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A Lei, a Moral e os Conflitos Conjugais Primeira Edição – 2016

Correção: Ana Glaubia de Souza Paiva Revisão Final: Marcos de


Souza Borges Diagramação: Marcos de Souza Borges Capa:
Eurípedes Mendes

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte da edição deste livro


deve ser reproduzida de forma alguma sem a autorização, por
escrito, da editora, exceto em casos de citações curtas em artigos
críticos ou em resenhas.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

© Borges, Marcos de Souza

A Lei, a Moral e os Conflitos Conjugais

/ Marcos de Souza Borges – Almirante Tamandaré, PR: Editora


Jocum Brasil, 2016.

192 páginas; 21cm.

ISBN 978-85-60363-55-1

Edição, Impressão

1. Vida cristã 2. Liderança.


e Acabamento
3. Aconselhamento pastoral.

Editora Jocum Brasil

4. casamento e divórcio.

5. Discipulado.

Distribuição e Vendas:

I. Borges, Marcos - II. Título.

Editora Jocum Brasil

www.editorajocum.com.br

Fone: |55| 41 3657-2708

CDD 240

Índide para catálogo sistemático: 1. Ética cristã e Teologia


devocional - 240

ÍNDICE

Introdução - O Hedonismo e a Cruz................. 05

1. Classificando as Leis ...................................... 11

2. O “Legal” e o “Moral”..................................... 25

3. O “Repúdio” e o “Divórcio” ............................ 35

4. A Lei do Divórcio .......................................... 53


5. Atenuantes e Agravantes ............................. 79

6. A Ferida do Adultério .................................... 91

7. O Divórcio e o Sacerdócio ............................. 139

8. Transformando uma Cultura de Divórcio em uma Cultura de


Casamento ................... 167

Introdução

O Hedonismo e a Cruz

Preciso começar este livro com um alerta. Como igreja, sempre


corremos o risco de perdermos a mensagem do Evangelho. Isso já
aconteceu em muitos lugares e em diversas épocas da história. A
tendência egoísta do ser humano faz com que as pessoas peguem
apenas aquela parte do Evangelho que lhes interessa, e aos poucos
a corrupção se generaliza e a apostasia se estabelece.

Ser um seguidor de Jesus tem o seu preço. Envolve renúncias,


perseverança, paciência, humildade, coerência e, acima de tudo,
integridade. A principal plataforma para exercitarmos estes valores é
o casamento e a família. Um bom casamento não é fácil, não é
barato, não é instantâneo.

Uma paixão pode rapidamente se transformar em aversão e repúdio


quando se vive em subserviência aos instintos e desejos em uma
busca incontida e sem fim pela autossatisfação. Esta é a lógica
carnal do hedonismo e do humanismo, as ideologias que mais
crescem no mundo atualmente.

As pessoas não estão interessadas em responsabilidades,


principalmente no campo da moralidade,

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Borges que virou sinônimo de fundamentalismo religioso, no sentido
pejorativo do termo. O que importa é “o meu direito de ser feliz”. Não
existe mais fidelidade ao casamento, mas ao sentimento. Não
somos mais fiéis ao outro, mas ao que sentimos. O que manda não
é a responsabilidade moral, mas a química corporal.

Não importam os referenciais, os valores, apenas a autogratificação


imediata.

Estamos nos tornando em um mundo hedonista e leviano de pais


fracassados e famílias fragmentadas, impondo uma cultura de
orfandade em torno da qual orbitam as maiores tragédias sociais.
Está cada vez mais difícil encontrarmos alguém que veio de uma
família inteira e funcional.

Isto está produzindo um paradigma maligno, uma sinistra distorção


do propósito divino: “o conceito de fa-mília sem o casamento”. Ao
tirar o casamento da familia, aniquila-se a importância da fidelidade,
do compromisso, do respeito, da confiança, do altruísmo, da aliança,
que são as virtudes que garantem a formação de um bom caráter e
o sucesso de qualquer relacionamento.

Este é o maior segredo para a criação de filhos.

Desta forma, o principal alicerce que estabelece a saúde e a


prosperidade da sociedade está se esfacelan-do. Estamos
promovendo os problemas que tentamos combater. Pratica-se uma
sociologia moralmente cética, e por isso burra, contraditória. As
instituições (governo, educação, mídia, direitos humanos etc) es-

Introdução - 7

tão tentando proteger a família atacando o casamento.

Tudo incoerentemente em nome do “bem-estar” do indivíduo e dos


seus “direitos”.
Temos em pauta uma propaganda maciça promovendo a cultura da
fornicação e da infidelidade conjugal, a erotização de crianças pela
ideologia de gênero, o direito da mulher ligado à prática do aborto, a
homolatria e o casamento homossexual, a legalização das drogas, a
banalização do divórcio etc., como se as consequências morais
destas práticas pudessem ser simplesmente ignoradas em virtude
da satisfação humana.

Para onde toda esta plataforma hedonista está nos levando? Uma
geração mutante, espiritualmente contaminada, os nefilins desta era
(Gn 6:1-6), os “varões de fama” no sentido problemático do termo,
pessoas com muitos transtornos e conflitos existenciais que estão
superpopulando as clínicas e gabinetes.

Alguns com tendências e trejeitos homossexuais na mais tenra


infância. A vida emocional suprimida por uma carência afetiva que
forja um apetite precoce e insaciá-

vel para a imoralidade e outros descontroles. Também, muitos


sofrendo prematuramente com ansiedade crô-

nica (hiperatividade), e tantas outras psicopatias como acessos de


ira e violência, obsessão por práticas de ocultismo, vampirismo,
esquizofrenias (amigos imaginários), isolamento, neuroses,
automutilação etc.

Estes e outros sintomas apresentados na infância são apenas a


ponta do iceberg. Ou seja, os alarmes

8 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges espirituais denunciando a existência de muitas iniquidades e
desordens sendo desenvolvidas e perpetuan-do-se ao longo das
gerações no sistema familiar dessas pessoas. Uma mensagem clara
de que o passado está comprometido e o futuro será trágico.
Mudanças precisam acontecer.
Retrocesso moral
É interessante observarmos como a história se repete. Alguém já
disse que o mundo dá voltas, e realmente gira rápido. O sábio
pregador explica: “O

que é já foi; e o que há de ser também já foi; e Deus pede conta do


que passou” (Ec 3:15). Para quem tem uma consciência sociológica
do relato bíblico acerca da história da humanidade não é difícil
perceber o nosso retrocesso moral e para onde ele está nos
levando.

Você pode rotular isso como “profecia da desgraça”, mas é um


alerta real. Na verdade, o objetivo de qualquer profecia da desgraça
não é outro senão evitar a desgra-

ça. Parafraseando, podemos categoricamente afirmar que uma


grande parte desta atual geração está defi-nhando moralmente, se
descivilizando, retrocedendo:

- Aos “dias de Noé” , que precederam a completa destruição de


toda uma geração, quando as pessoas

“casavam-se e davam-se em casamento” (Mt 24:38), ou seja, uma


sociedade caracterizada pela dessacrali-zação e banalização do
princípio do casamento.

Introdução - 9

- Aos “dias de Ló” , que precederam a destruição de cidades


inteiras, entre as mais prósperas e desenvolvidas da época, quando
a injustiça e a perversão sexual se generalizaram, e a medida da
iniquidade daquela geração chegou até os céus. Jesus alertou, Ele
disse: jamais se esqueçam, “lembrai-vos da mulher de Ló” (Lc
17:32), a tipologia de uma igreja sodomizada.
- Aos “dias de Oseias” , uma cultura de adultério, divórcio e
apostasia que precedeu a destruição de Israel na Assíria e o duro
castigo de Judá na Babilônia, que durou mais de setenta anos e
reduziu a pó e cinzas a cidade Jerusalém.

“Por isso é preciso que prestemos maior atenção ao que temos


ouvido, para que jamais nos desviemos. Porque, se a mensagem
transmitida por anjos provou a sua firmeza, e toda transgressão e
desobediência recebeu a devida punição, como escaparemos, se
negli-genciarmos tão grande salvação?” (Hb 2:1-3).

Não podemos pensar que sairemos ilesos. Deus é paciente,


sofredor; a sua natureza é evitar a destruição, porém, mais cedo ou
mais tarde, a fatura chega, as consequências vêm, o nosso pecado
nos acha.

Como igreja, precisamos redescobrir o Evangelho da cruz. A partir


disto pode-se resgatar a integridade e

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Borges a sacralidade do matrimônio, o princípio mais elevado para a
construção de qualquer sociedade, que garante famílias funcionais,
homens honrados, mulheres seguras, filhos maduros, uma igreja
forte e uma sociedade sadia e próspera.

Capítulo 1

Classificando as Leis

Para lidarmos com um assunto tão delicado quanto é o divórcio,


precisamos desenvolver um relacionamento apropriado com a
Bíblia. Sem discernirmos as diferentes leis com as suas diferentes
aplicações para as diferentes situações certamente cometeremos
grandes equívocos.

A Bíblia, ao mesmo tempo que é um livro histórico, também


expressa uma infinidade de leis que revelam a natureza do Criador
e o propósito da criação. Podemos dizer que a Bíblia é um livro de
leis, a “Constituição da Humanidade”. O livro que é capaz de
explicar a construção e a destruição do nosso mundo.

A teologia, no lit. o estudo de Deus, abrange todas as áreas da vida,


simplesmente porque Deus é o autor e sustentador de toda a
existência. A verdadeira Ciência sempre converge com a revelação
bíblica. A essência de qualquer Ciência é descobrir e equacionar
corretamente o conjunto de leis que rege uma determinada matéria.

Portanto, a Bíblia não deve ser rotulada apenas como um “livro


religioso”. Ela é, obviamente, um ma-

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Borges nual para a verdadeira espiritualidade, mas é também um
manual de sociologia, cidadania, moralidade, filosofia, psicologia,
antropologia, biologia etc., revelando leis para estas e todas as
demais condições da existência.

Ao estudarmos qualquer assunto que seja na Bí-

blia precisamos descobrir quais são as leis associadas a esse


assunto e a classificação que devemos dar a elas. Ou seja,
primeiramente, precisamos aprender a distinguir as diferentes
classes de leis.

A pior maneira de se relacionar com a Bíblia é dividindo-a em duas


partes - Antigo e Novo Testamento - principalmente a versão
teológica de que o Antigo Testamento tivesse ficado ultrapassado
tendo sido substituído pelo Novo. Este tipo de mentalidade é
imatura, antididática e prejudicial.

Podemos dizer que o Velho Testamento é “velho”

não por ter-se tornado ultrapassado, mas por estabelecer valores e


crenças que funcionam e norteiam sociedades desde o princípio da
humanidade. Ele está recheado de leis que expressam verdades
absolutas e imutáveis. São séculos de aprendizagem que de forma
alguma devem ser descartados.

Por exemplo, se alguém quer descobrir como restaurar os alicerces


de uma nação, transformando uma comunidade escrava em um dos
mais poderosos povos da Terra, precisamos aprender com Moisés.
Todo este conteúdo didático que converge inteligência socioló-

Classificando as leis - 13

gica e espiritualidade não está no NT, mas no AT. Da mesma forma,


a construção de tantos outros assuntos como aliança, sacerdócio,
sistemas de governo, ofício profético, etc. está toda no AT.

O NT, por sua vez, carrega o cumprimento profético do propósito


eterno de Deus, estabelecendo como ponto de partida da redenção
humana um relacionamento pessoal e experimental com Deus, onde
em Cristo somos perdoados, justificados, santificados e vocaciona-
dos para cumprirmos o nosso destino. Esta mensagem de boas-
novas precisa chegar a todos, e apenas desta forma, de dentro para
fora de cada ser humano, a Terra se encherá do conhecimento da
glória de Deus.

Em suma, a Bíblia é o mais fidedigno manual de funcionamento do


ser humano, dos relacionamentos humanos em todas as suas
dimensões: física, moral, jurídica, espiritual, psicoemocional, social,
etc., e muito inteligentemente estabelece diferentes classes de leis
exercendo diferentes funções para as diferentes dimensões da vida
humana. Vejamos alguns exemplos: 1. Leis morais - a ordem
divina As leis morais são absolutas, ou seja, funcionam
independentemente da época ou do lugar. Elas expressam
princípios imutáveis que revelam a natureza da pessoa e do
propósito de Deus.

As leis morais foram resumidas por Deus através de Moisés no


“Decálogo” (Dez Mandamentos) com o
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Borges intuito de alicerçar a nação de Israel, engrandecendo-a e
servindo de modelo para todos os demais povos da Terra.

Depois de Moisés, este conjunto de leis morais foi ainda mais


resumido por Jesus através de um profundo senso de
responsabilidade motivacional e prática –

temor a Deus e compaixão ao próximo, ou seja, a Lei Áurea: “Amar


a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo”
.

Quando você ama a Deus e ao seu próximo, você não está fazendo
um favor a eles, mas, principalmente, a si mesmo. Não existe outra
receita para uma vida realizada e significativa tão poderosa como
esta. Aqui está a base para o relacionamento humano. Esta é a
essência da ética divina, a cultura do Reino de Deus.

A função da lei moral, compreendida pelos dez mandamentos e


posteriormente pela Lei do Amor, é garantir a integridade do ser
humano e o sucesso dos seus relacionamentos em todas as áreas
da vida.

Da observância dessas leis depende o sucesso ou insucesso de um


indivíduo, família e sociedade. As leis morais devem ser a base da
constituição de qualquer sociedade e nação.

O conceito de “moralidade”

A moralidade está essencialmente ligada à natureza do Criador e


aos padrões que Ele estabeleceu para os relacionamentos humanos
que provocam o

Classificando as leis - 15

desenvolvimento de sociedades saudáveis. Vejamos isto um pouco


melhor:
• Princípios morais não são práticas Uma prática que funciona em
determinada circunstância não funcionará necessariamente em
outra.

Enquanto as práticas são específicas ou estratégicas para


determinadas situações, os princípios são verdades profundas,
fundamentais, cuja aplicação é universal.

• Princípios morais não são valores Um valor pode ser descrito


como um comportamento elegido como estilo de vida. Valores
determinam o tipo de cultura, que pode ser justa ou iníqua.

Uma quadrilha de bandidos pode compartilhar valores, mas estarão


violando princípios. Os princípios são o território. Os valores são os
mapas. O território descreve a realidade, o mapa é apenas um
desenho. Um mapa pode ou não descrever o território de maneira
correta. Quando valorizamos os princípios corretos, temos a
verdade – o conhecimento das coisas como elas são e realmente
funcionam a nosso favor.

• Princípios morais são absolutos Os princípios são indiscutíveis,


pois são claros em sua essência. Funcionam como guias para a
conduta humana, cujo valor permanentemente foi comprovado.

16 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Uma forma de compreender rapidamente a natureza
evidente dos princípios morais é simplesmente refletir sobre a
tentativa absurda de se tentar viver uma vida eficaz baseada em
seus opostos: ignorância, mediocridade, idolatria, engano, mentira,
corrupção, rebelião, infidelidade, imoralidade sexual, roubo,
violência, homicídio etc.

Quanto mais nossos paradigmas se ajustam a estes princípios ou


leis naturais, mais precisos e funcionais eles serão. Paradigmas
corretos causarão um impacto incomensurável em nossa eficácia
pessoal e interpessoal.
A ética do caráter, da moral divina judaico-cristã, se baseia na ideia
fundamental de que existem princípios governando as atividades
humanas – leis naturais para o relacionamento humano que são tão
reais, imutáveis e indiscutíveis quanto a lei da gravidade no plano
físico.

Existe uma realidade maior que a nossa percepção limitada. Por


mais que seja difícil para nós compreender os princípios, eles são
como faróis sinalizadores.

Constituem leis naturais que não podem ser rompidas.

Cecill B. DeMille comentou os princípios expostos em seu filme


monumental, Os Dez Mandamentos: “É impossível para nós quebrar
a lei. No máximo, quebramos a nós mesmos contra a lei.”

Os princípios morais funcionam como leis naturais que governam a


existência humana independentemente de qualquer fé, religião ou
filosofia específica.

Classificando as leis - 17
2. Leis espirituais
As leis espirituais derivam das leis morais sendo tão absolutas como
elas, expressando discernimentos de como o mundo invisível pode
ser acionado a nosso favor ou contra nós. Alguns exemplos:

- A lei da remissão de pecados: “O salário do pecado é a morte” ,


por isso: “Sem derramamento de sangue não há remissão de
pecados” . Este é o fundamento da salvação em Cristo, o sacrifício
perfeito para a justificação de todo aquele que nele crê.

- A lei da transparência: “O que encobre as suas transgressões


jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará
misericórdia” (Pv 28:13). Ou seja, o que você confessa, você
domina. O pecado oculto aprisiona a pessoa.

- A lei da humildade: “Deus dá graça aos humildes” , em


contrapartida: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a
queda” (Pv 16:18). Quando você vir uma pessoa agindo com
arrogância, orgulho, prepotência etc., pode ter certeza que essa
pessoa, nessa mesma área, sofrerá grandes reveses podendo ser
destruída.

- A lei da generosidade: “Dai, e dar-se-vos-á; boa medida,


recalcada, sacudida, transbordante, genero-samente vos darão;
porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão
também” (Lc 6:38,39). A

“teologia da prosperidade” é suspeita, mas a “teologia da


generosidade” é infalível.

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Borges
- A lei do perdão: “Não julgueis e não sereis julga-dos; não
condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados”
(Lc 6:37), etc. O perdão determina se vamos ser tratados com
misericórdia ou se seremos atormentados.

Uma grande parte do conteúdo do ministério de Jesus foi dedicado


a explicar sobre as leis espirituais que governam o mundo invisível e
o impacto destas leis na nossa realidade prática.

A vida pode se tornar previsível quando conhecemos as leis que


governam o mundo espiritual. Este é o alicerce do ministério
profético. Quanto mais você discerne a forma como as pessoas
estão interagindo com estas leis, tanto mais você pode prever como
será o futuro delas.

3. Leis cerimoniais - memoriais As leis cerimoniais, na sua


essência, desempenham um papel educativo, didático. Para ser
didático é importante ter um caráter memorial, ilustrativo,
celebrativo. O mais importante não é o protocolo ex-terno ou a
formalidade praticada, mas a mensagem implícita que nos conduz
às verdades espirituais a que precisamos nos conectar.

O cerimonialismo levítico se baseia em rituais que carregam um


simbolismo profético e revelador do propósito pleno de Deus. Na
verdade, todo ele se converge essencialmente em Cristo, o plano de
Deus para a redenção humana.

Classificando as leis - 19

As leis cerimoniais na Bíblia também encontram-se diretamente


conectadas ao objetivo de promover a saúde pública. Isto vai ficar
mais claro na abordagem sobre as leis nutricionais e de higiene.

Por exemplo, o protocolo cerimonial praticado pelos sacerdotes de


lavar as mãos antes das refeições gerou uma crença equivocada de
que isto os purificava espiritualmente, como podemos ver no texto a
seguir:
“Então, vieram de Jerusalém a Jesus alguns fariseus e escribas e
perguntaram: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos
anciãos? Pois não lavam as mãos, quando comem... (Mt 15:1,2).

Ouvi e entendei: não é o que entra pela boca o que contamina o


homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem.

Então, aproximando-se dele os discípulos, disseram: Sabes que os


fariseus, ouvindo a tua palavra, se escandalizaram?” (Mt 15:10-12).

No tabernáculo, o sacerdote antes de ministrar lavava as suas mãos


na bacia de bronze. Qual seria a verdade espiritual por trás desta
prática? Esta bacia de bronze cheia de água significa
espiritualmente o nosso relacionamento com a Palavra viva de
Deus, que serve de espelho para enxergarmos as impurezas da
nossa alma e nos purificarmos.

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Borges Somos lavados espiritualmente pela lavagem da Palavra.
Jesus disse aos seus discípulos: “Vocês já es-tão limpos, pela
palavra que tenho falado” (Jo 13:11).

Nosso contato com ela produz intimidade com Deus e


transformação, o que nos capacita a servi-lo.

Obviamente, esta regra cerimonial também estabelece um princípio


de higiene e saúde. Como o sacerdote lidava diretamente com a
comida e também com as enfermidades das pessoas, era
fundamental respeitar este protocolo, evitando uma contaminação
de cunho biológico, e não espiritual. Jesus, de forma magistral, faz o
discernimento entre o aspecto espiritual e o aspecto cerimonial
daquela prática. Muitos religiosos estavam tão distantes da didática
divina que se escandalizaram com a explicação dele.

A religiosidade, no sentido distorcido da palavra, é quando alguém


faz de um “protocolo cerimonial”
um fim em si mesmo como forma absoluta de agradar
espiritualmente a Deus.

4. Leis nutricionais e de higiene: saúde e medicina Isto fala da


vital importância do saneamento básico e de uma educação
alimentar que prioriza a qualidade da água e uma dieta apropriada,
restrin-gindo a possibilidade de enfermidades e doenças, e a
proliferação de pestes e pragas.

Ao conduzir o povo de Israel por uma longa jor-nada no deserto,


onde as condições salutares eram

Classificando as leis - 21

precárias, Deus deu a eles todo um conjunto de leis que estabelecia


uma medicina preventiva através de uma dieta específica e medidas
para manter a higiene e o saneamento da comunidade. Por
exemplo, ingerir o alimento fresco (maná) - todos eram obrigados a
enterrar os próprios dejetos, evitar as carnes alergê-

nicas etc.

Principalmente os levitas e sacerdotes que estavam encarregados


do alimento e também funcionavam como médicos precisavam
constantemente lavar as mãos, purificar os utensílios, não tocar nos
leprosos, não tocar em defuntos etc. Vale mencionar, que antes de
se conhecer a “teoria dos germes”, muitos doentes acabavam
morrendo de infecção pois os médicos ao mesmo tempo que
estudavam o corpo de um defunto tocavam os doentes.

Depois de estabelecer todo um protocolo necessário em prol da


nutrição e da higiene da população, então, Deus fala que se eles o
servissem obedecendo a todos esses preceitos ninguém ficaria
doente:

“Servireis ao SENHOR, vosso Deus, e ele abençoará o vosso pão e


a vossa água; e tirará do vosso meio as enfermidades” (Ex 23:25).
Obviamente sabemos que Deus pode nos proteger
sobrenaturalmente, inclusive curando qualquer tipo de doença ou
enfermidade, mas o contexto aqui não está

22 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges relacionado apenas a isso, mas principalmente ao fato de
obedecerem às normas de nutrição e saneamento que Ele mesmo
havia estabelecido.

5. Leis civis - governamentais As leis civis são constituídas por


regras sociais que promovem a ordem e o bem estar de uma
comunidade, cidade ou nação. O conceito de “civilizar” pode ser
abrangente e específico, mas em uma colocação básica seria “fazer
sair do estado primitivo, instruir, viabilizar o progresso de uma
sociedade”.

As leis civis normalmente se norteiam pelas leis morais, viabilizando


uma melhor organização social em termos de resolução de conflitos
e demandas, delitos e crimes, uso de solo, trânsito, impostos etc.
Isso pode variar de cidade para cidade, de nação para nação, de
cultura para cultura.

As leis civis também dependem essencialmente do tipo e da forma


de governo que se adota: teocracia (profetas e juízes), monarquia,
democracia, ditadura etc. Também estão bem ligadas aos
paradigmas antropológicos, religiosos e sociológicos daquela
sociedade.

As leis civis vão sendo criadas a partir do cresci-mento das


sociedades e dos tipos de problemas que que vão surgindo.

Exatamente neste tipo de lei é que o Divórcio deve ser enquadrado,


o qual tem sido adotado civilmente por quase todos os tipos de
governos e sociedades.

Classificando as leis - 23
Tudo o que falamos neste capítulo foi com o objetivo final de
chegarmos a esta conclusão.

A sutileza e o perigo do legalismo A grande dificuldade em


classificar as leis é que normalmente elas exercem uma conotação
múltipla, ou seja, elas revelam verdades que se aplicam distin-
tamente aos diversos tipos de leis que mencionamos anteriormente,
o que exige ainda mais discernimento e bom senso. Por exemplo, a
lei do sábado se encaixa em várias classificações:

- É uma lei memorial: Lembra-nos de que Deus é o Criador e


entender o propósito da nossa existência depende de um
relacionamento pessoal com ele.

- É uma lei cerimonial: Ensina-nos que o caminho da santidade não


se fundamenta nos nossos méritos e esforços, mas na nossa
rendição e adoração.

- É uma lei salutar: Estabelece uma proporção entre trabalho e


descanso, o que é fundamental para a saúde física e emocional.

- Possui um aspecto moral: O sábado moralmente falando não é um


dia, mas uma pessoa, Jesus, o nosso redentor, para quem podemos
e devemos entregar o peso do pecado e os excessos emocionais
etc.

Se não relacionamos adequadamente, discernindo a função e a


aplicação da lei dentro da maneira

24 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges como ela é classificada, vamos fatalmente cair no legalismo,
um uso inadequado, abusivo, distorcido e injusto da lei.

Por exemplo, ao moralizar o cerimonialismo judaico, os fariseus


perderam o sentido didático e profético dessas práticas, rejeitando o
seu objetivo maior, que foi a vinda do Messias, o qual eles
aguardavam por séculos. Da mesma forma, ao relativizar a lei
moral, muitas sociedades estão se colocando em um caminho de
desordem, sofrimento e destruição.

Capítulo 2

O “Legal” e o “Moral”

Neste capítulo vamos aguçar um pouco mais o nosso entendimento


sobre a importância de classifi-carmos as leis. Uma forma ainda
mais simplificada e eficaz de embasarmos melhor a nossa
compreensão a temas mais complexos como o divórcio é
estabelecendo um discernimento entre o “legal” e o “moral”.

As pessoas em geral facilmente se confundem cometendo graves


equívocos ao lidar com esta questão. Este é um campo vasto para o
legalismo e a injustiça serem cultivados em detrimento do bem-estar
social, produzindo uma miopia judicial que compromete o Direito.
Essencialmente falando, podemos dizer que:

• Ser “legal” vem da aprovação de uma conduta na forma de lei por


um sistema humano de governo.

• Ser “moral” vem da aprovação divina de uma conduta na forma de


um princípio absoluto e imutável.
26 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA
Borges No exercício do nosso “sacerdócio real” este discernimento
é determinante. Nem sempre o legal é moral e o moral é legal. Este
é um discernimento sutil, porém fatal. Nestas possibilidades de
diver-gências pode-se estabelecer profundos dilemas e sérios
conflitos onde a prática da justiça pode ficar comprometida.

Precisamos entender como esta balança está fun-cionando.


Podemos resumir o relacionamento entre o moral e o legal em três
situações: 1. Quando o legal é moral - Ordem e desenvolvimento

2. Quando o legal é imoral - Corrupção 3. Quando o moral é ilegal -


Perseguição 1. Quando o legal converge com o moral Assim
sendo, a justiça, o bom senso e a ordem prevalecem. O resultado é
que esta sociedade toma o caminho da civilidade e,
consequentemente, do desenvolvimento. Isto é tudo o que uma
sociedade

O “Legal” e o “Moral” - 27
precisa para crescer de maneira saudável e conquistar a verdadeira
liberdade e prosperidade.

Quando as leis constituídas são inspiradas ou estão alinhadas com


a revelação bíblica de amor, verdade e justiça, as instituições
humanas em todas as esferas de influência cumprem o seu papel,
tornam-se confiáveis e se fortalecem. A corrupção não se sustenta.
Esta sociedade terá boa governabilidade, estará salvaguardada e
será exaltada.

“Se atentamente ouvires a voz do SENHOR, teu Deus, tendo


cuidado de guardar todos os seus mandamentos que hoje te
ordeno, o SENHOR, teu Deus, te exaltará sobre todas as nações da
terra” (Dt 28:1).

“Bem-aventurado o povo a quem assim sucede! Sim, bem-


aventurado é o povo cujo Deus é o SENHOR!” (Sl 144:15).

2. Quando o legal é imoral

Isto vai promover uma cultura de corrupção e abuso fazendo com


que essa sociedade seja duramente castigada, podendo tomar o
rumo da destruição.

Quando as leis são inspiradas por interesses egoístas e escusos


daqueles que legislam em detrimento do bem-

-estar social e da moral divina, a injustiça é legalizada, a


desigualdade cresce, o povo sofre e a nação é abatida.

28 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges

“Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem leis de
opressão, para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o
direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e
roubarem os órfãos! Mas que fareis vós outros no dia do castigo, na
calami-dade que vem de longe? A quem recorrereis para obter
socorro e onde deixareis a vossa glória? Nada mais vos resta a
fazer, senão dobrar-vos entre os prisioneiros e cair entre os mortos.
Com tudo isto, não se aparta a sua ira, e a mão dele continua ainda
estendida”

(Is 10:1-4).

Desde o Movimento Feminista nos Estados Unidos logo após a


Segunda Guerra Mundial, iniciou-se uma revolução sexual que tem
impulsionado a decadência da sociedade ocidental geração após
geração, promovendo situações morais críticas cada vez mais
absurdas.

Em uma perspectiva macrossocial, a legalização da imoralidade


está gerando a multiplicação de famílias desfuncionais, um câncer
social, estabelecendo um padrão de propagação de iniquidades
baseado em delinquência, corrupção, violência e criminalidade.

Apesar do conforto e das facilidades tecnológicas, os índices de


pessoas sofrendo com distúrbios emocionais, problemas
psiquiátricos e perturbações espirituais crescem assustadoramente.

O “Legal” e o “Moral” - 29

Por exemplo, em países onde o aborto foi legali-zado, quando uma


mãe sacrifica o seu filho, apesar de estar amparada pela lei e pelo
Estado, todavia está violando um princípio moral e irá sofrer
consequências que podem afetar malignamente todas as áreas da
sua vida.

Esta pessoa torna-se refém de uma conspiração do mundo invisível


contra a sua vida e descendência.

Nestes casos, o amparo legal, apesar de silenciar a culpa e trazer


um consolo para a consciência, todavia não pode proteger a pessoa
das sansões estabelecidas pelo mundo espiritual.
Já é científico afirmar que pessoas que partici-param ativamente da
prática do aborto possuem de 7 a 14 vezes mais chances de
sofrerem de distúrbios pisicoemocionais sérios. Estas situações, na
realidade, expressam como estas sansões e prisões espirituais são
poderosas e implacáveis.

Em relação à prática de fornicação, adultério, homossexualidade ou


do aborto voluntário, como cristãos, não temos dúvidas sobre qual
deve ser o nosso posicionamento. Porém, existem outras situações
onde o conflito entre o “legal” e o “moral” torna-se mais complicado
e sutil.

A corrupção política

“Quando o governo é justo, o país tem segurança; mas quando o


governo cobra im-

30 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis| MArCos de souzA


Borges postos demais, a nação acaba na desgraça”

(Pv 29:4).

Conciliar o moral e o legal nem sempre funciona dentro de uma


matemática exata, monocromática, preto e branco. Algumas
situações são mais delicadas.

Vejamos um exemplo que está bem perto de todos nós.

Vamos pensar sobre a carga tributária do nosso país, o Brasil. Ela é


justa ou injusta? Ela é administrada de forma a favorecer a
população ou oprimí-la? O SE-BRAE afirma que dos doze meses
que o brasileiro trabalha, cinco são apenas para pagar os seus
impostos.

O mais absurdo de tudo é a tributação sobre o produto, pois estes


são impostos que ninguém deixa de pagar. Mesmo aqueles que
pensam que não pagam impostos por terem uma renda baixa,
também pagam.

Para se ter uma ideia, enquanto nos Estados Unidos se paga um


imposto único sobre produtos de 7%, no Brasil se paga em média
40%, seis vezes mais.

Duas constatações reais feitas por qualquer cidadão brasileiro,


inclusive aqueles que pertencem ao Governo, é que a carga
tributária, além de ser excessivamente elevada, também não retorna
na forma de benefícios básicos e essenciais para a população.

Alguém já disse que pagamos os impostos da Suécia e temos o


retorno de um país pobre da África.

Exatamente por isso, há anos vem-se falando de uma Reforma


Tributária que nunca sai, simplesmente

O “Legal” e o “Moral” - 31

por não ser do interesse daqueles que fabricam as leis, manipulam


a política e se enriquecem com as várias formas de corrupção
proporcionadas por esta situação.

Enquanto isso, a enorme maioria dos brasileiros tenta de alguma


forma se defender burlando o paga-mento dos impostos. Este é um
verdadeiro nó que impede o desenvolvimento da nossa nação. O
sistema já está tão viciado na ganância e na corrupção que força a
população a isto, apenas alimentando a cultura da sonegação.
Então, chegamos a alguns dilemas:

- Os inúmeros impostos estabelecidos pelo Governo são legais?


Sim, sem dúvidas. Eles são sancionados através de leis por aquelas
pessoas que representam a população por força de voto.

- Porém, toda esta carga tributária é moral? Todos sabem que não!
É vergonhosa, abusiva, injusta. É um estupro financeiro, uma
violação financeira imoral.

Empobrece a população e deixa os empresários brasileiros em uma


concorrência desigual com o restante do mundo.

Por favor, espero que você leitor não me interpre-te mal. Não estou
fazendo uma apologia à sonegação de impostos. Precisamos de
uma revolução moral em muitas áreas da nossa sociedade, isso se
queremos nos tornar um país sério, que não seja motivo de piada no
exterior.

Existe uma diferença sutil entre revolução e rebelião. Revolução é o


ato de revolver, mudar funda-

32 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges mentalmente uma estrutura que é injusta, imprópria,
corrupta. Rebelião é uma contestação subversiva da ordem vigente.

Quando uma lei civil é abusiva, ela perde a sua funcionalidade e


deixa de ser respeitada pela sociedade.

Quando uma lei deixa de ser respeitada pela sociedade, ela perde a
sua funcionalidade. É um ciclo. Essa lei precisa ser revista por
aqueles que legislam e que representam o povo. Mudanças
precisam acontecer.

Ao mesmo tempo que temos a obrigação civil de pagar todo imposto


que nos é devido, como lidar com a opressão e o abuso implícitos
nesta questão? Este é um bom exemplo do conflito quando o legal
tende para o imoral.

Um ponto importante é que não devemos confun-dir submissão com


tolerância ao abuso. A tolerância ao abuso gera a passividade.
Quanto mais o abuso se sistematiza, tanto mais tende a produzir a
passividade.
Assim como uma criança depois de ser persistente-mente abusada
acaba se conformando a esse absurdo, o mesmo tem ocorrido com
a nossa nação.

Desde o descobrimento do Brasil temos sido re-féns de uma cultura


extrativista de exploração, roubos e sobretaxas. A história da
colonização foi catequista, escravagista, abusiva, traumática. O que
nos salvou foi a história da imigração, já no século XX, quando
muitos europeus e asiáticos, fugindo das guerras, vieram não para
explorar, mas para morar no Brasil. Esta é uma

O “Legal” e o “Moral” - 33

conversa longa, mas o ponto que precisamos chegar é este: Como


enfrentar a nossa passividade lidando com os abusos legais sem
comprometer a moral?

Este tipo de dilema entre o legal e o moral exige muito domínio


próprio, temor de Deus e coragem para ser enfrentado. São
questões difíceis: Até que ponto temos que nos submeter a uma
situação abusiva e exploratória? Que decisão tomar quando
estamos entre obedecer a uma lei civil e uma lei moral? Que Deus
nos dê sabedoria e justiça na medida apropriada:

“Não seja excessivamente justo nem demasiadamente sábio; por


que destruir-se a si mesmo?” (Ec 7:16).

3. Quando o moral é ilegal

Isto vai promover uma cultura de perseguição aos justos, às


pessoas que temem ao Senhor. Esta condição é ainda mais
ofensiva que a anterior. Como agir diante de um conflito desta
natureza?

Quando você precisa optar entre obedecer a Deus e obedecer aos


homens, entre obedecer a Verdade e obedecer a uma autoridade
humana, entre obedecer à moral e obedecer ao legal, a orientação
bíblica é obedecer a Deus, obedecer à verdade, obedecer à moral.
Isso, sem todavia, desonrar a autoridade humana. Honra é
incondicional; obediência é condicional.

“Trouxeram-nos, apresentando-os ao Sinédrio. E o sumo sacerdote


interrogou-os,

34 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges dizendo: Expressamente vos ordenamos que não
ensinásseis nesse nome; contudo, en-chestes Jerusalém de vossa
doutrina; ... En-tão, Pedro e os demais apóstolos afirmaram: Antes,
importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5:27-29).

Concluindo, pode parecer que estamos fugindo do assunto do


divórcio, mas estes conflitos e a forma como lidamos com eles
estabelecem os paradigmas pelos quais construímos o nosso
discernimento e senso de justiça. Isto pode e deve ser aplicado em
muitas situações cotidianas da vida envolvendo casamento, família,
igreja, governo etc. como veremos no próximo capítulo.

Capítulo 3

O “Repúdio” e o “Divórcio”

Anteriormente explicamos sobre o discernimento das diferentes


classes de leis e o discernimento entre o moral e o legal. Agora
vamos fazer uma aplicação de todo este entendimento desenvolvido
até aqui. Este capítulo será fundamental para a forma como vamos
enxergar, analisar e aconselhar a diversa infinidade de casos
envolvendo o divórcio.

Este, portanto, é um dos pontos cruciais neste estudo, o


discernimento entre o “repúdio” e o “divórcio”.

Passa despercebida para a grande maioria das pessoas a


importante e determinante diferença existente entre estes dois
conceitos. Mesmo que estas palavras possam parecer sinônimas,
elas se referem a diferentes tipos de leis, o que caracteriza
especificamente a enorme diferença conceitual entre elas.

Podemos afirmar que o “repúdio” é essencialmente “moral”,


enquanto que o “divórcio” é essencialmente “legal”; o “repúdio” é
essencialmente

“espiritual”, enquanto o “divórcio” é essencialmente

“civil”. Discernir estes conceitos aprimora a nossa ótica sobre o


assunto.

36 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Com esta base podemos descrever mais precisa-mente
estas duas definições:

1. O que é o repúdio?

O sentido básico do verbo “repudiar” é desam-parar alguém, deixar


em abandono, rejeitar, mandar embora, repelir. O repúdio no
contexto do matrimônio baseia-se na atitude sistemática em relação
ao cônjuge de invalidar os votos feitos e quebrar a aliança assumi-
da com juramento no matrimônio. Ao invés de amar e proteger, a
pessoa desonra, rejeita, odeia, despreza, ameaça, agride, mente,
trai, fere, adultera, separa, abandona etc. Por fim, o relacionamento
conjugal é intencionalmente descartado no coração.

Ao invés de amadurecer com as dificuldades, a pessoa rejeita


qualquer possibilidade de reconciliação e descarta, refuga o
cônjuge. Recusa-se a amar, ceder, maleabilizar-se, perseverar,
superar os desafios, conflitos e diferenças. Não quer diálogo, não se
abre para ser ajudado. Obstina-se em uma solução imediata e
simplesmente elimina o seu cônjuge. Insiste na separação
endurecendo o seu coração. É isso o que Deus odeia, como afirma
o profeta Malaquias.
Deus é relacional, amoroso, paciente, tolerante, be-nigno,
longânimo. A essência da Sua natureza é a reconciliação. “... Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando
aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da
reconciliação” (II Co 5:19).

O “Repúdio” e o “Divórcio” - 37

O repúdio expressa a antinatureza da aliança, a antinatureza de


Deus. Está na contramão do Seu caráter e propósito. O repúdio
demonstra um caráter abusivo, irresponsável, maligno, injusto, infiel,
que pode se expressar de forma aberta e rebelde, como também de
forma encoberta e dissimulada. O repúdio vem de uma motivação
hedonista e egoísta, onde as pessoas irresponsavelmente
importam-se apenas consigo mesmas, sacrificando a segurança e a
felicidade até mesmo de um filho.

“Cobris o altar do SENHOR de lágrimas, de choro e de gemidos, de


sorte que ele já não olha para a oferta, nem a aceita com prazer da
vossa mão. E perguntais: Por quê? Porque o SENHOR

foi testemunha da aliança entre ti e a mulher da tua mocidade, com


a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira e a mulher da
tua aliança. Não fez o SENHOR um, mesmo que havendo nele um
pouco de espírito? E por que somente um? Ele buscava a
descendência que prometera. Portanto, cuidai de vós mesmos, e
ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade. Porque o
SENHOR, Deus de Israel, diz que odeia o repúdio e também
aquele que cobre de violência as suas vestes, diz o SENHOR

dos Exércitos; portanto, cuidai de vós mesmos e não sejais infiéis”


(Ml 2:13-16).

38 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Neste texto, a palavra “odeia” , no lit. “sane” , significa odiar,
abominar. A palavra “repúdio” , no lit.
“shalach” , significa despedir, deixar ir, rejeitar, mandar embora, ser
posto de lado. Portanto, o profeta expressa a postura divina através
de um trocadilho dizendo que “Deus odeia o odiar”, “rejeita a
rejeição”, “repudia o repúdio”, “abomina o abominar”...

A infidelidade e o repúdio impedem que Deus veja a nossa oferta, o


nosso serviço. Qualquer esforço de agradar a Deus fica
despercebido, invalidado. A des-lealdade, a dureza, a rejeição, o
repúdio ao conjuge produz choro, dor, gemidos e isso encobre o
altar de Deus. A atenção de Deus concentra-se nesta carga de
volência e sofrimento. Precisamos nos despir deste tipo de
comportamento se queremos agradá-lo de verdade.

2. O que é o divórcio?

O sentido básico do verbo “divorciar” é “separar-se judicialmente”. O


divórcio é simplesmente uma carta, ou seja, um documento jurídico
formalizando depois de um processo adequado a decisão de um
dos cônjuges ou de ambos de se separarem, dissolvendo civilmente
o casamento.

O divórcio é essencialmente diferente do repúdio. O

divórcio é um recurso legal para formalizar jurídica e civilmente a


dissolução de um matrimônio. É um protocolo para legalizar o
repúdio de um dos cônjuges ou de ambos.

O “Repúdio” e o “Divórcio” - 39

O caráter civilizador do divórcio Enquanto o repúdio fere a família


e a sociedade, o divórcio tenta manter a civilidade. Se pensarmos
bem, na verdade, o divórcio é um mecanismo social importante, um
mal necessário que tem por objetivo evitar uma anarquia social em
virtude de tantas situações de separação conjugal, que atualmente
ocorrem de forma epidêmica, principalmente no mundo ocidental.
O divórcio, por pior que pareça ser, formaliza a situação da pessoa
separada e civiliza a sociedade evitando o caos imposto pela cultura
dos relacionamentos múltiplos. Permita-me explicar isto melhor.

Estava em um país africano e casualmente comecei assistir um


documentário mostrando os enormes desafios sociais enfrentados
pelo Governo. Primeiramente, devido à guerra civil o número de
mulheres havia se tornado bem maior que o número de homens.

Também, devido à influência islâmica, neste país existe a prática da


poligamia. Este tipo de sistema familiar, apesar de desmerecer o
valor da mulher e colocá-la em uma condição de inferioridade,
abuso e até mesmo desprezo, todavia o homem tem recursos para
cuidar do lar sustentando financeiramente as esposas e os seus
filhos.

Porém, a maior preocupação estava focada no que o Governo


daquela nação identificava como sendo o problema dos
”relacionamentos múltiplos”, ou seja, os homens se relacionam
simultaneamente

40 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges com várias mulheres gerando filhos com elas, porém não
assumindo nenhuma responsabilidade marital, paterna ou financeira
nem com estas mulheres e nem com os filhos. Esta é a lei da
anarquia: “Ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo”.
Como não havia casamento e muito menos divórcio, a informalidade
conjugal estava transformando o país em bolsões cada vez maiores
de miséria e violência, um verdadeiro nó que impedia qualquer
possibilidade de ordem e desenvolvimento.

O divórcio, apesar de não garantir, ajuda a promover o


relacionamento conjugal com apenas uma pessoa de cada vez. Ele
formaliza a separação legali-zando-a perante o Governo, dando às
pessoas separadas um status social, um estado civil, que também
responsabiliza a pessoa perante a sociedade pela sua situação
familiar. É um fator de civilidade.

Não estou defendendo o divórcio e nem tentando minimizar as suas


consequências. O que estou tentando explicar é que, de fato, o
divórcio é ruim, é traumá-

tico para o indivíduo e para a família, na maioria das sociedades o


divórcio é estigmatizante, mas sem ele cumprindo a sua função
civilizadora, seria bem pior.

Repúdio X Divórcio

Vamos voltar ao foco deste capítulo. Para isto é essencial


estabelecermos em cada caso como esta balança entre o repúdio e
o divórcio está posicionada.

O “Repúdio” e o “Divórcio” - 41
Fazendo este discernimento fica fácil concluir que o que realmente
está em jogo não é o divórcio, mas o repúdio.

Essencialmente falando, podemos afirmar que o repúdio é uma falta


moral; o divórcio é um dispositivo legal. Em muitas situações, como
já falamos, estabelece-se o conflito entre o moral e o legal. São
questões difíceis. O divórcio legaliza a separação, porém existe o
aspecto espiritual. Em muitos casos o legal é absurdamente imoral,
podendo ser socialmente aceitável, mas espiritualmente
condenável.

O moral sempre pesa mais que o legal. O moral se fundamenta na


justiça divina; o legal se fundamenta na justiça humana. A justiça
humana é limitada, muitas vezes parcial, e até mesmo cega pela
falta de evidências e provas. A justiça divina é dotada dos sete olhos
do discernimento e é cercada por uma nuvem de testemunhas.

Vamos aprofundar esta conversa levantando algumas questões que


nos ajudam a pensar melhor e de forma mais clara sobre estes
conceitos.

42 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Questões fundamentais

1. Poderia uma pessoa ser “divorciada” sem nunca ter


“repudiado” o seu cônjuge?

Esta primeira questão explica o drama pessoal de muitos. Sempre


quando faço esta pergunta a uma plateia, algumas pessoas
demoram para entender a essência da questão. Poderia uma
pessoa ser divorciada sem jamais ter cogitado esta possibilidade?

Sim!Conheço muitas pessoas que se enquadram neste tipo de


situação. Elas se casaram com a firme intenção de jamais se
separarem. Ao enfrentarem os conflitos sempre procuraram
contribuir para a saúde do casamento. Diante da desistência do
parceiro, oraram, sofreram, lutaram pelo cônjuge pródigo, até que
foram definitivamente repudiadas, trocadas, abandonadas.

Por fim, não tiveram outra alternativa senão legalizar a situação,


tornando-se civilmente divorciadas.

Ou seja, apesar de civilmente divorciadas, nunca repudiaram,


jamais desejaram a separação. Muito pelo contrário, ainda
continuam alimentando uma esperança de reconciliação, mesmo
quando todos os fatos mostram que isto já não é mais possível ou
as possibilidades são extremamente remotas. Mesmo tendo falhas e
fraquezas, exibem um alto nível de compromisso e empenho pelo
casamento e pela integridade da família.

O “Repúdio” e o “Divórcio” - 43

Como, então, conduzir pastoralmente este tipo de situação? O


aconselhamento enfatiza a investigação dos fatos e o discernimento
moral das escolhas que estas pessoas estão fazendo.

Sabemos que muitas separações resultam de problemas e posturas


erradas de ambas as partes, mas, principalmente nestes casos
extremos onde a pessoa foi cruelmente repudiada sem nunca ter
repudiado, indubitavelmente, a moral prevalece sobre a condição
legal. A atitude íntima e genuína de manter a aliança protege a
pessoa, inclusive, como sugere a lei do di-vórcio, deixando-a livre
para uma nova oportunidade de casamento. Uma condição legal e
moral favorece essa pessoa repudiada e, portanto, divorciada.

Para a pessoa que repudiou em detrimento da postura


reconciliadora do cônjuge, também a moral prevalece sobre a sua
condição legal, estabelecendo um aprisionamento maligno,
deixando-a refém da sua própria violência e infidelidade e, a
princípio, inviabilizando espiritualmente a possibilidade de um outro
casamento. Um novo casamento teria um amparo legal, mas não
moral.
Na maioria dos casos essas pessoas, de fato, vivem debaixo de
tanta perturbação, que muitas delas nem se casam, simplesmente
se amasiam com um aqui, outro ali, etc., multiplicando frustrações,
deixando muita gente machucada pelo caminho.

44 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Não podemos dizer que não existe um caminho de
restauração para essas pessoas, mas ele é muito difícil.

A decisão de destruir um lar pode provocar uma lesão moral


permanente, um aleijamento, uma limitação que tende a se impor
sobre o potencial dessa pessoa pelo resto de sua vida.

Assim, o que adultera com uma mulher é falto de entendimento;


aquele que faz isso destrói a sua alma. Achará castigo e vilipên-dio,
e o seu opróbrio nunca se apagará. (Pv 6:32,33).

2. Satanizar o divórcio e tolerar o repúdio Esta segunda questão


é ainda mais importante e enfatiza o preconceito social, o
constrangimento espiritual e um estigma existencial injusto que
muitos carregam. O aspecto fundamental desta questão reside na
tendência adotada pela sociedade em geral de

“satanizar o divórcio e tolerar o repúdio”.

Isto ocorre frequentemente no meio eclesiástico, religioso, com


pessoas que vêm de uma cosmovisão católica ou evangélica
biblicamente distorcida, onde o divórcio é muito valorizado e o
repúdio é cegamente ignorado, banalizado. Coam o mosquito e
engolem o camelo.

Tenho acompanhado alguns casos que trazem uma terrível


combinação: uma pessoa doente e imoral

O “Repúdio” e o “Divórcio” - 45

em uma posição de liderança espiritual e um casamento de fachada.


Lembro-me de uma situação onde o pastor pre-gava duramente
contra o divórcio, mas o seu próprio casamento era uma tragédia.
Na sua lógica espiritual doentia, não tinha nenhum problema ele
repudiar a sua esposa, aliás o seu conceito imposto de submissão
incluía aceitar passivamente o seu comportamento abusivo. O que
não podia era divorciar. Dentro de casa agia de forma indecorosa,
extremamente abusiva.

Rejeitava, mentia, ameaçava, agredia, e até mesmo traía a esposa.

Estas não são situações incomuns para quem trabalha com


aconselhamento. No dia a dia ele estava literalmente matando a
esposa na unha, porém não se divorciava. Para ele repudiar é
permitido, divorciar é proibido. Desde que não se divorcie, o resto
“Deus perdoa”. Na igreja aparentava um santo, mas em casa era um
verdadeiro demônio. Precisamos enfatizar que este tipo de
hipocrisia injusta e covarde é o que, de fato, Deus odeia, tem
aversão, como denuncia o profeta Malaquias.

Mulheres assim tendem a se autorresignar por anos e anos em prol


dos filhos, ou, sequestradas pelo medo, mergulham em uma
frustração profunda, até que em algum momento elas não suportam
mais e pedem o divórcio. Foi o que ocorreu com a esposa desse
pastor. Só que, neste tipo de situação, ao invés

46 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges do divórcio cumprir o seu papel de legalizar a dureza e a
crueldade do seu marido, acaba sendo usado contra ela pela igreja
e sociedade como objeto de mais rejeição.

Acaba ocorrendo um abuso duplo: primeiro pelo cônjuge que


repudiou, e depois pela igreja que estigmatiza a pessoa como
divorciada, privando-a, inclusive, da chance de um novo casamento.
Obviamente estes casos precisam ser analisados com uma
integridade cuidadosa.
Devemos deixar algo muito claro aqui. Precisamos como Igreja de
uma maturidade sacerdotal para julgar cada situação sem cair nesta
“cilada evangélica” de satanizar o divórcio e tolerar o repúdio. Tenha
certeza que Deus não enxerga desta forma. Ele não sofre deste tipo
de miopia. Deus odeia o repúdio, o odiar, o rejeitar, o trair, o agredir,
o abandonar. O que está em jogo não é o divórcio, mas sim o
repúdio!

A questão maior não é quem pede o divórcio, mas quem insiste no


repúdio. Lógico que deve-se evitar de ser a pessoa quem vai dar
entrada no divórcio, mas bem pior que isso seria manter a pose
religiosa de não dar o divórcio para sustentar um casamento de
fachada, repudiando sistematicamente o cônjuge, fazendo do lar
uma sala de tortura e abusos. Infelizmente em alguns casos, que
veremos mais adiante, a única alternativa restante para a pessoa
repudiada é legalizar a dureza de coração do cônjuge através do
divórcio.

O “Repúdio” e o “Divórcio” - 47

3. Banalização do divórcio

É quando o divórcio é usado como pretexto para o repúdio. Já que o


divórcio é legal e já é culturalmente aceitável, as pessoas deixam de
ser fiéis ao casamento para satisfazer os seus caprichos e desejos
com alguém que agora tornou-se mais interessante.

Esta terceira questão expressa uma mentalidade cada vez mais


imperativa. Raciocinando sociologica-mente isto é altamente
destrutivo. Já que o divórcio é uma alternativa legal, por motivos
egoístas e banais os casamentos são destruídos. Obviamente os
filhos serão uma extensão dessa destruição. Ancorados por
traumas, medos e perdas, não tomam o rumo da maturidade,
tornam-se adultos infantilizados, propensos a repetirem a mesma
situação, e muitos refugiam-se na delinquência.

Paixão, fornicação e aversão


A banalização do divórcio pode ser melhor compreendida pela
cultura da fornicação estimulada pela mídia ocidental. Precisamos
entender que fornicação e divórcio andam juntos. Muitos divórcios
começam bem antes do casamento.

Esta é uma lei espiritual que precisa ser descorti-nada: a paixão


desgovernada antes do casamento que resulta em fornicação e
rebelião irá sustentar a aversão e o ódio após o casamento,
induzindo ao repúdio e, consequentemente, ao divórcio. Isto explica
porque pessoas que tão facilmente se apaixonaram, em tão

48 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges pouco tempo estão se odiando. A cultura da fornicação
transforma a paixão em aversão, o amor em ódio, a união em
repúdio, o casamento em divórcio.

Conclusão

O futuro é indefinido. Pode alterar-se a cada escolha que fazemos.


Vai se estabelecendo dinamicamente em função de cada nova
decisão. Deus não é um Deus de condenação. Certamente Ele nos
responsabiliza pelas nossas escolhas, mas a Sua grande
expectativa é encontrar em nós um coração tratável que propicie
sempre um caminho de restauração e vida.

“... coloquei diante de vocês a vida e a morte, a bênção e a


maldição. Agora escolham a vida, para que vocês e os seus filhos
vivam” (Dt 30:19).

Podemos cruzar linhas que jamais deveríamos ter cruzado, fazendo


decisões que irão provocar sequelas irreversíveis. O repúdio é uma
destas linhas. Ele é o assassinato do casamento e da família e trará
grandes problemas. Vamos ilustrar isso através da história de um
grande homem de Deus.

O impacto de um repúdio: Abraão e Hagar Vejamos bem


resumidamente essa história. Os problemas de Abraão realmente
começam quando em virtude de uma grande prova, um tempo de
fome, ele

O “Repúdio” e o “Divórcio” - 49

decide sair de Betel, o lugar para onde Deus o enviara, buscando


amparo no Egito.

Quando você não está no lugar de Deus, você perde o senso da


proteção divina. Vem o medo, e o medo promove a mentira. Abraão,
ao invés de proteger o seu casamento, supondo que poderia ser
morto, ele permite que Sarai, sua esposa, seja tomada por um outro
homem.

Do lar de Abraão, ela vai para o harém de Faraó.

A Bíblia não menciona, mas tudo indica que Sarai foi parar na cama
do Rei do Egito, o que trouxe um terrível julgamento sobre a sua
casa. “Mas o Senhor puniu o faraó e sua corte com graves doenças,
por causa de Sarai, mulher de Abrão” (Gn 12:17).

Não apenas Sarai foi para a cama de um egípcio, como uma egípcia
veio para a cama de Abraão. Mais tarde, Hagar, a escrava que eles
trouxeram do Egito torna-se concubina de Abraão. Um casamento
com o Egito se consuma em detrimento da promessa de Deus que
Sarai geraria um filho de seu marido Abraão.

Ou seja, envelhecido, sem esperança, Abraão cede a uma outra


alternativa para conseguir um herdeiro.

A poligamia é um ninho de conflitos. Ciúmes e inveja tendem a se


multiplicar entre as mulheres e os filhos.

É o espírito do repúdio dando as caras.

Na família de Abraão começou com Agar grávida desprezando a


sua senhora, Sarai. Depois Ismael repudiando Isaque, o irmão mais
novo tido como o filho

50 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges legítimo. Obviamente isto despertou o repúdio de Sarai por
Ismael. A situação foi ficando insustentável a ponto de Abraão
repudiar a sua concubina juntamente com o filho, outrora tão
desejado. A coisa começou mal e terminou pior ainda.

É difícil dizer se teria uma forma menos traumática de resolver a


situação, mas a ruptura aconteceu de uma forma dolorosa e cruel.
Hagar e Ismael, depois de rejeitados, ficaram desamparados no
deserto, enfrentando a face da morte. Porém, foram acolhidos pela
misericórdia de Deus. Esta situação de repúdio e abandono se
internaliza na genética espiritual de Ismael, o pai dos povos árabes:

O Anjo do Senhor encontrou Hagar perto de uma fonte no deserto,


... Disse-lhe ainda o Anjo do Senhor: “Você está grávida e terá um
filho, e lhe dará o nome de Ismael, porque o Senhor a ouviu em seu
sofrimento. Ele será como jumento selvagem; sua mão será contra
todos, e a mão de todos contra ele, e ele viverá em hostilidade
contra todos os seus irmãos” (Gn 16:7-12).

Curiosamente a briga do casal divorciado não cessou. Ao longo das


futuras gerações essa raiz foi tomando proporções cada vez
maiores desenvolvendo um crescente conflito, principalmente na
época das

O “Repúdio” e o “Divórcio” - 51

Cruzadas, na Idade Média. A ferida entre os descendentes de


Ismael e Isaque continua aberta até hoje.

Obviamente muitos judeus e ismaelitas superam estas questões,


mas até hoje temos uma séria sequela desta história de repúdio
ameaçando a paz mundial.
Essa guerra cultural do terror entre o bloco islâmico e o mundo
judaico-cristão mostra-nos o impacto de uma cisão familiar ao longo
das gerações.

“Ismael viveu cento e trinta e sete anos.

Morreu e foi reunido aos seus antepassados.

Seus descendentes se estabeleceram na re-gião que vai de Havilá a


Sur, ... E viveram em hostilidade contra todos os seus irmãos” (Gn
25:17,18).

Capítulo 4

A Lei do Divórcio

Na atualidade, principalmente aqueles que lidam com o dia a dia de


uma igreja precisam saber se relacionar com muito bom senso com
a conjuntura bíblica acerca do divórcio.

Como já vimos, é importante ressaltar que a lei do divórcio exerce


uma função civilizadora, ajudando a acomodar as pessoas
envolvidas direta e indiretamente nessas situações de extremo
conflito e trauma. Existem duas abordagens básicas na Bíblia
acerca do divórcio: a abordagem de Moisés e a abordagem de
Jesus.

A abordagem de Moisés

Após séculos de escravidão no Egito, enfrentando a dura tarefa de


restaurar os fundamentos da nação, amenizando tantas feridas e
desordens sociais, re-organizando civilmente a família, Moisés
legalizou o divórcio. O ideal é que não precisasse de existir uma lei
como essa, mas como não existe uma sociedade imune aos
conflitos conjugais e moralmente perfeita, ela acabou sendo
instituída. Veremos isto mais à frente estudando o corpo desta lei
em Dt 24:1-4.
54 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA
Borges A abordagem de Jesus

Essa lei instituída por Moisés, por muito tempo vinha cumprindo o
seu papel civilizador, quando no Novo Testamento surge uma séria
denúncia feita pelo próprio Jesus.

“Jesus respondeu: Moisés lhes permitiu divorciar-se de suas


mulheres por causa da dureza de coração de vocês. Mas não foi
assim desde o princípio. Eu lhes digo que todo aquele que se
divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, e se casar
com outra mulher, estará cometendo adultério. Os discípulos lhe
disseram: Se esta é a situação entre o homem e sua mulher, é
melhor não casar” (Mt 19:8-10).

Percebe-se por este texto que até mesmo os discípulos aderiam ao


posicionamento dos fariseu no que se refere à banalização do
casamento, o que evi-denciava uma preocupante insensibilidade à
vontade divina que Jesus qualificou como dureza de coração.

Na verdade, o sistema religioso de Israel, simboli-zado pela figueira


que Jesus amaldiçoou e que secou-se até as raízes, estava
profundamente corrompido (Mateus 23). A lei do divórcio, assim
como outras leis, havia sofrido distorções com o intuito de atender
ao interesse daqueles que as aplicavam.

Portanto, em se tratando do divórcio, é necessário advertir como


Jesus o fez ao confrontar os fariseus em

A Lei do Divórcio - 55

diversas situações, que o divórcio, apesar de ser biblicamente legal,


pode se tornar um dispositivo perigoso, distorcível, abusivo,
facilmente usado com motivações corrompidas, sendo inspirado e
praticado por egoís-mo, leviandade, lascívia, vaidade,
irresponsabilidade, maldade, como artifício de vingança etc.
Por isso é importante considerar o contexto e a direção das
declarações feitas por Jesus sobre o divórcio nos Evangelhos. Elas
foram feitas para confrontar líderes religiosos que imoralmente
estavam fazendo do divórcio um pretexto para o repúdio,
pervertendo a funcionalidade da lei.

Ou seja, a lei do divórcio foi instituída por causa do repúdio, e não


para ser um pretexto para o repúdio.

Este tipo de procedimento coloca a pessoa em um péssimo


caminho, o caminho do coração duro, da vontade inquebrável,
inflexível, do caráter não transformado, da imaturidade crônica, do
nanismo espiritual, da insubmissão ao tratamento divino!

Em praticamente todos os textos sobre o divórcio nos Evangelhos,


Jesus estava confrontando especificamente este tipo de
comportamento praticado por muitos rabinos e mestres do judaismo.
O que Jesus co-locou em cheque em relação a estes líderes
religiosos foi a maneira sagaz e cruel de usarem a lei do divórcio
como licença para trocar de esposa ao seu bel prazer satisfazendo
a sua cobiça em detrimento da aliança com a mulher da sua
mocidade.

56 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Enfrentando conflitos conjugais as pessoas me per-guntam:
“Pastor, onde tem na Bíblia uma justificativa para eu me divorciar?
Se eu deixar o meu cônjuge, posso me casar de novo? Este é o
som da religiosidade, da dureza, de um relacionamento distante
com Deus, mais baseado em regras do que na essência do Seu
caráter.

Qualquer pessoa que busca na Bíblia um respaldo para o seu


repúdio ou fazer de uma crise ou insatisfação conjugal um pretexto
para deixar o cônjuge ainda desconhece a natureza divina. Está
fugindo de combater o bom combate do verdadeiro amor, que se
fundamenta, não em um sentimento, mas no compromisso de
honrar a aliança feita. A fé sem o verdadeiro amor é inconsistente:
“... ainda que tivesse toda a fé, de maneira que transportasse os
montes, e não tivesse amor, nada seria” (I Co 13:2).

O casamento revela o que há de pior em nós e evidencia as nossas


áreas de descontrole, mas também nos refina, santifica, amadurece
e capacita.

A natureza do caráter divino: a reconciliação A fonte mais


confiável de discernimento é a revelação bíblica acerca do caráter e
da natureza divina.

Isto nos priva de pegar um texto fora do contexto e fazer um


pretexto que distorce a sua essência e fere o Espírito da verdade.

Sempre quando alguém usa como pretexto um versículo isolado que


respalda um posicionamento que

A Lei do Divórcio - 57

conflita com a natureza divina está atravessando uma linha


perigosa: este é o caminho do engano.

Todo aconselhamento precisa ser conduzido pelo trilho da


reconciliação. Isto não quer dizer que todo aconselhamento conjugal
vá lograr êxito neste sentido, mas esta precisa ser a premissa e a
motivação essencial do conselheiro. O reconciliador é imparcial, ele
não toma o partido da pessoa, mas toma o partido do
relacionamento.

A natureza de Deus é essencialmente relacional, reconciliadora.


Qualquer pessoa que queira alcançar plenamente a maturidade e
concretizar o propósito de Deus precisa abraçar este imperativo
bíblico de

“seguir a paz com todos” (Hb 12:14).


Uma casa dividida não subsiste. Deus é inimigo de contendas. A
desconexão geracional entre pais e filhos fere a terra com maldição,
perpetua a orfandade.

Deus odeia o repúdio conjugal, ele sofre com as dores existenciais


de uma família destruída.

O seu propósito é unidade na diversidade, uma convergência moral


onde respeitamos as diferenças, discernimos entre o valor intrínseco
de cada indivíduo e o seu comportamento reprovável, superamos os
conflitos, sinergizamos os relacionamentos, assumimos
responsabilidades exercitando lealdade, honestidade, integridade,
paciência, confiança e altruismo. Sem conquistarmos essa unidade
não existe maturidade, e muito menos intimidade com Deus.

58 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges A lei do divórcio é normativa, e não autorizativa Preste
atenção nisto: Deus não instituiu a separação de casais. Ela surgiu
por iniciativa do homem, da dureza do seu coração, como Jesus
afirmou. Apesar de Deus ter proibido a separação ( aquilo que Deus
ajuntou não separe o homem), pela lei do divórcio, a regulamentou.

Deus jamais ordenou que houvesse separações, nem declarou


permissão a elas. Esse jamais foi o seu propósito.

Apenas determinou que, já que se definiu a separação, essa


situação deveria ser formalizada. Deve haver uma regularização,
uma satisfação formal para a sociedade.

Portanto, a lei do divórcio não tem caráter ou uma função


autorizativa, e sim normativa. É muito importante enfatizarmos
aqui esta sutil diferença entre uma lei normativa e uma lei
autorizativa. A primeira estabelece uma satisfação em termos de
assumir as consequências sociais, a segunda respalda legalmente
uma ação.
Os cônjuges não devem apenas largar ou abandonar um ao outro,
da mesma forma como também não devem ajuntar-se sem uma
aliança de casamento que envolva a família e a igreja dessas
pessoas. Se há de acontecer a separação, que siga uma norma
apropriada.

É uma questão de civilidade. Isso freia a anarquia social.

Fique claro que o divórcio não isenta as pessoas das consequentes


maldições; apenas formaliza a nova situação perante a sociedade.
O que podemos fazer no aconselhamento após o divórcio é tentar
amenizar essas consequências.

A Lei do Divórcio - 59

Restrições contemporâneas a Moisés Após a separação


(repúdio), estava proibido o divórcio apenas quando o marido,
injustamente, acusava a mulher de infidelidade, e quando o homem
fosse compelido a casar por haver desonrado a moça
(Deuteronômio 22:13). Sem o divórcio, essas pessoas estariam
legalmente impedidas de contrair um novo matrimônio.

Em Levítico 21:7 vemos a restrição ao casamento de sacerdotes


com divorciadas, e em Ezequiel 44:21-22 a mesma restrição
também estendida a viúvas. “Ao entrar no Santuário, nenhum
sacerdote beberá vinho.

Não desposarão nem viúva, a não ser que o seja de um sacerdote,


nem divorciada, mas, sim, virgens da estirpe da Casa de Israel.”

Este é também um preceito muito sábio. Tenho constatado isso bem


de perto em algumas situações.

Qualquer pessoa que tem um chamado ministerial, ou seja, que


exerce uma função de cobertura na igreja, não deve se casar com
divorciada ou viúva que não seja de outro sacerdote. Um segundo
casamento normalmente implica em conflitos entre ex-familiares e a
nova pessoa, ou a falta de aceitação por parte de filhos, enteados
etc., o que pode gerar vários prejuízos e constrangimentos no
desempenho do ministério e do governo da igreja.

Em relação ao povo em geral, no texto da lei do divórcio instituída


por Moisés, havia impedimento

60 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges para o novo casamento apenas entre as pessoas que já
haviam sido casadas entre si. A lei mosaica prevê sucessivos
casamentos e divórcios, como infelizmente é praxe acontecer na
atualidade.

A carta de divórcio

É importante ressaltar que naquela época quem dava a carta de


divórcio era sempre o homem, nunca a mulher. Mesmo quando a
iniciativa de separar era da mulher, quem fazia a carta era o homem.
O próprio Deus, apesar de estar sendo o repudiado, como marido,
foi quem deu a carta de divórcio formalizando o repúdio de sua
esposa: “E vi que, por causa de tudo isto, por ter cometido adultério
a rebelde Israel, a despedi, e lhe dei a sua carta de divórcio...” (Jr
3:8).

Por um lado, isto colocava a mulher em uma certa desvantagem. O


principal conteúdo da carta de divórcio era o motivo da separação.
Isto iria facilitar ou dificultar o futuro da mulher. Dependendo do tipo
de conflito ou argumentação, havia uma intervenção da autoridade
sacerdotal. Uma alegação criminal, por exemplo, a de ter havido um
adultério deveria ser in-vestigada. Isto, inclusive poderia custar até
mesmo a vida da pessoa. Mas, precisava haver um julgamento
antes, mediante uma corte sacerdotal, o Sinédrio.

No caso de uma falsa acusação desta natureza contra a mulher,


aquele homem deveria ser publicamente punido, surrado com vara e
estava impedido
A Lei do Divórcio - 61

de se divorciar. Na verdade, havia várias penalizações para o


homem para os diversos pecados cometidos contra a mulher
(Deuteronômio 22:13-29). Havia um sistema que funcionava bem.

Com o tempo, devido à tendência machista presente em


praticamente todas as culturas, inclusive na hebraica, uma mulher
poderia ser despedida por motivos banais.

Esta prática injusta e abusiva assumiu o seu extremo na geração


contemporânea de Jesus, e obviamente isto não passaria batido.
Jesus não barateou este tipo de injustiça, propondo uma revolução
moral que remontava o propósito original de Deus para o
matrimônio. O casamento deve ser monogâmico e vitalício.

Fora da monogamia, consequências trágicas se impõe sobre a


pessoa e a sociedade.

O que quero ressaltar é que o motivo escrito da separação em uma


carta de divórcio era o aspecto crucial que determinaria o futuro
daquela mulher, que poderia facilitar uma nova possibilidade de
casamento ou até mesmo determinar a sua morte por
apedrejamento.

A lei mosaica acerca do divórcio

“Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então


será que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar
coisa

62 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges

indecente, far-lhe-á uma carta de divórcio, e lha dará na sua mão, e


a despedirá da sua casa. Se ela, pois, saindo da sua casa, for e se
casar com outro homem, e este também a desprezar, e lhe fizer
carta de divórcio, e lha der na sua mão, e a despedir da sua casa,
ou se este último homem, que a tomou para si por mulher, vier a
morrer, então seu primeiro

marido, que a despediu, não poderá tornar a

tomá-la, para que seja sua mulher, depois que foi contaminada;
pois é abominação perante o Senhor; assim não farás pecar a terra
que o Senhor teu Deus te dá por herança” (Dt 24:1-4).

Vamos analisar a lei do divórcio estabelecida por Moisés. O corpo


dessa lei nos permite tirar muitas conclusões, mas vamos abordar
as mais importantes para o nosso contexto atual:

1ª CONCLUSÃO: A Bíblia não estabelece de forma conclusiva


um motivo para o divórcio.

Quais sejam os motivos que justificariam uma separação conjugal,


eles são mencionados em termos gerais, não específicos, fazendo
alusão a algo que pode ser qualificado como reprovável, detestável
ou imoral, apenas relacionado à mulher: “... por nela encontrar

coisa indecente (ervah dabar)”.

A Lei do Divórcio - 63

Apesar desta situação enfatizar uma “atitude indecente” por parte da


mulher, sabemos que a maioria das separações acontece por
“atitudes indecentes”

por iniciativa dos homens. Obviamente, Deus não faz acepção de


pessoas.

Se você analisar bem irá perceber que esta é uma lei bem
rudimentar. Na verdade é mais um caso do que uma lei. É
importante refletir neste aspecto. O bom senso nos leva a concluir
que cada caso precisa de uma aplicação distinta da lei. Não
podemos engessar o julgamento.

Vejamos o sentido destas duas palavras no original segundo a


concordância Strong:

- “Coisa” : No literal é a palavra “dabar”, que pode ser um discurso,


uma fala, uma declaração, um negó-

cio, uma ocupação, uma maneira. Uma variação deste termo tem o
sentido de doença, peste, praga.

- “Indecente” : No literal é a palavra “ervah”, e tem o sentido


explícito de uma exposição vergonhosa, nudez, conduta imprópria.

Neste caso específico, que também estabelece o corpo da lei, dá a


entender que essa mulher estava sendo repudiada por um motivo
sério e que merecia uma intervenção judicial. Alguma coisa que
demonstrava uma atitude indecente e que causava uma constante
desonra ao seu marido.

A terminologia hebraica ervah dabar ocorre como frase apenas em


Dt 23:14-15:

64 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges

“Pois o Senhor teu Deus anda no meio do teu acampamento, para


te proteger, e para entregar-te os teus inimigos. O teu acampamento
será santo, para que Ele não veja em ti “coisa indecente” , e se
aparte de ti.”

Ou seja, o mesmo tipo de situação indecente, re-pugnante, que faz


com que Deus se aparte de nós é o que supostamente “justificaria”
um marido se separar da sua mulher. Esse é o sentido original da
terminologia, o que deixa uma margem muito grande, que pode ir
desde um problema de higiene, uma doença venérea, uma atitude
indecorosa que desmoraliza o marido, uma conduta desonrosa, até
um adultério.

Quando isso ocorria, a situação devia ser averiguada pelo ministério


sacerdotal, podendo resultar em uma separação legítima.

Jesus dá uma ênfase maior para as questões morais: “. . a não ser


por causa de prostituição” (Mt 5:32).

A palavra prostituição é porneia, o que engloba todo tipo de


imoralidade sexual. Mas este é também um termo abrangente que
pode ser adultério, prostituição, sodomia, etc.

Apesar de ervah dabar ser uma terminologia séria, ela não é


específica. Ela também inclui não apenas o tipo de fato ocorrido,
mas o tipo de atitude da pessoa em relação ao fato ocorrido, a qual
pode ser mais decisiva que o próprio fato. O mais conclusivo é que

A Lei do Divórcio - 65

não existe um motivo conclusivo ou um fato padro-nizado para


legitimar uma separação. Se houvesse, certamente as pessoas
achariam uma forma de abusar dessa prerrogativa. Por isso, os
casos deveriam ser submetidos à competência sacerdotal. A
essência do propósito do casamento é aceitar as diferenças,
superar as fraquezas e resolver os conflitos desenvolvendo
intimidade e maturidade.

Como a Bíblia não estabelece um motivo para o divórcio de forma


conclusiva, e creio que isso é pro-posital e muito sábio, porque cada
caso é um caso, minha opinião é que mesmo em uma situação
crítica de adultério, deve-se tentar de todas as formas possíveis
restaurar o casamento.

Devemos sempre conduzir a situação pelo trilho da reconciliação.


Aliás, felizmente muitos matrimônios têm sido salvos, mesmo após a
mortal ferida de um adultério. Abordaremos sobre isto mais à frente.
Ressalvas para o divórcio

Leis civis precisam ser dinâmicas. Uma sociedade tende a crescer e


mudar, e surgem novas condições, demandas e prerrogativas. Uma
lei civil que funcionou por um tempo pode deixar de ser eficaz,
precisando de uma emenda que venha aprimorar a sua
contextualização e funcionalidade.

Uma lei civil que funcionava em um tipo de regime governamental


pode não funcionar em outro. O

66 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Oriente tem uma tendência para a teocracia, que é um
regime totalitário. No caso de Israel, a prioridade era cumprir os
termos de uma aliança feita com o Senhor.

O Ocidente tem uma tendência para a democracia que prioriza


satisfazer a vontade do povo, da maioria. Isto estabelece um outro
paradigma para a legislatura.

Com este intuito, gostaria de mencionar algumas ressalvas para o


divórcio. Vale novamente enfatizar que não existem ressalvas
bíblicas para o repúdio, apenas para o divórcio. Também, em um
contexto de cristianismo, qualquer decisão jamais deve ser tomada
isoladamente sem a competência dos anciãos da igreja.

Obviamente temos situações que exibem realidades diferentes tanto


dos dias de Moisés quanto dos dias de Jesus. Como a Bíblia não
menciona um motivo conclusivo que justifique a legalização do fim
de um casamento, precisamos considerar com muito bom senso
algumas ressalvas. Lógico que quando uma pessoa passa a ser
vítima dessas condições, o divórcio só estaria formalizando a dureza
do coração do seu cônjuge.

Neste processo é imprescindível que essa pessoa repudiada não


haja com amargura e vingança. Paulo sabiamente estabelece um
imperativo para qualquer situação crítica de conflito: “No que
depender de vós tende paz com todos” (Rm 12:18).

Perdoar não é uma opção; é um mandamento. Ao lidar com o


repúdio usando o repúdio, mordemos a isca

A Lei do Divórcio - 67

e perpetuamos nossas feridas. A pessoa repudiada nunca deve se


demover da posição de perdoar, bem como orientar os filhos da
mesma forma. A proteção desses filhos depende da atitude
incondicional de honrar pai e mãe, independentemente do seu
fracasso conjugal.

Na atual conjuntura, contextualizando realidades presentes e


auxiliando muitos casais no aconselhamento, existem algumas
situações críticas extremas que devem ser levadas em
consideração no encami-nhamento de uma separação definitiva,
mediante um consenso com conselheiros experientes. Vejamos
estas ressalvas:

1ª RESSALVA - Histórico de agressões e violência Uma ressalva


para uma necessária separação que deve ser analisada
cuidadosamente é quando um dos cônjuges está realmente
correndo risco de vida. Ou seja, quando existe a real possibilidade
de ocorrer um crime passional. Se já existe um histórico de
agressões e ameaças que comprovam isso, inclusive envolvendo
uso de armas, a situação assume uma conotação criminal.

Sob esse tipo de circunstâncias reincidentes, de-ve-se considerar


seriamente a possibilidade de uma separação definitiva, evitando
uma tragédia iminente.

Esses crimes, infelizmente, acontecem com mais frequência do que


imaginamos. O divórcio, em muitos destes casos, torna-se a única
alternativa para salvar a vida da pessoa.
68 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA
Borges 2ª RESSALVA - Infidelidade persistente sem nenhum
sinal de arrependimento A infidelidade é uma das principais
formas de expressão do repúdio. Viola o princípio da propriedade e
exclusividade do amor conjugal. Sexualmente falando, o corpo do
marido pertence apenas à esposa e o corpo da esposa pertence
apenas ao marido, a ninguém mais.

Tenho atendido e acompanhado muitos casos de adultério, que


apesar da terrível violação da aliança, a pessoa se arrepende,
procura ajuda e isto normalmente resulta em uma grande
restauração.

Porém, existe uma grande diferença entre um adultério casual


acompanhado pelo desejo genuíno de restauração e um adultério
persistente, sem nenhum resquício de arrependimento, seguido de
mentiras e tentativas de dissimulação. Isto pode envolver vários
tipos de agravantes, inclusive aquelas que colocam em risco a
saúde e a vida do cônjuge traído, ou seja, doenças venéreas, aids e
outras DSTs.

Nos casos de adultério persistente, depois de esgo-tar as tentativas


de restauração, chega um momento, o qual deve ser bem
discernido, que o casamento fica sem chances de sobreviver,
restando ao cônjuge traído a alternativa de formalizar a dureza de
coração do cônjuge infiel através do divórcio. Penso que para tais
casos se aplica tanto a colocação de Moisés “ervah dabar”

quanto a colocação de Jesus: “... a não ser por causa de porneia”


(Mt 5:32). É uma questão de bom senso.

A Lei do Divórcio - 69

3ª RESSALVA - Vícios químicos e criminalidade Esta é também


uma prerrogativa importante de ser muito bem trabalhada.
Atualmente acompanha-mos não poucos casos de matrimônios que
são colocados em cheque devido ao comportamento vicioso de um
dos cônjuges, onde a pessoa torna-se totalmente dominada por
algum ou vários tipos de drogas, inclusive envolvendo-se com
prática da criminalidade, violência, roubo, prostituição, etc.

Há pouco tempo acompanhei o caso de um casal em que o homem


era viciado em craque. Ele já havia sido internado em várias casas
de recuperação, mas sempre recaindo, passando longos períodos
vivendo quase como um mendigo, afundado no craque e na
prostituição.

A esposa chegou a ir com ele para a casa de recuperação na


tentativa de apoiá-lo, e quando parecia que as coisas iam bem,
subitamente ele volta para o submundo das drogas. Chegou um
ponto em que o casamento ficou insustentável, e ela, para não
afundar junto, precisou legalizar a dureza do marido através do
divórcio.

Estas pessoas precisam ser responsabilizadas. Tolerar o abuso que


elas infringem pode tornar o cônjuge codependente do seu vício. É
aqui que um cônjuge pode se tornar mais doente que o próprio
viciado.

Ao invés de combater o problema, a pessoa acaba alimentando-o


com a sua passividade e concessões cada vez mais abusivas.

70 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Esta tolerância ao abuso e às manipulações de um viciado
apenas agrava o quadro e o aprisiona ainda mais no seu vício.
Limites precisam ser estabelecidos de forma bem firme, o que pode
incluir até mesmo, em alguns casos, a única opção restante, que é o
divórcio.

2ª CONCLUSÃO: O novo casamento é proibido entre as


pessoas que foram casadas e se divorciaram.

... então seu primeiro marido, que a despediu, não poderá tornar a
tomá-la.
Esta é uma alegação bem estranha e que, de certa forma, contradiz
a natureza divina que é alicerçada na reconciliação. Por razões que
sinceramente desconhe-

ço, apenas tenho minhas especulações, a lei mosaica proíbe a


restauração de um casamento vítima do di-vórcio, alegando que
isso contamina espiritualmente a terra.

Trazendo isso para os nossos dias cabe uma aplicação que julgo
ser bem oportuna. Existe um ensino que, taxativamente, não apenas
invalida o segundo casamento, como também constrange e obriga
que as pessoas recasadas voltem para o seu primeiro casamento.
Isto é perigoso e algumas vezes cruel.

Lembro-me da situação de uma igreja que aderiu a esta doutrina. A


partir daquele momento o pastor disse que todas as pessoas
divorciadas e que já esta-

A Lei do Divórcio - 71

vam novamente casadas deveriam abandonar esse cônjuge,


alegando que este segundo casamento não era válido. Ou voltavam
para o primeiro casamento ou permaneciam solteiras.

Acredito na sinceridade dos líderes que adotam este procedimento,


mas este é um zelo sem entendimento, sem bom senso, sem
misericórdia, sem nenhuma inteligência sociológica, que produz
mais violência e só reforça o repúdio.

Veja bem, na maioria dos casos criavam-se muitas impossibilidades


e inviabilidades. Ou seja, os casais já tinham filhos desse novo
casamento, os ex-cônjuges também já estavam recasados, inclusive
com filhos com outra pessoa, o divórcio havia ocorrido antes da
pessoa ser alcançada pelo Evangelho, alguns haviam sido
cruelmente repudiados pelo ex-cônjuge e sem nenhuma chance de
reconciliação etc.
Obviamente, isso produziu uma grande confusão e um mar de
injustiças, impondo um jugo doloroso e até mesmo insuportável. O
resultado é que essa igreja literalmente rachou. Aconteceu um
divórcio primeiro na liderança, entre os pastores que concordavam e
discordavam deste posicionamento, e posteriormente na igreja,
quando mais da metade dos membros foi embora, inconformados e
feridos.

Esse tipo de doutrina só aumenta o estrago, e é exatamente oposta


à determinação de Moisés na sua lei: “não poderá tornar a tomá-la” ,
sendo espiritual-

72 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges mente ilegal. Ou seja, isso é mais do que legalismo, é

“ilegalismo”.

Muitas dessas pessoas, ao se converterem a Jesus, subjugadas por


esse tipo de imposição, acabam desenvolvendo um processo de
rejeição, autocondenação, amargura e apostasia. Assim, a própria
Igreja, ao invés de socorrer e ajudar, mata os seus feridos.

Penso que as pessoas devem ficar como che-garam à Igreja. Se


estão legalmente recasadas, permaneçam assim. Se é possível
uma reconciliação do primeiro casamento, melhor ainda. Não
deverá ser esta lei que irá impedí-los. A reconciliação sempre tem a
primazia.

De fato, essa proibição de recasar com o primeiro cônjuge depois de


haver se separado é estabelecida em termos gerais, não
específicos. É uma lei mais humana, civil, do que divina, espiritual.
Apesar dessa restrição, o próprio Deus, constrangido pelo seu in-
finito amor, a desconsiderou no seu drama conjugal vivido com
Israel. Veja o texto:

“Eles dizem: Se um homem despedir sua mulher, e ela o deixar, e se


ajuntar a outro homem, porventura tornará ele outra vez para ela?
Não se poluirá de todo aquela terra? Ora, tu te prostituíste com
muitos amantes; mas ainda assim, torna para mim,

diz o Senhor” (Jr 3:1).

A Lei do Divórcio - 73

3ª CONCLUSÃO: O divórcio implica na possibilidade de um


outro casamento.

“...Se ela, pois, saindo da sua casa, for e se casar com outro
homem”.

Não temos como ignorar esta questão. São nesses casos onde um
sábio aconselhamento torna-se ainda mais imprescindível. Na
Bíblia, o conceito do segundo casamento está implícito na lei do
divórcio.

Essas situações sempre deixam sequelas sérias envolvendo filhos,


finanças, enteados, ex-cônjuges, etc. As consequências de um
repúdio seguido pelo divórcio sempre são fulminantes, e as
demandas de um segundo casamento normalmente não são fáceis,
algumas vezes complicadas demais.

Porém, precisamos lidar com tantas pessoas que já encontram-se


nessa situação e que estão vindo aos montes para as nossas
igrejas. Não adianta apenas condená-las!

A condenação só faz piorar o que já está ruim.

Precisamos em cada caso buscar o caminho mais viável para lidar


com sequelas e até mesmo com determinadas lesões permanentes
que um casamento destruído causa.

Reforçando o que já falamos no tópico anterior, existem dois


extremos altamente destrutivos em re-lação ao divórcio e segundo
casamento:
74 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA
Borges

1. Pessoas que se casam e descasam


inescrupulosamente.
Isso só reforça a infidelidade, a imoralidade e a perda dos vínculos
familiares, causando a destruição da família e da sociedade. É aqui
que muitos se casam com o adultério e se colocam em uma
situação crônica de fracasso moral, dor e perdição.

2. Pessoas que condenam taxativamente o

segundo casamento, excluindo-o normativamente


das Escrituras.
Vale repetir que em muitas situações o segundo casamento
estabelece uma casa sem alicerces, ou seja, a pessoa passa a viver
em uma condição de adultério mas, em outras, o divórcio funciona
como um mecanismo altamente redentivo, principalmente em
relação à pessoa repudiada, lesada, traída, agre-dida, abandonada,
desamparada no matrimônio.

Em alguns casos, infelizmente, o divórcio é a única alternativa


restante.

O divórcio de Deus

“E vi que, por causa de tudo isto, por ter cometido adultério a


rebelde Israel, a despedi, e lhe dei a sua carta de divórcio, que a
alei-vosa Judá, sua irmã, não temeu; mas se foi e também ela
mesma se prostituiu” (Jr 3:8).

A Lei do Divórcio - 75

Este texto pode parecer muito estranho e surpreendente, mas é o


próprio Deus quem está desa-bafando estas palavras. Seria
possível isto? Deus já se divorciou? Poderia Ele ter passado por
este tipo de experiência? Ele conhece este tipo de dor?

Apesar de Deus ser a pessoa mais amorosa, fiel e quebrantada do


Universo, este texto nos fornece uma resposta afirmativa a estas
perguntas, por mais absurdas que elas pareçam ser.

Obviamente, Ele não se divorciou de Israel por iniciativa própria,


mas devido a uma obstinada rebelião da nação em rejeitá-lO. Israel
repudiou ao Senhor, trocando-O pelos seus amantes. Por incrível
que pa-reça, Deus não ignora esse tipo de angústia. Depois de ser
ostensivamente repudiado, como diz o texto:
“por causa de tudo isto” , Ele passou pela situação de divórcio e um
novo casamento, uma nova aliança com a Igreja, que obviamente
nunca deixou de incluir a descendência de Israel:

E Deus disse: Põe-lhe o nome de Lo-Ami; porque vós não sois meu
povo, nem eu serei vosso Deus. Todavia o número dos filhos de
Israel será como a areia do mar, que não pode medir-se nem contar-
se; e acontecerá que no lugar onde se lhes dizia: Vós não sois meu
povo, se lhes dirá: Vós sois filhos do Deus vivo. (Os 1:9,10)

76 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Este veredito divino mostra como aqueles que eram o povo
desposado de Deus ao se apostatarem da sua aliança com Ele
deixaram de ser, e os que não eram povo de Deus passaram a ser.
Não estou defendendo a “teologia da substituição”, mas a “teologia
da inclusão”. Como Paulo explica no capítulo 11 da sua carta aos
romanos, nós, os gentios, somos o zambu-jeiro enxertado na
Oliveira.

A nova aliança produziu um novo Israel, que vai além da


descendência física de Abraão, mas uma inu-merável descendência
espiritual que engloba qualquer um, de qualquer nacionalidade, que
tem o coração aberto para crer e obedecer, como Abraão o fez:

“Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a


que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e
circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor
não provém dos homens, mas de Deus” (Rm 2:28).

Este não é o ideal para nenhum indivíduo, família ou sociedade,


mas, quer gostemos ou não, quer acei-temos ou não, a despeito das
suas consequências, o divórcio e o segundo casamento foram
normatizados na Bíblia. Dizer o contrário é exagerar a lei, anarquizar
a sociedade com a cultura do amasiamento, desmerecer a graça e
banir a misericórdia. Isso pode soar como

A Lei do Divórcio - 77
muito espiritual, mas em muitos casos é altamente destruidor. É
trilhar a cana quebrada e apagar o pavio que fumega.

Certa vez, acompanhei a situação de um rapaz muito dedicado a


Deus. Poucos meses depois que se casou, sua esposa
estranhamente se apaixonou por uma pessoa da igreja e
simplesmente o abandonou.

Ele tentou de todas as formas a restauração do casamento, ainda


mesmo que ela tivesse engravidado dessa outra pessoa.

Por fim, o casamento foi definitivamente destru-

ído quando a sua esposa, depois de exigir o divórcio, optou por se


casar com o amante. Jamais faria o casamento desta esposa que o
repudiou, porém, em relação a ele, eu não teria nenhuma
dificuldade em aceitar a possibilidade de um novo casamento. É
uma questão de bom senso, justiça e redenção.

Depois de tudo isso, impedi-lo de se casar novamente seria algo


ofensivo, insensato, legalista, destrutivo! É assim que depois da
pessoa ser rejeitada pelo cônjuge passa a ser rejeitada pela igreja, e
tudo isso em nome de Deus. Obviamente, cada situação como esta
deve ser analisada com muito cuidado.

Muitas pessoas são taxativamente contrárias ao segundo


casamento enquanto isto não corta na carne delas. Tenho
acompanhado alguns casos envolvendo pastores que vivenciaram a
terrível infelicidade de ver um filho ou uma filha passarem por uma
situa-

78 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges ção extrema como esta que acabei de descrever. Só aí
alguns amadurecem o seu senso de julgamento e misericórdia e
reconsideram a sua postura contra o segundo casamento.
Sempre digo que Deus tem um plano para os que saem do plano.
Isto envolve um verdadeiro amor que se expressa por uma correção
proporcionalmente adequada.

Mais ainda que ter um plano para os que saem do plano, Deus tem
um plano para aqueles que são vítimas de pessoas que
radicalmente saem dos Seus planos destruindo o matrimônio.

Um segundo casamento em muitos casos acaba sendo uma


expressão real da redenção divina para a pessoa repudiada cuja
restauração do casamento tornou-se definitivamente inviável.

Capítulo 5

Atenuantes e Agravantes

No aconselhamento, lidando com questões como divórcio e


segundo casamento, precisamos ter muito discernimento e bom
senso para avaliar e processar cada situação conseguindo amenizar
as consequências presentes e futuras.

Em muitos casos isso exige uma agenda pastoral que demandará


muito esforço, equilíbrio e sabedoria de Deus. Não existe uma regra
absoluta que se aplique a todos os casos. É aquela famosa
diferença entre uma

“receita de bolo” e uma “receita médica”. A receita de bolo você


padroniza, a receita médica é específica não apenas para cada
pessoa, como situação e momento.

Poderíamos simular dezenas de casos diferentes. Cada caso é um


caso. A experiência de uma situação normalmente não se aplica a
outra.

O processo para redimir uma história de divórcio requer construir e


resolver, na medida do possível, uma equação com muitas
variáveis. Várias questões precisam ser levantadas com o intuito de
construir um diagnóstico completo que viabiliza o conselho
apropriado: Quem repudiou quem? Quem abandonou o lar? Houve
adul-

80 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges tério? Existem filhos que vieram desse adultério? Houve
ameaças, violência? Em que grau? A separação aconteceu antes ou
depois do novo nascimento? A pessoa ocupava uma posição de
liderança na igreja? Existem filhos? O

cônjuge já se casou de novo? Ainda existe alguma possibilidade


realmente viável de reconciliação?...

Não existe uma maneira de pré-estabelecer uma solução


envolvendo estas e outras questões. O meu objetivo nesta
abordagem é apenas delinear fundamentos e orientações bíblicas
para que possamos compreender melhor o espírito da lei,
aperfeiçoar a nossa capacidade de contextualizá-la, construindo em
cada caso as melhores soluções possíveis.

É também importante levantar algumas questões específicas de


forma construtiva no aconselhamento com divorciados,
principalmente aqueles que estão contraindo um outro matrimônio:
O que se pode fazer hoje para amenizar as feridas abertas e
melhorar os relacionamentos afetados? Como agir diante de filhos
com quem, por força do divórcio, perdeu-se o contato?

O que é possível fazer para reparar os próprios erros, para que a


situação não se repita de forma ainda pior no segundo casamento?
O que precisa ser tratado e desafiado no caráter da pessoa?...

Um aspecto fundamental do aconselhamento em casos de divórcio


ou de pessoas já divorciadas é o bom senso de considerar na
medida certa as atenuantes e agravantes.

Atenuantes e Agravantes - 81
PRINCIPAIS ATENUANTES
1. Quando a pessoa divorciou-se antes de conhecer a Jesus.

“No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora
ordena que todos, em todo lugar, se arrependam” (At 17:30).

A severidade de Deus está diretamente ligada com o nível de


conhecimento dos princípios e verdades espirituais.
Responsabilidade significa a habilidade de responder às verdades
reveladas.

“Se eu não tivesse vindo e lhes falado, não seriam culpados de


pecado. Agora, contudo, eles não têm desculpa para o seu pecado”

(Jo 15:22).

Jesus explicou que se Ele não tivesse vindo, aquelas pessoas não
teriam consciência do seu pecado; mas como ele estava se
revelando a elas, e mediante a luz moral que ele resplandeceu,
como elas escolheram as trevas, então o pecado delas se agravou.

Infelizmente, vivemos em uma geração onde a imoralidade e o


divórcio se vulgarizaram, e grande parte das pessoas que estão
sendo alcançadas pelo Evangelho já se acham nesta condição.

82 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges A maneira mais sensata de lidar com estes casos é receber
essas pessoas na respectiva situação conjugal em que elas se
encontram. O bom senso aprimora a capacidade de corrigir e ajudar.
Por exemplo:

- Se elas foram divorciadas e judicialmente recasadas, devem


permanecer desta forma.
- Se divorciaram, mas não se recasaram, e caso o ex-cônjuge
também não se recasou, deve-se cogitar a possibilidade de uma
reconciliação, principalmente se existem filhos.

- Caso o ex-cônjuge já tenha se casado, então, esta pessoa deve


ser acompanhada tendo a possibilidade de contrair, em Cristo, no
tempo certo, com a anuência dos pais e líderes, e com os devidos
fundamentos de compromisso e pureza, um novo casamento.

2. Situação onde a pessoa foi repudiada, apesar de tentar de


todas as formas manter-se no matrimônio.

Estas pessoas precisam ser tratadas com muita compreensão e


compaixão. Muitas delas carregam uma parcela de responsabilidade
pelo fim do matrimônio, mas outras tantas carregam uma história de
heroísmo moral e muito sofrimento.

Explicamos como a cultura evangélica tende a satanizar o divórcio,


independentemente da pessoa ter sido repudiada sem nunca ter
repudiado. Desta forma essas pessoas passam a ser duplamente
abu-

Atenuantes e Agravantes - 83

sadas, primeiro pelo cônjuge que forjou uma cruel história de


traição, agressão, abandono etc., e depois pela igreja, que
discrimina essa pessoa, inclusive estabelecendo sentenças como:
“você não pode se casar novamente!”

Se a pessoa foi realmente repudiada sem nunca ter repudiado, isto


é uma forte atenuante. Existe um favor e uma proteção espiritual
sobre ela. O divórcio ocorreu de forma alheia à sua vontade. Essas
pessoas devem ser acolhidas e restauradas.
PRINCIPAIS AGRAVANTES
1. Quando a pessoa, mesmo já tendo experimen-tado o
Evangelho, toma a iniciativa de repudiar trocando o cônjuge
por outra pessoa.

A pessoa que viola a aliança do casamento traindo o seu cônjuge e


abandonando o lar sempre fica em uma situação moral e espiritual
extremamente desfa-vorável. Em relação ao novo casamento, ao
ministério e principalmente ao governo de uma igreja, fica sujeita a
lesões e limitações permanentes.

Outra coisa é que a pessoa que se envolve com esta pessoa que
está destruindo a sua família fica em uma situação semelhante ou
até mesmo pior. Quem assume o risco de casar-se com uma pessoa
que está traindo a sua família provavelmente será o próximo da fila.
Como explicamos, a dinâmica da paixão e aversão

84 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges acaba arruinando a sustentação desse relacionamento,
causando muita perturbação e sérios prejuízos.

O bom senso, o bom julgamento nos leva à interpretação que é


exatamente nestes casos que quem casa com a pessoa divorciada
(que abandonou o lar), comete adultério. Lembre-se de que
independentemente do cônjuge que está tomando a iniciativa de
repudiar, quem sempre legalizava a situação através de um
documento de divórcio era o homem, o marido.

Em um único versículo, Lucas 16:18, Jesus aborda claramente dois


tipos de situação que implicam em adultério e que se fundamentam
neste agravante de tomar a decisão de repudiar o cônjuge e
abandonar o casamento para ficar com uma outra pessoa. Vejamos:
1. O marido que abandona a esposa; ou uma esposa que abandona
o seu marido: “Quem se divorciar de sua mulher e se casar com
outra mulher estará cometendo adultério” (Lc 16:18a).

2. O homem que se casa com uma mulher que repudiou o seu


marido; ou uma mulher que se casa com um homem que está
repudiando a sua esposa: “e o homem que se casar com uma
mulher divorciada do seu marido estará cometendo adultério” (Lc
16:18b).

Neste caso o novo cônjuge estaria sendo não apenas conivente,


como também cooperando com a destrui-

ção de uma família.

Atenuantes e Agravantes - 85

O repúdio não é uma opção para quem nasceu de novo. A pessoa


que conhece a Deus jamais deve tomar a iniciativa de boicotar o
relacionamento conjugal ou abandonar o lar. Se fizer isto estará
cruzando uma linha extremamente perigosa, que a médio e longo
prazo vai cobrar um preço alto. Aquela sensação efêmera de
liberdade e alívio em pouco tempo transforma-se em um peso
prolongado de insatisfação, angústia e condenação.

Quando lidamos com uma situação onde a pessoa tomou ou está


tomando a decisão de desistir do casamento precisamos ser muito
firmes com ela. Normalmente este tipo de iniciativa desqualifica a
pessoa para exercer encargos relacionados ao governo ou ao
ensino na Igreja, podendo inclusive colocar a pessoa em uma rota
de decadência espiritual e até mesmo apostasia.

2. Situação onde a pessoa, mesmo ocupando uma posição de


liderança na igreja, toma a iniciativa de repudiar o seu cônjuge.

Quando um líder, ao invés de coabitar sabiamente com a sua


esposa e governar o seu lar, passa a repudiar e boicotar o seu
relacionamento conjugal, a sua vida espiritual e o seu ministério
entram em franca decadência.

O impacto causado por um líder que decide destruir o seu


casamento é devastador. É um dos piores retrocessos espirituais.
Com isto, como o apóstolo

86 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Paulo assevera, a pessoa está “negando a sua fé” e torna-
se “pior que o infiel” .

Quanto mais uma pessoa sobe na liderança, mais exposta ela fica.
Esta decisão pelo repúdio pode ser melhor definida através do
“escândalo”. O escândalo pode produzir consequências tão
angustiantes e perturbadoras, que em muitos casos deixa a pessoa
vulnerável ao suicídio. Jesus explica isto dizendo que seria menos
pior que a pessoa amarrasse uma pedra ao pescoço e se lançasse
ao mar (Lucas 17:1,2).

Este, infelizmente, é o conceito que melhor define a situação de um


líder ou pastor que toma a iniciativa de repudiar e abandonar a sua
família. É, literalmente, um suicídio espiritual, emocional, ministerial
e social.

Não me coloco na posição de julgar a salvação dessas pessoas,


mas até hoje, tendo acompanhado várias situações onde isto
ocorreu, em nenhuma delas, infelizmente, essas pessoas
conseguiram escapar de um destino que podemos caracterizar
como sendo extremamente doloroso, infernal, ou até mesmo trágico.

Governo e serviço

Ser infiel ao nosso cônjuge é também ser infiel a Deus. Qualquer


pessoa que queira levar Deus a sério precisa levar muito a sério o
casamento. O ministério cristão está associado ao bom testemunho,
à credibilidade moral. Autoridade e testemunho são valores
proporcionais. Sem um bom testemunho não existe
Atenuantes e Agravantes - 87

autoridade. As palavras se tornam vazias. É a letra sem o espírito, a


verdade sem a coerência, que acaba caindo em descrédito. A falta
de autoridade subtrai o impacto do ministério, tornando-o
irrelevante.

Muitas pessoas quando chegam às nossas igrejas já estão no


segundo ou terceiro casamento. Outras se divorciaram mesmo
depois de se tornarem crentes, o que é aterrador. Todos os detalhes
relevantes pertinen-tes a cada situação devem ser vistos quando
você cria oportunidades ministeriais ou que envolvem cargos de
liderança na igreja para essas pessoas.

A Bíblia não impede ninguém de servir, mas coloca condições para


governar. Se a história da pessoa demonstra falhas consideráveis
em relação ao seu papel na família, essa pessoa não deve ser
estabelecida em uma posição de governo, apenas de serviço. Ela
não teria infraestrutura moral e nem respaldo bíblico para exercer
uma função de governo e cobertura sobre outros.

O apóstolo Paulo determina que “se alguém não governa bem a sua
casa, também não pode governar a igreja” (I Tm 3:5). A restrição
aqui é sobre governar, e não ministrar ou servir. O que limita o
serviço é o próprio testemunho.

O divórcio e a divisão da igreja Esta é uma constatação frequente


muito observada ao atuarmos no ministério do aconselhamento.
Muitas divisões de igrejas são engendradas por

88 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges pessoas que já carregam uma ferida de divórcio ou
fragmentação familiar não resolvida, que nunca foi apropriadamente
tratada.

Com isso, a mesma situação familiar tende a se repetir em uma


perspectiva ministerial, trazendo uma situação cíclica de conflitos,
divisões, sofrimento e perdas na igreja. Na maioria das vezes não
se cogita ou percebe, mas a situação está alicerçada no divórcio da
pessoa e nas feridas e consequências relacionadas a ele.

É relativamente comum vermos pastores divorciados no exercício


ativo de uma liderança. Se esta situação não foi, de fato, bem
resolvida, boa parte do potencial destes pastores acaba sendo
manipulada malignamente, desviada na forma de posturas e
argumentações duras, ferinas, inflexíveis que danificam e separam
os relacionamentos. É o espírito do divórcio revelando e marcando a
sua presença, subtraindo a autoridade da igreja, fazendo dela uma
casa dividida, que não subsiste, mas definha.

Já acompanhei de perto e de longe muitas situa-

ções, que basta ter um mínimo de discernimento para perceber que


a raíz do problema é o espírito de divisão que se infiltrou pelo
repúdio daquele líder e que vai fazendo uma devastação na igreja,
até que finalmente um grande racha acontece. Em pouco tempo a
mesma história começa a se repetir de novo e de novo,
estabelecendo um rastro de destruição.

Atenuantes e Agravantes - 89

Sem a devida ajuda e principalmente uma genuína disposição de


serem ajudadas, muitas dessas pessoas acabam apostatadas;
depois de repudiar o cônjuge, acabam repudiando a igreja, a
denominação a que pertencem ou pertenceram e repudiam até
mesmo ao Corpo de Cristo. Isolam-se no seu próprio mundo. Isto
pode evoluir em uma psicose. Um quadro psicótico é quando
alguém, devido a um sofrimento mental agudo e crônico, abandona
ou desconecta-se da realidade, não apenas criando um mundo
próprio, mas isolando-se nele.

No caso de uma seita, ela pode ser o resultado de uma espécie de


“psicose coletiva”, onde as pessoas
“segregam-se”, ou seja, “isolam-se juntas” em um mundo próprio
comum. A história da Igreja está re-cheada de situações assim, e
muitas delas começaram com líderes religiosos que fracassaram no
casamento e que inclusive tornaram-se polígamos.

Infelizmente, o número de desigrejados cresce assustadoramente.


Para cada cristão no mundo que congrega, existe 1,5 que não
congrega. Isso não é bom. O isolamento é a voz do relacionamento
fracassado, é o grito silencioso da ferida, um inegável atestado de
reprovação.

“Quem se isola busca interesses egoístas, e se rebela contra a


sensatez” (Pv 18:1).

A Bíblia sabiamente nos adverte que todo aquele que se isola está
fechado nos seus interesses, feridas

90 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges e argumentos egoístas. Está se insurgindo contra a
verdadeira sabedoria, que é resultante da superação de conflitos e
de uma vida amorosa, paciente, de quebrantamento, perdão e
integração.

Acredito firmemente que toda pessoa que passou por um divórcio,


principalmente aquelas que susten-taram uma postura de repúdio,
aversão, amargura etc. precisam de um processo de
quebrantamento, conversão, reconciliação unilateral, cura e
reeducação.

Não adianta apenas continuar a vida. Será necessário resolver, ou


seja, se quebrantar diante das consequências que o divórcio traz,
esgotando as possibilidades no sentido de enfrentá-las com muita
humildade e total responsabilidade.

Capítulo 6

A Ferida do Adultério
O adultério infiltrou-se na sociedade machista como uma cultura
velada, uma prática silenciosa, dissimulada, mas poderosamente
destrutiva. Apesar de não ser nada convencional fazer uma
abordagem sobre o “adultério”, todavia, este é um pecado que tem
se tornado epidêmico na igreja ocidental.

Obviamente, o adultério carrega um enorme potencial de ferir o


casamento pavimentando o caminho do divórcio. Entretanto, penso
que seria imaturo fazer de um adultério uma prerrogativa absoluta
para o divórcio, principalmente se foi um adultério casual, es-
porádico. O adultério não deve ser encarado como uma sentença ou
um ultimato de morte para o casamento.

Ao dizer isto, não estou minimizando o poder destrutivo deste


pecado, mas precisamos nos nortear sempre pelo aspecto essencial
da natureza do caráter divino, que é a reconciliação.

Mesmo que um matrimônio tenha sido golpeado pelo adultério,


ainda assim pode ser restaurado na grande maioria dessas
situações quando se oferece ajuda apropriada. É

exatamente este o nosso propósito neste capítulo.

92 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges

As implicações do adultério

Em geral as famílias e os casamentos estão tentando sobreviver em


meio a muitas opressões cuja causa fundamental nada mais é que
um adultério. É

assustador o índice de adultérios dentro da Igreja e a quantidade e a


diversidade dos problemas colaterais relacionados a ele.

Vamos alistar agora as possíveis consequências decorrentes da


prática de um adultério. Estas constatações são resultantes de uma
pesquisa informal que se baseia nas informações de centenas de
casos que atendemos pastoralmente.

AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DE UM ADULTÉRIO

1. Marginalização espiritual e ministerial Curiosamente, um dos


principais motivos de muitos se afastarem de Deus ou evitarem uma
aproximação maior da Igreja, principalmente maridos, é que estão
presos em alguma situação direta ou indireta envolvendo
infidelidade sexual.

Tentando descobrir por que muitos homens casados


comparativamente às suas esposas têm uma par-ticipação tão
tímida e até inexpressiva nas igrejas em geral, constata-se que o
real motivo disto é que estão diretamente envolvidos com
imoralidade e adultério. É

um fato. Antes de perderem a liberdade e a autoridade na igreja,


perderam na família.

A ferida do adultério - 93

Ao cavar na história de pessoas que antes exalavam vida e


incentivo, alguns até pastores ou líderes, e tornaram-se indiferentes
e distantes, acaba-se constatando que o real motivo dessa mudança
está relacionado com problemas de imoralidade e adultério.

Ao trair o cônjuge, a pessoa está simultaneamente traindo o seu


relacionamento com Deus, tomando um caminho de morte
espiritual, vergonha moral e constrangimento social. Tende a se
afastar.

“Porque todo aquele que faz o mal abor-rece a luz e não vem para a
luz para que as suas obras não sejam reprovadas” (Jo 3:20).

2. Perturbação emocional de fundo espiritual Quando ocorre o


adultério, mesmo que o cônjuge traído nem faça ideia do que
ocorreu, ao mesmo tempo em que algo se quebra espiritualmente,
uma infiltração demoníaca passa a provocar uma perturbação
crônica produzindo obsessão por ci-

úmes, desprezo, competição, cobranças abusivas,


desentendimentos crônicos, aversão, impaciência, ira irracional e
todo tipo de quebra e desvirtuamento na comunicação do casal.

Esta é uma outra constatação muito observada na prática do


aconselhamento. Nos cursos que oferecemos, constantemente
atendemos situações intermediando conflitos conjugais. A princípio
o problema parece ser

94 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges apenas uma incompatibilidade temperamental, mas ao
aprofundarmos a conversa, de repente depara-se com um
assombroso caso de adultério.

O adultério é o rompimento da aliança, trazendo espiritualmente


uma “pessoa” estranha para dentro do casamento, ou seja, não
apenas a presença emocional do(a) amante, como uma intromissão
realmente demoníaca que quebra a afinidade e inferniza a
comunicação do casal.

Por mais que se tente ajustar o relacionamento do casal através de


aconselhamentos, ajuda psicoló-

gica, cursos e seminários, enquanto não se confronta o adultério,


nada parece funcionar.

3. Aversão sexual

Cada vez mais presenciamos situações assim. A vida sexual do


casal simplesmente acaba ou torna-se extremamente escassa.
Quando isso acontece, certamente existem problemas sérios. Isto
pode estar associado a alguma história de abuso sexual na infância,
envolvimentos com ocultismo, mas uma das causas mais frequentes
é uma situação de adultério mantida em segredo ou ainda praticada
ocultamente por um dos cônjuges.

É necessário discernir que o adultério endemoniza a cama,


contamina espiritualmente o leito, produzindo em um dos cônjuges
ou em ambos uma aversão sexual que pode ir desde uma inibição
da intimidade conjugal

A ferida do adultério - 95

até uma interrupção total, na forma de aversão, oje-riza. É da


natureza do espírito do adultério remover o prazer sexual de dentro
para fora do casamento, aprisionando a pessoa na infidelidade.

4. Perseguição sexual na vida dos filhos O adultério desprotege


sexualmente a vida dos filhos, deixando-os susceptíveis a diversas
possibilidades de perseguições e abusos sexuais. Tenho feito uma
pesquisa informal que cada vez mais confirma isto. Ou seja, a
grande maioria dos abusos sexuais na infância ocorre na mesma
época em que um dos pais, ou ambos, estavam na prática do
adultério.

Nada é mais devastador para uma pessoa que um abuso sexual na


infância. Em muitos casos que atendemos fica claro que é devido a
isso que muitos filhos precocemente acabam sendo empurrados
para uma vida de delinquência, depravação sexual, rebelião, uso de
drogas e até mesmo criminalidade.

Quando eventualmente os pais nos procuram so-licitando ajuda


para um filho rebelde, constata-se que tudo começou na imoralidade
e no fracasso conjugal destes pais. Na verdade, eles são quem mais
precisa de um concerto com Deus e com a família.

5. Desproteção da vida sexual do cônjuge O adultério de um dos


cônjuges expõe o outro cônjuge, vítima da sua traição, à mesma
situação. O
96 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA
Borges que acontece na prática é o seguinte: de forma geral, os
homens têm uma dificuldade muito grande para confessar ou admitir
um adultério e, por sua vez, as mulheres não suportam ficar
caladas. Algumas, quando cometem um adultério, até pedem o
divórcio, mas o que elas querem, na verdade, nada mais é que
confessar o que fizeram. Ou seja, quem mais busca ajuda são as
mulheres.

Quando uma mulher busca aconselhamento para resolver uma


traição, ao intermediarmos a reconciliação com o marido, na grande
maioria dos casos descobre-se que bem antes da mulher trair o
marido, o marido vinha traindo a mulher, desprotegendo-a
espiritualmente. O espírito de adultério já estava infiltrado no
relacionamento conjugal. Obviamente, isto não justifica o adultério
da mulher, mas espiritualmente falando, explica.

6. Tendência ao colapso financeiro É bem comum um dos


cônjuges ou o próprio casal buscar aconselhamento devido aos
problemas financeiros que vêm enfrentando, alguns de natureza
bem estranha e de cunho realmente maligno.

Quando aprofundamos a investigação das causas, por fim,


descobre-se a existência de um adultério oculto com vários tipos de
agravantes envolvendo a área financeira. Por exemplo, o
financiamento de aborto, prostituição etc. Quando um dos cônjuges

A ferida do adultério - 97

começa a investir financeiramente na imoralidade, a vida financeira


entra em colapso. Veja bem que estou me referindo a pessoas que
pertencem ou frequentam uma igreja.

O adultério afeta diretamente a vida financeira da família. Dinheiro


começa a ser desviado para a imoralidade. A tendência é o espírito
de adultério levar a família à bancarrota.
7. Desintegração social - Escândalo O adultério implica no
princípio ativo do escândalo e da decepção. Invariavelmente todo
adúltero terá que enfrentar um tempo traumático de exposição e
apedrejamento.

Não há nada que não venha a ser revelado. O

escândalo ocorrerá mais cedo ou mais tarde, e de uma forma


menos ou mais dolorosa, dependendo da atitude da pessoa. Quanto
mais a pessoa sonega transparência e responsabilidade, piores se
tornam as consequências. O fator tempo aqui só internaliza e
intensifica ainda mais o problema.

Todo adultério oculto funciona como uma arma dormente, um tipo de


mina, uma bomba-relógio.

Se não for tratado gera uma instabilidade espiritual que não pode
ser contida, e repentinamente tudo vem à luz, simplesmente
explode, produzindo uma situação devastadora. Frequentemente
assistimos a episódios assim.

98 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges 8. O adultério encurta a vida da pessoa Todo pecado
produz consequências trágicas, mas alguns pecados, literalmente
falando, são para morte, não no sentido que não possam ser
arrependidos e perdoados, mas no sentido que encurtam a vida da
pessoa. Pecados como a rebelião e a desonra aos pais,
assassinato, perversão sexual e principalmente o adultério carregam
um ultimato de morte, uma sentença contra a longevidade.

Tenho feito uma pesquisa informal sobre isto.

Muitas dessas pessoas morrem mais cedo, inclusive vítimas de


mortes violentas envolvendo um crime passional.

“E ele segue-a logo, como boi que vai ao matadouro; e, como o


louco ao castigo das prisões, até que a flecha lhe atravesse o
fígado, como a ave que se apressa para o laço e não sabe que ele
está ali contra a sua vida” (Pv 7:22,23).

Este texto desvenda o caráter implacável deste pecado. As


consequências do adultério são explicadas através de comparações
mortais. O prazer sexual pro-posto em um adultério é descrito como
uma armadilha, uma isca, uma cilada, mas a pessoa, na verdade,
como diz o texto, “se apressa” para um laço de morte, ou seja, vai
encontrar a morte mais cedo.

A ferida do adultério - 99

LIDANDO COM A FERIDA DO ADULTÉRIO

É muito importante refletir nestas implicações do adultério,


principalmente se você está sendo tentado a isso. Depois que o
adultério aconteceu, o caminho para uma possível restauração é
sempre muito doloroso. Exige um profundo arrependimento e um
concerto literalmente traumático que descrevo como uma
“reconciliação cirúrgica”. Vejamos isso um pouco mais de perto:

Reconciliação cirúrgica

“Vinde, e tornemos ao SENHOR, porque

Ele despedaçou, e nos sarará; feriu, e nos ata-

rá a ferida. Depois de dois dias nos dará a vida; ao terceiro dia nos
ressuscitará, e viveremos diante dele. Então conheçamos, e
prossigamos em conhecer ao SENHOR” (Os 6:1-3).

O livro de Oseias trata de uma das piores fases da nação de Israel,


quando o relacionamento conjugal de Deus com o seu povo é
dramatizado profeticamente por Oseias ao se casar com uma
mulher infiel, prosti-tuta (Os 1:2). O contexto central é o adultério da
nação.
A nação santa se vendeu, estava se prostituindo com os ídolos da
terra e vinha insistindo nesta infidelidade já por algumas gerações.

100 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Este texto revela o tipo de abordagem recomen-dada, a
maneira como Deus lidaria com esse tipo de ferida moral. O que
significa “fazer a ferida e curar?

Cortar e costurar? Despedaçar e sarar?” Nada mais, nada menos,


que uma “cirurgia”. Uma cirurgia é, na essência, uma ferida
intencional feita com perícia com o objetivo de tratar da ferida que
está prejudicando a saúde de alguém. Porém, sempre envolve um
trauma.

Essa é a terapia proposta por Deus para tratar o câncer do adultério


da nação. Eles seriam feridos, expostos, levados ao cativeiro em
Babilônia por setenta anos e depois restaurados. Um longo
processo terapêutico, de natureza cirúrgica, que corrigiria a índole
infiel da nação, produzindo o genuíno conhecimento de Deus que os
realinharia com o seu propósito.
Uma ferida internalizada
A ferida produzida pelo adultério fica tão internalizada, que demanda
uma intervenção cirúrgica. Isto fala de uma genuína reconciliação
que requer um arrependimento sincero, uma confissão franca e uma
disciplina consistente. Portanto, não tem como resolver ou confessar
um adultério sem que principalmente o cônjuge traído, e
consequentemente o próprio casamento, família, igreja etc. sejam
profundamente machucados pelo próprio processo de restauração.

Algumas feridas ou desordens são superficiais; outras são internas,


profundas, de difícil acesso. Uma coisa

A ferida do adultério - 101

é você tratar de um simples esfolamento na pele; outra é ter que


substituir uma válvula do coração danificada ou remover um tumor
maligno.

O adultério se internaliza na realidade da própria pessoa que o


praticou, com quem praticou, do cônjuge, do matrimônio, da família,
da igreja, da comunidade etc. Para abordá-lo será necessário uma
confissão traumática na mesma profundidade do pecado que
certamente irá cortar e sangrar em todas estas dimensões. É o
poder libertador do bisturi da verdade:

“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” .

A confissão é apenas a cirurgia para tentar retirar o “câncer” que o


adultério produziu no casamento e também na família, muitas vezes
já em estado terminal, e tentar salvá-los.

Ninguém nunca estará teoricamente preparado para declarar ou


ouvir uma confissão como essa. Isso é como passar pelo “vale da
sombra da morte” . Mas, por mais dolorosa que seja, essa é a ferida
do médico, a ferida da cruz, a ferida que trata da ferida, a ferida feita
por alguém que ama com entendimento. Se é que ainda existe
alguma possibilidade de salvar o casamento, esse é o caminho.

A presença de um intermediador Tão importante quanto uma


confissão sincera é também o papel exercido por um reconciliador,
um intermediador pastoral. Não conseguimos nos operar.

Seja no corpo ou na alma, o processo cirúrgico de-

102 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges manda a ajuda de um perito, alguém sacerdotalmente
maduro e competente.

Se você é um cozinheiro e deixa o arroz queimar, não tem


problema, basta fazer outro. Mas, se você é um cirurgião e
desavisadamente corta uma artéria, a pessoa pode perder a vida.
Um conselheiro imaturo pode facilmente, tentando ajudar, causar
um grande prejuízo. Certamente, ninguém faria uma cirurgia com
um médico que sofre do mal de Parkinson, ou com uma pessoa que
ainda está no segundo ano de Medicina.

Um aconselhamento pastoral nesta dimensão exige mais que amor


no sentido sentimental do termo; exige destreza e maturidade.
Conselheiros precisam ser pessoas dedicadas a Deus e também
treinadas por pessoas mais experientes. Não é um processo rápido.

Acredito que para cada Davi que caiu em adultério existe um Natã
divinamente capacitado para intervir cirurgicamente. Para
intermediar um conflito envolvendo adultério é indispensável alguém
pastoralmente corajoso e experiente que saiba abrir e fechar o
problema, onde cortar e como cortar, que tenha muita firmeza e
perícia para mexer e remover apenas o necessário, fazer uma boa
sutura e conduzir o tempo de convalescença, o processo da
cicatrização.
Depois de tudo, experimenta-se a dinâmica do verdadeiro
conhecimento de Deus. Uma restauração desta natureza sempre
resulta em lições inesquecíveis e mudanças consistentes.

A ferida do adultério - 103


Superficialidade destrutiva
Alguns pastores ao aconselharem casos de adultério simplificam, ou
melhor, superficializam a situa-

ção, evitando esta reconciliação conjugal que tem um caráter


cirúrgico e implica em uma restituição aberta e uma disciplina
consistente. Supõe-se que esta postura seja muito radical e
desnecessária. Por falta de coragem ou por ignorância mesmo, essa
abordagem que visa apenas evitar a dor encobrindo a verdade, a
longo prazo, causa um efeito inverso, destrutivo. Isso não funciona,
ou funciona aparentemente.

Já acompanhei não poucos casos de líderes que caíram em


adultério que, ao serem descobertos, foram apenas reposicionados
em um outro local para abafar o escândalo e “proteger” o pastor. Só
que isto não é proteger, é armar uma cilada. Isto não ajuda a pessoa
a vencer o pecado, apenas reforça a sua passividade. Isto não é
amor; é paternalismo. É terapeuticamente contraevolutivo.

Como a situação, que deveria ter sido tratada cirurgicamente, não


foi, será apenas uma questão de tempo para o efeito dessa solução
“narcótico” passar e a coisa toda voltar a se repetir. Aí o pastor ou
obrei-ro que adulterou é novamente relocado. Assim, vai fazendo
uma devastação no Corpo de Cristo, e quanto mais a pessoa foge,
mais ela vai se afundando até que a família é destruída e a pessoa
é assolada.

O problema maior aqui não é o pastor adúltero, mas as pessoas que


estão conduzindo uma situação

104 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges tão séria de forma tão superficial e irresponsável. Em muitos
casos, tragicamente observa-se que esses su-pervisores que
adotam esta conduta estão igualmente implicados em adultérios
ocultos.

Certa vez atendi o caso de um jovem pastor ainda solteiro que era
um pregador itinerante da sua denominação. Ele não suportava
mais a sua conduta. Por mais que se empenhasse em fazer a obra
de Deus, em cada lugar que ele passava acabava se envolvendo
com alguma mulher. Algumas solteiras e outras casadas.

Estava se transformado em um mercenário. Vivia em uma


verdadeira prisão de sensualidade e imoralidade.

Diante disto, tive uma clara direção de Deus. Disse a ele: antes de
processarmos a sua libertação, você precisa parar o seu ministério,
depois abrir toda a situação com o seu pastor submetendo-se a
qualquer disciplina que for estabelecida, e então, voltar em cada
uma dessas igrejas que você profanou o altar e traiu a confiança
daquela liderança e se concertar com eles.

Mesmo que isto fosse custar as suas credenciais, ele corajosamente


se prontificou a obedecer. Fizemos uma grande lista e ele foi de
igreja em igreja, de pastor em pastor, se humilhando e concertando
cada situação.

Aquilo foi doloroso, porém libertador! Nunca mais ele foi a mesma
pessoa. Foi uma das libertações mais poderosas que eu já vi. Como
Jesus disse a Zaqueu depois da restituição que ele se dispôs a
fazer: “Hoje a salvação entrou nesta casa”.

A ferida do adultério - 105

Uma cirurgia pode envolver grandes riscos Sei que muitos não
se simpatizam com o que vou falar, mas o meu intuito não é dizer o
que as pessoas gostariam de ouvir, mas o que elas precisam ouvir.

Cirurgia é uma situação temida por qualquer um. Sempre oferece


algum risco. Infelizmente não tenho como baratear este tipo de
restauração.

Frequentemente, ouço muitas pessoas que adulteraram dizerem:


“Se eu contar isso para o meu cônjuge, o meu casamento vai
acabar!” Apesar de existir este risco real de se formalizar uma
separação, na verdade, o casamento já acabou quando houve o
adultério. Se é que ainda existe alguma chance de resgatá-lo, é
através da confissão. O que concerta uma aliança é sempre a
verdade, nunca a mentira ou a dissimulação.

Algumas pessoas também argumentam dizendo:

“Pastor, meu cônjuge não é evangélico, ou meu cônjuge é


agressivo. Se eu contar o que eu fiz, ele pode me matar!”
Realmente, esta é também uma possibilidade real! É um risco
verdadeiro!

Mas sempre digo: É melhor ser morto pela verdade do que tentar
sobreviver na mentira! Se o seu cônjuge o matar, pelo menos você
vai para a eternidade com a sua vida redimida. A morte não é a
maior tragédia da existência. A morte só é uma passagem para uma
dimensão da eternidade com Deus ou sem Deus. A maior tragédia é
morrer no pecado ou na mentira!

106 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges É necessário pensar nas consequências antes de cometer o
adultério. Depois, a única solução é enfrentar corajosamente o
trauma da cirurgia, que não deixa de envolver alguma possibilidade
de morte.

Entretanto, intermediando incontáveis confissões de adultério, por


incrível que pareça, até hoje, nunca vi isso dar errado. Nem uma vez
sequer vi um casamento acabar porque um dos cônjuges, de boa fé,
decidiu tentar concertar as coisas fazendo confissões desta
natureza. Graças a Deus por isto!

Muitos querem a libertação apenas até este ponto.


Quando chega na hora de morrer para si mesma, enfrentando com
transparência e responsabilidade os próprios pecados, a pessoa
desiste. Por isso, temos tantos casos de pessoas que já passaram
por inúmeras “libertações”

que não trouxeram nenhum benefício real.

O PROCESSO DA RECONCILIAÇÃO

1. Começa com uma confissão sincera.

Com o auxílio de um pastor maduro, abrir o problema de boa fé,


confessando ao cônjuge o adultério.

Dizer a verdade com humildade.

É natural a pessoa traída querer algumas informações sobre o caso:


com quem foi, a duração, como se deu o processo etc. O problema
é quando a pessoa começa a exigir detalhes sórdidos que apenas
funcionam como uma hemorragia que só dificulta a cirurgia.

A ferida do adultério - 107

O conselheiro precisa intervir sabiamente caso isso ocorra e tentar


colocar um ponto final.

2. Acompanhado por um legítimo compromisso de mudança.

Quando alguém confessa um adultério precisa estar totalmente


comprometido a nunca mais permitir esta situação na sua vida.
Quando a pessoa começa a ter novas recaídas, o conselheiro perde
o chão, des-moralizando o processo de restauração.

Uma pessoa que confessa um adultério hoje, e daqui a um mês


repete, na verdade, não quer ajuda. Provavelmente, é uma perda de
tempo. Quando percebo que a pessoa realmente não quer deixar o
adultério, eu me retiro do caso.
3. Depois vem o processo da pessoa traída perdoar o cônjuge.

Quem confessa o adultério “sai do inferno e sente-se no céu”, mas


quem ouve a confissão “sai do céu e sente-se no inferno”. Após a
confissão, é necessário dar à pessoa um tempo para ela assimilar o
golpe sofrido.

Na maioria dos casos, em menos de uma semana, por incrível que


pareça, a pessoa supera e amadurece a decisão de perdoar.

Lembro-me de um rapaz que me procurou após uma ministração.


Ele disse: “Pastor, preciso de ajuda.

Sou casado há 3 anos e cometi um adultério. Estou

108 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges muito arrependido. Gostaria de concertar a situação, mas a
minha esposa, antes de nos casarmos, disse que se um dia eu a
traísse, nosso casamento acabaria”.

Como estávamos em um seminário para a família, me dispus a


intermediar a situação juntamente com o pastor deles. Ele aceitou.
Eu e o pastor chamamos a sua esposa pessoalmente, sem ele estar
junto. Por mais que se tente informar o ocorrido tentando ser
brando, isto é sempre uma paulada. Sua esposa ficou visivelmente
transtornada, desabou em lágrimas rea-firmando a dita promessa
que fizera a ele.

Então, disse que ela não precisaria perdoá-lo na-quele momento,


mas que pensasse sobre o assunto, orasse sobre aquilo, digerisse
melhor a situação em vista da iniciativa do marido de concertar as
coisas. Ele estava agindo de boa-fé, demonstrando sinceridade, e
queria o seu casamento de volta. Não a pressionamos, respeitamos
aquele angustiante momento que ela estava passando. Penso que
isto foi muito significativo.
Então, juntamente conosco, ele pediu perdão a ela, ouvindo e
aguentando quieto todo o desabafo dela. No outro dia, quando já
estava indo para o aeroporto, o meu telefone toca. Era ela me
pedindo para orar pela nova aliança que tinham acabado de
comprar. Bem mais rápi-do que imaginávamos, ela decidira perdoá-
lo. Em poucos momentos eles me encontraram no aeroporto com
um par de alianças novas. Fiquei surpreendido com a graça de
Deus naquela situação de concerto e recomeço.

A ferida do adultério - 109

4. Perdoar a pessoa com quem o cônjuge traiu.

Neste ponto reside a possibilidade de sérias complicações. Em


alguns casos o adultério praticado envolveu uma pessoa totalmente
desconhecida, mas em outros envolveu alguma pessoa conhecida,
às vezes, até íntima da pessoa traída.

Imagine uma situação onde o marido traiu a esposa com a sua irmã.
Uma coisa é a esposa traída perdoar o marido, outra seria perdoar a
própria irmã. O

rasgo da cirurgia é bem mais extenso, provocando uma hemorragia


maior e um processo bem mais doloroso de recuperação, que
inclusive pode deixar sequelas.

5. Restaurar a confiança perdida.

Por fim, o processo mais difícil, que é o de reconstruir a confiança


perdida. Perto deste último desafio, perdoar não é tão difícil. A
confiança só pode ser restabelecida através de um longo processo
de integridade.

Existem dois riscos aqui:

• O primeiro é o da pessoa que traiu não sustentar a sua


integridade. O adultério persistente faz exaurir a confiança e a
tendência é o casamento morrer.

• O segundo risco é a pessoa traída não permitir de coração ter a


sua confiança reconquistada.

Já vi muitos casos onde a pessoa traída até perdoa, mas se tranca


na desilusão produzida pela traição sofri-da. Perde a fé na pessoa e
no casamento. Isto pode se estender por anos, minando a saúde
emocional dessa

110 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges pessoa e a vitalidade do relacionamento conjugal.

Nesses casos, um aconselhamento específico neste sentido pode


ser um divisor de águas para uma plena restauração familiar.
OS AGRAVANTES
Um aspecto fundamental no aconselhamento em casos de adultério
é uma análise do que consideramos como “agravantes” do caso.
Isto vai determinar a extensão da cirurgia. Infelizmente essas
situações estão sempre presentes. Inclusive, alguns agravantes
podem se tornar ainda mais sérios do que o próprio adultério.

Vejamos alguns exemplos:


1. Ser descoberto.
Uma coisa é a pessoa se descobrir e de boa-fé ter a iniciativa de
confessar o seu pecado; outra, bem diferente, é a pessoa ser
descoberta, surpreendida no seu pecado.

Comparo isto a desarmar uma bomba. Quando a pessoa se


descobre, a chance de cortar o fio certo é quase 100%. Em
contrapartida, quando a pessoa, ao invés de se descobrir, ela é
descoberta, significa que a “bomba” explodiu.

Certamente se terá um impacto bem mais devastador. As feridas


são mais graves. Tudo é mais traumá-

tico e difícil, principalmente em relação ao processo de recuperar a


confiança.

A ferida do adultério - 111

2. Processo crônico de negação.

Normalmente este é um agravante que se sobre-põe ao agravante


anterior. A pessoa é descoberta, mas mesmo assim, usando
argumentos ridículos e insustentáveis, insiste em negar a verdade,
tentando absurdamente dissimular os fatos.

Este tipo de comportamento acaba sendo ainda pior que o próprio


adultério. Desmoraliza a pessoa e também destrói a confiança
necessária que qualquer processo de restauração exige. Este tipo
de agravante tira toda a sustentação inviabilizando a eficácia de
qualquer ajuda oferecida.

Isto também ocorre quando uma situação de adultério é


irrefutavelmente descoberta mas a pessoa só admite aquele caso,
quando na verdade aquilo só é a pontinha do iceberg. Ou seja, finge
aceitar a ajuda, mas continua sonegando toda a verdade,
encobrindo outras situações. De fato, a pessoa está maquiando o
processo de restauração. Ela simplesmente não quer mudar. Se a
pessoa não se demove desse posicionamento, obviamente a
batalha pela sua restauração está perdida.
3. Filhos ou abortos.
Em casos de adultério sempre existe a real possibilidade de uma
gravidez. Quando alguém adultera e ocorre uma gravidez, isto
multiplica o constrangimento e as implicações da situação. Em
alguns casos a pessoa

112 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges acaba abortando esse filho e começa a arrastar uma história
extremamente traumática que demanda uma séria libertação.

Em outros casos, a pessoa esconde do cônjuge e da família a


verdade sobre esse filho. Uma mãe ter que admitir para o marido
que aquele filho que eles tiveram há 15 anos não é dele, ou ter que
admitir para o filho que o pai dele não é quem ele pensava, com
certeza é existencialmente doloroso. É uma cirurgia profunda,
porém indispensável para o destino de todos os envolvidos.

Enquanto esse alicerce de mentira não for remo-vido, situações


malignas inexplicavelmente se impõem fazendo uma devastação no
casamento, na família, especialmente na vida desse filho
espiritualmente ilegítimo.
4. Se envolveu pessoas casadas.
Neste caso é uma traição dupla, o que faz aumentar a extensão do
trauma cirúrgico. Certa vez, intermediamos a situação de um pastor
que se envolveu com a esposa de um outro líder da mesma igreja.
Imagine a dimensão do estrago. Esta foi uma das intermediações
mais tensas e constrangedoras que já vi.

Por incrível que pareça, no final de tudo, pela misericórdia de Deus,


as coisas se acertaram. O pastor decidiu abrir mão do seu cargo e
as famílias foram reintegradas.

A ferida do adultério - 113

5. Se envolveu casos de perversão sexual, por exemplo


homossexualidade.

Se o adultério envolveu um caso de homossexualidade, além do


escândalo e da humilhação que isto provoca na igreja, obviamente
por trás deste comportamento existe uma construção maligna em
relação à identidade sexual da pessoa, que precisa ser enfrentada
com total disposição e temor a Deus.

6. Se envolveu pessoas da própria família do cônjuge.

Este tipo de agravante facilmente pode gerar uma demanda


extremamente maior em relação a perdoar, tendo um alto potencial
para deixar sequelas e fragmentar a família. Já vi de tudo: um
marido que se deitou com a cunhada, uma esposa com o cunhado,
um pai com a nora, uma mãe com o genro, etc. Estas reconciliações
são extremamente difíceis e trabalhosas.

São cirurgias longas e perigosas que sempre acabam deixando


algumas lesões permanentes.

7. Se a pessoa ocupa uma posição de liderança.


Este tipo de agravante multiplica o impacto do escândalo, fazendo
desmoronar muita gente e muita coisa. Principalmente quando o
líder se envolveu sexualmente com pessoas da própria igreja, a
situação pode ficar insustentável. Alguns podem discordar, mas na
minha opinião, se este líder opta genuinamente

114 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges pelo caminho da restauração, depois de resolver isto com o
cônjuge, com a família e com os anciãos da igreja, ele vai precisar
também de uma reunião a portas fechadas com a igreja,
confessando objetivamente o que fez, submetendo-se à disciplina
oferecida.

O delicado aqui é que isto não pode ser imposto por ninguém, ou
seja, deve partir do próprio líder que cometeu o adultério. Os poucos
casos que já vi de pessoas tomando este caminho produziram
resultados positivos surpreendentes.

Quando isto não acontece, e já assisti esse filme muitas vezes, a


situação começa a vazar, e em pouco tempo todo mundo está
sabendo. É como o estourar de uma represa. E isto, a rigor, não é o
diabo - é Deus mesmo! As trevas nunca prevalecem sobre a luz,
nem a mentira sobre a verdade.

Mediante isto, em alguns casos, esse líder acaba desmoralizado e


jogado na sarjeta do ministério. Nou-tros casos, este líder impõe-se
contra tudo e contra todos, torna-se um mão de ferro que esmaga
qualquer pessoa que ameace a sua liderança. Ele passa a agir
como o dono da igreja trazendo para ela uma nuvem de trevas que
a obscurece, e por fim, apaga a sua luz.

8. Se o líder está usando informações pastorais privilegiadas


para seduzir.

Este é um dos piores tipos de agravante. Quando um pastor não é


moralmente resolvido e começa a
A ferida do adultério - 115

usar informações íntimas e a influência da sua posi-

ção para seduzir e abusar de alguém. É simplesmente devastador.


Penso que essa pessoa não pode ser um pastor. Deve procurar
alguma outra ocupação.

Lembro-me da situação de um pastor que considerávamos um


parceiro de ministério. Ele teve uma fase muito boa de restauração
e dedicação ao ministério, mas depois começou a ter sérias
recaídas. Eu não fazia ideia do que estava ocorrendo, até que
recebi uma denúncia de que ele estava envolvido em um caso de
adultério virtual com uma mulher que ele havia aconselhado.

Imediatamente eu o confrontei. Primeiramente ele começou a se


esquivar jogando a culpa para a mulher, tentando negar a sua
responsabilidade. Aquilo já não foi bom. Foi covarde. Como
tínhamos a situação docu-mentada pela internet, por fim ele admitiu
o seu erro.

Disse a ele o que ele já sabia de cor: “Você precisa dizer toda a
verdade. Não podemos alicerçar um processo de restauração em
mentiras. Nós ajudamos muita gente e obviamente iremos ajudar
você”. Então, ele jurou de pés juntos que não tinha mais nada e que
isso que ocorrera fora um mero deslize. Daqui a pouco foram
surgindo outras denúncias. As confissões acon-teciam a conta-
gotas, na proporção que outros fatos iam surgindo sendo
comprovados por testemunhas.

Então comecei a perceber a gravidade das situa-

ções. Ele se envolvera apenas com mulheres que ele

116 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges havia aconselhado e que apresentavam um histórico de
passividade relacionado a abusos sexuais sofridos na infância e
outras situações que reforçavam na vida delas uma tolerância
doentia ao abuso de autoridade.

Este era sempre o perfil das pessoas que ele abordava.

Esta foi uma história longa e muito desgastante.

Precisei ser extremamente duro com ele. Se você poupa o lobo,


você sacrifica as ovelhas. Aprendi muito com essa situação
chocante. Como um pastor facilmente pode se tornar um
mercenário, abusando de quem deveria ajudar e ainda fazendo
disso o seu meio de sustento.

Juntamente com outros pastores que auxiliaram no caso fizemos


tudo o que podíamos. Por fim, a confiança exauriu-se e,
infelizmente, não tivemos mais como ajudá-lo.
O CASO DAVI E BETSEBA
Vamos agora analisar uma situação clássica de adultério, o famoso
caso Davi e Betseba, que culminou em uma tremenda libertação ao
estilo do profeta Natã.

Acho interessante este episódio bíblico, principalmente porque,


apesar do enorme estrago que o adultério de Davi causou, no final,
surpreendentemente ele foi restaurado realinhando-se ao propósito
divino para a sua vida.

Porém, como previamente advertido pela palavra de Deus, Davi


precisou submeter-se a um tempo ex-

A ferida do adultério - 117

tremamente difícil de correção, que teve uma duração de


aproximadamente 11 anos, culminando no golpe de estado
engendrado pelo seu próprio filho, Absalão.

“Assim diz o Senhor: Eis que suscitarei da tua própria casa o mal
sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei a
teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres à luz deste sol.
Pois tu o fizeste em oculto; mas eu farei este negócio perante todo o
Israel e à luz do sol” (II Sm 12:11,12).

Estas foram as palavras ditas por Natã explicando para Davi o tipo
de disciplina que ele teria pela frente. É difícil um pecado que traga
coletivamente tanta dor, sofrimento e destruição como o adultério.
Vamos nos aprofundar um pouco mais nas implicações e também
nos passos que precisam ser dados ao se lidar com estas situações.

Adultério oculto, uma arma dormente Como já explicamos, todo


pecado oculto funciona como uma arma dormente ativada contra a
própria pessoa. O poder de destruição, apesar de não ter sido
acionado, continua ativo oferecendo um risco iminente. É como uma
mina terrestre plantada no quintal da pessoa. De repente, quando
menos se espera, no momento estratégico, a verdade aparece de
forma explosiva e destrutiva.

118 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Vamos explicar melhor esta dinâmica através de algumas
conclusões que podemos tirar deste caso.

O poder latente de um adultério oculto 1. A dinâmica do medo e


do ocultamento O primeiro sentimento maligno que o pecado
causa é o medo. Esse tipo de medo repele a verdade. O medo é a
base da irresponsabilidade que se fundamenta na decisão de fugir,
esconder-se, evitar enfrentar as consequências, não responder pelo
que se fez. A questão é que ninguém ganha uma guerra contra a
verdade!

Normalmente, pessoas que adulteram são levadas aos mais


terríveis extremos na tentativa de esconder a situação. O medo do
escândalo faz com que a pessoa opte por uma vida alicerçada na
mentira. Sustentar a mentira encarece as implicações e as perdas.

Até onde um homem pode ir na tentativa de esconder o seu


adultério? Davi chegou a assassinar por isso. Urias, esposo de
Betseba, era um dos seus homens mais fiéis e mais comprometidos.
Depois de várias tentativas frustradas para fazer parecer que aquele
filho era de Urias, Davi chegou ao absurdo de decidir eliminá-lo.
Sagazmente, ele assassinou Urias com a espada do filhos de Amon,
colocando-o estrategicamente em uma posição na batalha com a
intenção de que ele fosse morto, o que de fato ocorreu.

A ferida do adultério - 119

Na tentativa de ocultar o seu adultério, Davi cometeu um pecado


ainda mais detestável, assassinou um amigo leal, tornando o seu
castigo ainda mais rigoroso e doloroso. Agora não era apenas um
adultério, mas um homicídio.
2. Quanto maior o silêncio, tanto maior é o definhamento.

O adultério quando ocultado faz definhar a alma da pessoa. Causa


um enfraquecimento doloroso, uma angústia interna, uma exaustão
espiritual, um desfalecimento de alma, como Davi explica:

“Enquanto guardei silêncio, consumiram-se os meus ossos pelo


meu bramido durante o dia todo. Porque de dia e de noite a tua mão
pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio”
(Sl 32:3,4).

A vida espiritual da pessoa entra em um processo crônico de


definhamento, que viabiliza novas reca-Silêncio

Definhamento

(Adultério

moral

Oculto)

Novas

recaídas

120 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges ídas, compulsão pecaminosa, podendo causar uma
completa destruição. Temos aqui um ciclo destrutivo muito bem
explicado em Provérbios 28:13 - “Aquele que encobre a
transgressão jamais prosperará” .

3. A verdade é soberana e foge ao controle Mais cedo ou mais


tarde, a situação vai vazar.

Jesus deixou claro que esta é uma lei que não será quebrada: “...
tudo que fazemos às ocultas será apre-goado dos telhados.”
Existem duas formas de lidar com o adultério e que podem produzir
consequências bem diferentes:

- Nos expormos

Antecipar o escândalo, agindo com humildade, quebrantamento e


amor à disciplina de Deus. Isso, de certa forma, por incrível que
pareça nos deixa ainda no controle da situação.

- Sermos expostos

Isso é sempre aterrador. A pessoa perde a autoridade, perde a


razão, perde a credibilidade. Quanto mais se tenta esconder um
adultério, mais vulnerável a pessoa se torna. Este é o princípio ativo
para se construir um escândalo. Será só uma questão de tempo
para a bomba estourar. A pessoa perde o controle da situação, fica
totalmente exposta, e acaba jogada na sarjeta da família, do
ministério, da igreja...

A ferida do adultério - 121

4. A correção chega de forma profética Quando endurecemos o


nosso coração e deixa-mos de ouvir o Espírito Santo, Deus levanta
os profetas.

Para cada Davi existe um Natã. Por mais que a pessoa consiga
disfarçar a situação, espiritualmente ela está cada vez mais exposta
e em perigo.

Nessas situações sempre aparece alguém para endossar o engano


do coração e adoçar o pecado.

Cuidado com os “amigos” lisonjeiros e os “profetas”

interesseiros que temem aos homens e não a Deus.


Um amigo, e principalmente um profeta, falam não o que queremos
ouvir, mas o que precisamos ouvir, confrontando o medo e a
mentira.

Foi o que ocorreu com Davi ao ser confrontado por Natã (II Sm 12).
Ao ser descoberta, a pessoa precisa se humilhar. Talvez haja uma
esperança. Escolher a atitude de negação ou dissimulação é
suicídio. A humilhação de Davi diante da confrontação de Natã foi
vital.

Em casos de adultério, uma sábia intermediação pode fazer toda a


diferença. Temos aqui uma das mais poderosas e efetivas
libertações através da maneira sábia e profética como Natã se
conduziu ao confrontar, tratar e prever como seria o castigo que viria
sobre Davi, e como isto afetaria a sua família (II Sm 12:10-12).

5. O adultério suscita a inimizade da família Mais cedo ou mais


tarde, esse pecado vai nos achar, causando um grande estrago nos
relacionamen-

122 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges tos familiares. “... Eis que suscitarei da tua própria casa o
mal sobre ti...”

A traição está implícita no adultério. O adultério desencadeia um


processo de traição, decepção e perdas com as pessoas que mais
amamos e de quem menos esperaríamos.

A família de Davi foi arruinada. Seu primeiro filho com Betseba


adoeceu e morreu, depois Amnon estu-prou Tamar, então Absalão
vingou Tamar assassinando Amnom friamente em um jantar de
família, fazendo justiça com as próprias mãos. Com isso, instalou-se
uma profunda amargura entre Davi e Absalão, que após se rebelar
contra o pai, violar as suas concubinas, foi assassinado por Joabe,
sobrinho de Davi e chefe do seu exército...
Uma trilha de morte e destruição. Como havia sido profetizado, a
espada estraçalhou a família de Davi, mesmo que este fosse
extremamente querido, o amado de Deus.

6. Um adultério sempre deixa um legado O que os pais fazem às


escondidas é bem provável que os filhos farão à luz do dia. O pior
tipo de castigo é ver os nossos pecados ocultos se reproduzindo na
vida dos nossos filhos e destruindo-os.

Nem sempre, mas, muitas vezes, a rebelião dos filhos nada mais é
que o efeito colateral do pecado secreto dos pais.

A ferida do adultério - 123

“...e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei a teu


próximo, o qual se deitará com tuas mulheres à luz deste sol.

Pois tu o fizeste em oculto; mas eu farei este negócio perante todo o


Israel e à luz do sol”

(II Samuel 12:11,12).

O que Davi fez em oculto, Absalão, seu filho, fez à luz do dia. O
espírito de traição que levou Davi ao adultério atacou-o através de
Absalão, seu filho. Seguindo o conselho de Aitofel, que fora o mais
íntimo amigo de Davi, Absalão se deita com as concubinas do pai,
demonstrando a intenção de matar Davi e usurpar o seu reino.

O PROCESSO DE RESTAURAÇÃO

Enfrentando as consequências do adultério

Vamos entrar na parte mais importante deste estudo. Fazendo um


apanhado de todo processo que envolveu a restauração de Davi,
podemos discernir quatro provas capitais que ele precisou enfrentar.

1. A prova da reputação
Agir com humildade e total transparência

Apesar de Davi ter começado muito mal nesta prova, tentando


esconder de todas as formas o seu pecado, por fim, felizmente, ele
acabou sendo aprovado.

124 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Exatamente no dia em que Davi julgava as questões do
povo, estrategicamente Natã se apresenta na Corte com uma
demanda. A situação era tão injusta que tornava a sentença fácil e
óbvia. O que Davi não imaginava é que ele era o réu daquele caso
que ele mesmo estaria julgando. Isto foi profético, cirúrgico, um
xeque-mate de Deus. Vejamos o texto: Uma Libertação à moda de
Natã

“E o Senhor enviou a Davi o profeta Natã.

Ao chegar, ele disse a Davi: Dois homens viviam numa cidade, um


era rico e o outro, pobre. O rico possuía muitas ovelhas e bois, mas
o pobre nada tinha, senão uma cordei-rinha que havia comprado.
Ele a criou, e ela cresceu com ele e com seus filhos. Ela comia junto
dele, bebia do seu copo e até dormia em seus braços. Era como
uma filha para ele.

Certo dia, um viajante chegou à casa do rico, e este não quis pegar
uma de suas próprias ovelhas ou dos seus bois para preparar-lhe
uma refeição. Em vez disso, preparou para o visitante a cordeira
que pertencia ao pobre”

(2 Samuel 12:1-4).

Diante dos fatos apresentados, Davi, com plena convicção,


imediatamente estabelece a sentença:

A ferida do adultério - 125


“Então, Davi encheu-se de ira contra o homem e disse a Natã: Juro
pelo nome do Senhor que o homem que fez isso merece a morte!...
Então Natã disse a Davi: Você é esse homem!” (2 Samuel 12:5,7).

Já explicamos que o adultério encurta a vida das pessoas. Havia um


veredito de morte sobre Davi que ele não sabia, mas, muito
sabiamente, Natã o cons-cientizou disso, arrancando-o dos seus
próprios lábios.

Tudo indica que Davi morreria mais cedo. Sua morte muito
provavelmente ocorreria por ocasião da rebelião de Absalão, o qual
expressou essa intenção ao se deitar com as suas concubinas à
vista de todos.

Quando um insurgente violava as esposas de um rei, isto


representava uma mensagem clara de que este rei não viveria mais.

Porém, diante da confrontação divina, Davi publicamente rasgou as


suas vestes e o seu coração.

Humilhou-se. Ele simplesmente desceu da cadeira de magistrado


para o banco do réu, assumindo abertamen-te o seu pecado. Não
resistiu à correção.

“Então Davi disse a Natã: “Pequei contra o Senhor!” (2 Samuel


12:13).

Em virtude disto, a misericórdia triunfa sobre o juízo e Deus revoga


a sua sentença de morte:

126 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges

“E Natã respondeu: O Senhor perdoou o seu pecado. Você não


morrerá” (2 Samuel 12:13).
A confissão de Davi provocada por Natã foi propo-sitalmente
pública, no tribunal em que ele magistrava, diante de toda a sua
Corte, os seus ministros, os seus príncipes. A notícia voou longe.
Das Crônicas de Israel chegou até as páginas da Bíblia. Se não
fosse por esta atitude de humilhação, tudo indica que ele teria
morrido bem antes da hora e a história teria sido outra.

Para tratar de um adultério é necessário abrir, cortar, rasgar,


sangrar. Por mais dolorosa que seja a ferida feita pelo bisturi do
cirurgião, ela, na verdade, é necessária e terapêutica. Esta é a
prova da reputação e revela o poder da transparência.

Davi passou na prova da reputação. A sua confissão foi mais


escandalosa que o seu pecado. Ao obedecer o ponto final colocado
por Deus através da confrontação cirúrgica de Natã, o processo de
restauração teve o seu início. Mesmo que desmoralizado diante dos
seus amigos e inimigos, estava agora sob a guarda do tratamento
de Deus.

É aqui que muitas pessoas perdem a batalha. Elas agem com


orgulho, insistem na mentira e na dissimula-

ção mesmo quando esses argumentos já não possuem nenhuma


consistência. Se o amor à reputação impedir a humilhação, se a
mentira usurpar a verdade, a batalha já está perdida, não resta
esperança. Davi, porém, foi

A ferida do adultério - 127

aprovado. Sua humilhação, finalmente, prevalesceu sobre a sua


reputação! A verdade foi glorificada!

2. A prova da posição

Deixar o palácio
Esta foi uma outra prova fundamental para a restauração de Davi.
Isto ocorreu em virtude da tentativa do golpe de Estado engendrada
por Absalão. Veja que tudo isto nada mais era que a expressão da
correção divina que Natã prevera:

“Assim diz o Senhor: Eis que suscitarei da tua mesma casa o mal
contra ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei
ao teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres perante este
sol” (II Sm 12:11).

Da mesma forma como Davi adulterara com Betseba, agora as suas


comcubinas seriam profana-das por Absalão. O que ele havia feito
às escondidas destruindo a família de Urias, seria feito contra ele
publicamente. Uma terrível e humilhante colheita.

Mais uma vez, sem resistir, ele aceitou a dura correção.

“E saiu o rei, com toda a sua casa, a pé; deixou porém o rei dez
mulheres concubinas para guardarem a casa” (II Sm 15:16).

128 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Com isso, a sua posição de rei estava em jogo. A Bíblia fala
que todo Israel seguia a Absalão. Então, Davi, humildemente,
descalço, com as poucas pessoas que lhe restaram, abandonou a
sua posição. Deixou tudo para trás: o seu palácio, a sua realeza, o
seu trono, a sua glória, todo o seu prestígio, os seus títulos, as suas
conquistas e buscou refúgio na dependência de Deus.

Um momento trágico de perda total.

Se ele tivesse ficado tentando defender o Palácio e sustentar a sua


posição, certamente teria sido assassinado pelo próprio filho, que
demonstrou essa intenção violando as suas concubinas à luz do dia.

Ao enfrentar a prova da posição foi necessário descer do pedestal,


abrir mão do seu próprio lugar que lhe garantia muitos privilégios,
trocar o aconchego do palácio pela aridez de um tempo se
refugiando no deserto. Porém, antes destas coisas lhe serem
tomadas, ele, de boa vontade as entregou a Deus. Não deixou estas
coisas impedirem a sua restauração. E assim, foi aprovado por
Deus. Davi passou pela prova do apego à posição. A advertência
bíblica sobre as demandas de um adultério se cumpriu literalmente
na sua situação:

“Fique longe dessa mulher; não se apro-xime da porta de sua casa,


para que você não entregue aos outros o seu vigor nem a sua vida a
algum homem cruel, para que estranhos não se fartem do seu
trabalho e outros

A ferida do adultério - 129

não se enriqueçam à custa do seu esforço. No final da vida você


gemerá, com sua carne e seu corpo desgastados” (Pv 5:8-11).

É neste ponto que muitos pastores que cometeram adultério saem


do caminho da restauração e quanto mais resistem a Deus, mais
perdem e sofrem.

A prova da posição é crucial. Pessoas que de alguma forma se


encontram em uma posição de autoridade ou governo na igreja em
algum momento precisam estar dispostas a abrir mão de tudo.

Muitos, infelizmente tomam um caminho de morte. Querem na


marra continuar no governo da igreja e insistem em resistir à
disciplina e à vontade de Deus. Em alguns casos, percebe-se que
como eles se recusam a sair da sua posição, o próprio Deus é quem
se retira da igreja. O castiçal apaga, o ministério definha e adoece.

3. A prova do apedrejamento
O desaforo de Simei
O Evangelho de João relata o famoso episódio da mulher adúltera.
Este texto nos revela uma consequência inevitável de um adultério
que prefiro descrever como

“a prova do apedrejamento”:

“... na lei, nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu,
pois, que dizes?” (Jo 8:5).

130 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Diante deste julgamento sumário, pois como ela fora pega
em flagrante não havia o que argumentar, então, muito sabiamente,
usando de muita misericórdia com aquela mulher, Jesus respondeu:
“Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que atire
pedra contra ela” . Em cheque e em choque, um a um dos acu-
sadores foram saindo, até que não restou ninguém mais.

Bom, temos uma questão: A mulher foi ou não apedrejada? Apesar


de ter sido poupada de um apedrejamento físico, todavia,
moralmente, socialmente, psicologicamente, etc. ela foi, sim,
duramente apedrejada. Ninguém que comete um adultério escapa
de um tempo de apedrejamento. Ela foi assunto por tanto tempo,
que a notícia tornou-se matéria do Evangelho escrito por João.
Aliás, estamos apedrejando a coitada até hoje em cada vez que
pregamos ou mencionamos este texto.
O tempo do apedrejamento
Para Davi, o apedrejamento se tornou literal. Quase 11 anos depois
do seu adultério, ao deixar o palácio, teve que enfrentar Simei. O
inevitável aconteceu:

“Prosseguiam, pois, o seu caminho, Davi e os seus homens,


enquanto Simei ia pela encosta do monte, defronte dele,
caminhando e amaldiçoando, e atirava pedras contra ele, e
levantava poeira” (II Sm 16:13).

A ferida do adultério - 131

Esta é uma cena inusitada. Simei, em um lugar público e estratégico


se posiciona no caminho de Davi.

Protegendo-se do alto de um barranco o apedrejava fazendo um


terrível e humilhante alvoroço. Isto foi muito provocante em se
tratando de uma exposição pública do próprio rei.

Davi, porém, sabia que o seu pecado de anos atrás o estava


visitando. Ele fora avisado disso. Quem estava em cheque não era
Absalão ou Simei, mas ele mesmo. Aquilo era, na verdade, a vara
de Deus e não devia reagir ou resistir a mais esta dura correção. Ele
entende o que estava acontecendo, abaixa a sua ca-beça, humilha-
se mais uma vez, suportando quieto e calado o apedrejamento sem
nenhum tipo de revide.

A cena era tão escandalosa e provocativa que Abisai, sobrinho de


Davi, contado entre os seus 37

valentes não suportou “... e disse ao rei: Por que esse cão morto
amaldiçoaria ao rei, meu senhor? Deixa-me passar e tirar-lhe a
cabeça” (II Sm 16:9). Mas veja a percepção de Davi em relação à
correção de Deus:
“Disse, porém, o rei: Que tenho eu convos-co, filhos de Zeruia? Por
ele amaldiçoar e por

lhe ter dito o Senhor: Amaldiçoa a Davi; quem dirá: Por que assim
fizeste?” (II Sm 16:10).

Incrivelmente, Davi não disse que Satanás estava usando Simei,


mas era o próprio Deus quem estava

132 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges por trás daquela dura prova. Aquilo era a vara do Pai
corrigindo a índole infiel e homicida de Davi.

Davi, prontamente, repreende a Abisai e não deixa ninguém impedir


a mão de Deus através do apedrejamento de Simei. Ele se cala, se
humilha, simplesmente, aguenta as pedradas. Não sei o que foi
maior aqui, se o discernimento ou o quebrantamento de Davi!

Nos Salmos ele ainda exibe a sua gratidão dizendo:

“Bem aventurado o homem a quem Deus corrige” . Só então, Davi


alcançou a purificação de Deus e as coisas começaram a se
reverter em seu favor, mesmo que todo o Israel já estivesse
favorável ao golpe de Absalão.

Pessoas adúlteras precisam se preparar para enfrentar os “Simeis”.


Simei representa toda agressão verbal, espiritual, conjugal, familiar,
social, ministerial que vem como consequência do adultério. É
necessá-

rio aguentar isso calado. Não se ressinta, não murmu-re, não aja
com autopiedade, não revide, não fale com maledicência, não
resista à correção. Isso, na verdade, não é apenas um “ataque do
diabo”, mas uma prova de Deus. Davi passou pela prova de Simei.

Quem cometeu adultério precisa entender que muita gente vai


comentar, praguejar, amaldiçoar, ata-car etc., e agora precisa
aguentar a surra do Pai. Esta forma severa de correção, por incrível
que pareça, é sempre uma chave para a restauração. Esse é o
tempo do apedrejamento. Sinto muito ter que falar isto, mas é o que
realmente ocorre.

A ferida do adultério - 133

Este é um caminho estreitíssimo. Infelizmente, muitos sucumbem


nessa prova. Saem do curso do quebrantamento e despencam no
abismo da amargura e da justiça própria.

4. A prova da traição

A rebelião do próprio filho

A traição é o pior golpe que um relacionamento pode sofrer. O


conceito de traição está estritamente associado à intimidade. Você
não pode ser traído por um desconhecido. Por um desconhecido, o
máximo que podemos ser é enganados. Para ser traído por alguém,
esta pessoa precisa ser íntima, alguém que conhece os planos
internos, que é de extrema confiança.

A essência de um adultério é a traição. Todo adultério é uma traição.


A pessoa está violando a mais importante aliança que alguém pode
fazer com uma outra pessoa, destruindo a exclusividade do amor
conjugal, ferindo a intimidade, traindo a confiança.

Portanto, a prova da traição, mais cedo ou mais tarde, irá


infalivelmente chegar para aqueles que cometeram adultério. Ou
seja, toda pessoa que trai vai provar desse mesmo veneno.

Davi também passou pela prova da traição, e a pessoa em questão


foi o seu próprio filho. Absalão levantou-se contra Davi e o seu
trono. Primeiro, ele começou a furtar o coração do povo e depois
com
134 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA
Borges atitudes cruéis e intenções mortais, forjou um terrível golpe
de Estado. A maneira como lidamos com isso pode estabelecer
rumos totalmente diferentes para a nossa vida. Enquanto a
amargura nos destrói, o quebrantamento restaura.

Discernir o revide da nossa própria traição e rebelião

Depois de se humilhar perante Simei, Davi intercedeu por Absalão.


Precisamos discernir a nossa própria rebelião e infidelidade
atacando-nos através de pessoas que amamos e que nos são
preciosas. Mais uma vez Davi não lutou contra carne e sangue.

Absalão representa aquelas pessoas que são como filhos, porém,


feridos, machucados, traídos por infidelidade e hipocrisia, com
questões que não foram resolvidas, potencialmente vulneráveis a
trair. São os levantes internos fulminantes que vêm para trazer uma
implacável destruição. É a traição do adultério se voltando contra a
pessoa multiplicadamente.

Davi sabia que o pivô de tudo aquilo não era a rebelião de Absalão,
mas o seu próprio adultério. Lidar internamente com a situação dos
“Absalãos” é bem mais difícil do que com a dos “Simeis”. Um filho
nunca vai deixar de ser um filho.

Davi tentou de todas as formas preservar a vida de Absalão, ainda


que sem sucesso. Conhecendo Joabe, seu sobrinho e chefe do seu
exército, sabendo que

A ferida do adultério - 135

era homem de sangue, Davi intercedeu, implorou que ele poupasse


a vida de Absalão, o que infelizmente não ocorreu.

Na verdade, o quadro de traição enfrentado por Davi era bem mais


complicado. O cérebro do plano para destruí-lo era um homem
chamado Aitofel. Ele fora o seu principal conselheiro, mas agora
havia aderido a Absalão em uma trama mortal. Ele era um homem
com tanta inteligência e sabedoria de Deus que a Bíblia testifica:
“Naquela época, tanto Davi como Absalão consideravam os
conselhos de Aitofel como se fossem a palavra do próprio Deus” (2
Sm 16:23).

Obviamente, a atitude de Aitofel em aderir à amargura de Absalão


não aconteceu por um motivo qualquer. Ele era o avô de Betseba,
cuja família fora destruída por Davi. Portanto, agora ele não
economiza esforços para aniquilá-lo.

Referindo-se a ele, Davi expressa o seu grande pesar: “Até o meu


melhor amigo, em quem eu confiava e que partilhava do meu pão,
voltou-se contra mim”

(Salmo 41:9).

“Se um inimigo me insultasse, eu poderia suportar; se um adversário


se levantasse contra mim, eu poderia defender-me; mas logo você,
meu colega, meu companheiro, meu amigo chegado, você, com
quem eu partilhava agradável comunhão enquanto

136 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges íamos com a multidão festiva para a casa de Deus!” (Salmo
55:12-14).

Mas, ao interceder por Absalão, Davi discerne a base que


sustentava aquela implacável conspiração e reverte toda a situação,
já aparentemente perdida, com uma só oração:

“Quando informaram a Davi que Aitofel era um dos conspiradores


que apoiavam Absalão, Davi orou: Ó Senhor, transforma em loucura
os conselhos de Aitofel” (2 Sm 15:31) Ao se quebrantar diante desta
terrível prova da traição, escolhendo o caminho da intercessão e da
oração, a resposta de Deus vem a tempo, na hora certa:
“Absalão e todos os homens de Israel consideraram o conselho de
Husai, o arquita, melhor do que o de Aitofel; pois o Senhor tinha
decidido frustrar o eficiente conselho de Aitofel a fim de trazer ruína
sobre Absalão”

(2 Sm 17:14).

Aitofel é conhecido como o “Judas” do Antigo Testamento. Aquele


que depois de trair a Davi, sabendo que o seu plano havia sido
descartado por Absalão, enforcou-se, dando cabo à sua própria
vida.

A ferida do adultério - 137

“Vendo Aitofel que o seu conselho não havia sido aceito... pôs seus
negócios em ordem, e depois se enforcou. Ele foi sepultado no
túmulo de seu pai” (2 Sm 17:23).

Depois de sobreviver a toda esta traição, posicio-nando-se como um


intercessor, sem desembainhar uma espada sequer, antes
submetendo-se à disciplina divina e esperando no Seu favor, Davi
foi aprovado. Apesar de tantas perdas e mortes, Davi era agora um
homem muito melhor do que antes de cometer aquele adultério.

Conclusão

Depois de tudo isso, discernindo a visitação e o tempo do castigo,


suportando calado toda a correção e afronta, sendo aprovado em
todas essas questões, Davi teve o seu trono restituído, e ainda foi
reconhecido por Deus como sendo um “homem segundo o seu
coração”. Certamente Deus não tem os preconceitos que nós
temos. Apesar da hediondez do seu pecado e dos agravantes que
sucederam, Deus o restaurou.

“Achei a Davi, filho de Jessé, varão conforme o meu coração, que


executará toda a minha vontade” (At 13:22).
“Manterei o meu amor por ele para sempre, e a minha aliança com
ele jamais se quebrará” (Salmo 89:28).

138 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Depois de passar pela prova da reputação, humilhando-se
publicamente; pela prova da posição, renunciando todo o seu status
e os seus bens; pela prova do apedrejamento, suportando as
afrontas de Simei e de todos os seus inimigos; e pela prova da
traição, intercedendo por Absalão, Davi foi restaurado.

Aquele que fora infiel à aliança, agora exibe uma lealdade inabalável
e perpétua para com Deus. Esse é o poder de um quebrantamento
completo que glorifica a cruz de Cristo. Deus continua tendo um
plano para os que saem do plano!

Capítulo 7

O Divórcio e o Sacerdócio

O fator decisivo é o conselho sacerdotal O sacerdócio bíblico

Um dos principais aspectos da construção da sociedade israelita


estava associada ao sacerdócio. Atualmente, quem cumpre este
papel na sociedade é a Igreja de Cristo, não a institucional, mas
aquela formada por todos aqueles, de todos os povos, línguas,
tribos e nações, que justificados em Cristo, nasceram de novo e
foram remidos pelo sangue do Cordeiro, especialmente aqueles que
desempenham uma função de liderança e ancionato.

“Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa,


povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que
os chamou das trevas para a sua mara-vilhosa luz” (I Pe 2:9).

O sacerdote é uma pessoa comissionada e treinada para interceder


pelos necessitados, motivada pela compaixão divina. A palavra
sacerdócio pode soar como algo apenas religioso, mas, na Bíblia, o
140 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA
Borges sacerdócio compreendia as principais profissões que eram e
ainda são essencialmente necessárias para o bom funcionamento
de qualquer sociedade.

O sacerdote trabalhava como pastor, juiz, médico, policial,


investigador, músico, cozinheiro, conselheiro familiar, advogado etc.
O sacerdócio prima pela inteligência divina nestas especialidades
que visam servir ao público. O sacerdote é aquele que intercede
espiritualmente, cientificamente, moralmente, judicialmente etc.,
viabilizando soluções que salvaguardam e restauram o indivíduo e a
sociedade.

Como o sistema de governo praticado era a teocracia, a tribo de


Levi foi divinamente encarregada de desempenhar várias profissões
que ministravam diretamente as necessidades do povo nas diversas
áreas da vida. Eram serviços tão importantes que Deus estava
dando a eles uma conotação sagrada.

Estudar o NT ignorando a construção feita pelo AT sobre o


sacerdócio produziu um erro crasso, ou seja, apenas o ofício
eclesiástico é “sagrado” e os demais “seculares”. Isto desconectou
estas profissões e profissionais de muitos princípios, verdades e
valores bíblicos. O NT não veio para substituir o AT, mas para ser
uma continuação.

Na verdade, quando se trata do âmbito vocacional, a Bíblia não


aplica a distinção entre sagrado e secular. Toda profissão exercida
com a motivação de glorificar a Deus e servir ao próximo é sagrada.
Por isso

O Divórcio e o Sacerdócio - 141

o Novo Testamento define a Igreja como “sacerdócio real”. Todo


cristão é um sacerdote e deve usar a sua vocação, profissão e dons
para glorificar a Deus e servir compassivamente aos que
necessitam.
O sacerdócio e a família

Aplicando esta compreensão ao tema do divórcio, vamos destacar


uma importante atribuição do ministé-

rio sacerdotal que é funcionar como juiz, conselheiro, reconciliador,


principalmente em relação às questões que envolvem a família.

De todas as esferas de influência da sociedade, a família é a


principal. Todo ser humano pertence a uma família. Esta é uma área
de muitos conflitos que podem influenciar seriamente o destino da
nova geração.

Toda fragmentação familiar é trágica e deixa sequelas existenciais e


geracionais. Por isso, uma das principais responsabilidades de todo
pastor ou líder eclesiástico é desenvolver inteligência para cuidar
das famílias que se colocam sob a cobertura do seu ministério.

Muitas situações conjugais ficam tão críticas a ponto de se


desintegrarem. Tantos casos de pessoas na igreja já separadas,
divorciadas, recasadas ou em processo de separação e divórcio que
carecem de intermediação, apoio, conselho, acompanhamento,
direcionamento, ou seja, uma intervenção sacerdotal.

Porém, o que se percebe na prática é que muitas destas


intervenções deixam muito a desejar. Algumas

142 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges são totalmente imaturas e legalistas, outras superficiais e
irresponsáveis, e outras ainda abusivas e destrutivas. Não digo isso
em um tom de julgamento, mas de despertamento.

Perícia sacerdotal

O sacerdote precisa ser uma pessoa que anda no caminho da


integridade, dedicada ao conhecimento de Deus e bem
ferramentalizada. Vejamos bem resumidamente alguns atributos
relacionados ao conceito de lei e justiça que determinam a pericia
de um conselheiro e que precisam ser desenvolvidos:

• Coerência: bom testemunho, ter sido provado e aprovado em


relação ao que ensina. Ser coerente não significa não cometer
erros, mas saber reconhecê-los caso eles aconteçam. Não tem
como alguém ser coerente sem ter um espírito humilde e ensinável.

• Maturidade: experiência suficiente para suportar as fraquezas


alheias sabendo exercer a correção, estabelecendo um equilíbrio
entre misericórdia e severidade, compaixão e rigor, de acordo com
cada pessoa e situação.

• Equidade: não fazer distinção entre as pessoas concedendo


privilégios injustos ou fundamentados em interesses próprios ou
preconceitos pessoais.

O Divórcio e o Sacerdócio - 143

• Imparcialidade: no aconselhamento lida-se com conflitos que


envolvem várias partes. Quanto menor o desconhecimento da
situação mais chances temos de sermos imparciais. A grande luta
da imparcialidade é contra a ignorância do caso e a dissimulação
das pessoas envolvidas. Por isso é tão importante o conceito de
tribunal, onde você pode ouvir e acarear todos os argumentos
disponíveis de ambas as partes.

• Justiça: fundamenta-se não apenas no conhecimento da lei, mas


na compreensão do espírito da lei.

Disto vem a capacidade de contextualizá-la e interpretá-la de forma


apropriada em virtude da exposição de todos os fatos que podem
ser comprovados.

• Bom senso: é a capacidade moral e intuitiva do ser humano ligada


às noções de sabedoria e de razoabilidade. Na maioria das vezes é
impossível obter uma solução ideal, perfeita; por isso, ser razoável
viabiliza as melhores soluções ou, em alguns casos, as menos
piores.

LEI E JUSTIÇA

Vamos aprofundar um pouco a conversa estabelecendo um


discernimento simples, mas fundamental para lidarmos com as
questões relacionais: a importante diferença entre lei e justiça.

144 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges

“Poderá um trono corrupto estar em aliança contigo? Um trono que


faz injustiças

em nome da lei? Eles planejam contra a vida dos justos e


condenam os inocentes à morte”

(Salmo 94:20,21).

Neste texto, o salmista confronta a corrupção de governantes que,


estrategicamente, fazem uso da lei para destruir os justos e
condenar inocentes com o intuito de satisfazerem as suas ambições
e os seus interesses escusos. Esta é a mais destrutiva forma de
legalismo. A injustiça travestida pela legalidade. Como isto
normalmente parte de pessoas empoderadas por uma posição,
revela-se um caráter intencionalmente corrupto, covarde e sinistro.

Isto nos ajuda a entender mais claramente como lei e justiça são
coisas diferentes. A lei estabelece a forma como devemos nos
conduzir. A justiça está ligada à lei, mas maiormente à forma como a
lei deve ser interpretada e aplicada em cada tipo de situação em
virtude de um julgamento imparcial.

No campo das questões judiciais não temos uma ciência exata. A


mesma lei que serve para condenar, também serve para inocentar
alguém que aparentemente a violou. Cada caso é um caso. A lei
não pode ser usada isoladamente, sem uma interpretação do caso.

Por exemplo: “não matarás”. Uma pessoa que mata supostamente


deve ser condenada. Porém se

O Divórcio e o Sacerdócio - 145

o homicídio que ela cometeu foi comprovadamente em legítima


defesa, ou no exercício legítimo da função policial, como a vida da
pessoa que cometeu o homicí-

dio estava em risco de morte, a mesma lei que deveria condená-la


será usada para inocentá-la.

Isto pode ocorrer em diversas contingências da vida gerando


conflitos que exigem a competência de um tribunal ou, nos casos
eclesiásticos, de uma junta pastoral. Na cultura hebraica havia o
Sinédrio, composto por sacerdotes e anciãos que se incumbiam de
julgar as demandas mais importantes do povo.

Na igreja primitiva observamos um concílio formado pelos apóstolos


e anciãos (At 15:6). Infelizmente, este preceito tornou-se raro ou
ausente na vida da grande maioria das igrejas atuais.

A lei e o sacerdócio

Biblicamente falando, existem dois poderes para a construção de


uma decisão judicial: a lei e o sacerdote (Juiz). Não podemos
separar a lei do sacerdote.

A lei estabelece um referencial básico para o veredito, mas o


sacerdote (juiz) estabelece a interpretação mais adequada de como
essa lei pode ou deve ser aplicada.

“Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e


da sua boca devem os homens buscar a lei porque ele é o mensa-
geiro do SENHOR dos Exércitos” (Ml 2:7).

146 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Se você tem a lei, mas não tem um juiz moralmente
competente e imparcial que aplique com bom senso a lei de acordo
com a especificidade da situação, o resultado poderá ser trágico,
injusto.

De outra forma, se você tem o magistrado, mas negligencia a lei, o


resultado será uma arbitrariedade.

Como se diz na gíria, uma “carteirada”. A lei demanda o bom senso


de alguém que a conheça, que saiba interpretá-la em cada caso, e
que a aplique condignamente.
A responsabilidade sacerdotal no NT
“Se algum de vocês tem queixa contra outro irmão, como ousa
apresentar a causa para ser julgada pelos ímpios, em vez de levá-la
aos santos? Vocês não sabem que os santos hão de julgar o
mundo? Se vocês hão de julgar o mundo, acaso não são capazes
de julgar as causas de menor importância? Vocês não sabem que
haveremos de julgar os anjos?

Quanto mais as coisas desta vida!... Digo isso para envergonhá-los.


Acaso não há entre vo-cês alguém suficientemente sábio para julgar
uma causa entre irmãos?” (1 Co 6:1-5).

A principal crise da igreja está relacionada à maturidade sacerdotal.


Esta é a grande questão levantada pelo apóstolo Paulo: “Vocês não
sabem que haveremos

O Divórcio e o Sacerdócio - 147

de julgar os anjos? Quanto mais as coisas desta vida!”

A Igreja é formada por pessoas. Todo relacionamento está


potencialmente sujeito a conflitos. Alguns conflitos eclesiásticos
demandam uma intervenção judicial exercida por pessoas santas,
maduras, separadas e preparadas para tal.

O divórcio é “legalmente” uma competência do Governo, mas


“moralmente” uma competência da Igreja. Esses casos devem ser
submetidos a pessoas dedicadas ao ministério pastoral,
conselheiras, paci-ficadoras, que conhecem a Deus e estão
sintonizadas com o princípio de ordem e moral que Ele estabeleceu.

Como já explicamos, precisamos atentar à realidade de que


qualquer lei pode facilmente ser aplicada de forma injusta, distorcida
e mal intencionada.
Principalmente nos casos envolvendo conflitos conjugais e divórcio,
a lei na forma de um texto bíblico, aplicada de forma alheia aos
fatos, isolada do contexto, ou aplicada generalizadamente a todos
os tipos de situações fere o bom senso e vai produzir injustiça e
piorar ainda mais a situação.

Existe uma distância entre a lei e o conselho. Essa distância é o


discernimento sacerdotal, que precisa ser presente e evidente para
o desenvolvimento da Igreja.

Este foi o teor da bronca que Paulo deu aos crentes de Corinto,
especialmente aos líderes: “Se vocês hão de julgar o mundo, acaso
não são capazes de julgar as causas de menor importância?”

148 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Em se tratando de conflitos relacionais, a lei precisa vir, não
apenas de um versículo bíblico, mas da boca de um sacerdote, ou
de um concílio de anciãos, pessoas maduras, cujos lábios
entesouram o conhecimento em três dimensões:

• O conhecimento da natureza de Deus,

• O conhecimento da natureza da lei,

• O conhecimento da natureza do caso.

O TRIPÉ DO ACONSELHAMENTO PASTORAL


1. A natureza de Deus
A natureza de Deus não se fundamenta em uma motivação punitiva,
como muitos supõem na sua ignorância espiritual. Deus,
absolutamente, não tem prazer na destruição do ímpio. Obviamente
se o ímpio persiste na sua impiedade, acabará sendo destruído.

A vontade de Deus se revela explicitamente no desejo de que todos


se salvem. A sua natureza é per-doadora, redentora, reconciliadora.
Quando erramos, tudo o que Deus almeja como um Pai amoroso é
nos corrigir, ou seja, nos salvar de nós mesmos.

Toda situação envolvendo conflitos conjugais deve, invariavelmente,


ser conduzida enfatizando a possibilidade de uma reconciliação.
Apesar de não podermos impor isto sobre ninguém, todavia, a
motivação essencial de todo conselheiro precisa estar
fundamentada na reconciliação. Esta é a essência da

O Divórcio e o Sacerdócio - 149

natureza divina. É um trilho do sacerdócio. Todo sacrifício,


maiormente o de Jesus no Calvário, teve um só objetivo: a
reconciliação.

“Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não


lançando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a
mensagem da reconciliação. Portanto, somos em-baixadores de
Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso
intermédio. Por amor a Cristo lhes suplicamos: Reconciliem-se com
Deus” (2 Co 5:19,20).

Enquanto a reconciliação exige um exercício de humildade,


quebrantamento, arrependimento e maturidade, a separação
conjugal desenvolve o orgulho, a dureza e a destruição. São
caminhos opostos. Não perca isto de vista: o cerne da natureza
divina é a reconciliação. Em qualquer situação de conflito, este é o
“plano A” de Deus. Não há outro caminho para a superação e a
maturidade.
2. A natureza da lei
A natureza da lei está fundamentada no amor a Deus e ao próximo.
Toda atitude que prejudica ao outro e que não gostaríamos que
fizessem conosco é injusta e pecaminosa. Está em oposição à
natureza da lei divina.

150 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges

“Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua


alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e maior
mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo
como a si mesmo’.

Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt


22:37-40).

A lei do amor propicia que todo relacionamento seja viável, possa


ser ajustado, dar certo. Qualquer casamento pode ser restaurado,
ainda que tenha passado por sérias crises. Esta é a lógica do amor
que se fundamenta não em um sentimento, mas em um
mandamento, no compromisso supremo de honrar a aliança feita, a
despeito dos conflitos.

A grande chave para um relacionamento conjugal em crise ser


restaurado resume-se simplesmente neste discernimento da
natureza da lei. Existem momentos, que eu diria que é importante
um casal irar, brigar, discutir, expor as suas expectativas, mas não
podem demorar nisto.

Enquanto o casal insiste em uma plataforma de contendas, brigas,


responsabilizando um ao outro pelo insucesso do relacionamento,
supervalorizando questões irrisórias, defendendo cegamente as
suas feridas, eles irão se autodestruir.
Em contrapartida, quando ambos decidem assumir cada um a sua
responsabilidade de aceitar o outro

O Divórcio e o Sacerdócio - 151

como ele é, mesmo que o outro não mude naquilo que ele gostaria,
as tensões vão sendo substituídas por um sólido ambiente de paz,
superação e maturidade. Este é o poder do quebrantamento.

Não existe situação que não possa ser resolvida quando as pessoas
estão abertas para ceder. Esta é a lógica da reconciliação. Não é
endurecer, mas ceder. O

grande desastre é quando a pessoa pensa que a solu-

ção está no outro e não nela. Neste erro de paradigma reside o


endurecimento do coração que é o princípio ativo do divórcio.

A chave é aceitar um ao outro como ele é, sem cobrar nada, sem


acusações, abraçando o desafio de mudar na própria vida aquilo
que pode beneficiar o relacionamento. Isto é um verdadeiro
exercício de piedade que sempre produz resultados sólidos. A boa
colheita vem.

A natureza da lei se fundamenta no amor que só pode ser exercido


através de uma profunda revelação da cruz. A cruz não é o outro,
não é o cônjuge ou as atitudes dele que nos incomodam e nos
fazem infelizes, mas reside na responsabilidade de negar a nós
mesmos em prol de uma vida reconciliada com ele.

A natureza da lei não se fundamenta na superficialidade de quem


está certo ou tem razão, mas no amor sacrificial que honra a
aliança, respeita as diferenças, suporta as fraquezas e acredita na
mudança.

152 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges 3. A natureza do caso
“O primeiro a apresentar a sua causa parece ter razão, até que
outro venha à frente e o questione” (Pv 18:17).

Este texto mostra como podemos construir um falso senso de razão


quando não temos acesso às informações necessárias. A base do
julgamento é o conhecimento. Só a verdade liberta.

Por que não devemos ser precipitados em julgar pessoas e


situações alheias? Se formos honestos, não é difícil admitirmos que
na grande maioria das vezes que exercemos um julgamento não
possuímos nem 10% do conhecimento de toda a verdade. Estamos
nos baseando muito mais na impressão que temos ou em boatos
que ouvimos do que na verdade crua, que normalmente é muito
diferente, às vezes até contrária ao que está aparentando.

Jamais devemos nos permitir tirar uma conclusão ouvindo apenas


um lado da história. Judicialmente falando este é um erro crasso,
mas muito praticado. Isso é uma armadilha. É precipitado. Uma
interpretação feita com parcialidade é a base da injustiça. Acabamos
tirando conclusões erradas que nos levam a decisões destrutivas.

Vejamos esta resposta que Jesus deu a uma situação que envolvia
uma demanda familiar:

O Divórcio e o Sacerdócio - 153

“Alguém da multidão lhe disse: “Mestre, dize a meu irmão que divida
a herança comi-go. Homem, quem me designou juiz ou árbitro entre
vocês?“ (Lc 12:13,14).

Pelo texto, percebemos que este homem não estava pedindo a


Jesus justiça, mas arbitrariedade.

Como sacerdote idôneo, Jesus não se precipitou. Ele


confrontativamente se recusou a interferir na situação.
Ele não tinha a conivência de ambas as partes e muito menos o
conhecimento necessário do caso.

É aqui que muitos, ingenuamente se precipitam e caem na


armadilha. Uma intervenção imprudente e arbitrária produz dor e
quem age assim pode esperar uma reação violenta: “Como alguém
que pega pelas orelhas um cão qualquer, assim é quem se mete em
discussão alheia” (Pv 26:17).

Para entendermos a verdadeira natureza do caso, precisamos


ganhar a confiança de ambas as partes e depois ganhar
conhecimento da situação. Pequenos detalhes podem fazer uma
grande diferença. Quando intermediamos uma situação de divórcio
precisamos fazer todas as perguntas. E não são poucas.

Normalmente eu ouço muitas pessoas, elas vo-mitam as suas dores


e amarguras, criticam pessoas, criticam o cônjuge, criticam igrejas,
criticam líderes.

Até um certo ponto penso que é importante todo esse desabafo,


porém, jamais me permito tirar al-

154 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges guma conclusão sem ter a oportunidade de ouvir o outro
lado.

Principalmente nos casos envolvendo crises conjugais, quando o


conselheiro cai nesse tipo de cilada, ele compromete a sua
neutralidade. Isto, ao invés, de pacificar a situação, vai produzir
mais injustiça e feridas, dificultando ainda mais o processo de
restauração.
Um paradigma equivocado
O maior problema na forma como a maioria dos conselheiros lida
com os casos de divórcio é que eles partem de um paradigma
errado que se resume em usar algum versículo bíblico específico,
aplicando-o generalizadamente a todos os casos. Sem desmerecer
o zelo dessas pessoas, apesar deste ser um erro crasso, é
praticado despercebidamente pela maioria. Alguns livros sobre
divórcio resumem-se apenas neste tipo de abordagem.

Usar um texto fora do contexto, ou um texto casual como uma regra,


estabelece um pré-julgamento. O

pré-julgamento destrói o sacerdócio e promove o legalismo. Priva as


pessoas da ajuda necessária. Se você já tem um texto que pode ser
usado como uma regra, já não existe necessidade de um
aconselhamento. A sentença já está pronta e a causa perdida. Em
alguns casos este tipo de posicionamento pode fazer sentido, mas
em outros viola princípios. Por isso a máxima de que “ninguém pode
ser condenado antes de ser jul-gado por um tribunal justo e
competente”.

O Divórcio e o Sacerdócio - 155

Este tipo de equívoco produz uma perspectiva parcial e imatura que


se evidencia através de declarações legalistas e doutrinas injustas.
Vamos elaborar isto melhor.

Pode parecer muito espiritual quando alguém usa ou menciona um


texto bíblico exercendo um julgamento. Tem aparência de zelo, e
muitas vezes a motivação da pessoa é zelo mesmo, porém sem
entendimento, imprudente. Toda palavra que decide a vida ou o
destino de pessoas e relacionamentos precisa ser avaliada,
provada, ponderada, lapidada, desenvolvida. Nisto reside a
excelência e a inteligência de um conselho sacerdotal que pode ser
um divisor de águas.

Uma palavra, um texto bíblico, precisa estar co-nectado com o


tempo, o modo, a situação, o contexto etc. Cada versículo sobre
separação e divórcio na Bíblia está inserido em alguma história
particular e em um contexto específico que não podem ser
ignorados.

Quando estudo os evangelhos, uma percepção clara que tenho é


sobre o aspecto profético de tudo que Jesus falava e fazia. Cada
sermão, cada palavra tinha um endereço. Vinha ao encontro de
necessidades latentes, confrontando pecados e desvendando os
segredos do coração de pessoas presentes, cujas situações a Bíblia
nem sempre informa.

Por isto temos tantos sermões diferentes, com aplicações distintas


sobre um mesmo texto. Obviamente a palavra de Deus é sempre
viva e continua

156 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges podendo tornar-se profética para todos os que se relacionam
com ela. Todavia, o profético não se força.

Não posso simplesmente pegar o texto que Pedro andou sobre as


águas, me apropriar mentalmente dele, e querer também flutuar
sobre um lago.

O que de fato motivou Jesus a falar as coisas que ele falou sobre o
divórcio no momento em que ele falou? Poderíamos pensar em
várias respostas: um mau exemplo de uma pessoa da elite
sacerdotal, algum caso público de injustiça, uma cultura que
distorcia a natureza do propósito divino, consolar o coração de uma
mulher repudiada etc.

O que estou tentando dizer com este raciocínio é que “até as


declarações feitas por Jesus sobre o di-vórcio podem ser
usadas de forma ilegítima, quando aplicadas
generalizadamente”.

Quando um conselheiro fundamenta o seu julgamento usando um


ou outro versículo como um clichê, sua cosmovisão para se mover
na situação está comprometida. Não tem como chegar ao endereço
certo usando o mapa errado.

Por exemplo, algumas linhas doutrinárias pegam carona em uma


declaração feita por Jesus, afirmando que havendo adultério a
pessoa estará respaldada para divorciar: “... a não ser por causa de
prostituição” (Mt 5:32). Em alguns casos talvez isso seja aplicável,
mas não podemos pegar estas palavras de Jesus acerca de uma
situação particular e fazer delas uma regra geral.

O Divórcio e o Sacerdócio - 157

Já vi situações onde uma pessoa intencionalmente empurra o


cônjuge para um adultério com o intuito de justificar o seu repúdio.
Apesar disto ser absurdo, infelizmente é frequente. A pessoa
simplesmente torce para a queda do cônjuge. Ela se nega
sexualmente, dá dicas e até cria situações para a pessoa se
envolver em um caso extra conjugal, tudo com o intuito de encobrir
o fracasso do seu caráter e a dureza do seu coração.

De outra sorte, tenho acompanhado muitos casos onde apesar de


ter ocorrido uma infidelidade, coexistem circunstâncias e
prerrogativas que se forem bem trabalhadas através de um
processo de aconselhamento, uma restauração pode ser facilmente
implementada. Jamais podemos perder o referencial de que a
essência do caráter de Deus e o trilho do aconselhamento é a
reconciliação.

Vamos tomar um outro exemplo, analisando mais profundamente o


seu contexto bíblico:
“Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério; e
aquele que casa com a mulher repudiada pelo marido também
comete adultério” (Lucas 16:17, 18).

Este é um texto estranho, e soa incoerente quando pensamos em


aplicá-lo generalizadamente.

Neste caso, literalmente falando, tanto o homem que repudiou para


se casar de novo, quanto o que se ca-

158 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges sou com a repudiada estariam em adultério, ou seja,
espiritualmente encrencados. Será que isto seria uma sentença que
pode ser aplicada a todos os casos de divórcio? Penso que não.

Então, qual seria o contexto? É essencial atentar-mos para quem


estas palavras estão sendo dirigidas e em quais particularidades e
contexto. Isto sempre tem uma certa dose de especulação, mas o
meu intuito é focar no bom senso. Sob esta ótica podemos tirar
algumas conclusões.

Vejamos o texto todo e logo após algumas considerações objetivas


que nos ajudam a contextualizar a fala do Mestre:

“Os fariseus, que eram gananciosos, ouviam todas essas coisas e


zombavam dele. Mas Jesus lhes disse: Vós sois os que vos
justificais diante dos homens, mas Deus conhece o vosso coração;
pois o que é elevado entre os homens, perante Deus é abominação.
A lei e os profetas vigoraram até João; a partir de então, o
evangelho do reino de Deus é anunciado, e todo homem se esforça
por entrar nele. Todavia, é mais fácil o céu e a terra passarem do
que cair um pequeno ponto da lei. Todo aquele que se

divorcia de sua mulher e casa com outra co-

mete adultério; e quem casa com a divorciada


também comete adultério. Havia um homem

O Divórcio e o Sacerdócio - 159

rico que se vestia de roupas de púrpura e de linho finíssimo, e todos


os dias se banqueteava com luxo...” (Lc 16:14-19).

1. A palavra para repudiar ou divorciar neste texto é “apoluo” que


significa: libertar, deixar ir, despedir, mandar partir, despedir. Quer
dizer, o homem simplesmente deixava a sua mulher na mão, não lhe
restando outra alternativa senão ir embora. Ao mesmo tempo que
ela estava “livre” teria que se virar sozinha para recomeçar a sua
vida. Estava sendo substituída. Jesus responsabilizou estes homens
pela desobrigação da mulher. A aliança de casamento era
simplesmente banalizada pelo homem.

Jesus está lidando com uma cultura injusta e machista de coisificar


a mulher, tratando-a como um ser inferior, como um utensílio que
pudesse ser trocado a qualquer momento e por qualquer motivo.
Uma possibilidade a ser considerada é que Jesus está protegendo
essas mulheres que caíam nas garras desse tipo de gente,
desencorajando esta prática.

2. A palavra “quem” , no lit. “pas” inclui todas as formas de


declinação, podendo ser traduzida como

“alguém” ou como “todo”. Isto é um artifício da ética profética e


indica que Jesus estava se referindo a al-guém da plateia ou a
qualquer um presente que agisse da mesma forma.

160 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Por sorte, Lucas deixa claro a “quem” Jesus está se
referindo: “Os fariseus, que eram gananciosos, ouviam todas essas
coisas e zombavam dele”. Neste caso o “quem” nos ajuda a
entender o “porquê” , como veremos adiante.
Apesar de ocuparem a mais elevada posição de sacerdócio estes
“homens” tinham uma vida moral reprovada. Eram avarentos,
orgulhosos, dissimulados, agindo com desprezo e ridicularização às
coisas que Jesus ensinava na tentativa de alertá-los. Eles
simplesmente zombaram do julgamento que Jesus fez sobre eles,
justificando a si mesmos. O comportamento destes homens
montava um quadro abominável para Deus.

3. É só termos um pouco de atenção e bom senso para


percebermos que o contexto central do sermão de Jesus é dinheiro,
avareza, cobiça, homens que faziam qualquer coisa: se vendiam,
negociavam princípios e pessoas por dinheiro. Torciam a própria lei
prostituindo o casamento e a família.

Não podemos pegar este versículo sobre o divórcio isolando-o do


sermão que Jesus estava fazendo. O

divórcio era apenas um detalhe da impiedade daqueles líderes. A


declaração feita por Jesus sobre o divórcio está exatamente no meio
de duas histórias: a parábola do administrador infiel e a parábola do
rico e do mendigo. Jesus termina com um veredito fulminante: o rico
foi para o inferno e o mendigo para o seio de Abraão.

O Divórcio e o Sacerdócio - 161

4. Veja bem que este versículo 18 sobre o divórcio parece estar


perdido, isolado no texto todo, deixando claro que o contexto tanto
de quem repudiava a mulher como de quem casava com a
repudiada é mercenário, impiedoso.

A cultura de divórcio praticada e alimentada por estes líderes foi


apenas um detalhe da pregação de Jesus, e não uma regra para ser
usada generalizadamente.

Jesus confronta duramente não apenas o homem que repudiava a


mulher, mas aqueles que por motivos também corruptos se
aproveitavam dessa situação de fragilidade e necessidade dela,
concordando e alimentando essa cultura de coisificar a mulher: “e
aquele que casa com a mulher repudiada pelo marido também
comete adultério.”
Conselho e regra
Este é o discernimento onde precisamos chegar.

Só leis, regras, versículos isolados não são suficientes para


estabelecer de forma conclusiva um conselho em situações
existenciais tão complexas como as que envolvem um divórcio.

A lei sem o sacerdócio, assim como o sacerdócio sem a lei torna-se


incompetente. É essencialmente necessário um relacionamento
entre a lei e o sacerdócio.

Cada caso exige a construção de um conselho, e um conselho


nunca é uma regra, jamais pode ser doutrinado.

162 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges O conceito de conselho se fundamenta na singularidade do
caso, situação ou conflito. Existe uma diferença essencial entre o
conselho e a regra. O

conselho se fundamenta na singularidade e a regra na generalidade.


Fazer de um conselho específico uma regra generalizada é
contraditório, imprudente, equivocado, e vai colocar em risco a vida
e o destino de muitas pessoas e relacionamentos.

Portanto, nas questões envolvendo conflitos ou demandas


relacionais não devemos nos basear “apenas” nas informações
bíblicas para estabelecer uma sentença generalizada. Para cada
caso precisamos de juízo, bom senso, um discernimento sacerdotal.
O conselho e a Cruz
Tem um ditado que diz que “se conselho fosse bom, não seria de
graça”. Essas pessoas interpretam negativamente o conselho
porque na maioria das vezes quando procuram um conselho, no
fundo, o que mais necessitam é de serem, de fato, quebradas na
sua vontade. Como não estão dispostas a isso, se arrependem de
terem buscado o conselho.

Buscam uma aprovação para o seu engano, mas no fundo o que


realmente precisam é de alguém que fale, não o que elas querem
ouvir, mas o que precisam de ouvir.

O conselho que vem de Deus está na contramão das nossas


feridas, argumentações, orgulho, egoísmo, etc. O

O Divórcio e o Sacerdócio - 163

verdadeiro aconselhamento pastoral se fundamenta no encontro do


quebrantamento humano com a sabedoria da Cruz. O escritor de
provérbios diz: “O avisado desvia-se do mal, o simples vem e sofre
a pena” (Pv 27:12). Um bom conselho faz toda a diferença.
A anatomia do conselho
Resumindo, o conselho requer uma construção trabalhosa,
principalmente nos casos envolvendo conflitos conjugais. Vejamos
alguns elementos indispensáveis:

• Ouvir

Uma escuta ativa, não apenas com os ouvidos, mas com os olhos
da atenção e do discernimento. Um exame específico da situação
sob todos os ângulos possíveis. Um conflito conjugal que ameaça a
integridade do matrimônio carrega uma história específica que deve
ser conhecida e diagnosticada.

• Compaixão, entender a pessoa Precisamos mais que ouvir os


vários lados das histórias, precisamos entender as pessoas,
entendendo o conflito delas do ponto de vista delas. Isto não
significa que não poderemos discordar, mas este exercício de
piedade e compaixão desarma os mecanismos de defesa,
aprofundando o processo e viabilizando a restauração. Desta forma
as pessoas se abrem para uma

164 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges ajuda eficaz. A compaixão nivela o conselheiro com o
aconselhado, e ambos com a presença de Deus.

• Conduzir-se pelo trilho da reconciliação Nortear-se sempre


levando em conta a revelação mais significativa do caráter de Deus
para as questões relacionais que se fundamenta na reconciliação.

• Conhecimento

Dominar o conhecimento das verdades, princípios e leis que


promovem tanto a inteligência emocional quanto a inteligência
moral.
• Discernimento entre repúdio e divórcio; moral e legal; lei e
justiça; conselho e regra Capacidade de contextualização, uma
aplicação justa e apropriada dos princípios e verdades bíblicos.

• Prudência

Orientações e decisões bem amadurecidas, pen-sadas, oradas.

• Discernir a disciplina necessária Coragem para confrontar e


implementar orienta-

ções e disciplinas necessárias. Uma disciplina torna-se


indispensável quando se requer um processo de recuperação,
principalmente ao se lidar com maus hábitos, comportamentos de
vício e cadeias pecaminosas.

O Divórcio e o Sacerdócio - 165

• Acompanhamento paciente

Isso dá trabalho, e muitos pastores não querem isso, ou realmente


não têm tempo para isso. Se este é o caso, precisam se armar de
uma equipe capacitada neste sentido. Amar dá muito trabalho, e
como líderes, precisamos fazer o Corpo funcionar. Em se tratando
de conflitos conjugais, uma ação bem funcional é promover que os
casais mais maduros e estáveis cuidem dos casais em conflito.

Conclusão

Aproximadamente metade dos casais que chegam às nossas igrejas


estão enfrentando problemas no casamento ou já passaram por
outros casamentos.

O principal aspecto da crise relacionada aos conflitos conjugais e


familiares fundamenta-se principalmente na superficialidade do
ministério sacerdotal, ou seja, a escassez de líderes maduros e
competentes.
Muitos líderes até evitam atender esses casos, vezes por não
saberem mesmo como lidar, vezes por medo de confrontar, vezes
por falta de disponibilidade e vezes simplesmente por falta de
disposição.

Na cultura hebraica, o sacerdote desempenhava não apenas o


ofício de todo cerimonial dos sacrifícios, mas, principalmente, o
papel de cuidar das feridas do povo, como também das questões e
demandas relacionais.

Situações envolvendo separação de casais e divórcio precisam de


uma atenção prioritária. Todo

166 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges divórcio precisa passar pelo crivo e acompanhamento, de
preferência, de uma junta pastoral. Penso que esta deva ser uma
competência mais da Igreja do que do Estado. Pessoas
dedicadas a Deus, que sabem como levar em consideração todos
os aspectos relevantes da situação, construindo assim orientações,
decisões e conselhos necessários para resolver, superar ou
minimizar as sequelas.

Capítulo 8

Transformando uma

Cultura de Divórcio em

uma Cultura de Casamento

Existem muitos tipos de fortalezas espirituais, e, sem dúvida, uma


das maiores delas é a cultura. A cultura dita comportamentos
estabelecendo valores e crenças que podem ir do absurdo ao
necessário, do doentio ao saudável, do construtivo ao destrutivo. A
palavra cultura vem de “culto”, ou seja, um objeto de devoção que
se transforma em um “costume”, uma regra de conduta social
adotada por uma quantidade significativa de pessoas.
Identificamos a ação estratégica de Satanás pelas culturas
estabelecidas, principalmente quanto elas se opõem aos valores
morais do reino de Deus. Isto varia de lugar para lugar. Por
exemplo, podemos identificar em muitos lugares a cultura da
“esperteza” (desones-tidade), da corrupção (propina), da mãe
solteira, do amasiamento, do divórcio...

Portanto, uma fortaleza maligna é estabelecida quando uma pessoa


ou sociedade passa a aceitar de

168 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges forma passiva uma situação moralmente destrutiva como
sendo algo normal. Para este tipo de confronto é que fomos
chamados.

Considerações importantes

• Primeiramente, o propósito desta abordagem de forma alguma visa


trazer condenação, mas viabilizar soluções. O reino de Deus exige
mudanças radicais, mas nunca deixa de ser inclusivo e oportuno.

Aproximadamente a metade dos casais que chegam em nossas


igrejas já não estão mais no seu primeiro casamento. Essas
pessoas já lutam com muitos conflitos e carregam muitas lesões,
perdas e sofrimentos. Precisam de ajuda e transformação. A igreja
precisa desenvolver uma sabedoria divina e uma inteligência social
para lidar mais efetivamente com o divórcio em uma perspectiva
tanto pessoal (micro social) quanto cultural (macro social).

• Precisamos de muito mais que apenas investir na salvação dos


perdidos. Isto é importante, é a base da Grande Comissão, mas o
objetivo maior de um avivamento é reformar a sociedade,
transformando as culturas que estão sustentando valores e práticas
destrutivas, neste caso específico que estamos tratando, o divórcio.

*George Gallop Jr. declarou: “Se uma enfermidade estivesse


atingindo a maior
Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de
Casamento - 169

parte da população, causando dor e problemas para pessoas de


todas as idades, iríamos desesperadamente correr em busca de
causas e soluções. Porém, há uma doença em particular que se
tornou tão endêmica que é quase que totalmente ignorada. Essa
doen-

ça é o divórcio, um assunto estranhamente negligenciado por uma


nação que possui o maior índice de casamentos destruídos do
mundo (EUA). O divórcio é a causa das piores desordens sociais do
nosso país.”

• Não podemos nos enganar com uma religiosidade que sustenta a


superficialidade espiritual e a passividade moral. A religiosidade é
um pseudo caminho.

A salvação se fundamenta no princípio da aliança. É

um casamento, um pacto de fidelidade que garante um


relacionamento íntimo com Deus.

Apesar do mundo cada vez mais banalizar o casamento, todavia o


reino de Deus avança exatamente neste sentido. Ou seja, o reino de
Deus se move em direção a uma plenitude que se expressa em uma
intimidade cada vez maior com Deus que culminará, literalmente,
em um casamento, ou seja, as bodas do Cordeiro, a volta de Jesus,
o triunfo da nossa redenção.

De forma prática, como podemos saber se estamos ou não


preparados para a volta de Jesus ou para a morte? A resposta é
simples: pelo nosso casamento.

170 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Se eu não posso ser fiel ao meu cônjuge, como poderei
estar nas bodas do Cordeiro?
• A família tem um papel chave na formação da cultura e o
casamento é o relacionamento central para a existência de famílias
fortes e saudáveis.

As famílias são os agentes socializadores de uma cultura. Para a


maioria das crianças, é com a família que elas aprenderão a falar,
descobrirão a sua identidade, desenvolverão a sua capacidade para
relacionamentos e formarão os seus sistemas de valores. A família
também produz o ambiente onde desenvolvem a sua cosmovisão e
a sua compreensão quanto ao que é aceitável ou não.

A família é a instituição principal de uma cultura para a comunicação


dos valores de segurança econômica, cuidado pessoal e apoio ao
indivíduo. As pessoas irão viver esses valores e crenças conforme
se transformam nos tomadores de decisões de suas comunidades,
e os pais da nova geração.

• A família é a única esfera cultural que afeta todas as pessoas,


independente do nível de envolvimento que a pessoa tenha com as
outras esferas da sociedade: ciências e negócios, mídia, artes e
entretenimen-tos, política, educação, saúde ou religião. Todas as
pessoas têm uma família e, de uma maneira ou outra, são
profundamente afetadas por ela.

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 171

• Ao investirmos no fortalecimento da família e do casamento


podemos transformar civilizações. Um casamento forte é a receita
para uma família saudá-

vel. Famílias saudáveis geram igrejas, comunidades e culturas


funcionais e produtivas. Por outro lado, quando casamentos são
destruídos e as famílias des-moronadas, as instituições sociais
daquela nação se enfraquecem e tendem à corrupção.
Segundo as palavras de James Sheridan, juiz distrital de Adrian, no
Michigan, as famílias são “pequenas civilizações” e “a morte de uma
família é a morte de uma pequena civilização.”

Não é difícil concluir que o maior segredo para a cura de uma


sociedade é a restauração do princípio do matrimônio. As maiores
tragédias sociais derivam de pessoas que se tornaram o subproduto
de um casamento fracassado. Isto é estatístico.

Investir contra a delinquência, a violência, a criminalidade, o tráfico,


a prostituição sem moralizar o matrimônio é como enxugar gelo. É
uma gestão de segurança pública burra, além de extremamente
cara.

Precisamos ser preventivos. Um casamento forte e duradouro é o


mais poderoso antídoto contra a evasão escolar, o abuso infantil e a
delinquência juvenil. Gera filhos fortes, comprometidos com uma
boa educação, bem direcionados vocacionalmente. Desta forma,
não apenas diminui-se sensivelmente os índices de marginalidade,
como também aumenta-se o índice

172 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges de pessoas que cooperam ativamente com o aprimo-
ramento da sociedade. É uma sociologia simples, que resulta
naturalmente de uma vida cristã genuína.

• O grande problema é que apesar de todos enten-derem a


importância da família, cada vez mais estamos nos tornando uma
cultura de divórcio.

Infelizmente, nos últimos cinquenta anos, o mundo ocidental tem


deixado de ser uma “cultura de casamento” para se tornar uma
“cultura de divórcio.” Até recentemente, esta mudança estava sendo
totalmente ignorada pela população.

O que é a “Cultura do Divórcio”?


A cultura do divórcio é o resultado de instituições públicas, políticas
sociais e estilos de vida na população em geral que enfraqueceram
e desvalorizaram o compromisso matrimonial. Ela pode ser
essencialmente resumida na maligna sinergia destas três
tendências sociais:

1. O divórcio passa a ser a principal forma de resolver os


problemas conjugais Casais são encorajados a solucionar seus
problemas e conflitos conjugais desfazendo rapidamente os seus
laços matrimoniais ao invés de tentar lutar para superar as
dificuldades.

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 173

A cultura do divórcio, em sua essência, é a transferência da virtude


de se permanecer comprometido durante os tempos difíceis para
uma intolerância à dor e ao desconforto, que são essencialmente
necessários para o amadurecimento do casal.

2. Critério cada vez mais baixo para se acabar com um


casamento

Casais estão se divorciando por motivos banais.

Podem haver casos realmente extremos principalmente quando a


situação impõe risco de vida e medidas extremas precisarão ser
tomadas.

No entanto, numa cultura de divórcio, o critério para o término de um


relacionamento é tão baixo que a maioria dos casamentos termina
devido a problemas solucionáveis, e não devido a razões sérias
como agressão e abusos físicos, infidelidade persistente e conduta
nociva baseada em vícios químicos e criminalidade.

3. Facilitação legal para o divórcio Cada vez mais temos políticas


sociais que enfraquecem e desmoralizam o casamento. Na verdade,
as leis e o sistema judiciário favorecem o fim dos relacionamentos e
o divórcio.

Nos Estados Unidos da América temos as leis uni-laterais do


divórcio “no-fault” (sem culpa). Se um dos cônjuges concluir que
existem “diferenças irreconciliá-

veis” no casamento, quase sempre a Corte irá garantir

174 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges o divórcio, mesmo se o outro cônjuge acreditar que o
casamento pode ser mantido e desejar continuar tentando consertar
a relação.

MITOS ACERCA DO DIVÓRCIO

É fundamental que a cultura do divórcio seja denunciada. Ela


difundiu-se epidemicamente nas últimas gerações devido a muitos
sofismas e a diferentes mitos que merecem ser identificados e
desvendados.

Vejamos alguns dos principais.


PRIMEIRO MITO
O divórcio é a melhor solução para resolver os conflitos
impostos por um relacionamento conflituoso.

Este é o mito de que o “divórcio traz felicidade”.

“Tenho o direito de ser feliz”. Esta é a frase mais repe-tida quando


alguém entra pelo caminho do divórcio.

Porém, buscar a felicidade sacrificando as responsabilidades não é


uma boa ideia, nunca termina bem. Na verdade, pensando a longo
prazo, esta é a forma mais errada de tentar alcançar a realização.

Três pontos a serem considerados 1. A solução fácil de desistir


do relacionamento ancora o processo da imaturidade. A suposta
receita da felicidade coopera para limitar a capacidade de supera-

ção de conflitos, gerando enfraquecimento emocional,

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 175

baixa capacidade de agir proativamente, vulnerabilida-de espiritual e


uma forte tendência para ceder a outros tipos de apelos onde a
pessoa cruza linhas perigosas envolvendo-se em vícios e
relacionamentos errados, que certamente acabam cobrando um
preço alto.

2. Pesquisas mostram que 75% dos segundos casamentos


terminam em um segundo divórcio. O

que parecia que traria felicidade apenas desprepara a pessoa para


uma nova oportunidade de casamento.
3. Alguns pensam assim: “Meu caso é um caso perdido, minha
situação é a pior de todas”. Simplesmente querem escapar do que
momentaneamente parece ser a “infelicidade eterna”, sem
considerar o fato de que a maioria dos casamentos em dificuldade
pode vir a melhorar com auxílio e apoio adequados.

Não há como calcular o número de casais que recuam quando já se


encontram à beira do divórcio, mas pesquisas recentes revelam que
os casais que conseguem permanecer juntos através dos tempos
difíceis são geralmente recompensados com um relacionamento
muito melhor do que eles jamais espe-ravam ter. Este tipo de
superação sempre é projetado em outras áreas da vida redundando
em uma maior qualidade de vida.

Linda Waite, uma professora de sociologia da Universidade de


Chicago, após pesquisar 3500 casais

176 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges que estavam com problemas em seus casamentos
apresentou os seguintes resultados:

“Três quintos daqueles que haviam clas-sificado seus casamentos


como “infeliz” no final dos anos oitenta, mas permaneceram
casados, consideraram o mesmo casamento como “bem feliz” ou
“muito feliz” ao serem entrevistados novamente no início dos anos
noventa. Os piores casamentos demonstra-ram as melhorias mais
drásticas: 77% das pessoas casadas que haviam considerado seus
casamentos como “muito infeliz” (número 1

em uma escada de 1 a 7) no final dos anos oitenta classificaram o


mesmo casamento como “bem feliz” (6) ou “muito feliz” (7) cinco
anos depois.”

(Linda J. Waite and Maggie Gallagher, The Case for Marriage: Why
Married People Are Ha-ppier, Healthier, and Better Off Financially
(New York: Doubleday, 2000).
Estas estatísticas não garantem que aqueles casais que se
divorciaram teriam conseguido desenvolver um casamento melhor
se tivessem permanecido juntos, mas elas confirmam que os
tempos difíceis do casamento não são tão permanentes como
muitos deduzem.

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 177
SEGUNDO MITO
Os divórcios são causados por situações extremas onde uma
recuperação do relacionamento tornou-se inviável.

O divórcio tornou-se tão fácil no mundo ocidental que, na verdade, a


maioria deles poderia ser facilmente evitada. Muitos acreditam no
mito de que o divórcio é a melhor forma de ajudar casais a saírem
de um relacionamento desgastante ou aparentemente destrutivo.

Vejamos três constatações importantes que des-mentem este mito:

• Diversas pesquisas recentes revelaram que menos de um terço


dos divórcios acontecem por causa de abuso, negligência ou brigas
violentas. Ou seja, por incrível que pareça, a maioria dos divórcios
não está acontecendo devido a questões realmente sérias ou
insuportáveis.

• “Mais de 60% dos casamentos acabam por causa de solidão,


enfado ou ressentimentos ocultos” (Paul Amato e Alan Booth, A
Generation at Risk, Harvard University Press, 1997).

Ou seja, a grande maioria dos divórcios pode ser facilmente evitada.


Aqui fica mais claro de enxergar o potencial que a cultura do
divórcio tem de aliciar as pessoas.

178 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges

• Os especialistas dizem que a grande maioria dos sintomas pode


ser consertada e os casamentos restaurados, mas os casais
perdem a esperança antes de procurar ajuda. A decisão do divórcio
é tomada precipitadamente, e a maioria das pessoas está mais
inclinada a encorajar o divórcio do que oferecer algum tipo de ajuda.
Muitas vezes, o que se vê são as instituições que deveriam proteger
a família (governo, a mídia, direitos humanos etc.) atacando-a ao
promover valores que banalizam o matrimônio e estimulam o
divórcio.
TERCEIRO MITO
A separação é terapêutica e até necessária.

Em alguns raríssimos casos isto pode ser verdade, mas, o que pode
parecer ser uma solução a curto prazo pode gerar muita frustração e
desgosto a longo prazo. Não se resolve um problema criando outro
pior.

Principalmente quando existem filhos.

Fugir de uma situação jamais será, terapeuticamente falando, mais


sadio que enfrentá-la de forma correta e com a ajuda apropriada.
Este é um pensamento contraevolutivo.

A pessoa ingenuamente idealiza: o divórcio vai me curar; fará com


que eu me sinta emocionalmente melhor. Principalmente em uma
perspectiva cristã, não temos como acreditar nisto. Este
pensamento é

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 179

enganoso e perigoso. Separar é adiar um problema construindo


uma ferida ainda maior.
QUARTO MITO
A fidelidade conjugal restringe a felicidade sexual.

Existe um sofisma cada vez mais reforçado pela mídia atual de que
a exclusividade conjugal restringe a felicidade sexual. Isto está
arraigado na motivação de muitas pessoas que optam pela
dissolução do casamento. Ter apenas um parceiro sexual durante
toda a vida é como se a pessoa estivesse se privando de uma vida
prazerosa. Manter-se no casamento seria sinônimo de monotonia
sexual.

Porém, na prática, este raciocínio funciona de forma inversa.


Pesquisas têm comprovado que as pessoas que têm apostado
todas as suas fichas na liberdade sexual como receita da felicidade
têm batido com a cara em uma parede de frustração.
Percentualmente, estas pessoas são as que mais sofrem
perturbações espirituais e também as que estão superpopulando as
clínicas psicológicas e psiquiátricas. O sonho do prazer ao preço da
infidelidade e da prostituição transforma-se rapidamente em um
pesadelo real.

Em contrapartida, as pessoas mais realizadas sexualmente e


emocionalmente são as que superaram as suas limitações
experimentando uma afinidade profunda com o cônjuge.

180 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges QUINTO MITO

Filhos de pais divorciados sofrem apenas na infância.

Um aspecto muito importante a ser considerado sobre o divórcio é o


tipo de impacto que isto pode causar na vida dos filhos. Alguns pais
tentam amenizar as coisas dizendo para si mesmos: “assim como
eu sobrevivi ao divórcio dos meus pais, o meu filho também irá
sobreviver”.

Isto é apenas um atestado da sua cegueira em relação à sua


incapacidade moral de não vencer os pecados que os seus pais
também não venceram. Na maioria dos casos, este tipo de sofisma
só ajuda a aumentar a distância entre eles e os filhos.

Judith Wallerstein, uma autoridade mundial sobre os efeitos do


divórcio sobre as crianças, conduziu durante 25 anos, um estudo
comparativo com 131

“filhos de divórcio.”

Muitas vezes o divórcio acontece em uma faixa de idade, antes dos


10 anos de idade, quando os filhos mais precisariam do referencial
estabelecido pelo relacionamento conjugal. Isto pode ser devastador
para a infância da criança.

Porém, um dos resultados da pesquisa de Judith Wallerstein


demonstra que “é na idade adulta que os filhos de divórcios sofrem
mais. O impacto do divórcio se manifesta mais cruelmente quando
eles saem em busca de amor, intimidade sexual e compromisso.”

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 181

Inclusive, através do registro das experiências de vida dessas


pessoas, ela aponta o quanto elas sofrem com o medo de ter o
mesmo destino de seus pais.

Sem um modelo interior do que seja um relacionamento saudável,


elas normalmente criam seus pró-

prios modelos de intimidade em meio a uma cultura que oferece


poucas diretrizes verdadeiras.
“Somente 7 dos 131 filhos de divórcios estudados vivenciaram um
segundo casamento estável onde tiveram bom relacionamento com
um padrasto ou madrasta, ou com meio-irmãos vindos dos dois
lados da família divorciada. Dois terços deles cresceram em famílias
onde vivenciaram múltiplos divórcios e casamentos de um ou ambos
os pais.”

Ela também assevera que o sistema judicial ame-ricano e os


departamentos de serviços sociais estão sobrecarregados com os
resultados da destruição da família. Em muitas agências sociais,
perto de três quartos das crianças em tratamento vêm de famílias
divorciadas. O gasto financeiro gerado por causa dos divórcios é
assustador. Milhões de dólares do dinheiro público estão sendo
gastos para tratar das consequências de lares destruídos. Isto nos
conduz ao próximo mito.

182 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges SEXTO MITO

O divórcio é uma questão apenas religiosa.

Este é o mito dos “não religiosos”. Então, para eles, o divórcio é um


problema religioso que não lhes diz respeito. Porém, na verdade, o
divórcio afeta todas as áreas da sociedade, principalmente a
econômica.

“O divórcio não é uma questão religiosa; é uma questão social,”


declara o Juiz Sheridan. “Quem é que paga os impostos pelas
consequências geradas pelo fim desses casamentos? Ateístas,
católicos, protestantes e agnósticos! A cor do dinheiro não é
religiosa.

Provavelmente, metade dos casos criminais se originam, de uma


maneira ou de outra, de lares destruídos ou famílias extremamente
disfuncionais.”
Vamos ver, de forma sucinta, como o divórcio afeta a sociedade.
Entre os anos de 1960 e 1981, os Estados Unidos da América
deixaram de ser uma cultura pró-casamento para se tornarem uma
cultura de divórcio. Vejamos algumas estatísticas de como isto tem
afetado a sociedade:

• O maior índice de suicídios é o de homens divorciados acima dos


50 anos de idade.

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 183

• Alto índice de depressão e alcoolismo entre mulheres.

• Prejudica a saúde financeira dos indivíduos envolvidos e multiplica


os gastos governamentais com saúde e delinquência.

• Degradação moral e sexual da sociedade. Os filhos crescem


desprotegidos, com referenciais altamente distorcidos. Estes altos
índices de separações matrimoniais estão causando consequências
desastrosas nas crianças afetadas e na sociedade americana como
um todo.

Vejamos estes dados fornecidos por Robert Whel-an, Broken


Homes and Battered Children, (Family Educa-tion Trust, 1994),
quoted in Patrick F. Fagan and Robert Rector, “The Effects of
Divorce on America,” The Heritage Foundation Backgrounder No.
1373 (June 5, 2000): 1. Crianças de pais divorciados têm 12,4 vezes
mais chances de virem a ser encarceradas no futuro do que aquelas
que cresceram com pais casados .

2. Crianças nascidas fora de uma união matrimonial e que


cresceram sem o referencial de um casamento têm vinte e duas
vezes mais chance de serem encarceradas.

3. Uma criança que vive somente com sua mãe biológica tem
catorze vezes mais chances de sofrer sérios abusos físicos do que
uma criança que vive com ambos os pais .

4. Uma criança corre vinte vezes mais o risco de ser abusada por
pais que moram juntos sem serem

184 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges casados e, trinta e três vezes mais chance de ser abusada,
se a mãe morar junto com um homem que não seja o pai biológico .

5. A taxa de desistência escolar entre crianças de lares onde há


somente um dos pais é o dobro da taxa de desistência entre
crianças de lares com ambos os pais (Sara McLanahan and Gary
Sandefur, Growing Up With Single Parents: What Hurts, What Helps
(Cam-bridge, MA: Harvard University Press, 1994).

SÉTIMO MITO

Meu casamento não foi da vontade de Deus.

Obviamente isto soa muito leviano, mas acontece muito. Este é o


mito religioso, “evangélico”. De fato, isto pode até ser verdade.
Pessoas entram mais facilmente que pensamos em
relacionamentos errados.

Porém, após a concretização do casamento, se antes este


relacionamento não era da vontade de Deus, após o casamento,
passou a ser. A aliança deve ser honrada.

“Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo;


porque não se agrada de tolos. Cumpre o voto que fazes. Melhor é
que não votes do que votes e não cumpras” (Ec 5:4).

Existe um famoso ditado que diz: “Antes de se casar abra bem os


seus olhos, porque depois terá que

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 185
fechar para muitas coisas”. Apesar dos pontos nega-tivos que só
agora foram descobertos ou admitidos, ainda assim esse casamento
pode ser trabalhado, como também ser uma ferramenta para
trabalhar na vida de cada um dos cônjuges, podendo vir a produzir
resultados surpreendentes.

Todo casamento tem o enorme potencial de dar certo. Não quer


dizer que vai ser fácil, mas os conflitos podem criar as melhores
oportunidades para mudar-mos o que precisa ser mudado em
nossas vidas.

O casamento é a escola do caráter; nos refina. Se entendemos a


sua proposta, ao mesmo tempo que o casamento vai revelar o que
há de pior em nós, também vai produzir o que há de melhor.

OITAVO MITO
Casei enganado.
Este mito é uma ampliação do mito anterior. Eu não sabia que o
meu cônjuge era “deste jeito”. Casei sem saber. Isto pode acontecer,
mas muito dificilmente uma pessoa casa enganada.

É muito importante dar ouvidos principalmente quando vêm


advertências de pessoas idôneas e bem intencionadas que Deus
sempre levanta, como pais, pastores e amigos. O que ocorre é que
vários alarmes vão soando, mas a pessoa prefere ignorar, iludindo-
se a si mesma.

186 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges Alguns passivamente tentam se convencer dizendo: depois
que casar tudo vai melhorar. Bom, todos sabemos que as coisas
não funcionam assim e após o casamento a crise chega, e este é o
momento da verdade, de enfrentar a situação como ela realmente é,
e crescer.

TRANSFORMAÇÃO

Precisamos de estratégias multifacetadas e mul-tigeracionais para


mudar uma cultura de divórcio em uma cultura de casamentos. Ver
indivíduos e casamentos transformados é possível, mas tem o seu
preço.
1. Exige tempo
O casamento é a escola do caráter. Precisa-se trabalhar duro e com
muita perseverança. Não podemos deixar que as expectativas
românticas nos impeçam de nos esforçarmos para conectar com a
parte difícil e conflituosa do casamento. Costumo dizer que
casamento não é para “frouxos”, mas para pessoas que querem
desenvolver caráter e levar o seu relacionamento com Deus a sério.

Transformar uma cultura de divórcio em uma cultura de casamento


leva ainda mais tempo e deve incluir um plano completo que
envolva todos os setores da sociedade. Porém, para transformar o
todo precisamos começar na base do “um mais um”. Um casamento
de cada vez.

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 187

A igreja cristã tem feito ao longo das duas últimas décadas um


excelente trabalho neste sentido. É difícil encontrar alguma igreja
evangélica atualmente que não esteja trabalhando seriamente em
favor do casamento e da família. Isto já está mudando as
estatísticas negativas em vários lugares do Brasil.

2. Exige esforço integrado

Organizações religiosas, igrejas locais, instituições sociais,


departamentos de assistência social, legis-ladores, servidores
públicos, educadores e a mídia devem todos colaborar. Nada menos
do que o total compromisso de cada um desses setores irá alcançar
os resultados desejados.

Os Estados Unidos está em meio a um movimento em prol do


casamento que está alterando o curso desse problema tão
devastador. Pastores e educadores de toda a nação estão se unindo
para implementar programas que estão diminuindo os índices de
divórcios e aumentando o número de casamentos em suas
comunidades. Governos municipais, estaduais e federais estão
disponibilizando recursos para promover famílias saudáveis e
fortalecer casamentos. Educadores, legis-ladores, líderes de
comunidades, clérigos, assistentes sociais e conselheiros estão em

188 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges meio a um processo de reavaliação quanto a esse grande
problema. (Larry Ballard - Family Ministries - YWAM).

Larry Ballard também afirma que as experiências mais positivas de


como ajudar a salvar casamentos combinam:

• Uma força-tarefa jurídica incentivando juízes a exigir


aconselhamento pré-nupcial para qualquer casal que procure por
uma cerimônia de casamento no civil. Essa força-tarefa também
deve incentivar os juízes a recomendar aconselhamento para casais
que estejam iniciando o processo de divórcio.

• Uma força-tarefa pastoral dedicando-se a fortalecer a área dos


aconselhamentos pré-nupciais e cursos para noivos. As igrejas
locais sendo encorajadas a oferecer seminários de restauração para
casais, sobre sexualidade e outros programas para o fortalecimento
dos casamentos. Isso tem salvado inúmeras famílias.

• Uma força-tarefa de saúde psicológica desenvolvendo programas


para o fortalecimento dos casamentos.

• Uma força-tarefa de negócios desenvolvendo estudos para mostrar


o impacto positivo que casamentos bem-sucedidos têm no setor
comercial. Empresas que se dedicam a estudar e implementar
iniciativas que encorajam o sucesso dos casamentos dos
funcionários tornam-se mais efetivas na sua produtividade.

Transformando uma cultura de Divórcio em uma cultura de


Casamento - 189
3. Casais maduros e estáveis discipulando casais em conflito

• Primeiramente, em todos os lugares do mundo pessoas estão


preocupadas com suas famílias. Os problemas específicos podem
variar em cada sociedade, mas a preocupação com a vida familiar é
universal.

As pessoas se preocupam com os seus filhos, com os seus


casamentos e com a devastação das famílias ao seu redor.

• Segundo, o Corpo de Cristo pode adotar uma estratégia dupla de


estabelecer políticas matrimoniais comunitárias e treinar casais
mentores, que podem ser aproveitados na maioria das culturas. Ao
trabalhar em conjunto pelo fortalecimento dos casamentos, a Igreja
demonstra a essência da oração de Jesus em João 17:21: “que
todos sejam um.”

• Mentorear, uma outra palavra para “discipular”, é a essência do


chamado de Deus para a transformação das nações. O que pode
ser melhor para impactar uma nação do que o envio de casais
mentores, dois a dois, semelhante ao que Jesus fez com seus
discípulos em Lucas 10:1?

Não podemos imaginar nada mais eficaz do que um marido e sua


esposa comprometidos a discipular rapazes e moças quanto aos
assuntos de relaciona-

190 - A Lei, A MorAL e os ConfLitos ConjugAis | MArCos de souzA


Borges mento e quanto aos caminhos do Senhor. Casais mais
velhos podem ajudar os casais mais jovens a criar modelos de vida
conjugal que demonstrem o “grande mistério” de “Cristo e a Igreja”
mencionados por Paulo em Efésios 5:32.

Treinar casais a amar ao Senhor com todo seu coração e a amar


uns aos outros como a si mesmos é a essência da transformação
das culturas e do discipulado das nações.
E-mail: atendimento@editorajocum.com.br
Impressão, Acabamento e Distribuição: Gráfica e Editora Jocum
Brasil Fone: +55 41 3657-2708

Email: atendimento@editorajocum.com.br www.editorajocum.com.br

Este livro foi composto e impresso pela Editora Jocum Brasil, na


fonte Calibre, em papel Off Set 60g/m2.

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