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Crise do Antigo Regime

1 Col.
Filosofia política iluminista
• As progressivas mudanças ocorridas na economia e sociedade europeias permitem identificar
no século XVIII a crise do Antigo Regime.
• A crescente expansão da economia capitalista, incluindo o notável crescimento do setor
produtivo na Inglaterra, abalou fortemente os estados absolutistas e a sociedade de ordens a
ele atrelada.
• Além disso, uma burguesia cada vez mais poderosa passou a identificar nos estados
absolutistas entraves ao seu desenvolvimento.
• No plano econômico, a Revolução Industrial não apenas fortaleceu ainda mais o poder da
Inglaterra como também passou a definir os rumos de sua política externa, cada vez mais
vinculada ao sucesso comercial, obtido por meio da ampliação do acesso de mercadorias
inglesas aos mercados mundiais.
• Nesse sentido, a Inglaterra tornou-se defensora do livre-comércio, contrariando as práticas
intervencionistas do mercantilismo aplicadas até então.
• No plano social, a expansão da burguesia estimulava suas ambições políticas, resultando em
um quadro paradoxal: por um lado, os burgueses desejavam participar da ordem
estabelecida, por meio da obtenção a qualquer custo de títulos de nobreza; por outro, de
forma cada vez mais intensa, questionavam a ordem instituída.
Filosofia política iluminista
• O ordenamento jurídico dos regimes absolutistas tinha um fundamento medieval e
assentava-se na divisão da sociedade em ordens (clero, nobreza e trabalhadores), com
seus respectivos direitos e deveres.
• No entanto, tal ordenamento há muito já não expressava mais a realidade das
sociedades europeias, na medida em que a expansão capitalista ampliava e
diversificava a ordem dos “trabalhadores”, que incluía desde o camponês iletrado, os
trabalhadores assalariados, artesãos e comerciantes, até os mais ricos banqueiros.
• Além disso, a crescente carga tributária, necessária para a manutenção do regime de
privilégios de que se beneficiavam a nobreza e o clero, recaía basicamente sobre o
Terceiro Estado.
• A inadequação dos estados absolutistas era cada vez mais evidente e envolvia todos os
aspectos de sua atuação, incluindo o sistema colonial, que também entrava em crise.
• A doutrina do direito divino, fonte de legitimação das monarquias absolutistas, era
questionada não apenas pela nova Filosofia política do século XVIII, mas também pela
crescente valorização do racionalismo e do anticlericalismo.
Crítica e crise do absolutismo
• O iluminismo foi o movimento intelectual burguês que se opôs ao Antigo Regime e propunha a organização da
sociedade fundamentada na razão, na igualdade jurídica e na liberdade.
• Ele é um desdobramento do amadurecimento da classe burguesa e tinha como uma de suas características o
pensamento racional, manifestado pela valorização da ciência. Suas ideias serviram de base para as revoluções dos
séculos XVIII e XIX.
• Em 1781, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) escreveu em sua obra Crítica da razão pura: “Nossa época é a
verdadeira época da crítica, a que tudo deve submeter.
• A religião, pela sua santidade, e a legislação, pela sua majestade, querem em geral subtrair-se a ela.
• Então suscitam contra si a justa suspeita e não podem reivindicar o sincero respeito que a razão só concede àquele
que pôde suportar seu exame livre e público”.
• Com essa afirmação, Kant expressou a mentalidade da época, fortemente marcada pelo racionalismo e que se
manifestava por meio da crítica aos poderes constituídos pela monarquia.
• Um dos principais alvos da crítica iluminista era a Igreja católica, cuja atuação era legitimada por princípios
dogmáticos e autoridades incontestáveis (alguns membros do clero eram considerados representantes de Deus).
• Os pensadores iluministas também criticavam as monarquias absolutistas, nas quais ora o rei era considerado um
representante de Deus na Terra, ancorado na teoria do direito divino elaborada pelo teórico absolutista Jacques
Bossuet (1627-1704), ora se tornava agente de um poder necessário para evitar a desordem social, conforme o
pensamento de Thomas Hobbes (1588-1679).
• O regime absolutista já começava a entrar, de fato, em crise na medida em que o equilíbrio entre as forças sociais
atuantes no Estado era cada vez mais precário.
Crítica e crise do absolutismo
• No caso da burguesia, a prosperidade e a autonomia diminuíam por causa do pagamento de impostos, necessários para
financiar o Estado e sua organização, nem sempre eficientes: a divisão territorial misturava as esferas administrativa,
fiscal e religiosa; os impostos variavam conforme o grupo social ou região; e havia a superposição de leis e privilégios de
toda ordem em benefício da nobreza e do clero.
• A nobreza, por sua vez, defendia seus interesses e privilégios hereditários.
• Ao controlar setores importantes do Estado, como os tribunais, os cargos na burocracia e as unidades militares, os
nobres conseguiam atuar em benefício próprio, participando das decisões políticas, adquirindo terras e isentando-se de
impostos.
• Dessa forma, ao mesmo tempo que a nobreza servia como aliada, representava uma ameaça ao poder absoluto do rei.
• Além disso, à medida que a renda obtida com a produção agrícola decrescia quando comparada à expansão dos lucros
burgueses, a nobreza proprietária se agarrava aos direitos das comunidades rurais, chegando a ressuscitar antigas
obrigações feudais.
• Já no século XVII, na Inglaterra, eclodiram as revoluções Puritana e Gloriosa que buscavam, entre outras medidas,
colocar um ponto-final no absolutismo inglês, instalando um governo encabeçado pela burguesia e exercido pelo
Parlamento.
• Sob o impacto da agitação revolucionária inglesa, foi elaborada uma nova filosofia política que, no século seguinte,
contribuiu para fornecer os fundamentos do movimento chamado iluminismo.
• Um dos seus fundadores foi o filósofo inglês John Locke (1632-1704), que participou ativamente das lutas políticas de
sua época e defendia a separação da organização social e política da religiosidade, corrente inaugurada por Thomas
Hobbes. Locke retomou alguns princípios do pensamento de Hobbes e deu a eles uma nova orientação, fazendo nascer
a tradição do liberalismo inglês.
O liberalismo de John Locke
• Tendo participado ativamente das lutas políticas em sua época, John Locke ficou
mais conhecido pela sua obra, notadamente o segundo tratado sobre o governo
(1689), em que lançou os fundamentos do liberalismo político.
• Nessa obra, ele afirma que os homens originalmente viviam em estado de
natureza, caracterizado por uma igualdade radical e pelos direitos naturais – como
a liberdade, a propriedade e a igualdade – livremente usufruídos por todos. O livre
acesso à natureza permitia a constituição da propriedade privada, fruto do
trabalho humano e limitada pelo respeito ao bem comum.
• Além disso, ele identifica na propriedade que cada um tem sobre sua própria
pessoa um direito inalienável, o conceito de liberdade individual, que é a base de
todos os demais direitos. Dessas premissas decorrem alguns problemas: Locke
aponta que o egoísmo faz parte da natureza do homem e, portanto, o livre acesso
aos recursos naturais abriria a possibilidade de um indivíduo tomar para si mais do
que o necessário, prejudicando outra pessoa.
• Já da propriedade que cada um tem sobre si decorre o direito de o indivíduo “ser o
seu próprio juiz”, caso ocorra algum crime ou injúria.
O liberalismo de John Locke
• Assim, um homem poderia julgar outro de forma injusta, uma vez que não haveria uma
instituição responsável por intermediar os conflitos.
• As crescentes complexidades da sociedade – devido, por exemplo, ao aumento da população
e da escassez de bens naturais – fez com que surgissem atritos entre os indivíduos e, para
superá-los, tornou-se necessário constituir a sociedade civil (ou política).
• Esta seria criada pela instauração de um Estado, responsável por garantir os direitos naturais
de todos e a preservação do bem comum.
• O governo do Estado se daria por meio do consentimento da sociedade e seu fundamento se
encontraria em um contrato, estabelecido entre governantes e governados.
• Nos termos do contrato, os indivíduos que formam a sociedade aceitariam o poder do
governante desde que esse se comprometesse com a manutenção dos direitos de todos.
• Dessa forma, Locke retomou de Hobbes a ideia de contrato, porém acrescentando um
princípio revolucionário: caso o governante não tivesse sucesso em garantir os direitos de
todos, a sociedade ganharia o direito de substituí-lo.
• Com esse princípio, Locke legitimou a ação revolucionária: se fosse necessário o uso da força
para derrubar um governante, tal medida seria legítima, uma vez que a resistência à opressão
é um dos direitos do homem.
O século das luzes
• O fortalecimento do racionalismo no século XVIII se deu em grande parte pelos avanços nos estudos das Ciências Naturais,
por exemplo, com as descobertas de Newton no campo da Física que provocaram grande impacto no século anterior.
• Com o tempo, consolidou-se o termo “século das luzes”, em uma clara referência às “luzes da razão” que iluminavam o
conhecimento humano.
• Na Alemanha, o movimento iluminista foi chamado de Aufklärung, ou “esclarecimento”, com o mesmo sentido de
exaltação da razão que promove o entendimento.
• Ideias políticas de fundamento racional prosperaram nesse período, sobretudo na França, cujo regime absolutista era cada
vez mais questionado.
• Nesse contexto, destacaram-se três importantes pensadores: Voltaire (1694-1778), o barão de Montesquieu (1689-1755)
e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
• Voltaire, grande agitador intelectual e autor de volumosa obra, retomou o princípio dos direitos naturais de Locke, aos
quais acrescentou a liberdade de expressão.
• Além disso, Voltaire foi um feroz crítico da religião e do clero, cuja atuação era vista como irracional, chegando a se referir
ao cristianismo como uma “superstição infame”.
• No que se refere à ação política, Voltaire defendeu uma aproximação entre os filósofos e os príncipes, para que os
pensadores pudessem influenciar os governos e torná-los mais racionais.
• Montesquieu, em sua obra O espírito das leis (1748), pensou na forma como a sociedade poderia limitar o poder do
Estado, e encontrou como solução a criação de uma Constituição escrita, expressão dos valores de uma sociedade e que
deveria ser respeitada por todos, incluindo o governante.
• Além disso, defendia o estabelecimento de três poderes como forma de evitar o despotismo: Executivo, Legislativo e
Judiciário.
O século das luzes
• Com suas propostas, Locke, Voltaire e Montesquieu lançaram as bases dos regimes políticos que mais tarde ficaram
conhecidos como liberais, caracterizados por um governo nascido do consentimento ou escolha, da liberdade de expressão,
de uma Constituição e de três poderes separados. Rousseau foi o autor da obra Do contrato social (1792), em que levou
adiante a reflexão política do iluminismo, embora chegando a resultados contrários aos que aspirava a burguesia da época.
• Ao observar a origem dos estados, Rousseau identificou no surgimento da propriedade privada a origem dos conflitos entre
os homens, bem como da perda do caráter ideal presente no estado de natureza.
• Essa crítica era acompanhada de um apelo à democracia, vista por Rousseau como a única forma possível de resolver os
atritos surgidos com a criação da propriedade.
• A soberania, segundo o pensador francês, não se encontra na figura de um rei, mas no próprio povo, e o governo deve
expressar a vontade geral da sociedade.
• O fundamento do conceito de vontade geral em Rousseau encontra-se na concepção segundo a qual um grupo de pessoas
reunido criava uma nova entidade: não mais um conjunto de indivíduos, mas uma coletividade.
• Ao descrever o contrato que funda a sociedade civil, Rousseau afirmou: “Imediatamente, esse ato de associação produz, em
lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto são os
votos da assembleia e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade”.
• Dessa forma, uma eleição simples, em que indivíduos expressam livremente sua vontade individual, calculando-se em
seguida uma maioria, era vista como pouco democrática.
• Em seu lugar, Rousseau pregava a necessidade de chegar à vontade geral, obtida por meio das deliberações do povo
suficientemente informado.
• Somente após o debate se procede a votação, na qual se descobre o que é comum em meio a todas as vontades individuais,
conforme explica Rousseau em Do contrato social: “Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade
geral.
• Esta se prende somente ao interesse comum; a outra ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades
particulares”.
O século das luzes
• Portanto, para Rousseau, os indivíduos podem cometer erros, mas a vontade geral jamais, uma vez que é a manifestação do
fundamento coletivo da consciência das pessoas que formam uma sociedade. Em outras palavras, sempre há uma vontade
geral soberana que emana de um grupo de pessoas. Uma vez que as pessoas nem sempre reconhecem sua verdadeira
vontade, faz-se necessário um guia ou um grande legislador.
• Sua autoridade deve guiar não somente as ações mas, sobretudo, as convicções.
• Ainda em Do contrato social, Rousseau afirma: “A vontade geral é sempre certa, mas o juízo que a norteia nem sempre é
esclarecido.
• Há que fazê-lo ver os objetos tais como são, às vezes tal como devem parecer-lhe, e lhe mostrar o bom caminho que ela
está buscando.
• […] O público anseia pelo bem que não vê. Todos necessitam igualmente de guias”.
• Em defesa da democracia, Rousseau idealizou um sistema que facilmente poderia ser confundido, na prática, com uma
ditadura.
• Mas uma ditadura “benevolente”, engajada na defesa daquilo que era considerado (ou escolhido) como interesse comum.
• A prática da democracia, no entanto, passava longe das aspirações burguesas iluministas da época.
• O movimento iluminista como um todo era bastante elitista, prevendo a destruição do absolutismo e sua substituição por
um regime de privilegiados, mesmo que baseado em uma Constituição escrita e com a separação de poderes.
• Nesse sentido, em geral, rejeitava-se a concepção de Rousseau sobre a propriedade privada como fonte de desigualdade.
• Para a principal corrente do pensamento iluminista, a igualdade a ser atingida não era a econômica, mas sim a jurídica, com
o estabelecimento de leis de igual validade para todos os homens e o fim dos privilégios de nascimento.
• Além dos principais pensadores citados, convém lembrar o importante papel de Denis Diderot (1713-1784) e Jean
D’Alembert (1717-1783), organizadores da monumental Enciclopedia. Tratava-se de uma ambiciosa tentativa de reunir todo
o conhecimento humano em uma única obra, em diversos volumes. Contando com a colaboração de Voltaire, Montesquieu
e Rousseau em diversos verbetes, a Enciclopedia serviu como fonte de divulgação das ideias iluministas, reunindo a visão de
mundo da época, fortemente influenciada pelos princípios do racionalismo.
As mulheres e as ideias iluministas
• No século XVIII, têm início as reflexões sobre a condição da mulher na sociedade ocidental, não apenas por parte dos filósofos
iluministas, mas também por grupos formados por mulheres, quase sempre das elites, que se reuniam em salons intelectuais
para debates livres, principalmente em Paris.
• Muitos, no entanto, eram contrários à participação feminina nos espaços de discussão.
• O barão de Holbach, por exemplo, que liderava um dos mais famosos círculos intelectuais da década de 1770, excluía
especificamente as mulheres por acreditar que elas baixavam o tom e a seriedade das discussões.
• Para Rousseau, as mulheres estavam fora do contrato social: a natureza teria dado aos homens o domínio sobre elas e as
crianças e, sendo natural, a estrutura patriarcal da família permitiria preservar e aumentar o patrimônio do pai.
• O filósofo alemão Immanuel Kant, ardoroso defensor do iluminismo, argumentava que as diferenças entre os dois sexos e
gêneros eram simplesmente naturais.
• As mulheres amariam o que é agradável e poderiam entreter-se com trivialidades.
• Não teriam sido feitas para raciocinar, mas para sentir: a reflexão mais sofisticada, mesmo que lhes fosse possível, destruiria
seus méritos peculiares.
• O filósofo inglês David Hume (1711-1776) tinha uma visão mais crítica sobre o assunto, considerando que a situação das
mulheres resultava do desejo masculino de preservar seu poder e patrimônio. Como os homens não tinham garantias de que
os filhos nascidos de suas mulheres eram na realidade seus, o único recurso era tentar reprimi-Ias sexualmente.
• A pensadora inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797), familiarizada com a filosofia de seu tempo, estendia os princípios do
iluminismo à posição e à condição das mulheres. Sua obra devastadora, Defesa dos direitos da mulher (1792), pedia uma
revolução dos costumes femininos para restabelecer a dignidade perdida, ridicularizando, inclusive, as virtudes femininas
enaltecidas por Kant.
• Ela acreditava que a sociedade patriarcal havia corrompido as mulheres e que da tirania dos homens viria a maior parte da
loucura das mulheres.
Pensamento econômico-liberal e monarquias
reformistas. Os economistas do iluminismo
• Entre os séculos XIV e XVIII, a prática econômica dos Estados europeus foi orientada pelos princípios
mercantilistas.
• Nesse sentido, valorizavam-se as atividades mercantis voltadas para a obtenção de uma balança comercial
favorável, com a finalidade única de obter metal precioso.
• A partir do século XVIII, no âmbito do iluminismo, surgiram novas correntes econômicas que rejeitaram os
princípios do mercantilismo, como a fisiocracia e, sobretudo, o liberalismo econômico.
• A fisiocracia surgiu na França, e seus principais pensadores foram François Quesnay e Vincent de Gournay,
que acreditavam que toda riqueza era proveniente das atividades ligadas à terra, como a agricultura.
• Rejeitavam a concepção metalista do mercantilismo, e afirmavam que o comércio apenas distribui produtos
originários da natureza e a indústria somente os transforma.
• Além disso, defendiam a necessidade de que não houvesse intervenção externa na atividade econômica, isto
é, sem intervenção do Estado, o que também contrariava a prática mercantilista. Foi Gournay que
popularizou a frase “Laissez faire les hommes, laissez passer les marchandises” (“Deixe os homens fazerem,
deixe as mercadorias passarem”).
• Quanto ao liberalismo econômico, seus princípios foram definidos pelo pensador inglês Adam Smith (1723-
1790), principalmente no livro A riqueza das nações. Nessa obra, Smith partiu do princípio de que a origem
última de toda a riqueza era o trabalho humano, e que a riqueza de uma nação dependia da forma como esse
trabalho se desenvolvia.
Pensamento econômico-liberal e monarquias
reformistas. Os economistas do iluminismo
• Assim, era necessário que o trabalho fosse cada vez mais eficiente e produtivo, o que seria obtido com a aplicação da razão.
• Smith defendia a importância do setor das manufaturas na economia, uma vez que lá a razão aplicada ao trabalho poderia
gerar um grande aumento de eficiência e produtividade, por exemplo, por meio da divisão do trabalho.
• Adam Smith afirmava que as liberdades econômicas individuais deveriam ser respeitadas, contrariando os princípios
intervencionistas do mercantilismo.
• O lema “laissez faire, laissez passer” dos fisiocratas acabou sendo identificado com os princípios do liberalismo econômico de
Smith.
• Dentre as liberdades econômicas, o pensador inglês incluía a livre-iniciativa, a livre concorrência e o livre consumo.
• Caso essas liberdades fossem respeitadas, existiria uma espécie de mão invisível atuando na economia e agindo no sentido de
satisfazer os interesses de todos.
• O conceito de mão invisível refere-se, por exemplo, ao funcionamento da lei da oferta e da procura em uma economia de
mercado.
• Caso a oferta de determinada mercadoria seja muito pequena (ou seja, caso muitas pessoas queiram comprar uma mercadoria
que não existe em quantidade suficiente para todos), seu preço tende a subir e as pessoas se dispõem a pagar cada vez mais
por um bem de difícil obtenção.
• A partir de dado momento, o preço dessa mercadoria passa a ser tão alto, que muitas pessoas resolvem passar a produzi-la,
sabendo que terão grandes vantagens ao vendê-la.
• Como consequência, progressivamente deixará de haver escassez dessa mercadoria, como se uma mão invisível atuasse no
sentido de satisfazer as necessidades de todos.
• Observe que tal teoria era uma expressão do individualismo: cada indivíduo, buscando alcançar seus interesses e obter
maiores vantagens, atuaria de determinada forma na economia, e o resultado de tais ações seria benéfico a todos, sem que
nenhum planejamento ou intervenção externa fossem necessários.
Crise do Antigo Sistema Colonial
• A partir de meados do século XVIII, surgiram atritos cada vez maiores entre as metrópoles e suas colônias,
promovendo uma verdadeira crise no Antigo Sistema Colonial, parte integrante da crise que atingia o Antigo Regime
como um todo.
• O movimento alcançou todo o continente americano e teve uma manifestação precoce na independência das Treze
Colônias inglesas na América do Norte, que resultou na criação dos Estados Unidos a partir de 1776.
• A crise do Antigo Sistema Colonial não apenas refletiu as crescentes tensões que se avolumavam nas metrópoles,
mas também foi resultado de uma série de contradições internas do sistema.
• A principal delas envolve a própria dinâmica da colonização que, para se efetivar, criava as condições necessárias para
o fim das colônias.
• Em outras palavras, ao optar pela colonização, uma metrópole se comprometia com a realização de investimentos
nas regiões exploradas, que frequentemente resultavam na criação de uma economia colonial interna e,
paralelamente, de uma sociedade colonial.
• A relação dos membros dessa sociedade colonial com a metrópole era carregada de ambiguidades e modificou-se
com o tempo.
• Em um primeiro momento, os colonos, fortemente dependentes da metrópole, aceitavam sua autoridade e
buscavam sua proteção, fosse contra os indígenas, fosse contra os invasores estrangeiros.
• Progressivamente, entretanto, a economia colonial se diversificou, a sociedade colonial foi ganhando cada vez mais
força e, sob certos aspectos, autonomia.
• Além disso, as metrópoles, ao privilegiarem os investimentos na economia colonial, aos poucos se fragilizavam
economicamente, tornando-se cada vez mais dependentes das colônias e da riqueza delas extraída.
Crise do Antigo Sistema Colonial
• No século XVIII a situação das monarquias ibéricas, principais metrópoles colonizadoras da Europa, era de quase
estagnação econômica e de total dependência dos recursos provenientes da América.
• Tal situação chegou até a estimular reformas que buscavam reerguer as economias metropolitanas, como as
iniciativas portuguesas a cargo de marquês de Pombal e as reformas bourbônicas de Carlos III.
• Nessa época já se evidenciava a chamada “inversão colonial”: ao contrário do período inicial da colonização, as
colônias deixavam de ser frágeis e dependentes da metrópole para sobreviver, agora era a metrópole,
empobrecida, que dependia da exploração da colônia para sua sobrevivência.
• Ao longo do século XVIII, na medida em que o sistema colonial se esgotava sob o peso de suas contradições
internas, diversos fatores externos passaram a contribuir para sua destruição.
• A disseminação da “ideologia do século”, o iluminismo, com sua ênfase na ideia de liberdade e autodeterminação,
serviu de estímulo para a busca de autonomia por parte da população das colônias, sobretudo de suas elites.
• Além disso, o exemplo da precoce independência norte-americana deixou claro, sobretudo às elites, que uma
saída da colonização era possível, assim como a criação de estados independentes na América.
• Os progressos da Revolução Industrial na Inglaterra geraram uma crescente pressão na direção do
estabelecimento do livre-comércio e, portanto, pelo fim dos monopólios em que se assentava o sistema colonial.
• Finalmente, o desequilíbrio europeu, provocado pela Revolução Francesa a partir de 1789 e pelo expansionismo
napoleônico, ajudou a desencadear o processo de independência das colônias ibéricas na América.
O período pombalino (1750-1777)
• Após o período de riqueza e esbanjamento que marcou o reinado de dom João V, entre 1707 e 1750, época do auge da
extração de ouro no Brasil, o reino português passou por um período de declínio econômico, acompanhado de tentativas de
reformas que incluíam, entre outras medidas, a centralização da administração das contas públicas, com a criação do Erário
Régio em 1761.
• Quando dom João V morreu, assumiu o trono seu filho dom José I que, diante da estagnação da extração de ouro e da
diminuição da arrecadação de impostos no Brasil, passou a buscar formas de estabelecer maior controle sobre a principal
colônia portuguesa naquele período.
• Essas reformas foram empreendidas pelo ministro de dom José I, Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal.
• A administração pombalina durou pouco mais de 20 anos, mas foi bastante controversa e gerou uma série de atritos em
Portugal: diante do conservadorismo que havia caracterizado a corte de dom João V, suas reformas pareciam avançadas
demais para um país absolutista, com uma indústria praticamente inexistente, rigidamente católico e com uma estrutura
social nobiliárquica marcada pela exclusão e pelas diferenças.
• A administração e as reformas do marquês de Pombal foram marcadas por influências liberais-iluministas. Desde a sua
juventude, o ministro foi influenciado pelos círculos iluministas que se formaram em Portugal fora das universidades.
• Quando enviado a Londres como funcionário da embaixada portuguesa, ainda no reinado de dom João V, Pombal esteve
mais próximo da influência do pensamento de importantes autores ingleses como Thomas Hobbes, John Locke e Isaac
Newton, que reforçaram suas convicções iluministas e repercutiram em Portugal.
• Como ministro de dom José I, a partir de 1750, Pombal promoveu uma intensa reorganização da arrecadação de impostos,
reformas educacionais e a adoção de medidas de estímulo ao crescimento econômico.
• Contudo, o Estado português não perdeu a totalidade de suas características absolutistas, centralizadoras e mercantilistas, o
que permite classificar a administração pombalina como característica do despotismo esclarecido.
• Em outras palavras: no reinado de dom José I foram mantidas e ampliadas as estruturas autoritárias, porém com a adoção
de algumas medidas de caráter iluminista.
Reformas urbanas
• Em 1755, no início do reinado de dom José I, a cidade de Lisboa foi devastada por um forte
terremoto, seguido de violenta inundação (tsunami) e de incêndios.
• Estima-se que 30 mil pessoas tenham morrido, e diversas obras recém-inauguradas pelo reinado de
dom João V, como o novo Teatro de Ópera, foram destruídas.
• O marquês de Pombal foi nomeado responsável pelas reformas e depois de um ano a cidade já estava
parcialmente reconstruída: o bairro da Baixa de Lisboa, próximo ao rio Tejo, foi reerguido, seguindo
um planejamento urbanístico racionalista que contava com ruas e prédios que dispunham de um
mesmo padrão arquitetônico e um inovador sistema para prevenir futuros abalos de terremotos.
• A sociedade portuguesa era fortemente marcada pelo pensamento religioso, de forma que algumas
pessoas interpretaram o terremoto como uma punição divina, fruto da ira de Deus diante do suposto
abandono português da “verdadeira religião”.
• A discussão sobre as intervenções divinas nos acontecimentos das grandes cidades teve destaque na
obra de muitos pensadores da época. Para parte do clero e da sociedade naquele período, a vida
urbana era marcada pelo pecado, sujeitando as cidades a catástrofes como forma de punição e
correção.
• Essa visão, no entanto, era fortemente rejeitada por boa parte dos filósofos iluministas, e inclusive
por Pombal, que não concordavam com os argumentos a respeito de intervenções divinas no
cotidiano.
Reformas religiosas e educacionais
• Pombal tomou medidas contra o clero português e a Companhia de Jesus, com a qual dividia
divergências desde o início do governo, em muitos momentos.
• O ministro considerava os jesuítas poderosos demais e logo passou a desconfiar da
credibilidade inaciana, uma vez que a ordem possuía muitas riquezas, estava largamente
presente nas colônias portuguesas em diferentes continentes, dominava boa parte das
instituições de cultura e ensino no país e colaborava pouco com a arrecadação de impostos.
• Em 1758, dom José I sofreu um atentado.
• Debilitado, o rei delegou muitas responsabilidades a Pombal, que, além de caçar os suspeitos
pela tentativa de regicídio – prendendo parte da nobreza que se opunha às suas medidas –,
expulsou os jesuítas do reino de Portugal e das colônias portuguesas, incluindo o Brasil,
confiscando os seus bens.
• O clero ainda foi afastado das políticas de ensino e as missões jesuíticas e escolas inacianas no
Brasil foram fechadas.
• Na Universidade de Coimbra, a mais tradicional de Portugal, os professores de forte influência
religiosa foram afastados, contratando-se novos professores estrangeiros para que o ensino
fosse mais técnico e menos religioso. Os currículos de diversos cursos foram reelaborados e
ampliou-se o acesso a livros importados.
Reformas religiosas e educacionais
• As perseguições e a censura também mudaram de mãos, com Pombal nomeando o próprio
irmão para chefiar o Tribunal do Santo Ofício Português.
• A medida transformou o Tribunal num instrumento repressivo da própria Coroa.
• A proibição da publicação de livros era decidida pela Real Mesa Censória, órgão criado em 1768,
que controlava a impressão de obras que questionassem o governo e as instituições
portuguesas.
• Apesar de o marquês de Pombal propor a racionalização das interpretações dos acontecimentos
cotidianos e de ter divergências com os jesuítas, assim como muitos outros pensadores
iluministas, não rejeitou as práticas religiosas nem a instituição da Igreja católica.
• Fez uso, inclusive, da própria Inquisição para perseguir e punir aqueles considerados heréticos e
que atentassem contra o seu governo, como ocorrido com o padre jesuíta Gabriel Malagrida.
• Ele publicou um panfleto intitulado Juízo da verdadeira causa do terremoto, no qual reafirmava o
terremoto de Lisboa como um castigo divino, contrariando a explicação oficial de Pombal.
• Foi então denunciado e morto em 1761.
• Por isso, apesar de sua administração e reformas marcadas por influências liberais-iluministas,
Pombal não era um liberal de fato, já que suas ações foram marcadas por censura e perseguição
aos opositores e questões educacionais passaram a ser tratadas como assuntos de Estado.
Reformas econômicas
• Do ponto de vista econômico, o reformismo pombalino apresentou uma simbiose entre as medidas
racionalistas e modernizadoras.
• Ao mesmo tempo que estimulou o desenvolvimento de manufaturas, aplicou medidas protecionistas ou
monopolistas, de claro viés mercantilista.
• Nesse sentido, é possível dizer que o reformismo pombalino se caracterizou muito mais por questões
administrativas do que por promover uma mudança efetiva na mentalidade econômica predominante no reino.
• Um exemplo dessas medidas pode ser observado no estímulo dado à formação de companhias de comércio.
• Ele criou as Companhias de Comércio do Grão-Pará Maranhão e de Pernambuco-Paraíba.
• Contudo, as empresas portuguesas eram controladas pela Coroa e mantinham o monopólio na comercialização
de diversos produtos na colônia e no reino, assim evitando a concorrência e desagradando tanto os colonos
como os comerciantes ingleses, que não tinham condições de competir com as novas empresas do rei.
• Ainda em relação à principal colônia de Portugal, o Brasil, e diante do declínio da arrecadação de impostos na
região mineradora e dos crescentes casos de contrabando de metais preciosos, Pombal aplicou a derrama:
dispositivo fiscal que determinava o recolhimento de uma taxa de 100 arrobas anuais na arrecadação do
quinto, caracterizada pela violência no momento da cobrança dos impostos atrasados.
• Foi também com Pombal que a extração de diamantes foi declarada monopólio da Coroa na região do Distrito
Diamantino, em Diamantina, ou seja, nenhum colono poderia comercializar diamantes ou participar da
atividade mineradora sem autorização real.
Reformas econômicas
• Nas capitanias do sul da colônia, Pombal introduziu políticas mais liberais, especialmente na nova capital da colônia.
• Em 1763, Salvador deixou de ser a capital do Brasil e a cidade do Rio de Janeiro foi escolhida para sediar a administração
colonial portuguesa.
• Medidas de combate ao contrabando e o incentivo à maior diversidade agrícola conviviam com a adoção do livre-comércio,
com a bacia platina e com a África, enriquecendo comerciantes, traficantes de escravos e intermediários.
• Formava-se na capital uma nova classe de proprietários agrícolas e negociantes interessados tanto na exportação de bens
quanto na comercialização deles no mercado interno.
• Nesse período, crescia a importância da Inglaterra no cenário mundial e Pombal se posicionara como um crítico ferrenho do
Tratado de Methuen, assinado entre Inglaterra e Portugal em 1703, que enfraqueceu a produção manufatureira portuguesa.
• O principal ponto negativo do tratado, segundo o marquês, era a dependência portuguesa da importação de tecidos
ingleses, que chegavam ao reino sem impostos, desestimulando a produção local.
• Várias medidas de incentivo à produção local foram adotadas e até no Brasil algumas iniciativas modestas foram iniciadas,
sobretudo na região mineradora.
• Já na segunda metade no século XVIII, com o declínio da produção do ouro, o Estado português passou a incentivar
fortemente a pecuária e a produção agrícola na colônia, investindo nas culturas de algodão, café, arroz, tabaco, sal,
aguardente e anil (utilizado como corante para tecidos), assim diversificando a produção local e fortalecendo o mercado
consumidor interno da colônia.
• Acreditou-se em um modelo mais integrado entre o mercado metropolitano e a colônia, ambos geradores de tributos que
enriqueciam a Coroa.
Política de povoamento e ocupação
territorial do Brasil
• Com a assinatura do Tratado de Madri, em 1750, eram redefinidos os limites das colônias americanas
entre os reinos de Portugal e Espanha, substituindo o Tratado de Tordesilhas. Dessa forma duas regiões de
fronteira se tornaram alvo de interesses da Coroa portuguesa na América: a Amazônia e o sul do território
brasileiro.
• Os jesuítas se instalaram na Amazônia e no sul da colônia a partir do século XVII, e as missões localizadas
nessas áreas reuniam grandes quantidades de indígenas sob controle dos padres.
• A Companhia, além de exercer o trabalho de conversão ao cristianismo e de introdução da cultura
europeia, também utilizava os nativos como mão de obra em atividades econômicas e mantinha laços
comerciais com os vizinhos castelhanos, desfrutando de isenções fiscais.
• Para levantar recursos para a construção de uma rede de fortalezas nos rios de fronteira, principalmente
na região amazônica, e garantir a posse do território adquirido em 1750, o Estado português precisou
aumentar a arrecadação de impostos, suspendendo as isenções concedidas aos jesuítas.
• O Tratado de Madri ainda estabelecia que a Coroa espanhola deveria entregar a região dos Sete Povos das
Missões a Portugal em troca da Colônia de Sacramento. Recusando-se a desocupar suas terras no sul da
colônia, índios guaranis e parte dos jesuítas missionários foram violentamente reprimidos por tropas
portuguesas e espanholas durante a chamada Guerra Guaranítica, travada entre os anos de 1752 e 1756.
• O envolvimento dos jesuítas no conflito desgastou ainda mais a relação da Companhia de Jesus com
Pombal, influenciando a expulsão da ordem em 1759.
Política indigenista
• As políticas de Pombal voltadas às populações indígenas do Brasil foram concretizadas em 1758 por meio do
Diretório dos Índios.
• Além da proibição da escravidão indígena, esse documento determinava a integração dos nativos à sociedade
cristã portuguesa por meio de um conjunto de medidas normatizadoras, que propunham sua aculturação.
• Proibia-se, por exemplo, o uso das línguas e nomes nativos; crianças e jovens indígenas deveriam estar
submetidos a um sistema educacional europeu, em escolas; estimulavam-se os casamentos interétnicos com
portugueses; impunha-se o fim das residências coletivas para várias famílias e o trabalho formal.
• Ao mesmo tempo, o Diretório estendeu a legislação civil portuguesa aos aldeamentos indígenas, transformados
em aldeias e vilas que deveriam adotar um nome português e que seriam governadas por um diretor, nomeado
pelo governador-geral.
• Herdeiro dos conflitos territoriais entre Portugal e Espanha, o Diretório era reflexo de uma política que pretendia
usar as populações indígenas para a ocupação e defesa dos territórios coloniais, transformando os nativos em
verdadeiros súditos do rei de Portugal.
• Caso algum espanhol ultrapassasse os limites definidos pelo Tratado de Madri, não encontraria indígenas, mas
falantes de português habitando vilas, em tudo semelhantes às da colônia lusitana.
• Os resultados dessas medidas foram bastante diversos. Se por um lado houve uma aceleração da aculturação
indígena, por outro houve também bastante resistência, além das próprias dificuldades práticas em viabilizar os
objetivos da lei.
• Muitas vezes, os diretores nomeados praticavam arbítrios, sobretudo no que se refere à exploração do trabalho
indígena forçado.
A morte de dom José I e a demissão de
Pombal
• Em 1777, dom José I faleceu, passando o trono à sua filha, dom Maria, que afastou Pombal logo após assumir o trono
português.
• As divergências entre a política pombalina e a nova rainha tinham duas raízes principais: a nobreza e o clero.
• A nobreza, perseguida por Pombal, era avessa às reformas realizadas pelo ministro em Portugal e apoiava as mudanças na
política do Estado.
• Da mesma forma a Igreja, que também havia sido afastada do poder pelas reformas pombalinas, aguardava os benefícios do
novo governo.
• Dona Maria I executou uma série de reformas para atender aos dois grupos. Libertou presos políticos da nobreza, acusados de
conspirar contra dom José I e detidos por Pombal; permitiu o retorno dos jesuítas encarcerados por Pombal; submeteu o Brasil
ao Alvará de Proibição Industrial em 1785 e fechou as companhias de comércio criadas por Pombal.
• A mudança radical na orientação do governo, quando comparada à política pombalina, rendeu ao período o nome de
“viradeira”.
• Todavia, as elites dirigentes de orientação iluminista não foram afastadas por completo do governo de dona Maria e, em 1779,
foi criada em Portugal a Academia Real das Ciências de Lisboa, instituição de cunho liberal-iluminista dedicada aos estudos
científicos e econômicos.
• O fechamento das companhias de comércio monopolistas serviu como mais um estímulo ao desenvolvimento do comércio no
Brasil, fortalecendo o mercado interno na colônia.
• Por volta de 1800, a economia brasileira pouco dependia de Lisboa e as exportações para Portugal eram pouco significativas
diante de um mercado interno cada vez mais consistente, tornando visível o esgotamento do Antigo Sistema Colonial: se por
um lado a metrópole dependia da riqueza extraída da colônia, por outro esta agora pouco dependia da metrópole.
• Nesse período, a economia do Brasil crescia mais que a de Portugal, e cerca de 60% das exportações portuguesas eram de
produtos brasileiros, revendidos na Europa.
Revoltas emancipacionistas
• A partir do período pombalino, as revoltas no Brasil foram cada vez mais influenciadas pelos
ideais iluministas.
• A bem-sucedida independência das Treze Colônias inglesas, que originou os Estados Unidos da
América, difundiu o iluminismo entre os colonos de boa parte do continente americano.
• Os movimentos coloniais do final do século XVIII, diferentemente dos ocorridos anteriormente,
como a Revolta de Beckman ou a Guerra dos Emboabas, passaram a exigir o respeito aos
chamados “direitos naturais”, como a propriedade e a liberdade, leis que representassem os
interesses comuns dos indivíduos que formavam a sociedade e que se viam no direito de
destituir governos que considerassem opressores.
• A partir daí, muitos concluíam pela necessidade de emancipação, seguindo o modelo norte-
americano de transformação da colônia em país independente.
• Para a população colonial, uma das formas de contato com as ideias iluministas era a
possibilidade restrita aos membros da elite, evidentemente – de estudar em Portugal, por
exemplo, na Universidade de Coimbra.
• A Inconfidência Mineira de 1789 e a Conjuração Baiana de 1798 foram os dois principais
movimentos emancipacionistas do final do século XVIII, em que se verificou a presença do
ideário iluminista.
A Inconfidência Mineira
• O declínio da extração de metal e pedras preciosos nas Minas Gerais, acompanhado pela manutenção e
ampliação da cobrança de impostos, criou um clima de insatisfação generalizada na região.
• Os colonos da região acumulavam grandes dívidas do quinto e a ameaça das cobranças forçadas da derrama era
constante.
• Estima-se que os mineiros devessem algo em torno de oito toneladas de ouro à Coroa em 1789.
• No ano anterior, dom Luís da Cunha Menezes, governador das Minas, foi afastado pela Coroa após reclamações
dos colonos de que seu governo era autoritário e favorecia explicitamente seus protegidos, chegando a suspender
dívidas com o fisco por motivações pessoais.
• A rainha dona Maria I nomeou um novo governador, Visconde de Barbacena, que foi imediatamente associado
pelos colonos a uma nova política de cobrança de impostos atrasados.
• A iminência da cobrança da derrama e a ameaça do confisco dos bens geravam insatisfação e temor entre a
população local.
• O ouvidor-geral da cidade de Vila Rica, Tomás Antônio Gonzaga, e o chefe do Regimento dos Dragões (cavalaria
militar mineira), coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, organizaram uma série de reuniões para discutir
uma possível reação às violentas cobranças da Coroa.
• Os conjurados planejavam levantar um movimento de oposição ao poder metropolitano no dia em que fosse
decretada a derrama.
• Nesse dia, proclamariam a independência da capitania das Minas Gerais e instituiriam um governo republicano no
país, a exemplo do modelo norte-americano. Discutiram-se ainda propostas como a criação de uma universidade
e a liberdade de instalação de manufaturas, porém não se chegou a um acordo quanto à abolição da escravidão.
A Inconfidência Mineira
• Chama a atenção a diversidade das motivações dos inconfidentes.
• Muitos tinham interesses econômicos, pois, endividados, viam a possibilidade de alívio para
seus negócios a partir de uma ruptura com a autoridade portuguesa.
• Outros eram funcionários de carreira, que haviam perdido muito com a ascensão de dona
Maria I e a política da “viradeira”.
• Nascidos no Brasil e admitidos na administração portuguesa como funcionários (militares,
juízes, etc.) na época de Pombal, agora viam-se preteridos nas promoções. Finalmente, havia
os ideólogos, pessoas de fortes convicções políticas, impregnadas de ideias iluministas.
• Ao mesmo tempo que se organizava o movimento, Barbacena, o governador das Minas
Gerais, convidava colonos individualmente para negociarem o pagamento de suas dívidas.
• Dentre eles, Joaquim Silvério dos Reis, que, conhecendo a organização da conspiração,
decidiu abater sua dívida por meio de uma delação.
• Ele contaria às autoridades portuguesas o que sabia e teria suas dívidas perdoadas. Após a
denúncia, a repressão da Coroa foi quase imediata: 34 pessoas foram presas e enviadas ao
Rio de Janeiro para a abertura de um inquérito investigativo por inconfidência, ou seja, por
traição e infidelidade à rainha.
A Inconfidência Mineira
• O processo dos envolvidos demorou três anos. Em 1792, terminado o julgamento, deveriam ser
executadas onze pessoas.
• A maioria recebeu a clemência da rainha e teve a pena convertida em banimento, ou seja, foi exilada
do Brasil.
• O único executado foi o alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, que foi
enforcado em praça pública.
• Depois de esquartejado, os quatro pedaços de seu corpo foram salgados para o transporte até os
locais onde ficariam expostos, no caminho do Rio de Janeiro às Minas Gerais, enquanto sua cabeça foi
pendurada em Vila Rica, atual Ouro Preto.
• Sua casa foi demolida, seus bens confiscados e seu nome “infamado”, ou seja, proibido de ser usado.
• Durante anos a memória de Tiradentes foi preservada apenas pela população local de Vila Rica.
• Mesmo após a independência, em 1822, o episódio foi pouco valorizado, uma vez que a família
reinante do Brasil Império era descendente de dona Maria I, contra quem Tiradentes, republicano,
conspirou.
• Somente quando proclamada a República, em 1889, é que foi criado o feriado de 21 de abril e a
imagem de Tiradentes começou a ser reverenciada em cerimônias oficiais, passando a simbolizar o
novo regime republicano.
A Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates
• Apesar das punições exemplares organizadas pela Coroa contra os conjurados mineiros, a fim de evitar a eclosão de novas revoltas
e inibir novas tentativas de separação, em 1798 surgiu um novo movimento de reação ao poder metropolitano em Salvador, na
Bahia.
• Liderado por um grupo de alfaiates e pessoas de grupos sociais marginalizados, o levante contou com a participação de escravos
negros, alforriados, homens livres e mulheres pobres que exerciam trabalhos manuais, considerados inferiores pela elite do
período.
• A situação de Salvador na virada do século XVIII para o XIX era de grande desigualdade social, alto custo de vida e pobreza.
• Após a transferência da capital para o Rio de Janeiro, a maior parte da população negra alforriada sofria com a falta de empregos
resultando em uma porcentagem expressiva de escravos libertos deslocados na sociedade colonial, vivendo em situação precária.
• A recuperação dos preços do açúcar levou a um aumento das áreas de plantio de cana e uma redução da oferta de alimentos no
mercado local, provocando a elevação de preços e dificultando ainda mais a vida dos habitantes pobres da região.
• Nesse período, tornaram-se frequentes os saques a estabelecimentos comerciais, normalmente de negociantes portugueses, e
carregamentos de charque e produtos alimentícios eram alvos de roubos nas estradas da região.
• Mas não foram apenas os setores empobrecidos da sociedade baiana que integraram esse movimento.
• Havia um núcleo elitista da sociedade de Salvador, ligado à maçonaria, que também estava insatisfeito com as disposições
metropolitanas sobre a colônia. Nesse contexto, destacou-se a loja maçônica Cavaleiros da Luz, que organizava reuniões para
discutir as possibilidades de um novo governo anticolonialista, baseado em princípios republicanos e liberais.
• Tanto a elite como os setores populares concordavam com a separação de Portugal e defendiam a proclamação de uma República.
• No entanto, boa parte das demandas sociais reivindicadas pelos setores populares não eram de interesse das elites, que até certo
ponto tinham demandas antagônicas ao movimento proposto pelos “alfaiates”.
• Com isso, o projeto dos conjurados incluía diferentes tipos de reivindicações, que iam desde contestações tributárias até a abolição
da escravidão.
A Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates
• No dia 12 de agosto de 1798, os alfaiates decidiram agir e afixaram em diversas regiões da cidade panfletos e
cartazes com dizeres revolucionários: “Está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade, tempo em que seremos
todos irmãos, tempo em que seremos todos iguais”.
• Em outro panfleto, produzido clandestinamente como os demais, pois a imprensa era proibida na colônia, havia
uma definição de liberdade: “a liberdade consiste no estado feliz, no estado livre do abatimento: a liberdade é a
doçura da vida, o descanso do homem em paralelo de uns para outros, finalmente, a liberdade é o repouso e a
bem-aventurança do mundo”.
• Os ideais de inspiração verdadeiramente democrática também evocavam a igualdade de modo a suprimir as
diferenças raciais.
• Com a vitória do levante, seriam convidados brancos, mulatos e negros para dar início às discussões e à
construção de um novo governo.
• O número de analfabetos era bastante alto nesse período, portanto, os dizeres eram transmitidos oralmente às
pessoas que não sabiam ler.
• O levante ganhou corpo, escravos fugiam e clamavam por liberdade, as ruas foram tomadas pela população mais
pobre, e os setores mais elitistas, incluindo os Cavaleiros da Luz, recuaram e retiraram todo o apoio ao
movimento.
• Além da influência da independência norte-americana, o movimento também foi influenciado pela Revolução
Haitiana (1791-1804), na qual escravos lutaram com sucesso pela libertação da ilha do controle francês.
• Também se pode identificar a influência do jacobinismo da Revolução Francesa, especialmente no ideal de
liberdade defendido pelos revoltosos.
A Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates
• A repressão da Coroa foi imediata, com prisões seguidas de um julgamento rápido para que o exemplo fosse explícito: a
autoridade portuguesa não iria tolerar novas manifestações como essa.
• Quatro envolvidos, todos pobres, foram enforcados e esquartejados: João de Deus do Nascimento, Manuel Faustino Santos
Lira, Lucas Dantas de Amorim Torres e Luís Gonzaga das Virgens e Veiga. Ao contrário da imagem de Tiradentes, venerado
como herói e mártir desde a proclamação da República em 1889, os quatro executados da Bahia foram menos celebrados.
• Já os membros da elite envolvidos no movimento foram condenados a penas mais leves ou tiveram suas acusações retiradas.
• Observando os dois episódios, percebe-se a forma como as ideias iluministas foram recebidas no Brasil.
• Para as elites, tanto mineiras quanto baianas, tratava-se de uma importante ferramenta de questionamento da dominação
metropolitana, legitimando a contestação e fornecendo o esboço para um novo projeto político.
• O viés econômico da dominação colonial era frequentemente o maior incômodo das elites: no caso de Minas Gerais, por
exemplo, o conceito de liberdade vinculava-se ao não pagamento de impostos, verdadeiro fator de aglutinação dos conjurados.
• Com a independência, essas elites pretendiam manter a estrutura econômica e o regime de exploração do trabalho que
permitia seu enriquecimento.
• A dificuldade em lidar com a questão escrava era, ao mesmo tempo, sintoma desse comportamento e indicador da forma
restrita como se aplicavam os princípios iluministas de liberdade e igualdade.
• No caso da Bahia, a grande participação popular no movimento expôs a limitação desse liberalismo “fraturado” adotado pelas
elites.
• Para os mais pobres habitantes de Salvador – e aqui chama a atenção o grande engajamento da população de origem africana
–, qualquer luta pela emancipação deveria incluir necessariamente um apelo mais radical pela igualdade. Diante dessa
crescente tendência, a participação das elites no movimento se esvaziou.

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