser eleito .
Desde então, o Padre Venancio renunciou a vida pu
blica , modificou as suas ideas politicas, filiou -se ao parti
do conservador, mas bem amargos dissabores the custou
esse passo de sua vida .
A imprensa liberal foi unanime em accusal-o, e até na
camara dos deputados crgueu -se contra elle o vulto de An
tonio Carlos, c por muito tempo se prolongou a guerra de
morte que lhe votaram os seus antigos alliados politicos.
Por diversas vezes veio o Padre Venancio á imprensa jus
tificar -se do seu procedimento , mas os liberaes não admit
tiam que um homem que tanto se havia compromettido
nos movimentos politicos de 1817 e 1824, que se havia en
volvido nas lutas contra Luiz do Rego em 1821 , proposto o
hanimento de D. Pedro I , e tanto se distinguido nas fileiras
do seu partido, se passasse impunemente para os conser
vadores !
Pobre o sem recursos, e mal chegando para manter - se
os meios que lhe proporcionava o sacerdocio , o Padre Ve
nancio abriu um curso de Jatim , francez e inglez, e por
algum tempo leccionou estas disciplinas, até que em 1848
oppondo -se em concurso a vaga parochial da freguezia de
Santo Antonio do Recife, foi approvado e nomeado, en
trado em exercicio a 28 de Vlaio do mesmo anno .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 791

O Padre Venancio entregou -se inteiramente ao serviço


de sua parochia, e jamais se envolveo em questão alguma
politica. Velho , curvado ao peso de longos trabalhos, des
gostoso pelos dissabores que lhe trouxe a modificação po
litica de suas idéas, mesmo assim retrahido , foi nomeado
vice -presidente da provincia em 1818 , director do Lyceo
Pernambucano em 1853, e depois director geral da ins
trucco publica.
O Padre Venancio Henrique de Rezende falleceu a 9
de Fevereiro de 1866 , na avançada idade de 82 annos , in
teiramente consagrados ao serviço da patria, da egreja e
da humanidade. A impensa rendeu então o merecido tri
buto de homenagem a memoria desse homem por tantos
titulos illustre, e o Diario de Pernambuco consagrou -lhe
estas palavras :
« E ' mais um vulto importante que desapparece nas
sombras da morte ; é mais uma reliquia dos primeiros
tempos do Imperio do Brazil que se esvae no pó do sepul
chro, deixando após si todavia um nome grato á recorda
ção, estampado nas paginasda historia ....
« Desde a proclamação da independencia que foi de
votado ao systema constitucional, sendo repetidamente
eleito deputado, desde a assemblea constituinte até poucos
annos ; e na assembléa mereceu tanta consideração que
serviu quasi sempre de presidente da camara dos Srs .
deputados, onde tinha o melhor conceito possivel pela sua
austeridade de principios ; pois cra tal que nunca pediu
emprego algum para si , nem para pessoa alguma.
« Occupou por vezes o cargo de director da instruccão
publica desta provincia, e ha cerca de 20 annos que exer
cia o logar de vigario collado desta freguezia de Santo An
tonio, tendo vivido sempre com simplicidade tal, e sendo
tão caritativo, que a congrua e os direitos parochiaes mal
chegavam para as despezas, não deixando por isso cousa
alguma com que se fazer o seu funeral, tanto que, antes de
fallecer recommendára este ultimo trabalho a irmandade
de S. Pedro dos Clerigos .
« Fez parte de todas as commissões de caridade nas
occasiões de epidemia porque tem passado esta cidade; e
em consequencia de tão importantes serviços, foi noméa
do official da ordem do Cruzeiro e commendador de Chris
to, e teve o titulo de conego bonorario da capella Imperial,
bem como o tratamento de sephoria por haver feito parte
da assemblea na maioridade de S. M. o Imperador.
792 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

Victorino José Carneiro Monteiro, Barão de S. Bor


ja. Nasceu no Recife no anno de 1816 , e foram seus paes o
major João Francisco Carneiro Monteiro e D. Izabel Rosa
Carneiro Monteiro .
Ainda estudante, offereceu -se e marchou para a guer
ra de Panellas de Miranda c Jacuipe, e ferido gravemente
foi dispensado do serviço em 1833, e recolheu - se a capital.
Nomeado amanuense da prefeitura da policia da comarca
do Recife em 1836 , foi neste mesmo anno nomcado alferes
da guarda nacional por eleição popular, passou a ajudante
cm 16 de Agosto de 1837 e a 16 de Outubro do mesmo anno
foi nomeado capitão .
Neste posto offereceu - se e marchou para a campanha
do Rio Grande do Sul em 1837 , foi nomeado alferes de pri
meira linha por Decreto de 20 de Agosto de 1838, no anno
seguinte serviu de ajudante de campo do commando da
2. brigada e foi promovido a tenente , passou a capitào em
1841 , e a major no anno seguinte . Fazendo a guerra contra
os rebeldes do Rio Grande do Sul desde Novembro de 1837
até a sua pacificação em 1845, Victorino Monteiro muito se
distinguiu , como se vè das successivas promoções que
teve, notando-se entre os seus feitos os ataques de Taqua
ry . S. Borja e banhado Inhalium em que foi ferido, e os
sitios de Vacacuá, rincão do Trilha e villa do Alegrete.
Em 1845 Victorino Monteiro foi transferido para a ar
ma de cavallaria , e passou a servir no 2.º regimento, o
qual fiscalisou posteriormente, cabendo -lhe por algumas
vezes dirigir o seu commando, assim como o do 3.º regi
mento em que tambem servio . Fez a campanha da repli
blica Oriental do Uruguay, em 1854, tendo partido para o
Uruguay commandando o regimento da fronteira de Bagé ;
foi promovido a tenente -coronel, e condecorado com o offi
cialato da Rosa e nomeado commandante da 1. brigada
em 1855 , regressando cntão de Montevidéo para o Rio
Grande.
Promovido a coronel em 1857 foi- lhe confiado o com
mando do 3." regimento de cavallaria ligeira, e no anno
seguinte teve a commenda da Rosa e foi nomeado com
mandante da 1. brigada, desempenhando em todo esse
tempo difficeis e arriscadas missões, por cujo desempenho
mereceu sempre dos seus superiores clogios e louvores
Marchando com o seu regimento para Bagé em Julho
de 1861, chegou a Pirahy Grande, sendo o corpo do seu
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 793

commando o primeiro que chegou aquelle logar, e onde se


acamparam todas as forças que formaram o exercito que
invadiu o Estado Oriental, sendo ao mesmo tempo nomea
do commandante geral das mesmas forças alli estaciona
das. Nomeado commandante da 1. " brigada transpoz as
fronteiras da republica Oriental do Uruguay, assistiu ao
combate contra as fortificacões da cidade de Payssandú ,
commandando a força de cavallaria, marchou depois para
o sitio da cidade de Montevidéo, onde permaneceu até a
suia capitulação ; merecendo então pelo heroismoe valen
tia que ostentou, a dignitaria da Rosa e depois a medalha
da campanha do Uruguay.
Marchando de Montevidéo para a villa Santa Luza,
em Junho de 1865 transpoz o Uruguay e passou -se para
a provincia de Entre -Rios, na confederação Argentina,
acampando junto a villa da Concordia ; e desse ponto on
de foi organisado o exercito contra a republica do Para
guay, com elle marchou para a campanha. Chegando a
Villa de Mercedes em Corrientes, foi designado pelo gene
ral em chefe , para buscar e reunir ao exercito uma força
que se achava na margem esquerda do Uruguay, por cujo
serviço foi louvado pelo modo activo, closo e intelligente
com que desempenhou a missão que lhe foi confiada.
Nomeado commandante da 6. divisão de infantaria em
o de Janeiro de 1866 e promovido a brigadeiro por Decreto
de 22, transpoz o Paraná , chegou ao territorio Paraguayo,
e tomou parte no combate de 2 de Maio, sendo por esse
motivo elogiado pelo general em chefe do exercito pela
seguinte maneira : « Apreciando devidamente a energia
com que avançou com a sua divisão, e a pericia que desen
volveu na distribuição de seus batalhões para repellir e
perseguir o inimigo, o louvo e agradeço tão relevante ser
viço. »
No dia 20 reforcando com a sua divisão o exercito da
vanguarda, o general Victorino forçou as fortificações do
Estero Bellaco, fazendo alto em Tuyuti diante das de Ro
jas, onde assistiu a batalha de 24 , merecendo por seu brioso
comportamento ser elogiado em ordem do dia do general
em chefe, quer das forças brazileiras, quer das forças sob
o commando do general D. Venancio Flores.
Regressando então para o Rio Grande do Sul em virtu
de de um ferimento que recebeu no combate, partiu de
novo para a campanha em 1867, e assumiu o commando
da 1." divisão . Commandaudo depois a 5." divisão de ca
101
794 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

vallaria , combateu em 21 de Outubro em Tatagiba, no flan


co direito das fortificações de Humaytá , sendo elogiado
em ordem do dia pela pericia com que se houce e cabal
( lesempenho das ordens que recebeu, tendo tido occasião
cle, por mais de unui ve :, patentear (I sua esperimentada
brutura e denodo.
Promovido a marechal de campo por Decreto de 11 de
Dezembro de 1867, passou em principios do anno seguinte
a commandar o 1.º corpo do exercito que se achava em
Tagi, fazendo a vanguarda do grande exercito, foi conde
corado com a grande dignitaria da Rosa , e em 1869 teve a
medalha de merilo militar, em attenção aos actos de braril
u praticados em diversos combates.
Nomeado chefe do estado -major do 1.º corpo do exer
cito, cominavdou depois o 2.º corpo de exercito, « em
attenção i distincção e energia com que guiara o mesmo
corpo , quando commandante interino, entre as fadigas e
privações, e com notavel proveito para a causa nacional. »
Comprehendido no elogio mandado fazer por S. M. o Im
perador a todos aquelles que tomaram parte no combate
contra as fortificações de Pirebebudy, batalha de Campo
Grande coutros feitos, são notaveis as palavras da ordem
do dia do principe Conde d'Eu, general em chefe, que lhe
oliz respeito ; sobre Pirebebuhy, disse elle : No centro o
Exm . Sr. marechal de campo Victorino José Carneiro Mon
teiro com a intrepidez que ha muito o distingue, não se li
mitou a simular um ataque, mas carregou com a força que
se achava ás suas immediatas ordens sobre o lado da trin
cheira que lhe ficava em frente por onde os defensores da
praca procuravam evadir - se. » Tratando da batalha de
Campo Grande, diz, que do prompto e conveniente mori
mento do corpo de exercito de seu commando, pelo qual
the cubem os mais subidos lowores, dependeu em grande
purte o completo destroço do exercito do clictador fugitiro .
E finalmente tratando do combate nos desfiladeiros do Ci
raguataby, diz o seguinte : « Neste dia deu -me prova de
sua energia , tino militar e incansavel dedicaçào que tanto
o distingue, desempenhando do modo mais prompto e
completo a sua missão . »
Passando a commandar as forças em operações ao
norte do rio Manduviri , quando se deu uma nova organi
sação ao exercito , tomou parte entao em todos os movi
mentos que deram fim a porfiada luta da guerra do Para
gay, sobre o que disse o seguinte o general Conde d'Eu
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 79.3

na ordem do dia sobre a final derrota do inimigo : « Se,


porém , fosse licilo repartir com outros a gloria que perten
( e aos triumphadores de Cerro -Corá , a maior deveria de
pois delles, tocar ao Exm . Sr. marechal de campo Victori
no José Carneiro Monteiro , commandante das forças po
morte do rio Manduvirá, a cujo zelo pelo serviço e incan -
savel previdencia se devem terem aquellas forças podido
desempenhar a custosa tarefa , sem que por momentos The
faltassem o sustento e os meios imprescindiveis de mobi
lidade. »
Nomeado por Aviso do ministro da guerra de 19 de
Março de 1870 para substituir ao general Conde d'Eu, no
commando em chefe do exercito , não assumiu i esse tale
go pela licença que anteriormente havia obtido do mesmo
general para regressar ao Brazil. O governo Imperial ga
lardoou então o heroico e valente soldado honrosa e ( On
dignamente , conferindo - lhe o titulo de Barão de S. Borja , it
medalba geral da campanha do Paraguay, a dignitaria da
ordem do Cruzeiro e o foro de fidalgo cavalheiro da casa
imperial, possuindo já elle a grande dignitaria da Rosa (
a commenda de Aviz .
Foi nomeado commandante das armas de Pernambu
co por Decreto de 6 de Setembro de 1870, e entrou em eser
cicio a 1 de Outubro . O velho e heroico general voltando
a sua provincia natal depois de uma longa ausencia de 33
annos , trazendo- lhe a gloria dos seus feitos e o renomedas
explendidas victorias que conquistára em tantas acções,
teve uma triumphal recepção ; e não menos digna foi a que
teve no Rio de Janeiro, quando por lá passou de volta da
campanha, e em demanda de sua provincia natal.
Transferido para o commando das armas do Rio Gran
de do Sul por Decreto de 18 de Fevereiro de 1871 , entregou
o desta provincia em 1 de Março , e a 14 de Abril entrou no
exercicio do seu novo cargo . No Rio Grande foi elle alio
de novas manifestações, e partindo para a campanha á
inspeccionar as diversas guarnições e fronteiras, por todos
os logares em que passou teve recepção estrondosa e ex
plendida, principalmente em S. Gabriel e Alegrete.
O Barão de S. Borja falleceu na cidade de Porto Ale
gre em 1877 , e legou a sua patria um nome tão verdadei
ramente illustre e grande , que a historia não pode deixar
de destinar - lhe um logar de honra .
Virginio Rodrigues Campello . Nasceu na freguezia
790 DICCIONARIO BIOGRAPINICO

da Varzea e foi.baptisado a 21 de Agosto de 1770 ; era filho


de Joaquim José Rodrigues Campello e D. Maria do Carmo
Bezerra .
Educado no Recife onde fez os seus estudos, « de uma
conducta virtuosa desde a sua infancia e dessidua appli
crição em seus estudos,» Virginio Rodrigues Campello se
guiu a vida ecclesiastica, ordenou -se no Rio de Janeiro ,
mais reio celebrar a sua primeira missa em Pernambuco ,
Da capella do engenho S. Braz, na freguczia do Cabo.
Nomeado vigario da freguczia de Campina Grande na
Paralıyba, ceondecorado com o habito da Ordem de Chris
to , foi collado pelo bispo diocesano de Olinda, entrou no
exercicio do seu cargo, e nesta posição o sorprehendeu o
rompimento da revolução pernambucana de 1817 ; « a sua
sorpreza, diz o Padre Dias Martins, converteu -se brere
mente em enthusiasmo pela causa da liberdade, que per
maneceu efficazmente, arrastando para ella todo o povo
da sua extensa parochia , que, com facilidade se convenceu
da justiça e vantagem de uma causa que via abraçada e
elogiada por um parocho tão sabio e virtuoso . »
Debellada a revolução o Padre Virginio foi preso por
haver sido um dos enviados pelo governo interino da Pa
rahyba para proclamar o novo systema, não só no interior
dlaquella provincia como no Ceará , foi condemnado a 10
annos de degredo em Angola , e remettido em 17 de Junho
á disposição do governador de Pernambuco, d'onde partiu
para a Bahia, ali gemen om estreita e rigorosa prisio.
Conseguindo à sua liberdade e entrando no exercicio
das suas funcções parochiacs, o Padre Virginio « esme
1011-se em edificar suas ovelhas com exemplos novos de
virtude, devendo ser especialmente mencionada a heroica
hunanidade de recolher na sua casa, alimentar, educar e
instruir nas sciencias, os meninos pobres e abandonados,
empenhando -se mesmo com alguns paes para do fundo
dos ermos e sertões lhe trazerem seus filhinhos. »
Os serviços do Padre Virginio , quer como paracho,
quer como cidadão, não foram esquecidos pelosparahy
banos ; elles o elegeram deputado ás cortes constituintes
de Lisboa em 1821, mandato este que custosamente acei
tou, e só bem tarde resolveu -se a partir, tomando assento
?) ) congresso em 14 de Agosto de 1822 ; e proclamada a
independencia e convocada a constituinte brazileira em
1823 , elegeram -no ainda seu representante .
Varão de grandes virtudes civicas e moraes, na plırase
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 797

do Sr. Barão Homem de Mello no seu estudo sobre a Con


stituinte, o Padre Virginio , a par dos seus eminentes ser
viços á causa da religião , da liberdade e da humanidade
nobilitou -se tambem pela elevação e rigidez do seu cara
cter, por seus dotes intellectuaes, e por sua não vulgar il
lustração.
Deixando a sua vigararia, recolheu -se á Pernambuco,
e entregou -se exclusivamente ao magisterio , mas por gosto
e por dedicação, zelosa e gratuitamente, visando o unico
interesse de ser util aos seus patricios e de contribuir o
quanto lhe era possivel para a obra do engrandecimento
moral de sua patria, preparando e instruindo a mocidade.
Litterato, poeta distincto, as suas innumeras produc
ções não passaram o circulo da familia e dos amigos, e
assim esqueceram -se e perderam - se completamente. Es
creveu dramas pastoris, comedias e outras peças theatraes
que tiveram representação no engenho Bruin , na freguezia
da Varzea, pelos tempos do natal.
Das suas poesias encontramos apenas 4 glosas em de
cimas, sobre o mote :
Os charos pernambucanos
D'Olinda os filhos mimosos,

e mais uma outra em oitavas, improvisada em uma reu


nião, sobre os versos de uma modinha então muito em
vóga e apreciada :
No livro dos infelizes
O meu nome escripto achei,
Como nasci sem centurii
Sem centura acabarei.
O Padre Virginio Rodrigues Campello morreu no en
genho Brum , pelos annos de 1836 , no mesmo quarto em
que nasceu, e foi sepultado na capella de N. S. das Dores,
da matriz da Varzea .

D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira . Filho


legitimo do capitão Antonio Goncalves de Oliveira e D. An
tonia Albina de Albuquerque, nasceu em Pedras de Fogo
(Itambé) aos 27 de Novembro de 1844.
Antonio Gonçalves de Oliveira Junior no lar paterno e
na primeira phase de sua vida, Frei Vital Marià de Per
DICCIONARIO BIOGRAPHICO

nambuco no claustro , e D. Frei Vital Maria Gonçalves de


Oliveira no solio episcopal de Olinda, bem jovem ainda
veio para a cidade do Recife, fez o curso preparatorio no
collegio Bemfica, e depois matriculou -se no Seminario de
Olinda onde cursou o primeiro anno de theologia , sendo
The conferidas as ordens de prima tonsura a 16 de Dezem
bro de 1860 .
Em 1 de Outubro de 1862 seguiu para a Europa, entrou
no Seminario de Issy, perto de Pariz ; e um ano depois
recolheu -se ao convento dos capuchinhos em Versailles,
tomou o habito a 16 de Agosto de 1863 ; e professou no anno
seguinte adoptando o nome religioso de Frei Vital Maria
de Pernambuco ; e concluindo o seu noviciado, foi comple
tar os seus estudos no convento de Tolosa, onde recebeu
ordens menores a 8 de Julho de 1866 , das mãos do arcebis
po 1 ) . Juliano Desprez, de subdiacono a 8 de Dezembro de
1867, de diacono a 6 de Junho de 1868 , e de presbytero a 2
de Agosto seguinte, pelo mesmo arcebispo, celebrando a
sua primeira missa no dia immediato .
Em Outubro de 1868 regressou para o Brazil com des
tino a provincia de S. Paulo, em cujo seminario excrerit
as funcções de professor de theologia , c depois as de ca
pellão e director espiritual do collegio do Patrocinio , em
Itú .
Foi nomeado bispo da diocese de Olinda por Decreto
de 21 de Maio de 1871 , confirmado em consistorio de 22 de
Dezembro do mesmo anno , com dispensa de 3 annos da
idade legal, e foi sagrado na cathedral de S. Pawo a 17 de
Março de 1872, pelo bispo do Rio de Janeiro, 1 ) . Pedro Ma
ria de Lacerda .
1 ) . Vital mandou tomar posse do bispado por procli
ração passada ao conego Jono Chrysostomo de Paiva Tor
ros, o que teve logar a 2 de Abril, mas chegando a Pernam
buco a 22 de Maio , no dia 24 do mesmo mez fez a sua ( 1
trada solemne na cidade episcopal de Olinda , e ratificou a
posse que havia tomado por procuracao.
Um dos primeiros cuidados do jovem prelado, que tão
pomposa e enthusiasticamente föra recebido em sua dio
cese, em sua terra natal, foi a fundação de um pequeno
seminario para os estudos preparatorios do curso canoni
Co , e começara a regularisar o serviço disciplinar do seu
elevado ministerio , ea tratar de algumas reformas e outros
assumptos tendentes aos negocios da egreja , quando sur
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 799

giu a questão religiosa, em que por assim dizer, fez extre


mar dous partidos, em luta renhida e porfiada.
Apparecendo na arena da imprensa, em 1872 , o perio
dico livre -pensador A Familia Universal, e depois seguido
pela Verdude, orgão da maçonaria pernambucana, quer
um quer outro publicaram alguns escriptos que hiam de
Pucontro ás crenças e ideas religiosas e dahi a iniciativa de
D. Frei l'ital em rebater taes proposições, zelando e esfor
çando -se heroica e dedicadamente pela firmesa e susten
tação dos dogmas e principios do catholicismo.
Seguiu -se então agitada e calorosa discussão ; D. Frei
Vital lançou mão das leis ecclesiasticas que condemnam a
maçonaria, lançou a penade interdicção ás irmandades que
não obedeceram ao mandato episcopal de expulsar do sen
gremio a todos aquelles que pertencessem a maçonaria, e
que não abjurassem da sua ordem .
Assim condemnadas as irmandades, uma dellas, a do
SS . SS . de Santo Antonio , depois de solicitar em termos
convenientes e respeituosos de D.Frei Vital, que, reconside
rando a sentença louvesse por bem levantar o interdicto ,
resolveu interpor da sentença, recurso para o Conselho de
Estado, do qual obteve provimento , negando -se comtudo
D. Frei Vitala levantar o interdicto , fundamentando a sua
recusa não só na peça official que dirigiu ao governo , como
n’um opusculo que escreveu : Obispo de Olinda e os seus
accusadores no tribunal do bom senso .
Começou então a instauração do processo contra D.
Frei Vital pela desobediencia ás ordens do governo ; foi
denunciado perante o Supremo Tribunal de Justiça, a co
pia da denuncia vem ás suas mãos para responder a de
nunciação , mas elle recusa - se, allegando não conhecer a
competencia do tribunalcivil em materia religiosa ; e assim
foi o processo correndo todo o seu turno, sendo pronun
ciado como incurso na disposição do art. 96 do Codigo Cri
minal, e logo expedido o respectivo mandado de prisão
por ser o crime inafiancavel.
Preso e recolhido ao Arsenal de Marinha em 2 de Ja
neiro de 1874, seguiu depois para o Rio de Janeiro, compa
recen perante o tribunal, foi condemnado a 4 annos de pri
são com trabalhos e custas do processo , e commutada il
pena em 4 annos de prisão simples, recolheu -se a fortale
za de S. João, onde permaneceu pelo tempo de anno e meio,
até que foi amnistiado por Decreto de 17 de Setembroité
1875.
800 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

D. Frei Vital emprehendeu então a sua viagem Ad li


mina Apostolorum , e a 4 de Outubro partiu para a Euro
pa, desembarcou em Bordeaux, seguin depois para Lon
dres, visitou Tolosa e Marseille, e d'ahi seguiu para a
Italia ; aportou em Genova, foi a Florença , e chegou emfim
a Roma.
Admittido á presença do Santo Padre, foi bem recebi
do, e nas diversas occasiões que teve de fallar com Sua
Santidade, recebeu sempre as mais elevadas manifesta
coes do apreço em que era tido , assim como dous riquis
simos presentes , um cochim de seda bordado a ouro , dado
por Pio IX no dia do seu anniversario natalicio , e um mis
sal romano ricamente encadernado .
D. Frei Vital partiu depois para Pariz, por Turin e Lyon ,
regressou de novo para Roma, e depois de alguma demora
dirigiu - se a Marseille por Genova , e dahi para Tolosa.
Visitou Lourdes, Cauterets, Pariz e outros logares da
França, seguiu para a Belgica, demorou - se em Mons, Tour
nay, Bois d'Hlaine, Bruxellas e Antuerpia, voltou de novo
á Pariz, visitou Angers e Le Mans, e tomou emfim o ca
minho de Bourdeax, com destino a Pernambuco .
D. Frei Vital aportou no Recife a 6 de Outubro de 1876,
sendo recebido entre as mais significativas e estrondosas
demonstrações, seis dias depois embarcou para o Rio de
Janeiro, e após curta demora tomou o caminho de sua
diocese, e aqui chegou a 9 de Novembro . No anno seguin
te D. Frei Vital foi novamente ao Rio de Janeiro, de onde
partiu para a Europa, saltou em Bordeaux, e depois de al
guma demora seguiu para Pariz .
D. Frei Vital dirigiu -se então para Mont-Dore afim do
lisar das aguas sulphurozas, passou -se i Tolosa, foi a
Marseille ,Genova, Florença, Bolonha, Loreto, Napoles e
em fim a Roma, onde chegou em 27 de Setembro de 1877 .
l'oi nesta cidade que D. Frei Vital sentiu - se accommet
tido do mal queo levou á sepultura após tão curta existen
cia. Partindo para a França por prescripção medica, e como
já se sentisse muito fracó, foi demorando -se em alguns lo
gares, até que chegou a Pariz e se recolheu ao convento
dos Capuchiubos, onde fallecen a 4 de Julho de 1878 .
Longe da patria , da familia e dos amigos, mereceli
sempre D. Frei Vital as maiores provas de altenção e con
sideração, do que ha de mais selecto na hiyerarchia reli
giosa , e de todos em geral. Passando os ltimos dias de
sua curta existencia em um convento pobre e sem recuir
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 801

sos , nada lhe faltou , e teve funeraes solemnes e pomposos


sem que nada deixasse para isso .
O seu cadaver foi embalsamado, e sobre o seu ataude
ostentavam - se lindas corôas de flores naturaes, algumas
de delicado trabalho, que de todos os lados foram envia
das , e collocado o feretro sobre um modesto mas elegante
mausoleo, na egreja do convento , ahitiveram logar as suas
exequias, a que assistiram o cardeal arcebispo de Pariz, o
nuncio apostolico, e os bispos de Vannes e de Galvetów
( Estados Unidos) , officiando o bispo de Riobamba, no Equa
dor, e sendo orador da solemnidade o celebre escriptor
Monsenhor de Ségur ; e transportados depois para a casa
de Versailles , foi levado processionalmente para o cemite
rio , onde o enterraram em uma sepultura subterranea dos
padres capuchinhos.
D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira conquistou
pela sua sabedoria , pelo seu heroismo e pela firmesa de
suas crenças, nm nome immortal nas paginas da historia
ecclesiastica e politica do seu paiz. Uma penna autorisada,
o Sr. Dr. Antonio Manoel dos Reis , escrevendo o seu pri
moroso Livro , o bispo de Olinda perante a historia, consa
grou á sua memoria um digno e perduravel monumento ,
monumento este, « que recordará aos vindouros a crença
inabalavel, o caracter illibado , a energia mascula , a abne
gação sublime, e o heroismo até o sacrificio dessa honra
da patria e gloria da egreja , que mereceu ser cognominado
o Athanasio Brazileiro ... E um livro que narra , que dis
cute , que demonstra, que prova , que convence, que inter
roga, que julga, que condemna, é afinal perdôa ... Elle es
pelha o grande vulto e reflecte a grande alma do herôe que
o escreveu pagina por pagina , e rscorda o zelo do apos
tolo, a scienciado doutor, a uncção do pontifice, a energia
do confessor e a aureola do martyr ! »

102
802 DICCIONARIO BIOGRAPHUCO

Zenobio Accioly de Vasconcellos. Nasceu em Olinda


ao alvorecer do seculo XVII . Foram seus paes Gaspar Ac
cioly de Vasconcellos, natural da ilha da Madeira, e D.
Anna Cavalcanti de Albuquerque,natural desta provincia.
Em Abril de 1634, no maior calor da guerra da invasão
hollandeza, Zenobio Vasconcellos assentou praça de sol
dado, e encorporou-se ás fileiras do exercito pernambu
cano, que braço a braco lutava nos campos da batalha
pela liberdade de sua patria .
O sitio da praça de Nazareth foi a primeira acção em
que tomou parte o joven e novel soldado. O general Ma
thias de Albuquerque achava -se mui distante desse ponto,
acampado com o seu exercito . Era, pois , necessario par
ticipal- o de que os hollandezes haviam sitiado a praça de
Nazareth , e receber as suas ordens. Zenobio Vasconcellos
offerece-se para executar essa perigosa missão , parte, atra
vessa o campo inimigo com grandes riscos e difficulda
des, communica -se com o general, e volta a participar da
sorte dos seus companheiros, soffrendo com elles as mai
ores privações, a fome e outros incommodos, por espaço
de 4 mezes .
No ataque de Porto Calvo, portou -se honrosa e brio
samente. Accommetteu a principal fortificação que os hol
landezes occupavam na villa , e queimou -lhes umas casas
fortes. Partindo deste ponto, e encorporado ao exercito,
tomou parte no combate junto a força da Barra Grande, nó
dos campos de Camaragibe, de Porto Calvo e Matta Re
donda . Partindo os hollandezes a invadir a Bahia , por mar
e terra , Zenobio de Vasconcellos sahiu - lhe ao encontro, e
o fez retirar -se vergosamente com perda consideravel, e
comboiou o soccorro que se enviou àquella praça .
Da Bahia voltou a Pernambuco na armada de soccorro
enviado pelo conde da Torre , cuja viagam foi quasi que
uma constante batalha naval com a csquadra hollandeza .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO 803

Cumprida essa missão , segue de novo para a Bahia em


companhia de Luiz Barbalho Bezerra ; foi nessa jornada por
terra, e nesse immenso caminhar, assaltado a cada passo
pelos hollandezes, porem , portou -se sempre com valor e
intrepidez tal, que mereceu louvores dos seus chefes.
Zenobio Vasconcellos não ficou, porém , estacionado
na Bahia . Elle voltou ao Rio Grande do Norte, bateu o ini
migo em Cunhaú, nos engenhos Goyanna e Salgado, e se
guiu depois para as Alagoas.
Rompendo a guerra da restauração, corre a unir -se
com os seus compatriotas, atravessa pelo centro da pro
vincia, e marcha para o engenho de Izabel Gonçalves, onde
se tinham fortificado os hollandezes. Fere -se a batalha,
essememoravel feito de armas conhecido na historia por
batalha da Casa Forte e elle recebe um grave ferimento ,
porém tambem as honras e as glorias da victoria , depois
de a ter conquistado em grande parte .
No combate da força de Afogados, e na primeira e me
moravel batalha dos montes Guararapes, elle obrou os
maiores prodigios de valor. Neste ultimo feito , nessa pa
gina mais brilhante da historia das nossas glorias milita
res , Zenobio Vasconcellos teceu a corôa de louros das
suas glorias, e inscreveu o seu nome nos fastos immor
taes da nossa historia .
Bate -se heroicamente, accommette um batalhão hol
landez , e arranca das mãos do official inimigo o seu es
tandarte , e vem depositar o tropheu das suas glorias, nas
mãos do commandante em chefe das nossas forças, o ge
neral Barreto de Menezes !
Em muitos outros feitos realça o nome de tão illustre
e valente pernambucano. Elle assentara praça no exercito
como simples soldado, e pelo seu valor chegara ao posto
de coronel, conquistando cada um delles, por um feito no
tavel, por uma acção heroica e brilhante . Em um docu
mento firmado pelo principe regente, depois D. Pedro II,
lê-se que, nos postos que occupou, procedeu com grande
calor e celo do seu real serviço .
Assignada a capitulação do Taborda aos 27 de Janeiro
de 1654 , e restaurada esta provincia e as demais capitanias
do poder dos hollandezes, coube a Zenobio de Vasconcel
los a incumbencia de ser o portador de tão grande noticia
ao governador geral da Bahia .
De volta a Pernambuco , equando a patria já havia en
toado o hymno da liberdade, depoz a sua espada de guer
804 DICCIONARIO BIOGRAPHICO

reiro, e transpoz os umbraes do santuario da familia , unin


do -se a sua prima D. Maria Pereira de Moura .
Tão grandiosos e assignalados serviços prestados á
causa sacrosanta da patria , em uma guerra terrivel e cheia
de toda a especie de privações e de incommodos, não po
diam ser esquecidos , e deixar de ter condigna remunera
cão . El-Rei lhe conferiu o foro de fidalgo de sua real casa ,
à alcaidaria -mór da cidade de Olinda, e a commenda de S.
Miguel da Ribeira de Diu, da Ordem de Christo .
Até o anno de 1681 , occupou Zenobio de Vasconcellos
o posto de coronel das cavollarias da ordenança, com dis
pendio de sua fazenda, por não ter com elle soldo algum ,
havendo - se em tudo com muita satisfação, até que, por
carta patente de 22 de Outubro dessemesmo anno, foi ele
vado ao posto de mestre de campo , por El-Rei esperar
delle que da mesma maneira lhe serviria d'ahi em diante
em tudo de que o encarregasse do serviço conforme a con
fiança que fazia de sua pessoa .
Dessa epocha por diante nada mais encontramos so
bre a vida do mestre de campo do terço da guarnição da
praça de Pernambuco , Zenobio Accioly de Vasconcellos.
Elle consagrou a sua vida inteira á causa da patria ; fez a
campanha das guerras da invasão e restauração, e o seu
valor, os seus actos de bravura , e a sua inexcedivel intre
pidez, sagraram -no heróe e benemerito da patria .
DICCIONARIO BIOGRAPHICO
DE

PERNAMBUCANOS CELEBRES
POR

Fraucisco Augusto Pereira da Costa


NATURAL DA PROVINCIA DE PERNAMBUCO

RECIFE
1882

çocuCUEDE

2
H , L , L. Br. June 24, 1892.

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