Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Evans
Publicado originalmente sob o título:
Wisdom and Eloquence
Publishing by Crossway a publishing ministry of Good News Publishers
Wheaton, Illions 60187, U.S.A.
This edition published by arrangement with Crossway.
All rights reserved.
1ª edição 2020
ISBN: 978-85-85034-33-7
Impresso no Brasil
Tradução: Elmer Pires
Revisão: Cesare Turazzi
Capa: Tiago Dias (Haas Comunicação)
Diagramação: Marcos Jundurian
Ebook: Wirley Corrêa | Layout
NOTAS
Dedicamos esta obra a David, Katelyn, Katherine, Maura, Patrick,
Robert e Thomas,todos beneficiados pela educação das Artes
Liberais e Ciências que inicia “a partir do Ensino Médio e regressa
ao Jardim de Infância”.
AGRADECIMENTOS
Nós dois, os autores deste livro, temos muito que agradecer a
contribuição de todos que participaram do extenso processo de
aprendizado que resultou na produção desta obra, Sabedoria e
Eloquência. Apreciamos profundamente o “forjar mútuo” por que
passamos diariamente com professores, equipe, membros de
comitê, gestores, alunos e pais da New Covenant Schools em
Lynchburg, Virgínia, da Faith Christian School de Roanake, Virgínia,
da Covenant College de Lookout Mountain, Georgia, da St.
Timothy’s Hale School de Raleigh, Carolina do Norte, da Regents
School de Austin, Texas, da The Arrowhead University Consortium
de Minnesota, e da Trinity Academy de Raleigh, Carolina do Norte.
Somos devedores aos muitos que participaram para “gerar
conversas” durante a conferência anual da Society for Classical
Learning [Sociedade de Aprendizado Clássico] e outros pontos de
encontro similares onde extensos diálogos criaram uma melhor
compreensão sobre o potencial desafiador de proporcionar aos
jovens uma educação cujas bases não tivemos o privilégio de
desfrutar na mesma idade. Por fim, agradecemos a todos que nos
ajudaram oferecendo a revisão crítica do manuscrito: de Steve Britt,
Robin Davis, Bryce Carlisle, Melinda Delahoyde, Rod Gilbert, E.
Christian Kopff, Renee Skinner e Paul Ziegler.
Sem a generosidade desses muitos colegas, não teríamos escrito
Sabedoria e Eloquência. A eles, portanto, prestamos nossa humilde
gratidão.
INTRODUÇÃO
ECONOMIA EDUCACIONAL:
DEMANDA E OFERTA
Por que mais um livro sobre educação, em particular outro livro
sobre educação cristã? Simples: porque as coisas estão em
constante mudança, e cremos que, de todas as pessoas, cabe ao
educador cristão ser sensível às necessidades mutáveis da
sociedade de modo a preparar o aluno em formação para que faça a
diferença no mundo em que vive. Devemos aprimorar
continuamente a qualidade do ensino que provemos, não só em
relação ao modo como ensinamos, mas também referente ao
conteúdo que ensinamos. Nas páginas a seguir, defendemos um
sistema atemporal de educação, cujo cerne não mudou por séculos
e que, apesar das constantes mudanças da sociedade, deve
manter-se o mesmo. Vale ressaltar, contudo, que a forma como
implementamos o sistema deve flexibilizar-se para atingir o fim
essencial da educação que oferecemos.
Mas o que mudou? Em termos práticos, o ambiente econômico no
qual nosso aluno pretende trabalhar é completamente diferente
daquele encontrado há não mais que uma geração. Uma vez que
75% dos trabalhadores são caracterizados por Peter Drucker, guru
da área administrativa, como “profissionais do conhecimento”, o
valor do capital intelectual humano alcançou seu ápice. O advento
da era industrial fez cair a demanda por mero treinamento em um
ofício ou profissão qualquer, tornando obsoleto o modelo
educacional que se encaixava com tais demandas. Agora, pelo
contrário, a necessidade de homens e mulheres que “pensam fora
da caixa” permeia a cultura empresarial americana.
Além disso, demanda-se cada vez mais a espécie de pessoa que
consegue atuar com sucesso e eficiência na economia globalizada
que temos hoje: a massiva terceirização voltada ao exterior e o
interesse por empresas nacionais vindo de um número cada dia
maior de investidores e órgãos estrangeiros, privados e públicos,
exigem esse tanto.
No mesmo processo, a maioria dos empregos em solo nacional
está sendo gerada por pequenas startups, colocando o
empreendedor criativo no controle, e não só para a criação de
riqueza mas também para o desenvolvimento econômico local,
regional e mesmo nacional. Além do mais, visto que a maior parte
desses empreendimentos envolvem tecnologias, biotecnologias e
outras formas de ciência ou engenharia aplicada, nunca houve tão
grande demanda de real conhecimento sobre matemática e ciências
entre os adultos americanos.
Mas nem tudo é tão tranquilo assim. Escândalos envolvendo
corrupções, falsificações, politicagens e privilégios indevidos por
parte de grandes empresas ressaltam quão desesperadamente
carecemos de uma geração de líderes, empresários e políticos que
considerem a ética tão essencial ao panorama corporativo e político
quanto as agendas políticas e econômicas. Em suma, nossa nação
clama por líderes com o conhecimento, as habilidades, as
capacidades e as virtudes necessárias ao funcionamento, à
comunicação e à obtenção do sucesso diante de uma expansão das
tecnologias de informação e comunicação e perante rápidas
transformações nunca experimentadas.
Num sentido mais profundo, a verdade mudou. Quer dizer, a
maneira como a maioria das pessoas em nossa cultura
contemporânea percebe e processa a verdade é profundamente
diferente da visão passada. Até o despontar do Iluminismo, a fé
constituía um dos meios de conhecimento da verdade; desde então,
com seu surgimento, o modernismo reinou supremo como
epistemologia primária na cultura americana e europeia por dois
séculos. A verdade consciente foi apreendida com base na
autoridade racional, empírica e científica. Tenha-se por verdade
aquilo que pode ser sustentado racionalmente. Entretanto, durante o
decorrer do último século, o modernismo tem sido suplantado na
cultura mundial por seu sucessor “anônimo”, o pós-modernismo.
Para o pós-modernista, argumentos racionais deixaram de
convencer, e a autoridade se encontra no indivíduo. Se posso ser
convencido de que algo é verdadeiro, então ele é verdadeiro. A
verdade que abraço pode ser diferente (e até mesmo contraditória)
da verdade de outra pessoa, e está tudo bem. Então acredite nos
pós-modernistas. Como cristãos, talvez nos arrepiemos com um
pensamento assim, mas a triste realidade é que nossas crianças
estão terrivelmente vulneráveis às influências pervasivas do pós-
modernismo.
Assim, essa mudança cultural, necessariamente significativa,
prova ter demandas educacionais mais profundas, uma vez que a
educação é mais voltada à relevância cultural do que à prática de
alcançar vantagens econômicas. Queremos preparar nossos alunos
em formação não só para ganhar a vida, mas também para fazer
profunda diferença no mundo no qual emergem e nas circunstâncias
que surgem ao longo da vida. Normalmente, cabe a nós,
educadores, guiá-los ao difícil processo de adquirir as habilidades, o
conhecimento e as virtudes que se provam necessários a essa
tarefa.
Logo, quais são as qualidades fundamentais que o aluno precisa
ter para realizar essa espécie de contribuição cultural? Propomos
que estas qualidades essenciais são exatamente as mesmas que
foram indicadas por Santo Agostinho de Hipona há cerca de 1600
anos — respectivamente, a sabedoria e a eloquência. Nossos
alunos em formação precisam de sabedoria para navegar pelas
águas turvas da atual corrente cultural, política e econômica, bem
como por um futuro incerto. Isso requer mais do que um treinamento
para o aqui e o agora; exige uma educação que os mova com a
capacidade de reconhecer e entender as tendências atuais, com
flexibilidade criativa para efetivamente responder às circunstâncias
em constante mudança e com o bom julgamento para distinguir e
defender o bem que mais beneficie a sociedade.
A educação que visa a sabedoria é, contudo, apenas metade da
fórmula. Sem a capacidade de comunicar-se de forma eficaz e
persuasiva, o benefício da sabedoria é limitado àquele que a possui.
Nossos formandos também carecem de eloquência, especialmente
em uma era pós-cristã e pós-moderna quando, para muitos, a
autoridade não vem das Escrituras ou da razão, mas do próprio
interior. Nosso pequeno e sábio servo também deve ser imbuído de
compreensão e compaixão para com seus semelhantes, e precisa
estar pronto para colocar a sabedoria em ação ajudando “muitos” a
abraçar o bem maior que a sabedoria oferece.
Agostinho isso expressou com mais profunda eloquência quando
falou de duas cidades ou reinos — o terreno e o celestial. Devemos
estar cientes sobre o trabalho de ambas as cidades ao mesmo
tempo, aguardando o reino celestial enquanto vivemos no terreno,
trazendo-lhe o máximo possível das características celestiais. Tal
trabalho exige sabedoria e eloquência.
Mas como alcançaremos objetivos educacionais tão nobres com
nossos alunos? Em sua carta aos romanos, Paulo rogou aos leitores
que não se conformassem com este século (o terreno), mas fossem
transformados pela renovação de suas mentes. Defendemos que, a
partir de todo o escrito de Paulo, está claro que ele não estava
defendendo o abandono da cidade terrena, mas uma inversão de
papéis em relação a quem influencia quem. Com o renovo da
mente, os leitores de Paulo poderiam ser transformados e,
simultaneamente, transformarem-se em influenciadores desse
mundo… com efeito, educação eficiente. Agostinho sugeriu que isso
ocorre da melhor forma por meio do estudo sério das Escrituras e do
estudo essencial de “todo o restante” — isto é, respectivamente, o
estudo da revelação especial que Deus dá de si mesmo às criaturas
(ou seja, as Escrituras) e o estudo da revelação geral e da
providência divina.
O que propomos é precisamente o seguinte: um plano que
prepara o aluno para a jornada vitalícia do aprendizado
independente das Sagradas Escrituras e de todo o resto.
Acreditamos que essa meta seja mais plausível quando se tem em
vista o fim de nosso empreendimento educacional e um
planejamento de alcance e sequência executado de cima para
baixo, objetivando sempre o domínio das Artes Liberais Clássicas e
das Ciências no contexto cristão. Devemos reconhecer que existem
outras maneiras eficazes de educar, mas acreditamos que, entre as
várias formas de atingir os propósitos educacionais que expomos, a
nossa seja a melhor. A confiança que manifestamos vem da própria
tradição antiga. Afirmamos que as Artes Liberais e as Ciências
Clássicas não funcionam porque representam uma longa tradição.
Pelo contrário, a tradição é longa porque funciona como sistema de
educação.
Vale ressaltar que, embora a tradição na qual nos baseamos
tenha suas raízes na civilização ocidental, ela também tem suas
contrapartes nas culturas orientais. Além disso, essa forma de
educação se espalhou com o próprio cristianismo em muitas nações
e culturas por todo o mundo e vem tendo êxito na educação de
povos de todas as línguas e origens étnicas. O paradigma que
defendemos não é intelectualmente elitista nem culturalmente
exclusivista. Afirmamos que nosso modelo é uma educação para
todos. A escola que estende a promessa desse paradigma
educacional a um corpo discente diverso no sentido racial, étnico e
socioeconômico extrairá o máximo dos benefícios propostos.
Este livro recebeu o subtítulo de Um Modelo Cristão para o
Ensino Clássico. Na nossa compreensão, a expressão “ensino
clássico” deve ao desenvolvimento das “Artes Liberais e Ciências”
que começa pela Antiguidade Clássica e conclui com aplicações
modernas. Aqueles que já estão familiarizados com a história e a
aplicação das Artes Liberais notarão nelas uma certa “mudança”
que exige explicação. As Artes Liberais, como as interpretamos para
a escola moderna, incluem um tratamento minucioso das ciências
naturais; por assim dizer, “artes e ciências” é de fato expressão
redundante. No entanto, há, hoje, um erro grosseiro em nosso meio:
é pensar que temos, na conjuntura atual, dado a devida ênfase às
ciências naturais no âmbito das Artes Liberais. Justamente por isso
não podemos pedir desculpas pelo duplo significado em nossa
nomenclatura. Muitos rejeitaram as Artes Liberais por considerá-las
um modelo inapropriado para uma era tecnológica, acreditando que
seja mais uma simples abordagem das Humanidades. Logo, é de
pouca relevância se o leitor pensa que queremos dizer “Artes
Liberais (incluindo a matemática e a ciência) mais as ‘ciências reais’,
teologia e filosofia”, ou se acham que queremos dizer “Humanidades
mais ciências naturais”. E, embora nossa mensagem permaneça a
mesma, pedimos a compreensão do leitor quanto ao uso alternante
ente “Artes Liberais” e “Artes Liberais e Ciências” enquanto tratamos
das principais questões relacionadas à educação nesta rica
tradição.
Acreditamos, sim, que muito do material exposto nos capítulos a
seguir será de grande interesse e ajuda aos pais de crianças em
idade escolar. Escrevemos este livro, porém, tendo em mente
sobretudo o educador profissional. Não se trata de uma obra
especialmente acadêmica, pois quisemos apresentá-la ora como
defesa da tradição, ora como um guia histórico, ora como um
manual de instruções. Procuramos abordar o lugar que cabe à
formação da cosmovisão cristã, e tratar do desenvolvimento do
caráter, do rigor acadêmico e da relevância cultural — em aliança
com o conceito de “escolaridade”, desenvolvimento histórico,
explicação e implementação das Artes Liberais e Ciências. Se os
pais acharem melhor, podem começar lendo pelo Apêndice A: “Uma
Mensagem aos Pais”. Quanto ao educador, este fará bem se ir
direto ao Capítulo 1.
UM
O PROPÓSITO DA EDUCAÇÃO:
SABEDORIA E ELOQUÊNCIA
SOA ESPANTOSO — arcaico, anacrônico — combinar
convicções religiosas com ambições vocacionais. Mas na história da
raça humana isso tem sido mais comum do que se pensa. A
sociedade ocidental moderna, o tão conhecido Ocidente liberal e
secular, é, na verdade, uma aberração histórica, e não sua norma.
Podemos, sim, extrair benefícios legítimos do nosso modo de vida
atual; mas estes são, em grande parte, temporais, e por vezes
tendem a minar os compromissos transcendentais. Só porque
somos a inveja do mundo moderno não significa que mereçamos
seus elogios.
Este livro, contudo, não é uma polêmica contra o Ocidente
decadente. É, pelo contrário, a expressão de um propósito repleto
de esperança; é esperar que o resultado de todo o esforço que
depositamos no ensino, no aprendizado e na educação não só
beneficie os indivíduos que educamos, mas direcione a nossa
sociedade a maiores graças e civilidade, e também conduza a uma
qualidade de vida universalmente mais elevada. Reconhecendo a
verdade do ditado que diz algo do tipo “o fanatismo pode levar
alguém a ser tão voltado às coisas celestiais que deixa de contribuir
com as coisas deste mundo”, tão mais prontamente abraçamos o
sentimento de C. S. Lewis: quanto mais voltados às coisas
celestiais, mais podemos atuar pelo bem terreno. Embora não
sejamos platônicos, concordamos com a afirmação de Platão (a
qual consideramos bíblica) de que a busca por ideais
transcendentes é caminho certo para uma vida satisfatória,1 e assim
esperamos que nossas convicções sobre o motivo e a forma da
educação reflitam esse fato.
O MOTIVO
O propósito da educação pode ser resumido em benefícios
metafísicos e práticos. A vida educacional cristã, caracterizada
como “discipulado”, é uma vida de aprendizado repleto de fé,
visando a semelhança de Cristo. A tarefa espiritual do cristão ao
longo de toda a sua jornada é manifestar cada vez mais a
personalidade que recebeu de Deus de acordo com as normas
bíblicas da verdade, da bondade e da beleza. O benefício metafísico
disso é eterno e o benefício prático de aprender a pensar e agir de
“forma cristã” é, independentemente da convicção teológica, viver
numa sociedade caracterizada por normas bíblicas — ou seja, uma
sociedade verdadeiramente civilizada. Embora ambos, aquele que
crê e aquele que não crê, possam brigar sobre definições, os dois
lados possuem um senso judicial instintivo que sinaliza quando
tratados de forma justa ou com misericórdia.
O propósito da educação cristã, portanto, é sempre duplo.
Queremos que nossos alunos cresçam espiritualmente,
intelectualmente e socialmente; e queremos que eles promovam
crescimento semelhante na sociedade. Ou como Santo Agostinho
de Hipona teria dito, procuramos levar os cidadãos deste mundo
terreal à cidadania celestial, incutindo neles o desejo de introduzir os
valores do reino celestial no reino em que habitam no presente. Em
suma, o objetivo é tornar o indivíduo voltado às coisas celestiais e
capaz de trazer grande benefício para esse mundo.
De modo que, para agregar valor é necessário entender o mundo
ao redor e saber reconhecer aquilo do que ele precisa. O indivíduo
inserido na sociedade deve ser capaz de discernir aquilo que é
verdadeiro, bom, belo daquilo que não é; cabe a ele ser capaz de
fazer a diferença perpetuando neste mundo a verdade, a bondade e
a beleza. Em resumo, necessita de sabedoria e eloquência, e não
de uma mera fachada de sabedoria ou de eloquência. O nosso
ativista deve considerar-se herdeiro de uma tradição de sabedoria
confiável (e enraizada numa fonte transcendente e autoritativa); sua
é a responsabilidade de cultivá-la e articulá-la no mundo em que
vive.
Passamos por tempos nos quais o que não falta é energia para o
aprimoramento cultural. Embora presenciemos forte complacência e
consumismo, existe uma forte tensão de ativismo ainda presente na
sociedade ocidental. Do meio ambiente à sacralidade da vida, a
motivação que visa a reforma está bem e está viva. Inclinações
otimistas assim são herdadas de nossos antepassados culturais e
têm sido alimentadas por fontes cristãs e não cristãs. Contudo, o
problema enfrentado por aquele que pode dar forma à cultura dos
dias atuais é testemunhar que a fonte da verdadeira sabedoria
passa por constante questionamento, até mesmo entre o cristão
professo. A educação que recebemos nos incapacitou de discernir a
verdade, a bondade e a beleza, pois a incerteza e o ceticismo
tornaram-se os resultados mais comuns da educação, substitutos do
otimismo e da confiança das gerações passadas. No entanto, a
inclinação e a abertura a reformas, aliadas ao afiado artifício interno
de aperfeiçoamento que deve guiar tal empenho, são características
internas mais facilmente absorvidas enquanto somos crianças.
Assim, os objetivos propostos pela sabedoria e eloquência devem
ser esclarecidos e colocados diante de cada aluno, pai e professor,
visto que desejamos ter sucesso na elaboração de uma educação
que beneficiará a sociedade. Agostinho observou que a verdadeira
sabedoria abrange ao menos dois componentes significativos. Em
primeiro lugar, ele disse, a leitura cuidadosa das Escrituras e o
conhecimento geral de seu conteúdo constituem a base necessária
para adquirir sabedoria com algum valor prático para o meio social.
Ao cristão pode parecer óbvio, mas quantas igrejas e escolas
ignoram ou parecem ter esquecido essa disciplina básica? Quantos
currículos podem comprovar que o aluno já formado leu toda a
Bíblia ou aprendeu de suas mais importantes histórias e verdades
teológicas?
O segundo componente da sabedoria que Agostinho traz à tona é,
basicamente, aprender todo o restante — não perfeitamente ou de
modo genérico, mas de uma forma minuciosa e moderada. Em
especial, ele recomenda um amplo estudo das áreas de
conhecimento que considerava “verdadeiras e imutáveis”,2 como a
lógica e a matemática. Tais coisas ele julgou “investigativas e
abertas à descoberta”, e não inventadas. O alvo transcendente
dessa busca é descobrir e reconhecer a glória do gênio criativo de
Deus; além do mais, os benefícios práticos e imediatos desses
estudos incluem a crescente capacidade de compreender,
influenciar e afetar positivamente o mundo ao redor.
Após a sabedoria, a eloquência era o segundo dos indicadores
que Agostinho usava para definir o cristão devidamente instruído.
Antes mesmo de Homero ter escrito os versos líricos de A Ilíada, no
século VIII a.C., os ocidentais estimavam a habilidade oratória como
um sinal de grande liderança. Agostinho era um renomado professor
de retórica na época de sua conversão. Embora tenha sido criado
por mãe cristã em uma região rural do norte da África, Agostinho,
visto que internalizou a eloquência superior do grande orador
romano Cícero (106–43 a.C.), sentia dificuldades para apreciar o
estilo hebraico, comparativamente rústico, das Escrituras. Assim,
quando pela primeira vez encontrou-se com um orador cristão
altamente instruído, sentiu seu profundo efeito. Agostinho se viu
obrigado a ouvi-lo e, finalmente, a acreditar no evangelho como
articulado por Ambrósio, o imponente bispo de Milão.
Consideraremos o conceito de eloquência como objetivo
largamente acadêmico em maior detalhe mais adiante, mas porque
alguns talvez o considerem limitado demais para caracterizar todo o
plano curricular de uma escola, vale abordá-lo brevemente nesse
momento. Normalmente, a eloquência tem sido ensinada mediante
a retórica. Durante o diálogo que propomos neste livro, limitaremos
nossa definição de retórica à sua articulação clássica: discurso
público persuasivo. Embora vivamos em uma época de
comunicação fragmentada, caracterizada por resumos midiáticos
esparsos, a verdadeira eloquência com fins de influência cultural
não se tornou menos necessária. Até mesmo o público menos
sofisticado pode perceber a diferença entre um falatório emocional e
uma opinião cuidadosamente ponderada. Mesmo que o tempo
atribuído ao discurso público tenha encolhido drasticamente desde o
século XVIII, aquilo que Jonathan Swift chamou de “palavras
apropriadas em lugares apropriados” ainda pode ter o efeito de
mover audiências do pensamento confuso ao raciocínio
fundamentado, ou da complacência à ação.
A educação cristã, devidamente considerada, sempre inclui o
objetivo de testemunhar o aluno usando seus conhecimentos para
impactar o mundo que o cerca. Não só esperamos que o formando
exerça discernimento sobre a própria vida e o modo de agir, mas
também que consiga articular um modo de vida melhor para aqueles
que o rodeiam.
Precisamos ter cuidado enquanto educamos o aluno para viver de
“maneira cristã” neste mundo; cabe ao educador ensinar-lhe mais
que o bom exemplo, torná-lo mais que alguém irrepreensível na vida
particular. Ensinar o aluno a pensar, a discernir e a comportar-se
com sabedoria deve acompanhar a fomentação de um senso de
dever: lutar para que esses mesmos valores sejam aplicados na
sociedade. Se cremos que o viver cristão é o cumprimento nesta
vida daquilo que Deus objetiva para a humanidade — se ser cristão
é, de fato, algo “bom para nós” —, então podemos, legitimamente,
concluir que viver em uma sociedade influenciada por Cristo pode
ser bom para qualquer pessoa, mesmo para aqueles que não
professam a fé. O cidadão gracioso, articulado, que aprendeu a
considerar e a comunicar-se a partir de toda a gama de interesses
humanos terá maior facilidade para influenciar aqueles que vivem no
mundo moderno do que aqueles que perderam esse conjunto de
habilidades em sua educação.
Além do poder intelectual e espiritual de Agostinho, há outra razão
para buscarmos nele e em seus contemporâneos conselhos acerca
de como educar atualmente. Agostinho viveu em um período
parecido com os nossos dias. No final do século IV d.C., quando
muitos escritos dele tratavam sobre educação e cultura, os
fundamentos do Império Romano, embora no ápice de seu poder e
influência sobre o mundo, estavam desabando. Ameaçados
externamente pelos bárbaros germânicos e quebrados internamente
pelas políticas sinuosas de afluência, a sociedade romana se
encontrava à beira do colapso.
Em meio a tudo isso, sim, o cristianismo ganhava força política e
demográfica, mas nem tudo ia bem com esta fé de quatrocentos
anos. Heresias germinavam como ervas daninhas. O poder político
levou ao sincretismo e à complacência moral. Gerações de cristãos
enérgicos surgiam e desapareciam enquanto muitos, sentados no
banco das igrejas aos domingos, comprometiam-se com a fé de
seus antecessores apenas de lábios. A igreja tendia em direção aos
polos de conformidade ou separação culturais, com pouca
capacidade de criar uma visão cristã única da sociedade ou torná-la
realidade.
Agostinho entra em cena durante esta tormenta, dotado de uma
perspectiva abrangente sobre o que significa habitar em dois
mundos simultaneamente. Ele instruiu suas ovelhas e a igreja em
geral nas habilidades necessárias para entender e aceitar as
limitações da sociedade caída, estimulando o aqui e o agora aliados
com os valores celestes. Sua investida por sabedoria e eloquência
ressoa no século XXI.
A FORMA
Propomos o que é mais apropriada e precisamente chamado de
abordagem educacional cristã das Artes Liberais e Ciências.
Reconheçamos que alguns têm rotulado elementos dessa tradição
de “clássica”, mas pretendemos explicar a tradição com base em
seu desenvolvimento histórico e sua eficácia prática, lançando novo
olhar sobre — ao menos assim cremos — os resultados que a
tradição tem por propósito. Sustentamos que as artes e as ciências
têm, durante séculos, fornecido, e continuam a fornecer a melhor
forma de transmitir verdadeira sabedoria e eloquência a todos os
que estão dispostos a enfrentar o desafio.
Sim, nossa abordagem neste livro foca nos fins ou resultados
desejados pela educação cristã; uma obra sobre educação,
contudo, não será de muita ajuda, ou suficientemente interessante,
sem sugestões sobre como alcançar seu propósito. Estruturas
curriculares, especialmente as que dependem de ideias
“antiquadas”, até mesmo antigas, acerca do ensino e da educação,
precisam de contexto. Desde que propomos uma abordagem não
convencional para a escolarização, devemos ser capazes de
demonstrar que as ideias extraídas de nosso estudo têm bases
históricas e empíricas inclinadas ao sucesso.
Se a sociedade carece de líderes sábios e eloquentes, as escolas
cristãs devem estar na vanguarda da educação de pessoas para
tais papéis. A tradição das Artes Liberais tem produzido, de forma
confiável, homens e mulheres criativos e ativos, cujo impacto na
cultura ocidental perpassa milênios. As demandas e oportunidades
da escola cristã que abraça essa tradição munirão o aluno de
habilidades culturais práticas para as próximas gerações.
Universidades que ainda adotam as Artes Liberais e Ciências há
muito compreendem o amplo escopo do currículo liberal como
aquele que melhor prepara para a vida, que melhor provê a
verdadeira marca de uma pessoa educada, instruída. Tal postura
contrasta com a educação nas artes profissionais ou industriais, que
prepara o indivíduo para uma vocação específica e resulta no
cidadão devidamente treinado numa única disciplina ou habilidade.
Pessoas educadas nas Artes Liberais, cujas habilidades intelectuais
são transferíveis para o aprendizado de qualquer assunto ou ensino,
têm cada vez mais importância nessa economia em que o adulto
comum muda de carreira várias vezes ao longo da vida. Esta
realidade vai contra a experiência de nossos pais ou avós, quando
servir mais de quarenta anos em uma ocupação, até em uma única
empresa, era comum.
Os benefícios da educação nas Artes Liberais e Ciências não se
limitam historicamente ao aluno universitário; sua aplicação mais
verdadeira, em contexto histórico, começa com as crianças
pequenas. É essa aplicação que defendemos com ímpeto e vigor.
Quando quer que comece, o coração da tradição das Artes
Liberais é o âmago do currículo. Seu impacto cultural fez-se
possível graças a compromissos filosóficos que apoiaram a visão da
sociedade proposta por Agostinho e seus descendentes intelectuais
e espirituais. Se seriamente consideramos encontrar uma aplicação
relevante dessa tradição para o século XXI, temos de nos perguntar
sobre nossos próprios compromissos filosóficos. Uma vez aceita a
responsabilidade, como é que as nossas escolas devem ser e se
portar? O que de fato as distingue das demais? E, como educadores
cristãos, quais convicções devemos adotar para envolvermos
plenamente nossos alunos na tradição das Artes Liberais?
O QUE NÃO SOMOS
As teorias pedagógicas que predominam hoje descendem de
educadores modernistas do final do século XIX e início do século
XX. Ícones culturais como John Dewey, da Universidade Columbia,
fortemente influenciados pelo pragmatismo filosófico de William
James e Charles Peirce, construíram uma mentalidade educacional
“progressista”, normalmente caracterizada por pelo menos três
prioridades:
1. Inserir o aluno no centro do processo educacional,
substituindo ou ignorando a tradição cultural em que se
encontra.
2. Educar o aluno de acordo com avaliações deterministas de
aptidão que prescrevem ora a preparação universitária para
alguns, ora a educação vocacional para outros.
3. Grosso modo, “vocacionar” o processo de educação,
preparando o aluno para atuar sobretudo na economia.
John Dewey foi um teórico brilhante e complexo que permaneceu
aberto ao longo da vida: suas ideias seriam testadas; e, necessário
fosse, refutadas. Entendemos que o próprio Dewey não deve ser
responsabilizado por todo o desvio dos princípios tradicionais na
educação americana, mas seu impacto nas teorias subsequentes é
profundo. Assim, embora as expressões atuais da educação
“progressista” nem sempre sejam diretamente atribuídas a Dewey,
estamos convencidos de que seu trabalho criou uma mudança
sísmica da teoria educacional americana tradicional, culminando em
enormes consequências negativas para os alunos e para a nossa
sociedade.
É importante notar que o “progressismo” não se limita à arena
educacional pública. A maioria das escolas particulares adotou
metas e métodos progressistas na elaboração do currículo, até
mesmo ao justificar sua existência com base em benefícios sociais
ou espirituais contra seus homólogos da escola pública. Somos
forçados a dizer que, por constatação inequívoca, as crianças não
conseguem aprender em um ambiente progressista. No entanto, é
importante estar apto a discernir as diferenças que normalmente
existem entre as escolas que abraçaram a tradição educacional das
Artes Liberais e aquelas que aceitaram pressupostos progressistas
e modernistas acerca do ensino, da educação e do aprendizado.
Devido à estreita associação com o modernismo, o progressismo
identificou-se, na educação, com o secularismo. Os primeiros
progressistas eram fortes secularistas — modernistas convencidos
de que a devoção religiosa, especialmente entre os educadores,
impede a descoberta científica e o progresso social. A necessidade
política da secularização nas escolas públicas apenas reforçou a
posição das teorias progressistas, porque relegam em grande parte
a religião às margens da personalidade do aluno. Educadores de
escolas particulares, e até mesmo educadores cristãos, no ímpeto
de recomendar a própria escola aos pais já contentes com a
banalidade da educação convencional, cada vez mais adotam e
incorporam materiais curriculares e métodos de ensino
progressistas nas salas de aula.
A escola cristã que adota de forma acrítica ideias progressistas
cai inevitavelmente num currículo de facto compartimentado,
dualista, separando o sagrado do secular. Embora seja injusto
caracterizar escolas cristãs de orientação progressista como
“secularizadas”, ainda é característica do pensamento não cristão
separar o sagrado do secular. Tornamo-nos secularizados na
medida em que as estruturas curriculares em nossas escolas não
sustentam uma integração consistente e penetrante do sagrado nas
experiências acadêmicas e sociais do aluno.
Visto que o pensamento sob as Artes Liberais é, atualmente,
posição minoritária em nossa sociedade, coisa fácil é considerar-se
insurgente cultural. No entanto, importa lembrar que o modernismo
derrubou uma tradição de 2 500 anos. A visão modernista, e não a
cultura que estamos recuperando para a sala de aula, é que faz o
papel de insurgente. Sendo assim, contra quais ideias acerca do
ensino, da educação e do aprendizado as teorias progressistas se
rebelaram?
PRESSUPOSTOS
A tradição das Artes Liberais pôs a fé diretamente no centro da
identidade humana. Dos pagãos gregos a Agostinho, ser alguém
significava ser inerentemente religioso. Refletindo a proposição de
Salomão, “o temor do SENHOR é o princípio da sabedoria”
(Provérbios 1.7; 9.10), Agostinho entendeu que a fé religiosa era
inextricavelmente distinta da compreensão de mundo inerente ao
homem. As diferentes opiniões acerca da natureza da realidade
foram consideradas diferenças entre visões de mundo. O propósito
da educação em tal economia intelectual era aprofundar a
compreensão espiritual por meio da crença em um universo aberto,
divinamente ordenado, como meio necessário para compreender a
si mesmo e o próprio lugar no mundo.
Foi com o ceticismo que a educação moderna substituiu a fé
como elemento fundamental de certeza. Parece irônico, mas, na
educação, o resultado do racionalismo ou da descrença no
sobrenatural é uma grande incerteza quanto ao que é ou não real.
Atualmente, na maioria das escolas, o aluno é ensinado sob uma
epistemologia confusa, na qual a certeza, especialmente em relação
a qualquer realidade fora das ciências, é considerada sinal de
arrogância intelectual. Nesse contexto, conhecer uma tradição e
dela depender equivale à preguiça do intelecto.
O entendimento tradicional da natureza humana também sofreu
radical reconstrução. Na tradição das Artes Liberais, a natureza
humana é entendida como imutável. Para os gregos, significava que
a tragédia da condição humana também era irremediável. Como
cristãos, porém, entendemos que a Bíblia ensina que a natureza
humana caída, embora corrigível com a redenção, é constante. As
pessoas são quem são, em todos os momentos e em todos os
lugares, desde o momento da queda do homem até o presente.
Desse modo, a sabedoria adquirida em 2 000 a.C. é totalmente
relevante para aqueles que vivem quatro mil anos à frente.
As visões modernistas da natureza humana descrevem a
identidade humana como em constante estado de fluxo. Psicólogos
evolucionistas postulam que as melhorias na consciência de nós
mesmos, simbolizadas em mudanças políticas, como o sufrágio
feminino ou a abolição da escravidão, constituem uma mudança na
“consciência” (sinônimo de natureza humana).
Quanto mais radical for a visão acerca da mutabilidade da
natureza humana, tão menos relevantes ficam as experiências e
tradições que nos precederam. Por exemplo, numa época em que
existe consenso moral justificável contra um indivíduo ser dono de
outro, há pouco ou nada que aprender com escritores de uma época
em que a escravidão era aceita e considerada norma. Portanto, o
conhecimento e o pensamento de Thomas Jefferson, por exemplo,
tornam-se irrelevantes para a geração atual. Isto certamente estava
por trás do pensamento de John Dewey quando escreveu: “Quanto
mais esclarecida a sociedade, mais percebe que é responsável não
por transmitir e conservar a totalidade de suas realizações
existentes, mas apenas o que for necessário para transformar o
meio social futuro num lugar melhor. A escola é a principal agência
para a realização desse fim”.3 Dewey não está simplesmente nos
aliviando da responsabilidade de conservar nosso patrimônio
cultural; ele vai além: Dewey coloca sobre nossos ombros a
responsabilidade de justamente não conservar sua maior parte. Tal
lógica produz as mais elevadas formas de arrogância cultural e
inocula estudantes contra os tipos mais úteis de compreensão
histórica. Quem escolherá quais partes de nossa herança devem ou
não ser conservadas?
Um terceiro pressuposto derrubado pelo modernismo e sua
descendência educacional diz respeito aos valores objetivos. Na
tradição das Artes Liberais e Ciências, a verdade, a bondade e a
beleza são compreendidas como categorias objetivas de
conhecimento adquiridas sob investigação e estudo. De modo geral,
os gregos e os romanos eram absolutistas. Desentendimentos entre
pagãos quanto à natureza da verdade, da bondade e da beleza
relacionavam-se com as definições de seus próprios valores
absolutos. Era raro encontrar um pensador das Artes Liberais que
fosse digno de confiança mas não assumisse um absolutismo
básico. O cristianismo exige um grau ainda mais alto da certeza de
que a verdade, a bondade e a beleza são características do próprio
Deus. A perfeição em cada uma dessas arenas é genuinamente
concebível, porque as vemos perfeitamente reveladas e modeladas
na pessoa de Cristo. Portanto, buscar a verdade, a bondade e a
beleza vale a pena e constitui meta alcançável, mesmo sabendo
que não podemos conhecê-las ou praticá-las perfeitamente nesta
vida.
Tanto o modernismo quanto o pós-modernismo rejeitam todos os
absolutos. Contradições inerentes entre as visões concorrentes da
verdade, da bondade e da beleza são, finalmente, irrelevantes. Indo
para o lado mais abstrato, talvez gostemos de pairar sobre a noção
de que “a beleza está nos olhos de quem vê”, mas as
consequências podem ser terríveis quando o relativismo se depara
com a nossa compreensão da verdade e da bondade. Relativizar a
ética e a moral é resultado último do ceticismo que acompanha o
deslocamento da fé de nossa epistemologia cultural.
Por fim, o relativismo permite que cada pessoa defina sua própria
versão de cada um desses valores, resultando em um mundo no
qual seis bilhões de pessoas são encorajadas a viver de acordo com
definições não relacionadas, e mesmo opostas, a noções
fundamentalmente importantes para a harmonia civil.
Ao levar esse pensamento ao seu extremo lógico, não se pode
relegar Hitler à categoria de “mal moral”, porque a categoria deixa
de existir. Em vez disso, o professor moderno cria para o aluno uma
arena de exercícios éticos que determinam se os campos de
extermínio nazistas foram, em geral, úteis ou prejudiciais, a
depender do ponto de vista individual. O fim deste credo é o
desastre educacional. Em forte contraste, porém, a educação cristã
das Artes Liberais e Ciências rejeita esse relativismo ao cultivar em
seus herdeiros a genuína sabedoria e eloquência, preparando-os
para uma vida culturalmente relevante em dois reinos ao mesmo
tempo.
DOIS
A COMUNIDADE DE FÉ
E DE APRENDIZADO
A educação que propomos é, necessariamente, caracterizada por
padrões elevados de realização acadêmica. E, embora exija rigor
por parte do currículo e trabalho duro dos alunos e educadores, tal
educação pode existir em diversas configurações. Ainda que
essencial, o sucesso acadêmico por si só não corresponde à
experiência educacional culturalmente relevante que objetivamos
para nossos alunos. A formação da cosmovisão e o
desenvolvimento do caráter são dimensões fundamentais dessa
estrutura, os quais dependem em grande medida do cultivo de um
ambiente educativo coerente com o que oferecemos.
Porque desenvolver o caráter deve ser um dos objetivos da
educação que propomos, nosso primeiro compromisso há de ser a
integridade do caráter institucional que representamos. A
integridade que caracteriza a instituição e as pessoas que a
compõem levarão naturalmente à integridade do desenvolvimento
de caráter. No entanto, escolas cristãs por vezes sofrem de
confusão de identidade, porque não são tão compreendidas quanto
outras organizações humanas instituídas por Deus. Cada um de nós
tende a atribuir às escolas as características de outra instituição
melhor compreendida, a depender do quadro pessoal e individual de
referência ou análise. Alguns tendem a ver a escola como uma
“família”, enquanto outros a veem como um “negócio”. Ambos estão
errados. Além disso, em particular as escolas cristãs por vezes são
confundidas com igrejas; e, a depender da comparação mais
cômoda, esperamos que a escola se comporte ou funcione ora
como família, ora negócio, ora igreja, sentindo-nos confusos quando
determinado ponto referencial não coincide.
Bom, a verdade é que escolas são... escolas. Elas têm posição
única na ordem de Deus para as instituições humanas e são melhor
servidas e servem melhor se exibindo características e
comportamentos únicos e próprios. Uma vez que não são famílias,
não cabe à escola desempenhar as funções familiares. Eis um fator
particularmente confundido nos tempos modernos, já que a
instituição escolar assumiu a responsabilidade de preparar as
crianças nos conceitos básicos da saúde humana, ou “educação”
sexual, e tomou para si a incumbência de oferecer cuidados
prolongados ou refeições antes e depois das aulas. Da mesma
forma, algumas escolas cristãs confundem-se com a igreja, por
exemplo, evangelizando, servindo a Ceia durante um culto escolar,
recriando uma cultura de grupos de adolescentes ou insistindo que
professores preencham as qualificações bíblicas para o presbitério.
Embora escolas denominacionais possam legitimamente incluir
algumas dessas práticas, vale reconhecer que elas pertencem ao
domínio da igreja. Nesse caso, as escolas precisam proteger-se
contra os prováveis efeitos de exclusão que as práticas “parecidas
com as da igreja” podem surtir nos alunos e nas famílias de outros
ramos da igreja de Cristo.
A missão da escola, em poucas palavras, não é evangelizar, não
é assumir o papel dos pais, nem gerar receita, mas educar. Sendo
assim, visto que representa uma comunidade de pessoas que se
reúnem para atingir o duplo propósito de ensino e aprendizado, as
escolas são comunidades de ensino e aprendizado. Quando essa
missão é considerada no contexto da vida de fé cristã, alcança-se
um propósito mais elevado — o discipulado. Idealmente, quando
cristãos se reúnem em tais comunidades, o ensino e o aprendizado
são integrados à fé, e a educação que ali ocorre conduz o coração e
a mente jovem à transformação e a uma maior semelhança com
Cristo. Tais escolas são comunidades de fé e de aprendizado. É
nesse contexto de “escolaridade” que somos mais capazes de
alcançar o objetivo educacional de transmitir a sabedoria e a
eloquência, é nele que manteremos nosso foco diante do propósito
de enfatizar a formação da cosmovisão, o desenvolvimento do
caráter, a qualidade acadêmica e a relevância cultural.
Infelizmente, a noção prática de integrar a fé a qualquer iniciativa
é rara atualmente. Por isso, construir uma comunidade que combine
inextricavelmente fé e aprendizado é algo, ao mesmo tempo, natural
e assustador: natural porque a cosmovisão bíblica pode ser
logicamente estabelecida como ponto de vista epistemológico (como
conhecemos) e como base relacional para o ensino e o
aprendizado; assustador porque as exigências da fé cristã são
absolutas, e cada aspecto da vida em conjunto dentro da escola
reflete nosso grau de comprometimento com essa integração.
ETHOS
Se, como analisaremos brevemente, o currículo é o “esqueleto”
do organismo escolar que fornece forma e capacidade para levar a
missão da escola à sala de aula, o ethos é o “coração” dessa
comunidade. É aqui que a comunidade de fé e aprendizado
encontra sua expressão mais profunda. Por ethos queremos dizer a
essência ou a “sensação” da escola enquanto comunidade de fé e
de aprendizado.
Há alguns anos, eu (Evans) li uma série de artigos sobre as
“melhores escolas do Ensino Médio da América”, publicados na U.S.
News and World Report. Uma das instituições era uma escola
judaica exclusiva para garotas, na cidade de Nova Iorque. Ao ler
este artigo em particular e olhar para as fotos, fiquei impressionado,
com um pensamento cataclísmico: essas garotas parecem felizes!
Saindo para o corredor da minha própria escola, observei meus
alunos do Ensino Médio trocando de sala; eles tinham o semblante
sério e pareciam com pressa, um tanto ansiosos, talvez produtivos,
mas não felizes. Percebi então que minha escola tinha um problema
de ethos e que algo precisava mudar.
Em contraste, eu (Littlejohn) talvez nunca tenha recebido honraria
maior enquanto diretor do que esta que relato a seguir. Há mais de
uma década, uma comitiva nos visitou. Depois de muita leitura e de
ouvir diversas palestras por todo o país explicando detalhes da
educação “clássica”, certo grupo de pais e educadores ficou
desiludido com a perspectiva de fundar uma escola nesses mesmos
moldes. Eles começaram a acreditar que a abordagem seria rígida e
hostil demais para beneficiar crianças “normais”. Como último
esforço, agendaram uma viagem para Virgínia e, depois de um dia
observando, reuniram-se no meu escritório com um sorriso
estampado. Todos ficaram emocionados ao saber que foram
convencidos de uma abordagem educacional superior e que esta
poderia ser administrada em uma atmosfera de aceitação, graça e
inclusão, ao contrário do que haviam aprendido. Eles simplesmente
apreciaram o ethos da escola.
Desde que o aluno é matriculado na escola e até o dia em que sai
formado, o ethos da comunidade de fé e aprendizado colore a
totalidade da experiência discente. Da sala de aula ao vestiário, da
capela ao intervalo, todas as circunstâncias têm efeito encorajador
sobre o aluno. Todo encontro sensorial e relacional deixa impressão
duradoura. Alguns maiores, outros menores, mas todos definem a
experiência dos alunos, e cada um contribuirá com o resultado
daquilo que eles chamarão de educação.
Ethos é a expressão e manifestação inarticulada daquilo que a
comunidade valoriza. Inclui a qualidade dos relacionamentos
internos à escola, as tradições, o comportamento profissional, a
gestão da sala de aula, o decoro fora de classe, a personalidade
estética da escola refletida nos códigos de vestimenta do aluno e da
equipe, a imagem visual e auditiva, e a própria planta arquitetônica.
O ethos é integrado à cultura acadêmica, incluindo o currículo, a
pedagogia, o preparo da equipe e o aprendizado dos alunos. O
ethos é a maneira pela qual a escola expressa (ou não) a verdade, a
bondade e a beleza por meio das experiências de cada um que
passa por seus corredores.
RELACIONAMENTOS
Após décadas de experiência no ensino primário e secundário, é
interessante notar o pouco que nos lembramos da experiência
cotidiana em sala. Das influências acadêmicas que predominam na
memória, lembramo-nos mais daqueles professores e gestores que
nos valorizaram do que de planos pedagógicos sofisticados. Ainda
mais fáceis de recordar são os amigos com quem brincamos,
cantamos, viajamos, fizemos maquetes — e, sim, estudamos.
O fato é que, no momento em que concluímos o Ensino Médio,
estávamos completamente inseridos nas agonias da adolescência;
e, embora tivéssemos em mente o futuro de provas, bolsas e
vestibulares, nossa vida baseava-se no aqui e no agora. Crianças e
adolescentes têm a incrível habilidade de permanecer arraigados no
presente, mesmo que este continuamente desvaneça por entre seus
dias. Em todas as nossas tentativas de formá-las pessoas para o
futuro, suas inclinações naturais se concentram no hoje. E do hoje
— aquela festa, a façanha maluca na aula de química, o bilhete do
intervalo fixado no armário — é que eles costumam se lembrar. O
desafio ao educador cristão é, ao moldar o adulto emergente no
aluno, extrair proveito e vantagem do aqui e do agora.
Fazer malabarismo com essas duas realidades pode ser um
desafio colossal. Mas, antes do pânico, achando que não vamos
conseguir incutir qualquer tipo de foco e propósito nos alunos,
lembremo-nos do seguinte: embora não consigamos exercer
controle sobre diversas perspectivas do ambiente escolar, sobre
muitas outras conseguimos e devemos. À medida que assim
procedemos, levamos o aluno para além dos efeitos da mera
enculturação e lhe concedemos os dons duradouros que resultam,
como dissemos anteriormente, da formação espiritual, intelectual e
cultural, a qual contribui com esplendor para o caráter emergente do
incipiente portador da imagem do Criador.
Mas por onde começar? Todo relacionamento — entre professor e
aluno, aluno e aluno, professor e professor, professor e gestor,
professor e pais de alunos — deve ser caracterizado pelo respeito
mútuo e pelo reconhecimento geral de que ambos portam a imagem
do Criador. O aluno precisa ser ensinado de forma natural. Espera-
se, certamente, que ele respeite adultos da comunidade, ainda que
encorajado a, se necessário, expressar opiniões contrárias às
defendidas pelos mais velhos. Esta demonstração de respeito
assumirá formas distintas em diferentes partes do país, e, em certa
medida, dependerá de escola para escola, ainda que na mesma
região (por exemplo, “sim, senhor”, “sim, Sr. Smith” ou simplesmente
“sim”). Contudo, as normas e diretrizes para postura e interação
respeitosa devem abranger o conceito todo da escola, seguindo os
princípios do discurso civil a serem reforçados consistentemente.
É igualmente importante que os professores respondam aos
alunos com respeito genuíno, não menosprezando suas opiniões,
suas contribuições ou sua personalidade. Os alunos devem saber,
mesmo quando corrigidos por imprecisões acadêmicas ou
disciplinados por comportamentos inapropriados, que seus
professores são “a favor” deles. Que cabe respeitá-los como
portadores da imagem de Deus jamais deve ficar em jogo. Docentes
que, intencionalmente, se consideram parceiros dos alunos no
aprendizado e no crescimento, proporcionam-lhes uma tremenda
ocasião formativa. Da mesma forma, vez e outra redescobrimos que
aqueles alunos incumbidos de moldar a cultura e as tradições da
própria escola tendem a respeitar e a participar da comunidade com
maior entusiasmo. O zelo estudantil certamente tem seus riscos,
mas aprender a gerenciá-los e a dispor-se a corrigir as falhas faz
parte do que pode tornar a educação cristã um processo tão
dinâmico.
Professores e gestores precisam sempre mostrar o respeito
mútuo como profissionais e colegas na comunidade de fé e
aprendizado. Óbvio dizer, nenhum membro da comunidade escolar
deve ser menosprezado, nem suas opiniões, por mais simplórias
que sejam, na frente de estudantes, pais ou colegas. Diferenças são
reconhecidas, mas de forma a reforçar o valor que mesmo opiniões
contrárias têm para contribuir com “a grande conversa”. As
diferenças persistentes devem ser abordadas de forma audaciosa,
cara a cara, com graça, visando proteger os melhores interesses da
comunidade escolar, em particular dos alunos. Se os profissionais
devem abordar uns aos outros por títulos é uma questão particular
para cada escola, mas, quaisquer que sejam, políticas a esse favor
devem ter ampla aceitação, e o relacionamento central entre os
funcionários da escola deve ser caracterizado por uma aceitação
mútua e calorosa como membros iguais da mesma comunidade.
Os alunos devem ser estritamente responsabilizados pelo respeito
mútuo. Poucas coisas perturbam tanto a harmonia do ambiente
educacional quanto tolerar maus tratos entre alunos. Nada irrita
tanto os pais quanto a agressão física ou verbal contra seus filhos, e
nenhuma desculpa é suficiente para justificar ou trazer paz. Ao
professor ou gestor é melhor enfrentar uma ursa que perdeu seus
filhotes que ter de encarar a mãe cujo filho foi injustiçado —
especialmente quando a escola não apresenta um plano de ação
claro para resolver o problema. Uma vez que professores e gestores
não podem ouvir nem ver tudo, os alunos devem ser ensinados a
avaliar — e recompensados por isso — a diferença entre
“bisbilhotar”, um artifício para chamar a atenção ao comportamento
alheio como meio de ganho ou vingança pessoal, e “trazer o erro à
luz”, motivado (idealmente) pelo desejo de preservar a paz e
fomentar o convívio pacífico. Talvez haja uma linha tênue entre os
dois na mente do aluno, mas, com reforço consistente, a diferença
pode ser aprendida e praticada.
Princípio semelhante aplica-se a questões de honra. Todas as
universidades americanas mais famosas tinham códigos de honra
em uma determinada época ou outra, e muitas escolas privadas
imitaram esta forma adotando códigos contra mentiras, cola e furtos.
A maioria das normas de conduta contém uma condição específica:
se sabe que um colega se comportou de forma desonrosa, de modo
a trazer vergonha para a escola ou prejudicar a integridade da
comunidade acadêmica, o aluno consciente dessa realidade é
obrigado a trazer a ofensa à luz. Instituições conhecidas por sua
qualidade, como academias militares, a Universidade de Virgínia e a
Davidson College, ainda possuem códigos de honra rigorosos e
promovem suas políticas de tolerância zero como características
norteadoras. Outro componente comum dessas normas é um
conselho de honra liderado por alunos, que julga casos em que os
colegas são acusados de mentir, colar ou furtar. Mais uma vez,
existem riscos para o zelo estudantil, mas suas recompensas
podem exercer um poderoso impacto sobre todos os envolvidos.
A disciplina, bem como a instrução, deve ser sempre
individualizada. O que funciona com um aluno pode não funcionar
com outro, e cada um “merece” a atenção especial das medidas
disciplinares que se provam eficazes de maneira particular. O
desafio, claro, é garantir que essas medidas sejam justas. Dizemos
“justas”, e não “adequadas”, porque a imparcialidade pressupõe
uniformidade e “igualdade” para todos. A disciplina deve “ser
condizente ao crime”, para qualquer aluno em qualquer situação.
Eu (Littlejohn) me lembro de uma professora que, há alguns anos,
advertiu determinado aluno que havia cometido a mesma infração
diversas vezes. Finalmente, frustrada, ela o advertiu de que, se a
repetisse mais uma só vez, ele não participaria do próximo passeio
com o restante da turma. O aluno não conseguiu resistir ao desafio
e, sob a fiel palavra da professora, foi excluído da viagem. Nesse
caso, a mãe muito habilmente me conscientizou da “injustiça” ao se
voluntariar (fingindo apoio à decisão do professor) a manter a
criança na sala de aula revisando suas lições durante o dia todo.
Esta “parceria” entre pai e professor não deu muito certo. Depois de
ouvir mais detalhes, aconselhei a professora, que desde há muito já
havia percebido sua severidade, afirmando que admitir uma decisão
errada e dela retroceder é, na verdade, um bom exemplo de
humildade e justiça para os alunos. Em contraste, o sucesso pode
surgir da parceria entre educador e pai: o professor pergunta quais
medidas disciplinares surtem efeito sobre os filhos. “O que o seu
filho não gosta de fazer?” é um meio bastante legítimo de descobrir
a única coisa que funcionará com um aluno rebelde.
No geral, não cabe ao educador exagerar dificuldades em
potencial, por exemplo, amontoando regra sobre regra em sala.
Alguns educadores cristãos brincam: “quando nos deu os
mandamentos, Deus os limitou a dez”; diferente desses, já outros
acham que longas listas de regras são apropriadas e legítimas.
Recomendamos uma pequena lista de regras gerais e que, nela, o
professor mencione no máximo cinco normas a serem obedecidas
em sala, ensinando-as durante a primeira semana de aula e as
consequências de desobedecê-las. Estejamos certos de disciplinar
por infrações claras, e não porque houve falta de atenção devido à
lista de regras que é extensa demais. Agora, apesar disso, uma das
normas para cada sala de aula pode muito bem ser: “siga as
instruções dadas para cada exercício ou atividade”. Essa tende a
cobrir “uma multidão de pecados”.
A disciplina na escola cristã que segue as Artes Liberais deve
alcançar aquele equilíbrio entre graça e responsabilidade. A
integridade dos relacionamentos é uma das nossas principais
prioridades; logo, desejamos que o fim de cada disciplina seja a
reconciliação entre alunos ou entre alunos e seus professores.
Nosso objetivo deve ser, na medida do possível, facilitar um padrão
bíblico de confissão, arrependimento, perdão, restauração (incluindo
reparações justas) e reconciliação. Gestores, educadores e
funcionários no geral precisam estar preparados para ajudar o aluno
a manter relacionamentos saudáveis com seus colegas e
professores, com pronto apoio daqueles que administram a escola e
dos pais.
Ensinar ao aluno os mandamentos de Deus significa ajudá-lo a
aprender a obediência ao comparar seu comportamento com os
requisitos bíblicos; cabe ao professor elogiá-lo quando obedece e
corrigi-lo adequadamente quando não o faz. Também ensinamos o
aluno a viver dentro dos padrões sociais convencionais. Assim,
mesmo que a Bíblia não nos diga tudo o que devemos fazer,
legitimamente pedimos que o aluno manifeste cortesias já
subentendidas — cortesias ordinárias que o recomendarão a outras
pessoas durante o percurso pelo mundo além dos intramuros
escolares.
A sinceridade deve caracterizar a relação entre pai e professor. É
preciso haver transparência sobre o filho-aluno. O espírito de
trabalho em equipe precisa ser cultivado. Costumamos dizer aos
pais: “Não vamos acreditar em tudo o que seu filho disser sobre
você, mas isso se você não acreditar em tudo o que ele disser sobre
nós”, embora algumas coisas não devam ser ignoradas. Quanto
antes o professor tiver um bom relacionamento com os pais, tão
melhor será, de modo que os problemas que surgem possam ser
abordados da melhor forma e o mais depressa possível. Gestores
ou superintendentes do corpo docente que tomam consciência de
conflitos entre pais e professores fazem certo quando entram em
cena e se juntam com os dois lados, para todos resolverem a
situação de forma rápida e responsável, antes que as coisas tomem
maiores proporções e saiam do controle. Uma vez que pai e
professor chegam e saem dessas reuniões juntos, não resta espaço
para cogitar panelinhas ou conluios.
Permita-me fazer uma observação final sobre a sinceridade e
transparência nos relacionamentos dentro da escola: fofocas
envenenam a comunidade, causando danos profundos e
irreparáveis. É difícil colocar de volta a pasta de dente dentro do
tubo. Em princípio, professores, pais e funcionários são chamados a
tratar do problema com a pessoa em questão. Este é o princípio
bíblico de Mateus 18 e Tiago 4.11, e todo esforço para educar a
comunidade escolar a esse respeito será tempo gasto com
qualidade. Ao ouvir qualquer tipo de reclamação, é sábio perguntar
àquele que tece a crítica: “O que essa pessoa disse quando falou
com ele (ou ela) sobre suas inquietações?”. Sem uma resposta
positiva a essa pergunta, a próxima resposta apropriada pode ser:
“Que tal falarmos com ela juntos?”.
Diretores e membros do conselho costumam ouvir queixas
mútuas de pais e professores. Boa parte dos gestores tende a
solucionar os problemas de forma branda e imparcial, e há um
princípio básico que pode nortear nossa reação durante os conflitos
escolares: decisões devem ser tomadas e os problemas resolvidos
desde as bases mais essenciais da organização.
Comprometer-se com esse princípio ajuda a tornar todos na
escola igualmente responsáveis pela harmonia e caridade cristã.
Líderes que se envolvem demais na resolução de conflitos podem
acabar, mesmo involuntariamente, tomando para si a
responsabilidade que é de outros, roubando-lhes a postura adulta,
madura e comprometida com a integridade da fé e do ensino.
Gestores devem aprender a diferença entre responsabilizar alguém
pela resolução de conflitos e envolver-se demais para resolver
qualquer conflito que venha a surgir.
TRADIÇÕES
A tradição é uma das coisas que mais ajuda o aluno a identificar-
se com a comunidade de fé e ensino, a deixar uma impressão mais
duradoura. Mas, a menos que a escola tenha um conjunto sólido de
tradições e estável há décadas, é provável que estas mudem à
medida que novas gerações tomam lugar.
Aquela cerimônia que envolve toda a comunidade escolar é o tipo
de espaço mais propício para estabelecer tradições longevas.
Assembleias, formaturas, aulas inaugurais e cultos de apresentação
oferecem a oportunidade de comemorar e promover as
características essenciais da missão que a escola carrega.
Tradições sociais também são cruciais para dar aos alunos um
senso de identidade dentro da escola. Bailes de formatura ou
banquetes, festivais religiosos e outras festividades, eventos assim
refletem os valores da criança interior (não infantis) ou joviais de
nossos alunos. Lembre-se, a escola é também para crianças, e as
atividades sociais promovidas por nossas instituições, além de
incutir valores institucionais, devem ter aparência relevante para
aquilo que, independentemente da idade, o aluno valoriza. Eventos
assim, munidos de tradição, proporcionam momentos de parceria,
formação e desenvolvimento entre os alunos mais velhos e os mais
novos, uma vez que os do Ensino Médio se juntam com os do
Fundamental para um dia de atividades especiais com toda a
escola. São relacionamentos que conseguem formar as bases de
uma tradição. Algumas escolas colocam turmas inteiras em pares
(segundo ano do Ensino Médio com o sétimo ano, por exemplo)
para atividades de mentoria e um senso de “passar o manto”;
enquanto, respectivamente, a classe mais velha se forma, o
segundo ano do Ensino Médio em ascensão torna-se então a classe
mentora a assumir o sétimo ano em formação.
ATIVIDADES EXTRACURRICULARES
Para muitas escolas, a tradição começa a surgir em torno de
atividades esportivas e outras interações extracurriculares. Essas
são áreas extra-acadêmicas em que a instituição investe porque
condizem com seus propósitos acadêmicos, isso se não forem
essenciais à sua missão e identidade. O desafio no
desenvolvimento de atividades extracurriculares é planejá-las de
modo que aprimorem, e não prejudiquem os propósitos da escola e
seus amplos objetivos para cada aluno.
O exemplo de uma de nossas escolas pode servir de ilustração.
Na Regents School of Austin, um dos cinco objetivos estratégicos
para a experiência dos alunos está ligado ao desenvolvimento da
liderança cultural. Dado o estado da cultura hoje e seus pré-
requisitos, a escola identificou três áreas básicas de atuação que
impulsionarão os alunos a papéis de formação cultural: poéticos,
artísticos e atléticos.
Neste formato, a “poética” relaciona-se com atividades
extracurriculares competitivas que empregam habilidades derivadas
especialmente das Artes Liberais, como simular tribunais e
julgamentos, organizar debates e partidas de xadrez — exercícios
intelectuais ou persuasivos. As atividades artísticas têm que ver com
a criação e apresentação de trabalhos artísticos em exposições,
peças de teatro, concertos, etc. O atletismo refere-se a competições
e partidas interescolares patrocinadas pela instituição.
Em cada caso, o currículo formal contribui para as atividades
extracurriculares que levam os alunos sala de aula afora e ao
contato com a comunidade. Porque no mundo de hoje políticos,
artistas e atletas são nossos ícones culturais, exercícios e
concursos poéticos, artísticos e atléticos preparam o aluno para o
posicionamento nessas esferas de influência cultural.
CONDUTA ESTUDANTIL
Este antigo termo escolar tem muito que dizer sobre os propósitos
para nossos alunos. Seu comportamento e postura dentro do
ambiente escolar são reflexos fundamentais da seriedade com que
eles assumem a responsabilidade de construir e preservar a cultura
escolar e, no processo, o desenvolvimento do caráter estudantil.
O conhecimento das Escrituras (quando catalisado pelo Espírito
Santo) conduz logicamente à fé em Cristo, o que, por sua vez, exige
uma vida inteira de aprender a amar os mandamentos de Deus e
lhes obedecer. A obediência produz o que, em nossos dias,
chamamos de caráter — o que os apóstolos costumavam chamar
de piedade. Quando consigo dizer com confiança que meu aluno,
tendo desenvolvido um hábito intencional de obediência em vez de
desobediência, obedecerá em determinadas circunstâncias, é aí
então que posso credenciá-lo com caráter. Toda escolha moral tem
sua lógica por trás. É indispensável que a educação cristã exponha
constantemente essa justificativa, para o bem ou para o mal.
Nossas escolas devem ser laboratórios dedicados à constante
análise de escolhas que manifestam a piedade ou expõem a
hipocrisia de nossas convicções.
O caráter, quando evidente no hábito dos alunos, oferece campo
para o trabalho do Espírito Santo naqueles alunos em genuíno
processo de conversão. O caráter daquele aluno que simplesmente
aprendeu a não se queixar dos rigores da instrução é diferente do
fruto genuíno do Espírito, que lhe proporciona alegria em meio à
experiência acadêmica.
A marca da escola genuinamente cristã não é ter salas de aula e
corredores cheios de alunos que, coerentes e previsíveis ao
contexto, incorporam o fruto do Espírito. Em vez disso, deve ser o
lugar em que esses indicadores espirituais são celebrados e
modelados pelos professores, gestores e instrutores, a quem os
alunos imitarão.
A vestimenta é um dos elementos mais visíveis da conduta
escolar. Ambos os autores deste livro são proponentes entusiásticos
do uniforme, mas essa parte do código estudantil deve atender aos
critérios exigidos pelos demais componentes culturais, e não servir
de impedimento. Muitas escolas particulares tentam impor uma
cultura artificial ao optar por vestimentas superficiais.
Em Austin, Texas, região mais descontraída, seria antinatural
exigir gola abotoada e sapatos engraxados, seria forçar valores de
outras regiões sobre alunos cujos pais usam jeans e sandálias para
trabalhar. Em contraste, seria igualmente estranho se alunos
usassem jeans e sarja no cotidiano escolar de Atlanta ou Nova
Inglaterra. O grande ponto sobre os uniformes é que eles não
precisam ser formais, basta seguirem uma uniformidade. É válido
distinguir entre ocasiões para o uso de uniformes formais (por
exemplo, cultos e reuniões) e dos mais simples, já preparando os
alunos para ocasiões especiais em que é dia de “roupa livre”. Seja
como for, na hora de optar por determinado uniforme, cabe à
instituição considerar o cenário cultural em que está inserida.
É preciso também ter em mente que os tempos e o simbolismo da
moda mudam. Algumas universidades cristãs ainda proíbem a barba
em alunos e professores, uma vez que boa parte dos gestores
atingiu a maioridade nos anos 1970, quando deixá-la crescer
geralmente significava rebeldia. Dizer que um menino de orelha
furada nutre tendências homossexuais soa igualmente absurdo. O
estilo pessoal do aluno não deve prejudicar o aprendizado dos seus
colegas, mas o padrão das roupas precisa ser justificado de forma
realista. Às vezes, as normas nesse caso se resumem a uma
simples questão de gosto. Não vejo problema nisso, mas a escola
deve estar disposta a admitir quando for esse o caso, sem querer
justificar pela Bíblia todos os aspectos do código de vestimenta. São
artifícios que não enganam os alunos e, geralmente, fazem mais
mal que bem.
Apesar de tudo, não quero dizer que as roupas não exercem
impacto sobre a dinâmica real e cotidiana de uma escola. Pesquisas
demonstram que os alunos que se vestem conscientemente tendem
a levar seus estudos mais a sério e a ter um melhor desempenho. O
objetivo do código de vestimenta é reduzir o estresse que os alunos
(e seus pais!) enfrentam com opções de roupas, de modo a tratar
com seriedade o dever do aprendizado, a respeitar o privilégio de
aprender e antecipar o decoro profissional que será exigido da
maioria dos alunos em algum momento futuro.
Outra categoria do comportamento estudantil é a etiqueta. Alunos
que tratam adultos com respeito, que conversam com os colegas de
forma educada e que seguem as expectativas gerais da boa
etiqueta beneficiam a escola de várias maneiras.
Primeiramente, eles refletem a submissão cristã, apropriada à
interação com os mais velhos, de maneira que reconhecem a
autoridade divinamente ordenada dos professores, superintendentes
e líderes em geral. Embora vivamos numa sociedade democrática, o
universo é hierárquico, e Deus projetou o ser humano para
prosperar em submissão às autoridades. Reconhecer esse princípio
é um passo em direção à maturidade cristã, que não pode ser
ignorado.
Em segundo lugar, alunos instruídos promovem a harmonia
característica da comunidade que se compromete com a noção
bíblica de submissão mútua. Este senso de harmonia e cooperação
é evidenciado com a presença de gentilezas, como abrir a porta
para alguém, ceder a vez na fila, priorizar o interesse do próximo.
Em terceiro lugar, alunos que costumam tratar os outros com
respeito refletem a bondade dentro do ambiente escolar. Pais, avós
e qualquer outra pessoa associada à instituição ficam satisfeitos e
impressionados com a seriedade missional da escola quando
refletida em alunos que sabem se comportar. Não é hipocrisia pedir
que se comportem apenas por esse motivo. Aluno e professor:
ambos são embaixadores da missão escolar. O objetivo de todos
deve ser no mínimo não dar aos de fora motivos para duvidar da
sinceridade ou da abordagem da escola e das pessoas que nela
aprendem e trabalham todos os dias.
POSTURA PROFISSIONAL
Gestores e funcionários em geral não estão livres de refletir e
promover seus valores culturais de formas óbvias no ambiente
escolar. Na Our Savior Lutheran School, em Houston, Texas, alunos
e professores usam uniforme. A camisa polo bordada com o
distintivo da escola comunica que seus professores têm orgulho de
lecionar naquela instituição. Sem esse diferencial, docentes e
demais funcionários de escolas cristãs acabam se vestindo como se
fossem operários. Alguns educadores da rede pública de ensino
acabam zombando do uniforme letivo, resultando em instituições
lotadas de docentes cuja roupa mais parece um pijama. Esse
desleixo não só mancha a profissão, mas também fere os alunos,
pois, sim, boa parte deles percebe quando o professor se empenhou
ou não para ir trabalhar.
Cabe ao corpo docente e gestor, é claro, não apenas se vestir,
mas também se portar com profissionalismo. Já falamos sobre
questões de respeito mútuo e cortesia, mas a postura profissional
vai além, estendendo-se a hábitos deprimentes, porém comuns:
fofocas, quebra do decoro e do sigilo, indiscrição, politicagem, puxar
o tapete dos colegas de trabalho, atrasos, sair de reuniões para
atender o celular, etc. São costumes que desgastam a efetividade
da escola.
GERINDO A SALA DE AULA
Uma das impressões mais importantes que a escola passa é a
primeira impressão ao entrar em uma de suas salas de aula. Os
alunos estão ocupados? O professor está no controle? Os alunos
parecem produtivos? Existe um senso de propósito na sala? Todos
parecem relaxados? Há conversas construtivas? Problemas comuns
são resolvidos ordinariamente? É evidente ao menos uma
expressão de alegria?
A capacidade que o professor tem de conduzir uma sala de aula
vai muito além de passar exercícios e atividades, manter a ordem e
seguir o padrão curricular correto. No caso, é mais uma questão de
orientar personalidades. Cada aluno carrega um conjunto diferente
de necessidades, motivações, expectativas e habilidades. Dirigir
tamanha combinação psicológica no decorrer de trinta e duas
semanas, cumprindo tarefas e conduzindo os alunos a amizades
que podem durar toda a vida, é uma responsabilidade extraordinária
e de grandes exigências.
Muitos dos problemas que os professores enfrentam em sala não
passam de desorganização. Eu (Littlejohn) há muito já dizia: consigo
conhecer quem está ensinando assim que entro em sua sala de
aula. Se as carteiras estiverem uma de frente com a outra,
organizadas em grupos de quatro, forçando a olhar para a direita,
para a esquerda ou para trás quando quer enxergar a lousa ou o
professor, então os alunos estão aprendendo sozinhos, uns com os
outros. Se as mesas estiverem dispostas de frente para a lousa,
então estão aprendendo do professor. Pode soar excessivamente
simplista, mas nas turmas mais elementares, quando os alunos
aprendem didaticamente via “instrução direta”, espera-se que o
professor ensine, deixando os alunos menos distraídos quando
direcionados ao centro do aprendizado. É claro que, à medida que
amadurecem, queremos que eles sejam ensinados socraticamente.
Por vezes faz-se necessário organizar a sala do Ensino Médio em
círculo ou em formato de U como reflexo desse método pedagógico.
Em todo caso, o segredo para gerir bem uma sala de aula é o
equilíbrio. Como diz a passagem de Eclesiastes, há tempo para
tudo. Tempo de trabalhar e tempo de se divertir. Tempo de ser
brincalhão e tempo de ser sério. Tempo de ficar calado e tempo de
gritar. Tempo de se sentir mal e tempo de comemorar. O professor
qualificado tem equilíbrio, mantendo o foco na missão e na cultura
da escola enquanto investe toda a energia necessária na sala de
aula e nos alunos presentes.
O TAMANHO DA TURMA
O tamanho da turma está entre os fatores que contribuem para a
capacidade do professor na gestão efetiva da classe. É um tópico
que, nos últimos anos, vem recebendo especial atenção, passando
por controvérsias e ações políticas. Mas a verdade é que pesquisas
feitas nas duas últimas décadas não foram totalmente conclusivas.
Em primeiro lugar, estudos sobre o tamanho da turma ainda não
ultrapassaram o ambiente da escola pública, e até hoje, dos
publicados, nenhum foi suficientemente controlado de modo a isolar
os efeitos dessa única variável.
Não estamos cientes de nenhum estudo que tenha demonstrado
mudanças no desempenho do aluno por causa de mudanças
incrementais no tamanho da turma (por exemplo, a partir de quantos
alunos é que uma sala de aula sofre mudanças significativas em
provas padronizadas), mas boa parte dos relatórios concluiu que o
desempenho do aluno é melhor em “pequenas” salas, e não nas
“grandes”. O problema é definir grande versus pequeno. Alguns
estudos compararam classes de trinta e cinco com classes de
dezessete, enquanto outros compararam classes de vinte e oito com
classes de treze.
Agora, interessante notar, a partir dessas análises de proporção
evidenciam-se melhorias de aprendizado estatisticamente
significativas entre alunos incluídos nos grupos de baixa renda
socioeconômica, de tipos minoritários, daqueles cuja segunda língua
é o inglês ou que sofrem de “pais ausentes”, e entre os que
padecem de notória dificuldade de aprendizado; contudo, observou-
se pouca ou nenhuma mudança entre os demais grupos discentes.
São, pois, descobertas que sugerem o que a intuição e a
experiência há muito já nos disseram — que outros fatores
contribuem para o aprendizado dos alunos, independentemente do
tamanho da turma. Entre os fatores estão o envolvimento e o apoio
dos pais, a facilidade do aluno com a língua vernácula (e com o
inglês, também) e a capacidade do professor de dedicar atenção
individual aos alunos com necessidades pedagógicas especiais.
Curiosamente, os estudos que consideraram os efeitos
combinados da formação especial de professores em conjunto com
tarefas em turmas menores não observaram mudanças na
metodologia de ensino empregada pelos docentes, apesar do
preparo acadêmico. Não temos certeza do que fazer com essas
observações, mas há muito já defendemos que o professor
despreparado ou desmotivado não está apto a ensinar nem a sala
com três, nem a sala com trinta alunos.
Determinar o tamanho da turma, então, deve levar em
consideração muitos fatores. Quão preparados estão os nossos
professores na abordagem das Artes Liberais? Quão motivados eles
estão? Quão comprometidos estão os pais no processo de
aprendizado dos próprios filhos?
Quão eficaz foi o nosso processo de admissão dos alunos?
Nossos professores estão preparados? E quão preparado está o
professor para gerenciar as necessidades especiais de certos
alunos sem negligenciar as necessidades dos demais? Esses
questionamentos nos levam a concluir que o tamanho da turma
deve ser determinado de forma individual (ou seja, classe por
classe), e não universalmente.
Ao contrário da sabedoria convencional, também sugerimos que a
instrução didática e direta que propomos para as primeiras séries do
Fundamental seja aplicada em turmas maiores, enquanto para a
metodologia socrática que propomos aos mais velhos
recomendamos turmas menores. Enquanto não estamos em melhor
posição do que outros para sugerir um ponto de “corte” a qualquer
série em particular, nossa experiência ao menos norteia os métodos
que abraçamos e se provaram eficazes: no caso do Fundamental I,
turmas de até vinte e quatro alunos; no Ensino Médio, de até vinte
alunos.
Porém, mesmo esses números podem ser difíceis de defender
diante daqueles que ouviram falar ou fizeram parte da discussão
generalizada quanto ao tamanho das turmas em escolas públicas,
ou perante indivíduos que estão acostumados com normas e
diretrizes independentes. E, certamente, há implicações financeiras
para aquilo que uma escola determina ser o tamanho ideal de sua
turma. A quantidade de alunos precisa adequar-se à faixa etária e
às atividades envolvidas, e o tamanho da classe precisa enquadrar-
se no contexto dos planos administrativos e financeiros da escola.
Políticas duras e práticas devem ser cuidadosamente consideradas,
uma vez que a lei do retorno indesejado por vezes se esconde
debaixo de decisões desafiadoras.
FÍSICA IMAGÉTICA
Anualmente, eu (Evans) volto com minha família à Ocean City,
Nova Jersey, para as férias de verão. Neste ano, a caminho do
calçadão, peguei o caminho que passa pela novíssima escola
Ocean City High School. Ela ocupa um quarteirão inteiro, um
exemplo impressionante de arquitetura clássica, ornada com blocos,
colunas e arcos. Naquele instante, pensei de imediato: o povo daqui
realmente se importa com o Ensino Médio! Mesmo sem que
soubesse nada sobre a qualidade da escola ou o compromisso das
pessoas que lecionam e aprendem ali, pude perceber seu valor pela
beleza que me foi comunicada.
A tradição das Artes Liberais nos remete à verdade, à bondade e
à beleza como valores fundamentais à educação do indivíduo. O
ambiente físico da instituição é uma excelente oportunidade para
ensinar aos alunos que a beleza é algo que Deus valoriza e que,
portanto, deve caracterizar toda a nossa vida.
Sim, sabemos disso, e também já ouvimos isso antes, e ambos os
autores já disseram o mesmo em algum momento da vida: “Mas
edifícios belos custam muito mais caro!”. A resposta mais simples é:
“Então espere até ter mais dinheiro para construí-lo”.
Agora, certifique-se de que os edifícios e as salas de aula que
você ocupa atualmente estão decorados com reproduções de obras
de arte clássicas e fotografias de elementos e lugares repletos de
beleza, e não apenas personagens de desenhos animados. Caso
precise pintar as paredes, pinte-as. Se a igreja da qual a escola
aluga o espaço permitir que se pinte um mural na parede, pinte-o.
Não há justificativa: a escola que pretende ensinar os valores
absolutos da verdade, da bondade e da beleza precisa embelezar
seu ambiente para os alunos.
Vale, aqui, explorar um princípio bíblico encontrado em
Deuteronômio 4. Passadas quatro décadas, eu (Littlejohn) ainda me
lembro dos simples cartazes pintados a mão e pendurados no
refeitório do acampamento de verão ao qual eu ia quando menino:
“Deus primeiro, outros em segundo, eu sou o terceiro” e “Não
espere até ser um grande homem. Seja um grande garoto” (a forma
feminina era exibida durante o acampamento das meninas).
Não há dúvida de que esse lembrete sendo exposto três vezes
por dia durante cinco semanas a cada verão teve grande impacto e,
sem dúvida, contribuiu para o desenvolvimento embrionário do meu
próprio caráter. Sem exagero, prestaremos um bom serviço ao aluno
por meio de passagens bíblicas escolhidas a dedo, breves poemas,
provérbios entre outras reproduções artísticas, como esculturas e
exposições arquitetônicas para decoração de nossa escola.
ADMISSÃO
Entre os maiores influenciadores do caráter de nossas escolas
estão os padrões pelos quais admitimos o aluno. Os candidatos
devem, é claro, ser testados academicamente, mas a entrevista com
os pais e as crianças ou jovens é igualmente importante. Como a
família se relaciona? Existem indicações de problemas
comportamentais ou relacionais que podem perturbar o ambiente
escolar?
Nossa experiência nos ensinou que o verdadeiro problema na
hora de admitir o aluno não é a família professar os valores
pertencentes à escola cristã de Artes Liberais, mas entender e de
fato desejar os benefícios dessa educação para seus próprios filhos.
Eis a questão acerca da “mentalidade semelhante” em uma escola,
cujo cerne a distingue como instituição da família e da igreja.
Quando confrontados com declarações doutrinárias, muitos que
conhecemos assinam o contrato mesmo que não tenham
compreendido de fato seus termos. Se o objetivo do processo de
admissão é avaliar a harmonia e, assim, garantir que cada família
apoie fielmente a missão da escola, pedir a assinatura contratual ou
mesmo ler livros pode não ser a melhor abordagem.
A melhor forma de testar a harmonia como um todo é perceber o
que os pais ou um filho mais velho falam a respeito dos objetivos
educacionais da escola. Se aquilo que o pai espera da instituição
reflete a missão institucional, então temos uma família de
mentalidade semelhante. Se as expectativas da família para o
resultado da educação de seus filhos são diferentes ou meramente
tangenciais à missão da escola, preste atenção. Concordância
doutrinária pode ser um ponto de partida útil, mas não garante que a
família permitirá que os professores influenciem os alunos da forma
que a instituição julga ser mais importante.
Afinal, a educação cristã não só é útil ao cristão assim como a
ética empresarial cristã não só é útil aos donos de lojas cristãs. Se
os benefícios do evangelho se estendessem unicamente à salvação
pessoal e moral, haveria pouco terreno para considerar a pessoa
educável a não ser que já houvesse depositado sua fé em Cristo.
Mas a mensagem do evangelho é o arauto de uma civilização
com seus fundamentos no céu, governada por Cristo, e que se
estende sobre toda a terra. Crianças cuja família não confessa a fé
em Cristo podem e devem ser educadas nas Artes Liberais e
Ciências, a fim de que entendam a verdade das Escrituras, para que
compreendam a beleza e a bondade ordenadas da natureza e da
história humana.
Embora acreditemos que o verdadeiro conhecimento de Deus e
seus caminhos são acessíveis unicamente por meio da fé, da graça
e da misericórdia de Deus estendidas a todos de alguma forma
(pela graça comum de Deus), aqueles que não manifestam fé
pessoal em Cristo ainda são capazes de colher os benefícios
comunitários do evangelho. Quando oferece educação cristã para
alunos e famílias não cristãs, a escola amplia a influência do
evangelho não só sobre almas individuais, mas também sobre a
cultura em geral. Instituições que seguem esses princípios de
admissão devem, obviamente, buscar o equilíbrio, uma vez que os
alunos que admitimos são contribuintes significativos para nossa
cultura escolar em desenvolvimento.
Dúvida semelhante é: para qual tipo de aluno a educação de
Artes Liberais é projetada? Nossa resposta é simples: grosso modo,
a todo tipo. Concordamos com Robert Maynard Hutchins, o épico
presidente da Universidade de Chicago, que disse: “A melhor
educação para o melhor [aluno] é a melhor educação para todos”.
A questão central é o modo como nossos alunos já formados
aplicam a educação recebida. A maioria continuará sua educação
com estudos universitários e de pós-graduação ou
profissionalizantes. Mas alguns optarão por uma vocação ou talvez
entrarão diretamente nas Forças Armadas. Seja qual for a sua
escolha, a educação é a mesma: preparação para a vida!
As Artes Liberais e as Ciências não discriminam com base em
raça, gênero, origem socioeconômica, origem étnica ou credo.
Escolas que tomam as medidas necessárias para garantir uma
diversidade saudável (isto é, construir uma assistência financeira
baseada nas necessidades do orçamento anual) no corpo discente
enriquecerão a experiência do aprendizado dos alunos enquanto
atendem maior necessidade social.
Outra pergunta que a escola pode fazer é: “A educação que
oferecemos se volta a quais capacidades de estudo e
conhecimento?”. Eis uma questão prática. A resposta está na
disposição a oferecer recursos que permitam a uma variedade de
alunos o acesso às riquezas da tradição. Embora as necessidades
de crianças com carências específicas sejam consideradas de forma
diferente, o currículo e os métodos pedagógicos que vamos propor
mais adiante provaram sucesso no momento de comunicar
sabedoria e eloquência a alunos de diversos estilos de aprendizado
e até mesmo a pessoas acometidas de determinadas dificuldades
de aprendizagem.
Na Veritas Christian Academy, perto de Asheville, Carolina do
Norte, o currículo fundamentado nas Artes Liberais foi adaptado
para alunos autistas de grau avançado e com síndrome de
Asperger. A equipe da Veritas imaginou o conceito de “escola dentro
de uma escola” quando o filho de um membro do conselho foi
diagnosticado com autismo. A família precisava de recursos
especiais e queria um currículo básico de Artes Liberais. As
aptidões do aluno eram excelentes, mas exigiam um trato e
abordagem especiais, visto que suas necessidades de socialização
e dificuldades de aprendizado eram diferentes. Com um alto grau de
atenção por parte de professores devidamente preparados, alunos
dessa natureza conseguirão atingir boa parte do potencial que seus
colegas, convencionalmente habilidosos, conseguem alcançar; eles
terão a oportunidade de aplicar seus próprios dons, do mesmo
modo extraordinários, ao ambiente das Artes Liberais de formas que
os demais não o fariam.
A chave, como sugere a citação de Hutchins, é aderir a um
padrão comum de feitos e realizações que exija dos alunos cada
vez mais profunda familiaridade com a tradição das Artes Liberais,
cada vez maior independência e responsabilidade quanto ao próprio
aprendizado. Ser capaz de instruir alunos vários sob esse padrão,
com dificuldades de aprendizagem ou não, é uma das alegrias de
ensinar em uma escola cristã orientada pelas Artes Liberais.
Porém, deixamos uma palavra de cautela: as escolas devem ter o
cuidado de não criar ambientes acadêmicos desiguais; não cabe à
instituição, portanto, incluir alunos com necessidades acadêmicas
especiais sem ter uma equipe e um plano curricular aptos a lidar
com eles. Gestos generosos de inclusão podem prejudicar
profundamente o aluno se a escola não puder prover o auxílio
necessário para que os padrões estabelecidos pela instituição sejam
alcançados.
PLANEJAMENTO
À escola é impossível elaborar e desenvolver a comunidade de fé
e aprendizado que defendemos, não há meio de alcançar um ethos
que entenda intrinsecamente a verdade, a bondade e a beleza sem
ter propósitos e estratégia para tornar tudo isso realidade.
Dizem que a educação está atrasada dez anos atrás da indústria
e que a educação cristã está atrasada dez anos atrás da educação.
Certamente verdadeiro quando se trata deste tópico. Afirmamos
solenemente que, sem um processo de planejamento estratégico
cuidadosamente elaborado, seguido de um plano de implementação
que torne os deveres claros e especifique indicadores de
responsabilidade para cada pessoa na organização, não haverá
qualidade educacional, relacional ou organizacional verdadeira
dentro da escola.
Tudo, desde a taxa de matrícula até o padrão de admissão e a
aula de geografia no terceiro ano do Ensino Fundamental, reflete o
compromisso (ou a falta dele) da comunidade com esses problemas
fundamentais de gerenciamento organizacional. Para este fim,
recomendamos ao leitor o Apêndice C, onde abordamos essas
questões.
CINCO
AS ARTES DA LINGUAGEM
(O TRIVIUM ATUALIZADO)
Vale repetir mais uma vez que o trivium não é, como alguns
presumem, um método pedagógico, mas uma coleção de disciplinas
linguísticas que incorporam um corpo particular de conhecimento e
cujo estudo transmite um conjunto particular de habilidades de
conhecimento intercambiável. Nossa visão moderna do trivium
posiciona a retórica no ápice do conhecimento e das habilidades,
uma vez que a atitude da sociedade é em direção à certeza e à
verdade. No entanto, a gramática e a dialética são igualmente
essenciais para facilitar o aprendizado da linguagem para os alunos,
e os três, quando dominados, combinam-se e, por consequência,
preparam nossos pequenos estudiosos para iniciativas capazes de
modelar a cultura.
A gramática é o que parece, mesmo em um contexto moderno: o
estudo da estrutura da linguagem. No entanto, desde a antiguidade,
entende-se que o seu estudo efetivo tanto requer a preparação (o
desenvolvimento de habilidades de leitura, escrita, ortografia e
vocabulário) quanto os materiais para a prática (literatura, tanto na
língua vernácula como em outras línguas). Para os tutores da
Antiguidade e do período medievo, a maior parte da literatura
disponível tinha ênfases ou históricas ou religiosas ou fantásticas.
Incluímos, se preferir, o uso do computador, sobretudo a digitação
ou datilografia, uma vez que grande parte da interação do aluno
moderno envolverá essa ferramenta; entre as habilidades que ele há
de dominar, a facilidade prática com esse uso da tecnologia será
alta. Embora o agrupamento de disciplinas a partir de uma
perspectiva moderna de “silo” possa parecer estranho, cada uma se
relaciona ao estudo da gramática e dele é parte integrante. Temos
utilizado um raciocínio semelhante para a inclusão das disciplinas
sob a dialética e a retórica. Começamos com a gramática.
LEITURA, CALIGRAFIA, ORTOGRAFIA E VOCABULÁRIO
Aqueles que astutamente observam a história da prática
educacional americana pouco duvidam de que a mudança
pedagógica no campo da leitura, da escrita e da ortografia, na
década de 1930, foi que desgraçou as gerações dos alunos desde
então. Com a introdução de Dick e Jane, o método See and Say
(Veja e Diga) e Basal Readers (Leitores Iniciantes), a expectativa do
jovem aprendiz mudou do prático e “possível” para o impossível, e a
ênfase da instrução mudou simultaneamente de multissensorial,
multimodal para uma que dependia quase inteiramente de uma
modalidade de aprendizagem visual.
Essas abordagens (cujos vestígios foram retidos na chamada
abordagem do Método Global) utilizaram métodos artificiais de
associação visual e a dependência da memória para reconhecer
todas as palavras em inglês.1 Esses métodos provavelmente
tomaram emprestada a pedagogia legítima de ensinar a
conversação de uma língua estrangeira para dar mais depressa ao
leitor vasto vocabulário. Imagens e “palavras visuais” eram usadas
na instrução de crianças, estimulando-as a reconhecer uma palavra
por vez e recordar o arranjo físico das letras da mesma forma como
reconheceriam os traços que formam um caractere da língua
chinesa. Acompanhavam o currículo palavras visuais e auxílios
ilustrativos. Treinava-se a criança por meio do processo de adivinhar
as palavras corretas enquanto professores ou pais ajudavam a
resumir as ações que o artista havia tentado retratar: Spot correndo,
Dick jogando a bola para Jane, etc.
Os infelizes efeitos, embora não intencionais, foram múltiplos e
muitas vezes perpetuaram no aluno inerte a incapacidade de
verdadeiramente ler, falar e escrever. Por exemplo, não faz muito
que me (eu, Littlejohn) recordaram uma história verídica sobre uma
menininha do final da década de 1930, que escreveu a palavra
banha como “c-r-i-s-c-o”. Ela aprendeu a soletrar a partir do rótulo
da lata enquanto sua professora lhe ensinou a dizer “banha”. Já
basta do método Veja e Diga. Da mesma forma, mencionamos uma
especialista em leitura no Apêndice A, “Uma Mensagem aos Pais”,
que não foi capaz ler o Dr. Seuss antes da pós-graduação. Ela não
conseguia decodificar suas palavras sem sentido nem as adivinhar a
partir de suas ilustrações caprichosas. Nem mesmo todo
treinamento poderia ajudá-la a adivinhar. Seu único recurso seria
memorizar todas elas, criando um vocabulário sem maior utilidade.
Mais comum, talvez, é a minha própria experiência (Littlejohn).
Adulto de meia-idade, graduado, mas que compreende mal algumas
palavras no dia a dia porque determinadas combinações de letras
desencadeiam uma imagem mental de certa palavra que aprendi a
“ver e dizer” quando criança. Por exemplo, posso ler “incremental”
como “incrível” ou “residual” como “resistente”. Imagine a dificuldade
que tenho como leitor comum quando as passagens selecionadas
são do livro dos Reis ou de Crônicas ou de alguma outra passagem
de genealogias. Tenho, naturalmente, desenvolvido maneiras de
compensar, mas sempre leio as porções em casa antes de as ler em
público na igreja.
O terceiro efeito, também infeliz, é a ocorrência alarmantemente
comum de uma ortografia “criativa” ou “incremental” (prática
amplamente tolerada por professores que querem seus alunos
desinibidos no modo de expressar-se), resultando em adultos,
embora educados, que soletram a mesma palavra de três maneiras
diferentes em um mesmo parágrafo. (Fico feliz em dizer que não
sofro dessa deficiência em particular. É uma questão de orgulho
pessoal para mim, que escrevo palavras erradas com consistência
notável. Graças a Deus pelo “corretor ortográfico”!).
Apesar das objeções, não exageramos as coisas ao identificar
esses problemas de leitura e escrita como “deficiências”. É verdade
que afetarão diferentes crianças (e adultos) em diferentes graus, e
também é verdade que alguns leitores aprenderam a compensar
melhor que outros. Ainda assim, elas são, no entanto, deficiências
genuínas que, embora talvez agravem dificuldades naturais ao
aprendizado, são adquiridas (ou seja, aprendidas), e não
deficiências naturais. Elas são o resultado de décadas do método de
ensino Veja e Diga.
Como, então, as crianças podem aprender as artes da leitura, da
escrita e da fala de modo a resultar na competência de cada uma
delas? Novamente, reconhecemos que existem inúmeros métodos
adequados, mas aqueles que melhor as ensinam integram as três
artes por meio do reforço multissensorial das regras que governam
a ortografia, a caligrafia e a decodificação fonética. Em vez de
memorizar a estrutura física de centenas (e, afinal, de milhares) de
palavras, os alunos aprendem o número limitado de sons (fonemas)
representados pelas letras e suas combinações [setenta ou mais, na
língua inglesa].
Há duas maneiras de fazê-lo. Pode-se aprender todas as
combinações de letras que produzem um som particular ou todos os
sons que são emitidos por uma combinação de letras específica.
Por exemplo, s e ç com o som de /s/ (ou, em inglês, sh, ch, si, ci e ti
com o som de /sh/). Paralelamente, em inglês, pode-se pronunciar a
letra a como “ă”, “ā” ou “ah”, e ch pode ser pronunciado “ch”, “k” ou
“sh”. A criança aprenderá a ler com qualquer uma das formas, e
combiná-las seria o ideal. Mas, como estamos ensinando a
habilidade de ler, e não a ortografia criativa, é preferível que o
segundo método seja ensinado antes. Se o aluno não mais que
aprende quais combinações de letras emitem determinado som
(para levar a questão ao princípio do absurdo), ele poderia soletrar
casa como káza, porque /c/ e /k/ e /s/ e /z/ emitem o mesmo som
nesse caso (em inglês, por exemplo, pode-se soletrar “fish” como g-
h-o-t-i, usando o “gh” como em enough, “o” como em women e “ti”
como em caution).
Apesar de ser um trabalho árduo, muitos consideram o ensino e o
aprendizado das letras e suas combinações (fonogramas),
correlacionando-se com os sons vocais (fonemas), gratificante e até
mesmo agradável para professores e alunos. O professor usa
cartões de memória ou painéis com fonogramas e recita os sons em
uníssono com a sala enquanto os alunos escrevem cada fonograma
em seus cadernos. Os princípios da caligrafia são ensinados
simultaneamente com os sons dos fonogramas. Desta forma, os
alunos veem, ouvem, escrevem e dizem os sons, reforçando o
aprendizado mediante quatro modos sensoriais ao mesmo tempo.
Uma vez que os fonogramas são apreendidos, inicia-se a
soletração e a recitação de vocábulos. Os alunos ouvem a palavra
do vocabulário falada (não escrita) pelo professor e a escrevem no
caderno enquanto projetam os sons fonéticos que estão
escrevendo. O professor instrui os alunos quanto ao fonograma
usado quando existem várias opções (casa, não kaza; fish, não fiti).
Uma vez que não nos basearemos no método Basal Readers
(Leitores Iniciantes), com suas narrativas ilustradas que contêm
apenas palavras visuais, podemos extrair a ortografia e o
vocabulário de listas contendo palavras usadas com mais
frequência, ou, em ordem decrescente de uso, de palavras que as
crianças mais costumam ver. Por exemplo, os professores podem
empregar o sólido princípio educacional do movimento incremental
que consiste em mover-se do familiar para o desconhecido, em vez
de extrair vocabulário de agrupamentos de palavras cujos
significados não estão relacionados, como “sessão, seção, cão, pão,
mão, tufão”. Essas palavras sem dúvida criariam uma história
encantadora e estimulariam a ilustração imaginativa, mas não
substituem a literatura de qualidade que as crianças logo estarão
lendo com o método integrador descrito aqui.
Em nossas escolas situadas na Virgínia, todo aluno do primeiro
ano do Ensino Fundamental conseguia ler até o final do primeiro
semestre, e aqui vale recontar o relato de um avô agradecido. Em
determinado ano, no mês de janeiro, durante as férias de Natal, sua
neta do primeiro ano do Ensino Fundamental o assustou ao pegar a
sua Bíblia versão King James e abri-la aleatoriamente em Isaías.
Ao ler um parágrafo ou mais, esse senhor percebeu que a
pequena não entendia o significado do que estava lendo, mas
também entendeu o que ela fez! Sua netinha estava decodificando
as palavras com tanta alegria que, suspeitou o avô, talvez ele
próprio não conseguisse ler a passagem melhor que ela. Isso ilustra
um ponto feito por Hugo de São Vítor e Dorothy Sayers: o
desenvolvimento de certa habilidade não requer compreensão
completa do material que o aluno está apreendendo. Essa
compreensão virá mais tarde, e suas habilidades serão largamente
aliviadas pelo fato de que a mecânica e o significado não precisam
ser apreendidos simultaneamente. A mecânica será instintiva (como
a da condução de um carro) para que a compreensão venha com
mais facilidade (como seguir um mapa em uma cidade
desconhecida). Uma não é empecilho para a outra na falta de
habilidade.
Vale ressaltar que nomear as letras do alfabeto é de pouco valor
para o não leitor. Conhecer o alfabeto, embora certamente seja
“elementar”, é de maior utilidade para aprender a habilidade
“numérica” mais avançada da alfabetização do que para a leitura.
Afinal, saber que L pronuncia-se “é-lê” é de pouca valia na
decodificação de “lousa” (indo mais além no inglês, por exemplo, ter
a noção de que w é pronunciado “double you” pouco vale na
decodificação de “cow”, que simplesmente emprega dois sons: /k/
do fonograma c, que pode ser dito /k/ ou /s/ (pense em sons, não
em nomes), e a pronúncia mais comum de ow que pode ser “ow” ou
“oh”. Um pouco de treino se faz necessário para que o aluno
escreva corretamente o vocabulário oral, e o professor faz testes
para garantir que todos estão aprendendo da forma correta.
Novamente, quatro modalidades sensoriais influenciam o
aprendizado do aluno. À medida que aprende a escrever os sons
que ouve, ele logo percebe que pode “ouvir” os sons que está
escrevendo e vê-los escritos. No curto espaço de tempo que é
preciso para aprender apenas setenta fonogramas, o aluno adquiriu
a capacidade de decodificar (ou seja, ler) qualquer palavra em
inglês que venha a encontrar.
À medida que os alunos evoluem na leitura e passam das listas
de ortografia/vocabulário para palavras mais avançadas, as regras
de ortografia são reforçadas com cada novo vocábulo. Nós
dissemos “regras”? Sim, como você, lembramo-nos de apenas uma
e outra dos nossos tempos de escola. Por exemplo, usa-se m antes
de p e b [i antes de e exceto antes do c, e alguns ainda se lembram
da versão mais longa: “ou quando soa como a, por exemplo em
neighbour e weigh].
Mas outros princípios de ortografia podem ser amplamente
aplicados de modo a garantir que os alunos não sofram dos hábitos
ortográficos das gerações anteriores. Por exemplo, numa aula de
língua inglesa, “palavras em inglês nunca terminam em v, i ou u,
exceto pela palavra you” (ski é uma palavra francesa que tomamos
emprestado junto da atividade agradável que ela significa). Então,
ao soletrar a palavra have, o aluno deve adicionar um e silencioso
(já que “as palavras em inglês nunca terminam em v, i ou u”) e
repetir na hora qual dos cinco tipos de e silencioso usou. Os alunos
também aprendem qual das cinco formas de “ir” devem usar na
ortografia (er, ir, ur ou ear), e cerca de quarenta e cinco outras
regras de ortografia são revisadas à medida que se aplicam à
introdução de cada nova palavra afetada. A princípio, os pais talvez
sejam um pouco contra o teste semanal de trinta palavras em
ortografia/vocabulário no primeiro ano do Ensino Fundamental (seis
novas palavras diariamente), mas logo verão o poder que essa
abordagem exerce sobre seus filhos na hora da leitura e da
ortografia.
Sendo sincero, nada em toda a educação satisfaz mais do que
ajudar aquele que não lê a ler, abrindo-lhes as portas aos tesouros
literários e culturais contidos na língua. É fascinante ver como esse
método integrativo que descrevemos funciona igualmente bem com
crianças e adultos. Tendo paciência, ele ainda funciona com
pessoas que passam por dificuldades de aprendizado. Na verdade,
alguns já podem ter notado a metodologia desenvolvida pelos
neurocientistas Orton e Guillingham2 a ser usada com crianças com
dificuldades de aprendizado. É o método com o qual a especialista
em leitura no apêndice A (que não conseguiu ler o Dr. Seuss) ficou
encantada ao ver fazendo sucesso numa classe tradicional inteira,
sucesso que também serve para a aula particular de alunos
“especiais”.
O domínio da leitura é fundamental para o processo de aprender.
No entanto, muitos dos alunos chegam às escolas clássicas sem
terem esse ensino prévio. Portanto, é essencial para o aluno que
chega via transferência e, como reforço, para o que passa de ano,
ao menos até o sexto ano do Ensino Fundamental, revisar as
habilidades e regras do método no início de cada ano letivo.
Os alunos do sexto ano podem rever em duas semanas o que os
alunos do primeiro ano estudam em um ano e o que os alunos do
quarto ano abordam em seis semanas, mas essa revisão é
essencial ao desenvolvimento do vocabulário, da ortografia e até
mesmo da leitura. Apesar de ser um ato que se desvia da sabedoria
convencional moderna, o educador há de perceber que se trata de
um tempo bem gasto. Em alguns casos, se não em muitos, quando
transferido, talvez seja necessário exigir do aluno um intensivão
durante as férias letivas, que tem por objetivo dar-lhe as ferramentas
necessárias para conseguir acompanhar os demais a partir do início
das aulas. O aluno com dificuldades específicas, por causa de uma
segunda língua ou carências de aprendizado, pode muito bem
beneficiar-se de tutores particulares após o horário letivo, tendo em
vista ser capaz de acompanhar o ritmo dos demais colegas.
GRAMÁTICA
Embora a educação moderna tenha adiado gradativamente o
aprendizado da gramática, incluindo articulações do discurso e a
boa e velha análise sintática, o currículo das Artes Liberais, do
Ensino Fundamental ao Ensino Médio, insere o ensino de gramática
tão logo a criança aprende a ler (por exemplo, a partir do segundo
semestre do primeiro ano do Ensino Fundamental). Com efeito, dos
educadores da Grécia clássica até as escolas americanas do início
do século XX, todos eles insistiram que o estudo da gramática é
fundamental para todo o restante.
O aluno deve ser introduzido à complexa estrutura do idioma para
que suas habilidades linguísticas não sejam prejudicadas por uma
compreensão inadequada de como usar as palavras com devido
sentido. As regras de uso e estilo de linguagem são essenciais
conforme os alunos amadurecem suas capacidades de leitura e
escrita. A gramática, porém, saiu de moda. Em muitas escolas, seu
estudo formal foi inteiramente substituído por exercícios de escrita
indutiva, exigindo apenas referências tangenciais às belas
estruturas que fazem a própria linguagem funcionar. Portanto, recai
sobre nós o fardo de formar uma geração de alunos que conheça a
diferença entre gerúndio e particípio, que entenda como o idioma
funciona e, assim, saiba, com confiança, fazer uso de seus
mecanismos artísticos.
Quase sempre ficamos espantados com a capacidade de nossos
alunos que acabaram de aprender a ler. Eles já conseguem ter uma
noção de análise morfológica e sintática. Aparenta ser evidente que
entender a estrutura de algo facilita seu uso. A fim de aprofundar
essa ilustração um pouco mais, o piloto de corridas que não entende
como o próprio carro funciona não saberá dizer aos mecânicos se
está com algum problema técnico. O aluno que não entende de
gramática não saberá quando avisar ao professor que está com
dificuldades de redação. Quanto mais cedo o aluno começa a
aprender as estruturas da linguagem, mais facilidade ele terá ao
longo do tempo. À medida que passa a adquirir habilidades
dialéticas e retóricas, o aluno então se beneficiará de análises mais
profundas de causa e efeito gramaticais, cujas nuanças eles
experimentarão, aprendendo seu poder como um dispositivo
persuasivo e até mesmo inteligente. Como Winston Churchill
brincou, “o uso errado da gramática é algo que não toleraremos”.
A melhor compreensão da gramática também dá aos alunos
capacidades mais avançadas e confere bases úteis para o estudo
de outras disciplinas. A análise gramatical é um tipo de aptidão
dialética, e há muito que o aluno do primário pode e deve aprender.
Os autores ficaram particularmente impressionados com a forma
como Brenda Shurley, criadora do método Shurley Grammar,
organizou o ensino dessas capacidades gramaticais de forma a
aprofundar o uso das Artes Liberais. Em seu método, a criança
aprende a recitar de cor as classes gramaticais e a indicar conceitos
essenciais da sintaxe. Acumulando conhecimento, o aluno então
passa a analisar orações simples e complexas por meio de
perguntas antífonas e respostas em coro. Dada a frase “Maria tinha
um pequeno cordeiro”, os alunos a recitam em uníssono e depois
perguntam e respondem: “Quem tinha um pequeno cordeiro? Maria
— sujeito-substantivo. Qual a ação de Maria? Tinha — verbo. Tinha
o quê? Cordeiro — substantivo, objeto direto. Que tipo de cordeiro?
Pequeno — adjetivo. Quantos? Um — numeral. Ponto-final. Oração
verbal. Volte ao verbo; separe o sujeito do predicado”, etc. Dessa
forma, à medida que desenvolvem o processo cognitivo, os alunos,
dados ao contexto da frase, aprendem os termos essenciais da
oração e os princípios da gramática aplicados a orações cada vez
mais complexas.
Se você se formou no Ensino Médio nos últimos trinta anos, é
provável que não aprendeu a gramática de forma metódica e
aprofundada. Talvez você seja um daqueles que aprendeu só
porque foi forçado a sobreviver ao inglês da faculdade ou ao grego
do seminário. A instrução rigorosa na gramática da nossa própria
língua nos fundamenta para o estudo de outras línguas e vice-versa,
como veremos em breve. Embora a maioria aprenda latim e grego
de uma forma radicalmente diferente da de aprender línguas faladas
hoje, é reconfortante para o aluno entender que a gramática é
essencial para dar sentido às palavras e às frases estrangeiras, uma
vez desenvolvendo habilidades de tradução.
O conhecimento sólido da gramática proporciona vantagens ainda
maiores no aprendizado das complexidades de uma língua
moderna. Em qualquer dos casos, a relevância de todas essas
estruturas é facilmente evidenciada pelo professor alerta,
gramaticalmente consciente ou capaz.
LITERATURA
Se há um segredo para o sucesso no ensino e no aprendizado da
tradição das Artes Liberais, este é: “Leia, leia, leia e leia mais um
pouco!”. Nada na experiência humana surte mais efeito sobre o
nosso desenvolvimento cognitivo, cultural, social, espiritual e
epistemológico do que mergulhar de cabeça no oceano das ideias
contidas no mundo da literatura. Aqui, o aluno é exposto às riquezas
do gênero lírico, poético e épico, aos tesouros da parábola, da
fábula e do mito, do solilóquio, do diálogo, da peça teatral, da
homilia, da epístola e do édito, da narrativa, da história e da ficção,
da realidade e da fantasia (por vezes difíceis de distinguir). Aqui
está o fruto pronto a ser colhido, eis os ingredientes para o delicioso
exercício das capacidades gramaticais, dialéticas e retóricas.
Começando pelo fim, o que queremos que nossos alunos
consigam ler e compreender quando saírem de nossas salas? Em
uma palavra: tudo. O clássico de Mortimer Adler lançado em 1940,
Como Ler Livros, descreve com excelência vários dos gêneros, da
Bíblia à física, com dicas sobre como ler cada um. De semelhante
forma nossos alunos devem estar preparados para ler tudo aquilo
que lhes for apresentado, resultado direto dos muitos tipos de
literatura — variando os graus de dificuldade — apresentados pelo
professor. O aluno não pode sair da escola carente desse
aprendizado, tendo de reaprender a ler a cada gênero novo com
que se depara quando entra na universidade ou em alguma carreira.
A pessoa minimamente instruída deve ser capaz de receber todo
tipo de literatura, do conto de fadas alemão ao manual de cálculo, e
saber como usá-lo e aproveitá-lo.
O professor jamais deve se limitar a dar aos seus alunos as
banalidades da literatura infantil atual, especialmente quando todos,
de Madonna a Jay Leno, são “autores para crianças”. Temos ao
nosso alcance uma herança rica demais para desperdiçarmos nosso
precioso tempo com material supérfluo. A esse tipo de material, no
entanto, o aluno deve ser exposto enquanto exercita a dialética ou
faz análise crítica, aprendendo a discernir o verdadeiro, o bom e o
belo ao contrastar a literatura de qualidade com materiais inferiores.
Não poderíamos dizer com mais ênfase: grandes leitores são feitos
a partir de grandes livros; o hábito de ler livros que não desafiam
nem estimulam o leitor enfraquece sua capacidade e o desejo na
leitura.
Logo, tendo o fim em vista, que tipo de literatura devemos
escolher para nossos alunos? Afinal de contas, qual cânone literário
queremos que os nossos alunos dominem quando formados? Na
nossa opinião, o fundamento literário da civilização ocidental é
formado pela Bíblia e pelas cinco maiores epopeias de Homero,
Virgílio, Dante e Milton. A maior parte da sabedoria da tradição das
Artes Liberais origina-se ou é ilustrada sobretudo nessas obras, que
influenciaram todo o corpo literário que veio depois. O aluno que leu
com atenção todas as narrativas da Bíblia e as cinco maiores
epopeias tem a garantia de que se tornará alguém de boa instrução.
Sobre este fundamento pode-se erigir uma catedral de obras
clássicas de todos os gêneros. Para tanto, exige-se a estrutura
estratégica do cânone escolar, começando do último ano do Ensino
Médio e regressando ao Jardim de Infância.
Cuidado, não nos entenda mal. A Bíblia e os épicos são algumas
das obras mais difíceis de ler em toda a literatura. Mas, quanto mais
os alunos estiverem familiarizados com as histórias contadas e sua
importância para a nossa identidade cultural em cada uma delas,
mais fácil será partir de narrativas baseadas nos originais ou breves
excertos do autor para as próprias obras originais, quando for a hora
certa. Recomendamos que o programa de leitura escolar capacite o
aluno a ler a obra integral de Homero (em tradução lírica), e, com o
ensino cuidadoso, que ela seja feita, no mais tardar, até o primeiro
ano do Ensino Médio. É árduo o trabalho, tanto para ensinar como
para ler. No entanto, se ensinados da forma correta, os grandes
livros são capazes de cativar a imaginação de adolescentes de
catorze e quinze anos, como já têm sido por séculos.
Para atenuar a dificuldade de ler histórias e narrativas tão
elevadas, é importante preparar o aluno ao longo dos anos, de
modo que o que para alguns é um fardo, para os nossos é prazer e
deleite. O dever de ensinar o aluno a amar a leitura dos grandes
clássicos fica mais simples se sabemos, já no primeiro ano do
Ensino Fundamental, o que ele precisa ler para compreender
Homero ou Isaías no primeiro ano do Ensino Médio. Homero não
deve ser a primeira obra difícil a ser lida pelo nosso aluno do
primeiro ano do Ensino Médio, embora possa ser o poeta mais
complexo até então. Contudo, ainda assim o aluno terá lido uma boa
parte dos grandes poetas e dramaturgos e memorizado porções
completas da Bíblia e de outros autores dignos de nota, como
Shakespeare ou T. S. Eliot. Além do mais, empregar capacidades
dialéticas com esses autores o ajudará a ver que os poetas já
fizeram mais durante os séculos do que apenas pensar na morte da
bezerra.
Nos anos de gramática, e mesmo durante os anos do
Fundamental II, a leitura deve ocupar grande parte dos dias letivos
de três formas: alunos lendo em voz alta, alunos lendo em silêncio,
e professores lendo em voz alta obras sólidas que excedem ao
menos dois níveis da leitura dos alunos — afinando suas
habilidades de escuta, incendiando a imaginação e incutindo um
amor mais profundo por narrativas. Estes exercícios são
especialmente importantes na cultura atual, obsessiva por meios
visuais. A leitura e a audição despertam a imaginação e estimulam a
criatividade, já a interpretação visual pode sufocar a imaginação,
porque confiamos em outra pessoa para nos traduzir a palavra
escrita ou falada em imagens. Por esta razão, a atuação dramática
de grandes obras jamais deve substituir a obra escrita. Falar para o
aluno “esperar a versão do filme” é querer vê-lo enganado ou
frustrado.
Não quero dizer que não haja valor na interação crítica e criativa
de filmes baseados nos clássicos literários. As emoções podem ser
fortemente movidas por meio da música e com o cenário que o
diretor escolhe para transmitir frases atemporais, como a
proclamação de Henry, de que non nobis e te deum sejam cantadas
em adoração a Deus, enquanto os corpos dos inimigos vencidos
jazem ainda aquecidos no campo de batalha em Henrique V. À
medida que a canção de um soldado é acompanhada pelos outros
até que non nobis é anunciado pela multidão, cria-se profunda e
duradoura impressão. É um aprendizado bom, belo e verdadeiro,
mas não pode substituir as impressões que o aluno tem por meio da
leitura (ou da encenação) em si.
Acreditamos que, na maioria dos casos, o professor deve se
afastar dos livros didáticos convencionais. As antologias que
disponibilizam o todo ou (para o caso de alunos bem novos)
adaptações meticulosamente condensadas são tesouros que a
maioria dos alunos retomará, talvez, pelo resto da vida. Como
preparativo para o desafio dos grandes livros de nossa tradição,
programas como o Junior Great Books3 fornecem poesia e prosa de
autores modernos sólidos com planejamento de aulas e planos de
conversação sobre literatura para alunos do segundo ciclo do
Ensino Fundamental. Da mesma forma, a série Great Books (Os
Grandes Livros) e outras antologias escolares fornecem um tesouro
literário, cultural e filosófico para os níveis superiores. Algumas listas
de leitura excelentes para alunos mais jovens são fornecidas em
The Well-Trained Mind4 e The Writing Road to Reading.5
Avaliações para analisar o progresso da compreensão textual nos
anos primários, (mas não com frequência, porque a leitura deve ser
um prazer, e não algo enfadonho) podem ser projetadas e
administradas, inclusive fazendo uso de boas obras e formulários.
Estas avaliações podem usar seleções de trabalhos de qualidade e
questões relevantes que exigem paráfrases e análises do
significado e do conteúdo moral.
Exercícios semelhantes também podem ser usados para avaliar
as habilidades auditivas do aluno. O professor lê a passagem e faz
perguntas relevantes. Mas sem se prender a currículos formais para
avaliar a compreensão e a interpretação auditiva, uma vez que os
níveis de leitura podem ser determinados para qualquer trabalho de
literatura usando ferramentas de avaliação simples. Cabe ao
professor entender que o aluno sob a metodologia das Artes
Liberais provavelmente estará acima do padrão, tanto na leitura
quanto na compreensão auditiva.
HISTÓRIA
Se o currículo é o esqueleto, a história é a sua espinha dorsal. Os
autores acreditam que o processo histórico é melhor ensinado
quando em ordem cronológica. Talvez soe óbvio, mas o professor
de ciências sociais pode ser o primeiro a dizer que a ordem
cronológica tende a ser a última coisa que uma editora considera ao
publicar material didático. A realidade da história ser de fato história
parece estar perdida em muitas editoras. Ao invés disso, somos
servidos com estudos “temáticos”, em que várias culturas e
civilizações são comparadas com base em valores sociais, quase à
parte de datas e do contexto histórico. Recomendamos que o
estudo da história comece cedo e siga um cronograma sensato e
contínuo de personalidades e eventos que se repitam regularmente.
A repetição é um elemento importante do currículo de história, uma
vez que permite ao aluno familiarizar-se com eventos-chave e
aprender a investigar com análise cada vez mais profunda.
Para também construir sobre o exemplo anterior, planejar o
currículo de história é fundamental. Como gestores do processo
educacional, ficamos frustrados com o ensino de história geralmente
visto nas escolas hoje, cujo objetivo costuma ser “acabar o livro”. O
currículo da escola, e não o editor de livros didáticos, deve
estabelecer metas e prioridades para a experiência do aluno durante
as aulas. Nem todo evento histórico é igualmente importante, por
isso cada historiador de cada escola precisa assumir a
responsabilidade pelos tópicos que serão abordados na estrutura
curricular e por como isso será feito.
A visão tradicional da história representa sua disciplina como um
fluxo do desenvolvimento humano, político, cultural, social e moral,
revelando ao especialista uma sequência de causas e efeitos
racionais e previsíveis. A visão cristã da história é que esse fluxo da
experiência humana está intrinsecamente ligado à providência de
Deus.
Como é verdade para todas as demais disciplinas, a
compreensão da história humana é diretamente afetada por nossa
visão de mundo. Uma vez que compreendemos a história humana
como parte da autorrevelação natural de Deus, complemento à
autorrevelação especial nas Escrituras, há muita teologia a ser
apreendida na análise dos eventos históricos. Para usar uma
expressão mais corriqueira, “a história pertence a Deus”, e no fluxo
da história humana deve ser notado um desdobramento da verdade,
bondade e beleza que só pode emanar do Criador e Guardião da
vida humana. A fé do aluno, inclusive, pode ser ainda mais
aprofundada quando percebe a mão da providência divina no
decorrer da história humana.
Nosso trabalho como historiadores é reconstruir os
acontecimentos do passado, analisá-los e, na posição de docentes
cristãos, tomar decisões com bases sólidas, aprendendo com o que
já aconteceu no decorrer do mundo. Mediante a progressão da
reconstrução,6 análise e julgamento, nossos alunos então percebem
que, à semelhança daqueles que já viveram neste mundo, também
podem criar e formar a história da cultura como seus agentes.
Muito já foi dito sobre “aqueles que ignoram a história estão
fadados a repeti-la”. Isso ressalta o coração do empreendimento
histórico — obter sabedoria. A escola das Artes Liberais constrói
sua identidade curricular em torno do estudo da história, uma vez
que estamos em constante busca de ideias e ações que produziram
paz e prosperidade no passado — dignas, portanto, de imitação em
nossa era. A busca por sabedoria não para no estudo das Escrituras
ou dos filósofos antigos. Ela envolve constante repetição do
passado, a fim de discernir quem fez o que fez, por qual razão e
com qual finalidade. Eis uma prática de especial importância para a
escola que está moldando líderes culturais. Ao encorajar o aluno a
olhar para além dos próprios interesses e ater-se também aos
interesses e ao bem comum da sociedade, queremos ter certeza de
lhes fornecer exemplos históricos de outros que fizeram o mesmo e
obtiveram sucesso assim como também fracassaram.
Os antigos enxergavam a história quase ao todo com lentes
morais.
Sente-se com Tucídides ou Plutarco ou mesmo com Josefo, e o
que se encontram são, muitas vezes, ensaios prolongados sobre as
personagens daqueles que atuaram com maior notoriedade no
palco da história. Plutarco é especialmente útil, tendo em vista que o
gênero que emprega (Louvor e Censura) é um dos exercícios
preliminares para a retórica formal. Neste exercício, o aluno
compara duas personagens contemporâneas, o efeito que
exerceram sobre o mundo e os elementos morais de que lançaram
mão para ter liderança. Exercícios como estes não só solidificam
fatos históricos na memória dos alunos, mas também formalizam e
aprofundam a capacidade de observar eventos históricos e
personagens de forma metódica e consistente. Embora esta não
seja uma abordagem comumente aceita para os estudos históricos
modernos, o conhecimento analítico que o aluno recebe com
estudos dessa natureza o diferencia dos demais.
Esse é um bom momento para nos lembrarmos de agir com
cautela enquanto buscamos pela verdade histórica diante dos
alunos. Desde a Antiguidade, a maior parte da história sobrevivente
foi escrita ou guiada pelos poderosos e vitoriosos — objetivando
impressionar o ouvinte e o leitor com perspectivas exageradas de
poder e vitória, muitas vezes para fins políticos. Por esta razão, o
aluno deve ser ensinado a ler história com um olhar cauteloso e
analítico, reconhecendo o viés inerente aos registros do passado.
Nesse aspecto, para fins de exercitar a dialética, é de muito proveito
que o aluno considere dois relatos do mesmo evento histórico,
comparando e contrastando as narrativas, para verificar que
verdade pode ser extraída de cada uma.7
Evite-se, além disso, uma série de abordagens inúteis, mesmo
prejudiciais para o estudo da história, ainda mais com crianças
menores; e que com os mais velhos sejam criticadas. É claro,
pressupostos naturalistas defendendo o progresso inevitável e
indubitável do triunfo humano sobre toda e qualquer circunstância
não têm lugar no corpo docente ou no currículo cristão, exceto como
pano de fundo para o exame dialético. Igualmente inapropriadas são
as visões céticas sobre história, que compreendem que
acontecimentos ocorrem de forma aleatória e cíclica. Além do mais,
afirmar a supremacia de uma cultura ou civilização (até mesmo a
nossa!) sobre outra, à parte da grade analítica da cultura do reino de
Deus, pode produzir no aluno perspectivas não cristãs como
etnocentrismo, jingoísmo e xenofobia.
O aluno precisa de ajuda para ver a mão de Deus sobre a história
como transcendente em relação aos planos humanos, para não
abraçar a noção simplista de que Deus escolhe um “lado para
defender”, como se o desdobramento da providência fosse tão
insignificante quanto o resultado de uma partida de futebol. Da
mesma forma, a recente luta cultural que resulta praticamente ou na
deificação ou na demonização de figuras históricas essenciais é, na
melhor das hipóteses, confusa para o aluno. O tratamento bíblico de
figuras históricas como o rei Davi ou o rei Salomão, que, embora de
natureza pecaminosa e pecadores, foram poderosamente usados
por Deus para promover seu reino na Terra, proporciona um retrato
mais realista da natureza humana e da graça de Deus — retrato
com o qual o aluno está muito mais propenso a identificar-se.
O aluno deve enxergar que a antítese atravessa, e não faz uma
ruptura entre povos e culturas e as ideias e tecnologias que
desenvolveram. Ele também deve aprender que, embora o mal
possa triunfar sobre o bem a curto prazo e ainda que coisas ruins
aconteçam com pessoas boas, nosso Deus, justo e amoroso, tem
uma visão cósmica dos eventos e acontecimentos, e não é pego de
surpresa pela história que tanto batalhamos por compreender.
HUMANIDADES
Vale mencionar que ambos os autores têm trabalhado em escolas
que combinam literatura e história num sistema integrado chamado
“Humanidades”. Há muito que ganhar com um currículo
verdadeiramente integrado e com dois períodos que vinculem
efetivamente essas duas disciplinas cruciais. O currículo que
incorpora Bíblia e filosofia também pode beneficiar alunos e
professores.
Existem duas maneiras de orientar essa disciplina (ainda que
outros possam ir mais além), e cada uma tem seus pontos fortes e
desafios. Em um cenário, o mesmo professor ensina os dois
períodos e as duas (ou todas as) disciplinas. Tal abordagem
proporciona uma grande continuidade, mas pode sofrer as
limitações de um professor com preparo em apenas uma dessas
disciplinas, limitando os insights trazidos à tona. A outra abordagem
seleciona um historiador e um especialista em literatura para
ministrarem as aulas juntos. Com ambos os professores “sempre
presentes”, os dois lados, aluno e docente, podem beneficiar-se
largamente da troca de conhecimentos e da soma de experiências.
Limitar o tempo de cada professor em sala de aula diminui tais
benefícios de maneira proporcional, mas, por outro lado, envolvê-los
integralmente, 100% do tempo pode ser custoso demais, quando
não excessivamente trabalhoso, podendo levá-los mesmo à estafa e
ao esgotamento. Independentemente de a escola usar a abordagem
das Humanidades, se estas incluem ou não as “ciências do saber”
(teologia e filosofia) ou se todas elas são ministradas
separadamente, a questão central é garantir que todos os
propósitos disciplinares escolhidos sejam efetivamente abordados
de acordo com o plano acadêmico a partir do Ensino Médio ao
Jardim de Infância.
LÍNGUAS CLÁSSICAS
Há cerca de uma geração, aquele aluno prestes a escolher qual
faculdade cursar, mesmo que não tivesse muita certeza, poderia
seguir confiante no bacharel em latim, certo de que mais um
professor de latim nunca é demais, ou consciente do
reconhecimento de empregadores que enxergam o valor de um
aluno da língua latina, tendo em mente que estes adquirem
habilidades e conhecimentos transferíveis e aplicáveis a uma série
de negociações e problemáticas empresariais. Meu (Evans) próprio
pai, criado nos subúrbios da classe trabalhadora de Boston por
imigrantes irlandeses, estudou numa escola pública no Ensino
Médio que exigia latim e o uso diário de gravata. Olhando para o
currículo e o decoro atual, parecemos estar em outro universo.
Felizmente, nos últimos anos o latim tem recebido prestígio outra
vez, ainda que como disciplina optativa. A American Classical
League8 (Liga Americana Clássica) tem recebido forte apoio, uma
vez que as universidades mais criteriosas parecem favoráveis aos
alunos que estudaram latim no Ensino Médio; além do mais, o
programa Latim Advanced Placement continua a ser um dos cursos
mais confiáveis do College Board. Durante o sucesso econômico da
década de 1990, as empresas de Wall Street lançaram um novo
apelo para que os graduandos em latim se candidatassem devido à
reputação de solucionar problemas com inteligência e versatilidade.
O leitor pode ou não perceber que o aluno de latim geralmente
supera os demais em exames padronizados como o SAT, mas há
razões ainda mais fundamentais para exigir o estudo de latim em
escolas que valorizam a tradição das Artes Liberais. Entre eles, o
princípio ad fontes (“de volta às fontes originais”) do Renascimento:
os antigos são melhor ouvidos e compreendidos em sua própria
língua. Na tentativa de recuperar os benefícios da tradição das Artes
Liberais para nossos filhos e nossa cultura, é imperativo recuperar a
capacidade de entender a tradição em seus próprios termos.
Um destino irônico, contudo, acometeu o latim. Devido à sua
reputação como “língua dos eruditos”, sua obrigatoriedade foi
relegada à prateleira empoeirada do “formalismo” e do “esoterismo”
pré-1960. Pessoas comuns são naturalmente intimidadas por
aquelas que estudaram latim ou por currículos que o exigem. O que
elas não percebem é que a “língua dos eruditos” tornou-se tal
porque seu acesso e aprendizado eram facilitados, assim
proporcionando acesso democrático ao mundo das ideias durante
um tempo em que o globo estava irremediavelmente fraturado pelos
dialetos e línguas vernáculas.
Embora não mais uma língua falada, o latim ainda é imensamente
valioso para aqueles que desejam ter acesso às riquezas da
tradição das Artes Liberais. Ouvir das glórias de César sobre a
utilidade da guerra ou escutar Agostinho descrevendo a
profundidade da depravação da qual Cristo o salvou, em suas
próprias palavras, é um privilégio extraordinário. Outro privilégio é
saber que, quando ensinada com sentido e propósito, é uma língua
surpreendentemente acessível a qualquer aluno.
Pensamento semelhante aplica-se ao estudo do grego, em
especial do Koiné, língua do Novo Testamento, para aqueles que
estão se aprofundando nos estudos bíblicos. Apesar de uma
infinidade de traduções, interpretações e paráfrases disponíveis no
mercado atual, são muitas as nuanças encontradas nas Escrituras,
de modo que, sem ter conhecimento dos originais, o leitor pode não
as compreender integralmente. Embora dois anos de estudo do
grego do Novo Testamento não formem eruditos instantaneamente,
o aluno assim introduzido à língua ao menos terá uma facilidade a
mais para estudar e interpretar por si só a Bíblia, ferramentas que o
capacitarão a melhor aplicar suas habilidades dialéticas na análise
de comentários e interpretações dos melhores (e piores) estudiosos
da Bíblia. Obviamente, o desafio é adequar esse tipo de estudo num
currículo já farto; a escola, contudo, que valoriza esse aspecto
particular do aprendizado das Artes Liberais cristãs encontrará
maneiras de ao menos oferecer o grego como disciplina optativa.
Há uma boa razão para ensinar o latim desde a infância (uma vez
que a experiência e os estudos científicos sugerem que quanto mais
cedo, melhor para a criança). Reconhecemos também que o estudo
do latim e do grego facilita a absorção do vocabulário da língua
inglesa, bem como traduzir dos seus originais confere ao aluno
habilidades especiais. Finalmente, o argumento-chave para o ensino
das línguas clássicas é a linguagem em si mesma e as riquezas da
revelação cultural nela registrada. A economia, o refinamento, a
amplitude das ideias são a essência da tradição, tornando
indispensável o estudo da própria linguagem.
LÍNGUA ESTRANGEIRA MODERNA
Há um truísmo tragicômico sobre a cultura americana: “Como
você chama a pessoa que fala três línguas? Trilíngue. Como você
chama a pessoa que fala duas línguas? Bilíngue. E como você
chama a pessoa que fala um só idioma? Americano”. “Toda
brincadeira tem seu fundo de verdade”, e a educação americana
tornou-se o alvo da comunidade internacional por ter negligenciado
a importância da língua estrangeira moderna. Ironicamente, a língua
estrangeira moderna é um ponto curricular que os leitores de
Dorothy L. Sayers parecem ter esquecido completamente em seus
escritos. Poucas escolas clássicas oferecem a língua estrangeira
moderna, substituindo-a integralmente pela língua latina. O ponto é
que, para os antigos, o latim e o grego eram os idiomas da época, e
conhecê-los bem era requisito mínimo para receber a educação
liberal. Da mesma forma, os hebreus (antes, durante e depois da
época de Cristo) aprendiam a língua grega a fim de ler e escrever
nela (para eles, inclusive, era uma língua estrangeira moderna). A
própria Sayers sugere que idiomas modernos sejam estudados
“lado a lado” com o latim.
O benefício é dobrado: 1) dá aos alunos uma porta para a língua
e a cultura de outros povos, talvez mesmo os preparando para
melhor representar o reino de Cristo a pelo menos uma cultura além
da sua própria; e 2) oferece-lhes o mesmo grande benefício
exaltado anteriormente, isto é, a capacidade de ler grandes autores
em seus próprios idiomas. Seja para ensinar, por exemplo, o idioma
francês simultaneamente ao latim na escola de gramática, seja para
integrar a língua francesa durante esse processo, é questão de
adaptação curricular; vale ressaltar, contudo, que é de grande valor
expor o aluno à riqueza e ao prazer que há no estudo de línguas
estrangeiras modernas. Para algumas escolas (em especial as que
estão em transição para praticar uma abordagem mais voltada às
Artes Liberais), estudar um idioma estrangeiro, ainda que moderno,
pode, por algum tempo, ser a melhor e única maneira de fornecer os
benefícios “auxiliares” do estudo da língua. E, em alguns casos,
como no da Escola Americana de Lyon, na França (escola clássica
para expatriados anglófonos), pode ser a escolha permanente por
razões óbvias.
No entanto, a decisão sobre qual ou quais idiomas estrangeiros
modernos ensinar, bem como todas as demais decisões curriculares
devem se orientar pelos resultados pretendidos e coincidir com a
missão fundamental inerente à instituição escolar. Buscamos os
resultados acadêmicos mais elevados, e não o caminho mais fácil
de socializar ou evangelizar a população minoritária mais próxima.
Pode ser mais viável, social ou economicamente, para os
moradores do Norte de Minnesota aprender a língua ojíbua, mas
qual o custo-benefício entre retorno acadêmico e as enormes
contribuições feitas em outros idiomas?
Muitos fatores influenciarão nossas escolhas ou decisões quanto
ao ensino de línguas estrangeiras modernas, entre eles as legítimas
considerações práticas acerca da demanda dos alunos/pais e da
disponibilidade do professor. Cabe a nós também perguntar em
quais línguas os maiores filósofos, historiadores, cientistas e
estrategistas políticos transmitiram suas pérolas de sabedoria,
pesando todos os fatores relevantes para tomar decisões desse
calibre.
O USO DO COMPUTADOR (INFORMÁTICA)
O ensino do uso do computador é o cerne de uma das maiores
controvérsias da educação moderna. Muitos pais acreditam que as
habilidades informáticas devem ser ensinadas na escola desde os
primeiros anos. Distritos escolares gastam centenas de milhares de
dólares por ano equipando salas de aula e laboratórios, substituindo
equipamentos novos, que mal foram usados, por outros ainda mais
modernos. Mas estudos de instrução assistida por computador em
matérias básicas mostram que os alunos aprendem menos e cada
vez mais devagar em ambientes envolvendo computadores. Na
maioria das vezes, o computador em séries do primário torna-se
uma distração a competir pela atenção dos alunos, tirando o foco
das instruções essenciais do currículo. Tal como acontece com os
métodos socializadores sobre os quais já falamos, não há tempo
para computadores no escopo e sequência dos anos primários.
No entanto, não há dúvida de que os alunos precisam usar cada
vez mais os computadores para fins além de videogames e
mensagens instantâneas. Bibliotecas públicas e escolares há muito
abandonaram catálogos físicos em favor da busca eletrônica, e a
internet fornece materiais cada vez mais confiáveis para pesquisas
formais. Qual, então, é a solução para a escola sob as Artes
Liberais? Abordaremos brevemente a disciplina da ciência da
computação no próximo capítulo, mas também precisamos abordar
o uso do computador como instrumento de coleta e catalogação de
informações, para o registro e organização de ideias e produção de
relatórios impressos.
É óbvio que os alunos usarão computadores para essas e outras
atividades, e é essencial que saibam como utilizar um computador
de modo a fazer melhor uso do tempo. O aluno deve aprender a
digitar ou ter bases na boa e velha datilografia, para que cada um
consiga escrever a partir do teclado usando todos os dez dedos sem
olhar as teclas. O aluno com preparo suficiente nesta habilidade
deve digitar de 40 a 60 palavras por minuto sem erros. Da mesma
forma, deve-se ensinar em sala a navegar nos recursos de uma
biblioteca e da internet.
Agora, eis a controvérsia: além da instrução em todos os aspectos
do uso da biblioteca por parte do bibliotecário da escola, incluindo o
sistema de busca eletrônica, as habilidades que acabamos de
identificar, com a habilidade na produção e utilização de textos e de
planilhas, devem ser ensinadas e sistematizadas em aulas
especiais, começando nos anos primários. A partir de então, espera-
se que algumas atividades comecem a refletir a expectativa por
parte do educador de que o aluno aprendeu tais habilidades. As
atividades da escola primária, por outro lado, não devem refletir
essas expectativas, e os alunos que usam o computador em casa
não devem ter vantagem sobre os que dele não fazem uso. Mesmo
estágios mais avançados das Artes Liberais não requerem o uso de
computadores. Atividades extras e fora do turno escolar devem ter
estrita relação com o cronograma trabalhado em classe e ser
projetadas para atingir objetivos pedagógicos específicos. A escola
de gramática, contudo, não terá relação com a informática.
DIALÉTICA
Usamos o termo “dialética”, mais arcaico, em vez de “lógica”, que
hoje é mais habitual, para referir-se à segunda Arte Liberal, por
causa do significado literal das palavras (aliás, sugerimos que, caso
a use para divulgar o currículo de sua instituição, mencione também
o termo “lógica”, apesar de qualquer conotação esotérica abordada
aqui). “Lógica” vem de logos, palavra que faz ampla referência ao
bom senso, à ordem racional das coisas, à razão em si. Dialektike
denota habilidade artística para a qual se tem aptidão natural, mas
que não é inerente ao nascimento — portanto, apreendida.
Literalmente, é a arte de “discutir ideias”.
Talvez em maior medida do que a gramática, a dialética
compreende os dois elementos complementares que definem as
três primeiras Artes Liberais: um corpo distinto de conteúdo e um
conjunto de habilidades intercambiáveis. À escola que emprega o
trivium cabe decidir em que medida a dialética deve ocupar o tempo
e a energia dos alunos. Como em qualquer outra busca, porém,
quanto mais você ensina algo, mais confiante fica de que seu
conteúdo terá primazia na mente dos alunos.
Neste momento de determinar o tempo empreendido em cada
currículo, crucial é decidir com antecedência o que precisa ser
apreendido e como esse conteúdo deve ser empregado em
habilidades intercambiáveis. Recomendamos que a lógica formal
seja incluída no currículo até, no máximo, o nono ano, e que a
instrução indireta estruturada na construção de argumentos a
preceda ao longo de vários anos. Implementar a lógica formal na
estrutura curricular é importante; contudo, boa parte da disciplina de
lógica pode ser exercício desperdiçado caso os mais amplos
princípios de análise e argumentação não estiverem previamente
integrados aos hábitos acadêmicos dos alunos. O raciocínio lógico,
como a matemática computacional ou a redação, é uma disciplina
cumulativa, e que não pode ser transmitida em um ou dois
semestres.
É necessário estipular objetivos para o estudo da lógica; à parte
de seus benefícios cognitivos inerentes, seu currículo precisa ser
articulado e convertido em metas mensuráveis e realizáveis para o
ambiente escolar. O material curricular que aborda habilidades de
“pensamento crítico” para alunos em vários níveis de
desenvolvimento cognitivo é essencial ao desenvolvimento dessas
metas. Listar alguns tipos de argumentos e falácias (como a lista
abaixo) à parte do currículo formal, mas os incorporando nos
objetivos curriculares de determinada série ou ciclo, orienta o
pensamento dos docentes enquanto estes analisam as diversas
ênfases disponíveis para cada aula.
Algumas Metas para o Ensino da Dialética à parte do Currículo
Formal
1. Composição de argumentos imitados pelo exemplo.
2. Composição de argumentos feitos por analogia.
3. Composição de argumentos com base na autoridade.
4. Composição de silogismos simples, provados pela dedução.
5. Identificar e evitar conclusões falaciosas, oriundas de informações
incompletas e excessos por generalização.
6. Identificar e evitar falácias de causa.
7. Memorizar e identificar falácias informais já consagradas.
8. Construir argumentos a favor e contra a mesma proposição.
Esta lista não representa o todo das capacidades intelectuais
abordadas pela dialética, mas é suficientemente breve para ser
memorizada e abrangente o bastante de modo a capacitar o
professor sem instrução formal em lógica a imediatamente integrar
estes conceitos em aula. Abundam livros breves e acessíveis sobre
argumentação e lógica informal, uma vez que professores
universitários tiveram de reagir ao trágico fracasso das escolas no
quesito de ensinar o aluno a pensar. O desafio constante é, de
forma organizada e previsível, integrar esta ou alguma outra lista na
experiência diária de cada aluno, incorporando-a nas disciplinas,
para assim tornar possível a avaliação do progresso alcançado.
Um dilema interessante se encaixa com a nossa teoria do
aprendizado das Artes Liberais: quanto mais cedo o aluno começa a
aprendê-las, mais tempo leva para ensiná-lo; porém, quanto mais
tarde, menos tempo ele tem para incorporar cada habilidade como
hábito intelectual. Estabelecer prioridades dialéticas na escola
primária por vezes parece colocar a fase fundamental do
desenvolvimento cognitivo contra a necessidade de desenvolvê-lo
como hábito intelectual o mais cedo possível. Apesar de tudo, o
custo-benefício é evidente, e o esforço disciplinado sempre
compensa para o aluno.
DEBATE
Além da lógica, ou talvez como parte da instrução formal em
lógica, deve-se introduzir o aluno aos princípios do debate. Sem
dúvida, serão habilidades aperfeiçoadas nos anos finais do Ensino
Médio e que se interligam ao estudo da retórica, mas já introduzir o
aluno do Ensino Fundamental II à prática do debate condiz com seu
desenvolvimento cognitivo e social (ou seja, sua propensão natural
a ser alguém argumentador). À medida que o aluno aprende a
raciocinar sobre determinadas questões e a construir seus
pensamentos em silogismos formais, a afinidade e o prazer
argumentativos desenvolvem-se naturalmente. Munir o aluno com
regras e estruturas para o discurso cívico (podem ser derivados do
debate forense ou do estilo (cronometrado) de debate entre Lincoln
e Douglas, ou até mesmo de simples princípios de cortesia para
debates em sala de aula) pode canalizar as energias da juventude
em valiosas experiências de aprendizado.
EDUCAÇÃO CÍVICA
Por educação cívica não nos referimos à ciência política, com
seus preâmbulos da jurisprudência e seus efeitos sobre o processo
político, mas, sim, à noção de responsabilidade cívica, à interação
dialética de ideias relacionadas à governança de organizações,
municípios, estados e nações; referimo-nos, também, à participação
ativa nos processos políticos e eleitorais. A educação cívica, bem
como o debate, é uma disciplina dialética, mas pode muito bem ser
ensinada aliada à instrução em retórica. Como a retórica, seus
princípios devem ser introduzidos bem cedo no currículo:
certamente desde os primeiros anos. O aluno precisa entender
como as constituições funcionam, desde as normas do clube local
até a constituição dos Estados Unidos. Ele precisa aprender a
organizar uma reunião de acordo com as Robert’s Rules of Order
[Regras de Ordem de Robert], e aprender os princípios necessários
para envolver-se respeitosamente no discurso civilizado sobre
questões importantes para a sociedade em qualquer local e
aglomerado, da barbearia ao Supremo Tribunal.
RETÓRICA
Aristóteles definiu a retórica como “a capacidade de ver todos os
meios de persuasão disponíveis em qualquer situação”,9 um
conjunto de conteúdos e habilidades com relevância e aplicabilidade
praticamente universais. Defendemos que a retórica é o elemento
mais poderoso do trivium para formar líderes no mundo de hoje. Seu
ensino, contudo, depende muito dos fundamentos da gramática e da
dialética, de modo que, assim, o aluno adquire com facilidade
habilidades no discurso persuasivo. Uma vez estabelecida essa
base de conhecimento e experiência, passamos então a enfrentar o
mesmo desafio que tivemos com o ensino de dialética: de que
maneira fazer com que a disciplina permeie a experiência de cada
aluno.
Tal como no caso da dialética, comecemos estabelecendo o
compromisso de ensinar a retórica como disciplina (incluindo um a
dois anos de retórica formal) e de integrar habilidades
evidentemente articuladas em nossos objetivos curriculares. A
seguir, outra lista, dessa vez de habilidades que podem ser usadas
a fim de formar a base curricular integrada de retórica para alunos
do segundo ciclo do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio.
Alguns Exemplos de Elementos do Ensino e Aprendizado de
Retórica
1. Elaboração de teses/proposições.
2. Utilização de tópicos do conhecimento de todos na redação.
3. Pesquisa de argumentos.
4. Elaboração de argumentos usando os três modos clássicos de
apelo.10
5. Elaboração e organização de enthymemes.
6. Utilização de argumentos inválidos (mas verdadeiros!) recorrendo
à vantagem persuasiva.
7. Organização de argumentos para obter o máximo de impacto.
8. Criar apresentações públicas persuasivas.
Em nosso capítulo sobre o currículo retórico, abordamos as
complexidades e as possibilidades de ensinar a fim de adquirir o
efeito retórico de forma mais compreensiva. O ponto em questão é
que sem um senso claro de objetivo tanto no conteúdo como nas
habilidades, ambos não prosperam. Nunca alcançaremos mais do
que aquilo que, de forma cuidadosa e realista, almejamos conquistar
por nossos alunos em sua educação.
REDAÇÃO, DISCURSO E ENCENAÇÃO
O aluno deve ser introduzido logo cedo à responsabilidade de
escrever, tanto como meio de expressão criativa quanto como
culminação argumentativa de uma boa pesquisa. Ensinar os alunos
a escrever de forma eficaz é, sem dúvida, uma responsabilidade
que leva tempo, porque eles não nascem com a mecânica inata da
escrita formal. Essa habilidade precisa ser aprendida, e o processo
é praticamente o mesmo para a grande maioria daqueles que
estudam. Reagir à escrita do aluno como um editor e permitir
revisões é a única maneira de ensinar essa habilidade. Quando eu
(Littlejohn) fui diretor do departamento de honras (honors) numa
grande universidade, li as teses de alunos no processo de honras
dos mais variados departamentos acadêmicos. Em determinada
ocasião, encontrei uma tese totalmente incompreensível e marquei
uma conversa com o orientador do departamento daquele aluno.
Acabei entendendo que, embora o aluno fosse nota dez, seu
orientador tinha impressões semelhantes às minhas. À medida que
explorávamos a situação em conjunto, descobrimos que este aluno
havia ido bem nas provas e impressionado os professores com seu
entusiasmo e carisma, de modo que sempre tirou 10 nos trabalhos.
Ele tinha dezenas de redações com a nota 10 estampada no topo
da página, mas sem qualquer outra correção ou comentário. Seu
orientador e eu concordamos, com um sentimento de vergonha e
remorso entre colegas, que, provavelmente, ninguém realmente leu
algum de seus trabalhos, e agora ele enfrentava a possibilidade de
ser reprovado em sua tese final, porque não lhe haviam ensinado a
escrever.
Apesar das pesadas cargas de trabalho e esforço, não basta
apenas dar nota a uma redação. Como professores conscientes na
tradição das Artes Liberais, cabe a nós também o ato de corrigir.
Devemos ser como um revisor-editor para o aluno, respeitando o
estilo e opiniões, mas os mantendo responsáveis pela boa
gramática, pela manifestação sólida da lógica e por
coesão/coerência semântica na escrita. Vale ressaltar, neste
contexto, que deparar-se com uma cor diferente do vermelho pode
ser mais encorajador para o jovem que está estudando e se
esforçando para aprender a difícil arte da escrita persuasiva.
A escola que opta por orientar-se com bases na retórica tem os
meios necessários para ajudar o aluno a superar o medo que aflige
a grande maioria dos adultos americanos: falar em público. Tarefas
de produção escritas, uma vez objetivas, podem servir de primeiro
passo para a aquisição de confiança em frente a uma audiência, e
isso pode ser iniciado no primeiro ou segundo ano do primeiro ciclo
do Ensino Fundamental. Ensinando a escrever, também devemos
ensinar o princípio de que “a escrita é para leitura”. Muitos alunos
começam sua tarefa de redação sem fazer perguntas básicas:
“Quem é o meu público e o que eles pensarão sobre a minha
escrita?”. Fazer com que aluno leia sua própria redação em voz alta
para os colegas de classe desenvolve confiança na escrita e prática
na elaboração de discursos simples. Como veremos em um capítulo
posterior, os princípios da retórica podem ser introduzidos muito
cedo no currículo, e tudo o que fazemos para reforçar o objetivo da
eloquência será de valor quando o aluno enfrentar verdadeiros
desafios retóricos.
Entre os melhores meios para reforçar a confiança retórica dos
alunos e testar suas habilidades na escrita está exigir ou encorajar a
participação em apresentações teatrais. A tudo que o aluno é
exposto no teatro, desde escrever uma história baseada em
diálogos e dirigir a peça até desempenhar o papel de liderança e
ajudar com o figurino ou com o cenário, o capacita a ser mais um
daqueles que, com eloquência, formarão a cultura.
A ESCRITA E A DEFESA DA TESE
O auge da educação cristã baseada nas Artes Liberais deve ser,
sem sombra de dúvidas, a seleção de um tópico, sua pesquisa
minuciosa, a composição de uma tese persuasiva e substancial, e a
defesa oral pública dessa tese diante de uma banca de professores,
tudo isso na presença de colegas e pais. Embora possa parecer
assustador, a educação fornecida pelas Artes Liberais, de um modo
cumulativo e gradativo, tende a resultar em jovens de dezessete,
dezoito anos capacitados a atuar com confiança e competência
neste nível.
Não é incomum que as escolas, especialmente as particulares,
exijam, no último ano do Ensino Médio, a apresentação de um
projeto de conclusão. Os alunos apresentam músicas que eles
próprios compuseram, ou demonstram uma habilidade adquirida ao
longo dos anos que manifeste e expressa sua personalidade. São
coisas boas para o desenvolvimento da comunidade e para celebrar
a singularidade daqueles alunos que perseveraram até a formatura,
contudo a tese retórica final é algo completamente diferente.
Na Regents School, a tese final é uma matéria de tempo integral
exigida de cada aluno prestes a concluir o Ensino Médio; ser
aprovado nesta etapa é pré-requisito para poder formar-se. No início
do último ano, o aluno começa a explorar tópicos de interesse. Os
critérios são que a tese deve abordar problemáticas de interesse
público, tratar de assuntos controversos e conter um curso de ação
proposto por meio do qual procura persuadir seu público. Os alunos
escolhem um orientador do corpo docente para ajudá-los a
fortalecer a estratégia de pesquisa; este os ajuda a manter o foco no
tópico proposto, e o aluno, por sua vez, presta-lhe contas, fazendo
com que o projeto ande conforme o cronograma. Este orientador
também fará parte da banca de jurados quando a tese for
apresentada no final do ano letivo.
Enquanto isso, os alunos continuam produzindo e apresentando
discursos sobre outros tópicos, preparando-se para a apresentação
final, cujas regras são rígidas. O discurso deve durar entre
dezessete e vinte minutos, seguido por mais vinte minutos de
perguntas feitas pelos jurados. O aluno pode levar consigo uma
folha de rascunho básico, mas toda a apresentação e a defesa são
feitos sem nenhum outro recurso. Por mais intimidador que pareça,
todos os alunos concluem a matéria, provando que a tradição das
Artes Liberais realmente produz líderes sábios e eloquentes para a
nossa era.
SETE
AS ARTES MATEMÁTICAS
E AS CIÊNCIAS REAIS
Como sugerimos num capítulo anterior, rejeitamos a noção
espúria de que o trivium é fundamental ao quadrivium. Certamente,
é verdade que as artes clássicas da linguagem são fundamentais ao
aprendizado. Também é verdade que, sem as habilidades
conferidas pelas artes da linguagem, é improvável que o aluno faça
grandes avanços em qualquer empenho curricular. As artes
matemáticas, por sua vez, são, à sua maneira, igualmente
fundamentais, e os antigos nos estabeleceram o exemplo de que a
instrução delas deveria começar nos primeiros anos letivos.
O desafio imediato com as artes matemáticas, como com todo o
aprendizado, é torná-las interessantes e prazerosas para o aluno. O
universo educacional de hoje mostra a trágica realidade de muitos
alunos, se não da maioria, que se fecham para a matemática e as
ciências antes mesmo de avançar um pouco mais no processo de
aprendizado. E a noção de que meninas têm pouca aptidão para
essas artes e, portanto, são automaticamente descartadas do
destaque em suas disciplinas, é um mito herético. A causa mais
provável do desdém por parte dos alunos é o círculo vicioso que
começa com bases fracas e superficiais, depois segue com
professores universitários que evitam a disciplina, e por fim com o
formado carente nessa área, agora professor, voltando à escola,
mas desta vez para ensinar outros alunos.
Na nossa época, era comum ter como professor de biologia os
principais treinadores da região (talvez porque a educação física e a
biologia têm o corpo humano como foco comum).
Hoje em dia, lida-se um pouco melhor com a problemática entre
alta demanda e baixa oferta de professores de ciências. Até mesmo
as melhores universidades sucumbiram à pressão de diluir a
qualidade ou a dificuldade do bacharelado para conseguir enquadrar
os alunos mais “abaixo da média”. E as faculdades agora dominam
a arte (ou a “mágica”, se assim preferir) de burlar normas e
legislações referentes ao conteúdo programático; o que elas
geralmente fazem é renomear cursos e reaproveitar outras grades
curriculares, uma artimanha tão organizada que seria necessário um
doutor em pedagogia para detectá-la.
Devido à importância crítica das artes matemáticas, é imperativo
que nossas escolas não só tenham preparo e contratem professores
preparados e apaixonados, mas também os preparem e os treinem
para ensiná-las de forma eficaz. Com tantas oportunidades
disponíveis na indústria tecnológica, torna-se cada vez mais difícil
encontrar bons professores de matemática e ciências. As escolas
cristãs que fazem da compreensão científica uma prioridade talvez
precisem reorganizar a forma como os professores são
remunerados, de modo a assegurar instrução de alta qualidade
nessas disciplinas; a alternativa contrária, contudo, pode resultar em
alunos despreparados.
A análise cuidadosa dos currículos de matemática e ciências
também deve ser de alta prioridade. Por vezes, escolas cristãs
valem-se do currículo de outra instituição semelhante, mas sem
determinar os resultados desejados. Todo currículo tem suas
lacunas, e para compensá-las é preciso ter cuidado e esmero ao
selecionar o material escolar a ser utilizado. O currículo de
matemática que emprega um método radical nas turmas primárias
pode traumatizar, enquanto uma abordagem mais convencional
poderia resolver o problema. Por outro lado, planos convencionais
estão repletos de lacunas que prejudicam os fundamentos, tão
essenciais aos níveis adiante.
ARITMÉTICA
É de fundamental importância que, desde os primeiros anos
escolares, a aritmética básica seja ensinada de forma incremental e
cumulativa, e que o aluno tenha acesso suficiente ao material até
alcançar seu domínio. Mais que qualquer outra disciplina, a
matemática é um exercício cumulativo, construído ano após ano.
Um “ano ruim” em matemática provavelmente resultará em muitos
anos de sofrimento; postular enfoque e domínio no currículo pode
ajudar a garantir que os alunos não sejam prejudicados mesmo que
a escola tenha padrões baixos ou metas acadêmicas incertas. Isso
significa começar com os princípios mais simples e ficar com eles
até que sejam profundamente apreendidos antes de passar aos
mais complexos.
Tal como acontece com a leitura, a escrita e a ortografia/fonologia,
almejamos automatização. As habilidades básicas devem ser como
que uma segunda natureza ao aluno, de modo que, dominadas as
estruturas básicas, as mais complexas de igual forma fluam. No
caso dos alunos mais novos, e talvez também dos mais velhos, o
uso de múltiplas modalidades é imperativo. Lembra-se de Hugo de
São Vítor medindo formas geométricas no chão de seu quarto?
Significa que itens manipuláveis e outras ferramentas táteis e
cinestésicas devem ser parte integrante da nossa pedagogia. Da
mesma forma, os rudimentos de todas as subdisciplinas
matemáticas devem ser entrelaçados no tecido curricular inicial.
Princípios elementares de geometria, álgebra e estatística devem
ser ensinados assim que suas habilidades fundamentais estiverem
compreendidas, bem como a compreensão de calendários, tabelas
e o relógio analógico.
Fundamentos devem ser reforçados de forma incremental e
cumulativa, de modo que as matérias aprendidas há uma semana
ou um mês sejam revistas e testadas sempre. Esse princípio é
contrário à maioria dos currículos de matemática que se
desenvolvem de módulo em módulo, como se cada base
matemática fosse de alguma forma isolada e independente de todo
o restante. Se nossos alunos ficam aliviados porque aquela terrível
unidade sobre frações ou números negativos ficou para trás, é sinal
que os estamos convidando a evitar a matemática por toda a
jornada estudantil.
Não há muitos exemplos publicados de abordagens incrementais
para o ensino da matemática, mas há um que vale mencionar. John
Saxon percebeu que seus alunos estavam frustrados com a aula de
álgebra, porque o texto saltava de tópico em tópico sem se basear
em conhecimentos previamente dominados. Ele desenvolveu uma
abordagem incremental que antecipava aos alunos a próxima
estrutura equacional, uma vez que então dominavam elementos e
fórmulas precedentes. Saxon acreditava que o aluno não estava
pronto para princípios complexos até que alcançasse a
automatização dos elementos mais simples que, naturalmente, se
juntam para formar princípios ou processos mais complexos. Com
isso em mente, Saxon elaborou um currículo que inicia o
aprendizado incremental a partir do quinto ano, e desde então seus
colegas forneceram uma estrutura curricular que apoia sua
abordagem pedagógica a partir do Jardim de Infância. Em outras
palavras, ele dispôs o currículo para começar do último ano do
Ensino Médio e regressar ao Jardim de Infância.
Às vezes, métodos incrementais são difamados por três motivos
básicos. O ritmo repetitivo tende a aborrecer alunos cujo cérebro
acostumou-se com o ritmo frenético de imagens e sons com os
quais são bombardeados na cultura tecnológica contemporânea.
Alunos, pais e até mesmo professores podem se frustrar com esses
métodos porque também estamos acostumados com a gratificação
instantânea em tudo, desde a comida instantânea até o acesso
instantâneo à riqueza de informações disponíveis por meio da
internet. Mas realidades importantes não podem ser condensadas
em lapsos de trinta segundos; e, na categoria de verdades
fundamentais, a matemática se encontra no topo da lista. A segunda
queixa está diretamente relacionada à primeira. Visto que a entidade
educacional adotou um ritmo acelerado, abordar unidade por
unidade, num escopo e sequência incremental, pode atrasar o
status quo em algumas categorias de provas e exames. Em terceiro
lugar, programas incrementais, como o de Saxon, podem parecer
funcionar contra uma abordagem multimodal sobre o ensino e o
aprendizado.
Primeiro, a instrução de ritmo mais lento. Apreender por completo
as habilidades básicas da matemática é uma fase tão crítica para o
sucesso acadêmico geral que devemos estimar seu domínio de
forma ainda mais elevada. As últimas pesquisas no campo de
estudo do cérebro verificam o que os educadores astutos conhecem
por experiência e intuição já há algum tempo. A única maneira de
mover fatos, conceitos e até a destreza física da memória de curto
prazo para a memória de longo prazo (ou seja, a única maneira de
alcançar a automatização) é a repetição. Estudiosos da área
cerebral observaram que o cérebro dos melhores jogadores de
golfe, dos músicos altamente qualificados e até mesmo dos
jogadores de xadrez profissionais é significativamente alterado
quando comparado com praticantes amadores altamente
competentes das mesmas atividades.1 Seria absurdo para o jogador
de golfe profissional, depois de fazer uma linda jogada
conservadora, dizer: “Certo, já dominei essa habilidade, agora de
volta ao jogo”. Da mesma forma, o violoncelista que passou para a
próxima peça depois de um ensaio sem erros em um dos quartetos
de cordas de Beethoven não está, necessariamente, destinado à
grandeza. Pesquisas indicam que a diferença entre um amador
competente e um artista/mestre é de cerca de vinte horas de prática
por semana. Sabe-se que o caminho para o Carnegie Hall é
“praticar, praticar, praticar”, mas toda uma cultura educacional
parece ter esquecido que a proficiência em qualquer disciplina
também exige prática, prática, prática! Embora a repetição seja o
caminho para desenvolver a memória de longo prazo, a maioria de
nós é impaciente demais.
Quanto aos resultados de provas e exames, pode ser verdade
que alunos do segundo ano do Ensino Fundamental em planos de
estrutura incremental obtenham notas abaixo da média nacional em
duas das vinte áreas de competência, mas temos dificuldade em
nos preocupar muito com isso quando os mesmos alunos se
classificam entre os 100 melhores nas outras dezoito áreas e
quando, no quarto ano, esses mesmos alunos “ultrapassam”
aqueles alunos sob currículos corridos e fragmentados. A escola
que realmente se preocupa e compreende seu currículo jamais deve
ser pressionada a avaliar-se sob medidas e padrões que destoam
de seus próprios objetivos prescritos.
A terceira questão que surge com programas curriculares que
dividem a matemática em pequenas unidades é o fato de haver
alunos que mais carecem de práticas concentradas, repetitivas e
frequentes para garantir a memória de longo prazo. Há também a
necessidade de encontrar espaço na sequência de ensino para
gastar tempo com a aplicação de princípios e a solução abstrata de
problemas matemáticos. Ainda assim, é possível lidar com ambas
as problemáticas; basta o professor ter conhecimento minucioso dos
objetivos curriculares e a liberdade de optar não usar currículos que
desviem das vias e bases já estabelecidas, o que poderia fazer o
aluno esquecer-se ou desviar-se do que já aprendeu.
O que nos traz de volta a um fato: o corpo docente de
matemática, se altamente competente, compreendendo o todo das
Artes Liberais na educação, tem a capacidade de rejeitar
determinado plano curricular (como o de Saxon) em favor de outro,
uma vez que tiver por fundamento objetivos articulados e um quadro
instrucional criativo. Na Regents School of Austin, o departamento
de matemática do Ensino Médio desenvolveu um conjunto de
padrões e protocolos de domínio que, à sua maneira, transcendem
os vários programas de instrução, incluindo o de Saxon e uma série
de instrumentos mais convencionais. Frustrado por ver alunos em
escolas convencionais decorando para as provas, incomodado por
ter de dar notas ruins, reprovar trabalhos de casa e testemunhar
alunos passando de um módulo para outro sem terem dominado
princípios básicos e prévios, o corpo docente desenvolveu um
conjunto de princípios a partir do qual derivou uma abordagem
pedagógica para ensinar e avaliar a disciplina.
Resumidamente, o excelente plano curricular da Regents
assevera que o aluno deve ser capaz de demonstrar domínio em
habilidades de cálculo e em aplicações e resolução de problemas
uma vez que as metas curriculares, a instrução e a avaliação
reforçam consistentemente esses elementos essenciais e
integrados do programa. Um conjunto de habilidades e aplicações
básicas foi planejado para cada nível de matemática, e cabe aos
alunos atingir com consistência um nível mínimo (substancialmente,
maior do que o necessário para passar) de habilidades básicas e
passar em exames e testes para a matrícula na próxima série ou
para a aquisição de créditos. Para alguns, isso exige reensinar,
reaprender e “retestar” as habilidades e aplicações. Mas exigir o
domínio em ambas as áreas e aplicar rigorosamente uma norma de
competência evita a circunstância infeliz, embora comum, de
estudantes que foram passados para níveis mais elevados, mas
sem habilidades básicas e prévias.
Benefício adicional de um plano curricular robusto de matemática
é a confiança que o departamento de ciências ganha sobre esses
alunos, pois seus empenhos envolvem atividades práticas em
laboratório e voltadas à resolução de problemas. A química, a física
e a microbiologia diminuem em mistério e frustração para o aluno
que não tem empecilhos por simples confusões de cálculo. Outro
fator valioso desse excelente plano curricular é a integração de
ambas as disciplinas, uma vez que o departamento de matemática
costuma buscar por problemas científicos que os alunos possam
resolver com o que já estão aprendendo.
Escolas independentes também enfrentam a pressão do ritmo
sobre o currículo de matemática, mais uma coisa relacionada à
pesquisa da área cerebral. Como os alunos no início da
adolescência tendem a se desenvolver em ritmos radicalmente
diferentes (por exemplo, os meninos muitas vezes ficam atrás das
meninas por até dezoito meses no desenvolvimento físico e
cognitivo, e as diferenças do mesmo gênero podem ser igualmente
nítidas), uma gama de preparativos para conceitos abstratos pode
ser detectada dentro de uma classe de alunos que são da mesma
idade.
Alunos (em especial os meninos) brilhantes na aritmética durante
o sexto ou sétimo ano podem se complicar se forem empurrados
antes do tempo para a álgebra, dada a complexidade da disciplina e
o que ela requer das capacidades cognitivas, dificuldade que
aumenta na maioria das escolas, pois é apresentada como matéria
em texto. Eis algo que pode ser frustrante para alguns pais, pois
pensam que o seu “pequeno gênio” está perdendo espaço na
academia, visto que não foi elevado aos graus mais complexos da
matemática logo na primeira oportunidade. A escola, porém, deve
tomar a decisão mais oportuna, não jogando os alunos em situações
que, por fim, os frustrarão. A longo prazo, alunos situados
adequadamente terão destaque sobre os que, na verdade, estão
perdidos, sem norte. Perceba que nenhuma entrevista para bolsa ou
de emprego vai perguntar: “Com quantos anos você aprendeu
álgebra?”. Pois então, dado o volume e variedade de habilidades
exibidas pelos alunos, vale o sistema de testes que direcione o
estudante à disciplina e ao nível apropriados, de acordo com o
desenvolvimento cognitivo e aptidão intelectual, e não a idade.
A boa notícia é que, com o planejamento estratégico do Ensino
Médio e a estruturação correta do currículo, os alunos que iniciam a
álgebra no nono ano ainda têm tempo para geometria, álgebra
avançada, trigonometria e uma introdução ao cálculo e à estatística.
Esta é, de fato, uma preparação para a faculdade, e seguir uma
abordagem incremental e cumulativa (do Ensino Médio ao Jardim da
Infância) pode, se necessário, atender às necessidades de cada
aluno em um único grau escolar. No entanto, também é útil
reconhecer que existem limites de aptidão que vão além do oitavo
ano e com os quais bons alunos podem se deparar, frustrando seu
progresso em outros pontos de suas carreiras. Só porque um aluno
passou bem em geometria e álgebra II não significa que será capaz
de dar um salto para cálculo enquanto ainda estiver no Ensino
Médio. Alunos altamente motivados e disciplinados podem ter a
vontade de mergulhar em cálculos por causa do registro escolar de
admissão na faculdade, mas o departamento de matemática ou
conselho acadêmico que tiver perspicácia talvez conclua que
precisa redirecionar os interesses matemáticos do aluno para
estudos adicionais em estatística ou ciência da computação a fim de
evitar um colapso na parte mais avançada do currículo. A escola
que fornece opções de matemática de nível superior, além do
cálculo, pode fazer um serviço valioso a muitos alunos ambiciosos
enquanto ainda mantém um padrão rigoroso para todos.
Deve-se notar, no entanto, que o cálculo tem um enorme valor,
não só pelo seu poder de desenvolver o pensamento conceitual,
mas também como uma ferramenta prática para as ciências naturais
e técnicas. O aluno que pretende graduar-se em física, engenharia
ou mesmo em ciências biomédicas será ajudado ao longo do
caminho por uma compreensão preparatória da matemática integral
e diferencial. No entanto, a abordagem das Artes Liberais,
devidamente administrada, preparará nossos graduandos para
superar seus pares em cálculo e matemática avançada na faculdade
bem a tempo do sucesso em qualquer uma das ciências
“matemáticas”.
Ainda assim, vale notar que o requisito matemático mais ubíquo
para todas as pessoas em todos os setores da vida é a estatística.
Compreender princípios estatísticos básicos prova que o aluno é
capaz de julgar corretamente as “tendências midiáticas” (o que isso
quer dizer sobre mentirosos e estatísticos?) e lhes proporciona uma
ferramenta importante para tomadas de decisão. A análise
estatística constitui a base para a tomada de decisões baseadas em
dados, uma abordagem muito mais poderosa para a liderança
inteligente e gestão sábia do que aquela tipicamente empregada na
cultura econômica e política de hoje (ou seja, a experiência e a
intuição isolada). E, no entanto, a estatística é a disciplina
matemática mais rara a ser encontrada nas escolas convencionais.
Nosso parecer é o seguinte: a educação matemática “completa”
necessariamente incluirá pelo menos alguma abordagem de
estatística.
Finalmente, dado o crescente papel dos computadores em todas
as dimensões da vida moderna, nossos alunos precisam de uma
compreensão básica da teoria e da operação dessas máquinas. Não
basta que o jovem estudioso simplesmente interaja com uma “caixa
preta” cercada de mistérios. Alguma compreensão da lógica
computacional, da linguagem e dos sistemas operacionais melhora
o envolvimento com essa cultura cada vez mais à mercê de sua
tecnologia.
GEOMETRIA
Porque, em nossa estrutura mental, ela ocupa um espaço como
subdisciplina da matemática, já nos referimos à sólida inclusão da
geometria no currículo. Contudo, nos tempos antigos, a geometria
ocupava posição de destaque no quadrivium, dadas suas muitas
implicações referentes às inter-relações espaciais. A geometria
forma as bases da compreensão de como relacionar-se e interagir
com o mundo físico, tendo em si inúmeras implicações para a nossa
compreensão da verdade, da bondade e da beleza.
Incluímos, no caso, a geografia sob esta arte matemática, assim
como faziam os antigos. Era tremenda a importância da geografia
para o currículo das eras antigas. O entendimento aprofundado da
geografia não só ajuda o aluno a “localizar-se” no próprio bairro,
comunidade, região, país, mundo, como também é essencial à
compreensão da providência de Deus na história e na cultura,
ambas moldadas (talvez ordenadas) pelas grandiosas formações
geológicas por todo o globo. Não está completo o estudo histórico
de uma grande obra da literatura que não se presta a localizar
geograficamente o aluno e prover-lhe conhecimento e ensino
referentes aos hábitos locais e às regiões relevantes do mapa.
Como já dissemos antes, à educação de qualidade é essencial o
ensino integral, desde os primeiros anos, cumulativo e contínuo da
geografia.
Por fim, abaixo da geometria incluímos também as artes visuais.
É provável que as Belas-Artes sejam das disciplinas mais
negligenciadas dentro do currículo de uma escola convencional.
Muitas instituições, públicas e privadas, tendem a considerá-las
extracurriculares ou (ainda pior!) “especiais”. A consequência lógica
é, portanto, tratá-las como que à parte do currículo formal, sem
importância central.
Pelo contrário, contudo, é perfeitamente esperado que a escola
cristã exponha o aluno tanto ao estudo como à criação da arte.
Nossos alunos devem aprender como adaptar e de que forma
outros já adaptaram a natureza criativa de Deus manifesta pelos
portadores da imagem do Criador.
Além do mais, relacionar-se com as Belas-Artes é essencial ao
desenvolvimento cerebral; alunos que a elas se dedicam, tanto para
benefício próprio como para aprender outras disciplinas, extraem
grande proveito desse ensino.
Por exemplo, há tempos que é um exercício essencial empregar
na ciência da história natural esboços e rascunhos gráficos daquilo
que se observa no laboratório ou na natureza.
É impossível, portanto, ter compreensão adequada dos tecidos da
história e cultura sem se ater às suas formas de expressão,
preservadas por meio da arte.
De igual modo os rudimentos da arquitetura não devem ser
negligenciados. A arquitetura ergue-se como poderoso reflexo do
senso de verdade, bondade e beleza legado por culturas que de
outra forma há muito teriam sido esquecidas. O aluno precisa
enxergar como formas seguem funções, e sentir, por exemplo, a
realidade de que o uso de certos materiais e do espaço como um
todo em bibliotecas e catedrais serve para atrair a mente e o
coração ao conhecimento e à contemplação.
Afirmamos, portanto, que as Belas-Artes são fundamentais à
abordagem das Artes Liberais, e que a escola deve priorizar sua
busca, de modo a permear a experiência do aluno com atividades
artísticas.
A variação curricular é praticamente infinita, então não
determinaremos um escopo e sequência aqui. Porém, se algo
podemos dizer, recomendamos que o plano do currículo das Belas-
Artes se sujeite ao mesmo processo que parte do Ensino Médio e
regressa ao Jardim de Infância.
Qual será o impacto que o currículo de Belas-Artes da sua escola
exercerá sobre os alunos formados? Até que ponto a sua instituição
lhes legou o amor pela arte e o interesse por tornar-se executor e
patrocinador do fazer artístico? Como componente da missão
artística a escola se propôs a formar pintores, escultores, fotógrafos,
editores? Até onde e quando as artes serão integradas nos
propósitos curriculares de outras disciplinas como Humanidades e
ciências? As artes serão de fato exigidas dos alunos enquanto
estudam outras matérias? Haverá uma correlação imprescindível
entre ambos?
A resposta da escola a essas e outras perguntas revelará sua
visão artística e suas perspectivas quanto ao fim e ao produto
artístico do aluno. Cada atividade que parte do Ensino Médio e
regressa ao Jardim de Infância deve se esforçar por alcançar esses
objetivos. Como? Tornando essencial o fazer artístico ao escopo e à
sequência do currículo.
AS CIÊNCIAS NATURAIS
As ciências talvez sejam o pivô dos estudos que já há décadas
impulsionam pais cristãos ao dilema entre educação cristã e
educação de qualidade para os filhos, como se ambas fossem
autoexcludentes. A triste realidade é que, por um longo tempo, na
maioria das comunidades, escolas cristãs locais apresentam aquilo
que muitos têm considerado um ambiente física, emocional e
espiritualmente seguro, mas sem se ater ao rigor que é o desafio da
experiência acadêmica.
Ao mesmo tempo, para muitos evangélicos continua fervoroso o
debate ciência vs religião, como se ambas fossem inerentemente
autoexcludentes. Quanto à religião, a solução mais simples é
também lógica: quando ciência e religião entram em aparente
conflito, o problema está na interpretação de uma, de outra, ou
mesmo de ambas — realidade comprovada desde os dias de
Galileu, e que continua verdade quando o assunto é educar o aluno
na tradição das Artes Liberais. Cabe a nós, educadores, ensinar ao
aluno as habilidades essenciais necessárias à interpretação sólida
da Bíblia e dos fatos.
Quanto à ciência, a dicotomia entre educação cristã e de
qualidade tem se mostrado força motora na restauração das Artes
Liberais cristãs como abordagem do conhecimento que tanto é
cristã quanto de qualidade.
O modelo integral para a educação cristã das ciências é entender
que nossa visão de mundo abrange a realidade de que o estudo das
ciências naturais é a porta de acesso à revelação que Deus, por
meio de sua criação, dá de si mesmo aos portadores da imagem do
Criador.
Para mencionar Francis Bacon, “Deus nos deu dois livros, e por
meio de ambos podemos conhecê-lo; o livro da sua Palavra [as
Escrituras] e o livro desse mundo [a Criação]. Cabe a nós o estudo
de ambos!”. Outro Francis (o Schaeffer) foi um dos primeiros
evangélicos modernos a ressaltar a realidade histórica de que a
tradição científica do Ocidente é derivada da visão de mundo cristã
que dominou a Europa entre 400 d.C. e 1600 d.C.
Embora muitos dos primeiros cientistas modernos, como da Vinci
e Bacon, afirmassem alto grau de independência do pensamento
cristão daqueles dias, a estrutura na qual eles buscavam investigar,
conhecer e descrever o mundo que os cercava era inequivocamente
cristã. A chave para abordar tópicos controversos (nas ciências ou
em quaisquer disciplinas) é, tomando emprestada uma analogia
científica, inocular, e não a quarentena. Não queremos isolar nosso
aluno das ideias que lotam a universidade e a cultura atual, mas,
pelo contrário, nosso desejo é expô-lo às ideias e levá-lo a exercitar
habilidades dialéticas enquanto ainda estão sob nossa tutela.
Se fizermos bem nosso trabalho, o aluno que se formar sob nosso
ensino terá a sabedoria necessária para, quando a oportunidade
surgir, distinguir a verdade do erro, e a eloquência para articular
essa distinção diante dos professores, colegas e público em geral.
À semelhança do que dissemos acerca das demais disciplinas, as
ciências naturais devem ser ensinadas “como ciência”, e cabe ao
aluno aprender a pensar como um cientista quando em seu labor
científico. Isso significa que a observação, a experimentação, o
acúmulo de dados, a interpretação e a representação devem fazer
parte da experiência educacional desde os primeiros passos até a
conclusão do nosso plano que parte do último ano do Ensino Médio
e regressa ao Jardim de Infância.
Para muitas de nossas escolas, juntar alunos na faixa etária entre
os dez e doze anos mostrou-se apropriado para o ensino das
ciências naturais, assim ensinando biologia, química e física. É certo
que há benefícios programáticos para essa abordagem, embora o
corpo docente das ciências naturais possa apresentar objeções
válidas. Por exemplo, é fundamental que o aluno tenha bases
suficientemente fortes de matemática antes de proceder bem em
física.
Existe, contudo, um equívoco curioso no ensino convencional das
ciências naturais: a tradicional ordem, quase alfabética, de biologia,
química, física. A verdade, porém, como o professor universitário de
ciências naturais deve saber, é que o aluno precisa de compreensão
básica na área de química para absorver a biologia com
propriedade. De forma semelhante, o aluno precisa entender o
básico de física para melhor compreender a química.
O arranjo óbvio dessas disciplinas (após uma base
suficientemente sólida de matemática), portanto, é ensinar física,
então química e logo em seguida biologia, embora caiba à escola
pesar todas as possibilidades ao estabelecer seu próprio currículo e
cronograma das ciências naturais.
MÚSICA
Mais uma vez, reconhecemos que, embora muitos possam ficar
até mesmo surpresos com a inclusão da música nas artes
matemáticas, seu conceito, no entanto, é completamente aritmético,
desde seus tons e oitavas até o uso do ritmo e do tempo em suas
frequências harmônicas. Além disso, sabe-se que o aluno com
capacidades matemáticas tem facilidade para a música e vice-versa.
Em ambos os casos, são capacidades melhor apreendidas
simultaneamente.
Além disso, estudos recentes no campo de pesquisa cerebral
determinaram que atividades que requerem concentração, como
estudar ou realizar uma cirurgia, são aprimoradas quando o agente
ouve certas músicas (pense em Quatro Estações de Vivaldi, e não
em Puff Daddy’s Think I’m Jiggy).2 A importância da música para o
currículo não pode ser exagerada e, novamente, quanto antes a
educação musical começar, melhor preparado o aluno estará para
uma gama de aprendizado. Como todas as Belas-Artes, a
abordagem que parte do último ano do Ensino Médio ao Jardim de
Infância deve ditar a progressão da instrução musical, e o currículo
integral envolverá elementos de história da música, apreciação,
teoria e desempenho musical em todos os níveis de instrução. E a
música deve ser obrigatória a todos os alunos a cada ano. O
currículo de música mais rico (pode haver um duplo sentido aqui)
oferecerá bandas de concertos (orquestra e/ou coral), coros e
oportunidades de apresentação individual dos alunos, começando
no quarto ano do Fundamental e continuando até a formatura, após
fundamentação nos anos escolares mais iniciais. O desafio para a
escola menor é que oferecer uma cartilha assim pode exigir dois ou
mais professores de diferentes campos de conhecimento. De
qualquer forma, a música é essencial para a nossa estruturação do
ensino; e, na verdade, quanto mais, melhor!
Incluídos na música estão a dança e o esporte (gymnasia). Na
verdade, certas formas de dança podem ser consideradas esportes
e creditadas dessa forma. Apesar da óbvia controvérsia que a dança
causa em algumas escolas, pode ser uma verdadeira alegria ver
jovens expressando a verdade, a bondade e a beleza de Deus por
meio da dança, separadamente ou em conjunto, tendo aprendido o
profundo respeito tanto pela arte quanto pelo parceiro. No caso das
escolas que oferecem bailes de formatura ou cotilhões, seria bom
até mesmo propor instruções formais, ensinando passos e a arte da
dança antes desse importante evento.
Quanto aos esportes (ou ao atletismo/educação física), há muito
tempo a tradição na maioria das escolas particulares que se
propõem a preparar o aluno para a universidade [independent
college preparatory schools] consiste em exigir participação
interescolar nos esportes. Tendemos, inclusive, a apoiar essa noção
de responsabilidade estudantil de acordo com a tradição das Artes
Liberais. Desde o tempo de Platão, o esporte (ou gymnasia) tem
sido fundamental ao currículo, e não relegado à condição
extracurricular. Se assim é tratada a atividade esportiva em nossas
escolas, devemos retomar a abordagem que parte do último ano do
Ensino Médio ao Jardim de Infância para educar os alunos nesta
arte.
Uma vez que nosso provável objetivo é ter formandos habilidosos
em dois ou três esportes, é cabível iniciar a educação esportiva
desde os primeiros anos letivos. Esgueirando-se de órgãos
regulamentadores que determinam o currículo, cabe ensinar aos
alunos as regras dos diversos jogos e treinar suas mais básicas
habilidades físicas, essenciais à boa prática e à execução das
atividades e dos jogos. Ter habilidades com a bola, com a raquete,
bastão, taco, vara, florete, luvas, remo e disco; no campo, na
quadra, no rinque, na água, no gelo, no ar, na grama e sobre a sela:
esse é o foco.
AS CIÊNCIAS REAIS
Se compreendemos que, em seu contexto antigo e medieval, a
palavra ciência significa “conhecimento”, logo teologia e filosofia
representam o verdadeiro conhecimento sobre o qual todas as
disciplinas das Artes Liberais são fundamentadas e arquitetadas. A
habilidade idiomática por meio da gramática, da dialética e da
retórica, e a capacidade adquirida com a mathemata por meio da
aritmética, da geometria, das ciências naturais e da música,
descritas neste livro, bem como as habilidades linguísticas,
habilidades de pesquisa, habilidades analíticas, habilidades de
raciocínio e de comunicação, tudo isso coopera para capacitar-nos
ao conhecimento de Deus e munir-nos na compreensão do mundo
que ele criou, no conhecimento de nós mesmos e do próximo. As
habilidades, capacidades e virtudes que adquirimos nos capacitam a
potencializar publicamente esse entendimento com contribuições
significativas para a sociedade e com a “liderança cultural”,
modelando propositadamente a cultura contemporânea em vez de
experimentá-la passivamente ou, ainda pior, simplesmente observá-
la.
Desde a Antiguidade, a teologia e a filosofia são as disciplinas
que “alcançaram” as questões cósmicas de origem e significado. A
educação das Artes Liberais que nos esforçamos por transmitir aos
alunos não está completa sem uma noção mínima dessas matérias.
A essa altura você deve estar cansado de ler essas palavras, mas,
como com todo o aprendizado em nossa abordagem, devemos
ensiná-las do Ensino Médio ao Jardim de Infância. Embora as
“ciências reais” representem o pináculo do ensino preparatório (cujo
estudo, lembre-se, precedeu as disciplinas profissionais como
medicina e direito), à semelhança de todas as demais disciplinas,
seus rudimentos devem ser abordados antecipadamente e
construídos ao longo da fundamentação curricular.
É certo que o currículo numa escola cristã inclui a matéria de
estudos bíblicos, mas tenhamos cuidado. Alguns argumentaram
que, devido à diversidade das denominações representadas na
maioria das escolas cristãs, a responsabilidade pela instrução
bíblica deve ser deixada aos pais e à igreja. Esta é uma aplicação
extrema do nosso princípio de que as escolas são escolas (ver
Capítulo 3), e não podemos apoiá-la. No entanto, levanta-se a
dúvida, que é legítima: “como abordar os estudos bíblicos pelo
currículo das Artes Liberais?”.
Muitas escolas adotaram o objetivo de ter as Escrituras no “centro
de todo o ensino”, o que pode significar muitas coisas. Para os
nossos propósitos, usaremos as Escrituras como a medida para
testar todos os demais campos de conhecimento. Para os antigos
isso significaria “julgar todos os pensamentos e ações à luz dos
princípios bíblicos. Se essas ideias e ações são encontradas em
nosso estudo de história, filosofia, ciências, psicologia (para citar
alguns), seu valor final dependerá de nossas observações, como
Calvino disse, feitas por meio das “lentes das Escrituras”. Exige-se,
assim, que os professores efetivamente integrem seus
conhecimentos bíblicos e acerca da doutrina cristã com as diversas
disciplinas ministradas, e que os alunos familiarizem-se com os
conteúdos e temas da Bíblia.
Há duas tendências no ensino bíblico a serem equilibradas na
escola cristã sob as Artes Liberais para que os professores não
saiam do caminho estreito que é integrar as Escrituras com as
demais disciplinas. O primeiro perigo é preocupar-se de forma
errada com a “aplicação”. O objetivo de orientar-se pela “aplicação”
do ensino bíblico é confrontar o aluno com as exigências do
evangelho. Para evitar o coração endurecido ou o risco de um
conhecimento frio e morto, constantemente lembramos aos alunos
que devemos responder ao que as Escrituras ensinam com
arrependimento e obediência. Se não tivermos cuidado, tal
abordagem pode tornar-se banal e, se forçada, inocular o aluno
contra o evangelho em vez de acolhê-lo. Empregada de forma
exclusiva, essa abordagem tende a evitar o ensino de partes da
Bíblia das quais a lição moral não se pode extrair com facilidade,
subtraindo os alunos de alguns dos conteúdos teológicos mais
importantes da Escritura.
O segundo perigo é o academicismo. Uma abordagem
exclusivamente “acadêmica” evita qualquer aplicação, satisfazendo-
se com a transferência de informações. Não há nada de errado em
ensinar a Bíblia como matéria acadêmica, mas arriscamos
transformar o ensino bíblico em mais outra disciplina que os alunos
têm a tolerar. O ideal, contudo, é encontrar um meio-termo entre as
duas abordagens. Esse equilíbrio é problemático para muitas
escolas, que relegam a instrução bíblica ao critério de cada
professor; as Escrituras acabam não sendo levadas a sério e —
caso haja substituição periódica de professores, tendo seu ensino
fragmentado ora com abordagens mais voltadas à aplicação, ora
mais academicistas — os alunos submetidos à alternância
desenfreada.
A maneira mais fácil de encontrar um meio-termo é (repita
comigo!) ensinar a Bíblia do Ensino Médio ao Jardim da Infância, em
diferentes contextos com diferentes objetivos em mente. É, por
exemplo, apropriado que os estudos bíblicos do sétimo ano do
Fundamental incluam altas doses de estudos arqueológicos e
culturais semíticos, isso se essa não for a única aula em que
aprenderão da Bíblia. Surpreender o aluno com referências sérias e
legítimas à Escritura dentro de outras matérias, como matemática
ou ortografia, também ajuda a solidificar o senso de que a Bíblia é
totalmente relevante para todo o escopo acadêmico.
No final, a expectativa é ter capacitado o aluno a munir-se das
Escrituras para delas extrair conclusões acerca do mundo e seus
eventos. À medida que o aluno amadurece, o estudo bíblico pode
aprofundar-se em considerações filosóficas mais amplas. É de vital
importância que o currículo seja estruturado de modo a expor como
o pensamento bíblico deve ser aplicado às preocupações culturais;
à semelhança das outras disciplinas, quanto mais contextualizarmos
o “mundo real”, maior será o impacto da matéria.
Nesse sentido, não afirmamos que necessariamente seja melhor
dar os estudos bíblicos ou de teologia numa grade separada das
demais disciplinas; não queremos dizer que sempre seja a melhor
forma de inserir o conteúdo bíblico e teológico na experiência do
aluno. Grades separadas certamente podem ter maior eficácia, mas
a educação cristã sob a perspectiva das Artes Liberais pode entrar
em colapso em uma instituição caso alguns professores ou
departamentos penderem a abdicar da responsabilidade de modelar
a visão de mundo do aluno por meio da disciplina e da matéria. Seja
como for, um currículo teológico robusto incluirá introdução ao Novo
e Antigo Testamento, hermenêutica, ética, história da igreja, religião
comparativa, teologia sistemática e teologia bíblica. O desafio de
cada escola é organizar e sistematizar tudo isso em seu próprio
currículo.
Para alunos mais novos, é importante o exercício de memorizar e
recitar versículos bíblicos, seus livros e personagens. Integrar
elementos históricos e geográficos encontrados na Bíblia no
currículo de história e geografia acresce ainda mais relevância à
veracidade dos fatos bíblicos sobre os eventos e acontecimentos da
humanidade (e o inverso também é real, a propósito). A fim de
melhor reforçar a relevância da memorização sobre o aprendizado
futuro, o ideal é que passagens inteiras sejam ensinadas em seu
devido contexto, o que ajuda o aluno a memorizar um versículo por
vez até, por exemplo, ser capaz de citar de cor todo o Salmo 23, o
Salmo 100, Deuteronômio 20 e Tiago 5.
Agora, a Bíblia por si só não é um ponto de partida suficiente para
que o aluno apreenda integralmente os estudos teológicos. De
acordo com a tradição das Artes Liberais, recomendamos que esses
pequenos teólogos em desenvolvimento sejam “catequizados”: o
ensaio antifonal coletivo de perguntas e respostas sobre a doutrina
cristã básica. Os catecismos do Velho Mundo da Itália, de Bizâncio,
da Inglaterra, da Escócia e da Alemanha provaram seu valor para a
instrução sistemática na doutrina durante séculos. Em nossa
experiência, eles têm sido profundamente apreciados pelos pais de
todas as denominações, apesar de seu uso histórico em apenas
algumas. Além disso, acreditamos que os antigos credos da igreja
cristã são inestimáveis para o aluno, já que fornecem resumos
sucintos das crenças fundamentais da fé cristã. O estudo da filosofia
e, no contexto atual, da psicologia e da sociologia, pode esperar até
os últimos anos do currículo, mas expor o aluno a pessoas e ideias,
tanto boas quanto heréticas, que emergiram por meio dessas
disciplinas será fundamental para preparar o aluno tanto para a
universidade como para a cultura.
Compreender como essas ideias influenciaram tudo, desde
mudanças políticas (por exemplo, a revolução americana, francesa,
dos bolcheviques) até cuidados médicos para a comercialização de
creme dental, e colocá-las, por sua vez, sob o escrutínio dos
princípios bíblicos, pode estar entre as lições mais importantes a
preparar nossos alunos para a universidade.
OITO
O CURRÍCULO DA RETÓRICA
Abordamos o desenvolvimento curricular de modo mais geral nos
capítulos anteriores. Acreditando, porém, que esteja fora de nosso
alcance, aqui, lidar com um currículo mais aprofundado de disciplina
por disciplina, neste capítulo exemplificamos, valendo-nos por ora
de uma só disciplina, o aprofundamento do currículo fundamentado
nas Artes Liberais.
Salientamos a retórica para este exemplo por duas importantes
razões. Primeiro, acreditamos que a retórica seja a disciplina que
mais abrange o intuito de formar propositadamente aprendizes
sábios e eloquentes em uma era pós-moderna. Segundo, parece-
nos que a área na qual a maioria das escolas requer especial
orientação é a da integração de princípios retóricos na grade
curricular do Ensino Fundamental. É raro encontrar este tipo, mas
sem a ajuda de um professor que tenha sido exposto ao tratamento
histórico desta disciplina como parte avançada de sua formação
acadêmica, é improvável que uma escola comum se depare com
tais princípios. Além do mais, esse talvez seja o principal desafio na
hora de formar alunos que futuramente serão pessoas sábias e
eloquentes.
EM DEFESA DA RETÓRICA
Durante o período que seguiu a proposta formal do trivium como
três disciplinas separadas por meio das quais o aluno progride, boa
parte do pensamento europeu estava dominado pela filosofia e pela
teologia escolástica. O surgimento do escolasticismo (ilustrado pelos
escritos de Anselmo, Duns Scotus, Aquino e outros) acompanhou a
reintrodução de princípios aristotélicos do pensamento ocidental, e
disso resultou a busca altamente formalizada e técnica da
compreensão por meios naturais e racionais. Construções lógicas
eram compreendidas como autoritativas e limitadas ao pensamento
da maioria dos cristãos — por vezes até mesmo em oposição à
autoridade das Escrituras. Neste contexto, o pensamento dialético e
a lógica formal naturalmente conquistaram a posição de meio de
ensino e aprendizado mais importante.
Enquanto a habilidade retórica havia sido a marca do líder
verdadeiramente educado e dotado de instrução durante o período
Clássico e da Antiguidade Tardia, a Alta Idade Média reduziu o
papel do retórico ao de correspondente oficial. Os lógicos, e não
retóricos, eram chamados a defender os interesses da Igreja e do
Estado, enquanto os preparados na retórica eram responsáveis
sobretudo por acrescentar estilo a pronunciamentos oficiais feitos
por bispos e nobres, senhores de terra. O lugar da retórica na
academia medieval era, na melhor das hipóteses, secundário, e na
pior delas, opcional. A retórica clássica era e continua sendo
especialmente adequada para persuadir a pessoa que está diante
de, no mínimo, dois cursos de ação autoexcludentes. No ambiente
da Europa medieval, altamente centralizado e amplamente
monárquico, a necessidade de persuadir grandes números de
pessoas influentes era rara, e a explicação de Sayers sobre o
trivium refletiu esse viés histórico.
O Renascimento marcou uma mudança na abordagem
acadêmica, que antes era de argumentos dedutivos e autoritativos
inseridos em parâmetros estritamente definidos, para o estudo
comparativo de textos e tradições como a nova onda do humanismo
inflamado. Neste contexto, os retóricos outra vez tiveram de
classificar as várias opções religiosas e políticas concorrentes. Pela
primeira vez em séculos, o ateísmo estava se tornando uma
convicção comumente aceita entre pessoas instruídas e o governo
absoluto, ou “direito divino” dos reis era desafiado pela prosperidade
e influência de uma vasta população de mercadores e ativistas
políticos.
Avancemos setecentos anos. O século XX presenciou instituições
tradicionais do Ocidente sendo desconstruídas, instituição após
instituição, por uma nova linha de pensamento que atacava a
autoridade tradicional e as convenções culturais, assim
transformando grande parte da sociedade. Tratou-se de uma guerra
dialética para a qual a maioria dos tradicionalistas na religião e no
governo não estava preparada, e que, por isso, foi perdida.
Assim, no início do século XXI, descobrimos que formas
tradicionais do discurso público haviam sido derrubadas já décadas
antes. A argumentação lógica tem pouco efeito sobre aqueles que
não aceitam as regras convencionais da verdade absoluta, e poucos
em nossa sociedade, mesmo entre os mais instruídos, têm a
disciplina mental de engajar-se em conversas filosóficas detalhadas,
cujas conclusões dependem de premissas básicas de causa e
efeito. A retórica entra em cena novamente.
Embora a retórica se valha da lógica, sua efetividade não
depende do fato de a audiência aceitar ou não argumentos
intransponíveis e dedutivos. O retórico habilidoso não é intimidado
pelo raciocínio do ouvinte descuidado, mas aprecia a oportunidade
de, usando uma variedade de meios, moldar os pensamentos e o
comportamento da audiência. Onde o lógico é intimidado por uma
audiência que responde a sólidos argumentos com um ressonante
“Isso até pode ser verdade para você…”, o retórico é motivado a
aceitar o desafio da persuasão e a continuar um discurso
proveitoso, até mesmo enquanto encara o antirracionalista mais
obstinado.
Além do mais, a retórica também provê melhor oportunidade de
educar alunos moralmente cientes e de usar a sala de aula para
propagar caráter. Já estabelecemos anteriormente que o ensino das
Artes Liberais sempre busca educar a consciência e que o
pensamento das Artes Liberais mesclado com as promessas da
teologia cristã resulta na maior oportunidade para a genuína
educação do caráter. Dos três elementos do trivium, a retórica é a
mais útil na construção do currículo que, completo, tem por principal
objetivo a formação do caráter e a liderança cultural.
A ESCOLA RETÓRICA — INVERTENDO O TRIVIUM
O grande desafio enfrentado pelo professor que busca empregar
a retórica como guia para o padrão do currículo completo é
identificar uma série de práticas retóricas que permite ao aluno
desenvolver facilidade com palavras e argumentos. Além disso,
essas ferramentas de preparo precisam aproximar mais os tipos de
discurso persuasivo da cultura contemporânea comum. Os
princípios da retórica clássica são universais, mas, para imitar com
rigor os regimes de preparo criados pelos gregos e romanos, os
oradores fazem-se arcanos. A imitação descabida de formas
arcaicas pode acabar por provocar no aluno aversão por uma
disciplina tão essencialmente crítica para o sucesso no mundo
moderno.
A instrução retórica formal no mundo helenizado se fazia no
contexto de aprender todo o essencial a um líder cultural da época.
Todas as Artes Liberais (e, em certa medida, as ciências reais) eram
coordenadas pelo objetivo de produzir oradores que
compreenderiam a si próprios, seus concidadãos, os valores
históricos da sociedade e o que seria requerido a fim de obter o bem
maior no futuro. Cícero defendia que a prática da retórica impunha
uma alta demanda sobre os alunos que a apreendem. A retórica
eficaz exige um conhecimento abrangente de uma variedade de
assuntos; “à parte do conhecimento de uma série de áreas e
matérias, a oratória não passa de um redemoinho vazio e ridículo de
verborragia”. Prosseguindo, ele descreve a necessidade de
vocabulário, de um senso de estilo, uma compreensão da
psicologia, humor, sagacidade, “cultura condizente com um
cavalheiro”, uma mentalidade bélica, “todo o ser combinando
charme e urbanidade de maneira suave”,1 elementos estes que
indicam a necessidade da educação nas Artes Liberais. Na escola
moderna, o que dificulta esse processo é, também, a compreensão
limitada da retórica como mera disciplina, sem contar os objetivos
míopes da maior parte das escolas convencionais. Se o nosso
trabalho como professores é o de meramente preparar alunos para
a universidade ou para o mercado de trabalho, dificilmente podemos
esperar que nosso estilo de ensino requeira deles labuta na
eloquência e na sabedoria.
Outro desafio é garantir que a instrução retórica mantenha focado
o objetivo de produzir cidadãos nobres. De acordo com o que já
vimos, o contexto retórico cristão define o cidadão ideal como
aquele capaz de porfiar não apenas no “aqui e no agora” (isto é, na
Cidade dos Homens, segundo Agostinho), mas também como
aquele que se vê habitando a Cidade de Deus. Logo, o “orador
perfeito” será uma boa pessoa, alguém em busca dos princípios
transcendentes da verdade e da justiça no mundo.
Sempre houve considerável debate sobre o valor de exercícios
técnicos para o ensino da retórica. Alguns, com boa razão,
defendem que a atenção a detalhes técnicos inevitavelmente
sucumbem à tendência de reduzir a retórica a mera mecânica
estilística. O próprio Agostinho alertou o aluno mais velho a não
permitir que a educação formal retórica interferisse em seus estudos
das Escrituras. Ele acreditava que — embora a habilidade retórica
pudesse ser adquirida mediante cuidadosa observação e imitação
de falantes eloquentes, mesmo sem uma compreensão formal de
princípios acadêmicos da oratória — o uso apropriado da língua e
da argumentação é um elemento comportamental aprendido a ser
modelado diante de exemplos efetivos. Embora o mundano e o
arcaico devam ser evitados, sempre é útil para o estudioso, sob a
disciplina que for, começar com um modelo digno de imitação. Logo,
ao prover para nossos alunos uma instrução formal na retórica e
introduzi-la na jornada acadêmica desde os níveis mais
elementares, garantimos grande familiaridade com princípios
retóricos, os quais, em troca, formarão alunos mais eloquentes.
Por sua vez, o professor precisa de preparo para permanecer
alerta a exemplos modernos da oratória efetiva ou da escrita
persuasiva, de modo a tomar esses elementos, integrá-los em sua
incursão acadêmica e combiná-los em princípios retóricos. Quanto
ao aluno, este precisa estar apto a apreciar a retórica efetiva e a
analisá-la academicamente. Para imitar o discurso persuasivo e de
efeito, ele próprio deve reconhecer princípios e neles fundamentar-
se, e não apenas simular por instinto o estilo que mais lhe for
atraente.
A fim de ilustrar esse ponto, em 1998, eu (Littlejohn) ministrei a
aula magna em uma universidade cristã fundamentada nas Artes
Liberais. O objetivo foi receber alunos novos e antigos na
comunidade do câmpus e desafiar o corpo discente e docente a um
novo compromisso de buscar a renovação da mente mediante o
estudo da revelação geral e da revelação especial de Deus. Minha
família me acompanhou, e, durante o jantar daquela noite, não
convencido de que ele houvesse me escutado, pedi que meu filho
(um adolescente no terceiro ano do Ensino Médio com dois anos de
retórica clássica) criticasse minha mensagem. Para a minha
surpresa e grande prazer, ele resumiu o conteúdo de forma notória,
seguindo com uma análise da estrutura retórica e concluindo com
algumas observações sobre como eu poderia ter melhorado meus
pontos ao incluir e implementar estrategicamente alguns recursos
retóricos. Assim como Agostinho com seus alunos mais velhos,
aprendi eu também minha retórica pela observação e imitação.
Desde então tenho ouvido meu filho discursar para grandes
audiências em diversas ocasiões, e estou convencido de que este
treinamento formal em retórica o tornou um orador mais eloquente
que o próprio pai. Agora, se meu filho houvesse sido preparado
academicamente na retórica ainda mais cedo (prática que
defendemos neste livro), sem sombra de dúvidas teria ainda maior
facilidade na aquisição de habilidades retóricas.
A RETÓRICA NA ESCOLA DE GRAMÁTICA
A tradição da progymnasmata (pronuncia-se pro-gim-náhz-ma-ta),
ou exercícios preliminares para a prática da retórica, tem guiado o
desenvolvimento histórico da pedagogia retórica e nos feito
entender seu lugar no currículo moderno. Por um lado, é útil ver
como os princípios da retórica foram introduzidos, por exemplo,
pelos retóricos bizantinos aos alunos da disciplina. Esperamos que
isso nos ajude à medida que tentamos imaginar o papel que a
retórica e os retóricos tiveram no desenvolvimento cultural. A
história da progymnasmata também nos instrui conforme buscamos
apreciar as várias ênfases que se desenvolveram em períodos
diferentes dentro da própria retórica para lidar com as necessidades
linguísticas dos políticos, clérigos e intelectuais.
Por outro lado, em relação ao lugar da retórica no currículo
moderno, buscamos sua aplicabilidade universal nas formas da
progymnasmata. Qual é a utilidade atual de preparar o aluno nestas
formas antigas de escrita e oratória? O estudo cuidadoso destes
exercícios revela uma abordagem ao ensino da escrita persuasiva e
da oratória que, na verdade, se revela muito contemporânea. A
maioria dos professores que deram aula de redação e produção de
texto no Ensino Fundamental reconhecerão algumas formas básicas
que ainda são ensinadas atualmente. Além disso, muitas das formas
são criadas para instruir o aluno no raciocínio moral — a educação
do caráter. Logo, a questão que enfrentamos enquanto
redescobrimos a progymnasmata é direta: como uma escola
moderna, assumindo a responsabilidade de moldar cidadãos sábios
e eloquentes, usa essas formas de instrução para ajudar o aluno?
A progymnasmata mais antiga foi desenvolvida por Téon, no
século I d. C., e por Hermógenes, no século II, mas substituída no
uso popular pela contribuição ao gênero feita por Aftônio, no século
IV. Pouco se sabe sobre Aftônio, mas traduções de sua obra original
em grego para o latim foram feitas até a segunda metade de 1665.
Aftônio representa a contínua tentativa de tornar as formas básicas
da retórica acessíveis ao professor de alunos mais novos, os quais,
em grande parte, ainda não começaram o processo formal retórico.
Antes de receber Aristóteles ou Cícero, o aluno passava anos tendo
seu primeiro contato com a retórica na progymnasmata.
O objetivo das formas não era produzir oradores robóticos, mas
prover uma estrutura confortável dentro da qual o aluno mais
expressivo pudesse “desenvolver sua própria individualidade”.2 O
alvo da progymnasmata é desenvolver escrita confiante. Para esse
fim, as formas prescritas devem ser firmes, apesar de não
absolutas. A progymnasmata também dá apoio à premissa
anteriormente apresentada de que o trivium é e sempre foi
adequadamente considerado um instrumento de instrução
sobreposto. Estes exercícios retóricos preliminares são criados para
o uso com crianças de até cinco ou seis anos. Antes mesmo de
conseguir ler, o aluno já pode memorizar e, portanto, ser introduzido
à progymnasmata, tornando-o de fato um aprendiz da retórica.
Assim, todo estudo gramatical e dialético pode ser compreendido
tanto de forma preliminar quanto simultânea ao preparo do aluno
como orador que reconhece a bondade quando a vê, disposto a
colocá-la em prática, capaz de conduzir o próximo a buscá-la.
UM MODELO AGOSTINIANO DE ELOQUÊNCIA
Proponhamos, portanto, um critério para a nossa progymnasmata
contemporânea. Cabe ao currículo retórico facilitar as seguintes
habilidades:
1. Discernimento e composição de argumentos úteis (“discernir
os meios de persuasão”, segundo Aristóteles).
2. O uso de teses contestáveis no discurso (a “necessidade de
persuadir”).
3. Enxergar além das aplicações do discurso (“em qualquer
situação, seja qual for”).
4. Familiaridade com os gêneros discursivos convencionais (por
exemplo, deliberativo, forense, epidítico; tópicos; criação e
estruturação de argumentos).
5. Facilidade na mecânica básica da produção escrita e da
oratória (estilo, memória, apresentação).
Estabelecida a ideia de que a retórica era compreendida por seus
maiores proponentes como adequada ao preparo do caráter,
buscamos em Agostinho por direção para o que deve constituir esse
programa retórico focado no caráter.
Podemos resumir em quatro pontos:
1. A primeira obrigação da oratória é com a verdade, sendo esta
a união da revelação autoritativa com a reflexão racional sobre
tal revelação.
2. Os princípios clássicos da retórica são fidedignos e úteis.
3. A oratória de sucesso é amplamente avaliada por seu efeito
persuasivo.
4. O elemento mais persuasivo da retórica é a vida exemplar do
orador.
Cada exercício que propomos, portanto, deve incorporar o
máximo possível desses elementos, objetivando aos alunos o
benefício tanto da sabedoria quanto da eloquência.
AFTÔNIO ATUALIZADO
Exercícios Elementares
1. Mythos
Mythos (ou “fábula”) é a história mitológica que comunica lição
moral. As formas possíveis são “verbais” ou “éticas”. A primeira
consiste numa narrativa em que a moral é falada; a outra é a
narrativa na qual a moral é demonstrada ou encontrada na ação do
mito. O propósito retórico das fábulas é duplo: primeiro, passar
alguma importante verdade moral ao aluno mais novo; e segundo,
instigar a memória e a presença oratória. O aluno memoriza um mito
bem escrito, palavra por palavra, e o apresenta para a edificação da
audiência.
Para o aluno mais novo, memorizar e recitar lições morais provê
uma bela oportunidade de aprender 1) gêneros discursivos
convencionais que serão internalizados e imitados
inconscientemente; 2) verdades morais e teológicas ilustradas; e 3)
dois dos cinco elementos cruciais da retórica clássica: memória e
apresentação.3 Exercícios envolvendo o Mythos também
apresentam a vantagem de facilitar a memorização do aluno do
Ensino Fundamental. Esse tipo de exercício, também, dá ao aluno a
oportunidade de memorizar com o propósito de instruir outros, e não
apenas memorizar o material para benefício próprio.
Eis alguns exemplos de fábulas para memorização e recitação:
a. histórias bíblicas curtas e bem contadas (a parábola de Jesus
sobre o bom samaritano exemplifica bem o uso de uma lição
moral estruturada e, portanto, de fácil memorização — enredo
direto, ação repetitiva, poucas personagens, pouquíssimo
diálogo).
b. Aftônio pressupõe o uso das Fábulas de Esopo. De uma
perspectiva agostiniana, contudo, Esopo carece de revisão
para comunicar uma moral cristã consistente, o que pode ser
feito com pouco esforço.
c. Narrativas breves sobre invenções famosas (a descoberta da
eletricidade por Benjamin Franklin, o Princípio de Arquimedes
— Eureka! —, a fim de demonstrar a ordem da criação e o
potencial da criatividade humana).
d. Mitos cívicos (George Washington e a cerejeira, o trajeto de
Paul Revere, o autossacrifício em guerra de Nathan Hale, os
perigos aos quais Florence Nightingale se expôs em virtude da
compaixão, etc.).
Visto que a fábula é uma mistura de narrativas reais e ficção,
preferimos o termo grego mythos, visando assim ajudar a mente
mais nova a distinguir entre o gênero e a verdade ou ficção da
narrativa. A fábula implica ficção, mas o mythos grego tem
conotação muito mais ampla, incluindo os eventos verdadeiros e os
fictícios essenciais à identidade cultural do Ocidente.
Cabe ao mythos, é claro, ser mais breve para a criança mais
nova, evoluindo gradativamente conforme ela cresce e adquire
capacidades para manter as informações memorizadas em ordem.
Poemas narrativos também devem ser usados, e mythos curtos
podem ser facilmente escritos por docentes criativos ou mesmo
alunos mais velhos, embora com a revisão de um professor.
2. Contos
O mundo grego para o conto é, literalmente, um ato de guiar,
conduzir. Este é um exercício combinado de composição/recitação
desenvolvido para ajudar o aluno a enxergar os elementos
essenciais de uma trama e resumi-los de maneira interessante. Os
objetivos de Aftônio para o conto produzido por alunos são: clareza,
brevidade, credibilidade e estilo convencional.
Usam-se, assim, três gêneros narrativos: dramático, histórico,
político. O dramático toma um pequeno trecho da literatura
imaginativa (Aftônio sugere “o forjar da armadura de Aquiles”, da
obra Ilíada, de Homero) e o sintetiza de acordo com os critérios
acima. Tópicos históricos são narrativas tradicionais contadas pelos
antigos. Contos políticos deveriam ser aqueles, diz Aftônio, usados
por oradores jurídicos enquanto praticam seus argumentos. Eis
exemplos de contos e narrativas a serem recontados:
a. Dramático: a fuga de Eneias de Troia, a morte de Hamlet,
contos populares, etc. O objetivo é expor os alunos a trechos
relativamente curtos de narrativas mais maduras e exigir que
as parafraseiem com as próprias palavras, nos moldes de um
conto agradável, segundo os quatro critérios.
b. Histórico: Davi e Golias, a disputa de Elias com os profetas de
Baal, qualquer um dos relatos mais longos dos milagres de
Jesus, a queda de Roma, os feitos heroicos de São Patrício, a
morte de Rolando, etc. O objetivo é ajudar o aluno a enxergar
quão importante é analisar a narrativa e seu significado para
compreender os personagens e a nós mesmos.
c. Político: este tópico se mostra mais difícil. Temos pouco
acesso às transcrições reais dos oradores clássicos, e o que
temos, por exemplo, sendo considerados discursos de
Isócrates ou Górgias, é amplamente ornamental, e não de fato
jurídico por natureza. Recontar a defesa de Sócrates ou o
julgamento de Jesus pode aproximar-se do objetivo. Sêneca, é
claro, fornece cenários para o aluno exercitar sua retórica,
alguns deles um tanto escandalosos. Outra opção viável é
apresentar a transcrição de processos e julgamentos modernos
devidamente conduzidos (como o Julgamento de Scopes ou o
Processo de Vanzetti), e pedir aos alunos que absorvam e
sintetizem seus argumentos mais centrais sob a estrutura de
narrativa. Embora exija mais criatividade por parte do professor,
o exercício pode ser muito proveitoso, especialmente para
alunos adiantados ou mais velhos.
Além das habilidades adquiridas por meio deste exercício, os
alunos são expostos a trechos digeríveis de literatura madura, que
os familiarizam com histórias e autores clássicos. O conto também
dá a oportunidade de interpretar essa literatura por meio das lentes
do discernimento moral e teológico desde a infância:
Quando Eneias foge de Troia carregando nas costas seu pai
aleijado e os ídolos da família, o que isso nos diz sobre o que
importava para Eneias? Sim, ele manifestou coragem e amor
pelo pai, e isso deve ser elogiado e imitado. Mas também
entendemos que o amor de Eneias era incompleto, uma vez
que os deuses em quem confiava eram falsos, ficando sem um
exemplo de amor puro e divino que seguir.
3. Provérbios e Máximas
Em seguida, Aftônio determina a análise e a exegese dos
provérbios e máximas. O entendimento inglês dessas duas formas
de sabedoria é mais útil que o grego. Embora ambas sejam breves,
declarações concisas, o provérbio costuma ser considerado algo
comum à experiência humana prática (por exemplo, “para bom
entendedor, uma palavra basta”), enquanto a máxima é mais
associada a declarações breves e marcantes sobre princípios de
conduta ou moralidade (por exemplo, “Na dúvida, melhor não”).
Aftônio distingue ainda mais as duas formas, estabelecendo que,
para sê-lo, o provérbio precisa ser atribuível a uma fonte conhecida
(Salomão, Sócrates, etc.).
Mais importante que as próprias formas, no entanto, é a
prescrição de Aftônio para seus usos. O objetivo é dar ao aluno
proficiência na análise e na crítica de algo cujo valor cultural é óbvio
— pensar com originalidade sobre uma verdade até então
presumidamente incontestável. Aparecem, aqui, oito modos de
entender e explicar um provérbio ou máxima. Cada modo pode ser
estabelecido na forma de parágrafos individuais (breves) ou de,
combinados, períodos e discursos mais longos. (Novamente, não
considero razoável esperar que os alunos mais novos aprendam o
nome grego de cada modo, pois interpretá-los em outra língua é um
tanto complicado e pode mais confundir que esclarecer.) Estes são
os modos:
a. Encomiástico: um parágrafo elogiando os méritos e a
credibilidade de um autor (no caso, quando o autor é
consagrado).
b. Parafrástico: explica o significado do provérbio ou da máxima
nas próprias palavras do aluno.
c. Causativo: explica melhor as forças a garantir que o provérbio
ou a máxima será de fato confirmado.
d. Reversativo: explica o que acontece se o provérbio ou a
máxima não é ouvido, ou descreve circunstâncias contrárias
àquelas descritas na declaração afirmativa.
e. Parabólico: inventa uma analogia que ajuda a ilustrar a
verdade declarada.
f. Paradigmático: um exemplo de pessoa ou circunstância que
mostra a verdade da afirmativa.
g. Testemunho dos antigos: trazer à memória dos ouvintes a
confiabilidade das fontes que também afirmaram que é verdade
determinada afirmação.
h. Epílogo: uma súplica final para não ignorar a verdade contida
no provérbio ou na máxima.
Provérbios e máximas oferecem um excelente meio de enraizar
pressupostos culturais básicos na consciência de alunos
impressionáveis. Para a escola que deseja preparar o aluno com
princípios gerais, como a ética de trabalho protestante (“Deitar cedo
e acordar cedo torna o homem saudável, rico e sábio”, provérbio de
Benjamin Franklin), ou ensinar princípios teológicos e morais (“Faça
para os outros o que você quer que os outros façam para você”,
máxima de Jesus), o poder dessas verdades, singelas e
inesquecíveis, é inegável.
Do ponto de vista pedagógico, a capacidade de explicar o
significado e a relevância de um princípio cultural já estabelecido é
inestimável para aquilo que cabe à dialética do orador enxergar o
ponto de vista do argumento — uma habilidade retórica
essencialmente crítica à invenção. São exercícios simples que,
seguindo facilmente as habilidades de condensação obtidas nos
exercícios anteriores de recontar narrativas consagradas, adicionam
a dimensão de análise capaz de provocar pensamentos de ordem
superior. Além disso, provérbios e máximas são formas universais
que oferecem a enorme oportunidade de comparação cultural.
Considere o seguinte:
Confúcio disse: “O homem nobre não é um utensílio”.
Paulo disse: “Se alguém se purifica do que é desonroso, ele será
um vaso para uso honroso”.
A análise desses provérbios não só incentiva o aluno a apreciar
diferentes tonalidades de significado nas mesmas palavras, mas
também confere a oportunidade de comparar e contrastar
entendimentos inerentes à cultura chinesa e à cultura da Europa
cristã. Os alunos se beneficiam de exercícios de análise, de
produção textual e de apresentação oral; o professor se beneficia da
sequência que está a apresentar duas compreensões culturais,
embora distintas, extremamente importantes ao mundo moderno.
Em relação à retórica como disciplina, provérbios e máximas
fornecem uma introdução útil ao uso formal de tópicos no processo
da invenção (a preparação formal de argumentos para seu uso na
composição). Cabe ao retórico enxergar e analisar os meios
disponíveis de persuasão; os tópicos clássicos têm sido um dos
meios mais populares de gerar as ideias de que os grandes
oradores precisam para compor argumentos convincentes.4
4. Confirmação e Refutação5
Se o coração da retórica é a persuasão, logo nada é mais
importante ao orador que desenvolver argumentos que levarão o
público a tornar-se receptivo à razoabilidade e à probabilidade do
argumento. Aprender a confirmar e refutar argumentos é
indispensável à competência do retórico. Embora muitos alunos
nasçam com um talento para a eloquência estilística (o “dom da
oratória”), pouquíssimos são pensadores lógicos e cuidadosos por
natureza. Exercitar a confirmação e refutação de argumentos
prepara o aluno a pensar com discernimento e independência.
Quando em nível elementar, para serem bem-sucedidas, a
confirmação e a refutação dependem do uso metódico de tópicos
por parte do aluno (apresentado acima). Embora possa parecer algo
grosseiro e sem criatividade, o aluno precisa ser preparado sob um
sistema de pensamento ordenado.6 Os tópicos prescritos por
Aftônio ajudam a garantir que a base inventiva do aluno seja sólida.
A confirmação e a refutação também correspondem aos princípios
ciceronianos que definem os elementos essenciais de um discurso.
Exercitar ambas as práticas, portanto, marca a porta de entrada do
aluno para o estudo formal da retórica como que um rito de
passagem.
A linguagem empregada por Aftônio tem que ver com construir e
desconstruir. Sua ênfase está na força da análise e do argumento.
Cada um desses exercícios, diz ele, “engloba em si todo o poder da
arte”. É dever do retórico construir um argumento indestrutível
enquanto procura a fraqueza que fará desmoronar as declarações
do oponente. Por norma, o orador evita provar ou refutar qualquer
coisa que seja óbvia (“excessivamente clara”) ou absurda
(“absolutamente impossível”). Antes, o orador astuto mantém-se no
meio-termo, especialmente se o assunto em questão confundir a
audiência ou for uma falsidade sendo tomada por verdade.
A narração é, com o objetivo de ter vantagem sobre o público, o
processo de sobretudo definir os pontos e termos relevantes ao
argumento. O orador elogia as qualidades éticas e a razoabilidade
daqueles que concordam com ele e menospreza as habilidades
daqueles que discordam.
Os tópicos são colocados em paralelo:
Confirmação Refutação
O PROFESSOR E A TRADIÇÃO
DAS ARTES LIBERAIS
A implementação bem-sucedida do currículo das Artes Liberais
requer professores capacitados na tradição e cientes dos benefícios
para eles próprios e para seus alunos. Quanto mais nós,
professores, estivermos familiarizados com as disciplinas liberais,
mais capazes seremos de ensinar de forma a promover os objetivos
da sabedoria e da eloquência. Contudo, apesar de ser uma proposta
atrativa, adotar perspectivas novas e estranhas em nossa vocação é
algo intimidador. A maioria de nós necessita de instrução na
literatura liberal ou mesmo nas Artes Liberais como um todo —
sabemos que entramos num tremendo desafio pessoal e
profissional.
Uma das perguntas a que mais respondemos é: “Que tipo de
professor está melhor qualificado para ensinar em uma escola cristã
comprometida com as Artes Liberais?”. Ao longo dos anos, temos
contratado dezenas de professores, treinado e avaliado mais outras
dezenas. Estamos convencidos de que o ensino é um dom artístico
que alguns têm e outros não. Para aqueles com aptidão nesta nobre
profissão, a educação, o preparo e a instrução podem transformar a
mediocridade em excelência. Para aqueles que não têm a aptidão,
esses mesmos elementos talvez apenas os convençam a fazer
outra coisa.
O DESAFIO PESSOAL
Deixemos uma coisa clara: se você é professor e talentoso, o
ensino autêntico na tradição das Artes Liberais é um objetivo
totalmente acessível: este exige a simples aplicação dos dons
didáticos em favor de habilidades que fortaleçam o senso do aluno
de pertencer à tradição das Artes Liberais cristãs e, em virtude
dessa realidade, solidifiquem sua disposição de tomar
responsabilidades pessoais. Bom ensino é bom ensino,
independentemente dos objetivos curriculares, e bons professores
frequentemente descobrem que ensinar em uma escola cristã que
valoriza as Artes Liberais é o passo mais satisfatório da carreira.
Ainda que a citação a seguir possa soar inalcançável, tenha em
mente o que Quintiliano disse há dois milênios sobre metas
similares que ele próprio traçou para professores e alunos:
Se acaso algum leitor me considerar um tanto severo em minhas
exigências, peço-lhe que reflita no quanto não é incumbência simples
criar um [líder cultural], ainda que sua educação seja conduzida sob as
mais favoráveis circunstâncias [...] Portanto, que as normas
estabelecidas sejam das mais elevadas.1
Lidamos com o ideal porque nossos propósitos acadêmicos se
estendem para além da sala de aula, expandindo-se até uma cultura
que desesperadamente carece dos alunos sábios e eloquentes que
formamos. Pressupondo a educação escolar e a formação na
docência que a maioria de nós teve, a transição para o ambiente
das Artes Liberais exige ajuste de pensamento e novas formas de
aplicar nossos talentos e habilidades naturais. E não existe tal coisa
como transformações instantâneas. As mudanças acontecerão
conforme aceitamos que, quando e onde necessárias, elas de fato
são necessárias, e à medida que desenvolvemos padrões de
pensamento conscientes sobre nós mesmos e nossa profissão —
hábitos da mente e do coração.
HÁBITOS DA MENTE
Mencionamos no primeiro capítulo que a tradição das Artes
Liberais tem sido usurpada por teorias educacionais progressistas e
seculares que remetem ao Iluminismo e encontraram força na voz
americana desde o início do século XX. O trabalho de ensinar e
nosso papel formativo na vida dos alunos foram prejudicados por
esta revolução. Vale considerar como a tradição das Artes Liberais
tem sido usurpada em pelo menos quatro áreas que nos afetam
todos os dias: o devido lugar da mente, a herança da sabedoria, a
importância das ideias transcendentes e a erudição.
Em primeiro lugar, apesar de toda a atenção dada ao bem-estar
espiritual e moral do aluno, o professor orientado pelas Artes
Liberais entende que seu trabalho é cultivar a mente. Afinal, somos
professores, e a mente é indispensável ao aprendizado. Mesmo se
alguém propõe um tipo de ensino e aprendizado altamente
experiencial, a mente é o receptáculo da memória de cada
experiência que compõe a educação do aluno. As abordagens das
Artes Liberais depositam um alto grau de confiança na mente do
aluno. Apesar das diferenças de aptidão, cada aluno tem em si a
capacidade inata de lembrar, analisar e sintetizar informações e
experiências. O padrão ideal da educação liberal visa fazer todo o
possível para maximizar essas habilidades intelectuais, produzindo
alunos capazes de aprender e de adaptar o que têm absorvido em
qualquer circunstância ou desafio.
David Perkins resume o empreendimento acadêmico afirmando
com intrepidez que “o aprendizado é consequência do
pensamento”.2 O professor de bom raciocínio e que constantemente
alimenta os hábitos mentais dos alunos constrói inestimável alicerce
para o aprendizado vitalício da criança, independentemente do
contexto. Discipulado e formação espirituais são exercícios de
aprendizado que requerem consideração assim como a matemática.
Esportes, Belas-Artes, organizações estudantis — cada atividade
significativa requer que nossa mente esteja engajada, e o professor
que entende isso pode usar cada circunstância para cultivar a força
do raciocínio. O componente-chave, contudo, para cultivar a mente
é o currículo e seus objetivos de aprendizado.
Ainda que as escolas progressistas não tenham, obviamente,
abandonado por completo a mente dos alunos, é fácil questionar, às
vezes, se o intelecto deles é tratado com prioridade. “Socializar o
individual” é uma frase que tem representado boa parte da
educação progressista. No início do século XX, a frase relacionava-
se primariamente com o estabelecimento de uma jornada
vocacional. No final do século XX, no entanto, o foco passou da
socialização econômica para prioridades psicológicas e relacionais.
Tome, por exemplo, as quatro características de uma pessoa
instruída como descrita pelo Instituto Alfred Adler:3
1. Desenvolver uma atitude positiva acerca de si mesmo.
2. Desenvolver uma atitude positiva para com as dificuldades.
3. Desenvolver uma atitude positiva para com os outros.
4. Desenvolver uma atitude positiva para com o sexo oposto.
Pode-se argumentar que esses quatro pontos não resultariam de
uma educação cristã minuciosa, mas ainda seria possível que o
professor cristão as cultivasse e, mesmo assim, jamais ajudasse o
aluno a alcançar qualquer feito acadêmico proveitoso.
Em segundo lugar, a tradição das Artes Liberais exige que seus
facilitadores aprendam daqueles que vieram antes na tradição,
aqueles que a projetaram por meio do conhecimento, da criatividade
e das realizações pessoais. Trata-se de uma herança de sabedoria
cujo efeito exerce impactos profundos sobre o docente. Vemo-nos,
assim, como mantenedores dessa tradição. É nosso trabalho amar a
tradição herdada e amar a sabedoria nela contida. E, para
aprendermos a amá-la, nela devemos imergir.
O ponto de partida para a maioria de nós é o próprio início das
Artes Liberais: gramática, dialética, retórica. O cego não consegue
conduzir outro cego; acabam todos no mesmo buraco. Aprender a
ensinar as disciplinas de um currículo de gramática do quarto ano
não qualifica o professor como gramático. Para ensinar gramática
corretamente é preciso conhecê-la e compreendê-la de dentro para
fora, de forma substancialmente mais sofisticada e prática que a dos
alunos.
Como já vimos anteriormente, os elementos do trivium são
lecionados com maior efeito quando de forma gradativa, justaposta.
Uma vez que o aluno aprendeu a ler e a escrever, ele então passa a
estudar gramática, a aprender elementos do discurso, etc. Daí,
assim que domina análises mais complexas da oração, introduz-se
a lógica formal, talvez estudando o método científico e o raciocínio
indutivo ou as falácias informais. A instrução inicial na retórica
formal coincide bastante com o estágio em que o aluno passa a ter
mais facilidade com raciocínios dedutivos e formas de pensamento
mais abstratas.4 A natureza integrada da nossa instrução destaca a
necessidade de qualificar os professores sob a erudição clássica e
de acordo com a expectativa que a escola tem para os alunos — na
verdade, esse é o mínimo esperado.
De forma ideal, cabe ao professor porfiar no estudo mensurado e
proposital de todas as três artes da linguagem, de modo a ter um
quadro mais preciso do processo educativo. Quanto mais o
educador domina a gramática, a dialética e a retórica, mais natural
para o aluno fica o ambiente das Artes Liberais. Quando prestes a
abrir seu primeiro livro didático de lógica no oitavo ano, o aluno não
deveria encontrar um universo de ideias totalmente novo. Isso
porque seus professores do sétimo, do sexto, do quinto e do quarto
ano usaram cada oportunidade para naturalmente direcioná-lo ao
raciocínio formalizado e ordenado.
Além do compromisso acadêmico com a tradição, o professor
cristão tem a oportunidade de, no ambiente das Artes Liberais,
conduzir o aluno a fontes confiáveis de sabedoria, já provadas ao
longo de milênios, produtoras de tremendas contribuições espirituais
e progresso cultural. Escolas modernas tendem a dar ao aluno a
posição de criar significados individuais; rejeitando fontes
consagradamente tradicionais, especialmente as Escrituras, as
escolas modernas avaliam o pensamento e o comportamento
prudentes a partir de meros resultados. “Dizer a verdade me deu
aquilo que eu queria nessa situação? Se sim, deve ter sido a coisa
certa a fazer. Caso contrário, da próxima vez reavaliaremos a
importância de falar a verdade”. Os professores geralmente
sobrecarregam o aluno com a responsabilidade de criar sua própria
interpretação literária, filosófica e moral, tendo por premissa
indiscutível que o passado não é confiável para ajudar-nos a
entender nossos tempos.
Nós, contudo, somos canais da tradição que é nossa, cuja
transferência fazemos nós e passamos à mente e aos hábitos do
aluno. Por isso trabalhamos para modelar tudo o que há de melhor
na tradição e dizemos ao aluno: “Siga-me, porque estou sendo
moldado pela sabedoria desta grandiosa tradição, e você também
pode ser!”.
O terceiro ponto é acompanhar a premissa de que ideias são
centrais aos propósitos do educador cristão em sala de aula. Se a
educação é de fato preparar-se para a vida, logo ideias de essencial
importância e capazes de determinar nosso bem-estar devem ser
discutidas regularmente. Não nos cabe desperdiçar o tempo de
nossos alunos com curiosidades irrelevantes. A sala de aula cristã
deve ecoar diálogos e perguntas sobre fé, esperança e amor.
Verdade, bondade e beleza devem encontrar expressão em todos
os aspectos do currículo. E cabe a nós, professores, buscar sempre
expandir nosso vocabulário e a vivacidade de nossa perspectiva
sobre as questões mais importantes do ser humano. “A
profundidade que extraímos da leitura da obra O Apanhador no
Campo de Centeio, no segundo ano da faculdade”, não é suficiente
para suportar a carreira cuja essência é cativar a mente ainda jovem
a contemplar os grandes mistérios da vida. Nós, professores,
conduzimos o aluno à “conversa das eras”, educando-o ao permitir
que ele nos veja já engajados nesse diálogo.
A primeira condição para essa conversa, e não damos conta de
repetir essa verdade o bastante, é pressupor que a verdade, a
bondade e a beleza são valores objetivos que podem ser
descobertos. O relativismo reduz a conversa sobre ideias
transcendentes ao nível dos jogos de salão e minimiza a
importância de discordâncias genuínas. Quando conhecemos
nossos alunos, geralmente percebemos que seu pensamento foi
amplamente moldado pelo espírito relativista da época, e que a eles
deve ser dada a oportunidade de rebelar-se. Não se deve forçar o
aluno a aceitar a existência de valores absolutos, mas, como
professores, devemos pressioná-lo constantemente a confrontar a
situação, envolvendo-se com a grande riqueza de ideias a que o
expomos, ciente de que são realidades que de fato importam.
Em muitas escolas, a conversa das eras morreu séculos atrás,
mesmo antes de surgir o relativismo. O pragmatismo também
consegue destruir a contemplação transcendente, e muitas vezes é
mais fácil de ser justificado. Afinal, de que adianta falar sobre o
problema do mal ou sobre a lei divina e a vontade humana se isso
não traz sustento à mesa? Em um grande número de escolas e na
mente dos professores que apoiam determinadas agendas, o
preparo para a vida e o posicionamento financeiro tornaram-se
inimigos mortais. No romance de Louis Auchincloss sobre um ex-
diretor de um antigo internato, o autor faz com que o educador
aposentado e o ministro ordenado queixem-se de que a escola
prepara seus alunos para serem filósofos e pensadores, mas de
alguma forma todos acabam se tornando corretores.5 O mundo
precisa de bons corretores cristãos, mas a escola que educa e
prepara essas crianças deve comprometer-se a expandir os
horizontes do aluno para além do âmbito material.
Agora, caso uma abordagem que traga “somente fatos” ganhe
espaço no ensino e na avaliação, mesmo o currículo rigoroso pode
trabalhar contra a necessidade de reter ideias que caracterizam a
interação com o aluno. Reformadores bem-intencionados, cansados
de currículos convencionais e, segundo eles, sem fatos, revisaram
recentemente os requisitos dos testes e provas da rede pública. A
proposta era então testar o aluno e suas capacidades de memorizar
fatos específicos como se estivesse se preparando para uma
competição de TV!
A realidade de que muitas escolas de destaque na América não
conseguem atingir padrões de “qualidade”, mesmo sob o padrão da
decoreba, é uma tragédia. Contudo, a situação trágica de nossas
escolas decorre sobretudo de não insistirmos que o aluno seja
obrigado a pensar em realidades importantes debaixo de padrões
elevados de síntese e expressão de ideias. Além do mais, algo que
também causa essa tragédia é a desvalorização do professor hábil,
talentoso, que tem facilidade de lidar com a “conversa das eras”.
Em suma, nossa mente precisa ser treinada com pensamentos
acerca da verdade, da bondade e da beleza, considerando-as
primordiais em toda nossa jornada acadêmica. Nosso trabalho é
sempre ajudar o aluno a conectar o comum e aparentemente
mundano aos valores sublimes e transcendentes que definem o
significado de nossa existência. Só inspiramos o aluno a reconhecer
e buscar a verdade, a bondade e a beleza na medida em que
damos o exemplo. Ao incentivar essa busca, de “herdeiros” da
tradição das Artes Liberais passamos ao patamar de
“transmissores” e transportamos o aluno ao processo de
transformação.
O quarto ponto a ser discutido pode ser delicado, porque muitos
de nós que ensinamos no Fundamental não nos consideramos
acadêmicos. Portanto, quando alguém afirma que um dos
problemas de nossas escolas é que os professores geralmente não
precisam demonstrar aptidão acadêmica, acabamos recebendo
críticas à nossa inteligência ou, pior, ao nosso compromisso com a
educação. Essa tradição que defendemos, contudo, exige que o
professor cultive a mente dos alunos, tendo por certo que a própria
mente já foi antes cultivada. Nesse caso, pedimos que os
professores que representam a tradição das Artes Liberais sirvam
como detentores, intérpretes e condutores, modelando tudo o que
há de melhor no passado e no presente da nossa cultura, com o
objetivo de preservá-la para o futuro. Procuramos homens e
mulheres para quem as ideias transcendentes e suas
consequências históricas sejam de alta prioridade. Estamos à
procura de um protótipo que existia nos dias passados, “pessoas
renascentistas” — isto é, pessoas com aptidão acadêmica.
Isso não quer dizer, porém, que o professor da segunda série
necessariamente esteja mais qualificado para o cargo só por causa
de um doutorado, mas certamente significa que esses mesmos
professores não podem se contentar com um intelecto
essencialmente elementar. Educadores eficientes são
eminentemente práticos. Cabe a nós uma compreensão firme dos
fatos conhecidos, o que significa jamais parar de aprender sobre as
coisas que ensinamos. Cabe ao educador modelar o tipo de
pensamento claro e confiável de que nossos alunos tão
desesperadamente precisam. A preguiça intelectual, ainda mais nas
formas de preconceito infundado, sentimentalismo ou presunção,
não tem lugar na sala de aula das Artes Liberais. É dever do
professor, afinal, munir o aluno com modelos de conquistas e
habilidades acadêmicas, tão necessários para a liderança cultural.
O fato de professores perceberem que tais elementos nem
sempre são aplicados ou manifestos em sua própria sala não
deveria ser depositado sobre o docente. O educador carente de
hábitos mentais ou disciplina pessoal, portanto não apto a servir de
exemplo intelectual para alunos de todas as idades, é um tipo raro.
Não estaríamos nessa profissão se não quiséssemos usar nosso
cérebro todos os dias! Mas as escolas para as quais trabalhamos e
as famílias que servimos esperam que continuemos a crescer,
expandindo nosso conhecimento das coisas que ensinamos e até
das que apenas nos deixam curiosos. O professor deveria ter a
oportunidade de observar e ensinar outros professores ou pais.
Seria bom que os docentes fossem convidados a escrever o que
pensam acerca da disciplina que ensinam e dos seus alunos,
visando o benefício de terceiros.
Embora uma boa parte dos professores de escolas convencionais
sejam instruídos e intelectualmente motivados, as escolas
progressistas, em geral, recompensam credenciais profissionais,
certificação governamental e aptidão para socialização acima do
elemento acadêmico. Porém, a maioria das credenciais
pertencentes à educação profissional fala pouco sobre a
competência das disciplinas ou sobre a capacidade de cultivar a
mente. Em vez disso, instituições assim recompensam e certificam
com base nas prioridades psicossociais. Na maioria das escolas, a
reflexão não é tão valiosa quanto a organização, e os alunos que
não se conformam com as rotinas didáticas com frequência se veem
“deixados para trás”, apesar de seus dons intelectuais.
A formação profissionalizante costuma dar ao educador um
treinamento concentrado mais na dinâmica social em sala de aula e,
proporcionalmente, menos no aprofundamento e na compreensão
das disciplinas em questão. Ficamos tecnicamente proficientes e
academicamente limitados. Se, por outro lado, fomos educados
principalmente nas Artes Liberais e Ciências, então entramos na
sala de aula apenas com nossa inteligência e nossa própria
experiência de ensino. Seja como for, estamos despreparados para
incorporar essa grandiosa tradição, necessitando assim de fazer
uma aliança com nossos companheiros para, coletivamente, nos
expormos a nós mesmos. Devemos sempre estar cientes de que,
quando não sabemos o que fazer, fazemos somente o que
sabemos, e isso provavelmente não será suficiente nesse
empreendimento que estamos analisando.
Escolas que reconhecem esse fato devem aceitar a
responsabilidade de educar e reeducar sua equipe. O professor que
não tem as aptidões e motivações básicas descritas acima estão
fadados a não ter êxito em nossa proposta, mas aquele que, pelo
contrário, deseja passar do mero comprometimento profissional para
a excelência que é tornar-se modelo da tradição das Artes Liberais,
terá o melhor momento de sua vida profissional! Cabe, portanto, aos
gestores e líderes educacionais facilitar o caminho daqueles que
estão dispostos a aceitar o desafio e, por isso, recompensá-los.
HÁBITOS DO CORAÇÃO
Não se pode construir uma escola cristã sem uma equipe cristã.
Os pressupostos do professor não cristão, não obstante quão
compreensivo ou solidário com a ética cristã, posicionam-no em
desacordo com a cosmovisão cristã, especialmente na metafísica (a
compreensão do porquê e do como as coisas existem) e na
epistemologia (a compreensão de como conhecemos o que
conhecemos). Este é um conflito inaceitável que torna a missão da
escola cristã ineficaz e hipócrita. Portanto, Cristo deve ser o ponto
de referência central da vida do professor a ponto de reconhecê-lo
Criador, Governante e Redentor ativo e irresistível do universo.
O educador cristão do mesmo modo deve comprometer-se com o
bem-estar dos outros e colocá-lo acima dos próprios interesses e
benefícios. A escola é um ambiente intensamente relacional, no qual
a mesquinharia e a irritação conseguem surtir um efeito altamente
destrutivo em todo o ambiente. Os professores, no entanto, devido à
consideração e convicção exigidas pela profissão, tendem a pensar
bem e a manter suas opiniões com vigor. Estamos acostumados
com um alto grau de autonomia em sala de aula e precisamos de
autoconfiança para fazer nosso trabalho como achamos melhor.
Pensamento forte e convicções sólidas sem considerar a
necessidade de harmonia conduzem ao desastre relacional e
profissional.
Concordamos com Gilbert Highet, o eminente emérito da
Columbia University (e solitário) tradicionalista educacional, quando
disse que a mais importante qualidade do professor é a bondade. O
educador que tem os hábitos da mente e do coração mencionados
acima e que consegue deixar de lado sua própria agenda e
conveniência pelo bem de seus alunos será amado e admirado por
eles, pelos colegas, gestores, superiores e pais. Cabe ao professor,
assim, desenvolver a seguinte habilidade antinatural: revestir
padrões claros de excelência com bondade e sinceridade.
Frequentemente, a coisa mais gentil que um professor pode fazer
pela criança é permitir que ela falhe. Agora, se o educador ou a
escola permite que o aluno falhe tão só para provar um ponto ou
fortalecer uma imagem de padrões e exigências, a estes falta a
humildade por que tanto batalha a comunidade de fé e educação.
Para ilustrar o ato de equilíbrio que este ponto exige, aqui está
uma admoestação que compartilhamos com nossos professores de
tempos em tempos:
• O plano de estudos organizado normalmente oferece maior
benefício para alunos e professores.
• Toda expectativa que depositamos sobre o aluno exige esforço
correspondente de nossa parte, seus professores.
• Por vezes o aluno falha.
• O fracasso não é o fim do mundo, mas precisa ser considerado
fracasso.
• As notas são avaliações indispensáveis do desempenho do
aluno.
• Às vezes, aprendemos mais quando alcançamos o mínimo.
• A nota “0” continua sendo nota “0”.
• O professor deve sentir cada “0” como se fosse seu.
• Todo bom professor deseja que cada um de seus alunos exerça
seu potencial.
• Os alunos raramente o fazem.
• Igualmente nós, raramente o fazemos.
• O verdadeiro aprendizado é uma luta, porque é contra a nossa
natureza.
• Bons professores, como exploradores primitivos, entendem
estar lutando contra a natureza e querem dominá-la.
• Não fizemos nosso trabalho se não conduzimos nossos alunos
ao aprendizado!
• Não há alegria maior do que transmitir a verdade e vê-la aceita
no coração de um aluno.
Se nos cabe aprender a amar nossos alunos, temos de conhecê-
los. Certamente conheceremos as personalidades que subteremos
ao ensino em sala, mas precisamos conhecê-las integralmente.
Aristóteles despendeu tempo tentando aplicar suas observações
psicológicas rudimentares ao ensino e à aprendizagem. Da mesma
forma, para o professor cristão fundamentado nas Artes Liberais,
conhecer o básico das áreas de estudo como psicologia do
desenvolvimento, psicologia educacional e pesquisas no campo do
cérebro pode ajudá-lo a evitar erros tolos e contraproducentes. A
pior situação para este educador é sempre ser pego de surpresa
quando os alunos do segundo ano do Ensino Fundamental não
conseguem chegar ao banheiro em tempo, ou quando as garotas do
nono ano choram sem motivo aparente, ou quando os garotos do
primeiro ano do Ensino Médio competem instintivamente com seus
professores pelo domínio em situações sociais.
Precisamos reconhecer que vivemos em uma sociedade
abarrotada de análises terapêuticas, permeada por pressupostos
naturalistas. Dito isto, no entanto, saudamos Agostinho mais uma
vez,6 e encorajamos o professor que de fato conhece e ama seus
alunos a esquadrinhar vez e outra o leque psicológico em busca do
“ouro egípcio” que ainda pode ser encontrado em suas obras.
Devemos trabalhar para entender as tendências psicológicas de
nossos alunos, pois elas influenciarão e muito seus
empreendimentos mentais e intelectuais. Assim, podemos ou contar
com vinte anos de tentativa e erro ou simplesmente acelerar a curva
do aprendizado aprendendo com aqueles que fizeram pesquisas
sólidas e confiáveis, tendo a gentileza de registrar suas
observações.
Outro aspecto de conhecer nossos alunos exige que estudemos
seus hábitos sociais. Tenho um colega de profissão, diretor de uma
escola cristã, que assina revistas como Cosmo Girl, Seventeen e
Dirt Bike, e as deixa em exibição na sala dos professores. Quanto
mais sabemos sobre as normas morais, as expectativas
materialistas, a postura social que os alunos estão aprendendo com
a cultura, melhor equipados estamos para ensiná-los e discipulá-los
como realmente são, e não um grupo idealizado de alunos que não
existe na prática.
Desenvolver esses hábitos não é um desafio simples, nem para
professores, nem para suas escolas. Fazer isso constitui, no
entanto, a única maneira razoável de esperar que os valores da
tradição das Artes Liberais cristãs permeiem a experiência de
nossos alunos. Sua formação como líderes culturais, homens e
mulheres sábios e eloquentes, depende disso.
DEZ
O APRENDIZADO E A
TRADIÇÃO DAS ARTES LIBERAIS
Acreditamos com vigor que as Artes Liberais apresentam, tanto
para o educador cristão quanto para seus alunos, uma estrutura
confiável na busca por sabedoria e eloquência — ambas escassas
em nossa cultura atual. Ao mesmo tempo, reconhecemos que a
tradição apresenta aos educadores alguns desafios únicos, ainda
mais com a quantidade de expectativas que temos desenvolvido em
nossa profissão. Em primeiro lugar, embora as Artes Liberais
forneçam uma abordagem geral da escolarização, em muitos casos,
e na maioria das disciplinas, faltam registros que orientem como
determinados fins educacionais podem ser alcançados ou
acessados — especialmente em um contexto moderno. Em
segundo lugar, embora a tradição tenha muito que dizer sobre
amplitudes de conteúdo e descreva os resultados gerais para o
aluno, o registro histórico não prescreve um método pedagógico
específico adequado para alcançar esses fins. Em grande medida,
isso acaba ficando sob a responsabilidade de professores
talentosos, comprometidos com os propósitos da sabedoria, da
eloquência e com os meios gerais das Artes Liberais, visando
construir um paradigma pedagógico específico e consistente com
nossos objetivos.
Tenha em mente que o trivium não é um método pedagógico. Em
algumas exposições recentes a seu respeito, por exemplo, a
memória tal qual modo de instrução foi associada à “gramática”
como que um estilo “gramatical” de ensino. Se levado às últimas
consequências, como alguns já o fizeram, conclui-se que, quando o
aluno para de aprender “gramática” todos os dias para aprender
lógica, ele deixa de precisar da memorização. De fato, esse não é o
caso, especialmente no currículo moderno, em que, até a pós-
graduação, novas disciplinas de estudo são introduzidas durante a
jornada acadêmica.
De forma similar, um estilo “retórico” de ensino não se reserva
somente a alunos mais velhos, que devem ser introduzidos aos
princípios da retórica desde os primeiros anos. Devemos prescrever
a metodologia instrucional socrática para o estágio “dialético”
(metodologia esta que é, literalmente, uma forma de dialética), mas
sabemos por experiência que o ensino socrático é tão possível
quanto necessário em qualquer estágio de desenvolvimento do
aluno. Nem mesmo o próprio Sócrates (nem Aristóteles, Cícero,
Quintiliano ou Agostinho) se apercebeu das formas medievais
altamente estruturadas das quais extraímos muito do que
conhecemos sobre o funcionamento das Artes Liberais.
Vale mencionar dois fatos sobre as Artes Liberais: (1) elas
abrangem um conjunto de disciplinas linguísticas e matemáticas
criado para produzir sabedoria e eloquência como seu benefício
principal e (2) comunicam os efeitos provenientes das habilidades e
do conteúdo de nossas escolas, permitindo-nos, também, descobrir
a melhor forma de alcançar tais efeitos. As Artes Liberais consistem
numa série de conteúdos e habilidades que requer boa dose de
inventividade para tornar cada um de seus elementos relevante e
atrativo aos alunos. Além disso, como já aprendemos de nossos
exemplos da Antiguidade, não é preciso dominar os conteúdos e
habilidades do trivium para embarcar no conteúdo matemático e nas
habilidades do quadrivium. Ao contrário, as duas amplas áreas do
aprendizado das Artes Liberais devem ser tratadas de forma
simultânea e incremental, a fim de que o conhecimento e as
habilidades de cada disciplina desenvolvam-se a partir umas das
outras.
Porém, acreditamos, como também acreditavam os antigos e
medievalistas, que o primeiro componente essencial ao ensino é
“relembrar”, e que a essência do ensino efetivo é ajudar o aluno, em
qualquer nível do desenvolvimento cognitivo, a recordar conteúdos e
habilidades essenciais e a fazê-lo saber como aplicá-las. Também
acreditamos que métodos eficientes de ajuda ao aluno nesse ato de
relembrar mudam à medida que a cognição se transforma ou se
desenvolve.
Além de relembrar, há o pensar! A declaração mais importante no
discurso de Dorothy Sayers sobre o trivium foi: “Embora consigamos
com sucesso ensinar ‘matérias’ aos nossos pupilos, em geral
falhamos miseravelmente no momento de ensiná-los a pensar”.1 É
possível ensinar bem uma “matéria” mesmo que, por exemplo,
nosso produto didático de ciências ou história não seja uma cadeia
de pensamentos sólidos acerca da disciplina? David Perkins chama
de bem-sucedida a escola que, como um laboratório virtual que
serve ao “aprendizado contemplativo”, posiciona o pensamento e o
ato de raciocinar no centro de tudo o que acontece em sala.
“Precisamos de escolas repletas de pensamento, instituições que
foquem não só na memorização de princípios e de momentos do
ambiente escolar, mas também na educação da mente”.2 Perkins
descreve a crise na educação moderna americana de forma
simples: “No fim das contas, não retemos e não compreendemos o
conhecimento e seu uso ativo da maneira como gostaríamos de
fazê-lo”. Em resumo, ainda que nos esforcemos por cobrar que se
lembrem de algo (isso quando somos corajosos o bastante para
cobrá-los), temos dificuldade na hora de ensinar nossos alunos a
pensar.
FORMAS DE ENSINO E APRENDIZADO
Há não mais que duas décadas, escolas particulares, ao lado da
maioria das faculdades e universidades, acreditavam que
cumpririam sua missão se simplesmente contratassem professores
altamente qualificados e lhes dessem a liberdade de fechar a porta
da sala e ensinar. Desde aquela época, o crescente consumismo
educacional e o ativismo político cada vez mais forte quanto à
qualidade educacional culminaram em, no mínimo, duas mudanças
de paradigma, que se juntaram para, com força, mudarem a ênfase
educacional, voltando-a ao aprendizado do aluno.
Primeiro, instituições de acreditação se viram pressionadas a
mudar o foco administrativo; da ênfase no investimento (por
exemplo, formação acadêmica dos professores, volumes
disponíveis na biblioteca, “tempo em sala de aula”) para a ênfase
em resultados mais palpáveis (padrões educacionais para
departamentos e instituições como um todo, comparações com as
melhores práticas de outras instituições, pesquisas de satisfação e
medidas externas que padronizam o ensino). A “avaliação” tornou-
se o meio pelo qual as instituições eram feitas responsáveis pelas
agências credenciadoras, as quais, no que lhes concerne,
respondiam à avaliação de agências governamentais e conselhos
regionais. Depois, enquanto universidades e escolas lutavam pelo
senso e noção de avaliação, consolidava-se o princípio de Melhoria
Contínua de Qualidade, que, como consequência lógica, começou a
emergir das avaliações educacionais. Com tal desenvolvimento, as
resmas de informação que as instituições deveriam juntar sobre si
encontraram propósito maior do que simplesmente demonstrar aos
de fora que informações estavam sendo coletadas — a saber,
sempre melhorando os serviços educacionais e, o principal deles,
aprimorando o aprendizado dos alunos.
Apesar de anos de resistência, chegaram para ficar os princípios
de pesar os resultados como contrários ao investimento e hábito de
reunir dados e informações com o único propósito de aprimorar os
serviços educacionais.
Simplesmente não há espaço no “mercado educacional” de hoje
para o velho estilo de professor autônomo e completamente
independente. Escolas estão se transformando em unidades
orgânicas, e o professor, no que lhe concerne, precisa trabalhar
aliado a outras partes interessadas (conselhos, pais e até mesmo
alunos) para garantir que o próprio aluno de fato aprenda o que
estiver proposto nas metas curriculares. Em resumo, o ensino
efetivo atualmente significa ajudar o aluno a aprender.
Sabemos, com base na experiência e em uma miríade de estudos
sobre aprendizado e cognição, que, fosse na Grécia 500 a.C., seja
no século XXI d.C., poucos são os meios pelos quais o aluno
aprende e aprende a pensar sobre o que está aprendendo. Teorias
mais elaboradas podem subdividir essas formas em taxonomias
mais complexas, mas decidimos focar nas três formas pelas quais
os alunos mais aprendem. Ficamos mais confortáveis expressando
esses três modos com as palavras de Adler:3 (1) aquisição de novos
conhecimentos, (2) interação crítica e (3) expressão significativa.
Acreditamos que esses pontos correspondem similarmente à
progressão do aprendizado sensorial, intelectual e intuitivo de
Platão. Seja qual for a designação proposta, o professor que exerce
domínio entende como aplicar cada passo e ajudar seja qual for o
aluno a aprender em praticamente qualquer circunstância.
ADQUIRINDO NOVOS CONHECIMENTOS
Em gerações recentes, a “memorização” tem sido severamente
criticada como método de ensino. Não poucas vezes ouvimos falar
que “aprender memorizando assemelha-se a não aprender”. No que
diz respeito à memorização como exercício isolado na tentativa de
forçar informações descontextualizadas na memória de curto prazo,
concordamos com essa crítica. É certo que exercícios desse tipo
fazem com que o aluno se esqueça tão rapidamente quanto
aprendeu de forma superficial. Sem absorver e reter novos
conhecimentos, no entanto, não pode haver verdadeiro
aprendizado. Perkins e a equipe trabalhando no Project Zero de
Harvard concluíram que “alunos concluem a educação primária,
secundária e até mesmo a universitária com lacunas perceptíveis,
carentes do conhecimento básico sobre o mundo em que vivem.
Uma problemática em questão: a maioria dos alunos de dezessete
anos não consegue identificar a data da Guerra Civil Americana em
cerca de cinquenta anos para mais ou para menos”.4
Reagindo a essa crise referente ao conhecimento básico,
educadores influentes de vários lugares acordaram para as
desastrosas consequências de planos educacionais que não exigem
dos alunos nenhum traço de memorização. Tradicionalistas como E.
D. Hirsch e seu Cultural Literacy [Currículo de Alfabetização
Cultural] reintroduziram o “relembrar” como requisito básico de uma
educação equilibrada.5 Embora a educação orientada estritamente
por matérias e avaliações não seja suficiente para ensinar o aluno a
pensar e a aplicar o que sabe, esta é preferível às estruturas em
que prevalecem currículos inexpressivos e sem fatos.
Houve uma época, antes da invenção da imprensa, em que as
pessoas conseguiam de fato ler cada palavra escrita. Esperava-se
que, sendo capaz de ler sobre algo que tivesse conhecimento, o
indivíduo do mesmo modo conseguiria lembrar-se do que leu. São
dias há muito do passado, e à medida que o conhecimento e os
interesses humanos crescem exponencialmente (testemunhamos
isso agora), os educadores passam a enfrentar o dilema: o que e
quanto conduzir à memória? Se não podemos saber tudo, e se
temos acesso imediato por meio da tecnologia a tudo de que
precisamos, por que memorizar? Com a internet na ponta dos
dedos, as palavras de Einstein sobre não memorizar nada que
pudesse encontrar nos livros parecem até mesmo mais relevantes
do que naquela época. Porém, compreender melhor que Einstein
disse o que disse sendo um adulto cuja cognição amadureceu muito
mais do que costumamos testemunhar coloca suas palavras sob
uma perspectiva ainda mais clara. Lembremo-nos também de que
Einstein se lembrava do essencial dos grandes feitos intelectuais
que ele próprio alcançou.
Contudo, precisamos, ainda outra vez, repetir para a nossa
geração: a memória é indispensável ao aprendizado; não há
definição prática de educação que não pressuponha alunos
lembrando-se de conceitos. Agora, caso o ambiente letivo em que
nos encontramos não garanta essa posição, cabe o esforço para
aperfeiçoar esse aspecto da instrução.
Se tem menos de cinquenta anos e não estudou em uma escola
tradicional ou trabalhou sob a administração inflexível de um diretor
de uma escola pública das antigas, você provavelmente não
precisou usar muito sua memória quando mais novo. A proliferação
de livros sobre autoajuda para adultos no âmbito da memória é
evidência suficiente de que uma peça vital da educação básica
entrou em colapso. Assim, a partir do momento em que a maioria
dos educadores se vê obrigada a ajudar o aluno a ficar se
lembrando de assuntos já ensinados e abordados, percebe-se que
falta um modelo claro de como este ensino deveria ser.
Muito se aprendeu acerca da memória nos últimos anos. Não faz
muito que a capacidade de memorizar era considerada singular.
Havia aqueles com boa memória e outros com memória ruim. A boa
memória era considerada expansível ou modelável, e aqueles de
memória ruim eram considerados difíceis de educar, quando não
julgados caso perdido. As “pesquisas sobre o cérebro” expandiram
consideravelmente nosso conhecimento acerca desse órgão. Agora
sabemos que a memória varia entre de curto e de longo prazo,
memória semântica ou episódica, e formas de memória motora e
linguística.6 Cada uma dessas descobertas expande o potencial do
uso da memória no ensino e na aprendizagem, e todo professor
deve ter um conhecimento geral e confiável do saber em rápido
desenvolvimento acerca dessa capacidade.
Tenha em mente que a força intelectual da didática das Artes
Liberais é a sua correlação com modos universais de ensino, sendo
a memória a primeira e mais óbvia a ser considerada. Por exemplo,
aprender a pensar como gramático depende profundamente da
memória e tem por apoio um conhecimento enciclopédico dos
elementos da língua. Como Sayers ressalta, é muito mais fácil
ensinar para a criança quando nova os elementos básicos da
gramática ou de qualquer outra disciplina, uma vez que a sua mente
é feito esponja. A mente tenra foi projetada para absorver
informações de todos os tipos, expandindo-se cada vez mais
conforme toma forma e se desenvolve.
O professor que domina esses conceitos sabe que esta é uma
oportunidade a ser explorada. Quando o aluno mostra-se desejoso e
capaz de aprender, seja em desenvolvimento cognitivo, seja em
atitudinal, o professor alerta deve tomar vantagem e aproveitar ao
máximo. Então, quando aquela criança de cinco, seis ou sete anos
entra em nossa sala com sua mente absorvendo feito esponja, nós,
professores, devemos estar prontos, tendo em mãos a informação e
os métodos apropriados para encher aquela cabecinha. Como Hugo
de São Vítor bem observou, o conhecimento apreendido deve ser
menos importante que facilitar a cognição de aprender.
INFORMAÇÃO ADEQUADA
O que, portanto, precisa ser lembrado? Cada escola deve definir
suas prioridades, lembrando que a informação a ser memorizada
nos estágios mais iniciais do currículo provê ao aluno um quadro
estrutural para todo o aprendizado futuro. Primeiramente, devemos
olhar para o fim desejado do processo educacional, para as
habilidades, o conhecimento e as virtudes que queremos
integralmente herdadas em nossos alunos, daí então determinar
como fazê-los chegar lá. O currículo do primeiro ano do Ensino
Médio prepara para o currículo do último ano; o do nono ano para o
primeiro ano do Ensino Médio, e assim por diante, regressando até
o Jardim da Infância ou o pré-jardim. Manter essa perspectiva de
prever as necessidades didáticas protege o estágio de aprendizado
contra a frivolidade ou a rusticidade. Por exemplo, pode ser lindo ver
alunos do Fundamental aprendendo uma canção em chinês ou a
contar até vinte em swahili, mas se nenhum desses exercícios os
prepara para algum aspecto futuro do currículo, eles têm pouco
valor.
Escolas que valorizam e priorizam a memória nos anos iniciais
enfrentam duas tentações. Em primeiro lugar, instituições assim são
tentadas a cobrar dos alunos nada além de memorização, pois é
relativamente fácil de ensiná-la e avaliá-la. Em segundo lugar, essas
escolas serão tentadas a obrigar o aluno a memorizar informações
sem considerar sua relevância futura, pois impressiona os pais e
projeta uma ética e um propósito no uso do tempo em sala. A
primeira tentação é tratada com a inclusão de elementos
incrementais das habilidades dialéticas e retóricas em nossos
objetivos de ensino e aprendizado. Já a segunda, vale a análise.
Uma triste realidade social que muitos educadores abraçam e
usam como base para autoafirmação é a de que pais costumam ser
facilmente impressionáveis com a qualidade da educação que seus
filhos recebem. Os tradicionalistas geralmente acusam a ala
progressista de tirar vantagem da ingenuidade dos pais ao lançar
projetos inventivos voltados a pais e alunos, mas carentes de
conteúdo. Embora muitos fiquem secretamente incomodados com a
quantidade de tempo gasto num projeto dentro de uma escola
tipicamente primária, boa parte dos pais é facilmente convencida de
que esses exercícios representam uma clara demonstração de
aprendizado. Se a criança consegue criar um relatório multimídia ou
uma exibição imaginativa de informações, é óbvio que ela conhece
e compreende o tópico.
A mesma ingenuidade pode ser atacada com demonstrações de
memorização. Uma escola tradicional pode aproveitar a reunião de
pais e mestres para apresentar seus alunos recitando páginas e
mais páginas de conteúdo, desde a Declaração de Independência a
passagens da Bíblia e as declinações em latim. Os pais ficam
impressionados e encantados, como a maioria de nós fica quando
nossos filhos têm sucesso em público. Quanto aos professores, eles
podem relaxar, sabendo que preparar aquele aluno mais novo para
recitar conteúdo, ainda que carente de relevância, passa a
impressão de qualidade. Na verdade, embora experiências públicas
importem ao aprendizado das Artes Liberais, uma vez que
proporcionam ocasião para o desenvolvimento retórico, a relevância
do exercício ao currículo e aprendizado futuro é essencial à escola
que deseja alcançar mais do que exibições triviais.
Assim, escolher aquilo que cabe ao aluno lembrar depende
bastante da estrutura curricular e do papel que cada exercício
específico exerce sobre os objetivos gerais para cada aluno.
Escolas de ênfase cultural eurocêntrica ou ocidental fariam bem em
consultar o critério de Hirsch7 para a alfabetização cultural ou planos
curriculares que consideram a didática das Artes Liberais.
Instituições que exigem determinado nível de proficiência em uma
língua estrangeira devem começar a integrar formas vocabulares e
gramaticais antes que o idioma seja formalmente ensinado. “Fatos”
matemáticos, tais como a tabuada e conversões, são essenciais à
cognição matemática de anos mais à frente, especialmente para o
aluno que tem dificuldade com conceitos abstratos, e não são
facilmente retrucáveis por imprecisões acidentais.
Embora muitas escolas guiadas pelas Artes Liberais consigam
desenvolver auxílios de memorização fervorosos e efetivos para o
currículo de Humanidades,8 a matemática e as ciências de igual
forma requerem a mesma atenção aos detalhes, com planos
cumulativos de memorização. A habilidade aritmética é, em grande
parte, função da memorização, assim como a aplicação da
matemática às ciências em conversões e outras habilidades
fundamentais. O fundamento mnemônico para conteúdos essenciais
deve ser estabelecido logo de início, e lançado repetidamente, se
esperamos que nossos alunos tenham diferencial consistente na
matemática e nas ciências.
Os planos curriculares de língua vernácula, língua clássica e
língua estrangeira moderna que dão a devida ênfase à gramática
precisam articular, com clareza, componentes de memorização,
visando relembrar o aluno, ano após ano, das mesmas regras e
estruturas, em particular enquanto transitam da instrução baseada
na gramática para a instrução fundamentada na produção de texto e
tradução.
MODOS SENSORIAIS DE RECORDAÇÃO
Os educadores antigos entendiam intuitivamente o que a
psicologia educacional e pesquisas acerca do cérebro confirmaram
empiricamente: a memória é acessada e reforçada por experiências
sensoriais. Quando dada ao aluno a oportunidade de
instantaneamente associar novas informações com o que vê,
escuta, sente e até mesmo cheira e saboreia, a incorporação desse
saber na memória de longo prazo é aprofundada significativamente.
Os psicólogos da educação costumam concordar com o que se
costuma chamar de “modalidades” de aprendizagem. Tende-se a
aceitar que a pessoa tem a predisposição de ser um aluno mais
auditivo, mais visual, mais cinestésico. Para o professor consciente,
essa realidade apresenta duas responsabilidades.
A primeira é desenvolver uma pedagogia que considera os vários
traços de aprendizado do aluno. Se a educação estiver centrada —
como normalmente acontece na sala de aula universitária —
estritamente em palestras, o aluno que usa a audição como principal
mecanismo de aprendizagem se comprometerá com o material. Do
mesmo modo, o aluno visual ou cinestésico ficará aborrecido e
entediado — o que, no caso de alunos mais novos, pode resultar
num comportamento que atrapalhará os demais. Lições abordadas
de forma multimodal, incorporando atividades visuais, auditivas e
cinestésicas, beneficiam o aluno com o estímulo multissensorial à
memorização e com o reforço da memória. Podemos criar
associações mnemônicas entre palavras ou ideias e movimentos
físicos ou física imagética. Ensinar o aluno a encontrar informação
de forma multissensorial pode criar mais associações.
Já vimos um exemplo disso quando descrevemos a abordagem
integrada ao ensino da leitura, escrita, alfabetização e vocabulário.
O aluno ouve a palavra (audição externa), escreve a palavra
(cinestesia interna e externa), vê a palavra (visão externa),
pronuncia a palavra (audição interna), ouve a si mesmo
pronunciando a palavra (audição externa). Quatro atividades
convergem no domínio dessa simples tarefa. Pode-se, inclusive,
extrair exemplos semelhantes de qualquer matéria ou prática. Na
matemática, por exemplo, as crianças veem números ou equações,
escrevem o que ouvem e veem, e interagem com auxílios físicos
(manipulativos), experimentando assim o aprendizado numérico.
A abordagem multimodal relacionada à memorização funciona
ainda que o professor não saiba o estilo individual da criança.
Agora, avaliar o modo que predomina sobre o aprendizado de cada
aluno é um processo relativamente simples, e a instrução
individualizada pode ser aprimorada com o ensino sob modalidades
apropriadas. Ao ajudar o aluno a compreender a apresentação
visual de uma lição, é fácil tornar a transmitir a lição em termos de
audição ou cinestésicos. Devo dizer que é uma alegria ver o aluno
desabrochar.
Uma coisa é identificar a predisposição de determinado aluno
para um estilo de aprendizagem em particular. Outra coisa, e muito
mais urgente à futura habilidade de aprender eficientemente, é
instruí-lo em sua capacidade predominante para aprender mediante
os sentidos. É triste ver que grande parte da instrução universitária é
caracterizada pelos “especialistas” ou “eruditos”, e que o aluno
preso a um modo de aprendizagem visual ou cinestésica não se
tornou um aprendiz independente. O educador que se aplica a
esses princípios de aprendizado estará melhor preparado para
ajudar seja qual for o aluno a tornar-se um aprendiz multimodal
genuíno.
Com os princípios expostos acima em mente, sugerimos que o
exemplo dado seja outra forma de ajudar o aluno a memorizar. Nada
reforça melhor a aprendizagem do aluno mais novo que a repetição
e o aprendizado em ambiente cooperativo. Treinar fatos
matemáticos, poemas, elementos do discurso juntos em sala e
usando uma variedade de modalidades no processo servem de
modelo para que o aluno assimile e memorize a informação. É certo
que isso exige do próprio professor a capacidade de memorizar
aquilo que será exigido da memória do aluno. Agora, se você estiver
intimidado por essa perspectiva, a noção de memorização
cooperativa em sala deve ser ainda mais apelativa!
A necessidade de adquirir conhecimento e memorizá-lo não
diminui com o tempo. Pelo contrário, a forma de ajudar o aluno a
lembrar-se do conhecimento adquirido muda à medida que ele se
desenvolve cognitivamente. Por exemplo, visto que a memória é
componente importante da instrução no oitavo ano, logo precisamos
encontrar uma maneira de fazer o aluno recordar e rever aquilo que
é necessário ao processo do aprendizado. Devemos garantir que,
enquanto absorve conhecimento por si só, o aluno está usando seu
tempo e energia favoravelmente, sem desperdícios. A título de
exemplo, aprender ciclos bioquímicos e caminhos metabólicos tais
como os ciclos de Krebs e de Calvin é difícil para a maioria dos
alunos. Despender tempo e energia nesse sentido pouco serviria de
auxílio à memória do aluno. No entanto, saber de cor esses
conceitos é pré-requisito para usá-los de forma crítica e analítica
(por exemplo, determinar a quantidade de calorias a ser consumida
para sustentar uma função metabólica). O caráter artístico da
maioria dos textos pouco ajuda nesse propósito. Aqui, o professor
astuto fará o aluno praticar os ciclos sensoriais na lousa ou em um
papel, combinando modalidades cinestésicas e visuais à medida
que repete o exercício, até conseguir acessar o saber a partir da
memória. Assim, os métodos multimodais de assimilação e
aplicação de informações absorvidas conjuntamente são repetidos
individualmente com resultados altamente eficazes.
INTERAÇÃO CRÍTICA
À medida que o aluno amadurece em seu desenvolvimento
cognitivo, cada vez mais se beneficia da memorização e do objetivo
último do aprendizado contemplativo por meio da interação crítica
com o material. Essa interação crítica permite que a informação seja
usada, analisada e experimentada enquanto demonstra sua
utilidade na resolução de problemas e na obtenção de
conhecimento conforme as aplicações intelectuais se aprofundam.
Aplicar a interação crítica à matemática ou à lógica é algo bem
claro: compreender a resolução de problemas vem da solução, cada
vez mais complexa, de problemas e dificuldades. Assim, deve-se
dar tempo de aula adequado à resolução de problemáticas e a
oportunidade do aluno trabalhar com o auxílio do professor e dos
colegas: “Quem pode ajudar o Billy com a questão 11? Quem pode
fazer a 12 na lousa?”.
O poder que a interação crítica exerce sobre a recordação de
“seções sensoriais” da literatura, história e mesmo das Escrituras é,
talvez, menos óbvia. No meu último ano da faculdade, eu (Littlejohn)
tive o privilégio de lecionar para uma classe de escola dominical
numa grande igreja. Enquanto estudávamos determinado livro do
Novo Testamento, costumava usar referências cruzadas para
chegar a outras passagens das Escrituras. A partir disso, alguém da
classe normalmente perguntava qual método de memorização de
versículos eu usava. Eles supunham que eu memorizava por tópicos
ou fazia algo parecido para memorizar versículos isolados. Na
verdade, não estava “citando” versículos, pelo menos não palavra
por palavra. O método que utilizava para memorizar as Escrituras
era o da interação crítica. Eu focava numa passagem específica e a
lia em quantas versões encontrasse, meditando nela
constantemente, horas a fio, isso se não dias. Então a analisava
usando toda ajuda possível, incluindo estudos na língua original, da
melhor maneira possível. Por fim, considerava quais aplicações
poderia extrair da passagem para a minha vida e para o mundo ao
meu redor. Era inevitável, depois disso, experimentar a essência da
passagem em ordem sucinta e lembrar com precisão o capítulo e
versículo para cada parte do texto. Se alguém conferisse minha
precisão, palavra por palavra, descobriria que não estava “citando”
nenhuma tradução conhecida, mas parafraseando a essência da
passagem de cabeça, tendo conseguido fazê-lo por meio da
interação crítica. Alguns podem não concordar com a minha
definição, mas vim a descrever esse processo como “meditação”; o
mesmo processo considero efetivo para o aprendizado da poesia,
das muitas matizes do discurso e de documentos históricos, assim
como faço com as Escrituras.
Em sua obra Paideia Proposal, Mortimer Adler descreve uma
sequência de atividades educativas criada para facilitar a interação
crítica. Uma simples lição de latim serve de exemplo para a
abordagem didática, instrucional e socrática de Adler em relação a
ela.9
Didática: ensinamos ao aluno que substantivos terminados em -m
geralmente estão no caso acusativo do singular. As terminologias do
acusativo geralmente indicam objeto direto. Para ajudar o aluno a
lembrar, adicionamos um “m” na terminação nas declinações dos
substantivos e as repetimos oralmente, juntos e individualmente. O
objetivo é lembrar o aluno da terminação, para reconhecê-la quando a
encontrar em alguma tradução.
Instrução: o aluno recebe uma lista de sentenças, como “Pueri lucam
vident”, para traduzir. O professor passa de carteira em carteira
checando as traduções, pedindo a cada aluno que justifique a tradução
de pelo menos uma sentença, corrigindo a resposta do aluno quando
necessário (por exemplo, “Tudo bem, entendi o que você quis dizer, mas
lembre-se de que, podendo ser o sujeito, “lucam” tem de concordar em
número com o verbo. Como isso muda a sua sentença?”). O objetivo é
garantir que cada aluno traduza fazendo uso de um método consistente,
que evite erros gramaticais e sintáticos.
Socrático: pergunta aberta: “Usando somente o que sabemos, como
podemos dizer isso em latim?”. O objetivo é começar a explorar outras
possibilidades para expressar uma ideia com grande economia ou
clareza.
Também vemos nesse exemplo como as artes da linguagem (da
gramática, da dialética e da retórica) ajudam o processo de
interação crítica. A gramática exige que o aluno tanto tenha o
conhecimento quanto saiba usá-lo — habilidade lógica que se pode
ensinar mesmo aos alunos mais novos e de maneira simples.10 A
memorização por si só, no entanto, não consegue dar ao aluno o
poder de expressar o que aprendeu, e o uso adequado da gramática
na produção, compreensão e interpretação de texto exigirá dele a
capacidade de, intuitivamente, discernir entre opções estilísticas.
A segunda arte liberal, a dialética, é projetada de modo a ajudar o
aluno a desenvolver faculdades de discernimento baseadas em
padrões regulares de pensamento. A questão é trazer
previsibilidade e ordem à mente do aluno. Não é simples tirá-lo do
estágio em que consegue refletir unicamente acerca das realidades
externas a si (problemas aritméticos, caracóis ou substantivos) para
o ponto em que consegue pensar sobre (analisar) seu próprio
pensamento. E a única forma de capacitar o aluno a tanto é lhe
ensinando lógica.
A lógica, como qualquer outra disciplina acadêmica, deve ser
apreendida por meio de um processo de memorização, interação
crítica e manifestação de pensamento. Há um grupo de
conhecimento básico que precisa ser absorvido didaticamente, e a
utilidade da informação deve ser testada mediante instruções e
interações socráticas.
Cada disciplina das Artes Liberais produz uma série de
habilidades transferíveis que capacitam ainda mais o aluno a
aprender outras áreas. Trata-se de uma realidade provavelmente
mais evidente em relação à lógica, que capacita o aluno a empregar
todo o seu estudo em uma estrutura dialética. A oportunidade dada
ao professor de solicitar respostas fundamentalmente críticas às
matérias cresce drasticamente por causa da previsibilidade do aluno
lógico e da responsividade ao pensamento ordenado causada pela
lógica. À medida que se aprofunda na lógica formal, nossa instrução
precisa aprofundar-se conforme a sofisticação do aluno. Quanto
mais confiantes estivermos em relação ao seu domínio sobre os
objetivos estabelecidos no currículo da lógica, mais esses
propósitos estarão presentes em nossa instrução, justificando ainda
mais a noção de um currículo orientado dialeticamente.
A interação crítica e o ensino socrático, que constroem esse
caminho, são o ponto mais desafiador, pois estão relacionados a um
corpo de conhecimento específico. A escola pode construir sua
própria lista de objetivos dialéticos essenciais, coordenando-os à
nomenclatura do seu currículo de lógica; contudo, se o corpo
docente não tiver domínio sobre eles, não os integrando em seus
propósitos disciplinares, logo não há como existir um ambiente
autenticamente dialético: e assim padece a interação crítica.
EXPRESSÃO SIGNIFICATIVA
À medida que prepara o aluno para fazer uso gramatical e lógico
do idioma e do conhecimento sobre qualquer outra área de estudo,
o professor o treina em direção à verdadeira eloquência. Embora o
cérebro repleto de informações organizadas seja uma forma de
educação, esta pode facilmente tentar alunos e professores a se
contentarem com uma definição incompleta de ensino e
aprendizado. Lembre-se, “o objetivo de nossa busca”11 é muito mais
que treinar o aluno para vencer no Show do Milhão. Estamos
formando alunos cujas vidas exibirão verdadeira sabedoria e
eloquência.
Apesar do esforço de aprender lógica para que consigamos nos
manter no ritmo do desenvolvimento intelectual de nossos alunos,
ainda é relativamente fácil ensiná-los didaticamente e treiná-los no
uso das formas. Cobrar expressão significativa com regularidade é
muito mais difícil, começando com a tarefa de definir o que constitui
uma expressão significativa em sala.
Quando falamos desse tipo de instrução, descrevemos atividades
que movem o aluno do estágio de memorizar informações e testar
quão bem se lembram delas em circunstâncias pré-estabelecidas ao
estágio em que se aprende a solucionar problemas, conectando
informações de diferentes contextos ou criando novas estruturas
para a compreensão e descrição do mundo ao redor.
Para começo de conversa, coloquemos de lado algumas ideias já
pré-concebidas. Em primeiro lugar, ainda que valorizemos a
singularidade de cada aluno, sua contribuição individual nem
sempre é significativa. Em segundo lugar, uma expressão
significativa pode ser tanto um objetivo válido para alunos mais
novos como para os mais velhos. Em terceiro lugar, expressões
significativas são possíveis e deveriam ser exigidas em todas as
disciplinas, até mesmo em matemática.
Agora, passemos para a estrutura definitiva na qual poderemos
julgar as expressões que nossos alunos oferecem. Pendure na
parede de sua sala de aula algumas dessas que sugerimos (talvez
outras, fica a critério) a seguir, para ajudar o aluno a avaliar a
qualidade dos próprios pensamentos.
Expressões significativas devem:
1. Encaixar-se no contexto lógico do tópico que está sendo
tratado.
2. Instruir outros que estão considerando o mesmo tópico.
3. Direcionar o diálogo a conclusões sensatas.
Mortimer Adler sugere que o objetivo de “expandir a compreensão
de ideias e valores”12 é o primeiro aspecto que se deve ter em
mente quando buscamos a participação do aluno em relação àquilo
que aprendemos juntos.
Dar lições que, mesmo implicitamente, exigem a “resposta
correta” pode ser um obstáculo para o aluno nesse tipo de instrução.
Não é fácil introduzir uma visão multifacetada enquanto se analisa o
desempenho do aluno sem criar um sentimento de subjetividade. É
muito mais fácil verificar se está “certo” ou “errado” em vez de
explorar o processo pelo qual o aluno está tentando “alargar a
compreensão de ideias e valores”. Um método socrático
desenvolvido pode ajudar a aliviar a tensão do professor ao limitar
eficazmente o alcance da discussão. Ser capaz de limitar-se a um
problema ou questão específicos dentro de um problema maior
demonstra disciplina, fator que ajuda a desenvolver maturidade
intelectual.
A habilidade de expressar-se com substância é o fundamento
básico da habilidade retórica. Quanto mais cedo e com mais
frequência extrairmos do aluno conhecimento sobre coisas que
estão aprendendo, melhor preparados estarão para a
responsabilidade de levar a cultura em direção a um bem comum. O
líder moderno normalmente comete o erro de não ter a disciplina
necessária para falar com consistência acerca de problemas e
preocupações comuns. “Permanecer na mensagem” é mais que um
assunto de campanhas politicas; é uma habilidade crucial para
qualquer um que aceita o desafio de melhorar a vida do próximo.
Certamente, a expressão significativa não é ensinada e aprendida
exclusivamente em sala e por meio da discussão socrática. Outro
método crucial da manifestação retórica é a escrita. Seja compondo
uma redação criativa com tópico pré-estabelecido, seja a crítica de
uma apresentação teatral, seja um relatório de laboratório, seja o
que for, o aluno precisa aprender a expressão significativa por meio
da escrita. E, se esse mesmo mecanismo estiver sob o empenho da
leitura, ajudaremos mais nosso aluno atuando como editores,
encorajando o estilo pessoal e o tom individual à medida que os
responsabilizamos por boa gramática, lógica consistente e
aplicações contemplativas de conhecimento em tudo o que
escrevem.
APÊNDICE A
A COMUNIDADE ALINHADA:
PROPÓSITO E PLANEJAMENTO
A comunidade da escola é composta por alunos e professores,
gestores e equipe, membros do conselho e pais, as igrejas
representadas pelo corpo docente e amigos da escola que apoiam
sua missão contribuindo com tempo e dinheiro. Em cada um desses
grupos encontramos diversas definições de escola. Normalmente,
essas perspectivas são harmoniosas. Não é incomum, no entanto,
que alguns acreditem em coisas sobre a identidade e a missão da
escola que nem sempre são verdade. Para de fato cumprir sua
missão de produzir alunos sábios e eloquentes, a escola cristã deve
ser uma comunidade alinhada.
Por alinhamento pode-se dizer a mesma disposição mental sobre
qualidades essenciais da instituição e uma compreensão comum
acerca do dever de agir de acordo com a missão central da insígnia
escolar. Costumamos usar o termo “alinhamento vertical”, ou a
insistência de que cada atividade, cada decisão venha de cima para
baixo, a partir da missão institucional. Uma escola alinhada
verticalmente pode confirmar que cada membro da comunidade
compreende a missão da escola e seu próprio papel em ajudar a
alcançá-la.
O alinhamento consciente dá liberdade para o serviço de acordo
com os interesses da escola. Há pouco tempo, um consultor de
planejamento estratégico sentou-se à mesa com o conselho de uma
escola e seu novo diretor. O ex-diretor havia sido demitido no ano
anterior e a reação gerou caos. Um membro do conselho havia sido
obrigado a resignar, um administrador sênior perdeu seu trabalho, e
os pais estavam em alvoroço. Divisões dentro do conselho eram
gritantes, e o ar estava pesado, repleto de desconfiança. O primeiro
passo no planejamento de um futuro bem-sucedido para aquela
escola poderia ser revisitar desacordos prévios e resolvê-los. Mas
tarefa mais importante foi proposta. “Vamos ao redor da mesa”, o
consultor sugeriu, “e ouçamos cada pessoa descrever o propósito
desta escola”. Depois de algumas horas, o grupo endossou com
unanimidade a missão histórica da escola e determinou criar um
plano que poderia torná-lo realidade. As divisões pessoais e
turbulências políticas que a escola havia acabado de experimentar
de repente perderam seu vigor, uma vez comparadas com a visão e
a missão do futuro.
A prática de rearticular e reavaliar a missão da escola precisa ser
regular. O objetivo dessa discussão é solidificar constantemente o
acordo e apoio de todos os colaboradores da comunidade em torno
do caráter essencial da escola e avaliar regularmente quão bem os
benefícios desses pontos essenciais estão sendo aplicados no
ambiente letivo.
A COMUNIDADE ABERTA
Antigamente, as escolas particulares funcionavam de forma
parecida com um clube. O diretor era controlador, seu conselho era
composto de amigos íntimos que determinariam a identidade, o tom
e os rumos para o corpo discente. Boa parte do corpo escolar
consumia passivamente a cultura proposta pela escola e tinha
pouco ou nenhum interesse e oportunidade de contribuir com o
modelo da instituição.
Isso não acontece mais. Na sociedade com a mentalidade
colaborativa dos dias de hoje, em que magnatas da tecnologia usam
jeans no ambiente de trabalho e em que políticos estabelecem
políticas por meio do voto, uma abordagem centralizadora,
intransigente e obstinada visando determinar o curso e cultura da
escola dá aos pais a sensação de ser repressora e contraintuitiva.
Ao mesmo tempo, à medida que cada dia mais escolas cristãs falam
sobre o valor fundamental que é a responsabilidade por parte dos
pais de educar os filhos, criou-se entre os pais a expectativa de que
a escola deve honrar prerrogativas inerentes ao pai e à mãe.
Essas expectativas podem, obviamente, entrar em conflito com
realidades institucionais básicas. O envolvimento dos pais com
gestões escolares e com os interesses personalizados que
acompanham esse elo podem criar verdadeiros desafios à
estabilidade organizacional e administrativa de uma escola. Encarar
dificuldades desse tipo com uma estrutura de liderança composta
por uma ampla variedade de colaboradores e que se esforça por
manter lealdade à missão da escola acima dos interesses dos pais
pode ser complicado, mas é algo absolutamente necessário.
A colaboração exige abertura. Isso significa abertura para a
evolução e maior aplicação da missão escolar. Isso significa
abertura a uma grande variedade de pessoas com interesse e
talento para servir a escola. Significa ter liberdade na hora de tomar
decisões. Significa abertura a uma comunidade que é ampla, com
pessoas diferentes, cada indivíduo amando algo diferente sobre a
escola. Contudo, a abertura geralmente é percebida como um
trabalho contra os controles institucionais e eficientes, o que leva a
uma pergunta que membros do conselho e gestores precisam fazer:
estamos dispostos a abdicar de uma parte do controle que temos
sobre a escola em favor de um senso mais aprofundado de
pertencimento para toda a comunidade?
Vários elementos cruciais podem contribuir para a gestão bem-
sucedida dessa tensão. Em primeiro lugar, a missão da escola deve
ser promovida e revisada constantemente. Não é incomum que a
divulgação de vagas de uma escola contenha referências aos ideais
universais contidos na missão escolar. Porém, desde que é
admitida, a família pouco percebe o efeito que os valores
transcendentes da escola está surtindo sobre seus filhos
diariamente.
Em segundo lugar, pode-se dar a responsabilidade de promover a
missão da escola a outros pais — e da perspectiva deles. Pais
instruídos na característica singular da cultura e da comunidade
escolar (o que são as Artes Liberais? Que diferença fazem para,
com objetivos de visão de mundo em mente, educar os alunos?) e
suficientemente analíticos para notarem a diferença que a escola
exerce sobre seus filhos (“você não vai acreditar na conversa que
tivemos durante o jantar na outra noite!”, “deixe-me contar o que
meu filho aprendeu ao perseverar durante aquela aula difícil de latim
no ano passado”) triunfam nos esforços promocionais que podemos
empreender.
Em terceiro lugar, professores e equipe podem ser preparados a
enxergar os pais como parceiros na missão escolar; por sua vez, os
pais podem ser instruídos no respeito às responsabilidades
institucionais tão basilares que professores e equipe afirmam todos
os dias. Muito frequentemente, as comunidades escolares perdem
os benefícios da transparência pois acabam por escolher entre as
prerrogativas dos pais e os valores institucionais. Os resultados
inevitáveis dessa falsa dicotomia podem ser vistos nas escolas em
que os pais se sentem livres para invadir qualquer espaço
institucional e insistir por seus interesses. O mesmo acontece
naquele tipo de escola em que a equipe exclui os pais, exceto
quando para arrecadar recursos financeiros. Não é natural
testemunhar um relacionamento entre os pais e a equipe que seja
caracterizado pelo reconhecimento de limites e pelo senso bíblico
de submissão mútua. Cabe à liderança da escola encorajar e
modelar essa natureza de parceria.
Em quarto lugar, a escola, e em especial os membros do conselho
e gestores, deve estar disposta a considerar mudanças nas formas
de alcançar, ou aplicar à comunidade, a missão histórica proposta
pela instituição. Tradições são partes maravilhosas da cultura
escolar, mas maneiras tradicionais de fazer as coisas (ou de não
fazer as coisas) podem, às vezes, ser confundidas com a própria
missão. Pais com pensamento progressista, mudanças econômicas,
competição entre famílias com o mesmo modo de pensar, tudo isso
pode servir de fonte para inovar e expandir o alcance da escola e a
forma da comunidade.
A COMUNIDADE PLANEJADA
Uma comunidade caracterizada pela transparência precisa de
uma estrutura que conduza seus membros em direção à missão
escolar, que comunique claramente as prioridades atuais e que
ajude a organizar conversas sobre o futuro e a consideração de
novas ideias. Planejamento disciplinado, contínuo e estratégico
provê um ponto de referência constante aos membros da
comunidade discente que desejam saber para onde e como a
escola está caminhando.
Columbia, Maryland, meio do caminho entre Washington, D.C. e
Baltimore, foi umas das primeiras “comunidades planejadas” da
nação. A genialidade dessa abordagem para o planejamento da
cidade consistia em ditar a construção e administração de uma
cidade pelos objetivos referentes à qualidade de vida. Com esse
princípio inegociável conduzindo o processo de planejamento,
Columbia desenvolveu um sentimento de organização, segurança e
conveniência que muitas cidades suburbanas não tinham. O plano
estratégico de uma escola também deve estar verticalmente
alinhado com a missão escolar. Tudo se inicia com o propósito
declarado de existência da escola e daí procede. Se uma ideia ou
atividade não pode ser justificada dentro da estrutura do propósito
institucional, ela não deve ser planejada. Quando os planos
estratégicos estão diretamente conectados com o propósito da
escola, toda discussão sobre prioridades estratégicas ou planos de
ação torna-se oportunidade para reforçar a identidade essencial que
todos na comunidade precisam apoiar.
O processo de planejamento considerado estratégico e legítimo
precisa incluir o maior número possível de colaboradores a fim de
alcançar amplo domínio para a identidade e direção escolar. A maior
parte das escolas que se envolve com o planejamento estratégico
normalmente envolve também a direção e a administração no
processo, mas aquela escola que se vê como uma comunidade
maior e alinhada busca o envolvimento do corpo docente, dos
funcionários em geral, dos alunos, dos pais, dos principais
mantenedores e até mesmo de governantes e chefes corporativos.
A resistência à abordagem essencialmente colaborativa no
planejamento geral costuma ser medo de que colaboradores
periféricos “descaracterizarão nossa escola” e a transformarão em
algo “que não planejamos”. Normalmente, no entanto, traçar melhor
o processo, alinhá-lo verticalmente e limitá-lo com cuidado ajuda
toda a comunidade a centrar-se na fidelidade ao propósito escolar, e
isso permite que a liderança da escola mine experiências
centralizadoras em favor de uma incorporação mais rica e
expressiva da comunidade. Aqueles que participam ativamente do
planejamento estratégico tornam-se donos legítimos da missão
carregada pela bandeira da instituição. Nossa própria experiência de
abrir escolas nos confirma que a instituição cresce, que a visão
original se expande conforme a comunidade se amplia. À medida
que cada vez mais pessoas compram para si a missão e contribuem
para o futuro da escola, o controle exclusivo por parte de poucas
personalidades torna-se cada vez menos necessário.
O planejamento estratégico bem-sucedido também requer
persistência. Inúmeras organizações investiram tempo, energia e
dinheiro em planos estratégicos que servem somente para juntar
poeira. O planejamento estratégico é um processo contínuo e
dinâmico que demanda constante avaliação e prestação de contas.
O maior benefício é organizar a miríade de atividades da escola em
torno de um tema central, os quais devem ser testados
constantemente para garantir que estão apoiando e expandindo o
alcance do propósito institucional. Esse esforço contínuo requer
disciplina e foco. Reuniões de conselho devem ser abreviadas para
dar tempo suficiente à discussão de prioridades de longo prazo.
Relatórios de funcionários devem ser reorganizados para refletir
atenção a prioridades de planejamento e atualizar o progresso
contínuo. Reuniões com pais ou colaboradores talvez precisem ser
realizadas em intervalos regulares, ambas para relatar o progresso
do planejamento estratégico e para verificar quais ideias sobre o
futuro da escola estão ganhando valor entre as famílias.
Dependendo de quão abrangente o processo de planejamento for,
pode se fazer necessária a contratação de mais funcionários ou a
atribuição de responsabilidades adicionais, de modo a manter a
documentação em dia e garantir responsabilidade com as
prioridades que o processo de planejamento dita.
Métodos de planejamento estratégico se multiplicaram nas últimas
duas décadas à medida que a América enfrentou as realidades
competitivas da economia global e da necessidade de objetivos
empresariais que sejam garantidos e altamente adaptáveis. A maior
parte das escolas não encara as mesmas pressões globais, mas o
esforço que os negócios financeiros trouxeram a esta área
administrativa certamente pode ser usado como planejamos.
Consulta Apreciativa é a abordagem que se baseia em pesquisas
para medir e pesar transições administrativas; começa-se
perguntando aos colaboradores do que eles gostam na organização.
À medida que criam estratégias sobre os pontos positivos da
empresa, a “identidade capital” da organização (a força de suas
características essenciais) “aprecia” (cresce em valor na mente das
pessoas e nas prioridades que são estabelecidas para seu
crescimento). Nessa abordagem, um facilitador1 já experiente
determina, por meio da interação com um grupo principal, as
perguntas essenciais a serem tratadas no processo. Então, dedica-
se tempo para engajar deliberadamente toda a comunidade — tanto
como um “comitê do grupo todo” quanto pequenos subgrupos, para
todos tratarem de questões específicas e trabalharem em prol do
consenso em torno de algumas declarações identitárias mais
fundamentais ou de itens de ação estratégica.
O planejamento pode ou não empregar um processo formal como
a Consulta Apreciativa, mas o objetivo continua sendo descobrir o
que fortalece os processos da escola e como deles tirar proveito.
Em geral, líderes são tentados a permitir que problemas ou
contratempos definam a agenda dos planos estratégicos. O
resultado é uma lista de afazeres para compensar as faltas
percebidas, cujos itens pouco farão pela expansão e aplicação da
missão e identidade escolar. Os principais pontos fortes de uma
escola precisam ser nutridos. Planejamento focado em fraquezas
solucionará alguns problemas, mas a identidade básica da escola
sofre por causa da negligência, deixando colaboradores com pouco
a investir.
Um plano estratégico viável precisa de várias camadas de ideias
e documentação. Uma lista de ações com datas e tarefas é
importante, mas tais coisas precisam estar alinhadas com a missão
da escola por objetivos intermediários. Quanto mais elevado for
considerado o objetivo dentro da estrutura do planejamento
estratégico, menos provável será seu desvio. Planos de ação
inferiores ficam sujeitos a mudanças repentinas, dependentes da
circunstância. Conselhos e equipes administrativas de fato
engajados com planejamento disciplinado passam a entender o
funcionamento de todas essas coisas.
Na Regents School of Austin, adotaram-se dez “Objetivos
Estratégicos” que definem e moldam todos os propósitos da escola.2
No quadro de planejamento estratégico dessa instituição, todos os
dez objetivos permanecem abaixo tão só da missão da escola. Eles
consistem em uma expressão clara de como a comunidade da
Regents planeja alcançar a missão proposta. Não estamos
sugerindo que toda escola é obrigada a ter dez objetivos
estratégicos, mas a ideia é perceber que mesmo dez não são tantos
assim. São fáceis de resumir e até mesmo de memorizar; todos da
escola, desde os professores até os alunos e pais, deparam-se com
eles frequentemente. Uma vez estabelecidos os objetivos
inegociáveis, a escola está pronta para definir princípios adicionais
que promoverão o cumprimento dos propósitos maiores. Muito
abaixo dos objetivos estratégicos estão os objetivos e itens de ação
sobre os quais membros do conselho, professores, equipe
administrativa e comitê de pais têm verdadeiro domínio.
Uma vez que a estrutura do planejamento estratégico está no seu
devido lugar, começa então o verdadeiro trabalho. A relevância e o
poder desse plano resumem-se em sua execução. Executá-lo
requer fé na sabedoria do planejamento em questão; cumpri-lo
pressupõe considerá-lo um mapa de prioridades e recursos, o que
exige pessoas certas na posição certa para haver a correta
administração das contínuas demandas do plano como um todo.
A fé no propósito de uma escola surge a partir de várias fontes.
Primeiro, se os conselhos e os comitês da escola se sentem
incluídos no plano original, seus membros tendem a considerá-lo um
reflexo de suas próprias perspectivas e valores. Da mesma forma,
cabe sobretudo aos líderes que vão adiante desse planejamento e
batalham por seu desenvolvimento o endosso sincero e deliberado.
Na escola em que membros do conselho e do comitê alternam, é
essencial que novos integrantes sejam doutrinados no plano
estratégico da instituição e que sejam capacitados a promovê-lo.
Um plano não tem efeito se seus líderes dele se esquecem ou
suas diretrizes negligenciam. Cabe ao plano estratégico simplificar
muitas decisões ao providenciar um senso claro de prioridade no
processo de tomada de decisão. Conselheiros e funcionários
precisam aplicar esses propósitos e usá-los como ponto de
referência constante, de modo a tê-los por mapa no curso das ações
institucionais. A fim de manter-se relevante, o plano requer
documentação e propagação constante. O conselho escolar que se
preocupa com o planejamento estratégico deve também cuidar para
que este seja cuidadosamente mantido e atualizado. Faz sentido
que um funcionário, e não o diretor, administre a supervisão desses
planejamentos, dado ser um trabalho geralmente muito detalhado e
rotineiro. Seja qual for a distribuição das responsabilidades, planos
estratégicos devem ser conscientemente mantidos para assim
persistirem positiva e continuamente impactantes.
A AUTORIDADE NA COMUNIDADE ALINHADA
Planos estratégicos são geralmente considerados resposta pronta
à pergunta: “O que estamos fazendo?”. Mas o processo bem
elaborado e devidamente mantido pode ajudar a escola que o adota
a responder outras perguntas tão persistentes quanto.
Escolas particulares normalmente precisam lidar com o
relacionamento entre o conselho regente e a administração,
especialmente o diretor. Geralmente, a tensão nesse
relacionamento se resume à questão de autoridade — quem está a
cargo do quê, e quem tem a última palavra quando decisões
precisam ser tomadas? Muitas escolas têm experimentado aflições
e desencontros por causa do conflito que surge da competição por
autoridade. A má gestão de tensões desse tipo é uma das principais
razões por que a média de permanência de diretores em escolas
particulares está na pior baixa de todos os tempos.
Para esse tipo de problema apresentam-se desde soluções
simplistas demais a resoluções absurdamente complexas. Alguns
sugerem que todo conflito é um problema do coração. Alguns diriam
que, se as pessoas estivessem genuinamente comprometidas com
a humildade e a submissão bíblicas, conflitos não existiriam, pois
toda circunstância ou decisão poderia ser negociada por meio de
um diálogo transparente. Pode ser verdade em alguns contextos,
mas essa mesma perspectiva não costuma valer para todas as
realidades práticas que organizações em pleno crescimento
enfrentam; há decisões que requerem autoridade, há cenários que
exigem a distribuição saudável de atribuições, funções e
responsabilidades. Mesmo toda a humildade no mundo não dirá a
um conselho regente ou à equipe administrativa quem é a pessoa
mais bem qualificada para fazer algo ou como algo deve ser feito.
Outras soluções relacionadas à tensão autoritativa dizem respeito
a centralizar o maior poder de tomada de decisão ao conselho.
Escolas geridas por “Pais” ou pelo “Conselho” são cada vez mais
populares e geralmente são administradas por um comitê central
que considera todos os aspectos da gestão com atenção minuciosa.
Nessa estrutura, funcionários e professores têm pouca autoridade
genuína, uma vez que toda decisão que tomam em sala de aula ou
no escritório estão abertas para análise e revisão, a critério do
conselho. Não é de se admirar que escolas que se organizam desta
forma geralmente têm dificuldade em recrutar e manter profissionais
qualificados e capazes.
Competir por autoridade é algo comum em organizações criadas
basicamente por dois interesses concorrentes.3 Primeiro, se o
conselho administrativo de uma escola faz um bom trabalho, ele
estará preocupado com medidas institucionais que preservem e
promovam a missão da escola. Isso exige a contratação de pessoas
talentosas, que acreditam na missão da instituição, e pressupõe
políticas de admissão que garantam um pensamento uno dentro da
comunidade escolar. Além do mais, se for responsável, o conselho
há de monitorar a qualidade da experiência de cada aluno, garantir
o compromisso fiscal, prover instalações adequadas... a lista de
responsabilidades fiduciárias pode parecer sem fim. Conselhos
ativos e atentos percebem a profunda responsabilidade que têm por
cada membro da comunidade e sobre o futuro da escola.
O segundo elemento dessa tensão em relação à autoridade surge
quando profissionais talentosos e capazes começam a inverter os
esforços pelo propósito da escola, querendo vê-la expandida e
desenvolvida sob a perspectiva dos próprios conhecimentos,
experiência e personalidade. Cabe ao conselho escolar composto
de integrantes sábios preferir contratar “cavalos” que carecem de
freios a “jumentos” que necessitam de condução à excelência. Dois
partidos ativos, conselho e diretoria, que ocupam espaços
substancialmente sobrepostos, estão fadados a pisar nos calos uns
dos outros.
A distribuição de autoridade em uma escola cristã começa com a
compreensão cristã da natureza da própria autoridade. As Escrituras
ensinam que vivemos em um mundo hierárquico. Toda autoridade é
estabelecida por Deus, e todo cristão tem o dever moral de
obedecer às autoridades. Gestores e professores vivem todos
debaixo da legítima autoridade do conselho regente, isto é, os
“donos” da escola, que o são devido à responsabilidade fiduciária
como corporação legal. Pode parecer um tanto formal, mas a
autoridade dos conselhos escolares é aplicada à missão da
educação cristã, idêntica à autoridade jurídica que os governos civis
possuem em cidades e países. O corpo que governa a escola
possui toda a autoridade dentro da comunidade.
Tal conclusão vai contra o entendimento comum da administração
escolar que divide a autoridade em esferas, como se houvesse um
conjunto de leis naturais que designam um pouco de autoridade aos
conselhos, um pouco aos profissionais e um pouco aos pais. A
depender de qual manual de governo ou teoria educacional a
pessoa subscreve, as divisões podem variar, mas o princípio básico
é constante.
Essa posição em relação à autoridade também significa que
conselhos que abusam de sua autoridade ao tratar os funcionários
de forma não ética ou com falta de cortesia, e os funcionários que
competem com seu conselho por autoridade que não lhes compete
estão se comportando de forma não cristã. Pode soar forte, mas se
a autoridade significa algo em nossa cosmovisão, e deve significar,
então há implicações morais verdadeiras em relação às maneiras
como a autoridade é usada e ao modo como deve relacionar-se com
a submissão.
Mas já criticamos conselhos administrativos que insistem em
manter um controle forte em relação à autoridade. Então o que
estamos propondo? Miriam Carver, do Instituto Carver sobre
Políticas de Governança, descreveu a gestão do conselho em
relação à sua autoridade da seguinte forma: “É responsabilidade do
conselho descobrir quanta autoridade ele pode dar dentro da
comunidade da escola e estabelecer medidas de responsabilização
que garantam essa delegação de autoridades de forma confiante e
confortável”.4 Na prática, um conselho nunca deve insistir em
manter autoridade em relação a trabalhos ou decisões que podem
ser melhor executados por outra pessoa. A distribuição prudente de
autoridade dentro da escola, combinada com a responsabilização
cuidadosamente construída, ajuda a eficiência e a produtividade em
toda a instituição.
A sábia distribuição de autoridade inclui uma condição
significativa que cada conselho deveria impor sobre si mesmo a fim
de evitar confusão e a possibilidade de ofender funcionários e pais
capacitados. A autoridade que o conselho possui é coletiva, não
reside em nenhum indivíduo, mas integralmente somente no
conselho, quando este age legalmente como um todo. Conselhos
que permitem que membros individuais ajam de forma autoritativa
com a comunidade escolar, como se tivessem a autoridade de
domínio, preparam-se para conflitos potencialmente amargos com
funcionários, professores e pais cujas esferas delegadas de
autoridade serão invadidas. Em geral, a autoridade coletiva do
conselho fora da sala de reuniões é a autoridade que ele delega à
diretoria da escola, mas diretrizes parlamentares duras para o
exercício e ceder de poderes são componentes necessários à
comunidade alinhada.
O processo estratégico bem traçado, combinado com políticas de
governo prudentes, organiza o diálogo sobre quem será responsável
por cada componente e como o sucesso será mensurado. O diretor
escolar, aliado ao conselho comprometido com o planejamento
estratégico tem a oportunidade de pensar em conjunto sobre como
a autoridade pode ser distribuída de forma saudável. Uma vez que a
autoridade é distribuída, seja por meio de políticas permanentes,
seja por processos contínuos de planejamento, o trabalho do
conselho é observar os limites que estabeleceu e permitir que as
pessoas cumpram com sua designação. O trabalho da diretoria é
continuar a distribuir autoridade a toda comunidade escolar, a outros
administradores, aos funcionários, aos pais e aos alunos; é fazer
com que cada grupo se responsabilize pelo uso adequado da
autoridade recebida, sempre visando alcançar os objetivos
estratégicos.
NOTAS
CAPÍTULO 1
1. Platão. A República.
2. Agostinho. A Doutrina Cristã. New York: The Liberal Arts Press,
1958.
3. John Dewey. Freedom and Culture. Buffalo, NY: Prometheus
Books, 1989.
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
APÊNDICE A
APÊNDICE B
APÊNDICE C
Mortimer Adler Jr. How to Speak How to Listen. New York: Simon &
Schuster, 1983. [Como Falar, Como Ouvir. Editora É Realizações].
__________. Paideia Problems and Possibilities. New York: Macmillan,
1983.
__________. The Paideia Proposal. New York: Macmillan, 1982.
__________. The Paideia Program. New York: Macmillan, 1984.
Aftônio. “Progymnasmata”. Rhetores Graeci. Ed. Leonhard Spengel. Vol. 2.
B.G. Teubneri, 1854.
Aristóteles. On Rhetoric [Retórica]. Trad. George A. Kennedy. New York:
Oxford University Press, 1991.
Agostinho. Against the Academicians and The Teacher [Contra os
Acadêmicos e O Mestre]. Trad. Peter
King. Indianapolis: Hackett Publishing, 1995.
__________. On Christian Doctrine. New York: The Liberal Arts Press, 1958.
[A Doutrina Cristã. Editora Paulus.]
__________. On Christian Teaching. Trad. R. P. H. Green. New York: Oxford
University Press, 1997.
__________. The City of God [Cidade de Deus]. New York: Random House,
2000.
Charles Sears Baldwin. Ancient Rhetoric and Poetic. New York: Macmillan,
1924.
__________. Medieval Rhetoric and Poetic. New York: Macmillan, 1928.
Walter B. Barbe; Raymond H. Swassing. Teaching Through Modality
Strength: Concepts and Practices. Columbus, OH: ZanerBloser, Inc,
1979.
Jacques Barzun. Begin Here. Chicago: The University of Chicago Press,
1991.
__________. Teacher in America. Indianapolis: Liberty Press, 1981.
Susan Wise Bauer. The Well-Educated Mind. New York: W. W. Norton &
Company, 2003. [A Mente Bem Treinada: Um guia para educação clássica
em casa. Editora Klasiká Liber.]
William J. Bennett; Chester E. Finn Jr.; John T. E. Cribb Jr. The Educated
Child. New York: The Free Press, 1999.
Harry Blamires. The Christian Mind. Ann Arbor, MI: Servant Publications,
1963.
Harold Bloom. The Western Canon [O Cânone Ocidental]. New York:
Harcourt Brace and Company, 1994.
__________. Where Shall Wisdom Be Found? New York: Riverhead Books,
2004.
James Montgomery Boice. Two Cities, Two Loves. Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 1996.
John Bolt. The Christian Story and the Christian School. Grand Rapids, MI:
Christian Schools International, 1993.
Carl E. Braaten; Robert W. Jenson. The Two Cities of God: The Church’s
Responsibility for the Earthly City. Grand Rapids, MI: William B.
Eerdmans, 1997.
Colin Brown. Christianity and Western Thought, Vol. 1. Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 1990.
Peter Brown. Augustine of Hippo. Berkeley: University of California Press,
1967.
Josiah Bunting III. An Education for Our Time. Washington, D.C.: Regnery
Publishing, 1998.
Thomas Cahill. How the Irish Saved Civilization. New York: Doubleday,
1995.
João Calvino. Institutes of the Christian Religion (2 vols.) [As Institutas da
Religião Cristã]. Trad. Ford Lewis Battles. Ed. John T. McNeill. Philadelphia:
The Westminster Press, 1960.
Henry Chadwick. Augustine. Oxford: Oxford University Press, 1986.
Cicero. Rhetorica Ad Herennium. Trad. Harry Caplan. The Loeb Classical
Library. Cambridge: Harvard University Press, 1989.
Cicero. De Oratore. Trad. E. W. Sutton; H. Rackham. 2 vols. The Loeb
Classical Library. Cambridge: Harvard University Press, 1948.
__________. On Moral Obligation (De Officiis). Trad. John
Higinbotham. Berkeley: University of California Press, 1967.
David L. Cooperrider; Peter F. Sorensen Jr.; Therese F. Yaeger; Diana
Whitney. Appreciative Inquiry. Champaign, IL: Stipes Publishing, 2001.
Edward P. J. Corbett; Robert J. Connors. Classical Rhetoric for the Modern
Student. 4. ed. New York: Oxford University Press, 1999.
Scott F. Crider. The Office of Assertion. Wilmington, DE: Intercollegiate
Studies Institute, 2005.
Mary Hundley DeKuyper. Trustee Handbook. 7. ed. Washington, D.C.:
National Association of Independent Schools, 1998.
John Dewey. Freedom and Culture. Buffalo, NY: Prometheus Books, 1989.
__________. How We Think. Amherst, NY: Prometheus Books, 1991.
Wilhelm Dilthey. Introduction to the Human Sciences: An Attempt to Lay a
Foundation for the Study of Society and History. Detroit: Wayne State
University Press, 1989.
Peter F. Drucker. Managing the Non-Profit Organization. New York:
HarperCollins Publishers, 1990.
Will Durant. The Life of Greece. New York: Simon & Schuster, 1939.
Frank E. Gaebelein. A Varied Harvest. Grand Rapids, MI: William B.
Eerdmans, 1967.
Howard Gardner. The Disciplined Mind. New York: Penguin Books, 2000.
Great Books Foundation. A Manual for Co-Leaders. Chicago: Great Books
Foundation, 1965.
Gregory, John Milton. The Seven Laws of Teaching. Grand Rapids, MI:
Baker Book House, 1995.
Gerald L. Gutek. A History of the Western Educational Experience.
Prospect Heights, IL: Waveland Publishers, 1987.
__________. Cultural Foundations of Education. New York: Macmillan,
1991.
Stanley Hauerwas; John H. Westerhoff. Schooling Christians. Grand Rapids,
MI: William B. Eerdmans, 1992.
Peter S. Heslam. Creating a Christian Worldview: Abraham Kuyper’s
Lectures on Calvinism. Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans, 1998.
David V. Hicks. Norms and Nobility. Lanham, MD: University Press of
America, 1999.
Gilbert Highet. The Art of Teaching. New York: Vintage Books, 1989.
E. D. Hirsch Jr. Cultural Literacy: What Every American Needs to Know.
New York: Houghton Mifflin, 1987.
__________. Ed. The Core Knowledge Series: Resource Books for
Grades One Through Six. New York: Doubleday, 1991. Holmes, Arthur F.,
Ethics. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1984.
__________. The Making of a Christian Mind. Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, l985.
Samuel P. Huntington. The Clash of Civilizations and the Remaking of
World Order. New York: Simon & Schuster, 1996.
Werner Jaeger. Early Christianity and Greek Paideia. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1961.
__________. Paideia: The Ideals of Greek Culture. 3 vols. Trad. Gilbert
Highet. New York: Oxford University Press, 1944.
Irmã Miriam Joseph. The Trivium. Ed. Marguerite McGlinn. Philadelphia: Paul
Dry Books, 2002.
B. Jowett. Plato’s The Republic. New York: Random House, 1950.
George A. Kennedy. Classical Rhetoric and Its Secular and Christian
Tradition from Ancient to Modern Times. Chapel Hill, NC: University of
North Carolina Press, 1980.
__________. Quintilian. New York: Twayner Publishers, 1969.
__________. The Art of Persuasion in Greece. Princeton, NJ: Princeton
University Press, 1963.
E. Christian Kopff. The Devil Knows Latin. Wilmington, DE: Intercollegiate
Studies Institute, 1999.
Abraham Kuyper. Lectures on Calvinism. Grand Rapids, MI: William B.
Eerdmans, 1999.
C. S. Lewis. Mere Christianity [Cristianismo Puro e Simples]. New York:
MacMillan, 1960.
__________. The Abolition of Man [A Abolição do Homem]. New York:
Simon & Schuster, 1947.
Tom Luce & Lee Thompson. Do What Works. Dallas: Ascent Education
Press, 2005.
Andrea Lunsford; John J. Ruszkiewicz. Everything’s an Argument. 3. ed.
Boston: Bedford/St. Martin’s, 2004.
H. I. Marrou. A History of Education in Antiquity. Trad. George Lamb.
Madison, WI: The University of Wisconsin Press, 1956.
John T. McNeill. Calvin: Institutes of the Christian Religion 1. Philadelphia:
The Westminster Press, 1990.
__________. Calvin: Institutes of the Christian Religion 2. Philadelphia:
The Westminster Press, 1990.
H. Richard Niebuhr. Christ and Culture. New York: Harper and Row, 1951.
James J. O’Donnell. Augustine. New York: HarperCollins, 2005.
__________. Avatars of the Word. Cambridge, MA: Harvard University
Press, 1998.
Allan C. Ornstein; Daniel U. Levine. Foundations of Education. 4. ed.
Boston: Houghton Mifflin, 1989.
Parker J. Palmer. The Courage to Teach. San Francisco: Jossey-Bass, 1998.
David Perkins. Smart Schools. New York: The Free Press, 1992.
Plato. Collected Dialogues. “Republic”. Trad. Paul Shorey. Ed. Edith Hamilton
and Huntington Cairns. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1961.
Neil Postman. The End of Education. New York: Vintage Books, 1996.
Quintilian. Institutio Oratoria. 4 vols. Trad. H. E. Butler. The Loeb Classical
Library. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1996.
Diane Ravitch. Left Back. New York: Touchstone Books, 2000.
Richard Restak, M.D. The New Brain. New York: Holtzbrinck Publishers,
2003.
Dorothy L. Sayers. The Lost Tools of Learning [As Ferramentas Perdidas da
Educação]. New York: National Review, 1947.
Francis A. Schaeffer; Udo Middelmann. Pollution and the Death of Man.
Wheaton, IL: Crossway Books, 1970.
Francis A. Schaeffer. Death in the City. Downers Grove, IL: InterVarsity
Press, 1969.
__________. How Should We Then Live? Old Tappan, NJ: Fleming H.
Revell, 1976.
__________. The God Who Is There. Downers Grove, IL: InterVarsity Press,
1976.
__________. True Spirituality. Wheaton, IL: Tyndale House, 1971.
James V. Schall. Another Sort of Learning. San Francisco: Ignatius Press,
1988.
Tracy Lee Simmons. Climbing Parnassus. Wilmington, DE: Intercollegiate
Studies Institute, 2002.
Thomas Sowell. Inside American Education. New York: The Free Press,
1993.
Romalda Bishop Spalding; Walter T. Spalding. The Writing Road to Reading.
New York: William Morris & Company, 1990.
Gene Edward Veith; Andrew Kern. Classical Education.
Washington, D.C.: Capital Research Center, 2001.
Brian Vickers. In Defence of Rhetoric. Oxford: Clarendon Press, 1988.
Jane Magdruder Watkins; Bernard J. Mohr. Appreciative Inquiry. San
Francisco: Jossey-Bass, 2001.
Anthony Weston. A Rulebook for Arguments. 3. ed. Indianapolis: Hackett
Publishing Company, 2000.
Amos N. Wilder. Early Christian Rhetoric. Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1971.
Douglas Wilson. Recovering the Lost Tools of Learning. Wheaton, IL:
Crossway Books, 1991.
__________. The Case for Classical Christian Education. Wheaton, IL:
Crossway Books, 2003.
__________. The Paideia of God. Moscow, ID: Canon Press, 1999.
Jessie Wise; Susan Wise Bauer. The Well-Trained Mind [A Mente Bem
Treinada]. New York: W.W. Norton and Co., 1999.
Paul Woodruff. First Democracy. New York: Oxford University Press, 2005.
www.brightminds.us/home/index.jsp.
www.newadvent.org/cathen.