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Mons.

João Scognamiglio Clá Dias, ep

Pequeno Ofício da
Imaculada Conceição
Comentado
Mons. João Scognamiglio Clá
Dias, EP, é natural de São Paulo, Bra-
sil. Nasceu a 15 de agosto de 1939,
sendo filho de Antonio Clá Díaz e de
Annitta Scognamiglio Clá Díaz.
Cursou Direito na Faculdade do
Largo de São Francisco, aprofundou
seus estudos teológicos com grandes
catedráticos de Salamanca, da Or-
dem Dominicana, e obteve láureas
em Filosofia, Teologia, Psicologia e
Humanidades em diversas universi-
dades, sendo doutorado em Direito
Canônico pela Pontifícia Universida-
de São Tomás de Aquino (Angelicum) de Roma e em Teologia pela
Universidad Pontificia Bolivariana, de Medellín (Colômbia).
Mons. João Clá é fundador e atual Superior-Geral dos Arau-
tos do Evangelho e da Sociedade Clerical de Vida Apostólica Virgo
Flos Carmeli, além de fundador da Sociedade Feminina de Vida
Apostólica Regina Virginum, entidades de direito pontifício que
estendem suas atividades a 78 países.
Para dar uma sólida formação aos Arautos, fundou o Instituto
Teológico São Tomás de Aquino e o Instituto Filosófico Aristoté-
lico Tomista. Também é fundador e assíduo colaborador da revis-
ta acadêmica Lumen Veritatis e da revista Arautos do Evangelho,
publicada em inglês, português, espanhol e italiano, totalizando
uma tiragem mensal de cerca de um milhão de exemplares.
Escreveu 14 obras, entre as quais algumas superaram a tiragem
de dois milhões de exemplares, publicadas em sete idiomas.
Mons. João Clá é Cônego Honorário da Basílica Papal de San-
ta Maria Maior, em Roma, Protonotário Apostólico, membro da
Sociedade Internacional Tomás de Aquino, da Academia Marial
de Aparecida e da Pontifícia Academia da Imaculada. Foi conde-
corado em diversos países por sua atividade evangelizadora, cul-
tural e científica, tendo recebido de Bento XVI, em 15/08/2009, a
medalha Pro Ecclesia et Pontifice.
Mons. João Scognamiglio
Clá Dias, ep

Volume I

Pequeno Ofício
da
Imaculada Conceição
Comentado

“Formosa como a lua,


eleita como o sol,
terrível como um exército
em ordem de batalha” (Cânt. VI,10)

Com Prefácio do
Fr. Antonio Royo Marín, op
Declaração:
Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII,
de 13 de março de 1625 e de 5 de junho de 1631, declaramos não
querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego das palavras
ou na apreciação dos fatos edificantes que se encontram impressos
nesta obra.

3ª edição
Dezembro de 2011

© Associação Católica Nossa Senhora de Fátima


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ISBN: 978-85-63975-05-8

Impressão:
Edições Loyola
Tel: 3385-8500

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“Bendito o dia que viu
Nossa Senhora nascer;
benditas as estrelas
que A viram pequenina;
Nossa Senhora
bendito o momento dos estudantes
em que veio ao mundo
a criatura virginal destinada
a ser Mãe do Salvador!”
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.
Conferência em 8/9/1963 - parafraseando Jó, III, 3 e ss.
Ao Leitor

N ão há um só devoto da Virgem que não tenha sido afaga-


do, no íntimo de sua alma, por aquele suave, profundo e
materno toque sobrenatural, proveniente de sublimes alturas e de
puríssimas mãos. Como dadivosa Mãe, não poucas vezes, a Ela
cabe a iniciativa do poderoso auxílio.
Transcorriam as solenidades da Semana Santa de 1991,
quando o autor desta condensação se achava à beira da morte,
num certo Hospital de São Paulo. Naquele transe, prometeu ele
à Imaculada Conceição comentar o Pequeno Ofício nos círculos
de suas amizades, caso Ela lhe restituísse a saúde. Tendo recebido
a Unção dos enfermos na noite de Quinta-feira Santa, sentiu-se,
tempos depois, inundado por um oceano de confiança auguran-
do-lhe uma celestial intervenção.
E, com efeito, em menos de dois meses já se encontrava
restabelecido, e só lhe correspondia, portanto, cheio de gratidão,
satisfazer o pio compromisso assumido com a Mãe de Misericór-
dia e Saúde dos Enfermos.
Auxiliado por alguns de seus irmãos de vocação, reuniu os
necessários subsídios para o cumprimento de sua oferta a Maria
Santíssima.
Após uma série de exposições sobre o pequeno saltério ma-
riano, algumas pessoas insistiram na conveniência de se divulgar
mais amplamente aquelas dissertações, no intuito de incrementar
tão piedosa devoção.
É atendendo a esses pedidos que ora são publicados os pre-
sentes comentários, sob o prisma das belas palavras de uma das
mais insignes luzes a brilhar nos céus da Mariologia, São Luís Ma-
ria Grignion de Montfort, ardoroso devoto da Santíssima Virgem:

7
“De Maria nunquam satis... Ainda não se louvou, exaltou,
honrou, amou e serviu suficientemente a Maria, pois muito mais
louvor, respeito, amor e serviço Ela merece. [...] Os Santos disse-
ram coisas admiráveis desta cidade santa de Deus. [...] E, depois,
proclamam que é impossível perceber a altura dos seus méritos,
que Ela elevou até ao trono da Divindade; que a largura de sua cari-
dade mais extensa que a Terra, não se pode medir; que está além de
toda compreensão a grandeza do poder que Ela exerce sobre o pró-
prio Deus; e, enfim, que a profundeza de sua humildade e de todas
as suas virtudes e graças são um abismo impossível de sondar. Ó
altura incompreensível! Ó largura inefável! Ó grandeza incomensu-
rável! [...] Os olhos não viram, o ouvido não ouviu, nem o coração
do homem compreendeu as belezas, as grandezas e excelências de
Maria, o milagre dos milagres da graça, da natureza e da glória” 1.
Assim, as presentes considerações não visam ser um exaus-
tivo tratado, pois longe estão de abarcar o quase infinito universo
das excelsitudes de Maria Virgem. Séculos de contínuos louvores
ecoam pela eternidade, junto ao trono da Imaculada e Sapiencial
Soberana, e outros ainda se sucederão, intérminos, sem lograrem
render-Lhe toda a honra de que é Ela merecedora.
Verdade esta, corroborada pela informação muito precisa
do professor e ex-bibliotecário da Pontifícia Faculdade Teológi-
ca Marianum (em Roma), Pe. Giuseppe M. Besutti, O. S. M.,
segundo o qual de há muito vêm sendo publicados mais de dois
mil livros sobre Nossa Senhora, a cada ano, no mundo inteiro...
Digne-se Ela, Mãe de inesgotável misericórdia, abençoar
estas páginas que Lhe são dedicadas, fazendo-as frutificar em sin-
cera e abrasada devoção mariana, nas almas de quantos as lerem.
É também ardente desejo do autor destes comentários,
voltar-se a seu fundador, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, para
muito especialmente lhe agradecer o precioso dom — entre ou-
tros tantos — de ter sido por ele introduzido na prática diária da
recitação do Pequeno Ofício da Imaculada Conceição.

1)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-


ma Virgem. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 20-23.

8
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira
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Nota à 2ª edição

“Sabemos que todas as coisas concorrem para o bem dos que amam
a Deus” (Rom. VIII, 28). Se tivéssemos sempre diante dos olhos essa
verdade, e em todas as tribulações confiássemos que daquele mal
resultaria um bem muito maior, teríamos sem dúvida muito mais âni-
mo para carregar a nossa cruz de todos os dias.
De certo modo, foi o que sucedeu ao Autor no ano de 1991, quan-
do lhe sobreveio uma embolia pulmonar que quase lhe abreviou o
número de seus dias. Contudo, a Providência não lhe quis cortar o fio
da vida no meio. Apenas permitiu aquela provação para multiplicar os
seus benefícios. Um deles foi a publicação da obra “Pequeno Ofício
da Imaculada Conceição Comentado”, resultado de uma promessa
feita à Santíssima Virgem no auge das incertezas da doença, caso Ela
se dignasse misericordiosamente conservar a vida e a saúde a quem
ainda estava destinado a fundar os Arautos do Evangelho. A Mãe de
Deus não só lhe conservou a vida, como lhe deu ânimo para supor-
tar outras graves enfermidades que em três ocasiões quase o levariam
desta vida, dando-lhe assim a graça inestimável de receber repetidas
vezes a Unção dos Enfermos.
Passados quase 20 anos, e tendo recebido de S.S. Bento XVI o títu-
lo de Cônego Honorário da Basílica Papal de Santa Maria Maggiore
e de Protonotário Apostólico, como penhor de gratidão Àquela que é
a Saúde dos Enfermos é reeditada esta obra em seu louvor, por tantos
benefícios recebidos.
Esta 2ª edição é apresentada em dois volumes. No Volume I, divi-
dido em oito capítulos, são comentadas as belas orações do Peque-
no Ofício da Imaculada. O Volume II é composto de dois apêndices
sobre os dogmas e privilégios marianos.

São Paulo, 15 de agosto de 2010

Solenidade da Assunção de Nossa Senhora

10
R I TA S
V E

Prefácio
O autor deste belíssimo comentário ao “Pequeno Ofí-
cio da Imaculada Conceição”, Sr. João S. Clá Dias,
teve a amabilidade de me pedir umas breves palavras para
servirem de prefácio a esta edição portuguesa.
O “Pequeno Ofício da Imaculada Conceição” constitui, já
por si, um genuíno e profundo prazer para todos aqueles que
amam verdadeiramente a Virgem Maria. Causa real assom-
bro encontrar plenamente reunidos em tão curtas invoca-
ções todos os grandes dogmas e títulos marianos, sem exce-
ção. Porém, o esplêndido comentário que acompanha a cada
uma dessas invocações as enriquece de forma tão maravilho-
sa, que se torna por assim dizer impossível encontrar algo
a mais nos ensinamentos que nos legaram os grandes San-
tos marianos de todos os tempos: Bernardo, Alberto Mag-
no, Tomás de Aquino, Boaventura, Grignion de Montfort,
Afonso Rodríguez, Afonso de Ligório, João Eudes, Antonio
Maria Claret, etc. — cujas doutrinas são citadas copiosamen-
te — bem como as sábias especulações dos melhores teólogos
marianos tais como Garrigou-Lagrange, Garriguet, Raulica,
Alastruey, Campana, Roschini, Guitton, Marechal, Philipon,
William, Scheeben, Terrien e outros muitos, juntamente com
os imprescindíveis documentos do Magistério da Igreja atra-
vés dos Concílios e dos Sumos Pontífices.
Entre as numerosas citações de leigos católicos, destacam-
se, por sua extensão e extraordinário valor espiritual, as de
autoria do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, insigne fundador
das TFPs, esparsas já pelos cinco continentes do planeta, com
enormes frutos de autêntico apostolado católico.

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R I TA S
V E

Toda uma esplêndida e completa mariologia numa pers-


pectiva teológica e eminentemente devocional!
Para que o leitor vá tomando conhecimento de tudo quan-
to acabamos de dizer, parece-nos oportuno recolher aqui, em
brevíssimo resumo, o conteúdo doutrinário de cada um dos
oito capítulos em que o autor divide seu magnífico comentá-
rio.

Capítulo 1 (Matinas): Especialmente saborosos são os


comentários a invocações tão belas como Estrela da manhã,
Rainha do Céu, Cheia de graça, Luz pura, Benfeitora do
mundo, Onipotência suplicante, Auxiliadora do Purgatório...

Capítulo 2 (Prima): Aqui celebram-se as grandes Virtudes


de Maria (teologais, cardeais e derivadas) que constituem o
núcleo central de sua excelsa santidade, sobrepujada apenas
pela infinita de seu Filho, Jesus.

Capítulo 3 (Tércia): São expostas e comentadas as múlti-


plas prerrogativas e dignidades de Maria como Nova Arca do
Testamento, Trono de Salomão, Arco-íris de Esperança, Sar-
ça ardente, Virgem florida, Porta cerrada, Virgem Imacula-
da...

Capítulo 4 (Sexta): Sobremaneira piedoso é o modo como


se nos fala da virgindade de Maria, Templo da Santíssima
Trindade, Encanto dos Anjos, Ideal de castidade, Consola-
dora dos tristes, Alegria do Paraíso, Heróica Fortaleza, Lírio
entre espinhos, Conjunto de todas as graças...

Capítulo 5 (Noa): Invoca-se a Maria como Refúgio dos


pecadores, Torre de David, Torre de marfim, Caridade arden-

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V E

te, Vencedora do demônio, Bela como Abigail, Valente como


Judith, Virgem das virgens, toda Formosa de corpo e de
alma...

Capítulo 6 (Vésperas): Discorre-se sobre a Redenção pre-


ventiva de Maria, de sua profundíssima humildade, Luzeiro
da manhã, Aurora que anuncia o dia, Brilhante como o sol,
Bela como a lua, Luz inextinguível que excede em claridade a
todos os Santos...

Capítulo 7 (Completas): Reúnem-se aqui, entre outros


muitos, os principais títulos da Salve Rainha: Vida, Doçura
e Esperança nossa, Dispensadora de todas as graças, Estrela
do mar, Porta do Céu, Saúde dos enfermos, Penhor de eter-
na salvação...

Capítulo 8 (Depois do Ofício): Contém um Devoto Ofere-


cimento e invoca-se a proteção da Virgem, na vida e na mor-
te.

Depois deste maravilhoso e exaustivo repertório de dog-


mas e títulos marianos, parece que nada de novo caberia
esperar. Entretanto, o leitor se vê gratamente surpreendido
com dois extensos e magníficos “Apêndices”:

Apêndice I: Sob o título de “Dogmas e privilégios maria-


nos” são expostos, numa perspectiva estritamente teológica,
a Predestinação eterna de Maria, sua Imaculada Conceição,
sua Perpétua Virgindade, sua Maternidade divina, sua Mater-
nidade espiritual, Co-redentora do gênero humano, Media-
neira e Dispensadora Universal de todas as graças, sua glorio-
sa Assunção aos Céus, sua Realeza Universal, a Plenitude de

13
R I TA S
V E

sua graça (com as Virtudes infusas, Dons e Frutos do Espíri-


to Santo e Bem-aventuranças evangélicas) e seus carismas ou
graças gratis datæ.

Apêndice II: Trata-se de um estudo detalhado da evolução


histórica do dogma da Imaculada Conceição, desde uma pie-
dosa crença até a expressa declaração dogmática por Pio IX,
em 8 de dezembro de 1854.

É inútil ponderar o riquíssimo conteúdo dogmático e


devocional destas páginas que nos cabe a honra de apresen-
tar ao leitor, à maneira de “Prefácio”. Basta ler o brevíssimo
índice-resumo que acabamos de traçar, para que se torne de
todo supérfluo insistir em coisa tão clara e evidente.
Os devotos de Maria têm aqui um verdadeiro arsenal para
alimentar e satisfazer seu fervor mariano, por muito inten-
so que seja. Que a Santíssima Virgem abençoe copiosamente
os que assumiram a doce tarefa de nos proporcionar a todos,
tamanho festim espiritual!

Fr. Antonio Royo Marín, O. P.

Madrid, 29 de setembro de 1994,


na festa de São Miguel Arcanjo

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a mi
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M

a
Te
Ave cum

O Pequeno Ofício
da Imaculada Conceição

O Autor
Depois de muito compulsar arquivos e fontes históricas, o Pe. Co­lin,
biógrafo de Santo Afonso Maria de Ligório, concluiu ter sido Fr. Ber-
nardino de Busti (1450-1513), grande e ilustre pregador franciscano, o
autor do Pequeno Ofício da Imaculada Conceição.
Oriundo da família patrícia dos Busti, de Milão, fez nesta cidade
seus primeiros estudos, concluindo a jurisprudência em Pavia. Em
1475 ingressou na Ordem dos Frades Menores, na qual se destacou
pelo exemplo de suas virtudes e pelo brilho de sua inteligência.
Filósofo e teólogo, versado igualmente no Direito eclesiástico e
civil, Fr. Bernardino de Busti distinguiu-se, outrossim, como apóstolo
e escritor, particularmente mariano. A fecundidade de seu espírito fez
vir a lume diversas obras, sendo a maior e a mais difundida o Maria-
le de singulis festivitatis Beatæ Virginæ Mariæ, composto em 1492, fre-
quentemente citado pelos autores eclesiásticos. No tocante à Imacu-
lada Conceição, publicou nove sermões, além de seu Officium et Missa
de Immaculata Conceptione.
Morreu Fr. Bernardino, em fama de santidade, entre os anos de
1513 e 1515 (provavelmente no dia 8 de maio de 1513), no Conven-
to de Santa Maria della Misericordia, em Melegnano (Lombardia).
Não tardou que a devoção popular — vox populi Dei — o proclamas-
se bem-aventurado1.

1) Cfr. ENCICLOPEDIA CATTOLICA. Città del Vaticano: G. C. Sansoni, 1949. Vol. II.
p. 1406 e DICTIONNAIRE d’Histoire et de Géographie Ecclésiastiques. Paris: Letouzey et
Ané, 1935. Vol. VIII. p. 786.

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Te
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Difusão
Não obstante a virtuosa penumbra em que se deixou ficar seu
autor, o Pequeno Ofício se difundiu largamente pelo orbe católico.
Entre os que para tal cooperaram, encontra-se especialmente San-
to Afonso Rodríguez, S. J., natural de Segóvia (Espanha). Ardoroso
devoto da Santíssima Virgem, este insigne jesuíta recebeu com júbilo
o saltério mariano, que considerava o mais belo hino de louvor à Ima-
culada Soberana.
Escreve Santo Afonso Rodríguez de si mesmo, na terceira pessoa:
“[Certo dia], este homem dava graças depois da refeição, quando se viu
na presença da Santíssima Virgem que o favorece com seu trato íntimo
e familiar. Recebeu d’Ela ordem de escrever as orações que costumava
recitar. Receando alguma ilusão, foi tranquilizado por Maria, que nova-
mente o exortou a obedecer para a glória de Deus.
“Ora, as preces que de há muito costumava dirigir à Virgem eram prin-
cipalmente o terço, a Ladainha de Nossa Senhora, o Ofício da sua San-
tíssima Conceição (que sabia de cor), doze «Salve» e doze Ave Marias
para recordar de hora em hora a beatíssima Conceição e alcançar o auxí-
lio de Jesus contra os ataques do pecado. Enquanto cumpria estas prá-
ticas de piedade, sentia-se maravilhosamente abrasado em devoção e
amor, e desfrutava dos mais deliciosos colóquios com Maria” (Acta SS.).
Quando porteiro do colégio de Mallorca, na qualidade de irmão
coadjutor da Companhia de Jesus, Santo Afonso Rodríguez não espe-
rou o convite da Mãe de Deus para difundir entre seus conhecidos a
prática desta devoção mariana. Sempre que lhe permitiam suas fun-
ções, recomendava a todos o Pequeno Ofício como meio de honrar
especialmente a Santíssima Virgem2.
Nos momentos de folga, transcrevia de próprio punho esta ora-
ção e a distribuía entre os alunos do colégio, ensinando-lhes, ao mes-
mo tempo, o modo de recitá-la. Deste piedoso apostolado não excluiu
seus irmãos de hábito, estendendo, assim, a prática do Pequeno Ofício
às demais casas da Companhia de Jesus.

2)  Santo Afonso Rodríguez foi também um ardente propagandista do Ofício Parvo de
Nossa Senhora, composto em época mais remota que o da Imaculada Conceição, com
base nos Salmos do Breviário. (Cfr. ROYO MARÍN, Antonio. La Virgen María, Teología y
espiritualidad marianas. Madrid: BAC, 1968. p. 495.)

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a
Te
Ave cum

Faleceu Santo Afonso Rodríguez em outubro de 1617, depois de


estarem coroados seus esforços.
Menor não foi o exemplo de Santo Afonso de Ligório, Doutor da
Igreja e Fundador da Congregação do Santíssimo Redentor (CSSR),
jurando defender com sua própria vida o privilégio da Imaculada Con-
ceição. Desde o momento em que conheceu o Pequeno Ofício, passou
a rezá-lo todos os dias.
Segundo abalizados autores, certa feita a Santíssima Virgem apareceu
a Santo Afonso, agradecendo-lhe e aprovando a recitação das piedosas
Horas. Em seguida, ordenou-lhe que as escrevesse e as difundisse3.
Também as Congregações Marianas concorreram de modo rele-
vante para a propagação deste Ofício. Muitos sodalícios possuíam sua
própria edição e o recitavam em todas as reuniões.

O modo de rezar
O Pequeno Ofício da Imaculada segue as divisões tradicionais do
grande Ofício Divino, cuja recitação distribui pelas diversas horas do
dia o saltério do Rei e Profeta David, que dizia: “Sete vezes ao dia, ó
Senhor, eu te dirigi louvores.”
Consoante os cânones do Breviário, assim se reparte:

Matinas: antes da aurora


Prima: às 6 horas
Tércia: às 9 horas
Sexta: às 12 horas
Noa: às 15 horas
Vésperas: ao entardecer
Completas: à noite

Embora possa ser rezado todo de uma só vez, é louvável seguir essa
divisão que renova, durante o dia, a lembrança e os excelsos louvores
a Maria Santíssima.
3)  Cfr. Béringer, Les Indulgences. p. 193. Vol. I. Apud TEXIER, Les Paroles de la Sainte
Vierge. Paris: H. Oudin, 1914. Vol. III. p. 308.

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Te
Ave cum

Se recitado em coro o Pequeno Ofício, deve-se fazê-lo por intei-


ro, em tom condizente com o local e o número de pessoas que nele
tomam parte. A pronúncia deve ser clara, distinta, bem inteligível e
em uníssono, para que possa incutir devoção aos que rezam e aos que
ouvem.
Às palavras: “Entoai agora, lábios meus”, traça-se, com o polegar
direito, um sinal da cruz nos lábios.
Em Completas, ao dizer-se: “Converta-nos Jesus”, o sinal da cruz
deve ser no peito, com o referido polegar.
Todas as vezes que se diz: “Em meu socorro vinde já, Senhora”, faz-
se o sinal da cruz completo.
Os Hinos costumam ser rezados de pé. O Oremos final de cada
Hora, de joelhos, bem como o oferecimento e orações depois do Ofí-
cio.
Este pequeno cerimonial, embora sem obrigatoriedade, leva-nos a
atender o desejo da Santa Madre Igreja de que se reze o Ofício digna-
mente, com piedade e atenção.

Indulgências4
Coube ao imortal Pontífice Pio IX, o Papa da Imaculada Concei-
ção, a honra de consagrar mundialmente o Ofício Menor.
A pedido de Mons. Carlos F. Rousselet, Bispo de Sée (França),
concedeu 300 dias de indulgência à recitação destas Horas. Do mes-
mo modo, concedeu Pio IX 100 dias de indulgência a quem rezasse a
antífona “Esta é a Virgem” com o verseto, o responso e a oração5.

4)  Deixamos como no original da época, pois as indulgências foram modificadas: só há


plenária e parcial.
5)  Exceto as referências indicadas pelas notas precedentes, baseia-se esta introdução na
do PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português com
comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 9-18.

18
Pequeno Ofício da
Imaculada Conceição
Matinas
V. Entoai agora, lábios meus,
R. Glórias e dons da Virgem Mãe de Deus.
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

Hino

Salve, ó Virgem Mãe, Senhora minha,


Estrela da Manhã, do Céu Rainha.
Cheia de graça sois; salve, luz pura,
Valei ao mundo e a toda criatura.
Para Mãe o Senhor Vos destinou
Do que os mares, a Terra e Céus criou.
Preservou Ele a vossa Conceição
Da mancha que nós temos em Adão. Amém.

V. Deus A escolheu e predestinou.


R. No seu tabernáculo A fez habitar.
V. Protegei, Senhora, a minha oração.
R. E chegue até Vós o meu clamor.

Oremos. Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso Senhor


Jesus Cristo e Dominadora do mundo, que a ninguém desamparais
nem desprezais; ponde, Senhora, em mim, os olhos de vossa pieda-
de e alcançai-me de vosso amado Filho o perdão de todos os meus
pecados, para que, venerando agora afetuosamente a vossa Imacula-
da Conceição, consiga depois a coroa da eterna bem-aventurança: por
mercê do mesmo vosso Filho Jesus Cristo, Senhor nosso, que com o

19
Padre e o Espírito Santo vive e reina em unidade perfeita, Deus, pelos
séculos dos séculos. Amém.

V. Protegei, Senhora, a minha oração.


R. E chegue até Vós o meu clamor.
V. Bendigamos ao Senhor.
R. Demos graças a Deus.
V. As almas dos fiéis defuntos, por misericórdia de Deus, descan-
sem em paz.
R. Amém.

Prima
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

Hino

Salve, prudente Virgem, destinada


Para dar ao Senhor digna morada.
Com as sete colunas da Escritura,
Do Templo a mesa ornou-Vos em figura.
Fostes livre do mal que o mundo espanta,
E no seio materno sempre santa.
Porta dos Santos: Eva, Mãe da vida,
Estrela de Jacob aparecida.
Sois armado esquadrão contra Luzbel;
Sede amparo e refúgio à grei fiel. Amém.

V. Ele próprio A criou no Espírito Santo.


R. E A representou maravilhosamente em todas as suas obras.
V. Protegei, Senhora, etc. (Repetem-se as mesmas orações do final
de Matinas.)

20
Tércia
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

Hino

Sois a Arca da Aliança, o trono de Salomão,


Belo íris celeste, sarça ardente da visão.
Vós sois a Virgem florida, o velo de Gedeão,
Divino portal fechado, o favo do forte Sansão.
Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão nobre Filho
Não tivesse de Eva a mancha e resplandecesse com todo o brilho.
E tendo o Verbo escolhido por Mãe a Virgem casta,
Não quis que fosse sujeita à culpa que o mundo arrasta. Amém.

V. Eu moro no mais alto dos Céus.


R. E o meu trono está sobre a coluna de nuvens.
V. Protegei, Senhora, etc. (Repetem-se as mesmas orações do final
de Matinas.)

Sexta
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

Hino

Deus Vos salve, Virgem Mãe,


Vós sois o Templo da Trindade,
O puro encanto dos Anjos, agasalho da castidade.
Sois o consolo dos tristes; horto da alegria cara,
Sois a palma da paciência, o cedro da pureza rara.
Maria, terra Vós sois, bendita e sacerdotal,
Concebida e preservada sem pecado original.

21
Cidade santa do Altíssimo, do Céu entrada oriental,
Há em Vós, singular Virgem, toda a graça celestial. Amém.

V. Como um lírio entre os espinhos,


R. Assim a minha predileta entre os filhos de Adão.
V. Protegei, Senhora, etc. (Repetem-se as mesmas orações do final
de Matinas.)

Noa
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

Hino

Cidade sois de refúgio, de torres fortalecida,


Por David entrincheirada, e de armas também munida.
Bem não éreis concebida, em caridade abrasada,
Foi do dragão a soberba, por Vós, ferida e humilhada.
Sois a bela Abigail, Judith invicta e animosa,
Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa.
Raquel ao Egito deu prudente governador,
A Virgem das virgens deu ao mundo o seu Salvador. Amém.

V. Toda sois formosa, ó Mãe querida.


R. E a mancha original nunca tocou em Vós.
V. Protegei, Senhora, etc. (Repetem-se as mesmas orações do final
de Matinas.)

Vésperas
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

22
Hino

Salve, regulador celeste, pelo qual


Em dez linhas foi o sol retrogradado.
A fim de encarnar-se o Verbo eterno, e ser humilhado,
E o homem, como o sol, ao Céu ser levantado.
Daquele brilhante Sol a Virgem tem o fulgor,
E qual aurora surgente refulge em esplendor.
Lírio entre espinhos, a cabeça do dragão calcando,
Qual lua bela ilumina os que no mundo vão errando. Amém.

V. Eu fiz nascer no Céu a luz que não se apaga.


R. E cobri como névoa a Terra toda.
V. Protegei, Senhora, etc. (Repetem-se as mesmas orações do final
de Matinas.)

Completas
V. Converta-nos Jesus, por vosso amor.
R. E retire de nós o seu furor.
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

Hino

Salve, florente Virgem ilibada,


Meiga Rainha de astros coroada.
Mais pura que os Anjos, tendes trono
À direita do Rei, em nosso abono.
Ó Mãe da graça, nossa doce esperança,
Do mar Estrela e porto de bonança,
Porta do Céu, Saúde na doença,
De Deus guiai-nos à feliz presença. Amém.

V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo.


R. Muito Vos amam vossos fiéis servos.

23
V. Protegei, Senhora, etc. (Repetem-se as mesmas orações do final
de Matinas.)

Depois do Ofício
Aceitai, ó Virgem, Defensora e guia;
Esta devoção Sede-nos alento
Em louvor da vossa Em nossa agonia.
Pura Conceição. Ó Mãe de bondade,
Sede-nos na vida Ó doce Maria.

Antífona. Esta é a Virgem admirável, na qual não houve a nódoa


original, nem sombra de pecado.

V. Na vossa Conceição, ó Virgem, fostes imaculada.


R. Rogai por nós ao Eterno Pai, cujo Filho destes ao mundo.

Oremos. Ó Deus que pela Imaculada Conceição da Virgem, prepa-


rastes ao vosso Filho uma digna morada: nós Vos rogamos que, pois
em virtude da previsão da morte do mesmo vosso Filho A preservas-
tes de toda mancha, também nos concedais que, purificados por sua
intercessão, cheguemos à vossa divina presença. Pelo mesmo Jesus
Cristo, Nosso Senhor. Amém.

24
Comentários

ao

Pequeno Ofício

da

Imaculada Conceição
Nossa Senhora
de Paris
Capítulo 1

Matinas

V. Entoai agora, lábios meus,


R. Glórias e dons da Virgem Mãe de Deus.
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

Hino

Salve, ó Virgem Mãe, Senhora minha,


Estrela da Manhã, do Céu Rainha.
Cheia de graça sois; salve, luz pura,
Valei ao mundo e a toda criatura.
Para Mãe o Senhor Vos destinou
Do que os mares, a Terra e Céus criou.
Preservou Ele a vossa Conceição
Da mancha que nós temos em Adão. Amém.

27
V. Deus A escolheu e predestinou.
R. No seu tabernáculo A fez habitar.
V. Protegei, Senhora, a minha oração.
R. E chegue até Vós o meu clamor.

Oremos: Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de


Nosso Senhor Jesus Cristo e Dominadora do mundo,
que a ninguém desamparais nem desprezais; ponde,
Senhora, em mim, os olhos de vossa piedade e
alcançai-me de vosso amado Filho o perdão de
todos os meus pecados, para que, venerando agora
afetuosamente a vossa Imaculada Conceição,
consiga depois a coroa da eterna bem-aventurança:
por mercê do mesmo vosso Filho Jesus Cristo,
Senhor nosso, que com o Padre e o Espírito
Santo vive e reina em unidade perfeita, Deus, pelos
séculos dos séculos. Amém.

V. Protegei, Senhora, a minha oração.


R. E chegue até Vós o meu clamor.
V. Bendigamos ao Senhor.
R. Demos graças a Deus.
V. As almas dos fiéis defuntos, por misericórdia
de Deus, descansem em paz.
R. Amém.

28
predestinação de Maria Santíssima é a
idéia central deste Hino. Desde toda a
eternidade, Deus A elegeu para a excelsa
missão de conceber e dar à luz a Nosso Se-
nhor Jesus Cristo, e “para realizar n’Ela
e por Ela as maiores maravilhas que se
propôs fazer no céu e na terra” 1.
Escolhida para Soberana do mundo
e Rainha dos Céus, Virgem das virgens,
Maria possui a plenitude da graça, sendo a Estrela da Manhã
que anuncia o dia de nossa Redenção, e ilumina todo homem que
vem a este mundo.
Ao decretar em seus eternos desígnios a Encarnação do Ver-
bo, não o fez Deus de modo abstrato e indeterminado, mas sim
especificando os pormenores das condições necessárias para o cum-
primento de sua soberana vontade.
Se o Filho se encarna, precisa de uma Mãe que O dará à
luz, permanecendo virgem. Além disso, quanto seja possível, esta
Mãe deve ser digna d’Ele. Logo, antecedentemente, terá todos os
privilégios que o Padre Eterno Lhe concedeu: isenção do pecado
original e do pecado atual, a plenitude da graça, e uma formo-
sura de alma e de corpo, excedida apenas pela do Homem-Deus 2.
“Depois de Jesus Cristo Nosso Senhor — escreve São João
Eudes —, Maria é a mais admirável obra-prima que tenha saído
do conselho sempiterno de sua Divina Majestade” 3.

1)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Diós. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 35.
2) Cfr. PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português
com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 73-74.
3)  EUDES, Op. cit. p. 37.

29
Entoai agora, lábios meus...  Capítulo 1

@ Entoai agora, lábios meus,


Glórias e dons da Virgem Mãe de Deus.
Exprimem estes dois versos um convite para que nossa alma se ani-
me a cantar os louvores de Maria Santíssima.
Certa vez, estando a grande Santa Gertrudes em elevada oração,
indagava que maior agrado poderia dar a Deus naquele momento. O
Senhor, então, insinuou-lhe: “Põe-te diante de minha Mãe que a meu
lado está sentada, e procura enaltecê-La” 4.

Honrando a Virgem Santíssima,


glorificamos a Deus
Com efeito, no dizer de São Luís Grignion de Montfort, altamente
glorificamos a Deus, venerando a sua Imaculada Mãe:
“Nunca pensais em Maria, sem que Ela, em vosso lugar, pense em
Deus. Nunca A louvais nem honrais, sem que Ela convosco louve e
honre a Deus. Maria está toda em conexão com Deus, e com toda a
propriedade eu A chamaria: a relação de Deus, que só existe em refe-
rência a Deus, o eco de Deus, que só diz e repete Deus. Santa Isa-
bel louvou Maria e A chamou bem-aventurada, porque Ela creu, e
Maria, o eco fiel de Deus, entoou: «Magnificat anima mea Dominum»
— Minha alma glorifica o Senhor (Lc. I, 46). O que fez nessa ocasião,
Maria o faz todos os dias: quando A louvamos, amamos, honramos ou
Lhe damos algo, Deus é louvado, amado, honrado e recebe por Maria
e em Maria” 5.

4) GERTRUDIS. Revelaciones. Tradução do Pe. Timoteo P. Ortega, 2. ed. Buenos Aires:


Benedictina, 1947. p. 192.
5)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-
ma Virgem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 216.

Toda a bibliografia publicada em língua estrangeira, presente neste livro, foi traduzida pelo
autor. Prescinde-se, deste modo, a habitual menção de tradução minha a fim de não tornar
repetitivo, e ser mais agradável ao leitor, o sistema de notação em rodapé com a respectiva
referência das obras.

30
Matinas  Entoai agora, lábios meus...

Semelhante é o pensamento do Pe. Ventura, segundo o qual a Vir-


gem Santíssima “recomenda a Jesus Cristo todo aquele que A invo-
ca e tem um sentimento de filial ternura para com Ela; e Jesus Cristo,
por sua vez, confia à sua Mãe todo aquele que n’Ele crê e O ama como
a seu Senhor. Assim, pois, todo filho fiel a Maria é, ao mesmo tempo,
discípulo amado de Jesus Cristo” 6.

Maria é digna de todo louvor


Ademais, recitando o Pequeno Ofício, associamo-nos às homena-
gens que todos os séculos e todas as gerações têm prestado à Virgem
Santíssima, desde os retumbantes entusiasmos do Concílio de Éfeso
que A proclamou Mãe de Deus, até nossos dias, passando pelas acla-
mações universais que responderam à voz de Pio IX quando decretou
sua Imaculada Conceição.
“Maria — escreve um douto e pio autor —, é digna de toda honra,
de todo respeito e de todo culto. Ao mesmo tempo, é digna de todo
louvor, de todo elogio e de toda glorificação.
“Não é bastante a voz dos Santos da Terra e do Céu, unida à dos
Anjos, para celebrar suas grandezas, seu poder e suas misericórdias.
[...] A Virgem Maria é digna de todo louvor, porque Ela concebeu
o Cristo, Filho de Deus, trouxe-O em seu seio e O deu ao mundo.
[...] Maria é digna de todo louvor, porque teve em suas mãos o Verbo
Encarnado, porque Ela O viu com os seus olhos, porque Ela Lhe falou
e com Ele privou familiarmente; acalentou-O em seu regaço, nutriu-
O de seu leite, e, enfim, cobriu de suas suaves carícias maternas a car-
ne do Filho de Deus. [...]
“Não houve jamais época, nem nação, nem estado, nem ordem que
tenha omitido ou suprimido os louvores desta augusta Virgem.
“Ela foi louvada por Deus que, desde toda a eternidade, A esco-
lheu por Mãe e A predestinou como primeira de todas as meras cria-
turas; [...] foi louvada pelos Anjos, que cantaram em seu nascimento:
«Quem é esta que avança brilhante como a aurora quando se ergue, bela
como a lua e eleita como o sol?» (Cânt. VI, 9). [...]

6)  RAULICA, Ventura de. Tratado sobre el culto de la Santísima Virgen. Madrid: Leocardio
Lopez, 1859. p. 91.

31
V. Em meu socorro vinde já, Senhora...  Capítulo 1

“Maria Santíssima foi, também, cumulada de louvores pelos


homens. Desde os primeiros tempos da Igreja, eles sempre honraram
a Virgem, admiraram sua dignidade, sua majestade, sua graça, e A
proclamaram bem-aventurada” 7.
É a este santo e filial dever que nos consagramos, bendizendo a
Santíssima Virgem na recitação das Horas deste saltério mariano.

@ V. Em meu socorro vinde já, Senhora.


R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Afirma São Pedro (I Pdr. V, 8) estar o demônio a rugir como leão
ao nosso redor, a fim de nos perder. Igualitário, desde aquele seu
revoltoso brado non serviam, que o fez merecer os castigos eternos,
tem ele ódio a qualquer superioridade, e por isso nos move incessante
guerra para nos roubar a salvação.
Militia est vita hominis super terram (Jó VII,1). Nossa vida é cons-
tante combate contra um adversário naturalmente muito mais for-
te do que nós. Entretanto, poderosíssimo escudo nos foi dado: bas-
ta recorrermos à proteção da Bem-aventurada Virgem, que o auxílio
vencedor nos virá de imediato.
Essa é a súplica que iniciará cada um dos Hinos do Pequeno Ofício.
Comenta o santo autor de “Glórias de Maria” que “em todas as
batalhas contra o Inferno certamente seremos sempre vencedores, se
recorrermos à Mãe de Deus e nossa. [...] Ela foi posta num alto trono,
à vista de todos os potentados celestes, como palma em sinal de segu-
ra vitória, que a si mesmos podem prometer-se todos aqueles que se
põem debaixo de seu patrocínio.
“«Eu lancei ao alto os meus ramos como a palmeira em Cades»
(Ecli. XXIV, 18), isto é, acrescenta Santo Alberto Magno, eu esten-
do minha mão sobre vós para vos proteger. «Filhos, parece Maria nos
dizer, quando o demônio vos assaltar, recorrei a Mim, olhai para Mim e
tende ânimo, porque em Mim, que vos defendo, vereis juntamente a vos-
sa vitória».
“Por isso o recorrer a Maria é um meio seguríssimo para vencer
todos os assaltos do Inferno. [...]

7)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. III.
p. 140; 142-43; 145-46.

32
Matinas  V. Em meu socorro vinde já, Senhora...

Maria socorre prontamente os que A invocam


“[Por outra parte], vendo Maria nossas misérias — continua San-
to Afonso —, se apressa a fim de nos socorrer com a sua misericórdia.
Novarino acrescenta que n’Ela desconhece demoras o desejo de fazer-
nos bem; e porque não é avara guardadora de suas graças, não tar-
da, como Mãe de misericórdia, em derramar sobre os seus servos os
tesouros de sua benignidade.
“Oh! como é pronta esta boa Mãe para valer a quem A invoca! Expli-
cando a passagem dos Cânticos (IV, 5), diz Ricardo de São Lourenço que
Maria é tão veloz em exercer misericórdia para com quem Lha pede,
como são velozes em suas corridas os cabritos. O mesmo autor asseve-
ra-nos que a compaixão de Maria se derrama sobre quem a pede, ainda
que não medeiem outras orações mais que a de uma breve Ave-Maria.

O papagaio que repetia:


“Ave Maria”
O frade Bernardino de Busti lembra o tocante fato de que um
papagaio, ao qual tinha ensinado a dizer Ave Maria, sendo persegui-
do por um gavião, gritou Ave Maria!, e logo caiu por terra, morto, o
predador.
“Com esse fato maravilhoso quis o Senhor significar que, se um
animal irracional se livrou da morte, só com pronunciar o nome de
Maria, quanto mais livre estará de cair nas mãos do demônio quem,
nos assaltos do mesmo, for atento em invocar a divina Mãe!
«Nada mais temos a fazer, por conseguinte, quando nos vem ten-
tar o demônio, diz São Tomás de Villanueva, senão à semelhança dos
filhotes dos pássaros, que à vista do gavião se refugiam sob as asas
da mãe, assim que nos sentirmos assaltados pelas tentações, logo,
sem discutir com elas, buscarmos refúgio sob o manto de Maria».”

LACROIX, Pascoal. A Virgem Maria,


seguro refúgio dos pecadores. Petrópolis: SCJ, 1935. p 134.

33
V. Em meu socorro vinde já, Senhora...  Capítulo 1

Pelo que, atesta Novarino que a Santíssima Virgem não apenas corre,
mas voa em auxílio de quantos A invocam. No exercício de sua misericór-
dia, Ela imita a Deus, que também voa sem demora em socorro dos que
O chamam, porque é fidelíssimo no cumprimento da promessa: «Pedi e
recebereis» (Jo. XVI, 24). Assim afirma Novarino. Do mesmo modo pro-
cede Maria. Quando é invocada, logo está pronta para ajudar a quem A
chamou em seu auxílio” 8.

Nossa Senhora pode e quer nos socorrer


contra o demônio
Ouçamos o que sobre a proteção de Maria nos diz o Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira:
“Como onipotente Soberana de todo o universo, por vontade de
Deus, Nossa Senhora tem o poder de nos auxiliar e quer inesgotavel-
mente nos socorrer em todas as nossas necessidades. Logo, se pedir-
mos, Ela nos socorrerá.
“Para o êxito de nosso apostolado, para o êxito de nossa vida inte-
rior, precisamos, a cada passo, da proteção de Nossa Senhora. E Ela a
todo momento está disposta a nos conferir os auxílios mais inespera-
dos, mais súbitos, mais espetaculares.
“Ela é a Mãe do Perpétuo Socorro. E o perpétuo socorro é um
amparo, é um ato de misericórdia, é um ato de piedade perpétuo,
quer dizer, ininterrupto, que não se detém nunca, que não cessa nun-
ca, que não se suspende nunca. Nunca significa em nenhum minuto,
em nenhum lugar, em nenhum caso: por pior que seja a situação de
quem A invoque, a Mãe de misericórdia o socorrerá.
“Por isso, quanto mais nossas almas estiverem tentadas, tanto mais
devemos rogar à Santíssima Virgem. Ela é a Rainha de toda a criação
e pode, quando queira e onde queira, derrotar fragorosamente o espí-
rito das trevas, impondo a sua própria soberania.
“A fim de nos incutir confiança nas horas das tentações, e de nos
fazer compreender que a estas pode suceder a qualquer instante uma
singular e aprazível consolação, Maria pratica fulgurantes ações em

8)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 35; 88 e 95.

34
Maria Santíssima
sempre está disposta a socorrer os que A invocam
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
V. Em meu socorro vinde já, Senhora...  Capítulo 1

favor das almas, contra Satanás. O demônio mais insistente, mais per-
sistente, mais renitente, nada é para aquele que a Ela recorre” 9.

Protetora dos que lutam contra a Revolução10


De modo especial devem implorar esse perpétuo auxílio de Maria
aqueles que se empenham na luta contra-revolucionária. É ainda o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira quem nos instrui a este respeito, em
seu magistral ensaio Revolução e Contra-Revolução:
“O quadro de nossos dias é muito claro. Estamos nos supremos
lances de uma luta, que chamaríamos de morte, se um dos contendo-
res não fosse imortal, entre a Igreja e a Revolução. [...] A primeira, a
grande, a eterna revolucionária, inspiradora e fautora suprema desta
Revolução, como das que a precederam e lhe sucederem, é a serpente,
cuja cabeça foi esmagada pela Virgem Imaculada.
“Maria é, pois, a Padroeira de quantos lutam contra a Revolução.
“A mediação universal e onipotente da Mãe de Deus é a maior
razão de esperança dos contra-revolucionários. E em Fátima Ela já
lhes deu a certeza da vitória, quando anunciou que, ainda mesmo
depois de um eventual surto do comunismo no mundo inteiro, por fim
seu Imaculado Coração triunfará” 11.

Maria é nosso conforto na morte


Lembremo-nos, enfim, daquele extremo socorro que todos os dias
solicitamos à Santíssima Virgem, ao recitarmos a Ave Maria.

9) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 23/5/1968, 18/11/1968 e


12/3/1970. (Arquivo pessoal).
10)  O termo “Revolução” é usado neste livro no sentido que lhe é atribuído na obra “Revolu-
ção e Contra-Revolução” do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, (cfr. nota seguinte). Designa ele
um movimento iniciado no século XV tendente a destruir a Civilização Cristã e implantar um
estado de coisas diametralmente oposto. Constituem etapas desse processo a Pseudo-Reforma,
a Revolução Francesa e o Comunismo nas suas múltiplas variantes e na sua sutil metamorfose
dos presentes dias. Por sua vez, a “Contra-Revolução” é o movimento que se opõe em tudo
à Revolução assim entendida, procurando combatê-la por todos os meios lícitos, e utilizando
o concurso de todos os filhos da luz. Chamam-se, por extensão, “revolucionários” e “contra-
revolucionários” os seguidores daquele e deste movimento, respectivamente.
11)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 3. ed. São Paulo:
Chevalerie, 1993. p. 229-230.

36
Matinas  V. Em meu socorro vinde já, Senhora...

Essa boa Senhora e Mãe — escreve Santo Afonso de Ligório —


não abandona seus fiéis servos nas suas angústias, e especialmente nas
da morte, que de todas são as piores: “Como é [Ela] nossa vida no
tempo do nosso degrêdo, assim também quer ser a nossa doçura no
tempo da morte, obtendo-nos um suave e feliz trânsito. Desde aquele
dia em que teve a dor e juntamente a felicidade de assistir à morte de
Jesus, seu Filho, cabeça dos predestinados, obteve Ela também a gra-
ça de assistir na morte todos os predestinados. Por isso a Santa Igre-
ja manda implorar à Bem-aventurada Virgem: Rogai por nós, pecado-
res, agora, e na hora de nossa morte.
“Muito e muito grandes são as angústias dos pobres moribundos, já
pelos remorsos dos pecados cometidos, já pelo horror do próximo juí-
zo, já pela incerteza da salvação eterna. É então que o Inferno lança
mão de todas as armas e empenha todas as reservas para ganhar aque-
la alma que passa para a eternidade. [...] Costumado a tentá-la duran-
te a vida, [o demônio] não se contenta de ser ele só que a tenta na
morte, mas chama companheiros para o ajudarem. «Encher-se-ão as
suas casas (de Babilônia) com dragões» (Is. XIV, 21). Quando alguém
está para morrer, entram-lhe pela casa os demônios que à porfia ten-
tam perdê-lo. [...]
“Ah! como fogem, [porém], os demônios à presença de Nossa
Senhora! Se na hora da morte tivermos Maria em nosso favor, que
poderemos recear de todo o Inferno? Reanimava-se David para as
terríveis angústias da sua morte, pondo sua confiança na morte do
futuro Redentor e na intercessão da Virgem Mãe. «Pois ainda quan-
do andar no meio da sombra da morte, não temerei males; porquan-
to tu estás comigo. A tua vara e o teu báculo, eles me consolaram»
(Sl. XXII, 4, 5). Pelo báculo entende o Cardeal Hugo o lenho da Cruz,
e pela vara a intercessão de Maria, que foi a vara profetizada por Isaí-
as (XI, 11). Esta divina Mãe, diz São Pedro Damião, é aquela podero-
sa vara que vence todas as violências dos inimigos infernais. Anima-se
por isso Santo Antonino, dizendo: Se Maria é por nós, quem será con-
tra nós? [...]
“Como assevera Conrado de Saxônia, a Santíssima Virgem, em
defesa dos fiéis moribundos, manda o Príncipe São Miguel com todos
os seus Anjos, para protegê-los contra as tentações do demônio e lhes
receber as almas, especialmente as daqueles seus servos que se reco-
mendaram continuamente a Ela.

37
Três lírios atestam
a virgindade perpétua de Maria
Naquela doce era em que a roseira da fé produzia as mais belas
flores, lemos na vida do Bem-aventurado Egídio de Assis, predile-
to discípulo de São Francisco, a seguinte graciosa história, na qual
refulge a perpétua virgindade da Mãe de Deus:
“Um pio e douto frade dominicano, estando havia muitos anos
gravemente tentado contra o dogma da perpétua virgindade de
Maria, quis, por fim, ir ao encontro do humilde franciscano, que
tinha o dom de acalmar as consciências perturbadas, a fim de lhe
expor suas tentações. O Bem-aventurado Egídio, iluminado do
alto, saiu a seu encontro fora da porta do convento e, saudando-o,
disse: «Irmão pregador, a Santíssima Mãe de Deus, Maria, foi vir-
gem antes de dar-nos Jesus». E, assim dizendo, bateu com o bas-
tão na terra, nela brotando imediatamente um formoso e cândido
lírio. Tornou a bater na terra e a repetir: «Irmão pregador, Maria
Santíssima foi virgem ao dar-nos Jesus». Logo surgiu um segundo
lírio, ainda mais belo do que o primeiro. Bateu pela terceira vez na
terra, replicando: «Irmão pregador, Maria Santíssima foi virgem
depois de dar-nos Jesus». E se viu nascer um terceiro lírio que, em
beleza e brancura, vencia os outros dois.
“Dito isto, o Bem-aventurado Egídio voltou-lhe, sem mais, as
costas e entrou no convento, deixando aquele religioso atônito e,
ao mesmo tempo, livre de suas violentas tentações.
“Tendo sabido, depois, que aquele frade era o Bem-aventurado
Egídio de Assis, concebeu uma grande estima por ele e, enquanto
viveu, guardou aqueles lírios, como testemunhos irrefragáveis da
perpétua virgindade de Maria.”

SÚRIO, Vita del B. Egidio, apud ROSCHINI, Gabriel.


Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 209.
V. Em meu socorro vinde já, Senhora...  Capítulo 1

Maria é nosso auxílio no tribunal divino


“Quando uma alma está para deixar esta vida, diz Isaías, se contur-
ba o Inferno todo e manda os demônios mais terríveis a tentá-la antes
de sair do corpo e depois acusá-la, quando se apresentar ao tribunal
de Jesus Cristo. «O Inferno via-se lá embaixo à tua chegada todo turba-
do, e diante de ti levanta gigantes» (Is. XIV, 9). Mas Ricardo diz que os
demônios, em se tratando de uma alma patrocinada por Maria, não
terão atrevimento nem ainda para acusá-la. Pois sabem muito bem
que o Juiz nunca condenou, nem condenará jamais uma alma protegi-
da por sua grande Mãe. São Jerônimo escreve à virgem Eustóquio que
Maria não só socorre os seus amados servos na sua morte, mas tam-
bém os vem esperar na passagem para a eternidade, a fim de os ani-
mar e de os acompanhar até ao tribunal divino”12.

@ Glória ao Padre...
Explica-nos o grande e renomado teólogo Fr. Antonio Royo Marín,
O. P., dominicano de nossos dias, constituir o Gloria Patri “a princi-
pal fórmula que desde os tempos primitivos a Igreja usa para honrar
a Santíssima Trindade. Com ela se rende às Três Beatíssimas Pessoas
uma homenagem de reconhecimento, amor, adoração e louvor de sua
infinita excelência. A Igreja a emprega constantemente em sua litur-
gia, e é obrigatória no final de cada salmo, na recitação do Ofício divi-
no. [...]
“Não devemos esquecer de que a glória da Santíssima Trindade é o
fim último e absoluto de toda oração e da própria existência de todas
as criaturas, incluindo Maria e o mesmo Jesus enquanto homem. [...]
Se havemos de ir a Jesus por Maria, o termo final não pode ser outro
senão Deus uno e trino, de acordo com São Paulo: «Todas as coisas
vos pertencem [...], o mundo, a vida ou a morte, as coisas presentes, ou
as futuras, tudo é vosso. Vós, porém, sois de Cristo, e Cristo de Deus»
(I Cor. III, 21-23)” 13.

12)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 67-69.
13)  ROYO MARÍN, Antonio. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. Ma-
drid: BAC, 1968. p. 471.

40
Matinas  Salve, ó Virgem Mãe...

@ Salve, ó Virgem Mãe

Grande milagre operado pelo Onipotente


“Não há título maior que o de Mãe de Deus”, comenta o Prof. Pli-
nio Corrêa de Oliveira. “Contudo, Nosso Senhor Jesus Cristo preza
tanto a virgindade que desejou fosse sua Mãe também virgem, ope-
rando em favor d’Ela um estupendo milagre que excede à nossa ima-
ginação: Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do parto.
“Segundo a bela comparação que fazem os teólogos, assim como
Nosso Senhor saiu do sepulcro sem esforço e sem nada quebrantar,
assim deixou Ele o claustro materno, sem detrimento da virgindade de
Maria Santíssima” 14.
Nossa Senhora, Virgem e Mãe! Eis um dos grandes milagres ope-
rados pela destra do Onipotente. O Doutor Melífluo, São Bernardo,
viu nesta extraordinária ação da Providência um dos privilégios que
mais distingue a Virgem Santíssima de todas as outras criaturas:
“Não há coisa, na verdade, que mais me deleite, porém tampou-
co há que mais me atemorize, que o falar da glória da Virgem Mãe.
Confesso minha imperícia, não oculto minha grande pusilanimida-
de. Porque [...] se me ponho a louvar sua virgindade, descubro que
muitas outras foram, depois d’Ela, virgens. Se me ponho a exaltar
sua humildade, encontrar-se-ão talvez muito poucos, mas se acha-
rão, que, a exemplo de seu Divino Filho, se fizeram mansos e humil-
des de coração. Se engrandeço a multidão de suas misericórdias,
vêm-me à lembrança alguns homens e também mulheres que foram
misericordiosos.
“Uma coisa há na qual Ela não teve antes par nem semelhante,
nem o terá jamais, e foi em unir as alegrias da maternidade com a
honra da virgindade. «Maria, disse Jesus, escolheu para si a melhor
parte». Ninguém duvida, com efeito, que se é boa a fecundidade con-
jugal, todavia é melhor a castidade virginal; pois bem, supera imensa-
mente às duas a fecundidade virginal ou a virgindade fecunda. Privilé-
gio é este próprio de Maria e que não se concederá jamais a nenhuma

14) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 22/5/1990. (Arquivo pessoal).

41
Salve, ó Virgem Mãe...  Capítulo 1

outra mulher. [...] É prerrogativa singular d’Ela e por isto mesmo ine-
fável: ninguém poderá compreendê-la, nem explicá-la.
“Que dizer, então, se nos lembrarmos de quem Maria se tornou
Mãe? Que língua, fosse mesmo angélica, seria jamais capaz de lou-
var bastante a Virgem Mãe? Mãe, não de um qualquer, mas de Deus.
Duplo milagre, duplo privilégio, que de modo maravilhoso se harmo-
nizam. Porque nem era digno da Virgem outro Filho, nem de Deus,
outra Mãe” 15.
Semelhante é o pensamento de São Tomás de Aquino, ao comen-
tar este versículo do Magnificat: “Porque em Mim fez grandes coisas o
que é poderoso, e cujo nome é santo” (Lc. I, 49):
“Manifesta a Virgem que será proclamada bem-aventurada [...]
«porque fez em Mim grandes coisas o que é poderoso».
“Que grandes coisas Vos fez? Creio que [estas]: sendo criatura,
daríeis à luz o Criador, e que sendo escrava, engendraríeis o Senhor,
para que Deus redimisse o mundo por Vós, e por Vós também lhe
devolvesse a vida. E sois grande, porque concebestes permanecendo
virgem, superando, por disposição divina, à natureza. Fostes reputa-
da digna de ser mãe sem obra de varão; e não uma qualquer mãe, mas
a do Unigênito Salvador. A isto se refere o princípio do cântico, onde
diz: «Minha alma engrandece o Senhor». Só aquela alma, à qual Deus
se dignou fazer grandes coisas, é que pode enaltecê-Lo com apropria-
dos louvores.
“Diz, pois: «O que é poderoso», para que se alguém duvide da ver-
dade da Encarnação, permanecendo virgem depois de haver concebi-
do, refere este milagre ao grande poder d’Aquele que o fez” 16.
Considerando o extraordinário fato de Maria conciliar em si a per-
pétua virgindade e a maternidade divina, exclama um piedoso autor
do século passado:
“Ó Virgem, a maravilha é precisamente a virgindade fecunda: o
milagre é precisamente vossa condição inaudita de Virgem Mãe! [...]
“Ó Maria, Virgem Mãe, sois doravante um ideal que arrebatará
todos os amantes da verdadeira beleza: Virgem Mãe, os doutores e os
artistas tomar-vos-ão à porfia por tema de suas mais sublimes compo-
sições, e todos, após cansarem o próprio gênio, deporão a pena ou o

15)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 721-722.


16)  AQUINO, Tomás de; BUSA, Roberto. S. Thomae Opera Omnia. Commentaria in
Scripturas. Milano: Cartiere Binda, 1980. Vol. IV. p. 285

42
Matinas  Senhora minha...

pincel, sem ter podido exprimir tudo o que solicitava os ardores de seu
anelo e os entusiasmos de seus sentimentos!
“Virgem Mãe, nós Vos saudamos, fazendo eco às palavras do Anjo
embaixador que falou, ele mesmo, sob o as ordens de Deus! Se nos é
tão agradável considerar vossas grandezas, é que elas são o fundamen-
to de nossa esperança em Vós. [...] Vós conseguistes fazer descer um
Deus sobre a terra; Vós sabereis, pois, fazer chegar à minha alma ári-
da algumas gotas de orvalho celeste. Vossa graça, divino amálgama
de humildade e de pureza, revestiu um Deus de carne humana; e ela
poderá me revestir da túnica da santidade!” 17

@ Senhora minha

Desde a infância, Senhora do Céu e da Terra


Interpretando a etimologia do santíssimo Nome de Maria, escreve
São João Eudes:
“Maria significa Senhora. Efetivamente, a gloriosa Virgem é, desde
a sua infância, Senhora soberana do Céu e da Terra, dos homens, dos
Anjos e de todas as criaturas; e tem um poder absoluto no Céu, na Ter-
ra e no Inferno, sobre os demônios, sobre as coisas corporais e espiri-
tuais, e sobre todas as obras de Deus. E isto por três títulos: como pri-
mogênita [das criaturas] e, portanto, herdeira de todos os estados do
Padre Eterno; como Mãe de Deus, e como Esposa do Espírito Santo
que, por conseguinte, participa de todos os direitos de seu Esposo”18.

Senhora de toda a criação, no Filho e pelo Filho


Não raras vezes, essa gloriosa soberania de Maria foi exaltada pela
devoção dos Santos e dos autores eclesiásticos. Em seu bem documen-
tado tratado sobre a Santíssima Virgem, D. Gregório Alastruey reco-
lhe alguns desses louvores:

17)  DADOLLE. Le Mois de Marie. Paris: J. Gabalda, 1925. p. 58; 60-61.


18)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 295-296.

43
Nossa Senhora
do Bom Sucesso
Matinas  Senhora minha...

“Santo Efrém dirige-se a Ela dizendo: «Senhora de tudo, depois da


Trindade... Virgem Senhora, Mãe de Deus». [...]
“São Germano de Constantinopla: «Senhora de todos os filhos da
Terra».
“São João Damasceno: «Em verdade que é propriamente Mãe de
Deus e Senhora, e sendo ao mesmo tempo escrava e Mãe do Criador,
impera sobre toda a criação».
“Santo Ildefonso de Toledo: «Ó Senhora minha e minha Domina-
dora, Mãe de meu Senhor, serva de teu Filho; sois Senhora minha,
porque fostes serva de meu Senhor».
“Santo Anselmo: «A Vós, ó magna e excelentíssima Senhora, quer
meu coração amar-Vos!» [...]
“São Boaventura: «A Bem-aventurada Virgem Maria, como eleita
Mãe de Deus, é a Senhora dos Anjos, os quais A servem como minis-
tros»” 19.
A seguir, conclui D. Alastruey: “Não compete a Maria direito estri-
to de domínio sobre todas as coisas criadas; no entanto, na dependên-
cia do direito de Cristo, a quem tudo está submetido, é e pode cha-
mar-se, como Mãe sua amantíssima, Senhora de toda a criação, no
Filho e pelo Filho.
“Ademais, enquanto sendo Mãe de Deus e consorte do Redentor,
conseguiu tanto poder junto do Filho onipotente, Redentor do gêne-
ro humano, para impetrar o que quisesse, que nenhuma criatura nem
autoridade alguma natural se compara em poder com Ela” 20.

Todas as criaturas aos pés da Virgem


Assim, toma particular realce este comentário do Pe. Henry Bolo:
“Maria é a Senhora deste mundo. Ela domina o oceano dos seres,
Ela compartilha a soberania de seu Filho, tendo participado do res-
gate universal pelo qual foi adquirido esse império. Ela está reves-
tida do sol, emblema da magnificência do mundo sobrenatural; Ela
tem, sob seus pés, a lua, símbolo desta pálida criação que se desloca
na noite.  [...]

19)  ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santísima. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 823.
20) Idem, p. 827.

45
Estrela da Manhã...  Capítulo 1

“A Igreja, intérprete do universo, coloca aos pés da Virgem todas


as criaturas: para louvá-La, os campos não têm bastantes flores, nem
o céu estrelas, nem as pedras preciosas brilho, nem as vozes cânticos,
nem possuem as almas suficiente pureza. O triunfo de Maria é excedi-
do apenas pelo de seu Divino Filho.
“Se não é a Ela que Deus confere a honra incomunicável e reserva-
da ao Verbo Encarnado, de sentar-se à sua direita, contudo a Virgem
aparece portando o mesmo Deus, como o trono vivo donde emana a
realeza, a justiça, a glória.
“Por isso Ela se chama Maria: a Soberana” 21.

Senhora do Senhor dos senhores


“Senhora dos Anjos, dos homens e das graças!” — exclama outro
eminente mariólogo. “Senhora de seu Filho, que é ser Senhora do
Senhor dos senhores.
“Senhora, que significa dona e dominadora dos Céus e da Terra, à
qual estão sujeitas todas as potestades do Inferno. Dispensadora de
todas as graças, e a quem, portanto, devemos recorrer na vida e na
morte, na prosperidade e na adversidade. Ó Senhora minha!” 22

@ Estrela da Manhã
“É bem conhecida a passagem, em geral cheia de poesia, mas tam-
bém de incertezas, da noite para o dia.
“Em meio às trevas da madrugada notam-se, de repente, alguns
pontos do céu esbranquiçados, e se tem a impressão de que é o come-
ço do alvorecer. De fato não o é: o firmamento se cobre novamente de
negro, e só aos poucos vai se tornando pálido. É nesse momento que
brilha, com todo o seu fulgor, a estrela da manhã ou, como muitos a
chamam, estrela d’alva. É ela o anúncio da aurora, o sinal de que o sol
está por vir” 23.

21)  BOLO, Henry. Pleine de Grace. Paris: René Haton, 1895. p. 55-56.
22)  BARCON, Javier. Aprende a orar. Apud ROYO MARÍN, Antonio. La Virgen María,
Teología y espiritualidad marianas. Madrid: BAC, 1968. p. 446.
23) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 29/11/1991 e 1/12/1991. (Ar-
quivo pessoal).

46
Matinas  Estrela da Manhã...

A evocativa beleza desse corpo celeste refulgindo nos albores do


dia, constitui expressiva representação do esplendor da verdadeira
Estrela da Manhã, Maria Santíssima.

Maria e o símbolo da estrela


“Nossa Senhora — comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira —
é chamada, muito a propósito, de Estrela luminosíssima. Incontáveis
astros reluzem no firmamento, porém Ela é o mais resplandecente de
todos: ou seja, Maria é a mais luminosa das criaturas.
“E por que é simbolizada pela estrela? Porque é durante a noite
que cintilam as estrelas, e esta vida é para o católico uma noite, um
vale de lágrimas, uma época de provação, de perigo e de apreensões.
Na eternidade teremos o dia, porém na vida terrena temos o escuro da
madrugada. E nesta noite existe uma estrela que nos guia, que é a con-
solação de quem caminha nas trevas, olhando para o céu: Maria San-
tíssima, a mais fulgurante de todas as estrelas!” 24
O Pe. Jourdain nos indica outras razões pelas quais Nossa Senhora
é apresentada pela figura da estrela:
“O símbolo da estrela convém admiravelmente a Maria. Ele nos
faz melhor compreender suas inefáveis grandezas e o que para nós
Ela representa. «O sol é Jesus Cristo, e Maria é a estrela», diz Hugo de
São Vitor. [...]
“Vários astros tiram toda a sua luz do sol. Maria testemunha que
Ela também tirou sua luz do Sol de Justiça, Jesus Cristo. «Aquele que é
poderoso, diz Ela, fez em Mim grandes coisas, e seu nome é santo». Ela
reflete tão perfeitamente a luz divina, que a Igreja não hesita em Lhe
aplicar várias passagens da Sagrada Escritura que concernem, em pri-
meiro lugar, à Sabedoria incriada. [...]
“A estrela permanece sempre no firmamento, e jamais baixa sobre
a terra. A Santíssima Virgem sempre levou uma vida celeste: todas as
suas afeições estavam no Céu. Nunca aplicou seu espírito nas coisas
terrenas e carnais. Assim o Esposo louva sua fronte, dizendo que «ela
é como o monte Carmelo» (Cânt. VII, 5). Assim como o píncaro do
Carmelo nunca se viu coberto pelas nuvens e gozou sempre de um ar

24) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 24/8/1965. (Arquivo pessoal).

47
Estrela da Manhã...  Capítulo 1

puro, assim a alma de Maria jamais foi molestada pelas afeições ter-
restres e nebulosas: resplandecia Ela de celeste serenidade. [...]
“Os antigos viam a substância das estrelas como incorruptível, ina-
cessível, portanto, à destruição que o tempo traz para as coisas da Ter-
ra. Maria foi isenta de toda corrupção: sua carne não conheceu a dis-
solução no túmulo, nem sua alma, a produzida pelo pecado.
“Uma estrela deita sua luz com grande fulgor, sem lesão de sua
substância. A Bem-aventurada Virgem Maria, do mesmo modo, sem
prejuízo de sua virgindade, projetou de suas castas entranhas o Cristo,
a Luz do mundo. [...]
“As estrelas influem sobre as criaturas terrenas, iluminando-as e
contribuindo à sua geração. Sem a luz do sol, da lua e das estrelas,
o universo cairia numa espécie de caos. A Bem-aventurada Virgem
Maria influi igualmente sobre o mundo obscurecido pelas trevas do
pecado: Ela o ilumina, protege-o e o conserva sob seu domínio, de tal
maneira que, se Ela não existisse, de há muito teria o mundo desapa-
recido. [...]
“Uma estrela, apesar de sua aparente imobilidade, percorre com
extrema rapidez e perfeita regularidade distâncias inimagináveis.
Assim, a Virgem Santíssima, apesar de sua firmeza inabalável, per-
correu uma tão vasta trajetória na via da perfeição e dos méritos, que
sobrepujou a todos os Santos e todos os Anjos. [...]

O Divino Sol de Justiça não eclipsa a beleza de


Maria
“Existe, porém, uma diferença entre Maria e as estrelas. Quando
aparece o sol, todos os demais astros se despojam de seus raios e pare-
cem imergir no nada. O Divino Sol de Justiça não eclipsa a beleza de
Maria. Pelo contrário, confere Ele maior brilho à sua glória. [...]
“[Podemos resumir com] Guilherme de Paris: «Maria, desde o seu
nascimento, foi uma estrela, por sua preservação do pecado original que
A tornou incorruptível; pela luz do bom exemplo que Ela espargiu em tor-
no de si e que se estendeu ao mundo inteiro; por seu desapego das coi-
sas da Terra: desprezou a glória, porque foi humilde, as riquezas porque
foi muito pobre, os prazeres porque foi santíssima; pelo novo fulgor que
Ela confere ao Paraíso, do qual sua glória é um dos mais belos ornamen-
tos». [...]

48
Matinas  Estrela da Manhã...

Estrela
que anuncia o Reino de Maria
Em importante conjuntura de sua admirável gesta contra-revo-
lucionária, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira assim se dirigiu aos
seus seguidores:
“A estrela da manhã aparece no período incerto entre a noite
que ainda existe, e o dia que timidamente vai nascendo.
“Não é bem essa a época em que vivemos, na qual imperam as
trevas da Revolução, porém na qual já se pressente o triunfo do
Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, prometido por Nossa
Senhora em Fátima?
“Portanto, é a Maria enquanto Stella Matutina, enquanto a
Estrela que nos anuncia como iminente a aurora de seu Reino, é a
Ela que devemos recorrer nas dificuldades referentes à causa con-
tra-revolucionária, em nosso apostolado, e em todas as ocasiões
em que a piedade nos sugira essa invocação.
“Estrela da Manhã, Vós que fostes, durante a noite inteira da
espera, a nossa luz e a promessa do alvorecer, fazei com que des-
ponte quanto antes o dia de vosso Reino!”

CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.


Conferências em 28-29/11/1991 e 1/12/1991. (Arquivo pessoal).

Estrela da Manhã que precedeu o Sol de Justiça


“A augusta Virgem Maria — prossegue o Pe. Jourdain — é a mais
resplandecente das estrelas que cintilam na abóbada celeste: Ela é a
estrela da manhã, de todas a mais bela e a mais brilhante. [...]
“A estrela da manhã marca o fim da noite precedente e o come-
ço do dia. Maria foi igualmente o fim da noite, e o começo de um
novo dia. Antes do nascimento de Maria, as trevas do pecado e a noi-

49
Estrela da Manhã...  Capítulo 1

te da infidelidade mantinham o universo sob tão cruel opressão, que


não podia ele divisar o Sol de Justiça, o Cristo, o Messias prometido.
Deus Se fez preceder, portanto, pela Estrela da Manhã, a fim de que
os olhos do coração [humano], obcecados pelo lodo imundo das ini-
quidades e, em consequência, incapazes de fitar a grande e verdadeira
luz, se habituassem primeiro à claridade da Estrela, para em seguida e
gradualmente receber [...] o brilho de Jesus Cristo.
“Eis porque a graciosa Virgem Maria surge toda resplandecente,
antes do nascer do verdadeiro Sol; eis porque nossa Estrela da Manhã
precede o Salvador. Desde o aparecimento desta Estrela cintilante de
claridade, dissipou-se a sinistra escuridão do crime e do erro, o cul-
to dos ídolos foi abalado, e os oráculos dos falsos deuses reduzidos ao
silêncio.
“A estrela da manhã, precedendo o sol, o traz consigo. A Bem-
aventurada Virgem Maria introduziu entre nós o verdadeiro Sol de
Justiça, que ilumina todo homem vindo a este mundo. Ela pode, por-
tanto, ser chamada fonte de luz. É esta a saudação que Lhe dirige São
Gregório o Taumaturgo: «Eu Vos saúdo, cheia de graça, fonte de luz,
que ilumina todos os que crêem em Vós!»
“E São Metódio igualmente Lhe diz: «Ao primeiro clarão, ó Santís-
sima Virgem, desta fulgurante luz que trouxe ao mundo o verdadeiro Sol
de Justiça, desapareceu o espantoso horror das trevas, e o universo inteiro
se encheu dos mais puros fulgores da verdade!»

Estrela que afugenta os demônios e embeleza a


criação
“A estrela da manhã anuncia a chegada do sol, o que obriga às ser-
pentes, aos lobos, às feras e aos animais selvagens a entrar novamen-
te em suas tocas; ela espanta as aves noturnas e convida os pássaros
do céu a entoarem seus cantos. A Bem-aventurada Virgem Maria não
foi apenas a mensageira do Sol de Justiça. Ela O trouxe em seu seio;
Ela pôs em fuga as bestas infernais, isto é, os demônios; Ela dissipou,
como aves da noite, os fátuos erros do paganismo; e Ela incitou aos
próprios Anjos e a todas as almas santas a celebrar os louvores do
Senhor. [...]

50
Matinas  Estrela da Manhã...

“A estrela da manhã amedronta os ladrões, fortifica os doentes, a


tudo embeleza. Maria afugentou os ladrões que são os demônios. Des-
de que Ela deu ao mundo o Filho de Deus feito homem, Satanás com-
preendeu que ele estava destituído de seu usurpado império. Júpiter,
Marte, Vênus, Saturno e as outras monstruosas divindades adoradas
pelos homens, eclipsaram-se vergonhosamente. [...]

“Maria, como a estrela da manhã, reanima os enfermos, quer dizer,
os pecadores, pois Ela engendrou o Sol do qual foi dito pelo Profeta
Malaquias (IV, 2): «O sol da justiça se levantará para vós que temeis
meu nome, e encontrareis vossa salvação sob suas asas». Ademais, por
sua intercessão, Ela afugenta as tentações da concupiscência e os maus
pensamentos, e sana todas as enfermidades fortificando os doentes.
“Maria a tudo embeleza. Com efeito, desde que, após tantos sécu-
los de trevas, Ela se mostrou ao mundo, e com Ela seu Divino Filho,
sua beleza, sua bondade, sua humildade, seu amor, sua clemência, sua
misericórdia, sua benevolência, espargiram um tão vivo fulgor, que o
mundo pareceu mais belo aos olhos de Deus e dos Anjos, como não
era antes da queda do primeiro homem, e a Terra mesma estremeceu
de júbilo. [...]

Fulgurante astro no firmamento da santidade


“Entre todos os astros da noite, a estrela da manhã é aquele que
cintila mais vivamente. A Bem-aventurada Virgem Maria elevou-
se acima dos Santos do Antigo Testamento. Ela reluz no meio deles
com incomparável brilho. Seus raios se obscurecem ao aparecimento
de Maria, porque suas virtudes, comparadas às d’Ela, perdem todo
o fulgor.
“Que são, em presença das perfeições de Maria, a inocência de
Abel, a justiça de Noé, a obediência de Abraão, a paciência de Jacob,
a castidade de José, a doçura de Moisés, a coragem de Josué, a cari-
dade de Samuel, a humildade de David, o zelo de Elias, a abstinên-
cia de Daniel, a eminente santidade de São João Batista, a candura
de Simeão, a piedade de Ana, a santidade de Isabel? Assim como em
comparação com Deus ninguém é santo, de igual modo ninguém, pos-
to em paralelo com Maria, é perfeito, puro e ornado de extraordiná-
rias virtudes.

51
Do Céu Rainha...  Capítulo 1

“Tal é o sentimento de São Jerônimo, que, após enumerar várias


santas mulheres do Antigo Testamento, acrescenta: «Silencio-me sobre
Ana, Isabel e as outras mulheres. Fraco é o seu brilho, empalidecendo
e se eclipsando em presença da exuberante luz de Maria». Bem merece
Ela, pois, o nome de Estrela da Manhã.
“Ao despontar da estrela d’alva, cai o orvalho a refrescar os campos
e a fecundar a terra. Ao aparecimento da Mãe de Deus, difundiu-se
um abundante rocio de graça sobre o mundo: o Verbo de Deus desceu
ao seu seio para nele se revestir de nossa natureza humana.
“Enfim, não se passa das trevas da noite à luz do dia, sem que a
estrela da manhã tenha espargido sua doce claridade. Do mesmo
modo, é impossível passar das trevas do pecado à luz da graça e das
virtudes, sem a intercessão de Maria” 25.

@ Do Céu Rainha
Afirma São Luís Grignion de Montfort que, “no Céu, Maria dá
ordens aos Anjos e aos bem-aventurados. Para recompensar sua pro-
funda humildade, Deus Lhe deu o poder e a missão de povoar de San-
tos os tronos vazios, que os anjos apóstatas abandonaram e perde-
ram por orgulho. E a vontade do Altíssimo, que exalta os humildes
(Lc. I, 52), é que o Céu, a Terra e o Inferno se curvem, de bom ou mau
grado, às ordens da humilde Maria” 26.

O glorioso título de Rainha


Essa augusta prerrogativa de Nossa Senhora nos é apresentada
com maior profundidade pelo santo Fundador dos Redentoristas, ao
iniciar ele seus belos e piedosos comentários sobre a Salve Rainha:
“Tendo sido a Santíssima Virgem elevada à dignidade de Mãe de
Deus, com justa razão a Santa Igreja A honra, e quer que de todos
seja honrada com o título glorioso de Rainha. Se o Filho é Rei, diz
Pseudo-Atanásio, justamente a Mãe deve considerar-se e chamar-se
Rainha. Desde o momento em que Maria aceitou ser Mãe do Verbo

25)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 272-282; Vol. V. p. 605.
26)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-
ma Virgem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 34.

52
Matinas  Do Céu Rainha...

Eterno, diz São Bernardino de Siena, mereceu tornar-se Rainha do


mundo e de todas as criaturas. Se a carne de Maria, conclui Arnoldo
abade, não foi diversa da de Jesus, como, pois, da monarquia do Filho
pode ser separada a Mãe? Por isso deve julgar-se que a glória do rei-
no não só é comum entre a Mãe e o Filho, mas também que é a mes-
ma para ambos.
“Se Jesus é Rei do universo, do universo também é Maria Rainha,
escreve Roberto abade. De modo que, na frase de São Bernardino
de Siena, quantas são as criaturas que servem a Deus, tantas também
devem servir a Maria. Por conseguinte, estão sujeitos ao domínio de
Maria os Anjos, os homens e todas as coisas do Céu e da Terra, por-
que tudo está também sujeito ao império de Deus. Eis por que Guer-
rico abade Lhe dirige estas palavras: «Continuai, pois, a dominar com
toda a confiança; disponde a vosso arbítrio dos bens de vosso Filho; pois,
sendo Mãe, e Esposa do Rei dos reis, pertence-Vos como Rainha o reino e
o domínio sobre todas as criaturas»” 27.

Maria Rainha: obra-prima da misericórdia de Deus


À luz dos precedentes ensinamentos, ouçamos o Prof. Plinio Cor-
rêa de Oliveira tecendo alguns comentários sobre a realeza da Santís-
sima Virgem:
“Nossa Senhora Rainha é um título que exprime o seguinte fato.
Sendo Ela Mãe da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e Espo-
sa da Terceira Pessoa, Deus, para honrá-La, deu-Lhe o império sobre
o universo: todos os Anjos, todos os Santos, todos os homens vivos,
todas as almas do Purgatório, todos os réprobos no Inferno e todos
os demônios obedecem à Santíssima Virgem. De sorte que há uma
mediação de poder, e não apenas de graça, pela qual Deus executa
todas as suas obras e realiza todas as suas vontades por intermédio de
sua Mãe.
“Maria não é apenas o canal por onde o império de Deus passa,
mas é também a Rainha que decide por uma vontade própria, conso-
ante os desígnios do Rei.

27)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 23-24.

53
A partir do instante em que aceitou ser
Mãe do Verbo Encarnado,
Maria mereceu tornar-se Rainha do Céu e da Terra
Coroação de Nossa Senhora
Matinas  Do Céu Rainha...

“Nossa Senhora é uma obra-prima do que poderíamos chamar a


habilidade de Deus para ter misericórdia em relação aos homens...” 28

Rainha dos corações


Continua o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“São Luís Grignion de Montfort faz referência a essa linda invoca-
ção que é Nossa Senhora Rainha dos Corações 29.
“Como coração entende-se, na linguagem das Sagradas Escrituras,
a mentalidade do homem, sobretudo sua vontade e seus desígnios.
“Nossa Senhora é Rainha dos corações enquanto tendo um poder
sobre a mente e a vontade dos homens. Este império, Maria o exerce,
não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça, em virtude
da qual Ela pode liberar os homens de seus defeitos e atraí-los, com
soberano agrado e particular doçura, para o bem que Ela lhes deseja.
“Esse poder de Nossa Senhora sobre as almas nos revela quão
admirável é a sua onipotência suplicante, que tudo obtém da mise-
ricórdia divina. Tão augusto é este domínio sobre todos os corações,
que ele representa incomparavelmente mais do que ser Soberana de
todos os mares, de todas as vias terrestres, de todos os astros do céu,
tal é o valor de uma alma, ainda que seja a do último dos homens!
“Cumpre notar, porém, que a vontade (isto é, o coração) do
homem moderno, com louváveis exceções, é dominada pela Revolu-
ção. Aqueles, portanto, que querem escapar desse jugo, devem se unir
ao Coração por excelência contra-revolucionário, ao Coração de mera
criatura no qual, abaixo do Sagrado Coração de Jesus, reside a Con-
tra-Revolução: ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.
“Façamos, então, a Nossa Senhora este pedido: «Minha Mãe, sois
Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas que
queiram abrir-se a Vós. Suplico-Vos, pois: sede Soberana de minha alma;
quebrai os rochedos interiores de meu espírito e as resistências abjetas do
fundo de meu coração. Dissolvei, por um ato de vosso império, minhas
paixões desordenadas, minhas volições péssimas, e o resíduo dos meus

28)  Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 22/5/1968. (Arquivo pessoal).


29)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-
ma Virgem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 42.

55
Do Céu Rainha...  Capítulo 1

pecados passados que em mim possam ter ficado. Limpai-me, ó minha


Mãe, a fim de que eu seja inteiramente vosso»” 30.

Rainha posta para a salvação do mundo


Ainda sobre o título de Nossa Senhora Rainha, não menos eloquen-
tes são estas palavras do Papa Pio XII:
“A realeza de Maria é uma realidade ultraterrena, que ao mesmo
tempo, porém, penetra até no mais íntimo dos corações e os toca na
sua essência profunda, no que eles têm de espiritual e imortal.
“A origem das glórias de Maria, o momento solene que ilumina
toda a sua pessoa e missão, é aquele em que, cheia de graça, dirigiu ao
Arcanjo Gabriel o Fiat, que exprimia o seu assentimento à disposição
divina. Ela se tornava assim, Mãe de Deus e Rainha, e recebia o ofício
real de velar sobre a unidade e paz do gênero humano. Por meio d’Ela
temos a firme esperança de que a humanidade se há de encaminhar
pouco a pouco nesta senda da salvação. [...]
“Que poderiam, portanto, fazer os cristãos na hora atual, em que
a unidade e a paz do mundo, e até as próprias fontes da vida, estão
em perigo, se não volverem o olhar para Aquela que se lhes apresenta
revestida do poder real? Assim como Ela envolveu já no seu manto o
Divino Menino, primogênito de todas as criaturas e de toda a criação
(Col. I, 15), assim também digne-se agora envolver todos os homens
e todos os povos com a sua vigilante ternura; digne-se, como Sede
da Sabedoria, fazer brilhar a verdade das palavras inspiradas, que a
Igreja Lhe aplica: «Por meu intermédio reinam os reis, e os magistrados
administram a justiça; por meio de Mim mandam os príncipes e os sobe-
ranos governam com retidão» (Prov. VIII, 15-16).
“Se o mundo hoje combate sem tréguas para conquistar sua uni-
dade e para assegurar a paz, a invocação do reino de Maria é, para
além de todos os meios terrenos e de todos os desígnios humanos de
qualquer maneira sempre defeituosos, o clamor da fé e da esperan-
ça cristã, firmes e fortes nas promessas divinas e nos auxílios inesgotá-

30) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 31/5/1972 e 13/3/1992. (Ar-


quivo pessoal).

56
Matinas  Cheia de graça sois...

veis, que este império de Maria difundiu para a salvação da humani-


dade” 31.

Rainha que vencerá a Revolução


Como fecho desses comentários ao louvor em epígrafe, vem a pro-
pósito outro pensamento do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, particu-
larmente oportuno nesta atual fase histórica, convulsionada pelo caos
em quase todas as atividades humanas:
“A realeza de Nossa Senhora, fato incontestável em todas as épo-
cas da Igreja, veio sendo explicitada cada vez mais a partir de São Luís
Grignion de Montfort, até aquele 13 de julho de 1917, quando Maria
anunciou em Fátima: «Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará».
É uma vitória conquistada pela Virgem, é o seu calcanhar que outra
vez esmagará a cabeça da serpente, quebrará o domínio do demônio e
Ela, como triunfadora, implantará seu Reino.
“Portanto, devemos confiar em que Maria já determinou atender
as súplicas de seus filhos contra-revolucionários, e que Ela, Soberana
do universo, pode fazer a Contra-Revolução conquistar, num relan-
ce, incontável número de almas. Nossa Senhora Rainha poderá expul-
sar desta Terra os revolucionários impenitentes, que não querem aten-
der ao seu apelo, de maneira que um dia Ela possa dizer: Por fim —
segundo a promessa de Fátima — o meu Coração Imaculado triun-
fou!” 32

@ Cheia de graça sois


Desejando que o Verbo se encarnasse a fim de resgatar a humani-
dade perdida, o Padre Eterno escolheu para Mãe do Homem-Deus
uma Virgem, a mais pura, a mais santa, e a mais humilde entre todas.
Enquanto Maria, na sua pobre casa, estava ocupada em rogar pela
vinda do Redentor, apareceu-Lhe, de repente, um Anjo saudando-A:
Ave, gratia plena! Dominus tecum; benedicta tu in mulieribus (Lc. I, 28)

31)  PIO XII. Discurso no solene rito mariano de 1 de novembro de 1954. In: Documentos
Pontifícios. Petrópolis: Vozes, 1955. p. 20-21.
32) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 31/5/1965 e 31/5/1991. (Ar-
quivo pessoal).

57
Cheia de graça sois...  Capítulo 1

— “Salve, ó cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois entre as


mulheres!”
Cheia de graça! “Desde que Adão fora expulso do Paraíso, era a
primeira vez que um ser humano se via cumprimentado por um Anjo
em termos tão honrosos. Ele interpelava Maria como sendo a mulher
agraciada por Deus de modo singularíssimo, e que estava sob especial
direção divina” 33.

Excelência de graça superior à de todos os Anjos


e Santos reunidos
“Inegavelmente foi a alma de Maria a mais bela que Deus criou.
Depois da Encarnação do Verbo foi esta a obra mais formosa e mais
digna de si, feita pelo Onipotente neste mundo. Uma maravilha enfim
que só é excedida pelo próprio Criador, como diz Nicolau, monge. Por
isso não desceu a graça em Maria, gota a gota como nos outros San-
tos. Desceu, ao contrário, tal como a chuva sobre o velo (Sl. LXXI, 6).
Semelhante à lã do velo, sorveu a Virgem com alegria toda a grande
chuva de graça, sem perder uma só gota.
“Era-Lhe, pois, lícito exclamar: Na plenitude dos Santos está minha
morada (Ecli. XXIV, 16). Isto significa, conforme a explicação de São
Boaventura: Possuo em sua plenitude o que só em parte possuem os
outros Santos. E São Vicente Ferrer, referindo-se especialmente à san-
tidade de Maria, antes de seu nascimento, diz que excedeu à de todos
os Anjos e Santos.
“A graça que adornou a Santíssima Virgem sobrepujou não só a de
cada um em particular, mas a de todos os Santos reunidos, como pro-
va o doutíssimo Padre Francisco Pepe, jesuíta, em sua bela obra das
Grandezas de Jesus e de Maria. Nela afirma que essa tão gloriosa opi-
nião para com a nossa Rainha é hoje em dia comum e certa entre os
teólogos contemporâneos. [...] Ora, se esta é comum e certa, muito
provável é também esta outra sentença: Maria, desde o primeiro ins-
tante de sua Conceição Imaculada, recebeu uma graça superior à de
todos os Anjos e Santos juntos. [...]

33)  WILLIAM, Francisco Miguel. Vida de Maria, Mãe de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1940.
p. 70-71.

58
Matinas  Cheia de graça sois...

Plenitude de graça correspondente à sublime


dignidade de Mãe de Deus
“Escreve Dionísio Cartusiano: Por causa de sua predestinação para
Mãe do Divino Verbo, foi Maria elevada a uma ordem superior à de
todas as criaturas. Pois, segundo Suárez, de certo modo a dignidade de
Mãe de Deus pertence à ordem de união hipostática, isto é, à união do
Verbo Divino com a natureza humana. Com razão por isso, desde o
princípio de sua vida, foram-Lhe conferidos dons de ordem superior,
os quais excedem incomparavelmente a quantos foram concedidos às
demais criaturas. [...]
“A Santíssima Virgem, diz São Tomás de Aquino, foi escolhida para
ser Mãe de Deus e para tanto o altíssimo capacitou-A certamente com
sua graça. Antes de ser Mãe, foi Maria, por conseguinte, adornada de
uma santidade tão perfeita, que A pôs à altura dessa grande dignidade.
“Já em outra passagem da Suma Teológica, havia dito o Doutor
Angélico que Maria é chamada «cheia de graça», porém não tanto por
causa da graça propriamente, pois não a possuía na suma excelência
possível. Também em Jesus Cristo, diz o Santo, a graça habitual não
foi suma, isto é, de tal forma que o poder divino não a tivesse podido
fazer maior em absoluto. Foi, entretanto, suficiente e corresponden-
te ao fim para o qual a Divina Sabedoria A predestinara, digo para a
união da santa Humanidade com a Pessoa do Verbo. Disso a razão no-
la dá o mesmo Doutor: «Tão grande é o poder divino, que, por mais que
conceda, sempre lhe resta a dar. Por si só, é a criatura muito limitada em
sua natural receptividade, e ao mesmo tempo capaz de ser inteiramen-
te cumulada. Entretanto, é sem limites a sua faculdade de obediência à
divina vontade, podendo Deus aumentar-lhe a receptividade e cumulá-la
de graças».
“Mas, voltemos ao nosso assunto. Afirma São Tomás que Maria,
não fosse embora cheia de graça em relação propriamente à graça,
é entretanto chamada cheia de graça em relação a si mesma. Pois a
recebeu imensa, suficiente e correspondente à sua sublime dignida-
de. Por ela então se tornou capaz de ser Mãe de um Deus. Escreve por
isso Benedito Fernández: Na dignidade de Mãe de Deus está a medi-
da para se avaliar a graça comunicada a Maria”34.

34)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 208-211.

59
Cheia de graça sois...  Capítulo 1

A voz da Tradição
A plenitude de graça existente em Nossa Senhora foi objeto, ao
longo dos séculos, da unânime homenagem dos Santos e dos autores
eclesiásticos. Ouçamos, entre outros:
Santo Atanásio: “Fostes chamada cheia de graça porque possuístes
a abundância de toda graça!” 35
Dionísio o Cartuxo: “Assim como ninguém seria capaz de contar as
gotas de água do mar, assim ninguém saberá exprimir a excelência da
graça e da glória em Maria” 36.
São Boaventura: “O Filho de Deus, santificando a Virgem, cumu-
lou-A de graça, e depois de santificá-La, A protegeu Ele mesmo com
sua sombra e A encheu de glória, de maneira que nem na alma nem
no corpo, restasse parte que não estivesse cheia da graça da Divinda-
de” 37.
São Tomás de Aquino: “Em toda ordem de coisas, quanto mais
alguém se aproxima do princípio dessa ordem, mais participa dos efei-
tos desse princípio [...] [v. g., o que mais próximo está do fogo, mais
se aquece]. Pois bem, Cristo é o princípio da graça: pela divindade,
como verdadeiro autor, pela humanidade, como instrumento. E assim
se lê em São João: «A Graça e a verdade vieram por Jesus Cristo»
(Jo. I, 17). Ora, a Bem-aventurada Virgem Maria esteve proximíssi-
ma de Cristo, segundo a humanidade, posto que d’Ela recebeu Cristo
a natureza humana. Portanto, deve ter obtido d’Ele uma plenitude de
graça superior à dos demais” 38.
O mesmo Doutor Angélico, em sua magistral interpretação da Ave
Maria, acrescenta:
“A Santíssima Virgem superou aos Anjos pela plenitude da graça,
que com mais abundância existe n’Ela do que em qualquer Anjo. Para
manifestá-lo disse Gabriel: «gratia plena», isto é, «eu Te reverencio por-
que me avantajas em abundância de graça». A Virgem Maria está cheia
de graça:

35) ATANÁSIO, Serm. de Deiparae. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de


Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. V. p. 370.
36)  DIONÍSIO, o Cartuxo. De Laud. Virg. art. 3, Apud JOURDAIN, Z.-C. Loc. cit.
37)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. Vol. IV. p. 775.
38)  AQUINO, Tomás de; BUSA, Roberto. S. Thomae Opera Omnia. Summa contra gen-
tiles autographi deleta Summa Theologiae. Milano: Cartiere Binda, 1980. Vol. II. p. 811.

60
Nossa Senhora
foi adornada com a
plenitude de graça
correspondente
à sua dignidade de
Mãe de Deus
Nossa Senhora
de las Lajas
Cheia de graça sois...  Capítulo 1

“Primeiramente quanto à alma, que possuiu a plenitude, já que


Deus a distribui para dois fins: para operar o bem e para evitar o mal.
Enquanto ao pecado a Virgem os evitou todos, e muito mais que qual-
quer Santo, sendo nisto a primeira depois de Cristo, já que nasceu sem
o original e se viu livre durante a sua vida do mortal e do venial. Pelo
que se Lhe pode dizer: «Tota pulchra est amica mea et macula non est
in te» (Cânt. IV, 7).
“No tocante às obras de virtude, a Santíssima Virgem as praticou
todas, enquanto que os Santos não praticaram senão algumas deter-
minadas, pois um foi humilde, outro casto, outro misericordioso. Por
isso cada um deles é proposto como modelo de uma virtude distinta,
mas a Virgem Santíssima nos dá exemplo de todas.
“Está cheia de graça, em segundo lugar, porque esta superabun-
dou tanto em sua alma que pôde chegar a santificar o seu corpo. Coi-
sa grande é que os Santos tenham a [graça] suficiente para santificar
a alma...
“Em terceiro lugar, está cheia de graça porque chegou a derramá-
la sobre todos os homens. É coisa admirável que um Santo a tenha
bastante para comunicar a salvação a muitos. Mas que salve a todos,
não se pode dizer senão de Cristo e de Maria. Em qualquer perigo
pode obter-se a graça d’Ela” 39.
São Pedro Damião: “Assim a Virgem, eminentíssima e elevada
entre as almas dos Santos e dos Anjos, antecede os méritos de cada
um e os títulos de todos... Assim a Virgem singular supera a uma e
outra natureza (angélica e humana) pela imensidade da sua graça e o
fulgor das suas virtudes” 40.
São Pedro Crisólogo: “A cada um se lhe dá a graça por partes, mas
a Maria Lhe foi concedida toda a plenitude da graça” 41.
Fr. Luís de Granada, fazendo eco à voz de seus antecessores, afir-
ma: “Todos concordam em que a sacratíssima Virgem, antes de nas-
cer, foi cheia de todas as graças e dons do Espírito Santo, porque assim
convinha que fosse A que ab æterno era escolhida para ser Mãe do Sal-
vador do mundo. Por maiores que fossem esta graça e estas virtudes,

39)  AQUINO, Tomás de; BUSA, Roberto. S. Thomae Opera Omnia. Reportationes Opus-
cula Dubiae Authenticitatis. Milano: Cartiere Binda, 1980. Vol.VI. p. 285.
40)  DAMIÃO, Pedro. Serm. 40, in Assumpt. B. M. Virg. Apud ALASTRUEY, Gregório.
Tratado de la Virgen Santísima, 3. ed., Madrid: BAC, 1952. p. 283.
41)  CRISÓLOGO, Pedro, Serm. 143, in Assumpt. B. M. Virg. Apud ALASTRUEY, Gregó-
rio. Tratado de la Virgen Santísima, 3. ed., Madrid: BAC, 1952. p. 283.

62
Matinas  Cheia de graça sois...

não há língua humana que o possa declarar. A razão é porque Deus


faz todas as coisas conformes aos fins para que as escolhe, e assim as
provê perfeitissimamente do que para elas é necessário. [...] E porque
a esta sacratíssima Virgem elegeu para a maior dignidade que se possa
conceder a mera criatura, daí vem que A adornou e engrandeceu com
superior graça, com maiores dons e virtudes que jamais se concede-
ram a nenhuma simples criatura” 42.
São Tomás de Villanueva: “Dá rédeas soltas à imaginação, dilata os
horizontes do entendimento e procura forjar em tua mente a imagem
de uma virgem puríssima, prudentíssima, formosíssima, devotíssima,
humilíssima, mansíssima, cheia de toda graça, dotada de toda santida-
de, adornada de todas as virtudes, enriquecida de todos os carismas,
sumamente agradável a Deus; acrescenta quanto puderes, lança-te ao
que alcançares; imensamente maior é a Virgem, mais excelente é esta
Virgem, muito superior é esta Virgem.
“Não A descreveu o Espírito Santo nas sagradas letras, mas A dei-
xou para que A esculpisses tu em tua alma, e assim compreendas que
n’Ela nada faltou da graça, da perfeição, da glória que o espírito seja
capaz de conceber numa mera criatura, e, mais ainda, que superou na
realidade todo entendimento” 43.
Por fim, as célebres palavras de Pio IX na Bula Ineffabilis Deus,
com que proclamou o dogma da Imaculada Conceição:
“[O Padre Eterno], de preferência a qualquer outra criatura, fê-
La alvo de tanto amor, a ponto de se comprazer n’Ela com singularís-
sima benevolência. Por isto cumulou-A admiravelmente, mais do que
a todos os Anjos e a todos os Santos, da abundância de todos os dons
celestes, tirados do tesouro da sua Divindade. Assim, sempre absolu-
tamente livre de toda mancha de pecado, toda bela e perfeita, Maria
possui uma tal plenitude de inocência e de santidade, que, depois da
de Deus, não se pode conceber outra maior, e cuja profundeza, afora
de Deus, nenhuma mente pode chegar a compreender” 44.

42)  GRANADA, Luís de. Obra Selecta. Madri: BAC, 1952 p. 730-731.
43)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 194.
44)  PIO IX. Bula Ineffabilis Deus. In: Documentos Pontifícios. Petrópolis: Vozes, 1953. p. 3.

63
Cheia de graça sois...  Capítulo 1

Contínuo crescimento de graça


A propósito da plenitude da graça em Nossa Senhora, importa
considerar, ainda, o testemunho de São Luís Maria Grignion de Mon-
tfort, acompanhado de sábias ponderações do Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira.
Assim se exprime aquele Santo: “Só Maria achou graça diante
de Deus (Lc. I, 30) sem auxílio de qualquer outra criatura. E todos,
depois d’Ela, que acharam graça diante de Deus, acharam-na por
intermédio d’Ela e é só por Ela que acharão graça os que ainda virão.
Maria era cheia de graça quando o Arcanjo Gabriel A saudou (Lc. I,
28) e a graça superabundou quando o Espírito Santo A cobriu com
sua sombra inefável (Lc. I, 28)” 45.
Ouçamos agora o comentário que deste trecho nos faz o Prof. Pli-
nio Corrêa de Oliveira:
“O pensamento é muito ligado ao admirável fato do crescimento
da graça em Nossa Senhora.
“Sempre cheia de graça, houve porém determinado momento em
que a Santíssima Virgem, pela sua perfeitíssima fidelidade, e por gra-
tuita predileção de Deus para com Ela, adquiriu naquele instante a
plenitude de dons celestiais correspondente: o momento em que o
Espírito Santo A desposou, e n’Ela quis que Nosso Senhor Jesus Cris-
to fosse concebido.
“São Luís Grignion, com a exatíssima e ardorosa linguagem que o
caracteriza, depois de falar em plenitude, indica que houve um trans-
bordamento de graças a partir do momento em que Nossa Senhora se
tornou Esposa do Espírito Santo e Mãe do Salvador.
“Tudo leva a crer que a gestação de Nosso Senhor Jesus Cristo,
por ter sido perfeita, tenha durado nove meses normais. Nesse perío-
do, Maria Santíssima trazia consigo, como num tabernáculo, o Verbo
Encarnado. Isso significava um processo interno de produção do cor-
po d’Ele, ao qual deveria corresponder, certamente, um processo de
união de alma com o Filho que Ela estava gerando: Ela Lhe dava o
corpo e Ele A revestia de graças em proporções inimagináveis.
“«Está dito tudo» — pensará alguém. Ora, precisamente, não está
tudo dito.

45)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-


ma Virgem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 46.

64
Maria,
cheia de graça
A respeito do progresso da graça na Santíssima Virgem,
escreve um dos grandes mariólogos de nosso século:
“Antes da Anunciação, Maria já possuía a graça: Ela
sempre a teve plenamente, e mesmo desde a sua concep-
ção, por um privilégio exclusivo seu, com vistas à sua
insigne missão. [...]
“Entretanto, no curso desse incessante progresso da
graça em Maria, a Anunciação marca o momento único
onde esta Virgem, neófita em sua maternidade, é literal-
mente transformada em seu Filho.
“Este Filho é um tesouro. Ele é o princípio da graça; é
o autor dela por sua divindade, e o instrumento de produ-
ção e de difusão da mesma entre nós, por sua humanida-
de. [...] Contendo Cristo em Si, antes de todo o mundo e
para todo o mundo, Maria recebeu d’Ele uma maior ple-
nitude de graça que todas as demais criaturas somadas,
e tornou-se mais cristã que todos os cristãos juntos. [...]
“E no momento em que Ela alcançou o termo de sua
carreira terrestre, a Bem-aventurada Virgem encarnava
verdadeiramente em sua pessoa e na sua vida, a mais alta
perfeição e a própria plenitude da graça cristã.
“Esta água viva, que Maria Santíssima hauriu no con-
tato com o Verbo Encarnado, tornou-se n’Ela uma fon-
te transbordante de vida eterna e pronta a se comunicar
a todos. No período da Assunção, os supremos instantes
da Virgem unem concretamente o tempo e a eternidade, o
regime da graça e o da glória. Terrena, ainda o é a Mãe de
Jesus; celeste, Ela já o é — e quanto!”

BERNARD. Le Mystère de Marie. 4. ed. Bruges:


Desclée de Brouwer, 1954. p. 91 e 210.
Cheia de graça sois...  Capítulo 1

“Depois disso, Ela deveria aproveitar, com perfeitíssima fidelida-


de, os trinta anos da vida oculta de seu Divino Filho. Cada minuto de
presença de Nosso Senhor Jesus Cristo na Sagrada Família represen-
tava imensa graça para Maria e São José, superiormente correspondi-
da pelos dois.
“E a santificação de Nossa Senhora continua até o momento em
que, depois da Ascensão de Jesus Cristo, recebe o Espírito Santo para
distribuí-Lo a toda a Igreja (em Pentecostes sabemos que o Espírito
Santo desceu sobre Ela na forma de uma chama que, em seguida, se
derramou sobre todos os Apóstolos).
“Enfim, no momento em que Lhe era como que impossível crescer
ainda em santidade, de tal maneira sua alma estava repleta de celestiais
dons, Nossa Senhora teve a sua dormição, como é chamada sua morte,
por uma linguagem teológica muito apropriada e muito poética.

Da plenitude de graças de Maria, recebe


toda a humanidade
“São Luís Grignion nessa consideração, com verdadeiro olhar de
águia, firma então o princípio: Nosso Senhor concedeu tanto a Maria
que, em última análise, só deu a Ela.
“Com efeito, foi da plenitude por Ela recebida que todas as graças
vieram para os homens. Ou seja, a humanidade inteira se beneficia do
transbordamento das graças da Santíssima Virgem” 46.

Confiança n’Aquela que é cheia de graça


Encerramos os comentários sobre o louvor “Cheia de graça sois”,
com estas palavras igualmente proferidas pelo Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira:
“Que importância têm os nossos inimigos, que importância tem,
até mesmo, o demônio, se sabemos quem é Nossa Senhora? Que
importância têm as tristezas de nossos dias? Debaixo de certo ponto
de vista, que importância têm os nossos pecados? Se a Virgem Imacu-
lada é cheia de graça, Ela, por uma palavra, pode nos libertar de todos

46) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 4/8/1965. (Arquivo pessoal).

66
Matinas  Salve, luz pura...

eles. Por um movimento de sua misericórdia, Ela pode afastar todos


os nossos defeitos e nos tornar completamente limpos e puros.
“Considerando a proporção insondável das graças de Maria, adqui-
rimos outra confiança, outra alegria, outra esperança nos imponderá-
veis e nos inverossímeis de nosso apostolado e de nossa vida interior.
Cheia de graça, a Santíssima Virgem é a porta que nos conduz a Nos-
so Senhor Jesus Cristo” 47.

@ Salve, luz pura


“Os Padres da Igreja não cessam de dar a Maria, como a seu Divi-
no Filho, o nome de luz. Para eles, Ela é a luz esplendidíssima; a luz
das nações; a luz de nosso coração; a luz figurada por aquela criada no
começo, e da qual crê-se foi feito o sol, como o Divino Sol de Justiça
tirou sua substância corporal da substância da própria Maria, quando
veio a este mundo dissipar nossas trevas. [...]

Excelências da luz de Maria


“Os bens provenientes da luz natural, a que brilha aos nossos olhos,
são incontáveis. Sem ela a Terra não seria mais do que um horrendo
deserto, tornando impossível a vida do homem. Mas os bens que nos
traz Maria, a luz de nossas almas depois de Deus, são incomparavel-
mente mais preciosos e maiores. Sem a Santíssima Virgem, faltar-nos-
ia não a luz do corpo, mas a de nossa alma. Sem Ela, todos os homens
seriam infalivelmente vítimas da morte eterna, pois é por meio de
Maria que nos veio o Divino Sol Jesus Cristo, fora do qual não encon-
traríamos nem luz nem salvação. [...]
“Maria é ainda a luz, por causa de sua beleza. Depois de seu Divi-
no Filho, não houve e não haverá jamais nada que se Lhe compare.
O sol que ilumina nossos olhos, as estrelas que nos rejubilam com sua
maravilhosa harmonia, nada são perto d’Ela. [...]
“A luz torna visíveis os mais humildes objetos: que um raio de sol
penetre num ambiente, e logo se perceberá até os mínimos átomos
de poeira volteando nos ares. Maria toma nossas almas, coloca-as em
face de seu adorável Filho, faz penetrar em nós um raio de sua divi-

47)  Idem.

67
Salve, luz pura...  Capítulo 1

na luz, e nossos olhos se abrem, reconhecemos nossas misérias, chora-


mos nossos pecados, abraçamos a virtude. Nossos pensamentos, nos-
sas afeições, esclarecidas graças a Maria, se voltam inteiramente para
o soberano Bem.
“Maria é ainda a luz que nos precede e nos mostra o caminho que
é preciso seguir em nossa perigosa viagem através do mundo. Ela nos
ilumina com seus exemplos, ajuda-nos com sua poderosa intercessão.
“Sua luz não saberia enfraquecer, porque Ela deu o dia a Jesus
Cristo, a Luz incriada, sem nada perder de sua própria integridade.
A luz é incorruptível, a pureza de Maria é ainda mais incorruptível.
Jamais se aproximou d’Ela qualquer fímbria de mácula. Esta luz não
tem névoas, porque não há pecado em Maria.
“Para os que entram na via da perfeição, Maria é a luz que indica
o caminho, aplaina os obstáculos, auxilia as flores e os frutos dos bons
hábitos a se desenvolver e amadurecer, e fá-los crescer em graça e vir-
tude. [...]
“Aqueles aos quais Maria ilumina, não cairão nos embustes do
demônio” 48.

Luz que ilumina toda a criação


Comenta ainda o douto Pe. Jourdain: “À santidade incomparável
com a qual a Bem-aventurada Virgem Maria foi agraciada, desde o
primeiro instante de sua existência, é preciso acrescentar as luzes com
que Deus, ao mesmo tempo, inundou sua alma. O nome de Maria,
entre outras significações místicas, possui a de iluminada. As luzes
com que foi esclarecida ao sair do nada, justificam plenamente esta
interpretação.
“Antes de tudo, conheceu Ela a fonte de toda luz, e em Deus conhe-
ceu todo o resto, segundo a palavra do Profeta: In lumine tuo videbi-
mus lumen (Sl. XXXV, 10). Ela viu Deus criador de todas as coisas, e
conheceu as criaturas espirituais, as racionais e as privadas de razão.
Ela viu em Deus, bem supremo e absoluto, o que era bom e o que era
mau, o que merecia ser procurado ou desprezado, o que era preciso
amar e o que odiar. E porque a luz que A iluminava era perfeita, pos-
suía Ela a justa e conveniente medida de todas as coisas. [...]

48)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 407-409.

68
Matinas  Salve, luz pura...

“[Assim], a Luz divina, a Luz eterna, produziu uma luz criada, des-
tinada a iluminar todas as outras obras das mãos de Deus” 49.
Essa singular luminosidade da Virgem, espargindo seu fulgor sobre
toda a criação, foi também exaltada pelo entusiasmo de São Tomás de
Villanueva:
“Ó tocha brilhantíssima, a quantos alegrastes quando, ilumina-
da pelo resplendor divino, aparecestes imaculada no seio de vossa
mãe! [...]
“Dizei-nos, ó sábios astrólogos que contemplais as estrelas; dizei-
nos ó profetas! que chegará a ser esta donzela que tão brilhante e
avantajada se apresenta ao mundo? [...]
“Ó dia digno de ser celebrado com grande regozijo, em que tal
dom recebemos. Exclamamos com São Bernardo: «Tirai o sol, e o que
restará no mundo senão trevas? Tirai Maria da Igreja, que ficará senão a
escuridão?»” 50

A luz da Contra-Revolução
Por sua vez, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira nos faz compreen-
der o papel fundamental da Luz pura junto aos que se opõem à Revo-
lução:
“Nossa Senhora é Aquela que gerou a Luz do mundo, Jesus Cris-
to, Senhor nosso. Ela é o foco dessa Luz que as trevas não consegui-
ram envolver e impedir que fosse vista pelos homens; Ela é o canal
por meio do qual a luz do Salvador chega até nós.
“E Maria tanto resplandece da luz de seu Divino Filho, que se diria
ser Ela a mesma luz. Por isso podemos cantar com a Igreja: «Salve
radix, salve porta, ex qua mundo lux est orta» — «Salve ó raiz, ó porta,
por onde jorrou a luz ao mundo» 51.
“Nós, contra-revolucionários, devemos pedir à Santíssima Vir-
gem que encha nossas almas dessa sua luz, que é, em última análise, a
luz da Contra-Revolução, é a luz que fende as trevas da Revolução e

49)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. V. p. 407; Vol. I. p. 17.
50)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 142; 208 e 212.
51) Antífona Ave Regina Cælorum.

69
Maria, esplendidíssima luz das nações
e da Contra-Revolução
Nossa Senhora da Luz
Matinas  Valei ao mundo e a toda criatura...

chega até aos homens, libertando-os do erro, do vício, do crime e do


mal”52.

@ Valei ao mundo e a toda criatura


Rainha e Senhora de toda a criação, por vontade divina, Maria
Santíssima vela particularmente pelas necessidades de seus súditos e
pelos cuidados de seu imenso império.

Universal proteção
O dominicano Fr. Bernard assim traduz esse sentimento: “Maria,
por mais alto que seja seu coroamento de glória no Céu, permane-
ce em estreito contato com os homens na Terra. [...] Pela própria per-
feição de seu estado, Ela nos está mais próxima do que os nossos mais
próximos. Para nós Ela é sempre mais que o Anjo da Guarda, seja ele
o mais terno e o mais vigilante dos amigos. [...]
“Assim, devemos estar absolutamente persuadidos de que a Virgem
Santíssima possui todos os meios de pensar constante e distintamente
em todos os seus filhos. Nem os tempos nem os espaços podem opor
obstáculos ou limites à sua visão, situada, agora, num outro plano, sob
a luz da glória [...]: «Meu filho, nos diz Ela, penso em ti na minha eter-
nidade, e não posso mesmo afastar-te de meu pensamento. No fundo,
jamais te perco de vista; conheço-te mais do que tu a ti mesmo; estou
mais presente em ti do que tu». [...]
“Com efeito, sua dignidade de Rainha, e ainda mais sua missão de
Mãe, obrigam-Na a ter esta presença de espírito em relação a tudo e
a todos. Para isso Ela uniu sua inteligência à de seu Divino Filho, seu
pensamento ao pensamento do Homem-Deus. E os dois, assim absor-
tos na divina Essência, inundados da luz eterna, vendo todas as coi-
sas em seu princípio e no seu fim, estão presentes espiritualmente no
mundo inteiro, para abraçar — no seu todo e nos seus particulares —
o universo que Lhes foi confiado. [...]
“Nunca será demais nosso maravilhamento, ao pensarmos até que
ponto a proteção da Santíssima Virgem se estende a todos os estados
como a todas as necessidades deste mundo. Lourdes é disso um sím-

52) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/9/1970. (Arquivo pessoal).

71
Valei ao mundo e a toda criatura...  Capítulo 1

bolo. Aí se vê como um resumo tangível do que faz Maria Santíssi-


ma sempre e em toda a parte. [...] Constantemente Ela oferece socor-
ro àqueles que estão na miséria, auxílio aos pusilânimes, conforto aos
que estão em lágrimas. Com sua prece Ela sustenta todo o povo. [...]
Ela afasta de nós os males ou os alivia, e atrai sobre nós todos os bens.
Em suma, Ela se mostra Mãe tanto quanto é possível sê-lo, e muito
mais do que poderíamos imaginar.
“Pode-se pensar, igualmente, que seu patrocínio se adapta aos
tempos e aos lugares, às famílias naturais ou espirituais, às cidades e
às nações, a tudo o que concerne o movimento e a vida da cristanda-
de sobre a Terra” 53.

Maria ajuda em muitos apuros da vida


Por outro lado, segundo Santo Afonso de Ligório, “andamos erran-
do por este vale de lágrimas, como pobres filhos da infortunada Eva,
exilados de nossa pátria, chorando por tantas dores que nos afligem
no corpo e no espírito. Feliz, porém, aquele que por entre tais misé-
rias se dirige muitas vezes à Consoladora do mundo, ao Refúgio dos
pecadores, à grande Mãe de Deus. [...]
“A Santa Igreja bem a nós, seus filhos, ensina com quanto zelo e
quanta confiança devemos recorrer sem cessar a esta nossa amorosa
protetora. [...] “Bastaria, para isto, somente ver e ouvir que em todas
as calamidades públicas ela sempre quer que se recorra à divina Mãe
com novenas, com orações, com procissões e visitas às suas igrejas e
imagens.
“Isto mesmo quer Maria que nós façamos: que sempre A invoque-
mos, que sempre Lhe peçamos, não por necessitar dos nossos obsé-
quios, nem das nossas honras tão inadequadas aos seus merecimen-
tos, mas sim para que, à medida da nossa devoção e da nossa confian-
ça, possa melhor socorrer-nos e consolar-nos” 54.

53)  BERNARD. Le Mystère de Marie. Bruges: Desclée de Brouwer, 1954. p. 267; 271-272;
274; 328- 329.
54)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 87-88.

72
Os milagres verificados
junto ao Santuário de
Lourdes demonstram como
a proteção de Maria
se estende a todos os
estados e necessidades
deste mundo
Santuário e Imagem de Nossa
Senhora de Lourdes
Valei ao mundo e a toda criatura...  Capítulo 1

Maria, Mãe e Benfeitora do mundo


Dessa insondável proteção de Maria Santíssima são devedores, não
apenas os homens, mas também todas as coisas criadas.
Com razão, pois, é Ela chamada Mãe do mundo.
Ouçamos o renomado jesuíta Pe. Terrien: “O mundo material rece-
beu tais bens por intermédio de Maria, que Ela pode ser considerada,
em sentido impróprio, sua Mãe. [...]
“[Assim exprime] Eádmero a inapreciável vantagem que a cria-
ção material recebeu de Deus, pelo ministério da Santíssima Vir-
gem: [...] «As criaturas deviam ser como uma escada que permitisse
ao homem elevar-se ao seu comum Autor, e a consideração da natu-
reza havia de conduzi-lo ao conhecimento dos esplendores divinos.
Esta dignidade elas a perderam [em consequência da queda de Adão].
Lamentável prejuízo que duraria até o momento em que veio ao mun-
do, por intermédio de Maria, o Redentor. Então retornou o homem ao
conhecimento de Deus, graças ao Cordeiro; ao mesmo tempo, as cria-
turas readquiriram sua primitiva condição e foram restabelecidas em
sua antiga honra.
“«Ora, este grande bem, a quem o atribuiremos, senão Àquela cujo
seio virginal introduziu no mundo o Cristo, Salvador da natureza huma-
na e, por conseguinte, reparador dos privilégios de toda a criação?
“«[Em vista disso], quem nos acompanhou nesta meditação, estime
tudo o que as criaturas inteligentes ou as privadas de razão devem a esta
Sacratíssima Virgem, [...] pela qual a natureza das coisas recuperou ines-
timáveis bens, e o mundo recebeu a insigne graça de ser reerguido de uma
tão profunda decadência»” 55.

Para Maria se voltam os olhares de todas as


criaturas
Diante dessa inesgotável solicitude de Nossa Senhora para com as
criaturas, podemos nos associar à fervorosa exclamação de São Ber-
nardo:

55)  TERRIEN, J.-B. La Mère de Dieu et la Mère des Hommes. 8. ed. Paris: P. Lethielleux,
1902. Vol. II. p. 148 ; 150-153.

74
Matinas  Para Mãe o Senhor Vos destinou...

“Ó Maria! É para Vós, como para o centro da Terra, como para


a Arca de Deus, como para a causa das coisas, como para a estu-
penda obra dos séculos, que se voltam os olhares dos habitantes
do Céu e da Terra, dos tempos passados, presentes e futuros. [...]
Por isso Vos chamarão bem-aventurada todas as nações, ó Mãe
de Deus, Senhora do mundo, Rainha do Céu, [...] pois para todas
engendrastes a vida e a glória. Em Vós acham os Anjos a alegria,
os justos a graça, os pecadores o perdão para sempre. Com razão,
portanto, põem em Vós seus olhos todas as criaturas, porque em
Vós, por Vós e de Vós a benigna mão do Onipotente refez tudo o
que Ele havia criado” 56.

@ Para Mãe o Senhor Vos destinou


Do que os mares, a Terra e Céus criou

Predestinação de Nossa Senhora


Remontam à eternidade os incomparáveis privilégios concedidos
pelo Criador à Virgem Santíssima, com sua predestinação à augusta
missão de ser Mãe de Deus.
Os Padres da Igreja, fiéis intérpretes das Sagradas Escrituras, reco-
nheceram a predestinação de Maria à maternidade divina.
Santo Agostinho diz que antes de Nosso Senhor Jesus Cristo nas-
cer de Maria, Ele A conheceu e predestinou para ser sua Mãe57.
E São João Damasceno, dirigindo-se à Virgem Maria: “Porque o
decreto de predestinação nasce do amor como de sua primeira raiz,
Deus, soberano mestre de todas as coisas, que Vos sabia previamen-
te digna de seu amor, Vos amou; e, porque Vos amava, Vos predesti-
nou” 58.

56)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 572.


57) Cfr. AGUSTIN. Obras de San Agustin, Tratado sobre el Evangelio de San Juan. 3. ed.
Madrid: BAC, 2005. Vol. XIII. p. 200.
58)  DAMASCENO, João. Orat. I, de Nativ. Mariae. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des
Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. I. p. 8.

75
Para Mãe o Senhor Vos destinou...  Capítulo 1

“Ó Virgem — exclama São Bernardino de Siena — Vós fostes pre-


destinada no pensamento divino antes de toda criatura, para dar a
vida ao mesmo Deus que quis se revestir de nossa humanidade” 59.
Santo André de Creta, em seu discurso sobre a Assunção de Maria,
exprime o mesmo pensamento: “Esta Virgem é a manifestação dos
mistérios da incompreensibilidade divina, o fim ao qual Deus se pro-
pôs antes de todos os séculos” 60.
E São Bernardo: “Foi enviado o Anjo Gabriel a uma virgem
(Lc. I, 26-27). Virgem no corpo, virgem na alma; [...] não encontrada
ao acaso ou sem especial providência, mas escolhida desde todos os
séculos, conhecida na presença do Altíssimo que A predestinou para
[ser um dia sua Mãe]; guardada pelos Anjos, designada antecipada-
mente pelos antigos Padres, prometida pelos profetas” 61.

Excelências da predestinação de Maria


Acompanhemos a exposição que deste sublime mistério nos faz o
santo historiador da infância de Maria:
“A predestinação da Santíssima Virgem está enobrecida e realça-
da com várias e assinaladas mercês. E a primeira é que tem sua ori-
gem e princípio no infinito amor do Padre Eterno para com seu Filho
Jesus, no amor imenso para com Maria sua Filha muito amada, e em
sua inconcebível caridade para conosco.
“Porque o amor incompreensível que este adorável Pai tem a seu
Filho, levou-O a escolher para o mesmo, desde toda a eternidade,
uma Mãe que fosse digna d’Ele. [...] O amor inefável deste santo Pai
para com sua Filha Maria, que é o primeiro objeto de seu amor depois
de seu amado Filho, obrigou-O a predestiná-La em seu eterno conse-
lho para que fosse a Mãe, a Aia e a Nutriz de seu Verbo Encarnado, a
Rainha dos Anjos, a Soberana do Céu e da Terra, a Imperatriz do uni-
verso. [...]
“A caridade sem igual deste Pai de misericórdias para conosco, fê-
Lo conceber desde toda a eternidade o desígnio de fazer nascer na
Terra a esta incomparável Virgem, para por meio d’Ela nos dar um

59)  SIENA, Bernardino de. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie.
Paris: Hippolyte Walzer, 1900.Vol. I. p. 5.
60)  CRETA, André de. Apud JOURDAIN, Z.-C. Loc. cit.
61)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 194.

76
Matinas  Para Mãe o Senhor Vos destinou...

Redentor, e associá-La ao mesmo, na obra de nossa reparação. Eis a


origem desta eterna eleição, mercê que A eleva infinitamente acima
das predestinações de todos os escolhidos.

Perfeita semelhança entre a predestinação de


Jesus e a de Maria
“Outra assinalada vantagem da predestinação de Maria é a perfei-
ta semelhança que tem com a predestinação de Jesus, da qual é aca-
bada imagem. Porque como Jesus é escolhido por Deus desde toda a
eternidade para ser o começo de seus caminhos (Prov. VIII, 22) e de
seus desígnios, quer dizer, a primeira em excelência e a mais maravi-
lhosa obra de suas mãos; assim o Espírito Santo, falando pelos lábios
da Igreja, pronuncia estas mesmas palavras — Princípio dos cami-
nhos do Senhor — em louvor desta incomparável Filha que se chama
Maria. [...]
“Como unicamente Jesus foi escolhido entre milhares (Cânt. V, 10),
isto é, entre todos os filhos de Adão, para ser unido hipostaticamen-
te à pessoa do Verbo Eterno, assim Maria é a única eleita entre milha-
res, ou seja, entre todas as filhas de Eva, para ser associada da manei-
ra mais íntima e elevada com o Verbo Encarnado. «Vossa eleição, ó
divina Maria, diz São Bernardo, e vossa predestinação são semelhantes
às do sol, quer dizer, às do sol eterno que criou o sol temporal. Porque Ele
é escolhido entre milhares de homens; Vós, entre milhares de mulheres».
Jesus é a maravilha das obras de seu Pai, e Maria é a obra-prima dos
milagres de Jesus. [...]
“A excelência da predestinação de nossa santa Maria para a divi-
na maternidade, se manifesta claramente pelas grandes e maravilho-
sas coisas que Deus n’Ela operou, quando A fez nascer milagrosamen-
te de uma mãe que naturalmente não podia conceber, quando A pre-
servou do pecado original em sua Imaculada Conceição, quando A
encheu de luz e de graça desde o primeiro instante de sua vida, quan-
do cumulou todo o universo de gozo em seu nascimento, quando A
honrou com o admirável nome de Maria, e quando fez n’Ela e por Ela
outras muitas maravilhas que não convêm senão à grandeza de uma
Mãe de Deus.
“E como o fim da predestinação de Jesus é no-Lo dar por nosso
Salvador, nosso mediador entre Deus e nós, nosso Pai, nosso exemplo,

77
Para Mãe o Senhor Vos destinou...  Capítulo 1

nosso tesouro, nossa glória, nosso paraíso, nosso espírito, nosso cora-
ção, nossa vida, nosso tudo; assim o fim da predestinação de Maria é
no-La dar como cooperadora de seu Filho em nossa Redenção, para
ser nossa medianeira entre Ele e nós, para ser nossa Mãe, nossa pre-
ceptora, nossa vida, nosso consolo, nossa esperança, para ser nossa luz
nas trevas, nossa força em nossas debilidades, nosso socorro em nos-
sas misérias, nosso refúgio em todas as nossas necessidades, e nosso
modelo em nossos hábitos e ações.
“Acrescentaria ainda ao dito, para fazer ver a perfeita semelhança
que há entre a predestinação do Homem-Deus e a de sua Mãe, que,
como aquela é o primeiro princípio de todas as demais predestinações
dos verdadeiros filhos de Deus, esta é de uma maneira parecida a cau-
sa segunda. «Ninguém se salva a não ser por Vós, ó Santíssima Virgem»,
disse São Germano, Patriarca de Constantinopla. [...]

Jesus e Maria tiveram uma mesma predestinação


“Todas estas coisas fazem ver que a predestinação de nossa divina
Maria é uma perfeita imagem da de Jesus. Contudo, vou mais além, e
me atrevo a dizer que há tão estreita união entre estas duas predesti-
nações que, assim como o Filho e a Mãe não são mais que uma mes-
ma coisa, não tendo mais que uma alma, um coração e uma vontade,
assim, de alguma maneira, tiveram uma só predestinação. Porque não
se encontrando Jesus nos eternos desígnios de Deus senão como Filho
de Maria, e não tendo neles lugar Maria senão como Mãe de Jesus,
pode-se dizer que não têm mais que uma mesma predestinação.
“Donde a Igreja e os santos doutores aplicarem à Mãe do Salvador
as mesmas palavras que o Espírito Santo emprega para nos expres-
sar a eleição e predestinação eterna de seu Filho: «Desde a eternidade
tenho eu o principado de todas as coisas. O Senhor me teve consigo no
começo de suas obras» (Prov. VIII, 22)” 62.
“Tal é, portanto, a preparação eterna da Santíssima Virgem, tal é a
sua predestinação.
“Bem exposta e bem compreendida, esta eleição encerra todos os
esplendores da Teologia de Maria. Preeminência, incomparáveis gran-
dezas, cooperação nas obras divinas, plenitude de todas as graças e

62)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 35-40.

78
Maria nos planos de Deus

Consideremos as palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a propósi-


to do sublime lugar reservado à Santíssima Virgem, na ordem da criação:
“Entre o Padre Eterno e a criação existe o Homem-Deus: inteiramen-
te Deus, como as outras Pessoas da Santíssima Trindade; tão homem
quanto cada um dos descendentes de Adão.
“Resta, contudo, um tal abismo separando Nosso Senhor Jesus Cris-
to das demais criaturas, que a pergunta se impõe: na ordem das coisas
não deveria haver um outro ser que, ao menos de algum modo, preen-
chesse esse hiato?
“Ora, a criatura chamada a completar esse vácuo no conjunto da cria-
ção, a criatura excelsa, infinitamente inferior a Deus, mas ao mesmo
tempo insondavelmente superior a todos os Anjos e a todos os homens
de todas as épocas — é precisamente Nossa Senhora.
“A Virgem Santíssima é para Deus Padre a mais eleita das criaturas,
escolhida por Ele, desde toda a eternidade, para ser a Esposa de Deus
Espírito Santo e a Mãe de Deus Filho. Para estar à altura dessa dignida-
de, Maria havia de ser a ponta de pirâmide de toda a criação, acima dos
próprios Anjos, elevada a uma inimaginável plenitude de glória, de per-
feição e de santidade.
“Por isso Dante, na Divina Comédia (que alguns dizem ser a Suma
Teológica de São Tomás de Aquino posta em verso), depois de ter passa-
do pelo Inferno e pelo Purgatório, percorre os vários círculos dos bem-
aventurados no Céu. Quando chega no mais alto coro angélico, ou seja,
no píncaro da mansão celeste, o Poeta começa a divisar a glória de Deus.
É uma luz difusa, que seus olhos não conseguem sustentar.
“Ele repara então num outro ser que está acima dos Anjos: Nossa
Senhora. A Virgem Santíssima lhe sorri, e Dante contempla nos olhos
d’Ela o reflexo da luz de Deus.
“Acabou-se a Divina Comédia.
“O olhar humano fitou o olhar puríssimo, o olhar sacratíssimo, o olhar
sumamente régio, o olhar indizivelmente materno de Nossa Senhora.
Tudo então está consumado: a Divina Comédia termina na mais alta das
cogitações humanas.
“Nossa Senhora é o grampo de ouro que une a Nosso Senhor Jesus
Cristo toda a criação, da qual Ela é o ápice e a suprema beleza.”

CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 7/2/1971. (Arquivo pessoal).


Preservou Ele a vossa Conceição...  Capítulo 1

distribuição aos homens de todos os méritos da Encarnação do Ver-


bo, da Redenção; tudo, até a glória dos Anjos, a esperança dos justos,
o triunfo dos Santos, os deveres dos cristãos e sua ilimitada confiança,
deriva desta predestinação como a consequência do princípio, como o
efeito da causa” 63.

@ Preservou Ele a vossa Conceição,


da mancha que nós temos em Adão

A Imaculada Conceição
“Sessenta são as rainhas, e oitenta as esposas de segunda ordem,
e inúmeras as donzelas; uma só, porém, é a pomba minha e a minha
perfeita” (Cânt. VI, 7-8).
Aplicando a Nossa Senhora essa passagem do Cântico dos Cân-
ticos, comenta São Tomás de Villanueva: “É única; se buscas outra
pomba, não a encontrarás. É única, sozinha e sem mancha. É a úni-
ca que não esteve sujeita à lei da mancha comum. Uma só é a imacu-
lada, e também uma só a perfeita. Não encontrarás outra sem man-
cha, e por isso é uma só a pomba. Não encontrarás outra tão perfei-
ta, e por isso é a minha perfeita, única: puríssima sem exemplo, perfei-
ta sem igual” 64.
Maria Santíssima, a primeira na ordem ontológica entre todas as
virgens, a propósito de sua concepção em graça recebeu do Prof. Pli-
nio Corrêa de Oliveira os seguintes louvores:
“Na bula Ineffabilis Deus, com a qual Pio IX definiu o dogma da
Imaculada Conceição, encontra-se este trecho:
“«A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primei-
ro instante da sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus oni-
potente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero huma-
no, foi preservada e imune de toda mancha de pecado original, essa dou-
trina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavel-
mente por todos os fiéis» 65.

63) CHEVALIER. Notre-Dame du Sacré-Coeur. Paris: Retaux-Bray, 1886. p. 65-66.


64)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 164-165.
65)  PIO IX. Bula Ineffabilis Deus. In: Documentos Pontifícios. Petrópolis: Vozes, 1953. p. 20.

80
Matinas  Preservou Ele a vossa Conceição...

“O Sumo Pontífice afirma, portanto, que Nossa Senhora, por uma


graça singular e em vistas dos méritos de Cristo, a partir do primeiro
instante de seu ser foi isenta da mancha do pecado original. Essa dou-
trina foi revelada por Deus, ou seja, está na Bíblia, e por isso deve ser
«crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis».
“Para se avaliar o extraordinário significado da Imaculada Concei-
ção, é preciso ter em conta que, em consequência da queda de Adão,
todos os seus descendentes haviam de nascer com o pecado original.
Lamentável herança em virtude da qual os sentidos do homem conti-
nuamente se revoltam contra a sua razão, expondo-o a novos e incon-
táveis pecados.
“Durante milênios verificou-se, inexorável, essa lei da maldição.
Em determinado momento, porém, os Anjos assistem atônitos a um
fato sem precedentes na história da Humanidade decaída: Deus que-
branta a funesta lei, e um ser é inteiramente concebido sem pecado
original. É Nossa Senhora que surge imaculada, resplandecente, com
todo o brilho e todo o fulgor de uma criatura perfeita, como o foram
Adão e Eva ao saírem das mãos do Onipotente.
“Pode-se imaginar que, nesse sublime instante, um frêmito de júbi-
lo e de glória percorreu todo o universo, acentuado pelo fato de que
Maria, isenta do pecado original, era também a obra-prima da cria-
ção. Acima d’Ela haveria de estar, apenas, a humanidade santíssima
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
“Narra a Sagrada Escritura que o Padre Eterno, depois de conclu-
ída a obra da Criação, repousou na enlevada consideração do que Ele
tinha feito.
“Descansou, porém, tendo-se proposto criar um ser que superas-
se em maravilha tudo o que até então sua onipotência realizara, uma
mulher da qual haveria de nascer o Verbo Encarnado. E foi precisa-
mente no momento da Conceição Imaculada de Nossa Senhora que
Deus executou essa sua obra-prima” 66.

O testemunho dos Santos


A Imaculada Conceição, admirável privilégio da Virgem Maria,
foi proclamada por inúmeros Santos, ao longo de todos os séculos da
história da Igreja. Por exemplo, Santo André, Apóstolo do Senhor,

66) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 7/12/1966. (Arquivo pessoal).

81
Preservou Ele a vossa Conceição...  Capítulo 1

diante do procônsul Egeu, assim se exprime a respeito de Maria: “E


porque o primeiro homem foi formado de uma terra imaculada, era
necessário que, de uma Virgem igualmente imaculada, nascesse o
homem perfeito” 67.
Santo Hipólito, Bispo do Porto, mártir, escrevia por volta do ano
220: “Quando o Salvador do mundo resolveu resgatar o gênero huma-
no, nasceu da imaculada Virgem Maria, e se revestiu de nossa car-
ne...” 68
Santo Efrém o sírio, diácono de Edessa, em 360 exclamava: “Sois
imaculada, sois sem mancha e sem defeito, sois a própria pureza, da
qual não pode se aproximar sombra de pecado, ó Virgem, Esposa de
Deus e nossa Soberana!” 69
O grande São Jerônimo, explicando as palavras do Cântico (V, 2):
Pomba minha, imaculada minha — assim se exprime:
“Maria apresenta, em tudo, a simplicidade da pomba, porque nada
existiu n’Ela que não fosse toda pureza, toda simplicidade, toda verda-
de e toda graça.
“Ela é, pois, imaculada, porque não tem traço de corrupção” 70.
E Santo Agostinho: “Quem poderá dizer: eu nasci sem pecado?
Quem poderá se gloriar de ser puro de toda iniquidade, senão esta
Virgem prudentíssima, este templo vivo do Altíssimo, que o próprio
Deus escolheu e predestinou antes da criação do mundo, para que
fosse a santa e imaculada Mãe de Deus, para que fosse a filha preser-
vada de toda corrupção e de toda mancha de pecado?” 71
Santo Ildefonso, uma das glórias mais puras da Espanha, escrevia
em meados do século VII: “É opinião constante que Ela foi isenta de
toda falta original, Aquela por quem não somente a maldição de nossa
mãe Eva foi retratada, mas a bênção foi a todos concedida” 72.
No ano de 811, São Nicéforo, Patriarca de Constantinopla, diri-
gia ao Papa Leão III uma carta contendo sua profissão de fé, a qual

67)  Carta do martírio de André. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie.
Paris: HIPPOLYTE WALZER, 1900. Vol. I. p. 296-297.
68)  HIPÓLITO. Orat. in Consummatione mundi, Apud JOURDAIN, Z.-C. Op. cit. p. 303.
69)  EFRÉM. Serm. 2 de Laudibus B. Mariae, Apud JOURDAIN, Z.-C. Op. cit. p. 310.
70)  JERÔNIMO. Epist. de Assumptione, Apud JOURDAIN, Z.-C. Op. cit. p. 313-314.
71)  AGOSTINHO. In Breviario Romano a Card. Quignonio, Apud JOURDAIN, Z.-C. Op.
cit. p. 321.
72) ILDEFONSO. Lib. de Parturitione et Virginitate B.V.M. Apud JOURDAIN, Z.-C. Op.
cit. p. 329.

82
Matinas  Preservou Ele a vossa Conceição...

conclui nestes termos: “Pela intercessão de sua Mãe toda imaculada e


toda pura, e pela de todos os Santos” 73.
Ricardo de São Vítor, nos fins do século XII: “As estrelas são cober-
tas de trevas, os Santos são obscurecidos pela falta comum a todos os
homens. Mas a Bem-aventurada Virgem foi toda bela: o Sol de Justiça
A iluminou inteira, e A penetrou de seus raios. N’Ela não há mancha
alguma nem sombra de pecado” 74.
Durante o século XIV viveu o piedoso e admirável autor Rai-
mundo Jordão, agostiniano e Abade de Celles, o qual, por humilda-
de, se escondia sob o nome de Idiota. Fervoroso defensor da Imacu-
lada Conceição, exclamava: “Sois toda bela, ó Maria, e em Vós não
há mácula. Sois toda bela em vossa Conceição, pois fostes formada
unicamente para ser o templo do Deus Altíssimo. [...] Jamais man-
cha alguma, sopro nenhum do vício ou do pecado tocou vossa gloriosa
alma! [...] Não há em vós sombra de pecado, seja mortal, seja venial,
seja original: nunca houve e nunca haverá!” 75
Em 1410, São Vicente Ferrer declarava que Maria não foi seme-
lhante a nós, em sua Conceição, mas criada pura e santa, desde o pri-
meiro momento. “E logo — dizia — os Anjos celebraram a festa da
Imaculada Conceição!” 76
Nos albores do século XVII, São Francisco de Sales assim se expri-
mia: “Bem é verdade que nosso primeiro pai e Eva foram criados e
não concebidos; sem embargo, todas as concepções dos homens se
fazem em pecado. Somente Nossa Senhora ficou isenta deste mal,
Ela, que devia conceber a Deus primeiramente em seu coração e em
seu espírito antes de concebê-Lo em suas puríssimas entranhas” 77.
Encerremos esse curto rol de louvores à Imaculada Conceição, com
o ardoroso juramento de Santo Afonso de Ligório, um século antes
da definição dogmática pela Bula Ineffabilis Deus: “Ó minha Senho-
ra, minha Imaculada, alegro-me convosco por ver-Vos enriquecida
de tanta pureza. Agradeço e proponho agradecer sempre ao nosso
comum Criador por ter-Vos Ele preservado de toda mancha de culpa.

73)  NICÉFORO. Epist. ad Leonem III Papam, Apud JOURDAIN, Z.-C. Op. cit. p. 337
74)  SÃO VÍTOR, Ricardo de. A Bernad. de Bustis citatus, Apud JOURDAIN, Z.-C. Op.
cit. p. 352.
75)  JORDÃO, Raimundo. Contempl. de Virgine Deipara, c. 3, Apud JOURDAIN, Z.-C.
Op. cit. p. 339.
76)  FERRER, Vicente. Serm. de Nativitate, Apud JOURDAIN, Z.-C. Op. cit. p. 359.
77)  SALES, Francisco de. Obras Selectas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 502.

83
V. Deus A escolheu e predestinou...  Capítulo 1

Disso tenho plena convicção, e para defender este vosso tão grande
e singular privilégio da Imaculada Conceição, juro dar até a minha
vida” 78.

@ V. Deus A escolheu e predestinou


Entre as infinitas criaturas possíveis, Deus escolheu e predestinou a
sua Virgem. Outras não foram as palavras de Pio IX na célebre Bula
em que definiu o dogma da Imaculada Conceição:
“Desde o princípio e antes dos séculos, escolheu e pre-ordenou
[Deus] para seu Filho uma Mãe, na qual Ele se encarnaria, e da qual,
depois, na feliz plenitude dos tempos, nasceria; e, de preferência a
qualquer outra criatura, fê-la alvo de tanto amor, a ponto de se com-
prazer n’Ela com singularíssima benevolência” 79.

Gloriosa parte nos desígnios de Deus


Com efeito, escreve o Fr. Royo Marín: “depois de Cristo-Homem,
Primogênito de toda criatura, a ninguém amou mais o Pai do que
Àquela que no tempo havia de ser a Mãe de seu Filho encarnado” 80.
O mesmo nos ensina o insigne mariólogo Nicolas, segundo o qual
a Santíssima Virgem Maria foi “predestinada entre todas as criaturas
para ocupar um posto infinitamente superior ao de todos os eleitos.
“Depois de Jesus, e muito antes do que sobre todos os seus irmãos,
Deus fixou sobre Ela o eterno olhar de sua complacência, aquele olhar
onipotente que, onde quer que se fixe, produz a vida, como o sol faz
ressaltar os corpos que reveste e tinge de sua luz” 81.
E São Tomás de Villanueva explica que, “embora na mente e elei-
ção de Deus não haja prioridade de tempo — pois tudo foi escolhido
desde a eternidade — existe, sem embargo, a prioridade da dignida-
de, porque alguns foram eleitos para um grau de dignidade maior que

78)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 206.
79)  PIO IX. Bula Ineffabilis Deus. In: Documentos Pontifícios. Petrópolis: Vozes, 1953. p. 3.
80)  ROYO MARÍN, Antonio. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. Ma-
drid: BAC, 1968. p. 59.
81)  NICOLAS, Augusto. La Virgen María y el Plan Divino. Barcelona: Religiosa, 1866.
Vol. II. p. 67.

84
No primeiro instante de sua Conceição,
por singular privilégio de Deus foi Nossa Senhora
preservada de toda mácula do pecado original
Imaculada Conceição
R. No seu tabernáculo A fez habitar...  Capítulo 1

outros. Por isso dizemos que a Virgem foi constituída e escolhida sin-
gularmente, [...] porque o foi para uma glória eminente e única, pelo
que canta d’Ela a Igreja: Deus A elegeu e predestinou” 82.
Recolhendo a opinião de santos autores, acrescenta o Pe. Jourdain:
“São Tomás de Aquino ensina expressamente que Cristo, sendo a
Sabedoria incriada, não pode ser chamado mera criatura. Assim, não
é em louvor de Jesus Cristo, mas de Maria, que a Igreja repete estas
palavras do Eclesiástico, na Santa Liturgia: «Eu saí da boca do Altíssi-
mo, primogênita antes de toda criatura... Fui criada desde o começo, e
antes de todos os séculos»; e estas outras palavras tiradas do livro dos
Provérbios (VIII, 2): «Fui concebida antes das colinas», quer dizer,
segundo o pensamento de Santo Agostinho, «Deus me concebeu antes
das mais sublimes criaturas, antes dos Anjos e dos Santos, não só para
que Eu fosse santa, mas a Mãe de Santos, como deles é Jesus Cristo o
Pai, o Príncipe e o Chefe supremo». [...]
“[Assim], concordam todos os teólogos em considerar Maria como
a obra-prima do poder divino; reconhecem todos que, nos desígnios
de Deus, recebeu Ela a mais bela parte e a mais gloriosa” 83.

@ R. No seu tabernáculo A fez habitar

Maria no eterno pensamento divino


Pode-se dizer que no tabernáculo de Deus habitou Maria, em vir-
tude da excelência de sua eterna predestinação.
“A Santíssima Virgem, na qual tudo é maravilha, antes de aparecer
neste mundo, na realidade de sua vida terrena, teve, por singular privi-
légio, uma existência antecipada. Deus concedeu-Lhe a honra da pré-
existência.
“Ora, a forma mais esplêndida desta pré-existência é, certamente,
aquela de que Maria gozou no seio de Deus, antes de todos os tempos.
Desde toda a eternidade, esteve Ela no pensamento de Deus, vivia no
coração de Deus, em razão de sua incomparável predestinação.

82)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 201.
83)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 12 e 22.

86
Matinas  V. Protegei, Senhora, a minha oração...

“Sem dúvida, todas as criaturas, que foram e que serão, vivem des-
de toda a eternidade no pensamento de Deus, como em seu arquéti-
po vivo e infinito, posto que em Deus não há nem antes, nem depois.
Porém, segundo nossa maneira de compreender, no pensamen-
to de Deus vive, de modo particular e especialíssimo, a Santíssima
Virgem”84.

@ V. Protegei, Senhora, a minha oração.


R. E chegue até Vós o meu clamor

Maria tudo obtém de Jesus Cristo, em nosso favor


“Tudo quanto a Virgem Santíssima pede em favor dos seus servos,
obtém, com certeza, de Deus”. Esta sentença é de Santo Afonso de
Ligório. “Meditai — prossegue ele, citando Boaventura Baduário —
na grande virtude que tiveram as palavras de Maria na Visitação. Pois
que à sua voz foi conferida a graça do Espírito Santo, assim a Isabel
como a João, seu filho, segundo notou o evangelista. [...]
“Vencido pelos rogos de Maria, concede Cristo seus favores. Pois,
no parecer de São Germano, Jesus não pode deixar de ouvir Maria em
tudo o que Lhe pede, querendo nisto quase obedecer-Lhe como sua
verdadeira Mãe. [...] Busquemos a graça, mas busquemo-la por meio
de Maria, repito com São Bernardo, em continuação às palavras da
Virgem a Santa Matilde: «O Espírito Santo encheu-me de toda a sua
doçura e tornou-me tão cara a Deus, que quantos por meu intermédio
pedem graças a Ele, todos certamente as obtêm». [...]
“Não nos apartemos jamais dos pés desta tesoureira de graças,
dizendo-Lhe sempre com São João Damasceno: «Ó Mãe de Deus, abri-
nos as portas da vossa misericórdia, rogai sempre por nós, pois são vossas
preces a salvação de todos os homens». Recorrendo a Maria, o melhor
será pedir-Lhe que rogue por nós e nos obtenha aquelas graças, que
reconhece mais convenientes à nossa salvação” 85.

84)  ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910. Vol. I. p. 77-78.
85)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 249-251.

87
V. Protegei, Senhora, a minha oração...  Capítulo 1

Onipotente intercessão
Tanto mais devemos implorar esse patrocínio de Nossa Senhora,
quanto é ele onipotente. Assim o explica, em conformidade com o
ensinamento dos Santos e dos doutores eclesiásticos, o ilustre teólogo
dominicano, Fr. Garrigou-Lagrange:
“O senso cristão de todos os fiéis estima que uma mãe beatificada
conhece no Céu as necessidades espirituais dos filhos que ela deixou
sobre a Terra, e intercede pela salvação dos mesmos. Universalmen-
te na Igreja, os cristãos se recomendam às orações dos Santos chega-
dos ao termo da viagem. [...] O Concílio de Trento (sess. XXV) definiu
que os Santos no Céu rogam por nós e que é útil invocá-los. [...]
“«Jesus Cristo vivendo sempre, não cessa de interceder por nós», diz
São Paulo (Hebr. VII, 25). Ele é, sem dúvida, o intercessor necessário
e principal. Mas a Providência e Ele mesmo querem que recorramos
a Maria, a fim de que as nossas orações apresentadas por Ela tenham
mais valor.
“Em sua qualidade de Mãe de todos os homens, Nossa Senhora
conhece todas as necessidades espirituais destes, e o que concerne à
sua salvação; em virtude de sua imensa caridade, Maria intercede por
eles. [...]
“Esta oração da Santíssima Virgem é onipotente. Por isso a Tradi-
ção A proclama omnipotentia supplex — a toda poderosa na ordem da
súplica. [...]
“Bossuet, em seu Sermão sobre a Compaixão de Maria, assim se
exprime: «Intercedei por nós, ó Bem-aventurada Maria: tendes em vos-
sas mãos, se ouso dizê-lo, a chave das bênçãos divinas. É vosso Filho esta
misteriosa chave mediante a qual são abertos os cofres do Padre Eter-
no. Ele fecha, e ninguém abre; Ele abre, e ninguém fecha. É seu inocente
Sangue que faz derramar sobre nós os tesouros das graças celestiais. E a
quem dará Ele mais direito sobre esse Sangue, senão Àquela da qual Ele
tirou todo seu Sangue? De resto, viveis com Ele em uma tão perfeita ami-
zade, que é impossível não sejais atendida». Basta, como diz São Ber-
nardo, que Maria fale ao coração de seu Filho. [...]
“Vê-se, com isso, que a intercessão de Maria é muito mais pode-
rosa e mais eficaz que a de todos os outros Santos reunidos, pois eles
nada obtêm sem Ela. Sua mediação permanece sujeita à d’Ela, que

88
Matinas Oremos...

é universal, embora sempre subordinada, por sua vez, à de Nosso


Senhor Jesus Cristo” 86.

@ Oremos:
Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso
Senhor Jesus Cristo e Dominadora do mundo...
As invocações iniciais desta oração que se repete em todas as horas
do Pequeno Ofício, nos recorda alguns dos principais títulos com que
honramos a Virgem ao longo deste saltério, comentados em seus res-
pectivos lugares. Em seguida dizemos:

@ ... que a ninguém desamparais nem desprezais;


ponde, Senhora, em mim, os olhos de vossa
piedade; e alcançai-me de vosso amado Filho o
perdão de todos os meus pecados...

Olhos sobremaneira misericordiosos


Com grande afeto dirigia, certa vez, Santa Gertrudes estas palavras
a Nossa Senhora: “Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”.
Apareceu-lhe então a Virgem Santíssima com o Menino Jesus nos bra-
ços, e mostrando-lhe os olhos de seu Divino Filho, disse: “Estes são
meus olhos sobremaneira misericordiosos que posso proveitosamente
inclinar sobre quantos me invocam, enriquecendo-os com abundante
fruto de salvação eterna” 87.
Semelhante é o exemplo que registra Santo Afonso, em seus comen-
tários à Salve Rainha: “Chorando certa vez um pecador diante de uma
imagem de Maria, e pedindo-Lhe que lhe alcançasse de Deus o perdão
de seus pecados, viu a Bem-aventurada Virgem voltar-se para o Meni-
no que tinha nos braços e Lhe dizer: «Filho, perder-se-ão estas lágrimas?»
Reconheceu o infeliz que Jesus Cristo lhe concedera o perdão.

86)  GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure. Pa-


ris: Du Cerf, 1948. p. 232; 234-236; 238-239.
87)  GERTRUDIS. Revelaciones. Tradução do Pe. Timoteo P. Ortega, 2. ed. Buenos Aires:
Benedictina, 1947. p. 542.

89
A Onipotência Suplicante
“Mediante a Encarnação do Verbo no seio puríssimo de
Maria, Deus, por um ato de sua infinita bondade, criou os
vínculos que O ataram ao gênero humano. E Nossa Senho-
ra, tornando-se Mãe d’Ele, passou a ser também a Mãe espi-
ritual de todos os homens.
“Em vista disto, quando Ela pede a seu Divino Filho por
nós, é como uma mãe que intercede junto a um filho em
benefício de outro irmão deste. É impossível não atendê-
la. Por isso os teólogos atribuem a Nossa Senhora o título
de Onipotência suplicante. Em virtude de suas insondáveis
perfeições, Ela é sempre ouvida por Deus em suas preces a
nosso favor, e d’Ele nos obtém aquilo que, por nós mesmos,
não mereceríamos.
“Um exemplo pode ilustrar esta verdade.
“Imagine-se uma mãe que tenha dois filhos: um, reto e
probo, exerce a função de juiz; o outro é simplesmente um
criminoso, ao qual o irmão deste deve julgar.
“Que acontece, então?
“A mãe se dirige ao filho magistrado e lhe diz: «Meu filho,
sei que tu és juiz e que a ti cabe aplicar a justiça. Os defeitos
de teu irmão são tais que exigem a pena de morte. Na ver-
dade, porém, tu, ó juiz, me deves igualmente a vida. Poupa
a desse homem que merece a pena capital, em atenção aos
rogos daquela que te gerou!»
“Que filho recusaria tão extremosa súplica?
“Pois bem, semelhante a esta, é a intercessão de Maria
em favor da humanidade pecadora. E por ser Ela a Mãe de
Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele Lhe concede tudo o que o
melhor dos filhos pode dar à melhor das mães.
“E é tal o valor da impetração de Nossa Senhora que,
segundo o ensinamento da teologia, todas as orações de
todas as criaturas devem ser apresentadas por Ela a seu
adorável Filho, porque assim o dispôs a vontade divina.
“Essa é a Mãe de uma doçura sem nome, de ilimitada
compaixão para com seus miseráveis filhos, em favor dos
quais Ela obtém o perdão e as graças do Juiz.
“Quantos exemplos não atestam essa incansável solicitu-
de de Maria para com os homens! Tome-se, entre outros, o
do Bom Ladrão, a quem o Divino Crucificado, atendendo às
súplicas de sua Mãe aos pés do Madeiro, perdoou na hora
extrema com a estupenda promessa: «Tu hoje estarás comi-
go no Paraíso» (Lc. XXIII, 43).
“Compreende-se, assim, a importância da intercessão de
Nossa Senhora, como ela alivia a nossa penosa existência, e
enche de júbilo nossas almas. Como seria soturna a vida de
um católico, se não fosse a proteção da Virgem. Ao contrá-
rio, como ela é leve, cheia de esperança, de perdão e de afe-
to materno, com a contínua assistência de Maria — a Oni-
potência suplicante!”

CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.


Conferência em 21/9/1966. (Arquivo pessoal).
Oremos...  Capítulo 1

“E como poderia perecer quem se encomenda a esta boa Mãe? Não


Lhe prometeu seu Divino Filho usar de misericórdia por seu amor e
segundo seu desejo, para com todos os que a Ela recorrem? Tal foi a
promessa que Santa Brígida ouviu o Senhor fazer à sua Mãe. [...]
“Se, por causa de nossos pecados, nos invadir a desconfiança,
digamos com Guilherme de Paris: «Ó Senhora minha, não me lanceis
em rosto meus pecados, porque lhes oporei vossa grande misericórdia.
Jamais se diga que minhas culpas puderam contrabalançar no juízo a
vossa misericórdia. Pois esta é muito mais eficaz para obter-me o perdão,
que todos os meus pecados para valerem-me a condenação»” 88.

Maria reconcilia os pecadores com Deus


No mesmo sentido se exprime o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Nossa Senhora tem olhos de misericórdia, e um simples olhar d’Ela
pode nos salvar. Sua doçura é invariável, seu auxílio ilimitado, pron-
to a nos atender a qualquer momento, sobretudo nas dificuldades de
nossa vida espiritual. Estas costumam ser de duas ordens.
“Em primeiro lugar, a crise que se poderia chamar clássica, quando
a pessoa se sente tentada e, portanto, hesitante entre o bem e o mal,
com a possibilidade de ser arrojada no precipício do pecado de um
momento para outro. É bem evidente que Maria é nosso auxílio, na
plenitude do termo, nessas circunstâncias.
“Contudo, a solicitude da Mãe de misericórdia se volta também
para aquele que se encontra em apuro espiritual muito mais grave, e
que se traduz por esta súplica: «Minha Mãe, eu, sucumbindo ao peso da
tentação, não andei bem. Pequei. Tenho o receio de me habituar ao peca-
do e de nele me embrutecer. Por outro lado, imensa é a minha vontade
de me regenerar. Sei que não mereço a vossa proteção; mas, porque sois
a Auxiliadora de todos os cristãos, não apenas dos bons, senão até dos
mais miseráveis, peço-Vos: vinde e auxiliai-me».
“Portanto, nessa visualização, é o próprio fato de se ter caído em
pecado que se alega diante de Nossa Senhora, como razão para obter
seu socorro. É o desamparado que encontra no seu infortúnio o moti-
vo pelo qual deve implorar a misericórdia de Maria.

88)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 142-143.

92
Matinas Oremos...

“E está na missão da Santíssima Virgem, é o movimento profundo


de seu coração materno, reconciliar os pecadores com Deus. Porque
a Mãe tem bondades, ternuras, indulgências e paciências que outros
não possuem. Ela pede, então, ao seu Divino Filho por nós, e nos
obtém uma série de graças, um sem número de perdões que jamais
alcançaríamos sem a sua intercessão” 89.

@ ... para que, venerando agora, afetuosamente, a


vossa Imaculada Conceição, consiga depois, a
coroa da eterna bem-aventurança.

A graça da perseverança final


Encerrando, rogamos o dom da perseverança final e nosso ingres-
so na celeste beatitude.
“Maria, porque é nossa Mãe, deseja sobretudo a eterna salvação de
seus filhos, pelos quais intercede.
“A vida presente passa, com felicidades, com infelicidades, com
tropeços; ela um dia acaba, e é a eternidade que fica. Por isso, o mais
importante é salvarmos nossas almas, para as quais a Santíssima Vir-
gem obtém de Deus graças e virtudes.
“Peçamos a Ela, Rainha dos Corações, por cujas mãos Deus gover-
na a História e o mundo, que mova nossas almas segundo os seus
desígnios, e nos alcance a eterna beatitude” 90.
Portanto, unamos nossas vozes à do grande São Bernardo, que
assim se dirigia à Santa Mãe de Deus: “Ó bendita Virgem, que achas-
tes a graça, Mãe da vida, Mãe da salvação! Por meio de Vós chegamos
a vosso Filho, por Vós nos receba O que por Vós se deu a nós. Escu-
se diante d’Ele vossa integridade as culpas de nossa corrupção, e vos-
sa humildade tão grata a Deus alcance o perdão de nossa vaidade. A
vossa copiosa caridade cubra a multidão de nossos pecados, e vossa
fecundidade gloriosa nos dê a fecundidade das boas obras. Senhora

89) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 24/5/1965, 17/5/1966 e


10/9/1989. (Arquivo pessoal).
90) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 10/9/1989. (Arquivo pessoal).

93
Oremos...  Capítulo 1

nossa, Medianeira nossa e nossa Advogada, reconciliai-nos com vos-


so Filho.
“Ó Bendita, pela graça que achastes, pelo privilégio que mereces-
tes, pela misericórdia que engendrastes, fazei que Aquele que por
meio de Vós se dignou tornar-se partícipe de nossa enfermidade e
miséria, por vossa intercessão também nos faça participantes de sua
glória e bem-aventurança!” 91

@ Por mercê do mesmo vosso Filho Jesus Cristo,


Senhor nosso, que com o Padre e o Espírito
Santo vive e reina em unidade perfeita, Deus,
pelos séculos do séculos. Amém.

Necessidade de um mediador entre Deus e os


homens
A intercessão de Maria, embora onipotente, está subordinada à de
Nosso Senhor Jesus Cristo, como acima vimos. Razão pela qual a San-
ta Igreja encerra as orações de sua liturgia invocando a mediação do
Filho de Deus.
Explica Fr. Luís de Granada que, depois da queda de Adão, “a pri-
meira e maior necessidade que tínhamos era a de sermos restituídos
à antiga amizade e graça de nosso Criador, que havíamos perdido por
aquele comum pecado pelo qual, como diz o Apóstolo (Ef. II, 3), os
homens nasciam filhos da ira. E como a amizade e graça de Deus para
com suas criaturas seja a primeira causa de todos os bens das mesmas,
faltando esta, faltavam também os benefícios que desta amizade pro-
cediam. [...]
“Estando, pois, os homens nesta desgraça com seu Rei e Senhor,
era necessário o que geralmente se faz quando as partes andam em
desavença: um bom e terceiro mediador que as reduza à concórdia.

91)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 166.

94
Matinas  V. Bendigamos ao Senhor...

O Homem-Deus, Mediador perfeitíssimo


“Este não podia ser mais conveniente que o mesmo Filho de Deus
humanado. [...] Pois, quem mais fiel para com Deus do que o próprio
Deus? E quem mais fiel para com o homem do que o próprio homem?
E quem mais amigo de ambas as naturezas do que aquele que as tinha
em si reunidas? De maneira que os dois negócios tomava por seus: o
de Deus, porque era Deus verdadeiro, e o do homem, porque era ver-
dadeiro homem. Portanto, para este fim nenhuma coisa se podia, não
digo ordenar, mas nem imaginar nem desejar mais a propósito. [...]
“Ademais, quem havia de ter tão grandes e tão gerais amizades,
quem havia de apagar a chama deste ódio, quem havia de fazer ami-
gos de tantos inimigos como eram todos os séculos presentes, passa-
dos e vindouros, necessariamente havia de ser amicíssimo e gratíssimo
aos olhos de Deus, para que com a abundância de suas graças se desfi-
zessem tantas desgraças, e com a grandeza de sua amizade se olvidas-
sem tantas inimizades. [...]
“Quem podia ser para isto mais conveniente que o unigênito Filho
de Deus, infinitamente amado de seu Eterno Pai? A este, pois, deu-nos
a imensa bondade de Deus por mediador e reconciliador, [...] por quem
alcançamos a redenção e perdão de nossos pecados”92.

@ V. Bendigamos ao Senhor.
R. Demos graças a Deus.

Gratidão a Deus por ter criado Nossa Senhora


Depois de se repetirem os versículos com os quais invocamos,
novamente, a intercessão da Santíssima Virgem, externamos nosso
entranhado e filial reconhecimento a Deus.
É exortação constante dos autores eclesiásticos que “sempre e por
tudo devemos dar graças a nosso Criador” 93, “não apenas pelos gran-
des benefícios, senão também pelos pequenos” 94.

92)  GRANADA, Luís de. Obra Selecta. Madri: BAC, 1952. p. 706-708.
93)  AGUSTIN. Obras de San Agustin. 1982, 5. ed. Vol. III. p. 355.
94)  CRISÓSTOMO, Juan. Obras. Madrid: BAC, 1956. Vol. II. p. 173,

95
As almas dos fiéis defuntos...  Capítulo 1

“Feliz o homem — exclama São Bernardo — que a cada um dos


bens da graça volta-se Àquele em quem está a plenitude das graças;
e, ao mostrar-nos agradecidos pelos favores recebidos, nos dispomos
a merecer graças ainda maiores. Somente nossa ingratidão nos impe-
de em absoluto de progredir na vida perfeita, pois, reputando o doa-
dor que em certo modo se frustrou do que o ingrato recebeu, cuida-se
doravante de não dar tanto ao mesmo para tanto não perder.
“Feliz, pois, o que rende não pequenas graças, ainda pelos mínimos
benefícios.
“Portanto, encareço-vos, irmãos, [...] que nos humilhemos mais e
mais, sob a poderosa mão de Deus, e que procuremos estar longe des-
te grande e péssimo vício da ingratidão, para que, ocupando-nos com
toda devoção na ação de graças, atraiamos sobre nós a graça de nos-
so Deus, a única que pode salvar nossas almas. E não só nos mostre-
mos agradecidos com língua e palavra, mas com obra e verdade, por-
que não é tanto a verbosidade como a ação de graças o que exige de
nós o doador de todas as graças, Nosso Senhor, que é bendito pelos
séculos” 95.
É fora de dúvida que um dos maiores benefícios pelos quais deve-
mos gratidão e louvor ao Altíssimo, é a existência de sua e nossa Ima-
culada Mãe. Por isso, digamos com São João Eudes: “Ó grande Deus,
que sempre sejais bendito por vossos eternos planos de nos dar este
imenso tesouro! [...] Graças infindas vos sejam dadas, ó adorabilíssima
Trindade, por todos os favores com que haveis enriquecido a esta Vir-
gem incomparável. [...] Que o Céu e a Terra, os Anjos e os homens, e
todas as criaturas por isto Vos bendigam e incessantemente Vos glori-
fiquem!” 96

@ As almas dos fiéis defuntos


por misericórdiade Deus descansem em paz.
Amém.
Com esta última súplica, lembramo-nos das almas que se encon-
tram no Purgatório, para as quais solicitamos, a rogos de Maria, o per-
pétuo descanso.

95)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 990-991.


96)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 48 e 67.

96
Matinas  As almas dos fiéis defuntos...

Maria deseja que aliviemos as almas do Purgatório


“A Bem-aventurada Virgem — comenta o Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira — alcança também graças para as almas que se acham no
Purgatório, onde expiam os pecados que cometeram nesta vida. Por
meio de suas súplicas, Ela abrevia a punição dessas almas, suaviza-a e
a alivia de mil modos” 97.
Outra não é a afirmação de Santo Afonso de Ligório, segundo o
qual, “pelos merecimentos de Maria, não só se tornam mais leves, mas
também mais breves as penas das almas do Purgatório, apressando-se,
com a intercessão da Santíssima Virgem, o tempo da expiação. Basta
que Ela formule um pedido neste sentido” 98.
Ademais, sobremaneira estima a Mãe de Deus nossas ações em
favor dos membros da Igreja Padecente.
A esse respeito escreve o Pe. Jourdain:
“As almas do Purgatório são caras à Santíssima Virgem; são almas
predestinadas e santas, almas que muito A amam e que, em sua maior
parte, A serviram com fidelidade durante sua vida sobre a Terra. Nas
almas do Purgatório Maria vê as filhas bem-amadas do Padre Eterno,
as esposas de seu Divino Filho, os templos do Espírito Santo, as ima-
gens de Deus que brilharão um dia no Céu com maravilhoso fulgor.
Ela vê nessas almas o preço do Sangue de seu adorável Jesus, as flores
imortais que ornarão sua própria coroa durante a eternidade. Nelas,
Maria vê seus próprios filhos. [...]

Quem reza pelas almas do Purgatório prepara


seu próprio sufrágio
“Concorrendo para o alívio dessas almas, praticamos numerosos
atos de virtude e preparamos nosso próprio socorro para o tempo
em que estivermos no purgatório. [...] Bem raros são aqueles que vão
diretamente ao Céu, ao saírem desta vida. Portanto, se salvarmos nos-
sa alma, a salvaremos passando pelo fogo, segundo a palavra do Após-
tolo (I Cor. XIII, 15). [...]

97) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 25/9/1990. (Arquivo pessoal).


98)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima, 6. ed., Petrópolis: Vozes,
1964. p. 154.

97
Maria, modelo
de gratidão
a Deus
Em sua admirável obra
dedicada à Virgem Santíssi-
ma, o Pe. Jourdain recolhe
estas palavras do Pe. Kise-
lio, S. J. (séc. XVII):
“Ao ouvir Isabel procla-
má-La bendita entre todas
as mulheres, e render teste-
munho à divindade do ben-
dito fruto de suas entra-
nhas, a Bem-aventurada Vir-
gem Maria exprime os senti-
mentos de que está penetra-
da, no admirável cântico, o
Visitação, por Fra Angélico mais belo que contêm nos-
sos Santos Livros: Magnifi-
cat anima mea Dominum — «Minha alma glorifica o Senhor». [...]
“Como no dia da Anunciação, Ela se diz sua humilde serva; procla-
ma que Ele é o Deus que salva, o Deus onipotente, o Deus santo. Ela
cumpre o que recomenda o Sábio: «Bendizei ao Senhor e exaltai-O tan-
to quanto puderdes». Transportada de júbilo e de reconhecimento, Maria
rende graças a Deus por seus benefícios. [...]
“Que o exemplo da Virgem nos ensine como devemos, por nossa par-
te, glorificar a Deus, Jesus Cristo Nosso Senhor e sua Bem-aventurada
Mãe.
“Porventura não fez Deus também em nós grandes coisas, por sua
onipotência? Não nos recolheu Ele e nos tirou do abismo de nossa misé-
ria? Seu nome não é igualmente santo para nós e cheio de suavidade?
Não nos aceitou como filhos em sua misericórdia? Não deu de comer
àqueles que tinham fome, não consolou os aflitos e exaltou os humildes?
Que nossa alma glorifique, pois, ao Senhor, e que nosso espírito se alegre
em Deus nosso Salvador!
“Sim, é com alegria que convém, a exemplo de Maria, bendizer ao
Senhor, testemunhar-Lhe nossa gratidão e celebrar sua glória!”

JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie.


Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. V. p. 377-378.
Matinas  As almas dos fiéis defuntos...

“Mas, se durante nossa vida nos aplicamos em sufragar as almas do


Purgatório, [...] não devemos temer de ser abandonados: o que fize-
mos pelos outros, ser-nos-á devolvido ao cêntuplo. Maria não permi-
tirá que sejamos vítimas de nossa generosidade, e a nossa dívida, fosse
ela de dez mil talentos, logo será paga. [...]
“Roguemos, pois, pelas almas do Purgatório. Assim praticamos o
bem, alegramos o coração de Nossa Senhora, enriquecemos o tesouro
de nossos méritos e preparamos uma entrada mais fácil na mansão da
eterna beatitude” 99.

99)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. VII. p. 622-624.

99
A Virgem
e o Menino
Capítulo 2

Prima

Hino

Salve, prudente Virgem, destinada


Para dar ao Senhor digna morada.
Com as sete colunas da Escritura,
Do templo a mesa ornou-Vos em figura.
Fostes livre do mal que o mundo espanta,
E no seio materno sempre santa.
Porta dos Santos: Eva, Mãe da vida,
Estrela de Jacob aparecida.
Sois armado esquadrão contra Luzbel;
Sede amparo e refúgio à grei fiel. Amém.

V. Ele próprio A criou no Espírito Santo.


R. E A representou maravilhosamente
em todas as suas obras.

101
pós os versículos iniciais, comentados em
Matinas, o presente Hino canta as honras
da Virgem Imaculada, santa desde o pri-
meiro instante de seu ser, isenta de toda
mancha de pecado.
Maria Santíssima, nesta Hora, será
louvada como a única criatura digna de ser
Mãe de Deus, e que assim se constitui como
a porta pela qual, obrigatoriamente, entram todos os justos no
Céu, como afirma o santo cartuxo: “Quem se salvará? Quem
conseguirá reinar no paraíso? Aqueles, sem dúvida, por quem
tiver rogado a Mãe de misericórdia” 1.
Nossa Senhora será cultuada como a Restauradora da Or-
dem: “O que fez Eva, associada a Adão, para a ruína do gênero
humano, foi reparado por Maria, nova Eva, associada a Cristo,
novo Adão” 2.
“É Ela a Virgem prudentíssima, em cujo Imaculado Co-
ração ardeu continuamente a lâmpada do amor divino, sem
qualquer apego às coisas terrenas” 3. Digna mansão que edificou
para si a eterna Sabedoria, Maria recebeu em seu seio virginal o
verdadeiro Pão da Vida, Jesus Cristo Nosso Senhor.
Anunciada pelos lábios de Balaão, Nossa Senhora é a Estre-
la de Jacob que, na proteção dos seus filhos, aterroriza e resiste de
forma invencível ao demônio.

1)  DIONÍSIO, o Cartuxo. In: LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6.
ed. Petrópolis: Vozes, 1964. p. 158.
2)  ROYO MARÍN, Antonio. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. Madrid:
BAC, 1968. p. 51.
3)  Cfr. JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 125.

102
Prima  Salve, prudente Virgem...

@ Salve, prudente Virgem


Esta homenagem a Nossa Senhora tem como ponto de referência a
parábola narrada pelo Divino Mestre quando, às vésperas da Paixão,
recomendava aos homens vigilância e prudência (Mt. XXV, 1-13):
“Então será semelhante o reino dos Céus a dez virgens, que, toman-
do suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. Cinco delas eram
loucas, e cinco prudentes. As cinco loucas, tomando as lâmpadas, não
levaram azeite consigo; as prudentes, porém, levaram azeite nos seus
vasos juntamente com as lâmpadas. E, tardando o esposo, começaram
a toscanejar todas, e adormeceram. À meia noite, ouviu-se um cla-
mor: Eis que vem o esposo, saí ao seu encontro. Então levantaram-se
todas aquelas virgens, e prepararam suas lâmpadas. As loucas disse-
ram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque se nos extinguem
as lâmpadas. Responderam as prudentes, dizendo: Para que não suce-
da talvez faltar-nos ele a nós e a vós, ide antes ao que o vendem, e
comprai-o para vós. Mas, enquanto elas foram comprá-lo chegou o
esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele a celebrar as
bodas, e foi fechada a porta. Mais tarde vieram também as outras vir-
gens, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos! Ele, porém, respondeu: Na
verdade vos digo que não vos conheço. Vigiai, pois, porque não sabeis
o dia nem a hora.”

A Virgem prudentíssima
Maria Santíssima é a “Virgem prudente que soube manter bem
acesa sua lâmpada, alimentando-a abundantemente com o azeite
da divina graça, aguardando o Esposo para as bodas de Deus com a
humanidade, na Encarnação” 4.
A prudência de Nossa Senhora é uma de suas glórias, sempre admi-
rada pelos Santos e autores eclesiásticos.
Para Santo Efrém, Maria é “a primeira de todas as criaturas, pru-
dentíssima, sagacíssima e iluminadora Virgem” 5.
4)  PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português com
comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 89-90.
5) EFRÉM. Serm. de Ss. Dei Genitr. V. M. laudibus. Apud ALASTRUEY, Gregório. Trata-
do de la Virgen Santísima, 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 304.

103
Salve, prudente Virgem...  Capítulo 2

Santo Ildefonso escreve: “Não se trata de uma Virgem qualquer,


senão uma do número das prudentes e a primeira entre as primeiras,
que segue o Cordeiro com a maior proximidade, aonde quer que Este
vá” 6.
Salienta o piedoso Abade Raimundo Jordão: “Virgem disciplinada
no pensamento, no ouvir, no olhar, no olfato, no paladar, no riso, na
fala, no tato, no andar e em todo o movimento, de modo que d’Ela se
diz: «A boca do homem prudente é procurada na assembléia e os outros
pensarão nas suas palavras dentro dos seus corações» (Ecles. XXI, 20)” 7.
Exclama Santa Catarina de Siena: “Ó Maria, vaso de humildade
em que arde a luz do verdadeiro conhecimento, com a qual Vos ele-
vastes acima de Vós mesma e agradastes por isto ao Padre Eterno, e
Ele Vos arrebatou e atraiu a si, amando-Vos com singular amor! [...]
Ó Maria, porque tivestes esta luz, não fostes néscia, mas prudente” 8.
E São Bernardo comenta: “Não era [Maria] das virgens fátuas, mas
Virgem prudente, [...] cuja ardentíssima lâmpada foi um assombro
para os mesmos Anjos de luz, de modo que diziam: «Quem é esta que
caminha como a aurora que se levanta, formosa como a lua, eleita como
o sol?» Porque mais claramente que todas as outras, brilhava Aquela
a quem enchera do azeite da graça o próprio Cristo Jesus, Filho seu e
Senhor nosso” 9.

Manifestações da prudência de Maria


Vejamos agora, pelo ensinamento de um dos grandes mariólogos
do século XX, como se manifestou a virtude da prudência em Nossa
Senhora:
“Para se operar com prudência — escreve o Pe. Roschini — são
particularmente necessárias três condições: examinar com pondera-
ção, resolver com bom senso, executar com exatidão.
“Em Maria se encontrava esta rara prudência sobrenatural, eleva-
da ao mais alto grau de perfeição a que possa chegar uma criatura
humana. Ela foi a Virgem prudentíssima: prudentíssima em relação
ao fim que se propôs, que foi só de agradar sempre e em tudo a Deus,
6) ILDEFONSO. Serm. 1, De Assumpt. B.M.V. Apud ALASTRUEY, Gregório. Loc. cit.
7)  JORDÃO, Raimundo. Contempl. de B. Virgine, 8, Apud ALASTRUEY, Gregório. Loc. cit.
8)  SIENA, Catarina de. El Dialogo. Madrid: BAC, 1955. p. 600-601.
9)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 711-712.

104
Rainha da Prudência e do Conselho
“No Cantus Mariales se diz da Virgem Santíssima que Ela é a Rai-
nha da prudência e do conselho.
“Nossa Senhora estando presente entre os Apóstolos, após a Ascen-
são de seu Divino Filho, é impossível que estes não A tenham consul-
tado acerca de seus trabalhos, seus ensinamentos e escritos. Antes, é
de se supor que a Ela frequentemente recorressem.
“Essas relações de Maria com a pregação da Igreja nascente são
expressas em bonitos termos por um piedoso autor: «Nossa Senhora
foi o oráculo vivo que São Pedro consultou nas suas principais dificul-
dades; a estrela que São Paulo não cessou de olhar para se dirigir em
suas numerosas e perigosas navegações».
“Nada, portanto, se fez senão de acordo com o conselho e a orien-
tação da Santíssima Virgem. Assim se nos depara um lindo quadro: a
Igreja nos seus albores, com todos aqueles lances maravilhosos de sua
incipiente História, e toda ela inspirada e dirigida por Nossa Senhora.
“Verdade é que a São Pedro, como Papa, cabia o poder sobre toda a
Igreja. Contudo, é também verdade que o Príncipe dos Apóstolos esta-
va completamente submisso à Mãe de Deus, a qual, por meio dele, diri-
gia os demais.
“Considerar Nossa Senhora como inspiradora do espírito com que
escreveram os Evangelistas, A que deu os dados e as informações de
que eles se utilizaram, é algo que nos sugere cenas de rara beleza.
“Por exemplo, Maria Santíssima tendo a seu lado São Paulo, São
Pedro ou São João Evangelista, e Ela que conta, explica, interpreta e
os ajuda a compreender os fatos da vida de Nosso Senhor, realçando
este ou aquele episódio, e sendo, deste modo, o aroma do bom espírito
perfumando a Igreja inteira.
“É o que comenta, em seguida, o mesmo autor: «Diz o Cardeal Hugo
que Maria fez de seu coração o tesouro das palavras e das ações de
seu Filho, a fim de os comunicar em seguida aos escritores sagrados.
Nenhuma criatura, diz Santo Agostinho, jamais possuiu um conheci-
mento das coisas divinas e do que se relaciona com a salvação, igual
à Virgem Bendita. Ela mereceu ser a mestra dos Apóstolos e é Ela que
ensinou aos evangelistas os mistérios da vida de Jesus».
“Assim nos aparece o esplendor da alma santíssima de Nossa Senho-
ra, sua ortodoxia, sua prudência, sua sabedoria e sua santidade, que nos
levam a amá-La ainda mais.”
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.
Conferências em 25/6/1966, 11/7/1967. (Arquivo pessoal).
Salve, prudente Virgem...  Capítulo 2

de servi-Lo e de amá-Lo com toda a capacidade de seu coração. Pru-


dentíssima nos meios por Ela empregados, que foram escolhidos com
ponderação, circunspecção e conselho.
“«Ela não fez nunca, como se expressa o Cardeal Lépicier, coisa
alguma com precipitação, falta de consideração, inconstância, porém
se aconselhava primeiro com seu celeste Esposo, ponderando com sábia
lentidão os motivos e as razões de suas obras, julgando com paz e quietu-
de a respeito do procedimento a ter e seguindo pontualmente os ditames
da razão e da fé». [...]

Mestra incomparável em calar


“Uma prova eloquentíssima da prudência de uma pessoa consis-
te em saber calar e saber falar em tempo oportuno; pois, como diz
o Eclesiástico (III, 7), há tempo de calar e tempo de falar. Em uma e
outra coisa, Maria foi incomparável.
“Poderia ter falado, observa justamente um piedoso autor, mani-
festando a José o arcano mistério que se havia operado n’Ela, dissi-
pando assim a perturbação do amantíssimo Esposo; mas isto seria
revelar o segredo do Rei do Céu, isto se teria convertido em glória
sua; preferiu, pois, calar e deixou que falasse Deus por meio do Anjo.
“Teria podido falar em Belém, quando Lhe foi recusada hospeda-
gem, dando a conhecer a nobreza de sua origem, sua sublime dignida-
de: a humildade profunda e o desejo de sofrer, de conformar-se com o
querer divino, A persuadiram ao silêncio e calou-se.
“Quantas coisas teria podido dizer aos Pastores e aos Magos que
vieram visitar o Divino Infante. Isto poderia ter perturbado a adora-
ção e a contemplação desses santos personagens diante de Jesus: a
glória de Deus, a caridade para com os Magos e os Pastores a impedi-
ram de falar e calou-se.
“Ouvia com admiração tudo o que diziam para a glória do Filho,
de sua celeste doutrina, de seus milagres; Maria, mais que os outros,
O admira em seu coração, e neste conserva com desvelo aquelas pala-
vras e aqueles fatos.
“O velho profeta Simeão Lhe prediz os destinos do Filho e seus
futuros e atrocíssimos tormentos; Maria não acrescenta uma só pala-
vra, pois está pronta para tudo, não exalta sua resignação, escuta, ofe-
rece-se a si mesma em holocausto junto com o Filho, e cala-se.

106
Prima  Salve, prudente Virgem...

“Pelas mesmas justíssimas razões, cala-se sob a Cruz, cala-se nas


tribulações, nas humilhações, como, por modéstia, cala-se na alegria e
na glória. Eis as provas admiráveis de prudência divina que nos ofere-
ce o silêncio de Maria: Tempus tacendi.

Mestra insuperável no saber falar


“Mestra incomparável no calar quando se devia calar, mostrou-se
também mestra insuperável no falar a tempo, no lugar e do modo con-
veniente, isto é, quando e quanto convém para dar glória a Deus e
fazer bem aos homens.
“Também aqui são os fatos que provam. Falou ao Arcanjo São
Gabriel e não podemos deixar de admirar a prudência de suas pala-
vras. Falou à sua parenta Santa Isabel e suas palavras fizeram exul-
tar de pura alegria, ainda antes de seu nascimento, o futuro Precur-
sor de seu Filho. Suas palavras foram uma profissão de humildade, de
gratidão, um cântico de louvor, um hino sublime de agradecimento ao
Onipotente: Magnificat anima mea Dominum.
“Falou com o Filho no Templo e suas palavras foram uma admirá-
vel demonstração de afeto e de solicitude maternais.
“Falou nas bodas de Caná e com suas palavras ficou patente sua
compassiva misericórdia para com os necessitados e sua ilimitada con-
fiança em Deus. Ó admirável prudência de Maria, prudência incom-
parável tanto no falar como no calar!... Ó Virgem prudentíssima!” 10

Prudente no conformar seus atos à reta razão


Aos anteriores ensinamentos, podemos acrescentar o de D. Gregó-
rio Alastruey, encontrado nas páginas de seu Tratado de la Virgen San-
tísima:
“É próprio do prudente dirigir tudo o que faz de acordo com a nor-
ma da razão e da fé, de modo que nada faça senão o que é reto e
louvável. Isto convém à Bem-aventurada Virgem Maria, que nunca se
desviou do ordenado pela razão e pela fé em nenhuma de suas ações
ou operações” 11.

10)  ROSCHINI, Gabriel. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 167-168.
11)  ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santísima. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 304.

107
Salve, prudente Virgem...  Capítulo 2

Prudência no entender o presente, recordar o


passado e prover o futuro
“Faz parte da prudência — prossegue o mesmo autor — o enten-
der as coisas presentes, recordar as passadas e providenciar as futuras.
“A Santíssima Virgem teve inteligência das coisas presentes, que
consiste em deliberar, antes de agir, o que e como se deve fazer, por-
que, saudada pelo Arcanjo que Lhe anuncia o mistério da Encarna-
ção, pensou consigo mesma, ponderando que saudação seria aquela,
qual seria seu sentido e a que se encaminharia, suspeitando que se
solicitava d’Ela algo grande e acima da ordem comum. «Reflete, pois,
diz São Pedro Crisólogo, porque o responder imediatamente é próprio
da ligeireza humana; mas refletir é próprio de espíritos muito ponderados
e de juízo muito maduro».
“Ademais, Maria, instruída pelo Arcanjo de que havia sido elei-
ta para Mãe de Deus, pergunta como havia de cumprir-se aquilo; e
perguntar desta maneira não só não se deve imputar ao vício da des-
confiança, mas deve considerar-se digno de louvor e atribuir-se à pru-
dência, que interroga quando é necessário ou conveniente conhecer
o modo, como foi necessário a Maria, que havia feito voto de guardar
perpetuamente a virgindade. Pelo que diz Ricardo de São Lourenço:
«A sua prudência foi a de, perturbada, calar, entender o que ouviu e res-
ponder ao que se Lhe propôs».
“Maria teve memória das coisas passadas, posto que incessante-
mente meditava os oráculos dirigidos a Ela, as graças n’Ela acumu-
ladas e os preclaros ditos e feitos de seu Filho, como diz São Lucas
(II, 19): «Maria guardava todas essas coisas, conferindo-as em seu cora-
ção».
“Maria também operou com providência não apenas custodiando
seu Filho e afastando d’Ele os perigos previstos, mas também dispen-
sando-Lhe os cuidados materiais, vestindo-O e alimentando-O, para
que a seu tempo Ele se oferecesse a si mesmo na ara da Cruz e cum-
prisse a obra da Redenção. [...] Era, pois, sem dúvida, Virgem pruden-
tíssima” 12.

12) Idem, p. 305-306.

108
Prima  Salve, prudente Virgem...

No amar as coisas do Céu e no desprezar as


da Terra
Aprofundando-se na consideração dessa virtude cardeal de Maria,
o Pe. Jourdain dela nos apresenta outras características:
“Diz Santo Agostinho que a prudência é uma afeição ou um movi-
mento da alma, pelo qual se compreende que as coisas eternas são
superiores e as coisas terrenas inferiores. [...]
“Tal foi a prudência de que se revestiu a Virgem Mãe de Deus.
“Ela desviou de seu olhar e de suas afeições, desprezou e deixou de
lado todo o brilho da glória temporal, todo favor e toda carícia da for-
tuna. Fitou o Céu e as coisas celestes, aos quais desejou e amou. [...]

No conhecer as coisas divinas e humanas


“Com frequência chamamos prudentes os que são instruídos,
experimentados, sábios, e podemos, com razão, definir a prudência:
o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do
injusto. A Virgem Mãe de Deus foi dotada no mais sublime grau deste
conhecimento, e por isso é aclamada justamente como a Virgem pru-
dentíssima.
“Primeiro, a Bem-aventurada Virgem possui a mais perfeita inteli-
gência da Sagrada Escritura. Ricardo de São Lourenço a chama Arca
das Escrituras; São Germano, Arcebispo de Constantinopla, [a honra
como sendo] o selo de um e outro Testamento. São Vicente Ferrer afir-
ma que a Virgem conhecia melhor a Bíblia do que os Profetas. [...]
“A ciência que Maria possuía das coisas divinas era tal, que não
raras vezes os próprios pensamentos de seu Divino Filho não Lhe
eram desconhecidos, como se viu nas Bodas de Caná. Como poderia,
Aquela que foi a Mãe da ciência e da sabedoria substanciais de Deus,
não possuir no mais alto grau esta ciência e esta sabedoria do Verbo
Divino n’Ela encarnado?
“Por outro lado, Maria lia com frequência as Escrituras, e nelas
descobria os mais sublimes mistérios; sua contínua oração, suas pro-
fundas e santas meditações eram ainda para Ela outra fonte de luz” 13.
Tal foi a prudência de Maria.

13)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 124-127.

109
Rainha da Prudência, foi Nossa Senhora
“destinada para dar ao Senhor digna morada”
Nossa Senhora do Brasil
Prima  Destinada para dar ao Senhor digna morada...

@ Destinada para dar ao Senhor digna morada


O capítulo nono dos Provérbios se abre com este versículo: “A
sabedoria edificou para si uma casa”.
Qual é esta sabedoria e que morada construiu ela para seu uso?
São Bernardo nos responde: “Esta sabedoria que era de Deus e
que era Deus, vinda a nós do seio do Pai, construiu para si uma casa, e
esta casa foi a Virgem Maria, sua Mãe” 14.

Casa ornada pelo Divino Arquiteto


Corroborado pelas opiniões do santo Abade de Claraval e de
outros eminentes varões da Igreja, escreve o Pe. Paulo Ségneri, afa-
mado jesuíta e pregador na Corte Pontifícia, no séc. XVII:
“Segundo os santos doutores, a casa que a Sabedoria para si edifi-
cou, é a Virgem Santa que o Verbo escolheu desde toda a eternidade
por Mãe. Ora, um rei poderoso e rico que deseje construir para si uma
mansão, deseja, ao mesmo tempo, que nada se poupe para a regulari-
dade, ornamento e magnificência do edifício.
“A Sabedoria Eterna faria menos por sua morada?
“Não. O Verbo, tendo resolvido tomar um corpo humano no seio
de uma Virgem, e de nele permanecer nove meses, não negligenciou
nada para adornar este templo de sua divindade, para enriquecê-lo de
todos os seus dons, em uma palavra, para torná-lo digno de si. Deste
modo a Escritura fala do Verbo sob o nome da Sabedoria, Sapientia
ædificavit sibi domum, a fim de nos assinalar que é a sabedoria que Ele
emprega, para escolher e formar uma criatura da qual jamais se enver-
gonhará de ser o Filho.
“O Verbo, pois, como hábil arquiteto que nada deixa de irregular,
nada de defeituoso, na obra-prima de sua arte, e que lhe dá, pelo con-
trário, toda a perfeição de que é capaz, o Verbo, disse, longe de suportar
em sua Mãe qualquer desordem, qualquer defeito, tomará prazer em
aperfeiçoá-La, como numa obra à qual preside sua sabedoria infinita.
“Que prova nos é necessária, depois disso, das grandes prerrogati-
vas da Santíssima Virgem? Pode alguém recusar-Lhe alguma, quando

14)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 1070.

111
Destinada para dar ao Senhor digna morada...  Capítulo 2

se faz a reflexão de que Ela é a casa que a Sabedoria edificou para si:
Sapientia ædificavit sibi domum?” 15
Na mesma linha seguem os comentários do Pe. Jourdain:
“Não a um homem, mas ao próprio Deus era mister preparar uma
residência, a qual em tudo fosse digna do hóspede divino que a ocupa-
ria, não por um dia, de passagem, mas para nela habitar e dela tomar
os elementos de uma nova vida. [...]
“Tal mansão está necessariamente ao abrigo de qualquer mácula.
Ou seja, Maria, Mãe do Deus feito homem, criada e preparada por
Ele para se encarnar em seu seio, foi necessariamente isenta de qual-
quer falta, seja atual, seja original. [...] Isto não basta, acrescenta ain-
da Santo Agostinho; convinha que Ela fosse ornada e enriquecida
de todas as virtudes: «O Filho de Deus não construiu jamais uma casa
mais digna de Si do que Maria. Esta habitação nunca foi assaltada pelos
ladrões, jamais atacada pelos inimigos, nunca despojada de seus orna-
mentos». [...]

A mais ilustre habitação de Deus


“São Pedro Damião e São Jerônimo, assim entendem o capítulo
III de Isaías: a Santíssima Virgem é verdadeiramente a casa de Deus,
o palácio ou a corte real em que o Filho do Rei Eterno, revestido de
nossa carne, fez sua entrada neste mundo. «O palácio sagrado do Rei,
única habitação d’Aquele que nenhum lugar pôde conter», como diz
Santo André de Creta. [...]
“A Santíssima Virgem Maria é, portanto, a casa de Deus. Se, como
diz o Apóstolo, «os que vivem castamente são o templo de Deus», a Vir-
gem, a castíssima Mãe de Deus poderia não sê-lo? Sim, Ela o é, e
jamais possuiu Deus moradia mais nobre e mais digna de Si. Por isto
diz São Gregório: «Salve, templo vivo da Divindade! Salve, casa equiva-
lente ao Céu e à Terra! Salve, templo digno de Deus!»” 16

15)  SÉGNERI, Paulo. Meditações. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Ma-
rie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. VIII. p. 1-2.
16)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 247-248.

112
Prima  Destinada para dar ao Senhor digna morada...

Maria, templo onde Jesus


quer ser invocado
Ó Jesus que viveis em Maria, vinde e vivei em vossos servos,
no espírito de vossa santidade, diz a conhecida Oração a Jesus
vivendo em Maria. Comentando esta passagem da mesma, assim
se exprime o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Jesus viveu em Maria, e, de Maria, Jesus se comunicou aos
homens. Nossa Senhora é o sacrário onde está Nosso Senhor
Jesus Cristo, e o santuário de dentro do qual todas as graças se
difundem para o gênero humano.
“Por isso, devemos rezar a Jesus enquanto vivendo em Maria,
porque Ele quer ser invocado dentro do seu templo, que é a San-
tíssima Virgem. Pedir a Ele o quê? Que Ele venha e viva em nós,
como vivia n’Ela.
“Viver em nós, quer dizer, é ter o espírito da santidade de Jesus
Cristo, que é o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Roma-
na. E é, portanto, o espírito «ultramontano», a expressão mais
característica do espírito da Santa Igreja.
“Isto é o que devemos pedir a Jesus, por meio de Nossa Senho-
ra, enquanto vivendo n’Ela.”
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.
Conferência em 23/5/1966. (Arquivo pessoal).

Habitação ornada com as mais belas prendas


E Santo Afonso de Ligório, citando o Doutor Angélico, comenta:
“Devem ser santas e limpas todas as coisas destinadas para Deus.
Por isso David, ao traçar o plano do templo de Jerusalém com a mag-
nificência digna do Senhor, exclamou: Não se prepara a morada para
algum homem, mas para Deus (IPar. XXIX, 1). Ora, o soberano Cria-
dor havia destinado Maria para Mãe de seu próprio Filho. Não devia,
então, adornar-Lhe a alma com todas as mais belas prendas, tornan-
do-A digna habitação de um Deus?

113
Destinada para dar ao Senhor digna morada...  Capítulo 2

“Afirma o Beato Dionísio Cartuxo: O divino artífice do universo


queria preparar para seu Filho uma digna habitação, e por isso ornou
Maria com as mais encantadoras graças. Dessa verdade assegura-nos
a própria Igreja. Na oração depois da Salve Rainha, atesta que Deus
preparou o corpo e a alma da Santíssima Virgem, para serem na Terra
digna habitação de seu Unigênito” 17.

A morada do Rei Crucificado


Finalmente, outro aspecto — talvez mais sublime que os demais —
de Maria Santíssima enquanto casa de Deus, nos é apresentado por
Santo Ambrósio, o pai da Mariologia ocidental. Comentando o Evan-
gelho de São Lucas (XXIII, 33-49), designa ele a Nossa Senhora, jun-
to à Cruz, como sendo “a morada do Rei” 18.
A isto observa, por sua vez, o beneditino D. Manuel Bonaño: “A
Virgem é a corte, o palácio, a morada por excelência do grande Rei.
Aos pés da Cruz, quando Nosso Senhor é por todos abandonado, Ela
continua sendo sua morada, como o foi na Encarnação” 19.

@ Com as sete colunas da Escritura...


Esta homenagem é uma decorrência da anterior, onde chamamos
Nossa Senhora digna morada de Deus.
Com efeito, assim reza o livro dos Provérbios (IX, 1): “A sabedoria
edificou para si uma casa, levantou sete colunas.”

Sete virtudes de Maria


Escutemos o Pe. Ségneri, S. J., interpretando essa passagem da
Escritura:
“As sete colunas que a Sabedoria talhou para o embelezamento
de sua casa, são as sete virtudes que ornaram a alma de Maria, sete

17)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima, 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 192.
18)  AMBROSIO. Obras de San Ambrosio: Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. Ma-
drid: BAC, 1966. Vol. I. p. 612.
19)  BONAÑO, Manuel. In: AMBROSIO. Loc. cit.

114
Prima  Destinada para dar ao Senhor digna morada...

virtudes principais, às quais se reduzem todas as outras. Maria pos-


suiu em soberano grau a fé, a esperança, a caridade, a prudência, a
justiça, a temperança e a força. As três primeiras virtudes são aque-
las que chamamos teologais, sobrenaturais, divinas, porque não as
encontramos senão numa alma elevada pela graça à participação da
natureza divina. As quatro outras virtudes são aquelas que denomi-
namos cardeais, e que podemos chamar, também, naturais e morais,
enquanto se encontram no homem considerado em seu estado natu-
ral, ainda não elevado pela graça.
“Ora, todas essas virtudes jamais foram vacilantes na Santíssi-
ma Virgem, como elas são em nós. Pelo contrário, foram, em Maria,
quais sólidas colunas que nada poderia abalar. Confirmada em gra-
ça, ignorava Ela essas revoltas intestinas que nos fazem flutuar, cons-
tantemente, entre o bem e o mal: «Ego confirmavi columnas ejus»
(Sl. LXXIV, 3). [...]
“O Espírito Santo diz que a própria Sabedoria talhou as sete colu-
nas de sua casa, para nos fazer entender que essas colunas não deviam
ser obra comum, mas rara, singular, extraordinária. Quer isto dizer
que as mesmas virtudes que são comuns a todos os justos, tiveram
na Santíssima Virgem um caráter de excelência toda particular, que
foram de uma ordem superior às virtudes que normalmente possuem
os Santos. Maria devia ter a fé, a esperança, a caridade, e todas as
outras virtudes em grau mais eminente do que as teve Adão, a fim de
satisfazer com mais exatidão e facilidade os desejos do Senhor, o qual,
desde toda a eternidade, repousou sobre Ela seus olhos e A escolheu
por Mãe” 20.

Fé na Santíssima Trindade
Semelhante é o pensamento de São Bernardo, ao discorrer sobre o
referido trecho dos Provérbios:
“Que significa talhar [em sua casa] sete colunas, senão dela fazer
uma digna morada com a fé e as boas obras? Certamente, o número ter-
nário pertence à fé na Santa Trindade, e o quartenário, às quatro prin-
cipais virtudes. Que esteve a Santíssima Trindade em Maria (me refi-
ro à presença da majestade), na que só o Filho estava pelo assumir da

20)  SÉGNERI, Paulo. Meditações. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Ma-
rie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. VIII. p. 3-4.

115
Destinada para dar ao Senhor digna morada...  Capítulo 2

natureza humana, atesta-o São Gabriel, quem, abrindo os mistérios


ocultos, disse: «Deus te salve, cheia de graça, o Senhor é contigo»; e em
seguida: «O Espírito Santo virá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá
com sua sombra» (Lc. I, 28-35). Eis aqui que tendes o Senhor, que ten-
des a virtude do Altíssimo, que tendes o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Nem pode estar o Pai sem o Filho, nem o Filho sem o Pai, e sem os dois
O que procede de ambos, o Espírito Santo, segundo o que disse o mes-
mo Filho: «Eu estou no Pai e o Pai em Mim». E outra vez: «O Pai, que per-
manece em Mim, esse faz os milagres» (Jo. XIV, 10). É claro, pois, que no
coração da Virgem esteve a fé na Santíssima Trindade.

As virtudes cardeais de Maria


“Devemos investigar agora porque possuiu Ela as quatro principais
virtudes como quatro colunas.

••Fortaleza

Primeiro, vejamos se teve a fortaleza. Como pode estar longe desta


virtude Aquela que, relegadas as pompas seculares e desprezados os
deleites da carne, se propôs viver só para Deus virginalmente? Se não
me engano, esta é a Virgem da qual se lê em Salomão: «Quem encon-
trará a mulher forte? Certamente, seu preço é dos últimos confins» (Prov.
XXXI, 10). A qual foi tão valorosa, que esmagou a cabeça daquela
serpente a quem disse o Senhor: «Porei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e a descendência dela; e ela te esmagará a cabe-
ça» (Gên. III,15).

••Temperança

“Que foi temperante, prudente e justa, comprovamo-lo com luz


mais clara na alocução do Anjo e na sua resposta. Havendo-A sau-
dado tão honrosamente o Anjo, dizendo-Lhe: «Deus te salve, cheia de
graça», não se ensoberbeceu por ser bendita com um singular privilé-
gio da graça, mas, pelo contrário, calou-se e ponderou consigo mesma
que significava aquele insólito cumprimento. Que outra coisa brilha
nisto senão a temperança?

116
Coração Sapiencial e Imaculado de Maria
Coração Sapiencial e Imaculado de Maria

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira assim nos apresenta a sabedoria da Santís-


sima Virgem:
“O que vem a ser a sapiencialidade do Coração de Maria?
“A sabedoria é um dom do Espírito Santo que, agindo sobre a inteligência,
nos faz ver todas as coisas pelos seus aspectos mais elevados; aquilo por onde
elas mais se assemelham a Deus Nosso Senhor, Ser absoluto, infinito, perfeito
e eterno, que jamais poderá sofrer nenhuma alteração.
“Considerando assim o universo, a mente humana adquire uma admirável
unidade e uma extraordinária coerência: nada de contradição, de dilaceração
ou de hesitação, mas certeza, fé, convicção, firmeza desde os mais altos princí-
pios até às menores coisas.
“Esta é a fisionomia moral do varão verdadeiramente católico: coerente em
tudo, porque tudo nele provém das mais altas cogitações do espírito, isto é,
daquelas que se ancoram em Deus Nosso Senhor.
“A sabedoria, enquanto agindo sobre a vontade, nos dispõe a fazer, inabalá-
vel e firmemente, aquilo que é nosso dever.
“Assim, a inteligência, soberanamente límpida e lúcida, porque cheia de
convicção da existência de Deus, torna-se sumamente coerente. Por sua vez, a
vontade forte e firme, volta-se constantemente para o fim que ela deve ter em
vista. Eis, pois, o homem sapiencial.
“Este dom da sabedoria alimenta todas as virtudes e ancora a alma no pri-
meiro mandamento da lei de Deus. Quando o decálogo nos diz: «Amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as
tuas forças e de todo o teu entendimento» (Dt. VI, 5), ele nos prescreve sermos
assim.
“E tal é Nossa Senhora.
“O coração de Maria Santíssima (quer dizer, sua alma) é soberanamente ele-
vado, soberanamente grande, soberanamente sério, soberanamente profundo,
porque sapiencial.
“Ela é o vaso de eleição no qual pousou o Espírito Santo, para nele
gerar a Nosso Senhor Jesus Cristo. E o único hino que conhece-
mos como proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, é
uma verdadeira maravilha de sabedoria: o Magnificat.
“«Minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito exul-
ta em Deus meu Criador; porque considerou a humildade de
sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem-
aventurada» (Lc. I, 47-48).
“Quanto é possível a uma mente criada, Nossa Senhora
mediu, por sua sabedoria, toda a grandeza de Deus, e nis-
to se alegrou. De outro lado, considerou sua pequenez, e
então disse: «Eu me alegro em Deus meu Salvador, porque
Ele olhou para a baixeza de sua escrava».
“Isto é um poema de Contra-Revolução! É a escra-
va que se encanta de ser escrava, de ser pequena, de ver
como Deus é infinitamente superior a Ela, e do fundo de
seu nada glorifica o Senhor.
“É o pequeno que reconhece, com agrado, a sua posi-
ção. O escravo não tem direitos, e está colocado abaixo da
condição comum dos homens. Pois bem, Nossa Senhora
se proclama escrava de Nosso Senhor Jesus Cristo, pre-
cursora de todos os escravos de amor que Ela iria ter ao
longo dos séculos.
“E foi sobre a humildade desta criatura escrava
que aprouve ao Senhor deitar os olhos e, por isso,
Ela exulta: a grandeza amou a pequenez.
“Isto é profundamente contra-revolucionário.
Eis a verdadeira humildade que ama seu lugar
inferior, adorando a grandeza que a eleva. Eis o
Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.”

Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.


Conferências em 21/8/68. (Arquivo pessoal).
Destinada para dar ao Senhor digna morada...  Capítulo 2

••Prudência

“Mas, quando o mesmo Anjo A ilustrava sobre os mistérios celes-


tiais, perguntou diligentemente como conceberia e daria à luz, a que
não conhecia varão; e nisto, sem dúvida alguma, foi prudente.

••Justiça

“Dá um sinal de justiça quando se confessa escrava do Senhor


(Lc. I, 28-38). Que a confissão é própria dos justos, o atesta aquele
que diz: «Com tudo isso, os justos confessarão teu nome e os retos habi-
tarão em tua presença» (Sl. CXXXIX, 14). E em outra parte se diz dos
mesmos: «E direis na confissão: Todas as obras do Senhor são excelen-
tes» (Ecli.  XXXIX, 21).
“Foi, pois, a Bem-aventurada Virgem Maria, forte no propósito,
temperante no silêncio, prudente na interrogação, justa na confissão.
Portanto, com estas quatro colunas e as três anteriores da fé, cons-
truiu n’Ela a Sabedoria celestial uma casa para si” 21.

Colunas que sustentam


a sabedoria da Santíssima Virgem
Outra interessante interpretação do louvor em epígrafe devemos
à esclarecida pena do Cardeal Lépicier. Comentando o dom de sabe-
doria com que o Espírito Santo ornou a alma da Santíssima Virgem,
escreve ele:
“Quando lemos que a Sabedoria edificou para si uma casa e levan-
tou sete colunas, podemos entendê-lo como se a espiritual e celeste
sabedoria de Maria houvesse sido assinalada por sete características
que são, por assim dizer, outros tantos sustentáculos seus. A sabedoria
do alto é, primeiramente, pura, depois pacífica, modesta, dócil, proce-
dendo ao modo dos bons, é cheia de misericórdia e de excelentes fru-
tos; sem o hábito de criticar e alheia à hipocrisia.

21)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 1071-1072.

120
Prima  Do templo a mesa ornou-Vos em figura...

“Pense-se em quanto deviam ser sólidas as bases dessas sete colu-


nas em Maria e com que majestade se levantava sobre elas sua sabe-
doria” 22.

@ Do templo a mesa ornou-Vos em figura


Este louvor que rendemos à Santíssima Virgem se relaciona com a
seguinte passagem do Êxodo (XXV, 23-30), quando, no alto do Sinai,
o Senhor ordenou a Moisés a construção do tabernáculo destinado ao
culto divino:
“Farás também uma mesa de pau de setim23, que tenha dois côva-
dos24 de comprimento, um côvado de largura, e côvado e meio de altu-
ra. E cobri-la-ás de ouro puríssimo, e far-lhe-ás uma moldura de ouro
em roda, e (porás) sobre a mesma moldura uma coroa entalhada, de
quatro dedos de altura; e sobre esta, outra coroa de ouro.
“Farás também quatro argolas de ouro, e as porás nos quatro can-
tos da mesma mesa, uma em cada pé. As argolas de ouro estarão da
parte de baixo da coroa para se meterem por ela varais, e a mesa pos-
sa ser transportada. E farás varais de pau de setim, e os cobrirás de
ouro, e servirão para transportar a mesa. Prepararás também pratos,
copos, incensórios e taças de ouro puríssimo, em que se deverão ofe-
recer as libações. E porás sempre sobre a mesa os pães da proposição
na minha presença.”
Os doze pães da proposição representavam as doze tribos de Israel,
que assim ficavam, simbolicamente, em perene homenagem ante o
Criador. Esses pães só podiam ser consumidos por pessoas consagra-
das ao divino serviço, como eram os sacerdotes e levitas25.

22) LÉPICIER. Il più bel fiore del Paradiso. p. 68-69. ROSCHINI, Gabriel. Instruções Ma-
rianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 180.
23)  Pau de setim, isto é, pau da Acácia nilótica. Em toda a região do Sinai, é esta a única
árvore que pode servir para construções. (Nota do Pe. Matos Soares, na Bíblia por ele tra-
duzida e comentada, 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1953).
24)  Côvado: antiga medida de comprimento, que tinha três palmos e correspondia a 66
centímetros.
25)  Cfr. PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português
com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 92.

121
Do templo a mesa ornou-Vos em figura...  Capítulo 2

Mesa sobre a qual repousou o Pão da Vida


Porém, aqueles pães encerravam simbolismo ainda mais elevado:
eram imagens do verdadeiro Pão da proposição, Nosso Senhor Jesus
Cristo. E a mesa sobre a qual se achavam prefigurava, por sua vez, a
Santa Mãe de Deus. Assim pensa o Pe. Terrien, que nos diz: “Se Cristo
é o pão sagrado da proposição, pão vivo e vivificante, Maria é a mesa
sobre a qual Ele foi posto” 26.
A mesma opinião encontramos no Pe. Jourdain, segundo o qual,
“Maria é a mesa mística magnificamente ornada e feita de madeira
incorruptível, que Deus preparou para os que se comprazem na medi-
tação das coisas divinas. Ela é a mesa santa e sagrada, portando o Pão
da Vida, Jesus Cristo Nosso Senhor, o sustentáculo do mundo. Pela
Encarnação, trouxe Maria [em seu imaculado seio] esse Pão que é o
próprio Deus, unindo à sua divindade a natureza que recebemos de
Adão, e comunicando, àqueles que d’Ele se nutrem, uma nova vida e a
graça de se tornarem semelhantes a Deus” 27.

Nossa Senhora e a Sagrada Eucaristia


Essa última consideração torna presente ao nosso espírito a estrei-
tíssima relação que há entre Nossa Senhora e a Sagrada Eucaristia.
Esta, como salienta D. Alastruey, “é de certo modo uma extensão e
complemento da Encarnação, não só porque por ela Cristo está e con-
tinuará presente na Terra até a consumação do mundo, senão porque,
ademais, os imensos benefícios da Encarnação e Redenção se unem
maravilhosamente neste mistério, e nele se prodigalizam aos homens.
“Maria, consentindo na Encarnação do Verbo, consentiu, ao menos
implicitamente, em todas as consequências da mesma, entre as quais
destaca-se de maneira especial, por sua grandeza, a Santíssima Euca-
ristia” 28.
É o que indica São Bernardo quando, aludindo à parábola do fer-
mento ou levedura que uma mulher pôs em três medidas de farinha

26)  TERRIEN, J.-B. La Mère de Dieu et la Mère des Hommes. 8. ed. Paris: P. Lethielleux,
1902. Vol. I. p. 120.
27)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 467-468.
28)  ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santísima. 3. ed. Madrid: BAC, 1952.
p. 678.

122
Prima  Do templo a mesa ornou-Vos em figura...

(Mt. XIII, 33), diz: “Estas são aquelas medidas do Evangelho, fermen-
tadas para que se faça o pão dos Anjos que o homem come, o pão que
fortalece o coração humano. Ditosa mulher, bendita entre todas as
mulheres, em cujas castas entranhas, com o fogo do Espírito Santo, se
cozeu este pão! Feliz mulher, repito, que nestas três medidas introdu-
ziu a levedura de sua fé!” 29
Ao lado de São Bernardo, não poucos foram os Santos e autores
eclesiásticos que enalteceram a Santíssima Virgem, enquanto conce-
bendo e nos dando o Pão da Vida. Por exemplo, o monge beneditino
Ruperto de Deutz exclama: “Quando o Anjo disse a Maria: «Concebe-
rás e darás à luz um Filho, e o chamarás com o nome de Jesus», então
abriu o Senhor as portas dos Céus e fez chover o maná que havería-
mos de comer, pão do Céu, pão dos Anjos” 30.
E Ricardo de São Lourenço: “Cristo é o pão vivo que desceu do
Céu (Jo. VI, 32 e ss.). A Trindade Divina misturou a água da huma-
nidade com o vinho da divindade quando uniu a natureza humana à
divina, e também a Santíssima Virgem quando acreditou e consentiu
na união” 31.
No exórdio de um de seus famosos sermões, assim se exprime
São João de Ávila: “Senhora, em que veremos vossa predileção para
conosco? Dai-nos um sinal seguro de que nos amais. «Se vos amo ou
não — diz a Virgem — vede o que fiz por vós; considerai meus frutos e
obras». [...]
“Vede o fruto de seu ventre, o santo Sacramento que de suas entra-
nhas saiu. E então Ela nos diz: «Vinde e comei este pão bendito, esta
carne que meu seio gerou». Quão benevolamente nos convida! Se, pois,
segundo o fruto conhecemos a que no-lo deu, Vós, Senhora, alcançai-
nos que o degustemos” 32.
E São Pedro Damião, enfim, diz: “Detenhamo-nos aqui, meus
irmãos, e consideremos o quanto somos obrigados à Bem-aventura-
da Mãe de Deus, e que ações de graças Lhe devemos render por um
tão grande benefício; pois este corpo que Ela engendrou e que trou-
xe em seu seio, esse corpo que Ela envolveu em panos e nutriu de seu

29)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 278.


30)  DEUTZ, Ruperto de. De gloria et hon. Filii hominis. Apud ALASTRUEY, Gregório.
Tratado de la Virgen Santísima. 3. ed. Madrid: BAC. p. 677-678.
31)  LORENZO, Ricardo de San. De laud. B. Mariæ, l. I. Apud ALASTRUEY, Gregório.
Tratado de la Virgen Santísima. 3. ed. Madrid: BAC. p. 678.
32)  ÁVILA, Juan de. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 911-912.

123
Do templo a mesa ornou-Vos em figura...  Capítulo 2

leite com cuidados e ternuras maternais, é, digo, esse mesmo corpo


que recebemos no altar. Quaisquer louvores que Lhe possamos ren-
der, estarão abaixo de seus méritos, pois Ela foi quem nos preparou
em suas castas entranhas a carne puríssima que nos é dada em alimen-
to” 33.

Maria, modelo de quem comunga


Se tal é o excelso vínculo que une Nossa Senhora à Sagrada Euca-
ristia, nada nos será mais oportuno do que escutarmos este precioso
conselho do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Em virtude de uma extraordinária analogia, Nossa Senhora é o
modelo de quem comunga. Porque quando recebemos Nosso Senhor
na Sagrada Eucaristia, a nosso pequeno — e não raras vezes miserá-
vel — modo, passamos a ser, enquanto durar em nós a presença real,
tabernáculos vivos do Santíssimo, como Maria o foi do Verbo Encar-
nado. Isto nos eleva a uma inimaginável dignidade.
“Portanto, ao nos prepararmos para a Comunhão, devemos pedir
à Santíssima Virgem que disponha nossos corações a receber conve-
nientemente o Senhor Sacramentado: «Minha Mãe, vinde à minha
alma, entrai em meu espírito e preparai-o para a visita de vosso Divino
Filho. Concedei-me as disposições necessárias para comungar bem, ain-
da que de modo eventualmente árido e insensível».
“Em seguida, peçamos a Ela esteja presente conosco no momen-
to de oferecermos a Nosso Senhor Eucarístico os quatro atos de culto:
adoração, ação de graças, reparação e petição.
“Que dizer a Jesus por meio de Maria? Por exemplo, isto: «Meu
Senhor e meu Deus! Eu quereria Vos amar muito mais do que Vos amo;
desejaria Vos receber, neste instante, com os faustos de um amor inex-
primível, do qual, infelizmente, não sou capaz. Entretanto, como há em
mim, ao menos, o pesar de não ser assim, peço-Vos que aceiteis as ado-
rações de vossa Mãe Santíssima como se minhas fossem. Eu A convidei
à minha casa para que Ela Vos recebesse em meu lugar. Portanto, sou eu
que, de algum modo, Vos recebo e pelos lábios de Maria Vos adoro».
“E assim devemos proceder na ação de graças, na reparação e na
petição, oferecidas a Jesus por intermédio da Santíssima Virgem.

33)  JOURDAIN, Z.-C. Op. cit. p. 795-797.

124
Prima  Fostes livre do mal que o mundo espanta...

“Deste modo faremos, com certeza, uma excelente Comunhão.


Porque, ao entrar em nossa alma, Nosso Senhor encontrará, pelo
menos, a lembrança de sua Santíssima Mãe, e o desejo de O receber
em união com Ela. Este desejo e esta lembrança são imensamente efi-
cazes para que Jesus se sinta bem acolhido. Porque Ele está bem onde
está Maria; e onde não se acha Maria, Ele não está bem.
“Este método de receber a Sagrada Eucaristia — em íntima união
com Nossa Senhora — põe ao alcance de quem comunga todas as gra-
ças que Jesus Sacramentado proporciona a seus devotos sinceros” 34.

@ Fostes livre do mal que o mundo espanta.


Comentando as palavras do Salmo 90: “Não chegará a ti o mal,
nem o açoite se acercará de tua morada”, diz São Bernardo que “a
verdadeira vida da alma é Deus, do qual somente pode separá-la o
mal. O mal da alma, que outra coisa é senão o pecado?” 35

O pecado: causa de todos os males


“O mal que o mundo espanta” é, pois, o pecado, destruidor de
todos os bens que Deus concede aos homens para se unirem a Ele
nesta vida e na outra. É o que salienta o Pe. Texier, corroborado por
palavras da Virgem Santíssima, colhidas em revelações particulares:
“Na via que conduz a Deus, o primeiro obstáculo que se nos depa-
ra, e o maior, é o pecado: ele reduz a marcha e pode nos jogar fora do
caminho. A respeito deste inimigo do Senhor, Maria quer nos comu-
nicar o sentimento de sua alma; Ela nos dirá, com o Salmista: «Ó vós
que amais a Deus, detestai o mal» (Sl. XCVI, 10). [...]
“O que torna o pecado tão terrível é o fato de ele ser a causa de
todos os males.
“«Eu sou a saúde dos enfermos, declara a Santíssima Virgem a
Maria Lataste (Sua vida, por Pascal Darbinis, II, 199). Ora, há duas
espécies de enfermidades: as do corpo e as da alma. Curo igualmente
umas e outras. Todas têm por princípio o pecado. Este, com efeito, sujei-
tou o homem à morte e às diversas doenças que atormentam seu cor-

34)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 1/10/66 e 13/3/92. (Arquivo pessoal).


35)  BERNARDO. Op. cit. p. 434-424.

125
Fostes livre do mal que o mundo espanta...  Capítulo 2

S S
Mal que o mundo espanta
Causa dos males do indivíduo, o pecado o é também
das desordens sociais. Tal nos assinala um dos grandes
teólogos dominicanos, Fr. Victorino Rodríguez y Rodrí-
guez, O. P., frisando o ensinamento do Magistério ecle-
siástico:
“Toda a vida humana, a individual e a coletiva, apre-
senta-se como luta, seguramente dramática, entre o
bem e o mal. [...]
“É certo que as perturbações, verificadas tão frequen-
temente na ordem social, decorrem em parte das pró-
prias tensões existentes nas estruturas econômicas,
políticas e sociais. Porém, mais profundamente, origi-
nam-se da soberba e do egoísmo dos homens, que trans-
tornam também o ambiente social. Mas onde a ordem
das coisas é atingida pelas consequências do pecado,
o homem, inclinado ao mal por nascença, encontra em
seguida novos estímulos para o pecado [Concílio Vatica-
no II, Gaudium et spes, nn. 13 e 25].”

RODRÍGUEZ Y RODRÍGUEZ, Victorino.


Temas-Claves de Humanismo Cristiano,
Madrid: Speiro, 1984. p. 173-174.

S S

po nas provas da vida. E, ao mesmo tempo, inclinou tristemente a alma


humana para o mal.
“Quantas vezes, no curso dos séculos, a Santa Mãe de Deus lem-
brou aos homens esse funesto privilégio do pecado! Em La Salette,

126
Prima  Fostes livre do mal que o mundo espanta...

em Lourdes 36, indicou Ela o grande mal contra o qual é preciso se


premunir, porque ele provoca a cólera do Altíssimo e atrai os castigos
sobre o mundo” 37.

Nossa Senhora, isenta de todo pecado


Ora, esse triste mal que aflige o homem e o mundo, jamais atin-
giu a excelsa Mãe de Deus, imune como foi, desde o primeiro instan-
te de seu ser, a qualquer pecado, seja original, seja atual (isto é, aque-
le cometido pelo livre consentimento humano).
Com devotas palavras, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira retrata
este sublime aspecto de Maria Imaculada:
“Concebida sem pecado original, Nossa Senhora não sentia em si
nenhuma inclinação para o que fosse ruim. Pelo contrário, possuía
todas as facilidades para dar à graça de Deus uma perfeita e constan-
te correspondência. De sorte que, n’Ela, as grandezas sobrenatural e
natural se entrelaçavam numa profunda e maravilhosa harmonia.
“Em consequência, Nossa Senhora tinha como ninguém uma altís-
sima noção da excelência de Deus, e da glória que Lhe devem render
todas as criaturas. Por isso, nutria em sua alma vivíssimo horror ao
pecado, que é um ultraje à mesma glória divina. Donde possuir Ela,
também, uma ardorosa combatividade, no sentido de execrar toda
forma de mal.
“Compreende-se, à vista disto, porque Nossa Senhora é compara-
da a um exército em ordem de batalha: Castrorum acies ordinata. Ou,
como d’Ela se diz, que sozinha esmagou todas as heresias na Terra
inteira. Por quê?
“Exatamente porque, já no privilégio de sua Imaculada Conceição,
Ela é o modelo de combate ao mal” 38.

36)  Poderíamos acrescentar, uma vez que o Pe. Texier escreve em 1913, as graves adver-
tências de Nossa Senhora nas aparições de Fátima, em 1917, a respeito dos pecados pelos
quais não se fazia suficiente penitência (Cfr. BORELLI MACHADO, Antônio Augusto.
As Aparições e as Mensagens de Fátima conforme os manuscritos da Irmã Lúcia. 27. ed. São
Paulo: Vera Cruz, 1990. p. 35-65).
37) TEXIER. Les Paroles de la Sainte Vierge. Paris: H. Oudin, 1913. Vol. II. p. 283-285.
38)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/12/1966. (Arquivo pessoal).

127
Santa desde o primeiro instante
de sua Conceição, reiteradas vezes
Nossa Senhora lembrou aos homens
ser o pecado a causa de todos os males
Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima
Prima  Fostes livre do mal que o mundo espanta...

A única criatura humana na qual o demônio


não tem parte
A respeito de como Nossa Senhora foi “livre do mal que o mundo
espanta”, é também categórico o ensinamento do Pe. Domingos Ber-
tetto, S. D. B.:
“Entre os seres humanos, Maria é a única de quem se pode dizer:
«Satanás não tem n’Ela parte alguma. Tudo n’Ela pertence a Deus».
“Efetivamente, não só se admira n’Ela a inocência original e a
ausência de todo pecado mortal, mas ainda a imunidade de toda cul-
pa venial, bem como de qualquer mínima imperfeição moral. Deve-
se isto, ensina o Concílio de Trento, a um «especial privilégio de Deus»,
que a Igreja considera ter sido dispensado à Santíssima Virgem
(cfr.  sess.  VI, cân. 23, Denz. 833).
“De fato, à Virgem Maria convinha aquela pureza moral que se
reclama da sua excelsa prerrogativa de Mãe de Jesus, Cordeiro sem
mancha, nascido para abolir o pecado no mundo. [...]
“Por isso foi saudada pelo Arcanjo como cheia de graça e da pre-
sença do Senhor. «Que defeito — diz São Pedro Damião — poderia ter
lugar na mente ou no corpo d’Aquela que, tal como o Céu, foi o sacrário
de toda a divindade?».
“Maria, por conseguinte, agiu sempre sob a inspiração e o impul-
so do Espírito Santo, de maneira que «nunca preferiu senão aquilo que
Lhe mostrava a Divina Sabedoria — acrescenta São Bernardino de Sie-
na — e sempre amou a Deus quanto sabia devê-Lo amar». Por isso é
que também d’Ela se devem excluir todas as imperfeições morais” 39.

Privilegiada e singular santidade


Sobre a insondável santidade da Mãe de Deus, encontram-se
outros fervorosos testemunhos expressos nas páginas da Mariologia.
Podemos citar, por exemplo, o de São Bernardo: “Creio que desceu
sobre Ela uma abundantíssima bênção santificadora, que não apenas
fez santo o seu nascimento, como também A guardou imune duran-
te sua vida de todo pecado; o qual não se acredita tenha sido dado a
nenhum outro nascido de mulher. Convinha à Rainha das virgens o
privilégio de uma santidade especial, por cuja virtude transcorresse

39)  BERTETTO, Domingos. A Virgem Imaculada Auxiliadora. Porto: Salesianas, 1957. p. 15-16.

129
Fostes livre do mal que o mundo espanta...  Capítulo 2

toda a sua existência sem um só pecado, para que deste modo a que
havia de dar à luz o Vencedor da morte e do pecado, obtivesse para
todos o dom da vida e da justiça” 40.
Enumerando os excelsos privilégios de Nossa Senhora, escreve o
Pe. Mathias Faber, S. J. (séc. XVII):
“A quarta estrela da coroa de Maria foi a imunidade de todo peca-
do atual, mesmo venial. [...] Os santos Padres multiplicam seus teste-
munhos sobre este ponto. Santo Agostinho ensina no livro Da Natu-
reza e da Graça, que ele não quer, absolutamente, que se faça men-
ção à Bem-aventurada Virgem todas as vezes que se trate do pecado.
São Bernardo, São Boaventura, Santo Ambrósio, Santo Efrém, todos
enfim falam no mesmo sentido. De resto, o Anjo da Anunciação não o
indicou assaz claramente quando disse a Maria: «Ave, cheia de graça»?
“Enquanto andamos pelos lamacentos caminhos deste mundo,
nós, homens, [...] não podemos viver muito tempo sem cair em algu-
ma falta, por causa dos perpétuos movimentos da concupiscência que
nos excitam ao pecado. Contudo, não era digno da Mãe de Deus estar
sujeita a esta enfermidade. Se houvesse Ela cometido um só pecado,
poderia convenientemente se tornar a Mãe do Deus que desceu sobre
a Terra para extirpar todo pecado? Não redundaria desta falta alguma
ignomínia sobre seu Filho?
“Maria foi impecável e confirmada em graça de maneira tão per-
feita, que não podia pecar nem mesmo venialmente. É este o ensi-
namento dos doutores, e a Santa Igreja, que celebra a Conceição e
a Natividade da Mãe de Deus, testemunha sua crença na inamissível
santidade de Maria, não apenas em seu nascimento, como também no
próprio instante de sua puríssima e Imaculada Conceição” 41.
E ainda a célebre e bela sentença do Doutor Angélico:
“Aqueles aos quais Deus elege para uma missão, prepara-os de sor-
te que sejam idôneos para desempenhar a mesma. [...]
“Ora, a Bem-aventurada Virgem Maria foi por Deus escolhida
para ser sua Mãe, e não há dúvida de que Ele A tornou, por sua gra-
ça, idônea para semelhante missão, segundo o que o Anjo Lhe disse:
«Achaste graça diante de Deus, e eis que conceberás», etc. Certamen-
te que não seria idônea se alguma vez houvesse pecado, já porque a

40)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 1179.
41)  FABER, Mathias. In Festo Conceptionis B.V.M. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des
Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.Vol. V. p. 69-70.

130
Prima  E no seio materno sempre santa...

honra dos pais redunda nos filhos, e, ao contrário, redunda no filho


a ignomínia da mãe; já pela singular afinidade da Virgem com Cris-
to, que d’Ela recebeu a carne, pois se diz na segunda aos Coríntios:
«Que concórdia pode existir entre Cristo e Belial?»; já também porque,
de modo singular, o Filho de Deus, que é a Sabedoria divina, habitou
n’Ela, e não só em sua alma, como também em seu seio. E no [livro]
da Sabedoria se diz: «A sabedoria não entrará na alma perversa nem
habitará no corpo escravo do pecado».
“De sorte que absolutamente devemos dizer que a Bem-aventu-
rada Virgem não cometeu nenhum pecado atual, nem mortal, nem
venial, para que n’Ela se cumpra o que se lê no Cântico dos Cânticos:
«Sois toda formosa amiga minha, e não há em ti mancha alguma»” 42.

@ E no seio materno sempre santa


Afirma o eminente mariólogo que “a remissão do pecado original
não se pode fazer sem a infusão da graça santificante. Por isto a Ima-
culada Conceição não se distingue, na realidade, da primeira santifi-
cação da Mãe de Deus, e se pode chamar sua graça original” 43.

Maria, santa desde o primeiro instante de sua vida


Os Santos e outros abalizados autores, de diversas maneiras expri-
miram essa doutrina.
Em um de seus arrebatadores sermões dedicados a Nossa Senho-
ra, São Tomás de Villanueva ensina: “Era necessário que a Mãe de
Deus fosse também puríssima, sem mancha, sem pecado. E assim não
apenas quando donzela, mas em menina foi santíssima, e santíssima
no seio de sua mãe, e santíssima em sua concepção. Pois não convi-
nha que o santuário de Deus, a mansão da Sabedoria, o relicário do
Espírito Santo, a urna do maná celestial, tivesse em si a menor mácu-
la. Pelo que, antes de receber aquela alma santíssima, foi completa-
mente purificada a carne até do resíduo de toda mancha, e assim, ao
ser infundida a alma, não herdou nem contraiu pela carne mancha

42)  AQUINO, Tomás de; BUSA, Roberto. S. Thomae Opera Omnia. Summa contra gen-
tiles autographi deleta Summa Theologiae. Milano: Cartiere Binda, 1980. Vol. II. p. 810.
43)  ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santísima. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 260.

131
E no seio materno sempre santa...  Capítulo 2

alguma de pecado, como está escrito: «Fixou sua habitação na paz»


(Sl. LXXV,  3). Quer dizer, a mansão da divina Sabedoria foi construí-
da sem a inclinação para o pecado” 44.
Ao assinalar os principais privilégios que acompanharam a Imacu-
lada Conceição de Maria, escreve São João Eudes:
“A gloriosa Virgem não apenas foi preservada do pecado original
em sua concepção, como foi também adornada da justiça original e
confirmada em graça desde o primeiro momento de sua vida, segundo
muitos eminentes teólogos, a fim de ser mais digna de conceber e dar
à luz o Salvador do mundo. Privilégio que jamais foi concedido a cria-
tura alguma humana nem angélica, pertencendo somente à Mãe do
Santo dos Santos, depois de seu Filho Jesus. [...]
“Todas as virtudes, com todos os dons e frutos do Espírito Santo,
e as oito bem-aventuranças evangélicas se encontram no coração de
Maria desde o momento de sua concepção, tomando inteira posse e
estabelecendo n’Ela seu trono num grau altíssimo e proporcionado à
eminência de sua graça” 45.
Santo Afonso de Ligório, por sua vez, comenta:
“A nossa celeste menina, tanto por causa de seu ofício de medianei-
ra do mundo, como em vista de sua vocação para Mãe do Redentor,
recebeu, desde o primeiro instante de sua vida, graça mais abundan-
te que a de todos os Santos reunidos. E que admirável espetáculo para
o Céu e para a Terra, não seria a alma dessa bem-aventurada menina,
encerrada ainda no seio de sua mãe! Era a criatura mais amável aos
olhos de Deus, pois que, já cumulada de graças e méritos, podia dizer:
«Quando era pequenina agradei ao Altíssimo». E ao mesmo tempo era
a criatura mais amante de Deus, de quantas até então haviam existido.
“Houvera, pois, nascido imediatamente após a sua Imaculada Con-
ceição, e já teria vindo ao mundo mais rica em méritos e mais santa
do que toda a corte dos Santos. Imaginemos, agora, quanto mais san-
ta nasceu a Virgem, vendo a luz do mundo só depois de nove meses,
os quais passou adquirindo novos merecimentos no seio materno!” 46

44)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 210.
45)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 63 e 66.
46)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima, 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 214.

132
Prima  E no seio materno sempre santa...

Preciosa pérola no seio de Sant’Ana


Com seu gracioso estilo, o Pe. Manuel Bernardes nos apresenta
Maria no seio materno sempre santa:
“Uma pérola deu a Rainha Cleópatra a Marco Antônio, que se ava-
liava em muitos mil talentos. Em quanto avaliaremos nós esta pérola
animada, que se formou na concha do ventre de Sant’Ana? Há nas
Índias pérolas, que, em razão de sua diferente grandeza e figura, se
chamam pérolas Ave Marias e pérolas Padre-nossos. Ó que ricas Índias
se descobrirão hoje na casa da gloriosíssima e felicíssima matrona
Sant’Ana, donde nos veio tal pérola Ave Maria, que nos deu tal péro-
la Padre Nosso? Por certo que ainda que todo o firmamento fora um
livro (como o considera São João no Apocalipse), e se escrevesse todo
de letras de algarismo, não somariam o valor destas duas pérolas. Por-
que, enfim, como dizíamos, e é certo, tudo o que devemos a Cristo
Filho de Deus, devemos por conseguinte a Maria, escolhida para Mãe
de Deus, e que foi a que deu pés a Deus, para andar com os homens
na Terra” 47.

No seio de Sant’Ana, a vitória da Contra-Revolução


Como fecho dos comentários ao presente louvor, ouçamos estas
ardorosas palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Porque concebida sem pecado original, Nossa Senhora, afirmam
os teólogos, foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de
seu ser. Portanto, já no ventre materno Ela possuía altíssimos e subli-
míssimos pensamentos, vivendo no seio de Sant’Ana como num ver-
dadeiro tabernáculo.
“Temos uma confirmação indireta disso no que narra a Sagra-
da Escritura (Lc. I, 44) a respeito de São João Batista. Ele, que fora
engendrado no pecado original, ao ouvir a voz de Nossa Senhora sau-
dando Santa Isabel, estremeceu de alegria no seio de sua mãe.
“Assim, pode-se acreditar que a Bem-aventurada Virgem, com
a altíssima ciência que recebera pela graça de Deus, já no seio de
Sant’Ana começou a pedir a vinda do Messias e, com Ele, a derrota de
todo mal no gênero humano. E desde o ventre materno se estabele-

47)  AS MAIS BELAS PÁGINAS DE BERNARDES: 2000 Trechos selecionados por NU-
NES, Mario Ritter (Coord.). São Paulo: Melhoramentos, 1966. p. 412.

133
Porta dos Santos...  Capítulo 2

ceu, com certeza, no espírito de Maria, aquele elevadíssimo intuito de


vir a ser, um dia, a servidora da Mãe do Salvador.
“Na realidade, por essa forma Nossa Senhora já começava a influir
nos destinos da humanidade. Sua presença na Terra era uma fonte de
graças para todos aqueles que d’Ela se aproximavam na sua infância,
ou mesmo quando ainda se encontrava no seio de Sant’Ana. Pois se
da túnica de Nosso Senhor — conta o Evangelho (Lc. VIII, 44-47) —
se irradiavam virtudes curativas para quem a tocasse, quanto mais da
Mãe de Deus, Vaso de Eleição!
“Por isso, pode-se dizer que, embora fosse Ela criancinha, já em
seu natal graças imensas raiaram para a Humanidade. Naquele bendi-
to momento, a vitória da Contra-Revolução começou a ser afirmada
e o demônio a ser esmagado, percebendo que algo de seu cetro estava
irremediavelmente partido” 48.

@ Porta dos Santos


Os Santos, criaturas de Maria
“Os Santos são as obras-primas da graça e como que milagres vivos
e eternos da glória. Ora, pode-se afirmar que todos eles são também
criaturas de Maria. Deus no-lo fez compreender, quando desejou que
João, o maior entre os filhos dos homens, fosse santificado pela pala-
vra desta augusta Virgem. [...]
“Leia-se a Vida dos Santos e se achará que, no curso dos séculos,
Maria foi para eles o que Ela havia sido para São João Batista e os pri-
meiros Apóstolos.
“Quem poderá contar as almas puras cuja inocência Ela protege, e
os pecadores que Ela reconduz, a cada dia, algumas vezes através das
vias mais extraordinárias, ao caminho da salvação? Eis as obras de sua
misericórdia [...] e também de sua onipotência. [...]
“Agradeçamos ao Senhor de nos ter dado uma tal Senhora, tão
capaz de nos instruir e tão cheia de benevolência para conosco. Que
proveito não tiraremos de suas lições se lhe prestarmos atenção, se
nos esforçarmos em seguir seus preceitos imitando os exemplos de
suas virtudes!

48)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/9/1963. (Arquivo pessoal).

134
Prima  Porta dos Santos...

“Consideremos os santos: eles escutaram a Maria, valeram-se da


proteção de Maria, imitaram os exemplos de Maria, e se elevaram a
uma perfeição que os aproxima dos Querubins e dos Serafins” 49.

“Maria é necessária aos homens para chegarem


ao seu último fim”
Entre os que alcançaram esse altíssimo grau de virtude, por meio
de acrisolada devoção à Imaculada Virgem, encontra-se o grande São
Luís Grignion de Montfort, que nos deixou estas indeléveis palavras:
“A Santíssima Virgem, sendo necessária a Deus, de uma necessi-
dade chamada hipotética, devido à sua vontade, é muito mais neces-
sária aos homens para chegarem a seu último fim. Não se confunda,
portanto, a devoção à Santíssima Virgem com a devoção aos outros
Santos, como se não fosse mais necessária que a destes, e apenas de
superrogação.
“O douto e piedoso Suárez, da Companhia de Jesus, o sábio e devo-
to Justo Lípsio, doutor da Universidade de Lovaina, e muitos outros,
provaram incontestavelmente, apoiados na opinião dos Santos Padres
[...], que a devoção à Santíssima Virgem é necessária à salvação, e que
é um sinal infalível de condenação — opinião do próprio Ecolampá-
dio e vários outros hereges — não ter estima e amor à Santíssima Vir-
gem. Ao contrário, é indício certo de predestinação ser-Lhe inteira e
verdadeiramente devotado.
“As figuras e palavras do Antigo e do Novo Testamento o provam;
a opinião e os exemplos dos Santos o confirmam; a razão e a experi-
ência o ensinam e demonstram; o próprio demônio e seus asseclas,
premidos pela força da verdade, viram-se muitas vezes constrangidos
a confessá-lo a seu pesar. De todas as passagens dos Santos Padres
e doutores, que compilei para provar esta verdade, cito apenas uma,
para não me alongar: «Tibi devotum esse, est arma quædam salutis quæ
Deus his dat quos vult salvos fieri...» (S. João Damasceno) — «Ser vosso
devoto, ó Virgem Santíssima, é uma arma de salvação que Deus dá àque-
les que quer salvar».
“Eu poderia repetir aqui várias histórias que provam o que afirmo.

49)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.Vol.
III. p. 518 e 541.

135
Porta dos Santos...  Capítulo 2

Entrando no Paraíso
pelas mãos de Maria

“Conta-se nas Crônicas Franciscanas que Fr.


Leão viu uma vez em visão duas escadas, uma
branca e vermelha a outra. Sobre a última esta-
va Jesus Cristo e sobre a primeira, sua Mãe
Santíssima. Reparou como alguns tentavam
subir pela escada vermelha. Porém caíam logo
depois de galgarem alguns degraus; tornavam a
subir e outra vez caíam.
“Foram avisados de que deviam ascender pela
escada branca, e por essa os viu subir felizmen-
te, porquanto a Santíssima Virgem lhes dava a
mão, e assim chegavam seguros ao Pa­raíso.”

LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima.


6. ed. Petrópolis: Vozes, 1964. p. 161.

“Entre outras, aquela que vem narrada [...] nas crônicas de São
Domingos: Quando o santo pregava o Rosário nas proximidades de
Carcassona, quinze mil demônios, que possuíam a alma de um infe-
liz herege, foram obrigados, por ordem da Santíssima Virgem, a con-
fessar muitas verdades grandes e consoladoras, referentes à devoção
a Maria.

136
Prima  Porta dos Santos...

“E eles, para própria confusão o fizeram com tanto ardor e clare-


za que não se pode ler essa autêntica narração e o panegírico que o
demônio, embora a contragosto, fez da devoção mariana, sem derra-
mar lágrimas de alegria, ainda que pouco devoto se seja da Santíssi-
ma Virgem.

Devoção especialmente necessária aos Santos


“Se a devoção à Santíssima Virgem é necessária a todos os homens
para conseguirem simplesmente a salvação, é ainda mais para aqueles
que são chamados a uma perfeição particular; nem creio que uma pes-
soa possa adquirir uma união íntima com Nosso Senhor e uma perfei-
ta fidelidade ao Espírito Santo, sem uma grande união com a Santíssi-
ma Virgem e uma grande dependência de seu socorro. [...]
“O Altíssimo A fez tesoureira de todos os seus bens, dispensado-
ra de suas graças, para enobrecer, elevar e enriquecer a quem Ela qui-
ser, para fazer entrar quem Ela quiser no caminho estreito do Céu,
para deixar passar, apesar de tudo, quem Ela quiser pela porta estrei-
ta da vida eterna, e para dar o trono, o cetro, e a coroa de rei a quem
Ela quiser. [...]
“A Maria somente Deus confiou as chaves dos celeiros do divino
amor, e o poder de entrar nas vias mais sublimes e mais secretas da
perfeição, e de nesses caminhos fazer entrar os outros. Só Maria dá
aos miseráveis filhos de Eva, infiel, a entrada no Paraíso Terrestre,
para aí espairecerem agradavelmente com Deus, para aí, com segu-
rança, se ocultarem de seus inimigos, para aí, sem mais receio da mor-
te, se alimentarem deliciosamente do fruto das árvores da vida e da
ciência do bem e do mal, e para sorverem longamente as águas celes-
tes desta bela fonte que jorra com tanta abundância; ou, melhor, como
Ela mesma é esse Paraíso Terrestre ou essa terra virgem e abençoa-
da, da qual Adão e Eva, pecadores, foram expulsos, Ela só dá entrada
àqueles que lhe apraz deixar entrar, e para torná-los santos” 50.

50)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-


ma Virgem, 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 42-48.

137
Porta dos Santos...  Capítulo 2

Imitar a Nossa Senhora é ser perfeito


contra-revolucionário
Inspirado na doutrina de São Luís Grignion de Montfort, ensina o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Nossa Senhora é para nós o exemplo de santidade. Ou seja, se
nos modelarmos inteiramente segundo Ela, alcançaremos a perfeita
semelhança com Nosso Senhor Jesus Cristo.
“Imitar a Santíssima Virgem é tê-La em vista em todas as ações
que se pratica. Isto supõe, primeiramente, um claro conhecimento do
modelo a que devemos nos conformar. Supõe, em seguida, um hábito
de vigilância interior e de contínua meditação, pelo qual sabemos se,
de fato, estamos nos identificando com aquele ideal.
“São Luís Grignion de Montfort nos propõe a imitação de três
principais virtudes de Maria: a fé, a humildade e a pureza 51.
“Ora, se formos cheios de fé, cheios de humildade (ou seja, de sen-
so hierárquico que atribui tudo a Deus), se formos cheios de pureza,
seremos, então, os contra-revolucionários por excelência.
“Nossa Senhora é o modelo supremo, é a fonte da Contra-Revolu-
ção. Portanto, imitá-La é ser, na perfeição, contra-revolucionário. Se
A tomarmos como ideal, se acreditarmos na eficácia da devoção a Ela,
se tudo fizermos em estreita união com Maria, mais facilmente a Ela
nos assemelhamos.
“Assim, devemos pedir a Nossa Senhora, com todo o empenho, a
graça de uma profunda compreensão de suas altíssimas virtudes, as
quais havemos de imitar. E que Ela nos comunique, além disso, a ple-
nitude de suas forças. Maria é a Virgem forte e combativa, é a Virgem
intransigente e absolutamente inflexível diante do demônio, do mun-
do e da carne. Supliquemos a Ela essa intransigência, antes de tudo
contra o que há de mal em nosso interior; em segundo lugar, contra o
que há de mal fora de nós.
“O maior auxílio que Nossa Senhora pode nos prestar, é o nos con-
ceder o espírito de sua santidade, a perfeição de suas vias, a autentici-
dade de suas virtudes e a vitória contra o demônio — tudo em ordem
à nossa própria santificação” 52.

51)  Cfr. Idem, p. 244-245.


52)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 23/5/1963 e 26/5/1972. (Arquivo
pessoal).

138
Prima  Eva, Mãe da vida...

@ Eva, Mãe da vida


A segunda e verdadeira Eva
Assim “como Jesus Cristo foi chamado pelos Padres o novo Adão,
assim também a Virgem foi chamada a nova Eva. A primeira Eva foi
mãe de todos os viventes na ordem da natureza; a segunda Eva, Maria,
o foi na ordem, desmesuradamente superior, da graça. Se lançarmos,
porém, um olhar à primeira mulher depois da culpa, eis que Maria se
nos depara como totalmente diferente.
“Com efeito, Eva, falando com o Anjo das trevas, que lhe apare-
ceu sob o aspecto de uma serpente, consentiu na prevaricação e arrui-
nou todo o gênero humano. Maria, ao contrário, falando com o Anjo
da luz, consentiu na reparação do gênero humano e o salvou. Eva ofe-
receu ao homem o fruto da morte; Maria, ao contrário, lhe deu o fruto
da vida. Eva foi medianeira da morte, Maria foi medianeira da vida” 53.
Já no século II encontramos estabelecida essa doutrina, pela auto-
ridade de Santo Irineu de Lyon, que escreve: “A Humanidade rece-
beu um novo progenitor (Jesus) que ocupa o lugar do primeiro Adão.
Mas, como a primeira mulher também estava implicada na queda [do
homem] por sua desobediência, o processo curativo começa igual-
mente com a obediência de uma mulher. Dando a vida ao novo Adão,
Ela vem a ser a verdadeira Eva, a verdadeira Mãe dos viventes, e a
causa de nossa salvação” 54.
E Santo Epifânio, no século IV, deixou este ensinamento: “Eva foi
para todos os homens a raiz funesta da morte e da ruína, porque por
ela a morte se introduziu no mundo. Maria foi para eles a fonte da
vida, já que por Ela nos foi restituída a mesma, e por meio d’Ela o
Filho de Deus veio ao mundo” 55.
Fazendo eco à tradição cristã, o Pe. Bernardes assim se exprime:
“Lamentem-se e chorem os mortais, enquanto filhos de Eva, porque
de Eva nada nos aproveitou, exceto a descendência e progenitura de
Maria. Mas consolem-se, enquanto filhos de Maria, porque Maria nos
53)  ROSCHINI, Gabriel. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 35.
54)  LIÓN, Irineo de. In: QUASTEN, Johannes. Patrología. 3. ed. Madrid: BAC, 1984.
Vol. I. p. 299.
55) EPIFÂNIO. Adv. Hæres. III, hær. 79 PG. 42, 727 ss. Apud ROSCHINI, Gabriel.
Op. cit. p. 90.

139
Eva, Mãe da vida...  Capítulo 2

vivificou por Cristo, e pelo mesmo Cristo já vivificada para a duração


imortal, nos está chamando e convidando para participarmos da mes-
ma vida”  56.
Também o Pe. de La Boullaye, S. J., em um de seus célebres ser-
mões na Catedral de Paris, reafirma a sentença dos Santos e doutores:
“Nas origens do mundo, Adão nomeou sua esposa Eva, quer dizer,
mãe dos viventes. [...] Adão e Eva, Deus vos criou para serdes o pai e a
mãe de nossa raça. Fostes, porém, os assassinos, pois a vida sobrena-
tural que deveríeis nos transmitir, a extinguistes em vós mesmos! [...]
“Nosso verdadeiro Pai, aquele que devolveu às nossas almas esta
seiva de vida divina, a graça, é Cristo; nossa verdadeira Mãe, é a Vir-
gem que O atraiu do Céu para este mundo. Sim, Mãe em toda a for-
ça do termo, porque é a Ela, depois de Jesus, que devemos a vida.
Mãe, não adotiva, mas real, ainda que seja na ordem espiritual, por-
que devemos a seus atos pessoais o nos tornarmos filhos de Deus, e
de podermos chamar verdadeiramente nosso irmão a Jesus, seu bem-
amado Filho” 57.

Maria é nossa vida


Com sua luminosa sabedoria de Doutor da Igreja, Santo Afonso de
Ligório nos dá a conhecer os motivos mais profundos pelos quais Nos-
sa Senhora é a verdadeira Eva, Mãe da vida:
“Para a exata compreensão da razão por que a Santa Igreja nos
ordena que chamemos a Maria nossa vida, é necessário saber que,
assim como a alma dá vida ao corpo, assim também a graça divina dá
vida à alma. Uma alma sem a graça divina só tem nome de viva, porém
na realidade está morta. [...] Obtendo Maria por meio de sua interces-
são a graça aos pecadores, deste modo lhes dá vida.
“Ouçamos as palavras que a Igreja Lhe põe nos lábios, aplican-
do-Lhe a seguinte passagem dos Provérbios: «Os que vigiam desde a
manhã por me buscarem, achar-me-ão» (VIII, 7). «Os que recorrem
a Mim desde a manhã, isto é, sem demora, certamente me acharão».
Ou, segundo a tradução grega, «acharão a graça». De modo que recor-

56)  AS MAIS BELAS PÁGINAS DE BERNARDES: 2000 Trechos selecionados por NU-
NES, Mario Ritter (Coord.). São Paulo: Melhoramentos, 1966. p. 419.
57)  LA BOULLAYE, P. H. Pinard de. Marie: Chef-d’Oeuvre de Dieu. 4. ed. Paris: Spes,
1948. p. 35-36.

140
Portentoso
milagre operado
pela
“Mãe da vida”
Estendendo suas considerações
sobre Nossa Senhora, Mãe da vida, o
Pe. Jourdain as ilustra com extraor-
dinário exemplo:
“Maria, não contente de nos pro-
curar a vida da graça, se compraz em
nos socorrer também nos perigos
Santa Casa de Loreto que ameaçam nossa vida natural.
Quantos enfermos Lhe devem sua
cura! Quantos infelizes expostos a um risco de morte inevitável foram
salvos por Ela! [...]
“Permiti-nos de vos citar um antigo fato, pouco conhecido.
“Um padre da Eslovênia, devotíssimo da Santíssima Virgem, dei-
xou seu país para se dirigir em peregrinação a Nossa Senhora de Lore-
to. Teve ele a infelicidade, durante o curso de sua viagem, de cair entre
as mãos dos turcos que infestavam as costas da Itália. Como não ces-
sasse de invocar Maria e de dizer que A amava de todo seu coração, os
infiéis lhe abriram o peito, arrancaram-lhe o coração e lho entregaram,
ordenando-lhe de ir oferecê-lo, ele mesmo, Àquela que tanto amava.
“Oh! milagre! Esse fiel servidor de Maria não morreu. Aproveitan-
do a liberdade que lhe deram seus carrascos, pôde se arrastar durante
alguns dias e chegar a Loreto. Depositou seu coração (ainda incorrup-
to) aos pés do altar de Maria, recebeu a Sagrada Comunhão e expirou.
“Eis como Maria é Mãe da vida. Ela, por um retumbante milagre,
contrariando todas as leis da natureza, conservou a vida de seu bem-
amado servidor, o bastante para que ele pudesse cumprir seu voto.
“Maria é, portanto, a Mãe da vida temporal, espiritual e eterna, que
Ela nos alcança com sua intercessão.”

JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris:


Hippolyte Walzer, 1900. Vol. V. p. 123-124.
Eva, Mãe da vida...  Capítulo 2

rer a Maria é recobrar a graça de Deus. Lemos por isso pouco depois:
«Quem me encontra, encontra a vida e receberá do Senhor a salvação»
(Prov. VIII, 35). Ouvi-o, vós que procurais o reino de Deus, exclamou
São Boaventura, honrai a Santíssima Virgem Maria e achareis a vida
juntamente com a eterna salvação. [...] Daí as palavras de São Germa-
no: «Ó Mãe de Deus, vossa proteção traz a imortalidade; vossa interces-
são, a vida»” 58.
Consoantes aos ensinamentos precedentes, são estas palavras de
confiança na Santíssima Virgem, pronunciadas pelo Prof. Plinio Cor-
rêa de Oliveira:
“Maria é verdadeiramente nossa vida. Se Ela não existisse, não
teríamos razão alguma para esperar na misericórdia divina; não tería-
mos nada que justificasse qualquer esperança nossa do Céu, ou qual-
quer alegria na Terra. Tudo que torna vivível nossa existência é o con-
junto de esperanças que a intercessão de Nossa Senhora nos autori-
za a ter.
“Por isso Maria é nossa vida. Vivemos por Ela; e se não fosse Ela,
cairíamos desfalecidos.
“A Virgem Santíssima é verdadeiramente nossa vida!” 59
Assim, podemos concluir com o Pe. Chevalier:
“É sempre a partir do coração que o sangue se distribui pelo corpo,
e sempre através da mesma artéria principal antes de passar às secun-
dárias. O sangue é a imagem da vida divina. Esta vida nos vem do
Sagrado Coração, através desta artéria única, Maria, Mãe dos viven-
tes. No presente não vemos nem o coração, nem a artéria; nem a fon-
te, nem o canal primeiro; o próprio sangue, não o vemos. Veremos no
Céu todas essas maravilhas. Mas, tornando-se visíveis, elas não muda-
rão. A fonte será sempre a mesma, sempre o mesmo o canal. A dife-
rença é que veremos: e esta visão será nossa eterna felicidade.
“Deus, Jesus e Maria nos aparecerão em toda a sua glória. Deus,
fonte de vida, sem fundo e sem margens; nascente que brota intei-
ra em Jesus, e de Jesus se comunica a todos os eleitos, por meio de
Maria. Imensa e maravilhosa sociedade: maravilhosa pelo número de
seus membros, pela beleza de cada um; maravilhosa ainda mais por
sua perfeita unidade! Uma só vida, um só corpo, uma só cabeça e um

58)  LIGUORI, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima, 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 55 e 57.
59)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 21/5/1965. (Arquivo pessoal).

142
Prima  Estrela de Jacob aparecida...

só coração. E esse todo, de prodigiosa variedade numa extraordinária


unidade, será o próprio Cristo.
“E Maria aparecerá como Mãe desse Cristo, Mãe dos Anjos, Mãe
de todos e de cada um dos eleitos. Outra vida não haverá senão a dada
por Maria; e nós A contemplaremos como Ela é: Mãe da vida!” 60

@ Estrela de Jacob aparecida


Narra o Livro dos Números (XXII e ss.) que os judeus, a caminho
da Terra Prometida, acamparam nas planícies de Moab, onde estava
situada Jericó, além do Jordão. À vista do povo de Israel que assim
se aproximava, Balac, rei dos moabitas, temendo pelos habitantes de
seus territórios, mandou embaixadores a Balaão, adivinho do país de
Amon, rogando-lhe viesse amaldiçoar os israelitas.
Contudo, dos lábios do vidente, por obra de Deus, saíram pala-
vras de bênção, e em quatro oráculos profetizou acerca dos destinos
daquele povo que “cobria a face da terra”.
No quarto e último vaticínio, Balaão, filho de Beor, proferiu estas
palavras: “Nascerá uma estrela de Jacob, e levantar-se-á uma vara de
Israel, e ferirá os capitães de Moab...” (Núm. XXIV, 17).

Maria, a estrela de Jacob


O renomado mariólogo francês, Auguste Nicolas, assim se refere a
essa prefigura da Santíssima Virgem:
“Eis a impressão que desperta e despertará sempre o doce, puro e
santamente gracioso nome de Maria: é o mais generalizado e o menos
comum de todos os nomes, que se empresta e não se dá jamais às que
o portam (tão próprio é da Virgem que o santificou), e à qual sempre
retorna, puro de suas aplicações, como o raio de luz volta à sua estre-
la.
“E tal é a significação do inefável nome de Maria: Estrela. Estre-
la do mar, estrela da manhã, imagem delicada da vinda de Maria ao
mundo. Desta mesma estrela, quinze séculos antes, Balaão prognosti-
cava o aparecimento, quando disse, profetizando a dominação univer-
sal do Messias: «Eu o verei, porém não agora: eu o fitarei, porém não de

60)  CHEVALIER. Notre-Dame du Sacré-Coeur. Paris: Retaux-Bray, 1886. p. 339-340.

143
Estrela de Jacob aparecida...  Capítulo 2

perto: UMA ESTRELA SE ERGUERÁ DE JACOB, um cetro se levan-


tará de Israel, ferirá os príncipes de Moab, e reinará sobre todos os filhos
de Set». Profecia que todos os antigos hebreus aplicavam unanime-
mente ao Messias; que, segundo a relação de Josefo, constituía a pre-
ocupação universal de sua nação na época da vinda de Jesus Cristo, e
que, segundo o mesmo historiador e o Talmud, favoreceu o êxito pas-
sageiro do falso Messias Barkochebas, pela significação deste nome,
que quer dizer, filho da estrela.
“A Estrela, cujo verdadeiro Filho reina há dezoito séculos 61 sobre
todos os filhos de Set (quer dizer, sobre a raça humana, sendo Set o
filho de Adão), Maria, ao levantar-se sobre o horizonte do mundo, foi
como o dealbar da manhã da verdade, como o despontar do dia da fé,
que difundiu sobre o mundo Jesus Cristo, luz eterna, como o chama a
Igreja” 62.

Estrela que desbarata os caudilhos de Moab


Outra magistral interpretação da Estrela de Jacob acha-se em São
Boaventura:
“A estrela superior, que é a Bem-aventurada Virgem, nos conduz
a Cristo. E d’Ela se entende o que se diz no livro dos Números, com
estas palavras: «De Jacob nascerá uma estrela, e de Israel se levantará uma
vara que ferirá os capitães de Moab». Chama-se estrela a Bem-aventura-
da Virgem por sua constante e inabalável virtude. Por Moab se enten-
dem os voluptuosos. Capitães de Moab são os demônios ou os peca-
dos capitais. Esta estrela, quer dizer, a Bem-aventurada Virgem, des-
barata os caudilhos de Moab, que são os sete pecados capitais: o espí-
rito de soberba, sendo humílima; o espírito de inveja, sendo benigníssi-
ma; o espírito de ira, por ser mansíssima; o espírito de preguiça, por ser
devotíssima; o espírito de avareza, por sua liberalíssima generosidade;
o espírito de gula, por sua moderadíssima temperança, e, por último, o
espírito de luxúria, sendo como é integérrima e onimodamente casta.
“Desbaratou, pois, esta estrela os caudilhos de Moab” 63.

61) Auguste Nicolas, ardoroso católico e ilustre magistrado de Bordeaux, escrevia em


mea­dos do século XIX.
62)  NICOLAS, Auguste. La Virgen María y el Plan Divino. Barcelona: Religiosa, 1866. Vol.
II. p. 142-143.
63)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. Vol. II. p. 467.

144
Prima  Sois armado esquadrão contra Luzbel...

@ Sois armado esquadrão contra Luzbel


A fim de expressar o pavor que a Imaculada Mãe de Deus inspi-
ra às hostes infernais, a tradição cristã e a liturgia católica aplicam a
Maria esta frase da Escritura: “Terrível como um exército em ordem
de batalha” (Cânt. VI, 3 e 9).

Terrível adversária do demônio


“Quando uma confusa tropa de rebeldes vê avançar contra si um
poderoso exército, toma-se de terror à vista dos estandartes e das
armas reluzentes, e antes pensa em fugir do que em combater.
“No Cântico dos Cânticos, Maria é comparada a um potente exér-
cito: terribilis ut castrorum acies ordinata. Para quem Maria é assim tão
terrível? Não para os Anjos, nem para seus fiéis servidores; tampou-
co para os pobres pecadores que a Ela recorrem com coração contrito
e humilhado. Ela é terrível para os anjos rebeldes. À sua simples lem-
brança, tremem os demônios que não podem suportar sua presença,
diz o Cardeal Hugo. E Maria não está só. Com Ela estão todos os San-
tos e todos os Anjos que formam seu exército. Ela os envia, quando
necessário, em socorro daqueles que A invocam. Com razão diz São
Pedro Damião que Maria é a nossa proteção contra os demônios, e
São Boaventura, que Ela é a vara do poder de Deus contra os inimigos
infernais, cujas ciladas e ataques Ela confunde e reprime” 64.
Comentando a referida passagem dos Cânticos, São João de Ávila
escreve: “A Virgem, por nenhuma adversidade, tentação nem trabalho,
deixou de cumprir a santa vontade do Senhor e de andar em seus santos
caminhos. Como pessoa determinada a morrer ou vencer, partiu vito-
riosa sobre todos os seus inimigos e deles se fez temer, a ponto de não
ousarem aparecer diante d’Ela. Por isso dizem os Anjos que Maria é ter-
rível aos demônios e aos pecados como exército em ordem de batalha” 65.
Semelhante comentário é este do Pe. Henry Bolo: “Maria, que
guarda seus filhos do perigo, sustenta-os na batalha. Toda a luta, qual-
quer que seja sua natureza, vem do eterno inimigo. Por toda a parte

64)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. V. p. 630.
65)  ÁVILA, Juan de. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 938.

145
Sois armado esquadrão contra Luzbel...  Capítulo 2

onde ele aparece, Maria tem a missão de lhe calcar a cabeça com seu
pé virginal. Não há exército que seja mais terrível ao Inferno do que
a Virgem Santíssima. Ela encarna, sob a frágil aparência de mulher, a
virtude guerreira, a força nos combates. Trate-se das imensas e mortí-
feras arenas, maculadas de sangue, perturbadas de gritos e de convul-
sões, obumbradas de pó, ou bem desse campo de batalha invisível que
se chama a consciência de cada um, a vitória é assegurada logo que se
invoca Maria” 66.

Inflexível terribilidade
Esse milenar confronto entre Nossa Senhora e o demônio foi supe-
riormente descrito por São Luís Grignion de Montfort, nas páginas
de seu Tratado da Verdadeira Devoção. Transcrevemos aqui (em itáli-
co) algumas passagens do mesmo, seguidas de comentários feitos pelo
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irre-
conciliável, que não só há de durar, mas aumentar até ao fim: a inimiza-
de entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da
Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria
é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio. Ele Lhe deu
até, desde o Paraíso, tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo de Deus,
tanta clarividência para descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta
força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso, que o temor
que Maria inspira ao demônio é maior que o que lhe inspiram todos os
Anjos e homens e, em certo sentido, o próprio Deus.
“Não que a ira, o ódio, o poder de Deus não sejam infinitamen-
te maiores que os da Santíssima Virgem, mas, em primeiro lugar, Sata-
nás, porque é orgulhoso, sofre incomparavelmente mais, por ser venci-
do e punido pela pequena e humilde escrava de Deus, cuja humildade
o humilha mais que o poder divino; segundo, porque Deus concedeu a
Maria tão grande poder sobre os demônios, que, como muitas vezes se
viram obrigados a confessar, pela boca dos possessos, infunde-lhes mais
temor um só de seus suspiros por uma alma, que as orações de todos os
Santos; e uma só de suas ameaças que todos os outros tormentos.
“Inimizade perfeita posta por Deus” — diz o Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira. “É Nossa Senhora que aparece com tudo que há de terrível

66)  BOLO, Henry. Pleine de Grace. Paris: René Haton, 1895. p. 282-283.

146
Nossa Senhora
“armado esquadrão contra Luzbel”
Nossa Senhora de Quito
Sois armado esquadrão contra Luzbel...  Capítulo 2

em seu poder voltado contra o demônio e seus sequazes, e com aquela


maldição de Mãe arrasando até os alicerces do reino dele.
“Lindíssima é a idéia de que, já no Paraíso Terrestre, quando Nos-
sa Senhora existia apenas na mente de Deus, Ele A adornou de algo
como um instinto antidiabólico, à vista do demônio serpeando por
aquele Éden.
“Com efeito, a primeira característica de Nossa Senhora face ao
demônio é o ódio. Assim como Ela foi cheia de graça, assim Ela foi
cheia de ódio contra esse amaldiçoado inimigo de Deus. Porque o
ódio santo é, evidentemente, um dom do Altíssimo. Ora, Maria está
toda cheia dos dons de Deus, logo está cheia de ódio ao demônio.
“Em seguida, São Luís Grignion fala da clarividência que foi dada
por Deus a Maria, para descobrir a malícia da velha serpente. É, por-
tanto, o ver claro, é a sagacidade, é a virtude evangélica da astúcia,
recomendada por Nosso Senhor, jogando contra a diabólica astúcia
e liquidando o demônio! Donde as palavras de São Luís Grignion:
«Tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso». É a
batalha enunciada em todos os seus termos. Assim, cheia de sagacida-
de e cheia de ódio, Nossa Senhora só pode ter vitórias.
“«O temor que Maria inspira ao demônio é maior que o que lhe inspi-
ram todos os Anjos e homens e, em certo sentido, o próprio Deus».
“É uma maravilha de audácia, mas é a pura verdade. Compara-
da com Deus, Nossa Senhora é menos do que uma pequena milícia
em comparação com o maior exército da terra. Assim, compreende-
se o pensamento de São Luís Grignion: é tal a humilhação que sofre o
demônio sendo esmagado por Nossa Senhora, que ele tem disto espe-
cial medo. E um único bater de cílios de Maria, porque carregado de
ódio a Satanás, põe em polvorosa o Inferno inteiro.
“Ela é a inimiga, por excelência, do demônio; é Aquela que passa
sua eternidade lutando contra ele.
“Na vida de Santa Teresinha do Menino Jesus há este lindo traço:
ela disse que haveria de passar o Céu dela fazendo o bem sobre a Ter-
ra. Interrogada por sua superiora se ela, então, do Céu protegeria os
homens, a Santa teve esta magnífica resposta: «Não, eu descerei»!
“Nossa Senhora passa o Céu d’Ela fazendo o bem sobre a Terra, e
se há quem possa dizer «Eu descerei», é Ela, que tantas e tantas vezes
se tem mostrado aos homens. Mas, Ela faz duas formas de bem: o bem
para o homem e o mal para o demônio. De maneira que o «Eu desce-

148
Prima  Sede amparo e refúgio à grei fiel...

rei» da Santíssima Virgem é também descer com o látego, com o casti-


go para o demônio e seus empedernidos agentes humanos.

Crescente inimizade
“São Luís Grignion diz: «É principalmente a estas últimas e cruéis
perseguições do demônio, que se multiplicarão todos os dias até ao reino
do Anticristo, que se refere aquela primeira e célebre predição e maldição
que Deus lançou contra a serpente no Paraíso Terrestre (Gên. III, 15):
Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteri-
dade dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar.
“Revela-se aqui a noção de que existe, no decurso da História, uma
luta cada vez mais encarniçada e feroz entre a descendência de Nos-
sa Senhora, ou seja, os filhos e escravos d’Ela, e a descendência do
demônio, isto é, os homens que a ele se devotaram.

Combatividade e desconfiança em relação


aos filhos da serpente
“A época em que vivemos é de intensa combatividade entre essas
duas falanges. E por isso toda a piedade e a formação espiritual dos
escravos de Maria devem ser ordenadas em função desta luta.
“Convém insistir sobre a palavra traição, empregada pelo próprio
Deus. Esta é a arma habitual do demônio. Ele age por meio de trai-
dores que, disfarçados, preparam golpes de surpresa contra os filhos
de Nossa Senhora. Estes, portanto, devem compreender que o espíri-
to de combatividade em relação ao demônio é conjugado com o espí-
rito de desconfiança: desconfiar que Satanás está agindo de todos os
modos e por toda a parte, com sua infernal insídia.
“Combatividade aliada à desconfiança, eis as características do
batalhador de Nossa Senhora contra a raça da serpente” 67.

@ Sede amparo e refúgio à grei fiel

67)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santís-


sima Virgem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 54-55; CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.
Conferência em janeiro de 1966. (Arquivo pessoal).

149
Sede amparo e refúgio à grei fiel...  Capítulo 2

Nossa Senhora do Amparo


O primeiro dos títulos marianos acima mencionados, encontra
apropriado comentário na interpretação que dá o Prof. Plinio Corrêa
de Oliveira à invocação de Nossa Senhora do Amparo. Assim se expri-
me ele:
“O indivíduo desamparado não é apenas aquele a quem falta algo,
mas é também o que recorre em vão a todos os meios humanos para
obter o que necessita. Aquele que se vê imerso numa grave dificulda-
de, na qual sua vida inteira está empenhada, e não encontra sustentácu-
lo, arrimo ou apoio terreno algum — este é o indivíduo desamparado.
“Nossa Senhora do Amparo é precisamente Aquela que tem par-
ticular pena dos que se acham desamparados, seja do ponto de vista
espiritual, seja do ponto de vista material. Ela, cheia do especial des-
velo que têm as mães para com os filhos necessitados, opera mara-
vilhas para ajudá-los. N’Ela encontram eles o sustentáculo, o apoio
e o arrimo que procuram. Nossa Senhora do Amparo é, pois, Nossa
Senhora de todas as solicitudes, é Nossa Senhora de todas as compai-
xões, é Nossa Senhora de todos os instantes em que o homem precisa
de algo e a Ela recorre” 68.

Maria se fez toda para todos


Essa onímoda e constante proteção que a Mãe de Deus nos con-
cede, foi assim exaltada por São Bernardo: “[Maria] se fez toda para
todos; com uma copiosíssima caridade se fez devedora a sábios e igno-
rantes. A todos abre o tesouro da misericórdia, para que todos rece-
bam de sua plenitude: redenção, o cativo; cura, o enfermo; consolo, o
aflito; perdão, o pecador; graça, o justo; alegria, o Anjo; glória, a Trin-
dade toda; e a própria pessoa do Filho recebe d’Ela a natureza huma-
na, a fim de que não haja quem se esconda de seu calor” 69.
E Santo Afonso de Ligório, insistindo na necessidade de recor-
rermos ao auxílio de Maria, nos aconselha uma lindíssima súplica:
“Digam, pois, todos com grande confiança, invocando esta Mãe de
misericórdia, como Lhe dizia o Pseudo-Agostinho: Lembrai-Vos, ó pie-
dosíssima Senhora, que não se tem ouvido, desde que o mundo é mun-

68)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/9/1970. (Arquivo pessoal).


69)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 725.

150
Prima  Sede amparo e refúgio à grei fiel...

do, que alguém fosse de Vós desamparado. E por isso perdoai-me se Vos
digo que não quero ser o primeiro infeliz, que, recorrendo a Vós, não con-
siga o vosso amparo” 70.

Refúgio dos cristãos contra toda sorte de inimigos


No mesmo louvor que ora se comenta, a Virgem Santíssima é tam-
bém invocada como o infalível refúgio dos cristãos.
“Desde o tempo das perseguições — escreve Mons. Dadolle — a
Igreja depositou sua confiança no culto que ela devota a Maria. Esse
culto se lê ainda hoje, vivo e imortal, sobre os muros das catacum-
bas, onde o encontram estampado em desenhos e em cores. A ima-
gem da Virgem Mãe, colocada nas principais absides dessas criptas
sagradas, onde a fé dos primeiros cristãos ia se afervorar ou se defen-
der, mostra-nos que, desde esses primitivos tempos, a sociedade cristã
conhecia seu refúgio seguro contra todas as formas de ataques do ini-
migo” 71.
Semelhante é a opinião do Fr. Garrigou-Lagrange, que diz: “Maria
é o socorro dos cristãos, porque o socorro é o efeito do amor, e Ela
possui a plenitude consumada da caridade, que sobrepuja a de todos
os Santos e Anjos reunidos.
“Nossa Senhora ama as almas resgatadas pelo Sangue de seu Filho
mais do que saberíamos dizer, assiste-as em suas penas e as ajuda na
prática de todas as virtudes. [...] Ela é o socorro, não apenas das almas
individuais, mas dos povos cristãos. [...]
“O título de Nossa Senhora das Vitórias nos recorda que, frequen-
temente, sua intervenção foi decisiva sobre os campos de batalha para
libertar os cristãos oprimidos” 72.

O Refúgio por excelência


Por fim, ouçamos novamente o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira,
cujas palavras são como um resumo dos ensinamentos que acabamos

70)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1964. p. 92.
71)  DADOLLE. Le Mois de Marie. Paris: J. Gabalda, 1925. p. 251.
72)  GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure. Pa-
ris: Du Cerf, 1948. p. 275-276.

151
V. Ele próprio A criou no Espírito Santo...  Capítulo 2

de considerar: “Ao longo de toda a sua existência, a Igreja encontrou


na Santíssima Virgem sua grande protetora.
“Nossa Senhora esteve presente nas batalhas onde os guerreiros
católicos derrotaram os exércitos de seus inimigos, e nas lutas dos
povos fiéis contra os infiéis.
“Nossa Senhora está, sobretudo, presente na ininterrupta luta de cada
homem contra seus defeitos, para adquirir maiores virtudes. E ainda que
não nos lembremos de Maria, Ela intercede por nós no alto do Céu, com
uma misericórdia que nenhuma forma de pecado pode esgotar.
“Nossa Senhora é o perene e contínuo refúgio que jamais se fecha
para qualquer pecador. Ou seja, Ela não é um refúgio apenas para
os que tenham cometido faltas leves, senão que o é também para os
autores de pecados de gravidade inimaginável e para as ingratidões
inconcebíveis. Pois é próprio da grandeza da Mãe de Deus, na qual
tudo é admirável e extraordinário, o ser um imenso e perfeito refúgio.
“Desde que o pecador se volte para Ela, a Virgem Santíssima,
cheia de bondade, o protege,concede-lhe toda espécie de perdão, lim-
pa-lhe a alma, dá-lhe forças para praticar a virtude e o transforma de
filho pródigo em homem bom e fiel” 73.

@ V. Ele próprio A criou no Espírito Santo


Verdadeira criação no Espírito Santo
Referindo-se à miraculosa origem de Nossa Senhora, em virtude
de sua Imaculada Conceição, observa Fr. Bernard, O. P., que esta foi
“uma verdadeira criação no Espírito Santo, da qual resultaram a mais
santa infância e a mais santa adolescência, como nunca se viu seme-
lhantes, e como jamais se há de ver” 74.
É o que, em outros termos, afirma São João Eudes: “Assim como
Jesus foi predestinado para ser Filho de Deus por obra do Espírito San-
to, assim Maria foi animada e possuída do mesmo Espírito, desde o pri-
meiro instante de sua vida, o qual A encheu de suas graças e A santifi-
cou sempre mais e mais, durante o curso de sua infância, para dispô-La
a conceber e dar à luz o Verbo Eterno e a ser Mãe de Deus” 75.
73)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 5/9/1970 e 7/2/1971. (Arquivo pessoal).
74) BERNARD. Le Mystère de Marie. Bruges: Desclée de Brouwer, 1954. p. 68.
75)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 38.

152
Não raras vezes,
os cristãos deveram
suas vitórias
sobre os
campos de batalha
à decisiva intervenção
de Nossa Senhora

Nossa Senhora das Vitórias

Nossa Senhora de Lepanto

Ao fundo: Catacumba Domitila


R. E A representou maravilhosamente em todas as suas obras...  Capítulo 2

O santo franciscano Fr. Maximiliano Kolbe (1894-1941), bela e


ousadamente assinala essa íntima união da Terceira Pessoa da San-
tíssima Trindade com Nossa Senhora: “Poder-se-ia quase dizer que a
Imaculada é a Encarnação do Espírito Santo” 76.
O mesmo autor, em outro passo acrescenta:
“Na alma da Imaculada, o Dispensador de todas as graças — o
Espírito Santo — inabitou desde o primeiro instante da existência
d’Ela, assumindo-A e penetrando-A de tal maneira, que o nome de
Esposa do Espírito Santo significa apenas um remoto, tênue e imper-
feito — embora verdadeiro — esboço desta união” 77.

@ R. E A representou maravilhosamente em todas


as suas obras.

Excelso compêndio da criação


Comentando a passagem dos Provérbios (VIII, 22-31) usada pela
liturgia na celebração da Natividade de Nossa Senhora, escreve São
João Eudes:
“[Maria] estava presente com o Criador do universo, quando Ele
firmava os céus, regulava o movimentos dos astros, e cercava os abis-
mos; quando formava o ar e os ventos, e dava consistência às nuvens
no alto; quando fixava ao mar seus limites, para que as águas não
ultrapassassem seu termo; quando assentava os fundamentos da terra.
“Como se entende isto? De que maneira esta sagrada Virgem esta-
va com Deus na criação do mundo, e de que maneira fez tudo com
Ele?
“Estava com Deus, porque Ele A levava sempre em seu espírito
e em seu coração, e considerava cuidadosamente todas as perfeições
naturais e sobrenaturais diversamente repartidas entre todas as criatu-
ras, para um dia recolhê-las e reuni-las todas juntas n’Aquela a quem
havia destinado para ser a Soberana do universo. Por esta razão Santo
Epifânio A chama: «Mistério do Céu e da Terra», porque Deus pôs nes-

76)  KOLBE, Maximiliano. Conferência em 5/2/1941. Apud RAGAZZINI, Severino M.


Maria Vita della’Anima. Frigento: Madonna Del Buon Consiglio, 1984. p. 582.
77)  Loc. cit.

154
Prima  V. Protegei, Senhora, etc...

ta maravilhosa Virgem como num resumo e compêndio, tudo o que há


de formoso, bom e excelente na Terra e no Céu” 78.
No mesmo sentido, transcreve o Pe. Jourdain este comentário de
um piedoso autor: “Deus se comprouve na criação dos Anjos, dos
Arcanjos, dos Querubins e dos Serafins; comprouve-se na criação
do céu material, dos astros, do sol, da Terra e das criaturas que ela
encerra. Criando todos esses seres, Deus prenunciava sua obra-pri-
ma por excelência, a criação de Maria, que seria Ela mesma o prelú-
dio da criação da humanidade do Salvador. Tudo se reportava a Jesus
e a Maria, tudo a Eles representava, tudo preparava sua vinda sobre a
Terra para o resgate dos homens e a glorificação de Deus” 79.

Simbolizada pelos píncaros da criação


Sirva-nos de conclusão este interessante pensamento do Prof. Pli-
nio Corrêa de Oliveira:
“Nossa Senhora está representada em todas as obras do Criador.
“Contudo, simbolizam-Na de modo insigne as que o fazem à manei-
ra de píncaro. O que, bela e harmoniosamente, exprime aquele cântico:
«Maria fons, Maria mons» — «Maria que é fonte, Maria que é monte» 80.
“A montanha é um píncaro em relação às outras coisas da nature-
za. Píncaro é também a fonte em relação à terra, pois esta se alimenta
da água que sai daquela.
“E assim todas as criaturas que são, de alguma maneira, píncaros em
relação às outras, de modo especial simbolizam a Santíssima Virgem,
porque em tudo quanto é d’Ela está presente a nota de píncaro” 81.

@ V. Protegei, Senhora, etc.


Repetem-se as mesmas orações do final de Matinas82.

78)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 115-116.
79)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. VI. p. 277-278.
80) Hino Flos Virginum.
81)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 12/7/1991. (Arquivo pessoal).
82)  Veja-se p. 87 e ss.

155
Nossa Senhora
das Mercês
Capítulo 3

Tércia

Hino

Sois a Arca da Aliança, o trono de Salomão,


Belo íris celeste, sarça ardente da visão.
Vós sois a Virgem florida, o velo de Gedeão,
Divino portal fechado, o favo do forte Sansão.
Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão nobre
Filho
Não tivesse de Eva a mancha e resplandecesse com
todo o brilho.
E tendo o Verbo escolhido por mãe a Virgem casta,
Não quis que fosse sujeita à culpa que o mundo
arrasta. Amém.

V. Eu moro no mais alto dos Céus.


R. E o meu trono está sobre a coluna de nuvens.

157
onforme observa São João Eudes,
“todos os livros sagrados da Lei
de Moisés estão cheios de figuras
e símbolos das digníssimas Pessoas
de Nosso Senhor Jesus Cristo e de
sua sacratíssima Mãe. E todos os
Santos Padres, em seus escritos, se
comprazem em nos descobrir tais
figuras, e em nos fazer ver seu es-
plendor e beleza” 1.
O terceiro Hino do Pequeno Ofício evoca alguns desses sím-
bolos sugeridos pelo Espírito Santo, nas páginas do Antigo Testa-
mento, para fazer conhecer e amar pelos homens a futura Mãe de
Deus, antes mesmo que Ela aparecesse sobre a Terra.
Assim, entre outras, foram imagens de Nossa Senhora: a
Arca da Aliança, que continha as tábuas da Lei; o magnífico
trono de Salomão; o arco-íris traçado no céu, após o castigo do
dilúvio; a vara de Aarão, que floresceu dentro da Arca do Testa-
mento; o velo de Gedeão, ora seco, enquanto toda a terra ao seu
redor estava molhada de orvalho; ora embebido de rocio, quando
aquela permanecia árida; a sarça ardente, de dentro da qual
Deus falou a Moisés; o favo de mel que Sansão encontrou no
cadáver do leão morto por ele; e a porta oriental do templo, que
Ezequiel discerniu, cerrada, em uma de suas proféticas visões.
A recordação desses símbolos da Santíssima Virgem, acom-
panhada de novos e expressivos louvores à sua Imaculada Concei-
ção, compõe a bela Hora mariana que a seguir contemplaremos.

1)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 49.

158
Tércia  Sois a Arca da Aliança...

@ Sois a Arca da Aliança


Em meio à “glória do Senhor” que abrasava o alto do Monte Sinai,
Moisés recebeu de Deus esta ordem (Ex. XXV, 10-16): “Fazei uma
Arca de pau de setim, cujo comprimento tenha dois côvados e meio,
a largura côvado e meio, e altura igualmente côvado e meio. Revesti-
-la-ás de ouro puríssimo por dentro e por fora; e farás sobre ela uma
coroa de ouro em roda; e farás quatro argolas de ouro, que porás nos
quatro cantos da Arca: duas argolas de um lado, e duas do outro. Farás
também varais de pau de setim e os cobrirás de ouro, e os farás passar
por dentro das argolas que estão aos lados da Arca, a fim de que sir-
vam para o transporte. Estarão sempre metidos nas argolas, e nunca
se tirarão delas. E porás na Arca o Testemunho que Eu te hei de dar.”

Símbolo das múltiplas dignidades de Nossa Senhora


No seu precioso conjunto, essa Arca constituía eloquente imagem da
futura Mãe do Verbo Encarnado. Tal relação foi assim estabelecida por
São Boaventura, em um de seus admiráveis discursos mariológicos:
“Segundo a exposição dos Santos, a Arca, no sentido alegórico,
refere-se a Cristo e à Igreja; [...] no místico, representa a Virgem glo-
riosa, Santa Maria, felicíssima Mãe de Deus e Senhora nossa. [...]
“Sob a figura da Arca do Testamento, insinua-se a múltipla dig-
nidade da Virgem segundo os diversos aspectos que a Escritura nos
ensina a considerar naquela mística Arca.
“Com efeito, a Escritura nos propõe a consideração desta Arca sob
quatro aspectos, a saber: segundo o que ela é (construção), segundo
o que há nela (conteúdo), segundo o que dela procede (eficácia), e
segundo o que a ela se refere (honra).

Maria, Arca do Testamento, quanto à sua construção


“Aquela Arca, como diz a Sagrada Escritura, foi construída de
matéria incorruptível, de proporções adequadas, de bela forma e de
figura quadrangular, no que se indica a dignidade da gloriosa Virgem,
fabricada segundo a arte do Filho de Deus e do Espírito Santo.

159
Sois a Arca da Aliança...  Capítulo 3

••Virgindade incorruptível
“Maria é Arca do Testamento quanto à sua construção, primeiro,
por ser de matéria incorruptível, devido à integridade de seu corpo.
[...] Integridade que A livrou do peso da carne e A tornou incorrup-
tível, separando-A do contágio da corrupção, que dimana dessa mes-
ma carne.

••Virtudes proporcionadas
“Segundo, a Virgem foi Arca do Testamento, quanto à sua cons-
trução, porque foi de medidas proporcionadas, devido à humildade
de coração, segundo o capítulo XXXVII do Êxodo: «E Beseleel fez a
Arca de pau de setim, a qual tinha dois côvados e meio de comprido,
côvado e meio de largo, e também côvado e meio de alto». Por côvado
inteiro da medida completa se entende a virtude perfeita na realiza-
ção dos atos; por metade se entende a humildade perfeita na conside-
ração dos defeitos; [...] e essas duas coisas teve, de modo eminentíssi-
mo, a Virgem Maria, pois possuiu, ao mesmo tempo, uma virtude per-
feita e uma profunda humildade.

••Beleza de formas, fruto da honestidade de vida


“Terceiro, a Virgem foi Arca do Testamento, quanto à sua constru-
ção, porque foi bela na sua forma, devido à honestidade de sua vida,
segundo as palavras do capítulo XXXVII do Êxodo: «E revestiu-a de
ouro finíssimo por dentro e por fora. E fez-lhe uma cornija de ouro ao
redor». Por este revestimento de ouro se entende a plenitude da suma
honestidade, que adornou por dentro e por fora à Virgem Maria. [...]
E adverte que se disse tinha ao redor uma cornija de ouro, pela hones-
tidade que brilhou em todos os seus atos.

••Exímia observante da Lei divina, segundo as


virtudes cardeais
“Quarto, a Virgem foi Arca do Testamento, quanto à sua cons-
trução, por ser de forma quadrangular, devido à igualdade de quatro
maneiras de virtude, segundo as palavras do capítulo XXV do Êxodo:
«E farás quatro argolas de ouro, que porás nos quatro cantos da Arca.
Farás também varais de pau de setim e os cobrirás de ouro, e os farás pas-

160
Tércia  Sois a Arca da Aliança...

sar por dentro das argolas que estão aos lados da Arca, a fim de que sir-
vam para o transporte».
“Pelos quatro cantos se entendem as quatro virtudes cardeais;
pelas argolas nos quatro cantos, a obediência quadriforme dos pre-
ceitos divinos segundo a exigência das quatro virtudes. Pelos varais se
entendem duas coisas: o temor e o amor, que nos levam pelo caminho
dos bons costumes.
“A Virgem gloriosa possuiu tudo isto na perfeição, pois observou
eximiamente a divina Lei, submetendo-se a esta segundo as quatro
virtudes cardeais, a saber: prudência, justiça, temperança e fortaleza,
que, embora distintas, têm conexão e igualdade entre si, e se condu-
zem pelo temor e amor perfeito, e por elas a Arca chegou até o Céu.
E adverte como disse que os varais estarão sempre metidos nas argolas,
e nunca se tirarão delas, porque o temor e o amor sempre devem estar
unidos com as virtudes cardeais para o cumprimento dos mandamen-
tos divinos; e assim o estiveram na gloriosa Virgem.

Maria, Arca do Testamento, quanto ao seu


conteúdo
“No interior daquela Arca material — prossegue São Boaventura
— guardava-se o maná, a vara [de Aarão] e duas tábuas da Lei; e, por
cima, como remate, estavam dois Querubins fazendo sombra ao propi-
ciatório. Por esse conteúdo, significa-se adequadamente quanto a Vir-
gem teve em seu interior. A Bem-aventurada Maria, com efeito, foi
Arca que continha por dentro: o maná, pela doçura da graça; a vara,
pela virtude da confiança; a Lei, pela reta inteligência. Tinha, ade-
mais, por cima, dois Querubins, pela plenitude da sabedoria. [...]

•• A doçura da graça (maná)


“Em primeiro lugar, [...] quando foi construída e nasceu essa Arca,
então foi cumulada com a doçura da graça, não só para sua pessoa,
senão também para todas as gerações sucessivas. [...]

•• A virtude da confiança (vara)


“Em segundo lugar, foi também Arca que continha a vara de
Aarão, que floresceu, pela virtude da confiança. [...] Virtude que tor-

161
Sois a Arca da Aliança...  Capítulo 3

nou apto o rebento do tronco de Jessé para, sem obra de varão, pro-
duzir a flor de Nazaré, pela promessa de Deus e a sombra do Espírito
Santo, a quem a Virgem Maria se uniu estreita e confiadamente. [...]

•• A reta inteligência (Lei)


“Em terceiro lugar, foi Arca da Aliança que continha as tábuas da
Lei, pela reta inteligência, segundo as palavras do capítulo XXV do
Êxodo: «E porás na Arca o Testemunho que Eu te hei de dar».
“Esta Lei foi escrita e colocada na Arca do Testamento, ou seja,
no coração da Bem-aventurada Virgem. Assim o atesta São Lucas,
no capítulo II de seu Evangelho: «Entretanto Maria conservava todas
estas coisas, meditando-as no seu coração». Como a Arca do Testamen-
to conservava a Lei de Moisés, assim Ela guardava a Lei do Evangelho
pela reta inteligência da verdade da fé e de toda a Lei de Cristo. [...]

•• A plenitude da sabedoria (Querubins)


“Em quarto lugar, foi Arca do Testamento porque continha os
Querubins, pela plenitude da sabedoria. [...] A Virgem encerrava em
si os recônditos mistérios da sabedoria divina, por ter trazido em seu
seio a carne de Cristo, em quem estão contidos todos os tesouros da
sabedoria e da ciência.

Maria, Arca do Testamento, quanto à sua eficácia


“Depois do dito, consideremos a eficácia da Arca, na qual se repre-
sentava a Virgem Maria, no tocante ao que dela procede.

••Eficaz no conduzir os homens ao Céu


“Com efeito, aquela Arca, símbolo de Maria, foi eficaz para diri-
gir os caminhantes, segundo aquilo do capítulo X dos Números: «Par-
tiram, pois, do monte do Senhor, e caminharam três dias, e a Arca da
Aliança do Senhor ia adiante deles, indicando-lhes nos três dias o lugar
para os acampamentos».
“Por esses três dias se entende toda a vida presente, quanto ao seu
começo, decurso e fim, ou os três votos que conduzem o homem ao
deserto da Religião, como por um caminho de três dias, a saber: da

162
Tércia  Sois a Arca da Aliança...

continência, pobreza e obediência, graças à ajuda da Virgem Maria,


que foi pobríssima, humílima e castíssima. Ela vai adiante e prepara
o caminho até introduzir na Terra de Promissão, como se diz no capí-
tulo III de Josué: «Eis que a Arca da Aliança do Senhor de toda a Terra
irá adiante de vós pelo meio do Jordão»; e continua mais abaixo o texto
dizendo que, à entrada da Arca [no rio], secar-se-ão as águas, signifi-
cando-se nisto que com o auxílio da Virgem se torna fácil o que antes
parecia difícil.

••Eficazem socorrer os homens nos seus perigos e


angústias
“Em segundo lugar, a Arca, figura da Virgem, foi eficaz para defen-
der os que combatiam, segundo se diz no capítulo VI do livro segundo
dos Paralipômenos: «Levanta-te, ó Senhor Deus! e vem ao lugar fixo de
tua morada, Tu e a Arca de teu poderio».
“Diz-se de teu poderio, porque é forte para defender, conforme
cantamos: «Dai-me poder contra teus inimigos». Para significar isto,
dizem os anciãos de Israel no capítulo IV do primeiro livro dos Reis:
«Façamos vir para nós de Silo a Arca da Aliança do Senhor, e venha para
o meio de nós, para que nos salve da mão de nossos inimigos», porque
ela pode realmente salvar.
“Contudo, acrescenta-se ali que não salvou a todos, sendo a razão
disto o estarem eles manchados pela idolatria, desprezando, portan-
to, em seu interior o que veneravam exteriormente. Pelo que, diz São
Bernardo: «Nos perigos, nas angústias, pensa em Maria, invoca a Maria;
e para conseguir a ajuda de sua intercessão, não deixes de seguir o exem-
plo de sua conduta». Porque quem invoca com os lábios e contradiz
com suas obras, não merece ser ouvido nem salvo, mas antes receber
sentença de condenação.

••Eficaz
no reconciliar os pecadores arrependidos
com Deus
“Em terceiro lugar, a Arca era eficaz para reconciliar os arrependi-
dos, segundo se diz no capítulo XXVI do Êxodo: «Porás também o pro-
piciatório sobre a Arca do Testemunho do Santo dos Santos».
“Que é o propiciatório, senão aquele por quem se alcança a remis-
são dos pecados? Assim se diz no capítulo II da primeira carta de São

163
Maria é a Arca eficaz em socorrer os homens
nos perigos e angústias
Nossa Senhora defende do demônio o monge Teófilo
Detalhe da fachada da Catedral de Notre Dame de Paris
Tércia  Sois a Arca da Aliança...

João: «Temos por advogado, junto ao Pai, Jesus Cristo, justo. Ele é a
propiciação pelos nossos pecados», etc.; e este propiciatório se acha
colocado sobre a Arca, porque chegamos a ele por meio da Virgem
Maria, que, como Mãe de misericórdia, roga ao Filho por nós e aplaca
a Deus, irado por nossos pecados.

••Eficaz no derrotar os inimigos de nossa salvação


“Em quarto lugar, a Arca foi eficaz para derrotar os rebeldes,
como se diz no capítulo X dos Números: «E, quando se levantava a
Arca, Moisés dizia: Levanta-te, Senhor, e sejam dispersos os teus inimi-
gos», por isso, referindo-nos à Virgem, cantamos o verso: «Alegra-te, ó
Virgem Maria!», etc. Ela é, com efeito, a mulher que esmagou a cabeça
da serpente; é, do mesmo modo, a Arca que feriu de morte os filisteus,
como se descreve no capítulo V do livro primeiro dos Reis: «E levan-
do eles [a Arca] de cidade em cidade, a mão do Senhor fazia grande
mortandade em cada cidade». Em figura disto se diz no capítulo VI do
livro de Josué que, dando voltas a Arca do Senhor ao redor de Jericó,
caíram os muros desta cidade, porque Ela é quem derrota a seus ini-
migos e aos de Cristo, como Ester a Aman, e como Judith a Holofer-
nes, e Jahel a Sísara, pois Ela é tão terrível a nossos inimigos como um
exército em ordem de batalha.

Maria, Arca do Testamento, quanto à honra


que lhe é devida

••Honrada com unânime obséquio


“Por fim, devemos considerar a Arca quanto à honra que se lhe
dava, para deduzir disto a honra e reverência que se há de tributar à
gloriosa Virgem.
“Ela, figurada na Arca, há de ser honrada com unânime obséquio,
como se simboliza no capítulo VIII do livro terceiro dos Reis: «Então
todos os anciãos de Israel com os príncipes das tribos, e os chefes das famí-
lias dos filhos de Israel, reuniram-se junto do Rei Salomão em Jerusalém,
para transladar a Arca da Aliança do Senhor da cidade de David»; nisto se
entende que tanto grandes quanto pequenos devem se unir para honrar
e reverenciar unanimemente à gloriosa Virgem. [...]

165
Sois a Arca da Aliança...  Capítulo 3

••Honrada com humilde obséquio


“Em segundo lugar, há de ser honrada com obséquio humilde,
como se descreve no capítulo VI do segundo livro dos Reis: «David
estava cingido de um efod de linho. E David e toda a casa de Israel con-
duziam a Arca do Testamento do Senhor com júbilo e ao som de trom-
betas». David, que honrava humildemente a Arca, simbolizava a Cris-
to, que venera humildemente a sua Mãe, a Virgem gloriosa. Do mes-
mo modo que, a exemplo do Rei, humilhado, humilhavam-se com gos-
to os demais para glorificar a Arca, assim a exemplo do verdadeiro
David, Cristo, que se humilhou para render honra a esta Arca [Maria]
— pois pelo capítulo II de São Lucas consta que estava sujeito à Mãe
—, devem os cristãos humilhar-se e render-Lhe tributo de honra. Por-
que como Ela é a mestra da humildade, quanto mais alguém se humi-
lha a seus pés, tanto maior honra Lhe tributa.

••Honrada com solene obséquio


“Em terceiro lugar, há de ser honrada com obséquio solene, como
se diz no capítulo VI do livro segundo dos Reis: «Foi pois David, e levou
a Arca de Deus da casa de Obededom; e David levava consigo sete coros
de músicos». Por estes sete coros, reunidos para tributar homenagem à
Arca, simboliza-se a comunidade de todos os fiéis, que devem proce-
der distinta e não confusamente, isto é, com ordem, ao cantar os divi-
nos louvores. E porque estes devem ser cantados com toda a alma,
acrescenta-se que David tocava os instrumentos de música e «dançava
diante do Senhor com todas as suas forças». [...]

••Honrada com infatigável obséquio


“Em quarto lugar — conclui São Boaventura —, a Arca há de ser
honrada com infatigável obséquio, como se diz no capítulo III do livro
primeiro dos Reis: «Samuel dormia no templo do Senhor, onde estava
a Arca de Deus», porque atendia sem descanso ao cuidado da Arca,
cumprindo o que diz o Evangelho: «O que perseverar até o fim, este será
salvo»” 2.

2)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. IV. p. 935-951.

166
Tércia  Sois a Arca da Aliança...

Penhor da proteção divina


Fazendo eco ao luminoso ensinamento do Doutor Seráfico, escre-
ve o Pe. Jourdain:
“Maria é nossa Arca da Aliança. Quando A elevamos e A condu-
zimos diante de nós, seguindo as sendas da vida, Deus está conosco,
e podemos dizer com Moisés: «Levanta-te, Senhor, e sejam dispersos
os teus inimigos, e fujam da tua face os que te aborrecem». Elevemos,
portanto, Maria Santíssima, glorificando-A; conduzamo-La diante de
nós, rogando a Ela sem cessar, imitando suas virtudes, e caminhemos,
com confiança, sob sua poderosa proteção. O próprio Deus construiu
a nova Arca da Aliança e se dignou n’Ela habitar. Ele exaltou sua obra
de predileção sobre todas as criaturas, desde a sua Imaculada Concei-
ção. E ainda mais alto a ergueu, quando se encarnou em seu seio, tor-
nando-se seu Filho, sem nada subtrair ao brilho de sua virgindade.
“Essa Arca santa é, pois, para nós, a fonte de inumeráveis bens. Em
meio aos perigos, Ela é nosso socorro, nossa luz, nosso conselho [...]
e nossa consolação. Ela nos separa do mundo para nos unir a Deus,
como a Arca separava as águas do Jordão: as águas inferiores, o amor
do mundo, correm; elevam-se as águas superiores, o amor de Deus” 3.

Arca que deteve as vagas do pecado original


No mesmo milagre operado pela Arca, ao entrar no Rio Jordão,
vê São Francisco de Sales um simbolismo da Conceição Imaculada de
Maria:
“Assim como as águas do Jordão pararam ao entrar nelas a Arca,
e deixaram passar de pé enxuto os israelitas, a fim de penetrarem na
Terra Prometida, assim também as águas do pecado original suspen-
deram o seu curso em sinal de reverência, respeitando, em Maria, o
Tabernáculo da Eterna Aliança” 4.

3)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. I.
p. 481-482.
4)  SALES, Francisco de. In: PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em
latim e português com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 109.

167
O trono de Salomão...  Capítulo 3

Arca em cujo Imaculado Coração está escrita


a Lei Divina
Livre, pois, de todo e qualquer laivo de pecado, a nova Arca do
Testemunho se tornou resplandecente escrínio de santidade. Por
isso comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “A Lei divina, mui-
to mais do que nas tábuas de Moisés, guardadas na Arca da Aliança,
está escrita na alma de Nossa Senhora. É a partir de seu Imaculado
Coração que a Lei de Deus se irradia para a humanidade inteira, pelo
ministério da Santa Igreja Católica” 5.

Fonte de graça para os filhos, princípio de


morte para os inimigos
Encerramos essas considerações sobre Nossa Senhora, Arca da
Aliança, com as palavras do Pe. Rolland, Missionário Apostólico dos
primórdios deste século, referindo-se àquela prefigura da Virgem:
“Que formoso símbolo de Maria, toda enriquecida do ouro das mais
belas virtudes, e em quem os sete dons do Espírito Santo brilharam
com tão vivo fulgor! De Maria, em quem a divindade se escondeu, em
quem repousou o Pão vivo, e que foi o santuário do divino alimento
de nossas almas, do supremo Rei, do supremo Sacerdote, do supremo
Legislador. De Maria, a Mãe de Deus, a Mãe das misericórdias, por
meio de quem a alma se liberta do cativeiro do demônio, atravessa o
Jordão, derruba as muralhas de Jericó e conquista os mais belos triun-
fos! De Maria, fonte de graças para seus fiéis súditos, mas princípio de
morte para os que A insultam!”6

@ O trono de Salomão
O livro terceiro dos Reis, descrevendo as glórias e riquezas de
Salomão, filho de David, assim nos apresenta seu magnífico sólio
(X, 18-20): “Fez o Rei Salomão um grande trono de marfim, e guar-
neceu-o de ouro muito amarelo, o qual tinha seis degraus; e o alto do
trono era redondo pelo espaldar; e dois braços, um dum lado, e outro

5)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 25/1/1992. (Arquivo pessoal).


6) ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910. Vol. I. p. 148-149.

168
Tércia  O trono de Salomão...

doutro, sustinham o assento: e havia dois leões junto de cada braço.


E doze leõezinhos postos sobre os seis degraus, duma parte e doutra;
não se fez obra semelhante em nenhum outro reino (do mundo).”
Entretanto, mais do que por seu esplendor material, valia esse
régio assento pelo fato de simbolizar Aquela que seria o riquíssimo
trono do verdadeiro Salomão, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Obra-prima destinada ao Divino Salomão


Percorramos algumas das belas páginas da Mariologia que focali-
zam Nossa Senhora enquanto representada pelo trono do Rei Sábio.
Escreve o Pe. Jourdain:
“Entre as figuras que Deus multiplicou no Antigo Testamento para
simbolizar Maria e nos proporcionar uma idéia de suas sublimes per-
feições, cumpre assinalar o trono de Salomão, esse grande trono de
marfim revestido de puríssimo ouro, esse trono maravilhoso do qual
o Espírito Santo afirma que não foi feita semelhante obra em reino
algum. Esse trono de marfim e de ouro era a obra-prima destinada ao
Rei Salomão: quem o poderá comparar ao trono que Deus preparou
para si mesmo, a Bem-aventurada Virgem Maria?
“Quão preciosa é a matéria desse trono! A carne de Maria devia
fornecer os primeiros elementos do adorável corpo de Jesus; e sua
alma havia de ser ainda mais pura do que esta carne virginal. E com
que arte o Criador de todas as coisas, Aquele cujas menores obras
excedem todas as concepções do gênio humano, com que arte, digo,
não trabalhou Ele esta matéria perto da qual o ouro e o marfim são
menos que o pó?
“O Pai trabalhava pela honra de seu Filho, o Filho trabalhava por
sua Mãe, o Espírito Santo trabalhava por sua celeste Esposa. Ó trono
do Divino Salomão, como sois belo, como sois perfeito! [...]

Trono revestido das mais belas virtudes


“Esse trono é grande pela própria humildade de Maria, cuja baixe-
za foi objeto da observação do Senhor, para elevá-La acima de todas
as criaturas. É grande porque Maria possui, a um grau incomparável,

169
Mais precioso do que o sólio do
Rei Sábio, é o
Trono puríssimo em que repousa
o Filho de Deus

Salomão,
por Doré

Nossa Senhora
de Coromoto
Tércia  O trono de Salomão...

todos os dons naturais e sobrenaturais que Deus distribuiu, com medi-


da, entre as demais obras saídas de sua adorável mão.
“Esse trono é de marfim, pois Maria é a Virgem das virgens. Ele
está inteiramente recoberto do mais puro ouro, porque Deus conce-
deu a Maria a mais ardente e mais perfeita caridade, superior à dos
próprios Querubins e Serafins.
“O trono de Salomão contava seis degraus. A humildade de Maria,
sua virgindade, seu espírito de pobreza, seu pudor, sua paciência e sua
temperança foram os seis degraus desse místico trono.
“A parte superior do trono era redonda, o que faz lembrar a espe-
rança das coisas celestes. Os dois braços que sustentavam o trono
representam o respeito e o temor. Maria, com efeito, temia e respeita-
va seu Filho: Ela via n’Ele seu Senhor e seu Deus.
“Havia dois leões junto aos dois braços, e doze leõezinhos sobre os
seis degraus. As virtudes de Maria estavam bem guardadas, e os mais
poderosos dos Anjos do Senhor velavam junto d’Ela para rechaçar o
inimigo de todo o bem.

Trono espiritual do verdadeiro Salomão


“Jesus encontra seu repouso na virgindade de Maria, porque Ele
ama a pureza. Ele repousa sobre sua caridade, pois ama a concórdia
entre os irmãos. Ele repousa sobre sua humildade, porque Lhe agrada
a alma tranquila. Maria é seu trono bem favorito, o lugar de sua paz e
de suas delícias” 7.
Esse aspecto de Nossa Senhora enquanto trono espiritual do Filho
de Deus nos é apresentado também por outros ardorosos encomias-
tas da Santíssima Virgem. Para Fr. Luís de Granada, Ela “é figurada
pelo formosíssimo trono de Salomão, do qual diz a Escritura que era
feito de marfim, e estava revestido de um ouro muito resplandecente,
e que obra como aquela não fora nunca realizada em todos os reinos
do mundo (III Reis, X, 20). As quais coisas, todas perfeitissimamente
convêm a esta sacratíssima Virgem, como a trono espiritual d’Aquele
verdadeiro Salomão, pacificador do Céu e da Terra” 8.
Por sua vez, São Tomás de Villanueva assim comenta:

7)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. I.
p. 536-537; Vol. VII. p. 264-265.
8)  GRANADA, Luís de. Obra Selecta. Madri: BAC, 1952. p. 734.

171
O trono de Salomão...  Capítulo 3

“O trono de Salomão era de marfim e ouro finíssimo, com seis


degraus e dois braços. A Virgem é o trono de nosso pacífico Salomão,
de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne; a Virgem, digo, que
Ele formou de marfim e ouro finíssimo e limpíssimo, porque a criou
puríssima e imaculada.
“Os seis degraus são as virtudes de todas as hierarquias eclesiásti-
cas que teve em si, isto é, patriarcas, profetas, apóstolos, evangelistas,
mártires, confessores, virgens, anacoretas. E os dois braços, a criação
e a preservação do pecado. Escultura maravilhosa e admirável obra do
Excelso” 9.
E São Pedro Damião diz que o “Nosso Salomão, não somente o
mais sábio dos Reis, mas a própria sabedoria do Pai, não apenas o
Rei Pacífico, mas nossa paz, [...] preparou para si um trono, o seio da
puríssima Virgem. Sobre esse trono repousa a Majestade que, com um
sinal, abala a Terra. [...]
“A substância do marfim merecia ser empregada nessa obra maravi-
lhosa e sem rival. O marfim, com efeito, resplandece de admirável bran-
cura; ele é sólido e resistente; ele é frio, de seu natural. Existe alvura
mais fulgurante que a virgindade de Maria, que atrai todos os olhares
da admiração da corte celeste? Há força maior do que aquela de que se
serviu a própria força de Deus, para arrebatar ao demônio suas armas?
Existe substância mais estranha a todo fogo impuro, do que a substân-
cia sombreada pela virtude do Altíssimo, e defendida contra todo peca-
do pela plenitude do Espírito Santo que desceu sobre ela?” 10

Trono de Deus para os pecadores


Magnífico trono do Rei dos reis, “Maria é também um trono de
Deus para os pobres pecadores. São Paulo escrevendo aos hebreus
nos convida a nos aproximarmos d’Ela: «Aproximemo-nos com con-
fiança, diz ele, do trono da graça».
“Aqueles que pecaram, arrastados por maus desejos, encontrarão
misericórdia ao se aproximarem desse trono. Aqueles que pecaram
por ignorância e cegueira, obterão a graça de Deus, segundo a opor-
tunidade do momento: Ut gratiam inveniamus in tempore opportuno.

9)  VILLANUEVA, Santo Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 130.
10)  DAMIÃO, Pedro, Sermo 1 de Nativ. B. M. Virg. Apud JOURDAIN, Z.-C. Op. cit.
p. 215.

172
Tércia  Belo íris celeste...

“Maria será o trono de Deus no dia do juízo; trono do qual partirá


o raio para espantar os miseráveis, e que brilhará como o sol, para ale-
grar os bons” 11.

@ Belo íris celeste


A Terra retornara à sua normalidade, depois da grande e terrível
inundação do dilúvio. Noé, juntamente com seus filhos e todos os ani-
mais salvos do castigo, haviam desembarcado. Iria recomeçar a histó-
ria do mundo.
Após abençoar ao seu fiel servo, Deus disse a Noé (Gen. IX, 9-17):
“Eis que vou fazer minha aliança convosco e com a vossa posterida-
de depois de vós, e com todos os animais viventes, que estão convosco,
tanto aves, como animais domésticos e animais selváticos, que saíram
da Arca, e com todas as bestas da Terra. Farei a minha aliança convos-
co, e não tornará mais a perecer toda a carne pelas águas do dilúvio,
nem haverá mais para o futuro, dilúvio que assole a Terra.
“E Deus disse: Eis o sinal da aliança, que faço entre Mim e vós, e
com todos os animais viventes, que estão convosco, por todas as gera-
ções futuras: Porei o meu arco nas nuvens, e ele será o sinal da alian-
ça entre Mim e a Terra.
“E, quando Eu tiver coberto o céu de nuvens, o meu arco aparece-
rá nas nuvens, e me lembrarei da minha aliança convosco e com toda
a alma vivente que anima a carne; e não voltarão as águas do dilúvio
a exterminar toda a carne (que vive). E o arco estará nas nuvens, e Eu
o verei, e me lembrarei da aliança eterna que foi feita entre Deus e
todas as almas viventes de toda a carne que existe sobre a Terra.
“E Deus disse a Noé: Este será o sinal da aliança que eu constituí
entre Mim e toda a carne (que vive) sobre a Terra.”

A Imaculada Conceição: princípio da era de paz


entre Deus e os homens
Se, pois, um lindo e diáfano arco-íris nos evoca o solene pacto esta-
belecido entre Deus e os homens viventes, deve aquele nos recordar,
também, a Santíssima Virgem, de quem é harmoniosa figura.

11) Idem, p. 536-537.

173
Belo íris celeste...  Capítulo 3

Com efeito, o íris de bonança “encerra um simbolismo de reconci-


liação entre Deus e os homens, e de paz, quer historicamente (Gêne-
sis), quer literariamente. Os dois caracteres que nele se encontram —
beleza e pacificação — vemo-los realizados em Maria, na sua imacu-
lada beleza que é considerada, desde o primeiro instante, obra-prima
de Deus.
“O fato de uma filha de Adão ser concebida sem culpa original, é o
exórdio da nova era de paz e de reconciliação que Cristo trouxe à Ter-
ra” 12.

Arco-íris que une a Igreja triunfante à Igreja


militante
Ilustrando seu discurso sobre o Santo Nome de Maria, comenta
São Bernardino de Siena:
“As estrelas do firmamento servem para manter a ordem e a esta-
bilidade no mundo inferior: elas são como as medianeiras entre o Céu
e a Terra. Tal é, precisamente, a função da Bem-aventurada Virgem,
Senhora e Rainha deste mundo. Ela une e concilia a Igreja Triunfan-
te à Igreja Militante. Seu nascimento anuncia que, doravante, existirá
a paz entre o Céu e a Terra.
“Ela é o arco-íris dado pelo Senhor a Noé em sinal de aliança, e
como penhor de que o gênero humano não será mais destruído. E por
quê? Porque é Ela que trouxe à luz Aquele que é nossa paz, Aque-
le que de duas naturezas fez uma só pessoa, Aquele que reúne em si
mesmo Deus e o homem, para confirmar a paz” 13.

Arco-íris da esperança, em meio às provações


deste vale de lágrimas
Elevada e piedosa relação entre a figura do arco-íris e a Santíssima
Virgem, estabelece o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “Neste vale de
lágrimas em que somos peregrinos, tentações, sofrimentos e perplexi-

12)  Do PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português


com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 104-105.
13)  SENA, Bernardino de. Sermão na festa do Santo Nome de Maria. Apud JOURDAIN,
Z.-C. Op. cit. p. 620.

174
Tércia  Belo íris celeste...

dades são inerentes a toda a vida espiritual. Contudo, em meio às nos-


sas dores e aflições morais, sempre vislumbramos a esperançosa figura
de um arco-íris: Maria Santíssima!
“Ela nos acompanha em nossa peregrinação rumo à Pátria Celes-
tial, ajudando-nos em todas as vicissitudes, envolvendo-nos com seu
maternal, constante e infatigável amor, o qual nenhuma infidelidade
pode esmorecer, e que reiterados atos de bondade, deste emanados,
não o lograrão extinguir” 14.

Arco-íris que aplaca a cólera divina


Semelhante pensamento desenvolve o Pe. Jourdain, em sua obra
dedicada às grandezas de Maria: “O arco-íris alegra a Terra e lhe pro-
porciona uma chuva abundante e benfazeja. Do mesmo modo, Maria
consola os fracos, enchendo de júbilo os aflitos e inundando copiosa-
mente os áridos corações dos pecadores, pela fecunda chuva da gra-
ça. [...]
“Deus contempla esse seu arco-íris — Maria Santíssima — esten-
dendo sua proteção sobre a Terra. E apesar dos pecados dos homens,
apesar das nuvens acumuladas pela sua justa cólera, Ele se lembra de
sua misericórdia. É bem se referindo a Maria que Deus diz a Noé:
«Porei o meu arco nas nuvens e ele será o sinal da aliança entre Mim e a
Terra»” 15.

Arco-íris formado com os sete dons do Espírito


Santo
Com expressiva unção, o Pe. Thiébaud assim interpreta esse sím-
bolo de Nossa Senhora:
“Quando, depois de uma tempestade, percebemos o arco-íris bai-
xando das nuvens sobre a Terra, não podemos nos impedir de admirar
esse belo manto, tecido com as sete cores primitivas, verdadeiro símbo-
lo da misericórdia. Mas, o esplendor desse fenômeno logo se eclipsa em
presença de Maria, na qual os sete dons do Espírito Santo refulgiram
com tanta magnificência. Se, durante a tormenta do Calvário, Maria
14)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 16/6/1972 e 12/4/1989. (Arquivo pessoal).
15)  JOURDAIN, Z.-C. Op. cit. p. 432.

175
Arco-íris sobre a Igreja de Deus
Atribuindo-se a si própria a imagem do arco-íris, Nossa Senhora dirigiu a
Santa Brígida (1303-1373) palavras repassadas de materna e vigilante soli-
citude para com a Esposa Mística de Cristo. Pronunciadas naqueles idos do
século XIV, muito se aplicam elas aos conturbados dias em que vivemos.
Assim se expressa a Santíssima Virgem:
“Eu me estendo sobre o mundo em contínua oração, assim como sobre
as nuvens está o arco-íris, que parece voltar-se para a terra e tocá-la com
suas extremidades.
“Este arco-íris, sou Eu mesma que, por minhas preces, abaixo-me e me
debruço sobre os bons e os maus habitantes da Terra. Inclino-me sobre os
bons para ajudá-los a permanecerem fiéis e devotos na observância dos
preceitos da Igreja; e sobre os maus, para impedi-los de irem adiante na
sua malícia e se tornarem piores.
“Mas eu vos faço saber que, de uma parte da Terra, elevar-se-ão hor-
ríveis nuvens para obscurecer o brilho do arco radioso. Por essas nuvens
entendo aqueles que levam uma vida incontinente, que são insaciáveis de
dinheiro como os sorvedouros e abismos do mar, ou que pelo orgulho pro-
digalizam insensatamente a fortuna, como uma torrente impetuosa verte
suas águas. Vários, já agora, entre os ecônomos da Igreja, abandonam-se
a esses três excessos, e seus horríveis pecados sobem até o Céu, na pre-
sença da Divindade, para estorvar minha oração, como as nuvens o fazem
contra o brilho do arco-íris. Ademais, os que deveriam se unir a Mim para
serenar a cólera de Deus, antes a provocam e a chamam sobre si. Tais
ministros, não deveriam ser exaltados na Igreja.
“Portanto, todo aquele que deseja trabalhar para que permaneça inaba-
lável o fundamento da Igreja, e se renove essa bendita vinha que o Senhor
plantou com seu sangue, que esse se anime, e caso se julgue insuficien-
te para essa tarefa, Eu, Rainha do Céu, virei a ele com todos os Anjos para
ajudá-lo, extirpando as ervas daninhas, arrancando as árvores estéreis e
lançando-as no fogo, substituindo-as por plantas viçosas e frutíferas.
“Por esta vinha entendo a Igreja de Deus, na qual cumpre renovar a
humildade e o amor divino.”

BRÍGIDA. Celestiales Revelaciones. Madrid: Apostolado de La Prensa, 1901. p. 143-144.


Tércia  Sarça ardente da visão...

quis tomar o nome de Nossa Senhora das Sete Dores, foi também para
que sua rica vestimenta, refletindo esperança, se tornasse para nós um
verdadeiro arco-íris, nas tristes circunstâncias de nossa vida” 16.

Em Maria, Deus cumpre sua promessa


de aliança com o mundo
Ainda sobre essa luminosa prefigura da Virgem, comenta outro
ilustre mariólogo:
“O arco que Deus fez aparecer entre as nuvens, para tranquilizar a
seu servidor Noé e aos descendentes deste; para ser um fúlgido teste-
munho de sua reconciliação com o mundo, do pacto que Ele contraiu
com toda carne vivendo sobre esta Terra; esse arco-íris, que não cinti-
la senão de um brilho emprestado aos raios do sol, não é ele também
uma tocante imagem de Maria, Mãe de Jesus, pela qual Deus cumpriu
sua promessa, uma vez que d’Ela saiu Aquele em quem são abençoa-
das todas as nações?” 17
O arco-íris é, pois, gracioso símbolo de Nossa Senhora, “reconci-
liadora do Céu com a Terra. É Maria o instrumento da aliança entre
Deus e os homens. Quando nossas iniquidades irritam ao Senhor e
pedem vingança, a Santa Virgem intervém, e tão eficazmente, que
Deus se deixa flectir e perdoa: Refugium peccatorum, ora pro nobis —
Refúgio dos pecadores, rogai por nós!” 18

@ Sarça ardente da visão


Este símbolo de Maria Santíssima nos é apresentado na seguinte
passagem da Escritura (Ex. III, 1-8):
“Ora, Moisés apascentava as ovelhas de Jetro, seu sogro, sacerdote
de Madian; e, tendo conduzido o rebanho para o interior do deserto,
chegou ao monte de Deus, o Horeb. E o Senhor apareceu-lhe numa
chama de fogo (que saía) do meio de uma sarça, e (Moisés) via que
a sarça ardia, sem se consumir. Disse, pois, Moisés: Irei, e verei esta
16) THIÉBAUD. Les Litanies de la Sainte Vierge expliquées et commentées. 3. ed. Paris:
Jacques Lecoffre, 1864. Vol. I. p. 64.
17)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 77.
18) ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910. Vol. I. p. 152.

177
Sarça ardente da visão...  Capítulo 3

grande visão, (verei) por que causa se não consome a sarça. Mas o
Senhor vendo que ele se movia para ir ver, chamou-o do meio da sar-
ça, e disse: Moisés, Moisés. E ele respondeu: Aqui estou. E (o Senhor)
disse: Não te aproximes daqui; tira as sandálias de teus pés, porque o
lugar em que estás é uma terra santa. E acrescentou: Eu sou o Deus
de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus de Jacob.
Cobriu Moisés o rosto; porque não ousava olhar para Deus.
“E o Senhor disse-lhe: Eu vi a aflição do meu povo no Egito, e ouvi
o seu clamor causado pela crueza daqueles que têm a superintendên-
cia das obras. E, conhecendo a sua dor, desci para o livrar das mãos
dos egípcios, e para o conduzir daquela terra para uma terra boa e
espaçosa, para uma terra onde corre o leite e o mel.”

Símbolo de Maria virgem durante o parto


A respeito da sarça ardente e incombustível, enquanto imagem de
Nossa Senhora, comenta São Bernardo:
“Que prefigurava em outro tempo aquela sarça de Moisés, deitan-
do chamas, mas não se extinguindo, senão a Maria dando à luz sem
experimentar as dores do parto?” 19
Semelhante é a consideração do Pe. João Colombo, que escreve:
“Quantos séculos haviam esperado a Maria, chamando-A com
lágrimas e suspiros! [...] Esperara-A o século de Moisés, e não A viu
senão simbolizada na sarça ardente e incombustível: assim como
aquela sarça podia dar chama e não se comburir, assim também Maria
poderia dar à luz o Filho de Deus sem cessar de ser Virgem” 20.
E São Tomás de Villanueva, com eloquente entusiasmo, exclama:
“Bem recordais, ó Virgem, aquela sarça que ardia e não se queima-
va. Assim formareis Vós, sem Vos corromper, um só corpo com o divi-
no fogo; revesti-lo-eis Vós de carne, e Ele Vos banhará de esplendor;
Vós O coroareis com o diadema da mortalidade, e Ele Vos cingirá a
coroa da glória. Sereis uma virgem fecunda, uma mãe sem corrupção.
Só em Vós se verão associadas a virgindade e a maternidade: possui-
reis, ao mesmo tempo, a felicidade desta e o pudor daquela” 21.

19)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 195.


20)  COLOMBO, João. Pensamentos sobre os Evangelhos. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1960.
p. 1211-1212.
21)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 306.

178
Tércia  Sarça ardente da visão...

Labaredas de amor divino que purificam a Terra


“Maria Santíssima — escreve o douto Nicolas — é a sarça ardente
na qual o Senhor apareceu a Moisés entre as chamas de um fogo que
saía da mesma sarça, sem consumi-la. Sarça virginal que em nada se
queima com o fogo de um parto divino, e de onde brotam essas laba-
redas de celeste amor que abrasaram e purificaram a Terra!” 22

Sarça ardente, na qual habitou o Senhor


Também sobre esse símbolo da Santíssima Virgem, encontramos
no Pe. Rolland estas belas e fervorosas palavras:
“É na solidão do deserto que Moisés contempla a sarça ardente: é
no deserto do mundo, tão árido para o bem, que Maria faz sua apa-
rição. A sarça está toda penetrada de chamas acesas pelos Anjos, no
meio das quais Deus se manifesta e fala a seu servidor: Deus é um
fogo que consome, e Ele vem habitar em Maria, e dirige a seu coração
as mais sublimes palavras. Diante do milagre da sarça que arde sem
se queimar, Moisés é tomado de admiração: em face do prodígio de
Maria que recebe em si o Verbo feito carne e que guarda o tesouro de
sua virgindade, há incomparavelmente mais razão para se maravilhar.
“Tudo é milagre em Maria, mas, sobretudo, no mistério da Encar-
nação, princípio da salvação do mundo, fonte fecunda de pureza e de
virgindade. Assim, devemos oferecer a Deus o preito de nosso louvor
por esse insigne ato de sua onipotência” 23.

Veneração e amor a Maria, “sarça ardente da visão”


“Ah! se Deus disse a Moisés, de dentro da ardente sarça: «Não te
aproximes daqui; tira as sandálias de teus pés, porque o lugar em que
estás é uma terra santa»; que obséquio, que reverência não devemos
professar à Mulher vestida do sol de justiça e de santidade, de que era
só uma figura a sarça incandescente?

22)  NICOLAS, Augusto. La Virgen María y el Plan Divino. Barcelona: Religiosa, 1866.
Vol. II. p. 99.
23)  ROLLAND. Op. cit. p. 149-150.

179
Vós sois a Virgem florida...  Capítulo 3

“Mas, à sua imensa grandeza, une Maria uma profunda benignida-


de. E quem poderá dizer, quantos encontraram em sua clemente bon-
dade o perdão, o refúgio, a proteção e a salvação da alma, de sorte
que se viram obrigados a bendizê-La como Rainha de misericórdia?
“Assim, pois, veneremos a Maria como súditos à Soberana; mas,
ao mesmo tempo, amemo-La como filhos à Mãe. Não nos afastemos
de sua presença sem Lhe recomendar nossa vida, nossa morte, nos-
sa eterna salvação. E Ela, cheia de bondade, escutará nossas súplicas;
cheia de poder, atenderá nossas orações, e sem dúvida experimentare-
mos os salutares efeitos de sua proteção” 24.

@ Vós sois a Virgem florida


O louvor em epígrafe se reporta ao estupendo milagre operado por
Deus, no Antigo Testamento, quando fez florescer a vara de Aarão.
Quis o Senhor, por meio desse admirável sucesso, declarar que o ofí-
cio divino ficaria vinculado à família do irmão de Moisés.
Com efeito, Aarão exercia o encargo de Sumo Sacerdote, auxilia-
do pelos filhos de Levi. Ambiciosos de tais honras, os outros judeus se
puseram a murmurar.
Disse então o Senhor a Moisés (Num. XVII, 1-9): “Fala aos filhos de
Israel, e recebe deles uma vara por cada tribo, doze varas de todos os
príncipes das tribos, e escreverás o nome de cada um deles sobre a res-
pectiva vara. Mas o nome de Aarão estará sobre a vara da tribo de Levi,
e o nome do chefe de todas as outras tribos estará escrito separadamen-
te cada um na sua vara. E pô-las-ás no Tabernáculo da Aliança, diante do
Testemunho, onde Eu te falarei. A vara daquele que Eu escolher den-
tre eles, florescerá; e (deste modo) farei cessar os queixumes dos filhos de
Israel, com que murmuram contra vós. E Moisés falou aos filhos de Israel;
e todos os príncipes lhe deram as varas, uma por cada tribo; e acharam-
se doze varas, fora a vara de Aarão. E Moisés, tendo-as posto diante do
Senhor no Tabernáculo do Testemunho, voltando no dia seguinte, achou
(que era) pela tribo de Levi, e que, aparecendo os botões, tinham saído
flores, as quais, estendidas as suas folhas, se transformaram em amêndo-
as. Moisés, pois, levou todas as varas de diante do Senhor a todos os filhos
de Israel, os quais as viram e receberam cada um a sua vara.”

24)  TESORO DE ORATORIA SAGRADA. 2. ed. BULDÚ, Ramon (Dir.). Barcelona:


Pons, 1883. Vol. IV. p. 231.

180
Tércia  Vós sois a Virgem florida...

Vara da qual nasceu Jesus Cristo, flor de salvação


e fruto de vida
Segundo o Pe. Jourdain, “a vara de Aarão coberta de folhas, de flo-
res e de frutos, foi também figura de Maria. [...]
“Essa vara que floresceu por um prodígio e deu seu fruto sem ter sido
plantada, e sem ter raízes nem seiva fecundante, simboliza admiravel-
mente Maria, que, colocada no Tabernáculo, e sendo Ela mesma o tem-
plo vivo do Espírito Santo, concebeu sem intervenção humana, e sem
nenhum socorro terrestre deu à luz esse bendito fruto que proporciona a
todos os homens, e neles conserva, a vida sobrenatural da alma” 25.
Considerando o milagre da vara coberta de flores, escreve Henry
Le Mulier, baseado nos testemunhos dos Santos Padres:
“Quem não reconhecerá, sob este emblema, a Virgem saída da raiz
de Jessé, a verdadeira Mãe de Deus? A vara de Aarão deu flores e fru-
tos: assim Maria trouxe à luz Nosso Senhor Jesus Cristo, vera flor de
salvação, único fruto de vida.
“Esta vara não foi irrigada, não pôde haurir na terra os sucos que
servem habitualmente à nutrição das plantas; e entretanto ela se encheu
de seiva e se cobriu de botões: assim a Virgem concebeu sem qualquer
socorro natural, sem nada que tocasse à corrupção do mundo.
“A vara de Aarão é toda branca, sem córtice e sem nó, para melhor
representar a candura e a pureza de Maria, em quem não se encon-
trou o nó do pecado original, nem o córtice do pecado atual.
“Aquela vara se ergue direita, sem germes nem rebentos, portando
em sua extremidade, flores e frutos; assim a Virgem de Jessé, embora
saída da tortuosa raiz dos patriarcas e dos profetas, eleva-se aprumada
como o junco dos marnéis, trazendo em seu cimo a flor dos Cânticos.

Vara que deu testemunho em favor do


Divino Sacerdote
“A vara do irmão de Moisés era um ramo de amendoeira, como o
fizeram conhecer a flor e o fruto, para significar que, assim como a
amendoeira anuncia a vinda do sol e testemunha sua presença, dado
ser ela a primeira de todas que se cobre de flores na primavera e a últi-

25)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 485.

181
O velo de Gedeão...  Capítulo 3

ma que perde sua folhagem, assim a vinda de Maria foi o anúncio do


advento de seu Filho, e a presença d’Ela é um seguro penhor da pre-
sença do Filho.
“A vara de Aarão se tornou miraculosamente fértil para dar teste-
munho em favor do Sumo Sacerdote figurativo. O próprio Espírito de
Deus desceu sobre Maria e A tornou fecunda, para a consagração do
Sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec” 26.

Vara sublime que se eleva até o trono de Deus


Inspirado por seu ardoroso amor à Virgem florida, exclama São
Bernardo:
“Que significava aquela vara de Aarão, que floresceu estando seca,
senão a Maria concebendo, porém sem concurso de varão? [...] Não
danificou ao verdor da vara a saída da flor, nem ao pudor da Virgem,
o parto sagrado. [...]
“A Virgem Mãe de Deus é esta vara, e seu Filho, a flor. Flor sem
dúvida é o Filho da Virgem, flor cândida e rubra, eleita entre mil,
flor em que os Anjos desejam mirar-se, flor cuja fragrância ressusci-
ta os mortos, e, como ele mesmo atesta, flor é do campo e não do
horto. Floresce naquele, sem diligência alguma do homem. Por nin-
guém é semeada, nem tratada com adubos. Assim inteiramente flores-
ceu o seio da Virgem. Assim as entranhas intactas, íntegras e castas de
Maria, como prado de eterno verdor, produziram a flor, cuja formo-
sura não experimentará a corrupção, e cuja glória é para sempre imar-
cescível.
“Ó Virgem, vara sublime, a que altura elevas tua sagrada copa! Até
Àquele que está sentado no trono, até ao Senhor da Majestade!” 27

@ O velo de Gedeão
Relata-nos o Livro dos Juízes que os judeus imploraram socorro a
Deus contra seus perseguidores, pois havia sete anos que se encontra-
vam sob a escravidão dos madianitas.

26)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 82-83.
27)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 165-166; 195-196.

182
Tércia  O velo de Gedeão...

Enviou então o Senhor um Anjo a Gedeão, “o mais valente dos


homens”, a este confiando a missão de libertar Israel do jugo madia-
nita.
Entretanto, não só por ser ele o último filho, da última família da
tribo de Manassés, como também pelo fato de serem cento e quarenta
mil os guerreiros adversários, Gedeão teve medo de não ser bem suce-
dido na empresa que Deus lhe queria confiar. Sem a forte assistên-
cia do Céu, certamente sucumbiria. Donde ter proposto ele ao Senhor
(Juíz. VI, 36-40): “Se tu salvas Israel por meio da minha mão, como
disseste, eu porei na eira este velo de lã; se o orvalho cair só no velo,
e toda a terra ficar seca, reconhecerei nisso que salvarás Israel pela
minha mão, como prometeste.
“E assim sucedeu. E, levantando-se ainda de noite, espremeu o
velo, e encheu uma concha28 de orvalho.
“E Gedeão disse de novo a Deus: Não se acenda contra mim o teu
furor, se eu ainda fizer outra prova, pedindo um sinal no velo. Peço
que só o velo esteja seco, e toda a terra molhada de orvalho. E naque-
la noite o Senhor fez como (Gedeão) Lhe tinha pedido; e só o velo
ficou enxuto, e orvalho por toda a terra.”

Símbolo da Imaculada Conceição e da plenitude


de graça de Maria Santíssima
Admirável símbolo de Maria Santíssima foi o velo de Gedeão,
miraculosa prova da soberana e irreversível promessa de assistência,
da parte de Deus. Assim como o fizera em relação a este manto de lã,
“também em favor da Santa Ovelha que devia dar à luz o Cordeiro de
Deus, dignou-se o Senhor operar milagres de exceção.
“Somente Ela foi plenamente santificada desde o primeiro instante
de sua concepção. Enquanto as almas são, no começo de sua existên-
cia, totalmente privadas da graça santificante, áridas para o bem, des-
providas de toda flor, de todo fruto, de toda virtude, Maria é inundada
das graças de Deus, Ela é toda bela diante do Senhor, e possui a pleni-
tude da santidade!

28)  “Uma concha”, ou, segundo o hebraico, “um grande copo” (Nota do Pe. Matos Soares,
na Bíblia por ele traduzida e comentada, 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1953).

183
O velo de Gedeão...  Capítulo 3

“Só Maria, em meio ao dilúvio de iniquidade que cobre a Terra


e mancha os filhos de Adão, foi totalmente preservada do pecado, e
nem mesmo a sombra da menor falta tocou sua alma! Somente Ela
foi o sinal que anunciava a derrota de nossos inimigos, a libertação
do universo! Somente Ela foi a Mãe da divina graça, que se estendeu
sobre o mundo para purificá-lo e o santificar.
“Portanto, é também com um entusiasmo cheio de reconhecimen-
to que a Igreja canta, dirigindo-se ao verdadeiro Gedeão, ao vence-
dor do demônio, a Nosso Senhor Jesus Cristo: «Quando nascestes ine-
favelmente da Virgem, cumpriram-se então as Escrituras: baixastes como
a chuva sobre um velo para salvar o gênero humano. Nós Vos louvamos,
ó nosso Deus!»” 29
Com acerto, pois, diz o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “No Ofício
a Ela consagrado, Nossa Senhora é cognominada velo de Gedeão. Por-
que, desde o momento de sua Imaculada Conceição, só Ela continha o
orvalho das bênçãos de Deus, enquanto toda a Terra ao seu redor per-
manecia seca, carecendo da graça divina” 30.
Semelhante é este comentário do Fr. Tiago Monsabré, O. P.: “O
velo de Gedeão, ora embebido do orvalho celeste num solo árido, ora
intacto sob as torrentes de chuva que desabam ao redor dele, é Maria
inundada pela graça de Deus, desde o primeiro instante da sua Imacu-
lada Conceição, quando aquela falta a toda criatura humana; é Maria
preservada do pecado, quando este penetra em toda alma vivente” 31.

Velo que recebeu o Divino Orvalho


Também sobre essa maravilhosa figura de Nossa Senhora escreveu
Nicolas:
“Maria é o branco velo de Gedeão, que recebe o rocio do céu,
enquanto nenhuma parte da terra o desfruta todavia. Orvalho de que
dizia o Profeta: «Céus, façam chover o Justo», e do qual cantava David:
«Descerá como o rocio sobre a lã dos rebanhos», sem ruído nem derra-
me, recolhido e sustentado inteiramente pela doce consistência deste

29) ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910. Vol. I. p. 147.


30)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 13/10/1990. (Arquivo pessoal).
31)  MONSABRÉ, Tiago Maria L. In: PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEI-
ÇÃO em latim e português com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 112.

184
Assim como o rocio celeste
inundou o velo de Gedeão,
permanecendo seca toda a terra,
assim foi Nossa Senhora
a primeira repleta
da graça do Senhor

Nossa Senhora das Graças


O velo de Gedeão...  Capítulo 3

velo [Maria], cuja flexibilidade não lhe opõe resistência alguma, sem
sofrer por isto a menor perda em sua casta integridade” 32.

Tocante figura da humanidade de Nossa Senhora


Resumindo a opinião dos autores eclesiásticos a respeito do Velo de
Gedeão, ensina Le Mulier:
“Os Santos Padres consideram este velo como uma das mais tocan-
tes figuras da humanidade da Mãe de Deus, verdadeira imagem de
doçura e de mansidão, sagrado despojo de pureza e de inocência, des-
tinado a ser tinto em escarlate, e servir na confecção do manto real do
Salvador.
“Com efeito, não é deste velo bendito que foram tecidas as vesti-
mentas de salvação para todas as nações da Terra? Não é dele que saiu
o Cordeiro sem mancha, o qual, revestido desta lã, isto é, da carne de
sua Mãe, veio pensar e curar as chagas do mundo?
“Embora o tosão cinja o corpo, não se ressente ele nem das pai-
xões nem das enfermidades da carne; é assim que a Santíssima Vir-
gem, posto que vivendo num corpo mortal e corruptível, foi isenta de
todos os vícios, de todas as imperfeições inerentes à humanidade.
“Foram sua candura, sua pureza, que fizeram descer o celeste orva-
lho no seio de Maria, como sobre um velo branco e limpo. Foi atraída
por Maria que a Divindade habitou inteira em nossa carne, a fim de
que, estando um dia pregada sobre o Madeiro, irrigasse Ela toda a ter-
ra com a desejada chuva da salvação.
“O velo de Gedeão foi, inicialmente, inundado do rocio celeste,
permanecendo seca toda a terra. Assim a Virgem foi a primeira reple-
ta da graça do Senhor, da qual era a única digna e a única capaz de
trazê-la até nós.
“E o velo, tendo sido largamente molhado, no dia seguinte toda a
terra foi inundada deste celestial rocio. É assim que Maria, tendo sido
a primeira em receber a plenitude da Divindade, pelo fato mesmo de
ser Ela a única digna de tal [esplendor], a chuva, antes caída sobre o
tosão, precipitou-se depois em torrentes sobre o mundo, pela pala-
vra dos Apóstolos e dos pregadores, como a água dos telhados pelas
calhas, num dia de tempestade.

32)  NICOLAS, Augusto. La Virgen María y el Plan Divino. Barcelona: Religiosa, 1866.
Vol. II. p. 99.

186
Tércia  Divino portal fechado...

Sinal da Redenção do gênero humano


“Gedeão toma o velo encharcado pelo rocio, espreme-o e enche de
água um grande copo, para nos dar a entender que, assim como Deus,
em sua sabedoria, encheu esse tosão de orvalho antes de deixar cair
uma só gota deste sobre a terra, querendo resgatar o mundo, encerrou
Ele, primeiramente, no seio de Maria, todo o preço de nossa Reden-
ção.
“Enfim, do mesmo modo que esse sinal foi dado a Gedeão como
indício de que Deus queria livrar seu povo das mãos dos madianitas;
assim a descida do Verbo Divino no seio da Virgem foi um testemu-
nho certo de que Deus desejava libertar o mundo da tirania de Sata-
nás” 33.
“Oh! homem — exclama o Pe. Jourdain — admira os desígnios de
Deus, reconhece as vias de sua sabedoria e de sua misericórdia. Que-
rendo derramar o orvalho celeste sobre a terra, Ele embebeu antes o
velo; querendo resgatar o gênero humano, o preço deste depositou
Ele em Maria. Elevemos, portanto, nossos olhos e consideremos com
quais sentimentos de devoção Ele deseja que honremos a Maria, pois
que Ele A enriqueceu da plenitude de seus bens. Isto nos significa que
toda nossa esperança deve estar n’Ela, e que é d’Ela, como de uma
abundante fonte, que devem transbordar sobre nós as graças da salva-
ção” 34.

@ Divino portal fechado


Assim escreve Ezequiel, ao registrar uma de suas proféticas visões
(Ezeq. XLIV, 1-2):
“E (o Anjo) fez-me voltar depois para o caminho da porta do san-
tuário exterior, que olhava para o oriente, e que estava fechada. E o
Senhor disse-me: Esta porta estará fechada; não se abrirá, e ninguém
passará por ela; porque o Senhor Deus de Israel entrou por esta por-
ta, e ela estará fechada.”

33)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 85-87.
34)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 513.

187
Divino portal fechado...  Capítulo 3

Símbolo da perpétua virgindade de Maria


“Nesta porta misteriosa — escreve o Pe. Félix Cepeda, C. F. M.
— os Santos Padres, especialmente Santo Agostinho e São Jerônimo
contra Elvídio, vêem figurada a virgindade de Maria depois de seu
glorioso parto, até sua morte. Foi virgem ao conceber e ao dar à luz
a Jesus Cristo, e será perpetuamente virgem. Havia oferecido a Deus
com voto esta fragrantíssima açucena, e não faltará à sua promessa. O
Filho perfeito, que é unigênito nos Céus, há de ser também único na
terra. [...]
“Depois do parto, ó Virgem, permanecestes imaculada!” 35
Enumerando os símbolos da excelsa virgindade de Nossa Senhora,
comenta Fr. Luís de Granada:
“É igualmente figurada por aquela porta oriental que viu o profe-
ta Ezequiel; [...] porque ninguém entrou por aquela porta, senão ape-
nas o Filho de Deus, porque só Ele era seu amor, seu pensamento, seu
desejo, seus cuidados e sua contínua lembrança” 36.
É também na citada passagem de Ezequiel, que o grande San-
to Ambrósio baseia sua opinião em favor da perpétua virgindade de
Nossa Senhora. Diz ele:
“Qual é esta porta, senão Maria? E por que a porta está fechada,
senão porque a virgindade de Maria em nada sofreu com sua mater-
nidade divina? «Esta porta estará fechada, e não se abrirá», diz o profe-
ta. Maria é esta porta; Jesus Cristo por ela entrou neste mundo, res-
peitando porém o selo virginal de que ela estava marcada, assim como
Ele saiu do sepulcro sem romper a pedra, e como entrou no cenáculo
estando as portas cerradas.
“Esta porta misteriosa permaneceu fechada antes e depois da pas-
sagem do Senhor, porque estava reservada unicamente para Ele. «Ela
não se abrirá, e ninguém passará por ela; porque o Senhor Deus de Israel»
entrou por esta porta para habitar entre nós.

Porta que deu passagem ao Sol de Justiça


“Esta porta olhava para o oriente, porque dela saiu o Oriente; ela
deu à luz o Sol de Justiça. E este que passou por esta porta é o mesmo

35)  CEPEDA, Felix Alejandro. Virgo Veneranda. Madrid: Corazón de Maria, 1928. p. 193-194.
36)  GRANADA, Luís de. Obra Selecta. Madri: BAC, 1952. p. 734.

188
Adoração dos Reis Magos,
por Fra Angélico

Porta da aurora do Reino de Maria

“Na católica Lituânia, Nossa Senhora é invocada como Porta


da Aurora. É aquela através da qual nasce o sol.
Trata-se, aqui, de uma alusão à maternidade divina de Maria.
O Sol do gênero humano é Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-
Deus. A porta por onde Ele veio à Terra, é a Santíssima Virgem.
“Voltemo-nos, pois, para a Porta da Aurora, em cujo imacu-
lado seio se formou o Sol de Justiça, suplicando a Ela que faça
surgir no mundo, sem mais tardança, a aurora de uma nova Civi-
lização Cristã — a aurora do Reino de Maria!”

CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.


Conferência em 20/6/1990. (Arquivo pessoal).
O favo do forte Sansão...  Capítulo 3

de quem pôde dizer David, no salmo CXLVII: «Louvai, ó Jerusalém,


ao Senhor; louvai ó Sião o vosso Deus; porque Ele fortificou os ferrolhos
das vossas portas». Louvai vosso Deus, ó Maria, porque o nascimento
de vosso Divino Filho consagrou e tornou para sempre gloriosa vossa
puríssima virgindade!” 37
E São Jerônimo, animado de ardente zelo em favor da intacta vir-
gindade de Maria, escreve:
“Virgem foi Cristo, virgem perpétua foi sua Santíssima Mãe; mãe e
virgem ao mesmo tempo, em cujo seio fechado penetrou Cristo. Esta
é a porta oriental, como disse Ezequiel, sempre fechada e sempre bri-
lhante, ocultando em si e nos dando de si mesma o Sancta Sanctorum;
[porta] através da qual entra e sai o Sol de Justiça e Pontífice nosso,
segundo a ordem de Melquisedec” 38.
Conforme os ensinamentos de Santo Ambrósio e de São Jerônimo,
e com análogo fervor, comenta São Tomás de Villanueva:
“Que significa porta fechada, senão o selo do pudor, a integrida-
de da carne imaculada? Pois não sofreu detrimento no parto A que na
concepção recebeu aumento de santidade.
“Também se há de notar, nesta profecia de Ezequiel, que aque-
la porta do santuário, fechada, olhava para o oriente, e que somente
o Senhor Deus de Israel entrou por ela, precisamente para oferecer o
sacrifício.
“Que porta oriental é esta senão a Virgem, mediante a qual bri-
lhou a luz a todo o mundo? Não é propriamente oriental a que engen-
drou o Sol de Justiça? Pois de ti nasceu o Sol de Justiça, nosso Deus.
Só Cristo, Príncipe e Sacerdote, entrou através desta porta no mundo
para oferecer o sacrifício; isto é, sua morte na Cruz, pois veio ao mun-
do para oferecê-lo ao Senhor” 39.

@ O favo do forte Sansão


Juiz de Israel, dotado de extraordinária força quando o Espírito
Santo o tomava, Sansão decidiu desposar uma mulher dos filisteus,
povo que então oprimia os filhos de Jacob.
37)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 96.
38)  JERÔNIMO. Epístola 48, ou Libro apolog. a Pammaq. en defensa de los libros contra
Joviniano. n. 21. Apud, VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 289.
39)  VILLANUEVA, Tomas de. Loc. cit.

190
Tércia  O favo do forte Sansão...

Ao conhecerem o insólito desejo de Sansão, seu pai e sua mãe, per-


plexos, disseram-lhe (Juíz. XIV, 3-19): “Porventura não há mulheres
entre as filhas de teus irmãos, e entre todo o nosso povo, para que tu
queiras casar com uma dentre os filisteus, que são incircuncidados?
Mas Sansão disse a seu pai: Toma esta para mim, porque agradou aos
meus olhos. Ora, seus pais não sabiam que isto se fazia por disposição
do Senhor, e que ele buscava uma ocasião contra os filisteus, porque
naquele tempo os filisteus dominavam sobre Israel.

Sansão e o favo de mel


“Sansão, pois, com seu pai e sua mãe, foi a Tamnata. E, quando
chegaram às vinhas da cidade, apareceu um leão novo e feroz, e que
rugia, e arremeteu contra ele. Mas o espírito do Senhor apossou-se
de Sansão, e ele despedaçou o leão, fazendo-o em bocados, como se
fora um cabrito, sem ter coisa alguma na mão; e não quis contar isto a
seu pai nem a sua mãe. Depois desceu e falou com a mulher que tinha
agradado aos seus olhos.
“E, voltando alguns dias depois para casar com ela, afastou-se do
caminho para ver o cadáver do leão, e eis que na boca do leão estava
um enxame de abelhas e um favo de mel.
“E tomando-o nas mãos, ia-o comendo pelo caminho; e, chegando
onde estavam seu pai e sua mãe, deu-lhes uma parte, que eles também
comeram; mas não lhes quis dizer que tinha tirado aquele mel do cor-
po do leão.

Enigma proposto por Sansão


“Foi, pois, seu pai à casa da mulher, e preparou um banquete para
seu filho Sansão, porque assim o costumavam fazer os jovens (noivos).
Tendo-o visto os habitantes daquele lugar, deram-lhe trinta compa-
nheiros para estarem com ele. E Sansão disse-lhes: Propor-vos-ei um
enigma; e, se vós souberdes decifrá-lo dentro dos sete dias da boda,
dar-vos-ei trinta vestidos, e outras tantas túnicas, mas, se o não sou-
berdes decifrar, dar-me-eis a mim trinta vestidos e outras tantas túni-
cas. E eles responderam-lhe: Propõe o enigma, para que o ouçamos.
E ele disse-lhes:

191
Mais suave
que o favo do
forte Sansão, de
Nossa Senhora
emana toda sorte
de benevolência
e doçura

Nossa Senhora do Carmo

Sansão e o leão,
por Doré
Tércia  O favo do forte Sansão...

“Do que come saiu comida, e do forte saiu doçura.


“E aproximando-se o dia sétimo, disseram à mulher de Sansão:
Acaricia o teu marido, e faze que ele te descubra o que significa o
enigma; e se o não quiser fazer, queimar-te-emos a ti, e à casa de teu
pai: porventura nos convidastes vós para as bodas a fim de nos despo-
jardes? E ela punha-se a chorar junto de Sansão, e queixava-se dizen-
do: Tu odeias-me, e não me amas, por isso não queres declarar-me o
enigma, que propuseste aos filhos do meu povo. Mas ele respondeu:
Eu não o quis descobrir a meu pai e a minha mãe, e poderei declará-
lo a ti?
“Ela, pois, chorava diante dele durante os sete dias da boda; e
enfim, ao sétimo dia, sendo-lhe ela importuna, declarou-lho. E ela
imediatamente o descobriu aos seus compatriotas. E eles, no sétimo
dia, antes de se pôr o sol, disseram-lhe:
“Que coisa é mais doce que o mel, e que coisa é mais forte que o
leão?
“E ele disse-lhes: Se vós não tivésseis lavrado com a minha novi-
lha40, não teríeis decifrado o meu enigma. E apoderou-se dele o espí-
rito do Senhor e foi a Ascalon, e matou lá trinta homens, e, tirados os
seus vestidos, deu-os àqueles que tinham decifrado o enigma.
“E, sobremaneira irado, voltou para a casa de seu pai.”

Favo que trouxe em si o autor da vida


No favo de mel, extraído do cadáver de um leão, “considera-se a
imagem da vida que se encontra no próprio seio da morte, e a bonda-
de do mel saboroso, colhido numa fonte que naturalmente provoca
asco e repugnância.
“Assim como o favo traz o mel, Maria, ainda que possuidora de
uma natureza mortal, trouxe dentro de si a Jesus, autor da vida.
“Nem podia o celestial mel querer outro favo que não fosse o purís-
simo e alvíssimo favo do imaculado seio de Maria” 41.

40)  Isto é, “se vos não tivésseis valido de minha débil e tímida esposa” (Nota do Pe. Matos
Soares, na Bíblia por ele traduzida e comentada, 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1953).
41)  Do PEQUENO PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e
português com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 114.

193
O favo do forte Sansão...  Capítulo 3

Mãe melíflua
Havemos também de considerar no favo de mel colhido pelo forte
Sansão, um símbolo da incomparável doçura de Nossa Senhora.
A respeito desse suave predicado mariano, comenta o Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira:
“Em um de seus harmoniosos louvores 42 tributados à Santa Mãe
de Deus, assim canta a Igreja: «Ó Virgem lindíssima, ó Mãe melíflua».
“Celestialmente bela, Nossa Senhora está toda circundada de mel.
Essa conjugação entre a formosura e a suavidade não é fortuita, pois
há certa forma de beleza, embora majestosa, da qual se desprende, de
todos os modos, a doçura do mel.
“A formosura de Nossa Senhora não é apenas extrema, como tam-
bém apresenta extrema doçura. Desta emana toda sorte de benevo-
lência e de bondade.
“Ela é, pois, a Virgem melíflua, cuja suavidade atrai toda alma que
d’Ela se aproxima” 43.

Os lábios de Maria são como um favo de mel


E o Pe. Rolland assim se refere à extraordinária doçura da Mãe de
Deus:
“Se é verdade que a [virtude da] doçura está em proporção com a
pureza, a humildade e a caridade, que cimo de perfeição não atingiu
a doçura de Maria, a mais pura, a mais humilde e a mais amável das
criaturas?
“Em Maria, jamais dureza, frieza nem inconstância de ânimo, mas
a graça, a amenidade, a cordialidade perfeitas. Quão doce e amável
era Ela na casa de São Joaquim e de Sant’Ana, no templo de Jerusa-
lém, no exílio, em Nazaré, durante a Paixão e durante sua permanên-
cia sobre a Terra após a Ascensão! Aproximar-se-Lhe, vê-La, ouvi-La,
era indizível felicidade!
“Sua inigualável doçura nos é afirmada pelo próprio Espírito San-
to. Ele a tinha em vista, quando, descrevendo a mulher ideal, dis-
se: «Ela abriu sua boca à sabedoria, e uma lei de doçura reside em seus
lábios».

42) Antífona O Virgo pulcherrima.


43)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 24/8/1965. (Arquivo pessoal).

194
Tércia  Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão nobre Filho...

“A Santa Igreja, em sua liturgia, não deixa de ressaltar a amabili-


dade de Maria, nesses breves mas eminentemente expressivos termos:
«Vossos lábios são como um favo de mel que destila a suavidade; o leite e
o mel estão sobre vossa língua, tanto vossas palavras são deliciosas». [...]
“Que a inefável doçura de Maria excite, portanto, nossa entusias-
mada admiração, nossa confiança sem limites e, sobretudo, nossa
generosa imitação” 44.

@ Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão


nobre Filho
Não tivesse de Eva a mancha, e resplandecesse
com todo o brilho.
Incomparável brilho da Imaculada Conceição
Conta o Pe. Bernardes que “a um servo de Deus (João Brebêncio,
da Companhia de Jesus), que mereceu a auréola do martírio, e era
devotíssimo da Virgem Santíssima, se dignou a mesma Senhora apare-
cer acompanhada de tantas virgens, que pareciam inumeráveis. Esta-
vam todas postas por sua ordem em um vastíssimo e altíssimo mon-
te, indo decrescendo no número, conforme o monte se ia estreitando
piramidalmente, até que no supremo cume dele estava unicamente a
soberana Virgem das virgens. E deste lugar só, único e solitário entre
tanta multidão de almas puras, Lhe resultava uma glória incompará-
vel.
“Assim — infere o Pe. Bernardes —, podes tu, alma minha, con-
siderar e gozar-te da glória da Senhora, que, entre a multidão quase
infinita dos filhos de Adão, Ela seja a única que ocupa o ápice da pirâ-
mide, sendo preservada da mácula que todos incorreram e de que nes-
te espesso bosque das gerações humanas, este só ramo de ouro cinti-
le tanto com os resplendores da divina graça desde o primeiro instan-
te de sua natureza” 45.
Sim, “o brilho da luz eterna resplandeceu nesta simples criatura,
que, por uma perfeita virgindade de coração, uma singular continên-

44) ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910, Vol. I. p. 581-582.


45)  AS MAIS BELAS PÁGINAS DE BERNARDES: 2000 Trechos selecionados por
NUNES, Mario Ritter (Coord.). São Paulo: Melhoramentos, 1966. p. 412.

195
Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão nobre Filho...  Capítulo 3

cia de espírito, única entre todas, conservou pura e sem mancha a ima-
gem do Senhor” 46.

Convinha à dignidade de Mãe de Deus


uma alma imaculada
Esse admirável fulgor com que o Padre Eterno revestiu a Imacula-
da Conceição, tem por principal motivo a escolha da Santíssima Vir-
gem para Mãe de seu Filho unigênito, como afirma Fr. Luís de Gra-
nada:
“Que uma alma encerrada num corpo sujeito a tantas misérias e
cercado de tantos sentidos, passe a voar sobre todos os Anjos em per-
feição, e seja mais pura que as estrelas do Céu, isto é coisa de grande
admiração. [...]
“Pois tal convinha que fosse, e sobremaneira convinha que nas-
cesse aquela que ab æterno era escolhida para ser Mãe de Deus. Por-
que costume é de Deus adequar os meios aos fins, ou seja, fazer tais
os meios quais competem para a excelência do fim para que os ins-
tituiu.
“Pois como Deus escolhesse esta benditíssima Virgem para a maior
dignidade de quantas há debaixo d’Ele, que é para ser Mãe do mes-
mo Deus, assim convinha que Lhe desse o espírito, a santidade e a
graça proporcionadas à excelência desta dignidade. Donde, assim
como aquele templo material de Salomão foi uma das mais famosas
obras que houve no mundo, porque era casa que se edificava não para
homens, senão para Deus, assim convinha que este templo espiritual
onde Deus havia de morar fosse uma perfeitíssima obra, pois para tal
hóspede se aparelhava.
“Porque, como convinha fosse a alma que o Filho de Deus havia
tomado por especial morada, senão cheia de toda a santidade e pure-
za?
“E como convinha fosse a carne da qual havia de tomar nossa natu-
reza o Filho de Deus, senão livre de todo o pecado e corrupção? Por-
que assim como o corpo daquele primeiro Adão foi feito de terra vir-
gem antes que a maldição de Deus caísse sobre ela, como sucedeu

46)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 24.

196
Tércia  Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão nobre Filho...

depois do pecado (Gên. II, 7), assim convinha fosse formado o corpo
do segundo [Adão] de outra carne virginal, livre e isenta de toda mal-
dição e pecado” 47.

A honra e a nobreza do Filho exigiam uma


Mãe imaculada
A sentença que acabamos de considerar é comum entre os auto-
res eclesiásticos, como superiormente nos demonstra Santo Afonso de
Ligório. Escreve o Fundador dos Redentoristas:
“Assim fala São Bernardo à Senhora: Antes de toda criatura fostes
destinada na mente de Deus para Mãe do Homem-Deus. Se não por
outro motivo, pois ao menos pela honra de seu Filho, que é Deus, era
necessário que o Pai Eterno A criasse pura de toda mancha. [...]
“Como é sabido, a primeira glória para os filhos é nascer de pais
nobres. «A glória dos filhos (são) os seus pais» (Prov. XVII, 6).
“Por isso, na sociedade menos mortifica passar por pobre e pouco
formado, do que ser tido por vil de nascença. Pois com sua indústria
pode o pobre enriquecer, e o ignorante fazer-se douto com seus estu-
dos. Mas quem nasce vil, dificilmente pode nobilitar-se, [e] ainda que
o consiga, está exposto a ver que lhe atirem em rosto a baixeza de sua
origem.
“Deus, entretanto, podia dar a seu Filho uma Mãe nobilíssima e ili-
bada da culpa original. Como então admitir que Lhe tenha dado uma
manchada pelo pecado? Como dar a Lúcifer o ensejo de exprobar ao
Filho de Deus a vergonha de ter nascido de uma Mãe que outrora fora
escrava sua e inimiga de Deus? Não; o Senhor não lho permitiu. Pro-
veu à honra de seu Filho, fazendo com que Maria fosse sempre ima-
culada. Assim A fez digna Mãe de tal Filho, como testemunha a Igre-
ja Oriental.

47)  GRANADA, Luís de. Obra Selecta. Madri: BAC, 1952. p. 731 e 733.

197
Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão nobre Filho...  Capítulo 3

Convinha à Mãe de Deus uma brilhante


e inigualável pureza
“Dom algum foi jamais concedido a alguma criatura, do qual não
fosse enriquecida também a Virgem. É este um axioma comum entre
os teólogos. Para confirmá-lo, eis as palavras de São Bernardo: O que
a poucos mortais foi concedido, não ficou sonegado à excelsa Vir-
gem; nem sombra de dúvida pode haver nisso. São Tomás de Villa-
nueva assim depõe: Nenhuma graça foi concedida aos Santos, sem
que Maria a possuísse desde o começo em sua plenitude. Há, porém,
entre a Mãe de Deus e os servos do Senhor uma infinita distância,
segundo a célebre sentença de São João Damasceno. Logo, à sua Mãe
terá Deus conferido privilégios de graças, em todo sentido maiores de
quantos outorgou a seus servos. Forçosamente assim teremos de con-
cluir com São Tomás.
“Isto suposto, pergunta Santo Anselmo, o grande defensor da Ima-
culada Conceição: Faltaria poder à Sabedoria divina para preparar a
seu Filho uma morada pura e para preservá-la da mancha do gênero
humano? Pois, continua o Santo, Deus, que pôde eximir os Anjos do
Céu da ruína de tantos outros, não teria podido preservar a Mãe de
seu Filho, a Rainha dos Anjos, da queda comum aos homens? E acres-
cento eu: Deus, que pôde conceder a Eva a graça de vir ao mundo
imaculada, não teria podido concedê-la também a Maria?
“Ah! certamente que sim! Deus podia fazê-lo, e assim o fez. Diz,
por isso, Santo Anselmo: A Virgem, a quem Deus resolveu dar seu
Filho Único, tinha de brilhar numa pureza que ofuscasse a de todos os
Anjos e a de todos os homens, e que fosse a maior que se possa ima-
ginar, abaixo de Deus. Por todos os motivos, era isso conveniente. São
João Damasceno exprime o mesmo pensamento com mais clareza: «O
Senhor conservou-A tão pura no corpo e na alma, como realmente con-
vinha Àquela que iria conceber a Deus em seu seio. Pois santo como Ele
é, procura morar só entre os santos. Portanto, o Eterno Pai podia dizer
a esta filha: Como o lírio entre os espinhos, és Tu, minha amiga, entre
as filhas (Cânt. II, 2): Pois, enquanto as outras foram manchadas pelo
pecado, Tu foste sempre imaculada e cheia de graça»” 48.

48)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 192-193.

198
Tércia  E tendo o Verbo escolhido por mãe a Virgem casta...

@ E tendo o Verbo escolhido por mãe a Virgem


casta,
Não quis que fosse sujeita à culpa que o mundo
arrasta
O louvor que aqui rendemos à Santíssima Virgem é uma extensão
do anterior. Eis como, bela e cabalmente, o santo autor das Glórias de
Maria nos explica seu conteúdo:

Nosso Senhor quis criar para si uma


Mãe Imaculada
“Nenhum outro filho pode escolher sua mãe. Mas se a algum deles
fosse dada tal escolha, qual seria aquele que, podendo ter por mãe
uma rainha, a quisesse escrava? Ou, podendo tê-la nobre, a quises-
se vil? Ou, podendo tê-la amiga, a quisesse inimiga de Deus? Ora, o
Filho de Deus, e Ele tão somente, pode escolher-se mãe a seu agra-
do. Por conseguinte, deve-se ter por certo que a escolheu tal qual con-
vinha a um Deus. Mas a um Deus puríssimo convinha uma mãe isen-
ta de toda culpa. Fê-La, por isso, imaculada, escreve São Bernardino
de Siena.
“E aqui quadra uma passagem de São Paulo: Pois convinha que
houvesse para nós um pontífice tal, santo, inocente, impoluto, segre-
gado dos pecadores (Heb. VII, 26). Um douto autor faz observar que,
segundo o Apóstolo, foi conveniente que nosso Redentor fosse sepa-
rado tanto do pecado como até dos pecadores. Também São Tomás
o afirma com as palavras: Aquele que veio para tirar o pecado, devia
ser segregado dos pecadores, quanto à culpa que pesava sobre Adão.
Mas, como poderia Jesus Cristo dizer-se separado dos pecadores, se
pecadora Lhe fosse a Mãe? [...]
“Com São Pedro Damião e São Paulo devemos, pois, ter por cer-
to que o Verbo Encarnado escolheu para si mesmo uma mãe digna, da
qual se não tivesse que envergonhar. Os judeus chamavam, com des-
prezo, a Jesus, o Filho de Maria, isto é, filho de uma mulher pobre.
«Não é sua mãe essa que é chamada Maria?» (Mt. XIII, 55). Não O

199
E tendo o Verbo escolhido por mãe a Virgem casta...  Capítulo 3

atingiu esse desprezo, a Ele que vinha dar ao mundo exemplos de


humildade e paciência. Mas ser-Lhe-ia certamente um grande opró-
brio, se tivesse de ouvir dos demônios: Não é sua mãe essa que é peca-
dora? Que nascesse Jesus de uma mãe disforme e mutilada no corpo,
ou possessa do demônio, seria igualmente inadmissível. Quanto mais,
por conseguinte, o será o nascer Ele de uma mulher, cuja alma por
algum tempo houvesse sido deformada e possessa por Lúcifer?
“É Deus a própria Sabedoria. Oh! como soube fabricar a casa em
que havia de habitar na Terra, e como conseguiu fazê-la realmente
digna de si mesmo!

Convinha ao Legislador do IV mandamento


preservar sua Mãe do pecado original
“O Senhor deu-nos o preceito de honrar os nossos pais. Ele pró-
prio não quis deixar de observá-lo ao fazer-se homem, nota São Metó-
dio, e por isso cumulou sua Mãe de todas as graças e honras. Portan-
to, conforme o Pseudo-Agostinho, deve-se certamente crer que Jesus
preservou da corrupção o corpo de Maria, depois da morte. Ora,
quanto menos então teria Jesus Cristo atendido à honra de sua Mãe,
se A não houvesse preservado da culpa de Adão? Certamente peca-
ria o filho que, podendo preservar a mãe da culpa original, não o fizes-
se logo, observa o agostiniano Tomás de Estrasburgo. Mas — continua
ele — o que para nós seria pecado, não seria certamente decoroso ao
Filho de Deus. Podendo fazer sua Mãe imaculada, tê-lo-ia deixado de
fazer? Não; isso é impossível, diz Gerson. [...]

Digna Mãe de um digno Filho


“Em conclusão, recordo as palavras de Hugo de São Vítor: Se
o Cordeiro foi sempre imaculado, sempre ilibada deve também ter
sido a Mãe, porque é pelo fruto que se conhece a árvore. E por isso
assim a saúda: Ó digna Mãe de um digno Filho! Maria era de fato
digna Mãe de tal Filho e só Jesus era digno Filho de tal Mãe. Acres-
centa depois: Ó formosa Mãe do belo Filho, ó excelsa Mãe do Altís-
simo!

200
Somente o Filho de Deus pôde escolher sua mãe;
por isso A fez imaculada
Imaculada Conceição
E tendo o Verbo escolhido por mãe a Virgem casta...  Capítulo 3

“Digamos-Lhe, pois, com Santo Ildefonso: Alimentai com vos-


so leite, ó Mãe, o vosso Criador; alimentai Aquele que vos fez, e tão
pura e tão perfeita Vos criou, que merecestes que de Vós Ele próprio
tomasse o ser humano” 49.

Espelho da imaculada pureza de Jesus


Fazendo eco aos expressivos ensinamentos de Santo Afonso, escre-
ve um piedoso dominicano:
“O mais amante dos filhos pode imaginar, mas não realizar a per-
feição de sua mãe. Ele a encontra feita segundo a vontade divina, e
não conforme o seu próprio desejo. [...]
“Um único filho pôde criar a seu agrado a mãe da qual ele devia
nascer, aperfeiçoá-la constantemente a fim de amá-la sempre mais,
sem receio de ver um limite imposto à generosidade e à alegria de seu
amor. Esse filho é Jesus, o Verbo Encarnado, o Deus que depositou
todas as suas complacências em Maria, muito antes de chamá-La à
vida terrena. A simples previsão da parte que Ela teria na Encarnação
A unia intimamente a Ele. E para se resguardar a si mesmo, na sua
humanidade, da ofensa do pecado, Ele A purificou antecipadamente
da mancha original e A revestiu de uma pureza imaculada. «Tota pul-
chra es, amica mea, et macula non est in te» (Cân. IV,  7), dizia-Lhe Ele
pelos lábios do profeta: «Nem sequer a sombra do pecado poderia vos
atingir, e vós sois o espelho do meu próprio esplendor»” 50.

Pérola Imaculada
Por fim, degustemos uma sábia e graciosa consideração, feita por
São Francisco de Sales:
“Nossa Senhora, a Santíssima Virgem, foi concebida por via ordi-
nária de geração; porém Deus, tendo-A predestinado em sua mente,
desde toda a eternidade, para Mãe sua, preservou-A pura e limpa de

49)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 194; 196-199.
50)  OLLIVIER, Marie-Joseph. Les amitiés de Jésus. Paris: Lethielleux, 1929. p. 3.

202
Tércia  V. Eu moro no mais alto dos Céus...

toda mancha. É-me forçoso servir-me de uma comparação para fazê-


lo compreender.
“Sabeis como se formam as pérolas? As madrepérolas fazem como
as abelhas: têm sua rainha, e elegem como tal a maior dentre elas, à
qual seguem todas. Sobem à superfície do mar à hora mais fresca do
dia, que é o amanhecer, principalmente no mês de maio. Quando aí
estão, abrem suas conchas voltadas para o céu, e as gotas de orvalho
caem dentro delas. Em seguida, cerram-nas e imergem de novo no
mar, onde incubam esse rocio e o convertem em pérolas que depois se
apreciam tanto. Observai, contudo, que elas fecham tão bem suas con-
chas, que não deixam entrar nem uma gota de água salgada.
“Esta lição muito convém a meu discurso. O Senhor fez o mesmo
com a Santíssima Virgem. No instante de sua concepção Ele se pôs,
por assim dizer, debaixo d’Ela, para impedi-La de cair no pecado ori-
ginal. E assim como a gota do rocio que não encontra concha para
recebê-la, cai no mar e se converte em água amarga e salgada, porém
se uma concha a recebe, transforma-se em pérola; assim Maria veio a
este mundo por via comum de geração, mas preservada das águas sal-
gadas da corrupção do pecado.
“Devia ter esse privilégio especial, porque não era razoável que o
demônio lançasse em rosto a Jesus, alguma vez, que quem O havia
levado em suas entranhas tinha sido tributária de Satanás” 51.

@ V. Eu moro no mais alto dos Céus


Acima dos coros dos Anjos e dos Santos
Em virtude da insondável dignidade que Lhe confere a maternida-
de divina, e dos singulares privilégios com que o Senhor A enriqueceu,
Maria Santíssima constitui, no Céu, uma hierarquia especial, superior
a todos os coros de Anjos e de Santos.
É o que, firmado no sentir comum dos doutores, ensina o eminen-
te mariólogo D. Alastruey:
“A Bula Ineffabilis Deus elogia assim a Maria: «Pelo que A elevou
tão maravilhosamente e muito mais que a todos os Anjos e Santos com a
abundância de todas as graças tiradas do tesouro da Divindade, que livre

51)  SALES, Francisco de. Obras Selectas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 503.

203
V. Eu moro no mais alto dos Céus...  Capítulo 3

por completo de todo pecado, toda formosa e perfeita, possuísse aquela


plenitude de inocência e de santidade que, depois de Deus, não pode con-
ceber-se maior».
“Diz Santo Efrém: «Pura Mãe de Deus, Rainha de todos, mais excel-
sa que os habitantes do Céu, mais honorável que os Querubins, mais
santa que os Serafins e mais gloriosa que todos os demais exércitos celes-
tiais».
“São Pedro Damião: «Assim a Virgem, levantada sobre as almas dos
Santos e os coros dos Anjos, supera os méritos de cada um e os títulos de
todos».
“Raimundo Jordão, chamado o Idiota: «Tu és, pois, Rainha coroa-
da nos Céus, elevada sobre os coros dos Anjos; Tu estás sentada à destra
de teu Filho bendito».
“Gerson: «A Virgem, sozinha, forma a segunda hierarquia abaixo de
Deus uno e trino, primeira e suprema hierarquia, junto ao qual Hierar-
ca, só a humanidade sublimada do Filho se senta à destra do poder de
Deus».
“São Bernardino de Siena: «Com toda certeza há de se admitir que
Ela foi elevada na glória sobre toda pura criatura, como formando e
completando um estado íntegro e total, ao qual, segundo a reta razão,
não pode ter conveniente acesso nenhuma outra pessoa, porque o Filho
de Deus não tem senão uma só Mãe natural».
“E a Sagrada Liturgia: «A Santa Mãe de Deus foi elevada ao reino
celestial sobre todos os coros dos Anjos». «A Virgem Maria foi elevada
ao tálamo celestial em que o Rei dos reis se senta em estrelado sólio». [...]
“Santo Antonino: «Mais dista a Virgem em dignidade e glória dos
Serafins que os Serafins dos Querubins; mas os Serafins, pela excelência
de sua dignidade, têm uma ordem superior aos Querubins; logo a Virgem
estará sobre as hierarquias todas dos Anjos».
“O mesmo: «Com mais desproporção se diferencia o servo do senhor
que o servo do servo; mas todos os Anjos são ‘espíritos ministrantes’, isto
é, servos, e, sem embargo, entre eles há diversas ordens, enquanto que a
Bem-aventurada Virgem é a Senhora dos Anjos.
“«Logo, foi elevada desproporcionadamente sobre os Serafins e sobre
todas as hierarquias dos Anjos».
“E, certamente — conclui D. Alastruey —, sendo a dignidade da
maternidade divina de uma ordem superior, [...] foi necessário que

204
Tércia  V. Eu moro no mais alto dos Céus...

Maria formasse no Céu uma hierarquia especial, sobre todas as cate-


gorias dos Anjos e dos Santos” 52.

Régio e elevadíssimo sólio


Ao considerar o ingresso de Nossa Senhora no Céu, exclama São
Bernardo:
“Quem será capaz de expressar em palavras, com quanta honra
foi [Maria] recebida, com quanto gozo, com quanta alegria? Nem na
Terra houve jamais lugar tão digno de honra como o templo de seu
seio virginal, no qual recebeu Maria ao Filho de Deus, nem no Céu
há outro sólio régio tão excelso como aquele ao que elevou a Maria, o
Filho de Maria. [...]
“Porque quanto maior graça alcançou Ela na Terra sobre todas as
demais [criaturas], outro tanto mais obtém também nos Céus de glória
singular. E se o olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem cabe no cora-
ção do homem o que tem Deus preparado para os que O amam, quem
poderá dizer o que reservou Ele para Aquela que O engendrou e O
amou mais que todos os homens?” 53
Imbuído de semelhante fervor mariano, diz o venerável Tomás de
Kempis:
“Louvor e glória ao Deus altíssimo, que Vos conferiu, ó Maria,
maior graça que a todas as filhas dos homens que no mundo existiram.
E logo colocou vosso assento junto ao trono de vosso Filho no Rei-
no dos Céus; no lugar mais eminente, sobre todos os coros de Anjos e
Santos, que Ele Vos havia preparado, com requinte de beleza, desde
toda a eternidade” 54.

Confiança n’Aquela que habita na altura


Aos anteriores testemunhos, podemos acrescentar estas palavras
do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “Disse Nosso Senhor que «todo o
que se humilha será exaltado» (Lc. XIV, 11).

52)  ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santísima, 3. ed. Madrid: BAC, 1952.
p. 516-517.
53)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 704-705.
54)  KEMPIS, Tomás de. La Imitacion de Maria. Barcelona: Regina, 1956. p. 68-69.

205
R. E o meu trono está sobre uma coluna de nuvem...  Capítulo 3

“Ora, Maria Santíssima, afirmando-se escrava de Deus, humilhou-


se além de todo o limite. Por isso foi elevada ao mais alto dos Céus,
ocupando um lugar que nenhuma outra mera criatura, abaixo do
Homem-Deus, jamais alcançará.
“Assim, o verdadeiro escravo de Nossa Senhora, ao invocá-La,
deve ter presente as magnificências de que Deus A revestiu. E, por-
tanto, nunca se dirigirá a Ela senão com sumo respeito, suma admira-
ção e suma confiança.
“Confiança, sim, porque sendo Maria a mais alta e mais eminente
de todas as criaturas, é também a mais benigna, mais misericordiosa,
mais afável e a que mais desce até nós.
“A grandeza de Nossa Senhora é tão imensa que preenche todos
os espaços, por enormes que sejam, que vão d’Ela até o último dos
homens. Embora entronizada no alto dos Céus, Ela nos é mais acessí-
vel, está mais disposta a nos atender e a nos perdoar. No seu insondá-
vel e fixo amor para com os degredados filhos de Eva, podemos — e
devemos — ter uma total confiança” 55.
E outro não é o pensamento de São João Bosco, grande exemplo
de devoção à Auxiliadora dos cristãos:
“Desde seu altíssimo trono de glória, [Maria] nos dirige seus mater-
nais olhares e nos diz: «Eu habito na altura, para enriquecer aos que me
amam e cumulá-los de tesouros». Por conseguinte, desde sua Assun-
ção ao Céu, começou o constante e ininterrupto recurso dos cristãos a
Maria, e nunca se ouviu, diz São Bernardo, que alguém haja recorrido
com confiança a Ela, que é Mãe piedosa, e não tenha sido atendido.
“Esta é a razão pela qual todo século, ano, dia e, poderíamos dizer,
momento, está marcado, na História, por algum favor concedido a
quem A invocou com fé” 56.

@ R. E o meu trono está sobre uma coluna de nuvem


Embora este versículo insinue, novamente, a sublime exaltação de
Nossa Senhora ao mais alto dos céus, evoca-nos ele, também, outro
símbolo de Maria Santíssima: a coluna de nuvem que guiava o povo
eleito, através do deserto, em busca da Terra Prometida.

55)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em janeiro de 1966 e 16/6/1972.


(Arquivo pessoal).
56)  BOSCO, Juan. Obras fundamentales. 2. ed. Madrid: BAC, 1979. p. 761.

206
Tércia  R. E o meu trono está sobre uma coluna de nuvem...

Assim narra o livro dos Números (IX, 15-23):


“No dia, pois, em que o tabernáculo foi ereto, a nuvem o cobriu.
Da tarde, porém, até a manhã estava sobre o tabernáculo como uma
espécie de fogo. Assim acontecia continuamente: De dia cobria-o a
nuvem, e de noite como que uma espécie de fogo. E, quando se levan-
tava a nuvem, que cobria o tabernáculo, então punham-se em mar-
cha os filhos de Israel; e no lugar onde a nuvem parava, aí acampa-
vam. À ordem do Senhor partiam, e à sua ordem assentavam o taber-
náculo. Todo o tempo em que a nuvem estava parada sobre o taberná-
culo, permaneciam no mesmo lugar; e se acontecia estar parada sobre
ele muito tempo, os filhos de Israel estavam às ordens do Senhor, e
não partiam durante todo o tempo em que a nuvem estava sobre o
tabernáculo. Ao mandado do Senhor levantavam as tendas, e ao seu
mandado as desarmavam. [...] E estavam sempre atentos ao sinal do
Senhor, como este tinha ordenado por meio de Moisés.”

Coluna de nuvem que conduz os homens


à celeste Pátria
Interpretando esse texto sagrado, comenta o Pe. Jourdain:
“Santo Epifânio ensina abertamente que esta coluna de nuvem era
a figura de Maria: «Vós sois», diz ele, «esta nuvem, semelhante a uma
coluna, que conduzia o povo no deserto».
“São João Crisóstomo também diz que esta augusta Virgem é
semelhante à coluna de nuvens que Deus habitava, para servir de guia
a seu povo, no deserto.
“Ela é, acrescenta Ricardo de São Lourenço, a nuvem que Deus
estendeu sobre nós, para nos proteger contra os ardores do Sol de Jus-
tiça. Semelhante àquela que conduzia os israelitas pelo deserto, Ela
nos defende contra as ciladas das tentações, ilumina as trevas de nossa
ignorância, e nos mostra a via que nos leva à celeste Pátria.

Nuvem sempre radiante de luz


“O grande São Jerônimo, para mostrar que Maria é realmente sim-
bolizada pela nuvem misteriosa, que guiava os descendentes de Jacob
através do deserto, recorda a imagem de uma outra nuvem da qual

207
R. E o meu trono está sobre uma coluna de nuvem...  Capítulo 3

fala o profeta Isaías, no capítulo XIX: «Eis que o Senhor vem ao Egi-
to sobre uma nuvem ligeira»; e [também] este versículo do Salmo: «O
Senhor os conduzia durante o dia com a nuvem»: A nuvem, devemos
reconhecê-lo, é a Bem-aventurada Virgem Maria. Ela é ligeira: sua
maternidade, sem concurso de varão, em nada Lhe pesou. «Ele os con-
duzia durante o dia com a nuvem».
“Diz bem o Salmista: Durante o dia, porque esta nuvem jamais foi
tenebrosa, mas sempre radiante de luz.

Nuvem que nunca se afasta dos homens


“Maria é, pois, uma nuvem, mas nuvem ligeira e luminosa. [...]
Sigamos a misteriosa nuvem, passo a passo, imitando seus exemplos,
pois com Ela rumaremos ao Céu.
“Coluna de fogo, Ela brilhará diante de nós na solidão deste mun-
do. Ela não permitirá que nos extraviemos em perigosas sendas; Ela
nos defenderá contra os ataques de nossos inimigos, contra a presa
dos animais ferozes que rondam em meio às trevas.
“A nuvem luminosa e a coluna de fogo de que nos fala a Escritu-
ra, não se afastavam dos filhos de Israel, mesmo quando este povo, de
cerviz dura, ofendia o Senhor. Maria não se afasta de nós, ainda que
nos aconteça de sermos infiéis às graças que Ela nos obtém de Deus,
e de ofendermos nosso Soberano Juiz. Ela permanece junto de nós,
intercedendo todavia, e acalmando a cólera divina acesa por nossos
pecados.
“É Ela, nossa guia e nossa protetora que nos introduzirá na Terra
Prometida” 57.

Nuvem na qual se reflete a magnificência de Deus


Também sobre esse símbolo de Nossa Senhora escreveu Le Mulier,
a cujas devotas palavras nos associamos, ao encerrarmos os comentá-
rios a esta Hora Tércia:
“A nuvem, logo que se forma no seio da terra, eleva-se, atraída
pelos raios do sol. Assim, apenas concebida no seio de sua santíssima

57)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 218-219; 480-481.

208
Tércia  V. Protegei, Senhora, etc...

mãe, Deus atraiu Maria até Ele, elevando-A à sua perfeita semelhan-
ça, e à mais alta dignidade da qual foi capaz uma simples criatura.
“A nuvem está entre o céu e a terra; a Virgem está entre Deus e os
homens.
“A magnificência de Deus aparece nas nuvens, diz David; muito
mais ainda aparece ela na sua Santíssima Mãe, tão exaltada acima de
toda criatura.
“A nuvem, diz o santo homem Jó, é a vestimenta do mar, as faixas
de que ele está envolto; e a Virgem, não vestiu Ela o Salvador, que
é como um imenso oceano, do qual decorrem todas as graças, sem
número nem medida?
“Ó Maria, que sois esta nuvem ligeira sobre a qual o Salvador veio
visitar os povos do Egito e derrubar seus falsos ídolos, vinde a nós, a
fim de que o Senhor nos olhe em sua misericórdia e disperse os maus
espíritos que nos perseguem” 58.

@ V. Protegei, Senhora, etc.


Repetem-se as mesmas orações do final de Matinas59.

58)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 90-92.
59)  Veja-se p. 87 e ss.

209
Nossa Senhora
das Alegrias
Capítulo 4

Sexta

Hino

Deus Vos salve, Virgem Mãe, Vós sois o templo da


Trindade,
O puro encanto dos Anjos, agasalho da castidade.
Sois o consolo dos tristes; horto da alegria cara,
Sois a palma da paciência, o cedro da pureza rara.
Maria, terra Vós sois, bendita e sacerdotal,
Concebida e preservada sem pecado original.
Cidade santa do Altíssimo, do Céu entrada oriental,
Há em Vós, singular Virgem, toda a graça celestial.
Amém.

V. Como um lírio entre os espinhos,


R. Assim a minha predileta entre os filhos de Adão.

211
o presente Hino louva-se a beleza
interior de Nossa Senhora, Virgem e
Mãe, admirável templo que a Santís-
sima Trindade adornou com os mais
preciosos dons celestiais.
A Bem-aventurada Virgem é
aqui exaltada como Aquela que cons-
titui a alegria dos Céus, o mais belo
modelo de castidade, o Paraíso do novo
Adão, a terra bendita da qual Ele foi
formado, por obra do Espírito Santo.
Oceano de graças, de cuja plenitude os homens as recebem,
Maria Santíssima é a porta através da qual Deus entrou no
mundo, e os justos ingressam no Céu. É, também, sublime exem-
plo de paciência para os que pugnam nas fileiras da Igreja Mili-
tante, os quais Ela consola, concedendo-lhes forças para enfrenta-
rem as provações, dores e lutas inerentes à sua missão apostólica.
Como a Esposa do Cântico dos Cânticos, Nossa Senhora é
o “lírio entre os espinhos”, a única preservada de todo pecado, em
meio aos homens manchados pela culpa original e continuamente
aguilhoados por suas más inclinações.

212
Sexta  Deus Vos salve, Virgem Mãe...

@ Deus Vos salve, Virgem Mãe


Embora este título de Nossa Senhora tenha sido, em páginas ante-
riores, objeto de considerações1, não será supérfluo contemplarmos
outros louvores.

Virgindade consagrada pelo nascimento


do Homem-Deus
Assumindo as palavras do Anjo, exclama São Tomás de Villanueva:
“Ó Virgem, quantas virgens esclarecidas renunciam à flor de sua
virgindade por amor à descendência, embora sabendo que não hão de
engendrar senão um triste mortal! E Vós, sabendo que haveis de dar
à luz a Deus, ainda vacilais e exclamais: «Como há de ser isso, ó Anjo
de Deus?» [...]
“Não temais, Maria: esta concepção não Vos arrebatará a virgin-
dade, mas a consagrará; não Vos diminuirá o pudor, mas o sublima-
rá com a descendência, já que haveis de conceber por obra do Espíri-
to, e não com o concurso de varão; virgem dareis à luz e virgem per-
manecereis depois. [...] Sereis Virgem, porém fecunda. Mãe sereis,
mas incorrupta; conservando a honra da virgindade com os gozos da
maternidade” 2.

Milagre representado pelas figuras da Antiga Lei


E o Pe. Rolland comenta:
“Um dos mais gloriosos privilégios da Santíssima Virgem, ou antes
o mais glorioso após o de sua maternidade divina, é a sua inalterável e
perpétua virgindade. [...]
“Pode-se afirmar, sem receio de equívoco, que esse privilégio de
Maria é, verdadeiramente, um dos mais esplêndidos milagres ope-
rados pela destra do Onipotente. É ele tão grande, que Deus o quis
representar pelas figuras da Antiga Lei. Por certo, admiro a sarça

1)  Cfr. cap. 1, “Salve, ó Virgem Mãe”.


2)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 250-251 e 265.

213
Deus Vos salve, Virgem Mãe...  Capítulo 4

incandescente que ardia sem se consumir; admiro o velo de Gedeão,


ora seco quando tudo ao seu redor estava coberto de umidade, ora
banhado de rocio, quando toda a terra se achava desolada pela aridez;
admiro os três mancebos dentro da fornalha, sem ressentirem a menor
ofensa das chamas: estes são grandes milagres. Contudo, o milagre de
[ser] Maria sempre virgem e ao mesmo tempo Mãe de Deus, é incom-
paravelmente mais maravilhoso, tanto mais superior aos primeiros,
quanto a realidade excede à figura!

A Virgem Mãe profetizada nas Escrituras


“Esse prodígio é tão sublime que Deus [...] o anunciou por seus
Videntes, em solenes termos, como sendo uma nova criação, uma
obra absolutamente extraordinária. «Eis, diz Isaías a Acaz, um sinal
extraordinário que surpreenderá o céu e a terra: uma virgem conceberá e
dará à luz um filho, e o seu nome será Emanuel, isto é, Deus conosco».
“Sim, a perpétua virgindade da Santíssima Virgem é uma maravi-
lha entre as maravilhas.
“«O Senhor fez em Mim grandes coisas», dizia Nossa Senhora a sua
prima Isabel. Essas grandes coisas são: primeiro, e antes de tudo, sua
maternidade divina; mas, logo em seguida, é sua perpétua virginda-
de” 3.

Flor e fruto
Outra bela consideração sobre esse admirável privilégio de Nossa
Senhora, devemos ao Pe. Félix Cepeda, C. F. M., que assim se expri-
me:
“Grande é a glória de uma mulher que chega a ser mãe; mais pura
é a glória das que permanecem virgens. Essas duas glórias são incom-
patíveis: quem aceita uma, necessariamente se despoja da outra. Vede
as árvores na primavera como se cobrem de flores brancas ou encar-
nadas. Chega o outono, e nos regalam frutos delicados. Porém, em
vão buscareis as flores, pois estavam murchas e caíram. Não é possível
que [as árvores] ostentem, ao mesmo tempo, flores e frutos.

3) ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910, Vol. I. p. 284 e 290-291.

214
Sexta  Deus Vos salve, Virgem Mãe...

“Não assim com Maria: é virgem e mãe juntamente, o que convém


somente a Ela. Por isso a Igreja canta com o poeta Sedulio: «Não se
viu nada semelhante, nem antes nem depois». E São Dionísio Areopa-
gita, em seu livro Dos Nomes Divinos: «Esta é uma coisa nova, a mais
nova de todas»” 4.

Virgindade, fecundidade e humildade: admiráveis


ornamentos de Maria
Deixemos falar, uma vez mais, o eloquente amor de São Bernar-
do à Santíssima Virgem e Mãe: “Ditosa em tudo Maria, a quem não
faltou a humildade, nem a virgindade. Singular virgindade a sua, que
não foi prejudicada, mas honrada pela fecundidade; não menos ilustre
humildade, que não diminuiu, mas engrandeceu sua fecunda virgin-
dade; e inteiramente incomparável fecundidade, que a virgindade e a
humildade, juntas, acompanham. Qual dessas coisas não é admirável?
Qual não é incomparável? Qual não é singular?
“Maravilha será se, ponderando-as, não duvides qual julgarás mais
merecedora de tua admiração; quer dizer, se será mais estupenda a
fecundidade numa virgem ou a integridade numa mãe; sua dignida-
de pelo fruto de seu castíssimo seio, ou sua humildade com tão imen-
sa grandeza. Sem dúvida, a cada uma dessas coisas se devem preferir
todas juntas, e é incomparavelmente maior excelência e maior ventura
havê-las tido todas, do que precisamente algumas.
“E por que se espantar de que Deus, a quem lemos e vemos admi-
rável em seus Santos, se tenha mostrado mais maravilhoso em sua
Mãe?
“Venerai, pois, vós que vos achais em estado de matrimônio, a inte-
gridade e pureza do corpo num corpo mortal; admirai também vós,
virgens sagradas, a fecundidade de uma virgem; imitai, homens todos,
a humildade da Mãe de Deus; honrai, Santos Anjos, a Mãe de vosso
Rei, vós que adorais o Filho de nossa Virgem, nosso e vosso Rei, repa-
rador de nossa linhagem e restaurador de vossa cidade” 5.

4)  CEPEDA, Felix Alejandro. Virgo Veneranda. Madrid: Corazón de Maria, 1928. p. 184.
5)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 191.

215
Vós sois o templo da Trindade...  Capítulo 4

@ Vós sois o templo da Trindade


Entre os muitos símbolos com que Nossa Senhora é prefigurada no
Antigo Testamento, está o magnífico templo de Jerusalém, edificado
por inspiração do Espírito Santo e sob as ordens de Salomão.
Conta-nos o livro segundo dos Paralipômenos (caps. III e IV), que
aquele filho de David “mandou revestir de madeira de faia a parte
maior do templo, e mandou chapear tudo de lâminas de puríssimo
ouro. Mandou pavimentar o templo com preciosíssimos mármores,
com muitas de corações.
“E o ouro das lâminas, de que mandou cobrir o edifício, e as suas
traves, e os pilares, e as paredes, e as portas, era finíssimo. E Salo-
mão fez todos os vasos do templo de Deus, e o altar, de ouro, e as
mesas, sobre as quais se punham os pães da proposição. Fez mais de
puríssimo ouro os candeeiros com as suas lâmpadas; e uns florões, e
os isqueiros e as tenazes de ouro; todas estas coisas foram feitas de
ouro puríssimo. E os braseiros, e os turíbulos, e os copos, e os grais
eram de ouro puríssimo. E mandou abrir lavores nas portas do templo
interior, isto é, do Santo dos Santos; e as portas do templo pela parte
de fora eram de ouro.”

Maria, resplandecente templo de Deus


Essa fabulosa riqueza, porém, nada é perto daquela de que foi
ornado o verdadeiro templo da Trindade, Maria Santíssima.
“Outrora — escreve o venerável Tomás de Kempis —, o templo
material de Salomão sobrepujou por sua beleza a todos os templos da
Terra. Sua fama se estendeu até os últimos confins; e foi esplendida-
mente honrado com a visita dos mais diversos reis e povos, atraídos
por sua grande suntuosidade.
“Da mesma sorte, o templo espiritual de Deus, que não é outro
senão a Bem-aventurada Virgem Maria, pura de qualquer mancha,
resplandece sobre todos os templos dos Santos, e por isso devemos
honrá-La e amá-La mais que a todos eles” 6.

6)  KEMPIS, Tomás de. La Imitacion de Maria. Barcelona: Regina, 1956. p. 63-64.

216
Sexta  Vós sois o templo da Trindade...

Templo erigido pelo poder divino


Em São Boaventura encontramos uma bela e eloquente considera-
ção sobre Nossa Senhora, enquanto templo da Santíssima Trindade:
“Entende-se por templo o seio virginal [de Maria], em que toda a
Divindade habitou corporalmente; por isso se chama retamente tem-
plo de Deus fabricado pelo poder divino, adornado pela divina sabe-
doria, dedicado pela graça de Deus e cheio de sua presença. E, na ver-
dade, sua fabricação se atribui ao poder do Pai; seu ornato, à sabedo-
ria do Filho; sua dedicação, à graça do Espírito Santo, e sua plenitude,
à presença do Verbo Encarnado.
“Com efeito, a Virgem Maria é, primeiramente, templo fabricado
pelo poder de Deus, segundo o que insinua o Espírito Santo no capí-
tulo VII do livro terceiro dos Reis, onde se diz que «completou Hirão
toda a obra do Rei Salomão no templo do Senhor». Porque a obra do
Rei Salomão no templo do Senhor significa o assumir da carne pelo
Verbo no seio virginal, obra que, segundo o texto, a completou Hirão.
Hirão quer dizer atento à criação, e significa a Deus Padre, Criador
do Céu e da Terra, que, como produziu todas as coisas sem auxílio de
ninguém, do mesmo modo, com seu imenso poder, formou o corpo
de Cristo nas entranhas virginais sem ajuda nem intervenção humana.
A isto se alude claramente no capítulo V do livro primeiro de Esdras,
em que, a respeito do templo, se diz que o levantou «um Rei de Israel,
grande e poderosíssimo». E o modo de edificá-lo se insinua no capítu-
lo VI do livro terceiro dos Reis, onde se diz que, «quando a casa se edi-
ficava, não se ouviu martelo, nem machado, nem instrumento algum de
ferro». E que outra coisa quer dizer isto, senão que a onipotência divi-
na, sem o ruído de humana operação, fez a Virgem Maria templo do
Filho de Deus?

Templo adornado pela divina sabedoria


“Em segundo lugar, é templo a quem a divina sabedoria adornou,
podendo-se aplicar a Ela o que diz o capítulo IV do livro primeiro dos
Macabeus: «E adornaram a fachada do templo com coroas de ouro».
Por fachada, com efeito, entende-se a mente; por brilho do ouro, o
conhecimento, e por coroa, a eternidade. E, na verdade, a fachada do
templo foi adornada com coroas de ouro quando a mente da Virgem
foi iluminada para conhecer as coisas eternas; escreve-se no capítulo

217
Nossa Senhora
é o resplandecente
templo erigido
pelo poder divino

Catedral e Imagem de Notre


Dame de Paris
Sexta  Vós sois o templo da Trindade...

XXI do Eclesiástico: «A ciência é para o homem prudente um ornamen-


to de ouro». Por conseguinte, como a Mãe de Deus foi Virgem pruden-
tíssima, assim, como com áureos adornos, foi enriquecida de muitas e
admiráveis maneiras pela divina sabedoria, como bem se expressa no
capítulo VI do livro terceiro dos Reis: «Não havia parte alguma dentro
do templo que não estivesse coberta de ouro»; e pouco depois: «Cobriu
também de ouro os Querubins. E fez adornar todas as paredes ao redor
do templo com várias molduras e relevos».

Templo dedicado pela divina graça


“Em terceiro lugar, é também templo dedicado pela divina graça,
segundo se insinua no capítulo VII do livro segundo dos Paralipôme-
nos, onde se diz: «Salomão consagrou também o meio do átrio dian-
te do templo do Senhor». No qual se nos dá a entender que a graça
da santificação desceu sobre a Virgem com tanta abundância, que A
santificou e adornou, não só interiormente, quanto à alma, mas tam-
bém exteriormente, quanto ao corpo, segundo as palavras do Anjo no
capítulo I de São Lucas: «O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude
do Altíssimo te cobrirá com sua sombra». E é que, pelo fogo do divi-
no amor, foi dilatada e aperfeiçoada na graça, coberta da virtude do
Altíssimo e purificada de toda concupiscência. E isto é o que insinua
o Espírito Santo no capítulo II do livro segundo dos Macabeus: «Ofe-
receu Salomão o sacrifício da dedicação e santificação do templo». Na
oferta desse sacrifício desceu fogo do céu e uma nuvem encheu o tem-
plo, segundo se diz no capítulo VII do livro segundo dos Paralipôme-
nos, no que se nos dá a entender o incêndio da graça do Espírito San-
to e a sombra da virtude do Altíssimo, por cujo concurso foi dedicada
a Virgem Maria para ser idôneo templo de Cristo.

Templo cheio da divina presença


“Por fim, a Virgem é templo cheio com a divina presença, confor-
me se diz no capítulo 6 de Isaías: «Vi o Senhor sentado sobre um alto e
elevado trono, e as franjas do seu vestido enchiam o templo. Os Serafins
estavam por cima do trono», etc. O que estava por debaixo do Senhor
e sobre os Serafins e o que enchia o templo, senão a humanidade do

219
Vós sois o templo da Trindade...  Capítulo 4

Filho de Deus? Esta tomou com sua presença as entranhas da sacra-


tíssima Virgem, e, em consequência, todo o mundo. Por este motivo se
diz: «Estava cheia toda a Terra de sua glória». Porque a plenitude que
teve a Virgem redundou para toda a Igreja, e por isso os Santos de
todo o universo cantam no Salmo: «Experimentamos, ó Deus, tua mise-
ricórdia no meio de teu templo». Esta misericórdia é Cristo, anelado
por todos os Santos, ao clamar: «Mostra-nos, Senhor, tua misericórdia e
dá-nos tua salvação», ou seja, teu Jesus. Simeão recebeu em seus bra-
ços esta misericórdia na metade do templo, recebida antes pela Vir-
gem Maria em seu seio.
“E como quer que a misericórdia é o único caminho que os miserá-
veis hão de seguir para sair de sua miséria, daí que devemos recorrer
à misericórdia da Virgem Maria, como a porta de nossa salvação” 7.

Complemento da Santíssima Trindade


Considerando esse íntimo comércio estabelecido entre as três Pes-
soas Divinas e Nossa Senhora, é oportuno recordarmos aqui o título
com o qual o santo Patriarca Hesíquio de Jerusalém (séc. VIII) honra
a Virgem Maria: ele A chama Complemento da Santíssima Trindade 8.
O Pe. Jourdain assim interpreta a doutrina daquele santo Patriar-
ca: “Precisaria Deus de algum acabamento? Faltava-Lhe algo à sua
infinita perfeição? Seria uma blasfêmia dizê-lo. Entretanto, não pode-
mos desprezar a palavra de um santo, palavra que os séculos acolhe-
ram com respeito e repetiram com amor, para glorificar Maria. Procu-
remos então qual é o verdadeiro significado, e o que se deve entender
por este acabamento, esta perfeição nova que Maria confere à santís-
sima e adorabilíssima Trindade. [...]
“[Para Hesíquio], as três adoráveis Pessoas da Santíssima Trindade
encontraram sua morada em Nossa Senhora.
“O Pai habita em Maria que imita sua fecundidade e produz, como
Ele, seu Filho único que possui, no seio virginal de sua Mãe, as mes-
mas grandezas, a mesma divindade que no seio de seu Pai.

7)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. p. 695-699.


8)  Cfr. JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 56.

220
Sexta  O puro encanto dos Anjos...

“O Filho habita em Maria: Ela é sua Mãe. Não pareceu a Ele por
demais estreita esta morada, para nela residir pessoalmente durante
nove meses inteiros.
“O Espírito Santo também fez d’Ela sua morada, para cumulá-La
com a abundância de todas as suas graças.
“O pensamento de Hesíquio não era, pois, que Maria acrescentava
alguma coisa às grandezas de Deus, e dava um novo brilho às Pesso-
as Divinas. Sabia ele muito bem que a augusta Virgem recebia tudo da
gratuita bondade do Senhor. Suas palavras — totius Trinitatis comple-
mentum — podem então explicar-se no sentido de que Maria é a obra
por excelência da Santíssima Trindade; que cada uma das três adorá-
veis Pessoas, por assim dizer, esgotou em favor d’Ela seus tesouros de
sabedoria, de bondade e de poder” 9.

@ O puro encanto dos Anjos


Comprazem-se os autores católicos em assinalar a admiração e o
entusiasmo dos Anjos, ao contemplarem estes a Imaculada Concei-
ção, o nascimento, a existência terrena e a gloriosa Assunção de Nos-
sa Senhora aos Céus.
Com efeito, “segundo alguns teólogos, a Encarnação do Verbo de
Deus foi o sinal que dividiu os Anjos bons dos maus, tornando aqueles
eternamente bem-aventurados e benfazejos, e estes eternamente infe-
lizes e fautores de todo mal contra os homens que, crendo em Cristo
e observando-Lhe a Lei, irão ocupar no Céu, os lugares por eles dei-
xados vazios. Assim, se para os Anjos bons há imensa alegria devi-
da a cada pecador que se arrepende e faz penitência, qual regozijo
não deve ter havido entre eles ao verem na Conceição Imaculada de
Maria, aproximar-se a hora da Redenção?
“Qual satisfação não devem ter sentido pelo fato de ter Maria San-
tíssima, nessa hora, esmagado a cabeça orgulhosa da serpente, auxi-
liando-nos com as graças obtidas de seu Filho, e assim conseguindo
elevar à santidade os membros da Igreja Triunfante?” 10

9)  Idem, p. 56-57.


10)  Do PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português
com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 120-122.

221
O puro encanto dos Anjos...  Capítulo 4

Cheios de júbilo, os Anjos saúdam a


Imaculada Conceição
Em análogos termos, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira também se
refere à felicidade que sentiram os Anjos, quando da Imaculada Con-
ceição de Maria Santíssima:
“Em virtude do singular privilégio de sua Imaculada Conceição,
Nossa Senhora teve, no primeiro instante de seu ser, um inteiro e lúci-
do conhecimento de Deus, e já aí Lhe manifestou o ato de amor mais
perfeito que até então fora dado ao Criador. Ela O adorou, rendeu-
Lhe graças e Lhe ofereceu uma reparação pelos pecados dos homens.
“E esse cântico da Santíssima Virgem, que foi um cântico novo,
essa elevada e inigualável oração representou, para os Anjos bons, a
primeira entrada de sua Rainha na corte celestial. Donde se poder
imaginar com que transportes de alegria eles saudaram a Imaculada
Conceição!” 11

Alegria dos Anjos, pelo nascimento de


Nossa Senhora
E São João Eudes nos fala do extraordinário gáudio que encheu o
mundo angélico, por ocasião do nascimento de Nossa Senhora:
“Estas alegrias foram universais; porque o Céu, a Terra, o [Purga-
tório], os Anjos, os homens, o Criador e todas as criaturas nelas toma-
ram parte. Que festa, que júbilo para todos os Anjos ao verem nascer
Aquela que Deus lhes deu a conhecer como o meio pelo qual seriam
reparadas as ruínas que o pecado produziu entre eles!” 12
Ainda a respeito da alegria dos Anjos com o nascimento da Santís-
sima Virgem, outro insigne mariólogo comenta: “[Eles], que desde o
princípio de sua criação conheciam o futuro mistério da Virgem; que
A esperavam e de longe A saudavam como sua Rainha [...], que entu-
siasmo não sentiram ao verem brilhar esta estrela da manhã, e ao pen-
sar que seriam os mensageiros de suas graças e os missionários de sua
clemência?

11)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 7/12/1966. (Arquivo pessoal).


12)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 96.

222
Sexta  O puro encanto dos Anjos...

“Ah, se os Anjos entoaram seus louvores sobre o pobre estábulo de


Belém, não haveriam de se rejubilar, quando viram surgir a aurora da
libertação, através da nuvem celeste que logo faria chover o Justo?” 13

Os coros angélicos festejam as grandezas de Maria


Os ilustres autores do Tesouro de Oratória Sagrada assim nos apre-
sentam o encanto dos espíritos celestiais, diante da Santíssima Vir-
gem:
“Nunca se poderá negar que Maria é superior aos Anjos em gra-
ça e em glória. E, por isso mesmo, também não se poderá negar que,
sob ambos aspectos, deve-se chamar Rainha de todas as inteligências
angélicas. [...]
“E os Anjos que A vêem constituída, por sua glória e por sua gra-
ça, sobre a esfera deles, arrebatados pela divina beleza que resplan-
dece em seu rosto, e submissos ante a divina grandeza de que está Ela
revestida, executam seus mandatos, veneram seu nome e celebram
sua dignidade.
“Não por isso se pense que somente quando os Anjos viram a
Maria no Céu e sentada no trono da glória, A saudaram como Rainha.
Não. Desde o primeiro instante de sua vida já Lhe tributaram os devi-
dos obséquios, pelo fato mesmo de que, desde então, transportados
em êxtase de admiração, suspiravam por esta Mulher singularíssima,
que embora vinda de um deserto, se apresentava cheia de graça e de
grandeza. Por conseguinte, perguntando-se uns aos outros, e pedindo-
se mutuamente a explicação deste grande acontecimento, deste fato
único nos anais dos fatos mais extraordinários e solenes, desta indizí-
vel maravilha, exclamavam (Cânt. VIII, 5): «Quem é esta que sobe do
deserto, inebriada de delícias?» [...]
“Assim, se ainda quando Maria andava como peregrina pelos áspe-
ros caminhos deste vale de misérias, os Anjos Lhe serviram de criados
e de ministros, o que não farão agora, que A vêem ascender da Ter-
ra ao Céu, e aí colocada esplendidamente sobre todas as suas ordens
e coros? [...]
“Reconhecendo-A por Rainha, dançam em sua presença os Anjos,
aplaudem-Na os Arcanjos, as Virtudes A glorificam, os Principados

13)  THIÉBAUD. Les Litanies de La Sainte Vierge expliquées et commentées. 3. ed. Paris:
Jacques Lecoffre, 1864. Vol. I. p. 138.

223
Agasalho da castidade...  Capítulo 4

A enaltecem, regozijam-se as Dominações, alegram-se as Potestades,


festejam-Na os Tronos, cantam-Lhe louvores os Querubins e celebram
seus privilégios os Serafins!” 14

@ Agasalho da castidade
Modelo de castidade
“Depois da queda de Adão — escreve Santo Afonso de Ligório —,
rebelaram-se os sentidos contra a razão, e não há para o homem mais
difícil virtude a praticar do que a castidade. Conforme o Pseudo-Agos-
tinho, por ela se luta todos os dias, mas raramente se ganha a vitória.
Contudo, o Senhor nos deu em Maria um grande modelo dessa virtu-
de.
“Ela, com razão, é chamada Virgem das virgens, lemos em San-
to Alberto; e isso porque sem conselho, nem exemplo de outros, foi
a primeira a oferecer sua virgindade a Deus. [...] Sem conselho nem
exemplo, digo eu, firmado em São Bernardo.
“Ó Virgem — pergunta o Santo — quem Vos ensinou a agradar a
Deus pela virgindade, levando na Terra uma vida angélica? Ah! tor-
na o Pseudo-Jerônimo, certamente Deus escolheu para sua Mãe esta
Virgem puríssima, para que servisse a todos de exemplo de castidade.
Eis a razão por que Santo Ambrósio a chama de porta-bandeira da vir-
gindade” 15.

Aquela que sempre inspira castidade


Um piedoso autor do século XIX assim descreve a castidade de
Nossa Senhora: “A Virgem Maria conservou durante toda a sua vida
uma puríssima castidade. [...] Nunca teve Ela o mais leve pensamento,
ainda que breve e fugaz, nem imaginação, nem desejo, nem pendor,
nem primeiríssimo movimento na alma que fosse ou pudesse chegar a
ser contrário à formosa virtude.

14)  TESORO DE ORATORIA SAGRADA. 2. ed. BULDÚ, Ramon (Dir.). Barcelona:


Pons, 1883. p. 323-324; 326-328 e 330, Vol. IV..
15)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 348-349.

224
Protetora da Castidade

Quando Santo Edmundo de Cantuária atingiu os últimos


dias de sua adolescência, resolveu ele se consagrar a Deus
pelo voto de castidade perpétua. Contudo, antes de abraçar
tão elevado desígnio, o jovem estudante quis tomar conselho
de um homem de Deus.
“— Se desejais, disse-lhe seu santo diretor, vencer os ata-
ques das tentações, e vos preservar de toda mancha, consa-
grai-vos à Mãe de misericórdia, e uni-vos a Ela por eternos
compromissos. Vossa perseverança no amá-La e servi-La,
será para vós um penhor de inocência e de salvação».
“Enternecido e consolado, Edmundo se dirigiu ao altar da
divina Rainha das virgens e depositou aos pés de sua imagem
dois anéis, ao redor dos quais ele fizera gravar a saudação
angélica. Depois disso, ajoelhou-se e pronunciou o voto de
castidade perpétua. Em seguida, tomou um dos dois anéis, e,
como testemunho de seus juramentos e de inviolável alian-
ça, colocou-o no dedo da santa imagem. Ele guardou o outro
para si, enfiando-o no seu dedo...
“Esse anel se tornou sagrado para o santo jovem, que o
quis conservar até à morte, como sinal de sua indissolúvel
união com a Rainha das virgens.
“Elevado, mais tarde, à sede de Cantuária, não quis ele
outro anel pontifical, e, após sua morte, encontram este ain-
da em seu dedo. A imagem que tinha sido testemunha de
seus castos compromissos, a partir de então foi sempre con-
servada como preciosa relíquia.”

BERLIOUX. Mois de Marie. 114. ed. Arras:


Brunet, 1875. p. 234-235.
Agasalho da castidade...  Capítulo 4

“Manteve Ela, sempre, todos os seus pensamentos, afetos e desejos


fixos e absortos em Deus. [...] De onde nasceu em Maria aquela serena
compostura, aquela suave modéstia, aquela casta gentileza em seu sem-
blante e em toda a sua pessoa, que arrebatava o coração só de olhá-La; [...]
aquele atraente candor que admiramos em suas imagens, e que basta, ami-
úde, para operar entre os infiéis e entre os mais endurecidos pecadores,
milagrosas conversões; que basta para pôr em fuga o demônio, para rejei-
tar todo afeto e desejo, toda imaginação e pensamento menos honesto.
“Fixai os olhos numa imagem do Crucificado e vos inspirará com-
punção. Fixai-os numa imagem de Maria, e percebereis brotar em vos-
so coração sentimentos e afetos de castidade. Nunca pôde nada con-
tra Maria o hálito pestilencial do demônio, cuja orgulhosa e asquero-
sa cabeça Ela esmagou” 16.

Castidade vitoriosa
Com belas palavras, o Pe. Thiébaud apresenta-nos a castidade de
Nossa Senhora como fonte dos grandes triunfos do cristianismo:
“É sob o patrocínio da Virgem que a castidade invadiu de súbito
todo o universo, e que esta virtude não apenas povoou os santuários
e os desertos de uma nova raça, mas também se espalhou pelo mun-
do, produzindo, com inesgotável e juvenil fecundidade, gerações cas-
tas. Poucos anos depois do exemplo de Maria, Roma, segundo expres-
são de Santo Ambrósio e de Tertuliano, contava já em seu seio todo
um povo de virgens — Plebem pudoris. [...]
“A Virgem Maria foi a primeira que se consagrou a Deus por um
voto de castidade perpétua.
“Esse corajoso exemplo produziu, e continua a produzir todos os
dias, na Igreja, Anjos de virtude que se lançam com confiança nesse
caminho novo, e que realizam, palmilhando-o, o prodígio das paixões
extintas, das inteligências esclarecidas, das fraquezas vencidas e das
vontades divinamente inabaláveis. É à virtude da castidade da qual a
Virgem Maria é o primeiro modelo, que o cristianismo deve seus mais
belos triunfos e suas mais esplêndidas vitórias” 17.

16)  CAVATONI, Angel. Letanía de la Santísima Virgen. Barcelona: Litúrgica Española,


1953. p. 91.
17) THIÉBAUD. Les Litanies de La Sainte Vierge expliquées et commentées. 3. ed. Paris:
Jacques Lecoffre, 1864. Vol. I. p. 264-265.

226
Sexta  Sois o consolo dos tristes...

Castidade contra-revolucionária e misericordiosa


À luz dos princípios de “Revolução e Contra-Revolução”, o Prof.
Plinio Corrêa de Oliveira traça-nos este elogio d’Aquela que é o Aga-
salho da castidade:
“A sensualidade é, juntamente com o orgulho, uma das molas pro-
pulsoras da Revolução. Em sentido oposto, Nossa Senhora, Rainha e
Arquétipo dos contra-revolucionários, praticou as virtudes da humil-
dade e da castidade em grau inimaginável.
“O que dizer da pureza d’Aquela que foi imaculada desde o primei-
ro instante de seu ser? D’Ela brota para toda a Humanidade, como de
uma fonte inexaurível, a virtude da castidade. E porque incompara-
velmente pura, Ela é, mais do que ninguém, a protetora dos fracos, o
socorro dos que se debatem nas tentações da carne. Engano seria pen-
sar que, por ser Ela castíssima, Nossa Senhora tem invencível horror
aos impuros. Ela tem, sem dúvida, aversão ao pecado de impureza, mas
se compadece daquele que o comete, e deseja a emenda e a salvação
deste infeliz.
“Ela está pronta a se inclinar sobre o mais miserável dos homens, e
lhe dizer: «Meu filho, em que pântano caíste?! Entretanto, continuo sendo
tua Mãe, e por isso me curvo até ti, por mais baixo que tenhas caído. Até aos
extremos de tua fraqueza chega minha misericórdia, disposta a te salvar»” 18.

@ Sois o consolo dos tristes

Consolo e exemplo que alivia as tristezas


Entre as principais manifestações da misericórdia de Nossa Senho-
ra encontra-se o consolo que Ela prodigaliza aos homens atribulados.
Ouçamos o que sobre isso nos diz um dos grandes mariólogos do sécu-
lo XX, Fr. Garrigou-Lagrange, O. P.: “Consoladora dos aflitos, Nossa
Senhora o foi já durante sua vida terrena: em relação a Jesus, sobretudo
no Calvário; em relação aos Apóstolos, depois da Ascensão, em meio às
imensas dificuldades que eles encontraram para a conversão do mundo
pagão. Ela lhes obteve de Deus, o espírito de força e uma santa alegria

18)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 26/5/1972; 12/7/1991 e 25/9/1990.


(Arquivo pessoal).

227
Sois o consolo dos tristes...  Capítulo 4

no sofrimento. Durante a lapidação de Santo Estevão, primeiro mártir,


Ela o deve ter assistido espiritualmente, com suas orações.
“Nossa Senhora, vendo tudo o que ameaçava a Igreja nascente,
permanecia firme, guardando um semblante sempre sereno, expres-
são da tranquilidade de sua alma, de sua confiança em Deus. A tris-
teza não se apoderava jamais de seu coração. O que conhecemos da
força de seu amor a Deus faz pensar, dizem piedosos autores, que Ela
permanecia alegre nas aflições, que não se lamentava da indigência e
do despojamento, e que as injúrias não podiam tisnar os encantos de
sua doçura. Só com seu exemplo, Ela aliviava sobremaneira os infeli-
zes acabrunhados de tristeza. [...]

Consoladora dos indigentes de corpo e de alma


“O Espírito Santo é chamado Consolador, sobretudo porque Ele faz
derramar lágrimas de contrição, que lavam nossos pecados e nos devol-
vem a alegria da reconciliação com Deus. Pela mesma razão, a Santa Vir-
gem é consoladora dos aflitos, fazendo com que estes chorem santamen-
te suas faltas. Não somente Ela consola os pobres pelo exemplo de sua
pobreza e por seu socorro, mas é particularmente atenta à nossa pobre-
za oculta: Ela compreende a secreta penúria de nosso coração e nesta nos
assiste. Ela tem conhecimento de todas as nossas necessidades, e propor-
ciona o alimento do corpo e da alma aos indigentes que o imploram.

Consoladora dos agonizantes e das almas


dos fiéis defuntos
“Ela consola os cristãos durante as perseguições, liberta os posses-
sos e as almas tentadas, salva da angústia os náufragos; Ela assiste e
fortifica os agonizantes, recordando-lhes os méritos infinitos de seu
Filho. Ela recebe também as almas após a morte. São João Damasce-
no diz em seu sermão sobre a Assunção: «Não é a morte, ó Maria, que
Vos tornou bem-aventurada, sois Vós que a embelezastes e a tornastes
graciosa, despojando-a do que ela tinha de lúgubre».

228
Sexta  Sois o consolo dos tristes...

“Ela suaviza os rigores do Purgatório, e obtém para aqueles que aí


sofrem, as orações dos fiéis, aos quais Ela inspira o fazerem celebrar
missas pelos defuntos” 19.

Inesgotável tesouro de consolação


Ainda sobre essa maternal prerrogativa de Nossa Senhora, lemos
em Santo Afonso de Ligório: “Assim fala São Germano à Mãe de
Deus: Ó Maria, quem, depois de vosso Divino Filho, se interessa por
nossa felicidade mais do que Vós? Quem nos consola em nossas afli-
ções, como Vós?
“Não, responde Santo Antonino, nenhum santo há que tome par-
te em nossas misérias, mais do que esta compassiva Rainha. E como as
enfermidades de alma são as que mais nos afligem, o Bem-aventurado
Henrique Suso dá a Maria o título de fiel Consoladora dos pecadores.
Basta que Lhe manifestemos as chagas de nossa alma, e logo Ela nos
ajuda com seus rogos e nos consola” 20.
E o Pe. Berlioux, por seu lado, comenta: “Para podermos aliviar o
próximo, cumpre que tenhamos passado, nós mesmos, por provações.
A esse título, que consolações não estamos no direito de esperar de
Maria, que foi a mais aflita de todas as mulheres, e que a Igreja chama
a Consoladora dos infelizes! [...]
“Nosso Senhor Jesus Cristo dizia: «Vinde a Mim, vós todos que
andais cansados e acabrunhados, e Eu vos aliviarei». Sua terna Mãe
possui a mesma linguagem. Ademais, podemos afirmar que o próprio
Jesus Cristo não deseja aliviar os aflitos senão por meio de Maria.
“Inesgotável tesouro de consolação, não existe mal que Ela não
saiba suavizar ou curar, nem miséria de que Ela não se compadeça,
nem lágrimas que Ela não estanque, nem almas aflitas no fundo das
quais Ela não faça brilhar um raio de esperança. «Ela é — diz São João
Damasceno — este hospital público que Deus abriu a todos os gêneros
de sofrimentos e de misérias que nos acabrunham; no qual, se não se é
sempre curado, encontra-se ao menos algum alívio para seus males».

19)  GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure. Pa-


ris: Du Cerf, 1948. p. 273-275.
20)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Oeuvres Complètes. 10. ed. Tournai: Casterman, 1880.
Vol. VIII. p. 198.

229
Para todos os que A invocam,
é Maria inesgotável fonte
de consolo e fortaleza
Nossa Senhora da Consolata
Sexta  Sois o consolo dos tristes...

“E qual é aquele dentre nós que, no momento da aflição, não expe-


rimentou cem vezes o misterioso efeito da proteção de Maria? Por
quantos meios sua materna solicitude não nos veio estender a mão e
nos sustentar em nosso abatimento? Mal terminamos a oração que
Lhe dirigimos, e logo A sentimos perto de nós, boa, afetuosa, sorri-
dente. E quanto maior é o nosso mal, tanto mais Ela nos faz bem!” 21

Decisão e fortaleza dos aflitos


Fonte de consolo e de fortaleza, Nossa Senhora o é, sobretudo,
para os que pugnam nas fileiras da Igreja Militante. É o que nos ensi-
na o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“A condição do católico, nesta terra, é «suspirar, gemer e chorar»,
como dizemos na Salve Regina. E um de nossos gemidos é a luta con-
tra os adversários da Santa Igreja e os inimigos — espirituais e huma-
nos — de nossa salvação. É o gemido por ter de tomar a iniciativa de
combatê-los, de não ceder nunca, de estar continuamente batalhan-
do, sem desfalecimento. Por isso devemos recorrer sempre a Nossa
Senhora, Mãe de Misericórdia e Consoladora dos Aflitos.
“Consolar não é apenas enxugar o pranto de quem chora. É muito
mais do que isso. É também dar força, ânimo e decisão. Pode-se, por-
tanto, dizer que Nossa Senhora é a Decisão dos Aflitos.
“Em meio às suas aflições, o homem facilmente se acabrunha e
se entristece de modo excessivo, perde a coragem e se deixa dominar
pelo desânimo. Nossa Senhora pode, magnificamente, atenuar-lhe os
sofrimentos. Contudo, o maior benefício que Ela concede ao homem
aflito, não é o de suavizar as dores que ele tem de enfrentar, mas o de
lhe dar forças para suportá-las.
“Nada, portanto, de uma piedade unicamente lacrimosa e passiva.
Se estamos gemendo e chorando, devemos imitar a Nosso Senhor no
Horto das Oliveiras: peçamos forças para arrostar o perigo, o risco e
a luta que estão diante de nós. E Nossa Senhora então nos consolará,
dizendo-nos:
«Filho, ânimo! Eu te concedo forças para lutar. No Céu serão pagos
os teus sofrimentos, e serão recompensadas em glória todas as cruzes que
tiveres de carregar sobre os ombros. Coragem, e anda para frente!»

21) BERLIOUX. Mois de Marie. 114. ed. Arras: Brunet, 1875. p. 154-158.

231
Alegria dos devotos de Maria;
tristeza dos que A renegam

Escrevendo em meados do século XIX, o Pe. Ventura de Rau-


lica, antigo geral dos Teatinos, estabeleceu um interessante con-
fronto entre a alegria dos católicos, devotos de Nossa Senhora,
e a infelicidade dos protestantes, avessos Àquela que é o conso-
lo dos tristes:
“Um dos preciosos efeitos do culto a Maria é aumentar, nos
que o praticam, a fé, a esperança e a caridade, e de outorgar a
estas virtudes, que constituem o cristão, um peculiar encanto e
uma espécie de atividade, de poder e de vida. Assim, pois, como
a paz da alma é proporcionada ao vigor e à firmeza de ditas vir-
tudes, é evidente que o culto a Maria é e deve ser uma fonte de
contentamento para a alma fiel. [...]
“[Com efeito], uma das características próprias das popula-
ções católicas e que as distingue das protestantes ou incrédulas,
é a alegria. Percorra-se a Espanha, a Itália, a Irlanda e a Fran-
ça, e se notará a alegria em toda a parte. Ao passo que o viajante
que visita a Alemanha ou a Suíça, a Inglaterra ou a Holanda pro-
testantes, fica surpreendido ao ver certo ar sombrio, pensativo,
receoso, pintado em todas as fisionomias, como uma nociva exa-
lação de um corpo enfermo. Ar que se considera como serieda-
de, não sendo outra coisa que tristeza. [...]
“Os protestantes se vangloriam de seu recolhimento no tem-
plo, e nos censuram o ar gaudioso com que estamos em nossas
igrejas. Porém, bem considerado, esse recolhimento não é outra
coisa que a taciturnidade do temor, enquanto que a alegria dos
católicos é a expansão do amor. [...]
“Os protestantes tiraram das igrejas, de que nos despoja-
ram, as imagens de Maria e, pouco depois, as de Jesus Cris-
to. [...] Esta viuvez dos templos de todo objeto religioso, encon-
tra-se [também] nas cidades [daqueles hereges]: nem uma cruz,
nem uma imagem da Mãe de Deus, nem um sinal que revele ao
estrangeiro que seus pés pisam um solo cristão. Em vista disto,
logo entendemos o afã de ditas populações para ganhar dinhei-
ro por todos os meios, e proporcionar-se as comodidades e delí-
cias da Terra, como homens deserdados das esperanças do Céu;
e a rudeza de caráter, o espírito de desconfiança, o ar inquieto e
sério que se revela em suas conversações e em suas maneiras, e
que não são outra coisa senão sintomas da tristeza habitual do
coração.
“Ao contrário, ali onde o sinal da Redenção, as estátuas e a
imagem da Virgem, que são suas companheiras inseparáveis,
não ficaram apenas nas igrejas, mas nas ruas, nas praças e nos
caminhos públicos; ali onde esses emblemas da fé, da esperança
e do amor anunciam ao viajante populações católicas, notamos
mais franqueza, mais simplicidade, mais respeito ao homem,
mais aspiração à verdadeira liberdade de espírito e à paz do cora-
ção, e, sobretudo, mais alegria. [...]
“Esta virtude do culto à Santa Virgem, de inspirar júbilo aos
povos cristãos, está consignada e proclamada eloquentemen-
te na liturgia da Igreja. Esta, na Ladainha Lauretana, chama a
Maria Causa de nossa alegria. As festas de Maria são sempre
um objeto de gáudio para o povo cristão. [...] Com efeito, os ver-
dadeiros católicos sabem muito bem que, ao se aproximarem as
solenidades da Santa Virgem, toda alma cristã se sente melhor, e
a recordação de suas grandezas e de seus privilégios, bem como
a contemplação de suas imagens e a invocação de seu nome,
fazem vibrar o coração com a mais pura alegria.”

RAULICA, Ventura de. Tratado sobre el culto de la


Santísima Virgen. Madrid: Leocardio Lopez, 1859.
p. 195-96, 200-201, 204-208.
Horto da alegria cara...  Capítulo 4

“Essa é, propriamente, a consolação. Ou seja, um fortalecimento


que Nossa Senhora proporciona àqueles que necessitam de vigor e de
ânimo para os combates da vida” 22.

@ Horto da alegria cara


Horto de que Deus faz suas delícias
“Na primeira página da história do gênero humano, encontramos
descrita, em resplendentes cores, a magnificência daquele Éden de
delícias em que foram postos, logo depois de criados por Deus, nos-
sos progenitores. Naquela morada amena, tudo era ordem e bele-
za; aos campos ricos de messe, sucediam-se prados verdejantes, bos-
ques frescos e jardins perfumados. Um rio limpidíssimo, dividindo-
se em outros rios menores, corria a regar e tornar fecundo o terre-
no; enquanto no meio do jardim se erguia a majestosa árvore da vida,
cujos frutos, como seu próprio nome diz, tinham a virtude de manter
afastada dos homens a morte.
“Ora, quem não vê nesse Éden um símbolo gentilíssimo de Maria?
Não foi Ela, com efeito, um místico jardim, adornado de flores per-
fumadas, isto é, de santos pensamentos e afetos, e repleto dos frutos
das boas obras? Um verdadeiro rio de graças não irrigou sempre sua
alma? Não nasceu d’Ela a árvore da verdadeira vida, Jesus?” 23
Portanto, “foi a Virgem Maria criada de maneira especial, para
constituir as delícias do Senhor. Oh! que louvor e que elogio o des-
te horto! Todas as coisas as fez o Senhor para si mesmo, porém não por
sua utilidade, como diz Santo Agostinho, mas por sua bondade. Em
nenhuma criatura aparece e brilha isto com mais claridade do que na
Virgem. Deus A elegeu e formou para Mãe sua, para casa e morada
sua, a fim de n’Ela se fazer homem O que não pode ser feito.
“Ó Senhor, Tu te comprazes em tua feitura e te regozijas nas obras
de tuas mãos; porém em nenhuma parte descansas como em teu hor-
to. Ó verdadeiro paraíso de delícias, no qual passeia Deus ao meio-
dia! Ó ditoso horto, que tão ditoso fruto deu! Bendito é o fruto de teu
ventre” 24.
22)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 22/5/1965 e 5/9/1970. (Arquivo
pessoal).
23)  ROSCHINI, Gabriel. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 37-38.
24)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 283-284.

234
Sexta  Horto da alegria cara...

Verdadeiro Paraíso Terrestre do novo Adão


Deleitável e formosíssimo Éden do Filho de Deus! Tal é o apanágio
de Nossa Senhora, assim evocado por São Luís Grignion de Montfort:
“A Santíssima Virgem é o verdadeiro Paraíso Terrestre do novo
Adão, de que o antigo Paraíso Terrestre é apenas a figura. Há, portan-
to, neste Paraíso Terrestre, riquezas, belezas, raridades e doçuras inex-
plicáveis, que o novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou. [...] É neste Paraí-
so Terrestre que está em verdade a árvore da vida que produziu Jesus
Cristo, o fruto de vida. [...] Há um rio de humildade que surge da ter-
ra, e que, dividindo-se em quatro braços, rega todo este lugar encanta-
do: são as quatro virtudes cardeais [de Maria]” 25.

Maria: Paraíso espiritual mais belo que o Éden


Comentando essa passagem do Tratado da Verdadeira Devoção, o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira tece estas sábias e devotas considera-
ções:
“O Paraíso Terrestre era um lugar de maravilhas, de esplendores
e de imensa felicidade, no qual Deus introduziu nosso primeiro pai,
Adão, para que este desfrutasse de todas as delícias que o Criador ali
havia depositado. Porém, Adão e Eva prevaricaram, e foram expulsos
daquele mirífico Éden.
“Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo é considerado, a justo título, o
segundo Adão, isto é, Aquele que veio resgatar a humanidade das
sombras da morte e restabelecê-la no estado de graça, através da imo-
lação que Ele fez de Si mesmo no alto da Cruz.
“E assim como o primeiro Adão, também o segundo teve seu jar-
dim de delícias. Esse Paraíso do novo Adão era Nossa Senhora. Tudo
aquilo que o Paraíso Terrestre tinha de belo e de esplêndido na sua
realidade material, Nossa Senhora o tinha, ainda mais belo e mais
esplêndido, na sua realidade espiritual.
“E Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo nas castíssimas entranhas
de Maria Virgem, teve aí incomparavelmente mais felicidade e con-
tentamento, do que Adão no Éden. Em seu Paraíso, Nosso Senhor
deixou, segundo São Luís Grignion de Montfort, «riquezas, belezas,

25)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-


ma Virgem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 245-247.

235
Horto da alegria cara...  Capítulo 4

raridades e doçuras inexplicáveis». É a idéia de que o Homem-Deus,


durante o tempo sacratíssimo em que Ele se formou no imaculado
seio de sua Mãe, operou n’Ela maravilhas de toda ordem.
“São Luís Grignion recorda, ainda, que «é nesse Paraíso Terrestre»,
ou seja, Maria Santíssima, «que está, em verdade, a árvore da vida que
produziu Jesus Cristo». Havia uma árvore da vida no Paraíso antigo.
Contudo, no Paraíso novo existia uma outra árvore da vida, que pro-
duziu o mais precioso dos frutos, que é o Homem-Deus. Essa imagem
é uma alusão à fecundidade virginal de Nossa Senhora.

Um rio de humildade no Paraíso do novo Adão


“Por fim — prossegue o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira —, está
dito que nesse Paraíso do novo Adão, «há um rio de humildade que
surge da terra, e que, dividindo-se em quatro braços, rega todo este lugar
encantado: são as quatro virtudes cardeais».
“As quatro virtudes cardeais — justiça, temperança, fortaleza e
prudência — são aquelas que regulam todas as ações do homem.
“São Luís Grignion afirma que há em Nossa Senhora um como que
rio de humildade, o qual se abre em quatro braços, isto é, dá origem às
quatro virtudes cardeais.
“Dessa poética figura podemos deduzir que, quem for verdadeira-
mente humilde, esse possui as quatro virtudes cardeais.
“Ora, verdadeiramente humilde é aquele que, antes e acima de
tudo, o é em relação a Deus. A humildade para com o Criador con-
siste em reconhecer o que devemos a Ele, tributando-Lhe nossa enle-
vada e submissa adoração. Consiste, portanto, em sermos para com
Deus, amorosos e filiais paladinos da causa d’Ele — que é a mesma da
Igreja Católica — até o último extremo de nossas forças.
“Portanto, a verdadeira humildade dispõe a alma do homem para
viver num holocausto contínuo em relação a Deus, ao mesmo tempo
que o faz adquirir as quatro virtudes cardeais.
“E assim era a humildade de Nossa Senhora, Paraíso do novo
Adão” 26.

26)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 5/6/1972. (Arquivo pessoal).

236
Sexta  Sois a palma da paciência...

@ Sois a palma da paciência


Símbolo dos triunfos da Santíssima Virgem
“A comparação de Maria com a palmeira vem autorizada pelo uso
litúrgico: «Lancei ao alto os meus ramos como a palmeira em Cades»
(Ecli., XXIV, 18). Neste texto do Eclesiástico, a Sabedoria, tecendo
seus próprios elogios, comparando-se às mais notáveis variedades da
flora palestinense, tem em vista inspirar aos seus admiradores os sen-
timentos de sua grandeza e majestosa beleza. A palma é para os cris-
tãos um símbolo familiar de triunfo. Ora, a Virgem é a grande vitorio-
sa: do mundo, por sua pobreza; do demônio, por sua humildade; da
carne, por sua virgindade.
“Pelejando, pois, invisivelmente todos os dias em nosso favor,
quantos louros não nos consegue também a nós?” 27
Também para São João Eudes é Nossa Senhora simbolizada pela
palma, “a fim de designar sua força e sua paciência nas tribulações, e
todas as assinaladas vitórias que Ela conquistou contra os inimigos de
nossa salvação” 28.

A heróica paciência de Nossa Senhora


Vejamos agora o que nos dizem os autores eclesiásticos a respei-
to da paciência da Santíssima Virgem. Com expressiva unção, escre-
ve o Pe. Rolland: “Existe uma virtude muito pouco compreendida: é
a paciência, que consiste em suportar as aflições sem se deixar abater
por uma exagerada tristeza, sem murmurar, com uma alma submis-
sa e resignada, por motivo sobrenatural (por exemplo, para viver nes-
te mundo seu Purgatório, ou com o intuito de ajuntar méritos para o
Céu). [...]
“Existe uma virtude muito preciosa, muito salutar e muito fecunda:
é a paciência. Ela faz o encanto da vida cristã; ela introduz a calma e a
tranquilidade no coração; ela difunde em torno de si uma atmosfera de

27)  Do PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português


com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 126-127.
28)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 123.

237
Sois a palma da paciência...  Capítulo 4

paz e de felicidade; ela adorna a alma de excelentes e variados méritos;


ela é o princípio de admiráveis recompensas para a eternidade.
“A paciência da Santíssima Virgem, como todas as suas virtudes, foi
heróica. É um perfeito modelo que se oferece à nossa imitação. [...]
“Maria devia sofrer, porque Deus quis fazer d’Ela a obra-prima da
santidade. O elemento indispensável desta, sobre a Terra, é a dor. Assim
como o mármore deve ser duramente golpeado pelo cinzel, para se tor-
nar a magnífica estátua cujo tipo ideal o artista traz em sua alma; assim
como o diamante tem necessidade de ser trabalhado, usado e polido
para adquirir seu brilho e espargir suas cintilações; assim a dor fere a
alma e a trabalha, para dela fazer jorrar os esplendores da santidade.
A dor põe em movimento as mais vitais energias que estão no fundo
dos corações; a dor eleva, enobrece, embeleza, ela incita aos mais belos
devotamentos. Ela alimenta a caridade, acrescenta à virtude uma graça,
um encanto, um fulgor que esta não teria sem a tribulação.
“Todos os Santos sofreram: é a lei constante, sem exceção. Maria,
nos desígnios de Deus, devendo ser a Rainha de todos os Santos, hou-
ve de ser, portanto, mais provada que todos eles. [...]

Paixão do Filho, martírio da Mãe


“Ela sofreu, além de toda expressão, por tudo o que sofreu Jesus
Cristo. Ela O amava de um amor incomparável, como seu verdadei-
ro Filho e como seu Deus. Sua dor tomou a proporção de seu amor.
O que fazia sofrer São Lourenço, era a grelha ardente sobre a qual ele
estava estendido; Santo Estevão, as pedras com as quais foi lapida-
do; os confessores da fé, as prisões, os cavaletes, o dente das feras, as
unhas de ferro, a fome, a sede. Contudo, o amor que tinham a Jesus
suavizava suas penas.
“Para Maria, seu carrasco é o próprio amor ardente que Ela tem
pelo Salvador. É o próprio Salvador que é sua tortura! Segundo a bela
expressão de São Lourenço Justiniano, seu coração é como um espe-
lho animado, onde se refletem e repercutem todos os sofrimentos de
nosso Salvador. As fatigas de Jesus, suas penas, suas tristezas, as per-
seguições, as calúnias de que Ele é objeto, a ingratidão que se aferra
contra Ele, Ela as partilhou numa indizível medida.
“Contudo, o que A fez sofrer no mais alto grau, foi a sangrenta
imolação de seu querido Filho. Foi para Ela o martírio dos martírios.

238
Sexta  Sois a palma da paciência...

“Aquele que está pregado na Cruz, seu Deus, seu Filho, Maria sabe
que Ele deve morrer para a salvação do mundo. E como Ela consen-
tiu no nascimento da Vítima do gênero humano, importa que Ela dê
seu consentimento para sua imolação; cumpre que Ela aceite as dis-
posições da Providência. A um tempo testemunha e sacerdote, sobre
a montanha do Calvário, Ela se uniu ao Padre Eterno para entregar
seu comum Filho ao suplício pela Redenção do mundo, tornando-se,
em meio de indizíveis torturas, a Mãe do gênero humano! Oh! quem
poderá exprimir o excesso de suas dores? [...]

Paciência jubilosa
“[Entretanto], jamais, no meio de suas penas, Ela deixou escapar
o menor murmúrio; nunca se lamentou com amargura; palavras de
recriminação, ainda as mais ligeiras, jamais afloraram em seus lábios.
E em sua alma, nunca o desfalecimento.
“Por certo, sentiu Ela, vivamente, a amargura da tribulação, o peso e
a dureza da cruz. Porém, estava inteiramente resignada às disposições da
Providência. Como seu Divino Filho, em meio às mais terríveis angústias,
Ela dizia: «Ó Pai, que seja feita a vossa vontade, e não a minha!» Fiat!
“Que digo eu, Ela estava resignada? Sua paciência não se conten-
tava com esse grau inferior. Não somente Ela sofria sem revolta, mas
com um pressuroso consentimento. Não Lhe bastava o não rejeitar a
cruz: Ela a acolheu generosamente. Como Jesus, Ela ia ao martírio
com valentia, dizendo: «Levantemo-nos, vamos!» [...]
“À imitação de seu Divino Filho, tinha Ela um insaciável desejo da
cruz! Como Ele, em meio às mais acerbas penas, espantosas angústias
e inexprimíveis dores, Ela superabundava de alegria!
“Como essas montanhas cujos flancos são obscurecidos pelas
nuvens acumuladas, inundados por um dilúvio de chuvas torrenciais,
riscados por horríveis relâmpagos, enquanto o seu cume refulge na luz
e recebe os brilhos e os raios do sol, assim Maria, na parte inferior de
sua alma, sofria um martírio atroz, enquanto na parte superior, por
um admirável prodígio da graça, permanecia na paz e na mais intensa
alegria, inefavelmente feliz de sofrer com Jesus Cristo, pela glória de
Deus e a salvação das almas!” 29

29)  ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910, Vol. I. p. 564-565; 567;
569-573.

239
“Oh! Sublime paciência dos que lutam!”
Sobre a virtude da paciência, da qual nos é perfeitíssimo modelo a
Virgem Maria, comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Paciência é a virtude pela qual se sofre para um bem maior. Paciên-
cia é, pois, a capacidade de sofrer para o bem. Precisa de paciência o
doente que, esmagado por um mal incurável, aceita resignado a dor que
ele lhe impõe. Precisa de paciência aquele que se debruça sobre as dores
alheias, para as consolar como Vós consolastes, Senhor Jesus, os que
Vos procuravam. Precisa de paciência quem se dedica ao apostolado com
invencível caridade, atraindo amorosamente a Vós as almas que vacilam
nas sendas da heresia ou no lodaçal da concupiscência. Precisa também
de paciência o cruzado que toma a cruz, e vai lutar contra os inimigos da
Santa Igreja. É um sofrimento tomar a iniciativa da luta, formar e man-
ter de pé dentro de si sentimentos de pugnacidade, de energia, de com-
batividade, vencer o indiferentismo, a mediocridade, a preguiça, e ati-
rar-se como um digno discípulo d’Aquele que é o Leão de Judá, sobre o
ímpio insolente que ameaça o redil de Nosso Senhor Jesus Cristo.
“Oh! sublime paciência dos que lutam, combatem, tomam a iniciati-
va, entram, falam, proclamam, aconselham, admoestam, e desafiam por
si sós toda a soberba, toda a empáfia, toda a arrogância do vício insolen-
te, do defeito elegante, do erro simpático e popular!
“Vós fostes, Senhor, um modelo de paciência. Vossa paciência não con-
sistiu, entretanto, em morrer esmagado debaixo da Cruz quando vo-la
deram. Conta uma piedosa revelação que, quando recebestes das mãos
dos verdugos a vossa Cruz, Vós a osculastes amorosamente, e, tomando-a
sobre os ombros, com invencível energia a levastes até o alto do Gólgota.
Dai-nos, Senhor, essa capacidade de sofrer. De sofrer muito. De
sofrer tudo. De sofrer heroicamente, não apenas suportando o sofrimen-
to, mas indo ao encontro dele, procurando-o, e carregando-o até o dia
em que tenhamos a coroa da vitória eterna.”

CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Via Sacra [IIª Estação],


in “Legionário” de 6/4/1941.
Com indizível paciência, Nossa Senhora
partilhou a sangrenta imolação
de seu Divino Filho
Nossa Senhora da Piedade
Sois a palma da paciência...  Capítulo 4

Contínuo exercício de paciência


Ainda acerca dessa heróica virtude da Co-redentora, ensina Santo
Afonso de Ligório que, “sendo a Terra lugar de merecimentos, é com
razão chamada vale de lágrimas, porque nós todos aqui fomos postos
para sofrer, e por meio da paciência conquistar a vida eterna para nos-
sas almas. Pois, não disse o Senhor (Lc. XXI, 19): Por vossa paciência
possuíreis vossas almas? Deu-nos Ele a Virgem Maria para exemplo
de todas as virtudes, mas principalmente para modelo de paciência.
“Entre outras reflexões, diz São Francisco de Sales que Jesus, nas
bodas de Caná, só dirigiu à Santíssima Virgem uma resposta, na qual
parecia fazer pouco caso de seu pedido: «Mulher, que nos importa isso,
a Mim e a ti? A minha hora ainda não chegou». Fê-lo para nos dar um
exemplo da paciência de sua Mãe Santíssima.
“Mas, por que citar detalhes particulares? Toda a vida de Nossa
Senhora foi um contínuo exercício de paciência. Segundo a revela-
ção do Anjo a Santa Brígida, a Bem-aventurada Virgem sempre viveu
entre as tribulações. Tal como entre os espinhos viceja a rosa, viveu
assim entre padecimentos contínuos a Mãe de Jesus. Só a compai-
xão com as penas do Redentor foi bastante para torná-La mártir da
paciência. Daí a palavra de São Bernardino de Siena: A crucificada
concebeu o Crucificado. Bastava sua assistência a Jesus moribundo
no Calvário, para fazer conhecer quanto foi constante e sublime sua
paciência. Foi então, precisamente pelos merecimentos de sua paciên-
cia, que se tornou Maria nossa Mãe e nos gerou à vida da graça, diz
Santo Alberto Magno.

Imitemos a paciência de Maria Santíssima


“Se, pois, desejamos ser filhos de Maria, é necessário que nos esfor-
cemos por imitá-La na paciência.
“E qual dos meios é o melhor para aumentar os cabedais de nos-
sos méritos nesta vida e de glória na outra, senão o sofrer os trabalhos
com paciência? «Eu hei de cercar teu caminho com espinhos», é uma
palavra de Deus a Oséias, a qual, na opinião de São Gregório Magno,
tem valor a respeito de todos os eleitos. A cerca de espinhos guarda
a vinha, e assim Deus circunda de tribulações a seus servos, para que

242
Sexta  O cedro da pureza rara...

não se apeguem à terra. De modo que a paciência nos livra do pecado


e do Inferno, conclui São Cipriano” 30.

@ O cedro da pureza rara


Além da elegante folha da palmeira, encontramos outro gracio-
so símbolo da Santíssima Virgem nesta passagem do Eclesiástico
(XXIV,  17): “Elevei-me como o cedro do Líbano”.

Símbolo da inalterável pureza de Maria


“O cedro domina todas as árvores da floresta, ele se alça a extra-
ordinárias alturas; sua madeira é de uma essência incorruptível. Ele
representa a santidade incomparável de Maria, que excede em perfei-
ção a dos Anjos e a dos Santos; e [simboliza] também sua inteira isen-
ção de todo pecado e sua inalterável pureza. [...]
“Pureza completa de corpo, de alma, de pensamentos, de afetos, de
olhares, de palavras e de ações.
“Pureza constante, que nunca padeceu sombra ou eclipse, mas que
sempre brilhou de renovado fulgor: em sua Imaculada Conceição, em
sua natividade, em sua estadia no templo, durante o santo casamento
com São José, até ao último instante passado sobre a Terra.
“Pureza supereminente, [...] de uma sublimidade incomparável. Ela
está tanto acima das meras criaturas humanas, das Ágatas, das Cecí-
lias, das Filomenas, tanto acima do mais santo dos Anjos, quanto o
céu está acima da terra!” 31.

Cedro incorruptível, odorífero e elevado


Nossa Senhora pode ainda ser comparada ao cedro, “porquanto
tem com realidade mais perfeita as qualidades que se atribuem a esta
árvore. São elas: incorruptível pela preservação total do pecado; odo-
rífero pela superabundância das virtudes e dos dons, sempre verde e

30)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 355-356.
31) ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910, Vol. I. p. 161; 536-537.

243
Maria, terra Vós sois, bendita...  Capítulo 4

viçosa pela influência da graça; elevado pela contemplação das coisas


celestes.
“O cedro, sendo imune contra a corrupção, foi empregado na cons-
trução do templo de Jerusalém. Maria é o templo no qual a Divindade
esteve mais intimamente presente que no templo de Jerusalém. Por-
tanto, também por este título merece ser chamada cedro” 32.

Altíssima dignidade e vitoriosa intrepidez


Por fim, consideremos outras duas características de Nossa Senho-
ra enquanto simbolizada pelo cedro. Interpretando a referida passa-
gem do Eclesiástico, escreve São João Eudes: “O Espírito Santo faz
dizer à Virgem que Ela, depois de seu Filho, é semelhante aos cedros
do Líbano, para nos dar a entender a sublime altura de sua dignidade
e santidade” 33.
E o Pe. Jourdain comenta: “Maria foi exaltada em glória e em gra-
ça acima de todas as criaturas. «Elevei-me como o cedro do Líbano»,
disse Ela, cujo odor põe em fuga a antiga serpente, o demônio. Ela se
elevou como o cedro, para lutar contra esse temível inimigo” 34.

@ Maria, terra Vós sois, bendita...


Terra cheia de riquezas e benefícios
Com o presente louvor evocamos, uma vez mais, a relação entre a
Santíssima Virgem e o Paraíso Terrestre.
“A natureza de Maria não se assemelhava à nossa terra ingrata e
amaldiçoada, que não produz senão abrolhos e espinhos, e que, para
nos dar algum fruto, espera que uma fatigante cultura os extirpe de
seu seio; esta terra que tantas vezes desengana nossas esperanças e
que não corresponde a nossos desejos senão com uma desoladora
esterilidade.

32)  Do PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português


com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 127-128.
33)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 123.
34)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 633.

244
Sexta  Maria, terra Vós sois, bendita...

“A natureza de Maria era, pelo contrário, uma terra fecundíssima,


semelhante à que se oferecia aos olhares de nossos primeiros pais,
quando ainda inocentes: posta sob um céu propício, umedecida por
benéfico rocio, coberta de encantadoras messes, ansiosa por distribuir
suas riquezas, por exceder às aspirações deles, sem precisar de seus
trabalhos, não se cansando jamais de lhes prodigalizar tudo que fos-
se necessário” 35.

Terra irrigada por mananciais: a plenitude


de graça em Maria
Segundo o Doutor Seráfico, “a Virgem Maria foi terra muito rega-
da por mananciais, devido à sua plena santificação. Para figurá-La se
diz no capítulo II do Gênesis: «Nem havia homem que cultivasse a ter-
ra. Mas desta saía uma fonte, que regava toda a superfície da terra».
“Essa terra não trabalhada pelo homem foi a Virgem Maria, que
não conheceu varão, à qual desceu e da qual subiu uma fonte de águas
vivas e o rio da divina graça, que é manancial de água que correrá até
a vida eterna. Este regou toda a superfície da terra, porque não só san-
tificou a alma da Virgem, como também seu corpo, para que conce-
besse o Filho, sem mancha alguma de concupiscência.
“Foi, portanto, cumulada de graça, como terra regada por chu-
va celestial, segundo o profetizou o Salmista, inspirado pelo Espírito
Santo: «Visitaste a terra, e a inebriaste (com chuvas benéficas), enches-
te-a de toda a sorte de riquezas». Porque o Espírito Santo não apenas A
santificou, como também A fez transbordar de graça, para que pudes-
se comunicá-la aos demais. [...]

Terra de fertilíssima fecundidade


“A Santíssima Virgem Maria foi terra de fertilíssima fecundidade
em razão de sua concepção frutuosíssima, segundo o que diz o capítu-
lo XLV de Isaías: «Derramai, ó céus, dessas alturas o vosso orvalho, as
nuvens façam chover o justo; abra-se a terra, e brote o Salvador».

35) DUQUESNE. Grandeurs de Marie: medit. VII sobre a Imaculada Conceição. Apud


ROSCHINI, Gabriel. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 135-136.

245
Maria, terra Vós sois, bendita...  Capítulo 4

“Os céus derramaram seu rocio na anunciação do Anjo e na missão


do Espírito Santo; a terra se abriu ao dar a Virgem seu consentimento,
e brotou o Salvador quando foi concebido o Filho de Deus, unicamen-
te por mandato divino, como só por este germinou a terra desde seus
começos, segundo consta no capítulo I do Gênese:
“«Produza a terra erva verde, e que dê semente e árvores frutíferas, que
dêem fruto conforme a sua espécie, cuja semente esteja nelas mesmas
(para se reproduzirem) sobre a terra».
“Aquela planta frutífera é Cristo concebido pela Virgem Maria,
que havia produzido de antemão a erva de santos pensamentos, afe-
tos, palavras e ações.
“Por conseguinte — conclui São Boaventura —, o homem que
deseje ter a Cristo dentro de si, por bênção celeste, convém que pro-
duza essas ervas de si mesmo, com plena vontade. [...] Portanto, não
sejamos semelhantes a Eva, por culpa de quem se disse a Adão: «A ter-
ra será maldita por tua causa», etc. Sejamos mais parecidos com Maria,
de quem disse o Salmista: «Abençoaste, Senhor, a tua terra», etc. Ben-
dita, porquanto foi fecundada para produzir um fruto nobilíssimo” 36.

Terra quatro vezes bendita


Por sua vez, escreve Henry Le Mulier:
“Maria é terra generosa e fecunda, não tendo produzido jamais
abrolhos, nem espinhos, nem qualquer desses frutos malditos que,
abandonados ao livre arbítrio, engendraram a desobediência e a mor-
te. Terra rica e fértil que, sem cultivo, sem sementes, sem outra prepa-
ração que o rocio celeste, gerou, na obediência, o fruto bendito, o fru-
to de vida, a salvação das nações.
“Terra de justiça e de glória, que o Senhor cuida com suas próprias
mãos, e que Ele governa como um rei ao seu reino. [...]
“Terra quatro vezes bendita, do seio da qual brotou essa fonte de
salvação, que, dividindo-se em quatro rios imensos, que são os quatro
Evangelhos, levou a luz e a vida até aos confins do mundo!” 37

36)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. p. 763-765.


37)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 33-34.

246
Sexta  ... E sacerdotal...

Terra imaculada, da qual se formou o novo Adão


E o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira assim comenta:
“Segundo São Luís Grignion de Montfort, Nossa Senhora, o Para-
íso Terrestre do Homem-Deus, é constituído «de uma terra virgem e
imaculada, da qual se formou e nutriu o novo Adão, sem a menor man-
cha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita» 38.
“É uma linda comparação. Assim como Deus formou o primeiro
homem a partir da terra virgem, ainda livre das maldições que sobre
ela caíram com o pecado original, também o novo Adão foi formado,
por obra do Espírito Santo, de uma terra imaculada, que é a carne vir-
ginal de Nossa Senhora” 39.

@ ... E sacerdotal
Terra sacerdotal da Santíssima Trindade
“Maria é a terra sacerdotal do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Essa terra sempre foi e para sempre será livre de todo pecado.
“Deus Pai disse a seu Filho, como Jacob a José (Gên. XLVIII,
21-22): «Eu te dou aquela parte [de meus bens], que ganhei da mão dos
amorreus, com a espada e com o meu arco» — o que exprime a santifi-
cação de Maria.
“Quando os descendentes de José entrassem na terra prometida,
este, na pessoa de seus netos, teria sua parte como os outros filhos
de Jacob. Existe, porém, uma parcela dos bens do Patriarca que lhe
é preciosa entre todas, a qual ele concede a José, muito antes de que
chegasse o momento de se apropriar do resto.
“José representa, aqui, Jesus Cristo Nosso Senhor; e a porção pre-
ciosa por excelência da herança de Jacob, que lhe foi concedida com
tantos séculos de antecedência, é Maria. Ela Lhe pertence, e nenhum
outro senão Ele pode pretender qualquer direito sobre essa augus-
ta criatura. Para possuí-La, o Padre Eterno empregou o poder de seu

38)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-


ma Virgem, 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 246.
39)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 5/6/1972. (Arquivo pessoal).

247
... E sacerdotal...  Capítulo 4

braço: «que ganhei da mão dos amorreus, com a espada e com o meu
arco»” 40.

Títulos de Maria relacionados com o sacerdócio


O título de terra sacerdotal recorda-nos também a relação que exis-
te entre Nossa Senhora e o ministério sagrado. Com efeito, Ela “é a
Rainha dos Sacerdotes. Foi a primeira a oferecer a Vítima Divina ao
pé da Cruz, como fazem, todos os dias, os padres na santa Missa” 41.
Sobre esta prerrogativa da Santíssima Virgem, ensina D. Alastruey:
“Pela cooperação de Maria na instituição ou consagração do Sumo
Sacerdote da Nova Lei, Cristo Jesus, na preparação da Vítima da
Cruz e por sua união com Cristo na celebração do sacrifício cruento
[no alto do Calvário], [...] recebeu a Santíssima Virgem muitos nomes
relacionados com o sacrifício e o sacerdócio.
“Assim, Santo Epifânio chama a Maria «sacerdote e altar ao mesmo
tempo, que nos deu o Pão do Céu, Cristo, para a remissão dos pecados».
“São João Damasceno saúda assim a Maria: «Salve, ó Filha, Sacer-
dote Virgem de Deus, de invejável pureza e de formosura admirável para
aquele que disse nos Cantares: Quão belos são teus passos...!»
“E Santo Antonino, seguindo a Santo Alberto Magno, escreve:
«Foi sacerdotisa da justiça, pois não perdoou a seu próprio Filho, mas
esteve em pé junto à Cruz de Jesus».
“E esse título dado a Maria é, com frequência, mencionado pelos
teólogos e escritores de nossos dias.

Sacerdócio espiritual e místico


“[Entretanto], para evitar toda confusão ao atribuir esse título à
Santíssima Virgem, é necessário distinguir um tríplice sacerdócio:
substancial, sacramental ou jurídico, e espiritual ou místico.
“De maneira alguma convém à Santíssima Virgem o sacerdócio
substancial, próprio e exclusivo de Cristo. [...] Nem compete a Ela o

40)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 455-456.
41)  Do PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português
com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 129-130.

248
Sexta  ... E sacerdotal...

sacerdócio sacramental e jurídico, porque não foi tomada pelo Senhor


como ministro, mas como consorte e auxiliadora, nem recebeu o
Sacramento da Ordem, nem leva impresso o caráter sacerdotal.
“Por outro lado, convém a Ela, plenamente, o sacerdócio espiritual
e místico, como a todos os demais fiéis, aos quais São João (Apoc. I, 6)
chama «sacerdotes para Deus e seu Pai». [...]
“E neste sentido, a Santíssima Virgem, eleita como consorte e coo-
peradora de Cristo, Sumo Pontífice, participou de modo mais eminen-
te que os demais cristãos, daquele sacerdócio espiritual e místico. Por
isso disse Gerson: «Maria, apesar de não estar investida do caráter sacer-
dotal, pertenceu sempre ao régio sacerdócio muito mais do que os outros
fiéis, ungida, não certamente para consagrar, mas para oferecer esta hós-
tia pura, plena e perfeita, na ara de seu próprio coração».
“Portanto, embora companheira e cooperadora de Cristo na obra
da Redenção, não é sua vigária, e, por isso mesmo, não deve ser cha-
mada sacerdote de modo distinto dos demais fiéis, que, por não terem
recebido o Sacramento da Ordem, não são sacerdotes em sentido pró-
prio” 42.

Formadora do coração sacerdotal do


Divino Redentor
Outro eminente mariólogo contemporâneo, Fr. Armando Ban-
dera, O. P., considera o papel de Maria Santíssima na “formação do
coração sacerdotal de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Concluindo seu
criterioso estudo, escreve o douto dominicano: “A Virgem cumpre
sua função educadora enquanto Mãe de Cristo e precisamente por ser
sua Mãe. Esta ação maternal penetra no próprio núcleo da Redenção,
uma vez que toca no aspecto primário desta, que é o de sacrifício. Por-
tanto, para compreender o conteúdo do sacrifício de Cristo, é neces-
sário relacioná-lo com a Virgem. Cristo imolou um «coração» que
havia sido formado pela Virgem, e que aceitou, também no momen-
to supremo, todo o influxo d’Ela recebido, para convertê-lo em fonte
de salvação.
“Se, ao estudar o mistério da Redenção, prescinde-se da Virgem,
mutila-se o conteúdo da obra do próprio Cristo. [...] A influência sal-

42)  ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santísima. 3. ed. Madrid: BAC, 1952.
p. 616-618.

249
Concebida e preservada sem pecado original...  Capítulo 4

vífica da Virgem não só não entra em colisão com Cristo, como nos
é transmitida sobretudo através de seu sacrifício, pelo que este não
pode ser aceito com plenitude, se alguém o desliga dos vínculos que
tem com a Virgem Maria” 43.

Poder incomparavelmente superior ao do sacerdote


Assim, vem a propósito este ardoroso comentário do Pe. Júlio-
Maria, Missionário de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento:
“Sem dúvida, a Virgem não possui o poder de consagrar. Mas, con-
siderando-se tudo, a consagração não dá a Jesus um ser novo, uma
natureza nova; torna-O somente presente sob as espécies do pão e
do vinho, nesta maneira própria à Eucaristia, que se chama o estado
sacramental; enquanto que Maria deu ao Verbo seu ser humano, uma
outra natureza, sem a qual não haveria nem Sacramento, nem sacrifí-
cio. Nossa Senhora, por sua palavra, por seu fiat, produziu-O em seu
seio, sobre o altar íntimo de seu coração. Ela O produziu de sua pró-
pria substância, de seu próprio sangue; revestiu seu Filho com esta
carne sagrada, destinada ao sacrifício por Deus que a devia aceitar, e
graças à qual, providenciada a Vítima que Lhe faltava, nosso Pontífice
pôde exercer seu sacerdócio.
“Poder maravilhoso, divino, incomparavelmente superior ao do
sacerdote, pois que é mil vezes mais prodigioso, na ordem do sacrifí-
cio, o formar a vítima e fornecê-la ao mundo, do que torná-la simples-
mente presente pela consagração do pão e do vinho” 44.

@ Concebida e preservada sem pecado original


Sobre esta magnífica e singular prerrogativa de Nossa Senhora,
cujo brilho temos admirado ao longo destas páginas, limitar-nos-emos
a transcrever, aqui, um belo e grave ensinamento do Papa São Pio X.

43)  BANDERA, Armando. Papel de Maria en la formacion del corazón sacerdotal de Cristo.
Vol. 16. Burgos: Teología del Sacerdocio, 1983. p. 226-227.
44)  MARIA, Júlio. Por que amo Maria. Petropólis: Vozes, 1939. p. 247.

250
Sexta  Concebida e preservada sem pecado original...

A verdadeira piedade para com a Mãe de Deus


“Para que o culto da Mãe de Deus seja de bom quilate, deve ele
promanar do coração. Os atos exteriores não têm, aqui, nenhuma uti-
lidade nem valor algum, se isolados dos atos da alma. Ora, esses atos
têm um só escopo: que observemos plenamente o que o Divino Filho
de Maria nos ordena. Pois, se amor verdadeiro é aquele que tem a
virtude de unir as vontades, é de suma necessidade que possuamos
com Maria esta mesma vontade de servir a Jesus Cristo Senhor Nosso.
A recomendação que esta Virgem prudentíssima fez aos serventes de
Caná, no-la dirige a nós: «Fazei tudo o que Ele vos mandar» (Jo. II, 5).
Com efeito, eis a palavra de Cristo: «Se queres entrar na vida, guarda os
mandamentos» (Mt. XIX, 17).
“Por isso, convençam-se todos de que, se sua piedade para com a
Bem-aventurada Virgem não os preserva de pecar ou não lhes inspi-
ra o propósito de emendar uma vida culpável, essa piedade é falsa e
mentirosa, porquanto desprovida de seu efeito próprio e de seu fruto
natural.

A Imaculada Conceição: infinita oposição


entre Deus e o pecado
“E se alguém desejar uma confirmação destes fatos, ser-lhe-á
fácil buscá-la no dogma mesmo da Imaculada Conceição de Maria.
Pois, abstraindo da Tradição, fonte de verdade tanto quanto a Sagra-
da Escritura, como é que esta convicção da Conceição Imaculada da
Virgem foi, em todos os tempos, tão conforme ao senso católico, que
pode ser tida como incorporada e inata à alma dos fiéis? «Horroriza-
nos dizer desta mulher — é a sublime resposta de Dionísio Cartusiano
— que, devendo um dia esmagar a cabeça da serpente, tenha sido esma-
gada por ela e que, sendo Mãe de Deus, haja sido filha do demônio» (III
Sent., d. 1).
“Não, a inteligência do povo cristão não podia conceber que a car-
ne de Cristo, santa, imaculada e inocente, tivesse seu princípio nas
entranhas de Maria, de uma carne que um dia tivesse contraído qual-
quer mácula, por um instante que fosse. E qual a razão disto, senão
que uma oposição infinita separa Deus do pecado?

251
Cidade santa do Altíssimo...  Capítulo 4

Vencer o pecado é obrigação dos devotos do


Imaculado Coração de Maria
“Eis aqui, na verdade, a origem desta convicção comum a todos os
cristãos: Jesus Cristo, mesmo antes que, revestido da natureza huma-
na, lavasse nossos pecados com seu sangue, teve de conceder a Maria
a graça e o privilégio especial de ser preservada e isenta, desde o pri-
meiro instante de sua Conceição, de todo contágio da mancha origi-
nal.
“Se Deus, pois, tanto detesta o pecado, que quis fosse a futura Mãe
de seu Filho isenta não só desses labéus que se contraem pela von-
tade, mas, por um privilégio especial, antevendo os méritos de Jesus
Cristo, também desse outro, que assinala todos os filhos de Adão, com
o triste sinete de sua funesta herança, quem pode duvidar seja obri-
gação, de todos quantos desejam conquistar, por suas homenagens, o
coração de Maria, corrigir os hábitos viciosos e depravados e vencer as
paixões que os incitem ao mal?
“Todos quantos querem, além disto — e quem não deve querer? —
que sua devoção para com a Virgem seja digna d’Ela e perfeita, deve
ir mais avante, isto é, tender, com todas as suas forças, à imitação de
seus exemplos” 45.

@ Cidade santa do Altíssimo


“Os teus fundamentos, [ó Jerusalém], estão sobre os montes san-
tos. O Senhor ama as portas de Sião mais que todos os tabernáculos
de Jacob. Coisas gloriosas se têm dito de ti, ó cidade de Deus! Porven-
tura não se dirá a Sião: Um grande número de homens nasceu nela, e
o mesmo Altíssimo a fundou (solidamente)?” (Sl. LXXXVI)
“Vi a cidade santa, a Jerusalém nova que, da parte de Deus, des-
cia do Céu. [...] Cidade que não necessita de sol nem de lua que a ilu-
minem, porque a claridade de Deus a ilumina e sua lâmpada é o Cor-
deiro. E as nações caminharão à sua luz, e os reis da Terra lhe trarão a
sua glória e o seu fausto. E suas portas não se fecharão no fim de cada
dia, porque não haverá noite ali. Trazer-lhe-ão também o esplendor e
a glória das nações” (Apoc. XXI, 2, 23 e ss.).

45)  PIO X. Encíclica Ad Diem Illum (2/2/1904). In: Documentos Pontifícios. Petrópolis:
Vozes, 1953. p. 32-34.

252
Sexta  Cidade santa do Altíssimo...

O jubiloso cântico do Salmista, enaltecendo as grandezas de Jeru-


salém, e a citada passagem do Apocalipse são, com justiça, aplicados à
Santíssima Virgem, cidade santa do Altíssimo.

Cidade edificada sobre o Verbo Encarnado


Assim comenta São Tomás de Villanueva:
”Sobre os montes santos está fundada. Reparemos a que montes se
refere: Abraão gerou a Isaac, Isaac a Jacob, etc. Segundo a carne, pôs
seus fundamentos nos patriarcas e nos profetas. Porém, segundo o
espírito, tem um fundamento mais sólido: Solidamente está fundada a
casa de Deus sobre rocha firme, e a rocha era Cristo. O Verbo é o funda-
mento de sua Mãe, que O leva em seu seio. [...] Ó mulher admirável,
singular, singularmente digna de ser admirada! Gloriosas coisas se têm
dito de ti, ó cidade de Deus!, cidade santa, cidade opulenta. [...]
“Nova Jerusalém, quer dizer, concebida de um modo novo, e não
haverá ali noite, porque sua lâmpada é o Cordeiro. Notemos com que
formosura A tinha disposto Deus. Ele mesmo A havia adornado, Ele
mesmo A preparou, para que seu amor cativasse a seu Filho e O fizes-
se vir à Terra” 46.

Cidade resplandecente da glória de Deus


Outro piedoso autor exclama:
“Ó Maria, sois verdadeiramente o lugar onde a Santíssima Trin-
dade estabeleceu seu repouso, a nova Jerusalém, a cidade santa vin-
da de Deus. Verdadeira Igreja do Cristo, sois resplandecente da glória
de Deus, [...] e esta será ainda aumentada por Vós, porque está dito:
Deus é grande em toda criatura, porém Ele é sobretudo grande e dig-
no de louvores na cidade de nosso Deus, [que é Maria]” 47.

46)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 153 e 157.
47)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 35-36.

253
A Virgem e o
Menino

Gloriosas coisas se tem dito de ti,


ó cidade santa do Altíssimo
Sexta  Cidade santa do Altíssimo...

A Imaculada Conceição, fundamento


da cidade do Altíssimo
Relacionando as mencionadas palavras da Escritura com a Imacu-
lada Conceição de Maria, escreve o Pe. Jourdain:
“Lê-se num discurso de Santo Anselmo: «A consumação de tão
imensos benefícios com os quais toda a criação foi gratificada, por inter-
médio da Mãe do Senhor, convida-nos a considerar quanto o começo da
existência d’Ela foi divino, sublime e inefável. Nada de espantoso nisso,
uma vez que n’Ela depositou Deus, de certo modo, o fundamento sagra-
do da cidade e da morada do soberano Bem».
“Estas palavras do santo Doutor fazem, evidentemente, alusão ao
texto do Salmo 86 que os Padres ordinariamente aplicam à augusta
Virgem Maria: «Coisas gloriosas se têm dito de ti, ó cidade de Deus!» E
mais embaixo: «Porventura não se dirá [de] Sião: Um grande número
de homens nasceu nela, e o mesmo Altíssimo a fundou (solidamente)?»
“Apoiados sobre a autoridade de Santo Anselmo, reconheceremos,
pois, a concepção de Maria nesse fundamento da cidade celeste, pos-
to por Deus, e é sob esse ponto de vista que examinaremos as palavras
do Salmista. [...]
“Tudo é grande, tudo é sublime, tudo é digno de glorificação e de
louvor em Maria, a cidade do Deus vivo, o tabernáculo escolhido por
Ele entre todos para dele fazer sua morada. N’Ela não há nada de bai-
xo, nem de desprezível: tudo é digno do destino que Deus Lhe prepa-
rou.
“Os Antigos censuravam à cidade de Roma — elevada mais tarde
ao píncaro da glória terrestre e do poder — o fato de que seus primei-
ros habitantes haviam sido uma tropa de bandidos, congregados por
Rômulo, o qual desonrou as muralhas de sua cidade nascente, man-
chando-as com o sangue de seu irmão. [...] Seria possível dizer algo de
semelhante, falando-se de Maria? Esta cidade santa da qual o próprio
Deus lançou os fundamentos, teria sido, primeiramente, um refúgio
de ladrões? O crime do parricídio A teria manchado em sua origem?
“Assim o seria, com o pecado original. Culpada deste, Maria teria
sido o asilo do demônio e de todos os pecados contidos em germe na
concupiscência. O próprio parricídio, n’Ela se encontraria, porque o
pecado de Adão foi um parricídio, posto que ele causa a morte de
toda a posteridade do culpado.

255
Cidade santa do Altíssimo...  Capítulo 4

“Admitindo-se que o pecado original existiu em Maria, não teria


sido Ela a cidade santa por excelência; sua glória e suas grandezas
nunca eliminariam inteiramente a vergonha de sua decadência e de
sua humilhação primeiras; não se poderia repetir com o Profeta: «Coi-
sas gloriosas se têm dito de ti, ó cidade de Deus». Porém, seu Fundador
não quis que Ela sofresse uma tal ignomínia: nada existe n’Ela que
não se possa glorificar. [...]
“Os fundamentos dessa cidade repousam sobre os montes santos.
Tal é a cidade gloriosa por excelência, tal é Maria. [...] A justiça e a
santidade com que Deus A adornou, desde a sua origem, são de uma
solidez inabalável. São estes os seus fundamentos, lançados na rocha
pela mão do próprio Altíssimo. [...]

Maria é a Metrópole do império de Deus


“Jerusalém foi fundada para a alegria e a felicidade do universo,
porque ela era a metrópole deste império a partir do qual a consola-
ção, a segurança e a salvação deveriam se difundir entre os povos do
mundo. Tal se pode dizer, num sentido ainda mais elevado e verdadei-
ro, de Maria. Ela é a metrópole do império de Deus. Fundou-A Ele,
para que todos os bens fossem comunicados, por meio d’Ela, a todas
as criaturas: aos Anjos do Céu, aos habitantes da Terra, às almas do
Purgatório, aos bem-aventurados que gozam a glória celeste, em com-
panhia dos Anjos. Ela é a consolação de todos os aflitos, a força dos
fracos, a proteção dos perseguidos, a alegria dos felizes” 48.

“Seus fundamentos estão sobre os montes santos”


Acerca dos fundamentos sobre os quais repousa a cidade santa do
Altíssimo, tem o Pe. Manuel Bernardes este expressivo comentário:
“Maria Santíssima foi Virgem, mas de que modo Virgem? Acaso
como as outras virgens, e só com excesso de maior pureza? Não, mas
por um modo também virgem, isto é, único e singularíssimo, que é ser
juntamente Mãe, ficando sua virgindade não só impérvia, senão via do
Verbo humanado. Foi remida por Cristo, mas de que modo remida?

48)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.Vol.
I. p. 231-234.

256
Sexta  Cidade santa do Altíssimo...

Porventura como os outros remidos, e só com a diferença de A santi-


ficar Deus mais cedo? Não, mas por um modo mais alto e digno, que
foi a preservação, eximindo-A de entrar no pacto feito com Adão. Foi
mártir, mas de que modo mártir? Dando a vida por Cristo como os
outros mártires, e só com a vantagem de maiores penas? Não, mas por
outro modo mais realçado, que foi a morte mística por compaixão, e
crucificada não só na Cruz, como no mesmo Cristo.
“Pois, assim também foi a Senhora humilde, mas humilde por
outro [modo] mais fino, e quilatado e superior a todas as compara-
ções, isto é, por uma aniquilação essencial e vacuidade pleníssima,
que não sabemos declarar nem ainda conceber. De sorte que a san-
tidade de Maria é um monte onde os montes das outras santidades
têm os cabeços, aí tem Ela os fundamentos: Os seus fundamentos estão
sobre os montes santos” 49.

Cidade edificada pelos apóstolos dos últimos tempos


Finalmente, é oportuno recordarmos as proféticas palavras do
grande São Luís Grignion de Montfort, nas quais este se refere a Nos-
sa Senhora enquanto sendo a cidade de Deus:
“No fim do mundo e em breve, [...] o Altíssimo e sua santa Mãe
devem suscitar grandes Santos, de uma santidade tal que sobrepuja-
rão a maior parte dos Santos, como os cedros do Líbano se avantajam
às pequenas árvores em redor, segundo revelação a uma santa alma.
“Estas grandes almas, cheias de graça e de zelo, serão escolhidas
em contraposição aos inimigos de Deus a borbulhar em todos os can-
tos, e elas serão especialmente devotas da Santíssima Virgem, escla-
recidas por sua luz, alimentadas de seu leite, conduzidas por seu espí-
rito, sustentadas por seu braço e guardadas sob sua proteção, de tal
modo que combaterão com uma das mãos e edificarão com a outra
(cf. Ne. IV, 17). Com a direita combaterão, derrubarão, esmagarão os
hereges com suas heresias, os cismáticos com seus cismas, os idola-
tras com suas idolatrias, e os ímpios com suas impiedades; e com a
esquerda edificarão o templo do verdadeiro Salomão e a cidade místi-
ca de Deus, isto é, a Santíssima Virgem que os Santos Padres chamam
o templo de Salomão e a cidade de Deus.

49)  AS MAIS BELAS PÁGINAS DE BERNARDES: 2000 Trechos selecionados por NU-
NES, Mario Ritter (Coord.). São Paulo: Melhoramentos, 1966. p. 161-162.

257
Do Céu entrada oriental...  Capítulo 4

“Por suas palavras e por seu exemplo, arrastarão todo o mundo à


verdadeira devoção e isto lhes há de atrair inimigos sem conta, mas
também vitórias inumeráveis e glória para o único Deus. É o que Deus
revelou a São Vicente Ferrer, grande apóstolo de seu século, e que se
encontra assinalado em uma de suas obras.
“O mesmo parece ter predito o salmo LVIII (XIV, 15), em que se
lê: «E saberão que Deus reinará sobre Jacob, e até aos confins da Ter-
ra; voltarão à tarde, e padecerão fome como cães, e rodearão a cidade,
em busca do que comer». Esta cidade que os homens encontrarão no
fim do mundo para se converterem e saciarem a sua fome de justiça,
é a Santíssima Virgem, que o Espírito Santo denomina cidade de Deus
(Sl.  LXXXVI, 3)” 50.

@ Do Céu entrada oriental


Maria franqueia aos homens a entrada do Céu
No capítulo XI das profecias de Ezequiel, lemos: “O espírito arre-
batou-me, e conduziu-me à porta oriental da casa do Senhor, que olha
para o nascente.”
“A porta oriental é a augusta Virgem Maria”, comenta o Pe. Jour-
dain. “Ela é a porta que nos franqueia a entrada da casa de Deus.
Quando o Filho de Deus entreabriu o Céu para descer até nós, foi
Maria que Lhe serviu de porta: «A porta do Rei supremo», como can-
ta a Santa Igreja. Santo Agostinho põe essas palavras nos lábios de
Maria: «Eu me tornei a porta do Céu, a porta para o Filho de Deus». São
Pedro Damião exclama, celebrando a natividade da Santíssima Vir-
gem: «Hoje nasceu a Rainha do mundo, a janela do Céu, a porta do
Paraíso». [...]
“Maria se apresenta melhor a nós sob o símbolo de porta ou de
entrada do Céu, e a Igreja se compraz em honrá-La com esse nome. [...]
“Maria é a porta do Céu, porque todos os que nele entram, fazem-
no seguindo a Jesus, por meio de Maria. A Terra, que o pecado de
Adão havia separado do Céu, reconciliou-se com este pela intercessão
de Maria, que nos deu Jesus. E assim como a Santa Virgem, por sua
pureza e sua humildade, fez descer Jesus Cristo do Céu sobre a Terra,
assim também, por seus exemplos e suas virtudes, foi Ela a primeira a
50)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-
ma Virgem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 48-50.

258
Sexta  Há em Vós, singular Virgem...

abrir para os homens a via que conduz ao Céu. Por isso Jesus Cristo A
colocou à testa de todo o gênero humano, e quis que ninguém pudes-
se ser salvo, nem subir ao Céu, senão pelo consentimento e sob a pro-
teção e a direção de Maria” 51.
Compreende-se, pois, que essa gloriosa prerrogativa de Nossa
Senhora tenha feito exclamar a São Tomás de Villanueva:
“Ó porta feliz, pela qual entrou Deus no mundo e entra o homem
no Céu! Porta do Céu e porta do mundo. Por esta porta entra Deus na
Terra, pela mesma entra o justo no Céu: a Mãe de Deus para todos foi
feita porta. Verdadeiramente esta é a casa de Deus e a porta do céu” 52.

“Porta do Céu, abri-vos para mim!”


Em termos semelhantes, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira nos
recomenda a confiança n’Aquela que é a entrada oriental do Paraí­so:
“Nossa Senhora é a porta do Céu. É por meio d’Ela que Nosso
Senhor Jesus Cristo passou do Céu para a Terra, e é através d’Ela que
os homens passam do mundo para o Céu. É por essa porta que todas
as nossas orações chegam até Deus, e é por meio d’Ela que obtemos
as graças necessárias para a nossa salvação.
“Assim, em todos os dias de nossa vida e, sobretudo, no momen-
to em que estivermos para entrar na eternidade, a Ela devemos diri-
gir esta filial e confiante súplica: «Porta do Céu, abri-vos para mim!»” 53

@ Há em Vós, singular Virgem


“Nossa Senhora é a Virgem Singular, isto é, virgem como ninguém
o foi, nem o será jamais. Ela é a Santa Virgem das virgens, Aquela
cuja virgindade é tão excelsa que, perto dela, torna-se pálida a intac-
ta castidade das outras virgens. Nossa Senhora é a Virgem suprema,
inesgotavelmente perfeita, inimaginavelmente grandiosa!” 54

51)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 686; Vol. III. p. 266-267 e 269.
52)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 289-290.
53)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 7/2/1971 e 7/1/1993. (Arquivo pessoal).
54)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 25/9/1990 e 22/4/1992. (Arquivo
pessoal).

259
Imagem viva da virgindade
Em seu admirável Tratado das Virgens, o grande Santo Ambró-
sio traça o perfil moral d’Aquela que é a Virgem singular:
“Começarei por vos apresentar a imagem viva da virgindade,
personificada na Virgem Maria, espelho de pureza e exemplo de
virtude, digna de que A tomeis como regra de vida, porque Ela vos
ensina, como mestra divina de bondade, o que haveis de corrigir,
o que vos convém evitar e o que deveis pôr em prática. Pois, [...]
se o primeiro e principal estímulo é a virtude do mestre que leva
ao aluno a prestar-lhe fé e a segui-lo, que mestre superará em dig-
nidade a Mãe de Deus? Quem mais esplendorosa do que Ela, a
quem cobre o próprio esplendor? Que mestre de castidade se Lhe
poderá comparar? [...]
“E que direi das demais virtudes que A ornam? [...]
“É virgem no corpo e na alma, pura de desordenados afetos.
De coração humilde, moderada no juízo, grave e prudente no falar,
recatada no trato, amiga do trabalho.
“Inimiga de honras terrenas, mede suas ações de acordo com a
razão, movendo-se unicamente por amor à virtude. [...] Nunca afli-
giu os humildes, nem desprezou o débil, nem desamparou o neces-
sitado, nem teve trato com homens, a não ser o que era ditado
pela misericórdia e tolerava o pudor. Seus olhos não conheceram
o fogo da luxúria, nem seus lábios pronunciaram palavras levia-
nas, nem faltou jamais com a decência em sua conduta. Nunca
se viu n’Ela movimento indecoroso, nem andar descomposto, nem
voz presumida. Ao contrário, sua compostura refletia a força inte-
rior da alma. [...]
“Sua moderação nos alimentos era sobre-humana, e contínua
sua dedicação em trabalhos manuais, porque jejuava diariamente,
sem comer mais que o necessário para conservar a vida, e trabalha-
va incessantemente, sem dar trégua à ociosidade. No curto descan-
so que concedia a si mesma, enquanto o corpo repousava, vigiava o
espírito, interrompendo inúmeras vezes o sono para ler ou se dedi-
car a exercícios piedosos, ou à preparação do que havia de fazer em
seguida.
“Inimiga da rua, não sai senão para visitar o templo, e sempre
acompanhada de seus pais ou familiares; não porque sua honesti-
dade exigisse vigilância, pois no seu recolhimento levava a melhor
defesa, mas por maior decoro e modéstia, a qual resplandecia em
seus movimentos e palavras com tal arte, que conquistava o respei-
to e admiração de quantos A viam, apartada das vaidades e entre-
gue inteiramente à virtude. [...]
“Assim no-La apresenta o Evangelho, assim A achou o Anjo,
assim A elegeu o Espírito Santo. Para que investigar mais no arqui-
pélago daquela santidade, que arrebatou o coração de seus pais, foi
digna dos elogios dos estranhos e, sobretudo, foi merecedora de
que Deus A escolhesse por Mãe? [...]
“Fixai o olhar neste perfeito modelo e viva escola de todas as
virtudes, escutai-o e imitai-o, se desejais dirigir vossos passos
pelas vias da glória eterna.”

AMBRÓSIO. Tratado de las Virgenes. Buenos Aires: Tor , [s.d.]. p. 42-44 e 46.
Há em Vós, singular Virgem...  Capítulo 4

Virgindade rara e única


Compartilha esta convicção o Pe. Jourdain, que escreve:
“Maria é chamada Virgem das virgens, porque sua virgindade não é
semelhante à comum. A sua é rara, única, ilustre e desconhecida em
todos os séculos, em todo o universo. É rara, pois Maria é, ao mesmo
tempo, Mãe e Virgem; Ela teve um Filho que não possui pai segundo
a natureza, é o Espírito Santo, o Esposo Celeste, que n’Ela opera. [...]
“A virgindade de Maria é única. Longe de ser estéril, só ela é fecun-
da; só ela ignora os males e as enfermidades da natureza. Somente
Maria porta a coroa da virgindade realçada pelo fulgor de uma rica
maternidade: [...] Mãe de Deus e perpetuamente Virgem, sem exem-
plo, sem igual.
“Assim, a Igreja A chama em seus hinos: Virgo singularis, Virgem
singular, Virgem única. Ela o é, verdadeiramente, pois a natureza e
mesmo a graça jamais produziram tal; nunca o mundo viu outra seme-
lhante; e jamais inteligências humana e angélica conceberam nada
de mais belo. Ela é realmente singular, pois entre todos os Santos é a
mais santa, entre todas as virgens puras, é a mais pura.
“Ela é o prodígio do Céu, o espelho da virtude, a alegria do Paraí-
so e da Terra” 55.

Fundadora da virgindade
E o ardoroso São Tomás de Villanueva saúda a Virgem singular
como sendo a fundadora da virgindade: “Ó régia Virgem, tendes a pri-
mazia entre as virgens, fostes a inspiradora e mestra das virgens, o tro-
quel da virgindade, a autora e fundadora da mesma, a primeira desta
sagrada religião. [...]
“Ó Virgem pura, Virgem única, Virgem singular! Realmente sin-
gular e única, ante a qual não se pode apresentar dignamente virgem
alguma, e em cuja comparação toda outra virgindade poderia parecer
corrupção. [...]
“Virgem sagrada, pura e imaculada, com o privilégio sobre as
demais de tornar puros, por assim dizer, a quantos A fitassem, pois

55)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie, Paris: Hippolyte Walzer, 1900.Vol.
III. p. 119-120.

262
Sexta  Toda a graça celestial...

tinha Ela, usando as palavras do Profeta, a virgindade que engendra


virgens (Zac. IX, 17)” 56.

@ Toda a graça celestial


Todas as graças reunidas em Maria
Em uma de suas expressivas passagens, escreve São Luís Grignion
de Montfort:
“Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu
todas as suas graças e chamou-as Maria. Este grande Deus tem um
tesouro, um depósito riquíssimo, onde encerrou tudo que há de belo,
brilhante, raro e precioso, até seu próprio Filho; e este tesouro imenso
é Maria, que os Anjos chamam o tesouro do Senhor, e de cuja plenitu-
de os homens se enriquecem” 57.

Oceano de graças
Inspirado nessa sentença montfortiana, comenta o Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira:
“Nossa Senhora é verdadeiramente um oceano de graças. Assim
como o mar está para as outras águas, assim está Ela em relação aos
outros homens, pela abundância e a imensidade de dons celestiais
com que foi enriquecida por Deus.
“E assim como todas as águas, em última análise, correm para o
grande oceano, também todas as graças nos são concedidas, e chegam
até nós, pela intercessão de Maria Santíssima” 58.

Coroada de graças, virtudes e belezas


Outra bela consideração sobre a plenitude de graças de Nossa
Senhora, devemos a Santo Antônio Maria Claret:

56)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 240-241.


57)  GRIGNION DE MONTFORT, Luís Maria. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssi-
ma Virgem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1961. p. 30.
58)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em janeiro de 1966. (Arquivo pessoal).

263
Toda a graça celestial...  Capítulo 4

“Maria foi como o centro de todas as graças e belezas que Deus


havia distribuído aos Anjos, aos Santos e a todas as criaturas. Maria
havia de ser a Rainha e Senhora dos Anjos e dos Santos, e por isso
mesmo deveria ter mais graças que todos eles, já no primeiro instan-
te de seu ser.
“Maria havia de ser Mãe do próprio Deus. É um princípio de filo-
sofia que entre a forma e as disposições da matéria deve existir cer-
ta proporção: a dignidade de Mãe de Deus é aqui como a forma, e o
coração de Maria é a matéria que há de receber esta forma. Ó, que
cúmulo de graças, virtudes e outras disposições se reúnem naquele
santíssimo e puríssimo coração!...
“Desde que Deus determinou fazer-se homem, fixou a vista em
Maria Santíssima, e a partir de então dispôs todos os preparativos
necessários: fê-La nascer dos patriarcas, profetas, sacerdotes e reis,
e todas as graças destes reuniu em Maria, e quis que fosse o creme e
a flor de todos eles. Ademais, ornou-A com bênçãos de doçura e pôs
sobre sua cabeça uma coroa de pedras preciosas, isto é, de graças e
belezas” 59.

Aqueduto repleto de graça divina


Celebrando a natividade de Nossa Senhora, São Bernardo assim se
refere Àquela que possui toda a graça celestial:
“Quem é a fonte da vida, senão Cristo Senhor? [...] Na verdade,
a própria plenitude se humilhou a si mesma, a fim de se tornar, para
nós, justiça, santificação e remissão. [...] Correu a fonte até nós e se
difundiram as águas nas praças. Desceu por um aqueduto aquela veia
celestial, [...] infundindo em nossos áridos corações as gotas da gra-
ça, a uns, certamente, mais; a outros, menos. O aqueduto, sem dúvida,
cheio está para que os demais recebam da [sua] plenitude.
“Já percebestes, se não me engano, quem é este aqueduto que,
recebendo a plenitude da própria fonte do coração do Pai, no-la fran-
queou, se não do modo como é em si mesma, ao menos conforme
podíamos dela participar. Sabeis, pois, a quem se disse: «Deus te salve,
cheia de graça». [...]

59)  CLARET, Antônio Maria. Escritos Autobiograficos y Espirituales. Madrid: BAC, 1959.
p. 767-768.

264
“Deus Pai ajuntou todas as águas
e denominou-as mar;
reuniu todas as suas graças
e chamou-as Maria”

Nossa Senhora
das Graças
V. Como um lírio entre os espinhos...  Capítulo 4

“Contemplai, mais altamente, com quanto afeto de devoção quis


fosse honrada Maria por nós, aquele Senhor que n’Ela depositou
toda a plenitude de bem, para que, consequentemente, se em nós algo
exista de esperança, algo de graça, algo de salutar, conheçamos que
redunda d’Aquela que subiu (aos Céus) inebriada de delícias. [...]
“«Achastes, disse o Anjo, graça aos olhos de Deus». Ditosamen-
te. Sempre Ela encontrará a graça, e só a graça é o de que necessita-
mos. A prudente Virgem não buscava sabedoria, como Salomão; nem
riquezas, nem honras, nem poder, mas graça. Na verdade, só pela gra-
ça nos salvamos. Para que desejamos, nós, irmãos, outras coisas? Bus-
quemos a graça, e a busquemos por Maria, porque Ela encontra o que
procura e não pode ver-se frustrada” 60.

@ V. Como um lírio entre os espinhos,


R. Assim a minha predileta entre os filhos de
Adão
A Imaculada Conceição, lírio entre os espinhos
Acompanhemos o Pe. Tiago Nouet, jesuíta do século XVII, em
seu brilhante comentário à passagem do Cântico dos Cânticos (II, 2),
que deu origem ao louvor aqui tributado a Maria Santíssima. Assim se
exprime aquele douto pregador:
“A concepção de todos os homens que nascem pela via ordinária
da geração, é acompanhada de três grandes desordens, a saber: a pri-
vação da graça santificante que nos torna filhos de Deus; a privação
da justiça original, que consiste numa perfeita subordinação da parte
inferior à parte superior do homem; e um violento pendor que temos
para o mal, unido à dificuldade que encontramos na prática do bem.
“Ora, a concepção da Bem-aventurada Virgem foi isenta de todos
esses infortúnios, por um singular favor de Deus, que a distingue de
todas as outras, e faz aparecer Maria entre os filhos dos homens,
como o lírio entre os espinhos. Ela foi concebida no estado de gra-
ça, na justiça original, isto é, numa perfeita subordinação de todas as
suas potências à razão, e desta a Deus. Ela foi concebida sem qual-
quer inclinação para o mal, e com uma forte tendência para toda sor-
te de bem. [...]

60)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 739-742.

266
Sexta  V. Como um lírio entre os espinhos...

A única sem o labéu do pecado


“O lírio é belo em virtude de sua brancura; os espinhos não têm
beleza alguma. É a primeira diferença entre a concepção da Bem-
aventurada Virgem e a de todos os filhos de Adão, que nascem no
pecado, cujo labéu os torna objeto de abominação diante de Deus.
Porque ninguém está isento de mancha, nem mesmo o recém-nasci-
do. Somente da Bem-aventurada Virgem pôde dizer o Espírito Santo:
«Sois toda formosa; em vós não há mácula».
“Sois toda bela, não em parte, mas toda, sem exceção e sem reser-
va. Não há, portanto, nódoa alguma em Vós, nem de pecado venial,
nem de pecado mortal, nem de pecado original. Nunca houve, e jamais
haverá. Sois e sereis sempre cheia de graça. [...]

Isenta dos espinhos da concupiscência


“O lírio não tem nó, tudo nele é suave e liso, desde a haste até à
flor. Os espinhos, pelo contrário, são rudes e picantes, furam e dilace-
ram quem os toca.
“É a segunda diferença entre a concepção da Bem-aventurada Vir-
gem e a de todos os homens, que estão sujeitos aos picantes aguilhões
da concupiscência, da qual Ela foi inteiramente isenta. [...]
“Com efeito, exigia a honra do Filho de Deus e a de sua Santíssima
Mãe, que Esta tivesse um tal domínio sobre suas paixões, e que a par-
te inferior de sua alma fosse de tal maneira submissa à razão que, não
só não cometesse Ela pecados atuais, mas também que não pudesse
pecar.  [...]
“Admirai, pois, o privilégio de Maria que, única, recebeu este sin-
gular favor: n’Ela nunca reinou nem habitou o pecado. [...]

Fortíssima inclinação para o bem e completa


aversão ao mal
“O lírio é aprumado e se eleva muito alto. Não há flor que tende a
se afastar mais da terra, enquanto que os abrolhos e os espinhos nes-
ta rastejam.
“É a terceira diferença entre a concepção da Bem-aventurada Vir-
gem e a do comum dos homens, que o pecado original abandona como

267
V. Como um lírio entre os espinhos...  Capítulo 4

vítima à cegueira do espírito, à malícia do coração, à fragilidade da


carne, ao desregramento das paixões e à desordem dos sentidos e da
imaginação, donde nascem este pendor que temos para o mal e a difi-
culdade que sentimos na prática da virtude, este apego que temos à
Terra, e o trabalho que nos custa o dirigir nossos pensamentos às coi-
sas celestes. Porém, a plenitude da graça que a Bem-aventurada Vir-
gem recebeu no momento de sua concepção tinha dois efeitos inteira-
mente opostos. Esta Lhe dava uma suavíssima e fortíssima inclinação
para o bem, e uma extrema aversão ao mal; um maravilhoso pendor
para o Céu, e um perfeito desapego de todas as coisas da Terra. Pois,
como diz São Tomás, pode-se considerar a santidade, enquanto nos
aproxima de Deus, e é a caridade; ou enquanto nos afasta do mal, e é
a pureza. Uma e outra existiram em Maria num grau eminente, mas
com esta diferença: que Ela podia crescer em caridade até ao último
suspiro de sua vida; porém, quanto à sua pureza, estava Ela no último
grau de excelência, e, abaixo de Deus, não podia haver maior” 61.

Glória do jardim de espinhos


Assim, compreendemos o cântico do monge e poeta medieval,
Adão de São Vítor:
“Salve, pois, ó Mãe do Divino Verbo, Flor que brotou entre os espi-
nhos, sem espinho; glória do jardim de espinhos. O espinheiral, somos
nós; fomos ensanguentados pelos espinhos dos pecados. Mas, para tua
pessoa, não existem espinhos” 62.

Lírio que nunca foi espinho


E Santo Afonso de Ligório, comentando a invocação Mater puris-
sima, da Ladainha Lauretana, escreve: “Esta Virgem Mãe [...] é cha-
mada lírio entre os espinhos. Todas as outras virgens, diz Dionísio o
Cartuxo, são espinhos, ou para elas mesmas ou para os outros; mas
a Bem-aventurada Virgem nunca foi um espinho, nem para Ela, nem
61)  NOUET, Tiago. L’Homme d’oraison, Méditation pour le jour de la Conception Im-
maculée de la B. Vierge. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris:
Hippolyte Walzer, 1900. Vol. V. p. 92-95.
62)  SÃO VÍTOR, Adão de. Prosa per l’Assunzione della B. M.V. Apud ROSCHINI, Ga-
briel. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 133.

268
Sexta  V. Protegei, Senhora, etc...

para os outros, pois a todos os que A fitavam, Ela só inspirava senti-


mentos puros e santos. Além disso, o autor que escreveu a Vida de
São Tomás de Aquino, relata que o santo Doutor dizia que as próprias
imagens de Maria extinguem os ardores da concupiscência naqueles
que as contemplam com devoção. E São João de Ávila atesta que mui-
tas pessoas, tentadas contra a castidade, conservaram-se puras pela
devoção a Maria” 63.

@ V. Protegei, Senhora, etc.


Repetem-se as mesmas orações do final de Matinas 64.

63)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Oeuvres Complètes. Tournai: Casterman, 1880. Vol. VIII.
p. 180.
64)  Veja-se p. 87 e ss.

269
“Foi do dragão a
soberba, por Vós
ferida e humilhada”
Virgem do Apocalipse
Capítulo 5

Noa

Hino

Cidade sois de refúgio, de torres fortalecida,


Por David entrincheirada, e de armas também
munida.
Bem não éreis concebida, em caridade abrasada,
Foi do dragão a soberba, por Vós, ferida e
humilhada.
Sois a bela Abigail, Judith invicta e animosa,
Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa.
Raquel ao Egito deu prudente governador,
A Virgem das virgens deu ao mundo o seu Salvador.
Amém.

V. Toda sois formosa, ó Mãe querida.


R. E a mancha original nunca tocou em Vós.

271
Revolução tem como mentor o demônio, e por isso
ela é o que há de mais vil na Terra; é um movi-
mento que se arrasta — como a diabólica ser-
pente — em meio aos vícios e pecados humanos,
por entre aquilo que há de sórdido, feio, torto e
abjeto, neste vale de lágrimas.
“Nossa Senhora é Aquela que aterroriza
esse perigoso e infame adversário, porque Ela é
em tudo o oposto da Revolução.
“Maria Santíssima é a Virgem-Mãe do Salvador, com tudo
quanto é digno, belo, nobre e santo reunido para adorná-La. Ela
possui graus de esplendor, de pureza e de perfeições inimagináveis!
É o contrário da maldita serpente, cuja cabeça Ela traz, continua-
mente, esmagada sob seus pés” 1.
Encontra-se, nestas palavras do Prof. Plinio Corrêa de Olivei-
ra, uma perfeita síntese dos comentários que se poderiam fazer sobre
a Hora Noa do Pequeno Ofício.
Os acentos deste Hino evocam, primordialmente, o poder vi-
torioso da Santíssima Virgem. Ela é a cidade fortificada, o seguro
refúgio dos pecadores. É a inexpugnável Torre de David, revestida de
escudos e armaduras de heróicos guerreiros, símbolos das excelsas vir-
tudes de Maria, nunca atingidas pelos ataques do infernal inimigo.
Abrasada no amor a Deus, desde o primeiro instante de sua
Imaculada Conceição, Nossa Senhora quebrantou — e para todo o
sempre esmagará — a soberba do demônio.
Na Hora Noa surgem três insignes filhas do povo eleito, figu-
ras da Bem-aventurada Virgem: a bela Abigail, que representa a
onipotência suplicante de Nossa Senhora; a heróica Judith, imagem
da fortaleza e do poder d’Aquela que venceu o demônio; e Raquel,
mãe de José, governador do Egito, que simboliza a Santíssima Mãe
do verdadeiro Salvador do mundo.
O Hino se encerra com uma enlevada homenagem à excelsa
formosura — espiritual e física — da Imaculada Conceição.
1)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 31/1/1989. (Arquivo pessoal).

272
Noa  Cidade sois de refúgio...

@ Cidade sois de refúgio


Concluída a divisão da terra de Canaã entre as doze tribos de
Israel, o Senhor disse a Josué (Jos. XX, 1-4):
“Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Separai as cidades para os fugi-
tivos, das quais vos falei por meio de Moisés: a fim de que se refugie
nelas todo o que matar uma pessoa sem querer; e possa evitar a ira do
parente próximo do morto, que quiser vingar o seu sangue. Quando ele
se refugiar em uma destas cidades, apresentar-se-á à porta da mesma, e
exporá aos anciãos dela tudo o que possa comprovar a sua inocência; e
desse modo o receberão, e lhe darão lugar em que habite.”

A verdadeira cidade de refúgio


Essas cidades que a clemência divina reservou como asilo para os
fugitivos, simbolizam Aquela que é, por excelência, o Refúgio dos
pecadores. Assim o ensina Santo Afonso Maria de Ligório:
“Havia na Judéia, outrora, cidades de refúgio, nas quais os culpa-
dos podiam abrigar-se e ficavam a salvo das penas merecidas. Agora
já não há tantas cidades de refúgio como antigamente: Só há uma que
é Maria Santíssima, da qual [se escreveu]: Coisas gloriosas se têm dito
de ti, ó cidade de Deus (Sl. LXXXVI, 3).
“Existe aqui uma diferença, porém. Nas antigas cidades de refúgio
não havia asilo para todos os culpados, nem para toda sorte de delitos,
enquanto que sob o manto de Maria acham refúgio todos os pecado-
res e toda espécie de delito. Basta que a Ela se recorra, para se estar
a salvo. «Sou cidade de refúgio para todos que a Mim recorrem», faz
São Damasceno dizer nossa Rainha. Só se exige que a Ela se recorra.
«Ajuntai-vos e entremos na cidade fortificada e guardemos aí silêncio»
(Jer. VIII, 14). Esta cidade fortificada, explica Santo Alberto Magno,
é a Santíssima Virgem, fortificada em graça e em glória.
“«Guardemos aí silêncio» — a isso observa a Glosa: Já que nós
não temos de pedir ao Senhor, basta que entremos nesta cidade, e
nos calemos; porque Maria falará e rogará por nós. Exorta por isso
Benedito Fernandes todos os pecadores a se refugiarem sob o manto
de Maria, dizendo: Fugi, ó Adão, ó Eva, fugi, ó filhos seus que ten-
des ofendido a Deus, fugi e refugiai-vos no seio desta boa Mãe. Não

273
Cidade sois de refúgio...  Capítulo 5

sabeis que é Ela a única cidade de refúgio e a única esperança dos


pecadores?
“Também nos sermões atribuídos a Santo Agostinho, Maria é cha-
mada nossa única esperança.
“Da mesma forma exprime-se Santo Efrém: «Vós sois a única advo-
gada dos pecadores e daqueles que precisam de todo o socorro. Eu Vos
saúdo como asilo e refúgio no qual ainda podem os pecadores achar sal-
vação e acolhimento»” 2.

Refúgio sempre aberto aos pecadores e


às almas fiéis
Ainda, interpretando a citada passagem da Escritura, escreve o Pe.
Jourdain:
“Maria é a cidade de refúgio para a qual devem fugir todos os que
desejam evitar a morte. Os refúgios outrora preparados pelos filhos de
Israel, só podiam salvar a vida dos assassinos no caso de estes terem
cometido um homicídio involuntário, não sendo eles, portanto, real-
mente culpados.
“Deus, na sua infinita misericórdia, preparou-nos em Maria um
refúgio seguro. Por mais culpado que seja um pecador, se ele recor-
rer à proteção de Maria, a justiça de Deus deterá o castigo que já lhe
reservara, e aquele que não tinha a esperar senão os rigores da cóle-
ra divina, obterá o perdão, voltará a ser filho de Deus, e reencontra-
rá seus direitos à herança celeste. O pecador não terá que fazer uma
longa e perigosa viagem para encontrar esse bem-aventurado refúgio.
Maria espera sempre os pobres culpados, e seu coração está constan-
temente aberto para recebê-los. [...]
“Os fugitivos do Senhor são, ainda, os servidores de Deus, aos
quais o mundo e o Inferno perseguem com seu ódio, e as mais varia-
das tentações inquietam, expondo-os ao perigo de se perderem. Tam-
bém — e sobretudo — para eles, Maria abre inteiramente o asilo de
sua misericórdia. Ela será sua defesa, seu amparo e sua consolação” 3.

2)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 80-81.
3)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 507, 655.

274
Noa  Cidade sois de refúgio...

Proteção jamais recusada


À Soror Josefa Menéndez (1890-1923), religiosa coadjutora da
Sociedade do Sagrado Coração de Jesus, disse a Santíssima Virgem:
“O meu mais belo título de glória é o de ser Imaculada ao mesmo tem-
po que Mãe de Deus. Mas, alegra-me principalmente unir a este título
o de Mãe de misericórdia e o de Mãe dos pecadores” 4.
Fiéis intérpretes deste sentimento de Maria, não se cansam os San-
tos e os autores espirituais de louvá-La enquanto Refúgio dos Pecado-
res. À guisa de exemplo, citemos, entre outros:
Santo Efrém: “Ave, refúgio e receptáculo dos pecadores, no qual
unicamente pode um culpado achar proteção e salvamento” 5.
O piedoso Bernardino de Busti exclama: “Ó pecador, ainda quan-
do tivesses cometido todos os crimes, resguarda-te de perder a con-
fiança; mas recorre com segurança a essa gloriosíssima Soberana. Só
Lhe acharás cheias as mãos de misericórdias e de benefícios: porque
Ela deseja mais fazer-te bem e derramar sobre ti as suas graças, do
que tu podes desejar recebê-las” 6.
D. Luís Blósio (séc. XVI), Abade beneditino de Liesse, Bélgica:
“Porque Maria é o único recurso dos que ofenderam a Deus, e o único
refúgio seguro de todos os que gemem sob o peso das tentações [...],
por isto quando Ela os ouve de todo o coração pedir-Lhe o socorro,
imediatamente os acolhe e lhes alcança o perdão do Divino Filho” 7.
O Pe. Lacroix, de quem recolhemos os testemunhos acima, acres-
centa: “É impossível que um pecador sincera e confiantemente recor-
ra a Maria, para reaver a Jesus, sem ser atendido. Isto é inaudito, e soa
como blasfêmia! A Virgem Maria é realmente o seguro refúgio dos
pecadores, e a devoção a Ela é o melhor sinal e plena garantia de sal-
vação e predestinação” 8.

4) MENÉNDEZ, Josefa. Apelo ao Amor. 3. ed. Rio de Janeiro: Rio-S. Paulo, 1963.
p. 598-599.
5)  LACROIX, Pascoal. A Virgem Maria, Seguro refúgio dos pecadores. Petrópolis: SCJ,
1935. p. 42.
6)  Idem, 56.
7)  Idem, p. 57.
8)  Idem, p. 28.

275
Cidade sois de refúgio...  Capítulo 5

Refúgio dos pecadores:


o testemunho de prolongada experiência
Em um de seus tocantes sermões, o Pe. Pinard de La Boullaye,
renomado pregador jesuíta, assim se exprime:
“Que Maria seja toda bondade, não para com a malícia obstinada e
a impenitência, ou seja, para com o pecado, mas para com os pecado-
res; que Ela seja o último recurso dos pobres escravos que desejariam
sacudir o jugo de suas paixões e se afligem de não consegui-lo, dos cul-
pados aos quais a clara consciência de seus desregramentos não acon-
selharia senão o desespero — verdadeiramente, isto não é uma inven-
ção da imaginação humana, nem tampouco a conclusão de complica-
dos raciocínios. É uma convicção imposta aos fiéis por uma prolonga-
da experiência.
“Interrogai os livros ascéticos, dos mais antigos aos mais recentes,
das publicações populares até os tratados dos mais reputados douto-
res, encontrá-los-eis unânimes em provar, pelos mais variados exem-
plos, a extraordinária piedade que a Virgem demonstra em relação
àqueles que A invocam. Ora Ela os ajuda de maneira quase sensível,
através das confissões diferidas por longos anos; ora no leito da morte,
Ela concede a graça da conversão, e assim arranca ao Inferno aque-
les que deste estavam separados apenas por algumas horas ou poucos
segundos; às vezes Ela intervém de maneira miraculosa para chamá-
los ao arrependimento.
“Interrogai os confessores, especialmente os que vivem à sombra
dos santuários consagrados a Maria; os missionários, sobretudo os que
se aplicam em despertar esta devoção que quase todas as mães, feliz-
mente, implantaram com cuidado na alma de seus filhos; os prega-
dores que asseguram à sua palavra, por ardentes súplicas, o apoio da
grande Convertedora. Eles serão unânimes em vos afirmar que resta
ao menos uma esperança de salvação, enquanto subsistir numa alma
uma centelha — sim, não mais que uma centelha — de piedade em
relação à Virgem. [...]

Merecido título de Maria


“Perscrutai as profundezas do Céu. Procurai descobrir, seja entre
os Santos, seja entre os Anjos, um só protetor — exceção feita unica-

276
Noa  Cidade sois de refúgio...

mente de Jesus Cristo — que possa intervir em nosso favor com cari-
dade e convicção semelhantes [às de Maria].
“Se sois obrigados a desistir de encontrá-lo, não deveis convir que
os prodígios de misericórdia atestados por tantos testemunhos se
explicam sem dificuldade, que a fé dos séculos cristãos se acha ampla-
mente justificada, que Maria, numa palavra, merece verdadeiramente
o título de «Refúgio dos pecadores», posto que os maiores culpados,
aqueles cujos apelos o mais misericordioso dos eleitos poderia ser ten-
tado a rejeitar, têm a certeza de n’Ela encontrar uma Advogada pron-
ta a defender sua causa, com o apaixonado afeto de uma mãe?” 9

Onipotente auxílio contra o demônio


Ouçamos, por fim, um significativo comentário do Prof. Plinio Cor-
rêa de Oliveira, a respeito dessa inesgotável solicitude da Virgem Ima-
culada para com os homens:
“Nossa Senhora é seguríssimo refúgio e fidelíssimo auxílio de todos
os que estão em perigo. Não há mãe verdadeiramente católica que
não sinta receio pelo que possa suceder a seu filho.
“Ora, Maria Santíssima, a melhor de todas as mães, quanta solici-
tude não terá para com seus filhos que vivem neste mundo, sujeitos a
toda sorte de riscos? Mais ainda. Concebida sem pecado original, con-
firmada em graça desde o primeiro instante de seu ser, Nossa Senhora
é Aquela que esmagou a cabeça da infernal serpente. Ela pode, por-
tanto, arrancar qualquer pecador das garras do demônio, e impedir
toda influência que este procura ter sobre as almas.
“Esse insondável poder da Santíssima Virgem é uma razão de con-
fiança e de alento para nossa vida espiritual. Em nossos momentos de
tentação, nas horas em que temos medo de sucumbir ao pecado, lem-
bremo-nos deste seguríssimo refúgio, deste fidelíssimo auxílio que nos
oferece a Santa Mãe de Deus” 10.

9)  LA BOULLAYE, P. H. Pinard de. Marie, Chef-d’Oeuvre de Dieu. 4. ed. Paris: Spes,
1948. p. 51-52 e 61.
10)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/12/1965. (Arquivo pessoal).

277
De torres fortalecida...  Capítulo 5

@ De torres fortalecida,
Por David entrincheirada, e de armas também
munida.
Refere-se aqui às fortificações com que David protegeu sua cidade,
Jerusalém. A tais defesas se refere Salomão, no Cântico dos Cânticos,
ao comparar a formosura da Esposa com a “torre de David, que foi
edificada com seus baluartes; dela estão pendentes mil escudos, toda a
armadura dos heróis” (Cânt. IV, 4). São outros símbolos e representa-
ções de Maria Santíssima.

Inexpugnável fortaleza
Com efeito, “que cidade ou castelo há, mais forte, mais sólido e
mais formoso que a sacratíssima Virgem? Cuja alma confirmou Deus
em graça tão soberanamente que jamais se apartou d’Ele, nem em
suas palavras, nem em suas obras, nem em seus pensamentos. Que
torre tão inexpugnável foi aquela alma santíssima, à qual o demônio
não pôde conquistar com todos seus enganos e ataques!
“Mais ainda: nem sequer ousou invadir seu interior; jamais conse-
guiu o demônio tornar-se dono de uma só ameia deste castelo. Caste-
lo este não apenas invencível, mas também invulnerável; pois, embo-
ra haja sofrido perseguição por parte do inimigo, jamais teve tentação
relacionada com a carne, como está escrito: Abimelec não a tocou.
“Se começarmos a considerar o mundo, desde o princípio, e a discor-
rer através de todos os filhos de Adão, nada encontraremos mais está-
vel, mais inabalável, mais constante do que esta sagrada Virgem. [...]

Verdadeira Torre de David


“D’Ela se lê nos Cantares: «Como a torre de David, que foi edifica-
da com seus baluartes; dela estão pendentes mil escudos, toda a arma-
dura dos heróis». Verdadeiramente torre de David, daquele David que
com cinco pedras da torrente, isto é, com as cinco chagas e o báculo da

278
Pela sublimidade
de sua perfeição
Nossa Senhora
é uma torre
que se eleva
até o mais alto do Céus

Nossa Senhora do Carmo


Por David entrincheirada, e de armas também munida...  Capítulo 5

Cruz, derrubou no monte Calvário ao soberbo Golias que se gloriava


de sua força.
“Converteu-se esta torre em baluarte da Igreja e refúgio único de
pecadores, a fim de que a Ela se dirijam todos os réus, todos os tristes,
todos os aflitos, e com sua proteção se livrem do inimigo.
“Ó homem! em qualquer tribulação, refugia-te em Maria: angus-
tiado pelos pecados, atormentado pelas perseguições, ou perturba-
do pelas tentações, dirige-te a esta torre, refugia-te em Maria. Dela
estão pendentes mil escudos: e encontrarás n’Ela um seguríssimo escu-
do para te defender contra as investidas de todas as tribulações e con-
tra a aparição do demônio que te persegue, posto que n’Ela estão as
armaduras de todos os heróis: encontra-se em Maria a fé dos apóstolos,
a fortaleza dos mártires, a pureza das virgens, a sabedoria dos douto-
res, a pobreza dos anacoretas, a devoção dos confessores; n’Ela, em
uma palavra, encontra-se reunida a virtude de todos os Santos. Pois
a nenhum destes se lhe concedeu, por especial privilégio, coisa algu-
ma que não brilhe mais excelentemente em Maria, desde o princípio
de sua vida.
“Eis aqui o fortíssimo castelo, eis aqui a torre inexpugnável, que
jamais pagou tributo ou rendeu obediência ao demônio” 11.

Nossa Senhora e o símbolo da torre


Recolhendo o ensinamento dos Santos e doutores eclesiásticos, o
Pe. Jourdain nos apresenta Maria Santíssima simbolizada pela torre:
“[O Padre Eterno] nos deu uma torre que se eleva até o mais alto
dos céus, uma torre que é a glória da humanidade, e onde todos os
homens, sem exceção, podem encontrar refúgio contra seus inimigos
e contra a cólera do próprio Deus. É a augusta Virgem Maria, a Torre
de David e a Torre de Marfim, como as almas fiéis se comprazem em
chamá-La.

••Alicerces da Torre de David


“A Bem-aventurada Virgem é comparada a uma torre e recebe esse
nome por várias razões.
“A primeira se tira de sua humildade.

11)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 369-370.

280
Noa  Por David entrincheirada, e de armas também munida...

“Uma torre é um edifício cuja massa é considerável, cuja solidez


deve ser a toda prova, e que, em consequência, exige alicerces pro-
fundamente cavados e repousando sobre a rocha viva. A admirável
humildade de Maria, que atraiu sobre Ela os favores do Altíssimo,
como Ela o proclama em seu cântico, foi o fundamento da torre mara-
vilhosa que Deus quis construir. [...]
“Pode-se dizer também que o fundamento da torre mística é a fé
da augusta Virgem, posto que esta virtude é a base de todo bem espi-
ritual, como o alicerce é o começo do edifício. Ou ainda, são as princi-
pais virtudes de Maria, que, semelhantes a pedras de dimensões inu-
sitadas, são perfeitamente próprias a sustentar o incomensurável peso
do monumento que Deus prepara. [...]

••Sublime elevação de alma


“Em segundo lugar, Maria é uma torre pela sublimidade de sua
perfeição. Tanto na vida ativa como na contemplativa, nada há de
comparável à Mãe de Deus. Como uma torre domina todos os obje-
tos que a cercam, assim a augusta Virgem se eleva, pela contempla-
ção e pela ciência das coisas divinas, pela prática das mais heróicas vir-
tudes, como também das mais humildes e desconhecidas, acima dos
mais ilustres Santos, acima dos próprios Querubins e Serafins. [...]

••Força invencível
“Em terceiro lugar, Maria é semelhante a uma torre por sua for-
ça invencível. Ela é a mulher forte de que fala a Escritura, e é sua mão
que sustenta a Igreja militante em meios às lutas e provas de cada dia.
“Foi particularmente no momento da Paixão de seu Divino Filho
e durante as longas horas da permanência de seu corpo no sepul-
cro, que se manifestou a força desta Mãe de dores. [...] Ela seguiu
sem esmorecer seu adorável Jesus, até o alto do Calvário; deu seu
consentimento para o sacrifício da Redenção, ficou ao pé da Cruz
durante todo o tempo que seu Filho nela esteve pregado, e esperou,
com a mais viva e inabalável fé, o feliz momento de sua Ressurrei-
ção. E agora é Ela que transmite a virtude da fortaleza a todos aque-
les que dela necessitam e que recorrem confiantes à sua maternal
proteção.
“Os Apóstolos e os primeiros cristãos foram amparados por Maria,
em meio às provações suscitadas pelo ódio dos judeus e de outros per-

281
Por David entrincheirada, e de armas também munida...  Capítulo 5

seguidores; foram sustentados nos combates interiores, muitas vezes


mais penosos e perigosos que as lutas exteriores. Ela era a torre pode-
rosa que lhes dava abrigo e os tornava fortes e invencíveis, defenden-
do-os contra todo ataque. O que Ela foi para eles, não cessou de ser,
e aqueles que recorrem a seu poderoso auxílio, triunfarão de seus ini-
migos. [...]

••Refúgio dos soldados da Igreja


“Uma torre é o refúgio dos soldados: é lá que eles se põem em
segurança contra os adversários. Assim a Bem-aventurada Virgem
Maria é nosso refúgio, porque nós somos soldados e temos de comba-
ter inimigos muito fortes e cruéis. Mas nesta torre somos defendidos e
protegidos, quando nela procuramos asilo.
“As torres são destinadas à defesa de um campo ou de uma pra-
ça. São construídas para que, a partir delas, mais facilmente se possa
repelir o choque dos inimigos. Maria é destinada à nossa defesa por-
que Ela nos foi dada, de maneira especial, como Mãe, como Padro-
eira, como Advogada, para socorrer eficazmente seus filhos muito
queridos, com afeto todo maternal; para nos obter os auxílios da gra-
ça divina contra todas as tentações; para que, no último momento de
nossa vida, Ela nos assista; enfim, para que Ela expulse os demônios,
nossos maiores inimigos, e nos conduza à pátria celestial!” 12

Torre de Marfim: imagem da intransigência


de Maria
Na Ladainha Lauretana, é Nossa Senhora invocada como Torre de
Marfim. O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira assim interpreta esse título
da Mãe de Deus:
“Poucas imagens poderiam dar tanto a idéia de intransigência,
quanto a Torre de Marfim. É a fortificação feita de material limpís-
simo, alvíssimo, duríssimo, que é bem a representação da pureza e da
santa intolerância. É a torre da integridade, da segurança de quem

12)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 233-234 e 236-239.

282
Noa  Bem não éreis concebida, em caridade abrasada...

não tem falsas condescendências, e onde o homem se mostra superior


em relação às vulgaridades e baixezas deste mundo.
“Na criação, Nossa Senhora, que é a Arca da Aliança, a Por-
ta do Céu, vista sob outro aspecto, bem merece ser chamada a Tor-
re de Marfim, pelo fato de que Ela, entre todas as criaturas, levanta-
se como uma torre. Só Ela teve a conceição imaculada; só Ela obteve
o privilégio da virgindade antes, durante e depois do parto; só Ela cor-
respondeu à graça de modo a ser objeto inteiro de toda a predileção e
de toda a complacência de Deus.
“Nas guerras de outrora, as torres eram dispositivos de defesa, a
partir dos quais eram repelidos os ataques dos inimigos. Ora, a San-
tíssima Virgem se apresenta como uma fabulosa antítese de toda sorte
de erro e de mal. Assim, Ela é bem uma torre, e uma torre de marfim,
no meio de todas as degradações, misérias e corrupções que existem
no mundo. Ela é inteiramente casta, Virgem entre as virgens, sempre
obediente a Deus, Rainha de tudo e de todos.
“Verdadeiramente, Nossa Senhora se ergue como uma torre na
planície: torre puríssima de marfim, invulnerável ao pecado, indife-
rente a todas as investidas de seus adversários, voltada apenas para
Deus” 13.

@ Bem não éreis concebida, em caridade abrasada


Na Imaculada Conceição, perfeito amor a Deus
“Qual dos Santos poderia dizer que amou a Deus desde o primeiro
instante de sua existência?
“Maria Santíssima, porém, amou a Deus desde sua Imaculada
Conceição. Dotada, a partir desse momento, do uso da razão, desde
então louvou de todo coração a bondade e a grandeza de Deus. Por-
tanto, no curso de toda sua vida, não só não houve nunca espécie algu-
ma de arrefecimento, mas houve um crescer contínuo do amor, até o
último instante de sua existência terrena” 14.
O mesmo ensina São João Eudes, segundo o qual Nossa Senho-
ra, desde o primeiro instante de sua Imaculada Conceição, “começou

13)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 1963. (Arquivo pessoal).


14)  ROSCHINI, Gabriel. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 165.

283
Bem não éreis concebida, em caridade abrasada...  Capítulo 5

a adorar, louvar, glorificar e amar a Deus com toda sua alma e com
todas suas forças, e conforme à quantidade de graça que n’Ela havia.
Por cuja razão se pode dizer com toda verdade que, como esta graça
excedia à dos principais Anjos e maiores Santos, Ela adorou também
a Deus mais perfeitamente, louvo-O e O glorificou mais dignamente,
e O amou mais ardentemente no primeiro instante de sua vida, do que
o fizeram os grandes Santos no fim de seus dias. [...]

Ardorosa caridade para com os homens


“Por outro lado], tendo-A escolhido o Padre Eterno, desde o
momento de sua concepção, para comunicar a Ela sua divina pater-
nidade, e para fazê-La Mãe de seu Filho Jesus e de todos os demais
filhos, começou por torná-La, desde então, partícipe de seu paternal
amor a seu amado Filho e a todos nós. De sorte que, ainda quando
não soubesse que havia de ser Mãe do Filho de Deus e de todos os
cristãos, conhecendo, sem embargo, que Ele havia de se encarnar e
ser Pai de um grande número de filhos: o Pai dos séculos futuros, o
coração de Maria se abrasava de ardentíssimo amor a Ele e se infla-
mava em imensa caridade para com seus filhos: caridade proporciona-
da à dignidade infinita de Mãe de Deus, e, em consequência, de certa
maneira, infinita” 15.

Perfeita prática do Primeiro Mandamento


Considerando a ardente caridade de Nossa Senhora, escreve Santo
Afonso de Ligório, firmado no sentir comum dos teólogos:
“Diz Santo Alberto Magno: Quanto é grande a pureza, é também
grande o amor. Quanto mais um coração é puro e vazio de si mes-
mo, tanto mais cheio é de caridade para com Deus. Assim Maria, sen-
do sumamente humilde e vazia de si, foi cheia do divino amor e nes-
te excedeu a todos os Anjos e homens, como disse São Bernardino de
Siena. Com razão, A chama São Francisco de Sales: Rainha do amor.
“Deu o Senhor aos homens o preceito: «Amarás ao Senhor, teu
Deus, de todo o teu coração» (Mt. XXII, 37). Entretanto, os homens,

15)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 66; 313-314.

284
Noa  Bem não éreis concebida, em caridade abrasada...

diz São Tomás, não na Terra, mas no Céu, poderão cumpri-lo perfeita-
mente. Na opinião de Santo Alberto Magno, semelhante preceito, por
ninguém cumprido com perfeição, de certo modo teria sido indecoro-
so ao Senhor, que o decretou, se não houvesse existido sua santa Mãe
que o cumpriu perfeitamente.
“Tal pensamento é confirmado por Ricardo de São Vítor: A Mãe
de nosso Emanuel em todo sentido praticou as virtudes com consuma-
da perfeição. Quem como Ela cumpriu o preceito de amar a Deus de
todo o coração? Tão intenso era n’Ela o incêndio do amor divino, que
não restava lugar para a menor imperfeição. De tal modo o amor divi-
no feriu a alma de Maria, observa São Bernardo, que não Lhe deixou
parte alguma que não fosse ferida de amor. Deste modo, pois, cum-
priu a Senhora perfeitamente o primeiro preceito divino. [...]

Caridade que põe em fuga os demônios


“Deus é o amor (I Jo. IV, 16) e à Terra veio para atear em todos os
corações a chama de seu amor. Mas, como o de Maria, não inflamou
nenhum outro. Puro completamente de afetos terrenos, estava ele pre-
paradíssimo para arder nesse bem-aventurado fogo. Daí então as pala-
vras do Pseudo-Jerônimo: Tanto A abrasou o amor divino, que nada de
terreno Lhe prendia as inclinações. Ardia, completa e totalmente, no
amor divino e dele estava inebriada. Sobre esse amor lê-se nos Cânti-
cos: Seus abrasamentos são de fogo, chamas do Senhor (VIII, 6).
“Fogo e chamas tão somente era, pois, o coração de Maria. Fogo,
porque ardia inteiramente pelo amor, como fala um texto atribuído
a Santo Anselmo. Chamas, porque resplandecia externamente pelo
exercício das virtudes. [...] Sobre isso apóia-se o pensamento de São
Bernardino de Siena, de que Maria nunca foi tentada pelo Inferno.
Eis as suas palavras: Assim como de um intenso fogo fogem as mos-
cas, assim do coração de Maria, fogueira de caridade, eram expulsos
os demônios, de modo que nem tentavam aproximar-se dele. [...]

Contínuo ato de amor a Deus e ao próximo


“Mais ainda me agrada este pensamento de Bernardino de Busti:
Maria não vivia repetindo atos de amor, à maneira dos Santos; mas,

285
Bem não éreis concebida, em caridade abrasada...  Capítulo 5

por singular privilégio, foi a sua vida um ato único e contínuo de amor
de Deus. [...]
“O amor para com Deus e para com o próximo nos é imposto pelo
mesmo preceito: «E nós temos de Deus este mandamento que o que
ama a Deus ame também o seu irmão» (I Jo. IV, 21). São Tomás nos dá
a razão: Quem ama a Deus, ama todas as coisas amadas por Ele. Dis-
se um dia Santa Catarina de Siena: «Meu Deus, quereis que eu ame ao
próximo e só a Vós eu posso amar». Ao que lhe respondeu o Senhor:
«Quem me ama, também ama tudo aquilo que é amado por Mim».
“Ora, como nunca houve, nem haverá quem ame a Deus mais do
que Maria, também nunca houve, nem haverá quem mais do que Ela
ame o próximo. [...] Mais brilhante prova dessa grande caridade não
nos pôde dar, do que oferecendo seu Filho à morte pela nossa salva-
ção. Tanto amou o mundo, que, para salvá-lo, entregou à morte Jesus,
o seu Filho Unigênito, diz um texto atribuído a São Boaventura. De
onde assim Lhe fala Santo Anselmo: Ó bendita entre as mulheres, Tu
excedes aos Anjos em pureza, e aos Santos em compaixão” 16.

Incomparável e abrasadora caridade


Ouçamos, por fim, a consideração do Prof. Plinio Corrêa de Oli-
veira, acerca da inexcedível caridade que abrasava a alma de Nossa
Senhora:
“Nunca houve, e jamais haverá, em toda a história da criação, um
amor a Deus tão perfeito e tão ardoroso quanto o que teve Nossa
Senhora, desde o primeiro instante de seu ser.
“Se considerarmos o amor a Deus que têm os Anjos, e o que bri-
lhou nas almas dos grandes Santos — por exemplo, o amor zeloso,
combativo, ágil, de Santo Inácio de Loyola; o amor embevecido, cheio
de ternura e de ardor, de São Francisco de Assis; o amor contemplati-
vo, feito de pensamento e de meditação, de São Bento; e o amor elo-
quente, inflamado, de São Bernardo — se, pois, considerarmos todos
esses amores, podemos concluir que:

16)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima, 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 338-342.

286
Noa  Foi do dragão a soberba, por Vós, ferida e humilhada...

“Primeiro, Nossa Senhora possuiu todas as modalidades de amor a


Deus que houve e haverá, até o fim do mundo, no Céu e sobre a Terra,
nos Anjos e nas almas mais santas;
“Segundo, Ela excedeu a cada um desses Anjos e Santos, de modo
incalculável, na forma específica de amor a Deus que os distinguiram;
“E em terceiro lugar, a soma da caridade de todos os Anjos e de
todos os Santos reunidos, não tem proporção alguma com a sublime
caridade de Nossa Senhora, que reina acima de todo o conjunto das
criaturas!” 17

@ Foi do dragão a soberba, por Vós, ferida e humi-


lhada

A prometida vencedora do demônio


Em um de seus fervorosos sermões sobre Nossa Senhora, São João
de Ávila assim se exprime:
“Tinha a Virgem um magnânimo coração, cheio de fortaleza do Céu,
com que pisava o leão e o dragão, que é o demônio com todas as suas
fúrias e astúcias; e ele e os seus tinham d’Ela tanto temor, que de sua pre-
sença e de seu nome iam fugindo, derretidos como cera. Porque se de San-
to Antão tinham os demônios tal pavor que, ouvindo seu nome, punham-
se em fuga, com quanta maior razão se deve crer que, ao nome de Maria,
fugirão eles, e com mais celeridade, pois Ela é a mulher da qual está escri-
to que havia de esmagar a cabeça ao demônio, não só porque escapou do
pecado original, mas de todos os outros, mortais e veniais?” 18
A respeito dessa invencível superioridade de Nossa Senhora sobre
o demônio, não menos calorosas são estas palavras de São Bernardo:
“Para falar pouco do muito, que outra coisa te parece que pre-
disse Deus, quando declarou à serpente: «Porei inimizades entre ti e a
mulher»? E se ainda duvidas que falasse de Maria, ouve o que segue:
«Ela te pisará a cabeça». Para quem se reservou esta vitória, senão para
Maria? Ela, sem dúvida, esmagou a venenosa cabeça [do demônio],
vencendo e reduzindo a nada todas as sugestões do inimigo, assim nos
deleites do corpo como na soberba do coração” 19.

17)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 25/6/1966. (Arquivo pessoal).


18)  ÁVILA, Juan de. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 938-939.
19)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 194.

287
Abrasada no
amor a Deus
e ao próximo,
Maria é
a Virgem
Poderosa que
sempre esmagará
a soberba do
Nossa Senhora do
dragão infernal Olvido, Triunfo e
Misericórdia
Noa  Foi do dragão a soberba, por Vós, ferida e humilhada...

Outro eloquente comentário acerca do triunfo de Nossa Senhora


sobre o demônio, é este de Santo Afonso de Ligório: “Não só do Céu
e dos Santos é Maria Santíssima Rainha, senão também do Inferno
e dos demônios, porque os venceu valorosamente com suas virtudes.
Já desde o princípio do mundo tinha Deus predito à serpente infernal
a vitória e o império que sobre ela obteria nossa Rainha. «Porei inimi-
zade entre ti e a mulher; ela te esmagará a cabeça» (Gên. III, 16). Mas
quem foi esta mulher, sua inimiga, senão Maria, que com sua profun-
da humildade e santa virtude sempre venceu e abateu as forças de
Satanás, como atesta São Cipriano?
“É para se notar que Deus falou «Eu porei» e não «Eu ponho» ini-
mizade entre ti e a mulher. Isto faz para mostrar que a sua vencedora
não era Eva, que já então vivia, mas uma sua descendente. Esta devia
trazer a nossos primeiros pais, como diz São Vicente Ferrer, um bem
maior do que aquele que tinha perdido com o seu pecado. Maria é,
portanto, essa excelsa mulher forte que venceu o demônio e, em lhe
abatendo a soberba, esmagou-lhe a cabeça, conforme as palavras do
Senhor: Ela te esmagará a cabeça” 20.

Aquela que esmagará o mal em nossos dias


E assim exprime o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sua confiança
n’Aquela que humilhou a soberba do dragão:
“Para o mundo contemporâneo, não há outro caminho, senão a
ordem perfeita do catolicismo, ou o caos completo da aniquilação.
Não é, pois, sem angústia que até mesmo alguns espíritos nos quais
não arde a fé católica, indagam se a Igreja soçobrará ao vendaval da
crise moderna. [...]
“É para estas almas cegas, que a invocação da Ladainha Lauretana
Virgo Potens constitui tema de proveitosa meditação. Não é das baione-
tas pagãs, nem do ouro semítico, nem de qualquer outro recurso huma-
no, que a Igreja espera o grande triunfo que salvará mais uma vez a civi-
lização. A Igreja é divinamente indestrutível e se-lo-á amanhã, como
já o era ontem. É só de Deus, Nosso Senhor, que lhe virão no momen-

20)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 94-95.

289
Sois a bela Abigail...  Capítulo 5

to oportuno os milagres que asseguraram o triunfo de Constantino, o


recuo de Átila e a derrota dos muçulmanos em Lepanto.
“De Maria Santíssima, diz a Sagrada Liturgia: «Só Tu esmagaste
todas as heresias». Mais possante que os modernos Césares, invencí-
vel como nunca o foram os modernos sinédrios, há uma Virgem Pode-
rosa que esmagará o mal em nossos dias, Ela que já esmagou outrora
a cabeça orgulhosa da terrível serpente. Sua força, já o dissemos, não
está no ouro, nem nos canhões. Sua força está na sua caridade que é
invencível, na sua humildade que é incomensurável, na sua pureza que
é indizível.
“Conjuguem-se embora, contra a infalível Cátedra de São Pedro,
o demônio, o mundo e a carne, a Virgem Potente triunfará. E, no
momento da derrota, todo o ouro dos seus adversários lhes será inú-
til como se fosse lama, seus canhões inoperantes como se fossem brin-
quedos.
“Ao ouvir estas palavras, é possível que um sorriso desdenho-
so exprima em certos lábios céticos uma desaprovação irritada. Um
dia virá porém — e quem sabe se não é amanhã — em que a Virgem
Potente triunfará suscitando uma nova legião de cruzados, ou dando
ao Papa a vitória incruenta e gloriosa que teve outro Pontífice, São
Leão I, quando, armado só com a Cruz de Cristo, fez recuar o terrível
Rei dos Hunos.
“Não, a despeito do riso dos céticos, das injúrias dos perversos e da
incredulidade dos medrosos, é a Virgo Potens que vencerá!” 21

@ Sois a bela Abigail


A história de Abigail, esposa de Nabal
Perseguido pelo invejoso e ingrato Saul, David se refugiou, com
algumas centenas de soldados, no deserto de Faran. Encontrando-se
à míngua de víveres, enviou ele mensageiros a um homem de muitas
posses, que habitava em Maon, rogando-lhe auxílio em provisões.
“O nome daquele homem era Nabal, e o nome da sua mulher Abi-
gail; e esta era muito prudente e formosa; seu marido, porém, era um
homem duro e péssimo e malicioso. [...] Respondendo Nabal, aos cria-

21)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Virgo Potens. In: Maio mês das flores... Belo mês de
Maria. São Paulo: Rádio Bandeirante, 1938. p. 96-98.

290
Noa  Sois a bela Abigail...

dos de David, disse: Quem é David? E quem é o filho de Isaí? Hoje


são numerosos os servos que fogem aos seus senhores. Pegarei eu,
portanto, no meu pão, e na minha água, e na carne dos animais que
matei para os que tosquiam as minhas ovelhas, e dá-lo-ei a homens
que não sei donde são?
“Os criados de David, pois, retomaram o seu caminho, e, tendo
chegado, contaram-lhe todas as palavras que Nabal tinha dito. Então,
David disse à sua gente: Cinja cada um a sua espada. E cingiram todos
as suas espadas, e cingiu também David a sua; e seguiram David cerca
de quatrocentos homens.
“Mas um dos criados de Nabal noticiou a Abigail, sua mulher,
dizendo: Sabe que David enviou do deserto mensageiros, para sauda-
rem o nosso amo; e ele os repeliu. Estes homens nos têm sido muito
úteis, e nunca nos foram molestos. [...] Portanto, considera e vê o que
deves fazer, porque uma grande desgraça está para cair sobre o teu
marido e sobre a tua casa, e ele é um filho de Belial, (tão violento) que
ninguém se atreve a falar-lhe.
“Apressou-se, pois, Abigail, e tomou duzentos pães, e dois odres
de vinho, e cinco carneiros cozidos, e cinco medidas de farinha e cem
cachos de uvas passas, e duzentas pastas de figos secos, e pôs (tudo)
em cima de jumentos; e disse aos seus criados: Ide adiante de mim,
que eu irei atrás de vós; e não disse nada a seu marido Nabal. Tendo,
pois, montado num jumento, e descendo pelas faldas do monte, eis
que David e seus homens desciam para ela; e ela foi-lhes ao encon-
tro. E David dizia: Em verdade que de nada me serviu de ter guarda-
do tudo o que este (homem) tinha no deserto, sem que se lhe perdes-
se nunca coisa alguma do que possuía; e ele me pagou mal por bem.
Deus trate com todo o seu rigor os inimigos de David, se eu até ama-
nhã deixar viva coisa que lhe pertença. [...]
“Mas Abigail, tendo visto David, apressou-se, e desceu do jumen-
to, e prostrou-se diante de David sobre o seu rosto, e fez-lhe uma pro-
funda reverência, e lançou-se a seus pés, e disse: Sobre mim caia, meu
senhor, esta iniquidade; peço-te que permitas à tua escrava falar aos
teus ouvidos, e ouve as palavras de tua serva. Não faças caso, te peço,
meu senhor e meu rei, da injustiça de Nabal, porque como o deno-
ta o seu próprio nome, é um insensato, e a loucura está com ele. Mas
eu, tua escrava, não vi os criados que tu, meu senhor, enviaste. Agora,
pois, meu senhor, viva o Senhor, e viva a tua alma, pois que o Senhor

291
Sois a bela Abigail...  Capítulo 5

te impediu de derramar sangue, e deteve a tua mão. [...] Portanto,


aceita esta bênção, que a tua escrava te trouxe, meu senhor, e repar-
te dela com os que te seguem. Perdoa à tua escrava a iniquidade [de
Nabal]. [...]
“E David disse a Abigail: Bendito seja o Senhor Deus de Israel,
que te enviou hoje ao meu encontro, e bendita a tua palavra, e ben-
dita tu, que me impediste hoje de derramar sangue, e vingar-me pela
minha mão. [...] David, pois, aceitou da sua mão tudo o que lhe tinha
trazido, e disse-lhe: Vai em paz para tua casa; eis que ouvi a tua voz e
honrei a tua presença” (I Reis XXV, 1-35).

Prefiguração da Advogada dos pecadores


Este tocante episódio do Antigo Testamento encerra uma extraor-
dinária representação de Nossa Senhora, que intercede pelos pecado-
res junto ao trono de Deus.
Com efeito, “na conduta de Nabal — explica-nos o Pe. Rolland —
encontra-se uma pintura exata dos desregramentos do pecador; na
feliz mediação de Abigail, uma fiel imagem da caridade compassiva
da Santa Virgem pelos pecadores, e de seu irresistível crédito junto ao
Senhor, para obter seu perdão. [...]
“Eficaz foi, portanto, a intercessão de Abigail: com seus encan-
tos, suas palavras de sabedoria e seus generosos presentes, ela tocou o
coração de David.
“Mais eficaz junto ao Rei dos reis é a mediação da Santíssima Vir-
gem em favor dos pecadores. Porque a esposa de Nabal só interce-
deu uma vez, e por um único culpado. Maria intercede sem cessar por
milhões e milhões de pecadores.
“Abigail ganhou o coração de David por sua modéstia realçada
pelos atrativos da mais fulgurante beleza. Maria, nossa Advogada,
arrebata o coração de Deus por sua incomparável perfeição. Tota pul-
chra es!

Causa comum com os miseráveis


“Abigail obtém misericórdia, tomando sobre si a falta de seu mari-
do, e fazendo valer, com admirável habilidade, o que podia descul-

292
Noa  Sois a bela Abigail...

pá-lo. Maria toma sobre si todas as nossas iniquidades, porque Ela é


nossa Mãe espiritual, e nós somos seus filhos e, por conseguinte, nos-
sa causa é a d’Ela. Porém, com que eloquência Ela suplica por nós!
Como Ela sabe nos aliviar de nossas responsabilidades! Enquanto
acumulamos pecados sobre pecados, Ela pede em nosso favor perdão
e misericórdia. Ela representa ao Senhor nossa miséria, nossa fraque-
za, a enfermidade de nossa natureza, a malícia do demônio que nos
persegue, a violência das tentações que nos assaltam, a perversidade
do mundo que procura nos seduzir e nos levar a toda espécie de mal.
Lembra Ela a Deus que seu Divino Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo,
veio ao mundo para salvar os pecadores. [...] Ela exalta a misericórdia
do Senhor, bendiz a bondade e a indulgência da Santíssima Trindade.

Dádivas de valor infinito


“Não é o bastante. Como Abigail, às palavras Ela une os presentes.
“Entre outras coisas, Maria também oferece pão, vinho, um cordei-
ro, mas que cordeiro, que pão e que vinho! Ela apresenta ao Senhor,
pelos prevaricadores, o Cordeiro de Deus, o Filho de Deus, seu Filho,
imolado no Calvário pela redenção do mundo. Ela O apresenta sacri-
ficado, todos os dias, milhares e milhares de vezes, sobre os altares,
pela transubstanciação separada do pão e do vinho em Corpo e San-
gue do Salvador. E com os méritos de Jesus Ela oferece seus próprios
méritos, seus próprios sofrimentos, suas lágrimas, seus gemidos. E Ela
ganha sua causa. Feliz e poderosa advogada, Ela aplaca a cólera de
Deus, detém o braço de sua justiça pronto a nos ferir, [...] e obtém o
perdão dos pecadores. Que digo? Mais poderosa que Abigail em face
de David, Maria muda os corações em favor dos quais Ela solicita a
misericórdia divina. Não somente Ela intercede pelos pecadores, mas,
ó prodígio de poder e de bondade, Ela os converte” 22.

Nova Abigail que favorece a misericórdia de Deus


Outro insigne mariólogo assim estabelece um paralelo entre a anti-
ga e a nova Abigail:

22) ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910. Vol. I. p. 124; 129-130.

293
Sois a bela Abigail...  Capítulo 5

“Nabal havia rejeitado com dureza, aos enviados de David, as pro-


visões necessárias ao eleito do Senhor. Ele mereceu um castigo que
não ia se fazer esperar. Mas, Abigail, sua esposa, reparou a falta come-
tida, e obteve o perdão para o culpado.
“Maria é nossa Abigail. Semelhantes ao insensato Nabal, e mais
indignos de perdão do que este — porque nós conhecemos melhor do
que ele a quem ofendemos, e não ignoramos nem seu poder, nem os
benefícios com que Ele nos cumulou, nem o perigo espantoso ao qual
nos expomos loucamente — fizemos levantar-se contra nós a ira de
Jesus Cristo, o verdadeiro David.
“Maria, tomada de compaixão, acorreu para nos salvar. Ela impe-
diu David de precipitar na morte eterna a Nabal, o miserável insen-
sato. Prosternada aos pés do Senhor, humilhando-se profundamen-
te, Ela disse: «Que esta iniquidade, meu Senhor, caia sobre mim. Que
Nabal não receba de Vós castigo algum». Não vos vingueis; antes deixai
agir vossa bondade, multiplicai vossos benefícios, perdoai aos culpa-
dos, manifestai vossa misericórdia.
“David, aplacado pela intercessão de Abigail, disse-lhe: «Que o
Senhor, Pai de misericórdias, seja bendito por vos ter enviado hoje ao meu
encontro, e bendita seja a vossa palavra». Jesus Cristo, nosso Senhor e
nosso Deus, não pede senão que se deixe agir sua misericórdia em
nosso favor. Mas, o mínimo que pode exigir sua justiça, não é que Lhe
seja implorado o perdão do culpado?
“Quando Maria se humilha diante de seu Divino Filho, quando Ela
roga por nós, Ele se compraz em satisfazer seus desejos, Ele agrade-
ce à sua divina Mãe a ocasião que Ela Lhe proporciona de manifestar
sua bondade, e de exercer sua infinita misericórdia.

Maria detém a cólera de Deus


“A cólera de Deus contra os pecadores é terrível. Ele se compara
à leoa, e diz pelos lábios de Oséias (V, 14): «Eu serei como uma leoa e
como um leãozinho; Eu, Eu mesmo tomarei a minha presa, e ir-me-ei
com ela». E, mais adiante (XIII, 8): «Eu lhes sairei ao encontro como
uma ursa a quem roubaram os seus [filhotes], e lhes rasgarei as entra-
nhas até ao coração».

294
Nossa Senhora
do Sagrado Coração

A nova Abigail, celeste advogada que


sempre alcança do Sagrado Coração de Jesus
o perdão para os pecadores
Sois a bela Abigail...  Capítulo 5

Grande Advogada dos pecadores


“Santo Antonino conta o seguinte de um homem
que vivia em inimizade com Deus. Pareceu-lhe certa
vez que comparecia perante o tribunal de Jesus Cristo.
De um lado acusava-o o demônio, enquanto que Maria
o defendia. O inimigo apresentava ao pecador a lista de
suas faltas, a qual, posta na balança da divina justiça,
pesava mais que todas as [suas] boas ações.
“Mas, que fez então a sua grande Advogada? Esten-
deu a sua compassiva mão e, pondo-a sobre a balan-
ça, fê-la inclinar a favor do seu devoto. E assim lhe fez
entender que Ela lhe alcançava o perdão, se mudasse
de vida.
“Com efeito, aquele pecador, depois de tal visão, mudou de
vida e se converteu.”

LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima.


6. ed. Petrópolis: Vozes, 1964. p. 85-86.

“Se Maria não se apresentasse diante de Jesus, intercedendo por


nós, todo o peso desta temível cólera teria caído sobre nós e nos esma-
gado. Contudo, Ela se apresentou, e se apresenta a cada dia, [peran-
te seu Divino Filho], não se cansando de salvar aqueles que imploram
sua assistência.
“David perdoou a Nabal em consideração da belíssima e pruden-
tíssima Abigail: assim Deus nos perdoa por causa de Maria, a mais
bela, a mais perfeita e a mais amada de todas as suas criaturas” 23.

23)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.Vol. I.
p. 523-525.

296
Noa  Sois a bela Abigail...

Mãe e Advogada dos homens


Ainda sobre a incansável Advogada dos pecadores, diz o Prof. Pli-
nio Corrêa de Oliveira:
“Afirmam os teólogos que, no alto da Cruz, Nosso Senhor, Profeta
perfeito, conhecia todos os pecados de todos os homens, pelos quais
Ele estava derramando seu preciosíssimo Sangue. Ele sofria com a
antevisão das injúrias que Lhe seriam feitas até o fim do mundo, ao
mesmo tempo em que oferecia sua vida por esses mesmos pecadores,
para lhes alcançar a graça da conversão e da bem-aventurança eterna.
“Ora, junto à Cruz estava Nossa Senhora, co-redentora do gêne-
ro humano, participando dos sofrimentos de seu Divino Filho. E para
que sua compaixão fosse completa, Ela também considerou a causa de
todas aquelas dores, ou seja, os pecados dos homens, e já então come-
çou a interceder pela humanidade culpada.
“Assim, enquanto o Verbo de Deus, pregado ao Madeiro, discer-
nia a espantosa quantidade de pecados cometidos pelos homens ao
longo dos séculos, Nossa Senhora Lhe pedia o perdão para cada um
deles. Porque Ela, sendo imaculada e inocente, merecia a indulgência
da qual não somos dignos.
“Eis a missão de Maria Santíssima como nossa Mãe e nossa Advo-
gada. Mãe do Homem-Deus, Ela foi Mãe de todos aqueles que nasce-
ram para a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mãe do Redentor, Ela
se tornou Mãe dos pecadores. E Ela desempenhou, assim, um papel
que, de certo modo, o próprio Deus não poderia exercer. Ele é o Eter-
no Juiz que deve punir os que O injuriam. Nossa Senhora, porém, é
Mãe, e às mães não cabe a tarefa de julgar, mas a de interceder. Elas
são as naturais advogadas dos filhos, e estão solidárias com estes, até
quando o pai os increpa a justo título.
“Assim, por mais miserável, imundo e repelente que seja o filho
pecador, a Mãe de misericórdia o perdoa e roga por ele ao Senhor,
aplacando a justiça divina.
“Advogada supremamente boa, Nossa Senhora, em favor de cada
um dos pecadores que a Ela recorre, dirige a Jesus Cristo esta súplica:
«Meu Deus e meu Filho, pelo vosso dolorosíssimo sofrimento no Calvá-
rio, pela minha Imaculada Conceição, pela minha perpétua virgindade,
pelo amor que Vós sabeis que Vos tenho, peço-Vos: perdoai-o!»

297
Judith invicta e animosa...  Capítulo 5

“Essa contínua e ilimitada intercessão de Maria pelos homens é,


sem dúvida, o meio mais seguro que temos para alcançar o perdão
divino” 24.

@ Judith invicta e animosa


Judith, libertadora de Israel
Conta-nos a Sagrada Escritura que Nabucodonosor, Rei dos assí-
rios, orgulhoso de suas vitórias sobre os medos, quis submeter ao seu
império toda a Terra. Convocando o general de suas tropas, Holofer-
nes, disse-lhe (Jud. II, 5-6):
“Vai atacar os reinos do Ocidente, e principalmente aqueles que
desprezaram as minhas ordens. O teu olho não perdoará a nenhum
reino, e tu me sujeitarás todas as cidades fortes.”
Holofernes, com mais de cento e trinta mil combatentes, marchou
sobre os territórios estrangeiros, apoderando-se de todas as praças
fortes, saqueando e destruindo tudo à sua passagem. Igual sorte esta-
va reservada à Cidade Santa, Jerusalém, e ao seu templo, caso não se
detivesse o avanço daquele sanguinário general.
Então, o Sumo Sacerdote Eliaquim organizou, rápida e ener-
gicamente, a defesa do território de Israel: mandou que se ocupas-
sem todos os cumes dos montes e que cercassem as aldeias de muros.
Escreveu também a todos os lugares por onde Holofernes podia pas-
sar, ordenando que protegessem as vertentes das montanhas e os des-
filadeiros.
Diante dessa inopinada resistência, o general assírio, cheio de
furor e inflamado de grande cólera, mandou marchar suas tropas con-
tra Betúlia, organizando um rigoroso cerco a esta cidade de Israel.
Ao cabo de vinte dias, oprimidos pela fome e pela sede, os habitantes
de Betúlia prorromperam em murmúrios e lamentações, exigindo de
seus governantes a rendição ao inimigo.
Levantando-se então Ozias, um dos chefes da cidade, disse ao
povo: “Tende bom ânimo, irmãos, e por estes cinco dias esperemos a
misericórdia do Senhor. Talvez se aplaque a sua ira, e dê glória ao seu
nome. Mas se, passados estes cinco dias, não nos vier socorro, faremos
o que vós dissestes.

24)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 7/2/1971. (Arquivo pessoal).

298
Noa  Judith invicta e animosa...

“Ora, aconteceu que estas palavras foram ouvidas por Judith, viú-
va, filha de Merari. Havia já três anos e seis meses que Judith tinha
ficado viúva de Manassés. E no andar superior da sua casa tinha fei-
to para si um quarto retirado, no qual se conservava recolhida com as
suas criadas, e, trazendo um cilício sobre os seus rins, jejuava todos
os dias de sua vida, exceto nos sábados, e [nos primeiros dias de cada
mês], e nas festas da casa de Israel. E era de belíssimo aspecto, e seu
marido lhe tinha deixado muitas riquezas, e uma família numerosa, e
fazendas cheias de manadas de bois e de rebanhos e de ovelhas. E ela
era estimadíssima de todos porque tinha muito temor de Deus, e não
havia ninguém que dissesse dela uma palavra em desfavor.
“Tendo, pois, ela sabido que Ozias tinha prometido entregar a cida-
de, passados cinco dias, mandou chamar os anciãos Cabri e Carmi. E
eles foram ter com ela, e disse-lhes: Que palavra é esta, com a qual
concordou Ozias, de entregar a cidade aos Assírios, se dentro de cin-
co dias vos não viesse socorro? E quem sois vós, que tentais o Senhor?
Não é esta uma palavra que excite a sua misericórdia, mas antes pro-
voca a ira, e acende o furor. [...] Mas, porque o Senhor é paciente,
arrependamo-nos disto mesmo, e, derramando lágrimas, imploremos
a sua misericórdia. [...]
“Então Ozias e os anciãos responderam-lhe: Tudo o que nos tens
dito é verdade, e nada há de repreensível nas tuas palavras. Agora,
pois, ora por nós, porque tu és uma mulher santa e temente a Deus.
“E Judith disse-lhes: Assim como reconheceis que o que eu vos
disse é de Deus, assim também sabereis por experiência que vem de
Deus o que resolvi fazer; e (entretanto) orai para que Deus torne efi-
caz a minha resolução” (Jud. VII, 23-24; VIII, 1, 4-11, 14, 28-31).

Judith corta a cabeça de Holofernes


Depois de elevar ao Senhor fervorosas orações, Judith “despiu-se
dos hábitos da sua viuvez, e lavou o seu corpo, e ungiu-se de precio-
sos cheiros, e entrançou os cabelos da sua cabeça, e pôs uma coifa
sobre a mesma, e vestiu-se com os vestidos de gala, e calçou suas san-
dálias, e pôs braceletes e jóias do feitio de açucenas, e arrecadas, e
anéis, (numa palavra) ornou-se com todos os seus enfeites. O Senhor
aumentou-lhe ainda a gentileza, porque todo este adorno procedia,
não de algum mau desejo, mas de virtude; e por isso o Senhor aumen-

299
Judith invicta e animosa...  Capítulo 5

tou-lhe a formosura, a fim de que parecesse aos olhos de todos de


incomparável beleza” (Jud. X, 2-4).
Assim adornada, encaminhou-se Judith ao acampamento dos assí-
rios, sendo logo conduzida à presença de Holofernes. Este, ao vê-la,
“ficou cativo de seus olhos” (Jud. X, 11), acolheu-a com bondade e lhe
destinou um aposento onde ele guardava seus tesouros.
Ao cabo de quatro dias, Holofernes resolveu dar uma ceia aos seus
domésticos, para a qual convidou também Judith. Esta santa viúva,
considerando a ocasião propícia para pôr em prática os seus desígnios,
acedeu às instâncias do general assírio.
“Ora, quando se fez tarde, os criados de Holofernes retiraram-se
apressadamente para os seus quartos, e [um deles] fechou as portas da
câmara, e foi-se. E estavam todos tomados do vinho; e Judith estava só
na câmara. E Holofernes estava deitado no leito, profundamente ador-
mecido por causa da extraordinária embriaguez. [...] E Judith estava em
pé diante do leito, orando com lágrimas, e, movendo os lábios em silên-
cio, disse: Senhor Deus de Israel, dá-me força, e favorece neste momen-
to a empresa das minhas mãos, a fim de que, como prometestes, levan-
te a tua cidade de Jerusalém, e eu acabe o que julguei que se podia
fazer com o teu auxílio. E, dito isto, encostou-se à coluna, que estava à
cabeceira do leito de Holofernes, e desprendeu o seu alfanje, que estava
pendurado e preso nela. E, tendo-o desembainhado, agarrou nos cabe-
los da cabeça de Holofernes, e disse: Senhor Deus, dá-me força neste
momento; e feriu-o no pescoço por duas vezes, e cortou-lhe a cabeça,
[...] e deitou por terra o seu corpo decapitado” (Jud. XIII).

Glorificação de Judith
De posse de tão espantoso troféu, Judith retorna à sua cidade,
onde é aclamada como heroína por todo o povo. Os assírios, conhe-
cendo a morte de seu general, foram tomados de terror e fugiram pre-
cipitadamente. E os “filhos de Israel, que os perseguiam juntos em
um só batalhão, destroçavam todos os que podiam encontrar. [...] E os
que tinham ficado em Betúlia, entraram no acampamento dos assírios
e levaram os despojos que estes, na sua fuga, tinham deixado, e volta-
ram muito carregados. [...]
“E o Sumo Sacerdote Joacim foi de Jerusalém a Betúlia com todos
os seus anciãos, para ver Judith. Tendo ela saído a recebê-los, abenço-

300
Noa  Judith invicta e animosa...

aram-na todos a uma voz, dizendo: Tu és a glória de Jerusalém, tu a


alegria de Israel, tu a honra de nosso povo; porque procedeste varo-
nilmente, e o teu coração foi cheio de força; porque amaste a casti-
dade; [...] por isso, não só a mão do Senhor te fortaleceu, mas tam-
bém serás bendita eternamente. E todo o povo respondeu: Assim seja,
assim seja” (Jud. XV, 4, 7, 9-12).

Paralelo entre Nossa Senhora e Judith


Mulher forte por excelência do Antigo Testamento, Judith é uma
das maiores prefiguras de Maria Santíssima. Leiamos o expressivo
paralelo que entre ambas estabelece o Pe. Jourdain:

••Beleza, sabedoria e prudência


“«E, tendo [Judith] entrado à sua presença, logo Holofernes ficou
cativo de seus olhos. E os seus oficiais disseram-lhe: Quem poderá des-
prezar o povo dos Hebreus, que tem mulheres tão belas? (Jud. X, 17-18)
“Na nossa Judith, que é a Virgem Maria, louva-se uma beleza
admirável, uma sabedoria que todos os mortais devem venerar. [...]
“«Não há, em nenhum país do mundo, uma mulher semelhante a
essa», diziam os soldados de Holofernes. Não, não há semelhante a
Maria. Não existe outra cuja beleza seja absolutamente sem mancha.
Só Maria é imaculada. Só Maria é inteiramente bela, a bem-amada do
Esposo celeste. E a perfeição natural de sua alma, não está abaixo da
perfeição exterior que admiramos n’Ela. Sua sabedoria e sua prudên-
cia transpareceram quando Ela disse a Deus: «Eis aqui a escrava do
Senhor; faça-se em Mim segundo a tua palavra»; quando Ela pergun-
ta ao Anjo, não porque tivesse alguma dúvida, mas para se informar
da conduta que deveria seguir: «Como se fará isso?»; no momento em
que Ela saúda os justos na pessoa de Isabel; no momento em que disse
aos pecadores, representados pelos criados das bodas de Caná: «Fazei
tudo o que Ele vos disser»; enfim, quando disse a seu Filho: «Meu Filho,
por que agiste assim conosco?»

••Excelência do nome
“«E Holofernes disse a Judith: Bem fez Deus que te enviou à frente do
teu povo, para o entregares nas nossas mãos; e, visto que tua promessa é

301
Assim como Judith
cortou a cabeça de Holofernes,
assim Nossa Senhora,
em sua Imaculada Conceição,
quebrantou para sempre
a cabeça do demônio

Imaculada
Conceição

Judith corta
a cabeça de
Holofernes,
por Doré
Noa  Judith invicta e animosa...

boa, se o teu Deus me fizer isto, será ele também o meu Deus, e tu serás
grande na casa de Nabucodonosor, e o teu nome será célebre em toda a
Terra» (Jud. XI, 20-21).
“Holofernes promete a Judith que ela será grande na casa de
Nabucodonosor, e que seu nome será ilustre em toda a Terra.
“Judith foi grande na casa de Deus, e seu nome, que significa con-
fissão e louvor, é ilustre no Céu e sobre a Terra. Todos os servidores de
Deus o repetirão com respeito e admiração. Mas a grandeza de Judi-
th na casa de Deus, não é senão uma pálida figura da magnificência de
Maria. [...] Em todos os lugares Ela foi grande à vista de Deus e dos
Anjos. Porém, sua incomparável grandeza brilha na Santa Igreja, casa
que Deus edificou para si sobre a Terra. Ela refulge, sobretudo, no
Céu, palácio do soberano Rei, onde a Mãe de Jesus desfruta de todos
os direitos e de todas as homenagens devidas à Mãe de um tal Filho.
“«Teu nome será ilustre por toda a Terra», dizia ainda Holofernes.
Há sobre a Terra um país onde não ressoem louvores ao nome de
Maria? Por toda a parte este nome é invocado com confiança e amor,
em todos os lugares é celebrado como o mais belo, o maior, o mais
santo de todos os nomes, depois do de Jesus. No Céu, sobre a Terra
e no Purgatório, o nome de Maria é grande. É a alegria dos Santos,
esperança dos pecadores, a consolação dos aflitos, o terror dos inimi-
gos de Deus.

••Caridade

“«E saía de noite ao vale de Betúlia, e lavava-se numa fonte de água.


E, ao voltar, orava ao Senhor Deus de Israel que a guiasse no seu cami-
nho, a fim de conseguir a libertação de seu povo. E, entrando, permane-
cia pura na sua tenda, até que tomava a sua refeição pela tarde» (Jud.
XII, 7,8,9).
“Judith orava por seu povo, cuja libertação ela se tinha proposto
empreender. Assim fazia Maria enquanto vivia sobre a Terra. Seus
votos ardentes atraíram até nós o Salvador que Deus nos tinha desti-
nado. E agora que Ela está no Céu, não cessa de interceder por nós,
junto de seu adorável Filho. [...]

••Fortaleza

“«Então todos, adorando o Senhor, disseram-lhe: O Senhor te aben-


çoou com a sua fortaleza, porque ele por ti aniquilou os nossos inimi-

303
Judith invicta e animosa...  Capítulo 5

gos. E Ozias, príncipe do povo de Israel disse-lhe: Ó filha, tu és bendita


do Senhor Deus Altíssimo, sobre todas as mulheres que há na Terra. Ben-
dito seja o Senhor que criou o Céu e a Terra, e que te dirigiu para corta-
res a cabeça ao chefe dos nossos inimigos. Porque hoje engrandeceu o teu
nome tanto, que nunca o teu louvor se apartará da boca dos que se lem-
brarem eternamente do poder do Senhor» (Jud. XIII, 22 e ss.).
“As homenagens que Judith recebeu da boca de Ozias e de todo
o povo eram merecidas; não eram, porém, senão uma representação
dos louvores dirigidos a Maria pelos Patriarcas, Profetas e todos os
fiéis, assim como o inimigo que Judith havia vencido não simbolizava
senão imperfeitamente o inimigo do gênero humano, o adversário de
todas as gerações, aquele ao qual nada desconcerta e que, cem vezes
prostrado por terra, não deixa de renovar seus ataques.
“«O Senhor te abençoou com sua fortaleza, porque ele por ti aniqui-
lou os nossos inimigos», diziam os israelitas a Judith, vitoriosa de Holo-
fernes. Não era um Anjo, não era um rei poderoso, ou algum grande Pro-
feta que Deus enviou para libertar seu povo, mas uma humilde mulher.
Para uma obra incomparavelmente maior, para esmagar a cabeça da ser-
pente infernal, para dar um Salvador ao mundo, é uma menina, quase
uma criança, é uma humilde Virgem que Ele escolheu, à qual, entretan-
to, comunicou Ele sua força. Ela foi a única que venceu completamente
o Inferno e a morte do pecado; [...] só Ela veio em auxílio do Todo-Pode-
roso, para consumar a difícil obra de nossa Redenção. [...]
“«Quando surgir o sol, tome cada um as suas armas, e saí com ímpe-
to», dizia ainda Judith. O verdadeiro Sol nasceu quando o Verbo de
Deus se fez homem, [...] iluminando os cegos, inflamando os gélidos,
fecundando os estéreis, e dando-se a todos, difundindo-se por todos
os lugares. Doravante, iluminados pelos raios desse Sol divino, pode-
mos marchar ao combate. Não temos nada a temer de nossos inimi-
gos, do mundo, do demônio e do pecado, contanto que estejamos com
os olhos fielmente abertos a essa luz.
“Os habitantes de Betúlia, seguiram os conselhos de Judith, e
quando o sol nasceu, saíram com ímpeto da cidade, como para ofe-
recer batalha às tropas de Holofernes. Os oficiais do general inimigo
correram à sua tenda para receber ordens. Porém só encontraram seu
cadáver e disseram: «Uma mulher do povo Hebreu pôs em confusão a
casa de Nabucodonosor» (Jud. XIV, 16).
“A casa de Nabucodonosor, Rei da Babilônia, é a casa de Satanás.
Nabucodonosor era poderoso e ninguém ousava resistir aos seus exér-

304
Noa  Judith invicta e animosa...

citos vitoriosos. Maria veio e trouxe a confusão e a desordem para


esse império. Ela confundiu o orgulho de Satanás, por sua humildade;
a diabólica astúcia, por sua sabedoria; enfim, todos os vícios daquele,
por todas as suas virtudes” 25.

Glória e alegria da Santa Igreja


E outro insigne mariólogo acrescenta:
“Judith foi escolhida por Deus para ser uma das maravilhas do
mundo, a libertadora de seu povo, a alegria da nação, para cortar a
cabeça a Holofernes, cujo nome incutia pânico no coração de todos os
fortes de Israel. [...] Maria, Ela também, foi eleita pelo próprio Deus,
para ser o ornamento e a glória da antiga Igreja, o modelo da nova,
para esmagar a cabeça da serpente, sob cujo poder gemia o mun-
do. Desde então, toda a Terra repete com os Anjos e os Santos: Ave
Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco; bendita sois Vós entre as
mulheres, e bendito é o fruto de vossas entranhas, Jesus” 26.

A Imaculada Conceição derrota o infernal


Holofernes
Outra interessante relação entre Nossa Senhora e a heróica liber-
tadora de Israel, encontramos no Tesouro de Oratória Sagrada:
“Satanás trazia sitiado o gênero humano com mais rigor do que
Holofernes a cidade de Betúlia, de sorte que os homens jaziam tirani-
zados e envilecidos sob o peso de suas correntes. Pois bem, Maria foi
a mulher que derrotou o demônio, Maria a que libertou a humanida-
de da escravidão [ao príncipe das trevas]. Em sua [Imaculada] Concei-
ção, Ela quebrantou o poder do inimigo infernal e sujeitou o terrível
vencedor dos homens. A partir daquele venturoso momento, por se
terem verificado as promessas da Redenção, o demônio, que triunfava
por uma longa série de séculos; que, arrogante e orgulhoso, mantinha

25)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 547-549; 550-551; 553-554.
26)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 118.

305
Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa...  Capítulo 5

subjugados sob seu império a todos os descendentes de Adão, foi feito


escravo por uma filha do mesmo Adão.
“Por todas essas coisas se vê claramente que Maria, em sua [Ima-
culada] Conceição, foi inexpugnável como a torre de David, a todos os
as saltos do inimigo; como um exército em ordem de batalha, em cuja
presença ficam tomadas de espanto as forças contrárias; como a valo-
rosa Judith, que esmaga [...] a cabeça do infernal Holofernes” 27.

A luta, uma das glórias de Maria


Assim, fácil nos é reconhecer a nova Judith, neste perfil que d’Ela
nos traça o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Concebida sem pecado original, Nossa Senhora esmagou — e
esmagará para todo o sempre — a cabeça da maldita serpente. Agin-
do assim, Ela acrescenta às suas extraordinárias e singulares prerro-
gativas, a glória da luta. Ela combateu, opôs um esforço a outro, des-
pendeu todas as energias necessárias para aniquilar o adversário. Ela
o derrotou e o tem a seus pés!
“Esse combate aumenta a glória da Filha do Padre Eterno, da Mãe
do Verbo Encarnado, da Esposa do Divino Espírito Santo!” 28

@ Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa


O verdadeiro David é Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual foi admi-
rável prefigura aquele Rei e Profeta de Israel. Para com seu Divino
Filho, teve Nossa Senhora o mais entranhado, sublime e inexcedível
amor materno.

Excelência do amor materno


“O auge da perfeição de uma pura criatura nesta vida está cifrada
no amor a Deus”, ensina São Tomás de Villanueva. “E não há entre
todos os amores da vida presente, amor semelhante ao que tem a
mãe ao filho. Mais ainda, [...] costumam as mães amar com certa for-
27)  TESORO DE ORATORIA SAGRADA. 2. ed. BULDÚ, Ramon (Dir.). Barcelona:
Pons, 1883. Vol. IV. p. 71.
28)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/12/1991. (Arquivo pessoal).

306
Noa  Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa...

ça natural até mesmo os filhos disformes e indolentes, os mais feios


e abomináveis, nos quais parece não haver motivo algum de amor; e
não as detêm muitas torpezas de seus filhos, pois amam com um extra-
ordinário amor aqueles que engendraram de suas próprias entranhas.

Ardoroso amor de Maria por seu Filho


“Por conseguinte, que amor havemos de pensar professava a piedo-
síssima Virgem a seu único Filho, o mais encantador, o mais formoso,
sábio, obediente, o melhor, inebriado de todas as graças e dons, res-
plandecente em todas as virtudes e ciência, o mais perfeito que pode-
mos imaginar em todos os bens apetecíveis ao homem?
“Não conhecia Ela, com toda segurança e clareza, que, acima de
tudo isso, era Ele verdadeiro Deus e Criador seu e de todas as coisas?
Que ardores e labaredas não irradiaria daquele inato fogo em suas
entranhas, quando levava em seu regaço a tal Filho, nutrindo-O de
seu leite? [...] Em que amor se abrasaria, ao vê-Lo já com três ou qua-
tro anos brincando diante de si, sorrindo-Lhe com semblante encanta-
dor, acariciando-A com filial gentileza? [...]
“E não era [Maria] como as outras mães, não tinha um filho comum
com um varão, pois que sem concurso humano O havia concebido e
gerado: sob todos os aspectos era seu, engendrado totalmente de suas
entranhas. Não tinha Ele pai algum sobre a Terra, não conhecia Ela
quem tivesse parte no Filho: era só Ela para Ele, e Ele era só para Ela.
Não tinha um filho comum com o homem, mas com Deus. Era mãe na
Terra d’Aquele que tinha a Deus por pai no Céu. Oh! inestimável cari-
dade da Virgem! Oh! incompreensível elevação da terna Donzela!” 29

Criada unicamente para ser a Mãe de Deus


O Pe. Terrien, S. J., aprofunda o ensinamento de São Tomás de
Villanueva sobre o carinho materno que teve a Santíssima Virgem
para com Nosso Senhor:
“O amor de Maria por Jesus, seu Filho e seu Deus, é um amor de
mãe. Tal é o privilégio singular desta divina Virgem que, para Ela, é
uma única e mesma coisa amar a seu Filho e amar a seu Deus. Que

29)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 198 e 421.

307
Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa...  Capítulo 5

medida de amor supõe e encerra já esta qualidade de mãe! Conhe-


ceis algo de mais terno, de mais doce, de mais desinteressado do que
o amor de uma mãe por seu filho? [...] Uma mãe deve fazer esforço,
não para amar, mas para não amar, pois, neste caso, ser-lhe-ia preciso
ir contra a natureza, ser desnaturada. E se lhe perguntardes o porquê
de seu amor, ela vos responderá: «Ah! é meu filho; minha carne, meu
sangue, um outro eu mesmo. É possível que alguém não ame sua car-
ne e a si mesmo?»
“Admirável disposição da Providência que depositou este amor no
coração das mães, a fim de que elas pudessem suportar, não apenas
com paciência e resignação, mas com alegria, o rude trabalho de for-
mar homens.
“Se tal é verdadeiro para qualquer mãe, quanto o será então para
Maria? Seria possível que Ela não amasse de toda a sua alma e de
todas as suas forças esse Jesus, bendito fruto de suas entranhas?
Sobretudo Ela, em quem nada paralisa, nem impede, nem desvia o
movimento de uma natureza excelentemente delicada e reta? Ela, que
excede a qualquer outra mãe, pelo próprio fato de ter sido criada uni-
camente para ser mãe?

Amor indivisível
“Mas, pouco seria comparar o amor de Maria por seu Filho, àque-
le que têm as mães comuns. Quantas razões para que ele sobrepuje
em ternura, em devotamento, em vivacidade, a qualquer outro amor
materno! É um amor que não se divide. Este Filho é o seu, inteira-
mente o seu, exclusivamente o seu. [...] Não há divisão entre o pai e
a mãe: todo o amor se concentra no coração de Maria, porque Ela é
Virgem, e porque Jesus Cristo não possui, sobre a Terra, senão a Ela
por autora. Tampouco nenhuma divisão entre os filhos. Esse primo-
gênito é o único, [...] por um desígnio absoluto de Deus, certamen-
te conhecido de Maria. Não quero dizer que os filhos sejam sempre
menos amados, quando eles se multiplicam junto à mãe; porém, exis-
tem naturalmente para o [filho] único mais cuidados afetuosos, mais
solicitudes. [...] «O meu amado é para mim, unicamente para mim; e eu
unicamente para ele» (Cânt. II, 16): é o que pode dizer a Virgem, con-
templando a Jesus. [...]

308
Noa  Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa...

“Diz-se comumente que é preciso ter o coração de uma mãe para


conceber o que é o amor materno. Mais ainda será necessário ter o
coração de Maria, para se fazer uma idéia de seu amor a Jesus, seu
amabilíssimo Filho.

Amor levado aos extremos da natureza e da graça


“Contudo, não fizemos senão roçar, de certo modo, numa tão bela
matéria. Seria o bastante, se Jesus Cristo fosse apenas simples criatu-
ra, o mais perfeito dos filhos dos homens. Mas, Ele é Deus, e a Virgem
sua Mãe, instruída pelo Espírito Santo, acreditava com todas as forças
de sua inteligência e de seu coração que este menino, nascido de suas
entranhas, era o Filho eterno de Deus, Deus como seu Pai e consubs-
tancial a Ele. Em consequência, seu amor materno não se detinha no
homem; ele não podia separar o que estava indissociavelmente unido.
Em seu Filho Ela via, Ela amava seu Deus. Uma boa mãe ama tudo o
que pertence à pessoa de seu filho, e na proporção da dignidade das
partes: o corpo e a alma, mais a alma do que o corpo.
“É assim, ó Maria, que Vós amais a Jesus. Certo, amais sua huma-
nidade, pois ela é para todos, e para Vós mais do que para todos os
outros, soberanamente amável. Entretanto, muito mais tendes amor à
sua divindade, pois esta é a fonte infinitamente fecunda de toda bon-
dade, de toda grandeza, de toda beleza. [...]
“Portanto, em Maria o amor materno é levado até os últimos limi-
tes da natureza e da graça, posto que em seu Filho Ela ama o Homem-
Deus.

“Mãe terna, Mãe carinhosa”...


“Não posso resistir ao prazer de reproduzir uma página de encan-
tadora simplicidade, escrita pelo discípulo de Santo Anselmo, o mon-
ge Eádmero:
“«Quando Maria contemplava esse menino, que n’Ela havia feito coi-
sas tão admiráveis, estreitar-se em seus braços, [...] quando Ela ouvia os
gemidos infantis provocados pelas pequenas lesões de seu corpo delica-
do, de que piedosa emoção palpitava seu coração; com que terna solici-
tude Ela afastava tudo o que Lhe podia ser causa de sofrimento!

309
Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa...  Capítulo 5

“«Ó Deus, Filho desta bem-aventurada Mãe, Vós que sois a Virtude
e a Sabedoria do Pai, suplicamo-Vos por esta mesma misericórdia que
Vos fez homem por nós, dignai-Vos fazer-nos sentir intimamente quais
eram os pensamentos e os afetos de vossa suavíssima Mãe, quando,
com o coração transbordante de santa alegria, Ela Vos mantinha, ain-
da menino, sobre seus joelhos, respondendo às vossas inocentes carícias
por doces e frequentes ósculos; ou então quando Ela Vos consolava em
vossos prantos, com as mais amáveis diligências de seu amor; quando,
enfim, segundo as circunstâncias, Ela tinha para convosco todas as soli-
citudes que pode sugerir a piedade materna. [...]
“«Qualquer amor que possamos conceber por Jesus, quando, pela
imaginação, nós o multiplicássemos ao infinito, seria ainda loucura
compará-lo ao desta piedosíssima Senhora e Mãe. E não é de se admirar:
pois o Espírito de Deus, o Amor do Pai Onipotente e de seu Filho, Aquele
por quem e em quem é amado tudo o que é santamente amado, Ele pró-
prio desceu substancialmente n’Ela, por uma graça singular que Ele não
concedeu a nenhuma outra pessoa no Céu e sobre a Terra, Ele repousou
sobre Ela, como sobre a Rainha e a Imperatriz de toda criatura... Por-
tanto, acima de todos os amores das coisas criadas está a grandeza do
amor desta Virgem por seu Filho; acima de todas as doçuras, a imensida-
de da ternura em que se abismava sua alma, à vista do Bem-Amado, seu
Senhor e seu Deus»” 30.

Carinho e ternura durante a Paixão


E outro piedoso autor assim nos retrata a ternura de Nossa Senho-
ra para com o verdadeiro David: “Que amor, [ó Maria], em vosso cora-
ção por esse Deus, vosso filho! Tudo o que o amor das virgens, o amor
das mães e o dos Santos tem de mais delicado e profundo se encontra-
va em vosso coração de Virgem, de Mãe e de Santa, num grau inco-
mensurável. E que devotamento manifestáveis por esse débil menino,
que em tudo se confiava à vossa ternura. [...]
“Que suaves momentos, ó Maria, passastes em Nazaré, na contem-
plação de vosso Jesus, crescendo em idade, em sabedoria, em beleza
diante de Deus seu Pai e diante dos homens seus irmãos! Não é mais
a criança silenciosa; não é ainda o homem feito que comove as multi-

30)  TERRIEN, J.-B. La Mère de Dieu et la Mère des Hommes. 8. ed. Paris: P. Lethielleux,
1902. Vol. I. p. 282-284 ; 287-288 ; 291-293.

310
Noa  Raquel ao Egito deu prudente governador...

dões, excita o entusiasmo e o ódio. Não, é o mais belo adolescente que


jamais existiu, de voz amena, de olhar profundo, límpido, afetuoso, de
coração transbordante de divina caridade. [...]
“Ele era belo, belo como nunca, vosso Divino Filho, ó Rainha dos
mártires, no dia de sua santa Paixão. Estava Ele ferido, transpassado
de espinhos, coberto de escarros e de opróbrio, e, apesar de tudo, sob
esse horrível véu, os traços de seu semblante conservavam um não-
sei-quê de puro, de majestoso e de divino. [...] E Vós suportastes esse
espetáculo de horror e de beleza, tanto vosso olhar era firme, tanto
vosso amor era forte!
“Agradeço-Vos, ó Mãe, por terdes permanecido ali, quase só, para
admirar [...] e para amar! Agradeço-Vos por terdes coberto de vossos
santos ósculos esse corpo sem vida, descido da Cruz e confiado aos
vossos braços vergados sob tão doloroso fardo.
“Ele continuava sendo vosso Bem-Amado, vosso tesouro, vosso
tudo. [...]
“Podemos bem crer, ó Maria, que fostes Vós quem recebestes a
primeira visita de Jesus ressuscitado. Parece que Ele a devia à vossa
afeição. [...]
“E que alegria foi para Vós a de rever, triunfante da morte e todo
radioso dessa vitória, esse Filho tão humilhado por seus inimigos, e
sempre tão amado por sua Mãe!” 31

@ Raquel ao Egito deu prudente governador,


A Virgem das virgens deu ao mundo o seu
Salvador

Raquel e José
No crepúsculo de sua longa vida, Isaac chamou a seu filho, Jacob,
abençoou-o, e deu-lhe esta ordem: “Vai para a Mesopotâmia da Síria,
para casa de Batuel, pai de tua mãe, e toma de lá esposa entre as filhas
de Labão, teu tio” (Gên. XXVIII, 2).
Satisfazendo aos desejos de seu venerável pai, Jacob desposou
Raquel, filha de Labão, jovem “formosa de rosto e de gentil presença”
(Gên. XXIX, 17). Esta, após longo período de esterilidade, concebeu
e deu à luz um filho, ao qual pôs o nome de José.

31)  LANGEAC, Robert de. Virgo Fidelis. Paris: P. Lethielleux, 1931. p. 216-217.

311
“Fostes do vero David,
Mãe terna,
Mãe carinhosa”

Nossa Senhora do
Belo Amor
Amor de Mãe...
erta viúva tinha um filho único ao qual ela ama-
va ternamente. Sabendo que este fora captura-
do por inimigos, acorrentado e posto em pri-
são, derramou-se em lágrimas e, dirigindo-se à Virgem
— por quem ela tinha especial devoção — suplicou-Lhe
com insistência a libertação de seu filho.
Percebendo que suas orações não surtiam efeito, a po-
bre viúva entrou numa igreja onde se achava esculpida
uma estátua de Maria. Ali, de pé junto à imagem, ela dis-
se: “Virgem santa, eu Vos supliquei a libertação de meu
filho, e Vós não quisestes vir em auxílio de uma infeliz
mãe; implorei vossa proteção para meu filho, e Vós ma
recusastes! Pois bem, assim como meu filho me foi arre-
batado, assim Vos tomarei o vosso e o guardarei como
refém!”
Dizendo isto, ela se aproximou, pegou a estátua do
Menino sobre o seio da Virgem, levou-a consigo para
casa, envolveu-a num pano imaculado e a encerrou num
cofre, feliz por ter uma tão boa garantia do retorno de seu
filho...
Ora, na noite seguinte, a Virgem apareceu ao jovem,
abriu-lhe a porta da prisão, e lhe disse: “Dize à tua mãe
que me devolva meu Filho, agora que eu lhe restitui o
seu!”
Reencontrando então sua mãe, o jovem lhe contou
sua milagrosa libertação. E aquela viúva, cheia de ale-
gria, apressou-se em devolver à Virgem o Menino Jesus,
dizendo-Lhe: “Agradeço-Vos, Celeste Senhora, por me
terdes restituído meu filho, e, em troca, aqui Vos trago
o vosso!”
VORAGINE, Jacques de. La Légende Dorée,
Paris: Perrin et Cie, 1917. p. 499.
Raquel ao Egito deu prudente governador...  Capítulo 5

José é vendido por seus irmãos aos egípcios


Ora, “Jacob amava José mais que todos os seus (outros) filhos, por-
que o gerara na velhice: e fez-lhe uma túnica de várias cores. Vendo,
pois, seus irmãos que era amado pelo pai mais que todos os (outros)
filhos, odiavam-no” (Gên. XXXII, 3-4). Obcecados pela inveja, os
irmãos de José acabaram por vendê-lo a certos negociantes ismaelitas,
que o levaram para o Egito. Ali chegando, foi comprado por um gene-
ral do exército do Faraó, que o tomou como servo. “E o Senhor era com
José, e tudo o que fazia lhe sucedia prosperamente” (Gên. XXXIX, 2).

José interpreta os sonhos do Faraó


Alguns anos depois, José foi chamado à presença do Faraó, a fim
de interpretar dois sonhos que este tivera.
Explicando-os, o filho de Jacob disse que viriam para o Egito sete
anos de abundância, seguidos de outros sete de grande esterilidade
e fome. Ao terminar sua interpretação, disse José ao Faraó: “Agora,
pois, escolha o Rei um homem sábio e ativo, a quem dê autoridade
sobre a terra do Egito; e este homem estabeleça superintendentes por
todas as províncias; [...] e guarde-se todo o trigo debaixo do poder do
Faraó, conservando-o nas cidades; [...] e assim o país não será consu-
mido pela fome.

O filho de Raquel é feito governador do Egito


“Agradou o conselho ao Faraó e a todos os seus ministros; e disse-
lhes: Podemos nós encontrar um homem como este, que seja (tão)
cheio de espírito de Deus? Disse, pois, a José: Visto que Deus te
manifestou tudo o que disseste, poderei eu encontrar alguém mais
sábio e semelhante a ti? Tu governarás a minha casa, e, ao mando da
tua voz, obedecerá todo o povo; e eu não terei sobre ti outra prece-
dência além do trono. Eis que te dou autoridade sobre toda a terra
do Egito. E tirou o anel da sua mão, e meteu-o na mão dele; e vestiu-
lhe um vestido de linho fino, e pôs-lhe ao pescoço um colar de ouro.
[...] E mudou-lhe o nome, e chamou-o na língua egípcia: Salvador do
mundo” (Gên. XLI, 33-42, 45).

314
Noa  Raquel ao Egito deu prudente governador...

Raquel é prefigura de Maria, Mãe do Salvador


Raquel e José são, respectivamente, admiráveis prefiguras de
Maria Santíssima e de seu Divino Filho, nosso Redentor.
Assim o comenta Fr. Ramon Buldú:
“Se a bela e graciosa Raquel engendrou a José, ao qual o Faraó deu
o nome de Salvador, Maria, Mãe do belo amor, deu à luz a Jesus Cris-
to, que foi em verdade nosso Salvador” 32.
E o douto Nicolas:
“[A Virgem é prefigurada pela] filha de Labão, a pastora Raquel,
tão amável, que Jacob trabalha para aquele, durante quatorze anos,
a fim de obtê-la; e que, depois de uma esterilidade que ameaçava ser
interminável, deu à luz a José, salvador do Egito, como Maria a Jesus,
Salvador do mundo” 33.
Enumerando as representações de Nossa Senhora no Antigo Testa-
mento, escreve o Pe. Thiébaud: “Entre outras figuras patriarcais, cite-
mos ainda a bela Raquel, a mãe desse jovem e virtuoso José, que foi
vendido por seus irmãos, e que, por este ato de atrocidade, tornou-se
depois, providencialmente, o salvador de toda a sua família e o gran-
de provedor de todo o Egito. Não é Maria, Mãe de Jesus, quem pagou
o mais negro atentado com a mais rica misericórdia, e que continua a
pagar nossas faltas diárias com tantas graças, das quais nos torna tão
indignos nossa ingratidão?” 34

Objeto das eternas complacências de Deus


Ao Pe. Jourdain devemos uma sábia e abundante interpretação do
louvor em epígrafe. Ouçamos esse ilustre comentarista:
“O texto sagrado nos mostra em Raquel uma mulher dotada de
rara beleza, bem como de uma grande amenidade de caráter. Sob este
duplo aspecto ela se tornou uma impressionante imagem da toda bela
e amável Virgem. [...]

32)  TESORO DE ORATORIA SAGRADA. 2. ed. BULDÚ, Ramon (Dir.). Barcelona:


Pons, 1883. Vol. IV. p. 185.
33)  NICOLAS, Augusto. La Virgen María y el Plan Divino. Barcelona: Religiosa, 1866.
Vol. II. p. 102.
34)  THIÉBAUD. Les Litanies de La Sainte Vierge expliquées et commentées. 3. ed. Paris:
Jacques Lecoffre, 1864. Vol. I. p. 59.

315
Raquel ao Egito deu prudente governador...  Capítulo 5

“Jacob conservou por Raquel um amor cuja ternura jamais se extin-


guiu. Maria, por sua vez, foi objeto de eternas complacências e de uma
predileção sem exemplo, da parte de seu Deus.

“Do ventre da Virgem veio ao mundo o Salvador”


“Porém, o que há de mais particular nesse paralelo, é que Raquel
foi mãe de José, notável representação do Redentor. Maria, mais feliz
que Raquel, foi mãe do verdadeiro José. [...]
“O santo Evangelho (Mt. I, 16) nos ensina que de Maria nasceu
Jesus que se chama Cristo. Jesus é Deus; Jesus é Cristo, segundo o
texto de São Mateus; Jesus é o Criador, uma vez que Ele é o Verbo
Encarnado, e que pelo Verbo de Deus todas as coisas foram feitas.
“Porém, Jesus é, sobretudo, Jesus, ou seja, Salvador, conforme
declarou o próprio Arcanjo São Gabriel, da parte de Deus, a São José
(Mt. I, 20, 21): «José, filho de David, não temas receber Maria, tua espo-
sa, porquanto o que n’Ela foi concebido é (obra) do Espírito Santo. Ela
dará à luz um Filho a quem porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o
seu povo dos seus pecados».
“Maria é, portanto, a Mãe do Salvador e este título acrescenta à
sua glória um novo brilho que enche de encanto os eleitos. Não é ao
Salvador e, em consequência, à sua Mãe, que eles devem a felicidade
do Céu?

O Filho de Maria é verdadeiramente Salvador


“O que realça a glória de Maria como Mãe do Salvador, é que seu
Divino Filho é verdadeiramente Salvador, no sentido mais completo
que se possa dar a esta palavra. Ele é o único Salvador: «Não há salva-
ção em nenhum outro», diz o Príncipe dos Apóstolos (At. IV, 12), «nem
há, sob o céu, Nome algum dado aos homens, pelo qual devamos ser sal-
vos». Ele não é apenas o ministro, mas a fonte, a causa primeira, o
principal autor de nossa salvação. [...]
“Por outro lado, a Escritura afirma taxativamente que Jesus Cristo
dá a vida: «Eu, diz Jesus Cristo, dou (às minhas ovelhas) a vida eterna».
Portanto, Ele dá a vida, não como ministro, mas como o senhor, a fonte,
o autor, a causa primeira da vida eterna, possuindo a vida em si mesmo.

316
Noa  Raquel ao Egito deu prudente governador...

Diz Ele ainda: «Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, assim também
concedeu Ele ao Filho ter a vida em si mesmo» (Jo. V, 26).
“Jesus Cristo tem, portanto a vida em si mesmo e, em consequên-
cia, Ele é a fonte primeira, o principal autor da salvação e da vida eter-
na. [...]
“Este salvador nascido de Maria, não é apenas figurativo ou simbó-
lico, como o foi José que o Faraó chamou em língua egípcia: Salvador
do mundo. [...]
“Ele é o verdadeiro Salvador que nos dá realmente a salvação, e
que no-la concede abundantemente. [...] Aquele não foi senão um sal-
vador temporário e particular, enquanto que o nascido de Maria é o
Salvador universal, que nos concede uma liberdade eterna. [...]
“José obteve para os egípcios e outros povos, a salvação que lhes
era comum com os animais; mas nosso Salvador, o Filho de Maria,
deu-nos a salvação que nos é comum com os bem-aventurados habi-
tantes do Céu. [...] Ele arrancou o gênero humano inteiro do poder do
demônio, do pecado e da morte, e nos propiciou a vida eterna. [...]

Cooperadora da salvação dos homens


“Detenhamo-nos um instante para considerar as grandes coisas
que produziu em Maria a dignidade de Mãe do Salvador.
“Pela maternidade divina, a Santíssima Virgem recebeu de Deus
todos os dons celestes, toda a beleza, toda a graça, toda a perfeição,
tanto do corpo quanto da alma. Contudo, pelo simples fato de ter dado
ao mundo o Salvador, Ela se tornou nossa Co-redentora, [...] auxilia-
dora de nossa Redenção e a cooperadora da salvação dos homens.
“Santo Agostinho diz em seu sermão sobre a Assunção: «Maria
reparou as perdas de nossa primeira mãe, Ela alcançou a redenção para
o homem condenado». E no seu discurso sobre a Natividade da Bem-
aventurada Virgem, diz o mesmo Santo: «A mãe do gênero humano
trouxe a dor ao mundo; a Mãe de Nosso Senhor nos trouxe a salvação.
Eva é autora do pecado; Maria, autora do mérito. Eva nos foi prejudi-
cial, dando-nos a morte: Maria nos foi útil, vivificando-nos. A primeira
nos feriu; a segunda nos curou»” 35.

35)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. I. p. 451; Vol. III. p. 56-59.

317
V. Toda sois formosa, ó Mãe querida...  Capítulo 5

O nascimento de Maria foi o início de


nossa salvação
Concluindo esses comentários acerca d’Aquela que deu ao mundo o
seu Salvador, ouçamos estas palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Pode-se dizer que a salvação veio para o gênero humano com o
nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Entretanto, esta afirma-
ção também se aplica, de certo modo, à natividade de Nossa Senhora.
Tudo quanto Nosso Senhor Jesus Cristo trouxe ao mundo, começou a
nos chegar com o nascimento d’Aquela que seria sua Mãe Santíssima.
“Compreende-se, pois, todas as esperanças de salvação, de indul-
gência, de reconciliação, de redenção e de misericórdia que se abri-
ram, afinal, para o gênero humano, naquele bendito dia em que Maria
surgiu nesta Terra de exílio.
“Feliz e magnífico dia, marco inicial de uma existência insondavelmen-
te perfeita, pura, fiel, e que seria a maior glória da humanidade em todos
os tempos, abaixo daquela que devemos à Encarnação do Verbo” 36.

@ V. Toda sois formosa, ó Mãe querida.


R. E a mancha original nunca tocou em Vós.
A fim de tornar patente aos nossos olhos a extraordinária e ima-
culada formosura de Maria, e para mais exaltá-La, a Santa Igreja a
Ela aplica o elogio expresso pelo Esposo dos Cânticos, a propósito da
beleza de sua eleita (Cânt. IV, 7).

Louvores à beleza de Nossa Senhora


Com efeito, os autores eclesiásticos não se cansam de enaltecer o
incomparável esplendor — espiritual e físico — de Nossa Senhora.
Assim, por exemplo, exclama Santo Epifânio:
“Que direi e que declararei? De que maneira anunciarei o irradiar
de tua glória? Excetuando a Deus, sois mais excelente que todos; sois
naturalmente mais formosa que os Querubins e os Serafins e que todo
o exército dos Anjos; e, finalmente, sois toda cheia de beleza!” 37

36)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 7/9/1965. (Arquivo pessoal).


37) EPIFÂNIO. Encom. Virginis. Apud ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen
Santísima. 3. ed. Madrid: BAC, 1952. p. 437.

318
Noa  V. Toda sois formosa, ó Mãe querida...

São João Damasceno A invoca:


“Oh! digna filha de Deus, formosura da natureza humana, corre-
ção da primeira mãe Eva, ornamento das mulheres! Disputavam entre
si os séculos qual deles haveria de se glorificar com teu nascimento!” 38
E Santo Antonino conclui:
“[Maria] chegou a tal grau de formosura, que não pode caber nem
se imaginar outro maior na natureza racional” 39.

Formosura da Mãe, beleza do Filho


Expressando o sentir comum dos teólogos, ensina D. Alastruey
que “Deus, ao formar o primeiro homem, tinha em sua mente a Jesus
Cristo, que havia de tirar sua origem de Adão, segundo a afirmação de
Tertuliano: «Imagine-se um Deus ocupado e consagrado com mãos, sen-
tido, obra, conselho, sabedoria, providência e, sobretudo, afeto, a deter-
minar os traços [do primeiro homem]: o que Ele modelava com o limo,
era pensando em Cristo».
“Portanto, se Deus formou com tal cuidado o corpo de Adão, por-
que dele, depois de incontáveis séries de gerações, tomaria carne o
Verbo, muito mais cuidado, conselho, providência e afeto haveria de
ter na formação do corpo de Maria, da qual, não remota, mas próxi-
ma e imediatamente, nasceria o Verbo de Deus. [...] Por conseguinte,
Àquela que havia sido formada para engendrar tal corpo, o mais exce-
lente de todos, convinha superasse aos demais por sua perfeição e por
sua beleza. [...]
“Assim diz Ricardo de São Lourenço: «Se alguém me pergunta sobre
a formosura corporal da Virgem, parece-me que se pode dizer e se crer
que foi bela sobre todas as filhas dos homens Aquela que vestiu com a
substância de sua carne ao Unigênito de Deus, o mais formoso não só
dos filhos dos homens, senão também de todos os Anjos». [...]
“Por outro lado, a uma alma perfeita se deve um corpo perfeita-
mente constituído. A alma, pois, de Maria, adornada com os mais
excelentes dotes da natureza, exigia um corpo singularmente belo” 40.

38)  DAMASCENO, João. Or. 1, De Nativitate Mariae, Apud ALASTRUEY, Gregório.


Op. cit. p. 437.
39)  ANTONINO. Apud ALASTRUEY, Gregório. Op. cit. p. 442.
40)  ALASTRUEY, Gregório. Op. cit. p. 373; 439-440.

319
Nossa Senhora foi dotada de
incomparável esplendor espiritual
e físico, como convinha à
Mãe de Deus

A Virgem Branca
Retrato da Santíssima Virgem*

“Como convinha à Mãe de Deus, em tudo era Maria grave


e circunspecta, nunca rindo, falando pouco, dizendo somente
o necessário, escutando facilmente, sempre afável com todo o
mundo.
“Sua esbelta estatura era, talvez, um pouco acima da media-
na, e é por isso que no livro do Eclesiástico Ela é comparada à
palmeira de Cades.
“Verdadeiramente branca e resplandecente de frescor, e eleita
entre mil, a flor do mais puro frumento era menos alva que sua
pele; seus cabelos eram de um fulvo dourado; suas sobrance-
lhas, de um castanho quase escuro, arqueavam-se graciosamen-
te. Seus olhos cor de azeite novo, reluziam do mais vivo fulgor;
seu nariz um pouco comprido se harmonizava perfeitamente com
seu rosto do mais puro oval. Seus lábios corados, semelhantes a
uma fita de escarlate, deixavam escapar palavras cheias de suavi-
dade. Suas mãos eram esguias; seus dedos, finos.
“Seu traje correspondia ao conjunto de sua pessoa. Maria era
simples, sem ostentação, não usava adornos, e as cores de seus
vestidos nada deviam à arte do tintureiro.
“Numa palavra, nada havia n’Ela que denotasse leviandade;
nada que não respirasse a mais perfeita modéstia. E um ar de
inefável santidade que envolvia sua pessoa, suscitava em todos
os que A fitavam, o respeito e a veneração.”

LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritu-


res et les Pères de l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 372-373.

* Esta descrição do aspecto físico de Nossa Senhora, baseada no testemunho de antigos au-
tores, serviu de modelo a todos os pintores, tipógrafos, esmaltadores e escultores da Idade Mé-
dia. Existem outras que, sem diferir essencialmente desta, oferecem entretanto alguns detalhes
particulares. Embora a Igreja não considere nenhum desses retratos como autênticos, sem
embargo, o verniz de sua antiguidade possui um reflexo de tradição apostólica que lhes obtém
as simpatias da fé. Cfr. THIÉBAUD. Les Litanies de La Sainte Vierge expliquées et commentées.
3. ed. Paris: Jacques Lecoffre, 1864. Vol. I. p. 342, nota 1.
V. Toda sois formosa, ó Mãe querida...  Capítulo 5

Adornada pelo Divino Esposo


Em páginas de admirável fervor marial, São João Eudes conden-
sou o pensamento dos Santos e dos doutores acerca da imaculada for-
mosura de Nossa Senhora. Ouçamo-lo:
“Quereis conhecer as perfeições com que Deus adornou o corpo
virginal [de Maria]? Escutai o que sobre esta matéria dizem os san-
tos doutores: São Boaventura, Santo Antonino, Ricardo de São Vítor,
Dionísio o Cartuxo, o douto e pio Suárez e os demais teólogos afir-
mam comumente que, entre todos os corpos humanos, nunca houve
tão perfeito e formoso, depois do corpo adorável de Jesus, como o
puríssimo corpo de Maria. As razões disto são evidentes.
“Porque, em primeiro lugar, é um corpo que, segundo São Jerôni-
mo, São João Damasceno, Santo Epifânio e São Gregório Niseno, foi
formado miraculosamente e por virtude sobrenatural, sendo por con-
seguinte obra do Espírito Santo, que não omitiu nenhuma das qua-
lidades mais excelentes com que podia adornar convenientemente o
corpo virginal de sua digníssima Esposa. «É uma estátua talhada pela
mão de Deus», diz Santo André de Jerusalém.
“É um corpo que nada tem da maldição do pecado com que são
feridos todos os corpos dos demais filhos de Adão. É o corpo da des-
tinada a ser Mãe do Salvador e deve ter, portanto, uma perfeita seme-
lhança com o corpo de seu Filho que será formado de seu puríssimo
sangue.
“Foi também revelado a Santa Brígida que o Filho e a Mãe se pare-
ciam tão perfeitamente, na figura e nos traços do semblante, no tama-
nho e composição do corpo, que quem visse um, via a outra.
“É um corpo feito para estar unido à mais bela e santa alma que
jamais existiu nem existirá, depois da alma deífica do Salvador.
“É um corpo em que Deus é muito mais glorificado do que no Céu
empíreo.
“É um corpo feito para ser o mais verdadeiro templo do Espírito
Santo e o mais augusto santuário da Santíssima Trindade, depois do
corpo adorável de Jesus, e para ser um Céu vivente, no qual habitará
corporalmente toda a plenitude da Divindade.
“É um corpo que foi criado para que servisse a dar cumprimento
aos maiores desígnios de Deus, no qual e do qual sua onipotente bon-
dade obraria o maior e mais admirável de seus mistérios, que é o ines-
timável mistério da Encarnação.

322
Noa  V. Toda sois formosa, ó Mãe querida...

Corpo preparado para a Encarnação do Verbo


“É um corpo em que será encerrado nove meses Aquele a quem
os Céus não são capazes de conter. As entranhas benditas deste san-
to corpo serão a morada feliz do Verbo Encarnado. Seu leite virginal
dará a vida ao que é o princípio de todas as vidas dos homens e dos
Anjos. Seus braços, suas mãos, seus pés, empregar-se-ão em todos os
ofícios que a Mãe de um Deus pode exercer para com um Filho-Deus.
“Se a Igreja tem tanto respeito e veneração por todas as coisas que
tocaram o divino corpo do Salvador, como a Cruz, os cravos, os espi-
nhos, os sudários de seu sepulcro, e outras coisas semelhantes, que
honra merecerá este corpo venerável da Bem-aventurada Virgem,
uma porção do qual é o corpo do Redentor?
“Depois disto, não vos estranheis se a Santa Igreja e os Santos
Padres dizem tantas maravilhas da formosura e outras perfeições des-
te corpo incomparável. É uma beleza admirável, e que será eterna-
mente o objeto do encanto de todos os habitantes do Céu.

Elogios dos Santos à beleza moral e física de


Nossa Senhora
“«Vós sois toda formosa, diz Santo Agostinho, toda agradável, toda
amável, toda gloriosa. Vós sois sem mácula nem ruga; estais adornada
de toda beleza e enriquecida de toda santidade. Sois mais santa em vos-
sa carne virginal que todas as virtudes do Céu. Sobrepujais a todas as
mulheres na formosura de vosso corpo e a todos os espíritos angélicos na
excelência de vossa santidade».
“«Seu rosto é todo angélico, assim como sua alma», diz Ricardo de
São Vítor.
“«Toda a natureza se apresentou ao Espírito Santo, diz o sábio e pie-
doso Gerson, no momento da concepção de Maria, para recolher todas
as belezas que estavam esparsas nas criaturas e uni-las na Rainha do
Universo; e todas as virtudes a Ele se ofereceram para fazer de Maria
um mundo de santidade: a sabedoria se ofereceu para organizar seu cor-
po; a pureza, para A revestir de si; a graça, para animá-La; a prudência
para Lhe dispor o cérebro; a caridade, para pôr seu trono no coração; o
pudor, para Lhe cobrir a fronte; a doçura, para se colocar em seus lábios;

323
V. Toda sois formosa, ó Mãe querida...  Capítulo 5

a modéstia e a virgindade para Lhe adornar todo o corpo com uma san-
tidade sem igual».
“«Irradiava sobre seu rosto, diz Dionísio o Cartuxo, certo resplendor
de beleza sobrenatural, que A fazia tão admirável como amável; tão bri-
lhante que era necessário que Deus o moderasse para que pudesse con-
versar com os homens». O que não é para admirar. Também o rosto de
Moisés, depois de ter tratado com Deus sobre a montanha, aparecia
tão luminoso que, não podendo o povo suportar seu fulgor, viu-se ele
obrigado a cobri-lo com um véu.
“Enquanto esteve na Terra esta sagrada Virgem, vinham os cristãos
de toda a parte, segundo o testemunho de Santo Inácio mártir, para
ver o rosto admirável deste prodígio de formosura e de santidade.
“Por fim, esta beleza, tanto do corpo como da alma, é tão extraor-
dinária, diz São Bernardo, que constitui o objeto de admiração não
apenas dos Anjos, mas até do Rei dos Anjos, cujo coração ela arreba-
ta. Porque, fixando seus divinos olhos na formosura corporal e espi-
ritual desta Rainha das virgens, o soberano Monarca do universo se
expressa nestes termos de arroubamento: «Como és formosa, amiga
minha, como és formosa!» (Cânt. IV, 1). E diz duas vezes «como és for-
mosa», para distinguir a beleza do corpo e a da alma.
“Julgai que beleza é esta que merece ser o objeto das admirações
de um Deus, e arrebatar seu coração, segundo estas palavras do Espí-
rito Santo: «O Rei se enamorará de tua formosura» (Sl. XLIV, 12). E
notai com Santo Ambrósio, São Tomás e outros teólogos, que foi um
privilégio desta incomparável beleza da Rainha dos Anjos, o de nun-
ca dar ocasião a nenhum pensamento ou sentimento oposto à pureza,
senão que, muito pelo contrário, imprimia amor à castidade nos cora-
ções que a viam” 41.

Beleza realçada pela vitória sobre o demônio


Essa incomparável formosura de Nossa Senhora se torna ainda
mais saliente quando Ela nos aparece esmagando sob seus pés a cabe-
ça da serpente infernal. Assim o comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oli-
veira:

41)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 178-182.

324
Noa  V. Protegei, Senhora, etc...

“Na Bula Ineffabilis Deus, com que definiu o dogma da Imacula-


da Conceição, o Papa Pio IX assim se exprime: «E depois reafirmamos
a nossa mais confiante esperança na Beatíssima Virgem que, toda bela e
imaculada, esmagou a cabeça venenosa da crudelíssima serpente, e trou-
xe a salvação ao mundo».
“É interessante notar como o Sumo Pontífice reúne, no mesmo
pensamento, a beleza e o poder de Nossa Senhora. De outro lado,
evoca ele, por contraste, a hediondez e a fraqueza do demônio, o qual
é esmagado por Ela.
“Portanto, uma vez que existe a diabólica serpente, a beleza e a
perfeição da Santíssima Virgem só se manifestam completas porque
Ela triunfa, vence e esmaga o demônio. Satanás é um escabelo aos
pés d’Ela. Sendo Maria imaculada e soberanamente linda, não basta
que todas as criaturas deste mundo, as do Céu e as do Purgatório Lhe
prestem homenagem: importa que o inimigo esteja quebrado sob seu
calcanhar.
“Uma perfeita consideração do esplendor de Nossa Senhora envol-
ve, portanto, a idéia do demônio estraçalhado e humilhado por Ela.
Essa vitória sobre Satanás resulta em particular brilho na celestial
beleza da Imaculada Conceição” 42.

@ V. Protegei, Senhora, etc.


Repetem-se as mesmas orações do final de Matinas43.

42)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/12/1965. (Arquivo pessoal).


43)  Veja-se p. 87 e ss.

325
Formosa como a lua,
Maria ilumina os
homens em meio às
trevas deste mundo
Nossa Senhora do Rosário
Capítulo 6

Vésperas

Hino

Salve, regulador celeste, pelo qual


Em dez linhas foi o sol retrogradado.
A fim de encarnar-se o Verbo eterno, e ser
humilhado,
E o homem, como o sol, ao Céu ser levantado.
Daquele brilhante sol a Virgem tem o fulgor,
E qual aurora surgente refulge em esplendor.
Lírio entre espinhos, a cabeça do dragão calcando,
Qual lua bela ilumina os que no mundo vão
errando. Amém.

V. Eu fiz nascer no Céu a luz que não se apaga.


R. E cobri como névoa a Terra toda.

327
o criar o universo, quis Deus estabelecer o sistema
solar, fazendo depender do astro rei a subsistência
e as atividades do homem. Se aquele se apagasse no
firmamento, por completo se extinguiria a vida de
todos os seres nesta Terra.
Não foi o efeito prático, porém, o único obje-
tivo visado pela Providência Divina, ao fazer sur-
gir do nada a magnífica dependência dos planetas
em relação ao sol e dos satélites em relação aos seus
respectivos planetas. Esta maravilha operada pelo
Onipotente encerra, também, grandiosa representação do que ocorre na
esfera espiritual. Por isso as Sagradas Escrituras, teólogos, moralistas e a
própria liturgia católica se utilizam da imagem da luz, ora como sím-
bolo de Nosso Senhor Jesus Cristo, ora para tornar mais compreensível a
ação de Deus através da graça.
Nossa Senhora, predestinada desde toda a eternidade para ser a
Mãe do Sol de Justiça, reveste-se de seus fulgurantes raios e se apresenta
aos fiéis, ora “eleita como o sol”, ora “formosa como a lua”, a iluminar
os homens em meio às trevas deste mundo.
No maternal claustro de Maria Santíssima, preservada do pe-
cado original, aquele Sol Eterno tomou a forma de escravo: mistério de
grandeza e de abatimento, pelo qual o homem readquiriu sua qualida-
de de filho adotivo de Deus.
Já nesta época em que vemos chegar ao seu fim o processo revolu-
cionário1, as últimas consequências dos pérfidos anseios de Lutero, Ma-
rat, Robespierre, Lenin, e de quantos outros, vão se tornando efetivas. É
especialmente neste caótico cenário dos terríveis dias atuais que a “luz
da aurora refulgente” deverá brilhar. Os fatos comprovarão a infalibi-
lidade das palavras do autor sagrado: “Eu fiz com que nascesse nos céus
uma luz inextinguível” (Ecli. XXIV, 6).
Com razão afirma o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ser a Ima-
culada Conceição, luminosa triunfadora da maldita serpente, o modelo
por excelência de todo contra-revolucionário2.
É sob esse prisma que Nossa Senhora será exaltada nesta Hora do
Pequeno Ofício.
1) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 3. ed. p. 210-
215; 233 e ss.
2)  Cfr. “A cabeça do dragão calcando”. p. 257.

328
Vésperas  Salve regulador celeste, pelo qual...

@ Salve regulador celeste, pelo qual


Em dez linhas foi o sol retrogradado

O relógio de Ezequias
Abrindo o quarto Livro dos Reis, lemos em seus capítulos XVIII
(1-2, 13) e XX (1-10):
“No terceiro ano de Oséias, filho de Ela, Rei de Israel, reinou Eze-
quias, filho de Acaz, Rei de Judá. Tinha vinte e cinco anos quando
começou a reinar em Jerusalém. [...]
“[Por volta do décimo quarto ano de seu governo], Ezequias adoe-
ceu de morte; e o profeta Isaías, filho de Amós, foi ter com ele, e dis-
se-lhe: Eis o que diz o Senhor Deus: Põe em ordem a tua casa, por-
que vais morrer, e não viverás (mais). E Ezequias virou o rosto para a
parede, e fez oração ao Senhor, dizendo: Peço-te, Senhor, lembra-te,
te suplico, de que eu andei diante de Ti em verdade e com um coração
reto, e que fiz o que era do teu agrado. Depois Ezequias derramou
abundantes lágrimas.
“E, antes que Isaías tivesse passado metade do átrio, o Senhor
falou-lhe, dizendo: Volta e dize a Ezequias, condutor do meu povo: eis
o que diz o Senhor Deus de David, teu pai: Eu ouvi a tua oração, e vi
as tuas lágrimas; e eis que Eu te curei; daqui a três dias irás ao templo
do Senhor. E acrescentarei quinze anos aos dias da tua vida; além dis-
to Eu te livrarei a ti e a esta cidade da mão dos reis dos assírios, e pro-
tegerei esta cidade por amor de Mim, e por amor de David, meu ser-
vo. [...]
“Ora, Ezequias tinha dito a Isaías: Qual será o sinal de que o Senhor
me curará, e de que dentro de três dias irei ao templo do Senhor? E
Isaías respondeu-lhe: Será este o sinal da parte do Senhor, de que o
Senhor há de cumprir a palavra que disse: Queres que a sombra (nes-
se relógio solar) se adiante dez linhas, ou que ela retroceda outros tan-
tos graus?
“Ezequias disse: É fácil que a sombra se adiante dez linhas, não
quero que se faça isto, mas que volte atrás dez graus. O profeta Isaías
invocou, pois, o Senhor, e fez com que a sombra voltasse pelas linhas,
pelas quais já tinha passado no relógio de Acaz, dez graus atrás.”

329
Salve regulador celeste, pelo qual...  Capítulo 6

Imagem da Redenção preventiva de Nossa Senhora


O prodigioso sinal com que Deus ratificou sua promessa ao Rei
Ezequias, é uma imagem do extraordinário milagre que se verificou
em Nossa Senhora.
“Pois, no momento de sua Imaculada Conceição, o selo da Reden-
ção foi n’Ela impresso antecipadamente, em virtude da previsão dos
méritos de seu Divino Filho. As sombras do pecado original foram
como que recuando para dar passagem a essa alma predestinada, que
devia irradiar ao mundo o Sol de Justiça, Jesus Cristo, Salvador dos
homens” 3.

Necessidade da Redenção preventiva de Maria


O douto e pio Nicolas assim explica a Redenção preventiva de Nos-
sa Senhora:
“Esta isenção [do pecado original em Maria], verificou-se pela gra-
ça de Jesus Cristo. Esta mesma graça, que libertou o gênero humano
inteiro do pecado original, bem pôde preservar desta culpa a Maria,
aplicando-Lhe como antídoto o que ela, por sua vez, nos administra
como remédio. E ainda se pode afirmar que isto foi necessário. Deus,
para maior glória de Jesus Cristo, devia manifestar n’Ele, e por seus
méritos, esta eficácia preservadora. É inadmissível que a virtude do
sangue divino tenha limites. Sem dúvida por um plano cuja sabedo-
ria foi reiteradas vezes manifestada, esta virtude quis limitar-se a nos
purificar da mancha com que nascemos.
“Em certos personagens ilustres, como Jeremias e São João Batis-
ta, elevou-se mais alto, pois os santificou antes de seu nascimento e no
próprio seio de suas mães, onde foram concebidos no pecado. Porém,
o mal ainda possuía uma fortaleza — a partir da qual podia protes-
tar contra a eficácia soberana do sangue de Jesus Cristo — nesta mes-
ma concepção em que [ele, mal], se une à vida humana pelo ato que a
transmite, imprimindo seu [funesto] selo sobre nossa origem.
“Convinha, pois, que esse último entrincheiramento do pecado fos-
se destruído por uma concepção imaculada, que desse testemunho,
com um solene e decisivo exemplo, da onipotência absoluta dos méri-

3)  Do PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português com


comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 145-146.

330
Vésperas  Salve regulador celeste, pelo qual...

tos de Jesus Cristo. «Seu sangue, que tanto poder tem para nos livrar do
mal, disse Bossuet, não o terá para nos preservar dele? E se tem esta vir-
tude, deixá-la-á inútil eternamente? Não haverá uma só criatura em que
[dita virtude] se manifeste? E qual será esta criatura, senão Maria?»
“Este sangue divino não deveria, por seu próprio decoro, purifi-
car a concepção de Maria, que foi sua primeira origem? «Com efei-
to, acrescenta magnificamente Bossuet, é a partir d’Ela que começa a
se estender este formoso rio, este rio de graças que corre em nossas veias
pelos Sacramentos, e que leva o espírito de vida a todo o corpo da Igreja.
E assim como as fontes, sempre se lembrando de seus mananciais, lan-
çam suas águas a grandes alturas, como se procurassem suas nascentes
no meio do ar; da mesma sorte podemos assegurar que o sangue de nos-
so Salvador fará subir sua virtude até à concepção de sua Mãe, para hon-
rar o lugar de onde saiu»” 4.

Redimida pelo modo mais nobre


O ensinamento que acabamos de considerar se torna ainda mais
belo nas palavras de Santo Afonso de Ligório:
“É sabido que o Salvador veio ao mundo mais para remir a Maria,
do que a todos os outros homens, escreve São Bernardino de Sie-
na. Dois, porém, são os modos de remir, na opinião de Suárez. Con-
siste o primeiro em levantar o decaído e o segundo, em preservá-lo
da queda. É fora de dúvida que este último é o mais nobre, obser-
va Santo Antonino. Por ele se previne o dano e a nódoa que resul-
tam da queda. Quanto a Maria, devemos crer, por conseguinte, que
foi remida por este modo mais nobre e mais conveniente à Mãe de
Deus, como reafirma um escritor sob o nome de São Boaventura.
Diz sobre isto, com muita elegância, o Cardeal Cusano: Os outros
tiveram um Redentor que os livrou do pecado já contraído; porém
a Santíssima Virgem teve um Redentor que, em sendo seu Filho, A
livrou de contrair o pecado” 5.

4) NICOLAS, Augusto. La Virgen María y el Plan Divino. Barcelona: Religiosa, 1866.


Vol. II. p. 109-110.
5)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 198.

331
A fim de encarnar-se o Verbo eterno, e ser humilhado...  Capítulo 6

Filha da bênção, e não da cólera


É o que também afirma o Pe. Thiébaud:
“Todos os homens foram resgatados a grande preço, porque eram
culpados; Maria, a primeira, será também resgatada a grande preço,
mas para não se tornar culpada. Quer dizer, fomos todos resgatados
por uma Redenção purgativa e sanificadora, enquanto que Maria, e só
Ela, foi resgatada por uma Redenção preservadora e protetora.
“Em duas palavras, o mérito da Redenção para Maria não foi o de
ter sido arrancada, como nós, da maldição geral, mas — o que é infini-
tamente mais precioso para Ela — é o de ter sido preservada da mes-
ma, por antecipação. Nascemos todos filhos da cólera; somente Maria
nascerá filha da bênção. Mal atingiu Ela o nível das menores criaturas
da Terra, e já se elevou acima das mais augustas dignidades do Céu.
Quando Deus pensava em reerguer o gênero humano, cogitava em
impedir que Maria caísse; e Ele adianta de tal maneira em favor d’Ela
o cumprimento de suas promessas, que o primeiro dia da desgraça de
Adão é precisamente o primeiro dia da glória de Maria. Ela come-
ça sua santificação por onde os maiores Santos não podem terminar a
deles. Numa palavra, a Redenção do mundo ainda não havia chegado,
e a de Maria já estava assegurada.
“É assim que a idéia da Imaculada Conceição de Maria transporta
a alma para um mundo sobrenatural, e nos introduz nos mais impene-
tráveis segredos do Deus três vezes santo.
“Compreende-se que Deus se devia a si mesmo esta maravilhosa
isenção, e que a devia também à sua divina Mãe. A santidade do pró-
prio Deus assim o exigia, como sendo de indispensável e total conve-
niência” 6.

@ A fim de encarnar-se o Verbo eterno, e ser


humilhado,
E o homem, como o sol, ao Céu ser levantado.
Como anteriormente vimos, a Redenção preventiva de Nossa
Senhora teve em vista a Encarnação do Verbo. Que sua Mãe fosse

6) THIÉBAUD. Les Litanies de La Sainte Vierge expliquées et commentées. 3. ed. Paris:


Jacques Lecoffre, 1864. Vol. I. p. 103-104.

332
Vésperas  A fim de encarnar-se o Verbo eterno, e ser humilhado...

Imaculada, era uma gloriosa exigência do nascimento do Filho Uni-


gênito de Deus. Os versos em epígrafe aludem, pois, a este grandioso
mistério de nossa fé, bem como à salvação e à honra que dele resultou
para toda a humanidade.

Encarnação do Verbo e deificação do homem


Com efeito, “a Encarnação não teve unicamente por fim o de repa-
rar a ofensa feita a Deus por nossos pecados, de curar a humanidade
de suas feridas, e de libertá-la da escravidão ao tirano dos corpos e das
almas. Ela também nos devolveria a qualidade de filhos adotivos [de
Deus], perdida pela revolta original; ela iria deificar o homem, fazer
dele o herdeiro do Pai e o co-herdeiro de Jesus Cristo.
“Não há nada que nossos santos Doutores tenham amiúde e mais
magnificamente ensinado. «Se o Verbo se fez carne, se o Filho eterno do
Deus vivo se tornou filho do homem, é para que o homem, entrando em
sociedade com o Verbo, estreitando a adoção, se tornasse filho de Deus».
“E ainda: «O Filho de Deus, seu Unigênito segundo a natureza, por
uma maravilhosa condescendência, tornou-se filho do homem, a fim de
que nós, filhos do homem por nossa natureza, nos tornássemos filhos de
Deus por sua graça». E esta doutrina, é o próprio Deus que por seus
Apóstolos a transmitiu aos Padres: «Quando veio a plenitude dos tem-
pos, enviou Deus a seu Filho, feito de mulher, feito sob a Lei [...], para
que recebêssemos a adoção de filhos» (Gál. IV, 4-5). [...]
“Sim, tal é o fim próximo, imediato, da união do Filho eterno com
nossa natureza: fazer do homem um filho adotivo de Deus, o irmão do
Primogênito. [...]
”[E], com efeito, posto que Deus queria nos elevar até Ele, não
importava que Ele descesse primeiramente até nós? Que meio mais
natural e mais divino de nos fazer entrar em sua família, do que se
unir Ele próprio à nossa? Como, enfim, convidar-nos mais eficazmen-
te a partilhar, por adoção, a honra da filiação divina do que nos dando
o Filho, eterno objeto da complacência paterna, por irmão mais velho,
um irmão de nossa carne e de nosso sangue?” 7

7)  TERRIEN, J.-B. La Mère de Dieu et la Mère des Hommes. 8. ed. Paris: P. Lethielleux,
1902. Vol. I. p. 80-81.

333
Nascimento do
Menino Jesus

O Verbo Eterno revestiu-se de nossa carne e nasceu de


Maria Virgem a fim de que o homem,
como o sol, ao Céu fosse elevado
Vésperas  A fim de encarnar-se o Verbo eterno, e ser humilhado...

Completando esse ensinamento do Pe. Terrien, vem a propósito o


que encontramos no Tesouro de Oratória Sagrada:
“Trata-se de que o Filho de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade augustíssima, engendrado desde a eternidade no seio do Pai,
e igual a Ele em tudo, deve se humilhar, tomar a forma de escravo,
reduzir-se à condição de homem, e se constituir vítima por nossas cul-
pas.
“Trata-se de que [o Verbo de Deus] deve tomar um corpo e uma
alma como a nossa, nas entranhas de Maria, e unir de um modo tão
maravilhoso e tão verdadeiro nossa miserável natureza à sua, que
ambas subsistam unidas e distintas numa única pessoa que nós ado-
ramos com o nome de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem.
“Trata-se de que Ele deve cumprir tudo isto para apagar a maldi-
ção que merecemos pelo pecado de nosso primeiro pai, assistir-nos
em nossas misérias, instruir nossa mente, dirigir nossa vontade e san-
tificar nossa alma; elevando-nos nesta vida, por meio da fé e da graça,
até àquele Deus, com quem seremos bem-aventurados e imortais na
vida futura” 8.

Honra inimaginável
Sobre essa excelsa dignidade a que nos elevou o mistério da Encar-
nação, escreve o Pe. Nouet, renomado pregador jesuíta do século
XVII:
“Considerai que, embora exista apenas um homem que seja Deus,
entretanto participamos todos desta honra, e cada um de nós pode se
unir ao Verbo em qualidade de irmão, de amigo, de esposo, contan-
to que a isto estejamos dispostos e não ponhamos obstáculos. Assim,
a Encarnação é a elevação de toda a natureza humana ao ser divino, o
que é uma honra inimaginável.
“Oh! que mudança de condição e de fortuna! Outrora se dizia ao
homem, por desprezo: Pulvis es; tu não és senão pó. E agora se lhe diz,

8) TESORO DE ORATORIA SAGRADA. 2. ed. BULDÚ, Ramon (Dir.). Barcelona:


Pons, 1883. Vol. IV. p. 167.

335
A fim de encarnar-se o Verbo eterno, e ser humilhado...  Capítulo 6

por homenagem: Deus es; sois Deus, sois o filho do Altíssimo e o her-
deiro presuntivo de sua coroa” 9.

Mistério de grandeza e de abatimento


E o Pe. Le Valois (séc. XVIII), outro insigne discípulo de Santo
Inácio, considerando a Encarnação do Verbo, assim se dirige a Nos-
sa Senhora:
“Que ações de graças renderemos a esse Deus feito homem por nós,
e encerrado em vossas castas entranhas? Como podemos estimar, de
maneira suficiente, um benefício inestimável? Como podemos demons-
trar nosso reconhecimento pelo mesmo? Bendito seja eternamente esse
Filho adorável, que deveis dar ao mundo, e que se dá, Ele próprio, a
nós! É d’Ele que Vos vem toda a vossa glória, é d’Ele que nos vem toda
a nossa salvação. Abatendo-se, Ele Vos eleva; degradando-se, Ele Vos
enobrece; escondendo-se, Ele Vos coroa do mais belo resplendor.
“Por outro lado, elevando-Vos, Ele nos reergue da mais profunda
e mortal decadência; enobrecendo-Vos, Ele contrai conosco, pela san-
ta união entre a sua divindade e a nossa humanidade, a mais nobre
aliança; coroando-Vos do brilho que Vos envolve, Ele nos restabele-
ce em todas as nossas pretensões à sua herança celeste, e a um diade-
ma imortal.
“Ó mistério de grandeza e de abatimento, de salvação e de dores!
Ó bondade de Deus que o realizou! Somente Ele paga o preço des-
se mistério, cujas humilhações e sofrimentos reservou Ele para si.
Porém, todo o fruto desse holocausto Ele destina para Vós, Santa Vir-
gem, e também para nós” 10.

O homem se tornou rico pela pobreza do Filho de Deus


E o grande Santo Ambrósio, também contemplando o sublime mis-
tério da Encarnação, traçou este eloquente paralelo entre a humilha-
ção do Verbo e a exaltação do homem:

9) NOUET. Meditação sobre a Encarnação do Verbo. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des
Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.Vol. VIII. p. 386.
10)  LE VALOIS. Entretien pour la Fête de l’Annonciation. Apud JOURDAIN, Z.-C. Op.
cit. p. 390.

336
Vésperas  Daquele brilhante sol a Virgem tem o fulgor...

“[O Filho de Deus] se fez pequeno, foi menino, para que tu pos-
sas ser varão perfeito; Ele foi envolto em faixas, para que tu possas
ser desligado dos laços da morte; Ele foi reclinado num presépio, para
que tu possas ser colocado nos altares; Ele foi posto na terra, para
que tu possas estar entre as estrelas; Ele não teve lugar na estalagem,
para que tu tenhas muitas mansões nos Céus (Jo. XIV, 2). «Ele, sendo
rico, fez-se pobre por vosso amor, a fim de que vós fôsseis ricos pela sua
pobreza» (II Cor. VIII, 9). Logo, meu patrimônio é aquela pobreza, e a
debilidade do Senhor, minha fortaleza. Preferiu Ele para si a indigên-
cia, a fim de ser pródigo para todos” 11.
Podemos, pois, concluir com Santo Agostinho:
“[No mistério da Encarnação se verificou uma] singular elevação
do homem, realizada de maneira inefável pelo Verbo Divino, para que
Jesus Cristo fosse chamado, a um tempo, verdadeira e propriamente
Filho de Deus e Filho do homem. [...]
“Assim foi predestinada aquela humana natureza a tão grandiosa,
excelsa e sublime dignidade, não sendo possível uma maior elevação
da mesma; como também a divindade não pôde descer nem se humi-
lhar mais por nós, do que tomando nossa natureza, com todas as suas
debilidades, até à morte de Cruz” 12.

@ Daquele brilhante sol a Virgem tem o fulgor


Maria, vestida do sol divino
No seu livro do Apocalipse, São João Evangelista se refere a “um
grande sinal no céu: uma mulher, vestida de sol” (XII, 1).
Aplicando a Nossa Senhora essas palavras do Apóstolo virgem,
assim se exprime São Bernardo:
“Com razão Maria nos é apresentada vestida de sol, porquanto
penetrou, além de tudo quanto podemos imaginar, o profundíssimo
abismo da Divina Sabedoria. De sorte que, tanto quanto o permite a
condição de simples criatura, Ela, sem chegar à união pessoal, parece

11)  AMBROSIO. Obras de San Ambrosio: Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. Ma-
drid: BAC, 1966. Vol. I. p. 109-110.
12)  AGUSTIN. Obras de San Agustin. Madrid: BAC, Vol. VI. p. 480.

337
Daquele brilhante sol a Virgem tem o fulgor...  Capítulo 6

totalmente imersa naquela inacessível luz, naquele fogo que purificou


os lábios do Profeta Isaías e no qual ardem os Serafins.
“Assim, pois, de modo bem diverso mereceu Maria, não apenas ser
tocada ligeiramente pelo Sol divino, mas antes ser coberta com ele por
todos os lados, banhada e como que contida pelo mesmo fogo.
“Alvíssimo é, na verdade, e também calidíssimo, o vestido desta
mulher, da qual todas as coisas se vêem tão excelentemente ilumina-
das, que não é lícito suspeitar haja n’Ela nada, não digo tenebroso,
mas nem sequer obscuro ou menos lúcido, nem tampouco algo que
seja tíbio ou sem o mais intenso fervor. [...]
“«Uma mulher, disse, vestida de sol». Sem dúvida coberta de luz,
como de um vestido. Para o homem sensual, isto não passa de uma
leviandade, já que não é capaz de compreender as coisas espirituais.
Não pensava assim o Apóstolo, que dizia: «Revesti-vos do Senhor Jesus
Cristo» (Rom. XIII, 14). Quão familiar d’Ele fostes criada, Senho-
ra! Quão próxima, quão íntima [d’Ele] merecestes ser criada! Quan-
ta graça achastes diante de Deus! Ele está em Vós e Vós, n’Ele; a Ele
vestis e por Ele sois vestida. Vós O vestis com a substância da carne
e Ele Vos veste com a glória de sua majestade. Vestis o sol com uma
nuvem, e Vós mesma sois vestida de um sol” 13.
O Pe. Manuel Bernardes, por sua vez, celebrando a Assunção de
Nossa Senhora, complementa o pensamento do Doutor Melífluo:
“Como a nuvem rara, diz o Santo, quando se põe diante do sol fica
o sol vestido de algumas sombras da nuvem, e fica a nuvem vestida
de alguns resplendores do sol; assim a Virgem Senhora, nuvem leve
(como Lhe chamou Santo Ambrósio) se vestiu da divindade, porque a
divindade se vestiu de Maria Santíssima.
“E a nuvem, sendo um vapor da terra, quando [é que] se veste do
sol? Quando sobe ao céu por virtude do mesmo sol. Maria Santíssima
sobe hoje ao Céu por virtude de Deus e então aparece no Céu vestida
do mesmo Deus: Apareceu no Céu uma mulher vestida de sol.
“Maria Santíssima, subindo ao Céu, toda está vestida de Deus.
Seu rosto está vestido de Deus porque nele se tratou de Deus sua
benignidade; seus olhos estão vestidos de Deus, porque são olhos
misericordiosos; sua língua está vestida de Deus, porque nela guar-
dou Deus os favos de sua doçura e sabedoria; [...] as mãos estão ves-
tidas de Deus, porque tudo podem, e todos os seus tesouros por elas

13)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 726 e 728.

338
Vésperas  Daquele brilhante sol a Virgem tem o fulgor...

correm; o coração está vestido de Deus, porque nele derramou Deus


sua bondade.
“A alma está vestida ou transformada com Deus, porque, entre
todas as puras criaturas, tem a maior graça e a maior glória. Maria
está cercada toda de sol, e se no meio do sol pudesse haver sombra,
até a sombra de Maria estaria vestida de Deus, porque Deus Lhe fez
sombra ao vestir-se de Maria” 14.

Sol que alegra a Igreja


Em um de seus sermões para a festa da Natividade da Virgem, São
João de Ávila assim no-La apresenta revestida do brilho do Sol divino:
“[Maria é] eleita como o sol. Nome é este que se dá a seu sacratís-
simo Filho, porque Ele é a fonte de toda luz espiritual no Céu e na
Terra, como o sol é fonte de claridade para todo o mundo. Contudo,
assim como Ele concedeu a Ela o tomar parte em sua santidade, dar-
Lhe-á também seu lume de sol, posto que o deu a seus Santos Apósto-
los, aos quais disse: Vós sois a luz do mundo. Esta Menina sagrada [...]
é a mulher vestida de sol que São João viu em seu Apocalipse. Lume e
calor tem o sol, e com tanta excelência, que a fraqueza de nossos olhos
não o pode fitar. Quem descreverá a luz que, [...] para contemplar o
Altíssimo Deus e para tudo o que convinha para o servir, a esta Meni-
na bendita foi concedida!?
“De maneira que, embora o dia de nossa salvação [...] seja aque-
le em que o próprio Deus se encarnou e nasceu neste mundo, e, em
comparação com Ele, esta Santa Virgem e seu nascimento se chamem
manhã, sem embargo, considerando a excelência da vida d’Ela, tam-
bém a seu modo se chama sol e causa de alegria na Igreja, segundo
está escrito: «O que é o sol para o mundo quando nasce nas alturas de
Deus, assim é o rosto de uma mulher virtuosa»” 15.

14)  AS MAIS BELAS PÁGINAS DE BERNARDES: 2000 Trechos selecionados por NU-
NES, Mario Ritter (Coord.). São Paulo: Melhoramentos, 1966. p. 341.
15)  ÁVILA, Juan de. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 937.

339
Elevada como o sol

Encarnando-se nas castíssimas entranhas de Nossa Senhora, e d’Ela


nascendo, o Verbo eterno A elevou como o sol, acima de todos os Anjos e
Santos.
“A grandeza de Jesus reflete sobre Maria todos os seus raios. Pois é
sempre verdade que, assim como a honra e a glória dos pais se refletem so-
bre seus filhos, também a honra e a glória dos filhos se refletem sobre seus
pais.[...]
“O panegirista de Filipe da Macedônia, pai de Alexandre Magno, che-
gado ao ponto mais alto de seu discurso, disse: «Bastaria dizer para tua gló-
ria que tiveste por filho Alexandre». Outro tanto, e ainda com maior razão,
podemos dizer de Maria: Bastaria dizer para vossa glória que tivestes por
filho, Jesus.
“Pode-se, porventura, imaginar uma glória mais alta? É, com efeito,
uma dignidade tão admirável que o próprio Deus, não obstante sua onipo-
tência, não poderia criar outra mais sublime do que esta. Para que, de fato,
possa haver uma mãe maior e mais perfeita do que Maria, seria necessário
que existisse um filho maior e mais perfeito do que Jesus, coisa impossível,
pois não pode haver nada de maior do que Deus. Não somente Maria se
acha, de fato, logo depois de Deus na escala da grandeza, mas sua união com
Ele é tão estreita, que não há mais lugar para outra criatura, inferior a Deus
e superior a Maria.
“Com a divina maternidade, Deus concedeu à criatura tudo que a essa
pode ser concedido, depois da união hipostática. Maria é a obra-prima do
Onipotente. Por isto se pode dizer que os Santos Padres e os Doutores da
Igreja esgotaram o vocabulário, exaltando Maria.
“É um São Tomás de Aquino que diz: «Maria, pelo fato de ser Mãe de
Deus, possui uma dignidade infinita, devido a suas relações com Deus, que é
o bem infinito; sob este aspecto, não é possível haver nada de melhor, como
não é possível achar-se coisa alguma que seja melhor do que o próprio Deus»
(Suma, I, q. 25, a. 6, ad 6).
“É um Conrado da Saxônia quem escreve: «Ser Mãe de Deus é uma
graça tal, que Deus não pode conceder outra maior. Poderia criar um mundo
e um céu maiores, porém fazer uma mãe maior do que a Mãe de Deus é, mes-
mo para Ele, coisa impossível» (Speculum B. M. V., 1. 10).
“É um São Tomás de Villanueva, insigne teólogo e ilustre pregador,
quem afirma: «Ainda que as estrelas do céu se convertessem em línguas e as
areias do mar se transformassem em palavras, nunca se chegaria a exprimir
completamente a dignidade de Maria» (Concio 5 in festo Assumptionis B.M.V.).
“É um Fr. Monsabré que escreve: «A Igreja Católica com todas as suas
homenagens, com todos os seus templos, com todos seus altares, com todas
suas estátuas, com todos os seus incensos, com todos os seus panegíricos, com
todos os seus cânticos, com todas as suas flores, com todas as suas festas, com
todo o seu respeito, com toda a sua confiança, veneração e amor, não elevou
tão alto a Virgem, como o fez o Evangelho, com aquelas palavras tão breves e
simples, mas tão ricas e eloquentes: Maria, da qual nasceu Jesus que se cha-
ma Cristo» (30ª conf. de Notre-Dame). [...]
“Foram tantos e tão preciosos os dons de natureza, de graça e de gló-
ria concedidos pela augustíssima Trindade à Virgem
Santa, que todas as belezas da natureza, todas as ri-
quezas da graça, todos os esplendores da glória, não
bastam para nos dar uma idéia exata da grandeza da
Mãe de Deus.”

ROSCHINI, Gabriel. Instruções Marianas.


São Paulo: Paulinas, 1960. p. 49-51.
Daquele brilhante sol a Virgem tem o fulgor...  Capítulo 6

Nossa Senhora simbolizada pelo sol


Vejamos agora num interessante e sábio confronto traçado por São
Boaventura, como o sol, com suas diversas qualidades naturais, é por-
tentoso símbolo de Nossa Senhora: “O sol tem formosura em seu nas-
cimento, por excluir a mescla de elementos contrários, como nuvens,
trevas e obscuridades, as quais fogem quando ele aparece. A Virgem é
semelhante [...] ao sol que brilha sem nuvens pela manhã, porque em
seu nascimento não teve mancha alguma de pecado.
“O sol, com sua presença, confere uma extraordinária formosura
ao universo. Do mesmo modo, a Bem-aventurada Virgem embeleza
a todo o mundo. O sol é um vaso admirável, recipiente de luz, sem
cuja presença todo o universo fica deformado. Assim também, se tiras
do mundo a Mãe de Deus, terás retirado, por isso mesmo, o Verbo
Encarnado, sem o qual todo o universo fica deformado pelo pecado e
pelo erro.
“É deleitável aos olhos corporais ver o sol material, porém o é mui-
to mais aos olhos espirituais contemplar a formosura da Virgem. Foi
tão bela a gloriosíssima Virgem, que agradou pelo excelso de sua bele-
za aos Anjos de Deus e aos olhos do Esposo celestial. [...]
“O sol está colocado nas alturas para que recebam de sua luz, os
demais corpos do mundo. Tal foi a gloriosíssima Virgem Maria, que
ilumina toda a Igreja e a máquina do universo. À imitação do sol, a
Virgem Maria difunde seus raios sobre todas as coisas. Como lâmpa-
da que brilha sobre o candelabro do mundo, a este ilumina com seus
exemplos, e por isto diz São Jerônimo: «Se o examinares atentamente,
verás que não há virtude, formosura, candor nem glória que não resplan-
deça n’Ela».
“A virtude solar repele as sombras terrenas, e nisto a Virgem se
assemelha ao sol, porque põe em fuga as heresias e tentações. Assim
como as trevas cobrem a Terra e as feras andam livres pela noite, antes
que saia o sol, assim a heresia, a idolatria e as potestades adversas
estavam entronizadas no mundo, antes de nascer a Virgem. Porém,
com seu nascimento, ficaram confundidas as heresias e vencidas as
potências inimigas.
“A virtude do sol é eficaz para irradiar o calor do céu, segundo o
capítulo LXIII do Eclesiástico: «O sol abrasa três vezes mais os mon-
tes, despedindo raios de fogo, com cujo resplendor deslumbra os olhos».
Este sol que abrasa três vezes mais os montes é a Virgem Maria, que

342
Vésperas  E qual aurora surgente refulge em esplendor...

nos inflama com suas orações, exemplos e auxílios, e isto em virtude


de sua copiosíssima caridade.
“Maria, pois, veio ao mundo como um sol espiritual” 16.

Sol de santidade
Ao paralelo estabelecido por São Boaventura, podemos acrescen-
tar estes comentários estampados no Tesouro de Oratória Sagrada:
“Era indispensável para indicar a majestade, a grandeza e a san-
tidade [de Maria], que Ela fosse comparada ao sol, pois, assim como
ao nascer do sol, ficam eclipsados todos os demais claríssimos astros,
também com o nascimento de Maria todos os demais bem-aventura-
dos, por muito célebres que fossem em santidade, desapareceram.
“Verdade é que, por outros conceitos, Maria é comparada com o
sol.
“É como o sol, porque da mesma maneira que este astro se eleva
radiante de singular esplendor, Ela, desde seu nascimento, apresen-
tou-se cheia de singular grandeza. É como o sol, porque assim como
este, pela nobreza de suas propriedades, avantaja a todos os plane-
tas, Maria, por uma nobreza só a Ela comunicada, excede a todas as
demais criaturas. É como o sol, pois assim como o astro do dia é belís-
simo ornamento da criação, Ela é sublime adorno do gênero humano
e da Igreja.
“É como o sol, pois do mesmo modo que este astro, atravessando
seus raios por lugares imundos, não contrai nódoa alguma de sujei-
ra, Ela, ao passar pela Terra infeccionada pelo pecado, não contraiu a
menor mancha de impureza” 17.

@ E qual aurora surgente refulge em esplendor


Maria e o simbolismo da aurora
“O simbolismo da aurora ou do nascer do dia convém, sobretudo, a
Maria. [...] Aurora, quer dizer, hora de ouro, hora aurea, hora precio-
sa, hora encantadora, hora de esperança e de felicidade. [...]

16)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. Vol. IV. p. 915-917; 921-925.
17)  TESORO DE ORATORIA SAGRADA. 2. ed. BULDÚ, Ramon (Dir.). Barcelona:
Pons, 1883. Vol. IV. p. 113.

343
E qual aurora surgente refulge em esplendor...  Capítulo 6

“Ouvistes, sem dúvida, os amantes da bela natureza se extasiarem


sobre o maravilhoso efeito do nascer do dia. Viste-os empreender lon-
gas viagens e passar noites inteiras no cimo de montanhas glaciais, a
fim de se encontrarem, pela manhã, prontos a desfrutar do radioso
espetáculo de uma bela aurora.
“O sol ainda não se levantou; não se distingue nem um de seus
raios, e entretanto uma certa luz intermediária, semelhante à da ale-
gria, já faz renascer a natureza. Há, então, entre a noite e o dia, alguns
instantes de luta. Logo o horizonte se colore de mil matizes, e o lado
do oriente aparece todo em fogo. É então que acreditareis ver cada
criatura retomar sua vida, sua cor, sua inteligência, como se retoma
um traje de gala após a noite onde tudo é sombrio e incolor. [...]
“Os esplêndidos fulgores de um meio-dia de verão não têm o
encanto desta aparição resplandecente, que exerce sobre a natureza
um tão grande domínio.
“Digno de lástima seria aquele que permanecesse indiferente a
este imponente quadro, e que, podendo ser testemunha de um tão
belo espetáculo, não sentisse seu coração disposto a glorificar, reco-
nhecido, a majestade das obras de Deus!

Verdadeira aurora da salvação do mundo


“Mas, quanta distância há entre todas essas belezas da Terra e as
belezas espirituais que Maria nos veio trazer! É Ela que, no dia de seu
nascimento, foi um presságio de misericórdia que antecedeu somen-
te de algum tempo ao Sol de Justiça, o desejado das nações. É Ela que
precede a marcha desse gigante dos Céus, como para preparar nossos
olhos à luz divina, que logo inundará a Terra.
“À sua vista, comprazemo-nos em exclamar com o Espírito de
Deus:
“Ó Homens, [...] alegrai-vos; a hora da esperança chegou: já a noi-
te passou com seus terrores e seus espantos; ele se aproxima, esse belo
dia prometido há tanto tempo. É Maria, verdadeira aurora da salva-
ção, que nos aparece hoje, [...] radiosa, Ela própria, da felicidade que
nos traz” 18.
Semelhante é o pensamento de Henry le Mulier:

18) THIÉBAUD. Les Litanies de La Sainte Vierge expliquées et commentées. 3. ed. Paris:


Jacques Lecoffre, 1864. Vol. I. p. 129-132.

344
Vésperas  E qual aurora surgente refulge em esplendor...

“Deus, desejando que seu Filho bem-amado fosse universalmente


reconhecido, [adorado], seguido, e que o mundo fosse salvo por Ele,
decidiu que o Verbo se faria carne e habitaria entre nós.
“E desde toda a eternidade, Deus escolheu a Maria para ser a auro-
ra desse dia de salvação, para ser a Mãe do Sol de Justiça, para trazer
ao mundo esta luz que devia dissipar as trevas da ignorância, e con-
fundir as potências do Inferno evocadas pelo pecado.
“Verdadeira aurora da Redenção, Maria foi, portanto, iluminada
desde a manhã pelos raios da glória de Deus” 19.

Como o despontar do dia da fé


Outra bela aplicação do simbolismo da aurora à Santíssima Vir-
gem, devemos à ilustre pena de Augusto Nicolas:
“Maria, ao se levantar sobre o horizonte do mundo, foi como o
dealbar da manhã da verdade, como o despontar do dia da fé, que
difundiu sobre a Terra Jesus Cristo, luz eterna, como O chama a Igreja.
Maria foi como a aurora do Sol de Justiça, desvanecendo as sombras
da [Antiga] Lei, e tingindo o céu com os primeiros fulgores da graça,
pelo que a Igreja a saúda: «[Aquela] que vai caminhando como a auro-
ra quando se levanta».
“Imagem feliz, que, muito melhor do que nas falsas aplicações dos
poetas, encontra em Maria toda sua verdade, toda sua pureza. Assim
como pouco depois de se apresentar a aurora, vê-se nascer, como que
do interior desta, o corpo do sol, assim Maria apareceu no Evangelho
precedendo a Jesus, luz do mundo, que d’Ela nasceu.
“Semelhante é também por sua virgindade à aurora, que nada per-
de de sua integridade e pureza, ao engendrar o rei dos astros e ser
mãe do dia.
“Mas, sobretudo, convém a Maria este simbolismo da aurora [por
ser Ela] a filha da graça de quem nasce o Criador, como a primeira
claridade da manhã, que se chama aurora, é produzida pelo sol antes
de que este apareça, e, por sua vez, produz de seu seio ao rei do dia” 20.

19)  LE MULIER, Henry. De la Très-Sainte Vierge d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de
l’Église. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 41-42.
20)  NICOLAS, Augusto. La Virgen María y el Plan Divino. Barcelona: Religiosa, 1866.
Vol. II. p. 143-144.

345
O nascer do sol é pálida realidade,
comparado à resplandecente aurora
que foi o aparecimento
de Nossa Senhora neste mundo
Nascimento da Virgem Maria, por Giovanni Rimini
Vésperas  E qual aurora surgente refulge em esplendor...

Aurora que enche de alegria os Anjos e a Igreja


Arrebatado pelos esplendores dessa “aurora da salvação”, São
João de Ávila a Ela assim se dirige:
“Por que [sois comparada à] aurora, bendita Menina? Porque assim
como a aurora nada tem a ver com a noite, assim Vós, quando nasceis
do seio de vossa mãe, não sois tocada pelo pecado. Durante a auro-
ra afogou Deus ao Faraó e aos seus, no Mar Vermelho. E em Vós,
que nasceis como aurora, afogou Deus ao demônio e aos pecados, de
maneira que em coisa alguma tivessem parte convosco. [...]
“Somos concebidos no pecado original e nascemos pecadores do
ventre de nossa mãe; e com nosso descuido e mau comportamento,
sobre o pecado que de Adão herdamos, acrescentamos outros por
nossa culpa e própria vontade. Uns pecaram mais que outros, mas
ninguém que neste mundo vive esteve isento de falta, a não ser Vós,
eleita particularmente pela divina bondade para que, por sua honra,
não caísse pecado em Vós, mas fôsseis toda limpa e preciosa como
ouro fino. [...]
“Caminhais como aurora e causais espanto aos que não Vos conhe-
cem, dais alegria aos que Vos contemplam. Porque ver um corpo que
nunca foi rebelde à sua alma, e nem um só movimento teve contra ela;
[ver] uma parte sensitiva que, sem revolta, obedecia sempre à razão, e
uma razão e vontade sempre sujeitas a Deus, são obra nova, nunca vis-
ta até hoje em ninguém, nem depois de Vós, exceto em vosso sacratís-
simo Filho.
“Com muita razão se admiram os Anjos e a Igreja inteira, vendo-
Vos nascer com luz de aurora, pois notam em Vós uma santidade que
não houve semelhante no passado, nem haverá no porvir” 21.

O primeiro triunfo sobre o demônio


E no Tesouro de Oratória Sagrada lemos:
“Com muita razão, o nascimento de Maria é comparado, nas
Sagradas Escrituras, à aurora, pois assim como esta anuncia o térmi-
no da noite e o princípio do dia, também o nascimento de Maria anun-

21)  ÁVILA, Juan de. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 935.

347
E qual aurora surgente refulge em esplendor...  Capítulo 6

ciou o fim das vitórias do demônio e o início dos triunfos sobre este
antigo e formidável adversário.
“Sim, todos, por muito nobre que seja nossa origem, por mui-
tas riquezas que possuamos, e por grandes ações que ilustrem nos-
so nome, fomos escravos do príncipe dos abismos. Porém, Maria nun-
ca foi escrava do príncipe das trevas. [...] Ela entrou toda pura em
meio aos descendentes de Adão, e apareceu formosíssima em meio
aos filhos dos homens: nenhuma nódoa ofuscou sua candura, nenhu-
ma sombra manchou sua gentileza; de sorte que, em seu nascimento,
vemos o primeiro triunfo sobre o demônio, a primeira vitória sobre o
Inferno” 22.

Inestimável tesouro para a humanidade


Por fim, ouçamos o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, com o carac-
terístico fervor de sua piedade mariana, estabelecendo interessante
relação entre a Santíssima Virgem e o simbolismo da aurora:
“Concebida e nascendo sem pecado original, Nossa Senhora repre-
sentou para a humanidade um valor que, devido à falta de nossos pri-
meiros pais, era-lhe desconhecido: uma criatura isenta de qualquer
mancha, um lírio de incomparável formosura que deveria alegrar os
coros angélicos e a Terra inteira. Era, em meio ao exílio de um gênero
humano corrompido, o aparecimento de um ser imaculado.
“Além disso, Nossa Senhora trazia consigo todas as riquezas natu-
rais que possam caber numa mulher. Nosso Senhor concedeu a Ela
uma personalidade valiosíssima. E, a esse título, a presença d’Ela
entre os homens representava um tesouro verdadeiramente incalcu-
lável.
“Entretanto, se aos dons naturais acrescentarmos os tesouros das
graças incomensuráveis que com Ela vinham, as maiores que Deus
Nosso Senhor tenha concedido a alguém, compreendemos então o
que representa o advento de Nossa Senhora ao mundo.
“O nascer do sol é uma pálida realidade, se o compararmos com
essa resplandecente aurora que foi o aparecimento de Nossa Senho-
ra nesta Terra! Os mais grandiosos fenômenos da natureza, mesmo os

22)  TESORO DE ORATORIA SAGRADA. 2. ed. BULDÚ, Ramon (Dir.). Barcelona:


Pons, 1883. Vol. IV. p. 105-106.

348
Vésperas  E qual aurora surgente refulge em esplendor...

que representem algo de precioso e inestimável, nada são diante do


nascimento de Maria.
“O bendito momento da entrada de Nossa Senhora neste mundo,
deve ter sido saudado pela alegria de todos os Anjos do Céu, acom-
panhada, talvez, por inusitados sentimentos de júbilo nas almas retas,
esparsas pelos mais variados recantos da Terra.

Maria irrompe como benfazeja aurora em nossa


vida espiritual
“A natividade de Nossa Senhora nos sugere, também, outro pensa-
mento. O mundo de então estava prostrado no mais radical paganis-
mo. A situação da humanidade, naquele tempo, era parecida com a de
nossos dias: todos os vícios imperavam, todas as formas de idolatria
tinham dominado a Terra, e a abominação penetrara na própria reli-
gião judaica, que era o prenúncio da religião católica. Por toda a par-
te, o erro e o demônio eram vitoriosos.
“Porém, no momento decretado por Deus em sua misericórdia,
Ele derruba a muralha do mal, fazendo nascer Nossa Senhora. E com
a vinda d’Ela — que era a raiz de Jessé, da qual nasceria o divino lírio,
Nosso Senhor Jesus Cristo — tinha início a destruição do reino do
demônio.
“Quantas vezes não se passa algo de semelhante em nossa vida
espiritual! Uma alma, de repente, vê-se imersa na luta contra as ten-
tações, contorcendo-se e se revolvendo em dificuldades! Ela não tem
idéia de quando virá o bendito dia em que uma grande graça, um insig-
ne favor porá fim a seus tormentos, às suas lutas, e, afinal, lhe propor-
cionará um grande progresso na prática da virtude.
“É, então, que se verifica um como que nascimento, ou, num sen-
tido especial da palavra, irrupções da Santíssima Virgem em nos-
sa alma. Na noite das maiores provações e das mais espessas trevas,
Ela surge e desde logo começa a vencer as dificuldades com que nos
defrontávamos. Nesse momento, Ela se levanta também como uma
aurora em nossa existência, e passa a representar um papel em nossa
vida espiritual, até então desconhecidos por nós.
“Esse pensamento nos deve encher de alegria e de esperança, e nos
dar a certeza de que Nossa Senhora nunca nos abandona. Nas horas

349
Lírio entre espinhos...  Capítulo 6

mais difíceis por que passamos, Ela como que irrompe entre nós,
resolve todos os nossos problemas, alivia nossas dores, e nos dá a com-
batividade e a coragem necessárias para cumprirmos nosso dever até
o fim, por mais árduo que este seja. A maior consolação que Ela nos
traz é, precisamente, o fortalecer nossa vontade, para empreendermos
a luta contra os inimigos da Civilização Cristã.

Aurora que suscita os guerreiros da


Contra-Revolução
“Pode-se afirmar que todas as grandes almas que combateram
as diversas heresias, ao longo dos séculos, foram especialmente sus-
citadas por Nossa Senhora. É o que insinua, de modo muito bonito,
o brasão dos Claretianos, onde figura, além do Imaculado Coração
de Maria, São Miguel Arcanjo e, no alto, a divisa: «Os filhos d’Ela se
levantaram e A proclamaram Bem-aventurada».
“Essa presença de guerreiros que, como soldados de São Miguel
Arcanjo, armados, levantam-se para combater os inimigos de Deus,
proclamando Bem-aventurado o Coração de Maria, não é também
uma forma de irrupção da Santíssima Virgem, como magnífica aurora,
nas tramas da História?
“Portanto, os verdadeiros devotos de Nossa Senhora devem dese-
jar e pedir a Ela a graça de serem esses guerreiros de ferro, indomá-
veis e implacáveis contra o demônio e seus sequazes que, em nossos
dias, procuram conspurcar a glória da imortal Igreja de Cristo” 23.

@ Lírio entre espinhos


O mundo: deserto inculto e cheio de espinhos
Repete-se, aqui, o louvor dirigido a Nossa Senhora, no final da
Hora Sexta. Às considerações ali exaradas, podemos acrescentar este
comentário de São Tomás de Villanueva, com o qual celebra ele a
Assunção da Santíssima Virgem:

23)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/9/1963. (Arquivo pessoal).

350
Vésperas  Lírio entre espinhos...

“«Quem é esta que sobe do deserto, inebriada de delícias, apoiada sobre


o seu amado?» (Cânt. VIII, 5). São palavras dos Anjos, que se admiram
da pompa, da glória, do fausto da Senhora que ascende, e perguntam
por Ela. [...] O deserto é este mundo, porque, como diz Santo Agosti-
nho, pelo deserto se designa a peregrinação desta vida. [...]
“Quantos espinhos há neste deserto! Agudos espinhos são as con-
cupiscências da carne e seus ardis. Assim o sentia o que dizia: «por-
que as tuas setas se me cravaram, e assentaste sobre mim a tua mão. Não
há parte sã na minha carne» (Sl. XXXVII, 3-4). Santo Agostinho cha-
ma setas às concupiscências depois do pecado. E não só a carne, mas
todo este mundo está cheio de abrolhos. Que são as riquezas, senão
espinhos? Recordemos o Evangelho (Lc. VIII, 7): «Os espinhos sufo-
caram» a semente, e os interpreta logo como [sendo] as riquezas. Que
outra coisa são, senão espinhos, as pompas, os cuidados do século, as
ambições, os desejos? Portanto, o mundo está cheio de espinhos.
“Disse Santo Agostinho: os peitos vazios do temor de Deus e secos
do Espírito Santo são comparados à solidão de um inculto deserto.
Pois antes da vinda de Cristo era um completo deserto este mundo, e
alheio a toda noção de Deus, de fé e de temor; coberto dos espinhos
do pecado, tornava-se áspero como um campo inculto, e não havia
produzido fruto algum, nem era fecundo em boas obras. Porém, os
amantes deste século não sentem estes espinhos, porque estão mor-
tos para Deus e para o espírito. Disse Jó (XXX, 7): «Tinham por delí-
cia estar debaixo dos espinhos».
“Determina-te em teu coração a [...] seguir a virtude e a verdade, e
verás como ferem a alma e a afligem estes espinhos, quando te vês for-
çado a deixar contra tua vontade muitíssimas coisas que te atormen-
tam com violência neste deserto.

A única que evitou os espinhos deste mundo


“Por isso se admiram os Anjos de que suba [Maria] deste deserto,
inebriada de delícias; que, em vez de descer, atormentada, do lugar
dos espinhos e se precipitar, ferida, no Inferno, ascenda gloriosa aos
Céus.
“Grande foi, certamente, Abraão; sem embargo, o rico o viu no
Inferno, [pois] próximo estava o que podia ser visto. Grande foi

351
A cabeça do dragão calcando...  Capítulo 6

também Jacob; porém quem disse (Gên. XXXVII, 35): «Chorando


descerei [...] ao Inferno 24»? Grande foi também David, e disse, sem
embargo (Sl. XVII, 6): «Dores de Inferno me cercaram». Todos estes,
atormentados pelos aguilhões dos espinhos, desceram com tristeza
deste deserto aos Infernos.
“Por conseguinte, justo é se maravilhar de quem seja esta tão pode-
rosa, tão sublime, que sobe do deserto, do lugar dos espinhos, inebria-
da de delícias! Oh! Anjos! Só esta Virgem evitou os aguilhões dos espi-
nhos; só Ela permaneceu sem as feridas e os incômodos dos mesmos,
já que somente Ela é «como lírio entre espinhos, assim é minha amiga
entre as donzelas» (Cânt. II, 2), isto é, as almas santas. Se percorrer-
mos todo o Céu, todos dirão que sentiram estes espinhos. Confessa-o
Pedro, confessam-no Paulo, Isaías e o mesmo São João [Batista], que
foi santificado no seio de sua mãe. Escutemos a São João Evangelista,
virgem (I Jo. I, 8): «Se dissermos que estamos sem pecado, nós mesmos
nos enganamos»” 25.

@ A cabeça do dragão calcando


Humilhante e irremediável derrota do demônio
“Desde a origem do mundo — escreve o Pe. Jourdain —, Deus
declarou que haveria irremediáveis inimizades entre a mulher por
excelência e o demônio, e que esta mulher esmagaria a cabeça daque-
le. Conceba quem o puder, o ódio que uma tal sentença deve ter acen-
dido nesse espírito orgulhoso que não hesitou diante do pensamen-
to de se igualar ao próprio Deus. Ele já odiava a humanidade, vendo-
a destinada a preencher os vazios que sua revolta havia causado nos
coros angélicos; porém, sofrer a humilhação de ser calcado aos pés,
ignominiosamente vencido por uma mulher, era para ele o cúmulo da
vergonha. [...]
“Compreende-se, pois, que o ódio do demônio contra Maria não
tenha limites, e que, não podendo fazer mal algum à sua santa pes-
soa, ele A combata com furor em tudo o que Lhe é caro. Porém, todos
esses ataques estão destinados a se transformar em irremediáveis der-

24)  “Ao Inferno”, isto é, ao limbo, onde as almas dos justos estavam esperando a vinda de
Jesus Cristo (Nota do Pe. Matos Soares, na Bíblia por ele traduzida e comentada, 6. ed.
São Paulo: Paulinas, 1953).
25)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 462; 465; 466-467.

352
Vésperas  A cabeça do dragão calcando...

rotas para ele. Maria, ao contrário, neles encontra ocasião de glorio-


sas vitórias.

Sucessivos triunfos de Nossa Senhora sobre Satanás


“O demônio foi vencido por Maria uma primeira vez, quando Deus
anunciou que esta mulher esmagaria sua cabeça.
“Foi vencido, quando Ela foi concebida imaculada. Durante mais
de quatro mil anos, o demônio pôde se preparar para o combate con-
tra esta mulher destinada a lhe esmagar a cabeça. E eis que, desde o
primeiro momento de sua existência, Ela é mais forte do que ele, e
triunfa num ponto onde ele se acreditava inatacável.
“Foi vencido por Maria ainda criança. Entre os braços de sua mãe,
Ela era já o terror do demônio; e durante todo o curso de sua vida,
suas palavras, seus atos, sua humildade, sua virgindade, seu amor à
pobreza, infligiram inúmeras derrotas a Satanás, e lhe esmagaram a
cabeça. [...]
“Foi vencido quando esta santíssima e augustíssima Virgem deu à
luz o Filho de Deus feito homem, Aquele que vinha sobre a Terra para
destruir, por sua própria morte, o império da morte de Satanás. [...]
“Ele foi vencido durante [vinte] séculos, e o será até o fim dos tem-
pos, por Maria, que não cessa de lhe arrebatar suas vítimas, desfa-
zer suas ciladas, e de pôr freio às suas violências. Somente o nome de
Maria basta para fazê-lo tremer; uma invocação a esta Rainha toda
poderosa, a esta Mãe misericordiosa, basta para obrigá-lo a fugir. [...]
“Vitoriosa sobre os demônios, Maria o é, pela mesma razão, sobre
todos os inimigos de Deus, porque destes é chefe o demônio, cuja von-
tade eles executam” 26.

Aquela que esmagou todas as heresias


São Bernardo nos apresenta Nossa Senhora esmagando, sob seu
calcanhar, todas as heresias:
“Não se conte Maria no número das mulheres néscias, nem no
coro das virgens loucas. Pelo contrário, aquele único néscio e prín-

26)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 470-474.

353
Desde a origem do mundo,
foi o demônio vencido
pela Virgem Imaculada

Imagem de Nossa Senhora


na Catedral de Colônia
Vésperas  A cabeça do dragão calcando...

cipe de toda estupidez, que [...] perdeu a sabedoria em sua formo-


sura, conculcado e esmagado sob os pés de Maria, padece miserável
escravidão. Sem dúvida, Ela é aquela mulher prometida outrora por
Deus, para quebrantar a cabeça da antiga serpente com o pé da vir-
tude, a cujo calcanhar armou ciladas com muitas indústrias de sua
astúcia, porém em vão, posto que Ela, sozinha, esmagou toda a heré-
tica perversidade.
“Um dizia que Ela não havia concebido a Cristo da substância de
sua carne; outro sibilava que não havia dado à luz ao menino, mas que
o havia encontrado; outro blasfemava que, ao menos depois do parto,
havia conhecido varão; outro, não suportando que A chamassem Mãe
de Deus, repreendia impiamente aquele nome grande, Theotokos, que
significa que deu à luz a Deus. Porém, foram esmagados todos os que
armavam ciladas, foram conculcados os enganadores, foram repri-
midos os usurpadores, e A chamam Bem-aventurada todas as gera-
ções” 27.

Primeiro lance da Contra-Revolução


Ainda acerca do triunfo de Nossa Senhora sobre a infernal serpen-
te, comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“O demônio tem especial ódio à Imaculada Conceição, pelo fato
de que esta singular prerrogativa de Nossa Senhora constituiu para
ele uma derrota dolorosíssima e, por assim dizer, pessoal.
“Com efeito, tendo Satanás conseguido arrastar nossos primeiros
pais ao pecado original, as vantagens que lhe traria essa queda, caso
não houvesse a futura Redenção, seriam simplesmente espetaculares.
O homem, criatura nobre de Deus, ficou desfigurado pelo pecado e
sujeito às más tendências. Com isso, tornou-se incalculável o núme-
ro de pessoas capazes de cair ao longo dos séculos, no Inferno. Por-
tanto, imenso foi o êxito imediato que o demônio obteve com o peca-
do de Adão e Eva. O único modo de anular esse triunfo do mal seria o
Verbo se encarnar e, enquanto Homem-Deus, oferecer-se como víti-
ma pela nossa salvação.

27)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 727.

355
A cabeça do dragão calcando...  Capítulo 6

“Ora, essa vitória do Bem teve sua primeira realização no nasci-


mento de uma criatura excelsa, imaculada, que, apesar de todos os
embustes do demônio, nascia livre da trama na qual ele pretendia
envolver todo o gênero humano. Em favor dessa criatura, Deus rom-
peu a urdidura satânica, e Ela nasceu inteiramente fora da lei do peca-
do original. Essa criatura eleita é Maria Santíssima, Mãe de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
“Portanto, a raiz da salvação do mundo, o ponto de partida da
Redenção da humanidade, foi o fato de Nossa Senhora ter sido cria-
da isenta do pecado original. Donde nos ser fácil compreender como
o primeiro lance da Contra-Revolução foi, precisamente, a Imaculada
Conceição de Maria Virgem, prelúdio da Encarnação do Verbo.

Invocação propícia para os contra-revolucionários


“Compreendemos, de outro lado, como Nossa Senhora, concebi-
da sem pecado original, realmente pisa na cabeça do demônio. E, por-
tanto, o profundo sentido teológico que há no fato de se representar
a imagem da Imaculada Conceição calcando a serpente. Imaculada
Conceição! Essa é a invocação propícia para os contra-revolucioná-
rios. O modelo para estes é Nossa Senhora que, ao contrário de Eva,
não conversa com a serpente e, ademais, esmaga-lhe constantemente
a cabeça. Tal é a atitude de espírito que devemos pedir a Nossa Senho-
ra da Imaculada Conceição.
“Pois, que outra coisa é o calcanhar da Virgem, senão os filhos que
Ela suscitou para seu serviço, humildes, desapegados de honras e gló-
rias mundanas, unicamente desejosos de serem instrumentos d’Ela
para esmagar a Revolução?
“Esse deve ser nosso maior anelo: sermos células vivas do glorioso
calcanhar da Santíssima Virgem, a cuja pressão nada tem resistido, ao
longo da História!” 28

28)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 3/12/1964 e 31/1/1989. (Arquivo


pessoal).

356
Vésperas  Qual lua bela ilumina os que no mundo vão errando...

@ Qual lua bela ilumina os que no mundo vão


errando

Formosa como a lua


“[Maria] é formosa como a lua: é toda branca, puríssima. E assim
como seu Filho é brancura da eterna luz, assim Ela participa desta
alvura mais que homens e Anjos. Porque, como disse Santo Anselmo,
convinha que esta benditíssima Virgem resplandecesse com tão gran-
de pureza, que depois de Deus não se podia imaginar outra maior. É
a lua branca, e a Virgem é puríssima; é a lua o mais veloz de todos os
sete planetas, e a Virgem a mais diligente e solícita no serviço de Nos-
so Senhor, do que qualquer outra criatura.
“A lua é o mais baixo de todos os planetas, e a Virgem a mais humil-
de que há no Céu e na Terra. E assim como a lua, algumas vezes, [...]
aparece-nos com pouca luz (embora esteja sempre cheia), porque não
vemos aquela parte na qual está iluminada pelo sol, [...] assim a Vir-
gem sagrada, todo o bem e luz que possui Lhe vem do Sol de Justiça,
Jesus Cristo Nosso Senhor. E ainda que muitas vezes estivesse prati-
cando ações corporais que, na aparência, são de pouca luz, assim como
comer, beber, trabalhar e outras coisas semelhantes, sempre tinha Ela
sua alma atenta e voltada para Deus, luminosíssimo sol, e com gran-
díssimo fervor, amor e elevação de entendimento e de vontade fazia
todas as suas obras, pequenas e grandes, corporais e espirituais.
“Por tudo isso Vos confessamos, Senhora, que sois formosa como a
lua, e milhares de vezes mais bela, pois que, em comparação de vos-
sa benditíssima alma e da formosura espiritual que nela pôs o Espírito
Santo, a lua não ousará se mostrar” 29.

Lua que ilumina os pecadores


Outro devoto autor avança um pouco mais nos comentários sobre
a relação entre Nossa Senhora e a lua: “Pode-se comparar Maria à
lua no sentido de que Ela possui, em grau supremo, todas as virtudes
morais de que a lua pode ser o símbolo.

29)  ÁVILA, Juan de. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 936.

357
Qual lua bela ilumina os que no mundo vão errando...  Capítulo 6

“A lua brilha durante a noite, e esparge sua doce claridade sobre


a Terra, para dissipar o horror das trevas que a esta envolvem. Assim
também brilha Maria em meio às trevas, quando Ela faz chegar alguns
raios da graça, certos favores divinos, até aos infelizes que vivem nas
escuridões do pecado mortal, noite horrível, noite espantosa pelos
perigos e ciladas de toda sorte que ela esconde aos olhos. Mas, a lua
brilha: Maria obtém de Deus, para os desditosos pecadores, alguns
raios de sua graça celeste, a fim de que eles não pereçam, mas retor-
nem a Deus, o Sol de Justiça, do qual eles se apartaram. [...]

Lua que ameniza o ardor do Sol de Justiça


“Sabe-se que a lua exerce grande influência sobre a superfície do
mundo. Os que cultivam a terra não fazem, por assim dizer, nada, sem
considerar as várias fases da lua. Sem dúvida o sol possui mais virtude;
entretanto, ao menos para diversas coisas, parece que a ação da lua se
manifesta mais sensivelmente. Sua influência é mais doce, mais ben-
fazeja, e não tem os inconvenientes da do sol, cujo ardor consumiria
tudo, se não fosse temperado pela noite. Esta sobrevém; a lua difunde
sua doce claridade, as flores reerguem suas hastes meio amortecidas
pelo calor do dia. Tudo revive. É a imagem de Maria.
“«Deus fez dois grandes luzeiros, disse o Cardeal Hugo: um maior
que é Cristo; o outro, menor, que é Maria». Cristo é o sol em torno do
qual gravitam os planetas que d’Ele recebem brilho e virtude. Ele é a
origem [...] de toda vida: é o Sol de Justiça, como O chama o Profeta
Malaquias. E que há de espantoso se o sol queima? Se algumas vezes
a justiça de Deus é um fogo devorador para aquele que peca? Oh!
quantas vezes esse divino Sol teria reduzido a cinzas este mundo onde
só existe malícia e pecado, se a lua, se Maria não se tivesse interpos-
to! Certa feita teve São Domingos uma visão. A seus olhos apareceu o
Supremo Juiz, encolerizado, pronto a destruir o mundo, por causa dos
pecados dos homens. Eis, porém, que Maria se apresenta: Ela se pros-
terna aos pés de Deus, detém o castigo e alcança misericórdia.
“Temos, pois, razão de dizer com os Anjos, que Maria é bela como
a lua. E não é tudo. [...] Se esta Virgem poderosa reluz como a lua
para o pecador, ilumina suas trevas, aplaca a cólera de Deus, afas-
ta de nós os males, obtém-nos mil favores por sua intercessão, pode-

358
Vésperas  Qual lua bela ilumina os que no mundo vão errando...

mos bem nos alegrar, porque encontramos em Maria tudo o que há de


bom para nós, tudo o que nos pode salvar” 30.

Luzeiro menor no firmamento da Igreja


Com sábias e atraentes palavras, São Francisco de Sales nos recor-
da o papel de Nossa Senhora iluminando, qual lua bela, o firmamen-
to da Igreja:
“No princípio pôs Deus dois luzeiros no céu: a um se chamou por
excelência luzeiro maior, e ao outro, luzeiro menor. O maior para presi-
dir e iluminar o dia; o menor, para presidir e iluminar a noite. [...]
“E querendo este mesmo Deus, com sua alta providência, criar
o mundo espiritual de sua Igreja, nesta pôs, como num firmamento
divino, dois grandes astros: um maior e outro menor. O maior é Jesus
Cristo, nosso Salvador e Mestre, abismo de luz, fonte de esplendor, sol
divino de justiça; o menor, a Virgem Santíssima, Mãe deste soberano
Filho, Mãe gloriosíssima, toda resplandecente e mais formosa que a
lua.
“Este luzeiro maior, o Filho de Deus, baixando à Terra e tomando
nossa humana natureza como sol sobre nosso hemisfério, fez a luz e o
dia. Dia feliz, que durou trinta e três anos, durante os quais iluminou
a terra da Igreja com os raios de seus milagres, exemplos, pregações e
com sua santíssima palavra, principalmente nos três últimos anos.

Lua que brilhou na noite das perseguições


“Quando chegou a hora em que tão precioso Sol se devia ocultar
para levar seus raios ao outro hemisfério da Igreja, que é o Céu, onde
estão os exércitos angélicos, que se podia esperar senão as obscurida-
des de uma tenebrosa noite? Noite de tribulação que sucedeu ao dia,
porque tantas aflições e perseguições como padeceram os Apóstolos,
que foram senão tenebrosa noite?
“Porém, esta noite teve também seu luzeiro que a iluminou para
que suas trevas fossem mais suportáveis, pela razão de ter ficado a
Virgem Santíssima entre os fiéis discípulos; e disto não há dúvida

30)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. V. p. 564-565.

359
Qual lua bela ilumina os que no mundo vão errando...  Capítulo 6

alguma, porque São Lucas, no capítulo segundo dos Atos dos Apósto-
los, refere que Nossa Senhora estava com os discípulos no dia de Pen-
tecostes, e com eles perseverava em oração. [...] Era, [pois], necessário
este luzeiro, para consolar os fiéis que viviam na noite das aflições” 31.

Sol do repouso e das longas meditações...


E o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira assim se refere a Nossa Senho-
ra, enquanto representada pela lua:
“O natal de Nosso Senhor Jesus Cristo representou uma hon-
ra incomparável para toda a humanidade. Guardadas as proporções,
também o nascimento de Nossa Senhora conferiu particular nobreza
ao gênero humano. Ela foi a criatura mais perfeita nascida até então,
concebida sem pecado original, e à qual foi dada, desde o primeiro
instante de seu ser, uma superabundância de graças. Compreende-se,
pois, a afirmação de que Maria Santíssima está para Nosso Senhor,
assim como a lua para o sol: Ela representa a suave e amena luminosi-
dade da lua, e Ele, a onipotente e deslumbrante claridade do sol.
“Há, sem dúvida, imensa beleza no despontar do astro-rei. Contu-
do, em certas ocasiões, o aparecimento da lua tem também seu encan-
to, sua poesia e sua grandeza. E assim a natividade de Nossa Senho-
ra foi, para toda a humanidade, como um magnífico nascer da lua: sol
das sombras, sol do repouso, sol das longas meditações e das extensas
digressões do espírito...” 32

Lua que determina o movimento das


misericórdias divinas
Concluímos com esta expressiva consideração do Pe. Rolland:
“Quando, numa noite calma e tranquila, levanto meus olhos para
o firmamento e contemplo a lua, tão bela, tão suavemente luminosa,
tão pacífica e tão recolhida, penso: Existe um astro que ilumina a noi-
te das pobres almas que estão no pecado, e as convida ao recolhimen-
to e à reflexão — é Maria.

31)  SALES, Francisco de. Obras Selectas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 472-473.
32)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 7/9/1965 e 5/9/1989. (Arquivo pessoal).

360
Vésperas  V. Eu fiz nascer no Céu a luz que não se apaga...

“Ela refulge no firmamento dos eleitos, de um brilho particular,


mais luminoso que os Anjos e os Santos, refletindo perfeita e plena-
mente, sem nenhuma sombra, o Sol de Justiça, e determinando —
como a lua o faz com o fluxo e o refluxo das marés — os dois movi-
mentos que alegram o coração da Trindade e salvam as almas: o movi-
mento das súplicas que sobem ao Céu, e o das misericórdias divinas
que descem sobre a Terra” 33.

@ V. Eu fiz nascer no Céu a luz que não se apaga


Luz que excede em claridade a todos os Santos
Em seus renomados sermões marianos, São Boaventura ensina
que, “comparada à luz da Sabedoria divina, Maria avantaja em clari-
dade às demais criaturas, porque assim como aquela está sobre todos
os seres criados quanto à iluminação que lhes dá, [...] assim esta Vir-
gem, esclarecida mais que todos os Santos por dita Sabedoria, com
seus piedosos rogos iluminou, pela luz da graça, mais do que ninguém,
a todo o mundo.
“Por isso se escreve no capítulo XIII de Tobias: «Brilharás com luz
resplandecente e serás adorada em todos os rincões da Terra», como se
dissesse: Tu, santa, brilharás com a luz resplandecente da Sabedoria
Eterna, ou seja, obterás para os outros o esplendor da graça. [...]

Luz que não se apaga


“Ademais, comparada com a Luz eterna, avantaja em sabedoria às
outras criaturas, porque assim como a Luz divina sobrepuja à criação
inteira, quanto ao governo e direção de tudo o que existe, [...] assim
também a Bem-aventurada Virgem está acima de todas as coisas nes-
te particular; e por isso se diz no capítulo VII do Livro da Sabedoria:
«Resolvi-me a tê-la por luz, porque a sua claridade é inextinguível». [...]
A luz dos outros Santos, homens ou mulheres, se apaga com frequên-
cia, e por isso é perigoso segui-la, pois quando se acredita seguir a luz,
segue-se as trevas. Porém, a luz desta Virgem se fez inextinguível pela
[sua] confirmação em graça; e, mais ainda, a Ela mesma se deve o não
se apagar nos outros a luz da graça, segundo se lê no capítulo XXIV
33) ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910. Vol. I. p. 165.

361
V. Eu fiz nascer no Céu a luz que não se apaga...  Capítulo 6

Mãe das luzes celestiais


São João Eudes assim se dirige à Santíssima Virgem, verda-
deira luz dos doutores:
“Ó divina Maria, não sem razão Vos foi dado por Deus este glo-
rioso nome de Maria, que quer dizer Iluminada e Iluminadora.
Chama-se Ele o Pai das luzes e o Senhor das ciências (I Reis, II,
3) e quer Vos associar nestas suas divinas qualidades, quer que
sejais a Mãe das luzes celestiais e a Mestra das santas ciências;
pelo que seja Ele eternamente bendito, louvado e glorificado.
“Dignai-Vos, ó Mãe, tornar-nos partícipes de vossas sagra-
das luzes e de vossa divina ciência. Guardai-nos da ciência per-
niciosa que incha o coração e envenena a alma, dessa conde-
nável ciência que é a filha do orgulho, a irmã da presunção, a
nutriz da curiosidade, a alma da arrogância, a mãe da impiedade
e da apostasia, e a causa da rebelião contra Deus e contra a sua
Igreja. Fazei-nos sábios com a ciência da salvação, com a ciência
dos Santos, com essa formosa e invejável ciência que é a filha da
caridade, a mãe da humildade, a irmã da submissão, a insepa-
rável companheira da piedade, o coração da santidade e a nutriz
de todas as virtudes.”

EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Diós.


Bogotá: San Juan Eudes, 1957. p. 195.

do Eclesiástico: «Eu fiz nascer nos céus a luz que não se apaga». Pois
«quem a segue, não anda em trevas, mas terá a luz da vida», que nunca
fenece” 34.

A primeira das criaturas em dignidade


E São Tomás de Villanueva assim escreve:

34)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. Vol. IV. p. 867; 869; 905 e 907.

362
Vésperas  V. Eu fiz nascer no Céu a luz que não se apaga...

“Na Virgem podem ter cumprimento as palavras do Eclesiástico:


«Eu fiz com que nascesse nos céus uma luz inextinguível».
“Três são as condições da luz. Antes de tudo, o ser a primeira das
criaturas: «No princípio criou Deus o céu e a terra. A terra, porém, esta-
va informe e vazia, e as trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de
Deus movia-se sobre as águas. E Deus disse: Exista a luz».
“A Santíssima Virgem é a primeira na dignidade, disse Santo Ansel-
mo: «Nada há igual a Vós, ó Senhora! Nada que se Vos possa comparar;
pois tudo o que existe, ou está sobre Vós, é Deus, ou sob Vós, tudo o que
não é Deus». E São Tomás [de Aquino]: «Tem em si certa infinitude». [...]
“Como o Anjo e Adão foram criados em graça, assim a Virgem foi
concebida em graça. [...] [Porém], o Anjo e Adão caíram. E por isso se
disse: «Eu fui criada desde o princípio, e antes dos séculos, e não deixa-
rei de existir em toda a sucessão das idades»; porque a Virgem sempre
conservou intacta a graça que desde o princípio recebeu, sem perdê-la
pelo pecado. [...]

A mais formosa das criaturas corporais


“Segunda condição da luz. É a mais formosa das criaturas corpo-
rais, porque sem ela nada existe de belo, mas tudo é odioso.
“Disse São Bernardo: «Tira o sol, e que resta senão trevas? Tira a
Maria, e que existe senão escuridão e cegueira de espírito?» Voz do Espo-
so: «Quão formosa sois, amiga minha, quão formosa sois»! Formosa
com a beleza da inocência, formosa com a beleza da graça; formosa no
corpo, no espírito, esta Virgem real foi adornada como que com péro-
las e estrelas, com estas excelentes perfeições. [...]

Universal benevolência
“Terceira condição da luz. É universal, a tudo enche, disse Santo
Ambrósio no Hexameron. A Virgem não foi feita com peso e medi-
da determinados. Deu a todos e a tudo encheu; e como o Sol de Jus-
tiça, Cristo, nosso Deus, faz brilhar sua luz sobre os bons e os maus,
assim esta luz inextinguível, a Virgem Sacratíssima, refletindo os raios
da divina misericórdia, oferece a todos, sem distinção, suas graças e

363
R. E cobri como névoa a Terra toda...  Capítulo 6

sua clemência, e se compadece com universal afeto das necessidades


de todos” 35.

@ R. E cobri como névoa a Terra toda


A mais elevada representação da origem
imaculada de Maria
Segundo o grande teólogo M. J. Scheeben, “a liturgia nos faz com-
preender a Imaculada Conceição por uma dupla imagem. Ela descre-
ve a origem sem mancha de Maria [...], no sentido do Cântico (III, 6),
como uma leve coluna de incenso exalado do sacrifício de Cristo; ou,
conforme à origem da Sabedoria eterna, no Eclesiástico (XXIV, 5-6),
como a névoa luminosa saindo da boca do Criador. Essa imagem e
esse paralelo duplos dão, de maneira geral, a mais significativa e mais
elevada representação da origem imaculada de Maria. [...] No prin-
cípio de sua existência, Maria aparece como a pomba de Cristo e de
Deus, como a filha da graça, da vida e da luz” 36.

Névoa do meio-dia, no firmamento da graça


Finalizamos a Hora Vésperas com este comentário de um piedo-
so autor:
“Todos os Santos são como nuvens misteriosas, névoas que o Espí-
rito de Deus formou, com os raios de sua graça, a partir dos vapores
ordinários da Terra, e que espargiram sobre o mundo chuvas de bên-
ção, por suas orações, seus trabalhos e por seus exemplos.
“Entretanto, como as mais brilhantes nuvens sempre conservam
algo de sombrio, assim, por mais fulgurante que tenha sido a vida dos
Santos, apresentou ela suas manchas, e do lado de sua origem, ficaram
para sempre como que tisnadas.
“Pelo contrário, Maria apareceu no céu da graça como névoa do
meio-dia, isto é, toda pura e luminosa, névoa que nada tem a ver com
a noite do pecado, névoa que o Sol de Justiça de tal maneira penetrou
com seus raios, que ela aparece a nossos olhos como um novo sol.
35)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 137-142.
36)  SCHEEBEN, M. J. La Mère Virginale du Sauveur. Paris: Desclée de Brouwer, 1953.
p. 135.

364
Vésperas  V. Protegei, Senhora, etc...

“Assim foi Maria em sua concepção, brilhante de uma pureza per-


feita e sem defeito: primeira característica que assinala a extensão da
graça que Deus Lhe concedeu. Acrescentemos uma segunda: é que
esta pureza foi completa desde o primeiro instante, sem delongas, ao
contrário dos outros Santos, cuja santidade não se forma senão pouco
a pouco, e pela sucessão dos tempos” 37.

@ V. Protegei, Senhora, etc.


Repetem-se as mesmas orações do final de Matinas 38.

37)  HUBERT. Sermon pour la fête de L’Immaculée Conception. Apud JOURDAIN, Z.-C.
Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900. Vol. VIII. p. 150.
38)  Veja-se p. 87 e ss.

365
Nossa Senhora
da Confiança
Capítulo 7

Completas

V. Converta-nos Jesus, por vosso amor.


R. E retire de nós o seu furor.
V. Em meu socorro vinde já, Senhora.
R. Do inimigo livrai-me, vencedora.
Glória ao Padre...

Hino

Salve, florente Virgem ilibada,


Meiga Rainha de astros coroada.
Mais pura que os Anjos, tendes trono
À direita do Rei, em nosso abono.
Ó Mãe da graça, nossa doce esperança,
Do mar Estrela e porto de bonança,
Porta do Céu, saúde na doença,
De Deus guiai-nos à feliz presença. Amém.

V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo.


R. Muito Vos amam vossos fiéis servos.

367
or ser este o último dos Hinos,
os louvores a Maria nele con-
tidos preparam a importante
súplica final: que sejamos con-
duzidos à visão beatífica, na
eterna felicidade.
Os dois versículos iniciais
de Completas constituem eloquen-
te prece dirigida a Nossa Senhora, com
a qual o fiel Lhe implora misericórdia, além da
graça de uma perfeita conversão.
Em seguida tem início a série de prer-
rogativas e títulos em honra da Santíssima
Virgem, particularmente relacionados com a
salvação dos homens. Assim, será Ela cultuada
como a Rainha de clemência, sentada à direita
do Rei dos reis, junto ao qual intercede continua-
mente por seus súditos e filhos. Será homenageada como a Mãe e
Dispensadora da divina graça, como a doce esperança dos que
peregrinam por este vale de lágrimas.
Recordar-se-á, também, o título de Estrela do mar, Aquela
que conduz os homens por entre as borrascosas vagas deste mun-
do, rumo ao porto da eterna bonança.
Depois de A invocarmos como o celeste remédio para toda
sorte de enfermidades, físicas e morais, rogamos a Nossa Senhora
que nos guie “à feliz presença de Deus”, a mais preciosa graça
que se pode obter.
A Hora de Completas se encerra com bela exaltação do san-
to nome de Maria, e com a fervorosa expressão do amor que Lhe
devotam seus fiéis escravos.

368
Completas  V. Converta-nos Jesus, por vosso amor...

@ V. Converta-nos Jesus, por vosso amor


Conceito de conversão
“Segundo a doutrina do Concílio de Trento, a conversão é o trânsito,
a mudança do estado em que o homem é inimigo de Deus e filho da ira,
ao estado de graça e adoção como filho de Deus. [...] [É, portanto], a
transformação verificada nos pecadores, quando, arrependidos de suas
culpas, propõem seriamente expiá-las e delas se emendar. [...]
“O pecado mortal despoja a alma da graça santificante; sem esta
não pode o homem praticar obra alguma que seja agradável a Deus,
e se lhe sobreviesse a morte em tal estado, seria excluído para sempre
de seu último fim, que é gozar da visão de Deus.
“Só através da aquisição da graça pode o pecador voltar à amiza-
de de Deus. E, embora esta aquisição seja obra conjunta do Senhor e
do homem, a iniciativa é da Providência, ao infundir neste as luzes e
moções internas que os teólogos chamam graças prevenientes, que o
incitam a cooperar com Deus — sempre disposto a ajudá-lo — no ato
sobrenatural da conversão.
“Variam ao infinito os meios de que se serve Deus para despertar o
pecador e estimulá-lo a cooperar com a graça. Deus não permite que
pecador algum se condene sem antes chamá-lo à conversão, oferecen-
do-lhe meios e ocasiões de levá-la a termo” 1.

A conversão das almas é obra da voz divina


Com razão, pois, aqui suplicamos a Nossa Senhora que, por sua
onipotente intercessão, nos converta a Jesus.
São Bernardo, em magnífico sermão dirigido aos estudantes de
Paris, aspirantes ao sacerdócio, assim se exprimia:
“A conversão das almas é obra da voz divina, não da humana. Simão,
filho de Jonas, sendo pescador de homens, chamado e constituído pelo
Senhor para este mesmo emprego, trabalhando toda a noite em vão,

1) ENCICLOPEDIA UNIVERSAL ILUSTRADA EUROPEO-AMERICANA. Barce-


lona: Hijos de J. Espasa, 1924. Verbete Conversión. Vol. XV. p. 285 e 286.

369
V. Converta-nos Jesus, por vosso amor...  Capítulo 7

nada colherá até que, lançando a rede, conforme a palavra do Senhor,


possa trazer dentro dela uma copiosa multidão. [...]
“Na verdade, Jesus Cristo tem palavra de vida eterna, e virá a hora
[...] em que os mortos ouvirão sua voz; e os que a ouvirem, viverão,
porque está em sua vontade [conceder] a vida. E, se o quereis saber,
sua vontade é nossa conversão. Enfim, escutai a Ele próprio (Ez.
XVIII, 23): «Porventura é da minha vontade a morte do ímpio, diz o
Senhor, e não quero Eu antes que ele se converta e viva»? De cujas pala-
vras evidentemente conhecemos que a verdadeira vida só se encon-
tra, para nós, na conversão, nem de outro modo a alcançamos, dizen-
do também o Senhor: «Se não vos converterdes e não vos fizerdes como
meninos, não entrareis no Reino dos Céus» (Mt. XVIII, 3). [...]
“Não há que se cansar para chegar a ouvir a voz [de Deus]; antes é
trabalho fechar os ouvidos para não ouvi-la. Sem dúvida, esta mesma
voz se apresenta espontaneamente, ela própria se introduz e não ces-
sa de dar golpes às portas de cada homem. [...] Continuamente repete
a Sabedoria suas vozes nas praças: «Entrai em vós mesmos, ó prevarica-
dores» (Is. XLVI, 8).
“Desta maneira, sem dúvida alguma, começa Deus a falar, e estas
são as palavras que se fazem sentir, primeiramente, em todos os que
se convertem; [...] palavras que não só incitam o pecador a se exami-
nar, como também desenvolvem e desdobram quanto há em seu inte-
rior, colocando-o diante de si mesmo. Pois não somente é voz de virtu-
de, mas também raio de luz que revela aos homens seus pecados. [...]
“Pois, que faz aquele raio de luz ou palavra interior, senão com
que a alma se conheça a si mesma? Abre-se o livro da consciência, e
se revolve toda a série lastimosa da vida, desenrola-se a triste história,
ilumina-se a razão e se apresenta a seus olhos, aberta e estendida, sua
consciência” 2.

Os que procuram se converter são tentados mais


fortemente pelos vícios
E acrescenta o mesmo São Bernardo:
“Os que resolvem se converter são tentados mais fortemente pela
concupiscência da carne, e aqueles que se determinam a sair do Egito,

2)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 709-711.

370
Completas  R. E retire de nós o seu furor...

e fugir do império do Faraó, esses são mais gravemente oprimidos nos


trabalhos do barro e dos tijolos.
“Oxalá, porém, que um tal homem se abstenha da impiedade. [...]
Considere que não há para ele descanso algum em si mesmo, mas que
todas as suas coisas estão cheias de miséria e desolação. Considere
que não se acha o bem em sua carne, e que também no século mau
não encontrará mais do que vaidade e aflição de espírito. [...] Chore,
entretanto, lamentando sua dor. Sem dúvida com as lágrimas se puri-
ficam os olhos antes obscurecidos, e se ilumina a vista para poder se
fixar na claridade da sereníssima luz. [...]

Os que se convertem são recreados com


maravilhosa suavidade
“[Assim], imitador dos Magos, busque com a luz, a Luz. Encon-
trará o lugar do tabernáculo admirável, onde se alimentará o homem
com o Pão dos Anjos; achará o paraíso das delícias plantado pela
mão do Senhor, o horto florido e ameníssimo, aposento do refrigé-
rio. [...] Não mente Aquele que diz: «Tomai sobre vós o meu jugo, e
encontrareis repouso para vossas almas». [...] Assistirá Deus ao que O
busca, à alma que n’Ele espera; favorecerá suas súplicas humildes e
dará eficácia às suas palavras. Despertar-lhe-á o desejo, não só de
ver o lugar [de delícias], mas de nele entrar pouco a pouco e aí fixar
sua morada. [...]
“É preciso somente que o cão não volte ao seu vômito, nem o por-
co lavado, a se refocilar na lama” 3.

@ R. E retire de nós o seu furor


O pecador desperta contra si a cólera divina
Nosso Senhor Jesus Cristo, por ser a Misericórdia infinita, não
deseja a condenação eterna do pecador, e sim “que ele se converta e
viva”. Entretanto, não raras vezes nossas culpas levantam contra nós
sua justiça.

3) Idem, p. 726-729.

371
R. E retire de nós o seu furor...  Capítulo 7

“O pecado — escreve o Pe. Rolland — não é apenas a mais mons-


truosa das revoltas; é ainda a mais negra das ingratidões. Deus é o
nosso mais devotado benfeitor, o mais constante e o mais generoso.
Ele nos deu a vida, conserva-nos a existência e nos cobre de favores,
tanto na ordem natural quanto na sobrenatural. [...] Por nós, a Segun-
da Pessoa da Santíssima Trindade se fez homem, trabalhou, pregou,
sofreu e padeceu a mais dolorosa e mais ignominiosa das mortes. [...]
Como retribuição, Ele nos pede apenas um pouco de boa vontade, um
pouco de fidelidade, e nem isto o pecador Lhe concede. Quando peca-
mos, voltamo-nos contra Ele, desprezamos seus benefícios, abusamos
de seus dons para ofendê-Lo. [...]
“Que pretendemos obter e em troca de que males? Alguma satisfa-
ção de amor-próprio, algum prazer sensual, que não duram senão um
momento e acabam em amargura. Mas, de outra parte: Deus irado; os
seus divinos atributos, justiça, santidade, soberana autoridade, provo-
cados à vingança” 4.
Infelizmente é para esse horror que nos conduz nossa vonta-
de debilitada pela culpa original. E quantos de nós não teremos sido
objeto do divino furor de Nosso Senhor Jesus Cristo, por causa de
nossos pecados?
Por esse motivo completamos a súplica inicial, rogando a Jesus que
afaste de nós a sua ira. Entretanto, dificilmente obteríamos a clemên-
cia do Julgador dos povos e das nações, se por nós não intercedesse
sua Mãe Santíssima.

Nossa Senhora aplaca o furor de Deus


“Maria é nossa padroeira, nossa advogada, nossa medianeira”,
pondera o Pe. Jourdain. “Ela nos auxilia com seus conselhos, toma
nossa defesa diante da justiça de Deus, e aplaca a cólera divina por
suas longas súplicas. [...] Ela é comparada à vara de Moisés que tocou
a pedra e desta fez brotar uma torrente de água vivificante. Nossos cri-
mes irritaram a justiça de Deus; Ele se tornou para nós duro e árido
como a pedra. Mas, ao contato de Maria, o coração divino se enterne-

4)  ROLLAND. La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910. Vol. I. p. 126-127.

372
Completas  R. E retire de nós o seu furor...

ceu, e permitiu que começassem a correr, com inextinguível abundân-


cia, as águas de sua graça” 5.

Mãe dos pecadores que se querem converter


Para exprimir o indispensável empenho que Nossa Senhora tem
pela conversão dos pecadores que procuram sua maternal proteção,
os autores esgotam os recursos da língua humana. Ouçamos o que a
esse respeito nos ensina Santo Afonso de Ligório:
“É Maria a Mãe dos pecadores que se querem converter. Como tal
não pode deixar de se compadecer deles. Parece até que sente como
próprios os males de seus pobres filhos. A cananéia, ao pedir que o
Senhor lhe livrasse a filha do demônio que a atormentava, disse-Lhe:
Senhor, filho de David, tem compaixão de mim; minha filha está mui-
to atormentada pelo demônio (Mt. XV, 22). Mas, se a filha, e não a
mãe, era a atormentada pelo demônio, parece que havia de dizer:
Senhor, tem piedade de minha filha! Mas, não; ela disse: tem com-
paixão de mim, e com muita razão. Pois sentem as mães como pró-
prios os sofrimentos dos filhos. Ora, do mesmo modo, disse Ricardo
de São Lourenço, pede Maria a Deus, quando intercede por qualquer
pecador que a Ela recorre. Pede-Lhe que d’Ela se compadeça. Meu
Senhor — parece dizer-Lhe — esta pobre alma, que está em pecado,
é minha alma; por isso compadecei-Vos não tanto dela, como de Mim,
que sou sua Mãe.
“Oh! prouvesse a Deus que todos os pecadores recorressem a esta
doce Mãe, porque todos certamente receberiam do Senhor o perdão!
“— Ó Maria, exclama admirado Conrado de Saxônia, Tu aco-
lhes maternalmente o pecador desprezado por todo o mundo, e não o
abandonas antes que o hajas reconciliado com o Juiz. Quer ele dizer:
Enquanto o pecador perseverar no seu pecado, é aborrecido e despre-
zado de todos; até as criaturas insensíveis, o fogo, o ar, a terra, quere-
riam castigá-lo em desafronta à honra do seu Criador ultrajado. Porém,
se este pecador miserável recorrer a Maria, expulsa-o Ela? Não; se vem
com intenção de que Ela o ajude, a fim de se emendar, Maria o aco-
lhe com maternal afeto. Não o deixa, sem primeiro, com sua poderosa
intercessão, reconciliá-lo com Deus e o reconduzir à sua graça.

5)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 574 e 577.

373
Salve, florente Virgem ilibada...  Capítulo 7

“No segundo Livro dos Reis (XIV, 5) lemos o que se deu com a sábia
mulher de Técua. Disse ela a David: «Senhor, tinha tua serva dois filhos;
para minha desventura, um matou o outro; e assim perdi um filho. Quer
agora a justiça tirar-me o outro, que é o único que me fica. Tem compai-
xão desta pobre mãe e não permitas que eu perca ambos os filhos». Então
David, compadecendo-se da mãe, libertou o delinquente e lho entregou.
“O mesmo parece que diz Maria, quando vê a Deus irado com
algum pecador que a Ela recorre. «Meu Deus, Lhe diz, Eu tinha dois
filhos, Jesus e o homem; o homem matou na Cruz o meu Jesus; agora a
vossa justiça quer condenar o homem. Senhor, já morreu o meu Jesus;
tende compaixão de Mim. Se eu perdi um, não me façais perder também
o outro filho». Certamente Deus não condena os pecadores que recor-
rem a Maria e por quem Ela intercede. Pois o próprio Deus recomen-
dou os pecadores por filhos de Maria. O devoto Landspérgio põe as
seguintes palavras nos lábios do Senhor: «Eu recomendei a Maria de
aceitar por filhos os pecadores. Por isso Ela é toda desvelos para que, no
desempenho de sua missão, não Lhe aconteça perder a nenhum dos que
Lhe foram entregues, principalmente quando A invocam. E assim esfor-
ça-se o quanto pode em conduzir todos eles a Mim»” 6.
A este propósito, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira formulou numa
de suas conferências esta filial e confiante súplica:
“Ó Deus, infinitamente bom e justo, tendes o direito de estar ira-
do contra mim, que tanta ofensa Vos fiz. Entretanto, vossa Mãe é tam-
bém a minha, e Ela conserva para comigo solicitudes, cuidados e paci-
ências que todas as verdadeiras mães têm para com seus filhos. E nes-
ta incansável misericórdia de Maria, tenho eu posto todas as minhas
esperanças. Sede, pois, ó Senhor, paciente para comigo, porque assim
o é vossa Santíssima Mãe!” 7

@ Salve, florente Virgem ilibada


Como agradável eco, por terceira vez ao longo do Pequeno Ofício
da Imaculada Conceição, aparece nesta saudação o elogio ao singular
privilégio da fecunda e perpétua virgindade de Nossa Senhora 8.

6)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 51-52.
7)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 22/4/1992. (Arquivo pessoal).
8)  Cfr. “Virgem Mãe”, cap. I e IV; “Virgem florida”, cap. III.

374
Moisés tocando a rocha no
Horeb, por Doré

Assim como
ao toque da vara
de Moisés
uma torrente
de água brotou
da rocha...

... assim ao contato de


Maria, o coração divino se
abre e deixa correr, a nosso
favor, as águas de sua graça

Nossa Senhora Auxiliadora


Salve, florente Virgem ilibada...  Capítulo 7

Perfeita e ideal virgindade


Sobre essa admirável prerrogativa mariana, ouçamos o comentário
do Pe. Henry Bolo:
“Em Maria, veremos nascer, sustentar-se e se desenvolver a mais
perfeita, a mais ideal virgindade. Antes de tudo, um primeiro dom
de Deus que suprime, na Imaculada Conceição, todo movimento de
concupiscência, toda tendência corrompida. Depois, a colaboração
da vontade de Maria que, escolhendo o templo por asilo, e o servi-
ço exclusivo de Deus por função, demonstra-nos a celestial conduta
de seu coração e de seu espírito, e nos assegura de que, n’Ela, a alma
não contradiz a integridade da carne, que Ela é tão incomparavelmen-
te pura na intimidade da consciência quanto na inalterável calma de
seus sentidos, proclamados «bem-aventurados» pela Igreja (Off. Virg.
Sep. Dolor.).
“Enfim, o coroamento, o complemento de sua virgindade, manifes-
tou-se no seu diálogo com o Anjo, quando Ela se perturba com o pen-
samento de se tornar mãe, e externa o motivo pelo qual não pode nem
deseja sê-lo (Lc. I, 34).

Maternidade divina: prêmio da suprema


pureza de Maria
“Mas então que fará Deus? Como se comportará Ele em relação a
uma criatura que apresenta aos seus olhos o espetáculo de uma pure-
za mais intensa que a angélica, posto que esta imaculada pureza flo-
resceu na carne, e tira sua sublimidade da própria fragilidade do vaso
que a contém? Que fará Ele por essa maravilhosa criatura, da qual
Bossuet pôde dizer que nada, entre os espíritos angélicos, é compará-
vel à simples pureza de seu corpo? [...] Que fará Ele, portanto?
“Para o supremo grau de pureza, Ele também se dará num grau
supremo. Criará, entre Ele e sua inigualável e pudica escrava, o mais
estreito vínculo, o liame único e incomparável. E se Lhe é necessário
encarnar-se, se Lhe importa pedir a uma criatura a carne e o sangue
de que será feita sua vestimenta mortal, em outros termos, se Ele deve
ter nesta Terra uma mãe, esta será a Virgem singular, a Virgem das
virgens, a Santa Virgem.

376
Completas  Meiga Rainha...

Virgindade perfeita e maternidade divina


“E de qualquer lado que se a considere, esta associação da virgin-
dade e da maternidade divina em Maria se impõe pela própria natu-
reza das coisas. Cumpre que a Virgem perfeita se torne mãe de Deus,
porque sua união com Ele deve ser a mais íntima possível. A mãe de
Deus deve ser perfeita, para ser digna de uma tão grande honra.
“Assim, o grande milagre está menos, talvez, na associação des-
ses dois estados: a virgindade perfeita e a maternidade divina — que
não são compatíveis senão na aparência e aos olhos de nossa profunda
ignorância — do que na criação de uma virgindade tão perfeita quan-
to a de Maria, e de uma maternidade tão sublime quanto a maternida-
de divina.
“Mas, a partir do momento, ó Maria, em que «o Senhor é convosco»
para Vos fazer tão pura, é menos espantoso, embora mais admirável,
que «o Senhor esteja convosco» como filho, e que Vós estejais com Ele,
como mãe. É vossa incorruptibilidade que permitiu à sua graça de esta-
belecer, entre Ele e Vós, esta inenarrável união” 9.

@ Meiga Rainha
Rainha cheia de doçura e clemência
“Saibamos todos — escreve Santo Afonso de Ligório —, para con-
solação nossa, que Maria é uma Rainha cheia de doçura e de clemên-
cia, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós, pobres pecado-
res. [...] O próprio nome de rainha, considera Santo Alberto Magno,
denota piedade e providência para com os pobres, enquanto que o de
imperatriz dá ares de severidade e rigor. A magnificência dos reis e
das rainhas consiste em aliviar os desgraçados, diz Sêneca. Enquan-
to que os tiranos governam tendo em vista apenas seu interesse pes-
soal, devem os reis procurar o bem de seus vassalos. Por isso na sagra-
ção dos monarcas se lhes unge a testa com óleo. É o símbolo da mise-
ricórdia e benignidade de que devem estar animados para com seus
súditos.

9)  BOLO, Henry. Pleine de Grace. Paris: René Haton, 1895. p. 127-131.

377
Meiga Rainha...  Capítulo 7

“Devem, pois, os reis principalmente empregar-se nas obras de mise-


ricórdia, mas sem omitir, quando necessária, a justiça para com os réus.
Não assim Maria. Bem que seja Rainha, não é Rainha de justiça, zelosa
do castigo dos malfeitores. É Rainha de misericórdia, inclinada só à pie-
dade e ao perdão dos pecadores. [...]
“Eu ouvi — diz o Salmista — estas duas coisas: que o poder é de
Deus e que é vossa a misericórdia (Sl. LXI, 12, 13). Considerando o
afamado chanceler de Paris, João Gerson, as palavras de David, dis-
se: Consistindo o reino de Deus na justiça e na misericórdia, o Senhor
dividiu: o reinado da justiça reservou-o para si, e o reinado da miseri-
córdia cedeu-o a Maria. E ainda o Senhor ordenou que pelas mãos de
Maria passariam, e a seu arbítrio seriam conferidas todas as misericór-
dias dispensadas aos homens. [...]
“Podemos porventura temer que Maria desdenhe empenhar-
se pelo pecador, por vê-lo tão carregado de pecados? Ou acaso nos
devem intimidar a majestade e a santidade desta grande Rainha? Não,
diz o Papa São Gregório; porque quanto Ela é mais excelsa e mais
santa, tanto é mais doce e mais piedosa para com os pecadores, que se
querem emendar e a Ela recorrem” 10.

Em Nossa Senhora nada há de terrível,


nem de severo
São Bernardo assim se refere à terna bondade da Santíssima Vir-
gem:
“Que pode recear a fragilidade humana ao se aproximar de Maria?
N’Ela nada há de terrível nem de severo; tudo é suave, oferecendo a
todos leite e lã. Percorre com cuidado toda a evangélica história, e se
acaso algo de dureza ou de repreensão desabrida, ou ainda o sinal de
alguma indignação, embora leve, encontrares em Maria, toma-os des-
de já por suspeitos e afasta-os.
“Entretanto, se pelo contrário (como assim é na verdade) encon-
tras as coisas que a Ela pertencem cheias de piedade e de misericór-
dia, cheias de mansidão e de graças, louva àquele Senhor que, com

10)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 24-25 e 27.

378
Completas  Meiga Rainha...

benigníssima misericórdia, destinou para ti uma Medianeira tal, que


nada possa haver n’Ela que infunda temor. [...]

Como o sol: exorável para todos


“Sem dúvida Ela está vestida como que de um outro sol. Porque,
assim como aquele nasce indiferentemente sobre os bons e os maus,
assim também esta Senhora não examina os méritos antecedentes,
mas se apresenta exorável para todos, para todos clementíssima, e se
compadece das necessidades de todos, com amplíssimo afeto” 11.

Cetro da doçura, diadema da bondade, lei da


clemência
Outro piedoso comentarista, assim nos apresenta a Meiga Rainha:
“Esta graciosa Soberana nunca pronunciou uma única sentença de
condenação, mesmo contra os maiores criminosos; jamais deixou cair
um só olhar de indiferença sobre o menor de seus súditos. O cetro da
doçura está sempre entre suas mãos; o diadema da bondade, sobre
a sua fronte, e a lei da clemência, em seus lábios. Seu manto real é
um seguro asilo ao mais pobre pecador. Suas palavras são sempre as
do olvido e do perdão. Quanto mais a causa que Ela deve pleitear é
desesperada, mais a crê digna de sua clemência. Tão forte é o dese-
jo que tem a Santíssima Virgem de nos ser útil, que se a justiça divina
se declarasse contra nós, a clemência de Maria se oferecia ainda para
nos defender. [...]
“As virtudes e os privilégios de Maria sempre nos encantam. Admi-
ramos sua humildade, ambicionamos sua prudência; o que mais nos
toca, porém, é sua clemência, porque esta nos concerne especial-
mente. A glória de Maria é para Ela, sua clemência é para nós; desta
somos o objeto, e dela recolhemos todos os frutos” 12.

11)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 725-726.


12) THIÉBAUD. Les Litanies de La Sainte Vierge expliquées et commentées. 3. ed. Paris:
Jacques Lecoffre, 1864. Vol. I. p. 425 e 428.

379
“O clemens, o pia, o
dulcis Virgo Maria!”
Glorioso encomiasta da Santíssima Vir-
gem, São Bernardo não podia pensar na
clemência de Nossa Senhora sem experi-
mentar um sentimento que, muitas vezes,
chegava até ao êxtase.
Foi assim que, na noite do Natal de
1146, encontrando-se ele na Catedral de
Speyer (Alemanha), onde pregaria durante
a Missa do Galo, ouviu a multidão ali pre-
sente cantar, com profunda piedade, a Sal-
ve Regina. Ao fim das palavras: “et Jesum
benedictum fructum ventris tui, nobis post
hoc exsilium ostende”, emudeceram-se
todas as vozes, pois assim terminava então
aquela incomparável prece.
Emocionado, ajoelhou-se São Bernar-
do diante do altar-mor, recolhendo-se por
alguns momentos antes do sermão que pro-
Imagem de Nossa Senhora nunciará. Nunca o havia tocado tanto a Sal-
ve Regina quanto naquela noite! “Eia ergo,
na Catedral de Speyer
advocata nostra”... Este brado de confiança
era tão penetrante, íntimo e irresistível, que
pedia uma resposta de clemência, suavidade e doçura.
Ainda ressoam no sagrado recinto as últimas sílabas daquele clamor à
Rainha do Céu. E Nossa Senhora põe a resposta nos lábios de seu discí-
pulo predileto, Bernardo de Claraval.
Voltado para os fiéis, de pé e com os braços abertos, São Bernardo ele-
va sua potente voz que domina toda a assistência. Num terno e inexcedí-
vel verso, anuncia ele ao povo de Deus ali presente seu louvor à Mãe Virgi-
nal: “O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria!”
Tão profunda foi a impressão que este arroubo de piedade produziu,
que a frase ecoou por toda a Cristandade. E a partir de então a Igreja
adotou estas belas palavras
que encerram, até hoje, a Sal-
ve Regina: “O clemens, o pia, o
dulcis Virgo Maria”.
Estava reservado a esse
grande Santo, entusiasta da
clemência de Maria, nos ensi-
nar aquilo que ainda pode-
mos dizer à Santíssima Virgem
quando nada mais temos a Lhe
suplicar*.

* Existem várias versões deste episódio.


Procuramos reunir aqui duas delas: Cfr.
THIÉBAUD. Les Litanies de La Sainte
Vierge expliquées et commentées. 3. ed.
Paris: Jacques Lecoffre, 1864, Vol. I. p.
436-437; SAUR, Robert Maria, Gluhen
ist mehr als Wissen - Bernhard von Clair-
vaux, Stein am Rhein, Christiana-Verlag.
p. 215-216. Catedral de Speyer

No solo da Catedral de Speyer, Alemanha,


lápides cujas inscrições perpetuam a
exclamação do santo Abade de Claraval
De astros coroada...  Capítulo 7

Clemência sem cumplicidade com o erro


E o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, prevenindo-nos contra uma
desvirtuada concepção da inesgotável clemência de Maria, comenta:
“A realeza que Nossa Senhora exerce sobre o gênero humano, não
é a do juiz, mas a da advogada, isto é, d’Aquela que não tem por mis-
são julgar e punir os pecadores, mas a de os defender. Por isso tem Ela
para conosco toda sorte de predisposições favoráveis, e sempre nos
atende com indizível bondade.
“Entretanto, a alma moderna, muito atribulada e tratada com ter-
rível dureza pela atual tirania do demônio, encontra certa dificuldade
em compreender o verdadeiro sentido da clemência de Nossa Senho-
ra. Tanto mais quanto uma falsa piedade apresenta esta misericórdia
de modo alvar e adocicado, como se ela fosse uma espécie de cumpli-
cidade com o erro.
“Ora, a ternura e a bondade de Maria não consistem numa vil con-
descendência para com quem praticou o mal, e sim na materna e inva-
riável disposição de conceder ao delinquente as graças necessárias
para ele abandonar o erro e o pecado. É neste sentido que se deve
entender a clemência de Nossa Senhora; e enquanto tal, ela é única,
suprema e indizível” 13.

@ De astros coroada
O louvor que aqui se dirige a Nossa Senhora se relaciona com as
proféticas palavras de São João Evangelista, no Apocalipse: “Uma
mulher vestida de sol, com a lua sob seus pés, e uma coroa de doze
estrelas sobre a cabeça” (Apoc. XII, 1).

Diadema de Maria: prerrogativas do Céu,


do corpo e da alma
Aplicando esta última imagem a Nossa Senhora, superiormente
comenta São Bernardo:
“Digna, sem dúvida, de ser coroada com estrelas Aquela cuja cabe-
ça, brilhando com muito mais fulgor do que as próprias estrelas, antes

13)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 24/5/1965. (Arquivo pessoal).

382
Completas  De astros coroada...

a estas adornará do que por elas será adornada. Que surpresa pode-
mos ter em ver que os astros coroam Aquela que está vestida de sol?!
[...]
“Quem apreciará estas pedras? Quem dará nome a estas estrelas
com que está fabricado o diadema real de Maria?
“Excede à capacidade do homem o conceber esta coroa e expli-
car sua composição. Contudo, segundo nossa curta compreensão, abs-
tendo-nos do perigoso exame dos segredos, poderemos, sem incon-
venientes, tomar estas doze estrelas como sendo doze prerrogativas
de graças, com que Maria singularmente está adornada. Porque se
encontram em Maria prerrogativas do Céu, prerrogativas do corpo e
prerrogativas do coração. E, se esse ternário se multiplica por quatro,
temos talvez as doze estrelas com que o real diadema de Maria res-
plandece acima de todos.
“Para mim, brilha um raro resplendor, primeiro, na geração de
Maria; segundo, na saudação do Anjo; terceiro, na vinda do Espíri-
to Santo sobre Ela; quarto, na indizível concepção do Filho de Deus.
Assim, nestas mesmas coisas resplandece uma suprema honra, por ter
sido Ela a primícia da virgindade, por ter sido fecunda sem corrup-
ção, por ter engendrado sem incômodos, e por ter dado à luz sem dor.
Não menos também refulgem em Maria com especial brilho: a mansi-
dão da modéstia, a devoção da humildade, a magnanimidade da fé, e
o martírio do coração. [...]
“Ó Mãe de misericórdia! Prostrada humildemente a vossos pés,
como a lua, roga-Vos a Igreja com devotíssimas súplicas que, sendo Vós
a Medianeira entre ela e o Sol de Justiça, por aquele sinceríssimo afeto
de vossa alma lhe alcanceis a graça de que em vossa luz chegue a ver a
luz desse resplandecente Sol, que Vos amou verdadeiramente mais que
a todas as outras criaturas e Vos adornou com as mais preciosas galas da
glória, colocando em vossa cabeça a coroa da formosura” 14.

Dons especiais em relação às Igrejas militante


e triunfante
E o venerável Tomás de Kempis assim interpreta os astros que for-
mam a coroa de Nossa Senhora:

14)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 729 e 736.

383
De astros coroada...  Capítulo 7

“Escuta as palavras de certo doutor acerca das doze estrelas do


diadema da Bem-aventurada Virgem, com que Nossa Senhora Santa
Maria resplandece com maior claridade do que todos os demais San-
tos da glória.
“Estas doze estrelas são outras tantas prerrogativas de seu triun-
fal esplendor, as quais Ela possui em grau muito maior que todos os
outros cidadãos do Céu. Em relação à Igreja militante, tem quatro
dons especiais que brilham com maior fulgor e se derramam em obras
de misericórdia. Porque Maria, como ninguém, atende com maior
benignidade, condescende com mais humildade, age com superior vir-
tude, socorre com maior frequência, segundo ensina a experiência nos
difíceis transes da Igreja.
“No que diz respeito à Igreja triunfante, apresenta estas qua-
tro eminentes prerrogativas: que entre todos os demais está coloca-
da mais alta no Céu; brilha com maior claridade; é amada mais fervi-
damente; honrada mais dilatadamente, como é de justiça, dados seus
gloriosos méritos.

Brilhantes dons em relação à Santíssima Trindade


“Do mesmo modo, em relação à Santíssima Trindade, tem outras
quatro prerrogativas ou estrelas mais brilhantes que todos os astros.
A saber: De todos os que contemplam a glória da eterna Trindade,
Maria A vislumbra mais claramente; é arrebatada à sua vista com
maior júbilo; penetra-A com mais intimidade, e n’Ela se compraz mais
ardorosamente do que todos os que estão no Céu” 15.

Coroada com a excelência das doze ordens


de Santos
Sobre o rutilante diadema de Maria Santíssima, comenta, por sua
vez, o Doutor Seráfico:
“A Virgem Rainha é essa mulher que tem sobre sua cabeça uma
coroa de doze estrelas, isto é, toda a honra, dignidade, glória, excelên-
cia e nobreza de condição concedidas às doze ordens de Santos signi-

15)  KEMPIS, Tomás de. La Imitacion de Maria. Barcelona: Regina, 1956. p. 72-75.

384
Completas  Mais pura que os Anjos...

ficados nas doze estrelas resplandecentes, nove das quais se referem


aos espíritos celestiais, e três ao tríplice estado dos homens: o dos ati-
vos, o dos contemplativos e o dos prelados. Pois toda a dignidade e
glória concedida parcialmente a eles, foi outorgada totalmente à San-
tíssima Virgem” 16.

@ Mais pura que os Anjos


Pureza superior à dos Querubins e Serafins
“Que é toda a beleza deste mundo visível comparada com a do invi-
sível? Que é toda a formosura dos corpos diante da dos espíritos angé-
licos, senão uma estrela comparada com o sol?” 17
Tal é a excelsitude dos Anjos, que o próprio São Bernardo confessa
sua incapacidade de exaltar a “admirável dignidade” daqueles: “Que
dirá um simples mortal a homens mortais, de coisas que nem ele con-
segue expressar, nem estes entender? Na verdade, se a boca fala da
abundância do coração, é preciso igualmente que cale a língua quan-
do há escassez de pensamentos...” 18
Entretanto, São Francisco de Sales nos apresenta Maria muito aci-
ma dos Anjos, por ser Ela puríssima: “A virgindade e a absoluta cas-
tidade são virtudes angélicas; a pureza de Nossa Senhora sobrepujou
infinitamente à dos Anjos, com três grandes excelências sobre a dos
próprios Querubins e Serafins. [...]

••Por sua fecundidade


“A virgindade de Nossa Senhora teve a excelência e o privilégio,
acima da de todos os Anjos, de ser fecunda. A dos Anjos é estéril e
não pode ter fecundidade; a de nossa gloriosíssima Virgem, pelo con-
trário, foi muito fecunda, não somente por haver produzido o doce
fruto de vida, Nosso Senhor e Mestre, mas também por ter engendra-
do a outras virgens, que, à sua imitação, consagraram sua castidade.
“Porém, a virgindade desta divina Mãe tem, ademais, a virtude de
restabelecer a virgindade manchada ou perdida em algum momento

16)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. Vol. IV. p. 867.
17)  GRANADA, Luís de. Obra Selecta. Madrid: BAC, 1952. p. 29.
18)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 751.

385
Mais pura que os Anjos...  Capítulo 7

da vida. A Sagrada Escritura atesta que durante seu tempo mortal,


Nossa Senhora chamou a si grande quantidade de virgens e que várias
A acompanhavam por toda a parte: Santa Marta, Santa Marcelina, as
piedosas Marias e tantas outras. Mas particularmente, por sua media-
ção e exemplo, Maria Madalena, que era como que o receptáculo da
própria imundície, alistou-se sob o estandarte da pureza da Santíssima
Virgem, convertendo-se num frasco de cristal resplandecente e diá-
fano, capaz de receber e guardar os mais preciosos licores e as mais
salutares águas.
“A virgindade de nossa divina Mestra não é, pois, estéril, como a
dos Anjos; é tão fecunda, que desde o instante em que se consagrou a
Deus, até agora, deu sempre novos frutos. E não só Ela mesma frutifi-
ca, mas faz com que a virgindade, por si mesma, engendre outras vir-
gindades.  [...]

••Por ter sido consagrada a Deus


“A virgindade de Nossa Senhora excedeu à dos Anjos; estes são
puros e castos por natureza, e não se costuma louvar numa pessoa
o que tem por herança, pois não sendo produto de um esforço, não
merece homenagens. Não se exalta o sol porque é luminoso, já que
não pode deixar de sê-lo. Os Anjos não devem ser enaltecidos por sua
castidade, pois não podem ser de outra maneira. Porém, nossa sacra-
tíssima Mãe tem uma virgindade digna de ser exaltada, posto que foi
escolhida entre todas e consagrada a Deus. E se é certo que esteve
desposada com um homem, isto não foi em detrimento de sua virgin-
dade, pois seu marido permaneceu puro e havia, como a Santíssima
Virgem, feito voto de sê-lo sempre. [...]

••Por ter sido provada


“A virgindade de Nossa Senhora superou à dos Anjos, porque foi
combatida e posta à prova, o que não pode ocorrer com os espíritos
celestiais, que não podem de modo algum perder sua pureza, nem
têm oportunidade de que seja perturbada nem provada. Nosso glo-
rioso padre Santo Agostinho disse, falando dos Anjos: «Não vos é
difícil ser puros, ó espíritos bem-aventurados, pois não sois tentados
nem podeis sê-lo!»
“Talvez pareça estranho o que digo, de que a pureza de Nossa
Senhora foi combatida e posta à prova; porém assim o é. Não preten-

386
Completas  Mais pura que os Anjos...

do afirmar que esta prova se assemelhe às nossas, pois sendo Ela toda
pura e a própria pureza, não podia receber os ataques que recebemos,
e que atormentam aos que levamos a tentação em nós mesmos. Estas
não se atreveriam a aproximar-se dos inexpugnáveis muros da integri-
dade de Maria. Elas são tão importunas, que São Paulo pediu por três
vezes a nosso Senhor que lhas afastasse, ou que moderasse seu furor
até ao ponto em que pudesse resistir a elas, sem ofensa nem queda.
“Seja como for, a Santíssima Virgem sofreu uma prova quando viu
o Anjo em forma humana. Podemos deduzi-lo do fato de que Ela se
perturbou à vista de São Gabriel, que, percebendo isso, disse-Lhe:
«Não temas, Maria», querendo significar: «Embora me vejas em forma
de homem, não o sou, nem venho a falar-te como homem». Isto Lhe
disse, ao ver que o pudor virginal de Nossa Senhora começava a se
inquietar.
“«O pudor — escreve um santo personagem — é como o sacristão
da castidade». Assim como o sacristão de uma igreja toma o cuida-
do de fechar bem as portas, temeroso de que entrem ladrões a despo-
jar os altares, e olha sempre por toda a parte para observar se algo fal-
ta, assim o pudor das virgens está constantemente alerta, para impe-
dir que alguém possa atentar contra sua castidade ou pôr em perigo
sua virgindade, das quais são extremamente zelosas. E quando perce-
be a mais leve sombra do mal, comove-se e se perturba, como o fez a
augusta Virgem Maria, [...] a Virgem por excelência, acima de todos
os demais, tanto Anjos como homens” 19.

••Os Anjos admiram a virgindade de Maria


Também segundo São Boaventura, Nossa Senhora excede em pure-
za aos Anjos, “por isso eles mesmos exclamam, admirados, no Cânti-
co dos Cânticos: «Quem é esta, que sobe do deserto» — ou seja, através
da hierarquia arqui-angélica, que foi abandonada pelos anjos apósta-
tas —, «como uma coluna formada de perfumes», porquanto Ela é puri-
ficadora; «de mirra», porque isenta de toda impureza; «e de incenso»,
porque limpa de toda iniquidade” 20.
E São Tomás de Villanueva proclama:
“O que é maravilhoso na Virgem, e engrandece sobremaneira à
sabedoria do Altíssimo, é que uma filha de Adão, semelhante pela

19)  SALES, Francisco de. Obras Selectas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 360-362.
20)  BOAVENTURA. Op. cit. p. 853.

387
Mais pura que os Anjos,
Maria está sentada à direita do Rei dos reis,
“em nosso abono”
Coroação da Virgem Maria, por Fra Angélico
Completas  Tendes trono à direita do Rei, em nosso abono...

natureza às outras mulheres, não só se assemelhe, mas sobrepuje aos


espíritos angélicos em pureza, formosura, graça e valor. [...] Maravilha
estupenda e admirável obra do Excelso: uma donzela, filha de Adão, é
mais pura, mais bela e mais sublime que os próprios Anjos!” 21

Pureza que mereceu a Redenção do mundo


“Assim — conclui São João Eudes — podemos compreender a rele-
vante pureza desta inigualável Virgem, em cuja comparação qualquer
outra pureza é como se não existisse. [...] Conservou-se Maria numa
pureza e santidade tão eminentes que mereceu, disse Santo Ansel-
mo, a reparação do mundo. Eis aqui as palavras deste santo Padre:
«A puríssima santidade e a santíssima pureza do puríssimo coração de
Maria superam incomparavelmente a todas as purezas e santidades de
todas as criaturas. Mereceu, por esta admirável pureza de seu coração
virginal, ser a digníssima reparadora do mundo que se encontrava imerso
no mais profundo abismo de perdição»” 22.

@ Tendes trono à direita do Rei, em nosso abono


Em um de seus eloquentes e proféticos salmos, David, inspirado
pelo Divino Autor, assim prenuncia a glória de Maria Santíssima nos
Céus, junto ao Rei dos reis: “À tua destra está a Rainha, com vestido
bordado de ouro, e engalanada com vários adornos” (Sl. XLIV, 10).

À destra de Deus, a Rainha que intercede


pelos homens
Comentando esse texto sagrado, diz o Pe. Jourdain:
“Com razão o Rei-Profeta nos mostra a Bem-aventurada Virgem
Maria — a Rainha, como ele A chama — sentada à direita de Deus no
Céu: Adstitit regina a dextris tuis. Se o Rei Salomão quis que sua mãe,
Betsabéia, tivesse um sólio preparado à direita de seu trono real, e

21)  VILLANUEVA, Tomas de. Obras. Madrid: BAC, 1952. p. 130.


22)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 326-327.

389
Tendes trono à direita do Rei, em nosso abono...  Capítulo 7

que ela aí tomasse assento, poder-se-ia pensar que Jesus Cristo tives-
se menos atenções para com sua divina Mãe? Dizê-lo seria uma blas-
fêmia; longe de nós tais imaginações. Maria excede em dignidade, e
num grau inimaginável, à mãe de Salomão e a todas as outras mulhe-
res. [...]
“Ela é, ao mesmo tempo, uma Rainha onipotente para nos ajudar,
para nos procurar um refúgio contra nossos inimigos, para nos prote-
ger e nos defender. [...] A verdadeira Ester, a esposa do grande Rei,
aquela que salva seu povo, aquela junto à qual encontramos seguro
asilo, é a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus. Ela é quem
nos livra da morte eterna, que desvia de nós o terrível e fulminante
golpe da suprema condenação” 23.

Honrada com o lugar imediato junto ao Rei


De acordo com São Boaventura, uma das honras com que Jesus
Cristo distinguiu sua Santíssima Mãe, nos Céus, foi a de Lhe reservar
“o lugar imediato junto ao Rei. E isto por três razões.
Primeira, pela união amorosa de corações. Assim como nada se
interpôs entre o coração de Deus e o da Virgem, tampouco se inter-
põe algo entre seus tronos. [...]
“Segunda, pela frequente intercessão pelos pecadores. Porque,
tendo Ela o ofício de medianeira e reconciliadora, deve sentar-se, não
longe, mas perto e quase ao lado, como para falar ao ouvido do Rei,
a fim de que Ele não pronuncie severa sentença contra os que a Ela
recorrem, ou, caso a houvesse ditado, seja revogada. Tendes um exem-
plo no capítulo VII do livro de Ester: «Que petição é a tua, ó Ester?»
“E em seguida, ao eco de sua palavra, a cruel sentença fica anula-
da; enforcado, o inimigo; os êmulos, desbaratados e livre, o povo. Por
isso se diz no capítulo VI dos Cânticos, que Maria, para socorrer ao
mundo e combater os demônios, «é terrível como um exército em ordem
de batalha».
“E terceira, pelo patriarcado, o qual, embora houvesse correspon-
dido a Adão entre os homens, e a Eva entre as mulheres, sentando-se
Ela à direita de Deus, ou seja, possuindo seus mais excelentes bens,
transferiu-se [o dito patriarcado] a Cristo e a Maria, sua Mãe; pois

23)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie, Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. V. p. 115; Vol. VI. p. 111-112.

390
Completas  Tendes trono à direita do Rei, em nosso abono...

assim como aqueles foram assassinos do gênero humano, estes foram


seus salvadores. Ela, que reina com o Filho para sempre, nos alcance o
perdão dos [nossos] pecados” 24.

Rainha de todos os Santos, à direita do Altíssimo


Ainda acerca dessa augusta preeminência de Nossa Senhora, “sen-
tada à direita do Rei em nosso abono”, consideremos esta expressiva
página do Tesouro de Oratória Sagrada:
“No dia de sua Assunção, o esplendor de Maria superou ao dos
astros do firmamento; [...] naquele glorioso dia sua beleza ofuscou, não
apenas a do planeta que ilumina as trevas da noite, mas a daquele ante
cujos raios desaparece toda outra luz. Ouviu-se, então, ressoar pelas
altas regiões, a voz do real Salmista, quando, arrebatado por divina ins-
piração, admirava a Rainha com um vestido bordado de ouro, engala-
nada com vários adornos, e sentada no trono do próprio Rei.
“Ah, sim! Tendo sido Maria superior aos Patriarcas na firmeza da
fé; aos Profetas, na contemplação das coisas divinas; aos Apóstolos,
no zelo da honra de Deus e do bem das almas; aos Mártires, na virtu-
de da fortaleza; aos Santos Padres, na sabedoria; aos Confessores, na
paciência e na mansidão; às Virgens, na pureza, e a todos, na santida-
de; e havendo correspondido em grau eminentíssimo à graça, e prati-
cado todas as mais preciosas virtudes, por isso, no dia de sua Assun-
ção, apareceu Ela com vestido bordado de ouro, engalanada com
vários adornos, sentada à direita do Altíssimo, e coroada Rainha de
todos os Santos.
“Deus, que tanto exaltou a Maria no Céu, quis que sua glorificação
também tivesse seu esplendor na Terra. Ele pôs em suas mãos o cetro
da misericórdia, as chaves da beneficência. E a partir de então, todos
os favores e todas as misericórdias chegaram aos homens por inter-
médio de Maria. Sim, por Ela alcançaram glória o Céu; paz a Terra; fé
o povo; uma regra a vida, e disciplina os costumes. Por Ela se alegra
o vale, floresce o deserto, cobrem-se os campos de novo verdor, e se
convertem em sorriso de alegria as lágrimas dos desgraçados. [...] De
maneira que, assim como não existe cidade, nem vila, ilha nem prin-
cipado, onde não se veja um altar erigido à glória de Maria, tampou-
co há cidade ou vila, ilha ou principado, onde não se fale de graças

24)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. p. 877; 879.

391
Ó Mãe da graça...  Capítulo 7

imprevistas, singulares, extraordinárias e milagrosas, alcançadas por


obra do benévolo patrocínio da Virgem. [...] Exorto-vos, pois, a que
coloqueis toda confiança e toda fé em Maria. Ricos e pobres, podero-
sos e miseráveis, príncipes e súditos, pais e filhos, grandes e pequenos,
sábios e ignorantes: não olvideis que Maria é nossa Rainha e Mãe” 25.

@ Ó Mãe da graça
Mãe de Cristo, Mãe da divina graça
“Em virtude da maternidade divina — ensina o teólogo M. J. Sche-
eben —, pela qual Ela engendrou a Jesus Cristo, Maria dá ao mun-
do, com Ele, o princípio da graça. Por isso na Ladainha Lauretana a
Mater divinæ gratiæ está unida à Mater Christi. É ainda a razão pela
qual nenhuma outra, a não ser Ela, é chamada «mãe da graça». Por
outro lado, Maria, denominada unicamente como mãe ou princípio
maternal da graça, é assim diferenciada de Cristo e de Deus” 26 .

Síntese do mundo da graça


Em sentido análogo, firma o Pe. Jourdain sua opinião:
“Maria é a Mãe da divina graça, porque Ela é a Mãe de Cristo, que é
a fonte e o autor de toda graça, e, além disso, está cheio de graça, tanto
pelo lado da natureza divina, quanto pelo da natureza humana.[...]
“Maria é a Mãe da divina graça, porque não é à natureza que Ela
deve o fato de se tornar mãe, mas à graça divina que A dispôs para
conceber e dar à luz a Jesus Cristo Nosso Senhor. [...]
“Maria é a Mãe da divina graça, porque Ela é maravilhosamente
rica em graça. Por um hebraísmo análogo, a Sagrada Escritura chama
homens de sangue, homens de misericórdia, homens de dor, homens
de coragem, àqueles que se distinguiram por seu caráter sanguinário
ou misericordioso, por seus sofrimentos ou por sua coragem. Maria,
singular e eminentemente enriquecida da graça de Deus, possui todos
os mais preciosos dons que a Trindade santa tenha jamais concedido a

25)  TESORO DE ORATORIA SAGRADA. 2. ed. BULDÚ, Ramon (Dir.). Barcelona:


Pons, 1883. Vol. IV. p. 390-391.
26)  SCHEEBEN, M. J. La Mère Virginale du Sauveur. Paris: Desclée de Brouwer, 1953.
p. 111.

392
Completas  Ó Mãe da graça...

uma criatura. [...] Diz-se que o homem é um resumo de toda a criação,


um pequeno mundo. Maria é um resumo do mundo da graça, ou antes
todas as graças esparsas entre as outras criaturas se concentram n’Ela,
elevadas a um grau de intensidade perto do qual desaparece o que se
vê nos outros. [...]

Mãe pródiga no dispensar graças


“Enfim, Maria é a Mãe da divina graça, pelos benefícios da graça
que Ela nos obtém de Deus. Os antigos davam à terra o nome de gran-
de Mãe, e a honravam como uma deusa, em virtude das propriedades
de que ela é dotada e dos maravilhosos efeitos que ela produz. Na ver-
dade, ela nutre e sustenta tudo o que tem necessidade de alimento; ela
é mãe fecunda, e nenhum vegetal pode crescer sem que suas raízes se
tenham fixado na terra.
“Maria possui, eminentemente, as mesmas propriedades, e por isso
A chamam de grande Mãe, proclamando-A Mãe da divina graça. [...]
Ela vivifica tudo, e a tudo reveste de sua proteção, obtendo aos culpa-
dos o perdão; aos enfermos, a saúde; aos fracos, a força; aos aflitos, a
consolação; aos que estão em perigo, o socorro e a liberdade”27 .

Mãe e canal por que passam todas as graças


divinas
O Pe. Chevalier, por sua vez, assim nos apresenta a Mãe da graça:
“O homem é feito para viver de Deus: pela graça, no tempo; pela
glória, na eternidade. Qual é, pois, o supremo bem para ele, senão a
graça e a glória, isto é, a própria vida de Deus? Donde, em todo o seu
ser, esta fome de Deus, que só Ele pode saciar. [...]
“Deus é uma fonte infinitamente abundante que só deseja difun-
dir suas águas. Maria, canal bendito, só aspira favorecer esse divino
transbordamento. [...] Portanto, n’Ela, que necessidade de dar Deus
aos homens, e de dar os homens a Deus! Eis o que explica que Ela seja
a Rainha dos Apóstolos e dos pregadores da verdade; Ela é, depois de

27)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 64-65, 67-68.

393
Ó Mãe da graça...  Capítulo 7

Deus, e tanto quanto o pode ser, a caridade viva, o zelo vivo. Que não
faz Ela para verter numa alma ao menos uma gota de vida divina!
“Desejais, ó Maria, difundir a graça! Pois bem! Dela sereis a Mãe!
A própria fonte da graça é o Sagrado Coração de Jesus: Ele é vosso,
tomai-o, abri-o, derramai-o. Fazei, num mesmo ato, a felicidade d’Ele,
a vossa e a das almas. Dai, concedei; Vós nunca dareis tudo, porque
Ele é infinito. [...]
“Mãe dos viventes! Não há quem não Lhe deva toda sua vida na
ordem da graça. Maria o concebeu, deu-o à luz, alimentou-o, preser-
vou-o, curou-o, Maria o ressuscitou. É de Deus que vêm todas essas
graças, mas é por Maria que elas são distribuídas. [...]
“É, portanto, ao pé da letra que importa tomar essa palavra: Todas
as graças nos vêm por Maria; assim como nada foi feito sem o Verbo,
nada foi feito, ao menos no mundo sobrenatural, sem a Mãe da graça,
sem a Mãe do Verbo”28 .

Título que resume as misericórdias de Maria


“Mãe da Divina Graça!” — exclama o Prof. Plinio Corrêa de Oli-
veira. “Como esse título diz tudo! Nossa Senhora é a dispensadora de
todos os dons e favores celestiais. As graças de Deus constituem ine-
xaurível tesouro, o qual confiou Ele à sua Mãe Santíssima. Ela é, por-
tanto, a tesoureira das riquezas de Deus.
“Por outro lado, Ela é a Mãe daqueles que necessitam dessas pre-
ciosas dádivas. Mãe dos que pugnam sob o estandarte da fé, Mãe dos
que se debatem contra as tentações, Mãe dos miseráveis, Mãe dos
pecadores, Mãe dos desamparados, Mãe daqueles que quase per-
deram a esperança da salvação eterna — e para todos, sem exceção,
obtém Ela o poderoso auxílio da graça divina.
“O título de Mater divinæ gratiæ exprime, portanto, de modo
magnífico, a função materna de Nossa Senhora em relação aos
homens. Nessa invocação sentimos o quanto Ela é nossa Mãe, e
Mãe na ordem da graça, tendo para conosco solicitudes e bondades
inimagináveis!”29

28) CHEVALIER. Notre-Dame du Sacré-Coeur. Paris: Retaux-Bray, 1886. p. 331-334.


29)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 27/11/1990. (Arquivo pessoal).

394
Completas  Nossa doce esperança...

@ Nossa doce esperança


“Maria Santíssima não é uma esperança nossa: Ela é a esperan-
ça nossa. E esperança tal que, só por causa d’Ela, nossa existência se
torna doce e suportável. Mãe de misericórdia, Ela é a vida, a doçura
e a grande esperança dos degredados filhos de Eva: vita, dulcedo, spes
nostra, salve!”30

Por sua onipotente intercessão, é Maria a


nossa esperança
É o que nos procura fazer compreender o grande e douto cantor
das glórias de Maria, quando escreve:
“De dois modos, diz o angélico São Tomás, podemos pôr nossa
esperança numa pessoa: como causa principal ou como causa median-
te. Quem deseja obter do rei uma graça, espera alcançá-la dele como
soberano senhor, e espera obtê-la do seu ministro ou valido, como
intercessor. No último caso, a graça concedida veio do rei, mas por
intermédio do seu valido. Portanto, quem pretende a graça, com razão
chama àquele seu intercessor a sua esperança.
“Por ser de infinita bondade, sumamente deseja o Rei do Céu nos
enriquecer com as suas graças. Mas porque para tanto é necessária da
nossa parte a confiança, deu-nos o Senhor, para aumentá-la, sua pró-
pria Mãe por advogada e intercessora, e concedeu-Lhe plenos pode-
res a fim de nos valer. Por esta razão quer também que n’Ela coloque-
mos a esperança de nossa salvação e de todo nosso bem. Sem dúvida
são amaldiçoados pelo Senhor, como diz Jeremias, aqueles que põem
sua confiança na criatura unicamente. Tal é o procedimento dos peca-
dores que, em troca da amizade e dos préstimos de um homem, não
se incomodam de ofender a Deus. São abençoados pelo Senhor, e Lhe
são agradáveis, porém, o que esperam em Maria, tão poderosa como
Mãe de Deus, para Lhe impetrar as graças e a vida eterna. Pois assim
quer Deus ver honrada aquela excelsa criatura, que neste mundo O
amou e honrou mais do que todos os Anjos e homens juntos.

30)  Idem. Conferência em 21/5/1965. (Arquivo pessoal).

395
Nossa doce esperança...  Capítulo 7

“É, portanto, com muita razão que chamamos à Virgem esperança


nossa, porque, como diz São Roberto Belarmino, Cardeal, esperamos
pela sua intercessão obter o que não alcançaríamos só com nossas ora-
ções. Invocamo-La, observa Suárez, para que a dignidade da interces-
sora supra a nossa falta de méritos. De modo que, continua ele, invo-
car a Virgem com tal esperança não é desconfiar da misericórdia de
Deus, mas temer pela própria indignidade.

Mãe da santa esperança


“Motivo tem, pois, a Igreja em aplicar a Maria as palavras do Ecle-
siástico (XXIV, 24), com as quais Lhe chama a Mãe da santa esperan-
ça, Mãe que faz nascer em nós, não a esperança vã dos bens transi-
tórios desta vida, mas a santa esperança dos bens imensos e eternos
da vida bem-aventurada. Salve, esperança de minha alma, saudava-A
Santo Efrém, salve, ó segura salvação dos cristãos, auxílio dos pecado-
res, defesa dos fiéis, salvação do mundo. [...]
“O piedoso Landspérgio imagina o Senhor falando assim ao mun-
do: «Homens, pobres filhos de Adão que viveis no meio de tantos inimi-
gos e de tantas misérias, procurai honrar com especial afeto a minha e
vossa Mãe; pois eu dei Maria ao mundo para vosso exemplo, para que
d’Ela aprendais a viver como é devido. Dei-A como vosso refúgio para
que a Ela recorrais em vossas aflições. Esta minha Filha eu A fiz tal, que
ninguém A pudesse temer, nem ter repugnância de recorrer a Ela. Exa-
tamente por isso A formei tão benigna e compassiva, que nem sabe des-
prezar os que A invocam, nem sonegar seus favores a quem A suplica. A
todos abre o manto de sua misericórdia e não despede alma nenhuma
desconsolada». [...]
“Olhai, pois, para nós, concluamos com Eutímio, olhai para nós
finalmente com os vossos olhos piedosos, ó Mãe nossa misericordio-
síssima! Pois somos servos vossos e em Vós temos colocada toda a
nossa esperança” 31 .

31)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 74-75; 77-78.

396
Nossa Senhora da Esperança

Por sua
onipotente
intercessão,
é Maria
a esperança...

... e a guia
dos que navegam
pelo mar
borrascoso
deste mundo

Virgem da Estrela
Nossa doce esperança...  Capítulo 7

Aquela que esperou contra toda esperança


E outro piedoso autor comenta:
“«A esperança nasce da fé», nos diz Santo Agostinho. E como Maria
possuía todas as qualidades da fé, teve Ela também o dom de uma
perfeita esperança. As provas pelas quais aprouve à Divina Providên-
cia fazê-La passar, foram grandes e terríveis. Sua vida inteira não foi
senão um longo e doloroso martírio. Entretanto, em meio das maio-
res torturas, sua confiança em Deus permaneceu sempre inabalável.
Mais ainda do que Abraão, esperou Ela contra toda esperança. Apoia-
da na bondade divina, Maria nunca consentiu no menor pensamento
de desânimo, nem na gruta de Belém, nem na fuga para o Egito, nem
entre as angústias do Calvário. Ela foi resignada no seio dos perigos;
calma, nas fadigas; forte, nas dores; porque tinha uma firme esperan-
ça em que Deus era seu amparo e seu consolador. [...]
“Após a Ascensão, Maria, pela força de sua esperança nas promes-
sas de Jesus Cristo, confirmava a fé dos discípulos, robustecia a cora-
gem dos mártires e sustentava a Igreja nascente nas suas lutas e seus
combates. E eis porquê, depois de A ter chamado nossa Vida, nos-
sa Doçura, nós A chamamos também nossa esperança: Spes nostra.
Eis por que a Igreja Lhe dá o título de Mãe da santa esperança: Mater
sanctæ spei”32 .

Esperança dos justos e dos pecadores


Daí podermos encerrar com este significativo resumo, traçado pelo
Pe. Manuel Rodríguez:
“Recordemos que a Santíssima Virgem é também nossa Mãe,
recordemos que seu coração é um tesouro inesgotável de compaixão
e de bondade, e que longe de estar sujeita às tristes limitações de nos-
sas mães, goza de um poder de intercessão em certo modo onipotente,
junto a seu Divino Filho; que tem toda virtude e domínio no Céu e na
Terra, e em cujas mãos estão a vida e a morte.
“Recordemos tudo isto, e compreenderemos porque a Santíssima
Virgem é esperança nossa. Esperança dos justos, que têm por supre-
ma ventura da vida, a santa perseverança. Esperança dos pecadores
que carregam o duro jugo de suas paixões insanas, arrastam as ver-

32) BERLIOUX. Mois de Marie. 114. ed. Arras: Brunet, 1875. p. 82-84.

398
Completas  Do mar Estrela...

gonhosas correntes da servidão de suas misérias morais, e sentem o


implacável torniquete dos remorsos. [...]
“Esperança dos moribundos que vão comparecer ante o soberano
Juiz, para quem não há acepção de classes nem pessoas, e cujas sen-
tenças são justíssimas e inapeláveis.
“Esperança de todo peito que exale um gemido, de toda alma
devorada por inquietudes ou amarguras, de todo coração atormenta-
do por uma dor” 33.

@ Do mar Estrela
Símbolo da elevada dignidade de Maria
Interpretando o santíssimo nome de Maria, faz Santo Alberto
Magno esta admirável consideração:
“Maria significa [...] Estrela do mar. [...] Por três motivos, a San-
tíssima Virgem está designada com toda propriedade no mencionado
nome: pela dignidade de sua pessoa, pela utilidade de sua ação, pela
característica da divina concepção.
“A dignidade da pessoa se expressa pela natureza da luz, repre-
sentada na estrela do mar, pois nada há mais nobre e digno do que a
luz. Argumentos: a luz, antes de tudo e sobretudo, é comparada com
a divina natureza, depois com a natureza angélica, em terceiro lugar
com a natureza corpórea. Nada têm os corpos de mais formoso do que
a luz corporal, nem os seres espirituais, do que a luz espiritual, nem o
próprio Deus, do que a nobre luz de sua divina natureza. «Deus é luz,
e não há n’Ele nenhuma treva» (I Jo. I, 5). Donde, a luz que mais se
aproxima àquela luz será a segunda em nobreza. Assim foi a da Santa
Virgem, que não só foi iluminada por esta luz, como o é a luz pelo sol,
mas também, como a aurora, produziu em si o Sol, iluminando tudo o
que era iluminável. Logo, com a imagem da luz se expressa a elevada
dignidade da Santíssima Virgem.
“À palavra estrela juntamos do mar, para ressaltar as vantagens de
sua operação, pois conduz a todos os náufragos ao porto marítimo da
eterna salvação.

33)  RODRÍGUEZ, Manuel Vidal. La Salve explicada. 2. ed. Santiago: El Eco Franciscano,
1923. p. 178-180.

399
Do mar Estrela...  Capítulo 7

Imagem da virginal concepção


“Porém, ao dizer estrela do mar, assinala-se, sobretudo, a proprie-
dade da concepção, porque assim como a estrela lança o raio de luz,
assim a Santa Virgem concebeu a seu Filho sem corrupção, sem dimi-
nuição, sem manchar-se” 34.
Semelhante discurso tem o Pe. Manuel Bernardes:
“Outra significação do nome Maria na língua hebraica é (como
dizem São Jerônimo Beda e São Bernardo) Estrela do mar; e com este
apelido A invoca a Igreja: Ave maris Stella. Também Lhe vem muito
próprio, por estrela, e estrela do mar. Por estrela primeiramente, por-
que a estrela, sem diminuição sua, nos produz o raio luminoso, e a vir-
gem, permanecendo virgem, nos gerou a Cristo, que é luz do mundo.
E além disso, porque deste modo se cumpria a profecia, que da casa
de Jacob nasceria uma estrela: Orietur stella ex Jacob. E, finalmente,
porque as estrelas presidem às trevas da noite, e a Virgem é refúgio de
pecadores, nos quais ainda não reina o Sol da graça.
“E estrela particularmente do mar: maris Stella, isto é, do norte,
porque quem não sabe que este mundo é mar, onde todos os mortais
somos navegantes? São aqui furiosos e ponteiros os ventos das con-
tradições; inquietas e bravas as ondas dos sucessos vários e adversos;
repentinos os assaltos dos piratas ou demônios; ocultos os escolhos
dos perigos; frequentes os naufrágios da perdição eterna. Miseráveis
de nós se nos faltasse esse Norte por quem nos guiar: perdidos éra-
mos, não atinaríamos com o porto da salvação” 35.

Caridosa assistência da Estrela do mar


Muito a propósito, pois, comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“A estrela do mar reluz com a bela e caridosa missão de orientar os
navegantes que, em meio às vagas incertas e furiosas, correm o risco
de se extraviar. Assim é Nossa Senhora que, na noite desta vida, brilha
constantemente fixa e luminosa, indicando-nos o caminho do Céu” 36.

34)  ALBERTO MAGNO. Marial. Buenos Aires: Emece, [s.d.]. Super Evangelium «Missus
est angelis Gabriel», questão XXIX. p. 169; 172-173.
35) AS MAIS BELAS PÁGINAS DE BERNARDES: 2000 Trechos selecionados por
NUNES, Mario Ritter (Coord.). São Paulo: Melhoramentos, 1966. p. 413.
36)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 15/1/1965. (Arquivo pessoal).

400
Completas  Do mar Estrela...

“Olha a estrela, invoca Maria!”


Assim, cabe concluirmos com as tão conhecidas — e nem por isso
menos admiráveis — palavras de São Bernardo:
“«E o nome da virgem era Maria» (Lc. I, 27). Falemos também des-
te nome, que significa Estrela do mar, e se adapta à Virgem Mãe com a
maior proporção. [...]
“Ela, pois, é aquela nobre estrela nascida de Jacob, cujos raios ilu-
minam todo o orbe, cujo esplendor brilha nas alturas e penetra os
abismos. E, iluminando também a Terra e aquecendo antes os cora-
ções do que os corpos, estimula as virtudes e extingue os vícios. Esta
mesma é a esclarecida e singular estrela, elevada por necessárias cau-
sas sobre este grande e espaçoso mar, toda brilhante por seus méritos,
radiante por seus exemplos.
“Ó tu, quem quer que sejas, que te sentes longe da terra firme,
arrastado pelas ondas deste mundo, no meio das borrascas e tempes-
tades, se não queres soçobrar, não tires os olhos da luz desta estrela.
“Se o vento das tentações se levanta, se o escolho das tribulações se
interpõe em teu caminho, olha a estrela, invoca Maria.
“Se és balouçado pelas vagas do orgulho, da ambição, da maledi-
cência, da inveja, olha a estrela, invoca Maria.
“Se a cólera, a avareza, os desejos impuros sacodem a frágil embar-
cação de tua alma, levanta os olhos para Maria.
“Se, perturbado pela lembrança da enormidade de teus crimes,
confuso à vista das torpezas de tua consciência, aterrorizado pelo
medo do Juízo, começas a te deixar arrastar pelo turbilhão da tristeza,
a despenhar no abismo do desespero, pensa em Maria.
“Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca
Maria. Que seu nome nunca se afaste de teus lábios, jamais abandone
teu coração; e para alcançar o socorro da intercessão d’Ela, não negli-
gencies os exemplos de sua vida.
“Seguindo-A, não te transviarás; rezando a Ela, não desesperarás;
pensando n’Ela, evitarás todo erro. Se Ela te sustenta, não cairás; se
ela te protege, nada terás a temer; se Ela te conduz, não te cansarás;
se Ela te é favorável, alcançarás o fim.
“E assim verificarás, por tua própria experiência, com quanta razão
foi dito: «E o nome da Virgem era Maria»” 37 .

37)  BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. I. p. 205-206.

401
E porto de bonança...  Capítulo 7

@ E porto de bonança
Seguro asilo dos que fogem às tempestades
das paixões
Intimamente relacionado com o título de Estrela do mar, é o louvor
que aqui se dirige a Nossa Senhora.
Com efeito, não apenas ilumina Ela os que singram os mares deste
mundo, conduzindo-os ao bom termo de sua navegação, como é, tam-
bém, o “porto seguro, onde nos refugiamos ao rugir das tempestades,
quer internas das nossas paixões, quer externas, suscitadas pelos nos-
sos inimigos” 38.
São João Eudes, citando Santo Epifânio, assegura que o nome de
Maria significa também “esperança do mar, a esperança dos que nave-
gam pelo mar borrascoso deste mundo” 39.

Maria nos preserva do naufrágio da condenação


Santo Afonso de Ligório narra que “um dia viu Santa Madalena
de Pazzi, numa visão, uma barquinha no meio do mar. Nela estavam
refugiados todos os devotos de Maria, a qual, fazendo ofício de pilo-
to, seguramente os conduzia ao porto. Compreendeu logo a Santa
que quantos, no meio dos perigos desta vida, vivem sob a proteção de
Maria, todos são preservados do naufrágio do pecado e da condena-
ção; porque Maria seguramente os guia ao porto do Paraíso”40 .

Porto que se abre aos navegantes sem rumo


A imagem do porto de bonança, aplicada a Nossa Senhora, inspi-
rou ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira esta elevada e devota reflexão:

38)  Do PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português


com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 151-152.
39)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 155.
40)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 161.

402
Completas  Porta do Céu...

“Quantas vezes nos debatemos em meio às ondas das provações


inerentes à vida espiritual, ou decorrentes da fidelidade à Igreja. Ora
é a prática da virtude, que parece não progredir; ora são os inúmeros
problemas com que nos defrontamos em nosso apostolado; são, ain-
da, as inevitáveis vicissitudes de nossa existência terrena, sempre nos
pedindo cuidados, e muitas vezes nos trazendo dissabores. É, então,
como se navegássemos num mar sem ponto de referência, esforçando-
nos por atingir o fim de nossa trajetória.
“Para tais ocasiões, a solução é o recurso à Santíssima Virgem,
rogando-Lhe: Vós sois o Auxílio dos Cristãos, o Refúgio dos Pecado-
res. Está na vossa grandeza, ó minha Mãe, considerar meus defeitos,
minhas necessidades, meus sofrimentos, e serdes para mim como um
porto, abrigando-me neste mar alto e turbulento. Vossa grandeza é
também a da vossa misericórdia. Tende pena de mim e acolhei-me!”41.

@ Porta do Céu
Porta do Céu para os justos, janela do Paraíso,
para os penitentes
Às considerações de que já foi objeto este grande título mariano42,
podemos acrescentar o seguinte comentário de Santo Antônio Maria
Claret:
“Nossa Senhora pode salvar a seus verdadeiros devotos; Ela o quer,
e o faz. Pode, porque é a porta do Céu; quer, porque é a Mãe de mise-
ricórdia. Maria o faz, porque obtém a graça justificante aos pecadores,
o fervor aos justos e a perseverança aos fervorosos. Por isso os santos
Padres A chamam a resgatadora dos cativos, o canal da graça e a dis-
pensadora das misericórdias. [...]
“E quando a Igreja diz que esta incomparável Rainha é a porta do
Céu e a janela do Paraíso, nos ensina com essas palavras que todos os
eleitos, justos e pecadores, entram na mansão da glória pela mediação
de Nossa Senhora, com esta única diferença: que os justos entram por
Ela como pela porta aberta; mas os pecadores [arrependidos], pela
janela que é Maria. [...]

41)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferências em 1951 e 5/9/1970. (Arquivo pessoal).


42)  Cfr. “Porta dos Santos”, cap. II; e “Do Céu entrada oriental”, cap. IV.

403
Porta do Céu...  Capítulo 7

“Portanto, depois de Jesus, n’Ela devemos pôr toda nossa confian-


ça e esperança de nossa eterna salvação”43.

A Maria estão confiadas as chaves do Céu


“Oh! quantos não estariam agora no Céu — exclama Santo Afon-
so de Ligório —, se Maria, com a sua poderosa intercessão, para ali
não os tivesse conduzido. Eu fiz nascer no céu uma luz que nunca fal-
ta (Ecli. XXIV, 6). O Cardeal Hugo, aplicando esse texto à Santíssi-
ma Virgem, fá-La dizer: Faço brilhar no Céu tantos luzeiros eternos,
quantos são os meus devotos. Por isso ele acrescenta: Muitos Santos
acham-se no Céu pela intercessão de Maria e sem Ela jamais lá esta-
riam.
“Garante São Boaventura que as portas do Céu se abrem para rece-
ber a quantos confiam no patrocínio de Maria. Santo Efrém diz por
isso ser esta devoção a abertura do Paraíso. E Blósio assim se dirige à
Virgem Maria: Senhora, a Vós estão confiadas as chaves e os tesouros
do reino celestial. Portanto, continuamente Lhe devemos pedir com
Santo Ambrósio: Abri-nos, ó Maria, a porta do Paraíso, já que dele
tendes as chaves e sois a porta, como Vos chama a Santa Igreja”44.

Valiosa porta da eterna glória


E São João de Ávila, celebrando a festa da apresentação de Nossa
Senhora, deste modo se refere à “Porta do Céu”:
“Diz a Sagrada Escritura que, no tempo em que reinou Joatão, edi-
ficou este uma porta altíssima (IV Reis, XV, 35). A Virgem Maria é
esta porta. [...] Ó benditíssima Virgem! Quantos pensando em Vós
foram livres das portas do Inferno, afastaram-se da imundície da car-
ne e se recolheram em vossa humildade! A quantos extraviados guias-
tes para Deus! [...]
“Se vemos uma bonita porta, bem edificada, muito rica, dizemos:
Oh! Santo Deus, que valiosa porta! Quão bela deve ser a casa que tal
porta tem! E logo nos assalta o desejo de entrar e conhecer essa resi-

43)  CLARET, Antônio Maria. Escritos Autobiograficos y Espirituales. Madrid: BAC, 1959.
p. 771-772.
44)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Op. cit. p. 157.

404
Completas  Saúde na doença...

dência. Porta do Céu é Maria. Se à glória havemos de ir, por esta por-
ta devemos entrar”45.

@ Saúde na doença
Insondável oceano de curas milagrosas
“Nossa Senhora é a saúde dos enfermos pelas incontáveis curas
providenciais, ou mesmo verdadeiramente miraculosas, obtidas por
sua intercessão em tantos santuários da Cristandade, ao longo dos
séculos e em nossos dias. O incalculável número dessas curas é tal,
que se pode dizer que Maria é um oceano insondável de curas mila-
grosas.

Nossa Senhora cura as enfermidades espirituais


“Ela, porém, só devolve saúde aos corpos para levar remédio às
doenças da alma.
“Ela cura, sobretudo, quatro feridas espirituais, que são as seque-
las do pecado original e de nossos pecados pessoais: chagas de concu-
piscência, de imperfeição, de ignorância e de malícia.
“Ela cura a ferida da concupiscência ou da cobiça, que está em nos-
sa sensibilidade, arrefecendo o ardor das paixões, quebrando os hábi-
tos criminosos; Ela faz com que o homem comece a estimar fortemen-
te o bem para repelir os maus desejos, e também para permanecer
insensível ao inebriamento das honras ou ao atrativo das riquezas. Ela
cura, assim, a «concupiscência da carne e a dos olhos».
“Maria traz remédio também à ferida de imperfeição, que é a fra-
queza para praticar o bem, a preguiça espiritual; Ela dá à vontade
constância para se aplicar na virtude, desprezar os encantos do mun-
do e se lançar nos braços de Deus. Ela robustece os que cambaleiam,
reergue os que caíram.
“Nossa Senhora dissipa as trevas da ignorância, fornece os meios
para o homem abandonar o erro; Ela nos recorda as verdades religio-
sas, ao mesmo tempo simplíssimas e muito profundas, expressas no
Pater Noster. Ela ilumina, assim, a inteligência [humana] e a eleva até
Deus.
45)  ÁVILA, Juan de. Obras Completas. Madrid: BAC, 1953. Vol. II. p. 980.

405
Saúde na doença...  Capítulo 7

“Santo Alberto Magno, que d’Ela recebeu a luz para perseverar na


sua vocação e vencer as ciladas do demônio, diz que Ela nos preserva
dos desvios que viciam a retidão e a firmeza do julgamento, que Ela
nos cura do desânimo na procura da verdade, e nos faz alcançar delei-
tável conhecimento das coisas divinas. O mesmo Santo, em seu Maria-
le, fala da Santíssima Virgem com uma espontaneidade, admiração,
suavidade e abundância, raras nos homens de estudo.
“Enfim, Nossa Senhora cura a ferida espiritual de malícia, impe-
lindo para Deus as vontades rebeldes, seja por ternas advertências,
seja por severas censuras. Por sua doçura, Ela detém os transportes da
cólera; por sua humildade, abafa o orgulho e repele as tentações do
demônio. [...]
“Numa palavra, Ela cura no homem as feridas do pecado original,
agravadas por nossos pecados pessoais. [...] Assim, Maria se mostra,
esplendidamente, a saúde dos enfermos”46.

Imaculado Coração cuja virtude cura todos os


males
O Pe. Berlioux assim nos apresenta a Saúde dos enfermos:
“As doenças de toda espécie são o triste apanágio da pobre huma-
nidade. Do berço à sepultura, quantos padecimentos, quantas lágri-
mas! Entretanto, tenhamos confiança. Ao doente abatido sobre o lei-
to de dores, ao pobre enfermo abandonado pelos médicos, a todo
infeliz esmagado sob o peso do sofrimento, sorri um nome cheio de
poder e de encanto: esse nome é o de Maria, que a Igreja chama Nos-
sa Senhora do Perpétuo Socorro e do Bom Sucesso, Saúde e Salvação
dos enfermos.
“Com mais razão do que o Apóstolo, pode Ela dizer: «Quem há que
chore sem que eu chore com ele? Quem há que sofra sem que eu compar-
tilhe as suas dores?» Do coração da Mãe, como outrora da pessoa do
Filho, sai uma virtude secreta que cura todos os males. Sim, pela inter-
cessão de nossa Soberana, os cegos vêem, os cochos andam, os surdos
ouvem, os paralíticos recuperam o uso de seus membros, os agonizan-
tes renascem para a vida. Os muros de seus santuários estão cober-

46)  GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure. Pa-


ris: Du Cerf, 1948. p. 269-271.

406
Insondável oceano
de milagrosas curas espirituais e corporais
Nossa Senhora dos Remédios
Saúde na doença...  Capítulo 7

tos de ex-votos, testemunhos da gratidão dos que Ela milagrosamen-


te curou. [...]
“Assim é que os mais agudos sofrimentos, as mais variadas doen-
ças, encontram alívio junto d’Aquela que não foi em vão chamada
Nossa Senhora dos Remédios. [...]

Particular solicitude para com os doentes de alma


“Há, porém, doenças em relação às quais Nossa Senhora sente ain-
da maior compaixão: as da alma.
“Com efeito, quantos cristãos doentes, cuja alma é fraca na fé, na
piedade, no fervor; que têm uma vida espiritual langorosa; que levam
consigo todas as características da tibieza, e que logo talvez cairão nas
profundezas do abismo! Pois bem, é principalmente por essas almas
que Maria se compraz em interceder junto a seu Filho, e cujas orações
e gemidos tem Ela mais satisfação em atender.
“Se corpos doloridos, se pernas e braços paralisados, se olhos
doentes recobraram a saúde pela intercessão de Maria, quantos cora-
ções tíbios também encontraram o fervor, quantos cegos recuperaram
a luz da fé, quantos paralíticos obtiveram a força de caminhar com
ardor na via dos Mandamentos de Deus! Enfim, quantos enfermos de
todo gênero foram refeitos, espiritualmente curados e transformados
em cristãos corajosos e entusiasmados!
“Porém, essas almas tíbias e doentes, com frequência ignoram seu
mal, não desejam sua cura, não pensam em solicitá-la pela poderosa
mediação de Maria!
“Filhos da melhor das mães, examinemos seriamente se não esta-
mos nesse triste estado. Não ser nem quente nem frio por um Deus
que merece tanto amor; sem ardor por sua glória, sem zelo por seus
interesses; ter por Maria apenas uma afeição estéril, sem se esforçar
por imitar suas virtudes — que funesto estado! Como é fácil passar do
sono dessa tibieza para o da morte!
“Ó boa Mãe, dissipai as ilusões de meu espírito, derretei o gelo de
meu coração, e retemperai minha alma no fervor de vosso serviço!”47

47) BERLIOUX. Mois de Marie. 114. ed. Arras: Brunet, 1875. p. 162-165; 167.

408
Completas  Saúde na doença...

Mãe do Divino Médico


Outra razão há, e mais excelente, pela qual Nossa Senhora deve ser
louvada como a “saúde na doença”. Segundo o Pe. Jourdain, “a San-
tíssima Virgem possui o dom de cura porque Ela deu à luz o Médi-
co supremo que sana todos os males do gênero humano, o Salvador
Jesus, que disse de si mesmo (Mt. IX, 12): «Os sãos não têm mister de
médico, mas sim os enfermos». Podemos acrescentar o que diz o Eclesi-
ástico (XXXVIII, 4): «O Altíssimo é quem produziu da terra os medica-
mentos». De que terra benfazeja fala aqui o Espírito Santo pela boca
do autor sagrado, senão da Bem-aventurada Virgem Maria? [...] Ela
é esta terra bendita. Ela deu à humanidade Aquele que pode curar
todos os males; Ela engendrou o autor da salvação. O remédio onipo-
tente, único capaz de devolver à humanidade a saúde e a vida, saiu de
Maria. É, pois, justo chamá-La a Saúde dos Enfermos. [...]
“Eis porque São João Damasceno, em seu sermão sobre a Morte da
Santíssima Virgem, fá-La dizer: «Eu sou como um laboratório de remé-
dios para os pobres doentes. Sou esta inextinguível fonte de cura»”48.

Nossa Senhora também se utiliza da doença


para converter o homem
Por fim, ouçamos esta importante consideração do Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira, acerca da “Salus Infirmorum”:
“O homem que, em consequência do pecado original, está sujeito
às mais aflitivas doenças, amiúde recorre a Nossa Senhora, suplican-
do-Lhe a cura de seus males. Por isso a Igreja A invoca como a Saúde
dos enfermos.
“Não raras vezes, permite Nossa Senhora doenças e provações físi-
cas, a fim de que os homens, curados por sua intercessão, sintam a
maternal bondade com que Ela os atende e sejam, assim, por Ela mais
atraídos e conquistados.
“Nossa Senhora, Saúde dos Enfermos, é, portanto, num primeiro
plano, Aquela que restitui a saúde corporal aos homens.
“Será só isto? Nossa Senhora é Mãe apenas quando trata de nos-
sos males? Não será também insigne favor, o fato de Ela permitir que

48)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 567-568.

409
De Deus guiai-nos à feliz presença...  Capítulo 7

nos acometa alguma doença, e que esta perdure longamente? Muitas


vezes sim. A doença pode ser um meio mais excelente de nos aproxi-
mar d’Ela, de tomarmos distância das coisas do mundo, de compreen-
dermos como é transitória a vida, de purificarmos nossa alma de inú-
meros pecados e defeitos! Neste caso, a doença é um bem para nós.
“De tal sorte que podemos dizer a Nossa Senhora: «Se essa enfer-
midade for melhor para minha alma, eu a aceito. Porém, Vós tendes o
poder de abreviá-la, caso esteja nos desígnios de Deus fazer-me mais bem
a saúde do que a doença. Se tal for, se meus pecados não constituírem
obstáculos à vossa misericórdia, peço-Vos que me cureis. Do contrário,
acolho com humildade o que Vós me destinais».
“Sobretudo devem se dirigir a Nossa Senhora os pecadores, para
que Ela restitua a saúde às suas almas enfermas da pior das doenças,
que é o pecado”49.

@ De Deus guiai-nos à feliz presença


É impossível perder-se um devoto de Nossa Senhora
Depois de louvá-La como o celeste remédio para as doenças físicas
e morais, roga-se a Nossa Senhora a graça da perseverança final.
Afirma Santo Afonso de Ligório ser “impossível que se perca um
devoto de Maria, que fielmente A serve e a Ela se encomenda. [...]
“Não podem salvar-se aqueles, escreve Santo Antonino, dos quais
Maria tem afastado seus misericordiosos olhos; mas salvam-se neces-
sariamente os que por Ela são vistos com amor e protegidos por sua
intercessão. [...] Sempre que não Lhe ponhamos obstáculos, alcan-
ça-nos essa divina Mãe o Paraíso, pela eficácia de suas súplicas e de
seu patrocínio. Aquele, por conseguinte, que A serve e conta com sua
intercessão, está seguro da bem-aventurança eterna, como se já ali
estivesse. O servir e ser da sua família, diz Ricardo de São Lourenço,
é das honras a maior; pois, servi-La é reinar no Céu, é viver sob suas
ordens, é mais do que reinar. Pelo contrário, prossegue ele, aqueles
que não servem a Maria, não se salvarão; porquanto, destituídos do
auxílio da poderosa Mãe, ficam também privados do socorro do Filho
e de toda a corte celeste. [...]

49)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 8/9/1970. (Arquivo pessoal).

410
Completas  De Deus guiai-nos à feliz presença...

Inúmeros pecadores encontraram a Deus


por intermédio de Maria
“Não devem desconfiar de conseguir o Reino do Céu nem ainda
aqueles que só têm merecido o Inferno, caso se resolvam a servir com
fidelidade a esta Rainha. Quantos pecadores — exclama São Germa-
no — buscaram a Deus por vosso intermédio, ó Maria, e foram salvos!
Ricardo de São Lourenço chama a atenção sobre o texto do Apoca-
lipse (XII, 1), no qual se diz estar Maria coroada de estrelas, enquan-
to que nos Sagrados Cânticos Ela aparece rodeada de feras, de leões
e de leopardos (Cânt. IV, 8). Como pode ser isso? É que essas feras
— responde o comentador — são os pecadores que pelo favor e pela
intercessão de Maria se tornam estrelas no Paraíso. Formam assim
uma coroa que mais convém para a fronte dessa Rainha de misericór-
dia, do que todas as estrelas materiais do céu. [...]

Princípio, meio e fim de nossa felicidade


“Sois, ó grande Mãe, princípio, meio e fim de nossa felicidade,
exclama São Metódio. Princípio, porque Maria nos alcança o perdão
dos pecados; meio, porque nos obtém a perseverança; fim, porque Ela
finalmente nos consegue o Paraíso. Por Vós, prossegue São Bernar-
do, foi aberto o Céu, foi despojado o Inferno, foi restaurado o Paraíso;
por Vós, em suma, foi dada a vida eterna a tantos miseráveis que só a
eterna morte mereciam.
“Mas, sobretudo, a bela promessa de Maria deve nos animar a
esperar com segurança o Paraíso. A todos os seus servos, especialmen-
te aos que buscam fazê-La conhecida e amada de todos, por palavras
e exemplos, fez a seguinte promessa: «Os que trabalham por mim não
pecarão; aqueles que me esclarecem terão a vida eterna» (Ecli. XXIV,
30). Ditosos, pois, aqueles, conclui o [pseudo]-Boaventura, que adqui-
rem o favor de Maria; estes desde logo serão reconhecidos dos bem-
aventurados, por seus companheiros; e quem tiver o caráter de servo
de Maria, será registrado no livro da vida”50.

50)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 145-146; 158-160.

411
De Deus guiai-nos à feliz presença...  Capítulo 7

Principal e suprema graça que nos pode alcançar


Nossa Senhora
Análoga ao verso em epígrafe é a última petição da Salve Regina:
“Depois deste desterro, mostrai-nos Jesus...”
Sobre esta súplica, tece o Pe. Manuel Rodríguez expressivo comen-
tário, que muito se aplica ao presente tema. Escreve o ilustre autor:
“Eis aqui a graça principal, graça que nem a Virgem pode nos obter
outra mais preciosa, nem nós Lhe pedirmos outra maior, mais eleva-
da, santa e extraordinária [...]: a eterna bem-aventurança. [...]

Verdadeira felicidade para a qual foi criado o


homem
“Ver e possuir a Jesus Cristo, nosso adorável Redentor, quando
chegarmos ao termo de nossa peregrinação por este vale de lágrimas,
é a verdadeira felicidade para a qual fomos criados e redimidos, e para
cuja consecução devem dirigir-se todos os nossos esforços e anelos,
firmemente persuadidos de que: se a alcançarmos, tudo ganhamos; e
se por desgraça não a conseguirmos, tudo perdemos, ainda que hou-
véssemos desfrutado todas as prosperidades nesta vida efêmera.
“Possuir a Jesus Cristo, depois deste exílio, é a vida eterna [...], últi-
mo fim do homem, à qual foi inteiramente dirigido e ordenado o pla-
no divino da Redenção, a existência terrena, a doutrina, os milagres,
a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, e toda a economia
de sua Igreja, seus dogmas e sua moral, seu culto, suas orações e seus
Sacramentos.
“Esta é a vida eterna onde se verão plenamente realizadas as ine-
fáveis consolações prometidas no Sermão das Bem-aventuranças, e de
todas as grandes promessas d’Aquele que ressuscitou a filha de Jairo,
o filho da viúva de Naim, a seu amigo Lázaro; d’Aquele que se ressus-
citou a si mesmo, por sua própria virtude, para ser a morte da morte, o
exemplo e preciosíssimo penhor de nossa ressurreição; d’Aquele que
disse de si: «Eu sou a ressurreição e a vida; e todo aquele que vive e crê
em Mim, não morrerá eternamente» (Jo. XI, 25, 26). [...]
“Esta é a vida eterna, crença firmíssima dos cristãos de todos os
séculos; fortaleza dos mártires e dos heróis do catolicismo; [...] precio-

412
Completas  V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo...

síssima esperança que responde adequadamente aos infinitos anelos


de felicidade que jamais podemos ver satisfeitos neste desterro [...]; o
único e verdadeiro motivo de consolo que pode levar a resignação e a
calma a nosso espírito agitado e dolorido pelos sofrimentos e infortú-
nios que nos assediam neste vale de lágrimas. [...]
“[Guiai-nos à presença de Deus], ó venturosa Estrela do mar des-
ta vida, eriçado de tantos escolhos, batido por tantos vendavais e tor-
mentas, para que, alentados com suas promessas e reanimados com
sua assistência, voguemos felizmente sobre as ondas revoltas das pai-
xões e das provas, das amarguras e dores, e cheguemos ao porto san-
to de nossa verdadeira Pátria, onde reinaremos com Ele, gozando de
inefável ventura entre os eternos resplendores de sua glória, cantan-
do suas infinitas misericórdias, proclamando que unicamente sob vos-
sos auspícios, [ó Maria], pudemos alcançar tão grande recompensa”51.

@ V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo


Nome mais excelente que os bálsamos preciosos
“O nome de Maria é como um bálsamo que corre agradavelmente
sobre os membros dos enfermos e os penetra com eficácia. Ele é seme-
lhante a este óleo que, por suas unções, reanima e suaviza, dá força,
flexibilidade e saúde. Mais do que o nome de todos os Santos, o de
Maria nos repousa de nossas fadigas, cura todos os nossos males, ilu-
mina nossa cegueira, comove nosso endurecimento e nos encoraja em
nossos desânimos. Maria é a vida e a respiração de seus servidores, a
saúde dos enfermos, o remédio dos pecadores. Ricardo de São Vítor,
interpretando estas palavras do Eclesiastes (VII, 2): «É melhor o bom
nome do que os bálsamos preciosos», as aplica assim à Bem-aventurada
Virgem: «O nome de Maria cura os males do pecador com maior eficá-
cia do que a dos unguentos mais procurados; não há doença, por desas-
trosa que seja, que não ceda imediatamente à voz desse bendito nome».
“Nosso Divino Salvador, se não me engano, no-lo quis recomendar
quando, ressuscitando dos mortos, o primeiro nome que aflorou em
seus lábios foi o de Maria.

51)  RODRÍGUEZ, Manuel Vidal. La Salve explicada. 2. ed. Santiago: El Eco Franciscano,
1923. p. 276-277; 279-281; 296-297.

413
V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo...  Capítulo 7

“Ave Maria”
“Um nobre e rico soldado renun-
ciou ao século e ingressou na Ordem
de Cister. Era, porém, tão iletrado que os
monges, envergonhando-se de sua igno-
rância, destacaram um mestre para ensi-
ná-lo. Entretanto, por mais lições que rece-
besse, o ex-soldado não conseguiu apren-
der senão duas palavras: Ave Maria, as
quais repetia durante todo o dia.
“Quando morreu, e foi sepultado entre
outros Irmãos, eis que de seu túmulo bro-
tou magnífico lírio, que trazia inscrito
sobre cada uma de suas pétalas, em letras
de ouro: Ave Maria.
“Admirados com tão grande milagre, os
monges removeram a terra que cobria o
túmulo, e viram que o lírio tinha sua raiz
na boca do morto. Compreenderam, assim,
com que devoção havia dito ele estas duas
palavras...”
VORAGINE, Jacques de.
La Légende Dorée, Paris: Perrin
et Cie, 1917. p. 196.

“Com efeito, dirigindo-se à Madalena, a primeira a quem Ele apa-


recia após sua Ressurreição, disse-lhe (Jo. XX, 16): «Maria», para nos
significar que o nome de Maria encerra a vida em si mesmo, e se har-
moniza tão bem com a vida imortal, que merece ser o primeiro a sair
da boca do Salvador, já em possessão da imortalidade. Esta reflexão é
de Cesário, em sua homilia sobre a Visitação”52.

52)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 569-570.

414
Completas  V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo...

Nome que desarma e abre o coração de Deus,


em favor dos homens
E acrescentamos com o Pe. J. Guibert, que assim se expressa na sua
Meditação para a festa do Santo Nome de Maria: “O nome de Maria
desarma o coração de Deus. Não há pecador, por mais criminoso,
que pronuncie em vão esse nome. Embora merecesse, por suas faltas,
todas as cóleras do Céu, ele se vê protegido como por inviolável pára-
raios, logo que articule o nome de Maria.
“A este nome, o perdão desce infalivelmente sobre as almas peca-
doras, não porque tenha Ela o direito de concedê-lo, mas porque é
onipotente para implorá-lo — Omnipotentia supplex. O nome de
Maria abre o coração de Deus e põe todos os seus tesouros à disposi-
ção da alma que o invoca.
“A História nos ensina que uma multidão de Santos caridosos fize-
ram voto de jamais recusar a esmola que lhes fosse pedida em tal ou
tal nome. Assim que ouviam o nome amado, eles davam, davam sem-
pre, até o último óbulo e até suas próprias vestimentas. O nome de
Maria tem esse poder mágico sobre o coração de Deus. Deus Filho,
Jesus Cristo, entrega tudo o que tem àqueles que Lhe estendem a mão
em nome de sua Mãe; Deus Padre, fonte de toda riqueza, concede
toda graça àqueles que mendigam diante d’Ele invocando o nome de
sua Filha Bem-amada. [...]

Nome de salvação e de alegria


“O nome de Maria é um nome salvador, sobretudo nos perigos
de ordem moral. Quantas tentações por ele foram vencidas, quan-
tos pecados evitados, quantos imundos corações purificados, quantas
penosas confissões extraídas de almas que se cria para sempre fecha-
das!
“É também um nome de consolação e de alegria. Ele dissipa a tris-
teza na alma que o pronuncia. Tendes medo de Deus e de seus jul-
gamentos? Pensai em Maria e invocai seu nome: vossa confiança
em Deus renascerá. Tendes medo dos homens, diante dos quais vos
cobristes de vergonha e perdestes a reputação? Pensai em Maria e
invocai seu nome: e não tereis mais receio de levantar os olhos dian-
te de vossos semelhantes. Esmaga-vos o peso da humilhação ou da dor

415
V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo...  Capítulo 7

física? Pensai em Maria, invocai seu nome, e sereis aliviado. Temeis a


horrível morte que rompe e põe fim a tudo? Pensai em Maria, invocai
seu nome, e tereis coragem de aceitar esse supremo sacrifício.

Nome de força
“O nome de Maria, enfim, é um nome de força. Quaisquer que
sejam os inimigos que vos ameaçam, venham eles do Inferno, como
o demônio que vos tenta; ou venham do mundo, como os adversários
que vos perseguem, invocai o poderoso nome de Maria e a todos ven-
cereis.
“Quaisquer que sejam vossas próprias fraquezas, provenham elas
do orgulho, da inveja, da sensualidade ou da preguiça, confiai vos-
so débil coração à solicitude da Virgem, invocai o poderoso nome de
Maria, e vos vencereis a vós mesmos”53.

Precioso tesouro da Santíssima Trindade


Recolhendo as opiniões dos santos Doutores sobre o nome de
Maria, traça São João Eudes esta admirável síntese:
“«O nome de Maria, diz Santo Antônio de Pádua, é júbilo para o
coração, mel na boca e doce melodia no ouvido».
“«Bem-aventurado o que ama vosso nome, ó Maria (é São Boaven-
tura quem fala), porque este santo nome é uma fonte de graça que refres-
ca a alma sedenta e a faz produzir frutos de justiça».
“«Ó Mãe de Deus, diz o mesmo Santo, que glorioso e admirável é
vosso nome. O que o leva em seu coração se verá livre do medo da mor-
te. Basta pronunciá-lo para fazer tremer a todo o Inferno e pôr em fuga
a todos os demônios. O que deseja possuir a paz e a alegria do coração,
que honre vosso santo nome».
“«O nome de Maria, diz São Pedro Crisólogo, é nome de salvação
para os regenerados, sinal de todas as virtudes, honra da castidade; é o
sacrifício agradável a Deus; é a virtude da hospitalidade; é a escola de
santidade; é, enfim, um nome completamente maternal».

53)  GUIBERT, P. J. Méditations pour les fêtes de la Sainte Vierge. Paris: De Gigord, 1915.
p. 166-169.

416
Completas  V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo...

“«Ó amabilíssima Maria, exclama também São Bernardo, vosso san-


to nome não pode passar pela boca sem abrasar o coração! Os que Vos
amam não podem pensar em Vós sem um consolo e um gozo muito par-
ticulares. Nunca entrais sem doçura na memória dos que Vos honram».
“«Ó Maria, diz o santo Abade Raimundo Jordão, o chamado Idiota,
a Santíssima Trindade Vos deu um nome que, depois do de vosso Filho,
está acima de todos os nomes; nome a cuja pronunciação devem dobrar
o joelho todas as criaturas do Céu, da Terra e do Inferno, e toda língua
confessar e honrar a graça, a glória e a virtude do santo nome de Maria.
Porque, depois do nome de vosso Filho, não há quem seja tão poderoso
para nos assistir em nossas necessidades, nem de quem devamos esperar
mais os socorros que necessitamos para nossa eterna salvação.
“«Este nome tem mais virtude do que todos os nomes dos Santos para
confortar os débeis, curar os enfermos, iluminar os cegos, abrandar os
corações endurecidos, fortificar os que combatem, dar ânimo aos cansa-
dos e derrubar o poderio dos demônios». [...]
“Ouçamos a São Germano de Constantinopla: «Como a respiração,
diz, não só é o sinal como também a causa da vida, assim quando vedes
cristãos que têm com frequência o santo nome de Maria na boca, é sinal
de que estão vivos com a verdadeira vida. O afeto particular que se tem a
este sagrado nome, dá vida aos mortos, a conserva nos vivos, e os enche
de gozo e de bênção». [...]
“Numa palavra, quem diz Maria, diz o mais precioso tesouro da
Santíssima Trindade, como afirma Orígenes. Quem diz Maria, diz o
mais admirável ornamento da casa de Deus. Quem diz Maria, diz a
glória, o amor e as delícias do Céu e da Terra”54.

Nome terrível para os demônios


Concluímos com estas fervorosas palavras do admirável Tomás de
Kempis, a respeito do glorioso nome da Mãe de Deus:
“Os espíritos malignos tremem ante a Rainha dos Céus, e fogem
como se corre do fogo, ao ouvir seu santo nome. Causa-lhes pavor o
santo e terrível nome de Maria, que para o cristão é em extremo amá-
vel e constantemente celebrado.

54)  EUDES, Juan. La Infancia Admirable de la Santísima Madre de Dios. Bogotá: San Juan
Eudes, 1957. p. 167-169; 171-172.

417
R. Muito Vos amam vossos fiéis servos...  Capítulo 7

“Não podem os demônios comparecer nem podem pôr em jogo


suas artimanhas onde vêem resplandecer o nome de Maria. Como tro-
vão que ressoa no céu, assim caem derrubados ao ouvirem o nome de
Santa Maria. E quanto mais amiúde se profere este nome, e mais fer-
vorosamente se invoca, mais céleres e para mais longe escapam.

Nome a ser continuamente invocado


“De outro lado, os Santos Anjos e os espíritos dos justos se ale-
gram e se deliciam com a devoção dos fiéis, ao verem com quanto afe-
to e frequência celebram estes a memória de Santa Maria, cujo glorio-
so nome aparece em todas as igrejas do orbe, que têm especialmente
consagradas a seu louvor. E é justo e digno que acima de todos os San-
tos seja honrada na Terra a Mãe de Deus, a quem os Anjos veneram
todos a uma só voz, com sublimes cânticos.
“Seja, pois, o nome de Maria venerado por todos os fiéis, sempre
amado pelos devotos, vinculado aos religiosos, recomendado aos secu-
lares, anunciado pelos pregadores, infundido aos atribulados, invoca-
do em toda sorte de perigos”55.

@ R. Muito Vos amam vossos fiéis servos


É desejo de Deus que os homens amem a
Nossa Senhora
“Devemos amar a Santíssima Virgem — escreve Santo Antônio
Maria Claret — porque Deus o quer. [...] Ele próprio nos dá exem-
plo e nos incita a amar a Maria: O Padre Eterno A escolheu por Filha
sua muito amada; o Filho Eterno A tomou por Mãe, e o Espírito San-
to, por Esposa. Toda a Santíssima Trindade A coroou como Rainha e
Imperatriz do Céu e da Terra, e A constituiu dispensadora de todas as
graças. [...]
“Devemos amar a Maria Santíssima porque Ela o merece, pelo
cúmulo de graças que recebeu sobre a Terra, pela eminência da gló-
ria que possui no Céu, pela dignidade quase infinita de Mãe de Deus

55)  KEMPIS, Tomás de. La Imitacion de Maria. Barcelona: Regina, 1956. p. 361-364.

418
Completas  R. Muito Vos amam vossos fiéis servos...

a que foi exaltada, e pelas prerrogativas inerentes a esta sublime dig-


nidade. [...]
“Devemos amar a Maria Santíssima e ser seus devotos verdadei-
ros, porque a devoção a Ela é um meio poderosíssimo para alcançar a
salvação”56.

Bem-aventurados os que amam a Maria


“Feliz, feliz aquele que Vos ama, ó Maria, Mãe dulcíssima!” —
exclama Santo Afonso de Ligório. “São João Berchmans, da Compa-
nhia de Jesus, costumava dizer: Se amo a Maria, estou certo da minha
perseverança e de Deus obtenho tudo o que quiser. Renovava por isso
sem cessar este propósito: Quero amar a Maria, quero amá-La sem-
pre.
“Oh! como esta boa Mãe excede em amor a todos os seus filhos!
Amem-Na estes quanto puderem, sempre serão vencidos pelo amor
que lhes consagra Maria, observa Pseudo-Inácio, mártir. [...]
“Tenham-lhe a mesma ternura de amor com que A têm amado tan-
tos de seus servos, que já nem sabiam o que mais fazer como prova do
muito que Lhe bem-queriam. [...]
“Estava uma vez ao pé de uma imagem de Maria o Venerável
Afonso Rodríguez, da Companhia de Jesus. Abrasado de amor para
com a Virgem Santíssima, disse-Lhe: Minha Mãe amabilíssima, bem
sei que Vós me amais; mas Vós não me quereis tanto quanto eu Vos
amo. Então, Maria, como que ofendida em seu amor, lhe respondeu:
Que dizes, Afonso, que dizes? Oh! quanto é maior o meu amor por
ti do que o teu por Mim! Sabe, lhe disse, que do meu amor ao teu há
mais distância do que do céu à Terra.
“Tem, pois, razão São Boaventura ao exclamar: Bem-aventurados
aqueles que têm a felicidade de ser fiéis servos e amantes desta Mãe
amantíssima! Sim, porque esta gratíssima Rainha não admite que em
amor A vençam os seus devotos servidores. Maria, imitando nisto a
Nosso Senhor Jesus Cristo, com seus benefícios e favores dá a quem A
ama o seu amor duplicado”57.

56)  CLARET, Antônio Maria. Escritos Autobiograficos y Espirituales. Madrid: BAC, 1959.
p. 766-767 e 771.
57)  LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1964. p. 43-46.

419
R. Muito Vos amam vossos fiéis servos...  Capítulo 7

Ao amor de Mãe, deve corresponder nosso


amor de filhos
Sendo assim, “ao amor de Mãe que nos tem Maria, devemos cor-
responder com nosso amor de filhos. Pois é justo que nosso coração se
mostre conquistado pelo seu. Se nós A amamos, devemos nos com-
prazer com sua lembrança, falar d’Ela com agrado e obedecê-La com
diligência. [...]
“Devemos nos esforçar por imitá-La. A mais bela homenagem que
um filho pode render à sua mãe é de lhe reproduzir os traços em sua
própria conduta. Que nosso coração, portanto, seja semelhante ao de
Maria. Antes de tudo, que ele seja puro como o d’Ela; evitemos, pois,
a imundície do pecado. Que nosso coração seja bom e terno como o
d’Ela; compassivo, acolhedor, benévolo, generoso. Portanto, que nada
exista de duro em nossos pensamentos nem em nossas palavras, em
relação ao nosso próximo.
“Enfim, que nosso coração seja forte como o d’Ela, indomável
quando se trata da salvação das almas, não abandonando jamais o ter-
reno, quando nos tenha sido confiado o resgate de uma alma, traba-
lhando para isto com o perigo de nossa própria vida. Portanto, nada
dessas timidezes que se recusam a abordar as almas, nada de covar-
dias que recuam diante das dificuldades”58.

Amor que supõe o combate pela Igreja militante


Para concluirmos os comentários ao Hino de Completas, ouçamos
estas palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sobre o amor que
devemos consagrar à Santíssima Virgem:
“Nosso amor a Nossa Senhora não pode ser apenas um cântico de
louvor à sua grandeza e à sua bondade. Importa que seja, também, um
efetivo reconhecimento desta bondade e desta grandeza. E o reconhe-
cimento efetivo se traduz em atos. Ou seja, ama, venera e louva a Nos-
sa Senhora quem pratica as virtudes de que Ela foi exemplo.
“Quem conhecesse a Santíssima Virgem nesta Terra, admirando-
A teria, num só golpe de vista, a noção de toda a sabedoria da Igre-
ja, do esplendor de todos os Santos, do talento de todos os Doutores,

58)  GUIBERT, P. J. Méditations pour les fêtes de la Sainte Vierge. Paris: De Gigord, 1915.
p. 215-216.

420
Completas  V. Protegei, Senhora, etc...

do heroísmo de todos os cruzados e da paciência de todos os márti-


res. Enfim, não houve beleza que a Igreja tivesse engendrado, e por
onde esta manifestasse seu espírito, que não resplandecesse em Nossa
Senhora com extraordinário fulgor.
“Portanto, amamos a Nossa Senhora, sendo, vivendo e fazendo
como a Igreja Católica nos prescreve.
“Ora, enquanto a Igreja estiver na Terra, ela será militante e com-
baterá contra toda sorte de inimigos. Em nossos dias, a Igreja militan-
te se encontra no auge de sua luta. Portanto, nosso amor à Santíssima
Virgem e à Esposa Mística de Cristo supõe, na atual conjuntura, pen-
samentos de coragem apostólica, de intrepidez, de santos empreendi-
mentos em prol da Civilização Cristã.
“Objetar-se-á, talvez, que Nossa Senhora é Mãe, e é apresentada
nos templos com um aspecto misericordioso.
“É bem verdade. Em suas imagens, esta Mãe de misericórdia con-
templa, enlevada, o Céu, ou considera com bondade a Terra. Entre-
tanto, reparemos nos seus pés: com seu calcanhar, a Virgem esmaga
continuamente a cabeça da serpente. É a representação de uma luta
que só cessará no fim do mundo, quando os demônios que pairam nos
ares forem atirados, definitivamente, no Inferno.
“Portanto, se Nossa Senhora estivesse de modo visível nesta Ter-
ra, estaria estimulando os seus devotos escravos a combater pela causa
d’Ela. Na militância católica se encontra, pois, uma das mais excelen-
tes formas de amor e de veneração à Santíssima Virgem” 59.

@ V. Protegei, Senhora, etc.


Repetem-se as mesmas orações do final de Matinas60.

59)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 7/10/1971. (Arquivo pessoal).


60)  Veja-se p. 87 e ss.

421
Nossa Senhora Auxiliadora
Capítulo 8

Depois do Ofício

Aceitai, ó Virgem, Defensora e guia;


Esta devoção Sede-nos alento
Em louvor da vossa Em nossa agonia.
Pura Conceição. Ó Mãe de bondade,
Sede-nos na vida Ó doce Maria.

Antífona. Esta é a Virgem admirável, na qual não


houve a nódoa original, nem sombra de pecado.

423
V. Na vossa Conceição, ó Virgem, fostes imaculada.
R. Rogai por nós ao eterno Pai, cujo Filho destes ao
mundo.

Oremos. Ó Deus que pela Imaculada Conceição


da Virgem, preparastes ao vosso Filho uma digna
morada: nós Vos rogamos que, pois em virtude
da previsão da morte do mesmo vosso Filho
A preservastes de toda mancha, também nos
concedais que, purificados por sua intercessão,
cheguemos à vossa divina presença. Pelo mesmo
Jesus Cristo, Nosso Senhor. Amém.

424
Simples, piedosas e impregnadas de reverência são as palavras que
compõem o filial oferecimento à Virgem Imaculada, ao término do
Pequeno Ofício:

@ Aceitai, ó Virgem,
Esta devoção
Em louvor da vossa
Pura Conceição.
Em seguida, como síntese de alguns dos grandes títulos da Imacu-
lada Conceição invocados ao longo do Pequeno Ofício, virá a súplica:

@ Sede-nos na vida
Defensora e guia
Este pedido lembrará a infalível proteção d’Aquela que é a “cida-
de de refúgio”, o amparo da grei fiel, a Rainha que socorre ao mundo
e a toda criatura, que nos livra vitoriosamente dos inimigos de nossa
salvação e esmaga a cabeça do demônio. Recordará também a mater-
nal assistência da formosa Lua que ilumina os homens “que no mun-

425
Sede-nos alento em nossa agonia...  Capítulo 8

do vão errando”; da Estrela do mar que conduz ao porto da salvação


aqueles que se debatem nas vagas da existência terrena.

@ Sede-nos alento em nossa agonia


Os terrores que cercam a morte
“O momento mais temível para o homem é o da morte. [...] Todos
os pecados cometidos se apresentam ao espírito do moribundo; Deus
lhe faz esta última graça, para que ele tenha verdadeira contrição. Nes-
se supremo momento, compreenderá ele, afinal, a vaidade do mundo,
a qual ele nunca quis sentir nem considerar. Vislumbrará, então, o jus-
to e severo tribunal de Jesus Cristo, diante do qual deverá prestar con-
tas de suas palavras, ações e até de seus pensamentos.
“O Inferno, com suas eternas chamas e o verme roedor da consci-
ência, abre-se diante do agonizante: será este seu destino, ou a mise-
ricórdia de Deus o salvará? Nada sabe o moribundo: ninguém pode
dizer se ele é digno de amor ou de ódio.
“Nesse momento terrível os demônios, se não estão absolutamente
seguros de sua presa, e se Deus não lhes impede a ação, redobram de
esforços, nada negligenciando para perder o moribundo. [...]

Momento temido até pelos maiores Santos


“Os maiores Santos recearam o terrível momento da morte. [...]
São Jerônimo conta que Santo Hilário, aos oitenta anos, e ilustre
pelos milagres que nasciam sob seus passos, teve de combater contra
essas angústias nos seus últimos momentos, dizendo: «Parte, ó minha
alma, que temes? Parte, por que hesitas? Há setenta anos que serves a
Jesus Cristo, e temes morrer?»
“Santo Arsênio, depois de longos e generosos combates, quan-
do Deus o chamou para receber sua coroa, foi tomado de terror no
meio das angústias da morte. Ele, cuja santidade era comparável à dos
Anjos, derramava abundantes lágrimas, a ponto de seus discípulos,
surpresos, exclamarem: «Mas então, também vós, Pai, temeis a morte?»
E Arsênio lhes respondeu: «Em verdade, este temor da morte pelo qual
estou tomado, jamais me deixou um só instante de minha vida, desde que
me entreguei seriamente ao serviço de Deus».

426
Depois do Ofício  Sede-nos alento em nossa agonia...

A proteção e o alento de Maria


“Se assim é com os Santos, que pensar dos pecadores? Se os cedros
do Líbano são abalados, que será das canas secas?
“Se os Santos, que são protegidos pelos Anjos que vêm assistir
sua morte, para levar triunfalmente ao Céu suas almas purificadas e
ornadas de mil virtudes, se estes são tomados de terror, que aconte-
cerá com aqueles aos quais legiões de demônios circundam, esperan-
do avidamente o momento em que lhes será permitido agarrar suas
desditosas almas, para levá-las ao Inferno?! [...]
“Que faremos no meio de tantos perigos? Quem será nossa força,
nossa consolação, nossa proteção, nosso alento?
“A Bem-aventurada Virgem Maria.
“Jamais nos falta sua proteção, mas é sobretudo na hora de nossa
morte, nesse momento de supremo perigo, onde as tentações são mais
fortes e os demônios mais encarniçados em nos perder, que Ela nos
cobre com sua sombra salutar. [...]
“O Apóstolo São Paulo dirige estas palavras de encorajamento aos
aflitos e perseguidos (Rom. VIII, 31): «Se Deus é por nós, quem será
contra nós? Quem ousará acusar os eleitos de Deus? Quem poderá con-
denar àqueles que Deus justifica?» [...]
“O que o Apóstolo dizia de Deus, podemos dizê-lo também da
Santíssima Virgem Maria. Protege Ela àqueles que A amam e n’Ela
depositam toda a sua confiança. [...] Podem esperar eles tudo de seu
poder, pois Ela esmagou a cabeça de seu mais terrível inimigo; porque
o Inferno treme e os demônios fogem espavoridos, à simples invoca-
ção do nome de Maria. [...]

Mãe que nos foi dada pelo Divino Salvador agonizante


“É sobretudo no momento de nossa morte que Maria vem em nos-
so auxílio, porque Jesus, seu Filho, no-La deu por Mãe no momento
de sua própria morte. [...]
“Jesus Cristo e Maria fizeram o que era preciso para nos atenuar
os horrores da morte. Aceitando, um e outro, de passar pela dilacera-
ção da morte, despojaram-na dos terrores que enregelam os homens
de espanto. [...]

427
Ó Mãe de bondade...  Capítulo 8

“A paz, o alento, a felicidade que enchem as almas dos justos, no


terrível momento da morte, vem-lhes de Maria, depois de Jesus, seu
Filho” 1.

@ Ó Mãe de bondade
Incomparável ternura materna
Invoca-se, uma vez mais, Aquela cuja predileção para com os
homens “excede a todo amor conhecido, tanto quanto a dignidade da
Mãe de Deus sobrepuja a todas as demais grandezas. Pois não é apenas
um amor terno, ardente, generoso, heróico, mas, cumpre dizê-lo, é um
amor excessivo e que parece ultrapassar todos os limites.
“Quando Jesus Cristo desejou assinalar o mais extraordinário efei-
to da caridade do Pai, disse que Ele amou o mundo a ponto de lhe
entregar seu Filho único. É a isto que o grande Apóstolo chama o
excesso do amor de Deus pelos homens.
“Ora, Maria foi capaz de semelhante excesso; Ela entregou o mes-
mo Filho único pela Redenção do mundo. Toda a ternura e toda a
solicitude reunidas de todas as mães por seus filhos, nunca igualarão
a ternura e a solicitude de Maria por nós. N’Ela o justo encontra a
recompensa de sua fidelidade; o pecador, a indulgência e a misericór-
dia; as almas aflitas, a consolação e o alívio” 2.

@ Ó doce Maria
Nossa Senhora torna doce e suportável a vida
Finalmente recorda o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a suave prer-
rogativa da meiga Rainha, d’Aquela que é “perfeitamente afável,
doce, misericordiosa e condescendente para com aqueles que A invo-
cam. A esta Mãe clementíssima devemos o fato de haver suavidade
em nossa vida. Ela nos obtém a graça divina e, portanto, forças para a
prática da virtude. Ora, a virtude é o que há de doce no existir huma-
no. Sem ela, nossa vida seria amarga e sinistra. Assim, Nossa Senho-

1)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 589-596.
2) BERLIOUX. Mois de Marie. 114. ed. Arras: Brunet, 1875. p. 63-64.

428
Depois do Ofício  Antífona: Esta é a Virgem admirável, na qual...

ra é a doçura que, proporcionando-nos a virtude, confere suavidade à


nossa existência terrena” 3.

@ Antífona: Esta é a Virgem admirável, na qual


não houve a nódoa original, nem sombra de
pecado
Virgem admirável para o próprio Deus
Segundo São Boaventura, “muito admirável, e em consequência
muito digna de louvor, é a Imperatriz de toda a criação, que, por cer-
to, foi vaso admirável [...]; e o foi por ser obra do Excelso” 4.
“Os homens inteligentes e instruídos, com justa razão só admiram
aquilo que reputam verdadeiramente grande, raro, insólito e novo.
Ora, vemos que Maria é um objeto de admiração para o próprio Deus,
para os Anjos e para os Santos. [...]
“O Padre Eterno admira a dignidade da Virgem, sendo-Lhe Ela
semelhante na geração desse Filho, do qual Maria é a Mãe segundo a
humanidade, como Ele é o Pai segundo a divindade. [...]

Admirável para as nove hierarquias angélicas


“Entre os admiradores das grandes coisas, sobremaneira o fazem
aqueles que são dotados de inteligência mais elevada, pois compre-
endem melhor os segredos da divina sabedoria. Por isso os Santos
estão sempre ocupados em admirar as obras de Deus, enquanto que
os mundanos não as observam e, portanto, pouco as admiram.
“Entre todas as criaturas, os Anjos compreendem melhor as obras
de Deus em Maria, mais profundamente as penetram e, portanto,
soberanamente as admiram.
“Os Anjos admiram a pureza pela qual Maria os excede, a eles e a
todas as hierarquias mais altas, e as ordens de cada uma delas.
“Os Arcanjos admiram seu poder iluminador, pelo qual esclarece
Ela não apenas a Igreja militante, mas ainda a Igreja triunfante.

3)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 21/5/1965. (Arquivo pessoal).


4)  BOAVENTURA. Obras Completas. Madrid: BAC, 1947. Vol. IV. p. 929.

429
Concedendo-nos força para a
prática da virtude,
a Virgem Admirável
torna suave nossa
existência terrena

Nossa Senhora
do Carmo
Depois do Ofício  Antífona: Esta é a Virgem admirável, na qual...

“As Virtudes admiram sua soberania, tão extensa que atinge e abar-
ca o Céu, a Terra e os Infernos. [...] Os Principados admiram a autori-
dade que Ela exerce, não somente sobre as criaturas, mas ainda sobre
o próprio Criador revestido da carne humana.
“As Potestades admiram sua força coercitiva sobre os demônios,
que A temem tanto que não podem nem mesmo suportar o nome
de Maria. As Dominações admiram a elevação da qual Ela preside a
todos os coros dos Anjos.
“Os Tronos admiram-Na, vendo a Santíssima Trindade residir de
um modo mais perfeito n’Ela, como numa Arca viva, do que neles
mesmos.
“Os Querubins admiram a ciência e a sabedoria de sua Soberana, a
quem reverenciam como sua Mestra. Os Serafins admiram sua arden-
te caridade, que a eles mesmos inflama. [...]

Admirável para os Santos


“Enfim, Maria é admirável para os Santos. [...]
“Admiram-Na os Patriarcas, que n’Ela vêem a filha por tantos sécu-
los desejada; [...] os Profetas, que consideram Aquela da qual viam a
glória sublime figurada por símbolos e imagens.
“Os Apóstolos e os Evangelistas admiram sua iluminadora, sua
guia e santa Senhora. [...] Os Mártires admiram Aquela cujo poderoso
auxílio lhes alcançou a glória e o brilho do triunfo.
“Os Confessores admiram n’Ela seu apoio, seu refúgio e suas mais
suaves consolações. [...]
“As Virgens admiram sua fundadora, seu porta-estandarte, a pri-
meira que levantou a imaculada insígnia da virgindade, sob a qual se
congregaram miríades de virgens de ambos os sexos.
“Todos os filhos de Adão que fazem parte da corte celeste, toda a
humanidade glorificada admira a Virgem Santíssima como a carne de
sua carne. [...]
“Admiremos, também nós, a essa Mãe tão admirável” 5.

5)  JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900.
Vol. III. p. 114-117.

431
Antífona: Esta é a Virgem admirável, na qual...  Capítulo 8

A incomparável majestade de Maria


E o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira comenta:
“Nunca haverá simples criatura que mereça tanto a nossa admira-
ção quanto Maria Santíssima, porque n’Ela habitaram, de modo sin-
gular e único, a grandeza e a majestade de Deus. Mais do que todos os
Anjos e Santos, é Ela o perfeitíssimo espelho da magnificência divina.
“Nossa Senhora possui incomparável majestade, inteiramente har-
mônica com sua misericórdia, e perto da qual empalidecem todas as
demais grandezas. Que são as majestades do sol, do oceano, do maior
dos reis, do mais inteligente dos sábios, em confronto com a de Maria?
A majestade da Mãe de Deus é soberana, única, superior, na qual se
fundem todas as formas de grandeza. Por isso, imensa será a felicidade
daqueles que poderão admirá-La, eternamente, em seu trono de glória
no mais alto dos Céus” 6.

O admirável perfil da Virgem


Por fim, cabe assinalar aqui o perfil da Virgem admirável, traçado
pela devota e eloquente pena do Pe. Manuel Bernardes. Assim escre-
ve ele, dirigindo-se a São José:
“Que levas, ó Filho de David, conduzindo essa puríssima donzela de
quatorze anos! Levas outra vara florida, com outra pomba, porque Maria
é habitáculo vivo do Espírito Santo e animada forma de todas as virtu-
des; levas a Torre de David, de que pendem mil escudos de suas exce-
lências e prerrogativas; levas o leito de Salomão, que rodeiam e guar-
dam, não só setenta, mas muitos milhares dos valentes de Israel, isto é,
da celestial milícia. Levas o agrado e sentido dos olhos de Deus, o assun-
to dos Profetas, a glória dos Patriarcas; levas mais que reinos, mais que
mundos, mais que céus, pois d’Ela há de nascer e ser teu súdito o que
formou e governa os Céus e o mundo; levas a mesma caridade e mansi-
dão, e benignidade, e modéstia, e discrição, e beleza, e todas as virtudes
abreviadas em uma só peça. Só o que tudo pode te podia fazer tão rico e
venturoso. Preciosa hora a de tal entrega; ditosa casa onde meteu o pé, a
que não são dignas de peanha sua as estrelas!” 7

6)  CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 21/8/1969. (Arquivo pessoal).


7) AS MAIS BELAS PÁGINAS DE BERNARDES: 2000 Trechos selecionados por
NUNES, Mario Ritter (Coord.). São Paulo: Melhoramentos, 1966. p. 414.

432
Depois do Ofício  V. Na vossa Conceição, ó Virgem, fostes imaculada...

@ V. Na vossa Conceição, ó Virgem, fostes imaculada.


R. Rogai por nós ao eterno Pai, cujo Filho destes
ao mundo.
Depois de se louvar, uma vez mais, a Imaculada Conceição da San-
tíssima Virgem, reitera-se, invocando sua maternidade divina, o pedi-
do de que nos seja Ela propícia junto ao Padre Eterno 8.

@ Oremos:
Ó Deus que pela Imaculada Conceição da Virgem,
preparastes ao vosso Filho uma digna morada:
nós Vos rogamos que, pois em virtude da
previsão da morte do mesmo vosso Filho a
preservastes de toda mancha, também nos
concedais que, purificados por sua intercessão,
cheguemos à vossa divina presença. Pelo mesmo
Jesus Cristo, Nosso Senhor. Amém.

Síntese dos argumentos que justificam


a Imaculada Conceição
Encontram-se no Oremos do Pequeno Ofício, como que condensa-
dos, os valiosos argumentos que provam o dogma da Imaculada Con-
ceição. Nossa Senhora, devendo ser a Mãe do próprio Deus, não ofe-
receria a este adorável Filho digna morada de sua grandeza e santida-
de infinitas, se, desde o primeiro instante de sua existência, não esti-
vesse isenta de todo pecado. Como, porém, subtrair à lei comum essa
filha de Adão, no qual, segundo São Paulo, todos pecaram, sem con-
trariar os direitos da Divina Majestade, lesada pela culpa original?
A previsão dos méritos infinitos do preciosíssimo Sangue de Nos-
so Senhor Jesus Cristo, dará ao Padre Eterno legítima satisfação para

8)  Cfr. “Protegei, Senhora, a minha oração”, etc. p. 87 e ss.

433
Oremos...  Capítulo 8

uma redenção prévia. Especialíssima e singular graça, reservada tão


somente para Aquela que devia exercer uma única e necessária fun-
ção: a de Mãe do Redentor 9.
Encerrando essa última prece, novamente se roga a Deus, em nome
de Jesus Cristo e pela intercessão da Santíssima Virgem, a suprema
graça da eterna bem-aventurança.

9) Cfr. PEQUENO OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO em latim e português


com comentários. São Paulo: Paulinas, 1956. p. 154-156.

434
Conclusão

Imagem peregrina
do Imaculado
Coração de Maria
de Fátima
azendo eco às palavras de São Luís Grignion
de Montfort, dizíamos no início deste traba-
lho: “De Maria nunquam satis”...
Recomeçássemos aqui os comentários ao
Pequeno Ofício, e novos universos de louvores à
Santíssima Virgem encontraríamos para con-
siderar, admirar e, sobretudo, alimentar nossa
devoção a tão excelsa Mãe.
Assim, à guisa de conclusão, apresentamos um comentário
sobre a Imaculada Conceição, de autoria do Prof. Plinio Corrêa
de Oliveira, que “não A tem cessado de exaltar ao longo de sua
existência, e espera continuar a exaltá-La até ao último instante
de sua vida” 1.

A santa intransigência,
um aspecto da Imaculada Conceição2
O vocabulário humano não é suficiente para exprimir a santidade
de Nossa Senhora. Na ordem natural, os Santos e os Doutores A com-
param ao sol. Mas se houvesse algum astro inconcebivelmente mais
brilhante e mais glorioso do que o sol, é a esse que A comparariam.
E acabariam por dizer que este astro daria d’Ela uma imagem pálida,
defeituosa, insuficiente. Na ordem moral, afirmam que Ela transcen-
deu de muito todas as virtudes, não só de todos os varões e matronas
insignes da Antiguidade, mas — o que é incomensuravelmente mais
— de todos os Santos da Igreja Católica.
Imagine-se uma criatura tendo todo o amor de São Francisco de Assis,
todo o zelo de São Domingos de Gusmão, toda a piedade de São Ben-
to, todo o recolhimento de Santa Teresa, toda a sabedoria de São Tomás,
toda a intrepidez de Santo Inácio, toda a pureza de São Luiz de Gonzaga,

1) Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. In: CLÁ DIAS, João S. Nossa Senhora do
Bom Conselho de Genazzano. São Paulo: Brasil de Amanhã, 1992. p. 17. (Prefácio).
2)  CATOLICISMO, n. 45, setembro de 1954 (o título e os subtítulos são do autor).

436
  Conclusão

a paciência de um São Lourenço, o espírito de mortificação de todos os


anacoretas do deserto: ela não chegaria aos pés de Nossa Senhora.
Mais ainda. A glória dos Anjos é algo de incompreensível ao inte-
lecto humano. Certa vez, apareceu a um Santo o seu Anjo da Guar-
da. Tal era sua glória, que o Santo pensou que se tratasse do próprio
Deus, e se dispunha a adorá-lo, quando o Anjo revelou quem era.
Ora, os Anjos da Guarda não pertencem habitualmente às mais altas
hierarquias celestes. E a glória de Nossa Senhora está incomensura-
velmente acima da de todos os coros angélicos.
Poderia haver contraste maior entre esta obra-prima da natureza
e da graça, não só indescritível mas até inconcebível, e o charco de
vícios e misérias, que era o mundo antes de Cristo?

A Imaculada Conceição
A esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi cria-
do, e inferior somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor
Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a Ima-
culada Conceição.
Em virtude do pecado original, a inteligência humana se tornou
sujeita a errar, a vontade ficou exposta a desfalecimentos, a sensibili-
dade ficou presa das paixões desregradas, o corpo por assim dizer foi
posto em revolta contra a alma.
Ora, pelo privilégio de sua Conceição Imaculada, Nossa Senhora
foi preservada da mancha do pecado original desde o primeiro ins-
tante de seu ser. E, assim, n’Ela tudo era harmonia profunda, perfei-
ta, imperturbável. O intelecto jamais exposto a erro, dotado de um
entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimível, iluminado
pelas graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das coisas
do Céu e da Terra. A vontade, dócil em tudo ao intelecto, estava intei-
ramente voltada para o bem, e governava plenamente a sensibilidade,
que jamais sentia em si, nem pedia à vontade algo que não fosse ple-
namente justo e conforme à razão. Imagine-se uma vontade natural-
mente tão perfeita, uma sensibilidade naturalmente tão irrepreensí-
vel, esta e aquela enriquecidas e super-enriquecidas de graças inefá-
veis, perfeitissimamente correspondidas a todo o momento, e se pode
ter uma idéia do que era a Santíssima Virgem. Ou antes se pode com-

437
Conclusão 

preender por que motivo nem sequer se é capaz de formar uma idéia
do que a Santíssima Virgem era.

“Inimicitias Ponam”
Dotada de tantas luzes naturais e sobrenaturais, Nossa senhora
conheceu por certo, em seus dias, a infâmia do mundo. E com isto
amargamente sofreu.
Pois quanto maior é o amor à virtude tanto maior é o ódio ao mal.
Ora, Maria Santíssima tinha em si abismos de amor à virtude, e,
portanto, sentia forçosamente em si abismos de ódio ao mal. Maria
era pois inimiga do mundo, do qual viveu alheia, segregada, sem qual-
quer mistura nem aliança, voltada unicamente para as coisas de Deus.
O mundo, por sua vez, parece não ter compreendido nem amado
Maria. Pois não consta que lhe tivesse tributado admiração proporcio-
nada à sua formosura castíssima, à sua graça nobilíssima, a seu trato
dulcíssimo, à sua caridade sempre exorável, acessível, mais abundante
do que as águas do mar e mais suave do que o mel.
E como não haveria de ser assim? Que compreensão poderia haver
entre Aquela que era toda do Céu, e aqueles que viviam só para a
Terra? Aquela que era toda fé, pureza, humildade, nobreza, e aqueles
que eram todos idolatria, ceticismo, heresia, concupiscência, orgulho,
vulgaridade? Aquela que era toda sabedoria, razão, equilíbrio, sen-
so perfeito de todas as coisas, temperança absoluta e sem mácula nem
sombra, e aqueles que eram todo desmando, extravagância, desequi-
líbrio, senso errado, cacofônico, contraditório, berrante a respeito de
tudo, e intemperança crônica, sistemática, vertiginosamente crescen-
te em tudo? Aquela que era a fé levada por uma lógica adamantina
e inflexível a todas as suas consequências, e aqueles que eram o erro
levado por uma lógica infernalmente inexorável, também a suas últi-
mas consequências? Ou aqueles que, renunciando a qualquer lógica,
viviam voluntariamente num pântano de contradições, em que todas
as verdades se misturavam e se poluíam na monstruosa interpenetra-
ção de todos os erros que lhes são contrários?
“Imaculado” é uma palavra negativa. Ela significa etimologica-
mente a ausência de mácula, e pois de todo e qualquer erro por menor
que seja, de todo e qualquer pecado por mais leve e insignificante
que pareça. É a integridade absoluta na fé e na virtude. É, portan-

438
  Conclusão

to, a intransigência absoluta, sistemática, irredutível, a aversão com-


pleta, profunda, diametral a toda a espécie de erro ou de mal. A santa
intransigência na verdade e no bem, é a ortodoxia, a pureza, enquan-
to em oposição à heterodoxia e ao mal. Por amar a Deus sem medida,
Nossa Senhora correspondentemente amou de todo o Coração tudo
quanto era de Deus. E porque odiou sem medida o mal, odiou sem
medida Satanás, suas pompas e suas obras, o demônio, o mundo e a
carne.
Nossa Senhora da Conceição é Nossa Senhora da santa intransi-
gência.

Verdadeiro ódio, verdadeiro amor


Por isto, Nossa Senhora rezava sem cessar. E segundo tão razoa-
velmente se crê, Ela pedia o advento do Messias, e a graça de ser uma
serva daquela que fosse escolhida para Mãe de Deus.
Pedia o Messias, para que viesse Aquele que poderia fazer brilhar
novamente a justiça na face da Terra, para que se levantasse o Sol divi-
no de todas as virtudes, espancando por todo o mundo as trevas da
impiedade e do vício.
Nossa Senhora desejava, é certo, que os justos vivendo na Terra
encontrassem na vinda do Messias a realização de seus anseios e de
suas esperanças, que os vacilantes se reanimassem, e que de todos os
pauis, de todos os abismos, almas tocadas pela luz da graça levantas-
sem vôo para os mais altos píncaros da santidade. Pois estas são por
excelência as vitórias de Deus, que é a Verdade e o Bem, e as derro-
tas do demônio, que é o chefe de todo erro e de todo mal. A Virgem
queria a glória de Deus por essa justiça que é a realização na Terra da
ordem desejada pelo Criador.
Mas, pedindo a vinda do Messias, Ela não ignorava que este seria
a Pedra de escândalo, pela qual muitos se salvariam e muitos recebe-
riam também o castigo de seu pecado. Este castigo do pecador irre-
dutível, este esmagamento do ímpio obcecado e endurecido, Nossa
Senhora também o desejou de todo o Coração, e foi uma das con-
sequências da Redenção e da fundação da Igreja, que Ela desejou e
pediu como ninguém. Ut inimicos Sanctæ Ecclesiæ humiliare digneris,
Te rogamus audi nos, canta a Liturgia. E antes da Liturgia por certo o

439
Conclusão 

Coração Imaculado de Maria já elevou a Deus súplica análoga, pela


derrota dos ímpios irredutíveis.
Admirável exemplo de verdadeiro amor, de verdadeiro ódio.

Onipotência suplicante
Deus quer as obras. Ele fundou a Igreja para o apostolado. Mas
acima de tudo quer a oração. Pois a oração é a condição da fecundida-
de de todas as obras. E quer como fruto da oração a virtude.
Rainha de todos os apóstolos, Nossa Senhora é entretanto principal-
mente o modelo das almas que rezam e se santificam, a estrela polar de
toda meditação e vida interior. Pois, dotada de virtude imaculada, Ela
fez sempre o que era mais razoável, e se nunca sentiu em si as agitações
e as desordens das almas que só amam a ação e a agitação, nunca expe-
rimentou em si, tampouco, as apatias e as negligências das almas frou-
xas que fazem da vida interior um pára-vento a fim de disfarçar sua indi-
ferença pela causa da Igreja. Seu afastamento do mundo não signifi-
cou um desinteresse pelo mundo. Quem fez mais pelos ímpios e pelos
pecadores do que Aquela que, para os salvar, voluntariamente consen-
tiu na imolação crudelíssima de seu Filho infinitamente inocente e san-
to? Quem fez mais pelos homens, do que Aquela que conseguiu se rea-
lizasse em seus dias a promessa da vinda do Salvador?
Mas, confiante sobretudo na oração e na vida interior, não nos deu
a Rainha dos Apóstolos uma grande lição de apostolado, fazendo de
uma e outra o seu principal instrumento de ação?

Aplicação a nossos dias


Tanto valem aos olhos de Deus as almas que, como Nossa Senho-
ra, possuem o segredo do verdadeiro amor e do verdadeiro ódio, da
intransigência perfeita, do zelo incessante, do completo espírito de
renúncia, que propriamente são elas que podem atrair para o mun-
do as graças divinas.
Estamos numa época parecida com a da vinda de Jesus Cristo à
Terra. Em 1928 escreveu o Santo Padre Pio XI que “o espetáculo das
desgraças contemporâneas é de tal maneira aflitivo, que se poderia
ver nele a aurora deste início de dores que trará o Homem do peca-

440
  Conclusão

do, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra


de um culto” (Enc. Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de 1928).
Que diria ele hoje?
E a nós, que nos compete fazer? Lutar em todos os terrenos per-
mitidos, com todas as armas lícitas. Mas antes de tudo, acima de tudo,
confiar na vida interior e na oração. É o grande exemplo de Nossa
Senhora.
O exemplo de Nossa Senhora, só com o auxílio de Nossa Senhora
se pode imitar. E o auxílio de Nossa Senhora só com a devoção a Nos-
sa Senhora se pode conseguir. Ora, a devoção a Maria Santíssima no
que de melhor pode consistir, do que em lhe pedirmos não só o amor
a Deus e o ódio ao demônio, mas aquela santa inteireza no amor ao
bem e no ódio ao mal, em uma palavra aquela santa intransigência,
que tanto refulge em sua Imaculada Conceição?

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446
Índice Geral

Ao Leitor............................................................................................................... 7

Nota à 2ª edição.................................................................................................. 10

Prefácio............................................................................................................... 11

O Pequeno Ofício da Imaculada Conceição.................................................... 15


O Autor............................................................................................................ 15
Difusão............................................................................................................ 16
O modo de rezar.............................................................................................. 17
Indulgências.................................................................................................... 18

Pequeno Ofício da Imaculada Conceição........................................................ 19

Comentários ao Pequeno Ofício


da Imaculada Conceição

Capítulo 1 - Matinas.......................................................................................... 27

?? Entoai agora, lábios meus,................................................................................... 30


Honrando a Virgem Santíssima, glorificamos a Deus.................................... 30
Maria é digna de todo louvor.......................................................................... 31

?? V. Em meu socorro vinde já, Senhora.................................................................... 32


Maria socorre prontamente os que A invocam................................................ 33
Nossa Senhora pode e quer nos socorrer contra o demônio............................ 34
Protetora dos que lutam contra a Revolução................................................... 36
Maria é nosso conforto na morte..................................................................... 36
Maria é nosso auxílio no tribunal divino........................................................ 40

?? Salve, ó Virgem Mãe........................................................................................... 41


Grande milagre operado pelo Onipotente....................................................... 41

?? Senhora minha................................................................................................... 43
Desde a infância, Senhora do Céu e da Terra................................................. 43
Senhora de toda a criação, no Filho e pelo Filho............................................ 43

447
Índice Geral  Comentários...

Todas as criaturas aos pés da Virgem............................................................. 45


Senhora do Senhor dos senhores..................................................................... 46

?? Estrela da Manhã............................................................................................... 46
Maria e o símbolo da estrela........................................................................... 47
O Divino Sol de Justiça não eclipsa a beleza de Maria.................................. 48
Estrela da Manhã que precedeu o Sol de Justiça............................................ 49
Estrela que afugenta os demônios e embeleza a criação................................. 50
Fulgurante astro no firmamento da santidade................................................ 51

?? Do Céu Rainha.................................................................................................. 52
O glorioso título de Rainha............................................................................. 52
Maria Rainha: obra-prima da misericórdia de Deus...................................... 53
Rainha dos corações........................................................................................ 55
Rainha posta para a salvação do mundo....................................................... 56
Rainha que vencerá a Revolução.................................................................... 57

?? Cheia de graça sois............................................................................................. 57


Excelência de graça superior à de todos os Anjos e Santos reunidos.............. 58
Plenitude de graça correspondente à sublime dignidade de Mãe de Deus..... 59
A voz da Tradição........................................................................................... 60
Contínuo crescimento de graça........................................................................ 64
Da plenitude de graças de Maria, recebe toda a humanidade....................... 66
Confiança n’Aquela que é cheia de graça........................................................ 66

?? Salve, luz pura................................................................................................... 67


Excelências da luz de Maria........................................................................... 67
Luz que ilumina toda a criação....................................................................... 68
A luz da Contra-Revolução............................................................................. 69

?? Valei ao mundo e a toda criatura......................................................................... 71


Universal proteção........................................................................................... 71
Maria ajuda em muitos apuros da vida.......................................................... 72
Maria, Mãe e Benfeitora do mundo................................................................ 74
Para Maria se voltam os olhares de todas as criaturas.................................. 74

?? Para Mãe o Senhor Vos destinou.......................................................................... 75


Predestinação de Nossa Senhora.................................................................... 75
Excelências da predestinação de Maria.......................................................... 76
Perfeita semelhança entre a predestinação de Jesus e a de Maria................... 77
Jesus e Maria tiveram uma mesma predestinação........................................... 78

448
Comentários...   Índice Geral.

?? Preservou Ele a vossa Conceição,.......................................................................... 80


A Imaculada Conceição................................................................................... 80
O testemunho dos Santos................................................................................. 81

?? V. Deus A escolheu e predestinou........................................................................... 84


Gloriosa parte nos desígnios de Deus.............................................................. 84

?? R. No seu tabernáculo A fez habitar.................................................................... 86


Maria no eterno pensamento divino................................................................ 86

?? V. Protegei, Senhora, a minha oração.................................................................... 87


Maria tudo obtém de Jesus Cristo, em nosso favor.......................................... 87
Onipotente intercessão..................................................................................... 88

?? Oremos: ............................................................................................................ 89
Olhos sobremaneira misericordiosos............................................................... 89
Maria reconcilia os pecadores com Deus......................................................... 92
A graça da perseverança final......................................................................... 93
Necessidade de um mediador entre Deus e os homens................................... 94
O Homem-Deus, Mediador perfeitíssimo........................................................ 95

?? V. Bendigamos ao Senhor.................................................................................... 95
Gratidão a Deus por ter criado Nossa Senhora.............................................. 95

?? As almas dos fiéis defuntos ................................................................................ 96


Maria deseja que aliviemos as almas do Purgatório...................................... 97
Quem reza pelas almas do Purgatório prepara seu próprio sufrágio.............. 97

Capítulo 2 - Prima........................................................................................... 101

?? Salve, prudente Virgem...................................................................................... 103


A Virgem prudentíssima................................................................................ 103
Manifestações da prudência de Maria.......................................................... 104
Mestra incomparável em calar...................................................................... 106
Mestra insuperável no saber falar................................................................. 107
Prudente no conformar seus atos à reta razão.............................................. 107
Prudência no entender o presente, recordar o passado e prover o futuro...... 108
No amar as coisas do Céu e no desprezar as da Terra................................. 109
No conhecer as coisas divinas e humanas..................................................... 109

?? Destinada para dar ao Senhor digna morada..................................................... 111


Casa ornada pelo Divino Arquiteto............................................................... 111

449
Índice Geral  Comentários...

A mais ilustre habitação de Deus.................................................................. 112


Habitação ornada com as mais belas prendas............................................. 113
A morada do Rei Crucificado........................................................................ 114
Sete virtudes de Maria................................................................................... 114
Fé na Santíssima Trindade............................................................................ 115
As virtudes cardeais de Maria....................................................................... 116
Colunas que sustentam a sabedoria da Santíssima Virgem.......................... 120

?? Do templo a mesa ornou-Vos em figura.............................................................. 121


Mesa sobre a qual repousou o Pão da Vida.................................................. 122
Nossa Senhora e a Sagrada Eucaristia......................................................... 122
Maria, modelo de quem comunga................................................................. 124

?? Fostes livre do mal que o mundo espanta............................................................. 125


O pecado: causa de todos os males............................................................... 125
Nossa Senhora, isenta de todo pecado.......................................................... 127
A única criatura humana na qual o demônio não tem parte........................ 129
Privilegiada e singular santidade.................................................................. 129

?? E no seio materno sempre santa......................................................................... 131


Maria, santa desde o primeiro instante de sua vida..................................... 131
Preciosa pérola no seio de Sant’Ana............................................................. 133
No seio de Sant’Ana, a vitória da Contra-Revolução................................... 133

?? Porta dos Santos............................................................................................. 134


Os Santos, criaturas de Maria....................................................................... 134
“Maria é necessária aos homens para chegarem ao seu último fim”............ 135
Devoção especialmente necessária aos Santos.............................................. 137
Imitar a Nossa Senhora é ser perfeito contra-revolucionário........................ 138

?? Eva, Mãe da vida............................................................................................. 139


A segunda e verdadeira Eva.......................................................................... 139
Maria é nossa vida........................................................................................ 140

?? Estrela de Jacob aparecida.................................................................................. 143


Maria, a estrela de Jacob............................................................................... 143
Estrela que desbarata os caudilhos de Moab................................................ 144

?? Sois armado esquadrão contra Luzbel................................................................ 145


Terrível adversária do demônio..................................................................... 145
Inflexível terribilidade................................................................................... 146

450
Comentários...   Índice Geral.

Crescente inimizade....................................................................................... 149


Combatividade e desconfiança em relação aos filhos da serpente................ 149

?? Sede amparo e refúgio à grei fiel......................................................................... 149


Nossa Senhora do Amparo............................................................................ 150
Maria se fez toda para todos......................................................................... 150
Refúgio dos cristãos contra toda sorte de inimigos........................................ 151
O Refúgio por excelência............................................................................... 151

?? V. Ele próprio A criou no Espírito Santo.............................................................. 152


Verdadeira criação no Espírito Santo............................................................ 152

?? R. E A representou maravilhosamente em todas as suas obras.............................. 154


Excelso compêndio da criação....................................................................... 154
Simbolizada pelos píncaros da criação......................................................... 155

?? V. Protegei, Senhora, etc..................................................................................... 155

Capítulo 3 - Tércia........................................................................................... 157

?? Sois a Arca da Aliança...................................................................................... 159


Símbolo das múltiplas dignidades de Nossa Senhora.................................. 159
Maria, Arca do Testamento, quanto à sua construção.................................. 159
Maria, Arca do Testamento, quanto ao seu conteúdo................................... 161
Maria, Arca do Testamento, quanto à sua eficácia....................................... 162
Maria, Arca do Testamento, quanto à honra que lhe é devida..................... 165
Penhor da proteção divina............................................................................ 167
Arca que deteve as vagas do pecado original................................................ 167
Arca em cujo Imaculado Coração está escrita a Lei Divina.......................... 168
Fonte de graça para os filhos, princípio de morte para os inimigos.............. 168

?? O trono de Salomão.......................................................................................... 168


Obra-prima destinada ao Divino Salomão................................................... 169
Trono revestido das mais belas virtudes........................................................ 169
Trono espiritual do verdadeiro Salomão....................................................... 171
Trono de Deus para os pecadores.................................................................. 172

?? Belo íris celeste.................................................................................................. 173


A Imaculada Conceição: princípio da era de paz entre Deus e os homens...... 173
Arco-íris que une a Igreja triunfante à Igreja militante................................. 174
Arco-íris da esperança, em meio às provações deste vale de lágrimas......... 174
Arco-íris que aplaca a cólera divina.............................................................. 175

451
Índice Geral  Comentários...

Arco-íris formado com os sete dons do Espírito Santo.................................. 175


Em Maria, Deus cumpre sua promessa de aliança com o mundo................ 177

?? Sarça ardente da visão...................................................................................... 177


Símbolo de Maria virgem durante o parto.................................................... 178
Labaredas de amor divino que purificam a Terra......................................... 179
Sarça ardente, na qual habitou o Senhor...................................................... 179
Veneração e amor a Maria, “sarça ardente da visão”.................................. 179

?? Vós sois a Virgem florida................................................................................... 180


Vara da qual nasceu Jesus Cristo, flor de salvação e fruto de vida.............. 181
Vara que deu testemunho em favor do Divino Sacerdote.............................. 181
Vara sublime que se eleva até o trono de Deus............................................. 182

?? O velo de Gedeão.............................................................................................. 182


Símbolo da Imaculada Conceição e da plenitude de graça de
Maria Santíssima.......................................................................................... 183
Velo que recebeu o Divino Orvalho............................................................... 184
Tocante figura da humanidade de Nossa Senhora....................................... 186
Sinal da Redenção do gênero humano.......................................................... 187

?? Divino portal fechado........................................................................................ 187


Símbolo da perpétua virgindade de Maria................................................... 188
Porta que deu passagem ao Sol de Justiça.................................................... 188

?? O favo do forte Sansão..................................................................................... 190


Sansão e o favo de mel.................................................................................. 191
Enigma proposto por Sansão......................................................................... 191
Favo que trouxe em si o autor da vida.......................................................... 193
Mãe melíflua.................................................................................................. 194
Os lábios de Maria são como um favo de mel.............................................. 194

?? Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão nobre Filho ................................... 195
Incomparável brilho da Imaculada Conceição............................................. 195
Convinha à dignidade de Mãe de Deus uma alma imaculada.................... 196
A honra e a nobreza do Filho exigiam uma Mãe imaculada........................ 197
Convinha à Mãe de Deus uma brilhante e inigualável pureza..................... 198

?? E tendo o Verbo escolhido por mãe a Virgem casta,.............................................. 199


Nosso Senhor quis criar para si uma Mãe Imaculada.................................. 199
Convinha ao Legislador do IV mandamento preservar sua Mãe do
pecado original.............................................................................................. 200

452
Comentários...   Índice Geral.

Digna Mãe de um digno Filho...................................................................... 200


Espelho da imaculada pureza de Jesus......................................................... 202
Pérola Imaculada.......................................................................................... 202

?? V. Eu moro no mais alto dos Céus...................................................................... 203


Acima dos coros dos Anjos e dos Santos....................................................... 203
Régio e elevadíssimo sólio............................................................................. 205
Confiança n’Aquela que habita na altura..................................................... 205

?? R. E o meu trono está sobre uma coluna de nuvem...............................................206


Coluna de nuvem que conduz os homens à celeste Pátria............................ 207
Nuvem sempre radiante de luz...................................................................... 207
Nuvem que nunca se afasta dos homens....................................................... 208
Nuvem na qual se reflete a magnificência de Deus....................................... 208

?? V. Protegei, Senhora, etc..................................................................................... 209

Capítulo 4 - Sexta............................................................................................. 211

?? Deus Vos salve, Virgem Mãe.............................................................................. 213


Virgindade consagrada pelo nascimento do Homem-Deus.......................... 213
Milagre representado pelas figuras da Antiga Lei......................................... 213
A Virgem Mãe profetizada nas Escrituras..................................................... 214
Flor e fruto..................................................................................................... 214
Virgindade, fecundidade e humildade: admiráveis ornamentos de Maria...... 215

?? Vós sois o templo da Trindade............................................................................ 216


Maria, resplandecente templo de Deus.......................................................... 216
Templo erigido pelo poder divino.................................................................. 217
Templo adornado pela divina sabedoria...................................................... 217
Templo dedicado pela divina graça.............................................................. 219
Templo cheio da divina presença.................................................................. 219
Complemento da Santíssima Trindade......................................................... 220

?? O puro encanto dos Anjos................................................................................. 221


Cheios de júbilo, os Anjos saúdam a Imaculada Conceição......................... 222
Alegria dos Anjos, pelo nascimento de Nossa Senhora................................. 222
Os coros angélicos festejam as grandezas de Maria...................................... 223

?? Agasalho da castidade...................................................................................... 224


Modelo de castidade...................................................................................... 224
Aquela que sempre inspira castidade............................................................. 224

453
Índice Geral  Comentários...

Castidade vitoriosa........................................................................................ 226


Castidade contra-revolucionária e misericordiosa........................................ 227

?? Sois o consolo dos tristes................................................................................... 227


Consolo e exemplo que alivia as tristezas..................................................... 227
Consoladora dos indigentes de corpo e de alma........................................... 228
Consoladora dos agonizantes e das almas dos fiéis defuntos....................... 228
Inesgotável tesouro de consolação................................................................. 229
Decisão e fortaleza dos aflitos....................................................................... 231

?? Horto da alegria cara........................................................................................ 234


Horto de que Deus faz suas delícias.............................................................. 234
Verdadeiro Paraíso Terrestre do novo Adão................................................. 235
Maria: Paraíso espiritual mais belo que o Éden........................................... 235
Um rio de humildade no Paraíso do novo Adão.......................................... 236

?? Sois a palma da paciência................................................................................. 237


Símbolo dos triunfos da Santíssima Virgem.................................................. 237
A heróica paciência de Nossa Senhora.......................................................... 237
Paixão do Filho, martírio da Mãe................................................................. 238
Paciência jubilosa.......................................................................................... 239
Contínuo exercício de paciência..................................................................... 242
Imitemos a paciência de Maria Santíssima................................................... 242

?? O cedro da pureza rara..................................................................................... 243


Símbolo da inalterável pureza de Maria....................................................... 243
Cedro incorruptível, odorífero e elevado........................................................ 243
Altíssima dignidade e vitoriosa intrepidez..................................................... 244

?? Maria, terra Vós sois, bendita............................................................................244


Terra cheia de riquezas e benefícios............................................................... 244
Terra irrigada por mananciais: a plenitude de graça em Maria................... 245
Terra de fertilíssima fecundidade.................................................................. 245
Terra quatro vezes bendita............................................................................ 246
Terra imaculada, da qual se formou o novo Adão........................................ 247

?? ... E sacerdotal.................................................................................................. 247


Terra sacerdotal da Santíssima Trindade..................................................... 247
Títulos de Maria relacionados com o sacerdócio.......................................... 248
Sacerdócio espiritual e místico....................................................................... 248
Formadora do coração sacerdotal do Divino Redentor................................. 249

454
Comentários...   Índice Geral.

Poder incomparavelmente superior ao do sacerdote..................................... 250

?? Concebida e preservada sem pecado original........................................................ 250


A verdadeira piedade para com a Mãe de Deus........................................... 251
A Imaculada Conceição: infinita oposição entre Deus e o pecado................ 251
Vencer o pecado é obrigação dos devotos do
Imaculado Coração de Maria....................................................................... 252

?? Cidade santa do Altíssimo................................................................................. 252


Cidade edificada sobre o Verbo Encarnado.................................................. 253
Cidade resplandecente da glória de Deus..................................................... 253
A Imaculada Conceição, fundamento da cidade do Altíssimo...................... 255
Maria é a Metrópole do império de Deus...................................................... 256
“Seus fundamentos estão sobre os montes santos”........................................ 256
Cidade edificada pelos apóstolos dos últimos tempos................................... 257

?? Do Céu entrada oriental.................................................................................... 258


Maria franqueia aos homens a entrada do Céu............................................ 258
“Porta do Céu, abri-vos para mim!”............................................................. 259

?? Há em Vós, singular Virgem.............................................................................. 259


Virgindade rara e única................................................................................. 262
Fundadora da virgindade............................................................................. 262

?? Toda a graça celestial ....................................................................................... 263


Todas as graças reunidas em Maria............................................................. 263
Oceano de graças........................................................................................... 263
Coroada de graças, virtudes e belezas.......................................................... 263
Aqueduto repleto de graça divina.................................................................. 264

?? V. Como um lírio entre os espinhos,.................................................................... 266


A Imaculada Conceição, lírio entre os espinhos............................................ 266
A única sem o labéu do pecado..................................................................... 267
Isenta dos espinhos da concupiscência.......................................................... 267
Fortíssima inclinação para o bem e completa aversão ao mal...................... 267
Glória do jardim de espinhos........................................................................ 268
Lírio que nunca foi espinho............................................................................ 268

455
Índice Geral  Comentários...

?? V. Protegei, Senhora, etc..................................................................................... 269

Capítulo 5 - Noa............................................................................................... 271

?? Cidade sois de refúgio........................................................................................ 273


A verdadeira cidade de refúgio...................................................................... 273
Refúgio sempre aberto aos pecadores e às almas fiéis................................... 274
Proteção jamais recusada.............................................................................. 275
Refúgio dos pecadores: o testemunho de prolongada experiência................. 276
Merecido título de Maria............................................................................... 276
Onipotente auxílio contra o demônio............................................................ 277

?? De torres fortalecida,......................................................................................... 278

?? Por David entrincheirada, e de armas também munida........................................ 278


Inexpugnável fortaleza.................................................................................. 278
Verdadeira Torre de David............................................................................ 278
Nossa Senhora e o símbolo da torre.............................................................. 280
Torre de Marfim: imagem da intransigência de Maria................................. 282

?? Bem não éreis concebida, em caridade abrasada.................................................. 283


Na Imaculada Conceição, perfeito amor a Deus........................................... 283
Ardorosa caridade para com os homens....................................................... 284
Perfeita prática do Primeiro Mandamento.................................................... 284
Caridade que põe em fuga os demônios........................................................ 285
Contínuo ato de amor a Deus e ao próximo.................................................. 285
Incomparável e abrasadora caridade............................................................ 286

?? Foi do dragão a soberba, por Vós, ferida e humilhada......................................... 287


A prometida vencedora do demônio.............................................................. 287
Aquela que esmagará o mal em nossos dias................................................. 289

?? Sois a bela Abigail............................................................................................ 290


A história de Abigail, esposa de Nabal......................................................... 290
Prefiguração da Advogada dos pecadores.................................................... 292
Causa comum com os miseráveis.................................................................. 292
Dádivas de valor infinito............................................................................... 293
Nova Abigail que favorece a misericórdia de Deus....................................... 293
Maria detém a cólera de Deus....................................................................... 294
Mãe e Advogada dos homens........................................................................ 297

456
Comentários...   Índice Geral.

?? Judith invicta e animosa.................................................................................... 298


Judith, libertadora de Israel........................................................................... 298
Judith corta a cabeça de Holofernes.............................................................. 299
Glorificação de Judith.................................................................................... 300
Paralelo entre Nossa Senhora e Judith.......................................................... 301
Glória e alegria da Santa Igreja.................................................................... 305
A Imaculada Conceição derrota o infernal Holofernes.................................. 305
A luta, uma das glórias de Maria................................................................. 306

?? Fostes do vero David Mãe terna, Mãe carinhosa.................................................. 306


Excelência do amor materno......................................................................... 306
Ardoroso amor de Maria por seu Filho......................................................... 307
Criada unicamente para ser a Mãe de Deus................................................. 307
Amor indivisível............................................................................................. 308
Amor levado aos extremos da natureza e da graça...................................... 309
“Mãe terna, Mãe carinhosa”......................................................................... 309
Carinho e ternura durante a Paixão.............................................................. 310

?? Raquel ao Egito deu prudente governador,........................................................... 311


Raquel e José.................................................................................................. 311
José é vendido por seus irmãos aos egípcios.................................................. 314
José interpreta os sonhos do Faraó................................................................ 314
O filho de Raquel é feito governador do Egito............................................... 314
Raquel é prefigura de Maria, Mãe do Salvador............................................ 315
Objeto das eternas complacências de Deus................................................... 315
“Do ventre da Virgem veio ao mundo o Salvador”....................................... 316
O Filho de Maria é verdadeiramente Salvador............................................. 316
Cooperadora da salvação dos homens.......................................................... 317
O nascimento de Maria foi o início de nossa salvação................................. 318

?? V. Toda sois formosa, ó Mãe querida.................................................................. 318


Louvores à beleza de Nossa Senhora............................................................ 318
Formosura da Mãe, beleza do Filho............................................................. 319
Adornada pelo Divino Esposo....................................................................... 322
Corpo preparado para a Encarnação do Verbo............................................ 323
Elogios dos Santos à beleza moral e física de Nossa Senhora...................... 323
Beleza realçada pela vitória sobre o demônio............................................... 324

457
Índice Geral  Comentários...

?? V. Protegei, Senhora, etc..................................................................................... 325

Capítulo 6 - Vésperas....................................................................................... 327

?? Salve regulador celeste, pelo qual........................................................................ 329


O relógio de Ezequias.................................................................................... 329
Imagem da Redenção preventiva de Nossa Senhora.................................... 330
Necessidade da Redenção preventiva de Maria............................................ 330
Redimida pelo modo mais nobre................................................................... 331
Filha da bênção, e não da cólera.................................................................. 332

?? A fim de encarnar-se o Verbo eterno, e ser humilhado,.......................................... 332


Encarnação do Verbo e deificação do homem............................................... 333
Honra inimaginável....................................................................................... 335
Mistério de grandeza e de abatimento.......................................................... 336
O homem se tornou rico pela pobreza do Filho de Deus............................... 336

?? Daquele brilhante sol a Virgem tem o fulgor........................................................ 337


Maria, vestida do sol divino.......................................................................... 337
Sol que alegra a Igreja................................................................................... 339
Nossa Senhora simbolizada pelo sol............................................................. 342
Sol de santidade............................................................................................ 343

?? E qual aurora surgente refulge em esplendor........................................................ 343


Maria e o simbolismo da aurora................................................................... 343
Verdadeira aurora da salvação do mundo................................................... 344
Como o despontar do dia da fé..................................................................... 345
Aurora que enche de alegria os Anjos e a Igreja............................................ 347
O primeiro triunfo sobre o demônio............................................................... 347
Inestimável tesouro para a humanidade....................................................... 348
Maria irrompe como benfazeja aurora em nossa vida espiritual.................. 349
Aurora que suscita os guerreiros da Contra-Revolução................................. 350

?? Lírio entre espinhos........................................................................................... 350


O mundo: deserto inculto e cheio de espinhos............................................... 350
A única que evitou os espinhos deste mundo................................................. 351

?? A cabeça do dragão calcando............................................................................. 352


Humilhante e irremediável derrota do demônio............................................ 352
Sucessivos triunfos de Nossa Senhora sobre Satanás................................... 353
Aquela que esmagou todas as heresias.......................................................... 353

458
Comentários...   Índice Geral.

Primeiro lance da Contra-Revolução............................................................ 355


Invocação propícia para os contra-revolucionários...................................... 356

?? Qual lua bela ilumina os que no mundo vão errando........................................... 357


Formosa como a lua...................................................................................... 357
Lua que ilumina os pecadores....................................................................... 357
Lua que ameniza o ardor do Sol de Justiça................................................... 358
Luzeiro menor no firmamento da Igreja........................................................ 359
Lua que brilhou na noite das perseguições.................................................... 359
Sol do repouso e das longas meditações....................................................... 360
Lua que determina o movimento das misericórdias divinas.......................... 360

?? V. Eu fiz nascer no Céu a luz que não se apaga................................................... 361


Luz que excede em claridade a todos os Santos............................................ 361
Luz que não se apaga.................................................................................... 361
A primeira das criaturas em dignidade......................................................... 362
A mais formosa das criaturas corporais........................................................ 363
Universal benevolência................................................................................. 363

?? R. E cobri como névoa a Terra toda.................................................................... 364


A mais elevada representação da origem imaculada de Maria.................... 364
Névoa do meio-dia, no firmamento da graça............................................... 364

?? V. Protegei, Senhora, etc..................................................................................... 365

Capítulo 7 - Completas.................................................................................... 367

?? V. Converta-nos Jesus, por vosso amor................................................................ 369


Conceito de conversão................................................................................... 369
A conversão das almas é obra da voz divina................................................ 369
Os que procuram se converter são tentados mais fortemente pelos vícios..... 370
Os que se convertem são recreados com maravilhosa suavidade.................. 371

?? R. E retire de nós o seu furor.............................................................................. 371


O pecador desperta contra si a cólera divina................................................ 371
Nossa Senhora aplaca o furor de Deus......................................................... 372
Mãe dos pecadores que se querem converter................................................. 373

?? Salve, florente Virgem ilibada............................................................................. 374


Perfeita e ideal virgindade............................................................................. 376
Maternidade divina: prêmio da suprema pureza de Maria.......................... 376
Virgindade perfeita e maternidade divina..................................................... 377

459
Índice Geral  Comentários...

?? Meiga Rainha.................................................................................................. 377


Rainha cheia de doçura e clemência............................................................. 377
Em Nossa Senhora nada há de terrível, nem de severo................................ 378
Como o sol: exorável para todos................................................................... 379
Cetro da doçura, diadema da bondade, lei da clemência............................. 379
Clemência sem cumplicidade com o erro....................................................... 382

?? De astros coroada............................................................................................. 382


Diadema de Maria: prerrogativas do Céu, do corpo e da alma................... 382
Dons especiais em relação às Igrejas militante e triunfante.......................... 383
Brilhantes dons em relação à Santíssima Trindade...................................... 384
Coroada com a excelência das doze ordens de Santos................................. 384

?? Mais pura que os Anjos.................................................................................... 385


Pureza superior à dos Querubins e Serafins.................................................. 385
Pureza que mereceu a Redenção do mundo.................................................. 389

?? Tendes trono à direita do Rei, em nosso abono..................................................... 389


À destra de Deus, a Rainha que intercede pelos homens............................... 389
Honrada com o lugar imediato junto ao Rei................................................. 390
Rainha de todos os Santos, à direita do Altíssimo........................................ 391

?? Ó Mãe da graça............................................................................................... 392


Mãe de Cristo, Mãe da divina graça............................................................. 392
Síntese do mundo da graça........................................................................... 392
Mãe pródiga no dispensar graças................................................................. 393
Mãe e canal por que passam todas as graças divinas.................................. 393
Título que resume as misericórdias de Maria................................................ 394

?? Nossa doce esperança........................................................................................ 395


Por sua onipotente intercessão, é Maria a nossa esperança.......................... 395
Mãe da santa esperança................................................................................ 396
Aquela que esperou contra toda esperança.................................................... 398
Esperança dos justos e dos pecadores............................................................ 398

?? Do mar Estrela................................................................................................. 399


Símbolo da elevada dignidade de Maria...................................................... 399
Imagem da virginal concepção...................................................................... 400
Caridosa assistência da Estrela do mar........................................................ 400
“Olha a estrela, invoca Maria!”.................................................................... 401

460
Comentários...   Índice Geral.

?? E porto de bonança........................................................................................... 402


Seguro asilo dos que fogem às tempestades das paixões............................... 402
Maria nos preserva do naufrágio da condenação......................................... 402
Porto que se abre aos navegantes sem rumo................................................. 402

?? Porta do Céu.................................................................................................... 403


Porta do Céu para os justos, janela do Paraíso, para os penitentes.............. 403
A Maria estão confiadas as chaves do Céu................................................... 404
Valiosa porta da eterna glória....................................................................... 404

?? Saúde na doença............................................................................................... 405


Insondável oceano de curas milagrosas........................................................ 405
Nossa Senhora cura as enfermidades espirituais.......................................... 405
Imaculado Coração cuja virtude cura todos os males................................... 406
Particular solicitude para com os doentes de alma....................................... 408
Mãe do Divino Médico.................................................................................. 409
Nossa Senhora também se utiliza da doença para converter o homem........ 409

?? De Deus guiai-nos à feliz presença...................................................................... 410


É impossível perder-se um devoto de Nossa Senhora................................... 410
Inúmeros pecadores encontraram a Deus por intermédio de Maria.............. 411
Princípio, meio e fim de nossa felicidade....................................................... 411
Principal e suprema graça que nos pode alcançar Nossa Senhora............... 412
Verdadeira felicidade para a qual foi criado o homem................................. 412

?? V. Vosso nome, ó Maria, é como um bálsamo...................................................... 413


Nome mais excelente que os bálsamos preciosos........................................... 413
Nome que desarma e abre o coração de Deus, em favor dos homens........... 415
Nome de salvação e de alegria...................................................................... 415
Nome de força................................................................................................ 416
Precioso tesouro da Santíssima Trindade...................................................... 416
Nome terrível para os demônios.................................................................... 417
Nome a ser continuamente invocado............................................................. 418

?? R. Muito Vos amam vossos fiéis servos.............................................................. 418


É desejo de Deus que os homens amem a Nossa Senhora............................ 418
Bem-aventurados os que amam a Maria...................................................... 419
Ao amor de Mãe, deve corresponder nosso amor de filhos........................... 420
Amor que supõe o combate pela Igreja militante........................................... 420

461
Índice Geral  Comentários...

?? V. Protegei, Senhora, etc..................................................................................... 421

Capítulo 8 - Depois do Ofício.......................................................................... 423

?? Sede-nos alento em nossa agonia........................................................................ 426


Os terrores que cercam a morte...................................................................... 426
Momento temido até pelos maiores Santos................................................... 426
A proteção e o alento de Maria..................................................................... 427
Mãe que nos foi dada pelo Divino Salvador agonizante.............................. 427

?? Ó Mãe de bondade........................................................................................... 428


Incomparável ternura materna...................................................................... 428

?? Ó doce Maria................................................................................................... 428


Nossa Senhora torna doce e suportável a vida............................................. 428

?? Antífona: Esta é a Virgem admirável, na qual .................................................... 429


Virgem admirável para o próprio Deus......................................................... 429
Admirável para as nove hierarquias angélicas............................................. 429
Admirável para os Santos............................................................................. 431
A incomparável majestade de Maria............................................................. 432
O admirável perfil da Virgem........................................................................ 432

?? V. Na vossa Conceição, ó Virgem, fostes imaculada.............................................. 433

?? Oremos: .......................................................................................................... 433


Síntese dos argumentos que justificam a Imaculada Conceição................... 433

Conclusão.......................................................................................................... 435
A Imaculada Conceição................................................................................. 437
“Inimicitias Ponam”...................................................................................... 438
Verdadeiro ódio, verdadeiro amor................................................................ 439
Onipotência suplicante.................................................................................. 440
Aplicação a nossos dias................................................................................. 440

Bibliografia....................................................................................................... 443

462

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