Você está na página 1de 38

IDÉIA DE IMPÉRIO E A FUNDAÇÃO DA MONARQUIA

CONSTITUCIONAL NO BRASIL

1
Sumário
NOSSA HISTÓRIA..................................................................................................... 2
1 - A ideia de Império e a fundação da Monarquia ................................................. 3
1.1 - Sacerdócio e Imperium ............................................................................... 3
2. Os projetos políticos de um grande império ........................................................ 5
3. O poder do império civil ...................................................................................... 7
4. Os fundamentos de um novo poder político ......................................................... 12
5 - A articulação político-institucional de um monarca constitucional para o império do
Brasil (1826-1831) ................................................................................................... 14
6 - Império do Brasil - Primeiro Período - D. Pedro I (09.01.1822 - 07.04.1831) ..... 21

1
NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários,


em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-
Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo
serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

2
1 - A ideia de Império e a fundação da Monarquia
Constitucional no Brasil (Portugal-Brasil, 1772-1824).

Há uma tese clássica de que, na Europa e na América portuguesa, a teoria do direito


natural e o movimento iluminista tornaram-se referências para pensar o governo
político, a monarquia absolutista ou as revoltas contra o regime monárquico. Talvez
se pudesse pensar a hipótese de que tanto as propostas de reformas de monarquias
europeias (no Império Austríaco, em Portugal e na Espanha) quanto insurreições nas
colônias (na América portuguesa e na espanhola) foram levadas a cabo pela forma
particular com que as monarquias ou as colônias as receberam. Entendemos estas
particularidades como, por um lado, as condições políticas particulares a cada reino
e, por outro, de que maneira as teorias jus naturalistas ou iluministas se articularam
com referências intelectuais locais.

O texto pretende avaliar esta hipótese, tomando como centro de seu exame a ideia
de império civil, que consideramos uma noção principal para a reorganização político-
administrativa do reino de Portugal em fins do século XVIII, e que foi depois reativada
no período da independência dos seus domínios na América, na década de 1820,
particularmente na constituição do Império do Brasil. Mas as alterações políticas nas
colônias europeias nas Américas não parecem mostrar uma simples aplicação
daquela teoria ou do iluminismo europeu. A fundação das novas instituições políticas
no reino independente do Brasil supõe considerar tanto a recepção de textos sobre
direito natural (autores cujo renome não alcançou nossos dias) quanto à reativação
de princípios da antiga monarquia portuguesa. Pretendemos acompanhar aquela
recepção e esta reativação através de um exame atento das redefinições sobre a
ideia de império civil, de 1772 (ano da reforma do ensino superior em Portugal) até
1824 (data em que entra em vigor a Constituição do Império do Brasil). Identificamos,
na migração desta ideia, três momentos diferentes.

1.1 - Sacerdócio e Imperium

Num primeiro momento, havia alguns pontos cruciais a partir dos quais se concebiam
o poder político e a sociedade no reino português, em meados dos Setecentos. Uma
concepção de poder político como imperium já era defendida em textos do período,
sustentada na distinção medieval entre o que caberia ao ministério religioso e ao
poder civil, nos termos de uma oposição entre o sacerdócio e o império civil. É o que
observamos num teólogo que se tornou expressivo nos anos 1780: Antonio Ribeiro
dos Santos, cuja obra De Sacerdotio et Imperio se inseria nesta discussão . Para
Ribeiro dos Santos, o ministério eclesiástico envolvia o culto religioso e a orientação
para um fim espiritual. Em contrapartida, “o sumo poder do imperante civil é o direito
absoluto de moderar e dirigir, indistintamente, as ações de todos os membros dos
seus corpos políticos, em prol da utilidade comum dos cidadãos”. Ribeiro dos Santos
insiste na separação entre o poder espiritual e o político, em que a competência de
um não pode negar a do outro.

3
Na década de 1760, uma reforma administrativa procurou reforçar o poder régio,
durante a regência de D. José I (1750-1789), e excluir uma jurisdição eclesiástica.
Defendia-se o poder régio em termos da sua concepção como um poder de imperium
– caracterizada pela oposição às funções eclesiásticas, mas enfatizando a
supremacia do poder monárquico. Esta defesa foi ratificada na reforma dos cursos
jurídicos, em 1772, através da adoção de um manual de direito natural de Carlo de
Martini, que concebia a sociedade como produto de necessidades, que se
congregava em pactos sociais e cuja manutenção caberia ao império civil. Este era
um poder próprio do monarca, que o exercia como um direito de fazer leis, direito
também de inspecionar a conduta dos clérigos, além de procurar animar o comércio
e as ciências. O jurista afirmava ainda que este império civil teria por objetivo
promover a segurança e a quietude do Estado, através do qual seriam satisfeitas
aquelas necessidades últimas dos homens.

Ribeiro dos Santos e os reformadores do ensino jurídico, ao incluírem os textos de


Martini, assumiram uma estratégia de defesa do poder real, efetuando também um
conjunto de alterações na noção medieval de imperium. A primeira delas é uma
alteração conceitual. O império civil atinge toda a jurisdição temporal; portanto, a
supremacia do poder político incide tanto nos bens quanto nos homens (laicos ou
religiosos, fidalgos ou não) – o que retira toda jurisdição civil da Igreja. Como segunda
alteração, observamos que isto multiplica os objetos próprios do governo político. As
pessoas do clero, as escolas religiosas, os bens eclesiásticos e mesmo os utensílios
dos ritos, tudo o que temporalmente existe para fim espiritual é inserido dentro do
governo político, que, assim, deve estar atento também ao controle da dimensão
particular, e ajuda a promover a felicidade privada (animando o cultivo no campo, ou
a educação). A terceira alteração é outra delimitação de funções para aqueles que
governam o Estado. Não se trata mais, como na ideia medieval de justiça, de
encontrar no império civil um poder que se exerça como lei, pelo qual julga e
constrange. A definição de império civil supõe uma supremacia como governo moral,
que se viabilize pela inspeção das condutas de todos os homens do reino e que deva
garantir os meios para coagir nas diferentes instâncias de governo
(independentemente do seu fim). Tendo em vista estas alterações no conceito de
império, começa a prevalecer à função do administrador do Estado, exercida pela
pessoa do monarca como uma função superior e reguladora suprema das matérias
que incidam sobre a sociedade civil. Com a noção de império civil, os reformadores
pombalinos formularam o governo político como uma dimensão que inclui outros
governos (por exemplo, o governo religioso e seu fim espiritual), na qual a
responsabilidade sobre os assuntos temporais cabe exclusivamente ao monarca.

A partir da afirmação do poder régio em termos desta noção de império civil, poder-
se-ia muito bem indicar uma diminuição do poder temporal da Igreja e a compreensão
da política fora das categorias teológicas, neste final do século XVIII, na monarquia
portuguesa. Então, a Igreja foi retirada do centro da política, tanto pela restrição da
jurisdição religiosa – dos foros privilegiados aos membros das ordens e clérigos, que
os colocavam fora da jurisdição régia – quanto das reflexões políticas (passando a
predominar o estudo dos tratados de direito natural, particularmente os dos alemães).

4
Notamos, contudo, um maior entrelaçamento da política com a religião nas
concessões de comendas das ordens religiosas. Se os procedimentos devocionais
(procissões, missas) eram propostos, desde o século XVI, como um meio privilegiado
de exercício da sujeição política, no reinado de D. Maria I, a devoção exercita-se mais
do que antes na ação política. As concessões de honrarias tornam-se o
reconhecimento por um desempenho público que se apresenta como exercício de
uma devoção a Deus. Então, as Ordens religiosas de San Tiago, da Espada e de
Cristo promovem o exercício do amor de Cristo, simbolizadas na insígnia com
emblema do Sagrado Coração de Cristo, enquanto prática civil de devoção. Destarte,
o valor de devoção fica acentuado nas condecorações monárquicas, que são
concedidas em reconhecimento a serviços prestados ao regente. E o reinado de D.
Maria I dá início a um culto religioso através do Estado: a obediência política resulta
em amor a Deus. Assim, durante o reinado de D. Maria I, o Estado torna-se mais
religioso em seu funcionamento e em seus fins, pois a promoção das virtudes cristãs
se daria pelo desempenho das funções públicas. Alterou-se, portanto, a relação entre
devoção e sujeição política, pois, se na antiga noção de império cada uma delas
remetia a uma dimensão distinta (Igreja e império civil), agora elas se superpõem na
noção de império civil.

Durante a regência de D. João, as formulações a partir daquele modelo de império


civil não apenas se multiplicam como também aqueles três pontos aludidos acima se
entrelaçam ainda mais. Veja-se, por exemplo, um opúsculo dedicado a D. João VI e
relativo ao fim da Rebelião
Pernambucana de 1817, “o felicíssimo Pai da Pátria [„Patriae Patri‟] [...] em
testemunho de religiosíssima fidelidade, de rendida vassalagem, e de gratidão mui
respeitosa, e humildemente” – cujo título original em latim diz: “Religiossimae fidei,
omnimodoe devotionis, gratique animi. Testimonium perquiam submisse”.
“Religiosíssima fidelidade” e
“vassalagem”/“devotionis”: há um caráter religioso que marca a relação política do
súdito com o Rei. Obedecer ao Rei é agora um exercício de devoção e uma obrigação
política.

2. Os projetos políticos de um grande império

Aquela busca de supremacia do poder régio, efetuada sob a coordenação do ministro


Marquês de Pombal e esta teoria jus naturalista prestar-se-iam, então, à concepção
de projetos de reforma administrativa. Um destes será proposto, em 1798, por D.
Rodrigo de Souza Coutinho, Ministro da Marinha e Ultramar. O império era, neste
projeto, um sistema político-administrativo que reunia todos os domínios ultramarinos
– como províncias detentoras de iguais privilégios – e o reino de Portugal,
caracterizado como “entreposto comercial” e “centro político da unidade do império”.
Temos aí, portanto, uma organização administrativa que se fundamenta no princípio
da unidade, base da Monarquia portuguesa, e cujas províncias são estabelecidas
para mútua defesa desta mesma monarquia. As concepções de poder político, de
sociedade e de Estado são assim formuladas em torno da noção de império civil, com
a finalidade de legitimar a monarquia portuguesa e consubstanciar projetos de
atuação política.

5
Tais formulações seriam repensadas em outro lugar e sob novas condições, no início
do século XIX, com a transferência da Corte para a América portuguesa. Em 1808,
Portugal foi invadido por tropas francesas, levando à transferência do príncipe-
regente e sua Corte para a América portuguesa. O Estado-maior português teve de
se reorganizar na cidade do Rio de Janeiro. E a Corte imigrada precisou de recursos
financeiros, providos pelos negociantes imigrados ou nativos da província do Rio de
Janeiro. Os créditos para a nobreza e o auxílio param aos cofres públicos são
conferidos em troca de títulos, concessões de monopólios (por exemplo, contratos de
arrecadação de impostos) e isenções. Compõe-se uma Corte, nas terras do Brasil,
formada por uma nobreza imigrada, burocratas de alto escalão, serviçais e
negociantes. Esta nova Corte terá no Rio de Janeiro a sede do Reino do Brasil – novo
estado político, criado em 1815, que reúne as províncias portuguesas na América.
Falar em império evoca agora o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, bem
como os projetos políticos pensados para esta união de reinos sob o controle único
da coroa portuguesa, formulados dentro daquela nova Corte, ou mesmo fora dela.
Tais projetos propõem reformas político-administrativas que permitam a alguns
grupos (portugueses nativos do Brasil, ou imigrados vinculados aos primeiros) ampliar
a sua força política dentro do regime monárquico, redirecionando a atuação do Estado
sobre a dinâmica econômica.

Destacamos aqui dois projetos políticos que operam com a ideia de império, e que
foram formulados por grupos específicos em busca de ampliação de sua força
política. Há uma primeira ideia: a de um império luso-brasílico, um grande reino
português com sede no Brasil. Trata-se da concepção de um estado fundamentado
na manutenção do princípio de unidade das províncias e dos reinos em torno da
monarquia e da dinastia regente (com sentimento de pertencimento à nação lusa, um
sentimento de identidade), mas com autonomia do Reino do Brasil e direitos iguais
deste aos de Portugal: uma concepção da cidadania e do “sistema representativo”,
pensados em termos da noção de “povo”, tal como aparecia na monarquia portuguesa
Setecentista, em que o “povo” era a aristocracia local. Os cidadãos eram os “homens
bons”, os que tivessem grandes possessões locais, eventualmente títulos, e cuja
ascendência não fosse impura (isto é, judaica); e a representação dos “povos” fazia-
se por meio de petições. Este projeto requisitava o direito de voto sem liberação da
esfera pública, sem tornar a participação política extensiva a muitos. Tais proposições
foram expostas por membros de um grupo formado por nobres imigrados (como
Tomás Antônio Vilanova Portugal), altos burocratas (José Egídio Álvares de Almeida
– o Barão de Santo Amaro – José da Silva Lisboa, Quintella e Lobato), membros de
famílias ricas e poderosas (como José Carneiro Leão, Fernandes Viana, Manuel
Jacinto Nogueira da Gama e José Joaquim Carneiro de Campos). Muitos eram nobres
ou burocratas que alcançaram títulos, cargos ou riquezas na regência do príncipe
regente D. João, a partir da sua transferência para o Rio de Janeiro.

Há ainda um segundo projeto de império, entendido como um governo constitucional:


uma organização política compreendida como um “corpo de cidadãos”, no qual se
admite a liberação da esfera pública e a destruição do poder absoluto do rei. Tal
projeto mantém a ligação política entre o Reino do Brasil e o de Portugal, mas admite
a autonomia daquele reino e direitos seus iguais aos de Portugal – neste ponto,
aproximando-se da proposta anterior. Em vários textos há a afirmação desta

6
autonomia como “independência política” e “soberania política” do Reino do Brasil,
ainda que não significasse o rompimento político com o Reino de Portugal: a ligação
manter-se-ia sob um único governo. Porém, esta autonomia supõe a primazia do
poder legislativo e o fortalecimento do mercado interno. São propostas expostas por
fazendeiros e negociantes do Rio de Janeiro (como Gonçalves Ledo, João Alves Silva
Porto e Manuel Joaquim Silva Porto, Manuel dos Santos Portugal) ou membros da
Corte joanina no Brasil (como José Clemente Pereira e o padre Januário da Cunha
Barbosa).

Num e noutro projeto de império luso-brasílico admite-se uma concepção de


cidadania, que define as reais condições da participação política – o que inexistia nas
ideias e nos projetos de império de fins dos Setecentos. A diferença entre “cidadãos”
e “não-cidadãos” passa pela desqualificação dos escravos e dos homens livres
pobres sem ocupação fixa . Esta desqualificação expunha-se nas alusões à “gente
ordinária de veste”, feitas pelos que se consideravam os homens “ilustrados” (como
Nogueira da Gama e Silva Lisboa) afirmativas também encontradas em artigos de
Ledo e Clemente Pereira. Nestes momentos, expunha-se o elitismo da concepção de
cidadania, evocada em ambas as propostas. Tal concepção concretizase no caráter
seletivo do estabelecimento de listas de eleitores, compostas por autoridades
municipais ou párocos, que distinguiam quem participaria ou não das eleições. Esta
distinção (e discussão) sobre o campo da participação política tomou corpo na
reunião da Assembleia da Província do Rio de Janeiro, realizada em 21 de abril de
1821, para fins de eleição dos representantes das províncias, para se reunirem em
Assembleia, em Lisboa, para a redação da Constituição da Nação Portuguesa.
Tratava-se de um evento promovido para reunir forças em torno do projeto de
soberania num governo constitucional, mas acabou fugindo ao controle deste grupo,
convertendo-se num movimento de questionamento da autoridade de D. João VI.
Expõe-se então, para todos os grupos, o elemento instável incluso num projeto de
governo representativo, que se identificava na “força incontrolável da multidão” e se
apresentava como uma “ameaça” tanto para os nobres imigrados e ricos negociantes
fluminenses quanto para o grupo constitucional. A discussão sobre a cidadania toca
a participação política através da qual estes grupos seriam admitidos no governo do
Estado, mas também abre espaço de pressão para outros grupos. Definir a cidadania
é traçar os limites do espaço público e da participação política no reino do Brasil.

Uma reflexão sobre o poder político em termos de imperium já havia sido retomada
quando da formulação da concepção de império civil, no final do século XVIII, em
Portugal, para pensar o poder régio como supremo. Consideramos que, agora, a ideia
de um império civil luso-brasílico redefine o campo de atuação próprio do Estado
português (em torno de uma função administrativa) e reorganiza o espaço público
(admitindo a participação política, mas conforme certas definições de cidadania).
Recupera-se daquela reflexão anterior a definição de um poder político supremo.
Reafirma-se também a função reguladora do poder político: inspetor das condutas
particulares, promotor das atividades comerciais e agrícolas. Mas começa a alterar-
se a origem deste poder, com a inclusão do conceito de cidadão.

3. O poder do império civil

7
O terceiro momento no qual podemos apreender a migração da ideia de império é o
período que vai do segundo semestre de 1822 a março de 1824. Envolve o esforço
de depositar o poder político do Reino independente do Brasil no príncipe-regente D.
Pedro – que o rei D. João VI havia deixado no Brasil como seu lugar-tenente, quando
do retorno a Portugal. Os partidários de um projeto de governo constitucional, como
José Clemente Pereira, haviam pressionado para a convocação de uma Assembleia
Constituinte no Brasil, que veio a ser convocada pelo príncipe-regente em junho de
1822. Nos meses seguintes, os dois grupos acima citados uniram-se em torno da
pessoa do príncipe-regente D. Pedro para nele depositar a legitimidade da
independência política do Brasil. O governo do reino independente subsiste durante
algum tempo no confronto entre os projetos políticos de uma monarquia soberana
(proposta pela Câmara de deputados de São Paulo e levada adiante por José
Bonifácio, já então ministro do governo do príncipe) e de um governo constitucional
(defendido pelo presidente da Câmara do Rio de Janeiro, José Clemente da Cunha).
A aclamação de D. Pedro I como Imperador do Brasil, em 22 de outubro de 1822,
expõe este confronto de projetos: de um lado, D. Pedro agradece ao povo, reunido
no Paço, pelo “título” que lhe concede; de outro, José Clemente declara que a
“vontade do povo” o havia aclamado para governar o reino independente. O título de
imperador é presente a ser agradecido para um, eleição para o governo do novo
Estado para o outro. Em torno do título disputa-se o tipo de governo político:
monárquico ou representativo. O discurso de José Clemente afirma o princípio de
soberania popular, um governo de caráter representativo (por alusão aos
representantes das Câmaras municipais). De seu lado, José Bonifácio e o grupo ao
redor de D. Pedro coordenam a supremacia do poder político do novo Imperador,
supremacia que exclui a participação política popular (alegando a legitimidade
hereditária do príncipe-regente). Nos termos deste último grupo é que se compôs o
cerimonial de sagração de D. Pedro, em que poderemos observar como ele se reporta
àquela ideia de império civil, definida em Portugal, já o vimos, nos fins do século XVIII.

A descrição do imperador sagrado, presente no sermão de Frei Sampaio, quando da


missa de sagração, é decisiva para avaliarmos os elementos simbólicos do cerimonial
e como uma ideia de império permitiu determinar o poder político que D. Pedro então
recebeu. O novo imperador é caracterizado naquele sermão como “ligado aos
interesses da nação” e “Defensor da Constituição”: são as duas características
relevantes do novo monarca. Sendo parte da Nação, está fortemente atado aos seus
anseios e destinos. Pode comandá-la para a sua felicidade, porque tomou para si os
ideais deste povo e dirige-o na sua busca de liberdade e afirmação de seus direitos.
Daí o Imperador ser também o “Defensor da Constituição”, como aquele que se
coloca na linha de frente da batalha, disposto a lutar contra as forças inimigas em prol
da proteção dos direitos de seus povos: “direitos invioláveis” a serem transcritos na
Constituição. O frade apresenta a imagem de um “propugnador dos nossos direitos”,
em que a nação surge identificada nos “direitos invioláveis” que D. Pedro acolhe como
também seus e se dispõe a defender. Neste sentido de defensor, a imagem do
soldado pronto para o conflito está presente no cerimonial, pois D. Pedro veste o
uniforme militar sob o manto real: assim desfilou o Imperador no cortejo até a igreja e
apresentou-se durante o cerimonial. O seu poder político sustenta-se, então, na
imagem de um governo protetor, em que desponta a ideia de defesa dos direitos

8
constitucionais – contrastante com a imagem setecentista do rei-salvador do reino e
da alma de seus súditos, conforme a ideia de imperium utilizada naquela época.

Não é apenas o fato de D. Pedro I estar vestido com o uniforme militar que permite
aludir à imagem do rei-soldado, mas também as insígnias que levava consigo,
permitindo compor a cena do Imperador indo para a batalha, “marchando à sua frente
com a tábua da Lei em uma mão, e noutra com a vara da Justiça”, isto é, a
Constituição e o cetro – conforme o sermão de Frei Sampaio. Evidentemente, há um
anacronismo nesta figuração, pois D. Pedro, durante o cerimonial, não estava
segurando a Carta numa das mãos, já que esta só viria a ser redigida posteriormente.
Porém ela surgiu simbolicamente no juramento, momento central do cerimonial,
quando a fórmula do juramento lhe atribui a função de defesa da Carta. Daí se afirma
que o poder político do imperador está fundamentado não somente nela; ele o traz
consigo no exercício de seu poder. Observamos que D. Pedro sustém um bastão
durante a cerimônia (o cetro imperial), que não é idêntico ao cetro real de D. João VI
– com a forma de um pequeno bastão curto, símbolo tradicional do poder régio em
Portugal. O de D. Pedro I assemelhase, isto sim, ao báculo, ao cajado dos bispos,
indicador da função pastoral daquele que guia os povos para a salvação das almas.
Sampaio ressalta tal semelhança logo no início do sermão da sagração: como Cristo,
na imagem do Bom Pastor, o imperador está disposto a dar sua vida por aqueles que
conduzem. Sampaio ressalta também o dom do Imperador: sua eleição pela
Providência para reinar sobre o Império do Brasil. Ora, se a coroa imperial não tem a
forma tradicional de coroa régia, assemelha-se, porém, à mitra, barrete usado pelos
bispos como insígnia do poder de jurisdição no bispado, que foi concedido como um
dom, um poder ofertado pela Providência. O báculo e a mitra são insígnias daquele
que detém um poder de reger e julgar derivado da Providência divina e que se
exerceria com propósito de salvação espiritual dos homens. Destacamos, assim,
algumas remissões formais entre as insígnias episcopais e as imperiais, que o sermão
de Sampaio estabelece direta ou indiretamente. Isto é feito para afirmar outro poder
de salvação, exclusivo do Imperador: a defesa dos direitos constitucionais.
Ressaltamos, com estas comparações entre as insígnias imperiais e as episcopais,
que é preciso refletir um pouco mais cuidadosamente sobre a articulação entre a
dimensão política e a religiosa efetuada na cerimônia de sagração de D. Pedro I.

Note-se primeiramente que, na imagem do imperador com as insígnias, está


simbolizado aquele que é o ungido de Deus, um “de seus Representantes sobre a
terra”, como descreve o próprio Frei Sampaio. O imperador apresenta-se como um
sacerdote, agora sagrado, detentor do poder de justiça para fazer valer os direitos e
as liberdades de seu povo – o sermão de Frei Sampaio alude à “vara da Justiça”. Em
segundo lugar, são direitos que, como a Constituição a ser redigida, repousa nos
“direitos das gentes”, isto é, no direito natural. Entrecruzam-se aqui os direitos
naturais dos homens e a ordem universal estabelecida por Deus, àqueles direitos
refletindo esta ordem e reafirmando-a. Assim, defender os direitos dos povos é
também fazer cumprir a Lei suprema estabelecida pela vontade de Deus.
Representante divino na terra, o imperador é igualmente defensor da Constituição,
dos direitos e das liberdades da nação: um operador da justiça humana e divina
simultaneamente. Daí as imagens de sacerdote e soldado se superporem de maneira
coerente no cerimonial da sagração, em que o princípio da inviolabilidade do monarca

9
adquire caráter sagrado (pois está posto na Lei de Deus) e valor político, pois é centro
de unidade e defesa dos direitos constitucionais. Desta maneira, o poder político de
D. Pedro fundamentará sua autoridade nos próprios princípios de uma razão natural
– aos quais a redação da Constituição deve igualmente submeter-se – como também
na soberania divina, a que todo ser vivente e criatura de Deus está
incondicionalmente sujeito.

A imagem do Imperador como defensor constitucional reúne tanto o caráter de


realizador dos desígnios divinos através do poder político – aproximando-se esta
imagem daquela outra, setecentista, do rei-salvador – quanto o de representante da
vontade dos povos que elegeram D. Pedro, segundo uma terminologia coerente com
o ideário da Revolução Francesa. O fato de que a figura do Imperador seja assim
composta leva-nos a descartar uma análise pautada na simples contraposição da
imagem do reisalvador ao ideário revolucionário – o que talvez fosse possível fazer
nos cerimoniais de D. Maria I. Uma primeira indicação desta articulação é a dupla
eleição (divina e popular), aludida por frei Sampaio, pela qual se estaria coroando D.
Pedro. Outra indicação é o fato de que a coroa do Imperador, cujo formato é distinto
da coroa do rei português, reproduz a “coroa imperial portuguesa” – localizamos esta
“coroa imperial” já num pendente da Cruz de Santiago, de 1812. O que temos agora
no cerimonial da sagração de D. Pedro I é justamente o entrelaçamento desta insígnia
imperial, já conhecida pelos artesãos como “coroa imperial portuguesa”, com o cajado
– que é tanto símbolo religioso da função pastoral do bispo, quanto do detentor de
Justiça e dom da Providência. Isto caracteriza como supremo o poder imperial de D.
Pedro, que tem por objetivo a salvaguarda de direitos constitucionais, definindo o
Imperador como governante eleito por Deus e ratificado pelo povo. Também alude ao
estabelecimento daquele vínculo à formulação de que, se os cidadãos examinarem
suas consciências, encontrarão ali desígnios divinos, que confirmam a escolha de D.
Pedro. Este governo protetor que surge, então, traz como seus fundamentos a
vontade de Deus e a “vontade dos povos” reunidos sob o poder político de D. Pedro.
Enfim, a imagem do Imperador-defensor faz-nos considerar a hipótese de uma
articulação entre o dever real de salvação e a vontade da nação.

Observamos como, na sagração de D. Pedro I, foi atribuída ao Imperador sagrado


uma autoridade que ultrapassava o julgamento humano e não poderia ser
questionada pela Assembleia Constituinte. Tal procedimento religioso de sagração
recuperava a teoria do direito divino, que desde a aclamação de D. Maria I era
proposta para fundamentar o poder real. E, ao mesmo tempo, privilegiava ainda os
procedimentos religiosos como um dos principais dispositivos de um controle das
condutas humanas. A realização do cerimonial da sagração afirmava o poder político
como uma dimensão superior, cuja autoridade e obediência são absolutas. A
realização da Assembleia não deveria, portanto, colocar em dúvida este fundamento
imperial do poder político. Enfim, a política no Império do Brasil surge como uma
dimensão de produção e distribuição de poder, organizada pelos conceitos de razão
e obediência.

No cerimonial de sagração, a obediência ao Imperador exerce uma função imperativa


dentro de uma ordem constitucional, isto é, condição legal e limitadora dos poderes.
Esta formulação, presente no juramento ao Imperador, contrasta com o juramento de

10
sujeição prestado a D. João VI, no cerimonial de sua aclamação, em 1818. Neste
último, os súditos ocupavam um papel desprovido de poder e decisão, em que a
obediência era uma obrigação.

No caso da sagração de D. Pedro, trata-se de restringir o poder que cabe a cada um,
pelo respeito a condições normativas (deveres e lei estabelecidos conforme o “direito
natural e das gentes”), cabendo ao Imperador o papel de velar pela observância da
lei, de uma legislação cuja legalidade estava fundamentada nestes absolutos
princípios jus naturalistas. A origem do poder político do imperador é anterior e
superior ao seu exercício de qualquer poder institucional: a vontade divina e a do
povo. Concebe-se o poder político como ilimitado, mas não propriamente o poder do
Imperador, já que este se insere agora numa distribuição constitucional dos poderes.
Aquele poder ilimitado e esta distribuição exigem uma obediência à lei e à
Constituição, que se admite como sendo garantida pelo Imperador, feito instrumento
daquelas vontades. O ponto importante é justamente esta função instrumental do
poder imperial, pelo qual o imperador adquire um papel principal na monarquia
constitucional: garantia de existência do regime monárquico, porque fiador e
mantenedor da legalidade constitucional. Além disto, o cerimonial da sagração vincula
a razão natural com a obediência absoluta. A monarquia constitucional seria um
regime que reteria estes elementos numa Assembleia Legislativa e num monarca. O
que procuramos ressaltar é que se trata agora de uma obediência política apenas
exercida pelo conhecimento dos deveres, não mais por uma exigência alheia à razão
dos homens. Mudou, portanto, a natureza do cerimonial político, mesmo ao fazer uso
de procedimentos religiosos. Com a coroação de D. Pedro I fez-se um uso moderno
do procedimento antigo da sagração, para constituir uma sujeição política
fundamentada na razão universal do Homem. E a existência de um poder de império
(um poder superior e vigilante) legitima-se na Constituição (expressão da vontade
racional e soberana da nação) e no respeito a que lhe impõe o trono: tais são os
fundamentos de uma monarquia constitucional. Isto nos permite afirmar que a
monarquia brasileira apresenta-se como um império da lei, nesta primeira década de
1820.

Trata-se de uma ideia de império que teria contribuído para fundamentar o título do
novo Estado independente do Brasil, no qual o poder político governante é um poder
superior, vigilante e promotor de riquezas: um poder de império que se manifesta na
dimensão legal como expressão de uma vontade soberana e racional. Esta ideia de
império supõe, assim, um Estado de Direito, em que haveria Direito porque a ordem
legal se fundamentaria numa vontade superior (tanto divina quanto popular). E o
exercício deste poder de império desdobra-se como um poder legal e constitucional,
que, ao mesmo tempo, vela pelo respeito desta ordem legal e se expressa na
Constituição. A sagração é o momento em que este poder temporal de império é
concedido a D. Pedro, quando também se caracteriza sua origem naquela vontade
superior.

Enfim, é sob a alegação de um poder superior (o de Deus) que se elege e empossa


D. Pedro. E, se apenas à divindade cabe à escolha do novo governante, os cidadãos
e os seus representantes (inclusive a Assembleia Constituinte) estão alheios à
supremacia do Imperador. O simbolismo do cerimonial religioso legitima o poder

11
supremo do novo regente, e o poder representativo não poderia desautorizar o poder
e o governo de D. Pedro. Retoma-se aqui a concepção de um poder político como
um império civil; não simplesmente pelo título, mas por ser um poder supremo na
dimensão humana, instituído por direito divino.

A repressão que se abateu sobre este segundo grupo – com o exílio de Ledo e
Clemente, e a eliminação de grupos que davam respaldo a Ledo (não aceitavam a
separação de Portugal, as discriminações eleitorais e as feições das relações
mercantis) – não extirpou o projeto de um governo representativo, pois a Assembleia
Constituinte já fora convocada. Consideramos mesmo que não se deu a vitória
unânime de um projeto político sobre o outro, de um projeto de monarquia sobre o de
um governo representativo. As reuniões da Assembleia durante o ano de 1823
formularão os termos jurídicos da nova sociedade civil e dos poderes políticos,
inclusive a autoridade do Imperador. Foi preciso admitir a liberdade política dentro do
novo governo, mas também coordená-la com o princípio de um poder supremo,
depositado na pessoa do monarca.

A Constituição de 1824, cuja redação final ficou a cargo de José J. Carneiro de


Campos, não apenas inclui este poder político (um quarto poder, ao lado do
legislativo, do executivo e do judiciário), como também o amplia. O poder moderador,
descrito no texto constitucional, detém o poder de dissolução da Câmara de
deputados, pode afastar juízes suspeitos, intervir nos atos das Assembleias das
Províncias. Este poder atuaria, enfim, como instrumento de pressão e intervenção
nos demais poderes, alegando a “salvação do Estado” em situações de ameaça à
ordem pública. Por um lado, a Carta Constitucional admite a liberdade política,
restringindo esta mesma liberdade, entretanto, mediante um critério censitário para o
exercício do direito cívico e pelo processo indireto de eleição. E também a
representação política fica limitada em sua atuação por meio da organização do poder
legislativo em duas câmaras legislativas e pelo direito de dissolução da Câmara dos
Deputados.

Por outro lado, limita-se a autonomia do judiciário, a atuação dos poderes


representativos e das administrações regionais, através do poder moderador. Este
poder exclusivo legitima o poder supremo do Imperador. Cristalizando-se
juridicamente nos modernos termos constitucionais, está a ideia de um poder de
império civil: um poder político supremo, exclusivo do monarca e instituído para
resguardar a sociedade civil, por isto inquestionável em sua autoridade. A ideia de
império civil redefine-se, aqui, como um poder político constituído em prol da
sociedade. Não por remissão a um direito divino, mas pelo vínculo originário do poder
político com a sociedade. Isto é o que fundamenta este poder de império exercido por
D. Pedro I; e o que, na Constituição do Império do Brasil, de 1824, materializase no
poder moderador.

4. Os fundamentos de um novo poder político

Em nosso entender, esta ideia de império civil não é propriamente um projeto político
de um grupo (de Ledo ou de José Bonifácio), mas uma concepção de poder político
– que é retomada por aqueles projetos. Por um lado, reporta-se a um poder definido,

12
em fins do século XVIII, em termos de um direito divino e de pressupostos jus
naturalistas. Por outro, a uma concepção que foi reelaborada nos anos 1820 para
confrontar uma ampliação das liberdades políticas. Daí uma concepção de império
civil que fundamenta o poder político no Império do Brasil, que podemos caracterizar
em três pontos.

Um primeiro ponto é que ele se baseia num princípio de superioridade absoluta da


lei. É possível reconhecê-lo tanto no projeto constitucional de 1823 quanto na
Constituição de 1824. O fato de que este princípio opere em ambos não os torna
iguais no tocante aos objetivos de cada um ou, como propõem, uma organização do
exercício do poder; especialmente porque, a propósito da Constituição de 1824, o
princípio da superioridade se realiza de um modo particular, no poder moderador.
Lembremos que este poder está fundamentado no elemento de excepcionalidade –
uma exceção definida como uma situação de ameaça que se pode abater sobre o
Estado, levando-o à destruição, portanto, o grau máximo de perigo. Isto exigiria uma
ação extraordinária e que não estaria prevista na lei constitucional ordinária (mesmo
porque uma ameaça tão grande ao Estado é uma condição imprevisível).

Tão grande ameaça só pode ser contida por um poder imenso, além dos limites
estabelecidos pela lei ordinária, pela constituição e mesmo pelos direitos individuais.
Sobre este ponto, há uma diferença fundamental entre o projeto de 1823 e o código
de 1824. O primeiro projeto estabelece um predomínio do poder político do legislador
(portanto, na Assembleia), que sanciona leis, e da própria Carta Constitucional,
independentemente da autorização do poder executivo ou da determinação de que
tipos de projetos de lei cabem ao Imperador, aos deputados ou aos senadores (Arts.
114 e 121 do projeto).

Portanto, a Assembleia Geral vale-se da sua condição de exceção (da ausência de


atribuições constitucionais aos poderes) para dispor sobre qualquer matéria,
decretando leis sem a sanção do Imperador. A Constituição de 1824 privilegia de seu
lado, o poder real; isto é, o Imperador possui instrumentos de interferência no
legislativo, no judiciário e nas administrações provinciais, através do poder moderador
– inclusive de sancionar os decretos da Assembleia Geral que tenham força de lei
(Art. 101 da Constituição de 1824, § 3). Nestes projetos constitucionais, funciona uma
estratégia política: na divisão dos poderes políticos, colocar um poder predominando
sobre os demais.

Mas, poderíamos perguntar poder excepcional sobre o quê? Seguimos então para o
segundo ponto: a ideia de império civil como um poder dedicado à salus populi. Por
um lado, ele visa o “bem da sociedade”, que foi identificado com o Império. Há muito
tempo, o Estado tinha estabelecido as principais condições para este poder atuar
sobre o populus e, portanto, agora, pela Constituição de 1824, o princípio de
conservação do Estado está vinculado ao de preservá-lo através de um conjunto de
prescrições do direito civil. Este mesmo enunciado (“salvação do Estado”) era
facilmente encontrado, anos antes, a propósito da monarquia portuguesa. Mas, então,
numa monarquia, o princípio de conservação poderia ser estabelecido, fazendo-o
voltar para a própria pessoa do rei. Assim, toda a ação do Estado convergia para
reforçar o poder político do monarca – é o que denominamos, em outro lugar, de

13
“princípio circular do poder”. Contudo, a questão, agora, é como conservar um
Estado, cujo governo político é representativo, isto é, inclui a participação efetiva de
vários indivíduos (os
“cidadãos”) e poderes divididos (executivo, legislativo e judiciário), que se distinguem
da pessoa do rei e do poder real.

Definitivamente, a questão ainda é de conservação do Estado, como bem o declara


a Constituição de 1824, mas mediante instituições civis – ressalvando que a
“sociedade” não equivale à massa de súditos que residem dentro do Império do Brasil.
Portanto, o problema é: como estabelecer as condições de exercício daquele poder
de governo, através do Estado, e de sua conservação, quando o poder político foi
dividido? Tanto no projeto de 1823 quanto na Constituição de 1824, procurou-se
definir estas condições através de um equilíbrio jurídico dentro do Estado. Porém,
este equilíbrio entre os poderes pendia para lados diferentes, de acordo com cada
código proposto (o Imperador ou o Legislativo).

Por outro lado, o poder de salus populi atua como governo e polícia da sociedade,
atento a suas variações no tempo e às diferentes partes que o constituem. Se a
metáfora do corpo social vigora neste início de século XIX, talvez seja porque ela
determine com precisão o problema do governo como uma tentativa de dar conta da
dimensão pública segundo o modelo moral. As ações e a razão universal são
aproximadas neste modelo, e a lei, como um preceito de conduta, torna-se um
instrumento comum a ambas, sendo que a razão é a via interna pela qual se dirige a
conduta ou a ação política e que permite igualmente estabelecer a obediência. Mas
este modelo permite apoiar ainda uma hierarquia entre os indivíduos que exercem o
poder político do Estado e os que não podem dele participar, a qual se define no
mérito e no esclarecimento, pelo serviço prestado ao Estado e pelo discernimento da
razão política, tanto para produzi-la como legislador quanto para obedecer a ela como
cidadão. Contudo, não há mais uma distância entre aquele que exerce algum poder
político sobre os outros, e aquele que está isento de algum tipo de controle das
condutas. Enfim, aquela metáfora do corpo não é mais tomada como simples analogia
funcionalista (segundo a qual apenas um concebe as ordens e os demais executam),
porque o corpo social depende agora de uma ética para ser também o lugar de
exercício do poder político: a moderação das paixões aparece como uma nova função
do governo político.

5 - A articulação político-institucional de um monarca


constitucional para o império do Brasil (1826-1831)

Assim terminaram de improviso as sessões da primeira Câmara dos Deputados, fraca


e vacilante em 1826, inquieta em 1827, exigente em 1828, e finalmente aventurando-

14
se a opor uma barreira contra as agressões do poder em 1829. (ARMITAGE, 1981,
p.194)

O balanço feito por John Armitage sobre o caráter da Câmara dos Deputados, em sua
História do Brasil, publicada em 1836, foi de tal forma convincente que ainda hoje, em
pleno século XXI, encontram-se ecos de suas palavras em muitas das reflexões feitas
sobre o papel desempenhado pela Câmara dos Deputados no decorrer do Primeiro
Reinado, desde a abertura dos trabalhos legislativos no dia 06 de maio de 1826 até
o encerramento da sessão anual legislativa de 1830. De tal forma que se tornou
corrente, na historiografia dedicada a este período, vislumbrar, nas primeiras sessões
da Assembleia Geral Legislativa, deputados fracos e vacilantes que temiam um
desfecho igual ao da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa de 1823 (SOUSA,
1988, p.211; HOLANDA, 1997, p.399; CERVO, 1981, p.31-32. PEREIRA, 2010,
p.171, 203). Contudo, notase que, se por um lado eram cautelosos (RIBEIRO;
PEREIRA, 2009, p.154), na medida em que evitavam ferir os brios de dom Pedro I,
por outro, souberam, com muita habilidade, conduzir os trabalhos legislativos de
forma a elaborar uma crítica severa e ininterrupta aos rumos tomados e aos objetivos
traçados pela política imperial brasileira até aquele momento
(LOPES, 2003, p.208; DOLHNIKOFF, 2005; DANTAS, 2008, p.9-67) e propor
estratégias para se construir, a partir do texto constitucional, um papel viável ao
imperador de acordo com os anseios das diversas províncias brasileiras.

Na Constituição Política do Império do Brasil, outorgada por dom Pedro I no dia 25 de


março de 1824, ao imperador foram conferidas diversas atribuições em abstrato, quer
em virtude dele ser o chefe supremo da nação e seu primeiro representante, quer
enquanto chefe do poder executivo, de acordo, respectivamente, com o disposto nos
artigos 98 e 102 do texto constitucional. Contudo, dada a não convocação da
Assembleia Geral Legislativa e, deste modo, pendentes de serem regulamentadas
diversas inovações político-institucionais previstas na carta de 1824 – tais como a
(re)organização dos poderes judiciário, provinciais e municipais, a regulamentação
da responsabilidade dos empregados públicos em geral, a proteção dos direitos e
garantias individuais previstos no texto constitucional dentre inúmeros outros temas
–, não estava claramente delimitado como monarca agiria à frente de cada uma das
atribuições a ele conferidas, ou mesmo quais os limites e as responsabilidades de
seus ministros e/ou conselheiros de Estado, por eventuais abusos, excessos e
desvios na execução dos atos praticados à frente dos poderes que lhe foram
delegados pela nação. No entanto, apesar de o imperador em diversas ocasiões se
contrapor ao texto constitucional, por ele mesmo outorgado à nação, não havia mais
a possibilidade de se governar como no período anterior: ser um monarca
constitucional era-lhe uma obrigação, mais do que uma livre opção (BARATA, 2009,
p.49-70; MOREL, 2005).

Na leitura dos Anais do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Srs. Deputados e dos
Anais do Senado do Império do Brasil, perscrutam-se os meandros pelos quais o
papel a ser exercido pelo Imperador foi tecido através do discurso legislativo, muito
mais do que pré-determinado pelo texto constitucional. A criação de um poder
moderador (aliado ao executivo), de forma a limitar a atuação do legislativo (forte nas
experiências constitucionais de Cádis e de Lisboa – de acordo com HESPANHA,

15
2004, p.102, “o poder real [moderador] visava, antes de mais, a contenção do
legislativo”), não impediu os deputados (representantes da Nação, eleitos e
temporários) e os senadores (representantes da Nação, eleitos e vitalícios) de
questionarem as medidas adotadas pelo imperador à frente dos poderes que lhe
foram reservados. Cumpre lembrar que, na arquitetura constitucional do Império do
Brasil, destacam-se dois grandes títulos: o quarto, dedicado ao poder legislativo, e o
quinto, consagrado ao imperador – no qual foram instituídos os poderes moderador e
executivo. Foi do diálogo estabelecido entre os representantes desses três poderes
– legislativo moderador e executivo –, no espaço da Assembleia Geral Legislativa
que, a partir do texto constitucional, mas nele não se esgotando, construiu-se a
arquitetura político-institucional do Estado recémemancipado. Nas câmaras do corpo
legislativo se canalizavam os anseios, as dúvidas, os questionamentos e as
expectativas da Nação soberana em torno de qual seria o melhor governo e a melhor
administração do Império em construção. Tratava-se, portanto, de um fórum de
debate privilegiado, no qual afloravam as diversas concepções de monarquia
constitucional em curso naquele momento.

No debate legislativo, o papel a ser desempenhado pelo imperador, em um sistema


de governo monárquico hereditário constitucional representativo, era questionado
não apenas no início de cada sessão anual, por ocasião da elaboração da resposta
à fala do trono, mas diuturnamente ao serem analisados quer os projetos de lei, quer
as petições encaminhadas pelos cidadãos (analisados por PEREIRA, 2010), os
ofícios e os relatórios encaminhados pelos ministros às câmaras da Assembleia Geral
Legislativa, ou mesmo, o debate da lei de orçamento discutida a partir do relatório
apresentado no início de cada sessão anual à Câmara dos Deputados pelo ministro
da fazenda (de acordo com o disposto no artigo 172 da
Constituição Política do Império do Brasil).

A abertura dos trabalhos da Assembleia Geral do Império do Brasil, em maio de 1826,


trouxe de volta à cena pública e política, ainda em construção, inúmeros deputados
constituintes de 1823. A princípio contidos11 em suas falas relacionadas diretamente
ao papel exercido pelo imperador, rapidamente os ânimos se acirraram, tanto frente
a assuntos polêmicos, relacionados à política externa do nascente Império, tais como
o Tratado de Paz e Amizade entre Brasil e Portugal (firmado em 29 de agosto de
1825, mas discutido no Parlamento entre 1826 e 1827), a Guerra Cisplatina e o
tratado anti-tráfico de escravos (FERREIRA, 2006; PEREIRA, 2007, 2012; PARRON,
2011); quanto aos relacionados às demais atribuições reservadas ao imperador, à
frente quer do poder moderador quer do poder executivo, por meio de seus ministros
(OLIVEIRA, 2006, 2012, 2012; LYNCH, 2007). A partir das fontes consultadas,
verifica-se que, apesar dos preceitos constitucionais, na prática político-institucional
não estava claramente definido o que cabia a quem: atribuições eram
(com)partilhadas e se disputavam os limites de ação e a(s) (ir)reponsabilidade(s) de
cada um dos poderes estatais. De acordo com o contexto da época, outorgou-se uma
carta constitucional, a qual, em abstrato, delimitava as atribuições de cada poder
político – poderes legislativo, executivo, moderador e judicial –, estabelecendo-se
igualmente um sistema de controle entre eles (check and balances), mas na prática
político-institucional debatia-se a extensão e as (ir)responsabilidade(s) dos
representantes de cada um dos poderes constitucionais.

16
Ao assim procederem no decorrer dos debates legislativos travados durante o reinado
de dom Pedro I, e obtidas diversas conquistas legais, em 1831 vislumbrou-se na
abdicação do imperador – no dia 07 de abril – a possibilidade de se manter o sistema
de governo monárquico hereditário constitucional representativo instituído pela
Constituição Política do Império do Brasil outorgada pelo monarca em 1824, a
despeito da revolução em curso naquele ano. De um lado, ao mesmo tempo em que
o primeiro imperador – português de nascimento – retornava para Portugal, deixava
seu filho – nascido no Brasil – como elo de continuidade dinásticoinstitucional. De
outro, possibilitava às câmaras da Assembleia Geral Legislativa concluir o trabalho
interrompido por ocasião da dissolução da Assembleia Geral Constituinte e
Legislativa de 1823: o texto constitucional de 1824 tornar-se-ia, de certa forma – pela
aprovação do Ato Adicional de 1834 e pela lei de interpretação de 1840 –
representativa da Nação representada nas duas câmaras do corpo legislativo. Ao
assim procederem, legitimou-se, perante os Brasis, o texto outorgado em 1824. E,
frente aos diversos horizontes de expectativas de uma monarquia constitucional
possível, articuladas no período em análise, um pacto político-institucional foi tecido
de forma a possibilitar a manutenção desse sistema de governo até a instituição da
República em 1889 (DOLHNIKOFF, 2005).

Por um lado, pela Carta de 1824, almejava-se a construção de um Estado nacional


sob um governo Monárquico Hereditário, Constitucional e Representativo (artigo 3 da
Constituição Política do Império do Brasil), o
que era uma novidade política para a época (NEVES, 2003). Desse modo, os
representantes da Nação – o imperador e a Assembleia Geral Legislativa – se
questionavam sobre o alcance das disposições contidas no texto constitucional. Qual
a atribuição de um imperador, sob um sistema de governo monárquico hereditário
constitucional representativo, quer enquanto delegado privativo do poder moderador
quer enquanto chefe do poder executivo? Como as exercer e quais seus limites e
responsabilidades? Proclamadas a irresponsabilidade e inviolabilidade do imperador,
quem seria responsável pelos atos por ele praticados? E, quem e como seriam
julgados e responsabilizados os responsáveis pelos desvios eventualmente
cometidos? Quais condutas deveriam ser punidas? Quais as relações possíveis entre
os representantes dos poderes executivos, moderador e legislativo, de forma a se
manter o equilíbrio entre eles? Instituíra-se o sistema de governo monárquico,
hereditário, constitucional e representativo, mas a grande questão era articular um
regime de governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo, possível
e viável, frente às especificidades políticas, econômicas e sociais do Estado nacional
em construção naquele momento.

Por outro, no plano jurídico, era igualmente uma novidade o ensino do Direito
Nacional (Pátrio) (LOPES, 2004, p.124-125; p.148). Nesse momento, ao passo em
que se afirmava uma nova ideia de soberania, relacionada à Nação, articulava-se
uma nova concepção de Direito tendo em vista os Estados nacionais em construção
no século XIX. Desse modo, não apenas novas concepções de lei, legitimidade e
legalidade estavam em construção no debate legislativo (FERNÁNDEZ SEBASTIÁN;
FRANCISCO FUENTES, 2002), como também, no início do século XIX, o Direito
Público, o qual abarca tanto o Direito Constitucional quanto o Administrativo, ainda

17
estava em fase de delimitação teórico-conceitual (ROSANVALLON, 1994; LOPES,
2004; SLEMIAN, 2006).

Além disso, para perscrutar o debate politico no Império do Brasil em sua primeira
década, deve-se considerar, além da transformação no saber jurídico
supramencionado, o fato de os cursos jurídicos terem sido criados, nesse Estado
nacional em construção, apenas em 1827 (as aulas tiveram início em 1828). Ou seja,
há uma particularidade no debate travado, durante o Primeiro Reinado, nas duas
câmaras da Assembleia Geral do Império do Brasil: a presença de uma geração
formada, sobretudo em Coimbra, dentro dos valores iluministas e intimamente
vinculada ao espaço atlântico (VARGUES, 1997; MAIA, 2002; ARAÚJO, 2003;
NEVES, 2003).

No entanto, deve-se sublinhar que a unidade político-territorial brasileira foi, antes,


fruto da negociação entre as diversas elites brasileiras, representadas ou não nas
Cortes gerais, extraordinárias e constituintes, da Nação Portuguesa (1821-22), na
Assembleia Geral Constituinte e
Legislativa do Império do Brasil (1823) e nas duas câmaras da Assembleia
Geral do Império do Brasil – a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Senadores ou
Senado (instituídas pela Carta de 1824, em seu artigo 14, e em funcionamento desde
1826), do que resultado do esforço homogeneizador conduzido pelo Estado
português, por meio da atuação de sua elite política formada em Coimbra, desde fins
do século XVIII. Em um momento no qual não havia a concepção moderna de partidos
políticos ou programas partidários bem definidos – pois, na prática político-
parlamentar havia facções políticas com fluidas fronteiras entre elas, o que exclui a
ideia de fidelidade partidária –, os atores se posicionavam frente a cada questão que
lhes era colocada pelo debate legislativo, muitas vezes de forma contrária à da facção
que os havia conduzido quer à Câmara dos Deputados, quer ao Senado
(DOLHNIKOFF, 2012, p.13). De modo que, a maior liberdade nas intervenções em
plenário, característica desse período, gerou um amplo leque de ideias para cada
questão discutida, o que fornece, em certa medida, um amplo painel das ideias em
circulação naquele momento histórico.

Cumpre ressaltar que a permanência em vigor da Constituição Política do Império do


Brasil, ao longo de quase todo o século XIX, fornece um indício tanto da habilidade
técnico-jurídica de seus redatores (dentre os quais alguns historiadores incluem o
próprio imperador) quanto da viabilidade político-institucional do sistema de governo
monárquico hereditário constitucional representativo nela proposto. Ou seja, apesar
de não ter apresentado uma solução definitiva para as questões da separação dos
poderes e do equilíbrio entre eles, o texto constitucional outorgado em 1824 construiu
uma base para o amplo diálogo que se lhe seguiu.

Apesar da importância do tema da construção de um papel viável para o imperador,


tendo em vista as aspirações dos diversos segmentos sociais das províncias
representados na Assembleia Geral Legislativa, e do grande acervo documental
disponível (parte do qual se encontra publicado e/ou digitalizado) a ser investigado
pelo pesquisador interessado na compreensão da forma pela qual se articulou o papel
político de um imperador, sob o sistema de governo monárquico-constitucional, para

18
o nascente Império do Brasil, há poucos trabalhos a ele dedicados. No decorrer da
última década, foram desenvolvidas pesquisas relacionadas às origens e ao
funcionamento do poder moderador, as quais ampliaram a reflexão sobre esses
temas em nossa historiografia (BARBOSA, 2001; AMBROSINI, 2004; OLIVEIRA,
2006 e 2009; LYNCH, 2007). No entanto, não houve interesse direto da historiografia
tanto em relação ao papel desempenhado pelo monarca enquanto chefe do poder
executivo – competência por ele exercida juntamente com a de delegado privativo do
poder moderador, quanto às relações estabelecidas entre ambos os poderes
exercidos sob a chefia do imperador, com ou sem o referendo ministerial. No que se
refere à utilização do discurso parlamentar como fonte de pesquisa, no decorrer da
última década, foram desenvolvidos trabalhos que propuseram uma metodologia para
a abordagem desse discurso político. Dentre os temas tratados por essa nova
historiografia, a qual utiliza o discurso parlamentar como fonte, destacam-se questões
da política externa (PEREIRA, 2007); da construção e exercício da cidadania
(RIBEIRO, 2002; PEREIRA, 2010); da Constituição (SLEMIAN, 2006), e do
contrabando e da escravidão (RODRIGUES, 2000; PARRON, 2009).

Cumpre salientar que, após o desenvolvimento do contextualismo linguístico


(SKINNER, 1969; POCOCK, 2003), da história conceitual do político
(ROSANVALLON, 1994, 1995, 200320), da história dos conceitos (KOSELLECK,
1990, 1997) e da história atlântica (BAILYN, 1996, 2005; TOMICH, 2004; MORELLI,
2006; ELLIOTT, 2006; MARZAGALLI, 2008; LANGUE, 2011), um amplo instrumental
teórico-metodológico foi disponibilizado aos historiadores de forma a elaborar novas
abordagens de temas tradicionais na historiografia, questionando-os e redefinindo-
os. Desse modo, frente às periodizações e às classificações consagradas, novas
abordagens permitem tanto um questionamento, quanto uma problematização da
historiografia tradicional referente ao tema.

Parte da nova historiografia brasileira dedicada ao Primeiro Reinado, valendo-se tanto


das perspectivas abertas pela nova história política quanto dos questionamentos
trazidos pela história cultural, voltou-se à compreensão do vocabulário político da
independência, a partir das reflexões metodológicas articuladas por Quentin Skinner,
John Pocock e Reinhart Koselleck (NEVES, 2003, p.16). Ao se utilizarem não apenas
da documentação de caráter oficial, mas também dos periódicos, folhetos e panfletos
como fontes para a história, buscaram desvendar os múltiplos e cambiantes
significados que os conceitos assumiam num período em rápida transformação
político-social; e, dessa forma, questionaram as interpretações clássicas dadas aos
acontecimentos considerados fundadores do Estado e da Nação brasileiros desde
José da Silva Lisboa (LISBOA, 1827-1830). Dentro dessa vertente historiográfica, a
historiadora Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (2003), antes de desemaranhar a
trama dos acontecimentos políticos ocorridos entre 1820 e 1822 – ao analisar folhetos
e panfletos publicados nesses anos no Brasil e em Portugal –, elabora um minucioso
estudo acerca do vocabulário político dos anos da independência, o qual constitui
uma importante contribuição teórico-metodológico-conceitual a presente
investigação. Em sua interpretação dos acontecimentos daqueles anos, a autora

19
mostra o quanto apenas a partir da ação e da prática política é que se compreende a
dinâmica de uma sociedade em transformação. Outro aspecto importante de sua
pesquisa é a preocupação em entender a política, a partir do que ocorria em ambos
os lados do Atlântico, tendo em vista o mundo lusobrasileiro comum por ela abordado.
No entanto, em sua obra, deve-se relativizar a interpretação por ela dada em relação
às permanências do Antigo Regime na cultura política da independência (NEVES,
2003, p.414418), de forma a sublinhar em demasia a conjuntura política da
Restauração (e da ideia política de um Império Luso-brasileiro) no curso dos
acontecimentos.

A articulação político-institucional de um imperador, sob o sistema de governo


monárquico hereditário constitucional representativo, para o nascente Império do
Brasil demonstra a ousadia daqueles homens que, apesar de formados no espírito do
reformismo ilustrado ibérico, buscaram, a partir tanto das experiências constitucionais
e parlamentares atlânticas, quanto do aprendizado da política no espaço da
Assembleia Geral, construir o novo e, não simplesmente, reproduzir em terras
americanas modelos políticos alhures concebidos. Conheciam a especificidade do
Império a ser construído e se articularam de forma a conceber um regime de governo
monárquico-constitucional possível, o qual foi tão habilmente tecido que durou até
quase o final do século.

Nesse sentido, a historiadora Cecília Helena de Salles Oliveira – ao analisar as


origens, o funcionamento e os limites do poder moderador –, fornece elementos para
a melhor compreensão da articulação políticoinstitucional em curso nos primeiros
anos do nascente Império do Brasil e alerta sobre o perigo de se abordar o poder
moderador “em separado dos demais poderes e mecanismos estatais” (OLIVEIRA,
2006, p.46). A produção teórica da autora quer sobre o processo de independência
do Brasil (OLIVEIRA, 1999) quer sobre a consolidação do sistema de governo
monárquico-constitucional no Segundo Reinado (OLIVEIRA, 2006, 2009, 2010), traz
reflexões fundamentais tanto aqueles que se dedicam ao período por ela estudado –
o Segundo Reinado – quanto aos que buscam compreender a articulação político-
institucional de um imperador viável, sob o sistema de governo monárquico
hereditário constitucional, para o Império do Brasil, durante o Primeiro Reinado. A
Aclamação de D. Pedro I, como “Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do
Brasil” (12 de outubro de 1822); a outorga da Carta Constitucional pelo mesmo
Monarca (25 de março de 1824); a abertura da Assembleia Geral Legislativa (em 06
de maio de 1826); a sanção imperial da lei da responsabilidade dos ministros e
conselheiros de Estado (em 15 de outubro de 1827); a nomeação de um ministério
composto por três deputados, dito parlamentar (em 20 de novembro de 1827); a
demissão do denominado ministério Clementino e nomeação de um ministério
conciliador articulado pelo marquês de Barbacena (em 04 de dezembro de 1829); e,
a abdicação do imperador (em 07 de abril de 1831) constituem atos de um movimento
mais amplo de consolidação do sistema de governo monárquico hereditário,
constitucional e representativo implantado pela Carta de 1824: não se queria mais ser
um mosaico (JANCSÓ; PIMENTA, 2000), mas como conciliar os diversos interesses
em conflito de forma a reordenar as peças do jogo?

20
6 - Império do Brasil - Primeiro Período - D. Pedro I (09.01.1822 -
07.04.1831)

09.01.1822 - É tornado público o Termo de Vereação do Senado [da Câmara


Municipal] da cidade do Rio de Janeiro, onde o príncipe regente D. Pedro de Alcântara
declara ficar no Brasil. "Como é para o bem de todos, e felicidade geral da Nação,
estou pronto: diga ao povo que fico. Agora só tenho a recomendar-vos união e
tranquilidade". Com este gesto de desobediência às Cortes Gerais, Extraordinárias e
Constituintes da Nação Portuguesa, a separação do Brasil de Portugal está
informalmente realizada e tem início o império brasileiro. Seguindo um costume
português, as câmaras municipais de algumas cidades mais importantes eram
conhecidas como Senado ou Senado da Câmara.

12.01.1822 - No Rio de Janeiro, é sufocada a reação das tropas portuguesas


acantonadas naquela localidade, as quais estavam de prontidão, constante e hostil,
em frente ao Palácio Real, ao comando do governador das Armas da Corte e
Província do Rio de Janeiro, tenentegeneral Jorge de Avilez Zuzarte de Sousa
Tavares. Com suas tropas isoladas, o tenente-general Jorge de Avilez demite-se do
governo das armas e, com receio de um ataque das tropas brasileiras, recua para a
região da Praia Grande, em Niterói, onde se fortificou e de onde, com suas tropas, é
expulso do Brasil. A divisão portuguesa embarca em fevereiro e chega em Lisboa em
maio.

16.01.1822 - No Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva (SP) encabeça o primeiro


gabinete ministerial formado por brasileiros. Assume a Secretaria de Estado dos
Negócios do Império e Estrangeiros e a chefia política do movimento para a
consolidação da regência de D. Pedro de Alcântara, opondo-se às medidas
recolonizadoras das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação
Portuguesa. No dia 4 de julho desse mesmo ano, toma posse na Secretaria de Estado
dos Negócios da Fazenda Martim Francisco Ribeiro de Andrada (RJ), irmão de José
de Bonifácio.

13.05.1822 - É público o Termo de Vereação do Senado [da Câmara Municipal] da


cidade do Rio de Janeiro, onde consta que o príncipe regente D. Pedro de Alcântara
aceita o título de Defensor Perpétuo do Brasil.

16.02.1822 - No Brasil, o príncipe regente D. Pedro de Alcântara expede decreto que


cria o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil para representar
este na Corte do Rio de Janeiro e assessorar o príncipe regente nas questões dos
negócios públicos. É instalado no dia 2 de junho de 1822. A medida não agrada a
opinião pública. Não se contentam os brasileiros com um simples corpo consultivo.
Os próprios procuradores, e com eles as câmaras municipais, irão reclamar uma
futura constituinte luso-brasileira.

06.03.1822 - Em Lisboa, nas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação


Portuguesa, o deputado Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (SP) faz um
memorável discurso em defesa do Brasil quando, nesse dia, os ânimos da maioria
estão exaltadíssimos contra o Reino Americano.

21
22.05.1822 - Em Lisboa, nas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação
Portuguesa, o deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP),
irmão de José Bonifácio, estando com a palavra, ao ser interrompido pelas galerias
quando fazia veemente defesa do Brasil, Império do Brasil - Primeiro Período - D.
Pedro I (09.01.1822 - 07.04.1831) declara: "Eu não sei quem tenha pela lei a ousadia
de perturbar-me. Os cidadãos das tribunas devem saber que reis, quando elegem os
seus representantes, são, neste lugar, súditos: aqui lhes cumpre todo o sossego:
escutar e calar". Prova, com isso, ser o verdadeiro líder parlamentar das bancadas
de representantes brasileiros, defendendo com o risco da própria vida, com brilho e
altivez, todos os interesses do Reino do Brasil. Interrompido, redobrava com ardor a
sua fala.

23.05.1822 - É público o Termo de Vereação do Senado da [Câmara Municipal] da


cidade do Rio de Janeiro, onde consta que a instituição, atendendo aos anseios da
população daquela cidade, dirige-se à presença do príncipe regente D. Pedro de
Alcântara em "que pretende e requer que o mesmo Senhor mande convocar nesta
Corte uma Assembleia Geral das Províncias do Brasil".

02.06.1822 - No Rio de Janeiro, o príncipe regente D. Pedro de Alcântara instala o


Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil. Em seguida é realizado
o juramento aos "Santos Evangelhos", inclusive pelos ministros e secretários de
Estado.

03.06.1822 - No Rio de Janeiro, o príncipe regente D. Pedro de Alcântara expede


decreto para atender um requerimento datado do mesmo dia, dos "Procuradores-
Gerais das Províncias do Brasil", ministros e secretários de Estado, que pediam a
convocação, com a maior brevidade possível, de uma "Assembleia Geral de
Representantes das Províncias do Brasil". O decreto manda "convocar uma
Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa, composta de deputados das províncias
do Brasil, os quais serão eleitos na forma das instruções que forem expedidas".

19.06.1822 - No Rio de Janeiro, o ministro e secretário de Estado dos Negócios do


Império e Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), expede a Decisão
de Governo nº 57, que "estabelece as instruções sobre o processo eleitoral dos
deputados à Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Brasil", considerada a
primeira lei eleitoral elaborada no Brasil.

21.06.1822 - No Rio de Janeiro, o ministro e secretário de Estado dos


Negócios do Império e Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), expede
a Decisão de Governo nº 59, que "remete a todos os governos das províncias, os
decretos, proclamações e instruções para as eleições de deputados à Assembleia
Geral, Constituinte e Legislativa do Reino do Brasil". Nesse mesmo dia, o periódico
O Regulador Brasílico-Luso, em seu segundo número, traz duas matérias
interessantes com os seguintes títulos "Os conhecimentos necessários aos
deputados" e "O perfil do bom deputado".

22
07.09.1822 - Sítio do Ipiranga, província de São Paulo. O príncipe regente D. Pedro
de Alcântara proclama a separação do Brasil do Reino de
Portugal: "Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade
do Brasil. Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será 'Independência ou Morte!
' Estamos separados de Portugal!".

30.09.1822 - Lisboa. Sessão Solene das Cortes Gerais, Extraordinárias e


Constituintes da Nação Portuguesa, para o ato de juramento dos deputados à
Constituição Política da Monarquia Portuguesa, decretada, e assinada pela quase
totalidade dos deputados constituintes em sessão de 23 de setembro de 1822. A
ausência de boa parte de deputados brasileiros é notória.

01.10.1822 - Lisboa. Sessão solene das Cortes Gerais, Extraordinárias e


Constituintes da Nação Portuguesa, para o ato de assinatura da aceitação e
juramento do rei, D. João VI, à Constituição Política da Monarquia Portuguesa. A
rainha, D. Carlota Joaquina, recusa-se a jurá-la.

05.10.1822 - Em Lisboa, os deputados constituintes pelo Reino do Brasil, Antônio


Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), Antônio Manuel da Silva Bueno
(SP), Diogo Antônio Feijó (SP), José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada (SP),
Francisco Agostinho Gomes ((BA), Cipriano José Barata de Almeida (BA) e José Lino
Coutinho (BA) que, por não aceitarem o que fora decidido pela maioria lusitana, não
juraram a Constituição Política da Monarquia Portuguesa, embarcaram com destino
a Falmouth, porto inglês do condado de Cornwall. No dia posterior, a imprensa
lusitana divulga o fato e cobre-os de injúrias. Na sessão das Cortes Portuguesas do
dia 12, é lido ofício do ministro da Justiça, remetendo uma "parte" do intendente-geral
da polícia de Lisboa que diz "terem-se evadido, sem passaportes, no paquete inglês
Malborough-capitão Bull, sete deputados pelo Brasil e as informações, a que a este
respeito procedera". Grande repercussão no plenário das Cortes e na cidade.

12.10.1822 - No Senado da Câmara da cidade do Rio de Janeiro, em sessão solene,


é realizada a "Aclamação do Senhor D. Pedro Imperador Constitucional do Brasil e
seu Perpétuo Defensor".

28.10.1822 - No Rio de Janeiro, acontece a primeira demissão de José


Bonifácio de Andrada e Silva (SP) e Martim Francisco Ribeiro de Andrada (RJ) do
primeiro gabinete ministerial. Após 48 horas, são readmitidos, atendendo às
representações dos procuradores-gerais das Províncias do Brasil e dos comandantes
das guarnições sediadas na região da Corte e Província do Rio de Janeiro.

04.11.1822 - Lisboa. São encerrados os trabalhos das Cortes Gerais, Extraordinárias


e Constituintes da Nação Portuguesa.

01.12.1822 - No Rio de Janeiro, acontece a "Cerimônia de Coroação e Sagração do


Imperador D. Pedro I". Logo após, é realizado, também, o juramento dos
procuradores-gerais das Províncias do Brasil, do Senado da Câmara da cidade do
Rio de Janeiro e de outros procuradores de outras câmaras, declarando obediência
às leis e ao Imperador.

23
05.01.1823 - No Rio de Janeiro, o ministro e secretário de Estado dos
Negócios do Império e Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), expede
a Decisão de Governo nº 2, que "dá providências para se reunirem quanto antes na
cidade do Rio de Janeiro os deputados da Assembleia Geral, Constituinte e
Legislativa do Império do Brasil". Estas instruções são "para os governos provinciais
facilitarem todos os meios precisos para o transporte de seus representantes à Corte
do Império do Brasil, com a possível brevidade".

14.04.1823 - No Rio de Janeiro, o imperador D. Pedro I expede decreto designando


o dia 17 de abril para a reunião dos deputados da Assembleia Geral, Constituinte e
Legislativa do Império do Brasil.

17.04.1823 - No Rio de Janeiro, abertura e instalação da primeira sessão preparatória


da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, com a presença
de 52 deputados constituintes. Para presidir as sessões preparatórias e a instalação
da Assembleia, são eleitos presidente e secretário interinos, respectivamente, os
deputados D. José Caetano da
Silva Coutinho, bispo capelão-mor (RJ), e Manoel José de Souza França (RJ).

18.04.1823 - No Rio de Janeiro, no Plenário da Assembleia Geral, Constituinte e


Legislativa do Império do Brasil, o deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado e Silva (SP) apresenta fórmula de juramento para os deputados
constituintes.

01.05.1823 - No Rio de Janeiro, às 9 horas, os deputados constituintes deixam o


plenário da Assembleia e se dirigem, em corpo, à Capela Imperial para a "Missa
Solene do Espírito Santo" e logo em seguida a prestação de juramento com a mão
sobre os "Santos Evangelhos".

03.05.1823 - Dia da Invocação da Santa Cruz. No Rio de Janeiro, às doze horas e


trinta minutos, acontece a "Sessão Solene de Instalação da Assembleia Geral,
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil", com a presença do imperador D.
Pedro I, que abre os trabalhos da assembleia e dirige à representação nacional a sua
primeira "Fala do Trono". Duas afirmações do imperador provocam reações na
Assembleia, mostrando, desde logo, suas dissenções com o primeiro corpo legislativo
brasileiro: a de que "(...) defenderia a Pátria, a Nação e a Constituição, se fosse digna
do Brasil e de mim", e a segunda: "(...) espero que a Constituição que façais, mereça
a minha imperial aceitação, seja tão sábia, e tão justa quanto apropriada à localidade,
e civilização do povo brasileiro". A maioria parlamentar não admitiria, jamais, que se
viesse a votar uma Constituição indigna da Nação e do monarca.

03.06.1823 - Em Portugal, a contrarrevolução triunfa. O rei D. João VI dissolve as


Cortes lusitanas, suspende a Constituição de 23 de setembro de 1822, organiza um
novo governo e promete uma nova Carta Constitucional. No dia 19 de junho é
nomeada uma Junta "para examinar as leis das Cortes vintistas", que termina seus
trabalhos a 18 de dezembro. No dia 4 de janeiro de 1824 é expedida Carta de Lei

24
pelo rei D. João VI, declarando "em vigor as leis tradicionais", pondo fim à vigência
da Constituição de 1822. Nesse mesmo mês são concluídos os trabalhos de
preparação da nova Carta Constitucional. O rei decide convocar para junho as "Cortes
tradicionais", que acabam por não se reunir por vários fatores, mas principalmente
pelas tentativas de revolta militar miguelista [D. Miguel, irmão de Pedro I], tentando
forçar a abdicação do rei e estabelecer uma regência a favor da rainha "humilhada",
D. Carlota Joaquina.

09.06.1823 - No Rio de Janeiro, no plenário da Assembleia Geral, Constituinte e


Legislativa, o primeiro-secretário informa que recebeu um memorial oferecido à
Assembleia pelo deputado José Bonifácio de Andrada e Silva (SP) sobre "a
necessidade e meios de se edificar no interior do Brasil uma nova capital para assento
da Corte, da Assembleia Legislativa e dos tribunais superiores".

14.06.1823 - No Rio de Janeiro, no plenário da Assembleia Geral,


Constituinte e Legislativa, o deputado José Feliciano Fernandes Pinheiro (RS), depois
visconde de São Leopoldo, apresenta uma indicação, propondo que "no Império do
Brasil se crie o quanto antes uma universidade na cidade de São Paulo". No dia 19
de agosto, a Comissão de Instrução Pública apresenta projeto de lei que "trata da
criação de duas universidades, uma na cidade de São Paulo e outra na de Olinda".

17.07.1823 - No Rio de Janeiro, o imperador D. Pedro I aceita o pedido de demissão


que lhe pediram o ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império e
Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), e o dos Negócios da Fazenda,
Martim Francisco Ribeiro de Andrada (RJ). Forma-se um novo gabinete ministerial
com a subida de José Joaquim Carneiro de Campos, marquês de Caravelas, para a
Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros, e Manuel Jacinto
Nogueira da Gama, marquês de Baependi, para a Secretaria de Estado dos Negócios
da Fazenda. Como é natural, segue-se na política do novo ministério uma completa
mudança administrativa e assinala-se uma grande mudança na vida pública do País.
Essa mudança dá condições para a ascensão do "partido português", que vai
permanecer no poder até a abdicação de D. Pedro I, a 7 de abril de 1831. A influência
política dos "Andradas" diminui ainda mais quando o imperador decreta o fechamento
do "Apostolado" - sociedade secreta e centro político dos mais atuantes na Corte e
província do Rio de Janeiro.

02.08.1823 - No Rio de Janeiro, o ministro e secretário de Estado dos


Negócios da Guerra, general João Vieira de Carvalho, marquês de Lages, expede
portaria "ordenando que os prisioneiros portugueses feitos na Bahia, na guerra da
Independência do Brasil, fossem incorporados ao Exército brasileiro". Desconfiança
na Assembleia Constituinte sobre os planos do governo central. A Assembleia solicita
informações ao governo sobre a adoção de medidas tão graves, e vários
parlamentares vão à tribuna e desabonam, energicamente, o procedimento do titular
da pasta ministerial.

01.09.1823 - No Plenário da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa, o deputado


Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), relator, apresenta um
Projeto de Constituição com 272 artigos. Na essência, o

25
projeto é de teor liberalizante e de contenção do poder do monarca. Todos os grandes
princípios das liberdades constitucionais, todas as novas conquistas do sistema
representativo estão ali proclamadas e consagradas. Entre outros, monarquia
constitucional, divisão do Estado em três poderes e a Assembleia Geral constituída
de duas salas: a sala de deputados (eletiva) e a sala dos senadores (vitalícia). Cada
legislatura deverá durar quatro anos, e cada sessão legislativa, quatro meses. O
projeto desarma o soberano, não lhe concedendo o poder moderador, nem tão pouco
o direito de dissolver a Câmara dos Deputados.

05.09.1823 - No Plenário da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa, o


deputado Pedro José da Costa Barros (CE) apresenta indicação, propondo que "a
Assembleia declare o dia 7 de setembro, aniversário da Independência do Brasil, dia
de festa nacional", a qual é aprovada. É nomeada uma deputação para cumprimentar
o monarca. No dia 7, às 13 horas, os deputados são recebidos solenemente pelo
imperador D. Pedro I no Palácio da Cidade.

09.09.1823 - No Plenário da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa, o deputado


Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado (SP) apresenta indicação propondo que
"se mande ao imperador um exemplar do Projeto de Constituição". A indicação é
aprovada e o projeto é enviado. No dia 17, é lido ofício do governo imperial,
declarando "ter o imperador recebido, com especial agrado, o referido exemplar, e
que, seria muito maior sua satisfação se, em lugar do projeto, fosse já a Constituição
do Império, por estar intimamente convencido de que dela dependem a sua
estabilidade e a prosperidade geral".

01.11.1823 - No Rio de Janeiro, os oficiais da guarnição da Corte do Império do Brasil,


quase a maior parte composta de portugueses, dirigemse a São Cristóvão e
apresentam uma petição ao imperador D. Pedro I, exigindo a expulsão dos Andradas
da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa e a satisfação, por parte desta, de
pretendidos insultos. O monarca participa o fato à Assembleia. Todas as tropas
acantonadas na cidade, em armas, começam a ser concentrada em São Cristóvão,
assumindo arrogantemente uma atitude hostil à Assembleia Constituinte.

10.11.1823 - No Plenário da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa entra em


pauta o projeto que "trata de liberdade de imprensa". A sessão fica muito agitada e
tensa. O povo é admitido no recinto e galerias para acompanhar os debates. Há
tumultos generalizados e a sessão é suspensa pelo presidente.

11.11.1823 - No Plenário da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa, o deputado


Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP) apresenta à Mesa Diretora
uma indicação, propondo, entre outros assuntos, que "a Assembleia se declare, em
sessão permanente, enquanto durarem as inquietações na cidade; que se solicitem
ao governo os motivos dos estranhos movimentos militares que perturbam a
tranquilidade da capital". É aprovada. Essa reunião, que viria a ser chamada de "A
Noite da Agonia", vara a madrugada e fica em sessão permanente do dia 11 para 12
de novembro. Durante a noite são trocados ofícios e notas entre a Assembleia e o
Governo Imperial.

26
12.11.1823 - Doze horas e quarenta minutos. A tropa imperial cerca todo o edifício da
Assembleia e são colocadas peças de artilharia nas entradas das ruas adjacentes. A
Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa é dissolvida por decreto do imperador D.
Pedro I após a leitura do documento no Plenário da Casa. Os constituintes, por
prudência, retiram-se, sem protesto. Ao deixarem o prédio, alguns são presos por
ordem do monarca e depois desterrados. Este foi o primeiro golpe de Estado ocorrido
no Brasil. Outros acontecerão ao longo de sua história, para infelicidade da Nação.

13.11.1823 - O imperador D. Pedro I expede proclamação que "trata da dissolução


da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa". No mesmo dia, é expedido decreto
que "cria um Conselho de Estado" que têm como missão "tratar do Projeto de
Constituição e também de outros negócios da Corte".

16.11.1823 - O imperador D. Pedro I expede manifesto "justificando a dissolução da


Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa".

20.11.1823 - Rio de Janeiro. Sob o comando do capitão-tenente Joaquim Estanislau


Barbosa, saem do território brasileiro com destino à França, embarcados na charrua
"Luconia", os presos José Bonifácio de Andrada e Silva com sua mulher, sua irmã,
uma filha e duas criadas; Martim Francisco Ribeiro de Andrada com sua mulher e três
criados; Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva com sua mulher, um
sobrinho e um criado; Padre Belchior Pinheiro de Oliveira com um criado; José
Joaquim da Rocha com dois filhos; e Francisco Gê Acaiaba de Montezuma com sua
mulher e um criado. O Diário do Governo do dia 22 de novembro registra esse fato.

22.11.1823 - O imperador D. Pedro I expede decreto, mandando "executar,


provisoriamente, o Projeto de Lei nº 36, datado de 2 de outubro de 1823, de autoria
da Comissão de Legislação e Justiça Civil e Criminal, que regula a liberdade de
imprensa". Esse projeto de lei foi lido no plenário da Assembleia Geral, Constituinte
e Legislativa no dia 6 de outubro, teve como relator o deputado José Antônio da Silva
Maia (MG) e tramitava em regime de urgência. Posteriormente, decretos do
imperador D. Pedro I, de 11 de setembro de 1826 e de 13 de setembro de 1827,
declaram "a sua eficácia por estar em pleno vigor".

24.11.1823 - O Imperador D. Pedro I expede decreto, mandando "tirar devassa sobre


os fatos sediciosos dos dias 10, 11 e 12 de novembro sem limitação de tempo, nem
determinado número de testemunhas, para se descobrir a sedição promovida para a
ruína da Pátria".

02.12.1823 - O presidente dos Estados Unidos da América do Norte, James Monroe


(1817-1825) apresenta ao Congresso americano sua célebre mensagem que, entre
outros detalhes, destaca que não era mais admissível que nações do novo continente
fossem colônias de qualquer nação estrangeira e que não era possível que nações
europeias interferissem nos negócios de países americanos (a denominada Doutrina

27
Monroe, onde é defendida a tese "a América para os americanos"). O governo
brasileiro é o primeiro em nosso continente a aderir a essa declaração, em janeiro de
1824.

17.12.1823 - O ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império,


João Severiano Maciel da Costa (MG), primeiro visconde e marquês de Queluz,
expede decisão de governo que "remete ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro e
às câmaras das províncias, o Projeto de Constituição". Quase todas as câmaras o
aprovam. Há exceções. Em Itú (SP), o padre Diogo Antônio Feijó faz reparos. As
Câmaras de Olinda e Recife recusam o texto.

05.01.1824 - O imperador D. Pedro I expede decreto que "manda contrair na Europa


um empréstimo de três milhões de libras esterlinas". Para cobrir despesas urgentes,
o Brasil começa o seu processo de endividamento externo.

11.03.1824 - O imperador D. Pedro I expede decreto que "jura e manda jurar o Projeto
de Constituição Política do Império do Brasil, datado de 24 de fevereiro, e designa
para esta solenidade o dia 25 de março".

25.03.1824 - O imperador D. Pedro I expede Carta de Lei que "manda observar a


Constituição Política do Império do Brasil, oferecida e jurada por Sua Majestade, o
Imperador D. Pedro I". De acordo com a Carta Constitucional, a Assembleia Geral
Legislativa compreende a Câmara dos Deputados (temporária) e a Câmara dos
Senadores ou Senado (vitalícia).
Cada legislatura durará quatro anos, e cada sessão anual (sessão legislativa), quatro
meses. A primeira deveria ser composta por 102 deputados escolhidos em eleições
indiretas, voto censitário, separação dos três poderes: Poder Executivo, Poder
Judiciário e Poder Legislativo. A Igreja Católica é a igreja oficial do país. O regime
político implantado é a constitucionalização do absolutismo, em especial ao criar o
Poder Moderador, exercido diretamente pelo imperador e acima dos outros três. Dá-
lhe o direito de interferir no Executivo e no Legislativo e de atuar como mediador entre
as forças políticas em disputa. No Segundo Império, vai garantir a alternância de
conservadores e liberais no poder e o equilíbrio do regime. O texto constitucional
proíbe a organização de corporações e assegura a liberdade de trabalho. Nenhum
gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, conquanto
não se oponha aos costumes públicos, à segurança e à saúde dos cidadãos. Todo
cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra
diferenciação que não seja a de seus talentos e virtudes.

26.03.1824 - O imperador D. Pedro I expede decreto que "torna sem efeito o decreto
de 17 de novembro de 1823 sobre as eleições de deputados para a Assembleia
Constituinte e manda proceder à eleição dos deputados e senadores da Assembleia
Geral Legislativa do Império do Brasil e dos membros dos Conselhos Gerais das
Províncias".

26.05.1824 - Os Estados Unidos da América do Norte são a primeira nação a


reconhecer a Independência e o Império do Brasil, conforme comunicado do
plenipotenciário [embaixador] brasileiro datado de 31 de maio de 1824.

28
02.07.1824 - Em Recife, Pernambuco, tem início a "Confederação do Equador",
movimento nacionalista com organização republicana e revolucionária. Inspira-se
diretamente na Independência Americana (1776) e na Revolução Francesa (1789),
ambas as expressões do Iluminismo europeu e de seu rebento político, o Liberalismo.
Estabelecendo uma república federativa e democrática nas províncias do Norte,
espera seus líderes criar as condições necessárias para promover a união futura não
só da "América portuguesa", mas de todo o continente ao sul da última província
brasileira. Envida forte apelo em prol da adesão das províncias vizinhas para a
formação de um regime republicano como o existente nos Estados Unidos da
América. O protesto se dirige ao autoritarismo imperial e denuncia, também, o
abandono das províncias, com o poder central atento apenas aos problemas da área
fluminense. Resumem em uma só frase os princípios sobre os quais se assenta a
legitimidade do poder: "As Constituições, as leis e todas as instituições humanas são
feitas para os povos e não os povos para elas". O ideólogo do movimento, principal
conselheiro e publicista é o frade carmelita Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo
Caneca, que já havia participado da Insurreição Pernambucana de 1817. A
divulgação das ideias dos revolucionários e a adesão popular em heroicas brigadas
combatentes ganham contornos de inconformismo social e alastra-se pelo Nordeste.
O imperador reage, e o movimento dura de julho a novembro. As Comissões Militares
são instaladas e os principais líderes são condenados à morte, em processos rápidos
e sumários.

19.04.1825 - Início da rebelião na Província Cisplatina, fomentada pela República de


Buenos Aires, incorporando a Banda Oriental à República das Províncias Unidas do
Rio da Prata a partir de novembro do mesmo ano.

29.08.1825 - No Rio de Janeiro, é assinado o Tratado de Paz e Aliança, com Portugal,


reconhecendo-se assim a independência brasileira, sendo ratificado por parte do
Brasil no dia 30 do mesmo mês e, por parte de Portugal, em 15 de novembro do
mesmo ano. Celebram, também, os embaixadores plenipotenciários uma convenção,
que também é ratificada pelo imperador D. Pedro I, pela qual se conveio, à vista das
reclamações apresentadas de governo a governo, em dar ao de Portugal a soma de
dois milhões de esterlinos pagos com empréstimos ingleses e a subserviência
brasileira ao capital internacional.

10.12.1825 - No Rio de Janeiro, é expedido decreto pelo imperador D. Pedro I que


declara guerra ao Governo das Províncias Unidas do Rio da Prata, autorizando o
corso e armamento. É expedido, também, um manifesto do imperador que justificava
o procedimento da Corte do Brasil e os motivos que o obrigaram a declarar guerra ao
referido governo.

02.12.1825 - No Rio de Janeiro, nasce o futuro imperador do Brasil, D. Pedro II, sétimo
filho e terceiro varão do imperador D. Pedro I e da imperatriz D. Maria Leopoldina. É
batizado com o nome de Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano
Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e
Habsburgo. Foi ele herdeiro do trono desde o berço, pois seus dois irmãos mais
velhos já haviam falecido antes de completarem um ano. No dia 2 de agosto de 1826,

29
o menino Pedro é reconhecido oficialmente como herdeiro presuntivo do trono
brasileiro.

04.03.1826 - Em Portugal, o rei D. João VI adoece gravemente. É instituído um


Conselho de Regência presidido por sua filha, a infanta D. Isabel Maria. A decisão
visa impedir a subida ao poder de D. Carlota Joaquina. O rei vem a falecer a 10 de
março.

27.03.1826 - Em Portugal, a Gazeta de Lisboa publica uma portaria, datada de 20,


que ordenava que todas as leis, cartas, patentes, etc. fossem passadas em nome de
D. Pedro, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves.

10.04.1826 - É expedido decreto pelo imperador D. Pedro I que manda


"executar o tratado solenizado entre D. João VI, de Portugal, e Sua Majestade o
Imperador do Brasil sobre o reconhecimento da independência e do Império do
Brasil".

25.04.1826 - O imperador D. Pedro I expede decreto, que "designa o dia 29 de abril,


pelas nove horas da manhã, para a primeira reunião dos senadores e deputados em
suas respectivas Câmaras a fim de se praticarem e seguirem todos os atos
indispensáveis para a solene abertura da mesma Assembleia".

29.04.1826 - Rio de Janeiro. No Plenário da Câmara dos Deputados é aberta a


primeira sessão preparatória, com a presença de 45 deputados, que procede, em
seguida, às nomeações do presidente e secretário interinos. O primeiro parlamentar
a usar da palavra é o deputado José Antônio da Silva Maia (MG), que oferece um
projeto de regimento, extraído da assembleia constituinte, para que, merecendo
aceitação, servisse interinamente aos trabalhos prévios, a que se tinha de dar
princípio. Nesse mesmo dia, segue de Portugal para o Rio de Janeiro uma deputação
portadora de uma mensagem da Regência, datada de 16 de abril, onde é encarregada
de apresentar pêsames ao imperador D. Pedro I do Brasil (IV de Portugal) pela morte
do pai, felicitá-lo por sua elevação aos respectivos tronos e solicitar-lhe ordens.

02.05.1826 - O imperador D. Pedro I, que já na Carta Constitucional portuguesa (art.


5º), outorgada por ele em 29 de abril desse mesmo ano, declarava abdicar em favor
de sua filha, a princesa D. Maria da Glória, faz nova abdicação, "por ser incompatível
com os interesses do império do Brasil e os do Reino de Portugal continuar a ser rei
de Portugal".

06.05.1826 - 12 horas. No Rio de Janeiro, no Paço do Senado, acontece a


"Abertura da Sessão Solene da Primeira Sessão Legislativa da Primeira Legislatura
da Assembleia Geral Legislativa" (Câmara dos Deputados e Câmara dos Senadores)
pelo Imperador D. Pedro I, que dirige à representação nacional a sua segunda "Fala
do Trono". Nesta fala trata de assuntos nacionais e internacionais, além de
recomendar à Assembleia a discussão de leis complementares e de leis sobre
educação e finanças. Por motivos alheios ao desejo do imperador e divergências
entre a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Senadores sobre o cerimonial de

30
instalação da Assembleia Geral a mesma não é realizada no dia 3, conforme manda
o artigo 18 da Constituição Política do Império do Brasil.

12.05.1826 - No plenário da Câmara dos Deputados, o deputado José Antônio da


Silva Maia (MG) propõe que a Comissão de Legislação indique, com urgência, as
medidas que devem ser tomadas para a organização dos Códigos Civil e Criminal.
Na mesma sessão, o deputado Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, 1º
barão de Cimbres (PE), propõe que se conceda prêmio a quem, dentro de dois anos,
apresentar o melhor projeto dos referidos códigos. Já na sessão do dia 1º de agosto
é lido o parecer da Comissão de Legislação, de Justiça Civil e Criminal.

18.05.1826 - No plenário da Câmara dos Deputados, o deputado José Clemente


Pereira (RJ) apresenta o primeiro projeto de lei que "trata da abolição do comércio de
escravos em todo o Império do Brasil no último dia do mês de dezembro do ano de
1840; a proibição de introdução de novos escravos nos portos; e a apreensão e venda
dos navios negreiros que forem encontrados com esse tipo de carga". Já em 8 de
junho é lido o parecer da Comissão de Legislação, de Justiça Civil e Criminal,
favorável ao projeto. No dia 15, a referida comissão apresenta uma emenda, que é
lida em plenário, prevendo a extinção da escravatura no prazo de seis anos, contados
do dia da publicação da lei.

29.05.1826 - O deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos (MG), em nome da


Comissão de Leis Regulamentares, lê o projeto de lei "sobre a responsabilidade dos
empregados públicos". Na sessão do dia 30, é lido o projeto de lei da mesma
comissão, que trata "da responsabilidade dos ministros e secretários de Estado e da
maneira de proceder contra eles".

03.06.1826 - O deputado José Clemente Pereira (RJ) apresenta o projeto de lei que
"estabelece as bases para o projeto de Código Criminal". Na sessão do dia 9, o
projeto é enviado à Comissão de Legislação, Justiça Civil e Criminal. Na sessão do
dia 1º de agosto é lido o parecer da comissão. Foi sobre as disposições desse projeto
e de outro, apresentado pelo mesmo autor a 16 de maio de 1827, e mais o projeto do
deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos (MG), apresentado a 04 de maio de 1827,
que se formulou o Código Criminal do Império do Brasil, considerado um dos maiores
monumentos legislativos do Brasil independente.

04.10.1826 - Viena, Áustria. Conforme tratado, o infante D. Miguel, irmão de D. Pedro


I, jura a Constituição portuguesa de 29 de abril. O casamento com sua sobrinha, a
princesa D. Maria da Glória, celebrou-se na mesma corte, no dia 29. A princesa foi
representada pelo barão de Vila Seca.

11.12.1826 - Rio de Janeiro. Falecimento da imperatriz D. Maria Leopoldina Josefa


Carolina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena.

03.07.1827 - O imperador D. Pedro I nomeia seu "lugar-tenente" o irmão D.


Miguel, a fim de governar e reger Portugal de conformidade com a Carta
Constitucional. D. Miguel assume, mas viola as condições tratadas e inicia a guerra

31
civil portuguesa entre liberais e absolutistas (miguelistas). Em 1828, após a vitória, D.
Miguel I proclama-se rei absoluto de Portugal, abolindo os decretos de D. Pedro IV,
incluindo a Carta Constitucional.

30.08.1828 - O imperador D. Pedro I expede Carta de Lei que "ratifica a convenção


preliminar de paz entre o Império do Brasil e a República das Províncias Unidas do
Rio da Prata, assinada no Rio de Janeiro em 27 de agosto de 1828". A Banda Oriental
deixa de fazer parte do Império do Brasil, mas não integra as Províncias Unidas do
Rio da Prata. Forma a República Oriental do Uruguai, soberana e independente de
toda e qualquer nação. A Constituição que foi elaborada e promulgada pela nova
República a 18 de julho de 1830 foi ratificada, também, com a assinatura do "Ato
Diplomático de 26 de maio de 1830".

13.09.1830 - É expedida Carta de Lei s/nº, que regula os contratos de serviços de


brasileiros e estrangeiros.

32
Referências Bibliográficas:

AMBROSINI, Diogo Rafael. Do poder moderador: uma análise da organização do


poder na construção do estado imperial brasileiro. São Paulo: Dissertação de
mestrado, FFLCH-USP, 2004.

ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu de. A Cultura das Luzes em Portugal: Temas e
Problemas. Lisboa: Horizonte, 2003.

ARMITAGE, John. História do Brasil: desde o período da chegada da família real de


Bragança, em 1808, até a abdicação de D.Pedro I, em 1831, compilada à vista dos
documentos públicos e outras fontes originais formando uma continuação da história
do Brasil de SOUTHEY (1ª edição: 1836). São Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia,
1981.

BAILYN, Bernard. The Idea of Atlantic History. In: Itinerario, vol. 20, n. 1, 1996, p. 19-
44.

_____. Atlantic History. Concept and Contours. Harvard, Harvard: University Press,
2005.

BARATA, Alexandre Mansur. Do secreto ao público: espaços de sociabilidade na


Província de Minas Gerais (1822-1840). In: CARVALHO, José Murilo de NEVES,
Lúcia Maria Bastos Pereira das (organizadores). Repensando o Brasil dos Oitocentos:
cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.49-70.

BARBOSA, Silvana Mota. A sphinge monarquica : o poder moderador a e politica


imperial. UNICAMP. Tese de doutorado. 2001.

BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. Pernambuco e o Império (18221824):


sem constituição soberana não há união. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação
do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2003, p.219-249.

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil (1ª edição:
1988). Brasília: OAB Editora, 2008

CERVO, Amado Luiz. O Parlamento brasileiro e as relações internacionais (1826-


1830). Brasília : UnB, 1981.

DANTAS, Monica Duarte. Revoltas, Motins e Revoluções: das Ordenações ao Código


Criminal. In _____ (org.). Revoltas, Motins, Revoluções: Homens livres pobres e
libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2008, p.9-67.

DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo:


Globo, 2005.

33
_____. A monarquia constitucional brasileira e o modelo de governo representativo
dos oitocentos. Texto apresentado na XXIX Semana de História da Universidade
Federal de Juiz de Fora, 2010.

ELLIOTT, John H. Imperios del mundo atlántico. Madrid: Taurus, 2006.

FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier; FRANCISCO FUENTES, Juan. Diccionario


político y social del siglo XIX español. Madri: Alianza Editorial, 2002.

FERREIRA, Gabriela Nunes. O Rio de Prata e a consolidação do Estado Imperial.


São Paulo: Hucitec, 2006.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. A herança colonial, sua desagregação. In: _____
(dir.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, volume 1: O Brasil Monárquico
(1ª edição: 1962). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p.9-39.

JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo. Peças de um mosaico (ou apontamentos


para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTTA, Carlos
Guilherme (org.). Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000).
Formação: histórias. São Paulo: Senac, 2000, p.129-175.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos


históricos (1ª edição: 1990). Rio de Janeiro: Contraponto, PUC-Rio, 2006.

_____. L‟expérience de l‟histoire. Paris: Gallimard, Le Seuil, 1997.

LANGUE, Frédérique. El espacio atlántico: conexiones imperiales, revoluciones, y


comunidades mercantiles. In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Reseñas y ensayos
historiográficos, 2011(11 février 2011). Disponível em:
http://nuevomundo.revues.org/60994.

LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1824: A Confederação do Equador. Recife:


Massangana, 1989.

LIMA, Oliveira. Dom Pedro e Dom Miguel: a querela da sucessão (18261834).


Brasília: Senado, 2008.

LISBOA, José da Silva (Cairu). Historia dos principaes successos políticos do Imperio
do Brasil. Rio de Janeiro: Tip. Imperial e Nacional, 1827-1830.

LOPES, José Reinaldo de Lima. Iluminismo e jusnaturalismo no ideário dos juristas


da primeira metade do século XIX. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do
Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2003, p.195218.

_____. As palavras e a lei: Direito, Ordem e Justiça na História do Pensamento


Jurídico Moderno. São Paulo: Ed.34, Edesp, 2004. LYNCH, 2007

34
LYNCH, Christian Edward Cyril. O momento Monarquiano: o Poder Moderador e o
Pensamento Político Imperial. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.
Tese de doutorado, 2007.

MACAULAY, Neil. Dom Pedro I: a luta pela liberdade no Brasil e em Portugal, 1798-
1834. Rio de Janeiro: Record, 1993.

MAIA, Fernanda Paula Sousa. O discurso parlamentar português e as relações


Portugal-Brasil: A Câmara dos Deputados (1826-1852). Braga: Fundação Calouste
Gulbenkian; Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2002.

MARZAGALLI, Silvia. L‟histoire atlantique en Europe. In: Nuevo Mundo Mundos


Nuevos, Coloquios, 2008 (24 septembre 2008). Disponível em:
http://nuevomundo.revues.org/42463.

MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema. A formação do Estado Imperial (1ª


edição: 1986). São Paulo:Hucitec, 2004.

MELLO, Evaldo Cabral de. A outra Independência. O federalismo pernambucano de


1827 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.

MIRANDA, Jorge. O Constitucionalismo liberal luso-brasileiro. Lisboa:


Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, 2001.

MOREL, Marco. A transformação dos espaços públicos : Imprensa, atores políticos e


sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.
MORELLI, Federica. Bernard Bailyn, “Atlantic History. Concept and
Contours, Harvard, Harvard University Press, 2005, 149 p.” In: Nuevo
Mundo Mundos Nuevos, Reseñas y ensayos historiográficos, 2006 (03 avril 2006).
Disponível em: http://nuevomundo.revues.org/2151

NEVES, Lúcia Maria B. Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da


independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Faperj, Revan, 2003 (Tese de doutorado
em História Social – 1992).

OLIVEIRA, Cecília Helena Lorenzini de Salles. A Astúcia Liberal: Relações de


Mercado e Projetos Políticos na Corte do Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança
Paulista: EDUSF, Ícone, 1999 (tese de doutorado defendida na FFLCH-USP em
1986).

_____. Teoria política e prática de governar: o delineamento do Estado imperial nas


primeiras décadas do século XIX. In: _____; PRADO, Maria Lígia Coelho; JANOTTI,
Maria de Lourdes Monaco (org.). A história na política, a política na história. São
Paulo: Alameda, 2006.

35
_____. Repercussões da revolução: delineamento do império do Brasil. In:
GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial. Volume I – 1808-1831.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.15-54.

_____. Contribuição para o estudo do poder moderador. In: _____; BITTENCOURT,


Vera Lúcia Nagib; COSTA, Wilma Peres. Soberania e Conflito: configurações do
Estado Nacional no Brasil do século XIX. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2010, p.185-
235.

_____. A carta de 1824 e o poder do monarca: memórias e controvérsias em torno da


construção do governo constitucional do Brasil. In: _____; BERBEL, Márcia (orgs.). A
experiência constitucional de Cádis: Espanha, Portugal e Brasil. São Paulo: Alameda,
2012, p.219-250.

PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865.


(Mestrado em História Social - FFLCH, 2009). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2011.

PEREIRA, Aline Pinto. Domínios e Império: o Tratado de 1825 e a Guerra da


Cisplatina na construção do Estado no Brasil. 2007, 269f. Dissertação (Mestrado em
História Social). Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia.

_____. A monarquia constitucional representativa e o locus da soberania no


Primeiro Reinado: Executivo versus Legislativo no contexto da Guerra da Cisplatina
e da formação do Estado no Brasil. 2012, 302f. Tese (Doutorado em História Social).
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.
PEREIRA, Vantuil. Ao Soberano Congresso: Direitos do cidadão na formação do
Estado Imperial brasileiro (1822-1831). São Paulo: Alameda, 2010 (Tese de
doutorado em história apresentada na Universidade Federal Fluminense em 2008).

POCOCK, J.G.A. Linguagens do ideário político. Tradução de Fábio Fernandez. São


Paulo: Edusp, 2003.

_____. A angústia republicana: entrevista com J.G.A Pocock. In: Lua Nova. 2000,
n.51, p.31-40.

RIBEIRO, Gladys Sabina; PEREIRA, Vantuil. O Primeiro Reinado em revisão. In:


GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial. Volume I – 1808-1831.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.137173.

ROCHA, Justiniano José da Ação; Reação; Transação. In: MAGALHÃES, Raimundo


(org). Três panfletários do segundo reinado. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Letras, 2009.

RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico


de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas: Unicamp, 2000.

36
ROSANVALLON, Pierre. La Monarchie Impossible: Les Chartes de 1814 et de 1839.
Paris: Fayard, 1994.

_____. Por uma história conceitual do político (nota de trabalho). Revista Brasileira
de História. São Paulo, 1995, vol. 15, nº30.

_____. Pour une histoire conceptuelle du politique, leçon inaugurale au Collège de


France faite le jeudi 28 mars 2002. Paris: Seuil, 2003.

SKINNER, Quentin. Meaning and Understanding in the History of Ideas. In: History
and Theory, 1969, nº 1, p. 3-53.

SLEMIAN, Andréa. Sob o império da lei: Constituição e unidade nacional na formação


do Brasil (1822-1834). 2006, 338f. Tese (Doutorado em História Social). Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

SOUSA, Otávio Tarquínio de. História dos Fundadores do Império. Volume III – A
vida de D. Pedro I. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988 (1ª edição: 1952).

TOMICH, Dale. O Atlântico como espaço histórico. In: Estudos Afroasiáticos, 26 (2),
p.221-240, mar.-ago. 2004.

VARELLA, Flávia Florentino. Da impossibilidade de aprender com o passado:


sentimento, comércio e escrita da história na História do Brasil de John Armitage.
2011, 127f. Dissertação (Mestrado em História Social). Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

VARGUES, Isabel Nobre. A aprendizagem da cidadania em Portugal (18201823).


Coimbra: Minerva, 1997.

37

Você também pode gostar