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Sumário
Introdução. I. Síntese histórica do percurso
relacional desde a Idade Média. II. Acerca da
realidade jurídico-institucional do aspecto
religioso no Brasil. Referências.
Introdução
1
Cf. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Religião, Estado e Direito in Revista de Direito
Mackenzie, Ano 3, n. 2, São Paulo, p. 85-87.
1
passado tem a nos revelar explicações para o curso dos acontecimentos
devidos, em parte, a esta influência, menor ou maior, da Igreja no governo do
Estado. Porém, este fato não é simplesmente histórico, mas, mesmo diante da
difusão moderna do laicismo, ainda hoje temos a variável da Igreja como
elemento importante para a concepção do Estado contemporâneo.
2
XIX. Que não seja julgado por nada.
XXII. Que a Igreja Romana nunca errou e não errará
nunca, segundo testemunho das Escrituras.
XXVII. Que ele pode eximir os súditos da fidelidade para
com príncipes iníquos.
2
A tentativa de submeter o Patriarca de Constantinopla ao primado romano, levou ao Cisma do
Oriente em 1054 que só foi superado nove séculos depois com a Declaração Conjunta
assinada em 1965 pelo Papa Paulo VI e o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Atenágoras,
em que suspenderam os anátemas que tinham sido decretados.
Teologicamente a disputa eclesiológica era sobre o acréscimo do Filoque (expressão latina – et
in Spiritum Sanctum, Dominum, et vivificantem: qui ex Patre Filioque procedit - que a Igreja
acrescentou ao credo para explicitar que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, fato que é
negado pela Igreja Ortodoxa por entender que o Espírito Santo procede apenas do Pai) ao
credo Niceno-constantinopolitano do qual discordava o Patriarca de Constantinopla, levando a
auto-cefalia da sua Igreja e, pelo lado romano, à excomunhão dos infiéis.
3
Os quatro Concílios de Latrão e o Primeiro de Lião durante os séculos XII e XIII culminaram
na independência da Igreja do poder temporal com o reforço de sua supremacia na definição
dos caminhos da sociedade.
3
O reequilíbrio do poder social em favor da burguesia, até então ancilada
no poder dos senhores feudais e da própria Igreja, liberta-a para uma
concepção niilista de vida tratando a religião como um valor indiferente para a
conquista do sucesso social.
4
Mesmo entre os cardeais e bispos da Igreja, no entanto, era notória a
impossibilidade de retornar ao velho esquema medieval no relacionamento da
Igreja com o Estado, e por isto a defesa da restauração do modelo de
cristandade, se por um lado fechou a Igreja em si mesmo afastando-a em parte
do mundo exterior, também a defendeu enquanto instituição ao se preservar a
autoridade do papado diante do confronto com outros projetos universais de
sociedade: o socialismo e o liberalismo.
5
da própria Igreja favorecendo sua renovação interna e abertura ecumênica. É o
que pode ser visualizado na Constituição Apostólica Humanae Salutis (1961)
de João XXIII:
Este novo rumo pode ser visualizado na encíclica Ecclesiam suam (1964)
de Paulo VI que interpreta o papel do Vaticano II. É exemplar o texto de
abertura da carta:
6
Em síntese podemos dizer que, ao passo que o Vaticano I falava da
Igreja enquanto “sociedade”, o Vaticano II falará em “mistério” que se aproxima
com o estudo da Igreja como comunhão entre os homens e o mundo. Revela-
se um conceito-chave para o ecumenismo do Vaticano II.12
É, por fim, uma Igreja revigorada que sai do Vaticano II. Sai
conhecedora de que deve servir a todos os homens, ampliando sua missão de
conciliação ecumênica para as demais Igrejas cristã (Decreto Unitatis
redintegratio) e não-cristãs (Decreto Nostra aetate). Sai fortalecida para
confrontar as mudanças ocorridas na sociedade que tinham fortes implicações
aproxima do final do século vinte com medo de si mesmo, assustado com o que ele mesmo é
capaz de fazer, assustado com o futuro. Em realidade, a segunda metade do século XX tem
visto o fenômeno sem precedentes de uma humanidade incerta sobre a possibilidade mesma
de que haja um futuro, devido à ameaça de uma guerra nuclear. (...)
Para que o milênio que está já às portas possa ser testemunha de um novo florescimento do
espírito humano, favorecido por uma autêntica cultura de liberdade, a humanidade deve
aprender a vencer o medo. Devemos aprender a não ter medo, recuperando um espírito de
esperança e confiança. A esperança não é um otimismo vazio, ditado pela confiança ingênua
de que o futuro é necessariamente melhor que o passado. Esperança e confiança são a
premissa de uma atuação responsável e são nutridas no íntimo santuário da consciência, onde
“o homem está só com Deus” (Guadium et spes, 16), e por isto mesmo intui que não está só
entre os enigmas da existência, porque está acompanhado pelo amor do Criador!
(...)
Senhoras e Senhores: Estou diante de Vós, igualmente ao meu predecessor o Papa Paulo VI
há exatos trinta anos, não como alguém que tem poder temporal – são palavras suas – nem
como um líder religioso que invoca especiais privilégios para sua comunidade. Estou aqui
diante de Vós como uma testemunha: uma testemunha da dignidade do homem, uma
testemunha da esperança, uma testemunha da convicção de que o destino de cada nação está
nas mãos da Providência misericordiosa.”
12
Cf. Zagheni, Guido. Op. cit., p. 77-78.
13
Zagheni, Guido. Op. cit., p. 79.
14
Cf. Zagheni, Guido. Op. cit., p. 79-80.
7
com o aspecto religioso da Igreja: a secularização, o pluralismo de “projetos de
salvação” e a democracia.15
15
A Constituição Pastoral Guadium et spes (1965) trata de pluralidade de culturas. Expressa o
entendimento que diversas formas de trabalhar, se exprimir, de praticar a religião, de formar os
costumes, de estabelecer leis e instituições jurídicas possibilitam surgir diferentes modos de
vida e diversas escalas de valores, o que constitui um patrimônio da comunidade humana.
(Guadium et spes, n. 53).
16
Cf. Fausto, Boris. História do Brasil, 12 ed. São Paulo: USP, 2006, p. 60 e seguintes.
17
Constituição de 1824. Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a
Religião do Imperio.
8
e prover os benefícios eclesiásticos. Exemplos, pois, de uma política regalista
imperial que manietava a missão evangelizadora da Igreja.
18
“O conteúdo da laicidade como princípio jurídico – que a distingue das liberdades de
pensamento, consciência e religião e a situa em um plano superior a elas –, ao nosso
entender, vem conformado pelos seguintes elementos essenciais: a) a separação orgânica e
de funções, assim como a autonomia administrativa recíproca entre os agrupamentos
religiosos e o Estado, b) o fundamento secular da legitimidade e dos princípios e valores
primordiais do Estado e do Governo, c) a inspiração secular das normas legais e políticas
públicas estatais, d) a neutralidade, ou imparcialidade frente às diferentes cosmovisões
ideológicas, filosóficas e religiosas existentes na sociedade (neutralidade que não significa
ausência de valores, mas imparcialidade perante as diferentes crenças), e e) a omissão do
Estado em manifestações de fé ou convicção ideológica junto aos indivíduos”. Huaco, Marco. A
laicidade como princípio constitucional do Estado de Direito in Em Defesa das Liberdades
Laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 42.
19
“A consagração da liberdade de crença religiosa arrastou consigo a liberdade de culto. Na
verdade, se logicamente crença religiosa e culto podem ser separados, as religiões
normalmente reclamam o culto que, destarte, se torna incindível da crença”. Ferreira Filho,
Manoel Gonçalves. Op. cit., p. 88.
9
L’expression achevée et de principe qui constitue
l’aboutissement de la marche vers la séparation des deux
sociétés, la civile et la religieuse, est simple et nette de
formulation. Elle se ramène à deux propositions. La première
est que l’État n’exerce aucun pouvoir religieux. La seconde est
que l’Église ou les Églises n’exerce(nt) aucun pouvoir politique.
(...) Celles-ci sont en définitive elles-mêmes réductibles à deux
formules de présentation: l’indifférence de l’État au fait religieux
et la tolérance pour le même fait.20
20
Durand-Prinborgne, Claude. La Laïcité. Paris: Dalloz, 2004, p. 13-14.
21
“La laïcité n’apparaît plus comme un principe qui justifie l’interdiction de toute manifestation
religieuse. L’enseignement est laïque non parce qu’il interdit l’expression des différentes fois
mais, au contraire, perce qu’il les tolere toutes. Ce renversement de perspective qui fait de la
liberte le principe et de l’interdit l’exception nois paraît particulièrement important. (CE, 2
novembre 1992, MM. Kherouaa, M. Balo et Mme Kizic, RFDA, 1993, p. 112 et s.)”. Durand-
Prinborgne, Claude. Op. cit., p. 18.
22
Ementa: Compete exclusivamente à autoridade eclesiástica decidir a questão sobre as
normas da confissão religiosa, que devem ser respeitadas por uma associação constituida para
o culto. STF, RE n. 31.179/DF, rel. Min. Hahnemann Guimarães, j. em 08/04/1958.
10
A trivialidade da oração, da rejeição a determinados alimentos, do
vestuário específico para o culto ou do repouso em dia santo são atos
justificados pelo conjunto das crenças religiosas organizadas sob as mais
diversas variantes da fé. E é pela possibilidade de cada qual praticá-los que se
configura a integridade da liberdade religiosa.
23
Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva in Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Studia Iuridica nº 18. Coimbra: Coimbra,
1996, p. 223.
24
Vocábulo Tolerância, 2 in Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa.
São Paulo: Nova Cultural, 1999.
25
Jónatas Eduardo Mendes Machado. Op. cit., p. 255.
11
l’égard des manifestations de culte extérieures. (BGE 108 Ia 43
E. 2a. )
12
that the liberties of religion and expression may be infringed by
the denial of or placing of conditions upon a benefit or privilege.
(grifo nosso)
26
Huaco, Marco. Op. cit., p. 43.
27
Cf. Rocha, Luiz Alberto G. S. Estado, Democracia e Globalização. Rio de Janeiro: Forense,
2008, p. 148.
13
O Estado Democrático de Direito é o processo de busca de
legitimação que tem desempenhado atualmente o papel mais
proveitoso para manter o republicanismo ainda de pé.
Acontece que na sociedade caracterizada pelo pluralismo
cultural, a tarefa do compartilhamento da vida em sociedade
não depende exclusivamente, como pareceu possível no início
do Estado moderno, da garantia legal dos direitos civis, mas
também do reconhecimento de todas as experiências culturais
dos cidadãos.28
28
Rocha, Luiz Alberto G. S. Op. cit., p. 158. No mesmo sentido: “a primeira impressão que caí
por terra na virada do século é a idéia de placidez que nos manteve durante boa parte do pós-
guerra altivamente paralisados na esperança irrealizada de que os mecanismos liberais do
Estado Moderno nos pudesse cumprir as promessas constitucionais impregnadas em seus
textos”. Rocha, Luiz Alberto G. S. A Escola Francesa e as definições de poder: Georges
Burdeau e Michel Foucault in Revista do Mestrado em Direito. Direitos Humanos
Fundamentais. Unifieo, 2010. (artigo aceito para publicação).
29
Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo.
São Paulo: Saraiva, 2003, p. 35.
30
Cf. Weingartner Neto, Jayme. Liberdade Religiosa na Constituição: fundamentalismo,
pluralismo, crenças, cultos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 34 e seguintes.
31
Cf. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional
Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 59 e seguintes. Seguindo a mesma linha de
raciocínio, mas tratando especificamente d’A Ineficácia da Constituição vide do mesmo autor.
Estado de Direito e Constituição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 91 e seguintes, e O Poder
Constituinte. São Paulo: Saraiva, 1999, no capítulo em que trata da legitimidade e legitimação
do Poder Constituinte (p. 47 e seguintes).
14
Não é outro o fenômeno que se observa hoje diante de uma verdadeira
explosão da religiosidade não mais no sentido do projeto de cristandade do
século XVIII, mas como uma categoria sociológica de ancoragem do indivíduo
frente à perda de projetos universalizantes com a derrocada do socialismo
soviético e a procura por um ponto de sustentação espiritual e da esperança.
32
Em sentido similar a Igreja Católica produziu, a partir da década de 1960, o fenômeno da
Renovação Carismática Católica (RCC), inicialmente chamada de movimento católico
pentecostal, que no Brasil espalhou-se rapidamente por todos os Estados. A RCC utiliza muita
música de louvor durante a celebração das missas tendo como ponto alto a Eucaristia.
Também é presente no movimento a “Efusão no Espírito Santo” como renovação do contato
com Deus e a devoção a Maria como a bem-aventurada e intercessora do homem junto ao
Filho. “A Virgem Maria, num mundo em que a humanidade vive em clima de perigo e de
ameaça, torna-se a grande consoladora e uma valiosa ajuda na luta contra as novas
encarnações do mal”. Zagheni, Guido. Op. cit., p. 72.
33
Cf. Weingartner Neto, Jayme. Op. cit., p. 39.
34
Angela Randolpho Paiva sinalisa a importância da transcendência como fundamento para a
ação social modificadora da realidade, ou seja, os valores religiosos podem ser úteis para
inspirar os indivíduos no exercício da cidadania: “fica a evidência de que a afinidade eletiva
apontada por Weber entre religião e política sempre que a vivência da religiosidade seja capaz
de transcender a experiência humana e passe a nortear a conduta do cristão no cotidiano, ou
melhor, no momento em que a esfera religiosa permeie a participação do indivíduo/cristão na
esfera social, num encontro da Igreja com a história humana, fazendo-se então necessária a
conquista de um mundo mais humano como condição da conduta cristã”. Católico,
protestante, cidadão: uma comparação entre Brasil e Estados Unidos. Belo Horizonte:
UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003, p. 219-220.
15
78. Sem Deus, o homem não sabe para onde ir e não
consegue sequer compreender quem é. (...) Diante da vastidão
do trabalho a realizar, somos apoiados pela fé na presença de
Deus junto daqueles que se unem no seu nome e trabalham
pela justiça. Paulo VI recordou-nos, na Populorum progressio,
que o homem não é capaz de gerir sozinho o próprio
progresso, porque não pode por si mesmo fundar um
verdadeiro humanismo. Somente se pensarmos que somos
chamados, enquanto indivíduos e comunidade, a fazer parte da
família de Deus como seus filhos, é que seremos capazes de
produzir um novo pensamento e exprimir novas energias ao
serviço de um verdadeiro humanismo integral. (...) a reclusão
ideológica a Deus e o ateísmo da indiferença, que esquecem o
Criador e correm o risco de esquecer também os valores
humanos, contam-se hoje entre os maiores obstáculos ao
desenvolvimento. O humanismo que exclui Deus é um
humanismo desumano. Só um humanismo aberto ao Absoluto
pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida
social e civil — no âmbito das estruturas, das instituições, da
cultura, do ethos — preservando-nos do risco de cairmos
prisioneiros das modas do momento. (...) O amor de Deus
chama-nos a sair daquilo que é limitado e não definitivo, dá-nos
coragem de agir continuando a procurar o bem de todos, ainda
que não se realize imediatamente e aquilo que conseguimos
atuar — nós e as autoridades políticas e os operadores
econômicos — seja sempre menos de quanto anelamos.
16
Referências
Klein, Carlos Jeremias. Curso de História da Igreja. São Paulo: Fonte, 2007.
Ribeiro, Milton. Liberdade Religiosa: uma proposta para debate. São Paulo:
Mackenzie, 2002.
17
Weingartner Neto, Jayme. Liberdade Religiosa na Constituição:
fundamentalismo, pluralismo, crenças, cultos. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.
18